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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Museu de Arqueologia e Etnologia
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA
ANÁLISE DE ARQUEOFÁCIES NA CAMADA
PRETA DO SAMBAQUI JABUTICABEIRA II
Ximena Suárez Villagrán
São Paulo
2008
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2
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Museu de Arqueologia e Etnologia
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA
ANÁLISE DE ARQUEOFÁCIES NA CAMADA PRETA DO
SAMBAQUI JABUTICABEIRA II
Ximena Suárez Villagrán
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Arqueologia, do Museu
de Arqueologia e Etnologia da Universidade
de São Paulo, para obtenção do título de
Mestre em Arqueologia
Orientador: Prof. Dr. Paulo DeBlasis (MAE/USP)
Linha de Pesquisa: Processos de Formação do Registro Arqueológico
São Paulo
2008
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3
"Cuando observamos y registramos la
realidad arqueológica (o manifestación
del objeto) como "materia"
arqueológica, ésta ofrece indicios de la
naturaleza dinámica de su formación.
Lo que queda de todo lo que
desembocó en lo que ahora
observamos, ese reducto que solemos
definir como arqueológico, no sólo es
el resto infinitesimal de una probable
manifestación, ni tan siquiera la huella
de su desintegración, sino una nueva
manifestación. En el mejor de los
casos, la evidencia arqueológica es un
simple resto maltrecho de los sucesos
que la produjeron. Ante esa situación,
el/la arqueólogo/a procede mediante
una metonimia, en virtud de la cual
tomamos la parte (lo observado) por
un todo que creemos existió”
P.V. Castro Martinez; Vicente Lull &
Rafael Mico Pérez (1993: 20).
4
AGRADECIMENTOS
¾ Á FAPESP
¾ A orientação do Prof. Dr. Paulo DeBlasis e Prof. Dr. Paulo C. F. Giannini.
¾ Ao Museu de Arqueologia e Etnologia e ao Instituto de Geociências da USP.
¾ À Fundación Carolina
¾ A Marco Madella, Asunción Vila e Jordi Estevez do Departamento de
Antropologia e Arqueologia da Instituição Milá e Fontanals (CSIC/ Barcelona).
¾ A Paula Nishida e Milene Fornari.
¾ Aos técnicos e estagiários dos Laboratórios de Sedimentologia e Petrografia
Sedimentar (IGc/USP): Isaac, Elaine, Vitor, Rodolfo, Adriano, Simone e
Rebeca.
¾ A Daniela Klökler (University of Arizona), Paula Amaral (IGc/ USP), André O.
Sawakuchi (IGc/ USP) e Wenceslau Teixeira (EMBRAPA).
¾ À Profa. Dra. Maria Dulce Gaspar (UFRJ), Prof. Dr. Levy Figuti (MAE/ USP) e
Prof. Dr. Felipe Toledo (IO/ USP).
¾ Ao Prof. Dr. José M. López Mazz (UDELAR).
5
ÍNDICE
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES .......................................................................................... 7
ÍNDICE DE TABELAS ................................................................................................... 8
RESUMO ......................................................................................................................... 9
ABSTRACT ..................................................................................................................... 10
CAPÍTULO I: INTRODUÇÃO E OBJETIVOS............................................................ 11
CAPÍTULO II: PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE DEPÓSITOS
ARQUEOLÓGICOS ...................................................................................................... 15
2.1. – A geoarqueologia e a dicotomia natural vs. cultural ........................................ 16
2.2. – Os sedimentos arqueológicos ........................................................................... 21
2.3. – Estratigrafia arqueológica................................................................................. 26
CAPÍTULO III: ANÁLISE DE FÁCIES EM ARQUEOLOGIA.................................. 31
3.1. – Fácies sedimentológicas e fácies arqueológicas............................................... 32
3.2. – Análise de arqueofácies.................................................................................... 33
3.2.1. – Descrição de arqueofácies ......................................................................... 36
3.2.2. – Caracterização de arqueofácies ................................................................. 38
3.2.3. – Interpretação de arqueofácies.................................................................... 40
CAPÍTULO IV: HIPÓTESES E METODOLOGIA...................................................... 42
4.1. – O sítio Jabuticabeira II...................................................................................... 44
4.2. – Sistemas deposicionais da região de localização do sítio................................. 49
4.3. – Procedimentos de campo e laboratório............................................................. 51
4.3.1. – Descrição de arqueofácies ......................................................................... 51
4.3.2. – Amostragem na área de controle ............................................................... 61
4.3.3. – Análises granulométricas........................................................................... 63
4.3.4. – Análise química multi-elemental............................................................... 65
4.3.5. – Difratometria de raios-X............................................................................ 66
4.3.6. – Micromorfologia de depósitos arqueológicos ........................................... 66
4.3.7. – Microscopia eletrônica de varredura ......................................................... 70
CAPÍTULO V: APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................ 71
5.1. – Classificação de arqueofácies........................................................................... 72
5.2. – Granulometria................................................................................................... 75
5.2.1. – Caracterização física dos sedimentos da área de controle......................... 75
6
5.2.2. – Caracterização física de arqueofácies........................................................ 82
5.2.3. – Comparação entre sedimentos naturais e arqueológicos........................... 87
5.3. – Análise química multi-elemental...................................................................... 90
5.4. – Mineralogia da fração argila........................................................................... 104
5.5. – Micromorfologia............................................................................................. 111
5.5.1. – Padrão de distribuição ............................................................................. 117
5.5.2. – Fração grossa........................................................................................... 118
5.5.3. – Micromassa.............................................................................................. 123
5.5.4. – Atividade biológica ................................................................................. 125
5.5.5. – Feições pedológicas................................................................................. 128
5.5.6. – Cinzas ...................................................................................................... 131
5.5.7. – Diatomáceas............................................................................................. 138
5.6. – Microscopia Eletrônica de Varredura............................................................. 140
CAPÍTULO VI: CONCLUSÕES................................................................................. 143
6.1. – Síntese das informações descritivas ............................................................... 145
6.2. – Depósitos secundários e terciários.................................................................. 148
6.3. – Modelo de cadeia comportamental................................................................. 156
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 159
7
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Fig. 1. – Mapa de localização do sítio Jabuticabeira II...............................................................................44
Fig. 2. – Topografia do sítio Jabuticabeira II..............................................................................................45
Fig. 3. – Mapa do litoral centro-sul catarinense .........................................................................................50
Fig. 4. – Parede sul da T11 (lócus 3)..........................................................................................................52
Fig. 5. – Seção estratigráfica vertical da parede sul da T11 (lócus 3). .......................................................53
Fig. 6. – Paredes leste e norte da T10 (lócus 3)..........................................................................................57
Fig. 7. – Seção estratigráfica vertical das paredes leste e norte da T10 (lócus 3).......................................58
Fig. 8. – Imagem de satélite do sítio com a localização .............................................................................62
Fig. 9. – Procedimento de extração de blocos inalterados de um perfil estratigráfico................................69
Fig. 10. – Posição dos blocos inalterados para amostragem micromorfológica na T10.............................69
Fig. 11. – Seção da T11 com arqueofácies e subfácies identificadas .........................................................73
Fig. 12. – Seção da T10 com arqueofácies e subfácies identificadas .........................................................74
Fig. 13. – Localização do ponto de amostragem 1 .....................................................................................77
Fig. 14. – Localização do ponto de amostragem 2 .....................................................................................77
Fig. 15. – Localização do ponto de amostragem 3 .....................................................................................78
Fig. 16. – Localização do ponto de amostragem 4 .....................................................................................79
Fig. 17. – Localização do ponto de amostragem 5 .....................................................................................80
Fig. 18. – Localização do ponto de amostragem 6 .....................................................................................81
Fig. 19. – Localização do ponto de amostragem 7 .....................................................................................82
Fig. 20. – Histogramas da distribuição granulométrica para as arqueofácies da T11.................................86
Fig. 21. – Comparação de parâmetros estatísticos da distribuição granulométrica ....................................88
Fig. 22. – Diagramas de dispersão para os parâmetros estatísticos da fração areia....................................90
Fig. 23. – Porcentagens de SiO2 na T11 ....................................................................................................92
Fig. 24. – Concentrações de elementos maiores e menores........................................................................93
Fig. 25. – Porcentagens de MO, C total, e N total......................................................................................98
Fig. 26. – Distribuição das concentrações de MO......................................................................................98
Fig. 27. – Porcentagens de C orgânico e C inorgânico e elementar .........................................................100
Fig. 28. – Concentração de elementos maiores e menores .......................................................................103
Fig. 29. – Difratogramas dos minerais de argila na T11 e área de controle..............................................105
Fig. 30. – Fragmentos de carvão nas arqueofácies 1 ................................................................................118
Fig. 31. – Massa basal composta por grãos de quartzo.............................................................................119
Fig. 32. – Fitólitos e diatomáceas na camada preta ..................................................................................121
Fig. 33. – Concentração de frústulas de diatomáceas entre restos arqueofaunísticos na..........................121
Fig. 34. – Agregados de material silicoso ................................................................................................122
Fig. 35. – Seções estratigráficas da T10 e T11 com a localização das arqueofácies ................................124
Fig. 36. – Imagem de um possível excremento ou peloide localizado dentro de um canal......................126
Fig. 37. – Evidências de atividade biológica na camada preta. ................................................................127
Fig. 38. – Restos de tecidos vegetais na camada preta. ............................................................................128
Fig. 39. – Encobrimentos em cúpula e pendulares ...................................................................................129
Fig. 40. – Dois exemplos de nódulos anórticos........................................................................................130
Fig. 41. – Detalhe da composição interna do nódulo anórtico..................................................................131
Fig. 42. – Exemplo de escória vítrea (glassy slag)...................................................................................134
Fig. 43. – Variação da solubilidade da sílica com pH a 25 º C.................................................................135
Fig. 44. – Condições limites para a alteração de calcita ...........................................................................137
Fig. 45. – Espécies de diatomáceas identificadas na T10 e T11...............................................................138
Fig. 46. – Espécies de diatomáceas identificadas na T10 e T11...............................................................139
Fig. 47. – Fotomicrografias das superfícies de um fragmentos de carvão e osso.....................................141
Fig. 48. – Imagem obtida com o sensor de elétrons retroespalhados........................................................141
Fig. 49. – Imagem obtida com o sensor de elétrons retroespalhados na subfácies 2.1.............................142
Fig. 50. – Imagem obtida com o sensor de elétrons retroespalhados na arqueofácies 1,..........................142
Fig. 51. – Fogueira na T11, arqueofácies 4 ..............................................................................................152
Fig. 52. – Modelo de cadeia comportamental para a formação da camada preta .....................................158
8
ÍNDICE DE TABELAS
Tab. 1. – Descrição para análise de arqueofácies na T11...........................................................................54
Tab. 2. – Descrição para análise de arqueofácies na T10...........................................................................59
Tab. 3. – Arqueofácies e subfácies identificadas na T10 e T11 .................................................................72
Tab. 4. – Descrição micromorfológica das arqueofácies e subfácies na T10 ...........................................112
Tab. 5. – Descrição micromorfológica das arqueofácies e subfácies na T11 ...........................................114
9
RESUMO
Este trabalho compreende uma abordagem teórico-metodológica para o estudo dos
processos de formação (culturais e naturais) da camada preta que recobre o sítio
Jabuticabeira II (Santa Catarina). A partir da adaptação da análise de fácies
sedimentares foi desenvolvido um método para a descrição, classificação,
caracterização e interpretação de sedimentos arqueológicos em sítios estratificados. Tal
método foi desenhado para envolver numa mesma abordagem analítica os processos
culturais e naturais como agentes ativos na configuração de corpos
arqueossedimentares. Na camada preta do sítio Jabuticabeira II, a análise de
arqueofácies proposta permitiu aproximar aos comportamentos deposicionais e
processos naturais responsáveis pela conformação deste complexo fenômeno de
deposição cultural.
Palavras chave: geoarqueologia – processos de formação de sítio – arqueoestratigrafia
– comportamentos deposicionais – sambaquis.
10
Archaeofacies analyses in the black layer of
Jabuticabeira II sambaqui
ABSTRACT
This work represents a theoretical and methodological approach for the study of
formation processes (both cultural and natural) of the black layer that covers the
Jabuticabeira II site (Santa Catarina). From adaptation of sedimentary facies analyses
a method for classification, characterization and interpretation of archaeological
sediments in stratified sites was developed. Such method aims to embrace in the same
analytical approach both cultural and natural processes as active agents in the
configuration of archaeosedimentary bodies. In the black layer of Jabuticabeira II, the
proposed archaeofacies analyses allowed the approximation of depositional behaviours
and natural processes responsible for the conformation of this complex phenomenon of
cultural deposition.
Key words: geoarchaeology – formation processes – archaeostratigraphy –
depositional behaviours – sambaquis.
11
CAPÍTULO I: INTRODUÇÃO E OBJETIVOS
12
O presente projeto de mestrado forma parte do auxilio à pesquisa temático da
FAPESP (04/ 11038-0): “Sambaquis e paisagem: modelando a inter-relação entre os
processos formativos culturais e naturais no litoral sul de Santa Catarina”. Este projeto
temático visa integrar dados provenientes de diferentes áreas do conhecimento
(geologia, geofísica, antracologia, zooarqueologia, antropologia biológica etc.) para
aproximar-se à evolução espaço-temporal da ocupação do litoral catarinense pelas
populações construtoras de sambaquis. A interdisciplinaridade própria do projeto
possibilitou o trabalho conjunto com profissionais de outras áreas, o que favoreceu a
formação teórica e metodológica e permitiu conformar este mestrado numa verdadeira
interface entre arqueologia e geociências.
O sítio Jabuticabeira II, objeto deste estudo, localiza-se nas proximidades da
Lagoa de Garopaba do Sul no Município de Jaguaruna (Estado de Santa Catarina). Este
sambaqui é considerado um cemitério comunal construído a partir de atividades rituais
que adicionaram sucessivos estratos de conchas (principalmente Anomalocardia
brasiliana) e sedimentos para cobrir múltiplos e diferentes sepultamentos humanos
(DeBlasis et al. 1998; DeBlasis et al. 2004). Esta atividade perpetuou-se ao longo do
tempo por meio de eventos incrementais que culminaram numa construção antrópica de
importante envergadura.
Nos perfis estratigráficos do sítio observam-se três grandes camadas estratificadas:
uma camada conchífera, na base, intercalada com finos estratos de sedimentos pretos;
uma camada de conchas concrecionada (produzida na diagênese); e cobrindo o conjunto
anterior uma camada preta (também chamada de “terra preta” ou “capa preta”) de
espessura decimétrica a métrica (DeBlasis et al. 1998; 2007; Fish et al. 2000; Gaspar et
al. 2002; Bendazzoli 2007).
A camada conchífera tem recebido a atenção dos pesquisadores desde que o sítio
começou a ser estudado. Esta camada esta composta por uma sucessão de estratos ricos
em conchas que se intercalam com estratos onde predominam as areias quartzosas, os
carvões ou as cinzas. Estratos pretos de espessura centimétrica, compostos por material
orgânico fino e restos arqueofaunísticos, se dispõem intercaladamente ao longo do perfil
da camada conchífera. Eles concentram o maior número de sepultamentos humanos,
que aparecem geralmente acompanhados de artefatos líticos e malacológicos, estruturas
de combustão e buracos de estaca, o que resultou na sua categorização como “camadas
funerárias” (Fish et al. 2000).
13
A relação constante entre estratos conchíferos e camadas funerárias foi
interpretada como um padrão construtivo que envolve a deposição de materiais para
recobrir os corpos dos defuntos e formar pequenos montículos. A associação deste
padrão, de projeção fundamentalmente vertical, com atividades rituais mortuórias
propiciou as interpretações do sítio como monumento funerário (Fish et al. 2000).
Em arqueologia, a utilização de áreas formais como cemitério vincula-se a
estratégias de domínio territorial (Charles & Buikstra 1983), já que a manutenção destas
áreas está comumente associada à necessidade de controlar e legitimar, por intermédio
dos ancestrais, o acesso a espaços de recursos restringidos (Saxe 1970; Brown 1995).
Segundo Criado (1993), a monumentalidade de uma estrutura esta dada pela sua
visibilidade, independente da estrategia de subsistencia e grau de sedentarismo da
população construtora. Contudo, a visibilidade do sítio Jabuticabeira II foi resultado da
recorrência no tempo do seu uso como local de enterramento por parte das comunidades
sambaquieiras. Este atributo teria sido atingido tardiamente já que, com base na
cronologia do sítio, este monumento teria durado mais de 1.000 anos em ser erguido.
Seria o ritual funerário e não a projeção espacial da estrutura o motor principal no
desenvolvimento deste sambaqui.
Todas as inferências vinculadas com o caráter funerário deste sítio se baseiam em
estudos realizados exclusivamente na camada conchífera e não na camada preta, que
tem recebido menor atenção nas pesquisas. A construção da camada preta é considerada
resultante de uma mudança no regime deposicional do sambaqui (Fish et al. 2000), em
que as conchas foram substituidas por sedimentos compostos por ossos de peixe, carvão
e areia. Este novo regime deposicional teria começado há aproximadamente 2.000 anos
estendendo-se até o momento final de levantamento do sítio, cerca de 1.300 anos atrás.
Até o momento, têm se realizado unicamente estudos arqueofaunísticos (Nishida
2007) e arqueoestratigráficos (Bendazzoli 2007) para estudar o processo de formação da
camada preta. Tais estudos indicaram duas semelhanças na formação dos dois corpos
arquessedimentares que compõem o sambaqui Jabuticabeira II: o uso de restos
arqueofaunísticos como material construtivo, conchas na camada conchífera e ossos na
camada preta; e a continuidade, na camada preta, do padrão construtivo que envolve o
levantamento de montículos associados a sepultamentos humanos.
O objetivo geral deste trabalho envolve a avaliação da extrapolação do padrão
construtivo e funcional proposto para a camada conchífera à camada preta. Como
corolario pretende-se ponderar o ritual funerário como elemento igualmente
14
significativo nesta porção tardía do sítio, para interpretar se a mudança no material
construtivo vincula se ou não a uma modificação na sua funcionalidade.
A partir da configuração atual da camada preta pretende-se, especificamente,
conhecer os processos de deposição e alteração culturais e naturais que têm conformado
e afetado o depósito ao longo da sua evolução, tanto no contexto sistémico como
arqueológico (sensu Schiffer 1972). Estes elementos do registro permitirão determinar o
papel ativo dos sedimentos arqueológicos que constituem a camada preta na vida das
populações sambaquieiras.
Portanto, esta dissertação está organizada da seguinte maneira: no capítulo II
desenvolve-se uma discussão teórica sobre o papel da geoarqueologia nos estudos sobre
processos de formação de sítio. Discute-se o significado dos processos de formação
definidos por Michael Schiffer (1972; 1983; 1987) do ponto de vista da arqueologia
comportamental e da geoarqueologia, a definição dos denominados “sedimentos
arqueológicos” nos quais se baseia este estudo, e dos sistemas arqueoestratigráficos
mais utilizados em arqueologia. Tal discussão pretende introduzir ao leitor na
necessidade de um modelo de análise arqueoestratigráfica que permita ir além da
descrição dos perfis em termos de ajuda à escavação e de valorização seqüencial da
constituição dos sítios arqueológicos. No capítulo III, portanto, apresenta-se a “análise
de arqueofácies” elaborada como ferramenta geoarqueológica para o estudo dos
processos de formação de sítio a partir dos perfis arqueoestratigráficos. Este método
integra à geoarqueologia a análise de fácies sedimentares, método fundamental na
geologia moderna para o estudo de processos e sistemas deposicionais passados. No
capítulo IV introduz-se na realidade do sítio arqueológico sob estudo, nas hipóteses que
fundamentam este trabalho e nos métodos analíticos escolhidos que, inseridos na análise
de arqueofácies, permitirão aproximar-se dos objetivos propostos. O capítulo V agrupa
os resultados e a discussão derivada das análises realizadas, e o capítulo VI concentra as
conclusões alcançadas por esta pesquisa.
