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Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde
ANTONIO CARLOS SOUZA DE ABRANTES
CIÊNCIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: O CASO DO INSTITUTO BRASILEIRO DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA (IBECC) E DA FUNDAÇÃO BRASILEIRA DE
ENSINO DE CIÊNCIAS (FUNBEC)
Rio de Janeiro
2008
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ANTONIO CARLOS SOUZA DE ABRANTES
CIÊNCIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: O CASO DO INSTITUTO BRASILEIRO DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA (IBECC) E DA FUNDAÇÃO BRASILEIRA DE
ENSINO DE CIÊNCIAS (FUNBEC)
Tese de Doutorado apresentada ao Curso de
Pós-graduação em História das Ciências e da
Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz, como
requisito parcial à obtenção do Grau de Doutor.
Área de Concentração: História das Ciências.
Orientadora: Profa. Dra. Nara Margareth Silva Azevedo
Rio de Janeiro
2008
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A161 Abrantes, Antônio Carlos Souza de
Ciência, educação e sociedade: o ca
so do Instituto Brasileiro
de Educação, Ciência e Cultura (IBECC) e da Fundação Brasileira
de Ensino de Ciências (FUNBEC) . / Antonio Carlos Souza de
Abrantes. – Rio de Janeiro : s.n, 2008.
287 f.
Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde)
Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2008.
1. Ciência 2. Educação 3. História 4 . Brasil
CDD 509
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ANTONIO CARLOS SOUZA DE ABRANTES
CIÊNCIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: O CASO DO INSTITUTO BRASILEIRO DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA (IBECC) E DA FUNDAÇÃO BRASILEIRA DE
ENSINO DE CIÊNCIAS (FUNBEC)
Tese de Doutorado apresentada ao Curso de
Pós-graduação em História das Ciências e da
Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz, como
requisito parcial à obtenção do Grau de Doutor.
Área de Concentração: História das Ciências.
Aprovado em agosto de 2008
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Nara Margareth Silva Azevedo (COC/Fiocruz) – Orientador
Profa. Dra. Maria Amélia Mascarenhas Dantes (USP)
Profa. Dra. Moema de Rezende Vergara (MAST
)
Prof. Dr. Luiz Otávio Ferreira (COC/Fiocruz)
Prof. Dr. Marcos Chor Maio (COC/Fiocruz)
Suplentes:
Profa. Dra. Rita de Cássia Pinheiro Machado (INPI)
Profa. Dra. Simone Petraglia Kropf (COC/Fiocruz)
Rio de Janeiro
2008
5
Para minha filha, Luciana,
minha mãe Maria Fernanda
e minha esposa Paula
6
O vento é sempre o mesmo, mas sua resposta é
diferente em cada folha
(Cecília Meirelles)
Vale a pena destacar os nomes do prof. Jayme
Cavalcanti, Paulo Menezes da Rocha, Isaías Raw e
Maria Julieta Ormastroni. Essa gente merece muito
mais do que se imagina. O futuro é que dirá, do
trabalho deles, com plena autoridade
(José Reis, Folha de São Paulo 27/12/1964)
7
8
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a Prof
a
Dr
a
. Nara Azevedo por sua orientação e
discussões que foram decisivas para a delimitação do objeto de estudo e conclusão da
tese, bem como por saber explorar minhas capacidades e limitações.
Aos professores doutores da banca pela análise do texto e comentários.
A Adolfo Leirner, Alberto Holzhaker, Antonio Teixeira Júnior, Hilário Fracalanza, Isaías
Raw, José Colucci e lio Cezar Admowski por terem concedido entrevistas que muito
contribuíram para o enriquecimento de material para a tese.
Para as instituições Instituto Brasileiro de Educação Ciência e Cultura (IBECC), Biblioteca
Nacional, Biblioteca da Uni-Rio, Biblioteca da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ),
Biblioteca da COC/FIOCRUZ, Biblioteca Cláudio Treigger do INPI, Biblioteca do Museu
Nacional, Biblioteca do Centro Cultural Banco do Brasil e Biblioteca da ONU em Genebra
que dispuseram, de forma generosa, fontes de estudos fundamentais para que essa
pesquisa pudesse se realizar.
Aos professores e à coordenação do Programa da Pós-graduação e, em especial, ao
professor Luiz Otávio Ferreira pelas indicações de literatura e por seus comentários
quando da defesa da qualificação da tese e à funcionária Maria Cláudia que, com
competência e atenção, auxiliou-me com presteza e paciência por diversas ocasiões no
andamento da tese.
9
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ............................................................................................................................ 11
LISTA DE SIGLAS ......................................................................................................................................... 13
RESUMO ......................................................................................................................................................... 14
ABSTRACT ..................................................................................................................................................... 15
INTRODUÇÃO................................................................................................................................................ 16
CAPÍTULO 1 – ENSINO E CIÊNCIA EM UMA VISÃO INTEGRADA...................................................... 25
1.1 As reformas educacionais e o lugar da ciência....................................................................................... 25
1.2 A divulgação científica como educação popular .................................................................................... 47
1.3 O novo papel da ciência no pós-guerra e a criação da UNESCO ........................................................... 59
CAPÍTULO 2 – IBECC: A COMISSÃO NACIONAL DA UNESCO NO BRASIL...................................... 74
2.1 A criação do IBECC............................................................................................................................... 74
2.2 O Instituto Internacional Hiléia Amazônica (IIHA) ............................................................................... 85
2.3 O apoio à pesquisa matemática............................................................................................................... 91
2.4 O movimento folclorista......................................................................................................................... 93
2.5 Projetos de educação popular ............................................................................................................... 101
2.6 Projetos em ciências sociais ................................................................................................................. 110
2.7 O IBECC e a organização da comunidade científica............................................................................ 117
2.8 O apoio à pesquisa física ...................................................................................................................... 122
2.9 O projeto de pesquisa em zonas áridas................................................................................................. 125
2.10 Programas de incentivo à ciência e à tecnologia ................................................................................ 127
CAPÍTULO 3 – A COMISSÃO ESTADUAL DO IBECC EM SÃO PAULO ............................................. 132
3.1 A criação do IBECC/SP e suas primeiras ações................................................................................... 133
3.2 As Feiras de Ciências ........................................................................................................................... 149
3.3 O concurso Cientistas do Amanhã........................................................................................................ 158
3.4 A produção de kits de ciências ............................................................................................................. 162
3.5 Os cursos de treinamento de professores.............................................................................................. 175
3.6 A produção de material didático de origem norte-americana............................................................... 179
CAPÍTULO 4 – FUNBEC: A INTEGRAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E INDÚSTRIA ............................... 201
4.1 A criação da FUNBEC ......................................................................................................................... 202
4.2 Projetos educacionais da FUNBEC...................................................................................................... 210
4.3 A Coretron............................................................................................................................................ 222
4.4 A produção de equipamentos médicos ................................................................................................. 236
4.5 A produção de equipamentos ópticos e de instrumentação .................................................................. 249
4.6 A produção de equipamentos de imagem de ultra-som........................................................................ 252
10
4.7 Parceria com a COPPE/PEB/UFRJ ...................................................................................................... 257
4.8 FUNBEC: os dilemas entre uma ação empresarial ou acadêmica........................................................ 261
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................................... 270
BIBLIOGRAFIA E FONTES ........................................................................................................................ 282
Bibliografia................................................................................................................................................. 282
Fontes Impressas ........................................................................................................................................ 310
Periódicos ................................................................................................................................................... 310
Fontes manuscritas e outras, por ex. arquivo pessoais ............................................................................... 311
Entrevistas .................................................................................................................................................. 311
11
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Manuel Bandeira (3º da esquerda para a direita, em pé), Alceu Amoroso Lima (5ª posição), Hélder
Câmara (7ª posição) e sentados (da esquerda para a direita), Lourenço Filho, Roquette Pinto e Gustavo
Capanema. Rio de Janeiro, 1936 ......................................................................................................................25
Figura 2 - Diretores e alguns sócios da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Sentados: Carlos Guinle, Henrique
Morize e Luis Paes Leme. De pé: Dulcídio Pereira à esquerda, Roquette Pinto é o terceiro, seguido de Costa
Lima e Francisco Lafayette. .............................................................................................................................41
Figura 3 - Chácaras e Quintais, publicação voltada para agricultores e criadores de aves. ..............................43
Figura 4 - Livro Biologia na escola secundária (1968, 4ª edição).....................................................................46
Figura 5 - José Reis, divulgador de ciências e idealizador do concurso Cientistas do Amanhã........................48
Figura 6 -Livro Suggestions for science teachers in devastated countries com experimentos de ciências
simples. .............................................................................................................................................................58
Figura 7 - Sede do IBECC no Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro .............................................................70
Figura 8 - Revista Boletim do IBECC ..............................................................................................................80
Figura 9 - Summa Brasiliensis Mathematicae (vol. 2, 1947-1951) publicada por Lelio Gama, Leopoldo
Nachbin, Oliveira Castro, Antonio Monteiro e José Leite Lopes, com o apoio do IBECC...............................92
Figura 10 – Publicação do IBECC acerca da Semana Folclórica realizada em agosto de 1948........................96
Figura 11 - Presidente Getúlio Vargas perante a manifestação de grupo de tradições gaúchas durante as
atividades do Primeiro Congresso Brasileiro de Folclore, em 1951..................................................................98
Figura 12 - Discurso de Heloísa Torres no Museu Nacional durante as atividades do Primeiro Congresso
Brasileiro de Folclore, em 1951. Ao lado, Renato Almeida, Edison Carneiro e Manuel Diégues. ..................99
Figura 13 - Matéria de capa de "O Jornal" de 26/01/1947 sobre mesa redonda sobre educação realizada pelo
IBECC .............................................................................................................................................................105
Figura 14 - Themístocles Cavalcanti preside o Seminário Latino Americano de Ciências Sociais na Reitoria
da Universidade do Brasil, 1956. ....................................................................................................................114
Figura 15 - Revista Cultus, voltado para o nível secundário de ensino e forte ênfase experimental...............140
Figura 16 - Isaías Raw, diretor científico do IBECC/SP (1955-1969). ..........................................................141
Figura 17 - Edição especial comemorativa sobre o aniversário das leis de Mendel. ......................................143
Figura 18 - Prancha do livro "Animais de nossas Praias". .............................................................................148
Figura 19 - José Reis na II Feira de Ciências da cidade de Sorocaba, São Paulo. ..........................................155
Figura 20 - Reportagem de José Reis sobre as Feiras de Ciências na Folha de São Paulo de 27/12/1964......157
Figura 21 - Comissão de Julgamento do concurso Cientistas do Amanhã realizado na USP em 1972. Na 1a
fila, ao centro, Antonio Teixeira Júnior; na 2a fila, Walter Coli, do Instituto de Química da USP, ao lado de
Maria Julieta Ormastroni, ...............................................................................................................................163
Figura 22 - Laboratório Portátil de Química em caixa metálica. ....................................................................165
12
Figura 23 - Livro Reações Químicas, de Sérvulo Folgueras Domingues (1967, 2a edição) ...........................175
Figura 24 - Livro Ciências para o Curso Primário (1969)...............................................................................175
Figura 25 - Livro texto do PSSC nos Estados Unidos, 1956. Ao lado, Uri Haber-Schaim, ao centro, recebe dos
diretores da editora Heath exemplar comemorativo da milionésima cópia vendida. ......................................183
Figura 26 - Biologia (Parte I) - Das Moléculas ao Homem - I Autor: BSCS, tradução: Myriam Krasilchik,
Norma Maria Cleffi, EDART, 1966................................................................................................................187
Figura 27 - Biologia Versão Verde (Vol. I) Autor: Norma Maria Cleffi (Coord.), EDART, 1972.................187
Figura 28 – Matemática Curso Colegial (Vol. 1) School Mathematics Study Group, tradução de Lafayette de
Moraes, Lydia C. Lamparelli , EDART 1967 .................................................................................................188
Figura 29 - Texto Chemical educational material study, com tradução de Anita Rondon Berardinelli publicado
em 1967 pela EDART .....................................................................................................................................189
Figura 30 - Antonio Teixeira Júnior em palestra no Instituto de Física da USP expondo uma cuba de ondas
produzida pelo IBECC/SP. .............................................................................................................................194
Figura 31 - Curso do PSSC ministrado por Antonio Teixeira Júnior na PUC/RJ. em 1963. ..........................194
Figura 32 - Organograma da FUNBEC. .........................................................................................................209
Figura 33 - Fascículo do Kit Os Cientistas, distribuído nas bancas pela Editora Abril Cultural. ...................219
Figura 34 - O engenheiro Adolfo Leirner. ......................................................................................................224
Figura 35 - O médico Josef Feher. .................................................................................................................224
Figura 36 -Equipamentos de bioquímica fabricados pela Coretron nos anos 1960. A peça de acrílico é uma
cuba de eletroforese, ao lado de fontes de alimentação para a cuba. Na parte inferior direita, um plotter
manual: marcava-se o valor de densidade óptica (indicado pelo galvanômetro) com a ponta de um lápis
orientado pela régua. .......................................................................................................................................225
Figura 37 - Foto de Divulgação do ECG-S1. .................................................................................................230
Figura 38 - Folheto de divulgação do ECG-S2 da Coretron. ..........................................................................232
Figura 39 - Cicloergômetro Ciclo II. ..............................................................................................................245
Figura 40 - Monitor 4-1CN. ...........................................................................................................................247
Figura 41 - Sonda de ultra-som bidimensional 4-BID. ...................................................................................254
Figura 42 - Sonda transdutora, conforme patente PI8305674. ........................................................................254
13
LISTA DE SIGLAS
ABC Academia Brasileira de Ciências
ABE Associação Brasileira de Educação
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
BSCS Biological Sciences Curriculum Study
CADES Campanha para o Avanço do Ensino Secundário
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CASTALA Conference on the Application of Science and Technology to the Development of
Latin America
CBA Chemical Bond Approach
CBPE Centro Brasileiro de Pesquisa Educacionais
CBPF Centro Brasileiro de Pesquisa Físicas
CECIs Centros de Ciências
CECTAL Centre de Sciences et Technologie pour Amerique Latine
CEFEA Centro de Educação Fundamental para os Estados Árabes
CEPAL Comissão Econômica para América Latina e Caribe
CHEM Chem Study Chemistry
CLAF Centro Latino Americano de Física
CLAPCS Centro Latino-Americano de Pesquisa em Ciências Sociais
CNFL Comissão Nacional do Folclore
CNPq Conselho Nacional de Pesquisa
COLTED Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático
CREFAL Centro Regional de Educación Fundamental para la America Latina
CRN Centro de Recursos Naturais
CRPE Conselho Regional de Pesquisas Educacionais
DASP Departamento Administrativo do Serviço Público
ECOSOC Economical and Social Council
FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FENAME Fundação Nacional de Material Escolar
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FFCL Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
FLACSO Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
FUNBEC Fundação Brasileira de Ensino de Ciências
IBBD Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação
IBECC Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura
IIHA Instituto Internacional Hiléia Amazônica
INEP Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
INT Instituto Nacional de Tecnologia
IOC Instituto Oswaldo Cruz
ITA Instituto Tecnológico da Aeronáutica
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC Ministério da Educação e Cultura
MIT Massachussetts Institute of Technology
NSF National Science Foundation
OEA Organização dos Estados Americanos
PADTEN Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Empresa Nacional
PREMEN Projeto Nacional para a Melhoria de Ensino de Ciências
PSSC Physical Sciences Study Committee
SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SMSG School Mathematics Study Group
UDF Universidade do Distrito Federal
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
USAID United States Agency for International Development
USP Universidade de São Paulo
14
RESUMO
O IBECC como Comissão Nacional da UNESCO no Brasil foi criado logo após o fim da
Segunda Guerra com o objetivo de atuar em projetos de educação, ciência e cultura. A
iniciativa surge de um contexto internacional que destacava cada vez mais o papel da
ciência no desenvolvimento das nações e que irá encontrar em São Paulo, quando da
criação da Comissão Paulista do IBECC, um debate presente em torno do papel da
ciência como instrumento de desenvolvimento nacional. Este debate remete a uma
discussão que se inicia nos anos 1920 em torno da reforma educacional necessária
para um país que se industrializa. Será esta coalizão de cientistas e educadores, aliada a
um projeto internacional que i permitir o surgimento de uma iniciativa inovadora na
divulgação e no ensino de ciências, seja através de feiras de ciência, concursos e
produção de material didático e kits de experimentação. Esta experiência irá nos anos
1970 convergir para uma proposta industrial integrando num mesmo projeto, educação,
pesquisa e atividade industrial, o que mostra que os caminhos percorridos pela ciência
tendo em vista sua institucionalização são fortemente marcados pelos contextos locais.
15
ABSTRACT
The IBECC as National Commission of UNESCO in Brazil was created shortly after the
end of the Second World War with the purpose to foster projects for education, science
and culture. The initiative arised from an international context characterized by the
internationalization of science. The creation of the Commission of IBECC in São Paulo,
met a fertile background for its development because of a previous debate, held in the
1950s, on the role of science as a tool for national development. This debate refers to a
discussion which begins in the 1920s related to the educational changes in Brazil.
Scientists and lecturers worked together in an innovative initiative on how to teach science
through trade fairs, science contests and production of teaching material and scientific kits.
This experience will converge in a proposal incorporating at the same project: education,
research and industrial activities which shows that science is heavily characterized by local
contexts.
16
INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende contribuir para o debate sobre os modelos de
desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovação no Brasil. O interesse inicial pelo tema
surgiu no curso de mestrado em Engenharia Biomédica na COPPE/UFRJ: centro de
excelência na produção de artigos científicos sobre muitas tecnologias utilizadas
comercialmente em equipamentos médicos, sem, entretanto, se transformarem em
inovações. Meu trabalho atual, como examinador de patentes no INPI, favoreceu o
contato com experiências, ainda que pouco freqüentes, de invenções patenteadas por
empresas brasileiras. Como explicar o surgimento de tais inovações em um contexto
pouco propício às inovações, conforme indica a literatura sobre o assunto (Nelson &
Rosemberg, 1993; Coutinho & Ferraz, 1994; Albuquerque, 1996, 2004; Lastres,
Cassiolato & Arroio, 2005; Arocena & Sutz, 2005)?
A proposta original tinha como objetivo analisar a inovação tecnológica no setor de
engenharia biomédica, mapeando-se os principais núcleos de inovação tanto na indústria
como na universidade. O levantamento inicial mostrou uma variedade de experiências
pioneiras, tais como a Oficina Coração Pulmão do Hospital das Clínicas,
1
Fundação Adib
Jatene, Braille Biomédica, HP Biopróteses, Kentaro Takaoka, Fundação Brasileira de
Ensino de Ciências (FUNBEC), e experiências mais recentes como a Intermed. Dentre
esses exemplos, a escolha recaiu sobre a FUNBEC, uma empresa fundada em novembro
de 1966, com origem na Universidade de São Paulo (USP), que se destacou por seu
pioneirismo e desempenho de mercado na fabricação e difusão de equipamentos como
eletrocardiógrafos, desfibriladores e bicicletas ergométricas nos anos 1970. A empresa,
inicialmente com suporte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP) e, posteriormente, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE)
e Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), viria a ampliar suas atividades industriais
com a instalação de novas dependências em Alphaville, para a produção de
equipamentos médicos e componentes ópticos.
1
A Oficina Coração Pulmão do Hospital das Clínicas, coordenada por Eurípedes Zerbini nos anos 1950, foi a pioneira na fabricação
de marca-passos, válvulas cardíacas e equipamentos utilizados em cirurgias cardíacas, formando toda uma geração de discípulos e
dando origem, nos anos 1970, ao INCOR (Steuer, 1997).
17
O caso FUNBEC mostrava-se particularmente interessante porque a empresa
surgiria como continuidade a uma proposta de disseminação da educação em ciências
empreendida por um organismo que a precedeu, o Instituto Brasileiro de Educação,
Ciência e Cultura (IBECC), criado no Rio de Janeiro, em 1946, com a finalidade de
melhorar a qualidade de ensino das ciências experimentais e de se constituir como
Comissão Nacional da United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
(UNESCO) no Brasil. A extensão desse projeto para São Paulo se traduziu em projetos
de divulgação científica, como as feiras de ciências, que evoluíram para a produção
industrial de material didático e kits de ciências. Na origem, estabelecido na USP, o
IBECC/SP contou com o apoio de órgãos não governamentais estrangeiros, como a
Fundação Ford e a Fundação Rockefeller, bem como das secretarias estaduais de
educação e do governo federal. Ao surgir, a FUNBEC se encarregou da atividade
industrial realizada até então pelo próprio IBECC/SP em um galpão industrial, cedido pela
reitoria da USP, no campus universitário.
Como explicar tão inusitada interação de educação em ciências, divulgação
científica e inovações tecnológicas autóctones?
O objetivo desta tese é analisar a constituição do IBECC/FUNBEC, notadamente a
seção de São Paulo, em que se evidencia a busca de um enraizamento social para a
ciência e a tecnologia, sob um formato original de uma instituição que associou a
educação em ciências e divulgação científica a um empreendimento empresarial, voltado
para a produção de material didático e de equipamentos médicos. A simultânea
identidade de instituição pública com traços de empreendimento privado provocou
tensões políticas no IBECC, as quais conduziriam à criação da FUNBEC, sob a forma de
uma fundação de direito privado. Embora as principais lideranças do IBECC/SP, como
Isaías Raw e Antonio Teixeira Júnior, se mantivessem à frente dessa empresa com foco
nos projetos educacionais, as atividades industriais de fabricação de equipamentos
médicos gradualmente alcançariam um rumo próprio, vindo a empresa encerrar suas
atividades em dezembro de 1989, quando a Divisão Médica, incluindo a fábrica em
Alphaville, fora vendida para a ECAFIX do grupo Medial Saúde.
O ponto de partida para o desenvolvimento desse trabalho é o fato de que
podemos compreender esta integração sob a perspectiva mais ampla da
18
institucionalização das ciências no Brasil no período após a II Guerra Mundial. Esse
processo foi marcado por uma forte mobilização dos cientistas em torno da
profissionalização de sua atividade, da qual a Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), criada em 1949, constituiu uma das principais lideranças, bem como pela
inauguração de uma política pública de fomento à pesquisa científica e tecnológica,
representada pela criação do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) em 1951. Tal
política relacionava-se com a ideologia desenvolvimentista, disseminada no pós-II Guerra
Mundial, segundo a qual a superação do estrangulamento do processo de industrialização
brasileiro deveria ser realizada pela ação planejada do Estado.
2
Esse pensamento se
traduziria de forma mais consistente no plano de metas do governo Juscelino Kubitschek,
que visava à implantação de uma estrutura industrial integrada, baseada em uma política
de “substituição de importações” como forma de se alavancar o desenvolvimento nacional
(Lessa, 1982, p. 32; Ianni, 1991, p. 140; Baer, 1996, p. 77).
Do meu ponto de vista, é possível compreender o surgimento e a evolução do
IBECC/FUNBEC como um dos caminhos pelos quais esse processo se realizou.
Assumindo uma configuração organizacional inovadora, distinta das tradicionais
instituições científicas existentes até então no País, em particular os institutos públicos de
pesquisa que surgiram no início do século XX (Stepan, 1976; Ribeiro, 1998;
Schwartzman, 2001), bem como das universidades recém-criadas durante a década de
1930, o IBECC/FUNBEC integrou esse movimento de institucionalização, ao promover a
educação em ciências e a divulgação científica. Suas principais lideranças tais como o
bioquímico Isaías Raw e o médico Jo Reis – acreditavam que o desenvolvimento
nacional dependia não apenas de ações para a ampliação da cultura científica da
população, mas de uma efetiva mudança no currículo escolar, de modo a incorporar o
estudo das ciências aos diferentes níveis do sistema de ensino.
Tratava-se, na visão daqueles homens e mulheres, de se renovar a educação,
pondo em prática o ideário de educadores, cientistas e intelectuais, que, desde a
Associação Brasileira de Educação (ABE), criada em 1924, se mobilizaram para alterar os
2
Celso Furtado foi um dos principais formuladores de tal pensamento, coordenando, entre 1953 e 1955, o Grupo Misto BNDE-
CEPAL, que realizou projeções a longo prazo para a economia brasileira, inspiradas na chamada teoria da dependência, formulada
pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), criada pela ONU em 1948. Segundo os adeptos dessa teoria, o
Estado deveria promover a planificação econômica, bem como uma política de substituição de importações, de modo a potencializar
o desenvolvimento industrial nas regiões periféricas do sistema capitalista (Carvalho, 2007; Rodrigues, 1979; Furtado, C., 1983;
Goldenstein, 1994).
19
padrões educacionais vigentes, de modo a reduzir os índices de analfabetismo existentes,
e orientar o ensino segundo as recentes teorias científico-pedagógicas. Na Primeira
República, o contingente populacional que freqüentava a escola restringia-se ao ensino
de nível primário, sob controle dos estados, reservando-se o ensino de nível secundário,
sob controle do governo central, a uma reduzida elite, a qual tinha acesso às poucas
instituições de ensino de nível superior. Outro problema era a falta de articulação entre os
diferentes níveis escolares e a ausência de uniformização dos currículos, os quais não
estimulavam o raciocínio critico e, muito menos, a formação de uma mentalidade voltada
à pesquisa científica (Nagle, 1978, p. 278).
Na opinião de Fernando de Azevedo, uma das lideranças da ABE, a sociedade
escravocrata, baseada no latifúndio e na monocultura, não estimulava o desenvolvimento
da ciência, além de contribuir para o desprezo dos trabalhos manuais, formando uma
cultura essencialmente bacharelesca pouco afeita ao desenvolvimento da ciência
(Azevedo, F.,1994, pp. 28, 35). A herança cultural ibérica foi “transladada”, ou seja,
transferida, mas não integrada às condições locais. Para Fernando de Azevedo, o
desenvolvimento da ciência somente ocorreria com as transformações mais amplas
promovidas pela aceleração da industrialização e da urbanização, com o advento das
grandes cidades cadinhos raciais e culturais(Azevedo, F., 1994, p. 40), bem como pela
imigração e maior intensidade das trocas econômicas e culturais com a Europa e com os
Estados Unidos (Azevedo, F., 1976, p. 152).
Nessa perspectiva, considerava-se a atividade de educação em ciências e de
divulgação científica um instrumento fundamental para a elevação cultural da população,
surgindo rias iniciativas nesse sentido desde os anos 1930, lideradas por cientistas
como o médico José Reis. Ademais, o período pós-II Guerra Mundial marca um
estreitamento do vínculo entre a ciência e a tecnologia, aumentando, em muito, seu
impacto na vida cotidiana do cidadão, especialmente com a ampla difusão dos novos
meios de comunicação de massa (Massarani, 1998, p. 31).
A experiência do IBECC/FUNBEC evidencia, ainda, um outro aspecto da
institucionalização das ciências no Brasil: a relevância das circunstâncias locais na
apropriação de modelos de conhecimento disseminados internacionalmente. Nessa
perspectiva, entende-se que a proposta da UNESCO de propagar um modelo que
20
destacava o papel da ciência, bem como de divulgação científica, se efetivou na medida
em que ela traduzia o projeto do grupo de cientistas e educadores, que nela perceberam
um meio para realizar seus interesses de reformar o ensino e, por meio dele, legitimar o
papel social da ciência no desenvolvimento nacional. A institucionalização da ciência
como uma atividade social, decorrente da necessidade de seu reconhecimento e
valorização pela sociedade, remete a conceitos desenvolvidos por Ben-David (1974, p.
109): a persistência de uma atividade social [tal como a ciência] durante longos períodos
de tempo, independentemente da mudança de atores, depende do aparecimento de
papéis para realizar a atividade e da compreensão e da avaliação positiva (”legitimação”)
de tais papéis por algum grupo social(Ben-David, 1974, p. 32). Assim, essa experiência,
como outras similares,
3
contradita a tese consagrada no trabalho do historiador George
Basalla, que tornou-se um marco teórico entre as teses difusionistas, segundo a qual a
dinâmica interna da ciência bastaria para seu desenvolvimento e sua propagação
internacional (Basalla, 1967).
O fio condutor que articula cientistas os quais pleiteiam políticas públicas para
sustentação e profissionalização de sua atividade, educadores e professores interessados
em introduzir o ensino de ciências nas escolas – reside no ideal de que a ciência requeria
legitimidade social para se tornar um instrumento para o desenvolvimento do País. O
IBECC surgiu, portanto, da confluência do projeto da UNESCO, baseado no conceito de
que a ciência e a educação constituiriam um veículo capaz de promover o
desenvolvimento das nações e a paz em bases sustentadas, com os interesses desse
grupo de cientistas e educadores, ligados à USP, que adaptaram e remodelaram tal
projeto conforme as condições institucionais de que dispunham. Embora a referência para
o desenvolvimento de tecnologias na área educacional e de equipamentos médicos fosse
principalmente os modelos vigentes nos Estados Unidos, a experiência brasileira contou
com as competências existentes, investindo na formação de recursos humanos capazes
de absorver tais tecnologias. Essa iniciativa sustentou-se, por um lado, em recursos
internacionais e públicos, e em fontes de receitas próprias, e, por outro lado, nas
ideologias do otimismo científico e do desenvolvimento econômico e social, que se
propagaram internacionalmente, de forma associada, após a II Guerra Mundial.
3
Refiro-me aos estudos realizados por Faria (2007) e Botelho (1999) sobre a influência da Fundação Rockefeller na constituição do
Instituto de Higiene de São Paulo, criado em 1924, e do modelo de ensino do Massachussetts Institute of Technology, que inspirou a
criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em 1950. Ambos os estudos demonstram como as condições científicas e
sociopolíticas locais redundaram na configuração de um modelo próprio, que alterou a proposta original.
21
Em larga medida, essa argumentação se alinha à abordagem que nas últimas
duas décadas vem predominando na historiografia das ciências na América Latina,
segundo a qual o desenvolvimento científico e tecnológico é concebido como uma
construção historicamente situada (Cueto, 1994, 1996; Saldaña, 1996; Lopes, M. M.,
1997; Dantes, 1998, 2001), destacando-se o pioneirismo de Nancy Stepan (1976), ao
analisar o caso do Instituto Oswaldo Cruz. Nesse estudo, Nancy Stepan se posiciona
criticamente em relação ao historiador norte-americano George Basalla, que, em The
Spread of Western Science (1967), elabora uma interpretação de como a ciência
ocidental se internacionalizou a partir das sociedades em que se origina o sistema
capitalista. De acordo com o autor, a difusão da ciência constitui um processo inevitável,
decorrente de superioridade cognitiva desse conhecimento em face dos demais, portando
uma verdade reconhecível por qualquer sociedade. Para George Basalla, esse processo
se desenvolve em três etapas: a primeira, marcada pelo contato com o país europeu
ocidental; a segunda, quando o país colonial “mimetiza” os padrões de ciência do país
europeu; e a terceira, que se distingue pela capacitação endógena de desenvolver
pesquisa original (Basalla, 1967).
A análise do estabelecimento da ciência moderna em um país subdesenvolvido
como o Brasil permite a Nancy Stepan questionar tal concepção, mostrando que nessas
regiões os fatores endógenos são decisivos para o desencadeamento desse processo,
ressaltando a importância da existência de recursos humanos capazes de absorver
criticamente os modelos de conhecimento, bem como de um contexto socioeconômico
favorável a tal absorção. Na perspectiva de Nancy Stepan, deve-se pensar o
desenvolvimento da ciência nos países periféricos dentro dos limites do desenvolvimento
do capitalismo nestes países (Stepan, 1976, p. 149).
4
Foram essas as condições sociais que permitiram o surgimento do Instituto
Oswaldo Cruz, que Nancy Stepan considera como a primeira instituição de Ciência no
Brasil, bem como de outras instituições congêneres, que emergiram no início do século
XX no País. O êxito em ações práticas, tais como a campanha de eliminação da febre
amarela no Distrito Federal no ano de 1903, empreendida por Oswaldo Cruz, então diretor
4
Nancy Stepan trabalha dentro dos limites da chamada teoria da dependência, para a qual as economias periféricas estariam
vinculadas de tal modo às economias centrais, modelo esse que travaria qualquer perspectiva de desenvolvimento de ciência
autônoma aos moldes dos países centrais.
22
do Departamento Federal de Saúde Pública, aliado a fatores como a existência de
profissionais qualificados formados no Brasil, entre os quais Ezequiel Dias, Cardoso
Fontes, Alcides Godoy, Arthur Neiva e Carlos Chagas, permitiram ao Instituto o acesso ao
financiamento público e o estabelecimento de uma tradição de pesquisa que aliava
pesquisa básica e aplicada.
Se o caráter aplicado possibilitou o surgimento dessas instituições, essa condição,
ao mesmo tempo, constituiu um fator de instabilidade, constrangendo o seu
desenvolvimento. Desaparecidas as razões que lhes deram origem, cessam os
investimentos, em geral estatais, capazes de assegurar sua reprodução. Isso ocorre em
virtude do caráter dependente do capitalismo no Brasil, que impede a articulação entre os
esforços científicos e a industrialização (Stepan, 1976, p. 149).
A literatura da história das ciências na América Latina que se seguiu (Cueto, 1996)
embora critique o modelo teórico da teoria da dependência em face de sua
intemporalidade, alienação e passividade atribuída à periferia, reconhece a utilidade do
conceito de periferia e defende a tese de mesmo nestes países é possível se observar a
presença da ciência autóctone de mesmo nível qualitativo que as observadas nos países
centrais. Os indianos Shrum e Shenhav ao analisarem a literatura sobre ciência e
tecnologia em países subdesenvolvidos concluem que a historiografia tende a destacar
que ciência e a tecnologia devam ser entendidas como formas de conhecimento
específicas para cada contexto local interagindo com uma variedade de interesses sociais
(Shrum & Shenhav, 1995, p. 628).
Para Hebe Vessuri a análise da ciência e tecnologia na América Latina deve ser
realizada tendo como ponto de partida a tese de incorporação/autonomia. Um enfoque de
sociologia da ciência conseguiria esclarecer algumas das contradições básicas da teoria
histórica e sociológica, ao tomar em consideração o peso relativo dos determinantes
intelectuais e práticos na constituição de conceitos, instituições e padrões de
comportamento científicos, bem como introduzir as dimensões de poder político e
econômico (Vessuri, 1996, p. 438). A incipiente comunidade científica na América Latina,
no século XX foi se construindo em contraponto permanente com a incorporação ao
sistema científico internacional e seu desejo de ter voz própria e autonomia.
23
Marcos Cueto critica os principais pressupostos que nortearam as entidades
filantrópicas norte-americanas de promoção da ciência na América Latina; 1) o
desenvolvimento científico ocorreria isolado das condições culturais e sociais do país, 2)
que tal desenvolvimento deva ocorrer impulsionado por uma cultura estrangeira mais
avançada, 3) que tal desenvolvimento ocorreria por ação de uma elite que produziria
efeito multiplicadores a outros agentes da ciência.
Em seu estudo, Marcos Cueto, defendendo a necessidade de referenciais próprios
para análise da ciência em países periféricos aponta diversos fatores para os prolíficos
resultados das pesquisas patrocinadas pela Fundação Rockefeller no Brasil em genética:
1) a pré existência de um núcleo de pesquisadores que já atuavam na área e que
estavam atualizados com as pesquisas de seu tempo, 2) o tipo de mosca em estudo e a
diversidade ambiental das florestas brasileiras mostraram-se particularmente adequadas
para os estudos de população genética e evolução, 3) a notável capacidade de
cooperação entre os pesquisadores brasileiros, treinados no núcleo comum da USP, que
permitiu a reformulação de conceitos e a detecção de novas linhas de investigação e
intercâmbio de informações, 4) as pesquisas em genética foram favorecidas pela adesão
de segmentos da comunidade acadêmica e da burocracia brasileira a teorias ligadas a
eugenia, que defendiam o aperfeiçoamento da espécie via seleção genética e controle da
reprodução (Cueto, 1994, p. 159).
A elaboração desse trabalho se baseou inicialmente na identificação de fontes de
informação sobre a FUNBEC e o IBECC, as quais foram obtidas por entrevistas
realizadas em São Paulo com os fundadores e membros dessas instituições, que
disponibilizaram documentos de seus acervos pessoais. Além desses, foram consultados
os periódicos Boletim do IBECC, publicados entre 1947 e 1970, bem como as atas das
reuniões do IBECC RJ, sob a guarda do Arquivo do Itamaraty no Rio de Janeiro. Embora
não tenha sido possível o acesso direto a documentos da FUNBEC, uma fonte de
informação importante foi a documentação relativa aos financiamentos recebidos pela
empresa do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Empresa Nacional
(PADTEN), identificados na Biblioteca da FINEP. A pesquisa documental se estendeu
ainda à análise do Report of the Director Geral on the Activities of the Organization e do
Handbook of National Commissions, no período de 1949 a 1966, que se encontram na
biblioteca da ONU em Genebra.
24
Essa tese está estruturada em quatro capítulos. O primeiro, “Ensino e ciência em
uma visão integrada”, traça um histórico dos debates em torno da questão da educação
entre as décadas de 1920 e 1940, enfatizando, ainda, as experiências pioneiras de
divulgação científica, realizadas por cientistas no Rio de Janeiro e em São Paulo nesse
período. A última seção do primeiro capítulo se concentra no projeto nas ações da
UNESCO. No segundo capítulo, “IBECC: a comissão nacional da UNESCO no Brasil”, é
analisada a criação do IBECC no Rio de Janeiro, em 1946, bem como a criação das
Divisões Estaduais, focalizando algumas de suas atividades no âmbito da educação,
ciência e cultura. O terceiro capítulo, “A comissão estadual do IBECC em São Paulo”,
versa sobre as principais ações de divulgação científica realizadas pelo grupo paulista,
assim como a produção de kits de ciências e de material didático, direcionada para a rede
escolar. No quarto capítulo, “A Fundação Brasileira de Ensino de Ciências (FUNBEC)“, é
abordado o processo de construção dessa empresa, cuja origem foi o IBECC, mas que
progressivamente ganhou autonomia, orientando-se para a produção de equipamentos
nas áreas de óptica e equipamentos médicos.
25
CAPÍTULO 1 – ENSINO E CIÊNCIA EM UMA VISÃO INTEGRADA
1.1 As reformas educacionais e o lugar da ciência
Esta seção visa mostrar como o debate em torno da construção de um espaço
para a pesquisa científica no País encontrava-se conectado às propostas de reforma da
educação na Primeira República (1889-1930) e no período Vargas (1930-1945), objetos
de discussão por parte dos intelectuais reunidos em torno da ABE e da Associação
Brasileira de Ciências (ABC). O movimento da Escola Nova, que sintetizava os principais
argumentos da proposta renovadora do ensino secundário, encontrava sua expressão no
ensino de nível superior com a criação da Universidade do Distrito Federal (UDF) e da
Universidade de São Paulo (USP). Para o surgimento das primeiras universidades
vocacionadas à pesquisa científica e ao ensino de ciências, seria necessário, como
condição fundamental, a presença de um sistema educacional que estimulasse o
raciocínio critico do aluno e promovesse uma mentalidade voltada à pesquisa científica,
ou seja, uma conexão entre o debate em torno da construção de um espaço para a
ciência e a reforma do ensino nos níveis primário, secundário e superior. A universidade,
seja como lugar próprio para a pesquisa desinteressada ou para a formação de
professores do ensino de nível secundário, situava-se no centro desse debate.
O elevado índice de analfabetismo, que atingia mais da metade da população no
início do século XX (Nagle, 1978), e a utilização de métodos tradicionais de ensino
configurariam um cenário em que a educação era tida mais como ornamento do que
integrada às novas demandas de uma sociedade submetida a um processo de
industrialização e crescimento das cidades. Segundo o eminente sociólogo Florestan
Fernandes, embora esses fatores exercessem pressão pela expansão da rede escolar,
isso não conduziu a formação de alunos preparados para a era da industrialização”, ou
seja, a expansão quantitativa da rede escolar não levou a uma expansão qualitativa da
rede escolar (Fernandes, F., 1966, p. 87).
26
O espírito pouco afeito à investigação científica resultante de um processo de
aculturação na época colonial que pouco estimulava a formação de tal senso crítico, bem
como a uma economia escravocrata que não clamava por tal vocação científica, somente
pôde sofrer uma ruptura por fatores de natureza socioeconômica como o fim da
escravidão, a influência da imigração e o início da industrialização. Esses fatores, embora
não conduzissem de forma automática a uma reforma educacional ajustada às novas
demandas da sociedade, por outro lado, foram capazes de mobilizar segmentos da
intelectualidade que assumiram o compromisso de levar adiante tais propostas de reforma
dentro de um projeto de nação. A divulgação científica, a organização da comunidade
científica, a reforma educacional, a mobilização do Estado para o planejamento científico-
educacional e o papel das ciências sociais no planejamento constituíam diferentes frentes
desse projeto.
A partir da segunda metade da década de 1910, intensificou-se um sentimento
nacionalista pela difusão do processo educacional, manifestada em órgãos como a Liga
Nacionalista de São Paulo, como forma de alfabetizar a população capacitando-as para o
voto consciente e o rompimento com práticas eleitorais coronelistas que perpetuavam as
velhas oligarquias no poder, bem como possibilitando a capacitação de uma força de
trabalho necessária para o emprego nas indústrias que começavam a surgir. Segundo
Jorge Nagle, essa era uma concepção romântica que entendia as virtudes da educação
como solução de todos os problemas nacionais, aliada a um sentimento crescente de
nacionalismo e uma descrença nas virtudes do Estado Republicano para educar a
população (Nagle, 1978, p. 263).
Com a República, a educação passou a ser uma preocupação fundamental dos
intelectuais, ainda que se encontrassem profundamente divididos e estes estivessem
isolados do poder central. Um dos fóruns de ação destes intelectuais foi a ABC, fundada
em 1916 como Sociedade Brasileira de Ciências (SBC) e renomeada para ABC a partir de
1922, reunindo cientistas que reivindicavam uma universidade que priorizasse a ciência
pura e desinteressada”, despreocupando-se de sua aplicação imediata (Paim, 1981, p.
35). Para José Jerônimo Alves, esse discurso em defesa da ciência pura e
desinteressada refletia uma influência cultural francesa, que atingia não somente a ABC
mas a vida social na cidade do Rio de Janeiro (Alves, 2001, p. 190). A proposta era
27
buscar uma identidade com a ordem científica em centros de produção e difusão da
ciência.
Henrique Morize, presidente da SBC/ABC no período de 1916 a 1930, diretor do
Observatório Nacional e professor da Escola Politécnica defendia a criação de uma
universidade vocacionada para a pesquisa desinteressada”, o intercâmbio de cientistas e
a divulgação científica. Como parte desse programa, a ABC trouxe para o Brasil Emile
Borel e Albert Einstein, iniciativa que somada a outras transformou a instituição em um
verdadeiro fórum de discussões científicas alimentando uma inquietação espiritual
necessária para a pesquisa(Motoyama, 1979, p. 71). Em discurso proferido na sessão
da SBC de 1917 Henrique Morize afirma: Seria pernicioso erro julgar que a Ciência
pudesse ser privada das suas raízes, que são seus fundamentos teóricos, e continuar,
mesmo assim, a produzir frutos (...) A telegrafia comum e a Hertziana, a fotografia em
cores, a produção do ar líquido, a do rádio e dos compostos azotados, e uma infinidade
de outras aplicações da Física e da Química, que constituem nossa civilização atual, da
qual temos tanto orgulho, tiveram como bases pesquisas completamente desinteressadas
(...) o fim principal da Sociedade Brasileira de Ciências consiste em espalhar essa noção
da importância da Ciência como fator da prosperidade nacional”.
Na discussão sobre o modelo de universidade a se construir, o fisiologista formado
pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e membro da ABC, Álvaro Ozório de
Almeida, chamava a atenção para o fato de que universidade não podia ser construída
sobre o vácuo, ou seja, a discussão sobre universidade deveria ser equacionada dentro
de um debate amplo sobre educação, pois a reforma do ensino nos veis primário e
secundário teria influência decisiva sobre o tipo de universidade que se desejava
construir: como admitir a possibilidade de aparecimento de uma elite da inteligência e do
saber em uma nação de selvagens? Assim, acredito que o simples bom senso mostra
estarem errados aqueles que, por uma visão parcial do problema, desejam e trabalham
pelo desenvolvimento de uma parte do ensino, combatendo a organização de outras
seções de instrução” (Paim, 1981, p. 45).
Outro membro da ABC, o também médico fisiologista Miguel Ozório de Almeida,
irmão de Álvaro Ozório de Almeida, em texto de 1931, destacava que no dia em que a
maioria dos homens estiver impregnada da verdadeira significação dos fins da ciência e
28
tiver compreendido um pouco da essência dos métodos científicos e, em um passo mais
adiantado ainda, souber se aproveitar um pouco das vantagens que a cultura científica
confere, pela precisão que empresta ao raciocínio e pelo respeito à verdade, além de
outras qualidades morais que desenvolve, a humanidade terá dado um grande passo
(Almeida, M. O., 2002, p. 70).
Outro foco desses debates e que reunia um grupo cada vez maior de educadores
se estabelecera em torno da ABE, fundada por Heitor Lira
5
em 1924. Suas conferências
realizadas em um auditório da Escola Politécnica foram palco de amplos debates em
torno da questão educacional. Além das conferências, outro instrumento de ação da ABE
era a realização de inquéritos entre líderes educacionais sobre a situação da educação do
País e conseqüente discussão de propostas relacionada às funções que a universidade
deveria exercer, sua vinculação com o Estado e autonomia. A ABE, em seus congressos,
especialmente após 1927, atuava como um importante elemento de aglutinação de tais
esforços, o que contribuía decisivamente para a construção da idéia de uma política
educacional (Azevedo, F., 1976, pp. 154, 159). Nesse debate, eram discutidas a criação
de uma universidade prevendo a separação entre o ensino profissional e as atividades
científicas, a noção de livre investigação rejeitando a idéia de que a pesquisa devia
subordinar-se às necessidades práticas da nação – e a autonomia universitária.
Nos inquéritos realizados pela ABE sobre questões relativas ao ensino e
universidade, era marcante a presença do núcleo dirigente da ABC, como Manuel
Amoroso Costa, Ferdinando Labouriau, Inácio Azevedo Amaral e Álvaro Ozório de
Almeida (Paim, 1981, p. 42). Destes, o engenheiro metalúrgico Ferdinando Labouriau foi
eleito presidente da ABE em 1926 e 1927 em mandatos trimestrais. Junto com Roquette
Pinto, Vicente Licínio Cardoso, Raul Leitão da Cunha, Ignácio Azevedo do Amaral,
Domingos Cunha e Levi Carneiro, Ferdinando Labouriau compilou as discussões em
torno da questão universitária, objeto de intensos debates na ABE, no volume O Problema
Universitário Brasileiro, de 1929, no qual se destacam as posições de diversos membros
da ABC (Fávero & Britto, 2002, pp. 339-341).
5
Antes da criação da ABE Heitor Lira estivera envolvido em empreendimentos na área de educação tais como a fundação da Liga
Pedagógica de Ensino Secundário, da Federação dos Estudantes Brasileiros, da Federação de Professores e da Ação Nacional, todos
de duração efêmera ou que sequer saíram do papel (Fávero & Britto, 2002).
29
O grupo de orientação católica organizado em torno do Centro Dom Vital, liderado
no período de 1928 a 1941 por Alceu Amoroso Lima,
6
embora igualmente reconhecesse o
papel da educação, tinha uma orientação mais conservadora, defensora de uma ordem
social hierarquizada e de uma educação orientada por princípios religiosos e controlada
pela Igreja (Schwartzman, 2001). Nos trabalhos publicados pelo Centro Dom Vital, reduto
de intelectuais católicos, encontram-se críticas à laicização do ensino, a co-educação dos
sexos e o monopólio da educação pelo Estado (Azevedo, F., 1976, p. 172). Defensores
do ensino particular confessional, os representantes da Igreja Católica eram contrários
aos que defendiam a centralização da educação como atividade exclusiva do Estado
centrada na escola pública e gratuita para todos, admitindo o ensino público apenas
quando a iniciativa privada não fosse suficiente para atender à demanda, cabendo às
famílias a escolha entre uma ou outra opção (Cunha, L. A., 1982, p. 117). Ademais, para
o grupo católico, o ensino religioso deveria ser indissociado da formação educacional,
conforme expressa o padre Leonel Franca: "entre religião e pedagogia (existe) um nexo
incindível (...) Se a educação não pode deixar de ser religiosa, a escola leiga que, por
princípio, ignora a religião, é essencialmente incapaz de educar. Tal é o veredictum
irrecusável de toda sã pedagogia" (apud Salém, 1982). Portanto, para a Igreja a educação
se enquadra dentro de uma estratégia para fortalecer sua hegemonia, ao defender uma
educação integral” fundada nos princípios da moral católica.
Muitos desses educadores assumiriam posições-chave na política de seus
Estados e empreenderam muitas reformas no nível estadual que atingiram as escolas
primária e normal. Tais reformas eram marcadas por um otimismo pedagógico que
apareceria de forma mais sistemática, em 1927, com as teses da chamada “Escola Nova”,
que disputava primazia com o modelo de escola tradicional. O movimento do
escolanovismo buscava uma nova abordagem metodológica de ensino que estimulasse o
raciocínio e a curiosidade do aluno conduzindo-o à investigação. O movimento da Escola
Nova defendia a escola pública e universal, com igualdade de oportunidades; a educação
laica; além de princípios pedagógicos inspirados em John Dewey, que se afastavam de
uma concepção autoritária e que baseavam na idéia de uma educação universal ao
alcance de todos (Azevedo, F., 1976, p. 165).
6
Alceu Amoroso Lima adotou o pseudônimo Tristão de Ataíde, ao se tornar crítico (1919) em O Jornal. O pseudônimo servia para
distinguir a atividade de industrial da literária: Alceu, então, dirigia a fábrica de tecidos Cometa, que herdara de seu pai.
30
Fernando de Azevedo destacava que o conceito “Educação Nova” acolheu
diferentes propostas que, embora incorporando correntes pedagógicas modernas,
mostravam-se muitas vezes incompatíveis entre si. Ao tentar resgatar o sentido original
do termo, tal como encontrado em Bovet e John Dewey, Fernando de Azevedo destacava
como pontos principais: (i) maior liberdade para a criança, a favorecer seu
desenvolvimento natural pela atividade livre e espontânea; (ii) o princípio de atividade
ligado ao de liberdade e inspirado no conceito de que a criança é um ente essencialmente
ativo, cujas faculdades se desenvolvem pelo exercício; e (iii) o respeito à originalidade
pessoal de cada criança e em conseqüência a individualização do ensino. Nesses pontos,
a “educação novamostra claramente um viés pragmático de inspiração norte-americana
(Azevedo, F., 1976, pp. 179, 181).
Na perspectiva de John Dewey, a educação não é um mecanismo de correção e
ajustamento do indivíduo à sociedade, mas um fator de dinamização das estruturas, por
meio do ato inovador do indivíduo (Freitag, 1986, p. 18), ou seja, pela educação, é
possível transformar a sociedade. Segundo Bárbara Freitag: a educação exigida por
Dewey vem a ser uma doutrina pedagógica específica da sociedade democrática”.
Mannheim amplia a teoria de John Dewey, ao destacar o papel da intelligentsia, uma elite
de intelectuais aptos a planejar e executar o modelo de sociedade democrática racional.
Tanto para John Dewey como para Mannheim, a educação é concebida como agente de
democratização da sociedade (Freitag, 1986, p. 23).
Ao analisar a reforma da educação no Distrito Federal em 1928, Fernando de
Azevedo destaca que a proposta era a de alcançar a "educação universal" a que se refere
John Dewey com igualdade de oportunidade para todos (Fernandes, 1976, p.165). As
influências das idéias e técnicas pedagógicas norte-americanas serão acentuadas pela
ação vigorosa de Anísio Teixeira em 1932 (Fernandes, 1976, p.181). Esta mesma
perspectiva é retomada por diversos autores como Helena Bomeny que identifica no
movimento de Escola Nova tanto a influência do pragmatismo norte-americano e de sua
concepção democrática e descentralizada da educação, que tem como referência Anísio
Teixeira (Araújo; Mota & Britto, 2001, p.24), bem como uma matriz francesa, presente em
31
Fernando de Azevedo quando este destaca o papel civilizador de uma elite esclarecida
(Bomeny, 2003, p. 48).
7
É no entanto necessário se relativizar a adesão de todos os escolanovistas às
teses de John Dewey. Miriam Chaves reconhece a influência de John Dewey nas ações
de Anísio Teixeira quando este ressalta o valor da experiência e da democracia no
processo de aprendizagem, vista como uma ação interativa entre indivíduo e sociedade,
uma vez que o conhecimento é tido como algo em permanente processo de elaboração.
Para John Dewey a educação era vista como um processo de reconstrução da
experiência dando-lhe um valor mais socializado. A autora contudo pontua diferenças
ideológicas entre os dois autores na medida em que ao contrário de John Dewey que
vivenciou a democracia, Anísio Teixeira conviveu entre a tradição e a modernidade o que
tornava sua adesão à capacidade do indivíduo em desenvolver todas suas
potencialidades pela educação numa sociedade democrática, mais uma confiança tática
do que propriamente uma certeza (Chaves, 1999, p. 96).
Clarice Nunes também destaca que Anísio Teixeira não assimilou John Dewey
incondicionalmente. Tal como apontado por Miriam Chaves, a autora também destaca
que Anísio Teixeira entendia que este potencial libertador da educação tinha limitações
em sociedades tradicionais como a brasileira. Outro ponto de diferenciação é o de que
John Dewey não entrou na polêmica da escola confessional ao passo que a defesa da
escola laica era um ponto central na proposta de Anísio Teixeira (Fávero & Britto, 2002, p.
71)
Quanto a Fernando de Azevedo, Maria Luiza Penna destaca que sua obra é
marcada por contradições na medida em que suas reformas educacionais tem como
pressupostos a educação universal, ainda que, ao mesmo tempo, a educação seja vista
como um processo de transmissão de valores dominantes, conforme Durkheim (Penna,
1987, p. 83). Sua concepção democrática convive com a tese de que caberia à uma elite
esclarecida o processo de orientação das massas, conforme Mannheim, caso contrário as
"reformas" assumiriam um viés conservador (Penna, 1987, p. 54), portanto, ao lado do
aspecto libertador da educação, Fernando de Azevedo, seguindo Mannheim, entende a
7
No Colóquio Nacional: "70 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação" realizado em Minas Gerais em 2002, Marta
Carvalho sem negar a influência norte-americana, mostra a relação do escolanovismo brasileiro e intelectuais europeus principalmente
mediante a Liga Internacional pela Educação Nova, fundada na França (Xavier, M. C., 2004).
32
educação como uma das técnicas sociais destinadas a criação do tipo desejado de
cidadão pois "a educação não molda o cidadão em abstrato, mas em uma dada
sociedade e para ela", ou seja, a educação é vista como um meio de controle social
(Mannheim, 1976, p.89).
A falta de um plano nacional de educação, ausente durante toda a República
Velha, em decorrência da afirmação das teses federalistas, permitiria o desenvolvimento
de iniciativas nos níveis estadual e municipal na esfera da educação, que escapavam ao
padrão impresso pelo governo federal. Entre tais reformas, destacavam-se as realizadas
por Sampaio Dória, em São Paulo (1920); Lourenço Filho, no Ceará (1923); Anísio
Teixeira, na Bahia (1925); Francisco Campos, em Minas Gerais (1927); e Fernando de
Azevedo, no Distrito Federal (1928) esta última qualificada pelo próprio Fernando de
Azevedo como de todas as que se realizaram no país, a mais vigorosa, a mais
revolucionária e a de maior repercussão” (Azevedo, F., 1976, p. 157). Fernando de
Azevedo descrevera tais reformas como eventos de um movimento pendular, marcado
por avanços e retrocessos por não ser fruto de uma ação organizada pelas elites
governantes, mas antes “tendências pessoais de educadores determinados” (Azevedo, F.,
1976, p. 154).
Nessas reformas, as linhas pedagógicas de Anísio Teixeira, Lourenço Filho e
Fernando de Azevedo se aproximavam tanto na crítica ao modelo tradicional de ensino
como na proposta de conferir maior dinamismo ao ensino que estimulasse o aluno ao
raciocínio científico. Fernando Campos assumia uma postura ambígua, pois, se de um
lado tendia a se alinhar com esses educadores, por outro lado, ao assumir o Ministério da
Educação e Saúde Pública no início do governo Vargas (1930), adotaria uma postura
mais autoritária, se opondo diametralmente às propostas democratizantes do movimento
da Escola Nova.
Nesse debate, Anísio Spínola Teixeira se destacara como educador que criticava a
tradição centralizadora do Estado, defendendo uma educação para descobrir e para
fazer (Chaves, 1999, p. 89), em que o aprendizado se conquistaria com a prática, ou
seja, a busca da verdade com base na experiência. A verdade perdera seu caráter
absoluto, tornando-se menos uma solução do que um programa de trabalho, em que o
conhecimento era visto como algo em permanente processo de elaboração (Chaves,
33
1999, p. 95). Formado em Direito pela Universidade do Rio de Janeiro, foi nomeado
inspetor-geral de Ensino pelo governador do Estado da Bahia, em 1924. Em 1928, Anísio
Teixeira esteve 10 meses nos Estados Unidos, no Teachers College, da Universidade de
Columbia, em Nova York, quando, então, familiarizou-se mais intensamente com o
pensamento de John Dewey. Demitido pelo novo governador, contrário às suas reformas
no ensino, foi convidado por um colega de turma, Themístocles Cavalcanti, a assumir, em
1931, a Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal, substituindo Fernando de
Azevedo quando da ascenção do interventor Pedro Ernesto (Vianna Filho, 2000).
Fernando de Azevedo também se enquadrava na linha crítica ao ensino das
escolas tradicionais. Escrevendo no jornal Correio Paulistano, ligado às oligarquias
políticas do PRP, já havia investido contra a estrutura ou a organização das escolas e das
velhas técnicas de ensino, retrógradas e obsoletas (Azevedo, F., 1971, p. 57), com aulas
de química sem laboratório e professores que se utilizavam do horário das aulas para
fazer discursos políticos (Azevedo, F., 1971, p. 100). Fernando de Azevedo defendia
aulas mais dinâmicas em que as exposições podiam ser sempre interrompidas por
perguntas estimulando o diálogo entre professor e aluno. Educador e sociólogo, Fernando
de Azevedo foi redator e crítico literário no jornal O Estado de São Paulo, no qual pôde
organizar um inquérito abordando a educação pública no Estado. Dirigiu o Departamento
de Instrução Pública do então Distrito Federal onde orientou a reforma de ensino no
período de 1926 a 1930. No Estado de São Paulo, Fernando de Azevedo ocupou a
Secretaria da Educação e Saúde, em 1947, e a Secretaria de Educação e Cultura, no
governo do prefeito Prestes Maia, em 1961.
O educador Manuel Bergström Lourenço Filho (1897-1970) se destacou no
movimento dos pioneiros da Escola Nova, assumindo, em 1922, o cargo de diretor de
Instrução Pública do Ceará. Em 1931 foi nomeado assessor de gabinete do, então,
ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos. Em 1937, foi nomeado por
Gustavo Capanema, diretor-geral do Departamento Nacional de Educação, e, no ano
seguinte, diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) no período de 1938
a 1946. De 1947 a 1951, voltou a exercer as funções de diretor-geral do Departamento
Nacional de Educação. Em 1926, em resposta ao inquérito acerca do ensino paulista
promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo, Lourenço Filho apresentou com clareza as
características do movimento renovador: "A escola tradicional não serve o povo, e não o
34
serve porque está montada para uma concepção social já vencida, senão morta de todo...
A cultura, bem ou mal, vinha servindo os indivíduos que se destinavam às carreiras
liberais, mas nunca às profissões normais de produção econômica."
Em seu livro Introdução ao Estudo da Escola Nova, que Fernando de Azevedo
qualifica como “o melhor ensaio em língua portuguesa sobre as bases biológicas e
psicológicas das novas teorias da educação(Azevedo, F., 1976, p. 168), Lourenço Filho
expõe: "O verdadeiro papel da escola primária é o de adaptar os futuros cidadãos,
material e moralmente, às necessidades sociais presentes e, tanto quanto seja possível,
às necessidades vindouras, desde que possam ser previstas com segurança. Essa
integração da criança na sociedade resume toda a função da escola gratuita e obrigatória,
e explica, por si , a necessidade da educação como função pública. Por isso mesmo, o
tirocínio escolar não pode ser mais a simples aquisição de fórmulas verbais e pequenas
habilidades para serem demonstradas por ocasião dos exames. A escola deve preparar
para a vida real, pela própria vida. A mera repetição convencional de palavras tende a
desaparecer, como se viu na nova concepção da ‘escola do trabalho’. Tudo quanto for
aceito no programa escolar precisa ser realmente prático, capaz de influir sobre a
existência social no sentido do aperfeiçoamento do homem."
35
Figura 1 - Manuel Bandeira (3º da esquerda para a direita, em pé), Alceu Amoroso Lima (5ª
posição), Hélder Câmara (7ª posição) e sentados (da esquerda para a direita), Lourenço Filho, Roquette
Pinto e Gustavo Capanema. Rio de Janeiro, 1936
Fonte: CPDOC/GC, foto 088[1]
As deficiências do ensino de nível secundário, de caráter imediatista para o
ingresso ao ensino de nível superior e a falta de estímulo ao pensamento científico no
modelo tradicional de ensino, no qual era mínima a presença na grade curricular de
matérias relacionadas à Ciência, criavam um arcabouço que impactava diretamente no
tipo de ensino superior que se desenvolvia, pouco vocacionado para a pesquisa científica,
e concentrado apenas na formação de profissionais liberais médicos, advogados e
engenheiros. Seria necessário um novo aluno no ensino de níveis primário, técnico-
profissional e secundário, para que a universidade pudesse ter alguma aspiração à
pesquisa científica.
Em 1931, a Reforma Francisco Campos, titular do recém-criado Ministério da
Educação e Saúde Pública no governo Vargas, reafirmou a função educativa do ensino
de nível secundário dividindo-o em dois ciclos: o primeiro, de cinco anos, denominado
curso secundário fundamental, e o segundo, de dois anos, chamado curso complementar
(Nunes, C., 2000, p.44). O ensino de nível secundário continuaria, portanto, um curso de
cultura geral e humanística, mantendo seu caráter propedêutico um ensino básico para
preparação de uma elite intelectual nas universidades. Outro eixo da Reforma Francisco
36
Campos dizia respeito ao ensino de nível superior. A Reforma Francisco Campos adotou
a Universidade do Rio de Janeiro criada em 1920 pela mera fusão das faculdades de
engenharia, medicina e direito, sem qualquer interação entre elas como modelo a ser
aplicado ao ensino de nível superior, porém sem a ênfase em pesquisa, a dedicação
integral e a autonomia didática e administrativas defendidas na década anterior; embora,
em teoria, Francisco Campos pensasse em adotar tais princípios em algum momento
oportuno. Faltava realidade prática ao ideal de autonomia. Em nenhum momento, a
Reforma Francisco Campos admitia a possibilidade de as universidades terem a iniciativa
de se organizar de forma diferente, competindo entre si para oferecer um ensino da
melhor qualidade. A Reforma Francisco Campos foi orientada claramente para paralisar o
movimento favorável a um sistema universitário com base em comunidades científicas
organizadas de forma autônoma. Para Francisco Campos, a universidade a ser criada
deveria ser posta a serviço do aprimoramento do ensino secundário, ou seja, para
formação de professores (Paim, 1981, p. 62).
A Reforma Francisco Campos, dessa forma, frustrou a tentativa desses
intelectuais reunidos em torno da ABE e ABC, tanto com relação à reforma do ensino
secundário como no que dizia respeito às aspirações para criação de uma universidade
vocacionada à pesquisa. A reintrodução do ensino religioso facultativo nas escolas
públicas oficiais acirrou os debates ideológicos em torno da educação leiga. A
promulgação do Decreto 19.941, de 30 de abril de 1931, tornava facultativo o ensino
religioso nas escolas públicas, pondo fim a 40 anos de vigência de laicidade nesses
estabelecimentos (Salém, 1982). O movimento da Escola Nova com seu "modernismo
agnóstico" fora apontado pelos intelectuais do Centro Dom Vital como o causador da
"anarquia pedagógica" que assolava o País (Salém, 1982). Do conflito, resultou a IV
Conferência Nacional de Educação, realizada em dezembro de 1931, no Rio de Janeiro,
da qual surgiu a idéia de solicitar a Fernando de Azevedo a elaboração de um documento
fundamentando as propostas da nova corrente pedagógica.
Em 1932, em conjunto com outros intelectuais, entre os quais Raul Briquet e Júlio
de Mesquita Filho, Francisco Azevedo apresentava a proposta conhecida como
“Manifesto dos Pioneiros”, defendendo a chamada “Educação Nova”, que tinha como
pilares a liberdade individual, o ensino leigo, o papel do Estado na criação de um sistema
nacional de educação e uma proposta pedagógica que privilegiava a originalidade do
37
pensamento em vez da educação formal baseada na mera memorização de fatos, que
prevalecia no ensino tradicional e se adaptava às aspirações de uma sociedade urbana e
industrial (Azevedo, F., 1976, p. 175).
O Manifesto dos Pioneiros, considerado por Francisco Venâncio Filho “a obra
síntese da renovação educacional (Lopes, S. C, 2007, p.185), reafirmava a crença na
educação como instrumento básico do desenvolvimento e reivindicava a igualdade de
oportunidade educacional, a ampliação do acesso à educação, a obrigatoriedade e a
gratuidade do ensino como garantias ao acesso à escolarização. O projeto consistia em
retomar e expandir a tradição centralizadora e intervencionista por parte do Estado, que a
República interrompera, no entanto, uma centralização que preservasse a democracia e a
diversidade capaz de garantir o dinamismo do sistema educacional. Nas palavras do
Manifesto dos Pioneiros: “a organização da educação sobre a base e os princípios fixados
pelo Estado, no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade
nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições
geográficas e sócio-culturais do país e a necessidade de adaptação da escola aos
interesses e às existências regionais. Unidade não significa uniformidade. A unidade
pressupõe diversidade. Por menos que pareça à primeira vista, não é, pois na
centralização mas na aplicação da doutrina federativa e descentralizadora que temos de
buscar o meio de levar a cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenadora,
de acordo com um plano comum, de grande eficácia, tanto em intensidade como em
extensão” (apud Amado, 1973, p. 9).
Na mesma perspectiva de descentralização Anísio Teixeira destaca que “uma
escola, nacional por excelência, não pode ser uma escola imposta pelo centro, mas o
produto das condições locais e regionais, planejada, feita e realizada sob medida para a
cultura da região, diversificada, assim, nos seus meios e recursos, embora una nos
objetivos e aspirações comuns” (Teixeira, 1971, p. 36).
Fernando de Azevedo destacava como os pontos principais do Manifesto dos
Pioneiros: a defesa do princípio de laicidade, a nacionalização do ensino, a organização
da educação popular, urbana e rural, a reorganização da estrutura do ensino secundário e
do ensino técnico e profissional, a criação de universidades e de institutos de pesquisa de
alta cultura, para o desenvolvimento dos estudos desinteressados e da pesquisa
38
científica, constituíam alguns dos pontos capitais desse programa de política educacional,
que visava fortificar a obra do ensino leigo, tornar efetiva a obrigatoriedade escolar, criar
ou estabelecer para as crianças o direito à educação integral, segundo suas aptidões,
facilitando-lhes o acesso, sem privilégios, ao ensino secundário e superior, e alargar pela
reorganização e pelo enriquecimento do sistema escolar a sua esfera e os seus meios de
ação” (Azevedo, F., 1976, p. 175).
O enrijecimento político do Estado Novo de Vargas impossibilitou que no plano
federal se construíssem as condições próprias para a adoção do ideário escolanovista de
viés fundamentalmente democrático. Uma nova reforma no ensino fora implementada, em
1942, durante o regime autoritário do Estado Novo de Vargas, sob a coordenação do
então ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema (1934-1945). O ensino de nível
secundário foi reestruturado em um primeiro ciclo, chamado de ginásio (secundário,
industrial, comercial e agrícola), de quatro anos, e em um segundo ciclo, de três anos,
com opção entre clássico e científico (Nunes, C., 2000, p. 44). Nesse sentido, a reforma
mantinha a orientação anterior, de uma reforma secundarista sem se desvincular do
caráter de curso de passagem para a universidade. Ao chegar ao segundo ciclo, o
estudante que não tivesse a intenção de ingressar em um curso universitário poderia
optar por uma série de cursos profissionalizantes. Dessa forma, o curso ginasial também
funcionaria como habilitação para os cursos profissionalizantes de nível médio
(Schwartzman; Bomeny & Costa, 2000, p. 207). Mantinha-se o dualismo entre um ensino
acadêmico voltado para uma elite e um ensino profissional voltado para “os menos
favorecidos da fortuna.
O sistema tornava-se cada vez mais marcado por uma rigorosa centralização
administrativa. O governo federal sob a ão do Ministério da Educação fixava currículos
e instruções metodológicas (Amado, 1973, p. 5). Tanto a padronização que se observa na
reforma de nível secundário como a observada na reforma de nível superior procurando
transformar a Universidade do Brasil em universidade padrão se enquadram em uma
política cultural de homogeneização da cultura presente na política do governo federal no
Estado Novo (Schwartzman; Bomeny & Costa, 2000, p. 157).
A principal característica da reforma do ensino de nível secundário de Gustavo
Capanema, em 1942, foi a ênfase voltada ao ensino humanístico de tipo clássico: o latim
39
e o grego, quebrando o equilíbrio entre humanidades e ciências mantido na Reforma
Francisco Campos de 1931: o ensino secundário deveria estar impregnado daquelas
práticas educativas que transmitissem aos alunos uma formação moral e ética,
consubstanciada na crença em Deus, na religião, na família e na pátria(Schwartzman;
Bomeny & Costa, 2000, p. 209).
Tanto a Reforma Francisco Campos de 1931 como a Reforma Capanema de 1942
mantiveram a dualidade do ensino ao opor o ensino de níveis primário e profissional e o
ensino de níveis secundário e superior. O ensino tradicional, mesmo após o movimento
escolanovista, portanto, continua marcado por deficiências que o tornam inadequado às
demandas de um País que se industrializa. Persistem as deficiências do ensino de nível
médio brasileiro do predonio de tendência à memorização e atitudes passivas em aula,
o desprezo pela atividade experimental, o ensino predominantemente teórico. No ensino
de nível superior, refletiam-se e persistiam os defeitos oriundos do ensino secundário, a
existência de um currículo estático, a inexistência de um autêntico regime de tempo
integral, a falta de perspectiva de carreira em pesquisa em face da presença dos
catedráticos (Tolle, 1965; Tolle, 1964, p. 400).
Diante das dificuldades de ação no plano federal, os renovadores dispunham-se a
levar adiante suas teses na prática, no âmbito estadual, seja na capital, com Anísio
Teixeira como secretário de Educação na criação da UDF, em 1935, contando com o
apoio do prefeito Pedro Ernesto; seja com Fernando de Azevedo, em São Paulo, na
criação da USP, em 1934, com o apoio de Armando de Sales Oliveira, nomeado
interventor em São Paulo, pelo governo Getúlio Vargas, após a revolução de 1932 (Paim,
1982, p. 62). Fernando de Azevedo como jornalista do jornal Estado de São Paulo contou
para tal empreendimento com o apoio de lio de Mesquita Filho, empresário, diretor
desse mesmo jornal e cunhado de Armando de Salles Oliveira, e que via a criação da
USP e da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (FFCL) como essencial para a
formação de uma nova elite política e cultural para o Brasil. Ou seja, o que se observava
era que figuras centrais no debate da ABE sobre as reformas da Educação do ensino de
nível secundário estavam diretamente envolvidas com o movimento de reforma do ensino
superior vocacionado à pesquisa. A institucionalização da ciência e a reforma educacional
eram duas frentes de um mesmo plano de ação.
40
Essas duas propostas inovadoras de universidade têm, segundo Luiz Antonio
Cunha, conexão direta com os impactos da derrota dos paulistas na Revolução
Constitucionalista de 1932. Esse ano marca uma cisão entre o pensamento liberal que se
desmembra entre os que defendem uma visão de liberalismo elitista, da qual a USP será
o paradigma desse modelo, e os que defendem um liberalismo igualitário, do qual a UDF
será o modelo (Cunha, L. A.,1980, p. 241). As teses igualitárias de Anísio Teixeira,
idealizador da UDF, são expostas claramente no livro Educação não é privilégio, escrito
em 1957 (...) em face da aspiração para todos e dessa profunda alteração da natureza
do conhecimento e do saber (que deixou de ser a atividade de alguns para, em suas
aplicações, se fazer necessidade de todos), a escola não mais poderia ser a instituição
segregada e especializada de preparo de intelectuais ou 'escolásticos' e deveria
transformar-se na agência de educação dos trabalhadores comuns, dos trabalhadores
qualificados, dos trabalhadores especializados, em técnicas de toda a ordem, e dos
trabalhadores da ciência nos seus aspectos de pesquisa, teoria e tecnologia(Teixeira,
1971).
Segundo Anísio Teixeira, a formação do magistério, em todos os níveis, deveria
ser feita em universidades, juntamente com os profissionais especialistas da educação,
em uma proposta que associe ensino e pesquisa. A crítica de Anísio Teixeira às escolas
de formação de professores do nível primário (na época inexistiam mecanismos regulares
para formação de professores do nível secundário) era o fato de pretenderem ser ao
mesmo tempo escolas de cultura geral e de cultura profissional voltada para o magistério
propriamente dito (Mendonça, 2002, p. 90). No diagnóstico de Anísio Teixeira, as
Faculdades de Filosofia focaram muito o espírito acadêmico em detrimento de sua
vocação como formadores de professores: “o caráter pois que as Faculdades de Filosofia
assumiram no curso de sua evolução afastou-as do estudo e da preocupação pelo
problema do magistério secundário e do primário e limitou-as a formação, quando muito,
dos especialistas nas disciplinas literárias e científicas, tendo mais em vista o ensino
superior do que o ensino nas escolas de cultura prática de nível secundário ou cultural
vocacionais das escolas normais” (Teixeira, 1971, p. 100).
Em março de 1932, como diretor da Instrução Pública do Distrito Federal, Anísio
Teixeira realizou a reforma da Escola Normal, que passou a denominar-se Instituto de
Educação e passou a formar professores primários em nível superior, tendo como diretor
41
geral Lourenço Filho (Fávero & Britto, 2002; Lopes, S. C., 2007 p. 185). Logo em seguida,
em 1935, criou a UDF por meio de um decreto municipal, tendo Afrânio Peixoto como
reitor nomeado por Anísio. A UDF representava, em grande medida, a concretização dos
ideais reformadores de Anísio, tendo como objetivos: (i) promover e estimular a cultura de
modo a concorrer para o aperfeiçoamento da comunidade brasileira; (ii) encorajar a
pesquisa científica, literária e artística; (iii) propagar aquisições da ciência e das artes,
pelo ensino regular de suas escolas e pelos cursos de extensão popular; (iv) formar
profissionais e técnicos nos vários ramos de atividade que as escolas e institutos
comportarem; e (v) prover a formação do magistério em todos os seus graus (Paim, 1981,
p. 78). A UDF compunha-se da Escola de Ciências, Escola de Economia, Escola de
Direito, Escola de Filosofia e Letras, Instituto de Artes e Escola de Educação. Essa última
resultara da incorporação da Escola de Professores do Instituto de Educação do Rio de
Janeiro, pois tinha como objetivo fundamental "prover a formação do magistério em todos
os seus graus e concorrer como centro de documentação e pesquisa, para a formação de
uma cultura pedagógica nacional" (Candau, 1987, p. 12-13). Diferente do modelo paulista,
a Escola de Educação teve um papel absolutamente central dentro do projeto de Anísio.
Um outro objetivo principal da UDF, além da formação de professores do ensino
de nível secundário, será a orientação da Universidade para fins de pesquisa científica.
Para tanto, são contratados professores estrangeiros, bem como há a aquisição de
material de ensino e pesquisa importados. Em sua aula inaugural, Anísio Teixeira
descreve a função inovadora de um centro que estimula a formação do conhecimento e
não a mera transmissão de um saber preconcebido: o saber não é um objeto que se
recebe das gerações que se foram, para a nossa geração; o saber é uma atitude de
espírito que se forma lentamente ao contato dos que sabem” (Paim, 1981, p. 79). Entre os
contratados para ensinar na nova Escola de Ciências, encontravam-se o matemático Lélio
Gama, os físicos Bernard Gross e Joaquim da Costa Ribeiro, o geólogo Viktor Leinz e os
biólogos Lauro Travassos e Herman Lent. Todos faziam pesquisas em outras instituições,
o que contribuía para interação da UDF com outros centros de pesquisa (Schwartzman,
2001).
Após o frustrado levante comunista de 1935, o Distrito Federal sofrera intervenção
direta do governo federal, e, dois anos depois, Anísio Teixeira fora afastado da
Universidade do Distrito Federal. Com sua demissão, muitos professores deixaram a
42
Universidade, e o futuro do projeto ficou irreversivelmente comprometido
8
. Para o
Ministério da Educação, cabia ao governo federal estabelecer o padrão de ensino de nível
superior, e a UDF constituía uma situação de indisciplina e desordem no seio da
administração pública do país” por não ser da competência do prefeito a definição de seus
estatutos e de sua organização (Oliveira, L. L., 1995b, p. 246).
A UDF não conseguiu construir a mesma rede social de apoio que a USP obteve
(Arruda, 1995, p. 139) e foi fechada, em 1939, porque se chocava com os planos do novo
ministro da Educação, Gustavo Capanema, que assumira a pasta em 1934, de criar uma
universidade nacional que se ajustasse ao projeto proposto por Francisco Campos,
substituindo a Universidade do Rio de Janeiro. A Universidade do Brasil, criada
oficialmente em 1937, foi concebida como uma universidade de elite, modelo para as
demais universidades, em uma cidade universitária completamente nova e com
orientação católica. A despeito de alguns nomes reputados, o excesso de burocracia e a
indicação política de vários cargos impediram que a Universidade do Brasil despontasse
como centro significativo de pesquisa científica (Schwartzman, 2001).
Antonio Paim aponta a criação da Faculdade Nacional de Filosofia, em 1939,
como o momento em que o clima favorável da antiga UDF foi retomado em benefício da
efetivação da pesquisa científica como parte do ensino de nível superior (Paim, 1981, p.
86). Tanto a FFCL como a Escola de Ciências da UDF, precursora da Faculdade Nacional
de Filosofia, tiveram o mérito de iniciar tradições de pesquisa. Na análise de Antonio
Paim: assim, o movimento que empolgou toda uma geração ao longo de mais de dois
decênios, se conseguiu institucionalizar a Universidade, o que não lograra alcançar as
sucessivas gerações que a antecederam, o teve força suficiente para dar à
Universidade a feição que lhe atribuía. Essa circunstância não deve levar-nos, contudo, a
obscurecer sua enorme significação. O surpreendente é que haja conduzido tão longe
essa bandeira” (Paim, 1981, p. 97).
Contudo, a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil não
conseguiu retomar a mística e as esperanças que cercavam a UDFnem conseguiu se
equiparar ao nível de qualidade da USP. Na avaliação de Simon Schwartzman, o projeto
8
A obra educacional da Escola de Educação foi duramente atingida pelo Decreto n.156 de 30 de dezembro de 1936, que extinguiu a
exigência do ensino superior para a formação de professores para a escola primária (Lopes, S. C., 2007, p. 194)
43
da USP se mostrara mais orgânico que o da Universidade do Brasil de concepção mais
hierárquica e autoritária, buscando implantar-se de cima para baixoporque o contexto
paulista focado na industrialização e a presença de forte imigração européia criavam
condições mais propícias à atividade científica, o que criava um ambiente mais propício
para a atividade intelectual, cultural e científica do que o Rio de Janeiro e isto propiciava
um terreno mais sólido para um projeto universitário (Schwartzman; Bomeny & Costa,
2000, p. 243). Maria Arminda destaca as diferenças culturais entre Rio de Janeiro e São
Paulo: a condição de centro administrativo não era insuficiente para respaldar
iniciativas autônomas, quanto, principalmente, impedia que elas se manifestassem à
margem do Estado. A contigüidade com o poder público, promovendo-as, de outro,
obstava a sua liberdade de ação" (Arruda, 1995, p. 130).
O Rio de Janeiro oferecia um ambiente científico limitado, porém, um prestigioso
centro dos grandes debates nacionais. São Paulo, em contraste, não era ainda um centro
cosmopolita e político como era a capital federal, todavia, sua riqueza permitia as
melhores oportunidades de emprego aos pesquisadores. É no Rio de Janeiro que se
manifesta, no início do século XX, a reação intelectual ao positivismo e que surgem
centros de grandes debates nacionais em fóruns como a ABC e a ABE, que teriam forte
influência em um processo de discussão nacional a respeito da organização do sistema
educacional e científico do País. Combinados, Manguinhos e Politécnica no Rio de
Janeiro tiveram uma função crucial no amplo movimento em favor da criação de uma
universidade com vocação à pesquisa científica, que se materializaria em São Paulo.
Enfim, o Rio de Janeiro assiste ao surgimento de uma ideologia de valorização da
atividade científica, da universidade e da nova racionalidade do século XX. No entanto, os
frutos dessa efervescência intelectual viriam a se concretizar em São Paulo.
Lúcia Lippi, ao analisar cartas dos primeiros professores da Faculdade Nacional de
Filosofia, revela de forma clara as injunções políticas na nomeação de cargos e
professores (Oliveira, L. L., 1995, p. 249), seja por parte do ministro da Educação, do
diretor do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) ou mesmo do
presidente da República, o que mostra a fragilidade da autonomia da Universidade do
Brasil, que pretendia ser um padrão para as demais universidades. A falta de tal
autonomia didática e administrativa na Universidade do Brasil favoreceu o surgimento de
centros de pesquisa no Rio de Janeiro (Oliveira, L. L., 1995b, p. 260). Em dezembro de
44
1945, o laboratório de Carlos Chagas Filho da Universidade do Brasil deu origem ao
Instituto de Biofísica, no intuito de conferir maior liberdade administrativa para a pesquisa,
adquirida com a nova instituição, ao permitir uma ação independente para captação de
recursos junto ao governo sem depender das decisões da Universidade (Chagas Filho,
2006, p. 99). Logo, o Instituto de Biofísica se tornou um padrão de excelência na pesquisa
científica no Brasil, aliando pesquisa e ensino.
