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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
FERNANDA CARALINE DE ALMEIDA CARVALHAL
LUZ, CÂMERA, EDUCAÇÃO!
O Instituto Nacional de Cinema Educativo e a
formação da cultura áudio-imagética escolar
Rio de Janeiro
2008
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FERNANDA CARALINE DE ALMEIDA CARVALHAL
LUZ, CÂMERA, EDUCAÇÃO!
O Instituto Nacional de Cinema Educativo
e a formação da cultura áudio-imagética escolar
Dissertação apresentada à Universidade Estácio de
como requisito para a obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Monica Rabello de Castro
Rio de Janeiro
2008
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FERNANDA CARALINE DE ALMEIDA CARVALHAL
LUZ, CÂMERA, EDUCAÇÃO!
O Instituto Nacional de Cinema Educativo
e a formação da cultura áudio-imagética escolar
Dissertação apresentada à Universidade Estácio de
como requisito para a obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Monica Rabello de Castro
Aprovado em: 29/02/2008
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Prof.ª Dr.ª Monica Rabello de Castro (Orientadora)
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
_______________________________________________
Prof.ª Dr.ª Alda Judith Alves-Mazzotti
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
_______________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rosália Duarte
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO
À
Marina Caraline de Almeida Carvalhal,
educadora há 36 anos, que sempre mostrou
que a melhor maneira de ensinar é
através de bons exemplos.
AGRADECIMENTOS
Se enxerguei mais longe foi porque me
apoiei em ombros de gigantes
1
Como jornalista e estudiosa dos meios de comunicação de massa, sempre tive
imenso fascínio pelo potencial educativo da televisão e do cinema na formação da
personalidade e na construção da identidade das pessoas. Ingressei no Mestrado em Educação
com o intuito de desenvolver um trabalho sobre os efeitos educativos dos meios de
comunicação nos espaços escolares. Ao conversar com um grande amigo, professor Victor
José Ferreira
2
, educador e ferroviário, que havia me presenteado com filmes do cineasta
Humberto Mauro os quais me encantaram acabei decidindo pesquisar o Instituto Nacional
de Cinema Educativo (INCE) e seus impactos na formação da cultura áudio-imagética
escolar. Ao professor Victor Ferreira, deixo meu primeiro agradecimento.
Pesquisar sobre o INCE foi uma trajetória complexa, em face da inexistência de
documentação oficial, da pouca literatura específica sobre o tema, e, principalmente, por ser
esta dissertação uma das pioneiras na área de educação a tratar sobre a história do cinema em
sala de aula e sua correlação com a tradição cultural áudio-imagética escolar existente nos
dias atuais. Não posso deixar de registrar, portanto, os agradecimentos àqueles que
cooperaram com dicas de leituras, contatos e depoimentos.
À minha orientadora, Drª. Monica Rabello, agradeço os momentos de espera,
ensinando-me a “amadurecer as leituras” aos poucos, incutindo, internamente, minha ânsia
em aprofundar cada vez mais.
Aos professores do Mestrado em Educação da UNESA, que contribuíram com
seus excelentes questionamentos e me inspiraram a seguir seus exemplos de sabedoria. Em
especial às professoras, Drª. Lina Nunes e Drª Lúcia Vilarinho, que ajudaram a encontrar
depoentes.
À pesquisadora Sheila Schvarzman historiadora e autora do livro Humberto
Mauro e as imagens do Brasil – por sempre acolher meus questionamentos.
Às pesquisadoras, Carolina Cavalcanti e Rosana Catelli (UNICAMP), pelas
valiosas dicas de leitura.
1
Isaac Newton.
2
Mineiro, de Volta Grande, tal qual Humberto Mauro. Participou do elenco de crianças do longa-metragem O
Canto da Saudade (1952) do cineasta. A partir de então, começou sua paixão pelos filmes maurianos.
À Márcia Cláudia, da FUNARTE, pelo sorriso acolhedor, indicação de depoentes,
estudiosos de cinema e materiais interessantíssimos de pesquisa.
Ao cineasta, Jurandyr Noronha, depoente neste trabalho, pelas horas maravilhosas
de entrevistas concedidas e infinita troca de conhecimentos.
À Ana Pessoa, depoente, autora do livro Carmen Santos: o cinema dos anos 20,
que, na troca de muitos e-mails, abriu-me novos horizontes e caminhos.
À Myrce Gomes, também depoente, pelo interesse em ajudar sempre e pelo livro
presenteado, O Cinema Sonoro e a Educação, de Roberto Assumpção.
À Helena Bomeny, uma das autoras de Tempos de Capanema, pelos contatos
sugeridos.
À Lúcia Lobo e Regina Luz, pelas valiosas contribuições.
À cine-educadora, Marialva Monteiro, do Cineduc, pelas dicas, conversas e
riquíssimo material de sua pesquisa particular.
À Gilberta Noronha Mendes, pela cessão de seu trabalho pioneiro sobre o INCE,
realizado em 1965.
A Júlio Heilbron, que, ao lado de Gilberta, possibilitou-me enxergar uma terceira
fase no Instituto.
A Rodrigo Caixeta, da ABI, que mediou contato com o cineasta Dejean Magno
Pellegrinn, grande estudioso de cinema, também depoente neste trabalho.
A Fernando Ferreira, admirável professor e jornalista, pela entrevista concedida.
À equipe do Arquivo Nacional, em especial ao presidente da sua Associação
Cultural (ACAN), Lício Ramos, que mediou contato junto a Mauro Domingues, amigo de
Zequinha Mauro, também depoente neste trabalho, que contribuiu com a digitalização das
fotos publicadas, autorizadas pelo CTAv.
À Wanda Ribeiro, do Arquivo Nacional, por sua enorme simpatia, boa vontade e
conhecimento sobre o INCE.
A Hernani Heffner, do Museu de Arte Moderna, pelos esclarecimentos a respeito
do cinema educativo, alargando perspectivas de estudo; a toda equipe do MAM durante
análise realizada no acervo da Revista Cinearte.
À Rosângela Sodré, Paulo Roberto e Ronaldo, do CTAv, que, além de me
presentearem com o DVD da Coleção Brasilianas, foram essenciais na seleção de filmes,
cessão de fotos e, principalmente, pesquisa do Livro de Tombo do INCE.
A Sillas Ayres, do Centro de Referência das Escolas Públicas do Rio de Janeiro,
pelo depoimento prestado e grande ajuda bibliográfica no acervo das escolas.
À Maria Hortência, do Centro Arquivístico da Secretaria Municipal de Educação,
pela contribuição.
À Gilda Bojunga e Valéria Mauro, pela troca de informações. Lamento, porém,
não terem concedido depoimento.
À Luciana Heymann, coordenadora do programa de História Oral do CPDOC/
FGV, pelos esclarecimentos a respeito das entrevistas de História Oral, bem como tratamento
do áudio.
A Paulino Cardoso, Clóvis Alberto e Maria Oliveira, da Academia Brasileira de
Letras (ABL), no apoio à pesquisa dos Arquivos de Roquette-Pinto e preciosa atenção.
À Adriana, da SOARMEC, pelo contato com a pesquisadora Luisa Massarani, da
Fiocruz.
À pesquisadora Elisandra Galvão, pelos contatos primorosos.
Ao professor Geraldo Vieira, do Pedro II. Sem sua ajuda, muita coisa não teria
sido possível.
À equipe da TVE, nas pessoas de Lacy Barca, Jonny Oliveira Carvalho, Josiane
de Oliveira e Liana Milanez – autora dos livros sobre a História da TVE e da Rádio MEC.
À Fabiana Nazário, da Ancine, pelo apoio na busca de novos contatos.
À Zahara Puga, pela ajuda nas traduções em francês de trabalhos sobre cinema.
À Regina Machado, Germana Araújo e Fátima Costa, da RioFilme, pela atenção.
Ao estudioso de cinema, Lécio Augusto Ramos, pelas dicas.
Às professoras Heloisa Helena Meirelles, do Instituto de Educação, e Maria
Amélia, da ABE, que indicaram novas fontes bibliográficas.
Às professoras Ana Maria Mônica e Clara Manuela, pelos depoimentos prestados.
Ao depoente Murillo Salles, pela boa vontade em também ajudar.
Às professoras Maria Lúcia Magalhães, Maria Lúcia Kropf e Fernanda Margarida
Barbosa Coutinho, pelas dicas. A Tito Luis, pelo interesse em ajudar a encontrar colegas de
classe do Pedro II nas aulas de seu pai, Tito Urbano da Silveira.
Ao meu chefe na Fundação REFER, o jornalista e mestre, professor Fernando
Abelha, que apoiou meus estudos e crescimento profissional. Aos amigos da equipe de
Comunicação Institucional da REFER, sobretudo à publicitária Carolina Linhares, pelos
livros de cinema que me presenteou e apoio nas horas ausentes. E, ainda, a Gilberto Alves,
Luana Rossi, Christopher Pereira e Ana Beatriz Petrini por todos os momentos de
compreensão e interesse.
À turma de seminário de dissertação e prática de pesquisa do período 2007.2, pela
troca de análises. Aos amigos mestrandos, Alexandre Rosado, Cristiane Taveira, Estela
Oliveira, Mayrton Bahia e Francisco Moura Preto. Em especial, à querida maranhense, Sandra
Passinho, que, em todos os momentos, praticamente, dividiu ao meu lado incertezas, dúvidas,
leituras, livros e, claro, muitas risadas.
Ao amigo Rodrigo Bahiense, mestrando em Comunicação pela UFRJ, pelo
empréstimo de livros.
Às amigas Karolina, Carla e Marcela, por respeitarem minha ausência e estarem
ao meu lado nesta reta final, que foi de muitos sacrifícios.
A Alysson Ferreira Damacena, que esteve ao meu lado durante todo o curso de
mestrado e acompanhou os detalhes do andamento da pesquisa com paciência, amizade e
tolerância, por todo seu amor.
Ao meu irmão, Rodrigo, companheiro nesta caminhada no Rio de Janeiro, longe
de nossa família, pela compreensão e amizade.
Aos meus sobrinhos João Guilherme e João Pedro, razão de minha alegria nos
momentos de descontração e à minha irmã Renata e cunhado Avides, pelos anjos
maravilhosos que colocaram em minha vida.
A meus pais, Iclécio e Marina, grandes exemplos de sabedoria e fé, principais
incentivadores do meu estudo, que nunca me deixaram desistir diante de meus ideais.
A Deus, pelo dom da vida e pela força nos momentos difíceis de 2007, que nunca
me permitiu desanimar, mesmo quando parecia que tudo estava perdido.
A obra do Cinema Educativo não deve ser
apenas introduzir o cinema na escola, mas
também e, principalmente, levar a educação ao
cinema.
Joaquim Canuto Mendes de Almeida
RESUMO
Este estudo aborda a relação entre o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) e a
formação de uma cultura áudio-imagética escolar. A influência do órgão na história da
educação e do cinema brasileiro foi ignorada por muito tempo, vindo a se destacar,
recentemente, com pesquisas voltadas à ideologia do Estado Novo, que firmava promessas de
desenvolvimento e progresso por meio da linguagem cinematográfica através da educação
para todos ideal do movimento renovador escolanovista. Analisaram-se quais foram os
impactos e conseqüências geradas pelo INCE na formação da cultura áudio-imagética escolar,
depreendendo os significados que professores, alunos e outros personagens que vivenciaram o
período obtiveram do cinema como recurso didático. Dado o tempo passado da criação e
encerramento das atividades, foram analisadas as reminiscências de pessoas que participaram
deste processo direta ou indiretamente sob a ótica da metodologia de História Oral, conjugada
à perspectiva da análise argumentativa, triangulada com uma investigação histórica
documental. Os resultados mostraram que o havia rejeição do meio educacional ao recurso,
uma vez que os filmes eram muito procurados por professores. No entanto, a iniciativa partia
de um grupo inovador e diferenciado. Eram, sobretudo, professores de disciplinas das áreas
humanas e sociais do ginásio e ensino médio. Os conteúdos exibidos não tinham
entrelaçamento com o currículo escolar, principalmente com o universo infantil, em face da
sua erudição. Serviam como forma de mostrar aos educandos a cultura nacional. A recepção
discente estava mais motivada pela novidade da imagem em movimento do que pelo conteúdo
pedagógico. Entre os problemas detectados encontram-se a falta de projetores nas escolas e as
dificuldades do meio educacional para operá-los. Por conta disso, os filmes foram ficando à
parte na década de 1950/60 e sendo substituídos pela projeção de diafilmes e slides, dadas as
facilidades destes últimos. Entre outras concepções, destaca-se a deficiência no processo de
formação docente, que não preparou o professor para o uso do filme em sala de aula e
continua adotando a mesma postura, justificando o uso do recurso audiovisual como forma de
modernizar o ensino, como se o meio educasse por si só. Ao filme educativo ficam associadas
imagens de eventos massificantes, sem apelo imagético, com tempo lento e linguagem pouco
criativa e ao filme de ficção o caráter pura e unicamente de entretenimento, como se
informação e entretenimento; cultura e educação fossem coisas dissociadas.
Palavras-chave: Cinema Educativo. INCE. Cultura áudio-imagética escolar. Roquette-Pinto.
Humberto Mauro. Educação e mídia.
ABSTRACT
This study deals with the National Institute of Educative Cinema (INCE) and the formation of
an educational audiovisual culture. The influence of the Institute in the history of the
education and the Brazilian cinema was ignored long time, being detached recently with
research directed towards the ideology of the New State, that had asserted promises of
development and progress by cinematographic language through education for all ideal of
the escolanovista renewing movement. Analysis had been done on the impacts and
consequences generated by INCE in the formation of the educational audiovisual culture,
inferring the meanings for teachers, pupils and other persons who experienced the period
acquired from the cinema as a didactic resource. As the time of the creation and closing of the
activities has passed, the reminiscences of those people who had taken part, indirectly or
direct in the process, were analysed under the optics of the Oral History methodology,
conjugated to the perspective of the argumentative analysis, into a triangular investigation of
the historical documents. The results shown proved that there was not rejection of the
educational invironment of the resource, since the films were searched by teachers. However,
the initiative came from an innovative and differentiated group. They were, specially, teachers
of the social human subjects at schools and high school staff. The contents shown did not
intertwine with the school curriculum, or mainly with the infantile universe, according to its
erudition no matter what the erudition level was. They were helpfud as form to show the
national culture to the studentes. The receptive student body was more motivated by the
newness of the image in movement instead of its pedagogical content, are problems that were
detected among others. Because of that, the films were put aside in the decade of 1950/60
being substituted by the projection of diafilmes and slides, considering the easinesses of these
last ones. Among others conceptions, some deficiency upon the teaching formation process
was remarked, wich has not been preparing the professor properly for the use of the film in
the classroom but continues adopting the same position by justifying the use of audiovisual
resource as a form to modernize education as if the resource was able to educated by itself.
Images of mass events are associated to the educative film, without the image appeal, with
slow time and litlle creative language; and as of fiction movie, the simple and only the
entertainment character as if information and entertainment; culture and education were
dissociated issues.
Key words: Educative Cinema. INCE. Educational audiovisual culture. Roquette-Pinto.
Humberto Mauro. Education and media.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Tabela de filmes enviados aos países estrangeiros em 1938....................................67
FIGURA 2 – Tabela de filmes enviados aos países estrangeiros em 1939....................................67
FIGURA 3 – Tabela de filmes enviados aos países estrangeiros em 1940....................................68
FIGURA 4 – Tabela de filmes enviados aos países estrangeiros em 1941....................................68
FIGURA 5 – Modelo de Estratégia Argumentativa Geraldo Vieira 1.........................................121
FIGURA 6 – Modelo de Estratégia Argumentativa Geraldo Vieira 2.........................................122
FIGURA 7 – Modelo de Estratégia Argumentativa Clara Manuela.............................................126
FIGURA 8 – Modelo de Estratégia Argumentativa Murillo Pereira 1.........................................129
FIGURA 9 – Modelo de Estratégia Argumentativa Murillo Pereira 2.........................................130
FIGURA 10 – Modelo de Estratégia Argumentativa Sillas Ayres...............................................133
FIGURA 11 – Modelo de Estratégia Argumentativa Ana Maria Mônica....................................136
FIGURA 12 – Modelo de Estratégia Argumentativa Jurandyr Noronha.....................................143
FIGURA 13 – Modelo de Estratégia Argumentativa Myrce Gomes 1.........................................147
FIGURA 14 – Modelo de Estratégia Argumentativa Myrce Gomes 2.........................................150
FIGURA 15 – Modelo de Estratégia Argumentativa Fernando Ferreira......................................156
FIGURA 16 – Modelo de Estratégia Argumentativa Dejean Pellegrin 1.....................................161
FIGURA 17 – Modelo de Estratégia Argumentativa Dejean Pellegrin 2.....................................163
FIGURA 18 – Modelo de Estratégia Argumentativa Ana Pessoa 1.............................................167
FIGURA 19 – Modelo de Estratégia Argumentativa Ana Pessoa 2.............................................169
FIGURA 20 – Modelo de Estratégia Argumentativa Mauro Domingues 1.................................174
FIGURA 21 – Modelo de Estratégia Argumentativa Mauro Domingues 2.................................177
FIGURA 22 – Foto: Funcionários do INCE e da Rádio PRA-2...................................................300
FIGURA 23 – Foto: Roquette-Pinto e Humberto Mauro no INCE. [s/d].....................................300
FIGURA 24 – Foto: Alunas do Colégio Pedro II. Auditório do INCE. [s/d]...............................301
FIGURA 25 – Foto: Professores do Curso de Férias da ABE. 1940............................................301
FIGURA 26 – Foto: Roquette-Pinto, no auditório do INCE. [s/d]...............................................302
FIGURA 27 Foto: Gustavo Capanema, Getúlio Vargas, Roquette-Pinto, Beatriz Bojunga, Hilda
Vasconcelos. 1944................................................................................................302
FIGURA 28 – Foto: Walt Disney, em visita ao INCE. 1942.......................................................303
FIGURA 29 – Foto: Filmagem na biblioteca da Casa de Rui Barbosa: Humberto Mauro, Matheus
Colaço, Beatriz Bojunga e Manoel Ribeiro. [s/d]................................................303
FIGURA 30 – Foto: Beatriz Bojunga na filmoteca do INCE.[s/d]..............................................304
FIGURA 31 – Foto: Beatriz Bojunga na seção de distribuição do INCE. [s/d]...........................304
FIGURA 32 – Foto: Pedro Gouvêa Filho. [s/d]...........................................................................305
FIGURA 33 – Foto: Equipe do INCE na gestão Pedro Gouvêa, [s/d].........................................305
FIGURA 34 – Foto: Humberto Mauro e Paschoal Leme em Volta Grande (MG)......................306
FIGURA 35 – Foto: Jurandyr Noronha [s/d]................................................................................306
FIGURA 36 – Imagem: Quadro A Primeira Missa, de Victor Meirelles (1860).........................307
FIGURA 37 – Foto: cena de O Descobrimento do Brasil (1937..................................................307
FIGURA 38 – Foto: cena de Engenhos e Usinas (Série Brasilianas)..........................................308
FIGURA 39 – Foto: Humberto Mauro em cena de Engenhos e Usinas.......................................308
FIGURA 40 – Foto: cena de Manhã na roça – Carro de Bois (Série Brasilianas).....................309
FIGURA 41 – Foto: cena de Meus Oito Anos (Série Brasilianas)...............................................309
FIGURA 42 – Foto: cena de Um Apólogo – Machado de Assis...................................................310
FIGURA 43 Foto: filmagens de O Despertar da Redentora, 1942...........................................310
FIGURA 44 – Foto: Matheus Colaço em cena de A Velha a Fiar...............................................311
FIGURA 45 – Projetor de filmes existente no Museu do Colégio Pedro II, 2007.......................311
LISTA DE APÊNDICE
Apêndice 1 – Íntegra das Entrevistas
Entrevista 1 – Geraldo Pinto Vieira ................................................................205
Entrevista 2 – Clara Manuela .........................................................................208
Entrevista 3 – Murillo Pereira.......………………………………………......211
Entrevista 4 – Sillas Ayres de Mattos………………………………………..212
Entrevista 5 – Ana Maria Mônica ..................................................................215
Entrevista 6 – Jurandyr Passos Noronha ........................................................220
Entrevista 7 – Myrce Gomes...........................................................................228
Entrevista 8 – Fernando Ferreira.....................................................................234
Entrevista 9 – Dejean Pellegrin.......................................................................249
Entrevista 10 – Ana Pessoa.............................................................................256
Entrevista 11 – Mauro Domingues.................................................................261
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1 – Filmes produzidos pelo INCE...............................................................................274
Anexo 2 – Filmes adquiridos pelo INCE................................................................................283
Anexo 3 – Filmes assistidos....................................................................................................297
Anexo 4 – Fotos .....................................................................................................................300
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABE – Associação Brasileira de Educação
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
ABL – Academia Brasileira de Letras
ACPB – Associação Cinematográfica dos Produtores Brasileiros
AICS – Association Internacionale de Cinematographique Scientifique
ANCINE – Agência Nacional de Cinema
ASA – Ação Social Arquidiocesana
CAIC – Comissão de Auxílio à Indústria Cinematográfica
CE – Cinema Educativo
CJB – Cinejornal Brasileiro
CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
CpT – Ciência para Todos
CTAv – Centro Técnico Audiovisual
DEFIC – Departamento de Festivais e Intercâmbio Cultural
DEIPS – Departamentos Estaduais de Imprensa e Propaganda
DFC – Departamento de Filme Cultural
DFE – Departamento de Filme Educativo
DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda
DONAC – Diretoria de Operações Não Comerciais
DOP – Departamento Oficial de Propaganda
DPDC – Departamento de Propaganda e Difusão Cultural
EMBRAFILME – Empresa Brasileira de Filmes S/A
FCB – Fundação do Cinema Brasileiro
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FUNARTE – Fundação Nacional de Arte
GEICINE – Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica
IBAC – Instituto Brasileiro de Arte e Cultura
ICS – Institut de Cinematographique
INC – Instituto Nacional de Cinema
INCE – Instituto Nacional de Cinema Educativo
IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
LUCE – L´ucione Cinematográfica Educativa
MAM – Museu de Arte Moderna
MEC – Ministério da Educação
MES – Ministério da Educação e Saúde Pública
MINC – Ministério da Cultura
NUEVE – Núcleo de Eventos
OCIC – Organização Católica Internacional de Cinema
RNE – Revista Nacional de Educação
SIA – Serviço de Informação Agrícola
SOCEBA – Sociedade Cine-Educativo Brasil Ltda
TEs – Tecnologias Educacionais
TICs – Tecnologias da Informação e Comunicação
ABREVIAÇÕES DAS FICHAS TÉCNICAS
ap – assistente de produção
ar – arranjo
arm – arranjo musical
bas – baseado em
ccp – co-produção
cm – curta-metragem
cn – cenografia
col – colaboração
conj – conjunto
cons – consultor
das – diretor assistente
df – diretor de fotografia
dm – direção musical
dir – direção
m – metros
mm – milímetros
mús – música
nar – narração
pb – preto e branco
reg – regência
sil – silencioso
son – sonoro
sic – sem indicação de cromia
s/d – sem data
s/m – sem indicação de metragem
s/p – sem procedência
sm – seleção musical
SUMÁRIO
1 QUANTO DE NOSSO PASSADO ESTÁ CONTIDO EM NOSSO PRESENTE?........20
2 HISTÓRIA, CULTURA, CINEMA E EDUCAÇÃO – PERSPECTIVAS....................29
2.1
PRIMÓRDIOS
DO
CINEMA
EDUCATIVO
NO
BRASIL...............................................33
2.2
DEBATE
ENTRE
CINEMA
E
EDUCAÇÃO
TENSÕES
E
ARTICULAÇÕES.............37
2.3
BOM
CINEMA
X
MAU
CINEMA
A
CENSURA
CINEMATOGRÁFICA...................42
2.4
INFLUÊNCIA
EUROPÉIA
NO
INCE
REFLEXOS
NO
GOVERNO
VARGAS............54
3 AS DIFERENTES VISÕES DA NAÇÃO – O INCE........................................................56
3.1
CRIAÇÃO,
INSTALAÇÃO
E
ASPECTOS
GERAIS........................................................56
3.2
O
IDEÁRIO
DOS
FILMES
E
SUAS
FASES......................................................................72
3.2.1 Primeira fase (1936-1947) – o ideário Roquetteano....................................................74
3.2.2 Segunda fase (1948-1960) – a arte poética Mauriana.................................................79
3.2.3 Terceira fase (1961-1966) – a revolução Tambelliana................................................86
3.3
DIFICULDADES
E
CONTRADIÇÕES
FIM
OU
RENOVAÇÃO?................................88
4 QUANDO A HISTÓRIA TEM OUTRAS VERSÕES.....................................................96
4.1
HISTÓRIA
ORAL
E
MEMÓRIA
SOCIAL........................................................................96
4.2
CAMINHOS
PERCORRIDOS
E
SEUS
DIVERSOS
LABIRINTOS..............................100
4.2.1 Pesquisa documental e iconográfica...........................................................................100
4.2.2 Pesquisa empírica e coleta de dados...........................................................................102
4.3
ESCOLHA
DOS
DEPOENTES........................................................................................105
4.4
REALIZAÇÃO
DAS
ENTREVISTAS.............................................................................107
4.4.1 Caderno de Campo e Carta de Cessão de Direitos...................................................108
4.5
ANÁLISE
E
INTERPRETAÇÃO
DOS
DADOS
.............................................................108
4.5.1 Modelo de análise.........................................................................................................112
4.5.2 Dez passos do MEA......................................................................................................113
4.5.3 Esquemas explicativos ................................................................................................114
5 A MEMÓRIA COMO METÁFORA DO CINEMA E DA EDUCAÇÃO....................115
5.1 DEPOENTES TIPO 1.......................................................................................................115
5.2
DEPOENTES
TIPO
2........................................................................................................139
5.3
DEPOENTES
TIPO
3
.......................................................................................................151
5.4
DEPOENTES
TIPO
4........................................................................................................170
5.5
CRUZAMENTO
DOS
DADOS........................................................................................179
6 ONDE ESTAVA O PROBLEMA, NO INCE OU NA EDUCAÇÃO?..........................185
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E OBRAS CONSULTADAS...........................189
APÊNDICE........................................................................................................................204
ANEXOS.............................................................................................................................273
20
1 QUANTO DE NOSSO PASSADO ESTÁ CONTIDO EM NOSSO PRESENTE?
A revolução feita pelos irmãos Lumière abalou nosso mundo mais que a invenção de
Gutemberg. Da escrita à tipografia, permanecia-se na mesma ordem e conservavam-
se os mesmos sinais. O cinema mudou os sinais. (CLAUDE et. all., 1982, p.52).
A educação sempre teve como finalidade promover mudanças nos indivíduos que
favoreçam o seu desenvolvimento na sociedade. Questões sociais, culturais e econômicas
encontram-se diretamente relacionadas ao fracasso ou ao sucesso escolar e têm sido objeto de
estudo de muitas pesquisas no debate político-educacional como determinantes do status quo
(FORQUIN, 1993). Se pensarmos a educação como socialização do indivíduo na transmissão
e produção de conhecimentos, padrões éticos e valores morais, torna-se necessário analisá-la
além do espaço escolar, verificando o processo de formação cultural no interior do mundo
áudio-imagético. O homem do século XX recebeu uma gama enorme de estímulos sensoriais
visuais e sonoros que conduziram a novas formas de perceber, sentir e pensar. Esses
condicionamentos, impostos pela moderna indústria cultural, contribuem para a alienação e
desajuste do aluno.
O presente trabalho serve-se da concepção de que a experiência cinematográfica
possui potencialidade para educar o homem socializando-o em seu contexto social e cultural.
Conforme Duarte (2002, p.17), cinema e escola vêm se relacionando muitas décadas, sem,
contudo, se reconhecerem como parceiros na formação geral: “ver filmes é uma prática social
tão importante do ponto de vista da formação cultural e educacional das pessoas quanto a
leitura das obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais”.
Assistir a um filme associa-se, portanto, a diversas dimensões culturais: à relação
do espectador com a imagem enquanto evento social, à produção cultural, ao documento
histórico, dentre outras. O cinema é um meio de expressão que interfere na maneira como o
homem se vê, como concebe a si mesmo e a realidade que o cerca. Nesse sentido, é possível
revisitar a história coletiva, e mesmo individual, induzindo o público a experimentar novos
saberes. Com seu enorme potencial de apreensão da realidade, as imagens registram
paisagens, costumes, e, ainda, nossas construções e invenções.
O enfoque dado ao filme como recurso didático tem suscitado diferentes estudos
nas áreas das ciências humanas e sociais. No entanto, a maioria das pesquisas não entremeia a
ligação entre passado e presente. Voltam-se mais aos seus reflexos no futuro. Estudos como o
de Alves (2001) e de Preto (2007), direcionados ao uso de filmes em disciplinas de Sociologia
21
e História, destacam que o cinema na escola, atualmente, é inadequadamente utilizado,
potencializado, muitas vezes, de forma ilustrativa para preencher “espaços vazios”, sem
realizar reflexão sobre a herança cultural proveniente do passado.
Pesquisadores, professores e comunicadores vêm tentando compreender como a
relação entre a mídia audiovisual e a sociedade interfere no imaginário social, na produção de
identidades e na transmissão de valores éticos. Duarte (2002) aponta que somente a partir dos
anos 1980 os estudos começaram a questionar a concepção de recepção, tida, até então, como
passiva; percebendo-se a possibilidade de uma visão ativa, que valoriza o sujeito social com
seus valores, crenças e saberes, ou seja, sua cultura a qual participa dos processos de produção
de significados. No entanto, apesar de os meios audiovisuais já estarem totalmente integrados
na sociedade, o cinema nunca foi visto pelo setor educacional como fonte de conhecimento,
porque os professores vêem a produção cinematográfica meramente como diversão e
entretenimento, subutilizando seus recursos.
A imagem em movimento em sala de aula não é novidade das gerações recentes.
Desde o início da década de 1920, educadores brasileiros discutiam suas potencialidades na
educação – tensões e articulações que iriam culminar, em 1936, na criação do Instituto
Nacional de Cinema Educativo (INCE) primeiro órgão oficial do governo planejado para o
cinema e objeto de estudo desta pesquisa.
A chegada do filme no ambiente escolar foi uma encantadora novidade: momento
de transição da linguagem estática para a linguagem em movimento, mudança de sinais
expressa na epígrafe – que propiciou reflexões profundas no modelo pedagógico do falar-ditar
do mestre, que vinha sendo implementado desde os primórdios da educação.
O uso do cinema na prática educacional provocou transformações no ensino
baseado, até então, em imagens estáticas. A linguagem imagética disponível antes era
somente através de livros, fotografias, gravuras e pinturas, que permitiam, dessa maneira, que
o aluno conhecesse as diferentes culturas do país e do mundo. Mas para ter acesso aos novos
conhecimentos, era necessário estar alfabetizado. A arte cinematográfica veio ao encontro da
possibilidade de veicular a cultura às gerações analfabetas, uma vez que os códigos
imagéticos visuais independem do sistema da escrita, que segue uma estrutura gramatical e
ortográfica complexa. Sem contar, ainda, que o ensino era centrado na figura do professor,
que, através de exposições, quase sempre orais, narrava o saber histórico aos educandos. O
filme trouxe essa perspectiva de mudança.
O INCE foi fundado no Governo Getúlio Vargas, em 1936, sob coordenação do
Ministério da Educação e Saúde Pública. Sua criação foi resultado de um longo debate,
22
emergido nas primeiras décadas do século passado sobre o bom e o mau uso de imagens na
educação destinadas às crianças e aos jovens. Utilizado para criar uma nova imagem do
Brasil, fortaleceu os ideais da Escola Nova, movimento que defendia a modernização da
sociedade através da ciência e da educação. O cinema no ensino poderia ser a mola propulsora
da modernidade: levar uma visão positiva do Brasil, moldar as mentes por meio das imagens,
e, ao mesmo tempo, amenizar questões críticas como o analfabetismo. Com o cinema
educativo, seria possível valorizar a natureza e a cultura brasileira e levar informação pelo
país afora à massa dos incultos e iletrados. O mentor do INCE, o antropólogo, médico e
educador Roquette-Pinto, em uma de suas célebres frases, afirmava: “Nosso cinema tem que
informar, cada vez mais, o Brasil aos brasileiros”.
O INCE funcionou de 1936 a 1966, produziu mais de 400 documentários de
curtas e médias metragens voltados à educação popular, divulgação da ciência e tecnologia
3
.
Muitos filmes foram adquiridos pelo órgão, o que fez com que sua filmoteca chegasse a cerca
de 1000 títulos sobre os mais diversos assuntos. A exibição era voltada às escolas, instituições
culturais e salas de cinema, antes da projeção do circuito comercial. Foram realizadas
películas sobre medicina, biologia, botânica, física, química, artes, antropologia, história,
geografia, literatura, música, folclore, astronomia, entre outros. Roquette-Pinto foi o seu
principal diretor, e nos 10 primeiros anos de funcionamento, o Instituto atingiu seu auge,
produzindo mais de 200 documentários. Humberto Mauro, seu mais destacado cineasta, foi
responsável pela produção da maioria dos filmes educativos e culturais.
O INCE comemorou, em 2007, 70 anos de funcionamento oficial, a partir da
promulgação da Lei 378/1937. É, portanto, um momento de reexame do passado e,
sobremaneira, indagação sobre o futuro, por ter sido o precursor de um modelo cultural
escolar que vem, ao longo dos últimos anos, repetindo as mesmas indagações e reflexões a
respeito da importância de incorporar as tecnologias nas práticas educacionais.
Neste percurso, quanto de nosso passado está contido em nosso presente? Esta
pesquisa parte do pressuposto de que nossa realidade, hoje, poderia ser diferente se a história
3
Em 1990, Carlos Roberto Souza mapeou, através do Livro de Tombo do INCE, os filmes realizados para as
escolas e publicou Catálogo com informações valiosas como metragem, roteiro, direção etc. Na listagem, foram
identificados 407 documentários, sendo 220 oficialmente atribuídos a Humberto Mauro. outros 123 títulos
sem indicação de direção, constando, somente, diretor de fotografia. Outros 59 filmes estão com seus créditos
completos. A pesquisadora Sheila Schvarzman, em sua tese de doutoramento, Humberto Mauro e as imagens do
Brasil, listou 358 filmes de Humberto Mauro, porque considerou os títulos sem direção como sendo do cineasta.
No entanto, por um erro em sua soma matemática, encontramos somente 353. De qualquer maneira, os números
apresentados por ambos não são exatos. Alguns títulos listados ou suprimidos no Catálogo contêm divergências
do Livro de Tombo, pesquisado para esta dissertação, conforme demonstrados nos anexos.
23
do passado – do INCE – tivesse lançado um olhar diferenciado sobre o professor e sua
formação permanente em relação ao uso de filmes em sala de aula. Como não podemos
modificar o que aconteceu, passamos, então, a refletir sobre as conseqüências do que fora
realizado. E surgem inquietações: por que o cinema educativo não consolidou seu papel
funcional para que fora criado? Até que ponto a herança cultural proveniente do passado
contribuiu para a formação de uma cultura áudio-imagética escolar? Por que professores e
alunos não estão preparados para fazer leituras críticas das imagens e produzir conhecimentos
desses meios sem considerá-los, apenas, como fontes de entretenimento?
Alguns registros do culo passado demonstram que existiam muitas dúvidas a
respeito da eficácia do filme como recurso didático. Todos esses receios podem ter dificultado
a criação ou a formação de uma cultura positiva sobre o cinema educativo ao longo dos anos.
Em 1930, dois professores do Colégio Pedro II, Jonathas Serrano e Francisco Venâncio Filho,
escreveram o livro Cinema e Educação. Entre outras concepções, afirmaram que o professor
via com desinteresse e desconfiança o uso do cinema escolar.
Em outro livro, de 1931, Cinema contra Cinema, escrito pelo cineasta Joaquim
Canuto Mendes de Almeida, não informações quanto à receptividade por parte dos
educadores, apesar de o autor indicar que o professor deveria ser o responsável pela condução
dos filmes. Em 1939, três anos após a criação do INCE, Roberto Assumpção de Araújo, em
sua tese para técnico do Instituto, escreveu que o cinema falado jamais poderia substituir o
professor, demonstrando o receio que os docentes tinham em relação ao recurso tecnológico.
Essas discussões deveriam estar muito acaloradas, e, infelizmente, são as únicas fontes de que
dispomos sobre a receptividade dos professores, haja vista que a documentação do INCE não
foi encontrada e nos poucos registros existentes, entre artigos da época e documentação dos
arquivos pessoais de Gustavo Capanema, Roquette-Pinto e Jonathas Serrano não consta a
repercussão dos filmes no espaço escolar.
Duarte e Alegria (2005) ressaltam que o objetivo do INCE não era tomar a
produção cinematográfica existente como fonte de saberes, mas adequar a linguagem
(cinematográfica) ao formato escolar para veiculação de conhecimentos considerados
legítimos. Essa postura adotada pelos educadores era, de certa forma, considerada normal.
Coincide com as idéias oriundas das teorias da comunicação vigentes na época, que, até o
final da década de 1950, tinham como pressuposto que o receptor das mensagens (neste caso,
o aluno), não possuía capacidade de discernimento, captando toda a carga emocional e
ideológica da mensagem do emissor. De acordo com Franco (2004), os filmes do INCE eram
passados aos alunos como “encarnação de verdades científicas”, sem abrir espaços para
24
interrogações. Ou seja, por meio dos filmes era possível moldar a mente dos educandos.
No entanto, a partir do momento em que se legitima a educação através do
cinema, não se pode excluir a produção de conhecimentos e saberes, uma vez que a
linguagem cinematográfica (re) constrói a história através de suas diferentes narrativas e força
imagética (FERRO, 1992). Independentemente dos objetivos proclamados pelos idealizadores
e produtores do INCE, o que importa, sobretudo, são os objetivos reais, aqueles que foram
possíveis concretizar em sala de aula com a experiência cinematográfica, que estudos
recentes em mídia-educação mostram que o receptor das mensagens é sempre ativo, não é
vazio e muito menos tolo. Suas experiências, visão de mundo e referências culturais
interferem no modo como ele vê e interpreta os conteúdos. Alguma coisa ficou, portanto.
Por ter sido concebido em um governo totalitário, os filmes produzidos no INCE
permaneceram por longo período em segundo plano na história do cinema brasileiro, que
começou a ser escrita a partir da década de 1960, com Alex Viany, Glauber Rocha, Ismail
Xavier e Paulo Emílio Salles Gomes. Segundo Souza (2003), a ausência de estudos
aprofundados sobre os documentários, chamados de “naturais” ou de “cavação”, foi devido à
desconfiança da veracidade dos filmes deste estilo, bem como comparação à produção dos
cinejornais brasileiros (CJB) oficiais, que funcionaram a serviço da propaganda dos governos
ditatoriais.
Gomes (1974), apesar de se dedicar à vida e obra do cineasta Humberto Mauro,
referiu-se à sua fase no Instituto como negativa, por considerar os documentários do INCE
inferiores criativamente em comparação aos seus filmes de ficção. Em outro livro, organizado
por Alex Viany (1978), Salles comenta que esses filmes feitos por Mauro eram
“honestamente bem feitos”, mas desprovidos do espírito de pesquisa e experiência dos
demais. Xavier (1978, p. 182) posicionou-se contrário ao documentário, que mostrava
imagens indesejáveis do país: “o verdadeiro filme deveria purificar a imagem do Brasil ao
mostrar o progresso, a modernidade, o povo branco e a natureza”.
Conforme Catelli (2005), grande parte do material do INCE perdeu-se em
incêndios e depósitos; a outra foi queimada propositalmente. A maioria do material existente
encontra-se preservada nos arquivos do Centro Técnico Audiovisual (CTAv), no Rio de
Janeiro, e na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Em 1997, quando da comemoração do
centenário de Humberto Mauro, foram disponibilizadas em vídeo e, posteriormente, em DVD,
a Coleção Brasilianas
4
, lançada pela FUNARTE.
4
A Coleção Brasilianas consiste em curtas-metragens realizados a partir de 1945 sobre canções populares
recolhidas por Villa-Lobos e Mário de Andrade. Os filmes que compõem a série são: Casinha Pequenina e Chuá
25
A pouca documentação existente sobre a história do INCE é encontrada nos
arquivos pessoais de Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde Pública de 1937 a
1945; nos arquivos de Roquette-Pinto, mentor e primeiro diretor do órgão. Nos 20 anos
seguintes de seu funcionamento, como proceder análise sobre a história do INCE a
partir dos filmes que foram produzidos ou por meio de fontes orais.
O primeiro trabalho publicado sobre o Instituto foi realizado em 1965. A autora,
Gilberta Noronha Mendes, ao terminar o curso do Instituto de Estudos Cinematográficos em
Paris, na França, apresentou breve histórico sobre seu funcionamento, com destaque à
biografia de Roquette-Pinto e Humberto Mauro. No meio acadêmico, o órgão começou a
ganhar destaque a partir de Franco (1987). Sem detalhar o funcionamento da repartição e seus
objetivos, a pesquisadora, de antemão, questionava por que tantos projetos não foram
suficientes para consolidar as relações entre cinema e educação. Como o cinema educativo
surgiu a partir da visão oficial do Estado, no Governo Getúlio Vargas, isso foi decisivo para
que diversas gerações de educadores deixassem de adotá-lo como recurso pedagógico,
considerando-o uma coisa chata. Essa postura pode ter influenciado nossa herança cultural.
Nos últimos 10 anos, o interesse pelo cinema educativo frutificou-se através de
estudos de Antonacci (1993), Teles (1995), Simis (1996), Morrone (1997), Abreu (1999),
Ramos (2000), Mate (2002), Souza (2003), Saliba (2003), Figueira (2003), entre outros. O
enfoque das pesquisas voltou-se, principalmente, às ideologias do Estado Novo, que
firmavam os ideais de desenvolvimento e progresso através da linguagem cinematográfica,
possibilitando educar, por meio das imagens, a massa de analfabetos do país; debate em torno
do uso do cinema na educação, com seus aspectos políticos e sociais; discussão entre cinema
educador x deseducador, moral x imoral; ações do Estado para controlar imagens veiculadas
pelo cinema; questões da censura cinematográfica; influência da Escola Nova e seus
propósitos de implementação do filme como recurso pedagógico moderno; além das disputas
entre Estado, Igreja Católica e movimento renovador sobre o uso dos filmes educativos.
Trabalhos recentes com enfoque no filme como documento de investigação
histórica também surgiram. Neste contexto, Morettin (1998 e 2001), Almeida (1999),
Schvarzman (2004) e Galvão (2004) ganham destaque significativo na medida em que
analisaram os documentários do INCE, revelando a riqueza didática, histórica e
cinematográfica das obras produzidas por Humberto Mauro, desmistificando a idéia de que
Chuá (1945), Azulão e Pinhal (1948), Aboio e Cantigas (1954), Engenhos e Usinas (1955), Cantos de Trabalho
(1955), Manhã na Roça, Carro de Bois (1956), Meus Oito Anos (1956) e João de Barro (1956).
26
sua produção não fora enriquecedora
5
. Estes estudos permitiram agregar valor à história do
Cinema Brasileiro e, de certa forma, à história da educação brasileira, que o objetivo
principal dos filmes era ser distribuído no setor educacional.
No entanto, o que chama atenção nesses trabalhos é que não foi realçada a
repercussão dos filmes entre professores e alunos, sem contar que não são da área de
educação. Desse modo, restaram dúvidas sobre como foi aceito este recurso áudio-imagético
na época, seus impactos e conseqüências. O assunto o teve a repercussão propícia, além do
enfoque promovido, até então, por dois motivos: devido à ausência de documentação
suficiente sobre o órgão, impossibilitando agregar informações detalhadas, ou, simplesmente,
porque tais registros sequer foram observados, já que o interesse dos intelectuais estava
voltado à produção de filmes e não à sua recepção. De qualquer maneira, as fichas de entrada
e saída de filmes, número de cópias, reduções e empréstimos perderam-se. A catalogação
permitiria analisar, pelo menos, quais os assuntos de maior interesse do currículo escolar.
Se ainda hoje existem questionamentos sobre a eficácia da linguagem áudio-
imagética nas práticas educacionais, imagina-se que as dúvidas, quando o INCE surgiu, eram
ainda maiores. Filtrando o passado, percebe-se não existirem linhas de continuidade aos
projetos de cinema educativo no Brasil. As propostas não avançaram nos últimos anos.
Muitas são as pesquisas que analisam as relações que os receptores estabelecem
com o conteúdo dos meios, partindo do pressuposto que o receptor é ativo. No entanto,
estudos apontam que o uso do cinema em sala de aula ainda é subutilizado. Existem
incertezas e dificuldades quanto às suas possibilidades e limites, além do distanciamento da
instituição escolar com os discursos audiovisuais. Não há um planejamento didático adequado
que indique a mediação entre professor, filme e aluno, que permita a produção de
conhecimento sem considerar o cinema apenas como recurso meramente ilustrativo ou de
entretenimento. Conclui-se, portanto, que desde o início da inserção da imagem em
movimento na sala de aula, a resistência em acreditar na força áudio-imagética como recurso
didático, por insegurança ou resistência, é um fator marcante.
Esta pesquisa tem como meta analisar, em uma perspectiva histórica, quais foram
os impactos e conseqüências geradas pelo INCE na formação da cultura áudio-imagética
escolar, depreendendo os significados que professores, alunos e outros personagens que
5
Morettin (1998 e 2001) analisa duas obras de Mauro: Bandeirantes (INCE), de 1940, e O Descobrimento do
Brasil (1937); Aguiar (1999) estudou o longa-metragem Argila (1940), que Mauro realizou durante o tempo em
que esteve no INCE; Schvarzman (2004) destacou toda a obra de ficção e documentário de Mauro, mostrando
que seus filmes de ficção, eram, na realidade, prolongamentos de suas crenças educativas; Galvão enfocou 21
filmes do Instituto, em sua maioria científicos, tais como: Lição Prática de Taxidermia II, Lagoa Santa, Preparo
da vacina contra a raiva, Céu do Brasil II e Miocárdio em Cultura.
27
vivenciaram o período obtiveram do cinema como recurso didático.
Dado o tempo passado da criação e encerramento das atividades do Instituto,
foram analisadas as reminiscências de pessoas que participaram e vivenciaram este processo
direta ou indiretamente. Entre os depoentes encontram-se ex-professores e alunos do contexto,
ex-funcionários do INCE, amigos de Humberto Mauro, profissionais e cineastas que, após o
encerramento das atividades do órgão, ainda utilizaram os documentários em sala de aula
dadas as suas especificidades didáticas e seu conteúdo informativo considerado valioso
6
.
As metodologias utilizadas neste trabalho são a análise histórica documental e a
História Oral. Galvão (2004) tinha intenção de discutir a repercussão dos filmes do INCE,
porém, a pouca documentação existente e os artigos sobre cinema educativo publicados nos
periódicos da época inviabilizaram seus propósitos. É exatamente neste contexto que entra a
metodologia proposta. Um dos grandes méritos da História Oral é permitir alcançar novas
versões além das oficiais e públicas dos fatos, indo ao encontro de outras faces sobre o fato
narrado ou escrito, através do depoimento oral.
Este trabalho está dividido em seis partes. No capítulo seguinte, são trazidas à
discussão diversas perspectivas existentes entre história, cultura, cinema e educação,
analisando o contexto anterior à criação do INCE, os desafios sobre o bom e mau uso das
imagens na formação das crianças e jovens, as articulações dos intelectuais do movimento
escolanovista e as pressões político-ideológicas que culminaram na criação do Instituto.
No capítulo terceiro é apresentada a estrutura e funcionamento do INCE, a partir
dos arquivos pessoais de Roquette-Pinto e Gustavo Capanema, sua funcionalidade e
atribuições, filmes que produziu e seus ideários, fases pelas quais passou, com suas
modificações, contradições e frustrações, com destaque a importantes personagens do
contexto.
O quarto capítulo aborda os procedimentos metodológicos para obtenção dos
depoimentos realizados. São trazidas à tona a importância e a inserção da História Oral na
ausência de documentos, os critérios para escolha dos depoentes, os locais de pesquisa e
coleta de dados, a realização das entrevistas e os caminhos para a produção de sentidos na
análise dos testemunhos gravados.
A quinta parte analisa as idéias produzidas a partir das entrevistas realizadas. O
modelo de análise é baseado no Tratado da Argumentação de Perelman (1993) e Perelman e
6
É importante destacar que, atualmente, muitos professores utilizam filmes como O Descobrimento do Brasil,
de 1937, além de documentários da Série Brasilianas. Os títulos científicos também se tornaram muito estudados
recentemente. Isso comprova que os filmes ultrapassam as barreiras do tempo e do espaço, sendo atuais até hoje.
28
Obredetch-Tyteca (2005). O material coletado foi organizado a partir do seu poder
argumentativo. Os depoentes fazem a defesa de pontos de vista pessoais, portanto, lidam com
o preferível, não se está no terreno de certezas. Trata-se de escolhas: o porquê de uma
determinada memória ou acontecimento em detrimento de outro. O interesse com a
argumentação, neste caso, é a descrição de como entra em cena o discurso. Neste capítulo são
apresentados os resultados encontrados a partir da triangulação das análises com a bibliografia
existente.
No capítulo sexto, são apresentadas algumas reflexões sobre o tema em questão.
Esta dissertação não pretende apresentar conclusões definitivas sobre a repercussão do INCE
nas escolas, muito menos sua versão oficial e legítima. Mas sim, discutir uma das inúmeras
possibilidades que podem ser apreendidas através dos relatos de História Oral, sendo, por
conseguinte, o motor que impulsiona uma série de caminhos sobre o período analisado, ainda
muito desconhecido.
O trabalho não se esgota em descobrir o que verdadeiramente aconteceu, mas
refletir sobre as motivações e propósitos de seus personagens, que, nem sempre, precisam ser
os principais protagonistas. Entender suas visões não significa aceitar que a história tenha
ocorrido da forma tal qual narrada, mas compreender as suas múltiplas facetas. Afinal, a
história é feita de múltiplas histórias (POLLACK, 1989).
Que este trabalho suscite novos entendimentos sobre as estratégias e
procedimentos contemporâneos que possam viabilizar a efetiva utilização do cinema como
importante recurso educacional, fonte de conhecimento, cultura e saber. O estudo histórico
contribui, sobremaneira, à educação contemporânea e parte da história do cinema educativo
perdida e ignorada até meados da década de 1980.
Com o processo de documentação através dos relatos orais torna-se possível
registrar impressões de diferentes personagens do contexto que, além de agregar novas
versões à história, promovem um diálogo entre passado presente futuro, a fim de
cristalizar o cinema como recurso atrativo, motivador, perene e atuante nos meios
educacionais.
29
2 HISTÓRIA, CULTURA, CINEMA E EDUCAÇÃO – PERSPECTIVAS
A arte da imagem em movimento é uma escola de costumes, um instrumento de
educação, uma nova técnica a serviço da informação, da ciência e até mesmo da
política. [...] Todos conhecemos a importância dos instrumentos audiovisuais no
aprendizado e o cinema utiliza todos eles. Além disso, é uma arte que mobiliza não
a sensibilidade como a força criadora e outros elementos da personalidade. Seu
raio de influência abrange todos os interesses humanos. (SÁ, 1967, p.14).
Um dos pioneiros a analisar o cinema como arte foi o crítico italiano Ricioto
Canudo. Em seu Manifesto das Sete Artes, publicado em 1914, o cinema, visto como arte de
feira, foi elevado esteticamente como “sétima arte”, juntamente à arquitetura, escultura,
poesia, dança, pintura e música.
As relações de aprendizagem que envolvem cinema e escola indicam a
aproximação entre os campos da educação e da arte cinematográfica, que encontram
interseção no escopo da natureza de suas atividades, uma vez que a história cultural ocupa
lugar central em ambas as constituições. A educação veicula e produz a cultura, ou seja, as
práticas culturais são possíveis devido à possibilidade humana de se educar. O cinema,
como produto e produtor de cultura, tem participação e importância na construção das
relações sociais, econômicas e experiências culturais do indivíduo. A aproximação entre
educação e cinema quanto ao seu escopo cultural, portanto, apresenta-se como uma
possibilidade para compreender o cinema enquanto veículo pedagógico, principalmente
considerando-o como recurso propiciador da educação formal.
Um filme sempre se reporta à cultura de uma determinada comunidade, região ou
país. Tem a capacidade de registrar e difundir os aspectos culturais e a acepção ideológica
daqueles que o produziram. O presente estudo se valerá dessa concepção de cultura como
fonte de conhecimento.
Ao longo dos últimos dois ou três séculos, as discussões sobre cultura e educação
restringiram-se aos conceitos, sem problematizar seu entrelaçamento. Veiga-Neto (2003)
explica que a escola era pensada como reflexo da cultura, que designava o conjunto de tudo
aquilo que a humanidade havia produzido de melhor artística, literária e cientificamente.
Neste sentido, a cultura era pensada como única e universal, ou seja, monocultural.
A educação era entendida como o caminho para atingir as formas mais elevadas
de cultura, tendo por modelo os grupos sociais mais cultos. Daí surgiu a diferenciação entre
alta cultura e baixa cultura. Muitas campanhas que se desenrolaram, desde então, em defesa
de uma escola única para todos, foram herdeiras dessa ideologia monoculturalista. A
30
educação foi colocada a serviço de uma modernidade que deveria tornar a sociedade mais
homogênea e menos ambivalente possível.
Somente nos anos 1920 começaram a surgir concepções mais complexas de
cultura. Geertz (1973) defende um conceito essencialmente semiótico. Como o homem é um
animal amarrado a teias de significado as quais ele mesmo teceu, a cultura é, para ele, sua teia
e sua análise à procura do significado. O conceito de cultura está relacionado ao plano do
concreto e do imaginário, das criações que propiciam à comunicação humana diversas formas
de linguagens: do corpo, da fala, dos gestos, da imagem, da escrita, etc. É uma prática que se
manifesta nos mais variados planos da atividade humana: do sensível ao simbólico, do
concreto ao abstrato. Sendo a cultura uma teia de significados é nela que a educação se
desenvolve.
Parsons (apud FORQUIN, 1993) afirma que a educação escolar desempenha um
papel de sociabilização que contribui à interiorização, pelo indivíduo, dos valores da
sociedade e, simultaneamente, de diferenciação seletiva. Refere-se, assim, a algo diferenciado
dos conhecimentos objetivos, desenvolvendo realidades diferentes das capacidades
operatórias culturalmente neutras, porque impõe a cultura particular que o grupo dispõe. Com
efeito, tomando o cinema como uma prática social que influencia hábitos, temos uma nova
pedagogia educacional, a pedagogia da imagem.
Louro (2000) reflete sobre o cinema e a educação na sociedade brasileira,
destacando o papel do cinema como uma nova pedagogia cultural; aponta a influência do
filme na formação social tanto de hábitos relacionados ao ritual de ir ao cinema, quanto das
representações sociais veiculadas pela imagem. Duarte (2002, p.19) compartilha da mesma
concepção ao enfatizar o valor cultural e social do cinema como pedagogia:
Determinadas experiências culturais, associadas a uma certa maneira de ver filmes,
acabam interagindo na produção de saberes, identidades, crenças, visões de mundo
de um grande contingente de atores sociais. Esse é o maior interesse que o cinema
tem para o campo educacional – sua natureza eminentemente pedagógica.
O significado cultural de um filme ou de vários filmes (como o conjunto da obra
produzida pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo, como veremos adiante) é sempre
constituído no contexto em que é produzido. De acordo com Duarte (2002), é sempre a partir
dos mitos, crenças, valores e práticas sociais das diferentes culturas que os audiovisuais
ganham sentido.
Para Martin-Barbero (2003), o cinema altera a forma como o homem enxerga seu
31
cotidiano. Essa nova experiência cultural redimensiona a possibilidade do olhar como meio de
acesso ao conhecimento. O autor analisa a questão argumentando que as tecnologias da
comunicação e informação promovem a existência de um novo ecossistema comunicativo, em
analogia a ecossistema biológico, que alteram as formas de lidar com o conhecimento e com a
informação significativamente. Trata-se de uma nova experiência cultural, novos modos de
perceber e sentir, de ouvir e ver, que, em muitos aspectos, choca-se com o que Walter
Benjamin chamou de sensorium dos adultos. A modernidade, em pleno século XXI, não está
modificando seus discursos e narrativas através dos conhecimentos da linguagem, mas por
meio das imagens.
Essa transformação é irreversível e foi absorvida por toda a sociedade,
incluindo as Instituições de Ensino. E é por isso que a escola não deveria ficar alheia à
interação com outras linguagens. Mas fazer circular novos códigos e ampliar as abordagens
com o mundo imagético. Diariamente, somos bombardeados por imagens (re)construídas,
absorvidas e deslocadas para diferentes universos culturais. A preocupação dos mídia-
educadores, comunicadores e intelectuais, hoje, é analisar os impactos dessas mensagens
visuais na formação cultural dos jovens, para ensinar como lê-las e absorvê-las de modo a
permitir uma produção de conhecimento considerada legítima.
Mas a história nem sempre foi assim. Como ressalta Benjamin (1985), o século
XX foi o grande mentor dessa transformação. O primeiro elemento que provocou essa
“desordem” na cultura foi introduzido pelo cinema responsável por aproximar o homem das
coisas. A evolução da imagem estática para imagem em movimento suscitou profundas
transformações ao longo do tempo, tornando visíveis algumas experiências culturais antes
restritas ao universo da fotografia, da pintura e dos livros.
Forquin (1993) aprofunda a questão quando afirma que a velocidade das
mudanças ocorridas no fim do século XIX e início do século XX alteraram as formas de lidar
com o conhecimento. A cultura, enquanto tradição, foi colocada em xeque na modernidade
por conhecimentos passageiros, em que houve o abandono de algumas verdades por outras.
Neste processo transeunte, a transmissão da cultura sofreu conseqüências e as
práticas educativas acabaram se chocando com essa nova posição de pensamento cultural.
Sobre esta questão, Martin-Barbero (1999, p. 28) evidencia:
A escola deixou de ser o único lugar de legitimação do saber, pois uma
multiplicidade de saberes que circulam por outros canais e não pedem permissão à
escola para expandir-se socialmente. Esta diversificação e difusão do saber, fora da
escola, é uma das influências mais fortes que o mundo da comunicação exerce sobre
o sistema educativo.
32
Ao inserir o cinema em sala de aula, a escola pode promover um diálogo entre
formas de comunicação distintas. Em qualquer situação, o educador deve refletir a natureza
sensorial e psicológica das imagens, para que se compreenda o seu universo de significação.
Se a significação das imagens está inserida no processo cultural dos indivíduos, e se a cultura
é uma teia de significados (GEERTZ, op. cit.), imagem e cultura são, portanto, indissociáveis.
Para Burke (1992), através desta significação, emerge uma teoria complexa que
abarca o que vem a ser a “História Cultural das Imagens”. É quando existe um diálogo entre o
olhar do passado e a leitura do presente tal qual a proposta deste trabalho. A imagem
importa à medida que se questiona o que elas significam e para quem, porque regem a
percepção e interpretação de uma determinada cultura.
Chartier (2001), ao refletir sobre a História Cultural, considera que a imagem tem
por principal objetivo identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma
determinada realidade social é construída e pensada, sendo entendida como os processos pelos
quais se constrói um sentido e se dá significado ao mundo.
Meira (2003) situa a imagem como interpretação e atribuição de sentido, cuja
representação envolve o processo criativo, a obra enquanto materialização do fazer, repleta de
intencionalidade e contida em um processo de produção que revela o universo de cada ser, seu
olhar, sua visão de mundo, seu contexto de interação social.
A significação dos filmes, no entanto, não acontece do modo exclusivamente
proposto como pretende o realizador. Como o olhar do espectador nunca é neutro, mas
sempre preenchido de suas experiências culturais, a imagem carrega consigo a representação
simbólica da realidade, do seu mundo interior e exterior. A significação das imagens
constitui-se em um sistema de símbolos, que envolvem processos psicológicos e intelectuais,
desencadeando processos mentais, que propiciam desvelar a cultura e seu acesso, em um
modo de saber e construir conhecimento.
Essa interação envolve uma ampla gama de saberes, sentidos e repertórios
conceituais, em um constante ir e vir, em um contexto de significação e
ressignificação, de construção e desconstrução contínuos, agregando significados,
formas e comportamentos cotidianos de exteriorização, de subjetividades e de
exercício da criatividade. A imagem assume-se como cultura visual, contexto
estético de nossa experiência sensorial, a parte e o todo que nos toca ver para situar
nossos saberes, nossos afetos, nossas percepções, além de um complexo mundo de
formas ligadas a obras e processos de criação.
(MEIRA, 2003, p.52).
Este trabalho relaciona o papel do cinema no âmbito cultural e educacional, na
circulação de saberes e fazeres, partindo do pressuposto de que não se pode falar em uso de
33
filmes em sala de aula sem considerar a experiência cultural de ver filmes, que Bourdieu
(1979) chama “competência para ver”, adquirida não apenas vendo filmes, mas no contexto
em que as pessoas estão inseridas. Desse modo, independentemente do que fora proposto
pelos idealizadores do INCE, nas décadas de 1930 a 1970, o que importa são os significados
que professores, alunos e outros espectadores depreenderam dessa experiência.
Pensar o filme como importante recurso pedagógico nos leva a entender melhor o
papel que desempenha na escola e na sociedade. Mas, para isso, é necessário analisar em que
perspectivas o cinema educativo foi utilizado nas décadas estudadas, tornando-se premente
conhecer o processo formador desse espaço social, observando as relações estabelecidas com
o campo cultural e educacional brasileiro a partir da década de 1920.
2.1 PRIMÓRDIOS DO CINEMA EDUCATIVO NO BRASIL
O século XIX marcou-se por grandes avanços científicos e tecnológicos. Após o
Iluminismo, os conhecimentos necessários ao progresso começaram a deixar de estar ligados
à existência de Deus, como no século anterior. Os impactos da ciência firmaram a valorização
do racionalismo na civilização ocidental. Nessa época, surgiram correntes ideológicas fortes
como o Positivismo e o Marxismo. A doutrina positivista, cujo principal idealizador foi o
francês Augusto Comte, difundiu-se no Brasil a partir de meados do século XIX e teve
repercussões significativas na vida cultural brasileira. A República, proclamada em 1889,
adotou o modelo político americano dessa filosofia.
Após a Revolução Industrial, as elites dominantes dos países centrais que
mantinham o controle da economia acreditavam nas transformações da evolução tecnológica e
os países em desenvolvimento se espelhavam nos projetos de modernização que lhes eram
oferecidos (ORTIZ, 1994). Estes modelos não eram somente econômicos, mas, sobretudo,
culturais, comportamentais e ideológicos, que facilitaram a expansão do modo de vida
capitalista.
No século XX, o vínculo entre ciência e tecnologia estreitou-se ainda mais. O
cinema mundial atuou como importante transmissor de modelos e estímulos à realização das
aspirações dos indivíduos, em especial o cinema educativo no Brasil, que, nas primeiras
décadas do século XX, inspirou-se nos modelos alemão e italiano (ALMEIDA, 1999). Mais
34
tarde, com a criação do INCE, propagou o nacionalismo e as imagens do Brasil que o governo
queria projetar (SCHVARZMAN, 2004).
O Brasil realizou sua primeira experiência de cinema meses após os irmãos
Lumière inventarem e patentearem o cinematógrafo (SIMIS, 1996). A maior parte dos filmes
produzidos nos primeiros anos era de curta duração, em sua maioria do tipo documental e
educativo. Por isso, a história do cinema educativo e documentário acabou se confundindo e
se tornando a mesma.
A denominação filmes educativos abrange todos os filmes instrutivos do tipo como
fazer, filmes para estudo na sala de aula, documentários sociais, científicos, debates,
cinejornais e cine-magazines, assim como muitos filmes produzidos para fins de
relações públicas, treinamento e até publicidade. (PFROMM NETTO, 2001, p.79).
É comum denominar-se educativo somente o filme cuja temática se relaciona com
conteúdos e habilidades transmitidas pela escola a partir de seu currículo escolar. Suas
intenções são, normalmente, formativas, didáticas e, na maioria das vezes, fechadas. É
freqüente, também, que se utilize a nomenclatura de filme educativo aplicada a assuntos
instrucionais e científicos, que objetivam auxiliar ou substituir total ou parcialmente a função
exercida pelo professor de explicar determinado assunto. Esta restrição não se demonstra
fecunda quando se deseja explorar as potencialidades dos recursos cinematográficos, tendo
em vista a transformação e o desenvolvimento social que propiciam. O filme educativo, no
início do século XX, principalmente aquele idealizado pelos profissionais do INCE, não
estava voltado somente a essas denominações, mas ampliava o termo educativo a todo e
qualquer conteúdo de apreensão da realidade sócio-cultural.
Quando se anuncia um filme documentário, acredita-se que será projetada a vida
como ela é. A divisão entre filmes de ficção e documentário acabou por fomentar a idéia de
que o primeiro conta uma história e o segundo, a realidade. No entanto, não unanimidade
no entendimento de que o filme documentário expresse a realidade, uma vez que a partir do
momento em que o diretor escolhe a posição da câmera de onde filmar, como filmar e faz a
montagem do filme, está gerando modificações (BRUZZO, 1995). A fronteira entre
documentário e ficção é cada vez menos clara, uma vez que os realizadores ousam
experimentar procedimentos ficcionais nos documentários e elementos autênticos nos filmes
ficcionais.
Na verdade, não significa que não existam elementos que possam ser definidos
como gênero documentário ou documental. A diferença encontra-se no discurso narrativo,
35
que o documentário tenta “convencer” o espectador de alguma tese. Na produção do Instituto
Nacional de Cinema Educativo, por exemplo, Humberto Mauro produziu mais de 300 curtas e
médias metragens documentais, que levou à tradição de manter o curta-metragem como
gênero documental. Isto perdurou por duas décadas. No entanto, como veremos adiante, ele
próprio realizou documentários de ficção com elementos autênticos, como é o caso do filme O
Despertar da Redentora (1942), que conta a história da abolição da escravatura em 1888 pela
Princesa Izabel. O filme é baseado em um conto de Maria Eugênia Celso e o fim da
escravidão é explicado através de uma fábula.
Até 1907, a produção e exibição de filmes nacionais era precária e crescia
lentamente. As salas fixas eram poucas e limitadas às cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
De acordo com Bernardet (1979), cerca de 15 títulos entre 1901 e 1906 foram exibidos em
São Paulo, entre eles: Sociedade Paulista de Agricultura, Rua Direita ou Avenida Central da
Capital Federal. A filmagem brasileira restringia-se aos filmes chamados “naturais”, de não
ficção, como jogos de futebol, funerais de figuras ilustres, construção de estradas.
Gomes (1974) afirma que a partir da chegada da eletricidade em 1907, o cinema
nacional pôde se expandir. No entanto, José Inácio de Melo Souza contraria essa idéia de
certa forma consagrada na historiografia cinematográfica brasileira, uma vez que o cinema
era movido à manivela e, ainda, porque o processo de eletrificação no país foi lento e
desigual
7
. Entre 1908 e 1912, iniciou-se a era de longa-metragem, definida por Gomes (1980)
como “época de ouro”. Foi quando imigrantes italianos e portugueses começaram a produzir
nossos filmes nacionais.
O filme documentário no Brasil foi introduzido como marco inicial em 1910,
quando criada a Filmoteca do Museu Nacional pelo antropólogo Edgar Roquette-Pinto
8
. Seu
principal objetivo era fazer registros científicos para divulgar a ciência. Em 1912, ao
participar da Comissão Rondon, Roquette realizou os primeiros documentários sobre os
índios Nhambiquaras na Serra do Norte hoje estado de Rondônia. Foram registrados vários
aspectos etnográficos, botânicos e geográficos da tribo. Em 1913, os documentários foram
exibidos no Salão de Conferências da Biblioteca Nacional. De acordo com Galvão (2004),
nessa mesma época, o etnólogo alemão Koch Grümberg retratou costumes, técnicas e festas
dos indígenas do norte do país. A pesquisadora destaca, ainda, entre os primeiros filmes
científicos brasileiros, filmagem de Carlos Chagas sobre as Formas Nervosas e
Tripanossomíase, em 1912.
7
Disponível em: http://www.mnemocine.com.br/cinema/historiatextos/serrador.htm.
8
Sua biografia será contada em um capítulo à parte.
36
Entre 1916 e 1918, o professor Venerando da Graça, inspetor escolar do Distrito
Federal, realizou filmes voltados ao cinema infantil e escreveu na Revista Escola Primária
diversos artigos sobre o potencial do cinema como meio auxiliar de ensino, que, mais tarde,
transformou-se em livro. Lobo (1994) atribui a Venerando da Graça o título de pioneiro na
realização do cinema educativo no país. As quatro fitas pedagógicas realizadas por Venerando
transmitiam idéias sobre ética, “onde o bem triunfa sobre o mal, além de emoções puras e sãs,
como respeito aos mais velhos” (SCHVARZMAN, 2004, p. 113). Para Venerando, o cinema
era um instrumento “moderno e mágico, que até analfabetos lêem”.
Em 1938, Celso Kelly, em discurso proferido ao Conselho Diretor da Associação
Brasileira de Educação (ABE), atribuiu a Roquette-Pinto o título de pioneiro e mestre do
cinema educativo, pelos documentários realizados a respeito dos índios Nhambiquaras
9
. Não é
intuito dessa pesquisa atribuir o tulo de pioneiro a um ou outro, mas sim, apresentar as
realizações do período.
A partir de 1912, o cinema americano consolidou-se e os produtores nacionais
encontraram dificuldades para expandir e competir com a indústria internacional. O
investimento no filme nacional foi ficando à parte para comprar o produto estrangeiro, que
tinha facilidades para entrar no país e atraía o espectador pelas suas qualidades técnicas. Com
o advento do filme sonoro, o cinema norte-americano, entre 1926 e 1942, reafirmou sua
hegemonia mundial. De acordo com artigo de O Jornal, de 26/06/1929, até 1928 tinham sido
exibidos no Brasil 1603 filmes, incluindo os educativos. Destes, 1350 eram norte-americanos,
103 alemães, 82 franceses, 38 brasileiros, 7 portugueses, 7 austríacos, 5 ingleses, 4 argentinos,
3 italianos, 1 dinamarquês, 1 espanhol, 1 mexicano e 1 russo.
Somente a partir dos anos de 1920, com o surgimento dos ciclos regionais, o
cinema brasileiro começou a firmar-se. O mais ativo foi o de Cataguases (MG), iniciado com
o criminal Valadião, o Cratera (1925), de Humberto Mauro, formando, assim, o primeiro
grande cineasta de obra sólida e legitimamente brasileira
10
.
9
Conforme acervo Jonathas Serrano – Arquivo Nacional – Caixa 7.
10
O Rio de Janeiro nesta época contava com 76 espaços de cinema, a maioria funcionando no Centro e em
subúrbios populares (LUCAS, 2005). Para mais informações sobre os Ciclos Regionais ver: BERNARDET,
1975.
37
2.2 DEBATE ENTRE CINEMA E EDUCAÇÃO – TENSÕES E ARTICULAÇÕES
A década de 1920 foi marcada por fatos culturais relevantes no processo de
mudança da política brasileira. Nessa época, ocorreu o Movimento 18 do Forte (1922), a
Semana de Arte Moderna (1922), a Revolta Tenentista (1924) e a Coluna Prestes (1924 a 27).
A característica tipicamente agrária do país começou a sofrer transformações nos anos
seguintes, trazendo repercussões à organização escolar, que dava ênfase à pedagogia
tradicional e à literária clássica.
O confronto de idéias entre correntes divergentes culminou com a crise econômica
mundial de 1929. No Brasil, o fato repercutiu sobre as forças produtoras rurais, que perderam
os subsídios que garantiam sua produção. A Revolução de 1930 foi o marco referencial para a
entrada do país no mundo capitalista industrializado. A nova realidade passou a exigir mão-
de-obra especializada e era preciso, para isso, investir na educação (CUNHA, 1998).
Nessa época, ainda não se falava de subdesenvolvimento e dependência, mas de
atraso e civilização. Acreditava-se que, através da educação, seria possível formar o caráter
moral e a competência profissional dos cidadãos e que isto determinaria o futuro da Nação.
Os movimentos e a disputa pela educação, e, sobretudo, seu controle pelo Estado ou pela
Igreja, eram vividos como uma luta pela própria alma do país (SCHWARTZMAN et all,
2000), que precisava ser construída, tirando-se o país da barbárie, do atraso e da indigência
moral. O que se disputava era quem cuidaria da formação da criança para o bem ou para o
mal.
A cultura também era vista como campo dessa construção da alma nacional. O
modernismo havia vislumbrado a possibilidade de construir um país mais autêntico. E essa
busca autêntica na literatura, na pintura e na música se mesclava com a política e com a vida
em sociedade, em que o formalismo da república oligárquica pudesse ser substituído pela
construção de um Estado nacional forte e voltado ao progresso e ao futuro. O cinema era visto
como um instrumento privilegiado para esta ação, porque teria o poder de influir
beneficamente sobre as massas populares, instruindo e orientando. Mas ao contrário disso,
também poderia agir perniciosamente, pela linguagem inconveniente, pela informação errada,
pela sugestão imoral ou impatriota e pela encenação do mau gosto (op. cit.).
A relação entre cinema e educação no Brasil e no mundo, desde o seu surgimento,
suscitou um intenso debate na sociedade. A Igreja Católica, que se concentrava em um
período de recristianização, dedicou-se com afinco à questão do cinema educativo,
38
preocupando-se com a moral dos filmes exibidos. Na ocasião, foram criadas salas de cinema
nas paróquias e associações católicas CINEACS –, que avaliavam os filmes de acordo com
as normas da Igreja e indicavam aqueles considerados positivos ou negativos, proibindo os
fiéis de assistirem aos filmes contrários à cristã (MORRONE, 1997). Este período
reformista da Igreja durou de 1916 a 1955 e teve como principais fundamentos cristianizar as
instituições sociais, desenvolver um quadro de intelectuais católicos e alinhar as práticas
religiosas populares aos procedimentos ortodoxos (GUSMÃO, 2006).
O cinema ganhou, então, grande importância cultural e educativa para a Igreja.
Em 1928, em Bruxelas, na Bélgica, fundou-se a Organização Católica Internacional de
Cinema OCIC. Em 29 de junho de 1936, o Papa Pio XI promulgou a encíclica Vigilanti
Cura, específica sobre cinema, que apontava a necessidade de os cristãos saberem quais
filmes eram permitidos e poderiam ser vistos, além de indicar aqueles prejudiciais e imorais.
Este pensamento não era exclusivo da Igreja. Intelectuais e educadores
partilhavam da mesma crença sobre o cinema enquanto entretenimento ou problema moral.
Eles combatiam o "cinema mercantil", voltado ao cinema espetáculo, na defesa de um cinema
educativo capaz de trazer conteúdos pedagógicos benéficos aos alunos (ALMEIDA, 1999). O
cinema educativo representava a luta contra o cinema deseducador e portador de elementos
nocivos e desagregadores da nacionalidade (TELES apud CATELLI, 2003).
Na mesma época, diversos países no mundo como Estados Unidos, Canadá,
França, Alemanha, Itália e União Soviética também discutiam as questões do cinema
educativo e documental, a partir de diversas ideologias. Na União Soviética, os cineastas
Dziga Vertov e Sergei Eisentein utilizaram o cinema para apoiar a Revolução Russa. Na
Alemanha, Leni Riefenstahl foi importante aliada no cinema de propaganda ideológica do
Governo Hitler. Na Inglaterra, o escocês John Grierson buscou uma função social para o
cinema; Flaherty, nos Estados Unidos, produziu documentários etnográficos, definindo o
cinema como modelo cultural.
Nos anos de 1920, um grupo de educadores brasileiros, entre eles Anísio Teixeira,
Lourenço Filho e Fernando de Azevedo defenderam a modernização da sociedade brasileira
através da educação. As idéias inspiravam-se no movimento da Escola Nova movimento
que compunha uma nova compreensão das necessidades da infância, opondo-se às escolas
tradicionais, e cuja principal bandeira era o ensino público, laico, gratuito e universal
11
.
11
A Escola Nova ou Escola Ativa ou Escola Progressista são oriundas do movimento da Pedagogia Nova, que se
inspirou em pedagogos e filósofos dos Séculos XVIII e XIX como Russeau (1712 1778), Pestalozzi (1746
1827), Froebel (1782 – 1852), Nietzche (1844 – 1990), Tolstoi (1828 – 1910), William James (1842 – 1910), etc.
39
Desde meados do século XIX, os países desenvolvidos vinham implantando a
escola pública, universal e gratuita. No discurso escolanovista desenvolvido no Brasil, a
ciência ganhou destaque nas diretrizes escolares, agregando valores da psicologia e da
sociologia. Nessa época, buscava-se a modernização, a democratização, industrialização e
urbanização das cidades e através do ensino renovador “criar-se-ia uma igualdade de
possibilidades à população, formando o cidadão livre e consciente que pudesse incorporar-se
sem a tutela de corporações de ofícios ou organizações sectárias de qualquer tipo ao grande
Estado Nacional em que o Brasil estava se formando.” (SCHWARTZMAN et. all, 2000,
p.70).
Em 1924, o grupo de renovadores criou a Associação Brasileira de Educação
(ABE), que viria desempenhar, por muitos anos, importante papel em defesa da educação
pública no Brasil. Ao criá-la, pretendia-se sensibilizar o poder público e a classe de
educadores a refletirem sobre os problemas da educação no país. De acordo com Romanelli
(2007), a criação da ABE foi a medida prática tomada pelos escolanovistas para objetivar os
propósitos educativos modernizadores e ganhar força junto às autoridades. O lema
apresentado no Boletim da ABE era: “O problema da educação nacional estará a caminho
de ser resolvido no dia em que possuirmos uma ‘elite’ esclarecida e consciente, capaz de
compreender sua importância e de empreender sua solução. Preparar uma ‘eliteé, pois, o
primeiro passo a realizar.” (MASSARANI, 1998, p. 92).
Imbuídos dos ares de modernidade, esses educadores, nos idos de 1920,
realizaram diversas reformas no ensino dos estados brasileiros, entre essas a de Sampaio
Dória (São Paulo, 1920); Lourenço Filho (Ceará, 1923); José Augusto (Rio Grande do Norte,
1925/28); Carneiro Leão (Distrito Federal, 1922/26; Pernambuco, 1928); Anísio Teixeira
(Bahia, 1925); Francisco Campos (Minas Gerais, 1927); Lysímaco Costa (Paraná, 1927);
Fernando de Azevedo (Distrito Federal, 1928). Era o começo de uma luta ideológica que iria
culminar no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nacional em 1932.
Romanelli (op.cit.) mostra que as reformas implantadas refletiam uma diversidade
de interpretações dadas pelos educadores em relação às idéias do movimento renovador, bem
como apresentavam inquietações em relação aos níveis baixíssimos de alfabetização, o que
deixava a educação como privilégio de poucos. Essa diversidade refletia-se, principalmente,
sobre o ensino religioso. Católicos, autoritários e conservadores almejavam sua inclusão nas
Na Europa e nos Estados Unidos, o movimento aconteceu na transição do século XIX ao XX. No primeiro, foi
defendido por Edouard Claparéde (1873 1940) e Maria Montessori (1870 1952). No segundo, John Dewey
(1859 1952) e William Kilpatrick (1871 1965) foram seus principais defensores estes últimos sendo
absorvidos no Brasil como precursores.
40
escolas, enquanto liberais e socialistas o repudiavam.
Todas essas movimentações possibilitaram a criação do Ministério da Educação e
Saúde Pública em 1930, no Governo Getúlio Vargas. O político designado para assumir o
recém-criado ministério foi Francisco Campos, responsável pela reforma educacional do
Estado de Minas Gerais. No seu governo, foram promovidas mudanças no ensino secundário,
superior e comercial; criado o Conselho Nacional de Educação em 1931; incluído o ensino
religioso no currículo das escolas primárias, secundárias e normais; entre outras atividades.
A atuação do governo também se refletiu nas idéias pedagógicas. A ABE realizou
diversas Conferências Nacionais sobre as diretrizes da educação popular. As mais
significativas, IV e V, culminaram nos motivos para a redação do Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nacional documento redigido por Fernando de Azevedo e assinado por 26
educadores. O Manifesto foi fruto do debate em torno de questões como gratuidade,
obrigatoriedade e laicidade do ensino, e apresentava as principais diretrizes políticas, sociais,
filosóficas e educacionais do escolanovismo brasileiro
12
.
Na época do Manifesto, o campo educacional brasileiro estava dividido entre
autoritários e liberais, que lutavam por uma educação nova. No entanto, mesmo entre os
liberais existiam aqueles de tendência elitista e outros igualitaristas (CUNHA, 2000). Os
socialistas estavam divididos entre utópicos e científicos, inspirados em grande parte em John
Dewey. Para combater as iniqüidades da sociedade, propunham uma escola capaz de produzir
indivíduos orientados pela democracia, e não para a subordinação, para a cooperação em vez
da competição, para a igualdade e não para a diferença.
De qualquer maneira, todos os renovadores concordavam com a idéia de
modernizar a sociedade através da ciência, da tecnologia e da educação. Conforme Cândido
(1984), este despertar cultural abrangeu o ensino público, o meio artístico e literário, as
reflexões históricas e sociais, assim como os meios de comunicação tais como o livro, o rádio
e o cinema.
O sistema escolar implantado no Brasil, até então, era restrito e ultrapassado,
priorizando a alfabetização e a formação de mão-de-obra fordista, deixando à parte o ensino
médio e superior (CUNHA, 2000). A filosofia escolanovista veio ao encontro dessas
mudanças, propondo um ensino democrático e moderno, principalmente com a utilização dos
12
Assinaram o documento, além do redator Fernando de Azevedo, Afrânio Peixoto, A. de Sampaio Dória, Frota
Pessoa, Anísio Teixeira, M. Lourenço Filho, Roquette-Pinto, Julio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mário
Casassanta, Delgado de Carvalho, Ferreira de Almeida Junior, J. P. Fontenelle, Roldão Lopes de Barros, Noemy
da Silveira, Hermes Lima, Atílio Vivacqua, Francisco Venâncio Filho, Paulo Maranhão, Cecília Meirelles, Edgar
Sussekind de Mendonça, Armando Álvaro Alberto, Garcia de Resende, C. Nóbrega da Cunha, Paschoal Leme e
Raul Gomes.
41
meios de comunicação como o rádio e o cinema como transmissores da modernidade.
Vidal (1994, p. 25) destaca que o movimento da Escola Nova afirmava que a
aprendizagem se daria pela compreensão dos fatos e processos e não pela memorização,
contrapondo-se ao ensino verbalista. Esta compreensão aconteceria “por meio da
visibilidade da experiência realizada em laboratório, pela excursão a locais históricos ou de
interesse científico e pela observação da realidade circundante”.
Entre essas reflexões, a utilização do cinema como recurso da educação moderna
teve lugar de destaque. Essas propostas integraram-se, inclusive, à reforma do ensino público,
realizada em 1928 por Fernando de Azevedo, no Rio de Janeiro. Os artigos 633 a 635, do
Decreto 2940, diziam:
As escolas de ensino primário, normal, doméstico e profissional, quando
funcionarem em edifícios próprios, terão salas destinadas à instalação de projeção
fixa e animada para fins meramente educativos. O cinema será utilizado
exclusivamente como instrumento de educação e como auxiliar do ensino, para que
facilite aão do mestre sem substituí-lo. O cinema será utilizado, sobretudo, para o
ensino científico, geográfico, histórico e artístico. A projeção animada será
aproveitada como aparelho de vulgarização e demonstração de conhecimentos, nos
cursos populares noturnos e cursos de conferências. A Diretoria Geral de Instrução
Pública orientará e procurará desenvolver por todas as formas, e mediante a ação
direta dos inspetores escolares, o movimento em favor do cinema educativo.
(SERRANO; VENÂNCIO FILHO, 1930, p.12).
As significativas dificuldades econômicas e técnicas para aquisição de projetores
e implantação do sistema cinematográfico no país eram constantes. Em o Paulo, foi criada
uma comissão para organizar o plano inicial de implantação do cinema escolar, sua
divulgação entre professores e público, exposição de aparelhos e películas, além da definição
de projetos para aquisição dos aparelhos pelas escolas. Ribeiro (1998) aponta que em 1932
existiam apenas 145 escolas públicas e privadas no país com aparelhamento especial para
projeção de filmes.
Segundo Morrone (1997), idealizando a reorganização sociocultural, os
escolanovistas viram no cinema a possibilidade de promover a regeneração moral, a
uniformização da língua pátria e nacionalização das formas de vida e expressão culturais. A
Reforma do Ensino no Distrito Federal, proposta por Fernando de Azevedo, contemplava
essas proposições.
Em 1929, aconteceu a Primeira Exposição Cinematográfica Educativa no Brasil,
evento de suma importância ao período e que teve como responsáveis Jonathas Serrano e
Francisco Venâncio Filho, autores do livro Cinema e Educação, publicado no ano seguinte. A
exposição foi realizada na Escola José de Alencar, no Largo do Machado, Rio de Janeiro.
42
Apresentou modelos de aparelhos de projeção fixa, animada e de medidas universais (16 mm
e 35 mm), realizou palestras sobre o uso do cinema na educação e suas possibilidades ao
ensino, além da exibição sobre o que vinha sendo feito em outros países. De acordo com os
realizadores, a imprensa carioca fez excelente cobertura e muitas pessoas participaram. Para
Serrano e Venâncio Filho (1930), a exposição conseguira mostrar as possibilidades positivas
do uso do cinema no ensino.
De acordo com artigo publicado em O Jornal, de 12 de setembro de 1929,
compareceram ao evento professores do primário, magistério municipal, catedráticos do
colégio Pedro II e magistério superior
13
. No Boletim da Educação Pública, em 1930, a
Exposição ganhou destaque em suas páginas. O artigo incitava os educadores a não
desanimarem diante do entusiasmo.
Em 1930, depois da imprensa, o cinema era o meio de comunicação mais
importante (SIMIS, 1996). Entusiasmados com o poder do filme sonoro, os produtores,
importadores e exibidores dos meios cinematográficos brasileiros buscaram agilizar a defesa
dos seus interesses no governo provisório. Assim, foram fundadas associações e sindicatos
que os representassem.
Em 1931, foi criada a Associação Cinematográfica dos Produtores Brasileiros
(ACPB), com objetivo de promover a defesa dos interesses dos cinematografistas nacionais,
como a “proteção das filmagens, obrigatoriedade de exibição semanal de filmes brasileiros,
isenção de taxas de importação de filme virgem e equipamento cinematográfico e isenção de
impostos por três anos para os produtores e distribuidores de filmes exclusivamente
nacionais.” (DUARTE; ALEGRIA, 2005, p. 4). Essas pressões, bem como de diversas outras
instituições, iriam culminar no Decreto 21.240, em 1932, que trata da censura
cinematográfica.
2.3 BOM CINEMA X MAU CINEMA – A CENSURA CINEMATOGRÁFICA
Um ano após a primeira exposição sobre cinema educativo, os professores
Jonathas Serrano e Francisco Venâncio Filho escreveram o livro Cinema e Educação. A obra
é divida em 10 capítulos e aborda as origens do cinema, aparelhagem, técnica e a importância
13
Recorte de jornal – acervo Jonathas Serrano.
43
do uso dos filmes em sala de aula.
Jonathas Arcanjo da Silveira Serrano nasceu no Rio de Janeiro, em 1885, e
faleceu na mesma cidade, em 1944. Diplomou-se em Ciências Jurídicas e Sociais (1909) e
doutorou-se em 1921. Foi professor catedrático de História da Civilização do Colégio Pedro II
(1926), diretor da Escola Normal (1927-1928), subdiretor técnico de instrução do Distrito
Federal (1928-1930), juiz do Tribunal Eleitoral do Distrito Federal (1932-1933), membro de
conselhos e comissões como a Comissão Nacional de Censura Cinematográfica (1932),
Comissão Nacional de Educação (1937) e Comissão Nacional do Livro Didático (1939). Foi
professor de História do Brasil e das Américas e membro de vários institutos e academias,
como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a American Academy of Political and
Social Sciences. Diretor da Revista Social (1908-1927), colaborou em inúmeras publicações
em vários Estados e publicou obras como Evangeliário (versos-1907) e Valor social da
castidade (1935). Participou de diversas associações e movimentos católicos, sendo fundador
do Secretariado de Cinema da Ação Católica.
Seu acervo encontra-se, atualmente, no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, onde
são encontrados poemas e recortes de jornais, portarias, pareceres, discursos,
correspondências, crônicas, contratos, impressos, livros didáticos, publicações e trabalhos
sobre educação, língua portuguesa, história geral e do Brasil, cinema educativo, religião e
magistério. Reúne, também, documentos referentes ao Conselho Nacional de Educação e à
Comissão Nacional do Livro Didático, um atlas geográfico, fotos, gravuras e postais
14
.
Jonathas Serrano e Venâncio Filho, ao escreverem Cinema e Educação,
defendiam, veementemente, a utilização do cinema pedagógico adaptado ao ensino.
Provavelmente, o assunto em voga, na época, estava voltado aos receios do professorado em
utilizar o cinema em sala de aula, que no início da obra, os autores se posicionam da
seguinte maneira:
O cinema ainda não encontra, em nosso meio, toda a simpatia e proteção a que faz
juz. No seio do professorado, muitos olham-no com indiferença, alguns com
desconfiança. Há quem francamente o desaconselhe. [...] O valor educativo do
cinema poderá ser ainda posto em dúvida por quem de todo esteja alheado dos
problemas da psicologia pedagógica. A força da sugestão das imagens animadas é
realmente formidável. (SERRANO; VENÂNCIO FILHO, 1930, p. 12-13).
Fica claro o
posicionamento de que os professores não concordavam plenamente
com o uso do cinema como recurso didático, seja por receio de que o novo método auxiliar de
14
Acervo Jonathas Serrano – fundo AP 55 – Arquivo Nacional.
44
ensino pudesse suplantar o mestre, seja porque toda e qualquer novidade traz certa
insegurança ou resistência.
Os autores chegam a apresentar algumas regras para melhor adaptar o cinema ao
ensino, entre elas: tempo de duração dos filmes de acordo com a idade, distanciamento ideal
entre a tela e o espectador, estilo adequado de legenda e montagem. As preocupações deixam
evidentes, que, por mais importante que os educadores considerassem o uso do filme em sala
de aula, as dúvidas sobre sua eficácia como recurso didático, além do desconhecimento de
suas potencialidades, principalmente entre os professores, eram constantes, a ponto de ser
necessário o seu direcionamento correto.
Cumpre esclarecer, no entanto, que em nenhum momento a preocupação voltou-se
à formação do professor e como prepará-lo para o uso do novo recurso. Apenas é suscitada a
importância das imagens na educação: “[...] o filme não é nem pode substituir uma lição e
deve ser feito em colaboração pelo educador e cineasta.” (SERRANO; VENÂNCIO FILHO,
1930, p. 66). Como então saber se o cinema em sala de aula seria utilizado de forma
adequada?
Para os autores, o cinema tinha a propriedade de colocar o espectador interagindo
com a experiência do outro, desempenhando, assim, tarefa relevante no comportamento
social: “O cinema, tal qual o rádio, poderia ser o laço invisível que une milhões de brasileiros
[...], realiza o milagre de mostrar o Brasil todo a todos os brasileiros, o homem do litoral ao do
extremo oeste, o dos pampas ao da Amazônia” (op. cit., p. 68). A imagem em movimento,
portanto, era elevada como elemento essencial no processo de aculturação do indivíduo.
O bom cinema (educativo) e o mau cinema (ficção) também são discutidos na
obra. Segundo as idéias propostas, a maioria dos filmes comerciais causava danos à moral e
aos bons costumes. Essas idéias vão ao encontro do pensamento de Jonathas Serrano, católico
fervoroso, às crenças da Igreja. Por isso, apesar de escrever o livro Cinema e Educação,
partilhando das mesmas concepções do movimento renovador sobre a utilização do filme
como método modernizador da educação, o professor não assinou o Manifesto dos Pioneiros
da Educação Nacional. Sendo católico, ele não concordava com a laicidade do ensino. O
próprio Francisco Venâncio Filho, co-autor do livro, foi um dos 26 educadores que assinou o
Manifesto. A Igreja defendia a pedagogia tradicional e a obrigatoriedade do ensino religioso
no sistema educacional. O grupo dos renovadores almejava tais mudanças (VIDAL, 1994).
15
15
Cumpre destacar que entre o grupo de educadores que assinara o Manifesto havia algumas divergências
ideológicas. Parte era liberal elitista, como Fernando de Azevedo e Lourenço Filho; outros liberais socialistas
como Paschoal Leme e Anísio Teixeira.
45
Em 1931, Serrano fundou o Secretariado de Cinema da Ação Católica, do qual
seria presidente. Até o ano de sua morte, em 1944, publicou vários boletins com apreciação
dos filmes que poderiam ser prejudiciais aos jovens e à católica. Em seus artigos,
encontram-se, ainda, diversos textos datilografados, sem data, intitulados Nota do Dia sobre a
indicação desses filmes.
Entre outros posicionamentos, Serrano e Venâncio Filho destacaram no livro a
atuação do governo italiano ao criar o Instituto Internacional de Cinematografia Educativa. Os
autores defendiam que o poder público brasileiro também deveria organizar uma Cinemateca
Nacional, para que as questões sobre cinema educativo fossem da alçada do governo.
O livro destacou a diferença entre o cinema no ensino e o ensino pelo cinema. O
cinema seria um meio para a educação. Dessa forma, ressaltava a principal diferença entre
instrução e educação, considerando a última como desenvolvimento integral da personalidade
e a primeira como um meio para atingir esse fim.
Em 1931, outra importante obra foi publicada: Cinema contra Cinema, do
cineasta e professor da Faculdade de Direito, Joaquim Canuto Mendes de Almeida. O livro
aborda a questão do cinema educativo x cinema comercial. O autor posiciona-se, claramente,
contrário ao segundo, visto como prejudicial aos jovens. Para ele, era preciso:
Mostrar o Brasil ao Brasil, porque nas faixas civilizadas litorâneas, as massas
bebem, através da imprensa, dos livros, do rádio, do cinema, nas fontes impuras e
suspeitas das informações e quadros do que vai a outros mundos, uma cultura que,
cada vez mais, se divorcia da realidade nacional. (ALMEIDA, 1931, p. 203).
Com esse posicionamento, Canuto ressaltava que devia ser mostrada a cultura
nacional aos jovens e não a cultura estrangeira, propagada no filme comercial.
Lourenço Filho, um dos nomes mais importantes do movimento renovador e
responsável pela Reforma Educacional de São Paulo nos anos 1930-31, foi o responsável pelo
prefácio. Destacou que o cinema não é um fim, mas um meio, partilhando da mesma
concepção de Serrano e Venâncio Filho. Para Lourenço, o cinema permitiria transportar os
homens a conhecer “costumes, habitações, processos de trabalho, flora e fauna de todas as
regiões do globo. [...] prestar seu auxílio às ciências físicas, à higiene, à biologia, aos mais
diversos conhecimentos humanos” (op. cit., p. 6-7). O articulista ainda preconiza sua
importância à compreensão da história e à observação de fenômenos que não poderiam ser
vistos a olho nu, no sentido da técnica cinematográfica.
Essas idéias eram totalmente modernas e avançadas na época. Somente a partir de
46
1970, o filme, através de estudos apresentados pelo historiador Marc Ferro, começou a ser
visto como possível documento da investigação histórica. Para Ferro (1992), o filme pode ser
utilizado como documento primário quando nele forem analisados os aspectos concernentes à
época em que foi produzido (neste caso, destaque aos pesquisadores que analisaram os
documentários produzidos por Humberto Mauro para o INCE para analisar a ideologia da
época e seus objetivos); como documento secundário, quando o enfoque é dado à
representação do passado.
O receio quanto à objetividade histórica do filme foi abordada na obra de Canuto
Mendes, como também na de Jonathas Serrano e Venâncio Filho. A preocupação voltou-se,
sobretudo, à falta de realidade, que poderia fugir do retrato objetivo e científico. Assim, a
proposta apoiava-se numa concepção cientificista, bem comum na ocasião.
De acordo com Canuto Mendes, o Estado deveria, também, realizar o papel de
censor, no intuito de separar o que seria o cinema educador do cinema imoral, defendendo a
possibilidade do poder público tornar-se produtor dos filmes, classificando e distribuindo as
fitas pedagógicas e não pedagógicas – idéia que se conjugaria com a instituição do Decreto da
censura cinematográfica em 1932, e com a criação do INCE, em 1936.
Canuto pensava a educação como um elemento mediador do processo de
adaptação do indivíduo à sociedade (SALIBA, 2003). Essa idéia está baseada nos seus
apontamentos sobre o “cinema mercantil”, quando se utilizou da metáfora: “um indivíduo, um
grupo, uma geração, são como líquidos: tomam os contornos dos vasos que os contêm.”
(ALMEIDA, 1931, p.139). Para ele, a função primordial da sociedade seria a de preparar o
homem moral e intelectualmente, através da educação na família e na escola. A função da
educação seria a de transmitir a cultura, enfatizando o ajustamento do indivíduo à sociedade
concepções herdadas do Positivismo.
Para Saliba (2003), a própria metáfora utilizada por Canuto tinha mais força
retórica do que sua argumentação. O papel da educação acabava sendo superdimensionado.
Através da imagem, poderia-se intervir no campo educacional. Como o aluno era visto como
um receptáculo vazio, seria função da escola prepará-lo moral e intelectualmente, que não
teria somente o poder de transformar e formar o indivíduo, mas também, de corrigir os
problemas da sociedade.
Ao refletir sobre a ação psicológica da imagem, Canuto reforçou a importância do
mestre: “[...] no caso em que o cinema pode substituir o quadro negro, o mapa e as descrições
verbais, é, também, indispensável o comentário do professor para ajustá-lo às peculiaridades e
disposições físicas da classe.” (ALMEIDA, 1931, p.190). Sua obra é de extrema importância,
47
porque destaca o uso de filmes em diversas disciplinas seja no ensino primário, secundário,
superior ou profissional, com ênfase à geografia e à história.
Apesar de indicar qual seria o papel do professor diante do cinema, Canuto não
informa sobre sua receptividade, resistência ou algo parecido. Apenas enfatiza que o mestre
não pode se fechar no mundo escolar.
Os educadores não podem encastelar-se no âmbito da escola, indiferentes ao que se
desdobra fora; devem, antes, ter permanentemente diante dos olhos, a
consideração das forças psicológicas que surgem, crescem e agem, espontânea e
inconscientemente, na sociedade, em colaboração ou detrimento da obra escolar.
(ALMEIDA, 1931, p. 142).
O pensamento de Canuto, adiante de seu tempo, conjuga-se às teorias da
comunicação recentes. Contudo, apesar de justificar a importância de incorporar a tecnologia
em sala de aula, não preocupação com a receptividade do aluno, apenas com o
direcionamento dado pelo professor. A ênfase à participação positiva do mestre estava
relacionada ao fato de que caberia somente a ele dirigir a recepção do filme, complementando
as explicações da imagem.
Um artigo não assinado publicado em 1931 na Revista Escola Nova confirma a
posição de Canuto sobre o fato de que o cinema nunca poderia suplantar o mestre, “[...] mas
auxiliar o ensino estimulando o interesse dos alunos.” (SALIBA, 2003, p. 118). Sobre essa
mesma concepção, Araújo (1939, p. 59), técnico do INCE, escreveu: “muita gente imagina,
que num futuro mais ou menos próximo, o filme falado poderia substituir o mestre. É absurdo
pensar que um meio mecânico possa substituir o espírito humano para a formação dos povos”.
No entanto, nem todos partilhavam dessa idéia. Freire (1933, p. 183), ao falar das
dificuldades de implantar o cinema educativo, afirmou: “com a sua propagação poderia até ser
reduzido o número de professores. Dentro deste plano, os educandos poderiam cumprir o
currículo escolar na metade do tempo”, discordando das opiniões anteriores.
Diversas revistas discutiram o assunto em questão. Entre 1927 e 1937, de acordo
com Morettin (2004), os periódicos pedagógicos oficiais publicaram cerca de 60 artigos sobre
a questão do cinema educativo
16
. As mais importantes publicações foram a Revista Cinearte,
voltada ao cinema, e a Revista Nacional de Educação.
16
Entre esses citamos: Revista Educação, que circulou de 1927 a 1930 e depois se transformou na Revista
Escola Nova; Revista Nacional de Educação e Boletim da Educação Pública.
48
Cinearte foi criada em 1926 por um grupo de intelectuais liderados por Adhemar
Gonzaga, Pedro Lima, Paulo Wanderley, Álvaro Ramos e Mário Behring
17
. Gonzaga,
jornalista e crítico da Revista Palcos e Telas, desde 1920, escrevia na Revista Paratodos com
Mário Bhering a coluna de cinema (SCHVARZMAN, 2004). Em Cinearte, os problemas
sobre o impasse da indústria cinematográfica brasileira foram muito abordados e conforme
Ramos (1989), 80% de suas páginas eram voltadas ao filme estrangeiro.
Para Lucas (2005), Cinearte é um marco no nascimento da crítica cinematográfica
do jornalismo brasileiro. A revista funcionou até 1942, com a publicação de 561 fascículos.
Os críticos articulistas posicionavam-se em favor do filme de “enredo” ou “posado” (ficção)
contra o filme “natural” (documentário). Gonzaga, principalmente, entusiasta do filme
nacional de enredo, tentou, através da revista, contribuir para a realização de filmes na
possibilidade de transformar o cinema brasileiro em uma atividade econômica viável, já que
até 1926, o cinema não tinha qualquer atenção do governo. Para o jornalista, o filme nacional
só não fazia sucesso porque não era visto (op. cit.).
Apesar do seu principal enfoque editorial, Cinearte não podia ficar de fora das
discussões a respeito do cinema educativo, assunto em voga no momento. No mesmo ano em
que fora criada, em seu volume, encontramos artigos sobre o tema, utilizando-se da
mesma ótica apontada anteriormente
18
. Jonathas Serrano e Canuto Mendes publicaram vários
textos no periódico sobre as possibilidades do cinema no ensino.
Entre outros critérios, um dos aspectos muito abordados era como deveria ser feita
a seleção de filmes para crianças. A própria ABE tecia críticas a determinados filmes de
ficção na formação educacional:
Primeiro Os filmes que devem ser recomendados serão os instrutivos, educativos,
didáticos e recreativos, de acordo com a mentalidade da criança.
Segundo Os filmes policiais, os de grandes lances dramáticos ou trágicos e os
passionais não serão de forma alguma recomendados, mesmo que o enredo não seja
contra a moral ou venha como corretivos ou vícios, porque exercem
incontestavelmente perniciosa influência no espírito infantil. (CINEARTE, 1927,
vol.2, nº.52)
Neste mesmo texto, dizia que o cinema é ciência e em matéria de higiene tinha
uma eficácia extraordinária.
17
Antes do surgimento de Cinearte, surgiram no Rio de Janeiro revistas de cinema como: A Fita (1913), Revista
dos Cinemas (1917), Palcos e Telas (1918), Cine Revista (1919), A Tela (1920), Artes e Artistas (1920), Telas e
Ribaltas (1921), Scena Muda (1921) e Foto-Film (1922). Mais informações ver: XAVIER, 1978.
18
O primeiro artigo sobre cinema educativo da Revista Cinearte encontra-se no volume 6, Ano I, 7/04/1926,
conforme coleção disponibilizada no Museu de Arte Moderna – MAM.
49
Em 1931, Sérgio Barreto Filho inaugurou a coluna Cinema Educativo e Cinema
de Amadores, alternando-se em cada edição sobre um assunto
19
. na estréia, fala do livro de
Jonathas Serrano e Venâncio Filho, destacando a importância da obra para o uso do cinema
no ensino, bem como sobre a I Exposição de Cinematografia, realizada em 1929, no Rio de
Janeiro. Em outra edição, Sérgio Barreto aponta que em São Paulo o interesse pelo cinema
educativo era maior que no Distrito Federal, destacando que, após a exposição, nada mais foi
testado ou modificado
20
. Em 1932, Cinearte destacou a fundação da Sociedade Cine-
Educativo Brasil Ltda (SOCEBA), que, mais tarde, ofertaria e venderia uma série de
documentários ao INCE, como veremos no capítulo seguinte
21
.
Em 1938, o articulista faleceu e Jurandyr Noronha, depoente neste trabalho, que
foi a partir de 1950 funcionário do INCE, assumiu os textos da coluna. Em seus artigos
dedicados ao cinema de amadores, destacou a história da cinematografia e as modernas
técnicas de filmagem
22
.
Na entrevista concedida a esta pesquisa, em abril de 2007, Jurandyr Noronha não
explicita detalhes sobre esta fase, dizendo que foi breve
23
. No entanto, seus artigos,
principalmente os de 1938, foram de grande importância, uma vez que ele discorreu sobre o
INCE e sua história, destacou alguns filmes exibidos na época, entre outras características.
Falou, ainda, sobre a filmoteca do Instituto, atividades realizadas, como redução dos filmes
para uso nas escolas, o enfoque dado pelo órgão aos colégios da Capital Federal (Rio de
Janeiro), destacando títulos de física, história nacional e geografia
24
.
Entre alguns filmes produzidos pelo Instituto e comentados pelo articulista
constam: Taxidermia de um pombo, Victória Régia, O Cysne, Cura da raiva, entre outros.
Jurandyr Noronha registrou a disparidade entre o desenvolvimento do cinema educativo
nacional e americano em 1938. Enquanto no Brasil o número total de projetores era de cerca
de 1.391, nos Estados Unidos, a indústria cinematográfica equipou 200 mil escolas do país,
contando com 8.806 projetores
25
.
Através da pesquisa nestes artigos de Cinearte, descobrimos que o Instituto de
19
Vol. 6, nº 292, 30/9/1931.
20
Vol. 6, nº 297, 04/11/1931.
21
A SOCEBA, em 1932, editou um único número da Revista do Cinema Educativo, com objetivo de recomendar
o aparelho adequado a cada escola (MONTEIRO, 2006). Ficava sob sua responsabilidade a assistência técnica
nas instituições escolares.
22
Vol. 13, nº 484, 01/07/1938.
23
A íntegra das entrevistas encontram-se nos anexos da dissertação.
24
Vol. 13, nºs 480, 482, 484, 486, 489, 490.
25
Esses números coincidem com dados apresentados no Histórico do Instituto Nacional de Cinema Educativo do
Arquivo Roquette-Pinto (ABL). Provavelmente, Jurandyr, na época, procurou informações no próprio órgão. Na
entrevista concedida à pesquisadora, ele não se recordou de mais detalhes.
50
Educação do Rio de Janeiro utilizou filmes do INCE o que acabou fomentando a fonte de
busca metodológica deste trabalho. Entre alguns professores citados na revista consta Dr.
Werneck, médico e professor de História Natural. Outros defensores do cinema educativo
elencados foram o sociólogo Oliveira Vianna, a escritora Maria Eugênia Celso, Armando de
Moura Carijó (presidente da ACPB), Monteiro Lobato e Vinícius de Moraes.
O destaque dado ao cinema como antídoto para os problemas da educação nos
periódicos era enorme. O cinema poderia ser importante meio para a veiculação do
nacionalismo que, nos anos compreendidos entre 1930 e 1945, teve destaque nos debates dos
problemas políticos e econômicos brasileiros, uma vez que as novas forças políticas
associadas ao Tenentismo, à emergente burguesia industrial, às lideranças operárias, bem
como aos movimentos artísticos dos anos 1920, e adversárias das oligarquias que até então
detinham o poder, identificavam a solução de seus problemas com soluções do tipo
nacionalista (IANNI apud SIMIS, 1996).
Até 1931, não havia uma censura unificada em relação aos filmes. Era realizada
em cada cidade ou localidade específica através da polícia local ação que se iniciara por
volta de 1928. A partir de toda a literatura existente sobre o uso do cinema na educação e as
pressões intelectuais sobre o assunto, a ABE solicitou ao governo que transformasse a censura
policial em censura cultural. As próprias revistas pedagógicas discutiam o assunto solicitando
maior intervenção do Estado. Dessa forma, os filmes poderiam ser fiscalizados. De acordo
com Schvarzman (2004), até 1932, as opiniões sobre o cinema passavam, unicamente, pelo
viés da moral a exemplo dos livros publicados por Jonathas Serrano e Venâncio Filho
(1930) e Canuto Mendes de Almeida (1931).