15
CAPÍTULO II: PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE
DEPÓSITOS ARQUEOLÓGICOS
16
Este trabalho inscreve-se dentro da subdisciplina arqueológica conhecida como
geoarqueologia, considerada atualmente como a aplicação de qualquer conceito, técnica
ou conhecimento proveniente das geociências nas três etapas fundamentais de toda
investigação arqueológica: desenho, escavação e análise (Renfrew 1976; Gladfelter
1981; Butzer 1989; Leach 1992; Waters 1992; Rapp & Hill 1998).
Porém, a interface entre geociências e arqueologia, que só mediante um marco de
trabalho geoarqueológico pode ser realizada, vai além do simples empréstimo técnico e
conceitual; geoarqueologia não envolve exclusivamente o aproveitamento dos métodos,
mas a sua escolha diferencial, sua adaptação à escala dos estudos humanos e a
interpretação dos seus resultados dentro do contexto da antropologia e da arqueologia.
Desta maneira a geoarqueologia, com seus numerosos e variados objetos de
estudo, proporcionará válidas interpretações antropológicas das comunidades do
passado através da adaptação e aplicação de procedimentos provenientes das
geociências no estudo de fenômenos arqueológicos.
2.1. – A geoarqueologia e a dicotomia natural vs. cultural
Segundo Michael Schiffer (1972; 1983; 1987), a correta análise da formação dos
sítios requer a consideração de três diferentes processos afetando os artefatos. Um
desses processos é responsável pela criação do registro e compreende a maneira em que
os objetos são procurados, usados, mantidos e descartados, criando padrões artefatuais
em várias locações. Os outros dois processos encarregam-se de alterar esse padrão
comportamental original e incluem: a ação das pessoas, contemporânea e posterior à
deposição; e os efeitos de uma grande variedade de agentes naturais. Estes processos
afetam o tamanho dos artefatos, sua forma, integridade, quantidade, distribuição,
densidade etc.
Logo após a divulgação do trabalho de Schiffer, os processos de formação de sítio
passaram a ser cruciais em arqueologia, já que os arqueólogos precisavam distinguir os
padrões criados por comportamentos antigos daqueles que resultaram de processos
naturais e culturais tardios. Foi o reconhecimento dos processos naturais que afetam o
17
registro comportamental que intensificou a utilização dos métodos das geociências em
arqueologia, tornando-os parte integrante das análises de formação de sítio.
Em arqueologia, existem duas perspectivas diferentes de avaliação dos processos
de formação de sítio. Uma é a perspectiva dos artefactos, que envolve a avaliação dos
processos culturais de configuração e alteração do padrão comportamental de
deposição. Outra é a perspectiva pós-deposicional, preocupada com os efeitos dos
processos não-culturais na formação do registro.
A perspectiva artefactual tornou-se objeto da arqueologia comportamental e a
perspectiva pós-deposicional da geoarqueologia, que integrou os métodos das
geociências no estudo dos processos de formação naturais. Desta maneira, a frase
“processos de formação” significa coisas diferentes para pessoas diferentes: para os
arqueólogos comportamentais significa procura de leis comportamentais que remetem
ao contexto sistêmico
1
(sensu Schiffer 1972); e para os geoarqueólogos significa
procura dos processos de formação associados com o contexto arqueológico (Stein
2001a: 47-48).
Assim, os primeiros trabalhos geoarqueológicos encarregavam-se da avaliação dos
processos de formação naturais que criam e transformam o registro arqueológico
(Hassan 1979; Gladfelter 1981; Butzer 1989; Leach 1992; Waters 1992). Segundo
autores como Gladfelter (1981: 348), assim como era trabalho dos arqueólogos
considerar as transformações culturais depois que os artefatos foram depositados, era
trabalho dos geoarqueólogos lidar com as transformações naturais que alteram a
deposição cultural original. Portanto, os primeiros estudos geoarqueológicos eram
concebidos na época como o estudo dos solos e sedimentos nos sítios para determinar as
circunstâncias envolvidas na localização dos artefatos (Renfrew 1976), por exemplo, ou
o estudo do contexto geomorfológico deles para reconstruções paleoambientais
(Gladfelter 1977).
Os processos de formação eram então concebidos como um estudo
geoarqueológico dividido em duas disciplinas: arqueologia vinculada aos processos
culturais, tanto os que deram lugar ao registro artefactual como os que podem tê-lo
modificado após o abandono dos sítios; e geociências, que ajudariam na análise das
1
Segundo Schiffer (1972) um elemento participando ativamente de um sistema cultural encontra-se no
contexto sistêmico. Quando este material é abandonado pelo grupo e passa a ser objeto da investigação
arqueológica, encontra-se então no contexto arqueológico.
18
alterações sofridas pelos artefatos por agentes naturais após o momento final de
deposição.
A dicotomia resultante das propostas de Schiffer contrapunha processos de
formação culturais vs. naturais e origem deposicional vs. pós-deposicional (Sanchez &
Cañabate 1998). Embora tal dualidade exista, esta associação trouxe o perigo de
associar deposicional com padrões culturais originais (objeto da arqueologia) e pós-
deposicional com alteração natural desse padrão (objeto da geoarqueologia). Desta
maneira, simplificou-se a dificuldade intrínseca de separar a natureza cultural e natural
dos processos deposicionais e pós-deposicionais.
Vários autores elaboraram suas teorias percebendo este fato e tentando afastar-se
das propostas de Schiffer. Leonardi (1992), por exemplo, elaborou um modelo para o
total da seqüência estratigráfica (do depósito) que integra a geologia sedimentar com as
atividades antrópicas. O modelo de Leonardi classifica os materiais em função da sua
organização espacial tridimensional, e decodifica a estratificação arqueológica desde um
ponto de vista genético-processual, onde se incluem os processos pós-deposicionais,
tanto de natureza antrópica como natural.
Na mesma linha de análise, a formulação dos processos pós-deposicionais de Bate
(1993) resulta por demais interessante. Segundo este autor, é impossível marcar um
limite concreto entre os processos deposicionais e os pós-deposicionais que atuaram
num sítio arqueológico e assumir uma sucessão intercalada entre eles. Esses processos
formadores do contexto não seriam únicos e singulares, mas recorreriam de modo
complexo devido ao movimento constante e reiterativo da vida cotidiana das sociedades
e à dinâmica dos sistemas naturais.
Molinos et al. (1993) definiram três conjunturas diferentes que identificam à
configuração dos sítios ao longo da sua história de vida, e que resultam muito úteis no
entendimento do papel ativo dos processos deposicionais e pós-deposicionais na
formação dos sítios: a conjuntura de descoberta, que corresponde ao que é encontrado
no sítio pelo arqueólogo, formada por processos deposicionais e pós-deposicionais
antigos e modificada por processos pós-deposicionais tardios; a conjuntura zero, que
envolve os restos de um sistema de atividades produzido pelo processo continuado de
deposição cultural; e a conjuntura de abandono, momento final da conjuntura zero.
Segundo os autores, quando o arqueólogo enfrenta a conjuntura de descoberta para
alcançar a conjuntura zero, deve lembrar que esta envolve a superposição potencial de
uma série de eventos. Estes eventos podem ser: deposicionais relacionados com o
19
processo continuado de ocupação ou com o processo destrutivo intradeposicional
(correspondem a lugares de atividade transformados no processo de deposição por
outras atividades); deposicionais da conjuntura de abandono (correspondem ao padrão
deposicional das atividades realizadas no último momento de ocupação do local); pós-
deposicionais neoconstrutivos (produzidos pós-deposicionalmente, mas que formam
parte de um processo deposicional posterior); pós-deposicionais destrutivos ou de
abandono (produto da instabilidade de alguns elementos da conjuntura zero como
paredes caídas, tetos etc.); e pós-deposicionais produzidos pela ação de agentes naturais
(i.e. agentes físicos, químicos, biológicos, geológicos) que começam a atuar sobre a
conjuntura zero uma vez abandonado completamente o sítio e deixado à ação da
natureza, a qual se encarregará de modificar o registro até alcançar a conjuntura de
descoberta.
Sob esta perspectiva, o pós-deposicional pode ser deposicional se tem caráter
neoconstrutivo, e pode, portanto, formar parte do processo deposicional da fase seguinte
e, ao mesmo tempo, da anterior; e o pós-deposicional tradicionalmente concebido, ou
seja, as alterações naturais, compreendem somente uma parcela dos tantos processos de
alteração que um depósito pode sofrer.
Segundo Sanchez & Cañabate (1998), quando se fala de processos de formação de
depósitos, tenta-se aproximar da seqüência de um assentamento. Esta seqüência
compreende processos de deposição, abandono e freqüentemente reocupação e envolve
a interação de forças tanto de origem cultural como natural. Portanto, a conjuntura de
descoberta revelada durante a escavação deve ser abordada ciente da superposição de
processos deposicionais e pós-deposicionais ao longo da história dos sítios.
A diferença entre deposicional e pós-deposicional em sítios arqueológicos não é
exclusivamente de tempo nem de natureza; envolve uma complexa interação e
superposição de eventos relacionados com a dinâmica dos depósitos arqueológicos. Os
processos pós-deposicionais podem acontecer no contexto sistêmico, assim como no
arqueológico, e sua natureza cultural ou natural não esta necessariamente ligada à
passagem dos elementos de um contexto ao outro.
A dicotomia cultural vs. natural também provocou uma dissociação entre registro
artefatual e registro sedimentar dos sítios, que vários autores ainda consideram muito
relacionados mas que devem ser estudados separadamente por incluir tipos diferentes de
informação. Os artefatos são comumente considerados recipientes de informação
20
cultural e comportamental, enquanto que os sedimentos são considerados fonte de
informação paleoambiental e de processos de formação naturais.
Pela natureza dos corpos arqueossedimentares, separar o conteúdo (os artefatos)
do recipiente (os sedimentos) e considerar os primeiros como fonte exclusiva de
informação socio-econômica, à parte dos fenômenos sedimentares, constitui um grande
erro (Vila & Estevez 2000). Artefatos e sedimentos estruturam conjuntamente os
depósitos arqueológicos e não podem ser considerados separadamente no estudo dos
processos de formação.
Quando o interesse se concentra no processo de formação que resultou no
conteúdo tanto sedimentar como artefatual de um sítio arqueológico, o depósito passa a
ser a unidade de estudo por excelência, já que exige considerar o registro além da
dicotomia natural/cultural (Stein 1987; 1990; 2001a); isto é, como um ou vários eventos
deposicionais que podem incluir ambos os processos.
As propostas de Schiffer e a dicotomia natural vs. cultural posicionaram a
geoarqueologia como a disciplina a cargo de estudar os processos de formação naturais
de caráter pós-deposicional a partir da análise do registro sedimentar dos sítios. Como
tem-se visto ao longo deste tópico, tais correlações não consideram o fato de que as
alterações pós-deposicionais (naturais ou culturais) também acontecem quando os
elementos formam parte de um sistema cultural ativo, e acabam dissociando o registro
artefatual do sedimentar dos sítios como fontes de informação distinta, comportamental
e ambiental respectivamente. Não obstante, os sedimentos são também uma importante
fonte de dados culturais e comportamentais e, junto com os artefatos e ecofatos,
provêem de completa valorização dos processos de formação de qualquer natureza ao
longo da história dos depósitos arqueológicos.
Com a ajuda de um método adequado, a geoarqueologia pode realizar um estudo
integral dos processos de formação que dé conta da ação de forças naturais, culturais,
deposicionais e pós-deposicionais atuando nos depósitos arqueológicos.
21
2.2. – Os sedimentos arqueológicos
Numerosos termos têm sido utilizados para descrever o registro sedimentar
próprio dos depósitos arqueológicos (ou registro arqueossedimentar): sedimento
arqueológico ou antropogênico, solo antrópico, antrossolo, sedimento ou depósito
antrópico e arqueossedimento (Stein 1985: 6). Porém, a falta de unidade dos
conhecimentos sobre a sedimentologia dos sítios arqueológicos tem impedido a
utilização de uma linguagem comum, misturando-se conceitos semântica e
sintaticamente diferentes.
Em arqueologia ainda pode-se sentir a falta de uma linguagem e de um modelo
unificado que dê conta do registro arqueossedimentar dos sítios. Cada investigador
parece fazer uma escolha, poucas vezes justificada, de determinada terminologia
específica, sem considerar o significado por trás dos conceitos utilizados.
O uso diferencial da terminologia envolve graves conseqüências conceituais, já
que, assim como sedimento não é solo, sedimento arqueológico ou antropogênico
também não é solo antrópico nem antrossolo. Diferentes processos estão envolvidos na
sua origem, e estes freqüentemente não são considerados no momento de adoção das
terminologias. A definição formal de solo e sedimento ajudará a esclarecer este tema e a
assinalar suas diferenças intrínsecas do ponto de vista genético e conceitual, assim como
suas incompatibilidades.
A definição etimológica literal de sedimento, a partir da sua raiz latina sedis,
refere a aquilo que se deposita, que se depositou ou que é passível de se depositar. Essa
deposição implica movimento e transporte físico de materiais sólidos, ou transporte
químico de solutos que se transformam em matéria sólida na deposição a partir de íons
(Giannini & Riccomini 2000: 170). Uma definição formal de sedimento em termos de
processos geológicos maiores envolve um agregado de partículas minerais
inconsolidadas, formado a partir do intemperismo da rocha fonte, transporte (físico ou
químico) e deposição das partículas resultantes (Suguio 1998). Porém, um sedimento
não é necessariamente de origem mineral (pode ser orgânico); nem tem de envolver um
agregado de partículas (uma partícula isolada pode também ser considerada um
sedimento ou material sedimentar, como alguns geólogos preferem chamar); nem tem
22
de ser formado a partir do intemperismo de uma rocha fonte (pode derivar de restos de
plantas, por exemplo).
Portanto, o conceito de sedimento admite uma multiplicidade de situações
passíveis de serem envolvidas nesta categoria geológica, sempre e quando tenha
existido transporte (físico ou químico) e deposição. Não obstante, um elemento exclui-
se claramente da categoria de sedimento: os mantos de alteração in situ, formados por
processos intempéricos, que não envolvem transporte mecânico e que incluem a
formação de um solo na sua camada superior (Giannini & Riccomini 2000: 171).
Os solos, por sua vez, são corpos naturais que consistem em camadas (horizontes)
de constituintes minerais e orgânicos. Trata-se de entidades dinâmicas, que adquirem
progressivamente suas propriedades pela ação combinada dos fatores do meio: nascem e
evoluem (Duchaufour 1975). Os cinco fatores responsáveis pela formação de solos são:
i. materiais parentais, pois o solo pode formar-se in situ a partir do intemperismo da
rocha-mãe ou a partir de sedimentos transportados mecanicamente; ii. organismos,
incluindo fauna do solo, plantas e microorganismos; iii. topografia, forma e relevo da
paisagem; iv. o clima, que afeta o deslocamento e a transformação dos materiais, e
influencia o tipo e a quantidade de vegetação suportada pelo solo; e v. o fator tempo,
porque a formação de solos é um processo dinâmico e evolutivo (Herz & Garrison
1998; Birkeland 1999).
Sedimentos e solos são entidades diferentes, embora os primeiros possam prover
em alguns casos o material parental para o desenvolvimento dos segundos e embora
alguns sedimentos correspondam a material de solo mecanicamente transportado.
Definitivamente, não se trata de categorias equivalentes e este fato nem sempre é
entendido na prática arqueológica, especialmente no campo onde a ausência do
especialista (o geoarqueólogo) pode derivar em descrições incorretas.
Termos como antrossolo, solo antrópico ou antropogênico envolvem a existência
de um perfil de solo já desenvolvido. O uso do termo antrossolo ou solo antrópico em
campo requer a satisfação de vários aspectos da sua definição: presença de objetos
arqueológicos dentro de um solo desenvolvido, matrizes escuras (pela alta concentração
de matéria orgânica), limites abruptos entre horizontes e maior extensão territorial que
os solos naturais da região (produto da deposição antrópica) (Holliday 2004). Todos
estes atributos são produzidos de maneira não intencional como resultado da influencia
humana, enquanto os solos antropogênicos são considerados como intencionalmente
alterados (Eidt 1985).
23
Estes tipos de solo só podem ser definidos pela presença de um horizonte
superficial diagnóstico que pode ser tanto um horizonte antrópico como plaggen, ambos
produzidos pela influência humana, mas de distintas maneiras. Os horizontes antrópicos
requerem alguma evidência de alteração produzida pela atividade humana, assim como
altas concentrações de fosfato, enquanto que os horizontes plaggen são considerados o
produto exclusivo da adição prolongada e continuada de adubo (Duchaufour 1975; Herz
& Garrison 1998; Soil Survey Staff 1998).
Portanto, somente quando se tem absoluta certeza de estar frente a alguma das
situações mencionadas, em função dos atributos de cada horizonte diagnóstico e tipo de
solo e do fato de que sua identificação requer de análises laboratoriais e não
simplesmente de descrições em campo, pode-se então usar a terminologia derivada da
ciência do solo. Em demais situações, o que envolve a maioria dos sítios arqueológicos,
terminologia diferente deve ser usada para permitir descrições padronizadas do registro
arqueossedimentar.
Uma situação semelhante pode-se observar na terminologia derivada da
sedimentologia, onde se faz presente a influência das propostas de Schiffer (1987). Por
exemplo, arqueossedimentos ou sedimentos antrópicos são freqüentemente definidos
como os produtos da deposição humana em contextos primários que não sofreram
alterações pós-ocupacionais (Rapp & Hill 1998; Dincauze 2000; Brochier 2002). Não
obstante, concorda-se com o dito por Courty (2001) sobre o quão confusas resultam as
definições que envolvem intenção. Assim como pode ser difícil de distinguir em campo
um solo antrópico de um solo antropogênico, também é difícil determinar se um
sedimento está em contexto primário e se sofreu ou não de alterações pós-ocupacionais,
sem a ajuda de análises de laboratório.
Portanto, o conhecimento dos significados por trás da terminologia, seja derivada
da ciência do solo seja da sedimentologia, é necessário na categorização do registro
arqueossedimentar numa primeira aproximação. Os diferentes termos são de fato úteis,
mas só após o completo escrutínio dos atributos e propriedades do material com o qual
se está tratando, que freqüentemente vai envolver análises no laboratório além da
descrição em campo para classificar corretamente e outorgar valor interpretativo ao
registro arqueossedimentar.
Julie Stein (1985) propôs o termo sedimento arqueológico para se referir às
partículas que foram afetadas por processos artificiais e que contêm informação sobre
atividades culturais relevantes ao pré-historiador. Esta definição de sedimento
24
arqueológico resulta num válido ponto de partida; o conceito enfatiza o caráter
antrópico da sua origem e remete a materiais que têm incluido a ação humana embora a
natureza dessa ação seja ainda desconhecida, e possa ter acontecido tanto sobre um solo
como um sedimento. Assim, este termo pode ser usado numa grande variedade de
situações descritivas iniciais que podem ser refinadas posteriormente.
O fato de que todos os depósitos arqueológicos sejam tratados em termos de
sedimentos arqueológicos não exclui a possibilidade de se chegar à conclusão de que se
está diante de um antrossolo, por exemplo, ou de um sedimento em contexto primário
(sensu Schiffer 1987). A terminologia adotada neste trabalho, sedimentos
arqueológicos, é ampla e geral, útil para ser usada em campo e sem implicações
interpretativas a priori.
Sem dúvida, embora todos os sítios arqueológicos estejam compostos de
sedimentos arqueológicos, algumas distinções devem ser feitas sobre a natureza destes
materiais. A composição dos depósitos arqueológicos é, em termos gerais e descritivos,
semelhante à dos solos e depósitos sedimentares; todos podem igualmente incluir: uma
fração clástica, uma fração iônica e uma fração coloidal. Porém, a grande
particularidade dos sedimentos arqueológicos é que, diferentemente dos solos e
sedimentos geológicos, eles envolvem uma constituição antrópico-natural.