Uma outra evidência da caracterização da Faculdade Nacional de Filosofia da
Universidade do Brasil como pólo de conservantismo e resistência à pesquisa científica
ocorreu na criação do Centro Brasileiro de Pesquisa Físicas (CBPF), em 1949. A estrutura
burocrática, hierarquizada e rígida presente na Universidade do Brasil o se sensibilizou
com a proposta dos físicos mobilizados em torno da publicidade conquistada por César
Lattes na descoberta do méson-pi, de se revitalizar o curso de física adotando o regime
de tempo integral para realização de pesquisas na área de sica experimental. Mesmo
com o apoio do presidente da Academia Brasileira de Ciências, Arthur Moses, as
reivindicações não foram atendidas, o que levou o grupo dissidente ao ambicioso passo
de levar a ciência para fora da universidade, ao fundar o CBPF (Andrade, 1999, p. 67).
Segundo Ana Maria Ribeiro: O projeto de criação do centro de pesquisas sicas no Rio
de Janeiro teve apoio porque o retorno de Lattes coincidiu com a efervescência do
pensamento industrializante, que nem mesmo o liberalismo econômico inicial do governo
Dutra conseguiu imobilizar. As possibilidades de aplicação da ciência interessavam aos
desenvolvimentistas do setor privado e do setor público de ambos os matizes, apesar de
as dificuldades de financiamento da ciência estarem longe de ser vencidas (Andrade,
1999, p. 94).
Se a proposta dos reformadores do movimento da Escola Nova pôde se realizar
de forma efêmera no curto período de existência da UDF, a criação da USP, em 1934,
surgiria como outro fruto da ação destes intelectuais, porém, que viria a se consolidar
como um dos marcos da história das ciências e da educação no País (Schwartzman,
2001). Projeto político da elite industrial paulista (Cunha, L. A., 2003, p. 167), derrotada na
Revolução de 1932, a proposta era a de que, alijados do poder político, os paulistas
assumissem a hegemonia cultural pela ciência, por uma universidade vocacionada a
formar as elites dirigentes do País, capaz de recuperar a hegemonia de São Paulo no
plano político (Limongi, 2001, p. 153). Não somente as condições políticas foram
45
favoráveis a criação da USP, mas também o fato de São Paulo se constituir na
vanguarda da modernização brasileira(Arruda, 1995, p. 117) reflexo dos impulsos da
crescente industrialização, urbanização e mistura de culturas com a imigração. Todos
estes fatores contribuíram para que a proposta da USP pudesse ser posta em prática.
A FFCL seria o lugar no qual se desenvolveriam “os estudos de cultura livre e
desinteressada(Cunha, L. A., 2003, p. 168). Entre os objetivos da FFCL, considerada a
célula-máter (Witter, 1984, p. 17) da USP, destacam-se: a) preparar trabalhadores
intelectuais para o exercício de altas atividades culturais de ordem desinteressada ou
técnica; b) preparar candidatos para o magistério do ensino de níveis secundário, normal
e superior; e c) realizar pesquisas nos vários domínios da cultura que constituem o objeto
do seu ensino (Fernandes, F., 1966, p. 217). A nova universidade seria pública, leiga, livre
de influências religiosas, e atuaria como uma instituição integrada que desenvolvesse
pesquisa científica e não apenas um grupo de escolas isoladas. A autonomia era um
elemento fundamental para esse processo. Foram contratados professores estrangeiros
de renome internacional, fundadores de uma nova intelligentsia cosmopolita
(Schwartzman, 2006, p. 166), tais como Luigi Fantappié em matemática, Gleb Wataghin
na física e Heinrich Rheinboldt na química, Felix Rszawirtcher na Botânica, que iniciaram
a formação de comunidades científicas em suas áreas, preservando suas tradições de
pesquisa de seus locais de origem, adaptando-as às condições locais.
Um elemento propiciador da pesquisa científica presente na USP se fundamentava
nos diferentes modelos acadêmicos presentes no projeto original, de origens alemã,
francesa e norte-americana. A união indissociável entre ensino-pesquisa, bem como a
autonomia da USP em que, apesar do financiamento do Estado, um livre-docente e um
catedrático poderiam ministrar cursos paralelos concorrentes, seguiam o modelo alemão
(Witter, 1984, p. 33). A matriz francesa da FFCL na USP se fez presente com a
contratação de professores estrangeiros que deram início a tradições de pesquisa,
principalmente na área de ciências sociais, com Fernand Braudel, Claude Levi-Strauss,
Roger Bastide, entre outros. Maria Gabriela Marinho identifica um terceiro modelo
acadêmico na estruturação da USP, de origem norte-americana, fruto dos contatos da
Faculdade de Medicina com a Fundação Rockefeller, e que se reflete na primeira tentativa
de constituir um órgão gestor da política de pesquisa da Universidade: a Comissão de
Pesquisa presidida inicialmente por Souza Campos e posteriormente por Zeferino Vaz
46
(Marinho, 2001, p. 5). Para Simon Schwartzman, essa mistura de diferentes modelos
acadêmicos, tradições e experiências dentro da mesma instituição acabou por ser um dos
pontos fortes da Universidade de o Paulo, onde a centralização e o domínio pela
burocracia nunca prevaleceriam plenamente” (Schwartzman, 2001).
Maria Gabriela observa que, dada a maior adesão aos padrões franceses desde o
século XIX no País, o modelo francês de universidade resultou de uma busca local pelos
padrões existentes naquela cultura, o que lhe conferiu maior capacidade de se plasmar à
cultura local, ao passo que a menor aderência ao padrão cultural norte-americano
conduziu a uma transferência unilateral, que se instalou a partir de iniciativas que não
tiveram origem local (Marinho, 2001, p. 46). A inserção da Fundação Rockefeller na
Faculdade de Medicina de São Paulo, por exemplo, foi facilitada por ser uma instituição
bastante nova (criada em 1912) e, portanto, aberta à assimilação de novos
conhecimentos médicos e de saúde pública (Faria, L., 2007, p. 56). A mesma integração
dificilmente se estabeleceria com a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro na mesma
época, marcada por um tradicionalismo que a tornava avessa a qualquer progresso futuro
da bacteriologia (Stepan, 1976, p. 62).
A inserção destes modelos, portanto, sofreu rupturas em face das contingências
locais. A dificuldade na transposição de modelos de conhecimento quando não existe
uma tradição local capaz de recebê-los, é manifestada, por exemplo, na introdução da
pesquisa em química na USP. Embora mantendo os interesses de pesquisa que tinham
sido definidos na Alemanha e graduando toda uma geração de químicos, Heinrich
Rheinboldt não conseguiu reproduzir no Brasil a mesma integração entre pesquisa e
indústria que havia na Alemanha, devido à debilidade da indústria química nacional, em
sua maioria, formada por multinacionais pouco interessadas em desenvolver pesquisa no
País (Schwartzman, 2001, p. 195).
Sob muitos aspectos, porém, a USP foi um projeto frustrado (Schwartzman, 2001),
uma vez que a esperada integração entre as diferentes escolas profissionais não se
verificou, bem como pelo fato de os cursos atraírem estudantes filhos de imigrantes
recentes, ou vindos de cidades do interior do Estado, que dificilmente exerceriam o
esperado papel de liderança na formação da elite como desejavam seus fundadores.
Ainda assim, importantes tradições de pesquisa nas áreas de genética, física e química
47
foram iniciadas, observando-se uma perda de dinamismo nos anos de 1950 (Paim, 1982,
p. 80) em face das dificuldades financeiras e da pouca interação com o meio social.
Luiz Antônio Cunha observa que, nos cinco primeiros anos do primeiro governo
Vargas, desenvolveram-se no Brasil duas políticas educacionais: uma autoritária, pelo
governo federal, e outra liberal, pelo governo do Estado de São Paulo e pela prefeitura do
Distrito Federal (Cunha, L. A., 2003, p. 163). Segundo Antonio Paim: As duas iniciativas
tiveram o mérito de reaglutinar os partidários de uma universidade que assegurasse o
desenvolvimento da pesquisa (Paim, 1982). Se os projetos de construção de
universidade representados pela UDF e a USP tiveram o mérito de iniciar tradições de
pesquisa e a formação de professores de ciências para o ensino de nível secundário, por
outro lado, o projeto autoritário que se impôs com o Estado Novo (1939-1945) com a
imposição de currículos rígidos e centralizados, refreou as propostas escolanovistas de
reformulação do ensino secundário que eliminassem sua característica dualista,
preparassem o cidadão para o exercício da democracia, e que visavam dinamizar o
ensino. É fato que este período não foi marcado pela ausência de políticas educacionais e
de ensino superior, porém, a retomada de um debate em torno de um projeto educacional
aos moldes da proposta democrática escolanovista somente seria possível com a
redemocratização do país no pós Segunda Guerra Mundial..
1.2 A divulgação científica como educação popular
As transformações sociais de um país que inicia seu processo de industrialização,
o crescimento urbano e a influência de matrizes culturais estrangeiras mobilizam
intelectuais educadores e cientistas para a renovação do sistema de ensino, tanto no nível
secundário como no superior, para a construção de um modelo que forme o indivíduo
ajustado às necessidades que surgem dessa nova sociedade. Em paralelo a tais
propostas renovadoras no ensino e de busca de um espaço para a ciência em um projeto
de nação, observa-se a intensificação, na mesma época, de atividades de divulgação
científica por parte desses mesmos grupos de intelectuais, como uma outra vertente
dessa renovação, em busca da legitimação da ciência, bem como um instrumento de uma
educação informal da população.
48
O fato de haver perspectivas em comum entre educadores e cientistas não implica
contudo que o movimento de intensificação de divulgação científica que existe nos anos
1920 (Massarani, 1998), contemporâneo do movimento escolanovista, seja uma
decorrência deste, uma vez que o movimento de divulgação científica precede a este
período. No entanto, é fato que a própria conceituação de educação e divulgação
científica não estivesse muito clara nesta época, de forma que um mesmo objeto possa
ser visto ora como uma ação educativa ora com o objetivo de divulgação científica.
Embora a educação esteja associada a formação da capacidade intelectual do ser
humano, ao passo que a divulgação científica à recriação do conhecimento científico de
modo a torná-lo acessível a um público mais amplo, tais conceituações possuem muitas
áreas de interseção e tem sido sujeitas à críticas mesmo na literatura recente (Mora,
2003; Mendes, 2006).
Margareth Lopes, ao analisar as atividades científicas de museus do século XIX,
entre os quais o Museu Nacional do Rio de Janeiro, o Museu Paraense Emílio Goeldi e o
Museu Paulista, conclui: a marca distintiva da atuação desses museus foi por um lado a
investigação e a divulgação científica que realizaram com base nos acervos acumulados
nos diferentes ramos das ciências naturais, da etnologia e da antropologia divulgadas
quer por suas exposições, quer por suas publicações científicas brasileiras regulares
conhecidas internacionalmente e as únicas especializadas em ciências naturais(Lopes,
M. M., 1997, p. 331).
As experiências de divulgação científica até os anos 1950 são quase que
integralmente capitaneadas pelos próprios cientistas, em vez de profissionais
especialmente dedicados a esta tarefa (Esteves, 2006, p. 88). A forma como esses
cientistas entendem o processo de transmissão e assimilação dos conhecimentos
científicos muito se assemelha com as perspectivas pedagógicas dos educadores do
movimento escolanovista: mais do que transmitir informações, é preciso instigar o
questionamento crítico do público. Na perspectiva do pesquisador do Instituto Biológico
José Reis,
9
considerado o fundador do campo de divulgação científica no País, não basta
transmitir o conhecimento, é preciso despertar o aluno para a aventura da ciência: o
9
A obra de José Reis, considerado o pai da divulgação científica no Brasil, foi reconhecida em diversas ocasiões. Em 1975, José Reis
recebeu o prêmio Kalinga da UNESCO por sua dedicação à divulgação da ciência. O CNPq concede anualmente o prêmio José Reis
de Divulgação Científica a instituições, jornalistas e cientistas, e, desde 2006, é patrono da cátedra José Reis de Divulgação
Científica implantada pela UNESCO no Núcleo José Reis NJR-ECA/USP, a primeira cátedra UNESCO do mundo em divulgação
científica, tendo como coordenador Crodowaldo Pavan (Kreinz ; Pavan & Filho, 2007, p. 13).
49
humano jamais deveria faltar no artigo de divulgação; ideal é que o leitor sinta que a
ciência não acontece por si, mas decorre do trabalho de pesquisadores. O que de
aventura na descoberta faz o artigo palpitar(Reis, J., 1982, p. 810; Reis & Gonçalves,
2000, p. 33). A divulgação científica consegue assim cumprir uma função complementar à
educação formal: podemos dizer que a divulgação científica realiza duas funções que se
completam: em primeiro lugar, a função de ensinar, suprindo ou ampliando a função da
própria escola; em segundo lugar, a função de fomentar o ensino. Esta última desdobra-
se em várias outras, como despertar o interesse público pela ciência (...) despertar
vocações (...) estimular o amadorismo científico, amadorismo esse que pode constituir
apreciável reserva da força de trabalho científico de uma nação” (Reis, J., 1964, p. 352).
Paralelamente aos debates sobre educação observa-se uma intensificação das
atividades de divulgação científica, articulando cientistas como o fisiologista Miguel
Ozório, o físico Henrique Morize, os matemáticos Manuel Amoroso Costa, da Escola
Politécnica do Rio de Janeiro, e Teodoro Augusto Ramos, da Escola Politécnica de São
Paulo (Massarani & Moreira, 2004, p. 503), todos membros da ABC, em torno dos ideais
de reforma educacional de cunho escolanovista. Alguns desses cientistas participaram
entusiasticamente dos debates em torno da ABE (Motoyama, 1988, p. 175). Interesses
em comum e uma visão mais ampla de divulgação científica explicam a adesão de
educadores e cientistas a um projeto que alia ensino e pesquisa. Para Miguel Ozório, a
divulgação científica se destina mais a preparar uma mentalidade coletiva, do que
realmente a difundir conhecimentos isolados” (Massarani & Moreira, 2004, p. 512).
Na ABE, organizavam-se cursos de alta cultura, que assumiam a forma do que
mais tarde se chamaria extensão universitária (Paim, 1981, p. 38). Tais eventos eram
semanais e incluíam cursos, palestras e conferências, no período de 1926 a 1929,
voltados para divulgação científica e reunindo pesquisadores brasileiros e estrangeiros
como Marie Curie, Paul Rivet e Paul Langevin (Massarani & Moreira, 2004, p. 504).
Membros da ABC ministraram diversos desses cursos na ABE, como Amoroso Costa,
Tobias Moscoso, Euzébio de Oliveira, Álvaro Ozório de Almeida, Miguel Ozório de
Almeida, Inácio Azevedo do Amaral e Dulcídio de Almeida Pereira (Paim, 1981, p. 38;
Massarani, 1998, p. 121).
50
A conexão entre cientistas interessados em divulgação científica e
simultaneamente na reforma educacional é igualmente percebida por analistas como
Luisa Massarani: Esses cientistas e profissionais liberais conscientizaram-se também de
que era necessária uma renovação educacional mais ampla no país, que permitisse
resgatá-lo do analfabetismo generalizado, condição necessária para que viesse a
acompanhar os ritmos da modernidade européia e norte-americana. Isso levou a que
muitos deles se empenhassem profundamente nas campanhas pelo ensino público
(Massarani, 1998, p. 140). O sentimento de nacionalidade também marcou bastante as
atividades de divulgação científica desta época, especialmente nos trabalhos do
antropólogo do Museu Nacional Edgar Roquette Pinto (Massarani, 1998, p. 132).
Um marco nesse período foi a criação, em 1923, da Rádio Sociedade do Rio de
Janeiro, sob a iniciativa de Roquette Pinto, com fins científicos e sociais, para o qual o
ideal é que o cinema e o rádio fossem, no Brasil, escola dos que não tem escola(apud
Fávero & Britto, 2002, p. 283). A Rádio Sociedade foi a primeira dio brasileira na qual
cientistas apresentavam palestras de divulgação científica. A programação incluía cursos
de inglês, francês, história do Brasil, literatura portuguesa, literatura francesa, bem como
palestras de divulgação científica abordando temas como: marés (Maurício Joppert), física
(Francisco Venâncio Filho) e fisiologia do sono (Roquette Pinto). Em sua visita ao Brasil,
em 1925, Albert Einstein fez uma breve locução em alemão na Rádio Sociedade.
Roquette Pinto mostrava-se bastante otimista com as potencialidades do novo meio de
transmissão de informações como veículo de divulgação científica capaz de adentrar com
amplidão os lares de diferentes camadas da população. A partir de 1926, a Rádio
Sociedade do Rio de Janeiro publicou a revista bimensal Electron, com a programação da
rádio e temas técnicos de radiotelefonia (Massarani & Moreira, 2004, p. 53). A ABC, por
intermédio da Rádio Sociedade, mantida pela contribuição de sócios, imprimia um
trabalho pioneiro de divulgação científica, ao disseminar programas escritos e
apresentados pelos próprios cientistas da ABC, que se tornaram, assim, os primeiros
radialistas (Werneck, 2002, p. 80). Dessa forma, a Rádio Sociedade constituía uma
audiência que legitimava os projetos de ciência desinteressada” da ABC.
51
Figura 2 - Diretores e alguns sócios da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Sentados: Carlos
Guinle, Henrique Morize e Luis Paes Leme. De pé: Dulcídio Pereira à esquerda, Roquette Pinto é o
terceiro, seguido de Costa Lima e Francisco Lafayette.
Fonte: http://www.fiocruz.br/radiosociedade/. acesso em março de 2008
Nessa mesma época, era editada pelo Museu Nacional a Revista Nacional de
Educação, dentro de uma perspectiva de infundir em um público mais amplo os valores
da ciência e da cultura diretamente conectados às situações da vida cotidiana,
contrapondo-se a uma cultura livresca, então dominante, e sintonizado com os
movimentos educacionais da Escola Nova e de busca de uma identidade nacional através
da educação. A Revista Nacional de Educação contemplava matérias sobre a fauna e
flora brasileiras ricamente ilustradas, muitas das quais escritas pelos próprios cientistas
do Museu Nacional. Em meio a um debate a respeito de questões raciais e a suposta
inferioridade do brasileiro fruto da mestiçagem característica da população, a Revista
Nacional de Educação buscava transmitir a um público amplo o valor próprio do brasileiro
e as potencialidades que podem ser exploradas por meio da educação para todos,
"claros, pardos e escuros".
Publicada no período de 1932 a 1934, a Revista Nacional de Educação contribuiu,
segundo Silvio Romero, para enobrecer a grande alma nacional”. Muitos dos programas
divulgados na Rádio Sociedade, de Roquette Pinto, foram transcritos na Revista Nacional
de Educação (Duarte, 2004). Educação e divulgação científica são vistas como elementos
fundamentais de um projeto de nação, ou seja, a formação do povo brasileiro por
52
intermédio da educação, especialmente diante do otimismo que se formava com o recém-
criado Ministério da Educação e Saúde Pública, no início do governo Vargas, em 1930.
Os anos 1930 presenciariam outras iniciativas de divulgação científica de grande
repercussão também em São Paulo, onde o Instituto Biológico, sob o comando de
Henrique da Rocha Lima, estabelecia reuniões regulares para o intercâmbio de cientistas,
além de reuniões de caráter mais geral, voltadas ao público leigo, sobre temas de
interesse das comunidades. Segundo Maria Alice Ribeiro, As reuniões do Instituto
Biológico transformaram o Instituto no centro de discussão da ciência e no centro de
referência para todos os pesquisadores e estudantes que escolhiam a pesquisa científica
como ideal de suas carreiras(Ribeiro, 1998, p. 61). As palestras eram públicas, e seu
programa divulgado semanalmente nos três maiores jornais da época: O Estado de São
Paulo, Correio Paulistano e Folha da Manhã, com convite especial aos cafeicultores,
administradores e técnicos em geral interessados no assunto. Segundo Marta Abdala,
(Mendes, 2006, p. 128) “As palestras saíram do interior do Instituto e tornaram-se um dos
mais concorridos encontros daquela época para os interessados em novidades científico-
culturais.”
José Reis, pesquisador do Instituto Biológico de São Paulo, formado pelo Instituto
Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, teve atuação destacada em divulgação científica.
Desde 1932, José Reis escrevia artigos na revista Chácaras e Quintais, em que tratava
de doenças de aves e de questões práticas para os pequenos criadores, e,
eventualmente, no jornal Estado de São Paulo. No período de 1934 a 1938, com o auxílio
da Cooperativa Agrícola de Mogi das Cruzes, José Reis montou um minilaboratório em
um furgão dotado de projetor e alto-falante, no intuito de estabelecer um contato direto
com os agricultores, estabelecendo minicursos com o objetivo de informar sobre as
doenças de aves e o modo de se preparar as vacinas, além de indicar e distribuir
medicamentos (Nunes, O., 2007, p. 98) uma experiência que anteciparia sua vocação
de caixeiro-viajante da ciência, que adotaria anos mais tarde, ao participar e divulgar as
feiras de ciências do IBECC/SP. Segundo José Reis, o contato com as aplicações
práticas da ciência levou-me aos homens mais humildes do campo, nos quais senti um
comovente desejo de aprender. Assim me fiz divulgador em revistas agrícolas e folhetos
(Reis, J., 1964b).
53
Figura 3 - Chácaras e Quintais, publicação voltada para agricultores e criadores de aves.
Fonte: Rebouças et. al. 2007
Outra publicação que se destaca no cenário da divulgação científica na área
agrícola dos anos 1930, com a colaboração de pesquisadores do Instituto Biológico, é a
revista O Campo, voltada para pequenos e médios agricultores e que tinha como proposta
expandir a ciência agropecuária no Brasil tratando de temas relacionados à
implementação de cnicas no campo e à racionalização da produção. A proposta era
substituir conhecimentos tradicionais pela ciência, cabendo ao agrônomo não apenas o
papel de divulgação científica, mas também o de função civilizatória. Segundo Rosana
Temperini, a revista O Campo se inscreve em um momento histórico onde se cristaliza
no país um ideário moderno para a sociedade rural, insinuado desde a década de 20”,
buscando integrar o interior do País à Nação. Essa revista foi criada, em 1930, por
iniciativa de membros do Instituto Agrícola Brasileiro (IAB). Sua publicação era de
periodicidade mensal e como colaboradores das edições figuravam diversos engenheiros
agrônomos e cientistas, entre os quais: A. J. Sampaio, do Museu Nacional; Ângelo da
Costa Lima, Henrique Aragão e Lauro Travassos, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC);
Azevedo Marques, Carlos Moreira e Eugênio Rangel, do Instituto Biológico; e Octavio
Domingues, da Escola de Agricultura Luiz de Queiroz (Temperini, 2003).
A ação de José Reis não se limitava à área agrícola, ampliando o universo de seu
público ao atuar na publicação de artigos em jornais comerciais. Após uma passagem
pelo Departamento de Serviço Público do Estado de São Paulo, em 1943, e pela USP, em
1946, José Reis retorna, em 1947, ao Instituto Biológico e ocupa o cargo de diretor da
Divisão de Ensino e Documentação Científica. Em abril de 1947, surgiria o convite de
54
Otávio Frias de Oliveira para ele escrever uma coluna sobre ciência intitulada No Mundo
da Ciência, no então Folha da Manhã (Reis, J., 1982, p. 806), porém sem abandonar as
funções no Instituto Biológico (Nunes, O., 2007, p. 101). Esse período marca uma fase em
que a ciência aparecia de forma recorrente em alguns dos maiores diários e revistas do
País, ainda que com espaço editorial restrito (Esteves, 2006, p. 53).
A coluna No Mundo da Ciência estreou, em fevereiro de 1948, no jornal Folha da
Manhã. No mês seguinte, seria lançado, no jornal carioca A Manhã, o suplemento
dominical de 12 páginas Ciência para todos, que seria publicado ao longo de cinco anos
(1948-1953). O diretor do A Manhã, Ernani Reis, irmão de José Reis, teve a iniciativa de
criar o suplemento, indicando para redator seu sobrinho Fernando de Sousa Reis. A
equipe do Ciência para todos reunia como colaboradores Roberto Peixoto, Newton Dias
dos Santos, entre outros, liderados pelo cientista Oswaldo Frota-Pessoa. No editorial da
primeira edição, escrito por Fernando de Sousa Reis, são apresentados os objetivos do
suplemento: julgamos sobremodo útil, para o progresso da ciência, um congraçamento
entre cientistas e público. Propomo-nos, assim, divulgar o que vem fazendo, de
importante, a ciência, em todo o mundo. Narraremos as lutas dos cientistas em seus
laboratórios. Procuraremos tornar mais conhecidos os pesquisadores que se tornaram
credores de nossa admiração [...] Assim procedendo, desejamos incentivar nos leitores o
interesse, a compreensão e o respeito pelas pessoas dos cientistas e pelas idéias que
eles representam. Por outro lado, dando a conhecer as atividades de nossos próprios
institutos de ciência e de nossos cientistas desejamos incentivá-los em seus trabalhos e
servi-lhes de porta-voz em suas reivindicações” (apud Esteves, 2006, p. 58).
O interesse de Oswaldo Frota-Pessoa por história natural resultou dos contatos
com o professor de biologia Hernane de Brito, que convidava grupos de alunos para fazer
excursões e colher material biológico para estudo: é esse tipo de proximidade entre
professor e aluno que cativa e desperta vocações(Frota-Pessoa, 2004, p. 52; Esteves,
2006, p. 73). O convívio como aluno de História Natural na Universidade do Distrito
Federal, inseriu Oswaldo Frota-Pessoa na efervescência cultural da época despertada
pelo “Manifesto dos Pioneiros” de Fernando de Azevedo. Trabalhando com pioneiros da
engenharia genética, como Theodosius Dobzhansky, o grupo de biólogos envolvidos nas
pesquisas de genética humana do qual Oswaldo Frota-Pessoa estava incluído obteve
recursos de Harry Miller Jr., da Fundação Rockefeller para a América Latina, para suas
55
pesquisas que tinham como objetivo verificar se as características do processo evolutivo
nos trópicos eram diferentes das existentes nas zonas temperadas (Salzano, 1979, p.
253).
Atuando como cientista e educador, Oswaldo Frota-Pessoa descreve sua
experiência como aluno da Universidade do Distrito Federal e sobre como sua nova
proposta de ensino dinamiza o ensino: “Primeira aula de zoologia. Entra na sala o
Professor Lauro Travassos, do Instituto Oswaldo Cruz, junto com alguns assistentes. Ele
explicou que o curso começaria pelos insetos, mais fáceis de estudar, e que deveríamos
coletar exemplares de dez ordens, dissecar seus aparelhos buscais e desenhá-los, bem
como a enervação das asas, em câmara clara. Dito isto, ele se despediu, dizendo que, se
trabalhássemos ativamente, conseguiríamos cumprir a tarefa a tempo para assistirmos
sua segunda aula, um mês depois. Durante o mês, trabalhamos febrilmente, usando
material que colhíamos em excursões nos fins de semana. Formaram-se equipes
espontaneamente, que trabalhavam com iniciativa e criatividade. A segunda aula de
Travassos iniciou-se com um desfile, em sua mesa, das caixas de lâminas e de insetos
montados em alfinetes, com etiquetas, para sua aprovação. Na aula que se seguiu, ele
nos explicou as relações evolutivas entre as ordens de insetos, apoiando-se na evidência
que tínhamos colhido na natureza e estudado detalhadamente (Frota-Pessoa, 2000).
A publicação Ciência para todos não se limitava à apresentação de matérias
jornalísticas, buscando estimular a participação do jovem público leitor em atividades
extras, entre as quais destaca-se a divulgação de sessões de cinema educativo, sob a
coordenação de Fritz Lauro, realizadas no auditório da Associação Brasileira de Imprensa
(ABI), com filmes cedidos por instituições como o Instituto Nacional do Cinema Educativo
(INCE) idealizado por Roquette Pinto, em 1937 (Esteves, 2006, pp. 122, 142; Galvão,
2005)
10
.
Outra proposta de Oswaldo Frota-Pessoa era a apresentação de experimentos de
biologia a serem realizados em sala de aula (Esteves, 2006, p. 124). Para Oswaldo Frota-
Pessoa: o papel do experimento no processo de ensino é dar o que pensar ao aluno,
10
Segundo Fernando de Azevedo a utilização do cinema no ensino e na pesquisa científica teve seu início na filmoteca do Museu
Nacional inaugurada em 1910 e que incluía os primeiros filmes dos índios Nambiquara que Roquette Ppinto trouxe de Rondônia e os
filmes da Comissão Rondon documentando suas explorações geográficas, botânicas, zoológicas etnográficas (Azevedo, F., 1976,
p.210)
56
logo seu papel fica deturpado se o livro se encarrega de pensar por ele(Frota-Pessoa;
Gevertz & Silva, 1985, p. 90). Entre os colaboradores do suplemento, encontram-se
cientistas e professores das escolas do Rio de Janeiro (Esteves, 2006, p. 149). Oswaldo
Frota-Pessoa buscou reformular o ensino de ciências no País por meio de seus livros
científicos e didáticos, propondo a experimentação como elemento fundamental de
aprendizagem. Seu livro Biologia na escola secundária, submetido à revisão de José Reis
e publicado pelo CBPE em 1960, foi preparado sob encomenda de Anísio Teixeira, e
baseava-se em vários artigos publicados em Ciência para todos (Esteves, 2006, pp. 77,
90), tornando-se um clássico, servido de modelo para várias gerações de professores.
11
Figura 4 - Livro Biologia na escola secundária (1968, 4ª edição)
Oswaldo Frota-Pessoa critica os métodos tradicionais expositivos de ensino que
se baseiam no princípio, bastante ingênuo, de que o conhecimento se transmite por
contágio, sendo o agente infectante a palavra do mestree resume os princípios a serem
seguidos por um curso renovado de ciências: em primeiro lugar, o ensino não deve se
limitar à função informativa, mas buscar uma forma na qual os alunos aprendam a pensar
com acerto e a ser capazes de colher informações por si mesmos, utilizando o
conhecimento para resolver problemas da vida corrente e da vida profissional, ou seja,
cumprir também um objetivo formativo. Em segundo lugar, para cumprir tanto a função
informativa como formativa, os cursos devem confrontar os alunos com problemas que os
interessem genuinamente, fazendo-os participar, de maneira ativa e orientada, da sua
solução (Frota-Pessoa, 1964b, p. 364). Para isso, é importante que o professor tenha
11
Pelo trabalho de divulgação científica, Frota-Pessoa recebeu, em 1980/1981, o prêmio JoReis, e, em 1982, o prêmio Kalinga da
UNESCO.
57
grande familiaridade com a matéria ensinada, para que possa levantar problemas
adequados e aproveitar as boas linhas de discussão que surgem sem previsão.
José Reis publicou, na Folha da Noite, outra coluna diária, de título Ciência Dia a
Dia, que circulou de 1947 a 1951. Tais publicações compartilhavam os ideais de uma
valorização da figura do cientista, um grande otimismo com relação ao potencial da
ciência nas soluções dos problemas da humanidade, e a idéia de que o País somente
alcançaria o desenvolvimento econômico tão almejado se difundisse a pesquisa científica,
além de demonstrar uma postura acrítica quanto à suposta neutralidade da verdadeira
ciência”. Marta Abdala, ao analisar boa parte da obra de divulgação científica de José
Reis, concluiu: Essa divulgação permitiria que o público conhecesse o universo e o
discurso do cientista, 'vivenciando' a pesquisa científica através da leitura do artigo. Essa
forma de divulgação científica possibilitaria que, a partir de um texto detalhado e
aprofundado, a ciência pudesse ser vinculada ao cotidiano do leitor, tornando-se mais
familiar para que, de alguma maneira, a sociedade reconhecesse o valor do trabalho
científico e a sua importância para modificar a realidade” (Mendes, 2006, p. 182).
Em 1956, a convite da ABE, José Reis participou do congresso realizado na
cidade de Salvador, em que apresentou suas análises sobre ensino de ciência e a
necessidade de se investir e estimular o interesse dos jovens para as ciências (Mendes,
2006, p. 42). Entre 1962 e 1967, José Reis assumiu o cargo de diretor de redação da
Folha de São Paulo, no qual ofereceu ampla publicidade para as Feiras de Ciências
organizadas pelo IBECC no interior do Estado de São Paulo (Nunes, O., 2007, p. 97). Em
Educação é Investimento (1968), José Reis reuniu suas conferências e depoimentos
sobre temas educacionais, destacando o papel da educação no desenvolvimento
tecnológico e econômico do País (Mendes, 2006, p. 122; Reis, 1982, p. 808).
58
Figura 5 - José Reis, divulgador de ciências e idealizador do concurso Cientistas do Amanhã.
Fonte: Agência Folha (apud. Pavan & Coelho, 1991)
Outro importante fórum de divulgação científica, que surgiria no pós-guerra, era a
SBPC. Criada em 1949 pelos esforços do bioquímico Maurício da Rocha e Silva e José
Reis do Instituto Biológico de o Paulo e do fisiologista Paulo Sawaya da FFCL da USP,
entre outros, a SBPC se consolidaria como uma organização ativista na defesa dos
interesses profissionais da comunidade científica (Fernandes, A. M.,1998, p. 31; Ribeiro,
1998, p. 143), que, aos poucos, deixa o amadorismo e busca a institucionalização. As
reuniões científicas mantidas no Instituto Biológico de São Paulo, com a participação de
cientistas do próprio Instituto e palestrantes convidados de outras instituições científicas
como as Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e São Paulo e de instituições
estrangeiras, haviam se tornado um importante catalisador da formação dos cientistas
como grupo social (Ribeiro, 1998, p. 39).
A SBPC representava a mobilização política dos cientistas para a defesa e a
legitimidade da ciência, bem como a consolidação de um papel social da ciência na
sociedade. A revista Ciência e Cultura publicava textos científicos, artigos sobre ciência e
cultura no Brasil, resenhas de livros científicos e notícias sobre seminários e conferências
nacionais e internacionais (Fernandes, A. M., 1998, p. 62). Segundo Marta Abdala, um
dos propósitos da revista Ciência e Cultura era criar um público leitor formado
principalmente por cientistas, estimulando-os a participar do debate de políticas de ciência
e tecnologia, e instigando-os a formar um sentimento de corpo em torno de aspectos
profissionais da formação de carreiras científicas (Mendes, 2006, p. 141).
59
A SBPC percebeu a importância da divulgação científica para legitimação social
dos cientistas. Segundo José Reis, a SBPC foi, desde a sua fundação, entre os grandes
órgãos de popularização da ciência no Brasil, responsável por incentivar e estimular o
interesse público à ciência e à cultura, o que tem realizado especialmente em suas
reuniões anuais, abertas ao público (...) (Reis & Gonçalves, 2000, p. 23). As reuniões
anuais da SBPC recebiam cobertura da imprensa, principalmente, na Folha da Manhã, na
seção No Mundo da Ciência, atraindo milhares de pessoas. Entre os objetivos da SBPC,
constava expressamente “incentivar e estimular o interesse público com relação à ciência
e à cultura(Reis, J., 1982, p. 807; Esteves, 2006, p. 29). Outra esfera da atuação da
SBPC na divulgação era sua participação dos concursos Cientistas do Amanhã,
organizados pelo IBECC e analisados em maior detalhe no capítulo seguinte.
A análise do desenvolvimento da divulgação científica no Brasil, conduzida por
cientistas, mostrou um movimento que uniu cientistas e educadores em prol da
construção de mecanismos institucionais que contribuíram para a reforma na educação e
para o avanço da ciência como atividade profissionalizada e como um instrumento para o
desenvolvimento do País. Paralelo a tais desenvolvimentos, observou-se, especialmente
no pós Segunda Guerra, um movimento de maior destaque para ciência, que assumiu
como uma de suas faces visíveis a criação da UNESCO
.
1.3 O novo papel da ciência no pós-guerra e a criação da UNESCO
A idéia de criação da UNESCO nasceu da Conferência dos Ministros de Educação
dos governos aliados (Conference of Allied Ministers of Education CAME) reunidos, em
1942, em Londres, quando a guerra ainda não havia terminado. A inoperância da Liga das
Nações, que atuava por meio de recomendações e moções declaratórias, fez com que as
nações aliadas estruturassem a ONU e suas agências especializadas, em bases
operacionais e dentro de uma estrutura administrativa capaz de exercer influência
decisiva nos programas a seu cargo, em benefício do desenvolvimento e da paz dos
Estados Membros. Como um dos objetivos da Organização encontrava-se o de “garantir a
contribuição construtiva do intercâmbio científico, cultural e educacional para a
60
estabilidade econômica, segurança política e bem-estar geral dos povos no mundo”.
12
Ao
fim da Segunda Guerra, em 16 de novembro de 1945, em uma reunião em Londres com a
presença de 43 delegações, entre as quais o Brasil (Valderrama, 1995, p. 21), foi criada a
UNESCO, com o propósito de promover a cooperação internacional entre as nações
através da educação, ciência e cultura (artigo 1
o
da Ata Final de Constituição da
UNESCO, em 16 de novembro de 1945) tendo como primeiro diretor-geral o biólogo
britânico Julian Huxley (1946-1948).
No discurso de abertura da Conferência, a ministra da Educação da Inglaterra,
Ellen Wilkinson, destacou que, em resposta à apreensão quanto aos riscos da ciência
para a humanidade, é importante que os cientistas estejam próximos das ciências
humanas e que devam se conscientizar de suas responsabilidades perante a
humanidade
13
(Maio, 2005, p. 116). Segundo o preâmbulo do Ato Constitutivo da
UNESCO, como as guerras nascem no espírito dos homens; é, pois, no espírito dos
homens que devem ser levantadas as defesas da paz”, uma frase baseada nas palavras
do primeiro-ministro do Reino Unido, Clement Attlee, que, ao inaugurar a Conferência da
Constituição da UNESCO, em novembro de 1945, em Londres, disse: As guerras
começam na mente dos homens”, sendo complementado pelo poeta norte-americano
Archibald MacLeish: é na mente dos homens que as defesas da paz devem ser
erigidas”.
14
Segundo Julian Huxley: “a filosofia geral da UNESCO deve ser um humanismo
científico universalista, que unifique os diferentes aspectos da vida humana e que se
inspire na evolução” (Huxley, 1976b, p. 16).
A primeira Conferência Geral foi convocada para novembro de 1946, na Sorbonne,
em Paris.
15
A conferência continuou até dezembro do mesmo ano na sede provisória da
UNESCO no Hotel Majestic, em Paris, que tinha sido quartel-general dos nazistas durante
12
Tentative Draft Constitution for a United Nations Organization for Educational and Cultural Organization AME/A-53. 8 de março
de 1945. Arquivo pessoal de Paulo Carneiro, COC/FIOCRUZ.
13
A proposta original para o nome da organização na reunião de novembro de 1945, em Londres, era a de UNECO – United Nations
Educational and Cultural Organization. Apenas no sexto dia da Conferência, a Assembléia decidiu incorporar o S, de Science,
passando a se denominar UNESCO. A delegação dos EUA inicialmente argumentava que, para o público norte-americano, a palavra
culture incluía science. Joseph Needham, em memorando enviado aos EUA, quando ainda estava na China, antes da Conferência,
contra-argumentou que a palavra science devia ser entendida em seu sentido amplo, o que incluía tecnologia, conceito que não estava
coberto pela palavra culture. Os esforços de Joseph Needham não foram em vão: coube à delegação dos EUA propor na assembléia o
nome UNESCO (Archibald, 2006, p. 36).
14
Correio da UNESCO, Rio de Janeiro: FGV, ano 4, n. 5, maio de 1976, p. 22.
15
As Conferências Gerais da UNESCO se realizaram nos seguintes lugares: I - Paris (1946); II - México (1947); III - Beirute (1948);
IV - Paris (1949); V - Florença (1950);, VI - Paris (1951); VII - Paris (1952); VIII - Montevidéu (1954); IX - Nova Délhi (1956); X -
Paris (1958); XI - Paris (1960); XII - Paris (1962) – presidida por Paulo Carneiro; XIII - Paris (1964); XIV - Paris (1966); XV - Paris
(1968); XVI - Paris (1970) etc.
61
a ocupação da Segunda Guerra (Huxley, 1976, p. 4). Para atingir tal propósito, a
UNESCO seguiria estas linhas de ações: (i) colaborar no trabalho de avanço,
conhecimento e entendimento mútuo entre os povos, e promover o livre fluxo de idéias;
(ii) elevar os níveis de qualidade da educação entre os povos, tornando-a um elemento
acessível a todos; e (iii) manter, aumentar e difundir o conhecimento por meio de diversas
ações como promover o intercâmbio de pesquisadores e de publicações, e auxiliar na
manutenção de monumentos históricos e acervos bibliográficos como parte da cultura de
cada nação (artigo 1
o
da Constituição da UNESCO, Londres, em 16 de novembro de
1945).
Os três órgãos principais da UNESCO são a Conferência Geral, o Conselho
Executivo e a Secretaria da UNESCO. As principais funções da Conferência Geral são:
eleger os membros do Conselho Executivo, nomear o Diretor-Geral, admitir novos
Estados Membros, determinar a orientação e o programa geral da Organização, votar as
propostas e aprovar o regulamento financeiro e as resoluções para submetê-los aos
Estados Membros. O Conselho Executivo é composto por membros eleitos entre os
delegados da Conferência Geral, que se reúnem regularmente duas vezes ao ano. Sua
função é preparar a pauta das reuniões da Conferência Geral, velar pela execução do
programa da Organização, recomendar a admissão de novos Estados Membros e propor
candidatos para o cargo de Diretor-Geral. A sede da UNESCO localiza-se em Paris,
constituindo-se dos seguintes departamentos, que se encarregam da execução do
programa: Educação, Ciências Exatas e Naturais, Ciências Sociais, Atividades Culturais,
Informação, Assistência Técnica e Intercâmbio de Pessoas.
Para consecução de seus objetivos, o organismo deveria atuar nas seguintes
frentes: (i) estabelecer uma ampla rede de escritórios de cooperação científica; (ii) apoiar
financeiramente associações científicas e ajudar seus membros em suas pesquisas; (iii)
coordenar o trabalho de divulgação, de circulação de informações científicas; (iv) informar
ao público de todos os países as implicações internacionais das descobertas científicas; e
(v) criar novas formas de cooperação científica internacional, como laboratórios científicos
(Maio, 2005, p. 117). Na primeira Reunião Geral da UNESCO, realizada, em Paris, em
novembro de 1946, em seu primeiro ano de vida, foram aprovados cinco grandes projetos
para ação em 1947: (i) reconstrução das atividades educativas, científicas e culturais dos
países membros da UNESCO devastados pela guerra; (ii) assistência aos países
62
membros na campanha em favor da educação fundamental e contra o analfabetismo; (iii)
seminários para o pessoal docente e intercâmbio de pessoal; (iv) divulgação de idéias
pelos meios de comunicação de massa: rádio, cinema, imprensa; e (v) constituição de
uma comissão para preparação das bases do Instituto Internacional Hiléia Amazônica
(IIHA).
16
A UNESCO surge como um movimento internacional de desnacionalização da
ciência” (Crawford; Shinn & Sorlin, 1993, p. 1) para contrabalançar as políticas nacionais
de ciência e tecnologia adotadas por cada país especialmente no período de guerras,
transcender os limites do nacionalismo e promover um espírito internacionalista (Elzinga,
2004, p. 104). Conhecimento e verdade objetiva são vistos pela UNESCO como valores
universais, como instrumentos para garantir a paz e como forças sociais capazes de
mobilizar os povos. A ciência é vista como um bem público que deve estar acessível a
todos, independentemente de raça, crença religiosa, classe ou localização geográfica
(Elzinga, 2004, p. 90). A superação do racismo, da ignorância e do nacionalismo xenófobo
se daria pela disseminação da ciência, da cultura e da educação. Para Julian Huxley, a
UNESCO é o resultado de um momento único na história conhecimento e verdade não
são novos. Nunca na história da humanidade, contudo, estes fatores foram
institucionalizados numa escala internacional até a criação da UNESCO(Huxley, 1948).
Segundo Jaime Torres Bodet, sucessor de Julian Huxley como Diretor-Geral da UNESCO
(1948-1952), o erro do século XIX foi imaginar que a paz viria automaticamente quando
os países se reunissem para demonstrar a realidade de verdades científicas, por isso, a
tarefa da UNESCO inclui a cultura, buscando uma solidariedade intelectual em seu
sentido amplo. Essa tarefa, no entanto, o está restrita à divulgação da ciência, mas à
cultura, portanto, cientistas, escritores, artistas e filósofos são convocados para
participarem dessa empreitada.
Para Heloísa Domingues, a proposta de cooperação científica internacional da
UNESCO era absolutamente inovadora e sem precedentes, pois promovia uma ruptura
com a idéia de laissez-faireque prevalecia no período anterior à Segunda Guerra, que
16
Arquivo pessoal de Paulo Carneiro, COC/FIOCRUZ; Valderrama, 1995, p. 44. Petitjean (2006, p. 30) aponta como projetos
prioritários da UNESCO no período de 1946 a 1950: o apoio à ICSU na criação de sociedade científicas (ao estilo da SBPC), o
estabelecimento dos Centros de Cooperação Científica e a criação de novas formas de cooperação científica, tais como o Instituto
Hiléia (iniciado na primeira Sessão da UNESCO em 1946), os projetos do Instituto de Zonas Áridas e o Centro Internacional de
Computação (iniciados na Sessão da UNESCO de 1948 em Beirute). O relatório Introduction to UNESCO: a summary of the
organisations’s activities during its first year with selected list of documents, de dezembro de 1947, cita a criação do IIHA como uma
das metas da UNESCO.
63
entendia a ciência como atividade intelectual desconectada de suas funções econômicas
e sociais, além de contar com recursos financeiros e apoio político da qual a Liga das
Nações jamais havia contado (Domingues, 2004b, p. 4). Em 1924, no âmbito da Liga das
Nações, havia sido criado, sob inspiração do representante francês Leon Bourgeois, o
Comitê Internacional de Cooperação Intelectual (ICIC), que, por uma década, ocupou-se
dos assuntos de intercâmbio internacional, congregando artistas, escritores e intelectuais
de diversas nações, com o fim precípuo de intercâmbio de idéias e publicação de suas
obras. Tratava-se de um intercâmbio entre entes privados, universidades, academias,
sociedades literárias, sem um vínculo efetivo com os governos. O ICIC era uma
Organização elitista,
17
reunia vários membros, entre os quais Henri Bergson, Albert
Einstein e Madame Curie, porém nunca teve apoio e recursos financeiros das Delegações
junto à Liga das Nações para composição de uma estrutura administrativa eficaz (Elzinga,
2004, p. 91; Valderrama, 1995).
O elitismo inspirado pela vertente francesa do ICIC coexistia dentro da UNESCO
com o pragmatismo anglo-americano (Elzinga, 2004, p. 93). A UNESCO, pela visão
elitista de origem francesa, seria conduzida não por representantes de governos, mas por
intelectuais, “líderes da civilização”, capazes de promover um espírito internacionalista,
uma intelligentsia, no sentido de Mannheim (Elzinga, 2004, p. 104). A posição francesa
era favorável à criação de uma instituição com forte representação não-governamental, ao
passo que a posição anglo-americana defendia uma Organização controlada pelos
Estados Membros, ou seja, uma entidade intergovernamental (Elzinga, 2004, p. 95).
Essas contradições entre um caráter intergovernamental e não-governamental, entre
elitismo e uma ação mais ampla de caráter popular, estão presentes desde as origens da
UNESCO (Elzinga, 2004, p. 93,110). Em seu início, a UNESCO admitia a presença de
personalidades destacadas e especialistas nos campos das artes, das ciências, da
literatura, da educação e da disseminação do conhecimento, para compor o Comitê
Executivo, porém essa fórmula foi modificada a partir da VIII Conferência Geral da
UNESCO, em Montevidéu, em 1954, para que o Comitê Executivo fosse composto
apenas de representantes dos Estados Membros (Domingues, 2004, p. 207).
A existência de contatos diretos dos cientistas com a UNESCO, sem o
conhecimento das comissões nacionais dos países membros, tornar-se-ia expediente
17
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1967, p. 25.
64
menos freqüente, com a aprovação de regulamentações na VIII Conferência Geral da
UNESCO, em Montevidéu, em 1954, que suprimia tal ambigüidade dos Estatutos da
UNESCO, transformando-a em uma Organização intergovernamental (Domigues, 2004b,
p. 11). Para Patrick Petitjean, os projetos encaminhados por intelectuais e cientistas
apresentavam uma dinâmica incompatível com o ritmo impresso por diplomatas e a
burocracia imposta nas ações intergovernamentais; um choque de culturas que se
constituiria o fator principal no insucesso de empreendimentos como o IIHA (Petitjean,
2006a, p. 31). O caráter híbrido da UNESCO, expresso em sua conformação
organizacional de caráter governamental e não-governamental, definia-se cada vez mais
em torno da solução intergovernamental (Elzinga, 2004, p. 98).
Um outro aspecto que tem impacto quanto à forma de estruturação e de atuação
da UNESCO é o fato de que, em seus primeiros anos, o organismo é marcado por um
viés essencialmente ocidental, no que concerne ao modo de se conceber a ciência como
dotada de atributos intrínsecos que a distinguem das demais formas de cultura (Elzinga,
2004, p. 113). Segundo Aant Elzinga (2004, p. 129): a idéia da ciência e do
internacionalismo como veículos da ordem e da justiça refletia uma versão particular do
liberalismo ocidental, articulada por intelectuais das comunidades anglófonas”. Aant
Elzinga mostra que o apelo inicial à pureza, à universalidade da ciência e à verdade
objetiva”, nos primeiros anos da UNESCO, servia apenas para dar poder aos atores que
acionavam tal discurso, desencadeando o ciclo de credibilidade política que se
encontrava intrinsecamente vinculado ao ciclo de credibilidade da ciência, o que
demonstrava haver um mecanismo de compensação entre ciência e política, a ponto de a
ciência se transformar na continuação da política por outros meios (Elzinga, 2004, p. 132).
A defesa do universalismo da ciência origem ao chamado princípio da
periferia”, uma estratégia de ação da UNESCO que incluía a cooptação de indivíduos
resolutos e pensamento independente que colaborassem com os objetivos da instituição
de ampliar as zonas clarasda ciência para as zonas escurasem que se encontravam
os países periféricos (Elzinga, 2004, p. 107). Para o bioquímico e historiador das ciências,
Joseph Needham, primeiro diretor do Departamento de Ciências Naturais da UNESCO
(de dezembro de 1946 a abril de 1948),
18
quanto mais distante dos principais centros
18
De 1946 a 1948, era chamada Seção de Ciências Naturais; de julho de 1948 a 1964 passou a Departamento de Ciências Naturais, e,
de setembro de 1964 aos dias atuais, Setor de Ciências Naturais (Petitjean, 2006a, p.30).
65
científicos, maior a necessidade de cooperação científica. Julian Huxley, no documento
Uma Filosofia para a UNESCO, elaborado em 1946, antes da constituição da UNESCO,
sustenta a necessidade de se unificar as tradições e a cultura em um fundo comum de
experiências e de ideais como resultante de um processo evolutivo: A UNESCO deve
dedicar atenção especial ao nivelamento de recursos educacionais, científicos e culturais
em todos os setores onde eles estiverem em nível abaixo da média, sejam esse setores
regiões geográficas ou camadas pobres da população. Para empregar outra metáfora, a
UNESCO deve procurar lançar luz nas zonas escuras do mundo. O motivo é claro. Será
impossível a humanidade adquirir uma visão comum se grandes partes dela são
compostas por habitantes analfabetos de um mundo mental inteiramente diferente
daquele em que um homem educado vive, um mundo de superstições e tribalismo, e não
de progresso científico e possível unidade (Huxley, 1976b, p. 33).
19
A experiência de
Joseph Needham na China sedimentou a crença do caráter difusionista da ciência do
centro para a periferia em escala ampliada sob a chancela da UNESCO (Maio, 2005, p.
118).
A idéia de que nas zonas escuras não se fazia ciência, exposta por Joseph
Needham durante a primeira sessão da Conferência Geral da UNESCO, em novembro de
1946, chamou a atenção dos representantes brasileiros no Painel de Especialistas Latino-
Americanos sobre o Desenvolvimento da Ciência, realizado em Montevidéu, em setembro
de 1948 (Petitjean, 2006c, p. 71). O cientista Miguel Ozório qualificou tal visão de uma
espécie de imperialismo científicopraticado pelos países que valorizavam o que era
realizado dentro de seus próprios limites, tidas como zonas claras(Maio & Sá, 2000, p.
987). Para Marcos Chor Maio, o diagnóstico de Miguel Ozório antecipava divergências
futuras, como a que ocorreu por ocasião da indicação do coordenador do projeto do IIHA
(Maio, 2005, p. 119).
Na agenda internacional, tanto dos primeiros anos da UNESCO sob a iniciativa do
diretor do Departamento de Ciências Naturais Joseph Needham, como do Conselho
Econômico e Social da ONU (Economical and Social Council – ECOSOC), sob a liderança
de Henri Laugier, estava o estabelecimento de laboratórios de pesquisa internacionais
19
O texto sofreu críticas de membros do Comitê Executivo e foi distribuído pela UNESCO, em dezembro de 1946, com o acréscimo
de uma folha que indicava não se tratar de uma expressão oficial da organização, mas ser fruto de atitudes pessoais de Huxley.
Apesar disso, o fato de o mesmo princípio da periferia ter sido expresso por dois líderes da UNESCO, Julian Huxley e Joseph
Needham, mostra sua importância na análise dos rumos da organização.
66
sob os auspícios da ONU. Para ambos os organismos, a prioridade seria o
estabelecimento de tais laboratórios fora da zona desenvolvida, Estados Unidos e Europa,
de forma a proporcionar uma divisão mais justa da pesquisa científica entre os países
membros. Enquanto à UNESCO caberia as relações da ciência com a cultura e educação,
a ECOSOC trataria das questões de política científica e sua relação com questões
socioeconômicas. Seria, por exemplo, proposta da ECOSOC a criação da Comissão
Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), em 1948 (Domingues, 2004b, p. 4).
As perspectivas de livre disseminação da ciência e cultura, bem como a
harmonização e o intercâmbio científico e cultural tornaram-se cada vez mais difíceis de
apresentar resultados concretos em face do crescente clima de guerra fria após 1947 e
das questões relativas à segurança nacional. Em novembro de 1945, a então União
Soviética negou-se a participar da UNESCO, anunciando a criação de um organismo
alternativo, tendo vindo a integrar a UNESCO apenas em 1954. A crescente corrida
armamentista, a criação da OTAN e a bipolarização do mundo formavam um ambiente
pouco propício aos ideais humanistas manifestados pela UNESCO. A Doutrina Truman e
o Ponto IV de janeiro de 1949 contrapõem-se à visão internacionalista da UNESCO até
então vigente, propondo a cooperação técnica em um mundo bipolarizado (Domingues
2004b, p. 14). O programa Ponto IV se apresenta como uma instrumentalização da
ciência pela qual se poderia realizar o desenvolvimento econômico com a ciência, sem
resolver as questões sociais (Domingues, 2004, p. 211). A visão internacionalista da
ciência e a concepção do papel irradiador da UNESCO para iluminar as "zonas escuras"
perde peso político dentro da Instituição logo em seus primeiros anos de existência, e a
Instituição passa a assumir uma ação mais multifacetada.
A proposta inicial da UNESCO, de recuperar os serviços de educação e cultura
dos países devastados pela guerra, logo assumiu uma conotação mais genérica. Ao fim
da Segunda Guerra, muitas escolas de diversos países foram destruídas, o que exigiu a
recomposição de seus laboratórios de ciências e a necessidade de novos equipamentos
para a realização das experiências científicas. Para tal fim, a UNESCO, sob a iniciativa de
J. P. Stephenson, publicou o livro Suggestions for Science Teachers in Devastated
Countries, que se tornou um sucesso em regiões não somente devastadas pela guerra
mas em outras que eram desprovidas de tais laboratórios (Samady, 2006, p. 182; Hadley
& Nuotio, 2006, p. 517).
67
Figura 6 -Livro Suggestions for science teachers in devastated countries com experimentos de
ciências simples.
Fonte: UNESCO
A necessidade de se adequar a proposta do livro a essas novas regiões e adaptar
a produção de tais equipamentos de realização simples às novas condições desses locais
conduziu a UNESCO a publicar o Unesco Source Book for Science Teaching, em 1956,
com reedição em 1962. A proposta dessa publicação, que se concentrava na
experimentação como um meio para o ensino de ciências e a compreensão de seus
princípios e generalizações, atendia aos diferentes propósitos de: (i) fornecer base para
um melhor método de ensino em ciências a ser adotado pelas instituições de treinamento
de professores; (ii) constituir-se uma fonte útil de novas experiências de ensino e de
materiais de ciências para professores de escolas de ensino de níveis primário e
secundário; (iii) servir de fundamento para a elaboração de cursos e seminários para o
treinamento de professores; e (iv) fornecer um embasamento para a montagem de kits de
ciências contendo experimentos simples. Um seminário realizado na cidade de Sèvres, na
França, foi patrocinado pela UNESCO, em 1947, reunindo diversos especialistas em
educação, entre os quais Jean Piaget, Margareth Mead e Leon Blum, para a discussão de
novos métodos de ensino e mecanismos de cooperação internacional nessa área.
20
20
Introduction to UNESCO: a summary of the organisation’s activities during its first year with selected list of documents, Paris:
UNESCO, 1947, p. 28.
68
Em outubro de 1956, uma conferência promovida pelo Instituto para Educação, na
cidade alemã de Hamburgo, apontava a necessidade de reforma dos currículos de
ciências, especialmente como forma de se disseminar as possibilidades de uso pacífico
da energia atômica. Essa conferência foi conseqüência direta das decisões tomadas no
ano anterior, na Conferência das Nações Unidas estabelecida em Genebra, sobre o uso
pacífico da energia nuclear, que reforçou a importância de se encorajar a difusão do
conhecimento científico na área nuclear (Layton, 1995). Programas de ensino de nível
secundário e de ciências básicas foram elaborados, entre os quais a publicação do
Manual da UNESCO para o ensino das Ciências e programas de formação de
professores como o Projeto de Extensão e Melhoramento do Ensino Básico na América
Latina, estabelecido em 1957.
A fabricação de aparelhos de laboratório de baixo custo e o incentivo às atividades
extraclasse como feiras, clubes e concursos de ciências foram outro foco de ação da
UNESCO (Layton, 1995). Em 1953, K. Sem Gupta publicou, na Índia, sob o patrocínio da
UNESCO, o livro ilustrado Handbook for Science Clubs, com o intuito de estimular a
formação de clubes de ciências. Exposições científicas sobre ciências foram patrocinadas
pela UNESCO por todo o mundo, como a de tema Nosso sentidos e o conhecimento do
mundo, aberta na França, em 1952, que percorreu o mundo, atingindo, ao longo de três
anos, 700 mil visitantes, chegando à Tailândia, à Indonésia, ao Vietnã, ao Camboja, a
Hong Kong, às Filipinas, ao Japão e à Índia (Layton, 1995; Gille, 2006, p. 85). Houve
ainda a exposição Novos Materiais, realizada em 1951, em Buenos Aires, que reuniu 350
mil pessoas, também exposta em países do Oriente Médio, e a intitulada O Homem Mede
o Universo, realizada em Bruxelas
21
e em outros países membros da Comunidade
Européia. O Centro de Cooperação Científica da UNESCO organizou (1950-1952) um
museu ambulante de sica e astronomia, que percorreu Peru, Equador, Cuba, México,
Guatemala, Honduras, El Salvador, Costa Rica, Panamá e Colômbia, tendo sido visitado
por cerca de 350 mil pessoas.
22
A exposição A Terra como planetafoi encerrada em
1958 e apresentada na França, Bélgica e Reino Unido
23
.
Outro foco de ação da Conferência Geral da UNESCO, em 1946, foi o combate ao
analfabetismo nos países menos desenvolvidos. Projetos pilotos foram elaborados para
21
Report of the Director General on the activities of the organization in 1955, Paris: UNESCO, p. 72.
22
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 1 abril-maio de 1952, pp. 3 e 20.
23
Manual de las Comisiones Nacionales, UNESCO, Paris, 1958, p.18.
69
tais áreas, como na comunidade rural de Jacmel, no Haiti; Nanking, na China; e em
Nyasaland e Tanganyika, na África oriental (Valderrama, 1995, p. 35). Para resumir as
experiências da UNESCO nessa área, foi publicado Fundamental Education: common
ground for all peoples, que reuniu as dificuldades encontradas em diferentes partes do
mundo, bem como campanhas contra o analfabetismo realizadas no México e na ex-
URSS.
24
A UNESCO, com base nas resoluções da IV Conferência Geral realizada em
1949, criou, para esse fim, centros regionais de educação fundamental: o Centro Regional
de Educación Fundamental para la America Latina (CREFAL), estabelecido na cidade de
Michoacán, no México, em 1951, sob a direção do professor Lucas Ortiz (Valderrama,
1995, p. 74); e o Centro de Educação Fundamental para os Estados Árabes (CEFEA),
estabelecido no Egito, em 1953 (Valderrama, 1995, p. 92).
25
O CREFAL atua em conjunto
com a Organização dos Estados Americanos (OEA), da qual recebe assistência
financeira, com os objetivos de formação de pessoal especializado em educação
fundamental, realização de cursos regulares, publicação de diversos materiais didáticos e
educativos, bem como assessoria a governos para solução de problemas educacionais. O
Diretor-Geral da UNESCO, Jaime Torres Bodet (1948-1952), como secretário de
Educação Pública no México, em 1943, lançou uma campanha contra o analfabetismo,
obtendo êxito considerável, alfabetizando, em cerca de dois anos, aproximadamente 1
milhão de mexicanos.
26
Julian Huxley exprime o conceito amplo dos programas de analfabetismo
empreendidos pela UNESCO: em matéria de educação, a primeira tarefa da UNESCO
era evidentemente promover a alfabetização em um mundo em grande parte analfabeto,
mas logo verificamos que a alfabetização no sentido tradicional não bastava. Além de
aprender a ler, escrever e contar, a grande massa de desprotegidos precisava aprender
noções de higiene, todos racionais de agricultura e de preservação do meio ambiente.
A esse amplo programa chamamos de ‘educação fundamental’. Ele se mostrou muito útil
em nossos primeiros estágios, pois deu a povos desprotegidos um mínimo de progresso
intelectual e físico(Huxley, 1976, p. 4). Mais tarde, a expressão educação fundamental
foi abandonada e foram criados projetos separados para a saúde, em cooperação com a
Organização Mundial de Saúde (OMS), entre outros projetos.
24
Introduction to UNESCO: a summary of the organisation’s activities during its first year with selected list of documents, Paris:
UNESCO, 1947, p. 15.
25
Que es la UNESCO?. Paris: UNESCO, 1957, p. 8.
26
Que es la UNESCO?. Paris: UNESCO, 1957, p. 40.
70
O serviço de cooperação científica da UNESCO tinha sede em Paris, porém, no
intuito de promover maior intercâmbio entre os pesquisadores, foram criados Escritórios
de Cooperação Científica na Ásia (Nanjing, na China, em 1947, sendo posteriormente
transferido para Jacarta, na Indonésia, em 1951), na Índia (Nova Délhi, em 1948), na
América Latina (Rio de Janeiro, em 1947, sendo posteriormente transferido para
Montevidéu, em 1949), no Oriente Médio (Cairo, em 1947) e na África (Nairóbi, em 1965).
Segundo Julian Huxley: quanto à ciência, verificamos que os cientistas de um país às
vezes sabem o que os pesquisadores dos países mais adiantados estão fazendo, mas
ignoram o que seus colegas de outros países de sua região estão realizando. É o caso
dos países do Oriente Médio, por exemplo. Os Centros Científicos Regionais criados pela
UNESCO põem cientistas locais em contato uns com os outros para que conduzam suas
pesquisas de acordo com as necessidades da região, e também os põem em contato com
a ciência mundial graças às informações que a UNESCO divulga” (Huxley, 1976, p. 5).
A proposta desses Centros era dinamizar a ação da UNESCO evitando que as
Comissões Nacionais adquirissem um caráter puramente representativo.
27
Tais Centros
têm como objetivo estimular a pesquisa científica e os contatos pessoais entre os
cientistas de uma mesma região, facilitar a preparação de programas de divulgação
científica, proporcionar o intercâmbio entre pesquisadores, difundir informações sobre o
progresso científico realizados em outras partes do mundo, bem como organizar cursos e
seminários de caráter científico e promover assessoramento científico aos governos
quando estes o solicitarem.
28
Na 3
a
Reunião da Conferência Geral da UNESCO, realizada
em Beirute, em 1948, o trabalho dos Centros de Cooperação foi julgado com as seguintes
palavras do Diretor-Geral Julian Huxley (1946-1948): Os Centros de Cooperação
Científica constituem outro elemento sumamente importante no programa científico da
UNESCO.Para tanto, é fundamental a integração desses Centros com as comunidades
científicas locais e com as Comissões Nacionais da UNESCO de cada país, conforme
destaca Oscar Dodera, professor da Universidade de Montevidéu, em palestra proferida
na II Reunião Anual da SBPC, no Estado do Paraná: O contato com os cientistas da
região é fundamental, pois é necessário frisar que os Centros de Cooperação não são
destinados a impor um programa da UNESCO(Dodera, 1950, p. 262). Em relatório de
27
Revista Ciência e Cultura. São Paulo: SBPC, janeiro de 1949, p. 67.
28
Que es la UNESCO?. Paris: UNESCO, 1966, p. 10; Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 1 abril-maio de
1952, p. 3.
71
Angel Establier, de 1964, sobre os 15 anos de atividades do Centro de Cooperação
Científica de Montevidéu, são destacadas as principais linhas de ação do organismo no
período: coordenação e desenvolvimento da investigação científica; ensino e vulgarização
da ciência e documentação científica.
29
As ações na área de ensino de ciências se expandiram com a criação da Divisão
de Ensino de Ciências, em 1961, tendo Albert Baez como primeiro diretor. O objetivo da
Divisão era aperfeiçoar o ensino de ciências ao nível pré-universitário em países em
desenvolvimento, com foco nas “ciências básicas”. Entre seus projetos encontram-se o
suporte aos programas de reforma curricular baseados nos modelos norte-americano e
inglês, bem como o estabelecimento de diversos projetos pilotos incorporando modernas
técnicas de ensino e materiais física na América Latina (Rio de Janeiro), química na
Ásia (Bangcoc), biologia na África e matemática nos países árabes. A partir de 1963, a
UNESCO confere às ciências exatas e naturais um impulso análogo ao concedido, até a
presente data, à educação, tendo o orçamento do Departamento de Ciências Exatas e
Naturais crescido em 50% naquele ano (Elzinga, 2004, p. 120). Nas palavras do Diretor-
Geral Rene Maheu (1961-1974), em discurso de 1963: a aquisição do conhecimento,
especialmente conhecimento prático, vai muito além do espírito científico. Este espírito
não está adequadamente incutido na mentalidade real das camadas médias e subalternas
da sociedade que em geral guarda fatos e fórmulas científicas. Este tipo de ensino
onde a memorização tem primazia sobre a formação da inteligência, mais parece
treinamento do que educação no verdadeiro sentido. Ela se distancia da ciência que é
essencialmente um processo de libertação intelectual e domínio da natureza. É também o
conhecimento principal que os países em desenvolvimento mais precisam para retomar o
controle de sua história”.
30
Para Rene Maheu, é fundamental a disseminação do
conhecimento científico para a elevação do padrão de vida das nações menos
desenvolvidas: o programa científico apenas circunda o globo de um país industrializado
a outro, relegando ao esquecimento imensas regiões de sombra e silêncio”. Projetos de
estudos de zonas áridas e pesquisas sobre métodos para sua recuperação, bem como
voltados à hidrologia e aos recursos de água potável são intensificados. A Comissão
Oceanográfica Internacional foi criada em 1961 (Elzinga, 2004, p. 120), e foram
29
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 42, jul. out. 1964, p. 42, art. 4.
30
Correio da UNESCO, dezembro de 1976, p. 28.
72
implantados estudos em oceanografia como a Expedição Internacional ao Oceano Índico
(1959-1965).
Na IX Conferência Geral da UNESCO, em Nova Délhi, foram aprovados os três
Grandes Projetos: o da extensão do ensino de nível primário na América Latina (formação
de professores), realizado de 1957 a 1966; o da pesquisa científica sobre zonas áridas ,
realizado de 1957-1962; e o da apreciação mútua dos valores culturais do Oriente e do
Ocidente, realizado de 1957 a 1966.
31
No ano de 1960, em uma Resolução da
Assembléia Geral das Nações Unidas, adotada pela X Conferência Geral da UNESCO, foi
reconhecida a educação como fator de desenvolvimento econômico e não mais apenas
sob a perspectiva humanista, como até então era considerada
32
(Valderrama, 1995, p.
135). Essa nova postura confere um novo rumo da UNESCO na área de educação. Em
1966, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com a
fusão do programa Ampliado de Assistência Técnica com o Fundo especial das Nações
Unidas. O PNUD se tornaria o principal colaborador das atividades operacionais da
UNESCO.
33
No intuito de cumprir seus objetivos de disseminação da ciência, cultura e
educação, a UNESCO desenvolveu nas décadas de 1950 e 1960 outras atividades
bastante amplas que incluem: a reconstrução de bibliotecas e escolas devastadas pela
guerra; a distribuição de bolsas de estudos e intercâmbio de pessoal; o programa de
bônus para aquisição de publicações científicas estrangeiras; a divulgação de idéias pelos
meios de comunicação de massa (rádio, televisão, cinema); a criação do Instituto de
Tecnologia Indiano em Bombaim, em 1965; a criação de centros de investigação em
ciências sociais como o Centro Latino-americano de Investigação em Ciências Sociais no
Rio de Janeiro; e o estabelecimento de prêmios de divulgação científica como o prêmio
Kalinga,
34
entre outras atividades.
35
Seja em seus estatutos ou em suas ações práticas, a ciência assume um papel
central para a UNESCO. O capítulo seguinte abordará especificamente a ação da
31
Correio da UNESCO, janeiro de 1992.
32
Correio da UNESCO, fevereiro de. 1992.
33
Correio da UNESCO, fevereiro de 1992.
34
Louis de Broglie foi o primeiro vencedor do prêmio Kalinga, em 1952, de divulgação científica, criado dois anos antes pelo
industrial indiano B. Patnaik e concedido anualmente pela UNESCO (Correio da UNESCO, janeiro de 1992).
35
Que es la UNESCO?. Paris: UNESCO, 1966.
73
UNESCO, no Brasil, por meio do IBECC. A aplicação de um modelo institucional na qual a
ciência assume papel central, da qual a UNESCO talvez seja o paradigma mais evidente,
encontra outros exemplos no Brasil, tais como: no Instituto de Higiene de São Paulo
(Faria, L., 2007), no programa da Fundação Rockefeller de apoio às pesquisas na área de
genética (Cueto, 1994; Salzano, 1979), e na implantação do Instituto Tecnológico da
Aeronáutica (Cunha, L. A., 1982; Botelho, 1999; Morais, 2006; Silva, 1998; Tolle, 1964).
Tais exemplos mostram que é preciso uma massa crítica apta a assumir o controle do
processo, para ser capaz de dar rumos próprios adequados às contingências locais.
Nesse aspecto, tais experiências encontram similaridade com o processo experimentado
pelo IBECC, ao adotar um programa de ensino e divulgação da ciência de origem em
universidades norte-americanas, seguindo diretrizes da UNESCO.
O IBECC, como órgão da UNESCO no Brasil, mostra como uma proposta
originalmente restrita ao campo da educação e divulgação de ciências pôde gerar uma
repercussão social tão impactante, incluindo ações de caráter industrial que se
consolidam com a criação da empresa FUNBEC, não previstas no modelo original. A
forma pela qual esse projeto se implanta no Brasil tem afinidade com o desenvolvimento e
as circunstâncias criadas na discussão sobre a educação, a pesquisa e o modelo de
universidade, que marca as décadas de 1920 e 1930.
74
CAPÍTULO 2 – IBECC: A COMISSÃO NACIONAL DA UNESCO NO BRASIL
Os anos 1920 davam início a um debate sobre questões educacionais, com a
participação de educadores e de cientistas interessados em uma agenda que abarcasse o
apoio às pesquisas puras e desinteressadas”. Esse debate, interrompido pelo regime
autoritário do Estado Novo de Vargas, seria retomado nos anos 1950, dentro de um
contexto democrático, deparando-se com uma proposta tendo com um seus fóruns a
UNESCO, de maior destaque para a ciência no desenvolvimento das nações. O IBECC
surgia no ponto de encontro desses dois vetores, desenvolvendo um contexto amplo de
atividades.
O êxito de tais ações estaria fortemente dependente não somente da receptividade
local de tais iniciativas mas de uma experiência prévia de envolvimento em tais propostas
que tornasse possível a apropriação dessas ações pelas competências locais. Este
capítulo discorrerá sobre a criação do IBECC e as principais linhas de ação dos
programas da UNESCO no Brasil, nos anos 1950 e 1960, dentro dessa perspectiva. Será
apresentada uma visão geral do funcionamento do Instituto e serão destacados alguns
projetos que envolvem cientistas naturais, matemáticos, folcloristas, educadores,
sociólogos, físicos e meio ambientalistas. Do IBECC, partem também iniciativas da
organização da comunidade científica e proposições para a criação de um centro de
ciência e tecnologia na América Latina. Este Capítulo buscaenfatizar as ações na área
de ciência e cultura do IBECC e os vínculos com a comunidade científica e intelectual no
País, em seus diversos segmentos.
2.1 A criação do IBECC
As Comissões Nacionais da UNESCO constituem organismos de cooperação para
coordenar os trabalhos de cada Estado Membro na execução dos programas aprovados
pela Assembléia Geral. A importância das Comissões Nacionais e de sua interação com o
Secretariado da UNESCO foi reconhecida pelos delegados da Primeira Conferência
Geral, em 1946, com a aprovação de Resoluções que recomendavam a criação de tais
75
Comissões Nacionais tão cedo quanto possível, uma vez que Unesco in action is
Member States in action”.
36
em 1948, a III Conferência Geral da UNESCO, em Beirute,
reportava a existência de 28 Comissões Nacionais, incluindo o Brasil.
37
Em 1950, dos 59
Estados Membros, 49 já haviam organizado Comissões Nacionais permanentes. Em
1958, dos 80 Estados Membros, 78 haviam organizado Comissões Nacionais
permanentes. Esses números mostravam a rapidez com se difundira a criação de
Comissões Nacionais da UNESCO, ainda que relatório da UNESCO diagnostique que
algumas são realidades efetivas, no entanto outras são mera ficção, pois se reduzem a
listas de personalidades que nunca se reúnem ou que o fazem em raras ocasiões”.
38
Esses números mostravam a rapidez com se difundira a criação de Comissões Nacionais
da UNESCO. As Comissões Nacionais, em geral, eram estabelecidas por um ato do
governo, conectando-as seja ao Ministério das Relações Exteriores, seja ao Ministério da
Educação, tornando-as, na prática, órgãos do governo. Numerosos Estados Membros,
entre os quais o Brasil, mantêm delegações permanentes que estabelecem uma ligação
direta entre os Estados Membros e a UNESCO. A vinculação direta ao Estado torna as
Comissões Nacionais vulneráveis a modificações políticas e tende a ser vista com
reservas pela comunidade científica, o que pode levar a diminuir a cooperação voluntária
por parte de organizações não governamentais ou a desencorajar a iniciativa privada.
39
O IBECC foi criado com o intuito de gerenciar os projetos da UNESCO no Brasil e
de obter da Organização o apoio a seus projetos nas áreas de educação, ciência e
cultura. Para tais ações, seria fundamental o papel de Paulo Carneiro
40
como
representante permanente do Brasil na UNESCO. O IBECC foi criado no Rio de Janeiro,
com sede no Palácio do Itamaraty, pelo Decreto 9.355, de 13 de junho de 1946, vinculado
ao Ministério das Relações Exteriores, com a finalidade de melhorar a qualidade de
ensino das ciências experimentais e de se constituir como Comissão Nacional da
UNESCO no Brasil, dando cumprimento aos compromissos assinados no ato de
36
Report of the Director General on the Activities of the Organization in 1948. Paris: UNESCO, 1948, p. 89.
37
Ibid., p. 88.
38
Manual de las Comisiones Nacionales, UNESCO, Paris, 1958, p.5
39
Handbook of National Commisions. Paris: UNESCO, 1950, p. 6.
40
Paulo Estevão Berredo Carneiro (1901-1982) diplomou-se em engenharia química pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Fez
doutorado no Instituto Pasteur, em Paris. Em 1944, junto com Miguel Ozório, Arthur Ramos e Roquette Pinto, participou dos
trabalhos da Comissão brasileira encarregada do envio de sugestões ao projeto de constituição da Organização das Nações Unidas
para a Reconstrução Cultural e Educacional, que tinha sede em Londres. Indicado pelo governo brasileiro, o cientista participou, ao
lado de Souza Dantas, da Primeira Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1946, em Londres. Paulo Carneiro envolveu-se com a
estruturação da UNESCO, sendo nomeado representante permanente junto a esse organismo, cargo que exerceu de 1946 a 1966,
quando foi substituído por Carlos Chagas Filho, fundador do Instituto de Biofísica. Além disso, integrou por longo tempo o Conselho
Executivo da Instituição (Maio, 2004).
76
constituição da entidade. Como órgão vinculado ao Ministério das Relações Exteriores,
essa relação se estabelecera por intermédio da Missão junto à UNESCO em Paris, do
Departamento Cultural, do Departamento de Organismos Internacionais e do
Departamento de Cooperação Científica e Tecnológica.
41
Figura 7 - Sede do IBECC no Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro
Foto: Antonio Abrantes, em 20 de março de 2008
O Decreto 9.290, de 24 de maio de 1946, estabeleceu a composição do IBECC
formada por 20 delegados do governo, nomeados, então, pelo presidente da República
(Alfonso Pena Jr., Álvaro de Barros Lins, Antenor Nascentes, Daniel de Carvalho, Edgar
Roquette Pinto, Elmano Cardim, Geysa Boscoli, Gilberto Freyre, Heitor Villa-Lobos, padre
Leonel Franca, Levi Carneiro, Manuel de Abreu, Lourenço Filho, Maria Eugênia Celso,
Maurício Joppert da Silva, Miguel Ozório de Almeida, Olímpio da Fonseca, Orozimbo
Nonato, Pedro Cavalcanti, Themístocles Brandão Cavalcanti), dois funcionários do
Ministério das Relações Exteriores (Argeu de Segadas Guimarães e Renato de Almeida)
e um representante para cada um dos grupos nacionais, escolhidos para cada triênio,
interessados nos problemas da educação, de pesquisa científica e de cultura designados
por Portaria do ministro de Estado das Relações Exteriores.
A lista de representantes de grupos nacionais totalizava 120 instituições, incluindo
entre outras: Associação dos Artistas Brasileiros (Celso Kelly), Academia Brasileira de
41
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, 1982-1987, p. 109.
77
Ciências (José Carneiro Felipe), Academia Brasileira de Letras (Múcio Leão), Associação
Brasileira de Educação (Raul Bittencourt), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(Cristovam de Castro), Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia (Arthur Ramos),
Sociedade Brasileira de Economia Política (Eugênio Gudin), Clube de Engenharia (Luís
Gonçalves), Faculdade de Direito do Rio de Janeiro (Eduardo Espinola), Fundação
Getúlio Vargas (Jorge Flores), Instituto de Biofísica (Carlos Chagas Filho), Instituto de
Educação (João Batista Pecegueiro do Amaral), Biblioteca Nacional (José Rodriguez),
Faculdade Nacional de Medicina (Aloísio de Castro), Faculdade Nacional de Filosofia
(Antonio Carneiro Leão), Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Murilo Braga),
Instituto Nacional de Tecnologia (Paulo de Sá), Museu Nacional (Heloísa Torres),
Observatório Nacional (Lelio Gama), União Nacional dos Estudantes (Marcos Coimbra),
Instituto Oswaldo Cruz (Henrique de Aragão) e Departamento Administrativo do Serviço
Público (Augusto Rocha).
Dessa extensa lista de representantes de grupos nacionais, chama a atenção que
a quase totalidade das instituições representadas tinha sede no Rio de Janeiro. Para a
Diretoria do IBECC, foram escolhidos: como presidente, o jurista Levi Carneiro;
42
como
primeiro vice-presidente, o diretor do Instituto Oswaldo Cruz, Henrique de Aragão; como
segundo vice-presidente, o banqueiro e deputado na Constituinte de 1946, Daniel de
Carvalho
43
; e, como terceiro vice-presidente, Antonio Carneiro Leão, da Faculdade
Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. E ainda: como secretário-geral, Roberto
Mendes da Rocha, do Ministério das Relações Exteriores; como subsecretário-geral,
Renato Almeida, chefe do Serviço de Informações do mesmo Ministério; como primeiro
secretário, o jornalista redator-chefe do Correio da Manhã (1940-1956) Álvaro de Barros
Lins; como segundo secretário, o médico higienista Dante Costa, da Associação Brasileira
de Escritores; e como tesoureiro, Celso Kelly
44
, da Associação dos Artistas Brasileiros e
professor da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade do Brasil.
42
Levi Fernandes Carneiro (1882-1971), formado pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, foi o fundador da ABE junto com
Heitor Lira, tendo assumido sua presidência em 1925, período em que pôde empreender um programa de difusão do ensino pelo
rádio e pelo cinema educativo (Boletim do IBECC. Rio de Janeiro, julho de 1947, p. 131). Em 1933, fundou a Ordem dos Advogados
do Brasil. Na política, foi deputado na Constituinte de 1934, perdendo o mandato com o golpe que instituiu o Estado Novo. Em
1947, foi nomeado Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores e representou o Brasil na Conferência Interamericana
para a Manutenção da Paz e da Segurança. Levi Carneiro foi substituído por Lourenço Filho na presidência do IBECC, em 1952,
para que pudesse assumir seus compromissos como membro brasileiro junto à Corte Internacional de Justiça em Haia, na qual foi
juiz (Revista do Itamaraty, Rio de Janeiro, março de 1952).
43
Braga, Sérgio Soares. Quem foi quem na Assembléia Constituinte de 1946: um perfil socioeconômico e regional da Constituinte de
1946. Brasília: Câmara dos Deputados, 1998. Disponível em
http://www.camara.gov.br/internet/infdoc/Publicacoes/html/pdf/QFQv2.pdf
, acesso em 18 de março de 2008.
