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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Dirceu Antonio Scali Junior
A relação vida-obra, na criação, em Guimarães Rosa
a partir de um olhar merleaupontyano
DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
São Paulo
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Dirceu Antonio Scali Junior
A relação vida-obra, na criação, em Guimarães Rosa
a partir de um olhar merleaupontyano
Doutorado em Psicologia Clínica
Tese apresentada à Banca Examinadora como
exigência parcial para obtenção do título de Doutor
em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof.
Doutor Renato Mezan.
São Paulo
2008
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Banca Examinadora
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“Nada em rigor tem começo e coisa alguma tem fim, já que tudo se
passa em ponto numa bola; e o espaço é o avesso de um silêncio onde o
mundo dá mais voltas.”
Guimarães Rosa “A estória do homem no pinguelo.”
Resumo
A intenção desse trabalho é procurar entender a relação autor-obra a partir do
que se poderia chamar de gesto criativo originário.
Para tanto, procurou-se inicialmente resolver algumas questões acerca da
relação personagem e biografia e, posteriormente, foi realizada uma biografia do
escritor mineiro João Guimarães Rosa, tentando apreender a gênese do fenômeno da
criação.
Para estabelecer essa análise, foram essenciais alguns conceitos
desenvolvidos pelo filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, principalmente os que
de alguma maneira remetem ao estudo da obra de arte, bem como às questões
referentes à pesquisa desse autor sobre a linguagem.
Palavras-chave: João Guimarães Rosa; Merleau-Ponty; biografia; gesto
criativo.
Abstract
The intention of this work is to look for to understand the relation author-
workmanship from what if it could call originary creative gesture.
For in such a way, it was initially looked to decide some questions concerning the
relation personage and biography and, later, was carried through a biography of the mining
writer João Guimarães Rosa, having tried to apprehend genesis of the phenomenon of the
creation.
To establish this analysis, some concepts developed for the French philosopher had
been essential Maurice Merleau-Ponty, mainly the ones that in some way they send to the
study of the work of art, as well as the referring questions to the research of this author on
the language.
Word-key: João Guimarães Rosa; Merleau-Ponty; biography; creative gesture
Sumário
Introdução.................................................................................................................01
Capítulo I - Uma Dúvida Biográfica........................................................................04
Capítulo II - Algumas Histórias...............................................................................13
Capítulo III - “Esta obra por fazer exigia esta vida por viver”.................................82
Considerações Finais..............................................................................................100
Bibliografia.............................................................................................................102
Introdução
Este trabalho surgiu de um questionamento acerca dos processos de
criação na arte, especificamente da relação estabelecida entre autor e obra, obra
vista aqui não apenas como objeto já realizado, mas principalmente em sua
origem.
Diante da pergunta como um escritor cria, adveio a necessidade de
inicialmente se “observar” um criador. No nosso caso, por razões não menos
que de gosto pessoal, foi escolhido o escritor mineiro João Guimarães Rosa,
principalmente por ser considerado um dos mais criativos da língua portuguesa
tanto pela capacidade de fabulação quanto pela habilidade para manipular a
linguagem.
Pergunta inicial: Como “observar” este criador? Resposta imediata,
“olhando” para ele, procurando captar o momento do gesto criador inicial de
sua obra. Assim, surgiu a idéia de se fazer uma biografia, mas com a idéia veio
também a dúvida. Ao realizar uma biografia, não se estaria, ao mesmo tempo,
não apenas recriando a pessoa João Guimarães Rosa, mas também criando um
personagem?
1
O primeiro capítulo é uma tentativa de resposta a essa pergunta. Nele
dialogamos principalmente com os autores Antonio Candido e Pierre Bourdieu,
que nos aclarou o problema. Quem nos deu a melhor resposta, porém, foi
Merleau-Ponty, já que, ao lançarmos um olhar fenomenológico sobre Rosa,
desde diversas biografias, pudemos entrar em contato com um visível do autor
que se sobressaiu de dentro de toda invisibilidade, que contém em si tantas
possibilidades, não menos válidas que a nossa, de se “olhar” para o autor de
Grande Sertão: Veredas.
Respondida a questão inicial, e encontrada uma justificativa satisfatória,
apesar de não única, deu-se início à feitura da biografia. É o capítulo Algumas
histórias, uma espécie de olhar para o autor, que foi constituído a partir mesmo
dos outros olhares, seus biógrafos anteriores, como sua filha Vilma Guimarães
Rosa, seu tio Vicente Guimarães (o vovô Felício, da literatura infantil), dentre
vários outros.
Ao se realizar a biografia, descortinou-se diante de nós não apenas o
escritor ou a personagem Guimarães Rosa (como às vezes ele mesmo se via –
exemplos dele e de Borges no final do capítulo Uma dúvida biográfica), mas
um “campo’ complexo de possibilidades de “leitura” do fenômeno, que foi o
autor abordado por nós.
Nesse ponto, no capítulo “Esta obra por fazer exigia esta vida por
viver.” Merleau-Ponty acorreu novamente em nosso socorro, proporcionando
algumas chaves para se pensar como se daria a criação, desde o impulso inicial
como “gesto criativo pré-reflexivo” até a efetivação em obra.
2
Não foi nosso interesse estabelecer correlações diretas entre pontos
específicos da vida do autor e suas correspondências na obra, mesmo que as
haja em demasia, tais como a descrição da descoberta da miopia de Miguilim,
na novela de Corpo de baile, “Campo geral”, aliás uma das preferidas de Rosa,
e a mesma deficiência visual do autor, descoberta ao acaso em sua infância em
Cordisburgo. Como essa, poderíamos elencar uma infinidade de
correspondências, porém esse não será nosso foco. O que tentamos, sim, foi
“capturar”, se é que se pode usar essa expressão, talvez o melhor fosse
“entender”, o momento de criação, seu gesto original, bem como algumas de
suas decorrências.
3
Capítulo l
Uma dúvida biográfica
Falar do processo de criação em Guimarães Rosa pressupõe,
inicialmente, saber quem é esse sujeito que cria. Alguém produz uma obra,
caso queira saber como essa obra é produzida (não realizando uma leitura
formalista, é claro), tenho, de certa maneira, de saber sobre esse sujeito criador.
Para tanto, fundamental é fazer uma biografia do autor a ser estudado,
mas aí começam os problemas, pois fazer uma biografia, neste caso, não deixa
de ser criar o criador, ou seja, o biografado sai da categoria de pessoa e passa à
de personagem. E o biógrafo sai da categoria analista e torna-se criador. Assim,
fazer uma biografia é re-criar o eu-criador por meio da narração dos fatos
vividos pelo eu-pessoa. Vejamos o que isso quer dizer.
Antonio Candido (1987) nos mostra, em seu texto “Personagem no
romance”, quais são os pressupostos essenciais para a criação de personagens.
Uma questão inicial é saber o que diferencia personagem de pessoa. Por que,
ao ler um livro, fica-nos a sensação de realidade quanto à personagem, ou seja,
4
o que faz com que uma personagem imprima em nós a impressão de realidade,
de pessoa.
Há casos clássicos de confusões, tais como o general que no teatro atira
em Otelo dizendo que enquanto ele for vivo nenhum mouro vai maltratar uma
cristã. Esse general, ao atirar em Otelo, mata o ator e não a personagem, como
ele imaginava. Ou, por exemplo, o ator que é bem ou maltratado na rua porque
desempenha esse ou aquele papel.
Candido nos diz que o que atribui esse caráter de verdade à personagem
é a verossimilhança (conceito desenvolvido por Aristóteles em sua Poética).
Segundo esse crítico literário,
“(...)a verossimilhança (...) depende desta possibilidade de um
ser fictício, isto é, algo que, sendo uma criação da fantasia, comunicar a
impressão da mais lídima verdade existencial.” (Id. ibid., p. 55).
Para falar das afinidades e diferenças entre ser fictício e ontológico,
Candido aponta inicialmente para as noções de continuidade e descontinuidade,
a primeira referindo-se à personagem e a segunda à pessoa.
Ora, ao concebermos uma pessoa não conseguimos abarcar sua
existência a não ser de forma fragmentada. As pessoas se mostram a nós dessa
ou daquela maneira, neste ou naquele momento, dependendo desse ou daquele
lugar.
5
Já a personagem se nos apresenta de forma contínua ou em sua
totalidade. Por exemplo, quando terminamos a leitura de um romance, temos a
impressão de conhecer a personagem no seu todo, esta, nesse sentido, tem uma
certa rigidez em sua composição, mesmo que fique a dúvida se Capitu traiu ou
não Bentinho, tal dúvida faz parte da própria constituição da personagem, trair
ou não faz parte do todo que é Capitu.
Para Candido, a pessoa, por sua vez, só poderá ser conhecida em seu
todo após sua morte. (Aí então fazemos sua biografia, que é uma escrita que
tenta abarcar o todo da pessoa/personagem.):
“A morte é um limite definitivo de seus atos e pensamentos, e
depois dela é possível elaborar uma interpretação completa, provida de
mais lógica, mediante a qual a pessoa nos aparece numa unidade
satisfatória, embora o mais das vezes arbitrária”.(Id. ibid., p. 64)
O romance moderno tenta criar personagens o mais fragmentados
possíveis na intenção de se aproximar essa fragmentação do real, veja-se, por
exemplo, Ulisses de James Joyce, ou as personagens de Proust. Nesse caso, a
verossimilhança se dá na unificação do fragmentário pela organização do
contexto. Assim, temos a impressão de que o homo fictus carrega em si algo
que caracteriza o homo sapiens, daí tomarmos um pelo outro.
Candido vai citar Mauriac, que propõe formas de se classificar
personagens de acordo com sua aproximação/afastamento da realidade: por
exemplo, cópia fiel de pessoas reais (romances retratistas), disfarce leve do
6
romancista (romances memorialistas), personagens inventadas, personagens
copiadas de seres existentes etc. e a continuação vai mostrar outras maneiras
de se criar personagens mantendo sempre em vista essa aproximação ou
afastamento da realidade do autor. E, para concluir, diz que:
“Em todos esses casos, o que se dá é um trabalho criador, em
que a memória, a observação e a imaginação se combinam em graus
variáveis, sob a égide das concepções intelectuais e morais. O próprio
autor seria incapaz de determinar a proporção exata de cada elemento,
pois esse trabalho se passa em boa parte nas esferas do inconsciente e
aflora à consciência sob formas que podem iludir” (Id. ibid., p. 74,
grifos meus)
Esse trabalho que se dá na inconsciência constitui-se, de certa maneira,
em problema para o biógrafo, já que fica sempre a questão de o que pertence
ou o que é criação do biógrafo e o que realmente pertence ao biografado,
conquanto esse passa a ser personagem daquele.
Bourdieu, em seu texto “A ilusão biográfica” (1996), nos aponta para
uma concepção de certa maneira análoga a Candido ao se referir à biografia
como uma espécie de ilusão, já que realizar uma biografia é ordenar o
fragmentado dando a este uma ilusão de totalidade.
Fala-nos de um ser biológico (que se estrutura de acordo com sua
vivência física, por exemplo) e um social (que se desenvolve segundo sua
posição na sociedade), fazendo assim uma bipartição entre o fragmentário do
ser e o totalizante da criação biográfica.
7
“Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história,
isto é, como a narrativa coerente de uma seqüência significativa e
coordenada de eventos, talvez seja ceder a uma ilusão retórica, a uma
representação comum da existência que toda uma tradição literária não
deixou e não deixa de reforçar” (Bourdieu: 1996, p. 76).
Nesse sentido, a argumentação de Bourdieu se assemelha àquela de
Candido acerca da continuidade da personagem versus descontinuidade da
pessoa.
Essa ilusão retórica em seu entender é a tendência de se “identificar a
normalidade com a identidade entendida como constância de si mesmo de um
ser responsável (...) previsível, ou inteligível, como uma história bem
construída”, dispondo, dessa maneira, de todos os artifícios (ou instituições) de
“totalização e unificação do eu”.
Nesse sentido, ele cita como exemplo o nome próprio, que se mantém
como unificador, como algo de fixo dentro de um mundo fluido. O nome
remete sempre ao “mesmo objeto em qualquer universo...” constituindo, pois,
como uma “identidade social constante e duradoura que garante a identidade
do indivíduo biológico” nos campos em que atua como agente social.
Não é difícil notar as semelhanças entre Candido e Bourdieu, um
falando de um ser ontológico/ficcional e o outro de um ser biológico/social,
ambos chegando de certa maneira a conclusões próximas acerca do real e do
imaginário, na criação da personagem e de um ser biográfico. Pignatari (1996,
8
p. 14) também aponta para essa síntese ao dizer que a “Biografia é um romance
documental e documentado, o romance tem muito de biografia imaginária”.
Ora, ao realizar uma biografia de Guimarães Rosa necessariamente
estarei não apenas elencando fatos da vida desse autor como também re-
criando história e personagem, e ao fazê-lo, de certo modo, estarei trazendo o
ser descontínuo para dentro da continuidade (Candido) ou o fragmentado para
dentro do totalizante (Bourdieu).
Dessa maneira, como imaginar o processo criador de um autor que a
partir de minha criação se torna personagem? Ou seja, personagem cria?
Para tentar resolver essa equação pensemos na seqüência eu-pessoa/eu-
criador/criação/obra (leitor). O eu-pessoa engendra “um” eu-criador que
produz a obra. Esta, portanto, para existir, precisa necessariamente do eu-
criador que, por sua parte, não existe sem o eu-pessoa. Este por sua vez
prescinde da existência dos outros dois. Como disse, fazer uma biografia é
tentar criar ou re-criar o eu-criador por meio da narração dos fatos vividos pelo
eu-pessoa.
Nesse sentido, quem cria, o eu-pessoa ou o eu-criador? Acredito que
possamos pensar em dois momentos, aquele do eu-pessoa concebendo o eu-
criador e o do eu-criador concebendo a obra, sendo a própria criação (apontada
no esquema) o momento ou o processo de criação nessa obra.
Coloquei o leitor entre parênteses no esquema por este não participar da
criação, que vou denominar primária, que é aquela que envolve o ato primeiro
da criação da obra. A meu ver o leitor é uma espécie de criador secundário no
sentido de re-criar a obra no momento da leitura. Como bem diz Chaia (1996,
p. 81-2)
9
“O leitor processa (...) uma segunda reescrita da vida do
biografado, usurpando a experiência alheia (seja como enriquecimento
individual ou até como avanço de pesquisas sociais) e facilitando o
processo de compreensão do mundo(...)”.
Voltamos, pois, à questão da possibilidade de se estudar o processo de
criação a partir de uma construção biográfica de um autor que se torna
personagem no momento da feitura da biografia. Deixemos que o próprio
Guimarães e também Borges legitimem essa possibilidade ao mostrarem a
noção difusa que têm de si mesmos como eu-pessoa e como eu-criador:
“Às vezes, quase acredito que eu mesmo, João, seja um conto
contado por mim.” (Entrevista ao tradutor alemão, Gunter Lorenz)
“Vivi no infinito; o momento não conta. Vou lhe revelar um
segredo: creio já ter vivido uma vez. Nesta vida também fui brasileiro e
me chamava João Guimarães Rosa.”(Id. Ibid.)
Em seu livro, O fazedor (ed. Globo), Jorge Luis Borges nos diz:
“Borges e Eu”
“A outro, a Borges, é que as coisas acontecem. Eu caminho por
Buenos Aires e me detenho, talvez já mecanicamente, para olhar o arco
10
de um saguão e uma porta envidraçada; de Borges tenho notícias pelo
correio e vejo seu nome numa lista de professores ou num dicionário
biográfico. Eu gosto dos relógios de areia, dos mapas, da tipografia do
século XVII, das etimologias, do sabor do café e da prosa Stevenson; o
outro compartilha essas preferências, mas de um modo vaidoso que as
converte em atributos de um ator.
Seria exagerado afirmar que nossa relação é hostil; eu vivo, eu
me deixo viver, para que Borges possa tramar sua literatura, e essa
literatura me justifica. Pouco a pouco vou lhe cedendo tudo, ainda que
eu conheça seu perverso costume de falsear e magnificar. Anos atrás,
tentei me livrar dele, e passei das mitologias do subúrbio para os jogos
com o tempo e com o infinito, mas agora esses jogos são de Borges e
terei de imaginar outras coisas. Assim, minha vida é uma fuga e tudo
perco e tudo é do esquecimento ou do outro.
Não sei qual dos dois escreve esta página.”
Como se percebe, há uma certa dificuldade em se escrever e analisar
uma biografia. Porém, Merleau-Ponty nos auxilia, ou mesmo justifica, na
medida em que aponta para a impossibilidade de se conhecer a realidade por
completo, pois o que nos é permitido ver é apenas parte dessa realidade, ou seja
quando algo é visível para mim é porque está assentado sobre um fundo de
invisibilidade, que constitui e sustenta aquele visível.
Ao criar uma biografia, parto de alguma maneira de algo visível,
documentos, livros etc., que mantém um lado do biografado à minha frente, de
11
um determinado ponto de vista e como este lado não é único, ele acaba por
justificar os outros, que eventualmente não aparecem.
As citações de Rosa e Borges nos mostram que mesmo esses autores
falando de si são invadidos pela sensação de estarem criando um personagem,
ou melhor, sentem como se o eu-criador fosse outro diferente do eu-pessoa,
porém ao invés de se excluírem, um acaba por justificar a existência do outro.
12
Capítulo II
Algumas Histórias
Uma vida no meio do redemoinho
No dia 27 de junho de 1908, o Brasil viu nascer um de seus mais
importantes escritores. Aproximando-nos mais, vemos Minas Gerais recebendo
um seu ilustre filho. E, chegando-se “demais de perto”, Cordisburgo dando à
luz alguém que a iluminaria e a poria em relevo no mapa do país, falamos de
João Guimarães Rosa.