O presidente Getúlio Vargas criou, então, uma comissão para elaborar projeto
sobre o assunto, que foi presidido pelo Ministro da Educação e Saúde, Francisco Campos. O
projeto de unificação da censura contou, ainda, com Teixeira de Freitas, Lourenço Filho,
Jonathas Serrano, Venâncio Filho, Mario Bhering, Adhemar Ribeiro, entre outros.
Em 1932, foi publicado o Decreto 21.240 que unificou a censura dos filmes,
criando a taxa cinematográfica para educação popular. A partir daí, todo e qualquer filme
poderia ser exibido se tivesse certificado do Ministério da Educação e Saúde Pública (MES).
O texto também previu a estrutura organizacional da Comissão de Censura, que contava com
um representante do Chefe de Polícia e do Juizado de Menores, o Diretor do Museu Nacional,
um professor designado pelo MES e uma educadora indicada pela ABE (Art. 6º). Roquette-
Pinto foi designado presidente da Comissão e Jonathas Serrano o professor indicado pelo
Ministério.
51
O Decreto fomentou o cinema nacional, facilitando o desenvolvimento da
indústria exibidora com a redução da tarifa alfandegária para importação do filme virgem
(Art.17), o que gerou crescimento no número de salas de cinema pelo país (Roquette-Pinto,
1933). De acordo com o § do Art. 7º, o filme educativo teria por “objeto intencional
divulgar conhecimentos científicos, como aqueles cujo entrecho musical ou figurado se
desenvolver em torno de motivos artísticos, tendentes a revelar ao público os grandes aspectos
da natureza e da cultura”, ampliando o termo educativo a toda e qualquer natureza
informativa. Entre outras providências, obrigava, em seu Artigo 12º, a inclusão de um filme
educativo antes da exibição dos filmes de ficção nas salas de cinema.
O Decreto previu, ainda, em seu Art. 15º, que fosse realizado o Convênio
Cinematográfico Educativo, seis meses após a sua promulgação, prevendo a instituição
permanente de um Cinejornal, de espetáculos infantis quinzenais com finalidades educativas,
incentivo às produtoras de filmes independentes e apoio ao cinema escolar. O Convênio foi
celebrado em 5 de janeiro de 1933, com três meses de atraso.
Na prática, para a Associação Cinematográfica dos Produtores Brasileiros
(ACPB), criada em 1930, o Decreto trouxe, apenas, redução na tarifa do filme virgem, porque
em seu texto, somente a produção do filme educativo é valorizada
26
. Desde o final dos anos
1920, com os ciclos regionais, os produtores cinematográficos vinham tentando reconhecer
sua atividade.
Segundo Schvarzman (2004, p. 117), “Adhemar Gonzaga, através da Revista
Para Todos e, posteriormente, Cinearte, estava ao centro de um grupo que vinha realizando
um incipiente [...], mas bem aceito cinema regional”. Assim, discutia-se a indústria
cinematográfica brasileira: se deveria se dedicar aos filmes “naturais” ou “posados”. A
censura cultural promoveu o filme natural como aparelho de educação, uma vez que, sendo
Roquette-Pinto o censor, acreditava-se que o Estado poderia intervir no cinema, para
transformá-lo além de um simples meio de diversão (SOUZA, 1990). Com o incentivo da
produção cinematográfica vinculada à educação, o próprio Adhemar Gonzaga, defensor do
filme “posado”, passou, então, a produzir filmes curtos (SCHVARZMAN, 2004).
Para Simis (1996), o Decreto não foi bem sucedido, porque quando a ditadura
começou a adentrar nas instituições como o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural
(DPDC) e transformá-lo no Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o projeto do
cinema educativo associado ao cinema de mercado foi descartado como via de
26
Associação Cinematográfica de Produtores Brasileiros. Relatório de Diretoria, biênio 1934/1936. Relator:
Armando de Moura Carijó. Rio de Janeiro: Typographia do Commercio, 1937, p. 4.
52
desenvolvimento e substituído pelo cinema de propaganda, com a produção dos Cinejornais.
Em 1932, outro informativo de grande importância surgiu: a Revista Nacional de
Educação (RNE), que circulou até 1934 com 21 números. Aliada ao cinema e ao rádio, era
publicada mensalmente e voltada à educação e à divulgação científica. De acordo com
Roquette-Pinto (1933), os recursos para manter o periódico provinham da taxa
cinematográfica para educação popular normatizada pelo Decreto 21.240 (Art. 17º). O corpo
editorial era formado por cientistas e intelectuais importantes da época, principalmente do
Museu Nacional. Professores, escolas, prefeituras e diversas associações culturais e de classe
recebiam o periódico gratuitamente.
Duarte (2004) destaca que as temáticas da RNE coincidem, exatamente, com o
que o INCE viria produzir mais tarde: belezas universais e nacionais, como a Vitória Régia;
bustos de brasileiros ilustres como Santos Dumont, Euclides da Cunha; textos de astronomia,
como o mapa do Céu do Brasil; assuntos de biologia, história, entre outros. O lema da revista,
expresso na capa, era: Em todos os lares do Brasil, o conforto da moral da Ciência e da
Arte”.
Com o incentivo ao cinema educativo, o cinema escolar continuava a se firmar
Brasil afora. Pelo Decreto 3.763, de 1932, Art. 7º, o Interventor do Distrito Federal criou a
Biblioteca Central de Educação, que tinha uma Divisão de Cinema Educativo, com objetivo
de fornecer filmes às escolas públicas do Rio de Janeiro. Em São Paulo, em 1933, foi
promulgado o Código de Educação do Estado de São Paulo, através do Decreto 5.884, que
adotou novas disposições em torno do cinema escolar, regulamentadas em 1934, pela circular
24 da Diretoria do Ensino
27
. A Bahia, em 1935, instituiu o rádio e o cinema educativo nas
escolas (ARAÚJO, 1939). Iniciou-se, nesta época, de forma mais organizada, a exibição de
filmes nos espaços educacionais.
Em 1934, foi criado o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC),
pelo Decreto 24.651, subordinado ao Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores. O Art.
2º, alíneas a, b, c referiam-se à utilização, circulação e intensificação de filmes educativos. O
órgão foi reorganizado a partir do Departamento Oficial de Propaganda (DOP)
28
. Com a sua
reorganização, a censura cinematográfica passou a ser controlada pelo DPDC. A Revista
Nacional de Educação passou, então, a ser um órgão de propaganda, desagradando em muito
27
Para mais informações a respeito do cinema educativo em São Paulo ver: MONTEIRO, 2006.
28
O DOP foi instituído em 1931 e suas principais atividades eram voltadas à elaboração de um programa
radiofônico oficial, precursor da Hora do Brasil, retransmitido para todo país, para fornecer informações oficiais
à imprensa.
53
Roquette-Pinto
29
. No mesmo ano, o informativo finalizou suas atividades.
O DPDC tinha como objetivo difundir as ações do governo, mostrando o sentido
de suas realizações e buscando o máximo de apoio e colaboração dos cidadãos. Mais tarde,
deu origem ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado em 1939, que tinha por
finalidade fiscalizar e censurar os meios de comunicação, divulgar as realizações do governo
federal, fomentar a cultura cívica e homenagear os chefes do Estado Novo (SOUZA, 2003).
Em 26 de julho de 1934, assumiu o MES, Gustavo Capanema, que teve
importante influência na reestruturação da educação no país. A partir do momento que o
cinema e a censura saíram da alçada da Educação, começou a articulação em torno da criação
do Instituto Nacional de Cinema Educativo, que começaria a funcionar apenas em 1936, cuja
publicação oficial sairia em 1937, através da Lei 378, de 13 de janeiro.
Na versão de Franco (1987), o surgimento do INCE veio fortalecer o jovem
Ministério, que contribuiu para dar uma nova feição ao país que se queria projetar. Para
Schvarzman (2004), Capanema pretendia reformular o espaço do cinema educativo perdido
no governo. É importante notar que na mesma época da criação do Instituto, também foram
criados o Museu de Belas Artes e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPHAN.
Enquanto o Ministério da Educação realizava o conjunto de reformas que
viabilizariam as mudanças na educação, outras movimentações se fundamentavam no campo
cultural. A presença de Carlos Dummond de Andrade na Chefia de Gabinete de Capanema foi
relevante para que as ações do governo fossem além do projeto de reforma educacional.
Compreendia-se que a tarefa educativa deveria visar mais que a transmissão de
conhecimentos.
Foram envidados esforços para desenvolver-se uma alta cultura no país, em que as
artes e a música participassem da construção da nação brasileira. Assim, o cinema não poderia
ser desconsiderado. Isso se reflete claramente no estilo do INCE, que, como veremos adiante,
ampliou o termo educativo para cultural, realizando filmes de conteúdos diversos, utilizando-
se de música clássica, contos literários, obras de grandes escritores brasileiros, etc.
29
Conforme Histórico do Instituto Nacional do Cinema Educativo. Arquivo Roquette-Pinto (ABL), caixa 4.
54
2.4 INFLUÊNCIA EUROPÉIA NO INCE – REFLEXOS NO GOVERNO VARGAS
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, surgiram vários governos de caráter
fascista, que tinham como principais características a exaltação do nacionalismo, a partir de
promessas que garantiam a superação das crises econômicas. Este foi o marketing necessário
que os líderes precisavam para ter apoio do povo. Como forma de propagar os valores
ideológicos desses governos, o cinema destacou-se como a verdadeiro veículo propulsor.
Para os intelectuais brasileiros, conforme mencionado anteriormente, somente o
Estado deveria ser responsável pelo incentivo ao cinema educativo, através de leis que
obrigassem a produção de filmes desse gênero. A política de proteção ao cinema surgiu em
1932 com a publicação do Decreto 21.240, que regulamentava a censura e a exibição
obrigatória das películas nacionais. Essas movimentações contribuíram para que Getúlio
Vargas se inspirasse nos governos fascistas e utilizasse o cinema como veículo de persuasão e
propaganda.
Em 1934, ao proferir o discurso O cinema nacional, elemento de aproximação dos
habitantes do País, aos produtores cinematográficos nacionais, Getúlio referiu-se ao cinema
como elemento de cultura nacionalista, que influenciava diretamente no raciocínio e na
imaginação. Para ele, o cinema seria “o livro das letras luminosas, no qual as nossas
populações praieiras e rurais aprenderiam a amar o Brasil. Para a massa dos analfabetos, será
esta a disciplina pedagógica mais perfeita [...].” (SIMIS, 1996, p. 16).
Desde 1928, tinha sido criado, na Itália, o L’ucione Cinematografica Educativa
L.U.C.E que tinha como objetivo divulgar a cultura italiana. Na inauguração do Instituto
Luce, Mussolini declarou que o cinema tinha vantagem sobre o livro e o jornal, porque falava
aos olhos, influindo sobre a população analfabeta. Dessa forma, através do cinema poder-se-ia
educar e conquistar as massas iletradas. A Itália tornou-se, a partir de então, referência sobre
cinema educativo no mundo, superando Alemanha e França. Nesse cenário, “a missão do
cinema seria de disseminar conhecimentos acerca dos costumes e da cultura dos povos,
promovendo a compreensão das suas mentalidades e das necessidades.”
30
Com a intenção de reforçar a propaganda do fascismo no exterior, Mussolini
propôs à Liga das Nações a criação de um Instituto Internacional de Cinema Educativo. A
direção ficou a cargo de Luciano De Feo, que convidou Roquette-Pinto a fazer parte da
30
ROSA, Cristina. O cinema educativo através dos discursos de Mussolini e Vargas.
www.mnemocine.com.br/cinema/anpuh2005/anpuh2005i.htm
55
Comissão, já que era presidente do INCE.
Ao analisar a importância dada por Getúlio Vargas ao cinema, a partir de seu
discurso, verifica-se que a reforma da sociedade se deu através da reforma do ensino,
propagando o aspecto centralizador da ideologia nacionalista. No Estado Novo, o cinema foi
utilizado como instrumento de propaganda, colaborando com a construção da identidade
nacional, legitimação do governo e formação do patriotismo. Idealizado como um instrumento
de aproximação da nação, os filmes estimulavam o amor à pátria, a valorização da
miscigenação racial e da cultura nacional, passando por algumas noções de higiene.
Cumpre esclarecer, no entanto, que o INCE foi exclusivamente voltado à
educação e à cultura, ficando a cargo do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) os
filmes de exaltação do governo. Tanto que o diretor do DIP, Lourival Fontes, em 1942, tentou
unir ambos os órgãos, como forma de controlar o INCE. Mas Roquette-Pinto, em relatório
enviado ao Ministro Capanema, apontou suas diferenças, destacadas no capítulo a seguir.
56
3 AS DIFERENTES VISÕES DA NAÇÃO – O INCE
3.1 CRIAÇÃO, INSTALAÇÃO E ASPECTOS GERAIS
Com base no movimento renovador e todo o debate acerca do cinema educativo, o
Ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema, designou Roquette-Pinto como
dirigente do INCE. Capanema também cogitou entregar a direção a Jonathas Serrano. Mas,
segundo Pedro Gouvêa Filho, o Ministro preferiu seguir a indicação de Lourenço Filho de que
Roquette seria o “pai putativo do INCE” (SCHVARZMAN, 2004, p. 134).
No arquivo pessoal de Jonathas Serrano, encontra-se cópia de carta enviada a
Carlos Drummond de Andrade, chefe de Gabinete de Capanema, em 27 de abril de 1935, em
que envia projeto do que seria o Instituto de Cinematografia Educativa, mostrando que o
Ministro, inicialmente, não sabia quem seria o dirigente do órgão. No projeto proposto por
Serrano há algumas idéias semelhantes às de Roquette-Pinto, entre estas organizar uma
filmoteca e biblioteca nacional, produzir filmes de educação popular compreendendo assuntos
médico-sanitários, artísticos, sociais e morais. No entanto, Serrano baseia-se, principalmente,
no Convênio Cinematográfico Educativo, celebrado em 1933, no Rio de Janeiro, cujo texto é,
inclusive, anexado à carta e ao documento enviado a Drummond.
Hernani Heffner, em depoimento oral, faz referência a uma possível inimizade
entre Serrano e Roquette. Não é o que se constata na documentação do professor do Pedro II.
Nos seus arquivos pessoais, encontram-se alguns textos intitulados “Nota do Dia”, nos quais
escrevia para o Secretariado de Cinema da Ação Católica, tecendo elogios ao INCE. Entre
esses, a exibição do filme Um Apólogo – Machado de Assis, produzido em 1936:
À frente do Instituto Nacional de Cinema Educativo está Roquette-Pinto, que alia a
outras qualidades, a de ser, também, um homem de letras e de bom gosto literário; e
a presença, também, no caso muito feliz, de Humberto Mauro como técnico do
Instituto, capaz de realizar algo de belo e de realmente cinematográfico em tal
terreno. E foi assim que tivemos o ensejo, antes mesmo da apresentação ao grande
público na tela do São Luís, de ver o pequeno filme preparado no Instituto Nacional
de Cinema Educativo sobre Machado de Assis [...]. A surpresa foi das mais
agradáveis.
31
31
Nota do Dia – Secretariado de Cinema da Ação Católica. Arquivo Jonathas Serrano, texto datilografado, s/d.
Fundo AP-55. Caixa 18.
57
Em 1936, Roquette elaborou Projeto de Lei Exposição de Motivos sobre a
criação do INCE e o enviou ao Ministro Capanema. O documento é mais completo do que o
encontrado no arquivo de Serrano. Sérgio Vasconcelos, ex-funcionário do INCE, concedeu
entrevista à Rádio MEC, em 1990, e afirmou que o antropólogo vinha amadurecendo a
idéia do Instituto um bom tempo
32
. Na verdade, desde a promulgação da Lei da Censura
Cinematográfica, em 1932, a sua criação vinha sendo pensada. No próprio Convênio de
1933, as atividades começavam a ser delineadas.
No projeto organizado, o Instituto deveria manter uma filmoteca educativa,
produzir, organizar e editar filmes, permutar cópias, examinar e aprovar filmes educativos
existentes no mercado e publicar uma revista especialmente de educação sobre os modernos
processos técnicos. Constava, ainda, ter um representante indicado pelo Diretor em cada
Estado, além de auditório e biblioteca com catálogo de filmes produzidos e editados à
disposição dos professores. Somente em 1946, o regimento oficial do INCE seria editado,
permanecendo com a maioria das propostas iniciais.
Schvarzman (2004, p.137) afirma que Roquette-Pinto não sabia “exatamente
como estruturar a produção dos filmes do órgão”. No entanto, percebe-se que no Projeto de
Lei ficam claros todos os objetivos do Instituto. É verdade que muitos não foram alcançados
na prática: a revista nunca chegou a ser editada e não foram disponibilizados representantes
estaduais, por falta de verba orçamentária. Mas todo o escopo do que viria a ser o INCE foi
descrito, mostrando de que forma deveria ser organizado. É notória, ainda, a semelhança entre
os assuntos publicados na Revista Nacional de Educação (RNE) e na programação da Rádio
Sociedade, ambos dirigidos por Roquette-Pinto, com o que viria a ser a produção dos filmes
do Instituto em sua primeira fase, que coincide com a direção do antropólogo.
Não informações sobre os motivos pelos quais a Revista do INCE nunca foi
editada. Porém, não faltaram propostas para sua viabilização. Em 28 de abril de 1936, a
Gráfica O Cruzeiro enviou a Roquette-Pinto orçamento do seu esboço: 48 páginas P/B,
formato 16x23, capas em duas cores, 1000 exemplares
33
. O poeta Vinícius de Moraes, em
carta enviada a Roquette, chegou a sugerir que o informativo tivesse duas partes: uma sobre a
arte cinematográfica e outra sobre cinema educativo.
Baseado na perspectiva de construir uma identidade nacional moderna e
industrializada, o INCE foi o primeiro órgão do governo planejado ao cinema, tornando-se,
posteriormente, a base de um projeto mais amplo de organizar a produção cinematográfica
32
Disponível em: http://www.soarmec.com.br/svasconcelos.html.
33
Arquivo Pessoal Capanema – FGV. Documento Gc g 1935.00.00/2. De 1934 a 31/10/1944.
58
nacional. A partir da sua criação, o cinema educativo no país, que era incipiente, passou a ter
um novo relacionamento com o poder (GALVÃO, 2004).
O Instituto funcionou por 30 anos e passou por sete governos diferentes: Getúlio
Vargas (1937-45); General Gaspar Dutra (1946-51); Vargas novamente (1951-54); Juscelino
Kubitschek (1955-61); Jânio Quadros (1961), João Goulart (1961-64) e Castelo Branco
(1964-67). É natural que o órgão, pertencente ao Governo, fosse se adequando às
modificações oriundas das transformações governamentais e políticas educacionais, que
acabaram por fortalecer suas diferenças e contradições, em destaque nos capítulos seguintes.
Após a gestão de Capanema entre 1937-45, durante o Estado Novo, o INCE esteve
subordinado a um constante troca-troca de ministros: Raul Leitão da Cunha, Ernesto de
Souza, Clemente Mariani, Eduardo Rios Filho, Pedro Calmon Moniz, Simões da Silva Freitas
Filho, Péricles Madureira de Pinho (interino), Antônio Balbino de Carvalho Filho, Edgar
Rego dos Santos, Cândido Mota Filho, Clóvis Salgado da Gama, Celso Brant, Nereu Ramos
(interino), Pedro Ferreira da Costa.
A autorização para que o Instituto funcionasse foi concedida em 12 de março de
1936, de acordo com despacho presidencial. No documento, consta a contratação de Sérgio
José Alencar Vasconcelos, como secretário dos trabalhos de instalação; Dyonísio dos Santos,
como servente, com salários de Dois Contos de Réis e 500 mil Réis, respectivamente.
Roquette-Pinto, em seu Histórico do Cinema Educativo, declara que o órgão iniciou suas
atividades em 21 de março de 1936, instalando-se na Rua Alcindo Guanabara. No mesmo
ano, em 7 de setembro, foi transferido para a Rua da Carioca, onde funcionava a Rádio PRA-
2, considerada “a menina dos olhos de Roquette.”
34
Em 28 de março, o antropólogo enviou carta ao Ministro Capanema solicitando
autorização para contratação de Humberto Mauro, como técnico cinematográfico; Iracy da
Silva Chaves, como técnico eletricista; Ruy Guedes de Mello, como auxiliar técnico.
Humberto Mauro foi trabalhar no INCE a convite de Roquette, sendo responsável por maior
parte da produção fílmica
35
.
Em 14 de abril, Roquette-Pinto enviou nova documentação ao então diretor geral
da Diretoria de Contabilidade do Ministério da Educação e Saúde Pública, Hilário Leitão,
pedindo autorização para liberar uma verba de 181.591 Mil Contos de Réis para que o
secretário Sérgio Vasconcelos cobrisse o aluguel de três meses das salas 201 e 204, compra de
móveis e material de escritório, máquinas e aparelhos, material técnico de consumo, filmes
34
Metáfora atribuída por Jurandyr Noronha, em depoimento oral, em abril de 2007.
35
Sobre a forma como Roquette e Mauro se conheceram ver: ANDRIES, 2001.
59
educativos para a filmoteca, livros e revistas especializadas. Sérgio Vasconcelos, na mesma
entrevista citada anteriormente, concedida à Rádio MEC, em 1990, confirma a compra e
organização da sala do INCE.
Segundo dados do arquivo Capanema, em 1936, o órgão tinha uma filmoteca
com 115 títulos, entre americanos, ingleses, italianos e alemães, 440 volumes de livros e
assinatura de 30 revistas especializadas. O Ministro também solicitou, no mesmo ano, a
gravação de uma coleção de discos educativos com músicas de câmara, sinfônica e coral,
música popular, hinos e canções populares que poderiam ser colocadas à venda ou
distribuídas gratuitamente pelo INCE. A maioria dos livros da biblioteca foi doação do
próprio Roquette-Pinto, segundo seus arquivos pessoais. Entre esses destacam-se autores
como Jorge de Lima, Visconde de Taunay, Graça Aranha, Pedro Calmon, Cecília Meirelles,
Almeida Prado e Monteiro Lobato. O antropólogo doou 620 obras em 707 volumes ao
Instituto, incluindo diversos títulos sobre cinema. Em 1944, o acervo somava 1950 obras em
2460 volumes e 226 revistas (RIBEIRO, 1944).
Poucos meses após a sua inauguração, foi realizada a primeira exibição pública da
série popular: O Preparo da Vacina Contra a Raiva. Nos arquivos pessoais de Capanema,
contém carta de agosto de 1936, enviada pelo secretário do Rotary Club, Alberto de
Amarante, a Roquette-Pinto, tecendo elogios ao filme.
Embora estivesse funcionando desde 1936, somente em 13 de janeiro de 1937,
começou a existir oficialmente, com a publicação da Lei 378, que dava nova organização ao
MES. No seu Artigo 40, dizia: “Fica criado o Instituto Nacional de Cinema Educativo,
destinado a promover e orientar a utilização da cinematografia, especialmente como processo
auxiliar do ensino, e ainda como meio de educação popular em geral”. No ano anterior, vale
ressaltar que já tinham sido produzidos 30 documentários, dentre eles: Lição Prática de
Taxidermia, Preparação da Vacina contra a Raiva, Barômetros, Os Lusíadas, Um apólogo
Machado de Assis.
A estrutura do INCE foi organizada inicialmente em quatro seções: 1) Expediente
(secretaria, contabilidade, biblioteca e arquivo); 2) Plano (edição de filmes 16 e 35 mm,
sonorização, adaptação, instrução e demonstração a professores, auditório, redação de roteiros
e publicações, inserindo-se o jornal do INCE); 3) Execução (filmagem silenciosa e sonora em
ambos os formatos, sonorização, redução, adaptação de aparelhos, cópias, fonografia,
laboratório de pesquisa e ensaios, microcinematografia e diafilmes); 4) Distribuição
(circulação e distribuição de filmes, cadastro de estabelecimentos, filmoteca, diafilmes,
60
discoteca, revisão e reparo de filmes)
36
.
Em 1946, com a publicação da Lei 8.536, regulamentada pelo Decreto-Lei
20.301, as atividades do órgão foram definidas oficialmente. Além daquelas pré-estabelecidas
por Roquette-Pinto no projeto inicial, o Instituto possuía um serviço de orientação
educacional, que compreenderia seção de estudos e pesquisas, e outra de publicidade; serviço
de técnica cinematográfica, com seções de adaptação, tratamento, filmagem, laboratório e
oficina; serviço auxiliar, composto pela filmoteca e distribuição, biblioteca e portaria.
Competia a essas seções realizar estudos preliminares dos filmes produzidos pelo
INCE, procurando seu valor educacional e bibliográfico; promover pesquisas em escolas e
centros que utilizassem filmes educativos a fim de que as produções fossem feitas conforme
as necessidades dos orientadores educacionais; censurar os filmes que pudessem corromper;
traduzir artigos sobre cinema e educação necessários aos trabalhos do Instituto publicados em
língua estrangeira; organizar a publicidade das produções nas escolas do Brasil e no exterior;
estudar montagens, figurinos e músicas a serem encenados; conservar em bom estado o
estúdio e todo o material técnico de exibição e sonorização; fazer a tiragem das cópias,
aumentos, reduções e fotografias; conservar os originais das produções cinematográficas e
fonográficas; listar estabelecimentos de ensino oficiais e privados; fazer a distribuição das
produções, registrando suas saídas e entradas; conservar os catálogos atualizados; manter
catalogada a quantidade de material distribuído.
A filmoteca, organizada por Beatriz Roquette Bojunga, filha de Roquette-Pinto,
continha todas as informações peculiares sobre as instituições escolares e culturais. Mas a
documentação burocrática do órgão não foi encontrada. Não há como confirmar se foi perdida
acidentalmente ou destruída. Por sorte, ainda está para ser encontrada
37
.
A seção de distribuição possuía livro de registro de assistência técnica com
informações sobre projetores e telas emprestadas, fornecimentos de filmes, etc. Também
continha fichários de classificação das escolas divididos por estado, subdivididos em cores. O
INEP e as Secretarias de Educação auxiliaram na sua organização. Com essas informações,
seria possível mensurar a recepção dos filmes e as instituições que utilizaram os serviços do
INCE. Conforme Ribeiro (1944), a única informação que existe a respeito das escolas data de
1943. Nesta época, havia 232 instituições cadastradas em todo o país, sendo 131 no Rio de
Janeiro e 101 nos demais estados.
36
Conforme arquivo Roquette Pinto da ABL. Caixa 4.
37
Gilberta Noronha, em depoimento oral, informa que a documentação foi destruída.
61
Na filmoteca era realizada toda a produção necessária dos filmes como filmagem,
revelação, montagem e sonorização. O INCE promovia exibições diárias para professores e
estudantes em seu auditório, das 9 às 11h e das 14h às 18h. Os filmes eram produzidos em 16
mm para as escolas e transformados em 35 mm para as salas de cinema
38
. Duravam cerca de 5
a 40 minutos, dependendo do assunto. Difundidos pela Distribuidora de Filmes Brasileiros,
eram, ainda, projetados no circuito comercial antes dos longas-metragens.
Foram produzidos documentários científicos, preventivo-sanitários, de educação
física, históricos, de geografia, artes aplicadas, meio rural, atividades econômicas, astronomia,
agricultura, aviação, botânica, infantis, animação, dança, música folclórica, riquezas naturais,
etnografia, indústria, medicina, saúde pública, zoologia, nutrição, entre outros
39
. Na
diversidade de assuntos, nota-se a necessidade de tudo se fazer e mostrar.
De acordo com arquivo Capanema, em 1941, o INCE tinha cerca de 528 filmes
entre editados, adaptados e adquiridos. O Instituto havia produzido 257 filmes, sendo 216 de
16 mm; 41 de 35 mm. Conforme Souza (1990), até esta data, tinham sido produzidos cerca de
207 títulos. A divergência nesta quantificação já aponta que muitos filmes se perderam ou não
foram registrados no Livro de Tombo.
40
Além da produção interna, o INCE adquiria filmes de produtoras e realizadores
independentes nacionais e estrangeiros sob forma de compra, oferta ou permuta. A análise dos
filmes a serem comprados era feita pela Comissão Consultiva, criada conforme Art. do
Decreto 20.301. Este grupo era formado por cientistas e artistas. Interessante notar que o texto
não ressalta a participação de educadores. Galvão (2004) entrevistou o professor Sylvio Valle
Amaral, em 2003, que lecionou na Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO) e na Escola de
Comunicação da Universidade do Rio de Janeiro, que fez parte desta Comissão. De acordo
com o professor, os filmes comprados eram analisados sob a ótica do conteúdo e da técnica
cinematográfica e considerados inadequados quando, ao invés de educar, deseducavam
41
.
Na listagem de filmes adquiridos nota-se que os assuntos eram convergentes
àqueles produzidos internamente pelo Instituto. Muitos títulos atribuídos a Humberto Mauro,
na verdade, só foram reaproveitados ou refilmados pelo cineasta.
38
Alguns filmes, comprados em 35 mm, eram reduzidos para 16 mm para exibição nas escolas.
39
Conforme Catálogo de títulos disponibilizado por Souza (1990).
40
A listagem completa dos filmes produzidos e adquiridos pelo INCE consta nos anexos. Souza (1990), através
do Livro de Tombo, mapeou os filmes produzidos. Como tivemos acesso ao documento, optamos em divulgar
todos os títulos que faziam parte da filmoteca, já que estes também eram exibidos nas escolas, conforme
depoimentos orais colhidos para esta dissertação.
41
Tentamos estabelecer contato com o professor Sylvio Valle Amaral, também por sugestão de Jurandyr
Noronha, no intuito de identificar mais detalhes sobre o assunto. Sr. Sylvio faleceu em 2006.
62
Humberto Mauro, na coluna Figuras e Gestos, publicada em 23 de março de
1944, na Revista Scena Muda, escreveu que os filmes comprados eram “cozinhados” para que
se adequassem às regras adotadas pelo INCE. Caso não pudessem ser aproveitados, por conta
da inexistência de movimento ou criatividade, seriam feitos diafilmes
42
das películas
também destinados aos professores como apoio às suas aulas.
Roquette-Pinto referia-se aos diafilmes como “verdadeiras lições em conserva”.
Eram fornecidos às escolas metros de rolos sobre os mais diversos assuntos. O material de
projeção fixa era bastante usado porque o projetor de 16 mm era muito caro. O problema mais
sério era a necessidade de introduzir na escola o cinema sonoro de 16 mm. De acordo com
Araújo (1939), o INCE, para minimizar o problema, adaptou o sistema de som aos projetores
silenciosos, aproveitando o amplificador e alto-falante do rádio (vitaphone). Na própria
documentação de Roquette, encontra-se carta com orçamento para instalação sonora portátil
para cinema, no valor de 20 Contos de Réis, enviada pelas Instalações Sonoras e Material para
Cinema em Geral de E. Guimarães e Araújo, de 28 de abril de 1936.
Bandeira Duarte (1961, p. 89), chefe do Departamento de Orientação Educacional
do INCE na gestão de Pedro Gouvêa, ressaltou que a projeção fixa de diafilmes e slides
substituiria mapas e quadros ilustrativos, de acordo com a seleção do professor. O INCE fazia
os roteiros explicativos que acompanhavam os filmes silenciosos e os diafilmes. Seu uso
adequado também era recomendado: “o professor deve estudar cuidadosamente as imagens
contidas nas lâminas e considerar o texto apenas como guia. Em nenhum caso, esse texto
deverá ser lido para os alunos”.
Galvão (2004, p.77) realizou entrevista com Davi Penna Aarão Reis e Geraldo
Pinto Vieira
43
, que foram professores de Geografia e História no Colégio Pedro II,
respectivamente, e utilizaram os diafilmes nas décadas de 1950 e 60. Os depoentes declararam
que muitos professores ainda viam com desconfiança as modernas ferramentas no ensino,
afirmando que outros mestres “estavam enrolando a aula”. Isso confirma que as dúvidas
existentes sobre o uso do cinema como recurso didático não eram exclusivas da década de
1930, mas perdurou, pelo menos, por mais 20 anos.
Também era permitido que professores e pesquisadores filmassem suas atividades
nos estúdios do Instituto, no intuito de documentar as descobertas e divulgá-las pelo país.
Dessa maneira, muitos filmes científicos filmados por Mauro e assessorados por médicos e
42
Fotografia em filme para projeção. Reunião, na mesma película, de várias imagens diferentes para projeção
por transparência, uma a uma.
43
Sr. Davi Penna Aarão Reis faleceu em 2006, mas Geraldo Pinto Vieira é depoente nesta pesquisa.
63
cientistas foram produzidos, mostrando a importância do INCE na divulgação científica
brasileira. O criador do Laboratório de Biofísica da Universidade do Brasil, Carlos Chagas
Filho, documentou vários trabalhos, bem como o professor Maurício Gudin, da Beneficência
Portuguesa, e o Professor Cardoso Fontes, do Instituto Oswaldo Cruz.
Outras grandes personalidades de renome fizeram parte do que seria a Comissão
Consultiva do INCE, entre elas: Paulo Roquette-Pinto, Melo Barreto e Alfredo Peres Lopes
(Zoologia); Américo Braga, Agnaldo Alves Filho, Bastos D´Ávila, Décio Parreiras, Vital
Brasil, Evandro Chagas, Miguel Osório Pereira, Carlos Chagas, Ermírio Lima, Gil Comenaro,
Otávio de Magalhães, Eduardo Oswaldo Cruz e Rocha (Medicina); Alírio de Matos,
Francisco Gomes Maciel Pinheiro, Oscar D´Ultra e Silva (Física); Pereira Reis (Astronomia);
Alcides Silva Jardim (Química); Theodomiro R. Pereira, Tasso da Oliveira, Armando Barros
(Indústria); Maurício Gudin, Chicralla Haidar, Maria Chatalár Chaves e Oswaldo Magella
Bijos (Ciências Humanas e Artes); Afonso de Taunay, Pedro Calmon e Paschoal Leme
(História); Cândido Portinari, Oscar Niemayer, Santa Rosa, Henrique Oswald e Carlos
Cavalcanti (Artes Plásticas); Vera Brabinoka e Pierre Michailowsky (Dança); Heitor Villa-
Lobos (Música); Lúcia Miguel Pereira e Pedro Calmon (Literatura)
44
.
O Instituto era ponto de visitação de professores e estudantes, principalmente de
escolas públicas, através do curso de férias do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
(INEP), dirigido por Lourenço Filho. Visitantes estrangeiros ilustres como Orson Welles,
Walt Disney, John Ford e Nelson Rockfeller, que vieram ao Brasil em 1942, também foram
ao INCE conhecer o único órgão oficial do governo brasileiro voltado ao cinema
45
.
Em dezembro de 1936, Roquette viajou à Europa para conhecer o trabalho
dedicado ao cinema educativo que vinha sendo desenvolvido na Itália, Alemanha e França.
Na ocasião, manteve contato com Luciano de Feo, fundador do Instituto Luce, da Itália, que o
convidou para integrar o quadro do Instituto Internacional de Cinema Educativo, do qual se
tornou membro consultivo. Para constar no catálogo do Instituto Internacional, foi enviada
cópia de Lição Prática de Taxidermia – primeiro filme produzido pelo INCE.
O antropólogo também trocou informações com Jean Painlevé precursor de
filmes científicos na França e importante personalidade sobre o assunto, responsável, em
1930, pela criação do Institut de Cinematographique (ICS); pela Association pour la
Documentation Photographique et Cinematographique dans Sciences, em 1933; e pela
44
Arquivo Roquette-Pinto, ABL.
45
Jurandy Noronha, em depoimento oral, conta que Orson Welles ficou impressionado com a agilidade de
Manuel Ribeiro na produção de iluminação de filmes e o convidou para realizar um estágio com ele em
Hollywood. Isso só não foi possível porque logo em seguida começou a Guerra.
64
Association Internacionale de Cinematographique Scientifique (AICS), em 1947 (GALVÃO,
2004). Roquette integrou a vice-presidência da Secretaria da AICS e no ano de sua fundação,
apresentou os seguintes filmes: Coração sico de Ostwald, Convulsoterapia Elétrica,
Movimentos Protoplasmáticos da Célula Vegetal e Epilepsia Experimental.
Ao voltar da viagem, o antropólogo apresentou ao Ministro Capanema relatório
sobre as características do cinema educativo realizado naqueles países. Falou do entusiasmo
com o cinema sonoro, principalmente os Estados Unidos, que estavam investindo neste tipo
de filme educativo de 16 mm. Roquette defendeu seu uso, esclarecendo que desprezá-lo seria
abrir mão de 50% das suas possibilidades. Na França, elogiou as salas especializadas e o
Serviço de Projeções Luminosas, instalado no Museu Pedagógico, que mantinha uma seção
de estudos e pesquisas sobre cinema educativo e realizava empréstimo de filmes
gratuitamente. Os projetores não eram emprestados, mas o Ministério da Instrução Pública
subvencionava a sua compra pelas escolas idéias que Roquette sempre tentou implementar,
mas não obteve sucesso.
Em seguida, apontou as características do Instituto Alemão e Italiano. No
primeiro, havia uma separação entre o cinema educativo e o de propaganda, que, em sua
opinião, era atitude acertada, lamentando a existência de um cinema voltado aos interesses do
governo. Na Itália, no Instituto Luce, havia uma separação entre cinema escolar e popular,
mostrando que o segundo prejudicou o primeiro, devido à concorrência.
No documento elaborado ao Ministro, apesar de focalizar a estrutura de cada
Instituto Internacional, o diretor destacou que o órgão brasileiro não seguia nenhum modelo,
exacerbando, claramente, sua vocação meramente educativa e contrária à propaganda. Na
Itália, por exemplo, dizia Roquette, o Instituto LUCE estava diretamente subordinado ao
gabinete de Mussolini, enquanto no Brasil, o INCE estava subordinado ao MES tendo,
inclusive, certa autonomia.
Outra preocupação visível no relatório apresentado referia-se ao custo muito alto
do filme virgem importado, que cerceava a produção cinematográfica no Brasil. O
antropólogo chegou a sugerir que a película virgem fosse produzida internamente, sob
indicação de técnicos italianos e alemães. O algodão pólvora, utilizado pelo Ministério da
Agricultura, teria nova aplicação, sendo a celulose a matéria-prima do filme. No entanto, a
produção interna nunca foi concretizada.
No mesmo ano, Roberto Assumpção de Araújo, membro do Clube de Cultura
Moderna e entusiasta de cinema, que, mais tarde, trabalhou no INCE, já tinha ido à Alemanha
e a pedido de Capanema obteve informações sobre o cinema educativo de lá, apontando
65
diferenças entre o cinema didático e de propaganda. Assumpção destacou que em 1934 o
Departamento de Filme Educativo alemão tinha equipado 6600 escolas e produzido, até
1936, 322 filmes científicos
46
.
Apesar de Roquette defender que o INCE tinha um viés puramente educativo,
Galvão (2004, p. 61) discorda e afirma que os filmes tinham cunho propagandista. De acordo
com a pesquisadora, “o órgão não era tão independente assim, pois estava atrelado ao governo
não pelo fato de ser mantido por ele, mas também por fazer propaganda política pró-
Vargas”. O Instituto esteve presente em vários acontecimentos do MES, como é o caso da
filmagem da visita do Ministro da Educação nas instalações da Rádio Sociedade PRA-2
(7/9/1936), filmagens sobre o Dia da Pátria, Dia da Bandeira, entre outras. Schvarzman
(2004) analisa, porém, que as filmagens eram reportagens e tinham cunho cívico e
nacionalista, onde o próprio Getúlio Vargas aparecia de forma distante, sem exaltação de sua
pessoa, o que não caracteriza o estilo de propaganda. Nos filmes do DIP a figura do
presidente era exaltada.
Getúlio Vargas se preocupou com a propaganda do Estado desde o Governo
Provisório, quando foi criado, em meados de 1934, o Departamento de Propaganda e Difusão
Cultural DPDC. Com este órgão, a intenção de Vargas era controlar os meios de
comunicação, instituindo a Hora do Brasil, programa oficial do Governo transmitido por todas
as rádios, existente até os dias atuais. Em 1935, o setor transformou-se em Departamento
Nacional de Propaganda, sendo dirigido por Lourival Fontes.
Após o golpe do Estado Novo e o fechamento do Congresso em 1937, surgiu o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que iniciou suas atividades em 1939. O novo
órgão detinha todo o controle dos órgãos da imprensa, atividades artísticas e culturais. O DIP
contava com a sede central e com os DEIPS (Departamentos Estaduais de Imprensa e
Propaganda), criados, em 1940, pelo Decreto-lei 2557, de 4 de setembro, espalhados por
todos os estados do país com interventores, correios e telégrafos e as polícias federal e
estadual.
Se os meios de comunicação eram totalmente controlados, as informações
chegavam até as pessoas tidas como verdades. A sua influência alcançava tanto o conteúdo
das manchetes e artigos dos jornais, quanto o setor da educação no Brasil. As escolas
deveriam, obrigatoriamente, adotar livros didáticos editados pelo Departamento, além de uma
vasta literatura dedicada aos jovens e adultos. O consumo desse tipo de obra, tanto didática
46
Arquivo Roquette-Pinto, ABL. Caixa 8.
66
quanto literária, era incentivado e propagado nos jornais, porque a circulação de trabalhos que
não tivessem a liberação do DIP era impedida.
Tendo o DIP alcance no setor educacional, seria natural que Lourival Fontes se
interessasse pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo, no intuito de controlar suas
atividades e as informações que chegavam às escolas através dos filmes. Por isso, chegou a
redigir e encaminhar a Vargas um projeto de Decreto em que o INCE, a Rádio Educativa e o
Serviço de Informação Agrícola do Ministério da Agricultura (SIA) fossem absorvidos pelo
DIP, em nome da unidade política. O SIA também produzia filmes e tinha uma circulação
comercial por meio da Distribuidora de Filmes Brasileiros
47
. Mas Lourival não obteve
sucesso. A influência de Capanema e Roquette-Pinto foram essenciais para que o Instituto se
mantivesse no Ministério da Educação e Saúde Pública.
Roquette, em seus diversos relatórios, fazia questão de enfatizar a vocação
meramente educativa do órgão. A propaganda do governo ficava com o DIP através dos
Cinejornais Brasileiros. Em 11de julho de 1942, o antropólogo redigiu carta ao Ministro da
Educação e destacou as diferenças entre o INCE e o DIP. Ressaltou que o primeiro servia
unicamente à educação e à cultura do país e que o cinema com fins de propaganda na
Alemanha e na Itália eram independentes do cinema educativo. Esclareceu, ainda, que a
aparelhagem de ambos eram completamente diferentes, que o primeiro trabalhava com
filme sub-standard 16 mm e o segundo, standard 35 mm.
Para dar mais embasamento ao texto, Roquette registrou alguns documentários
que já haviam sido produzidos, destacou a diferença de assuntos filmados pelo DIP e apontou
os objetivos positivos alcançados pelo Instituto, como a distribuição de filmes em 175 escolas
cadastradas pelo país, 720 projeções em seu auditório, intercâmbio com países como Chile,
Argentina, Estados Unidos, Japão, França, Portugal, entre outros.
Fica claro que, após o surgimento do DIP em 1939, as reportagens sobre o
governo desapareceram da filmografia do INCE, conforme catálogo disponível. Talvez
porque começou a haver separação entre o que seria produzido por um órgão e outro, por
pressão de Lourival Fontes
48
.
O intercâmbio firmado entre países estrangeiros, citado por Roquette no relatório,
havido sido assinado por ocasião da Conferência Interamericana de Consolidação da Paz, em
47
Em 1945, tinha alcançado 250 filmes com 1250 cópias em circulação (SOUZA apud SIMIS, 1996).
48
Souza (1990) informa que a historiografia sobre o DIP exagerou seu alcance. Os Cinejornais não tinham
distribuição assegurada nas salas de exibição, concorrendo com outros filmes. O órgão foi ter um laboratório
cinematográfico próprio em 1945. Dependia de estúdios como da Cinédia, por exemplo. Daí já mostra o
empenho de Lourival Fontes em tentar encampar o INCE, que tinha toda uma estrutura montada desde 1936.
67
23 de dezembro de 1936. A convenção sobre facilidades aos filmes educativos ou de
propaganda havia sido estabelecida no Decreto 2.762, em junho do mesmo ano. Por meio da
Convenção, a exportação dos filmes pelos países produtores ficava isenta de taxas
alfandegárias e impostos, desde que os assuntos fossem considerados educativos ou de
propaganda. Os países que assinaram foram: Argentina, Brasil, Paraguai, Honduras, Costa
Rica, México, Peru, Estados Unidos da América, Chile, Equador, Haiti, Cuba, Venezuela, São
Salvador, Uruguai, Guatemala, Colômbia, Bolívia, República Dominicana e Nicarágua
49
.
A exibição dos filmes do INCE pelo mundo afora era muito representativa.
Poucos países tinham produção tão densa. Foram enviados filmes para Veneza, Chile,
Uruguai, França, Japão, Estados Unidos, Dinamarca, Colômbia, Portugal, Suíça, Paraguai,
Argentina e países da Europa e Ásia.
Os quadros a seguir apresentam esboço de alguns filmes enviados:
1938:
PAÍS FILME
Uruguai Exposição do Livro Brasileiro. Intermédio do
Embaixador Batista Luzardo
Dia da Pátria, Inconfidência, A Borracha
Victória Régia, Parafuso
Uruguai – Intermédio do professor Carlos Chagas Puraquê, Miocárdio em Cultura
Veneza – Festival Victória Régia, Céu do Brasil, Dia da
Pátria
Chile Solenidade comemorativa do centenário da
Universidade de Santiago. Intermédio do professor
Leitão da Cunha
Febre Amarela, Carlos Gomes, Lagoa
Santa, Antropologia brasileira (diafilme)
Chile – Conferência Científica Internacional Dia da Bandeira, Franklin Roosevelt,
Preparo da vacina contra a raiva,
Victória Régia, Museu de Belas Artes
(diafilme), Museu Nacional (diafilme),
Antropologia brasileira (diafilme)
Tabela 1 – Filmes enviados a países estrangeiros em 1938.
1939:
PAÍS FILME
Dinamarca
Victória Régia, João de Barro, Visão Amazônica
Estados Unidos Feira Mundial de Nova
York
Método operatório do Dr. Gudin, Fisiologia
Febre Amarela (2 partes), Fluorografia Coletiva
Aviação Naval, Abastecimento d’água no Rio (4
temas), Serviço de esgotos no Rio de Janeiro,
Prevenção contra a tuberculose, Leishmaniose
visceral americana, Tripanossomíase americana
Instituto Oswaldo Cruz, Propriedades Elétricas do
Puraquê, Estudo das grandes endemias
Colômbia
Victória Régia, Céu do Brasil
México
Victória Régia, Franklin Roosevelt, João de Barro
Faiscadores de ouro, Cerâmica Artística do Brasil
Pedra da Gávea, Rio Soberbo
Tabela 2 – Filmes enviados a países estrangeiros em 1939.
49
Arquivo Roquette-Pinto, ABL.
68
1940:
PAÍS FILME
Portugal Missão Brasileira aos centenários
de Portugal
Dia da Bandeira, Febre Amarela, Visão da
Amazônia, João de Barro, Franklin Roosevelt
Um Apólogo, Victória Régia, Céu do Brasil
Taxidermi, Puraquê
Japão
Permita técnica de todo operatório do Dr.
Gudin
França intermédio do professor Miguel
Osório de Almeida
Fisiologia Geral
Suíça intermédio do Dr. Roberto Magno
(Comissão do MES)
Parafuso, Rumo ao campo
Tabela 3 – Filmes enviados a países estrangeiros em 1940.
1941:
PAÍS FILME
Paraguai intermédio do Professor Lourenço
Filho (INEP)
Parafuso, Victória Régia, João de Barro, Bronze
Artístico, Lapidação do diamante, Dia do Marinheiro
Franklin Roosevelt
Estados Unidos intermédio da Embaixada
Americana no Rio
A balata, A borracha, Castanha, Visão da Amazônia
Fauna Amazônica
Estados Unidos intermédio da Srª Noemi
Silveira
Rumo ao campo, Victória Régia, Moeda, Céu do
Brasil, Parafuso, João de Barro
Estados Unidos intermédio do professor
Miguel Osório
Fisiologia geral
Argentina intermédio dos professores Carlos
Chagas Filho e Miguel Osório
Vários filmes científicos
Tabela 4 – Filmes enviados a países estrangeiros em 1941.
A maioria dos filmes enviados aos eventos era científica, mostrando a importância
do assunto na ocasião. Os assuntos provocaram grande repercussão na academia científica
internacional e permitiram que, mesmo após a saída de Roquette do INCE, em 1948, pudesse
assumir a vice-presidência do Instituto de Cinematografia Científica de Paris
50
.
É válido notar que dos filmes apresentados, também foram enviados títulos
adquiridos e adaptados pelo INCE como: Rumo ao campo, A Balata, Fauna Amazônica, A
Borracha.
A participação do Brasil no Festival de Veneza, em 1938, estreou a entrada
brasileira nos festivais cinematográficos internacionais. Nenhum dos filmes foi premiado. No
entanto, Humberto Mauro informou que a imprensa italiana ficou encantada com Victória
Régia
51
. A participação do INCE no Festival foi muito importante. O cineasta também levou
O Descobrimento do Brasil, que, segundo ele, causou boa impressão, mas não obteve a
50
Conforme Arquivo Roquette-Pinto, ABL.
51
Mauro, portanto, o primeiro cineasta brasileiro a participar de um evento internacional de cinema.
69
repercussão esperada
52
.
O Descobrimento do Brasil e sua influência nos filmes seguintes
Em 1937, foi lançado o filme O Descobrimento do Brasil
53
, de Humberto Mauro.
Produzido pelo Instituto Cacau da Bahia, contou com a participação de Affonso de Taunay e
Roquette-Pinto como roteiristas. A trilha sonora é de Villa-Lobos, que compôs especialmente
para o filme. Baseado na Carta de Pero Vaz de Caminha, de 1500, é a única obra do cinema
brasileiro que fala sobre o nascimento da nação.
A encenação percorre documentos escritos e iconográficos, como o quadro de
Victor Meirelles de 1860, onde é retratada A Primeira Missa (MORETTIN, 2001). Mauro
reproduziu nas imagens o que continha na tela o mais fiel possível. O filme é a transcrição do
que diz a Carta. As idéias apresentadas condizem com a filosofia positivista de Roquette-
Pinto e, dessa maneira, são apresentados o branco e o índio, de forma que a supremacia do
mais forte tende a prevalecer. O filme procura apresentar a cultura, a civilização e a
ancestralidade brasileira de forma digna (op.cit.).
Apesar de ter sido produzido fora do Instituto, o filme foi incorporado ao INCE,
sendo feitas cópias paras as escolas em 16 mm. De acordo com Schvarzman (2004, p.138), o
enredo serviu como a Carta de Intenções do Instituto, orientando suas diretrizes pedagógicas:
“louvando a glória, a intrepidez e o novo saber científico que deu vigor às descobertas
portuguesas no mundo”. Todo o ideário dos filmes foi baseado, posteriormente, no estilo
nacionalista do Descobrimento do Brasil, veiculando a mentalidade saneadora da época pelos
feitos do Estado.
O filme foi exibido pela primeira vez em 30 de novembro de 1937 e lançado
comercialmente em 6 de dezembro. Apesar do alto investimento para produzi-lo, o público
não se mostrou muito interessado, sendo um fracasso de bilheteria, o que mostra o
distanciamento entre produção e recepção. De acordo com Morettin (2001), a exibição, em
1938, restringiu-se ao Rio de Janeiro e não chegou a São Paulo e à Bahia Estado, que,
inclusive, o financiou. O filme foi exibido em Portugal, mas não gerou interesse nos
52
Conforme Arquivo Roquette-Pinto, ABL.
53
O pesquisador Eduardo Morettin (2001) analisa a obra sob o enfoque historiográfico e, sobretudo, pela
utilização da imagem visual como recurso pedagógico. A pesquisadora Carolina Cavalcanti (UNICAMP)
também está desenvolvendo pesquisa sobre o filme.
70
Descobridores.
Embora tenha fracassado no ato de lançamento, ao longo dos anos, O
Descobrimento do Brasil foi ocupando didaticamente seu lugar de destaque. O interesse das
escolas para suprir as lacunas de material audiovisual, acabou por influenciar, em 1990, uma
primeira edição em deo pelo Centro Técnico Audiovisual (CTAv) no Rio de Janeiro
instituição que herdou o material fílmico do INCE.
Em 1997, quando do centenário de Humberto Mauro, o filme foi revitalizado pela
FUNARTE. A restauração recuperou as imagens e também parte da música de Villa-Lobos.
Isso gerou muitas críticas e desde 2001, a edição em DVD traz as versões original e
restaurada. No ano de comemoração dos 500 anos do Descobrimento, as imagens foram
transmitidas em instituições culturais e na televisão. Por conta disso, o filme consagrou-se
nacionalmente. Muitos professores de história, hoje, utilizam-no em suas aulas
54
.
Em 1939, o INCE contava com cerca de 18 funcionários além de seu Diretor.
Como secretário intendente, Sérgio José Alencar de Vasconcellos; como técnico
especializado, Humberto Mauro; como ajudantes técnicos: Hylda Smith de Vasconcellos,
Iracy da Silva Chaves, Judith de Andrade Correa, Manoel Pinto Ribeiro, Maria Beatriz
Roquette-Pinto Bojunga, Matheus Colaço, Oscar Câmara de Meira, Iolanda Álvares de Castro
e Erich Walder; como auxiliares Heloisa Camargo de Azevedo, Laura Avellar Figueira de
Mello e Ruy Guedes de Mello; e como serventes: José Cosme Dias, José Evaristo de Lima,
Ladislau Colaço e Manoel Joaquim Guedes
55
.
Em 1939, Roberto Assumpção de Araújo apresentou tese para concurso de
Técnico em Educação: O Cinema Sonoro e a Educação
56
. A obra discorre sobre a origem e a
evolução do cinema, cronologia, educação extraescolar, cinema e estado, censura
cinematográfica, cinema educativo no mundo e no Brasil, com destaque ao INCE. O autor,
logo no primeiro capítulo, declarou que o cinema é uma escola viva para a criança.
Partilhando das mesmas idéias dos livros mencionados, Araújo argumenta que o
cinema exerce influência nos cérebros em formação para o bem e para o mal, para o belo e
para o feio, moldando o caráter e desenvolvendo aptidões. Para o autor, a criança aproveita
duas horas de exibição de um filme com muito mais entusiasmo do que a leitura de um livro,
cuja matéria não consegue assimilar. Entre outras concepções, elogia o filme O
Descobrimento do Brasil, de Humberto Mauro, e faz referência à sua importância como
54
Pesquisas sobre o uso de filmes em sala de aula na disciplina de História indicam-no em suas listagens.
55
Conforme Arquivo Gustavo Capanema – FGV.
56
Por recomendação da Dra Sheila Schvarzman tentamos contato com o Sr. Assumpção, no intuito de entrevistá-
lo para esta pesquisa. Infelizmente, ele falecera em fevereiro de 2007.
71
documento histórico. Também defende que o cinema em matéria de higiene cumpre uma
missão “mil vezes duradoura” do que lida (ARAÚJO, 1939, p.35).
Em seguida, o autor evidencia como devem ser as exibições dos filmes e sua
produção: clara, simples, de fácil acesso. Essas idéias permaneceriam por muito tempo entre
os ideários do INCE. Humberto Mauro, na coluna Figuras e Gestos, da Revista Scena Muda,
em 1944, escreveu os procedimentos para a projeção de um filme educativo:
Primeiro: Todo filme deve ser falado. Se ele é mudo, fala o professor durante a
projeção. Segundo: Depois de passado o filme, o professor solicitará dos alunos um
resumo escrito. Terceiro: Este resumo deve ser comentado na classe, com o fim de
pôr em relevo a precisão e as deficiências de observação de cada aluno. Quarto: O
filme deve ser projetado novamente, ficando a classe entregue a si mesma. (SCENA
MUDA, vol. 23, n.12, 1944, p.25).
Essas preocupações em direcionar o professor para o uso dos filmes vinham desde
1930, com a publicação de Cinema e Educação. Isso significa que 10 anos após a I Exposição
de Cinematografia Educativa, o uso do cinema como recurso auxiliar ainda não havia se
consolidado. Assumpção explica no livro que o conhecimento produzido pelo filme
aconteceria mais tarde, quando o professor discutiria com os alunos o que foi exibido,
refletindo sobre o assunto, tal qual Humberto Mauro comenta no trecho transcrito de seu
artigo.
As recomendações sugeridas por Assumpção e Mauro constavam entre os
postulados do INCE e eram ensinados pelo próprio Roquette-Pinto:
Todo filme deve ser:
1) Nítido, minuciosamente detalhado;
2) Claro, sem dubiedade de interpretação dos alunos;
3) Lógico, no encadeamento da seqüência;
4) Movimentado, dando dinamismo ao tema;
5) Interessante, para atrair, em vez de aborrecer
57
.
Essas e outras características foram divulgadas pelo antropólogo como as bases do
convênio para distribuição de filmes nos estados e prefeituras. Nesta documentação, o diretor
do INCE incitava as Secretarias de Educação a listarem as escolas de sua região, como forma
de mapear as instituições que utilizavam filmes, as que pretendiam utilizar, além das
dificuldades encontradas.
Todos os autores que versaram sobre a importância do uso do cinema no ensino
ressaltaram que ele é um meio e não um fim em si mesmo, ou seja, serve para dar sustento à
57
Arquivo Roquette-Pinto, ABL. Caixa 15.
72
educação, firmar o conhecimento e atrair o aluno. Em contrapartida, se não houve formação
do professor para utilização do filme como recurso didático, significa que a prática estava
distante da teoria, porque introduzir a tecnologia em sala de aula não faz da educação uma
semente moderna e transformadora. É o seu uso apropriado que consubstancia a produção de
conhecimento. Os defensores do cinema educativo, apesar de sustentarem que o cinema não
era um fim, mas um meio, acreditavam, no final das contas, que o essencial era a uso da
tecnologia como forma de modernizar o ensino. Como se modernizar significasse, por si só,
educar.
3.2 O IDEÁRIO DOS FILMES E SUAS FASES
Schvarzman (2004, p. 303) dividiu a história do INCE em duas fases. A primeira
é referente aos 10 primeiros anos, quando Roquette-Pinto foi seu diretor. De acordo com a
autora, os filmes produzidos nessa época correspondiam ao objetivo de reinventar o Brasil,
“mostrando a natureza exuberante e o homem primitivo como marcas de nossa nacionalidade,
descobertas científicas, biografias de heróis da nação, riquezas da natureza, da cultura e
ensinamentos técnicos”. Essa época é creditada ao que chamou de Brasil “extraordinário”,
caracterizada pela “harmonização dos conflitos e unificação da identidade nacional, numa
história povoada de heróis sábios, onde a nação emerge como expressão viva e extensão da
natureza”. Nesses 10 primeiros anos, Humberto Mauro produziu cerca de 240 filmes
58
.
A segunda fase, a partir de 1947, inicia-se logo após a aposentadoria de Roquette-
Pinto, tendo Pedro Gouvêa como diretor até 1961 e Flávio Tambellini, de 1961 a 66 – ano em
que o órgão é transformado em Instituto Nacional de Cinema (INC). Segundo Schvarzman
(2004), Paschoal Leme ficou responsável pela elaboração dos roteiros dos filmes
59
. Nos
filmes dessa segunda etapa, os assuntos científicos foram menos abordados e a ênfase girou
em torno da educação rural, da música e da regionalidade. Schvarzman (2004) refere-se a esse
tempo como Brasil “ordinário”, em que Mauro leva seu olhar não a um Brasil, mas aos
muitos “Brasis” existentes. No entanto, o número de filmes produzidos começou a diminuir.
Em 20 anos, o cineasta realizou mais 114 documentários, ou seja, muito menos que na
58
Myrce Gomes, em depoimento oral, aponta que muitos dos filmes eram somente filmetes informativos, não
sendo considerados documentários.
59
Jurandyr Noronha, em depoimento oral, afirma que não era somente Paschoal o responsável pelos roteiros.
Outras pessoas também os faziam, apesar de não citar um nome específico.
73
primeira etapa. Franco (1987) justifica que o INCE foi esvaziando suas características iniciais,
perdendo sua razão de ser, e comportando-se como verdadeira repartição pública.
A partir dos depoimentos orais colhidos para esta dissertação, foi constatada uma
terceira fase, a partir de 1961, quando Flávio Tambellini assumiu a direção do Instituto,
abrindo as portas do setor para que uma nova geração de cineastas pudesse realizar filmes.
Com a chegada de Tambellini, iniciou-se a transformação do órgão, que, em 1966, tornou-se
Instituto Nacional de Cinema (INC), voltado à produção industrial.
Schvarzman (2004) atribui ao terceiro diretor a responsabilidade de remover o
caráter educativo do INCE. Mas, conforme depoimentos orais, no INC foi criado o
Departamento de Filme Educativo (DFE), que continuou as atividades do INCE e, depois,
com a junção à Embrafilme, foi criado o Departamento de Filme Cultural (DFC), com as
mesmas finalidades. A pesquisadora não destaca a atuação desses departamentos como
continuidades do Instituto
60
. Cineastas e profissionais que trabalharam no DFE e DFC
enxergam-nos como continuação. Somente o depoente Mauro Domingues defende que os
departamentos não tinham uma visão conceitual clara conforme o órgão pioneiro.
O cineasta Jurandyr Noronha, ao rememorar a história do INCE, diz que o órgão
produziu muito mais filmes quando Flávio Tambellini assumiu como diretor. Na verdade, a
abertura em possibilitar que outros cineastas participassem das produções, passou esta
impressão, já que antes o órgão era muito fechado.
Se for comparado temporalmente o ano de 1961, com a chegada do novo diretor,
até 1966, quando o órgão foi transformando em INC, verifica-se uma produção de 53 filmes.
Nos seis anos anteriores, entre 1955 e 1961, foram produzidos 39. O que se pode notar com
clareza é uma forte queda na produção de Humberto Mauro. O cineasta entre 1962 e 1964
produziu apenas um documentário – A Velha a Fiar (1964).
Não existem informações sobre o porquê de Humberto não ter produzido neste
período. Mas se levarmos em consideração o apreço que tinha pelo órgão, talvez estivesse
insatisfeito com os rumos que o INCE vinha tomando e com a efetiva participação de outras
pessoas na produção dos documentários. Essas idéias convergem, de alguma maneira, com os
depoimentos orais desta dissertação. Os depoentes declararam que as possibilidades de filmar
aumentaram com a entrada de Tambellini, porque antes tudo ficava centralizado nas mãos do
cineasta.
60
Seus estudos são sobre a filmografia completa de Humberto Mauro, incluindo os documentários do INCE. Como o
cineasta realizou boa parte da produção do órgão, sua história no Instituto é realçada, sendo um o prolongamento do
outro e vice-versa.
74
Como o INCE funcionou por 30 anos e três diretores apresentaram características
distintas, apesar do segundo dar continuidade à obra do seu antecessor, nesta pesquisa serão
consideradas três fases. A primeira será adotada tal qual Schvarzman (2004) classificou. A
segunda finalizará em 1961 na gestão de Pedro Gouvêa; a terceira fase será considerada após
esta ocasião até 1966, quando Tambellini assumiu como diretor e começou a transformação
do INCE para INC
61
.
3.2.1 Primeira Fase (1936-1947) – o ideário Roquetteano
Neste capítulo, torna-se necessário apontar breve biografia do antropólogo
Roquette-Pinto, no intuito de aclarar suas crenças para melhor entender o próprio ideário do
INCE em sua primeira fase. Escrever sobre Roquette torna-se tarefa das mais difíceis, uma
vez que não existe, ainda, uma biografia completa de sua vida, tamanhas atividades que
desempenhara. Sua documentação encontra-se, hoje, na Academia Brasileira de Letras
(ABL), dividida em cinco inventários de 30 caixas. A documentação possui mais de seis mil
documentos entre cartas, poesias, artigos, fotos, recortes de jornal e diversos textos que
produziu sobre etnografia, antropologia, educação e cinema. Seu arquivo é o de maior volume
dentre os acadêmicos.
Edgar Roquette-Pinto nasceu no Rio de Janeiro em 26 de setembro de 1884.
Formou-se em Medicina, em 1906. No mesmo ano, passou no concurso para professor da
seção de Antropologia, Etnografia e Arqueologia do Museu Nacional e, ainda, publicou seu
primeiro trabalho etnográfico: O exercício da medicina entre os indígenas da América, sua
tese de formatura. Em 1908, divulgou estudo sobre a fauna cadavérica no Rio de Janeiro
como médico legista.
Em 1911, ao participar da expedição de Cândido Mariano Rondon, no Mato
Grosso, realizou pesquisa sobre os índios Nhambiquara, realizando documentários sobre a
tribo, como já mencionado. Nessa expedição, Roquette foi etnógrafo, legista, sociólogo,
zoólogo, lingüista, médico, farmacêutico, fotógrafo, folclorista, botânico, geógrafo,
arqueólogo e cineasta, porque anotou as características da região, da floresta à árvore e à
folha, a composição dos solos, o contorno das montanhas, o fluxo dos rios, a variedade da
61
Se fôssemos optar por duas fases, seria preferível unir as gestões de Roquette-Pinto e Pedro Gouvêa e subdividi-las
em dois ideários e separar a terceira fase, assumida por Flávio Tambellini, que dotou o INCE de novas concepções.
75
fauna; mediu os crânios dos índios, comparou seus pesos e alturas, analisou suas endemias e
formas de produção, comércio e transporte. Analisou seus conhecimentos científicos, relações
familiares, organização política, hábitos religiosos, formas lingüísticas, cantos e danças.
Realizou a primeira dissecação de um indígena, recolheu pedras, pontas de flechas e objetos
62
.
A viagem rendeu-lhe a publicação de Rondônia, livro em que discorre sobre o
problema das raças e contesta a tese dominante do arianismo: “O homem no Brasil precisa ser
educado e não substituído”. Através dessa obra, foi eleito à cadeira 17 da Academia Brasileira
de Letras, em março de 1928.
Em 1916, foi lecionar História Natural no Instituto de Educação antiga Escola
Normal época em que a discussão da crise na educação estava iniciando. O pensamento
renovador começava a tomar consistência no país. Logo após a Primeira Guerra Mundial, a
civilização repensava a educação como forma de voltar o ensino às necessidades do aluno.
Roquette partilhava das mesmas concepções renovadoras, assinando, inclusive, o Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nacional em 1932. Ele via os meios de comunicação como forma
de transmitir a cultura aos iletrados.
Em 20 de abril de 1923, com cientistas e intelectuais, Roquette criou a Rádio
PRA-2 Rádio Sociedade
63
, sendo apresentador do Jornal da Manhã. Sem fins lucrativos, a
rádio foi criada, segundo seus Estatutos, com objetivos “científicos, técnicos, artísticos e de
pura educação popular e não deveria se envolver jamais em nenhum assunto de natureza
profissional, industrial, comercial ou política.”
64
Para Roquette, o rádio era o “grande fecundador de almas” e deveria ser utilizado
para difundir a educação. Como seu maior defensor, escreveu vários artigos sobre sua
importância no cenário nacional. Para ele, esse meio de comunicação resolveria os principais
problemas da falta de cultura no Brasil. Na ocasião, criou, ainda, a Revista Rádio, de
publicação bimensal, para consagrar a radiocultura brasileira, orientando como devia ser a
programação, o conteúdo, etc. Várias emissoras surgiram nessa época. Em 1931, foi criada a
Rádio Escola Municipal do Rio de Janeiro, também voltada à cultura nacional hoje Rádio
Roquette-Pinto, assim denominada desde 1945.
Baseando-se na programação da Rádio Sociedade, verifica-se o ideário
62
CASTRO, Ruy. Roquette-Pinto: o homem multidão. http://www.consciencia.net/2004/arquivo/roquette-
pinto.html.
63
No estudo de uma perna de rã, Roquette encontrou conexões com o sistema de transmissão do rádio e, junto
com Henrique Morize, da Escola Politécnica, criou o primeiro aparelho de rádio do país (MATHEUS, 1984).
64
Assinavam os Estatutos, além de Roquette, Henrique Morize, Francisco Lafayete, Henrique de Beaurepaire
Rohan Aragão, Arthur Moses, Dulcídio Pereira, Francisco Venâncio Filho, Armando Fragoso Costa, Eugênio
Hime, Mário Paulo de Brito, Othon Leonardos, Jorge Leuzinger, Carlos Gooda Lacombe, Mário Souza, Edgar
Sussekind de Mendonça, Antônio Caetano da Silva Lima, Carneiro Felipe, entre outros.
76
roquetteano sobre educação e cultura. O educativo, para ele, não era apenas didático,
pragmático, mas um saber cultural elevado através das artes, da ciência e das letras. Esses
ideais estão evidentes na produção do INCE, que estendia o termo educativo a um sentido
mais amplo. Em um festejo do cinema brasileiro, o antropólogo declarou:
Não é raro encontrar, mesmo no conceito de pessoas esclarecidas, certa confusão
entre Cinema Educativo e Cinema Instrutivo. É certo que os dois andam sempre
juntos e, muitas vezes, é difícil ou impossível dizer onde acaba um e começa o
outro, distinção que, aliás, não tem de fato grande importância na maioria das vezes.
No entanto, é curioso notar que o chamado Cinema Educativo, em geral, não passa
de um simples cinema de instrução. Porque o verdadeiro educativo é o outro, o
grande cinema, de espetáculo, o cinema da vida integral. Educação é principalmente
ginástica de sentimento, aquisição de hábitos e costumes de moralidade, de higiene,
de sociabilidade, de trabalho e até mesmo de vadiação. Tem de resultar do atrito
diário de personalidade com a família e o povo. A instrução dirige-se principalmente
à inteligência. O indivíduo pode instruir-se sozinho, mas não se pode educar senão
em sociedade. O bom senso irônico do povo marcou espontaneamente a situação do
instruído deseducado, quando se riu do ferreiro que usa espeto de pau. São muito
grandes as responsabilidades do cinema de grande espetáculo. Arquivando e
divulgando como nenhuma outra arte o que de bom e de mau, tem uma função
dinâmica de constante agitador das almas, influindo diretamente nas decisões dos
fracos e sugestionando os fortes. (SCENA MUDA, vol. 24, n.15, 11/04/1944, p.30).
Em outra ocasião, explicou que no Brasil existia muita gente instruída, mas não
educada, acrescentando: “quando você obriga seu filho a lavar os dentes todas as noites, você
está educando. Quando lhe explica que deve lavar os dentes, senão virão a cárie e a infecção,
você está instruindo
65
.” Suas idéias positivistas estavam baseadas no que Kant, entre 1776 e
1777, estabeleceu em um texto Sobre a pedagogia: Quem não tem cultura [...] pois assim
pode ser chamada de instrução de nenhuma espécie é um bruto; quem não tem disciplina ou
educação é um selvagem. A falta de disciplina é um mal pior do que a falta de cultura, pois
essa pode ser remediada mais tarde.” (KANT, 1996, p.16).
Outros intelectuais do século XVIII como Goethe, Herder e Fichte também
estabeleciam este contraponto entre cultura e civilidade. Tal característica é fundamental para
se entender os três pilares do conceito de cultura apreendido por Roquette-Pinto, que
marcaram profundamente os filmes do INCE: seu caráter diferenciador e elitista, unificador e
idealista.
Em 1926, Roquette assumiu a direção do Museu Nacional, onde ficaria até 1937,
quando o INCE começou a funcionar oficialmente. Suas concepções sobre o Museu
coincidem com sua idealização transformadora e positivista: crença no poder da ciência e do
progresso como regeneradores do povo. Foi membro da Academia Brasileira de Ciências,
65
Arquivo Roquette-Pinto, ABL.
77
Academia Nacional de Medicina, Academia Brasileira de Educação, Instituto Histórico e
Geográfico, Sociedade de Geografia, Academia Brasileira de Letras e muitas outras
instituições culturais nacionais e estrangeiras. Em 1948, assumiu a Vice-Presidência do
Instituto Internacional de Cinema Científico, eleito pela Association Internationale du Cinéma
Scientifique de Paris por unanimidade.
O antropólogo faleceu em 18 de outubro de 1954. Segundo Jurandyr Noronha,
Roquette fez o que seria a primeira experiência de televisão no Brasil, quando projetou em
uma noite, de uma janela, para um prédio em frente, as letras A B E Associação Brasileira
de Educação. Milanez (2007) e Calmon (1984) apresentam outra sigla: ABI Associação
Brasileira de Imprensa. Por ter ligação com o movimento renovador, e, inclusive, cursar aulas
de cinema educativo a professores na ABE, a primeira hipótese parece-nos mais óbvia e
coerente ao histórico biográfico do antropólogo.
Provavelmente, se não tivesse falecido em 1954, seria um dos grandes
incentivadores da TV Educativa no país. Sua neta, Gilda Bojunga, filha de Beatriz Roquette
Bojunga, em conversa recente para esta pesquisa, declarou que o avô foi um grande
antropólogo e etnógrafo e, com certeza, seria assim que gostaria de ser lembrado.
Os filmes realizados pelo INCE durante a gestão de Roquette-Pinto foram
fortemente marcados pelos seus pensamentos progressistas, que era conhecedor profundo
das teorias científicas (medicina, fisiologia, antropologia e etnografia). em 1929, presidira
o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, onde defendera a idéia de que o problema do
Brasil era uma questão de cultura e não de raça, contrariando parte da elite intelectual,
defensora da teoria degenerativa da mestiçagem.
Seguidor da antropologia cultural, acreditava que a educação se dava por meio da
cultura e, a partir da culturalização, os níveis da evolução humana. A diferença entre os
homens, portanto, não estava na raça ou na herança biológica, mas na evolução cultural.
Nas duas primeiras décadas do culo XX, teorias lamarkistas e mendelistas eram
intensas na Europa e nos Estados Unidos. A primeira defende a hereditariedade assimilada
por fatores externos; a segunda baseia-se na hereditariedade transmitida geneticamente. No
Brasil, as teorias também encontraram seus defensores. Médicos e psiquiatras acreditavam ser
necessário construir ou regenerar o povo brasileiro. Para Roquette, a educação seria o agente
de transformação da sociedade. A instrução seria a apreensão de conteúdo, e a educação a
internacionalização de práticas sociais, morais e éticas: “Por amor ao preconceito disfarçado
ou manifesto, o problema nacional não é transformar os mestiços do Brasil em gente branca.
O problema é a educação dos que se acham, claros ou escuros.” (ROQUETTE-PINTO,
78
1927, p.62).
Os filmes do primeiro INCE acompanharam este viés. As descobertas científicas
foram exploradas como forma de emergir um novo homem (SCHVARZMAN, 2004). Se os
brasileiros desconheciam a cultura em geral, em especial, sua própria cultura, os filmes
traduziam esse ideário através de uma mentalidade saneadora, de descobertas científicas e
outros conhecimentos práticos que se julgavam necessários à formação intelectual. Roquette
acreditava que a educação é o único motor para a transformação dos homens.
Na listagem de filmes disponíveis, os assuntos dessa primeira fase são múltiplos e
amplos. Títulos como: Músculos Superficiais do Corpo Humano, O Telégrafo no Brasil, Dia
da Bandeira, Barômetros, Academia Brasileira de Letras, Jogos e Danças Regionais, Céu do
Brasil no Rio de Janeiro, Magnetismo, Peixes do Rio de Janeiro, Orquídeas, Victória Régia,
Outono, A Moeda, Veneza, Milão, Aranhas, Cidades Históricas de São Paulo, Cerâmica de
Marajó, O Puraquê, Lagoa Santa, Bandeirantes, O Cristal, Criação de Rãs, entre outros,
fazia-se por entender o papel do INCE como instrumento de divulgação da cultura nacional e
motor dessa transformação da sociedade, profetizada por Roquette.
A recorrência desses temas procurava ressaltar a contribuição dos cientistas, a
variedade das espécies de fauna e flora, os grandes heróis da nação, as soluções cnicas.
Através do INCE, o Ministério da Educação e Saúde afirmava o quanto era moderno. As
atividades do órgão eram divulgadas na Hora do Brasil e em publicações destinadas a
professores.
A estrutura fílmica era quase sempre a mesma: introdução, desenvolvimento e
conclusão, com uma narração didática, de cunho histórico, ilustrada com mapas, bustos,
retratos e monumentos, editados com música clássica e folclórica. A locução dos primeiros
filmes foi realizada pelo próprio Roquette. Os roteiros apresentam um país harmonioso. A
história era inquestionável e a ciência estava aliada ao civismo (op.cit).
Analisando os filmes realizados nesses 11 anos iniciais, observa-se que os
assuntos não são convergentes ao currículo escolar da época. Servem ao aprendizado, à
pesquisa e a um público mais abrangente, que não eram somente destinados às escolas,
mas, também, às salas de cinema, agremiações e instituições culturais.
O número de filmes produzidos nesse período foi alto: 252. Franco (1987)
compara o INCE ao que se pode chamar de Ilha da Fantasia”. Enquanto a produção
cinematográfica no Brasil dos anos 1930 e 40 era insipiente, o órgão produzia cerca de 30
filmes por ano, com recursos próprios, o que o fez, naturalmente, alcançar certo prestígio no
Ministério e no Governo. Pode-se afirmar que o período roquetteano foi o auge do Instituto,
79
que, de certa maneira, por meio de sua influência e círculo de amizades procurou contornar as
dificuldades existentes.
Até 1947, de acordo com Catálogo do Livro de Tombo, já haviam sido adquiridos
354 filmes. Os assuntos têm correlação direta com o que foi produzido pelo INCE. Alguns
títulos chegam a ser idênticos, como: Abastecimento d´água no Rio de Janeiro, Jardim
Zoológico do Rio de Janeiro, Peixes etc. O que se pode observar é que muitos temas foram,
inclusive, reaproveitados por Humberto Mauro, sendo refilmados ou aperfeiçoados.
Os filmes eram os agentes de transformação social das massas pela elite letrada.
Os títulos sugerem a necessidade de mostrar a cultura brasileira de norte a sul do país ao povo
considerado inculto. Até a década de 1950, o temor às massas pautou o debate sobre a
utilização dos meios de comunicação. A discussão mostrava-se presente no controle da
educação. Acreditava-se na capacidade de moldar as mentes através do ensino, das diretrizes
políticas, da regulação da produção artística. Este sentimento possibilitou que os intelectuais
acreditassem na eficácia da imagem como recurso de ensino, concebendo, assim, uma nova
forma de participação na sociedade e produzindo filmes que, para eles, poderiam educar e
instruir.
3.2.2 Segunda fase (1948-1960) – a arte poética Mauriana
A segunda fase do INCE coincide com a direção de Pedro Gouvêa, participação
de Paschoal Leme nos roteiros e maior autonomia de Humberto Mauro para escolha dos
temas.
Humberto Mauro nasceu em 30 de abril de 1897, em Volta Grande, perto de
Cataguases, na Zona da Mata do Estado de Minas Gerais. Iniciou sua trajetória no cinema
com 26 anos. De acordo com Gomes (1974), Mauro começou a fazer cinema não porque era
intelectualmente moderno, mas porque possuía o gosto e o talento da mecânica, ou seja,
inicialmente, foi a técnica que o encantou.
Em 1925, junto com o fotógrafo italiano Pedro Comello, realizou em Cataguases
seu primeiro filme: Valadião, o Cratera. Apoiados pelo comerciante Homero Cortes
Domingues, iniciaram a produção de Os três irmãos, que não chegou a ser concluído. Com o
apoio de Agenor Cortes de Barros, o cineasta criou a produtora Phebo Sul America Film e
produziu Na Primavera da Vida, em 1926. O filme seguinte, Thesouro Perdido, foi um dos
80
seus preferidos. Após Pedro Comello deixar a equipe, Mauro associou-se a outros dois
empresários e transformou sua produtora em Sociedade Anônima para captação de recursos.
Em 1929, lançou Braza Dormida; depois, o curta-metragem Symphonia de
Cataguases. Seu filme seguinte, Sangue mineiro, longa-metragem concluído com o auxílio da
atriz e produtora Carmen Santos, estreou no cinema em janeiro de 1930.
No Rio de Janeiro, foi trabalhar nos Estúdios da Cinédia, de Adhemar Gonzaga.
Em 1930, realizou, ainda, Lábios sem Beijos e, no ano seguinte, fotografou o longa-metragem
dirigido por Octávio Gabus Mendes, Mulher. Depois, produziu Ganga Bruta, que, juntamente
a Limite, de Mário Peixoto, é considerado um dos principais filmes do cinema mudo
brasileiro. Logo em seguida, filmou Voz do Carnaval lançando Carmem Miranda como
estrela.
Após sair da Cinédia, Mauro dirigiu alguns documentários para Carmen Santos na
Brasil Vita Film – todos desaparecidos em incêndio. Entre 1934 e 1935, filmou As sete
maravilhas do Rio de Janeiro, Inauguração da Sétima Feira Internacional de Amostras da
Cidade do Rio de Janeiro, General Osório e Pedro II. Em 1932, dirigiu Como se faz um
Jornal Moderno, que, de acordo com Heffner (2000), foi o primeiro documentário nacional
sonoro.
Em 1935, realizou Favela dos Meus Amores, com trilha musical de Ary Barroso,
Custódio Mesquita, Sílvio Caldas e Orestes Barbosa. O filme foi um sucesso de público,
consagrando-o como o primeiro cineasta brasileiro a filmar em uma favela. Infelizmente, a
obra não existe mais. Perdeu-se no incêndio da Brasil Vita Film. No ano seguinte, o cineasta
produziu Cidade mulher, filme que contou com a única trilha sonora escrita por Noel Rosa
para o cinema. Também no mesmo ano, fotografou o filme Grito da Mocidade, de Raoul
Roulien.
Em 1936, ingressou no INCE a convite de Roquette-Pinto. Logo após produzir 30
documentários para o Instituto, lançou O Descobrimento do Brasil, em 1937. Durante os 28
anos em que esteve no Instituto, realizou o longa-metragem Argila, em 1940, e O Canto da
Saudade, em 1952.
Ao se aposentar no INCE, em 1964, realizou dezenas de curtas-metragens. Em
1974, filmou a segunda versão de Carro de Bois – seu único filme colorido, que contou com a
participação de sua neta, Valéria Mauro. Sua contribuição ao cinema brasileiro não se esgota
aí. Foi ator em Memória de Helena (David Neves, 1969); autor dos diálogos em tupi-guarani
81
de Como era gostoso o meu francês (Nélson Pereira dos Santos, 1971)
66
e Anchieta, José do
Brasil (Paulo Cesar Saraceni, 1978). Colaborou, ainda, no roteiro de A Noiva da Cidade (Alex
Viany, 1979). Humberto Mauro faleceu no dia 5 de novembro de 1983, na cidade onde
nascera.
Somente nos anos de 1960, começou a ser escrita a memória do cinema brasileiro
por críticos como Paulo Emílio Salles Gomes, Alex Viany e Glauber Rocha. Humberto Mauro
foi elevado a mito de origem por Glauber Rocha, que o intitulou como Pai do Cinema
Brasileiro. Mauro emergiu na historiografia clássica com a força do autêntico, do puro, como
matriz do verdadeiro cinema, sendo saudado pelos jovens do Cinema Novo. O diretor sempre
acreditava que havia um Brasil a ser descoberto e o cinema poderia ser o grande instrumento
de revelação. Sua forma de filmar era independente e artesanal. Revolucionário, clássico,
moderno e simples, dizia: “Não sou literato. Sou poeta do cinema. E o cinema nada mais é do
que cachoeira. Deve ter dinamismo, beleza, continuidade eterna."
67
Em 1948, Bazin (1975, p. 64) definiu o cinema dos anos de 1920 a 1940 com base
em duas grandes tendências: a dos diretores que acreditam na imagem e a dos que acreditam
na realidade. No primeiro caso, “por imagem compreendo tudo aquilo que pode se agregar à
coisa representada, sua representação”. No segundo, “o que conta na imagem é, antes de tudo,
não aquilo que agrega à realidade, mas aquilo que revela”. Humberto Mauro pode ser
incluído, porque em seus filmes, ele pretendia tornar visível a realidade, ao levar traços da
modernidade e do nacionalismo nos seus filmes.
De acordo com Andrew (1976, p. 145), o cinema, para Bazin, apareceu como um
instrumento único e valioso de conhecimento, percepção e, finalmente, ão. Sua idéia é não-
ideológica, a partir da qual os homens podem começar a forjar novas e duradouras relações
sociais. Bazin era fascinado pela hipótese de que o cinema responde às forças do crescimento
e da complexidade crescente que governam outros processos. Até 1948, não existia ninguém
que o desafiasse. Mais recentemente, os estruturalistas e semióticos afirmaram que ele era
“humanista e sua teoria idealista”.
Recentemente, os filmes do INCE produzidos por Humberto Mauro começaram a
ser estudados com afinco. Os críticos, até então, limitaram-se à análise de sua obra de ficção,
preterindo seus documentários. De acordo com Moncaio
68
, sem Humberto Mauro, o órgão
certamente teria sido um mero gerador de filmes maçantes e vazios sobre ciência e cultura,
66
Seu interesse pelo Tupi Guarani iniciara-se em 1937 com a realização de O Descobrimento do Brasil.
67
Entrevista concedida ao Jornal do Brasil, abril de 1973.
68
MONCAIO, André. Humberto Mauro e a construção estética da imagem nos filmes do período do INCE.
http://www.mnemocine.com.br/aruanda/hmauroamoncaio.htm
82
porque mesmo em assuntos extremamente técnicos, o cineasta conseguiu transformar o tema
em poesia, ao invés de ater-se a fatos históricos
69
.
Fernando Ferreira, em depoimento oral, esclarece que alguns críticos nas décadas
de 1970 não elogiaram os documentários produzidos por Mauro no INCE porque o acesso à
sua obra, de enorme quantidade, era difícil. Então, por suposição, relegaram-nos, mas, na
verdade, nunca os assistiram. As críticas ao conteúdo voltavam-se mais a questões de natureza
política, uma vez que os filmes maurianos não faziam menções ideológicas neste sentido, e
captavam, somente, aspectos da realidade cultural brasileira.
Foi através do Instituto que Humberto Mauro se tornou o cineasta brasileiro com a
maior filmografia existente, especialmente devido aos documentários de curta-metragem. De
qualquer maneira, muitos estudiosos de cinema não compartilham da mesma opinião, porque
não consideram todo o acervo do INCE como documentários, mas em sua maioria, filmagens
ou “filmetes informativos” sobre determinados assuntos
70
.
Conforme Mauro Domingues, em depoimento oral, Roquette-Pinto foi
fundamental para a liberdade poética de Mauro na produção de filmes. Mas vale destacar a
participação do filho do cineasta, Zequinha Mauro, na direção de fotografia dos filmes. Para
Domingues, Roquette conceituava, Humberto criava e Zequinha realizava. A crença e a
confiança neste trabalho fomentou uma parceria entre pai e filho na maioria dos filmes do
INCE com grande sucesso
71
.
José de Almeida Mauro, o Zequinha, nasceu em 22 de março de 1921. Desde
cedo, interessou-se por fotografia, acompanhando o pai em suas filmagens. O primeiro filme
que fez foi um curta-metragem em 35 mm sobre extração de ouro aluvião, refilmagem de um
título produzido por Humberto em 16 mm. Zequinha foi contratado no INCE em 1965, quase
ao final. Mas durante os 30 anos em que o Instituto esteve no auge, produziu diversos
documentários como diretor de fotografia.
Na Embrafilme e no CTAv, Zequinha era referência aos jovens cineastas, que o
solicitavam informações técnicas de filmagem. Muitos estudiosos afirmam que ele foi um dos
melhores diretores de fotografia do país, mas sua decolagem profissional ficou cerceada pela
dedicação ao cinema educativo, como se o filme educacional fosse algo menor. Dona Creuza,
sua viúva, em conversa recente a esta pesquisa, relembra, saudosa, que fazer filmes curtos era
69
Não é proposta deste trabalho analisar os filmes do INCE, cuja atividade é muito bem delineada nos trabalhos
de Eduardo Morettin, Sheila Schvarzman e Elisandra Galvão. Assistimos a cerca de 35 películas, no intuito de
conhecer um pouco desta vasta obra produzida.
70
Esta questão será melhor discutida na análise dos depoimentos.
71
Luiz Mauro, irmão de Zequinha, também participava da produção de determinados temas.
83
a paixão do marido, bem como do pai. Mauro Domingues atribui a Zequinha a concretização
e realização de A Velha a Fiar, considerado um dos melhores documentários do país, apesar
da direção geral constar Humberto Mauro.
No segundo INCE, com a saída de Roquette, Humberto Mauro teve mais
autonomia para dirigir os filmes e escolher temas. O INCE passou a ser dirigido pelo médico
Pedro Gouvêa e parte dos roteiros passou, então, a ser elaborada pelo educador Paschoal
Leme. Essa autonomia atribuída a Mauro não significa que Roquette o impedisse de explorar
sua criatividade, mas porque o antropólogo elaborava os roteiros e influenciava na escolha de
temas a serem filmados, principalmente àqueles ligados à ciência, devido ao seu profundo
conhecimento na área.
Humberto Mauro executou várias funções no INCE, além de dirigir os filmes. Foi
montador, fotógrafo, diretor de arte, transformador e, também, roteirista, já que decidiu vários
assuntos a serem produzidos. Mauro Domingues atribui a ele e a Zequinha Mauro o papel de
educadores, uma vez que eles decidiam o que filmar, como e onde. Nesta etapa mais
autônoma, foi dada ênfase à musicalidade, resgatando a música folclórica brasileira. São deste
período filmes como Aboios e Cantigas, Canções Populares, Cantos de Trabalho, João de
Barro, da Série Brasilianas. Os filmes científicos praticamente desaparecem da filmografia. É
esse olhar interior de Mauro que mobilizou os jovens do Cinema Novo.
A partir de 1950, o Instituto começou a perder força no cenário educativo e no
próprio governo. Vários foram os motivos. Os próprios substitutos de Roquette não tinham o
seu prestígio. Sem contar, ainda, que o educador Paschoal Leme, responsável pelos roteiros
dos filmes, não acreditava no cinema como recurso didático, como veremos adiante. Isso pode
ter influenciado a queda na produção de filmes sobre determinados assuntos.
Após a Segunda Guerra, o enfoque econômico tornou-se primordial e a ênfase
sobre a importância do uso do cinema na educação foi perdendo espaço para outros meios de
comunicação de massa, em especial a televisão. Em 1953, o Ministério da Educação e Saúde
foi desmembrado. Surgiu o Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Educação e Cultura
(MEC). Com o fim do Estado Novo e a saída de Capanema do Ministério da Educação, uma
nova constituição de cunho liberal democrático consubstanciou-se. Assumiu o Ministério
Clemente Mariani, que criou uma comissão para elaborar um projeto de reforma educacional.
Após muitas discussões, em 1961, foi possível aprovar a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira.
Getúlio Vargas, em seu segundo mandato, não tinha mais o mesmo interesse pelo
cinema educativo. As tentativas de instaurar grandes estúdios cinematográficos para produção
84
de filmes ficcionais, como a Cia Vera Cruz (1949-1954), por exemplo, haviam fracassado
devido à competição com a indústria norte-americana, dificultando o avanço do cinema
brasileiro (ANTONACCI, 1993. GOMES, 1974). Vargas convidou, então, o cineasta Alberto
Cavalcanti, ex-produtor geral da Cia Vera Cruz, para montar o projeto do Instituto Nacional
de Cinema, voltado ao cinema comercial. Nos anos 1950, a produção de filmes nacionais era,
ainda, muito pequena. O projeto do INC deu entrada no Ministério em 1952 e somente em
1966 foi aprovado (SIMIS, 1996).
Pedro Gouvêa assumiu como novo diretor do INCE em 1947. Médico, técnico de
Educação do MES, professor de Ciências Naturais, era discípulo de Roquette-Pinto. Durante a
primeira fase, foi responsável pelo Serviço de Orientação Educacional do Instituto e tentou
continuar a obra de seu idealizador. De acordo com Mendes (1965), em sua gestão foram
atualizados os sistemas de iluminação e compradas câmeras mais modernas, como Arriflex e
Super-Parvo. Ele incitou, também, as Secretarias Regionais de Educação a possuírem suas
próprias filmotecas, comprando projetores de 16 mm. Mas se isso foi consubstanciado não
existem informações, que não temos documentação sobre essa fase. De qualquer maneira,
os depoimentos colhidos para esta dissertação convergem para grandes dificuldades
financeiras em obter o projetor, por parte das escolas.
Em seis de dezembro de 1947, após a saída de Roquette-Pinto, Pedro Gouvêa
apresentou relatório destacando as principais atividades realizadas pelo INCE nos 10 anos
anteriores à sua gestão. Conforme documentação apresentada, a filmoteca do INCE nessa data
possuía cerca de 700 títulos
72
, eram atendidas cerca de 800 escolas anualmente, 200
instituições de cultura e realizadas 2.500 projeções ao ano. A biblioteca contava com mais de
duas mil consultas anuais e 20 mil metros de filmes haviam sido distribuídos no estrangeiro,
através do intercâmbio cultural
73
.
Na documentação, Gouvêa fez questão de enfatizar a participação e importância
do INCE para diversas instituições nacionais e ministérios governamentais, como o Ministério
da Guerra, da Agricultura, do Trabalho, das Relações Exteriores, etc. Em 1946, o Instituto
havia enviado ao Festival de Cannes 6 filmes: Cristal Oscilador, Coração Físico de Ostwald,
O Puraquê, Convulsoterapia Elétrica, Movimentos Protoplasmáticos da Célula Vegetal e
Epilepsia Experimental na Rã (estudo do Professor Miguel Osório de Almeida)
74
.
No relatório, apresentou, em seguida, o plano de trabalho do órgão a partir de
72
Pedro Gouvêa aponta o total exato mais à frente: 683 filmes.
73
Arquivo Roquette-Pinto, ABL, Caixa 15.
74
Este último título não consta na listagem de filmes do INCE.
85
1948. Programou produção de filmes da Série Biográfica sobre Padre José Maurício, Alberto
Nepomuceno e Ruy Barbosa; filmes da Série Produção Brasileira sobre Café, Cana de
Açúcar e Petróleo; Série Cidades Brasileiras, como Rio de Janeiro e Salvador; e Série
Brasilianas: “mais dois filmes para divulgação da música popular brasileira”. A maioria das
sugestões citadas foi concretizada: Alberto Napomuceno, Ruy Barbosa, Cidades do Rio de
Janeiro e Salvador foram produzidos em 1949; em 1948 foi realizado Azulão e Pinhal, da
Série Brasilianas. O Café foi filmado muitos anos mais tarde, em 1958.
No documento, foi sugerida a ampliação de estudos e pesquisas para filmes
didáticos propriamente ditos, assistência gratuita às pesquisas de cientistas e técnicos
brasileiros pela documentação cinematográfica, colaboração ao Departamento Nacional de
Educação e da Criança, campanhas de educação de adultos e assistência à maternidade e à
infância, intensificação do intercâmbio com nações estrangeiras, além de planos para
aprovação de dois projetos em curso sobre revenda de projetores a instituições de ensino e
cultura. Ao destacar a expressão “filmes didáticos propriamente ditos”, o diretor já apontava a
escassez de assuntos diretamente ligados ao currículo escolar, assumindo o viés cultural do
órgão.
Como Humberto Mauro concebia a educação tal qual Roquette-Pinto, os filmes do
segundo INCE também não tinham, claramente, correlação direta com o currículo educacional
da época, mas sim, com a cultura letrada, e à sua própria cultura, que via na música e nas artes
a evolução da sociedade. Daí provinha a sua predileção por temas folclóricos, rurais, e
paisagens campestres
75
.
O cinema, assim, era visto como atividade extraescolar que influía antes, durante e
depois da escola. Não deveria substituir a educação, que no Brasil nem todos tinham o
privilégio de estudar e os índices de analfabetismo eram muito significativos. Devia
complementá-la, sendo visto como produto de cultura, de instrução e apreensão da realidade.
O segundo INCE produziu 101 filmes entre 1948 e 1960 e comprou outros 156.
Comparativamente, o tempo da fase anterior é semelhante: cerca de 11 anos. No entanto, a
produção caiu em mais de 50%, não chegando a 10 filmes por ano. A compra de filmes
também diminuiu. Essa questão aguça queda no planejamento orçamentário do órgão.
que se destacar, contudo, que além das questões políticas e problemas
orçamentários, na década de 1950, chegou ao Brasil a Televisão, que alterou profundamente o
quadro da comunicação no país. Com a sua introdução nos lares em fins da década de
75
Para entender melhor o ideário de Humberto Mauro e sua influência cultural e artística nos filmes do INCE é
necessário compreender e analisar toda sua obra fílmica, iniciada em 1927.
86
1950/60, a generalização dos meios de comunicação de massa (rádio, cinema, TV) na
sociedade fez com que fossem percebidos como elementos integrantes da realidade.
Independente da sociedade a que pertence, cada indivíduo desenvolve, ao longo
da vida, sua própria cultura. Ainda que esta diferencie excessivamente do seu grupo social,
terá suas peculiaridades e significações próprias, gerando critérios de interpretação da
realidade. À medida que as imagens são colocadas a favor ou em relação ao ensino, deve-se
compreender quais os elementos significativos considerados para que aconteça a valorização e
a participação consciente dos sujeitos na recepção dos meios. Somente no final da década de
1960 essa visão sobre o receptor começou a mudar.
3.2.3 Terceira fase (1961-1966) – a revolução Tambelliana
A partir de 1961, Flávio Tambellini assumiu o INCE. Crítico de Cinema por 10
anos do jornal O Estado de São Paulo, criador da Comissão Municipal de Cinema do Estado
de São Paulo e presidente do Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica (GEICINE),
quando entrou para o órgão já tinha produzido o longa-metragem Ravina e realizado O Beijo.
Schvarzman (2004) atribui ao diretor o fim do Instituto, removendo seu caráter
educativo ao preparar a criação do Instituto Nacional de Cinema (INC), em 1966. De acordo
com a pesquisadora, a nova Instituição abandonou a realização de filmes educativos, já que o
equipamento existente, em preto e branco, foi considerado obsoleto, ficando, assim,
abandonado em depósitos.
Na pouca documentação existente e nos depoimentos orais obtidos, verifica-se
que a produção de filmes educativos não foi abandonada, apenas modernizada, fato esperado,
afinal, com a chegada da TV, modificou-se profundamente o quadro da comunicação na
sociedade.
Nos seis anos em que Tambellini esteve no INCE, até ser transformado em INC,
foram produzidos 53 filmes e adquiridos outros 68. Destes, Mauro realizou dois. Os títulos
apresentados no Catálogo de Souza (1990) apontam que o estilo fílmico permanecia com a
mesma estrutura e concepção educativa. São dessa época: Lições de Química I, II, III; O
Trabalho no Campo; H20; Brasília Planejamento Urbano; A Medida do Tempo II; Uma
Alegria Selvagem; Aspectos da Segunda Guerra Mundial; Alfabeto Animado; entre outros.
Ao analisar os temas produzidos, percebe-se, inclusive, maior entrelaçamento
87
entre o INCE e o currículo escolar nesta terceira fase, uma vez que, com a entrada da
Tambellini, houve uma diferenciação entre o conceito de cultura e educação atribuído por
Roquette-Pinto e fielmente seguido por Pedro Gouvêa.
De acordo com Mendes (1965), a entrada de Tambellini deu novo impulso ao
órgão, profissionalizando-o e aumentando sua atividade interna, contribuindo para que os
realizadores brasileiros também produzissem filmes. A filmoteca foi renovada, houve melhor
distribuição de assuntos, estímulo à produção do filme em cores e do desenho animado, bem
como compra de equipamentos modernos. Os assuntos, segundo a autora, começaram a ser
melhor assimilados pelas crianças.
Mendes (1965) revela, ainda, que a filmoteca constava com cerca de 1000 títulos,
entre produzidos e comprados. Esses números coincidem com o levantamento desta pesquisa.
Foram listados 407 filmes por Souza (1990) e adquiridos outros 578, conforme Livro de
Tombo. Aquisições estrangeiras como Office National du Film Canadien, Films Associates of
Califórnia e ofertas de filmes feitas pela ONU e UNESCO faziam parte desse acervo.
Aproximadamente 1200 escolas e instituições culturais utilizavam-nos. Não eram
somente brasileiras, mas também da América Latina, como a Universidade de Córdoba
(Argentina) e a Universidade Nacional do Uruguai. Os empréstimos dos filmes se limitavam a
quatro películas por programa, durante cinco dias no Estado da Guanabara (Rio de Janeiro) e
oito dias para outros Estados (op.cit.).
Ao abrir suas portas para a nova geração realizar filmes, o INCE foi de grande
importância ao primeiro Curso de Cinema da Universidade de Brasília, emprestando parte do
material para realização dos trabalhos práticos dos alunos. As produções privadas começaram
a solicitar ajuda financeira, e desde que seus filmes tivessem um viés educativo, seriam
autorizados. O Circo, de Arnaldo Jabor, foi uma das primeiras experiências feitas no Brasil
com o equipamento do INCE. Nelson Pereira dos Santos filmou Rio 40 Graus também com a
aparelhagem emprestada do Instituto.
Em 22 de dezembro de 1960, foi criada, no INCE, a Escola Nacional de Cinema,
pelo Decreto 49.575. Também ficou a cargo do Instituto, a Campanha Nacional de Cinema
(Decreto 51.239, de 23 de agosto de 1961), que tinha por objetivo promover o
desenvolvimento do cinema educativo por meio da organização e execução de planos de
produção, ajuda técnica e financeira, além da realização de empreendimentos assistenciais.
O emprego simultâneo de várias equipes no trabalho renovou o INCE, dotado de
um novo espírito, influenciando, principalmente, o movimento do cinema documentário no
Brasil.
88
Humberto Mauro se aposentou em 1964. Entre 1961 e 1964, realizou apenas dois
filmes no INCE. Nessa época, tornou-se referência para os jovens do Cinema Novo pela
qualidade estética e poética do seu trabalho.
3.3 DIFICULDADES E CONTRADIÇÕES – FIM OU RENOVAÇÃO?
Apesar de o ideário do INCE fosse levar uma imagem moderna do Brasil, na
realidade, o país tinha muitos obstáculos a enfrentar, o que gerou uma série de dificuldades e
contradições para a efetivação dos resultados que se esperava do órgão. Com todo prestígio
que gozava no Ministério da Educação e Saúde Pública nos primeiros anos de funcionamento,
e mesmo prolongando sua existência por 30 anos, muitos foram os problemas de
comunicação, investimento, diferenciação cultural e regional, falta de recursos econômicos e
humanos, além de dúvidas sobre a eficácia do cinema na educação.
Segundo documentos do Arquivo Gustavo Capanema, as Secretarias de Ensino
não respondiam aos questionários sobre as condições e quantidade de equipamento
cinematográfico disponível, o que impossibilita analisar com precisão os resultados e
impactos do INCE na época, principalmente no meio escolar. Além disso, as instituições de
ensino, na sua maior parte, não possuíam recursos para investir na compra de um projetor.
Muitas eram, também, as dificuldades marcadas pela escassez e alto custo do
filme virgem importado, que cerceava a atividade dos realizadores e, principalmente, das
escolas, uma vez que as instituições precisavam comprar o filme virgem para ser feita cópia
do tema interessado. Mauro Domingues, em depoimento oral, conta que Zequinha Mauro
dizia que, por conta disso, faltavam cópias às escolas. Essa informação demonstra que as
instituições escolares podiam até não responder aos questionários, mas tinham interesse em
utilizar os filmes. É difícil saber, portanto, a quantidade e a localização desse material.
Schvarzman (2004) acredita que possam existir algumas películas perdidas ou esquecidas em
algumas instituições de ensino. Das 32 escolas pesquisadas para este trabalho, além do Centro
Arquivístico das Escolas Públicas do Rio de Janeiro e do Centro de Referência das Escolas
Públicas, nada foi encontrado.
Em 1938, de acordo com dados do Arquivo Roquette-Pinto, existiam 1391
projetores nas escolas, sendo 384 no Distrito Federal, 354 em São Paulo e 259 em Minas
Gerais. No Amazonas, apenas cinco, e no Sergipe, um. Isso comprova que a região sudeste
89
era privilegiada enquanto os estados do norte e nordeste tinham pouco acesso ao que o INCE
produzia.
Em 1941, no relatório enviado por Roquette-Pinto a Gustavo Capanema, 90
escolas do Estado do Rio de Janeiro procuraram o INCE para solicitar pias. Nesse mesmo
ano, foram realizadas 343 projeções em seu auditório. Isso quer dizer que, em um dia, eram
exibidos mais de um filme ou havia várias sessões – indício de que as escolas estavam
desaparelhadas, comprometendo a eficácia do cinema escolar. A cidade do Rio de Janeiro,
nessa época, possuía cerca de 125 escolas
76
.
Um dos poucos registros, de 1944, oito anos após a criação do Instituto, elenca
232 escolas nacionais registradas, tendo sido realizadas 7195 projeções e emprestados 324
projetores (RIBEIRO, 1944, p. 17). No entanto, as atividades concentravam-se, sobretudo, na
cidade do Rio de Janeiro, onde se localizava mais da metade das escolas contempladas (131),
permitindo-se afirmar que a localização e a distribuição também eram problemáticas e
deficitárias
77
.
Em 1947, no relatório organizado por Pedro Gouvêa, os números são bem
maiores. Não obstante, foram apresentados de forma dispersa: 800 escolas atendidas
anualmente, 200 institutos de cultura, 2500 projeções por ano, duas mil consultas anuais na
biblioteca. Se esses números eram uma estimativa ou apresentavam a realidade não há como
comprovar. Caso essas escolas fossem permanentemente atendidas, significaria que o filme
como recurso didático, era, pelo menos, bastante utilizado. De qualquer maneira, ter o
projetor na escola não significava que o filme, ainda assim, fosse visto. Atualmente, mesmo
com os modernos recursos de TV e DVD, muitas instituições de ensino não os utilizam. Isso
mostra que o interesse do professorado sobre cinema, desde aquela época, não parecia ser dos
mais entusiasmados.
Em 1943/44, Humberto Mauro realizou diversas palestras radiofônicas semanais
na Rádio Ministério da Educação antiga PRA-2 para divulgar as atividades do INCE, que
foram editadas pela Revista Scena Muda. Cerca de 20 anos mais tarde, entretanto, o cineasta
admitiu que muitas das cartas dos ouvintes sobre cinema foram escritas por ele mesmo, já que
nunca chegava nada. Isso demonstra o desinteresse do público pelo órgão.
A desmotivação do professorado na utilização do cinema como recurso didático
ou a desconfiança quanto ao seu uso persistiram ao longo dos anos. O que se pode
76
De acordo com dados do Centro de Referências das Escolas Públicas do Município do Rio de Janeiro – CREP.
77
Como o número de escolas contempladas não coincide com o número aproximado de escolas públicas
existentes, acreditamos que as instituições particulares faziam parte desses dados.
90
depreender, ainda, é que o interesse pelo filme provinha das classes de cineastas, políticos,
artistas e intelectuais. A educação parecia ter outras prioridades.
Em nova palestra, concedida em 3 de janeiro de 1944, Mauro comenta que um
prefeito amigo seu, da cidade de Volta Grande (MG), procurou saber como as escolas de seu
município poderiam conseguir filmes educativos. O cineasta explica que tendo um projetor,
seria muito fácil, afinal, o Brasil era um dos poucos países do mundo que fornecia
gratuitamente às escolas programas de filmes educativos de assuntos nacionais variados.
Segundo Mauro, a escola deveria providenciar o filme virgem e o INCE realizaria
a cópia gratuitamente. Mauro também defende a idéia lançada por Roquette-Pinto, quando da
inauguração do novo prédio do MES, de que o Ministério deveria fornecer aos
estabelecimentos de ensino, mediante pagamento parcelado, material como o projetor sonoro,
que era muito caro. Apesar disso nunca ter sido concretizado, parece, ainda, que a cidade de
Volta Grande não comprou projetor para a escola ou não utilizou os filmes educativos com
freqüência, o que é de se espantar, já que Mauro filmava muito na região mineira. O professor
Victor José Ferreira
78
, que estudou de 1950 a 1954, em Volta Grande, no Grupo Escolar
Capitão Godoy – única escola da cidade na ocasião não se recorda de ter visto filmes nesse
período e nem mesmo no tempo ginasial, cursado em Além Paraíba (MG), outra cidade
próxima. Apenas na cidade de Cataguases, o Colégio Interno realizou diversas exibições aos
alunos, conforme entrevista concedida para esta pesquisa.