44
Celso Octavio do Prado Kelly (1906-1979) cursou a Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro e a Escola Nacional de
78
O IBECC era administrado pela Diretoria e pelo Conselho Deliberativo, o qual, por
sua vez, era composto de 40 membros do Instituto, incluindo os delegados do governo
que não faziam parte da Diretoria, sendo os demais eleitos pela Conferência Geral, dentre
os representantes dos grupos nacionais. O primeiro Conselho Deliberativo, eleito em 22
de julho de 1946, era constituído por: Ana Amélia de Mendonça (Casa do Estudante do
Brasil); Carlos Chagas Filho (Instituto de Biofísica); Fernando Tude de Souza
45
(Serviço
de Radiodifusão Educativa e presidente da ABE); Haroldo Valadão (Instituto da Ordem
dos Advogados Brasileiros); Aloysio de Castro (Faculdade Nacional de Medicina);
Hildebrando Accioly (Instituto Rio Branco); Raul Jobim Bittencourt
46
(Associação Brasileira
de Educação); Inácio Azevedo Amaral (Universidade do Brasil); Pedro Calmon (Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro); Isabel Schmidt (Diretoria do Ensino Secundário); Dante
Costa (Associação Brasileira de Escritores); Hugo Pinheiro Guimarães (Academia
Nacional de Medicina); Carlos Otávio Flexa Ribeiro (Conselho de Fiscalização das
Expedições Artísticas e Científicas do Brasil); Raul Fernandes (Conselho da Ordem dos
Advogados do Brasil e sucessor de João Neves da Fontoura como ministro das Relações
Exteriores, em 1946); Álvaro Moreyra (Fundação Graça Aranha); Lelio Gama
(Observatório Nacional); Everardo Backheuser (Universidade Católica); Herbert Moses
(Associação Brasileira de Imprensa); Cláudio de Sousa (Associação Brasileira de Letras);
Dulcídio Espírito Santo (Diretoria do Ensino do Exército); Ataulfo de Paiva (Comissão do
Livro do Mérito); Rodrigo Otávio Filho
47
(Sociedade Felipe D’Oliveira); e Maurício de
Medeiros (Pen Club do Brasil).
Belas Artes. Foi professor de Sociologia Educacional no Instituto de Educação. No governo de Ary Parreiras no Estado do Rio de
Janeiro dirigiu a Instrução Pública do Estado quando apresentou o chamado Plano de Educação Celso Kelly em que expandiu a ação
social da Escola e instituiu a equivalência de cursos técnico-profissionais, dando acesso à Universidade. Foi diretor do Jornal A
Noite, vice-presidente do IBECC e presidente da ABI (1964-1966) em substituição a Herbert Moses (Fávero & Britto, 2002, p. 248-
251).
45
Em 1935 Fernando Tude de Souza (1910-1962) aproximou-se das idéias educacionais reformadoras de Anísio Teixeira que fora
Diretor Geral de Educação no governo da Bahia, no período de 1924 a 1928. Fernando Tude de Souza estudou no Teacher’s College
nos Estados Unidos, onde foi aluno de John Dewey. Já no Rio de Janeiro, a convite do então ministro Gustavo Capanema dirigiu o
Serviço de Radiodifusão Educativa procurando resgatar o projeto dos pioneiros da educação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
Em 1946 presidiu interinamente a ABE, tendo sido representante do Ministério da Educação e Saúde em diversas reuniões
internacionais promovidas pela UNESCO, uma das quais realizada na cidade de Sevres na França no mesmo ano (Fávero & Britto,
2002, p. 354-360).
46
Como educador Raul Jobim Bittencourt (1902-1985) defendeu os ideais dos pioneiros da Educação Nova. Em 1927 participou da I
Conferência Nacional de Educação promovida pela ABE em Curitiba como delegado do Rio Grande do Sul. No período de 1945 a
1946 ocupou o cargo de presidente da ABE. Foi Diretor Geral de Instrução Pública do Rio Grande do Sul no período de 1932 a 1933
(Fávero & Britto, 2002, p. 925-930).
47
Rodrigo Octavio de Langaard Menezes Filho (1892-1969) bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, em 1914, com 22 anos,
pela Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, e dedicou-se à advocacia.Fundador e presidente da Sociedade
Felipe d’Oliveira. Foi um dos fundadores do PEN Clube do Brasil, do qual foi secretário-geral, vice-presidente e fez parte do seu
Conselho da Presidência. Foi Presidente da Academia Brasileira de Letras em 1955. Fonte:
<http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=7498&cat=Ensaios&vinda=S> acesso em 23 maio 2008
79
Os membros do Instituto que tivessem servido durante um triênio, pelo menos, na
Diretoria ou no Conselho Deliberativo, e deles não fizessem mais parte constituíam o
Conselho Consultivo. Os cargos da Diretoria e dos Conselhos eram exercidos sem
vencimentos. Essa composição híbrida do Conselho Deliberativo com elementos
escolhidos pelo governo e junto à sociedade refletia a composição da UNESCO, que
também mantinha essa característica, ou seja, mesmo como órgão governamental, havia
uma preocupação de se buscar representatividade junto à sociedade.
A organização da Diretoria e das Comissões não esgotava a questão do
funcionamento administrativo do órgão, uma vez que dependia de ações
regulamentadoras de instâncias superiores. A polêmica sobre os bônus da UNESCO
48
evidenciava ainda mais a discussão. Em abril de 1948, o presidente do IBECC, Levi
Carneiro, se queixou ao Diretor-Geral da UNESCO, Jaime Torres Bodet, quanto à
distribuição de bônus para a aquisição de livros no exterior por pesquisadores; solicitação
feita pelo bioquímico espanhol Angel Establier, diretor do Centro de Cooperação Científica
para a América Latina da UNESCO, em Montevidéu, à instituições de pesquisa no Brasil,
tais como o SBPC e o CBPF (Domingues, 2004b, p. 11). E, em ofício de 13 de abril de
1950, dirigido ao Diretor-Geral da UNESCO, Jaime Torres Bodet, o presidente do IBECC,
Levi Carneiro, questionou a concessão de bônus de livros a instituições brasileiras sem o
conhecimento do IBECC: porque o IBECC não dispõe de tais bônus, e o Sr. Establier
pode concedê-los, aqui mesmo, largamente, segundo o seu arbítrio?e concluiu; não é
possível que, no Brasil, ajam em nome da UNESCO, paralelamente, simultaneamente, e
ignorando-se reciprocamente, duas entidades o IBECC e o Centro de Montevidéu
tanto mais quanto os assuntos do Centro se compreendem na esfera de competência do
IBECC, e a competência deste se estende a muitos outros assuntos, de que o Centro
nem se ocupa”.
Somente a partir de março de 1965, com a Resolução 3/65, o IBECC passou a
gerir o sistema de distribuição de bônus de livros no Brasil, que já vinha funcionando
desde dezembro de 1963, em caráter experimental, junto ao Instituto Brasileiro de
48
Os bônus da UNESCO facilitam aos pesquisadores, educadores e estudantes dos países membros da UNESCO a compra no exterior
de publicações, filmes e materiais científicos sem saída de divisas e sem burocracia, favorecendo também as viagens de estudo. O
Brasil tem direito a um crédito em nus na UNESCO. O importador no Brasil compra os bônus do IBECC pagando em moeda
brasileira. Depois, o importador remete os bônus para o fornecedor estrangeiro, recebendo em troca os materiais desejados. O
fornecedor resgata os bônus recebidos junto à UNESCO, sendo reembolsado na moeda de seu país (Correio do IBECC, Rio de
Janeiro, 1982-1987).
80
Bibliografia e Documentação (IBBD) e o CNPq. Como a distribuição dos bônus exigia uma
orientação específica e relações permanentes, principalmente com bibliotecas de
instituições culturais e científicas, coube ao IBBD, por um período temporário, a tarefa de
distribuir os nus da UNESCO no Brasil.
49
Para a solução do impasse do bônus, foram
decisivas as relações com o Conselho Nacional de Pesquisas,
50
no qual o IBECC esteve
envolvido em sua criação. No ano de 1964, foram atendidas, pelo IBBD, solicitações de
bônus de 43 entidades, totalizando US$ 49 mil, valor que se elevaria para cerca de
US$100 mil, em 1966, já sob a coordenação do IBECC.
51
A questão do financiamento do IBECC também refletia a tensão entre um órgão
governamental que buscava a inserção entre agentes da sociedade. Na sessão de
instalação do IBECC, o presidente Levi Carneiro exaltou o empenho do ministro das
Relações Exteriores, João Neves da Fontoura (1946 e 1951-1953), que, com espírito
prático de homem de governo, se empenhou desde logo, em assegurar-lhe meios de
preencher seus fins. Para isso, não se fiou em possíveis favores orçamentários,
procurando criar o manancial que proporcionará ao Instituto os recursos para levar a
termo seu programa, e que será a Fundação Rio Branco”.
O Decreto 9.485, de 18 de julho de 1946, previa que a Fundação Rio Branco, a ser
criada, seria de natureza privada pela origem de seu capital, cujos recursos seriam
constituídos por donativos das classes produtoras e de vários institutos de previdência,
entre os quais o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado; o
Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários; o Instituto de Aposentadoria e
Pensões dos Comerciários; o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em
Transportes de Cargas; o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos; e o
Instituto de Aposentadoria e Pensões da Estiva, autorizados a contribuir cada qual com a
quantia de Cr$ 500 mil para o patrimônio da Fundação e com uma subvenção anual de
Cr$ 60 mil.
No entanto, menos de dois meses depois, este Decreto fora revogado pelo
Decreto 9.789, de 6 de setembro de 1946, e o IBECC tornou-se dependente das
subvenções do governo. João Neves da Fontoura conseguiu, para tanto, recursos do
49
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, julho de 1966, p. 26.
50
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1966, p. 9.
51
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, julho de 1966, p. 27.
81
Departamento de Administração do Ministério das Relações Exteriores e do Instituto de
Resseguros do Brasil na ordem de Cr$ 1,2 milhão, aplicados em obrigações de guerra ao
portador, as quais passavam a pertencer ao IBECC e que seriam depositadas no Banco
do Brasil com uma cláusula de inalienabilidade
52
. O IBECC teria, assim, direito sobre a
renda desses títulos, que garantiriam os recursos para o Instituto em seus primeiros anos.
Como órgão vinculado ao Ministério das Relações Exteriores, o IBECC receberia
novos suportes financeiros do governo federal para o desempenho de suas atividades. No
exercício de 1948 e 1949, do orçamento de Cr$ 517 mil, além dos recursos advindos dos
juros dos títulos depositados no Banco do Brasil, constavam Cr$ 300 mil de novas
subvenções do governo.
53
Em 1952, Paulo Carneiro relatara que, em colaboração com a
Comissão Brasileira de Assistência Técnica, presidida por Cleanto Leite no Itamaraty, a
UNESCO estava empregando no País cerca de US$ 200 mil, por ano, em auxílio a
diversas iniciativas soma consideravelmente superior à contribuição do País para a
UNESCO, beneficiando instituições como o CBPF, o INT, o Instituto de Biofísica, o
Observatório Nacional, entre outras.
54
O Decreto 9.335, de 13 de junho de 1946, estabelecera os Estatutos do IBECC,
aprovados pelo Conselho Deliberativo e pelo presidente Levi Carneiro, especificando
como finalidades do organismo:
(a) Colaborar com o incremento do conhecimento mútuo dos povos por
todos os órgãos de informação de massas e, para esse fim,
recomendar os acordos internacionais necessários à promoção da livre
circulação de idéias.
(b) Imprimir vigoroso impulso à educação popular e à expansão da cultura,
cooperando com os Membros da Organização das Nações Unidas, no
desenvolvimento das atividades educativas; instituindo a colaboração
entre as nações, a fim de elevar o ideal de igualdade de oportunidades
educativas; sugerindo todos educativos mais aconselháveis ao
preparo das crianças para as responsabilidades do homem livre.
52
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, julho de 1947.
53
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, novembro de 1948.
54
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, setembro de 1952.
82
(c) Manter, aumentar e difundir o saber, velando pela conservação do
patrimônio universal dos livros, das obras e de outros monumentos de
interesse histórico ou científico.
55
A divulgação científica e o incentivo à pesquisa científica não aparece de forma
clara nos Estatutos de Constituição do IBECC, revelando-se de modo implícito na
expressão expansão da cultura”, entendida a ciência como forma de cultura. Essa
ausência direta à ciência remete aos debates na Conferência de Constituição da
UNESCO, nos quais as delegações discutiam a necessidade de o termo ciênciaconstar
explicitamente do acrônimo da Organização. Um dos focos do IBECC seria a educação
popular, retomando o tema da agenda dos educadores dos anos 1920 e 1930,
interrompida pela ditadura do Estado Novo de Vargas. Esse foco estava em total
alinhamento com as propostas da UNESCO.
Para consecução de tais objetivos, o Estatuto do IBECC, de 1946, estabelecera
como ações: manter correspondência, permuta de informações e de publicações com a
UNESCO e seus organismos nacionais; organizar e manter, ou subvencionar, no País,
cursos de altos estudos ou tendentes à difusão de educação popular; promover ou
subvencionar cursos de estudos sobre o Brasil e a língua nacional, no estrangeiro;
estimular o conhecimento e estudo do Brasil por estrangeiros, e o das nações amigas
pelos brasileiros; editar revistas, boletins e filmes de cultura geral ou especializada;
coordenar e favorecer a ação dos institutos culturais e de instituições ou associações de
fins congêneres; realizar, periodicamente, concursos nacionais, interamericanos ou
internacionais, para concessão de prêmios a obras de literatura, de ciência, de educação
ou de arte, ou a seus autores; promover conferências e acordos regionais; instituir e
manter o Museu Rio Branco; e fomentar, pelos meios adequados, o desenvolvimento das
relações culturais do Brasil com as nações amigas.
55
A proposta de preservação de monumentos históricos estava presente igualmente nos estatutos da UNESCO. Em 1964, um projeto
de grande envergadura foi patrocinado pela UNESCO para a preservação dos Templos da Núbia, no Egito, ao longo do vale do rio
Nilo, que seria represado para a construção da segunda barragem de Assuã, provocando a formação de um lago artificial que
inundaria dezenas de templos milenares. O projeto contou com a colaboração de 51 países, que enviaram técnicos e engenheiros para
a remoção dos blocos de pedra de cada monumento e a reconstrução em área segura de 22 monumentos e conjuntos arquitetônicos. O
projeto consumiu cerca de US$ 56 milhões e foi concluído em 1968, tendo a participação de Paulo Carneiro como um de seus
articuladores políticos (Correio da UNESCO, Rio de Janeiro, novembro de 1976; fevereiro de 1992; Valderrama, 1995, p. 142).
83
Na sessão de instalação, o embaixador João Neves da Fontoura, ministro das
Relações Exteriores, destacou a ação do órgão voltada aos problemas de educação,
pesquisa científica e cultural, vinculados ao esforço internacional da UNESCO. Levi
Carneiro em seu discurso destaca que o órgão deveria se orientar aos estudos de alta
cultura, inclusive pesquisa científica, e educação popular, como aspectos que se
completam, interdependentes, traçando um paralelo com a Missão Artística,
56
de 1816,
que em nossa história mostra a relevância e a fecundidade das iniciativas de alta cultura,
ainda mesmo quando a educação popular não está plenamente atendida e satisfeita”.
Em seu primeiro ano de existência, a Diretoria do IBECC organizou-se em várias
comissões: educação popular (relator: Lourenço Filho); cuidados infantis, alimentação e
segurança social (Dante Costa); meios de difusão cultural (Roquette Pinto); coordenação
dos institutos de cooperação intelectual (Ataulfo de Paiva); contrato de professores
estrangeiros (Celso Fonseca); organização da pesquisa científica (Lelio Gama); despesas
efetuadas com a pesquisa científica (Mauricio Joppert); tratados sul americanos de
medicina (Aloysio de Castro); anuário jurídico interamericano (Orozimbo Nonato); boletim
e permuta de informações bibliográficas (Álvaro Americano); e importação de livros e
revistas e tradução de obras estrangeiras (Júlio Nogueira).
No relatório submetido à UNESCO, em 1950, estavam ativas as comissões de:
educação popular (Lourenço Filho); ciências sociais e jurídicas (Levi Carneiro);
matemática, sica, química, engenharia e pesquisa científica (Jorge Flores); ciências
biológicas, medicina e saúde (Olímpio da Fonseca); literatura, filosofia, história e
geografia (Álvaro de Barros Lins); artes plásticas, música e teatro (Celso Kelly);
informação, documentação e administração (Costa Guimarães); cuidados infantis,
alimentação e segurança social (Dante Costa); e folclore (Renato Almeida).
Como planejamento das atividades do Instituto, o IBECC organiza sua ação no
nível nacional pelo estabelecimento de Comissões Estaduais. Para o ano de 1949, o
IBECC definiu como uma de suas metas completar a organização das comissões
estaduais. Até 1948, apenas os Estados da Bahia, Pernambuco, Maranhão, Rio Grande
56
Em 1808, a família real portuguesa chegava ao Brasil; oito anos depois, em 1816, sob o patrocínio de D. João VI, o Rio de Janeiro
recebia a Missão artística francesa, com o objetivo de fundar uma Academia de Belas-Artes. Entre seus membros mais ilustres, está
Jean Baptiste Debret, nome respeitado em toda a Europa. Durante os 15 anos que permaneceu no Brasil, ele desenhou e descreveu
cenas do cotidiano da Corte e da cidade, relatos que foram publicados, em 1834, em Viagem pitoresca e histórica ao Brasil”, três
anos após seu regresso a Paris.
84
do Sul e Rio Grande do Norte não tinham Comissões Estaduais do IBECC constituídas
ainda que dos 15 Estados nos quais havia Comissões Estaduais organizadas nem todas
estivessem instaladas.
57
Sergipe foi o primeiro Estado brasileiro a criar uma Comissão
Estadual do IBECC, em 15 de outubro de 1947, tendo como presidente Antonio Manuel
de Carvalho Neto.
58
As Comissões Estaduais, embora vinculadas ao IBECC no Rio de
Janeiro, tinham inteira autonomia para implementação de seus programas.
59
Para a divulgação das atividades e dos eventos promovidos pelo Instituto, era
publicada a revista Boletim do IBECC, de periodicidade irregular. Os primeiros três
números foram os de julho de 1947, novembro de 1948 e março de 1952. No período da
gestão de Lourenço Filho como presidente do IBECC, a publicação fora interrompida. A
partir de 1956, na gestão de Themístocles Cavalcanti, foi publicada a revista Correio do
IBECC, trimestralmente, até 1982, quando foi suspensa, sendo retomada a partir de 1987,
dessa vez, semestralmente.
Figura 8 - Revista Boletim do IBECC
Fonte: IBECC
Os Estatutos do IBECC, inicialmente aprovados pelo Decreto 21.355, de 23 de
junho de 1946, foram alterados pelo Decreto 38.283, de 9 de dezembro de 1955, e
posteriormente modificados pelo Decreto 51.986, de 2 de maio de 1963, no governo João
Goulart. Os novos estatutos de 1963 apresentam modificações no âmbito administrativo.
57
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, novembro de 1948, p. 12.
58
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, novembro de 1948.
59
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1966, p. 6.
85
Elimina-se a disposição do artigo 4
o
do Estatuto de 1946, que previa a perda de cargo
para os membros da Diretoria, do Conselho Deliberativo ou da Comissão, no caso de falta
sem motivo justificado a três reuniões consecutivas. Da mesma forma, eliminava-se a
previsão do artigo 16 do Estatuto de 1946, que determinava que a Diretoria e o Conselho
Administrativo funcionariam com a presença da maioria de seus membros. Pelos novos
estatutos, o quorum para funcionamento do Conselho Deliberativo seria o de maioria
absoluta para a primeira convocação. Não se reunindo essa maioria, a Assembléia ficaria,
desde logo, automaticamente adiada para o terceiro dia útil subsequente, no mesmo local
e à mesma hora, instalando-se, então, e deliberando com qualquer número de presentes.
Essas modificações denotavam a preocupação do IBECC com a falta de quorum nas
reuniões.
As finalidades do IBECC estabelecidas pelo Decreto de 1946, deliberadamente
amplas e genéricas, abriam um grande espaço para incorporação de diversos projetos,
que, dessa forma, encontraram uma oportunidade de realização, contando com os
recursos e a chancela da UNESCO. Nas seções seguintes serão apresentados alguns
desses projetos, tendo sempre em perspectiva como eles se inseriram (ou não) em
demandas preexistentes e como os grupos locais puderam se apropriar de tais projetos a
ponto de lhes conferir uma configuração própria. No intuito de limitar o universo de
pesquisa, foram considerados projetos empreendidos dentro das seguintes quatro
primeiras gestões do IBECC: Levi Carneiro (1946-1952), Lourenço Filho (1952-1956),
60
Themístocles Cavalcanti (1956-1964) e Renato Almeida (1965-1968), até a criação da
FUNBEC, em novembro de 1966.
2.2 O Instituto Internacional Hiléia Amazônica (IIHA)
O IBECC esteve envolvido diretamente nos debates para a criação do IIHA,
proposta por Paulo Carneiro, em 1946, e transformada numa prioridade da UNESCO no
ano seguinte (Petitjean & Domingues, 2000, p. 265). O objetivo original de Paulo Carneiro
era garantir suporte internacional ao Museu Goeldi, em Belém, por meio da cooperação
60
O educador Lourenço Filho foi eleito presidente do IBECC de 1952 a 1956. Esse período coincidiu com o fim da publicação do
Boletim do IBECC, que seria retomado apenas na gestão do presidente seguinte, Themístocles Cavalcanti.
86
com os países da bacia amazônica. A UNESCO, no entanto, ampliou a meta original do
projeto para a construção de um instituto internacional de ciências naturais que servisse
de modelo a institutos tropicais em outras regiões do mundo (Domingues, 2004b, p. 6;
Domingues & Petitjean, 2000), dentro do princípio de Joseph Needham de priorizar a
criação de tais centros de pesquisas fora do eixo Estados Unidos–Europa. Na primeira
Reunião Geral da UNESCO, realizada em Paris, em novembro de 1946, no seu primeiro
ano de vida, o organismo inclui a criação do IIHA como um de seus projetos para sua
ação em 1947.
Em fins de maio de 1947, Paulo Carneiro expôs o projeto de criação da IIHA em
uma reunião no IBECC (Domingues, 2001). Uma primeira reunião diplomática sobre o
IIHA foi realizada em Belém, em agosto de 1947, tendo como presidente Fred Soper,
médico sanitarista representante da OMS e com larga experiência no Brasil por
intermédio da Fundação Rockefeller (Maio & Sá, 2000, p. 990). Na reunião de Belém, o
foco do projeto foi ampliado e passou a ser o desenvolvimento econômico da região,
embora ainda coexistisse com um programa de pesquisa básica, originalmente proposto.
Logo após a Conferência de Belém, foi definida uma estratégia para pressionar o
Congresso Nacional a aprovar recursos do orçamento da União para o projeto IIHA. Paulo
Carneiro apresentou ao ministro das Relações Exteriores do Brasil uma versão otimista
da conferência e solicitou o apoio do Itamaraty para a proposta que seria encaminhada
pelo IBECC à Comissão Especial do Plano de Valorização Econômica da Amazônia
(CEPVEA), pleiteando recursos para o projeto. O presidente do IBECC, Levi Carneiro,
promoveu reuniões de cientistas aprovando a iniciativa e encaminhando ofício,
61
em
setembro de 1947, ao presidente da CEPVEA, mostrando-se favorável ao projeto e
salientando que o Instituto objetivava unicamente a colheita de dados científicos, sem de
nenhum modo pretender participar da exploração econômica da bacia Amazônica(Maio
& Sá, 2000, p. 992).
Paulo Carneiro, no entanto, não convencido da eficácia política e administrativa do
IBECC, enviou carta ao presidente Levi Carneiro solicitando que a estrutura administrativa
do IBECC fosse reforçada, contratando um funcionário para cuidar da convocação de
reuniões e manter a correspondência com a UNESCO atualizada: “a UNESCO está
61
Ofício do presidente do IBECC, Levi Carneiro, ao presidente da CPVEA, em 21 de setembro 1947, Rio de Janeiro, arquivo do
Palácio do Itamaraty.
87
contando com isso para aplicar seus programas no Brasil, e sem tal suporte, isto será um
fracasso(apud Domingues, 2004). O IBECC, pelo fato de estar ligado ao Ministério das
Relações Exteriores, era marcado por uma burocracia que impedia ações mais efetivas
para atingir os objetivos propostos em seus estatutos. Em ofício de 1948, o presidente
Levi Carneiro mostrava sua preocupação em delimitar precisamente sua função, bem
como revelava as dificuldades de comunicação com a UNESCO, uma vez que as
comunicações daquele órgão com as Comissões Nacionais se faziam por intermédio dos
governos (no Brasil, pelo Ministério das Relações Exteriores) e muitas vezes se perdiam
sem atingir seus destinatários finais por dificuldades burocráticas. Nas palavras do
presidente do IBECC, Levi Carneiro, em relatório de dezembro de 1947: ao que parece o
mal é ocasionado pelo fato de que a UNESCO não costuma dirigir-se diretamente às
Comissões Nacionais, mas aos próprios governos dos Estados Membros, acontecendo,
por vezes, que essas comunicações morrem nos trâmites oficiais, sem nunca chegarem
às ditas Comissões (...) como remediar essa situação? Sugeri ao Senhor André de Blonay
que todos os documentos impressos ou mimeografados, enviados ao Governo Brasileiro,
sejam remetidos em duas cópias, solicitando-se a entrega de uma ao IBECC”.
62
Estes
problemas operacionais do IBECC se manifestam também pelas queixas de Levi Carneiro
da relação direta feita pelo Centro de Montevidéu com cientistas brasileiros, na concessão
de bônus da UNESCO, sem o conhecimento do IBECC, que se sente à margem das
decisões relativas a projetos da UNESCO com o Brasil.
63
Dentro da UNESCO, o projeto IIHA encontrou resistências dos Estados Unidos e
Inglaterra, em face dos recursos adicionais que o projeto, agora ampliado, exigiria. Para
Julian Huxley, os países latino-americanos haviam ampliado em muito os objetivos a
serem alcançados pelo projeto (Maio & Sá, 2000, p. 993). O sucesso das ações no plano
interno foi crucial para as negociações ocorridas na segunda sessão da Conferência
Geral da UNESCO, realizada em 1947, no México, que manteve o projeto como uma das
prioridades da organização para o ano de 1948 e aprovou recursos da ordem de US$ 94
mil, bem como a realização de uma conferência em Iquitos, no Peru, para definir a
estrutura burocrático-administrativa do IIHA (Maio & Sá, 2000, p. 992). Um Conselho
provisório foi estabelecido em Iquitos, em maio de 1948. Para Marcos Chor e Magali Sá “a
vitória do lobby latino-americano teve, logo em seguida, um gosto de frustração(Maio &
62
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, novembro de 1948, p. 145.
63
Ofício de Levi Carneiro, presidente do IBECC a Jaime Torres Bodet, Diretor-Geral da UNESCO, de 13 de abril de 1950. Rio de
Janeiro, arquivo do Palácio do Itamaraty.
88
Sá, 2000, p. 997; Hadley, 2006, p.205). Em setembro de 1948, constatou-se que a
contrapartida brasileira, vital para a continuidade do projeto, não passava de uma carta de
intenções. O IBECC não tivera força política para conduzir à aprovação do projeto.
De acordo com Marcos Chor e Magali Sá, no governo Dutra, o Itamaraty hesitava
entre uma política de alinhamento incondicional aos Estados Unidos (que eram contrários
ao IIHA) e a expectativa de extrair recursos junto à UNESCO para o desenvolvimento
regional da Amazônia sem que isso gerasse conflitos com os países vizinhos (Maio & Sá,
2000, p. 999). O diretor do Escritório de Cooperação Científica da América Latina, o
botânico inglês John Corner, recebeu o apoio de Célia Neves, no intuito de colaborar no
lobby para a ratificação da Convenção de Iquitos pelo Congresso Nacional. Segundo
Marcos Chor e Magali Sá, Célia Neves ao chegar ao Brasil, em julho de 1948, constatou o
enorme desconhecimento sobre o andamento das negociações do IIHA, tanto no
Itamaraty como no IBECC, com relação às conferências de Iquitos e Manaus encerradas
em maio do mesmo ano (Maio & Sá, 2000, p. 1002). No entanto, o relatório do presidente
do IBECC de junho de 1948 informa que a Diretoria havia designado Heloísa Alberto
Torres, do Museu Nacional para representá-la em todas as questões atinentes ao IIHA.
64
O Boletim do IBECC de novembro de 1948 reproduz diversos relatórios assinados por
Heloísa Alberto Torres sobre o andamento das Conferências do IIHA, o que demonstra
que o IBECC tinha conhecimento de tais ações.
Em novembro de 1948, na 3
a
Conferência Geral da UNESCO, realizada em
Beirute, o diplomata mexicano Jaime Torres Bodet foi eleito Diretor-Geral, substituindo
Julian Huxley e derrotando os candidatos brasileiros Miguel Ozório de Almeida e Paulo
Carneiro. Um indício do esvaziamento do projeto IIHA foi a transferência do Escritório de
Cooperação Científica da UNESCO para Montevidéu
65
, em fins de 1948 (Domingues,
2004, p. 205). Em janeiro de 1949, Pierre Auger, novo diretor do Departamento de
Ciências Naturais da UNESCO (abril de 1948-dezembro de 1958), foi enviado ao Brasil
para negociar junto ao ministro das Relações Exteriores, Raul Fernandes (1946-1951 e
1954-1955), a ratificação, junto ao Congresso Nacional, da Convenção de Iquitos e a
necessidade de alocação de recursos por parte do governo brasileiro, porém sem
64
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, novembro de 1948, p. 13.
65
Inicialmente estabelecido no Rio de Janeiro, em 1947, e depois transferido para Manaus, o Centro foi transferido para Montevidéu
por sua ão ter se confundido com o IIHA; inclusive pelo fato de ambas as instituições disporem do mesmo diretor (Petitjean,
2006c, p. 71).
89
progressos (Maio & Sá, 2000, p. 1004). Em fevereiro de 1949, Paulo Carneiro
encaminhou ofício diretamente ao ministro das Relações Exteriores, Raul Fernandes, sem
a intermediação do IBECC, justificando a participação da UNESCO no projeto por ser um
organismo apolítico e pelo fato de que, em nenhum momento, isso representaria uma
ameaça à soberania do Brasil.
Paulo Carneiro deixa claro que aos Estados amazônicos, e a eles, caberá a
eventual utilização econômica ou social dos trabalhos empreendidos pelo Instituto (...) O
Instituto da Hiléia não será, portanto, explorador de jazidas de ouro, nem de poços de
petróleo, nem agente de imigração ou colonização ... apesar das insinuações que lhe são
feitas (..) nenhum trabalho cartográfico e geográfico será portanto efetuado na Amazônia
brasileira sem expressa autorização do nosso Governo (...) a UNESCO nenhum controle
poderá exercer sobre o Instituto, nos termos da Convenção, desde que este se constitua
mediante a ratificação por parte de cinco Estados amazônicos. O órgão exclusivo de
controle do Instituto é o seu Conselho, formado pelos representantes dos Estados
Membros únicos ali a disporem de direito de voto. A função da UNESCO em relação ao
Instituto é puramente consultiva” (Carneiro, 1949, p. 231). Em fevereiro de 1949, a
UNESCO anuncia sua intenção de retirada do projeto. Em dezembro de 1949, em meio a
protestos nacionalistas contra o projeto, Paulo Carneiro envia ofício ao Itamaraty
protestando contra a inércia da instituição frente às decisões da Câmara sobre o IIHA.
Nesse ofício, Paulo Carneiro pedia ao ministro das Relações Exteriores, Raul Fernandes,
uma tomada de posição do Itamaraty em relação ao projeto do IIHA (Domingues, 2000).
Nos anos 1950, o Departamento de Ciências Naturais da UNESCO, no contexto
da guerra fria, mudou sua diretriz no sentido de estimular a definição de implementação
de políticas científicas a partir dos diversos contextos nacionais, nos quais o Estado
deveria assumir papel estratégico. Segundo Marcos Chor, o internacionalismo científico
da instituição era uma página virada da história (Maio & Sá, 2000, p. 1008). Para a
UNESCO, o saldo do projeto IIHA foi negativo pois sua imagem ficou maculada pelas
acusações de colonialismo (Domingues 2004b, p. 12), ainda que a proposta tenha tido
origem pela delegação brasileira e não tenha recebido apoio das ex-nações coloniais
França, Inglaterra e Estados Unidos.
90
No âmbito interno, a idéia de internacionalização do Instituto recebeu críticas de
dominação estrangeira da ciência na Amazônia por parte da Comissão e Segurança
Nacional da Câmara dos Deputados (Carneiro, 1949, p. 231) e forte manifestação de
ciúmes nacionais entre os paísesem torno da divisão dos investimentos envolvidos no
projeto (Petitjean & Domingues, 2000, p. 281), além de ter sido apresentada ao
Congresso em uma época politicamente adversa, quando o País estava envolvido na
campanha nacionalista do Petróleo é nosso, em que se exacerbavam os ânimos
nacionalistas. Embora a literatura aponte a polarização política e interesses escusos
como os principais entraves para a concretização do projeto IIHA, Marcos Chor e Magali
mostram que o debate interno na própria UNESCO para a concretização de um
laboratório de ciências em um país periférico e que refletisse visões distintas do papel
social da ciência no pós-guerra também tivera um papel importante nesse processo, bem
como revelaram o frágil vínculo entre a UNESCO e a comunidade científica brasileira.
Ademais, os autores relativizam o diagnóstico defracasso” do projeto ao salientar que os
debates em torno do IIHA serviram para firmar as bases do entendimento posterior que
conduziria à criação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (Maio & Sá,
2000, p. 977).
Toda uma tradição de uma comunidade científica em torno do Instituto Biológico,
do Instituto Butantã, da Universidade de São Paulo, dos Institutos Agronômicos e de
diversas associações científicas não fora consultada para o projeto. Paulo Carneiro
menciona o aval do projeto dado por cientistas como o fisiologista Miguel Ozório de
Almeida, o médico Henrique Aragão, o entomologista Costa Lima, o médico Olímpio da
Fonseca, todos do IOC; a antropóloga Heloísa Alberto Torres e o zoólogo Melo Leitão,
ambos do Museu Nacional; o biofísico Carlos Chagas Filho, do Instituto de Biofísica;
Heitor Praguer Fróes, do Departamento Nacional de Saúde; o engenheiro agrônomo
Álvaro Fagundes, do Serviço Nacional de Pesquisas Agronômicas; e Oliveira Pinto
(Carneiro, 1949, p. 232). A maioria desses cientistas atuava em instituições do Rio de
Janeiro e muitos eram membros do IBECC, estando ausentes as instituições de pesquisa
paulistas.
Em reunião do Escritório da UNESCO, em Montevidéu, em setembro de 1948,
Maurício Rocha e Silva manifestara sua crítica quanto à ausência da comunidade
científica brasileira, particularmente a paulista, no projeto IIHA: A meu ver, o
91
levantamento científico da Amazônia deverá ser, em grande parte, levado a cabo, com o
auxílio dos nossos grandes institutos científicos, já existentes no Rio de Janeiro, São
Paulo e mesmo no Norte do Brasil, para que não incorramos no erro utópico de pretender
que cientistas de primeira classe se decidam a fixar residência na floresta amazônica,
cortando todas as suas ligações com os centros mais importantes do País e do mundo.”
Esse fato mostra a falta de articulação do IBECC junto à comunidade científica, em
especial aos cientistas ligados às instituições paulistas. A falta de interlocução da
comunidade científica local com o projeto IIHA se evidenciava também quando da escolha
da direção do Escritório de Cooperação Científica da América Latina, em 1947, cuja
principal tarefa era a implementação do projeto IIHA. Para o cargo, a UNESCO nomeou
John Henry Corner, em vez de um cientista de projeção na América Latina, como sugerira
Paulo Carneiro (Maio & Sá, 2000, p. 988). Isso era um reflexo de que, para a UNESCO,
não havia ciência nas zonas escuras e o modelo difusionista de ciência era
inquestionável (Domingues, 2004b, p. 14).
2.3 O apoio à pesquisa matemática
Se um projeto da envergadura do IIHA teve dificuldades de implantação pela falta
de conexão com amplos segmentos da comunidade científica, projetos de menor escala,
por outro lado, apresentariam maiores possibilidades de viabilização. Na área de pesquisa
matemática no Rio de Janeiro, o IBECC criou oportunidades de apropriação por grupos
locais para viabilização de seus projetos de institucionalização que já se encontravam em
andamento.
Na época de criação do IBECC, os jovens matemáticos do Rio de Janeiro
buscavam a construção de um ambiente próprio para pesquisa. Em 1945, foi contratado
para a Faculdade Nacional de Filosofia o matemático português Antonio Aniceto Monteiro,
fundador da Sociedade Portuguesa de Matemática. Ao chegar ao Brasil, ele orientou as
pesquisas de jovens brasileiros como Leopoldo Nachbin e Maurício Matos Peixoto. As
dificuldades de se desenvolver pesquisa na Universidade do Brasil levou esse grupo de
matemáticos, junto com Lelio Gama do Observatório Nacional e com o apoio do
engenheiro e economista Paulo de Assis Ribeiro, a criar um grupo de pesquisa em
92
matemática na Fundação Getúlio Vargas (FGV), entidade de natureza mista com capitais
públicos e privados.
Por iniciativa de Antonio Monteiro, ainda no ano de 1945, foi fundada uma
importante revista de pesquisa matemática, sob a responsabilidade do Núcleo Técnico
Científico de Matemática da FGV, a Summa Brasiliensis Mathematicae,
66
periódico de
matemática editado no Brasil
67
que viria a alcançar projeção internacional. A revista era
publicada em fascículos, com periodicidade variada. O volume 1 reuniu os fascículos de 1
a 14, publicados entre 1945 e 1946. O Núcleo da FGV, do qual participavam Lelio Gama
(diretor da revista), Antonio Monteiro, Leopoldo Nachbin, Francisco Mendes de Oliveira
Castro, Maria Laura Mousinho
68
e Maurício Matos Peixoto, foi extinto em 1947, com a
saída de Paulo de Assis Ribeiro da FGV e a reorientação da Fundação para a área dos
estudos de economia, porém a revista continuou sendo publicada.
Nessa fase, foi fundamental o apoio do IBECC, que passou a financiar a
publicação da revista, resultante de proposta junto ao Conselho Deliberativo de Lelio
Gama, que, então, era membro do Instituto. Em 1946, a Diretoria do IBECC promovera
quatro prêmios, a saber, Prêmio de Educação, Prêmio de Ciência, Prêmio de Literatura e
Prêmio de Arte, no valor de Cr$ 50 mil cada um.
69
A ABE recebeu o Prêmio de Educação,
Manuel Bandeira, o Prêmio de Literatura, e Heitor Villa-Lobos, o Prêmio de Arte. A
Comissão de Ciências foi a única a não apresentar parecer no prazo estipulado, de modo
que a Diretoria resolveu designar a importância correspondente ao Prêmio de Ciência às
publicações em matemática realizadas por Lelio Gama. No período de 1947 a 1951, com
o apoio do IBECC, foi publicado o volume 2 da Summa Brasiliensis Mathematicae,
reunindo 10 fascículos. A luta na Faculdade Nacional de Filosofia para o desenvolvimento
de pesquisa científica prosseguiria enfrentando todo o tipo de resistências (Videira, 2007).
Dessa forma, Antonio Monteiro e Leopoldo Nachbin participavam da criação do CBPF, em
1949, para suprir a ausência do Núcleo de Matemática da FGV. Em 1952, o
Departamento de Matemática do CBPF se desmembraria, dando origem ao Instituto de
66
Segundo Maurício Matos Peixoto o nome da revista foi sugerido por dom lder Câmara, que freqüentava a Fundação Getúlio
Vargas, como uma adaptação da Summa Theologica de Tomás de Aquino (IMPA 50 anos, 2002. Disponível em
http://www.impa.br/downloads/livro_impa_50_anos.pdf
, acesso em 18 de março de 2008.
67
Segundo Leopoldo Nachbin, um problema crítico na edição de revistas de matemática era, e ainda é, a impressão dos símbolos
matemáticos (entrevista de 1991 ao Canal Ciência. Disponível em
http://www.canalciencia.ibict.br/notaveis/txt.php?id=67
, acesso em 18 de março de 2008).
68
Primeira mulher a se doutorar em matemática, com uma tese sobre espaços projetivos.
69
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, julho de 1947.
93
Matemática Pura e Aplicada (IMPA), tendo como presidente Lelio Gama (Andrade, 1999,
p. 103). Com o apoio do IBECC e do CBPF, encarregados da distribuição da revista, os
matemáticos davam prosseguimento à publicação da revista. O último fascículo da revista
foi publicado em 1968.
Figura 9 - Summa Brasiliensis Mathematicae (vol. 2, 1947-1951) publicada por Lelio Gama,
Leopoldo Nachbin, Oliveira Castro, Antonio Monteiro e José Leite Lopes, com o apoio do IBECC
2.4 O movimento folclorista
Dentro das atividades culturais do IBECC, um tema surge com destaque nos
primeiros anos do Instituto: o folclore. No contexto do pós-guerra, a preocupação com o
folclore, instrumento de compreensão entre os povos, enquadra-se na atuação da
UNESCO em prol da paz mundial. O interesse nos estudos folclóricos ou nas tradições
populares no Brasil teve suas origens no final do século XIX, com os trabalhos de Sílvio
Romero sobre poesia popular. Posteriormente, Amadeu Amaral (1875-1929) e Mário de
Andrade (1893-1945), líder modernista de 1922 e criador da Sociedade de Etnografia e
Folclore (1935-1938) ligada ao Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, se
empenharam por uma política cultural que levasse em conta o folclore (Cavalcanti &
Vilhena, 1990). O movimento de uma análise mais objetiva e científica dos estudos
folclóricos, simultâneo à criação da USP e da Escola Livre de Sociologia e Política, se
enquadrou na perspectiva paulista, pós-1932, de se afirmar como liderança cultural no
cenário nacional (Rubino, 1995, p. 488).
94
Os progressos de Mário de Andrade no Departamento de Cultura de São Paulo na
institucionalização dos estudos do folclore, no entanto, marcavam ainda uma fase de
fragilidade institucional, segundo Luís Rodolfo Vilhena, especialmente após a saída de
Fábio Prado da Prefeitura de São Paulo com a decretação do Estado Novo. Outras
atividades institucionais nesse sentido tais como a Sociedade de Antropologia e Etnologia
fundada em 1941 por Arthur Ramos, o Instituto Brasileiro de Folclore presidido desde
1942 por Basílio Guimarães e a Sociedade Brasileira do Folclore criada por Luís da
Câmara Cascudo no mesmo ano são iniciativas efêmeras e desarticuladas de
institucionalização (Vilhena, 1997, p. 53).
Em 7 de novembro de 1947, foi criada pelo IBECC a Comissão Nacional do
Folclore (CNFL), organizada por Renato Almeida e instalada na sessão de 19 de
dezembro do mesmo ano e que adquiriu o status de Comissão permanente.
70
O Brasil
orgulhava-se de ser o primeiro país a atender à recomendação da UNESCO, ao criar uma
Comissão específica para o assunto (Cavalcanti & Vilhena, 1990). A CNFL tinha como
proposta a revivescência das nossas tradições populares, pela criação de cursos, pela
realização de pesquisas e trabalhos de documentação e pela proteção a artes e
artesanatos populares, bem como o estabelecimento de relações de ordem externa com
várias entidades internacionais ou de outros países. A Comissão era presidida por Renato
Almeida,
71
que participou do movimento modernista no Rio de Janeiro, ligado
principalmente a Ronald de Carvalho e a Graça Aranha, e que manteve com Mário de
Andrade correspondência da qual se conhecem cartas de janeiro de 1936 a maio de 1941
(Cavalcanti & Vilhena, 1990).
A primeira reunião da CNFL ocorreu em janeiro de 1948, tendo sido realizada a
Primeira Semana Nacional do Folclore em agosto do mesmo ano no Rio de Janeiro, com
a participação de Cecília Meireles, Arthur Ramos, Joaquim Ribeiro, Gilberto Freyre, Luís
da Câmara Cascudo, Mariza Lira, entre outros.
72
Nos debates, um tema recorrente era a
vinculação do folclore com a educação e o enquadramento do folclore como disciplina a
70
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, novembro de 1948, p. 13.
71
O musicólogo baiano Renato Costa Almeida (1895-1981) formou-se em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do
Rio de Janeiro em 1915. O direito e o jornalismo foram suas atividades profissionais, atuando nos jornais Monitor Mercantil e na
América Brasileira, no qual chegou a redator-chefe. Assumiu a direção do Licée Français do Rio de Janeiro, em 1926, época de seu
ingresso no Ministério das Relações Exteriores, onde chefiou o Serviço de Informações e, posteriormente, o Serviço de
Documentação do Itamaraty. Foi presidente do IBECC no período de 1965 a 1968 (Vilhena, 1997, p.95).
72
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, outubro de 1967, p. 33.
95
ser ministrada nas escolas. Segundo Cecília Meireles: sendo a expressão fundamental
do Folclore o conhecimento do povo em suas variadas manifestações é natural que a
matéria que se ministrar nas escolas deva embeber-se de sugestões desta disciplina. Nos
programas de ensino secundário e superior poder-se-ia admitir uma cadeira na matéria”.
Renato Almeida lembra que, no 1
o
Congresso das Federações das Academias de Letras,
em 1936, fora aprovada resolução pela introdução do folclore no ensino de nível primário
(histórias, lendas, jogos diversos, desenho, música, dança, cantigas folclóricas). No
mesmo ano de 1948, em São Paulo, o III Congresso dos Estabelecimentos Particulares
de Ensino aprovou proposta de Renato Almeida no sentido de promover o aproveitamento
de elementos folclóricos no ensino. Uma Conferência da UNESCO realizada no ano
anterior, no México, para estudar assuntos de educação de base, teve igualmente
aprovada uma recomendação nesse sentido.
73
A preocupação com a inclusão do folclore como objeto de estudo nas escolas se
insere no clima de redemocratização do País e dos efeitos da Constituição aprovada em
julho de 1946. Essa fase fora marcada por um início de debate em torno da questão
educacional e da redefinição de currículos escolares, que tem como marco inicial a
Exposição de Motivos para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de novembro
de 1948, do ministro da Educação, o banqueiro Clemente Mariani (UDN), e que contou
com a colaboração de vários educadores como Lourenço Filho, Antonio de Almeida
Júnior, Carneiro Leão, Fernando de Azevedo, padre Leonel Franca, Alceu de Amoroso
Lima, do presidente do IBECC Levi Carneiro, entre outros (Fernandes, F., 1966, p. 346).
Essa política de exaltação dos elementos folclóricos do País, empreendida pelo
IBECC no final da década de 1940 ao início da década de 1950, tinha elos de
continuidade com as políticas anteriores de governo, desta vez, contudo, sob um regime
democrático. Durante o Estado Novo de Vargas (1939-1945), o então ministro da
Educação e Saúde Gustavo Capanema (1934-1945) empreendera uma política de
governo colocando a cultura, inclusive o folclore, como um campo de construção da alma
nacional (Schwartzman; Bomeny & Costa, 2000, p. 23). Dentro dessa perspectiva, o
ministro Capanema empreendeu uma política de recuperação, preservação e organização
do patrimônio artístico e cultural do País, com a colaboração de intelectuais como Mário
de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Alceu de Amoroso Lima e Rodrigo de Mello
73
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, novembro de 1948, p. 133.
96
Franco
74
: “a formação do Estado Nacional passaria necessária e principalmente pela
homogeneização da cultura, dos costumes, da língua e da ideologia” (Schwartzman;
Bomeny & Costa, 2000, p. 282). Outro indicativo dessa aproximação das ações do IBECC
com as políticas culturais do Estado Novo fora o apoio do IBECC ao Conservatório
Nacional de Coro Orfeônico, sob a proposta de Heitor Villa-Lobos, com a aprovação de
um auxílio para a produção de cópias de um repertório selecionado de obras sinfônicas
de autores brasileiros, destinada à divulgação da arte brasileira no exterior.
75
Figura 10 – Publicação do IBECC acerca da Semana Folclórica realizada em agosto de 1948
Com representações em vários Estados, a CNFL se dispôs a realizar Congressos
Folclóricos precedidos pelas Semanas de Folclore, permitindo o contato de folcloristas de
diferentes regiões do país (Vilhena, 1997, p.94). Entre 22 e 31 de agosto de 1951, fora
organizado, no Rio de Janeiro, o Primeiro Congresso Brasileiro de Folclore, com a
participação do presidente Getúlio Vargas, apresentações folclóricas na Quinta da Boa
Vista e a redação da Carta do Folclore Brasileiro, que traçava um Plano Nacional de
Pesquisa Folclórica, o qual previa a realização de um mapa folclórico do País; a
organização de grupos de pesquisas nas universidades; escolas normais e colégios; a
inclusão de canções folclóricas nos programas escolares; a criação, nos cursos de
74
Daniel Faria estabelece um paralelismo entre o projeto cultural modernista e os argumentos usados para legitimar o golpe de 1930
de Getúlio Vargas. Para o autor, o sentido político do modernismo tem o Estado como foco da consciência nacional, com um nítido
viés autoritário, o que explica o fascínio exercido pelo Estado sobre intelectuais ligados ao modernismo (Faria, D., 2007).
75
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, março de. 1952.
97
ciências sociais e de geografia e história das Faculdades de Filosofia, da cadeira de
folclore, tendo como objeto de estudo o método de pesquisa, a observação e a análise
dos fatos folclóricos em todas as suas modalidades; bem como a sensibilização do
governo no sentido da criação de um órgão estatal de defesa do folclore.
76
Segundo Renato Almeida o movimento folclórico deveria enfrentar três problemas
fundamentais: "a pesquisa, para o levantamento de material, permitindo o seu estudo; a
proteção do folclore, evitando a sua regressão, e o aproveitamento do folclore na
educação" (apud Vilhena, 1997, p.174). A Carta do Folclore Brasileiro estabelecera que
O I Congresso Brasileiro de Folclore reconhece o estudo do folclore como integrante das
ciências antropológicas e culturais, condena o preconceito de considerar folclórico o
fato espiritual e aconselha o estudo da vida popular em toda a sua plenitude, quer no
aspecto material, quer no aspecto espiritual” (Cavalcanti & Vilhena, 1990).
Em agosto de 1954, foi realizado o Congresso Internacional de Folclore, em São
Paulo, com a presença de 32 países e delegações da OEA e da UNESCO.
77
Entre os
trabalhos da Comissão de Folclore de 1956, destaca-se o manual Pesquisa de Folclore,
do etnólogo e folclorista Edison Carneiro (1912-1972), conforme incumbência dada ao
autor pela Comissão durante a IV Semana Nacional de Folclore, realizada em janeiro de
1952, em Maceió.
78
76
Boletim do IBECC. Rio de Janeiro, março de 1952.
77
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, julho de 1958, p. 19.
78
Revista do Itamaraty, Rio de Janeiro, janeiro de 1956, p. 17.
98
Figura 11 - Presidente Getúlio Vargas perante a manifestação de grupo de tradições gaúchas
durante as atividades do Primeiro Congresso Brasileiro de Folclore, em 1951.
Fonte: Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Folclore, IBECC, 1951
Ao ser discutido o tema folclore e educação, o Congresso Internacional do Folclore
aprovou resolução, no intuito de se recomendar aos organismos interessados a utilização
de material folclórico na educação de base ou na educação fundamental. Três anos mais
tarde, criticando o Congresso, o próprio Renato Almeida lamentava que, apenas do
erudito debateem torno do tema, as recomendações se tivessem afastado do objetivo
fundamental: o folclore na formação do aluno” (Carvalho Neto, 1981, p. 212).
Figura 12 - Discurso de Heloísa Torres no Museu Nacional durante as atividades do Primeiro
Congresso Brasileiro de Folclor
e, em 1951. Ao lado, Renato Almeida, Edison Carneiro e Manuel Diégues.
Fonte: Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Folclore, IBECC, 1951
As Comissões Estaduais dependiam de recursos liberados pelos Estados para a
realização dos eventos de semanas folclóricas e Congressos, o que as fazia depender em
grande parte de trabalho voluntário. Quase sempre as negociações para liberação de
99
recursos dependiam das relações pessoais de Renato Almeida e dos folcloristas locais
junto ao governo Estadual. A solução viria com a criação de um órgão no âmbito federal
para a proteção e defesa do folclore (Vilhena, 1997, p. 100). Graças à ação da CNFL do
IBECC, o governo Juscelino Kubitschek, por intermédio do Ministério de Educação e
Cultura, organizou, em 1958, a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro.
A Campanha, porém, não substituiu a CNFL do IBECC, mantendo uma ação
coordenada, dado o fato de aquela não ter repartições estaduais e dever se coordenar
regionalmente com as Comissões.
79
A Comissão publicou a Revista Brasileira de Folclore,
com a edição mensal de seus boletins bibliográficos e de notícias.
80
Por meio do Decreto
56.747, de 17 de agosto de 1965, o presidente da República em exercício instituiu o Dia
do Folclore (22 de agosto), incumbindo o IBECC de promover comemorações, sobretudo
nos estabelecimentos de ensino, com o intuito de realçar a importância do folclore na
formação cultural do País.
81
Em paralelo aos interesses em se enquadrar o folclore como disciplina nas
escolas, havia a intenção de legitimá-lo como matéria científica, acompanhando um
movimento de institucionalização de outras matérias tais como a sociologia, a
antropologia e a etnografia. Nas palavras de Renato Almeida: em toda minha vida de
folclorista insisti sempre em que o folclore não é apenas diversão ou um pitoresco
variado, mas um capítulo da ciência do homem(Almeida, R., 1971). O relacionamento
entre essas diferentes matérias se verificava na participação comum de muitos de seus
personagens. Em 1953, foi realizada a Primeira Reunião Brasileira de Antropologia, no
Museu Nacional no Rio de Janeiro, da qual participaram Manuel Diégues Júnior e Edison
Carneiro, ativos membros do movimento em defesa do folclore. Em 1954, por ocasião do
IV Centenário da cidade de São Paulo, foram realizados o Congresso Internacional de
Folclore e o Primeiro Congresso Brasileiro de Sociologia. Em 1955, o CBPE, órgão criado
com apoio da UNESCO, realizou um mapa cultural do Brasil no terreno da “antropologia
social” (Cavalcanti & Vilhena, 1990).
A tentativa dos folcloristas da CNFL em legitimar o folclore como disciplina
científica autônoma e em sua utilização na educação formal encontra a oposição dos
79
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, outubro de 1967, p. 34.
80
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de. 1967, p. 17.
81
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1966, p. 10.
100
sociólogos paulistas, preocupados em demarcar as fronteiras da sociologia em relação às
demais disciplinas e que definem a tarefa dos folcloristas como não-científica. Para
Florestan Fernandes, o folclore, ao contrário da sociologia, não ocupará um papel
importante no Brasil moderno (Cavalcanti & Vilhena, 1990), sendo visto como a
sobrevivência de uma concepção pré-moderna entre as camadas populares e que
resistiria ao progresso (Vilhena , 1997, p. 135): o folclore se encontra em processo de
acelerada desintegração, não havendo perspectiva de que venha desempenhar um papel
importante no Brasil moderno” (apud Oliveira, L. L., 1995, p. 101).
O movimento folclorista perdeu seu dinamismo com a saída de Edson Carneiro da
direção do CNFL em 1964. Neste mesmo ano a Comissão promoveu o concurso
Folcloristas do Amanhã(IBECC outubro 1964, p. 18). Este concurso é emblemático no
contraste com a seção São Paulo que promovia o concurso Cientistas de Amanhãseja
quanto ao tema, seja porque embora ambos tivessem âmbito nacional, apenas o
concurso de origem paulista tinha financiamento privado. Renato Almeida refere-se ao
concurso como um "completo fracasso" (Vilhena, 1997, p.245). Ao assumir a presidência
da Comissão em 1965, Renato Almeida, acumulando a presidência do IBECC, tem um
período marcado pelo esvaziamento das duas instituições.
Na perspectiva de Luís Rodolfo Vilhena o contraste entre a ação dos folcloristas
aglutinados em torno da CNFL e dos cientistas sociais paulistas reunidos em torno da
USP, pode ser entendia a partir das diferentes concepções de universidade: entre um
modelo paulista de universidade tipicamente federativo e o modelo centralizado
observado no Rio de Janeiro (Vilhena, 1997, p.251). Para os folcloristas a associação a
um órgão para-estatal como o IBECC foi fundamental para o êxito de sua
institucionalização (Vilhena, 1997, p.109), enquanto que para os sociólogos paulistas
caberia a universidade esse efeito aglutinador.
O embate entre os folcloristas da CNFL e os sociólogos da escola paulista faz
transparecer aspectos dos modos de ação do IBECC no Rio de Janeiro e em São Paulo
82
.
Essas diferenças de perspectivas também estariam presentes quando se analisassem os
82
Ponto de discórdia entre folcloristas e sociólogos paulistas foi o "mito da democracia racial". Para os folcloristas o folclore seria o
elo unificador para reconstrução nacional. Os sociólogos paulistas ao contrário, especialmente após a famosa pesquisa sobre relações
raciais patrocinada pela UNESCO, não acreditavam que o folclore pudesse ter esse efeito unificador (Vilhena, 1997, p. 167). Mesmo
dentro do movimento folclorista haviam tensões, que se manifestam tanto na própria definição do termo durante os debates no
Congresso Internacional de Folclore em 1954 como na incapacidade do movimento incorporar Luís da Câmara Cascudo, o folclorista
de maior prestígio do país (Vilhena, 1997, p. 276).
101
projetos de educação popular empreendidos pelo IBECC. A questão do folclore no âmbito
do IBECC era tratada de uma perspectiva educacional, o que aproximava dois temas que
à primeira vista pareceriam desconexos.
2.5 Projetos de educação popular
A educação popular foi um tema que se destacou nos Estatutos de 1946 entre os
objetivos do IBECC. Nesse mesmo, foi constituída no âmbito do IBECC a Comissão de
Educação Popular, tendo inicialmente como relator Everardo Backheuser
83
. Em abril do
ano seguinte, a Comissão concluía seus trabalhos destacando como plano de ação do
IBECC em seus primeiros anos a publicação de material de divulgação sobre as ações da
UNESCO e do IBECC a ser distribuído aos educadores do País; a preparação de notas
de divulgação na imprensa sobre notícias tanto no plano nacional, com suporte do INEP,
como no internacional, com suporte da UNESCO, relativos à educação popular; a
organização de conferências e estudos sobre o analfabetismo; e a promoção de uma
mesa-redonda com especialistas no assunto para debater o tema da educação popular.
84
83
Everardo Adolpho Backheuser (1879-1951) é co-fundador da ABC e da ABE. Em 1927 participou da Campanha em prol da
Escola Nova” ao lado de Fernando de Azevedo. Em 1928, quatro anos após a fundação da ABE, articulava com lideranças católicas
ligadas ao centro Dom Vital do Rio de Janeiro a criação de associações de professores católicos em todo o país (Fávero & Britto,
2002, p. 332-338).
84
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, julho de 1947.
102
Figura 13 - Matéria de capa de "O Jornal" de 26/01/1947 sobre mesa redonda sobre educação realizada
pelo IBECC
Em 1947, o periódico O Jornal, de Assis Chateaubriand, promoveu, por sugestão
de Levi Carneiro, uma mesa-redonda na qual foi debatido o tema da educação popular. O
encontro teve a presença de Lourenço Filho, diretor recém-empossado do Departamento
Nacional de Educação, o senador Ivo Aquino, o presidente do IBECC Levi Carneiro, o
diretor do INEP Murilo Braga de Carvalho (1945-1952), o deputado da Constituinte
Alberico Braga, o presidente do SENAC Waldemar Marques, o presidente da ABE
Fernando Tude de Souza, entre outros participantes. Questionado sobre a disponibilidade
de recursos para realizar projetos na área de educação popular, ou apenas atuar como
coordenador de projetos, Levi Carneiro foi evasivo: não posso responder positivamente.
Primeiro porque não sou todo o IBECC segundo porque o objetivo da Comissão [de
Educação Popular] é exatamente esse mesmo; ela é quem vai dizer o que devemos fazer
[...] A Comissão dirá: deve apenas coordenar. Ou então: deve também realizar”. A mesa-
103
redonda encerrou seus trabalhos com a conclusão de que a educação popular deve
prosseguir tendo como objetivo principal a educação de adultos, concentrando suas
ações no ensino de nível primário e tendo a radiodifusão como um dos instrumentos de
comunicação mais eficazes, especialmente entre as populações rurais.
85
Ainda em 1947, a Diretoria do IBECC promoveu o Prêmio de Educação no valor
de Cr$ 50 mil, entregue à ABE em reconhecimento a seus trabalhos em benefício da
educação. A premiação contou com a presença do presidente Eurico Gaspar Dutra. Em
seu discurso, o presidente do IBECC, Levi Carneiro, destaca a participação da ABE na
Constituinte de 1934 em defesa da Escola Nova e em seus Congressos, bem como o fato
de ter sido ele, junto com Heitor Lira da Silva, um de seus fundadores. Em 1950, são
realizadas publicações que cumprem um papel na educação popular. Dessa forma, surge
o ensaio A Constituição explicada ao povo
86
e um novo periódico, trimestral, gratuito
Leitura de Todos, voltado para o público adulto recém-alfabetizado, com tiragem de 50 mil
exemplares, e distribuído inicialmente no Seminário de Educação de Adultos, em
Petrópolis, promovido por iniciativa conjunta da UNESCO e da OEA
87
. No mesmo ano,
Lourenço Filho propõe a organização de várias séries de filmes de curta-metragem
mostrando a terra, o litoral, os rios, as montanhas, as cidades coloniais etc., do Rio de
Janeiro, e a preparação de discos sobre educação cívica, cooperação internacional e o
papel da UNESCO.
88
A Comissão de Alimentos, constituída em 1946, tendo como presidente Dante da
Costa, também apresentou em seu relatório final um plano de ação que incluía a questão
educacional ao recomendar a instituição da cadeira de cadeia de alimentação e nutrição
em todas as escolas normais e secundárias, bem como a execução pelo Ministério da
Educação de um programa de educação alimentar, bastante flexível, adaptado às
diferentes regiões brasileiras, a ser empreendido em todos os estabelecimentos de ensino
do País.
Essa ação integrada entre o Ministério da Educação e o Ministério da Agricultura
estaria presente na proposta encaminhada por Paulo Carneiro, junto ao presidente do
85
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, julho de 1947.
86
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, março de 1952, p. 28.
87
Handbook of National Commissions. Paris: UNESCO, 1950, p. 60.
88
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, setembro de 1952.
104
IBECC, Lourenço Filho, em 1952, para a criação de um Centro de Educação de Educação
de Base, com contribuição cnica e financeira da UNESCO e colaboração dos dois
Ministérios, aos moldes de experiência executada no México. O diretor do Departamento
de Educação da UNESCO William Beatty em visita ao Brasil em 1952 estudou a
possibilidade de instalar no país um centro latino americano de preparação de
educadores rurais e especialistas em educação de base (Filho; Santos & Gouvêa, 2008,
p.47). Para tanto, foram enviados cinco técnicos do Ministério da Educação e seis do
Ministério da Agricultura, especializados em educação de base, para aperfeiçoamento no
CREFAL, a fim de constituírem o primeiro núcleo de educadores do centro a ser criado
visando intensificar a campanha contra o analfabetismo.
89
Os recursos desse projeto,
destinados a um programa de formação de agentes para educação rural, foram, contudo,
realocados para a viabilização da criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
(CBPE), sob a iniciativa de Anísio Teixeira (Mendonça, 2005).
O INEP foi criado em 1937, por iniciativa do então ministro da Educação e Saúde
Gustavo Capanema, sob a denominação inicial de Instituto Nacional de Pedagogia, dentro
de uma estrutura burocrática fortemente centralizada e extremamente rígida. Com o
INEP, que teve como primeiro diretor Lourenço Filho (1938-1945), já com a denominação
de Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, o governo federal buscava institucionalizar
a colaboração de técnicos e especialistas em substituição aos inquéritos e ao contato
direto com a ABE (Paim, 1981, p. 123). Ao assumir a direção do INEP, em 1952,
acumulando a função de secretário-geral da recém-criada CAPES, Anísio Teixeira
propôs-se a dinamizar o órgão, com uma proposta pragmática que visava transformá-lo
num centro de referência para o magistério nacional e constituí-lo em um pólo de
articulação e renovação do Sistema Nacional de Educação. Para tanto, criou, no interior
do INEP, o CBPE, um dos herdeiros da linha de pesquisa da Escola Livre de Sociologia
de São Paulo da década de 1930 (Oliveira, L. L., 1995, p. 79).
Junto com Otto Klineberg da UNESCO, um dos responsáveis pela criação do
Departamento de Psicologia da USP entre 1945 e 1947 (Maio, 2004, p. 160), e de outros
técnicos da UNESCO como Jacques Lambert e Charles Wagley, da Universidade de
Columbia (Cunha, M. V., 1991), Anísio Teixeira elaborou os planos de organização do
CBPE, que teriam como metas a construção de um mapa cultural e um mapa
89
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, setembro de 1952.
105
educacionaldo País, lançando assim as bases de nossa ciência da educação(Cunha,
M. V., 2004, p. 117). A proposta era a renovação do sistema educacional brasileiro com
base nos conhecimentos adquiridos sobre a cultura brasileira, por intermédio de tais
estudos, bem como a revisão dos currículos para atender às variações locais, o
melhoramento dos métodos de ensino, o preparo de novos livros-texto e a maior
integração com as comunidades (CBPE, 1955). Segundo Márcia dos Santos Ferreira,
para os sociólogos do CBPE: Os problemas educacionais brasileiros o vistos como
sendo não estritamente pedagógicos, mas sobretudo sociais.” (Ferreira, M. S., 2001).
Em 18 de agosto de 1955, Anísio Teixeira e um grupo de cientistas sociais e
educadores reuniram-se no Rio de Janeiro para discutir o plano de trabalho, além de
definir os objetivos e a organização do CBPE e dos Centros Regionais, especialmente o
de São Paulo. Nessa reunião, Florestan Fernandes manifestou suas preocupações de
que o CBPE se transformasse em uma instituição meramente acadêmica, ressaltando a
necessidade de cooperação entre educadores e cientistas sociais. Para Florestan
Fernandes: é impossível restringir aos homens de ação e aos educadores a
responsabilidade pela solução dos problemas educacionais” (apud Cunha, M. V., 2004, p.
123). Florestan Fernandes ressalta que o papel do CBPE, ao permitir a contribuição do
sociólogo da elaboração e a aplicação de planos de controle educacional, é fundamental
(Fernandes, F., 1976, p. 416).
Na proposta do CBPE, está claro o uso das ciências sociais na solução dos
problemas educacionais do País (Cunha, M. V., 1991). Durante o Seminário
Interamericano de Planejamento Integral da Educação, promovido pela OEA e pela
UNESCO, em 1958, em Washington, o representante brasileiro Jayme Abreu destacou a
necessidade da introdução do método científico no planejamento nacional de educação,
abandonando-se a improvisação em benefício do estudo das possibilidades de mudança
social provocada”, o que poderia ser implementado por meio de centros de pesquisa, aos
moldes do CBPE, em todo o mundo (Cunha, M. V., 1991).
O Decreto 38.460, de 28 de dezembro de 1955, instituiu o CBPE, com sede no Rio
de Janeiro, e os Centros Regionais de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre e
São Paulo. O Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo, dirigido por
Fernando de Azevedo, foi inaugurado em junho de 1956, com o objetivo de contribuir para
106
a elaboração de uma política educacional para o País. Em seu discurso de posse,
Fernando de Azevedo destacou que as atividades de pesquisa buscavam substituir uma
política empírica de educaçãopor uma política científica, realista e racional(Cunha, M.
V., 1991). Participaram do CBPE: Darcy Ribeiro, como coordenador de pesquisas, e os
sociólogos Costa Pinto, Bertram Hutchinson e Andrew Pearse, estes dois últimos da
UNESCO (Oliveira, L. L., 1995b, p. 267). O CBPE publicava a revista Educação e
Ciências Sociais (Trindade, 2006). Para a execução dos objetivos de melhoria de ensino
nas escolas, o CBPE utilizara-se da experiência de projetos pilotos locais empreendidos
pela UNESCO no ensino fundamental de adultos (CBPE, 1955).
Segundo Ana Waleska Mendonça (2005): Na verdade, o Centro se configurou
como um verdadeiro INEP dentro do INEP e a estratégia de sua criação se situa na linha
da ‘administração paralela’, que marca a administração pública deste período,
particularmente durante o governo Juscelino Kubitschek. Constituiu-se, desta forma, na
nossa perspectiva, em uma maneira de escapar da burocratização do INEP, garantindo
uma maior flexibilidade na contratação de pessoal especializado, um intercâmbio mais
autônomo com entidades internacionais, e permitindo, igualmente, uma maior oxigenação
de idéias. Lucia Lippi Oliveira (1995b) cita o depoimento de Luiz Aguiar da Costa Pinto,
que segue o mesmo argumento: Anísio criou o CBPE (...) e então eu digo: qual é a
diferença? Instituto Centro; Brasileiro Nacional; de Estudos de Pesquisas;
Pedagógicos Educacionais, em suma ... Ele criou aquilo para ver se tirava um
organismo menos burocrático do que o Instituto Pedagógico tinha ficado. O Lourenço
Filho burocratizou aquilo demasiado. E a única coisa que na verdade o Instituto tinha era
a Revista: Estudos Pedagógicos.”
Segundo o artigo 2
o
do Decreto 38.460 de 1955, que instituíra a criação do CBPE,
suas funções seriam:
I – pesquisa das condições culturais e escolares e das tendências de
desenvolvimento de cada região e da sociedade brasileira como um todo, para o
efeito de conseguir-se a elaboração gradual de uma política educacional para o
País. Para tanto foi criado em 1952 a Campanha de Inquéritos e Levantamentos
do Ensino Médio e Elementar (CILEME);
107
II elaboração de planos, recomendações e sugestões para a revisão e a
reconstrução educacional do País em cada região – nos ensinos de nível
primário, médio e superior, e no setor de educação de adultos;
III elaboração de livros de fontes e de textos, preparo de material de
ensino (com a criação em 1952 da Campanha do Livro Didático e Manuais de
Ensino - CALDEME), estudos especiais sobre administração escolar, currículos,
psicologia educacional, medidas escolares, formação de mestres e sobre
quaisquer outros temas que concorram para o aperfeiçoamento do magistério
nacional; e
IV treinamento e aperfeiçoamento de administradores escolares,
orientadores educacionais, especialistas de educação e professores de escolas
normais e de nível primário.
O levantamento do ensino de nível primário foi o principal trabalho desenvolvido
pelo Conselho Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo (CRPE/SP) no período
de 1956 a 1961, sendo que a maioria das outras pesquisas servia, basicamente, para
complementá-lo. Em 1957, o CRPE/SP promoveu o Primeiro Seminário de Professores
Primários, além de oferecer bolsas de estudos para o aperfeiçoamento de professores
primários nos Estados Unidos (Cunha, M. V., 1991).
A tramitação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, no Congresso Nacional,
foi um tema bastante discutido pelos pesquisadores do CRPE/SP. O manifesto Mais uma
Vez Convocados, de 1959, foi redigido por Fernando de Azevedo, diretor do CRPE/SP,
que também liderou a Campanha de Defesa da Escola Pública, iniciada em 1960 e que
mobilizou a população em comícios e debates como reação à aprovação pela Câmara
dos Deputados de um projeto de lei sobre Diretrizes e Bases da Educação de caráter
privatista. Para Florestan Fernandes a liderança mais expressiva e combativa do
movimento em defesa da escola pública naquele período (Saviani, 1996) –, o dilema
educacional brasileiro era de fundo institucional, que requeria uma intervenção
deliberada nos processos socioculturais, e, por isso, a participação dos cientistas sociais
trabalhando em cooperação com educadores se tornava essencial (Fernandes, F., 1976,
p. 429).
108
Segundo Florestan Fernandes, a escola deve “promover novas condições de
preparação do homem para assimilar os avanços constantes da civilização baseada na
ciência e na tecnologia ... fala-se muito em desenvolvimento em aceleração do
desenvolvimento, etc, em nossos dias. Fórmulas como essas serão vazias, se não formos
capazes de educar o homem para esse fim (Fernandes, F., 1966, p. 442). Quanto à
prática pedagógica das escolas, Florestan Fernandes destaca ser esta incompatível com
a concepção democrática de vida pois elas mantêm no essencial, como o demonstram
os estudos de Fernando de Azevedo, a feição da escola que se formou no passado
colonial e imperial ... nelas não existem liberdade de ensino ou para o ensino, tão pouco
autêntico respeito da pessoa pela pessoa. A instrução é do tipo magistral. O professor
lança de cima para baixo suas idéias, conhecimentos e opiniões. O aluno não tem
condições de opção refletida e de livre consentimento. A própria escola não tem
autonomia nem possibilidades para pôr em prática experimentos pedagógicos. A
administração é todo-poderosa em questões de somenos, mas não para inovar em
sentido construtivo” (Fernandes, F., 1966, p. 438).
Florestan Fernandes, em uma crítica aos resultados práticos da Escola Nova,
reconhece que faltou ao movimento uma integração sociocultural das instituições
escolares ao meio humano circundante: a escola divorciada do ambiente, neutra diante
dos problemas sociais e dos dilemas morais do homem, incapaz de integrar-se no ritmo
da vida de uma civilização em mudança, pode atuar como um foco de conservantismo
sociocultural ... as inovações pedagógicas apenas afetavam o pensamento formulado de
um pugilo de pioneiros ... a questão não consiste em formular um pensamento
pedagógico atualizado; mas, em como levá-lo para dentro das escolas e colocá-lo em
prática ... Os chamados pioneiros da educação nova tentaram várias reformas do ensino,
nos planos municipal, estadual e nacional; todas essas reformas tinham patente conteúdo
positivo; nenhuma delas se consolidou, entretanto, porque não foram amparadas por
autênticas forças sociais renovadoras, que fizessem da educação escolarizada uma
reivindicação essencial e que porfiassem com as influências conservantistas na luta pela
democratização do ensino” (Fernandes, F., 1966, pp. 81, 83, 94).
Em linhas gerais, a intervenção do CBPE no sistema de ensino ocorria em três
frentes: (i) uma política editorial que incluía a publicação tanto de textos didáticos quanto
109
de livros voltados à análise e interpretação dos problemas brasileiros; (ii) as escolas
experimentais, nas quais seriam organizados centros de estudos para a implementação e
a avaliação de métodos experimentais de ensino, que, devidamente testados, pudessem
ser adaptados e generalizados para outros estabelecimentos escolares (Xavier, L. C.,
1999, p. 84); e (iii) os cursos de formação de professores e especialistas (Mendonça,
2005).
O ideário pragmatista do CBPE aliava-se às propostas desenvolvimentistas do
governo Kubitschek. Segundo Ana Waleska Mendonça, a transformação da escola, para
ajustá-la às novas condições do País (determinadas principalmente pelo avanço do
processo de industrialização) e para consolidar o funcionamento da democracia liberal,
constituía-se em condição indispensável do pleno desenvolvimento. Desta perspectiva, foi
possível perceber uma aproximação entre o pragmatismo que informava a atuação do
INEP e a ideologia desenvolvimentista" (Mendonça, 2005). Marcus Cunha defende o
mesmo ponto de vista de que as expressões de Jacques Lambert como ”mapa
sociológico” e “mapa educacional” estão imbuídas da noção de desenvolvimentismo de
Juscelino Kubitschek e de uma apologia da planificação”, ao buscar demarcar
previamente as áreas de atuação (Cunha, M. V., 1991). Do ponto de vista da pesquisa, o
Centro já começa a sofrer um certo esvaziamento, a partir de 1960, no momento em que
Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, na época diretor do Departamento de Pesquisas Sociais,
se envolvem com o projeto da Universidade de Brasília. Com o golpe de 1964, Anísio
Teixeira foi demitido de todos os cargos que ocupava. O CBPE sobreviveu ainda alguns
anos, porém, bastante descaracterizado.
O projeto do CBPE na área de ciências sociais, integrando sociólogos e
educadores, se enquadrava em uma estratégia mais ampla da UNESCO, que envolvia
outros projetos na área de ciências sociais, dentro de uma proposta de se preparar a
formação de recursos humanos e se institucionalizar a pesquisa na área de ciências
sociais, transformando-os em importantes agentes do desenvolvimento nacional.
110
2.6 Projetos em ciências sociais
Desde início dos anos 1950, a UNESCO sinalizava sua intenção em apoiar
iniciativas dos países em desenvolvimento na criação de centros de pesquisa e formação
em ciências sociais, entendidas como importante elemento para a compreensão dos
problemas sociais locais, especialmente em face da crescente urbanização e
industrialização observadas em tais países. Os investimentos da UNESCO em ciências
sociais no Brasil remontavam o Projeto UNESCO de Relações Raciais, executado no
início dos 1950, com a participação de Costa Pinto (Maio, 1997), dentro da proposta de
que os estudos no Brasil pudessem oferecer um modelo paradigmático das interações
étnico raciais harmoniosas. Contudo, os resultados mostravam um país que não era
imune à discriminação racial e em que não havia a suposta democracia racial que os
estudos tentaram comprovar (Maio, 2004, p. 146).
A UNESCO manifestava esta diretriz ao criar em 1946 o Departamento de
Ciências Sociais desmembrando-o do Departamento de Ciências Naturais. Em 1954 a
criação do International Social Science Council em 1954 representa um importante
avanço neste processo de institucionalização. Em 1952, a revista International Social
Science Bulletin, da UNESCO, destacou um número inteiro para artigos de pesquisadores
latino-americanos em ciências sociais. Na introdução da revista, Paulo Carneiro
destacava a necessidade de cientistas sociais treinados no método científico, como forma
de empreender uma ação planejada que tornasse possível regular o progresso e garantir
os ajustes na ordem econômica e social, para assegurar o almejado desenvolvimento de
forma racional. A UNESCO planejou, na época, uma rie de seminários sobre ensino e
pesquisa em ciências sociais na América Latina.
111
No início de 1956, na gestão de Themístocles Cavalcanti
90
na presidência do
IBECC, foi realizado o Seminário Sul-Americano sobre Ensino de Ciências Sociais,
convocado pela UNESCO e pela OEA, no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, com a
presença de representantes dos países da América do Sul, para discutir os problemas da
organização universitária das ciências sociais.
91
Esse foi o segundo evento internacional
organizado pelo IBECC. Dois anos antes se realizara o Congresso Internacional de
Folclore, em São Paulo. No Seminário foram aprovadas Resoluções referentes à criação
de dois Centros para o ensino e a pesquisa das ciências sociais: a Faculdade de Ciências
Sociais (FLACSO), em Santiago do Chile, e o Centro Latino Americano de Pesquisas em
Ciências Sociais (CLAPCS), no Rio de Janeiro, dirigido por Luiz Aguiar da Costa Pinto
92
,
estendendo-se as atividades desses dois centros a toda a América Latina (Cavalcanti,
1956, p. 301). O Seminário foi presidido por Francesco Vito, da Universidade Católica de
Milão, que coordenou os trabalhos realizados pelas comissões, que discorreram sobre
temas como organização dos currículos em ciências sociais, métodos de ensino
adequados à área de ciências sociais, seleção de candidatos e treinamento de
professores.
90
O sociólogo Themístocles Brandão Cavalcanti (1899-1980) diplomou-se em direito em 1922, na Faculdade de Ciências Jurídicas e
Sociais do Rio de Janeiro. No período de 1922 a 1930 participou ativamente, como advogado militante, do movimento tenentista.
Vitoriosa a revolução, foi designado, pelo presidente Getúlio Vargas, procurador do Tribunal Especial e, em seguida, da Junta de
Sanções, instrumento criado para julgar os atos do regime anterior. Foi procurador-geral da República (1946-1947). No campo do
magistério, foi professor catedrático de instituições de direito público, da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da
Universidade do Brasil, da qual foi diretor de 1945 a 1960. Participou do Congresso Brasileiro de Educação (1945) e foi
representante do Brasil na Conferência Geral da UNESCO (Montevidéu (1954) e Paris (1964), na qual foi relator-geral do Comitê
Jurídico, e novamente em 1966). Em 1967, foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal, por Decreto do Presidente Costa e
Silva, aposentando-se dois anos após, ao atingir a idade limite (disponível em
http://www1.stf.gov.br//institucional/ministros/ republica.asp?cod_min=119&!/ministros/republica.asp
,
acesso em 21 de março de 2008).
91
Manual de las Comisiones Nacionales, UNESCO, Paris, 1958, p.20
92
Revista do Itamaraty, Rio de Janeiro, fevereiro de 1957, p. 127. Luiz Aguiar da Costa Pinto ganhara visibilidade internacional por
ocasião da IV Conferência Geral da UNESCO, em Paris, em 1949, em que defendeu a tese de que “raça não seria uma variável
independente na dinâmica dos conflitos étnicos, tendo íntima relação com a dominação em uma sociedade de classes e, em escala
mundial, com o poder do imperialismo”. Costa Pinto foi convidado a participar do evento pelo então diretor do recém-criado
Departamento de Ciências Sociais da UNESCO, o antropólogo Arthur Ramos (Maio, 1997).
112
Figura 14 - Themístocles Cavalcanti preside o Seminário Latino Americano de Ciências Sociais
na Reitoria da Universidade do Brasil, 1956.
Fonte: CPDOC TBC foto 050 Filmes: 126/7/10A-11; 126/7/9A-10
O Seminário contou com a presença do ministro das Relações Exteriores, Macedo
Soares, e do representante brasileiro na UNESCO Paulo Carneiro. Em seu discurso de
abertura, Themístocles Cavalcanti destacou que a criação da FLACSO e do CLAPCS
contribuiria para a aproximação dos povos latino-americanos, bem como para o
equacionamento dos problemas de educação e cultura dos países da região: o
desenvolvimento econômico em larga escala e em ritmo acelerado, como se verifica na
América do Sul representa um perigo de graves repercussões sobre o futuro, quando não
acompanhado por um progresso cultural interno. Nenhum outro problema nesses países
tem maior gravidade do que a Educação e a Cultura”.
93
A criação da FLACSO e do CLAPCS foi aprovada na IX Conferência Geral da
UNESCO, em novembro de 1956, em Nova Délhi, dentro de um projeto mais amplo da
organização que envolvia a criação de centros regionais em ciências sociais em Colônia
(1952), e em Calcutá (1956), marcando uma nova fase na ação da UNESCO na área de
ciências sociais (Langrod, 1957, p. 355). Na avaliação de Peter Lengyel, essa mudança
de postura é em parte reflexo da adesão de um mero maior de países em
desenvolvimento à UNESCO, especialmente após os anos 1950. Um segundo fator foi
integrar o programa de ciências sociais da UNESCO a outras ações do organismo,
93
Revista do Itamaraty, Rio de Janeiro, janeiro de 1956, p. 33.
113
especialmente educação e investimentos em ciências, bem como ampliar os programas
de cooperação com outras agências da ONU, como a OMS e a FAO (Lengyel, 1966, p.