Em uma de suas últimas páginas, o discurso de posse à Academia
Brasileira de Letras, assim Guimarães se expressava ao falar de sua cidade
natal:
“Cordisburgo era pequenina terra sertaneja, trás montanhas, no
meio de Minas Gerais. Só quase lugar, mas tão de repente bonito: lá se
desencerra a Gruta do Maquiné, milmaravilha, a das fadas; e o próprio
campo, com vaqueiros cochos de sal ao gado bravo, entre gentis morros
ou sob o demais de estrelas, falava-se antes: ‘os pastos da Vista
Alegre.” (Rosa, J. G., 1968, p. 57)
13
Cordisburgo, ‘lugar do coração’, nesta pequena cidade mineira
Guimarães Rosa passou seus primeiros anos, entre brincadeiras com sabugos
de milho, transformados em carros de boi, criação de animais de estimação,
coisa que o menino Joãozito muito apreciava, bem como as invenções de
estórias,
“Desde menino, muito pequeno, eu brincava de imaginar
intermináveis estórias, verdadeiros romances; quando comecei a estudar
Geografia – matéria de que sempre gostei – colocava as personagens e
cenas nas mais variadas cidades e países; um faroleiro, na Grécia, que
namorava uma moça no Japão, fugiam para a Noruega, depois iam
passear no México ... coisas desse jeito, quase surrealistas. (Guimarães,
V., 2006, p. 39).
O gosto pelos livros, como também pelos idiomas, começou bem cedo.
Iniciou a alfabetização com as aulas de mestre Candinho e os primeiros
idiomas, o francês e o holandês, lhes são ensinados por frei Canísio
Zoetmulder, frade franciscano holandês. Conta-se que por volta dos seis anos
lê seu primeiro livro em francês, Les femmes qui aiment. Diz-se que com esse
frade discutia estratagemas da Primeira Grande guerra, sempre contando com a
vitória dos aliados, abriam mapas da Europa e marcavam as posições das
tropas e eis que num certo dia Joãozito sugeriu determinada estratégia que, se
14
posta em prática, daria a vitória aos aliados, o que realmente mais tarde se
efetivou, para o espanto do amigo frade.
Era uma criança aficionada à leitura. Não era raro vê-lo com um livro
aberto sobre as pernas (dobradas à Buda, e batucando sobre o livro, com uns
pauzinhos, ao ritmo da leitura), o que por vezes irritava seu Florduardo Pinto
Rosa (seu Fulô), pai do menino:
“Seu pai, de bom coração, mas rude, não compreendia um
menino, no seu entender já marmanjo, que só vivesse de livro nas mãos,
vagabundo assim sendo, sem procurar o de-que-fazer. Muitas vezes,
Joãozito foi punido pelo pai para deixar o livro e caçar serviço.
(Guimarães, V., 2006, p.39)
Daí a declaração um tanto amarga, mais tarde, sobre esse período da
infância:
“Não gosto de falar da infância. É um tempo de coisas boas, mas
sempre com pessoas grandes incomodando a gente, intervindo,
estragando os prazeres. Recordando o tempo de criança, vejo por lá um
excesso de adultos, todos eles, mesmo os mais queridos, ao modo de
soldados e policiais do invasor, em pátria ocupada. Fui rancoroso e
revolucionário permanente, então. Já era míope e nem mesmo eu,
ninguém sabia disso. Gostava de brincar sozinho e de brincar de
15
Geografia. Mas, tempo bom de verdade, só começou com a conquista
de algum isolamento, com a segurança de poder fechar-se num quarto e
trancar a porta. Deitar no chão e imaginar histórias, poemas, romances,
botando todo mundo conhecido como personagem, misturando as
melhores coisas vistas e ouvidas. (Perez, R. 1991, p. 37)
Ao reviver essa época da infância, não deixa de prometer que algum dia
ainda iria escrever um “Pequeno tratado de brinquedos para meninos quietos”.
Já que, como diz seu tio Vicente, “Por seu maior gosto era sozinho que
brincava, sem incomodar ninguém. Com outras crianças, muito pouco, quase
nunca.”
O menino Joãozito cresce nutrido pela comida, tão elogiada “toda a
vida”, de dona Chiquitinha (Francisca Guimarães Rosa), sua mãe, e pelas
histórias lidas ou ouvidas na venda de seu pai, contadas ou por seu Fulô, causos
de caçadas e ciganos, ou pelos fregueses, em sua maioria composta por
vaqueiros, garimpeiros, fazendeiros, caçadores, mascates etc. Mais tarde, em
Hamburgo, Guimarães escreve ao amigo Geraldo França de Lima, acerca da
comida mineira “Tutu, couvinha, lombinho, pimenta malagueta, dois
limõezinhos. Se o Hitler provasse veria que há coisa melhor do que ‘Die Wacht
am Rhein.’”
A paixão pelos livros e pela leitura trouxera-lhe, por vezes, alguns
problemas:
16
“Menino diferente foi: sossegado, caladão, calmo, observador,
singelo. Lia muito, estudava ...Brincar, raramente, depois que descobriu
a leitura separá-lo de um livro era difícil, até para as refeições. Nem
nunca precisava lhe mandassem estudar. Contrariamente: ralhavam-lhe
para deixar o livro.” (Guimarães, V. 2006, p. 27.)
Ainda acerca de sua fixação pela leitura, conta-se que certo dia Joãozito
desaparecera por completo, mobilizou-se familiares e amigos a procurarem por
ele, percorreram todos os lugares possíveis e já após boa parte do dia de
buscas, quando o desespero de todos estava no maior limite, um funcionário
(Juca Bananeira, futuro personagem de Sagarana) da venda de seu Fulô teve
de buscar um saco de arroz no depósito de mercadorias, no fundo do quintal, e
percebeu que este estava trancado por dentro, ao ser avisado, o proprietário foi
até lá, arrombou a porta e
“Num canto, no fundo do quarto, recostado em saco de arroz,
tranqüilo, semblante suave, dormia Joãozito. À sua frente, aberto, no
chão, um livro. Do lado deste, dois pauzinhos – varetinhas curtas – e
uma vela de sebo desmanchada por derretimento em uso, com pavio
apagado.” (Id. Ibid., p. 28)
Ao ler, o menino curvava-se todo para a frente, quase encostando os
olhos na página. Por acaso, em visita do amigo da família Dr. José Lourenço
17
(dr. Juca), foi que se descobriu a miopia do garoto, o que levou a família a
proibi-lo de tanto ler; não adiantando muito já que esse sempre se escondia e
“lia atrás da porta e de manhã eu achava livros debaixo do travesseiro. Quando
era rapaz, lia até altas horas com os pés na bacia de água gelada, que era para
não dormir” conta o tio Vicente Guimarães (futuro autor de Vovô Felício), dois
anos mais velho que Joãozito.
Por volta dos nove anos, Joãozito foi morar com o avô paterno e
padrinho Luís Guimarães, em Belo Horizonte, onde termina o curso primário e
posteriormente vai para São João Del-Rei estudar no internato do colégio Santo
Antônio, local em que não ficou muito tempo, pois que emagrecia a olhos
vistos por não suportar a comida do lugar, e volta à capital mineira sendo
matriculado no colégio Arnaldo onde também estudaram Carlos Drummond de
Andrade e Gustavo Capanema.
Desse período, até aproximadamente os dezesseis anos, ele continua
seus estudos de línguas e lê os clássicos, quando pode, no original. Consegue
licença para freqüentar a biblioteca local, para onde sempre ia e com “a mesada
de dois mil réis, comprava aos domingos empadinhas e garrafas de soda
limonada e se refugiava na Biblioteca Pública, para devorar livros”, como nos
relata seu tio, Vicente Guimarães.
É dessa época a história de que num belo dia de domingo, um senhor,
que freqüentava a biblioteca, se incomodou com aquele garoto que, ao fazer
seu lanche ali, poderia sujar os livros, ao que a funcionária sugeriu que ele se
aproximasse e disfarçadamente olhasse o que o garoto lia. Assim o fez, e para
18
seu espanto o menino lia um clássico em francês, manuseando as páginas com
o devido cuidado.
Em 1925, matricula-se na Faculdade de Medicina da Universidade de
Minas Gerais, onde a vinte e um de dezembro de 1929 forma-se médico tendo
sido o orador da turma. Neste curso, no Hospital da Santa Casa de Belo
Horizonte, Rosa estabelece amizade com o doutor Juscelino Kubitschek de
Oliveira, futuro presidente do país.
Nessa época, escreveu alguns contos para participar de um concurso
promovido pela revista carioca “O Cruzeiro”. Das quatro vezes em que
concorreu, foi premiado com o primeiro lugar, ganhando cem mil réis para
cada conto premiado. Acerca dessas primeiras incursões pela escrita ficcional,
Rosa diz que “nessa época escrevia friamente, sem paixão, preso a moldes
alheios. Na verdade, o importante eram os cem mil réis do prêmio...”. Esses
contos eram “O mistério de Highmore Hall”, “Makiné”, “Cronos kai Anagke
(Tempo e destino) – a mais extraordinária história de xadrez já explicada aos
adeptos e não-adeptos do tabuleiro” e “Caçadores de camurças”, contos que em
nada lembram o Guimarães Rosa que se tornou conhecido por sua linguagem e
estilo inusitados.
Em 1929, toma posse no cargo de agente itinerante da Diretoria do
Serviço de Estatística Geral do Estado de Minas Gerais, da Secretaria da
Cultura. No ano seguinte, casa-se com Lygia Cabral Penna no dia de seu
aniversário (27 de junho), ela:
19
“Era aluna da Escola Normal em Belo Horizonte. Papai sempre
passava em frente à escola na hora da saída e dizia: Oi, Lili – Lili era o
apelido dela – que coincidência! Era todo dia a mesma coisa. As
colegas da minha mãe já sabiam e diziam para ela: Lili, a coincidência
está te esperando lá na porta.” (Costa, 2006, p. 13)
Nessa época, por sugestão do chefe do departamento, dr. Teixeira de
Freitas, vai estudar o esperanto, que aprende em apenas vinte e sete dias. Anos
mais tarde, quando uma prima pergunta se é fácil assim o idioma, ele responde:
“Você, minha linda priminha, sabendo um pouco de alemão,
francês, russo, espanhol, italiano, grego e latim, e a gramática de
algumas outras línguas, o esperanto se torna facílimo.” (Guimarães, V.
2006, p. 54)
E também, respondendo um questionário, parte de um trabalho escolar,
de uma prima do Curvelo, acerca dos idiomas os quais falava, deu-lhe como
resposta:
“Falo: português, alemão, francês, espanhol, italiano, esperanto,
um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com
dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a
20
gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês,
do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do
dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. MAS TUDO
MAL. Eu acho que estudar o espírito e o mecanismo das outras línguas
ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional.
Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e
distração.” (Id. Ibid. p. 54-5)
Depois de formado, Rosa muda-se para a cidade mineira de Itaguara
(em 1931), onde vai exercer seu ofício nessa região tão carente de médicos, e
conseqüentemente onde não teria concorrência. Ali passa a cobrar as consultas
calculando-se as distâncias percorridas a cavalo, mesmo porque ao fim da
viagem além de atender ao enfermo dava também uma consulta geral para a
família toda. Muitas vezes o pagamento era efetuado com galinhas, porcos,
bolos, ovos etc.
Durante essas viagens o jovem médico começa a fazer anotações
diversas sobre histórias, personagens, formas do falar regional, causos etc. o
que o leva a escrever alguns contos que mais tarde serão reunidos no volume
Sezão (Contos, que ficou em segundo lugar no concurso Humberto de Campos
de 1937 e se transformou, com modificações, no seu primeiro livro, intitulado
Sagarana). Acerca de tais viagens conta a filha Vilma (apud: Costa, 2006,p.
14):
21
“Papai galopava, às vezes, a noite inteira, para atender os
clientes. Seu grande desespero, contudo, era a impossibilidade de salvar
alguns doentes. Ficava deprimido e profundamente angustiado.”
E também, em uma entrevista, responde a filha em relação à profissão
do pai que:
“Duas coisas o impressionavam, emocionando-o
tremendamente: o parto e a incapacidade de salvar as vítimas da lepra.
Tão opostas em qualidade, porém cheias de significado para ele.
Costumava ficar horas estudando. Queria aprender rapidamente a
estancar o fluxo do sofrimento humano. Mas logo constatou que aquilo
seria difícil, quase impossível. A falta de recursos médicos e o
transbordamento de sua emotividade o impediram de prosseguir.”
(Rosa, V.G., 1999, p. 131-2)
Para o médico, era dificílimo perder um paciente; certa vez, que tal
aconteceu, enquanto o padre já estava encomendando a alma do morto,
Guimarães continuava desesperadamente ainda a aplicar-lhe injeções, voltou
arrasado para casa e não quis sair à rua no dia seguinte temendo ser linchado,
mas para seu espanto, deu-se exatamente o contrário, os parentes do morto
agradeceram-lhe, reconhecendo que fizera de tudo para salvar o parente.
22
Em 1932, durante a revolução Constitucionalista, atua como médico
voluntário da Força Pública, servindo no Setor do Túnel, onde reencontra o
antigo colega Juscelino Kubitschek. Já em 1933, presta concurso, em
Barbacena, para oficial-médico do 9
o
. Batalhão de Infantaria, e ingressa na
Força Pública, mudando-se para essa cidade.
As filhas Vilma (que ao nascer o pai proferiu ‘Vi uma rosa’, daí o
nome) e Agnes (carinhosamente apelidada de Agnucha, pelo pai) nascem nessa
época, a primeira em 1931, em Itaguara e a segunda em 1934, em Barbacena.
Nessa cidade retoma os estudos de idiomas e dedica-se à escrita de
contos, bem como “Pratica francês com amigos e parceiros de xadrez do Clube
Comercial da cidade; treina alemão, estuda russo e japonês com moradores de
Barbacena provenientes de tais países.” (Costa, 2006, p. 14)
Foi também nessa cidade que um amigo, o futuro escritor e membro da
ABL, Geraldo França de Lima, ao perceber o interesse de Rosa por idiomas
deu-lhe a sugestão de tentar concurso para o Itamaraty, o que Guimarães fez
em 1934, sendo aprovado em segundo lugar. Vale a pena citar, dada a forma
como faz revelar muito da personalidade do escritor, apesar de longo trecho, os
acontecimentos contados pelo tio Vicente Guimarães (2006), que o
acompanhou nesses momentos.
“Modesto sem propalar intenção, discreto sempre, inscreveu-se.
Na época, veio ao Rio de Janeiro, sozinho, alguns dias antes das provas.
Ninguém, nem eu, soube da sua chegada. Não foi meu hóspede.
Quando reclamei, desculpou-se que precisava estudar e meus filhos
23
poderiam distraí-lo ou perturbá-lo, escasseando o silêncio de que tanto
precisava, barulhando as suas horas de estudo.
Só conhecimento tive de sua presença devido o fato
extraordinário, inusitado. Hospedou-se ele no Hotel fluminense,
freqüentado por políticos mineiros. Não foi porém essa a causa de sua
escolha. Conhecia de nome o hotel e, por informações, sabia-o regular.
Ademais, razões principais, ficava perto da estação e próximo do
Itamaraty, numa esticadinha a pé.
Chegara de noturno, pela manhã. No hotel se instalou e de lá
não saiu mais. Perder tempo de estudo não podia. Abriu livros e não fez
outra coisa senão estudar... estudar.
No dia seguinte, às oito horas, recebi telefonema seu.Chamava-
me com urgência, informando onde estava hospedado e que passara
vinte horas estudando seguidamente. Queria descansar, agora, e o
cérebro não obedecia, insistindo constante em recordar o estudo.
Precisava de mim para distraí-lo. Receava ficar doido.
Eu morava no Andaraí. O bonde que passava por minha casa ia
justo atravessar a Praça da República. Não me demorei.
Ao chegar no quarto do hotel, bati na porta, escutei:
“Entre.”
Encontrei meu sobrinho nu, deitado, coberto por um lençol,
comendo ostras e na mão tendo um livro policial.
24
Admirei-me: “Então você me chama porque está cansado de
estudar e eu o encontro lendo romance policial!”
Explicou: “Só assim, consegui desviar meu pensamento. O
romance policial me distraiu. Recurso lembrado só depois de meu
telefonema a você.”
Outrossim, atendeu Joãozito à minha curiosidade quanto às
ostras. Comia-as porque alimentam sem replenar o estômago.
Mandei-o vestir-se e saímos. De bonde até a então existente
Galeria Cruzeiro, e ali baldeação para um Leblon.
No final da linha descemos. Descalçamo-nos e na praia
começamos a correr pela areia úmida. [...] Uma hora depois
regressamos. Joãozito já estava calmo e eu cansado.
Assim-só-assim, fiquei sabendo do concurso e, no dia exato, lá
estava como assistente.
Queixara-se Joãozito de não ter tido tempo de repassar
melhormente os pontos de História Geral e História da Diplomacia
Brasileira. Da primeira sabia bem, com certeza de distinção, o ponto
“Raças”. Da segunda, “Tratados de Paz” era o que mais estudara. Se
esses caíssem para ele, estria salvo. Pediu-me pensasse favoravelmente
nesses pontos na hora do sorteio. As forças de nossos pensamentos,
somadas, o ajudariam. Muito acreditava nisso, com fé. Admirava o
esoterismo.
25
Seu exame é digno de narração. Uma mesa comprida. De um
lado, sentados, os examinadores; do outro, uma cadeira volante para o
examinando. Na parte final da sala, cadeiras para os assistentes. Os
exames começavam na ponta esquerda, em relação ao examinando.
A hora e vez de Joãozito chegou. Primeira matéria: Francês.
Primeira pergunta: “Que o senhor conhece da Literatura Clássica
Francesa?”. Resposta: “Toda”.
O examinador admirado de audácia tamanha, sorriu e quis saber:
“Desde quando o senhor lê Francês?”.
“Os clássicos, comecei a ler aos nove anos.” Foi a informação.
Perguntou-lhe, então, o examinador sobre determinado autor,
pedindo-lhe citar seu principal livro e o que este continha de mais
importante e famoso.
O examinando, sem titubear, foi completo na resposta. Excedeu.