Nos sedimentos arqueológicos, os artefatos e as partículas de origem natural
podem ter sofrido transporte e deposição que resultaram da ação humana de coletar,
deslocar e colocar elementos num local determinado. Portanto, vários dos componentes
dos sedimentos arqueológicos estão relacionados com um agente de transporte que não
é considerado na sedimentologia tradicional: os humanos (Stein 1987; 2001b). Desta
maneira, a influência antrópica que distingue sedimentos arqueológicos de solos e
sedimentos naturais pode apreciar-se em cada uma das três frações citadas
anteriormente, da seguinte maneira:
1. Na fração clástica: os sedimentos arqueológicos podem incluir artefatos,
no sentido de produtos materiais definidos pelo sistema econômico
básico
2
; e podem incluir partículas minerais (inorgânicas por definição) ou
orgânicas que tenham sofrido um transporte antrópico até seu lugar final
de deposição.
2
Que implica a existência de um recurso natural, uma força de trabalho e meios de produção para dar
lugar a objetos e artefatos socialmente produzidos (Risch 1998)
25
2. Na fração iônica: a ação antrópica pode alterar a composição química
original dos solos ou sedimentos e mudar as concentrações elementais,
dando lugar a uma situação totalmente distinta da original.
3. Na fração coloidal: a ocupação pode introduzir matéria orgânica ou
argilominerais nos sítios, ou pode resultar na transformação, neoformação
ou destruição de argilominerais.
A ação humana intensiva num local modifica o material sedimentar ou edáfico,
introduzindo materiais naturais e culturais forâneos através do processo de transporte e
deposição antrópicos. Holliday (2004: 296) define o termo “metapedogênese” para se
referir a esses processos antrópicos que resultam em mudanças nos perfis dos solos e
sedimentos naturais, os quais se apresentam como material parental para as
modificações induzidas pela ocupação humana. Pope & Rubenstein (1999: 258) chegam
a considerar as pessoas dentro dos agentes de intemperismo, e definem o termo
“antrointemperismo” para referir-se aos processos bioquímicos e mecânicos únicos
introduzidos pela ocupação humana e que não se acham ativos no ambiente natural.
Assim, os sedimentos arqueológicos são únicos porque representam a interface
dos humanos com a sedimentação natural e a pedogênese (Courty et al. 1989), mas sua
verdadeira particularidade reside no processo que está por trás da sua conformação: a
ação humana. Da mesma maneira, os sedimentos arqueológicos possuem características
assimiláveis tanto a sedimentos como a solos naturais. Com os sedimentos,
compartilham a constituição por materiais que sofreram transporte, deposição e
potenciais alterações diagenéticas que, ao mesmo tempo, incluem à pedogênese.
Portanto, com os solos, compartilham o processo dinâmico de formação, que envolve
uma transformação pós-deposicional ao longo do tempo que resulta, em função da
intensidade da ocupação humana, num depósito novo.
Porém, deve-se evitar considerar a ação humana num depósito como um mero
processo pós-deposicional, já que esta ação envolve um continuum de causas e efeitos
cultural-natural, em parte regido pelas leis da física, mas principalmente controlado por
fatores culturais e comportamentais.
Para finalizar, do ponto de vista descritivo, os sedimentos arqueológicos definem-
se como um conjunto de partículas minerais ou orgânicas misturadas a material
arqueológico que podem ser produzidas pelo homem, ou transformadas posteriormente
à sua deposição pelo homem (Courty & Miskovsky 2002: 449). Do ponto de vista
interpretativo, os sedimentos arqueológicos envolvem a ação combinada de processos
26
culturais e naturais e possuem informação sobre o comportamento humano que
participou na sua configuração. Conseqüentemente, a mera modificação de um depósito
natural por resíduos de atividades humanas não é suficiente para chamar um sedimento
de arqueológico, se não pudermos extrair dessa modificação informações sobre o
comportamento humano pretérito.
2.3. – Estratigrafia arqueológica
Em arqueologia, a estratigrafia dos sítios geralmente apresenta-se como uma
ferramenta de ajuda à escavação, como uma cronologia relativa dos elementos
artefatuais, ou como testemunha da evolução ambiental dos sítios; e sua descrição
muitas vezes se considera um objetivo a mais dentro das pesquisas.
Porém, a noção dos solos e sedimentos como unidade estática onde os artefatos
repousam placidamente após a sua deposição final é altamente questionável, como disse
Paola Villa (1982: 287):
“Conjoinable pieces have clearly indicated that considerable vertical movement can
occur in the absence of visible traces of disturbance. Such displacement –which can be
either post-depositional or contemporaneous with the time of burial- alters the original
stratigraphic relationships of archaeological items and creates false stratigraphic
associations. /…/ unless proven otherwise, layers and soils should be considered as fluid,
deformable bodies /…/ through which archaeological items float, sink, or glide”.
Portanto, a menos que se esteja trabalhando com estruturas arquitetônicas, associar
um conjunto artefatual inequivocamente com uma unidade sedimentar é um
procedimento que requer escrutínios mais exaustivos do que o tradicionalmente feito.
Igualmente, a estratigrafia dos sítios nem sempre reflete o entorno paleoambiental no
qual as sociedades humanas atuaram; sempre é necessário amostrar fora da área de
influência antrópica para conhecer o entorno deposicional natural (não alterado), a
maneira em que o sítio se insere nele, e avaliar a intensidade da influência humana nesse
sistema (ver tópico 4.2) .
Desde o início da arqueologia moderna, durante o século XVIII, e até meados do
século XX, o trabalho arqueológico esteve fortemente vinculado aos princípios da
27
estratigrafia geológica (Harris 1991; Renfrew & Bahn 1993). Alguns autores chegam a
sustentar que nunca poderia ter existido uma arqueologia moderna antes do
desenvolvimento da geologia, e que a arqueologia é filha desta disciplina (Daniel 1987:
24). Tanto os descobrimentos de John Frere em 1797 e os de Boucher de Perthes em
1837, como as evidências apresentadas por Charles Lyell e John Lubbock (Rapp & Hill
1998: 5) sobre a antiguidade do homem, contrária ao paradigma bíblico que reinava
nesses tempos, sentaram as bases da inevitável cooperação entre ambas as disciplinas.
Não obstante, embora a relação entre arqueologia e estratigrafia se manteve, o
desenvolvimento independente que tiveram no século XX desfavoreceu a interação
entre ambas. Foi o sistema arqueoestratigráfico desenvolvido no seio da geoarqueologia
o que vinculou novamente ambas as disciplinas (Stein 1990; 1992). Tal sistema refere à
estratigrafia elaborada por Gasche & Tuncha (1983) para o tratamento de depósitos
arqueológicos, que adaptou para a análise arqueoestratigráfica as seguintes unidades
geológicas: litológica (corpo tridimensional homogêneo caracterizado por qualquer
atributo físico do sedimento); etnoestratigráfica (caracterizada por seu conteúdo
artefatual); e cronoestratigráfica (caracterizada por sua duração ou suas relações
temporais).
Outro sistema estratigráfico elaborado fora do dominio da geoarqueologia, e que
se constituiu num dos sistemas mais bem sucedidos mundialmente, foi o elaborado por
Edward C. Harris (1991). O autor reconhece que, embora as unidades arqueológicas
sigam às leis da estratigrafia geológica, existe um número de unidades próprias da
arqueologia que não encontram equivalente no mundo natural e que merecem sua
própria nomenclatura e tratamento específico.
A crítica que a classificação elaborada por Harris (1991) recebe da geoarqueologia
assinala o fato de ela não se basear em descrição de atributos físicos observados nos
sedimentos, senão em critérios genéticos e interpretativos (Stein 1987, 1990). Valendo-
se da interpretação das fontes, dos agentes de transporte e dos mecanismos de deposição
dos sedimentos, Harris define as seguintes unidades arqueoestratigráficas: estratos
naturais, materiais em situação arqueológica transportados pelo homem ou pela natureza
que seguiram às leis de estratificação natural (superposição, horizontalidade original e
continuidade original); estratos antrópicos (horizontais ou verticais), materiais
transportados e depositados pelo homem que não seguem às leis de estratificação
natural; e interfaces (horizontais ou verticais), constituídas pelas superfícies dos estratos
28
(leitos ou interfaces de estrato) ou pelas superfícies formadas pela desaparição de uma
estratificação anterior (descontinuidades ou elementos interfaciais).
Assim, em termos gerais, existem dois sistemas diferentes de tratamento
estratigráfico em sítios arqueológicos: o próprio da geoarqueologia, descritivo como o
sistema geológico, desenvolvido para favorecer a intercomunicação entre ambas as
disicplinas; e o próprio da arqueologia, interpretativo, elaborado como sistema
independente, exclusivo dos depósitos arqueológicos.
Entretanto, o fato de que existam duas maneiras possíveis de considerar a
estratigrafia dos sedimentos arqueológicos, a partir de sua interpretação ou de sua
descrição, não implica que ambos os sistemas sejam excludentes, mas que se trata
meramente de diferentes enfoques que podem ser igualmente aplicados ao mesmo
elemento empírico.
Por exemplo, uma unidade litológica (Gasche & Tunca 1983) pode ser tanto um
estrato natural como um estrato antrópico (Harris 1991), sendo que, a unidade litológica
é definida em função de atributos físicos descritivos independente do fato da unidade ter
sido depositada seguindo as leis da estratificação natural ou não (fato que
posteriormente pode ser esclarecido).
Portanto, ambos os sistemas estratigráficos, muitas vezes considerados
antagônicos, não são mais do que o complemento um do outro. Sua única diferença, não
menor, é o fato de predominar a descrição sobre a interpretação e vice-versa. Sua grande
incompatibilidade radica então no peso da abordagem geológica que se esteja dando ao
registro, já que em geologia a descrição é fundamental para a inferência de processos e
um ponto de partida interpretativo resulta inaceitável.
O sistema de Harris tem a vantagem de ter incluído na nomenclatura
arqueoestratigráfica estruturas antrópicas suscetíveis de aparecer em sítios
arqueológicos, como muros, calçadas, etc. Entretanto, embora seja extremamente útil no
auxílio ao desenho de métodos de escavação de grandes áreas e no registro de feições e
estratos verticais e horizontais (através da Matriz Harris), não é apropriado para inferir
informação da estratigrafia dos sítios além de mera descrição temporal-seqüêncial das
unidades. Este sistema acha-se baseado em critérios geológicos arcaicos, as leis da
estratificação natural definidas por Steno no século XVII (Fritz & Moore 1988), e parte
de premisas incorretas sobre a verdadeira diferença entre depósitos naturais e
antrópicos. Concentra-se em contextos urbanos e resulta muitas vezes limitado e
29
insuficiente, pelo que não consegue dar conta da totalidade de contextos estratigráficos
que podem apresentar os sítios arqueológicos.
O sistema geoarqueológico (Gasche & Tunca 1983), aberto e descritivo, adapta-se
facilmente a uma diversidade de situações arqueoestratigráficas. Porém, embora tente
aproximar-se da estratigrafia geológica, empresta conceitos sem considerar as
diferenças semânticas. Por exemplo, define litologia como qualquer atributo físico,
quando a rigor o termo refere ao tipo de rocha (baseado em textura e mineralogia);
considerar outros atributos físicos na descrição, como geometria e estrutura, já implica
falar de fácies e não de unidades litológicas. Mas o problema fundamental do sistema de
Gasche & Tuncha (1983) é pecar em utilizar uma terminologia geológica antiga que
resulta numa abordagem estratigráfica arcaica, inclusive para a geologia, e não
acompanha os progressos que a sedimentologia tem conseguido e que podem favorecer
enormemente a elaboração de um sistema arqueoestratigráfico.
Atualmente existem vários tipos de descrições arqueoestratigráficas, cada uma
com critérios particulares, realizadas em função de objetivos concretos. Este fato não
tem contribuído à elaboração de métodos gerais para esta análise que fossem além da
mera descrição e interpretação cronológica parcial e macroscópica dos depósitos. No
que se refere à arqueoestratigrafia como meio de estudar os processos de formação de
sítios, a ênfase tem sido colocada nas descrições de campo e as interpretações parecem
saltar diretamente das observações macroscópicas feitas em campo à interpretação
cultural.
Interpretações dos perfis arqueoestratigráficos baseadas unicamente nas descrições
de campo têm recebido grandes críticas por parte de autores como Barham (1995), que
assinala que o registro visual da estratigrafia limita-se a resolução do olho humano
(60µm aprox.) e está restrito ao espectro de luz visível (longitude de onda
eletromagnética de 0,4-0,7 µm). Portanto, a construção de Matrizes Harris ou de
qualquer outro método estratigráfico em campo baseia-se nesta situação particular e
resulta numa estratigrafia definida unicamente pelas propriedades visíveis dos perfis.
Esta estratigrafia será insuficiente e provavelmente diferente daquela definida a partir de
análises no laboratório que registrem os estratos arqueológicos através de um maior
espectro de aumentos e longitudes de onda eletromagnéticas.
As descrições em campo devem ser tomadas com extrema precaução na extração
de informação interpretativa a partir da apreciação macroscópica dos perfis. Esteja-se
tratando de padrões artefatuais originais ou alterados, contextos primários, secundários
30
ou terciários (sensu Schiffer 1987) são problemas que somente poderão ser identificados
no laboratório após a escavação (Barham 1995).
Atualmente, não existe um método padronizado para a análise dos processos de
formação através da arqueoestratigrafia, que estipule uma descrição em campo,
respalde-a com uma série de procedimentos analíticos e que relacione tal corpo de
informação com processos culturais e naturais passados. Alguns autores têm
estabelecido um método deste tipo com ênfase na importância que as análises
micromorfológicas têm no estudo dos processos de formação (Courty et al. 1989;
Courty 2001; Courty & Fedoroff 2002). Não obstante, tais métodos geralmente são
considerados implícitos e não existe ainda um contexto global que os confirme como
padrão.
No próximo capítulo, apresenta-se o método elaborado para o estudo dos
processos de formação de depósitos arqueológicos através da análise
arqueoestratigráfica, baseado na análise de fácies sedimentológicas (Walker 1983;
Anderton 1985) e nas propostas de Stein (1987, 1992, 2001b), Courty (2001) e Courty
& Fedoroff (2002).
A geoarqueologia não necessita confinar-se à valorização dos processos naturais;
seus métodos e ferramentas analíticas permitem que esta subdisciplina aborde também
os processos de formação culturais e os comportamentos deposicionais. Neste caso,
focaliza-se a arqueoestratigrafia para desvendar os processos de formação a partir da
adaptação de um método emprestado das geociências: a análise de fácies.
31
CAPÍTULO III: ANÁLISE DE FÁCIES EM ARQUEOLOGIA
32
3.1. – Fácies sedimentológicas e fácies arqueológicas
A conotação processo-resposta do conceito de fácies, versão moderna de um
termo que data do século XIX na geologia, é considerada atualmente componente
fundamental da sedimentologia. Esta versão moderna do termo começou com os
trabalhos pioneiros sobre sistemas deposicionais (Fisher & McGowen 1969, por
exemplo) e alcançou sua maior divulgação com a publicação da obra de Walker (1976
republicada em 1983) Facies Models. Portanto, o conceito de fácies se encontrava bem
estabelecido na geologia da década de 1980 quando foram publicados tanto o sistema
arqueoestratigráfico de Harris (primeira edição 1979) como o de Gasche & Tunca
(1983). Porém, este conceito não foi nem considerado na época nem posteriormente
adicionado ou adaptado. Pode ser apreciado no trabalho de Stein (1987, 1992, 2001b),
Brochier (1990, 2002), Brochier et al. (1992), Barham (1995), Gilbertson (1995),
Courty (2001), e Courty & Fedoroff (2002), algumas vezes parcialmente aplicado,
outras vezes só mencionado.
Em arqueologia, o termo fácies tem sido utilizado como sinônimo de termos como
corte, camada, nível etc., para referir-se basicamente à mesma coisa: unidades
identificadas em campo como representantes de um contexto similar de artefatos e
definidas segundo qualquer propriedade física e qualquer escala que seja conveniente
para a pesquisa (Stein 1987, 1990). O termo fácies tem sido utilizado também para
referir-se às unidades litoestratigráficas menores identificadas num sítio (cujo
agrupamento conformaria uma camada), representantes de um evento deposicional no
tempo (Stein et al. 1992: 97). Em geologia, as chamadas “litofácies” são definidas em
função de suas propriedades físicas, químicas e orgânicas, e também representam
processos deposicionais individuais, podendo ser agrupadas em associações ou
assembléias que caracterizam um ambiente deposicional específico (Miall 1990: 150).
Portanto, as litofácies têm sido usadas em arqueologia, mas como ferramenta
essencialmente descritiva. Em sedimentologia, pelo contrário, a descrição não é uma
finalidade em si mesma, mas está dirigida a inferir os processos deposicionais que se
acham por trás da realidade observada nas seções.
A deficiência fundamental que envolve o uso de litofacies em arqueologia é
superada nos trabalhos de Stein et al. (1992), Stein (1996) e Courty (2001). Para estas
33
autoras a descrição não representa um objetivo isolado, mas está dirigida à identificação
de processos naturais e antrópicos passados.
A análise de microfacies arqueológicas proposta por Courty (2001) é referência
fundamental na análise de arqueofácies desenvolvida nesta dissertação. O método
proposto pela autora envolve a amostragem das unidades estratigráficas e feições
horizontais para realizar estudos micromorfológicos. Este método segue os
procedimentos da análise de fácies sedimentológicas, já que envolve descrição em
campo, classificação das unidades e estudo sistemático das seções delgadas para
entender os agentes naturais e antrópicos atuando conjuntamente nos depósitos
arqueológicos.
3.2. – Análise de arqueofácies
Em sedimentologia, a análise de fácies envolve a descrição e classificação de um
corpo sedimentar, seguidas da interpretação dos seus processos e ambientes de
deposição, usualmente sob a forma de um modelo de fácies. A descrição deve ser bem
detalhada porque a partir dela se realizam deduções sobre os processos responsáveis
pela deposição sedimentar. Estas deduções baseiam-se no entendimento dos processos
sedimentares que derivam de estudos teóricos (análogos modernos e exemplos de fácies
antigas similares), de laboratório e de campo (Anderton 1985: 36).
Portanto, o termo fácies tem a particularidade de poder ser usado tanto em sentido
descritivo como interpretativo. No sentido descritivo, as fácies referem-se a unidades
sedimentares que se caracterizam por um conjunto de atributos físicos (como litologia,
geometria, estrutura etc.) que as distinguem de outras unidades. No sentido
interpretativo, as características descritas podem ser utilizadas na inferência de
processos de deposição particulares para cada unidade. Assim, as fácies representam a
materialização de um processo sedimentar, e a análise de fácies é entendida como a
descrição e classificação de um corpo sedimentar seguida da interpretação dos seus
processos e ambientes de deposição (Walker 1983; Anderton 1985; Miall 1990).
Resulta claro que a aplicação da análise de fácies em geologia não segue objetivos
semelhantes aos da arqueologia. Primeiro, e fundamentalmente, pelas diferentes escalas
34
temporais e espaciais em que trabalham ambas as disciplinas, o que afeta tanto a
interpretação dos processos como as reconstruções. Não é objetivo da geoarqueologia a
construção de explicações geológicas, mas interpretar os processos antrópicos na escala
humana (Stein 1993). E segundo, porque os processos que as duas disciplinas
interpretam a partir da estratigrafia são intrinsecamente diferentes. A geologia está
interessada em processos naturais relacionados com ambientes de deposição e a
arqueologia está interessada na maneira como esses ambientes se relacionam com a
formação de sítios e a ocupação humana, valorizando o tipo de atividades humanas no
local, sua evolução e intensidade.