55). Nessa, fase o foco passa a ser o de descentralização das atividades e o apoio a
projetos que envolvam estudos sobre raça, industrialização, urbanização e
subdesenvolvimento. No plano interno, a criação do CLAPCS se insere no projeto de
fazer o Brasil deixar de ser subdesenvolvido para se tornar uma nação desenvolvida,
enfim, que o País assumisse os traços culturais de uma sociedade moderna. Neste
processo é que se insere a criação do CLAPCS e de outros órgãos como a CEPAL em
1948, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e o CBPE, ambos criados em
1955.
Os temas de pesquisa do CLAPCS eram complementares aos desenvolvidos pelo
CBPE, inclusive com o intercâmbio de profissionais, como os técnicos da UNESCO
Bertram Hutchinson e Andrew Pearse. Segundo Maria Hermínia Tavares, essa certa
duplicidade de esforços se justificava em face da ausência de um apoio social sólido a
tais iniciativas, aproveitando-se das oportunidades de financiamento oferecidas pela
UNESCO: “nesse sentido a opção daqueles construtores de instituições poderia ter sido a
de materializar o maior número possível de projetos institucionais para que alguns
vingassem, aproveitando ao máximo os recursos, em boa medida pessoais de que
dispunham” (Oliveira, L. L., 1995, p. 267).
A FLACSO voltada à formação de professores de sociologia foi inaugurada em
abril de 1958.
94
O CLAPCS foi fundado em 17 de abril de 1957, com a proposta de
realizar, em colaboração com as instituições científicas nacionais, regionais e
internacionais, públicas ou privadas, o estudo dos problemas próprios da região latino-
americana. Uma nova sede para o CLAPCS foi inaugurada em julho de 1958, na Praia
Vermelha, no Rio de Janeiro. Um dos primeiros projetos do Centro foi o estudo
Bibliografia sobre Problemas de Urbanização da América Latina, em resposta à
solicitação do Seminário sobre Urbanização convocado pela CEPAL, pela UNESCO e
pela ONU, em dezembro de 1950, na cidade chilena de Santiago.
95
Em conjunto com o
IBECC, o CLAPCS realizou, em 1958, o Seminário Internacional sobre a Criação de
Novas Cidades. Outros trabalhos envolveram pesquisas sobre a estrutura agrária e
94
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, julho de 1960, p. 4.
95
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, outubro de 1958, p. 20.
114
condições de trabalho rural; estudos de análise comparativa da pesquisa de estratificação
e mobilidade social no Rio de Janeiro, Montevidéu, Buenos Aires e Santiago; e
documentação e levantamento bibliográfico sobre imigração e colonização na América
Latina.
96
O CLAPCS publicava um boletim periódico, América Latina, sobre suas
atividades
97
com artigos de sociólogos do Rio de Janeiro, de São Paulo e da América
Latina, tais como Gino Germani, Bertram Hutchinson, Roger Bastide, Alain Touraine,
Octavio Ianni, entre outros (Oliveira, L. L., 1995, p. 272), constituindo importante fórum de
debates e de integração de pesquisadores da América Latina. Em 1963, o CLAPCS
colaborou com o IBECC para a realização do Colóquio sobre as relações entre os países
da América Latina e da África, com a participação de sociólogos e historiadores de
diversos países.
98
Entre as resoluções do Colóquio, foi sugerida a criação de um Instituto
de Pesquisas sobre as relações entre a África e a América Latina, cujo órgão central seria
um Conselho constituído de especialistas africanos e latino-americanos.
Em sua primeira década, o CLAPCS chegou a empreender 37 projetos de
pesquisa vinculados a problemas distintos da América Latina, alguns deles iniciados pelo
próprio CLAPCS e outros a pedido de outras instituições ou em colaboração com elas
(Blanco, 2007). Com o cancelamento dos recursos do governo, o CLAPCS foi fechado
(Oliveira, L. L., 1995b, p. 302).
O CLAPCS refletia essa nova orientação da UNESCO na área de ciências sociais.
Isso se tornava mais evidente quando se observava a linha de pensamento e de ação de
Costa Pinto, diretor do CLAPCS, que privilegiava a ação do cientista social no processo
de desenvolvimento do País. Para Luiz Aguiar da Costa Pinto, o papel do intelectual no
desenvolvimento do País era vital, em especial em sociedades em transição como a
brasileira (Pinto, 1970, p. 77). Traçando um paralelismo histórico, Costa Pinto observara
que, à exceção de Lênin, que assumiu o caráter de intelectual e político, os intelectuais
tiveram importância histórica fundamental nas revoluções francesa e americana; uma
ação da qual carecem as sociedades em transição (Pinto, 1970, p. 87). Em relação à
educação, Costa Pinto, mantendo-se fiel a uma análise estruturalista, destaca que o tipo
96
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1963, p. 23; abril de 1965, p. 14.
97
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, julho de 1960, p. 3.
98
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, outubro de 1963.
115
de educação que se constrói depende da sociedade em que ela se encontra inserida.
Uma sociedade agrária tradicional, por exemplo, somente demandaria um profissional
qualificado, se houvesse uma modificação na estrutura desta sociedade (Pinto, 1970, p.
105). Seria, portanto, um erro entender a educação como a solução de todos os males do
subdesenvolvimento. Ou se superam as condições estruturais que obstaculizam o
desenvolvimento ou, então, a educação nesta estrutura arcaica significará meramente
educar para conservar”. Segundo Costa Pinto (1970, p. 108): “o efeito multiplicador que a
educação tem sobre o desenvolvimento pressupõe, por definição, que outras mudanças
estejam simultaneamente ocorrendo” e ainda “o que se observa, e a experiência confirma,
é que a escola, numa sociedade subdesenvolvida, se aparece como uma mudança
isolada, introduzida para funcionar como fonte única ou principal de renovações sociais,
sem que o próprio contexto estrutural sofra outras mudanças simultâneas, tende a
fracassar e mais que isso, a andar para trás, ela mesmo e o ambiente em que estava
proposta a atuar” (Pinto, 1970b, p. 114).
Há na perspectiva de Costa Pinto um modelo de desenvolvimento próprio às
condições de cada país e que deve ser construído seguindo as contingências locais e do
momento: não é possível esperar que o ferro esquente para malhá-lo; é preciso
esquentar o ferro malhando!”, afastando-se, assim, a concepção de um desenvolvimento
que seguisse as etapas percorridas por outras nações desenvolvidas (Pinto, 1970b, p.
331). Para Costa Pinto, países como o Brasil, uma sociedade em transição, caracterizam-
se por uma marginalidade estrutural”. À medida que o processo de desenvolvimento se
intensifica, porém, sem se generalizar por toda a estrutura social, há uma tendência de se
ampliar essa marginalidade entre dois padrões: o arcaico e o moderno, que oferecem
diferentes graus de resistência à mudança: essa marginalidade estrutural resulta da
coexistência de duas sociedades (a nova e a tradicional) dentro da sociedade e perdura
enquanto não se completa a transição de um padrão para o outro(Pinto, 1970b, pp. 105,
212).
Essa perspectiva estruturalista de Costa Pinto o aproxima das teses cepalinas: “as
nações em desenvolvimento não podem se desenvolver se tudo mais permanece igual na
ordem mundial – pois o subdesenvolvimento delas tem sido parte essencial da estrutura e
do funcionamento de uma sociedade internacional assimétrica(Pinto, 1970, p. 142). Os
artigos escritos na revista América Latina, do CLAPCS, são fortemente marcados pelas
116
orientações cepalinas (Oliveira, L. L., 1995b, p. 277), uma vez que ambas as instituições
tinham como objeto central a análise do desenvolvimento dos países latino-americanos,
especialmente em face do desenvolvimento desigual nos países centrais e periféricos. A
economia desfrutava posição de destaque e era formuladora dos princípios seguidos
pelas ciências sociais (Oliveira, L. L., 1995b, p. 294).
Na avaliação de Alejandre Blanco sobre o CLAPCS e a FLACSO: Numa
perspectiva histórica, portanto, esses centros emergentes, tanto de planificação e
desenvolvimento, como de ensino e pesquisa, cumpriram um papel estratégico no
desenvolvimento e na expansão das ciências sociais na região. Não apenas contribuíram
para a legitimação das ciências sociais nos diferentes países do Cone Sul, como também
constituíram os espaços de formação de uma nova cultura intelectual em ciências sociais
e de funcionamento das redes intelectuais e institucionais que operaram como um
importante dispositivo institucional de promoção e difusão da sociologia científica ou
moderna, e de articulação dessa nova elite de produtores culturais.” (Blanco, 2007).
A criação do CLAPCS e do CBPE refletia em seu ideário, seja na voz de Costa
Pinto, seja na de Anísio Teixeira, o papel do cientista social dotado de metodologia
científica capaz de contribuir com o planejamento social do País, bem como a importância
da educação e da ciência para o desenvolvimento brasileiro. O fato de essas duas
instituições estarem ligadas à UNESCO reflete as políticas desta Organização na qual a
educação e a ciência adquirem nos anos 1960 um papel central na sua agenda,
99
conforme René Maheu, Diretor-Geral da UNESCO (1961-1974), afirma: "está longe o
tempo em que os cnicos de economia e de finanças consideravam os problemas da
expansão econômica sob o aspecto de exploração de recursos materiais sem ter em
conta os recursos humanos. Agora, cada vez mais se manifesta mais claramente que o
desenvolvimento depende em grande parte e primordialmente da utilização racional dos
recursos humanos. Para tanto a educação e a ciência se situam no centro do
desenvolvimento e figuram entre os investimentos fundamentais”.
100
99
Em 1967, o presidente da Fundação Bienal de São Paulo, Francisco Matarazzo Sobrinho, organização famosa no mundo inteiro
por suas bienais de artes plásticas e de teatro, organizou, em sua Primeira Bienal de Ciências, o Simpósio de Integração, Ciência e
Humanismo. Haity Moussatché, do IOC, argumentou que a ciência pode e deve funcionar como instrumento e emprestar seu espírito
à efetivação de ideais humanísticos (Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1968, p. 31; outubro de 1967, p. 38).
100
Que es la UNESCO?. Paris: UNESCO, 1966, p. 23.
117
2.7 O IBECC e a organização da comunidade científica
No momento em que o IBECC foi criado e na década seguinte, havia um contexto
de mobilização dos cientistas em torno da institucionalização da carreira científica e de
uma ação mais direta do Estado como agente organizador e financiador da atividade
científica. A criação do CLAPCS, em 1955, mostrava uma intervenção direta do IBECC na
construção de um centro de pesquisa na área de ciências sociais. Esta mobilização de
cientistas em torno da UNESCO se fez presente também na criação do CNPq, dentro de
um objetivo bem mais amplo: organizar a pesquisa científica no País. Esta seção analisa
dois momentos desta mobilização dos cientistas e sua relação com a UNESCO: a criação
do CNPq e da SBPC.
A proposta de uma entidade governamental específica para fomentar o
desenvolvimento científico no País vinha sendo pleiteada pelos cientistas já na década de
1920 no âmbito da ABC. Em 1931, a ABC formalizou uma proposta ao governo de criação
de um Conselho de Pesquisas. Em maio de 1936, o então presidente, Getúlio Vargas,
enviou mensagem ao Congresso propondo a criação de um conselho de pesquisas
experimentais, sem, contudo, obter a adesão necessária para a votação da proposta.
Carlos Chagas Filho, retomou a iniciativa da ABC e sugeriu a Getúlio Vargas e a Gustavo
Capanema, em 1938, a criação de um Conselho Nacional de Pesquisas, aos moldes do
Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS): Nós nos reunimos uma vez na
Fundação Getúlio Vargas ... sob a direção do Paulo Assis Ribeiro ... discutimos muito e a
idéia era de fazer um Conselho. Mas faltava para isso uma pessoa de assegurada
liderança, e essa pessoa veio aparecer na figura do ... almirante Álvaro Alberto.
(Chagas
Filho, 2006, p. 145).
101
Em maio de 1947, o IBECC instalou uma subcomissão para a organização da
pesquisa científica no País, tendo como relator Carlos Chagas Filho
102
(diretor do Instituto
101
Arquivo Pessoal Carlos Chagas Filho, 9ª entrevista, em 28 de maio de 1988.
102
Carlos Chagas Filho nasceu em 1910, no Rio de Janeiro, filho do renomado médico sanitarista Carlos Chagas. Formado pela
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1926, encaminhou-se para as carreiras básicas de medicina biológica, tendo trabalhado
com Costa Cruz, Miguel Ozório de Almeida e Carneiro Felipe. Catedrático de física biológica pela Faculdade de Medicina, Carlos
Chagas Filho dedicou-se à organização do Instituto de Biofísica em 1945, que se tornou um importante centro de estudos. Participou,
como Delegado do Brasil, na Conferência Geral da UNESCO, em Paris, em 1946, assim como na Conferência dessa entidade,
realizada no México, em 1947. Em 1966, foi nomeado Embaixador do Brasil junto à UNESCO, a convite do presidente Castelo
Branco, substituindo Paulo Carneiro.
118
de Biofísica no Rio de Janeiro) e sendo composta por Lelio Gama (matemático do
Observatório Nacional), Olympio da Fonseca (médico do Instituto Oswaldo Cruz),
Cristóvão Leite de Castro (geógrafo do IBGE), Arthur Ramos (catedrático de antropologia
da Faculdade de Filosofia da USP) e Gabrielle Mineur (adida cultural da Embaixada da
França no Brasil e ex-secretária de Henri Laugier, quando este foi diretor do CNRS)
(Domingues, 2001).
103
Em novembro de 1948, como resultado dos trabalhos da subcomissão do IBECC,
Carlos Chagas Filho apresentou um estudo ao IBECC propondo a criação de um
Conselho Nacional de Pesquisas aos moldes das instituições norte-americanas como o
National Research Council, atuando na esfera da cooperação, organização e estruturação
da pesquisa do País
104
. Carlos Chagas Filho observara que a organização e as
finalidades de um Conselho Nacional de Pesquisas dependem necessariamente do
desenvolvimento da pesquisa científica do País. Enquanto nos Estados Unidos e
Inglaterra tal Conselho se organizara como conseqüência do desenvolvimento natural das
atividades científicas do País, no Brasil este surgiu no momento em que as atividades
científicas encontravam-se em situação de grande inferioridade.
O Conselho Nacional de Pesquisa no Brasil teria como metas: organizar o tempo
integral; manter um quadro de pesquisadores por meio da concessão de bolsas; amparar
o aperfeiçoamento de técnicos; cuidar da organização de bibliotecas científicas; dar início
à formação de auxiliares técnicos; complementar os recursos das organizações
existentes; prover auxílios para congressos e seminários; contratar técnicos estrangeiros
para instituições brasileiras; estimular o desenvolvimento de faculdades de ciências e
institutos de pesquisas; e promover a cooperação da pesquisa científica. Na proposta
original, o Conselho Deliberativo do órgão seria constituído por um representante para
cada uma das seguintes instituições: IOC, Universidade do Brasil, ABC, Observatório
Nacional, Estado Maior da Defesa Nacional, Instituto de Tecnologia Nacional,
Universidade Rural, Academia Nacional de Pesquisa, além de um representante das
universidades estaduais e um pesquisador indicado pelo IBECC.
103
O Boletim do IBECC de julho de 1947 aponta uma outra composição para esta Comissão: Lelio Gama, Olympio da Fonseca, Carlos
Chagas Filho, Cristóvão Leite Castro e Ugo Pinheiro Guimarães. Apesar de Lelio Gama ter sido apontado como presidente e relator
quando da instalação da Comissão, o relatório final da Comissão foi apresentado por Carlos Chagas Filho (Boletim do IBECC, Rio
de Janeiro, julho de 1947).
104
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, nov. 1948, p. 64.
119
Essa proposta, gestada em um órgão como o IBECC, vinculado ao Ministério das
Relações Exteriores, não conseguiu o respaldo político necessário para sua viabilização,
da mesma forma que a proposta do almirante Álvaro Alberto encaminhada ao governo,
em maio de 1946, por intermédio da ABC, para a criação de um Conselho Nacional de
Energia Atômica. Segundo Ana Maria Ribeiro, o caráter restrito da proposta oriunda dos
meios diplomáticos e militares prejudicou a obtenção de respaldo político. Da mesma
maneira, não foi adiante o projeto de Lei 164/48 [de autoria de José Carneiro Felipe]
apresentado pela bancada paulista à mara dos Deputados, de criação de um conselho
de pesquisas lastreado pelo prestígio das ciências físicas e biológicas e na tradição da
medicina. Naquele momento, era a física nuclear que ocupava o papel de ciência-guia.
(Andrade, 1999, p. 108).
Em abril de 1949, de volta ao Brasil, Álvaro Alberto assumiu a chefia da comissão
incumbida pelo presidente Dutra, de elaborar um anteprojeto para a criação do CNPq.
Entre os membros dessa comissão encontrava-se Carlos Chagas Filho, que participara da
Comissão do IBECC e que concluíra seus trabalhos em novembro de 1948 (Andrade,
1999, p. 111). Álvaro Alberto, militar e cientista com ampla atividade junto à ABC e muito
ligado tanto a Carlos Chagas Filho, como a Paulo Carneiro e a Olympio Fonseca,
assumiu, então, a direção do processo de criação do Conselho Nacional de Pesquisa
(Domingues, 2001).
Representante brasileiro na Comissão de Energia Atômica da ONU, Álvaro Alberto
foi indicado por unanimidade para a presidência do organismo no biênio 1946-1947. O
Brasil tomou parte desta Comissão por ter grandes reservas de material radioativo. Para
Álvaro Alberto, a participação nesta Comissão foi um dos motivos para a retomada da
antiga idéia de criação de um Conselho Nacional de Pesquisa: o trato dos problemas
referentes à energia atômica me leva a sugerir algumas medidas que se impõem como
salvaguarda do nosso futuro econômico e do nosso prestígio (...) assim dentre outras, as
seguintes: a) nacionalização de todas as minas de tório e urânio (...) fundação do
Conselho Nacional de Pesquisas para fomentar e coordenar as atividades científicas e
técnicas, escolher pessoal idôneo a ser imediatamente encaminhado ao estrangeiro para
aperfeiçoamento(Forjaz, 1989, p. 76).
120
A proposta de Carlos Chagas Filho encaminhada ao IBECC, de um Conselho
Nacional de Pesquisas vinculado ao Ministério das Relações Exteriores, acabou se
concretizando, pela ação de Álvaro Alberto centrada na questão de segurança nacional,
com a criação do CNPq, vinculado diretamente à Presidência da República.
105
Todo o
processo de criação do CNPq foi, desta forma, capitaneado por militares envolvidos com
a questão de segurança nacional e exploração de minerais estratégicos, em conjunto com
membros da comunidade científica, ou seja, a proposta original de atender aos interesses
específicos da comunidade científica acabou encontrando oportunidade política de
realização em outro contexto. A própria composição do Conselho Deliberativo do CNPq,
que incluía representantes de instituições do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo
e Pernambuco (Andrade, 1999, p. 116), tinha caráter mais abrangente que a proposta
original de Carlos Chagas Filho, a qual incluía apenas representantes de instituições
cariocas no Conselho Deliberativo do Conselho Nacional de Pesquisa.
Em um segundo momento, a comunidade científica novamente se articulava em
torno da UNESCO, dessa vez, como forma de atender a seus interesses de integração
com outros países. Em setembro de 1948, por iniciativa do Escritório de Cooperação
Científica recém-transferido para Montevidéu, realizava-se a Conferência Científica
Latino-Americana, sob o patrocínio da UNESCO. Eram representantes do Brasil: Miguel
Ozório de Almeida, do IOC e vice-presidente da conferência; Joaquim Costa Ribeiro, do
Departamento de sica da Faculdade Nacional de Filosofia da, então, Universidade do
Brasil e um dos articuladores da criação do CBPF; e Maurício Rocha e Silva, do Instituto
Biológico de São Paulo (Maio & Sá, 2000, p. 1007). A comunidade científica paulista, que
se encontrava distanciada do projeto IIHA, fazia-se, então, representada.
O representante brasileiro Maurício Rocha e Silva destacou a necessidade de se
incentivar a criação de sociedades para o progresso da ciência, que manteriam relações
com a UNESCO na divulgação de eventos científicos e de educação científica. A SBPC
viria a ser fundada no ano seguinte, em 1949. Os primeiros números da revista Ciência e
Cultura, publicada pela SBPC, dedicavam matérias relacionadas à UNESCO, em especial
ao Escritório de Cooperação Científica em Montevidéu, e nenhum espaço para o IBECC,
de forma que a SBPC estava muito mais próxima do Escritório da Conferência Científica
Latino-Americana do que do IBECC. Uma relação mais próxima entre o IBECC e a SBPC
105
Lei 1.310, de 15 de janeiro de 1951.
121
viria a ocorrer alguns anos mais tarde com a criação do concurso Cientistas do Amanhã,
por iniciativa de José Reis, quando a conexão se estabeleceu com o IBECC/SP.
Os Membros do Conselho Executivo da UNESCO poderiam contatar diretamente
cientistas de outros países, sem a necessidade de seguir o trâmite diplomático formal.
Durante a conferência em Montevidéu, os participantes demonstraram sua preferência
pelo desenvolvimento de relações científicas por meio de instituições científicas em vez
de agências de Estado. No Brasil, o IBECC era percebido como uma instituição muito
dependente do Itamaraty, e, portanto, não adequada para promover as relações entre
cientistas (Domingues, 2004, p. 206). De certa forma, o Centro de Cooperação Científica
de Montevidéu, por aproximar-se da SBPC, preenchia um espaço deixado pelo IBECC.
Em setembro de 1950, realizou-se, em Paris, a Primeira Reunião Internacional das
Associações para o Progresso das Ciências, tendo sido eleito como presidente da sessão
Maurício Rocha e Silva, representante do Brasil. Entre as recomendações da Reunião se
encontravam: (i) que seja constituído um Comitê de representantes de todas as
associações para o progresso das ciências para agir como organismo de coordenação e
consulta sobre questões de ordem internacional e, em geral, sobre todas as questões
importantes que interessem às associações; (ii) que este Comitê aconselhe à UNESCO
no que se refere ao auxílio previsto na Resolução 2.331; (iii) que a UNESCO utilize os
fundos previstos em seu orçamento para 1951 constante da Resolução 2.331, para ajudar
às associações para o progresso da ciência, que sejam desprovidas de meios suficientes
ou recentemente criadas; (iv) que as associações concedam a outras associações para o
progresso das ciências privilégios recíprocos, inspirando-se nos acordos concluídos
entre as associações britânica, francesa e americana; e (v) que a UNESCO examine a
possibilidade de negociações junto aos governos, tendo em vista obter o consentimento
dos mesmos para a obtenção de vistos gratuitos de estudos, sob a recomendação de
sociedades científicas ou de educação reconhecidos como idôneas, quando os cientistas
vão para o exterior com o fim de assistir a uma conferência ou realizar trabalhos
especiais, bem como facilitar a importação de material científico e de ensino por tais
viajantes.
106
106
Revista Ciência e Cultura, São Paulo: SBPC, vol. II, n. 4. dezembro de 1950, pp. 335-339.
122
A aproximação da comunidade científica brasileira, tanto na elaboração do
Conselho Nacional de Pesquisa proposta por Carlos Chagas Filho como no intercâmbio
entre Sociedades Científicas, encaminhado por Maurício Rocha e Silva, mostrava que os
cientistas logo perceberam no IBECC/UNESCO um instrumento para a viabilização de
seus projetos de organização e institucionalização. Essa perspectiva, seguida também
pelos cientistas sociais, seria adotada igualmente por físicos, não como uma oportunidade
de se organizar a pesquisa, mas muito mais como forma de ampliar sua ação a países da
América Latina.
2.8 O apoio à pesquisa física
A UNESCO estabeleceu, como política de aproximação dos cientistas de países
em desenvolvimento, os Centros Científicos Regionais desde os primeiros anos de sua
fundação. Dentro dessa perspectiva, surgiram nos anos 1950 dois projetos da
comunidade de físicos no Brasil, a serem estudados nesta seção e que apontam na
mesma direção de integração científica entre países aspirada pela UNESCO.
Em 1951, foi celebrado, com a intervenção de Paulo Carneiro, o primeiro acordo
de assistência técnica entre a UNESCO e o governo brasileiro. O acordo entre o CBPF e
a Universidad Mayor de San Andrés (UMSA), da Bolívia, para pesquisas com a equipe de
César Lattes em raios cósmicos, foi intermediado pela Divisão Econômica do Itamaraty
(Andrade, 2004, p. 222) do Ministério das Relações Exteriores, em 1952. O projeto incluía
bolsas para pesquisadores visitantes estrangeiros, formação de pesquisadores brasileiros
no exterior, auxílio para aquisição de material de pesquisa e periódicos (Andrade, 2004, p.
224).
O convênio com a Bolívia não surgira ao acaso. Reunidos na Universidade de
Bristol, César Lattes, Giuseppe Occhialini, Ugo Camerini e Cecil Powell conseguiram, em
1947, detectar a existência de partículas son-pi, inicialmente em medições realizadas
nos Pirineus e posteriormente confirmadas, no mesmo ano, em Chacaltaya, a 20
quilômetros da cidade de La Paz, na Bolívia (Andrade, 1999, p. 35). O êxito do
123
empreendimento, que teve destaque na imprensa, foi capitalizado por César Lattes e pela
comunidade científica, para viabilizar a criação do CBPF, em 1949.
Contando com o apoio do CNPq, o acordo com a Bolívia incluía a construção do
Laboratório de Física Cósmica de Chacaltaya (Andrade, 1999, p. 140). Para o governo de
Getúlio Vargas essa era uma forma de se usar a ciência como propaganda de Estado. O
acordo possibilitava o uso das instalações de Chacaltaya pelo CBPF por dez anos, que,
em contrapartida, ofereceria cursos de treinamento em física e matemática na UMSA e
concederia duas bolsas para estudantes bolivianos se especializarem em raios cósmicos
no Brasil (Andrade, 2004, p. 221). A UNESCO enviou uma missão científica composta
pelos físicos G. Occhialini, Ugo Camerini, Gert Molière e pelo especialista em eletrônica e
alto vácuo, Gerard Hepp (Andrade, 1999, p. 100).
Em setembro de 1953, por ocasião da renovação dos contratos com os
especialistas estrangeiros, José Leite Lopes dirigiu uma carta ao representante do Brasil
na UNESCO, Paulo Carneiro, diante da decisão da UNESCO em cessar os programas de
assistência técnica que não visassem ao desenvolvimento econômico direto dos países.
José Leite Lopes do CBPF argumentava a necessidade de renovação dos contratos dos
professores Ugo Camerini, Gert Molière e Gerard Hepp, uma vez que o objetivo de
formação de recursos humanos em física para aproveitamento pelas nossas indústrias de
um centro de investigações como o nosso não pode ser tido como divorciado dos
esforços para o desenvolvimento econômico do País”.
107
O argumento foi acolhido pela
UNESCO, que renovou o contrato dos pesquisadores para o ano seguinte.
Em um outro projeto, a comunidade de físicos no Brasil buscava, junto à UNESCO
com a intermediação do IBECC, a criação de um centro de pesquisas com a participação
de diversos países latino-americanos. Em 1959, foi realizada, no México, a Primeira
Escola Latino-Americana de Física (ELAF), com novas edições realizadas na Argentina e
Brasil. O êxito do empreendimento levou um grupo de físicos latino-americanos, tendo à
frente Juan José Giambiagi (Argentina), José Leite Lopes (Brasil) e Marcos Moshinsky
(México), a sugerir a criação de um Centro Latino-Americano de Física. Para tal
empreendimento, José Leite Lopes, como diretor científico do CBPF, buscou o apoio de
Paulo Carneiro e de Renato Archer, vice-ministro das Relações Exteriores do governo do
107
Arquivo pessoal de Paulo Carneiro, carta de José Leite Lopes de 30 de setembro de 1953, caixa 192, COC/FIOCRUZ.
124
presidente João Goulart. A XI Conferência Geral da UNESCO, realizada em Paris, em
1960, acolheu, por intermédio da Resolução 2121, a proposta da delegação brasileira
para a criação do Centro Latino Americano de Física,
108
porém ressaltou que a UNESCO,
a princípio, não poderia assumir qualquer responsabilidade no financiamento da
instalação ou nos custos de operação de tal Centro. Em face dos encargos que recairiam
aos Estados Membros, a Assembléia aprovou uma doação de US$ 20 mil do
Departamento de Ciências Naturais da UNESCO, no período entre 1961 e 1962 para os
trabalhos preliminares necessários.
Em 26 de março de 1962, no Rio de Janeiro, em cerimônia realizada no IBECC, foi
criado o Centro Latino Americano de Física (CLAF), com sede no CBPF, com
representantes dos governos do Brasil (país sede e proponente do acordo), da Argentina,
da Bolívia, do Chile, da Colômbia, da Costa Rica, de Cuba, de El Salvador, da República
Dominicana, do Peru, da Nicarágua, do Paraguai, do México, de Honduras, do Haiti, da
Guatemala e do Equador, bem como da UNESCO. Pela Resolução 72 do Conselho
Executivo da UNESCO, de 7 de junho de 1961, o desenvolvimento da investigação
científica no domínio da física constitui base indispensável para o progresso econômico e
social. O projeto surge na mesma época em que a UNESCO, em sua XII Conferência
Geral, decide pela criação de um projeto piloto de ensino de física em São Paulo.
O objetivo do Centro era realizar pesquisas científicas, treinamento, promover o
intercâmbio entre instituições dos Estados Membros, além de ajudar a criação de grupos
de pesquisas físicas, particularmente nos países em que tais grupos não existissem
ainda.
109
Os recursos teriam origem em contribuições dos Estados Membros, doações e
recursos captados pela prestação de serviços. Em carta de 1964, a Themístocles
Cavalcanti, presidente do IBECC, Gabriel Fialho, diretor do CLAF, se queixa de que, até
então, dos 15 países presentes na sessão solene de 1962 apenas quatro haviam
ratificado o Acordo e que, com o hiato governamental que se seguiu ao golpe de março
de 1964, houve atrasos nas dotações orçamentárias, os quais impactaram o prazo de
execução de alguns dos projetos do CLAF.
110
Na década de 1960, o CLAF priorizou a
formação acadêmica, principalmente com a distribuição de bolsas que favorecessem os
países menos desenvolvidos em física. No final da década de 1970, o CLAF apoiou o
108
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1961, p. 25.
109
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1962, p. 10.
110
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, outubro de 1964, p. 14.
125
intercâmbio de físicos e a criação de Escolas, Grupos de Trabalho e Conferências Latino-
Americanas.
Se no primeiro projeto entre Brasil e Bolívia, as comunicações entre a comunidade
científica com a UNESCO se realizara sem a intermediação das Comissões Nacionais
(IBECC), esse cenário mudaria após a VIII Conferência Geral da UNESCO, em
Montevidéu, em 1954, transformando a UNESCO em uma organização
intergovernamental. Nesses dois projetos, observou-se a presença de grupos de
cientistas com uma tradição de pesquisa já consolidada no Brasil, que buscavam ampliar
seu universo de ação integrando-se com outros países da América Latina, dentro de uma
ação política de se transmitir competências locais para o exterior, usando a ciência como
propaganda de Estado”, sob a chancela da UNESCO, assumindo o Brasil papel de um
país central que disseminava conhecimento a países periféricos. Essa estratégia se
alinhava a uma política de descentralização promovida pela UNESCO.
2.9 O projeto de pesquisa em zonas áridas
Outro projeto de institucionalização de linhas de pesquisa científica envolvendo o
IBECC/UNESCO referia-se ao apoio às pesquisas científicas em terras áridas,
111
voltado
à pesquisa no setor e formação de especialistas na solução de problemas locais. Nesse
caso, ao contrário dos projetos implementados pelos sicos junto à UNESCO, o
empreendimento não foi capitaneado por cientistas, mas articulado por lideranças e
instituições políticas no Estado de Pernambuco, tais como a SUDENE, interessadas em
se iniciar a formação de competências locais junto à Universidade, institucionalizando a
formação de grupos de pesquisa de pós-graduação.
A UNESCO criou, em 1951, o Comitê Consultivo de Investigação sobre zonas
áridas, composto de cientistas eminentes que se reuniam duas vezes ao ano para o
intercâmbio de pesquisas nas áreas de hidrologia, ecologia vegetal e utilização de energia
111
Segundo documento da UNESCO, regiões nas quais a chuva é insuficiente para uma agricultura permanente (Correio da UNESCO,
maio de 1976).
126
solar, entre outras
112
. Na IX Conferência Geral da UNESCO, em Nova Délhi, em 1956, foi
aprovado um Projeto de Pesquisa Científica em Zonas Áridas, de duração de 10 anos,
com a proposta de intercâmbio de informações de diferentes instituições de pesquisa
(Valderrama, 1995, p. 112) e com as ações concentradas na região que se estendia do
norte da África do Sul à Ásia, passando pelo Oriente Médio.
113
As atividades seriam
dirigidas, por período, a problemas específicos: hidrologia (1951-1952); ecologia – plantas
(1952-1953); fontes de energia disponíveis nas zonas áridas, especialmente energia solar
(1953-1954); ecologia animais e homem (1954-1955); e climatologia das zonas áridas
(1955-1956). Em 1957, o projeto foi considerado um dos quatro grandes prioritários da
UNESCO. Dentro desse projeto, foi criado, em dezembro de 1964, em Jodhpur, na Índia,
o Instituto Indiano de Pesquisa em Zonas Áridas (Valderrama, 1995, p. 153), bem como
foram criados institutos no Iraque, no México, no Paquistão, na Tunísia e na Turquia
(Hadley, 2006, p. 211). Tendo em vista esse objetivo, o IBECC colaborou com a iniciativa
da Comissão Pernambucana para a criação, junto com a Universidade Federal do Recife,
do Centro de Recursos Naturais nesse Estado.
Em setembro de 1963, foi realizada, em Buenos Aires, sob a organização do
Centro de Cooperação Científica de Montevidéu, uma Conferência Latino-Americana
sobre Regiões Áridas, cujas diretrizes haviam sido estabelecidas, em outubro de 1962, no
encontro realizado em Recife com representantes da SUDENE. Na Conferência de
Buenos Aires, foi estabelecida a criação do Conselho Latino-Americano de Coordenação
e Promoção para o Estudo de Terras Áridas. Para o Conselho Executivo do Comitê, foi
escolhido, como representante do Brasil, Estevão Strauss, da SUDENE.
114
O projeto principal de Zonas Áridas foi encerrado na UNESCO em 1964, quando
se dissolveu seu Comitê Executivo (Hadley, 2006, p. 213). Em 1966, foi reestruturada a
Comissão Estadual do IBECC de Pernambuco, tendo sido empossado como presidente
Jordão Emerenciano (1919-1972), professor catedrático da Faculdade de Letras da
Universidade de Pernambuco e Chefe da Casa Civil do governo de Pernambuco
(1959/63). Uma das principais propostas do IBECC/PE era a criação de um Centro de
Recursos Naturais no Recife, com o apoio da SUDENE e da Universidade de
112
Que es la UNESCO?. Paris: UNESCO, 1966, p. 11.
113
Correio da UNESCO, janeiro de 1992.
114
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 39, outubro/dezembro de 1963, p. 39/AD/26.
127
Pernambuco.
115
O Centro de Recursos Naturais (CRN), projeto de autoria de Gilberto
Osório de Oliveira Andrade,
116
do IBECC e da Comissão Internacional de Hidrologia
presidida por Newton Cordeiro,
117
foi instalado em abril de 1967, com a presença do
governador do Estado, Nilo Coelho, do presidente do IBECC, Renato Almeida, do
representante da UNESCO, John Howe, e do reitor da UFPE, Murilo Guimarães.
118
Em
julho de 1967, estava prevista a apresentação do projeto junto à Assembléia da ONU.
O objetivo do CRN era a implantação e o desenvolvimento de cursos de pós-
graduação em geologia, hidrologia, pedologia aplicada e ecologia, bem como a
implantação de pesquisas de recursos naturais, especialmente no Nordeste do Brasil. O
CRN contaria com o auxílio da UNESCO e do Fundo Especial da ONU. A contrapartida do
governo brasileiro por intermédio da UFPE seria representada também pelos valores dos
edifícios, instalações, equipamentos, material permanente e despesas regulares com
pessoal docente e cnico-administrativo utilizado.
119
No entanto, em relatório de 1968,
o presidente do IBECC, Renato Almeida, se refere a dificuldades tanto no plano interno
como no plano internacional para o andamento do projeto,
120
que terminou vetado pela
SUDENE sob a alegação de duplicação de cursos de pós-graduação no nível de
mestrado e doutorado (Sucupira, 1976).
2.10 Programas de incentivo à ciência e à tecnologia
Em 1963, a ONU convocou, em Genebra, a Primeira Conferência sobre Ciência e
Tecnologia para os Países em Desenvolvimento (United Nations Conference on the
Application of Science and Technology in Developing Countries UNCAST), que contou
com a participação de José Reis na delegação brasileira (Reis & Gonçalves, 2000, p. 24),
115
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1967, p. 11.
116
O jornalista Gilberto Osório, formado em geografia e história pela Faculdade de Filosofia Manuel da Nóbrega, foi eleito deputado
estadual, de 1947-1951, na Assembléia Legislativa de Pernambuco, pela Coligação Pernambucana, que reuniu a União Democrática
Nacional (UDN), o Partido Libertador (PL) e o Partido Democrata Cristão (PDC). De 1959 a 1969, atuou como professor de
geomorfologia no curso de geologia que ajudou a criar, juntamente com os professores Mário Lacerda de Melo e Paulo Duarte, da
Universidade do Recife, depois, Universidade Federal de Pernambuco UFPE. Foi vice-presidente do Centro de Recursos Naturais
da UFPE (Rivas, Leda. Gilberto Osório: um homem do renascimento, disponível em
http://www.alepe.pe.gov.br/perfil/parlamentares/GilbertoOsorio/sumario.html
, acesso em 22 de março de 2008).
117
A UNESCO elegeu a década de 1965-1975 como a Década Internacional da Hidrologia (Valderrama, 1995, p. 159).
118
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1967, p. 1; janeiro de 1968, p. 4.
119
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1967, p. 14.
120
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1969, p. 13.
128
tendo como documento base Survey of Main Trends of Inquiry in the Field of the Natural
Sciences, do físico francês Pierre Auger (Hillig, 2006, p. 435). A proposta da Conferência
era cooperar com os países membros na elaboração de políticas públicas para o
desenvolvimento da ciência.
O evento foi organizado pelo Scientific Advisory Committee (SAC), cujo secretário-
geral era o brasileiro Carlos Chagas Filho. Segundo depoimento de Carlos Chagas Filho,
sua intenção ao aceitar era poder auxiliar o desenvolvimento científico dos países menos
evoluídos” (Chagas Filho, 2006, p. 79). Apesar dessa intenção, dos cerca de 1.600
participantes apenas 16% eram de países em desenvolvimento. Como resultado da
conferência, Carlos Chagas Filho, que presidiu a Comissão de Estudo da Ação das
Radiações Ionizantes, na ONU (1956-1957), foi nomeado pelo secretário-geral da ONU, U
Thant (1961 a 1971) (Chagas Filho, 2006, p. 151), presidente do Comitê Especial das
Nações Unidas para Aplicação da Ciência e Tecnologia ao Desenvolvimento (ACAST)
função que exerceu por seis anos. Em cooperação com o físico paquistanês Abdus
Salam, Carlos Chagas Filho fundou a International Federation of Institutes for Advanced
Sciences (IFIAS) (Petitjean, 2006b, p. 49).
Para críticos como o cientista J. Oppenheimer, a Conferência de Genebra se
transformou numa “feira” de ciência e tecnologia, em que os países centrais vendiam
tecnologia obsoleta aos países em desenvolvimento (Chagas Filho, 2006, p. 155). Para
Carlos Chagas Filho, mais do que a simples transferência de tecnologia, a UNESCO
centralizava sua atenção em dois focos: cada país deve fomentar a construção de
potencial científico e tecnológico próprio, bem como a organização e o planejamento da
atividade cientifica.
121
Segundo depoimento de Carlos Chagas Filho: Aprendi, nesta
vivência, que para os países subdesenvolvidos não haverá desenvolvimento, utilizando o
vocábulo no seu mais amplo sentido social, que engloba o econômico, sem que Ciência e
Tecnologia deixem de ser uma "magia importada" - para usar a expressão de René
Maheu, Diretor-Geral da UNESCO - e se tornem uma parte integrante da cultura e do
costume de seu povo” (Chagas Filho, 1965).
Dos oito volumes do relatório final da Conferência, foi incorporado ao final do texto
do sexto volume uma análise de Jo Reis, um dos representantes da delegação
121
Que es la UNESCO?. Paris: UNESCO, 1966, p. 27.
129
brasileira, sobre a relação entre educação e ciência: No passado foi possível a uma
comunidade um tanto subdesenvolvida levar vida pacífica e equilibrada baseada no
domínio de uma classe cultivada .... que impunha normas à grande maioria analfabeta,
não atingida pelo impacto das idéias e do progresso que se processavam em países
distantes. Mas hoje, quando a <unidade de sobrevivência> se vai tornando de tal modo
grande que pode confundir-se com a humanidade como um todo, aquela situação
praticamente desapareceu da face da Terra. Isso mostra como é universal e urgente o
problema de estabelecer adequadamente o exato objetivo e a exata posição da ciência na
educação” (Reis, J., 1964b).
Em 1965, o presidente do IBECC, Renato Almeida, criou novas Comissões, entre
as quais, a Comissão de Ciência e Tecnologia, sob a presidência de Carlos Chagas Filho,
que tinha como tarefa inicial a participação brasileira, em setembro do mesmo ano, na
Conferência sobre a Aplicação da Ciência e da Tecnologia ao Desenvolvimento da
América Latina (Conference on the Application of Science and Technology to the
Development of Latin AmericaCASTALA), organizada pela UNESCO e pela CEPAL em
Santiago do Chile. Para a organização desta Conferência, o IBECC contou com a
colaboração do Conselho Nacional de Pesquisas (Valderrama, 1995, p. 165).
122
Os temas da CASTALA eram: (i) os recursos naturais e sua utilização; (ii) os
recursos humanos e a formação de pessoal científico e técnico; (iii) a aplicação da ciência
e da tecnologia ao desenvolvimento industrial na América Latina; e (iv) a política científica
e tecnológica, assim como os instrumentos para a sua materialização.
123
Em seu discurso
como representante brasileiro na Conferência, Paulo Carneiro destacava a necessidade
de uma política de planejamento científico de âmbito nacional: embora ainda reduzida
com freqüência a uma função mais de assistência financeira do que de orientação e
coordenação geral, tem eles (os Conselhos Nacionais de Pesquisa em diversos países)
sido um poderoso fator de desenvolvimento”,
124
bem como o papel das universidades e a
necessidade de um programa de bolsas de estudos no exterior para estudantes
brasileiros, com a participação dos serviços de intercâmbio de estudantes e professores
122
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1966, p. 9. A CASTALA organizada no Chile, em 1965, foi a primeira de uma série
de conferências regionais com os mesmos propósitos: CASTASIA (Nova Délhi, 1968); MINESPOL (Paris, 1970), CASTAFRICA
(Dacar, 1974); CASTARAB (Marrocos, 1976), MINESPOL II (Belgrado, 1978), CASTASIA II (Manila, 1982), CASTARAB II
(Sudão) e CASTALAC II (Brasília, 1985) (Hillig, 2006, p. 437).
123
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1965.
124
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, julho de 1965, p. 13.
130
da UNESCO e de outras agências das Nações Unidas visando à formação de equipes de
técnicos e pesquisadores latino-americanos. Sobre o papel da UNESCO na superação do
atraso tecnológico da América Latina diagnosticado pela CEPAL, comentava Paulo
Carneiro: a fim de imprimir aos Institutos Tecnológicos latino-americanos decisivo
impulso decidiu a XII Conferência Geral da UNESCO promover a criação de um Centro de
Ciência e Tecnologia nessa região. Será ele um precioso catalisador, uma fonte de
informação científica e um elo coordenador de atividades de caráter tecnológico em nosso
continente”. Paulo Carneiro referia-se ao Centre de Sciences et Technologie pour
Amerique Latine (CECTAL).
A delegação brasileira encaminhou a Resolução 2341 à XIV Conferência Geral da
UNESCO de 1966, manifestando como oportuna a iniciativa da criação do CECTAL por
estar em concordância com as propostas da Reunião Extraordinária do Conselho
Interamericano Econômico e Social, realizado em Punta del Este, em 1961. A delegação
brasileira ressaltava a contribuição de cientistas brasileiros em publicações internacionais,
bem como a presença de estudantes latino-americanos em universidades brasileiras e o
reconhecido papel do IBECC/SP na divulgação de ciências. O texto destacava que a
experiência do IBECC/SP poderia fornecer suporte a tal Centro e defendia a proposta de
instalar o CECTAL no Rio de Janeiro. A XIV Sessão da Conferência Geral da UNESCO,
realizada em Paris, em 1966, considerando o importante papel da CECTAL na integração
dos povos latino-americanos, deliberava a favor da instalação do Centro em São Paulo e
ao fornecimento de toda a assistência técnica da UNESCO na criação do Centro, sob a
coordenação de Carlos Chagas Filho (Resolução 2.332, da XIV Sessão da Conferência
Geral da UNESCO).
Em abril de 1966, Carlos Chagas Filho foi escolhido o delegado permanente do
Brasil junto à UNESCO, em sucessão a Paulo Carneiro, cargo que exerceu até 1970. No
período, Carlos Chagas Filho reforçou a necessidade de um programa voltado ao
estímulo da iniciação científica, que seria desenvolvido com a ajuda de um kit preparado
pelo IBECC/SP, bem como a realização pela UNESCO de cursos preparatórios para os
professores do ensino de nível primário que se envolveriam com o projeto de iniciação às
ciências (Chagas Filho, 2006, p. 163).
131
Uma das ações mais ambiciosas da CASTALA foi a criação e convocação
periódica da Conferência Permanente de Organismos Nacionais de Política Científica e
Tecnológica, com reuniões em Buenos Aires (1966), Caracas (1968), Santiago (1971),
México (1974), Quito (1978) e La Paz (1981). Muitas das ações do Centro de Cooperação
da UNESCO de Montevidéu advieram de sugestões discutidas nessas reuniões (Barreiro
& Davyt, 1999, p. 48), as quais contribuíram para organizar a política de ciência e
tecnologia nos países da América Latina, incluindo um manual de instruções para a
institucionalização da política de ciência e tecnologia (Escobar, 2002, p. 10).
Este capítulo apresentou alguns dos projetos da UNESCO com o Brasil,
envolvendo diferentes segmentos da intelectualidade brasileira: cientistas naturais,
matemáticos, folcloristas, educadores, sociólogos, meio ambientalistas, físicos, entre
outros. Contudo, o projeto de maior alcance e repercussão social empreendido pelo
IBECC foi conduzido pela Comissão Paulista e será apresentado em maiores detalhes no
capítulo seguinte. O projeto retoma uma agenda de educadores dos anos 1920 em torno
do movimento da Escola Nova, discutido no capítulo 1, o que pode ser observado ao se
comparar os discursos de seus principais protagonistas, buscando um espaço para a
pesquisa científica, seja pela educação formal ou informal. O que confere um traço
marcante a tal empreendimento é a capacidade de mobilização de iniciativas locais e o
envolvimento da sociedade, o que rompe com o ritmo mais prudente de uma instituição
intergovernamental e põe em xeque o princípio da periferia”: quando os locais que se
apropriam do projeto conseguem conferir um rumo próprio.
132
CAPÍTULO 3 – A COMISSÃO ESTADUAL DO IBECC EM SÃO PAULO
A criação da Comissão do IBECC em São Paulo reuniu elementos da
intelectualidade local interessados no tema da educação e cultura, dentro das propostas
da UNESCO e que seguia as mesmas orientações do Instituto no Rio de Janeiro:
cientistas que percebem no IBECC um elo de intermediação para a realização de suas
propostas de institucionalização da ciência. A ação em São Paulo, no entanto, tomara um
rumo mais pragmático do que o observado no Rio de Janeiro, ao concentrar suas
atividades na área de educação formal e informal voltadas ao público jovem do ensino de
nível secundário. O programa de educação do IBECC no Rio de Janeiro, por outro lado,
tinha suas ações na área de educação popular dirigidas à alfabetização de adultos. O
IBECC/SP incorporava esse conceito de educação dentro das propostas de divulgação
científica que assumiam um significado mais amplo do que as ões até então
desenvolvidas nessa área. Isaías Raw, com o apoio do presidente do IBECC/SP, Paulo
Mendes da Rocha, conseguia imprimir um vigoroso impulso a tal agenda, pondo em
prática um conjunto de ações, seja na área de feiras, exposições, clubes ou concursos de
ciência, muitas das quais já idealizadas por José Reis na década anterior.
Tais ações adquiriram uma conformação própria incorporando um elemento novo
no processo, com o surgimento de atividades de natureza industrial, seja na produção de
kits de ciência ou de material didático, intensificadas especialmente após a adesão do
projeto pelos governos estaduais e federal, garantindo um mercado para tais
empreendimentos, ao proporcionar a distribuição deste material didático entre as escolas.
O que antes era um projeto de divulgação científica buscando a legitimação da prática
científica na sociedade, bem como a difusão da ciência como elemento de cidadania,
assumia uma dimensão adicional: a perspectiva de se inserir tal projeto dentro de uma
órbita empresarial. Desfazia-se o caráter missionário do cientista, tal como preconizado
por José Reis, ao descrever o comportamento dos julgadores dos trabalhos expostos nas
feiras de ciências: Não é tirada romântica, é pura verdade, dizer que os olhos dos
cientistas que examinam os trabalhos desses jovens se enchem de lágrimas. Pois essa
gente é muito necessária ao país, em seus devidos lugares, e tantas vezes deixa de ser
aproveitada” (Reis, J., 1964b), ou quando justifica sua oposição à implantação de prêmios
133
nas feiras de ciências: a nosso ver, é melhor, desde a juventude, mostrar que o cientista
não busca prêmios, mas a verdade, o prazer da descoberta, a oportunidade de servir
(Reis, J., 1968, p. 327).
As ações na área de educação do IBECC/SP foram reconhecidas pela UNESCO,
que escolheu São Paulo, em 1964, para a execução de um projeto piloto em física, e
foram consideradas um dos marcos importantes na constituição da área de ensino de
ciências no País (Nardi, 2005, p. 4). Ao analisarem a produção de materiais didáticos no
Brasil no período de 1950 a 1980, os pesquisadores do Departamento de Métodos e
Educação da Universidade Federal do Paraná, Vilma Barra e Karl Lorenz descrevem as
ações do IBECC/SP como um dos marcos importantes no desenvolvimento do movimento
curricular ocorrido neste período no Brasil (Barra & Lorenz, 1986).
3.1 A criação do IBECC/SP e suas primeiras ações
Em setembro de 1947, um ofício do recém-empossado governador de São Paulo
Adhemar de Barros (1947-1951) informou ao IBECC a constituição de um grupo
incumbido da criação da Comissão Estadual de o Paulo, formada por Raul Carlos
Briquet, José Soares de Melo, Paulo César Antunes, Newton Silveira, tendo como
presidente o sociólogo formado pela USP Antonio Cândido de Melo e Souza. Somente
três anos após, em março de 1950, no salão nobre da reitoria da USP, sob a presidência
de Levi Carneiro, presidente do IBECC, com a participação de Miguel Reale, reitor da
USP (1949-1950), de Raul Briquet, diretor da Faculdade de Medicina da USP, e de Jayme
Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, diretor do Departamento de Cultura e Ação Social
da USP (Bertero, 1979), nasce a Comissão Estadual de São Paulo do IBECC. Na
composição da Diretoria, o médico Raul Briquet,
125
catedrático da Faculdade de Medicina
da USP, foi escolhido presidente do IBECC/SP. Como vice-presidentes foram escolhidos
125
O paulista Raul Briquet (1887-1953), neto de diplomata brasileiro, formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro
(Bomfim, 2002). Em 1925, assumiu a cátedra de clínica obstétrica da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Em 1927,
juntamente com Franco da Rocha, Durval Marcondes e Lourenço Filho, participou da criação da Sociedade Brasileira de Psicanálise.
Em 1930, envolveu-se na criação da Sociedade de Filosofia e Letras de São Paulo, instituição da qual se originaria a FFCL (Fávero
& Britto, 2002, p. 921-924). Seu trabalho em São Paulo o projetou como um dos intelectuais da cidade tendo sido indicado em 1926
para responder o inquérito de educação elaborado por Fernando de Azevedo, redator da Folha de São Paulo. Raul Briquet foi,
também, signatário do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, em 1932 (Briquet, 2005).
134
o advogado Noé Azevedo,
126
catedrático da Faculdade de Direito da USP e presidente da
OAB/SP (1939-1965), o médico sanitarista Geraldo de Paula Souza,
127
do Instituto de
Higiene de São Paulo, e o engenheiro Paulo de Menezes Mendes da Rocha,
128
catedrático da Escola Politécnica da USP. Como secretário-geral foi escolhido Jayme
Cavalcanti,
129
catedrático da Faculdade de Medicina da USP.
Todos os membros da Diretoria são, portanto, professores catedráticos da USP,
de grande prestígio, tendo um advogado, um engenheiro e os demais médicos ligados à
Faculdade de Medicina da USP. Jayme Cavalcanti esteve diretamente envolvido nos
trabalhos preparatórios para a criação da FAPESP apenas alguns anos antes da
fundação do IBECC/SP. O presidente Raul Briquet esteve diretamente envolvido com o
movimento escolanovista, o que imprimiu ao IBECC/SP um caráter com foco na área de
ciência e educação. Compreende-se dessa forma que, ao identificar os professores da
USP como membros de uma elite científica interessada na promoção da ciência num país
periférico como o Brasil, a UNESCO encontrou no IBECC/SP uma iniciativa que se
coadunava com suas propostas ideológicas.
A sede do IBECC/SP situava-se, em seus primeiros anos, no 4
o
andar da
Faculdade de Medicina de São Paulo, embora não houvesse nenhum vínculo formal entre
o IBECC/SP e a USP. Os recursos iniciais eram bem modestos: A Faculdade de Medicina
cedeu um espaço físico para a instalação do IBECC/SP, dois secretários e um total de mil
126
Noé Azevedo nasceu em 1897, em Dores da Boa Esperança, em Minas Gerais. Em 1919, formou-se pela Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco, em São Paulo, como bacharel em ciências jurídicas e sociais. Em 1936, ocupou a vaga de catedrático em
direito penal na Faculdade de Direito de São Paulo. Noé Azevedo teve concedida a aposentadoria compulsória em 1966 (OAB-SP,
1971, p. 292).
127
Geraldo de Paula Souza nasceu em 1889, em São Paulo, formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, com doutorado
em higiene e saúde pública na Universidade de Johns Hopkins e bolsa da Fundação Rockefeller. Com o apoio da Fundação, criou o
Instituto de Higiene de São Paulo (IHSP), em 1924, introduzindo novas metodologias baseadas na profilaxia de doenças infecciosas,
no emprego de técnicas laboratoriais em microbiologia e na educação sanitária, com atividades executadas prioritariamente nos
centros de saúde e postos de higiene espalhados pelo país (Faria, L., 2007, p. 171). No pós-guerra, foi um dos fundadores da
Organização Mundial de Saúde, sendo indicado membro da comissão interina e um de seus vice-presidentes (Faria, L., 2007, p. 30).
128
O mineiro Paulo de Menezes Mendes da Rocha (1887-1967) formou-se na Escola Politécnica do Rio de Janeiro como engenheiro
civil. Seguindo os passos do pai, que dirigiu o Serviço de Navegação do Rioo Francisco, dedicou-se à área de recursos hídricos e
navais. Em 1939, prestou concurso para ingresso no corpo docente da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e, no ano
seguinte, tornou-se catedrático e diretor entre 1943 e 1947 (D’Alessandro, 1953).
129
Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti (1899-1976) formou-se pela Faculdade de Medicina de São Paulo, em 1923, onde
defendeu tese de doutorado. Estudou na Universidade de Harvard. Fez parte da elaboração do documento Ciência e Pesquisa,
trabalho básico destinado aos deputados da Constituinte paulista de 1947, sobre a necessidade de uma fundação destinada a
impulsionar a ciência e tecnologia no Estado de São Paulo, que se concretizaria com a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP), da qual foi primeiro diretor-presidente no período de 1961 a 1969 (disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jayme_Arcoverde_de_Albuquerque_Cavalcanti
, acesso em 25 mar. 2008). A
concretização da FAPESP como agência de fomento somente viria a se concretizar em 1962 pela regulamentação do artigo 123 da
Constituição do Estado de São Paulo, que, desde 1947, preceituava a aplicação de 0,5% da receita orçamentária do Estado para a
investigação em C&T (Motoyama, 1994, p. 326).
135
dólares para os gastos dos três primeiros anos.
130
Os objetivos dessa nova Comissão se
alinhavam diretamente com os objetivos da sede no Rio de Janeiro: (i) divulgar no Brasil a
obra da UNESCO, tornando o trabalho dela conhecido no âmbito internacional; (ii) enviar
à UNESCO dados e informações sobre as atividades culturais no Brasil, para que a
mesma tivesse conhecimento do que o País estava realizando em matéria de educação;
(iii) procurar realizar no Brasil o que a UNESCO fazia no campo internacional a favor da
paz e da cultura (Barra & Lorenz, 1986, p. 1971), da educação popular e da expansão da
cultura.
O relatório enviado pelo IBECC à UNESCO referente às atividades de 1950
informava que, dentre as Comissões Estaduais, as de São Paulo e Bahia eram as mais
ativas.
131
Embora não pertencente à Diretoria do IBECC/SP, José Reis teve participação
na criação do IBECC/SP (Nunes, O., 2007, p. 101). No período de 1934 a 1938, com o
auxílio da Cooperativa Agrícola de Mogi das Cruzes, José Reis organizou exposições
itinerantes para a disseminação de conhecimentos na área de agricultura. Nos artigos
Busca de talento, de 18 de abril de 1949, e Amadores, de 15 de maio de 1949, publicados
no jornal Folha da Noite, José Reis destacou a necessidade de identificação de talentos
para a ciência (Reis & Gonçalves, 2000, p. 23). Uma das ações do IBECC/SP em seus
primeiros anos seria a realização desse programa de divulgação científica.
Em 1952, Jayme Cavalcanti apresentou para a Diretoria do IBECC os planos de
ação do jovem de 25 anos, Isaías Raw, recém-formado pela Faculdade de Medicina da
USP. A proposta encaminhada ao IBECC envolvia a mudança de paradigma no ensino de
ciências: em vez de trazer pequenos grupos de alunos para tarefas de laboratório e
pesquisa, partir-se-ia para atividades dinâmicas tais como museus de ciências, clubes de
ciência, busca de talentos, distribuição de material de ensino e kits de experimentação
para os alunos, que pudessem despertar no aluno o espírito investigador e a capacidade
de raciocínio. Nas palavras de José Reis: “ambas as sugestões – concurso para descobrir
vocações e desenvolvimento de atividades científicas extraclasse encontraram
generosa guarida na seção de São Paulo do IBECC pelo então reitor da USP, prof. Miguel
Reale, no laboratório do prof. Jayme Cavalcanti, na Faculdade de Medicina. O prof. Isaías
Raw e a prof
a
. Maria Julieta Ormastroni foram as duas grandes forças concretizadoras
130
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 38, julho/setembro de 1963, p. 38/NG/9.
131
Handbook of National Commissions, Paris: UNESCO, 1950, p. 60
136
daqueles ideais, de que também participaram ativamente o prof. Paulo Mendes da Rocha
(Reis, J., 1982, p. 807; Reis, J., 1964b) e ainda: embora houvesse entre nós alguns
clubes de ciência, com outros objetivos, é fora de dúvida que a formação daqueles [...]
nasceu de dois esforços conjuntos, o da Folha de São Paulo, onde pregamos a
conveniência de formá-los, e o do IBECC de São Paulo, que tornou possível a realização
de muitos deles [...] O IBECC de São Paulo, animado especialmente pelo prof. Isaías Raw
e pela prof
a
. Maria Julieta Ormastroni, e comandado pelo idealismo de Jayme Cavalcanti
e de Paulo Mendes da Rocha, pôs em ação as duas idéias, de clubes e de feiras, e
meticulosamente elaborou instruções sobre como organizá-los” (Reis, J., 2002b).
Isaías Raw cedo manifestou interesse em reformar o ensino de modo a motivar,
especialmente em jovens do ensino de nível secundário, o interesse em ciência. Em sua
visão, caberia ao cientista o papel de protagonista neste processo: o professor e o
educador em geral tem uma importante contribuição a fazer, mas o cientista tem uma
parcela integral na educação pelo julgamento de valores e relevância da educação em
ciências(Raw, 1970, p. 12). Em um primeiro momento, o objetivo não era uma reforma
curricular, mas promover o valor da ciência como recurso capaz de ensinar os jovens a
compreender o mundo e o impacto da moderna tecnologia (Raw, 1970, pp. 11, 14), e,
para tanto, as escolas secundárias seriam o primeiro alvo.
O ensino de ciências era visto por Isaías Raw como instrumento para o indivíduo
se integrar à tecnologia do mundo moderno, algo que deveria ser atingido por todo
cidadão: a ciência permite compreender melhor o mundo e suas potencialidades, em
outras palavras, uma educação geral em ciências, de tão boa qualidade quanto for
possível fornecer. Eu diria, que uma boa educação em ciências, a alfabetização científica,
e a interpretação, podem ser ensinadas a qualquer pessoa. Por que não ensinar em áreas
da ciência que possuam relevância para sua existência e que possam auxiliar a resolver
seus próprios problemas e conflitos?
Isaías Raw citava como áreas relevantes de interesse para o leigo: saúde,
produção de alimentos, eletricidade e probabilidade. Para Isaías Raw, o método de ensino
devia, antes de simplesmente transmitir conhecimento, fazer o indivíduo pensar e
procurar mostrar os princípios balizadores da metodologia científica: na verdade, todo o
ensino de ciências deve ser realizado de um modo totalmente convincente para uma
137
criança, ao invés do método usual de se transmitir um dogma. Tome o exemplo da
existência de vermes e micróbios. Por que deveria uma criança aceitar a palavra do
professor da existência de algo tão pequeno que ela não consegue enxergar? Algo que é
apresentado para ela da mesma forma que fantasmas são apresentados às pessoas.
Será nossa sociedade atual científica? (...) Pergunte a maioria dos adultos por que eles
acreditam em coisas do tipo micróbios, ou mesmo vírus? Eles simplesmente aceitam
estas coisas do mesmo modo que nossos antepassados aceitavam os miasmas. Se em
vez deste todo eu faço uma criança montar um pequeno microscópio, e deixo que ela
descubra um verme dentro de um pulmão de um sapo (...) e leve o pequeno microscópio
para casa, ela convencerá toda sua família” (Raw, 1970, p. 112).
Esse depoimento de Isaías Raw mostra que, embora ele não fosse vinculado
diretamente ao movimento de Escola Nova, suas teses se aproximavam muito dos
principais protagonistas desse movimento, ao propor uma renovação do ensino baseada
fortemente na experimentação e no método da redescoberta: ou seja, o aluno se coloca
no papel de um cientista em ação, percorrendo seus passos para entender seus
mecanismos de solução de problemas, em vez de simplesmente decorar textos e
equações prontas, isto é, deve-se aprender fazendo”. Ao descrever as atividades dos
jovens em feiras e clubes de ciências José Reis destaca a atitude dos alunos em
redescobrir princípios e fatos científicos importantes, levados por seu espírito de
observação, sua paciência e capacidade de fazer(Reis, J., 1964b). A proposta de ensino
de ciências do IBECC/SP posiciona os alunos como se fossem físicos em potencial, uma
abordagem já existente nos trabalhos de John Dewey na publicação Como pensamos, de
1910, traduzido por Anísio Teixeira, um dos inspiradores do movimento escolanovista.
Essa mesma abordagem espresente na obra de divulgação científica de José Reis: a
criança e o jovem são cientistas em potencial, tão grande a tendência que manifestam por
entender como as coisas são e funcionam. Essa grande e natural curiosidade, que um
bom sistema educativo, consistente em todos os seus andares, aproveitaria ao máximo
em benefício do país, muitos anos tem sido literalmente asfixiada em nossas escolas
(Reis, J., 1964, p. 353).
Isaías Raw, filho de imigrantes, nasceu em um tradicional bairro judeu de São
Paulo, em 1927, ingressando na Faculdade de Medicina da USP, em 1945, com o intuito
de fazer pesquisa: meu interesse e vontade de pesquisar surgiram quase por geração
138
espontânea (Raw, 2005). O primeiro contato com a química farmacêutica se daria ao
consultar os livros de um de seus tios que era médico. Com dezessete anos começou a
dar aulas para um curso preparatório de admissão à faculdade de medicina, em uma
escola particular, o Colégio Anglo Latino (Raw, 1970, p. 7). O interesse pela bioquímica
levou-o, em 1947, ao Departamento de Química Fisiológica, no qual, estimulado pela
visão pelo chefe do Departamento Jayme Cavalcanti começou a dar aulas na faculdade
sobre uso biomédico de isótopos e ação biológica das radiações (Raw, 2006).
Empolgado com a atividade de professor, Isaías Raw iniciou em 1949 a publicação
da revista Cultus, direcionada aos professores e que continha sugestões de atividades
práticas para serem desenvolvidas nas escolas (Fracalanza & Neto, 2006, p. 131),
editado inicialmente pelo Colégio Anglo Latino (Raw, 1970, pp. 15, 77), aberto a
professores que quisessem publicar artigos relativos a experimentos científicos. Em seu
primeiro número de julho de 1949, a revista explicita sua proposta: propusemo-nos à
árdua tarefa de fundar esta revista, que pretende ser o núcleo de múltiplas iniciativas
destinadas a nos afastar da monotonia da rotina. Ao lançar a Cultus, queremos trazer por
intermédio dela, ao professor e ao aluno, material para seus cursos científicos. Aulas,
novidades, sugestões, experiências e a orientação daqueles que, na Universidade,
conhecem o problema do ensino das ciências em nosso meio”.
Figura 15 - Revista Cultus, voltado para o nível secundário de ensino e forte ênfase experimental
139
A revista Cultus tinha como diretores Isaías Raw do Departamento de Biologia do
Colégio Anglo Latino e Oswaldo Paulo Forattini da Faculdade de Higiene e Saúde Pública
da USP. Entre os primeiros números da revista encontram-se artigos relativos à química e
biologia do segundo grau, escritos por professores catedráticos da USP como Heinrich
Rheinboldt do Depto. de Química, Felix Rawitschen do Depto. de Botânica e Paulo
Sawaya do Depto. de Fisiologia Geral e Animal, todos da FFCL da USP. A revista
publicou também artigos dos professores do Colégio Anglo Latino, tais como Genroso
Concílio, Carlos Magalhães, Bernardo Samu e do próprio Isaías Raw; professores do
Depto. de Química Fisiológica da Faculdade de Medicina da USP, tais como Milton
Estanislau do Amaral, Verônica Rapp e Névio Pimenta, e professores de outros colégios
estaduais como a professora Tagea Bjornberg do Colégio Estadual Júlio Prestes de
Sorocaba em São Paulo.
Figura 16 - Isaías Raw, diretor científico do IBECC/SP (1955-1969).
Fonte: Candotti, 1998, p. 215
Em editorial de 21 de outubro de 1949, no jornal Folha da Noite”, José Reis
analisou com otimismo a iniciativa da revista Cultus, então ainda em seus primeiros
números: “A revista Cultus, produto do esforço de uns tantos mestres idealistas, decididos
a dar ao ensino de ciências naturais a objetividade que tanto lhe tem faltado e ao mesmo
tempo proporcionar nos professores a oportunidade de ampliar os seus conhecimentos e
métodos de ensino, é mais um motivo de esperanças”. Apesar das repercussões positivas
a revista enfrentava dificuldades em manter a regularidade das edições, com recursos
apenas advindos das assinaturas e a propaganda que veiculava de empresas fabricantes
de equipamentos de ensino. De novembro de 1950 a maio de 1951 a publicação da
revista foi interrompida, sendo retomada apenas após um convênio assinado com o
IBECC/SP.
140
No mesmo ano de 1949, Isaías Raw iniciou a organização de exposições de
ciência em São Paulo, conseguindo o apoio do diretor do Departamento de Cultura da
USP, Jayme Cavalcanti (Raw, 1970, p. 18). Um pouco antes, no mesmo ano tentara, sem
sucesso, o apoio da SBPC, porém a recém-criada instituição não tinha meios para sua
implementação (Raw, 1970, p. 12). Isaías Raw participara em setembro de 1949 da
reunião da SBPC realizada no salão de conferências da Biblioteca Municipal de São
Paulo onde se discutiram questões relativas ao ensino científico nos cursos de nível
secundário: batemo-nos pela necessidade urgente de um ensino prático e eficiente que,
fornecendo noções exatas de uma maneira objetiva, tirará do marasmo em que se
encontra o ensino das ciências nos estabelecimentos de ensino secundário de nosso
país”.
132
Em 1949, as leis de Mendel comemoravam o seu 50
o
aniversário. Com recursos
do Departamento de Cultura da USP e o suporte de André Dreyfus e Newton Freire Maia,
Isaías Raw organizou em agosto de 1950 uma exposição na galeria Prestes Maia em São
Paulo, sobre genética. Participaram desta exposição o Depto. de Genética da Faculdade
de Filosofia, a Seção de Genética do Instituto Agronômico de Campinas e o Depto. de
genética da Escola Agrícola Luiz de Queiroz. Em novembro de 1950, a exposição foi
exibida em Curitiba na 2
a
Reunião Anual da SBPC. No material exposto, além da parte
didática, toda explicada em termos simples, por intermédio de pranchas e esquemas,
podia-se destacar várias demonstrações das leis de Mendel, em diversos materiais, como
cafeeiros vivos, drosófilas, ervilhas, flores, milho. A demonstração de mutações foi feita,
por vários esquemas, microfotografias, flores de poliplóides, milho e sua aplicação na
agricultura exemplificada pela cana. Vários quadros e peças sugestivas exemplificando a
evolução foram expostas, inclusive um esqueleto de chimpanzé, contribuição do Museu
Nacional do Rio de Janeiro. Esquemas e peças ilustraram problemas de eugenia.
Diversos professores realizaram conferências públicas durante o evento, sobre: bases da
genética (André Dreyfus), origem das plantas domésticas (Friedrich Brieger), aplicações
na agricultura (Arnaldo Krug), eugenia (Newton Freire Maia), efeito biológico das
radiações (Isaías Raw)
133
.
132
Revista Cultus, ano I, n.3 setembro 1949
133
Revista Cultus, ano III, n.1 maio 1951, p. 28
141
Uma edição especial sobre drosófilas da revista Cultus foi preparada em novembro
de 1949 por Newton Freire Maia e Crodowaldo Pavan (Raw, 1970, pp. 18, 77) do
Departamento de Biologia Geral da FFCL da USP
134
. O chefe do Departamento André
Dreyfus, em carta enviada à Isaías Raw, elogia a qualidade da revista: a Cultus é,
atualmente um eficiente veículo para manter professores e alunos a par de conquistas
mais recentes da ciência ... divulgando com linguagem clara, os conceitos corretos da
ciência ... o último número é particularmente caro ao meu espírito porque todo ele
dedicado ao estudo de Drosophila, traz a colaboração de meu laboratório a obra de
melhoria do ensino no Brasil”.
Figura 17 - Edição especial comemorativa sobre o aniversário das leis de Mendel.
Fonte: Revista Cultus, novembro 1949, ano I, n. 3
No início dos anos 1950, as atividades de Isaías Raw se dividiam entre sua
carreira científica e as atividades no IBECC. Em 1950, Isaías Raw concluiu o curso de
medicina e dois anos mais tarde, por sugestão de Carlos Chagas Filho, a quem visitava
freqüentemente, pediu e obteve uma bolsa do recém-criado CNPq, para trabalhar no
laboratório de Severo Ochoa, em Nova York, no qual aprendeu a isolar enzimas (Candotti,
1998, p. 216; Prado, 1979, p.120). Ao voltar para o Brasil, retomou as pesquisas de
fosforilação oxidativa, tendo sido um dos primeiros pesquisadores a subfracionar a
134
Marcos Cueto analisou a ação da Fundação Rockefeller no financiamento de pesquisas na área de genética da USP nos anos 1940,
no grupo formado por Theodosius Dobzhansky, André Dreyfus, Friedrich Brieger, Carlos Krug, entre outros. A proposta inicial era
estudar as características do processo evolutivo nos trópicos, onde as variações climáticas entre as diferentes estações do ano são
menos pronunciadas. O estudo com moscas do tipo Drosophila nas florestas brasileiras demonstrou, para surpresa de Dobzhansky
uma enorme variedade de tipos de espécies convivendo em um mesmo ambiente geográfico (Cueto, 1994, pp. 151, 159).
142
mitocôndria. Constituiu e chefiou, a partir de 1954, o grupo de pesquisadores do, então,
Departamento de Química Fisiológica da Faculdade de Medicina da USP (Candotti, 1998,
p. 215), fundando o Laboratório de Enzimologia no Departamento, que iniciava pesquisas
em metabolismo celular. Jayme Cavalcanti apoiou Isaías Raw na criação do grupo de
pesquisa em bioquímica, numa época em que a área atravessava período de grande
prestígio obtido com a descoberta do DNA em 1953. Para o recém-criado laboratório de
enzimologia, Isaías Raw trouxe professores visitantes dos Estados Unidos e iniciou uma
linha de pesquisa na bioquímica brasileira, a qual formaria pesquisadores como Ricardo
Renzo Brentani, Walter Colli, entre outros.
Em 1952, a Diretoria do IBECC/SP aprovou as propostas de Isaías Raw,
destinando um orçamento anual de 500 dólares anuais, o aval da UNESCO que permitiria
conseguir o apoio da Secretaria de Educação de São Paulo e uma bibliotecária como
secretária para a organização das atividades programadas: Maria Julieta Ormastroni
(Raw, 1970, p. 17). Um dos primeiros eventos promovidos pelo IBECC/SP foi a realização
de exposições científicas e de clubes de ciência. Isaías Raw, antes de sua viagem aos
Estados Unidos, em 1952, contatara a Secretaria de Cultura Municipal de São Paulo,
solicitando financiamento para a preparação de exposições de ciências, a primeira tendo
como tema o átomo”, conseguindo um contrato que seria assinado pelo presidente do
IBECC Raul Briquet, ex-professor de Isaías Raw (Raw, 1970, p. 18). A idéia levada por
Isaías Raw à Diretoria do IBECC, em 1952, era ocupar um salão da Galeria Prestes Maia,
em São Paulo, com uma exposição a cada três ou quatro meses (Raw, 2005). Com a ida
de Isaías Raw para os Estados Unidos, o IBECC/SP designou o físico da Faculdade de
Farmácia Aristóteles Orsini
135
para a organização do evento. O presidente do IBECC/SP
Raul Briquet viria a falecer em 1953, no entanto, a programação da exposição foi mantida.
A exposição foi realizada de 4 a 31 de março de 1954, com Isaías Raw tendo
retornado dos Estados Unidos e incorporando algumas idéias de experimentos físicos
trazidos de Museus dos Estados Unidos. A exposição se dividia em duas etapas: a
primeira composta de uma rie de painéis que explicavam graficamente os conceitos
135
Aristóteles Orsini (1910-1998) fez o curso secundário no Ginásio do Estado da Capital e formou-se em Medicina, em 1933, pela
Faculdade de Medicina da USP.Freqüentou os cursos de Física e Matemática na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP, de
1943 a 1946. Em 1947 foi aprovado em concurso para Professor Catedrático de Física da Faculdade de Farmácia e Odontologia da
USP com a tese: "Isótopos Radioativos". Em 1949, na companhia de Abrahão de Moraes, Décio Fernandes de Vasconcellos,
Abraham Szulc, entre outros, fundou a Associação de Amadores de Astronomia de São Paulo (AAA) e de 1957 a 1980 foi diretor do
Planetário do Ibirapuera e da Escola Municipal de Astrofísica. Em maio de 1954 foi eleito presidente da AAA, em substituição a
Décio Fernandes de Vasconcellos. Na qualidade de presidente da AAA foi convidado pela Prefeitura de o Paulo para integrar a
Comissão do Planetário. No dia 26 de janeiro de 1957 fez a exposição inaugural do Planetário do Ibirapuera. Fonte: Varella, 2005
143
básicos, os aparelhos e os progressos mais recentes da física atômica; e a segunda parte
na qual era exposta uma série de aparelhos de física nuclear.
136
A exposição sobre o
átomo incluía experimentos com tubo de Crookes em uma sala escura e efeitos
luminescentes, alcançando um público de 50 mil visitantes em uma semana (Raw, 2005b,
p. 19) e um total de 150 mil visitantes por todo o período da exposição.
137
Um número
especial foi publicado na revista Cultus divulgando o evento
138
. O êxito do
empreendimento levou a UNESCO a patrocinar o evento o incluindo em seu programa de
exposições científicas e realizando exposições nas cidades de Buenos Aires, Rosário e
Córdoba, na Argentina, no ano seguinte (Raw, 1970, p. 19; Raw, 2005b, p. 19), atraindo
milhares de alunos.
139
As exposições programadas no Chile e Peru não puderam ser
realizadas porque o material acabou destruído em um conflito na fronteira (Raw, 2005b, p.
19).
Uma nova exposição foi programada com o título: O mundo dos micróbios. O êxito
da exposição sobre o átomo e a proximidade com os eventos comemorativos da
inauguração do parque do Ibirapuera,
140
mesma ocasião em que o IBECC realizou o
Congresso Internacional de Folclore, levaram Isaías Raw a propor a Francisco Matarazzo
financiar a construção de um Museu de Ciências de São Paulo, tornando tais exposições
científicas, até então temporárias, permanentes, no entanto, a proposta não se
concretizou (Raw, 1970, p. 20; Raw, 2005b, p. 19).
Em 14 de janeiro de 1953, foi inaugurado o primeiro de uma série de cursos de
treinamento, tendo em vista o fomento do emprego na América Latina dos métodos e
técnicas modernas de investigação científica. O primeiro curso, que tratava sobre a
metodologia e a utilização de radioisótopos na biologia”, fora organizado conjuntamente
pelo Centro de Cooperação Científica para a América Latina, o Ministério das Relações
136
Os jornais como A Noite haviam dado destaque para a aquisição pela USP de um betatron que viria a ser instalado em 1950
(Motoyama, 1979, p. 76; Esteves, 2006, p. 48). A exposição do IBECC/SP, portanto, se inseria dentro da publicidade gerada em
torno da aquisição desses novos aparelhos que viriam a formar uma geração de físicos nucleares brasileiros. Em 1952, o Simpósio
sobre Novas cnicas de Física, promovido pelo Centro de Cooperação Científica da UNESCO, realizado no Rio de Janeiro e São
Paulo, reuniu dezenas de pesquisadores brasileiros e estrangeiros (Andrade, 1999, p. 135).
137
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 11, março/abril/maio de 1954, p. 37.
138
Revista Cultus, vol. IV, n.1, 1954
139
Report of the Director General on the activities of the organization in 1955. Paris: UNESCO, 1955, p. 75.
140
O Ibirapuera começou a ser criado em 1950, por iniciativa de Francisco Matarazzo Sobrinho, conhecido como Chichilo Matarazzo,
mecenas das artes, cuja idéia era aproveitar essa grande área para a construção de um parque que servisse de sede das comemorações
do IV Centenário da Fundação de São Paulo. Em 25 de janeiro de 1954, durante os festejos, foi inaugurado o grande conjunto
arquitetônico projetado por Oscar Niemeyer, com amplas áreas verdes desenhadas pelo paisagista Burle Marx.
144
Exteriores e a USP,
141
com a participação de Isaías Raw. Um acelerador Van de Graaf
seria instalado por Oscar Sala e sua equipe no Departamento de Física da FFCL, em
1954, constituindo o início da fase de Física Nuclear experimental no Brasil (Motoyama,
1979, p. 77). Esse equipamento seria a base dos novos cursos de radioisótopos da
Faculdade de Medicina na USP (Leirner, 2007).
Um outro empreendimento do IBECC/SP foi a criação de clubes de ciência: uma
oportunidade a jovens estudantes de realizarem experimentos seguindo uma metodologia
científica sob orientação de tutores. José Reis faz referência direta aos clubes de ciência
promovidos pela Sra. Comstock e relatados em livro de 1910, Handbook of Natural Study,
sobre as excursões para observação e colheita de material para análise com participação
ativa dos alunos (Reis, J., 1968, p. 192). Segundo folhetos de divulgação de Maria Julieta
Ormastroni, as propostas dos clubes de ciência seriam: “despertar nos jovens o interesse
pela ciência; tornar os jovens mais aptos para o aprendizado das matérias científicas no
curso secundário; familiarizá-los com o trabalho de laboratório e orientá-los para a
evolução científica do mundo moderno(apud Reis, 1968, p. 314). Um desses clubes foi
implantado nas dependências do escritório do IBECC/SP, na Faculdade de Medicina, sob
a iniciativa de Isaías Raw (Raw, 1970, p. 23). A experiência, que permitia que alguns dos
tutores pudessem ser incorporados à equipe do IBECC/SP, no entanto, foi mantida
apenas por cerca de dois anos, entre os anos de 1952 e 1954 (Raw, 1965, pp. 7, 12). O
Clube tinha a supervisão do professor Leônidas Horta Macedo, técnico de Educação,
indicado pela Secretaria de Educação. Os membros do Clube de Ciências eram
diretamente orientados pelo prof. Alberto Mello do Colégio Estadual Presidente Roosevelt
em estreito contato com AristóteIes Orsini da Faculdade de Farmácia e Odontologia da
USP
142
.
Isaías Raw, embora reconhecesse o mérito de muitos desses clubes,
especialmente no interior do Estado, como os de Jaboticabal, apontava como dificuldades
o fato de tais clubes dependerem fortemente da iniciativa dos orientadores dos grupos,
que trabalhavam voluntariamente, além de representarem pouco impacto prático para um
país de dimensões continentais como o Brasil o projeto foi descontinuado, visto que vinte
jovens não é nada comparado com os objetivos que tínhamos (...)” (Raw, 1965, pp. 7, 12).
141
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 5, dez. 1952, fev. 1953.
142
Revista Cultus, 1952, vol. III, n.5
145
Os clubes de ciência, no entanto, receberiam suporte do jornal Folha de São
Paulo, nos anos seguintes por meio dos artigos de José Reis, estimulando a formação de
grupos de estudantes para elaboração de trabalhos científicos a serem expostos em
feiras de ciências locais, regionais e nacionais, mobilizando milhares de estudantes e
professores para a realização e apresentação de projetos experimentais. Segundo Maria
Julieta Ormastroni: Em 26 de julho de 1948, José Reis, em célebre artigo na Folha da
Noite ‘em busca de talentos científicos’, registra o desperdício que era feito com o
estudante brasileiro bem dotado na educação científica e faz um apelo: ‘que surjam os
cientistas de amanhã e, uma vez surgindo, recebam o apoio e a orientação necessários!’”