Reproduziu de cor a página mais bonita do livro, aquela, que o
celebrizara. Duas pequenas perguntas otimamente respondidas, e o
aluno passou à matéria seguinte: História Geral. O ponto sorteado:
Raças! (Joãozito, discretamente, voltou-se para trás e encontrou o meu
olhar. Sorrimos.) O examinador indagou se ele queria expor ou ser
argüido. Foi a primeira forma a preferida. Joãozito falou... falou...sem
nenhuma interrupção. No final da belíssima explanação, não contou
com a aprovação do examinador. Disse este não aceitar a tese
apresentada e tão brilhantemente defendida. Então, sem a calma perder,
o examinando alegou que, certamente, ele seguia a teoria dos
26
professores fulano e beltrano, que adotavam tese outra. E expôs toda a
versão contrária, não deixando porém de justificar o motivo de sua
preferência, de acordo com os mestres tais e tais (nomeados na hora e
por mim não lembrados). O examinador, encantado com os
conhecimentos completos do candidato, sentenciou: “Precisamos
discutir esse assunto mais demoradamente”.
Joãozito desculpou-se: “Mas aqui, neste momento, minha
situação não me permite tal discussão: eu sou examinando e o senhor,
examinador”.
O homem sorriu e acalmou-o: “Não. Aqui não. Por agora já
estou satisfeito. Nossa discussão será em minha casa, onde o senhor,
amanhã irá tomar um cafezinho comigo”.
Aliviado do susto, passou ao seguinte, o de Português,
presidente da banca. Depois de este perguntar ao examinando se ele era
mineiro e ver confirmada essa condição de conterrâneo seu, foi logo
dizendo: “Não gostei de sua prova escrita. Só permiti que o senhor
entrasse em oral porque não cometeu nenhum erro de Português, e
porque desejava conhecê-lo e saber das razões que o levaram a fazer
restrições a Rui”.
Rui fora o tema da prova. A restrição foi apenas quanto a rui
literato.
Na oral Joãozito justificou o seu ponto de vista, procurando
agradar o intransigente ruísta, com merecidos elogios ao grande
brasileiro, quanto aos outros setores de suas atividades. Terminou
27
informando que também era ruísta e lastimava não tivesse o ilustre
baiano dedicado maior atenção à parte literária.
Com o examinador seguinte, seu ponto sorteado foi “Tratados
de Paz!”. Nova disfarçada olhadela para mim. Teria ajudado a força do
pensamento?!
Exposição exuberante do examinando. Citou todos os tratados
de paz do mundo, com minúcias de detalhes. Quando deu por terminada
a explanação, o examinador comentou: “Muito bem, o senhor foi
brilhantíssimo, mas se esqueceu de um tratado de paz, justamente um
em que o Brasil foi parte importantíssima”.
Joãozito agradeceu a advertência e pediu: “É verdade, o senhor
pode dar-me uns minutos para pensar?”
Alcançando o consentimento, colocou a mão direita sobre os
olhos fechados, abaixou um pouco a cabeça e, nessa pposição, pôs-se a
meditar.
Marquei no relógio. O ponteiro de minutos já começava a dar a
segunda volta, quando o examinando abriu os olhos e disse: “Já sei. Foi
em Buenos Aires”. E detalhou toda a solenidade da assinatura do
tratado de paz, salientando a participação do Brasil.
Terminada essa mais uma prova, arrastou a cadeira para adiante.
Interessante, que se deve anotar, é quanto ao entusiasmo dos
examinadores. Chegaram a levantar-se de seus lugares e a aproximar-se
do examinando, perdendo nenhuma de suas respostas e exposições.
28
Última prova: Direito Internacional. A coisa primeira que o
examinador perguntou foi se Joãozito era médico. Obtendo a
confirmação, admirou-se: “Que notável! O senhor, sendo médico, fez as
melhores provas de direito, entre tantos bacharéis!.”
E, com voz estridente, falando alto, entusiasmado, iniciou as
perguntas. Após assim feita a primeira, Joãozito solicitou:
- O senhor dá licença de fazer-lhe um pedido?.
- Pois não. De que se trata?
- Não fique o senhor zangado, mas o timbre de sua voz me está
perturbando. Quase não dormi. Estudei até tarde e me levantei de
madrugada para rever os pontos. Se o senhor pudesse falar um pouco
mais baixo, eu agradeceria.
Atendido foi com prazer.
“Ao terminar a última prova, a platéia iniciou palmas,
imediatamente interrompida por psius, para não prejudicar o candidato
com a invalidação do exame.” (Guimarães, V., 2006, p. 96-9)
Nesse que foi um dos momentos mais importantes da vida de Rosa, pois
como ele mesmo disse, posteriormente, havia encontrado a profissão que
melhor lhe condizia, podemos perceber muito do homem, como sua profunda
crença nas “forças ocultas”; vemos também sua aplicação e mesmo uma certa
29
obsessividade em relação aos estudos, sua forma de lidar ‘diplomaticamente’,
por vezes até mesmo com certa altivez, em situações difíceis.
Rosa é nomeado cônsul de terceira classe e se muda para o Rio de
Janeiro em 1934, trabalhando na Secretaria do Ministério das Relações
Exteriores, por aproximadamente quatro anos.
Acerca de sua nova profissão assim escreve ao amigo Pedro Barbosa:
“Penso que encontrei ainda a tempo a minha verdadeira vocação. Pretendo
seguir o curso de direito, especializar-me em direito internacional e em línguas
eslavas, escrever alguns livros de literatura e ver o mundo lá fora”. (Costa,
2006, p. 15)
Apesar do importante cargo, o salário não era suficiente para o sustento
dele, da esposa e mais das duas filhas. Foi então que viu num jornal um
concurso de poesias na Academia Brasileira de Letras e procurou socorrer-se
com o tio Vicente, pedindo conselhos e dinheiro para se inscrever. O parente
forneceu-lhe o dinheiro e uma “aula” sobre poesia métrica, rimas etc., (já que
este era o “poeta” da família), assim se expressa o tio acerca desse episódio:
“Conversamos sobre as regras todas e mostrei-lhe os defeitos e
qualidades das rimas – pobres e preciosas – aspecto importante, que
muito valoriza ou desclassifica uma poesia, principalmente um soneto.
Terminei oferecendo-lhe um exemplar do Dicionário de rimas, de
Olavo Bilac e Guimarães Passos.” (Id., ibid., p. 100).
30
Rosa pôs, com a obstinação que lhe é característica, obras às mãos e as
idéias na cabeça, escreveu então um livro que, apesar de ter nascido vencedor,
ficou à parte de sua produção posterior. O volume Magma foi enviado e o
resultado, o primeiro lugar com distinção, alegando o ilustre parecerista, o
poeta Guilherme de Almeida, que naquela edição do concurso não se deveria
conferir um segundo lugar a nenhum outro concorrente dada a imensa distância
que separava esse primeiro lugar dos outros. Assim o poeta finaliza seu
parecer:
“Concluindo: - É, pois, meu parecer que seja o 1
o
. prêmio do
Concurso de Poesia de 1936 concedido ao livro “Magma”, de João
Guimarães Rosa; e que não seja a ninguém, neste torneio, conferido o
2
o
. prêmio, tão distanciados estão do primeiro premiado os demais
concorrentes. Proponho, entretanto, sejam concedidas, em igualdade de
condições, duas menções honrosas aos livros “Noite confidente” de
Mário Donato (...) e “Livro de poemas de 1935” de Odilo Costa Filho e
Henrique Carstens (...).
Tal é, salvo melhor juízo, o meu parecer.
São Paulo, 22 de novembro de 1936.
Guilherme de Almeida, Relator.
De acordo: - Laudelino Freire.” (Concursos Literários de 1936.
In Em memória de JGR, 1968, p. 236)
31
Este livro, como foi dito, ficara inédito durante toda a vida do autor;
tendo permanecido nos cofres da Academia Brasileira de Letras, veio a público
apenas décadas após a morte de Rosa, e foi publicado somente em 1996.
Como expresso anteriormente, em 1937, Rosa, saudoso da terra escreve
contos já com muitas das características que viriam a consagrá-lo como
possuidor de um estilo ímpar na Literatura nacional, e como o estilo faz o
homem...
No desejo de saber da qualidade de seus escritos inscreveu um volume
de contos no Concurso Humberto de Campos, cujo título, pensado
inicialmente, seria Sezão tendo sido modificado finalmente para apenas Contos
e assinou com o pseudônimo de Viator.
A disputa final foi acirrada, dentre os 58 textos apresentados sobraram
dois e o desempate coube a Peregrino Junior, que optou pelo livro de Luis
Jardim Maria Perigosa. A decisão gerou inclusive um abalo na amizade entre
Graciliano e Marques Rebelo, outro jurado, esse último não se conformava
como um gênio da Literatura nacional não conseguia reconhecer um outro.
Assim se expressa Graciliano - em crônica publicada inicialmente na
revista A casa, número de junho de 1946, e reproduzida em vários jornais do
país, inclusive nesse livro, Em memória de JGR, de onde foi tirado - acerca do
concurso e da difícil decisão:
“Houve discussão e briga. No dia do julgamento, eliminadas
composições menos sólidas, ficamos horas no gabinete de Prudente de
32
Moraes, hesitando entre esse volume desigual [Contos] e outro: Maria
Perigosa, que não se elevava nem caía muito. Optei pelo segundo – e,
em conseqüência, Marques Rebelo quis matar-me, gritou, espumou, fez
um número excessivo de piruetas ferozes. (...)
Dias da Costa apoiou-me. Prudente de Morais sustentou
Marques. E Peregrino Junior, transformado em fiel da balança, exigiu
quarenta e oito horas para manifestar-se. Escolheu Maria Perigosa – e
assim Luís Jardim obteve o prêmio Humberto de Campos de 1938.
Viator desapareceu sem deixar vestígio. Desgostei-me: eu
desejava sinceramente vê-lo crescer, talvez convencer-me de que me
havia enganado, preterindo-o. Afinal, os julgamentos são precários – e
naquele tínhamos vacilado. Eu, pelo menos, vacilara. Às vezes
assaltava-me vago remorso e perguntava a mim mesmo onde se teria
escondido Viator. Em conversa com José Olympio, referi-me a ele. Se
se cortassem alguns contos, publicar-se-ia um bom livro. E o meu
amigo, com entusiasmo fácil, logo se pôs em busca do escritor
misterioso, chegou a sugerir-me um artigo, espécie de anúncio. Todas
as pesquisas foram inúteis.
Em fim de 1944, Ildefonso Falcão, aqui de passagem,
apresentou-me João Guimarães Rosa, secretário de embaixada, recém-
chegado da Europa.
- O senhor figurou num júri que julgou um livro meu em 1938.
- Como era o seu pseudônimo?
33
- Viator.
- Ah! O senhor é o médico mineiro que andei procurando.
Ildefonso Falcão ignorava que Rosa fosse médico, mineiro e literato.
(...)
- Sabe que votei contra o seu livro?
- Sei, respondeu-me sem nenhum ressentimento.
Achando-me diante de uma inteligência livre de mesquinhez,
estendi-me sobre os defeitos que guardara na memória. Rosa concordou
comigo... Havia suprimido os contos mais fracos. E emendara os
restantes, vagaroso, alheio aos futuros leitores e à crítica. Falei na
intenção de José Olympio, mas julgo que o meu novo companheiro já
tinha compromisso.” (Ramos, G., 1946/1968, p. 38-44)
O autor de Angústia continua descrevendo as impressões que tivera do
livro Sagarana e vaticinou:
“Certamente ele fará um romance, romance que não lerei, pois,
se for começado agora, estará pronto em 1956, quando meus ossos
começarem a esfarelar-se. (Id. ibid, p. 45)
34
A impressionante previsão de Graciliano se efetivou, pois o único
romance de Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas, foi realmente publicado
em 1956 e Ramos havia falecido há vinte de março de 1953.
Logo após inscrever-se no concurso de contos Rosa foi nomeado
cônsul-adjunto em Hamburgo e seguiu para lá, onde ficara sabendo do
resultado do concurso. O codinome Viator faz todo sentido na medida em que a
partir desse momento Rosa começa uma peregrinação diplomática que durará
até quase o final de sua vida.
De 1938 a 1942, Rosa permanece em Hamburgo onde conhece uma
colega da embaixada brasileira, Aracy Moebius de Carvalho, com quem
posteriormente se casará. Ele e Aracy, facilitam a fuga de centenas de judeus,
concedendo-lhes visto para dali saírem.
Esse período da Segunda guerra foi particularmente difícil. Guimarães
narra em um diário o quanto o dia a dia era por vezes assustador mediante
intensos bombardeios e artilharia. Ele diz que numa certa noite sentiu um
desejo imenso de fumar e como não tinha cigarros saiu para comprá-los.
Quando estava fora, sua casa fora bombardeada. Esse fato aprofundou ainda
mais a sua crença em intuições e nos fatos “ocultos”, aumentando assim sua
religiosidade.
Nessa época em que residira em Hamburgo, Rosa adquiriu um
automóvel e praticamente atravessou a Alemanha dirigindo, de norte a sul, até
a Tchecoslováquia, recheando seus diários com anotações e esboços de
desenhos. Em carta de 19 de novembro de 1938, conta
35
“[...] A minha última façanha foi a iniciação automobilística.
Tirei carteira, comprei um Mercedes-Benz, e tenho rodado
valentemente por essas estradas maravilhosas – as melhores do mundo.
Já fiz algum progresso, já vim de Berlim até aqui, na direção, e pelo
Natal pretendo ir até à Baviera, para passar uns dias apreciando as
belezas da neve nas montanhas. [...] Além dessas coisas, aprendi
também, nos dias em que a situação internacional andou tensa, a servir-
me da máscara-contra-gases; aliás, não é nada fácil a gente lidar com as
tais ‘focinho-de-porco’. [...]
A coisa mais detestável aqui é a comida, tanto mais que
Hamburgo não possui um único restaurante estrangeiro. E a bóia alemã
é simplesmente intragável, o que me obriga a comer, pelo menos uma
vez por dia, em casa, defendendo-me com conservas de lata. [...] E se
insisto neste assunto é para que vocês fiquem sabendo que são muito
felizes, com a cozinha melhor do mundo!...” (Rosa, V. G., 1999, p. 241-
2)
Nos momentos em que o ambiente ficava por demais tenso, como
apontado no diário que “transmite uma atmosfera pesada, com o registro de
perseguições a judeus, racionamento e bombas caindo pela cidade” (Costa, op.
cit. p. 17), Guimarães buscava refúgio ou sossego em um de seus lugares
preferidos de Hamburgo, o jardim Zoológico. Posteriormente ele escreverá
contos tendo por tema jardins zoológicos (seriam “Zôo – Hagembecks
36
Tierpark, Hamburgo-Stellingen), nesses locais, como de hábito ele fazia
anotações minuciosas acerca dos animais.
Certa feita, Rosa fora comunicado de que a embaixada brasileira havia
sido bombardeada acorreu até o local e conjuntamente com o embaixador
resgatou documentos importantes, arriscando-se nos escombros da construção.
O Brasil e os países do Eixo romperam relações em 1942, seus
diplomatas foram internados num hotel em Baden-Baden aguardando troca por
diplomatas alemães. Ficaram nesse hotel por aproximadamente quatro meses.
Travou amizade com Cícero Dias, “com quem aprendera muito sobre cores”.
Trabalhavam num espaço próximo, Rosa, escrevendo, Cícero, pintando, e em
outros momentos o escritor organizava campeonatos de xadrez com as
crianças, cujo prêmio eram balas trazidas de Hamburgo. Cícero, após leitura do
livro de contos do novo amigo, incentivou-o a publicá-lo.
O regresso deu-se de forma não menos tensa, pois saíram de Baden-
Baden para Portugal e de lá vieram de navio, num mar repleto de submarinos
alemães.
Após o retorno, Rosa ficou poucos meses no Brasil e em seguida foi
para Bogotá, como secretário de Embaixada, permanecendo lá por dois anos,
de 22 de junho de 1942 até 27 de junho de 1944. As dificuldades com a altitude
se manifestaram logo na chegada, fora “acometido pelo soroche, o mal das
alturas, com incríveis dores de cabeça e náuseas”.
Demora certo tempo para se acostumar a respirar ali, e diz em carta
“Não desejo, sinceramente, a nenhum de vocês, a vinda a essas regiões tão
próximas do céu, que são paragens apropriadas para os anjos e não para
37
criaturas humanas”, sua estadia nesse local foi recriada ficcionalmente
posteriormente no conto “Páramo” (Estas estórias, 1969, obra póstuma).
Sai de Bogotá em 1944 e segue para o Rio de Janeiro onde fica por
quatro anos. Em 1945 assume o cargo de Chefe do serviço de documentação do
Itamaraty. Retoma seus Contos retrabalhando-os intensamente, cortando dois
contos e reelaborando e ‘melhorando’ os outros, assim escreve Rosa a João
Condé acerca da escrita de Sagarana:
“Bem, resumindo: ficou resolvido que o livro se passaria no
interior de Minas Gerais. E compor-se-ia de doze novelas. Aqui, caro
Condé, findava a fase de premeditação. Restava agir.
Então, passei horas de dias, fechado no quarto, cantando
cantigas sertanejas, dialogando com vaqueiros de velha lembrança,
‘revendo’ paisagens da minha terra, e aboiando para um gado imenso.
Quando a máquina esteve pronta, parti. Lembro-me de que foi num
domingo, de manhã.
O livro foi escrito – quase todo na cama, a lápis, em cadernos de
100 folhas – em sete meses; sete meses de exaltação, de
deslumbramento. (Depois, repousou durante sete anos; e, em 1945 foi
‘retrabalhado’, em cinco meses de reflexão e de lucidez).” (Carta a João
Condé, em: Rosa, V. G., 1999, p. 378-9).
38
Ainda na seqüência da carta, Rosa conta como se deu a escrita e
modificações para a versão final:
“Como já disse, as histórias eram doze:
I) O BURRINHO PEDREZ – Peça não-profana, mas sugerida por um
acontecimento real, passado em minha terra, há muitos anos: o
afogamento de um grupo de vaqueiros, num córrego cheio.
II) A VOLTA DO MARIDO PRÓDIGO – A menos ‘pensada’ das novelas
do Sagarana a única que foi pensada velozmente, na ponta do lápis.