Dado que os sedimentos arqueológicos resultam da ação combinada de processos
culturais e naturais, estes sedimentos se constituem diferentemente dos sedimentos
geológicos precisamente pelo processo antrópico que têm por trás. Por isso, em alguns
casos, os sedimentos arqueológicos podem ser fonte de dados paleoambientais, mas
também se constituem em importantes recipientes de informação sobre comportamentos
humanos pretéritos.
A arqueoestratigrafia de sedimentos arqueológicos envolve o estudo dos produtos
sedimentares de processos antrópicos vinculados com culturas passadas que atuaram
sobre o meio natural. Esses produtos arqueossedimentares são suscetíveis de ser
tratados na seqüência estratigráfica em termos de fácies, tal como se faz em geologia
para referir-se aos produtos de processos e ambientes sedimentares passados (ou atuais).
A aplicação de análise de fácies em arqueologia permite vincular novamente os
desenvolvimentos teóricos da sedimentologia moderna com o estudo do registro
arqueossedimentar. Adotando e adaptando à realidade arqueológica um método de
provada utilidade em sedimentologia, amplia-se o espectro de interação entre ambas as
disciplinas, o que pode resultar em desenvolvimentos conjuntos em prol da criação de
modelos arqueoestratigráficos gerais.
Porém, um cuidado deve ser tomado. No intuito de estabelecer uma linguagem
padronizada para a análise do registro arqueossedimentar, todo e qualquer conceito
emprestado da geologia deve ser sintaticamente adaptado. Assim como os sedimentos
arqueológicos são definidos diferentemente dos sedimentos naturais, a análise de fácies
aplicada a seu estudo deve envolver também conceitos específicos, pelo processo
responsável pela sua configuração e pelos objetivos próprios desta análise, vinculados
ao estudo de sistemas culturais passados. Por isso, no contexto da análise estratigráfica
de fácies dos sítios arqueológicos, propõe-se o uso do conceito de arqueofacies, termo
35
que pode ser usado indistintamente com “fácies arqueológicas” usado por Brochier
(2002).
Contudo, a necessidade de adotar conceitos bem definidos para processos
antrópicos e camadas culturais não deve escamotear o fato de que qualquer sítio
arqueológico foi parte de um ambiente deposicional, e que em qualquer momento da sua
vida foi objeto de processos naturais (Courty 2001: 208).
O detalhamento na descrição de fácies deve ser realizado igualmente em ambas as
disciplinas e a procura de análogos modernos é tarefa extremamente difícil para ambas.
Em arqueologia, pela dificuldade de tratar com populações humanas passadas, que
muitas vezes desaparecem sem deixar vestígio além de seus restos materiais. Em
geologia, em virtude do chamado “problema da escala” (análogos modernos são
geralmente registro das últimas horas, dias, meses, poucos milhares de anos, enquanto
depósitos antigos são o registro de milhões e centenas de milhões de anos), e pelo fato
de que os processos não foram necessariamente iguais ao longo do tempo geológico
(houve mudanças na cobertura vegetal, na composição da atmosfera, na atividade
vulcânica e até nas marés) (Sawakuchi & Giannini 2006).
Portanto, no nível descritivo e classificatório, a análise de fácies é aplicável em
arqueologia na descrição completa e padronizada dos perfis arqueossedimentares e no
estabelecimento de relações entre as diferentes fácies identificadas. No nível da
interpretação, a elaboração de modelos de arqueofácies deverá ser feita intrinsecamente
para cada sítio, com base no que até o momento oferece a literatura arqueoestratigráfica,
a qual, na falta de correlatos atuais, deverá ser usada como material de referência.
A análise de arqueofácies implica quatro etapas fundamentais:
1. Descrição detalhada em campo dos perfis arqueoestratigráficos.
2. Caracterização das arqueofácies a través de análise, no laboratório, das
suas propriedades (granulometria, composição química, mineralogia,
micromorfologia etc.).
3. Estudo da literatura disponível sobre fácies semelhantes às identificadas no
sítio.
4. Interpretação das arqueofacies em termos de processos naturais, deposição
cultural e comportamentos humanos.
36
3.2.1. – Descrição de arqueofácies
Na análise de fácies de bacias sedimentares, a descrição objetiva do sistema é
fundamental para alcançar o conhecimento dos processos individuais. Porém, tal
descrição não é uma tarefa simples, devido à alta heterogeneidade dos sistemas
deposicionais em função das dimensões tempo-espaciais, e ao controle por processos
não lineares interagindo a distintos níveis.
A análise de fácies em sedimentologia envolve o registro em campo dos seguintes
atributos dos estratos sedimentares: i. litologia (mineralogia e textura); ii. geometria
externa; iii. geometria interna (estruturas sedimentares); iv. paleocorrentes; e v.
conteúdo biogênico (fósseis, icnofósseis, matéria orgânica) (Selley 1970). Estes
parâmetros são os mais utilizados, mas não necessariamente os únicos. A rigor,
qualquer propriedade deposicional pode ser usada para descrever, classificar e
caracterizar fácies.
Tais atributos são utilizados para definir as fácies sedimentares, mas trabalhando
com estratos arqueológicos deve-se lembrar que: a litologia é resultado da deposição de
agentes e componentes naturais e antrópicos; a geometria externa não conforma
exclusivamente limites geogênicos ou pedogênicos, senão que pode ser também de
origem antrópica (Courty 2001: 208); as estruturas sedimentares também refletem a
influência da ação do homem na morfologia dos depósitos; paleocorrentes podem não
existir ou não serem conhecidas/detectadas; e fósseis podem ser assemelháveis, em
certo sentido, ao conteúdo artefactual dos perfis.
Julie Stein (1987; 1992; 2001b) propôs distinguir entre fácies, no perfil, por meio
da aplicação de critérios semelhantes aos usados em geologia. A descrição é feita a
partir de mudanças nos atributos físicos, como cor, textura, composição e forma do
depósito, podendo-se utilizar outras propriedades físicas e diferentes graus de mudança
nessas propriedades como critério suficiente para distinguir entre fácies.
Os critérios de definição de fácies em arqueologia são ainda arbitrários (Stein
1992; 2001b), tanto pela complexidade do arranjo que podem apresentar os depósitos
arqueológicos como pela conseqüente falta de unanimidade nos critérios de distinção;
que podem mudar conforme o tipo de questão levantada nas pesquisas.
Não obstante, a determinação de arqueofácies, pode seguir critérios baseados na
sedimentologia (principalmente em sítios pré-históricos), desde que adaptados à
37
natureza do registro arqueológico de modo a não incidir em incoerências metodológicas
e contra-sensos.
Foi proposta por Giannini et al. (2005) uma adaptação dos critérios utilizados na
descrição de fácies sedimentológicas à descrição dos perfis arqueoestratigráficos para
trabalhar com os sambaquis do litoral centro-sul de Santa Catarina. Os autores propõem
que: no lugar de litologia se descreva o material construtivo e suas propriedades
texturais; no lugar da estrutura interna se descrevam as estratificações internas, marcas
de estaca, fogueiras, e outras evidências arqueológicas; a geometria externa mantém o
mesmo sentido, ou seja, forma e nitidez das superfícies delimitantes de fácies;
paleocorrentes é substituída por aspectos posicionais em relação ao sítio e aos elementos
da geografia atual e pretérita; e os aspectos biológicos se substituem por evidências
humanas diretas, como esqueletos ou covas de sepultamento.
Os autores também propõem a caracterização de fácies como elemento
fundamental no reconhecimento de padrões de construção e correlação entre sítios da
mesma natureza (neste caso, sambaquis). Tal caracterização vai envolver estudos
clássicos em sedimentologia como análises granulométricas, de minerais pesados,
petrográficas, isotópicas, faunísticas, botânicas e antracológicas (Giannini et al. 2005).
Devido à alta diversidade de depósitos arqueológicos e à alta variedade dos seus
componentes, a descrição de fácies em arqueologia não pode, até o momento, seguir um
esquema rígido. O melhoramento da descrição e classificação de arqueofácies deveria se
constituir numa prioridade nas pesquisas arqueológicas, segundo Courty (2001: 232),
assim como o estabelecimento de uma terminologia padronizada que ajude a unificar as
diversas percepções de estratos arqueológicos.
Porém, os indicadores utilizados em sedimentologia aportam um bom ponto de
partida na descrição de estratos para análise de arqueofácies. Adaptando estes
indicadores à arqueologia, complementados por outros mais em função da natureza do
sítio estudado, consegue-se contemplar ao mesmo tempo as realidades antrópica como
sedimentar, bem como, potencialmente, a pedológica do depósito arqueológico em
questão.
38
Assim, na descrição de arqueofácies devem-se registrar no mínimo os seguintes
cinco elementos:
1. Composição: incluindo textura, cor e mineralogia.
2. Geometria externa: forma e natureza dos limites entre as unidades
arqueossedimentares.
3. Estruturas internas: feições arqueológicas verticais como buracos de
estaca, fogueiras, covas de sepultamento etc.
4. Conteúdo orgânico: raízes, matéria orgânica, atividade biológica etc.
5. Componentes antrópicos (artefatos, sepultamentos humanos etc.)
3.2.2. – Caracterização de arqueofácies
O primeiro passo envolve a classificação primária das arqueofácies feita a partir
das descrições de campo. Propriedades gerais como composição macroscópica e textura
permitem reconhecer similaridades e diferenças entre arqueofácies e agrupá-las com
base em tais critérios. Posteriormente, a avaliação de tipo e intensidade das mudanças
nas propriedades gerais identificadas permite definir possíveis subgrupos (Courty 2001:
215). Uma vez feitas estas classificações macro e mesoscópicas, passa-se à etapa de
caracterização baseada numa série de procedimentos analíticos no laboratório que
permitirão confirmar, refutar ou refinar as classificações anteriores.
As técnicas de análise escolhidas dependem da natureza do problema e do grau de
resolução desejado no estudo. Diversas determinações analíticas podem ser utilizadas na
caracterização de arqueofácies: granulometria da fração mineral (ver tópico 4.2.), teor
de matéria orgânica e carbonatos, geoquímica, mineralogia, análises isotópicas,
arqueofaunísticas, arqueobotânicas, micromorfológicas (ver tópico 4.2.1.), entre outras.
Porém, deve-se lembrar que a concepção clássica da geoarqueologia como responsável
pelo estudo do registro sedimentar natural dos sítios tem conduzido à aplicação cega dos
métodos geológicos no estudo dos sedimentos arqueológicos. As técnicas de análise
sedimentológica não são sempre diretamente aplicáveis ao estudo dos sedimentos
arqueológicos. Freqüentemente é necessário adaptá-las (Courty & Miskovsky 2002;
Goldberg & MacPhail 2006), já que as transformações antrópicas introduzem
importantes diferenças entre sedimentos ou solos naturais e sedimentos arqueológicos.
39
O registro arqueossedimentar não consiste num conjunto de partículas clásticas
depositadas naturalmente, que constituem a matriz na qual se produzem os achados
arqueológicos. Os sedimentos de natureza arqueológica, por terem sido afetados
artificialmente e por possuir informações relevantes à arqueologia (Stein 1985),
resultam da ação combinada de processos culturais e naturais, e não estão
exclusivamente regidos por fenômenos naturais.
Deve-se levar muito em consideração que nem todas as técnicas geológicas de
análise sedimentar são aplicáveis sistematicamente a cada depósito arqueológico. Isto
deve-se principalmente ao fato de que geologia e arqueologia, embora lidem igualmente
com o registro sedimentar (natural e arqueológico respectivamente), aspiram obter
informações radicalmente distintas do estudo dos depósitos. O objetivo geral da análise
geológica é o conhecimento dos processos (naturais) a partir do estudo dos seus
produtos (Boggs 1987), e tanto as técnicas em si mesmas como a sua aplicação estão
viradas a esses fins. Não obstante, em arqueologia, o interesse está em conhecer os
comportamentos (humanos) a partir dos seus produtos, e resulta evidente que nem todas
as técnicas geológicas, nem seu método padronizado de aplicação, vão aproximar-se
eficientemente desses objetivos.
Portanto, as técnicas geológicas existem, contribuem enormemente ao
conhecimento do entorno do homem, mas é importante e fundamental que sejam
aplicadas e adaptadas corretamente segundo cada caso (Courty & Miskovsky 2002:
451), para poder resolver os problemas que se estabelecem tanto ao geólogo como ao
arqueólogo
Uma vez escolhidas as técnicas de análise para caracterização, todas as amostras
coletadas das arqueofácies descritas e identificadas em campo são submetidas aos
estudos correspondentes. A partir dos resultados destes estudos classificam-se
novamente as arqueofácies em subgrupos em função dos novos dados obtidos no
laboratório, comparando-as sistematicamente para identificar suas semelhanças e
diferenças. Devido ao fato de que a grande diversidade de processos e produtos
relacionados com as atividades humanas ainda não é totalmente conhecida, a
classificação comparativa com a totalidade de arqueofácies do sítio vai permitir
estabelecer diferenças e similitudes que sejam interpretativamente significativas.
Recentemente uma técnica derivada da ciência do solo está sendo considerada
indicador iniludível do caráter antrópico de um solo ou sedimento: a micromorfologia
dos depósitos arqueológicos (Hodder 1999: 113; Brochier 2002: 453). Esta técnica
40
considera-se básica na caracterização de arqueofácies por constituir o complemento
necessário das técnicas sedimentológicas padrão (Courty et al. 1989; MacPhail et al.
1990b; Solé & Vila 1990; Davidson et al. 1992; Goldberg 1992; Matthews et al. 1997;
Evans & O'Connor 1999; MacPhail & Cruise 2001; Courty 2001; Courty & Fedoroff
2002; Courty & Miskovsky 2002) e apresenta-se como a técnica que fecha o processo
de classificação e caracterização porque permite alcançar níveis de refinamento que vão
confirmar e aprofundar os critérios definidos macroscopicamente (ver tópico 4.2.1.).
O procedimento apresentado ao longo deste tópico permite construir uma
classificação puramente descritiva, que envolve a identificação e o estudo das interações
dos processos e comportamentos refletidos nos depósitos. Uma vez que as subdivisões
em grupos e subgrupos possam ser vinculadas, então pode-se finalmente interpretar a
seqüência de eventos expressada na sucessão vertical de fácies.
3.2.3. – Interpretação de arqueofácies
Nos depósitos arqueológicos, tem-se uma associação direta entre culturas
específicas e sítios resultantes da sua dinâmica ocupacional e evolutiva. Assim, o
conjunto das arqueofácies identificadas num sítio constitui-se como o produto particular
dos vestígios ocupacionais da uma sociedade humana pretérita atuando sobre o meio
natural, relacionado com as diferentes esferas de seu sistema cultural (produtivo,
econômico, social e ideacional), tanto de maneira independente como conjunta.
Desta maneira, as arqueofácies resultam de comportamentos humanos singulares
ou de múltiplos componentes, assim como qualquer outro vestígio arqueológico. Como
as arqueofácies são eventos únicos, próprios de um sistema cultural e de um sítio
especifico, a identificação individual do comportamento que refletem poucas vezes
pode ser alcançada. Esse fato, embora resulte assustador à primeira vista, não exclui a
possibilidade de poder se aproximar-se desses comportamentos através de um método
eficiente inserido em determinada abordagem geoarqueológica.
Em geologia, descrição e caracterização permitem deduzir os processos
relacionados com a formação de cada fácies. O exame das seqüências verticais permite
apreciar como os processos mudaram ao longo do tempo, e com base no arranjo
espacial das fácies e na presença de atributos diagnósticos de processos específicos,
interpreta-se uma associação de fácies que as relaciona genética e ambientalmente. A
41
associação de fácies, chave na interpretação dos sistemas deposicionais, é detalhada
com base em um modelo de fácies atualista, que usa analogias modernas para poder
escolher os elementos que explicam os atributos das fácies e do sistema deposicional
interpretado (Walker 1983; Anderton 1985; Reading 1986).
Em arqueologia, descrição e caracterização permitem interpretar a história de vida
de todas as partículas que compõem o depósito. Tal reconstrução envolve a
determinação da fonte de todos os materiais que compõem as arqueofácies, de todos os
agentes de transporte (naturais e antrópicos) para todas as partículas, do ambiente de
deposição e das alterações pós-deposicionais que os materiais sofreram (Stein 1985,
2001b). Desta maneira, pretende-se dar conta da realidade genética e diagenética dos
constituintes das arqueofácies. Porém, esse não é o objetivo único da análise de
arqueofacies, já que, acima de tudo, deve-se lembrar que:
"/…/ la arqueología no es la historia de los depósitos arqueológicos, sino una disciplina
mediadora para entender o conocer la historia de las comunidades humanas" (Castro et
al. 1993: 23).
Portanto, uma vez identificadas as semelhanças e dessemelhanças entre
arqueofácies e a partir do seu arranjo espacial relativo, pode ser interpretada na
seqüência vertical a associação de arqueofácies. Esta associação expressa a mudança ou
permanência de arqueofácies em termos de eventos que podem corresponder a uma
mesma intencionalidade deposicional. Nesta etapa utiliza-se tanto a literatura
arqueoestratigráfica como a arqueologia experimental, para poder elaborar modelos de
arqueofácies que expliquem os seus atributos e os do depósito arqueológico,
interpretados em termos de processos naturais, comportamentos humanos e dinâmica da
ocupação.
42
CAPÍTULO IV: HIPÓTESES E METODOLOGIA
43
Os sambaquis do litoral brasileiro são unanimemente considerados estruturas
antrópicas construídas pelo grupo humano que lhes outorgou sentido e função dentro do
seu sistema social, econômico e político (Gaspar & DeBlasis 1992; Afonso & DeBlasis
1994; Figuti & Klökler 1996; Fish et al. 2000; Klökler 2001). Estas grandes estruturas
podem ser consideradas artefatos em si mesmos os quais teriam cumprido diversas
funções, conforme proposto por Gaspar & DeBlasis (1992).
Um artefato define-se pela presença de um atributo, ou conjunto de atributos,
resultado da atividade humana e cuja identificação envolve o estudo comparativo com
objetos do mesmo tipo (Dunnell 1977). Assim, considerando-se globalmente o
fenômeno de sambaquis, pode-se identificar em todos eles uma série de atributos que
indiscutivelmente resultaram da ação antrópica. Entre eles, destaca-se sua localização
(não devida a processos naturais), sua composição sedimentar (sedimentos
arqueológicos constituídos por clastos minerais, bioclastos, restos arqueofaunísticos e
artefatuais) e a presência de sepultamentos humanos no interior de vários deles. Porém,
os sambaquis apresentam igualmente atributos resultantes de processos naturais, alguns
deles já conhecidos, como a presença de camadas concrecionadas de conchas devida à
ação de processos diagenéticos, e outros potencialmente a serem descobertos.
Neste trabalho considera-se à camada preta que cobre o sítio Jabuticabeira II como
produto de uma ação construtiva deliberada, que resultou no depósito
arqueossedimentar observado atualmente na paisagem. Parte-se da hipótese de que tanto
a localização como a conformação desta camada e das diferentes unidades
arqueossedimentares que a compõem, respondem a uma forma de acumulação conjunta
de material sedimentar, antrópico e natural, produto da deposição cultural.
Para seu estudo, aplica-se a análise de arqueofácies, que permite avaliar os
processos envolvidos na configuração do sítio ao longo do tempo como resposta à
dinâmica da ocupação e à ação de agentes naturais.
44
4.1. – O sítio Jabuticabeira II
O sítio Jabuticabeira II encontra-se localizado no município de Jaguaruna, Estado
de Santa Catarina, sob as coordenadas 22J 699479-6875488 UTM. Suas dimensões
compreendem cerca de 350 m de comprimento, 150 m de largura e 10 m de altura,
seguindo seu eixo principal a direção NNWSSE.