Nos 10 primeiros anos de funcionamento, houve divulgação razoável sobre o
INCE na imprensa. Artigos das Revistas Cinearte, Scena Muda e do suplemento literário
Ciência para Todos (CpT), do Correio da Manhã, versaram sobre a eficácia do cinema
educativo. O caderno especializado CpT publicou de 1948 a 1953 a coluna Cinema e
Educação com destaque aos filmes científicos, em especial aqueles produzidos pelo INCE. A
seção apontava características semelhantes às das demais revistas, destacando as
possibilidades do uso dos filmes, dicas sobre quais poderiam ser utilizados pelos professores,
além de apresentar artigos sobre os que seriam exibidos no auditório da Associação Brasileira
de Imprensa (ABI).
Após esse período, não existem registros sobre o órgão na imprensa ou, se
existem, ainda estão para serem descobertos. Dejean Pellegrin, em depoimento oral, afirma
que quase ninguém sabia da existência do INCE. Segundo ele, pouquíssimas vezes eram
publicadas pequenas notas nos jornais destacando a data de exibição de filmes no seu
78
Principal incentivador dessa pesquisa, estudioso e admirador de Humberto Mauro, foi figurante do filme O
Canto da Saudade, em 1952, filmado na respectiva cidade.
91
auditório.
Outro problema detectado é que a maioria das pessoas que viveram nessa época,
inclusive intelectuais estudiosos do Governo Vargas e mídia-educadores, sequer ouviram falar
da existência do INCE, que foi o precursor do cinema educativo no Brasil. Para fins desta
pesquisa, mantivemos contato com diversas pessoas que estudaram em vários colégios do Rio
de Janeiro das décadas de 1950 a 1966 e ninguém, à exceção dos depoentes selecionados,
recorda-se de ter visto filmes em sala de aula
79
.
que se destacar, ainda, as dúvidas existentes sobre a eficácia do cinema como
recurso didático. As obras Cinema e Educação, de 1930, de Jonathas Serrano e Venâncio
Filho; Cinema contra Cinema, de 1931, de Canuto Mendes de Almeida; O Cinema Sonoro e a
Educação, de 1931, de Roberto Assumpção, argumentam sobre o receio que o mestre tinha
sobre a utilização do filme. Nos anos de 1950-1970 não foram publicadas novas obras sobre
cinema educativo. Parece que a euforia dos primeiros anos assentou-se e deixou de ter espaço
privilegiado no setor intelectual e educacional.
O próprio educador Paschoal Leme, responsável por maior parte dos roteiros
educativos a partir de 1947, não acreditava no potencial do cinema no ensino. Para Leme, “a
boa educação se na sala de aula, com professores bem preparados e remunerados, e alunos
bem alimentados.” (SCHVARZMAN, 2004, p. 108). Esse depoimento foi concedido em 1997
à pesquisadora Sheila Schvarzman. Portanto, 60 anos após a criação do INCE, Leme ainda
pensava da mesma maneira.
Paiva (1991) esclarece que Paschoal Leme foi o precursor de uma corrente de
análise da educação que não se confunde com os nomes do movimento renovador. Ele era
considerado um educador de esquerda. Acreditava que o ponto de partida para o
desenvolvimento da educação estaria nas soluções dos problemas encontrados na base
material. Leme publicou várias obras sobre os problemas da educação brasileira e nos últimos
anos de vida, escreveu suas Memórias, divididas em cinco partes. No terceiro volume
dedicou, inclusive, um perfil a Humberto Mauro, com quem trabalhou no INCE. Apesar de ter
ficado 14 anos no Instituto, não escreveu nada sobre cinema educativo ou realizou reflexões
sobre seu uso como recurso didático. Para Leme, a educação democrática só aconteceria numa
sociedade democrática.
O cineasta Jurandyr Noronha, que trabalhou no INCE na gestão de Pedro Gouvêa
e conviveu com Paschoal Leme, teceu elogios à sua pessoa e muito se espantou com tal
79
Esta e outras características serão analisadas no capítulo seguinte.
92
declaração feita pelo educador, uma vez que, para ele, o educador aceitava inteiramente os
processos novos de som e imagem: A impressão que tenho é o contrário. Ele não era assim
tradicionalista não, de nenhuma maneira".
80
Analisando a proposta do Governo Vargas de inserir a arte cinematográfica na
educação escolar, percebe-se, ainda, que o Instituto não realizou planejamento de médio e
longo prazo, como:
1) Definir o número de filmes que seriam produzidos por mês/ano. No primeiro
INCE foram produzidos 252 filmes; no segundo período 101; na terceira fase 53. O órgão
funcionou de 1936 a 1966, produziu 407 filmes e adquiriu outros 578. Entre os produzidos, 72
eram mudos e se utilizaram do recurso sonoro do vitaphone. Alguns eram silenciosos e a
exibição era acompanhada de um folheto explicativo que continha um resumo do conteúdo a
ser utilizado pelos professores em sala de aula, tal qual os diafilmes.
Pelas dificuldades de aquisição e distribuição de filmes, fica claro que não havia
um projeto orçamentário de custos para produção de forma organizada ou suficiente, pois, a
cada ano, o número de filmes produzidos diminuía consideravelmente. De acordo com Mauro
Domingues, em depoimento oral, a produção concentrada dos filmes na região de Volta
Grande (MG) devia-se ao fato de que como os produtores não tinham orçamento suficiente
para sua realização e como a família de Humberto Mauro morava em Minas, era mais barato
ir para lá.
2) Delimitar e dividir os temas a serem explorados equilibrando-se, assim, os
assuntos por disciplinas. Como explicar, por exemplo, a produção de 53 filmes de Medicina,
21 de História, 47 de Geografia, 8 de Literatura, 6 de Química, 17 de Física? Quais eram os
critérios de produção? Quais eram os interesses nessa quantificação? Como não
documentação sobre controle, avaliação da produção, número de cópias e exibição, não
como rastrear o porquê desses parâmetros, apenas supor que não havia um planejamento
educacional adequado.
3) Preparar os professores para apresentarem fitas pedagógicas aos alunos sem,
necessariamente, entregarem roteiros e regras prontas. Para os organizadores da época, isso
bastava. Essas idéias coincidem com as teorias da comunicação vigentes na época, que, até o
final da Segunda Guerra, tinham como pressuposto que o receptor das mensagens (neste caso,
o aluno) não possuía capacidade de discernimento, captando toda a carga emocional e
ideológica da mensagem do emissor (MATTELART, 1999). Segundo Franco (2004), os
80
Depoimento oral concedido à pesquisadora em abril de 2007.
93
filmes do INCE eram passados aos alunos como “encarnação de verdades científicas”, sem
abrir espaços para interrogações, pensamento comum às teorias da época. Isso sugere que não
havia, portanto, um manual de orientação pedagógica sobre os assuntos exibidos, tampouco
formação docente ao uso.
Outro apontamento sobre os problemas enfrentados pelo INCE deve-se à chegada
da Televisão na década de 1950. Franco (2004) faz uma ligação entre o fim do cinema
educativo com a propagação da TV, que “derrubou frágeis barreiras e invadiu,
definitivamente, as sessões de ‘ginástica dos sentimentos’ dos organismos mentais mais
vulneráveis pela sua imaturidade”.
É preciso avaliar qual educação foi proporcionada ao enorme contingente de
brasileiros, em estado endêmico de indigência cultural, através do consumo, sem
barreiras alfandegárias e culturais, dos filmes norte-americanos. [...] O
desmoronamento do papel da escola na formação da personalidade das crianças e
adolescentes abriu mais espaço para a influência da mídia. A os anos 60, o
problema ainda era contornável pelas condições peculiares do consumo de filmes
o controle de acesso aos filmes por faixa de idade e o custo do ingresso. (FRANCO,
2004, p.33).
A inserção do cinema nas décadas de 1930 e 40 foi “um recurso sofisticado
demais para fazer parte de uma reforma educacional que precisava, antes de tudo, construir
escolas e colocar alunos dentro delas.” (FRANCO, 1987, p. 32). Outra característica é que o
índice de escolarização da época era de 21,43%, em 1940; 26,15%, em 1950 o que acabou
beneficiando apenas a elite escolarizada urbana, da capital do país.
Franco (2004) afirma, ainda, que os filmes foram utilizados durante certo tempo
num fenômeno de moda passageira ou devido a pressões oficiais e foram, logo depois,
esquecidos nas prateleiras, juntamente aos projetores, não realizando transformações
substantivas no processo de ensino e nem deixando marcas profundas nas formas
educacionais de então.
O INCE pode não ter realizado modificações profundas na educação, porque as
mudanças não viriam, somente, com o uso do cinema por si só, já que projetar um filme como
ilustração e utilizá-lo apropriando-se de seu conteúdo e linguagem são coisas completamente
distintas. Percebe-se que seu uso era meramente ilustrativo mais ou menos como o que
encontramos hoje em sala de aula (PRETO, 2007). Mas conforme depoimentos orais, os
filmes do INCE continuaram sendo utilizados no DFE e no DFC por um bom tempo e não
foram esquecidos nas prateleiras, como supunha Franco (op.cit.).
Para a pesquisadora, como o cinema educativo surgiu a partir da visão oficial do
94
Estado, foi decisivo para que diversas gerações de educadores deixassem de adotá-lo como
um recurso pedagógico, uma vez que houve uma generalização de que era uma “coisa chata”
(op. cit., p.46, p. 28). Por isso, o cinema só fora incorporado ao universo escolar devido a uma
imposição vinda do alto.
Sua análise vai ao encontro, de certa forma, do pensamento de Paschoal Leme,
que acreditava, primeiramente, na reforma sócio-econômica da sociedade para depois se
investir no cinema como recurso didático. Depoentes desta dissertação afirmam, no entanto,
que não havia imposições do governo para que os filmes educativos fossem utilizados. As
instituições utilizavam-nos voluntariamente.
Jurandyr Noronha, em depoimento oral, concluiu que o interesse das pessoas
sobre a imagem em movimento estava voltado à novidade da arte cinematográfica e não
enquanto produto de educação e conhecimento. No entanto, o cineasta acredita que os filmes
eram didaticamente enriquecedores.
Devido às dificuldades encontradas pelo Instituto ao longo dos anos e à
necessidade do Estado em investir na produção cinematográfica industrial, em 1966, o INCE
foi transformado em Instituto Nacional de Cinema (INC), estabelecido através do Decreto-Lei
43, Artigo 31, época em que foi criado o Departamento de Filme Educativo (DFE), que
absorveu as atividades do órgão. Mauro Domingues, em depoimento oral, expõe que o DFE e,
posteriormente, o DFC, não tinham uma concepção plena e identidade educativa clara, como
a do seu antecessor. Na verdade, o próprio INCE não tinha uma identidade educativa clara,
por não ter ligação com o currículo escolar, mas uma amplitude mais ampla.
Nos seus 10 anos de existência, o DFE apresentou algumas modificações. Foi
instituída a compra de direitos de contratipagem para produções independentes, com cerca de
20 filmes por ano, o que dava ao INC o direito à distribuição de várias cópias no circuito não
comercial de escolas e demais entidades. Mas as escolas, ainda assim, eram prioridades.
Em 1969, foi criada a Empresa Brasileira de Filmes S/A (Embrafilme),
responsável pela distribuição e promoção de filmes brasileiros no exterior, além de realização
de mostras e festivais. Em 8 de fevereiro de 1976, houve a fusão do INC com a Embrafilme.
O DFE transformou-se em Departamento de Filme Cultural (DFC), subordinado à Diretoria
de Operações Não Comerciais (DONAC).
De acordo com Marialva Monteiro, professora do Cineduc, que atuou no DFC a
partir de 1976, mesmo após 20 anos do término de funcionamento do INCE, os filmes
produzidos permaneciam sendo usados. A Embrafilme doou para vários estados um acervo de
filmes 16 mm, formando filmotecas regionais em universidades, centros culturais, etc. A
95
educadora, então, começou a viajar pelos estados brasileiros para formar animadores culturais
nesses locais, levando-lhes técnicas e alguns elementos que os ajudassem a utilizar os filmes
recebidos.
No Rio de Janeiro, o DFC atendia escolas e ensinava a programar filmes ligados a
temas curriculares, produzindo catálogo pedagógico com 110 títulos. Faziam parte dessa
listagem, todos os filmes da série Brasilianas, bem como: A Velha a Fiar, O Descobrimento
do Brasil, Uma Alegria Selvagem, Higiene Rural Fossa Seca, O Café, Cidade do Rio de
Janeiro. Segundo Marialva, os empréstimos também eram gratuitos.
De acordo com a educadora, em 1978, o DFC possuía um total de 721 títulos,
tendo, às vezes, até cinco cópias de cada um. De janeiro a maio de 1978, o número de
atendimentos foi de 980, com 2.257 cópias emprestadas
81
.
Em 1990, A Embrafilme foi extinta pelo Governo Collor. Em 1988, seu acervo
cultural, composto pelo INCE e INC, foi transferido para a Fundação do Cinema Brasileiro
(FCB), órgão do Ministério da Cultura. A FCB foi absorvida pelo Instituto Brasileiro de Arte
e Cultura (IBAC), criado em 1990, que mudou sua razão social para Fundação Nacional de
Arte (FUNARTE), em 1994. A FUNARTE representa a cultura brasileira no Brasil e no
exterior. Atualmente, abrange as áreas artísticas da dança, música, teatro e artes visuais.
É provável que a documentação oficial e burocrática do INCE tenha se perdido
em algum momento mediante a tantas mudanças ocorridas.
81
MONTEIRO, Marialva. Cinema na escola: a vocação educativa dos filmes.
http://tvebrasil.com.br/salto/boletins2002/dce/dcetxt4.htm
96
4 QUANDO A HISTÓRIA TEM OUTRAS VERSÕES
4.1 HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA SOCIAL
De acordo com os objetivos desta pesquisa, foram escolhidas as metodologias de
análise histórica documental, para o material encontrado nos acervos pesquisados, e de
História Oral, que consiste em um método qualitativo de realização de entrevistas com
pessoas que podem testemunhar acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida e
outros aspectos do período analisado pouco estudados ou em que predominam zonas de
obscuridade, divergências de opiniões ou ausência de documentos (ALBERTI, 2004).
Ferreira e Amado (1996) afirmam que são discutidas três formas de pensar a
História Oral: a primeira a como técnica de pesquisa; a segunda como uma disciplina; a
terceira como metodologia que estabelece e ordena procedimentos de estudo. Como todas as
metodologias, a História Oral é o elo entre a teoria e a prática, capaz de apresentar os
problemas, mas não resolvê-los. Neste enfoque, encontra-se a presente pesquisa, que se
propôs a analisar e documentar, através de reminiscências, fatos históricos insipientes ou
esquecidos, no intuito de buscar novas versões, sem, contudo, apontar soluções.
A especificidade da História Oral está no fato de se prestar a diversas abordagens
e se mover num terreno multidisciplinar. É um recurso que produz fontes de consultas para
outros estudos, podendo ser reunidas em acervo aberto a novas pesquisas. Com a utilização do
método da entrevista, os depoimentos passam a ter estatuto de documento. Por esse motivo, é
necessário desenvolver procedimentos técnicos de gravação e tratamento de entrevista de
modo que o acervo constituído possa ser aberto a outros pesquisadores.
O que a História Oral tem de mais precioso é:
a possibilidade de reconstituir a história através das múltiplas versões, captar a
lógica e o resultado da ação através de seu significado expresso na linguagem do
ator, ou seja, desvendar o jogo complexo das ideologias dos instrumentos que nos
são oferecidos pela própria ideologia. (ALBERTI, 2004, p. 13).
O fato de o depoente distorcer” a realidade, ter “falhas” de memória ou “errar”
em seu relato não é negativo. O que importa é incluir tais ocorrências em uma reflexão mais
ampla, perguntando-se “por que o entrevistado concebe o passado de uma forma e não de
97
outra; por que razão e em que medida sua concepção difere (ou não) da de outros depoentes.”
(op. cit., p. 19). O objetivo não é fazer que as pessoas pensem da mesma forma ou partilhem
das mesmas concepções. A veracidade e a fidedignidade dos depoimentos não estão
correlacionados a uma única versão, mas a várias outras, que serão rediscutidas, reconstruídas
e recriadas.
O método de História Oral não é recente. Desde a Idade Média, relatos e
depoimentos orais eram importantes na reconstituição de acontecimentos. Não existia, pois, o
recurso do gravador para registrar os fatos e transformá-los em documentos de consulta. Para
Meihy (1996), a História Oral foi a primeira espécie de história. Como descreve Lévy (1993),
o relato oral sempre se constituiu na maior fonte humana de conservação e difusão do saber.
Anterior à escrita, era o único recurso para armazenamento e transmissão do conhecimento.
No século XIX, com o predomínio da história positivista e a valorização do
documento escrito, a prática de colher depoimentos orais ficou em segundo plano.
Considerava-se que o depoimento não poderia ter valor de prova, porque era imbuído de
subjetividade, de uma visão parcial sobre o passado e sujeito a falhas de memória (ALBERTI,
2004).
Foi no início da década de 1920 que surgiu nova perspectiva. Historiadores da
Escola de Annales, na França, criticaram a historiografia positivista. Os documentos escritos,
tomados como únicos instrumentos capazes de reter a história, criaram fatos excludentes,
restritos às grandes personalidades. Desse modo, a crítica ampliou o conceito de fonte
histórica, resgatando o documento oral, que possibilitou aos historiadores obter novos
paradigmas através de fontes secundárias (BURKE, 1992).
A moderna História Oral foi inventada na cada de 1940, após a Segunda
Guerra Mundial, quando os sociólogos da Escola de Chicago passaram a utilizar a entrevista,
a observação participante e a biografia como meios privilegiados para a análise da realidade
social. Segundo Goldenberg (1997), a Escola de Chicago abriu espaço para a utilização
científica de documentos pessoais como cartas e diários íntimos, a união dos métodos
quantitativos e qualitativos como complementares e as histórias de vida como ampliação
documental do não-dito.
Segundo Alberti (2004), em 1959, após a invenção do gravador portátil, nos
Estados Unidos, Europa e México, os depoimentos puderam ser “congelados” possibilitando
sua consulta a posteriori. Isto permitiu que os depoimentos pudessem ser consultados e
avaliados em qualquer tempo e transformados em fonte para pesquisas. Thompson (1992), na
década de 1960, afirmou que a valorização da História Oral possibilitou resgatar a vida
98
cotidiana mantida na memória, ao possibilitar uma reflexão em relação ao passado-presente e,
também, complementar dados documentais.
Na década de 1970, nos Estados Unidos e na Europa, foram implantados vários
programas de História Oral. No Brasil, a metodologia foi introduzida em 1975, através do
Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas (ALBERTI,
2004). Meihy (1996) esclarece que, no Brasil, a História Oral tardou a se desenvolver em
função da falta de tradições institucionais para aceitação entre os pesquisadores e a
comunidade acadêmica.
Mas, finalmente, a difusão da História Oral alcançou outras instituições do Brasil
que inauguraram novas linhas de acervo, ampliando as possibilidades de consulta, estendendo
os benefícios do método para variados temas de pesquisa. A partir dos anos 1990, o
movimento ampliou-se significativamente tanto no Brasil quanto no exterior e, em 1994, foi
fundada a Associação Brasileira de História Oral (ABHO), por ocasião do II Encontro
Nacional.
A comunidade de pesquisadores e interessados cresceu impulsionada pelos
encontros regionais e nacionais. Em 1996, criou-se, em nível internacional, em Gotemburgo,
na Suécia, a International Oral History Association (IOHA). A partir daí, foram realizados
congressos internacionais de dois em dois anos, com expressiva participação de pesquisadores
brasileiros.
Segundo Meihy (1996), há várias modalidades de História Oral: a história de vida,
de forma autobiográfica, como propõe Antônio Chizzotti, através das percepções pessoais ou
subjetivas que marcaram a experiência de vida do depoente; a história oral temática, em que
detalhes da história pessoal do narrador interessam à medida que se revelam os aspectos úteis
à informação da temática central, na busca de esclarecimentos. Neste segundo caso, centra-se
a proposta de investigação desta pesquisa.
A história de vida dos depoentes no trabalho ora apresentado se entrelaça com a
história temática pesquisada, uma vez que os sujeitos vão se apropriando dos objetos a partir
das suas experiências, vivências e relações. Logo, ao tomar como seu determinado tema, o
depoente atribui à história temática sua história de vida, em articulação com sua cultura,
afetos e inserção na realidade social. A memória é, portanto, um fenômeno construído social e
coletivamente.
Segundo Pollack (1989), Maurice Halbwachs, nos anos 1920-30, havia
destacado que a memória deve ser entendida como um fenômeno coletivo e social, construído
coletivamente e submetido a flutuações, transformações e mudanças constantes, existindo
99
uma estreita relação no sentido fenomenológico entre a memória e o sentimento de
identidade. Para ele, os elementos constitutivos da memória individual e coletiva são,
primeiramente, os acontecimentos vividos pessoalmente depoentes de primeiro grau.
Aqueles vividos indiretamente são caracterizados como “vividos por tabela”, ou seja,
vivenciados pelo grupo ou pela coletividade que a pessoa pertence chamados de
transferência por herança. Neste trabalho, foram utilizados depoentes de primeiro grau e de
transferência por herança, no intuito de aclarar as diversas versões sobre o assunto focado.
Ainda de acordo com Pollack, a memória é seletiva, visto que nem tudo fica
registrado. O que é gravado, recalcado, excluído e relembrado é, evidentemente, o resultado
de um verdadeiro trabalho de organização seletiva. Como fazer uma seleção é uma escolha,
significa que a memória trabalha no terreno do preferível. É possível, então, que muitas
pessoas possam não mais se recordar de terem visto os filmes do INCE porque essa
experiência não entrou neste trabalho de organização seletiva da memória, não caracterizando
uma etapa importante ou marcante em suas vidas.
A partir do momento em que a memória se legitima como um fenômeno
construído, a ligação com a identidade transforma os valores disputados em conflitos sociais e
intergrupais. O sentimento de identidade alçado, neste caso, diz respeito à imagem de si, para
si e para os outros. Isto é, à imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela
própria; à imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si mesma para acreditar na sua
própria representação. Sendo um elemento constituinte do sentimento de identidade, a
memória é um fator extremamente importante de continuidade e coerência de uma pessoa ou
grupo em sua reconstrução, ou seja, cada vez que uma memória está relativamente
constituída, efetua um trabalho de manutenção, unidade e organização.
Sendo a memória socialmente construída, toda documentação, por conseguinte,
também o é (op.cit.). A fonte oral torna-se, então, exatamente comparável à fonte escrita. O
trabalho de pesquisa do historiador é feito através de alguma fonte e da construção do
passado. A História, tal como é pesquisada, é extremamente rica como produtora de novos
temas, objetos e interpretações.
Novas interpretações permitem produzir novos discursos, numa pluralidade de
significações. O que permeia essa produção do sentido são as reminiscências como efeitos de
memória. As dimensões semântico-pragmáticas da rememoração se manifestam
autoconsciente e metacognitivamente, estruturando-se no discurso e pelo discurso, através da
argumentação.
As reminiscências abarcam recordações e memórias, que podem ser contempladas
100
vagamente ou inteiramente por um indivíduo ou por um determinado grupo sobre certo
acontecimento ou aspecto histórico do passado (GUIMARÃES, 1995). Os efeitos da memória
e fragmentos da lembrança tecem emendas aos conteúdos e permeiam a produção do sentido
das coisas, atribuindo novos significados. Não importa se o depoente tem lapsos de memória
ou a história concebida de outra maneira, porque o que devem ser consideradas são as
múltiplas versões adquiridas (ALBERTI, 2004).
4.2 CAMINHOS PERCORRIDOS E SEUS DIVERSOS LABIRINTOS
4.2.1 Pesquisa documental e iconográfica
Como o objetivo deste trabalho é analisar os impactos e conseqüências do INCE
na formação da cultura áudio-imagética escolar através das reminiscências de personagens
que vivenciaram o uso dos filmes em sala de aula, a primeira etapa analisou documentos
oficiais ainda existentes, teses, artigos e livros que abordam o uso do cinema escolar e a
história do INCE. Neste contexto, diversas obras que descreveram o período serviram como
base primária, vide referências bibliográficas.
Os acervos pessoais de Gustavo Capanema, Jonathas Serrano e Edgar Roquette-
Pinto, disponibilizados na Fundação Getúlio Vargas, Arquivo Nacional e Academia Brasileira
de Letras, respectivamente, foram de suma importância para a pesquisa. O trabalho teve como
fontes de apoio, ainda, os acervos da Funarte, da Biblioteca da Associação Brasileira de
Imprensa (ABI), Biblioteca da Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM), Biblioteca da
Associação Brasileira de Educação (ABE) e setor de pesquisa do Centro Técnico Audiovisual
(CTAv).
Foram analisados os títulos dos filmes produzidos pelo INCE, mapeados por
Souza (1990), no intuito de conhecer os assuntos e conceber a relação com o currículo escolar
da época. O Catálogo lista 407 documentários, sendo atribuídos diretamente a Humberto
Mauro cerca de 220. Como existem por volta de 123 outros títulos que não consta direção e
como os filmes eram realizados, em sua maioria, pelo cineasta, Schvarzman (2004) atribuiu a
Mauro um total de 358. No entanto, no quadro apresentado pela pesquisadora, pode-se
conferir uma distração na soma matemática, sendo encontrados, somente, 353.
101
Foi realizada pesquisa no Livro de Tombo do INCE, fonte que originou o
Catálogo. Os documentários adquiridos pelo Instituto encontram-se listados nos anexos com
os filmes produzidos. O documento está dividido em dois blocos de 200 folhas cada. Estão em
péssimas condições de manuseio, precisando ser, urgentemente, higienizado e restaurado,
antes que a única documentação oficial existente sobre o INCE também se perca. O Livro
lista os documentários até a data de 1975, quando o Departamento de Filme Educativo, do
INC, transformou-se em Departamento de Filme Cultural. A exemplo do Catálogo de Souza
(1990), todos os filmes contêm metragem, duração, assunto, roteiro, direção e companhia
produtora. A responsável pela sua organização era Teresinha Fortes, encarregada da
Filmoteca, em 1959, data em que foi inicialmente organizado.
Na documentação do Livro de Tombo indicação se a película foi ofertada por
algum produtor ou realizador, comprada ou adquirida sob permuta. A partir desta pesquisa,
foram verificadas algumas divergências do Catálogo existente. Não é objetivo deste trabalho,
no entanto, realizar levantamento aprimorado dos filmes produzidos e adquiridos, porque a
pesquisa não é quantitativa, mas apenas apresentar os assuntos destinados às escolas para
entender sua correlação com o currículo escolar, que todos os títulos, inclusive os
adquiridos, tinham destinação às instituições educacionais. Nas entrevistas realizadas,
constatamos que muitos filmes utilizados não foram produzidos internamente, mas faziam
parte de sua filmoteca.
Em toda documentação analisada, incluindo o Livro de Tombo, não foi
apresentada a repercussão dos filmes, muito menos as percepções e opiniões de professores e
alunos a respeito dos assuntos tratados. Em alguns tulos constam a categoria: se seriam
destinados ao ensino primário e ginasial (primeiro e segundo segmento do ensino
fundamental) ou científico e clássico (ensino médio); com indicação para qual disciplina
deveriam ser utilizados. No entanto, as fichas cadastrais sobre entrada e saída de filmes,
número de cópias para as escolas e outras informações valiosas que poderiam fornecer um
mapeamento básico da recepção no meio educacional, não foram encontradas ou não existem
mais. Cumpre esclarecer que Gilda Bojunga confirma que esta documentação existia até
meados da década de 1970.
Para entender melhor o ideário do INCE, foram assistidos cerca de 35
documentários produzidos pelo órgão, no Centro Técnico Audiovisual, no Rio de Janeiro.
Não é intuito deste trabalho analisar os filmes sob o enfoque cinematográfico, educativo e/ou
historiográfico. As obras foram consideradas para compreensão da documentação existente e
possibilitar, assim, a realização das entrevistas de modo mais fundamentado.
102
4.2.2 Pesquisa empírica e coleta de dados
Como o município do Rio de Janeiro possui, atualmente, 1.058 escolas e 245
creches
82
, foi preciso identificar, inicialmente, quais instituições existiam desde a cada de
1930 para analisar o período proposto. Através de consulta realizada no Centro Arquivístico
das Escolas Públicas do Município do Rio de Janeiro foram constatadas a existência de cerca
de 125 escolas naquela época.
Como não inferências na documentação existente de quais instituições
utilizaram os filmes, foi estabelecido um recorte entre as que seguem as linhas dos educadores
renovadores Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. Essas escolas foram criadas entre 1927
e 1935 e eram consideradas instituições modelo na época, porque seguiam os moldes da
ideologia da Escola Nova, propondo métodos de ensino modernizadores. O presente trabalho
serviu-se do pressuposto de que poderiam, então, terem sido pioneiras na utilização de filmes,
principalmente após a aprovação do Decreto 2940, que instituía o uso do cinema nos colégios
municipais do Distrito Federal. Ao todo são 30 instituições, sendo quatro pertencentes à linha
Fernando de Azevedo e outras 26 à linha Anísio Teixeira.
Escolas Fernando de Azevedo:
1) Escola Municipal Estados Unidos (1930) – Catumbi
2) Escola Municipal Uruguai (1930) – Benfica
3) Escola Municipal Soares Pereira (1927) – Tijuca
4) Escola Municipal Sarmiento (1929) – Engenho Novo
Escolas Anísio Teixeira:
1) Escola Municipal Santa Catarina (1935) – Santa Teresa
2) Escola Municipal Ceará (1935) – Inhaúma
3) Escola Municipal Pernambuco (1934) – Maria da Graça
4) Escola Municipal São Paulo (1935) – Brás de Pina
5) Escola Municipal Rio Grande do Sul (data) – Engenho de Dentro
6) Escola Municipal Bahia (1936) – Bonsucesso
7) Escola Municipal Mato Grosso (1936) – Irajá
82
Fonte: CREP.
103
8) Escola Municipal Pará (1936) – Rocha Miranda
9) Escola Municipal Paraná (1936) – Cascadura
10) Escola Municipal Paraíba (1932) – Anchieta
11) Escola Municipal México (1935) – Botafogo
12) Escola Municipal Paraguai (1935) – Marechal Hermes
13) Escola Municipal República Argentina (1935) – Vila Izabel
14) Escola Municipal Chile (1935) – Olaria
15) Escola Municipal Honduras (1935) – Jacarepaguá
16) Escola Municipal Nicarágua (1935) – Realengo
17) Escola Municipal Venezuela (1935) – Campo Grande
18) Escola Municipal Humberto de Campos (1936) – Mangueira
19) Escola Municipal Machado de Assis (1934) – Santa Teresa
20) Escola Municipal Dom Aquino Corrêa (1935) – Copacabana
21) Escola Municipal Doutor Cócio Barcellos (1934) – Copacabana
22) Escola Municipal Estácio de Sá Escola (1936) – Urca
23) Municipal Pedro Ernesto (1935) – Lagoa
24) Escola Municipal Conde de Agrolongo (1932) – Penha
25) Escola Municipal Getúlio Vargas (1935) – Bangu
26) Escola Municipal Portugal (1937) – São Cristóvão
Para ter acesso à documentação bibliográfica e iconográfica das escolas foi
realizada Pesquisa no Centro de Referências das Escolas Públicas do Município do Rio de
Janeiro CREP. O Centro de Referência é o núcleo de memória das escolas públicas
municipais. O setor de pesquisa contém pastas fichários de todas as instituições com
questionário, realizado em 1990, sobre a documentação existente. Encontra-se catalogada a
biografia do Patrono, histórico da propriedade, cadastro, registro e dados jurídicos, além de
fotos antigas da fachada. Não foi detectado qualquer tipo de documento sobre o uso de
material fílmico, nem sequer a possibilidade da existência de cópias e filmotecas.
Em seguida, foi feita pesquisa no Núcleo de Memória do Colégio Pedro II
(NUDOM) sobre a utilização desses filmes, partindo do pressuposto de que Jonathas Serrano
e Francisco Venâncio Filho, por terem sido professores dessa instituição e escrito o livro
Cinema e Educação, além de terem organizado a I Exposição de Cinematografia Educativa,
implantaram o cinema escolar no Colégio. Foi de suma importância a presença do professor
Geraldo Pinto Vieira, ex-aluno e ex-professor do Pedro II, um dos fundadores do NUDOM. O
104
professor recorda-se de ter assistido alguns filmes no tempo de aluno, bem como utilizado
diafilmes e slides em sala de aula no tempo de professor. O material utilizado era, segundo
ele, adquirido no INCE. O primeiro diretor do Departamento de Filme Educativo (DFE), Sr.
Cláudio Figueiredo, é, inclusive, mencionado em sua entrevista
83
.
Do Colégio Pedro II, mantivemos contato com 62 ex-alunos, que estudaram entre
1959 e 1967. Desses, 54 deram retorno e apenas duas pessoas se recordavam de ter visto
filmes na escola. Como uma das depoentes, no momento, reside fora do país, realizamos
entrevista, apenas, com a Srª. Clara Manuela, que indicou, ainda, outros dois colegas de
classe. Mas, como a memória é seletiva, esses ex-alunos se recordavam de terem visto filmes,
mas não conseguiam lembrar de assuntos e temas relevantes. O próprio filho do professor de
ciências Tito Urbano, Tito Luís, foi colega de classe de Clara Manuela e não se lembrava de
detalhes das exibições das aulas do pai.
Outra instituição analisada foi o Instituto de Educação do Rio de Janeiro. De
acordo com artigo publicado na Revista Cinearte, a escola utilizou muitos filmes como
recurso didático na ocasião. Mantivemos contatos com um grupo de 20 professoras que
estudaram no Instituto de 1949 a 1965. Nenhuma se recordava de ter visto filmes ou
diafilmes. Existia, inclusive, uma disciplina sobre Higiene e Puericultura, que se utilizava de
recursos fílmicos, mas elas não se lembram das exibições e temas tratados.
Apesar disso, com apoio da professora Drª. Lina Nunes, do curso de Mestrado em
Educação da UNESA, obtivemos o contato da professora Ana Maria Mônica, ex-aluna e ex-
diretora do Instituto de Educação que se lembrava de ter assistido a filmes enquanto
normalista, concedendo-nos entrevista. Interessante destacar que a depoente, tal qual Clara
Manuela, é apaixonada por cinema e, naturalmente, sendo a memória seletiva, seus critérios
pessoais permitiram registrar essas reminiscências, em detrimento de outras colegas de classe.
Os filmes citados na entrevista da professora Ana Mônica não foram produzidos internamente
pelo INCE, mas constavam entre os títulos adquiridos de sua filmoteca, em especial de
Puericultura.
Foram consultadas, ainda, diversas pessoas na faixa etária de 70 a 85 anos, que
estudaram em escolas públicas no Rio de Janeiro e em outras localidades do país entre as
décadas de 1940 a 1970. Nenhuma se recordou de ter visto filmes. As dificuldades em
encontrar depoentes, portanto, não ficaram condicionadas pela faixa etária, mas sim, à
ausência de lembranças ou experiências sobre o uso de filmes em sala de aula. Essa
83
Geraldo Vieira mediou contatos para que o sr. Cláudio Figueiredo concedesse entrevista. No entanto, não
obtivemos sucesso.
105
contradição já aponta dois caminhos: se o recurso foi utilizado e a memória, sendo seletiva,
não registrou esta reminiscência, há indícios de que não houve impactos profícuos na
educação. Mas a hipótese mais plausível é que o alcance do INCE tenha sido limitado e
pequeno. O registro do número de escolas cadastradas pode não estar condicionado ao uso,
mas sim, a uma listagem informativa de instituições existentes pelo Brasil afora.
Tínhamos a intenção de pesquisar, ainda, as Faculdades de Medicina e os colégios
particulares que existiam no Rio de Janeiro desde a criação do INCE. No entanto, devido ao
tempo previsto para finalização desta dissertação, isso não se tornou possível. Fica a sugestão
para futuros pesquisadores.
4.3 ESCOLHA DOS DEPOENTES
A escolha dos depoentes seguiu quatro critérios, a saber:
1) Depoentes que vivenciaram as exibições dos filmes na instituição escolar
professores e alunos;
2) Depoentes que vivenciaram a produção/exibição de filmes durante a existência
do INCE;
3) Depoentes que vivenciaram a exibição dos filmes após transformação do INCE
para INC / Embrafilme, nos departamentos DFE e DFC;
4) Depoentes que vivenciaram a história por meio de memória de herança.
Na busca de depoentes tipo 1, uma característica importante foi fundamental:
além das recordações sobre os filmes educativos, foi necessário associar a memória dos
alunos e professores aos assuntos produzidos. Quando perguntamos se uma pessoa tem
lembranças de filmes dos tempos de escola, automaticamente associa a ficção, romance,
espetáculo. Com certeza, esse grupo de depoentes não sabia a procedência do material
utilizado em sala. Então, foi preciso explicar do que se tratava, como era, além de descrever
diversos títulos, muitas vezes, citando-os. A triagem inicial requereu muita atenção, porque as
pessoas não associavam os filmes que assistiam ao nome do INCE.
Dessa maneira, foi possível encontrar depoentes no Colégio Pedro II, no Instituto
de Educação, no Colégio Interno de Cataguases e, ainda, associar as vagas memórias do
depoente Sillas Ayres, do Centro de Referência das Escolas Públicas do Rio de Janeiro, que se
106
recordava de ter visto na infância, na Escola Ceará, um filme sobre uma mosca e hábitos de
higiene. Outros dois alunos também da mesma escola, Sr. Nelson Freitas Barbosa e Sra Josefa
Mendes Silva, também se recordam de terem visto filmes na infância, embora não saibam
descrever um assunto específico. Por isso, não foram selecionados para a pesquisa como
depoentes.
As memórias vagas e consideradas irrelevantes foram, na verdade, de valor
inestimável. Há, ainda, que se registrar a coincidência em encontrar ex-alunos que estudaram
em Escolas da linha Anísio Teixeira, comprovando que, mesmo sem ter documentação a
respeito do assunto, o caminho metodológico seguido nesta pesquisa foi apropriado. Entre os
selecionados, Fernando Ferreira, que foi diretor do Departamento do Filme Educativo e,
posteriormente, Departamento de Filme Cultural, depoente tipo 3, recorda-se de ter visto
filmes na Escola México, quando criança.
Entre os depoentes tipo 1, também foi selecionado para a pesquisa o Sr. Murillo
Mendes, marido da Srª. Clara Manuela, que estudou no Colégio Interno de Cataguases. Ele
tem memórias de ter visto vários filmes do INCE, inclusive, os de ficção de Humberto Mauro.
No grupo de depoentes 2, a entrevista mais importante foi concedida pelo cineasta
Jurandyr Noronha, que trabalhou no INCE a partir da década de 1950. Sr. Jurandyr é ex-
funcionário do orgão mais antigo que ainda está vivo. Os demais faleceram. Em seguida,
foram contatados outros personagens do contexto, como: Myrce Gomes, Gilda Bojunga e
Gilberta Noronha Mendes, que trabalharam no INCE na sua fase de transformação para INC.
O marido de Gilberta, Júlio Heilbron, que produziu dois filmes no INCE (Ele e o Rabisco e
Uma Alegria Selvagem) também concedeu entrevista. No entanto, tanto ele quanto Gilberta
não aprovaram a entrevista concedida devido ao tempo previsto, alegando falta de tempo. Os
depoimentos não foram analisados na dissertação, mas utilizados como base comparativa nos
dados documentais disponíveis. Gilberta cedeu, ainda, trabalho sobre o INCE, realizado em
1965, em Paris, na França, como fonte de consulta.
Gilda Bojunga, neta de Roquette-Pinto e filha de Beatriz Bojunga, explicou que
todas as informações que possui sobre o INCE são de conhecimento desta pesquisa e,
portanto, não concedeu depoimento. Sua entrevista, no entanto, poderia ter contribuído muito,
que na História Oral são consideradas as experiências pessoais e os pontos de vista dos
depoentes. É também o caso de Valéria Mauro, neta de Humberto Mauro e filha de Zequinha
Mauro, atualmente professora do curso de cinema da Universidade Estácio de Sá. Valéria
desmarcou, por diversas vezes, a entrevista a ser concedida. Devido ao prazo estipulado para
este trabalho, o foi efetuada sua versão, que também seria de grande valia, pois, segundo
107
Myrce Gomes, Valéria aprendeu a realizar montagem com seu avô no INCE.
Entre os depoentes da ordem 3 e 4 que vivenciaram as exibições dos filmes após a
transformação do INCE para INC, encontram-se: Fernando Ferreira, Dejean Pellegrin e Ana
Pessoa, que trabalharam nos departamentos de filmes educativos que surgiram depois. Os
entrevistados também poderiam ser considerados depoentes de memória de herança, uma vez
que conviveram com Zequinha Mauro. No entanto, optamos em classificar somente Mauro
Domingues, amigo pessoal de Zequinha, nesta categoria. Seu depoimento é inteiramente
embasado nas memórias e histórias do amigo já falecido.
Também foram contatadas as depoentes Marialva Monteiro e Wanda Ribeiro, que
também trabalharam no DFC. Como ambas publicaram trabalhos sobre cinema educativo,
foram consideradas, portanto, como fontes da pesquisa bibliográfica.
4.4 REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS
Nesta etapa, foram feitas entrevistas com os depoentes selecionados, para serem
buscadas as percepções e versões de cada um sobre o período analisado. As entrevistas foram
gravadas, transcritas e aprovadas pelos depoentes. Posteriormente, os relatos foram analisados
sob os enfoques de divergências e convergências, contrastando resultados. Através dos
relatos obtidos, pelo viés dos entrevistados, é possível voltarmos ao tempo, recolhendo
emoções, novos contextos e, principalmente, diferentes opiniões.
Para utilização da entrevista de História Oral, foi necessário delimitar o que seria
importante, o que convinha analisar e o que poderia ser útil à pesquisa. Em uma entrevista de
História Oral, procura-se qual a sua especificidade para dar respostas a todas as questões sem
a intenção de esgotá-las. Por esses motivos, o depoimento de História Oral torna-se diferente
das demais entrevistas de campo, porque é tomado como fonte para a compreensão do
passado junto aos documentos escritos, imagens e outros tipos de registro. Nesse sentido, a
entrevista de História Oral não pode ser realizada somente com um depoente, mas ser vista
em termos do conjunto de depoimentos que informa o todo de um determinado projeto de
pesquisa (ALBERTI, 2004).
A entrevista de História Oral difere das demais porque não possui um questionário
de respostas fechadas sobre o assunto. O pesquisador organiza um roteiro embasado em seus
objetivos, mas construído paralelamente à história de vida do depoente. À medida que o
108
entrevistado vai se apresentando e selecionando determinadas memórias em detrimento de
outras, a entrevista percorre os caminhos permitidos ao diálogo estabelecido. Poderá ser
constatado que todas as entrevistas têm objetivos comuns, mas a estrutura e a narrativa
discursiva não seguem um padrão único, porque os discursos são negociados entre locutor e
interlocutor. A questão é perceptível ao verificar a íntegra do conteúdo, disposta nos anexos.
Os testemunhos obtidos trazem o ponto de vista dos entrevistados e como dão
significados aos fatos ou a explicações que outras pessoas deram ao passado ou sobre o
passado no presente. Significados que vão se transformando, ao longo do tempo, em novas
releituras. Ao testemunhar, o depoente olha para trás e organiza seu passado, procurando um
sentido para sua presença, em consonância com os fatos. É um processo rico que revela
diferentes aspectos inerentes às narrativas.
4.4.1 Caderno de Campo e Carta de Cessão de Direitos
Após contato inicial, feito por telefone, carta ou e-mail, foi agendada data para
realização da entrevista. No caderno de campo, foram anotados todos as observações a
respeito dos entrevistados, descrevendo a relação estabelecida com cada um. As impressões e
imprevistos foram considerados, tanto na análise dos dados, quanto no decorrer da própria
coleta de dados.
Após a aprovação da transcrição, os depoentes assinaram a Carta de Cessão de
Direitos. Trata-se de um documento através do qual os entrevistados cedem ao programa de
História Oral da Universidade Estácio de os direitos gratuitos sobre sua entrevista e, sem o
qual, não há como abrir o depoimento oral para consulta.
4.5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Para a análise e interpretação dos dados foi utilizado o Modelo da Estratégia
Argumentativa (MEA), baseado na Teoria da Argumentação proposta por Perelman (1992) e
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005). O MEA tem sua aplicação dirigida a contextos em que
existem controvérsias. Segundo Castro (2004), quem argumenta está dirigindo seu discurso
109
com alguma intenção. Ninguém é livre para falar o que e quando quiser. Existem regras e
normas sociais que devem ser levadas em consideração. Não se trata de conhecer apenas o
contexto em que o sujeito se expressa, mas a complexidade de elementos motivadores dessa
expressão, considerando valores, símbolos, vivências, afetos, relações e história.
Para Perelman (1993), o objetivo de toda argumentação é obter o convencimento a
uma determinada tese, que supõe a troca de conhecimentos e a defesa de um determinado
ponto de vista. Na argumentação, a pessoa deseja convencer a outra da validade de seu
discurso ou incitá-la a uma prática. Assim, a argumentação só se faz presente em situações em
que haja controvérsia e possibilidade de diferentes respostas. Toda argumentação é provida de
ambigüidades que se desenvolvem em uma linguagem natural. É um processo comunicativo
que apresenta uma conclusão mais ou menos plausível, sendo as provas apresentadas
suscetíveis de múltiplas interpretações e marcadas pela subjetividade de quem argumenta e do
contexto em que ocorrem.
A Teoria da Argumentação relaciona nos discursos três importantes aspectos: o
quê se diz, como se diz e porque se diz. O MEA analisa o que se diz que não pode ser dito, o
que se diz parecendo o ter dito e o que se diz defendendo-se do risco de ser contestado
(CASTRO et all, 2001). Daí emergem sentidos implícitos. O modelo de análise busca, então,
o conjunto de representações que sentido à enunciação do sujeito, porque ninguém
argumenta contra o que é evidente, contra aquilo com o qual concorda.
Castro (1997, p.73-74) afirma que “mesmo em situações em que apenas um fala e
os outros ouvem, quando se antecipam controvérsias sobre algum tema, serão evocados
processos argumentativos”. No caso de depoimentos e entrevistas, o entrevistado vai falar
para alguém que ele imagina como seja, tentando prever suas reações e direcionar o seu
raciocínio. Rizzini, Castro e Sartor (1998) acrescentam a necessidade de existir entre
interlocutores a possibilidade de compreensão sobre o que está sendo dito, a fim de que
compartilhem conhecimentos, representações, atitudes, percepções, ou seja, práticas sociais.
Castro e Frant (no prelo), ao explicarem a relação entre linguagem e pensamento,
sugerem a dificuldade em traçar uma fronteira nítida, uma vez que, em sua dinâmica, se retro-
alimentam. A discussão gira em torno da problematização proposta por Kristeva (1969) sobre
quem viria primeiro: o pensamento ou a linguagem. Kristeva apresenta diferentes concepções:
o pensamento é algo que a linguagem produz, espelha ou codifica para comunicar. As
abordagens contemporâneas diferenciam-se pela maneira como concebem esta relação,
postulando a possibilidade de existir pensamento sem linguagem. Nesse enfoque, as
pesquisadoras argumentam a idéia de que produção e comunicação do pensamento não podem
110
existir separadamente.
Para compreender a questão, defendem diversos momentos de manifestação da
linguagem para além da comunicação como gestos, movimentos faciais e de outras partes do
corpo. Complementam, ainda, que, na maior parte das vezes, temos várias intenções quando
falamos: queremos que nosso interlocutor nos compreenda, nos aprove, nos ache inteligentes,
perceba o quanto somos gentis, reconheça nossa posição social. Essa abordagem propõe que a
linguagem não seja reduzida à comunicação, mas valorize os implícitos e outros usos que os
indivíduos fazem dela.
Madeira (1999) compartilha da mesma concepção ao afirmar que a linguagem é
um processo complexo e plural no qual vão operando transformações e contradições que se
fazem sentir, mas não se esgotam. O sentido não está nos elementos em si, mas supõe a
dinâmica discursiva que vai atenuando-o, deslocando-o e reconfigurando-o. O processo
discursivo, para Madeira (op.cit., p. 462), “mostra para ocultar ou oculta para mostrar. Trata-
se de expressar ou de ocultar o que se quer ou não dizer, o que se pode ou não dizer, o que se
precisa dizer e o que se diz mesmo no que não se fala”.
O trabalho do analista, portanto, comporta duas tarefas concomitantes: explicitar o
jogo argumentativo praticado por outros e, ainda, explicitar os argumentos que integram uma
interpretação, quando o analista participa do jogo, que se constitui na apresentação para um
auditório (CASTRO; FRANT, no prelo). O MEA busca explicar esses momentos de
negociação. Nessa interação, deve-se compreender a existência das controvérsias e acordos.
Por isso, quando destacamos um esquema argumentativo, somos obrigados a preencher os
vazios deixados no interior do texto por implícitos e pressupostos relativos ao contexto, além
da atividade em que os indivíduos estão engajados e suas escolhas.
Castro (2004) explica que os implícitos do discurso podem ser intencionais ou
não, mas seu uso retórico pressupõe a intencionalidade. Para isso, é necessário esquematizar
qual o argumento que está sendo usado pelo sujeito para identificar o sentido da fala.
A identificação do sentido da fala com o esquema argumentativo é, portanto, uma
hipótese entre várias outras probabilidades. É sempre possível perceber mais de uma maneira
simultânea de conceber a estrutura de um argumento, porque quem fala para alguém, ao
mesmo tempo fala para si mesmo. Os argumentos são analisados de acordo com um ponto de
vista adotado. O mais plausível é considerar que rios esquemas agem, simultaneamente,
sobre um locutor.
Geralmente, os esquemas agem sobre os interlocutores sem serem claramente
percebidos e somente um trabalho de explicitação permite interpretar a estratégia
111
argumentativa que eles utilizam ou participam. Portanto, toda classificação torna-se precária
diante das múltiplas possibilidades de se conceber a estrutura de um argumento, isto é, diante
de um mesmo argumento sempre haverá a possibilidade de analisar diferentes pontos de vista,
segundo os quais a classificação não seria mais a mesma.
Castro e Frant (op.cit.) esclarecem, ainda, que não é possível dar conta dos
inúmeros fatores que estão em jogo em uma interação. Portanto, o material analisado sofre um
processo de fragmentação e redução, destacando partes do discurso persuasivo com o objetivo
de analisá-las no contexto. A análise torna-se uma reconstrução de argumentos, buscando
compreender como a intenção do locutor determina suas escolhas. Como o trabalho de
redução elimina possibilidades de interpretação, os objetivos do analista são guiados pelas
questões que deram origem ao estudo. Este processo caracteriza o corpus da análise.
Perelman (1993) classifica os argumentos em quase-lógicos, argumentos fundados
sobre a estrutura do real e argumentos que fundam a estrutura do real. Segundo Castro; Frant
(no prelo), esta tipologia vai auxiliar a análise do pesquisador, permitindo relacionar a
intenção do sujeito e os efeitos que pretende sobre seu auditório.
Os argumentos quase-lógicos estão próximos do pensamento formal. Os
argumentos fundados sobre a estrutura do real apóiam-se sobre a experiência, ou seja, evocam
relações do tipo causa e efeito, meio e fim, elemento e conjunto, pessoa e qualidades, etc. Os
argumentos que fundam a estrutura do real, em vez de apoiar-se sobre a experiência, criam
novas relações entre as coisas, criando generalizações e transpondo-as a outro domínio. Esse
tipo de argumento faz uso, sobretudo, das metáforas e analogias.
Na construção do discurso, é freqüente a utilização de metáforas, que permitem
descrever fenômenos complexos utilizando-se de imagens que condensam informações. As
metáforas têm um papel organizador do pensamento e estão infiltradas na vida cotidiana, não
somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação. Por isso, as metáforas
utilizadas nas entrevistas serão levadas em conta na análise do discurso, para fazer emergir o
sentido das falas.
Mazzotti e Oliveira (2002, p 14), analisando o papel das metáforas no discurso,
afirmam:
A análise de uma metáfora com vistas a expor sua construção a partir da analogia
que ela condensa é um procedimento eficaz, tanto para desenvolver a sua crítica
quanto para apreender os seus significados. [...] uma vez que a metáfora é uma
analogia condensada, ela coordena significados e estabelece quais os predicados
próprios de um “sujeito da frase”.
112
Os esquemas argumentativos, a partir daí, serão construídos sobre dois processos:
de ligação e dissociação. Os primeiros aproximam elementos distintos e estabelecem entre
eles uma conexão. Os processos de dissociação são técnicas de ruptura que têm por objetivo
separar, dissociar elementos como um todo. Ambos os aspectos podem estar presentes no
discurso do depoente.
Perelman (1993) explica que esta tipologia de argumentos pode ser relativa ao
real, que diz respeito aos fatos, verdades e presunções; relativa ao preferível, que lida com
valores, hierarquias e lugares do preferível. Em toda ligação existe uma dissociação e vice-
versa. O mesmo tipo de força que une elementos diversos num todo, os dissocia do terreno
neutro a que pertenciam.
Segundo Madeira (1999, p. 465), é necessário captar no discurso o encadeamento
de ligações e dissociações que vão sendo abordados na entrevista, em articulação com os
silêncios de diferentes durações, os lugares comuns e as frases feitas a que o depoente recorre;
as disjunções de tempo, pessoa e lugar, as recorrências, as figuras de retórica e linguagem,
falhas lógicas e mudanças de estilo mecanismos que reforçam a argumentação ou dão
indícios de conflitos. Logo, as entrevistas gravadas devem ser transcritas não apenas com as
palavras proferidas, mas com as hesitações, gaguejos, correções, repetições, risos e pausas.
4.5.1 Modelo de análise
A análise consistiu em um trabalho de montagem (CASTRO et all., 2001). A
técnica inicia-se com a transcrição das falas dos sujeitos para realização de três momentos: 1)
Organização de dados; 2) Estudo comparativo dos dados; 3) Apresentação dos resultados.
Na organização dos dados foi necessário dividir o material em unidades
manipuláveis, procurando organizá-lo. Este trabalho constituiu o corpus de análise. Nesse
momento, a descrição da atividade do depoente torna-se importante. Em seguida, iniciou-se o
processo de redução e fragmentação, de modo a ser interpretado o que dá sentido aos dados
enquanto resultados.
No estudo comparativo dos dados, foi necessário estabelecer relações entre os
testemunhos, buscando a aplicação de um esquema explicativo. Na apresentação de
resultados, procurou-se compreender o cruzamento dos esquemas encontrados.
113
4.5.2 Dez passos do MEA
1) Leitura exaustiva: O primeiro passo foi realizar diversas leituras do material
transcrito, no intuito de familiarizar-se com a fala do entrevistado.
2) Constituição do corpus de análise: procedido de acordo com os objetivos da
pesquisa. Foi necessário, ainda, descrever os depoentes e as atividades em que estavam
engajados.
3) Localização de controvérsias: momento de demarcar as controvérsias e
afirmações defendidas, mesmo que implícitas. Nessa fase de análise, foram utilizados os
recursos para além da comunicação, como pausas, risos, reticências, recorrência de disjunções
de pessoas, uso de figuras de linguagem, lugares comuns e frases feitas, para detectar os
pontos de conflitos e convergências.
4) Enunciação das teses do locutor: foi analisada a tese apresentada pelo sujeito,
verificando se o texto sustentava os enunciados / teses.
5) Procura de argumentos: analisados quais argumentos o depoente utilizou para
sustentar sua tese, no intuito de recriar as estratégias engendradas pelo interlocutor para
sustentar seus pontos de vista.
6) Aplicação da tipologia de análise: foram classificados os acordos e argumentos,
a fim de esclarecer a dinâmica do diálogo.
7) Montagem de esquemas: os esquemas são formas resumidas de como o
depoente estruturou seu discurso. É uma imagem explicativa que destaca o jogo
argumentativo engendrado no diálogo.
8) Interpretação das afirmativas: verificação do sentido das enunciações
representadas nos esquemas. A linha mestra do trabalho de análise foi procurar uma seqüência
que destacasse os elementos mais valorizados no texto. Foram trazidos à tona os implícitos,
reconstruindo a cena, sem, necessariamente, repetir o que está no texto.
9) Busca de evidências de interpretação: foram buscadas evidências para o sentido
apontado pelos esquemas na própria organização e coerência do discurso do entrevistado.
10)Validação dos critérios: Para dar confiabilidade aos resultados, levamos em
conta o tempo em campo, o fato de os depoentes terem aprovado as transcrições feitas e a
realização dos cruzamentos dos dados obtidos com a literatura existente (CASTRO; FRANT,
no prelo).
114
4.5.3 Esquemas explicativos
Para melhor entendimento sobre os esquemas explicativos, foram adotados alguns
procedimentos. O desenho imagéticos utilizados surgiu como resultado da análise das falas
para ressaltar os argumentos e dar coerência ao discurso. Após a realização das etapas um a
seis, iniciou-se o processo de montagem. Como na etapa cinco o analista traz à tona os
argumentos principais do discurso, eles foram utilizados como o argumento central do
esquema na seqüência de idéias.
Os argumentos que sustentam a tese do depoente foram destacados com o símbolo
de um retângulo. As metáforas utilizadas pelos depoentes foram destacadas sob a forma de
nuvens e os argumentos implícitos na forma de retângulos pontilhados. Essa escolha permite
ao leitor identificar através do esquema imagético, portanto, o argumento central, os
argumentos que sustentam a tese, as controvérsias, metáforas e implícitos.
Para cada depoente foi feito um esquema individual. O cruzamento dos dados
unificou os enfoques de convergência e divergência de cada entrevista. Os resultados serão
apresentados a seguir.
115
5 A MEMÓRIA COMO METÁFORA DO CINEMA E DA EDUCAÇÃO
Se existem histórias mal contadas, a do cinema deve ocupar um lugar destacado
entre elas (...) Se as histórias do cinema são tão arbitrárias, podemos obviamente
contar outras histórias, de modo a tentar resgatar experiências que foram
marginalizadas e traçar uma linha de evolução que permita rever o cinema de outros
ângulos. (MACHADO, 1997, p. 153-154).
As análises a seguir constituem os pontos de vista dos entrevistados a partir de
suas experiências sociais e culturais. Os discursos analisados esclarecerem como os depoentes
concebem o passado e por que razão e em que medida suas concepções diferem ou não das
demais. O intuito não é apontar o que aconteceu verdadeiramente, mas abarcar novas versões
sobre o período narrado.
5.1 DEPOENTES TIPO 1
Geraldo Vieira
Um dos depoentes mais importantes da pesquisa, em face das dificuldades em
encontrar professores e alunos que tenham vivenciado filmes durante a existência do INCE
nas escolas. Os demais entrevistados do tipo 1 m lembranças audiovisuais, destacam títulos
da filmografia do Instituto, mas sem ter conhecimento do que foi. Geraldo Vieira, além de ter
vivenciado a exibição de filmes enquanto aluno, utilizou vários diafilmes de História do
Brasil produzidos pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo nas décadas de 1960 e 1970,
chegando a se tornar amigo do primeiro chefe do Departamento de Filme Educativo, logo
após a transformação para INC, professor Cláudio José da Silva Figueiredo.
Ex-aluno, ex-funcionário, ex-chefe de departamento e ex-professor do Pedro II,
Geraldo entrou como aluno no final da década de 1940, sendo considerado, hoje, a memória
viva da instituição. Nessa época, o curso era composto em quatro anos de ginásio e três anos
de segundo grau, dividido em clássico e científico. Na oportunidade, viu muitos filmes
produzidos pelo INCE nas disciplinas de História e Geografia, com os professores Alfredo
116
Libânio Guedes e Davi Penna Aarão Reis. Eles foram os precursores dessa novidade no
ambiente escolar, seguindo os passos dos catedráticos Raja Gabaglia e Jonathas Serrano, que
implantaram o cinema educativo na escola – ambos também professores das disciplinas
citadas.
Influenciado por Libânio Guedes, referência para sua geração como professor de
Didática Especial de História, Geraldo optou formar-se historiador pela UERJ, depois de
abandonar o curso de Filosofia. Também cursou Direito na UFRJ. No entanto, nunca saiu do
Pedro II, porque no ano subseqüente à sua formatura, tornou-se funcionário, atuando como
chefe de secretaria e de disciplina, sendo um dos sócios fundadores da unidade Tijuca e do
núcleo de memória.
No terceiro ano da faculdade, entrou como professor horista do Pedro II,
tornando-se, logo depois, efetivo. Sua experiência como aluno, funcionário e professor deu-
lhe uma visão global da instituição, concebendo sua história, estrutura e momentos pelos
quais passou.
Na década de 1960, a exemplo de seus mestres inovadores, também modernizou
suas aulas utilizando-se de diafilmes e slides, segundo o professor, produzidos pelo INCE e,
posteriormente, pelo DFE. Geraldo explica que o projetor era muito grande e pesado. Como
tinha seu próprio aparelho de slide, ia pessoalmente à Praça da República, na sede do órgão,
para solicitar o material, que vinha acompanhado de um folheto informativo.
Em 1964, foi extinta a cátedra, fortalecendo os departamentos interdisciplinares.
Na década de 1970, assumiu a direção do Colégio Pedro II, o professor Tito Urbano da
Silveira, que trouxe várias modificações, além de ter utilizado enquanto professor, também,
muitos filmes em aula. Em 1980, havia um departamento que englobava as disciplinas de
História e Geografia, época em que aconteceu uma revolução nos programas curriculares.
Geraldo Vieira foi eleito, por duas vezes, entre 1985 e 1990, chefe de departamento.
Visando sempre a história e a importância da memória, empenha-se, desde 1995,
para que o Núcleo de Documentação e Memória do Colégio (NUDOM) se transforme em um
setor institucional de pesquisa interdepartamental cuja meta seja resgatar, organizar e divulgar
o acervo manuscrito, iconográfico e documental da História do Pedro II. Graças a Geraldo
Vieira, foi possível encontrar fotos de alunas da instituição no auditório do INCE na década
de 1950, conhecer o uso dos diafilmes em aula e encontrar outros depoentes para a pesquisa.
A estratégia argumentativa de Geraldo Vieira entrelaça suas reminiscências em
dois momentos distintos: como aluno e como professor. Geraldo lembra que viu filmes na
escola no final da década de 1940 nas aulas de história e geografia, com os professores
117
Libânio Guedes e Aarão Reis. Como não possui memórias de ter visto filmes com outros
mestres, considera a iniciativa dos docentes algo inovador e moderno para a época. Torna-se
implícito, então, que outras disciplinas não fizeram uso do recurso fílmico em sala de aula,
embora tenha mencionado a existência de diafilmes para as demais matérias, em particular
biologia e química.
Conforme o depoente, os professores faziam o cadastro no INCE para retirar
filmes e depois devolver. Os assuntos geralmente abordavam a realidade brasileira. A
principal controvérsia do discurso diz respeito ao interesse dos alunos com o recurso
audiovisual. Geraldo destaca que dependendo do que era projetado, havia maior ou menor
interesse. A argumentação evidencia que existiam assuntos interessantes e outros “chatos”,
que a escolha do tema determinava uma recepção positiva ou negativa.
Caso a exibição fosse cansativa, por exemplo, não havia espaço para o aluno
reclamar ou mostrar desinteresse.
Acontece que, nesse período, o Colégio tinha uma disciplina muito rígida. Havia
disciplina e um inspetor para cada turma. Na aula de cinema não havia gracinhas,
nem o professor permitia isso.
O depoente destaca, ainda, que a projeção não era escura, mas clara. Como as
exibições aconteciam tanto na sala de aula quanto na sala especial, ambientada para projeção,
sugere que deveria haver uma preparação do espaço para que o filme fosse usado.
Então aquilo exigia uma preparação das salas. Havia, no Pedro II, uma sala
especialmente para isso, que era uma sala ambiente de geografia. (...) O Aarão Reis
gostava de dar aula na sala dois. Quando eu entrei para , o Gabaglia não era
vivo. Ele que fez a primeira sala ambiente.
A preparação das salas era algo trabalhoso e exigia improviso e dedicação do
mestre. Para ele, isso desestimulava o professor a utilizar o recurso.
Primeiro fazia falta uma sala ambiente adequada. Por que ter que improvisar,
colocar um livro embaixo para dar altura à projeção, adequar a altura do projetor,
ficou alto, ficou baixo... era assim que fazia e era uma coisa hiper trabalhosa. Acho
que desestimulava o professorado a utilizar.
A falta de estímulo do professor para usar o filme não era somente devido à falta
de uma sala adequada, mas porque o manuseio do projetor era complicado. As máquinas de
projeção eram grandes, dificultando a realização das tarefas. Fazendo alusão a esta
dificuldade, o depoente comenta que, na época, ele era uns dos poucos, senão o único, a usar
material fílmico em sala de aula. Importante ressaltar que ele próprio comenta que essas
dificuldades desapareceram com a TV e a Internet e, no entanto, hoje, continuam a ser poucos
os que se utilizam desses recursos.
118
Geraldo salienta que as aulas fílmicas motivavam e prendiam a atenção dos
alunos, porque a imagem em movimento era novidade; a exposição fílmica trazia uma aula
diferente.
Preciso lembrar a você que, nessa época, não havia televisão. Esses filmes depois
foram desbancados pelos DVDs, videocassetes, por essas parafernálias todas. Ver
filme funcionava como novidade. Era motivação, prendia a atenção. As demais
aulas eram tradicionais.
Como o projetor era grande e trabalhoso, o depoente informa que, na década de
1950 e 60, iniciou-se a propagação de slides / diafilmes. Enquanto professor, Geraldo Vieira
utilizou muitos slides.
Como era muito difícil esse tipo de coisas (usar o filme), passou-se, depois, para a
utilização de slides. Pegavam-se os filmes, que eram feitos pelo Instituto Nacional
de Cinema Educativo, e se cortava o filme e fazia slides para projeção, porque
ficava mais fácil amesmo para expor. (...) Numa primeira fase, usava-se filme.
Mas depois da década de 50 foram mais slides. (...) Filme eu não usei. slide. Eu
só vi filme como aluno.
Vale salientar que o filme era, na verdade, um diafilme, que não foi feito para ser
cortado, mas passado cena a cena. A transformação de diafilme para slide devia-se,
provavelmente, pela facilidade em ter o projetor de slide, que era menor e mais barato. O
depoente confirma a transformação e a facilidade em ter a máquina:
O Instituto Nacional de Cinema Educativo programou uma série de filmezinhos que
nós transformamos em slides. [...] eu tinha minha própria máquina de slide,
pequena, transportável. Vantagem sobre o projetor de filmes.
Deixa transpassar, também, a necessidade de exposição da aula. O filme
dificultaria, em sua opinião, a narrativa do professor, que ele considera importante. Geraldo
explica que os diafilmes foram produzidos para diversas disciplinas, como biologia, química,
entre outras. Os assuntos eram divididos em séries e catalogados para que os professores
pudessem tomar conhecimento do material extraclasse existente. Mas o depoente lembra que
eram voltados à História do Brasil e assuntos nacionais. Diafilmes sobre História Geral, por
exemplo, eram comprados nas Embaixadas.
O diafilmes do INCE / DFE vinham acompanhados de um folheto com o roteiro
do que deveria ser exposto. Trazia informações necessárias à imagem e deveria ser lido
durante a exibição. Para Geraldo, as explicações pareciam ser mais voltadas para o
professorado que para o aluno.
Eu, por exemplo, não precisava daquelas explicações para dar aula. Mas havia uma
preocupação didática de dar orientação correta ao professor para que, em vez
chamar de outro nome a embarcação, dizer que aquilo era uma caravela.
119
Se o depoente teve a impressão de que havia esse tipo de direcionamento ao
professorado através do folheto informativo, pode significar que o professor sabia muito
pouco sobre os assuntos explorados. A controvérsia atentada, neste sentido, abarca duas
possibilidades: ou os professores não estavam preparados para trabalhar aquele conteúdo do
diafilme, mostrando, implicitamente, que o currículo escolar e os assuntos produzidos pelo
INCE / DFE não tinham correlação, ou não estavam bem formados para atuar naquela
disciplina.
Mas como o depoente faz a crítica de que o mestre de hoje está muito restrito a
especialidades e não conhece o todo, isso sugere que, no passado, conhecia o todo. Portanto, o
problema de formação do professor não parece estar relacionado àquela determinada
disciplina que ministrava, mas sim, à exposição do conteúdo dos diafilmes.
Segundo o depoente, o maior problema do professorado na atualidade é o alto
grau de especialização. O professor não tem conhecimento do todo.
Eu não sei. O professorado, hoje, está muito restrito a altas especialidades.
Conhece muito bem uma parte, mas não conhece o todo. Eu acho que é o grande
problema do professorado hoje. É aquela história como na medicina, que
desapareceu o clínico geral. No magistério também está acontecendo isso.
Em analogia ao que acontece na medicina, afirma mais uma incapacidade do
professor: ver o conteúdo como um todo. O material do INCE, portanto, estaria mais referido
a este todo do que a partes do programa curricular.
Geraldo salienta que como o professor não sabe o todo, acaba utilizando as
tecnologias educacionais de forma inadequada. Em seguida, exemplifica que para a utilização
de um filme corretamente, é necessário adequar o conteúdo da aula ao conteúdo das imagens.
Para isso, é preciso estudar e ver filmes. Portanto, o professorado não deve estudar somente o
assunto relativo à sua disciplina, mas os temas enfocados nos filmes.
A utilização de diafilmes / slides era uma novidade. Geraldo destaca que, por isso,
os alunos do ginásio tinham mais interesse. Afinal, entravam em contato com o recurso pela
primeira vez. Para ele, tudo na educação é uma questão de bito. Com essa exemplificação,
justifica o interesse maior dos discentes do ginásio, em detrimento dos demais alunos,
acostumados ao recurso.
No ginásio, o aluno se interessava mais, porque era mais novidade. No segundo
grau nem tanto. (...) Tudo na educação é uma questão de hábito. Quando vo
passa um filme, um slide pela primeira vez em aula, gera um alvoroço. Mas quando
o aluno entende que aquilo faz parte do processo pedagógico, o silêncio se faz e se
torna normal, passa a entender aquilo como forma de fixar. Porque para fixação
aquilo era excelente! Você via a figura, mostrava retratos de personalidades.
120
Geraldo destaca que os conteúdos dos diafilmes serviam como elemento de
fixação, para exemplificar o que havia sido explorado em sala. Sua utilização, portanto,
coincide com o que classificamos, nesta pesquisa, como uso do filme como ilustração.
Conforme Napolitano (2003), o filme em sala de aula pode ser abordado pelo
conteúdo, pela linguagem ou pela técnica. Como os professores não conhecem a linguagem e
a técnica cinematográfica, neste trabalho está sendo considerado, somente, o conteúdo. O
professor pode utilizar o filme de duas maneiras: como fonte, para direcionar a análise e o
debate dos alunos aos problemas e às questões que emergem do roteiro, com os personagens
ou os valores morais e ideológicos que constituem a narrativa da obra; como texto-gerador,
em que o professor tem menos compromisso com esses elementos em si, mas, sobretudo, com
as questões e os temas.
A utilização do filme enquanto texto-gerador aumenta a atratividade do
audiovisual, potencializando a introdução de novos temas, permitindo ampliar os debates e as
discussões deflagradas em aula.
Uma terceira categoria, denominada ilustração, proposta por Preto (2007), diz
respeito à situação em que o professor apenas pretende mostrar o que foi falado em sala de
aula na expectativa de que o aluno apreenda elementos de época e outros fatores para compor
um cenário à abordagem pretendida ou fazê-lo concretizar imagens para os fatos envolvidos
no tema tratado, não promovendo reflexões profundas da exibição. A noção que Geraldo
Vieira tem de utilização da imagem como fixação coincide com o que classificamos por uso
do filme como ilustração.
O esquema a seguir apresenta as argumentações do depoente:
121
Para o depoente, os papéis estão invertidos. Os docentes utilizam, atualmente,
recursos modernos ficando à mercê do que está escrito. E o material deve complementar a
aula, jamais substituí-la. De qualquer maneira, ele afirma que as aulas inovadoras, ao fazerem
uso desses recursos, são mais interessantes que aquelas somente orais. Ao mostrar que sua
Como Aluno
Como Professor
Viu filmes na
década de 1950
Aulas de história
e geografia
Sala de aula
Sala especial
Professores
inovadores e
modernos
Credenciados
no INCE
Filmes sobre
realidade brasileira
Assuntos
interessantes e
“chatos”
Imagem em
movimento é
novidade
Motivação
Atenção
Não existia
TV
Fixar
conteúdo
Projeção é
trabalhosa
Faltam salas
apropriadas
Difícil manuseio
do projetor
Professor
desestimulado
Utilizou diafilmes
e slides
Material do
INCE / DFE
Material das
embaixadas
Outras
disciplinas
não usaram
Conteúdos
diversos
Acompanhado
de livretos
complementares
Catálogo
Livreto servia
de informação
ao professor
Professor
sabia pouco
conteúdo dos
diafilmes
Alunos do
ginásio têm
mais
interesse
Recurso é
novidade
Aula imagética é mais
interessante que aula
somente oral
Fixar o
conteúdo
Nada
substitui o
professor
Aula oral é
monótona
Projetos não tiveram
continuidade até os
dias de hoje
Conteúdo
escolar
conteúdo
filme
Figura 5 – Modelo de Estratégia Argumentativa Geraldo Vieira 1
122
geração foi influenciada pelo professor Libânio Guedes, que defendia a importância dessas
atividades para sair da monotonia, da velha história do “cuspe e giz”, como disse, o depoente
deixa implícito, que, no contexto atual, a aula oral é monótona.
O esquema a seguir destaca o porquê dos projetos não terem continuidade no país:
Principais argumentações extraídas:
O Colégio Pedro II utilizou muitos filmes na década de 1940/50 em disciplinas
de História e Geografia; as demais disciplinas não utilizaram o recurso;
A iniciativa partia de professores modernos e inovadores;
Os filmes eram emprestados da filmoteca do INCE; professores faziam o
cadastro no órgão;
Os filmes abordavam a realidade brasileira e continham assuntos interessantes
e “chatos”, que fomentavam o interesse ou o desinteresse do aluno;
A recepção dos filmes era motivada pela novidade da imagem em movimento,
uma vez que não existia TV;
Os filmes serviam como fixação do conteúdo, ou seja, como ilustração, e
prendiam a atenção dos alunos;
A projeção de filmes era trabalhosa devido ao uso de projetores grandes,
exigindo improvisação de salas;
O difícil manuseio dos projetores e a falta de salas ambientes adequadas para
projeção desmotivavam o professor, que, por conta disso, optou em trabalhar com diafilmes /
slides, a partir da década de 1950, pelas maiores facilidades;
O material produzido pelo INCE / DFE era voltado à História do Brasil; as
Professor hoje
não sabe o todo
Usa TICs de
forma errada
Conteúdo filme =
conteúdo aula
Tecnologia está
substituindo
professor
Professor deve
estudar
Aula Filme
Linguagem
audiovisual
Figura 6 – Modelo de Estratégia Argumentativa Geraldo Vieira 2
123
Embaixadas produziam diafilmes sobre História Geral;
Foram realizados diafilmes para diversas disciplinas, que vinham
acompanhados de folhetos informativos;
Os folhetos informativos serviam para formar e atualizar o professor;
O currículo escolar era diferente do conteúdo dos filmes, por isso, o professor
sabia pouco sobre o assunto a ser exibido;
Alunos que têm contato com a linguagem audiovisual pela primeira vez
mostram mais interesse que os demais, que consideram o recurso didático algo normal e
habitual;
Os diafilmes serviam para fixar o conteúdo, mas não devem substituir a aula;
Os professores hoje sabem a parte, mas não sabem o todo; por isso, utilizam as
TICs de forma inadequada, ficando à mercê do recurso;
O professor deve estudar para sua aula e para a exibição dos filmes,
apropriando-se do conteúdo imagético e da linguagem cinematográfica.
Clara Manuela Barbosa Pereira de Souza
Clara Manuela nasceu em 28 de maio de 1944, na cidade do Porto, em Portugal.
Veio para o Brasil aos três anos. Cursou o primário na Escola 3-1 Tiradentes, no Rio de
Janeiro, então Distrito Federal, de 1951 a 1953. Dessa época, recorda-se com saudades da
qualidade do ensino e da assistência oferecida pela escola, como atendimento médico,
odontológico e alimentação saudável.
Em seguida, foi estudar na Escola 3-6 Cardeal Leme, bairro de São Cristóvão,
entre 1954 e 1955. Dessa fase, lembra-se das comemorações cívicas, festas juninas e visitas
ao Teatro João Caetano com a professora.
Aos 12 anos, foi para o Colégio Pedro II, onde ficou até 1963. Recorda-se ter
assistido a muitos filmes didáticos e documentários, sobre diversos assuntos que abordavam a
realidade brasileira, datas cívicas, História do Brasil, etc. Os filmes foram utilizados em
disciplinas específicas como Ciências, História e Geografia. Eram discutidos em sala de aula,
principalmente na disciplina ministrada pelo professor de ciências, Tito Urbano da Silveira, e,
ainda, nas exibições do salão nobre da Instituição com os professores Libânio Guedes e José
Augusto Villaça. Da sua classe, Clara Manuela é uma das que mais tem memórias sobre os
124
assuntos destacados. Por isso, foi selecionada como a aluna depoente principal do Colégio
Pedro II.
Cumpre esclarecer que muitos dos filmes citados em sua pesquisa não foram
produzidos internamente pelo INCE, à exceção de Victória Régia e Brasília Planejamento
Urbano, mas todos os títulos constam no Catálogo de Filmes Adquiridos do Livro de Tombo,
apresentados nos anexos. De acordo com o professor do Pedro II, Geraldo Vieira, os filmes
utilizados na instituição eram emprestados da filmoteca do INCE.
Bacharel em Física pela UERJ, pós-graduada em Matemática Aplicada pela
Universidade de Waterloo, no Canadá, Clara Manuela concluiu, em 1980, a licenciatura em
Física. No ano seguinte, começou a lecionar no segundo grau e em cursos universitários.
Apaixonada por cinema desde a adolescência, freqüentava o Cine Arte Palácio e o
Cine Odeon. Foi quando conheceu a obra de Bunñuel, Godard, Pier Paolo Pasolini, Fellini e
muitos outros títulos do Cinema Novo francês, o que a fez tornar freqüentadora assídua das
sessões de cinema da ABI.
Sua experiência discente e seu gosto pela imagem em movimento influenciaram
seu trabalho como professora em sala de aula, utilizando-se do recurso fílmico como
instrumento didático. Entre os títulos de Física indicados pela professora destacam-se: 2001
uma Odisséia no Espaço, O Início do Fim, Guerra nas Estrelas.
A argumentação central extraída da entrevista e apresentada no esquema diz
respeito à grande utilização de filmes nas disciplinas de Ciências, História e Geografia no
Colégio Pedro II enquanto aluna. Os professores Tito Urbano, Libânio Guedes e José Augusto
Vilaça foram pioneiros e únicos dentre os professores do Colégio a tomarem a iniciativa de
trabalhar com filmes como recurso didático. Suas memórias não registram o uso pelos
professores das demais disciplinas.
Conforme Clara Manuela, o professor de Ciências, Tito Urbano, era muito
avançado e esclarecido. Utilizando-se da metáfora “à frente do seu tempo”, justifica que,
naquele momento, introduzir a imagem em movimento na aula era atitude pioneira e moderna.
A metáfora justifica, por si só, a própria reminiscência da depoente, que não se recorda de
outros professores, além dos citados, utilizando-se de recursos fílmicos.
As aulas audiovisuais eram vistas com seriedade, despertava interesse nos alunos
e não eram consideradas “chatas”. Eram cobradas, inclusive, na prova. Informar que eram
cobradas em provas, mesmo hoje, permite a interpretação de que os filmes faziam parte das
estratégias pedagógicas do professor. O que é cobrado em prova é reconhecido, não pelos
estudantes, mas também, pela família, como algo que tem muito valor dentre as atividades do
125
corpo docente.
O esquema apresentado mostra que os filmes não davam margem a piadinhas e
risos, uma vez que eram didáticos e pedagógicos, servindo, somente, para ensinar. Essa
informação aponta, implicitamente, que as exibições não tinham objetivo de entreter, mas
sim, servirem de complemento da sala de aula, como forma expositiva.
Não era um filme recreativo, mas totalmente pedagógico, com objetivo de ensinar.
A argumentação sugere a utilização ilustrativa, em convergência à entrevista do
professor Geraldo Vieira. A oposição disposta em seu discurso entre o que é didático e o que
é entretenimento faz parte de uma cultura que perdura até hoje, não só no discurso de
educadores como no de comunicadores. O didático está dissociado do que é atrativo,
interessante. É visto como algo voltado somente à apreensão de conteúdos pedagógicos.
Como poucos professores utilizaram filmes por iniciativa própria e os demais
docentes não, a depoente destaca que seu uso depende da política escolar adotada, ou seja, da
instituição. Para ela, cabe ao orientador pedagógico adotar linguagens audiovisuais como
forma de enriquecer a sala de aula, motivando os alunos. Clara Manuela afirma que o
professor não foi, e não é, hoje em dia, motivado a fazer isso. Daí se explica o uso limitado a
poucos mestres. Essa motivação, inclusive, deveria partir da formação inicial ou continuada,
que os professores não sabem trabalhar com o recurso fílmico, não foram preparados e
ainda não estão.
A depoente confirma sua visão de que usar filmes é uma atitude inovadora e que
depende, também, do interesse do professor.
Se o professor não se interessa por algo diferente, se o mundo evoluiu e a aula está
como há 50 anos, o aluno não se interessa.
Para que o professor tenha interesse, no entanto, deve ter uma formação prática
dos recursos audiovisuais, que pode significar, além da formação, ver filmes. Acrescenta,
ainda, que os títulos devam ser escolhidos com critério:
Acho que se você utiliza um filme bom, que desperta interesse nos alunos, tem um
ganho de produtividade enorme, ganho de conhecimento e ganho de interesse. Mas
tem que ser um filme escolhido “a dedo”.
Sua argumentação sugere que existam filmes sem a qualidade necessária para o
uso pedagógico. A expressão "escolhido a dedo" indica que essa escolha não seja trivial.
Provavelmente, refere-se a filmes de ficção, que em seu depoimento cita sua utilização e
não faz críticas aos títulos vistos em seu tempo de colégio. A competência para este critério
126
seletivo está associada, portanto, à prática de ver filmes.
O esquema apresenta as questões:
Entre as principais idéias extraídas da entrevista destacam-se:
Os filmes foram muito utilizados em sala de aula. No entanto, seu uso foi
iniciativa de poucos professores, considerados modernos e avançados;
As disciplinas que utilizaram filmes foram: Ciências, História e Geografia; as
demais não utilizaram;
As aulas fílmicas eram vistas como um complemento do assunto trabalhado
Filmes Na Escola
Muito
utilizados
Ciências
História
Geografia
Sala de
aula
Salão nobre
Demais disciplinas
Não utilizados
Iniciativa
pioneira e
moderna do
professor
Complemento
da aula
Seriedade
Despertavam
interesse
Assuntos didáticos e
pedagógicos
Para ensinar
Não é para
entreter
Uso depende da política
escolar adotada
Cobrados na prova
Não eram
“chatos”
Falta estímulo ao
professor
Falta ao professor
formação
audiovisual
Ilustração
da aula
Figura 7 – Modelo de Estratégia Argumentativa Clara Manuela
127
pelo professor, sendo cobrado na prova;
Os alunos tinham interesse em aprender, viam a aula fílmica como algo sério e
não consideravam os assuntos “chatos”;
Os temas exibidos eram didáticos e pedagógicos, tendo como objetivo ensinar
e não entreter;
A utilização do recurso era expositiva e ilustrativa, para firmar o conteúdo da
aula;
O professor deve ter formação voltada ao audiovisual, incluindo a experiência
cinematográfica para fomentar o critério de seleção de filmes;
A falta de iniciativa de outros docentes é devido à falta de estímulo da escola e
da formação deficitária para linguagens áudio-imagéticas.
Murillo Pereira de Souza
Nascido em sete de setembro de 1942, Murillo estudou até o quarto ano primário
na Escola Santa Teresinha de Jesus Infante, em Copacabana, no Rio de Janeiro. Em 1953,
cursou o quinto ano no Colégio Mello e Souza, também no mesmo bairro. No ano seguinte,
foi para o Colégio Militar do Rio de Janeiro.
Em 1956, foi estudar no Colégio Interno Cataguases, em Minas Gerais, onde ficou
por seis anos. Dessa etapa, recorda-se das numerosas atividades oferecidas pelo colégio, como
canto coral, vôlei, natação, basquete e teatro, além da exibição de numerosos filmes de
romance, documentários e didáticos. Murillo conta que assistiu filmes produzidos pelo INCE,
bem como outros títulos de Humberto Mauro, entre esses, Ganga Bruta. Como o cineasta era
da região da Zona da Mata Mineira, os alunos já conheciam, por lá, sua obra.
Do Colégio Interno de Cataguases, guarda o nome de quase todos os professores e
colegas de classe, entre esses Chico Buarque de Holanda, Dorival Caymmi e Pedro Moraes,
filho de Vinícius de Moraes.
Após cursar o terceiro científico, foi estudar Engenharia Mecânica na UFRJ.
Formou-se em 1967 e começou a trabalhar em Furnas Centrais Elétricas S/A, aposentando-se,
em 1992, como Superintendente. Mestre em Sistemas Hidro-elétricos pela Universidade de
Waterloo, na Califórnia, sua descoberta como depoente aconteceu de forma inusitada e
surpreendente. Após realizar entrevista com a professora Clara Manuela, ela enviou e-mail
128
comentando que seu marido, na década de 1950/60, havia estudado no Colégio Interno de
Cataguases, onde assistiu a muitos filmes e documentários de Humberto Mauro.
Na análise do depoente Murillo foram realizados dois esquemas porque ele não
mensura a importância dos filmes para a educação, limitando-se a opinar, somente, sobre os
impactos em sua formação profissional e pessoal.
O primeiro esboço destaca as exibições de filmes no Colégio Interno Cataguases,
realizadas no auditório pelo professor de Língua Portuguesa. Foram trabalhados filmes
didáticos, de ficção e documentários. Como o depoente conta que viu documentários de
Humberto Mauro, entre eles Carro de Bois e Manhã na roça, logo, fica evidente que o
material apresentado fazia parte da produção do INCE.
Entre as argumentações expostas, o uso dos filmes foi considerado algo trivial,
corrente, que as sessões eram realizadas semanalmente. Como havia discussões a respeito
dos assuntos propostos e a presença do professor de português, implicitamente torna-se
possível detectar que o filme era utilizado como recurso didático e, também, como recurso de
lazer e entretenimento, uma vez que afirma:
Era um momento de descontração, brincadeira, entretenimento e, também um
momento de aprender conteúdos.
Dessa maneira, o uso do filme estava aliado à informação e ao entretenimento.
Para o depoente, os assuntos eram importantes didática e culturalmente, não sendo “chatos”,
mas sim, divertidos. De qualquer maneira, ele não se recorda de títulos didáticos, citando,
apenas, temas da série Brasilianas. A falta de lembrança sobre os demais assuntos pode ser
um indício de que foram passados esses títulos do INCE ou porque a memória excluiu, a
partir dos critérios de seleção, o que não foi considerado interessante.
Murillo confirma, ainda, que as exibições fílmicas influenciaram seu gosto pelo
cinema, seu estímulo à literatura e à pesquisa. No entanto, ele não opina sobre os impactos na
educação, mas, somente à sua formação pessoal.
O esquema a seguir destaca as argumentações:
129
O segundo esquema apresenta a polêmica em torno dos currículos e planos de
curso deficientes das instituições, de professores mal preparados e coordenações displicentes.
Apesar de não opinar sobre os impactos dos filmes naquela época, o depoente acredita que
seu uso atualmente é inadequado e mal empregado em sala de aula.
A afirmação deixa implícito que um planejamento político-educacional
totalmente deficiente, que abarca todos os problemas elencados pelo depoente e que estão
diretamente correlacionados, uma vez que um depende do outro.
O erro deve estar nos currículos e nos planos de curso deficientes, além de termos
professores mal preparados e coordenações displicentes. Penso que o uso de filmes
e documentários seria um grande aliado do professor, se bem aproveitados.
Entre as questões deficitárias pode-se detectar que a formação docente e
pedagógica da classe, que inclui professores e pedagogos, também é ruim. Tudo isso gera um
mau uso do recurso fílmico como instrumento didático. Implicitamente, pode-se perceber, em
sua fala, a defesa de uma formação voltada ao uso do audiovisual.
Colégio Interno Cataguases
Vários Documentários e
filmes de ficção
Exibição no
auditório
Aulas de Língua
Portuguesa
Filmes do
INCE
Uso trivial
Discussão sobre
os filmes
Importantes didática
e culturalmente
Não eram
chatos
Divertidos
Estímulo à
literatura e á
pesquisa
Gosto pelo
cinema
Recurso didático +
Recurso entretenimento
Série
Brasilianas
Figura 8
Modelo de Estratégia Argumentativa Murillo Pereira 1
130
As argumentações mostram sua estratégia:
As principais idéias extraídas são:
O Colégio Interno Cataguases utilizou muitos documentários de Humberto
Mauro, produzidos pelo INCE; em especial da série Brasilianas;
A exibição acontecia semanalmente no auditório e era ministrada pelo
professor de Língua Portuguesa;
O recurso fílmico era visto como algo trivial, didático e, ainda, como
entretenimento;
Havia discussões a respeito dos assuntos prospectados nos filmes;
Os filmes foram importantes didática e culturalmente;
Os assuntos eram divertidos. Não eram “chatos”;
O filme é mal utilizado atualmente devido à deficiência do planejamento
político-educacional, que oferece planos de cursos e currículos deficitários, fomentando uma
formação docente e pedagógica insuficiente e despreparada para o audiovisual.
Silas Ayres de Mattos
Em sete de janeiro de 1945, nasceu Silas. Da infância escolar no Rio de Janeiro,
Currículo
deficiente
Plano de curso
deficiente
Professores mal
preparados
Coordenações
displicentes
Planejamento político-
educacional deficiente
Formação docente
deficiente
Formação pedagógica
deficiente
Recurso fílmico
mal empregado
na escola
Necessária formação
áudio-imagética
Figura 9
Modelo de Estratégia Argumentativa Murillo Pereira 2
131
lembra-se da distância que morava da Escola Barão de Macaúvas, onde cursou a primeira e
segunda séries.
No terceiro ano, foi estudar na Escola Ceará. Dessa época, por volta de 1955,
recorda-se de ter visto filmes sobre higiene. A imagem de uma mosca ampliada no
microscópio e os ensinamentos a respeito da importância de lavar as mãos antes das refeições
ficou registrada em suas lembranças por conta da força imagética e da informação que,
segundo ele, impunha medo. Pelas descrições narradas, é possível supor que se tratava do
filme sobre a Febre Amarela, em que a câmera microscopicamente captava cenas do
mosquito. Mas como o assunto do filme é tão distante do universo escolar e como o INCE
adquiriu diversos títulos sobre hábitos de higiene e prevenção, não como afirmar qual
filme, exatamente, foi assistido pelo depoente. Importante salientar, sobremaneira, o
cumprimento da exibição da série higiênica programada pelo Instituto para as escolas.
Do antigo ginásio, Silas foi para a Escola Visconde de Cairu, no Méier. Lembra-
se da pressão sofrida para passar entre os 63 classificados ao curso de admissão, porque as
vagas eram poucas e limitadas. Estudar era privilégio de poucos, conforme afirma.
Apesar de não ter visto filmes na escola durante o ginásio, o cinema marcou sua
adolescência, pois freqüentou vários “poeiras” no subúrbio do Rio de Janeiro. Foi quando se
apaixonou por filmes históricos, dos quais Júlio César, que influenciou sua formação
profissional.
Professor de História do Município do Rio de Janeiro, coordena, atualmente, o
acervo de pesquisa do Centro de Referências das Escolas Públicas do Município (CREP),
tendo sido, em 2001, um dos participantes do Grupo de Trabalho que o implantou. Desde
1989, vem atuando na Secretaria de Educação em diversas áreas.
O esquema extraído da entrevista apresenta os principais argumentos utilizados
pelo depoente para justificar a importância e o impacto de ver filmes em sala de aula.
Segundo Silas, o filme da mosca ampliada pelo microscópio mostrava a importância de ter
hábitos higiênicos saudáveis, entre esses lavar as mãos.
Eu acho que a turma ficava muito impressionada. Não vou dizer que o filme
impunha medo, mas a própria ampliação daquela imagem causava um impacto. A
gente não imaginava que poderia haver tantos bichinhos em uma mosca.
A narrativa do depoente e sua impressão sobre a projeção mostra que houve
impacto, não apenas por ser uma das primeiras vezes em que teve acesso à imagem em
movimento, mas, também, pela repercussão do assunto entre os alunos. A cena foi tão forte
que ele sempre retoma a imagem quando se refere à escola.
132
É uma coisa que sempre ficou! Em qualquer conversa sobre escola, sempre
comento sobre isso, sobre essa mosca.
A exibição foi realizada em uma sala de projeção, na época do primário. Essa
reminiscência provoca, diretamente, duas vertentes implícitas: a primeira é que havia um
convidado de fora do colégio para exibir o filme, que podia ser apenas o projetista,
especialista na manutenção da máquina, ou, ainda, um profissional do Ministério da
Educação; a segunda é que o mestre não devia saber utilizar a máquina, o projetor. Mais à
frente, ao afirmar que hoje o problema o é mais a utilização, ele confirma a segunda tese
sobre o uso do recurso tecnológico pelo mestre.
Para o depoente, o assunto exibido despertava muito interesse nos alunos devido
ao impacto da imagem, ou seja, sua força imagética e, ainda, à importância da informação,
contribuindo para complementar o que os pais ensinavam em casa. A argumentação clarifica
um dos debates mais acalorados entre os idealizadores do INCE, em especial Roquette-Pinto,
a respeito da diferença entre educação e instrução.
Ao afirmar que o filme orientava muito mais que sua mãe, quando o educava a
lavar as mãos, Silas completa que a imagem o fazia refletir sobre o que fora visto, não
educando, mas também instruindo:
Mas isso, de uma certa forma, me orientou muito mais que minha mãe dizendo:
“lava a mão”! Não havia um ensinamento que fizesse a gente refletir sobre o
porquê de se lavar a mão. E ali (no filme) mostrava isso claramente.
O depoente explica que ter acesso à escola era privilégio de poucos. A
argumentação evidencia o quanto a educação era elitizada, contribuindo, automaticamente,
para que todos tivessem interesse em aprender o que estava sendo proposto. Para ele, o
desinteresse atual provém da democratização da educação, que mescla educandos de diversas
cargas emocionais, culturais e sociais.
Outra tese defendida diz respeito à utilização de filmes pelo professor atualmente.
Conforme o entrevistado, o mestre sabe utilizar os recursos tecnológicos. O problema do uso
indevido não deve ser atribuído ao professor, mas sim, à democratização da educação e à crise
da sociedade como um todo. Ele confirma seu pensamento quando diz que o problema não
está na educação e culpar o professor é minimizar a questão.
O esquema mostra a estratégia utilizada na entrevista:
133
Das principais argumentações analisadas conclui-se:
Foram trabalhados filmes de higiene no primário;
Os filmes eram exibidos em uma sala de projeção por um convidado, que podia
ser um técnico projetista ou um educador do Ministério da Educação;
Os professores não sabiam utilizar o projetor;
Os filmes escolares despertavam interesse no aluno por conta do impacto da
imagem e da natureza da informação, que educava, instruía e fixava o conteúdo de forma mais
apropriada que a educação familiar;
A educação era elitizada e estudar, portanto, era privilégio de poucos. Isso
fomentava o interesse dos alunos;
O desinteresse dos alunos hoje se deve à democratização da educação;
O problema da educação hoje não está somente no professor, mas na sociedade
Filmes na escola
Primário
Filmes de Higiene
Sala de projeção
Convidado expositor
Despertava interesse
nos alunos
Força imagética
Impacto da Informação
Educação e
instrução
Professor não
sabia utilizar
projetor
Educação
era privilégio
de poucos
Professor
atualmente sabe
usar recursos
Classe
democratizada
X
O problema não está na
educação
Classe
elitizada
Sociedade
em crise
Ensina mais
que os pais
Figura 10
Modelo de Estratégia Argumentativa Sillas Ayres
134
como um todo, que se encontra em crise.
Ana Maria Mônica Machado de Oliveira
Normalista do Instituto de Educação do Rio de Janeiro na década de 1960, Ana
Mônica recorda-se das aulas fílmicas em que assistia a diversos documentários nas disciplinas
de Didática, Sociologia, Psicologia, Higiene e Puericultura. Apesar de não saber da existência
do INCE, os títulos apresentados em sua dissertação faziam parte da filmoteca do órgão. No
Instituto de Educação existiam diversos catálogos com títulos de filmes e diafilmes.
Apaixonada por cinema desde a adolescência, utilizou o recurso áudio-imagético em suas
atividades docentes em diversas situações na sua carreira profissional.
Foi professora de Didática e Metodologia do Ensino na SUAM, de 1978 a 1994;
supervisora educacional da Secretaria de Educação, de 1984 a 1995; co-autora dos conteúdos
do livro e das aulas do Projeto de Qualificação Profissional do MEC / Funtevê, em 1983;
professora do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, de 1970 a 1994, atuando no ensino
fundamental, curso normal, estudos adicionais, supervisora pedagógica e diretora eleita em
1987, quando tentou resgatar a memória da instituição e o acervo fílmico, que, segundo ela,
infelizmente, já havia se perdido.
Especialista em Avaliação Institucional pela Cátedra UNESO / Universidade de
Brasília, em 1998, coordenou o projeto de avaliação da Universidade Estácio de (UNESA)
de 1997 a 2004. Mestre em Psicopedagogia pela Universidade de Havana e Doutora em
Ciências Pedagógicas pela mesma instituição em 2000, ministra, atualmente, aulas de
Didática no curso de Educação Física, Pesquisa e Políticas Públicas no curso de Pedagogia da
UNESA. É autora de um dos livros mais conceituados sobre o assunto: Didática Ensinar e
Aprender.
Ana Mônica guarda, da infância, aos cinco anos, a lembrança do primeiro filme
que assistiu no cinema: João e o Pé de Feijão. Já adolescente, destaca O Pagador de
Promessas como um marco em sua trajetória. Nas suas aulas, já trabalhou com Sociedade dos
Poetas Mortos, Babel, Conrack, Quem somos nós, Eu, tu, ele e muitos outros títulos.
A entrevista concedida por Ana Mônica foi analisada sob dois vieses: enquanto
aluna e professora, uma vez que assistiu a muitos filmes no tempo de normalista no Instituto
de Educação. Influenciada pela cultura áudio-imagética escolar, também os utilizou como
professora.
135
A depoente recorda-se de ter assistido documentários didáticos, mas não sabe de
onde provinha o material quando aluna. Como foi professora do Instituto de Educação na
década de 1970, informa que os títulos eram escolhidos através dos Catálogos disponíveis na
escola no setor audiovisual. Eram adquiridos das Embaixadas, e, ainda, em um local do
Ministério da Educação. Essa reminiscência aponta, implicitamente, que se tratava do INCE:
Havia muitos Catálogos de filmes das Embaixadas. Lembro que tinha da
Embaixada do Canadá... Eram listas e listas de filmes! (...) Tinha, também, um
outro serviço educativo no Ministério da Educação, mas agora, assim, não me
lembro bem o nome.
As exibições aconteciam no auditório ou em uma sala de projeção própria, uma
vez que o projetor era muito grande e de difícil manuseio. Havia necessidade de ter um
técnico responsável pela sua manutenção, porque o professor não sabia operá-lo. Outra
lembrança diz respeito à quantidade de projetores, que era pequena. Por isso, para que fossem
realizadas as exposições fílmicas, era preciso marcar horário e data.
Conforme Ana Mônica, o principal empecilho ao uso de filmes girou em torno das
possibilidades oferecidas pelo projetor. Sendo grande, dificultava o trabalho do professor;
além de ter em pouca quantidade, tornava as aulas audiovisuais trabalhosas.
Nós não operávamos o projetor. O projetor não existia em grande quantidade.
Tinha alguém que cuidava daquela máquina. (...) Era trabalhoso! o era como é
hoje com TV e DVD. A gente ia ao áudio consultar os Catálogos, a direção fazia um
ofício para solicitar o filme... (...) Então, era toda uma burocracia, entende?
Foi devido à inexistência de projetores suficientes e às dificuldades para operá-lo
que, na década de 1960/70, o uso de slides propagou-se na instituição escolar. Portanto,
segundo a depoente, os professores utilizavam o filme porque acreditavam no seu potencial
educativo e não por conta de um modismo ou algo parecido, haja vista as dificuldades na
realização da atividade. Dessa maneira, pode-se depreender que seu uso foi determinado pela
boa vontade e iniciativa dos professores.
O esquema a seguir mostra a estratégia da depoente:
136
A professora ressalta que as alunas gostavam das projeções e, de uma maneira
geral, ficavam muito estimuladas nos momentos em que viam filmes e realizavam tarefas
relacionadas aos temas. Antes das exibições havia preparação; após, eram realizados debates,
que estavam de acordo com as atividades curriculares.
Ana Mônica explica que os assuntos apresentados nos filmes estavam em
articulação com o conteúdo da aula, com o currículo escolar. E, por conta desta formação
Filmes como
aluna
Instituto de
Educação
(normalista)
Documentários
didáticos
Didática, Psicologia,
Sociologia, Higiene e
Puericultutra
Exibições no auditório
ou sala de projeção
Projetor grande
difícil manuseio
Professor não
sabia manusear
Catálogos
fílmicos
Poucos
projetores
Assuntos articulados
com o currículo
Uso
Trabalhoso
Havia boa vontade e
iniciativa dos mestres
Filmes como
professora
INCE
Cinema como arte
Instituto de Educação
(professora / supervisora e
diretora)
Cursos
universitários
Aparelhos de
TV e DVD
Uso de
slides
Compreender
conteúdo
Professor deve
gostar de cinema
Prática
Teoria
X
Falha no processo de
formação
Falta atualização e
improvisação
Falta iniciativa e boa
vontade
Entretenimento +
informação
Falta
formação
audiovisual
Uso está
incorreto
Uso físico fácil
As alunas
gostavam
Figura 11
Modelo de Estratégia Argumentativa Ana Maria Mônica
137
áudio-imagética, utilizou, também, enquanto professora, filmes da mesma maneira: para
ajudar na compreensão de conteúdos. Mais tarde, com a modernização tecnológica e a
chegada da TV e do DVD, a escolha dos títulos ficou mais fácil e disponível a todos,
possibilitando que o professor fizesse essa articulação entre o filme e a disciplina.
Hoje eu posso, como testemunha ocular da história, que continuei na mesma
trajetória dentro dessa linha de educação e nunca trabalhei em outra área, dizer
que no Instituto de Educação que é de onde eu posso falar o filme apresentava
uma utilização dentro de um contexto. Você percebia que havia uma intenção
educativa, um comprometimento que não era para encher o tempo, do tipo: “vou
substituir a aula passando um filme”.
É importante ressaltar o tipo de argumento utilizado pela depoente nesse
momento. A tese enunciada é de que no Instituto de Educação o filme tinha relação com a
atividade curricular. O fato de argumentar sobre esse aspecto denuncia que a utilização do
cinema na sala de aula compondo as atividades curriculares seja uma controvérsia, uma vez
que se utiliza de um argumento quase lógico para reivindicar sua força. Quando evocou a
imagem “testemunha ocular da história” procurou dissipar toda e qualquer possibilidade de
dúvida quanto ao fato. Tudo se passa como se o testemunho fosse o próprio fato. O argumento
centra-se, portanto, em sua pessoa, enquanto testemunha. Ela acrescenta ter certa expertise
sobre o tema, já que continuou na mesma trajetória dentro da sua linha profissional.
Ao defender que o uso de filmes, atualmente, é mais cil, sugere que sua
utilização seja mais intensa e obtenha resultados positivos na área educacional. Porém, em
seguida, esclarece que para que isso se consubstanciasse, seria necessário que o docente
gostasse daquele recurso. Neste caso, para gostar de cinema deve-se assistir aos filmes,
inferindo que isso não é a regra geral.
A professora entende que a prática e a teoria, hoje, estão em desacordo. É
necessário, para ela, mudar a prática. Isso acontecerá, somente, quando houver uma melhor
formação e atualização profissional dentro do magistério.
Também declara que existe no magistério falha no processo de formação e
atualização, destacando a existência da improvisação. A palavra improviso é utilizada no
contexto em um sentido negativo, próximo ao de se fazer sem planejar.
Quando você forma o professor, ele não vivencia essa prática. Reproduz o que
fazem com ele. Eu acho que a falha está voltada ao processo de formação,
atualização e improvisação dentro do magistério. Falta de oportunidade para que o
professor possa discutir isso.
A argumentação aponta, de forma implícita, que falta iniciativa e planejamento do
professor. Essa declaração traz à tona uma grande controvérsia: antes, quando o uso era
138
dificultado devido à precariedade de acesso à tecnologia, existia mais iniciativa e boa vontade
do professorado. Hoje, mesmo com as facilidades tecnológicas, falta essa atitude inovadora.
Isso tem provocado um uso incorreto do filme em sala de aula.
O atenuante para sua conclusão é a falta de oportunidade dos docentes para
discutir o assunto, acrescentando que o professor não tem um preparo necessário à prática de
usar filmes em sala de aula. Ana Mônica defende o mestre esclarecendo que elevai utilizar
corretamente o recurso audiovisual, apropriando-se do filme enquanto entretenimento e
informação, se acreditar no potencial do cinema. Caso não goste de cinema, faltará
autenticidade na sua conduta e isso não provocará impactos profícuos, condenando o aluno a
um mero espectador passivo.
Desta argumentação, pode-se inferir duas hipóteses. A primeira, implítica, emerge
no sentido da formação profissional. A depoente acredita que é necessária uma formação
audiovisual prática. No entanto, para que o uso do filme seja coerente com as atividades
educacionais, é preciso, além da formação, que o professor goste de cinema. Caso contrário,
seu uso continuará incorreto. A segunda hipótese sugere ao professor o papel de único
mediador ativo no processo pedagógico, acreditando que, mesmo que o aluno veja o filme
sem um direcionamento do mestre, não faça suas conexões como agente ativo da imagem ou
o faça de maneira inferior.
Se ele é um professor de história, passou um filme sobre Segunda Guerra, que
passa toda hora, ou até mesmo uma reportagem sobre a Guerra do Golfo, e não foi
capaz de problematizar o conteúdo do filme, ou seja, passou e acabou, é porque o
vínculo dele com o meio que usou é muito frágil. Possivelmente, o aluno que gosta
de cinema vai até fazer aquela articulação sozinho. Mas os alunos não vão
aproveitar ao máximo o que poderiam.
A tese sugere, portanto, que os educandos são receptores passivos das mensagens
e se o professor não promove debate e discussões a respeito do assunto, continuarão passivos.
Para Ana Mônica, não seria interessante utilizar o filme dessa maneira, portanto.
Eu considero uma perda de tempo usar o precioso momento que se tem para
debater, discutir e avançar naquela área para transformar, para não se fazer nada,
que o aluno não precisa deslocar-se da sua casa para ir hoje ao cinema. (...)
Passar o filme e não fazer nada de avanço, de aprofundamento de estudo, não deve
nem passar. (...) Se você não aproveitar para estimular a inteligência, fica um
espectador passivo, entende?
Principais idéias extraídas da análise:
Foram utilizados muitos documentários educativos no Instituto de Educação do
Rio de Janeiro em disciplinas de Didática, Psicologia, Sociologia, Higiene e Puericultura;
Os filmes encontravam-se listados nos Catálogos do setor audiovisual da
139
instituição; eram adquiridos nas embaixadas e no INCE, através de solicitação por ofício;
Todos os assuntos trabalhados em aula estavam articulados com o conteúdo
pedagógico;
As exibições aconteciam no auditório ou em uma sala de projeção especial,
uma vez que o projetor era grande e exigia manutenção e cuidados técnicos especiais;
O professor não sabia operar o projetor e considerava as aulas expositivas
fílmicas muito trabalhosas; o uso de slides propagou-se por ser mais fácil de utilizar;
Apesar das dificuldades técnicas e físicas, havia boa vontade e iniciativa dos
professores na utilização do recurso fílmico;
Os alunos transmitiam boa receptividade ao recurso audiovisual;
Com o avanço da tecnologia e a chegada da TV e DVD nas escolas ficou mais
fácil utilizar filme em sala de aula;
O filme não está sendo bem utilizado atualmente porque teoria e prática
docentes não se entrelaçam;
uma falha no processo de formação profissional no magistério que invista
na atualização e na prática do recurso audiovisual. Isso faz com que o professor utilize-se do
improviso e não do planejamento;
Falta iniciativa e boa vontade dos professores atualmente para apropriarem-se
do recurso fílmico;
Para que o filme seja bem utilizado na educação é necessário, além da
formação audiovisual do mestre, que ele goste de cinema, para que, dessa maneira, alie
informação e entretenimento.