Também quase não foi manipulada, em 1945.
III) DUELO – Aqui, tudo aconteceu ao contrário do que ficou dito para a
anterior: a história foi meditada e ‘vivida’, durante um mês, para ser
escrita em uma semana, aproximadamente. Contudo, também quase não
sofreu retoques em 1945.
IV) SARAPALHA – Desta, da história desta história, pouco me lembro. No
livro, será ela, talvez, a de que menos gosto.
V) QUESTÕES DE FAMÍLIA – História fraca, sincera demais, meio
autobiográfica, mal realizada. Foi expelida do livro e definitivamente
destruída.
VI) (UMA HISTÓRIA DE AMOR – Um belo tema, que não consegui
desenvolver razoavelmente. Teve o mesmo destino da novela anterior).
39
VII) MINHA GENTE – Por causa de uma gripe, talvez, foi escrita
molemente, com uma pachorra e um descansado de espírito, que o autor
não poderia ter, ao escrever as demais.
VIII) CONVERSA DE BOIS – Aqui, houve fenômeno interessante, o único
caso, neste livro, de mediunismo puro. Eu planejara escrever um conto
de carro-de-bois com o carro, os bois, o guia e o carreiro. Penosamente,
urdi o enredo, e, um sábado, fui dormir, contente, disposto a pôr em
caderno, no domingo, a história (n.1). Mas, no domingo caiu-me do ou
no crânio, prontinha, espécie de Minerva, outra história (n. 2) – também
com carro, bois, carreiro e guia – totalmente diferente da da véspera.
Não hesitei: escrevi-a, logo, e me esqueci da outra, da anterior. Em
1945, sofreu grandes retoques, mas nada recebeu da versão pré-
histórica, que fora definitivamente sacrificada.
IX) BICHO MAU – Deixou de figurar no Sagarana, porque não tem
parentesco profundo com as nove histórias deste, com as quais se
amadrinhara, apenas, por pertencer à mesma época e à mesma zona.
Seu sentido é outro. Ficou guardada para outro livro de novelas, já
concebido, e que, daqui a alguns anos, talvez seja escrito.
X) CORPO FECHADO – Talvez seja a minha predileta. Manuel Fulô foi o
personagem que mais conviveu ‘Humanamente’ comigo, e cheguei a
desconfiar de que ele pudesse ter uma qualquer espécie de existência.
Assim, viveu ele para mim mais umas 3 ou 4 histórias, que não
aproveitei o papel, porque não tinha valor de parábolas, não
‘transcendiam’.
40
XI) SÃO MARCOS – Demorada para escrever, pois exigia grandes
esforços de memória, para a reconstituição de paisagens já muito
afundadas. Foi a peça mais trabalhada do livro.
XII) A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA – História mais séria,
de certo modo síntese e chave de todas as outras, não falarei sobre o seu
conteúdo. Quanto à forma, representa para mim vitória íntima, pois,
desde o começo do livro, o seu estilo era o que eu procurava descobrir.”
(Id., ibid., p. 379-80)
Esta missiva nos mostra a forma rigorosa como o autor trabalha na
criação de seus contos bem como a obsessão quanto a melhor construção ou
estruturação de suas histórias. Segundo ele, o ideal era escrever um conto e
trabalhá-lo a vida toda. As várias edições de suas obras foram modificadas
incessantemente por Rosa, que chegava a fazer mudanças profundas nos textos.
A transformação dos Contos em Sagarana, por exemplo, foi de certa
maneira o início desse burilar de ourives da palavra. Guimarães não se cansava
de buscar o “mot juste”, perfeccionismo esse que o acompanhou por toda a
vida. Há de se notar também já o grau de maturidade crítica sugerido em suas
supressões ou rearranjos, como ele diz “...em cinco meses de reflexão e de
lucidez”. E ainda, em carta endereçada ao pai, comenta:
“Em todo caso, consegui – a custa de horas de sono, do
descanso dos domingos e de muito esforço – preparar, ou, melhor,
41
reestruturar um livro de contos, para o qual achei imediatamente editor.
Tenho muita esperança nesse livro, pois já provocou o mais exaltado
entusiasmo (e sincero) da parte de 4 dos maiores escritores e
intelectuais brasileiros, que lhe garantem tremendo sucesso.” (Rosa,
V.G. Ib., ibid., p. 382).
Essa obra, como se disse, já contém muito do estilo que marcaria o
autor como um dos mais criativos da literatura Nacional, nele despontam a
linguagem rica e ao mesmo tempo única da gente do sertão, bem como suas
vivências dos tempos de infância vivida naquela região de Minas Gerais,
aparecem já regionalismos, formas e histórias muito específicas de sua terra
natal.
Sagarana é publicado em 1946, com sucesso imediato, esgotando-se a
edição rapidamente, havendo a necessidade de nesse mesmo ano a editora
Universal preparar ainda mais duas, tão expressiva foi a venda desse volume, e
obviamente cada uma com inúmeras modificações do autor.
Recebeu o prêmio da Sociedade Felipe d’Oliveira e foi considerado um
dos livros mais importantes de ficção surgidos no Brasil contemporâneo. Obra
essa que prima pelo trabalho com a linguagem bem como pelas novidades
formais. O nome já nos dá a amplitude da criatividade do escritor:
“O título do livro (aglutinação de Saga e Rana) é um dos tantos
neologismos rosianos a confirmar sua predileção inventiva pela
42
sonoridade: Saga: substantivo comum português de proveniência
germânica, aplica-se, genericamente, a narrativas históricas ou
lendárias; Rana: adjetivo tupi, dicionarizado por A. Lemos Barbosa,
significa ‘parecido com, mal feito, tosco’. Os contos de Sagarana, num
total de nove, seriam, pois, parecidos com lendas, lendas toscas, rudes.”
(Rocha, L.O.S., 1981, p. 51)
Mais ou menos por essa época, escreve carta ao pai solicitando que este
lhe enviasse algumas notas relativas a caçadas, casos, falares, jeitos, modos etc.
da gente do local e dos lugares por onde este andou, bem como das histórias
que conhece, sabe-se que seu Florduardo era excelente contador de casos, tanto
os referentes às próprias caçadas no morro do Cabral, quanto os de ter ouvido
dizer. Seu pai torna-se um de seus maiores colaboradores, enviando-lhe farto
material.
São fortes exemplos dessa “participação” do pai como demonstram as
seguintes cartas, a do dia 26/III/47 (Todas elas tiradas do livro
Relembramentos, de Vilma G. Rosa, 2006)
“(...) sempre que se lembrar de cantigas ou expressões sertanejas
legítimas, ouvidas,de caipiras nossos, de Cordisburgo ... E tudo o que se
refira a vacas bezerros. Estou escrevendo outros livros. Lembro-me de
muitas coisas interessantes, tenho muitas notas tomadas, e muitas outras
coisas eu crio ou invento, por imaginação. Mas uma expressão, cantiga
ou frase, legítima, original, com a força de verdade e autenticidade, que
43
vem da origem, é como uma pedrinha de ouro, com valor enorme. (...)
Mas, não conte a outras pessoas para que eu possa usá-las em primeira
mão.” (p. 183)
Ou esta de 27 de outubro de 1953, que, de certa forma, nos aponta para
as preocupações com as minúcias que podem ser observadas no próprio
processo de criação de Rosa (um pouco longa, mas vale a pena reproduzir):
“ Papai,
Há uma semana, escrevi ao Sr. Uma carta, e hoje tive a alegria
de receber a sua, acompanhada das “notas”, que muito agradeço. Todas
são ótimas, principalmente a sobre os “CIGANOS” e a do
“ENTRUDO” em Caeté. Vão ser muito bem aproveitadas! Sempre que
o Sr. tiver disposição, pode mandar. Na carta falei no interesse que
tenho pelo assunto das caçadas na Serra do Cabral – principalmente
quanto aos detalhes pitorescos. O detalhe é muitas vezes de grande
proveito, pois metido num texto dá impressão de realidade.
Há outros assuntos que gostaria de esmiuçar. Por exemplo:
1) A briga do Tulio com o Nicão – com os possíveis detalhes sobre a
questão do terreno;
2) Descrição de pessoas da roça, as mais interessantes, que vinham à
venda, em Cordisburgo;
44
3) Descrição de pescarias, a rede;
4) Jogos de baralho: o truque; a “pavuna”, no restaurante em Cordisburgo;
a intervenção do Vigário; a briga daquele Sr. Gastão, com o padre;
5) Chico Sanfona, sua família, coisas interessantes que lhe digam respeito;
6) O Renério, idem;
7) As donas daquele sobradinho, na Várzea, em Cordisburgo, idem;
8) Aquelas grandes quantidades de peixes, de Pirapora(?): como o Sr. os
comprava, como vinham, etc.;
9) Caixeiros-viajantes interessantes ou curiosos, alguns bons traços;
10) Coisas interessantes, biográficas ou outras, sobre pessoas como: tio
Adonias; o Siô Tico e Nhá Chica; o pai do Juca Saturnino; Siô Lé; Luiz
Canabrava; aquele Sr. Nalesherbes, meio esquisito, que passou por
Cordisburgo, etc.;
11) Esta é com a ajuda de Mamãe: - A história daquele corpo de homem,
mumificado, que se desenterrou, em Jequitibá, e foi levado para a
igreja.
12) Histórias de crimes, grandes brigas, raptos de moças, etc.
A lista é grande, mas o Sr. não se assuste com ela. É apenas um
punhado de sugestões. Mas não deixe de ir mandando alguma coisa, aos
poucos. (Como disse, os detalhes – sobre objetos, usos, expressões
curiosas na conversa, etc. – são sempre importantes. Tipos encontrados
45
em viagens, também, por exemplo.). Nomes curiosos, de lugares e de
pessoas.
Agora, pedindo a bênção, e à Mamãe, o grande abraço
do
Joãozito” (p. 207-8)
Essas notas (do pai, bem como as próprias, colecionadas nos famosos
cadernos) acabam funcionando como uma espécie de acervo com o qual o
autor compõe sua obra, são os materiais à disposição para a arquitetura das
histórias. É importante notar pelas datas que essas cartas antecedem a
publicação de Corpo de Baile e Grande Sertão: veredas, é muito provável que
esse material tenha sido utilizado na feitura dessas obras. Vejamos, pois, mais
alguns exemplos:
“Rio, 12-VII-54
(...) Já fico contente com a prometida remessa daquelas notas,
que para muito me hão de servir. E, a respeito delas, o senhor não deve
se preocupar com os assuntos, nem se está ruim ou bom, pode ir
mandando tudo. Não precisa que sejam casos ou fatos curiosos, pois as
informações comuns, sobre a vida trivial, costumes, etc., do interior têm
importância. Coisas que os moradores no campo contavam de sua
labuta, vida, etc., quando vinham fazer compras em Cordisburgo, por
46
exemplo. E detalhes de caçadas – principalmente da vida e costume dos
bichos, seus rastros, e tudo o mais. Desde já fico agradecendo ao senhor
os próximos envios. Eu estou trabalhando “burramente”, dia e noite,
para terminar os livros que estou escrevendo – pois, em vez de um,
como comecei, a coisa logo virou dois...” (p. 212)
Ou ainda:
“Rio, 9,XII, 55.
(...) Apreciei, muitíssimo, as notas que o senhor me mandou,
sobre os enterros na roça. Aliás, o senhor não imagina como têm valor
para mim essas informações. Pena é que o senhor não mande delas
freqüentemente. Estão todas colecionadas, com apontamentos e
sublinhados dos pontos mais importantes, e, aos poucos, serão, todas
elas, aproveitadas nos meus livros.
Principalmente, acho um interesse extraordinário nas que se
referem aos COSTUMES e aos TIPOS e indivíduos pitorescos ou bem
marcados. Agora, depois dos “Enterros”, por que é que o senhor não
manda, por exemplo, os “Casamentos”, os “Batizados” ou “Casos de
crimes” ou de “Demandas, Questões, etc.”, do tempo em que o senhor
foi Juiz-de-Paz? Seria ótimo. (...) Outra coisa, que muito gostaria de ter,
são as lembranças da Venda, em Cordisburgo, qual a época do ano em
47
que se vendia mais? Quando é que os lavradores dispunham de mais
dinheiro, etc.? (...) Não precisa de mandar coisa alinhavada e seguida.
Bastam pequenos tópicos. Tudo é útil.Preciso de explorar mais o
senhor. Que a mina é ótima. (...)”. (p. 213-4)
E podemos arrematar essa série de citações com o que seria o resultado
delas, ou seja o fim que levaram essas notas, que funcionavam como lenha na
fogueira da criação de Rosa. Vejamos, pois, o que escreve o autor para o pai a
5 de junho de 1956:
“Pedindo a bênção e abraçando muito afetuosamente, agradeço a
boa carta de parabéns, que me alegrou, como sempre, por matar
saudades e trazer notícias. Também fiquei contente por o senhor ter
recebido os livros e estar gostando do Corpo de baile. Como o senhor
não deixará de ter notado, ele está cheio de coisas que o senhor me
forneceu naquelas cartas e notas, extremamente valiosas para mim.
Falando nisso, agora eu estou justamente relendo as mesmas, e
passando para um caderno, classificadas e em ordem, todas as
informações, para serem aproveitadas em futuros livros. É uma bela
pilha de papel, sortida de vitaminas. Pena é que o senhor não tenha
mandado mais (...) É melhor ir pedindo aos punhadinhos, a varejo, para
ver se o senhor se anima a restabelecer o fornecimento... Como já
expliquei, não se trata de pequenas histórias ou casos (...) O que utilizo
são as indicações sobre tipos, costumes, descrições de lugares, cenas;
48
vestimentas, métodos de trabalho, palavras, termos e expressões
curiosas ou originais, etc. etc. O senhor manda? Obrigado.” (p. 214-5)
O sentido dessas citações todas é tentar explicitar um dos vieses da
criação de Guimarães Rosa, uma das formas como ele se apropria não somente
das coisas vividas bem como das contadas e principalmente do papel que o pai
(aquele mesmo que implicava com o garoto Joãozito, por não trabalhar e ficar
sempre com um livro nas mãos) desempenhou, por exemplo, não apenas como
fornecedor de matéria-prima, mas também como quem faz Joãozito reviver seu
sertão, agora pelos olhos e boca do pai.
Pois bem, esse período entre a publicação de Sagarana, 1946 e a de
Corpo de Baile e Grande sertão: veredas, ambos de 1956, é marcado na vida
particular de Rosa por alguns fatos importantes, em 1946, por exemplo, é
nomeado chefe-de-gabinete do Ministro João Neves da Fontoura, a quem mais
tarde sucederá na Academia Brasileira de Letras, e segue para Paris em junho
como membro da delegação brasileira à Conferência da Paz. Conhece ali José
Mindlin, com quem passeia pelas livrarias da cidade. E, ao final da
Conferência, viaja com o Ministro João Neves por algumas cidades da
Holanda, Bélgica e Alemanha.
Em 1947, viaja para o pantanal no Mato Grosso, percorrendo várias
cidades, e permanece por aproximadamente uma semana numa região próxima
a Corumbá, local chamado Nhecolândia, onde conhece, na fazenda Firme, o
vaqueiro Mariano. Do convívio com esse vaqueiro surge a reportagem poética
Com o vaqueiro Mariano, publicada no Correio da Manhã, Rio de Janeiro, e
49
posteriormente numa edição especial com 110 exemplares pela editora
Hipocampo, de Niterói.
Acerca dessa viagem ao Pantanal, Rosa escreve ao amigo Azevedo da
Silveira (carta de 05/08/1947), contando que:
“Rodei, pelo Pantanal, pelo planalto, pelo roteiro (às avessas) da
Retirada da Laguna. Vi coisas espantosas. Andei de trem, de
automóvel, de camionete, de caminhão, de “jardineira”, de avião teço-
teco, de carro-de-bois, de vapor fluvial, de lancha, de canoa, de batelão,
de prancha, de locomotiva, de pontão, de carreta, a pé, a cavalo em
cavalo, em boi, em burro ... Vestido de cáqui, com polainas de lona,
com mochila, cantil, capacete de explorador. Falei com japoneses,
colonos búlgaros, ervateiros, vaqueiros, índios Terena, chefes
revoltosos, e legalistas paraguaios, no Paraguai, e aqui chego, de volta.
(Costa, 2006, p.22-3)
Nessas viagens, Rosa impreterivelmente carregava seus caderninhos e
ia vendo, vivendo e anotando tudo o quanto lhe seria útil para o fazer literário,
mas infelizmente dessa viagem as tais cadernetas se perderam, porém sabe-se
que existiram graças ao depoimento de Mariano ao dizer que o dr. Rosa
perguntava tudo e tudo queria saber, desde os nomes dos bois até os tipos de
plantas e escrevia e por vezes também desenhava.
50
Essa citação anterior pode ser vista também como uma analogia ao
processo de criação bem como de subjetivação de Rosa. Para se chegar à forma
perfeita ele se valia de diversos meios que pudessem transportá-lo ao destino
almejado, desde a manipulação de diversos idiomas até a construção bem como
o resgate de palavras ou em desuso, ou arcaicas, ou adaptadas desses outros
idiomas etc.
A subjetivação fica por conta do jeito itinerante de ser, ser esse que se
reveste com as diversas roupagens e apetrechos necessários a cada caminhada
bem como no fazer-se continuamente no reflexo do sertão que tanto amava,
sertão mais que lugar, transcendência.