Fig. 1. – Mapa de localização do sítio Jabuticabeira II (adaptado de DeBlasis et al. 2007: 32)
Pela grande quantidade de sepultamentos humanos recuperados no sítio (total
estimado de 43.000 sepultamentos), o ritual funerário foi proposto como responsável
pela atividade construtiva que, durante quase um milênio deu lugar ao levantamento do
sambaqui (Fish et al. 2000; Karl 2000; Gaspar 2000).
45
A primeira intervenção no sítio, realizada no projeto “Processos Formativos nos
Sambaquis do Camacho, SC” (auxilio à pesquisa temático FAPESP que antecedeu o
atualmente em andamento) foi feita no ano de 1997. Nesse momento, abriu-se e limpou-
se um grande perfil estratigráfico em porção central do sambaqui, nos denominados loci
1 e 2, junto com treze trincheiras. Nos anos subseqüentes, várias trincheiras e áreas de
escavação foram abertas nos diversos loci definidos para o sítio, com o intuito de
aprofundar os conhecimentos sobre os padrões funerários e os processos de formação.
Fig. 2. – Topografia do sítio Jabuticabeira II com a localização dos diferentes loci e das duas trincheiras
abertas na camada preta, estudadas neste trabalho.
A construção do sítio teria começado cerca de 2.900 anos atrás (com base em
datação em carvão na trincheira 1: 3.209-2779 anos cal. AP) finalizando hà
aproximadamente 1300 anos (datação em osso humano no lócus 3: 1360-1280 anos cal.
46
A.P.). No começo de sua construção, o sambaqui achava-se em contexto sedimentar
dominado pelo sistema paleolagunar. O sítio provavelmente teria estado localizado
originalmente às margens da paleolaguna, cujos recursos faunísticos eram altamente
explorados para a subsistência dos sambaquieiros (Klökler 2001). Durante o período de
ocupação e elevação do sítio, a margem da laguna foi-se afastando progressivamente
conforme o descenso paulatino do nível do mar até chegar às condições atuais, nas quais
o sítio dista cerca de 3 km da borda da atual lagoa de Garopaba do Sul (Kneip 2004).
Nos perfis estratigráficos do sítio, observam-se três grandes camadas estratificadas:
uma camada conchífera, na base, intercalada com finos estratos de sedimentos pretos;
uma camada de conchas concrecionada diageneticamente; e, cobrindo o conjunto
anterio, uma camada preta de espessura decimétrica a métrica (DeBlasis et al. 1998;
2007; Fish et al. 2000; Gaspar et al. 2002; Bendazzoli 2007).
Atualmente, as investigações estão se concentrando nos denominados lócus 2 e 3,
caracterizado o primeiro pela presença da camada de conchas e o segundo pela presença
da camada preta (DeBlasis et al. 2004). A camada preta do Jabuticabeira II cobre a
quase totalidade da grande camada conchífera e sua extensão coincide com a da camada
concrecionada (produzida pela ação de processos diagenéticos vinculados com a
presença acima da camada preta). A aparição da camada preta tem-se interpretado como
uma mudança no regime antrópico de deposição que, 2.000 anos atrás e até o momento
final de construção do sambaqui (1.300 anos atrás), substituiu as conchas como material
construtivo pelo uso de sedimentos arenosos ricos em carvão, ossos e outros materiais
orgânicos (Klökler 2001; DeBlasis et al. 2004).
A presença de sedimentos arqueológicos castanhos a pretos recobrindo sambaquis
de núcleo conchífero ou arenoso não é um fenômeno exclusivo do Jabuticabeira II, já
que este tipo de camadas também foi descrito para outros sambaquis da região como
Encantada III, Mato Alto II, Carniça II e IV, Enseada I e Morrote (Klökler 2001).
Gaspar (1998) assinala que a ocupação dos sítios com esta característica
sedimentar foi contínua, e a mudança observada não representa uma descontinuidade
social senão que alteração funcional do sítio relacionada com câmbios internos ao
sistema social do grupo.
A espessura da camada preta varia ao longo dos diferentes loci, de 0,5 m no lócus
5 até cerca de 2,5 m no lócus 6. No ano de 1999 foram abertas no lócus 3 duas
trincheiras, T10 e T11, para poder observar com maior detalhe os aspectos relacionados
com a sua formação, funcionalidade e relação com a camada conchífera. Carvões
47
coletados nestas trincheiras ofereceram as primeiras datações para a camada preta,
1.862-1622 anos cal. A.P. e 1.864-1534 anos cal. A.P. para a T10 e T11
respectivamente (Fish et al. 2000; DeBlasis et al. 2007).
No primeiro momento de abertura destas trincheiras, as seções verticais
apresentaram aparente homogeneidade, mas, conforme o passo do tempo, tornou-se
conspícua a grande variedade de unidades arqueossedimentares e feições arqueológicas
(marcas de estaca, fogueiras etc.) que as compõem. Acerca da composição
macroscópica destas unidades, as pesquisas realizadas até o momento têm identificado o
domínio de restos arqueofaunísticos, areia e o que foi identificado como um alto
conteúdo de matéria orgânica, assim como pouca presença de conchas em relação à
camada conchífera.
O estudo macroscópico estratigráfico realizado por Bendazzolli (2007) corroborou
a tese de Klökler & Gaspar (2004) de que o padrão construtivo observado na camada
preta representa continuidade em relação ao padrão interpretado na camada conchífera.
Determinadas características mantêm-se constantes em ambas camadas, como unidades
arqueossedimentares de formato plano-convexo, presença de estruturas de combustão,
bolsões de ossos de peixe, unidades ricas em cinzas e mobiliário funerário associado aos
sepultamentos.
A apreciação macroscópica dos perfis permitiu identificar e inferir a presença de
dois tipos de unidades arqueossedimentares ni interior da camada preta: uma unidad
preta, totalmente queimada, dada sua quantidade de ossos escurecidos por combustão; e
outra de cor castanho claro, onde os ossos se apresentam geralmente sem evidências de
queima e em maior grau de alteração intempérica (DeBlasis et al. 2004; Giannini et al.
2005; Nishida 2007).
O conteúdo de ossos de peixe dentro dos restos faunísticos de ambas trincheiras é
surpreendente. Na T10 os ossos conformam aproximadamente 90% do registro
arqueofaunístico, completado pela presença de restos de bivalves, crustáceos, aves,
mamíferos, gastrópodes, condrícteos e répteis. A zooarqueologia tem demonstrado que
neste sítio a pesca foi uma atividade importante e cotidiana. As espécies melhor
representadas são corvinas (Micropogonias furnieri) e bagres (Ariidae), seguido por
sargos (Archosaegus probatocephalus), miraguaias (Pogonias chromis) e tainhas (Mugil
sp) (Nishida 2007), espécies que, até hoje em dia, são facilmente encontradas nas lagoas
da região durante o ano inteiro. A evidência faunística também indicou que a caça de
aves e mamíferos foi uma atividade esporádica e de escasso senão nulo papel na
48
subsistência do grupo, devido à baixa porcentagem de aparição e a sua reiterada
associação com sepultamentos humanos (Klökler 2001; Nishida 2007).
Estudos bioantropológicos respaldaram a evidência faunística, uma vez que baixa
freqüência de cáries nos indivíduos enterrados em sambaquis reflete dietas ricas em
proteínas e pobres em carboidratos e sugere que estas populações não tinham
estabelecido ainda contato econômico com povos agricultores (Okumura & Eggers
2005: 275).
A camada preta foi interpretada primariamente como possível produto de
atividades domésticas. A interpretação baseou-se na alta quantidade de artefatos líticos
recuperados e na presença de fogueiras e marcas de estaca, embora o número de
sepultamentos permanecesse tão alto quanto nas camadas funerárias da camada
conchífera subjacente (Fish et al. 2000).
Estudos zooarqueológicos posteriores concluíram que a camada preta seria uma
área ritual e não uma possível área de habitação. O argumento principal para esta
conclusão é a presênça recorrente de estratos ricos em restos arqueofaunísticos
formando montículos que recobrem os numerosos sepultamentos humanos; mas outro
argumento são a predominância e quase exclusividade de ossos de peixe na sua
composição, a associação dos sepultamentos com espécies faunísticas consideradas
raras em função da localização e do material mais recorrente no registro (ossos de
mamífero, tubarão, raias) e a existência de mobiliário funerário acompanhando os
sepultamentos (Nishida 2007).
Novas datações têm-se realizado na camada preta: 1.540-1330 e 1990-1710 anos
cal. A.P. para as unidades topo e base da T11 respectivamente; e 1.360-1.280 anos cal
A.P. para um sepultamento na área de escavação no lócus 3. As pesquisas realizadas até
o momento têm permitido aventar a possibilidade de que o processo de formação
cultural da camada preta tenha incluído coleta e transporte de sedimentos
paleolagunares da área adjacente ao sítio, aos quais eram adicionados posteriormente os
restos arqueofaunísiticos, artefatos e demais restos vinculados à ação antrópica
(Giannini et al. 2005; Nishida 2007).
Porém, esta hipótese está únicamente respaldada por critérios intuitivos baseados
na semelhança de cor e textura entre depósito paleolagunar e camada preta. Neste
trabalho, aprofunda-se mais no conhecimento dos processos de formação desta camada
mediante a aplicação da análise de arqueofácies, que permitirá ir além da descrição e
caracterização visual macroscópica que até o momento tem se realizada nas pesquisas.
49
4.2. – Sistemas deposicionais da região de localização do sítio
O litoral centro-sul catarinense, no trecho que vai desde Jaguaruna até Garopaba,
apresenta quatro grandes sistemas deposicionais quaternários: lagunar, barra-barreira,
planície costeira e eólico (Giannini 1993; 2002)
O sistema lagunar holocênico envolve as lagunas Mirim, Imaruí, Santo Antônio,
Santa Marta, Camacho e Garopaba do Sul, todas intercomunicáveis entre si e com o
mar, assim como um conjunto de lagos residuais de antigas lagunas. Este sistema foi
produto da ação de dois processos mais ou menos simultâneos, resultantes das
mudanças no nível relativo do mar, cujo máximo na região conforme Angulo et al.
(1999, 2006) data de mais de 5.400 anos A.P. Estes processos consistem no crescimento
de uma barreira arenosa, com isolamento parcial dos corpos de água a retaguarda, e no
afogamento de vales de dissecação previamente escavados em terraços marinhos
pleistocênicos. Tal distinção permite a diferenciação entre dois tipos de associações de
fácies lagunares, a “baía-laguna” (Santo Antônio, Santa Marta, Camacho e Garopaba do
Sul) e a “vale-laguna” (Garopaba, Ibiraquera, Mirim e Imaruí), respectivamente
(Giannini 1993, 2002).
O sistema barra-barreira (Giannini 1993, 2002), ou simplesmente barreira
(Giannini et al. 2007), com mais de 20 km de comprimento e até 2 km de largura,
constitui-se de sedimentos arenosos holocênicos depositados sob a ação das ondas
através da redistribuição e retrabalhamento ao longo da costa (barra), isolando atrás de
si o complexo de lagunas anteriormente mencionado. Este sistema estende-se de
Jaguaruna até Laguna (Giannini 1993; 2002).
O sistema planície costeira, que apresenta na região pelo menos duas gerações,
uma pleistocênica e a outra holocênica, diferencia-se do anterior por não estar associado
geneticamente a corpos lagunares adjacentes e por poder apresentar alinhamentos de
cordões litorâneos. O sistema eólico, o de maior extensão, superpõe-se aos sistemas
barreira e planície costeira e divide-se em quatro gerações de depósitos eólicos
denominadas gerações 1, 2, 3 e 4, em ordem de idade decrescente. A geração eólica 1 é
pre-último máximo glacial, a 2 é essencialmente anterior à máxima inundação
holocênica, a 3 foi formada quase inteiramente nos últimos três milênios e a 4
50
corresponde às dunas ativas
3
(Giannini 1993, 2002; Giannini & Suguio 1994; Giannini
et al. 2007).
Fig. 3. – Mapa do litoral centro-sul catarinense com a localização dos diferentes sistemas deposicionais
costeiros quaternários (Giannini & Santos 1994).
O sítio Jabuticabeira II encontra-se localizado numa área de intersecção entre
depósitos lagunares holocênicos e depósitos eólicos de geração 2 (Giannini et al. 2005).
Sobre estes dois tipos de depósitos ocorrem, grosso modo, nas proximidades do sítio, as
seguintes unidades de solo, de acordo com o mapa pedológico do Estado de Santa
Catarina (escala 1: 250.000): neossolo quartzarênico, solo mineral incipiente de cor
castanho claro amarelado desenvolvido sobre areias quartzosas, bem drenado; e
organossolo mésico, solo pouco evoluído de cor castanho escuro, com alto conteúdo de
matéria orgânica proveniente de acumulações de restos vegetais sob condições de má
drenagem (Embrapa Solos 1999).
3
Giannini et al. (2001; 2007) e Sawakuchi (2003) agruparam as gerações eólicas em duas seqüências
deposicionais: uma mais antiga (seqüência A) compreendendo a geração eólica 1, e outra mais recente
(seqüência B) abrangindo as gerações eólicas 2, 3 e 4. Este agrupamento é reforçado por datações pelo
método da luminescência (Sawakuchi 2003; Giannini et al. 2007).
51
4.3. – Procedimentos de campo e laboratório
A análise de arqueofácies elaborada no tópico 3.2. envolve quatro etapas
fundamentais no estudo dos processos de formação a partir da arqueoestratigrafia dos
sítios. As primeiras duas etapas são as de campo e laboratório, e envolvem tanto a
descrição dos perfis como a coleta das respectivas amostras a serem analisadas pelos
métodos escolhidos. As últimas duas etapas entram na esfera da interpretação e manejo
dos dados, e envolvem a pesquisa bibliográfica sobre arqueofácies semelhantes às
identificadas no sítio e a interpretação dos resultados em termos de processos naturais,
deposição cultural e comportamentos humanos.
Neste tópico, explicitam-se os procedimentos de campo e laboratório adotados que
envolvem as primeiras duas etapas na analise de arqueofácies. Os resultados destes
procedimentos e sua discussão serão detalhados no capítulo V, enquanto as informações
referentes à última etapa, de interpretação, encontram-se especificadas no capitulo VI.
4.3.1. – Descrição de arqueofácies
As seções escolhidas para análise de arqueofácies da camada preta foram a parede
leste da T10 (lócus 3), e a parede sul da T11 (lócus 3). Para o levantamento das seções
verticais das duas trincheiras analisadas identificaram-se as diferentes unidades
arqueossedimentares constituintes. Identificou-se um total de nove unidades na T10 (ver
figuras 6 e 7) e quatorze na T11 (ver figuras 4 e 5). As diferentes unidades foram
registradas em papel milimetrado e descritas segundo os critérios para descrição de
arqueofácies enumerados no tópico 3.2.1. (ver tabelas 1 e 2).
52
Fig. 4. – Parede sul da T11 (lócus 3).
53
Fig. 5. – Seção estratigráfica vertical da parede sul da T11 (lócus 3). Os círculos numerados de 020 a 029
correspondem as amostragens de sedimento total coletadas. Os retângulos numerados de 1 a 9
correspondem com amostragem para micromorfologia. Três sepultamentos humanos foram recuperados
durante a escavação desta seção nas unidades I e XIV. Duas amostras de carvão foram coletadas para
datação por carbono 14, uma no contato com a camada conchífera e outra na unidade mais superficial.
JAB II
T11
Estratos Composição Textura Transição Cor Estruturas
internas
Compactação e
Consistência
Raízes /M.O./Atividade
Biológica
Artefatos
I
0-48 cm
Heterogênea
Restos
faunísticos
(20%)
Conchas
Líticos
Franco-
argilo-siltoso
Abrupto/Liso
10YR 3/2 very
dark greyish brown
Firme-levemente duro
Raízes: muitas/ médias
Líticos
II
48-61 cm
Heterogênea
Restos
faunísticos
(15%)
Conchas
Franco
argiloso
Abrupto/
ondulado
5YR 3/2 dark
reddish brown
Muito friável-suave Raízes: muitas/ finas Líticos
III
61-67 cm
Restos
faunísticos (5%)
Carvão
Franco
argiloso
Abrupto/
ondulado
10YR 2/1 black Friável-suave Raízes: comum/ finas
IV
67-70
Heterogênea
Restos
faunísticos
(30%)
Conchas
Franco
argiloso
Abrupto/ liso 10YR 4/2 dark
greyish brown
Muito friável-suave Raízes: comum/ finas
V
70-74 cm
Restos
faunísticos (7%)
Carvão
Franco
argiloso
Abrupto/ liso 10YR 2/1 black Friável/ suave Raízes: comum/ finas
Tab. 1. – Descrição para análise de arqueofácies na T11.
Continuação Tabela 1.
Estratos Composição Textura Transição Cor Estruturas
internas
Compactação e
Consistência
Raízes /M.O./Atividade
Biológica
Artefatos
VI
74-98 cm
Heterogênea
Restos
faunísticos (40%)
Cinzas
Lentes de areia
Franco-
argiloso
Abrupto/ liso
10YR 4/2 dark
greyish brown
Muito friável/ suave
Raízes: poucas/ finas
VII
98-100 cm
Restos
faunísticos (3%)
Cinzas
Carvão
Franco
argiloso
Abrupto/ liso 7.5YR 3/1 very
dark grey
Friável/ suave Raízes: poucas/ finas
VIII
100-106 cm
Heterogênea
Restos
faunísticos (50%)
Cinzas
Carvão
Lentes de areia
Franco-
argiloso
Abrupto/ liso 10YR 3/2 very dark
greyish brown
Muito friável/ suave Raízes: poucas/ finas Líticos
IX
106-111 cm
Restos
faunísticos (5%)
Cinzas
Carvão
Franco-
argiloso
Abrupto/ liso 10YR 3/1 very dark
grey
Friável/ suave Raízes: poucas/ finas
X
111-125 cm
Heterogênea
Restos
faunísticos (50%)
Conchas
concrecionadas
Cinzas
Argila
arenosa
Abrupto/ liso 10YR 4/2 dark
greyish brown
Muito friável/ suave Raízes: poucas/ finas Líticos
56
Continuação Tabela 1.
Estratos Composição Textura Transição Cor Estruturas
internas
Compactação e
Consistência
Raízes /M.O./Atividade
Biológica
Artefatos
XI
125-128 cm
Restos
faunísticos (7%)
Cinzas
Carvão
Argila
arenosa
Abrupto/ liso
7.5YR 3/1 very
dark grey
Friável/ suave
Raízes: poucas/ finas
XIA
125-128 cm
Heterogênea
Restos
faunísticos
(50%)
Conchas
Cinzas
Argila
arenosa
Abrupto/
ondulado
10YR 4/2 dark
greyish brown
Friável/ solto Raízes: poucas/ finas
XII
128-139 cm
Heterogênea
Restos
faunísticos
(30%)
Cinzas
Lentes de areia
Argila
arenosa
Abrupto/ liso 10YR 4/3 brown Muito friável/ suave quase
solto
Raízes: poucas/ finas
XIII
139-141 cm
Restos
faunísticos
queimados
(50%)
Carvão
Cinzas
Siltoso Abrupto/
ondulado
10YR 4/2 dark
greyish brown
Fogueira sobre o
mound que
cobre um
sepultamento
Duro Raízes: algumas/ finas
XIV
141-178 cm
Restos
faunísticos
queimados
(50%)
Cinzas
Conchas
concrecionadas
Siltoso Base perfil 10YR 4/2 dark
greyish brown
Estrato base de
pequeno mound
com fogueira no
centro.
Duro Raízes: algumas/ finas
Fig. 6. – Paredes leste e norte da T10 (lócus 3).
58
Fig. 7. – Seção estratigráfica vertical das paredes leste e norte da T10 (lócus 3). Os círculos numerados de
001 a 011 correspondem às amostras de sedimento total coletadas. Os retângulos numerados de 1 a 9
correspondem a amostragens para micromorfologia.