(Fenaceb 2006, p. 14; Reis & Gonçalves, 2000, p. 23). Grande entusiasta das feiras e
clubes de ciência, José Reis a elas se referia como uma revolução pedagógica”.
Para José Reis, a proposta dos clubes de ciência exerce importante papel como
ciência extracurricular em face da pouca disponibilidade de tempo na grade curricular
para ensinar a ciência viva, que exigiria pequenos grupos de alunos em contato com
problemas práticos, e depois uma série de discussões em torno das observações feitas”.
Nos clubes de ciência, os alunos mais interessados, orientados por professores das
escolas, poderiam empreender atividades que incluíam excursões onde os alunos
participavam ativamente e produziam relatórios com desenhos e documentação
constituída de exemplares coletados, conservados e devidamente classificados. Para
José Reis, cada clube de ciência é uma célula de alto potencial para a formação de
futuros cientistas (Reis, J., 2002; Reis, J., 1968, p. 192). Aos professores, cabe uma
liderança discreta, para não abafar as que devam surgir dentro do próprio clube entre os
jovens” (Reis, J., 1968, p. 192).
Um dos exemplos desses clubes foi o Clube de História Natural que se formou no
Colégio Estadual de Jaboticabal, cidade paulista a 500 km do litoral, em que os
participantes, motivados pelo professor de História Natural Carlos Nobre Rosa, realizavam
excursões, que culminaram com a publicação do livro Animais de nossas praias (Reis &
Gonçalves, 2000, p. 62), com apoio do IBECC/SP e de Paulo Sawaya, da FFCL. O
professor Carlos Rosa desde 1945 reunia alunos da terceira série do curso científico para
excursões de 15 dias junto às praias de São Sebastião e Praia Grande, no litoral de
Santos, para coleta de material entre os quais crustáceos, moluscos, peixes, aves,
cetáceos, etc...
146
Um dos alunos desse clube, chamado Eurico, mais tarde professor de botânica da
USP, se casaria com a filha de Maria Julieta Ormastroni. Esse aluno foi vencedor do
prêmio Cientistas do Amanhã por um trabalho original sobre o efeito dos hormônios em
peixes, que alimentava no interior de larvas (Raw, 2005b, p. 20). Outro ganhador do
prêmio Cientistas do Amanhã foi Alberto Lopes Campos, também aluno do Colégio
Estadual de Jaboticabal, por seu trabalho sobre a respiração aquática da tartaruga do
gênero Hidospi (Ormastroni, 2007). Para Carlos Nobre Rosa, certamente é muito mais
agradável e atraente nós mesmos participarmos de uma experiência do que ficar apenas
como expectadores ou como ouvintes passivos da dissertação que o professor faz sobre
a fascinante experiência científica (...) em certas matérias, que comportam um
aprendizado prático, aprendemos, realmente, praticando. aprendemos por
experiência própria. Não adianta, por exemplo, falar aos alunos sobre protozoários,
mostrando-lhes gravuras e descrevendo os processos fisiológicos desses animais. Se os
estudantes não têm oportunidade de observar, demoradamente, ao microscópio, estes
seres vivos, numa gota d’água, não terão formado uma idéia completa e perfeita deles
(Rosa, 1964, p. 387).
Figura 18 - Prancha do livro "Animais de nossas Praias".
Fonte: Revista Cultus, 1950, ano II, n. 3
Em 1960, Maria Julieta Ormastroni, com o apoio de José Reis, elabora os Clubes
de Ciência IBECC/Folhinha, nos quais crianças de 5 a 9 anos de idade realizariam
experimentos com materiais simples, tendo os trabalhos divulgados na Folhinha de São
147
Paulo, um suplemento infantil do jornal Folha de São Paulo, criado por Otávio Frias e
dirigido pela jornalista Lenita Miranda de Figueiredo. A seção de ciências da Folhinha de
São Paulo estava sob a responsabilidade de Maria Julieta e do IBECC/SP (Reis &
Gonçalves, 2000, p. 27; Ormastroni, 2007), que chegou a organizar uma escolinha
experimental (Reis, J., 1982, p. 808).
Em 1958, Isaías Raw conseguiu espaço em um programa de variedades da TV
Tupi, exibido aos domingos, mostrando experimentos de física que, de forma simples,
instigavam a curiosidade dos espectadores: comecei pela mais simples e tradicional
como enfiar um ovo duro através da boca de uma garrafa de leite (como era então
vendido) ou fazer uma lata entrar em colapso, demonstrando a pressão atmosférica. Na
semana seguinte a experiência foi repetida em centenas de escolas! Comecei a
apresentá-las sem dar explicação (obrigando professores a assistir e estar preparados na
segunda-feira para explicá-las). Tinha também quebrado outro tabu: não era
indispensável o laboratório caro e importado para fazer experiências” (Raw, 2005b, p. 19).
Isaías Raw, contudo, via um papel limitado para a televisão com meio de ensino:
eu ainda prefiro o uso da televisão como uma ferramenta para atrair o interesse em
ciência do que propriamente como dispositivo de ensino” (Raw, 1970, p. 105). Essa
experiência de divulgação de ciência pela TV, considerada pioneira por Isaías Raw, se
estendeu por oito anos e nesse período teve a programação expandida de um minuto nos
primeiros programas para meia hora nos demais. Nessa oportunidade, Isaías Raw
conhece o professor de física da USP, Antonio Teixeira Júnior, que seria seu colaborador
nas atividades do IBECC/SP e substituto na direção da FUNBEC, instituição que viria a
ser criada em novembro de 1966 (Raw, 2005b, p. 20). Isaías Raw se refere em um
relatório
143
enviado à Fundação Rockefeller de 1965 quanto à possibilidade de se produzir
programas de ensino de ciências a serem veiculados em um canal educativo do governo
na televisão (Raw, 1965, p. 13).
144
Uma experiência limitada nesse sentido foi realizada
em 1963 quando do Programa Piloto de Física promovido pela UNESCO junto ao
143
Em sua tese de livre-docência, O Professor e o Currículo das Ciências, de 1986, Myriam Krasilchik faz uma periodização da
história do ensino de ciências que se tornou paradigmática, e que se inicia com a cada de 1950, deixando de estabelecer conexões
com o movimento escolanovista dos anos 1920 e 1930. Segundo análise de Márcio Lemgruber (2005), outra lacuna importante na
literatura sobre a história do ensino de ciências é a ausência de referência aos relatórios de Isaías Raw enviados à Fundação
Rockefeller sobre suas atividades no ensino de ciências nos anos 1950, anteriores à adoção dos projetos norte-americanos da NSF.
144
A TV Educativa viria ser criada somente em 1970, ligada diretamente ao Ministério da Educação e mantida pela Associação de
Comunicação Educativa Roquette Pinto.
148
IBECC/SP, com financiamento da Fundação Ford, e que possibilitou a aquisição pela
USP de equipamento de estúdio para preparação de filmes educativos (Raw, 1965, p. 14).
A dinamização que Isaías Raw imprimiu ao IBECC/SP mostra um pragmatismo
que se chocava com os entraves de uma burocracia estatal que na sua perspectiva
paralisava as ações na área de educação: “Como afirmei em outra parte, eu brincava com
educação. Eu utilizei esta palavra porque aquilo era o meu hobby, e porque na prática eu
era considerado um intruso na área de educação pela burocracia. Por burocracia me
refiro àqueles que tinham a responsabilidade de agir. Eles raramente sequer tinham a
imaginação ou desejo de agir. Esta intromissão em questões blicas ainda é possível
mesmo numa sociedade complexa, e certamente daria mais resultados melhores do que
simplesmente reunir-se para tomar café e se queixar daquela abstração universal o
governo. Ao invés de buscar mudanças políticas ou oficiais que talvez pudessem operar
algumas mudanças na educação, eu sempre preferi evitar a perda de precioso tempo, em
anos tão críticos, e tentar implementar novas idéias. Novas idéias, ainda que objetivas e
boas são com freqüência rejeitadas. A ação fere os interesses daqueles que não agem
antes que você. Isso eu só fui aprender mais tarde” (Raw, 1970, p. 5).
Isaías Raw, portanto, terá um papel central na dinamização das atividades de
divulgação científica do IBECC/SP, assumindo uma liderança carismática engajada numa
proposta inovadora de ensino de ciências, com participação ativa nos projetos de
exibições científicas, clubes de ciência, programas de televisão, feiras de ciências,
concursos científicos e produção de kits de ciências.
145
Dessas iniciativas, todas
integradas dentro de uma mesma filosofia, as últimas três serão examinadas em maior
detalhe nas seções seguintes: as feiras de ciências, que mobilizam comunidades inteiras
em torno de projetos de experimentação científica; o concurso Cientistas do Amanhã e
sua integração com a SBPC, ambas as atividades divulgadas amplamente nos artigos
dominicais de José Reis no jornal Folha de São Paulo, escritos entre os anos de 1962 a
1967, período em que assume o cargo de diretor de redação do jornal e após sua
aposentadoria no Instituto Biológico em 1958 (Nunes, O., 2007, p. 108). A terceira
145
As ações na área de renovação do ciências de ciências empreendidas por Isaías Raw nos anos 1950 e 1960 embora não tenham
recebido o prêmio José Reis tiveram reconhecimento em sua época. Em 1968, Isaías Raw foi indicado, por intercessão do
representante brasileiro na UNESCO Carlos Chagas Filho, para suceder Albert Baez (1961-1967) na direção do Departamento de
Ensino de Ciências do organismo, porém declinou o convite (Raw, 2005b, p. 26, IBECC, janeiro de 1968, p. 12). O ex-vice-
presidente do IBECC, Carlos Otávio Flexa Ribeiro, por outro lado, foi nomeado diretor do Departamento de Educação da UNESCO
(1967-1970) por indicação de Carlos Chagas Filho (2000, p. 161). Nos anos 1960, o nome de Isaías Raw também foi cotado para a
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, mas Ulhoa Cintra foi o nome escolhido (Raw, 1970, p. 145).
149
atividade analisada nas próximas seções será a produção de kits de ciências que
transportam o projeto de divulgação científica até então desenvolvido para um outro
patamar, quando este assume aos poucos as proporções de um empreendimento
industrial.
3.2 As Feiras de Ciências
No final dos anos 1950, o IBECC/SP estava engajado numa série de atividades
de renovação do ensino de ciências: exposições científicas, programas de televisão na
rede Tupi, produção de kits de ciências e concurso Cientistas do Amanhã. Uma nova
atividade viria a se agregar a este conjunto de ações: as feiras de ciências. Segundo
Osmir Nunes o conceito de feira de ciências foi idealizado e discutido a partir de
1956/1957 por José Reis junto ao IBECC/SP (Nunes, O., 2007, p. 103). As primeiras
feiras foram organizadas por Isaías Raw e Maria Julieta Ormastroni em 1960
146
na Galeria
Prestes Maia em São Paulo, com apoio da Prefeitura e duração de 1 semana. A primeira
feira realizada em 1960, em São Paulo, reuniu 432 trabalhos de 25 escolas da capital,
tendo sido visitada por cerca de 7 mil pessoas
147
. Na mesma época, em Porto Alegre,
professores da Associação de Professores de Ciências, criada em 1958, organizaram
feiras de ciências sob a orientação do IBECC/SP (Raw, 1965, p. 11; 1970, p. 24). A
publicidade em grandes jornais viria apenas em 1962 quando José Reis assumiu o cargo
de diretor de redação da Folha de São Paulo.
Conforme depoimento de Maria Julieta Ormastroni: À noite, quando
encerrávamos a Exposição, antes de fechar o programa, havia, geralmente, conferências
do Dr. José Reis. Vinha com entusiasmo, com seus pulôveres coloridos e vibrando, falar
aos jovens expositores e ao público que, àquela hora, passava pela Galeria. Todos
sentiam entusiasmo por aquele que iniciava falando em alfabetização científica
(Ormastroni, 2007). Para a montagem dos stands, tábuas e cavaletes eram fornecidos
pelo presidente da Madeirit, o engenheiro Ruben de Mello, que também era membro da
Diretoria do IBECC/SP.
146
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 35, out. dez. 1962, p. 35/NG/10.
147
Revista Cultus, vol. VI, n.1 e 2, 1961
150
A idéia das feiras de ciências para jovens tinha origem nas feiras industriais
organizadas nos Estados Unidos desde 1828 pelo Instituto Norte-americano da Cidade de
Nova York e que no século seguinte promoveria as primeiras feiras de ciências
organizadas por estudantes (Reis & Gonçalves, 2000, p. 52; Reis, J., 1968, p. 304).
Posteriormente tais eventos passaram a ser organizados pela Federação Americana dos
Clubes Científicos, instituição que coordenava cerca de 13 mil clubes científicos
espalhados pelo país em meados da década de 1940, numa tradição que remontava
desde o início do século XIX.
148
No Brasil, com as feiras de ciências, José Reis buscava
estabelecer um diálogo entre o meio acadêmico/universitário e a sociedade, o mesmo
princípio que o motivou a criar a SBPC (Nunes, O., 2007, p. 101), ou seja, um ideal
comum une tanto a experiência de divulgação científica como o desejo de organização
institucional da comunidade científica.
Maria Julieta Ormastroni assume uma definição ampla de feira de ciências quando
a descreve como uma exposição pública de trabalhos científicos e culturais realizados
por alunos. Estes efetuam demonstrações, oferecem explicações orais, contestam
perguntas sobre os métodos utilizados e suas condições. troca de conhecimentos e
informações entre alunos e público visitante” (Fenaceb, 2006, p. 20). Uma feira de
ciências difere das exposições usuais de trabalhos escolares sob um aspecto
fundamental: a exposição é uma demonstração estática de trabalhos executados por
alunos, enquanto a feira proporciona aos jovens a oportunidade de exporem aos seus
colegas de estudo e aos outros membros da comunidade os resultados da investigação
científica que realizaram. Na feira de ciências, os autores de um projeto permanecem ao
lado do stand e ministram aulas de curta duração em que utilizam cartazes, projeções e
outros meios de comunicação. Na maioria das vezes realizam experiências para
demonstrarem como funcionam os aparelhos que construíram e como fizeram suas
descobertas. Dessa forma, as feiras estreitam o nculo entre escolas e comunidade,
além de constituírem valiosos recursos para promover o aprimoramento da educação
científica. Maria Julieta Ormastroni (2000, p. 138) aponta como vantagens das feiras de
ciência:
148
Revista Ciência e Cultura. São Paulo: SBPC, out. 1949, p. 242.
151
a) é altamente motivadora a expectativa de realizar um trabalho que
poderá ser visto e comentado por colegas, professores, parentes e
outras pessoas da comunidade;
b) durante a execução do projeto o aluno experimenta o
desenvolvimento do espírito criador, habilidade para obter
informações, treinamento no método científico;
c) a mobilização da escola para sua participação na feira faz com que
os administradores dediquem especial atenção ao aperfeiçoamento
do ensino de ciências;
d) o impacto das feiras atinge a toda a comunidade resultando daí
maior apoio dos pais e dos poderes públicos às atividades que
visam aprimorar o ensino de ciências;
e) são fontes de inspiração e conhecimento tanto para alunos como
para professores; e
f) a variedade de projetos e o dinamismo de uma feira de ciências
convertem-se em agente eficaz para elevar o nível cultural da
comunidade.
.
As feiras contribuem dessa forma para desenvolver o espírito investigador na
medida em que estimula o esforço do investigador em libertar-se das idéias pré-
concebidas, de sua capacidade em eliminar variáveis não significativas, capacitando-o a
extrair conclusões dos experimentos e fomentando tanto uma compreensão crítica da
ciência como ao mesmo tempo, adquirir a capacidade de receber críticas. Segundo José
Reis: suprem-se desse modo deficiências do ensino formal. Os mestres recebem dos
alunos um desafio tão grande como o que os próprios jovens encontram ao enfrentar os
problemas que procuram resolver. E muita relação professor-aluno se aperfeiçoa,
enquanto alunos que pareciam vadios revelam insuspeitadas capacidades, e mestres que
pareciam ausentes começam a viver os problemas dos estudantes. Várias rodas que
funcionavam mal na grande engrenagem do ensino põem-se a girar mais depressa(Reis
& Gonçalves, 2000, p. 54; Reis, J., 1968, p. 306).
As feiras de ciências logo estavam sendo promovidas em diversas cidades do
interior de São Paulo. José Reis participava como palestrante nas feiras de ciências, a
ponto de ser conhecido como caixeiro-viajante da ciência(Reis, J., 1982, p. 808; Nunes,
152
O., 2007, p. 97), além de fazer, após 1962, a divulgação no jornal Folha de o Paulo:
Durante uns quatro anos incentivamos as feiras na capital e no interior. Percorremos
dezenas de milhares de quilômetros de estrada para atingir os mais diversos e distantes
pontos do Estado, e cada uma das feiras foi por nós visitada de ponta a ponta,
conversando com todos os jovens, fazendo-lhes perguntas e sugestões, ouvindo-lhes as
explicações e animando-os tanto quanto possível. De tanto assim peregrinar, dentro e
fora das feiras, ganhamos o nome de caixeiro-viajante da ciência, que nem um outro
poderia exceder, em glória para nós” (Reis & Gonçalves, 2000, p. 51). Em 1962, sob nova
direção de Otávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, o jornal Folha de São Paulo
adotara como estratégia para ampliar a venda de jornais a utilização de uma frota de
veículos furgões próprios para distribuição do jornal pelo interior do Estado. José Reis
acompanhava essa distribuição como forma de poder estar presente nas feiras
economizando nas viagens (Nunes, O., 2007, p. 96).
As feiras de ciências mobilizavam as cidades do interior paulista. José Reis cita
dezenas de cidades com feiras realizadas no ano de 1964: Descalvado, Assis, Jaú,
Botucatu, São José dos Campos, São José do Rio Preto, Taquarituba, Limeira, Rio Claro,
São Carlos, Araçatuba, Birigui, Cravinhos, São Paulo, entre outras (Reis, J., 1968, p.
305). Na cidade de Limeira, desde de 1963, é organizada a FACIL Feira Agro Científica
e Industrial de Limeira. O projeto foi iniciativa de alguns professores e do diretor do antigo
Ginásio Camilo Castelo Branco, leitores assíduos da coluna de José Reis na Folha de
São Paulo. Nas palavras de Osmir Nunes as feiras de ciências eram ações que
envolviam cidades inteiras para um grande evento educacional e na cidade de São Paulo
era regionalizado. A base do evento consistia na apresentação de grupos de alunos sob
orientação de professores, de experiências nas diversas áreas do conhecimento. Para
que essa atividade fosse mais consistente, o que entrava em jogo eram a criatividade e a
qualidade do experimento. Havia uma mobilização sem precedentes em torno dessas
feiras. Não havia concursos, mas havia disputas. Uma disputa para agradar ao público
que acorria ao evento. Ser o mais falado. O mais festejado e comentado no jornal
(Nunes, O., 2007, p. 103).
153
Figura 19 - José Reis na II Feira de Ciências da cidade de Sorocaba, São Paulo.
Fonte: Folha de São Paulo, 19/12/1964
José Reis descreve a realização de uma dessas feiras na cidade de Descalvado e
como o acontecimento contagiou a população tornando-se um evento de mobilização de
toda a cidade: A feira de Descalvado é promovida pelo CETEC (Centro Descavaldense
de Cultura), entidade mantida pelos estudantes e outras pessoas para atividades
científicas e culturais. Os moços contam, é claro, com o apoio dos professores do Colégio
Estadual de Descalvado onde estudam e não poucos cidadãos de boa vontade. A
primeira Feira foi uma luta incerta: os jovens duvidavam de seu êxito, pois o
empreendimento era enorme e poucos na cidade sabiam o que era uma feira de ciências
querendo antes ver para crer. Os alunos fizeram verdadeiro mutirão e saiu uma feira que
a todos entusiasmou. A população e as autoridades compreenderam o valor da iniciativa
e dos jovens que se movimentaram para realizá-la. Quando veio a segunda Feira, prefeito
e vereadores deixaram para uso dos jovens o Paço Municipal que se encheram de
aparelhos de sua própria fabricação e experiências que a todos interessaram. Foi uma
revelação. Na terceira, foi preciso encontrar mais espaço e, então, o Colégio Estadual
abrigou a feira em seu edifício. Este ano repetiu-se o fato. Uma enorme multidão
aguardava diante do prédio do Colégio a entrada na Feira na noite do dia 4. Prefeito e
autoridades outras ali estavam. Quando se abriram as portas o povo todo entrou e encheu
as salas observando o que os estudantes haviam feito. Em todos os rostos um ar feliz e
154
realizado. Os jovens e alguns professores com ar de cansado mas daquele tipo de
cansaço que eu gosto de chamar feliz.
149
A feira de ciências da cidade de São Paulo se tornou em pouco tempo um grande
evento reunindo 50 mil visitantes
150
e cerca de 500 apresentadores (Raw, 1965, p. 11).
Posteriormente, secretários de Educação de outros Estados, tais como Iron da Rocha
Lima de Goiás, também se interessaram pelo evento, que acabou se espalhando por
todos os Estados do País, inclusive o Acre (Reis & Gonçalves, 2000, p. 52). Em 1963,
foram realizadas Feiras de Ciências em São Paulo, Porto Alegre e Pará.
151
Isaías Raw se
queixava que, somente após doze anos e muita cobertura na imprensa, é que o governo
federal, através do IBECC no Rio de Janeiro, despertou para a experiência das feiras de
ciências, tomando a iniciativa de organizar feiras pelos Estados, como no Rio de Janeiro,
com o suporte logístico do IBECC/SP (Raw, 1970, p. 25). Na verdade, somente com o
apoio das Secretarias Estaduais de Governo e com o suporte conferido pelos Centros de
Ciências (CECIs) vinculados ao Ministério da Educação é que as feiras de ciências
puderam ganhar uma dimensão nacional, até então restritas ao Estado de São Paulo. Na
perspectiva de José Reis, a educação é um investimento que cabe ao governo promover:
desenvolvimento pressupõe educação (Reis, J., 1968, p. 84), o que, no entanto, não
significa que o papel da educação informal, tal como representado pelas feiras de
ciências, seja uma atividade menos relevante: “em todos os níveis há, entretanto, urgente
necessidade da educação informal por todos os meios. A popularização da ciência,
quando feita corretamente, é fundamental para manter os cidadãos conscientes dos
progressos da ciência e dos problemas criados por ele(Reis, J., 1968, p. 186; Reis, J.,
1964b).
A mobilização em torno das feiras possibilitava a adesão de prefeituras municipais
que cedem espaço físico para realização do evento. O financiamento dos experimentos a
serem expostos, muitas vezes cabia aos próprios pais dos alunos. Jo Reis faz
referência em 1964 a uma lei aprovada pela Assembléia Legislativa de São Paulo, que
previa uma verba para a compra de equipamentos de laboratório nas escolas, de autoria
do deputado Raul Schwinden. Do mesmo parlamentar é a autoria de um projeto de lei
prevendo o financiamento de uma exposição anual de ciência (Reis, J., 1968, p. 310).
149
Folha de São Paulo, 11 de setembro de 1966.
150
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 37, abr. jun. 1963, p. 37/NG/8.
151
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 37, abr. jun. 1963, p. 37/NG/8.
155
Figura 20 - Reportagem de José Reis sobre as Feiras de Ciências na Folha de São Paulo de 27/12/1964
A mobilização de estudantes do ensino de nível médio em torno das feiras de
ciências estimulou as ações de outras Comissões Estaduais do IBECC. Com a criação
dos CECIs a partir de 1965, foram estimuladas nos Estados as atividades de divulgação
científica e preparação de jovens das escolas de ensino primário e secundário na
iniciação científica, por meio de inúmeras práticas, entre as quais destacam-se os clubes
e as feiras de ciências (Fenaceb, 2006, p. 13). Com o apoio do Centro de Treinamento
para Professores de Ciências do Rio Grande do Sul (CECIRS) sediado em Porto Alegre,
organizaram-se as primeiras feiras escolares ou internas, como a Feira de Ciências do
Colégio Estadual de Vacaria, realizada, em 1965, sob inspiração das feiras paulistas. Em
1967, foi realizada a Feira de Ciências do Instituto de Educação General Flores da Cunha,
em Porto Alegre, sem qualquer vinculação com feiras realizadas em outras escolas da
mesma cidade, como o Colégio Estadual Júlio de Castilhos ou o Colégio Anchieta da rede
privada. A partir de 1969, o CECIRS assumia oficialmente o controle da organização das
feiras realizadas no Estado do Rio Grande do Sul, programando feiras estaduais, a
primeira realizada em 1973 (I FECIRS), fruto do trabalho de Nelson Camargo Monte
(Fenaceb, 2006). Em 1968, a Comissão do IBECC do Estado da Guanabara organizou
156
uma feira de ciências, contando com o suporte do CECIGUA e de Maria Julieta
Ormastroni da Comissão Paulista do IBECC.
152
Em cerimônia de abertura da VII Feira de Ciências de São Paulo no ginásio
Pacaembu, em maio de 1967, o presidente do IBECC, Renato Almeida, destaca o papel
do presidente do IBECC/SP, Paulo Mendes da Rocha, e ressalta a importância das feiras:
o que vem sendo feito aqui em matéria de ensino experimental tem importância num
duplo sentido, desde logo pelo valor didático e depois pelo sentido novo em que fixa o
ensino (...) o aluno passa de espectador a ator, ela não fazer, ele faz (...) Se
necessitamos aplicar a Ciência e Tecnologia ao desenvolvimento como fator de
integração dos povos latino-americanos o início tem de ser a formação dessa mentalidade
nos jovens, por meio de estudos adequados que os capacitem para as atividades
operacionais que lhes são essenciais”.
153
A Primeira Feira Nacional de Ciências (I FENACI) ocorreu em setembro de 1969,
no Rio de Janeiro, no Pavilhão de São Cristóvão, sob iniciativa de Arnaldo Niskier, então
secretário de Estado de Ciência e Tecnologia do Estado da Guanabara no governo
Negrão de Lima, reunindo cerca de 1.600 trabalhos de todos os Estados e Territórios
brasileiros e cerca de 4 mil alunos de 2
o
grau de todo o Brasil, sob a coordenação e
patrocínio do Ministério de Educação e Cultura e o apoio de entidades governamentais
tais como as Secretarias de Educação e Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado da
Guanabara, CNPq, CNEN, IME e IBECC. O apoio governamental refletia-se nas
proporções do evento, sendo o projeto da Feira Nacional de Ciências elaborado pelo
próprio ministro da Educação e Cultura, Tarso Dutra, e aprovado pelo presidente Costa e
Silva por meio do Decreto 64.058, de 3 de fevereiro de 1969. Além da distribuição de
diversos prêmios ao vencedor da Feira Nacional de Ciência e para seu orientador, o
Serviço de Ciência de Washington oferecia uma viagem de ida e volta aos Estados
Unidos para participação na Feira Internacional de Ciências a ser realizada em 1970
(Fenaceb, 2006).
A experiência das feiras se ajustou bem à condição precária dos laboratórios das
escolas de nível secundário no Brasil, suprindo as deficiências do ensino formal e
152
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, julho de 1968, p. 39; janeiro de 1968, p. 33.
153
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1967, p. 17.
157
propondo experimentos adequados à realidade local das cidades onde eram realizados
(Reis & Gonçalves, 2000, p. 55), mobilizando a população em cidades do interior e
contribuindo para uma integração entre a escola e a sociedade. José Reis exemplifica:
numa zona canavieira, a demonstração de como funciona a indústria do álcool,
mostrando-se ao público o processo de transformação, a maqueta, se possível animada,
da indústria e finalmente, apresentando, em escala de laboratório, pelo menos algumas
das operações que se desenvolvem dentro da indústriatem o efeito de despertar grande
interesse com os aspectos locais em que a atividade do aluno pode de alguma forma
aplicar-se. “Não é de estranhar, pois, que, em muitas cidades do interior de São Paulo, as
feiras de ciências hajam conquistado invulgar importância. Mobilizam toda a população,
que entra em contato com os alunos e professores e aprende a sentir com mais interesse
os assuntos científicos e a apreciar melhor os benefícios que a ciência traz (Reis &
Gonçalves, 2000, p. 55).
São inúmeros os relatos de feira de ciências divulgados pela Folha de São Paulo.
Em setembro de 1966 foi realizada a Feira de Ciências no Instituto de Educação Stelio
Loureiro, em Birigui, São Paulo, com o apoio do diretor da escola prof. Ricardo Peruzzi.
Os estudantes esforçavam-se para explicar do melhor modo possível o princípio científico
escolhido: víamos desde uma menininha de 11 anos fritando bolinhos na própria feira,
para fazer demonstrações de fermentação até jovens com trabalhos mais elaborados,
sobre reações químicas, fenômenos físicos, galvanoplastia ou o desenvolvimento do
embrião e do feto humano”. Abram Jagle, enviado especial da Folha de São Paulo, como
representante de José Reis, diretor do jornal, foi convidado para a feira, o que mostra a
importância dos meios de divulgação para promoção do evento. Abram Jagle dirigiu uma
saudação pela dio Clube de Birigui e leu no cinema Apolo, lotado de estudantes, uma
mensagem de José Reis, que no mesmo dia estava inaugurando outra Feira de Ciências
na cidade de Socorro e não pode comparecer ao evento
154
.
A proposta de cidadania associada à divulgação de ciência torna-se clara no
depoimento de José Reis sobre uma feira promovida em uma cidade que não tinha
tratamento de água: o prefeito ouviu, a nosso lado, a explicação de uma equipe de
jovens que apreciara, numa cidade vizinha que havia implantado sistema de tratamento
de águas, a respeito da importância do tratamento e da maneira de fazê-lo. Os jovens
154
Folha de São Paulo, página 6, 1
o
caderno, 10/09/1966
158
tinham montado em miniatura de estação de tratamento, em que tudo funcionava. Dividia-
se a equipe em subequipes, uma das quais incumbida de explicar os perigos da água não
tratada, o que era feito com cartazes e demonstrações microscópicas”. Em outras feiras,
os jovens fizeram montagens de casas de pau-a-pique mostrando os riscos das mesmas
na transmissão da doença de Chagas (Reis, J., 1968, p. 312).
Esta perspectiva de cidadania está presente, portanto, tanto em Isaías Raw
quando justifica o papel da ciência para o homem comum: a ciência permite
compreender melhor o mundo e sua potencialidades (...) Por que não ensinar em áreas
da ciência que possuam relevância para sua existência e que possam auxiliar a resolver
seus próprios problemas e conflitos ?ou em José Reis: é necessário que a comunidade
esteja preparada para aceitar e entender a ciência ou os problemas que ela faz surgir.
Para que tal aconteça, não podemos limitar o estudo da ciência apenas aos que
manifestam pendor por ela, mas precisamos propiciar esses conhecimentos a todos os
estudantes, com evidentes diferenças de ênfase e situação dos problemas (Reis, J.,
1968, p. 300). A capacitação do cidadão para exercer plenamente a democracia, se alinha
com as teses educacionais de John Dewey que enxergam na educação um elemento
para transformação da sociedade.
3.3 O concurso Cientistas do Aman
Outra atividade no âmbito do IBECC/SP para a difusão da ciência foi o concurso
Cientistas do Amanhã lançado em 1957. Segundo José Reis, o concurso era inspirado
nos congêneres norte-americanos do tipo talent search que originalmente foram
organizados pela Science Service, sediada em Washington e responsável pela
organização dos clubes de ciência nos Estados Unidos, contando com o apoio de
empresas como a Westinghouse (Reis, J., 1968, p. 304). A idéia do concurso no Brasil
fora lançada por José Reis em um artigo escrito em julho de 1948 no jornal Folha da Noite
(Reis & Gonçalves, 2000, p. 23). Isaías Raw e Maria Julieta Ormastroni foram as duas
forças implementadoras de tal ideal, que também contou com a participação ativa de
Paulo Mendes da Rocha, da Escola Politécnica (Reis & Gonçalves, 2000, p. 24). Isaías
Raw conseguira o apoio da SulAmérica Seguros contatando diretamente o diretor da
159
empresa Paulo Reis Magalhães (Raw, 2005b, p. 20). O concurso contou também com o
apoio das Organizações Novo Mundo Vemag,
155
por meio de acordo assinado pelo
presidente do IBECC/SP Paulo Mendes da Rocha (Ormastroni, 2007). Posteriormente, de
1968 a 1979, foi obtido patrocínio do Instituto Roberto Simonsen da Federação das
Indústrias de São Paulo (Raw, 1970, p. 26; Reis, 1968, p. 301) e, desde então, do CNPq
(Ormastroni, 2007). O primeiro concurso Cientistas do Amanhã foi realizado em janeiro de
1958, em São Paulo, e noticiado na revista Anhembi e no jornal Folha da Manhã.
O comitê de julgamento do primeiro concurso foi constituído pelos professores:
José Reis, do jornal Folha da Manhã; Erasmo Garcia Mendes e Paulo Sawaya, do
Instituto de Biociências da USP; Walter Borzani, bioquímico da Escola Politécnica da
USP; os físicos Marcelo Damy de Souza Santos
156
e Rômulo Pieroni, do Instituto de
Energia Atômica (IEA); e Isaías Raw e Maria Julieta S. Ormastroni, do IBECC/SP. Dos
seis trabalhos classificados no primeiro concurso, pelo menos quatro de seus autores
ocupam posição de destaque na ciência nacional e, em entrevista realizada vários anos
após sua premiação, afirmaram que o concurso teve uma influência decisiva em suas
carreiras e sucessos no meio científico (Ormastroni, 2007).
O folheto de divulgação do 24
o
concurso Cientistas do Amanhã, realizado em
1981, explica as motivações que têm norteado o concurso ao longo dos anos: o que se
deseja antes de tudo é a apresentação de trabalhos originais de natureza científica. Não
basta a simples repetição de lições de livros ou a simples construção de instrumento
conhecido. Por melhor que sejam estes trabalhos representam entretanto uma mera cópia
e não um trabalho original. Deseja-se isto sim que os jovens apresentem resultados de
observações por eles feita de maneira sistemática em torno de fenômenos naturais, que
realizam experiências por eles imaginadas para esclarecer determinadas dúvidas que
descrevam algum processo novo para obtenção de um certo resultado. O Concurso
Cientistas do Amanhã embora leve em conta a qualidade do trabalho científico
apresentado não deixa de considerar o esforço que o jovem pôs na realização de seu
trabalho e ao resolver quanto a sua classificação entre os finalistas o prêmio muito
valor ao pendor que o jovem revela para pesquisa científica” (Reis, J., 1981).
155
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1960, p. 15.
156
Marcelo Damy saíra da USP, em 1956, para presidir o IEA, com o objetivo de construir um reator nuclear no país dentro do
programa Átomos para a Paz (Candotti, 1998, p. 526).
160
O lançamento do segundo concurso (1959) ocorreu na cidade do Rio de Janeiro,
no prédio do Ministério de Educação, e contou com a presença do ministro da Educação
Clóvis Salgado, do diretor do INEP Anísio Teixeira e do presidente do IBECC
Themístocles Cavalcanti,
157
além de várias autoridades, dentre as quais, João Cristóvão
Cardoso, presidente do CNPq. Naquela ocasião, foi aprovada a proposta de José Reis de
que o concurso passasse a ser realizado durante a reunião anual da SBPC (Mendes,
2006, p. 126). O concurso selecionava e premiava dez estudantes do ensino de nível
secundário, de todo o Brasil, com idade inferior a 19 anos (Raw, 1965, p. 11) pelos
trabalhos de pesquisa que apresentavam, e dois professores que se destacaram por seus
métodos de ensino, levando-os com despesas pagas à reunião anual da SBPC (Raw,
1970, p. 90), o que vem ocorrendo ininterruptamente desde a reunião da SBPC, em
Salvador, em 1959. Os três primeiros colocados ganhavam uma soma em dinheiro e
posteriormente, ao chegarem à universidade, recebiam da CAPES uma bolsa de estudos
(Raw, 1965, p. 12). Os trabalhos eram julgados por uma Comissão do IBECC (Reis &
Gonçalves, 2000, p. 62) do Ministério da Educação, da Secretaria de Educação do Estado
de São Paulo, do Conselho Nacional de Pesquisas, do SBPC e das organizações Novo
Mundo Vemag, que financiaram o concurso de 1957 a 1967.
158
Para a organização dos
concursos pelo IBECC/SP, Maria Julieta Ormastroni e a psicóloga do Departamento de
Psicologia da USP Carolina Bori tiveram papel importante. Em artigo escrito na revista
Anhembi, de 1959, José Reis queixava-se do pouco interesse do governo federal em
incentivar iniciativas deste tipo: Distante, mesmo, de atividades desse gênero tem estado
o governo (...) Tantas vezes isolado, ignora o que não poderia desconhecer (Reis &
Gonçalves, 200, p. 65).
Isaías Raw, contudo, assumiu uma postura crítica em relação ao concurso
Cientistas do Amanhã: o único problema era o que os grandes jornais e a televisão
cobriam o evento anunciando os vencedores, o que fazia a alguns deles sentirem-se
como se fossem gênios (Raw, 1970, p. 26), ou seja, a proposta de divulgação e
popularização de ciência perdia-se na visão estereotipada de que tais atividades eram
próprias de indivíduos superdotados e, portanto, distantes do cidadão comum. Isaías Raw
propôs modificar o concurso transformando-o em um congresso de jovens cientistas que
durante a SBPC apresentariam seus trabalhos, sem prêmios ou programas de TV, com a
157
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1959, p. 7.
158
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1959, p. 7.
161
oportunidade de ver como um congresso científico é realizado, no entanto, o mito
estava criado (....) (Raw, 2005b, p. 20). Este Congresso de Jovens viria a ser
implementado anos mais tarde, porém sem excluir a premiação dos candidatos
vencedores.
Figura 21 - Comissão de Julgamento do concurso Cientistas do Amanhã realizado na USP em
1972. Na 1
a
fila, ao centro, Antonio Teixeira Júnior; na 2
a
fila, Walter Coli, do Instituto de Química da
USP, ao lado de Maria Julieta Ormastroni,
Fonte: arquivo pessoal de Antonio Teixeira Júnior
O Congresso de Jovens Cientistas foi outro programa realizado pelo IBECC/SP na
área de Programas Não Formais. Quando a FAPESP iniciou seus trabalhos em maio de
1962, teve como primeiro presidente científico o prof. Warwick Estevam Kerr. Este propôs
ao IBECC/SP a criação de um programa de ciências que ajudasse os jovens a se
prepararem para o curso de nível superior. Maria Julieta Ormastroni apresentou a idéia de
um Congresso para Jovens Cientistas: alunos fariam experimentos com o auxílio de um
orientador e, depois, escreveriam uma monografia. Seriam convidados a virem, o aluno e
seu professor, a São Paulo, onde apresentariam a um público presente constituído dos
próprios estudantes, seus professores, e por professores/pesquisadores/especialistas no
assunto elegido pelos alunos. Planejado apenas para o Estado de São Paulo, acabou tal
qual o Concurso Cientistas do Amanhã, estendido para todo o território nacional, pois
houve solicitação insistente de professores e alunos de outros Estados. Ficávamos todos
alojados na Cidade Universitária por dias, à noite tínhamos sempre conferências de um
cientista, durante as quase três décadas que o mesmo perdurou(Ormastroni, 2007). O
concurso Cientistas do Amanhã e o respectivo Congresso tornam-se eventos integrados.
162
No Congresso Jovem Cientista, os estudantes classificados previamente no
concurso Cientistas do Amanhã e seus orientadores passavam cinco dias instalados no
campus da USP, mesmo os que morassem em São Paulo, onde eram recebidos pelo
reitor e podiam entrar em contato com os membros da comissão julgadora que avaliava
com eles os trabalhos, apontando eventuais falhas e sugerindo novas linhas de pesquisa;
assistir a conferências e demonstrações, visitas a laboratórios e institutos, além de
poderem travar conhecimento com vários cientistas (Reis, J., 1980). A proposta foi
expandida para outros Estados (Ormastroni, 2007; Raw, 1970, p. 27).
3.4 A produção de kits de ciências
Para alcançar uma maior difusão da ciência, o IBECC/SP, sob a iniciativa de
Isaías Raw e apoio de Jayme Cavalcanti, investiu, a partir de 1952 (Barra & Lorenz, 1986,
p. 1972), na criação de kits de ciências: um caixote de madeira com uma alça no qual
eram acondicionados os componentes de experimentos de química, acompanhados de
folheto explicando a operação do kit. O primeiro kit de química logo foi seguido dos de
eletricidade, biologia e de ciências em geral. Em 1962, vieram os módulos de
entomologia. Em 1963 estava planejado o lançamento dos kits de mineralogia, física e
matemática.
159
Com a idéia de manter o interesse dos alunos no kit, em vez de um único
folheto mostrando todos os experimentos possíveis com os kits, Isaías Raw mantinha
uma distribuição mensal de um jornal que acompanhava os kits, com novos experimentos.
Cerca de 40 meros nos três temas (química, eletricidade e biologia) foram produzidos.
Com os jornais, substituía-se a revista Cultus no papel de divulgação de experimentos
científicos (Raw, 1970, p. 29), que, porém, continuaria a ser publicada com o suporte do
IBECC/SP.
Segundo depoimento de Isaías Raw: Eu tinha um laboratório no quintal da minha
casa. Naquele tempo se comprava ácido na esquina, na loja de ferragens. Tive a idéia de
fazer algo mais organizado, que as pessoas pudessem comprar um pacote de material,
com reagentes e o que fosse necessário para trabalhar em casa, que pudesse ser
fechado e guardado. Isso existia comercialmente na Alemanha nos anos 1930. Criei
159
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 37, abril/junho de 1963, p. 37/NG/8.
163
uma mala, na verdade um caixote de madeira com uma alça. surgiram os kits de
química, de eletricidade, de biologia e até de matemática” (Raw, 2005). Muitos dos
experimentos eram inspirados em artigos publicados em jornais científicos norte-
americanos, como o Journal Chemical Education, American Society of Physiology, entre
outros (Raw, 2005b, p. 21). Com os kits a um preço acessível, podia-se errar e repetir
experimentos, fundamental no processo de aprendizagem, o que era inviável nos caros
kits de ciência importados alemães Leibold-Phywe (Raw, 2005b, p. 21), até então
utilizados.
Figura 22 - Laboratório Portátil de Química em caixa metálica.
Fonte: Revista Cultus, n. 8
Com os kits, os professores se vêem no desafio de dar explicações aos curiosos
alunos que reproduziam os experimentos, ou seja, com os kits atingiam-se os professores
por intermédio dos alunos (Raw, 1970, p. 31). Segundo Isaías Raw, quebra-se assim o
preconceito de que um laboratório de ciências somente poderia ser obtido com um alto
investimento em dinheiro (Raw, 1965, p. 14). A fabricação dos kits começou com um torno
da Escola Politécnica da USP que foi transferido para o 4
o
andar da Faculdade de
Medicina, à qual foram se agregando novas ferramentas para compor uma pequena
oficina. Os kits foram numa primeira fase construídos e distribuídos por Isaías Raw e
Maria Julieta Ormastroni, a custo zero, utilizando-se apenas da verba anual do IBECC/SP.
A estratégia de se doar às escolas os kits, como uma ferramenta didática, constitui um
elemento importante de propaganda para difusão dos kits e os futuros acordos com as
Secretarias de Educação e demais órgãos do governo.
164
A iniciativa dos kits de ciências, bem-sucedida, atraiu a atenção do Conselho
Nacional de Pesquisa. Sob a sugestão de Silvio Fróes de Abreu junto ao Conselho
Nacional de Pesquisa, foi proposta, em 1953, a liberação de verbas para que o Instituto
Nacional de Tecnologia (INT) iniciasse a construção de kits de ciências em química
voltados para os alunos de ensino de nível secundário, em face da ausência de
laboratórios nas escolas especialmente as do interior do Estado de São Paulo.
160
O apoio
do Conselho Nacional de Pesquisa seria, contudo, estabelecido diretamente com o
IBECC/SP.
Numa segunda etapa, os kits foram distribuídos às escolas públicas ou privadas,
segundo Isaías Raw a um custo nominal” (custo real dos insumos somado a uma
comissão para pagar o custo total do programa) (Raw, 1965, pp. 15, 16; Raw, 1970, p.
31), ou seja, mesmo com os acordos com os governos estaduais envolvendo cifras cada
vez maiores, em seus depoimentos Isaías Raw reitera que os projetos do IBECC/SP não
visavam ao lucro. Em 1955, o recém-eleito governador de São Paulo Jânio Quadros
(1955 a 1959) reconheceu o valor da iniciativa, adquirindo-os para, depois, doá-los a
colégios estaduais (Barra & Lorenz, 1986, p. 1972; Raw, 1965, p. 16). Isaías Raw conta
como foi o dia em que, junto com membros da Diretoria do IBECC/SP, apresentou os kits
de ciências ao governador do Estado: “um dia estávamos no escritório do governador. Ele
era uma pessoa peculiar, que lia os papéis antes de os assinar. Sua mesa estava cheia.
Eu trouxera o kit de química e o único lugar que pude encontrar para abrir o kit de
ciências era o chão. Pode você imaginar a cena, com a diretoria do IBECC solenemente
em pé, enquanto o governador de São Paulo Jânio Quadros estava agachado no chão
examinando o kit? No dia seguinte um despacho oficial anunciava a decisão: todas as
escolas devem ter este material” (Raw, 1970, p. 32).
Como resultado com os entendimentos com o governo de São Paulo, o IBECC/SP
recebeu subvenções do Governo do Estado, através do secretário Estadual de Educação
Alípio Correia Neto, professor da Faculdade de Medicina da USP e reitor da USP (1955-
1957), um orçamento de cerca de US$ 2 mil anuais (Raw, 1970, p. 32), bem como o
160
Boletim do IBECC, Rio de Janeiro, 1953.
165
suporte do Conselho Nacional de Pesquisas para realizar este programa, segundo o
IBECC do Rio de Janeiro “do maior interesse educacional”.
161
Em 1955, foi empossada uma nova Diretoria no IBECC/SP, com Paulo Menezes
Mendes da Rocha, como presidente; Eurípides Simões de Paula, como vice-presidente; e
Isaías Raw, como secretário-geral (Barra & Lorenz, 1986, p. 1972). Em exposição de
1963, o presidente Paulo Mendes da Rocha expôs os princípios básicos que nortearam o
trabalho do IBECC/SP desde o início de sua gestão
162
:
(a) Não pode haver desenvolvimento técnico científico e econômico
com um mau ensino de Ciências.
(b) O ponto fraco, e, conseqüentemente, a chave do programa, está
na Escola Média e no fim da Escola Primária.
(c) Sem liderança de cientistas de valor, é impossível executar este
programa.
(d) Reformas administrativa e legislativa seriam inúteis sem a
modificação do sistema de ensino. O essencial seria o ensino
experimental de ciências.
(e) O fundamental seria estudar, criar, produzir e fornecer, a baixo
custo, equipamento simples para o Ensino Experimental de
Ciências, permitindo que todo aluno o usasse.
Sob a nova Diretoria, para consecução de uma ação voltada ao ensino de
ciências, é contratado o pessoal de apoio constituído de educadores e professores de
física, biologia e química da USP, alocados à disposição do IBECC pela Secretaria de
Educação do Estado de São Paulo, entre os quais, Hideya Nakano (Instituto de Física da
USP), Myriam Krasilchik (bióloga formada em 1953 em história natural pela FFCL), Norma
Maria Cleffi (bióloga formada em 1952 em história natural pela FFCL), Angélica Ambrogi
(química formada em 1953 em história natural pela FFCL), Anita Rondon Berardinelli,
Rachel Gevertz, entre outros.
161
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1959, p. 6.
162
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1963, p. 16.
166
Com os acordos estabelecidos com o governo estadual, o material didático original
em ciências começou a ser produzido na forma de pequenos kits para o ensino prático
acompanhados de folhetos de instruções que permitiam aos alunos e professores
realizarem experimentos. No ano de 1955 foi desenvolvido o projeto Iniciação Científica
para a produção de kits destinados ao ensino de física, química e biologia, dirigidos a
alunos dos cursos de níveis primário e secundário (Nardi, 2005, p. 5). Mais aperfeiçoados
que os kits desenvolvidos até então, tais materiais visavam capacitar os alunos, mesmo
fora do ambiente escolar a realizar experimentos e solucionar problemas por si próprios
adotando uma atitude científica quando confrontados com problemas (Barra & Lorenz,
1986, p. 1972). Segundo Isaías Raw, o material baseado em livro de química do prof.
Connant, da Universidade de Harvard nos Estados Unidos, foi submetido à revisão para
José Reis, publicado inicialmente pela Editora Nacional e posteriormente pela UNB (Raw,
2005b, p. 23).
No mesmo ano de 1955 o IBECC/SP iniciou projeto sobre o ensino de zoologia no
curso colegial sob coordenação de Tagea Bjornberg, tomando como protótipo o estudo do
sapo. Neste curso, de caráter experimental, a proposta era a de estudar a estrutura do
sapo, sua anatomia, fisiologia, biologia e desenvolvimento. Aos colégios estaduais que
participassem do projeto, estava previsto a distribuição de Atlas aos alunos, bem como de
material de dissecação e experimentação que incluía 100 microscópios importados com
verba da Secretaria de Educação.
Neste momento, a contribuição da Fundação Rockefeller será muito importante
para a continuidade dos projetos. Uma das primeiras subvenções que o IBECC recebeu
foi da Fundação Rockefeller, que, em 1957, doou equipamentos e matéria-prima no valor
de US$ 10 mil, em apoio às atividades do Instituto (Barra & Lorenz, 1986, p. 1972). Nos
cinco anos seguintes, foi concedido um total de US$ 50 mil para a produção de material
didático
163
(Raw, 1965, p. 8; Raw, 1970, p. 33; Barra & Lorenz, 1986, p. 1972). Tais
acordos foram obtidos junto a Harry Miller Jr., diretor associado da Divisão de Ciências
Naturais da Fundação Rockefeller e principal articulador das atividades filantrópicas da
Fundação no Brasil dos anos 1940-1950 e peça-chave na concessão de recursos e
identificação de indivíduos ou grupos de pesquisa que viriam a ser beneficiados (Marinho,
2001, p. 115).
163
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1959, p. 19.
167
Harry Miller Jr. selecionava projetos de jovens cientistas promissores na área de
educação e interessou-se pelo projeto desenvolvido no IBECC/SP (Raw, 1965, p. 8).
Como aluno do segundo ano da Faculdade de Medicina, Isaías Raw conhecera Zeferino
Vaz na 2
a
reunião anual da SBPC, em Curitiba, em novembro de 1950, mantendo desde
então com ele uma boa relação (Raw, 2005b, p. 20), o que provavelmente facilitaria seu
contato com a Fundação Rockefeller. Isaías Raw conheceu Harry Miller Jr em Nova York
em 1952 ao solicitar apoio da Fundação Rockefeller às pesquisas desenvolvidas no
Departamento de Química Fisiológica da Faculdade de Medicina da USP (Raw, 2006).
O modelo de “sementes iniciais” da Fundação Rockefeller buscava apoiar
iniciativas que pudessem disseminar o modelo de ciência da instituição (Marinho, 2001, p.
5,25), e, neste sentido, Isaías Raw assume o papel de elemento empreendedor que se
encaixa no modelo propugnado pela Fundação (Marinho, 2001, p. 48). Segundo Isaías
Raw, com os recursos da Fundação Rockefeller, o IBECC/SP passou a ter uma atuação
mais organizada (Raw, 2005c) podendo dessa forma equipar a oficina cedida pela
Faculdade de Medicina da USP para a produção dos kits de ciências em escala com o
objetivo de distribuição nas escolas de nível secundário (Júnior & Raw, 1981, p.187).
Novos acordos seriam estabelecidos com os governos do Paraná, Goiás e
Ceará.
164
Paralelamente aos entendimentos com os governos estaduais, o IBECC/SP
também articularia apoio no plano federal para seus projetos, encontrando, porém,
resistência pois a questão da educação não estava inserida na agenda de governo. O
período ora analisado das iniciativas pioneiras de Isaías Raw junto ao IBECC coincide
com o período do Plano de Metas
165
de Kubitschek (1957-1960), marcado por uma
política de planejamento da industrialização no País que se punha como objetivo
prioritário em relação às medidas de estabilidade econômica (Lessa, 1982, p. 73). O setor
de educação, uma das metas do Plano, era contemplado com apenas 3,4% do total dos
investimentos inicialmente previstos e abrangia apenas a meta de formação de pessoal
técnico, no sentido de orientar a educação para o desenvolvimento. Os resultados do
Plano de Metas na área de educação foram bastante modestos em todos os níveis de
164
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 38, julho/setembro de 1963, p. 38/NG/8.
165
Muitos autores avaliam o Plano de Metas como uma das primeiras tentativas de planejamento econômico no Brasil concebidas
segundo uma técnica de programação mais avançada (Draibe, 2004, p. 132) que soube contornar os entraves de um aparelho estatal
burocrático com a criação de uma estrutura informal, paralela, eficiente em torno dos chamados Grupos Executivos de Trabalho
(Draibe, 2004, p. 228).
168
ensino, inclusive na educação de adultos (Cunha, M. V., 1991). O crescimento industrial
salientara as desigualdades, e o sistema educacional mantinha-se atrasado e
negligenciado pelas políticas de governo (Skidmore, 1988, p. 229; Romanelli, 2002, p.
206).
Apesar disso, no intuito de difundir a experiência dos kits educacionais do IBECC,
Isaías Raw, por intermédio de seus contatos pessoais e sempre se utilizando da chancela
de ser um representante de uma comissão da UNESCO, contatou o diretor do INEP
Anísio Teixeira e o diretor de Ensino Secundário do Ministério da Educação Gildásio
Amado (1956-1968), conseguindo seu apoio para difusão dos kits nas escolas (Raw,
1970, p. 40; 1965, p. 16; 2005; 2005b, p. 22). Isaías Raw mantinha contatos regulares
com Gildásio Amado e Anísio Teixeira. Em novembro de 1956, o Ministério da Educação,
seguindo o exemplo do governo paulista adquiriu 100 kits e outros materiais de eletrônica
para serem distribuídos às escolas normais do País (Barra & Lorenz, 1986, p. 1972). Em
seu orçamento de 1959, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) destinou Cr$ 1.800
para as atividades do IBECC/SP (Barra & Lorenz, 1986, p. 1972). O governo federal
prestava suporte aos programas do IBECC/SP por meio da Campanha para o Avanço do
Ensino Secundário (CADES) e do INEP.
166
Com os recursos da Fundação Rockefeller e dos contratos com os governos
estadual e federal, o IBECC/SP expandiu a fabricação dos kits de ciências, transferindo
suas instalações, até então ocupando o 4
o
andar da Faculdade de Medicina, com o apoio
do reitor Antonio Barros de Ulhoa Cintra (1960-1963), para uma antiga garagem (Raw,
1970, p. 31, 48), uma área de 1.182 metros quadrados em dois barracões pré-fabricados,
próximos ao IPT e a Escola Politécnica
167
, viabilizando a crescente demanda na produção
de material de laboratório (kits de ciências) e a seção de vendas de livros e equipamentos
(Raw, 1970, p. 49), que chegou a contar com cerca de 650 operários (Raw, 2005). O
Convênio foi assinado entre o presidente do IBECC/SP Paulo de Menezes Mendes da
Rocha e o diretor da Faculdade de Medicina João de Aguiar Pupo, em março de 1959, e
previa a construção de aparelhos para a Faculdade de Medicina da USP nos campos do
166
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 38, julho/setembro de 1963, p. 38/NG/8.
167
Essa mudança integra-se na construção de uma cidade universitária na USP sob inspiração do reitor Ulhoa Cintra de forma a
constituir um todo orgânico capaz de fundir serviços e departamentos e de fomentar o moderno espírito de unidade, inerente à
concepção científica do mundo” (Fernandes, F., 1966, p. 321). Para Luiz Antonio Cunha a cidade universitária Armando Salles de
Oliveira, na USP, foi, certamente, o caso mais pujante de enquadramento de uma universidade arcaica nos moldes urbanísticos do
capitalismo avançado” (Cunha, L. A., 1982, p. 100).
169
ensino e da pesquisa, bem como a manutenção dos existentes em troca do terreno
cedido, com vigência prevista de 10 anos.
168
Inicialmente foi ocupado o barracão que ficava próximo ao IPT e à Escola
Politécnica, com a intenção de o IBECC/SP interagir com estas duas Instituições, o que
não veio a ocorrer. Um segundo barracão foi concedido pela FUNDUSP. A proposta de
Isaías Raw para se transferir para a Cidade Universitária era promover uma maior
integração do IBECC/SP com a USP. A transferência e a ampliação das instalações do
IBECC/SP resolviam o impasse criado para dar seqüência aos compromissos assumidos
na produção de kits e treinamento de professores. Antes desta solução, o IBECC/SP
pensara na possibilidade de estabelecer um acordo com o CRPE/SP também localizado
na USP e dirigido por Fernando de Azevedo, para cessão de espaço físico para o
treinamento de professores. O CRPE/SP fez uma oferta ao IBECC/SP para incorporar a
atividade de treinamento de professores do ensino de nível primário, oferecendo um
orçamento de US$ 10 mil anuais, porém a proposta não foi concluída (Raw, 1970, p. 164),
pois segundo Isaías Raw estava claro que se o IBECC/SP fosse absorvido pelo CRPE/SP
perderia a liberdade de inovar e agir (Raw, 2005b, p. 43).
O IBECC produziu material para as Escolas Médicas de Botucatu e Campinas,
bem como material de instrumentação para a Escola Politécnica (Ormastroni, 1964, p.
418). Desde 1956, o IBECC também atuava na fabricação de equipamentos e
suprimentos para as universidades como nas demais unidades da USP nos campos de
fisiologia, farmacologia e psicologia experimental
169
(Raw, 1965, p. 40; 1970, p. 159), no
entanto muitas das demandas das faculdades eram por material e equipamento obsoleto,
o que contrariava a proposta de renovação do IBECC (Raw, 2005c). Neste sentido, o
IBECC tornou-se um fornecedor de material plástico e de vidro, material químico e
equipamento para física, química e psicologia e ciências fisiológicas (Raw, 1970, p. 162).
A linha de produtos fabricados pelo IBECC em 1962 incluía: fotocolorímetros,
densitômetros para cromatografia em papel e três aparelhos Geiger: modelo FQ-050 para
detectar partículas beta; modelo FQ-052 aparelho portátil para prospecção e geologia e o
modelo FQ-054 conectável a tensão de 110v para uso por estudantes.
170
168
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abr. 1959, p. 20.
169
Os equipamentos incluíam modelos para estudo de comportamento e para o ensino de psicologia tais como gaiolas de Skinner,
conjunto para discriminação e generalização, contador de respostas etc.
170
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 35, out. dez. 1962, p. 35/NG/10.
170
Em 1960, foi firmado um acordo entre o IBECC e a FFCL visando ao
desenvolvimento do ensino de nível secundário. O convênio de colaboração entre os dois
organismos foi assinado por Paulo Mendes da Rocha, do IBECC, e Paulo Sawaya, diretor
da FFCL, e estabelecia que o IBECC poria à disposição da Faculdade de Filosofia,
gratuitamente, a título de empréstimo, para uso nos seus diferentes departamentos
científicos, e em especial, no Departamento de Física, qualquer material didático
produzido pelo IBECC, compreendendo aparelhos, equipamentos, publicações e
instruções.
171
Na medida em que os professores formados pela FFCL se familiarizavam
com os materiais do IBECC/SP, isso se incorporava em uma estratégia de propaganda,
uma vez que muitos de seus formandos atuavam como professores de ciências em
escolas de nível secundário.
O projeto de produção de material didático do IBECC/SP assumiu uma proporção
não prevista na proposta original e que, a partir dos anos 1960, passa a ser difundida
entre os países latino-americanos. No âmbito internacional, o IBECC/SP atendeu a vários
países latino-americanos, fornecendo-lhes material científico para suas escolas.
Em agosto de 1967, realizou-se, em Montreal, o Congresso Mundial de Programas
Extra-Escolares de Ensino de Ciências, no qual o IBECC foi representado por Maria
Julieta Ormastroni, em que foram aprovados os Estatutos do Comitê Internacional de
Coordenação (CIC) para a Iniciação em Ciência e ao Desenvolvimento das Atividades
Científicas Extracurriculares, com sede em Bruxelas.
172
. Em novembro de 1967, no
encontro do CIC, em Túnis, o IBECC foi representado novamente por Maria Julieta
Ormastroni, que foi eleita a 1
a
vice-presidente do CIC.
173
Como resultado desses
encontros, foi organizado em agosto de 1968, em o Paulo, a Primeira Reunião
Regional Latino-americana do CIC, reunindo delegados do Brasil, Bolívia, Chile,
Colômbia, Guatemala, México e Uruguai. No encontro foi decidido estabelecer em São
Paulo a Secretaria Regional Latino-americana do CIC, sob a responsabilidade da
secretária executiva do IBECC/SP Maria Julieta Ormastroni.
174
171
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, jul. 1960, p. 18.
172
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1968.
173
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1968, p. 8.
174
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1969.
171
Conforme dados do IBECC, no período de 1954 a 1963, foram produzidos cerca
de 15 mil kits vendidos para cerca de 3 mil escolas de nível secundário, o que responde
por cerca de 80% da rede escolar do País
175
(Raw, 1965, p. 8). Em 1965, foram
comercializados 20 mil kits de ciências, publicados 400 mil livros didáticos, com uma
equipe de 60 profissionais (Raw, 1970, p. 43; 1965, p. 8). Em 1968, cerca de 30 mil kits
foram vendidos, o que mostra um mercado em crescimento (Raw, 1970, p. 107). Esses
números, bem como a divulgação internacional do empreendimento, marcam o sucesso
da proposta que pode evoluir com o apoio dos governos estaduais e federal, apesar de
enfrentar muitas resistências como retrata Isaías Raw isto tornou o IBECC/SP, que por
lei era uma instituição oficial federal, um tipo estranho de empresa o lucrativa, que
produzia, vendia, competia por clientes e estabelecia novos padrões para equipamentos
de ensino em ciências (...) tudo começou como uma operação exótica, que não era
considerada importante por nenhum membro do governo. Eu me recordo de um estranho
padre
176
que ensinava física. Uma vez ele disse que nós nunca produziríamos hastes de
metal para sica, comparáveis às importadas da Europa. Alguns anos após, ele corrigiu
sua declaração pública dizendo que nós poderíamos produzir as tais hastes porém a um
custo milhares de vezes superior àqueles que, é claro, viriam da Europa. Alguns anos
após, ele finalmente reconheceu que era possível produzir os equipamentos no Brasil (por
esta época a Volkswagen estava em plena operação, produzindo carros em São Paulo,
em sua segunda maior fábrica do mundo), mas que nós estávamos, é claro, selecionando
o equipamento errado, simples brinquedos que nunca ensinariam ciência! Este é apenas
um exemplo da forte oposição pública que encontramos ” (Raw, 1970, p. 40).
Segundo Isaías Raw, a produção industrial dos kits de ensino tornava-se
necessária para o IBECC/SP porque nenhuma empresa privada nacional estava pronta
para entrar no mercado, num setor que demanda uma acelerada inovação, com o
contínuo descarte de modelos, instruções e catálogos. Na verdade, a opção pela
fabricação própria dos kits, mesmo dentro de uma estrutura como a de uma Comissão da
UNESCO não adequada para esta tarefa, trata-se de uma opção de Isaías Raw, aceita
pela Diretoria do IBECC/SP, na medida em que se verifica a existência de um mercado
público para este tipo de material, bem como financiamento em grande parte público para
iniciar a respectiva produção industrial. Segundo Isaías Raw, em 1965, uma empresa
175
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1963, p. 16.
176
Isaías Raw refere-se a declarações feitas na reunião da SBPC por um professor de física de escola particular paroquial que
representava a Phywe no Brasil (Raw, 2005b, p. 23).
172
privada chegou a fazer uma avaliação do mercado brasileiro estimando vendas anuais de
1 milhão de kits de ciências. A empresa fez uma oferta para o IBECC/SP de meio milhão
de dólares, no entanto, um acordo não foi possível pois a empresa pretendia quadruplicar
o preço das unidades (Raw, 1970, pp. 107, 164). No entanto, as parcerias com a indústria
privada eram mantidas pelo IBECC/SP com freqüência, uma vez que este adquiria no
mercado nacional insumos para montagens de seus kits, tais como alguns itens feitos em
vidro e termômetros, sempre que houvesse disponibilidade de tais produtos a preço e
qualidade razoáveis (Raw, 1970, p. 42), o que contribuía para ampliar o mercado destas
empresas fornecedoras de tais insumos (Raw, 1965, p. 18).
Em 1960, o IBECC/SP desenvolveu o projeto Iniciação à Ciência para a produção
de kits destinados ao ensino de física, química e biologia, em que as atividades
experimentais constituíam parte integrante do texto, com o intuito de expôr os
fundamentos da ciência, dirigidos a alunos dos cursos de nível primário (Barra & Lorenz,
1986, pp. 1972, 1977; José, 1976) com apoio da Fundação Rockefeller, MEC (Nardi,
2005, p. 5) e pela Fundação Ford dentro das novas perspectivas curriculares abertas pela
LDB. O IBECC, em colaboração com o MEC, preparou 3 mil cópias de folhetos para as
sete primeiras unidades do curso de ciência geral e, até 1965, haviam sido produzidos
mais de 140 mil exemplares dos textos. Segundo Myriam Krasilchik: esse projeto refletia
uma nova fase do ensino, pois buscava apresentar a Ciência como um processo contínuo
de busca de conhecimentos. O que se enfatizava não eram determinados conteúdos,
mas, principalmente, uma postura de investigação, de observação direta dos fenômenos,
e a elucidação de problemas (Krasilchik, 1987, p. 16). Também com o apoio da
Fundação Ford, foram desenvolvidos a coleção Mirim (1966) com 21 kits, a coleção
Cientistas do Amanhã (1965) com 21 kits e o projeto Ciências para o Curso Primário
(1968), com quatro livros texto e quatro guias para o professor (Barra & Lorenz, 1986, p.
1976).
Outros livros produzidos pelo IBECC/SP incluíam Entomologia para Você, de
Messias Carrera; Hereditariedade Humana, de Paulo Saldanha (1963), da Faculdade de
Medicina da USP; Invertebrados: a minhoca, de Gilberto Righi (1966); Animais de nossas
praias, de Carlos Nobre Rosa (1963); Classificação Periódica de Elementos, e Reações
Químicas, de Sérvulo Folgueras Domingues (1964); Um Pouco sobre a Célula, de Renato
Basile, do Departamento de Biologia da FFCL/USP; Cores e Polarizão, de Isaías Raw;
173
entre outros (Ormastroni, 1964, p. 418). O programa de ensino de genética empreendido
por Paulo Saldanha foi apresentado por Oswaldo Frota-Pessoa na ONU, em Genebra, e
serviu como modelo para recomendações da publicação The teaching of genetics in the
undergraduate medical curriculum and in postgraduate training. A maior parte dos
materiais didáticos desenvolvidos pelo IBECC/SP na década de 1950 e 1960 era voltada
para o 1
o
e 2
o
graus, embora em meados da década de 1960 se tenha iniciado a
produção de livros para o ensino de ciências para o nível superior nas áreas de
bioquímica, fisiologia, genética, psicologia experimental e eletrônica (Barra & Lorenz,
1986, p. 1976).
Figura 23 - Livro Reações Químicas, de
Sérvulo Folgueras Domingues (1967, 2a edição)
Figura 24 - Livro Ciências para o Curso
Primário (1969)
Com a LDB aprovada somente em 1961, abriram-se novas possibilidades de ação
do IBECC/SP na produção de material didático e kits de ciências, uma vez que, com a
reforma, a matéria de ciências passa a compor o currículo de todas as séries do ginásio.
Segundo Hilário Fracalanza: Assim, a flexibilização dos currículos possibilitava a
realização de experiências educacionais. Ao mesmo tempo, os professores formados nas
Instituições de Ensino Superior, incorporados ao ensino médio, passaram a questionar os
currículos e os conteúdos tradicionais, quer devido aos novos conteúdos com os quais
haviam entrado em contato durante sua formação profissional, quer devido aos ideais
escolanovistas que se difundiam de forma privilegiada na parte pedagógica dos cursos
superiores de preparação ao magistério(Fracalanza & Neto, 2006, p. 132).
174
A reforma do ensino empreendida pela LDB de 1961 viria a buscar soluções para
a crescente demanda por educação de uma sociedade em crescente urbanização e
industrialização. O número de matrículas no ensino de nível secundário que em 1945 era
de 240 mil atinge o número de 990 mil matrículas em 1960. O crescimento da rede
escolar e do número de matrículas provocou o respectivo crescimento do corpo docente e
novos desafios quanto ao recrutamento e qualificação destes professores (Nunes, C.,
2000, p.46). Esse problema impactava diretamente a qualidade do ensino: os índices de
retenção e evasão escolar permaneciam, sendo que apenas 20% dos alunos que
ingressavam nos cursos de nível secundário conseguiam completar seus estudos. É
dentro desse cenário que se entende a tentativa do INEP de Anísio Teixeira de se equipar
as escolas de governos estaduais (Nunes, C., 2000, p. 50).
Alternativas pedagógicas de flexibilização do currículo e introdução de maior
autonomia escolar no então rígido ensino de vel secundário também foram
implementadas, antes mesmo da implantação da LDB em 1961, tais como as classes
experimentais propostas por Gildásio Amado na Diretoria de Ensino Secundário, em
1959, com o objetivo de se testar novos currículos e métodos de ensino.
177
Outras
iniciativas incluíam os ginásios industriais e os ginásios modernos na versão de Gildásio
Amado (Nunes, C., 2000, p. 53). Com a flexibilidade permitida pela LDB aos Estados, o
governo de São Paulo criou, em 1961, os ginásios vocacionais, que destacam o valor do
trabalho e grupo, a apreensão integrada do conhecimento e a descoberta da
responsabilidade social.
Os anos 1950 e 1960 são marcados por uma série de iniciativas do IBECC/SP que
visavam modernizar o ensino de nível secundário. As atividades do IBECC/SP além da
produção de material didático e fabricação de kits de ciências incluíam a participação em
congressos científicos, estando a seu cargo a Seção de Educação da Reunião anual da
SBPC; concursos científicos, como o concurso Cientistas do Amanhã, de âmbito nacional;
feiras de ciências estaduais e locais; laboratório volante para demonstrações práticas nas
escolas e programas de televisão.
178
177
Segundo Gildásio Amado, a idéia das "classes experimentais" brasileiras tem sua origem em 1957, inspirada nas "classes nouvelles"
de Charles Brunold, diretor de ensino de segundo grau na França. As "classes experimentais" envolviam a iniciativa das próprias
escolas, públicas ou particulares, animando-lhes as tendências inovadoras (Amado, 1973, p. 40).
178
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, jan. 1963, p. 17.
175
A proposta inovadora do IBECC/SP se situa, portanto, dentro das propostas
inovadoras de ensino simpáticas tanto a Gildásio Amado como a Anísio Teixeira. Na
perspectiva de José Reis a proposta do IBECC/SP tende a aposentar a pedagogia do
jarro e da baciaem que o aluno, agente passivo do processo de aprendizado recebe os
conhecimentos prontosdos professores, substituindo-a por técnicas mais ativas que
despertam o raciocínio lógico e o interesse pela ciência (Reis, 1962, p.597). Desta forma,
o IBECC/SP teve a habilidade política de transformar um projeto inicialmente com foco
apenas para a difusão da ciência na área de ensino não formal em alvo de interesse
também para a questão educacional formal nas escolas. Um trabalho paralelo do
IBECC/SP com a produção de material didático seria a organização de cursos de
treinamento de professores de nível primário, secundário, industrial e vocacional para a
familiarização com os novos projetos de ensino.
3.5 Os cursos de treinamento de professores
As atividades de treinamento de professores pelo IBECC iniciaram-se em 1954
com curtos seminários realizados em São Paulo (Raw, 1970, p. 89). Em julho de 1956,
sob a iniciativa de Paulo Mendes da Rocha e Isaías Raw, foi realizado, em São Paulo, o
Primeiro Congresso sobre Ensino de Ciências, com a participação de Carlos Chagas
Filho, com intuito de se discutir: (i) a importância social e econômica do ensino das
ciências; (ii) o ensino experimental das ciências, seu valor, suas necessidades; (iii) os
clubes de ciência; e (iv) a proposta de criação da Sociedade Brasileira dos Professores de
Ciências.
179
Em julho de 1958, em São Paulo, foi organizado um simpósio patrocinado
pelo IBECC/SP em conjunto com a SBPC em que foram estudados os temas O Ensino
das Ciências Experimentais e O problema da Escola Normal Superior para a Formação
de Professores Secundários. O Simpósio contou com a participação de Paulo Mendes da
Rocha, presidente do IBECC/SP, e de Anísio Teixeira. Nessa reunião, foi fundada a
Associação dos Professores de Ciência do Brasil, a atuar em estreita colaboração com o
IBECC,
180
tendo como diretor José Reis e conselheiros Maria Julieta Ormastroni e
Oswaldo Frota-Pessoa.
179
Arquivo pessoal de Carlos Chagas Filho, carta de Isaías Raw de 4 de julho de 1956, caixa 93, maço 1, COC/FIOCRUZ.
180
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, outubro de 1958, p. 22.
176
O IBECC/SP, em 1962, na XIV Reunião da SBPC, realizada em Curitiba, se
encarregou do programa referente à educação em que se discutiu temas relacionados ao
ensino de nível secundário de citologia e de química em geral, a introdução da
matemática moderna e a óptica em sessões presididas respectivamente por Crodowaldo
Pavan, Baeta Vianna, Laura Leite Lopes e Albert Baez. No evento, os professores Fuad
Karim e Sérvulo Folgueras apresentaram um Laboratório Itinerante, criado pelo
IBECC/SP, no qual eram realizadas demonstrações de experimentos em química às
escolas de todo o País que solicitassem sua visita.
181
Outra atividade de incentivo à
participação de professores eram os concursos Cientistas do Amanhã, que, desde 1957,
levavam dois professores às reuniões da SBPC para exposição dos trabalhos
vencedores.
Uma ação internacional realizada pelo IBECC/SP na área de treinamento de
professores, patrocinada pela UNESCO em conjunto com a UNICEF, se referiu ao
aperfeiçoamento do ensino de ciências no curso de nível primário, que consistiu em um
curso para preparar um grupo de professores primários que apresentassem novas
concepções de ensino de ciências nas escolas de nível elementar, procurando mostrar
uma visão do que seja a ciência e suas implicações na vida diária. O curso foi realizado
em 1967 com participantes da América Latina e assistência de técnicos da UNESCO.
182
No ano seguinte, foi promovido, em São Paulo, o Seminário Regional sobre o Ensino de
Ciências, com a participação do presidente do IBECC Renato Almeida, reunindo 17
países latino-americanos, sob os auspícios da UNESCO e UNICEF, com o propósito de
difundir as novas concepções no ensino de ciências empreendidas pelo IBECC/SP e
orientar o magistério primário no ensino de ciências, desde as classes iniciais.
183
Todas essas ões do IBECC/SP no treinamento de professores se inserem em
uma ação mais ampla da UNESCO no Brasil na área de educação. Como resultados da
XIV Conferência Geral da UNESCO em Paris, 1966 o IBECC conseguiu conquistas
importantes para a área de educação: a localização em São Paulo do CECTAL de cujos
preparativos participou Carlos Chagas Filho da Comissão de Ciências do IBECC; Centros
de Renovação do Ensino de Ciências em Nível Primário e Secundário e Centro de
181
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 35, outubro/dezembro de 1962, p. 35/N.
182
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1968, p. 8.
183
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1969, p. 1, abril de 1969, p. 15.
177
Preparação de Professores de Engenharia (Universidade do Paraná), Centro de
Preparação de Professores de Ensino Técnico de Grau Médio (Sergipe), designação de
especialistas em ciências básicas e em tecnologia para a UNB; auxílio de US$ 280 mil
para equipamentos da Faculdade de Ciências de Brasília; renovação do convênio de US$
1 milhão oriundo da proposta feita à XIII Conferência Geral da UNESCO de 1964 para
preparação e aperfeiçoamento de professores e supervisores de ensino de nível primário,
entre outros projetos na área educacional.
184
Na parte de assistência técnico-pedagógica, para suprir as carências de pessoal
docente e administrativo, havia sido criada a CADES dentro do conceito de queo
Ministério não deve ser executor direto de programas, mas operar através de agências e
mecanismos regionais, aos quais cumpria-lhe oferecer recursos financeiros e técnicos
para o desenvolvimento da educação, esquivando-se o órgão central o mais possível do
papel de agente imediato(Amado, 1973, p. 36). Dados de 1965 mostram que a maioria
do professorado do ensino médio (60%) não detinha diploma de nível universitário, outros
eram normalistas (20%), enquanto cerca de 20% improvisada, sem formação de qualquer
tipo (Teixeira, 1971, p. 31, 101). Cursos de orientação de professores foram
empreendidos pelo CADES, em 1955, na administração Armando Hildebrand, na forma
de cursos de férias de um mês apenas. A esse programa de treinamento inicial
associava-se o de aperfeiçoamento. O CADES também atuava na publicação do
periódico Escola Secundária. Na área de treinamento de professores, o Instituto
Tecnológico da Aeronáutica (ITA) também oferecia nos anos 1960 curso de
aperfeiçoamento de professores de física do ensino de nível secundário (PARANÁ/SEED,
2005, p. 7).
Essa experiência implementada pelo Ministério da Educação por intermédio do
CADES foi retomada em 1965, pelo diretor do Ensino Secundário do Ministério da
Educação Gildásio Amado (Fávero & Britto, 2002, p. 414-419), ao criar os CECIs,
preferencialmente ligados a universidades, localizados no Rio de Janeiro (CECIGUA),
Recife (CECINE), Porto Alegre (CECIRS), Belo Horizonte (CECIMIG), Salvador (CECIBA)
e São Paulo (CECISP) o mais ativo, coordenado por Myriam Krasilchik (1965-1978),
que trabalhava em conjunto com o IBECC/SP (Raw, 2005b, p. 26). O CECIGUA foi
184
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, jan. 1967, p. 4; abr. 1967, p. 35.
178
implantado e dirigido por Ayrton Gonçalves da Silva, colaborador do suplemento Ciência
para todos na década de 1950 (Esteves, 2006, p. 92).
Segundo Luiz Alberto Maurício (1992, p. 45) dentre as atribuições desses Centros
de Ciências encontravam-se dar assistência permanente aos professores de ciências
exatas e naturais; promover seminários, debates e conferências sobre temas relacionados
com o aprimoramento do ensino das ciências exatas e naturais; realizar cursos
destinados a aprimorar os conhecimentos dos professores e aperfeiçoar as técnicas de
ensino; estimular clubes de ciências e feiras de ciências; estimular a formação de
associação de professores de ciências; manter uma biblioteca especializada; promover
concursos destinados a premiar professores e alunos; realizar convênios com
estabelecimentos oficiais e particulares, tendo em vista o aprimoramento do ensino de
ciências; treinar professores nas técnicas de improvisação do material científico; manter
uma filmoteca especializada para o empréstimo de filmes às escolas; verificar a boa
aplicação de material científico emprestado ou doado às escolas; editar livros e periódicos
sobre o ensino de ciências; realizar inquérito sobre o ensino de ciências nas escolas do
estado”.
Oficialmente, CECISP e IBECC/SP eram entidades independentes, embora se
utilizando da mesma equipe e estando localizados no mesmo edifício. Segundo Hilário
Fracalanza (2006, p.147): na verdade durante um longo período CECISP, IBECC/SP e
FUNBEC trabalharam de forma tão harmônica que era até mesmo difícil caracterizar o
vínculo administrativo e funcional dos seus professores”. A Diretoria do CECISP é
composta de um representante do MEC, um do IBECC/SP e quatro da Universidade
representando os departamentos de biologia, química, física e educação (Raw, 1970, p.
95). Cerca de 50 mil dólares por ano foram alocados para cada Centro para o pagamento
de contratos, instalação e gastos em geral. Além do treinamento de professores, os
Centros tinham como proposta a produção e distribuição de livros texto e materiais para
laboratórios às escolas dos respectivos Estados.
Em novembro de 1966, o IBECC recebeu da Fundação Ford recursos adicionais
de cerca de 86 mil dólares para o treinamento de deres que atuariam nos CECIs. O
primeiro desses centros, o CECINE, surgiu com o apoio financeiro da Fundação Ford, que
cedeu à Universidade Federal do Recife uma subvenção de 150 mil dólares para sua
179
criação e funcionamento, dirigido pelo professor Marciolino Lins, professor de bioquímica
da Universidade Federal do Recife (Barra & Lorenz, 1986, p. 1975; Raw, 2005b, p. 26).
Por algum tempo, o CECINE, criado com o auxílio de recursos da Fundação Ford,
competiu com o IBECC/SP na produção de equipamentos de ensino de ciências, mas
logo atuou em harmonia com São Paulo (Raw, 1970, p. 93). A estrutura institucional
desses centros era variada, apenas dois não estavam ligados a universidades por razões
de política local (Raw, 1970, p. 93): o de Porto Alegre (CECIRS) e o do Rio de Janeiro
(CECIGUA) tinham vínculos com Secretarias de Governo da Educação e de Ciência e
Tecnologia, enquanto os de São Paulo (CECISP), Pernambuco (CECINE), Bahia
(CECIBA) e Minas Gerais (CECIMIG) eram ligados às universidades (Krasilchik, 2000).
A receita do IBECC/SP, em 1962, atinge a cifra de 85 mil dólares.
185
Em 1965, o
orçamento do IBECC/SP já atingia o valor de 180 mil dólares (Raw, 1965, p. 8), com lucro
de 100 mil dólares reinvestidos no ensino de ciências (Raw, 1970, p. 48), e um patrimônio
de 500 mil lares (Raw, 1965, p. 8), tendo sido treinados cerca de 2 mil professores
(Raw, 1970, p. 43). Esse grande salto no orçamento do IBECC/SP é explicado pela
introdução dos materiais didáticos de origem norte-americana produzidos pela Instituição
e que será objeto de análise na seção seguinte. Dados de 1963 mostram que as
subvenções anuais do governo Estadual de São Paulo somavam Cr$ 1.800.000,00 além
de US$ 60 mil da Fundação Rockefeller e US$ 220 mil da Fundação Ford.