Em 1948, viaja para Bogotá, como secretário-geral da delegação
brasileira à IX Conferência Panamericana. Nesse período dá-se um violento
levante na cidade e Guimarães desaparece, um tempo depois Antonio Callado o
encontra e pergunta-lhe:
“Puxa, Rosa! Onde é que você andou?’ E ele me
respondeu:’Estava todo o tempo na residência do embaixador’. A casa
ficava no bairro mais chique de Bogotá, era enorme e tinha um parque
imenso. ‘Mas você não viu o que aconteceu em Bogotá? Puxa, parecia a
história de Augusto Matraga, de tanto que mataram gente... Isso
aconteceu no meio da rua o tempo todo!’ Foi então que ele me disse:
‘Ora, Callado, o que eu tenho que escrever já está tudo aqui na minha
cabeça. Não preciso ver coisa alguma. Está tudo na minha cabeça...Já
fiz um livro, estou fazendo outros’. – ‘Mas Rosa, olha eu garanto que
51
você ficaria impressionado! Foi um espetáculo terrível... O que você fez
durante todos esses dias?’ Ele disse: ‘Eu reli o Proust’. Vejam só! Ele
havia descoberto Proust, numa edição francesa, na Embaixada
Brasileira, num bairro de Bogotá, e simplesmente se sentou para reler
Proust. Ignorou a cidade que pegava fogo porque já tinha todas as
guerras de que precisava dentro da cabeça.” (Costa, 2006, p. 24-5)
No final de 1948, Rosa vai para Paris, onde fica até 1951, inicialmente
como Primeiro Secretário e, depois, Conselheiro da Embaixada. Essa época é
marcada por diversas viagens, à Itália, lugar adorado, sua “paixão dos quarenta
anos” (“A Itália é indescritível. Não é apenas o país mais belo do mundo; é
qualquer coisa fora e acima deste mundo, assim mais ou menos pendurada a
meio caminho entre o Céu e a Terra.”), conhece diversas cidades desse país
bem como boa parte da França. Leva uma vida cultural intensa, como narrado
em seu diário “Nautikon, lugar das irremediáveis confidências”.
Nessas cadernetas encontramos, lugares visitados, passeios, conversas
com amigos, visitas a museus, descrição de quadros contemplados, desenhos
de paisagens, igrejas; leituras e estudos realizados, como Dante, Homero, La
Fontaine; enfim, Guimarães mantém no Velho mundo as mesmas
características vividas no Novo Mundo. Seu sertão é todo lugar, e o sertanejo
pode ser tanto Dostoievsky ou Tolstoi quanto Euclides da Cunha e ele próprio,
por exemplo.
52
Dentre tantas idas e vindas no exterior, fica-lhe sempre o desejo do
retorno à terra própria, o lugar do coração. Desejo esse expresso em carta
datada de:
“Paris, 23 de fevereiro de 1949.
(...) Eu, como sempre, trabalho muito, e, apesar de estar nesta
cidade, tão ambicionada e disputada, sonho com o dia em que voltarei
ao Brasil, daqui há quatro anos, para então tirar o meu ano de licença-
prêmio, e consagrá-lo a viajar pelo interior de Minas: descer o rio das
Velhas em canoa, ir a Paracatu, e outras excursões.” (Rosa. V.G. 2006,
p. 190)
Finalmente, em 1951 retorna ao Brasil e passa a residir no Rio de
Janeiro, onde fora nomeado novamente chefe de gabinete de João Neves da
Fontoura e nesse mesmo ano é aceito como sócio efetivo da Sociedade
Brasileira de Geografia, antiga disciplina preferida na infância.
Desde que chegou ao Brasil, Rosa planeja voltar a Minas e fazer uma
viagem pelo sertão. Assim, em 1952, inicia os preparativos para realizar
viagem tão esperada. Comenta com o cônsul e amigo Mário Calábria sobre
essa viagem:
53
“Você vai para Roma, minha branda inveja esvoaça. Quando
ouço ou penso Itália minhalma se prostra... Mas amo também outras
regiões, mais ásperas. Prova? Estou-me preparando para, daqui a dias,
ir acompanhar, rústica, árdua, autenticamente, uma boiada brava, em
percurso de 40 léguas, lá do sertão sagarânico, da fazenda da Sirga –
entre buritizais belíssimos e chapadões de matagal inviolado – até a
fazenda São Francisco, de um meu primo, lá perto de Cordisburgo. Já
ando nos preparativos, arrumando mochila, cantil, roupa cáqui, pois
serão 15 dias no ermo, a carne seca com farinha-de-mandioca e café
com rapadura, sob o sol, poeira, lama e chuva. Odisseus.” (Costa, 2006,
p. 29)
Essa viagem ficou muito conhecida e foi noticiada na revista O
Cruzeiro, que enviou alguns repórteres para fotografarem, em parte do
percurso, a aventura do já famoso escritor. Os vaqueiros eram “o Tião Leite, o
Santana, o Sebastião de Jesus, o Gregório, o Manuelzão, o Bindóia, o Chico
Moreira, eu e o João Rosa. Tem o Aquiles também, um bom violeiro. Ah, e um
rapazinho que não é falado. Ele não saiu na reportagem (O Cruzeiro), era
menino, mas acompanhou todos os dias, devia ter saído.” (Cruz, 2004)
Conta-nos Zito, que era o batedor de berrante, vaqueiro que vai na
frente, e cozinheiro-de-boiada, e junto de quem Rosa cavalgava lado a lado,
perguntando, sem descanso, sobre tudo quanto encontrava e anotava na
cadernetinha que levava pendurada ao pescoço, com um lápis amarrado junto.
54
Desses vaqueiros, alguns se tornaram personagens, dentre os quais o
mais conhecido foi o Manuelzão, que surge como personagem na novela de
Corpo de Baile, “Manuelzão e Miguilim”. Muitas das anotações também
aparecem em algumas das novelas desse livro, que inicialmente saiu em dois
volumes e posteriormente se desmembrou em três. As novelas “Uma estória de
amor” (Festa de Manuelzão) e “Dão-Lalalão”, foram concebidas nessa viagem,
como relata o próprio autor, e “cresceram com outro sentido, em ruminação
posterior”.
Rosa diz que essa viagem “era não de observação, mas de observância”.
“Eu trabalhei de ajudante de vaqueiro. Trabalhava de vaqueiro e passava pelos
lugares”. A viagem durou cerca de dez dias. Segundo Zito, Rosa fez questão de
não ter nenhum privilégio e comer do que eles comiam, bem como dormir nos
lugares e nas condições em que eles o faziam, mesmo podendo ter algumas
regalias já que algumas vezes passavam próximo a fazendas de parentes ou
conhecidos de Rosa.
Nesse mesmo ano, animado ainda pela aventura anterior, motivo de
uma grande reportagem publicada na revista O Cruzeiro, Rosa realiza mais
uma viagem pelo sertão, porém agora da Bahia, para os festejos de São João e
participar de uma enorme vaquejada em Caldas do Cipó. Nessa viagem foi
acompanhado por ilustres colegas como Assis Chateaubriand e o presidente
Getúlio Vargas. Assim se refere à viagem em carta ao pai:
“Rio, 15 de julho de 1952.
Papai,
55
(...) O passeio à Bahia, sim, esse foi notável. Em Caldas-do-
Cipó, pude ver reunidos – espetáculo inédito nos anais sertanejos e
creio mesmo que em qualquer parte – cerca de 600 vaqueiros autênticos
dos ‘encourados’: chapéu, guarda-peito, jaleco, gibão, calças, polainas,
tudo de couro, couro de veado mateiro, cor de suçuarana. Como o
Senhor deve ter lido, lá compareceram vaqueiros de vários Estados, e
de quase todos os municípios baianos onde há criação de gado, do
curraleiro (pé-duro) bravo das caatingas. Fui com Assis Chateaubriand,
que é o rei dos entusiastas, e tive de vestir também o uniforme de couro
e montar a cavalo (num esplêndido cavalo paraibano), formando na
‘guarda vaqueira’ que foi ao campo de aviação receber o Presidente
Getúlio Vargas. A mim coube ‘comandar’ os vaqueiros do Soure e de
Cipó(!) (...)”. (Rosa, V.G.,1999, p. 205-6).
Nessas viagens, Rosa não deixa de fazer as anotações que tanto
serviram de matéria-prima para as obras que estavam por vir, como ele mesmo
diz ao amigo Silveira, ainda em 1946-47:
“Silveirinha meu amigo,
...Eu ando febril, repleto, com três livros prontos na cabeça, um
enxame de personagens a pedirem pouso em papel. Estou apontando os
lápis, para começar a tarefa. É coisa dura, e já me assusto, antes de pôr
o pé no caminho penoso, que já conheço. Mas, que fazer? Depois de
certo ponto, um livro tem de ser escrito, ou fica coagulado na gente,
56
como um trombo numa veia, pior que um ‘complexo’. Tenho esperança
de poder criar coisa nova e diferente, de superar o nosso Sagarana, com
histórias e romances mais humanos, mas ao mesmo tempo, mais meta-
humanos, mais super-humanos; que sei!?!... O bom seria fazer-se um
livro só, de 5.000 páginas, que seria escrito e reescrito, durante a vida
inteira. Ou – que beleza! – três gerações de romancista (pai,filho, neto),
trabalhando um roman-fleuve, catedralesco, pétreo, tri-geracional...”
(Rosa, V. G., 1999, p. 363)
O autor nos dá conta, em diversas cartas, de sua produção febril tanto
durante a feitura dos livros quanto na finalização desses. Como se pode
observar no início da escrita em 1946-7 (citação anterior) e seu final, como na
carta enviada ao amigo embaixador e compadre Antonio Azeredo da Silveira,
em 1956, ano da publicação de Corpo de Baile, em janeiro, e Grande sertão:
veredas, em maio:
“Rio, 9-II-56
Querido compadre
...Queria escrever a cada momento. Mas, na fase final, e nas
providências e cooperações da mecânica editorial, os dois livros me
maltrataram tanto, que foi até demais. Conto a Você que, na última
semana, antes de entregar ao José Olympio o “Grande Sertão”, passei
três dias e duas noites trabalhando sem interrupção, sem dormir, sem
57
tirar a roupa, sem ver cama: foi uma verdadeira experiência trans-
psíquica, estranha, sei lá, eu me sentia um espírito sem corpo, pairante,
levitando, desencarnado – só lucidez e angústia. Daí, entregues os
originais, foi uma brusca sensação de renascimento, de completa e
incômoda liberação, de rejuvenescimento: eu ia voar, como uma folha
seca. Imagine, eu passei dois anos num túnel, um subterrâneo, só
escrevendo, só escrevendo, só escrevendo eternamente... ” (Rosa, V. G.,
1999, p. 364)
Essas duas obras apontam para um amadurecimento na escrita e nos
desenvolvimentos formais iniciados já em Sagarana, porém o escritor
aperfeiçoou e inovou tanto a técnica narrativa quanto a construção de
personagens, por exemplo, aprofundando-os em sua psicologia e conflitos.
Principalmente em Grande sertão: veredas – em que o autor, em
aproximadamente seiscentas páginas, narra uma história épica tendo por pano
de fundo o sertão mineiro, com seus jagunços e gente rude. É a história do
amor proibido entre Riobaldo e Diadorim, no qual, além do aprofundamento na
leitura psicológica de seus personagens, demonstra o domínio e a
extraordinária criação da linguagem–, obra que caiu como uma bomba no
cenário da Literatura nacional.
Esse livro foi ao mesmo tempo exaltado por alguns críticos como uma
das mais importantes obras surgidas por aqui nos últimos tempos e outros a
execraram com sendo de menor importância, e esses não eram críticos
ingênuos, mas alguns de renome e certa projeção, dentre eles podemos
58
ressaltar: Marques Rebelo, Adonias Filho, Ferreira Gullar, Ascendino Leite,
Wilson Martins, Nelson Werneck Sodré, José Lins do Rego, Silveira Bueno
etc. Esses ataques não impediram que a obra se tornasse sucesso de livraria
bem como recebesse prêmios tais como o “Machado de Assis, do Instituto
Nacional do Livro; o Carmem Dolores Barbosa, de São Paulo; e o Paula Brito,
do Rio de Janeiro. Antonio Candido, um de seus defensores, assim se expressa
acerca dessa obra:
“Na extraordinária obra-prima Grande sertão: veredas há de
tudo para quem souber ler, e nela tudo é forte, belo, impecavelmente
realizado. Cada um poderá abordá-la a seu gosto, conforme o seu
ofício; mas em cada aspecto aparecerá o traço fundamental do autor: a
absoluta confiança na liberdade de inventar.” (Candido, A, 1964, p.
121.)
Dentre os que se postaram criticamente a favor de Grande Sertão, tais
como Antonio Callado, Paulo Rónai, Afrânio Coutinho, Cavalcanti Proença,
Oswaldino Marques, Tristão de Ataíde, Pedro Xisto, Antonio Candido etc.,
podemos destacar um depoimento da escritora Clarice Lispector, em carta de
dezembro de 1956, a Fernando Sabino, acerca dessa obra, carta essa que mais
que crítica mostrou a autora de Laços de família muito emocionada; vejamos,
pois, o que ela disse ao amigo:
59
“Fernando, estou lendo o livro de Guimarães Rosa, e não posso
deixar de escrever a você. Nunca vi coisa assim! É a coisa mais linda
dos últimos tempos. Não sei até onde vai o poder inventivo dele,
ultrapassa o limite imaginável. Estou até tola. A linguagem dele, tão
perfeita também de entonação, é diretamente entendida pela linguagem
íntima da gente – e nesse sentido ele mais que inventou, ele descobriu,
ou melhor, inventou a verdade. Que mais se pode querer? Fico até aflita
de tanto gostar. Agora entendo o seu entusiasmo, Fernando. Já entendia
por causa de Sagarana, mas este agora vai tão além que explica ainda
mais o que ele queria com Sagarana. O livro está me dando uma
reconciliação com tudo, me explicando coisas adivinhadas,
enriquecendo tudo. Como tudo vale a pena! A menor tentativa vale a
pena. Sei que estou meio confusa, mas vai assim mesmo, misturado.
Acho a mesma coisa que você: genial. Que outro nome dar? Esse
mesmo. Me escreva, diga coisas que você acha dele. Assim eu ainda
leio melhor. Um abraço da amiga Clarice” (Costa, 2006, p. 35)
O ano de 1957 encerra-se com o autor apresentando problemas de saúde
devido aos excessos de cigarro, de peso e de trabalho, bem como pela vida
sedentária, e um ano depois se vê obrigado a ter uma vida mais controlada, em
virtude de uma hipertensão arterial.
Com a morte de José Lins do Rego, candidata-se à Academia Brasileira
de Letras e concorre com Afonso Arinos de Melo Franco à Cadeira de número
60
25, porém quatro meses depois perde a eleição para o concorrente e comenta
esse resultado com o amigo Paulo Dantas em carta de 4/2/58:
“(...) O resultado você viu, foi o que foi: deu em água de barrela.
Do ‘estouro’, salvei dez garrotes – isto é, os dez votos bons, que deram
para ‘salvar a face’. Não me aborreci, nada (você viu e sabia qual era
meu anterior estado de espírito). Sinto é uma caudalosa alegria, uma
viva batida de libertação...” (Dantas, 1975, p. 83-4)
Ainda acerca desse episódio da eleição, Rosa e o poeta Manuel
Bandeira faziam troça de forma jocosa e também poética, trocando algumas
“sextilhas” e “lérias”. Escrevia Bandeira ao prosador: “Não permita Deus que
eu morra / Sem que ainda vote em você”, e Guimarães responde com outros
versos e finaliza dizendo: “Louros e não rosas, noto, / Vão bem a uma
Academia”. O poeta, então, complementa: “Antes, porém, me prometa, / pelo
Senhor do Bonfim, / Que à minha futura vaga / Você se apresenta sim?”.
Em ’58, iniciam-se os pedidos para a tradução de sua obra, Grande
Sertão, para o alemão. O tradutor Curt Meyer-Clason solicita autorização para
iniciar a tradução, o vai se dar somente em ’62, em virtude da demora das
negociações com as editoras alemãs. A tradução foi um grande sucesso, tendo
em ’64 se esgotado rapidamente três edições da obra, cujo lançamento fora
prestigiado pelo próprio presidente da Alemanha Ocidental, Luebke. Clason foi
um tradutor muito considerado por Rosa, que dá esse depoimento a Günter
Lorenz, anos depois:
61
“G.L.: (...)Você tem fama de ser um autor terrivelmente
trabalhador, cuja aplicação é superada apenas pelo seu tradutor
alemão...
J.G.R.: (rindo) Meyer-Clason, se estivesse aqui para nos
escutar! Pretende sempre que tudo seja feito com muita exatidão. Para
ele a literatura é uma religião. Verdade mesmo, ele é um diabo de
homem, um gênio da tradução, o melhor tradutor que eu conheço.”
(Lorenz, in Rosa, JG. Ficção completa, 1994, p. 35-6)
Mais adiante, Rosa vai comentar sobre a tradução do Grande Sertão em
que uma dada passagem é, segundo o tradutor, melhor representada no alemão
do que o foi no português, ao que o escritor por fim concorda e se propõe a
fazer alterações nas edições seguintes, levando-se em conta a tradução.
A tradução fascinava Rosa que em sua vida realizou uma para a
Biblioteca de Seleções do Reader´s Digest. O livro era O último maçarico de
Fred Bodsworth. Bandeira, que recebera um exemplar de Rosa, comenta sobre
a tradução:
“Era a história de um pássaro. Rosa mandou vir dos Estados
Unidos o romance completo. Mandou vir também tratados de
ornitologia. Fez a tradução, reescreveu-a cinco vezes. No fim saiu obra
perfeita, coisa que não era no original”. (Bandeira, M. 1966, “Um
62
encontro casual com Rosa” in Andorinha, andorinha.Rio de Janeiro,
José Olympio)
Rosa manterá intensa correspondência não apenas com seu tradutor
alemão, mas também com os de outros idiomas como o italiano, Edoardo
Bizzarri, a Inglesa Harriet de Onís, o francês Jean-Jacques Villard etc.
Despenderá enorme tempo em cartas com esses tradutores, discutindo
expressões, frases, palavras, chegando às minúcias tanto do próprio idioma
quando dos traduzidos.
Veja-se, a esse respeito, os livros publicados contendo as
correspondências com seus tradutores, como, por exemplo, os relativos às
cartas trocadas entre Rosa e Meyer-Clason ou Bizzarri, em que se pode ver a
consciência e o domínio que o autor detinha dos respectivos idiomas, bem
como a profundidade e amplitude de sua criação lingüística.