59
JAB II
T10
Estratos Composição Textura Transição Cor Estruturas
internas
Compactação e
Consistência
Raízes /M.O./Atividade
Biológica
Artefatos
I
0-42 cm
Heterogênea
Restos faunísticos
(7%)
Conchas
Franco
siltoso
Cortante/Liso
7.5YR 3/1 very
dark grey
Levemente duro-friável
Raízes: muitas/ médias.
Atividade biológica
II
42-52 cm
Ossos de peixe (2%)
Franco
siltoso
Cortante/ liso 7.5YR 2.5/1 black Muito friável-suave Raízes: comum/ finas
III
52-72 cm
Heterogênea
Restos faunísticos
(5%)
Conchas
Lítco
Franco
siltoso
Cortante/ liso
Difuso (parede
Leste)
10YR 3/1 very
dark grey
Muito friável-suave Raízes: muitas/ finas Litico
IV
72-78 cm
Heterogênea
Restos faunísticos
(5%)
Franco
argiloso
Claro/ liso
Difuso (parede
leste)
10YR 2/1 black Muito friável-suave Raízes: comum/ finas
V
78-140 cm
(parede Leste)
78-138 cm
(parede Norte)
Heterogênea
Restos faunísticos
(30%)
Lentes de areia
Lentes escuros (10YR
2/1 black) de limite
abrupto/ ondulado
Lentes claros (10YR
4/3 dark greyish
brown) de limite
gradual/ irregular
Lentes de cinzas
(10YR 4/2 dark
greyish brown) de
limite abrupto/ liso
Argila
arenosa
Cortante/
ondulado
10YR 2/2 dark
brown
Feições
circulares
(unidade VA)
7.5YR 3/2 dark
brown
Ossos de peixe
(2%)
Friável/ suave Raízes: muitas/ finas-médias
Tab. 2. – Descrição para análise de arqueofácies na T10
60
Continuação Tabela 2.
Estratos Composição Textura Transição Cor Estruturas
internas
Porosidade e
Consistência
Raízes /M.O./Atividade
Biológica
Artefatos
VI
140-145 cm
(parede leste)
138-140 cm
(parede Norte)
Restos faunísticos
(3%)
Areia Abrupto/ liso 10YR 6/2 light
brownish grey
Solta Raízes: poucas/ finas
VIA
145-150 cm
(parede Leste)
140-145 cm
(parede Norte)
Restos faunísticos
(2%)
Franco-
argiloso
Abrupto/ liso 7.5YR 2.5/1 black Friável/ levemente duro Raízes: poucas/ finas
VIB
150-157 cm
(parede Leste)
145-150 cm
(parede Norte)
Heterogênea
Restos faunísticos
(25%)
Argila-
arenosa
Cortante/ liso 7.5YR 3/3 dark
brown
Muito friável/ suave Raízes: poucas/ finas
VIC
157-165 cm
(parede Leste)
150-165 cm
(parede Norte)
Restos faunísticos
(2%)
Franco-
argiloso
Base perfil
7.5YR 2.5/1 black
Friável/ levemente duro
Raízes: poucas/ finas
61
A totalidade de unidades arqueossedimentares identificadas para cada seção
vertical foram amostradas para posterior caracterização, no laboratório, quanto aos
seguintes atributos: distribuição granulométrica, teor de matéria orgânica, porcentagem
de ossos e carbonatos, mineralogia da fração argila, composição química multi-
elemental e micromorfologia, inlcuindo estudos por microscopia eletrônica de
varredura. Para isso, foram coletadas amostras de sedimento total e de blocos
inalterados de cada unidade identificada em ambas as trincheiras.
4.3.2. – Amostragem na área de controle
Embora a análise de arqueofácies seja um método desenhado para entender os
processos de formação de um determinado sítio arqueológico, sua ação em termos de
observação e amostragem não pode se restringir unicamente ao sítio em questão. Na
caracterização de arqueofácies, torna-se fundamental entender o impacto físico-químico
induzido pela ação humana no local e que resulta na formação de sedimentos
arqueológicos de valor essencial para inferir processos culturais. Portanto, deve-se
ampliar o campo de atuação e de amostragem, incluindo dentro da pesquisa também a
área circundante ao sitio que não sofreu os efeitos da ação antrópica (Cook & Heizer
1965; Eidt 1973; 1985; Sjoberg 1976; Stein 1985; Butzer 1989; Bjelajac et al. 1996;
Rapp & Hill 1998).
Junto com o registro e amostragem dos perfis das trincheiras 10 e 11 foram
também abertos sete pontos de sondagem na área de controle externa ao sítio, que
visaram cobrir os quatro flancos cardinais do sítio e abranger as diferentes unidades
sedimentares e pedológicas que o rodeiam.
Abriram-se sondagens de 1x1x1 m na planície a Norte, Noroeste, Sudoeste e Sul
do sítio. Nessas sondagens, foram registrados as fácies naturais identificadas e coletadas
amostras de sedimento total e blocos inalterados principalmente das fácies superiores.
62
Fig. 8. – Imagem de satélite do sítio com a localização das duas trincheiras analisadas (T10 e T11) e dos
sete pontos de amostragem externa ao sítio (área de controle).
63
4.3.3. – Análises granulométricas
O objetivo das análises granulométricas realizadas neste trabalho estão dirigidas à
caracterização física das arqueofácies para comparações com os sistemas deposicionais
da região de localização do sítio, e para avaliar os aportes antrópicos de materiais
clásticos, como tem sido proposto por Jacques Brochier (2002). Segundo este autor, no
meio arqueológico (ou meios naturais onde os aportes são baixos ou nulos) tem sido
mostrado que as distribuições granulométricas são melhor descritas pela “lei da
moagemde Rossin
4
que pela lei normal (curva de Gauss). Isso deve-se ao fato da ação
humana acumular na zona habitada uma importante massa de materiais sedimentares, o
que resulta em distribuições granulométricas que não se ajustam aos modelos naturais
de transporte e deposição de sedimentos; a tal ponto que a precisão do ajuste da
distribuição em estudo com os dois tipos de distribuições teóricas (Gauss e Rossin) pode
ser utilizada para descrever o grau de alteração ou evolução de um sedimento
(Kittleman 1964). Quanto menos preciso é o ajuste com a distribuição de Gauss, mais
forte seria, segundo o autor, a probabilidade de estar em presença de uma acumulação
antrópica.
Foi determinada a granulometria por pipetagem (fração silte e argila) e
peneiramento (fração areia e cascalho) nas amostras da T11 e nas sete sondagens
realizadas na área de controle. As análises foram realizadas no Laboratório de
Sedimentologia do Instituto de Geociências (GSA-IGc/USP).
Na caracterização dos sedimentos naturais, as amostas foram mantidas intactas,
sem sofrer qualquer tipo de ataque para remoção de matéria orgânica (MO) ou
carbonatos de cálcio (CaCO
3
). A determinação dos teores destes elementos foi realizada
em amostras separadas mediante o método de perda de massa por oxidação com
peróxido de hidrogênio (H
2
O
2
) e por ataque com ácido clorídrico (HCl a 10%) para as
porcentagens de MO e CaCO
3
respectivamente.
Para caracterização física das arqueofacies, foi elaborado um método que tenta
minimizar a alteração artificial das amostras para evitar o conseqüente falseamento dos
resultados da granulometria. A alta fragilidade dos carvões e dos ossos que compõem
estes sedimentos impede a aplicação das técnicas tradicionais de desagregação
4
Vários estudos mostraram que os materiais produzidos por fraturamento de rochas cristalinas, por
exemplo, têm distribuição granulométrica similar ao produto da moagem de materiais rochosos. Tais
produtos de fraturamento mecânico têm a característica de apresentar um excesso de fragmentos finos
(Suguio 1980: 19).
64
(separação das partículas de silte e argila). Para tanto, a dispersão foi realizada usando
três gramas de agente defloculante (pirofosfato de sódio Na
2
P
2
O
7
) e a desagregação foi
feita com agitador mecânico por poucos minutos, evitando-se o passo de desagregação
em almofariz com pistilo. O procedimento de elutriação foi eliminado, já que a própria
deslamagem provocaria a flotação e a perda das partículas de densidade menor, como os
carvões e os ossos. Assim, as areias foram separadas usando uma malha de 0,062 mm
colocada sobre um béquer, onde a solução da amostra foi vertida e lavada com jato de
água destilada. O lavado foi em seguida recolhido no béquer e colocado na proveta para
pipetagem e o retido na malha foi filtrado e seco em estufa a 60º C, para posterior
peneiramento.
Para utilizar a granulometria como parâmentro de comparação entre sedimentos
arqueológicos e sedimentos naturais, buscou-se descartar o componente orgânico e
inorgânico bioclástico dos sedimentos arqueológicos e naturais para assim poder
relacionar ambos os grupos de amostras em base à fração areia de origem terrígena.
Deste modo, as amostras dos sedimentos arqueológicos e dos solos e sedimentos
naturais foram atacadas primeiro com HCl (50%) a frio, para eliminar o CaCO
3
e os
ossos, e depois com água oxigenada (H
2
O
2
) em chapa quente a 90ºC, para retirar a MO.
Em seguida as amostras foram desagregadas em almofariz com pistilo de borracha e os
carvões presentes na fração areia (escolhida para comparação) foram intencionalmente
fragmentados até alcançar à fração fina (silte/ argila)
5
. Somente a fração areia do
material resistente restante, supostamente dominado por terrígenos silicáticos,
principalmente quartzo, foi peneirado e sua granulometria determinada.
As distribuições granulométricas obtidas por este método na camada preta, e
aquelas de sedimentos naturais determinadas pelo método convencional, foram
utilizadas para determinação de parâmetros estatísticos (assimetria, desvio padrão,
diâmetro médio e curtose) calculados pelo método analítico dos momentos de Pearson,
utilizando o programa MOMENTOS.xls.
Considera-se que o tratamento com H
2
O
2
e HCl pode ser utilizado na
determinação da porcentagem aproximada de MO, e de carbonatos mais fosfatos
(basicamente representados por ossos). O carvão contido nas amostras não interfere na
5
O conteúdo de carvão em solos ou sedimentos pode ser determinado, mas para isso devem-se aplicar
procedimentos que vão além das análises propostas para este estudo (ver White & Hannus 1981; Glaser et
al. 1998; 2000). Neste trabalho as partículas maiores de carvão serão estudadas qualitativa e
quantitativamente nas seções delgadas, que permitem tanto a análise da sua granulometria como sua
descrição morfológica.
65
estimativa das concentrações destes elementos por dois motivos: primeiro, porque ele é
estável na H
2
O
2
a temperatura ambiente, sem importar sua granulometria ou tempo de
reação (White & Hannus 1981; Kirchmann & Springob 2002); e segundo porque o HCl
também não reage com o carvão, e não apresenta propriedades oxidantes a temperaturas
da ordem de 100ºC; seria necessário aquecer as amostras a altas temperaturas para ativar
o carvão e começar a induzir sua decomposição
6
(White & Hannus 1981: 367).
4.3.4. – Análise química multi-elemental
A ocupação de uma área por uma comunidade humana modifica as proriedades
físicas de um solo ou sedimento e introduz mudanças e incrementos na concentração
dos elementos químicos; tais mudanças podem ser detectadas mediante o uso de
métodos que identifiquem as concentrações de certos elementos considerados chave
(Cook & Heizer 1965; Stein 1984; Eidt 1985; Barba et al. 1995; Middleton & Price
1996; Mejía & Barba 1998; Rapp & Hill 1998; Fernandez et al. 2002; Parnell et al.
2002; Middleton 2004).
Atividades humanas em áreas restritas efetivamente induzem um intemperismo
diferencial, geram resíduos líquidos e sólidos que podem impactar intensivamente o
terreno, e dão lugar a um sedimento arqueológico profundamente afetado (Middleton &
Price 1996: 681).
A caracterização multi-elemental é escolhida neste trabalho como ferramenta para
identificar modificações antrópicas nos solos e sedimentos. Com técnicas analíticas
modernas como a Espectrometria de Emissão Atómica por Plasma de Acoplamento
Induzido (ICP-AES) ou a Fluorescência de Raios-X (FRX) (método utilizado neste
trabalho), pode-se determinar uma ampla variedade de elementos simultaneamente,
rapidamente e com um custo relativamente baixo, em grande quantidade de amostras
(Linderholm & Lundberg 1994: 305; Middleton & Price 1996: 674; Middleton 2004:
48).
6
O método de combustão em seco (loss on ignition), muito utilizado na determinação de teores de M.O. e
CaCO
3
em sítios arqueológicos (Dean 1974; Stein 1984) não foi utilizado neste estudo pela alta
quantidade de carvões contidos nas amostras. Este método, que alcança temperaturas de 500ºC para
determinar o teor de M.O. e 1100 ºC para determinar a porcentagem de CaCO
3
, tem a desvantagem de
superestimar os resultados em amostras que contêm carvão na sua composição (Schmidt & Noack 2000:
786).
66
Todas as amostras da T11 (020 a 029, ver figura 5), localizada no sambaqui,
foram preparadas para análise química multi-elemental, assim como aquelas
provenientes da fácies lamosa (horizonte A) dos pontos 3, 5 e 6 e da fácies turfosa do
ponto 7, estas em sedimentos na área de controle (ver figs. 15, 17, 18 e 19). Os pontos
3, 6 e 7 da área de controle foram escolhidos para comparação por terem apresentado as
maiores concentrações de MO e a maior semelhança visual macroscópica com os
sedimentos da camada preta arqueológica; em contraposição, o ponto 5 foi escolhido
pela sua dessemelhança com a camada preta, principalmente em termos de cor e textura.
A determinação de elementos maiores, menores e traço foi realizada no
Laboratório de Fluorescência de Raios-X do Instituto de Geociências (DMG-IGc/USP).
As concentrações de carbono e nitrogênio totais foram determinadas com auxilio de um
analisador LECO no Laboratório de Química e ICP-OES do mesmo instituto (DMG-
IGc/USP).
4.3.5. – Difratometria de raios-X
A mineralogia da fração argila também foi determinada tanto nos estratos
arqueológicos como na área de controle mediante Difratometria de Raios-X. Este estudo
permite conhecer a composição mineralógica da fração argila e contrastar assim os
aportes ou modificações do material fino que caracterizam os sedimentos arqueológicos
trabalhados, tanto em termos de processos naturais de intemperismo como em termos de
modificação antrópica induzida pela ocupação.
Para preparação das amostras utilizadas nesta análise foi extraída uma alíquota
adicional da fração argila durante o processo de pipetagem que foi vertida sobre uma
lâmina de vidro até secar completamente. As análises foram realizadas no Laboratório
de Difratometria de Raios-X do Instituto de Geociências (GMG-IGc/USP).
4.3.6. – Micromorfologia de depósitos arqueológicos
Nos últimos anos, tem aparecido nos meios de divulgação científica uma grande
quantidade de artigos de pesquisas arqueológicas que utilizam a micromorfologia de
solos na resolução de ampla diversidade de questões arqueológicas. Estas questões estão
principalmente relacionadas à identificação e caracterização de pisos de ocupação
67
vinculados a diversas atividades dentro dos sítios (Gé et al. 1993; Goldberg &
Whitbread 1993; Gebhardt & Langohr 1999; Courty 2001; MacPhail et al. 2004), ao
reconhecimento de atividades agrícolas (MacPhail et al. 1990a) ou pesqueiras (Simpson
et al. 2000), aos processos de formação e transformação de sítios (Simpson et al. 1996;
Matthews et al. 1997; Simpson et al. 1999; Creemengs 2005), às mudanças
paleoambientais neles registradas (Karkanas 2002) e aos tipos de combustíveis
utilizados nos depósitos (Simpson et al. 2003), entre outros diversos temas de estudo.
A micromorfologia não é uma ciência em si mesma, mas uma ferramenta de
pesquisa que permite o estudo de amostras intactas de solos e sedimentos com a ajuda
de técnicas de microscopia (Delvigne 1998). Foi originalmente formulada por Kubiena
(1938) na década de 1930, e sua primeira aplicação em arqueologia remonta à década de
1950 com os trabalhos de Cronwall (1958) e Darlymple (1958) que demonstraram a
utilidade da micromorfologia em estudos paleoambientais e geocronológicos. Não
obstante, foi na década de 1980 que floresceram as aplicações desta técnica em
arqueologia com a publicação dos primeiros trabalhos de autores como Goldberg (1979;
1983), MacPhail (1983) e Courty (1983).
A micromorfologia responde a uma ampla variedade de questões
geoarqueológicas que não se alcançam através das técnicas de laboratório padrão
(Courty et al. 1989; MacPhail et al. 1990b; Solé & Vila 1990; Davidson et al. 1992;
Goldberg 1992; Matthews et al. 1997; Evans & O'Connor 1999; MacPhail & Cruise
2001; Courty 2001; Courty & Fedoroff 2002; Courty & Miskovsky 2002). Apresenta-se
como a técnica capaz de proporcionar o nexo campo-laboratório (Solé & Vila 1990;
Solé 1991), como a ferramenta que habilita a observação direta tanto da realidade
qualitativa descrita em campo (através da descrição das seções verticais) como dos
dados físicos e composicionais quantitativos obtidos no laboratório.
A análise na escala microscópica constitui etapa básica na caracterização de
arqueofacies. Permite alcançar níveis de refinamento que vão confirmar e aprofundar os
critérios definidos macroscopicamente em campo
7
, assim como os resultados das
análises feitas no laboratório. A micromorfologia se ocupa tanto da descrição
microscópica dos componentes que formam os solos e sedimentos, como da maneira em
7
Em geologia, uma situação similar é observada com as rochas carbonáticas que requerem
necessariamente da descrição em seções delgadas para análise de fácies, devido a sua alta susceptibilidade
aos processos diagenéticos e ao fato de que a informação necessária para sua correta descrição (litologia e
presença de fósseis) não pode se conseguir ao olho nu (Miall 1990: 28).
68
que estes se relacionam entre si e das hierarquias existentes entre os diferentes
processos atuantes nos depósitos (processos deposicionais, pós-deposicionais, naturais e
antrópicos).
Este aspecto da micromorfologia resulta de extrema importância em arqueologia,
já que permite, a partir da configuração que apresentam os sedimentos, alcançar o
conhecimento microscópico da história deposicional e pós-deposicional dos depósitos
arqueológicos (Courty et al. 1989; Simpson et al. 1999; Courty 2001; MacPhail &
Cruise 2001; Karkanas 2002), o que ulteriormente aproxima a um melhor conhecimento
sobre os processos de formação de sítio.
Atualmente, a micromorfologia de solos e sedimentos arqueológicos encontra-se
numa conjuntura de trajetórias divergentes, herdadas de duas disciplinas das ciências da
Terra, a pedologia e a sedimentologia. Porém, diferentemente da micromorfologia de
solos e da petrografia sedimentar, interessadas pela dinâmica das organizações
pedológicas e sedimentares respectivamente, a micromorfologia de depósitos
arqueológicos integra ambas as abordagens outorgando uma dimensão original aos
estudos micromorfológicos. Ela vincula-se às transformações de solos e sedimentos
pelas atividades humanas, também definidas como “antropização dos sedimentos”,
elemento quase sempre ignorado pela sedimentologia e vinculado exclusivamente às
práticas agrícolas na pedologia (Courty & Fedoroff 2002).
O conceito de antropização dos sedimentos foi acunhado pela arqueologia
comportamental (Schiffer 1987), na qual os processos culturais são definidos
grosseiramente no nível sedimentar como as ações físicas exercidas pelos humanos no
local de ocupação. Três processos básicos foram definidos para explicar a formação de
toda unidade arqueossedimentar: acumulação, transformação e redistribuição. Porém,
estes processos são insuficientes para explicar a diversidade de manifestações antrópicas
registradas nos sedimentos arqueológicos.