186
Através de
Convênios, ou diretamente, o IBECC/SP fornece: ao Ministério da Educação, as
Secretarias de Educação de vários Estados, a faculdades, a Escolas Secundárias, a
professores e alunos, aos quais adiantam, às vezes, pequenas parcelas para aquisição
de matéria-prima. Com isso, segundo Isaías Raw, o IBECC/SP mostrou-se ao longo dos
anos 1950 e 1960 ser uma operação auto-sustentada (Raw, 1970, pp. 47, 124).
3.6 A produção de material didático de origem norte-americana
A experiência do IBECC/SP seja na produção de material didático, ou no
treinamento de professores, dentro de uma perspectiva didática de renovação do ensino
185
Boletín del Centro de Cooperación Científica. Montevidéu, n. 38, jul. set. 1963, p. 38/NG/8.
186
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1963, p. 20.
180
de ciências e ênfase na experimentação converge no mesmo sentido de outros
movimentos observados no plano internacional. No início dos anos 1960, no setor de
ensino de ciências, a ação da UNESCO que antes era pautada por objetivos humanitários
e civilizatórios passa a estabelecer uma relação direta com a questão do desenvolvimento
econômico dos países. Nessa nova perspectiva, a UNESCO procurou difundir métodos
modernos no ensino de ciências puras e aplicadas, estimulando a fabricação e a
utilização de material científico de baixo custo para o ensino elementar e médio, bem
como a qualificação de professores.
Desta forma as propostas do IBECC estão em conformidade com as diretrizes da
UNESCO para a promoção de atividades científicas e culturais, especificamente com
relação quanto a Resolução IV.1.2.311 da UNESCO (que trata da disseminação da
ciência através de exposições de ciências itinerantes e promovendo atividades fora da
escola) e Resolução IV.1.2.321 (que trata do estímulo ao aperfeiçoamento no ensino de
ciências, particularmente na educação fundamental e nas escolas primárias e
secundárias) de 1955. Albert Baez, diretor da Divisão de Ensino de Ciências da UNESCO
(1961 a 1967) destaca que o espírito crítico científico deve ser estimulado nos jovens
alunos (Baez, 1976, p. 53) o mesmo princípio que se encontra presente nos ideais do
IBECC/SP.
Segundo Albert Baez, os eventos da Segunda Guerra despertaram em muitos
cientistas dos países centrais a responsabilidade de uma ação mais ativa no ensino de
ciências e no papel que a ciência teria no bem-estar da humanidade (Baez, 1976, p. 31;
2006, p. 176). Os anos de guerra fria e a necessidade de se vencer a corrida espacial
estimularam investimentos maciços em educação em ciências em fins dos anos 1950, por
parte do governo norte-americano (Krasilchik, 2000).
Nos Estados Unidos e Inglaterra intensificou-se a necessidade de investimentos
no ensino de ciências de nível médio, em face da aparente superioridade dos soviéticos
nas ciências (Barra & Lorenz, 1986, p. 1972). Os projetos de reforma de ensino médio
norte-americano (High School), iniciados nos Estados Unidos em fins dos anos 1950,
entre os quais o Physical Sciences Study Committee (PSSC), o Biological Sciences
Curriculum Study (BSCS), o Chemical Bond Approach (CBA), o School Mathematics
181
Study Group (SMSG) financiados pela National Science Foundation (NSF), exerceram um
efeito catalítico sobre diversos outros países, entre os quais o Brasil.
187
Nos Estados Unidos, um grande incentivador dos projetos do NSF junto ao
governo John Kennedy foi Jerrold Zacharias, professor do Departamento de Física
Massachussetts Institute of Technology (MIT), que participou das pesquisas para o
desenvolvimento do relógio atômico de césio e um dos diretores do projeto Manhattan.
188
O PSCC teve origem nos Estados Unidos, em 1956, com uma doação da NSF, que
financiou a maior parte do projeto, e que também recebeu aporte de recursos da
Fundação Ford e da Fundação Alfred Sloan. O curso de física do PSSC é o resultado das
pesquisas de centenas de colaboradores, entre os quais: Jerrold Zacharias, Philip
Morrison e Francis Friedman do MIT. Nos Estados Unidos, o projeto iniciado no ano letivo
de 1957-1958 envolveu apenas oito escolas 300 estudantes, elevando-se no ano letivo de
1959-1960, para quase 600 escolas e 25 mil alunos, o que permitiu a revisão do curso à
luz dessa experiência (Killian Jr., 1964, p. 422). A proposta original de que os próprios
alunos montassem os kits de experimentação foi abandonada e foi adotado o uso de kits
de preço acessível (Haber-Schaim, 2006, p.6). A primeira edição comercial do PSSC
Physics surgiria em 1960. A adesão ao projeto cresceu exponencialmente, atingindo, no
ano letivo de 1963-1964, cerca de 4 mil escolas e 160 mil alunos. Cerca de 20% dos
alunos de escolas de nível secundário norte-americanas cursando física utilizavam-se do
material PSSC (Gevertz, 1962, p.30).
187
Na Inglaterra, a Fundação Nuffield também financiou projetos de ensino em química, física e biologia (Barra & Lorenz, 1986, p.
1973). O projeto, iniciado em 1962, voltado a alunos de 14 a 16 anos de idade, visava criar instrumentos que ajudassem os
professores a apresentar a ciência de forma viva, agradável e compreensível, encorajando uma atitude de curiosidade e investigação.
Em 1965, a mesma Fundação Nuffield formou outro grupo para estruturar o curso de biologia em nível avançado para alunos de 16 a
18 anos de idade. Embora os sistemas escolares inglês e norte americano sejam diferentes, fundamentalmente os objetivos dos dois
projetos são os mesmos (Krasilchik, 1972, p. 5).
188
http://www.answers.com/topic/jerrold-zacharias.
182
Figura 25 - Livro texto do PSSC nos Estados Unidos, 1956. Ao lado, Uri Haber-Schaim, ao
centro, recebe dos diretores da editora Heath exemplar comemorativo da milionésima cópia vendida.
Fonte: http://libraries.mit.edu/archives/index.html, HABER-SCHAIM, 2006
No período de 1952 a 1960, a NSF investiu cerca de US$ 13,5 milhões nos
projetos, alcançando a cifra de US$ 16 milhões no ano de 1966. Cerca de 200 mil alunos
nos Estados Unidos utilizaram o material do PSSC (física), que começou a ser distribuído
em 1960; 580 mil alunos, o material do BSCS (biologia); que começou a ser distribuído
em 1963; 210 mil alunos, o CHEMS (química), que começou a ser distribuído em 1963; e
cerca de 1 milhão e 350 mil alunos, o projeto SMSG (matemática), que teve a distribuição
iniciada em 1960 (Baez, 1976). Entre as principais características de tais projetos
destacam-se:
(i) cientistas de renome, inclusive detentores de prêmios Nobel,
estiveram envolvidos nos projetos;
(ii) os projetos eram orientados pelo conteúdo, ou seja, os
cientistas definiam os temas a serem cobertos pelos
projetos;
(iii) os projetos eram centrados em disciplinas, mantendo as
divisões tradicionais entre física, química, biologia, etc.;
(iv) havia uma tentativa de apresentar os temas como abertos à
investigação e ao questionamento e não como um corpo
definido de conhecimento;
(v) havia grande ênfase a práticas laboratoriais e experimentais;
(vi) envolviam o desenvolvimento de novos materiais de ensino
e de laboratório;
183
(vii) incluíam treinamento de professores; e
(viii) eram voltados para o aluno do ensino de segundo grau.
No Brasil, o padrão rígido da LDB na época em vigor estabelecia um programa de
ensino uniforme para todas as escolas do País (Raw, 2005b, p. 22) e tornava a adoção de
tais projetos da NSF no Brasil de difícil aplicação. Entretanto, com a nova LDB, Lei 4024,
de 21 de dezembro de 1961, ampliou-se bastante a participação das ciências (física,
química e biologia) no currículo escolar, que passaram a figurar desde o ano do curso
ginasial. Com a lei recém-aprovada, garantiu-se a equivalência de todos os cursos de
nível médio (Cunha, L. A., 2003, p. 171) e abriram-se novas oportunidades para
descentralização na elaboração de currículos, até então inteiramente da competência do
MEC (Bertero, 1979, p. 63; Nunes, C., 2000, p. 56). Com a nova LDB revogam-se a
obrigatoriedade de adoção dos programas oficiais, possibilitando mais liberdade às
escolas na escolha dos conteúdos a serem desenvolvidos e assim tornando possível ao
IBECC/SP promover a adaptação dos projetos da NSF com o suporte da Fundação Ford
(Nardi, 2005, p. 5; Barra & Lorenz, 1986, p. 1973).
Em 1956, Isaías Raw entrou em contato com os primeiros projetos do NSF em
Indiana, nos Estados Unidos, ao visitar Francis Freedman, do Educational Service Inc.
uma entidade não lucrativa que emergiu do projeto PSSC (Raw 2005b, p. 23; 1965, p.
19). Freedman havia sido destacado para vir a São Paulo em missão da Fundação Ford,
porém algum tempo antes adoeceu e veio a falecer (Raw, 1970, p. 51). Em julho de 1959,
uma comissão liderada por Alfred Wolf em visita ao Brasil mostrou-se impressionada com
o ritmo de desenvolvimento industrial do Brasil, e a existência de problemas na área
educacional e de recursos humanos necessários para a modernização e reorganização
das instituições políticas e administrativas, manifestando o interesse de montar um
programa de assistência técnica à América Latina (Herz, 1989, p. 104). Os contatos de
Isaías Raw com a Fundação Rockefeller nos Estados Unidos levaram a conhecer Alfred
Wolf, em Nova York, ao qual informou as atividades do IBECC/SP (Raw, 1970, p. 33). A
Fundação Ford decide, então, enviar os cientistas americanos Arthur Rose, da American
Chemical Society e da National Science Foundation (Raw, 1965, p. 9) e Paul Singe da
Indiana University para conhecer projetos na área de educação no Brasil. Após visitarem
a XII Conferência da SBPC em Piracicaba, em julho de 1960, eles conheceram as
atividades do IBECC/SP. Ao visitarem escolas de diversas cidades brasileiras, os
184
representantes da Fundação Ford puderam observar a penetração dos materiais
produzidos pelo IBECC/SP. A estratégia da Fundação Ford era a de estabelecer contatos
com instituições ao invés de trabalhar com órgãos governamentais (Miceli, 1995, p. 349).
Em 1961, viria o apoio de US$125 mil para o IBECC/SP (Raw, 1965), para projetos de
distribuição dos kits, por meio de órgão estatais, e a venda ao público, treinamento de
professores de ciências e a distribuição de material didático elaborado nos Estados
Unidos (Barra & Lorenz, 1986, p. 1973).
O projeto PSSC constava de livro texto ricamente ilustrado, uma série progressiva
de livros intitulada Science Studies Series, manual de experiências, manual do professor
e material de apoio. Os objetivos do curso incluíam: (i) apresentar a física não como um
conjunto de fatos, mas como um processo contínuo, pelo qual se tem procurado
compreender e explicar a natureza do mundo físico; (ii) dar ênfase às idéias fundamentais
da física, possibilitando ao estudante acompanhar o nascimento, o amadurecimento
destas idéias e, por vezes, a sua invalidação; (iii) proporcionar ao aluno participar da
redescoberta deste conhecimento científico; (iv) estimular os alunos especialmente
dotados a desenvolver por iniciativa própria pesquisas interessantes; e (v) apresentar um
projeto-guia, elaborado pensando no professor que vai executá-lo (Gevertz, 1962, p.30).
A tarefa de implantação do PSSC envolvia a preparação, adaptação e tradução
dos livros textos, preparação do material de laboratório para realização dos experimentos
e treinamento de professores. O projeto PSSC foi lançado em 1962, sob a coordenação
de Antonio Teixeira Júnior e Anita Berardinelli. Os textos do PSSC eram traduzidos por
equipes de professores universitários como Pierre Lucie, Rachel Gevertz, Rodolpho
Caniato, Antonio Navarro e Anita Berardinelli (Nardi, 2005) e publicados pela Editora
Universidade de Brasília. O projeto contou com o apoio da União Pan-americana,
precursora da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Fundação Ford (Raw,
1965, p. 20; 1970, p. 53). Sob a coordenação de Antonio Teixeira Júnior, o PSSC foi
utilizado no curso de treinamento de professores da USP, ao passo que, no Rio de
Janeiro Pierre Lucie, introduziu os materiais nos cursos da Universidade Católica (Raw,
1965, p. 21). O guia do professor foi traduzido e adaptado pelas equipes do IBECC/SP e
do Centro de Treinamento de Professores de Ciências de São Paulo (CECISP) (Barra &
Lorenz, 1986, p. 1974). Entre 1964 e 1971, foram publicados no Brasil mais de 400 mil
exemplares dos quatro volumes do PSSC (Barra & Lorenz, 1986, p. 1974).
185
Na biologia foi adotado o projeto BSCS, versões verde (ecologia) e azul
(bioquímica), sob a coordenação de Myriam Krasilchik. A origem do BSCS data de 1959,
na Universidade do Colorado, em Boulder, nos Estados Unidos, quando foi realizada uma
primeira reunião, sob o patrocínio da American Institute of Biological Societies, para a
reforma e a constante renovação do ensino de biologia, com financiamento do NSF
(Bertero, 1979). Segundo o geneticista Bentley Glass, presidente da Comissão Diretora
do BSCS uma deficiência do ensino de biologia tradicional era considerá-la um corpo de
conhecimentos imutáveis sem observar as limitações e o caráter dinâmico da ciência, e
que “somente palmilhando o caminho da pesquisa pode um estudante tornar-se capaz de
discernir a verdadeira diferença entre um experimento seguro, que produz evidência
fidedigna, e um malabarismo técnico feto com instrumental complexo que não conduz a
nada; entre os fatos e a autoridade; entre a ciência e a magia” (Glass, 1964, p. 361).
Para Bentley Glass, uma reforma no ensino deveria tomar a ciência como o miolo
do currículo moderno”, infundindo o método científico nas demais matérias, sem, contudo,
se excluir os demais campos do conhecimento: o miolo da maçã certamente não é a
maçã inteira. Todavia ele sentido ao resto da maçã nele estão as sementes sem as
quais em estado da natureza não haveria mais macieiras e não haveria mais maçãs
(apud Reis, J., 1968, p. 178). Para Oswaldo Frota-Pessoa, o que fez do BSCS um
movimento absolutamente único na história da educação foi a amplitude de sua frente de
combate, sua confiança no método cooperativo de trabalho e sua produção maciça de
material didático do melhor nível, testado e retestado em classes reais antes de sua
adoção definitiva” (Frota-Pessoa, 1964, p. 426).
Albert Baez aponta que o BSCS foi o projeto que mais propiciou a participação de
professores de outros países fora dos Estados Unidos, envolvendo mais de 50 países,
resultando na produção de 45 versões nacionais do BSCS. Isso explica por que de todos
os projetos (física, química, matemática etc.) a biologia era o tema mais propenso à
necessidade de adaptações em cada país, para que se adequasse a fauna e flora locais e
conseguisse algum tipo de penetração no meio escolar (Baez, 1976). Em 1961, o
IBECC/SP decidiu incorporar a adaptação do projeto BSCS. De início foi decidido elaborar
três versões de um curso de biologia para alunos de 2
o
grau, as quais foram chamadas de
versão azul”, que analisava a biologia do ponto de vista da bioquímica; versão verde”,
186
um ponto de vista ecológico, e versão amarela”, do ponto de vista dos organismos. O
projeto da versão azulfoi preparado em dois volumes: o primeiro publicado em 1965 e o
segundo em 1966 (Krasilchik, 1972, p. 13). No período de 1965 a 1972, aproximadamente
209 mil exemplares do volume 1 do BSCS versão azule 115 mil exemplares do volume
II foram também publicados no Brasil (Barra & Lorenz, 1986, p. 1974). Um estudo de 1969
mostra que aproximadamente de 50% a 60% de uma amostra de professores de São
Paulo declararam usar o BSCS versão azul”, em seus cursos (Barra & Lorenz, 1986, p.
1974).
Figura 26 - Biologia (Parte I) - Das
Moléculas ao Homem - I Autor: BSCS, tradução:
Myriam Krasilchik, Norma Maria Cleffi, EDART,
1966
Figura 27 - Biologia Versão Verde (Vol. I)
Autor: Norma Maria Cleffi (Coord.), EDART,
1972
Na área de matemática foi introduzido o SMSG, que iniciou no Brasil a
matemática moderna” centrada na teoria dos conjuntos (Raw, 2005b, p. 24), sob a
coordenação de Lafayette de Moraes (Raw, 1970, p. 57). O texto traduzido foi o
Mathematics for High School, que havia sido publicado pela Yale University Press, em
1961 (Bertero, 1979, p. 63). O SMSG reuniu um pequeno grupo de educadores norte-
americanos convocados em 1958 pela American Mathematical Society e coordenados
pelo prof. E. Begle, da Universidade de Yale, com o intuito de aperfeiçoar o ensino de
matemática nas escolas (Lamparelli & Moraes, 1964, p. 419).
187
Figura 28 – Matemática Curso Colegial (Vol. 1) School Mathematics Study Group, tradução de
Lafayette de Moraes, Lydia C. Lamparelli , EDART 1967
Na área de ciências da terra foi introduzido o ESCP, publicado pela American
Geology Society. Para a coordenação desse projeto, o IBECC/SP tentou inicialmente
professores do Norte do País, porém, sem sucesso. O projeto foi coordenado por Nabor
Ricardo, da USP (Raw, 1970, p. 58).
Na química, em 1963, foi inicialmente adotado o projeto CBA, sob a coordenação
de Ernesto Giesbrecht, professor de química da USP, e, posteriormente, o Chem Study
Chemistry (CHEM), em 1966 (Barra & Lorenz, 1986, p. 1974), um projeto mais simples,
sob a coordenação do prof. H. Weiss, do ITA. Ernesto Giesbrecht e o subsecretário do
IBECC visitaram o Lebanon Vally College, o Earlhang College e o Kenyon College para
conhecer o CBA na prática. O CBA foi um projeto iniciado nos Estados Unidos, em 1957,
no Reed College de Princeton, no estado de Oregon. O tema central do projeto era o
conceito de ligação química como uma associação elétrica que podia manter toda a
matéria coesa. Nos livros do CBA, a natureza da ligação química era explicada por meio
de conceitos recém-interpretados da mecânica quântica, como o conceito orbital, nível e
subnível de energia, além de abordar os aspectos termodinâmicos das reações químicas
de um ponto de vista mais teórico, no qual o conceito de entropia era introduzido de modo
qualitativo. Os livros do CBA foram traduzidos para o português por Astrea e Ernesto
Giesbrecht e Dietrisch Schulz, da FFCL, com a participação de Alaôr Ferreira, membro do
IBECC, e distribuídos nas escolas públicas pela Comissão do Livro Técnico e do Livro
Didático (COLTED) (Neto, 2003, p. 204). As traduções das edições preliminares foram
preparadas em janeiro de 1963, e um curso de verão foi realizado em São José dos
188
Campos, no ITA, apenas para brasileiros, tendo como palestrantes Ted Benfey e E.
Knutson (Raw, 1965, p. 24; 1970, p. 56; 2005, p. 24, Giesbrecht, 1964, p. 424).
Figura 29 - Texto Chemical educational material study, com tradução de Anita Rondon
Berardinelli publicado em 1967 pela EDART
Com o CBA, calorímetros e outros equipamentos foram disponibilizados às
escolas, bem como uma impressão de uma tabela periódica pela primeira vez realizada
no Brasil e na América Latina: um indício notório da baixa qualidade dos livros de química
anteriores ao CBA (Raw, 1965, p. 24; 1970, p. 56). Nas palavras de Ernesto Giesbrecht:
o ensino baseado na simples citação de fatos pode contribuir para o desenvolvimento da
memória; não ensina, no entanto, o aluno a pensar inteligentemente sobre os fatos
aprendidos. Quando se sabe que o número de novas publicações sobre trabalhos
científicos vem crescendo continuamente, chegando a atingir o dobro a cada treze anos,
pode-se fazer uma idéia mais precisa da rapidez com que o simples conhecimento de
fatos, como ainda hoje se aprende nas escolas secundárias, se torna obsoleto. O principal
mérito do CBA é o de conduzir os alunos a pensar sobre os fatos, em lugar de apenas
memorizá-los” (Giesbrecht, 1964, p. 424).
Isaías Raw em seu depoimento realizado em 1970 mostra que o IBECC/SP tinha
como planejamento introduzir projetos também na área de ciências sociais etc., o que não
chegou a ser implementado: por que não podemos tratar as ciências sociais com os
mesmos métodos das ciências exatas? por que não orientar o estudante a agir de forma
objetiva e buscar a verdade? Estou certo que isso foi pensado antes, mas talvez isto
189
simplesmente não tivesse sido possível, da mesma forma que não é possível neste
momento no Brasil” (Raw, 1970, p. 65).
Isaías Raw enumera a série de dificuldades que precisariam ser vencidas para o
êxito do empreendimento de implantação dos projetos da NSF no Brasil: nós tínhamos
um programa de treinamento de professores muito limitado, a maioria restrita ao sul do
País. Tínhamos uma experiência de produção/vendas limitada, que precisaria ser
incrementada para fornecimento de uma maior variedades de itens. nhamos poucos
funcionários. Havia apenas alguns poucos jovens professores trabalhando conosco e um
compromisso limitado de parte de nossos colegas universitários. Tínhamos limitados
recursos financeiros. As autoridades do governo não tinham noção do alcance da
proposta e era inútil qualquer tentativa de explicar-lhes. A indústria educacional era
limitada a editoras de livros” (Raw, 1970, p. 52).
Os interesses de Isaías Raw como cientista empreendedor alcançam o mercado
editorial de livros, em face da perspectiva do grande projeto em torno da produção de
material didático do NSF. Era preciso encontrar soluções que viabilizassem o projeto em
virtude das grandes demandas de produção de livros didáticos que emergiriam com o
projeto, da mesma forma que a incorporação dessa atividade sob o controle do IBECC/SP
permitiria a instituição ingressar em um novo patamar financeiro. Segundo Isaías Raw, os
editores comerciais brasileiros tinham pouco interesse em publicar livros didáticos (Raw,
1970, p. 52).
A Editora da USP (EDUSP) fora organizada por uma Comissão presidida por
Jayme Cavalcanti, da qual participara Isaías Raw, e aprovada pelo Conselho Universitário
da USP em abril de 1962, com o suporte do reitor Ulhoa Cintra e se constituiria a primeira
alternativa para a produção das novas publicações do IBECC/SP (Raw, 1965, p. 28).
Nessa época, Isaías Raw e Paulo de Camargo e Almeida dividiam a diretoria executiva da
editora. Em 1963 de um total de dezoito livros publicados pela EDUSP treze títulos foram
realizados em co-edição com o IBECC/SP. Nestes primeiros anos faltava à EDUSP uma
política editorial e as co-edições tornaram-se a regra geral na editora, superando de longe
o de edições próprias. Segundo Plínio Martins Filho: o empirismo reinava absoluto e as
coisas poderiam desandar. Como de fato desandaram” (Filho, P. M., 2001, p. 22).
190
Contudo, com a saída de Ulhoa Cintra da Reitoria da USP, em 1963, a
Universidade dirigida pelo novo reitor Luis Antonio da Gama e Silva
189
(1963-1969)
destituiu em setembro de 1964 a Comissão da qual faziam parte Isaías Raw e Paulo de
Camargo e Almeida e nomeou como novo diretor da EDUSP o ex-diretor da Faculdade de
Filosofia Mario Guimarães Ferri, que passou a subsidiar iniciativas privadas, realizando o
pagamento de um terço da tiragem total como adiantamento (considerando que os custos
de edição são de cerca de 25% das vendas totais, esse adiantamento de 30%
representava uma garantia de retorno de investimento das editoras privadas que não
incorriam em nenhum risco comercial). As publicações do IBECC/SP, desde então,
deixaram de ser publicadas pela EDUSP.
Uma nova solução seria tentada por Isaías Raw, dessa vez por intermédio de um
convênio firmado, em 1963, entre o IBECC/SP e a Universidade de Brasília visando à
publicação de textos traduzidos e adaptados pelo IBECC/SP (Raw, 1970, pp. 51, 80;
2005b, p. 30). O apoio de Darcy Ribeiro, quando reitor da UNB (1962-1963) e ministro da
Educação no governo João Goulart (1962-1963), foi decisivo para o suporte na publicação
dos livros do PSSC. Albert Baez esteve na UNB para discutir o projeto da UNESCO,
visando à participação da UNB na edição do material didático a ser produzido. Em carta
de julho de 1962, dirigida a Paulo Carneiro, Darcy Ribeiro manifesta seu desejo de
participar do projeto e pleiteia mais recursos para o projeto, que contava originalmente
com um fundo rotativo no valor de Cr$ 50 milhões (aproximadamente US$ 100 mil).
190
Em
1965, como resultado do convênio do IBECC com a Universidade de Brasília, foi
publicado o primeiro volume da "versão azul" do BSCS Das Moléculas ao Homem
com uma tiragem de 20 mil exemplares. Mais três tiragens foram produzidas, ainda pela
Editora da Universidade de Brasília, e, em 1967, tendo expirado o convênio, o livro
passou a ser editado por uma empresa comercial, a EDART. De 1967 a 1972, foram
publicados cerca de 200 mil cópias do 1
o
volume da "versão azul" do BSCS e cerca de
115 mil cópias do 2
o
volume (Krasilchik, 1972, p. 79).
189
Entre 1967 e 1969 o reitor Gama e Silva se afastou do cargo para assumir o ministério da Justiça no governo do general Artur da
Costa e Silva, tendo assumido o então vice-reitor Hélio Lourenço de Oliveira. Em 1968 diante do avanço dos movimentos estudantis
contra a ditadura militar, Gama e Silva foi o redator e locutor do Ato Institucional número 5, baixado em 13 de dezembro de 1968,
que fechava temporariamente o Congresso Nacional, autorizava o presidente da República a cassar mandatos e suspender direitos
políticos, suspendia indefinidamente o habeas corpus e adotava uma série de medidas repressivas. O Decreto de 29 de abril de 1969,
apoiado no AI-5, e que determinava a aposentadoria compulsória de diversos professores da USP entre os quais Isaías Raw, foi
assinado pelo presidente Costa e Silva e por Luis Antonio da Gama e Silva.
190
Arquivo pessoal de Paulo Carneiro, caixa 236, COC/FIOCRUZ.
191
Com o apoio financeiro da Fundação Ford e a garantia da United States Agency
for International Development (USAID),
191
o IBECC/SP, entre 1961 e 1964, traduziu e
adaptou os materiais norte-americanos. A USAID, dentro do programa Aliança para o
Progresso,
192
se comprometeu a financiar os 36 mil primeiros exemplares publicados do
PSSC, sendo que 10% dos royalties caberiam ao IBECC/SP, que, por sua vez, repassaria
metade do valor aos autores como pagamento de direitos autorais (Barra & Lorenz, 1986,
p. 1973; Wuo, 2003, p. 323; Raw, 1970, p. 81). O representante da Fundação Rockefeller
R. Watson interferiu junto ao USAID para financiar a publicação da NSF no Brasil (Raw,
1970, p. 81).
Durante os turbulentos anos de 1964 a 1967, a editora da Universidade de Brasília
publicou diversos títulos do IBECC/SP (Raw, 1970, p. 80). Em 1965, ocorreu a invasão
por tropas militares da Universidade de Brasília e a demissão coletiva de 210 professores.
Após 1967, a maior parte da publicação dos livros foi transferida para editoras privadas.
Nesse novo arranjo, o IBECC/SP gerenciava os direitos autorais sobre os livros editados
por empresas privadas como a EDART. A associação com editoras privadas viabilizou o
volume de publicações do IBECC, cerca de 1 milhão e meio de publicações no período de
1965 a 1970, que não poderia arcar com os investimentos necessários, da ordem de US$
2 milhões (Raw, 1970, pp. 84, 86). Além do IBECC/SP, outra instituição a se ocupar da
publicação de livros didáticos em ciências no Brasil era a Fundação Nacional de Material
Escolar (FENAME) do Ministério da Educação (Frota-Pessoa; Gevertz & Silva, 1985, p.
206).
Equacionada a questão da publicação dos materiais didáticos, um outro ponto
fundamental na execução dos projetos de adaptação dos materiais didáticos norte-
191
Os acordos com a agência United States Agency International for Development (USAID) para o financiamento de materiais
didáticos no País foram alvo de críticas por legitimarem toda uma transformação modernizadora imposta ao país no sentido de
direcionar sua racionalidade(Nardi, 2005). Durante o regime militar, um acordo do Ministério da Educação com recursos da
agência norte americana USAID (acordo MEC USAID), envolvendo US$ 15 milhões, favoreceu a indústria da educação (Raw, 1970,
p. 81). Pela expressão MEC/USAID, ficaram conhecidos diversos acordos sigilosos que vieram a se tornar públicos em novembro
de 1966, como o acordo MEC-CONTAP-USAID, de junho de 1966, que previa assessoria para a expansão e o treinamento do
quadro de professores do ensino de nível médio no Brasil. O CONTAP era o Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o
Progresso (Neto, 2003, p. 203; Romanelli, 2002, p.213). O sistema de educação do País como um todo foi modificado, gerando a
reforma do ensino de nível superior em 1968 e a do ensino de níveis fundamental e médio em 1971.
192
Isaías Raw foi convidado por J. Perkins, diretor-científico da OEA, em 1962, a participar do programa de Ciências da Aliança para
o Progresso, junto com o prof. Tola, do Peru, para o estudo do plano de desenvolvimento básico do ensino de ciências (Raw, 1970,
p. 34, 180; Raw, 2005b, p. 27). No projeto estava prevista a distribuição gratuita de 3 mil cópias dos textos do PSSC, BSCS, SMSG e
CBA para os professores das escolas de nível secundário em 1965 (Raw, 1965, p. 22, 23, 24, 28). O relatório do IBECC assim
comenta sobre esta indicação: O prof. Isaías Raw foi o idealizador e tem sido um dos grandes realizadores do programa que a
Seção Paulista do IBECC desenvolve, no sentido de incrementar e expandir o ensino experimental de ciências, nos cursos
secundários do Brasil, e num magnífico desempenho, internacionalmente reconhecido, o que justifica o convite que acaba de
receber da UNESCO” (Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1962).
192
americanos envolvia a questão do treinamento de professores. Isaías Raw, como
articulador das ações de ensino no IBECC/SP comparecia regularmente a Washington em
reuniões patrocinadas pela União Pan-americana para rever o ensino de física, química e
biologia, e uma longa cooperação foi mantida com esse órgão tendo em vista o
treinamento e aperfeiçoamento de professores no uso dos novos materiais didáticos
(Raw, 1965, p. 9; 2005). A OEA, na figura de seu diretor de programa de desenvolvimento
científico J. Perkins convidou Isaías Raw a participar de um programa que os laboratórios
Oak Ridge realizavam para estimular o ensino de ciências. Além de J. Perkins, Jay
Davenport, primeiro na União Pan-americana e depois na Academia Norte-Americana de
Ciências, também deu suporte aos projetos do IBECC/SP (Raw, 2005b, p. 24). Por esse
programa, Isaías Raw foi contratado para uma missão no Chile: expor a experiência
brasileira junto ao IBECC/SP (Raw, 2005b, p. 22).
O IBECC/SP organizou cursos de verão para assistentes da Faculdade de
Filosofia visando introduzir novos currículos de ensino de física, química e biologia,
realizados no próprio IBECC/SP ou em outros locais, como o de química, no ITA,
realizado, em 1962, em São José dos Campos, e de física, na PUC-RJ, no qual eram
apresentados os programas PSSC, CBA e BSCS etc. Entre 1961 e 1964, um total de
1.800 professores foram treinados nos cursos patrocinados pelo IBECC/SP,
principalmente para o uso dos materiais BSCS e PSSC (Barra & Lorenz, 1986, p. 1974).
Maria Julieta Ormastroni, ao se referir aos cursos intensivos de aperfeiçoamento de
professores de ciências dos cursos de nível secundários realizados no período de 1960 a
1964, informa a participação de 3.670 professores vindos desde o Estado do Acre ao Rio
Grande do Sul (Ormastroni, 1964, p. 417). De 1954 a 1963. foram beneficiadas cerca de
40 escolas de nível superior com o material construído pelo IBECC, 7 mil professores
receberam mensalmente notícia sobre as atividades do IBECC e notícias sobre ciências,
cerca de 428 professores do curso colegial, 215 do curso primário e 230 do curso ginasial
tiveram cursos no IBECC, 100 professores da Escola Superior foram treinados em um
curso internacional do PSSC
193
e outros 100 professores da Escola Superior foram
treinados em um curso internacional do CBA, totalizando cerca de 1.100 professores
treinados.
193
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, julho de 1964, p. 35.
193
Figura 30 - Antonio Teixeira Júnior em palestra no Instituto de Física da USP expondo uma
cuba de ondas produzida pelo IBECC/SP.
Fonte: Arquivo de Maria José de Almeida
Figura 31 - Curso do PSSC ministrado por Antonio Teixeira Júnior na PUC/RJ. em 1963.
Fonte: arquivo pessoal Antonio Teixeira Júnior
Complementando o trabalho realizado pelo IBECC/SP, em fevereiro de 1962, o
Brasil foi escolhido como sede de um dos cursos de verão organizados pela Divisão de
Desenvolvimento Científico da União Pan-americana, instalados com a presença do
presidente do IBECC Themístocles Cavalcanti, sob o patrocínio da Fundação Ford e com
a colaboração da National Science Foundation dos Estados Unidos. Os cursos de física e
biologia de duração de seis semanas foram realizados na sede do IBECC/SP, no prédio
194
da Faculdade de Medicina da USP, com a participação de cerca de 100 professores, dos
quais a metade era procedente de países americanos. O objetivo de tais cursos foi
atualizar professores latino-americanos de física e biologia, de nível universitário, e mais
especificamente os encarregados da formação de futuros professores secundários, sobre
os mais modernos métodos de ensino daquelas matérias, apresentando os materiais dos
cursos da NSF.
O curso de sica constou da apresentação do PSSC com orientações dos
professores Uri Haber-Schaim, do Educational Services Inc., de Boston (Raw, 1965, p.
21), nos Estados Unidos; Aaron Lemonick, da Princeton University, de Nova Jersey, nos
Estados Unidos; Darie Moreno, da Universidad do Chile; Philip Rosete, da Florida State
University; Elliot Coen, da Universidad de Costa Rica; e Rachel Gevertz, do corpo docente
do IBECC/SP. O curso permitiu que determinado número de professores de física no País
se familiarizasse com a proposta (Gevertz, 1962, p.30; Reis, 1962, p.597) e a formação
de quarenta professores que liderariam a introdução do PSSC na América Latina. O curso
de verão foi repetido em 1963, desta vez em caráter nacional. Em 1962 foi lançado o Guia
de Laboratório, primeira tradução mundia, e utilizados nestes dois primeiros cursos de
verão do PSSC.
O curso de Biologia baseado no BSCS foi ministrado pelos professores Bentley
Glass, da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, nos Estados Unidos; Oswaldo
Frota-Pessoa, da FFCL USP; Humberto Gomes, da Universidad del Valle, na Colômbia; e
Myriam Krasilchik, do corpo docente do IBECC/SP
194
(Raw, 1970, p. 53). Um segundo
curso foi realizado pelo IBECC/SP no ano seguinte, em 1963, com uma equipe brasileira
dirigida por Pierre Lucie, que trabalhara por um ano no Educational Services Inc., de
Boston. O curso dessa vez contou com palestras de Uri Haber-Schaim e Philip Morrison,
coordenadores do PSSC nos Estados Unidos. Novos cursos foram realizados em
Montevidéu e no Chile (Raw, 1965, p. 21). Durante o curso para professores de biologia
latino-americanos realizado pelo IBECC/SP em 1962, parte da "versão verde" do BSCS
(com ênfase ecológica) foi estudada criticamente pelos participantes e foi formado um
núcleo de trabalhos de laboratório a partir dos Exercícios de Ecologia (Frota-Pessoa,
1964, p. 426).
194
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1962, p. 25.
195
O projeto de implantação dos materiais didáticos norte-americanos no Brasil
permitiu que o grupo formado em torno do IBECC/SP, responsável por sua implantação,
alcançasse visibilidade e prestígio internacional, ampliando sua rede de interesses e, por
conseqüência, sua legitimação junto às agências financiadoras. Na avaliação de Isaías
Raw: A importância do programa do IBECC/SP na inovação do ensino de ciências teve
reconhecimento amplo fora do Brasil. Eu diria, sem modéstia, que as iniciativas do
IBECC/SP desencadearam a prioridade dada a UNESCO e a União Pan-americana, para
a importância do ensino de ciência como fator de desenvolvimento [...] Tornei-me um líder
no continente, convidado a participar em 1963 das três reuniões organizadas pela União
Pan-americana: a de ensino da física, de ensino de biologia e do ensino de química. O
mesmo ocorreu na Conferência Internacional sobre a física na educação geral, realizada
no Rio de Janeiro, onde conheci Zacharias e Feyman, e me tornei um dos autores do Why
teach Physics, editado pelo MIT. Durante algum tempo nós éramos o programa de ensino
de ciências da UNESCO, que se orgulhava do nome IBECC-UNESCO(Raw, 2005b, p.
25).
Os representantes do IBECC tomaram parte ativa na Conferência de Revisão do
BSCS, tendo Myriam Krasilchik participado da 2
a
Conferência do BSCS, em Boulder, em
1961 (Raw, 1970, p. 55). O BSCS teve enorme impacto: 2 milhões de exemplares foram
impressos e a avaliação do projeto feita em uma das teses de Myriam Krasilchik foi um
documento importante para o BSCS nos Estados Unidos (Raw, 2005b, p. 24; Bertero
1979, p. 68). Myriam Krasilchick tornou-se uma das líderes das atividades do projeto
BSCS na América do Sul (Raw, 1970, p. 179) e juntamente com Oswaldo Frota-Pessoa
participou da 2
a
Conferência de Redação do BSCS nos Estados Unidos em 1961 e da
Primeira Conferência Interamericana sobre o Ensino da Biologia realizada em São José,
na Costa Rica, em julho de 1963 (Fracalanza & Neto, 2006, p. 133), que contou com a
participação de professores da América Central orientados por quatro dos biologistas
latino-americanos que tinham anteriormente colaborado com o BSCS (Frota-Pessoa,
1964, p. 426).
Na primeira Conferência Interamericana sobre Ensino da Física, realizada no Rio
de Janeiro em junho de 1963 (Fracalanza & Neto, 2006, p. 133), os conferencistas se
posicionam favoravelmente à intensificação dos programas da OEA (União Pan-
americana) e UNESCO nos programas de atualização de professores de nível médio e no
196
apoio de programas existentes de meios auxiliares de ensino, em especial
equipamentos experimentais de baixo custo. Esse evento contribuiu para a divulgação do
PSSC (Lemgruber, 1996, p. 10). Os projetos PSSC e BSCS foram implementados em
outros países da América Latina: o PSSC na Argentina e Chile (Raw, 1970, p. 69), Bolívia
e México (Raw, 2005b, p. 25); e o BSCS no Peru e Venezuela (Raw, 2005b, p. 25).
Conferências de química em Buenos Aires (1965), Biologia, na Costa Rica (em julho de
1963), e Matemática, em Bogotá (em dezembro de 1961), deliberaram recomendações na
mesma linha.
Essas conferências manifestavam o interesse de se estabelecer um intercâmbio
de experiências de ensino entre países de América Latina, procurando estimular
experiências nas quais o aluno de nível médio tenha participação ativa e prática e possa
desempenhar o papel de investigador” (Primeira Conferência Interamericana sobre o
Ensino de Biologia, julho 1963). Outra recomendação comum a esses fóruns é a de que o
ensino de ciências seja ministrado por físicos, biólogos e matemáticos ativos na
investigação e pesquisa em suas respectivas áreas, reduzindo-se, assim, a distância
entre a fronteira da ciência e o que é ensinado nos bancos escolares.
O êxito do Brasil na implantação dos projetos do NSF no País qualificou o
IBECC/SP para participar do Programa de Ciências que a UNESCO realizou em vários
países, e que previa a realização de projetos pilotos de ensino de ciências em países na
América Latina (física), na Ásia (química), na África (biologia) e nos Estados Árabes
(matemática), posicionando o IBECC na vanguarda desse movimento internacional
195
(Nardi, 2005). O projeto foi idealizado pelo sico norte-americano Alberto Baez, na época
diretor da Divisão de Ensino de Ciências da UNESCO (1961-1967), e teria como ponto de
partida o projeto piloto de física, em face das experiências acumuladas por Albert Baez na
implantação do PSSC nos Estados Unidos.
Em reunião dos secretários das Comissões Nacionais da UNESCO, realizada em
Paris, em 1962, Maria Julieta Sebastiani Ormastroni, secretária executiva do IBECC/SP
foi enviada como representante do Brasil. Das 20 delegações presentes, Peru e Costa
Rica manifestaram interesse em firmar convênios com o IBECC/SP para a utilização, não
apenas de material brasileiro, mas também da experiência adquirida pela instituição em
195
Report of the Director General on the activities of the organization in 1966. Paris: UNESCO, 1966, p. 46.
197
suas atividades. A exposição de ciências realizada pela delegada brasileira teve
repercussão altamente favorável, se estabelecendo em Paris como exposição
permanente. O relatório do IBECC sobre a participação brasileira conclui: “a Comissão de
São Paulo é uma prova da eficiência daquela instituição que, por seu elevado nível de
cultura, especialmente no terreno das pesquisas, ocupa um dos primeiros lugares entre
todos os países. Foi considerado como um das cinco mais destacadas, salientando-se e
ultrapassando velhas e tradicionais Universidades americanas e européias já famosas”.
196
Nesta reunião, o IBECC/SP tomou conhecimento e iniciou os contatos para a indicação
do Brasil como sede do projeto piloto de física (Barra & Lorenz, 1986, p. 1974; Baez,
2006, p. 181). Em visita ao Brasil, Albert Baez toma conhecimento das atividades do
IBECC/SP, o que contribui decisivamente para a escolha do Brasil para o projeto piloto de
física intitulado: Novos Métodos e Técnicas de Ensino de sica, sob os auspícios da
UNESCO.
197
O projeto piloto de física representou um marco no desenvolvimento da área
(Nardi, 2005, p. 13).
Em 1962, a XII Conferência Geral da UNESCO, presidida por Paulo Carneiro, e
sob a iniciativa de Albert Baez, diretor da Divisão de Ensino de Ciências, aprovou o
projeto piloto sobre a modernização do ensino de física a ser realizado em São Paulo
198
(Raw 2005b, p. 25), com a aprovação de recursos na ordem de US$ 120 mil, despendidos
no Brasil no biênio 1963-1964. O IBECC contribuiria com cerca de US$ 50 mil, tendo o
projeto um orçamento total de cerca de US$ 200 mil (Raw, 1970, p. 69). O projeto foi
lançado em junho de 1963, no Rio de Janeiro, por ocasião da conferência sobre os
problemas no ensino de física na América Latina, realizada pela OEA em cooperação com
a União Internacional de Física Pura e Aplicada (UIPAP), sendo transladado para São
Paulo no mês seguinte com a colaboração da USP e do CRPE/SP (Bergvall, 1964, p.
418).
O projeto foi aprovado pelo diretor do Departamento de Ciências Exatas e Naturais
da UNESCO, o cientista dos solos russos Victor Kovda (janeiro 1959- dezembro 1964) e
dirigido por Pär Bergvall, da Suécia, além de contar com a participação do diretor
assistente da UNESCO Nahum Joel, do Chile; Paulus Aullus Pompéia, do ITA de São
José dos Campos (Raw, 1965, p. 21; 1970, p. 69), 26 professores de física, dos quais
196
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1962.
197
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1963, p. 16.
198
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, julho de 1964, p. 23.
198
nove brasileiros, e os demais provenientes de países da América Latina (Barra & Lorenz,
1986, p. 1975): Argentina, Chile, Equador, Cuba, Honduras, Peru, Venezuela e México
(Nardi, 2005, p. 6). Essa equipe internacional de físicos desenvolveu material curricular de
física para o ensino de grau (Baez, 1976, p. 89). Foi elaborado um curso de óptica,
contendo textos de instrução programada, material simples para experimentos em classe
e filme didáticos, divididos em cinco partes: experiências e gráficos; algumas
propriedades fundamentais da luz; modelo de partículas para a luz; modelo ondulatório;
ondas eletromagnéticas e fótons. Foram produzidos 11 filmes mudos de duração média
de 5 minutos; um filme sonoro de 30 minutos de duração sobre o tema: “A luz ... é onda?
e preparados 8 programas de televisão como parte integrante do curso experimental
(Bergvall, 1964, p. 419).
O projeto piloto de São Paulo consistiu, durante o seu primeiro ano, na elaboração
pelos professores de um texto-programa, que se dividia em cinco partes:
199
a) ensinar como se representam graficamente os resultados das
experiências físicas e como passar dos gráficos às fórmulas
matemáticas,
b) fabricar, sob a orientação de professores, cerca de 200 estojos de
instrumentos de sete tipos diversos, que permitem a execução de
numerosas experiências sobre as propriedades da luz, reflexão,
difração, fotometria e ondas luminosas, correspondentes a pontos
distintos do programa;
c) produzir filmes mudos de 8 mm e de quase 4 minutos de projeção,
com uso de projetores de US$ 60, ao alcance das possibilidades
financeiras dos cursos secundários. Substituem os filmes as
experiências que envolvam certos riscos como a produção de raios
ultravioletas ou de experimentos muito dispendiosos como a
observação de elétrons num tubo de Crookes;
d) produzir um filme sonoro de 16 mm e de 30 minutos de duração
sobre a propagação da luz; e
e) preparar programas de televisão.
199
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, julho de 1964, p. 24.
199
O projeto contou com uma subvenção da UNESCO de US$ 150 mil (Barra &
Lorenz, 1986, p. 1975) e a participação do Departamento de Física da USP, do Serviço de
Recursos Audiovisuais do CRPE/SP e a colaboração da UNB na produção do material
audiovisual, conforme acordo de 1962 com o reitor da UNB Darcy Ribeiro. Outros centros
de ensino de ciências, como o CINPEC na Colômbia, o CENAMEC na Venezuela e a
Fundação Andrés Bello, desenvolveram trabalhos extra-escolares baseados na
experiência do projeto piloto de sica do IBECC/SP (Barra & Lorenz, 1986, p. 1975), bem
como no Chile e na Argentina
200
(Raw, 1970, p. 69). O projeto piloto, iniciado pelo
IBECC/SP, passou depois para o Departamento de Física da FFCL (Nardi, 2005, p. 13).
As ações do IBECC/SP que se iniciam nos anos 1950 com as feiras e clubes de
ciência, programas de televisão e concurso Cientistas do Amanhã, são gradativamente
ampliadas para a produção de kits de ciências e a elaboração de material didático. A
implantação dos projetos de adaptação de materiais didáticos produzidos nos Estados
Unidos amplia significativamente a escala de tais iniciativas, conferindo uma visibilidade
internacional ao IBECC/SP, especialmente junto à UNESCO, que, em reconhecimento,
escolhe o Brasil para a implantação de um programa piloto em física. A participação ativa
de representantes do IBECC/SP em fóruns internacionais é um reflexo da posição
pioneira do Brasil na renovação do ensino de ciências na América Latina, a ponto de ser
considerada uma das quatro mais importantes organizações do mundo no campo do
aperfeiçoamento do ensino de ciências (Frota-Pessoa; Gevertz & Silva, 1985, p. 208).
Dessa forma, na década de 1960, o IBECC/SP participava ativamente do movimento de
renovação do ensino de ciências no País.
Segundo Hilário Fracalanza: com essas ações o IBECC procurava, além de
acelerar a difusão das novas propostas para o ensino de Ciências, formar equipes de
especialistas em currículo para, numa segunda etapa, produzir projetos nacionais
(Fracalanza & Neto, 2006, p. 133). O próximo capítulo apresentará a continuidade de tais
propostas e o surgimento dos projetos nacionais, possíveis em face da capacitação
adquirida na adoção dos modelos de origem estrangeira, o que mostra que o IBECC/SP
não simplesmente absorveu modelos estrangeiros de inovação de ensino, mas soube
como se inserir organicamente a tais modelos, o que permitiu não somente difundi-lo para
200
Report of the Director General on the activities of the organization in 1966. Paris: UNESCO, 1966, p. 46.
200
outros países da América Latina como alcançar certo grau de autonomia para poder,
numa segunda etapa, partir para desenvolvimentos próprios.
201
CAPÍTULO 4 – FUNBEC: A INTEGRAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E INDÚSTRIA
A FUNBEC foi criada em novembro de 1966, com função complementar ao
IBECC/SP, que prosseguiu em suas atividades de pesquisa para a criação de material
didático e o treinamento de professores, enquanto a FUNBEC ocupava-se da
industrialização de tais materiais (Barra & Lorenz, 1986, p. 1975). O modelo institucional
que previa a inserção do IBECC/SP em atividades industriais como a produção de
material didático e equipamentos para as escolas de nível secundário e faculdades
revelara-se incompatível com as propostas de uma Comissão da UNESCO e acumulava
tensões; tensões essas resolvidas com a criação de uma Fundação, formalizando tal
modelo institucional. A FUNBEC, assim, se constituiu em uma continuidade dos projetos
de educação do IBECC/SP (produção de material didático, kits de ciências etc.), que
passavam por um momento de reformulação em face das críticas recebidas aos projetos
da NSF, tanto no nível nacional como nos Estados Unidos e na UNESCO. O IBECC/SP
retornava, dessa forma, à sua ação original prevista em seus estatutos.
Se em seus primórdios, o foco das atividades do IBECC/SP estava centrado nos
projetos educacionais, quando da criação da FUNBEC, em novembro de 1966, o foco
gradativamente passaria a se concentrar nos projetos industriais, idealizados como forma
de se financiar a divisão educacional da empresa. O mesmo espírito empreendedor que
se cobrava dos alunos foi seguido ao se decidir pela produção de material de ensino
próprio. As atividades industriais do IBECC/SP na produção de kits de ciências e material
de instrumentação se viriam a somar à tecnologia de equipamentos médicos produzidos
pela Coretron empresa fundada em 1958, por Isaías Raw junto com Adolfo Leirner e
Josef Feher, para compor as primeiras atividades industriais da FUNBEC. A experiência
de inovação no setor educacional transmitiria à empresa um ambiente propício, o qual
seria repassado às suas atividades industriais, ainda que o foco de tais políticas
industriais de governo não tivesse a inovação como prioridade.
É difícil explicar, mesmo na voz dos principais atores que participaram da direção
da empresa em seus anos iniciais, como a FUNBEC conseguiu alavancar uma atividade
industrial a ponto de conquistar 80% do mercado de monitores cardíacos, sem ter sido
essa a proposta da empresa, que tinha os projetos educacionais como meta prioritária. A
202
experiência empresarial adquirida por Isaías Raw no IBECC/SP contribuiu para novas
investidas como cientista empresário com a fundação da Coretron, elo fundamental para
se entender como se deu a transição de uma experiência educacional para a área
industrial de equipamentos médicos. Aproveitando-se de um contexto político de estímulo
à empresa nacional, manifestado na Lei de Similares e Financiamentos a Fundo Perdido
da FINEP, por exemplo, bem como de uma política de organização do setor de saúde,
especialmente após a criação do INAMPS, em 1967, a FUNBEC gradativamente
realizaria essa passagem para uma ação de maior vulto na área de produção de
equipamentos médicos.
4.1 A criação da FUNBEC
Em 1964, com a aposentadoria de Jayme Cavalcanti, Isaías Raw tornou-se chefe
do Departamento de Bioquímica (Raw, 1970, p. 138). O reitor da USP, Luis Antonio da
Gama e Silva (1963-1969), nomeou uma comissão especial para investigar atividades
“subversivas” na Universidade. No mesmo ano, Isaías Raw fora detido por 12 dias pelas
forças militares, acusado de comunismo, segundo seu depoimento, como uma manobra
de seus opositores do departamento de química biológica que disputavam o poder da
cátedra (Raw, 1970, p. 141; Adusp, 2004, p. 24). A prisão ocorreu às vésperas de sua
participação em um congresso de bioquímica em Nova York, o que mobilizou a
comunidade acadêmica, incluindo vencedores do prêmio Nobel, a escrever um telegrama
de protesto para o presidente da República, marechal Castello Branco, notícia que teve
destaque na Folha de S.Paulo
201
(Raw, 1970, p. 141). O diretor da Divisão de Ensino de
Ciências da UNESCO, Albert Baez, em visita ao Brasil, ao saber do acontecido, dirigiu-se
ao quartel do exército, intervindo em favor de Isaías Raw (Raw, 2005). Zeferino Vaz, em
carta de novembro de 1964, dirigida a Harry Miller Jr., também afirma que influiu de forma
decisiva para a libertação de Isaías Raw (Marinho, 2001, p. 143).
201
A matéria foi escrita pelo jornalista Ewaldo Dantas na edição de 19 de setembro de 1964. Apenas dez dias antes aconteceu a invasão
da UNB por 900 homens armados de fuzis, baionetas e metralhadoras, do exército e da polícia, com a prisão de alunos e professores
acusados de “crime continuado contra a segurança do Estado”. A matéria da Folha de São Paulo, com destaque na primeira página,
denunciava toda a operação militar na UNB bem como apresentava o telegrama em que cientistas e presidentes de universidades
norte-americanas, tendo à frente três detentores do Prêmio Nobel, protestavam contra a prisão de Isaías Raw, de reputação
internacional. Com a censura que se estabeleceu após 1968, não foi mais possível escrever matérias similares.
203
Na Faculdade de Medicina, onde se concentrava o núcleo de apoio ao ex-reitor
Ulhoa Cintra, vários foram os professores atingidos pela perseguição política, como
Samuel Pessoa, Luiz Hildebrando, Erney Camargo, Júlio Puddles, entre outros (Adusp
2004, p. 21). As manobras contra Isaías Raw pela disputa da cátedra não surtiram efeito,
pois ele, logo após a prisão, seria eleito professor catedrático de química fisiológica ainda
em 1964. No mesmo ano, Zeferino Vaz advertiu Isaías Raw que havia planos do governo
militar de intervenção no IBECC/SP (Raw, 2005b, p. 43), o que motivou a criação da
Fundação para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (FUNBEC), em 11 de
novembro de 1966, como uma fundação privada, que absorvesse o patrimônio do
IBECC/SP, menos sujeita a intervenções políticas. Isaías Raw também observava com
preocupação os acontecimentos que atingiam a Universidade de Brasília e temia pelo
futuro do IBECC/SP (Raw, 1970, pp. 143,155).
A FUNBEC foi criada por iniciativa do próprio IBECC/SP, cujo presidente era Paulo
Menezes Mendes da Rocha, que cedeu parte de seus equipamentos e instalações, com o
propósito de dar continuidade às propostas educacionais iniciadas pelo IBECC/SP, por
meio do estabelecimento de uma fundação de direito privado, menos sujeita a
interferências políticas, especialmente após o golpe militar de 1964. Outra justificativa
para criação da FUNBEC era a incompatibilidade das crescentes atividades industriais do
IBECC/SP na produção de kits de ciências com as funções do Instituto vinculado à
UNESCO. Isaías Raw relatara que a direção do IBECC no Rio de Janeiro via com
preocupação o fato de o IBECC/SP gerenciar uma grande quantidade de recursos
financeiros e atividades não previstas quando da criação da Comissão Estadual de São
Paulo (Raw, 1970, p. 143).
Em seu depoimento, Isaías Raw relata o descaso que alguns membros da
Diretoria do IBECC tinham em relação à Comissão Paulista: “eu nunca esquecerei o
comentário de um homem que era encarregado da posição científica: 'Deixe eles fazerem
como querem, isto não representa nada, não passa de uns poucos brinquedos de
nenhuma importância que eles produzem'.(Raw, 1970, p. 143). Em outro depoimento,
Isaías Raw detalha como comunicou a decisão de criação da FUNBEC à sede do IBECC
no Rio de Janeiro: “Imediatamente parti para o Rio, para falar com o presidente do IBECC
nacional e os conselheiros designados pelo Itamaraty. Como sempre em cada portão
havia um negro vestido de uniforme branco, a servir os brancos que ocupavam as
204
escrivaninhas. Falei com o prof. Themístocles Cavalcanti, que não tinha objeções. Na
realidade gostaria de livrar-se do estranho IBECC/SP uma instituição que publicava,
fabricava, vendia e sobretudo lidava com dinheiro, se autofinanciando. Uma aberração
burocrática, que encontrava sua saída. Marcou uma reunião e me prontifiquei a voltar,
para estar disponível para dar todas as informações pertinentes. A Diretoria reuniu-se a
portas fechadas e eu fiquei na sala de espera ... e ouvi o Antonio Moreira Couceiro
(presidente do CNPq no período 1964-1970 e que tinha sido assistente do Carlos Chagas
no Instituto de Biofísica) dizer que tudo o que fazíamos eram brinquedos e bobagens ....
Aprovaram a transferência do patrimônio. Sem patrimônio o IBECC não mais interessava
e a intervenção nunca ocorreu” (Raw, 2005b, p. 43).
Com a criação da FUNBEC, o IBECC/SP manteria o comissionamento de
professores do ensino de nível secundário por intermédio de um convênio
IBECC/Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, assinado quando Alípio Correia
Neto foi secretário, e, assim, continuaria suas pesquisas para a criação de novos
materiais didáticos e o treinamento de professores (Raw, 2005, p. 43). Caberia à
FUNBEC a tarefa de industrialização e comercialização de tais materiais. Segundo
relatório de 1967 do presidente do IBECC Renato Almeida: outro assunto de monta, no
caso, é a iniciativa que caberá as Comissões Estaduais, conhecendo de perto os
problemas locais. Exemplo típico é a obra que tem realizado a Comissão Paulista.
Desenvolveu de tal forma suas atividades, a ponto de exceder o âmbito do IBECC, tendo
de constituir a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências
destinada a se ocupar com a parte industrial e comercial que necessita estabelecer, a fim
de realizar o seu plano, considerado pioneiro pela UNESCO, de incentivar o ensino de
ciências no curso secundário, de cuja parte cultural, continua cuidando com a costumada
eficiência. As Comissões Estaduais não são agências do IBECC, o centros que devem
nas suas áreas cuidar dos problemas de educação, ciência e cultura, buscando os meios
adequados e empenhando-se com os Governos de seus Estados para que lhes auxiliem
as tarefas. Podem ter programas específicos ou gerais conforme as conveniências
verificadas, mas trabalhar em harmonia conosco a favor de cada região.
202
As incompatibilidades das atividades industriais do IBECC/SP com os estatutos do
IBECC tornaram-se evidentes: Desde que se constituiu a Comissão paulista do IBECC a
202
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1967, p. 2.
205
sua atividade foi conduzida no bom caminho de desenvolver o ensino experimental de
Ciências no Curso Médio e depois no Primário. Como tive o ensejo de expor na
Assembléia anterior, a ação da Comissão teve de desenvolver-se em múltiplos aspectos,
inclusive no econômico, o que determinou, por não poder o IBECC cuidar de tais
assuntos, a criação da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de
Ciências que se ocupando dessa parte material, limita e intensifica a do IBECC no plano
cultural, que é a da sua competência”.
203
As atividades econômicas denunciadas no parecer de 1967 já vinham sendo
exercidas desde a assinatura do contrato estabelecido junto ao reitor da USP Ulhoa
Cintra, em 1960, para a instalação da fábrica de kits de ciências em galpões pré-
fabricados, junto ao prédio do IPT, com a anuência da sede do IBECC do Rio de Janeiro.
Não havia, contudo, na declaração do IBECC qualquer restrição às atividades do
IBECC/SP; pelo contrário, essas tinham tido um efeito bastante positivo para a instituição
junto à UNESCO: tem sido da maior relevância a ação da Comissão Estadual do IBECC
em São Paulo no que diz respeito ao desenvolvimento do ensino experimental das
ciências nas escolas de nível médio e primário. A atuação do Prof. Isaías Raw e de D.
Maria Julieta Ormastroni merece o maior destaque nessa matéria e foi de tal ordem que
conduziu ao estabelecimento da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino
das Ciências, destinada a gerir uma série de atividades de que o IBECC não se poderia
ocupar, dentre as quais se destaca a organização, a manufatura e a distribuição de
equipamento padronizado para o ensino da física, da química e da biologia nos
estabelecimentos de ensino de nível médio e primário”.
204
As razões para a evocação dessa incompatibilidade ter sido reconhecida de forma
explícita somente em 1967 podem ser explicadas por três aspectos: (i) o principal
condutor do IBECC/SP, Isaías Raw, havia sido alertado da fragilidade das atividades do
IBECC diante do clima de perseguição que se aprofundava na USP: o próprio Isaías Raw
havia sido preso alguns anos antes; (ii) o contrato de locação do galpão na USP, de
duração prevista para 10 anos, estava próximo de expirar; e (iii) os recursos geridos pelo
IBECC/SP poderiam mobilizar interesses de algum tipo de intervenção, especialmente em
face dos acontecimentos da UNB.
203
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1968, p. 8.
204
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, janeiro de 1968, p. 19.
206
A operação de transformar o IBECC/SP em fundação privada foi aprovada pelo
presidente do IBECC, sediado no Rio de Janeiro. A seção do IBECC em São Paulo, por
intermédio de seu presidente Paulo Menezes Mendes da Rocha, transferiu para a
FUNBEC todas as atividades que vinham sendo exercidas em São Paulo e os recursos
correspondentes, considerados incompatíveis com a estrutura do Instituto. O IBECC/SP
assim procedeu, cumprindo delegação expressa da Diretoria Nacional do IBECC no Rio
de Janeiro, manifestada pelo Ofício IBECC/126, de 11 de agosto de 1966, por julgar as
atividades industriais e comerciais incompatíveis com as finalidades do IBECC definidas
em seus estatutos (Fracalanza, 2005).
O IBECC/SP e a FUNBEC eram duas entidades independentes, mas com projetos
em comum. O IBECC/SP prosseguiria em sua ão cultural e educativa, participando de
congressos nacionais e internacionais, organizando simpósios, cursos, feiras de ciências,
concursos e congressos para jovens cientistas, conforme preconizavam seus estatutos. À
FUNBEC caberia realizar estudos e pesquisas sobre técnicas e recursos modernos no
campo científico, adaptando-os para a utilização em laboratórios didáticos, bem como
projetar e produzir aparelhos para o ensino experimental de ciências, e, ainda, projetar e
fabricar aparelhos com essa finalidade (Funbec, 1986, p. 2). Segundo o artigo 1
o
dos
estatutos da FUNBEC de 1966, sua finalidade específica era contribuir para o
desenvolvimento da educação da cultura e do ensino científico, no País, despertar e
estimular o interesse da juventude pelo estudo das ciências e pela pesquisa científica,
bem como orientar, assistir, amparar, por todos os meios ao seu alcance, o exercício
dessas atividades” (Funbec, 1966b).
A FUNBEC como fundação não teria como objetivo principal a geração de lucros,
e, como tal, para conseguir sua aprovação, teria de diminuir a atenção nesse aspecto,
concentrando mais sua ação na área de educação. Como uma fundação privada que
realizava pesquisas tecnológicas, a FUNBEC poderia se capacitar para a disputa de
verbas públicas destinadas à C&T. O mecanismo de auto-sustentação do IBECC/SP,
tendo por base a produção e venda de material para laboratórios de ensino, mostrara-se
de difícil concretização na FUNBEC (Júnior, 1983, p. 97; 1976). Os recursos para os
projetos em educação da FUNBEC viriam da fabricação de equipamentos de
instrumentação eletrônica médica e de óptica.
207
A estrutura administrativa da FUNBEC em sua fundação era constituída por um
Conselho Curador, um Conselho Científico e uma Diretoria, que era constituída por
Antonio de Barros Ulhoa Cintra, médico catedrático da Faculdade de Medicina da USP e
presidente da FAPESP; Ernesto Giesbrecht, químico catedrático da FFCL; Jayme
Cavalcanti, catedrático da Faculdade de Medicina da USP e diretor-presidente do
Conselho Técnico Administrativo da FAPESP; o médico e jornalista José Reis; e o
engenheiro Ruben de Mello, diretor industrial da FIESP. A Coordenadoria Executiva era
composta por Paulo Menezes Mendes Rocha, Maria Julieta Ormastroni e Isaías Raw
(Barra & Lorenz, 1986, p. 1975). O órgão administrativo máximo da FUNBEC era o
Conselho Curador, constituído por 30 membros escolhidos entre pessoas de reconhecida
expressão nos meios científicos e culturais do País. O Conselho Curador era responsável
pela eleição da Diretoria, composta por cinco membros, para administrar a FUNBEC. O
Conselho Científico era integrado por pessoas de reconhecida projeção no campo das
ciências”, com a missão de orientação e de traçar as diretrizes gerais da programação e
execução das atividades científicas da Fundação. A Diretoria tinha um presidente, porém,
esse não era um cargo executivo. Para efeitos práticos, o coordenador-geral do Conselho
Científico, cargo assumido por Isaías Raw no início, é quem estabelecia as ações
executivas da empresa, operando como presidente da empresa. Nenhum dos membros
dos dois Conselhos e da Diretoria percebia qualquer tipo de remuneração pelo exercício
de seus cargos. Os profissionais da área pedagógica não eram empregados da FUNBEC,
mas efetivos do ensino oficial do Estado de São Paulo, sendo comissionados pela
Secretaria Estadual de Educação à disposição da FUNBEC (Funbec, 1986, p. 3; Bertero,
1979, p. 65).
208
Figura 32 - Organograma da FUNBEC.
Fonte: FUNBEC, 1986, p. 4
Como fundação de direito privado, a FUNBEC teve maior liberdade de ação,
atuando tal como uma empresa, com exceção da distribuição de dividendos: ocorrendo
lucros, esses deviam ser reinvestidos na empresa (Funbec, 1986; Júnior, 2003; Ferreira,
S. A., 1988, p. 53). A FUNBEC localizava-se entre o IPT e a Politécnica, porém a
desejada integração nunca ocorreu. O único nculo da FUNBEC com a USP era o
espaço físico no campus da Universidade e o fato de contar com um grande mero de
professores da Universidade em seu Conselho (Colucci, 2003).
O período do regime militar de 1964 a 1969 foi a fase mais produtiva para Isaías
Raw, que, além de professor de bioquímica da USP, acumulava as funções de diretor da
Editora da Universidade de Brasília; diretor da FUNBEC e do Curso de Medicina
Experimental criado em 1969 (Raw, 1998; Raw, 2006); presidente da Fundação Carlos
209
Chagas, uma fundação privada pioneira no vestibular unificado (Candotti, 1998) criada
junto com Walter Leser (Raw, 2005b; Leser, 1964); e diretor do Centro de Seleção de
Candidatos às Escolas Médicas (CESCEM).
205
Em 1968, Isaías Raw chegou ser considerado para o cargo de secretário de
Educação do novo governador de São Paulo, Abreu Sodré (1967-1971) (Raw, 1970, p.
145; 2005b, p. 40), porém, a Secretária acabou sendo ocupada por Ulhoa Cintra, segundo
Isaías Raw graças ao veto do Exército a seu nome. Em 1969, ainda que modo informal,
Isaías Raw era detentor de uma série de iniciativas de grande impacto, iniciativas essas
que somadas conferiam um poder político aparentemente muito grande. Junto com Isaías
Raw, então com 42 anos de idade, outros 70 professores da USP e de outras
universidades foram involuntariamente aposentados pelo Decreto de 29 de abril de 1969,
proibidos de lecionar e prosseguir suas pesquisas. Entre eles, os antropólogos Florestan
Fernandes e seus antigos alunos Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni (Adusp,
2004; Skidmore, 1988, p. 168). Com a aposentadoria forçada, Isaías Raw migrou para
Israel e depois para os Estados Unidos, retomando as atividades junto à FUNBEC em
1979, após retornar do exílio, dessa vez na posição de assessor científico da empresa.
Se por um lado Isaías Raw teve papel central na condução do IBECC e na criação
da FUNBEC, articulando interesses, por outro lado, o fato de gerenciar um conjunto
grande de iniciativas e de ser o professor catedrático mais jovem da USP, acabou por
inibir o surgimento de novas lideranças. Nesse aspecto, portanto, sua saída do Brasil,
embora tenha desmotivado a continuidade de tais projetos, serviu, de outro ângulo, para
abrir espaço para que novas lideranças pudessem surgir, entre as quais as de Antonio
Teixeira Júnior (Holzhacker, 2007).
205
O CESCEM foi criado em meados de 1963 para o vestibular unificado de sete faculdades de currículo biológico do Estado de São
Paulo: Faculdade de Medicina da USP, Faculdade de Farmácia e Bioquímica da USP, Faculdade de Medicina Veterinária da USP,
Escola Paulista de Medicina, Faculdade de Medicina de Sorocaba da PUC/SP, Faculdade de Medicina da UNICAMP e Faculdade de
Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu. A proposta foi originalmente apresentada à Assembléia Universitária reunida em São
Paulo em 1956 como sugestão para a realização das provas de seleção para as Faculdades de currículo biológico, porém não obteve
receptividade à época (Leser, 1964, p. 356). O êxito do vestibular realizado pelo CESCEM, com o trabalho de Isaías Raw e Walter
Leser, levaria as mesmas instituições a criar, em 1964, a Fundação Carlos Chagas, da qual Isaías Raw foi o primeiro presidente.
Cerca de 30 universidades se associaram ao vestibular organizado pela Fundação Carlos Chagas (Raw, 1970, pp. 3, 118, 121). Com o
exame vestibular unificado, os alunos diminuíam as despesas de taxas de inscrição e deslocamentos para várias cidades, ao passo que
as escolas tinham a possibilidade de aproveitar os melhores alunos que poderiam concorrer a um maior número de faculdades
(Cunha, L. A., 1982, p. 89).
210
4.2 Projetos educacionais da FUNBEC
Os projetos curriculares patrocinados nos Estados Unidos pela NSF e introduzidos
no Brasil pelo IBECC/SP nos anos 1960 tinham como proposição subjacente dar ao
jovem estudante da escola secundária uma racionalidade derivada da atividade científica,
ou seja, a tese do aprender fazendo resumia a grande meta das aulas práticas
(Krasilchik, 1987, p. 8). Os anos 1960-1970 marcam uma nova fase, em que os projetos
curriculares incorporam como um objetivo adicional “permitir a vivência do método
científico como necessário à formação do cidadão, não se restringindo mais apenas à
preparação do futuro cientista(Krasilchik, 1987, p. 9). Nessa segunda etapa, passa-se a
valorizar a participação do aluno na elaboração de hipóteses, na identificação de
problemas e na busca de soluções. Os núcleos provisórios de profissionais encarregados
da aplicação de tais projetos curriculares tornam-se permanentes com a criação dos
CECIs, intensificando-se as atividades de atualização e treinamento de professores.
Nessa trajetória, forma-se uma nova comunidade acadêmica, a dos educadores de
ciências, que começa a assumir uma postura cada vez mais crítica em relação aos
projetos executados (Fracalanza & Neto, 2006, p. 132). Nos anos 1970, ganham destaque
no ensino das ciências as discussões sobre as implicações sociais do desenvolvimento
científico, bem como sua valorização como contribuinte à formação de mão-de-obra
qualificada intenção que acabou se confirmando na LDB 5.692/71. Segundo Myriam
Krasilchik, nesta terceira fase, a escola secundária deve servir agora não mais à
formação do futuro cientista ou profissional liberal, mas principalmente ao trabalhador,
peça essencial para responder as demandas do desenvolvimento(Krasilchik, 1987, p.
18).
Diante desse contexto, nos anos 1970, a FUNBEC e o CECISP haviam esgotado
as experiências de tradução e adaptação de projetos importados, exceto o Nuffield
Biologia, traduzido e adaptado por Nadya Lotti, sob a supervisão de Myriam Krasilchik.
Intensificava-se nesse momento, entre os educadores, um posicionamento crítico quanto
aos modelos curriculares adotados nos anos 1960. Em sua tese de doutorado de 1972,
Myriam Krasilchik aponta que a mudança de paradigma do BSCS atribuiu uma função aos
professores para a qual eles não estavam preparados: a aceitação dos materiais do
BSCS, que representam um curso moderno de Biologia, foi numericamente apreciável,
entretanto, ela não determinou uma utilização total da sua metodologia e uma mudança
211
completa de objetivos nas escolas [...] O trabalho de campo e as excursões são quase
inexistentes. Isto permite supor que a maioria dos professores, mesmo quando usa o
material, o faz da mesma forma com que usa um outro livro-texto(Krasilchik, 1972, p.
59). Os resultados alcançados são tidos como aquém do esperado uma vez que “a falta
de recursos das escolas, aliada ao despreparo dos professores, dificultou a utilização, em
larga escala, dos novos materiais didáticos(apud Nardi, 2005, p. 8). Myriam Krasilchik
embora destaque o papel da preparação dos professores ressalta que é preciso que os
professores, para a elaboração de programas de guias curriculares, tenham condições de
trabalho e subsídios para servi-lhes de apoio” (Krasilchik, 1987, p. 40).
Ana Maria Carvalho (1972), ao realizar estudo de campo em escolas da rede
oficial de ensino da Grande São Paulo, identificou fatores de resistência à implantação da
"nova" metodologia dos projetos de ensino de ciências, particularmente do projeto norte-
americano para o ensino de física, o PSSC. A autora concluiu que as resistências
surgiram em função das condições inadequadas de trabalho a que os professores são
submetidos, quer sejam condições materiais, quer profissionais.
Barra e Lorenz, no entanto, destacam pontos positivos na adaptação de projetos
estrangeiros: apesar de tais problemas, a introdução dos materiais curriculares
americanos no meio educacional brasileiro teve, de certa forma, um efeito positivo.
Evidenciaram, pela sua organização, a importância, do ensino experimental em ciências
e, ainda mais, o papel que bons materiais curriculares podem desempenhar, permitindo
aos alunos a vivência do processo de investigação científica. Mostraram, também, os
bons resultados que podem ser alcançados quando cientistas, professores e técnicos
participam juntos da elaboração de materiais científicos destinados ao ensino de ciências
(Barra & Lorenz, 1986, p. 1982). Na perspectiva de Hilário Fracalanza, um dos
educadores que integrou a equipe da FUNBEC nos anos 1970, ao analisar o movimento
renovador do IBECC/SP nos anos 1960, a conclusão foi que: apesar dos poucos
resultados obtidos, é inegável que essa fase inicial de atividades do IBECC/SP, logo
reconhecido como instituição de vanguarda capaz de promover as mudanças que se
faziam necessárias, permitiu: a difusão inicial de um ideário de mudanças na área do
ensino de ciências; a formação de um quadro técnico próprio e a aglutinação de
professores universitários colaboradores. Foram essas as condições que permitiram
alavancar a difusão das mudanças na fase seguinte” (Fracalanza, 1993, p. 122).
212
Segundo Saviani, “a cabeça do professor é escolanovista e a realidade tradicional
(apud Almeida, M. J. P. M, 1989, p. 268). Em janeiro de 1970, realizou-se no Instituto de
Física da USP, por iniciativa da Sociedade Brasileira de Física, o Primeiro Simpósio
Nacional de Ensino de Física, coordenado por Ernst W. Hamburger (Nardi, 2005, p. 13). O
Simpósio evidenciava a posição crítica em face dos resultados dos projetos PSSC.
Rodolpho Caniato rebate tais críticas: parece-me descabido ´pichar´ o PSSC porque a
sua maior contribuição é justamente a renovação de atitude. Não se disse ao professor
que ele deve ter todos os filmes, que ele deve ter todos os carros e todos os aparelhos
para medir, mas disse-se: ‘Pare, ponha os problemas para seus alunos, discuta com eles,
faça com eles o que você puder’”. No final, o Simpósio aprovou uma moção que apontava
os novos rumos no ensino de física: Que sejam concedidas verbas para a implantação
de projetos brasileiros de elaboração de texto e material de ensino de física(Almeida, M.
J. P. M, 1989, p. 266).
Os projetos da NSF também foram objeto de crítica nos Estados Unidos. Myriam
Krasilchik analisa a vasta literatura dos anos 1960 e 1970 sobre a avaliação de tais
propostas curriculares. Não foi possível demonstrar conclusivamente a vantagem absoluta
de uma metodologia ou recurso didático. Em alguns casos, constatou-se que os alunos
que freqüentavam os cursos baseados nos novos currículos podiam até sair-se pior nos
vestibulares, porque esses seguiam os conteúdos dos livros didáticos mais populares da
época (Krasilchik, 1987, p. 29). Críticos como David Turner apontavam que a proposta
dos cursos PSSC e Nuffield de ensinar física para todos o podia se esquivar da
realidade de que nem todos os alunos tinham vocação para a ciência, de modo que
concentrar investimentos para se reestruturar um curso de nível secundário que na prática
produziria resultados em apenas 25% dos alunos era questionável (Turner, 1984, p. 446).
Ademais, as ditas inovações terminavam por se concentrar em alguns poucos aspectos,
pois, na maior parte do currículo, a física dos cursos PSSC seguia o modelo tradicional de
ensino. Rodger Bybee e Peter Dow mostram que, especialmente após a descida do
homem à lua em 1969, arrefeceu-se o ímpeto na necessidade de reformas educacionais,
e, dessa forma, a Diretoria de Educação do NSF gradativamente teve seus orçamentos
reduzidos até ser finalmente extinta em 1980 (Bybee, 1998).
Em 1969, a UNESCO, sensível a tais críticas, lançou formalmente seu programa
213
de ensino de ciências integradas, no qual os cursos de ciências não deveriam preparar o
aluno unicamente tendo em vista sua capacitação a estudos científicos em um nível mais
elevado, mas a formação de indivíduos com conhecimento mais generalizado e de forma
unificada (Baez, 1976, p. 130). A publicação New Trends in Integrated Science dessa
época retratava essa nova orientação da UNESCO, inclusive com um artigo de Myriam
Krasilchik sobre o tema no Brasil (Krasilchik, 1977). A primeira Conferência sobre o
Ensino Integrado de Ciências, realizada em 1968, na Bulgária, conhecida como
Conferência de Varna, contou com o apoio da UNESCO e da Fundação Ford. Cinco anos
mais tarde, uma segunda conferência foi realizada em Maryland, nos Estados Unidos. Na
Conferência de Varna foi dada uma definição, ainda que informal: ensino integrado de
ciências consiste nas metodologias nos quais os princípios e conceitos das ciências são
apresentados de forma a compor uma unidade fundamental do pensamento científico e
de modo a evitar uma prematura e indesejável ênfase nas distinções entre os vários
ramos científicos”. Nessa perspectiva, em vez do ensino independente de cada matéria,
buscava-se como conceito-chave a integração destas mesmas matérias (física, química,
biologia) para proporcionar uma visão unificada (Cohen, 1977, p. 10).
As críticas atingiam também a ação da Fundação Ford, principal financiadora de
projetos nos anos 1960 no Brasil. No final da década de 1960, a FUNBEC recebeu da
Fundação Ford um financiamento da ordem de 194 mil dólares, previsto para dois anos,
com o objetivo de treinamento de professores no aproveitamento e na avaliação dos
materiais de ensino, bem como na elaboração de novos projetos para o ensino de 1
o
grau,
que não fosse a tradução ou adaptação de projetos estrangeiros existentes. Nos anos
1970, a Fundação Ford sofrera uma reorientação ao apoiar projetos que ressaltassem a
capacidade de iniciativa dos próprios latino-americanos e ao evitar a imposição unilateral
de propostas geradas nos Estados Unidos, como resposta às críticas da teoria da
dependência, então em voga (Campos, 2002, p. 108).
No Brasil, as reformas do ensino de nível superior, em 1968, e as reformas dos
ensinos de 1
o
e 2
o
graus, em 1971, enquadrariam a educação como área prioritária
integrada ao Plano Nacional de Desenvolvimento (Romanelli, 2002, p. 197), buscando
maior integração do sistema educacional ao modelo econômico, para se atingir aos
objetivos deste último (Romanelli, 2002, p. 223). Em 1972, com o impacto da
promulgação da LDB (Lei 5.692/71), o então Ministério da Educação e Cultura criou o
214
Projeto de Expansão e Melhoria do Ensino (PREMEN), com o objetivo de promover uma
transformação estrutural no ensino de nível médio (Júnior, 1976, p. 122), dando grande
impulso à produção de materiais didáticos de ciências originais desenvolvidos no País e
adaptados às condições locais, o que representaria um grande incremento às atividades
da FUNBEC (Gaspar, 1993). O aumento no nível de escolaridade do trabalhador definiu o
objetivo desse ensino, que, além da cultura geral básica, incluía uma educação para o
trabalho, abolindo-se a divisão entre o ensino de nível secundário e o ensino profissional,
bem como os exames de admissão para o ensino de nível secundário, que demarcavam,
até então, uma linha divisória entre o ensino de nível primário e o secundário (Nunes, C.,
2000, p. 45, 58). Com a democratização da educação e o acesso cada vez maior das
camadas populares, tornava-se impossível sustentar a organização dualista de formação
intelectual para uns e de preparatório para o ensino de nível superior e profissional para
outros (Cunha, L. A., 1982, p. 76). O PREMEN tinha como objetivos principais:
1. Proporcionar a alunos e professores materiais didáticos de
qualidade e adequados à realidade brasileira,
2. Criar novas equipes e vitalizar as existentes, capazes de dar
contribuições significativas a um movimento de contínua renovação
e atualização do ensino de ciências.
3. Treinar professores de ciências e matemática para o ensino de 1
o
grau e de sica, química e biologia para o ensino de 2
o
grau na
utilização dos novos materiais didáticos.
4. Habilitar novos professores de ciências para o ensino de 1
o
grau
mediante licenciaturas de curta duração.
5. Aperfeiçoar professores de ciências e matemática do ensino de 1
o
grau e de física, química e biologia do ensino de 2
o
grau, mediante
cursos de aperfeiçoamento em períodos de férias e em serviço
(Barra & Lorenz, 1986, p. 1979).
O PREMEN atuava como um órgão especializado na produção de material
didático e foi financiado pelo USAID (50%), MEC (20%) e pelas contrapartidas dos
Estados (30%) (Barra & Lorenz, 1986, p. 1979). Nesse sentido, podemos dizer que a
criação do PREMEN, em 1972, foi a incorporação pelo Estado de um modelo que teve
sua origem nas ações do IBECC/SP nos anos 1950.