5.2 DEPOENTES TIPO 2
Jurandyr Passos Noronha
Cinegrafista, montador, redator, roteirista e diretor. Jurandyr Passos Noronha
nasceu em 5 de março de 1916, em Juiz de Fora (MG). Desde cedo, mostrou intenso interesse
pela imagem em movimento. Da cidade natal, lembra-se do Cine Teatro Popular, do produtor
de documentários e cinejornais, João Gonçalves Carriço. O cinema funcionava na mesma sala
140
de projeção onde ficavam os carros funerários. Segundo ele, ver filmes era uma coisa
fantasmagórica.
Ainda menino, quando morava em Três Rios, no Estado do Rio de Janeiro,
freqüentava o Cinema Guarani época em que via filmes em série, em especial O Punhal
Maravilhoso, com Eddie Pólo, e Moeda Quebrada. Atualmente, Jurandyr procura pelas
cinematecas mundiais, cópias existentes para guardar de lembrança.
Aos seis anos, mudou-se para o Rio de Janeiro e começou a freqüentar os
Cinemas Madureira e Beija-Flor. Leitor assíduo de suplementos literários, colecionava a
Revista Cinearte aos 11 anos. Logo foi estudar no Colégio Militar, de onde ganhou o apelido
de Pathé Journal, por estar sempre atento às notícias do momento. Sobre esta etapa, o
cineasta conta que viveu momento tenso: após faltar a segunda chamada em uma prova no
Colégio, seu pai decidiu encaixotar a coleção de sua Revista Cinearte e queimá-la. Essa
atitude acabou aumentando sua curiosidade por cinema. Mais tarde, ele mesmo se tornaria
articulista do periódico na seção de Cinema Educativo e de Amadores.
O primeiro filme brasileiro que assistiu foi O Vale dos Martírios, de Almeida
Fleming, produzido em 1927. Entre as histórias que o marcaram estão São Paulo, Sinfonia da
Metrópole, de Adalberto Kemeny e Rodolpho Rex Lustig; Braza Dormida, de Humberto
Mauro. Com entusiasmo, destaca, entre suas principais recordações, o argumento de
Cacalcade, seu principal inspirador.
Após ver Nada de Novo na Frente Oriental, abandonou a carreira militar mal
iniciada, como ele mesmo afirma. De tanto interesse, chegou a comprar o romance de Erich
Remarque, cujo título foi proibido de ler no Colégio Militar.
Quando jovem, conheceu os Estúdios da Cinédia, ainda em construção, firmando
amizade com Adhemar Gonzaga, Pedro Lima, Álvaro Rocha e Paulo Wanderley. No início
dos anos 1930, passou a escrever sobre cinema nos informativos A Vanguarda, Diário
Trabalhista e Dom Casmurro.
Em 1936, foi convidado por Adhemar Gonzaga para substituir Sérgio Barreto
Filho na seção de Cinema Educativo e de Amadores da Revista Cinearte. Escreveu sobre o
INCE e alguns dos filmes produzidos pelo órgão, além de destacar as possibilidades do uso do
cinema como recurso didático.
Em 1940, foi trabalhar na PAN Filmes como laboratorista e assistente de som, a
convite de Jayme de Andrade Pinheiro. Na verdade, segundo ele, exercia poucas atividades na
produtora. Então, complementava sua renda mensal escrevendo textos para os narradores de
jornais. Depois, Renato Soares Monteiro o convidou para trabalhar na Tupi Filmes, onde diz
141
que aprendeu verdadeiramente a filmar.
Em 1942, foi trabalhar na FAN Filmes com Alexandre Wulfes. De acordo com o
cineasta, a produção do documentário Uma Alegria Selvagem, realizado no INCE, em 1966,
foi possível concretizar porque havia encontrado, por acaso, com Wulfes, latas de filmes
abandonadas sobre as primeiras filmagens do 14 bis de Santos Dumont. Desde essa época,
começou seu interesse por filmes históricos e de arquivos. Dentre alguns desses
documentários destacam-se: Evolução da Arquitetura no Brasil, Evocação a Castro Alves,
Nordeste.
Em 1943, por indicação de Wulfes, foi para a divisão de cinema do DIP. Seus
principais trabalhos foram Esforço de Guerra do Brasil e a Volta dos Pracinhas. Em 1944,
trabalhou na Cinédia, exercendo várias funções no Cinédia Jornal e Cinédia Revista.
Em 1948, ingressou no INCE para chefiar a seção de Adaptação do Serviço de
Técnica Cinematográfica. Jurandyr acredita que sua contratação no Instituto deveu-se a um
filme que produziu sobre a cidade de Nova Iguaçu, no qual agradou Humberto Mauro pela
qualidade das imagens. Conforme Noronha, lembravam filmes de Dziga Vertov. No INCE,
permaneceu até após a transformação para INC, produzindo vários filmes, entre esses: O
Monumento e Medida do Tempo II. Jurandyr se recorda de ter feito cópias para as escolas,
afirmando que a procura era intensa.
Entre outras diversas atividades, foi membro do primeiro Congresso Nacional do
Cinema Brasileiro, chefe da Seção de Filmoteca do INC, único representante do Brasil
escolhido pela UNESCO para participar do seminário sobre produção de documentários e
curta-metragem em Buenos Aires (1968), entre participações primorosas em diversos eventos
cinematográficos.
Um dos pioneiros a lutar contra o descaso com a memória cinematográfica
brasileira, sempre defendeu sua preservação. Possui, atualmente, enorme acervo de pesquisa.
Autor de dois importantes livros: No Tempo da Manivela e Pioneiros do Cinema Brasileiro,
este editado, também, em CD-Rom, produziu curtas sobre Carmen Santos, Humberto Mauro e
Luís Tomás Reis, além do longa de compilação Panorama do Cinema Brasileiro, 70 Anos de
Brasil.
Aos 92 anos, ainda escreve suas riquíssimas memórias, muitas das quais
concedidas a esta pesquisa. Paralelamente, tem procurado cópias e negativos de seus filmes
para digitalizar e transformar em DVDs. Em 2007, Jurandyr foi homenageado pelo Centro de
Pesquisadores do Cinema Nacional como patrono da preservação e da memória
cinematográfica brasileira.
142
O esquema proposto a seguir apresenta as principais controvérsias encontradas na
entrevista do depoente. Sua argumentação inicial diz respeito aos Departamentos de Filme
Educativo (DFE) e Departamento de Filme Cultural (DFC), que são, respectivamente,
continuidades do INCE.
(...) E daí, veio o INC, veio a Embrafilme, veio a Funarte e acabou o INCE. (...) Mas
a Embrafilme e o Instituto houve uma época que se confundiam muito, se
completavam.
Apesar de inferir que o INC e a Embrafilme eram continuidades do INCE através
dos departamentos citados, o entrevistado destaca que a estrutura do órgão era bem diferente,
principalmente, durante a gestão de Roquette-Pinto e Pedro Gouvêa. A argumentação deixa
implícito que o INCE dava oportunidade a poucos profissionais, e somente um pequeno grupo
conseguia filmar.
Após a entrada de Flávio Tambellini, em 1961, as possibilidades de filmar e
produzir aumentaram. Para justificar as modificações oriundas da terceira gestão, embasou-se
na metáfora: “Flávio Tambellini foi uma revolução no Instituto”. Isso exprime que o diretor
provocou várias mudanças, inclusive em sua estrutura, que antes era muito restrita, fechada:
A própria estrutura do INCE era muito pequena, não dava oportunidade a todos.
(...) Filmar em 35 mm mesmo eu fui filmar com Flávio Tambellini. Ele mudou
uma porção de coisa. Inclusive abriu a possibilidade para que toda uma geração de
jovens realizassem filmes, porque ainda que não realizassem com o nome do
Instituto, o INCE financiava e adquiria os filmes. (...) Realmente, com ele, todo
mundo tinha direito de filmar, de realizar, de escrever roteiro.
Assim, procura deixar evidente que a estrutura do INC era mais aberta,
possibilitando que todos filmassem.
O principal argumento da entrevista centra-se na afirmação de que a procura dos
filmes era enorme. Os professores, segundo Noronha, sempre se mostraram interessados e
entusiasmados pelo recurso fílmico. Ao evocar uma relação causa/efeito entre a “procura de
filmes” e o “interesse dos professores”, seu argumento está fundado sobre a estrutura do real,
estabelecendo que como há procura de filmes há interesse dos professores e vive-versa.
Como o entrevistado não teve contato com as instituições escolares, a tese firma-
se pela sua verificação a respeito da saída de cópias. Somente no DFC, através das sessões
organizadas por Dejean Pellegrin, foi possível inferir a receptividade dos alunos, como muito
calorosa e positiva.
Segundo Jurandyr, os filmes sempre foram usados de forma espontânea, sem
pressão governamental. Isso se deve ao fato de não terem conteúdos políticos e serem
enriquecedores didaticamente. Como demonstra o esquema, conclui-se que os assuntos não
143
eram “chatos”, uma vez que os professores procuravam os títulos que os interessavam de
forma acentuada e voluntariamente.
O esquema apresenta a estratégia utilizada na entrevista:
Sobre o impacto dos filmes na educação brasileira, o depoente utiliza-se de um
acordo relativo ao real, por presunção, de que através do INCE, o país teve conhecimento de
que existia cinema brasileiro:
(...) Despertou na juventude brasileira o conhecimento de que se realizavam filmes
no Brasil. Enquanto a produção do Brasil tinha aquele malfadado refrão de que era
um país essencialmente agrícola, pensavam que o Brasil não fazia nada disso em
tecnologia, o INCE veio e mostrou que isso era feito.
Desse modo, o INCE apresentou à sociedade um Brasil moderno, que produzia
filmes. Ao não opinar sobre os impactos na área educacional, sendo cineasta e profundo
conhecedor da história cinematográfica brasileira e mundial, seu argumento centrou-se,
implicitamente, na importância do Instituto para a historiografia do cinema brasileiro.
Filtrando os argumentos centrais da análise de Jurandyr Noronha destacam-se:
A estrutura do INCE era fechada e privilegiava poucos produtores. Essa
INCE
Roquette-Pinto e
Pedro Gouvêa
Flávio
Tambellini
Revolução
DFE
DFC
Estrutura fechada Estrutura aberta
Alta procura
de filmes
Professor muito
interessado
Entusiasmo
pelo cinema
Recepção calorosa
dos alunos
Uso
espontâneo
Filmes
didaticamente
enriquecedores
INCE mostrou
Brasil moderno
Todos filmam
Pequeno
grupo filma
Filmes sem
conteúdo político
Não eram
“chatos”
Importante para a história
do cinema brasil
eiro
Figura 12
Modelo de Estratégia Argumentativa Jurandyr Noronha
144
perspectiva de mudança veio com a entrada de Flávio Tambellini, possibilitando que uma
nova geração pudesse filmar e realizar filmes;
Os filmes eram muito utilizados pelos professores devido ao número de cópias
e saídas observadas. Com efeito, o professorado devia ter muito interesse pelo recurso fílmico
como instrumento pedagógico;
Os filmes não eram “chatos”, uma vez que todos os assuntos eram procurados e
utilizados;
Os filmes não continham conteúdo político, sendo enriquecedores
didaticamente;
Não houve pressão governamental para que seu uso fosse consubstanciado. As
escolas utilizavam-nos voluntariamente;
O DFE e o DFC eram continuidades do INCE, sendo que havia oportunidade
para que todos filmassem e realizassem filmes;
Os filmes produzidos no INCE continuaram a ser utilizados durante a gestão do
DFE e DFC nas escolas, bem como no seu auditório e não somente os filmes produzidos pelo
INC e Embrafilme;
A recepção dos alunos sobre os filmes no auditório do DFC era positiva e
calorosa;
Não como inferir a recepção dos filmes na sala de aula no tempo do INCE,
tampouco nos demais departamentos, por falta de verificação;
Havia um grande interesse pelo cinema no sentido da técnica cinematográfica e
da novidade das imagens em movimento. Com o INCE, o Brasil apresentou sua modernidade
ao mostrar aos brasileiros que também fazia cinema.
Myrce Gomes
Apaixonada por cinema desde criança, Myrce Gomes guarda em suas principais
memórias as idas ao cinema Politeama com a família, no Largo do Machado, Rio de Janeiro.
Séries como Flash Gordon, O Sombra e Zorro permearam sua adolescência e permitiram
construir o início de sua formação, quando começou a perceber os critérios da montagem
cinematográfica. Formada em Filosofia e Ciências Humanas, seu interesse por cinema e
educação frutificou-se em seu primeiro trabalho, no INCE, a partir de 1960. Em 1966, foi
145
estudar na França no curso de Cinema Etnográfico, sob direção do antropólogo Jean Rouch.
Humberto Mauro, na ocasião, foi o responsável por sua carta de apresentação entregue ao
Comité du Film Ethnografique.
No INCE, foi responsável pela produção de diafilmes direcionados às escolas. Sua
formação cinematográfica foi influenciada pelo companheiro, o professor Plínio Sussekind
Rocha, defensor do cinema mudo e fundador do primeiro cineclube brasileiro: o Chaplin-Club
(1928-31), no Rio de Janeiro.
Após a transformação do INCE para INC, exerceu cargos de Chefe de Seção de
Filmoteca e Diretora da Divisão de Produção do Departamento do Filme Educativo (DFE).
Em 1976, quando da fusão do INC com a Embrafilme, foi designada para a Divisão do
Departamento de Filme Cultural. A Divisão de Produção produziu mais de 100 documentários
de curta-metragem, sob sua direta orientação.
Em julho de 1982, foi chefe da Divisão de Documentação da Embrafilme e a
partir de 1983, assumiu a Divisão de Pesquisas. Entre 1987 e 1988, assessorou o
Departamento de Festivais e Intercâmbio Cultural (DEFIC), transformado em Núcleo de
Eventos (NUEVE), na Fundação do Cinema Brasileiro.
Em 1989, foi para a UFRJ e se dedicou à criação do Centro Cultural do Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), conduzindo a instalação de uma sala de projeção
cinematográfica com o auxílio da FCB. Dos curtas-metragens que produziu destacam-se:
Salvamento no Mar, de Jurandyr Noronha; Laço de Fita, de Paulo César Saraceni, Conversa
com Cascudo, de Walter Lima Jr; Memórias de uma época, de Gilda Bojunga
Aposentou-se em 1992 e a partir de 1993, ministrou aulas de Filosofia da Ciência,
Antropologia Filosófica e História da Filosofia na UERJ, seguindo sua formação acadêmica.
Mestre em Filosofia e membro da Sociedade Brasileira de História da Ciência, publicou
diversos trabalhos científicos.
Por ter atuado na área de curta-metragem, tanto no INCE quanto no INC, uma
tendência da depoente, em um primeiro momento, de unir sua experiência profissional em
ambos os Institutos. O fato acabou dificultando a análise de sua argumentação. Questionada
sobre o INCE, versou, em diversas situações, sobre o INC. Por essa razão, foi utilizado um
mesmo conector no primeiro esquema para indicar a referência a um ou outro órgão.
Logo de início, utilizando-se da metáfora “Clube do Bolinha”, alusão feita ao
personagem Bolinha da revista em quadrinhos Luluzinha, em que havia um clube onde
meninas não entravam, Myrce deixa implícito que somente Humberto Mauro e um pequeno
grupo de homens podia filmar no Instituto. A metáfora expõe o impedimento de outras
146
pessoas, inclusive dela mesma, participarem das filmagens do INCE, mostrando o quanto sua
estrutura era fechada.
Seu Mauro, como s o chamávamos, era uma figura maravilhosa e era engraçado
também. Só não gostava que nós, mulheres, fizéssemos filmes. Era o “Clube do
Bolinha”. (...) o problema, creio eu, era lidar com a câmera e tudo mais.
Dessa forma, conclui-se, implicitamente, que no INC a estrutura era aberta,
aumentando as possibilidades de filmar e produzir. Essa defesa fica evidente quando a
depoente faz questão de frisar que começou a atuar na produção de curtas-metragens no
INC, porque no INCE não conseguiu aprender nada:
(...) fui trabalhar com Humberto Mauro, Flávio Tambellini (...), só que eu não
cheguei a aprender nada com ele (Humberto Mauro); Fui aprender na França. (...)
Voltei e não pude aplicar o que aprendi, porque continuei no INCE. Fiquei
esperando minha própria chance que surgiu quando a Gilberta deixou de ser
diretora da produção de curta-metragem no INC e eu passei para o lugar dela.
eu produzi muitos filmes, muitos documentários.
Essa situação fomenta uma defesa positiva do INC e de suas atividades realizadas,
em detrimento do INCE. O esquema destaca a discordância em relação à qualidade do que foi
produzido pelo INCE, afirmando que este realizou poucos documentários e muitos “filmetes
informativos”, sendo os primeiros de boa qualidade e os demais de qualidade duvidosa.
Durante toda a entrevista, essa opinião voltará a ser desenvolvida sob diferentes aspectos
argumentativos.
O esquema a seguir delineia a controvérsia central da entrevista. Refere-se à
relação estabelecida entre a produção do INCE, que afirma ter sido pequena e de qualidade
duvidosa; do INC/EMBRAFILME, por meio do DFE E DFC, que fora grande e de melhor
qualidade. Essa percepção não está relacionada à quantidade de filmes produzidos, uma vez
que o INCE produziu em maior número, mas uma direta ligação ao que considera como
gênero documental.
147
O modelo apresentado a seguir complementa a estratégia utilizada pela depoente a
respeito dessa produção fílmica, exposta no esquema anterior. A controvérsia gira em torno
dos 407 documentários catalogados a partir do Livro de Tombo. São contestados, pela
depoente, o tamanho, a qualidade, a responsabilidade de quem produz, a criatividade, entre
outras justificativas.
(...) a maquininha do o sei o quê que funciona assim. o eram documentários
não! Eram filmetes, vamos dizer assim. Vovai ver o tamanho deles... (...) Eram
filmadas coisas que um grupo de professores que Roquette reunia e dizia o que ia
filmar.
Para a entrevistada, os títulos catalogados não devem ser considerados
documentários, mas sim, “filmetes informativos”. O termo criado acaba por conferir um valor
menor a alguns assuntos produzidos. A nova definição caracteriza um argumento que funda a
estrutura do real, utilizando-se de generalizações. Argumentos que fundam o real são
utilizados para criar uma nova relação entre termos ou uma nova regra. Na entrevista, a
depoente criou uma nova classificação para os filmes, de modo a impedir que alguns títulos
do INCE fossem contados como filmes.
Na tentativa de fazer a diferenciação entre o gênero documentário e o termo
“filmete informativo”, explica que filmagem é algo diferente de filme, sendo uma coisa
qualquer, menos elaborada. Outro argumento defendido para minimizar a importância dos
“filmetes informativos” refere-se às dificuldades em produzir um filme documentário, que é
“uma coisa difícil de ser feita”.
A depoente faz uma comparação entre o cinema e a literatura, defendendo que
INCE / INC
Pouca produção de
documentários
Muita produção de
documentários
Estrutura fechada
Estrutura aberta
Qualidade duvidosa
Boa qualidade
Clube do
Bolinha
Muita produção de
filmetes informativos
Figura 13– Modelo de Estratégia Argumentativa Myrce Gomes 1
148
fazer um curta-metragem é mais difícil que um longa-metragem, assim como escrever um
conto é mais difícil que um romance. Trata-se de um argumento que funda o real por
analogia, baseado numa hierarquia imposta à extensão dos filmes. A abordagem tenta
convencer o interlocutor de que o menor é mais complicado porque devido ao espaço/tempo
deve, concomitantemente, informar, entreter e emocionar. Dessa maneira, fica implícito que
os filmetes são fáceis de fazer porque têm o único objetivo de informar. Isso os torna
“chatos”:
Os filmes eram muito chatos. Porque não foram feitos para serem divertidos.
Deveriam ser, mas não são. (...) Eles eram desprovidos desse lado emocional,
entendeu? Os filmes do Mauro sobre as cidades históricas mineiras, em especial
Congonhas do Campo, são muito interessantes, valem a pena ser vistos. Agora, a
grande maioria não é não. Sei lá! Falta poesia, falta um pouco de emoção para
poder prender o espectador.
Embasada nesta concepção, explica que filmagem é ligar a câmera, produzir
imagens sobre um determinado tema; filme é algo mais elaborado. Filmete e filmagem estão,
portanto, classificados em um mesmo nível. A partir dessa divisão, torna-se evidente o
argumento de que o INCE, em particular Humberto Mauro, havia produzido poucos bons
documentários e muitos “filmetes informativos”:
Na verdade, o que estou questionando são esses 400 filmes do Mauro como: Lição...
Preparo da vacina... Bandeirantes não! Esse já pode ser considerado um filme (...).
Não quero dizer que o INCE não tenha feito 400 filmes (...) mas o Mauro ter
produzido 400, acho que não é por aí. É um exagero. Todas essas questões aí são
filmetes. Filmetes informativos. Não mais do que isso. (...) Filmagem é filmagem. E
filme é filme. Então vamos separar.
Alguns filmes, segundo a depoente, traziam informações novas e
complementavam a sala de aula. Logo, atribui sentido, implicitamente, ao que considera o
verdadeiro documentário: aquele que informa e entretém, em oposição aos “filmetes”, que
apenas informam. Reafirmando a argumentação a respeito do que é fácil ou difícil de fazer,
ressalta que os filmetes eram “chatos” e feitos por professores. Por defender que os
documentários eram difíceis de serem feitos e devem, ao mesmo tempo, informar, entreter e
emocionar, torna implícito que o gênero documental deve ser feito por cineastas.
Destaca-se, também, a questão da recepção do professor em relação aos filmes. A
depoente afirma que o teve contato com as instituições escolares, mesmo quando atuou
diretamente na produção de filmes e diafilmes no INC. No entanto, tem informações de que
eram muito usados, por conta de sua experiência profissional. Essa informação sugere uma
possível contradição em sua argumentação a respeito da qualidade dos filmes, uma vez que,
sendo “chatos”, não haveria motivos para serem muito utilizados pelo professorado. Isso
149
confirma o fato de que a opinião a respeito da qualidade dos filmes seja pessoal.
Apesar da utilização intensa de filmes, segundo Myrce Gomes, o INCE não gerou
impactos profícuos na educação, uma vez que o cinema ainda está por se fazer nas escolas.
Utilizando-se da metáfora “O Cheiro do Ralo é o Cheiro do Brasil”, faz alusão ao descaso das
autoridades em fazer o que o Brasil necessita. A comparação expõe como está a educação:
abandonada ao acaso, às falcatruas, à sujeira, à lama, à podridão. A metáfora ainda explicita
que não só as autoridades, mas também os professores não fazem nada, não estão interessados
em uma melhoria.
A explanação mostra, de modo subjacente, que os mestres não querem construir
conhecimentos culturais e educacionais, além do que já sabem, e não têm interesse por
cinema, pela cultura e pela educação no próprio país.
Somada a esse desinteresse, outra característica marcante que impossibilitou
alcançar bons resultados no uso do filme como instrumento pedagógico, foi, sobretudo, a falta
de recursos financeiros que viabilizassem melhor o projeto do INCE, já que o Instituto foi um
órgão “adiante de seu tempo”.
(...) Era muito difícil você levar uma tela, levar um projetor para exibir o filme para
os alunos. A criação do INCE foi uma obra fantástica, mas adiante do seu tempo. O
verdadeiro desenvolvimento da tecnologia apareceu na segunda metade do
século XX. Essa idéia, certamente, vingaria em grande escala com o advento da
televisão.
O esquema apresenta as controvérsias analisadas:
150
Como menciona as dificuldades de levar o projetor às escolas, fica implícito que
um dos problemas do INCE ligados aos escassos recursos financeiros foi a falta de projetores.
Certamente, com o avanço da tecnologia seria possível atingir bons resultados. A própria
defesa tecnológica entra em contradição com a questão do desinteresse do professor, porque,
mesmo com recursos suficientes, parece que o professorado não se mostra, ainda hoje,
Documentários Filmetes informativos
X
Pouca Produção Muita produção
Difíceis de fazer Fáceis de fazer
Tamanho maior Tamanho menor
Feitos por cineastas Feitos por professores
INCE
Emotivos “Chatos”
Filmes foram
muito usados
Falta de impactos
na educação
Recursos financeiros
insuficientes
Desinteresse do professor
Cheiro do
ralo
Pelo cinema
Pela cultura e
pela educação
Só informam
Informam e entretêm
Faltam projetores
nas escolas
+
Figura 14
Modelo de Estratégia Argumentativa Myrce Gomes 2
151
interessado no recurso audiovisual.
Pela entrevista, extraem-se as seguintes idéias centrais:
O INCE tinha estrutura fechada e dava oportunidade a poucas pessoas;
Apenas um pequeno grupo, ligado a Humberto Mauro, conseguia filmar e
realizar;
Foram produzidos no INCE muitos “filmetes informativos” e poucos
documentários;
Os filmetes eram sugeridos por professores e filmados por Humberto Mauro.
Tinham o único objetivo de informar, sendo “chatos” e sem emoção;
Somente alguns documentários produzidos por Humberto Mauro, como os da
série Brasilianas e Cidades Históricas eram interessantes e de boa qualidade;
No DFE e DFC foram produzidos muito mais documentários educativos e
culturais que no INCE;
Entre os principais problemas financeiros do Instituto, destaca-se a falta de
projetores nas escolas;
O uso de filme em sala de aula não gerou impactos positivos na educação
devido ao desinteresse do professor pelo cinema como recurso didático e pela falta de
iniciativa em adquirir novos conhecimentos;
O INCE foi um projeto moderno e adiante do seu tempo, mas não possuía
recursos financeiros suficientes para atingir as instituições escolares.
5.3 DEPOENTES TIPO 3
Fernando Ferreira
Fernando Antônio Ferreira da Silva nasceu em Ponte Nova, Minas Gerais, em
1931, onde foi alfabetizado. Sua primeira lembrança de cinema é da cidade natal, quando viu
um western, em que alguém atirava desesperadamente contra os índios. Impactado pela
imagem em movimento, novidade para ele, acreditava que poderia ser atingido pelos tiros.
Aos sete anos, veio morar no Rio de Janeiro, iniciando seus estudos na Escola
México, bairro de Botafogo. Dessa época, recorda-se das aulas de Canto Orfeônico,
152
patrocinadas por Villa-Lobos, que, mais tarde, seria seu entrevistado no jornal O Globo.
Fernando teve o privilégio de assistir, pela primeira vez, O Descobrimento do Brasil, de
Humberto Mauro, ao lado do músico, responsável pela trilha sonora do filme. Da Escola
México, lembra-se de ter visto muitos filmes sobre a realidade brasileira, em especial, João de
Barro, produzido pelo INCE em 1938. As aulas de canto e as sessões de filmes aconteciam no
auditório do colégio.
Durante a adolescência, sua distração era cinema. Na ausência de suas irmãs que
precisavam trabalhar, freqüentava diariamente o Cinema Nacional, do Sr. Crispim, junto aos
dois irmãos mais velhos. Com a total hegemonia americana, assistia a poucos filmes
franceses. Entre os títulos que destaca estão: A Grande Valsa, de Julien Duviver, que conta a
vida do compositor Johan Strauss; Moonlight Sonata, com o pianista Ignácio Paderevski; e As
Aventuras de Robin Hood, com Errol Flyn, que assistiu a mais de 40 vezes e fomentou seu
interesse por cinema enquanto arte.
Como não podia participar de cursos sobre cinema, em especial o da Ação Social
Arquidiocesana (ASA), ministrado pelo padre Guido Logger, resolveu aprender sobre o
assunto comprando seu primeiro livro, Tratado da Realização Cinematográfica, de Leon
Kuleshov. Depois, foi participar do cineclube da Associação de Críticos Cinematográficos,
que editava a Revista Filme. A Associação promovia sessões em diversos auditórios. Nessa
época, conheceu Moniz Vianna, Alex Viany, Renato Bittencourt e Pedro Lima.
Em 1955, formou-se jornalista pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC). Ainda na faculdade, escreveu sua primeira crítica cinematográfica sobre o
filme O Manto Sagrado. inteiramente voltado ao cinema, chegou a escrever vários roteiros
cinematográficos de livros e autores que admirava, mas depois, pôs fogo, destruindo-os.
Assim que se formou, ingressou no jornal O Globo para estagiar na redação e
departamento de Relações Públicas. Em 1962, assumiu a coluna de cinema, cargo que
ocupou, como articulista, por 25 anos. Considerado um dos maiores críticos cinematográficos
do país, Fernando explica que durante o tempo em que esteve no jornal, não escreveu sobre
filmes educativos porque o havia espaço no veículo e a linha editorial do jornal investia,
somente, na estréia de filmes em salas comerciais.
Concomitante às atividades jornalísticas, foi chefe da Cinemateca do Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM), entre 1959 e 1965, sendo responsável pela execução
de Festivais de Cinema Francês, Italiano, Russo, Soviético, Inglês, entre outros. Seu assistente
na Cinemateca foi Walter Lima Jr.
Em 1966, atuou como Diretor do Departamento de Cinema e Teatro da Secretaria
153
de Turismo do Governo do Estado da Guanabara e Secretário Executivo da Comissão de
Auxílio à Indústria Cinematográfica (CAIC), onde permaneceu até 1969. Muitos filmes
importantes do Cinema Novo foram financiados em sua gestão, entre esses Terra em Transe e
O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha; Como era Gostoso o
meu Francês, de Nelson Pereira dos Santos; São Bernardo e Garota de Ipanema, de Leon
Hirszman.
Em 1975, o professor Manuel Diegues Junior
84
, diretor de Assuntos Culturais do
MEC, a convite do ministro Ney Braga, no intuito de promover modificações no
Departamento de Filme Educativo do INC, convidou Fernando Ferreira para assumir a chefia
do órgão, que, no ano seguinte, transformou-se em Departamento de Filme Cultural da
Embrafilme.
Ficou no DFC até 1980. Ao lado de Dejean Pellegrin, também depoente neste
trabalho, retomou a exibição de filmes no auditório para estudantes e professores, com a
presença de um público intenso.
Paralelamente às atividades no DFC, chefiou o setor de pesquisas do Globo,
ministrou aulas de técnica de jornal na PUC e atendimento a monografias. A partir de 1987,
foi fundado o Projeto Comunicar na Universidade, voltado ao aprendizado prático e
profissional dos alunos de Comunicação Social. Fernando Ferreira é responsável pelo setor
desde então. Em 2007, o projeto comemorou 20 anos, com a passagem de 1034 estagiários.
Apesar de afirmar que se recorda ter visto filmes do INCE no tempo de escola, o
depoimento de Fernando Ferreira é embasado na sua experiência como diretor do DFE e
DFC, sendo classificado como depoente tipo 3. Portanto, o esquema proposto para sua
estratégia argumentativa, mais adiante, leva em conta esta condição.
Para Fernando, o DFE e o DFC eram continuidades do INCE. A diferença
encontrava-se nos objetivos de natureza política, que eram divergentes. Para ele, é possível
que os filmes do INCE tenham sido exibidos nas salas de cinema sob a conveniência do
governo. No entanto, sua exibição nas escolas era algo totalmente voluntário e partia das
próprias instituições de ensino.
Sua ida para o DFE, pouco antes da transformação para DFC, deveu-se a uma
questão política, no intuito de promover modificações e restabelecer maior confiança entre os
cineastas. O depoente informa que a atuação do DFE era estreita com o governo militar,
privilegiando alguns cineastas. O DFC, no governo Geisel, pretendia realizar uma política
84
Pai do cineasta Cacá Diegues.
154
mais aberta, para dar espaço a novos cineastas, privilegiando outros profissionais.
Como a produção do INCE era realizada quase que totalmente por Humberto
Mauro, fica evidente que filmar no Instituto era privilégio apenas dele. A evidência encontra-
se apresentada no esquema de forma implícita, porque o depoente utilizou-se dessa
informação de forma indireta.
Ele informa, contudo, que mesmo tendo diferenças de natureza político-
administrativas, principalmente no que diz respeito a quem filma e participa das produções, as
atividades dos órgãos eram as mesmas. A mudança de nomenclatura DFE para DFC não
alterou o que vinha sendo feito, desde a existência do INCE.
Sabia que deveria imprimir um novo caminho naquilo, mas de natureza político-
administrativa. Mas mudar a titulação foi uma coisa criada pela empresa que
reformulou a Embrafilme. Ela decidiu que os departamentos ou teriam que deixar
de existir ou mudar de nome. Então foi preciso mudar, pelo menos, a nomenclatura.
As atividades continuaram sendo a mesmíssima coisa.
No entanto, a mudança, vista como modernização, trazia um novo conceito para
os filmes, antes chamados educativos e, depois, culturais. A controvérsia principal gira em
torno de uma idéia totalmente implícita em seu discurso de que o cultural abrange uma
amplitude maior, sendo melhor e mais valorizado pela sociedade que o conceito didático e
educativo, visto como inferior ou menor.
Mas quando chegou o momento da nova estruturação da empresa (Embrafilme),
ficou acertado que não se iria tirar as características que estavam muito
marcantes do INC. Inclusive, essa questão do filme educativo passaria a ter uma
amplitude maior, assumindo a palavra cultural, com a finalidade de que não ficasse
por demais marcada uma intenção propriamente educativa, no sentido tradicional
da informação, do conhecimento didático.
Ao explicar que o próprio INCE, apesar da nomenclatura Instituto Nacional de
Cinema Educativo, já tinha uma produção cultural, fomenta uma defesa indireta a favor do
cultural. Para o depoente, os departamentos mudavam o nome, porque os assuntos
produzidos eram semelhantes.
Esse tipo de filme educativo que o INCE produzia, tinha, na verdade, essa
característica de informação mais cultural, né?! Mesmo os filmes do Mauro que
integram aquela quantidade tão grande de produção do INCE, não eram mais
voltados para a sala de aula. Eles podiam ser compreendidos, talvez, como
ilustração para as salas de aula.
Salienta que a produção do INCE estava divida em três tipos de documentários:
informação regional ou esclarecimento às camadas mais populares, comportamento cultural e
captação poética da vida e usos do campo e interior. Sobre este aspecto, faz questão de
ressaltar a criatividade do cineasta Humberto Mauro, chamando-o de mestre.
155
Em sua divisão, os filmes didáticos não são realçados, seja porque o depoente não
tem conhecimento dessa filmografia, seja porque não os considerada criativos. A contradição
sugere que, sendo os filmes didáticos desprovidos de criatividade, são, portanto, chatos”,
embora tenha feito questão de negar esse adjetivo em mais de uma oportunidade.
Fernando também destacou que os títulos foram utilizados como ilustração da sala
de aula desde quando chegou no DFE. A isso se deve o conteúdo cultural dos filmes. Essa
argumentação mostra que no INCE, portanto, os filmes também eram utilizados dessa
maneira.
Em seguida, o depoente conta que quando chegou no DFE existia uma rede de
distribuição de filmes nas escolas desde o INCE, que foi, apenas, ampliada e modernizada em
sua gestão. Esta ampliação aguça diretamente o quanto as escolas procuravam filmes, uma
vez que o cadastro cresceu.
Confira o esquema a seguir:
156
No DFC, segundo o entrevistado, foram retomadas as sessões de filmes para
alunos e professores, que eram muito disputadas pelas escolas. Isso também fomentou um
crescimento no cadastro escolar e no número de temas sugeridos pela direção do
departamento, que observava os assuntos de maior interesse educacional.
Mas apesar de afirmar que havia interesse do professor, mediante a disputa das
escolas pelos filmes e a presença intensa nas sessões promovidas no auditório, não houve um
preparo da classe docente para trabalhar com o recurso audiovisual. Essa argumentação
INCE
DFE
DFC
Exibição no cinema
conveniente ao
governo
Atuação estreita com
governo militar
Política mais aberta
favorável aos cineastas
Mesmas atividades,
nomenclatura diferente
Vários tipos de
produção “didática”
Produção cultural
única
Rede de distribuição
escolar organizada
Modernização e
ampliação da rede
escolar
Esclarecimento e
informação regional
Comportamento
Cultural
Captação
poética
Sessões para alunos
e professores
Ilustração para
sala de aula
Ilustração para a
sala de aula
Filmes bem
aceitos
Disputados
pelas escolas
Crescimento do
cadastro no país
Não havia preparo do
professor
Computador hoje
possibilita formação
Falta informação
cinematográfica nas escolas
Professor
sem graça
Exibição voluntária
nas escolas
Privilegia um
cineasta
Privilegia
poucos cineastas
Todos cineastas são
privilegiados
Filme cultural é
melhor
Filme didático
não é criativo
“Chatos”
Figura 15 – Modelo de Estratégia Argumentativa Fernando Ferreira
157
sugere, implicitamente, o porquê dos filmes terem sido usados como ilustração da aula.
Fernando Ferreira afirma que falta ao professor, hoje, ter convicção, ou seja, as
aulas têm sido sem graça para os alunos, já que os professores não se apropriaram das
linguagens audiovisuais. Para que isso se modifique, ele sugere que haja informação
cinematográfica nas escolas, possibilitando ao docente conhecer cinema verdadeiramente e
não de forma superficial. Isso seria possível, inclusive, através de cursos via web.
Em oposição à depoente Myrce Gomes a respeito do gênero documentário,
Fernando Ferreira problematizou o que seria a sua definição, afirmando ser difícil estabelecer
fronteiras com a ficção. Afirma, então, que os documentários de Humberto Mauro atendem à
designação documental, não importando o modo como se defina.
Discutir sobre o que é documentário é complicado. Documentário é uma expressão
muito ampla que inclui até a ficção. E se a gente quiser falar sobre documentários
legítimos, os ícones do documentário que a História do Cinema registra mesmo,
temos muito poucos. (...) Acho que o filme documentário é meio difícil de limitar e
definir. Não pode ser, apenas, como se pretende, a captação da realidade. O
chamado cinema-verdade é verdade até que ponto? No momento em que você
instala uma câmera e decide qual é a luz e qual é o ângulo, você interferiu na
realidade.
Principais argumentos extraídos da entrevista:
Os filmes do INCE foram exibidos nas salas de cinema sob conveniência do
governo. No entanto, nas escolas não havia imposição. Seu uso era voluntário;
A produção de filmes do INCE privilegiava apenas Humberto Mauro e poucas
pessoas;
O DFE teve uma atuação restrita com o governo militar, privilegiando alguns
cineastas na produção de filmes;
O DFC permitiu que vários cineastas pudessem filmar;
O INCE, o DFE e o DFC exerciam as mesmas atividades e produziam filmes
com informações culturais semelhantes;
A produção do INCE era dividida em três aspectos culturais: comportamento,
esclarecimento regional e captação poética;
Os filmes culturais possuem informações mais amplas e são melhores que os
filmes didáticos, que não são criativos;
Os filmes foram utilizados como ilustração da sala de aula, para firmar o
conteúdo ministrado pelo docente;
Havia uma rede de distribuição de filmes nas escolas, que foi ampliada e
modernizada na gestão dos departamentos após o INCE;
158
No DFC foram retomadas, no auditório, as sessões para professores e
estudantes;
Os filmes exibidos no auditório eram bem aceitos e havia muita disputa, pelas
escolas, para sua utilização;
Os professores nunca estiveram preparados para o recurso audiovisual. Por
isso, sua utilização sempre foi ilustrativa;
Os professores, atualmente, não têm convicção do que fazem, tornando as aulas
sem graça;
Falta aos professores informação cinematográfica para ter uma visão crítica
sobre cinema;
A formação audiovisual atualmente poderia ser realizada via web.
Dejean Magno Pellegrin
Dejean nasceu em cinco de março de 1930. Como todo estudioso de cinema, seu
interesse pela imagem em movimento começou cedo, aos cinco anos, quando freqüentava as
salas de exibição de Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro, nas matinês do Cinema
Progresso, do Seu Vertúli, como lembra. Outra etapa marcante da infância aconteceu no
curso de catequese de Igreja Nossa Senhora do Desterro. Os cartões de presença nas aulas de
catecismo davam direito aos alunos de irem ao cineminha da paróquia. Para Dejean, pura
diversão.
Aos 13 anos, mudou-se para Vila Isabel e começou a construir profissionalmente
sua carreira cinematográfica quando ganhou de presente o livro O Cinema, sua arte, sua
técnica, sua economia, de Georges Sadoul, traduzido no Brasil por Alex Viany. A leitura
abriu suas perspectivas, mostrando-lhe que cinema não era diversão, mas arte, cultura e
indústria.
Em 1945, fez seu primeiro curso de cinema na Ação Social Arquidiocesana
(ASA), no Rio de Janeiro, com o padre Guido Logger, que fomentou suas iniciativas para
fundar e participar de diversos Cineclubes. Mais tarde, seria diretor do Cineclube da própria
ASA e fundador-presidente da Federação dos Cineclubistas do Estado do Rio de Janeiro.
O primeiro Cineclube que participou foi aos 15 anos Círculo de Estudos
Cinematográficos – fundado por Alex Viany, Moniz Vianna e Luiz Alípio de Barros. nessa
159
época, assistia aos documentários de Humberto Mauro, bem como a seus filmes de ficção. Em
1954, foi um dos membros fundadores do setor de cinema do Museu de Arte Moderna do Rio
de Janeiro, hoje Cinemateca do MAM.
Dois anos após, fundou o Museu de Arte Cinematográfica, com apoio de Paulo
Emílio Salles Gomes. Apesar de funcionar somente por seis meses, diversos documentários
do INCE foram exibidos. Segundo Dejean, muitos cineastas mais tarde reconhecidos
nacionalmente, iniciaram sua formação com a participação neste Cineclube: Miguel Borges,
Marcos Faria, Davi Neves, Cosme Alves Neto, Walter Lima Jr., Saulo Pereira de Mello e
Joaquim Pedro de Andrade. Críticos cinematográficos consagrados foram sócios, como Leon
Hirszman, Décio Vieira Otoni, José Sanz, Ely Azeredo, José Lino Grünewald e Salveano
Cavalcanti.
Desde cedo, freqüentava as sessões no auditório do INCE, tornando-se, assim,
amigo de Humberto Mauro. Orgulhoso, expõe, em sua residência, quadro com uma
dedicatória de 1978 do cineasta: “Para o Dejean, que sempre deu e continua dando apoio e
valiosa cooperação ao desenvolvimento de nosso cinema como arte, cultura e indústria, um
cordial abraço e a sempre fiel amizade e admiração, do amigo e velho cansado de guerra,
Humberto Mauro”.
O Cineclube Grupo de Estudos Cinematográficos, da União Metropolitana dos
Estudantes (GEC, da UME), criado por Dejean, em 1958, foi um dos mais freqüentados por
estudantes. Entre os documentários do INCE exibidos no GEC constam: João de Barro,
Despertar da Redentora, Carro de Bois e O Descobrimento do Brasil. Com toda sua
influência e amizades, acabou sendo indicado para o curso de Filmologia da Universidade de
Paris, na França, com bolsa do Governo Francês, sendo aluno de Georges Sadoul e tornando-
se amigo de Jean Rouch. Paralelamente, estagiou na Cinemateca Francesa, fez reportagens na
televisão francesa, locução e tradução do jornal cinematográfico Les Actualités Françaises.
Em 1964, foi morar no Egito. Na oportunidade, aproveitou para realizar, no Cairo,
a Semana do Cinema Brasileiro e a Semana do Cinema Cubano. Como funcionário do
Itamaraty na Embaixada do Brasil na antiga União Soviética, promoveu a primeira Semana do
Cinema Brasileiro em Moscou, Alma-Ata e Baku, em 1970. No ano seguinte, coordenou a
quinzena do cinema brasileiro em Cannes. Amigo de Glauber Rocha, Flávio Tambellini e
muitos outros cineastas, conta com orgulho suas lembranças, que, em breve, serão publicadas
em livro.
Em 1976, foi para a Embrafilme. Chefe do setor de Difusão e Planejamento do
DFC, na gestão de Fernando Ferreira, reativou as antigas sessões no auditório, época em que
160
diversas instituições educacionais participavam voluntariamente das exibições de filmes
nacionais. Muitos destes, documentários educativos feitos por Humberto Mauro.
Dejean ficou na Embrafilme até 1980. Depois, continuou investindo em sua
trajetória profissional cinematográfica. Foi um dos fundadores da Associação Brasileira de
Documentaristas e do Centro dos Pesquisadores do Cinema Brasileiro, além de crítico dos
jornais O Globo e Tribuna da Imprensa, programador do setor de cinema da UERJ, assessor
geral do FestRio, entre diversas atividades.
O primeiro esquema esclarece a opinião do depoente a respeito da qualidade dos
filmes produzidos pelo INCE. Ele discorda de pesquisadores e cineastas que afirmam que os
documentários eram “chatos” e sem emoção, evidenciando a importância de Humberto Mauro
como cineasta. No entanto, a partir de uma diferenciação entre assuntos didáticos e culturais,
declara que filmes didáticos são “áridos” e filmes culturais são agradáveis. Essa controvérsia
aponta, implicitamente, que os primeiros não têm emoção e os demais são mais emotivos.
Mas, conforme esclarece, ambos despertavam interesse nos alunos.
Tem certos assuntos que são áridos mesmo. (...) Mas o que esses caras querem?
Suspense? Pelo amor de Deus! Era filme didático! Ele (Humberto Mauro) fez filmes
que ensinava o cara da roça a fazer fossa sanitária. Você vai fazer poesia com esse
assunto? Isso é uma bobagem!
Este pensamento de diferenciar a cultura da educação, tornando-as indissociáveis,
perdura até hoje. À educação é permitido realizar conteúdo pragmático, puramente didático,
maçante, ou mesmo de menor valor. À cultura são associados conteúdos elevados, ricos e
mais agradáveis. Apesar de Roquette-Pinto, idealizador do INCE, pensar de forma distinta,
vendo a educação como um saber cultural elevado através das artes, da ciência e das letras, os
filmes, nitidamente, transpareciam a diferenciação sentida pelo depoente.
Sobre a questão se os filmes eram ou não documentários, Dejean defende:
Eu acho que a duração, a quantidade, não tem importância. O importante é o que o
filme transmite. Eram documentários sim.
O esquema coloca em destaque a diferenciação observada:
161
O segundo esquema põe em relevo três diferentes momentos em que o depoente
vivenciou das exibições dos filmes do INCE: no próprio auditório, enquanto estudante; no
Cineclube, enquanto estudioso e crítico de cinema; no DFC, como profissional de cinema. Os
momentos distintos fazem parte da argumentação central da entrevista, que destaca a recepção
por parte de críticos cinematográficos, cineastas, professores e alunos, e a divulgação pela
imprensa.
De acordo com Pellegrin, havia pouca informação e divulgação a respeito do
INCE. Esse fato pode ter colaborado para que as sessões fossem pouco freqüentadas. Outra
argumentação ligada à precariedade de público refere-se à localização do órgão:
Não era muito freqüentado, porque ali, na Praça da República, acho, era
contramão. Também a divulgação era pequena. Tinha que ficar procurando. Eram
umas 10, 12 pessoas por sessão só.
O público, então, era composto por poucos estudantes, pois os professores o
sabiam da existência do INCE, devido à divulgação deficitária. Se o Instituto existisse hoje,
todos teriam conhecimento de sua importância, em face da ampla mídia. A argumentação a
respeito da ausência do professor nas sessões funda-se sobre a estrutura do real, apoiada na
experiência do entrevistado, que participou das exibições no auditório.
A ausência do professorado é o indicador, para Dejean, de que os mestres não
conheciam o órgão. Complementa, ainda, que se o professor tivesse assistido aos filmes, teria
Qualidade dos filmes
Didáticos
Assuntos áridos
Sem emoção
Culturais
Assuntos
agradáveis
Com emoção
Despertavam interesse
nos alunos
Conteúdos
maçantes
Figura 16 – Modelo de Estratégia Argumentativa Dejean Pellegrin 1
Documentários
162
aprendido sobre a cultura brasileira. Essa argumentação evidencia que mesmo os professores
não a conheciam. Como constatou que não havia representantes da classe docente nas sessões,
é possível mensurar que foram gerados poucos impactos na educação.
Ao informar que assistiu no auditório do INCE aos documentários produzidos
internamente e a muitos filmes de ficção, e que a descoberta das sessões era porque procurava
intensamente divulgação sobre cinema na imprensa, deduz-se que havia um público formado
por estudiosos e críticos cinematográficos, além de alunos, que o INCE era o único órgão
oficial do governo federal planejado ao cinema.
Enquanto a classe docente não sabia do INCE, na medida em que havia sessões de
filmes de ficção e os críticos compareciam ao auditório, ficam evidentes duas vertentes
implícitas: a classe cinematográfica conhecia as atividades do órgão e o público estudante
interessava-se por cinema enquanto arte cinematográfica e não como meio educativo, que o
professorado não tinha essa informação.
A segunda argumentação diz respeito à exibição dos filmes do INCE nos
Cineclubes do Rio de Janeiro, em especial, àqueles criados pelo depoente. Como afirma que
as sessões eram muito freqüentadas, conclui-se que havia divulgação ativa no meio
cinematográfico, uma vez que não estudantes, mas também cineastas e críticos
participavam. O depoente menciona que as exibições tinham muita receptividade.
A terceira argumentação apóia-se na sua vivência profissional, ao retomar as
sessões de filmes no auditório do DFC. Pellegrin conta que foi feita divulgação ativa na
mídia, possibilitando que as exibições fossem muito freqüentadas. O público, segundo ele,
formado por professores e alunos, sempre se mostrou interessado, procurando participar
voluntariamente. Entre as instituições citadas na entrevista constam: Colégio Militar, Colégio
Pedro II e Colégio Marília de Dirceu.
Há, por conseguinte, uma controvérsia a respeito da freqüência no auditório. O
depoente declara que a Praça da República era mal localizada e afetava a presença de um
público maior no INCE. que o DFC funcionava no mesmo espaço e local. Portanto, a
freqüência só deve ser atribuída à divulgação e não à localização.
Sobre os impactos que os filmes do INCE nos três momentos distintos
alcançaram, confirma que foi possível tornar o cinema brasileiro conhecido na área
educacional, bem como gerar conhecimento a respeito da cultura brasileira:
(...) não sabia que o cinema brasileiro tinha tanta coisa boa! (...) Eu falava na
música do Brasil, nas artes plásticas, além de cinema brasileiro e cinema em geral.
Aproveitava os filmes para abordar outros assuntos sobre o país.
163
O esquema clarifica as explicações fundamentadas:
As principais argumentações em relevo são:
Os filmes do INCE despertavam interesse nos alunos;
Existiam filmes didáticos, de assuntos mais técnicos e pouco emotivos; e
filmes culturais, de assuntos mais agradáveis e poéticos;
As sessões do auditório do INCE eram pouco freqüentadas por alunos devido à
divulgação precária;
A maioria dos alunos que freqüentava o auditório estava interessada por
cinema enquanto arte e não enquanto meio educativo;
Professores não sabiam da existência do INCE e, por isso, não freqüentaram o
INCE
Divulgação pequena e
insuficiente na
imprensa
Sessões pouco
freqüentadas
DFC
Divulgação ativa na
mídia
Sessões muito
freqüentadas
Cineclubes
Filmes do INCE
Divulgação ativa no meio
cinematográfico
Sessões muito
freqüentadas
Muitos estudantes,
críticos e cineastas
Estudantes e
professores
Poucos
estudantes
Escolas iam
voluntariamente
Colégio
Pedro II
Colégio
Militar
Colégio Marília
de Dirceu
Recepção positiva
Professores não
sabiam do INCE
Cineastas
conheciam
INCE
Poucos impactos na
educação
Conhecimento sobre o
cinema brasileiro
Público
interessado na arte
cinematográfica
Conhecimento sobre a
cultura brasileira
Figura 17 – Modelo de Estratégia Argumentativa Dejean Pellegrin 2
164
auditório;
As sessões do INCE também eram freqüentadas por críticos e cineastas;
Entre a classe cinematográfica, havia ampla divulgação a respeito do INCE;
As sessões cineclubistas eram muito ativas e receptivas;
As sessões no auditório do DFC foram amplamente divulgadas, o que gerou
enorme procura pelas instituições escolares;
As escolas participavam voluntariamente das exibições no auditório;
Entre os principais impactos provocados pelo uso dos filmes destacam-se o
conhecimento a respeito do cinema brasileiro e, principalmente, da cultura brasileira, por
conta dos assuntos produzidos.
Ana Pessoa
O interesse de Ana Pessoa por cinema vem da adolescência. A busca por
conhecimentos cinematográficos incentivou-a, em 1972, cursar cinema educativo no Cineduc
na ão Católica de Cinema da CNBB, onde funcionava, na ocasião. Interessada em
aprender, cada vez mais, começou a colaborar no Cineaduc, indo às escolas, levando
projetores e filmes, acompanhando as exibições, entre outras atividades. Dessa forma, pôde
observar a recepção de filmes educativos do INCE e do DFE, por parte de professores e
alunos. Nesse contexto, como sempre atuou com aspectos receptivos, descreve sua trajetória
como crítica e pesquisadora e não como produtora.
A partir dos conhecimentos e contatos estabelecidos no meio cinematográfico, sua
paixão pela arte aproximou-a do Cineclubismo, criando o Stúdio 43, na Aliança Francesa, e o
Cineclube do Leme. Devido ao seu envolvimento com palestras, foi estagiar na Cinemateca
do MAM, tentando conciliar o estágio com o curso de Arquitetura, concluído em 1979. Desde
1976, havia sido contratada no MAM como assessora do diretor, Cosme Alves Neto, e de
Aluizio Leite.
Em 1979, ao realizar projeto de montagem de núcleos de cinema nas
Universidades, pela Funarte, foi convidada por Carlos Augusto Calil, que era da Cinemateca
Brasileira, para ser sua assessora na Embrafilme, onde ficou até 1990. Na empresa, foi
colaboradora da Direção de Assuntos não Comerciais (DONAC), supervisionando atividades
de documentação e editoração, difusão, produção, formação profissional e co-organização do
165
simpósio sobre cinema e memória no Brasil.
Em 1992, tornou-se Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) atuando, principalmente, nas áreas de cinema brasileiro, correspondência e
memória social. Nessa época, assumiu a coordenadoria de pesquisa do Instituto Brasileiro de
Arte e Cultura (IBAC).
Em 1996, iniciou sua trajetória na Casa de Rui de Barbosa como diretora do
Centro de Memória e Informação. É autora de diversos artigos sobre cinema e livros
renomados, como: Carmen Santos e o cinema dos anos 20, cujo assunto, segundo ela, foi
possível pesquisar devido ao apoio recebido da família da atriz.
Por ter atuado diretamente no DFC e pesquisado sobre a história do cinema
brasileiro, Ana Pessoa tornou-se depoente fundamental nesta dissertação.
O depoimento concedido destaca as características comuns entre o INCE, o DFE e
o DFC, vistos como prolongamento um do outro. Para tanto, no esquema proposto um
conector contínuo que dá a dimensão do que a depoente chamou de tradição cultural:
uma tradição, uma continuidade da tradição do curta-metragem do aparelho
público muito grande. Não o prédio era o mesmo que do INCE. (...) O Fernando
Ferreira, que era o diretor na época (do DFC), ocupava a mesma sala que foi do
INCE. Havia, sempre houve, a presença muito forte do Humberto Mauro,
independentemente do Zequinha. (...) A tradição era muito viva ainda, tanto nos
funcionários, quanto no ambiente e nos próprios cineastas. (...) O Zequinha era a
continuidade.
A tradição na produção de curta-metragem não era um consenso, que muitos
achavam que havia sido rompida. Um processo de revalorização foi implementado a partir da
descoberta, pelos cineastas do Cinema Novo, da obra de Mauro. Para ela, o que confirma esse
fato é a constante re-atualização de alguns títulos do INCE.
De acordo com Ana Pessoa, tanto no DFE quanto no DFC as dificuldades
enfrentadas pelo INCE persistiram. Entre os problemas encontra-se a falta de projetores nas
escolas; falta de suporte técnico para operar o projetor de 16 mm, uma vez que seu uso exigia
certa expertise; despreparo do professor para utilizar o filme em sala de aula e da própria
instituição escolar com o recurso audiovisual. Apesar disso, a depoente salienta que a
presença dos docentes na filmoteca era intensa.
Sobre o despreparo das instituições, constata que escolas possuem cargas horárias
extensas, impossibilitando abrir espaço para utilização de filmes na grade curricular. Na
medida em que isso acontece, fica implícito que o problema não se encontra somente na
classe docente ou política, mas no grupo de orientadores pedagógicos, diretores e supervisores
das instituições que não promovem e não fazem cursos de formação para uso de outras
166
linguagens didáticas, em especial a linguagem áudio-imagética.
A argumentação que sustenta a tese a respeito do despreparo do professor está
associada a questões econômicas devido à desvalorização da profissão por parte da sociedade
e da política governamental, que tem propiciado baixos salários, desmotivando, por
conseguinte, o interesse no aprendizado de novos conhecimentos. Isso impossibilita dedicar
tempo e investimento financeiro nesta formação.
A burocracia em torno da formação voltada para as tecnologias educacionais
torna-se um círculo vicioso, conforme ressaltado. Os professores, desvalorizados, não
mostram interesse; os orientadores pedagógicos sentem-se desmotivados pelo desinteresse dos
professores; os pesquisadores acusam o governo que não investe em recursos financeiros para
implementar políticas educacionais às TICs; os orientadores pedagógicos sentem-se
desestimulados com a falta de recursos oferecidos; os professores continuam despreparados.
Ana Pessoa afirma que o desinteresse parte, sobretudo, da falta de meios.
Implicitamente, conclui-se que enquanto professores, pedagogos, pesquisadores e políticos
ficam discutindo o assunto, sem encontrar soluções e propor melhorias, os alunos deixam de
ver essas linguagens áudio-imagéticas como aliadas ao ensino. Portanto, sempre serão vistas
como meios ilustrativos. Esse argumento fica evidente a partir dos critérios da recepção
descritos na entrevista.
Apesar de detectar os problemas, Ana declarou que os filmes do INCE
continuaram sendo usados no DFE e no DFC com as novas produções. As exibições, para ela,
independente do assunto trabalhado, eram motivo de animação. Essa constatação sugere, de
forma implícita, que o uso do cinema educativo foi consubstanciado mais como forma de
entretenimento.
O esquema a seguir destaca as controvérsias assimiladas:
167
A depoente refere-se, ainda, à modernização do DFC com a implementação da
Diretoria de Operações Não Comerciais (DONAC), na Embrafilme. A partir da lei do curta,
em 1975, que garantia a exibição dos filmes nas salas de cinema, cresce a produção de curta-
metragem, concebendo-se uma relação mais comercial com este tipo de produto. Diferencia,
então, o que seria uma vocação mais de lazer de uma vocação escolar, conferindo, claramente,
um valor de atualidade e de liberdade de criação à primeira. Suas palavras vêm ratificar:
Então, se pensava que se conseguisse dar uma dinâmica mais comercial ia
conseguir ter uma produção mais livre, contemporânea, menos presa ao formato
educativo.
Essa menção deixa transparecer a oposição entre lazer e educativo e, ao mesmo
tempo, uma aproximação entre entretenimento e comercial. O educativo aparece como algo
que aprisiona e restringe. Tal desvalorização é novamente mencionada adiante quando
comenta o final da trajetória de Mauro.
INCE DFE DFC
Faltam
projetores
nas escolas
Falta suporte
técnico
Despreparo do
professor
Despreparo da
instituição
escolar
Modernidade:
Formato mais
comercial
Exibição com animação
Escolas valorizam os
filmes
Entretenimento
Desinteresse
motivado pela
falta de meios
Falta espaço na
grade curricular
Desvalorização da
profissão
Baixos
salários
Tempo e dinheiro
para investir em
formação
Falta formação aos orientadores
pedagógicos
Falta de políticas
educacionais
voltadas às TICs
Clássico:
Formato educativo
Figura 18
Modelo de Estratégia Argumentativa Ana Pessoa 1
168
Acho que dentro desse contexto do Cinema Novo de afirmativa do Cinema
Brasileiro que se constrói para o público como filme de ficção, como filme de
enredo, uma cobrança que, para eles, fosse, talvez, a frustração de como uma
pessoa que tenha sido tão ativa no início da carreira, fazendo tantos filmes
ficcionais, depois opta em fazer filmes curtos e educativos.
Embora atribua a afirmativa ao contexto do Cinema Novo, deixa transpassar certa
desvalorização dos filmes curtos e educativos.
O esquema aponta as controvérsias entre a produção fílmica do INCE e dos
demais departamentos. A depoente explica que mesmo contendo uma tradição cultural na
produção de curtas-metragens, o produto final – o filme – acabava sendo diferente.
Era muito diferente na produção. O INCE produzia tudo internamente. O DFC
contratava as produções. Isso mudava o caráter. Ao mesmo tempo que amplia o
leque e a produção, permite a democratização, permite o exercício da prática
cinematográfica. Por outro lado, a produção foge do controle, do padrão, como era
no INCE, que se fazia desde o roteiro à produção e à edição.
Ao afirmar que a produção do DFC foi democratizada, significa que havia uma
abertura maior na realização de filmes. A argumentação sugere que a produção do INCE não
era democrática, mas restrita. Justificando sua argumentação, ressalta que, por conta dessa
democratização, perdeu-se o controle. A produção do INCE era centralizada e a do DFC,
descentralizada.
Inicialmente, não haveria como mensurar se a defesa da depoente gira em torno da
centralização ou da descentralização na produção dos filmes. Mais à frente, justificando os
assuntos produzidos pelos órgãos, faz uma separação no que fora produzido, apontando que
tanto um quanto outro foram importantes para a educação brasileira.
Sendo pesquisadora e estudiosa de cinema, utiliza-se de um acordo relativo ao
real, ao atestar que o INCE realizou três tipos de filmagens: filmes científicos, filmagens de
oportunidades e filmes didáticos. O acordo relativo ao real diz respeito aos fatos, verdades e
pressuposições. A constatação declarada confirma o conhecimento da depoente sobre o
acervo fílmico do Instituto.
A controvérsia está nos conteúdos produzidos pelo DFC, que são voltados à
formação geral, sendo menos didáticos. Conforme Ana Pessoa, os filmes do DFC, além dos
conteúdos, trabalhavam a criatividade e estimulavam a sensibilidade do aluno. Essa revelação
entra em oposição aos filmes do INCE, sugerindo que, portanto, tinham como prioridade
trabalhar conteúdos.
Para a entrevistada, trabalhando somente conteúdos ou utilizando a criatividade e
a sensibilidade dos alunos em complementação à aula, ambos os momentos foram importantes
169
para a educação brasileira, que os filmes possibilitaram aos educandos conhecer a cultura
do país.
É possível destacar, também, uma presunção de falta de planejamento para a
exibição dos filmes do INCE, implícita na fala da depoente.
Bem, sempre o INCE tinha essa promoção de filmes e isso continuou depois. E eu
não sei se isso tinha uma estratégia por trás, entende? Acredito que não. Passavam
os filmes para os professores porque, de certa forma, o filme estava lá, o auditório
estava lá e os funcionários também.
Embora se trate de uma presunção, está presente ao longo de todo seu discurso.
Vale ressaltar que embora tenha havido diferentes departamentos ligados ao cinema educativo
nas escolas, este trabalho não parece ter sido sistemático.
As idéias centrais extraídas da entrevista são:
O DFE e DFC eram continuidades do INCE e mantinham a tradição cultural de
produção de curtas-metragens destinados às escolas;
O maior problema encontrado no uso de filmes nas escolas foi a falta de
projetores. Somado a isso, não havia suporte técnico para mantê-los;
Alguns filmes do INCE continuaram sendo usados nos departamentos
seguintes;
Filmes do INCE Filmes do DFE e DFC
Produção restrita e
centralizada
Produção democratizada e
descentralizada
Filmes
científicos
Filmagens de
oportunidades
Filmes
didáticos
Filmes de formação
geral
Trabalham
criatividade e
sensibilidade
Trabalham
conteúdos
Conhecimento da
cultura brasileira
Figura 19
Modelo de Estratégia Argumentativa Ana Pessoa 2
170
A produção do INCE era restrita e centralizada, enquanto do DFE e DFC era
descentralizada e democratizada;
Os filmes do INCE dividiam-se em assuntos científicos, de oportunidade e
didáticos, sendo voltados, sobretudo, à valorização de conteúdos;
Os filmes do DFC eram mais voltados à formação geral, valorizando-se a
criatividade e a sensibilidade dos alunos;
Os filmes produzidos no DFC tinham uma vocação mais de lazer e
entretenimento que uma vocação didática, conferindo, claramente, um valor de atualidade e
liberdade de criação à primeira e algo que aprisiona e restringe à segunda;
A exibição dos filmes era vista como entretenimento e animação pelos alunos;
O professor esteve e está despreparado para utilizar o filme em sala de aula. O
problema está condicionado à desvalorização de sua profissão, que o desmotiva devido à falta
de tempo e de recursos financeiros para investir em novos conhecimentos;
As instituições escolares não estão preparadas para utilizar o recurso
audiovisual sob dois aspectos: falta de investimentos financeiros e formação inadequada dos
orientadores pedagógicos para trabalharem ou implementarem a linguagem áudio-imagética;
Faltam políticas públicas educacionais voltadas às TICs;
Os impactos dos filmes na educação propiciaram aos alunos conhecerem a
cultura brasileira.
5.4 DEPOENTES TIPO 4
Mauro Domingues de Sá
As lembranças mais remotas que Mauro Domingues tem de cinema são da época
do antigo ginasial, início da década de 1970, quando via filmes em preto e branco sobre a
realidade brasileira nas aulas de arte. como funcionário da Embrafilme e amigo pessoal de
Zequinha Mauro, associou os assuntos do tempo de escola com os filmes cujos títulos
começava a conhecer profissionalmente.
Influenciado pelos pais, freqüentou diversas salas de cinema, interessando-se por
cinematecas e cineclubes. No início dos anos 1980, começou a fotografar profissionalmente.
171
Em 1985, formou-se em Arquivologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
No ano seguinte, foi para a Embrafilme atuar na área de conservação de filmes.
Daí nasceu a grande amizade com Zequinha. Por isso, Mauro Domingues é considerado o
depoente privilegiado de memória de herança desta pesquisa.
Seu primeiro contato físico consciente com a obra do INCE aconteceu somente
profissionalmente. No entanto, sua filmografia já era explorada e estudada desde o colegial.
Absolutamente apaixonado pela história do Instituto, elenca diversas memórias do amigo
Zequinha durante a entrevista concedida a esta dissertação, emocionando-se por vários
momentos. Opina, ainda, sobre diversas questões, embasado em pesquisas e leituras
complementares sobre o órgão, conhecimento sobre cinema educativo, vida e obra de
Humberto Mauro.
De 1996 a 2002, foi responsável pelo núcleo de preservação e restauração de
imagem do Departamento de Cinema da Funarte. A partir de 2002, ingressou no quadro do
Arquivo Nacional como supervisor de documentos audiovisuais da Coordenação de
Preservação do Acervo, assumindo em 2007, a chefia do setor.
É especialista em restauração de filmes pela Universidade Nacional Autônoma do
México desde 1999. Dentre algumas atividades desenvolvidas, destacam-se: Curadoria da
Mostra de Filmes e Exposição de Fotografias 100 anos de Humberto Mauro (1997);
Curadoria da Exposição de Fotografias Zequinha Mauro, Cataguases MG (2002);
digitalização e restauração digital de fotografias para a Exposição do Festival de Cinema de
Arquivo (Recine 2004, 2005, 2006); Restauração da imagem do filme O Descobrimento do
Brasil (1937), de Humberto Mauro, em 1996/97; consultoria e treinamento da equipe do
laboratório de digitalização da Biblioteca Nacional em 2003; realização de palestras e
workshops sobre conservação e restauração de filmes; preservação digital, entre outras
atividades.
A entrevista de Mauro Domingues, rica em detalhes, está dividida sob diversas
perspectivas. Existem muitas controvérsias que fomentam tipos de argumentos apoiados sobre
sua experiência, quando evoca relações do tipo causa/efeito, pessoa/qualidades; apoiados nas
suas presunções, estudos e pesquisas; relativos ao preferível, ao lidar com pessoas íntimas e
valores afetivos, que aproximam coisas e criam generalizações. Essas reminiscências
permitem apresentar a entrevista sob vários vieses. No entanto, valorizou-se o objetivo desta
dissertação.
O primeiro esquema está embasado na principal argumentação a respeito da
diferenciação conceitual entre as atividades do INCE e dos demais órgãos que surgiram em
172
seguida: INC, Embrafilme, FCB, Funarte e CTAv. Para o depoente, ter conceito é mais
importante que ter estrutura e tecnologia. O INCE, apesar de ter estrutura pequena, tinha uma
concepção plena, totalmente voltada à educação. Os órgãos seguintes não. Tinham estrutura
maior, mas faltava o principal: conceito.
Se formos ver tudo o que de instituição, com exceção da Cinemateca Brasileira
de São Paulo, uma instituição pública também ligada ao Ministério da Cultura, eu
acho que não houve nenhum órgão, desde o INC até a Embrafilme, enfim, a
Funarte, Fundação do Cinema Brasileiro... são tantos nomes... nenhum órgão teve
uma concepção, um conceito tão claro quanto o INCE. O INCE tinha uma questão
conceitual muito importante. O INCE foi concebido para a educação. (...) Isso é
uma crítica às instituições de cinema, com exceção da Cinemateca Brasileira, a
todas as outras que vieram depois do INCE: não houve um conceito. (...) Acho que
até o próprio CTAv, hoje, depois de 22 anos de existência, também carece de um
conceito, uma coisa, que, infelizmente, nós perdemos com o INCE.
Para defender que o conceito é mais importante que a estrutura, exemplifica que a
idéia do INCE é perfeitamente aplicável hoje às novas tecnologias, uma vez que os filmes
poderiam ser destinados às escolas por meio de CD-Rom, DVD ou mesmo através da
Internet. Salienta que o conteúdo produzido também seria perfeitamente aplicável e
atualizado, afinal os problemas do Brasil continuam os mesmos.
Então hoje, a Internet, que é um meio democrático, poderia estar passando os
filmes do INCE. Então as pessoas poderiam estar vendo como se constrói uma
fossa, porque no Brasil ainda se morre porque não tem fossa! Como se conserva
alimento, porque no Brasil ainda se tem fome! Os problemas ainda são os mesmos,
talvez até em uma escala maior. Então aqueles filmes não estão obsoletos.
Firmando sua tese a respeito da questão conceitual, mostra que o INCE estava
voltado somente para a educação. O depoente apóia-se, inclusive, em exemplos comparativos
em relação ao DIP, voltado à propaganda de governo, para afirmar a vocação acentuadamente
didática do primeiro.
Os demais órgãos estavam voltados para o mercado, ao qual se refere como
“cinemão” cinema de ficção. Evidencia, portanto, que o INCE destinava seus filmes
exclusivamente à educação, enquanto as outras instituições à participação em mostras e
festivais. As escolas, segundo ele, ficavam em segundo plano:
Continuavam sendo distribuídos, mas não mais naquele circuito escolar. Eram
distribuídos, às vezes, até nas escolas, só que mais para festivais, mostras.
Em outra oportunidade, reafirma seu posicionamento:
Os filmes não deixam de ser usados, continuam sendo usados. que eles não têm
mais o caráter de distribuição nas escolas. Aquele projeto termina com o INCE.
Com a chegada do INC, esse projeto termina. Tanto que os laboratórios onde todo
material do INCE era produzido, revelado, montado, copiado, termina. Deixa de
existir.
173
A transcrição desse trecho da entrevista acaba por contradizer sua tese principal a
respeito da questão conceito x estrutura. Se, para o depoente, o mais importante é o conceito,
associar o término do INCE ao abandono físico de seu laboratório, ou seja, à sua estrutura, é
utilizar-se de um processo de ligação na tentativa de aproximar elementos distintos e
estabelecer entre eles uma conexão. Como a idéia conceitual é perfeitamente aplicável à
modernização tecnológica, o abandono dos aparelhos considerados obsoletos não poderia
contribuir para finalizar as atividades do órgão, mas sim, para questões de cunho político e
gerencial.
Suas idéias, em seguida, entram em choque com o trecho anterior. Na seqüência, o
depoente associa o término do INCE à questão política:
Então, naquele momento, talvez, as pessoas que estivessem à frente da política
cinematográfica tenham entendido que aquele era um cinema menor e que não
deveria mais investir, fazer qualquer investimento naquele cinema, e sim preparar
para o “cinemão”, para o cinema comercial. E foi o que aconteceu. (...) Talvez
faltasse ao governo, naquele momento, uma luz para falar: a gente faz o cinema
comercial, mas a gente tem que manter o didático, o educacional.
O esquema a seguir apresenta as idéias extraídas do texto:
174
Apesar das controvérsias que envolvem estrutura e conceito, o que defende, a todo
momento, é a prioridade do INCE na educação e a dos demais órgãos no cinema comercial. O
depoente não enxerga o DFE/INC e o DFC/Embrafilme como continuidades do INCE. Não se
refere aos departamentos como seu prolongamento, fazendo distinção das atividades. No seu
entendimento, o INCE sobreviveu às diversas instituições seguintes devido à existência de
seu acervo fílmico, que sua concepção não existia mais. Essa visão distancia-se dos demais
depoentes desta dissertação.
Eu acho que o INCE o termina porque existe um acervo e aquele acervo
continuava ali. O que eu acho que não houve mais foi o incentivo, por parte do INC,
para que esses filmes continuassem sendo utilizados nas escolas. A questão
conceitual foi rompida. Depois não houve continuidade.
Apesar de afirmar que as atividades foram rompidas, acaba se contradizendo,
tanto que ele mesmo, enquanto aluno, afirma ter visto filmes do Instituto no tempo ginasial,
INCE
INC/ Embrafilme / FCB
Funarte / CTAv
Conceito
claro
Falta um
Conceito claro
Voltado à
educação
Voltados ao
mercado
Filmes usados
nas escolas
Filmes usados em
mostras, festivais
Filmes pouco usados
nas escolas
Estrutura
pequena
Estrutura
grande
Poucos recursos
financeiros
Poucos
funcionários
Muitos recursos
financeiros
Muitos
funcionários
Acervo do INCE o
mantém vivo
INCE finaliza na
gestão Tambellini
Atividades nas
escolas são rompidas
Figura 20– Modelo de Estratégia Argumentativa Mauro Domingues 1
175
nas aulas da professora de arte. Nessa época, por volta de 1972, o órgão não existia. Tinha
sido absorvido pelo DFE. Provavelmente, a professora recorria à filmoteca de curta-metragem
do INC.
A argumentação mostra que o depoente acredita que o INCE finalizou suas
atividades em 1967, quando surgiu o INC. Para ele, houve um esvaziamento do órgão com a
entrada de Tambellini, que coincide com a aposentadoria de Humberto Mauro.
O segundo esquema ressalta a importância dos filmes do INCE para a educação e
suas contribuições à formação de uma cultura áudio-imagética escolar. Na entrevista, destaca
que a maioria dos filmes era realizada por Humberto Mauro. A escolha dos temas seguia dois
critérios: no primeiro, os assuntos eram sugeridos por Roquette-Pinto, professores e
pesquisadores; no segundo, os temas eram indicados pelo próprio cineasta.
Eu, por várias vezes, perguntei: Mas por que escolher aqueles filmes? Por que
vocês faziam filmes sobre Veneno de Escorpião, por exemplo? Ele me contava é que
o Roquette, por ser um homem muito importante, com um grande círculo de
amizades, sempre tinha contato com a Fundação Oswaldo Cruz, com esse tipo de
instituição, e intermediava contato com os pesquisadores que iam filmar para
divulgar a ciência. [...] O Zeca citou várias vezes pesquisas de professores, trabalho
de professores. Era isso que norteava o caminho. Eu acho que a questão das
músicas folclóricas não. Isso é uma coisa de Humberto Mauro mesmo. Isso é bem
claro.
O depoente explica que a escolha de cantigas folclóricas nos filmes é uma decisão
do próprio Humberto Mauro. Essa informação alimenta a idéia de que ele exercia, além da
função de diretor cinematográfico, o papel de educador, ao lado do filho, Zequinha.
Quando indagado se Humberto e Zequinha Mauro poderiam ser considerados
educadores, apresenta uma visão sobre a realização de filmes que aproxima o modo de fazer
filmes com o que os educadores fazem, que o produto, ou seja, o filme, vai mostrar uma
visão da realidade, a visão do realizador.
Porque voltando a essa questão do filme ser documentário ou não, mesmo em um
documentário, em que você tem uma verdade crua, essa não é uma verdade, é a sua
verdade. É a verdade de quem operou, de quem colocou a câmera ali. A partir do
momento em que você está com a câmera em determinada posição, determinando
qual é o enquadramento, aquilo deixa de ser uma realidade, e passa a ser a minha
realidade. É a minha impressão do que eu quero fazer. Então eu acho que o
Humberto Mauro fazia a mesma coisa. Aquela era a impressão dele, era a maneira
dele de ver, a maneira que o Zeca via aquilo. Então eu acho que eles interferem sim,
como qualquer um interfere. Acho que eles interferem nisso, também. Eles também
podem ser considerados educadores.
Depreende-se, por conseguinte, a tese de que se o filme é educativo, o realizador
também pode ser considerado um educador. Sobre a escolha dos assuntos, por exemplo, o
depoente explica que, por falta de recursos para investir na produção de filmes, a maioria dos
176
temas era filmada na Zona da Mata Mineira. Humberto Mauro possuía casa na cidade de
Volta Grande (MG) e tornava-se mais barato ir para lá por conta das despesas de viagem.
Mauro Domingues, em seguida, suscita uma questão polêmica. Os temas
sugeridos por pesquisadores eram, de certa forma, uma obrigação a ser feita e os idealizadores
deviam ter conhecimento de que alguns filmes eram chatos”. Para justificar essa hipótese
declara:
Eu acho que eles percebiam que alguns temas eram muito chatos, né?
Naturalmente: ver um porquinho da índia ser aberto é uma coisa que não é muito
agradável.
O filme citado é Lição de Taxidermia. Dessa maneira, expõe sua opinião de que
alguns temas não eram tão interessantes, pelo menos para leigos. Mas faz questão de frisar
que Zequinha Mauro nunca comentou que um filme foi chato de fazer e, ainda, defende-se,
através da figura de autoridade da filha de Roquette-Pinto, Beatriz Bojunga, para justificar
que mesmo em assuntos técnicos havia um tom criativo e poético:
E aí tem um depoimento da Dona Beatriz que é muito interessante. Ela dizia que
Humberto Mauro conseguia fazer poesia acom peixe elétrico! E, realmente, você
vê: ele começa a adotar essa prática de tornar aquelas imagens aparentemente
cruas, sem sentido, através da poesia. Ele começa a utilizar a música, a utilizar
recursos de cinema.
A segunda argumentação apresentada no esquema a seguir esclarece que os filmes
eram muito procurados pelos professores porque eram feitas muitas cópias. A informação está
embasada, portanto, em um argumento fundado sobre a estrutura do real, ou seja, apoiando-se
sobre a experiência, evocando uma relação de causa / efeito: na medida em que muitos
professores procuravam filmes, muitas cópias eram necessárias. A opinião não expressa a
repercussão na classe docente.
Um argumento em destaque põe em relevo que os assuntos serviam, sobretudo,
para formar e atualizar o professor, “que sabia muito pouco”, confirma o depoente. Para ele, a
televisão, naquela época, estava iniciando suas atividades no Brasil e as informações e
imagens sobre a realidade brasileira chegavam através dos filmes. Justifica, ainda, que as
distâncias regionais dificultavam esse fluxo de informações. A tese evidencia dificuldade do
INCE para chegar em regiões mais distantes da capital, como o nordeste.
Então, voimagina um professor no interior do Piauí, nos anos 50, 60, devia ser
complicado! Até hoje é muito complicado para um professor se atualizar, né?!
O esquema apresenta as controvérsias em questão:
177
Com efeito, o depoente revela que a formação docente foi complicada no passado
devido aos problemas regionais, mas hoje, segundo ele, está ainda pior. O problema não
estaria mais voltado a questões regionais e tecnológicas, mas em termos de conteúdo. Essa
argumentação é embasada em duas vertentes: a primeira revela o desinteresse do professor em
atualizar-se, em ir além da sala de aula; a segunda mostra que no momento em que o INCE
deixa de existir, cria-se uma lacuna. Isso sugere falta de incentivo governamental para investir
em tecnologias voltadas às TICs e, também, propostas semelhantes ao que o órgão fazia em
Filmes do INCE
Maioria de
Humberto Mauro
Poucos recursos
Zona da Mata
Mineira
Didáticos, mas
poéticos
Filmes atualizam
professor
Muita procura
de filmes = muitas
cópias
Alguns eram
chatos
Sugere temas
Executa temas
indicados por Roquette
e professores
Exercia papel de
educador
À frente
do seu
tempo
Influência na produção
áudio-imagética escolar
Formação atual
está pior
Proposta do
INCE faz falta
Governo não incentiva
uso do audiovisual na
escola
Feitos por
obrigação
Professor
sabe pouco
TV não se
consolidou
Professores
desinteressados
Figura 21 – Modelo de Estratégia Argumentativa Mauro Domingues 2
documentários
Documentários / TVE
178
relação ao cinema educativo.
Segundo Domingues, o INCE influenciou, sobretudo, a produção áudio-imagética
escolar. Basta comparar os documentários produzidos pela TVE sobre o Brasil, que se nota a
semelhança entre ambos. Nesse sentido, por meio da metáfora “à frente do seu tempo”, Mauro
Domingues aponta o quão moderno e pioneiro foi a obra do Instituto.
Sobre os filmes do INCE classificarem-se ou não como documentários, baseia-se
nas diferenças das épocas em que foram produzidos.
Eu considero documentário sim. Documentário daquele período que, hoje, não
se faz mais assim. Você hoje faz um documentário diferente do que se fazia nos anos
60, e nem por isso nos anos 60 deixou de ser documentário, que é diferente do que
se fazia nos anos 40 e 50. Acho que nem por isso deixou de ser, né?!
Entre as principais argumentações extraídas destacam-se:
O INCE, apesar de ter uma estrutura pequena, tinha um conceito claro, voltado
para a educação;
Os demais órgãos que surgiram após o INCE tinham estrutura, mas não tinham
conceito;
Ter conceito é mais importante que ter estrutura;
O INCE priorizava a educação e os órgãos seguintes o mercado exibidor;
Os filmes foram muito utilizados nas escolas durante a existência do INCE,
chegando a faltar cópias em diversas situações;
Os filmes do INCE foram pouco usados nas escolas após o surgimento do INC;
Os filmes do INC estavam destinados, sobretudo, a mostras e festivais;
O DFE e DFC não são continuidades do INCE porque as atividades para as
escolas foram rompidas;
O INCE finalizou suas atividades na gestão Tambellini; o que o mantém vivo é
a existência de seu acervo e não suas características funcionais;
A maioria dos filmes do INCE era feita por Humberto Mauro. A escolha de
temas era feita por Roquette-Pinto e um grupo de pesquisadores e professores e, também,
sugerida pelo próprio cineasta;
Devido à falta de recursos financeiros, muitos filmes foram produzidos na
Zona da Mata Mineira, região em que Humberto Mauro possuía casa;
Os assuntos sugeridos por professores e pesquisadores, sob orientação de
Roquette-Pinto, eram “chatos”, porém criativos, devido à presença de Humberto Mauro nas
filmagens. Esses títulos eram filmados obrigatoriamente;
179
Havia muita procura de filmes pelos professores, o que justificava grande
número de cópias;
Os filmes serviam para formar o professor, que sabia pouco e encontrava
dificuldades para atualizar-se devido às distâncias regionais;
Humberto e Zequinha Mauro, por terem realizados filmes educativos, também
podem ser considerados educadores;
Os filmes do INCE influenciaram a produção áudio-imagética escolar, haja
vista a semelhança com a produção dos documentários da TVE;
O INCE foi um órgão avançado e moderno para a época;
O professor hoje está desinteressado e sua formação está pior;
O governo não incentiva o uso do audiovisual na escola e um projeto
semelhante ao INCE sobre cinema educativo faz falta atualmente.
5.5 CRUZAMENTO DOS DADOS
O cruzamento feito sobre o material apresentado possibilita uma visão geral das
concepções dos entrevistados sobre o uso do filme em sala de aula na época estudada e sua
correlação com a formação de uma cultura áudio-imagética escolar.
Os resultados mostram que a concepção de professores e alunos depoentes tipo
1 – sobre o uso do filme educativo era diferente da dos demais entrevistados. Sua relação com
o produto audiovisual e suas experiências cinematográficas são distintas, que os depoentes
do tipo 2, 3 e 4 conheciam o INCE.
Entre os cinco personagens classificados como depoentes 1, houve um enfoque
convergente nas argumentações apresentadas. Poucas divergências foram encontradas. Os
aspectos distantes da temática deste trabalho não foram considerados na análise e, portanto,
não estão abordados no cruzamento.
Entre as idéias convergentes, destaca-se a utilização do recurso fílmico no ginásio
e ensino médio. No primário, somente um depoente tem memórias de filmes. A constatação
vai ao encontro de um aspecto central disposto em quase todas as entrevistas, à exceção da
depoente cinco, que cursou formação de professores no Instituto de Educação: os filmes, em
sua maioria, não tinham entrelaçamento direto com o currículo escolar. Serviam mais como
180
ilustração da realidade brasileira, em detrimento dos conteúdos curriculares, planejados pela
Secretaria de Educação.
Foram utilizados em disciplinas de ciências sociais e humanas. Matérias como
Matemática, Química e Física parecem ter ficado preteridas, pelo menos no grupo pesquisado
neste trabalho. A literatura existente sobre o INCE e o depoimento de Geraldo Vieira
confirmam a produção de filmes e diafilmes para diversas disciplinas. Mas o próprio Decreto
2940, que instituía o uso do cinema nas escolas do município do Rio de Janeiro, em seus
artigos 633 a 635, registrava que o filme deveria ser utilizado, sobretudo, para o ensino
científico, geográfico, histórico e artístico. Essas idéias também foram exploradas nos três
livros sobre cinema educativo publicados na década de 1930.
Somente a quinta entrevistada afirma que os assuntos trabalhados em aula
estavam diretamente articulados com o conteúdo pedagógico. Desse modo, os tulos
utilizados no Instituto de Educação não foram produzidos pelo INCE, mas faziam parte de sua
filmoteca. Assuntos didáticos, em especial sobre Puericultura, muito trabalhados na
instituição, foram comprados. de se levar em conta, ainda, que o Instituto de Educação
naquela época, tinha uma prática diferenciada das demais escolas da rede e, por isso, é
plausível pensar que, de uma maneira geral, a utilização de filmes não tinha relação com o
conteúdo curricular.
A iniciativa para utilizar o recurso fílmico era isolada no universo escolar. Partia
de professores considerados modernos e inovadores, que eram motivados por sua boa vontade
e conhecimento para enriquecer a aula, tirando o educando da mesmice.
Os assuntos trabalhados abordavam a realidade brasileira, sob os mais diferentes
enfoques, servindo como elemento de fixação à aula. Conforme mencionado, a utilização do
cinema como ilustração é para mostrar o que foi falado em aula na expectativa de que o aluno
apreenda elementos e outros fatores para compor um cenário à abordagem pretendida,
fazendo-o concretizar imagens para os fatos envolvidos no tema tratado. Essa utilização não
promove reflexões sobre o conteúdo explorado. Serve, apenas, como exemplo.
Isso sugere uma dificuldade na realização de um trabalho crítico e impulsionador
de debates temáticos e pesquisas em sala de aula. Os resultados condizem não com as
teorias da comunicação vigentes até a década de 1980 sobre receptores passivos, mas,
principalmente, com a ideologia roquetteana e, de certa maneira, do INCE, em acreditar que
seria possível moldar a mente dos educandos através da educação.
Os intelectuais do movimento renovador depositaram nos meios de comunicação
o papel de intervirem no campo educacional como transmissores da modernidade. A educação
181
ficou superdimensionada, uma vez que se acreditava na reforma da sociedade através da
reforma do ensino. No entanto, hoje, a tendência mais forte opta pela compreensão de que não
é o recurso que vai promover essa transformação, mas seu uso apropriado. Para que o filme
não fosse utilizado apenas como recurso ilustrativo, seria necessário direcionar o aluno a
refletir sobre as informações prestadas e não enxergar a imagem como um recurso educador
ou exemplificador por si só.
Ao mesmo tempo, a ilustração permitiu ao aluno vivenciar realidades distantes,
conhecer culturas diferentes e adquirir novas experiências, possibilitando compará-las, já que
a imagem em movimento era novidade e a TV ainda não havia consolidado seu papel na
sociedade como o meio de comunicação existente mais acessível. Por isso, os depoentes
afirmam que os filmes e diafilmes enriqueciam a aula do professor com novos conhecimentos
e promoviam uma atividade completamente diferente dos demais mestres, que atuavam,
unicamente, com o método tradicional de ensino.
Mas o que se pôde verificar, sobretudo, é que o filme motivou o aluno muito mais
pela novidade da imagem em movimento. O interesse pelo cinema educativo parece ter sido
da classe intelectual. A educação tinha outras prioridades. Por isso, seu uso partia de docentes
inovadores e não havia qualquer formação voltada ao professor para o uso audiovisual.
O ponto comum central encontrado nos depoimentos voltou-se à dificuldade para
se ter o projetor na escola e seu difícil manuseio, quando existente, que exigia manutenção
técnica adequada e aprimorada. As projeções tornavam-se trabalhosas para os mestres. Por
conta disso, muitos deles optaram em trabalhar com diafilmes e slides, a partir da década de
1950, cuja aparelhagem era de fácil aquisição e locomoção.
A documentação existente sobre o INCE apontava as dificuldades financeiras
enfrentadas pelo órgão. O projetor de 16 mm era muito caro e as escolas não podiam comprá-
lo. A versão que atualiza esta questão é mostrar que, talvez, o alcance do INCE tenha sido
ainda bem menor do que, na verdade, se propunha. Mesmo a região sudeste que ficou
privilegiada por conta das distâncias regionais, também priorizou, a partir da segunda metade
do século XX, o uso de diafilmes e slides. E, apesar dos depoentes afirmarem que os filmes
eram muito procurados, a busca metodológica deste trabalho em encontrar instituições,
professores e alunos que vivenciaram as exibições de filmes não converge para esta
conclusão.
A controvérsia principal extraída diz respeito à formação do professor. Apesar de
ser destacado o pioneirismo na utilização do recurso audiovisual, todos compartilham da
mesma opinião sobre a formação pedagógica docente. É necessário, para eles, que haja uma
182
prática voltada ao uso das TICs em geral, não somente ao cinema. Essa atualização não deve
partir, apenas, do professorado, mas de toda a sociedade, por meio de um planejamento
político-educacional, que ofereça planos de cursos e currículos que estimulem um fazer
pedagógico alinhado às tecnologias educacionais. Somente assim, será possível concretizar o
audiovisual em sala de aula.
O depoente 1 afirmou que o material produzido pelo INCE estava mais voltado à
formação do professorado que do próprio aluno, comprovando o despreparo da classe docente
para com a linguagem áudio-imagética e para os conhecimentos exibidos. A própria literatura
existente confirma, de forma indireta, essa formação deficitária na medida em que editava os
folhetos que acompanhavam os filmes.
Os depoentes do tipo 2 e 3 apresentam diversas convergências em seus
depoimentos, sendo divergentes, somente, do depoente 4 memória de herança. Para os
primeiros, os departamentos que surgiram no INC e na Embrafilme (DFE e DFC), voltados à
produção de curta-metragem, mesmo com algumas características de cunho político,
administrativo e gerencial diferentes, ainda assim, deram continuidade às atividades do INCE,
como produzir filmes destinados ao circuito escolar.
O depoente tipo 4 informa que a prioridade dos demais departamentos não era a
escola, mas o circuito comercial. Vale destacar que os filmes do INCE, conforme literatura
disponível, também eram destinados ao circuito comercial antes da exibição de longas-
metragens, no intuito de instruir a massa da população inculta e iletrada.
Outra divergência enfoca a utilização dos filmes do INCE após a transformação
para INC. Para os depoentes, os títulos continuaram sendo usados nos departamentos
seguintes e distribuídos nas escolas. O depoente 4 discorda. Afirma que a sobrevivência do
órgão pode ser reconhecida pela existência de seu acervo fílmico, porque as atividades
foram modificadas, algumas até mesmo interrompidas.
Um ponto de convergência refere-se à estrutura do INCE, que era fechada e
centralizada nas mãos de Humberto Mauro, privilegiando poucos produtores. Essa perspectiva
de mudança surgiu com a entrada de Flávio Tambellini, possibilitando que uma nova geração
de cineastas pudesse filmar e realizar filmes.
Na análise proposta, houve um fato comum: nenhum dos depoentes 2, 3 e 4
acompanhou a recepção de filmes entre alunos e professores em sala de aula. Somente nas
exibições feitas no auditório do DFC. Para eles, a utilização era intensa porque o número de
cópias e saídas de películas era enorme. Dessa forma, por suposição, chegaram à conclusão de
que o professorado devia ter muito interesse pelo recurso fílmico como instrumento
183
pedagógico. No entanto, a quantificação não pode estimar a recepção, uma vez que não
como mensurar comportamentos através de números.
Entre os pontos comuns também se destaca a utilização voluntária de filmes pelas
instituições, não havendo imposições do governo ou do órgão para que fosse consubstanciada.
Isso também foi propiciado pela produção totalmente cultural e didática, contrária à apologia
política. Essa informação contraria o que Franco (1987) afirmou sobre o INCE. Para a
pesquisadora, os filmes foram utilizados num fenômeno de moda passageira, sob pressão do
governo, e foram esquecidos nas prateleiras.
Todos os depoentes destacam que o INCE foi um órgão à frente do seu tempo.
Certamente, sua idéia seria perfeitamente aplicável nos dias atuais com a Internet e o DVD. O
maior problema apontado foi a falta de recursos financeiros suficientes para alcançar os
objetivos fundamentados. Entre as principais deficiências elencadas, encontra-se a falta de
projetores e a inabilidade da classe docente para trabalhar com o maquinário correlação esta
apresentada, também, pelos entrevistados do tipo 1.
A existência dos filmes educativos do INCE foi essencial para mostrar à
população brasileira que o país também fazia cinema, tornando-se importante para a história
cinematográfica nacional, e, principalmente, porque através dos filmes, alunos e professores
puderam conhecer a cultura nacional, desconhecida pela sociedade como um todo, em
especial, pela classe docente e discente.
A principal contradição entre os depoimentos diz respeito à qualidade dos filmes e
à sua classificação. Para a grande maioria dos entrevistados, os filmes não eram “chatos”. No
entanto, implicitamente, foi possível perceber que alguns temas, em especial aqueles
científicos, sugeridos por professores e por Roquette-Pinto, filmados obrigatoriamente, não
eram considerados tão interessantes. Esses assuntos não foram classificados como
documentários por um único depoente, mas sim, como “filmetes informativos”. Os demais
têm opinião contrária e concebem todo o acervo do INCE como documental.
Desse modo, foi possível detectar que, mesmo entre eles, uma concordância de
que determinados temas mais poéticos e culturais eram mais solicitados e acabaram firmando-
se no acervo fílmico do INCE como de melhor qualidade. Foram esses títulos, ainda, que,
mais tarde, continuaram sendo usados no DFE e DFC, como a série Brasilianas. Essa
constatação já coincide com o único catálogo de filmes existente após a década de 1970, cujos
100 títulos elencam esses temas, em detrimento dos demais.
A controvérsia extraída dessa mesma argumentação gira em torno da
diferenciação entre filme cultural e filme didático. A produção do INCE, apesar da
184
nomenclatura educativa, estava dividida em vários aspectos. Os depoentes compartilham da
mesma concepção de que os filmes culturais possuem informações mais amplas e são
melhores que os filmes didáticos, considerados mais técnicos.
É interessante a observação a respeito da obra produzida, porque o mentor do
INCE, Roquette-Pinto, tinha uma visão de cultura e educação completamente distinta. Para
ele, o educativo não era apenas didático e pragmático, mas um saber cultural elevado através
das artes, da ciência e das letras. A educação seria ginástica de sentimentos, aquisição de
hábitos e costumes. A cultura, a apreensão de conteúdos. Através da educação, seria possível
transformar a sociedade, porque não se poderia viver sem educação. Já a falta de cultura, seria
remediada, adquirida mais tarde. Educação e cultura eram, portanto, indissociáveis. Isso quer
dizer que todo e qualquer filme produzido pelo INCE deveria ser visto como educativo sem
fazer esta distinção, depreendendo que ambos são processos correlacionados. Mas não é essa
a visão dos depoentes que conferem, claramente, um valor de atualidade e liberdade de
criação ao que é cultural e algo que aprisiona e restringe ao que é didático.
Este pensamento de diferenciar a cultura da educação perdura até hoje nos dias
atuais. À educação é permitido realizar algo maçante, com conteúdo pragmático, puramente
didático, ou mesmo, de menor valor. À cultura são associados conteúdos elevados, ricos, mais
agradáveis. Fica constatado, portanto, que apesar do ideário roquetteano sobre cultura e
educação não diferenciar ambos os conceitos, a produção fílmica apresenta, nitidamente, essa
diferença, sob o viés dos entrevistados.
Outra controvérsia entre os entrevistados 2, 3 e 4 e, que convergem à opinião dos
demais depoentes volta-se, novamente, à formação deficitária do professor para o recurso
audiovisual. A maioria dos professores não está e nunca esteve preparada para utilizar filme
em aula. Todos partilham visões negativas sobre o fazer pedagógico, atribuindo ao mestre
falta de convicção, falta de planejamento, desmotivação, além de uma má formação que não
engloba informação cinematográfica para alcançar uma visão crítica sobre cinema.
Esses resultados direcionam os pesquisadores a questionarem ou refletirem: onde
estava o problema, então, no INCE ou na educação?
185
6 ONDE ESTAVA O PROBLEMA, NO INCE OU NA EDUCAÇÃO?
Pesquisar a história do Instituto Nacional de Cinema Educativo e a formação da
cultura áudio-imagética escolar trouxe-nos a oportunidade de compreender as tradições e
valores importantes do passado e desenvolver a capacidade de entender a complexidade e a
mudança que caracterizam o mundo do futuro. Estabelecer o impacto dos filmes e sua
repercussão no espaço educativo, mesmo com a existência de alguns estudos, continua sendo
um grande desafio. Existem muitos empecilhos: o desinteresse pela obra do INCE, que é
muito mais explorada pela quantidade do que pela qualidade, e a desarticulação das
instituições com as múltiplas linguagens audiovisuais. Também, porque devido ao tempo
passado da criação do Instituto, enormes dificuldades em encontrar depoentes que possam
contribuir com outras versões e novas informações a respeito, que os documentos
burocráticos administrativos e financeiros não existem mais ou, quem sabe, estão para serem
descobertos por futuros pesquisadores.
Pelo histórico esboçado, percebe-se a importância que o cinema educativo ocupou
nos debates político-educacionais do país sob diversos vieses: questões nacionalistas,
ideológicas, religiosas e intelectuais. Ainda que compreendamos todas as dificuldades que a
utilização do recurso fílmico nas escolas enfrentou, principalmente no que tange aos
investimentos financeiros que impossibilitaram a plena concretização do projeto, o principal
problema encontrado na articulação em torno da formação de uma sólida cultura áudio-
imagética escolar ainda parece ser a falta de uma mentalidade voltada à aceitação do cinema
como meio de apreensão da realidade e construção de conhecimentos, sem considerá-lo,
apenas, como fonte de entretenimento.
O uso do cinema educativo pelo INCE, sob o olhar dos educadores e educandos,
foi consubstanciado mais por um modismo, um discurso modernizador tecnológico do que por
sua importância pedagógica. Os professores vanguardistas que optaram em utilizar o filme
eram poucos e isolados dentro do universo escolar. Mesmo que os alunos tenham associado as
aulas audiovisuais a fontes de informação didática, parece que a imagem em movimento é
vista, ainda hoje, meramente com um momento de descontração e lazer, uma espécie de
recreio dentro da sala de aula.
Os dados disponíveis na literatura existente e os resultados encontrados nesta
dissertação destacam que o projeto de utilizar o filme com a criação do INCE foi uma atitude
adiante de seu tempo, na defesa da dimensão pedagógica de incorporar a imagem em
186
movimento no processo de socialização do indivíduo. Os vanguardistas implementaram uma
nova forma de educar, que o espaço escolar movia-se, unicamente, até então, em torno da
oralidade e da figura do professor. No entanto, os filmes ficaram centrados, principalmente,
na produção, carecendo de uma estratégia de veiculação nos espaços educacionais do país e
de um planejamento orçamentário e político-pedagógico que viabilizasse melhores retornos e
abarcasse o currículo escolar para que os alunos pudessem enxergar o uso dos filmes como
uma prática habitual e importante para o processo educacional. Não apenas para preencher
espaços vazios em sala. O que se depreende é que os produtores enxergaram a escola como
usuária e não como parceira.
Todas essas movimentações levam-nos a refletir sobre a falta de sintonia entre os
projetos idealizados e a capacidade real da sociedade brasileira de absorvê-los, o que, de certa
forma, ainda persiste. Muitas idéias sequer saem do papel; ficam apenas na intenção e não se
viabilizam completamente. Outras aumentam o abismo entre quem pensa a educação e quem
a executa ou vivencia. Este posicionamento em relação ao recurso fílmico tem se repetido ao
longo dos anos. Pelo menos na prática escolar brasileira, apesar das pesquisas apontarem a
necessidade de se cristalizar o recurso audiovisual na educação, sua implementação é escassa,
centrada em um pequeno número de instituições educacionais, localizadas, em sua maioria,
nos grandes centros urbanos. Dependem, exclusivamente, da boa vontade, iniciativa e
flexibilidade dos educadores. As formas tradicionais de ensino ainda imperam e a formação
educacional por meio da imagem ainda continua relegada a um segundo plano.
Com as dificuldades de se comprar e obter um projetor e conseguir cópias de
filmes era natural que apenas as cidades da região sudeste ficassem privilegiadas na execução
do INCE. No entanto, com o advento da televisão e do DVD, e, mais recentemente, com a
Internet, seria de se esperar que o recurso audiovisual tivesse consolidado seu papel na
educação, visto não apenas como um veículo pedagógico em si mesmo, mas, principalmente,
como um motor que promova a comunicação emancipatória que busque a participação,
colaboração e múltiplas conexões entre os aprendizes.
Mas não é isso o que encontramos. O problema hoje não é mais a falta de recursos
financeiros. A dificuldade encontra-se na formação docente. O professorado não foi preparado
para utilizar filmes durante a existência do INCE, fato que permanece inalterado. Seu uso
pedagógico por si não resolve as lacunas da sua formação. Preto (2007), em pesquisa sobre
a utilização do recurso fílmico por professores do Município de Marica (RJ), verificou que o
corpo docente não conversa entre si sobre cinema ou mesmo sobre o que seja educação para
mídias. Não comenta sobre o que estão fazendo com o filme e não prestam atenção na questão
187
da forma e da leitura imagética. Isso acrescenta um problema a mais: não sequer uma
reflexão sobre a prática de usar filmes por aqueles que o fazem. No entanto, esta postura
começa a se modificar timidamente e esperanças que o culo XXI consiga implementar o
filme na educação com pleno êxito como pretendem os mídia-educadores.
muitas discussões relativas entre o discurso modernizador, que justifica esses
programas de uso das tecnologias educacionais, e a ausência de condições objetivas que
favoreçam a sua implementação. O que se destaca sobre o INCE é que os títulos que
chegaram às escolas serviram, sobretudo, como atualização e formação dos próprios
professores, numa época em que a comunicação não havia sido globalizada como acontece
hoje através do discurso televisivo e, ainda, com a Internet.
Pode-se afirmar, ainda, que os filmes não atingiram o universo infantil, em face de
sua erudição. É notório ressaltar, no entanto, que os assuntos, apesar de amplos e distantes do
currículo escolar, permanecem autênticos e atualizados em 2008. Recentemente, o ministro da
saúde, José Gomes Temporão, proferiu discurso em rede nacional para tranqüilizar a
sociedade a respeito do possível surto de febre amarela doença que mereceu destaque na
produção de filmes científicos do INCE nas décadas de 1930/40.
Cabe-nos retornar a indagação: onde estava o problema, no INCE ou na
educação? Culpar os idealizadores, pela forma de planejamento, ou a escola, por ter outros
interesses, não parece ser a decisão mais acertada. O que se busca aqui é a compreensão de
uma dinâmica complexa e contraditória, por que histórica. Há uma dialética própria entre, por
um lado, os fatores que definem a produção e, por outro, as demandas culturais e históricas, as
memórias sociais e os gostos populares que, por sua vez, interpelam os meios massivos de
comunicação.
As imagens não devem ser consideradas simples reflexões de suas épocas e
lugares, mas extensões dos contextos sociais pelos quais foram utilizadas. Confrontando
teoria e prática pode-se afirmar que as mudanças conjunturais e estruturais levam o seu
tempo, exigindo dos professores um posicionamento crítico e uma responsabilidade diferente
perante o processo de ensino-aprendizagem e de socialização. Mas quanto tempo é necessário
para que isso ocorra? Afinal, são 70 anos de história.
O cinema, assim como a escola e o mestre, funciona como um espelho. A
educação não pode se fechar apenas dentro das quatro paredes de uma sala de aula. Educar é,
antes de tudo, ir ao encontro de si mesmo, às essências, às origens, porque o espelho mostrará
o labirinto da memória coletiva, ou seja, da história.
Quando se descortina para os jovens a possibilidade de usarem instrumentos
188
inovadores, descobre-se que eles aderem fácil e rapidamente à modernidade, entendendo o
mecanismo da linguagem áudio-imagética; o adulto, muitas vezes, ao contrário, receia o novo
e o desconhecido. A juventude não tem preconceitos culturais, porque nasceu com o cinema e
a televisão. O desconhecido a estimula. Este objetivo equivale lograr ao educando
participação, compreensão e diálogo, transformando-o de agente passivo a ativo na sua
própria auto-realização.
A leitura dialógica com o filme pode potencializar as competências e habilidades
discentes ou trabalhar na perspectiva alienante, outorgando-lhes um perfil de receptores
passivos da informação. Ao que parece, essas duas dimensões andam juntas, que nenhum
indivíduo é receptor completamente ativo ou passivo. Deve-se levar em conta a qualidade da
recepção. A competência pedagógica do educador para utilizar a ferramenta poderá produzir
maior qualidade receptiva. Cabe aos professores, portanto, promoverem adequadamente a
utilização da tecnologia, de modo a potencializar esta comunicação emancipatória. Como,
porém, resolver essa questão se os estudos sempre apontam as deficiências relacionadas à
formação docente?
O caminho seja, talvez, um meio termo, cabendo ao docente fazer uso da
sensibilidade e do bom gosto para que haja flexibilidade e oportunidade ao aluno para se
tornar responsável e consciente de sua aprendizagem. Desse modo, para que o uso do recurso
áudio-imagético consolide seu papel mesmo depois de 70 anos em funcionamento, é
necessário que o diálogo entre os campos da comunicação e da educação seja ampliado,
permitindo consolidar um campo cuja especificidade seja pesquisar os processos educacionais
dos meios de comunicação, não somente nos cursos de pós-graduação, mas, sobretudo,
voltado ao ensino básico e fundamental. Somente assim, as tradições e os valores do século
passado serão referências e pontes para novos estudos. O educador moderno padece com essa
herança.
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Decreto 3.763, de 1 de fevereiro de 1932. Art. 7º. Cria a Biblioteca Central de Educação do
Distrito Federal e a divisão de cinema educativo.
Decreto 21.240, de 4 de abril de 1932. Nacionaliza o Serviço de Censura dos filmes
cinematográficos, cria a taxa cinematográfica para educação popular e dá outras providências.
Decreto 22.337, de 10 de janeiro de 1933. Altera o artigo 23 do Decreto 21.240.
Decreto nº 5.884, de 21 de abril de 1933. Institui o Código de Educação do Estado de São
Paulo. Art. 12 a 138 – serviços de Rádio e Cinema Educativo.
Decreto nº 24.651, de 10 de julho de 1934. Cria o DPDC. Art. 2º alíneas a, b, c institui uso de
filmes educativos.
Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937. Dá nova organização ao Ministério da Educação e Saúde
Pública. Art. 40. Cria o INCE.
Decreto 2.762, de 15 de junho de 1938. Institui a convenção para facilidades de filmes
educativos e de propaganda entre Brasil e outros países assinada em 23 de de zembro de 1936
na Conferência Interamericana de Consolidação da Paz.
