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ANEXO I – TRECHOS DO CADERNO DE CAMPO
Maio de 2004, Curitiba:
Show no Lino’s. Bandas locais convidando algumas bandas catarinenses. Afora
o som das bandas, que conheço pouco, já dá para imaginar o “tom” da noite. Muito
grind e death metal no volume máximo, num recinto mínimo. Qualidade acústica
deprimente, equipamento de amplificação precário, zumbido nos ouvidos pelo fim de
semana inteiro. O ar sempre úmido dessa cidade chega a ficar pegajoso em dia de show
no Lino’s, com aquela fumaça do cigarro, aquele cheiro de couro velho das jaquetas e o
cheiro de neutrox que tomam conta do ambiente quando a moçada começa a “agitar” as
cabeças...é, vejo que não estou em bom dia. Gosto muito disso tudo, mas tem horas que
cansa. Eu fico achando que já sei de tudo, a noite já aconteceu na minha
imaginação...hoje é uma dessas “horas”. Força.
Bom, o que dizer do Lino’s? O boteco mais freqüentado da cidade pelos punks,
pelos headbangers, pelos psychos e, de vez em quando, uns motoqueiros ainda
estacionam por lá (mas nada de Harley, é CB 750 mesmo). Toda essa movimentação
underground rola no Lino’s desde o começo dos anos 80, quando o pessoal do punk
“descobriu” sua pinga barata e sua mesa de sinuca com feltro rasgado. Dois ambientes,
mais um outro que alguns teimam em chamar de “banheiro”, respondem pelo espaço do
bar do seu Lino. No primeiro, por onde se entra, o balcão do bar, na frente das
prateleiras de bebidas, fica à esquerda, e a mesa de sinuca à direita. Um corredor, com a
largura equivalente do corpo de um adulto, separa os dois. Logo após esta sala central,
chegamos na “salinha”, um micro-ambiente onde ficam as mesas, quatro ou cinco no
máximo, em dias “normais” e onde acontecem os shows, como o de hoje. Não há
janelas e a luz artificial está sempre naquele tom de “prestes a queimar”. Também não
há palco. Os músicos se encolhem em um dos cantos da sala, colocam os amplificadores
em cima de engradados de cerveja e tocam. Sendo generoso, este ambiente é
confortável para vinte pessoas. Já rolaram shows com mais de cem, não contabilizados
banda e a proporcionalmente gigantesca bateria.
Chegando perto do bar, que fica em uma esquina do centro velho da cidade, já
dava pra distinguir do cenário da noite, a pequena mancha negra formada pelos
presentes. Mais perto do local, já se via as mesas enfileiradas na calçada, repletas com
material underground. Tem coisa interessante na mesa do pessoal de Joinville. Compro
um zine de Lages, o Unholy Black Metal, que me interessou pelo fato de ser uma
mulher que o edita. No mais, as rodas de conversa e bebida. Incrível como são nelas,
nas rodas, que circula a informação precisa sobre os movimentos do underground. Em
algumas horas, fico sabendo de quem entrou e quem saiu das bandas em Santa Catarina,
fico sabendo dos preparativos para o próximo Splatter night, festival grind que acontece
em Joinville. Fico sabendo também das gravações que estão rolando aqui mesmo e fico
sabendo que a editora do zine que acabo de comprar, a Countess Death, é mulher do
guitarrista da Havoc. O Caos, guitarrista de várias bandas espalhadas pelo sul, mas
habitante de Curitiba, abre o zine e vê uma matéria com o Uraeus, banda de Goiânia da
qual nunca tinha ouvido falar. “Ouça a banda Leozão, é boa e o cara é gente fina, o
Rodrigo Doom-Rá, ele pode ser interessante pra sua pesquisa, é historiador e tal...não é
isso que você faz, história?”, “não Caos, é antropologia”, “então, isso aí, história do
metal, cultura do metal e tal...é tudo metal, é tudo brutal, então fala com ele, fala que o
Caos te passou o contato que você tá dentro”, essa foi nossa conversa. As rodas não só
atualizam as informações, mas atualizam os próprios contatos, essa espécie de nó do