25
Há que se pensar quem convida quem para a contra-dança. O
convidado sempre terá mais exigência de submissão. Resta, então,
fazer rigoroso exame para ver o que, do objeto institucional, pôde ser
mantido para que se garanta, ainda que em condições básicas, seu
exercício como tal. (GUIRADO, 2003, p.17).
Retornemos ao trabalho de Brito. Apoiada em estudos psicanalíticos de Pierre
Legendre
14
e de Françoise Dolto
15
– nos quais o primeiro questiona se os profissionais
psi não estariam se convertendo em juízes ocultos, enquanto a segunda, na mesma
linha, define que é apenas do juiz a função de decidir –, Brito afirma que a atuação dos
psi é diferente da do juiz, portanto não visa a substituir a do magistrado e,
conseqüentemente, não exclui a possibilidade de este manter suas dúvidas, pois é a ele,
e apenas a ele, que são atribuídas as funções de julgar e de decidir.
Na mesma linha, Dayse Bernardi, psicóloga social e jurídica, cujas reflexões e
pesquisa se baseiam no trabalho realizado no Tribunal de Justiça de São Paulo, analisa
como a Psicologia Jurídica que, como vimos acima, teve sua origem ligada à Psicologia
do Testemunho, na área penal, tem uma tradição fortemente impregnada pelo ideário
positivista. Reafirma, com Brito (1993), que o enfoque dado por Mira y Lopez, no
Manual de Psicologia Jurídica – que definiu a Psicologia Jurídica como eminentemente
probatória e centrada no estudo das condutas para descobrir as causas dos desvios –
contribuiu para defini-la como uma ciência auxiliar nas decisões judiciais e conferir ao
psicólogo um lugar de perito (BERNARDI, 2005b, p. 63ss).
Bernardi conclui que, embora essa tradição ainda sustente a atuação do
psicólogo na interface com o Direito, tal perspectiva também vem sendo questionada e
ampliada. De acordo com a pesquisadora:
O modelo pericial tem estabelecido o substrato da prática do
psicólogo no Judiciário, nos diversos âmbitos do Direito, como um
profissional que, por deter conhecimentos especializados sobre a
14
Com respeito ao pensamento de Legendre, no tocante à relação Direito e Ciências Humanas, cito
Douville: “Entretanto é possível julgar a modernidade afastando-se das idealizações ou das condenações
de fachada, colocando-se a questão do estatuto das ciências sociais, antropológicas e psicológicas em
relação ao estatuto do jurídico. O que é considerado como um progresso científico, este progresso que,
por exemplo, faria do psicanalista um perito em psiquismo, funciona por um mecanismo de recalcamento.
Seria esquecer o fenômeno jurídico [...]. Este esquecimento é um recalcamento e deve-se, pois, esperar os
efeitos de retorno do recalcado.
O diagnóstico de Pierre Legendre é claro: no clima cientificista
dominante, as ditas ciências humanas citadas acima assumem uma função caricatural de ciência jurídica,
e transformam a interpretação da relação do humano ao direito, ao mesmo tempo degradando-a”
(DOUVILLE, 2004, p.137, grifos meus).
15
No livro Quando os pais se separam, Françoise Dolto (1989) afirma que, na separação, a criança deve
ter o direito de conviver com ambos os genitores. Calcada nessa mesma idéia, no artigo Criança: sujeito
de direitos nas Varas de Família?, Brito (2004) questiona se o critério de ”melhor interesse da criança”
estaria presente nos pedidos de uma avaliação que indique qual dos genitores é mais apto ou tem
melhores condições para exercer a guarda.