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Com Mário de Andrade, portanto, Cecília Meireles intercambiava afetos,
admiração e conversas sobre assuntos estéticos e sobre a política cultural que
ambos praticavam no então Distrito Federal e na cidade de São Paulo,
respectivamente:
Tive muita pena de não encontrar você em São Paulo, pois uma das
minhas curiosidades era o Departamento de Cultura e Recreação. Li
uma entrevista sua a respeito, e, pelas afinidades dessa obra com a que
eu mesma venho realizando no Centro de Cultura Infantil, interessava-
me senti-la de perto (Ibidem, p. 290).
A predominância da correspondência ceciliana com o educador Fernando
de Azevedo, recai sobre os assuntos pedagógicos e culturais da época, todavia,
vale destacar a confissão relativa ao processo criador, declarada em carta de 10
de outubro de 1933, na qual percebemos sua alegria diante da criação artística,
vista como instrumento de resistência às intempéries existenciais e sociais.
Quando eu vejo que vou ter um aborrecimento, começo a composição,
como se não o fosse ter. Assim, quando o aborrecimento vem, por via
externa, por via interna chega, concomitantemente, uma glória ou uma
alegria perfeita. Fecho os olhos e fico vendo só o espetáculo interior.
Asseguro-lhe que é uma fórmula eficiente para manter a mocidade e o
sorriso. Além de que não se adquire, assim, um estímulo artificial – mas,
ao contrário, a invenção de uma vida magnífica, indestrutível, porque não
se baseia na maldade, nem no fracasso, nem nas decadências
humanas, mas no espírito que me parece uma substância mais além da
humanidade, incorrigível e certa (MEIRELES, apud, LAMEGO, 1996,
p.232).
Este desabafo da autora justifica, em parte, a sua extensa produção
escrita, não obstante as grandes dificuldades enfrentadas na vida pessoal e
profissional. Ainda nesta mesma carta, a poeta cronista deixa-se aflorar, numa
linguagem leve, lírica e reflexiva, chegando mesmo a brincar com a novidade da
reforma ortográfica, ocorrida naquele período:
Dr. Fernando de Azevedo, esta carta, o senhor me perdoe, não é uma
carta, é uma espécie de crônica, cheia de erros de ortografia. (...) Vou
comprar uma gramática, um manual, um vocabulário, qualquer coisa que
me instrua, porque voltei ao princípio: não sei mais escrever. Mas isto
me parece delicioso. Aprender uma coisa é rejuvenescer, é perder os
preconceitos, é ficar camarada dos que vêm atrás, é estar sempre na
correnteza da vida – e distanciado do futuro, onde, então se colocam as
belas ilusões, como os doces nas mesas altas que as crianças
contemplam com uma veneração mística (MEIRELES, apud. LAMEGO,
1996, p.233).