215
A ação do PREMEN coincide com a constituição dos grupos de ensino de física no
IFURGS e no IFUSP, quando são desenvolvidos os primeiros projetos de ensino de física
no País, dentre os quais o Projeto de Ensino de sica (PEF) do Instituto de Física da
USP, em 1972, sobre mecânica, eletricidade, eletromagnetismo, coordenado por Ernst
Hamburger e Giorgio Moscati e editado pelo FENAME do MEC (Nardi, 2005, p. 12); o
Física Auto-Instrutiva (FAI) do Grupo de Estudos em Tecnologia de Ensino de Física
(GETEF), coordenado por Fuad Saad, Paulo Yamamura e Kazuo Watanabe em 1973, e
publicado pela Editora Saraiva; e o Projeto Brasileiro de Ensino de Física (PBEF), da
FUNBEC. O GETEF usou a instrução programada como técnica de elaboração dos textos
descaracterizando a experimentação como era proposta pelo PSSC, além de enfatizar a
necessidade de se utilizar métodos ativos de ensino nos quais o aluno, e não o professor,
ocupe o centro do sistema educacional (Saad, 1977): o texto programado não é
conseqüência de uma experiência de física que deve ser feita. Pelo contrário, a
experiência é um recurso para se mostrar determinados princípios básicos explorados
pelo aluno, como acontece também com recursos audiovisuais e conferências(Almeida,
M. J. P. M, 1989, p. 267).
Sob os auspícios do PREMEN, foram também realizados o Projeto Nacional para
o Ensino de Química no 2
o
grau, realizado junto com o CECINE em 1972, sobre química
orgânica e inorgânica; o Projeto de Ensino de Ciências para o 1
o
grau (PEC),
desenvolvido junto com o CECIRS em 1972, sobre ciências físicas e biológicas; o Projeto
de Ciências para a 1
a
a 4
a
séries, realizado junto com a CECI em 1975; o Projeto de
Biologia Aplicada para o 2
o
grau, realizado junto com o CECISP em 1976; o Projeto de
Física Instrumental para 2
o
grau, realizado junto com o CENAFOR em 1974; o Projeto de
Integração do Ensino de Matemática e Ciências do 1
o
grau, realizado pela Faculdade de
Educação do Rio Grande do Sul em 1975, entre outros. Ao total, a FUNBEC e o PREMEN
desenvolveram 24 projetos após a promulgação do PREMEN (Barra & Lorenz, 1986, p.
1981; Nardi, 2005, p. 8). Nesse período, o foco estava na formação de cidadãos em
oposição à idéia de formação de cientistas, buscando-se a democratização do ensino
destinado ao homem comum (Paraná/SEED, 2005, p. 7).
O Projeto Brasileiro de Ensino de Física (PBEF) foi desenvolvido pela FUNBEC
junto com os professores: Rodolfo Caniato, que implementou o módulo de astronomia, e
216
Verenice dos Santos Leite Ribeiro, Sérgio Maniakas e Décio Pacheco, que
desenvolveram o módulo sobre eletricidade, além da colaboração dos professores do
IFUSP Antonio Teixeira Júnior e José Goldemberg (Nardi, 2005, p. 14). Tais projetos
tomavam o aluno como mentor do sistema de ensino-aprendizagem ao desenvolver um
material didático em que o aluno praticamente trabalhasse sozinho, quase sem a ajuda do
professor (Wuo, 2003, p. 323).
Os módulos de astronomia e eletricidade, contudo, foram desenvolvidos seguindo
concepções distintas e de forma independente (Fracalanza, 2005). O ponto de partida
para tais projetos foi o projeto piloto de ensino de física em São Paulo, sob o patrocínio da
UNESCO, nos anos de 1963 e 1964, que introduziu a tecnologia educativa e a utilização
da instrução programada no País (Paraná/SEED, 2005, p. 7).
Na área de kits para ciências, a FUNBEC deu continuidade e expandiu as ações
antes empreendidas pelo IBECC/SP. A FUNBEC, com o auxílio da Fundação Ford,
desenvolveu os Kits para experimentos de ciências 1
o
grau; uma série de 10 kits,
posteriormente comercializados pela Editora Abril com o nome Eureka e vendidos nas
bancas de jornal. Os kits Jogos e Descobertas consistiam em uma série de brinquedos
educativos e auto-instrucionais, constando de dezenas de kits sobre O que é a
eletricidade, Instalação elétrica residencial, Rádio transmissor, Luneta de Galileu, Jardim
osmótico, Movimento das plantas, entre outros (Funbec, 1986, p. 6).
Em 1972, surge o projeto do kit “Os cientistas”, com patente solicitada (MU
6101531), uma série de 50 kits lançada com a Editora Abril e distribuída nas bancas de
jornal, atingindo a tiragem de cerca de 3 milhões de exemplares vendidos (Funbec, 1986,
p. 9). O Banco Mundial tinha uma estimativa de venda mais modesta: os primeiros kits
atingiriam vendas de 200 mil unidades, ao passo que para os últimos kits da série o
número caiu para cerca de 10 mil (Musar, 1993, p. 58). Tendo como idealizadores Isaías
Raw e Myriam Krasilchik, os kits quinzenais traziam alguns dos experimentos de Newton,
Lavoisier, Einstein, Volta etc., mostrando a biografia dos cientistas e despertando o
interesse pela ciência (Gatti, 1974). Esse projeto teve sua origem em uma proposta de
aula de ciências para o curso supletivo de nível médio Madureza Colegial, que deveria ser
desenvolvido pela Fundação Padre Anchieta de Rádio e TV Educativa, em 1970, em
continuidade ao curso ginasial desenvolvido em duas versões em 1968 e 1969. Todavia,
217
em face do desinteresse da TV Cultura, Myriam Krasilchik que havia participado da
formulação original da proposta a desdobrou em outros dois projetos: Ciência Integrada e
Os Cientistas, este último tendo despertado o interesse da Editora Abril, que seria
responsável pelos fascículos do Curso Madureza (Fracalanza, 2005). A Editora Abril, por
iniciativa de Victor Civita, investiu US$ 1 milhão no projeto (Raw, 1998). O projeto, que
teve início em 1971 e cujas vendas começaram no segundo semestre de 1972, foi editado
por dois anos. O êxito dos projetos Eureka e Os Cientistas, que chegou a ser exportado
para a América Latina
206
(Baez, 1976), elevou a participação da FUNBEC no mercado de
kits educacionais para 90% nos anos 1980.
207
Figura 33 - Fascículo do Kit Os Cientistas, distribuído nas bancas pela Editora Abril Cultural.
Fonte: Editora Abril
Para Myriam Krasilchik a venda desse material nas bancas de jornais é uma
experiência absolutamente original no campo da inovação de ensino de ciências
(Krasilchik, 1980, p.176). Para Isaías Raw, o sucesso comercial do kit Os Cientistas foi o
coroamento de todo um trabalho de divulgação científica: o centro da idéia da FUNBEC
era uma grande inovação. Mesmo na área médica era a inovação. Aquilo era um grupo de
gente que estava inovando mesmo. Depois jogaram-se milhões de dólares do Banco
Mundial, quando eu havia voltado para o Brasil, para inovar o ensino de ciências pois
achava-se que o professor do caixa prego inova. O professor secundário não inova. Ele
206
Arquivo FINEP, projeto 1429/89, folha 454, contrato 73.90.0421.01, filme 2492, flash 371.
207
Idem.
218
tem como função ser um bom professor, mas não conhece o avanço da ciência. Muita
coisa foi repetida. O IBECC levou vinte crianças no quarto andar da Faculdade de
Medicina, para fazer experiências numas máquinas velhas. Isso foi repetido e é inútil, com
vinte crianças não se faz nada, não representa nada. Foi quando a FUNBEC saiu desta
experiência amadora e partiu para uma experiência inovadora que era levar os materiais
de ciência para a casa dos alunos, pois o professor não queria fazer experiências em
laboratório. Foi quando o projeto foi coroado com os kits “Os cientistas” distribuídos pela
Abril, na época em que eu fui embora, quando já estava negociado antes de eu sair.
Foram 3 milhões de kits que pararam nas mãos dos jovens, que levavam para as escolas.
Este foi o maior ensino à distância que houve de fato. O centro do processo era a
inovação e não a fabricação” (Raw, 2005c).
Os kits seguiram a orientação que Myriam Krasilchik denomina indutiva molecular:
através de uma série de etapas, o sujeito é levado a realizar experimentos a fim de
constatar certas relações entre fenômenos, desde que seguida de forma rigorosa a
montagem dos aparatos. Quando a experiência não alcança os resultados esperados, o
aluno é recomendado a repeti-la. Alguns kits, como os de Einstein na obtenção do efeito
fotoelétrico e de Lavoisier no equilíbrio da balança, mostravam maior dificuldade de
reprodução, não devido à falta de habilidade dos usuários, mas devido às diferenças de
peso nos pratos da balança ou à umidade excessiva do ar (Gatti, 1974). Enquanto Gatti
concluiu que os kits contribuíram para o desenvolvimento da criatividade dos jovens,
Alfredo Saad tinha opinião oposta (Lemgruber, 1996, p. 11).
Os kits constituíram a atividade industrial inicial da FUNBEC. As vendas da
FUNBEC de equipamentos de ensino para escolas atingiram o valor de US$ 3 milhões em
1979, porém este valor variava ano a ano em função da alocação de recursos públicos
para tais compras (Musar, 1993, p. 58). De todos os projetos educacionais da década de
1970, apenas as coleções Eureka e Os Cientistas encontraram mercado. A pressão sobre
os professores comissionados da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo para o
desenvolvimento de novos projetos não teve o efeito esperado, pois a maior parte desses
professores ou se tornou crítica à adaptação de projetos educacionais estrangeiros ou
manteve-se presa à concepção original dos projetos dos quais haviam participado
(Fracalanza, 2005).
219
Tais críticas tinham sua fundamentação epistemológica na filosofia da ciência
contemporânea, que entendia a ciência não como um processo acabado, mas como
resultado da interação do sujeito com o objeto em estudo, rejeitando radicalmente a
concepção de uma ciência como um processo objetivo indutivo (Lemgruber, 1996). De um
lado, a institucionalização da pós-graduação e a pressão por mais vagas no ensino de
nível superior, e do outro, a necessidade de formação rápida de professores para o
atendimento da maior demanda de escolarização no ensino fundamental, possibilitada
pela eliminação do exame de admissão à 5
a
série (antiga 1
a
série do ginásio), pela
industrialização e conseqüente concentração urbana. Isso impulsionou o governo a tomar
uma posição mais pragmática e menos afeita a propostas pedagógicas mais ousadas.
Em sua tese de doutorado defendida em 1976, Antonio Teixeira Júnior,
fundamentado nas necessidades de maiores investimentos do governo federal na
educação de nível primário e nível médio, propõe um projeto para o ensino de ciências
para o Brasil, modelando-se na experiência da FUNBEC e envolvendo engenheiros,
professores e técnicos de diversas áreas. Um relatório do PREMEN relativo ao período de
abril de 1972 a março de 1976 destaca o desempenho da FUNBEC em projetos de
educação, recomendando como diretriz utilizar e reforçar a experiência dos Centros de
Ciências e de organizações particulares, como a FUNBEC, que longos anos vem se
dedicando ao aperfeiçoamento de professores de ciências e à introdução de novas
metodologias com apoio em materiais estrangeiros adaptados, assim como de algum
material adquirido localmente” (Júnior, 1976, p. 116).
Para Antonio Teixeira, o País tinha uma particular carência de preparação de
pessoal para as ocupações do primeiro segmento na indústria, comércio e agricultura
demandados pelo desenvolvimento proporcionado pelo milagre econômico (Júnior,
1976, p. 67). Com a expansão do ensino de nível superior, a partir de 1967, aumenta o
interesse pelos cursos preparatórios para o nível superior, decrescendo o interesse pelo
nível profissional, cuja procura declina, fato este que a Lei 5.692/71 viria a modificar
(Júnior, 1976, p. 70). Como decorrência do projeto prioritário 34, do Plano Setorial de
Educação do MEC, no período de 1972 a 1974, foi criado o Projeto para Melhoria do
Ensino de Ciências no Plano Setorial de Educação, para o período de 1975 a 1979,
atuando em duas áreas bem definidas: o Projeto 7.2, para elaboração e experimentação
de novos materiais didáticos para o ensino de ciências no nível de 1
o
e 2
o
graus; e o
220
Projeto 13.4, para a capacitação de recursos humanos para o ensino de ciências no nível
de 1
o
e 2
o
graus (Júnior, 1976, p. 123). Os investimentos no ensino 1
o
e 2
o
graus se
justificariam na medida em que, quanto menor o nível de educação, maiores serão as
taxas de retorno esperadas para os investimentos em educação (Júnior, 1976, p. 151).
A avaliação realizada por Maria Angelina Magalhães, em sua tese de mestrado de
1979 na PUC-RJ, mostra que as tecnologias estão à disposição de colégios e
professores, mas as atividades práticas, ainda insuficientes, nem sempre contribuem para
a melhoria do ensino, e conclui pela subutilização dos projetos nacionais desenvolvidos
com o financiamento do PREMEN. Ademais, mesmo quando a escola deixa ao professor
a decisão de empregar ou não tecnologias, ele simplesmente não as utiliza por não dispor
de área de manobra necessária para poder usar, se decidir fazê-lo (Magalhães, 1979).
Em relação a esses projetos desenvolvidos pela FUNBEC, e pelo PREMEN nos
anos 1970, Hilário Fracalanza, identifica três características principais: (i) apesar de
refletirem os contextos nos quais foram desenvolvidos, muitos apresentavam
características que os tornavam críticos em relação à realidade; assim o Projeto de
Ciência Integrada ensejava a discussão sobre as relações entre os procedimentos
científicos e o senso comum; (ii) inspirados fortemente pelos projetos do NSF da década
de 1960, os novos projetos curriculares também acabaram por cometer alguns dos
equívocos praticados nos projetos que os inspiraram, como, por exemplo, o fato de terem
sido desenvolvidos por especialistas em ensino sem a participação direta dos
professores, seus futuros usuários, que só se inteiravam dos projetos já na fase de
treinamento; outro equívoco foi a excessiva ênfase na experimentação em detrimento de
outras possíveis propostas de atividades; e (iii) os projetos trouxeram como novidade a
tentativa de baratear e simplificar o material empregado nos experimentos, reduzir o
controle da atuação do professor por meio dos guias do professor” e incorporar novos
modelos de tratamento do conteúdo (Fracalanza & Neto, 2006, p. 137).
Hilário Fracalanza aponta alguns fatores que contribuíram para a pequena
aceitação dos projetos brasileiros: a ampliação das vagas nas escolas de Ensinos
Fundamental e Médio ocorrida, nos anos 1960 e 1970, não foi acompanhada de aporte
correspondente de recursos para ampliação e a gestão da rede pública de ensino; a
existência de professores mal preparados formados por cursos de licenciatura de curta
221
duração de qualidade inferior resultantes da Resolução CFE 30/74; as dificuldades
encontradas para realizar a produção editorial dos projetos de ensino e de treinamento de
professores, decorrente do desinteresse do PREMEN em face da redução dos recursos
provenientes dos acordos MEC-USAID; e o fato de muitos projetos de ensino
preconizarem metodologias diferentes do que usualmente se solicitava em exames
vestibulares para o ingresso no ensino de nível superior (Fracalanza & Neto, 2006, p.
141).
Alberto Gaspar, atribui o fracasso de tais projetos, especialmente os de instrução
programada, distribuídos nos anos 1970, por terem colocado o professor em posição
secundária no processo de aprendizagem, transferindo esse papel para o próprio aluno. A
crença de que a realização de experiências por parte do aluno o conduziria a
"redescoberta" de leis científicas constitui um erro epistemológico pois o proposta
pedagógica que possa prescindir da ação direta e insubstituível do professor: "a física é
uma construção humana. Ela não está na natureza, mas na mente dos físicos ....
Nenhuma experiência é auto-explicativa sem a orientação do professor, os alunos nem
sequer vêem o que se espera ou se deseja que vejam" (Gaspar, 2002; 2008) Nesta crítica
os projetos IBECC/FUNBEC ao invés de instigar o pensamento crítico e formação de um
cidadão preparado para o exercício da democracia, está muito mais voltado para sua
adesão a uma forma de ciência tal como transmitida pelos coordenadores dos projetos.
Em meados dos anos 1970, o PREMEN passou a ser considerado não prioritário
pelo MEC, especialmente em face da redução de recursos provenientes dos acordos
MEC-USAID (Fracalanza & Neto, 2006, p. 142), o que impactou diretamente nos projetos
da FUNBEC (Barra e Lorenz, 1986, p. 1981). Hilário Fracalanza aponta diversos motivos
para a redução dos projetos de ensino de ciências após os anos 1970, não somente da
FUNBEC, mas, em geral, em decorrência de: precárias condições de operação das
escolas; deficiências na formação e no treinamento de professores; bloqueio na difusão
de novas tecnologias; redução da margem de manobra necessária para o professor usar
a tecnologia se decidisse fazê-lo, a ampliação das vagas nas escolas de ensino
fundamental e dio o ter sido acompanhada por aporte correspondente de recursos
para a extensão e gestão da rede pública de ensino (Fracalanza & Neto, 2006, p. 142).
A partir de 1980, o espaço que era previsto para ser ocupado pelos projetos
222
acabou sendo preenchido pelos livros didáticos convencionais (Fracalanza & Neto, 2006,
p. 142), e a FUNBEC teve suas atividades de ensino gradativamente reduzidas. A equipe
de cerca de 30 professores comissionados que trabalhavam na FUNBEC aos poucos fora
reduzida, em face de fatores como a longa duração necessária para a maturação de
novos projetos, o que nem sempre se compatibilizava com a duração dos contratos com
os professores. A institucionalização da pós-graduação foi outro elemento de dispersão
da equipe. Outro fator foi a instauração de cursos de licenciatura de curta duração, como
os ministrados na Fundação Santo André e em Bragança Paulista, que atraíam a atenção
dos professores que haviam adquirido experiência na implantação dos projetos PSSC,
BSCS, e CBA (Fracalanza, 2005). Nessa fase, destacava-se apenas a publicação,
iniciada em 1980, da Revista de Ensino de Ciências, que tinha como editora Anita Rondon
Berardinelli e foi publicada até 1993 com o apoio do MEC/PREMEN, dedicada aos
professores de ciências e de matemática da 5
a
a 8
a
série e o projeto de difusão de
Centros Interdisciplinares de Ciências (Gaspar, 1983; Funbec, 1986, p. 10). A Revista de
Ensino de Ciências, com tiragem de 33 mil exemplares era distribuída à totalidade das
escolas públicas urbanas de ensino de 1° grau completo, enquanto o boletim Ciências
para as Crianças, com tiragem de 144 mil exemplares atingia, além destas, as escolas
rurais de ensino de 1° grau incompleto da região Nordeste.
208
A FUNBEC também ajudou na criação da Estação Ciência, com o patrocínio da
FAPESP. Concebido pela Hoeschst do Brasil e pela Fundação Roberto Marinho, e
elaborado pela FUNBEC, o projeto Ciranda da Ciência, que recebeu o prêmio ECO
(Empresa-Comunidade) da Câmara de Comércio Americana em 1989 e 1990, envolveu
professores de ciências e alunos da 5
a
a 8
a
séries do ensino de grau de todo o País
com experiências que abrangiam assuntos como o corpo humano, organismos nocivos,
defesa da saúde e proteção ambiental. Sua finalidade era conscientizar o jovem
pesquisador sobre si mesmo, informando sobre hábitos de higiene e nutrição.
4.3 A Coretron
208
Arquivo FINEP, projeto 1429/89, folha 454.
223
Entre as atividades industriais do IBECC/SP, estava incluída, além da fabricação
de kits, a produção de material de instrumentação para a Escola Politécnica e de material
de bioquímica para a Faculdade de Medicina da USP. Essa experiência, aliada à vocação
de cientista empresário, conduziu Isaías Raw, em 1958, em conjunto com seus dois
amigos igualmente de origem judaica, o médico Josef Feher e o engenheiro de eletrônica
do ITA Adolfo Alberto Leirner, a fundar a Coretron. A idéia era iniciar a produção de
eletrocardiógrafos e monitores hospitalares, até então importados e com disseminação
muito baixa na área médica no Brasil.
209
Em 1968, a FUNBEC absorveria a tecnologia da
Coretron, que se constituiu, portanto, um elo importante para se compreender a inserção
da FUNBEC na área de equipamentos médico-hospitalares.
Josef Feher, para atingir seu objetivo de atrair seu amigo de infância Isaías Raw
ao projeto, teria de tornar o empreendimento atrativo para seus interesses. Isaías Raw,
que dispunha de uma oficina mecânica no IBECC/SP para a construção de kits de
ciências, viu na oportunidade a chance de utilizar tal facilidade para desenvolver
equipamentos para pesquisa, trazendo benefícios para seus projetos no ensino de
ciências a idéia era produzir eletrocardiógrafos e monitores hospitalares. Eu desejava
usar a experiência de equipamentos eletrônicos que ao contrário dos kits da FUNBEC
teriam que ser sofisticados, de alta qualidade e boa aparência, para desenvolver
equipamentos para pesquisa, como registradores para neurofisiologia, fotocolorímetros e
espectrofotômetros” (Raw, 2005b, p. 44).
209
Após a Segunda Guerra Mundial, o governo norte-americano intensificou a adaptação de tecnologias bélicas para fins pacíficos, o
que impulsionou o desenvolvimento da engenharia biomédica por meio de investimentos maciços do NIH na área de saúde
(Rosemberg, 1994). Os Estados Unidos do pós-guerra dedicaram verbas consideráveis para as pesquisas em saúde por intermédio
dos institutos nacionais de saúde e universidades. Isso levou a uma demanda precoce e intensiva de equipamentos de assistência à
saúde por parte das instituições de pesquisa médica, desencadeando nos Estados Unidos o início da indústria de equipamentos
médico-hospitalares.
224
Figura 34 - O engenheiro Adolfo Leirner.
Fonte: arquivo pessoal Adolfo Leirner
Figura 35 - O médico Josef Feher.
Fonte: arquivo pessoal Adolfo Leirner
Sem contar com qualquer tipo de investimento público e tendo o apoio de Isaías
Raw, então diretor do IBECC/SP, a iniciativa pode ir à frente, uma vez que a oficina
mecânica do IBECC, um pequeno galpão no campus da USP, se prestava a projetos
deste tipo, pequenos protótipos, como a fabricação de um eletroencefalógrafo (Leirner,
2007). O que para Josef Feher era visto como uma oportunidade de alavancar a produção
de equipamentos em sua área de especialização emergentes no mercado internacional e
impulsionar uma demanda interna para tais equipamentos, por Raw era visto como uma
oportunidade para o desenvolvimento de uma tecnologia em instrumentação que seria útil
para seus projetos educacionais. Para Adolfo Leirner, filho de empresário da área têxtil,
seria a oportunidade de adquirir a experiência empresarial e tecnológica que seu pai lhe
estimulava, tendo em vista a consecução dos negócios da família e a aplicação dos
conhecimentos adquiridos no ITA. Tratava-se, portanto, de três perspectivas distintas para
um mesmo projeto, articuladas por intermédio de Josef Feher.
225
Figura 36 -Equipamentos de bioquímica fabricados pela Coretron nos anos 1960. A peça de
acrílico é uma cuba de eletroforese, ao lado de fontes de alimentação para a cuba. Na parte inferior
direita, um plotter manual: marcava-se o valor de densidade óptica (indicado pelo galvanômetro) com a
ponta de um lápis orientado pela régua.
Fonte: arquivo pessoal de Adolfo Leirner
Adolfo Leirner graduou-se em engenharia eletrônica pelo ITA, em 1958, atuando
desde então como auxiliar de ensino na Divisão de Engenharia Eletrônica chefiada pelo
tcheco Richard Robert Wallauschek, doutor em ciências pela Universidade de Praga e um
dos professores estrangeiros contratados para lecionar no ITA. Adolfo Leirner atribuía à
formação no ITA a facilidade que adquiriu para transitar entre muitas áreas: sinto que
pertenço ao grupo de jovens corajosos que, apesar do risco, foram para São José dos
Campos, para construir a elite dos engenheiros do Brasil”. Em 1961, Wallauschek, com o
auxílio do CNPq, orientaria o projeto de fim de curso de José Ellis Ripper, Fernando Vieira
de Souza, Alfred Wolkmer e Andras Vásárhelyi, para a construção do primeiro
computador transistorizado feito com componentes inteiramente fabricados no Brasil, o
“Zezinho” (Morais, 2006, p. 230). O primeiro computador comercial aparecera nos
Estados Unidos, fabricado pela Sperry em 1953.
Adolfo Leirner foi liberado, pela Divisão de Engenharia Eletrônica, das atividades
de auxiliar de ensino, para trabalhar nas horas vagas nas oficinas do ITA no projeto de um
novo marca-passo capaz de obter seus estímulos diretamente do átrio do coração,
disparado pela onda P, no Instituto de Cardiologia Sabbato D’Angelo (instituição
financiada pela fábrica de cigarros Sudam, uma das maiores da época) e para concluir o
226
projeto de um vectorcardiógrafo, ambos os projetos sob a orientação de Josef Feher
(Leirner, 1990). Adolfo Leirner também trabalharia na reforma do acelerador Van de
Graaf, de Oscar Sala, no Departamento de Física da Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras da USP, o primeiro acelerador construído fora dos países avançados e que teve o
projeto concluído em 1963 (Leirner, 2007). Além de Adolfo Leirner, que veio a constituir a
Coretron, outros participantes desse mesmo projeto iniciaram atividades industriais, como
Ari Rodrigues com uma fábrica de ímãs e Rudolph Thom com a criação da Brasele,
fábrica de scalers.
Josef Feher viajou para os Estados Unidos e fez estágio em vectorcardiografia
com o dr. Arthur Grishman. Em seu retorno ao Hospital das Clínicas, entrou em contato
com Bernardo Kocubej e Brenno Hirschfeld, proprietários da empresa Invictus,
210
para a
montagem de um equipamento de vectocardiografia ou um cardioscópio. O equipamento
de vectorcardiografia, entretanto, não foi concluído, pois as imagens dependiam de um
tubo de fósforo amarelo de persistência lenta. Mesmo com a importação do tubo, os
problemas técnicos persistiam. Em 1957, foi instalado o primeiro vectorcardiógrafo no
Hospital das Clínicas (Leme, 1981, p. 182), porém acabou de pouco uso entre os
médicos, pois a vectorcardiografia, ao contrário das perspectivas de Josef Feher no início,
acabou não sendo adotada como padrão de diagnóstico na clínica (Leirner, 2007), devido
à falta de padronização e de uniformidade tanto na gravação do sinal como em sua
terminologia (Fye, 1994, p. 946). Ademais, raramente o vectorcardiograma de fato mostra
algum aspecto do potencial elétrico do coração que não esteja claramente evidente no
eletrocardiograma.
Os marca-passos desenvolvidos nessa época pela equipe de Josef Feher não
eram implantáveis, mas carregados pelo paciente a tiracolo (Leirner, 1990). Os primeiros
marca-passos transistorizados implantados foram pela primeira vez empregados por
Greatbach somente em 1960. Os testes do novo marca-passo desenvolvido por Josef
Feher e Adolfo Leirner e apresentados no Congresso de Cardiologia, em 1959, foram
realizados no mesmo ano por Hugo J. Felipozzi
211
no Instituto de Cardiologia Sabbato
210
A Invictus foi a primeira empresa nacional a fabricar rádios valvulados, em 1943, e, em meados de 1950, a iniciar a produção dos
primeiros televisores brasileiros. Começou suas atividades montando kits CKD importados e pouco tempo depois fabricando
cinescópios para uso próprio e de terceiros na fábrica na avenida da Consolação, em São Paulo (Barros, 1990, p. 89). A Ibrape era
outra fabricante nacional, pertencente ao grupo Philips, que iniciou a produção de cinescópios no País, em 1957 (Ibrape, 1988).
211
Felipozzi, que estudara nos Estados Unidos, foi o primeiro cirurgião da América do Sul a operar um coração a céu aberto com uso
de circulação extracorpórea, em novembro de 1956, quando a técnica iniciava-se nos Estados Unidos (Araújo, 1988, p. 114). O
Instituto de Cardiologia Sabbato D’Angelo, contudo, teve problemas jurídicos, deixou de apoiar a pesquisa cardíaca, e Felipozzi
227
D’Angelo (Reis, N. B., 1986). A viúva do fundador da empresa Anita D’Angelo era sogra
de Felipozzi, que o nomeou diretor do Instituto e assim pôde dar continuidade a suas
pesquisas após os estudos nos Estados Unidos, uma vez que os professores da Escola
Paulista de Medicina não demonstraram interesse pela técnica de circulação
extracorpórea. Com a saída de Josef Feher do Hospital das Clínicas, as pesquisas em
conjunto com Adolfo Leirner prosseguiram no Instituto de Cardiologia do Estado de São
Paulo (ICESP), o atual Instituto Dante Pazzanese.
Os projetos do vectocardiógrafo e do marca-passo desenvolvidos por Adolfo
Leirner em conjunto com Josef Feher convergiram para um projeto mais ambicioso: a
construção do primeiro eletrocardiógrafo nacional. Mesmo na década de 1960, apenas os
hospitais mais bem equipados utilizavam eletrocardiógrafos em sua rotina. A proposta, no
entanto, vinha ao encontro do crescente desenvolvimento da cardiologia no Brasil e das
perspectivas de crescimento do mercado, impulsionado pelo ideário desenvolvimentista
dos anos JK.
A eletrocardiografia foi desenvolvida no início do século XX por Willen Einthoven.
O galvanômetro de corda desenvolvido por Einthoven pesava cerca de 270 quilos e exigia
o uso de lentes e de um sistema óptico, para que os minúsculos movimentos de um
filamento de fibra de quartzo revestida de prata condutora fossem projetados por lentes
em uma película fotográfica e, assim, amplificados. A difusão do eletrocardiograma como
ferramenta clínica foi gradualmente estabelecida por médicos como Thomas Lewis (Fye,
1994, p. 940) e Frank Wilson (Reis, N. B., 1986), entre outros (Maciel, 2005). Os primeiros
eletrocardiógrafos de corda importados foram introduzidos no Brasil, em 1910, por Carlos
Chagas, em 1910-1912, por Duque Estrada, no Rio de Janeiro, e, em 1916, por Francisco
Lyra, na Santa Casa de Misericórdia em São Paulo (Leme, 1981, p. 180).
O advento das primeiras válvulas eletrônicas, desenvolvidas na Primeira Guerra
Mundial para os primeiros rádios, viria a revolucionar os eletrocardiógrafos nos anos
1930, ao permitir a amplificação do sinal sem o uso do complexo sistema óptico de lentes
e filmes de revelação, tornando-os equipamentos mais práticos. Em 1928, utilizando-se
dessa tecnologia, a Sanborn lançou no mercado uma versão portátil de apenas 23 quilos
e alimentada por uma bateria de 6 volts de automóvel (Fleckenstein, 1984).
interrompeu suas pesquisas.
228
A cardiologia como especialidade no Brasil teve seu marco em 1941, no primeiro
curso intensivo de cardiologia do Serviço de Cardiologia do Hospital Municipal de São
Paulo, por seu fundador e chefe dr. Dante Pazzanese. Em 1942, Frank Wilson foi
convidado para ministrar curso de eletrocardiografia, o que contribuiu para a difusão da
especialidade na comunidade médica (Reis, N. B., 1986). No ano seguinte, foi fundada a
Sociedade Brasileira de Cardiologia. Esses eventos marcaram a gradual disseminação da
utilização dos equipamentos de cardiologia. Luiz Decourt na clínica cardiológica e
Eurípedes Zerbini na cirurgia cardíaca constituiriam equipes no Hospital das Clínicas, que
formaria uma geração de médicos na área. O surgimento da nova tecnologia de máquinas
de circulação extracorpórea nos Estados Unidos, no começo dos anos 1950, trazida ao
Brasil por Zerbini, iniciaria uma produção em escala industrial (válvulas cardíacas, marca-
passos etc) e viabilizaria as operações de transplante de coração. Logo a Oficina Coração
Pulmão Artificial, implantada nos porões do Hospital das Clínicas, desenvolveria
integralmente tais equipamentos e estenderia suas atividades à confecção de próteses de
silicone para implantes em diversos órgãos do corpo. Todo esse desenvolvimento na área
cardíaca nos anos 1940 e 1950 viria a contribuir para a expansão do mercado de
eletrocardiografia (Araújo, 1988).
O ponto de partida para a construção do primeiro eletrocardiógrafo nacional foi a
realização de engenharia reversa sobre um eletrocardiógrafo importado valvulado da
marca Burdick, o qual não utilizava o procedimento fotográfico dos eletrocardiógrafos
de geração anterior, mas galvanômetros de resposta rápida que escreviam em papel
termossensível ou com tinta. A parte mecânica era realizada nas oficinas do IBECC/SP,
os testes de bancada eram feitos na própria casa de Adolfo Leirner inicialmente e
posteriormente em uma sala alugada na rua Arthur Azevedo, em São Paulo (Leirner,
1990).
Foi necessária apenas a importação de alguns componentes críticos como
capacitores de alta capacidade e boa isolação, bateria de mercúrio para tensão de
calibração do aparelho e papel termossensível para a impressão do eletrocardiograma. As
válvulas, de uso comum, eram fornecidas pela Ibrape. O ponto mais crítico do projeto foi a
construção do galvanômetro,
212
que exigia a construção de uma bobina de enrolamento
212
O galvanômetro consiste basicamente em um conjunto de espiras pelas quais a corrente elétrica amplificada do eletrocardiograma do
229
especial, a partir de uma máquina de enrolamento projetada por um paciente de Josef
Feher (Feher, 1990) e um estilete térmico para impressão em papel especial (Leirner,
1990).
A amizade de Josef Feher e Isaías Raw acabou conduzindo a proposta de se
aproveitar as instalações do IBECC/SP na Faculdade de Medicina para a construção, em
1962, do primeiro eletrocardiógrafo no País (Leme, 1981, p. 182). Josef Feher, com uma
extensa rede de amigos provenientes da ascendência judaica e de sua atividade como
médico, atuou como articulador da rede de interesses em torno da construção do
eletrocardiógrafo. Ele soube como traduzir seu interesse como médico na construção de
um eletrocardiógrafo em algo que pudesse seduzir Isaías Raw, envolvido em um projeto a
princípio tão diametralmente oposto como o dos kits educacionais, e atrair Adolfo Leirner,
interessado em abrir seu próprio negócio.
Isaías Raw ofereceu a oficina do IBECC/SP para a fabricação da parte mecânica
do aparelho: a construção do galvanômetro e do motor que movia o papel. Com sua
formação de químico, Isaías Raw acreditava que seria fácil a preparação de um papel
termossensível por meios químicos, porém as tentativas de obtê-lo foram infrutíferas, o
que levou à importação do produto (Leirner, 1990). O galvanômetro foi montado
artesanalmente utilizando ímãs produzidos pela Eriez, que tinha uma fábrica no bairro
industrial de Jaguaré em São Paulo.
O eletrocardiógrafo ECG-S1 era transportável, porém, não era portátil pois pesava
15 quilos, uma vez que a caixa do aparelho teve de ser feita em aço em uma fábrica de
um outro amigo de Josef Feher e dado o fato de não haver uma indústria na época capaz
de realizar a solda em alumínio. A caixa em aço se por um lado blindava o amplificador
dos ruídos externos, por outro era muito pesada e provocava perdas no campo magnético
do ímã, reduzindo a sensibilidade do aparelho. Problemas de transiente na resposta do
galvanômetro somente foram resolvidos fazendo a moldura do galvanômetro fechada, de
modo a constituir uma espira que induzia correntes de Foucault que amortizavam a
resposta do circuito (Leirner, 2005). As soluções inovadoras surgiam conforme apareciam
paciente atravessa, imersa em um campo magnético radial uniforme produzido por um ímã. Essa espira de corrente interagindo com
um campo magnético sofre a ação de forças que tendem a produzir uma deflexão angular sobre o estilete, que é proporcional ao valor
da corrente que atravessa a espira. Uma mola proporciona um torque contrário ao produzido pela corrente, equilibrando a posição da
agulha, que, assim, passa a reproduzir o traçado do eletrocardiograma, uma vez colocada sobre um papel térmico que se move com
velocidade constante.
230
os problemas na bancada de projeto.
Figura 37 - Foto de Divulgação do ECG-S1.
Fonte: Folheto FUNBEC
O eletrocardiógrafo ECG-S1 desenvolvido era praticamente todo nacional. O
acionamento do galvanômetro exigia um ímã de 7 quilos de alnico-V (alumínio-níquel-
cobalto), o que era um problema: naquela época o médico transportava o
eletrocardiógrafo para a casa do cliente, uma vez que ainda não havia unidades de
tratamento intensivo nos hospitais. O pesado motor síncrono utilizado para esticar o papel
térmico com firmeza garantia um bom traçado do eletrocardiograma (Feher, 1990). O IPT
dominara a tecnologia de fabricação de ímãs de alnico-V e isso acabou sendo
aproveitado nos projetos da Coretron, bem como nos primeiros respiradores fabricados
por Kentaro Takaoka, anestesista do Hospital das Clínicas, nos mesmos fins dos anos 50.
Um problema de projeto era a estabilidade de linha-base resultado do uso de
eletrodos inadequados. Por indicação de Josef Feher, tentaram-se inicialmente eletrodos
de aço inoxidável, que se mostraram ineficazes sendo posteriormente substituídos por
eletrodos de alpaca. O circuito de filamento das válvulas era estabilizado por uma válvula
conhecida como ballast tube, que atuava como resistor variável à medida que a corrente
aumentava regulando de forma automática a corrente de filamento, porém de forma
ineficiente pois tinha uma constante de tempo muito elevada. O problema somente foi
resolvido com a chegada dos primeiros transistores que permitiram a construção de uma
fonte de tensão regulada (Leirner, 1990). Com o êxito dos testes com o eletrocardiógrafo,
Josef Feher, Isaías Raw e Adolfo Leirner decidem, em 1962, montar a Coretron.
231
O pai de Adolfo Leirner era um industrial imigrante polonês da área têxtil. A mãe
de Adolfo Leirner, Felícia Leirner, era escultora, seu irmão, Nelson Leirner, era artista
plástico e sua irmã, Giselda Leirner, era desenhista, restando apenas ele, Adolfo Leirner,
para assumir os negócios da família. Essa vocação artística na família teve reflexos na
produção industrial da Coretron. Para o desenho industrial dos equipamentos da Coretron
foi contratado, sob a influência da família de Adolfo Leirner, o designer Alexandre
Wollner,
213
uma novidade para uma empresa nacional. Praticamente toda a linha de
produtos da Coretron, exceto o ECG-S1 e o desfibrilador, foram desenhados por Wollner,
muito embora em alguns projetos houvesse uma limitação grande no design, porque
alguns componentes como o voltímetro e o galvanômetro não permitiam muitas variações
de desenho (Leirner, 2007).
O ECG-S1 teve dificuldades de encontrar mercado mesmo com o prestígio de
Josef Feher no ambiente médico, um mercado restrito, estimado em apenas 200
cardiologistas no Brasil. Josef Feher, entretanto, apostou no crescimento da tecnologia,
que acreditava viria a se tornar uma realidade na clínica (Feher, 1990). Com o
eletrocardiógrafo ECG-S1 concluído, uma das primeiras vendas foi para o cardiologista da
Polícia Militar de Belo Horizonte, Francisco Cansado, e para o consultório de Adib Jatene.
A concorrência dos importados se restringia a equipamentos da HP/Sunborn, Hellige e
Siemens, todos valvulados (Leirner, 1990).
O modelo ECG-S2, procurando resolver o problema de peso e garantir a
portabilidade do equipamento, utilizou um motor importado e miniválvulas presentes nos
televisores portáteis da GE, reduzindo o peso do equipamento para 8 quilos. Na época, as
UTIs ainda não eram difundidas, e a utilização do eletrocardiógrafo dependia
fundamentalmente da portabilidade, uma vez que o clínico realizava a consulta na casa
do paciente.
213
Wollner, recém-chegado da Escola Superior de Forma de Ulm, na Alemanha, junto com Ruben Martins, Geraldo de Barros e Walter
Macedo, fundou, em 1958, o primeiro escritório de design do País, chamado Form Inform, ao qual mais tarde viria se agregar Karl
Heinz Bergmiller (Itaú, 2005, Teixeira, 1999). O curso de Ulm se propunha a ser a continuação da Bauhaus, escola dos anos 1920,
preconizadora da integração da arte na indústria.
232
Figura 38 - Folheto de divulgação do ECG-S2 da Coretron.
Fonte: arquivo pessoal de Adolfo Leirner
Em 1967, foi desenvolvido o ECG-S3, um eletrocardiógrafo portátil, de apenas 4
quilos, inteiramente transistorizado, com o suporte do Instituto de sica da USP (Júnior,
2003). No ECG-S1, o estilete era de aço inoxidável com uma resistência na ponta para
aquecer o papel termossensível. No ECG-S3, a resistência era interna à agulha,
melhorando o desempenho de resposta de freqüência do traçado (Leirner, 2007). Um
sistema novo e original permitia a troca cômoda e rápida do papel, além de trabalhar com
papéis de larguras de 48 e 63 mm. Um mecanismo de proteção chamado Instamatic
centralizava instantaneamente o traçado, caso o estilete se desviasse da linha de
referência.
As perspectivas de Josef Feher de construção de um eletrocardiógrafo nacional se
concretizaram, embora uma maior escala industrial não tenha sido alcançada, tendo a
Coretron vendido cerca de 200 eletrocardiógrafos S1, S2 e S3 até o fechamento da
empresa, quando da venda da Coretron para a FUNBEC, em 1968 (Feher, 1990; Leirner,
2007).
233
A linha de produtos da Coretron incluía outros produtos na área médica, tais como
o fmg/reflexógrafo para a obtenção do reflexograma Aquileu usado no diagnóstico do
estado tireoidiano. O equipamento registrava os tempos relacionados com o reflexo do
tendão de Aquiles, particularmente o chamado tempo percussão-meia-descontração,
partindo do fato de que haveria uma diferença de comportamento do reflexo em relação
ao estado funcional da glândula tireóide, conforme demonstrado nos trabalhos de Julio
Kieffer, da Faculdade de Medicina da USP, em concordância com os trabalhos de
Lambert, de 1951. Um aumento dos tempos de reflexo seria peculiar ao hipotireoidismo,
enquanto uma diminuição, ao quadro oposto.
O equipamento registrava o deslocamento do pé dentro de um feixe luminoso.
Esse deslocamento provocava uma sombra que se movia sobre uma célula fotoelétrica,
resultando uma variação de corrente elétrica captada pelo fotossensor e amplificada para
ser registrada graficamente pelo eletrocardiógrafo Coretron. O aparelho era conectado ao
ECG para registro dos traçados. O projeto foi uma proposta do endocrinologista Virgílio
Gonçalves Pereira, da Faculdade de Medicina da USP, que convenceu Josef Feher do
mercado promissor do equipamento no diagnóstico do hipotireoidismo, previsão que não
se confirmou, de modo que a técnica de monitoração de tempos do reflexo do tendão de
Aquiles acabou cada vez mais sendo relegada a uso clínico mais secundário.
214
Na Coretron, para o desenvolvimento de equipamentos na área de óptica, Adolfo
Leirner e Josef Feher contrataram Abraham Szulc, nascido no Uruguai e que veio para
São Paulo apenas com a escola secundária como grau de instrução. Abraham Szulc
havia trabalhado no ITA, na construção de um telescópio (Leirner, 2007), e no Instituto de
Física da USP, junto com Abrahão de Morais, e teve papel importante no
desenvolvimento do medidor de pH e do fotocolorímetro projetados pela Coretron. O
fotocolorímetro tinha um espelho feito de pyrex de uma cuba de cozinha cortada e
moldada (Raw, 2005b, p. 44). A tecnologia da Coretron desenvolvida por Abraham Szulc
mostra a importância do conhecimento tácito, não codificado, adquirido pelo “saber fazer
214
Os trabalhos pioneiros de Ord em 1884 e posteriores já demonstravam, por meio de diversas soluções técnicas, o registro dos tempos
relacionados com o reflexo do tendão de Aquiles para o diagnóstico de disfunções da glândula tireóide. Mesmo nos anos 1960
quando o fmg/reflexógrafo da Coretron foi desenvolvido, a literatura de quase um século de pesquisas ainda não havia chegado a um
consenso quanto ao melhor parâmetro discriminativo, ora apresentando o tempo de contração, ora de meia-descontração ou o tempo
percussão meia descontração. Essa falta de consenso na área médica foi decisiva para a perda de confiabilidade desse equipamento e
o conseqüente mau desempenho de mercado, especialmente em face das pesquisas posteriores, mostraram os níveis de TSH, T3 e T4
como promissores no diagnóstico do estado da tireóide.
234
de um autodidata capaz de encontrar as soluções técnicas próprias ao ambiente no qual
estava inserido.
A Coretron produzia dois modelos de medidores de pH: o pH/TR de escala comum
de 0-14 unidades e o pH/TRX de escala expandida. A tecnologia inicial fora desenvolvida
por Adolfo Leirner a partir de um artigo descoberto por Isaías Raw quando em visita aos
Estados Unidos, que descrevia a construção de um eletrodo de pH. O êxito do
empreendimento surpreendeu as empresas concorrentes, como a empresa suíça
Metrohm.
215
O ano de fundação da Coretron, 1958, fora marcado pelo surto de industrialização
dos anos JK e o nascimento de uma indústria nacional, predominantemente multinacional.
As políticas restritivas de importação para atração da internalização da indústria
estrangeira acabaram servindo de incentivo para o surgimento de iniciativas locais, como
a Coretron, embora o foco da política industrial nesse momento não fosse o fomento de
uma tecnologia nacional. As empresas nacionais ainda se fundamentavam numa base
familiar, em sociedades fechadas, sem a presença de capital de risco ou a abertura de
capital, o que somente viria a ocorrer na década seguinte com o surgimento da bolsa de
valores e, ainda assim, de forma precária.
Mais do que os laços da ascendência judaica em comum entre Isaías Raw, Josef
Feher e Adolfo Leirner a presença de interesses familiares e a união de comunidades de
imigrantes tradicionais em São Paulo constituem importantes focos de aglutinação. Este
traços estão igualmente presentes no surgimento de uma burguesia industrial paulista no
início do século XX, ao destacar o papel de uma "burguesia imigrante" na industrialização
do país (Suzigan, 2000, p. 34). Warren Dean mostra o êxito bem mais modesto de
homens de negócios estrangeiros em lugares onde não havia uma comunidade de
imigrantes de vulto (Dean, 1971, p.62).
215
Os medidores de pH medem o teor ácido ou básico de soluções dado por uma escala de pH, utilizando-se de um eletrodo de
referência que gera uma tensão elétrica constante e que não depende do pH. O eletrodo indicador é constituído de um eletrodo de
vidro cuja membrana tem a forma de bulbo, feito a partir de um vidro especial cuja composição é rigorosamente controlada. Esse
vidro apresenta uma propriedade singular em relação aos vidros comuns: o contato com uma solução aquosa provoca uma mudança
superficial de sua estrutura, permitindo a penetração dos íons H+, o que resulta no aparecimento de uma tensão elétrica que é função
linear do pH da solução em medição.
235
Um estudo coordenado por Henrique Rattner sobre a pequena e média empresa
no Brasil no mesmo período de criação da Coretron, destaca a elevada proporção de
empresários descendentes de estrangeiros, a maior parte deles vinda de comerciantes de
classe média, compondo grupo de indivíduos com alguma familiaridade com o mundo dos
negócios. Tais empresas mantém os traços familiares na escolha de seus herdeiros nos
negócios. Estes novos empresários herdeiros em sua maioria se habilitaram para tal
função realizando curso superior onde acumulam experiência e habilidades (Rattner,
1979, pp.115, 137)
Josef Feher narra o surgimento da Coretron como fruto da inexperiência e
idealismo de três homens(Feher, 1990). Adolfo Leirner e Isaías Raw (2005c) também se
referem a este amadorismo do grupo: o País era muito provinciano, sociedades
fechadas, pouco sócios, descapitalizada, a indústria incipiente, e feita em famílias. Nosso
cardiógrafo foi assim, foi custeado de nosso bolso, não existia a idéia de capital de risco,
havia uma mentalidade muito provinciana [...] Isso uma idéia do caráter lúdico,
divertido, idealista para uma tecnologia razoável para aquele tempo (Leirner, 1990). A
proposta era constituir uma indústria eletrônica na área de saúde, porém com o tempo
tornou-se claro que o projeto não iria à frente em face do amadorismo e da falta de
capacidade de investimento dos fundadores. A Coretron tinha uma fábrica na av.
Morumbi, no Brooklin em São Paulo, com cerca de 20 funcionários, constituindo uma
indústria eletrônica médica e na área de equipamentos ópticos no Brasil. O chefe da
oficina mecânica era o jornalista Bernardo Kutinski, formado pelo SENAI (Leirner, 1990).
Emblemático da total falta de sincronia da Coretron com os projetos de industrialização
dos anos JK é o fato de que o financiamento da Coretron não veio de qualquer linha de
financiamento governamental, mas do pai de Adolfo Leirner, empresário bem-sucedido da
indústria têxtil, segmento pioneiro da industrialização no País, ou seja, a moderna e
inovadora Coretron foi gestada pela tradicional indústria têxtil como mero estágiopara
que Adolfo Leirner posteriormente continuasse os negócios da família e não com o intuito
deliberado de criação de projetos inovadores.
Os projetos na Coretron e a necessidade de tomar conta dos negócios de seu pai
adiaram os planos de Adolfo Leirner para ingressar na Faculdade de Medicina, seu desejo
inicial, apenas para 1973. A experiência com relés de alta tensão operando em ambientes
de gases raros, usada nos projetos de física com Oscar Sala, viria a ser aproveitada no
236
projeto do desfibrilador da Coretron, para o controle da descarga de alta tensão, anos
mais tarde, em conjunto com Josef Feher e Adib Jatene (Leirner, 2007; Feher, 1990).
Posteriormente, a tecnologia do desfibrilador foi aperfeiçoada pelo médico de Boston,
Bernard Lown, inventor dos modernos desfibriladores em fins da década de 50, baseados
na descarga de um capacitor carregado com corrente contínua, em vez dos tradicionais
desfibriladores que utilizavam corrente alternada para o choque. A Coretron foi a pioneira
também na fabricação de desfibriladores no Brasil (Leirner, 2007).
A aquisição da Coretron foi feita pela FUNBEC, em 1968, por sugestão de Isaías
Raw, que, assim, tornaria a FUNBEC menos dependente das encomendas
governamentais em educação, essas bastante instáveis especialmente diante do
agravamento das condições políticas na USP, tendo a produção de equipamentos
médicos como fonte de recursos. Adolfo Leirner, com a morte prematura do pai, teve de
assumir os negócios da família, além de se desmotivar com a Coretron em face do clima
de perseguição política em torno de Isaías Raw. Adolfo Leirner continuou como consultor
do Instituto de Cardiologia do Estado (ICESP) no desenvolvimento de marca-passos,
trabalhando com Josef Feher, Adib Jatene e Décio Kormann. Em 1973, Adolfo Leirner
iniciaria a graduação na Faculdade de Medicina na USP.
Para a aquisição dos laboratórios de óptica e de eletrônica da Coretron, a
FUNBEC contou com recursos a fundo perdido de US$ 300 mil da FAPESP (Maybury,
1975; Raw, 1970, p. 165), o equivalente a Cr$ 1 milhão. Nessa ocasião, foi feita uma
avaliação do patrimônio da Coretron, que foi entregue por um preço nominal à FUNBEC,
correspondente ao valor das máquinas desvalorizados pelo uso, ou seja, sem incluir o
custo dos projetos de engenharia desenvolvidos (Raw, 2005c). Com os recursos, Josef
Feher, Isaías Raw e Adolfo Leirner recuperaram parte dos investimentos pessoais
aplicados na Coretron. Esse foi o ponto de partida dos projetos em equipamentos
médicos da FUNBEC.
4.4 A produção de equipamentos médicos
Com a saída de Isaías Raw do Brasil em 1969, Antonio Teixeira Júnior, que
237
trabalhara junto com Isaías Raw desde a década de 1950 nos tempos do IBECC/SP,
assumiu a direção da FUNBEC. No período de 1968 a 1970, a FUNBEC incorporou a
Coretron, dando início à área médica e à de instrumentos ópticos da empresa. Em 1976
uma fábrica em Barueri, o Paulo, seria construída, com recursos da FINEP, onde se
instalaria a Divisão de Produção da empresa. As Divisões de Engenharia, Vendas e
Assistência Técnica permaneceriam localizadas no campus da USP. Em termos de
eletrocardiógrafos, a FUNBEC foi a primeira empresa brasileira a iniciar o
desenvolvimento dos mesmos, em 1968, começando sua produção, em 1970,
inicialmente fabricando, de maneira quase artesanal, o modelo ECG-S3 e,
posteriormente, lançando o ECG-4.
O crescimento da participação de mercado da FUNBEC viria com os lançamentos
da bicicleta ergométrica e do monitor cardíaco 4-1CN, ainda nos anos 1970, contando
com o financiamento público do BNDE e da FINEP. Em 1974, viria a reserva de mercado
que facilitaria a penetração da FUNBEC no mercado com as restrições de importação
(Holzhacker, 2005). Esses dois produtos conferiram à empresa uma dimensão industrial
que não se enquadrava nas expectativas de quando ela fora criada, em novembro de
1966. Os estatutos originais da empresa sequer fazem menção à produção de
equipamentos médicos. Parte da receita adquirida pela Divisão Médica era reinvestida
nos projetos educacionais, ainda que não haja dados precisos sobre essa movimentação
de recursos dentro da empresa. Com a expansão da empresa, foi constituída uma rede
de 26 representantes por todo o Brasil (Funbec, 1986, p. 5).
A ação da FUNBEC na produção de equipamentos médico-hospitalares se inseria
em um contexto de políticas públicas voltadas à promoção da indústria nacional dos anos
1970 e da organização do setor da saúde por intermédio da criação de órgãos estatais
como o INAMPS. Nesse sentido se enquadram os financiamentos do BNDE, da FINEP e
posteriormente do PADCT (já nos anos 1980) utilizados pela FUNBEC, bem como as
políticas de importação centradas na Lei de Similares. Todos esses instrumentos
contribuíram decisivamente para a inserção da FUNBEC nessa área, aproveitando-se de
uma oportunidade de mercado de um setor em expansão.
Tanto a saúde como a educação passaram a compor a agenda nacional com a
criação do Ministério da Educação e Saúde Pública no ano da Revolução de 1930, diante
238
de um contexto de gradual fortalecimento do papel do Estado. Apesar da estruturação de
um aparato centralizado de saúde, esse não contou até a década de 1960 com um plano
que organizasse as atividades estatais no setor, constituindo apenas um conjunto de
programas nacionais pouco articulados entre si (Draibe, 2004, p. 63). Na educação, da
mesma forma, desde 1930 até a aprovação da LDB, em 1961, estruturou-se o aparelho
social do Estado que elaborou a política governamental da educação (Draibe, 2004, p.
60).
Os recursos previdenciários limitados, o aparelho previdenciário não unificado, a
hegemonia de uma prática médica autônoma com um setor institucional organizado em
hospitais filantrópicos e estatais de pequeno porte e uma base tecnológica estreita
inviabilizavam qualquer possibilidade de transformação de caráter capitalista na medicina
no período que antecede a Segunda Guerra (Cordeiro, 1984, p. 30). A indústria de
equipamentos médicos desenvolveu-se especialmente após a Segunda Guerra, vinculada
à inflexão tecnológica observada na maioria dos países industrializados na década de
1960 (Vianna, 1994, 1995, 2002).
Hésio Cordeiro argumenta que, após a unificação do sistema previdenciário, com a
aprovação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), em 1960, ampliando o objetivo
restrito de “seguro social” para o de “seguridade social” e especialmente com a criação do
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) em 1966, embora não tenha havido uma
ruptura na política médico-assistencial da previdência social, implementou-se uma política
previdenciária dirigida ao complexo médico empresarial
216
(Cordeiro, 1984, p. 18,31;
1985, p. 113, 162; Oliveira, J. A. A., 1985, p. 9). A criação do INAMPS em 1967 não
significou, contudo, como poderia parecer em um primeiro momento, uma racionalização
maior e o planejamento dos sistemas de saúde pela articulação do poder de compra do
Estado para a promoção da indústria nacional (Fiori, 1987, p. 348). O INAMPS exercia
influência muito importante no mercado, porém não trabalhava com um sistema planejado
de compras e aquisição, tampouco se preocupava com a normatização técnica dos
produtos ou com uma política tecnológica para o setor (Vianna, 1994, p. 240).
Como conseqüência dessas ações, a despesa com a assistência médica em
216
Essa perspectiva de um complexo industrial de saúde tem sido retomada por estudos recentes em que o Estado se organiza como
agente central, alto poder de regulação e promoção das indústrias de saúde (Albuquerque & Cassiolato, 2000; Furtado, J., 2001;
Vianna, 2002; Albuquerque & Cassiolato, 2002; Gadelha, 2003).
239
relação à despesa total da Previdência Social cresceu, no período de 1967 a 1976, de
22% para 31%, com os maiores incrementos observados logo após a unificação em 1969,
e principalmente em 1975 e 1976, como decorrência da implantação do Plano de Pronta
Ação (Viacava et al., 1983, p. 17; Cordeiro, 1985, p. 165). A indústria de equipamentos
médicos,
217
beneficiada pela política nacional de saúde, obteve, entre 1961 e 1970, um
crescimento de 600% na importação desses produtos (Oliveira, J. A. A., 1985, p. 209).
Esse crescimento é indicativo do processo de tecnificação das unidades de serviço de
saúde, iniciado em período mesmo anterior à criação do INAMPS e acelerado na década
de 1970 (Viacava et al., 1983, p. 6).
Portanto, não por acaso muitas empresas do setor iniciaram a fabricação de
equipamentos eletromédicos, a partir da década de 1970, e que a FUNBEC iniciaria a
produção de eletrocardiógrafos, em 1971. Dois fatores contribuem diretamente para isso:
a criação do INAMPS em 1967, que expandiu de forma gradativa a assistência médica à
população ampliando a demanda por tais equipamentos, e, em segundo lugar, as políticas
de substituição de importações propostas pelo II PND
218
em 1974 (Vianna, 1994, p. 227).
Paralelo a esse processo, o gasto privado começou a se expandir por meio das empresas
privadas de seguros médicos (Furtado & Souza, 2001, p. 66). Ademais, com a saturação
do mercado norte-americano nos anos 1970, as empresas americanas começaram a
trabalhar mais agressivamente as vendas no exterior (Porter, 1993, p. 241). Empresas
multinacionais tais como Phillips e CGR iniciaram a produção de sofisticados
equipamentos de raios X apenas em 1978. A Toshiba se instalou, em 1974, com sua
primeira fábrica de equipamentos de raios X montada fora do Japão (a fábrica nos
Estados Unidos seria montada dois anos após), ao passo que, na área de marca-passos,
a Medtronic e a Cardiobrás, também multinacionais, iniciariam a produção,
respectivamente, em 1973 e em 1978.
Suzigan destaca que fora apenas no Plano de Metas dos anos 1950 e no II PND
217
Como resultado da expansão do complexo médico-hospitalar, surgem as primeiras entidades de classe do setor. Fundado em 1962,
como Associação dos Fabricantes de Produtos Médicos e Odontológicos (ABIMO), reunindo 25 associados, o Sindicato da Indústria
de Artigos e Equipamentos Odontológicos, Médicos e Hospitalares do Estado de São Paulo (SINAEMO) foi reconhecido, em 1971,
pelo Ministério do Trabalho, como a entidade oficial representativa do setor, passando, desde então, a representar a classe
empresarial em conjunto com a ABIMO.
218
O II PND surge em um contexto macroeconômico inflacionário e de desequilíbrio do setor externo que sinalizava paradoxalmente a
necessidade de uma política econômica restritiva, em vez de um plano industrial com a elevada taxa de investimento. Essa
contradição gerou um forte desequilíbrio financeiro da economia brasileira como um todo, amenizado nos anos 1970 com os recursos
de empréstimos externos, disponíveis em face da liquidez do sistema financeiro internacional proporcionada pela entrada dos
petrodólares.
240
dos anos 1970 que as políticas industriais em sentido amplo seriam realizadas, com um
plano indicativo e mecanismos formais de coordenação dos instrumentos e políticas
auxiliares entre si e com a política macroeconômica (Suzigan, 1996, p. 11). Outro pilar da
política industrial dos anos 1970 foi a concessão de financiamento oficial pelo
BNDE/FINAME, em condições muito favoráveis, e que acabou constituindo praticamente
a única fonte de recursos de longo prazo, significativamente ampliados em 1974, com a
transferência de recursos do PIS/PASEP, cuja aplicação deveria destinar-se a projetos
considerados prioritários pelo II PND.
A incorporação das políticas sociais na estratégia governamental põe a
previdência social em papel de destaque, intensificando sua atividade assistencial com a
criação do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), em 1974 (Oliveira, J. A.
A., 1985, p. 238). Se por um lado as políticas expansionistas estatais no setor da saúde e
as políticas industriais do II PND favorecem iniciativas como as da FUNBEC, um terceiro
fator, específico da tecnologia utilizada, viria a contribuir para o crescimento da empresa.
As áreas de atuação da FUNBEC seja no setor de reabilitação cardíaca ou unidades de
tratamento intensivo estavam em franca expansão no País. Dados estimados mostram as
despesas gerais de saúde como percentagem do PNB, em diversos países, têm-se
elevado consideravelmente após a década de 1960, resultado não somente do aumento
populacional, mas da quantidade e da qualidade dos cuidados de saúde consumidos
(Viacava et al., 1983, p. 2).
Outro instrumento fundamental para a promoção da indústria nacional em setores
estratégicos seria a Lei de Similares. Antes da reforma da tarifa aduaneira de 1957, a
reserva de mercado baseava-se no controle do câmbio. A partir da reforma, não apenas
alíquotas elevadas foram impostas aos produtos importados, como também se manteve,
em certos setores, o controle direto da oferta de taxas cambiais e regulamentou-se o
estatuto de registro de similaridade, que, uma vez concedido a um setor industrial julgado
maduro, impedia qualquer importação favorecida do produto (Lessa, 1982, p. 72). Ao
Conselho de Política Aduaneira (CPA) cabia a avaliação da capacitação de setores
industriais para atender, em quantidade e qualidade, a conseqüente emissão do registro
de similaridade, impedindo a concessão de qualquer favor cambial ou fiscal à importação
do bem. Enquanto órgão da administração federal, o INAMPS atuava sujeito ao Decreto
84.268/79, que determinava que as importações de materiais e de equipamentos médicos
241
fossem feitas mediante autorização da Carteira de Comércio Exterior (CACEX); e, a
compra de produtos estrangeiros, sem similar nacional, no mercado interno dependia
sempre da aprovação do Ministério da Previdência Social. Cabia à ABIMO, composta
majoritariamente por empresas nacionais como a FUNBEC, o parecer técnico atestando a
similaridade do equipamento nacional com o produto importado (Colucci, 2003). Essa
reserva de mercado estimulou a fabricação nacional de equipamentos, bem como a
associação de empresas estrangeiras com empresas nacionais em acordos de joint
ventures, para adquirirem para seus produtos, de acordo com o estatuto de produto
nacional (Viacava et al., 1983, p. 56).
Como Instituição de Pesquisa, a FUNBEC poderia contar também com os
financiamentos das agências de fomento à P&D no País.
219
A FINEP tornou-se, a partir de
1967, centralizadora da gestão dos recursos financeiros para investimentos públicos em
P&D, tendo como objetivo a integração de universidades, institutos tecnológicos e
empresas, compondo junto com o CNPq e a CAPES, nos anos 1970, as três agências
federais que configuravam um sistema nacional de C&T (Maculan, 1995, p. 185). As
linhas de crédito da FINEP para os institutos de pesquisa tecnológica tinham como
objetivo estimular a transferência de tecnologia ao setor produtivo, podendo ser
concedidas com recursos do PADTEN, reembolsáveis ou com recursos do Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), a fundo perdido.
220
No
que se refere a recursos, os programas mais importantes no período de 1974 1978 foram
os da PADTEN/FINEP, FUNTEC/BNDE, FUNAT/MIC e FIPEC/Banco do Brasil (Erber,
1980, p. 57).
Nos anos 1980, houve uma redução substancial de recursos da FINEP, fruto do
enfraquecimento político da comunidade científica nos meios políticos. Uma mudança
importante na alocação de recursos federais surgiu com a adoção do Programa de Apoio
ao Desenvolvimento Tecnológico (PADCT), que buscava romper com a avaliação
essencialmente acadêmica dos projetos, estimulando a participação de empresas na
219
Apesar de uma política de C&T estimulando a produção local de tecnologia havia uma contradição com as demais políticas
econômicas do período, que reforçavam a importância da tecnologia vinda do exterior, embutida em bens de capital ou sob forma de
acordos, quer pelo estímulo a entrada de capitais estrangeiros, quer pelo estímulo aos empresários nacionais a usar tecnologia
importada (Erber, 1980, p. 65; Maculan, 1995, p. 185) ou pela mentalidade protecionista que agravou o atraso tecnológico tornando a
indústria pouco competitiva (Suzigan, 1988, p. 10). Ademais, o excessivo protecionismo criou um ambiente de “quase desleixo em
relação à capacitação tecnológica para inovar, em complementação à capacitação para produzir” (Suzigan, 1996, p. 15). Anne Marie
Maculan observa que as políticas de C&T assumiam a existência de uma integração de pesquisadores e setor produtivo que na
prática não se verificava (Maculan, 1995, p. 178).
220
Arquivo FINEP, projeto 2877/84.
242
disputa dos financiamentos e em sua capacidade de inovação (Maculan, 1995, p. 191). O
PADCT foi criado em 1985 quando o pleno alcance da crise de financiamento do Estado
ainda não havia se tornado claro. O programa tinha como objetivo fortalecer a capacidade
tecnológica do País em setores-chave
221
(Schwartzman et al., 1995, p. 16).
Dentro do cenário econômico dos anos 1970, a FUNBEC iniciara a expansão de
suas atividades na área de equipamentos médico-hospitalares, ampliando sua
participação no mercado. Para alcançar seus objetivos, a empresa contratou engenheiros
para dar suporte à área médica, entre eles: Albert Holzhacker, Vladimir Geraseev, Julio
Cezar Adamowski, Valdir Cássio Rossi e José Colucci (Colucci, 2003).
Nos anos 1970, o engenheiro eletrônico formado pelo ITA, Albert Holzhacker,
assumiu a gerência de pesquisa e desenvolvimento da FUNBEC. Nascido em 1947, na
Romênia, e de descendência judaica, Albert Holzhacker viera para o Rio de Janeiro com a
família, em 1954, com apenas sete anos de idade. Em 1962, a família se mudou para São
Paulo. Seu pai, engenheiro químico e dono de uma pequena galvanoplastia, tinha
especial vocação para a parte técnica. Sob a influência de um amigo recém-admitido no
ITA, Albert Holzhacker, em 1965, decidiu-se pelo curso de engenharia eletrônica do ITA,
tendo se formado em 1969. O convite para trabalhar na FUNBEC foi feito por Abraham
Szulc, quando em visita ao ITA em busca de estagiários do último ano do curso para
trabalhar na empresa. No curso do ITA, Albert Holzhacker tomara conhecimento da
tecnologia de transistores de silício, desenvolvida em 1965 e que substituiria com
vantagem a tecnologia de transistores de germânio. Em julho de 1969, Albert Holzhacker
começou um estágio na FUNBEC, onde teve a oportunidade de conhecer Josef Feher e
trabalhar em projetos de equipamentos médicos no Dante Pazzanese (Holzhacker, 2005).
A introdução da tecnologia de transístores de silício, por volta de 1965, resultou
em sensível melhora na qualidade dos projetos dos fabricantes de aparelhos nacionais. O
ECG-S3 operava com transístores de silício quando Albert Holzhacker chegou à
FUNBEC, porém apresentava problemas. Embora Josef Feher e Adolfo Leirner narrem
com êxito os projetos do ECG-S3 da Coretron desenvolvido em 1967, tendo sido vendidos
diversos equipamentos, em uma época em que se iniciava um crescimento exponencial
221
O PADCT embora com o mérito de apoio a alguns subprogramas verticais relevantes para o aumento da competitividade da
indústria brasileira e geração de inovação, apresentou importantes deficiências quanto ao acompanhamento e avaliação dos projetos
financiados (Lastres, 1995).
243
de mercado de equipamentos de eletrocardiografia (ver Gráfico 1), os critérios de
qualidade na FUNBEC exigiam um reprojeto do equipamento.
Gráfico 1 – Número de aparelhos de eletrocardiografia nos hospitais brasileiros. A
curva inferior refere-se apenas aos hospitais dos grandes centros urbanos.
Fonte: IBGE
Dado o pioneirismo dos primeiros eletrocardiógrafos, ECG-S1 e ECG-S2, da
Coretron, construídos no início dos anos 1960, a tolerância a um desempenho inferior era
maior. À medida que o mercado crescia, se tornava cada vez mais dicil sustentar a rede
de interesses em torno de tais projetos antiquados. O que a Coretron entendia como um
assunto resolvido com relação à estabilidade da linha de base dos traçados constituiu um
problema a ser solucionado pela FUNBEC anos mais tarde. Para conquistar o mercado,
seria necessário um equipamento de maior confiabilidade e portabilidade; duas questões
que tiveram de ser diretamente atacadas antes de a FUNBEC lançar sua primeira linha de
eletrocardiógrafos. Mesmo sob um ambiente de restrições aos produtos importados, as
exigências de qualidade impostas por associações internacionais como a American Heart
Association (1975) aos equipamentos estrangeiros acabaram tendo impacto em uma
classe médica que muitas vezes tinham feito cursos no exterior e tido contato com tais
equipamentos.
O eletrocardiógrafo ECG-S3 era totalmente em estado sólido (transistorizado), de
alta confiabilidade e manejo. O equipamento utilizava como sistema de registro um
estilete térmico em papel termossensível. Um sistema novo e original permitia a troca do
papel de forma rápida e cômoda, aceitando, também, papel de 48 mm e 63 mm, sem
244
modificações. O peso do equipamento é de 4 quilos. O ECG-S3 apresentava sérios
problemas de flutuação da linha de base do traçado. Albert Holzhacker realizou testes
com diversos tipos de eletrodos, contando para isso com a ajuda de seu pai, que
trabalhava com metalurgia. Os eletrodos de alpaca, já utilizados no eletrocardiógrafo
ECG-S1 da Coretron, melhoraram a estabilidade da linha de base, mas outros problemas
como interferências de 60 Hz, baixa rejeição de modo comum e a presença de pequenas
correntes de polarização que atravessavam os eletrodos comprometiam o desempenho
do conjunto. O primeiro equipamento ECG-S3, da FUNBEC, somente viria a ser colocado
no mercado em 1970. Extremamente robusto e adaptado às condições brasileiras, o
equipamento pesava 4 quilos, o que garantia sua portabilidade. O projeto, contudo, era
bastante antiquado: o pré-amplificador de entrada não era flutuante, ao contrário dos
importados da HP/Sunborn. A robustez era garantida pelo uso de um pesado estilete
térmico, o componente mais frágil de um eletrocardiógrafo daquela geração, porém isso
comprometia o desempenho quanto à resposta de freqüência do equipamento e a seu
desempenho, o que poderia mascarar certos padrões de complexos QRS do
eletrocardiograma (Colucci, 2003).
Em 1975 seria lançado o ECG-4, utilizando os primeiros circuitos operacionais
como amplificadores, o que possibilitava o emprego de circuitos pré-amplificadores de
entrada flutuante, além de poder ser operado com bateria recarregável. Os circuitos pré-
amplificadores de entrada flutuante viriam a ser adotados pela FUNBEC como a solução
para algumas perdas de licitações com o equipamento importado, que já apresentava tais
circuitos em cumprimento às severas normas técnicas de segurança da AHA, reguladas
no exterior desde a década de 1960. O ECG-4 fazia uso de um sistema de controle de
temperatura do estilete utilizando modulação PWM para a economia máxima de energia
da bateria sem a necessidade de reajustes devido à variação da bateria. Como o
componente era o mais difícil de ser nacionalizado, a FUNBEC tentou sem sucesso um
acordo com o IPT para o desenvolvimento do galvanômetro. Uma proposta de
financiamento ao BADESP, em 1978, foi finalmente aprovada, em 1980, junto à FINEP,
porém, orçada a custos constantes, o que rapidamente desvalorizou os valores liberados,
em face da crescente inflação. Novas liberações de verba foram suspensas pelos fiscais
do BADESP/FUNCET devido à demora na montagem da equipe, à mudança da fábrica
para Barueri e à estrutura administrativa deficiente.
222
A FINEP em seu relatório de
222
Projeto FINEP/ADTEN 038/80/2270-0-1210.
245
aprovação do financiamento de 1980 recomendava rigor aos fiscais no acompanhamento
do projeto, pois: (i) nos nove projetos da FUNBEC em conjunto com a FINEP, todos
apresentaram problemas por uma razão ou por outra; e (ii) no projeto de financiamento da
FIPEC/Banco do Brasil para o desenvolvimento de equipamento de diagnóstico por ultra-
som em tempo real, a FUNBEC também teve suas parcelas bloqueadas devido à não-
comprovação de gastos que deveria ter sido efetuada no decorrer do projeto. Esses
relatórios evidenciam os problemas de gestão financeira e administrativa da empresa.
O domínio de mercado da FUNBEC viria com a entrada na comercialização das
primeiras bicicletas ergométricas para provas de esforço (Holzhacker, 2005). Nessa
época, equipamentos como eletrocardiógrafos e monitores cardíacos não eram comuns
na maioria dos hospitais brasileiros. Exames ergométricos, tampouco. Somente no início
dos anos 1970, os médicos Josef Feher e Hélio Magalhães, após viagem para
Gotemburgo na Suécia a serviço do prof. Harald Sanne, difundiram a tecnologia de
exames de ergometria no diagnóstico e reabilitação de pacientes cardíacos com a
realização de palestras junto ao Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em 1971.
223
Como importante método de diagnóstico, o teste de esforço passou a ser utilizado na
rotina de diversos serviços médicos de todo o país
224
. A partir de 1976, surgiram os
primeiros trabalhos científicos apresentados nos congressos da Sociedade Brasileira de
Cardiologia (SBC), seguindo-se publicações nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia
(Feher & Magalhães, 1972).
Além de trabalhar na FUNBEC, Albert Holzhacker trabalhava com Josef Feher no
ICESP e desenvolveu, nesse período, a primeira bicicleta ergométrica do País: o
cicloergômetro Ciclo II, que foi desenvolvido para possibilitar testes ergométricos fiéis e
reproduzíveis, bem como o treinamento de reabilitação cardiovascular e física, com
prescrição exata e dispensando troca de fitas etc. O teste sob esforço fornece
informações sobre o sistema cardiovascular que não são obtidas em repouso. Uma das
vantagens do teste cicloergométrico é permitir o eletrocardiograma durante o esforço,
tendo-se, pois, um controle contínuo do estado do indivíduo. O cicloergômetro encontrava
223
http://departamentos.cardiol.br/sbc-derc/conheca/mensagem.asp.
224
O teste ergométrico (TE), teste de esforço ou ergometria, é um dos métodos complementares de diagnóstico não invasivos mais
solicitados nas consultas cardiológicas atualmente. Está indicado no auxílio a diagnóstico, estabelecimento de condutas,
determinação do prognóstico e avaliação funcional do sistema cardiovascular. No início era utilizada a bicicleta ergométrica para o
teste que era usado apenas na investigação da dor torácica (angina pectoris) em pacientes suspeitos de doença arterial coronariana. O
médico norte-americano Robert Arthur Bruce introduziu a esteira rolante para a realização do teste e descreveu o protocolo para a
utilização deste novo tipo de ergômetro, em 1963, marcando o início da moderna metodologia do TE.
246
também aplicação em medicina esportiva na avaliação da capacidade aeróbica dos
atletas. O cicloergômetro da FUNBEC mantinha a potência constante,
independentemente da rotação das pedaladas, não havendo, pois, a necessidade de se
ter um metrômetro ou velocímetro, permitindo ao paciente pedalar a velocidade que lhe
fosse mais conveniente. O sistema utilizava um sistema de frenagem eletromagnética
com um dínamo, um alternador, uma resistência de 500 watts e uma roda-viva de DKW, e
foi o resultado do trabalho de Albert Holzhacker e dos técnicos da oficina mecânica da
FUNBEC, até então muito desmotivados. O sistema foi apresentado no Congresso de
Cardiologia realizado em Belém do Pará. Esse produto inovador é que acabou
alavancando as vendas de eletrocardiografia (Holzhacker, 2005). Conseguiu-se um
produto diferencial em relação ao mercado, ao passo que os eletrocardiógrafos da
FUNBEC de então seguiam as mesmas características dos importados HP/Sunborn.
Figura 39 - Cicloergômetro Ciclo II.
Fonte: Folheto publicitário FUNBEC
Logo após o sucesso de vendas da bicicleta ergométrica, a FUNBEC passou a
produzir os primeiros monitores cardíacos, desenvolvidos ainda no ICESP junto com Adib
Jatene (Holzhacker, 2005). Em 1973, foram iniciadas as vendas do monitor 4-1CN, um
monitor cardíaco inicialmente para uso em clínicas e em testes ergométricos e,
posteriormente, aplicado em unidades de terapia intensiva. O 4-1CN fazia parte de um
sistema modular, podendo funcionar isoladamente ou acoplado a outros instrumentos,
entre os quais o monitor de freqüência cardíaca e alarme 4-FA, o sincronizador 4-1RS, o
registrador 4-4RG ou o cardiógrafo ECG-4. Detentor de um pré-amplificador flutuante que
isolava o paciente da rede elétrica, o equipamento oferecia maior segurança contra a
247
microeletrocução, que pode ser perigosa nas utilizações de eletrodos, quando da
aplicação direta ao epicárdio ou ao endocárdio por meio de cateter eletrodo invasivo.
Contava com um mecanismo de proteção contra a descarga proveniente do desfibrilador,
podendo permanecer conectado durante a aplicação do choque, com rápido retorno da
linha de base após a desfibrilação. Os eletrodos de prata/cloreto de prata asseguravam
uma linha de base estável. Os tubos de imagem eram importados por uma empresa de
São Paulo chamada Kinetron.
A entrada da FUNBEC no setor de monitores cardíacos, portanto, ocorreu pela
demanda de testes ergométricos e não para a monitoração de pacientes em UTIs; prática
ainda não muito comum no Brasil dos anos 1970, embora utilizada rotineiramente nos
Estados Unidos desde os fins da década de 1960 (AHA, 1975, p. 12).
O lançamento do produto foi realizado no Congresso de Cardiologia em Fortaleza,
em 1973. Boa parte do sucesso de vendas se deveu à estratégia comercial de Antonio
Vazamin.
Figura 40 - Monitor 4-1CN.
Fonte: FUNBEC
Com a FUNBEC, foram projetados os primeiros eletrocardiógrafos, desfibriladores
e monitores cardíacos do País (Raw, 1998). O projeto do ECG-S3, oriundo da tecnologia
adquirida da Coretron e com aperfeiçoamentos introduzidos pelo engenheiro Albert
Holzhacker, possibilitou um aumento significativo na receita da FUNBEC. No entanto, a
grande alavancagem da empresa viria com o lançamento do cicloergômetro Ciclo II e do
monitor 4-1CN. Até 1980, foram vendidas cerca de 1.800 unidades do ECG-S3, 1.877
unidades do ECG-4, 2.650 unidades do monitor 4-1CN (cerca de 500 por ano, ver Gráfico
248
2), 2.080 unidades do monitor 4-FA, 707 desfibriladores, 18 ecocardiógrafos (ultra-som) e
1.125 unidades do cicloergômetro Ciclo II.
225
Gráfico 2 –Venda do monitor cardíaco 4-1CN da FUNBEC, em unidades.
Fonte: FINEP, projeto 476/78
A linha de equipamentos eletromédicos, que iniciou a produção em 1971 com a
fabricação de eletrocardiógrafos, expandiu-se consideravelmente nos anos seguintes se
estendendo para a fabricação de desfibriladores, bombas infusoras, cardioversores,
bicicletas ergométricas, monitores cardíacos, eletrocardiógrafos, ecocardiógrafos,
fonocardiógrafos etc. A família de equipamentos produzidos pela FUNBEC incluía o ECG-
5, o ECG-40, as esteiras rolantes EG-100, o EG-500, o cicloergômetro Ciclo II, os
registradores RG-100 e RG-305, além de uma linha completa de monitores cardíacos, tais
como o TC-50, o TC-500, o monitor central MC-400, as bombas infusoras DE-01 e IN-01,
o desfibrilador cardíaco DF-500, bem como fontes de alta tensão para eletroforese
(Júnior, 2003).
A ampliação da linha de equipamentos favorecia a FUNBEC na participação de
concorrências para hospitais. Com a FUNBEC, equipamentos como eletrocardiógrafos e
desfibriladores passavam pela primeira vez a se tornar uma realidade presente em muitos
hospitais. Até então não havia fabricantes de equipamentos nacionais, e os importados
eram muito caros e acessíveis apenas a poucos hospitais. Os primeiros concorrentes
225
Arquivo FINEP, projeto 476/78.
249
nacionais, Dixtal, Anamed, somente surgiriam na década de 1980 (Júnior, 2003). Em
1983, a FUNBEC detinha 80% do mercado brasileiro de eletrocardiógrafos (Viacava et al.,
1983, p. 54). Os equipamentos HP, Fukuda, Nihon Koden e Toshiba eram importados e
muito caros, por isso comportavam uma fatia pequena do mercado.
226
A produção de monitores de beira de leito, eletrocardiógrafos, cicloergômetros,
reflexógrafos, medidores de pH, fotocolorímetros e fontes de eletroforeses recebeu
financiamentos do FUNCET/BNDE (Júnior, 2003; Holzhacker, 2007), a fundo perdido, no
ano de 1974, no valor de Cr$ 1,44 milhões, ao passo que o total de vendas de
equipamentos médicos e de laboratório de análise no mesmo ano atingia o valor de Cr$
2,1 milhões. A FUNBEC obteve a aprovação de diversos projetos junto à FINEP nos anos
1980 na área de equipamentos médicos, entre os quais projetos para o desenvolvimento
do eletrocardiógrafo de 1 e 3 canais
227
(Cr$ 14 milhões), da bomba de infusão para
diabéticos,
228
da esteira ergométrica
229
, e do cicloergométrico.
230
O alargamento do setor de produção, antes restrito a materiais educacionais, para
o setor de equipamentos médico-hospitalares significou incrementar a receita anual da
empresa de US$ 500 mil, em 1967, para US$ 5 milhões, nos anos 1980 (Júnior, 2003).
Como resultado, o faturamento cresceu, o número de funcionários chegou a 400 nos anos
1980
231
e montou-se um sistema de vendas e de assistência técnica com filiais ou
representações do Rio Grande do Sul ao Amazonas (Júnior, 1983, p. 97).