Ainda em ’58, no mês de maio, Rosa é promovido a ministro de
primeira classe (cargo correspondente ao de embaixador, atualmente), por
merecimento, e recebe, por intermédio de um telefonema, a notícia de seu
antigo colega, médico e agora presidente, Juscelino Kubitschek, que acabara de
assinar o pedido
Ao final desse ano, no dia trinta de novembro, Rosa sofre um enfarte e
se vê às voltas com médicos e exames. Já poucos dias antes, em 17 de
novembro, escreve a Paulo Dantas, comentando uma falta de ânimo e pouca
disposição:
63
“Eu ando meio quejando – saúde e clima, certo marasmo.
Agora, vou reagir. A vida exige pressa, exige tenência e macheza
curtida. Eu andei meio sem impulso, essas coisas. Acho que preciso de
ir dar também uma boa espiada, Urucúia por lá, cheirar de novo o
sertão, os currais de manhã, odor de bosta de vaca, pios de pássaros-
pretos. (Dantas, P. Op. cit.)
Após o enfarte, ele é obrigado a severas restrições, diminuir peso,
deixar o cigarro (havia tentado e não conseguido, como não deixou realmente
até o final da vida, motivado por novo enfarte), ou seja o que lhe fora sugerido
anteriormente pelos médicos.
Finaliza, ainda, a quinta edição de Sagarana, que segundo ele será a
definitiva, não mexeria mais nas próximas. Todas as anteriores diferenciam
enormemente dessa última, da primeira até essa passaram-se vinte e um anos,
como observa Graciliano Ramos, parece que talvez o hábito de contemplar bois
tenha levado o escritor a trabalhar com lentidão bovina. A respeito dessa
reescrita, bem como do artifício do editor para interromper esse furor de
correção do autor, Rosa comenta em carta a Harriet de Onís que:
“Rever qualquer texto meu, já de si, é qualquer coisa de
tremendo, porque o meu incontentamento é crescente, na ânsia da
perfectibilidade, fico querendo reformar e reconstruir tudo, é uma
64
verdadeira tortura. Por exemplo, dir-lhe-ei que as cinco edições do
Sagarana são todas diferentes, refeitas, remodeladas, remexidas. Por
fim, para ver se eu conseguia deixar isso de lado, e me voltava para
escrever outros e novos livros, o meu Editor,José Olympio, mandou
matrizar ou estereotipar a composição, guardando-a nos chumbos, e
impedindo-me assim, de permanecer na classe de Danaide ou Sísifo.
(Carta a Harriet de Onis, 23-04-1959, Fundo JGR, IEB/Usp).
Esse ano de 1959 foi um período em que se viu às voltas com muitos
cuidados com a saúde e também dedicou-se às traduções de suas obras, cujas
excessivas solicitações das editoras estrangeiras eram “Um trabalho danado,
com o serviço trivial, outras coisas; e a correspondência com as editoras
estrangeiras, que andam querendo traduzir o Sertão nosso, despejando forte”
(Dantas, 1975, p. 99).
Entre ’60 e ’61, Rosa dedica-se, além das correspondências com seus
tradutores, à escrita de pequenos contos para jornais e revistas (fora convidado
por Paulo Francis, editor da revista Senhor, a escrever na “Seção de
Literatura”, em que colaboravam também, Rubem Braga, Carlos Drummond,
Aníbal Machado, Fernando Sabino, Vinícius de Moraes, Jorge Amado, Paulo
Mendes Campos, Clarice Lispector e outros). Sobre essa escrita em periódicos,
como as curtas histórias para O Globo, por exemplo, e nos prazos tão exíguos,
Manuel Bandeira vai comentar que:
65
“Ora, uma semana não dá para Rosa caprichar nas suas
invenções verbais (há sempre invenções verbais em tudo o que Rosa
escreve). Daí a angústia. Rosa confidenciou-me: ‘- Começo a escrever,
um mundo de coisas, idéias, imagens, reminiscências, me acodem.
Escrevo cinco, dez, 15 páginas. É preciso reduzir a três. Começo a
cortar, começo a corrigir. O meu desejo é então continuar a corrigir até
o fim da minha vida. Mas há que entregar os originais. E no dia
seguinte começar coisa nova.’
E Bandeira profetiza: ‘Escrever para jornal é como escrever na
areia. Rosa não escreve na areia: Rosa grava na pedra. Para a
eternidade. Assim, o que Rosa está fazendo em O Globo é, capítulo a
capítulo, mais um livro, digno de ficar junto de Sagarana, Corpo de
Baile e Grande Sertão: veredas.’” (Costa, 2006, p. 41)
Em junho, dia 29, recebe o prêmio Machado de Assis, da Academia
Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra. O interesse público aumenta a cada
dia bem como suas traduções para diversos países. Continua escrevendo
pequenos contos para várias publicações e apenas em ’62 lança um novo livro:
Primeiras histórias. Este diferencia-se dos anteriores tanto pelas dimensões,
não é tão mastodôntico (expressão de Rosa) como os anteriores, quanto pelo
estilo mais aprimorado, com experimentações formais mais minuciosas, tendo
sido chamado por comentadores até de pequenas obras de porcelana chinesa,
de tão singelos e poéticos são esses vinte e um contos.
66
Também na vida diplomática ocorrem mudanças. Em janeiro, assume a
chefia do Serviço de Demarcação de Fronteiras, no Itamaraty. E tomará parte
ativa nas questões referentes aos casos do Pico da Neblina, em ’65, bem como
no das Sete Quedas, em ’66, sendo seu papel de extrema importância, mais de
uma vez Rosa relata em diversas correspondências o trabalho extenuante por
conta dessas questões.
Participa ainda do Primeiro Colóquio de Escritores Latino-americanos e
alemães, realizado em Berlim onde conhece pessoalmente Meyer-Clason que
disse ter sido Rosa “um dos participantes do Colóquio que mais se empolgou
pela problemática da tradução, chegando até a propor a fundação de uma
organização, talvez subvencionada pelo Estado”.
Continua o escritor a escrever pequenas histórias para a revista Senhor e
o jornal O Globo, textos esses que posterior e postumamente serão publicados,
em sua maioria, nos livros Estas histórias, em 1969, e Ave Palavra, em 1970,
ambos com o trabalho árduo de organização do amigo Paulo Rónai, que
compartilhara por muitos anos da companhia e das idéias do escritor. O
primeiro desses livros, Rosa deixara praticamente pronto e o segundo já
contava com “pistas” para sua confecção, tais como um sumário sugerido.
Com a morte do amigo e chefe João Neves da Fontoura, com quem
trabalhara no Itamarati, Rosa se candidata à cadeira de número 2, ocupada por
esse na Academia Brasileira de Letras. Quatro meses depois, em seis de agosto,
é eleito por unanimidade e convida Afonso Arinos de Melo e Franco, o
acadêmico que o derrotara em ’58, para recebê-lo na cerimônia de posse, coisa
que não se deu imediatamente em virtude de uma crença do escritor de que a
67
emoção seria tanta que não resistiria ao evento e passou a adiá-la até 1967,
quando decidiu realizá-la em dezesseis de novembro, dia do centenário do
nascimento de João Neves da Fontoura.
A obra de Rosa começa a despertar o interesse de cineastas que o
procuram para realizar filmes baseados em seu livro Grande sertão:veredas,
pelos irmãos Geraldo e Renato Santos Pereira e no conto “A hora e a vez de
Augusto Matraga”, pelo diretor Roberto Santos, filme que será rodado em
1965. O primeiro não foi muito bem recebido pela crítica e pelo autor que,
conta-se, ao sair do cinema foi questionado sobre se havia gostado ou não, ao
que o escritor respondeu “Vim para ver um épico e acabei vendo um filme
hípico”. O segundo teve outro destino, foi sucesso de crítica e público e
participou de vários festivais fora do país.
Nesse ano, a obra de Rosa já é conhecida em diversos países, tais como
na França, na Itália, nos Estados Unidos, no Canadá, na Alemanha (onde
Grande Sertão: veredas alcançara três edições).
Em janeiro de ‘65, Rosa viaja para Gênova (Itália), onde vai participar
do Congresso Internacional de Escritores Latino-Americanos e onde é criada a
Sociedade de Escritores Latino-Americanos que terá como vice-presidentes
Rosa e Asturias. Concomitantemente a esse evento ocorre um Congresso sobre
o Cinema Novo brasileiro, onde Glauber e Rosa discutem sobre o filme de
Pasolini O evangelho segundo São Mateus. O cineasta e o escritor se admiram
e quando da “filmagem de Terra em transe, Rosa chega a mandar um recado a
Glauber, dizendo que ‘Deus está nos detalhes’” (Costa, 2006, p. 47).
68
Nesse Congresso também ocorre a tão famosa entrevista que Günter
Lorenz consegue com Guimarães Rosa, tão avesso este a entrevistas, e ao ouvir
esta palavra de Lorenz, Rosa pede a este que:
“(...) não use essa horrível expressão “entrevista”. Eu certamente
não teria aceito seu convite se esperasse uma entrevista. As entrevistas
são trocas de palavras em que um formula ao outro perguntas cujas
respostas já conhece de antemão. Vim, como combinamos, porque
desejávamos conversar. Nossa conversa, e isso é o importante,
desejamos fazê-la em conjunto.” (Rosa, J.G., 1994, p. 29)
Essa “conversa” é de extrema importância na medida em que esclarece
alguns pontos acerca do processo de criação bem como da filosofia de vida de
Rosa. Voltaremos posteriormente a certos aspectos dessa “entrevista”, que foi
publicada no Brasil apenas após a morte do escritor, com o título de “Diálogo
com Guimarães Rosa”.
Nesse ano de ’65, a esposa de Rosa, Aracy, que com ele viveu
aproximadamente trinta anos, conta em entrevista como é o dia a dia do
escritor (publicado no jornal Última Hora de 20/06):
“Joãozinho quando escreve vive numa febre, numa exaltação,
num deslumbramento. Quando termina um livro, sente-se aliviado, mas
mal acaba de entregar os originais ao editor, já começa a pensar num
69
próximo. Não pára nunca. Em casa está sempre lendo, escrevendo,
estudando todo o tempo. [gosta de] comer bolo e tomar café frio,
quando escreve. Andar em fazendas. Uma vez acompanhou uma
boiada. Andar de ônibus, de olhos fechados, meditando durante o
trajeto. Aos domingos, de ônibus, costuma ir para longe. Usina,
Jacarepaguá. Gosta ainda de viajar pelo Brasil, que conhece muito bem,
e de ficar em casa, deitado numa rede, olhando o mar do Arpoador.
Daqui da varanda. [não gosta de] grã-finagem e vida social intensa, o
que não quer dizer que não saiamos esporadicamente.” (Costa, 2006, p.
47-8)
A frase de dona Aracy, de que ele “não pára nunca”, vem ao encontro
do que o autor certa vez falou sobre o mineiro, definindo-o, entre outros
atributos, como alguém que sabe a diferença entre agir e agitar; e Rosa, como
bom mineiro que era, mais agia que agitava. Talvez por isso fugia tanto das
pompas sociais bem como das entrevistas, como vimos. Tinha um sentido do
tempo muito particular, pois como achava que morreria cedo (o que de fato
aconteceu), julgava não ter muito tempo a perder com as desimportâncias da
vida.
Algumas idéias para contos “surgiram”, segundo Rosa, nesses passeios
de ônibus ou em caminhadas pelas ruas; foi o que se deu, por exemplo, com o
conto “A terceira margem do rio”, que, segundo ele, ocorreu-lhe quando
voltava a pé para casa e o conto quase que caiu-lhe, por completo, por sobre
sua cabeça, e teve de voltar correndo para casa para escrevê-lo.
70
Esse distanciamento das “agitações” públicas não incluía os fatos
referentes à escrita e aos livros, pois em 1966 Rosa participa do 34 Congresso
Internacional do Pen Clube, em Nova York, presidido por Arthur Miller e que
contou, entre seus participantes, com a presença de vários escritores latino-
americanos, como Mario Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Victoria Ocampo,
Emir Rodriguez Monegal (que posteriormente escreverá um texto contando de
seus encontros com o autor de Grande sertão: veredas, e sua admiração pelo
escritor) e Pablo Neruda.
Em carta escrita (10/1966) à jovem prima Lenice, citada anteriormente,
em que o autor responde a questionário sobre os idiomas que domina, entre
outras coisas, ele fala ainda sobre algumas questões pessoais como o livro
preferido, dizendo que é sempre o próximo, porém não se furta a comentar que
a novela de Corpo de Baile, Campo Geral (Miguilim), é uma de suas
preferidas: “Por quê? Porque ela é mais forte que o autor, sempre me
emociona; eu choro cada vez que a releio, mesmo para rever as provas
tipográficas. Mas o porquê, mesmo, a gente não sabe, são mistérios do mundo
afetivo”. Aconselha, ainda, a priminha de Curvelo- MG, e as amigas do grupo
a se importarem mais com a obra que com o autor, alegando que: “Os livros,
em si, é que são importantes. Os autores, não. O autor é uma sombra, a serviço
de coisas mais altas, que às vezes ele nem entende”.
Ainda em ’66, Rosa recebe do governador Israel Pinheiro a Medalha da
Inconfidência, e no final do ano, a dois de dezembro, a Condecoração da
Ordem de Rio Branco.
71
O ano de 1967 apresenta-se para João Guimarães Rosa repleto de fatos
e feitos, logo em janeiro viaja a Manaus para reunião com embaixadores, onde
passa uma semana. Em março vai ao México, para representar o Brasil no II
Congresso Latino-Americano de Escritores, atuando como vice-presidente. Em
maio, escreve ao amigo Pedro Barbosa contando que faz parte agora do
Conselho Federal de Cultura, nessa atribuição escreve um “Parecer sobre a
unificação da ortografia portuguesa” e posteriormente elabora pronunciamento
sobre o novo acordo ortográfico. Participa como júri, juntamente com Jorge
Amado e Antonio Olinto, do II Concurso Nacional de Romance “Walmap”.
Em meados desse ano, Rosa lança mais um livro de contos, Tutaméia
(Terceiras estórias), não havendo, como se sabe, um “segundas estórias” entre
este e o anterior, Primeiras estórias. Em relação a esse fato, o filósofo
Benedito Nunes inquire o escritor:
“Já tinham saído as Primeiras, então, eu perguntei: ‘E as
segundas? Essas são as terceiras!’ E ele disse: ‘Ah! Isso é um mistério
que eu não posso revelar!’ E então ficou no domínio do segredo, do
secreto, do oculto...” (Costa, 2006, p. 52)
Neste livro, o experimentalismo do autor chega a preocupar alguns
críticos, que temem que o autor se torne tão hermético a ponto de ficar
ininteligível. O livro apresenta dois índices diferentes, quatro prefácios e
quarenta e quatro contos. O índice tem ainda a peculiaridade de ser disposto em
ordem alfabética, com exceção dos contos que ao chegar em J. seguem-se G. e
72
R., ou seja, as iniciais do autor, e continua-se a ordem normal L, M etc. Os
experimentos formais são de tal ordem que tornam o livro de difícil
compreensão, porém o sucesso de vendas não foi diferente dos anteriores.
Segundo Paulo Rónai:
“(...) É nestes [prefácios] que, pela primeira vez, Guimarães
Rosa condescende em explicar-se; mas como que arrependido ao
mesmo tempo de romper um longo silêncio, envolve as suas
confidências em tantos véus de circunlóquios e metáforas que essa
auto-interpretação acaba por tornar o livro ainda mais hermético.”
(Rónai, P. 1973, p. 160)
Guimarães Rosa resolve finalmente tomar posse na Academia
Brasileira de Letras. Marca para 16 de novembro de 1967, data em que seu
antecessor completaria oitenta anos. O autor de Sagarana decide-se, porém não
sem muita apreensão (achava que morreria durante a posse), e ensaiou a leitura
várias vezes, lendo para amigos, combinou com Austregésilo de Athayde que
se se sentisse mal, passaria a mão sobre a testa e esse deveria encerrar a
cerimônia, suprimindo os cumprimentos, enfim, no dizer de Afonso Arinos:
“Na noite de 16, com o salão repleto, apesar da forte chuva que
caía na cidade, leu o discurso com perfeita dicção, voz pausada, ritmo
perfeitamente certo. Tinha ensaiado perfeitamente. Mas no fecho,
73
quando leu aquelas últimas, admiráveis e misteriosas linhas sobre a
morte, perdeu quase o fôlego. Sentia-se que chorava por dentro. Mas
chorava o quê? Chorava a morte do amigo que passara havia muito, ou
a própria que sentia chegar em pouco? Quem sabe? ‘O mundo é
mágico’, como ele disse no fim.” (Franco, A.A. de M., in Em memória
de João Guimarães Rosa, 1968, p. 148)
Relata ainda Arinos sobre o dia de 19 de novembro, dia da morte do
escritor que:
“A hora foi perto das 8 da noite. Contou-me a esposa que saíra
para a missa na igrejinha de Copacabana, que fica ao lado de onde
morava. Ele ainda lhe acenou da janela. Quando chegou, a netinha –
parece que era a única pessoa em casa – recebeu-a assustada: ‘- Vá ver
vovô’. Encontrou-o na poltrona angustiado. Os olhos
desmesuradamente abertos, quis falar, mas não pôde mais. Olhava
somente, parecia indagar e relatar tudo pelas pálpebras abertas: os olhos
como que voltados para dentro e para fora, para um e o outro mundo. A
senhora que era a sua secretária no Itamarati também lá estava e contou-
me que Rosa lhe chamara ao telefone, pedindo a assistência do marido
que é médico. Ela pensou em convocar o Pronto Socorro Cardíaco, mas
não podia fazê-lo, porque ele não desligava o telefone. Ela, então,
correu ao apartamento vizinho para fazer a ligação. Quando voltou,
74
Rosa ainda estava no aparelho e lhe disse apenas ‘Socorro’ e depois não
falou mais.” (Franco, A.A. de M. op.cit. p. 149)
Em seu discurso à Academia, Rosa ao falar da morte do amigo João
Neves da Fontoura, parecia estar referindo-se à própria, e emocionado disse
que “As pessoas não morrem, ficam encantadas”. Encantou-se o Joãozito,
lugar do coração, Cordisburgo.