A antropização de solos e sedimentos não se reconhece através de traços
inequívocos, como no caso dos artefatos. As atividades humanas nos sedimentos
operam através de processos muito similares, senão iguais, àqueles controlados por
fatores naturais, seguem as mesmas leis físicas definidas para os agentes naturais,
porque o homem pode também ser considerado um agente natural (Courty & Fedoroff
2002). Por isso, as feições micromorfológicas propriamente antrópicas são somente
definidas na etapa de interpretação, em oposição às organizações que resultam dos
69
processos naturais (relativos à sedimentação e aos processos pedológicos) (Courty
2001; Courty & Fedoroff 2002).
Para coleta no campo de cada amostra destinada à micromorfologia, um bloco de
material sedimentar é esculpido cuidadosamente no perfil. Uma vez esculpido, encaixa-
se nele o recipiente de amostragem (que neste caso foram caixas de papelão de 10x6x4
cm) e efetua-se a extração do bloco, com a mínima alteração possível das amostras.
Uma vez extraídos, os blocos são embrulhados com filme de PVC e fita crepe, sempre
indicando sua orientação (topo e base) com uma seta.
Fig. 9. – Procedimento de extração de blocos inalterados de um perfil estratigráfico.
A escolha das posições de amostragem na camada preta fez-se de modo a abranger
a totalidade das mudanças estratigráficas observadas nas seções trabalhadas (Courty et
al. 1989; Davidson et al. 1992; MacPhail & Cruise 2001; Goldberg & MacPhail 2003),
com ênfase nos limites entre arqueofácies e subfácies. Foram coletados nove blocos de
material inalterado das duas trincheiras analisadas. Porém, somente cinco blocos da T10
e oito na T11 completaram o processo de preparação.
Fig. 10. – Posição dos blocos inalterados para amostragem micromorfológica na T10 (esquerda) e T11
(direita).
70
As análise micromorfológica foi realizada ao microscópio óptico de luz polarizada
em seções delgadas especialmente preparadas. A descrição das lâminas foi realizada
segundo roteiros sugeridos por Stoops (2003), Bullock et al. (1985) e Courty et al.
(1989). A tradução dos termos do inglês ao português foi realizada segundo Stoops
(1986). O limite superior da fração fina (ou micromassa) foi estabelecido para o total
das lâminas em 10µm.
4.3.7. – Microscopia eletrônica de varredura
Análise de microscopia eletrônica de varredura (MEV) foram realizadas com a
finalidade de aprofundar os conhecimentos sobre a natureza das diferentes micromassas
identificadas na seção delgada, principalmente em termos de composição química. Estas
análises foram realizadas no Laboratório de Microscopia Eletrônica de Varredura do
Instituto de Geociências (GSA-IGc/USP).
Três seções delgadas de amostras da camada preta provenientes da T10 foram
submetidas à análise ao sistema MEV-EED. Amostras brutas de fragmentos de osso e
carvão foram estudadas no mesmo equipamento. As análises foram realizadas com
sensores de elétrons secundários (SE), para obtenção de imagens de micro-relevo, de
elétrons retroespalhados (QSBD), para avaliação da heterogeneidade composicionais e
de espectrometria de energia dispersiva (EED), para inferir a composição química
qualitativa ou semiquantitativa dos materiais estudados.
No caso das seções delgadas, confeccionadas com impregnação prévia por resina
epoxy, uma amostra desta resina foi estudada para conhecer sua composição química e
estabelecer um parâmetro composicional de referência. De acordo com esta análise, a
composição da resina inclui os seguintes elementos: C, Ca, K, Cl, Na e O.
71
CAPÍTULO V: APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS
RESULTADOS
72
5.1. – Classificação de arqueofácies
A descrição macroscópica das seções verticais das trincheiras 10 e 11 permitiu
identificar um total de cinco tipos de arqueofácies e quatro subfácies em função da
composição (incluindo cor, textura e mineralogia), geometria externa, estruturas
internas, conteúdo orgânico e componentes antrópicos das diferentes unidades
observadas. Três das arqueofácies identificadas aparecem em ambos os perfis, assim
como uma das subfácies; isso estaria indicando certa correspondência no processo
responsável pela formação dessas unidades dentro do lócus 3, área onde se concentra
este estudo. Na tabela 3, agrupam-se esquematicamente as informações detalhadas sobre
as arqueofácies identificadas.
Tab. 3. – Arqueofácies e subfácies identificadas na T10 e T11. Caracterísiticas gerais (composição, cor e
consistência ) e unidades arqueossedimentares onde foram identificadas.
AF Características gerais Unidades T11 Unidades T10
1
Restos arqueofaunísticos, conchas e
material lítico. Castanho ou cinza escuro.
Continua. Muito compactada.
I
I
2
Carvão e ossos queimados. Preta.
Contínua. Friável.
IA, III, V
II, IV, VIA, VIC
2.1
Cinzas junto com carvão e ossos
queimados. Cor cinza. Contínua. Friável.
VII, IX, XI
3
Restos arqueo faunísticos (5-20%) muito
fragmentados e alterados, conchas (às
vezes concrecionadas). Castanho.
Friável.
II, IV III
3.1
Restos arqueofaunísticos (30-50%),
carvão, cinzas e lentes de areia.
Castanho claro acinzentado. Friável.
VI, VIII, X, XII V
3.2
Areia quartzosa, restos arqueofaunísticos
isolados. Amarelo claro. Solta
VI
3.3
Restos arqueofaunísticos (20%).
Castanho escuro. Muito friável.
VIB
4
Carvão e ossos carbonizados. Preta.
Lenticular. Matriz rígida.
XIII
5
Cinzas, conchas concrecionadas, carvão
e ossos carbonizados e queimados.
Castanho escuro acinzentado. Rígida.
XIV
73
Fig. 11. – Seção da T11 com arqueofácies e subfácies identificadas a partir da descrição macroscópica
feita em campo.
74
Fig. 12. – Seção da T10 com arqueofácies e subfácies identificadas a partir da descrição macroscópica
feita em campo.
75
5.2. – Granulometria
A análise granulométrica dos sedimentos tanto do sítio, como das sondagens no
seu entorno, foi realizada com três objetivos pontuais: 1) caracterização física dos
sedimentos da área de controle; 2) caracterização física das arqueofácies identificadas;
3) separar o componente natural dos sedimentos arqueológicos e utilizar sua
distribuição granulométrica como parâmetro de comparação com os sedimentos naturais
das proximidades do sítio.
5.2.1. – Caracterização física dos sedimentos da área de controle
As figuras 13 a 19 apresentam a localização dos sete pontos de amostragem na
área de controle, junto com uma fotografia das seções amostradas, os histogramas de
distribuição de freqüências granulométricas e as porcentagens de MO e CaCO
3
para
cada fácies sedimentar identificada em campo. Na maioria dos pontos amostrados,
identificaram-se duas fácies com base em critérios de cor e proporção de materiais
pelíticos: uma fácies lamosa superficial, preta e rica em MO; e uma fácies arenosa
amarela, situada na base dos perfis (ver figs. 13 a 18). Esta distinção, que pode ser de
origem tanto sindeposicional como pós-deposicional (pedogênica), foi utilizada em
campo para diferenciar as fácies sedimentares e para orientar a amostragem nas
sondagens externas ao sítio.
Os mapas geológicos da região de localização do sambaqui Jabuticabeira II
mostram dois sistemas deposicionais nas imediações ao sítio: eólico e paleolagunar
(Giannini 1993; Giannini & Santos 1994). Como nenhuma das fácies identificadas
apresenta estruturas internas que possam ser atribuidas à deposição pelo vento,
principalmente a fácies arenosa, e devido ao fato do limite entre as fácies ser abrupto e
não gradual, como seria mais esperado no caso da diferenciação ser produzida por
processos pedogênicos, interpreta-se que as fácies presentes nas sete sondagens da área
externa ao sítio representam depósitos paleolagunares. Os depósitos amostrados
apresentam distribuições granulométricas amplas para a fração terrígena, que vão da
areia grossa até argila, com predomínio da fração areia fina nas amostras provenientes
da planície nordeste e noroeste, e predomínio da fração areia média nas amostas da
planície ao sul do sítio.
76
A fácies superficial destes depósitos tem sido afetada por processos pedogênicos
de sedimentação recente dando lugar à formação de solos incipientes (A/C) de tipo
mineral. Nos pontos 1 a 6 teriam se desenvolvido neossolos quartzarênicos (textura
arenosa, ausência de estrutura, horizonte C profundo), de tipo distrófico típico no ponto
1 (horizonte A fraco castanho claro, aproximadamente 1% de MO e boa drenagem), e
hidromórfico nos pontos 2 a 6 (horizonte A castanho escuro, maior teor de MO e má
drenagem) (Embrapa Solos 1999).
A sondagem do ponto 7 (ver figura 19) apresenta a sobreposição de fácies turfosa
preta e fácies cinza azulado saturada em água. A fácies cinza azulada foi interpretada
como horizonte glei. Este depósito poderia corresponder a um depósito de turfa com
dessenvolvimento de gleissolo de textura argilosa (mais de 60% de argila), seqüência
incompleta A/C e altos teores de MO (superiores a 10 %) (Embrapa Solos 1999).
Portanto, com relação ao primeiro objetivo de sua aplicação, as análises
granulométricas permitem chegar à seguinte conclusão:
O sítio Jabuticabeira II encontra-se localizado numa área de depósitos
paleolagunares sobre os quais se acham em desenvolvimento solos minerais incipientes,
que diferem principalmente no conteúdo de MO
77
Fig. 13. – Localização do ponto de amostragem 1 (superior esquerda), foto do perfil amostrado (superior
direita), histograma da distribuição granulométrica para a fácies lamosa (inferior direita) e porcentagens
de MO e CaCO
3
(inferior esquerda).
Fig. 14. – Localização do ponto de amostragem 2 (superior esquerda), foto do perfil amostrado (superior
direita), histograma da distribuição granulométrica para a fácies lamosa (inferior direita) e porcentagens
de MO e CaCO
3
(inferior esquerda). Note-se o aumento no teor de MO em relação ao ponto 1.
78
Fig. 15. – Localização do ponto de amostragem 3 (superior esquerda), foto do perfil amostrado (superior
direita), histograma da distribuição granulométrica para a fácies lamosa e arenosa (inferior direita) e
porcentagens de MO e CaCO
3
(inferior esquerda). Note-se o aumento considerável do teor de MO em
relação aos pontos anteriores.
79
Fig. 16. – Localização do ponto de amostragem 4 (superior esquerda), foto do perfil amostrado (superior
direita), histograma da distribuição granulométrica para as fácies lamosa e arenosa (inferior direita), e
porcentagens de MO e CaCO
3
(inferior esquerda). Note-se o depósito de conchas natural na base do perfil
e o aumento na proporção de pelíticos na fácies lamosa.
80
Fig. 17. – Localização do ponto de amostragem 5 (superior esquerda), foto do perfil amostrado (superior
direita), histograma da distribuição granulométrica para a fácies lamosa (inferior direita) e porcentagens
de MO e CaCO
3
(inferior esquerda). Note-se o aumento na proporção de areia média em relação aos
pontos 2 e 1.
81
Fig. 18. – Localização do ponto de amostragem 6 (superior esquerda), foto do perfil amostrado (superior
direita), histograma da distribuição granulométrica para as fácies lamosa e arenosa (inferior direita) e
porcentagens de MO e CaCO
3
(inferior esquerda). Note-se o depósito de conchas natural na base do perfil
e a alta proporção de sedimentos pelíticos em ambas as fácies amostradas.
82
Fig. 19. – Localização do ponto de amostragem 7 (superior esquerda) sem foto do perfil amostrado,
histograma da distribuição granulométrica para a fácies turfosa identificada (inferior direita) e
porcentagens de MO e CaCO
3
(inferior esquerda). Apresenta o maior teor de MO, a maior concentração
de pelíticos e a menor proporção de areias de todos os pontos amostrados; não apresenta a fácies arenosa
que se observa nas demais sondagens.
5.2.2. – Caracterização física de arqueofácies
Para alcançar o segundo objetivo das análises granulométricas, adotou-se um
procedimento que tentou preservar os componentes dos sedimentos arqueológicos na
maior completitude possível (ver tópico 4.3.3). Este procedimento de análise
granulométrica, aplicado às amostras da T11, permitiu apreciar como o conteúdo
antrópico dos sedimentos arqueológicos (principalmente ossos e carvão) é apreciável
em todas as frações granulométricas, desde a fração cascalho até silte (e provavelmente
argila). Da mesma maneira, permitiu observar que as areias terrígenas quartzosas são o
componente natural predominante nos sedimentos arqueológicos.
83
Portanto:
A camada preta apresenta macroscopicamente uma combinação de elementos de caráter
natural, representado pelas areias quartzosas, e antrópico, representado pelos restos
arqueofaunísticos e os carvões que se encontram em todas as arqueofácies identificadas
e em quase a totalidade das frações granulométricas.
Os restos arqueofaunísticos da camada preta apresentam claras evidências de
queima, dadas pela coloração diferencial dos ossos, que vai do amarelo, marrom
avermelhado até o preto, indicando diferentes graus de queima.
De acordo com McCutcheon (1992), ossos aquecidos a temperaturas que vão dos
20 aos 600ºC apresentam efetivamente variação de coloração ao olho nu conforme o
incremento de temperatura. Segundo o autor, ossos sem aquecimento possuem cor
amarelo pálido a branco, passando a marrom pálido a amarelo avermelhado somente
quando aquecidos a temperaturas entre 130 e 240ºC. Acima de 240ºC as colorações
variam entre marrom escuro avermelhado, preto e marrom muito pálido e, a 500ºC,
tende a cinzenta e amarronzada. Quando os ossos alcançam temperaturas maiores que a
temperatura de destruição da matéria orgânica, acima dos 500ºC e até 950ºC, a cor
branca, característica da calcinação, sempre aparece.
Porém, as mudanças na coloração dos ossos como resultado da queima, enquanto
mostram uma progressão gradual desde marrom, preto, cinza a branco, variam
consideravelmente entre diferentes tipos de ossos sujeitos à mesma temperatura e pelo
mesmo período de tempo. Os ossos de peixe, por exemplo, têm comportamento
diferente, no aquecimento, em relação a ossos de ave ou mamífero. Todos são
calcinados a partir dos 600-700˚C, porém, os ossos de peixe começam a exibir cores
pretas relacionadas à carbonização a temperaturas menores, isto é, a partir dos 300˚C
(Nicholson 1998: 415).
As mudanças na coloração dos ossos não estão unicamente vinculadas à
temperatura de aquecimento, mas também ao tipo de osso, à posição dentro da fogueira
e ao tempo de exposição à queima. Esta situação é agravada pelas alterações que os
ossos sofrem como resultado dos processos de intemperismo, que provocam alterações
semelhantes àquelas ocasionadas pela queima (ver tópico 5.2.3) (Shipman et al. 1984;
McCutcheon 1992; Nicholson 1998; Trueman et al. 2004). As mudanças de coloração
que os ossos frescos sofrem pelo intemperismo durante milhares de anos são
84
equivalentes àquelas sofridas instantaneamente durante a queima, até o nível de
carbonização (Steiner et al. 1995). Igualmente, os ossos enterrados num depósito
sofrem o tingimento da sua superfície pelos materiais que percolam o sedimento,
podendo chegar a conferir a um osso fresco a coloração de um osso queimado ou até
carbonizado.
Considerando que a coloração dos ossos não é por si mesma um elemento
suficiente para identificar diferentes temperaturas de aquecimento, principalmente
porque a coloração também muda consideravelmente na diagênese de ossos que têm
sido enterrados em depósitos sedimentares ou arqueossedimentares, neste trabalho não
se realizaram quantificações de restos arqueofaunísticos quanto a queima do material.
Estudos mais sistemáticos focados nas alterações térmicas e diagenéticas sofridas
pelos restos arqueofaunísticos da camada preta, com aplicação de microscopia
eletrônica de varredura, espectroscopia de transformação infravermelha de Fourier,
análises termogravimétricos, entre outros, poderão responder com maior segurança a
este tipo de questão.
Geralmente, a queima dos ossos é tomada como evidência do cozimento dos
alimentos para consumo. Porém a queima dos ossos reflete seu grau de aquecimento e
só pode ser atingida mediante a exposição direta do material ao fogo, já que o
recobrimento pela carne impede que os ossos alcançem as altas temperaturas
necessárias para produzi-las (Shipman et al. 1984: 323).
Portanto, poder-se-ia interpretar que:
Os restos arqueofaunísticos que compõem a camada escura foram expostos à ação
direta do fogo uma vez consumida sua carne. Isto provocou a intensa queima que vários
deles sofreram, e que só pode ser atingida mediante o contato direto do osso com a fonte
de calor e não como resultado do cozimento per se.
Somente aqueles ossos em contato direto com o fogo são totalmente calcinados,
enquanto ossos mais afastados verticalmente ou horizontalmente da ação das chamas
sofrem com menor intensidade os efeitos das altas temperaturas. Ossos enterrados
embaixo de fogueiras, por exemplo, sofrem a ação do aquecimento produzido na
superfície até 5 cm de profundidade, chegando no máximo até o nível de carbonização,
mas não chegam a ser calcinados nem a temperaturas superficiais maiores que 900ºC.
Aqueles ossos localizados a maiores profundidades que 5 cm ficam totalmente
85
inalterados (Steiner et al. 1995). Isto está relacionado com as temperaturas que os solos
ou sedimentos alcançam sob as fogueiras. Com uma fogueira de até 900ºC de
temperatura, o máximo de calor atingido a 1 cm de profundidade é de 500ºC. Já a
profundidades maiores que 5 cm as temperaturas decrescem exponencialmente do valor
máximo de 200ºC (Canti & Linford 2000).
A partir da observação dos resultados expressos na figura 20, pode-se apreciar a
polimodalidade e a assimetria como características comuns às distribuições
granulométricas de todas as arqueofácies. Os histogramas dessa figura permitem
observar a marcada assimetria da distribuição, com prolongamento da cauda nas frações
pelíticas, entre as quais predominam silte grosso e argila, e moda principal nas frações
arenosas, onde predominam as classes areia grossa e areia média. Da mesma maneira,
em todas as amostras (menos a unidade XII), a fração areia muito grossa é geralmente
pouco representada, assim como a fração areia muito fina, o que se expressa na
compartimentação da distribuição segundo três frações: pelítica, numa cauda; areia fina,
média e grossa, na parte central; areia muito grossa e cascalho, na cauda oposta. Cabe
destacar também a baixa proporção de pelíticos que caracteriza a subfácies 2.1.
Em termos gerais, distribuições polimodais assimétricas atribuem-se a mistura
várias populações de sedimentos de distribuição granulométrica unimodal (gaussiana ou
normal) (Spencer 1963; Visher 1969). Este seria o caso dos sedimentos arqueológicos
da T11, cujos histogramas estariam indicando então a presença conjunta de várias
populações de sedimentos, em cada arqueofácies. Este padrão estaria ligado ao aporte
antrópico, neste caso caracterizado pela adição de fragmentos de osso e carvões, entre
outros, em quase todas as frações granulométricas.
Os conglomerados de fluxos de massa e aqueles materiais que não sofreram
transporte ou que foram pouco transportados, tendem a não se ajustar à distribuição
simétrica de Gauss (lognormal) e sim à distribuição assimétrica de Rosin (Kittleman
1964). Este fato tem sido associado ao grau de transporte sofrido pelas partículas
sedimentares. Sedimentos imaturos tendem a apresentar distribuições próximas à de
Rosin, mas na medida em que aumenta o seu transporte o ajuste à distribuição de Rosin
tende a diminuir e o ajuste à distribuição de Gauss tende a aumentar (Schleyer 1987).
86
Fig. 20. – Histogramas da distribuição granulométrica para as arqueofácies da T11. Classes
granulométricas expressadas em phi (grânulo: -2; areia mto. grossa: -1; areia grossa: 0; areia média: 1;
areia fina: 2; areia mto. fina: 3; silte grosso: 4; silte médio: 5; silte fino: 6; silte mto. fino: 7; argila: 8).
Valor indicado nas abscissas corresponde ao ponto médio do intervalo granulométrico.