Decreto 1725, de 1 de novembro de 1939. Aprova a adesão do Brasil à convenção para
facilitar a circulação de filmes educativos, firmada em Genebra em 11 de outubro de 1933.
Decreto-Lei 1915, de 27 de dezembro de 1939. Cria o DIP.
Decreto-Lei 5.077, de 29 de dezembro de 1939 – Aprova o regimento do DIP.
Decreto-Lei 1949, de 30 de dezembro de 1939. Aprova as atividades do DIP.
Decreto 5276, de 21 de fevereiro de 1940. Faz pública a assinatura pelo Commowelth da
Austrália da Ata relativa à aplicação dos artigos IV, V, VI, VII, IX, XII, XIII da Convenção
para facilitar a circulação internacional dos filmes de cara´ter educativo com extensão da
mesma aos territórios da Papuásia e da Ilha de Nolfolk e aos territórios sob mandato da Nova
Guiné e de Nauru.
Decreto-Lei 5184, de 24 de janeiro de 1940. Promulga Convenção firmada em Genebra.
Decreto 15.468, de 3 de maio de 1944. Altera as tabelas numéricas ordinária e suplementar da
extranumerário-mensalista do INCE, do MES.
202
Decreto 20.301, de 2 de janeiro de 1946. Aprova o Regimento do INCE, do MES.
Decreto 939, de 23 de novembro de 1949. Faculta ao INCE prestar serviço remunerados
particulares e a entidades de caráter público.
Decreto 49.575, de 22 de dezembro de 1960. Cria no INCE a Escola Nacional de Cinema.
Decreto 50.278, de 17 de fevereiro de 1961. Cria o GEICINE e dá outras providências.
Decreto 51.329, de 23 de agosto de 1961. Institui a Campanha Nacional de Cinema Educativo
e dá outras providências.
Decreto 43, de 18 de novembro de 1966. Cria o INC.
Decreto 60.220, de 15 de fevereiro de 1967. Aprova o Regimento do INC.
Lei 6.281, de 9 de dezembro de 1975. Extingue o INC, amplia as atribuições da Embrafilme e
dá outras providências. Art. 13 inclui exibição de filmes nacionais de curta-metragem antes
dos longas-metragens. Descumprido desde 1990.
Revistas e Jornais
Scena Muda
Cinearte
Comunicação e Educação
O Jornal
Revista Nacional de Educação
Revista do Serviço Público
Revista FAEEBA
Correio da Manhã – Suplemento Ciência para Todos
Arquivos fílmicos
Centro Técnico Audiovisual da Funarte – CTAv - Rio de Janeiro /RJ
Site da Cinemateca Brasileira – São Paulo / SP
Coleções Pessoais
Acervo Jonathas Serrano (Arquivo Nacional)
203
Arquivo Edgar Roquette-Pinto – Academia Brasileira de Letras (ABL)
Arquivo Gustavo Capanema – Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Arquivos consultados
Biblioteca da Associação Brasileira de Educação – ABE
Arquivo Nacional – RJ
Academia Brasileira de Letras – ABL
Núcleo de Memória do Colégio Pedro II – NUDOM
Biblioteca da Associação Brasileira de Imprensa – ABI
Biblioteca da Cinemateca do Museu de Arte Moderna – MAM
Biblioteca da Funarte
Fundação Getúlio Vargas – FGV
Setor de Pesquisa do Centro Técnico Audiovisual – CTAv
Centro de Referência das Escolas Públicas do Rio de Janeiro – CREP
Centro Arquivístico das Escolas Públicas do Município do Rio de Janeiro
Catálogos
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Brasileiro - Ministério da Cultura, 1990 (mimeo).
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204
APÊNDICE
205
ENTREVISTA 1 Geraldo Pinto Vieira
Realizada em 12 de dezembro de 2007 no Colégio Pedro II, centro, Rio de Janeiro.
Quais suas principais memórias sobre filmes e diafilmes no tempo de aluno no Colégio Pedro II?
Eu fui aluno aqui no final da década de 1940 e início da década de 50. Dois professores utilizavam
isso com uma certa freqüência. Um deles era o professor João Alfredo Libânio Guedes, que foi, durante muitos
anos, professor de Didática Especial da antiga Universidade do Distrito Federal e que influenciou toda uma
geração de professores. Ele publicou um livro que foi, praticamente, a “bíblia” da Didática Especial de História,
naquela época, que se chamava Curso de Didática de História. Libânio dava muita ênfase a atividades
extraclasse, produção de teatro e cinema. Outro que fazia projeção de filmes era o professor Davi Penna Aarão
Reis, que faleceu no ano passado com 94 anos. Que eu me lembro, esses foram os precursores dessas novidades,
porque na época, eram novidades. As máquinas de projeção eram grandes. Então, aquilo exigia uma preparação
das salas. Havia, no Pedro II, uma sala especialmente para isso, que era uma sala ambiente de geografia. E eu
acredito que isso é anterior à minha entrada ao Colégio. Mas sei por ouvir falar e pelo que estudei que o
professor Raja Gagaglia utilizava filmes. Nesse gabinete de geografia tem até hoje uma máquina de projeção
nesta sala grande preparada para isso. Isso era início da década de 1940. Essa sala, lamentavelmente, foi
destruída. O Aarão passava os filmes na sala dois. Então, rodava os filmes numa tela improvisada. Como era
muito difícil esse tipo de coisas, passou-se, depois, para a utilização dos slides. Pegavam-se os filmes, que eram
feitos pelo Instituto Nacional do Cinema Educativo, cortava-se o filme e fazia slides para projeção, porque ficava
mais fácil até mesmo para expor. Aarão era professor de geografia; Libânio, de História.
Que tipos de filmes o sr recorda de ter visto com esses professores?
Sobre geografia eram assuntos sobre o Brasil, sobre o Rio São Francisco, por exemplo. Naquela época,
também, as embaixadas, sobretudo a do Canadá, se não me falha a memória, também tinha filmes. Os Estados
Unidos também. O colégio era inscrito pela instituição e, com isso, o professor credenciado ia retirar esse
material e devolver depois. Eu não me recordo de outra firma que não fizesse isso além do Instituto Nacional de
Cinema Educativo e de algumas embaixadas. Havia, obviamente, interesse em fazer propaganda desses países. A
Embaixada Americana oferecia muitos filmes sobre História dos Estados Unidos, por exemplo. Numa primeira
fase, usava-se só filme. Mas depois da década de 50 foram mais slides.
Os alunos sempre assistiam aos filmes nesta sala de projeção?
Não. Isso variava de acordo com a vontade do professor. O Aarão Reis gostava de dar aula na sala
dois. Quando eu entrei para cá, o Gabaglia não era mais vivo. Ele que fez a primeira sala ambiente. Acho que ele
é do tempo do Jonathas Serrano. Mas ele tinha umas placas de vidro que eram projetadas. Logicamente, não
eram filmes. Acho que isso ainda tem aí na escola. Vou procurar depois.
O que os alunos achavam do uso de filmes nessa época?
Dependendo do que se projetava, os alunos, obviamente, gostavam mais ou menos. Acontece que, nesse
período, o Colégio tinha uma disciplina muita gida. Havia disciplina e um inspetor para cada turma. Nós
éramos bagunceiros fora do Colégio, mas não se fazia bagunça em sala de aula. Na aula de cinema não havia
gracinhas, nem o professor permitia isso. Agora, uma coisa interessante é o seguinte: pelo que me lembro, não
era um negócio escuro. A projeção era clara. A sala dois o tinha como fechar. Talvez no salão nobre se fazia
isso. Eu não peguei ali, peguei na sala dois. Preciso lembrar a você que, nessa época, não havia televisão.
Esses filmes, depois, foram desbancados pelos DVDs, videocassetes, por essas parafernálias todas. Ver o filme
funcionava como novidade. Era uma motivação, prendia a atenção. As demais aulas eram tradicionais.
Quais as atividades didáticas complementares foram realizadas pelos professores para exibição dos
filmes?
Eu não me lembro de atividades complementares. Acho que o professor usava, pelo menos eu usei
dessa forma, e meus mestres também usaram dessa forma, como elemento de fixação. Uma forma não de
motivar o aluno sobre o tema, mas para fixar a imagem. Os professores de história e geografia foram pioneiros
em atividades extraclasse. Desenvolveram teatro, cinema, excursões.
Mas o sr, como aluno, sabia de onde vinha esse material fílmico ou soube mais tarde quando professor?
Ah! Não! Claro que não! Soube mais tarde. Embora nessa época, já havia um programa radiofônico
chamado A Juventude Cria, feito pelo MEC, e tínhamos, então, uma noção que aquilo vinha do Ministério da
Educação. Inclusive os ônibus das excursões eram do Ministério. Nós fizemos excursões a Volta Redonda, a
Ouro Preto. Houve até uma turma que foi ao Rio São Francisco. Hoje em dia dizem que a educação é
modernizada, mas já existia isso tudo aí anos atrás.
206
Mas o sr. chegou a ir ao auditório da Praça da República?
Na Praça da República não. Não freqüentei como aluno, embora tenha uma foto aqui de alunos que
foram lá.
O sr. estudou no Pedro II e depois se tornou professor do Colégio. Utilizou, também, filmes e slides? Qual
foi sua motivação para fazer uso desse material?
Muito. O Instituto do Cinema Educativo programou uma série de filmezinhos que nós transformamos
em slides. Havia, também, de biologia, química e outras disciplinas. Foi uma época de grande projeção do
cinema educativo, tentando levar, divulgar uma forma de atividades extraclasse. Eu me lembro que ia à Praça da
República, eles me davam um Catálogo e nós escolhíamos o material, que, lamentavelmente, se perdeu com o
tempo. Tinha umas séries de história. Eu quando me aposentei doei esse material ao Colégio à Unidade Tijuca.
Depois, soube que foi descartado. Até entendo, porque agora temos a idéia de preservação de memória. Com
a implantação de novas técnicas, o material se tornou obsoleto. Hoje o aluno não acha a menor graça em ver uma
projeção em preto em branco de pedacinho por pedacinho... Eu me lembro que eu tive muita dificuldade para
fazer isso. Primeiro, porque eu tinha minha própria máquina de slide, pequena, transportável. Vantagem sobre o
projetor de filmes. Era complicado, porque as salas não eram favoráveis em termos de iluminação. Eu me
lembro, também, o seguinte: no ginásio, o aluno se interessava mais, porque era mais novidade. No segundo grau
nem tanto. E os filmezinhos eram muito bem feitos. Traziam o folheto com roteiro. Por exemplo: quadro 1:
Descobrimento do Brasil: situação de Portugal, a partida da côrte. aparecia uma caravela para mostrar o tipo
de embarcação. Olha, não sei te dizer, mas tenho a impressão, não sei o alcance disso em outras cidades
menores, porque não sei se o Instituto “jogou” isso para outros lugares, mas as explicações pareciam até ser mais
para o professorado que para o aluno. Eu, por exemplo, não precisava daquelas explicações para dar aula. Mas
havia uma preocupação didática de dar uma orientação correta ao professor para que, em vez de chamar de outro
nome a embarcação, dizer corretamente que aquilo era uma caravela.
Esse material didático, então, auxiliava o processo de formação do professor?
Veja bem: essa é a minha opinião, minha impressão, mas não sei. É aquela história, o país não tem
memória. Acredito que o Cinema Educativo devia ter diretrizes, enviar isso para outras cidades. Mas não sei se
fazia. Aqui era a Capital da República, né? Eu utilizei muito na década de 60 e 70 quando era professor.
O sr se lembra quem era o responsável pelo setor do Cinema Educativo nessa época?
Era o Cláudio José da Silva Figueiredo, que era diretor lá e grande animador disso. Eu tentei marcar até
uma entrevista sua com ele, mas como disse, ele não pôde atendê-la.
O sr. se recorda de alguns temas específicos das suas exposições em aula?
Eu tenho, para mim, que esses slides eram todos de História do Brasil. Não me recordo de serem sobre
História Geral. Até podem ter sido feitos, mas eu não me recordo. Tanto é que eu depois recorri a slides
estrangeiros nas embaixadas. No segundo grau, principalmente. Tinha uma editora, se não me engano, chamada
Ibero Americana, que tinha umas coleções de slides de mapas e slides artísticos. Eu usava e causava uma
impressão muito boa no curso clássico, voltado à área humana. Então, se você vai dar uma aula sobre História da
Arte sem mostrar o que é barroco, neoclássico, fica mais complicado. Nessas aulas havia um interesse maior.
Tudo na educação é uma questão de hábito. Quando você passa um filme, um slide pela primeira vez em aula,
gera um alvoroço. Mas quando o aluno entende que aquilo faz parte do processo pedagógico, o silêncio se faz e
se torna normal, passa a entender aquilo como forma de fixar. Porque para fixação aquilo era excelente! Você
via a figura, mostrava retratos de personalidades.
As iniciativas eram isoladas dos professores ou de uma vontade política da escola?
Dos professores. A minha geração de professores de História do Pedro II foi muito influenciada pelo
Libânio Guedes. Ele foi professor de Didática Especial na Faculdade de Filosofia e sempre mostrava a
importância dessas atividades todas, para sair da monotonia, daquela velha história do “cuspe e giz”. Minha
geração deu uma guinada no ensino.
O professor via o recurso lmico e de slide apenas como algo modernizador do ensino ou acreditava no
seu potencial educativo? Havia preconceito da classe quanto ao seu uso?
Não é preconceito. Era um negócio trabalhoso! E o professor sempre trabalhou muito. Em me lembro
que eu tive, simultaneamente, seis turmas de manhã no Pedro II e seis turmas à tarde no estado. A matéria era a
mesma! Então, você imagina, repetir todos os dias o mesmo assunto várias vezes! Além disso, as dificuldades
em ter uma sala ambiente, equipamentos que comportassem a projeção do filme, do slide... Hoje, tudo isso se faz
com facilidade com a televisão, né? Hoje você passa filmes com a maior facilidade. Filme eu não usei. Só slide.
Eu só vi filme como aluno. Na minha época, na Tijuca, eu era um dos poucos senão o único que fazia isso.
207
Soube que o professor Tito Urbano da Silveira, de biologia, também utilizou filmes em sala de aula. O sr.
tem conhecimento a respeito?
É provável, porque o Tito era um inovador. E outra coisa, também, eu soube é uma pista para você
que isso foi utilizado no Colégio de Aplicação, porque o Cláudio Figueiredo foi professor de lá. O problema é
que essa geração toda já morreu ou está esperando a vez.
Com sua experiência, o que o sr. acha que poderia ter sido feito melhor e não fora feito?
Primeiro, fazia falta uma sala ambiente adequada. Porque ter que improvisar, colocar um livro embaixo
para dar altura à projeção, adequar a altura do projetor: ficou alto, ficou baixo... era assim que fazia e era uma
coisa hiper trabalhosa! Acho que desestimulava o professorado a utilizar. Eu já peguei uma fase... por que o
Pedro II teve um corpo de funcionários, que, também, depois, quando cheguei, eram velhos e foram morrendo
e não foram substituídos... o ideal é que a pessoa chegasse na sala e isso estivesse preparado. Eu acho graça
nessa turma nova exatamente por isso. Na minha época, tinha laboratório de química com aulas práticas. Hoje
não tem mais aula prática. Quando o professor entrava, o preparador ou o professor auxiliar já deixava o material
todo preparado. Física, nós tínhamos, também, um material extraclasse riquíssimo. Neste ponto, acho que o
colégio andou para trás.
As pesquisas hoje na área de educação dizem que o professor não sabe utilizar o filme em sala de aula,
subutilizando seus recursos, vendo-o somente como entretenimento. Onde está o problema, não sua
opinião?
Eu não sei. O professorado, hoje, está muito restrito a altas especialidades. Conhece muito bem uma
parte, mas não conhece o todo. Eu acho que é o grande problema do professorado hoje. É aquela história como
na medicina, que desapareceu o clínico geral. No magistério também está acontecendo isso. Acho isso perigoso.
A coisa está atropelada. O garoto sai da faculdade e, no ano seguinte, quer fazer mestrado. E é preciso que ele
tenha um espaço para que possa dominar o todo, ter uma visão ampla para que, depois, possa caminhar em um
único sentido. Veja bem: não estou criticando os novos, porque os velhos também usavam isso no sistema das
fichas. Tinha um professor aqui no Pedro II que as fichas dele terminavam na Segunda Guerra Mundial e
estávamos nos anos 70! Acho que o professor tem que entender que deve estudar todo dia para não ficar
repetitivo.
A forma para se evitar a monotonia, a repetição, poderia ser através do uso de tecnologias?
Eu acho que nada vai substituir o professor propriamente dito. O que está havendo hoje é que o papel
está invertido. O professor usa o datashow e fica lendo aquele blá blá blá. A tecnologia deve funcionar como
algo que complemente a aula e não que o professor fique à mercê daquilo que está escrito.
As tecnologias estão em sala de aula mais 70 anos. O sr. acredita que exista uma correlação entre o
ontem e o hoje? Uma herança cultural audiovisual escolar?
O professor, durante muito tempo, foi uma máquina de dar aula. E as coisas aqui no Brasil todas m
início, algumas têm meio e nada não tem fim. A coisa não é seqüencial, não tem uma conclusão. As tecnologias,
cada uma, têm o seu momento. Hoje em dia, o garoto não tem o menor interesse no projetor de slide. Mas,
naquela época, aquilo, para ele, era interessante. Porque temos que olhar as coisas no contexto histórico em que
acontecem. Agora, há um somatório de coisas e nós não temos preservação da memória. A coisa não é
registrada. Hoje os registros orais estão sendo valorizados, porque isso não foi feito quando acontecia. Nada
disso foi registrado.
Se o sr. hoje fosse escolher um filme para trabalhar com seus alunos em sala de aula, qual seria?
Vai depender do assunto que você tiver tratando no momento. Não pode dissociar o filme do assunto.
Se tratar de Revolução Industrial, pode usar um filme que fale de vários fatos sociais que sejam decorrentes da
Revolução. Ser fala do Brasil sobre diferenças regionais, pode passar o Vidas Secas. Mas o professor tem que
estudar. Lembro do Vidas Secas porque, por exemplo, aquela cadela que tem o nome de Baleia, por que tem o
nome de Baleia? Fui saber disso muito tempo depois. Isso é uma explicação do Joaquim Nabuco. Porque havia
uma idéia do homem rural que, se colocasse nomes de peixes ou coisas do mar, evitaria-se a hidrofobia do cão.
Por que, então, chamar uma cadela esquálida de Baleia? Isso são coisas que podem ser aproveitadas. É claro que
um programa a cumprir. Mas não deve chegar e despejar o assunto sobre o aluno. Pode sentir aquilo. Outro
filme: O que é melhor do que tratar de Revolução Russa e passar Dr. Jivago? Agora, o professor tem que ver
filmes, conhecer cultura geral, não pode ser um cara amarrado.
Queria que o sr terminasse a entrevista com uma frase:
208
A didática se resume numa frase: os professores devem saber bem o que ensinam, não devem ensinar
tudo o que sabem e não devem exigir tudo o que ensinaram. Veja bem: isso não é para você guardar a
informação, não querer ensinar. Mas porque se ele ensinar tudo o que sabe, vai dar uma congestão no aluno, e
isso, também, não é bom negócio.
ENTREVISTA 2 – Clara Manuela Barbosa Pereira de Souza
Realizada em 25 de novembro de 2007, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.
Quais suas principais lembranças do tempo de escola como aluna?
Eu estudei na Escola Pública 3/1 Tiradentes, na Rua Visconde Rio Branco, ali perto do Campo de
Santana. Era outra época. O estudo, a escola não era o democratizada. Então, a escola tinha uma melhor
qualidade e melhor assistência: tinha médico, dentista. A criança era muito bem assistida. Mas poucas crianças
conseguiam ter esse acesso, porque existia nos grandes centros. Sem dúvida nenhuma, era uma escola de
primeira qualidade. Tinha merenda escolar, a gente não podia levar de casa... tinha mingau, fruta... Tinha
dentista em tempo integral e um pediatra. Isso nos anos 51, 52, 53. Em qualquer escola pública do Rio de Janeiro
era assim.
Dessa época do primário a sra se recorda de ter visto algum filme ou documentário, projeção de slides?
Do primeiro segmento do primeiro grau, como é chamado hoje, não. Da primeira à quinta série eu não
me recordo de ter visto filmes. Tinha uma integração muito grande com as famílias, havia comemoração de datas
cívicas, festas juninas. Eu me lembro de ter visto peças no Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes, mais de
uma vez, levada pelas professoras da escola. Era uma professora única para cada série. Não era a mesma que
acompanhava até a quinta série, mas era a mesma que dava todas as matérias. A gente não pagava nada, eu não
me recordo. Acho que a escola tinha algum convênio. Com 12 anos, eu entrei no Colégio Pedro II e fiquei até
terminar o que é hoje o terceiro ano do ensino médio. Fiz a área que se chamava científico, voltada para a área de
exatas, que era dividida em biomédica e engenharia.
E no Colégio Pedro II a sra tem lembranças de ter visto filmes?
Muito! Principalmente nas aulas do professor de ciências, Tito Urbano da Silveira. Ele passou filmes
sobre reprodução dos seres vivos nas plantas, nos animais e nos seres vivos. Passou, também, filmes sobre a
Floresta Amazônica, mostrando a Victória Régia, aquelas plantas todas... No terceiro ano ginásio, lembro que os
filmes eram sobre plantas. No quarto ano ginásio, corpo humano. Ele foi meu professor do segundo ao quarto
ano ginásio, que hoje são o sétimo, oitavo e nono ano.
E como eram as exibições desses filmes para vocês, alunos?
Bem, como éramos todos crianças, quando falava em sexo, reprodução, despertava interesse, né?! E o
professor Tito era uma pessoa avançada, muito esclarecida, à frente de seu tempo. Hoje, com 60 anos, eu o vejo
mesmo sendo muito à frente do seu tempo. Ele encarava tudo com muita naturalidade e nos passava o assunto
com bastante seriedade. Não dava margem a risinhos, piadinhas...
As exibições eram na própria sala de aula ou em alguma sala de projeção específica?
Na própria sala de aula. Tinha um rapaz que ficava no fundo da sala, fechava as portas, porque as portas
do Pedro II são janelas e portas ao mesmo tempo, sabe?! Escurecia a sala e passava para a turma.
Apenas o professor Tito Urbano utilizava filmes em sala de aula?
Havia professores de história e geografia também. O professor Libânio Guedes, de História, e Jo
Augusto Villaça, de Geografia, reuniam as turmas e passavam filmes no salão nobre. Lembro-me de ter visto
filmes sobre o início da construção de Brasília, e, ainda, outros que, agora, não consigo lembrar o título. Eram
assuntos sobre a realidade brasileira, sobre História do Brasil. Lembro de ter visto um filme sobre escravos,
sobre a Proclamação da República e outras datas deste tipo. Mas não era a minha turma. Juntavam três ou
quatro turmas para passar o filme. Ah! Eu me lembro que o professor Libânio, uma vez, passou um filme sobre
as Pirâmides do Egito na aula de História Antiga! Falava de Faraós... muito interessante.
Os filmes despertavam interesse nos alunos? De que forma eles foram motivados para depreender os
conteúdos?
Despertava interesse sim, porque o professor cobrava na prova, também (risos). Se não cobrasse não
teria interesse. Era um reforço da aula, uma aula expositiva mesmo. Às vezes, o professor Tito interrompia o
filme, complementava o assunto. Ele não era um professor muito preocupado com a nota. Naquele tempo, tinha
209
prova oral e ele cobrava, entende? Não era um filme recreativo, mas totalmente pedagógico, com objetivo de
ensinar.
O que os alunos achavam dos filmes?
Eles gostavam. E a disciplina da escola era outra, né?! O professor era um ente superior. Eu sou do
tempo de que, quando o professor entrava em sala de aula, a gente se levantava. Havia diário, mas era o inspetor
da turma que fazia a chamada antes do professor entrar em sala. Os filmes eram documentários, tipo esses que
passam na TVE sobre a Amazônia, sobre o Vietnã. Eram didáticos. Tínhamos interesse em aprender. Lembro-me
de ter visto um filme, nitidamente, sobre os tipos de plantas, samambaias, palmeiras... Lembro de um nome
engraçado até hoje, mangifera indica, que é o nome da manga, que veio da Índia, que não é nativa do Brasil
como a bananeira (risos).
Mas os alunos gostavam dos conteúdos ensinados ou os consideravam chatos?
Não, eles gostavam. Eram filmes de curta duração, com 20 minutos no máximo. Não eram extensos.
Eram em preto e branco, alguns tinham locução, música. Mostrava a Victória Régia enorme, contava a história
da flor, falava daquela vegetação...
E vocês sabiam de onde vinha esse material na época, se era comprado ou produzido pela escola?
Não tinha a menor noção e nem preocupação se era do acervo do Colégio, do Ministério da Educação...
Vocês viam os documentários em sala de aula como uma coisa didática ou também era um momento de
entretenimento pela novidade cinematográfica?
Ah! Eu via mais como aula. Achava que toda escola trabalhava com aquele material, até porque fiquei
sete anos no Pedro II e não tenho experiência fora.
A sra sempre se recordou dessas aulas do sr. Tito Urbano ou foi algo que rememorou quando eu entrei em
contato?
Sempre lembrei disso, porque ele foi meu professor três anos consecutivos e porque fui colega de classe
do filho dele por sete anos
85
. Eu entrei no primeiro ano ginásio e me formei no terceiro científico. Nunca tive
outro professor de ciências.
E no segundo grau, após o ginásio, a sra também viu filmes?
Olha, no segundo grau já não consigo me lembrar.
A sra foi fazer Engenharia e depois Física. Nos tempos da Universidade, tem memórias se os professores
utilizavam recursos audiovisuais?
Eu acho que não. Pelo menos a minha área era um curso massacrante, muito pesado, com muito cálculo.
A minha turma na UERJ, para você ter uma idéia, começou com 80 e se formaram quatro. Não! Éramos quatro
mulheres. Ao todo eram 14 formandos. Muitos alunos abandonaram.
Como professora de física, a sra trabalhou em diversas instituições. Utilizou filmes em sala de aula?
Vários! Passei filmes sobre efeito eletromagnético, trabalhei, também, além de assuntos técnicos, com
filmes biográficos. Tem um, inclusive, sobre Einstein na Universidade de Princeton, que é muito interessante.
Qual a importância da utilização desses recursos tecnológicos na educação?
O aluno de hoje tem computador em casa, DVD, acesso a tudo quanto é filme. Se você não o estimula
em sala de aula, só o quadro negro não resolve mais. É lógico que você tem que estimular, ter todo um
envolvimento para que o aluno participe da aula. Mas acho que filmes didáticos e até não didáticos, como filmes
biográficos, também, são muito úteis. Existem filmes sobre Newton, Galileu Galilei, Maxwell, sobre as leis de
magnetismo, muito interessantes para se utilizar em sala de aula. Acho que isso é muito importante.
As pesquisas na área de educação, hoje, dizem que o professor não sabe utilizar o filme como recurso
didático, seja porque o apenas como entretenimento, seja porque subutiliza suas potencialidades. Onde
está o problema?
Acho que se você utiliza um filme bom, que desperta interesse nos alunos, tem um ganho de
produtividade enorme, ganho de conhecimento e ganho de interesse. Mas tem que ser um filme escolhido “a
dedo”. Por exemplo, um filme sobre a física: se começar em Copérnico, Galileu Galilei, Newton, que disse
85
O filho do professor, Tito Luis, não se recorda dos assuntos exibidos nas aulas de seu pai. Apenas dos momentos de exibição
.
210
aquela frase célebre: Se cheguei onde cheguei foi porque me apoiei em ombros de gigantes
86
... ele chegou
onde chegou, porque antes dele tinha Copérnico e Galileu Galilei. E muitos outros vieram depois dele. Einstein,
quando estava pesquisando o efeito fotoelétrico, viu que ou ele ou Newton estava errado. Aí ele pesquisou mais
e descobriu o porquê: ele e Newton não estavam errados. Mas para que o colégio use filmes, depende muito de
uma coordenação, de uma coordenadora de curso que apoio ao professor. Em escola privada, por exemplo...
Eu trabalhei na Escola de segundo grau da Feso e no Colégio São Paulo. Eu tive uma coordenadora, que
trabalha comigo há mais de 25 anos, que é uma pessoa fabulosa. Tanto é que hoje é a atual secretária de
educação do município de Teresópolis pela segunda vez. Ela se chama Maria do Rosário Grandini Carneiro. É
uma pedagoga maravilhosa. Ela orienta, material, tenta atender. O filme pode ser um grande recurso
pedagógico, mas não deve ser visto como entretenimento, mas sim, para ajudar na formação do conhecimento.
Mas o que poderia ser feito para que o professor se aproprie dos filmes como recurso didático?
Vou ser muito franca com você e talvez as pessoas não gostem de ouvir isso. No meu tempo, não existia
pedagogia, orientadora pedagógica. Hoje em dia tem. Acho que isso é um papel que a coordenação pedagógica
tem que fazer, mostrar, impor até. Tem que fazer reunião com o professor e mostrar que o filme ajuda. O uso dos
filmes deve ser uma vontade política da escola, sob orientação do pedagogo. Não é o secretário de educação que
vai fazer isso. Cada escola é autônoma. Eu trabalho numa escola do estado que é supletivo. Lá são passados
filmes sobre literatura, física, biologia, mas porque existe uma vontade política da coordenação e da direção.
Tanto é, que nessa avaliação da Nova escola, nossa escola sempre teve nota máxima. Agora terminou essa Nova
Escola, né? É uma escola que tem as instalações organizadas, está toda pintada, você não acredita! O dinheiro
vai para aquele diretor e ele faz com aquele dinheiro o que bem entender. Acho que isso é uma vontade política
de cada escola.
Por que o recurso audiovisual não consolidou seu papel na educação atualmente se seu uso vem desde a
década de 1940?
Acho que isso nunca foi estimulado. E isso se deve à má formação dos professores. Está muito
complicado. Acho que quando o professor for fazer prática de ensino, dentro da faculdade, antes da licenciatura,
deveria ter aulas de como trabalhar com o audiovisual. Tinha que ter isso! A gente não faz prática de ensino da
física, para aprender a mexer com aqueles instrumentos e ensinar ao aluno? Tinha que ter uma disciplina para o
uso de recursos audiovisuais também. Porque o aluno de hoje não é como eu, antigamente. Eles têm acesso a
computador, DVD. Eu era uma menina de classe média e ainda tinha recursos para ir ao cinema toda semana.
Mas o Pedro II tinha alunos da favela estudando com a filha do Embaixador Álvaro Lins, na mesma sala.
Tínhamos esse tipo de colega. E tinha eu que era de classe média. Então, tinha o milionário e o paupérrimo
convivendo juntos na maior democracia. Eu acho que a formação está, hoje, cada vez pior. Quem sai de uma
UFRJ, UFF, UFMG sai bem formado. Mas a qualidade foi se perdendo ao longo dos anos. A quantidade de
Universidades privadas e sem condições que se proliferaram no Brasil é enorme. Um professor de português
recém-formado dessas faculdades, quando você fala uma palavra mais rebuscada, tipo misantropo, ele diz: “o
que é isso?” Aconteceu isso comigo! Estava conversando com uma amiga, professora de português, que
perguntou sobre minha irmã, quando ela vinha a Teresópolis, e eu respondi: “minha iré meio misantropa”. E
ela perguntou o que isso significa! Eu acho que proliferou muita universidade por aí. Agora se forma professor
com aulas aos sábados! Agora tem faculdade à distância, pela Internet! Professor tem que ter aula prática!
Eu me lembro que fui fazer minha complementação pedagógica no Colégio de Aplicação da UERJ. Era difícil.
Se tiver, então, uma disciplina voltada ao uso de filmes, de audiovisual, vai ser um grande avanço para o Brasil.
Eu penso assim, né? Mas eu não sou pedagoga.
De onde vem seu interesse pelo audiovisual?
Eu ia ao cinema toda semana. Minha mãe nos colocou esse hábito. Na adolescência, íamos duas vezes.
Ia ao Arte Palácio em Copacabana, ao Odeon... vi filmes daquele espanhol Buñnel, Pier Paolo Pasolini, toda
aquela geração do Cinema Novo Francês. Filmes brasileiros vi todos da Atlântida. Eu sou viciada em cinema até
hoje! Tinha aquele canal 100 que apresentava coisas antes dos filmes sobre esporte, propaganda. Apesar de
sermos uma família pobre, minha mãe sempre estimulou. Dinheiro pro cinema e pro teatro sempre teve. Nos
íamos ao teatro. Lembro que fui ver o Auto da Compadecida quando o Agildo Ribeiro tinha 20 anos e estava
começando no teatro. Eu vi peças escritas pelo Müllor Fernandez, quando a Fernanda Montenegro estava
começando. Eu tinha 16, 17 anos. Com seis anos, eu via a Vida de Cristo e chegava em casa chorando. meu
pai dizia: “não chora, minha filha! Ele é teimoso e sabe o que vai acontecer, por que volta todo ano?(risos).
Íamos ver, também, desenhos como o Gato Félix... Depois fui ver filmes do cinema novo francês de Godard,
Buñnuel, Pasolini, Fellini... Alguns eu nem entendia (risos). Eu tinha uma amiga, a Rosa Maria, que é até
falecida, irdo jornalista Paulo Henrique Amorim, o pai dela era jornalista do Correio da Manhã, e toda
86
A frase exata é: Se enxerguei mais longe é porque me apoiei em ombros de gigantes.
211
semana nós íamos ver na ABI um filme. Era sempre um filme europeu. Íamos todas “emperequetadas”. Eu gosto
mais de cinema europeu que americano.
Quais filmes a sra indicaria aos professores de física utilizarem em aula?
Eu gosto muito do 2001 Odisséia no Espaço. É um filme muito interessante. Tem um documentário,
agora não lembro o nome, sobre a construção da bomba, que é até com aquele ator que fez A Mosca, como é
mesmo o nome dele? Não me recordo
87
. É um filme biográfico. Eles não mudaram nem os nomes dos cientistas.
passei umas duas ou três vezes aos alunos
88
. No Instituto de Física da UFF tem muitos filmes interessantes.
Eles te emprestam. Na UFRJ também. O filme Guerra nas Estrelas, por exemplo, você pode mostrar ao aluno o
que é falso ou verdadeiro. Por exemplo: espada de raio laser não pode existir, porque um facho de luz, ao se
cruzar com outro facho de luz, segue sua trajetória como se o outro não existisse. Logo, não acontece uma
colisão. A física tem um vasto material. Tem filmes didáticos sobre eletromagnetismo... Se o professor não se
interessa por algo diferente, se o mundo evoluiu e a aula está como 50 anos, o aluno não se interessa. Eu fui
uma criança que não teve televisão na infância. Fui ver televisão aos 14 anos em preto e branco, toda chuviscada.
Eu tinha muito mais motivação a estudar. O aluno de hoje chega em casa tem videogame, Internet, não vai
querer estudar. Mas se o professor quiser estimular, aproveitar esses recursos em benefício da aula, pode ensinar
a pesquisar. Na Internet tem muita coisa errada, muita abobrinha... já dei zero em aluno que copiou trabalho pela
Internet. Você pega um poema de Fernando Sabino e está escrito Fernando Pessoa? Isso acontece muito! Tem
um outro poema muito interessante chamado Encerrando Ciclos, que é de uma poetiza colombiana, Sônia
Urtada, assinado como sendo de Paulo Coelho! E respeitar o autor é muito importante. Mas tem sites corretos,
com conteúdos bons, confiáveis. O professor deve dar o direcionamento da pesquisa ao aluno. A Internet é uma
faca de dois gumes, mas bem utilizada é um instrumento maravilhoso.
ENTREVISTA 3 – Murillo Pereira de Souza
Realizada em 28 de novembro de 2007, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.
Quais as suas principais lembranças do tempo de escola?
Lembro-me de quase todos os professores, pois estudei no Colégio Cataguases durante seis anos em
regime de Internato. Fui o aluno que por mais tempo permaneceu no Colégio: de fevereiro de 1956 até dezembro
de 1961. O colégio nos oferecia estudo formal, esportes, como natação, vôlei e basquete; e, ainda, atividades de
lazer, como: cinema, teatro e canto coral. Os professores eram: José da Silva Gradim, de Português e Latim;
Lyses Brandão, de Matemática; Manoel das Neves Peixoto, de História; Dr. Ângelo Gomes, de Geografia,
Ophélia Rezende, de Francês; Aluísio, de Física; Francisco Inácio Peixoto, de Espanhol; professor Moreira, de
Educação Física e esportes; e outros, que agora não lembro. Os diretores eram o senhor Francisco Inácio Peixoto
e Francisco Inácio Peixoto Filho. Roberto Pereira, mais conhecido por Kimura, era o temível Chefe de disciplina
do Colégio! O personagem mais divertido era o funcionário João Cordovil, responsável por tocar o sino, mais
conhecido entre os alunos por “João Boçal”. Outra lembrança bacana que tenho era de quando escrevíamos,
periodicamente, no jornal interno chamado O Pirilampo. Um dos seus redatores era o Chico Buarque de
Holanda! Na época, ele atendia pelo apelido de Bananal e sua coluna de crônicas era denominada Quitandinha
do Bananal. Dorival Caymmi e Pedro de Moraes, filho do Vinicius de Moraes, também faziam parte do grupo.
Eu gostava muito do colégio, das instalações e da cidade. Foi uma época muito feliz da minha vida. Gostava
muito de ir até o centro da cidade de Cataguases, aos sábados, paquerar as meninas, ir ao cinema Edgard Cine-
Teatro e lanchar com os amigos. Havia um segundo cinema do qual não me lembro o nome.
O sr. tem lembranças de ter visto filmes em sala de aula? Como eram essas exibições?
Em sala de aula não. Os filmes eram passados quase que, semanalmente, no auditório do Colégio. O
professor Gradim, de Português e Latim, era quem promovia as sessões cinematográficas. Eram romances e
documentários.
E o sr. se recorda de alguns assuntos exibidos?
Ah Sim! Vimos Ganga Bruta, um romance que contava a história de um rapaz que, ao ser traído pela
noiva na noite do casamento, a mata. Depois ele é absolvido, vai para o interior trabalhar. Lá encontra outra
mulher que é comprometida... Vimos, também, Manhã na Roça Carro de bois, curta-metragem do Humberto
Mauro também. Muito bonito! Agora não consigo lembrar de muitos temas, mas foram muitos! Vários!
87
Jeff Goldblum.
88
D. Clara, no ato de aprovação da transcrição da entrevista, complementou o nome do filme: O Início do Fim, que relata o conflito entre Groves e
Oppenheimer. A história aborda um soldado obcecado pela segurança de seu país e um cientista.
212
Nesta época, os alunos sabiam que os filmes eram produzidos por Humberto Mauro ou o sr. soube disso
somente mais tarde?
Sim, nós sabíamos exatamente quais filmes eram de Humberto Mauro! Em todos os filmes eram citadas
as credenciais dos diretores, produtores e atores. Sabíamos que Humberto Mauro era nascido na região da Zona
da Mata e que passou sua infância e juventude na cidade de Cataguases morando lá por muito tempo.
Como os professores, daquela época, viam o cinema como recurso didático? Havia receio ou desconfiança
quanto ao seu uso ou o novo recurso foi aceito positivamente?
Essas sessões eram encaradas como algo bem trivial. Quase toda semana víamos um filme. Alguns
didáticos, outros romances e muitos documentários.
Quais as atividades didáticas complementares foram realizadas pelos professores para exibição dos filmes
ou após as exibições?
Após a exibição, cada aluno colocava o seu ponto de vista e sua opinião a respeito do filme e do assunto
que enfocava.
Os alunos gostavam dessas exibições? Era um momento de descontração, brincadeira, entretenimento ou
era visto como um momento de aprender conteúdos?
Sim, gostavam muito! Era um momento de descontração, brincadeira, entretenimento e, também, um
momento de aprender conteúdos.
Os conteúdos dos documentários eram considerados enriquecedores didaticamente? Os filmes eram
chatos?
Eram considerados enriquecedores didaticamente, culturalmente e também divertidos. Não eram chatos.
Quais foram os principais impactos desses filmes nas escolas?
A mim, estimulou meu gosto pelo Cinema, pela Literatura, pela pesquisa e outras áreas.
As pesquisas hoje apontam que o professor não sabe utilizar o filme em sala de aula, vendo-o somente
como recurso de entretenimento. O que existe de errado na sua opinião? Acredita que o filme pode ser um
grande aliado do ensino?
O erro deve estar nos currículos e nos planos de curso deficientes, além de termos professores mal
preparados e coordenações displicentes. Penso que o uso de filmes e documentários seria um grande aliado do
professor, se bem aproveitados.
Nessa época, Cataguases tinha cinema? Costumava freqüentar?
Sim, tinha dois cinemas. Um deles era o Edgard Cine-Teatro. Em nossas saídas aos sábados
costumávamos ir. A saída aos sábados só era permitida aos alunos que cumpriam as tarefas escolares e obtinham
notas dentro da média obrigatória.
Quais os filmes o sr. recorda de ter visto no cinema da cidade? Humberto Mauro tinha reconhecimento
nessa época?
Sim, as pessoas com mais instrução da cidade sabiam e tinham orgulho dele ser da região. Os filmes dos
quais me lembro são os que já citei. Sei que vi muitos outros filmes do Humberto Mauro, mas, sinceramente, não
me lembro dos títulos nem dos temas, pois já se passaram mais de 45 anos!
ENTREVISTA 4 – Silas Ayres de Mattos
Realizada em 17 de outubro de 2007, no CREP, centro, Rio de Janeiro.
Quais suas principais memórias sobre o tempo de escola na infância?
Deixa eu ver... Primeiro é que a escola era longe. Eu morava em Pilares. Naquela época, tinha um
bonde que ia até Inhaúma. O bonde era gratuito e a gente pegava o bonde e ia ate Inhaúma. Eu estudava ali na
Barão de Macaúvas, na primeira e segunda séries. Depois eu fui pra Escola Ceará, que era atrás da Escola Barão
de Macaúvas. A primeira memória que eu tenho da escola, então, é que era longe e que era agradável estudar.
Coisa diferente do ginásio (risos). No primário, eu gostava de estudar. Mas no ginásio não.
Tem alguma professora em especial que o sr se lembre dessa época?
Isso não. Porque eu morava em Pilares e grande parte do pessoal da escola era de Inhaúma. Em Pilares
tinha a Escola Alagoas e Escola Maranhense, também, que era perto de Pilares, mas eu não consegui vaga. Na
213
época, as amizades se faziam nas ruas, não nas escolas. A professora da quinta série eu me lembro. Foi
importante para mim, no curso de admissão. Mas agora assim, de cabeça, não consigo me lembrar do nome dela.
Mas nem da professora que o ensinou a ler e escrever o sr. se lembra o nome?
Não me lembro. Pouca coisa da alfabetização eu lembro. Eu me lembro que um dia ela pediu aos pais
para ajudarem a fazer uma estante para fazer uma biblioteca. E os pais se juntaram para fazer aquela estante.
Mas, realmente, pouco me lembro daquela época de alfabetização. Talvez porque já cheguei à escola sabendo ler
e escrever.
Naquela época os pais alfabetizavam em casa, né?
É, sim.
Mas o sr. tem a memória de ter visto filme nessa época. Descreva melhor sua lembrança.
Na Escola Ceará, eu devia estar na terceira série, mais ou menos em 1955, eu me lembro de ter visto
um filme sobre higiene. Acho que era de higiene. Não lembro do filme todo, mas tem uma cena que me marcou
muito: era de uma mosca que pousava numa gota d’água e, depois, se ampliava através do microscópio da
câmera isso e mostravam a asa batendo. Como era perigosa aquela mosca! Falava da higiene, algo do tipo lavar a
mão... Essa cena me marcou muito. Eles mostravam quais eram os perigos que aquela mosca poderia trazer.
Onde acontecia a exibição?
Não me lembro bem. Mas por conta de meu trabalho aqui (no CREP), como eu fui à Escola Ceará,
acredito que tenha sido num ambiente próprio para projeção.
Qual era a reação dos demais alunos no momento do filme?
Eu acho que a turma ficava muito impressionada. Não vou dizer que o filme impunha medo, mas a
própria ampliação daquela imagem causava um impacto. A gente não imaginava que poderia haver tantos
bichinhos em uma mosca.
O que a professora falou a respeito do filme?
Tenho a impressão de que não era a professora, mas alguém de fora que vinha passar o filme. Mas não
tenho certeza.
O sr. sempre se recordou dessa imagem ou foi uma coisa que rememorou quando conversei sobre minha
pesquisa?
Não! Não! É uma coisa que sempre ficou! Em qualquer conversa sobre escola, sempre comento sobre
isso, sobre essa mosca (risos). Comento, também, que na Escola Ceará tinha um consultório dentário. Eles
tinham essa preocupação, né?! Mas essa imagem da mosca me marcou muito. Nem sei de onde vinha aquilo.
Esse filme o marcou muito por conta da força da imagem ou por conta da informação sobre a doença?
Acho que as duas coisas. Era uma imagem forte... Dava medo, medo de ter aquela doença! Mas isso, de
uma certa forma, me orientou muito mais que minha mãe dizendo: “lava a mão”! Não havia um ensinamento que
fizesse a gente refletir sobre o porquê de se lavar a mão. E ali mostrava isso claramente.
O sr se lembra de ter comentado algo sobre o filme em casa?
Não.
Então o sr ficou até a quarta série na Escola Ceará e foi fazer o ginásio onde?
Eu fiquei na terceira e quarta série e fiz o curso de admissão na Escola Ceará. Fiz a quinta série
também. Depois eu fui fazer o ginásio na Visconde de Cairu, no Méier. E isso foi uma coisa que também me
marcou. Minha mãe me disse: “Só tem 63 vagas. Se você não passar, vai trabalhar”. Esse número ficou na minha
cabeça até hoje! E Visconde de Cairu era um colégio que atendia todo o pessoal de Pilares, Abolição, Engenho
Novo, Inhaúma. Mas só tinha 63 vagas. Ou você passava ou ia pra uma escola particular ou ia trabalhar. No meu
caso, eu tive sorte, porque passei pro Cairu. Eu acredito que quando houve a LDB 5691 se encurtou um ano.
Então, hoje, o ginásio seria a quinta série, que não é mais assim, porque agora são ciclos. Mas a quinta série era o
primeiro ano ginasial.
Nessa época, o sr tem recordação de ter visto filmes ou projeção de slides?
Eu não me lembro de ter visto nenhum filme, nem quando fui fazer a Escola Técnica, nem mesmo filme
instrucional. O único filme que me lembro é esse da mosca.
214
O sr tem conhecimento como acontece o uso do audiovisual na sala de aula hoje?
Olha só. A Secretaria de Educação tem uma empresa chamada MULTIRIO, que é responsável por toda
produção e divulgação nessa área de multimídia. A própria secretaria tem uma coordenação, um departamento de
multimídia em integração com a MULTIRIO. A MULTIRIO compra um horário na Band de manhã e à tarde,
onde exibe programas educativos. Além disso, também produz vídeos e filmes que são levados às escolas para os
professores trabalharem na sala de aula.
As pesquisas educacionais hoje apontam que o uso desse material audiovisual é inadequado. Que o
professor utiliza o filme de forma meramente ilustrativa. Qual sua opinião a respeito?
Eu estou fora da sala de aula há algum tempo, mas eu acho que dizer que o professor não sabe fazer isso
ou aquilo, numa situação crítica como vive a cidade do Rio de Janeiro, o Brasil e o mundo, e tentar culpar o
professor é minimizar o problema. Eu acho que qualquer professor, hoje, sabe usar tecnicamente o meio
tecnológico. O computador é um pouco mais complicado, porque muitos professores tinham algum tempo de
profissão quando o computador chegou. A própria MULTIRIO faz capacitação para utilização dessas
tecnologias, seminários, etc. Eu acho que o problema não é a utilização. Hoje se dar aula em uma escola de
massa é muito mais complicado de quando eu fiz esse primário, onde uma parcela mínima da população
brasileira ia à escola. Você chegar à escola já era um privilégio. Você vê: uma escola que atendia tantos bairros,
ter 63 vagas apenas? Pode ver como era a exclusão naquela época! E dar aula para um grupo de pessoas
selecionado, é muito diferente de dar aula a um grupo de todo tipo de clientela, sem seleção. São pessoas com
suas cargas culturais e históricas. Acho que esses mecanismos de uso das tecnologias nas escolas são
importantíssimos, principalmente o computador, que deve ser usado não somente como laboratório, uso de word,
etc, mas usar a Internet como apreensão de conhecimentos. A Internet te oferece uma gama de informações
muito grande. Nenhum professor pode dar conta de todo aquele conteúdo. É difícil levar isso para a escola ainda.
Mas acho que é o caminho. A aula fica muito mais interessante. Pelo menos, pela minha experiência aqui no
CREP, quando as crianças chegam à sala de computadores para fazer os jogos educativos, o comportamento é
totalmente diferente. O interesse é 10 vezes superior.
Quais as memórias que tem de cinema da época de adolescência? O sr. tinha acesso às salas de cinema?
Muito! Talvez eu tenha vindo de uma família privilegiada neste sentido. Apesar de não ter pais que
tenham estudado... Eles eram protestantes. Meu pai fazia duas coisas aparentemente antagônicas: era comunista
e evangélico (ri). Então, meu ambiente familiar, meus irmãos, neste sentido, íamos ao cinema. Meu irmão mais
velho sempre me levava. O cinema era barato, muito barato. Não tinha esse conforto que tem hoje, ar-
condicionado... Tinha até os cinemas de classe média com certo conforto. Mas no subúrbio não tinha isso não.
Era barato mesmo. Então, eu ia umas duas vezes ou mais ao cinema na semana.
O sr se lembra quais salas freqüentava?
em Pilares tinha o Trindade, tinha o Poeirinha, que não lembro o nome, mas era o cinema popular.
Na Abolição, que era um bairro muito próximo, tinha o próprio (cinema) Abolição, que era melhor. Depois, foi
inaugurado outro que já tinha ar-condicionado. Então, tinha uns quatro ou cinco cinemas que eu podia ir.
Quantos anos tinha quando foi ao cinema pela primeira vez?
Uns 11 anos. Meu irmão me levou para ver o Julio César. Ali eu decidi que ia ser professor de História.
Dessa época o sr se recorda de ter visto filmes nacionais?
Olha, havia um preconceito com o cinema nacional, como se fosse de chanchada. Vi filmes brasileiros,
me lembro do Homem de Sputinik. Mas a motivação de ir ao cinema não era para ver filme brasileiro, mas ver
Benhur e outros filmes estrangeiros, filmes históricos...
Antes da exibição desses filmes estrangeiros o sr. se recorda de ter visto algum filme documentário sobre a
realidade brasileira?
Não... Bem, mas além desse circuito que falei, eu morava num conjunto de trabalhadores oriundos da
indústria do IAPI, Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários, que tinha uma associação de moradores
onde passava filmes aos sábados à noite. Um senhor tinha uma máquina, não sei se emprestada, e passava na
parede do prédio. Lembro-me de filmes da Embaixada Americana e alguns desse estilo que você falou. Desse
local, lembro bem de ter visto a visita de Fidel Castro a Nova York. Logo depois da Revolução, ele foi aos
Estados Unidos e me lembro de ter visto isso lá. Mas no resto eram filmes de comédia. já faço confusão,
também, se estava no cinema ou lá no IAPI.
Então por conta de ter visto tantos filmes históricos, o sr acabou se apaixonando por história e tornando-
se professor de história?
215
É, mais ou menos isso...olha aqui meu currículo, fala um pouco da minha trajetória.
ENTREVISTA 5 – Ana Maria Mônica de Oliveira
Realizada em 9 de novembro de 2007 na Universidade Estácio de Sá, campus Barra, Rio de Janeiro.
Quais as suas principais recordações do tempo de escola enquanto aluna?
Pelo período que você estabeleceu, vou resgatar os anos 60, quando eu era aluna da Escola Normal,
especificamente do Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Em relação a filmes, que é seu objeto de pesquisa,
vou destacar alguns que me marcaram, talvez pelo conteúdo que continham. O primeiro era um documentário
que deveria ter sido produzido ou comprado de alguma Embaixada. O filme mostrava o comportamento materno
em diferentes culturas: na Índia, nos Estados Unidos, no Canadá, na África... E, depois, nós fizemos um relatório
para ver os cuidados que eram adotados pelas mães com os seus bebês. Esse foi um trabalho feito para a aula de
Psicologia. Nós víamos o filme no auditório, porque, naquela época, era usado aquele projetor grande. Era muito
bem feito. Tecnicamente lembro-me que era de qualidade, até porque eu gosto de cinema.
E como eram vistos esses momentos de exibição de documentários no auditório, pelos alunos e
professores?
Nós gostávamos, né?! Íamos com alegria pelos corredores até o auditório. E o comportamento, a
conduta de uma normalista, naquela época, era de uma aluna motivada. Nós íamos estudar ali, porque queríamos
fazer aquele curso. Era uma conquista! Uma instituição muito conceituada na época. Íamos com alegria! Não me
lembro de ninguém tentando escapar porque não queria fazer o trabalho, ou algum aluno deixar de fazer alguma
tarefa. Até porque o ambiente físico do Instituto era bem agradável, também.
A senhora se recorda dos assuntos abordados nos filmes?
Olha, se não me falha a memória, mas isso eu teria que ver, o filme era de língua estrangeira e
legendado ou narrado. Porque não gosto de filme dublado. Não deve ter sido dublado, porque eu acho que iria
me lembrar. Porque pode ser até um filme chinês, que quero ver na língua chinesa, o quero ver dublado.
Agora, além desse filme, tinha outros filmes que passavam no auditório. Ainda no início do curso, talvez em
1963, teve uma palestra sobre saúde e higiene da mulher. Não sei o nome do filme, da palestra. Mas eu me
lembro que tinha um patrocínio da Johnson e mostrava todo o processo que ocorre no corpo feminino para que
aconteça a menstruação. E chamava atenção dos cuidados, da higiene. E isso coincidia, também, com a mudança
de comportamento das jovens, na época, que era a passagem do uso das toalhinhas para o absorvente. Foi um
tema tratado com muita seriedade. Eu me lembro que antes do filme tinha uma preparação e depois do filme
tinha debate e perguntas.
Vinha uma pessoa de fora para projetar esses filmes?
Não. No caso desse filme das mães e das crianças, foi a professora de psicologia, a Teresinha Russo,
que era uma excelente professora, que preparava antes o assunto e discutíamos depois. E o outro filme, como
tínhamos uma disciplina de Higiene e Puericultura, possivelmente eram os professores da equipe que passaram.
Mas lembro que tinha uma convidada no auditório. Devia ser uma médica, devido ao conteúdo científico. Eu
tenho a impressão que esses filmes eram coloridos, mas eu sonho colorido (risos). Então confunde, né?! Ah!
Tem outro filme estrangeiro também estou indo pela seqüência temporal que deve ter sido produzido, não
tenho certeza, pelo Governo da França ou da Bélgica, devido ao seu conteúdo, porque falava dos centros de
interesse de Ovide Decroly. o era focando o trabalho dele, mas mostrando como estava sendo desenvolvida a
metodologia desses centros de interesse em uma escola. A cena era essa: aparece a sala de aula, as crianças
alvoroçadas, correndo para a janela porque havia um barulho na praça. E eles vêem que eram ciganos! Como o
método de Decroly, de centros de interesses, você vai associando idéias e trabalhando, aquela turma, durante um
período, vai estudando outras etnias, vestimentas... Esse filme tratava sobre isso. Depois nós conseguimos
resgatar esse filme através do serviço de audiovisual que existia no Instituto. Havia muitos Catálogos de filmes
das Embaixadas, lembro que tinha da Embaixada do Canadá... e o professor solicitava quais os assuntos que
queria usar. Eram listas e listas de filmes! s escolhíamos, a instituição fazia um ofício, alguém ia buscar,
trazia e marcava o dia e horário para passar, porque nós não operávamos o projetor. O projetor não existia em
grande quantidade. Tinha alguém que cuidava daquela máquina. Lembra daquele filme italiano, Cinema
Paradiso?
Lembro sim...
Então! Era aquele cuidado de não estragar!
216
Mas nessa época a sra, como aluna, não sabia de onde vinham os filmes, né?! Tudo isso a sra soube depois,
como professora...
Ah! É! Como aluna não! Esse filme de ciganos devia passar nas aulas de sociologia ou didática, talvez.
Porque as aulas de didática eram muito boas, porque tratavam de métodos de ensino. Os filmes focavam temas
didáticos.
Quais eram as atividades complementares promovidas pelos professores a respeito dos filmes?
Olha, todos os filmes que vi eram articulados com a proposta de trabalho que estava sendo
desenvolvida. Nenhum assunto ficou solto. Por exemplo: esse da palestra de higiene da mulher, certamente era
da disciplina de Higiene e Puericultura. Tinha até eventos dentro da Instituição na época para esclarecer sobre
esses assuntos. Inclusive, fazíamos trabalhos sobre os filmes.
Os filmes eram considerados enriquecedores didaticamente ou a utilização do cinema era apenas algo
modernizador do ensino?
Hoje eu posso, como testemunha ocular da história, que continuei na mesma trajetória dentro dessa
linha de educação e nunca trabalhei em outra área, dizer que no Instituto de Educação que é de onde eu posso
falar – o filme apresentava uma utilização dentro de um contexto. Você percebia que havia uma intenção
educativa, um comprometimento que não era para encher o tempo, do tipo: “vou substituir a aula passando um
filme”. Não! Era trabalhoso! Não era como é hoje com TV e DVD. A gente ia ao áudio consultar os Catálogos, a
direção fazia um ofício para solicitar o filme nas Embaixadas... Tinha, também, um outro serviço educativo no
Ministério da Educação, mas agora assim, não me lembro bem o nome. Então, era toda uma burocracia, entende?
Esse serviço de Cinema Educativo era o Instituto Nacional de Cinema Educativo, que produziu muitos
documentários científicos, educativos e culturais destinados às escolas. Inclusive, foram feitos muitos
filmes sobre higiene doméstica, puericultura...
Um que me lembro era sobre comportamento infantil. Para nós entendermos o comportamento infantil,
mas como professoras, educadoras. A gente observava o comportamento das crianças na escola, na família, mas
não era no sentido de como cuidar do bebê, da criança. Isso eu aprendi sozinha (risos).
E alguma vez se recorda de ter visto filmes sobre música, artes, dança, literatura, cidades brasileiras?
Eu considero o cinema uma arte. Uma das minhas preferidas. Tem um filme brasileiro, que passou na
minha época de normalista, em preto e branco, que documentava o trabalho de uma professora, que se não me
falha a memória, chamava-se dona Rosalina, que atuava no grupo escolar do Instituto de Educação e desenvolvia
uma unidade de experiência com seus alunos ou unidade de trabalho, como também chamamos. Hoje eu percebo
como deve ter sido difícil produzir aquele filme. Porque não eram atores, mas alunos e a professora na sala de
aula. E olhando a atividade didática dela, a gente vê que era um trabalho com veracidade. Era uma coisa assim: a
criança chega com um ovinho e tinha a curiosidade de perguntar de que ave era. E ela levanta as perguntas aos
alunos. Ela vai ao Museu de História Natural perguntar para saber. As crianças vão depois e aparece todo o
processo. Filmava o Museu, o museólogo. Isso tem mais de 43 anos, né?! Vi na aula de didática. Esse filme me
marcou muito por mostrar, concretamente, as etapas de um método de ensino globalizador com o qual eu me
identificava desde aquela época.
Esse filme passava no auditório?
Não. Esse filme passava na sala de projeção no terceiro andar. As turmas eram de cerca de 30, 40
alunos. Então, cada professora agendava um horário para sua turma. Era um filme curto, de curta direção. Não
era monótono, sabe? Parece que tinha música, fundo musical.
Depois a sra utilizou esse filme em suas aulas?
Eu usei o filme sim, como professora. Continuei no Instituto de Educação, trabalhando como professora
e, depois, como orientadora pedagógica. Cheguei a ser diretora. E quando fui diretora, uma das minhas
prioridades era tentar resgatar o que eu pudesse da memória do Museu que tinha sido destruído. Havia no
Instituto um Museu de História Natural com muitos objetos, animais empalhados... Embora não seja minha área
de preferência, a História Natural, mas a cultura e a preservação da memória são prioridades para mim. A minha
geração estudou em escolas que tinham salas ambientes. Então existia a sala de História Natural, a sala de
Geografia, de Química, com laboratório. A História Natural ia além: tinha o Museu. Eu tentei resgatar os filmes,
também. Mas tinham se perdido. Eu e as professoras até chamávamos o filme de “filme da Dona Rosalina”,
mas, com certeza, ele possui outro nome. Eu tenho a impressão que foi alguém da área de cinema que fez esse
filme, porque era muito bem feito. Não era um filme amador. E se era amador, era um autodidata.
217
Voltando um pouco para antes dessa época de normalista, a sra se recorda de ter visto filmes no antigo
ginásio ou primário?
Promovido pelas escolas que eu estudei, não! Agora eu me lembro de trabalhos sobre a realidade
brasileira, sobre a história da América. Lembro que eu fiz um trabalho sobre o Panamá. Mas filme na escola não!
Lembro, também, de fazer excursão ao Museu, com o professor de História, Carlos Constantino Fernandes
Viana. Ele levava os alunos na Quinta da Boa Vista para nós observarmos.
A sra também não se recorda de ter ido com a turma de escola e a professora em algum auditório para ver
filmes?
Não. Infelizmente não.
Alguns desses professores usavam slides ou diafilmes?
Não. Eu me lembro de usarem álbum seriado. A professora de ciências usava. Ela, provavelmente, não
podia ter a máquina de slide, por qualquer dificuldade, então passava aquelas figuras, aquelas imagens. E a gente
era desafiada a construir o álbum. s construíamos muita coisa e eles ensinavam como poderíamos construir
materiais didáticos. Escolhíamos temas e criávamos. Nas aulas de artes aplicadas, por exemplo, o trabalho de
madeira que eu escolhi para fazer, e eu não tinha habilidade nenhuma para isso, mas eu queria fazer, foi usar o
suporte para ter o álbum seriado para eu usar. E eu usei muitos anos depois. Eles até ensinavam a fazer diafilmes,
eu é que não aprendi.
A sra continuou sua trajetória profissional e continuou usando filmes em sala de aula. O que a levou a
trabalhar com o recurso fílmico?
No início da carreira, as turmas eram de classes de alfabetização. Em Guilherme da Silveira, nas escolas
pré-fabricadas, no Governo Carlos Lacerda, tinha um programa de ampliação da rede. Mas mesmo que eu
quisesse passar um filme, não teria como, né?! Não tinha isso lá. Depois eu trabalhei em Bangu e na Pavuna. Eu
queria levar coisas para os alunos verem, então levava enciclopédias, figuras, porque eu gosto de usar imagens
como recurso para fixação para concretizar os conceitos. E como não tinha imagem móvel, usava imagem fixa.
Lembro que, uma vez, um aluno perguntou o que era sequóia. Eu fui procurar, achei e levei para ele ver. A turma
toda ficou interessada! Mostrava Pau-Brasil e outras coisas de vegetação. Slide era mais fácil. Eu comprei um
projetor que tenho até hoje.
E onde a sra conseguia os slides?
Isso vai dar um salto na história. Estou no Instituto de Educação como professora. o os anos 70,
por aí. Era a era do slide na minha vida profissional. Eu tinha máquina de slide. como orientadora, tinha um
projeto que a gente fazia... Eu gosto de temas globalizadores, que não é novidade nenhuma, porque isso vem
desde o início dos anos 20. A gente estava fazendo um projeto que era sobre uma loja de brinquedos. Então, as
crianças faziam a loja com brinquedos que eles tinham, que não eram novos. Fizemos mural, vendíamos
brinquedos de brincadeira. E eu achei aquilo tão bonito que fotografei e fiz slides. Isso está tudo na minha
cabeça, porque foi tão bonito! Até pouco tempo eu tinha esses slides. Quando eu queria passar para os meus
alunos, levava o meu projetor.
Mas com exceção dos slides que a sra produzia, no Instituto de Educação, a exemplo dos filmes que eles
solicitavam por ofício, também havia algum procedimento para conseguir slides?
Lá, como eu disse a você, pelo menos na minha percepção, por algum motivo, não tive chances de saber
mais para te dizer agora. Tinha alguns filmes e slides específicos. Mas o audiovisual atendia a toda escola. Eu sei
que tinha muito material. Mas se você quisesse um assunto diferente, por exemplo, sobre o Aleijadinho, eu fiz
um material sobre ele, você tinha que fazer! Foi um trabalho muito interessante esse. Deve ter sido por volta de
72, 73. As crianças pesquisavam quem era Aleijadinho, construíram alguma coisa com pedra-sabão para dar de
presente... E um aluno levou um trabalho que tinha xerox. Foi a primeira vez que eu vi um aluno usar xerox.
Então, eu perguntei como ele havia conseguido. Ele falou assim: “A minha mãe fez fotocópia”. Para você vê: era
novidade na época.
A sra ia ao audiovisual solicitar filmes, como disse. Nessa época, sabia da existência do Instituto Nacional
de Cinema Educativo?
Não. Sabia da existência, como disse, dos Catálogos. Eram vários Catálogos. Entre esses Catálogos
poderia ter o Catálogo desse departamento. De repente, você pode ver se na biblioteca do Instituto, hoje, existe
alguma coisa. Mas tinha muitos assuntos que não eram relacionados com a minha disciplina.
A sra se recorda de alguns filmes que utilizou em sala de aula?
No final da década de 1970, a TV Educativa fazia documentários no Instituto de Educação para
disponibilizar para os alunos. A professora Nelma, minha contemporânea no Instituto, foi alvo de vários
trabalhos que a TVE fazia. Eu me lembro que até reuniões eles documentaram, certamente, para divulgar. Agora,
218
especificamente sobre filmes que eu tenha utilizado, posso citar o Choque do Futuro, que estava no auge o best
seller. Eu solicitei ao audiovisual que queria passar o filme. Quando eu terminei meu curso superior, em 1971, o
discurso da minha turma, que fizemos em equipe, foi baseado no livro de Mac Luhan, adaptado por Lauro de
Oliveira Lima, A educação segundo Mac Luhan, que é atual e impactante até hoje. Fala sobre aldeia global, etc.
Nessa época, não sei nem se a obra do Mac Luhan estava disponibilizada no Brasil. Olha, modéstia à parte, agora
estou me dando conta, que nunca vi um discurso de formatura como esse. E olha que vi muitos discursos de
formatura até fora do país. Tinha slides, a turma lia junto. Foi lindo!
O audiovisual era uma novidade na década de 1970. O recurso de se utilizar o filme era para modernizar
o ensino ou porque se acreditava na eficácia da imagem em movimento na educação?
Olha, vou te dar um exemplo de filme Conrack, com o ator Jon Voight, pai da Angelina Jolie. Esse
filme tem conteúdo didático-pedagógico e é permeado por uma ideologia política. No Instituto de Educação
ainda não estava na era do vídeo, mas havia passado na televisão e todo mundo queria ver. Nós íamos, então,
para a UERJ para assistir. E fazíamos trabalho sobre ele depois. Na verdade, as lembranças que tenho sobre o
uso do filme, como aluna e depois, como professora, é que o filme sempre foi usado de forma que o aluno
pudesse compreender melhor o conteúdo, no seu contexto. Era dentro da temática para que o aluno percebesse
algo a mais.
As pesquisas atuais dizem que o professor não reconhece o filme como recurso didático, vendo-o, somente,
como entretenimento, ou utilizando-o para preencher espaços vazios na sala de aula. Qual a sua opinião a
respeito?
Minha opinião é totalmente contrária a este procedimento. Primeiro, porque o tempo do estudante na
escola é muito curto. Segundo, porque as locadoras estão repletas de filmes para todos os gostos e idades. Eu
considero uma perda de tempo usar o precioso momento que se tem para debater, discutir e avançar naquela
área, para transformar, para não se fazer nada, que o aluno não precisa deslocar da casa dele para ir hoje ao
cinema. No meu entendimento, o professor, quando seleciona um filme, precisa ter um objetivo com os alunos
ou porque surgiu interesse do aluno ou porque ele quer olhar aquele assunto sob outra perspectiva. Ele tem que
querer ampliar o assunto. Passar o filme e não fazer nada de avanço, de aprofundamento de estudo, não deve
nem passar. Algumas pessoas podem discordar, mas se não for assim, eu não vejo nenhum sentido educacional.
Eu faço um projeto social com crianças do Rio das Pedras e de alunos provenientes de comunidades como
Terreirão, Rocinha, e quando vamos passar um filme, tipo Era do Gelo ou Revolta dos Animais, porque eles não
podem ir ver, nós temos que perguntar: você gostou do filme? Qual personagem mais gostou? O que você faria
no lugar de tal personagem? Se você não aproveitar para estimular a inteligência, fica um espectador passivo,
entende? Eu entendo que um filme de boa qualidade, dentro de um contexto, é sempre aproveitável.
Entretenimento e informação se mesclam. Não é porque você explora um conteúdo informativo que você sufoca
o entretenimento. Eu fui ao cinema ver Piaf. Eu chorei. Mas meu entretenimento não foi dissociado da minha
informação, do meu conhecimento, entende? Eu não vejo porque separar o lúdico do ato de aprender. Pelo
contrário, temos que fortalecer o hábito de aprender nas raras associações de aproveitar momentos lúdicos. Eu
não separo muito isso.
Mas o que está faltando, então, para que o professor modifique sua postura? Onde está o problema?
A melhor maneira é mudar a prática. Quando você forma o professor, ele não vivencia essa prática. Ele
reproduz o que fazem com ele. Eu acho que a falha está voltada ao processo de formação, atualização e de
improvisação dentro do magistério. Falta de oportunidade para que o professor possa discutir isso. E, também,
acho que o professor deve usar um recurso quando ele acredita, quando ele gosta. Porque se ele não gosta de
cinema, vai ficar difícil ele aproveitar essa energia do filme. Vai ficar difícil. É importante que a gente respeite o
estilo, a tecnologia educativa do professor, que não, necessariamente, vai passar por isso. Porque a autenticidade
na conduta do professor tem um impacto também. Ele tem que estar convencido que aquele trabalho vai trazer
ou não enriquecimento para a mediação que ele vai fazer. Por exemplo: se ele é um professor de história, passou
um filme sobre Segunda Guerra, que passa toda hora, ou até mesmo uma reportagem sobre Guerra do Golfo, e
não foi capaz de problematizar o conteúdo do filme, ou seja, passou e acabou, é porque o vínculo dele com o
meio que usou é muito frágil. Possivelmente, o aluno que gosta de cinema vai até fazer aquela articulação
sozinho. Mas os alunos não vão aproveitar ao máximo o que poderiam.
Quais suas principais lembranças de cinema?
Na minha infância, tinha apenas um cinema no bairro. Eu morava em Realengo. Então, eram filmes do
tipo João e o Pé de Feijão. Eu até tenho um texto sobre isso que escrevi para homenagear uma priminha que fez
aniversário. Eu dei o vídeo a ela, porque foi a avó dela que me levou ao cinema quando eu tinha cinco anos. Esse
filme é o primeiro que me lembro. Era um passeio, né?! Depois vi outros filmes infantis. Na pré-adolescência,
gostava de filmes históricos, aquelas brigas e conquistas, dançarinas. Também assisti as chanchadas brasileiras.
219
Oscaritto, Grande Otelo, vi todos! Passavam seriados também. O Pagador de Promessas foi um marco para
mim. Eu ia religiosamente ao cinema todo domingo.
A sra se recorda de ver documentários sobre a realidade brasileira antes das sessões dos filmes?
O que eu lembro é que passava um tipo de jornal antes do filme. Mas eram, predominantemente, coisas
de futebol. Era o Canal 100, com retrospectiva de notícias. Para mim, foi um precursor do telejornal. Eu me
lembro dessas coisas. Lembro das propagandas de roupas branquinhas, de Anil (riso).
Qual filme a sra utilizaria hoje em sala de aula?
Eu sempre trabalhei concomitantemente na Estácio de e na Suam. Quando eu saí do Instituto, não
deixei de trabalhar. Hoje faço um trabalho técnico na área de avaliação da Estácio. Durante sete anos coordenei o
projeto de avaliação da faculdade. Eu continuo na ativa, porque dou aula de Didática no curso de Educação
Física e Pesquisa na Pedagogia e Políticas Públicas. Eu continuo usando filmes. Não uso sempre, porque o
tempo é curto. E o aluno é estimulado a observar, não digo assistir. Por exemplo: “Observem o filme Babel,
porque eu quero trabalhar o conceito de multiculturalismo”. Eles vêem em casa, porque o tempo é curto,
entende? E este filme tem na locadora. Eu passei o texto sobre multiculturalismo, passei um roteiro e eles viram
o filme. Tem outro filme, Nenhum a menos, você conhece? É chinês. Maravilhoso! Esse, por exemplo, não tem
na locadora. Então eu passo em sala de aula. Passei, também, Sociedade dos Poetas Mortos, com outra
finalidade.
Mas a sra não acha que dessa forma os alunos deixam de ver em casa e depois pegam resumos na Internet
a respeito do filme?
É, mas eu não posso nivelar minha turma pela “cesta básica”, como costumo dizer. alunos que vão
além. Eu dou uma escolha também, eles sugerem filmes. E participam! Eles recentemente me sugeriram
trabalhar com Quem somos nós?, que é um documentário mais denso. Funciona como um enriquecimento do
aluno. Não é pela aula. Na minha aula de didática, por exemplo, não teria como explorar o filme Piaf. Mas
como cultura geral ao meu aluno, eu chego à sala e vou perguntar sobre o que eles estão lendo, ouvindo, para
sugerir algumas coisas legais.
A sra acha que os alunos têm interesse em ir além ou estudam somente o que o professor cobra na prova?
Olha só: alguns, muito poucos. Mas eu sempre aposto nos que podem ir! E o que eu estou falando posso
comprovar. Eu sempre ponho reflexões transitórias no fim do curso. Eu nunca falo que minha matéria acabou.
Em geral, digo: “incluam, também, cinema, teatro, literatura, contemplação da natureza e longas caminhadas em
seu tempo de lazer”. Eu digo a eles para fazerem isso: “se vocês quiserem melhorar, precisam ler, ver bons
filmes”. Na maioria das vezes, o livro traz mais desafios, né? Mas digo que eles devem sair da mesmice.
Eu fui ver uma exposição de artes plásticas no ano passado, em outubro, de brinquedos. Eu falei para
meus alunos irem observar as esculturas. Na semana seguinte, três alunas disseram que tinham tido e adorado a
exposição. Quer dizer: a gente tem que investir em quem vai além. Até no filme que você passa, tem que saber o
que o aluno está escrevendo. Ele pode imprimir na Internet o resumo do filme, não é? Eu não quero isso. Eu pedi
a um aluno para ler o livro O Príncipe, de Maquiavel, porque estava me devendo um trabalho sobre Políticas.
Ele trouxe um trabalho excelente. Então eu disse: vamos conversar sobre o trabalho. E ele não sabia! Mas aí ele
foi honesto e disse: “Professora, não entendi nada!” Eu disse: “você entendeu! Feliz daquele que não reconhece
que não entendeu. Você entendeu”. eu disse: “vamos então fazer outra coisa. Vovai escrever sobre sua
história, o que você fez, como foi. E quando você se entender, vai entender melhor o resto”. Agora, é muito
difícil. Você tem razão. O aluno é imediatista. Mas eu tenho uma forma de controlar isso. É controlar mesmo. É
essa a palavra. Dar uma contrapartida. Eu não quero um trabalho longo, mas cinco ginas que você construiu.
Dois parágrafos têm mais valor que algo que você pega na Internet.
Mas existem professores que também não vão além, não é mesmo? A aula é sempre uma mesmice, eles não
se atualizam como a sra...
Olha, alguns sim, outros não. Mas tem uma coisa que me preocupa. Estão substituindo, hoje, o quadro
de giz ou pillot pelo power point. Não é a ferramenta que você usa que vai determinar, porque você está
usando tecnologias educativas, a construção do conhecimento, mas sim, o uso que você faz das ferramentas. Eu
prefiro em aula usar o quadro. Meu aluno chega atrasado, porque precisa, pega várias conduções, etc, e ele o
esquema no quadro e sabe o que foi dito. Numa seqüência de slides, ele perde o que foi dito. Fico receosa,
porque isso é uma aula expositiva e não explicativa. É uma aula maquiada.
Sr a sra pudesse eleger um filme que todo educador deve observar, qual seria?
Um filme brasileiro eu indicaria Eu, tu, ele, porque retrata a condição da mulher, o jeito brasileiro, sem
cair numa pieguice, sem cair naquela visão pessimista, que precisa ficar no discurso das pessoas. Outro filme é
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Cinema Paradiso, que mostra com arte o que é a alma do cinema e como ela entra na vida das pessoas. Para sala
de aula, gosto de Conrack, Nenhum a Menos e Sociedade dos Poetas Mortos. E cada vez que eu vejo, noto novas
coisas no filme, tenho novas idéias e trabalho coisas diferentes com as turmas.
ENTREVISTA 6 – Jurandyr Passos Noronha
Realizada nos dias 9 e 18 de abril de 2007, no bairro Flamengo, Rio de Janeiro.
Quais as maiores lembranças que o senhor tem do INCE?
Tenho certeza de que a grande maioria não saiba disso, você sabe. O INCE começou a funcionar,
inicialmente, na Rua da Carioca num sobradinho. Era apenas uma sala. Uma sala grande. Mas lá era encontrado
o Dr. Roquete, o velho Mauro, o Roberto Assumpção, que terminaria no Itamaraty chegando, inclusive, ao posto
de Embaixador, e o Dr. Pedro Gouveia Filho e Edgar Sussekind, técnicos de educação que seguiam aqueles
pensamentos do Anísio Teixeira, que eram, na época, considerados pensamentos revolucionários quanto à
transformação do ensino. Esses educadores e outros se reuniam na Associação Brasileira de Educação. Foi-me
contado eu não assisti mas contado por pessoas da maior confiança, como o Roberto Assumpção, o velho
Mauro, Edgar Sussekind, que o Dr. Roquette
89
fez o que seria a primeira experiência de televisão no Brasil. Ele
projetou numa noite, de uma janela, para um prédio em frente, as letras A B E que é Associação Brasileira de
Educação. Quem trabalhava também lá, entre essas citações, era a dona Beatriz Roquette Pinto, filha do Dr.
Roquette. A esta época, ela fazia um programa na rádio MEC que se chamava Programa da Tia Beatriz. Lá na
Rua da Carioca, também, eram encontrados como técnicos, o Eric Walder, que era um especialista em
laboratório vindo da experiência com o Fausto Muniz, que era o pioneiro no cinema brasileiro e tinha laboratório
também. Era encontrado, ainda, o Matheus Colaço, que era uma espécie de “pau para toda obra”. Era muito
ligado ao Roquette, muito fiel ao Roquette. Lá no sobradinho da Rua da Carioca, também, conseguiu trabalho o
Otávio Mendes – Otávio Gabus Mendes – que vinha do cinema de ficção e já tinha dirigido filmes em São Paulo
e feito um filme na Cinédia Mulher. Ele era jornalista. Você que o INCE tinha sido oficialmente fundado
em 36, né?! Mas o Otávio conseguiu um trabalho como jornalista. O Otávio era um homem de esquerda,
esquerda radical mesmo. E, um belo dia, houve lá uma batida policial e pobre do Otávio Mendes! Ele é pai desse
rapaz... desse ator de televisão... Agora não me lembro o nome
90
. Daí que eu meu lembro, O INCE passou para a
Praça da República 156 A, onde era também o Edifício da Rádio MEC. Era a dio MEC e o INCE. Lá era onde
se encontrava outro técnico de educação que não estava nesse grupo da Rua da Carioca, o Paschoal Leme. Muito
dedicado ao INCE, ao trabalho. O Paschoal era um cientista social, sabe? Figuras também do INCE: Ruy Guedes
de Melo, que era um cinegrafista iniciante, mas acabou (ficando) muito hábil. Ele foi convocado para a FEB e
foi para a Itália. E quando ele voltou, no Instituto todos o chamavam de Cabo Melo (risos). Ele foi promovido
mesmo na Europa. Bom, encontrava-se, também, o Manuel Ribeiro, que era um laboratorista, operador de
câmera e iluminador. Este vinha da velha Botelho Filmes. Ele era tão hábil na iluminação! Era um autodidata,
né?! Ele observava o Mauro fazer, e em todas as oportunidades que tinha, ele usava aqueles esquemas de
colocação de spot, um refletor de 5 kw daqui, outro de dois ali, um “spotizinho”... Quando Orson esteve no
Brasil Orson Welles , ele esteve no Instituto e viu umas coisas do Manuel; chegou a convidar
informalmente o Manuel para que ele fosse fazer um estágio em Hollywood. Mas acontece que, aí, veio a guerra,
veio aquilo tudo e isso não se realizou. E tem duas figuras que estavam sempre lá: o Zequinha e o Luiz Mauro,
que fizeram grande parte da filmografia do velho Mauro. E quem estava sempre por lá, era mesmo figura da
casa: Lima Barreto. Sempre lendo os scripts de Cangaceiro. Ele sonhava em fazer o Cangaceiro. Estava sempre
lá. E depois dessa fase, veio o Flávio Tambellini. Flávio Tambellini foi uma revolução no Instituto. Ele mudou
uma porção de coisa. Inclusive abriu a possibilidade para que toda uma geração de jovens realizassem filmes,
porque ainda que não realizassem com o nome do Instituto, o INCE financiava e adquiria os filmes. O Flávio,
então, foi muito importante. E daí, veio o INC, veio a Embrafilme, veio a Funarte e acabou o Instituto. Acabou o
INCE.
Mas como foi sua trajetória até chegar ao INCE?
Eu nasci em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 5 de março de 1916. Eu costumo dizer que tenho isso como
uma marca eu nasci exatamente em meio à Primeira Guerra Mundial porque a Primeira Guerra Mundial
começa em 14, terminou em 18, e eu nasci em 16. Os ingleses estavam experimentando os tanques... Bom,
houve uma coisa muito interessante que foi meu batizado. Juiz de Fora teve uma influência muito grande de
alemães. E na Igreja, o padre alemão disse: Não te batizo com nome de Jurandyr. Isso é nome de bugre. Houve
uma discussão. Por fim, chegou-se à conclusão que ele me batizaria com o nome de Geraldo Jurandyr. Então,
89
Nome corrigido no ato de transcrição. Na entrevista, por distração, Sr Jurandyr falou Dr. Gouveia.
90
Otávio Gabus Mendes é pai de Cassiano Gabus Mendes.
221
nos registros da Igreja Católica em Juiz de Fora está Geraldo Jurandyr. Tenho até vontade de procurar. Agora
no Cartório eu sou registrado como Jurandyr.
E qual sua primeira lembrança de cinema?
Bom, em Juiz de Fora, minha primeira lembrança de cinema é o cinema do Carriço
91
. O Carriço foi um
grande produtor de filmes documentários, de cinejornais. Existe até um livro sobre ele, se não me engano da
Selma da Costa
92
. Mas ele produziu centenas de curtas-metragens de jornais. Eram mais jornais do que um
documentário com assunto definido. Mas o Carriço, antes de ser produtor de curtas, ele era como se diz... como é
o nome da pessoa que só ela tem o direito de fazer uma coisa?
Que tem a concessão?
É ... era só ele que fazia os serviços funerários em Juiz de Fora. Era o concessionário. O Carriço tinha
um cinema lá em Juiz de Fora que me impressiona até hoje! Parece que este cinema chamava Cinema Popular
93
.
Você imagina: a sala de projeção era um círculo e dentro tinha bancos de madeira sem encosto. Ah! Um detalhe
antes que eu me esqueça: o telhado era de zinco. Então, quando chovia, era uma coisa medonha. Em volta, o
Carriço guardava os carros funerários. Mas quando começava a projeção porque o projetor ficava à vista dos
espectadores, nas costas deles então, quando começava o pisca-pisca da projeção, era um negócio
fantasmagórico aqueles carros fúnebres ali...
O senhor se lembra de algum filme dessa época?
Bem... Cinema do Carriço... não me recordo. Em Juiz de Fora não me lembro. Eu lembro de cinema
logo quando nos mudamos para Três Rios naquele tempo chamava Entre Rios aqui no Estado do Rio.
tinha o Cinema Guarani. No Guarani, eu assisti a filmes maravilhosos. Eu tenho procurado inclusive nos Estados
Unidos em umas empresas que cuidam disso, mas, lamentavelmente, não existe mais nada. Eram dois filmes em
série. Um era o Punhal Maravilhoso e o outro era a Moeda Quebrada. No Punhal trabalhava um ator chamado
Eddie Pólo, mas ele era conhecido como Rolleaux (Jurandyr pronuncia corretamente). Em francês, R O L L E A
U X (Jurandyr soletra letra a letra). Mas a meninada o chamava de Roleau X (agora, ele pronuncia igual se lê em
português). (risos). Mas não me lembro direito da história. Eu sei que tinha um globo terrestre girando e vinha o
Eddie Pólo olha que loucura e cravava o punhal no globo. Agora esse punhal era cravejado de pedras
preciosas, era uma coisa de louco!
E todos esses dois filmes o senhor viu no Cinema Guarani?
É. No Cinema Guarani. Tinha outro também, o Cinema Primeiro de Maio. Mas eu não ia nele. O
Guarani ficava em frente à Estação Ferroviária. O Primeiro de Maio ficava do outro lado em frente ao jardim. O
Primeiro de Maio eu não freqüentava.
E quando o senhor veio morar no Rio?
É... Eu tinha ... Eu sou de 16... Eu estou no Rio em 1900... (pensativo). Em 1922 eu já estou no Rio.
No prefácio do seu livro No tempo da Manivela, diz que o senhor se mudou nessa época e foi morar em
Madureira...
É ... Em 1922 já estou em Madureira. Quer dizer: eu estava com 16, 17, 18, 19, 20, 21 (Jurandyr
conta nos dedos). Eu estava com seis anos. Eu fiquei pouco tempo em Juiz de Fora. Bom, vou voltar um
pouquinho para Três Rios. Eu tinha um amigo, o Carlos. Foi meu primeiro grande amigo. Era um rapaz assim
cafuzo, mulato, né?! Ele era assim uma espécie de um agregado, não sei como dizer. Freqüentava em casa,
fazia alimentação, era um rapaz assim sem meios, né?! E eu ia sempre com ele muito a minha mãe me
acompanhando, claro, porque minha mãe era “durona”, coitado do meu pai na beira do Rio Paraíba do Sul. O
Paraíba do Sul naquele tempo era larguíssimo, não é o que é hoje mais. E fazíamos muito, com o Carlos,
bonecos de barro. Fazíamos bonecos de barro com aquela tabatinga do Rio. Mas esse Carlos, eu já estou no Rio,
sou adulto, aliás, quando eu soube o que vou narrar, eu já estava na Televisão Tupi como cinegrafista. Eu fui
cinegrafista da Televisão Tupi. E os jornais noticiaram que havia em Entre Rios um assaltante de casas
comerciais que roubava e distribuía gêneros alimentícios para os pobres. E os jornais o chamavam de Robin
Hood de Entre Rios. Pois bem... E quando eu soube disso... Não! Depois me contaram que o Robin Hood era o
Carlos. Como eu era cinegrafista da TV Tupi, eu tentei fazer uma reportagem com ele. O Maurício Dantas, que
era o chefe do departamento de cinema da TV Tupi, uma figura extraordinária, me possibilitou uma caminhonete
à disposição, um auxiliar, levei também uma câmera Auricon... não existia o videotape. Essa Auricon era uma
câmera de 16 mm com uma singularidade a um só tempo: gravava a imagem e o som. E eu fui pra lá. No contato
91
João Gonçalves Carriço (1886-1959).
92
Foi encontrado livro escrito pela jornalista mineira Martha Sririmarco: João Carriço, o amigo do povo.
93
Cine Teatro Popular.
222
que se fez, marcou-se um encontro, num determinado ponto do rio, e uma pessoa me esperaria. Realmente,
essa pessoa foi. Mas foi escurecendo, escurecendo, escurecendo, e ele não apareceu. Talvez por medo da polícia,
sei lá. A pessoa que entrou em contato e ia trazê-lo também recuou... Agora... tempos depois, eu leio nos jornais
que o Robin Hood, preso na penitenciária de Niterói eu teria ido visitá-lo, se soubesse , tinha tentado fugir e
tinha morrido metralhado. Não consegui ver o Carlos! Se eu soubesse que ele estava lá, teria ido lá. Mas
soube depois. Bom, então fiz essa parada aí, porque achei importante. Bom, mas indo para Madureira, tinha
dois cinemas. Um era o Cinema Beija-Flor. Olha a ingenuidade do nome do cinema, né?! Era propriedade de
dois sírios, o Amim e o Nassib. vi um seriado que me impressionou muito: era o Homem da Meia-Noite, que
era estrelado por James Jim Corbet, que havia sido Campeão Mundial de Box em todos os pesos. Ocorriam no
filme as maiores trapalhadas. Então, nos momentos mais graves, aparecia o James Jim Corbet de cartola alta,
uma capa comprida, e o carrilhão marcando meia-noite. O Damásio, que trabalhava na bateria da bandinha, fazia
um barulho medonho! A meninada gostava daquilo.
O senhor se recorda quando era essa época?
Nessa época, eu devia ter uns 9 anos. E no Beija-Flor também eu vi filmes de Chaplin e do Buster
Keaton, que era uma figura genial, além de outros filmes.
Nessa época, o senhor já tinha ido para o Colégio Militar?
Não. Eu vou para o Colégio Militar com 11 anos de idade – passo no exame de admissão em 1928, com
12 anos. Mas lá, eu já vinha lendo a (Revista) Cinearte. Eu lia com muita atenção. Eu era um leitor de jornal
“terrível”, por causa do meu pai. Meu pai comprava tudo quanto era jornal. Aqui eu acho bom fazer um
parêntese: No Colégio Militar, tinha um professor de desenho, o Bias Faria, tio dessa atriz, a Betty Faria. O pai
dela parece que era o Nonato, morreu como general
94
. O Bias era professor, mas de uma classe de professores
civis. Era professor de desenho. Ele gostava de bater papo, parava a matéria e conversava sobre várias coisas e
eu estava sempre interferindo no que ele dizia. Ele falava qualquer coisa sobre... Um dia, ele me disse: “o senhor
até parece o Pathé Jornal, sabe por quê? Porquê o Pathé Journal noticioso francês tudo vê, tudo sabe, tudo
informa”. Isso vinha com destaque em seus letreiros. Ganhei um apelido (ri) por causa disso. Porque eu lia muito
jornal. Eu lia muito porque meu pai era uma “loucura”, comprava tudo quanto era jornal. Naquele tempo, o que
havia de jornal no Rio era uma coisa incrível: O Globo, Diário de Notícias, Correio da Manhã, O Jornal, Diário
Carioca. Ele assinava até um jornal semanário que se chamava O Homem Livre. Esse jornal era liberal. Também
recebia o jornal A Classe Operária, que era do PCdoB. Eu recebia pelo Correio, mas não sabia quem o
enviava para mim, porque era um jornal clandestino
95
. Mais tarde, muito tempo depois, eu já casado, pai,
tinha passado essa época de perseguições, eu soube que quem mandava era um gráfico e um sapateiro. Eram dois
amigos. Esse sapateiro era conhecido como Carlos Caroço, porque tinha um caroço alto no pescoço. Ele me
contou que era ele que mandava. Eu já devia estar com uns 40 anos.
Dessa época que o senhor lia a Cinearte, tem lembranças de algum filme brasileiro que tenha lido e
tomado conhecimento através da revista?
O primeiro filme brasileiro que eu vi foi um filme do Almeida Fleming: O Vale dos Martírios. No livro
de Alex Viany, Introdução ao Cinema Brasileiro, tem a data. Não me recordo assim de cabeça
96
. Agora outro
filme brasileiro que me impressionou foi São Paulo, a Symphonia da Metrópole, filme de Kemeny e Lustig
97
,
que tem um valor extraordinário. Eu pus uma seqüência no Panorama. Outros também: Barro Humano, que me
impressionou muito, e Braza Dormida. Mas o primeiro longa-metragem brasileiro que assisti foi O Vale dos
Martírios. Agora, filme estrangeiro, eu acho que, inicialmente, foi Cavalcade
98
. Esse filme me impressionou
muito, porque mostrou as possibilidades do cinema. É um filme que merece mesmo esse título. Ele tem início no
fim do século XIX e conta uma história de uma família toda entremeada com acontecimentos que marcaram essa
época: a Guerra dos Boers na África do Sul, o afundamento do Titanic, a Segunda Guerra Mundial. É um filme
que para a pessoa assistir não era um filme popular era preciso ter alguns conhecimentos. Por exemplo: o
afundamento do Titanic. Tem o filho de um casal na primeira seqüência do filme: esse casal era com dois atores
ingleses, o Clive Brook, que acabou no cinema americano, e a Diana Wynyard. O filho desse casal está numa
lua-de-mel, está no navio, encostado assim, vendo o mar à noite (Jurandyr imita a posição). Quando eles saem,
estavam cobrindo um salva-vidas escrito Titanic. isso! O filme é todo subentendido. O Cavalcade é meu
grande inspirador. Outro exemplo: essa família está numa colônia de férias em Dublin, aparece um avião
chegando por trás de um rochedo, e um deles fala: os franceses conseguiram! É a travessia do Canal da Mancha
de avião. Ou seja: se a pessoa não tem conhecimento, não entende. Mas outro filme que marcou mesmo minha
94
O pai da atriz Betty Farias era o militar Marçal Faria. Reformou-se como General Nonato Faria.
95
Trecho incluído por sr Jurandyr quando da aprovação da transcrição da entrevista.
96
De acordo com a Filmografia da Cinemateca Brasileira, o filme foi produzido em 1927.
97
Adalberto Kemeny e Rodolpho Rex Lustig.
98
No Brasil, o título ficou conhecido como Cavalgada.
223
vida – e acabou com minha carreira militar mal iniciada – foi Nada de Novo na Frente Oridental. O LS Marinho,
que era correspondente em Hollywood, escrevia muito sobre o Nada de Novo na Frente Oridental. E eu fui ver o
filme porque eu comprei o romance do Erich Remarque. Eu lia muito os suplementos literários, que eram
ótimos! Lia os do Correio da Manhã e, principalmente, os do Diário Carioca. Não existem mais. E eu li sobre
o Nada de Novo na Frente Oriental. E comprei o livro antes de ver o filme. Num dia de instrução de infantaria,
no Colégio (Militar), na hora de descanso, eu tirei a mochila, tirei as coisas, deitei no campo havia uma meia
hora de descanso – tirei da mochila o livro e comecei a ler. Veio um oficial para ver o que eu estava lendo, e me
passou uma espinafração: “o senhor, aluno do Colégio Militar, lendo um livro que faz a defesa da indisciplina,
que não respeita superiores. Se o senhor já estivesse na Escola de Guerra, seria desligado sumariamente. Aqui o
senhor vai ficar”... E levou o livro, não me deixou com o livro. E aguçou minha curiosidade! Mas o Nada de
Novo na Frente Ocidental tinha coisas magníficas. Tinha uma batalha na qual havia a seqüência de um travelling
enorme. Quando houver tempo, vou até cronometrá-la
99
. Hoje se m recursos, mas, naquele tempo, como é que
fizeram aquilo? Era uma perfeição... Então, isso tudo foi me tirando do Colégio Militar e me fazendo uma
mutação em direção ao cinema. Mas eu tinha feito amizades com Adhemar Gonzaga, Pedro Lima, Álvaro
Rocha, Paulo Wanderley. Bom, uma vez, ainda no Colégio Militar, eu não atendi ao chamado era uma
segunda chamada de um exame de francês. A gente tinha direito à segunda chamada e na verdade, eu não havia
me preparado na primeira e queria me preparar mais. E meu pai soube, não sei como. O fato é que meu pai,
muito bravo, mandou encaixotar a Cinearte. E mandou prender com pregos em volta. Eu não o culpo por isso,
sabe? Eu era insuportável! Isso foi do segundo para o terceiro ano. estava com 15 para 16 anos. Ele ficou
indignado, mandou botar os caixotes no quintal naquele tempo, cozinhava-se à lenha e, então, se comprava
muito daquelas toras grandes de madeira, que a pessoa cortava com o machado, sabe? meteu o machado,
despejou gasolina e “tocou” fogo. Quando eu via no cinema aquelas cenas dos nazistas queimando livros, eu
conseguia me lembrar do meu pai queimando minha coleção da Cinearte. Mas eu hoje vejo tudo com serenidade.
Ele teve razão. Eu fui insuportável.
O senhor disse que já havia feito amizade com Adhemar Gonzaga. Como o conheceu?
Bom, eu era muito amigo do Gonzaga. Mas o início da minha profissão não foi com ele. Quando eu tive
notícia de que estavam construindo o Estúdio da Cinédia em São Januário, eu tomei o bonde e fui lá. Era o bonde
de São Januário. Bati na porta. O Estúdio tinha porta da frente, tinha uns barracões, estava mal começando a
construir. Veio o Gonzaga e abriu a porta. Lá não tinha muitos empregados, era incipiente. E quando o Gonzaga
abriu a porta, eu falei que queria conhecer o Estúdio. Ele achou muito engraçado quando viu aquele garoto. E
ficamos amigos. Mas não foi com Gonzaga o meu início não.
Mas quando foi seu primeiro trabalho com cinema?
Eu fui trabalhar numa empresa, a convite de Jayme de Andrade Pinheiro, chamada PAN Filmes do
Brasil.
Mas a PAN filmes não foi o primeiro trabalho do senhor, né?!
Não, foi na Tupi Filmes. Eu vou contar o porquê. A PAN Filmes era um laboratório, que para a época,
por sinal, era bem montado. E eu fui trabalhar como assistente do técnico de som, que era o Tommy Oleneva,
filho daquela Maria Oleneva, que foi a primeira bailarina e diretora do Teatro Municipal. Uma russa. Na
verdade, a única coisa que eu fazia era tirar poeira dos equipamentos. Bom, a PAN Filmes era um laboratório,
né?! Mas tinha aquelas empresas que não tinham nada. Tinham o nome, filmagem registrada. Aquela gente
toda me pedia pra escrever os textos dos jornais, dos narradores. Como não havia muito trabalho, eu ganhava um
dinheirinho a mais com aquilo fora da PAN Filmes. Mas, então, o Renato Soares Monteiro, um português, da
Tupi Filmes, achou que eu filmava, não sei porquê, e me convidou para trabalhar com ele. Mas tinha que ir para
a Bahia. Na PAN Filmes, eu ganhava 300 mil réis por mês e o pagamento era feito semanalmente. E o Renato
me ofereceu um conto de réis. Era uma diferença! Ou seja, era três vezes mais o que eu ganhava e, ainda, mais
100 mil réis. Eu topei, né?! Procurei ter umas aulas, explicações breves, ligeiras, de filmagem com os
cinegrafistas da época, como o Alberto Lima, cinegrafista de reportagem, o Hélio Barroso Netto, que acabou
também tendo um estúdio de gravação de som depois, e o Carlos Braga. Eles me deram explicações em câmeras
de reportagem como Eyemos, De Vrys, Kinamos, máquinas a corda para fazer reportagem. Fiz uns testes com
aquelas máquinas. Mas quando embarcamos, o Renato apareceu com uma câmera Debrie maior, não era à corda.
Era à manivela, tinha que armar em cima de um tripé. Fiquei tonto, mas consegui armá-la. E fomos para a
Bahia. E filmamos. A minha filmagem saiu boa, por sinal. Mas aí, quando terminou tudo, o Renato disse: o
senhor para o Rio, que eu vou ficar na Bahia, porque tenho outros negócios que estou tratando. Outros
patrocinadores em vista. Ele arranjava negócios com uma facilidade extraordinária! O senhor acompanha a
revelação, faz a montagem, escreve e grava. Deixa tudo pronto, que tenho que ficar na Bahia.
99
Trecho incluído por sr Jurandyr quando da aprovação da transcrição da entrevista.
224
Qual era esse filme?
Ih! Sei lá... Esqueci qual é. Visitando Camaçari ... não sei. Eram uns nomes que o Renato botava nas
cavações. Mas aí quando cheguei lá na PAN Filmes para revelar o trabalho, o Jayme Pinheiro não permitiu. Sabe
por quê? Não expliquei isso antes. Porquê o Jayme Pinheiro estava de férias e tinha ido viajar com a senhora
dele. Então, eu aceitei o negócio com o Renato e deixei a PAN Filmes sem avisá-lo. Não dava tempo. O negócio
com o Renato era pegar ou largar. O Jayme não me deixou entrar lá. E mais: fez publicar um aviso em todas as
salas de entrada da PAN Filmes proibindo minha entrada. Ele destrambelhou, não pensou. Eu quis explicar, mas
ele não me deixou explicar. Acabei terminando no Alexandre Wulfes. Conversando assim, lembrei-me de outra
coisa. Quando eu quis voltar para o Rio, quando eu pude voltar, eu estava aflito para voltar, minhas filhas eram
pequenininhas, eu “corri” nas Companhias de Aviação, tinham duas só: a NAB, Navegação Aérea Brasileira, e a
Cruzeiro do Sul. Mas não tinha lugar. Era 1942, nós estávamos em época de guerra, ninguém queria viajar por
mar. “corri” na Costeira, acho que era na Costeira sim... Tinha uma única passagem do Aníbal Benévolo na
terceira classe. Eu comprei. Eu quando vi o que era a terceira classe...Com todo respeito àquela gente, mas fedia,
sabe? E era no porão. Passar cinco noites era... Era uma espécie de porão, crianças urinando... Pensei: não vou
agüentar. Eu devo ter subornado alguém, porque eu passei a fazer as refeições na primeira classe. Tomava banho
também. Eu dormia numa espreguiçadeira. Eu batia papo com o “imediato” do navio que fazia ronda à noite e
ele dizia: Tem gente que não me deixa sossegado. Estão vendo baleia e estão dizendo que é submarino. Eu
quando desci no Rio, fui despedir-me dele, não sabia que tinha feito a última viagem do Aníbal Benévolo! No
regresso, quando o navio voltou para sua rota do Nordeste, foi torpedeado; não eram baleias: morta toda a
tripulação e todos os passageiros
100
.
Mas antes de ir para a PAN Filmes, eu li que o senhor coordenou a seção de cinema educativo da Revista
Cinearte, entre 1936 e 1938. Foi convite de Adhemar Gonzaga? O senhor se lembra sobre o que era escrito
nesses artigos a respeito do cinema nas escolas?
Ah sim! Mas foi tão breve! Foi uma seção de cinema educativo e cinema de amadores. Foi convite dele
sim. Eu substituí o Sérgio Barreto Filho, que era quem fazia essas seções. Ele morreu e eu fui para lá.
Então voltando ... O senhor veio para o Rio e foi trabalhar em 1942 na FAN Filmes, é isso?
Fui terminar os trabalhos no Alexandre Wulfes, na Filmes Artísticos Nacionais. Fiquei pouco tempo,
uns dois meses. Era tudo muito incerto, sem garantia de trabalho. Agora, com o Wulfes, na FAN Filmes, eu tive
uma surpresa, um choque: eu estava examinando um monte de latas, que estavam abandonadas embaixo da
mesa, e o Wulfes disse: examina isso aí. Eu estava mexendo e uma hora fiquei “estatelado”! Quando eu vi era o
14 Bis do Santos Dumont voando. Eu tenho isso escrito na Filme e Cultura (Revista). Também o Wulfes falou
assim: Santos Dumont! Santos Dumont voando! Não é possível, vamos ver isso aqui! Daí, que encontrar esse
filme, me ajudou muito quando eu fui fazer Uma Alegria Selvagem. Daí nasceu meu fascínio pelos filmes de
arquivo. Porque tudo o que eu fiz foi, basicamente, filme de arquivo. Mesmo os filmes de ficção têm arquivo.
Neste momento, senhor Jurandyr interrompe a entrevista, solicita sua secretária que encontre material onde
fora publicada a história sobre a produção de Uma Alegria Selvagem na Revista Filme e Cultura e me
entrega para ler sobre a história narrada acima.
Em 1943, o senhor foi para o DIP. Quais eram suas atividades no DIP?
Ah! Quem me levou para o DIP foi o Alexandre Wulfes. No laboratório dele, ele fazia a revelação dos
negativos dos filmes do DIP. encontrei figuras incríveis, como o Ramon Garcia, que era um espanhol
radicado no Brasil, mas muito integrado aqui a nós. O Ramon fez um vôo com um oficial da reserva, Antônio
Basílio, por cima da Taba dos Xavantes não pacificado. O Basílio dava aquelas quedas de ar, aqueles rasantes,
você via os Xavantes atirando de flecha na gente! Então o Ramon dizia assim: se houvesse qualquer coisa com o
avião, era preferível morrer na queda! (risos). A Cinemateca Brasileira tinha isso. Não sei se preservaram. A
Cinemateca agora tem condições. Mas é um grande momento do cinema documentário no mundo
101
.
No DIP, o sr. fez os documentários Esforço de Guerra do Brasil e a Volta dos Pracinhas. Pode me falar um
pouco desses filmes?
Eu tenho a relação aqui da minha filmografia e falo com você. No DIP tinha também o Fernando
Stamatto, que era filho de João Stamatto. O Fernando foi cinegrafista de guerra incorporado à FEB, Força
Expedicionária Brasileira. O Fernando, puxando lembranças de guerra, ficou aflitíssimo quando houve a
rendição da 148ª Divisão de Infantaria Alemã, onde foram presos... não sei. Nesse dia, eu sei que a FEB falam
muito da FEB, é uma injustiça, mas no contexto daquele setor ali, foi muito bem enviou mais de 25 mil
100
Trecho incluído por sr Jurandyr quando da aprovação da transcrição da entrevista.
101
No livro de Tombo consta que o filme foi adquirido pelo INCE, fazendo parte de sua filmoteca.
225
homens. Mas ele me disse que nesse dia da rendição, ele não teria filmado se não tivesse arranjado com um
cinegrafista americano dois rolinhos, porque não tinha recebido os filmes do Brasil. Agora é um negócio também
que eu não entendo. Em vez dos filmes serem entregues diretamente a ele na Itália, os filmes vinham dos Estados
Unidos para o Brasil e daqui eram enviados à Itália para ele. Até hoje não entendo isso. Aí lá, também, encontrei
o João Tinoco de Freitas, pai do Luiz Carlos de Freitas, o Bigode. E o Tinoco me convidou para trabalhar com
ele aqui fora. Eu vim todo entusiasmado, acabou a guerra, tudo vai melhorar, a economia... Aí eu larguei o DIP e
vim trabalhar com o Tinoco. Ah! O DIP, além de fazer a censura, produzia quatro jornais. Sei lá! Assim, de
cabeça, não lembro. Também apreendia aqueles filmes que o governo não queria que fossem veiculados. Uma
vez, o Wulfes ele tinha um carro movido a gasogênio e era muito engraçado, porque tinha uma chaminé
enorme disse: Olha, hoje nós teremos uma missão. Nem te conto, depois eu te conto”. E ele me levou ao
DIP. Ele tinha entrada livre lá, porque ele levava os filmes que revelava e copiava e ia pegar outros filmes. Mas
o Wulfes entrou numa sala, onde eu nunca tinha entrado. Ele já sabia exatamente onde estava aquilo. Ele
apanhou duas ou três latas e me deu algumas para carregar e ele vinha na frente dizendo: Depressa, depressa!
Não fala nada, que te conto no carro. Aí, no carro, ele disse assim: sabe o que estamos levando? É o Lampião e a
Maria Bonita. Se nós não tivéssemos tirado isso de lá, tinha desaparecido. Assim é que se salvou o filme do
Lampião e da Maria Bonita. E não foi um roubo, foi um resgate, senão iam destruir aquilo. Como destruíram o
ataque ao Terceiro Regimento de Infantaria quando foi do levante aqui na Praia Vermelha. Queimaram! Uma
estupidez, né?! Quer dizer, história, né?!
Como se deu o convite ao INCE?
Foi o seguinte: Eu fiz um filme de cavação. Eu tinha um amigo que morava em Nova Iguaçu, Dioclécio
Dias Machado, e ele era estudante de medicina. Conversando com ele, não sei por que, eu disse que gostaria de
fazer um filme: “é minha realização, mas não tenho dinheiro”. E ele disse: “eu posso arranjar alguém em Nova
Iguaçu que financie, entre com o dinheiro”. E arranjou. Mas eram as coisas mais incríveis: armazéns, armarinhos
(risos). No meio disso, nós filmamos também um ginásio desfilando. Era um negócio muito ruim, como
assunto era ruim. Mas eu tinha ido a uma olaria e tinha num lugar três chaminés de tijolo enormes!