***
Convém acrescentar alguns dizeres de Guimarães Rosa acerca de sua
forma de escrita, sua visão de mundo, enfim, sua palavra em sua própria voz, já
que o autor pouco falou de si. As frases aqui citadas foram retiradas da
entrevista a Günter Lorenz (1994), à qual nos referimos anteriormente.
“(...) Sim, fui médico, rebelde, soldado. Foram etapas
importantes de minha vida, e, a rigor, esta sucessão constitui um
paradoxo. Como médico, conheci o valor místico do sofrimento; como
rebelde, o valor da consciência; como soldado, o valor da proximidade
da morte...” (p. 31)
75
“(...) mas tudo: a vida, a morte, tudo é, no fundo, paradoxo. Os
paradoxos existem para que ainda se possa exprimir algo para o qual
não existem palavras. Por isso, acho que um paradoxo bem formulado
é mais importante que toda a matemática, pois ela prória é um
paradoxo, porque cada fórmula que o homem pode empregar é um
paradoxo.” (p. 32)
“Veja você, Lorenz, nós, os homens do sertão, somos fabulistas
por natureza. Está no nosso sangue narrar estórias; já no berço
recebemos esse dom para toda a vida. Desde pequenos, estamos
constantemente escutando as narrativas multicoloridas dos velhos, os
contos e lendas, e também nos criamos em um mundo que às vezes
pode se assemelhar a uma lenda cruel. Deste modo a gente se habitua, e
narra estórias que correm por nossas veias e penetra em nosso corpo,
em nossa alma, porque o sertão é a alma de seus homens. Assim, não é
de estranhar que a gente comece desde muito jovem. Deus meu! No
serão, o que pode uma pessoa faze do seu tempo livre a não ser contar
estórias? A única diferença é simplesmente que eu, em vez de contá-las,
escrevia.” (p. 33)
“(...) Eu trazia sempre os ouvidos atentos, escutava tudo o que
podia e comecei a transformar em lenda o ambiente que me rodeava,
porque este, em sua essência era e continua sendo uma lenda.” (p. 34)
“(...) Escrevo, e creio que este é o meu aparelho de controle: o
idioma português, tal como o usamos no Brasil; entretanto, no fundo,
enquanto vou escrevendo, eu traduzo, extraio de muitos outros idiomas.
76
Disso resultam meus livros, escritos em um idioma próprio, meu, e
pode-se dizer que daí não me submeto à tirania da gramática e dos
dicionários dos outros. A gramática e a chamada filologia, ciência
lingüística, foram inventadas pelos inimigos da poesia.” (p. 35)
“Não preciso inventar contos, eles vêm a mim, me obrigam a
escrevê-los. Acontece-me algo assim como vocês dizem em alemão:
Mich reitet auf einmal Teufel, que neste caso se chama precisamente
inspiração. Isto me acontece de forma tão conseqüente e inevitável, que
às vezes quase acredito que eu mesmo, João, sou um conto contado por
mim mesmo. É tão imperativo...” (p. 35)
“(...) Minha biografia, sobretudo minha biografia literária, não
deveria ser crucificada em anos. As aventuras não têm tempo, não têm
princípio nem fim. E meus livros são aventuras; para mim são minha
maior aventura. Escrevendo, descubro sempre um novo pedaço de
infinito. Vivo no infinito; o momento não conta. Vou lhe revelar um
segredo: creio já ter vivido uma vez. Nesta vida, também fui brasileiro e
me chamava João Guimarães Rosa. Quando escrevo, repito o que vivi
antes. E para estas duas vidas um léxico apenas não me é suficiente. Em
outras palavras: gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São
Francisco. O crocodilo vem ao mundo como um magister da metafísica,
pois para ele cada rio é um oceano, um mar de sabedoria, mesmo que
chegue a ter cem anos de idade. Gostaria de ser um crocodilo, porque
amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem. Na
superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são
tranqüilos e escuros como os sofrimentos dos homens. Amo ainda mais
77
uma coisa de nossos grandes rios: sua eternidade. Sim, rio é uma
palavra mágica para conjugar eternidade.” (p. 37)
“(...) Não deve haver nenhuma diferença entre homens e
escritores; esta é apenas uma maldita invenção dos cientistas, que
querem fazer deles duas pessoas totalmente distintas. Acho isso
ridículo. A vida deve fazer justiça à obra, e a obra à vida. Um escritor
que não se atém a esta regra não vale nada, nem como homem nem
como escritor.” (p. 38)
“(...) o escritor, o bom escritor, é um arquiteto da alma.” (p. 40)
“(...) Deve-se apenas partir do princípio de que há dois
componentes de igual importância em minha relação com a língua.
Primeiro: considero a língua como meu elemento metafísico, o que sem
dúvida tem suas conseqüências. Depois, existem as ilimitadas
singularidades filológicas, digamos, de nossas variantes latino-
americanas do português e do espanhol, nas quais também existem
fundamentalmente muitos processos de origem metafísica, muitas
coisas irracionais, muito que não se pode compreender com a razão
pura. O elemento metafísico...” (p. 45)
“(...) Meu lema é: a linguagem e a vida são uma coisa só. Quem
não fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive; e como a
vida é uma corrente contínua, a linguagem também deve evoluir
constantemente. Isto significa que como escritor, devo me prestar
contas de cada palavra e considerar cada palavra o tempo necessário até
ela ser novamente vida. O idioma é a única porta para o infinito, mas
78
infelizmente está oculto sob montanhas de cinzas. Daí resulta que tenha
de limpá-lo, e como é a expressão da vida, sou eu o responsável por ele,
pelo que devo constantemente umsorgen. Soa a Heidegger, não? Ele
construiu toda uma filosofia muito estranha, baseado em sua
sensibilidade para com a língua, mas teria feito melhor contentando-se
com a língua. Sim, com isto eu já disse todo o fundamental sobre minha
relação com a língua. É um relacionamento familiar, amoroso. A língua
e eu somos um casal de amantes que juntos procriam apaixonadamente,
mas a quem até hoje foi negada a bênção eclesiástica e científica.
Entretanto, como sou sertanejo, a falta de tais formalidades não me
preocupa. Minha amante é mais importante para mim.” (p. 47)
“O bem-estar do homem depende do descobrimento do soro
contra a varíola e as picadas de cobras, mas também depende de que ele
devolva à palavra seu sentido original. Meditando sobre a palavra, ele
se descobre a si mesmo. Com isso ele repete o processo da criação.
Disseram-me que isto era blasfemo, mas eu sustento o contrário. Sim!
A língua dá ao escritor a possibilidade de servir a Deus corrigindo-o, de
servir ao homem e de vencer o diabo, inimigo de Deus e do homem.”
(p. 48)
“(...) Legítima literatura deve ser vida. Não há nada mais terrível
que uma literatura de papel, pois acredito que a literatura só pode nascer
da vida, que ela tem de ser a voz daquilo que eu chamo “compromisso
do coração”. A literatura tem de ser vida! O escritor deve ser o que ele
escreve.” (p. 48)
79
“Não sou um revolucionário da língua. (...) Se tem de haver uma
frase feita, eu preferiria que me chamassem de reacionário da língua,
pois quero voltar cada dia à origem da língua, lá onde a palavra ainda
está nas entranhas da alma, para poder lhe dar luz segundo a minha
imagem.” (p. 49)
“Escrever é um processo químico; o escritor deve ser um
alquimista. Naturalmente, pode explodir no ar. A alquimia do escrever
precisa de sangue do coração. Não estão certos, quando me comparam
com Joyce. Ele era um homem cerebral, não um alquimista. Para poder
ser feiticeiro da palavra, para estudar a alquimia do sangue do coração
humano, é preciso provir do sertão.” (p. 49)
“(...) Expondo-me ao perigo de que meus leitores alemães me
apedrejem, ou, o que seria pior, não leiam meus livros por eu esta
atentando contra o que eles têm de mais sagrado, eu lhe digo: Goethe
nasceu no sertão, assim como Dostoievski, Tolstoi, Flaubert, Balzac;
ele era, como os outros que eu admiro, um moralista, um homem que
vivia com a língua e pensava no infinito.” (p. 49)
“Somente renovando a língua é que se pode renovar o mundo.
Devemos conservar o sentido da vida, devolver-lhe esse sentido,
vivendo com a língua. Deus era a palavra e a palavra estava com Deus.
Este é um problema demasiado sério para ser largado nas mãos de uns
poucos ignorantes com vontade de fazer experiências. O que chamamos
hoje linguagem corrente é um monstro morto. A língua serve para
expressar idéias, mas a linguagem corrente expressa apenas clichês e
80
não idéias; por isso está morta, e o que está morto não pode engendrar
idéias. Não se pode fazer dessa linguagem corrente uma língua literária,
como pretendem os jovens do mundo inteiro sem pensar muito.” (p. 52)
“No dia em que completar cem anos, publicarei um livro, meu
romance mais importante: um dicionário. Talvez um pouco antes. E
este fará as vezes de minha autobiografia.” (p. 53)
81
Capítulo III
“Esta obra por fazer exigia esta vida por viver”
O artista é a origem da obra, a obra é a origem do artista.
Heidegger
Após ter discutido a possibilidade ou não de se fazer uma biografia,
bem como a realização da biografia do escritor João Guimarães Rosa. Vamos
agora nos ater à questão da relação autor-obra, levando-se em conta alguns
conceitos de Merleau-Ponty para tentarmos dar uma resposta à questão da
criação. A relação autor-obra é evidente, quando se pensa nas artes em geral
bem como para nós na literatura em particular.
A intenção não é fazer uma “leitura” do escritor via obra, apontando
para aspectos da vida do autor correlacionando-os com trechos ou obras deste
mesmo autor, por achar esse expediente extremamente tedioso, apesar de em
geral as obras apresentarem lá algumas correspondências com a vida de seu
criador. O que buscamos é o “algo” que leva o autor a criar, é atentar para o
“quem” dos textos e do autor em correlação, ou melhor para o silêncio de onde
se origina a obra.
82
Segundo Merleau-Ponty “O ser é o que exige de nós criação para que
dele tenhamos experiência”, ora a experiência a que se refere o autor é a do
mundo vivido, lugar único de onde se é possível dar à luz a criação, por que dar
à luz a criação e não apenas à obra?, por que a obra é o próprio ato da criação
implicado nela, não se cria sem o necessário ato criativo implicado na criação.
Como explicita Chaui, acerca de Merleau-Ponty:
“Por que criação? Porque entre a realidade dada como um fato,
instituída, e a essência secreta que a sustenta por dentro há o momento
instituinte no qual o ser vem a ser: para que o ser do visível venha à
visibilidade, solicita o trabalho do pintor; para que o ser da linguagem
venha à expressão, pede o trabalho do escritor; para que o ser do
pensamento venha à inteligibilidade, exige o trabalho do filósofo.”
(Chaui, M. 2002, p. 151-2)
Assim, podemos pensar na criação surgindo não de um fora qualquer,
de uma elaboração estabelecida pela razão apenas, mas do interior da própria
vida vivida. O autor não transmite conscientemente seu ser para a obra, mas
participa desse momento instituinte, quer dizer, só é possível, segundo esse
raciocínio, o instituído por que o instituinte o está sustentando. O instituinte,
nesse sentido é o quiasma que possibilita e sustenta o instituído. Ou seja, o
escritor se expressa na medida mesma em que o ser da linguagem assim o
“solicita”.
83
Segundo Chaui (lendo Merleau-Ponty), o que “amarra num tecido único
experiência, criação, origem e Ser” é o laço que prende Espírito Selvagem e o
Ser Bruto. Assim:
“O Espírito Selvagem é atividade nascida de uma força – ‘eu
quero’, ‘eu posso’ – e de uma carência ou lacuna que exigem
preenchimento significativo. O sentimento do querer-poder e da falta
suscita a ação significadora que é, assim, experiência ativa de
determinação do indeterminado: o pintor desvenda o invisível; o
escritor quebra o silêncio; o pensador interrompe o impensado.
Realizam um trabalho no qual vem exprimir-se o co-pertencimento de
uma intenção e de um gesto inseparáveis, de um sujeito que só se efetua
como tal porque sai de si para ex-por sua interioridade prática como
obra.” (Chaui, 2002, p. 153.)
Dessa forma, o espírito selvagem é que possibilita a realização da obra
no sentido de que é por intermédio dele que essa mesma obra se faz da
necessidade de um ato ou gesto, suscitado por uma falta que pede uma
determinada experiência criadora que a signifique.
Somente agindo é que o artista faz com que a lacuna se preencha de
significação. Assim, a intenção e o gesto instauram a expressão original do
artista, vale aqui a frase que diz que “o caminho só se faz ao caminhar”.
Merleau-Ponty nos diz que o “criador não se contenta em ser um animal culto,
mas vai à origem da cultura para fundá-la novamente”, e fundá-la é de certa
84
maneira fazer com que ela surja do instituído da cultura a partir desse gesto
instituinte, que em última instância é o gesto criador. É nesse sentido que
Merleau-Ponty
“(...) fala numa visão, numa fala e num pensar instituintes que
empregam o instituído – a cultura – para fazer surgir o jamais visto,
jamais dito, jamais pensado – a obra.” (Id. Ibid, p. 155)
E, por outro lado, o que vem a ser o Ser Bruto? Segundo Merleau-
Ponty, é o “ser da indivisão, que não foi submetido à separação (...) entre
sujeito e objeto, alma e corpo, consciência e mundo, percepção e pensamento”
(id. Ibid, p.155). Ainda, o Ser Bruto:
“(...) é o originário, não como algo passado que se desejaria
repetir ou ao qual se desejaria regressar, mas a origem como o aqui e o
agora que sustenta, pelo avesso, toda forma de expressão”. (Id. ibid. p.
155)
O ser bruto propicia de certa maneira o “fundo do qual e no qual a
criação emerge”. Assim, o entrelaçamento entre os dois, espírito selvagem e ser
bruto, é que possibilita a criação, é que dá a substância para que toda e
qualquer criação surja, se faça, pois que
85
“(...) o invisível permite o trabalho de criação do visível, o
indizível o do dizível, o impensável, o do pensável.”, e;
“(...) O mundo da cultura, fecundidade que passa, mas não
cessa, é o parto interminável do Ser Bruto e do Espírito Selvagem.” (Id.
Ibid, p. 155-6)
Voltemos, pois, a Guimarães Rosa, para entender em que tudo isso
pode nos ajudar a perceber a relação autor-obra bem como a criação nesse
autor.
Vemos, ao escrever a biografia de Rosa que este vive diversos eventos
por toda a sua história. Esses eventos são compostos tanto pelo que aconteceu
com ele quanto pelo que ele ouviu, leu, presenciou, sentiu, enfim por tudo
quanto se lhe esteve de alguma forma presente ao espírito, direta ou
indiretamente, tudo aquilo a que esteve exposto, tudo quanto ele habitou ou
mesmo foi habitado por ele.
Assim, aos poucos, foi-se criando em seu interior todo um lastro que
em última instância pode ser denominado cultura. Essa cultura interna, e
também por que não dizer externa, é o que motiva a obra, porém não é o que a
engendra como ato criativo. Não é o fato de Rosa ter presenciado diversas
guerras ou ter sido médico, ou também um revolucionário, ou diplomata que
vão, numa ligação direta, ser o gesto originário de sua escrita ou criação.
86
A vida do artista, nesse sentido, fornece o necessário para sua criação.
Quando Rosa aprende idiomas, desde a mais tenra infância, ou mesmo quando
conta para si histórias, criando lugares geográficos e preenchendo-os com
personagens, ou ao escutar os causos contados na mercearia de seu pai, bem
como quando observa as boiadas chegando em sua cidade natal e
encaminhando-se para os currais atrás da estação de trem, os livros que lia
escondido, as estratégias de guerra criadas com seu amigo padre, ou ainda os
livros lidos na biblioteca municipal, as ansiedades de médico no medo da perda
dos pacientes, o teste no Itamarati bem como suas conseqüentes viagens pelo
mundo. Tudo isso, seu entorno, e mais, tudo o quanto de uma maneira ou outra
estiveram em contato com o autor marcaram-no com o que se poderia chamar
de sua vida vivida. Essa vida vivida, ainda que não estabeleçam o gesto
criativo, faz parte de toda uma cultura instituída, que lhe servirá de motivo.
Podemos dizer ainda que essa vida vivida se estabelece a partir da
relação do corpo com o mundo, assim
“A relação corpo-mundo é estesiológica: há a carne do corpo e a
do mundo; há em cada um deles uma interioridade que se propaga para
o outro numa reversibilidade permanente. (...) Corpo e mundo são um
‘campo de presença’ onde emergem todas as relações da vida
perceptiva e do mundo sensível. Há um logos do mundo estético, um
campo de significações sensíveis constituintes do corpo e do mundo. É
esse logos do mundo estético que torna possível a intersubjetividade
como intercorporeidade, e que, através da manifestação corporal na
87
linguagem, permite o surgimento do logos cultural, isto é, do mundo
humano da cultura e da história.” (Chaui, 1980, p. XI)
A cultura instituída, tanto interna quanto externamente, como dissemos,
não faz escrever, quando muito pode fornecer a história imóvel de fatos dados
no correr dos tempos – isto é, a tradição –, o que pode auxiliar a caminhar pelo
mundo, mas o que efetivamente lhe proporciona a possibilidade de criação
originária, é a experiência.
