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Existia algum tipo de imposição do governo para que as escolas utilizassem esses filmes, uma vez que eram
produzidos por um órgão federal?
O Zeca nunca comentou sobre isso, mas eu acho que não. Pelo que ele sempre falou, acho que as
pessoas é que procuravam o INCE. Procuravam, principalmente, por causa do prestígio do Roquete. Acho que a
presença do Roquete é que fazia, até muito mais que o Humberto Mauro, lógico. O Roquete era uma pessoa que
era muito conhecida, tinha um círculo de amizades com cientistas, professores. Até porque Roquette vinha do
Museu de Ciências de História Natural. O círculo de amizade do Roquete faz com que o INCE tenha um
prestígio muito grande e o nome do Roquete, com certeza, abriu muitas portas, coisa que depois Humberto
Mauro veio fazendo, naturalmente, depois. É isso que tem que ver também: Humberto Mauro tinha quantos anos
naquela época? Humberto Mauro tinha quarenta e poucos anos. Ele estava começando uma carreira.
Nas pesquisas que realizo sobre o INCE, percebo que somente as pessoas que trabalharam no INCE ou
são da área de cinema têm memória ou informações sobre o órgão. Nem mesmo quem é estudioso do
governo Getúlio Vargas, tem conhecimento. Onde está o problema? O INCE era pouco divulgado?
Eu acho que sim. A rádio não. Porque o rádio, naquele momento no Brasil, era uma coisa muito
importante. Mas é como hoje, também. Se você for perguntar a uma pessoa que tem 40, 50 anos o que a
Embrafilme fazia, ela vai dizer que fazia filme pornográfico, e não fazia. Você vê quantos filmes a Embrafilme
fez, que são filmes extraordinários. Quantos filmes foram viabilizados, graças à Embrafilme?! E se você for ver,
a Embrafilme era uma instituição, uma empresa do governo, que não deu prejuízo, diferente do que o Governo
Collor falou. Quando a Embrafilme foi fechada pelo Collor, a Embrafilme tinha superávit, quer dizer, você tinha
toda uma campanha contra esse tipo de coisa. Eu acho que naquela época dos anos 40, 50, 60 a mídia, de uma
maneira geral, era uma coisa incomparável a hoje. Acho que hoje, uma instituição como o CTAv, que tem 22
anos, se você perguntar por aí, também, a grande maioria das pessoas não sabe nem o que é, não sabe que existe.
Acho que é mais ou menos proporcional ao INCE. Ali você tinha a orientação do (Ministro Gustavo) Capanema
lógico, tinha o Roquete, o Humberto Mauro e uma equipe muito reduzida, que produzia aqueles filmes para um
nicho de mercado, que, as pessoas, com certeza, os alunos das escolas... Eu mesmo, que assistia aos filmes lá nos
anos 70, e já não era mais INCE, não sabia da onde vinha aquilo. Para mim, aquilo vinha da minha professora.
Com certeza, ela devia pegar isso no INCE ou na Embrafilme. Não tenho dúvida disso. Ela estava sempre
mudando os filmes. A gente, dificilmente, via o mesmo filme várias vezes. Só via o filme várias vezes quando
tinha Semana do Índio, Semana da Pátria, “filmezinhos” comemorativos, que era normal. O que eu acho que era
fundamental, e que hoje deveria continuar nas escolas. Então, eu também não tinha noção disso, talvez ela
soubesse, mas eu acho que a sociedade de uma maneira geral não. E meus pais também não sabiam disso, né?!
Eu, com certeza, chegava em casa e comentava com a minha mãe: “hoje eu vi um filme tal”. Eu devo ter feito
isso várias vezes e minha mãe também não sabia. Também, com certeza, achava que aquele filme era da escola,
porque era uma escola pública. Quer dizer, então, eu acho que a sociedade, como hoje, também, não tem noção
do que existe. Enfim, eu acho que é isso. Agora, era uma instituição que vivia com poucos recursos. Não há
dúvidas disso. Era uma instituição que as pessoas eram muito abnegadas, gostavam de trabalhar lá. Eu vejo isso
pelo que o Zeca e o Fernando, e o próprio Jurandir falavam. Quer dizer, eu acho que é isso, né?! Enfim, era um
projeto de governo, mas eu não sei se eles injetavam dinheiro ou coisas como acontece hoje.
O principal problema do INCE, então, foi a falta de recursos?
Falta de recursos, principalmente. E depois da saída do Roquete, segundo o Zeca, algumas ingerências,
porque as pessoas que passaram por lá não tinham a qualidade do Roquette. Isso ele comentou algumas vezes.
Chegou a citar nomes, mas eu não vou nem te dizer, porque alguns eu recordo; outros não; de repente, eu posso
estar fazendo uma ... é... em dar um depoimento que não é verdade. Mas o Zeca disse que a saída do Roquete é
um problema, porque eles deixam de ter uma orientação, um conceitual melhor. Eu acho que o projeto foi
segurado por Humberto Mauro. Eu acho que depois de um certo tempo o Humberto começa a ter tanto prestígio
e acho que é isso que segura o Humberto Mauro também. Acho que é isso que segura um pouco o INCE, até
chegar o momento em que o INCE é desmantelado.
Mas por que os filmes do INCE foram tão preteridos na história do cinema brasileiro até a década de 90?
Olha, isso acontece com a própria obra de Humberto Mauro. Eu acho que o Humberto Mauro durante
um período fica esquecido e volta à tona, principalmente, no final dos anos 60 com os jovens do cinema novo.
Humberto Mauro, apesar de não ter feito muitos filmes de grande sucesso, acho que o único filme que deu muito
dinheiro foi Favela dos Meus Amores, que não existe mais, onde ele filma o negro na favela, filma o samba, que,
até então, era inédito – uma coisa que depois o Nelson (Pereira dos Santos) vem fazer em Rio 40 graus. Quer
dizer, então ali, talvez, esteja um pouco da genialidade do Humberto como cineasta. Muitos consideram o
Humberto um cineasta primitivo. Acho que não, acho que ele faz o primitivo, mas consegue se tornar um
diamante bem lapidado. Isso com certeza, e graças, principalmente, a pessoas que ele vai encontrando pelo
caminho: como Adhemar Gonzaga, que é fundamental na carreira do Mauro. Na história, tem um momento de