Enormes! E eu pensei: devem dar um ângulo bom. Bem, eu falei com o cinegrafista, que também era amador,
Pólux Vitorino Coelho. Engraçado que o irmão dele era Castor. Ele tinha uma camerazinha de 30 metros e à
manivela. eu disse: “Castor, põe essa máquina aqui, abre o tripé, que eu quero pegar essas três chaminés
juntas”. E eu dei idéia de pegar as três chaminés juntas, de baixo para cima. Eu me deitei também, espiei, olhei a
posição antes, e ficou muito bom, sabe? Parecia aquelas coisas do Dziga Vertov, sabe? eu levei o filme para
Humberto Mauro ver.
O senhor se lembra qual era esse filme?
O filme chamava-se Visitando Nova Iguaçu. Você vê a ingenuidade disso tudo. Mas o Mauro achava os
assuntos horrorosos. Eram casas comerciais... Mas quando bateu essa cena na tela, Mauro levantou, ficou em pé,
e disse: “muito bem!” Tempos depois, o Mauro me convidou para trabalhar no INCE. Então, acho, que essa cena
influenciou o Mauro. Ele deve ter pensado assim: Esse rapazinho até que sabe alguma coisa. Acho que foi
minha origem de ida para o INCE. Acho eu.
O sr. entrou para o INCE, segundo prefácio do seu livro No Tempo da Manivela, em 1948, para chefiar a
Seção de Adaptação do Serviço de Técnica Cinematográfica. Quais eram suas atividades?
Só mais tarde que fui chefiar esta seção. Eu fiz vários trabalhos, de corte de negativos... não fui
diretamente chefiar... nem me lembro mais o nome do serviço.
Nesta época que o senhor entrou, o diretor era o Pedro Gouveia. Como era a rotina do Instituto?
O professor Pedro Gouveia era uma figura muito humana. E era um fiel seguidor do pensamento do Dr.
Roquette. Ele era seguidor do professor Venâncio Filho, Edgar Sussekind, daquele grupo do Anísio Teixeira da
Associação Brasileira de Educação, que já contei. Depois, também, tinha lá o professor Paschoal Leme. Mas isso
já foi tudo falado, né?!
Foram produzidos nos primeiros anos do Instituto (1936/1946) muito mais filmes que no segundo
momento, que coincide com a época que o sr chegou. A quê o senhor atribui isso?
Produziu mais filmes antes? Não produziu mais não! Depois realmente que entra o Flávio Tambellini é
que um aumento enorme nessa produção de filmes. Você tem como conseguir uma filmografia do INCE? De
tudo?
Claro. Trago para o senhor. O INCE produziu cerca de 407 filmes nesses 30 anos de funcionamento de
1936 a 1966 quando foi transformado em INC.
226
O sr. chegou a ter algum contato com professor ou aluno?
Agora não me recordo não...
Mas o senhor se lembra de alguma história sobre como o professor via o cinema como recurso didático?
Eles tinham interesse?
Os professores eram sempre muito interessados. Havia um grande entusiasmo pelo uso do cinema, pelas
imagens em movimento.
Jonathas Serrano escreveu em 1930 com Francisco Venâncio Filho, o livro Cinema e Educação. No
prefácio, diz que o professor via o cinema com certa desconfiança, porque havia receio de que o cinema
poderia suplantar o mestre. Essa visão se modificou ao longo do tempo?
Não sei. Não posso afirmar nada a esse respeito. Era uma coisa muito íntima do pessoal da educação,
né?! Eu era cinegrafista, não tive contato a esse ponto. Mas a procura de filmes no Instituto era enorme.
E todo professor ou escola, tendo interesse em um filme, podia solicitar cópia ao INCE?
Eles cediam a cópia dos filmes sob empréstimo. Mas havia casos que eles pediam a cópia do filme e o
Instituto não criava problemas. Eu me recordo bem de fazer cópias, que depois passavam a fazer parte da escola.
O senhor tem alguma recordação de algum filme que era muito procurado?
Não. Um filme do interesse do professorado não sei.
Os professores estavam preparados ou despreparados para utilizar os filmes em sala de aula? Eles viam o
filme como entretenimento ou como forma de enriquecer o aluno didaticamente?
Usando sua expressão, eles viam o filme como forma de enriquecer o aluno. Era uma gente em geral
muita esclarecida. Não tive assim contato mais próximo, de maneira que chegasse ao ponto de lembrar um nome,
mas era uma gente muito interessada.
Os estudos sobre o INCE apontam que os roteiros eram feitos por Paschoal Leme, no entanto...
Não, não era o Paschoal. Tinha outras pessoas. O Paschoal teve uma influência muito grande. Era
uma figura a qual eu tinha grande admiração. Muito capaz. Um espírito muito grande. Mas nem todos os filmes
eram de autoria dele não! A presença do Paschoal Leme no Instituto foi importantíssima. Ele examinava os
argumentos, fazia sugestões. O Paschoal era muito seguro no que dizia, sabe?!
Uma pesquisa recente diz que Paschoal Leme não acreditava no cinema como recurso didático. Para ele, a
boa educação se dá na sala de aula com alunos bem alimentados e professores bem remunerados. Qual sua
visão sobre esta declaração?
Eu creio que o Paschoal aceitava inteiramente esses processos novos de som e imagem. A impressão
que tenho é o contrário. Ele não era assim tradicionalista não, de nenhuma maneira.
E os alunos? De que forma eram motivados às exibições dos filmes? Eles gostavam do novo recurso
audiovisual?
Olha... em uma sala de aula, eu nunca tive oportunidade de vê-los, ver a meninada. Mas nas tais sessões
que o Dejean
102
fazia lá nas instalações do Instituto... porque ele não era, nunca foi funcionário do Instituto. Ele
foi funcionário da Embrafilme. Mas a Embrafilme e o Instituto houve uma época que se confundiam muito, se
completavam. E nessas sessões do Dejean, eu via uma reação muito positiva, muito calorosa, de muito interesse.
Mas em uma sala de aula, numa escola, eu nunca tive oportunidade de assistir.
Havia imposições do governo para que as escolas utilizassem os filmes?
Não havia imposição não. Era uma coisa voluntária. Os professores pegavam os filmes se quisessem.
Não havia uma pressão governamental.
Mesmo na época do Governo Getúlio Vargas, quando o INCE fora criado?
Não, não havia mesmo. Ataca-se muito o Getúlio, da época do Estadonovismo, chamando-o de
autoritário, né?! Ele era autoritário sim. Agora isso sobre os filmes não é verdade. Não havia uma
obrigatoriedade de pegar os filmes e passar. E se você vir os filmes, vai ver que nenhum tinha conteúdo político.
Inclusive o INCE não tinha cunho ideológico como o cinema educativo da Itália, da Alemanha. Isso ficou a
cargo do DIP, né?
102
Dejean Magno Pellegrin.
227
Você está falando do Luce, na Itália, né?! Os filmes do INCE eram educativos. A filosofia do INCE se
deve muito ao Gustavo Capanema. Os professores tinham inteira liberdade.
E os documentários eram considerados enriquecedores didaticamente? O aluno aprendia quando via esses
filmes?
Aprendia muita coisa! Voque os filmes eram ligados à História do Brasil, como o Descobrimento
do Brasil, que está até sendo usado por um programa de televisão, com aquele sociólogo Cadmo Fausto;
agora, tem outros, como Os Bandeirantes...
Neste momento, a entrevista é interrompida por Julio Mendes e Gilberta Noronha Mendes e iniciamos
uma conversa por aproximadamente 40 minutos sobre o INCE, para apresentação do trabalho.
O senhor se lembra de alguma escola que passou os filmes do INCE?
Hum.... Não me lembro não.
Para o senhor qual principal impacto do INCE nas escolas?
Você faz umas perguntas muito difíceis! Acho que despertou na juventude brasileira o conhecimento de
que se realizavam filmes no Brasil. Enquanto a produção do Brasil tinha aquele malfadado refrão de que era um
país essencialmente agrícola, pensavam que o Brasil não fazia nada disso em tecnologia, o INCE veio e mostrou
que isso era feito. Portanto, foi muito importante.
Queria que o senhor me falasse sobre os filmes que realizou no INCE. O primeiro deles, de 1948, foi a
Doença de Chagas.
Esse filme foi rodado em 16 mm, no Bambuí, no Estado de Minas Gerais. fui eu com uma câmera
CineKodak especial e conheci o professor Helmano Dias, do Instituto Oswaldo Cruz. Nesse filme
impressionou-me muito as condições de vida que aquelas pessoas viviam. Era terrível! Esse documentário, esse
sim, foi produzido para as escolas. E, também, enviadas cópias para a França no Instituto Pasteur. Foi feita uma
edição francesa e mandado para lá.
Depois, o sr produziu A Medida do Tempo em 1964.
A Medida do Tempo é o primeiro filme brasileiro que entram, simultaneamente, negativos em preto e
branco e colorido. Esse filme foi o primeiro filme que eu fiz na administração do Flávio Tambellini. Foi uma
idéia do próprio Flávio.
Em seguida, o sr. produziu O Monumento em 1965.
Bem, eu me impressionei muito com a entrada do Brasil na Guerra, como todos os brasileiros da minha
geração. Mas a minha geração sentiu muito, porque tinha possibilidade de convocação. Eu não teria mais, porque
era casado. Mas muitos amigos seguiram e é uma coisa até hoje pouco conhecida tamanha a verdadeira
importância que teve a FEB na guerra. Um contingente pequeno, mas dentro dos setores que combateu, foi muito
bem. Então fiz o Monumento. Eu nem sei mais se existe. Talvez na Cinemateca de São Paulo
103
. Sabe quem fez
a locução do Monumento? Foi o Arnaldo Jabor! A minha idéia era fazer um filme sem palavras. com sons e
imagens. E se você assistir o filme, tirar o som, você entenderá tudo. Mas o Flávio aquilo era um tempo
terrível, né?! achou que isso poderia suscitar as desconfianças dos militares, proporcionando algum tipo de
comentário ou problema, e preferiu fazer falado, entendeu? Que nada! Não teria dado problema algum.
O senhor se lembra onde o filme o Monumento foi exibido?
Foi exibido por afora. Era um filme que atendia aquelas exigências para exibição nos cinemas e
passava como complemento nacional obrigatório. Você sabia que existia uma lei obrigatória que obrigava a
passar filmes, né? No meio da produção particular lá iam os filmes do INCE, do DIP.
E o seu último filme no INCE foi Uma Alegria Selvagem, de 1966. De todos esses, qual seria o preferido?
Ah! Sem dúvidas, Uma Alegria Selvagem. Este filme é inteiramente antiacadêmico. Não tem nenhuma
ligação com as formas tradicionais de montagem. Ele também foi passado nas escolas. O Júlio teve muita
influência na produção de Uma Alegria Selvagem. Influência decisiva.
O senhor também participou de Indústria Farmacêutica. Como foi ?
Não fui eu sozinho. Foi um filme feito para Cuba, mas antes do Governo Fidel Castro. O ministro da
Educação queria que fizéssemos um filme para mandar a um Congresso Farmacêutico Latino Americano que ia
103
No catálogo de filmes da Cinemateca Brasileira consta que os materiais existentes são da versão francesa.
228
se realizar em Cuba. Então, todo mundo saiu “correndopara filmar. Tem seqüências de câmera feitas pelo
Manoel Ribeiro, pelo José Mauro. E eu (estou) nesse meio aí. Fomos nós três. A direção geral é do velho Mauro.
As filmagens foram feitas em São Paulo, em Niterói, no Instituto Vital Brasil e no Rio de Janeiro
104
.
Em uma pesquisa recente diz que o senhor concedeu depoimento à pesquisadora Elisandra Galvão e diz
que tinha certa dificuldade em filmar no INCE com Humberto Mauro, antes da entrada de Tambellini
105
.
Como isso acontecia?
A própria estrutura do INCE era muito pequena, não dava oportunidade a todos. Mas é verdade que
fui filmar no INCE – eu fiz no tempo do Gouveia, no tempo do Mauro, a Doença de Chagas. Era um filme de 16
mm filmar em 35 mm mesmo eu fui filmar com Flávio Tambellini A Medida do Tempo. Realmente, com
ele, todo mundo tinha direito de filmar, de realizar, de escrever roteiro. Ele deu uma abertura muito grande. A
própria criação do INCE era muito... Flávio abriu as portas do INCE, ele realmente era um grande, como é que
posso chamar, grande liberal democrata. Ele era muito cioso de que todos tinham direito de se desenvolver e
fazer, sabe?!
Na sua opinião, qual o melhor filme produzido pelo INCE?
Um filme que me impressionou, acho que talvez o melhor filme do INCE: Palavras ao Mar, que é sobre
Vicente de Carvalho
106
, aquele poeta santista. A locução era de Roquette-Pinto. A fotografia lindíssima, texto
muito bem escolhido, Roquette falando muito bem, música muito bem escolhida. Ah! Também outro filme de
muito valor, se você não assistiu, procure assistir, é João de Barro. Foi um filme que impressionou Warner
Krusdoff, quando esteve no Brasil. Ele disse que até o momento, foi a melhor coisa que assistira no Brasil.
107
ENTREVISTA 7Myrce Gomes
Realiza em 11 de abril de 2007, no bairro Flamengo, Rio de Janeiro.
Como foi sua trajetória profissional até chegar ao INCE?
Vou fazer o seguinte... Vou enfocar primeiro porque eu vim a gostar de cinema e, considerando minha
sedução pela educação, passo a atuar nessas duas áreas. Desde criança, aos quatro, cinco anos de idade, eu já ia
ao cinema com o meu pai. No Largo do Machado, havia um cinema chamado Politeama, que exibia séries, que
hoje não existem mais. Eram histórias em quadrinhos transportadas para o cinema que, hoje em dia, estão nas
cinematecas, ou, de vez em quando, acontece de encontrá-las em locadoras – vide Flash Gordon ou mostradas
como curiosidade na televisão. Flash Gordon, minha favorita, O Sombra, Zorro, etc. Esse tipo de atração era
exibida por episódios. Ao fim, vinha sempre os seguintes dizeres: continua na próxima semana. s, fãs eu e
meu irmão íamos com meu pai nos fins de semana. Então, daí, veio meu interesse pelo visual, pelo cinema.
Mais tarde, a família continuou indo ao cinema aos fins de semana. Pai, mãe e os dois filhos. Passava um filme
diferente e íamos assisti-lo! Toda semana tinha a mesma repetição. Então, o cinema, quando eu cheguei na
adolescência, que foi na década de 50, quando se começou aquele rebu americano, muita comédia, muito
musical, época do Frank Sinastra... Então, eu comecei a me apaixonar por cinema. Como em geral eram filmes
americanos, eu queria, inclusive, aprender a língua que eles falavam. Então, a partir daí, eu fiquei impregnada do
do audiovisual e fui crescendo dentro dessa busca e me interessando pelo processo de criação cinematográfica.
Mas não foi mistério, para mim, perceber que os filmes não eram construídos de forma linear. Eu comecei a
perceber que as histórias não eram lineares, que as histórias eram interrompidas, e que havia fundo musical,
quando na vida, no mundo, não existe fundo musical. Tudo que as pessoas custam a ler nos filmes, eu, como
adolescente, percebi. Eu percebi a montagem do cinema, que é difícil de ser percebida. Ela é muito sutil. Ela tem
que ser muito sutil. E, normalmente, é muito bem feita. Então, ela une as partes do filme, de forma a se
compreender, de poder fazer a leitura do filme através da montagem.
Algum filme dessa época que a sra lembre que a tenha marcado, emocionado?
Ah! Sim! Os Wester, os filmes de cowboy, que era como os chamávamos. Naquela época, a gente via
bang-bang. Muito bang-bang! Que nada mais é que filme de montagem. Você o cavalo, a cara do cowboy,
vê o boi andando, a manada solta. Você não isso linearmente, mas em partes que são unidas e te contam uma
história. Aquelas seqüências que são colocadas, você vai entendendo a história: o couboy que está perseguindo
um boi que fugiu. Então vai mostrar o cavalo, ele montado no cavalo, depois vai mostrar o rosto dele, vai
mostrá-lo armando o laço, vai mostrar o boi, vai mostrar o laço, vai mostrar o laço pegando o boi. Tudo isso são
detalhes e você vai entender a história: um homem a cavalo atrás de um boi. Uma bobagem como história,
104
Trecho incluído por sr Jurandyr quando da aprovação da transcrição da entrevista.
105
Sr. Jurandyr não se recorda da pesquisadora e de ter concedido esta entrevista.
106
O filme Vicente de Carvalho – Palavras ao Mar – consta no Catálogo do INCE como sendo de 1945.
107
Trecho incluído por sr Jurandyr quando da aprovação da transcrição da entrevista.
229
mas lindo quando bem filmado! E isso não é contado linearmente, como antigamente era. Quando começaram: o
trem entrando na estação. Vovia o trem inteiro entrando na estação. Então, isso aí, ficou marcado na minha
adolescência. De ter aprendido o que era cinema, sentir o que era cinema desde cedo. eu cresci. Papai disse:
“você tem que estudar. Ficar na praia, minha filha, não dá” (risos). Então, mulher, naquela época, ou era
professora ou era ... Não! Ou entrava no curso de normalista, que existia no Instituto de Educação, onde se
formavam as professoras primárias. As mocinhas eram todas do ensino primário, que, hoje, nem existe mais. É o
fundamental que ligou tudo; ou, então, estudavam Filosofia, porque não existia mais nada para mulher. Existiam
umas pessoas que enfrentavam a situação. Existem engenheiras do meu tempo, físicas do meu tempo. Mas uma
ou duas ou três. Porque a grande maioria fazia era isso mesmo: ia ensinar para a criancinha ou, então, ia para o
ginásio ensinar Filosofia. O resto ficava por conta da área masculina. Com essa história de eu ter “caído” no
Instituto de Filosofia e gostar de cinema, eu acabei conhecendo o professor Plínio Sussekind Rocha
108
, que me
apresenta e, mais tarde, foi meu companheiro de vida ao INCE, que eu não conhecia: o Instituto Nacional de
Cinema Educativo. Então, eu fui trabalhar com Humberto Mauro, Flávio Tambellini, para exatamente trabalhar
com aquilo que eu gostava. que eu não cheguei a aprender nada com ele. Fui aprender na França com uma
bolsa, que eu ganhei do governo francês, na Cinemateca Francesa, curso este que, na época, era ligado à
Sorbonne e dirigido pelo antropólogo e cineasta Jean Rouch
109
. Voltei e não pude aplicar o que aprendi, porque
eu continuei no INCE. Eu o era vanguardista para me “meter” na área comercial, que existia, né?! Porque
naquela época, tinha um monte de gente fazendo cinema. Mas eu não tinha coragem, eu não era corajosa. Então
fiquei esperando minha chance no próprio INCE, que surgiu quando a Gilberta – não sei o sobrenome dela mais,
porque ela casou
110
–, filha do Jurandyr, que também aprendeu a fazer cinema com bolsa do IDHEC na
Bélgica
111
, deixou de ser diretora de produção do curta-metragem no Instituto de Cinema, e eu passei para o
lugar dela. eu produzi muitos filmes, muitos documentários. Inclusive produzi vários do DAC, que era o
Departamento de Assuntos Culturais do MEC, que começou fazer filmes e não soube acabá-los. Então, passaram
todos para mim, no Instituto Nacional de Cinema. Então, é isso que eu tenho para te dizer desse início da
minha vida. Não posso dizer que a vida no INCE fosse ruim. Pelo contrário. Como dizia D. Beatriz Roquette-
Pinto Bojunga, filha do Dr. Roquette, que também trabalhava lá, vivíamos como uma família. “Seu Mauro”,
como nós o chamávamos, era uma figura maravilhosa e era engraçado também. não gostava que nós,
mulheres, fizéssemos filmes. Era o “Clube do Bolinha”. No entanto, podíamos aprender a montar. A própria
neta dele, Valéria Mauro, aprendeu com o pai, José Mauro, e Manuel Ribeiro. O problema, creio eu, era
lidar com a câmara e tudo mais. Mesmo assim, era bom trabalhar no INCE.
112
O Flávio Tambellini entrou no INCE em 1961. A sra entrou no INCE já com ele lá?
Na verdade, eu entrei um pouco antes. Quer dizer, ele já estava para entrar quando eu fui.
Naquela época, a partir de 1961, após sua entrada, estava havendo a transição do INCE para INC e ...
Acho que não. A transição começou a partir do Tambellini no INCE. Ele veio, com certeza, para este
fim. Mas não veio preparado. E foi preciso um preparo. Depois, veio a acontecer o Instituto Nacional de Cinema.
E dessa época no INCE quais são as suas principais lembranças?
Ah! Difícil de colocar. Não sei te dizer. Acho que nada. Esse período não representou nada para mim.
Embora tenha se reunido isso sim é importante na época, foi reunido um grupo bom: tinha o Moniz
Vianna, o Jorge Lleli, quem mais de proa ... (pensativa), o Ricardo Cravo Albim, que, mais tarde, foi presidente
do Instituto. Quer dizer, uma época assim que você vê: o nomes que estão ainda. O Lleli faleceu, mas o
Moniz acho que está aí ainda.
113
O INCE funcionou por mais de 30 anos e produziu mais de 400 filmes. Inclusive mais de 300 são
atribuídos a Humberto Mauro. Como os professores viam o cinema educativo nessa época?
Não sei. Não tinha contato com o professor. Não tinha a menor idéia do que eles pensavam a respeito.
Mas a sra não tem conhecimento de histórias sobre o professor? Sobre o que eles pensavam do INCE?
Esse tipo de informação não. Quem lidava com essa parte não era eu.
Como era seu trabalho lá no INCE então?
108
Professor e defensor do cinema mudo. Fundador do primeiro cineclube brasileiro: Chaplin-Club (1928-31), no Rio de Janeiro – principal foco da
teoria cinematográfica do Brasil até então.
109
Trecho modificado com novas informações no ato de aprovação da transcrição.
110
Gilberta Noronha Mendes.
111
Trecho incluído no ato de aprovação da transcrição.
112
Ibidem.
113
A pergunta referia-se ao INCE, porém, a depoente versou sobre sua experiência no INC.
230
Meu trabalho, já nesta época, era ligado à produção dos diafilmes, por causa da minha formação. Eu não
estava ligada à produção dos filmes. Essa parte era ligada diretamente ao Mauro
114
.
Esses filmes foram catalogados por Carlos Roberto Souza, em 1990, a partir do Livro de Tombo do INCE.
Ao todo foram listados 407 documentários.
Ah, bom! sei quais são: A maquininha do “não sei o quê” que funciona assim. Não eram
documentários não! Eram filmetes, vamos dizer assim. Você vai ver o tamanho deles... Não creio que seja
engano do Carlos Roberto, mas sim, de quem redigiu o Livro de Tombo do INCE
115
.
Muitos desses documentários tinham duração entre 7 e 10 minutos...
É. Mas não eram documentários não! Eram filmadas coisas que um grupo de professores que Roquette
reunia, e cada um dia dizia o que ia filmar. Então mostrava como a máquina funciona. As pessoas “pajeavam”
muito Humberto Mauro. Eu não sou desse gênero. Isso não é verdade. Não coloca isso. Porque não é verdade.
Mas quem não pajeava Humberto Mauro?!
116
Mas estudiosos consideram esses “filmetes” como documentários.
Eu não considero, mas não sou estudiosa de cinema. Minha área acadêmica é a Filosofia da Ciência.
Quanto a cinema, eu acho, e só acho que filmagem é filmagem. E filme é filme. Então vamos separar. Eu chego
ali na janela, filmo a rua, e te digo que fiz um filme?
Eram filmes informativos do tipo: O preparo da vacina contra a raiva, Lição Prática de Taxidermia,
Bandeirantes, apesar deste ter 40 minutos, e é o mais longo do INCE. Entre outros, a Medida do Tempo,
Uma Alegria Selvagem, este inclusive do Jurandyr Noronha ...
Bem, agora você está misturando tudo. Na verdade, o que estou questionando são esses 400 filmes do
Mauro como Lição... Preparo da Vacina ... Bandeirantes, o. Esse pode ser considerado um filme
117
. Não
quero dizer que o INCE não tenha feito 400 filmes. Fez até mais. no INC, eu fiz uns 400, muitos oriundos
do próprio MEC, que ficaram pela metade
118
. Mas o Mauro ter produzido 400, acho que não é por aí. É um
exagero. Todas essas questões aí são filmetes. Filmetes informativos. Não eram mais do que isso. Eram
programados por professores. Os professores pediam: “faça isso”. Era um grupo que funcionava dentro do
Instituto direcionado pelo Roquette.
Mas esses professores faziam pesquisas para saber quais os assuntos que deveriam ser produzidos?
Nessa época, eu não tinha nem nascido (riso). Não sei.
Na década de 50, a sra não tem nenhuma recordação sobre o Instituto, que estava no auge?
Não, nunca tinha ouvido falar. Nem sabia que o INCE existia.
Então, o Instituto não tinha propagação no País?
Olha, não sei. Provavelmente, tinha nas escolas públicas, mas nas escolas particulares acho que não,
porque eu sempre cursei escolas particulares.
Muitas pesquisas hoje apontam o uso do cinema em sala de aula como inadequado, uma vez que o
professor não sabe utilizar essas imagens no ensino de forma a contribuir ao conhecimento do aluno. A sra
acha que se o INCE tivesse sobrevivido até os dias atuais, o uso do cinema como recurso didático, hoje,
poderia ser diferente?
Acho que sim. Inclusive com o uso da televisão. Nada mais prático que a televisão. O que usei quando
lecionei na UERJ eram filmes captados em videocassete. Mas o que estava em sala de aula não era o cinema,
era o videocassete. Então, a televisão veio contribuir muito para essa difusão. Era muito difícil você levar uma
tela, levar um projetor para exibir o filme para os alunos. Era muito complicado antes da televisão,
principalmente antes do videocassete. Na UERJ, a projeção de filmes, nas minhas aulas, principalmente nos
cursos de jornalismo e comunicação, foram muito bem aceitos
119
.
uma pesquisa que afirma que os filmes do INCE eram considerados chatos, na época, mesmo com
estudos atuais sobre a técnica cinematográfica afirmarem que eram excelentes. Em relação ao professor e
aluno, o que eles achavam desses filmes?
114
Trecho incluído no ato de aprovação da transcrição.
115
Ibidem.
116
Ibidem.
117
Ibidem. .
118
Ibidem.
119
Trecho incluído no ato de aprovação da transcrição.
231
Olha, eu concordo com isso. Os filmes eram muito chatos. Porque não foram feitos para serem
divertidos. Deveriam ser, mas não são. Porque que esse Iwo Jima, do Clinton Eastwood, é bom como informação
histórica? Porque não foi feito como informativo, mas feito como obra de entretenimento, porque o cinema
também é entretenimento! Você não pode esquecer disso. Então, juntando as duas coisas, funciona. eu
choro.
Mas mesmo sendo considerados chatos, os documentários eram considerados enriquecedores
didaticamente, complementavam as aulas dos professores?
Uns complementavam sim. Traziam informações novas. Eu mesma fiz alguns filmes mostrando figuras
com Câmara Cascudo, feito pelo Walter Lima, que era desconhecido. Só era conhecido por quem lia. A partir do
filme do Waltinho, passou a ser conhecido. Você passa a guardar visualmente. Quer dizer... Igrejas as quais você
não tem acesso, se filmadas de uma forma interessante, m a impressionar bastante. Os filmes do Mauro sobre
as cidades históricas mineiras, em especial Congonhas do Campo, são muito interessantes, valem a pena ser
vistos
120
. Agora, a grande maioria não é não. Sei lá! Falta poesia, falta um pouco de emoção para poder prender o
espectador. Se você não prende o espectador ele vai embora. Eu sou mestre em sair do cinema. Se em 15 ou 20
minutos o filme não melhorou, não espere que melhorar. Isso é taxativo. No máximo meia hora é o que dou
para um filme melhorar.
Como era o seu trabalho com os Diafilmes?
Eu só acompanhava, porque havia outro setor que distribuía e outro que contratava professores para
fazer os diafilmes. Os diafilmes eram feitos a partir de imagens fixas. Uma série de slides, unidos como em
filmes, não eram separados como o slide que você coloca e tira. Na época, era muito comum você ter máquina
fotográfica que também tirava slide. Você viajava e trazia aquele monte de slide. Então as pessoas convidavam:
“Olha, vem ver a minha imagem, ver os meus slides”. Então, você não ia, porque era uma chateação (risos) ficar
vendo imagem das pirâmides... etc. Tira da máquina, e na máquina, tira da máquina, e na máquina. O
diafilme era mais prático. Era um “rolinho” que você ia enrolando e a imagem ia mudando, conforme ia
passando. Mas era, também, difícil prender atenção em imagens fixas, ter emoção. Por exemplo, quando você
fotografia normalmente, elas são apenas registro da imagem. Por que existem grandes fotógrafos? Porque eles
conseguem naquela imagem captar a emoção. Mas todo mundo tira fotografia, mas é para registro, apenas. A
fotografia como forma de arte é uma coisa difícil de fazer.
No INC foi criado o Departamento de Filme Educativo (DFE). Os filmes do INCE foram esquecidos ou
continuaram sendo usados?
Eu não sei. Isso acredito que você possa saber na própria Funarte. Os mais antigos estão na Cinemateca
em São Paulo, mas os mais recentes ficaram aqui.
Pergunto, na verdade, sobre a utilização, não sobre a questão física...
Ah! sim! Na época toda em que eu estive lá, os filmes eram muito usados. Muito procurados. Saíam
muito.
A sra se recorda de alguma escola que utilizavam esses filmes?
Não... Nunca tive contato com nenhuma escola.
Mas as escolas valorizavam esses filmes e os reconheciam como importantes aliados ao ensino? Eram
considerados bons?
Olha... Eles gastaram muito dinheiro com os filmes. Eram considerados bons. Digamos razoáveis, pode
ser? De uma produção técnica boa, porque a gente tinha condições. Alguns foram além da expectativa. Naquela
época... Olha, o documentário é uma coisa muito difícil de ser feita. O curta-metragem é muito difícil. É muito
mais difícil que fazer um longa (metragem). Da mesma forma que é mais difícil escrever um conto. Ou você
parte para informar ou ... Por exemplo: um filme que eu considero muito, aliás, dois filmes mais ou menos dessa
época, que não têm nada a ver com o INCE, que são Homens do Caranguejo, de Ipojuca Pontes, e a Terra de São
Saruê
121
, de Wladimir Carvalho, que são documentários muito bem realizados, emocionantes, que,
simplesmente, te informam como a população vive de “catar” caranguejo e o outro onde fica a terra de São
Saruê, como funciona. Os dois foram feitos com muito pouco dinheiro. Aí entra a criatividade do artista.
122
120
Trecho incluído.
121
O documentário chama-se O País de São Saruê.
122
Trecho incluído.
232
A sra, então, classifica os filmes a partir do tempo de duração? Por que entre os documentários
produzidos por Humberto Mauro, que a sra considera como filmetes, são, exatamente, este estilo de
documentário informativo citado acima, como por exemplo: Cerâmica de Marajó, Cidade de São Paulo...
Mostraram sim. Mas eles eram desprovidos desse lado emocional, entendeu?
Mas mesmo as Brasilianas?
Ah! Tinha me esquecido das Brasilianas! Claro! As Brasilianas já são documentários emocionantes, que
levam essa carga emocional que falo. São todas muito bonitas. Mas Lição de Taxidermia, por exemplo, não diz
nada!
A sra se lembra de algum desses filmes produzidos que considere extremamente atual?
Esses dois que eu te falei mesmo, se vo“botar” para assistir, todo mundo vai. Foram feitos nas
décadas de 60, 70, em preto e branco. São bons filmes.
Mas e do INCE?
Do INCE... (pensativa). Os próprios documentários do Mauro citados: Brasilianas, Cidades
Mineiras, Bandeirantes, Descobrimento do Brasil etc.
123
Mas outros interessantes. Tem um do João Carlos
Horta, feito em cima de um poema: “O grande circo stico”
124
, se não me engano do João Cabral de Melo
Neto. Ele pode até te falar a respeito.
A sra partilha da mesma opinião de alguns historiadores como Paulo Emílio Salles Gomes, por exemplo,
que elogia os filmes de ficção de Humberto Mauro em detrimento à obra realizada no INCE, acreditando
que no Instituto ele perdera a criatividade e tempo?
Olha, é difícil de te afirmar ou negar. Haveria sobrevivência de Humberto Mauro se não fosse o INCE?
Não sei... O Mauro não era uma pessoa pobre, mas também não era uma pessoa rica. E fazer cinema é muito
caro. Ele fez alguma coisa com Adhemar (Gonzaga), mas aque ponto Adhemar ia querer prestigiar Humberto
Mauro? Até que ponto ia dar o dinheiro para sustentá-lo? Porque enquanto ele mesmo fazia os filmes que
sustentavam a Cinédia, quer dizer, ficava “tudo” dentro de casa. Então, pagar alguém para ficar trabalhando para
ele, era muito difícil. Limite foi feito às custas de Mário Peixoto. Ele fez o filme. Ele pagou o filme. Porque
ninguém patrocinou. Era uma época muito difícil. Será que Humberto Mauro teria sobrevivido sem o INCE?
Matou, provavelmente, sua criatividade. Isso pode ter matado a criatividade de Mauro que era enorme, né?!
Você vê... Os filmes de Mauro são todos muito bons. Em Canto da Saudade, ele estava no INCE, é o ator do
filme e ele imita o Roquette-Pinto, a maneira do Roquette falar. Seu personagem é o Roquette-Pinto. Não posso
deixar de mencionar que a maioria (dos filmes de Mauro) foi fotografada por José Mauro, o Zequinha, que
sempre acompanhou o pai no INCE. Isso sim eu posso dizer: foi o INCE que cerceou a trajetória de José
Mauro, caso contrário, poderia ele ter sido reconhecido como um dos maiores diretores de fotografia do
Cinema Brasileiro
125
.
A proximidade entre Roquette e Mauro gerou algumas controvérsias sobre as idéias do filme Argila, de
1940. Alguns acreditam que as concepções do filme são de Humberto Mauro e outros que são de Roquette-
Pinto...
Eu não conheci Roquette-Pinto. Mas o personagem que Humberto Mauro constrói no Canto da Saudade
é o Roquette. Agora, se o (filme) Argila tinha idéias do Roquette, até que ponto Roquette tinha idéias
cinematográficas, eu não sei, e não acredito. Ele era um homem culto, erudito, mas não acho que ele tinha essas
idéias cinematográficas, tanto que ele chamou Humberto Mauro para trabalhar no INCE. Se não,
necessariamente, ele não precisaria de Humberto Mauro.
Quais foram, na sua opinião, os impactos do INCE nas escolas?
Nenhum. Eu acho que o cinema ainda está por se fazer nas escolas. E acho um pouco difícil que se faça.
A criação do INCE foi uma obra fantástica, mas adiante de seu tempo. O verdadeiro desenvolvimento da
tecnologia apareceu na segunda metade do século XX. Essa idéia, certamente, vingaria em grande escala
com o advento da televisão. Pode-se perceber o nível intelectual na mente roquetteana. Que grande homem
ele era! Viveu além de seu tempo.
126
O que está faltando?
123
Trecho modificado e incluído.
124
Trecho incluído. O filme citado não consta na lista de filmes produzidos pelo INCE. Foi produzido em 1977 pela Embrafilme e fala sobre vida e
obra de Jorge de Lima, baseado na reconstituição da memória de sua família e do universo poético do autor, enfatizando Invenção de Orfeu, sua maior
obra. Fonte: Cinemateca Brasileira.
125
Trecho incluído.
126
Ibidem.
233
Que as pessoas queiram alguma coisa! Tem um país que... para nós, outro dia eu estava lendo um
artigo do (Arnaldo) Jabor sobre o (filme) Cheiro do Ralo. Não vi o filme ainda. Preciso ver. Dizia assim: o
cheiro do ralo significa o cheiro do Brasil. Então, fica muito difícil um país que está com o cheiro do ralo, você
dizer que vai criar uma expectativa cinematográfica para atrair professores e alunos, quando eles não estão
atraídos por nada. Eu não sei, você está dentro da universidade agora e eu não estou. Mas eu não vejo ninguém
estudar nada, ensinar nada. A situação da educação no País, nesse momento, é a de que todo mundo nasce
sabendo, não nenhuma necessidade de estudo fundamental. Tudo está voltado para a pós-graduação e não
sei como se chega lá sem o ensino fundamental e maior informação cultural.
127
Como ensinar o professor a ler essas imagens para que ele possa ensinar seus alunos a ver o filme de
forma crítica?
Precisa-se, primeiramente, antes de tudo, gostar de cinema. Nada é mais importante que ir ao cinema
para mim. Enquanto eu não vejo todos os filmes do Oscar eu não descanso. Porque eu tenho que colocar os
filmes em ordem de importância. Você está perguntando para a pessoa errada. O cinema, para mim, é a coisa
mais importante que existe.
Mas de que forma poderíamos ensinar os professores a produzir conhecimento através do filme e motivar
os alunos a virem o filme não apenas como entretenimento, mas também como fonte de informação?
Começa por aí. Por exemplo: eu telefono pra alguém, uma amiga, que é engenheira, professora
universitária, e digo: olha, está passando ali na esquina Pequena Miss Sunshine. Esse filme é muito interessante,
você precisa ver. E fica por isso mesmo. Ela não vai. Enquanto não se motivar a população de professores a
assistirem ao cinema, a irem ao cinema, nada vai mudar. Porque o cinema está sendo considerado entretenimento
apenas.
Mas algumas pesquisas apontam que o cinema é considerado caro, não só por alunos, também por
professores.
Está certo, mas todos eles têm televisão em casa e a TV transmite os filmes. Mas garanto que todos eles
vêem novela, mas não assistem aos filmes. O que você acha?!
Queria que a sra me falasse um pouco dos filmes que produziu.
Eu produzi alguns filmes com um pessoal muito bom. O Walter Lima, Miguelzinho Faria, Paulo César
Saraceni, Mário Carneiro, Gilda Bojunga
128
. Os filmes são bons. O problema todo é a distribuição, a exibição.
Você tem uma dificuldade de distribuição muito grande no Brasil que sempre existiu, por causa da investida
americana. Os próprios filmes europeus ou latino-americanos m muita dificuldade para chegar às telas. Esse
grupo do Estação sobrevive “à tapa”, e está sobrevivendo. Parabéns para eles! Asaiu uma reportagem outro
dia sobre isso e achei muito importante. Eles estão conseguindo “furar” a barreira americana. Embora o cinema
americano tenha um lado muito bom e você “tira” muitos cineastas de primeira linha e filmes de primeira linha,
a grande maioria dos filmes americanos é de baixo vel, baixa categoria, que é o que todo mundo está indo ver,
que é o que a TV está divulgando. Então, não sei realmente, o que para fazer. um impasse muito grande.
Se as pessoas não quiserem prestar atenção nisso, parar de assistir suas novelinhas e assistirem aos filmes que
são importantes, não vai acontecer nada. Eu me recuso a ver novela. Eu vi novela até a morte da minha mãe,
porque ela via e eu tinha que ver com ela. Tudo o que está passando na novela é uma cópia ruim de cinema.
Tudo que está passando na televisão você já viu no cinema. Então você está colocando uma questão muito difícil
de ser respondida. Quando é que as pessoas vão começar a gostar de cinema, a entender o que seja cinema,
separar o joio do trigo? Não vou ver o Rock Balboa! fica caro, claro que é caro! Agora, se você investe em
algo que vai aumentar seu grau cultural, por que é caro? Você não compra um livro? Não sei... Não entendo isso
de ser caro, se você vir a mão-de-obra que é produzir, distribuir e exibir um filme.
Estudiosos sobre cinema afirmam que o cinema brasileiro ainda está por se fazer. O que a sra pensa a
respeito?
É verdade. Eu concordo. Há muito pouco tempo nós começamos a ter boas coisas seguidas. Antes eram
esporádicas.
Qual o melhor filme brasileiro na sua opinião?
Limite, de Mário Peixoto. Em tempos modernos, eu acho que Memórias do Cárcere é, certamente, o
melhor filme. Muito bom. Quando Nelson Pereira entrou para a Academia foi a coisa mais sensata que se fez,
porque a nossa Academia não tinha vaga para o cinema. E foi muito bom. Ele conseguiu captar a realidade do
livro e fez Memórias do Cárcere. Parabéns ao Nelson e à Academia!
127
Trecho incluído.
128
Ibidem.
234
E um filme estrangeiro?
Cidadão Kane.
E um filme seu?
Eu não tenho capacidade para fazer um filme, senão teria feito. É o que te falei. Foi por isso que fiquei
na produção de documentários.
ENTREVISTA 8 - Fernando Ferreira.
Realizada em 28 de agosto de 2007 e 04 de setembro de 2007, na PUC / RJ.
Queria que o sr falasse um pouco sobre sua trajetória profissional e o porquê do seu interesse pelo
audiovisual.
Bom, em primeiro lugar, meu nome todo é Fernando Antônio Ferreira da Silva. Desde o ginásio, eu
fiquei com o nome encurtado para Fernando Ferreira, porque no colégio em que eu estudei, para economizar
espaço na pauta, colocavam Fernando Ferreira. E, ainda, porque minha mãe tinha uma implicância danada com o
“da Silva”. Então, ela incentivava os filhos a usarem o Ferreira. Bom, como é que surgiu meu interesse por
cinema? Eu não sei precisar exatamente que idade eu tinha, mas eu lembro que estava no cinema, com não sei
quem, na minha cidade, em Ponte Nova, de onde eu saí com sete anos. Portanto, deve ter sido alguma coisa
anterior a esses sete anos. Passavam um western em que alguém atirava desesperadamente contra os índios. E eu
berrava na sala, porque achava que o tiro ia me atingir. Lembro-me disso com bastante nitidez! (fala saudoso).
Então, ali, acho que foi minha primeira marca de cinema. Tenho essa imagem na cabeça.
O sr. se recorda que filme era?
Ah, não. Isso não!
E não se recorda com quem o sr. estava?
Realmente não lembro. Agora, lembro muito bem de que quando cheguei no Rio, com sete anos – eu fui
alfabetizado em Ponte Nova, Minas Gerais, onde nasci e entrei para a escola, sabia ler. Lembro-me com
bastante nitidez de uma ocasião em que fui ao Cinema Odeon com minha mãe e meu pai assistir a um filme que
se chamava é... (pensativo) Sonata ao Luar, Moonlight Sonata, que é um filme no qual o ator principal era um
famoso pianista e que também foi presidente da Polônia, o Ignácio Paderevski. Como ele, inclusive, era uma
pessoa de notoriedade na época, o filme girava em torno do momento em que ele executaria a Sonata ao Luar de
Beethoven. E dessa cena me lembro com nitidez: no momento em que ele está no teatro, um menino, que eu
não sei o que representa dentro do filme, que deixa cair uma caixa de bombons que tinha o formato de um coco.
Aquilo vai rodando pelo corredor do teatro e chega até o palco. Então, ele sentado ao piano, levanta-se, pega
aquele coco e leva até o menino. Esse é um filme que foi dirigido por um cineasta, de quem, depois, eu apurei o
nome, claro, chamado Lothar Mendes, um húngaro que foi parar nos EUA.
O sr. se lembra quando era essa época?
Devia ser por volta de... (PM)
129
. A gente se mudou para o Rio em 37. Eu devo ter vindo pro Rio com
uns seis, sete anos. Porque eu sou de 1931. Não é um filme do qual guardo o argumento. Agora, guardo muito o
argumento de um filme que marcou mesmo meu interesse pelo cinema. Foi quando comecei a ver planos dentro
do filme, uma narrativa, e como eu tinha uma memória musical muito boa, guardei a música de fundo do filme.
Aliás, foi o primeiro filme que ganhou um Oscar por música de fundo. Claro que eu não sabia disso na época! O
filme chamava-se As aventuras de Robin Hood, com Errol Flynn. Eu devo tê-lo visto pelo menos umas 40
vezes (ri)! Tenho pia em DVD em dois discos, com novidades absolutas sobre a realização do filme na época.
O filme adquiriu uma importância muito grande.
O filme é de que ano?
De 1938. Foi o primeiro filme que ganhou um prêmio com fundo musical. Depois, estudei bastante a
carreira do compositor, chamado Erich Wolfgang Korngold, cujas árias são muito cantadas, hoje, por essa
soprano Kiri te Kanacoa. O Korngold era um judeu húngaro que fugiu para os EUA exatamente no momento em
que surgiu a oportunidade de trabalhar nesse filme. É um filme clássico. É belíssimo e me marcou
profundamente! O filme era em cores e o mundo da cor, no filme, é absurdamente extraordinário. Lembra a
pintura flamenga. Nessa pia em DVD que tenho, entre os extras do filme, mostra uma coisa que, na época,
seria impossível, porque Hollywood fazia um suspense tremendo sobre a produção de filmes: a suposta floresta
129
PM= Pausa Média
235
de Sherwood deveria estar verdejante, mas não era época para isso. Então, tinha uns caras, lá, pintando com
spray as folhas de verde. Sensacional!
Na sua infância aqui no Rio, com sete, oito anos, em qual escola o sr. estudou?
Na Escola México, ali em Botafogo, na Rua da Matriz. Está lá até hoje.
O sr. se recorda de ter visto filmes nessa época?
Olha... Eu me lembro de ter visto filmes na escola, sim. Eu julgava que vira o João de Barro nessa
época, mas como você falou que o João de Barro é de 1954, devo ter me enganado
130
. Mas eu me lembro de ter
visto filmes na Escola México. Lembro muito bem de duas coisas características dessa época: uma delas era o
Canto Orfeônico, que o Villa-Lobos patrocinava. Cada escola tinha sua professora de música de Canto
Orfeônico. Aliás, eu até entrevistei o Villa-Lobos sobre Canto Orfeônico e ele disse uma coisa muito curiosa,
principalmente para quem estuda o Estado Novo. Ele me disse: “Meu filho, o Canto Orfeônico é disciplina”. É
que no dia anterior, os jornais do Rio haviam publicado uma briga de parlamentares aos socos dento da Câmara
dos Deputados e vários jornais publicaram essas fotos. E continuou: “O Canto Orfeônico é extremamente
disciplinador, porque a música é disciplina. E quando as pessoas se deixam guiar pela disciplina, elas são
capazes de realizar coisas muito importantes”. Ele olhou para a fotografia do jornal e disse assim: “Ah! se os
parlamentares soubessem música!” E esse foi o tulo da minha matéria no dia seguinte: “Se os parlamentares
soubessem música...”
Quando o sr entrevistou Villa-Lobos?
Em que ano? Ah! Com exatidão não sei. Provavelmente, foi na década de 50, porque O Globo estava
promovendo um concurso de Canto Orfeônico. Era uma espécie de tentativa da reviver o Canto Orfeônico. O
Villa-Lobos tinha um assistente, que era até professor de educação física, que marcou um encontro comigo no
antigo Conservatório Nacional do Canto Orfeônico, ali perto da Praia Vermelha, perto do Instituto Benjamin
Constant. E lá, o Villa-Lobos virou-se para mim e disse: “Me diz uma coisa, você é repórter de matutino ou
vespertino?” Naquela época, existiam jornais matutinos e vespertinos. eu disse: “sou do Globo”. Então ele
falou assim: “Então você é vespertino. Quer dizer que você não tem que escrever essa matéria agora à noite”. Eu
disse: “Não”. E ele falou: “É que eu tenho que assistir a um filme. Sente-se aí e assista comigo”. Sabe qual era o
filme? O Descobrimento do Brasil, de Humberto Mauro!
Foi a primeira vez o que o sr assistiu ao Descobrimento?
Primeira vez! E ao lado de Villa-Lobos! O Alex Viany me deu um livro de presente sobre Humberto
Mauro com uma dedicatória escrita assim: “Ao Fernando Ferreira, que teve o privilégio de assistir ao
Descobrimento do Brasil ao lado de Villa-Lobos”.
Que privilégio mesmo...
Pois é... olha o que estava acontecendo ali: eu era um antigo aluno da formação musical que o Villa-
Lobos tinha concretizado naquele momento do Estado Novo ao lado do seu próprio autor! Isso foi, para mim,
muito emocionante! Lamento muito não ter feito uma matéria à altura daquele momento.
Acredito que tenha feito sim... Além do Canto Orfeônico, então, o sr. se lembra de ter visto filmes na
escola México. Como eram esses filmes?
É. A Escola México tinha um auditório e nesse auditório, um palco, que era onde ensaiávamos as aulas
de canto. E quando a turma era reunida para assistir a um filme era sempre nesse mesmo auditório. Era até
pintado de rosa, se não me falha a memória. Agora, qual a origem dos filmes a que assisti, realmente não sei. Eu
sei que vi ali determinados tipos de filmes que diziam respeito à realidade brasileira do interior. Eu acredito que
tenham sido filmes do INCE, mas não posso garantir.
Não se recorda de algum assunto em especial?
Não... Agora me lembro, certamente muito mais, do seguinte: eram exibidos nos cinemas, também, os
filmes do DIP. E eles escolhiam determinadas situações para levar esses filmes às escolas. Era uma pregação
intensa dos valores do Estado Novo, né?!
Mas voltando ao auditório da Escola México, apesar do sr. não se recordar de um filme em especial,
consegue se lembrar como eram as exibições? Era um momento de descontração ou era uma coisa
obrigatória?
130
Em uma conversa informal, sr Fernando comentou que por volta de 1937 ou 1938, aproximadamente, viu o João de Barro. Eu comentei que o
filme foi produzido mais tarde e que, talvez, sua memória sobre o filme fosse da adolescência. No entanto, em 1938 foi feita a primeira versão do
filme. Portanto, sua impressão é verdadeira.
236
Olha, eu não me lembro de ninguém se queixando. Nós todos, eu e meus colegas, víamos aquilo com
prazer. Eu, pelo menos, não me queixo de ter visto.
O sr. se recorda se havia alguma resistência da garotada em ver os filmes?
O que eu posso dizer para você é o seguinte: na ocasião, a distração era cinema. Era barato e todo
mundo gostava. Os bairros tinham uns tipos de cinemas que ganharam apelidos de “poeiras”, porque eram
cinemas que passavam geralmente dois programas. As sessões eram baratas e as salas de exibição pouco
cuidadas. Para você ter uma idéia de como o cinema estava entranhado no hábito de diversão das pessoas, eu
perdi minha mãe em 1939 e as minhas irmãs é... (PM) trabalhavam fora e foram elas que educaram a mim e aos
meus dois irmãos mais velhos. Nós íamos para a escola de manhã e quando voltávamos para casa para almoçar,
se as irmãs não pudessem estar em casa, elas nos levavam ao Cinema Nacional, que era um prédio que existe até
hoje na Rua Voluntários da Pátria, próximo à esquina da Real Grandeza, onde funcionam, hoje, as Casas Bahia.
O Cinema Nacional era tido como um cinema de família. Ele era de um senhor chamado Crispim. A mulher dele
era a bilheteira e havia uma menina que era a vaga-lume, que mostrava os lugares pra gente com uma lanterna.
Devia ser a filha dele, mas disso não tenho certeza. Devia ser! Mas era um cinema familiar. Basta saber o
seguinte: em uma noite, os espectadores estavam fazendo muita bagunça. Aí, de repente, as luzes se acendem e
aparece o Sr. Crispim, vestido com um pijama listrado, reclamando com a platéia que não estava respeitando o
fato de ali ser um cinema de família e não lugar de arruaça. Foi no Cinema Nacional que fiquei conhecendo a
produção cinematográfica da Warner, porque o cinema tinha contrato com a distribuidora Warner para exibir
os seus filmes de gangsters, os dramas com a Bette Davis...
131
O sr. se lembra de algum filme nacional dessa época?
Com a total hegemonia americana, eu via mais filme americano e algum ou outro francês. que isso
mais adiante. O cinema francês era menos restrito que o americano na questão da censura moral e também
produzia menos, o que o tornava mais acessível à platéia infantil. Mas eu me lembro de ter visto ao lado da
minha mãe, um filme chamado A Grande Valsa, sobre a vida do compositor Johann Strauss. Era um filme
americano, mas dirigido por um francês, Julien Duvivier. Acabou de sair cópia em DVD, sabia?
Não... E qual foi sua trajetória profissional até chegar ao INC?
Bom, quando eu fiz 13 anos, eu (PM)... eu achei que... é .... meu interesse por cinema tinha se tornado
mais que de um mero espectador. Então, com um dinheirinho que havia juntado, fui até à Livraria Freitas
Bastos, junto com minha irmã Martha, que era secretária de um advogado, para fazer a minha primeira prestação
em vida: comprei o livro Tratado da Realização Cinematográfica, do Leon Kuleshov. Foi o primeiro livro que
comprei com meu próprio dinheiro. A Freitas Bastos era uma grande livraria. E não se encontravam facilmente
esses livros! Ela ficava ali no Largo da Carioca, no mesmo prédio onde funcionava a redação do Globo, na
esquina com a Irineu Marinho. Não, não! Era a Rua Bittencourt da Silva. Bem, foi ali, então, que eu comprei
meu primeiro livro de cinema. Daí, veio meu interesse mais detalhado, determinado. Depois, a minha formação
cinematográfica foi totalmente autodidata. Havia alguns cursos de cinema aqui no Rio, especialmente o curso da
Ação Social Arquidiocesana, que ficou famoso. Mas eu nunca passei por esse curso, embora um dos professores,
o Padre Guido Logger, gostasse de dizer que eu fui aluno de lá. Mas não fui não. Tive até muita frustração de
não ter feito o curso, mas o horário não dava pra mim. Era um curso bastante refinado. Tinha excelentes
professores. Era dirigido pela dona Irene Tavares de Sá. Eu tive uma formação, talvez, caótica.
Por quê?
Porquê foi muito pouco disciplinada. Eu não tinha facilidades de conseguir livros. A família tinha
empobrecido bastante. Foi uma coisa, então, determinada pelas oportunidades. Agora, na minha infância, eu vi
muitos filmes mesmo! Essa coisa da gente ficar no Cinema Nacional e a família do Sr. Crispim ficar cuidando da
gente até a hora das irmãs chegarem, fazia com que a gente participasse de, pelo menos, dois filmes por dia.
que os filmes eram, sobretudo, estrangeiros, e comentou sobre os filmes do DIP, o sr. não se lembra de
ter visto documentários ou cinejornais antes dessas exibições?
Eu tenho vagas lembranças de ter visto documentários do INCE, mas não poderia dizer exatamente
onde. Possivelmente, em cinema. Porque eu acho que, na época, assim como os filmes do DIP eram impostos, é
possível que esses também tenham sido colocados de acordo com a conveniência do governo. Mas isso é uma
hipótese, tá?! O que eu tenho certeza é que eu vi, sim, os filmes do INCE. Não tenho dúvida alguma. O João de
Barro mesmo devo ter visto no cinema e confundi achando que era na escola. Mas vi outras coisas antes. Tenho
certo receio de dizer, porque não me lembro com exatidão do momento em que vi. Mas com certeza, isso é certo:
eu me lembro de ter visto filmes do INCE.
131
Trecho incluído no ato de aprovação da transcrição.
237
Mas como foi a aproximação com o cinema até chegar ao INC?
Existiu aqui no Rio uma espécie de um Cineclube, se é que se pode chamar assim, da Associação de
Críticos Cinematográficos, que editou uma revista chamada Filme. O Alex Viany era o editor com uma série de
outros críticos de cinema. Eu me lembro de ter ido a duas ou três sessões que essa Associação promovia em
auditórios do centro da cidade. Um deles era do antigo IAPEC Instituto de Aposentadoria e Pensão dos
Comerciários ali, na Rua México, num prédio amplo, quase esquina com a (Avenida) Almirante Barroso. O
prédio tem uma galeria larga, com colunas negras do lado de fora, onde, mais tarde, na condição de conservador
da Cinemateca do Museu de Arte Moderna, realizei uma restrospectiva de Cinema Russo e Soviético. Acho que
foi ali que vi alguns filmes programados por essa Associação. E foi a primeira vez que eu vi fisicamente um
pessoal cujos textos eu lia. Alex Viany, eu lia na revista O Cruzeiro, Moniz Vianna eu lia no Correio da Manhã,
o Renato Bittencourt, que, depois, foi meu colega no Globo e meu subalterno, digamos assim, porque eu era o
coordenador da área de cinema, na época da Revista Filme, escrevia para vários jornais. Depois, tornou
correspondente do Globo na Europa. Ele fez a cobertura de vários festivais de Cannes, inclusive aquele no qual o
Pagador de Promessas foi premiado. Então, aquele cineclube foi uma espécie de orientação para mim. Lá, vi
pela primeira vez, o Pedro Lima, por exemplo, que era um dos mais veteranos, e tinha sido companheiro de
Adhemar Gonzaga na Cinédia. Eu tinha até medo de me aproximar desse pessoal! Era uma coisa acima da minha
compreensão. Mais tarde, fui até trabalhar com o Moniz Vianna. Então, foi assim. Eu fui um adolescente
absolutamente cinematográfico. Eu lia muito sobre cinema.
Mas nessa época o sr. tinha conhecimento do INCE?
Olha, da sigla eu me lembro. Agora, o que o INCE fazia eu não sabia. Se o INCE tinha propagação era
limitada, talvez porque o enfoque eram as escolas. Ocasionalmente, chegava aos cinemas. Acredito que Um
Apólogo, do Humberto Mauro, passou no cinema, mas o posso garantir isso. Era o tipo de coisa que não se
deveria perder a oportunidade de passar no cinema.
Na literatura existente sobre o INCE, diz que passou sim. Mas o sr ainda não falou da sua carreira...
Bom, eu fui fazer o curso de cinema, aliás, de jornalismo, na PUC. Quando eu terminei o que
antigamente a gente chamava de curso clássico, eu adoeci, porque peguei uma úlcera na retina. Isso me impediu
durante um ano de fazer muita coisa. Mas ia escondido da família ao cinema. Uma das minhas irmãs tinha feito
Serviço Social na PUC, que, na época, era no Humaitá (bairro). Ela, então, me disse que a PUC estava instalando
o curso de jornalismo. Quem ia dirigir o curso era o Carlos Lacerda, que era uma pessoa amada e detestada. Meu
pai era antigetulista a tal ponto que no dia 19 de abril, aniversário de Getúlio, nos impedia de ir à aula porque os
alunos tinham que escrever redações sobre Getúlio. Meu pai era primo do Milton Campos, que nasceu em Ponte
Nova, foi governador de Minas e, depois, Ministro da Justiça. Essas coisas devem ter influído no antigetulismo
do meu pai. Ele era simpático à UDN, partido que fazia oposição a Getúlio Vargas. Então, lá em casa, havia uma
certa admiração pelo Carlos Lacerda. O jornal dele, Tribuna da Imprensa, era bastante consumido em casa.
Então, eu vim fazer o curso de cinema, desculpe, de jornalismo. Na ocasião, tínhamos um jornal chamado O
Furo. Então me propuseram escrever algo sobre cinema. Umas das primeiras coisas que lembro de ter feito foi
um comentário sobre o filme O Manto Sagrado. Era um jornal impresso.
Era um jornal de alunos?
É sim. O jornal laboratório dos alunos. O professor, Vitorino de Oliveira, grande jornalista, dava aulas
lendo. Provavelmente, ele tinha dificuldades de expressão. Ele trabalhava para o Cândido Mendes, que era dono
de um jornal chamado O Mundo. Cândido Mendes tinha uma gráfica e era chamado Conde Cândido Mendes,
porque era Conde pelo Vaticano. E imprimíamos o jornal lá. Agora, antes disso, eu fiz um roteiro para o Quincas
Borba, do Machado (de Assis), no qual eu pus fogo com muita convicção, sem nenhum arrependimento. Escrevi,
também, uma adaptação de um livro chamado Memórias Sem Malícia de Gudesteu Rodovalho, do Gilberto de
Alencar, escritor mineiro, que, também, destruí, e também não me arrependo. Eram coisas que eu fazia para
mim, pessoalmente. Sempre achei que não tinham mérito. Então, quando terminei o jornalismo, estava
inteiramente desanimado de seguir a profissão. De um modo geral, com exceção das aulas desse Vitorino de
Oliveira, que era velhinho, os demais professores eram muito desestimuladores. Eles achavam que o curso de
jornalismo era uma bobagem. Que o jornalista nasce feito. Nem sei por que eles davam aula, sabe?! Então eu,
que sempre fora muito tímido imagina, eu era o 12º filho de uma família mineira criado com todo o zelo de
caçulinha com esse meu temperamento, achei que fazer jornalismo não seria possível. Nessa ocasião, eu
financiava meu curso trabalhando na Agência de Informações Aliada AIA. Essa agência era de um jornalista
polonês chamado Conrad Vrzos e de outro jornalista holandês chamado Stephanus De Clark, tal qual o De Clark
que governou a África do Sul. Esses dois tinham uma agência que detinha os direitos de publicação no Brasil de
matérias de revistas como a Newsweek, por exemplo, e, ocasionalmente, outras revistas estrangeiras. Eu comecei
a trabalhar porque um colega meu foi para os Estados Unidos e me indicou para ficar no seu lugar. Então, eu
era uma espécie de secretário e, além disso, mais tarde, redator. Porque depois de certo tempo, eu comecei a
238
traduzir e adaptar textos para serem vendidos aos jornais, sob influência desses jornalistas de formação européia,
que tinham muita experiência nisso. Eu nunca pensei que aquilo ali estava influindo na minha formação
jornalística. O fato é que aquilo ali me ensinou mais do que o curso! E como eu saí do curso muito
desestimulado e, a essa altura, não era mais secretário da Agência de Informações Aliada... Ah! A gente
também fazia o clipping das publicações dos jornais do Rio de Janeiro e vendia à Embaixada Americana. Então,
isso aí, foi um treino do qual eu não tinha noção na época! Esse clipping não era recorte de notícias de jornal,
mas uma síntese, escrita por nós, de muitas matérias. Um exercício fantástico de produção de texto jornalístico!
Então, me ocorreu o seguinte: quando eu me formei, teve a formatura, aquela coisa toda e tal, e fiquei muito
envergonhado de dizer à família que não ia seguir a carreira que tinha escolhido. Nessa ocasião, O Globo estava
oferecendo estágio. Eu pensei: vou me candidatar e depois posso dizer à família que tentei e não deu em nada.
Quando eu cheguei ao Globo para me apresentar como candidato – naquela época não era fácil conseguir estágio
como hoje eu estava lendo um livro de um dos autores de que eu mais gosto, Graham Greene, chamado The
end of the affair, do qual foi feito um filme com esse ator Ralph Fiennes, que trabalhou recentemente no (filme)
Jardineiro Fiel, do (diretor) Fernando Meirelles. Quando fui assinar a ficha, coloquei o livro em cima da mesa. E
quem estava fazendo a minha inscrição era o Chefe do Departamento de Relações Públicas, o Walter Poyares,
grande publicitário. Ele foi praticamente o inventor do conceito de Relações Públicas para jornal. Aliás, foi ele
quem criou o Dia das Mães e o Dia dos Pais através do Globo. O Dia das Mães, por exemplo, era comemorado
somente entre as comunidades protestantes de origem americana. Porque nos Estados Unidos sempre houve o
Mother´s Day. Eu até participei do desenvolvimento dessa mentalidade de criação desses dois dias. E isso
engajava o comércio, que viu a possibilidade de ganhar dinheiro, e, também, a Igreja Católica e outras
manifestações religiosas, principalmente protestantes, que já tinham entre si uma comemoração restrita. Aí, o
Poyares, quando viu o livro, perguntou: Você inglês? Leio. Fala inglês? Falo. Ah! Então você não
vai fazer estágio. Vou te contratar para trabalhar comigo, porque meu assistente, o Octávio Bonfim, vai fazer um
curso na Universidade de Columbia, nos EUA, e aqui na redação tem três pessoas que falam inglês além de
mim. Essas três pessoas eram o Mauro Salles, que hoje é o proprietário da Salles Interamericana de Propaganda;
o Arides Visconti, que era o repórter do Globo junto ao Itamaraty; e um outro cujo nome não me lembro neste
momento. Então eu ia fazer um estágio e, de repente, estava contratado. O Poyares me perguntou: Você já
passou por redação de jornal? Nunca! Vovai passar, então, um mês no fogo. Depois, você volta aqui
para falar comigo. Eu me lembro bem dessa expressão: um mês no fogo. Fui diretamente pra Polícia, claro.
E... (PM) foram alguns meses... E, assim que eu adquiri certa possibilidade de me desincumbir dos trabalhos sem
estar acompanhado de outro repórter, imediatamente começaram a me “jogar” para cobrir aeroportos, navios que
chegavam ou artistas que vinham visitar o Brasil. Mas, passado algum tempo, eu voltei para conversar com o
Poyares, uma vez que eu estava, ainda, na condição de estagiário e havia uma promessa de emprego. A essa
altura, eu estava gostando da profissão de jornalista. Aí, ele disse: “então, você volta para cá, que você
passou quase oito meses. A viagem do Octávio Bonfim foi retardada, então você volta para cá”. Então, eu
fazia duas coisas. Eu fazia Relações Públicas e redação. Em determinadas situações... (PM). Relações Públicas
era um setor independente dentro do Globo. Inclusive, produzia seus próprios textos porque eram direcionados a
um determinado objetivo de captação de interesse. Nisso comecei a entrar em contato com o Octávio Bonfim,
que era, também, encarregado da crítica de cinema. E o Octávio começou a me patrocinar. Quando finalmente se
concretizou sua viagem aos Estados Unidos, ele me apresentou ao Ricardo Marinho como a pessoa que poderia
substituí-lo. Nessa ocasião, então, aquela crítica que eu tinha escrito sobre o Manto Sagrado no jornal O Furo da
PUC, foi apresentada ao Ricardo Marinho. Eu fiquei numa expectativa ansiosa, claro! Mas o Octávio chegou-
se para mim e disse: “Olha, o Dr Ricardo gostou do seu texto, mas disse que você é ainda muito novo e não tem
condições de” - eu não era tão novo assim. Eu estava com 24 anos “não condições de você assinar uma
crítica em jornal”. Naquela época, isso era um prestígio inimaginável! Um camarada que mal tinha acabado de
entrar... Bom, é claro que essa primeira tentativa de me colocar como substituto do Octávio não funcionou. Mas
ele estava realmente viajando e precisava de uma pessoa para fazer os textos. Então, ele apresentou ao Globo
uma pessoa que eu não conhecia, mas que foi muito importante na minha formação, José Sanz. O Sanz foi um
das pessoas mais interessantes que eu conheci na vida. Ele influenciou muito minha formação cultural. Acho que
nunca teria conhecido os Quartetos de Beethoven se não fosse pelo Sanz. Não teria conhecido ficção científica se
não fosse pelo Sanz. Acho que muitos diretores do cinema que eu aprendi a estimar me foram primeiramente
apresentados pelo Sanz. É o caso do Buñuel, por exemplo. Ele (Sanz) ficou muito meu amigo. Naquela época,
como disse, os jornais eram matutinos e vespertinos. Então, eu entrava no Globo de manhã, e saía às 17h. Devia
sair às 13h, na verdade. Mas eu tinha meu salário de jornalista e uma gratificação pelo resto do dia. Para dar uma
idéia de como era o jornal nessa época, essa gratificação era paga por um recibo chamado Recibo Vermelho. A
gente entrava na fila para receber e, muitas vezes, quem estava na fila era a dona Stella Marinho, a primeira
mulher do Roberto, mãe dos filhos dele. Porque era tudo assim muito familiar, né?! A dona Stella ia ao Globo
receber o dinheiro que ela usava em casa ou precisava para sua vida social ao lado dos repórteres. Ou seja, era
tudo centralizado na mão de uma pessoa só. Por exemplo: essa questão da minha apresentação como um
candidato a comentarista, tenho quase certeza que não foi decidida pelo Ricardo Marinho, mas pelo Roberto,
239
também. Tudo passava pelo Roberto. Um aumento salarial passava por ele. Bom, então eu tinha essa vida. Um
registro de carteira pelo qual eu recebia oficialmente e o Recibo Vermelho, que não significava nada à minha
condição profissional. Nessa época, ninguém tinha coragem de levar isso a uma causa trabalhista, porque o
jornal tinha mais poder e a gente ia perder mesmo. o Sanz é... nessa ocasião, foi convidado para trabalhar
como chefe da Cinemateca do Museu de Arte Moderna. Nessa época, ainda não existia o título pomposo de
conservador. Então, ele perguntou se eu queria trabalhar com ele no MAM. Eu aí causei uma grande confusão no
Globo quando disse que ia largar, porque o Poyares me tinha como uma criatura concebida por ele. Na verdade,
eu era mesmo. Mas o fato é que a Cinemateca do Museu estava me oferecendo, inclusive, mais do que eu
ganhava no Globo. E, além disso, me oferecia a oportunidade de trabalhar com aquilo que eu mais amava:
cinema. Um ano antes, a Cinemateca tinha organizado o famoso Festival de Cinema Americano, no qual tinham
sido exibidos filmes clássicos e uma quantidade absurdamente admirável de filmes mudos, em cópias
maravilhosas do Museu de Arte Moderna da Nova York. Na ocasião do Festival, o Sanz, como trabalhávamos
juntos no Globo, me arrumou um permanente para assistir às sessões do Festival. Então, foi assim que eu vi,
pela primeira vez, Cidadão Kane. Quando o filme passou no Brasil, em 1941 ou 1942, lembro da minha família
comentando, mas como era proibido até 14 anos, não tive como entrar no cinema para assistir. Neste Festival, foi
feito um Catálogo e sobre esse Catálogo, o Sanz, na época, me perguntou: “Você quer me ajudar a fazer um
trabalho em casa nos fins de semana?” Eu perguntei: “O que é?Ele disse: “Estou escrevendo uns textos para
o Catálogo do Festival Americano do Museu e tenho alguns textos que eu poderia dividir com você”. Ele ainda
não era a pessoa que ia ficar como chefe da Cinemateca. Eu aceitei. Então eu fui para a casa do Sanz. Ele tinha
uma boa biblioteca de cinema, tinha também uns catálogos do Museu de Arte Moderna de Nova York que
abordavam algumas personalidades do cinema americano e eu comecei a escrever. O Sanz me disse, mais tarde,
que ao apresentar os textos ao Moniz Vianna como diretor da área da Cinemateca do Museu, que era quem
selecionava os textos que seriam publicados, perguntou quem escreveu aqueles textos. o Sanz disse: “É um
rapaz que trabalha comigo no Globo”. Então o Moniz teria dito para ele se não queria me levar para trabalhar
na Cinemateca. Aí eu fui trabalhar lá na Cinemateca.
Quando foi?
Era 1958, que foi quando começamos a preparar o Festival de Cinema Francês, no qual foram exibidos
mais de 250 filmes da Cinemateca Francesa. E isso foi uma escola absolutamente fantástica para mim! Eu
preparei todas as biofilmografias do Catálogo, além de ter escrito três artigos. Eu fiz, também, toda a revisão do
Catálogo com o Moniz. Quem fez a organização da distribuição dos filmes fui eu. Eu tinha acesso ao local
climatizado da Maison de France, onde ficavam guardados os filmes, porque eram quase todos em nitrato. Eu
entrava naquela sala com um lenço no nariz, porque o nitrato tem um cheiro muito forte. E aquilo ali, olha, não
sei como não aconteceu o pior! O nitrato é autocombustível, né?! É verdade que havia um tratamento, mas nem
sei se estava dimensionado nas condições ideais. Eu sei que, um dia, fui procurar uma cópia lá, e apesar de estar
numa sala refrigerada, eu fui tirando toda a roupa, tranquei a porta e fiquei de cueca, porque o calor que
desprendia das latas de filmes, era uma coisa incrível! Mas aconteceu uma coisa... O Sanz era uma pessoa
maravilhosa, mas imprevisível. Naquele Festival, ele desapareceu pouco depois do meio. Desapareceu! o
Moniz disse para mim: “você agora é o chefe da Cinemateca”. Essa mostra em francês foi muito importante para
mim, porque como os filmes não tinham legenda em português, eu vi muitos filmes e li muito em francês. Eu e o
Nelson Dantas, esse ator que faleceu no ano passado, que era tão novo quanto eu, assistíamos aos filmes e
fazíamos um resumo sobre cada um. Eu, por exemplo, que não dominava francês tão bem quanto ele, tinha que
ver os filmes de duas a três vezes. Aí eu fiquei lá de 58 a 64. Lá eu tive como um dos meus assistentes, o Walter
Lima Jr. o fui eu quem o colocou não. Foi o seguinte: quando nós estávamos analisando os filmes que
seriam apresentados nas pré-estréias porque os Festivais do Museu eram constituídos de uma retrospectiva
muita ampla e de uma semana de pré-estréias quando foi a vez da História do Cinema Italiano, a grande
expectativa era a de uma sessão da Dolce Vita, do Fellini, filme que estava fazendo furor e causando escândalo
no mundo todo. Mas antes dela ocorrer, houve uma sessão especial para os organizadores. O Moniz me disse
assim: “Fernando, quero que você conheça outro fordiano”. Fordiano porque o Moniz era um grande admirador
de John Ford; eu idem. E me apresentou ao Walter. O que você acha desse fordiano trabalhar conosco na
Cinemateca?” Eu disse: “Maravilha!” o Walter foi trabalhar conosco. E foi uma amizade que até hoje eu
prezo muito. Gosto muito dele e acho que ele gosta de mim. Trabalhamos juntos durante uns dois anos mais ou
menos. Aí, com mais 14 outras pessoas, participei de uma cooperativa para filmar aquele livro do Marques
Rebelo, Marafa. Nessa ocasião, um dos sócios era o Antônio Bulhões de Carvalho, que era casado com a atriz
Glauce Rocha. E o Bulhões, na verdade, usou de seu prestígio, entusiasmo e sua competência de advogado para
criar um veículo para a sua mulher, a Glauce. O Marques Rebelo era muito amigo do Bulhões e, por isso, cedeu
os direitos de adaptação do romance, feita pelo Millor Fernandes. O filme começou a ser dirigido pelo Adolfo
Celi. Nessa ocasião, então, conseguimos colocar o Walter como assistente de direção do filme. Foi que
começou a carreira do Walter, graças à Cinemateca do MAM. Marafa nunca foi terminado, pelo esgotamento de
recursos. Eu fiquei na Cinemateca até 1964. Saí porque o Sanz regressara e ele começou a se insinuar para voltar
240
à direção da Cinemateca. A diretora do Museu, na ocasião, a Carmen Portinho, que era casada com o Afonso
Eduardo Reidy, o arquiteto que fez o Museu e fez esse “minhocão”, aqui ao lado (da PUC), e era diretora do
Museu na ausência da Niomar Muniz Sodré, que foi quem fundou o MAM. Niomar fora crítica de arte no
Correio da Manhã e se casou com Paulo Bittencourt, que era o diretor do Correio da Manhã. Com o prestígio do
jornal, eles conseguiram, praticamente, fundar o MAM. Com verba do governo, evidentemente. Mas aí, quando
o Sanz voltou, ele estava muito unido à Carmen Portinho, que não tinha muita simpatia por mim. Naquela
ocasião, estávamos tendo algumas dificuldades sérias com os programas de exibição de filmes, uma vez que a
Cinemateca não tinha ainda acervo. Na verdade, a Cinemateca era uma espécie de cineclubão. Tinha sessões no
auditório da ABI e o auditório estava cada vez mais decadente. Então, as coisas estavam sendo muito... as
sessões eram muito concorridas, chegavam a ter 400 pessoas, mas as sessões começaram a ser muito chumbadas,
porque as cópias que nós estávamos exibindo não eram boas. O Walter fazia de tudo para conseguir cópias mais
aceitáveis. Começou a ter muita reclamação. E a Carmen, que não tinha grande simpatia por mim, começou a
bombardear muito a Cinemateca, exigindo um rendimento que, na verdade, não conseguiríamos ter. Então, eu
me afastei. Pedi demissão. E fui procurar outro rumo. De modo que o que se poderia chamar desse período de
anos de chumbo, por causa do golpe militar de 64, eu não vivi.
E para onde o sr. foi depois?
Eu continuava no Globo, né?! Nunca saí de lá. A essa altura, era comentarista. Foi o Sanz quem me
botou na coluna do Globo. Ele tinha uma relação muito boa com o Ricardo Marinho, com o próprio Roberto.
Acho que ele vendeu meu peixe” melhor que o Octávio Bonfim. Eu comecei a escrever com regularidade para
a coluna de cinema em 1962. Eu era iniciante. Ele já havia saído como colunista do Globo e eu fiquei dividindo a
coluna com um velho jornalista chamado Arthur Tomazzi. Quando o Tomazzi desistiu, porque ele não gostava
de fazer aquilo, né?! Ele comentava os filmes do ponto de vista do espectador, fazia questão de não citar o nome
do diretor. No fim da coluna, ele até escrevia assim: “Ouvi na porta”. E dizia coisas que as pessoas teriam dito
após saírem do filme. Como eu fazia uma coisa completamente diferente, é provável que ele tenha ficado ainda
mais desestimulado. Nós nos dávamos bem, nunca brigamos. Mas ele quis sair. E fiquei sozinho. Foi muito
complicado, porque, naquela época, estreavam, no Rio, cerca de 15 filmes por semana. Então, na verdade, o que
o colunista fazia era selecionar para os dias em que o jornal saía os vespertinos, por exemplo, não saiam aos
domingos os filmes que ia ver. Nessa época, eu consegui, então, que o Ricardo Marinho autorizasse que eu
contratasse outras pessoas para me ajudar nessa coluna de cinema. Inicialmente, foi o Miguel Pereira, que
também é professor da PUC, depois Jo Carlos Monteiro, Salveano Cavalcanti de Paiva e outras pessoas.
Engraçado nessa história toda é que algumas semanas, um aluno veio dizer para mim: “Professor, o senhor
disse que foi 25 anos colunista do Globo e outro dia o jornal fez uma reportagem sobre quem fez cinema no
jornal e não citam seu nome”. Realmente, eles não citaram. Citaram pessoas mais estranhas. O Mauro Salles, por
exemplo, que me pediu para escrever duas a três críticas, é citado e eu não sou. Fiquei 25 anos! Hoje não
mais condições de uma pessoa ficar tanto tempo assinando uma coluna de cinema, né?! A citação ao comentário
do aluno não é uma queixa ou mágoa. Mas uma correção, do meu ponto de vista, indispensável, ou, então, passo
por mentiroso... Mas é fácil constatar que estou dizendo a verdade. É só consultar as coleções do Globo
132
.
E quando foi que o sr. recebeu o convite para o INC?
Aconteceu o seguinte: a minha vida quase que levou uma guinada fantástica! Eu me dava muito bem
com o Mauro Salles. Almoçávamos sempre juntos. Ele era jornalista e não publicitário. Aí ele recebeu a
incumbência de instituir a primeira coluna de automóveis da indústria automobilística no Brasil, porque a
indústria automobilística surgiu com Juscelino, né?! Então, o Mauro começou a escrever sobre automóveis. Em
seguida, a Ford deu-lhe a sua conta. Então, ele resolveu depois de certo tempo, mudar-se para São Paulo e
constituir uma agência a partir dos contatos que fizera no meio publicitário. E ele indicou para substituí-lo um
rapaz chamado José Lago, que era muito meu amigo. Afreqüentávamos as respectivas casas. Um dia, o Lago
perguntou para mim se eu queria ser Relações Públicas da Ford, mas eu teria que ir para São Paulo. Ele me
apresentou ao cara que era chefe do Departamento de Publicidade da Ford chamado Carvalhosa. Tive que ir a
São Paulo e estabelecemos os primeiros contatos. O Carvalhosa foi quem me apresentou ao Mr. Pickering que
era o diretor da Ford. Eu almocei com a Diretoria, foi uma coisa muito estranha para mim, porque eu não tinha
nada a ver com Relações Públicas de uma indústria de automóveis! Eu me senti um João Ninguém”, um
rapado ao lado daqueles “altos” executivos. Mas os caras, não sei porquê, acharam que eu tinha mais
conhecimento do que, na verdade, eu tinha. Pesavam, para eles, duas coisas: nessa época, eu comecei a dar aula
na PUC na ausência de um professor, que agora não me lembro mais quem é. Para eles, professor de
Universidade era uma coisa muito importante. E outra coisa: eu era assistente do Diretor de Relações Públicas do
Globo, tinha acesso ao Roberto Marinho. E isso, eu realmente tinha. Eu conversei muito com Roberto Marinho.
Fui chamado várias vezes por ele para opinar sobre determinadas situações. Embora não fosse uma pessoa íntima
132
Trecho incluído no ato de aprovação da transcrição.
241
dele, eu o conhecia. E acabei conhecendo algumas pessoas que ele me determinava atender na sua ausência ou
em outras condições. Então, o fato é que... acho que essas duas coisas o título de professor da PUC e o de
assistente do Chefe de Relações Públicas do jornal fizeram com que eles achassem que eu tivesse perfil para
aquilo. Tenho certeza absoluta de que eu não tinha. Eu não sei lidar nesse mundo. E foi uma coisa inacreditável.
Eles resolveram me contratar mesmo! Vieram ao Rio, um dia, para acertar algumas coisas. Eu, então, pensei em
fazer umas exigências absurdas para eles não aceitarem. E os caras aceitaram. A única coisa que não aceitaram é
que pedi para que eles bancassem um apartamento em São Paulo, uma vez que eu morava no Rio e meus filhos
estudavam no Rio; a minha mulher é carioca e tinha emprego no Rio. Não, não! Perdão! O aluguel do
apartamento eles se propuseram a pagar. O que não quiseram me dar foi um carro. Disseram que me dariam
condições para adquirir com facilitação. Em umas últimas conversas, a coisa estava praticamente decidida. Fui,
então, a São Paulo. A fábrica da Ford era longe do centro da cidade, e caiu um “toró” desgraçado. Uma coisa
horrível! Eu saí dali empregado praticamente e consegui pegar um táxi até o centro da cidade. À medida que a
gente caminhava para o centro, eu comecei a ficar com medo de tudo, porque chovia torrencialmente. Eu olhava
para as ruas laterais à margem do Tietê (rio) e não era água que caía, mas uma cachoeira. Eu olhava para a
esquerda e a água do rio continuava subindo. Eu achava que não conseguiria chegar a São Paulo. Eu tinha uma
irmã que morava em São Paulo que era secretária do Diretor-Presidente do Grupo Ultra. Mas, finalmente,
quando a gente conseguiu sair da margem do Tietê e chegar na entrada da Avenida Brigadeiro Luiz Antônio,
tinha um engarrafamento monumental. Aí o motorista disse assim: “Doutor, eu sou pernambucano, vim para essa
cidade com uma mão na frente e outra atrás. Eu hoje tenho dois carros na praça e um apartamento. Trouxe minha
família, mas vou lhe dizer uma coisa: eu não morro nessa cidade aqui” (Fernando imita o sotaque do taxista).
Quando cheguei na casa da minha irmã, que estava me esperando junto com minha mulher, eu disse: “não
quero”. Isso deve ter sido talvez em 65, não tenho muita certeza. quando eu cheguei aqui no Rio, estava
trabalhando exclusivamente no Globo, e chegou meu período de férias. Fui passar as férias com minha mulher,
meu sogro e minha sogra em Miguel Pereira. Uma vez, chegou meu sogro pela manhã com o jornal e disse
assim: “O Jornal do Brasil está dizendo que você vai ser nomeado para um cargo”. A matéria dizia que eu ia ser
o Secretário Executivo da Comissão de Auxílio à Indústria Cinematográfica do Estado da Guanabara. O que é
que tinha acontecido? Lacerda tinha perdido as eleições e essa Comissão de Auxílio à Indústria Cinematográfica,
a CAIC, criada por ele, vinha sendo dirigida pelo Moniz Vianna, que apesar de ter sido um udenista e lacerdista,
soube conviver muito bem com o Cinema Novo. Mas Lacerda foi derrotado pelo Negrão de Lima. E o Negrão de
Lima tinha se comprometido com o pessoal do Cinema Novo de nomear para a CAIC alguém indicado por eles.
Acontece que as indicações eram todas vetadas pelo regime militar. Então, eu não sei se nisso houve um
“sopra no ouvido” do Walter (Lima Jr) pro Glauber (Rocha), porque o Walter, nessa ocasião, era cunhado do
Glauber, né?! E o Walter tinha trabalhado comigo. O Glauber contaram-me num almoço com o Negrão,
indicou meu nome. Eu nunca tinha visto o Glauber na minha vida! Eu soube pelo jornal. Então, eu vim para o
Rio para dizer que eu não aceitava. Sabia que aquilo era um abacaxi. Só que quando eu cheguei aqui, recebi uma
série de telefonemas, inclusive do Moniz Vianna, que disse que era para eu aceitar, porque ele se recusava a
entregar o Livro de Atas da CAIC a não ser que fosse para mim. O que não quer dizer nada, né?! Porque ele não
poderia se recusar a entregar o livro para quem quer que fosse. Mas, também, aí, recebi um telefonema do
Walter, em nome do Glauber, dizendo que haveria uma reunião na casa da Germana De Lamare, que era
jornalista do Correio da Manhã, cujo pai é esse famoso Rinaldo De Lamare, autor daquele livro A Vida do Bebê,
um dos pediatras mais famosos do Rio de Janeiro. Ele morava ali na Avenida Vieira Souto. A Germana tinha
programado um jantar, uma reunião com comes e bebes, na casa do pai. E eu fui obrigado a ir lá, porque recebi
esses convites. Eu fui com a disposição de dizer não, porque eu não queria pegar aquilo de jeito nenhum. Mas
quando eu cheguei lá, todo mundo me convenceu de que eu salvaria o cinema brasileiro. E eu acabei aceitando.
Fiquei na Comissão de 1964 a 1966. Muitos filmes dos mais importantes do Cinema Novo foram financiados na
minha gestão, dentre os quais Terra em Transe, Como era gostoso o meu francês, O Dragão da Maldade Contra
o Santo Guerreiro, o Bernardo, Garota de Ipanema, enfim, lembro de muitos de cor. Digo isso com muito
orgulho, porque realmente foi um período difícil em que tinha que conviver com as disposições militares. E mais
sério que isso: conviver com a burocracia e a corrupção do serviço público. Foi muito complicado para mim.
Isso me tirou uma boa dose da minha saúde na ocasião. Mas vejo isso, hoje, com um olhar satisfeito. Foi um
trabalho feito com convicção, empenho e desejo de acertar. E acho que na maioria das vezes, eu acertei. E era
muito solitário, sabe?! Porque essa Comissão era constituída pelo Secretário Executivo da Comissão da Indústria
Cinematográfica que, ao mesmo tempo, tinha que ser, por determinação de Decreto, o Diretor do Departamento
de Cinema, Teatro e Outras Diversões da Secretaria de Turismo, que foi o local onde conseguiram instalar essa
Comissão. A Comissão, portanto, era basicamente constituída pelo Diretor do Departamento de Cinema, Teatro
e Outras Diversões, que acumulava a função de Secretário Executivo da CAIC, e os outros membros eram o
Governador do Estado, o Secretário de Turismo, o Presidente do Banco do Estado da Guanabara, pois, naquela
época, era Estado da Guanabara ainda, e um representante da classe cinematográfica. O resultado disso foi que
no primeiro ano que passei ali, devido ao desempenho anterior da CAIC, que tinha sido muito bom na gestão de
Moniz Vianna, antecedida pela do Luiz Augusto Mendes, produtor de Deus e o Diabo na Terra do Sol, e pelo
242
Cláudio Mello Souza antes dele. E essa gente tinha feito um trabalho muito bom, muito competente,
especialmente o Moniz. E como o orçamento do ano em que se iniciaria em minha gestão foi planejado no
governo anterior que esperava continuar, mas perdeu as eleições, foi um orçamento generoso. que nesse ano,
em 1966... Perdão! Foi em 66 que entrei, não em 64, como disse. Lacerda perdeu as eleições em 65. Fiquei até
1969. Então, quando eu entrei, deu-se uma chuva aqui no Rio que foi um vendaval, um caos. Choveu
ininterruptamente por várias semanas. A cidade ficou completamente alagada. a verba destinada ao
financiamento de filmes e premiações, que todo mundo esperava que seria grandiosa, foi cortada em 60%. O que
aconteceu, então? Eu não tinha dinheiro para financiar os filmes e todo mundo tinha se candidatado. O dinheiro
foi contingenciado. Passei um ano tentando obter a liberação dessa verba. Por isso, disse que era uma coisa
muito solitária, porque, imagina, o Governador não ia se preocupar com aquela Comissão. Ainda mais um
governador que não gostava de cinema como o Negrão de Lima. O Lacerda gostava de cinema. Tinha até uma
sala de cinema dentro do Palácio Guanabara. E o Secretário de Turismo tinha outras preocupações. Fiquei na
CAIC de 1966 a 1969. Então foi muito difícil. Eu não ganhava nada na CAIC, era uma merreca que não pagava
nem a condução. E trabalhava no Globo ao mesmo tempo. Depois, houve, mais adiante, um aumento até
substancial que me ajudou a construir uma casa fora do Rio. Então, as decisões, no final das contas, acabavam
sendo exclusivas. Até mesmo porque o comportamento anterior acabava sendo esse, entende? Eu passei um
tempo enorme naquele ano procurando descongelar a verba da CAIC, porque todo mundo que você possa
imaginar tinha se candidatado. Eram 80, 90 projetos, roteiros que eu tive que ler, dos quais eu preparei resumos,
para cada membro da Comissão. Inclusive pro Governador do Estado, pro Secretário de Turismo, pro
representante da Indústria Cinematográfica. E as pessoas nem pegaram naquilo e nem apareceram à reunião!
Quando eu finalmente consegui, um dia antes do término do tempo da utilização da verba foi um suspense
cinematográfico em cima da hora, quando ia encerrar o prazo para liberação das verbas, o Tribunal de Contas
ainda não tinha se pronunciado, é que eu consegui que a verba fosse liberada. No dia seguinte, tive uma dor de
cabeça monumental. Fui ao Palácio da Guanabara e levei uma lista de 15 títulos que poderiam receber
financiamento. Cheguei e o Governador disse para mim: “Olha, eu tenho dois nomes”. Ele era o membro da
Comissão mais importante, né?! Aí ele me deu dois títulos inacreditáveis. Um se chamava A epopéia do Correio
Aéreo Nacional, um filme que nunca foi feito. Eu alertei a ele de que não seria feito. A resposta que ele me deu
foi impressionante: “Mas eu não posso, me comprometi”. Eu disse: “Tudo bem, Governador, mas esse filme
não vai ser feito”. Aí ele disse: “Mas a Aeronáutica vai ajudar!”. eu disse: “Ela pode ajudar cedendo aviões,
mas e a reconstituição de época? Isso é uma produção cara! Além do mais, o diretor do filme, o Luiz de Barros, é
um personagem identificado com a chanchada. Ele não vai saber fazer um filme épico como está sendo proposto
aí”. O Governador, que era PSD, portanto oposição à UDN, disse assim: “Mas eu me comprometi com o
Eduardo”. Quem era o Eduardo? Era o famoso Brigadeiro Eduardo Gomes, que tinha sido candidato duas vezes
pela UDN, adversário ferrenho do PSD (risos). Passei, portanto, esse tempo lá. Quando saí, eu voltei novamente
para um horário integral no Globo até que eu fui chamado pro INC. Mas isso vai tempo nessa história, né?!
Acho que fui pro INC em 1978
133
. Acho que sim, mas isso a gente confirma daqui a pouco (no currículo).
Como se deu o convite para o INC e quais eram suas principais atividades lá?
Tudo bem. Na ocasião, eu trabalhava como jornalista no Globo e chefiava a editoria de pesquisas do
jornal. Recebi um telefonema da Cinemateca do Museu de Arte Moderna pedindo um encontro urgente. Esse
encontro foi entre mim, o Cosme Alves Neto, que era o conservador da Cinemateca na ocasião, o Geraldo Sarno,
nosso grande documentarista, e a Lucila Avellar, que trabalhava com o Cosme na Cinemateca. Na ocasião, me
foi dito que o professor Manuel Diegues Junior, pai do cineasta Cacá Diegues, queria ter um encontro comigo a
respeito de modificações que ele desejava fazer no Instituto Nacional de Cinema. Então, foi marcado um
encontro com o doutor Diegues. Nesse encontro, ele disse para mim que o doutor Diegues tinha sido meu
professor aqui na PUC no curso de jornalismo tinha assumido a Diretoria de Assuntos Culturais do Ministério
da Educação a convite do ministro Ney Braga, que integrava a equipe do General Geisel, então presidente militar
da ocasião, né?! E o General Geisel estava pretendendo fazer a famosa abertura gradual, que se imaginava para
os governos militares, quer dizer, a transição, né?! E o Doutor Diegues estava nesse departamento do MEC com
a finalidade, entre outras, de promover uma relação mais íntima com os meios intelectuais. Segundo o doutor
Diegues, não era possível que o Instituto Nacional de Cinema continuasse com o tipo de ... tipo de atuação que
vinha tendo. Era uma coisa muito fechada e muito restrita. E isso estava se refletindo especialmente em
desagrado para os cineastas por conta da direção do Departamento de Filme Educativo do INC, que parecia atuar
em consonância muito estreita com os objetivos do governo militar que a fase Geisel estava querendo superar.
Então, seria preciso que a pessoa que entrasse pra promovesse algumas modificações e restabelecesse uma
política que seria mais confiável para os cineastas. Eu acabei aceitando, embora tenha ido com a intenção de não
aceitar. Era a segunda vez da minha vida que eu tentava não aceitar alguma coisa, para acabar cedendo.
133
Conforme currículo, Sr Fernando foi pro INC em 1975.
243
O senhor sabe mais ou menos quando era essa data?
Olha... Isso aqui hoje eu acho que está um pouco mais fácil, porque consegui localizar um currículo
meu. Ele está atrasado, claro, para um determinado momento, o atual, mas eu mandei tirar uma cópia para que
você até pudesse ter acesso, né?! Então vamos ver aqui qual era essa data: 1975. Eu fiquei um ano nessa
repartição. De 75 a 76. Aí, de 76 em diante, esse Departamento deixou de ser de Filme Educativo para ser
Departamento do Filme Cultural, da Empresa Brasileira de Filmes, a Embrafilme, que assumiu o INC.
E o senhor continuou no cargo?
Continuei no cargo. Quer dizer, na verdade, na ocasião em que eu fui convocado para essa função pelo
doutor Diegues, se tinha idéia de que o INC seria é... digamos... assumido pela Embrafilme. Ele se tornaria
Embrafilme. Então, quando entrei pra lá, havia essa perspectiva do DFE se transformar em uma outra coisa, que
não se sabia, ainda, exatamente, o que era. Mas quando chegou o momento da nova estruturação da empresa,
ficou acertado que não se iria tirar as características que estavam muito marcantes do INC. Inclusive, essa
questão do filme educativo passaria a ter uma amplitude maior, assumindo a palavra cultural, com a finalidade
de que não ficasse por demais marcada uma intenção propriamente educativa, no sentido tradicional de
informação, de conhecimento, didático.
Por que se decidiu mudar o nome educativo para cultural?
Eu acho que foi... nunca imaginei que isso fosse ser feito. Sabia que deveria imprimir um novo caminho
naquilo, mas de natureza político-administrativa. Mas mudar a titulação foi uma coisa criada pela empresa que
reformulou a Embrafilme. Foi uma empresa contratada para esse fim. Ela decidiu que os departamentos ou
teriam que deixar de existir ou mudar de nome. Então, é claro, naquela época, o que o INC tinha era o que se
chamava de Departamento Pessoal e foi trocado para Departamento de Recursos Humanos, que era uma
expressão nova, recém-surgida. Então, foi preciso mudar, pelo menos, a nomenclatura. Eu lembro, que uma vez,
eu conversava com o Leandro Tocantins, que era o Diretor de Assuntos Culturais da Embrafilme, e perguntei se
era mesmo necessário trocar o nome. E ele respondeu que tínhamos que agradar àquela empresa.
Mas, na prática, as atividades continuaram sendo as mesmas?
A mesmíssima coisa.
Continuaram sendo produzidos filmes educativos para as escolas? Ou a mudança para filme cultural
deixou a escola de lado?
Bom, a questão é a seguinte: durante a época em que o DFE foi INCE, na verdade, o DFE era a
continuação do INCE, né?!, fazia as mesmas coisas. As escolas nunca foram deixadas de lado.
Então, o sr acha que o DFE era uma continuação do INCE? Não houve uma ruptura conceitual?
Se houve, eu não creio que tenha sido uma ruptura intencional, porque esse tipo de filme educativo que
o INCE produzia, tinha, na verdade, essa característica de informação mais cultural, né?! Mesmo os filmes do
Mauro que integram aquela quantidade tão grande de produção do INCE, não eram mais voltados para a sala
de aula. Eles podiam ser compreendidos, talvez, como ilustração para as salas de aula. E quando eu peguei era
isso totalmente, sem nenhuma dúvida. O DFE era isso completamente. que o DFE estava trabalhando com
licitações visando ao suporte do trabalho de empresas sediadas no mercado.
no DFE começaram a fazer licitações para fazer esses filmes educativos? Pensei que fosse só a partir do
DFC ...
Não. É uma coisa que já vinha sendo feito pela gestão anterior à minha, não sei há quanto tempo.
Quem geriu o DFE antes do senhor?
Era um professor chamado Cláudio. Eu não sei o sobrenome dele não
134
. sei que era um professor
muito ligado ao cara que era chefe de uma agência do governo, uma espécie de homem de Relações Públicas do
governo que antecedeu o Geisel, que era (Governo) Médici, né?! Eu tive, posteriormente, um encontro com o
professor Cláudio e foi um encontro cordial, mas o pessoal dentro do INC o via como uma figura típica do
governo militar.
Mas esses filmes produzidos eram destinados a quê e a quem?
A essa rede de distribuição que o INCE desde sempre tinha, né?! Eu não sei se o INC aperfeiçoou essa
rede antes da minha entrada. Agora, que essa rede existia antes do INC, existia.
E os filmes do INCE continuaram sendo distribuídos ou foram deixados à parte?
134
Segundo o professor Geraldo Vieira (Pedro II) o nome do diretor do DFE era Cláudio José da Silva Figueiredo.
244
Não! Eles continuavam sendo distribuídos! Continuavam sendo distribuídos! A rede de usuários desses
filmes consultava, permanentemente, os catálogos. E esses catálogos eram os antigos do INCE, com os
acréscimos que haviam sido feitos no período do INC. Posteriormente, eu mesmo editei um novo catálogo.
Nessa época, as escolas continuaram indo ao auditório do INC, que era o mesmo do INCE, para ver os
filmes?
Não. Isso veio a ocorrer com a entrada do Dejean (Pellegrin). Antes disso, não acontecia não.
Foi só na Embrafilme que isso ocorreu, então?
Exato. O Dejean estava voltando da França ou do Egito, não me lembro, e foi convidado a trabalhar na
Embrafilme com o Gustavo Dahl, que, nessa época, era chefe do setor de distribuição. Então, um dia, o Gustavo
Dahl me deu um telefonema dizendo que o Dejean parecia estar meio fora do lugar. eu disse: “manda ele pra
cá”. Ele entrou e nosso entendimento sempre foi muito bom. Ele propôs essas sessões. O auditório era o mesmo
que o do INCE. A única coisa que mandei fazer foi uma pequena reforma, porque estava com cupim, tinha cores
inadequadas para uma sessão ideal. Queríamos um auditório moderno. Era bastante confortável. Tinha uns 80 ou
90 lugares.
Essas sessões eram diárias?
Elas começaram a ser mais freqüentes depois que o Dejean foi pra lá. Porque até então, o auditório era
destinando a sessões privativas do INC. Depois, com o Dejean, começou a receber alunos, professores, promovia
debates. Foi, realmente, uma coisa muito importante o que a gente fez ali.
As escolas que procuravam essas sessões?
Eu não sei. Acho que, em um primeiro momento, nós fomos às escolas para divulgar. Mas depois as
escolas é que procuravam sim.
Foi feito algum contrato com as escolas do Município?
Não. Nada disso. Nem ele (Dejean) tinha condições de fazer isso. E se esse contrato tivesse sido feito,
deveria ter sido assinado pelo presidente da Embrafilme, que era o Roberto Farias. Nós não tínhamos autonomia
administrativa para isso. Pode ter havido troca de correspondência entre as partes, creio até que houve, mas
contratos, não.
Então o sr. acredita que o DFE e o DFC eram continuidades do INCE em âmbito menor?
Olha, não sei se em âmbito menor, porque o INCE era aquilo que estava ali. As instalações de natureza
física eram as mesmas, só que modernizadas. As propostas de filmes também. O que era maior que o INCE era o
INC, claro. Isso sem dúvida alguma, porque investia em cinema industrial também. Mas o DFE e o DFC eram o
INCE. Nunca vi de outra maneira, sob outro ângulo.
Sobre os filmes do INCE distribuídos pelo DFE e DFC, o senhor tem alguma informação sobre a opinião
dos professores? O que eles achavam do uso de filme em sala de aula como recurso didático?
Olha, eu não conheço nenhum depoimento individualizado. Eu via, das pessoas que trabalhavam
comigo, que os filmes eram muito bem aceitos e disputados pelas escolas que, tradicionalmente, os buscavam. E
novas escolas estavam sendo permanentemente incorporadas a esse núcleo inicial. O número de escolas era
muito grande e espalhado pelo Brasil inteiro. Uma parte bem representativa do orçamento que passava por
minhas mãos era destinada ao pagamento do frete desse material que era distribuído pelo país.
Na época do INCE, a escola comprava o filme virgem, escolhia o filme que tinha interesse e o órgão fazia a
cópia gratuitamente. No DFE como era?
Na época em que eu entrei, era tudo por conta do INC. E, posteriormente, da Embrafilme.
O sr consegue se recordar de alguma escola que tenha utilizado esses filmes?
Não me lembro não. Talvez tenha uma pessoa que trabalhava na distribuição que possa lembrar. O
nome dela é Regina Machado.
Na literatura existente sobre as décadas de 1930 e 1940 indica que o professor tinha certo receio em usar a
o cinema como recurso auxiliar de ensino. Esse modo de pensar evoluiu nas décadas de 1960 e 1970? O
interesse do professorado mudou?
Olha, eu nunca percebi isso não! Nunca percebi. Acho que, inclusive, ... É verdade que eu estudei em
um colégio mais aberto, né?!, onde se praticava essa interação, mas eu acho até que as pessoas viam o filme
245
como complemento enriquecedor, uma coisa nova e importante. Eu creio que não havia isso não, mas se houve
antes, eu realmente desconheço.
O sr entrou no INC em plena ditadura militar. E o INCE também foi criado durante um regime ditatorial,
no governo Getúlio Vargas. Havia imposição do governo para utilização desses filmes, já que eram
produzidos por órgãos governamentais?
Eu nunca ouvi e não recebi instrução nesse sentido. Se houve, nunca me chegou aos ouvidos. E olha que
na repartição pública, a coisa mais freqüente é a informação por trás dos bastidores.
Foi lá no DFE que o sr. teve acesso e conheceu a obra do INCE?
Eu conhecia sem ter noção de que era obra do INCE. Depois, como jornalista, eu sabia da existência do
INCE, mas não tinha acesso aos filmes. E quando eu cheguei algumas vezes a vê-los, salvo engano, eu assisti a
algumas sessões no antigo GEC, da UME, do qual o Dejean foi um dos idealizadores. Eu assisti a alguns filmes
na condição de aluno de colégio. Disso, eu tenho a mais absoluta certeza. Não sei mais precisar se foi em escola
primária ou ginásio. Tenho receio de afirmar isso em títulos.
Os filmes do DFE e, posteriormente, do DFC, seguiam uma estrutura narrativa e fílmica semelhante ao do
INCE. O conteúdo desses filmes era importante para a educação, o currículo escolar, ou eram mais
voltados às salas comerciais e festivais culturais?
Não tenho nenhuma dúvida de que complementavam a aula. Nem mesmo aqueles filmes que foram
produzidos antes de minha gestão que eram tão contestados pelos cineastas naquele momento, poderiam ser
dissociados da possibilidade de atingimento específico da sala de aula.
Quais filmes?
De um modo geral, havia uma má vontade quanto a alguns daqueles filmes ali, dizendo-se que
privilegiavam determinados cineastas. É possível que isso estivesse acontecendo sim. Mas eu acho que havia
filmes ali muitos bem feitos, que, no entanto, eram tratados com algum desprezo. Vou dar um exemplo: o filme
Rendeiras não sei das quantas
135
, do Ipojuca Pontes, que é um filme muito bonito, e do qual as pessoas não
falavam bem. Gostavam de falar do Homem dos Caranguejos, também do Ipojuca. Porque o Homem dos
Caranguejos era facilmente identificado com uma postura ideológica e o outro não. Rendeiras era visto como
um filme maldosamente, eu acho de ilustração turística. Na verdade, não era. Era um filme de descrição e
captação de uma realidade produtiva dentro do país que se traduzia em beleza formal. Agora, havia um grupo,
não muito extenso, talvez, de produtores que tinham benefícios e que eram, preferencialmente, selecionados.
Tanto que quando eu entrei, uma das funções que eu tive foi afastar determinadas pessoas das funções que
exerciam, porque elas estavam sendo praticamente acusadas de um processo de seleção viciado.
E como se dava a escolha dos temas? Os próprios cineastas sugeriam ou havia alguma comunicação com
as escolas?
Não. Essas sugestões eram feitas pela direção do DFE. Pesquisa formal com as escolas não havia. Havia
um setor que programava esses filmes, que ouvia especialistas e que, quando eu entrei, passou à direção da Gilda
Bojunga. Esse setor planejava um determinado número de temas que era submetido à direção. E a partir daí,
então, eram selecionados os temas que seriam objeto da licitação de produção de filmes. Mas, pelo menos da
minha época, tudo era objeto de reflexão e discussão, levando em conta a rede de escolas que procuravam o DFE
e o DFC.
Havia algum tipo de formação ao professor para trabalhar com o filme em sala de aula?
Não. Isso não era feito, infelizmente. Isso foi uma coisa que, inclusive, foi discutida comigo em
determinado momento como algo que aperfeiçoaria o trabalho de distribuição daquele material. Mas era muito
difícil devido à extensão da rede. A gente chegou a pensar em fazer algo com esse tipo de atingimento. Não
tínhamos as facilidades que nós temos hoje, né?! Com o computador, hoje, seria mais fácil de se realizar.
Existe na literatura do cinema brasileiro alguns preconceitos com a obra de Humberto Mauro no INCE,
dizendo que seus filmes eram chatos e pouco criativos. Qual sua opinião a respeito?
Quando eu comecei a ouvir falar mais insistentemente sobre esse assunto, o Mauro era um ídolo do
Cinema Novo. Eu entrei lá em 1975 e, nessa ocasião, o Glauber (Rocha) já tinha escrito diversos artigos
consagrando o Mauro. O Walter Lima Jr já tinha dirigido e produzido o Menino de Engenho, que é um filme
nitidamente mauriano, né?! Então eu acho que, nessa época, essa hipótese tinha sido... aliás, eu nunca tinha
ouvido falar nisso, que os filmes fossem chatos.
135
Rendeiras do Nordeste.
246
O próprio Glauber Rocha, quando escreveu Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, na década de 1960, e
consagra Humberto Mauro como pai do cinema brasileiro, elogia os filmes de ficção de Mauro e despreza
a obra do INCE que era imensa e muito maior que a dos filmes de ficção. Paulo Emilio em Humberto
Mauro, Cinearte, Cataguases também faz isso, chegando a chamar a fase do Mauro no INCE de negativa e
desprovida de criatividade. A que se deve essas visões de preterir os filmes do INCE?
Eu acho, em primeiro lugar, que quase tudo que o Glauber escreveu na época, escreveu sem ver. Ele
escreveu sobre Limite sem ver. E como a obra do INCE era muito grande, eu acho que, dificilmente, ele tenha
visto grande parte. O Paulo Emílio foi brilhantismo mesmo.
Como assim?
O Paulo Emílio, não sei se viu os filmes ou não. um preconceito intelectual dele, fora de dúvida,
né?! Agora, uma pessoa com a sensibilidade do Paulo Emílio, tendo conhecido cinema como ele conheceu, é
inadmissível que ele não pudesse é... que não fosse permeável a criatividade de Meus Oito Anos, por exemplo...
Os filmes do INCE são maravilhosos. A Velha a Fiar nem se fala! A Velha a Fiar é um exercício de montagem,
que qualquer pessoa voltada para cinema iria admirar, pelo menos, pela parte técnica. Mesmo uma coisa menos
criativa do Mauro ou, talvez, uma coisa mais previsível dentro da obra dele que seria, por exemplo, Um apólogo,
tem muita criatividade. Eu acho que isso é um viés político. Realmente, os filmes do Mauro não faziam
apologia a qualquer tipo de sociedade em vista. Era uma captação poética de uma realidade brasileira. Isso pode
ter influído nesse tipo de julgamento. No caso do Glauber, com certeza. No caso do Paulo Emílio, eu não sei. O
Paulo Emílio que conheci, eu não fui íntimo dele, mas o conheci através de poucos contatos, ele habitava numa
espécie de Olimpo e tinha consciência dessa condição. Talvez, isso fosse uma coisa meio pedante mesmo, né?!