Merleau-Ponty faz coincidir os termos experiência e iniciação, nesse
sentido, no dizer de Chaui:
“A palavra experiência parece opor-se à palavra iniciação. De
fato, a primeira, composta pelo prefixo latino ex – para fora, em direção
a – e pela palavra grega peras – limite, demarcação, fronteira –,
significa um sair de si rumo ao exterior, viagem e aventura fora de si,
inspeção da exterioridade. A segunda, porém, é composta pelo prefixo
latino in – em, para dentro, em direção ao interior – e pelo verbo latino
eo, na forma composta ineo – ir para dentro de, ir em – da qual se
deriva initium – começo, origem. Iniciação pertence ao vocabulário
religioso de interpretação dos auspícios divinos no começo de uma
cerimônia religiosa, donde significar: ir para dentro de um mistério,
dirigir-se para o interior de um mistério. Ora, se o sair de si e o entrar
em si definem o espírito, se o mundo é carne ou interioridade e a
consciência está originariamente encarnada, não há como opor
88
experientia e initiatio. (...) Percebida, doravante, como nosso modo de
ser e de existir no mundo, a experiência será aquilo que ela sempre foi:
iniciação aos mistérios do mundo.” (id. ibid, p. 161)
É a experiência que nos proporciona atravessar “a carapaça da cultura
instituída e desnudar o originário de um mundo visível, sonoro e falante”. A
experiência, nesse sentido, nos franqueia o acesso aos mistérios do mundo, que
se encontram para além da cultura instituída.
Podemos, ainda, dizer da experiência que “é algo que age em nós
quando agimos, como se fôssemos agidos no instante mesmo em que somos
agentes”. Rosa, como se viu na biografia, aponta para o fato de sentir-se
“falado pela linguagem que o empurra a escrever”, muitas vezes, como vimos
em suas cartas, ele narra que alguns de seus textos quase que caíram por sobre
a sua cabeça, já prontos (como o conto A terceira margem do rio), em outros
momentos nos conta que escreve como se estivesse “possuído”, ou em outro
momento diz que escreve como se estivesse “atuado”.
Guimarães Rosa tem verdadeiro fascínio pelo mistério. Podemos ver
nessa carta do autor a seu tradutor alemão, Curt Meyer-Clason, acerca do livro
Corpo de Baile, o quanto sua concepção de mistério e experiência se aproxima
da do filósofo francês:
“O Corpo de Baile tem de ter passagens obscuras. Isto é
indispensável. A excessiva iluminação, geral, só no nível do raso, da
89
vulgaridade. Todos os meus livros são simples tentativas de rodear e
devassar um pouquinho o mistério cósmico, esta coisa movente
impossível, perturbante, rebelde a qualquer lógica, que é chamada
‘realidade’, que é a gente mesmo, o mundo, a vida. Antes o óbvio, que
o frouxo. Toda lógica contém inevitável dose de mistificação. Toda
mistificação contém boa dose de inevitável verdade. Precisamos
também do obscuro.” (Rónai, P.1973, p. xxi)
A experiência se dá não no “nível do raso”, mas no fundo, ou seja,
como diz o próprio Merleau-Ponty, ela é o fundo mesmo que sustenta a
manifestação da própria experiência e esse fundo é por vezes figura e outras
retorna a ser fundo, são reversíveis.
Assim, esse fundo jamais é alcançado, é presença e ausência ao mesmo
tempo. E tampouco pode ser completo na medida mesma em que é uma
presença que implica sua ausência, e uma ausência pede uma presença; assim,
“se o fundo é ... um vazio que pede preenchimento, ele é também, e
simultaneamente, um excesso” (Chaui, 2002, 166).
“(...) o que nos leva a buscar novas expressões é o excesso do
que queremos exprimir sobre o que já foi expresso. A cultura sedimenta
e cristaliza as expressões, mas o instituído carrega um vazio e um
excesso que pedem nova instituição, novas expressões.” (Id. ibid. p.
166.)
90
O excesso nos aponta para a multiplicidade das expressões que se
engendram em si mesmas a partir de sua capacidade de significações, ou seja
as significações nunca cabem nos significantes, ou seja sempre há um
transbordamento. Sempre que se expressa um determinado algo, há um excesso
de possibilidades significativas na expressão desse algo que é característico da
própria linguagem.
“(...) a linguagem não está a serviço do sentido, nem todavia, o
governa. Não há subordinação entre eles. Aqui ninguém manda nem
obedece. O que queremos dizer não se mostra, fora de toda palavra,
como pura significação. Não é senão o excesso de que vivemos sobre o
que já foi dito. Encontramo-nos com nossos recursos de expressão
numa situação à qual é sensível, confrontamo-lo a ela e nossos dizeres
não são senão o balanço final desse intercâmbio.” (Merleau-Ponty, M.
1980, p. 175)
A linguagem desempenha papel preponderante na escrita de Guimarães
Rosa, seu trabalho lingüístico é exaltado muitas vezes como sua maior
contribuição no contar histórias. Poderíamos dizer que este é um escritor
“babélico”, na medida em que aprende e apreende uma infinidade de línguas.
Pode-se dizer também, em última instância, que tanto para achar as raízes de
seu próprio idioma quanto para tentar chegar a uma forma de linguagem que se
depurasse de tudo o quanto vai carregando pelo caminho e buscasse seu ser
91
mais puro, convém pensar, nesse sentido, que Rosa não foi um revolucionário
da língua, mas um conservador. Como nos diz o próprio autor,
“(...) eu preferiria que me chamassem de reacionário da língua,
pois quero voltar cada dia à origem da língua, lá onde a palavra ainda
está nas entranhas da alma, para poder lhe dar luz segundo a minha
imagem.” (Lorenz, G. 1994, p. 49)
Quanto mais se chega à linguagem pura, livre dos significados que a
fizeram estancar em seu poder de sugerir novas e infinitas significações – como
diz Merleau-Ponty, citando Mallarmé, “linguagem como moeda gasta que
passa de mão em mão” –, mais se amplia as possibilidades de expressão dessa
própria linguagem. Como nos aponta Rosa, referindo-se a um de seus métodos
de criação lingüística,
“(...) há meu método que implica na utilização de cada palavra
como se ela tivesse acabado de nascer, para limpá-la das impurezas da
linguagem cotidiana e reduzi-la a seu sentido original.” (Lorenz, G.
1994, p. 46)
Há a linguagem cotidiana, do dia a dia, aquela de que nos valemos para
a comunicação. Essa linguagem, que está a serviço da comunicação diária,
92
sedimenta determinados sentidos em certas expressões, diminuindo assim o
poder criador inerente às suas possibilidades expressivas.
Nesse sentido, pode-se pensar em dois níveis da linguagem, o primeiro
relativo à fala cotidiana, cujos significados não são muito cambiantes, já que
ela deve ser mais pontual acerca do que expressa, ou seja, é uma fala que vai se
constituindo quando de um diálogo, uma fala não pensada, não elaborada e que
deve lidar com certa fixidez de suas significações, para que seu conteúdo seja
expresso sem muitas possibilidades interpretativas.
Um segundo nível é aquele em que a linguagem está em sua forma mais
criativa, como gesto inaugural, em que há estranhamento e nesse sentido um
significante carrega em si múltiplas possibilidades de expressão, essa é a
linguagem do poeta, do escritor. Linguagem carregada de significado. Acerca
desses dois níveis Merleau-Ponty nos diria que:
“Num primeiro nível, as palavras faladas ou escritas não
passam de simples sons ou marcas de tinta sobre o papel, e a
comunicação se realiza como se não tivesse havido linguagem. O
extremo de tal situação são os clichês, as palavras vazias, as frases-
feitas, as palavras de ordem ditas maquinalmente. (...) Nessa linguagem
bastante usual, pode-se dizer que o signo já está preestabelecido e que a
própria linguagem já está ‘feita’. Num segundo nível de reflexão sobre
a linguagem, Merleau-Ponty elabora o conceito de linguagem falante,
criativa concebida como ‘aquela na qual a intenção significativa se
encontra em estado nascente’. Nela se encontra a fala autêntica ou
93
originária, a que nos surpreende e que pode chocar ou causar
estranhamento. É a verdadeira palavra que traz consigo o poder de
significar e passa a ser mais eloqüente (ou mais expressiva) por estar
‘ausente’ de toda comunicação corriqueira. Para Merleau-Ponty, essa
palavra libera o sentido cativo na coisa.” (Carmo, P. S., 2002, p. 114-5)
Quanto a esse primeiro nível, principalmente quando chega ao exagero
dos clichês ou frases-feitas, Guimarães Rosa, verdadeiramente abominava e
estabelecia guerra aberta contra eles, como quando ao invés de utilizar, por
exemplo, a frase “Estava a um palmo do meu nariz”, escreve, “Estava a
antenazal de mim a palmo”, e como esse existe uma infinidade de expressões
feitas que ele lança no campo do segundo nível, causando estranhamento e uma
abertura aos possíveis significados, ele realiza assim uma espécie de “limpeza”
da expressão que já se encontrava imobilizada pelo uso, lançando-a no âmbito
da linguagem falante merleaupontyana. Linguagem falante essa que:
“(...) é o falar criador; que surpreende, que pode causar
estranhamento. Ela intervém na elaboração de um texto literário, poema
ou filosofia: as palavras para o escritor, poeta ou filósofo são esculpidas
ou polidas à exaustão. No caso do poeta, ele usa as palavras de modo
não convencional, medita sobre elas, preocupa-se com sua raiz, trabalha
com sua multiplicidade de sentidos ou redundância, sua sonoridade, dá-
lhes polimento, criando, até mesmo, novos significados para conduzi-
los ao extremo limite da expressão.” (Carmo, P. S., 2002, p. 115)
94
Ora, como vimos na biografia, Rosa despendeu boa parte de sua
existência a, além de escrever, re-escrever seus textos, haja vista a quantidade
de modificações percebidas nas diversas edições de seus livros, a ponto de o
próprio editor proibi-lo de realizar novas modificações, matrizando os tipos da
impressão de Sagarana, por exemplo, como vimos em sua biografia. Para
Rosa, o ideal era escrever um livro e reescrevê-lo pelo resto da vida ou, como
ele mesmo diz, por pelo menos três gerações, os filhos e netos deveriam
continuar o processo de re-escritura e correção.
Como a linguagem possui desvios, lacunas, silêncios, o escritor fica,
num certo sentido, à mercê do que ele mesmo não sabe que disse e em geral
busca dizer e se expressar de maneira que a linguagem sempre mantenha essa
abertura às significações de forma a não se sedimentar em um sentido único e
fechado, pois “Muitas vezes a linguagem diz decisivamente quando renuncia a
dizer a coisa mesma” (Merleau-Ponty, 1960). O que o escritor procura fazer é
num certo sentido buscar essa abertura na linguagem para que o não dizer
possa se fazer dizer, e suscitar significações que apontem para outras possíveis,
não permitindo que a língua se imobilize, se sedimente. Nunca se deve fazer
justiça à palavra justa.
“(...) o potencial expressivo de uma obra está no fato de ela ser
capaz de falar muito mais do que aquilo que já foi dito. Há que se
encontrar na obra literária (...) muito mais do que idéias; devem-se
buscar ‘matrizes de idéias’, que nos forneçam temas, pistas, ganchos,
95
emblemas e interrogações, ‘cujo sentido não cessará nunca de se
desenvolver’, uma vez que a linguagem ultrapassa o que foi enunciado.
Dessa maneira, em vez de apenas oferecer respostas já prontas, a obra
desperta pensamentos e idéias que já estavam presentes em nós e
incitam novas buscas.” (Carmo, P.S. 2002, p. 124)
A obsessão de Rosa com as palavras justifica-se nessa intenção de
abertura para as múltiplas significações permitidas pela linguagem. Nesse
sentido, o escritor acaba praticamente por inventar um novo léxico, que traz em
sua estrutura algo de familiar. Ao lermos seus livros, deparamo-nos com o
estranhamento de expressões pouco ou nada usuais, porém essas expressões
vibram em nós alguns significados que possibilitam o entendimento.
Sua forma de criar palavras contém em si as próprias chaves de sua
leitura, os desvios, as dobraduras das palavras sobre si mesmas ao mesmo
tempo em que nos lança no inusitado, deixa-nos a sensação de algo familiar,
ele nos propõe várias camadas de significações e nos coloca na posição de
arqueólogos que devem escavar essas significações, mas não em busca de um
único significado, porém mantendo-se as próprias significações pelas quais se
entrou em contato durante a escavação, já que cada camada se desdobra em
novas significações possíveis.
A forma com que Rosa estabelece sua literatura, bem como a
implicação do autor com o gesto criativo, é de tal maneira forte que nos leva a
retornar ao ponto de partida, ou seja a relação escritor-obra de arte.
96
“Referindo-se a Cézanne diz Merleau-Ponty: É certo que a vida
não explica a obra, porém é também certo que se comunicam” (SnS,
p.38). É na obra que se encontram traços da vida do artista; ele se
inspira em suas próprias experiências. Para realizar sua liberdade ele se
serve dos próprios obstáculos que o tolhem. Exprimindo para si aquilo
que o atormenta ou o alegra, o pintor exprime-o também para outros. A
transformação da situação dada numa nova situação mostra que ‘seu
estilo não é o estilo de sua vida, mas esta o leva, por sua vez, à
expressão.” (Carmo, P.S. 2002, 135)
Como se dá essa comunicação entre a vida e a obra? A resposta é dada
tanto na própria citação quanto em passagens anteriores quando falamos do
gesto criativo em relação aos fatos cotidianos do artista.
Como vimos, uma obra se inicia por um gesto originário pré-reflexivo,
a experiência criadora e uma falta que necessita de preenchimento
“(...) sentido pelo sujeito como intenção de significar alguma
coisa muito precisa e determinada, que faz do trabalho para realizar a
intenção significativa o próprio caminho para preencher seu vazio e
determinar sua indeterminação, levando à expressão o que ainda e
nunca havia sido expresso”. (Chaui, M. 2002, p. 153)
97
Ou seja, para preencher essa lacuna o autor busca significar algo, e é
por meio da realização dessa intenção significativa que ele se expressa,
expressão que vai se valer de motivos, intrínsecos ao próprio autor, que são as
experiências de sua vida vivida.
A partir do gesto criativo original o artista, para se expressar, deve se
valer da linguagem, mas não da linguagem cotidiana e usual, ainda que
partindo dela, deve buscar o que há de estranhamento ou de ambíguo, e quanto
mais se distanciar da linguagem cotidiana mais ele atribui significações a essa
linguagem, possibilitando-se assim levar as expressões a seu grau mais elevado
de possibilidades significativas.
Segundo Merleau-Ponty, lido por Chauí.
“As condições iniciais do trabalho artístico são o monograma e
o emblema de uma vida que se interpreta a si mesma livremente,
tornando-se obra. A vida não explica casualmente a obra. Vida e obra se
comunicam, e “a verdade é que esta obra por fazer exigia esta vida por
viver”. São uma só aventura. A obra revela o sentido metafísico da
vida: não é destino nem absurdo, mas uma possibilidade geral para
aquele que enfrenta o problema da expressão.” (Chaui, M. 2002, p. 173-
4)
Nesse sentido, seria absurdo pensar em Drummond escrevendo Grande
sertão: veredas, bem como Guimarães compondo A Rosa do povo, pois as
98
vidas por se fazer exigem determinadas vidas específicas para se viver e elas se
concretizam apenas ao se realizarem como tais e tais.
Rosa não escreveu o que viveu, porém sua obra respondeu à sua vida na
medida em que a “obra de arte não é efeito das condições dadas, mas resposta
a elas, por isso é enraizamento e ultrapassamento...” (id. ibid. p. 175)
E no dizer de nosso autor:
“Legítima literatura deve ser vida. Não há nada mais terrível que
uma literatura de papel, pois acredito que a literatura só pode nascer da
vida, que ela tem de ser aquilo que eu chamo ‘compromisso do
coração’. A literatura tem de ser vida! O escritor deve ser aquilo que ele
escreve.” (Lorenz, G. 1994, p. 48)
99
Considerações finais
Diante das questões iniciais acerca dos processos de criação em relação
à vida e engendramento da obra do escritor, optamos por estabelecer uma
biografia que nos mostrasse a vida e talvez permitisse uma certa apreensão da
forma como esse autor poderia dispor de um arcabouço de possibilidades para
criar e como essa criação estaria fazendo juz a essa vida.
Inicialmente, vimo-nos às voltas com a legitimidade de se fazer uma
biografia e essa mesma ser “representativa” (ou, melhor, seria “apresentativa”)
do autor e não apenas uma simples criação de um personagem estabelecida
pelo criador da biografia, questão essa que acreditamos ter sido devidamente
justificada por Merleau-Ponty.
A escrita da biografia colocou-nos em contato com o que,
posteriormente, como vimos em Merleau-Ponty, iríamos pensar como o
instituído, a cultura, que seria uma espécie de lastro, o qual possibilitaria o
motivo da criação rosiana.
Porém, o que estaria na base da criação de Guimarães Rosa, ou melhor
o que seria originário em sua criação, encontra-se, como desenvolvido no
100
capítulo Esta obra por fazer exigia esta vida por viver, em um gesto criativo
que estaria num âmbito pré-reflexivo.
Não citamos a obra e tampouco fizemos referência a essa, salvo em
algumas exceções, por estarmos enfocando a criação a partir desse gesto
criativo, que se encontrará efetivado no conjunto de seu trabalho como escritor
e artista.
É redundante falar da originalidade bem como da profundidade da obra
de Guimarães Rosa, porém o que pouco se buscou, e que é o motivo desse
trabalho, é o gesto criativo inicial, o “quem” da criação. Esse gesto inicial,
originário, nos foi aclarado por Merleau-Ponty, que nos serviu de base para a
análise que se seguiu após a biografia do nosso autor.
Para concluir, só nos resta dizer, à la Rosa, que Merleau-Ponty também
era um sertanejo, pois só um sertanejo teria acesso aos mistérios que envolvem
a criação.
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ROSA, J.G. Edições Obra Completa. Rio de Janeiro, Aguilar. 1994
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_________. Sagarana. Rio de Janeiro, Nova Fronteira,1946/2006. Ed.
Comemorativa.
_________. Corpo de baile. Rio de Janeiro, Nova Fronteira,1956/2006.
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Fronteira,1956/2006. Ed. Comemorativa.
_________. Estas estórias. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1969.
_________. Tutaméia (Terceiras histórias). Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1967
ROSA, V. G. Relembramentos: João Guimarães Rosa, meu pai. 2. ed.
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VVAA. Em memória de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro, José
Olympio Editora, 1968.
VVAA. Cadernos de Literatura Brasileira. João Guimarães Rosa. São
Paulo, Instituto Moreira Salles, 2006.
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