4.5 A produção de equipamentos ópticos e de instrumentação
A dificuldade em financiar os projetos de educação fez com que Antonio Teixeira
Júnior iniciasse a diversificação em seus trabalhos, produzindo instrumental óptico e
226
O ingresso dos equipamentos de empresas norte americanas no Brasil se intensifica após os anos 1970 devido à saturação do
mercado norte-americano (Porter, 1993, p. 241) e está também associado a fatores culturais, uma vez que muitos médicos foram
educados, treinados ou especializados nos Estados Unidos, assim como são norte-americanas as principais publicações
especializadas da área médica (Furtado, J., 2001, p. 54).
227
Projeto FINEP 0528/82, 85, PADTEN, categoria A, Contrato 52.82.0686.00.
228
Projeto FINEP 0148/83, Contrato: 33.83.0385.00, filme 2164, flash 830.
229
Projeto FINEP PADTEN, categoria A.
230
Projeto FINEP PADTEN, categoria A.
231
Arquivo FINEP, projeto 0148/83, Contrato: 33.83.0385.00, filme 2164, flash 830.
250
médico, até então fabricados em pequena escala pela FUNBEC. A área de produção de
instrumentos de óptica na FUNBEC, ao contrário da linha de equipamentos médico-
hospitalares, devido à natureza semi-artesanal e à falta de infra-estrutura de apoio, não
alcançou escala comercial esperada (Júnior, 1983, p. 97). Da mesma forma que a área
médica, a área de óptica da FUNBEC teve seu início em 1968, com a incorporação da
Coretron, que contava com uma seção de óptica, fabricando lentes, prismas e espelhos. A
Coretron produzia eletrocardiógrafos, desfibriladores, monitores, medidores de pH e
fotocolorímetros.
Na oficina de óptica da FUNBEC, dominavam-se a técnica de coating em lentes e
o desenvolvimento de oculares de microscópios e monocromadores. Entre os projetos,
encontrava-se o microscópio educacional MICROLUX (1981) voltado ao ensino de 1° e 2°
graus. A participação setorial da FUNBEC no mercado setorial de microscópios
educacionais chegou a atingir 40%.
232
Em 1981, foi criada a Divisão de Instrumentação Analítica, para o desenvolvimento
de equipamentos para laboratórios de análises clínicas e laboratórios químicos industriais
de pesquisa, desenvolvendo fontes de alta tensão para eletroforese, espectrofotômetros
para faixa de UV e visível, analisadores automáticos de aminoácidos e
espectrofotômetros de absorção atômica (Funbec, 1986, p. 6). Em 1982, foi implantado
um Laboratório de Filmes Finos Ópticos, com o financiamento da FIPEC/Banco do Brasil
para a compra de equipamento e formação de pessoal. A partir de 1987, a FUNBEC
passou a atender a encomendas externas de aplicação de filmes finos, utilizando a
Balzers.
233
No intuito de cooperar com cientistas e pesquisadores, a FUNBEC contava com
uma Divisão de Projetos Especiais, encarregada do projeto e construção de protótipos de
equipamentos de pesquisa não disponíveis no mercado ou de obtenção difícil pela
importação. Alguns dos projetos desenvolvidos incluíam: o agitador basculante para
descoloração de gel; a máquina para produção de gelo em escamas para laboratórios;
destilador de água em quartzo e vidro boro-silicato; o agitador formador de rtices; o
232
Arquivo FINEP, projeto 1429/89, folha 455.
233
Idem.
251
bidestilador; a minicentrífuga; e a centrífuga para separação de plasma e hemácias in-vivo
para a produção de soro antiofídico (Funbec, 1986, p. 6).
Dentro dessa linha, a FUNBEC mantinha o projeto SARDI (Sistema de
Armazenamento e Distribuição de Insumos), constituído por um convênio entre com a
FINEP e o CNPq, que tinha como objetivo manter estoques de produtos químicos,
biológicos e de outros materiais de consumo importados, necessários ao trabalho dos
pesquisadores brasileiros credenciados pelo CNPq. O sistema contribuía para agilizar o
trabalho dos pesquisadores, que poderiam adquirir reagentes de difícil obtenção em
pequenas quantidades, a baixo custo e sem a burocracia usual da importação.
Entre os equipamentos desenvolvidos para laboratórios de química analítica,
destacam-se o espectrofotômetro FUNBEC EF-01 (1981) e o monocromador UNICROM
100 (1982). O monocromador é o principal componente de sistemas espectrais como
espectrofotômetros, microfotômetros e fluorímetros, empregados em medidas de
transmissão, absorção, emissão, reflexão ou fluorescência. O UNICROM 100 era um
monocromador do tipo Czerny-Turner, apropriado para o uso como elemento modular em
variados tipos de sistemas ópticos. A produção de microscópios era de responsabilidade
do engenheiro óptico francês François Mercadé, contratado para o período de quatro
anos pela FUNBEC. Houve uma tentativa de se ampliar a linha de produção para a
fabricação de redes de difração, porém, não teve continuidade (Júnior, 2003). Na área de
produtos ópticos, constituíam os principais concorrentes da FUNBEC as empresas DF
Vasconcelos, Optoval, Sion Optoeletrônica São Carlos, Optron, Zeiss e Micronal.
A FUNBEC contou com diversos financiamentos da FINEP para os projetos na
área de óptica e instrumentação, entre os quais: o equipamento para eletroforese,
234
o
coagulômetro fotométrico,
235
o espectrofotômetro de absorção atômica monofeixe,
236
implantação da rede SARDI,
237
o oftalmoscópio,
238
a objetiva para microfilmadora
234
Projeto FINEP 0556/85 PADTEN, categoria A, Acordo: 52.86.0487.00.
235
Projeto FINEP 0557/85 PADTEN, categoria A, Acordo: 52.86.0488.00.
236
Projeto FINEP 0744/85 PADTEN, Categoria C.
237
Projeto FINEP 0862/85, Acordo: 34.86.0256.08, filme 2150 flash 2242, projeto FINEP 2017/87, Acordo: 34.86.0256.03, filme
2150, flash 2227, projeto FINEP 0573/90, Acordo: 34.86.0256.08, filme 2150, projeto FINEP 0590/90, Acordo: 34.86.0256.07,
filme 2150.
238
Projeto FINEP PADTEN, categoria B.
252
rotativa,
239
instrumentos para laboratórios químicos de ensino e pesquisa;
240
e filtros
ópticos de ultravioleta e infravermelho.
241
Com o objetivo de retomar a proposta inicial da empresa, Antonio Teixeira Júnior
contratou o francês François Mercadé para alavancar projetos na área de óptica, com o
apoio do BNDE/FUNTEC (Júnior, 1976, p. 85). Antonio Teixeira Júnior participou da
elaboração do Subprograma de Instrumentação do PADCT, do qual foi coordenador no
período de 1992 a 1995. O projeto previa um total de US$ 500 milhões em investimentos
no País, para um período de cinco anos, sendo US$ 200 milhões de recursos do BIRD e
US$ 300 milhões de recursos de contrapartida nacional (Júnior, 1983, p. 100).
Alguns dos projetos da FUNBEC estavam vinculados ao programa PADCT/SINST
da área de instrumentação, tais como o projeto
242
de 1989, que tinha como objetivo a
produção de pequenos acessórios de uso comum em laboratórios (pipetador e cuba para
espectrofotômetro em plástico em substituição às cubas em vidro ou sílica importadas),
além de produzir protótipos de modelos moleculares utilizados no ensino de química no
nível de 2° e 3° graus, elaborados com a participação de Ernesto Giesbrecht, do Instituto
de Química, da USP e que tinha como coordenador o prof. Isaías Raw.
4.6 A produção de equipamentos de imagem de ultra-som
A FUNBEC, com o monitor 4-1CN e o cicloergômetro Ciclo II, conquistou cerca de
80% do mercado. Em 1975, Albert Holzhacker viajou para realizar mestrado em
engenharia biomédica na Universidade de Cleveland. Em sua estada nos Estados Unidos,
teve contato com a nascente indústria do ultra-som
243
na área médica em um congresso
de engenharia biomédica realizado em New Orleans (Holzhacker, 2005). Em seu retorno
à FUNBEC, ele propôs a construção de um equipamento de ultra-som com base nas
239
Projeto FINEP PADTEN, categoria B.
240
Projeto FINEP 1429/89, Acordo: 73.90.0421.01, filme 2492 flash 700.
241
Projeto FINEP n. 1509/89, Acordo: 73.90.0429.01, filme 1337, flashes 2021 e 2260, filme 1728, flash 879.
242
Projeto FINEP n.1429/89, Acordo: 73.90.0421.01, filme 2492, flash 700.
243
Após a Segunda Guerra Mundial, o governo norte-americano procurou intensificar a adaptação de tecnologias bélicas para fins
pacíficos, o que impulsionou o desenvolvimento da engenharia biomédica por meio de investimentos maciços em saúde pelo NIH
(Rosemberg, 1994). A tecnologia de ultra-som seria um exemplo emblemático de tecnologia de spin off do pós-guerra.
253
especificações de equipamentos importados, chegando-se à construção de um
equipamento modo M.
244
Albert Holzhacker enxergava na tecnologia de ultra-som um
importante nicho de mercado que poderia ser explorado pela FUNBEC, desde que
contando com um apoio decisivo e com os investimentos necessários.
Antonio Teixeira Júnior, na direção da FUNBEC, não era entusiasta da idéia de
uma expansão maior no segmento médico. Sua formação como físico o conduzia a
priorizar projetos na área de instrumentação. Apesar disso, o mercado de equipamentos
médicos mostrava-se menos sazonal que o educacional, além de mostrar claras
indicações de crescimento. Dessa forma, os projetos em ultra-som foram postergados e
seguiram a uma velocidade mais lenta.
Em 1978, Albert Holzhacker ainda na função de gerência na FUNBEC, mas
descontente com a falta de prioridade para seus projetos, funda a Dixtal. Segundo Albert
Holzhacker, faltou capacidade política de sua parte para tornar convincente a viabilidade
dos projetos de ultra-som (Holzhacker, 2007). Ademais, Antonio Teixeira Júnior tinha uma
visão da importância estratégica da óptica e mecânica fina no Brasil, porém faltava uma
capacidade maior em gestão na empresa.
Em 1979, seria iniciado na FUNBEC o desenvolvimento da sonda de ultra-som 4-
BID para cardiologia e obstetrícia (Holzhacker, 2005). A sonda, de acionamento
mecânico, era utilizada para a obtenção de tomogramas bidimensionais de órgãos
internos, como o coração, em tempo real. O sistema captava os ecos gerados no
encontro dos pulsos de energia com interfaces entre duas substâncias de densidades
diferentes. Sondas transdutoras de varredura setorial existentes na época tinham como
desvantagem a necessidade de um motor relativamente forte, além disso, por dificuldades
de construção mecânica, o sistema sensor era colocado junto ao eixo do motor, não
compensando, dessa forma, erros e folgas no sistema de conversão do movimento. Um
mecanismo se fazia necessário para converter o movimento rotativo do motor em
movimento oscilatório do transdutor.
244
A tecnologia de ultra-som nos modos A e B aplicados em obstetrícia experimentou um elevado crescimento em 1966. Nos
equipamentos de ultra-som, após a emissão de pulsos de ultra-som, eles interagem com os tecidos, e os ecos refletidos ou dispersos
são transformados em energia elétrica pelo transdutor e processados eletronicamente pelo equipamento para formação da imagem.
Essa forma de processar os ecos refletidos (em imagem bidimensional) é denominada modo B (brilho). Além dessa forma de
processamento dos ecos, havia outras como o gráfico de amplitude (modo A, muito utilizado em oftalmologia) e o gráfico de
movimentação temporal (modo M, bastante empregado em ecocardiografia) (Woo, 1998).
254
A sonda transdutora setorial para ultra-sonografia desenvolvida pela FUNBEC era
constituída basicamente de um cristal transdutor (1) ligado ao sistema de ampliação de
movimento e ao sensor de posição (8) potenciométrico ou óptico, por intermédio do eixo
(2), sendo o sistema de ampliação do movimento formado pelas polias (3) e (4) ligadas
pelas fitas de aço (5) e acionadas pelo eixo (6) do galvanômetro. O cristal é imerso em um
líquido transmissor de ultra-som contido na câmara de formato cilíndrico. A sonda oscila
em torno de um eixo, produzindo o movimento de um arco. O sistema permite que se
empregue como sistema motor um galvanômetro de ferro móvel, normalmente utilizado
em eletrocardiógrafos e registradores gráficos, em vez do tradicional motor elétrico. Como
o galvanômetro converte energia elétrica diretamente em movimento angular, não se faz
necessário um sistema de conversão de movimento, o que permite montar o sensor de
posição diretamente no eixo de oscilação do transdutor, eliminando erros que seriam
introduzidos por folgas. Ao trabalhar em malha fechada, por meio de um codificador
óptico, o sistema pode ser induzido a produzir velocidades praticamente constantes
durante a maior parte do ciclo e acelerações controladas na parte não-utilizável do ciclo,
nas extremidades (Colucci, 2003). Com isso pode-se abandonar a tecnologia dos
equipamentos importados que trabalhavam com múltiplos transdutores e que se mostrava
de difícil implementação. O desenvolvimento dessa tecnologia de varredura com um
sistema de ferro móvel aproveitou-se da experiência adquirida pela FUNBEC em
eletrocardiografia com o uso de galvanômetros de ferro móvel.
Figura 41 - Sonda de ultra-som
bidimensional 4-BID.
Fonte: Arquivo pessoal de José Colucci
Figura 42 - Sonda transdutora, conforme
patente PI8305674.
Fonte: INPI
255
Albert Holzhacker, Julio Adamowski e Vladimir Geraseev desenvolveram o sistema
de varredura setorial do ultra-som. O desenvolvimento do transdutor não teve o mesmo
êxito, sendo adotado um transdutor comercial produzido pela empresa KB Aerotech
(Adamowski, 2005). Julio Adamowski, engenheiro e professor da Poli/USP, que foi
contratado pela FUNBEC, em 1981, para o desenvolvimento do transdutor e do
dispositivo eletromecânico de varredura setorial, realizou um curso de especialização no
Japão, um dos principais centros de tecnologia em ultra-som, entre outubro de 1982 e
setembro de 1985. O russo Vladimir Geraseev, especialista em circuitos analógicos, foi
contratado pela empresa para o projeto do ultra-som nos modos M e bidimensional. A
opção da FUNBEC em privilegiar os desenvolvimentos da área óptica (Holzhacker, 2005)
e a dificuldade em manter sintonia com os rápidos avanços proporcionados com a
revolução microeletrônica (Adamowski, 2005) foram os obstáculos encontrados para a
continuação das pesquisas em ultra-som.
O engenheiro mecânico, formado pela USP, José Colucci Júnior ingressou na
empresa, em 1981, como consultor na área de desenho industrial, para o
desenvolvimento de um espectrofotômetro, quando ainda cursava o mestrado em
desenho industrial. Nascido no interior de São Paulo, na cidade de Valinhos, José Colucci
em sua juventude chegou a participar das feiras de ciências promovidas na cidade de São
Paulo pela FUNBEC. Contratado como engenheiro mecânico no Departamento de
Projeto, em 1982, José Colucci, em conjunto com o engenheiro russo naturalizado
brasileiro Vladimir Geraseev, deu continuidade ao projeto da sonda transdutora setorial de
ultra-som, da qual solicitara patente (PI8305674) e recebera o prêmio Governador do
Estado de São Paulo de 1984, patrocinado pelo Sedai. A FUNBEC iniciou com esse
projeto sua linha de produtos em ultra-som.
José Colucci assumiu, de janeiro de 1984 a agosto de 1988, a gerência da divisão
de engenharia dica, na gestão de Bráulio César como presidente do Conselho Diretor
da FUNBEC, reestruturando a empresa e eliminando a divisão entre P&D e engenharia de
produto. Nesse período, participou do desenvolvimento de novos produtos: o
eletrocardiógrafo ECG-5, o monitor de leito MM-200, o monitor de 3 canais MM-300 e o
ultra-sonógrafo bidimensional 4-BID, ganhador do prêmio de desenho industrial Aloísio
Magalhães da FIESP e CNPq de 1984 (Colucci, 1983). A tecnologia desenvolvida na área
de ultra-som da FUNBEC, durante a época de reserva de mercado, encontrava-se em
256
condições de igualdade em relação ao estado da técnica internacional, tendo recebido a
visita de pesquisadores estrangeiros do setor (Colucci, 2003; Adamowski, 2005;
Holzhacker, 2005). Parte da tecnologia desenvolvida pela FUNBEC foi transferida para
empresas norte-americanas e coreanas.
No intuito de estabelecer uma reserva de mercado para equipamentos de imagens
em ultra-som, a SEI, criada em 1979, compôs em 1983 um grupo de estudos, do qual
participaram representantes da COPPE/PEB, CNPq, FINEP e médicos, para definir uma
estratégia de fabricação desses equipamentos, por intermédio de indústrias nacionais
associadas a estrangeiras (Ato Normativo 024/83, que dispõe sobre a instrumentação
eletrônica). Um dos primeiros secretários da SEI, o tenente-coronel Edison Dytz, formado
em engenharia eletrônica pelo IME, fizera mestrado em engenharia biomédica na
COPPE/PEB, em 1978 (Dantas, 1988), com uma tese concluída em 1983 sobre os
aspectos da segurança elétrica em hospitais.
A proposta da SEI era estimular as empresas a adotarem um plano de
transferência de tecnologia que gradualmente elevaria os índices de nacionalização dos
equipamentos. A FUNBEC e a Imbracrios desenvolveram tecnologia própria, mas a maior
parte das empresas apenas montava equipamentos estrangeiros, sem a absorção de
tecnologia: uma empresa de raios X do Rio de Janeiro se associou ao fabricante francês
CGR, um grupo de São Paulo se associou à israelense Elscint, outro grupo se associou à
ATL, em 1981, a Berger se associou à Aloka para a fabricação do equipamento japonês.
A FUNBEC aproveitou-se da reserva de mercado não somente em ultra-som, mas em
todas as áreas de instrumentação eletrônica em cardiologia (Colucci, 2003). Os
resultados dessa política, contudo, não cumpriram o objetivo de impulsionar a inovação
tecnológica no setor, com exceção dos obtidos na área de monitores cardíacos, a única
que contava com uma capacidade tecnológica local.
A reserva de mercado, o financiamento por parte de organismos públicos
(FINAME/BNDES) e a regulamentação do mercado pelo CDI (Conselho de
Desenvolvimento Industrial)
245
, produziram efeitos limitados para incremento da inovação
tecnológica local (Gadelha, 2002, p. III, 4). Cabia ao CDI, criado em 1951, traçar a política
245
O CDI concedia uma série de incentivos fiscais, como a redução ou a isenção de impostos para a importação de bens de capital,
partes e componentes sem similar nacional, com o objetivo de proteção de mercado para projetos nacionais e exigência de índices de
nacionalização
257
global de desenvolvimento industrial do País, propondo providências de ordem
econômica, financeira e administrativa para o estabelecimento de novas indústrias no
País e a ampliação das existentes (Draibe, 2004, p. 195). Os fabricantes de equipamentos
médicos requeriam ao CDI certificados de fabricação que eram outorgados após a
verificação do índice de nacionalização do produto, o qual deveria ser superior a 80%.
Esse certificado era uma pré-condição para a importação de insumos, rigidamente
controlados pela CACEX (Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil), a quem
competia o exame de similaridade, e para o financiamento da compra de produtos pelo
FINAME/BNDES. O CDI foi extinto no governo Fernando Collor, em 1990 (Furtado &
Souza, 2001, p. 72).
Em vez da importação de uma sonda de ultra-som, valendo-se das vantagens
conferidas pela lei de informática, a FUNBEC optou pelo desenvolvimento do ultra-som
bidimensional, projeto realizado em conjunto com o laboratório de microeletrônica da
Escola Politécnica, para a fabricação do codificador óptico usado no ultra-sonógrafo bi-
dimensional (que exigia a tecnologia de filmes finos), e com o INPE, para a tecnologia de
gravação em vidro (Júnior, 1983, p. 99, Colucci, 2003). A microeletrônica da mesma forma
recebeu proteção de mercado pela política de informática implementada pela SEI, com o
Decreto 85.870, de março de 1981 (Piragibe, 1985). Inaugurado em abril de 1970, o
Laboratório de Microeletrônica da Politécnica da USP (LME) construiria no ano seguinte o
primeiro circuito integrado da América Latina. A política de restrição de importações da
SEI e CACEX chegou a prejudicar os projetos da FUNBEC, pois mesmo a importação de
estiletes térmicos para eletrocardiógrafos, que eram importados, chegou a ser
questionada, por uma suposta similaridade com galvanômetros comuns, ainda que
representasse um valor percentual pequeno do custo total do eletrocardiógrafo (Júnior,
2003), o que conduziu a empresa a utilizar-se, por vezes, de alternativas para suprir suas
necessidades imediatas, em face da demora dos trâmites burocráticos que eventualmente
levava 4 ou 5 meses para liberar as guias de importação (Colucci, 2003).
4.7 Parceria com a COPPE/PEB/UFRJ
Diversos estudos mostram que o setor da saúde é o detentor do maior grau de
258
interação das universidades e centros de pesquisa com o setor empresarial (Gadelha,
2003, p. 525). Apesar de ter origem dentro da Cidade Universitária da USP, a FUNBEC
desenvolveu poucos projetos de equipamentos médicos em parceria com a Universidade.
Ademais, foram feitas tentativas com a COPPE/PEB da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Em 1978, foi solicitado financiamento junto à FINEP para um projeto de
monitoração automática de extra-sístoles ventriculares
246
a ser desenvolvido com a
participação da COPPE/PEB e do Hospital Albert Einstein, onde seriam realizados os
testes clínicos. O projeto objetivava desenvolver um sistema de monitoração contínua de
eletrocardiogramas em tempo real para a detecção automática de arritmias cardíacas,
especialmente extra-sístoles ventriculares, as quais precedem o processo de fibrilação
ventricular, com freqüência fatal. O equipamento, dotado de diferentes veis de
inteligência para cada segmento de mercado, equiparia, além dos monitores FUNBEC
modelos 4-4CNFA, 4–1CN e 4-2CN, novos produtos a serem lançados pela empresa.
Cerca de 25% dos monitores 4-1CN destinavam-se a unidades de terapia intensiva, nas
quais a demanda é composta de aparelhos cada vez mais inteligentes". O equipamento
teria por base o microprocessador 8080 da Intel, e sua programação ficaria por conta do
Departamento de Engenharia Biomédica da COPPE/UFRJ, sob a forma de prestação de
serviços, que já havia desenvolvido o algoritmo em minicomputador PDP-11 e PDP-12
nos idos de 1976.
Um primeiro parecer da FINEP, de 1980, sugeriu o indeferimento da solicitação,
uma vez que o objetivo de substituição do equipamento importado dificilmente seria
atendido com a proposta, pois o sistema, de apenas dois canais, a ser desenvolvido não
se mostrava competitivo com o existente no mercado, que era de oito canais. Um parecer
posterior foi favorável ao deferimento do financiamento, tendo em vista a simplicidade do
equipamento diante dos importados, a possibilidade de expansão do projeto para oito ou
mais canais haja vista se basear na tecnologia de microprocessadores, e, por fim, a
capacitação de pessoal na implementação de equipamentos e do software necessário,
aspecto esse particularmente importante no contexto das políticas de governo para a
capacitação na área de informática. Ademais, a previsão inicial de dois canais seria mais
conveniente por ser de menor custo para pequenos centros, principalmente no interior do
País e, portanto, com menor número de pacientes. A modalidade de financiamento a
fundo perdido, contudo, foi rejeitada, e o projeto foi aprovado, no final de 1981, com
246
Projeto FINEP 476/78.
259
financiamento FINEP/FNDCT de cláusula de risco, via ADTEN, ou seja, com
ressarcimento por meio de royalties sobre as vendas, em condições a serem
estabelecidas, um dos primeiros projetos da FINEP com cláusula de risco.
O projeto FINEP estava organizado em quatro fases: (i) desenvolvimento do
programa de reconhecimento de arritmias (COPPE/PEB); (ii) desenvolvimento do sistema
microprocessador (FUNBEC); (iii) integração do programa de reconhecimento de arritmias
com o sistema microprocessador (COPPE/PEB e FUNBEC); e (iv) testes clínicos junto ao
hospital Albert Einstein. Aprovado o financiamento, o projeto foi coordenado por Albert
Holzhacker, da parte da FUNBEC, e Arvind Caprihan, da COPPE/PEB. O sistema de
aquisição de dados, denominado MICRO-EB, com base no microprocessador 8085, foi
desenvolvido na própria COPPE/PEB e utilizado nas teses de mestrado de Fernando
Soares Schlindwein, sobre a análise de sinais de fluxo de ultra-som doppler, e de Stenio
de Assis Gandra, sobre um monitor de arritmias cardíacas, ambas concluídas em 1982.
Os algoritmos de detecção de complexos QRS foram aperfeiçoados em teses posteriores,
como as de Carlos Eduardo Gil Lima, concluída em 1986. José Osvaldo Flosi
desenvolveu um sistema de classificação automática dos complexos QRS do
eletrocardiograma em sua tese de mestrado, concluída em abril de 1988, com base na
similaridade de quatro parâmetros morfológicos (largura, altura, offset e área). Para o
desenvolvimento dos programas executáveis no MICRO-EB, utilizava-se um
microcomputador EBC SDE-45, que tinha por base o Z-80. Para a análise dos sinais
processados no MICRO-EB, foi utilizado um IBM PC/XT.
Nelson Shundo, engenheiro da FUNBEC, foi deslocado para a COPPE/PEB no
Rio de Janeiro, acompanhando o projeto por dois anos e deixando a empresa logo após
seu retorno a São Paulo (Holzhacker, 2005). O projeto caracterizou-se pela extrema
dificuldade de apresentar progressos em seu transcorrer e pelos constantes adiamentos
de decisões essenciais, em cujo intervalo o principal pesquisador envolvido, Arvind
Caprihan, retornou aos Estados Unidos, tornando muito lento os progressos
programados. Albert Holzhacker sairia da empresa, em 1986, para ir para a Dixtal. Por
não ter alcançado índices de acerto de batimentos satisfatórios, segundo a FUNBEC, o
software acabou não sendo aproveitado. Apenas três de um total de nove parcelas
programadas no financiamento da FINEP foram liberadas. A partir de 1983, o projeto se
arrastou com algumas tentativas de trabalho junto ao Departamento de Eletricidade da
260
Escola Politécnica da USP, porém sem sucesso. O Coordenador Científico da FUNBEC,
em carta encaminhada à FINEP, deu o projeto por encerrado, em 1986, por inviabilidade
técnica, ficando a empresa desobrigada de amortizar junto à FINEP as quantias previstas
no contrato. O engenheiro Hélio Octávio Pinto Guedes, da FINEP, atribuiu o
encerramento do projeto à falta de dedicação exclusiva dos pesquisadores nos trabalhos
de P&D e às saídas de Arvind Caprihan, Albert Holzhacker e Nelson Shundo. Faltou a
capacidade de articulação, tanto de Nelson Shundo como Caprihan, para conciliar
interesses tão diversos como os da empresa e da universidade.
Carlos Flosi, após a conclusão do mestrado em 1986, foi contratado pela Dixtal,
dando continuidade ao desenvolvimento do projeto de tese de Gil Lima, apenas com a
detecção de complexos QRS, que terminou sendo incorporado a linhas de monitores da
empresa. Segundo Fernando Soares Schlindwein, esse projeto foi um exemplo de
colaboração bem-sucedida entre indústria e universidade. Os resultados foram levados
para a indústria e para a universidade, afetou diretamente os mestrados do Stenio de
Assis Gandra, Carlos Eduardo Gil de Lima e José Carlos Flosi (influenciando muitos
outros trabalhos e teses que seguiram a pesquisa nessa linha) e gerou publicações, em
1983 e 1987, na Revista Brasileira de Engenharia, no Caderno de Engenharia Biomédica,
com um processador de 3 MHz sendo usado na detecção de QRS, tendo índices de
acerto de 99,5%.
O projeto do monitor de arritmias, avaliado pela COPPE/PEB como bem-sucedido
e como malsucedido pela FINEP, mostra que, dependendo dos interesses em questão, a
avaliação de um artefato tecnológico pode ser diametralmente oposta. O mesmo projeto
deu origem a novas teses de pós-graduação no programa da COPPE/PEB. Nesse caso,
os interesses da FUNBEC estavam em um equipamento operacional dentro de um prazo
que viabilizasse a competitividade do produto no mercado. Para a universidade, o fator
tempo não era tão crucial e o interesse no projeto iria apenas até a etapa de simulação de
dados e publicações de artigos em revistas especializadas do setor, sendo os resultados
favoráveis obtidos com a avaliação do equipamento com sinais de eletrocardiograma
simulados em fitas magnéticas do MIT-BIH Arrhythmia Database. Faltou, nesse caso, um
articulador que pudesse transitar com êxito nas duas esferas empresa e universidade,
gerindo e realizando a tradução de interesses entre os diferentes atores. Tanto Arvind
Caprihan como Nelson Shundo falharam nessa missão, e tal conexão acabou não
261
acontecendo. O exemplo mostra que o sucesso de uma rede não depende apenas de se
mobilizar diferentes atores, mas depende crucialmente de um porta-voz capaz de traduzir
interesses em jogo para cada um dos atores.
Uma nova tentativa de parceira da FUNBEC com a COPPE/PEB foi estabelecida
de 1986 a 1989 em um projeto PADCT, coordenado por João Carlos Machado da
COPPE/PEB, voltado à construção de um transdutor ultra-sônico multicamadas para o
regime pulsátil, assunto da tese de mestrado de Luiz Alberto Hernandez Medina. No
entanto, a empresa, por se encontrar em dificuldades financeiras, se afastou do projeto. A
distância física e os entraves de gestão dos projetos prejudicaram a parceria com a
COPPE/PEB. A FUNBEC nunca acreditou que um transdutor comercial ficaria pronto em
tempo hábil para o lançamento comercial do ultra-sonógrafo (Colucci, 2003).
4.8 FUNBEC: os dilemas entre uma ação empresarial ou acadêmica
A FUNBEC, ao contrário do que muitos imaginavam, não era um órgão público,
mas uma fundação de direito privado, auto-suficiente financeiramente, que, como tal
gozava, de isenção fiscal (uma vez não tendo proprietário, nem sócios ou associados, o
patrimônio da empresa não daria direito à herança) e cuja única fonte de renda era a
venda de produtos, recursos esses utilizados para os projetos voltados ao ensino de
ciências (Funbec, 1986, p. 3). Como fundação de índole social, suas atividades não
podiam ter caráter lucrativo, no sentido de que a entidade diante de resultados financeiros
positivos não poderia distribuir lucros, dividendos, o que não impedia que a mesma
desenvolvesse atividade remunerada e até empresarial, desde que, aplicado,
integralmente, o resultado positivo nos fins a que se destina a Fundação (Ferreira, A. M.,
1988, p. 53). Ao referir-se aos benefícios da FUNBEC como instituição de pesquisa
(isenção de IPI e de ICM, verbas para pesquisa, financiadas, a fundo perdido, por
instituições governamentais), Francisco Viacava comenta que isso constituía um elemento
de tensão com seus concorrentes que não usufruíam o mesmo benefício, causando
protestos de representantes da indústria, como os de Kentaro Takaoka, da SINAEMO.
Esse problema foi sanado em janeiro de 1982, quando a FUNBEC passou a ser tributada
como tal (Viacava et al., 1983, p. 67). Pelo Convênio ICM 23/83, o Estado de São Paulo
262
concedeu remissão dos créditos tributários relativos ao ICM devido pela FUNBEC nas
operações efetuadas até junho de 1983. Com a solução do problema fiscal, as
divergências com a indústria concorrente foram minimizadas, a FUNBEC se integrou ao
empresariado nacional e Antonio Teixeira Júnior foi eleito presidente da ABIMO no
período de 1983 a 1989.
Como a FUNBEC foi uma das primeiras fundações de direito privado a ser criada
na USP,
247
nessa época não havia um órgão fiscalizador, como a atual Curadoria das
Fundações, que só viria a ser instituída anos mais tarde. Nos anos 1970 e 1980, diversas
fundações de direito privado proliferaram na Universidade, a saber: Fundação para o
Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (1972), Fundação Zerbini (1981), Fundação
Faculdade de Medicina (1986), entre dezenas de outras. Como sociedades civis de direito
privado, tais fundações, assim como a FUNBEC, tinham autonomia em relação à USP. A
existência de tais fundações embora servisse de instrumento de maior flexibilidade para a
contratação de pessoal e a gestão de recursos em face da legislação que rege as
entidades públicas, por outro lado, sempre esteve cercada de cticas dentro da
Universidade que as acusavam de servirem à privatização da Universidade e insinuavam
a falta de transparência nos repasses de verbas para a USP (Adusp, 2001).
248
Isaías Raw
destaca que a FUNBEC não era um segundo emprego com segundo salário para
ninguém pois tinha seu corpo de funcionários próprio e a diretoria não era remunerada:
sem ganhar nada tem muito poucos dispostos a fazer isso” (Raw, 2005c).
No caso da FUNBEC, a USP cedia um espaço na Cidade Universitária para a área
educacional e administrativa, enquanto a fábrica de 9 mil metros quadrados, construída
com recursos do FNDCT, da ordem de Cr$ 10 milhões
249
obtidos junto à FINEP em 1976,
247
Outra fundação de direito privado da qual Isaías Raw foi um dos criadores, em 1964, foi a Fundação Carlos Chagas, voltada à
realização de exames vestibulares para faculdades de medicina.
248
Em dezembro de 2001 o presidente da Fundação Zerbini, Fernando D'Oliveira Menezes, fechou a Fisics, empresa encarregada da
produção industrial na área de cardiologia, como membranas para implantes cardíacos etc., de uso do INCOR. A Fundação Zerbini
usufruía isenções de impostos, e, portanto, juridicamente havia problemas em manter uma empresa comercial, o que adicionalmente
caracterizaria concorrência desleal. A Fisics era até motivo de uma discussão interna no InCor. Nem todos concordavam que
existisse uma empresa. Nós mesmos não éramos favoráveis a uma empresa que tem caráter comercial, industrial, vinculada ao
nosso sistema”, revela o diretor-presidente do INCOR, professor José Franchini Ramires (Adusp, 2001, p. 96) Colucci, no entanto,
estabelece diferenças entre a FUNBEC e a Fisics: “A EBM-Fisics era ligada a uma instituição pública, e provavelmente tinha em sua
folha gente paga pelo dinheiro do contribuinte. È comum nos institutos de pesquisa brasileiros esse tipo de promiscuidade. O mesmo
não se dava com a FUNBEC, que era auto-suficiente” (Colucci, 2003).
249
Arquivo FINEP, projeto 342/CT, encerrado em 16 de março de 1978. Em março de 1974, a FUNBEC encaminhou à FINEP o
Projeto “Pesquisa sobre Elaboração de Modelo de Atendimento Pré-Escolar”. Em março de 1975, a FUNBEC pediu o arquivamento
do projeto e apresentou uma solicitação de Cr$ 9 miles para a construção de uma nova sede. Esse projeto foi indeferido pela
Decisão 058/76, de 20/de fevereiro de 1976. Na Decisão 188/76, de 07 de maio de 1976, a diretoria da FINEP houve por bem rever a
Decisão anterior e aprovou o projeto, que foi assinado em 25 de outubro de 1976 com um valor financiado de Cr$ 10 milhões
(342/CT). A primeira parcela do financiamento foi liberada no mês seguinte, em novembro de 1976. Fonte: Projeto FINEP 476/78.
263
se localizava em Alphaville, em Barueri, município vizinho a São Paulo
250
. A fábrica incluía
as seções de fundição, usinagem, ferramentaria, solda e prensa, serralheria, marcenaria e
as oficinas de óptica, eletrônica e de montagem de kits de ciências.
251
A transferência da
fábrica para Alphaville afastou da área de produção o pessoal de P&D, que continuava na
USP, interrompendo a importante realimentação de informações entre os dois grupos
para o desenvolvimento de novos produtos (Holzhacker, 2005). A manutenção dessa
equipe de P&D na USP refletia a relutância da FUNBEC em se afastar de uma proposta
mais acadêmica.
Ao assumir a coordenação-geral no Conselho Científico da FUNBEC, em 1969,
Antonio Teixeira Júnior manteve suas atividades como professor e diretor da Faculdade
de Filosofia da Fundação Santo André (1968-1978) e professor-titular de instrumentação
para o ensino de física no Instituto de Física da USP (1964-1976). De 1975 a 1977, fez
doutorado em Educação na Universidade de Taubaté e, no ano seguinte, pós-doutorado
no Institut International de Planification de L'education (IIPL), na França. De janeiro de
1986 a dezembro de 1989, foi prefeito do campus da USP e diretor-executivo do Fundo
de Construção da USP (FUNDUSP), deixando de ter uma participação ativa na FUNBEC
(Júnior, 2003). Durante a gestão de Antonio Teixeira Júnior, as tensões de uma crise de
identidade da FUNBEC entre uma posição empresarial e acadêmica se refletiram também
no relacionamento com os agentes financiadores, tais como a FINEP, com o qual vários
acordos foram mantidos.
Em 1983, a FUNBEC estabeleceu um acordo de financiamento com a FINEP
252
para um projeto que previa a fabricação de 600 eletrocardiógrafos ECG-40 e de mil
bombas portáteis de infusão no valor de Cr$ 120 milhões,
253
sendo Cr$ 96 milhões
provenientes da FINEP e o restante, Cr$ 24 milhões, de recursos da própria FUNBEC. Os
250
Inaugurada em setembro de 1974 e ocupando uma área de quase cinco milhões de metros quadrados, Alphaville compreendia um
Centro Empresarial, Centro Comercial e residenciais 1 e 2 (Sachi, 2003). A idéia dos sócios Renato de Albuquerque e Yojiro
Takaoka, da então Construtora Albuquerque-Takaoka, que possuíam empreendimentos em São Paulo, era implantar um distrito
industrial e oferecer terrenos para as fábricas não-poluentes, já que encontrar terrenos na capital estava começando a ficar difícil. O
nome de batismo foi inspirado no filme "Alphaville", escrito e dirigido por Jean-Luc Godard, em 1965. Com empresas como HP,
Confab, Du Pont, Sadia e FUNBEC instaladas, surgiu a necessidade de construir casas para os executivos ficarem próximos do
trabalho. Foi a partir daí que nasceu o Alphaville Residencial 1. <
http://www.folhadealphaville.com.br/noticia/default.asp?id=2192007141202> e
http://www.alphaville.com.br
acesso em 22
maio 2008
251
Projeto FINEP 476/78.
252
Projeto FINEP n. 0148/83 Contrato 33.83.0385.00 filme 2169 flash 827
253
Nessa época, o relatório do projeto FINEP 0148/83 aponta que a empresa tinha um faturamento médio mensal de R$ 120 milhões e
um patrimônio real de R$ 500 milhões, representando aproximadamente 60% do passivo total. Durante o ano de 1983, as receitas
atingiram R$ 2,5 bilhões com despesas de R$ 2,4 bilhões.
264
produtos foram desenvolvidos por intermédio de recursos gerados pela própria Fundação.
Os gastos da empresa no desenvolvimento desses projetos e com os projetos de monitor
de arritmias e outros eletrocardiógrafos descapitalizaram a empresa, que, inclusive, teve,
no primeiro trimestre de 1983, gastos superiores às receitas auferidas, e, dessa forma,
ameaçando a diminuição da atividade industrial e a dispensa de funcionários. O
financiamento foi aprovado pela FINEP, porém, segundo relatório do coordenador
científico da FUNBEC Antonio Teixeira Júnior, até fevereiro de 1985, haviam sido
produzidas apenas 80 bombas portáteis de infusão, ao passo que foram produzidos 1.010
eletrocardiógrafos ECG-40, quantia superior ao previsto no contrato, o que mostra a
desorganização na aplicação dos recursos.
As dificuldades financeiras da empresa levaram a FINEP, em setembro de 1982, a
estabelecer que qualquer futuro apoio da instituição teria sua contratação condicionada à
adoção de medidas que levassem à reestruturação cnico-administrativa da FUNBEC.
Um relatório elaborado pelo IA/FEA/USP questionou se a empresa continuaria como
indústria ou somente como empresa de P&D. A FINEP condicionou novos financiamentos
a uma solução imediatista, a qual incluísse o aprimoramento da estrutura organizacional e
financeira da empresa, bem como a implantação de um sistema de garantia de qualidade
e melhoria da engenharia de produção. Entre os problemas, são apontados: o fato de a
empresa ter de passar a pagar ICM reduzindo sensivelmente seu lucro; a falta de capital
de giro; a falta de visão empresarial dos coordenadores; a falta de coordenação entre as
diretorias; o Ato Normativo 024/83, da SEI, que abria o mercado, até então exclusivo da
FUNBEC, para outras empresas nacionais; e a pouca dedicação ao setor educacional.
Um projeto foi sugerido à diretoria da empresa prevendo a separação da FUNBEC
Tecnologia da FUNBEC Industrial. Pela proposta, a FUNBEC Tecnologia teria
participação de 30% na FUNBEC Industrial em ações preferenciais, sendo o restante
dividido entre as empresas do setor privado na área de instrumentação científica: Sistema
Automação Industrial, Euro Control Automação Industrial, Dixtal Tecnologia, Macchi
Engenharia Biomédica, Sharp do Brasil e Baumer. O modelo sugerido visaria dar à nova
empresa, além de recursos, uma capacitação empresarial
254
e foi defendido por Albert
Holzhacker.
254
Arquivo FINEP, Projeto 2877/84, Acordo: 62.85.0017.00.
265
A proposta de divisão da FUNBEC não foi aprovada pelo Conselho Diretor da
empresa (Júnior, 2003). Em 1982, Albert Holzhacker deixaria a empresa, e José Colucci
assumiria o cargo de gerência técnica da divisão médica, na nova estrutura
organizacional da empresa. Em carta dirigida à FINEP em outubro de 1983, Isaías Raw,
como assessor científico da FUNBEC, manifesta sua preocupação a respeito da
descontinuidade da produção de muitos dos equipamentos produzidos pela FUNBEC, os
quais não seriam de interesse da iniciativa privada por falta de mercado atrativo, o que,
portanto, faria desaparecer a indústria educacional que não se auto-sustentava. A
transferência de uma linha de produção para empresas privadas foi tentada na linha de
espectrofotômetros, porém não alcançou os resultados esperados.
Considerando os balanços negativos da FUNBEC no final do ano de 1983 e início
de 1984, a Diretoria deliberou pela imediata reorganização administrativa da empresa
utilizando sua própria equipe, consolidando-a a partir de 1984, a qual consistiu
basicamente na criação, em fevereiro de 1984, de uma Superintendência voltada às
atividades executivas e administrativas, extinguindo-se a Coordenadoria Geral, e com a
criação de uma Coordenadoria Científica responsável pela programação e execução das
atividades de P&D, bem como a extinção da Coordenadoria Geral e alterações nos
departamentos de vendas, finanças, pessoal, assistência técnica etc. Para assumir o
cargo de superintendente foi contratado o engenheiro Bráulio César de Andrade, com
experiência administrativa anterior na empresa Revlon (Colucci, 2003). Em parecer de
agosto de 1984, a FINEP considerou cumprida a reestruturação técnico-administrativa da
FUNBEC, consolidando a aprovação de novos financiamentos para a empresa, voltados
essencialmente à área de instrumentação, com a concessão de uma linha de crédito com
recursos do PADTEN, no valor de Cr$ 500 milhões, a serem utilizados em projetos das
categorias A, B e C para institutos de pesquisa tecnológica.
255
Durante a reestruturação da empresa no início dos anos 1980 Antonio Teixeira
Júnior propôs a extrapolação deste modelo para constituição de um parque industrial
congregando diversas empresas privadas associadas todas articuladas com a
255
Arquivo FINEP, Projeto 2877/84. O objetivo das linhas de crédito é estimular a realização de projetos de transferência de tecnologia
desenvolvidos nos institutos de pesquisa ao setor produtivo. São definidas quatro categorias de projetos para apoio a linhas de
crédito: Categoria A projetos de P&D, de produtos e processos industriais de interesse da empresa nacional e que, por se
encontrarem em estágio inicial de execução e por suas peculiaridades, devem ser executados exclusivamente pelo instituto; Categoria
B projetos em estágio inicial de execução e cuja natureza favoreça de imediato a associação do instituto com empresas nacionais,
para a realização conjunta dos respectivos trabalhos de P&D; Categoria C – projetos de P&D executados e concluídos pelo instituto e
em condições de serem repassados para o setor produtivo; e Categoria D projetos de P&D realizados pelo instituto, que, por sua
natureza e/ou características de risco ou incerteza, devam ser apoiados com recursos do FNDCT.
266
participação da FUNBEC, que se concentraria nas atividades de inovação, educacional ou
tecnológica (Júnior & Raw, 1981, p.190).
A reestruturação da empresa mostrou que o desejo de manter a capacidade de
disputar verbas públicas em pesquisa na FINEP constituiu um elemento decisivo no
processo de reorganização administrativa. A pressão por maior eficiência, portanto, não
surgiu prioritariamente de fatores endógenos à empresa, mas de elementos do contexto
macroeconômico das políticas de governo em ciência e tecnologia, ainda que, no contexto
macroeconômico, o período seja marcado por uma fase fortemente recessiva e
desfavorável. No processo nota-se claramente a disputa de dois modelos a serem
seguidos pela empresa: (i) uma visão mais empresarial defendida por Albert Holzhacker
em prol de um investimento mais vigoroso em desenvolvimentos na área de
equipamentos dicos com ênfase no mercado; e (ii) um modelo que se baseia na
pesquisa de produtos educacionais por parte de uma fundação sem fins lucrativos, alguns
projetos poucos atrativos em termos de lucratividade e com o foco na área de
instrumentação, tese sustentada por José Colucci e Antonio Teixeira nior. Para Albert
Holzhacker, a estratégia de investimento na área óptica e de instrumentação não era a
mais adequada, pois a FUNBEC não tinha muitos projetos nessa área, e seria, portanto,
um investimento muito arriscado. Ademais, houve erros de execução, na medida em que
a equipe de François Mercadé não se integrou com o resto da empresa (Holzhacker,
2007). No embate dessas duas tendências, a segunda saiu vitoriosa, com a saída de
Albert Holzhacker para sua empresa Dixtal, criada anos antes.
Idealizada como atividade de suporte financeiro para os empreendimentos
educacionais, a produção de equipamentos médicos assume o papel de atividade
principal da empresa. Segundo Carlos Bertero: A realidade é que a atividade industrial
passou a ser a atividade prioritária da FUNBEC, o que constitui um exemplo interessante
de dois fenômenos organizacionais simultâneos: a diversificação de atividades e mudança
de objetivos(Bertero, 1979, p. 65). As divisões de produção de equipamentos médicos
da FUNBEC e de produção de kits de educação atuavam no mesmo espaço físico da
indústria, o que possibilitava, muitas vezes, o intercâmbio dos mesmos funcionários nas
duas áreas, quando necessário. A exceção era a parte óptica, liderada por François
Mercadé, que se integrava menos ao resto da empresa (um dos motivos seria o fato de
ele não falar português). Quanto ao fluxo de caixa da empresa, o lucro da divisão médica
267
poderia ser reinvestido na parte educacional, conforme as diretrizes do Conselho Diretor.
Na prática, não havia um controle estrito de tais recursos (Holzhacker, 2007). Os
financiamentos, a fundo perdido, conseguidos junto ao BNDE, para a produção de kits
educacionais, da ordem de US$ 1 milhão, com liberdade para a aplicação dos recursos,
permitiam certa autonomia financeira à parte educacional (Holzhacker, 2007).
A decisão da FUNBEC em contratar editoras comerciais estabelecidas no ramo
para a produção e distribuição de livros, recebendo os respectivos direitos autorais, teve
sérias conseqüências negativas no balanço financeiro da empresa (Bertero, 1979, p. 67).
A economia brasileira nos anos 1980, em face da crise do Estado e das contas públicas,
assistiu à deterioração da capacidade de alavancagem de projetos de financiamento,
como os observados nas décadas anteriores. As perspectivas de hiperinflação e as
medidas buscando a contenção do déficit primário e de ajustamento fiscal impunham
cortes nos programas de investimento, sacrificando, assim, o potencial de crescimento do
País (Fiori, 1994, p. 27). A crise econômica e os esgotamentos fiscal e financeiro do
Estado aparecem em sua origem conectados à crise de governabilidade e à transição de
um regime ditatorial à democracia (Fiori, 1994, p. 39).
No âmbito macroeconômico, os anos 1980 foram marcados por recessão
econômica desencadeada pelo fechamento internacional de crédito e a expansão da
dívida, o que comprometeu decisivamente as políticas de industrialização do II PND,
fortemente baseadas em endividamento externo (Fiori, 1994, p. 2). Tais marcas não foram
conseqüências apenas de um ambiente externo adverso, mas manifestações de uma
crise orgânica do Estado desenvolvimentista. O ano de 1983 é apontado pelos analistas
como o mais difícil do recessivo ajuste externo levado a cabo na economia brasileira no
de 1981 a 1983 (Fiori, 1994, p. 8). Tal período fora marcado pela redução do déficit do
balança de divisas do setor de equipamentos médicos, em face do maior esforço em
exportar e da redução na demanda interna, bem como dos gastos do INAMPS em virtude
da crise da saúde que marcou o período (Vianna, 1994, p. 231).
Se a vocação acadêmica da FUNBEC se mantém em detrimento do caráter
empresarial isso se reflete na falta de vigor nas estratégias de inovação da FUNBEC, nos
anos 1970 e 1980, em um contexto protecionista das políticas de governo. As políticas
industriais dos anos 1970, fortemente marcadas por um conteúdo protecionista,
268
contribuíram para incutir no empresariado nacional uma mentalidade que encarava o
protecionismo como um fim e não como um meio de alavancagem tecnológica (Suzigan,
1988, p. 10). Segundo Suzigan, dada a ausência de uma estratégia de desenvolvimento
científico e tecnológico articulada a uma política industrial, as políticas macroeconômicas
de ajustamento se mostraram obviamente inadequadas para que o País criasse uma
capacidade estrutural de exportar e se integrasse competitivamente à economia mundial
(Suzigan, 1988, p. 12).
A empresa que, no início dos anos 1970, lançara no mercado produtos como
monitores cardíacos e bicicleta ergométrica, os quais logo se difundiram pelo País, deixa
de assumir uma postura inovadora, lançando-se, por exemplo, tardiamente na área de
equipamentos de ultra-som. Em paralelo, os projetos educacionais perdem o vigor pela
falta de uma política blica de suporte a tais atividades, ao contrário dos anos 1960. A
ambigüidade de uma empresa que pleiteia recursos públicos para o investimento na
produção industrial e, ao mesmo tempo, se posiciona como instituição de pesquisa para
se beneficiar dos favorecimentos fiscais e das linhas de financiamento de P&D foi
questionada pela FINEP, que exige sua reestruturação para novos financiamentos.
A FUNBEC, contudo, não logrou consolidar-se organizacionalmente, evidenciando
pequena preocupação com os aspectos administrativos e de gestão, o que é um traço
que se manteve desde seu surgimento. Não havia sequer um organograma bem como
normas que regulamentassem os diferentes aspectos da administração da empresa,
ainda que esta desempenhasse atividades industriais, com atividades de produção,
vendas, assistência técnica, compras, contabilidade e finanças (Bertero, 1979, p. 70).
Segundo Carlos Bertero, a falta de instrumentos formais de gestão, como planos
de contas, manuais de administração e orçamentos foi substituída por um informalismo,
fortemente baseado em relações interpessoais e que leva inevitavelmente a uma
centralização administrativa em torno do presidente Antonio Teixeira Júnior, da mesma
forma que nos tempos do IBECC/SP esta centralização era exercida por Isaías Raw
(Bertero, 1979, p. 70). Os problemas de execução dos projetos junto às agências
financiadoras deixam claro esta debilidade de uma empresa que nasceu na USP, mas
que não conseguiu se desvencilhar de uma visão acadêmica. O vigor inovativo e
capacidade empresarial mantidos por Isaías Raw nos anos 1950 e 1960 e por Antonio
269
Teixeira Júnior nos anos 1970 não teve continuidade e comprometeu a capacidade de
inserção da empresa nas novas dinâmicas locais.
A perda de inovação, que se reflete nas dificuldades de acordo com a
COPPE/UFRJ para a produção de novas tecnologias e a diversificação de suas atividades
para áreas mais acadêmicas como os projetos de instrumentação, aliada às dificuldades
para aquisição de novos financiamentos públicos, bem como o contexto econômico
desfavorável dos anos 1980 e a abertura de mercado dos anos 1990 constituem um
conjunto de fatores que levam a empresa a encerrar suas atividades em 1989. Em
dezembro de 1989 atingida por dificuldades financeiras e dívidas trabalhistas a FUNBEC
teve a Divisão Médica, incluindo a fábrica em Alphaville vendida para a ECAFIX do grupo
Medial Saúde.
270
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os anos 1950 são marcados por um movimento de insatisfação e crítica de
cientistas e educadores ao sistema educacional brasileiro (Mendes, 2006, p. 173). O
contexto do sistema de ensino na época em que se instala o IBECC mostra-se bastante
hostil a qualquer inovação pedagógica por estar estruturado para atender às
necessidades socioculturais de uma sociedade aristocrática e patrimonialista (Fernandes,
F., 1966, p. 73). Tais obstáculos devem ser compreendidos como capazes de imprimir um
rumo próprio ao processo de difusão do conhecimento, que confere traços peculiares de
uma prática científica e da forma como a ciência se organiza.
A proposta do IBECC/SP se insere, portanto, em um debate sobre a educação e o
papel social da ciência iniciado nas primeiras décadas do século XX (Lemgruber, 1996, p.
9), com a proposta de motivar o aluno, evitar a aula expositiva e fazê-lo pensar nos
problemas por intermédio da experiência, mobilizando-o para sua solução. Essa
discussão faz parte de um debate mais amplo de busca de uma identidade nacional
empreendida por intelectuais da elite brasileira, que anima as propostas de reforma
universitária e a inserção da pesquisa como uma de suas funções.
Há, portanto, uma conexão direta entre o debate em torno das reformas de
educação no ensino de níveis fundamental, secundário e universitário, bem como nas
iniciativas de divulgação científica e construção de um papel social da ciência na
sociedade.
256
José Reis destaca o aspecto pioneiro nessa proposta do IBECC/SP de
integrar os interesses destes dois grupos, educadores e cientistas em torno de um
interesse comum: um dos aspectos mais sugestivos da atividade daquele núcleo foi a
mobilização de professores do ensino superior, cientistas de renome, para cuidar também
de problemas da ciência nos níveis médio e primário. Havia um enorme abismo entre a
universidade e o ensino médio, essa era a verdade” (Reis, J., 1974, p. 1063).
256
Maurício Rocha e Silva, por exemplo, que pertenceu ao Conselho Federal de Educação desde sua criação em 1965 (Filho, M. C.,
2004, p. 164), foi o representante brasileiro nas reuniões da UNESCO, bem como fundador e presidente (1963-1969) da SBPC, um
dos principais runs de integração política de cientistas para a construção desse papel social da ciência e consolidação de uma
carreira científica.
271
A própria dificuldade de fixação de limites claros para as atividades de educação e
divulgação científica, quando do surgimento do IBECC/SP, e a maior exposição à
sociedade nas atividades de divulgação científica constitui um elemento importante que
propiciou que a experiência IBECC/FUNBEC assumisse uma configuração institucional
peculiar.
A definição do papel social do cientista contribui para posicioná-lo como
protagonista desse processo e como divulgador da ciência. Nessa época, em especial no
pós-guerra, o cientista define sua intervenção como uma atitude missionária de
reestruturar o Estado e organizar a sociedade, situada acima das classes. A comunidade
científica encontra-se, portanto, engajada em um projeto político que inclui a renovação
do ensino de nível secundário e a formação de professores, como prerrogativas básicas
para se criar, de forma sólida, um contexto social que viabilize a legitimação social da
pesquisa científica. No discurso de abertura da XIX reunião da SBPC, Maurício Rocha e
Silva destaca que as Faculdades de Filosofia devem ser orientadas “no sentido de
desenvolver a mentalidade da investigação da natureza, o que poderíamos designar com
mais propriedade: a atitude científica que pode ser de utilidade, mesmo ao professor
secundário e, certamente, utilíssima se puder ser transmitida aos estudantes do curso
secundário, qualquer que venha a ser a sua orientação futura na vida prática(Rocha e
Silva, 1964, p. 350; Filho, M. C., 2004, p. 176).
A possibilidade de articulação entre interesses de educadores e cientistas em
torno de um projeto de educação e divulgação científica com características de
empreendimento empresarial ocorre como o produto da confluência de processos
interdependentes, tanto do ponto de vista internacional, dentro da agenda dos anos 1950
e 1960 da UNESCO de renovação do ensino de ciências como instrumento do
desenvolvimento das nações, levando-se em conta os interesses locais de cientistas
(Baez, 1976, p. 67).
Foi nesse contexto internacional, marcado pelo otimismo científico na solução dos
problemas sociais do mundo, que fora fundada a UNESCO, dentro de um conceito
universalista da ciência, que reforça o papel da educação e da ciência como veículos
internacionais a serem fomentados e capazes de promover o desenvolvimento das
nações, garantindo, dessa forma, a paz em bases sustentadas. Este modelo que tem a
272
UNESCO como irradiador unilateral de ciência para as "zonas escuras", resultante de
uma matriz norte-americana, foi superado nos anos 1950, em torno de uma proposta que
tem em conta os interesses locais dos Estados Membros. A CEPAL como criação
autóctone e as ações de Carlos Chagas Filho em torno da CASTALA para levar políticas
de C&T aos demais países da América Latina o paradigmáticas desta nova fase, que
preserva a ciência como eixo central para o desenvolvimento das nações. Movimento
esse que, com a fundação do IBECC, encontra sua expressão no Brasil. O projeto
internacional da UNESCO ao ser implantado no Brasil, mesmo que sem o mesmo
ímpeto no conceito de internacionalismo científico de seus primeiros anos, mas ainda
preservando o papel de destaque para a ciência no desenvolvimento das nações,
encontraria, em São Paulo, um grupo coeso de cientistas e educadores já inseridos nesse
debate e formadores da massa crítica capaz de levar adiante tal projeto, adaptando-o e
remodelando-o às condições locais.
O IBECC promoveu uma série de iniciativas nas áreas de promoção de educação,
ciência e cultura, articulando interesses entre a comunidade científica local. No projeto
IIHA, o IBECC foi mobilizado por agentes externos, ora para legitimar um projeto
científico, ora como instrumento político junto ao Ministério das Relações Exteriores, para
viabilizar a aprovação de verbas perante o Congresso Nacional para o projeto. Nesse
projeto, o que se observa é uma falta de integração efetiva com a comunidade científica,
em especial, a paulista. Os cientistas vinculados direta ou indiretamente ao projeto são
todos ligados ao IBECC/RJ e a instituições do Rio de Janeiro, o que explica a falta de
capacidade do Instituto, em seus primeiros anos, de articular interesses além de suas
próprias fronteiras.
Se propostas como o IIHA, o CECTAL e o CRN não vão adiante, outras
proposições como a criação do CNPq, do CBPE, do CLAPCS, da CNFL e do CLAF, que
buscam apoio do IBECC, são implementadas. Os pontos centrais na análise de todas
essas propostas consistiam na capacidade de integração com iniciativas locais e no grau
de coesão política em torno de tais propostas, tanto no plano interno como no externo.
Na área de ciências sociais, o CLAPCS, sob a direção de Luiz Aguiar da Costa
Pinto, e o CBPE, criado por Anísio Teixeira, são dois órgãos criados com recursos da
UNESCO para a discussão de um projeto nacional, orientados conforme os cânones de
273
uma sociologia cientifica (Pinto, 1970b, p. 31), a qual se alinha com as propostas da
sociologia paulista de Florestan Fernandes comprometido na construção da sociologia
como disciplina acadêmica e fundamentada no método científico, e que defende a
associação entre educadores e cientistas sociais em projetos que contribuam,
definitivamente, para a descoberta de meios adequados, econômicos e rápidos de
intervenção racional na estrutura e no funcionamento do sistema educacional brasileiro
(Fernandes, F., 1976, p. 415). A emergência dessa nova elite intelectual, a qual Florestan
Fernandes constitui figura das mais emblemáticas no Brasil, é um traço de um fenômeno
mais amplo, notável em outros países da América Latina que atravessam período de
intensificação da industrialização (Blanco, 2007).
Ainda que no Rio de Janeiro se observasse a presença de líderes do debate
educacional nos anos 1930, como Levi Carneiro e Lourenço Filho, suas ações na área de
educação se concentram na área de educação de adultos, com um alcance bem mais
limitado e menos orgânico que as propostas levadas adiante pelo IBECC/SP, as quais se
dirigem ao ensino de níveis primário e secundário. A ação do IBECC/RJ, mesmo
reproduzindo, posteriormente, experiências originárias de São Paulo como as feiras de
Ciências, não consegue alcançar o mesmo impacto e integração com a sociedade. Uma
possível razão para essa diferença na área de ação de educação popular talvez possa ser
explicada pela análise de Simon Schwartzman, ao considerar que muitos dos
reformadores de 1930, de fato, assumem posições mais conservadoras nos 1950, na
medida em que são cooptados pela máquina do governo, pois cooperam na montagem
da máquina ministerial, mas cada vez mais afastados de seus ideais mais ambiciosos
(Schwartzman; Bomeny & Costa, 2000, p. 279).
Em São Paulo, esse fenômeno se fez menos presente por ter encontrado na USP
os elementos de dinamização do processo, aliando, de forma orgânica, cientistas e
educadores. Essa falta de interação do IBECC com a comunidade científica local é
detectada por seus próprios dirigentes. Em seu discurso de posse como presidente do
IBECC, em 1965, Renato Almeida salienta a proposta da UNESCO de dinamizar as
comissões nacionais”, destaca São Paulo como a Comissão Estadual modelar e, por fim,
conclama: O IBECC não pode continuar a viver como um colegiado apenas, deve, para
cumprir seus Estatutos e exercer plenamente suas funções de comissão nacional da
UNESCO, congregar as forças de inteligência brasileira interessadas em educação,
274
ciência e cultura, para que se volvam às finalidades comuns de trabalhar pela paz e
contribuir para o entendimento entre os homens.
257
Esse elemento será fundamental para o êxito de transposição de modelos
estrangeiros. Destacando o papel da educação no desenvolvimento dos povos e a ação
da UNESCO, argumenta Renato Almeida: não basta a transplantação das conquistas
dos povos em altos níveis e prosperidade, é mister a adequação dos meios às diversas
regiões, estudados seus índices ecológicos e estimados recursos potenciais”.
258
Um
relatório do embaixador Hélio Scarabotolo, de 1967, ressalta a necessidade de
comprometimento da parte local para o êxito dos projetos e recomenda convencer os
órgãos recipientes de que a vinda dos técnicos peritos e professores da UNESCO não
resolve, por si só, o problema. Se não houver uma colaboração estreita, permanente, dos
interessados no Brasil, nenhum projeto tecurso, nem resultará em benefício, por mais
competentes que sejam os técnicos da UNESCO e por mais dinheiro que se concedaou
seja, “todo o progresso cultural e científico é eminentemente endógeno”.
259
Outra hipótese explicativa, para compreender as diferenças de ação e
desenvolvimento do IBECC/RJ e IBECC/SP é procurar contextualizá-las dentro do intenso
debate das ciências sociais que ocorre nos anos 1950 e 1960 em torno da constituição da
sociologia como disciplina científica, que busca uma maior inscrição social na vida
pública.
Diferentes projetos de desenvolvimento estão em disputa. De um lado intelectuais
como Florestan Fernandes para os quais a luta contra o subdesenvolvimento e o atraso
dependeria menos de uma modernização econômica induzida pelo Estado, que de uma
reforma da sociedade promovida por um sistema educacional democrático (Werneck
Vianna; Carvalho & Melo, 1994, p. 373). Por outro lado, um outro grupo de intelectuais,
ocupando postos chaves no Estado, e reunidos em torno da Universidade do Brasil,
partem de uma perspectiva de modernização e de reformas por cima”, privilegiando o
papel do Estado na “mudança social provocada” (Werneck Vianna; Carvalho & Melo,
1994, p. 375) se tornando a expressão de uma intelligentsia mannheimiana, que tem em
257
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abr. 1965, p. 30.
258
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1966, p. 7.
259
Correio do IBECC, Rio de Janeiro, abril de 1967, p. 38. Os documentos da UNESCO, desde 1980, substituem o termoendógeno”
(capacidade da nação de decidir livremente seu destino) por “sustentável (Padirac, 2006, p. 477).
275
Guerreiro Ramos paradigma destes intelectuais. Para estes últimos o Estado deveria
atuar como elemento indutor de transformações sociais, reconhecidas a incapacidade da
sociedade civil em superar as condições de atraso econômico e os impasses surgidos
neste processo (Vale, 2006, p. 39; Bariani, 2006, p. 7). O fracasso da experiência pioneira
da UDF fez com que no Rio de Janeiro, a pesquisa em ciências sociais se fizesse
desvinculada da Universidade e do ensino, quase sempre em instituições isoladas tais
como o CBPE e a CLAPCS.
No Rio de Janeiro a sociologia de Guerreiro Ramos contrapõe-se a pesquisa
empírica indutiva de Florestan Fernandes de São Paulo. Se esse empirismo que
garante à sociologia de Florestan Fernandes uma fundamentação e rigor científico,
conferindo-lhe legitimidade acadêmica (Arruda, 1995, p. 144). Tal metodologia é fruto
direto da influência de especialistas estrangeiros na arena acadêmica paulista, tais como:
Donald Pierson da Universidade de Chicago (onde na mesma época também lecionava
John Dewey), e os franceses Jacques Lambert, Roger Bastide e Levi-Strauss, entre
outros que contribuíram para a institucionalização da sociologia como disciplina científica
(Oliveira, L. L., 1995, p. 62). Em contraposição no livro “A redução sociológica” Guerreiro
Ramos, em meio a um acesso debate com Roger Bastide e Florestan Fernandes, defende
uma “sociologia verdadeiramente brasileira" (Ramos, 1958, p. 97).
portanto uma analogia entre estas duas posições em disputa nas ciências
sociais na medida em que o IBECC/SP vincula-se a USP e procura ações enraizadas na
sociedade atuando como elemento organizador da sociedade civil, dentro de uma matriz
norte-americana, ao passo que o IBECC/RJ está diretamente conectado ao Estado
através do Ministério das Relações Exteriores. Esta analogia, que poderá ser objeto de
estudo posterior, no entanto possui contrapontos na medida em que o CBPE e CLAPCS
(criação direta do IBECC/RJ) ambos criados pela UNESCO, se alinham as teses de
Florestan Fernandes e no entanto são instituições sediadas no Rio de Janeiro.
O IBECC/SP é apontado por diversos autores como um dos marcos importantes
na renovação da área de produção de material didático para o ensino de ciências e por
implantar diversos projetos de ensino de ciências no País (Nardi, 2005; Barra & Lorenz,
1986; Lemgruber, 1996). Albert Baez destaca a atividade do IBECC na produção de kits
como pioneira no mundo (Baez, 1976, p. 192). Ressalta-se que a atividade pioneira a que
276
Albert Baez se refere não está propriamente na fabricação dos kits de ciências em si, mas
na apropriação desses kits dentro de um projeto mais amplo de divulgação científica
empreendida por uma Comissão Nacional da UNESCO e que inclui sua produção
industrial e comercialização, seja para escolas, seja para o público em geral. À medida
que as ações do IBECC/SP na área de ensino não formal como feiras de ciências e
produção de kits de ciências se difundem, o Instituto alcança a legitimidade necessária
perante os órgãos financiadores para investir também na área de ensino formal.
Esse elemento inovador distingue as propostas do IBECC/SP das atividades de
divulgação científica até então veiculadas; ainda que nos depoimentos de Isaías Raw haja
uma insistente preocupação em desvincular suas atividades de qualquer interesse
comercial. Tal iniciativa, que surge nos anos 1950 e se consolida na década seguinte, tem
como ponto de partida modelos de inovação educacional com origem no exterior. Como
continuidade das atividades do IBECC/SP, foi criada a FUNBEC, que imprimiu, nos anos
1970, um ritmo industrial vigoroso na área de equipamentos médico-hospitalares, sendo a
responsável pela difusão de monitores cardíacos e desfibriladores entre os hospitais
brasileiros.
A liderança de Isaías Raw como diretor do IBECC/SP foi capaz de propor uma
série de inovações envolvendo diversos professores na USP, o que ajudou a quebrar
resistências e a criar um ambiente propício à inovação. A visão pragmática de Isaías Raw,
estendendo uma rede de contatos por intermédio de agências internacionais, como a
Fundação Ford, a Fundação Rockefeller, a União Pan-americana, e de organismos
estaduais e federais, permitiu que se construísse uma rede de interesses em torno de um
projeto de renovação do ensino de ciências. Nessa tarefa, Isaías Raw assumiu as
características de um cientista com visão empresarial, que inicia uma série de atividades
industriais, seja na produção de kits de ciências, material didático ou mesmo de
equipamentos médico-hospitalares.
A presença de uma gama de educadores, muitos deles formados pela USP, como
Pierre Lucie, Rachel Gevertz, Rodolpho Caniato, Antonio Navarro, Myriam Krasilchik,
Anita Beradinelli, entre outros, será fundamental para se levar adiante a tarefa de
elaboração e adaptação dos projetos educacionais. O grande contingente de professores
de ensino de nível médio em sua maioria mulheres formadas pelas Faculdades de
277
Filosofia, as quais se expandem a partir do final dos anos 1930, e a própria ampliação da
rede escolar após a reforma do ensino de vel secundário de 1942 edificam um grupo
que, por sua formação, estaria mais propenso a absorver tais inovações nos anos 1950.
Dado relevante desta ação é o significativo mero de mulheres que levam este projeto
adiante, alargando a base social da ciência.
260
A ação do IBECC/SP, portanto, não atuou no vazio, ou seja, mesmo incorporando
modelos de inovação do estrangeiro, o fato é que havia uma mobilização na mesma
direção pedagógica, ainda antes de tais modelos serem trazidos nos anos 1950. Isso fica
evidente quando se comparam as propostas pedagógicas de muitos escolanovistas com o
grupo de educadores que conduziu a implantação dos projetos educacionais no
IBECC/SP. Ao fazermos comparações entre as descrições de Oswaldo Frota-Pessoa
sobre as aulas de Lauro Travassos, nos anos 1930, na UDF e as excursões de Carlos
Nobre Rosa, do Clube de Ciências de Jaboticabal, nos anos 1960, observamos que
ambos trabalham sob a mesma ótica escolanovista de ciência baseada na
experimentação. Essa tese é expressa claramente por Oswaldo Frota-Pessoa: “esse
movimento havia aqui desde o tempo de Fernando de Azevedo, havia um campo
preparado para a inserção dos projetos americanos [...] Então vieram os projetos,
perfeitamente dentro da ideologia brasileira da educação [...] Já havia um movimento bem
anterior ao IBECC, aos projetos [...] Quando eles chegaram, eu tinha escrito, em 1960,
Biologia na Escola Secundária, que é exatamente a ideologia dos projetos (apud
Lemgruber, 1996, p. 9).
Mesmo ocorrendo após a Segunda Guerra, onde o papel da ciência assume uma
conotação sensivelmente distinta dos anos 1920/1930, nos dois contextos a educação
brasileira é marcada por um dualismo que contrapõe um ensino teórico com um ensino
técnico-profissional, ponto de partida para a crítica presente tanto no movimento de
Escola Nova como na proposta do IBECC/SP. Nas duas propostas o papel da experiência
como elo fundamental para o processo de aprendizagem é destacado, assim como a
integração de tais propostas de ensino com um ambiente democrático. Um terceiro
aspecto que unifica tais propostas e consolida a tese do movimento do IBECC/SP ser
260
Fernando Linongi mostra que, no caso da FFCL, um projeto originalmente concebido para a produção da “elite cultural paulista”
acabou recrutando um grande contingente de ex-normalistas (Linongi, 2001, p. 214), ou seja, a nova faculdade, em vez de formar
professores secundários, acabou por atrair muitos dos professores atuantes no setor. Entre esses ex-normalistas, destaca-se o
grande número de mulheres (Linongi, 2001, p. 208), o que explica, em parte, a significativa quantidade de educadoras formadas pela
USP, comissionadas pela Secretaria de Educação de São Paulo e que trabalhavam no IBECC/SP.
278
visto como uma retomada das iniciativas gestadas no movimento escolanovista é o fato
de que nos dois contextos a formação de professores é vista como elemento fundamental
para solução dos problemas educacionais.
Nesse sentido, o IBECC/SP retoma uma agenda que havia sido posta em
discussão pelo movimento escolanovista dos anos 1920. Esse movimento interno se
depara nos anos 1950 com a proposta da UNESCO de promover a disseminação da
ciência e da educação como instrumentos de desenvolvimento econômico do País. Ou
seja, apenas a ação inovadora de Isaías Raw ou o interesse da UNESCO seriam inúteis,
caso não encontrasse este ambiente social propício específico do contexto histórico local
para levar adiante propostas inovadoras.
O IBECC/SP, inicialmente instalado em uma oficina na área cedida pela Faculdade
de Medicina da USP e equipada por doações da Fundação Rockefeller, iniciou a
produção de kits de ensino e material de ensino para nível superior, que supriam escolas
e universidades. O sistema se expandiu após os anos 1960, dando origem à FUNBEC,
que contou com novos financiamentos da FAPESP, BNDE e FINEP,
261
para ampliar suas
atividades para a produção de equipamentos médicos e componentes ópticos, com a
construção da fábrica em Alphaville. As atividades industriais da empresa congregaram
uma ampla diversidade de produtos industriais integrados a um projeto educacional. Foi o
novo cenário de políticas nacionais voltadas à industrialização dos anos 1970, o
aproveitamento de uma série de incentivos por intermédio da FINEP e de outros agentes
governamentais, bem como a unificação do sistema de saúde com a criação do INAMPS,
em 1967, que sedimentaram um arcabouço econômico, o qual alavancou a atividade
industrial na área médica.
O papel do Estado como mediador desses projetos será um traço marcante da
institucionalização da ciência no País. Na FUNBEC, o Estado assume papel central tanto
como elemento comprador de bens e serviços e definidor de uma política de saúde que
terá impacto direto no desempenho das atividades da empresa, como na área de
educação, na qual havia um mercado de produtos didáticos a ser explorado. Essa forma
singular de institucionalização das ciências em países dependentes como o Brasil fez com
261
Os recursos do BNDE permitiam maior liberdade para a aplicação dos recursos pela empresa, ao passo que os financiamentos da
FINEP detinham um controle mais rígido quanto à sua aplicação (Holzhaker, 2007).
279
que se formasse uma espécie de coalizão política composta pela burocracia estatal e
pelos cientistas das universidades e institutos de pesquisa, conduzidos na década de
1970 a postos-chave nas agências de fomento (Azevedo, N., 2000, p. 157), os quais
acabam impondo sua concepção de ciência a tais agências. O desempenho do
IBECC/FUNBEC, portanto, está diretamente vinculado com o prestígio e respaldo social
que a ciência conquista, pela ação dos educadores e cientistas, tendo como intermediário
o Estado.
A experiência industrial do IBECC/SP na fabricação de kits educacionais e,
posteriormente, da FUNBEC na fabricação de equipamentos médicos, tendo como ponto
de partida um desenvolvimento realizado por uma universidade e em estreita
colaboração
262
com esta, ainda nos anos 1960, mostra o pioneirismo no Brasil de um
modelo de inovação institucional que integra universidade e indústria, que surgiria, de
forma mais visível, no Brasil apenas nos anos 1980.
263
A aproximação da Universidade com a sociedade via ciência, projetos de
educação e de formação de professores, possui matriz norte-americana, assumindo uma
dimensão não prevista no projeto original do IBECC/SP que se constitui no braço da
universidade na sociedade, ou seja, a universidade se inventa enquanto indústria. Esta
inovação institucional constitui uma das vias de como a institucionalização das ciências no
Brasil pode viabilizar sua ação junto à sociedade, para além das ideologias cientificistas e
pedagógicas. A universidade torna-se assim o locus, o ponto de encontro de uma
intelectualidade de educadores e cientistas envolvidos com um projeto de construção da
ciência no país.
Essa proposta educacional, que já havia sido desencadeada nos anos 1950,
coincide com a renovação do ensino de ciência nos Estados Unidos e na Inglaterra dos
anos 1960, o que transforma o IBECC/SP em um elo de inserção de nosso sistema
educacional à matriz pragmática norte-americana. Até então, nosso sistema educacional,
em especial o sistema universitário, tinha fundamentalmente as matrizes francesa e
262
Após a construção da fábrica em Alphaville, a tão necessária realimentação entre as divisões de pesquisa, que permaneceu sediada
nas instalações da USP e a produção industrial da empresa, que foi transferida para a nova fábrica, ficou comprometida.
263
No Brasil, as primeiras experiências de pólos científicos e tecnológicos surgiriam nos anos 1980, com a criação do Centro de Apoio
ao Desenvolvimento Tecnológico da UNB, em 1986; da Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (PaqTc-PB), em 1984; do Centro
da Indústria e Apoio à Tecnologia de Campinas (CIATEC), em 1984; e da Fundação BioRio, em 1986 (Medeiros et al., 1992).
280
alemã como referência. O ITA nos anos 1950 foi uma das primeiras universidades a
seguir um modelo norte-americano. Ou seja, a experiência dos projetos NSF na reforma
do ensino de nível dio dos anos 1950 antecipa uma matriz norte-americana, a qual
seria explicitada, na década seguinte, com os acordos MEC-CONTAP-USAID
264
.
Se nos anos 1950 nota-se uma mobilização intensa de cientistas em torno do
capital político da UNESCO para viabilização de seus projetos, o que se observa é que
esse papel da UNESCO vai perdendo ênfase nos anos 1970 por uma série de fatores. Em
primeiro lugar no plano interno as vias de institucionalização da pesquisa científica
através da Capes e CNPq suprem em grande parte tal demanda. O IBECC nos anos 1970
e 1980 gradativamente perde cada vez mais capacidade de ação. No plano internacional
o papel da UNESCO é redimensionado especialmente após a adesão das novas nações
independentes africanas nos anos 1960. Em 1955 a UNESCO tinha 80 Estados Membros,
ao passo que na década seguinte, em 1965, este número atingia 120 Estados Membros.
No mesmo período o orçamento da Organização aumenta de cerca de US$21 milhões
para cerca de US$50 milhões, elevando-se para cerca de US$90 milhões no início dos
anos 1970 (Valderrama, 1995).
O IBECC/FUNBEC constitui uma inovação por configurar um arranjo institucional
original à sua época, ao interconectar universidade e atividades industriais diante de uma
proposta inovadora de divulgação científica, produção de material didático e,
posteriormente, de fabricação de equipamentos médicos. Embora não sendo uma
instituição de pesquisa stricto sensu, vis-à-vis as instituições de ensino e pesquisa, em
geral públicas, tal como encontrado na historiografia das ciências do País (Azevedo, F.,
1994; Schwartzman, 2001), o IBECC/FUNBEC apresenta um formato próprio como uma
instituição de ensino não formal, procurando elevar a compreensão da sociedade, em
especial dos não-educados em ciências, sobre o papel da ciência.
Sustentada, por um lado, pelo interesse internacional da UNESCO no campo da
divulgação científica e, por outro, por cientistas envolvidos com a legitimação da ciência e
por educadores que gravitam em torno da USP, interessados na reforma de ensino tanto
264
Acordos estabelecidos, a partir de 1965, pelo Ministério da Educação e Cultura, Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o
Progresso e pela United States Agency for International Development, na área de educação, e que incluíam a melhoria do ensino
médio, envolvendo assessoria técnica norte-americana para o planejamento de ensino e o treinamento de técnicos brasileiros nos
Estados Unidos; assessoria para a expansão e o aperfeiçoamento do quadro de professores do ensino de nível médio, no Brasil, e
acordo com o SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de Livros) para a produção de livros didáticos (Romanelli, 2002, p. 213).
281
de nível secundário como superior, o IBECC/SP consegue, dessa forma, uma via peculiar
de inscrição da ciência no projeto de desenvolvimento do País, que escapa a
historiografia das ciências no Brasil. A própria identidade do IBECC como uma instituição
pública com traços de empreendimento privado será um fator de tensão com os objetivos
de um Instituto que, a princípio, serviria como mero propagador de ações da UNESCO no
Brasil e que contribuirá para sua reformatação como fundação de direito privado, quando
da criação da FUNBEC.
No caso do IBECC/SP, a atividade industrial do empreendimento o qual,
posteriormente, se desenvolveu a ponto de formar uma empresa de porte na área de
equipamentos médicos, em face das contingências de uma economia dependente –
constitui um efeito peculiar, não previsto quando do início de seu desenvolvimento, que
distingue a instituição de outras congêneres. O modelo difusionista da ciência proposto
por George Basalla é insuficiente para explicar as especificidades e o desenvolvimento de
tal empreendimento. Somente quando se incorporam à análise as especificidades do
contexto local é que se compreende como um contexto sociocultural desfavorável à
adoção de propostas educacionais inovadoras pode ser superado e como ele pode se
integrar a uma perspectiva empresarial. Portanto, o projeto educacional e de divulgação
científica incorpora um caráter industrial que evolui e, a partir dos anos 1970, toma um
rumo e impulso próprios, dando origem a uma indústria de equipamentos médicos, como
resultado da especificidade do contexto brasileiro, e que vem a refletir a forma como a
ciência encontrou seu lugar na sociedade.
282
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COLUCCI, José. Entrevista concedida a Antonio Carlos Souza de Abrantes por e-mail em
13 out. 2003 e 16 dez. 2003.
FEHER, Josef. Entrevista gravada em vídeo. São Paulo. Arquivo pessoal de Adolfo
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FRACALANZA, Hilário. Entrevista concedida a Antonio Carlos Souza de Abrantes por e-
mail em 30 ago. 2005.
HOLZHAKER, Albert. Entrevista concedida a Antonio Carlos Souza de Abrantes em São
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JUNIOR, Antonio Teixeira. Entrevista concedida a Antonio Carlos Souza de Abrantes por
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LEIRNER, Adolfo. Entrevista gravada em vídeo. o Paulo. Arquivo pessoal de Adolfo
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-----------. Entrevista concedida a Antonio Carlos Souza de Abrantes em São Paulo em 15
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RAW, Isaías. Entrevista concedida a Antonio Carlos Souza de Abrantes em São Paulo em
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