Então o sr. imagina que essas opiniões eram constatações de cunho político em vez da análise de uma
análise da obra do INCE em si?
Não tenho dúvida. Você que esse tipo de reação a essa obra do Mauro, do INCE, ficou
substantivamente menor a partir da saída do Dicionário de Cineastas do Georges Sadoul, que era o papa dos
críticos comunistas franceses. E ele dedica ao Mauro um verbete bastante alentadinho, né?! Dentro daquele
dicionário que raramente se expande além de algum determinado limite. Tenho a impressão que a partir daí, a
coisa mudou. O próprio Alex (Viany), que fora reticente à obra do Mauro, passou a vê-lo de forma diferente.
Então, o preconceito não era com o cinema documentário do Mauro?
Não. Porque ninguém podia ser contra o estilo documentário. Estava todo mundo fazendo
documentário! É claro que o Glauber, por exemplo, não tinha muitas condições de assimilar esse tipo de
documentário, digamos, comportado. Agora, o Paulo Emílio conhecia profundamente cinema. Conhecia
perfeitamente o que tinha sido a escola inglesa de documentários. A obra do Mauro, inclusive, em nada é inferior
à escola inglesa ou qualquer outra. Acho muito engrandecedor, para nós, que essa escola inglesa tenha sido
dirigida por um brasileiro, o Cavalcanti (Alberto). Então, eu tenho impressão de que essa coisa tenha um pré-
julgamento de natureza política.
Existem, ainda, pessoas que atribuem aos documentários o título de filmetes informativos. O que acha?
Olha, nunca ouvi falar isso. Mas é uma expressão curiosa e talvez até oportuna para ser estudada.
Discutir sobre o que é documentário é complicado. Documentário é uma expressão muito ampla que inclui até a
ficção. E se a gente quiser falar sobre documentários legítimos, os ícones do documentário que a História do
Cinema registra mesmo, temos muito poucos. É o caso do Flaherty (Robert), com o Nanook
136
, que, entretanto,
tem cenas encenadas. É o caso do Homem de Aran, que é um filme absolutamente extraordinário, totalmente
encenado. Acho que o filme documentário é meio difícil de se limitar e definir. Não pode ser, apenas, como se
pretende, a captação da realidade. O chamado cinema-verdade é verdade até que ponto? No momento em que
você instala uma câmera e decide qual é a luz e qual é o ângulo, você interferiu na realidade. Até os (filmes) de
Jean Rouch, será que são mesmo a captação plena da realidade? Tenho minhas dúvidas. Acho que os filmes do
INCE, portanto do Mauro, que assinou quase a totalidade deles, acolhem bem as diversas hipóteses de fazer
documentário, desde aqueles de pura informação regional ou de esclarecimento para as camadas mais
populares, até os registros de comportamento cultural, os de captação poética da vida e usos do campo e
interior, no qual Mauro foi um mestre! Chatos, por quê?
137
O sr. sempre atuou nessa área cultural no INC e na Embrafilme?
Quando o grupo paulista entrou, que era o grupo do Celso Amorim, ele trouxe de São Paulo o Calil
(Carlos Augusto), que passou a ocupar o cargo que era do Leandro Tocantins durante o tempo em que o Roberto
Farias foi presidente da Embrafilme. Quando o grupo de São Paulo entrou, então, num primeiro momento, eles
136
Nanook, o esquimó. Em inglês, Nanook of the north.
137
Trecho incluído no ato de aprovação da transcrição.
247
não mexeram com o DFC, mas depois eles introduziram um novo organismo. Nós tínhamos uma divisão que era
a seguinte: a direção era dividida em produção e... esqueço o nome do negócio... ah! difusão cultural, que era o
cargo que ocupava a Gilda (Bojunga). Quando a Gilda saiu, o Dejean ficou no lugar dela. Quando o grupo
paulista entrou, eles tiraram a distribuição desse setor de difusão. Aí, caiu na mão da Regina Machado. Nesse
momento, eu comecei a achar que não tinha mais nada para fazer ali. Então, solicitei meu afastamento. O Calil,
então, me sugeriu ficar com o cargo de... (Sr. Fernando pega o currículo e olha) assessor de extensão cultural.
E até quando o sr ficou na Embrafilme?
Deixa eu ver aqui... (olha o currículo novamente). Até 1980.
E sempre em paralelo o sr. escrevia sua coluna no Globo?
Ah! Sim! Sempre escrevendo sobre cinema. Na ocasião em que fui para a Embrafilme, ainda era editor
do Departamento de Pesquisas do jornal. Um trabalho bem complicado, porque como o jornal ficava muito
privado das possibilidades de abordar determinados assuntos, por causa da ditadura militar, esse departamento,
que, na verdade, era uma editoria, tinha que fazer pesquisas pequenas em torno de determinados assuntos para
complementar a informação. Um exemplo disso: no dia em que Marighela foi morto, não se podia se contar tudo
o que, eventualmente, tinha sido apurado. Então, o departamento de pesquisas ficou encarregado de
complementar a notícia. Tivemos que fazer uma matéria sobre dominicanos e beneditinos, porque o Mosteiro
Beneditino tinha sido invadido por conta de uma reunião de estudantes do interior de São Paulo; os dominicanos
tinham fornecido as condições para que Marighela, na livraria Duas Cidades, estabelecesse os contatos de
resistência à repressão. Então, a matéria tinha que colocar o espírito dessas congregações religiosas. Escrevíamos
nas entrelinhas. Mas era complicado, difícil. Eu tinha que fazer esse trabalho ao mesmo tempo em que estava no
INC.
Durante esses cinco anos em que esteve no INC e na Embrafilme, escrevendo no Globo na coluna de
cinema, não se recorda de ter escrito nada sobre um filme do INCE, sobre filmes educativos ou sobre o uso
de filmes em sala de aula?
Os jornais não admitiam isso. O Jornal do Brasil até abria espaço para isso, mas o Globo não. O Globo
considerava as informações sobre cinema relacionadas ao que estreava nas salas (de exibição comerciais). Eram,
às vezes, 14, 15 filmes por semana. O cinema educativo não tinha espaço no Globo. No Jornal do Brasil, em
algumas ocasiões, foram abordados temas relacionados a isso por causa da “redescoberta” do Mauro, porque ele
foi redescoberto, né?! Ele estava num verdadeiro ostracismo. Eu me lembro que quando eu fui, pela primeira
vez, no auditório do INCE era INC, na verdade o Mauro estava lá. Fiquei impressionado de ver uma
pessoa tão simples. Tinha ido para ver um filme daquele holandês Bert Haanstra. E o Bert Haanstra me
pareceu íntimo do Mauro, falando com ele com certa intimidade. Então, me parecia que ele já conhecia a obra de
Mauro, né?! Então, na verdade, eu, que tinha trabalhado com cinema um bom tempo, nunca tinha sido
apresentado a Humberto Mauro. Mas sobre esse tipo de trabalho jornalístico que você está me perguntando, era
inviável no Globo, que trabalhava com o fato em si. Naquela época, ainda existiam os matutinos e vespertinos. A
concepção, então, era que o matutino era um jornal em que cabia a reflexão mais sofisticada. O vespertino era
mais ágil, de menos espaço para artigos, com mais reportagens. Quantas vezes eu recebi esse tipo de
recomendação: “cuidado, está falando muito sobre o diretor do filme, não é isso que o leitor quer saber”.
Não temos informações sobre o impacto do INCE nas escolas. Na sua opinião, qual foi a principal
importância do INCE, do DFE e do DFC nas escolas?
Eu acho que seria temerário dar uma opinião a respeito sobre esse tipo de retorno, sem ser através de
pesquisa. posso imaginar que tenha sido bom, porque eu, particularmente, gosto e acredito naquele tipo de
trabalho que era feito ali. E eu não inventei nada ali dentro. Só fiz continuar.
As pesquisas, atualmente, apontam que os professores o sabem usar o cinema como recurso didático,
usando-o de forma ilustrativa, até saem da sala na hora da exibição. Como professor de cinema, onde o sr.
acha que está o problema?
Isso não mudou ainda não? Eu pensei que isso estivesse superado ou em vias de se superar! Mas a
informação que você está me dando é angustiante. Eu achei que isso tivesse avançado. Mas aqui dentro da
Universidade mesmo, eu me recordo de ver professores que colocam o filme para os alunos e saem da sala de
aula.
E não promovem uma discussão a respeito?
Podem fazer isso depois. Mas naquele momento ali, de estar junto ao aluno vendo o filme, eles saem.
Eu, pessoalmente, acho que no momento de ver o filme, não se deve interromper, não se deve sair. Eu não saio.
248
Mas, depois, eu sempre promovo uma conversa sobre o que foi exibido. E eu sempre imaginei que fosse este o
caminho. Mas se ainda existe um preconceito com o filme como recurso didático, não sabia mesmo.
O sr. acha que esse pensamento pode estar ligado a alguma herança cultural do passado?
Eu acho que não tem a ver com isso. Acho que tem a ver com o fato do professor não ter um preparo
para isso.
Mas se houvesse tido um preparo do professor desde aquela época, nossa realidade poderia ser, hoje,
diferente?
Sem sombra de dúvida. Faltou isso, né?! Eu me lembro que uma vez eu fui convocado pelo Augusto
Rodrigues para dar uma palestra a professores sobre filme educativo e educação cinematográfica. Eu estava
muito nervoso e é muito possível que isso tenha ajudado. Mas o fato é que quando terminou a minha exposição,
que pode ter sido muito tumultuada devido ao meu nervosismo, tinha ao final, apenas, três pessoas na sala. O
grupo não era muito grande, de umas 15 pessoas mais ou menos.
O que o sr. acha que aconteceu?
Acho que eles acharam chato (risos). Eu posso ter contribuído para terem achado chato, porque eu
estava, realmente, muito nervoso, num dia infeliz. Estava muito cansado, também. Estava temeroso, nunca tinha
sido expositor para professores e posso ter colaborado para o mau resultado. Mas as pessoas não estavam
interessadas também.
Era sobre filme brasileiro? O desinteresse era por isso?
Era sobre cinema em geral. Olha, um dia eu estava conversando com meus alunos em aula e comentei
que quando o cinema surgiu e quando começaram a discutir mais seriamente sobre cinema na França, uma das
grandes preocupações era de esclarecer que cinema não era apenas entretenimento. Essa idéia de que cinema era
uma coisa menor permaneceu por muito tempo no Brasil. Quando eu comprei meu primeiro livro de cinema, fiz
escondido da minha família para que não soubessem que eu estava estudando cinema. Depois, quando comecei a
freqüentar o meio intelectual, fui chamado por uma senhora, de quem, até hoje, tenho uma grande saudade dela
(emocionado), para que eu a ajudasse a fazer, dentro da sua casa, um cineclube. E o dono da casa tinha milhares
de livros na biblioteca. Ele gostava muito de música, tinha excelentes quadros de pintura. E ele dizia assim para
mim: “por que criar essa coisa aqui dentro da minha casa? Encher a casa de gente para ver porcaria?” Ele achava
cinema uma coisa fora de qualquer conceito que permitisse uma prospecção intelectual. Isso vinha de um cara
que tinha essa quantidade de livros de literatura, ouvia boa música, freqüentava teatro, adorava artes plásticas,
era amigo de escritores, entre os quais Octávio Faria, e tinha essa opinião! Até o dia em que foi inaugurado o
cineclube, constituído de pessoas jovens ligadas à família. A casa era grande, sabe? Resolvemos apresentar o
filme No Tempo das Diligências. Eu era mais velho que aquela turma toda que estava ali. Então, eu pensei que
tinha que captar aquele pai de família que estava ali. s fazíamos toda sexta-feira uma audição musical para
ouvir Schubert e deixávamos uma cadeira para o Schubert (risos). Nós chamávamos esses encontros de
schubertiadas. Era uma série de pessoas que gostava de música clássica. Tinha, então, intimidade com o dono da
casa. Então, ele resolveu dar uma presença na sala de inauguração. Eu, sabendo que isso ia acontecer, porque ele
era um homem extremamente educado e saberia receber as pessoas em sua casa, resolvi fazer uma digressão
sobre as possíveis afinidades entre o western e a canção de gesta francesa. Não deu em outra coisa: o cara se
transformou num de cinema! Não estou dizendo que fiz uma coisa boa, estou querendo mostrar que, às
vezes, o que falta é um pouco de estímulo, né?! Quer dizer, faltava. Eu acho que hoje está muito diversificado.
As coisas estão mais acessíveis. Você vê: eu tive em mãos o manifesto que foi enviado ao Jânio Quadros para
recuperação do Limite, de Mário Peixoto. Para que esse documento fosse aprovado, foi preciso que ele
inicialmente fosse assinado pelo Alceu Amoroso Lima. Era a primeira assinatura, para dar prestígio. Depois eu
soube que a coisa foi feita estrategicamente para sensibilizar as pessoas a assinarem o manifesto.
Pra gente finalizar, qual o melhor filme feito pelo INCE, na sua opinião?
Quando alguém me pergunta qual o maior filme de todos os tempos eu sempre digo: não sei. Da história
do cinema, para mim, é Intolerância, pelo momento em que foi feito, as inovações que introduziu. Mas não diria
convicto que é o melhor filmes de todos os tempos. Agora, do INCE, também não saberia dizer. Aquele que eu
mais admiro é A Velha a Fiar. É uma coisa pessoal. Entre todos que o Mauro fez, é o que me parece o mais
competente do ponto de vista da concretização cinematográfica. E, ao mesmo tempo, é um filme de uma riqueza
documental muito grande, não no sentido de captar a realidade, mas a documentação de um equilíbrio funcional
entre a vida e a consciência. Além do mais, ele é perfeito do ponto de vista técnico, de uma perfeição admirável.
E quando você imagina que a mulher do filme é um homem, a coisa fica mais fascinante, não é mesmo?
Então o sr. ficou no Globo até 1986 e...
249
Nessa altura eu trabalhava no Globo das 17h até a hora que desse e dava aula de técnica de jornal na
PUC, de manhã. Isso foi a partir de 1980. Também fazia atendimento a monografia. Depois, larguei o jornal em
1986. Em 1987, foi fundado esse Projeto Comunicar e estou aqui desde então. Sabe quantos estagiários
passaram por aqui? 1034! Estamos fazendo 20 anos em 2007. Muita gente, né?! E o número de pessoas que estão
aí na imprensa, nas rádios, nas televisões, é incrível!
Com toda sua experiência, principalmente de professor, o que está faltando para que o professor utilize
mais o cinema como recurso didático?
Convicção. Não tenho dúvida. O professor não tem essa convicção.
E de que forma o professor pode se preparar? Como acontecerá essa formação?
tem um jeito para isso: informação cinematográfica. Conhecer mais cinema. Não é essa coisa de
falar do diretor da moda. Tem gente que acha que entende de cinema, porque conhece a obra de Almodóvar. Mas
o que adianta se ele não conhece Buñuel, e que sem ele o existiria Carlos Saura e que sem Victor Erice não
teria Almodóvar? Isso só para ficar no cinema espanhol... Quando eu estava no Conselho Estadual de Cultura, eu
propus, numa determinada época, que fosse sugerida à Secretaria de Educação a obrigatoriedade do ensino de
cinema nas escolas públicas, até pela defesa do espectador diante de um mau filme. Porque com informação,
sabemos diferenciar o bom filme do mau filme. Engavetaram isso. Se a coisa fosse levada adiante, mudaria a
própria postura do espectador diante do cinema. Mas eu não tenho dúvida de que a educação pela imagem é
fundamental. Estamos vivendo num mundo da imagem, e se não estamos preparados para fazer uma leitura
crítica disso, seremos engolidos por ele (pelo mundo da imagem). Sobre a reflexão que estávamos fazendo, eu
acho que é necessária uma informação que permita à gente ter uma natureza crítica em relação a tudo que vemos.
Eu acho que a única maneira é que desde cedo esse aprendizado se instale, para que se possa ter um elemento
indicador de caminhos, e, ao mesmo tempo, criar um potencial de exercício crítico quase que instantâneo e
autônomo.
ENTREVISTA 9 Dejean Magno Pellegrin
Entrevista realizada em 27/06/2007, no Alto da Boa Vista, Rio de Janeiro.
Quais são suas primeiras lembranças de cinema?
Minha primeira lembrança de cinema é de Campo Grande, subúrbio do Rio de Janeiro. Lá, aos cinco
anos, eu freqüentava o cinema, porque Campo Grande daquela época, não é o Campo Grande de hoje, que
ninguém mais se conhece. Todo mundo se conhecia. E eu tinha essa característica, também, porque meu avô era
francês conhecido como Juca Francês e todas as famílias se conheciam. Então, existia um cinema em
Campo Grande, que era o Cinema Progresso, do Seu Vertúli. Eu ia pequenino com a nossa secretária doméstica,
que gostava muito de cinema. Ia toda quinta-feira, nas matinês, à tarde. Lógico que muitos filmes ficaram em
minha memória, mas um pouco mais crescido. Eu saí de com 13 anos. Naquela época, em 1935, tinha esse
cinema. depois é que foi fundado outro, na mesma rua, inclusive, o Cine Teatro Campo Grande, que ficou
conhecido como Cinema Novo; e o Progresso como Cinema Velho. Eu vi filmes maravilhosos! Muita coisa que
eu vi lá fui rever anos depois na França, na Cinemateca Francesa. Filmes franceses, italianos, alemães e,
sobretudo, americanos. E também havia o seguinte: eu morava, já um pouco mais velho, acredito que aos sete,
oito anos, perto de uma Igreja que tem lá, que ficava em uma elevação, a Igreja Nossa Senhora do Desterro. Lá
tínhamos aulas de catecismo, todos crianças, meninos e meninas. Depois de cada aula, ganhávamos um cartão de
presença; cinco daqueles cartões davam direito a ir ao cineminha que a Igreja tinha. vi coisas maravilhosas:
comédias, desenhos. Isso nos anos 36, 37, 38, 39... Muitos anos depois, ainda na Cinemateca (Francesa), eu
vendo aqueles filmes primitivos do cinema francês, muita coisa tinha visto naquele cineminha. E, gico,
muito mais tarde, fui descobrir que aquele projetor nem era de 16 mm, mas de 9,5m era uma Pathé-Baby.
Tinha um padre que era meu herói padre Serafim. Ele era alto, grande, com aquela batina preta (ri). E eu
adorava! Descobri o cinema não no (cinema do seu) Vertúli, mas no cineminha da Igreja também. Nós
fazíamos até umas travessuras por lá. A gente se sentava atrás das meninas e quando elas se ajoelhavam e
deixavam no banco o Missel com os cartões dentro, a gente surrupiava os cartões (risos). Então, lá, eu vi muitos
filmes, tanto no Cinema Velho quanto no Cinema Novo, como no cineminha da Igreja Nossa Senhora do
Desterro com os padres Serafim e Elias, um outro, também que projetava os filmes
138
.
O sr. se lembra de algum filme em especial dessa época?
138
Trecho incluído no ato de aprovação da transcrição da entrevista.
250
Eu me lembro de um chamado Sinfonia Inacabada, de Willy Forst, de 1933
139
. O filme da inauguração
do Cine Teatro Campo Grande, por exemplo, eu me lembro, era a Grande Valsa, se não me engano, com a Luise
Rainer
140
. E tem outro filme que me marcou muito: Maria Antonieta, que era com a ... (pensativo) ... ora, qual o
nome dela, que foi até mulher de um grande produtor americano que morreu jovem à beça? Enfim, esqueci
141
. Vi
filmes em série, como A Deusa de Joba, Flash Gordon, O Tesouro de Fu-manchu
142
esses eu vi no “velho”.
no “novo”, vi O Vingador, Mandrake, Aranha Negra. Tem filme que até hoje fica na minha cabeça, me
aquela nostalgia... Naquela época, tinha muito filme europeu, vi muito filme italiano, alemão. E, depois, quando
fui para Vila Isabel, também vi muitos outros. Mas eu descobri o cinema como arte, coisa séria, que não era
diversão, quando recebi um livro de presente. Um amigo, falecido, foi à Europa e sabendo que eu gostava de
cinema e tinha ligação com o francês me trouxe: Le cinéma, son art, sa technique, son économie, de Georges
Sadoul, traduzido por Alex Viany (anos mais tarde): O cinema: sua arte, sua técnica, sua economia. Quando eu
ganhei a bolsa do governo francês para estudar cinema lá (na França), foi graças ao meu trabalho de cineclubista,
porque eu não pedi essa bolsa, nem sabia que existia. Um belo dia, em 1959, eu em Vila Isabel, recebo um
telefonema da secretária do adido cultural francês da época, aliás, preciso até saber o nome dele, porque também
estou escrevendo minhas memórias. Aí eu fui. Era uma sexta-feira. Ela disse que o adido queria falar comigo. Eu
cheguei lá e ele me disse que eu havia ganhado uma bolsa de estudos para estudar cinema na França. E
perguntou: “você aceita?” Eu estava cursando Direito, inclusive. Eu não gostava, não tinha nada a ver comigo.
Larguei não me arrependo parei no terceiro ano. Eu aceitei, lógico, e perguntei: “Eu não apresentei minha
candidatura e ganhei. Como pode?” Aí ele disse naquela época, não sei como é feito hoje que uma junta de
notáveis colocou meu nome na mesa, porque eu fazia esse trabalho de divulgação cinematográfica. Eu fazia sem
quaisquer objetivos profissionais. Fiz durante muito tempo e aí ganhei essa bolsa.
E o sr. criou o cineclube devido à sua paixão pelo cinema?
em 1946, havia um cineclube, Círculo de Estudos Cinematográficos, que era dirigido por Alex
Viany, que depois se tornou um grande amigo meu, e foi o tradutor do livro do Sadoul para o Português; também
por Moniz Vianna e Décio Vieira Otoni
143
. Era na ABI. Quando eu descobri o cinema, comecei a procurar
literatura sobre o tema. Hoje você entra em uma livraria e encontra muita coisa em português sobre cinema, mas,
naquela época, não encontrava. O que existia muito era em espanhol. Eu tenho um livro argentino, inclusive, que
é decisivo para quem quer fazer cinema: educativo, básico, essencial, mesmo tendo sido escrito muitos anos,
chamado Tratado da Realização Cinematográfica, de Léon Kuleshov. Eu li esse livro em espanhol. Tenho o
livro. Aliás, tenho o livro agora porque o original que eu tinha, perdi. Depositei na Cinemateca e lá me
roubaram. o Saulo (Pereira de Mello) que foi a pessoa que recuperou o Limite, muito meu amigo também,
achou o livro em um sebo e eu xeroquei. É este (Dejean pega o livro e mostra). Esse livro é essencial. Você fala
com essa garotada que está fazendo cinema, nunca ouviu falar em Kuleshov, nem sabe da existência do livro.
Eu encontrei um cineasta brasileiro, que, em uma conversa determinada vez, eu disse assim: um livro
essencial, nem tinha dito o título, que toda pessoa tem que ler: crítico, cineasta, professor. Aí ele disse assim: “Já
sei qual é o livro, Dejean: Tratado da Realização Cinematográfica”. Ele foi o único. É lógico que o Leon
(Hirzsman), estudioso de cinema, o Miguel (Borges) leram o livro. Mas essa garotada aí, esses críticos de
cinema, não sabem nada. Para mim, não são nem críticos.
E dessa época, em 1956, quando o sr. criou o Cineclube Museu de Arte Cinematográfica, já tinha
conhecimento do INCE?
Ah! Já! Lógico!
Mas em 1937 quando o INCE fora criado o sr. estudou em alguma escola que passou os filmes?
Ah! Não! Eu sou de 1930. Tinha, portanto, sete anos e morava em Campo Grande. vim para a
“civilização” em 1943. Aí, então, é que eu tive contato, por causa dessa descoberta através do livro do Sadoul,
que procurei muita coisa. Li em inglês, italiano, francês, espanhol. Em 1946, o Moniz (Vianna) fundou o Círculo
de Estudos Cinematográficos, e fui eu freqüentá-lo. descobri que existia o INCE. E eu ia lá. No jornal
aparecia: O INCE vai passar o seguinte documentário de Humberto Mauro. eu conheci “o homem”. Mas na
escola não vi filme não. Vi na Igreja, que foi muito importante, no cineminha do seu Vertúli – Cinema Progresso
e no Cine Teatro Campo Grande. Aos 13 anos, fui para Vila Isabel e continuei vendo cinema “como um
louco”. eu conheci o Leon (Hirzman). Ele tinha sete anos e eu 14. Éramos vizinhos de rua. Ele era muito
pequeno, não estava nem para cinema. fui saber que o Leon gostava de cinema, quando em 1956 ele
não morava em Vila Isabel. O pai dele tinha uma sapataria na 28 de Setembro no Ponto Cem Réis chamado A
139
Diretor e data inseridos no ato de aprovação da transcrição da entrevista.
140
No ato de aprovação, Sr Dejean corrigiu para Mademoiselle Frou-Frou, de Richard Thoupe, de 1938, também com a atriz Luise Rainer. O filme A
Grande Valsa, de Julien Duvivier, também foi visto na mesma época.
141
No ato de aprovação, Sr Dejan incluiu o nome da atriz: Norma Sheare. Seu marido foi Irving Thalberg.
142
Este último incluído na aprovação. O nome correto é A Máscara de Fu-Manchu.
143
Sr. Dejean corrigiu no ato de aprovação para Luiz Alípio de Barros.
251
Formosinha (ri). Conheci os pais dele, a mãe dele, D. Sara. Eram poloneses – aí, em 1956, eu estou numa fila do
Teatro Municipal, porque naquela época, quando havia grandes jogos da Seleção, até naquele teatro se comprava
entrada. Era jogo do Brasil, eu estava na fila, e na frente, vem andando o Leon. Já não nos víamos muito
tempo, porque ele se mudou para a Tijuca. Eu estava na faculdade de Direito e ele na de Engenharia. Aí, olha
(conta empolgado), nos encontramos. Aí eu disse: fica aí comigo na fila. Ficamos batendo papo. pelas tantas,
ele disse: vou me inscrever em um Cineclube que estão fundando. O Cineclube de Cultura Cinematográfica
(CCC). Eu conhecia a turma que fez esse cineclube, que também era de 1956. Aí eu disse: “que isso, Leon! Vo
tem então que se inscrever no meu: Museu de Arte Cinematográfica”. Pretenso chamar de Museu de Arte
Cinematográfica, né?! Mas, infelizmente, durou apenas seis meses. Tive um grande apoio, muito grande mesmo,
do Paulo Emílio (Salles Gomes), que também foi um grande amigo meu quando apresentei uma retrospectiva
dos filmes de Alberto Cavancanti, outro que se tornou meu grande amigo. Aí o Leon não se inscreveu no CCC e
sim no meu (Cineclube). outras pessoas vieram: eu conheci o Miguel Borges, Marcos Faria, Davi (Neves),
Cosme (Alves Netto), Walter Lima Jr, Saulo Pereira de Mello, Joaquim Pedro de Andrade
144
. De uma certa
maneira, muitos deles foram formados por mim cinematograficamente. Eram todos rapazolas, meninos,
estudantes ainda.
O sr pegava filmes no INCE para exibir nas sessões do Cineclube?
É sim. É tal coisa: a gente faz coisas e outros vão fazer muito mais tarde e esses outros é que aparecem.
Mas muito antes aí de falarem que renasceram Humberto Mauro, eu, em 1958, no Cineclube, já passava os seus
documentários.
O sr. se recorda de algum documentário do INCE que tenha passado?
João de Barro, as Brasilianas, Carro de Bois.
Qual era o público?
A maioria estudantes. Mas também intelectuais, críticos. José Lino Grünewald, Ely Azeredo, o próprio
Moniz, Salveano Cavancanti de Paiva, Dalmo Jeunon, José Sanz, Décio Vieira Otoni, Alberto Schatovscky.
145
O público ia porque se interessava por cinema?
Sim. E também por divertimento, porque a entrada era gratuita, além de os filmes serem bons. Muitos
até se tornaram críticos, cineastas: Davi Neves, Joaquim Pedro, Miguel Borges, Marcos Faria, Walter Lima Jr,
Sérgio Augusto
146
.
Em relação aos documentários do INCE, os estudantes mostravam boa receptividade ou somente tinham
interesse com os filmes de ficção?
Ah! Tinham interesse sim! Eu acho até que inovei isso sem qualquer pretensão de minha parte mas
eu sempre passava um curta-metragem, sobretudo documentário. Não curta de ficção, que eu, particularmente,
não gosto muito. Gosto de todos os gêneros, mas o que tenho mais apego e amor é o documentário. Fiquei
grande amigo do Jean Rouch, do Jóris Ivens grandes documentaristas do próprio Cavalcanti, que iniciou sua
carreira com documentários. E eu peguei muita coisa lá no INCE. A turma via com respeito, adorava!
O INCE cedia cópia para o Cineclube?
Sempre, numa boa. E o INCE foi feito para isso.
E foi a partir daí que o sr se tornou amigo de Humberto Mauro?
Foi. Mas eu já conhecia Humberto antes. Nos anos de 1945, 1946, eu ia no auditório do INCE,
porque lia no jornal que ia passar os documentários. No DFC da Embrafilme era o mesmo auditório (que do
INCE), no mesmo local.
Voltando para essa época, então, o sr. se lembra como eram essas sessões?
Eram vários documentários no mesmo dia. Duravam meia hora, quarenta minutos. A maioria de
Humberto Mauro mesmo.
O público era composto por professores e alunos?
Eram estudantes. Não era muito freqüentado, porque ali, na Praça da República, acho, era contramão.
Também a divulgação era pequena, tinha que ficar procurando. Eram umas 10, 12 pessoas por sessão.
144
Os dois últimos nomes foram incluídos no ato de aprovação.
145
Nomes incluídos no ato de aprovação.
146
Nome incluído no ato de aprovação.
252
Então, o INCE, mesmo após 10 anos de funcionamento, não tinha propagação?
Não. Acho que os professores não sabiam da existência do INCE. Um organismo maravilhoso, fazendo
belíssimos filmes! Eu não concordo com quem diz que os filmes não tinham “alma”.
O sr. chegou a ter contato com algum professor na época?
no INCE, não. Bem, mas eu estava tão ávido em procurar Cineclube aqui e ali, que não existia
muitos tinha o do Moniz; depois, teve, antes de 1950, o Cineclube que funcionava na sala do INCE, do Paulo
Brandão e Pedro Gouvêa, diretor do INCE. Era o Cineclube de Cinema do Rio de Janeiro. Eu ia procurar
livros também. Aí, então, não sei precisar bem quando, mas nos anos de 1950, idos de 52, 53, havia, na Igreja
Católica, na Cura Metropolitana, nem sei se existe mais, a Ação Social Arquidiocesana ASA. Aliás, o Cosme
trabalhou lá. A ASA funcionou ainda até 1956, 57 e fez um curso de cinema. E lá fui eu. Eu já tinha um cabedal
de conhecimento por leitura. Mas os grandes clássicos eu não tinha visto, conhecia apenas por leitura. Ah! Outro
cineclube que eu freqüentei foi o Cineclube da Faculdade Nacional de Filosofia, fundado pelo Plínio Sussekind
da Rocha. O Saulo (Pereira de Mello) também participou. Era aluno da Faculdade e amigo do professor Plínio. E
foi aí que eles começaram a recuperação do Limite. Mas voltando à ASA, me lembro que fui aluno de um crítico
de cinema da época, Hugo Barcelos, do Diário de Notícias. E havia outras pessoas lá que davam aula. Literatura
no cinema, montagem, história do cinema. Mas, agora, não lembro o nome dos outros. Ah! (Sr. Dejean se
espanta com as lembranças que vêm repentinas), um que lembro era o padre Guido Logger. Ele freqüentou muito
meus Cineclubes! Falava português com muito sotaque, era holandês. Ele era professor nesse curso. Tenho até
aqui um livro dele. Havia outro religioso que era frei – baixinho e francês – frei Secondi. Acho que era professor
da PUC. Ele circulava no Rio todo com uma lambreta. Era professor na ASA também.
E essas aulas eram voltadas a quem?
Eram abertas ao público em geral. E era de graça. Era questão de descobrir as coisas. Mas não era fácil
naquela época. Hoje é fácil, né?! Naquela época, era difícil. Para procurar um livro, um dizia para o outro. Para
ver filme japonês, eu ia a São Paulo tamanha a dificuldade de vê-los no Rio. Pouquíssimos passavam aqui.
O professor via o cinema como recurso didático ou recurso de entretenimento?
Acreditava no cinema como instrumento de educação, cultural. Não era técnica, montagem. Era
muito abrangente. Para mim, não era só diversão.
Em relação ao INCE, além da falta de propagação nacional, o que poderia ter sido feito melhor para
alcançar as escolas e não fora realizado?
O problema da divulgação era normal na época. Se o INCE existisse hoje, todo mundo ia saber. Se
existisse fazendo aquilo que fazia, produção de filmes, passando filmes produzidos por eles, e, às vezes, até
outros documentários... Eu vi muitos filmes lá. Vi Flaherty (Robert) e Grierson (John). Nós trouxemos, eu,
Miguel, Marcos, Leon, Carlos Perez, com ajuda do Nelson (Pereira dos Santos), nos anos 1957/58, o John
Grierson ao Brasil. Ele era um produtor de documentário inglês importantíssimo que só fez como diretor um
filme chamado Drifters. Mas a importância dele junto com Basil Wright, Humphrey Jennings, Harry Watt e
Alberto Cavancanti, na Inglaterra, é imensa. E eu me lembro de ter visto o Drifters no INCE. Como também
alguns filmes do Jóris Ivens. Mas como disse, (o INCE) era pouco freqüentado, a divulgação era pequena.
Quais as principais memórias que o sr tem do INCE?
Essas projeções que eu ia e a presença de Humberto Mauro, que foi maravilhosa para mim. A gente
conversava sobre cinema, ele contava muitos “causos”. Ele tinha um senso de humor maravilhoso. Eu sou
privilegiado, porque de todas essas pessoas que estou falando, fiquei amigo. Uma vez, em Paris, eu e ris Ivens
– ele é holandês – estávamos tomando um bom vinho francês, que é uma redundância, em sua casa, e um bom
queijo, outra redundância, nos anos de 1960/61, pelas tantas, eu disse que nos anos 50 passei muitos dos
seus filmes no Brasil nos meus Cineclubes. E ele ficou hiper feliz. Enfim, é isso.
Quando o sr voltou ao Brasil?
Eu tive duas voltas. A primeira foi no final de 1963. Eu tinha saído em 1959. Vim para ver se dava para
ficar no Brasil. Aí, por acaso, me encontrei com o Leon na Cinemateca do MAM. Na época, ele tinha acabado de
fazer Minoria Absoluta, que eu não conhecia. E ele me disse que ia fazer outro, Maioria Absoluta. Ele me
convidou para fazer a produção e assistência de direção. Começamos a filmagem. O fotógrafo era o Affonso
Beato, um dos maiores diretores de fotografia não brasileiro, mas mundial. Depois veio Luiz Carlos Saldanha
e para o som, Eduardo Escorel. Na direção o Leon; e eu como assistente. A montagem foi de Saul Lastemasher.
aconteceu o golpe. O filme ficou interrompido. Hoje parece que o que restou dele está na Cinemateca ou no
CTAv, sei lá. Uma vez, em um trabalho que apareceu sobre o Leon, sobre sua filmografia, vi que está cheio de
falhas. Quando cita a filmografia, não cita o filme e quando o cita, não apresenta meu nome. E não é por vaidade
253
profissional, mas sim porque eu participei, e meu nome não está. Mas, enfim, essas coisas acontecem muito no
Brasil. Aí, houve o golpe, em de abril de 1964. Algumas pessoas meses mais tarde começaram a voltar,
inclusive eu. eu conheci, graças ao Cosme, grande amigo e irmão ... aliás, ele foi diretor da Cinemateca por
indicação minha, sabia? Não pude assumir a direção (da Cinemateca) por duas vezes, quando fui convidado.
Como não pude, indiquei o Cosme. Em novembro de 1963, começamos a filmar. Houve o golpe e em setembro
de 64, fui para o Egito. Fui procurado por três argentinos indicados pelo Cosme, que eram professores da Escola
de Cinema na Argentina em Rosário. Era o Fernando Birre, importante diretor e realizador cinematográfico, que
hoje está na Itália; o Edgar Pallero, que já faleceu e também se instalou no Brasil, em São Paulo; e o Manuel
Horácio Jimenes, o Manolo, que, até hoje, mora no Brasil. Eles me procuraram porque tinha um empresário que
queria fazer documentários de cunho sociológico, etnográfico e nunca tinha produzido nada. Era rico, milionário,
húngaro de nascimento, mas morava em São Paulo. Eles me apresentaram a esse produtor, que se chama Thomas
Farkas. Tenho uma foto ali com ele junto com (Jean) Rouch e um cineasta africano chamado Brice (Sr. Dejean
mostra a foto na estante). O Thomas Farkas é um cara importantíssimo na cinematografia brasileira, porque
produziu uma série de documentários maravilhosos sobre a realidade brasileira. E o primeiro filme que ele
produziu era meu. Então, eu fui apresentado ao Thomas e conversando, na Vieira Souto, no apartamento de sua
irmã, ele perguntou se eu tinha algum projeto. Ele é um grande diretor de fotografia. Aliás aquela foto ali que te
mostrei era de uma exposição dele em Paris. Eu vinha de Paris com algo na cabeça e disse que gostaria de
fazer um filme sobre uma Escola de Samba, mas sob os aspectos sociológicos, etnográficos. Com esse sentido.
Um outro sobre futebol, mas um filme em que você não veria o jogo, mas a reação dos espectadores e dos
jogadores: o antes, o durante e o depois do jogo. Os depoimentos ... Enfim, por aí. E o outro sobre uma Gafieira.
A Escola de Samba que eu tinha na cabeça era a de Vila Isabel, que não era tão famosa como é hoje. Eu morei
15 anos ao do Morro dos Macacos, que hoje não mais para freqüentar. Era uma época maravilhosa. Aí eu
falei para ele. Como o Jimenes, o argentino, me levou ao Thomas, ele ficou como meu assistente de direção. Eu
fui à Escola de Samba com o Jimenes. Eu tinha saído de lá em 58, indo morar um ano no Flamengo. Em 59, fui
para a Europa. voltei em 63 e isso era em 64. Deve ter sido em junho, por aí. E quando cheguei fui
recebido de uma maneira maravilhosa! Todos eles me conheciam desde garoto eu saí de com 28 anos –, e
me deram autorização para filmar. Um belo dia, levei o Thomas lá. Eles fizeram uma feijoada para nós. O
Thomas “caiu pra trás”! O Manolo também foi comigo. Resumo da ópera: começamos a fazer o filme. Consegui
muito equipamento, quase de graça, a “preço de banana”, porque eu era amigo, sou amigo, de um cineasta
brasileiro, Gerson Tavares, que começou a fazer alguns filmes. Estudou cinema em Roma e eu o conhecia por
seus documentários. Quando voltou ao Brasil, ele ficou no ramo de aluguel de material para fazer filmes: spot,
câmera, etc. Quando eu morava na Europa, ele me escrevia e pedia para comprar algumas coisas para enviar a
ele. E ele fez um preço “camarada” para o aluguel das coisas para o Thomas. Começamos a filmagem. Mas,
então, por alguns problemas, eu tive que deixar o Brasil. Eu falei ao Thomas que não podia ficar e sugeri que o
Manolo ficasse no meu lugar, que ele estava acompanhando o processo desde o início. Ele tinha experiência
de documentarista na Argentina. O filme continuou, acabou, e ganhou um prêmio no Festival de Florença. A
idéia foi minha, o roteiro foi meu, a pré-produção foi minha e nos créditos, no final, apareceu meu nome
“pequenino” como: colaboração de Dejean Magno Pellegrin. Eu fui ver o filme anos depois na Cinemateca
graças ao Cosme. Depois o Thomas fez filme com o João Batista de Andrade, Sérgio Muniz. Ele é
importantíssimo na filmografia do cinema brasileiro.
Mas voltando ao INCE, o sr se recorda de alguma escola que tenha passado os filmes produzidos?
Não. Como não trabalhava lá, não tenho como saber. Acho que o Jurandyr (Noronha) pode ajudar neste
sentido. A Gilberta (Mendes), filha dele, também. A Myrce, quem sabe? Eu a conheci no DFC. Foi quando
conheci a Gilda Bojunga também. A Myrce chegou a trabalhar no INCE?
Trabalhou sim. Mas o Sr Jurandyr e a Myrce não se recordam de nenhuma escola. A Myrce entrou no
finalzinho do INCE, na gestão do Flávio Tambellini, antes da transformação para INC. A Gilberta ainda
pretendo entrevistar.
Por falar em Tambellini, eu fui muito amigo dele. Engraçado: morrem as pessoas que não deveriam
morrer. Deveriam ter vida eterna. A vida é assim. em Paris, eu o recebi porque o Paulo Emílio me indicou.
Mas aí, em uma das minhas vindas aqui ao Brasil, eu reencontro o Tambellini na rua, na Avenida Rio Branco.
Ele me convidou para sua posse no INC. Ele era uma maravilhosa pessoa, inteligente, competente. Você tem a
filmografia do INC?
Eu tenho somente do INCE, que é meu objeto de pesquisa. Existem algumas pesquisas que apontam os
documentários do INCE como chatos, sem emoção, não despertavam interesse do aluno... qual sua opinião
a respeito?
Eu não concordo com isso. Posso dar exemplos de mil documentários de cineastas famosos que não
passam nenhuma emoção. Tem certos assuntos que são áridos mesmo. Você tem o livro sobre Humberto Mauro?
254
Aliás, neste livro, inclusive, ele fez uma dedicatória a mim, minha ex-mulher, Michele, e minha filha. Tenho até
uma foto no sítio dele com ela pequenina.
Por exemplo: As Brasilianas são muito elogiadas. No entanto, outros filmes como Lição Prática de
Taxidermia, Preparo da Vacina contra a Raiva não...
Lição de Taxidermia foi o primeiro filme do INCE, de 1936, né?! Mas o que esses caras querem?
Suspense? Pelo amor de Deus! Era filme didático! Ele (Humberto Mauro) fez filmes que ensinavam o cara da
roça a fazer fossa sanitária
147
. Você vai fazer poesia com esse assunto? Isso é uma bobagem! Sinceramente,
quem disse isso deve ter inveja de Humberto Mauro.
Alguns filmes tinham tempo de duração muito curto. O mais longo produzido pelo INCE foi Bandeirantes
(38 min). Há quem diga que não eram filmes, mas filmetes. Não chegam a ser documentários.
Eu acho que a duração, a quantidade, não tem importância. O importante é o que o filme transmite. E
eles eram objetivos, entende?! Para mim, são documentários sim.
O sr. tem informação se existia alguma pressão governamental para que os filmes fossem utilizados nas
escolas, na medida em que o INCE fora criado no Estado Novo?
Acho que pressão, imposição, não havia. Havia intenção de passar nas escolas, hospitais... Mas as
escolas não eram obrigadas. O Mauro fez filme de ficção, também, no INCE: A Redentora
148
; outro baseado em
um conto de Machado de Assis
149
... Na época da Embrafilme, eu conheci um médico, hoje deve ter falecido,
porque era velhinho não me recordo o nome dele que ia pegar filmes para passar para os doentes em um
hospital. E passava filmes do INCE. Claro que não ia passar filmes sobre a fossa, etc e tal. Mas esses lindos, que
falo, sim.
Historiadores nas décadas de 70, 80, criticaram o trabalho de Mauro no INCE. A que o sr. atribui isso?
Sinceramente, não entendo. Ele fez um trabalho maravilhoso. Acho que eles deviam associar (o
trabalho de Mauro no INCE) ao fato de ele ter trabalhado na repartição pública. É muito do Brasil ter falta de
respeito ao que foi feito antes. Não valor à memória. Acho que pessoas ligadas intelectualmente ao Cinema
Novo, acham que o cinema brasileiro começa com o Cinema Novo. Mas não é por aí. Não é mesmo! Muito
antes, Humberto Mauro estava lá em Cataguases (MG) filmando.
Em 1976, o sr. entrou para o DFC da Embrafilme. Como foi o convite para trabalhar lá?
Eu voltei ao Brasil em 1976 com uma mão nas costas e outra na frente. Casado com uma francesa que
não falava português – hoje ela fala, aprendeu aqui – e uma filha novinha. Ela tinha meses, era bebezinho. Eu fui
procurar meus amigos do cinema. Essa geração nova que está aí, não conheço e não me conhece. Aliás, essa
garotada aí, com todo respeito, não sabe nada. Conhece o óbvio. Se você fala em um determinado diretor, filme,
nunca ouviu falar. Então, eu procurei meus amigos. Muitos estavam na Embrafilme. Eu disse que estava com
“meu passe à venda”. Nesse meio tempo, recebi um convite do Guido Araújo fundador e até hoje diretor do
Festival de Salvador, que começou como Jornada do Cinema Brasileiro e fui convidado para ser jurado na
Jornada, em 1966. Toda vez que chegava alguém do Rio dizia para eu procurar o Gustavo Dahl, porque ele
queria falar comigo. Gustavo era “cria” e grande amigo do Paulo Emílio, que foi quem me apresentou a ele em
1959, antes de minha viagem à França. Ele era diretor da Embrafilme na época. Quando acabou o Festival,
naquela época Jornada, eu o procurei. Ele me ofereceu uma vaga na seção de distribuição da Embrafilme que
nada tem a ver comigo. Mas fiquei, claro, para poder sobreviver. Logo depois, o Glauber chegou da Europa. Ele
era muito meu amigo, estivemos muitas vezes juntos em Paris. Quando ele me viu, disse que aquela área nada
tinha a ver comigo. Ele me conhecia bem, sabia a minha área dentro do cinema. Foi até o Gustavo e fez um
“escândalo” bem Glauber dizendo que eu estava no lugar errado. Depois que ele foi embora, Gustavo veio
falar comigo. Pegou o telefone e ligou para o DFC, que estava sendo dirigido pelo Fernando Ferreira, um belo
crítico de cinema do Globo. Esse era crítico mesmo! Conhecia cinema, como conhece até hoje, de ver filmes, de
leitura. Crítico de cinema que hoje não existe mais como o Moniz Vianna, Décio Vieira Otoni, Hugo Barcelos e
o próprio Ely Azeredo. Aí, ele telefonou para o Fernando e perguntou se ele não me aceitava lá. E ele disse:
“Mas é claro, manda o Dejean pra cá!” fui para o DFC. Fiquei quatro anos, até 1980, com a chefia da
divisão de planejamento e difusão.
Quais eram suas atividades?
147
Em 1954, Mauro fez Higiene Rural – Fossa Seca.
148
O Despertar da Redentora foi realizado em 1942 e aborda a vida da Princesa Isabel.
149
Um apólogo (Machado de Assis) foi realizado em 1936 e aborda o conto Apólogo na versão silenciosa. Em 1939, é feita nova versão, com
regravação do som, por ocasião do centenário de Machado de Assis. O filme faz breve biografia do escritor e dramatiza o apólogo da agulha e da
linha.
255
Era de difusão do nosso acervo. Tinha muito documentário, sobretudo do Mauro, e planejamento do
departamento. E aí inventei aquele negócio para os estudantes. Toda vez que encontro o Jurandyr ele elogia
150
.
E como eram essas sessões?
Divulgação, claro. Propaganda. Mandei notícia para a mídia televisiva, escrita e falada. As escolas se
comunicaram comigo. Voluntariamente. Várias escolas foram. Tem até uma escola que não esqueço o nome:
Marília de Dirceu. Também foram, que me lembro, Colégio Pedro II, Colégio Militar. As sessões eram de tarde.
Eu fazia a programação. filme nacional. Porque é necessário que o brasileiro conheça o filme nacional.
Passava documentários antes e filme de ficção depois. Eram só estudantes e professores.
E nessas sessões o sr passou os filmes do INCE?
Sim. Passei Carro de Bois, A Velha a Fiar, Cantos de Trabalho, João de Barro, O Despertar da
Redentora, Descobrimento do Brasil e muitos outros, além de longas-metragens como Canto da Saudade,
Argila, realizados por Mauro..
Na pesquisa de Elisandra Galvão
151
, consta que o sr estabeleceu contrato com a prefeitura do Rio,
possibilitando levar filmes às crianças do primário e adolescentes do segundo grau. Como foi esse acordo?
Não foi feito nada com a Prefeitura. Nada! o sei de onde ela foi inventar isso.
152
A escola que ligava
e ia lá voluntariamente. Parava o ônibus e descia a criançada.
O sr. tem alguma memória, história, que o tenha marcado nessas sessões?
Consideravelmente, a reação das crianças diante do cinema, da descoberta do cinema brasileiro. Uma
vez, uma menininha, me disse assim: “pôxa, professor, não sabia que o cinema brasileiro tinha tanta coisa boa!”
Elas me chamavam de professor (ri). Vinham duas, três professoras, acompanhando os alunos. A sala tinha cerca
de 200 lugares, ficava cheia!
153
Mas tenho uma lembrança triste: uma vez falei em Villa-Lobos, e as crianças
nunca tinham ouvido falar nele. Outra vez falei em Araribóia, ninguém sabia quem era. Nem mesmo quem
morava em Niterói sabia! Mas perguntei se eles sabiam quem era Davi Crockett, todo mundo sabia! Eu falava
na música do Brasil, nas artes plásticas, além de cinema brasileiro e cinema em geral. Aproveitava os filmes para
abordar outros assuntos.
As pesquisas atuais apontam que o professor o sabe usar o cinema em sala de aula, porque o filme
apenas como meio de entretenimento. Não uma formação adequada para o uso do audiovisual em sala
de aula. O sr acredita que se o INCE tivesse sobrevivido até os dias atuais, o uso do cinema como recurso
didático, hoje, poderia ser diferente?
Tranqüilamente. Sobretudo porque com os filmes do INCE, eles veriam como é nosso Brasil. Se desde
os primórdios tivesse sido feito isso, tivesse um melhor preparo... o problema todo é que não tinha divulgação.
O sr acredita que o Departamento de Filme Educativo no INC e o DFC da Embrafilme são continuidades
do INCE?
Acho que o DFE e o DFC eram uma continuidade do INCE sim. Com certeza.
Quais foram os principais impactos do INCE nas escolas?
Do INCE eu não sei, não trabalhei . O INC não posso falar, pois não estava no Brasil. Mas no DFC,
mesmo (sendo) uma coisa modesta, pequenina, era uma coisa muito boa! O próprio Jurandyr até hoje elogia
muito. E acabou quando eu saí de lá. Mas quem ia, teve oportunidade de saber o que estava sendo feito no Brasil,
sobre o Brasil.
Após 1980, quando o sr. saiu da Embrafilme, qual foi sua trajetória profissional?
Fui trabalhar no Governo do Estado. O governador era o Chagas Freitas. Sou muito amigo da Zoé, sua
viúva. Eu conheci a Zoé graças ao Vladimir Carvalho grande documentarista porque ela queria fazer uma
Mostra de Filmes Brasileiros em um Congresso Internacional de uma Associação da qual ela era presidente
SOBREARTE Sociedade Brasileira de Educação Através da Arte. Este Congresso aconteceu na UERJ, no
Maracanã. Ela me telefonou para organizar a parte cinematográfica. Passei filmes do DFC e de Humberto
Mauro, naturalmente.
150
Foi sr. Jurandyr quem indicou a entrevista por elogiar as sessões de cinema que Dejean organizara na Embrafilme, realizadas no auditório, para
estudantes, professores e público em geral.
151
GALVÃO, Elisandra. A Ciência vai ao Cinema: uma análise de filmes educativos e de divulgação científica do INCE: UFRJ, 2004.
152
Trecho incluído no ato de aprovação.
153
Fernando Ferreira e Ana Pessoa contam que era cerca de 90 lugares
.
256
E depois?
Quando eu saí da Embrafilme, o diretor era o Celso Amorim, que freqüentava meus Cineclubes.
Quando eu o conheci no Festival de Brasília, ele me disse que devia muito a mim sua formação cinematográfica.
Quem também disse isso a mim foi Trajano Ribeiro, que foi presidente da RIOTUR, onde trabalhei anos depois.
Era o presidente e criador do FestRio. Lá no Governo do Estado, não tinha nada a ver comigo. Trabalhei no
Congresso dela (Zoé) – aliás, o único diploma que tenho recebi do Governo do Estado por ter feito este trabalho.
Graças a Deus, um dia, o Cosme me ligou e disse que estava organizando um Festival Internacional de Cinema
cujo diretor era o Ney Sroulevitch, que eu conhecia desde rapazola, dos tempos da UME, e me convidou para
trabalhar com eles. Minha experiência de cinema ajudou muito, devido aos contatos no exterior. Fui cedido pelo
Governo do Estado. Acabou o FestRio, fiquei meio desarticulado, e o Trajano, então, me chamou para ser seu
assessor na RIOTUR, onde ele criou, para mim, um departamento de audiovisual. Foi quando eu organizei duas
semanas do Cinema Brasileiro na Argentina, em Buenos Aires e Mar Del Plata. O Trajano me apresentou ao
argentino Carlos Cortella, que tinha intenção de realizar uma semana de Cinema Brasileiro em Buenos Aires.
Quando a gente conhece pessoas, tem trânsito livre, e as pessoas te respeitam, tudo fica mais fácil! Sem sair da
minha mesa, consegui todos os filmes. Naquela época, não tinha como botar no bolso, era bobina. Levei sete
filmes. Foi um sucesso.
Se o sr. pudesse eleger o melhor filme do INCE, qual seria?
Carro de Bois. Ah! Mas seria injusto com Humberto Mauro com todo respeito a Pedro Gouvêa e
todos os outros que passaram por lá, mas quando penso em INCE, penso em Humberto Mauro escolher um
único filme. São todos! Obras-primas! Da filmografia dele, Ganga Bruta é o melhor. E Canto da Saudade, para
mim, é o segundo melhor filme de Humberto. Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, é outra obra-prima.
Humberto Mauro ficou de 1961 a 64 sem filmar no INCE. Filmou em 61 O Papel e em 1964, A Velha a
Fiar. O sr. sabe o motivo?
Isso eu não sei. Não estava no Brasil. Não tive nem contato com ele. Mas ele foi para o INCE porque
amava o cinema e acreditava na educação através do cinema, abdicando do cinema ficcional, que ele fez
somente dois filmes de ficção neste tempo: Argila e Canto da Saudade. Acho que Humberto Mauro é o pai do
Cinema Brasileiro, até mesmo do documentário brasileiro.
O que está faltando para que o professor queira usar o cinema brasileiro em sala de aula?
Primeiro, conhecer o cinema brasileiro: ver os filmes, várias vezes, conhecer documentários. Conhecer
o realizador se estiver vivo, conversar com ele se for possível, ler sobre a cultura cinematográfica, ler sobre
cinema.
Qual o filme que o sr. indicaria para sala de aula?
Os de Humberto Mauro, todos esses que falamos nessa entrevista. Mas (ver) as Brasilianas é
fundamental, tem poesia, música: Meus Oito Anos, Chuá Chuá. Mauro foi um poeta, sabia? Acho que as pessoas
que não falam bem dele, têm inveja. Acreditam que o cinema se fez a partir de Glauber, com o Cinema Novo,
porque defendem que o cinema brasileiro começou a partir daí. Não tenho nada contra Glauber, pelo contrário,
como disse, era meu amigo. Outro filme excelente realizado por Vladimir Carvalho com Ipojuca Pontes é Os
Homens do Carangueijo. Uma obra-prima. Eu tenho várias histórias maravilhosas. Depois te conto com calma.
Estudei com Sadoul. Nem imaginava que o conheceria ao ganhar seu livro. Eu mostrei a ele a tradução do livro
em português feito por Alex Viany. Levei o disco do Trio Irakitan também. Na primeira aula, na Sorbonne, de
Filmologia, quem entra? Georges Sadoul! Levei a ele na segunda aula, o disco e o livro. Ficamos amigos, até
trabalhei com sua mulher na Cinemateca Francesa. Quando mostrei o livro, ele nem sabia que tinha sido
traduzido. Ele perguntou: “e meus direitos autorais?Eu respondi: “Ih! No Brasil, não tem disso não”. Hoje
existe. Outro filme que gosto muito é São Paulo S/A, do Person (Luiz Sérgio). Outro que gosto muito é Tudo
bem, do (Arnaldo) Jabor. belos filmes brasileiros. O Leon tem também vários filmes muito bons. Aliás, ele
foi uma perda muito grande, para mim, por ter sido meu amigo, e também para o cinema brasileiro.
ENTREVISTA 10 – Ana Pessoa
Realizada em 21 de setembro de 2007, na Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro.
Por que o seu interesse pelo audiovisual?
Bom, eu era uma adolescente que lia sobre cinema, anotava os diretores dos filmes que eu via na
televisão, tinha um certo interesse em saber mais. Então, surgiu uma oportunidade de fazer um curso, acho que
em 1972, com o Avelar. Eu estava com 15 anos. O Avelar estava fazendo um curso para professoras promovido
pelo Cineduc. uma tia minha que conhecia a Marialva (Monteiro), pediu pra eu acompanhar como ouvinte.
257
Então, meu primeiro curso de cinema foi com o Avelar. Depois, eu tinha um certo tempo livre. Então, passei a
participar do Cineduc, a colaborar. Naquela época, o Cineduc era na Ação Católica de Cinema da CNBB. O
prédio da CNBB era ali na Glória. Era muito divertido! Tinha a Hilda Machado, que até hoje é coordenadora do
Cineduc; o Ronald Monteiro, que era casado com a Marialva. Então, isso me possibilitou conviver com pessoas
que escreviam e trabalhavam com cinema. Eu apoiava, levava os filmes nas escolas, os projetores... Então a
minha perspectiva de cinema sempre foi do ponto de vista da recepção, do espectador. Nunca foi muito da
produção, da realização. Eu não me via como uma cineasta, mas como uma crítica, uma pesquisadora. Aí, a
partir desses contatos, desses interesses, eu me aproximei do Cineclubismo. Naquele dado momento de
reflorescimento, de fortalecimento, eu me engajei nisso e montei dois cineclubes: o Stúdio 43, na Aliança
Francesa, e o Cineclube do Leme. Por esse envolvimento com o cineclube, fui fazer um plantão na Cinemateca
do MAM, porque em agosto s promovíamos o mês do Cinema Brasileiro, que era uma forma de incentivar os
próprios cineclubistas a conhecerem mais a história do cinema. Promovíamos cursos... Aí eu fiz um plantão e
depois do plantão, eles me convidaram para trabalhar lá. Eu era muito animada (risos). E fiquei trabalhando lá.
Nesse momento, eu estudava arquitetura. Então, havia um certo conflito de estudar arquitetura e não ter tempo
de estagiar em arquitetura, porque eu trabalhava no MAM.
E depois do MAM?
Aí eu saí do MAM em... Não! Quando houve um incêndio no MAM, teve um corte no MAM horroroso.
Eu saí e, então, fui fazer estágio de arquitetura. Fazer outras coisas. Estava me formando em arquitetura,
estagiando no escritório de arquitetura. Estava trabalhando na Funarte, também, fazendo um projeto de
divulgação cinematográfica, que era um projeto de montagem de núcleos de cinema nas Universidades,
utilizando o Super 8 como forma de filmagem. Era um pequeno núcleo de realização cinematográfica. Bem, eu
estava fazendo esse trabalho quando o Carlos Augusto Calil, que era da Cinemateca Brasileira – eu já o conhecia
da época do MAM foi convidado a ser diretor na Embrafilme. Então, ele me convidou para ser sua assessora,
porque eu tinha um bom relacionamento com os cineastas do Rio, conhecia o ambiente e ele não conhecia bem.
Então, eu fui trabalhar com ele. Mas naquele momento, trabalhar na Embrafilme era uma coisa muito... naquele
momento de ditadura, de muitas é... o poder do estado...
Quando foi isso?
Foi em 79. E não foi sem hesitação, não. Eu pensei: “Ah! Meu Deus!”. A Embrafilme representava o
governo, né?! Mas eu acabei indo. A Embrafilme, naquele momento, na parte de curta-metragem... tem uma
coisa que é importante deixar claro. uma tradição, uma continuidade na tradição do curta-metragem do
aparelho público muito grande. Não só o prédio era o mesmo que do INCE. O Departamento de Filme Cultural
naquela época, que era dentro da DONAC, e que produzia os curtas-metragens... o Fernando Ferreira, que era o
diretor na época, o chefe de departamento da época, ocupava a mesma sala que foi do INCE. Havia, sempre
houve, a presença muito forte do Humberto Mauro, independentemente do Zequinha. Quer dizer, sua presença
era reforçada pela presença do filho, que era uma pessoa muito agradável. Mas havia no corpo de funcionários
um orgulho muito grande dali ter sido o INCE. Como você comentou
154
, algumas pessoas acharam que a
tradição tivesse sido rompida. Mas a tradição era muito viva ainda, tanto nos funcionários, quanto no ambiente e
nos próprios cineastas. Na medida em que o Glauber (Rocha) adota Humberto Mauro como patrono e toda
aquela estrutura de se criar uma história do cinema brasileiro, criar uma tradição, criar um ambiente
cinematográfico no Brasil... Então isso, no prédio, era muito vivo. E tínhamos, ainda, os filmes. Mesmo que a
maior parte dos filmes tenha se perdido, sempre se manteve, por exemplo, as Brasilianas, e outros filmes
produzidos pelo INCE. Dentro do catálogo das produções contemporâneas, os filmes se mantinham. Então isso,
no meu modo de ver, confirma a persistência do Instituto, porque os seus produtos continuavam sendo
atualizados para as platéias.
Algumas questões divergentes dizem respeito à distribuição. Algumas pessoas afirmam que o DFE e DFC
não distribuíam os filmes nas escolas mais...
O que havia era um cadastro das escolas, que ocupavam intensamente a filmoteca. E, naquela época, na
década de 70, o filme de 16 mm ainda era um aparelho de uso corrente. Isso também é um aspecto relevante:
havia uma grande dificuldade das escolas terem o projetor, porque seu uso exigia, ainda, uma certa expertise, um
certo cuidado, uma certa delicadeza na manipulação e, nem sempre, a escola estava preparada. Tanto é que uma
das coisas que se fazia no Rio de Janeiro na Secretaria Estadual era um curso de cinema para projecionistas de
16 mm. Tinha que fazer uma operação casada: sensibilizar o professor, mas tinha que ter o suporte técnico, o
projetor limpo, funcionando, ajeitado, com óleo, com as roldanas limpas, porque senão, estragavam-se as cópias.
Quantas vezes voltavam cópias rasgadas exatamente devido a esse mau uso!
154
Antes de realizar a entrevista com a Sra Ana Pessoa, apresentei o escopo do trabalho e os objetivos, na troca de diversas informações.
258
Quais eram suas atividades na DONAC?
A DONAC era responsável pela área cultural da Embrafilme, que produzia os filmes culturais e os
distribuía, além da promoção do cinema brasileiro nos festivais nacionais e estrangeiros, principalmente
nacionais, porque o Calil é que foi conquistando a participação nos festivais internacionais; tinha, ainda, a edição
de livros, realização de cursos, formação profissional. Então era um leque de atividades que daria suporte à
Embrafilme produtora e distribuidora dos longas-metragens. A empresa começa com uma alavanca de
exportação de cinema e foi entrando na realização de filmes, ajudando a produzir. A DONAC era uma solução
para dar conta do INC, do INCE, do aparelho público que foi absorvido. Então, tinha funcionalidades públicas.
Mas no momento em que eu entrei em setenta e poucos, tinha sido diretor da área antes, o Leandro Tocantins,
que era um profissional mais clássico. O Calil trouxe, então, muita modernidade, atualidade. E começou, nesse
momento também, um impulso na produção com a lei do curta-metragem. um implemento da produção de
curta-metragen. Tenta se ter uma relação mais comercial com esse produto, porque o uso do cinema em grupo de
treinamentos sempre foi muito usado. Sempre foi instrumento de uso para clubes além da vocação escolar, pois
tinha uma vocação de lazer. Havia um departamento de curta que cuidava da distribuição para atender a lei. E
tinha outro que era para atender as escolas. Foi uma forma de se conseguir tentar subsidiar a produção... Então,
se pensava que se conseguisse dar uma dinâmica mais comercial ia conseguir ter uma produção mais livre,
contemporânea, menos presa ao formato educativo.
A sra se lembra de alguma escola específica que utilizava esses filmes na época ?
Ah! Difícil! O cadastro era imenso! Eram muitas escolas! Se você falar com a Regina Machado, talvez
consiga saber. Ela deve ter isso mais claro. Porque eu era assessora e não tinha esse contato com a distribuição.
O Ricardo Soares deve certamente se lembrar. Mas eram todas as escolas do Rio de Janeiro. O problema mais
sério era ter esse projetor de 16 mm.
Na sua infância, não tem memórias de ter visto filmes nas escolas?
Não. Não lembro.
A sra só teve conhecimento do INCE quando foi para a Embrafilme, então?
Não, tive conhecimento no Cineduc. O Cineduc usava os filmes e se utilizava dos filmes do DFE, do
DFC.
A Embrafilme fazia alguma campanha para as escolas no sentido de utilização do filme ou isso vinha de
uma cultura desde a época do INCE?
Eu acho que sempre as escolas valorizaram os filmes, mas a Embrafilme tinha meios muito precários de
divulgação. Nós produzimos alguns catálogos. Uns três ou quatro. Mas era muito difícil de ser produzido.
Discutíamos, também, a natureza desses catálogos: se seriam mais educativos ou mais comerciais... Mas nunca
tivemos um fôlego ativo, entende? E eu acho que tenha contribuído para isso a separação da Embrafilme do
Ministério da Educação. Não estava dentro do espírito MEC. Quer dizer, quem era MEC era a TV Educativa.
Mesmo porque os autores queriam ter a liberdade de produzir filmes, mesmo com temas recomendados, eles
queriam ter liberdade para filmar.
Qual era a importância do INCE para essa nova geração que produzia filmes culturais?
Era muito diferente na questão da produção. O INCE produzia tudo internamente. O DFC contratava as
produções. Isso mudava o caráter. Ao mesmo tempo que amplia o leque e a produção, permite a democratização,
permite o exercício da prática cinematográfica. Por outro lado, a produção foge do controle, do padrão, como era
no INCE que se fazia desde o roteiro à produção e à edição.
E quem decidia os assuntos que seriam produzidos no DFC, então?
Não sei direito ... No nosso tempo era uma coisa mais política.
Havia uma pesquisa com as escolas sobre os temas que deveriam ser filmados?
Era uma escolha aleatória. Tinha desde editais a pedidos de ajuda de produção. Quando troca o nome de
DFE para DFC, não é uma troca à toa. Era para abrir a essas possibilidades. Mas acho que começa a ser filmado
mais filme de formação geral, do que filme educativo como matemática e ciência curricular, por exemplo. A
um dos trabalhos que se fazia, que a Marialva fazia, era pegar o filme e ensinar os professores como os filmes
poderiam ser aproveitados na prática curricular. A idéia era de que o filme pudesse ser incorporado na sala de
aula de forma a trabalhar a criatividade, ser um estimulador para trabalhar a sensibilidade e não os conteúdos.
Mesmo porque os conteúdos são mudados com uma velocidade enorme, não é?!
A sra teve oportunidade de acompanhar a exibição de algum filme do INCE em escolas?
259
Acompanhei muito na época do Cineduc.
E como era a recepção desses filmes?
Olha, A Velha a Fiar todo mundo ama! Daqui a mil anos as pessoas vão amar aquele filme. Pode ter um
filme da Disney lindo, colorido, que a Velha a Fiar nunca vai ser superado! O adolescente pode até preferir um
filme moderno, mas vai gostar de filmes como as Brasilianas, por exemplo. Talvez outros filmes de Humberto
Mauro eles não tenham interesse, mas a permanência dos filmes, devido à qualidade dos filmes do Mauro,
mesmo sendo em preto e branco, vão ser sempre muito atuais. Permite sua reaplicação a qualquer momento.
Mas o interesse era pela novidade da imagem em movimento, que era uma coisa nova, ou pelo conteúdo
didático ?
Acho que isso a Marialva pode te dizer melhor. Mas a presença do cinema na agenda escolar era
como uma coisa de animação, independente do filme que fosse. de sair da sala de aula, ir para uma sala de
exibição, escurinha, era motivo de animação. No caso do Cineduc, havia uma preparação do professor para
fazer esse trabalho. Mas o professor da grade curricular eu nunca vi. do Cineduc. Mas eu não acho que a não
exibição de filmes seja resultado da falta de interesse, mas da falta de meios. Não tinha espaço na grade
curricular, não tinha projetor, não tinha técnico e não tinha o preparo do professor para usar o filme. Dentro do
currículo da escola normal, nunca tentaram pegar o produto cinematográfico para ensinar a usá-lo.
As pesquisas hoje informam que o professor não sabe usar o filme em sala de aula, utilizando-o como
forma de entretenimento, subutilizando-o de forma ilustrativa. O problema com certeza não é mais o
acesso, porque com a TV e o DVD a exibição tornou-se simples. A sra acha que uso inadequado pode estar
atrelado a alguma herança cultural do passado, que vem desde o INCE?
Uma perspectiva que você não pode perder na pesquisa, não pode deixar de falar é do Vídeo Escola,
porque nesse sentido de presença na sala de aula, eles foram mais competentes do que nós. O Vídeo Escola foi
muito bem montado. Acho que a formação do professor depende do recrutamento, do salário, de reconhecimento
social da profissão. Na medida em que isso foi degradado, tudo ficou pior. Esse desempenho está atrelado à
valoração do professor. Quando eu era jovem, menina, o salário de professora ajudava na casa. Era uma coisa
digna. Hoje não é mais. Esse repertório cultural do professor deve estar dentro dessa avaliação. Os recursos
audiovisuais não avançaram. Até porque, em detrimento desse salário, o professor não tem tempo para fazer
curso de formação, ir ver filmes de melhor qualidade. Isso vai acontecer quando o professor for o
demandante, porque não adianta a escola oferecer e ele o ter competência de absorver. Mas tem trabalhos de
cinema na escola que persistem como o do Artplex, do Estação Botafogo. sempre projetos sendo discutidos
com professores. Eu tenho esperança de que quanto mais facilidades tiver, isso melhorará. O DVD é bem mais
fácil de se projetar. A presença do audiovisual é uma coisa mais maciça hoje. Você vê: o computador já está
chegando nas escolas... Acho que isso vai de uma maneira ou de outra, acontecer. E, neste momento, essa
capacidade de leitura mais crítica e especializada, vai surgir com a presença mais intensiva dos meios
audiovisuais. Mas mesmo assim, minha filha, por exemplo, estuda numa escola maravilhosa e tem duas tardes de
aula na escola. Então, o tempo que o aluno fica na escola é para atender a essa grade curricular de biologia,
química, etc e tal, que é enorme. Então, a formação tanto do cinema, quanto da literatura e das artes em geral é
precária.
Como estudiosa de cinema, a sra conhece a filmografia do INCE. Esses filmes tinham conteúdos
importantes para as escolas? Complementavam as aulas?
Acho que, grosso modo, os filmes tinham três vertentes: de filmes científicos, com o viés do Roquette,
tipo: filmar a física, processos científicos, uma vertente da produção que não sei a quem se dirigia. Não sei se
isso retornava ou se era documentação pura e simplesmente. Tinha, ainda, as filmagens de oportunidade, por
exemplo: a bailarina que ia fazer a dança do Cisne, então iam filmar. E tinha, ainda, uma produção mais
didática, de conteúdo histórico do tipo: Bandeirantes, A Redentora, que tinha roteiros preparados. Esse esquema
que depois a TVE incorporou, discutido com alguma pedagoga, vai ajudar a fazer uma percepção histórica
casada com o currículo. Mas eles também tinham muita dificuldade, tinham pouco dinheiro, poucos recursos de
fazer as cópias dos filmes, de renovar a filmoteca. Acho que eles guardavam o pouco que tinham para fazer essas
coisas mais elaboradas. E aproveitavam as oportunidades para filmar.
Pesquisadores tais como Alex Viany, Paulo Emílio Salles Gomes e Glauber Rocha elevam Humberto
Mauro como pai do cinema brasileiro, mas criticam o tempo em que ele esteve no INCE, como se sua
produção tivesse sido ficcional, preterindo os documentários produzidos nos seus 30 anos de
funcionamento. Como pesquisadora, a que se devem esses comentários?
Acho que dentro desse contexto do Cinema Novo de afirmativa do Cinema Brasileiro que se constrói
para o público como filme de ficção, como filme de enredo, uma cobrança que, para eles, fosse, talvez, a
260
frustração de como uma pessoa que tenha sido tão ativa no início da carreira, fazendo tantos filmes ficcionais,
depois opta em fazer filmes curtos e educativos. Mas acho que eles não avaliam as dificuldades reais da época de
se fazer filmes de longa-metragem. Acho que Humberto Mauro não deixou de fazer filme de ficção porque
queria, mas porque era muito caro e, naquela época, era muito difícil. Era um esforço de energia, de contatos, de
meios. Na verdade, o INCE é que fez com que ele vivesse, sobrevivesse e pagasse suas contas. Mas de qualquer
maneira, ele foi um profissional como poucos que vivia de cinema no País. Isso era um privilégio no Brasil.
Quem poderia viver dessa prática na década de 50? A Cinédia, por exemplo, que era a experiência mais
estruturada, já estava virando água. Os surtos paulistas, por exemplo, foram movidos pelo capital excedente da
industrialização paulista, mas no Rio de Janeiro não se tinha isso. De onde viria essa injeção de capital? Vo
não podia produzir a partir de uma expectativa de retorno de capital. O investimentos em cinema eram muito
românticos, mais pelo prestígio, pelo prazer de se fazer cinema. Como Mauro ia fazer sem ter meios? Argila, por
exemplo, foi um esforço dele de herança da década de 30, filmado em 38, apesar de ter sido lançado em 42. Ele
não era mais jovem. Estava com uns quarenta e poucos anos. Ele fez um esforço enorme de envolver o Roquete,
a Carmen Santos, e criar um roteiro “colcha” para agradar ao homem do rádio, negociando, ainda, com a Carmen
Santos, a estrela do filme, para saber o que seria o tom do filme. Ele não teria essa energia para fazer um novo
projeto a toda hora. E o filme foi mal recebido! Ele vai se preocupar em preservar os filmes, fazer as cópias. Vai
dar aula, palestras em programa de rádio, passa a ser um mestre, né?! Tentar fazer um filme na cada de 40, no
meio da guerra? Era difícil! E nos anos 50, o Canto da Saudade já é um filme de aposentadoria, né?! A idade
havia chegado.
Analisando a obra do INCE, quais suas percepções sobre o Instituto?
Eu acho que trabalhar no INCE devia ser uma delícia. Tem uma foto deles em cima de um mapa,
muito bonita... Devia ser muito gostoso... Devia ser uma coisa muito romântica. Você vê pelo estilo do Jurandyr,
né? Ele tem um envolvimento apaixonado pelo cinema, mas não é uma coisa elétrica e sim, romântica. Não
conheci o Humberto Mauro, mas o Zequinha sim.
Zequinha contava alguma história do INCE que a sra agora se lembre?
Toda hora ele falava da repartição”. Ele chamava o INCE de repartição. Por isso, digo, o Zequinha
era a continuidade. Ele trazia as histórias de como era pra gente. Essas que te falo.
Na sua opinião, qual o impacto que teve o INCE nas escolas?
Difícil saber... Acho que você tem uma coisa importante que era a oportunidade das crianças
conhecerem a cultura brasileira, que em nenhuma outra mídia teria. A televisão tava começando a se formar.
Apesar de tudo, as imagens brasileiras chegavam através desses filmes.
Na Embrafilme, o Dejean Pellegrin realizava sessões no auditório para alunos e professores e utilizava
filmes do INCE. A sra se lembra de como eram essas sessões?
Bem, sempre o INCE tinha essa promoção de filmes e isso continuou depois. E eu não sei se isso
tinha uma estratégia por trás, entende? Acredito que não. Passavam os filmes para os professores porque, de
certa forma, o filme estava lá, o auditório estava e os funcionários também. O auditório era pequeno. Cabiam
umas 60, 70 pessoas. Mas isso é Rio de Janeiro, uma coisa feita somente na capital. Nós fizemos uma filmoteca
regional, na forma de tentar ampliar o acesso e deixar mais próximo dos professores, incentivar os estados a
terem seus filmes também. Mas isso foi em meados da década de 80.
Então a sra não presenciou essas exibições no auditório que o Dejean fazia?
Não, eu não freqüentava. Mas você pode perguntar para ele melhor sobre isso. Ele está aí ainda.
Olhando para os resultados do uso de filmes nas escolas, o que poderia ter sido feito melhor e o fora
realizado?
Eu não sei. Por isso, disse que você deve saber mais sobre o Vídeo Escola. Não sei se com aquele
formato de projetor poderia ter feito mais alguma coisa, além do que fora feito. Quer dizer, você dependeria de
um estrutura pública tecnológica nas escolas que nunca existiu, fora do padrão escolar no Brasil. A presença
desses meios nas escolas sempre foi deficitária. O INCE não poderia dar conta disso. Mas eu acho que quando
isso passa pro vídeo e facilita o acesso, melhora, né?! Porque carregar um longa-metragem de 16 mm era uma
coisa pesadíssima (riso).
Mas, então, o problema, na sua opinião era somente financeiro?
Veja só: isso tudo está dentro de uma perspectiva do que é a educação no Brasil. A gente foi trabalhar
num projeto de educação básica que tinha como premissa descobrir a vocação de cada região, para que a escola
fosse motivada a partir dos interesses da própria comunidade. Se fosse na comunidade indígena, você ia seguir o
261
seu contexto cultural, ou seja, não chegávamos com pacotes prontos. Nesse projeto, a gente colocou as nossas
videotecas, porque sabíamos que seriam usadas, que os professores teriam interesse nisso. Mas mesmo no nosso
grupo isso era muito questionado! O custo operacional do cinema sempre foi uma coisa que assustava os
gestores da educação. A escola precisava de telhado e você queria colocar um projetor de 16 mm? Quando o
vídeo vem, isso muda de figura.
Se a sra pudesse eleger o melhor filme do INCE, qual seria?
Além da Velha a Fiar? Eu gosto muito das Brasilianas. De todas. Carro de Bois... a experiência
rural, o preto e branco, aquela câmera que capta o interior... Isso é tão distante da nossa realidade, que se torna
interessante, não acha?
Para finalizar, falando sobre sua experiência profissional, o que a motivou a escrever sobre Carmen
Santos?
O que me motivou, decididamente, foi saber que ninguém sabia nada sobre ela! Ela era lembrada
quando se falava... uma coleçãozinha sobre cinema que tinha foto dela etc e tal. O INC lembrava dela. Mas
ela estava num patamar de mito. Eu desconfiava que pra ela ter chegado até ali, tinha quebrado muito lança
(riso), né?! Então eu fiz uma entrevista com o Pedro Lima, uma vez, numa visita por conta da Embrafilme, e
nessa entrevista ele fala muito dela. Ele tinha um acervo enorme. No fim da vida estava cego e queríamos cuidar
daquele acervo. Como ele falou muito na Carmen, isso me deu um impulso. Eu pensei: temos que continuar essa
história. Mas a coisa não andaria se eu não tivesse tido apoio da família, especialmente da neta, Paula, que me
deixou trabalhar o ponto de vista pessoal, mais doméstico. Ela se construiu na mídia de uma forma exuberante,
mas os depoimentos da família, até mesmo não citados no livro, me deram esse impulso para escrever.
ENTREVISTA 11 – Mauro Domingues
Realizada em 08/08/2007 no Arquivo Nacional, Rio de Janeiro.
Quais são suas primeiras lembranças de cinema e por que o seu interesse pelo audiovisual?
O cinema começa a me interessar, as lembranças mais remotas que eu tenho de cinema são da época do
antigo ginasial, que hoje é da quinta à nona série. Enfim, isso foi no início dos anos 70, por aí... 72... Eu me
lembro que eu estudava em uma escola pública que tinha uma aula de artes cuja professora, que eu não me
recordo mais o nome, passava sempre um filme. Eu me habituei a ver muitos filmes em preto e branco, o que era
comum na época. Havia filmes com índios brasileiros, muitos filmes com música de folclore, também. Mas eu
não associava... quer dizer, muito jovem, adolescente, eu não associava isso ao cinema brasileiro. Eu não fazia
nenhuma associação. Sempre gostei muito de cinema e influenciado pelos meus pais, sempre fui muito ao
cinema, que era uma coisa mais acessível naquele momento. É... quando... eu começo a... com meus 16, 17 anos,
eu começo a freqüentar, o que era comum naquele período, também, no final dos anos 70, as cinematecas.
Cinematecas, cineclubes, enfim, havia toda uma efervescência cultural e política naquele período que... Alguns
jovens caminhavam para isso, outros não. Como hoje, né?! Mas, enfim, eu me interessava por isso. Sempre
gostei muito de cinema e muito de fotografia. Tanto que eu começo a fotografar no final dos anos 70, também,
de uma maneira amadora, e no início dos anos 80, começo a fotografar profissionalmente. Então, em 82, eu
começo a fotografar profissionalmente. que no final dos anos 70 até o início dos anos 80, quando eu vou para
a Universidade é... O que eu mais me recordo, assim, desse período, é cinema. Eu ia muito a cinema. Além do
cinema comercial, eu freqüentava Cineclubes, Cinematecas... Cheguei a fazer parte de um cineclube, onde nós
passávamos alguns filmes soviéticos, alguns proibidos. Enfim, era um período diferente do Brasil, né?!
Tem algum filme dessa época que o tenha marcado?
Eu lembro de... do Encouraçado Potenkim, pela dificuldade que nós tivemos de conseguir uma cópia
muito ruim. Era uma cópia que, depois de assistir diversas vezes eu fui assistir alguns anos depois um filme
com uma cópia bonita, 35 milímetros eu me lembro que Potenkim era uma cópia de 16 milímetros. Descobri
que eu sempre vi o filme incompleto, uma pia mutilada, mas era o que nós tínhamos! Eu me lembro disso.
Outro filme que me impressionou bastante na época da Universidade, que eu assisti pela primeira vez, foi Limite,
do Mário Peixoto. Quando eu vi aquilo, fiquei abismado. Acho que pra quem gosta de cinema é uma reação que
depois eu vi que era natural, né?! Até hoje Limite espanta. eu comecei a ter acesso na Universidade ao
Humberto Mauro. Eu não me recordo exatamente qual foi (o filme), mas eu acho que foi Ganga Bruta o
primeiro filme que eu vi dele, também na Universidade. Aí, eu fui fazer Arquivologia na UFF. Eu entrei em 81 e
continuo freqüentando cinema, freqüentando Cinematecas. Naquele momento no Brasil é um período melhor,
porque o Brasil começa a se livrar da Ditadura, e as coisas começam a melhorar, as pessoas estão voltando,
enfim, é um momento melhor do Brasil. E a gente começa a ter mais acesso a Glauber Rocha... e outras coisas.
Enfim, é um momento de efervescência cultural muito bacana. A retomada daquela efervescência dos anos 60,
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que foram dos anos que eu nasci. Então, a gente começa a ter acesso a coisas que estavam guardadas nas
cinematecas, começa a ver mostras... É uma geração que começa a ter acesso a esse tipo de coisa. Aí, em 86, eu
fui trabalhar na Embrafilme através de um convite... Só que eu conheci o Zequinha Mauro um ano antes.
Você o conheceu por conta do seu trabalho com fotografia?
Não, não. Eu tinha uma amiga que trabalhava na Embrafilme e ela me convidou para conhecer a
Embrafilme, aqui onde era antiga Rádio MEC. Aqui ao lado, na Praça da República, onde funcionava a área
técnica da Embrafilme e que durante muito tempo foi o INCE. Aqui, ao lado do Arquivo Nacional, pra gente
se situar. Então, eu conheci o Zequinha ali. Eu me lembro que entrei e fui apresentado a um senhor muito
simpático, com os cabelos brancos, e que estava comendo um sanduíche. Conversamos rapidamente... Ele
pergunta: “Ah! Teu nome é Mauro? Mas o meu Mauro é sobrenome de família”. Isso em 85. Eu, lógico, o achei
uma simpatia de imediato. Enfim, em 86, eu começo a trabalhar na Embrafilme. Aí, conforme eu vou
conversando com ele, conforme vou vendo os filmes, eu começo a descobrir que já tinha visto aqueles filmes nos
anos 60. Eu me lembro da Velha a Fiar, das Brasilianas, principalmente, porque a minha professora de artes
passava aquilo! Então, minha referência visual, que eu posso considerar assim, da fotografia, veio desse período,
daquilo que eu gostava de ver. Eu começo a trabalhar na Embrafilme na área de conservação de filmes. E aí, uma
coisa natural até, (porque) fisicamente eu estava ao lado do laboratório fotográfico, onde o Zequinha e o
Fernando – que também é uma pessoa que não pode ser esquecida, Fernando José Alves, que foi laboratorista do
INCE. Ele foi um dos que entrou no final do INCE. Ele faleceu, há uns cinco anos, talvez, ou um pouco mais.
Era uma pessoa muito simples, de pouco conhecimento intelectual, vamos dizer assim, mas um técnico de
laboratório extraordinário. E, com certeza, grande parte da qualidade dos filmes do INCE, tecnicamente, se deve
também ao Fernando. Ele era o responsável por fazer as cópias de 16 mm que iriam para as escolas. Os filmes
eram produzidos, na sua grande maioria, quase que total, em 35 mm, e aí se fazia o que se chamam de reduções e
essas cópias reduzidas eram distribuídas para as escolas. Então, esse é o meu primeiro contato físico com o
INCE. Quando eu vi os filmes eu sabia o que era INCE, mas não tinha noção do que representava. E de 86 até
hoje é ... (emocionado) eu não consegui me desligar disso. Apesar de estar cinco anos fora do CTAv, eu não
consegui me desligar dessa história, porque é uma história que me interessa muito e que até hoje eu ainda acho
que pode render, apesar de estar... uma instituição que acabou ... acho que mais de 40 anos, né?! Quer
dizer, você vê: se nós formos ver tudo o que de instituição, com exceção da Cinemateca Brasileira de São
Paulo, uma instituição pública também ligada ao Ministério da Cultura, eu acho que não houve nenhum órgão
desde o INC até a EMBRAFILME, enfim, FUNARTE, Fundação do Cinema Brasileiro... são tantos nomes...
nenhum órgão teve uma concepção, um conceito tão claro quanto o INCE. O INCE tinha uma questão conceitual
muito importante. O INCE foi concebido para a educação. Uma coisa curiosa que o Zeca falava é que, na época,
o Getúlio criou, eu não sei se exatamente no primeiro período, o DIP, que era o Departamento de Imprensa e
Propaganda. E o DIP, se você for ver, tecnicamente, fazia coisas semelhantes ao INCE e vice-versa. que eles
tinham o objetivo conceitual totalmente diferente. O DIP era um órgão de propaganda da ditadura, da ditadura do
Getúlio; o INCE foi criado para a educação. É estranho, né?! Porque você que algumas instituições que até
hoje estão aqui foram criadas no período mais negro de Getúlio, que é o Estado Novo. Estranho isso! Foram
criadas pelo Capanema, pelo Roquete. É estranho você ver que pessoas brilhantes fizeram parte desse momento.
Mas, enfim, ainda bem que sobrou isso de um período tão negro da nossa história, né?! Mas o DIP tinha uma
função de propaganda do governo, que era comum aos governos ditatoriais, e o INCE não. Então, muitas vezes,
o Zeca me relatava isso. Dizia que volta e meia ligavam do DIP e pediam para que a equipe do INCE fosse fazer
alguma coisa relativa, porque o Dr. Getúlio estaria no Rio de Janeiro e estaria em tal lugar e o INCE tinha que ir.
O Zeca disse que, várias vezes, o próprio pai e o Roquette, principalmente, diziam que não: “a nossa função não
é essa. A nossa função é a educação”. (Mauro Domingues fala incisivo). Então, você que o INCE tinha
conceito. Acho que isso é muito legal. Eles sabiam disso claramente. Acho que o Roquete, principalmente. Ele
sabia claramente qual era o papel do INCE. Isso é uma crítica às instituições de Cinema, com exceção da
Cinemateca Brasileira, a todas as outras que vieram depois do INCE: não houve um conceito. Acho que até o
próprio CTAv, hoje, depois de 22 anos de existência, também carece de um conceito, uma coisa que,
infelizmente, nós perdemos com o INCE.
Mas o seu conhecimento sobre o INCE veio da amizade com o Zequinha Mauro ou o órgão era ainda
falado, era reconhecido?
Ah! Era bastante comentado! Nós convivíamos com o Jurandyr Noronha... Ele não fazia mais parte do
quadro funcional, mas era um freqüentador assíduo. Eu cheguei até a trabalhar com o Zeca na filmagem de
alguns filmes do Jurandyr. Nós convivíamos com a Myrce Gomes, que também trazia também essas histórias;
com Ana pessoa, que também conviveu com essa turma. A Ana entrou na Embrafilme antes de mim. A gente
convivia com essas pessoas e, principalmente, com os filmes do INCE, porque os filmes passaram a ser
propriedades da Embrafilme, direito patrimonial da Embrafilme, e continuavam sendo distribuídos, não mais
263
naquele circuito escolar. Distribuídos, às vezes, até nas escolas, que mais para festivais, mostras. Os filmes
continuavam a ser objeto de estudo.
Existem pesquisas que apontam que o INCE, assim que foi transformado em INC, em 1966, foi esquecido.
Que os filmes foram esquecidos nas prateleiras. Então, não foi isso que aconteceu?
Não, exatamente. Foi criado o Departamento de Operações Não Comerciais, o DONAC, que era a área
cultural da empresa comercial. Eu não sei exatamente quais foram os diretores, mas na minha época, o diretor
era o Carlos Augusto Kalil, que depois passou a ser diretor geral da Embrafilme. E o diretor da DONAC passa a
ser o crítico José Carlos Avelar, que eu acho que é o último diretor da área de não comerciais antes da extinção
da Embrafilme. Mas, enfim, os filmes não deixam de ser usados, continuam sendo usados. que eles não têm
mais o caráter de distribuição para as escolas. Aquele projeto termina com o INCE. Com a chegada do INC, esse
projeto termina. Tanto que os laboratórios onde todo material do INCE era produzido, revelado, montado,
copiado, termina, deixa de existir. Era um laboratório, no momento, obsoleto, mas que poderia funcionar
perfeitamente para atender ao INCE. Esse laboratório foi doado para a Cinemateca Brasileira. Então, hoje, o
laboratório de instalação da Cinemateca Brasileira ainda tem elementos desse laboratório, o que comprova que
essas máquinas poderiam estar funcionando até hoje. Hoje eu acho que com a chegada de novas tecnologias, é
impossível você criar um sistema de distribuição de filmes para as escolas da maneira como o INCE fazia. Mas o
conceito do INCE é perfeitamente aplicável a essas novas tecnologias, sem sombra de dúvida. Porque é comum
no Brasil se investir em tecnologia, em coisas materiais, mas as pessoas esquecem que o mais importante de tudo
é o conceito. Não adianta. Se você pega hoje a idéia do Roquete e aplica no CTAv funciona. Vo pode
distribuir em CD, DVD ou pode até distribuir via web. As escolas, hoje, poderiam assistir aos curtas-metragens
de Humberto Mauro sobre Oxigênio, sobre Escorpião, sobre Peixe Elétrico, via web. O Di Glauber, que é um
filme proibido, onde Glauber (Rocha) filma o velório e o enterro do Di Cavalcante a família do Di, não sei se
exatamente dele ou da mulata, proibiu o filme – hoje você consegue acessar no Youtube ou, então, fora do Brasil.
Tem site que você acessa o que quiser. Então, hoje, a Internet, que é um meio democrático, poderia estar
passando os filmes do INCE. Então, as pessoas poderiam estar vendo como se constrói uma fossa, porque no
Brasil ainda se morre porque não tem fossa! Como se conserva alimento, porque no Brasil ainda se tem fome!
Os problemas ainda são os mesmos, talvez até em uma escala maior. Então aqueles filmes não estão obsoletos.
Tem um filme que, talvez, seja um dos que eu mais gosto chamado A Captação da Água, em que Humberto
Mauro mostra uma comunidade de Minas porque tem uma outra coisa curiosa também: eles faziam muitos
filmes em Volta Grande, porque a equipe ia para lá e ficava na casa do Humberto Mauro e não tinha despesa. Era
uma equipe reduzidíssima. Geralmente ia o Zequinha, o Humberto Mauro, às vezes, porque o Zeca fez muita
coisa sem a presença do pai; o Matheus Colaço, que era um funcionário da Rádio Roquete-Pinto, que não era do
INCE, mas colaborou durante muito tempo. Ele colaborava com tudo, fazia tudo. Ele, inclusive, é a velha da
Velha a Fiar. Então, é por isso que eles iam para lá, porque tudo era de graça. E o filme A Captação da Água é
interessante porque eles trazem a água de uma nascente através de um bambu gigante que existia na região. Eles
furavam os nós do bambu e vinham trazendo a água até a comunidade. É um filme extremamente simples, mas
muito bonito, muito bem feito. Tem uma coisa curiosa, também, que o Zequinha me falou e a gente hoje não tem
como contestar, até porque as duas pessoas envolvidas já não estão mais aqui, que são o Zequinha e o Luiz
Mauro, que é filho do Humberto Mauro e que também era cinegrafista e, em alguns momentos, se dedicou a
fazer filmes com o pai. O que o Zequinha me contava era o seguinte: Humberto Mauro, às vezes... porque o
Zequinha não era funcionário, ele recebia, como hoje a gente poderia chamar de prestador de serviço. Acho que
nos anos 60, por aí, ele foi contratado como funcionário do INCE. O Zeca é de 21, vamos lá, vamos tentar... Isso
eu posso resgatar para você, porque eu fiz um levantamento da biografia do Zequinha, porque eu tenho um
projeto de fazer um documentário sobre ele. Então eu fui à pasta funcional do Zeca na Funarte e ali você tem
toda a história.
(Neste instante Mauro Domingues pega a documentação sobre Zequinha Mauro)
Ele nasce em 22 de março de 1921. Como ele era de Cataguases, lá não tinha quartel. Então ele fez Tiro
de Guerra. Então você ficava meio que à disposição do Exército lá. Ele foi reservista em 31 de março de 1940.
Nesse período, o que o Zequinha começou a me contar é que ele gostava muito de fotografar e já acompanhava o
pai, mas não tinha nenhuma atividade profissional. Então, Humberto Mauro sempre chamava o Zeca para ajudar.
Em 1940, Humberto Mauro estava no INCE. Então ele juntava a família toda para poder produzir os filmes.
Eu não sei se Humberto Mauro além do salário do INCE, recebia algum pró-labore por cada filme, não tenho
essa informação, isso talvez a Sheila (Schvazman) tenha...
Eu acredito que não. No arquivo do Gustavo Capanema, na FGV, consta documentação do salário mensal
dos funcionários e nada a respeito sobre isso...
Então, nesse período, o Zequinha também estava começando o curso de Engenharia. ele desiste da
Engenharia e começa a trabalhar com o pai com fotografia. Eu gravei um depoimento do Zeca, que eu também
264
posso disponibilizar para você. É muito confuso, mas eu posso disponibilizar para você porque, de repente, você
consegue tirar algumas informações dali. Eu posso te dar uma cópia. Não tem problema nenhum. São cerca de
12 horas de gravação que eu fiz com Zeca em... 98... (pensativo). Em 98, exatamente em 98. A idéia é o
esqueleto de um documentário que eu quero fazer com o Zeca. Ele me conta algumas histórias. Ele diz que o
primeiro filme que ele fez, Humberto Mauro tinha acabado de comprar uma câmera 35 mm e ele tinha feito
alguns anos atrás um filme sobre extração de ouro aluvião, que é o ouro que aparece na superfície, você não
precisa cavar. Então, Humberto tinha feito o filme em 16 mm e chegou pro Zeca e falou: “Zeca, pega essa
câmera 35 mm, vai a tal lugar e faz aquilo que eu fiz”. O Zeca disse que foi com um amigo, sem Humberto
Mauro. Trouxe o filme pronto, revelou, editou, montou, mostrou ao pai, que aprovou. Aí, eles pegaram esse
filme e venderam para o Pedro Lima. Aí, o Zeca conta uma coisa curiosa: Humberto Mauro deu uma parte do
dinheiro para ele; ele e o amigo foram na loja Adonis, na época, comprar roupa (ri). É curioso. Essa foi a
primeira (história). Ele casa com Dona Creuza em 17 de maio de 1949. No INC, a carteira dele é assinada em 17
de setembro de 1965, pelo Flávio Tambelini, que era o Superintendente do INC
155
. Então, eu acho que toda a
relação dele com o INCE é feita como prestador de serviço. Ele não era funcionário. Enfim, tem outras histórias.
Eu posso, inclusive, conversar com a Dona Creuza, que eu acho interessante você ter acesso à pasta funcional do
Zequinha.
Você se lembra de alguma história em especial sobre o INCE que o Zequinha gostava de contar?
Ele falava que quando foi para lá, foi para ajudar o Manuel Ribeiro, que era o fotógrafo, que era um
senhor naquela ocasião. O Manuel era um grande fotógrafo. O Zeca contava que o Manuel tinha alguns
problemas de saúde na família, então não gostava de viajar e tinha dificuldade de sair do Rio de Janeiro. Aí,
quando tinha alguma coisa pra fazer fora do Rio, o Zeca, por ser muito jovem, ia. Então, foi assim que ele
começou a fazer filme. É isso que ele conta. Ele dizia que o INCE era uma instituição muito pequena, com
poucos funcionários, onde todo mundo fazia tudo. É isso que ele contava. Eu, por várias vezes, perguntei: “mas
por que escolher aqueles filmes? Por que vocês faziam filmes sobre Veneno de Escorpião, por exemplo?” Ele me
contava é que o Roquete, por ser um homem muito importante, com um grande círculo de amizades, sempre
tinha contato com a Fundação Oswaldo Cruz, com esse tipo de instituição, e intermediava o contato com os
pesquisadores, que iam para filmar e divulgar a ciência, mas sempre de uma maneira muito barata. Eles
tinham que fazer muito barato porque eles não tinham nada, né?!
Após a saída do Roquette-Pinto, Humberto Mauro teve mais autonomia para escolher os temas dos filmes.
Como se dava esta escolha?
Olha, assim, exatamente, o Zeca nunca me falou. Eu não sei. Acho que é justamente nesse período que
Humberto Mauro se volta um pouco mais para o lado do folclore, principalmente baseado naquele folclore
daquela região em que ele nasceu, que é Minas. Você que o INCE se prende àquela região ali da Zona da
Mata. Acho que pela facilidade que eles tinham de fazer, porque eles tinham a casa deles em Volta Grande. Eles
tinham toda essa estrutura que usavam, a família aparece, sabia?! No (filme) Meus 8 Anos, uma das crianças que
corre é a Valéria Mauro. Existem registros que era a Valéria muito jovem e bem pequenininha. A Valéria Mauro
é filha do Zeca, neta de Humberto Mauro. Em alguns momentos Dona Creuza também aparece. Algum momento
o irmão do Humberto também aparece...
Mas esses filmes recebiam um financiamento para serem realizados...
É sim, mas era mínimo. Eles tinham o filme, o laboratório. Então, o resto eles tinham que arrumar. Eles
tinham os próprios equipamentos, as câmeras do INCE. Quanto mais barato o filme ficasse, melhor. Daí,
também, a questão da música. Porque o JoMauro, o irmão mais jovem de Humberto Mauro... ele é um
temporão da família, nasce pouco antes do Zeca. Então, ele devia ter uns 4 ou 6 anos a mais que o Zequinha.
Tanto que o Zeca disse que conviveu com o tio mais como se estivesse convivendo com um irmão mais velho ou
com um primo. Eu conheci o José Mauro uns dois anos antes dele morrer. Era uma figura extraordinária.
Inteligentíssimo
156
. A família é muito curiosa, né?! Da geração do Humberto Mauro eu conheci dois: o José e
mais um, que não sei se era o Chico... (pensativo). Não sei, não me recordo. Era um senhor espirituoso, tinha
uma história engraçada: ao final da vida disse que descobriu que Deus não existia. Apesar de ter vivido a vida
inteira muito religioso, católico. Aí ele disse para mim uma vez, lá no CTAv, que, depois de ler muito, descobriu
que Deus não existia. Aí, o Zequinha sorria e dizia: “Olha, não fica dando assunto a ele, porque ele vai te
enrolar”. Ele era uma pessoa inteligentíssima. Uma outra coisa que é muito característica da família, também, é o
humor. O Zeca era de um humor incrível. As histórias que eles contam são histórias fabulosas e sempre... Eu
acho que isso refletia um pouco, também, o ritmo da equipe do INCE. Eles sempre estavam trabalhando
sorrindo. Tem uma outra história curiosa que o Zeca conta, isso não tem nada haver com o INCE. O Zeca foi
155
Em 1965 ainda era INCE.
156
Mauro Domingues não completou o pensamento. Acredito que ele devia fazer ligação das músicas escolhidas por Humberto Mauro a José Mauro.
No ato de aprovação, também não explicou.
265
convidado diversas vezes para sair do INCE e trabalhar no mercado, porque era um fotógrafo genial. Mas ele
disse que recebeu um convite da Vera Cruz e o Zeca era um grande fotógrafo, tinha feito um longa-
metragem, Canto da Saudade, que tem uma fotografia extraordinária em que ele fez tudo sozinho com o pai. Ele
conta que eles usavam apenas algumas pessoas para carregar os equipamentos. Sobe morro, desce morro! Era
uma coisa de louco! Os equipamentos (eram) muito pesados – aí, a Vera Cruz chamou o Zequinha para
fotografar um filme em São Paulo. O Zeca disse que foi ao estúdio e disse que não queria trabalhar porque as
pessoas não riam, não brincavam. Então, ele dizia que isso era uma das coisas... (Mauro interrompe a entrevista
muito emocionado).
Existem algumas histórias de que o próprio Humberto Mauro impediu que o Zeca deixasse o INCE.
Alguma vez ele teceu algum comentário a respeito?
Não. Ele nunca falou isso. Ele nunca teceu nenhum comentário sobre o pai que não fosse essa dedicação
total, não ao pai, mas à família. O Zeca tem uma coisa curiosa, porque no final da vida... O Zequinha tem
umas coisas que, realmente, são interessantes. Ele se aposentou compulsoriamente em 1991. Eu vou mudar um
pouco o ritmo, mas tem sentido, ok? O Zeca se aposentou em 1991. Ele estava trabalhando e eu e o Fernando
fazíamos parte da equipe dele. Então, ele dizia para mim que eu tinha que começar a fazer o trabalho pesado,
porque não tinha mais sentido um velho fazer o trabalho pesado, como ele mesmo falava. E eu adorava isso,
porque estava aprendendo com os dois: com o Zeca e com o Fernando! Então, eu fazia o trabalho “dito pesado”
do Zeca (Mauro faz o sinal de aspas nesta frase), que era, para mim, maravilhoso! Então, eu me lembro de vários
filmes em que as pessoas de , como o próprio Jurandyr, o Paulo César Saraceni, o Emanuel Cavalcante e
diversos (grande ênfase na palavra) cineastas que iam lá no CTAv para pedir uma informação a ele: “Zeca, como
é que eu faço aquilo?” Porque a característica do Zeca é a seguinte: ele é um técnico, foi um técnico
extraordinário. Então ele conhecia da técnica como ninguém e sempre te apresentava uma solução para o seu
problema da melhor maneira, da maneira mais simples possível, da maneira mais barata possível. Ele fez um
filme para o Zózimo Bubul, que era sobre a Abolição dos Escravos, em que fez com uma câmera quadro a
quadro toda a animação de centenas de fotografias. Então se você olha o filme, acha que o cara ali usou recursos
tecnológicos extraordinários. Que nada! Era quadrinho a quadrinho. Enfim, ele tinha sempre uma solução, né?!
Então, eu era responsável por armar o set de filmagem. O Zeca ficava sentado tomando café e cachaça ele era
um bebedor de cachaça inveterado, mas que não matou o Zequinha. Inclusive o médico falou que ele poderia
beber até o final da vida. E ele bebeu até o final da vida. E não fazia mal nenhum, né?! Eu armava todo o set e o
Zequinha só vinha para ver o enquadramento, para fazer o foco final, enfim, a função do diretor. Então isso, para
mim, foi muito bom. Mas eu acho que o Zeca... Eu não sei se o Humberto Mauro o proibiu de sair do INCE. Eu
ouvi essa história também. Como eu não conheci o Humberto Mauro, é... eu sempre... eu tenho algumas
impressões particulares sobre Humberto Mauro, sobre a obra do Humberto Mauro. Tenho algumas impressões
particulares também sobre o INCE. Você vê: quais outros diretores fizeram filme no INCE? Humberto Mauro
fazia praticamente todos os filmes. Eu não sei como isso funcionava. Se isso tinha alguma orientação do próprio
Humberto, se isso era uma maneira de ele trabalhar. Enfim, são informações que eu não sei. E o Zeca nunca
tocou nesse assunto e eu também nunca toquei com ele.
Mas tinha algum filme em especial que o Zeca realizou no INCE e que gostava de citar?
Ah! Ele falava de vários filmes! Ele falava do João de Barro, das dificuldades de fazer o João de Barro.
O equipamento do INCE era muito limitado. Eles tinham câmera à corda, em que te permitia filmar 30 metros de
filme por vez, o que é pouco, mera com uma lente só e câmera de foco fixo. Então, o João de Barro mostra a
construção do ninho até o final, onde ele diz que o macho da espécie fecha a fêmea do ninho para matá-la em
caso de traição. Tem essa coisa romanceada. Eu não sei nem se isso é verdade na espécie...
Dizem que é...
É verdade né?! É curioso! Eles cerram a casa, mostram que a casa... você vê aquela coisa de
engenharia. É um filme didático, apesar de muito poético. Então, o Zequinha diz que eles não tinham uma lente
macro, uma lente pra fazer close up. o que acontecia: o Zequinha, com a sua qualidade técnica, com a sua
coisa do inventor, ele desloca, desmonta a lente. Tecnicamente, ele estende essa lente, tá?! e cria um tubo de
extensão para que essa lente fique macro, quer dizer, isso é uma saída técnica. Existem outras que ele
comentava. Ele comentava sobre a Velha a Fiar em que ele fez toda a filmagem, toda a montagem, toda a
sincronização do filme. O filme sem sincronização não funciona e ele reclamava muito: “Ah! Esse filme não é
assim. Esse filme perdeu alguma coisa. Na minha época era melhor!” O (filme) A Captação da Água tem uma
história curiosa, porque o Zequinha ficou sempre do lado do pai, o tempo inteiro e o Luiz (Mauro) não. O Luiz
vai trabalhar no Exército, numa empresa de publicidade. Enfim, vai pro mercado. Mas em algum momento, o
Luiz volta. Eu não sei se volta porque estava sem dinheiro, se estava desempregado. E o Humberto Mauro a
colher de chá, como o próprio Zeca dizia. Então, Captação da Água é atribuído ao Luiz, mas, na verdade, o Zeca
disse que quem fez foi ele. que o pai determinou que saísse o nome do Luiz. Em Engenhos e Usinas, também
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fotografado pelo Zeca, também consta o nome do Luiz. O Zeca me garantiu que foi ele que fez e o pai também
colocou o nome do Luiz. Talvez você tenha essa impressão. Você não, mas algumas pessoas. Eu também
tive essa impressão de que foi o próprio Humberto que obrigou o Zeca a ficar ao seu lado. Eu não sei, não posso
dizer. Talvez outras pessoas mais próximas, mais íntimas do Zeca possam falar isso. Eu não tenho esse direito de
falar isso. Em algum momento eu pensei nisso também, mas não sei. Para quem conheceu o Zequinha, com as
suas características, o seu temperamento, sabe que ele não gostava de muita gente trabalhando junto, achava um
absurdo equipes gigantescas. Ele dizia que não precisava. Ele veio do cinema num período que não é o cinema
de hoje. Eu não sei se o Zeca se manteve daquela maneira para se proteger ou se ele... não que ele não fosse
capaz de encarar uma produção, muito pelo contrário. O Zeca era capaz de enfrentar qualquer coisa! Agora, eu
acho que ele fez isso por dedicação.
Talvez exista uma cobrança da sociedade em relação a isso, por conta do talento do Zeca, e de não ter-nos
deixado mais coisa. A sua viúva, dona Creuza, em uma breve conversa telefônica, me contou que ele
gostava mesmo era de fazer documentário. Os próprios historiadores criticam Humberto Mauro por ter
preterido a produção de longa-metragem para trabalhar no INCE, que enquanto ficou no Instituto
realizou Argila (1940) e Canto da Saudade (1952).
E também tem uma outra coisa: quando a gente analisa uma obra de um cineasta ou um artista de uma
maneira geral, acho que a gente tem que entrar um pouco na intimidade dele. O Zeca contava umas histórias que
quando eles chegaram ao Rio, ele vinha com um sapato que estava furado, porque a situação era muito difícil.
Então eu acho que a família do Humberto Mauro Humberto, a Dona Baby, o Zequinha, que era o mais velho
eles passaram muitas dificuldades financeiras. Então, o próprio Zeca falava até o final da vida dele, que uma
coisa que ele prezava muito era a sua estabilidade financeira. O fato de ele ter um salário todo mês era uma coisa
muito importante. Isso é um pensamento de uma geração que, enfim, até hoje a gente preza isso, né?! Se você
tem um emprego que te garante todo mês o teu salário, a tua subsistência, o pagamento da escola do seu filho, a
possibilidade de um remédio... Então, o Zeca, acho, aprendeu muito isso com o pai. Humberto Mauro tinha isso
também. eu não sei... Não sei se, realmente, ele faz uma opção artística conceitual pelo documentário. Tem
uma outra questão também: a dificuldade de se produzir um filme de longa-metragem no Brasil, que é muito
grande. O Zeca conta uma história muito curiosa. Quando a Vera Cruz foi criada, o Humberto Mauro foi
chamado pela Vera Cruz. E aí o Zeca disse que Humberto chegou a falar pro Alberto Cavalcante: “vocês estão
errados, vocês não devem criar uma rede de produção, apenas, vocês devem criar uma rede de distribuição,
também” – que é onde está o gargalo do cinema brasileiro. Por que o que adianta você produzir se é o americano
que vai distribuir? E ele distribui o que ele quer. Então, eu acho que esse erro foi o mesmo que Adhemar
Gonzaga teve ao criar a Cinédia: ele cria a produção, mas não cria o escoamento da produção. Aí fica na mão do
americano. A Cia Vera Cruz faz a mesma coisa. O Zeca disse que o Humberto Mauro alertou à Vera Cruz:
“vocês estão errando”. Enfim, eu não sei, eu prefiro... Acho que de tudo que eu convivi, o elo mais forte para que
o Zeca continuasse era a dedicação.
Os professores tinham interesse pelo filme como recurso didático?
Muito. O Zeca falava... porque as pessoas tratam do objeto fílmico apenas como a única coisa que o
INCE fazia. Mas tinha um outro produto: o diafilme. Não sei se você conhece o diafilme. É um pedaço de filme
com, sei lá, 40, 60 fotogramas, que é projetado em uma máquina de slides. O professor recebe um livreto com
toda orientação. É uma prática, também, que depois, o INC continuou. Isso era muito interessante. O Zeca falava
que, muitas vezes, o filme e o diafilme serviam, também, de atualização para os professores. Então, você
imagina, um professor do interior do Piauí, nos anos 50, 60, devia ser complicado! Até hoje é muito complicado
para um professor se atualizar, né?! Então o Zequinha falava: “Ah! Os professores sabiam tanto quanto os
alunos”, ou seja, eles sabiam muito pouco. Então aquele documento que chegava ali, seja filme seja diafilme,
servia, também, para atualizar o professor.
Mas havia interesse por parte dos professores?
Sim. Ele disse que era muito grande a consulta aqui na Rádio MEC, que era onde funcionava. Disse que
aqui sempre tinha professores pegando as cópias, devolvendo as cópias. Isso era muito grande.
O sr. tem informação de alguma escola em especial que utilizava esses filmes?
Não, não, não... Devia ter algum controle. Talvez no Livro de Tombo você até tenha isso, sabia?! Acho
que esse livro é fundamental para a sua pesquisa, você vai ter, pelo menos, algumas noções bem concretas do
que foi feito. Mas o Zeca disse que a procura era muito grande, tanto que eles faziam muitas cópias.
Existem pesquisas que apontam que alguns filmes eram chatos e não despertavam interesse. Alguma vez o
Zequinha chegou a comentar sobre esse assunto? Existia alguma preferência de determinado filme em
detrimento de outro?
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Não, não. O Zeca nunca falou esse filme é ruim, esse filme é bom. Eu, depois de ver todos os filmes,
todos os filmes que foram possíveis, porque a maior parte não existe, né?!, depois de muita conversa, você
começa a ter algumas opiniões. Eu acho até que a maneira... se você perceber os primeiros filmes do Humberto
Mauro do início até os últimos, vê uma clara evolução dele como cineasta. Isso é infalível, né?! E se você
também começa a ver os primeiros filmes do Humberto Mauro fora do INCE até o Canto da Saudade, que é o
seu último longa (metragem), você consegue ver claramente a evolução dele, até o Carro de Bois, colorido, de
1974. Quando ele se dedica aos filmes didáticos do INCE, não deixa de ser cineasta, não estraga a carreira dele,
segue por outro caminho. Você percebe também: eu acho que eles percebiam que alguns temas eram muitos
chatos, né?! Naturalmente: ver um porquinho da índia ser aberto é uma coisa que não é muito agradável. E
tem um depoimento da Dona Beatriz que é muito interessante. Ela dizia que o Humberto Mauro conseguia fazer
poesia até com peixe elétrico! E, realmente, você vê: ele começa a adotar essa prática de tornar aquelas imagens
aparentemente cruas, sem sentido, através da poesia. Ele começa a utilizar a música, a utilizar recursos de
cinema. Algumas pessoas questionam que isso não é documentário, o que eu não concordo, eu acho que é
documentário sim.
Pois é. Há quem diga que eram filmetes informativos e não documentários...
Eu acho que isso não é verdade. Eu considero documentário sim. Documentário daquele período já que,
hoje, já não se faz mais assim. Você hoje faz um documentário diferente do que se fazia nos anos 60, e nem por
isso nos anos 60 deixou de ser documentário, que é diferente do que se fazia nos anos 40 e 50. Acho que nem por
isso deixou de ser, né?!
Na medida em que o próprio Mauro escolhia os filmes que ia produzir, existia, tal qual na primeira fase
que coincide quando Roquette Pinto foi o diretor, um grupo de professores que definia os assuntos a
serem tratados?
Ah! Com certeza... O Zeca citou várias vezes pesquisas de professores, trabalho de professores. Era isso
que norteava o caminho. Eu acho que a questão das músicas folclóricas não. Isso é uma coisa de Humberto
Mauro mesmo. Isso é bem claro. Tanto que ele começa a fazer no início, ainda com o Roquete, e veio até
1964. A Velha a Fiar era um projeto das Brasilianas, mas eu acho que ganhou tanta força que o filme deixou de
fazer parte das Brasilianas. Então eu acho que esse era um projeto do Humberto Mauro. Mas os outros projetos
não. Eles sempre tinham muitos amigos. O projeto do Escorpião, por exemplo, o Zeca contava muito que foi um
professor. Ele sempre falou os nomes, mas, enfim, eu não me recordo. Inclusive você vê, também, no próprio
roteiro dos filmes, no letreiro dos filmes, a orientação técnica, é atribuída a um professor, a um cientista da
Fiocruz. Esse (filme) do Escorpião, em que eles tiveram que fazer o escorpião injetar o veneno no rato até matar
é uma orientação de um professor da Fiocruz. Quer dizer então: era uma obrigação deles fazerem. Agora eu não
sei se eles... O Zeca nunca falou: “Ah! Esse filme foi chato de fazer”. Ele nunca falou isso. Ele fazia todos os
filmes da mesma maneira.
Tendo essa autonomia de escolher os temas dos filmes, poderíamos considerar Humberto Mauro e o
Zequinha como educadores?
Ah! Eu acho que sim. Porque voltando a essa questão do filme ser documentário ou não, mesmo em um
documentário, em que você tem uma verdade crua, essa não é uma verdade, é a sua verdade. É a verdade de
quem operou, de quem colocou a câmera ali. A partir do momento em que você está com a câmera em
determinada posição, determinando qual é o enquadramento, aquilo deixa de ser uma realidade, e passa a ser a
minha realidade. É a minha impressão do que eu quero fazer. Então eu acho que o Humberto Mauro fazia a
mesma coisa. Aquela era a impressão dele, era a maneira dele de ver, a maneira que o Zeca via aquilo. Então eu
acho que eles interferem sim. Como qualquer um interfere, acho que eles interferem nisso, também. Eles
também podem ser considerados educadores.
Quando o INCE foi criado, de acordo com a literatura existente da época, como o livro Cinema e
Educação, de 1930, de Jonathas Serrano e Venâncio Filho; Cinema contra Cinema, de 1931, de Canuto
Mendes de Almeida, existia, por parte do professorado, receios em relação ao uso do filme. Roberto
Assumpção, em 1939, em sua tese para técnico do INCE, O Cinema Sonoro e Educação, também fala a
respeito desse medo do professor, de que o filme poderia suplantar o mestre. Essa impressão do professor
se modificou?
A informação que tenho do Zeca é que a procura era muito grande, e que, às vezes, em momentos de
crise financeira do INCE, faltavam cópias para as escolas. Creio até que não deveria fazer cópia de todo o
acervo. Alguns títulos, naturalmente, deveriam ser mais usados que outros. Não dúvidas disso. Mas o Zeca,
em alguns momentos, falou que, às vezes, faltavam cópias e que as pessoas tinham que esperar.
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Existia algum tipo de imposição do governo para que as escolas utilizassem esses filmes, uma vez que eram
produzidos por um órgão federal?
O Zeca nunca comentou sobre isso, mas eu acho que o. Pelo que ele sempre falou, acho que as
pessoas é que procuravam o INCE. Procuravam, principalmente, por causa do prestígio do Roquete. Acho que a
presença do Roquete é que fazia, amuito mais que o Humberto Mauro, gico. O Roquete era uma pessoa que
era muito conhecida, tinha um círculo de amizades com cientistas, professores. Até porque Roquette vinha do
Museu de Ciências de História Natural. O círculo de amizade do Roquete faz com que o INCE tenha um
prestígio muito grande e o nome do Roquete, com certeza, abriu muitas portas, coisa que depois Humberto
Mauro veio fazendo, naturalmente, depois. É isso que tem que ver também: Humberto Mauro tinha quantos anos
naquela época? Humberto Mauro tinha quarenta e poucos anos. Ele estava começando uma carreira.
Nas pesquisas que realizo sobre o INCE, percebo que somente as pessoas que trabalharam no INCE ou
são da área de cinema têm memória ou informações sobre o órgão. Nem mesmo quem é estudioso do
governo Getúlio Vargas, tem conhecimento. Onde está o problema? O INCE era pouco divulgado?
Eu acho que sim. A rádio não. Porque o rádio, naquele momento no Brasil, era uma coisa muito
importante. Mas é como hoje, também. Se você for perguntar a uma pessoa que tem 40, 50 anos o que a
Embrafilme fazia, ela vai dizer que fazia filme pornográfico, e não fazia. Você quantos filmes a Embrafilme
fez, que são filmes extraordinários. Quantos filmes foram viabilizados, graças à Embrafilme?! E se você for ver,
a Embrafilme era uma instituição, uma empresa do governo, que não deu prejuízo, diferente do que o Governo
Collor falou. Quando a Embrafilme foi fechada pelo Collor, a Embrafilme tinha superávit, quer dizer, você tinha
toda uma campanha contra esse tipo de coisa. Eu acho que naquela época dos anos 40, 50, 60 a mídia, de uma
maneira geral, era uma coisa incomparável a hoje. Acho que hoje, uma instituição como o CTAv, que tem 22
anos, se você perguntar por aí, também, a grande maioria das pessoas não sabe nem o que é, não sabe que existe.
Acho que é mais ou menos proporcional ao INCE. Ali você tinha a orientação do (Ministro Gustavo) Capanema
lógico, tinha o Roquete, o Humberto Mauro e uma equipe muito reduzida, que produzia aqueles filmes para um
nicho de mercado, que, as pessoas, com certeza, os alunos das escolas... Eu mesmo, que assistia aos filmes lá nos
anos 70, e não era mais INCE, não sabia da onde vinha aquilo. Para mim, aquilo vinha da minha professora.
Com certeza, ela devia pegar isso no INCE ou na Embrafilme. Não tenho dúvida disso. Ela estava sempre
mudando os filmes. A gente, dificilmente, via o mesmo filme várias vezes. via o filme várias vezes quando
tinha Semana do Índio, Semana da Pátria, “filmezinhos” comemorativos, que era normal. O que eu acho que era
fundamental, e que hoje deveria continuar nas escolas. Então, eu também não tinha noção disso, talvez ela
soubesse, mas eu acho que a sociedade de uma maneira geral não. E meus pais também não sabiam disso, né?!
Eu, com certeza, chegava em casa e comentava com a minha mãe: “hoje eu vi um filme tal”. Eu devo ter feito
isso várias vezes e minha mãe também não sabia. Também, com certeza, achava que aquele filme era da escola,
porque era uma escola pública. Quer dizer, então, eu acho que a sociedade, como hoje, também, não tem noção
do que existe. Enfim, eu acho que é isso. Agora, era uma instituição que vivia com poucos recursos. Não
dúvidas disso. Era uma instituição que as pessoas eram muito abnegadas, gostavam de trabalhar lá. Eu vejo isso
pelo que o Zeca e o Fernando, e o próprio Jurandir falavam. Quer dizer, eu acho que é isso, né?! Enfim, era um
projeto de governo, mas eu não sei se eles injetavam dinheiro ou coisas como acontece hoje.
O principal problema do INCE, então, foi a falta de recursos?
Falta de recursos, principalmente. E depois da saída do Roquete, segundo o Zeca, algumas ingerências,
porque as pessoas que passaram por não tinham a qualidade do Roquette. Isso ele comentou algumas vezes.
Chegou a citar nomes, mas eu não vou nem te dizer, porque alguns eu recordo; outros não; de repente, eu posso
estar fazendo uma ... é... em dar um depoimento que não é verdade. Mas o Zeca disse que a saída do Roquete é
um problema, porque eles deixam de ter uma orientação, um conceitual melhor. Eu acho que o projeto foi
segurado por Humberto Mauro. Eu acho que depois de um certo tempo o Humberto começa a ter tanto prestígio
e acho que é isso que segura o Humberto Mauro também. Acho que é isso que segura um pouco o INCE, até
chegar o momento em que o INCE é desmantelado.
Mas por que os filmes do INCE foram tão preteridos na história do cinema brasileiro até a década de 90?
Olha, isso acontece com a própria obra de Humberto Mauro. Eu acho que o Humberto Mauro durante
um período fica esquecido e volta à tona, principalmente, no final dos anos 60 com os jovens do cinema novo.
Humberto Mauro, apesar de não ter feito muitos filmes de grande sucesso, acho que o único filme que deu muito
dinheiro foi Favela dos Meus Amores, que não existe mais, onde ele filma o negro na favela, filma o samba, que,
até então, era inédito uma coisa que depois o Nelson (Pereira dos Santos) vem fazer em Rio 40 graus. Quer
dizer, então ali, talvez, esteja um pouco da genialidade do Humberto como cineasta. Muitos consideram o
Humberto um cineasta primitivo. Acho que não, acho que ele faz o primitivo, mas consegue se tornar um
diamante bem lapidado. Isso com certeza, e graças, principalmente, a pessoas que ele vai encontrando pelo
caminho: como Adhemar Gonzaga, que é fundamental na carreira do Mauro. Na história, tem um momento de
269
rompimento dos dois, que é uma história muito complicada. Eu não sei o que foi. Cheguei a ler algumas cartas
que os dois mandavam entre si, durante um período do Ciclo de Cataguases, onde o próprio Adhemar manda
orientações e Humberto retorna com orientações. Enfim, eu acho que existe uma amizade muito grande. Eu acho
que o Humberto melhora muito a partir desse momento, também. Ele contribui pro Gonzaga, um homem da
Academia, um homem com conhecimento técnico, mas que não tinha aquela coisa natural. Então, eu acho que os
dois se completam aí. Depois tem o rompimento, é quando ele vai trabalhar com dona Carmem Santos e, logo
depois, vai pro INCE. os dois ficam um grande período... Enfim, são problemas que até hoje a gente não
consegue entender muito bem. Também não é pra ficar se “metendo” muito nessas coisas, que eu acho que ainda
cria... O Zeca não comentava isso comigo. Por diversas vezes, perguntei e o Zeca nunca comentou. Ele sempre
falava com muito carinho do Adhemar. Mas nunca comentou. Enfim, era um problema deles.
O Tambellini entrou em 1961 no INCE e em 1966 foi transformado em INC. De 1961 a 1964, Humberto
Mauro fez apenas O Papel e A Velha a Fiar. E a produção do INCE permanecia a todo vapor, sendo
realizada por outros cineastas. Você tem alguma informação se Humberto Mauro teve algum motivo em
especial?
Olha, o Zeca nunca comentou. Ele tinha uma característica muito interessante: nunca falava mal de
ninguém. Então, ele, simplesmente, não comentou isso. Isso é uma opinião pessoal: eu acho que há um
esvaziamento do INCE com a chegada do Tambellini. Ele abre o INCE de uma maneira maior, que coincide,
também, com o período em que o Humberto Mauro está se aposentando; coincide, ainda, com o período em
que ele já não tem mais espaço no mercado. Ele tinha feito em 49/50 Canto da Saudade, tinha construído o seu
estúdio, o Rancho Alegre, em Volta Grande, para poder viabilizar o filme, e o filme não vai bem
comercialmente. Naquele período, você já tem a chanchada, enfim, é um outro tipo de coisa. E Humberto passa a
ficar um pouco no ostracismo. Ele vai viver em Volta Grande, segundo o Zeca, porque era mais barato viver
do que aqui no Rio de Janeiro. Eu acho que vem, novamente, a questão financeira. Eu acho que é importante,
também: ele passa a viver da aposentadoria dele, né?! Enfim, é isso. Eu não sei... Talvez a Velha (a Fiar)
seja um filme para que ele encerre esse ciclo mesmo. Eu, particularmente, acho que a Velha talvez seja mais um
filme do Zeca do que do próprio Humberto. Talvez a criação, a concepção, a última coisa de se colocar que é a
cantiga popular, a continuação. Mas é o Zeca que viabiliza isso. Sem o Zeca, talvez, a Velha não existisse, e sem
o Matheus (Colaço), lógico. Mas eu não sei se, politicamente, tinha uma orientação de esvaziar o INCE, se o
Tambellini foi colocado justamente pra se criar uma estrutura de financiamento do governo.
A criação do INC, em 1966, foi resultado de um projeto que já vinha tramitando no governo há um tempo,
desde 1952. O próprio Getúlio Vargas, que autorizou a criação do INCE, em 1936, convidou Alberto
Cavalcanti para organizar um projeto de cinema industrial e não Humberto Mauro.
O INC, além da questão comercial, mantém o seu “pedacinho” não comercial que era o DFC, né?!
No INC era DFE, Departamento de Filme Educativo. DFC, Departamento de Filme Cultural, era na
Embrafilme. Na verdade, a atividade era a mesma, o nome é que muda. Esses departamentos são
continuidades do INCE?
Eu acho que uma ruptura conceitual. Isso não tenha dúvida. Porque quando uma instituição deixa de
existir e passa a ter um outro nome, com uma outra idéia, não dúvida que o INCE e o INC são coisas
totalmente diferentes. Mas o que se faz com aquilo tudo ali, principalmente o acervo, né?! Se você for pensar, se
você for ver a trajetória de 1936 até hoje, aí você vê... Bom, o CTAv hoje é o INCE. O que, hoje, o CTAv tem de
mais importante? O acervo. A Myrce (Gomes) falava uma coisa extraordinária quando o CTAv foi criado.
Havia, naquele momento, nos meados dos anos 80, o ímpeto da tecnologia. Naquele momento, o cinema
brasileiro passava a ter mais valor técnico, porque o nosso cinema artisticamente era muito bom, mas,
tecnicamente, era muito mau. Enfim, eram várias idéias que se falavam: “o som do cinema brasileiro é terrível”,
quando, na verdade, o som da sala que era muito ruim. O nosso som não era igual ao americano, mas o da sala
era muito ruim. Quer dizer: a idéia de se criar o CTAv era a de criar um centro de excelência técnica em várias
áreas. E realmente foi criado. Naquele momento, era um centro de excelência técnica. Só que o governo não teve
competência para manter, para fazer um up grade, fazer manutenção. Ainda mais agora que a tecnologia muda
cada vez mais pido. A Myrce (Gomes) falava uma coisa muito interessante. Eu me lembro muito bem. Ela
falava que “nenhuma máquina dessas vale mais que um filme”. E é verdade. O acervo é muito mais importante
do que qualquer máquina daquelas que custam 15, 20, 50, 60, 1000! o importa! Aquilo ali você compra a
qualquer momento, agora o filme não, né?! Então, eu acho que o INCE não termina, porque existe um acervo e
aquele acervo continuava ali. O que eu acho que não houve mais foi o incentivo, por parte do INC, para que
esses filmes continuassem sendo utilizados nas escolas. A questão conceitual foi rompida. Depois não houve
continuidade. Hoje, a qualquer momento, você pode pegar o que sobrou dos filmes do INCE e disponibilizar em
DVD e voltar a distribuir nas escolas. Será que as crianças não vão ver? Eu acho que vão. Talvez a gente tenha
que fazer um trabalho pedagógico um pouco melhor, mas os problemas daquela época, ainda existem, né?!
270
Quais os principais impactos do INCE nas escolas?
Olha, eu não convivi nesse período, lógico, mas baseado no que o Zeca falava e nos filmes que eu vi,
acho que muitas das informações chegavam através dos filmes. Porque a influência da televisão no Brasil estava
começando e mesmo quando ela começa, nem todos os lares têm televisão. Hoje não! Praticamente todo mundo
tem televisão, apesar de ter várias outras coisas mais importantes que a TV, todo mundo tem a sua TV. Eu acho
que a maneira como aquilo chegava é a mesma impressão que eu tive na escola. Eu nunca tinha visto um índio
brasileiro. Eu nunca tinha visto como se constrói uma fossa, apesar de que, na época, no Rio de Janeiro vo
tinha muitas ruas com valas, não na área rural, mas também, na área urbana. Eu morava no subúrbio e você
tinha isso ainda. Mas a gente não tinha aquela informação, a gente nunca tinha... Eu me lembro que eu assistia a
Velha a Fiar e a gente adorava a música! Aí há mais ou menos 12 anos... é... (pensativo) uns 12... meu filho tem
15, eu mostrei pra ele o filme. Ele adorou a música! Vovê então: mais de 30 anos depois, a “musiquinha” da
Velha a Fiar ainda faz sucesso. É possível passar a Velha a Fiar nas escolas? Lógico que é! Talvez as pessoas
estranhem: é preto e branco, faz um chiado aqui, outro chiado ali, porque o tempo fez com que o filme adquirisse
defeitos, mas é perfeitamente viável a exibição desses filmes. Será que hoje a gente ainda não tem problemas
com alimentação, com vacina? Lógico que tem! Esses filmes, eu acho, precisam, sim, deixar de ter o suporte que
tinham e ter um novo suporte. Esse suporte pode ser um disco, pode ser a Internet... Mas eu acho que viabilidade
existe. E o que acontece ali, no início dos anos 60, é uma ruptura com essa idéia. Eu acho que o cinema, o
cinema brasileiro como um todo, precisava ser profissionalizado, precisava começar a ganhar espaço, um espaço
internacional, mas que também já tinha, né?! Em 1937 ou 38, Humberto Mauro vai à Veneza levar alguns filmes
do INCE. No livro do Alex (Viany), segundo Humberto Mauro, as pessoas o receberam muito bem lá. O
Zequinha me deu o filme que mostra a chegada do Humberto Mauro ao Brasil. A gente está tentando restaurar,
porque o filme não está em bom estado, mas os filmes foram muito bem recebidos. Então, naquele momento,
talvez, as pessoas que estivessem à frente da política cinematográfica tenham entendido que aquele era um
cinema menor e que não deveria mais investir, fazer qualquer investimento naquele cinema, e sim se preparar
para o “cinemão”, para o cinema comercial. E foi o que aconteceu. Eu acho que tem erros e acertos, porque,
hoje, se a gente consegue ter um cinema que representa bem o Brasil, não é um trabalho de dois, três anos, mas
um trabalho de longo prazo, que vem do próprio Humberto. Até os erros ensinam a mudar de caminho. Mas eu
acho que, naquele momento, do mesmo jeito que no início do INCE existia o conceito do Roquette enquanto
antropólogo, educador, homem da educação, nos anos 60 existe sim um novo conceito de mercado. Tambellini é
um homem de mercado e, talvez, ele tenha menosprezado aquele cinema. Eu não sei se isso acontece
intencionalmente. Eu acho que não acontece de uma maneira... Porque a idéia do INCE é uma idéia de
desenvolvimento e a educação está ligada ao desenvolvimento. Isso é evidente. E o cinema é uma ferramenta,
como várias ferramentas existem, como o teatro, também. Qualquer manifestação artística pode ser utilizada
como uma ferramenta didática. Acho que isso aí é um conceito que não se discute mais, né?! Aquela idéia de que
o cinema poderia substituir o professor, nada substitui o professor! está provado isso! Acho que agora existe
um conceito, sim, em 1960, de que aquele cinema não merece mais investimento e que agora vamos investir no
“cinemão”. Eu não sei... Pela trajetória do Tambellini, a gente percebe que ele não faz isso com essa intenção de
destruir, de estragar. Não é nada disso. Ele é uma nova opção. Talvez faltasse ao governo, naquele momento,
uma luz para falar: a gente faz o cinema comercial, mas a gente tem que manter o didático, o educacional.
que eu acho que faltava gente pra fazer isso. Talvez o Humberto Mauro não tivesse essa força, essa competência,
como era um senhor, né?! Estava em fim de carreira, talvez com algumas desilusões por não ter conseguido
mais filmar, talvez uma pessoa que não tivesse... talvez ele tivesse até sentido falta de um parceiro para essa
briga, mas, enfim, são suposições, não tem a menor...
Qual a importância do Zequinha aos filmes do INCE?
Eu acho que o Roquette conceitua, o Humberto cria e o Zeca realiza. Criar e realizar são coisas
diferentes. Acho que o Zeca viabiliza as idéias. Eu acho que foi dessa maneira: o Zeca e a equipe. Eu tenho até
uma foto muito bacana da equipe. Posso ceder para você, se quiser. É com parte da equipe. É bem bacana (neste
momento, Mauro mostra a foto).
Na sua opinião, qual é o melhor filme do INCE?
Eu acho que A Captação da Água e A Velha a Fiar. Mas Captação da Água é genial. A idéia é genial.
O filme é genial. Eu não me canso de ver nenhum deles. E a gente tem que ver, porque existem tão poucos!
Captação está com um problema muito sério porque, parece, que só existe uma cópia 16mm, que é uma redução,
que está na Cinemateca Brasileira. Existe uma versão em vídeo Ilumatic, que era um vídeo usado nos anos 80,
que está no CTAv, onde parece que tem o som. A Sheila (Schvazman) teve problemas seriíssimos, porque os
filmes foram... Filme é uma coisa perecível. Naquele período, também, não se tinha conhecimento de técnicas de
conservação. Muitos filmes se perderam. Muitos foram produzidos em nitrato de celulose. O nitrato é um filme
auto-inflamável. Alguns acidentes aconteceram... As pessoas não tinham a idéia de como conservar aquilo.
Infelizmente, muita coisa se foi. Você vai ver que alguns registros no Livro de Tombo não existem mais. Você
271
vai ter alguns registros em alguns livros, vai ter histórias contadas por um e por outro, mas a grande maioria dos
filmes se perdeu. Acho até leviano da minha parte dizer que um é melhor que o outro. Acho que são todos
necessários.
Pesquisas hoje apontam o uso do cinema em sala de aula como inadequado, uma vez que o professor o
sabe utilizar essas imagens no ensino de forma a contribuir ao conhecimento do aluno. Você acha que se o
INCE tivesse sobrevivido até os dias atuais, os uso do cinema como recurso didático poderia ser diferente?
Existe alguma correlação ou herança cultural entre o ontem com o hoje?
Ah! Com certeza! Eu acho que se a gente observa os filmes do INCE e observa os filmes da TVE, por
exemplo, e até outros documentários nacionais vopercebe que o INCE está ali. O INCE era um órgão à frente
do seu tempo. Eu acho que se você for comparar, naquele momento, no mundo, são poucos os países que têm
uma estrutura tão bem montada como o INCE, que produziu tanto num período. Isso prova a importância do
INCE. Um exemplo claro, hoje, é na transmissão da TV de um jogo de futebol: se você analisa um jogo de
futebol, hoje, que é, exatamente, a mesma coisa que a Atlântida e o Canal 100 faziam. Os detalhes, as duas
câmeras... que hoje é muito mais fácil. O cinema é isso mesmo: sempre há referência. E hoje muita gente faz
filmes com a referência do INCE. Talvez não de uma maneira intencional, mas de uma maneira natural. Isso
está no seu inconsciente. Humberto Mauro desenvolveu técnicas e maneiras de filmar, maneiras de contar
histórias que ainda são e podem ser apresentadas ainda hoje. Mas acho que não o INCE, mas a educação
Brasileira hoje, isso parece papo de gente mais velha, mas é verdade: a educação hoje é muito pior. Acho que em
termo de conteúdo. Agora eu não sei se a sociedade precisa mais do que isso. Vejo pela qualidade dos
professores do meu filho. Eu acho que falta formação para os professores. O Zequinha falava um negócio
principalmente dos diafilmes: dizia que aquilo ali servia para formar um professor, porque o professor precisava
se atualizar. Isso era dito por um técnico, né?! Eu acho que o professor é um ser que tem que estar sempre
estudando, sempre se informando. O que a gente percebe, hoje, é que o professor sabe muito pouco ou quase
nada a mais que aluno. Infelizmente é a verdade. A formação do professor é muito ruim. Isso de uma maneira
geral. Você tem professores extraordinários, não dúvidas disso. Mas são professores que buscam ir além das
salas de aula. Aliás, qualquer profissão e carreira na universidade se você se limita à sua sala de aula, então você
vai ser um profissional medíocre, mas se você sai da sua sala de aula e consegue entender que o cinema pode te
ajudar, que o teatro pode te ajudar, a fotografia pode te ajudar, a dança pode te ajudar, eu acho que você se forma
melhor, não dúvidas disso. Então, eu acho que é isso que falta ao professor. Agora, quem é que faz isso?
Acho que a partir do momento que o INCE deixa de desistir, cria-se uma lacuna. Você já não tem mais onde
buscar isso, né?! Acho que o próprio governo quando começa a acabar com as universidades públicas, porque
ainda não fechou, mas falta isso, né?! Quando começa a não dar incentivo às escolas de ensino fundamental,
porque hoje você vê: criar uma lei em que o aluno não pode ser reprovado? Eu, particularmente, eu não sou da
área de educação, mas eu acho que isso está errado, porque você cria nessa juventude, que acredita que tudo que
é mais fácil é melhor, que se eu não vou ser reprovado, então, pra quê eu vou estudar? Talvez eu esteja errado.
Alguns educadores dizem que não é esse o raciocínio. Mas esse é o raciocínio mais óbvio e que talvez um jovem
de 13,14,15 anos pense. Até porque ele tem coisa muito mais interessante pra fazer do que estudar. Na
concepção deles, jogar vídeo game é melhor do que ler um livro. Será que o governo não falha quando deixa de
incentivar a leitura? Aí, como é que a gente incentiva a leitura? Com livro barato, né?! A gente pode muito bem
pegar uma obra do Jorge Amado e fazer uma edição belíssima que vai custar R$ 500, mas pode fazer em papel
jornal para custar R$ 2 e o conteúdo estará ali para o “cara” ler no trem. ele vai ler Jorge Amado, vai ler
Manuel Bandeira. A gente tem que ler, a minha geração leu isso tudo. Até hoje, eu volto a ler Dom Casmurro,
porque é o meu livro preferido dentre os escritores brasileiros. Agora, o meu filho não sabe nem quem é
Machado de Assis. A gente deu uns livros lá, mas também é muito difícil para os pais incentivarem os filhos a
ler. Quem tem que incentivar é a escola. A escola tem um papel muito mais fácil de incentivar do que os pais. Os
pais têm tantas coisas pra ver... Isso não quer dizer que a gente tem que se omitir disso, mas eu acho que falta
uma referência. Se você pega hoje um professor com vinte e poucos anos, recém-formado, dificilmente ele vai
ter essas informações, porque ele não teve na sua infância, enquanto estudava. Então, eu acho que o maior
problema da educação é esse, falta formação dos professores. A ausência do INCE é uma lacuna sim. O INCE,
de uma maneira ou de outra, contribuía para o aluno e, principalmente, para o professor. Isso eu acho. E não
o INCE, outras coisas também como o Instituto Nacional do Livro. Enfim, eu acho que é isso. Eu acho que o
que falta nesse país é uma política de governo voltada para a educação. Isso é uma coisa tão óbvia! Os alunos
têm que ir ao Museu. Eu vejo pela escola do meu filho. Ele estuda em uma escola na Tijuca, um bairro
predominante de classe média, que tem um valor razoável. Às vezes custa mais caro que uma Universidade. E
eles não fazem um passeio a um museu, não fazem um incentivo: chama o papai e a mamãe pra ir à exposição
tal... Uma vez eu propus à escola: por que vocês não pegam... olha, final de semana está tendo uma Exposição
no Centro Cultural do Banco do Brasil sobre Portinari. Vão e façam um resuminho e me entreguem o
resuminho”. eles vão ser obrigados a ir. Infelizmente é assim que começa. Mas daqui a pouco, se daqueles 30
alunos que vão lá, se você tiver um que volte por interesse próprio e faça um bom trabalho, você saiu ganhando.
272
E é assim que começa. Daqui a pouco esse um convence o segundo, o segundo pode convencer o terceiro e
você já tem três. Então eu acho que falta uma orientação dos próprios professores. Agora, será que os professores
sabem que isso está acontecendo? Essa é que é a questão! Aí nessa lacuna, tinha que estar entrando o governo?
São coisas que eu acho que estão faltando. O INCE deixou uma lacuna sim, mesmo sabendo que o papel que ele
tinha era pequenininho. Mas, hoje, nem o pequenininho existe.
273
ANEXOS
274
Anexo 1 - LISTAGEM DE FILMES PRODUZIDOS PELO INCE
157
1936
1. Um apólogo (Machado de Assis)
2. Ar atmosférico
3. Barômetros
4. Benjamim Constant
5. O Céu do Brasil na Capital da República
6. Colônia de Psicopatas de Jacarepaguá
7. Corrida de automóveis
8. O Cisne
9. Dia da Bandeira I
10. Dia do Marinheiro – Lançamento da pedra fundamental da estátua do Almirante Tamandaré
11. Exercícios de elevação
12. Os Inconfidentes
13. Lição prática de taxidermia I
14. Lição prática de taxidermia II
15. Os Lusíadas
16. Máquinas Simples – Alavancas
17. Máquinas Simples – Roldanas
18. Manômetros
19. Medida de massa – Balanças
20. A Medida do Tempo I
21. Microscópio Composto
22. O Ministro da Educação Dr. Gustavo Capanema recebe as instalações da Rádio Sociedade PRA-2
23. Os músculos superficiais do corpo humano
24. Os músculos superficiais do homem
25. Um parafuso
26. O preparo da vacina contra a raiva
27. Ribeirão das Lages
28. 7 de setembro de 1936 – Dia da Pátria
29. O telégrafo no Brasil
30. Visita do presidente Franklin Roosevelt ao Brasil – 27 novembro de 1936
1937
1. Academia Brasileira de Letras
2. Apendicite
3. Os centros de saúde do Rio de Janeiro
4. Céu do Brasil no Rio de Janeiro
5. Circulação do sangue na cauda do girino
6. Corpo de Bombeiros do Distrito Federal
7. Dança Regional Argentina – Escola Sarmiento
8. Dia da Pátria II
9. Eletrificação da Estrada de Ferro Central do Brasil
10. Equinodermes
11. Extirpação do estômago
12. Hérnia inguinal
13. Hidrostática – propriedades e equilíbrio dos líquidos
14. Itacuruçá – Baía de Sepetiba – Estado do Rio
15. Jogos e danças regionais – Escolas primárias
16. Juramento à Bandeira
17. Lótus do Egito
18. A luta contra o ofidismo
19. Magnetismo
20. Medida de comprimento
21. Método operatório do Dr. Gudin I
22. Orquídeas
23. Outono
157
Fonte: SOUZA, Carlos Roberto de. Catálogo de filmes produzidos pelo INCE. Fundação do Cinema Brasileiro. 182 p. Série Documentos, MINC,
1990.
275
24. Papagaio
25. Pedra Fundamental do Edifício do Ministério da Educação – 24 de abril de 1937
26. Peixes do Rio de Janeiro
158
27. Planetário
28. I Exposição Nacional de Educação Estatística
29. V Exposição de desenho e artes aplicadas
30. Telúrio
31. Termômetros
32. Universidade do Brasil
33. Victória Régia
34. Victória Régia – Horto Botânico do Museu Nacional
1938
1. Aranhas – Minas Gerais – Cataguases
2. Aspectos da Faculdade Nacional de Odontologia
3. Bronze artístico – moldagem e fundição – Casa da Moeda
4. Combate à praga do algodoeiro em Minas Gerais
5. XI Feira Internacional de amostras do Rio de Janeiro
6. O Dia da Bandeira II
7. Engenhoca e sovaca
8. Escultura em madeira – Talha
9. Exposição José Bonifácio – Centenário da morte do Patriarca da Independência
10. Febre amarela – O preparo da vacina pela Fundação Rockfeller
11. Filme teste
12. Fisiologia geral – Instituto Manguinhos
13. Hino à vitória
14. João de Barro – Minas Gerais
15. O laboratório de física na escola primária: aparelhos improvisados
16. Método operatório do Dr. Gudin II
17. Milão
18. A Moeda
19. Moinho de fubá
20. Monitor Parnaíba – construção naval brasileira
21. Morfogênese das bactérias – origem e formação das colônias
22. Paris
23. Pompéia
24. Roma
25. Serviço de Saúde Pública do Distrito Federal
26. Toque e refinação do ouro
27. Veneza
28. Vistas de São Paulo
1939
1. Abastecimento d’ água no Rio de Janeiro – Captação
2. Abastecimento d’ água no Rio de Janeiro – Fabricação de tubos
3. Abastecimento d’ água no Rio de Janeiro – História da Água
4. Abastecimento d’ água no Rio de Janeiro – Represas
5. Acampamento de escoteiro
6. Um apólogo – Machado de Assis. 1839-1939
7. Armamento de infantaria
8. Aviação Naval – exame médico dos candidatos
9. Cerâmica de Marajó
10. Cidades Históricas de São Paulo
11. Comemorações do cinqüentenário da República
12. Copa Roca: Primeiro Jogo Brasil x Argentina. 8 de janeiro de 1939
13. Copa Roca: Segundo Jogo Brasil x Argentina. 15 de janeiro de 1939
14. Corrida rústica em revezamento
158
Na mesma data, o INCE adquiriu filme com título idêntico da Brasil Vita Film. No entanto, no catálogo de Souza (1990) a direção é atribuída a
Humberto Mauro.
276
15. Dança Clássica
16. Dia da Bandeira – 1939
17. O Dia da Pátria
18. Dois irmãos de Jacarepaguá
19. Estudo das grandes endemias – aspectos regionais brasileiros
20. Exposição de trabalhos manuais das escolas primárias municipais brasileiras
21. Farol da Ilha Rasa
22. Fluorografia Coletiva
23. Hospital Colônia de Curupaity – novas instalações
24. Instituto Oswaldo Cruz
25. Jardim Zoológico do Rio de Janeiro I
26. Jornal nº 1
27. Jornal nº 2
28. Jornal nº 3
29. Leishmaniose visceral americana
30. Miocárdio em cultura
31. Parada da mocidade
32. Pedra da Gávea
33. Prevenção da tuberculose pela vacina BCG
34. Propriedades elétricas do Puraquê
35. O Puraquê – Peixe elétrico
36. Rio soberbo
37. Serviço de esgotos do Rio de Janeiro – Fundição
38. Serviço de esgotos do Rio de Janeiro – Tratamento
39. Serviço de salvamento
40. Trabalhos manuais japoneses
41. Tripanossomíase americana
42. Visita ao 1º B. C. de Petrópolis
1940
1. Araras
2. Arremesso do martelo
3. Bandeirantes
4. Campanha de Princesa
5. Coreografia popular do Brasil
6. O Cristal
7. Da força hidráulica à energia elétrica
8. Escola Municipal Palmeira
9. Instituto Pestalozzi
10. Lagoa Santa
11. Mangaratiba
12. Mobiliário Colonial Brasileiro
13. Parada da juventude – setembro de 1940
14. Pavilhão do DASP na feira de amostras
15. Peixes larvófagos
16. O plâncton
17. Prova de salto de professor japonês
18. Técnica de autópsia em anatomia patológica
19. Visita ao Instituto Oswaldo Cruz
20. Visitando São Paulo
1941
1. Castração do rato para prova de hormônios sexuais
2. Cerâmica artística do Brasil – Itaipava
3. Congadas – São Gonçalo – Sapucahy
4. Corrosão
5. Criação de rãs
6. Esgotos do Rio de Janeiro
7. Extrofia da bexiga
8. Fabricação de lâminas de navalha
277
9. Faiscadores de ouro
10. Gastrectomia
11. Indústrias dos perfumes
12. Lapidação de diamante – Rio de Janeiro
13. Movimentos protoplasmáticos na célula vegetal
14. Neurologia
15. Ponteio – Segundo movimento do concerto para piano e orquestra de Hexel Tavares
1942
1. Avenida Tijuca – Rio de Janeiro
2. Belo Horizonte Tênis Clube
3. Carlos Gomes – O Guarani – Ato 3º – Invocação dos Aimorés
4. Cidades de Minas – Cataguases
5. Coração Físico de Ostwald
6. Demonstração de peças anatômicas
7. O Despertar da Redentora
8. O Dragãozinho Manso Jonjoca
9. O Estado Novo organiza a juventude
10. Estamparia
11. Exposição de brinquedos educativos
12. Fabricação de pregos, parafusos e porcas
13. Fabricação de álcool
14. Henrique Oswald
15. Mecânica Geral
16. Miocárdio em cultura – Potenciais de ação
17. Montagem de motor
18. Museu Imperial de Petrópolis
19. Reação de Zondek
20. Relíquias do Império
21. Rio Bonito
22. Sífilis vascular e nervosa
23. Trefilação
24. Universidade do Brasil – MES Escola Nacional de Educação Física e Desportos – Colação de grau – 29 de
dezembro de 1942
25. Vale do Paraíba
1943
1. Aspectos de Minas
2. Cidades de São Paulo – Campinas
3. Convulsoterapia Elétrica
4. Exposição do DASP
5. Fantasia brasileira – concerto para piano e orquestra
6. Flores do campo – Zona da Mata – Minas Gerais
7. Fontes ornamentais – antiqualhas cariocas
8. Grafite – extração e beneficiamento – Volta Grande (MG)
9. Histerosalpingografia
10. Índios do Mato Grosso
11. Jardim Botânico do Rio de Janeiro
12. Manganês – extração, beneficiamento, galerias
13. Sífilis cutânea
1944
1. Aspectos de Resende – Estado do Rio
2. Barão do Rio Branco – 1845/1912
3. Eletrômero capilar
4. O escravo – 1889 – IV Ato – Carlos Gomes
5. Euclides da Cunha – 1886/1909
6. Exposição de Orquídeas
7. Mica – Cataguases (MG)
8. Monumentos Históricos – Igreja de São Pedro
278
9. Monumentos Históricos – Igreja N. S. Bom Jesus
10. Motor elétrico
11. Penetração de radio-iodo na tireóide pelo Prof. Carlos Chagas e Dr. Eduardo de
Robertis
12. Pólvora Negra – Fábrica da Estrela Raiz da Serra
13. Pulso Capilar
14. O segredo das asas
15. Técnica histológica
1945
1. Aspectos do sul de Minas
2. Canções populares I
3. Carro de Bois
4. Combate à lepra no Brasil – Serviço Nacional de Lepra
5. O Ensino Industrial no Brasil
6. Marambaia – Escola de Pesca Darcy Vargas
7. O mate
8. Serviço de Febre Amarela
9. Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
10. Serviço Nacional de Tuberculose
11. Vicente de Carvalho (1866/1924) – Palavras ao Mar – Fragmentos
1946
1. Aspectos da Baía da Guanabara
2. Assistência Hospitalar no Estado de São Paulo
3. O cérebro e as mãos
4. Fabricação de ampolas – Máquina modelo Delmas – Indústria Nacional
5. Farol
6. Jardim Zoológico
7. Leopoldo Miguez (1850/1902) – Hino da República
8. Princípios fundamentais do microscópio eletrônico
1947
1. Anatomia do aparelho genital feminino
2. Bom Jesus da Lapa – Inquérito Sanitário
3. Campos do Jordão
159
4. Coreografia – posições fundamentais da dança clássica
5. O cristal oscilador – industrialização do quartzo no Brasil
6. Fabricação de manteiga
7. Fabricação de queijo
8. Gramíneas e flores silvestres – Volta Grande (MG)
9. Heliotipia – processo Roquette-Pinto
10. Martins Penna – O Judas em Sábado de Aleluia – Comédia
11. Pasteurização
1948
1. Berço da saudade
2. Caldas da Imperatriz
3. Canções populares II
4. Castro Alves. 1847- 1871
5. Excursão ao Alto da Boa Vista
6. Fabricação da Penicilina no Brasil – São Paulo
7. Gastrectomia asséptica – técnica operatória
8. Ginástica dinamarquesa
9. Indústria farmacêutica no Brasil
10. Instituto Oswaldo Cruz
11. Jardim Botânico
12. O mundo eletrônico
159
O filme possui dois títulos idênticos, em 1947 e 1959. No site da Cinemateca Brasileira, consta como 1959.
279
13. Salinas – Cabo Frio
160
– Estado do Rio de Janeiro
1949
1. Baía da Guanabara
2. Cidade de São Paulo
3. Cidade do Rio de Janeiro
4. Cidade de Salvador
5. Gastroentero-anastomose
6. Método de diagnóstico biológico da gravidez – conceito geral e técnica
7. Olimpíadas em Vitória
8. Ruy Barbosa. 1849-1923 – 1º Centenário de nascimento
1950
1. Alberto Nepomuceno. 1864-1920
2. Assistência aos filhos dos Lázaros
3. Cidade de Itu
4. Eclipse
5. Ginásio Nova Friburgo da Fundação Getúlio Vargas
6. Multiplicação celular
7. Tratamento cirúrgico da sinusite
1951
1. Cerâmica – Escola Técnica Nacional
2. Conjunto Coreográfico Brasileiro
3. Cultura musical
4. O Dia da Pátria – 7 de setembro de 1951
5. Escola Preparatória de Cadetes
6. Evolução dos vegetais
7. Jornal do INCE nº 4
8. Micromanipulação
1952
161
1. A cirurgia dos seios da face – via transmaxilar
2. Cloro – produção e aplicações
162
3. Colégio Pedro II
4. Gravuras – Água Forte
5. Gravuras – Buril, ponta seca, água tinta
6. João Batista da Costa
7. Puericultura
8. Suprarrenalectomia – Tetralogia de Fallot
1953
1. Academia Militar dos Agulhas Negras
2. Alimentação e Saúde
3. Cultura física – saúde e energia
4. Lentes oftálmicas – Indústrias
5. O minério e o carvão
6. Refração ocular – correção visual
7. Santo Amaro – Recôncavo Baiano
8. Sistematização da colpomicroscopia
1954
1. Aboio e cantigas – Música Folclórica Brasileira
2. Captação da água
3. Escorpionismo – anatomia – experimentação – terapêutica – profilaxia
160
No site da Cinemateca Brasileira o título Salinas: Cabo Frio com direção de Jode Almeida Mauro, consta como sendo de 1946. No Livro de
Tombo, o registro também é de 1946, mas Souza (1990) acredita que a edição só foi concluída em 1948.
161
Em 1952, Jode Almeida Mauro produziu A Cidade do Aço Coqueria alto forno e aciaria. O título não consta no Catálogo de Souza, mas
consta no Livro de Tombo.
162
O título Cloro aparece no site da Cinemateca em 1951 tendo Alcides Silva Jardim como responsável pela direção. Fonte: INC. Apêndice do
catálogo de filmes. Rio de Janeiro: MEC/Instituto Nacional do Cinema/Departamento do Filme Educativo, 1974. 112 p. Mimeografado. Em 1952,
Humberto Mauro produziu documentário sobre Cloro. Souza (1990) atribui ao professor Alcides Silva Jardim a orientação do filme.
280
4. Expansão de Volta Redonda
5. Higiene rural – Fossa seca
6. Instituto de Puericultura Martagão Gesteira da Universidade do Brasil
7. Moléstia de Chagas
8. Nem tudo é aço
9. Pesquisas de endocrinologia
10. Volta Redonda como é hoje
1955
1. Associação Cristã Feminina do Rio de Janeiro
2. Cantos de Trabalho – Música Folclórica Brasileira
3. Engenhos e usinas – Música Folclórica Brasileira
4. Higiene doméstica
5. Museu Histórico
6. Preparo e conservação de alimentos
7. Silo trincheira – construção e ensilagem
1956
1. Biblioteca Demonstrativa Castro Alves – Uma biblioteca modelo
2. Construções rurais – fabricação de tijolos e telhas
3. Ipanema
4. João de Barro (Furnarius Rufus) – Zona da Mata (MG)
5. Manhã na roça – O carro de bois – Minas Gerais
6. Meus oito anos – canto escolar
7. Sabará – Museu do Ouro – Minas Gerais
1957
1. Belo Horizonte (MG)
2. Congonhas do Campo – Capelas dos Passos – Profetas e Basílica do Senhor Bom Jesus
3. Escola Caio Martins
4. Jardim Zoológico do Rio de Janeiro II
5. Pedra sabão – seu uso e suas aplicações
1958
1. O Café – História e penetração no Brasil
2. Cantos de Trabalho nº 2
3. Cidade de Caeté (MG)
4. Diamantina
5. Educação e desenvolvimento – erradicação do analfabetismo no Brasil
6. Fabricação de rapadura – engenho e monjolo
7. Largo do Boticário – Rio de Janeiro
8. O oxigênio – suas aplicações
9. São João Del Rei (MG)
1959
163
1. Cidade de Mariana (MG)
2. Convento de Santo Antônio
3. Ouro Preto
4. Poços rurais – água subterrânea
1960
164
1. Bacia longa e assimilada
2. Brasília
3. Endemias rurais – seus produtos profiláticos e terapêuticos
4. Hemostase cutânea – novo método para seu estudo “in vivo” – perna isolada do cão
5. Museu Nacional – Rio de Janeiro
163
Consta em 1959, no site da Cinemateca, o tulo Lições de Química nº 1 (Mistura e Combinações), de Alcides Silva Jardim. No Catálogo a data é
1962.
164
Consta em 1960, no site da Cinemateca, o título Aruanda, dirigido por Linduarte Noronha. O INCE aparece entre as companhias produtoras com o
Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais de Recife e Associação dos Críticos Cinematográficos da Paraíba.
281
6. Técnicas estereotáxicas no estudo das regiões subcorticais
7. Técnicas macro e micro fisiológicas no estudo da excitabilidade cardíaca
1961
1. O papel – História e fabricação
165
1962
166
1. O cajueiro nordestino
2. Condenados pelo progresso
3. Correção cirúrgica de rinomegalia associada à hipogenia
4. H2O
5. Inflação I
6. Investir para progredir
7. Kuarup
8. Lições de química I – misturas e combinações
9. Lições de química II – processo de separação das misturas e combinações
10. Lições de química III – processos industriais para separação de misturas
11. Minérios e o desenvolvimento econômico
12. O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro
13. Os romeiros da guia
1963
167
1. Teratologia
2. O trabalho no campo
1964
168
1. Brasília – planejamento urbano
2. Disfonia espástica – Clínica do Dr. Pedro Bloch
3. Hipospadia
169
4. A Medida do Tempo II
5. Meteorologia
6. Retrato de Villa-Lobos
7. A seda
8. Semiologia Neurológica nº 1 – movimentos involuntários anormais
9. Semiologia Neurológica nº 2 – alterações da marcha
10. O trabalho nas cidades
11. A Velha a Fiar
1965
170
1. O monumento
2. Previsão do tempo
3. O primeiro salto
1966
171
1. Uma Alegria Selvagem
2. Alfabeto animado nº 1
3. Alfabeto animado nº 2
165
O filme aparece no site da cinemateca como sendo de 1962. Há ainda outra versão do filme encurtada.
166
No site da Cinemateca consta, ainda, o título Villa-Lobos, de acordo com NORONHA, Jurandyr. Imigrantes no Cinema Brasileiro: Alemães, parte
II. Cinemin, n. 57, p. 16-17, out. 1989. No entanto, a companhia produtora apresentada é a CIBRA.
167
Consta no site da Cinemateca os títulos: Desenhos Animados Guy (20 filmes para TV exibidos na Noite do Cinema Publicitário, incluindo
documentário co-produzido pela Jota Filmes para o INCE; e Rinoplastia, de Hubert Perrin, com dois formatos em 16 mm e 35 mm respectivamente. O
título O parque, também pertencente ao acervo da cinemateca, foi produzido por alunos do curso de cinema do Colégio Brigadeiro Schorcht, no Rio
de Janeiro, e feita a montagem e cópias no laboratório do INCE.
168
Consta, ainda, os títulos Combustível para o Reator Argonauta, de Manoel Ribeiro; e o Milagre da Eletrônica, que possui divergências quanto à
Cia Produtora. Em 1964, consta como proprietário George Jonas Produções Cinematográficas; em 1965, Cinedistri Ltda. Também constam datas no
Serviço de Cinema da Divisão de Diversões Públicas e União Cinematográfica Brasileira.
169
Existe outro título parecido: Hipospádia Neouretroplastia, também de Bandeira Duarte, com tempos distintos. Acredita-se ser o mesmo filme
reduzido.
170
No site da cinemateca também consta o título O Circo, de Arnaldo Jabor, co-produzido pelo INCE em parceria com a Áurea Filmes S/A, Sphan e
Itamarati.
171
Em 1966, também foram produzidos Subsolo e Desenvolvimento, de Alberto Attili; Noturno, de Alfredo Sternheim; Manequim, de Carlos
Frederico; Chuva, de Rubens Richter; Quadro, de Antônio Calmon.
282
4. Alfabeto animado nº 3
5. Alfabeto animado nº 4
6. Alfabeto animado nº 5
7. Alfabeto animado nº 6
8. Aspectos da Segunda Guerra Mundial
9. A cabra na região semi- árida
10. Ele e o Rabisco
11. Fábulas
12. Fala, Brasília
13. Hipertrofia das glândulas mamárias
14. Inflação II
15. Jornada Kamayura
16. A linguagem da dança
17. A linguagem do teatro
18. Mário Gruber
19. A pressa do futuro
20. O reator argonauta
21. Rio – uma visão de futuro
22. Sol no labirinto
23. Tempo passado
283
Anexo 2 – LISTAGEM DE FILMES ADQUIRIDOS PELO INCE:
Todos os filmes listados a seguir foram comprados, ofertados ou adquiridos sob forma de permuta. A
fonte é do Livro de Tombo do INCE Acervo CTAv – Rio de Janeiro. Organizada em 1959 pela encarregada da
filmoteca, Teresinha de Azevedo Fortes, a listagem apresentada neste trabalho consta, somente, título e
procedência, que pode indicar o local comprado, a companhia produtora, a pessoa que fez a doação, entre outras
possibilidades. Para informações detalhadas, é necessário acessar o documento original, com cerca de 400
páginas, dividido em dois blocos.
O Livro de Tombo está em péssimas condições de manuseio e precisa ser urgentemente restaurado. A
filmografia existente na documentação pesquisada inclui tanto a obra produzida pelo INCE (SOUZA, 1990)
quanto os demais ora apresentados, iniciando-se em 1936 até 1975, quando o Departamento de Filme Educativo
do INC é transformado em Departamento de Filme Cultural da EMBRAFILME. No site da Cinemateca
Brasileira já estão listados alguns desses títulos.
Cumpre esclarecer que foram encontradas algumas divergências de fontes e procedência em
comparação ao Catálogo existente produzido por Souza (1990). Existem registros que foram considerados como
filmes produzidos pelo INCE por não terem indicação de procedência. Outros registrados de forma semelhante
não os foram, conforme descritos.
1936:
Título Procedência
1. A Balata J.G. de Araújo e Cia Ltda
2. A Borracha J.G. de Araújo e Cia Ltda
3. A Castanha J.G. de Araújo e Cia Ltda
4. Fauna Brasileira S/P
172
5. Fotografias intermitentes do reino vegetal Sociedade Cine Educativa Brasil
6. Fumo e Guaraná J.G. de Araújo e Cia Ltda
7. Grécia Kodak Brasil Ltda
8. Índios Parintins e outros
173
J.G. de Araújo e Cia Ltda
9. Lição popular de microscopia (Ameba) Museu Nacional
10. Movimentos dos Leucócitos Museu Nacional
11. O Brasil Botelho Filme
12. Peixe-boi e Pirarucu J.G. de Araújo e Cia Ltda
13. Pescaria no Rio Taquari Ipiranga Filme
14. Planária (verme) Cine Educativa Kodak
15. Rumo ao campo Secretaria de Educação de São Paulo
16. Teoria da Relatividade Kodak Brasil Ltda
17. Tipos de fauna amazônica J.G. de Araújo e Cia Ltda
18. Vulcões Cine Educativa Kodak
1937:
1. A pesca por meio de comonares
174
Embaixada do Japão
2. Abertura das olimpíadas de 1936 Chimica Bayer Ltda / Agfa Photo / I. G.
Farbenendustrie Aktiengesselshft
3. As medusas Museu Nacional
4. Atletismo Leve Chimica Bayer Ltda / Agfa Photo / I. G.
Farbenendustrie Aktiengesselshft
5. Aves e Animais do Museu Goeldi (Belém-PA) S/P
175
6. Bambu Brasil Vita Film
7. Bodense, Pátria do Zepelin S/P
8. Célula Viva Cine Educativa Kodak
9. De árvore a jornal Cine Educativa Kodak
10. De flor a fruto Cine Educativa Kodak
11. Desenvolvimento dos ovos do ouriço Museu Nacional
12. Escola de Joinville J. Isnard e Cia
13. Frutos do Brasil Agência Excelsior
172
No site da Cinemateca Brasileira consta que o título é da produtora Ipiranga Filme.
173
No site da Cinemateca Brasileira o filme consta como sendo de 1937
.
174
Ortografia incompreensível.
175
No site da Cinemateca Brasileira consta que o título é da produtora Junqueira Filme.
284
14. História do Cinema J. Isnard e Cia
15. Instrumentos óticos Cine Educativa Kodak
16. Medusas Museu Nacional
17. O Descobrimento do Brasil Instituto Cacau da Bahia
18. Os celentérios ou pólipos Museu Nacional
19. Peixes do Rio de Janeiro Brasil Vita Film
20. Vistas do Rio de Janeiro Brasil Vita Film
1938:
1. A força das plantas Luiz Fernando e Cia Ltda – Instituto de
Higiene de Giessen Litz
2. A história da Praia da Barra Wair Film Ltda
3. A Moeda FAN Films
4. A obra do Aleijadinho Wair Film Ltda
5. A Suíça canta J. Isnard e Cia
6. A vida do beija-flor César El Yachar e Cia. Produção Alexandre
Wulfes
7. Animais do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro Wair Film Ltda
8. Animais que parecem de vidro Luiz Fernando e Cia Ltda – Instituto de
Higiene de Giessen Litz
9. As plantas – mistérios da vida e organização geral Lutz Fernando
10. As sete maravilhas do Rio de Janeiro Brasil Vita Film
11. Aspectos de Diamantina Brasília Films
12. Aspectos de Portugal Pathé Cinema de Paris
13. Bactérias Kodak – Alberto Martins e Cia
14. Beethoven Lutz Fernando (Bell e Howell)
15. Bernardo, o eremita Centro de edições Francesas Ltda (Jean
Painlevé)
16. Biset (Georges) Lutz Fernando (Bell e Howell)
17. Brahms (Johannnes) Lutz Fernando (Bell e Howell)
18. Branca de Neve Renato Alves Sá (filme inacabado)
19. Cachoeira de Iguaçu Wiar Film Ltda
20. Cachoeira de Paulo Afonso – Cana de Açúcar Alberto Martins e Cia
21. Cachoeira Dourada Wiar Film Ltda
22. Canal de São Simão Wiar Film Ltda
23. Canções da Espanha Lutz Fernando (Bell e Howell)
24. Chafarizes Artísticos de Minas Wair Film Ltda
25. Cidades coloniais mineiras Wair Film Ltda
26. Comissário Filosófico Kodak – César Yachar
27. Conduta de Luz Kodak – Alberto Martins e Cia
28. Conquista do ar César El Yachar e Cia.
29. Correntes indutoras Kodak – Alberto Martins e Cia
30. Curvas e freqüências Kodak – Alberto Martins e Cia
31. Difteria Kodak – Alberto Martins e Cia
32. Douro e Beira do Litoral Wair Film Ltda
33. Efeitos magnéticos da eletricidade Kodak – Alberto Martins e Cia
34. Efeitos químicos da eletricidade Kodak – Alberto Martins e Cia
35. Esqueleto Kodak Brasil Ltda
36. Evolução de um peixe Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste
37. Felix in Pedigreedy Egydio Pereira
38. Felix no Pólo Norte Celpho Ltda
39. Garimpos do Rochedo Wiar Film Ltda
40. Haendel (Jorge Frederich) Lutz Fernando (Bell e Howell)
41. Haydn (François Joseph) Lutz Fernando (Bell e Howell)
42. Hino Nacional César El Yachar e Cia
43. Iluminação Kodak – Alberto Martins e Cia
44. Instituto de Identificação Dr. Leonídio Ribeiro (diretor do Gabinete do
285
Instituto de Identificação e Estatística da
Polícia do RJ)
45. Jocelyn Pathé Cinema de Paris
46. Lizt (Franz) Lutz Fernando (Bell e Howell)
47. Locais de crime Dr. Leonídio Ribeiro (diretor do Gabinete do
Instituto de Identificação e Estatística da
Polícia do RJ)
48. Luz e calor pela eletricidade Kodak – Alberto Martins e Cia
49. Macaco feio, macaco bonito César El Yachar e Cia
50. Mendelson (Felix) Lutz Fernando (Bell e Howell)
51. Micróbios vivos Luiz Fernando e Cia Ltda – Instituto de
Higiene de Giessen Litz
52. Mistérios que o microscópio revela Luiz Fernando e Cia Ltda – Instituto de
Higiene de Giessen Litz
53. Mosquito da febre amarela Kodak – Alberto Martins e Cia
54. Movimentos peristálticos do intestino Kodak – Alberto Martins e Cia
55. Mozart Lutz Fernando (Bell e Howell)
56. Músculos Kodak – Alberto Martins e Cia
57. No paraíso da saúde César El Yachar e Cia. Produção Alexandre
Wulfes
58. O universo visto pelo maior telescópio do
mundo – a lua
Educational Cinema Service de New York.
59. O universo visto pelo maior telescópio do
mundo – de Mercúrio a Marte
Educational Cinema Service de New York
60. O universo visto pelo maior telescópio do
mundo – Júpiter, Saturno
Educational Cinema Service de New York
61. O universo visto pelo maior telescópio do
mundo – o sol
Educational Cinema Service de New York
62. O universo visto pelo maior telescópio do
mundo – via Láctea e o espaço
Educational Cinema Service de New York
63. Patrimônio Histórico de Minas Wair Film Ltda
64. Peixes da Amazônia César El Yachar e Cia. Produção Alexandre
Wulfes
65. Pele Kodak – Alberto Martins e Cia
66. Plantação de Café Wair Film Ltda
67. Pressão atmosférica Kodak – Alberto Martins e Cia
68. Queda dos corpos Centro de edições Francesas Ltda (Jean
Painlevé)
69. Respiração Kodak – Alberto Martins e Cia
70. Rodíferos Kodak – Alberto Martins e Cia
71. Rossini Lutz Fernando (Bell e Howell)
72. Sabará – Siderurgia Filmoteca Cultural S/A
73. Salto das sete quedas Wiar Film Ltda
74. Sangue Kodak – Alberto Martins e Cia
75. Sansão e Dalila Kodak Brasil Ltda
76. São João Del Rei a Ouro Preto Wair Film Ltda
77. Sinfonia Pastoral Pathé Cinema de Paris
78. Strauss (Johann) Lutz Fernando (Bell e Howell)
79. Um monastério Pathé Cinema de Paris
80. Viagem à Holanda Pathé Cinema de Paris
81. Vida animal microscópica Kodak – Alberto Martins e Cia
82. Vidros pirex Kodak – Alberto Martins e Cia
83. Visões da Amazônia nº 1 – Jibóia César El Yachar e Cia. Produção Alexandre
Wulfes
84. Visões da Amazônia nº 2 – Formiga e
Tamanduá
César El Yachar e Cia. Produção Alexandre
Wulfes
85. Visões da Amazônia nº 3 – Rã e cobra César El Yachar e Cia. Produção Alexandre
Wulfes
286
86. Visões da Amazônia nº 4 – Piranhas e
Tartarugas
César El Yachar e Cia. Produção Alexandre
Wulfes
87. Visões da Amazônia nº 5 – Garça César El Yachar e Cia. Produção Alexandre
Wulfes
88. Visões da Amazônia nº 6 – Preguiça César El Yachar e Cia. Produção Alexandre
Wulfes
1939:
1. A água Centro de Edições Francesas Ltda
2. A criança e o esporte 20th Century Fox
3. A futura mãe Dr. Martagão Gesteira (Instituto de Puericultura do
Rio de Janeiro)
4. A vida de Lincoln National Cinema Service New York
5. Abastecimento d’ água no Rio de Janeiro Renato Alves de Sá
176
6. Alimentação materna Dr. Martagão Gesteira (Instituto de Puericultura do
Rio de Janeiro)
7. Antioquia mineira Serviço de Cinematografia Educativa do Ministério
da Educação da Colômbia
8. As combustões vivas Centro de Edições Francesas Ltda
9. Aspectos de Londres César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
10. Aspectos de Paris César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
11. Aspectos de Veneza César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
12. Aspectos do literal paulista (Ubatuba)
177
S/P
13. Bailados regionais Harald Schultz / Carl Zeiss
14. Bebê aos seis meses Dr. Martagão Gesteira (Instituto de Puericultura do
Rio de Janeiro)
15. Belezas da China National Cinema Service New York
16. Boêmia National Cinema Service New York
17. Campeão de Patins César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
18. Casa de Penhores César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
19. Cavalo Marinho Instituto de Cinematographie Scientifique de Paris
(Jean Painlevé)
20. China César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
21. Cinema dos garotos César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
22. Costumes da Lapônia National Cinema Service New York
23. Cowboys e índios César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
24. Cutelaria Nacional de Saiçã Harald Schultz / Carl Zeiss
25. Desventuras do Mickey César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
26. Egito César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
27. Eletrificação da EFCB Renato Alves de Sá
178
28. Estância de São Pedro Harald Schultz / Carl Zeiss
29. Esterilização do leite Dr. Martagão Gesteira (Instituto de Puericultura do
Rio de Janeiro)
30. Excursão de escoteiro Harald Schultz / Carl Zeiss
176
Os títulos Abastecimento d’água no Rio de Janeiro, listados no Catálogo de Souza (1990) fazem parte da coleção Leonidio Ribeiro e têm direção
de fotografia de Oscar Mota Vianna.
177
No site da Cinemateca Brasileira consta que o filme foi exibido em São Paulo em 21/05/1939 no Pedro II.
178
O mesmo título consta no Catálogo do INCE em 1937 com direção de Humberto Mauro.
287
31. Fauna Harald Schultz / Carl Zeiss
32. Higiene e mortandade infantil Dr. Martagão Gesteira (Instituto de Puericultura do
Rio de Janeiro)
33. História de João National Cinema Service New York
34. Idade Média National Cinema Service New York
35. Imigrantes César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
36. Imitando Alibabá National Cinema Service New York
37. Indústria de Lã Harald Schultz / Carl Zeiss
38. Joazeiro do Padre Cícero Reis Vidal
39. Jornal da Fox (17 filmes) 20th Century Fox – Edição Fox Movietone News
40. Macacos antropóides Centro Photo
41. Macacos sulamericanos Centro Photo
42. Manobras militares no Rio Grande do Sul Harald Schultz / Carl Zeiss
43. Mickey Bombeiro César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
44. Mickey Chauffeur César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
45. Mickey Cowboy César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
46. Mickey e o Rei César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
47. Mickey nas olimpíadas César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
48. Mickey no Brasil César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
49. O ar Centro de Edições Francesas Ltda
50. O sudeste árido César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
51. O Tufão César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
52. Os movimentos do homem Centro de Edições Francesas Ltda
53. Os três estados dos corpos Centro de Edições Francesas Ltda
54. Pérolas National Cinema Service New York
55. Secretas em ação National Cinema Service New York
56. Serpentes perigosas Centro Photo
57. Sinfisiotomia parcial Dr. Bento Ribeiro Castro
58. Sucuri Museu Nacional
59. Trabalho César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
60. Tratamento dos recém-nascidos Dr. Martagão Gesteira (Instituto de Puericultura do
Rio de Janeiro)
61. Uma noite fora César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
62. Vagabundo César El Yachar – Editado no National Cinema
Service New York
63. Visita do Presidente da República a São Paulo Departamento de Educação de São Paulo
64. Visita do Presidente da República ao Rio
Grande do Sul
Harald Schultz / Carl Zeiss
65. Vistas da Austrália National Cinema Service New York
66. Vistas da cidade maravilhosa Harald Schultz / Carl Zeiss
67. Yelloston Park Centro Photo
1940:
1. A luta contra o câncer Filmoteca Cultural S/A
2. A Revista do Mundo Embaixada dos Estados Unidos
3. Anatomia do esqueleto humano Filmoteca Cultural S/A
4. Aves aquáticas Alexandre Wulfes
288
5. Baipendi Renato Alves de Sá
6. Cêra dos Minguais Alexandre Wulfes
7. Como se filmam e sonorizam os filmes Embaixada dos Estados Unidos
8. Conservação dos recursos naturais Embaixada dos Estados Unidos
9. Coroação do Papa XII Embaixada dos Estados Unidos
10. Da força hidráulica à energia elétrica Renato Alves de Sá
11. Digestão dos Alimentos Embaixada dos Estados Unidos
12. Esquilo Cinzento Embaixada dos Estados Unidos
13. Estâncias Hidrominerais do Sul de Minas Oscar Motta Vianna da Silva
14. Fábrica de Pneumáticos do Brasil Oscar Motta Vianna da Silva
15. Fabricação de Lâmpadas no Brasil Oscar Motta Vianna
16. Fazenda de Café César El Yachar
17. Fazenda de Trigo Embaixada dos Estados Unidos
18. Ferro Fundido Centro de Edições Francesas
19. Filmagem na África Selvagem Embaixada dos Estados Unidos
20. Formação de Águas Minerais Oscar Motta Vianna da Silva
21. Grevista César El Yachar
22. Indústrias Brasileiras – Caroá INCE / foto: Oscar Motta Viana
23. Indústrias Brasileiras – Louça de Barro INCE/ foto: Oscar Motta Viana
24. Indústrias Brasileiras – O Papel INCE / foto: Oscar Motta Viana
179
25. Jacarés Alexandre Wulfes
26. Linhas de navegação aérea no Brasil Filmoteca Cultural S/A
27. Missel, a força moderna General Motors
28. Nas oficinas do Coelhinho da Páscoa S/P
29. No País das Fadas César El Yachar
30. O progresso dos transportes Embaixada dos Estados Unidos
31. O trabalho das flores Embaixada dos Estados Unidos
32. Parada dos Esportes Embaixada dos Estados Unidos
33. Santos Dumont Museu Nacional
34. Semana da Pátria em Niterói Gabinete do MES
35. Serviço de águas e esgotos na Bahia A. Lobatto Filho
36. Temas do México Embaixada dos Estados Unidos
1941:
1. A Hora 2. Cineduc
3. A natureza e técnica 4. César El Yachar
5. Anchieta 6. Alexandre Wulfes
7. Aspectos da Bahia 8. Genil Vasconcelos
9. Estudos científicos 10. César El Yachar
11. Floresta em Perigo 12. César El Yachar
13. Gasogênio Light 14. INCE
180
15. Gente Pobre (Índia) 16. César El Yachar
17. Histerectomia subtotal 18. César El Yachar
19. Indochina (Imagens Indochinenses) 20. Cineduc
21. Jardim Botânico 22. Dr. Eduardo MacClure
23. Luta entre insetos 24. César El Yachar
25. Luta no mar 26. César El Yachar
27. Luta pela Vida 28. César El Yachar
29. Manesmann (Indústria do aço) 30. César El Yachar
31. Músculos da mão 32. Filmoteca Cultural S/A
33. No Corpo da Guarda 34. Departamento de Educação de Niterói
35. No Reinado dos Cães 36. Alexandre Wulfes
179
Os três filmes da série Indústria Brasileira foram produzidos pelo INCE com fotografia de Oscar Motta Vianna Filho. No Catálogo realizado por
Souza (1990), consta somente Indústria dos Perfumes, de 1941, também com direção de fotografia de Oscar Vianna. As informações apontam que
estes três títulos deveriam constar na listagem do INCE ou o filme sobre Indústria dos Perfumes deveria constar como filme adquirido, havendo,
portanto, contradições.
180
O filme Gasogênio Light não foi listado no Catálogo realizado por Souza (1990), mas sua procedência no Livro de Tombo consta como sendo
produzido pelo INCE, a exemplo dos casos em que o Catálogo registra e outros não. O filme deveria constar como produzido internamente.
289
37. O violino 38. Cineduc
39. Serpentes do Brasil 40. Alexandre Wulfes
1942:
1. Ao pôr do sol Filmoteca Cultural S/A
2. Aspectos do Nordeste Alexandre Wulfes
3. Beleza dos Movimentos Genil Vasconcelos
4. Com estas armas Prod: Comitee of the American Social Higiene
Association
5. Combate à bomba incendiária Coordinator of Interamerican Affairs
6. Correio Aéreo do Brasil Filmoteca Cultural
7. Cristalografia e cristalomancia Coordinator of Interamerican Affairs
8. Hélice Jayme Pinheiro / Prod: Shell Film
9. Mecanização do MES DASP
10. Mistérios da vida Henrique de Abreu
11. Monlevade – Siderurgia Nacional Filmoteca Cultural S/A
12. O frio, muito frio Henrique de Abreu / Prod: UFA /Dir: Martin Rilki
13. Paracatu Gabinete do MES
14. Raios X Henrique de Abreu
15. Registro de Rádios Amadores DASP
16. Uma excursão através da ciência e da
engenharia
Coordinator of Interamerican Affairs
17. Via Triunfal – Charles Affaire Cineduc
1943:
1. A ervilha Colégio Porto Seguro
2. Agricultura no Camemuru
181
Colégio Porto Seguro
3. Alumínio Coordinator of Interamerican Affairs
4. Borracha para vitória Coordinator of Interamerican Affairs
182
5. Caixas, Patrono do Exército Aviação Filme
6. Cerâmica Campesina Colégio Porto Seguro / INCE
183
7. Circulação de sangue e hemorragia Dr. MacClure
8. Cobra d´água Colégio Porto Seguro
9. Destilação Filmoteca Schell Anglo Mexican
10. Do minério ao trilho Colégio Porto Seguro
11. Educar para enfrentar a vida Laboratório Odeon
12. Fauna microscópica de água doce Colégio Porto Seguro
13. Goiânia – Aspectos de Goiás Genil Vasconcellos
14. Guerra aérea anti-submarina Ministério da Aeronáutica
15. Lubrificação do motor a gasolina Filmoteca Schell Anglo Mexican
16. Mineração de carvão de pedra Colégio Porto Seguro
17. Motor a óleo Filmoteca Schell Anglo Mexican
18. No Bivaque Genil Vasconcellos
19. O banho do bebê Colégio Porto Seguro
20. O Linho Colégio Porto Seguro
21. O vidro Colégio Porto Seguro
22. Petróleo Filmoteca Schell Anglo Mexican
23. Plantas Errantes Genil Vasconcellos
24. Princípios da Lubrificação Filmoteca Schell Anglo Mexican
25. Stephen Foster J. Cunha Oliveira
26. Terra do fogo Colégio Porto Seguro
27. Transporte Fluvial de Madeira Colégio Porto Seguro
181
Ortografia incompreensível.
182
Redução feita pelo INCE. No site da Cinemateca Brasileira consta como produtora a Sono Filmes.
183
A exemplo dos filmes Cerâmica – Escola Técnica Nacional (1951); Cerâmica Artística no Brasil – Itaipava (1941); e Cerâmica de Marajó (1939),
listados como sendo produzidos pelo INCE, o filme Cerâmica Campesina pode também ter sido produzido ou sonorizado pelo INCE, e não
catalogado, sendo filmado no Colégio Porto Alegre (SP), porque a procedência apresentada no Livro de Tombo é idêntica às demais.
290
1944:
1. A Mais Bela do Mundo Suiss Films
2. A voz humana Filmoteca Schell Anglo Mexican
3. A.M.to.P.M
184
S/P
4. Aerotopografia Ministério da Marinha
5. Carvão no Rio Grande do Sul Aurora Filmes
6. Cenas e costumes do interior mineiro Aurora Filmes
7. Cine-Revista Schell nº 1, 2, 3 Filmoteca Schell Anglo Mexican
8. Como nós ouvimos Filmoteca Schell Anglo Mexican
9. Como podem as serpentes engolir animais
inteiros
FAN Filmes
10. Cristal de Rocha Aurora Filmes
11. Decreto Alexandre Wulfes
12. Diversidade dos músculos do pescoço FAN Filmes
13. Dois artistas Alexandre Wulfes
14. Escola Técnica de Aviação Aviação Filme
15. Evolução das mãos Alexandre Wulfes
16. Fabricando motores de aviação Fábrica Nacional de Motores
17. História do Esqueleto FAN Filmes
18. Magic Mumy S/P
19. Melros de Cantagalo
185
Brasil Vita Filme / INCE
20. Molas Filmoteca Schell Anglo Mexican
21. Monumentos históricos – Igreja de São Pedro S/P
22. Monumentos Históricos – Igreja N. S. de
Bom Jesus
S/P
186
23. Motor elétrico S/P
24. O desenvolvimento psicomotor da criança Filmoteca Cultural S/A
25. Origem e expressão das mãos Alexandre Wulfes
26. Ouro do Brasil para o Brasil Seção de Estoque do Departamento Federal de
Compras
27. Parque Proletário Jambo Filme
28. Prologue to Pagliari S/P
29. Proteção de Pomares Filmoteca Schell Anglo Mexican
30. Pulso Capilar S/P
31. Red Skin Blues S/P
32. Rondônia – Exposição de Roquette-Pinto Museu Nacional
33. Serra Dourada Aurora Filmes
34. Simetria Humana Alexandre Wulfes
35. Trouble S/P
36. Um Século de Jornalismo Aviação Filmes
1945:
1. A volta dos heróis da FEB Vitória Filme S/A
2. Alfabeto Mágico Filmoteca Schell Anglo Mexican
3. As duas Américas e o alumínio Coordinator of Interamerican Affairs
4. Bombers Coordinator of Interamerican Affairs
5. Coisas que os olhos não vêem Filmoteca Schell Anglo Mexican
6. Fabricação do vidro plano Aurora Filmes
7. Níquel Coordinator of Interamerican Affairs
8. Prefiro viver Coordinator of Interamerican Affairs
9. Sub-adutora Aurora Filmes
184
É exatamente dessa maneira que se encontra escrito.
185
No site da Cinemateca Brasileira consta que o filme é de Zequinha Mauro e não fora concluído. No Livro de Tombo a procedência registra como
sendo do INCE.
186
Souza (1990) considerou os quatro respectivos filmes como sendo produzidos pelo INCE com a seguinte identificação: Registro no livro de
Tombo. No entanto, todos os títulos não apresentam procedência. Portanto, seria melhor excluir os títulos sem procedência do catálogo ou incluir os
restantes para que as fontes coincidentes sejam adequadas.
291
1946:
1. Aspectos da ressaca da Baía de Guanabara Henrique de Abreu
2. Educandário Coronel Quito Junqueira Departamento Nacional da Criança
3. Escola de Educação Física do Exército a
Serviço do Povo
Vitória Filmes S/A
4. Festa em Mato Grosso Henrique Abreu
5. Garimpeiros e garimpos Henrique Abreu
6. Pirapora – cidade de São Francisco Henrique Abreu
7. Ruy Barbosa ABL
8. Trabalhos de abertura do túnel do Leme S/P
1947:
1. Campos e a indústria do açúcar J. Cunha Oliveira e Cia Ltda
2. Coque – Volta Redonda Renato Alves de Sá
3. Fabricação de ladrilhos e tijolos refratários J. Cunha Oliveira e Cia Ltda
4. Fabricação do aço Renato Alves de Sá
5. Febre Amarela Renato Alves de Sá
6. Igrejas da Bahia Renato Alves de Sá
7. Instituto Terapêutico Labofarma Instituto Terapêutico Reunidos Labofarma
8. Laminação do aço Renato Alves de Sá
1948:
1. Esquistossomose Antônio Maranhão e Cia Urano Filme
2. Fazenda Velha S/P
3. Ginástica Sueca – 1ª Olimpíada Seção de Estoque do Departamento Federal de
Compras
4. Reabilitação da criança inválida MES
1949:
1. Aconteceu na Bahia Produtora Cinematográfica GML
2. Caçador de Bromélias Victor de Lima Barreto
3. Frente a Frente com os Xavantes Produtora Cinematográfica GML
1950:
1. A arte indiana através dos tempos Embaixada da Índia
2. A vida num reboque Castle Film (Mesbla S/A)
3. Bola Doida Castle Film (Mesbla S/A)
4. Carnaval de Percevejo Castle Film (Mesbla S/A)
5. Choques emocionais Castle Film (Mesbla S/A)
6. Danúbio Azul Castle Film (Mesbla S/A)
7. Departamento Nacional da Criança S/P
8. Estrada de Carona Castle Film (Mesbla S/A)
9. Férias em bermudas Castle Film (Mesbla S/A)
10. Ímãs Castle Film (Mesbla S/A)
11. Maravilhas naturais dos Estados Unidos Castle Film (Mesbla S/A)
12. Nocantes
187
históricos Castle Film (Mesbla S/A)
13. O cavalo vaqueiro Castle Film (Mesbla S/A)
14. O estrangeiro que empresta Castle Film (Mesbla S/A)
15. O gato é mostro Castle Film (Mesbla S/A)
16. O grande rodeio do Canadá Castle Film (Mesbla S/A)
17. Peixe frito Castle Film (Mesbla S/A)
18. Poeira de estrelas Castle Film (Mesbla S/A)
187
Ortografia incompreensível.
292
19. Presunto não curado Castle Film (Mesbla S/A)
20. Reflexos condicionados (Pawlov) Prof. Carlos Foss da Faculdade de Medicina de São
Paulo
21. Restauração de uma fibrilação ventricular no
cão
S/P
22. Sol, mar e velas Castle Film (Mesbla S/A)
23. Terça-feira sem carne Castle Film (Mesbla S/A)
24. Travessias aquáticas Castle Film (Mesbla S/A)
25. Uma emoção por segundo Castle Film (Mesbla S/A)
1951:
1. Alquimia S/P
2. As sílfides Castle Film / Mesbla S/A
3. Cara de carvão Embaixada Britânica
4. Da laminação do aço à folha de flandres Oscar Motta Viana
5. Desfile dos Quatro Séculos
188
INCE / Robato Filho
6. Instituto Pasteur Embaixada da França
7. Jardim da França Embaixada da França (Prod: Célia Filmes)
8. Paris das Quatro Estações Embaixada da França
9. Ritmo Rádios Philips do Brasil S/A
1952:
1. A arte redescoberta Embaixada da França
2. A cidade de São João Del Rei Oscar Motta Viana
3. A cidade do aço – coqueria, alto forno e
aciária
Oscar Motta Viana
189
4. A luta entre o tigre e o leão Castle Films
5. Andy, o maestro Castle Films
6. Argentina – os cavalheiros do Pampa United Word Films Inc
7. Austrália United Word Films Inc
8. Ave-Maria Castle Films
9. Beleza de Movimentos Laboratório Marano Ltda
10. Cacau S/P
11. Canções do Andarilho International Theatrical Television
12. Canções românticas Castle Films
13. Cartas de Paris Embaixada da França
14. Concerto de viola Pictoreels Filmes
15. Contos de Hoffman Castle Films
16. Contos dos bosques de Viena Castle Films
17. Corredores de auto anões Castle Films
18. Cozinheira mecânica Castle Films
19. Defendendo os escravos Castle Films
20. Dentes Serviço Especial de Saúde Pública
21. Devaneios Musicais International Theatrical Television
22. Emoções sobre rodas Castle Films
23. Espetáculo Alegre Pictoreels Filmes
24. Este século tem 50 anos SEPSC e UGC
25. Fúria enjaulada Castle Films
26. Java United Word Films Inc
27. Justiça da fronteira Castle Films
28. Limpeza e Saúde Serviço Especial de Saúde Pública
29. Malaia United Word Films Inc
30. Maneco, o sabido Serviço Especial de Saúde Pública
31. Música cigana Pictoreels Filmes
188
O filme consta como sendo produzido pelo INCE, com assistência de Robato Filho, mas não foi listado no Catálogo de Souza (1990).
189
No site da Cinematca consta que o título foi produzido por José de Almeida Mauro.
293
32. Música, Maestro Holfberg Productions
33. Noite de farra Castle Films
34. O camundongo do futuro Castle Films
35. O canto da Lapônia United Word Films Inc
36. O livro através dos tempos Rádio Serviços Propaganda Ltda
37. O macaco marinheiro Castle Films
38. O que é quatro Dr. Fritz de Lauro
39. O ratinho perdido Castle Films
40. Oftalmologia Dr. Fritz de Lauro
41. Ovos de Páscoa Castle Films
42. Perfumes e Flores Embaixada da França
43. Precisa-se de uma esposa Castle Films
44. Raiva Serviço Especial de Saúde Pública
45. Reminiscências musicais International Theatrical Television
46. Ritmo Platino Pictoreels Filmes
47. Ritmos musicais Pictoreels Filmes
48. Rodin Embaixada da França
49. Sinfonia de Beethoven Castle Films
50. Socos e trambolhões Castle Films
51. Sondagem dos abismos Embaixada da França / Prod: Lux e Cia
Cinemarográfica
52. Tapeçarias Embaixada da França
53. Tournéc Musical International Theatrical Television
54. Um motorista em apuros Castle Films
55. Valsa do Imperador Castle Films
56. Variações Musicais Castle Films
57. Variedades (músicas) Pictoreels Filmes
58. Viagem do Presidente Vargas a Montevidéu S/P
59. Vingança campesina Castle Films
60. Visita ao Canadá Castle Films
61. Vivendo perigosamente Castle Films
1953:
1. Caminho para a Vida Unesco
2. Futebol Castle Films
3. Matéria Plástica – novos caminhos da ciência Prod: UFA
4. Ministro Simões Filho Bahia Leon Rosemberg
5. Mondesce Unesco
6. O dia do trabalhador em Volta Redonda Agência Nacional (Cinejornal informativo 18/53
7. Terra e população Unesco
8. Trabalho a fazer Unesco
9. Usos e costumes do interior mineiro Alberto Clementino Mesquita
1954
190
:
1. Aprenda a nadar Sr. Fritz de Lauro
2. Aspectos do Sertão Sr. Paul Stille
3. Câncer Orlando Baiochi
4. Fragrantes da vida mineira José de Almeida Mauro
5. Homenagem a Edisos Prefeitura do Distrito Federal / Botelho Neto
6. Nas margens do São Francisco Sr. Paul Stille
7. Navegando no Rio São Francisco Sr. Paul Stille
8. Operação da Broca em vertical
191
S/P
190
No Livro de Tombo são registrados sem procedência os títulos: Nem tudo é Aço, Expansão de Volta Redonda, Moléstia de Chagas e Volta
Redonda como é hoje. No entanto, Souza (1990) os listou como sendo produzidos pelo INCE.
191
A exemplo das demais situações, este titulo deveria constar no Catálogo de Souza, caso considerarmos que todos os registros sem procedência
foram produzidos internamente pelo INCE. O filme Pesquisas de endocrinologia, por exemplo, possui a mesma indicação e consta no Catálogo.
294
9. Patrulheiros da costa Sr. Fritz de Lauro
10. Volta Redonda – Cia Siderúrgica Nacional Alberto Cavalcanti
1955
192
:
1. A pesca da baleia Embaixada Britânica
2. Bulbo Ocular Prof. Nelson Moura Brasil do Amaral
3. Canal de Suez Embaixada Britânica
4. Los Urus – índios bolivianos Dr. Gabriel Ruiz
5. Minas de Sal Jan Kalgold (Polônia)
6. Nova Técnica para diagnóstico biológico da
gravidez
Orlando Baiochi
7. O fumo – indústria e produção José de Almeida Mauro
8. Teste de Frank Orlando Baiochi
9. Xareu INEP
1956:
1. Conquista do Pólo Norte Sovex Port Film (Moscou)
2. Despertar das estepes Sovex Port Film (Moscou)
3. Fabricação do champagne no Brasil José Mauro / INCE
4. Meu sangue salva uma vida – coleta e
transfusão
Sr. João Gatti Glasz
5. O Brasil nas Nações Unidas José Mauro / INCE
193
6. Sinfonia amazônica Latini Studio
1957
194
:
1. Notícias do Dia Jornal Americano
2. O prematuro M.C Rodrigues Publicidade
3. Sê a ama do teu filho M.C Rodrigues Publicidade
1958:
1. Brasília Lincoln Macedo Costa
2. Entre os bastidores de um jornal Correio da Manhã
3. Glotacineura S/P
195
4. Siderurgia de Sorocaba – SP S/P
5. Vadeir Juaci Alexandre Robatto Filho
1959
196
:
1. Arroz I e II Comissão Vale São Francisco
2. Coletânea Comissão Vale São Francisco
3. Formiga Leão - Montevidéu / Uruguai Comissão Vale São Francisco
4. Joazeiro Comissão Vale São Francisco
5. Nasce a vida Comissão Vale São Francisco
6. Ouriço Cacheiro Comissão Vale São Francisco
7. Pretolândia Comissão Vale São Francisco
8. Salvamento Comissão Vale São Francisco
1960:
192
O filme Museu Histórico também consta no Livro de Tombo sem procedência. Souza (1990) o listou como sendo produzido pelo INCE.
193
Os dois filmes indicados como José Mauro deveriam constar no Catalogo de Souza (1990), porque foram produzidos pelo INCE.
194
No Livro de Tombo consta o título Escola Caio Martins sem procedência. Souza (1990) o listou como sendo produzido pelo INCE.
195
A exemplo das demais situações, os dois títulos deveriam constar no Catálogo existente.
196
No Livro de Tombo consta o título Convento de Santo Antônio sem procedência. Souza (1990) o listou como sendo produzido pelo INCE
295
1. Jornada de Educação Física Divisão de Educação Física – Alfredo Colombo
2. Os sete povos Galeno Cezimba
3. Padre Cícero, o patriarca de Juazeiro FAN Filmes
4. Tromba d’ água
197
INCE / Zequinha Mauro
1961:
1. Através da Suécia Embaixada da Suécia
2. Autourde Patzcuano Unesco
3. Nascimento do Cinema MAM / SP
4. O livro para todos Unesco
5. Picturesque Sweden Embaixada da Suécia
6. Sutantenza, message de paix Unesco
7. The making of a movie MAM / SP
8. Vers L’ Avenir Unesco
1962:
1. A Carta ONU
2. Assembléia Geral da ONU ONU
3. Gagarin – primeira viagem às estrelas URSS
4. Jornal da União Soviética URSS
5. O sistema de tutelas e seu conselho ONU
6. Oficina da Paz ONU
7. Overture ONU
8. Titov – em direção às estrelas URSS
9. Universo National Film Board – Canadá
1963:
1. Caminhos do Mar ONU
2. Filmando a mocidade moderna: a criança e o
esporte
20th Century Fox
3. Nosotros ONU
4. O Conselho Econômico e Social ONU
1964:
1. A cidade do ouro National Film Board – Canadá
2. Arquetetura, reflexo da história National Film Board – Canadá
3. Caminhos antigos à serra Sr. Paul Stille
4. Combustível para Reator Argonauta
198
Instituto de Engenharia Nuclear
5. História de um menino esquimó National Film Board – Canadá
6. O mundo a seus pés National Film Board – Canadá
7. O Salão do Automóvel Brasileiro Prof. Sylvio do Valle Amaral
8. Os insetos: borboletas, besouros e
escaravelhos
National Film Board – Canadá
9. Recursos Econômicos – o café Sr. Paul Stille
1965:
1. A neve National Film Board
2. A Vida no Pântano National Film Board
3. Anfíbios Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
4. Animais vertebrados Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
197
O filme consta como produção do INCE, com direção de fotografia de Zequinha Mauro.
198
No site da cinemateca consta que o filme é Manuel Ribeiro.
296
Instructional Films
5. Ártico Selvagem National Film Board
6. Com as plantas se reproduzem Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
7. Decadência do Império Romano Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
8. Germinação das sementes Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
9. Leis de convervação da energia e da matéria Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
10. O Corpo Humano – aparelho digestivo Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
11. O Corpo Humano – aparelho reprodutor Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
12. O Corpo Humano – esqueleto Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
13. O Corpo Humano – sistema circulatório Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
14. O Corpo Humano – Sistema Nervoso Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
15. Teorema de Pitágoras Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
16. Vida microscópica Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
17. Vida na mata National Film Board
1966:
1. Calor, natureza e propagação
199
S/P
2. Caprichos de Natal National Film Board
3. Célula – unidade Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
4. Climas da América do Norte National Film Board
5. Climas no Mundo Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
6. Coração, pulmões e circulação Dir: Coronet Instructional Films
7. Disseminação das sementes Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
8. Em ritmo dos Sioux Walter Lentz
9. Estrelas e sistemas estrelados Dir: Coronet Instructional Films
10. Exposure S/P
11. Flores e colméias National Film Board
12. Grandes religiões: Budismo Board Canadá
13. Grandes religiões: Islamismo Board Canadá
14. História da Chuva Young América Films
15. Homens contra o gelo Board Canadá
16. O Corpo Humano Dir: Coronet Instructional Films
17. O Homem Pré-Histórico Departamento Audiovisual SP. Dir: Coronet
Instructional Films
18. O milagre da eletrônica Georges Jonas
19. Origens do tempo National Film Board
20. Rei Fabuloso S/P
21. Vida Aquática Dir: Coronet Instructional Films
199
A exemplo das situações anteriores os títulos Rei Fabuloso e Calor, natureza e propagação deveriam constam no Catálogo existente.
297
Anexo 3 – LISTAGEM DE FILMES ASSISTIDOS:
1. Aboios e Cantigas
Série Brasilianas. Cm, 35mm, son, pb, 1954, 260m. D: Humberto Mauro, df: José de Almeida Mauro; arm: Aldo
Taranto; sm: José Mauro. Intérpretes: Os cariocas.
2. Alberto Nepomuceno
Cm, 35 mm, son, pb, 1950, 350m. Ccp: Brasil Vita Filmes; d: Humberto Mauro; df: José de Almeida Mauro e
Manoel Ribeiro; dm: J.Otaviano; intérprete: Ana Maria Fiúza; instrumentista: Ana Edith Bulhões; col: Escola
Nacional de Música
3. Azulão e Pinhal
Série Brasilianas. Cm, 35 mm, son, pb, 1948, 190m. D: Humberto Mauro; df: Nelson Hatem; canção: Manoel
Bandeira – Jaime Ovalle (Azulão).
4. A Velha a Fiar
Cm, 35mm, son, pb, 1964. D: Humberto Mauro; df: José de Almeida Mauro; arm: Aldo Taranto; conj: Trio
Irakitã. Elenco: Matheus Colaço.
5. Bandeirantes
Mm, 35mm, son, pb, 1940, 1080m. D: Humberto Mauro; df: Manoel Ribeiro, Erich Walder, Iracy Chaves, Ruy
Guedes de Melo; música e regência: Francisco Braga; col: Museu Nacional; Museu Paulsita, Comissão Rondon;
cons: Affonso de Taunay, texto e nar: Edgar Roquette-Pinto; cenógrafo e maquetes: Francisco Andrade. Elenco:
J. Silveira (Fernão Dias), Álvaro Pires (Raposo Tavares), Fialho de Almeida, Judith de Andrade, José Wandechl
e Wilson Maciel.
6. Barão do Rio Branco
Cm, 35mm, son, pb, 1944, 840 m. D: Humberto Mauro; col: Ministério das Relações Exteriores.
7. Cantos de trabalho
Série Brasilianas. Cm, 35mm, son, pb, 1955, 270m. D: Humberto Mauro; df: José de Almeida Mauiro; ar: Aldo
Taranto; sm: José Mauro.
8. Carlos Gomes (O Guarani)
Cm, 35mm, son, pb, 1942. D e df: Humberto Mauro; mús: Carlos Gomes; dm: Santiago Fuerra; col: Centro de
ciência, Letras e Artes de Campinas. Elenco: Reginaldo Calmon, Francisco Bruno (Peri), Alexandre de Lucchi
(Cacique), Alma Cunha de Miranda (Ceci).
9. Castro Alves
Cm, 35 mm, son, pb, 1948, 540m. D: Humberto Mauro; df: Manoel Ribeiro e Luiz Mauro; col: Faculdade de
Direito de São Paulo – Academia Brasileira de Letras; cons: Pedro Calçmon; nar: Jorge Silva.
10. Chuá chuá e Casinha Pequenina
Série Brasilianas. Cm, 35 mm, son, pb, 1945, 200m. D: Humberto Mauro, df: Brasil Vita Filmes.
11. Céu do Brasil no Rio de Janeiro
Cm, 35mm, son, pb, 1937, 252m. D: Humberto Mauro; df: Manoel Ribeiro; cons: Manoel Pereira Reis; nar:
Edgar Roquette-Pinto.
12. Cidade do Rio de Janeiro
Cm, 35mm, son, pb, 1949, 896m. D: Humberto Mauro; df: Manoel Ribeiro – José de Almeida Mauro.
13. Copa Roca – 1º Jogo
Cm, 16mm, son, pb, 1939, 122m. D: Humberto Mauro; nar: Humberto Mauro.
14. Dia da Pátria de 1936
Cm, 35mm, son, pb, 1937, 156m. D: Humberto Mauro. Aspectos dos festejos do 7 de setembro de 1936.
15. Entrega das Instalações da Rádio PRA-2
298
Cm, 16mm, pb, son, 19m. D: Humberto Mauro.
16. Fossa Seca – Higiene Rural
Cm, 35mm, son, pb, 1954. D: Humberto Mauro; df: José de Almeida Mauro; col: Campanha Nacional de
Educação Rural; cons: Chicralla Haidar.
17. Henrique Oswald
Cm, 35mm, pb, son, 230m. D: Humberto Mauro.
18. João de Barro
Série Brasilianas. Cm, 35mm, son, pb, 1956. D: Humberto Mauro; ap: Matheus Colaço; df: José de Almeida
Mauro.
19. Lançamento da Pedra Fundamental do Edifício do MEC
Cm, 16mm,pb, son, 82m. D: Humberto Mauro.
20. Lagoa Santa
Cm, 35mm, son, pb, 1940. D: Humberto Mauro; ccp: Brasil Vita Filmes; col: Academia de Ciências de Minas
Gerais – Haroldo V. Walter do Museu Nacional.
21. Lição Prática de Taxidermia I
Cm, 16mm, sil, pb, 1936. D: Humberto Mauro. Cons: Paulo Roquette-Pinto; nar: Roquette-Pinto.
22. Manhã na roça – Carro de bois
Série Brasilianas. Cm, 35mm, son, pb, 1956. D: Umberto Mauro; df: Jo de Almeida Mauro; arm: Aldo
Taranto; sm: José Mauro; bas: Almirante.
23. Meus oito anos
Série Brasilianas. Cm, 35mm, son, pb, 1956. D: Humberto Mauro; df: José de Almeida Mauro; arm: Aldo
Taranto; sm: José Mauro, bas: Casimiro de Abreu.
24. Miocárdio em Cultura
Cm, 16mm, sil, pb, 1942. D: Humberto Mauro; col: Carlos Chagas Filho.
25. O Café
Mm, 35mm, son, pb, 1958, 925m. D: Humberto Mauro; df: José de Almeida Mauro; sm: Mário de Andrade; col:
Instituto Brasileiro do Café – Museu do Café; cons: Acy de Castro Domingues e Geraldo Tostes; dados
históricos da História do Café de Affonso de Taunay.
26. O Despertar da Redentora
Cm, 35mm, son, pb, 1942, 550m. D: Humberto Mauro; df: Manoel Ribeiro; mús. e reg.: Heckel Tavares; col:
Museu Imperial de Petrópolis e Arquivo Nacional; rot: Humberto Mauro; co-rot: Maria Eugênia Celso. Elenco:
Maria Eugênia Celso, Lídia Mattos (princesa Isabel), Inára Barcellos, Adalgisa Pazzaglia, Heloisa Azevedo,
Alcéa Krau, Grijó Sorbinho, Humberto Mauro.
27. Os Inconfidentes
Cm, 35mm, son, pb, 1936. D: Humberto Mauro; df: Manoel Ribeiro; nar: Sérgio Vasconcellos.
28. Os Lusíadas
Cm, 16mm, sil, pb, 1936. D: Humberto Mauro; cons: Paulo Roquette-Pinto; nar: Cristóvão Alencar.
29. O Preparo da Vacina contra a Raiva
Cm, 35mm, son, pb, 1936. Df: Humberto Mauro; cons: Agnello Alves Filho Américo Braga; nar: Edgar
Roquette-Pinto.
30. O Preparo da Vacina contra a febre amarela
Cm, 16mm, son, pb, 201m. D. Humberto Mauro.
31. O Puraquê
299
Cm, 35mm, son, pb, 1936. Df: Humberto Mauro; cons: Carlos Hagas Filho; col: W. Duque Estrada (Escola
Nacional de Veterinária) / P.S. Vasconcelos, O. Loureiro Maior e A. L. Machado da Faculdade Nacional de
Medicina. Col: Coleção de puraquês de Bernardo Maiman.
32. São João Del Rei
Cm, 35mm, son, pb, 1958. D: Humberto Mauro; df: Luiz Mauro; arm: Aldo Taranto; col: Diretoria do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Prefeitura de São João Del Rei (MG).
33. Telégrafo do Brasil
Cm, 16mm, sil, pb, 1936. d; Humberto Mauro; col: Clube dos Telegrafistas do Brasil.
34. Uma Alegria Selvagem
Cm, 35mm, pb, son, 380m. D. Jurandyr Noronha. Dp: Julio Heilbron.
35. Um Apólogo – Machado de Assis
Cm, 35mm, son, 1939, 440m. D: Humberto Mauro; df: Manoel Ribeiro; letreiros: Santa Rosa; música de J.
Otaviano; nar: Edgar Roquette-Pinto; figurinos: Beatriz Bojunga; cn: Hipólito Colomb; texto: Lúcia Miguel
Pereira. Baseado no conto de Machado de Assis.
36. Victória Régia
Cm, 35mm, son, pb, 1937. D: Humberto Mauro; nar: Edgar Roquette-Pinto.
300
Anexo 4 - FOTOS
FIGURA 22 Funcionários do INCE e da Rádio PRA-2. Ruy Guedes de Mello (filmoteca); Batista
(contínuo); João (contínuo), Adamastor (técnico administrativo); José Guedes (portaria); René Cave (Técnico da
Rádio PRA-2), Matheus Collaço (manutenção de equipamentos); Ladislau Collaço (Filmoteca e projeção);
Saverio Maturo (administação); Labre (técnico da rádio); Jorge, Nelson Vilaça, Iraci da Silva Chaves
(manutenção de equipamentos); Hilda Schmidt de Vasconcelos (bibliotecária); Carmen (secretária); Rubens
(técnico em educação); Beatriz Roquette-Pinto Bojunga (filmoteca); Isabel (secretária); Erich Walder
(laboratório e som); e na primeira fileira: Humberto Mauro, Roquette-Pinto e Pedro Gouvêa Filho. A foto deve
ter sido produzida em 1947, na data de aposentadoria do primeiro diretor. Fonte: CTAv/MINC.
FIGURA 23 Roquette-
Pinto e Humberto Mauro
no INCE [s/d]. Fonte: CTAv/MINC.
301
FIGURA 24 – Alunas do Colégio Pedro II, Externato Avenida Marechal Floriano, no auditório do INCE [s/d].
Fonte: NUDOM / Pedro II.
FIGURA 25 – Professores do Curso de Férias da ABE sobre Cinema Educativo
ministrado por Roquette-Pinto, 1940. Fonte: Arquivo Roquette-Pinto / ABL.
302
FIGURA 26 – Roquette-Pinto, no auditório do INCE. Ele explica à platéia (quadro escrito com giz) os
postulados indispensáveis ao filme educativo: 1- nítido; 2- claro; 3- lógico [s/d]. Fonte: Arquivo Roquette-Pinto /
ABL.
FIGURA 27 – Gustavo Capanema, Getúlio Vargas, Roquette-Pinto, Beatriz
Bojunga e Hilda Vasconcelos. Visita do Presidente da República à sede do INCE, 1944.
Fonte: CTAv / MINC.
303
FIGURA 28 – Walt Disney, em visita ao INCE. Ele vê álbum de fotografias ao lado
de Roquette-Pinto e da bibliotecária Hilda Vasconcellos, 1942. Fonte: CTAv / MINC.
FIGURA 29 – Filmagem na biblioteca da Casa de Rui Barbosa.
Humberto Mauro, Matheus Colaço, Beatriz Bojunga e Manoel Ribeiro, [s/d].
Fonte: CTAv / MINC.
304
FIGURA 30 – Filmoteca do INCE. Na mesa, a filmotecária, Beatriz Bojunga, [s/d].
Fonte: Arquivo Roquette-Pinto, ABL.
FIGURA 31 – Beatriz Bojunga consulta fichários de
registro das escolas na seção de distribuição. A documentação
não foi encontrada. [s/d]. Fonte: Arquivo Roquette-Pinto / ABL.
305
FIGURA 32 – Pedro Gouvêa Filho [s/d].
É possível que a foto tenha sido feita na ocasião de sua posse
como diretor do INCE, em 1947. Fonte: CTAv / MINC.
FIGURA 33 – Equipe do INCE na gestão Pedro Gouvêa. À direita, o cineasta francês
Henry Georges Clouseau e sua esposa, Vera [s/d]. Fonte: CTAv / MINC.
306
FIGURA 34 – Humberto Mauro e o educador Paschoal Leme.
Filmagens de Ruy Barbosa, Volta Grande (MG). Fonte: CTAv / MINC.
FIGURA 35 Jurandyr Noronha, [s/d]. Arquivo Pessoal.
307
FIGURA 36 – Quadro A Primeira Missa, de Victor Meirelles (1860).
Fonte: Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
FIGURA 37 – Cena de O Descobrimento do Brasil (1937), que reproduz o quadro.
Fonte: CTAv / MINC.
308
FIGURA 38 – Cena de Engenhos e Usinas (Série Brasilianas).
Fonte: CTAv / MINC.
FIGURA 39 – Humberto Mauro em cena de Engenhos e Usinas.
Fonte: CTAv / MINC.
309
FIGURA 40 - Cena de Manhã na roça – Carro de Bois (Série Brasilianas).
Fonte: CTAv / MINC.
FIGURA 41 – Cena de Meus Oito Anos. Fonte: CTAv / MINC.
310
FIGURA 42 – Cena de Um Apólogo – Machado de Assis. Fonte: CTAv / MINC.
FIGURA 43 Filmagens de O Despertar da Redentora (1942). Humberto Mauro, Lídia Mattos
(que interpretou a Princesa Isabel), Inára Barcellos e Bandeira Duarte. Fonte: CTAv / MINC.
311
FIGURA 44 – Cena de A Velha a Fiar. Matheus Collaço interpreta a velha. Fonte: CTAv / MINC.
FIGURA 45 – Projetor de filmes Powers Excelite by Nicholas Power Co Incorporated NY.
Museu do Colégio Pedro II. Fonte: Foto produzida em dezembro de 2007 pela pesquisadora.
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