87
Nos sedimentos arqueológicos, as adições antrópicas representam uma população
sedimentar de transporte nulo que é incorporada aos materiais naturalmente
depositados, ou como acontece no caso da camada preta, que é misturada com materiais
de origem natural. O intemperismo sofrido por estes elementos orgânicos e minerais de
origem orgânica, assim como sua alta fragilidade, pode também ter interferido por sua
maior concentração em algumas frações, especialmente areia grossa e pelíticos.
O caráter polimodal assimétrico dos sedimentos arqueológicos da T11 indica sua
compatibilidade com o padrão considerado típico por Brochier (2002).
5.2.3. – Comparação entre sedimentos naturais e arqueológicos
Para alcançar o terceiro objetivo se utilizou unicamente a granulometria da fração
de origem terrígena. Buscou-se um método que permitisse descartar o componente
orgânico e inorgânico bioclástico dos sedimentos arqueológicos e naturais para assim
poder relacionar ambos os grupos de amostras.
Pelo método de perda de massa ao ataque químico, foram estimadas as
concentrações de ossos e CaCO
3
nos sedimentos da T10 e T11. Na T10, a porcentagem
destes materiais manteve-se aproximadamente constante ao longo das arqueofácies 1, 2,
3 e na subfácies 3.1. (entre 45-60%), mas apresentou marcada diminuição na
arqueofácies 3.3 (18%), na base do perfil. Na T11, os maiores teores foram
identificados nas arqueofácies 1, 3 e na subfácies 3.1 (40-50%), enquanto os menores
valores foram registrados nas arqueofácies 2 e na subfácies 2.1 (18-25%). Os teores
aproximados de MO somente foram determinados nas amostras da T11 e expressam, em
termos gerais, baixas porcentagens para a totalidade das arqueofácies e subfácies
identificadas em comparação com os valores encontrados na área de controle. Porém,
cabe destacar que os maiores teores foram os obtidos para a arqueofácies 1,
provávelmente mais afetada por processos pedogênicos, e para a arqueofácies 3 e a
subfácies 3.1; enquanto isso, os teores mais baixos foram registrados para a
arqueofácies 2 e a subfácies 2.1, identificadas como compostas majoritariamente por
materiais queimados.
Na fig. 21 apresentam-se os gráficos correspondentes às medias dos parâmetros
estatísticos da distribuição granulométrica para os seis conjuntos de amostras sob
comparação. É importante reiterar que esta comparação levou em consideração apenas a
88
fração areia. Os dados correspondentes ao sítio Jabuticabeira II e à paleolaguna foram
obtidos a partir da amostragem feita na T11 e nos sete pontos de sondagem nas
proximidades do sítio, respectivamente. Os dados para as quatro gerações de dunas
foram extraídos das teses de Giannini (1993) e das dissertações de Sawakuchi (2003) e
Martinho (2004). Foram somente considerados aqueles provenientes de amostras da
região que vai do Cabo de Santa Marta até a Praia Grande do Sul, portanto nos
arredores mais imediatos do sambaqui Jabuticabeira II.
Estes gráficos permitem observar um fato de marcada importância na
caracterização dos sedimentos arqueológicos que compõem a camada preta. Pela
proximidade e muitas vezes superposição dos intervalos de confiança para as médias
dos parâmetros analisados, pode-se inferir que as areias terrígenas que compõem os
sedimentos da camada preta apresentam uma maior proximidade granulométrica com os
sedimentos da paleolaguna que com os sedimentos das quatro gerações de dunas.
Fig. 21. – Comparação de parâmetros estatísticos da distribuição granulométrica e fração areia média.
Amostras coletadas no sítio Jabuticabeira II, as quatro gerações eólicas e nos sedimentos paleolagunares
das proximidades ao sítio. Valores médios com intervalo de confiança (expressados em phi).
89
As areias dos sedimentos da camada preta apresentam maior proximidade com as
areias dos sedimentos paleolagunares, principalmente na comparação das variáveis teor
de areia média, diâmetro médio e desvio padrão. Esta similaridade pode traduzir
possível vinculação genética, ou seja, que a presença destas areias paleolagunares no
sítio se deva a processos antrópicos de coleta e transporte. No caso das variáveis
assimetria e curtose, os sedimentos arqueológicos apresentam proximidade tanto com os
sedimentos da paleolaguna como com os sedimentos eólicos da geração 4 (dunas
ativas).
Para aprofundar a comparação entre os conjuntos de amostras, construíram-se
diagramas de dispersão que combinam os parâmetros estatísticos das distribuições
granulométricas para o total de amostras das dunas eólicas (abrangendo todas as
gerações), da paleolaguna e do sítio arqueológico (fig. 22).
Os diagramas representados na figura 22 corroboram o vínculo existente entre as
areias terrígenas do depósito arqueológico e as dos depósitos paleolagunares. Estes dois
tipos de sedimentos formam nuvens de pontos bem delimitadas e com forte
sobreposição entre si, em alguns casos, dentro do conjunto de valores referente aos
sedimentos eólicos, e em outros, separados claramente do agrupamento desse conjunto
(caso dos diagramas de diâmetro médio vs. desvio padrão, desvio padrão vs. assimetria
e desvio padrão vs. curtose).
Assim, o terceiro objetivo proposto para as análises granulométricas permite
chegar à seguinte conclusão:
As areias terrígenas que compõem as arqueofácies identificadas na T11 apresentam
maior semelhança, em termos granulométricos, com os sedimentos paleolagunares que
com os sedimentos eólicos que se encontram na região de localização do sítio.
90
Fig. 22. – Diagramas de dispersão para os parâmetros estatísticos da fração areia nas amostras
provenientes das gerações de dunas eólicas, paleolaguna e Jabuticabeira II. DM: diâmetro médio; DP:
desvio padrão; AS: assimetria; K: curtose.
5.3. – Análise química multi-elemental
Em sedimentos arqueológicos ou antrossolos os elementos químicos considerados
de maior significância para aproximar-se à história ocupacional de um sítio são: fósforo
(P), carbono (C), nitrogênio (N), cálcio (Ca), magnésio (Mg), sódio (Na) e potássio (K),
flúor (F), manganês (Mn), ferro (Fe), alumínio (Al), zinco (Zn), titânio (Ti), cobalto
(Co), estrôncio (Sr), entre outros (Cook & Heizer 1965; Linderholm & Lundberg 1994;
Parnell et al. 2002; Middleton 2004). A concentração total na forma de óxido para todos
91
estes elementos maiores e menores, foi analisada nas amostras da T11 e nos quatro
pontos selecionados na área de controle.
O elemento de maior destaque na composição da fração sólida de ambos os grupos
de amostras (T11 e área de controle) foi o silício (SiO
2
). Este elemento constitui mais da
metade da composição da camada preta e da fácies lamosa na área de controle (fig. 23).
Isto já tinha sido constatado nas análises granulométricas onde se observou que as areias
quartzosas representavam o componente principal dos sedimentos paleolagunares e o
elemento natural de maior representatividade na camada preta. O ponto 5 possui a maior
percentagem de SiO
2
na sua composição, seguido pelos pontos 3 e 6. Nestes pontos, a
concentração de SiO
2
pode ser tomada como reflexo da elevada porcentagem de areia
na sua composição, valores também respaldados pelas análises granulométricas (figs.
15, 17 e 18). Não obstante, no ponto 7, que apresentou marcado predomínio de
sedimentos pelíticos na granulometria (fig. 19), a concentração de SiO
2
estaria
relacionada majoritariamente à presença de quartzo na fração silte e de filossilicatos na
fração argila.
A porcentagem de SiO
2
na T11 é variável, mostrando os maiores valores na base do
perfil. Porém, cabe ressaltar que a média da concentração de areias quartzosas na
camada escura não chega a ultrapassar os valores registrados nos sedimentos
paleolagunares.
92
Fig. 23. – Porcentagens de SiO2 na T11 (valor médio para as dez amostras analisadas), fácies lamosa e
turfosa das quatro sondagens escolhidas para comparação na área de controle (superior). Porcentagens de
SiO2 ao longo do perfil da T11 (inferior).
Na figura 24 apresentam-se as porcentagens de elementos maiores e menores, e
elementos traço em partes por milhão (ppm) para a T11 e os quatro pontos selecionados
da área de controle. Os elementos de maior destaque em termos comparativos foram
principalmente P e Ca, cuja concentração em massa é marcadamente mais alta nos
sedimentos arqueológicos, junto com Sr e Zn.
93
Fig. 24. – Concentrações de elementos maiores e menores (superior) e elementos traço (inferior) na área
de controle e na T11 (valor médio para as dez amostras estudadas). Note-se a predominância do P, Ca, Sr
e Zn nos sedimentos arqueológicos. A ausência de F e S nos pontos 5 e 6 deve-se a estes elementos
apresentarem valores abaixo dos limites de detecção do método utilizado (menor que 300 ppm para o S e
menor que 550 ppm para o F).
94
As concentrações de P
2
O5 e CaO na camada preta e na área de controle são
marcadamente distintas. Estes elementos são os de maior representação nos sedimentos
arqueológicos (mais de 10% de P
2
O5 e mais de 15% de CaO), estando nula ou
escassamente representados nos sedimentos paleolagunares (em torno de 0,15% de P e
0,7% de Ca). Dos quatro pontos escolhidos na área de controle para comparação, o
ponto 7 (turfoso e rico em MO) apresenta as maiores concentrações de estes elementos,
embora muito inferiores aos valores obtidos nos sedimentos arqueológicos.
Na figura 24, também se podem observar as concentrações comparativamente
altas de elementos traço como Sr, Cl e Zn na T11 em relação aos valores na área de
controle. Excetuando o alto teor de Cl no ponto 3 (1733 ppm), a concentração deste
elemento nas demais sondagens é menor que o limite de detecção do método utilizado
(menor que 50 ppm). Também na camada preta o Sr apresenta uma concentração média
dez vezes maior que a média encontrada na área de controle (648 vs. 63 ppm), e o valor
do Zn é quatorze vezes maior na T11 que na área de controle (379 vs. 26 ppm).
Considera-se que a composição diferencial de ambos os grupos de amostras
(camada preta e área de controle), especialmente relacionada com os valores registrados
para elementos como P, Ca, Sr e Zn na camada preta, está vinculada principalmente à
ação antrópica que originou os sedimentos arqueológicos. A seguir, discute-se a origem
dessas concentrações particulares.
O P sob a forma de fosfato (P
2
O
5
) tem demonstrado ser especialmente apropriado
na caracterização de solos e sedimentos afetados pela ação humana. Os numerosos
caminhos pelos quais as pessoas podem adicionar fosfato a um solo ou sedimento
geralmente incluem a deposição ou queima de materiais orgânicos e inorgânicos
(tecidos animais e de plantas) e de subprodutos metabólicos (matéria fecal, urina)
(Proudfoot 1976; Eidt 1977; Sjoberg 1976; Parnell et al. 2002; Holliday 2004;
Middleton 2004). O fósforo é introduzido antropicamente num solo ou sedimento tanto
na forma de fosfato orgânico como inorgânico e tem a particularidade de persistir no
tempo por causa da sua forte fixação, precipitação, baixa solubilidade, oxidação e baixa
mobilidade (Cook & Heizer 1965; Eidt & Woods 1974; Eidt 1977; Holliday 2004).
O osso é um tecido complexo que consiste em fosfatos de cálcio inorgânicos
precipitados numa matriz orgânica de colágeno (Pate & Hutton 1988: 730). No geral, o
osso está composto de 60% de fosfato de cálcio e 25% de colágeno; os 5 a 10%
restantes incluem uma combinação de outros minerais como muco-polisacarídeos
(açúcares complexos), carbonatos, Mg, Na e elementos traço como Cl, Fe, K, Sr, entre
95
outros íons de metais (White & Hannus 1983; Posner et al. 1984; Linse 1992;
McCutcheon 1992).
Um dos componentes macroscópicos mais importantes da camada preta são os
restos arqueofaunísticos, principalmente de peixe (Nishida 2007). Como há vinculação
entre altos valores conjuntos de P e Ca em sedimentos arqueológicos e altos conteúdos
de ossos (Cook & Heizer 1965; Schuldenrein 1995; Holliday 2004), pode-se supor que
os altos valores destes elementos na camada preta deva-se principalmente à presença de
ossos. Peixes concentram os maiores valores de P e Ca nas suas partes não comestíveis,
ou seja, nos ossos e na pele (Lehmann et al. 2004).
A porcentagem em massa dos elementos maiores e menores restantes, na T11, é
consideravelmente menor que os valores de SiO
2
, P
2
O
5
e CaO. Na área de controle, o
ponto 5 parece estar quase totalmente composto por SiO
2,
derivado das areias terrígenas.
Já nos pontos 3, 6 e 7 destaca-se, além da esperada proporção dominante de SiO
2
, o
Al
2
O
3
juntamente com o Fe
2
O
3
, seguido em ordem de concentração descrescente por
K
2
O, Na
2
O, CaO, TiO
2
e MgO. Este conjunto de óxidos, junto com elementos traço
como S, Sr, Zn, Cl e Co, está geralmente vinculado à presença de compostos orgânicos
nos sedimentos, o que é coerente com os valores registrados de MO para estes três
pontos na área de controle (fig. 25).
Quanto ao Al
2
O
3
, sua concentração pode estar relacionada à presença de
aluminossilicatos presentes nos solos e sedimentos da região principalmente na forma
de argilominerais. De fato, os pontos 6 e 7, onde se registraram as maiores
concentrações desse elemento, apresentaram também as maiores porcentagens de argila
nas análises granulométricas. Destaca-se que, na T11, a concentração de Al
2
O
3
em
massa, embora consideravelmente menor que a dos pontos 6 e 7, é semelhante à do
ponto 3 e maior que a do ponto 5.
Vários dos elementos encontrados em ambos os conjuntos de amostras (Na, Mg,
Mn, Fe, Cl, K, Sr, Zn) têm a particularidade de serem pouco diagnósticos da origem,
pois podem ser encontrados nos tecidos ósseos (Griffith 1980; Lucas & Prévôt 1991;
Parnell et al. 2002; Holliday 2004), nos restos vegetais e produtos da sua decomposição
(Barba & Ortiz 1992; Barba et al. 1995; Middleton & Price 1996; Fernandez et al.
2002; Parnell et al 2002b; Costa et al. 2004; Homsey & Capo 2006), e em diversos
minerais.
Pelo alto conteúdo arqueofaunístico da camada preta (aproximadamente 50%), a
concentração destes elementos poderia estar principalmente relacionada à presença dos
96
ossos. Porém, deve-se levar em consideração que os restos arqueofaunísticos que
compõem este depósito arqueológico têm sofrido alterações vinculadas à queima e ao
intemperismo. Estas alterações podem ter provocado a lixiviação dos seus componentes
mais leves até níveis inferiores ou mesmo sua saída do sistema durante a queima. De
fato, análises semiquantitativas realizadas ao microscópico eletrônico de varredura
(MEV) com espectrometria de energia dispersiva (EES), demonstraram que a
composição dos ossos neste depósito arqueológico está principalmente caracterizada
pela presença de Ca, P, C, Na, Mg e Fe unicamente. Portanto, grande parte da
concentração destes elementos deve estar provavelmente vinculada à alta quantidade de
ossos neste depósito; enquanto que todos os demais elementos químicos determinados
poderiam estar vinculados à presença de minerais, restos vegetais e produtos da sua
decomposição e queima.
O descarte de restos orgânicos está geralmente vinculado a grandes quantidades de
MO, valores elevados de P, K, Mg e elementos traço (Barba & Ortiz 1992; Barba et al.
1995; Middleton & Price 1996; Fernandez et al. 2002; Parnell et al. 2002; Holliday
2004). O teor de MO na T11 apresentou média de 1,6%, variando de 0,18-0,98%, na
arqueofácies 2 e subfácies 2.1, para 1,43% na arqueofácies 3 e 1,84-3,64% na subfácies
3.1. Estas porcentagens podem ser consideradas baixas em relação aos valores
registrados na área de controle (figs. 25 e 26).
A MO atual não é, portanto, um componente tão significativo na camada preta
quanto nos sedimentos paleolagunares. Porém, ela pode ter sido mais relevante na época
de acumulação dos sedimentos arqueológicos e ter sido lixiviada pós-
deposicionalmente, ou destruída pela queima que claramente sofreram estes sedimentos
(evidenciada pela presença de carvões). Altos valores de P e baixas porcentagens de
MO (<1%) são característicos de áreas de queima, já que as altas temperaturas destroem
a MO e transformam o P orgânico em inorgânico com alta capacidade de fixação
(Sanchez & Cañabate 1998: 155). Porém, a destruição da MO não significa a
desaparição de todos os seus componentes, visto que alguns dos seus elementos (Ca, S,
P, Mg) têm a capacidade de permanecer nas cinzas produzidas após a queima dos
materiais vegetais (Lyon & Buckman 1994; Middleton & Price 1996). Não obstante,
deve-se lembrar que a composição química das cinzas varia também em função das
diferentes temperaturas de queima. Metais como Al, Fe, Mg e Mn tendem a aumentar
consideravelmente até temperaturas próximas a 1000ºC (Etiégni & Campbell 1991).
97
Dietas baseadas na ingestão de peixes, frutos do mar, coquinhos e legumes deixam
altos teores de Zn, Sr, Mn e Mg nos sedimentos arqueológicos devido a estes alimentos
serem ricos em tais elementos (Grifith 1980; Costa et al. 2004; Homsey & Capo 2006).
Da mesma maneira, os teores de Zn e Sr no esqueleto dos animais variam em função da
dieta e tendem a aumentar durante a diagênese dos ossos (Lucas & Prévôt 1991: 397)
Portanto, as notáveis quantidades destes metais nos sedimentos da camada preta podem
estar vinculadas à dieta rica em peixes e moluscos destas comunidades (talvez também
em coquinhos das palmeiras da região), cujos restos eram depositados no sambaqui.
Nas sondagens na área de controle, pelo contrário, as porcentagens
comparativamente altas de MO estimadas, a ausência de restos ósseos, as baixas
porcentagens de CaO e a quase nula presença de P
2
O
5
indicam que a concentração
destes elementos está ali provavelmente vinculada principalmente à alteração de restos
vegetais, processos pedogênicos e deposição atmosférica, juntamente com a matéria
prima geológica. Portanto:
Os teores de P
2
O
5
, CaO e provavelmente Sr e Zn na camada preta relacionam-se à alta
proporção de ossos de peixe na sua composição. Enquanto isso, na área de controle, as
propriedades químicas estão principalmente relacionadas à matéria prima geológica e à
decomposição de restos vegetais e a ciclagem natural dos elementos pelas raízes da
vegetação estabelecida na superfície dos depósitos.
Na figura 25, apresentam-se as porcentagens de MO, C e as concentrações de N
(em ppm) nas arqueofácies da T11 e na fácies lamosa e turfosa (horizonte A) dos pontos
escolhidos para comparação na área de controle. A partir da observação dos três
diagramas pode-se notar como nos sedimentos paleolagunares os teores de MO estão
associados às concentrações de C e N. Isto decorre do fato de que a fonte principal de
MO num solo ou sedimento, os tecidos vegetais e os produtos da sua decomposição
(húmus), estão compostos por água e por matéria seca composta majoritariamente por C
(componente principal da MO), N, O e H (90% da fração seca), junto com matéria
mineral em menores quantidades (S, P e Ca) (Lyon & Buckman 1994).
Sedimentos ricos em MO apresentam concentrações de C em torno de 10% e de N
por volta de 2500-3500 ppm. Efetivamente, nos pontos 3 e 7 na área de controle, as
altas porcentagens de MO registradas (na ordem de 20%) correspondem com os teores
de C, e N determinados (em torno de 7% de C e 4500 ppm de N) (fig. 25).
98
Fig. 25. – Porcentagens de MO, C total, e N total (em ppm) para a área de controle e T11 (valor médio
para as dez amostras estudadas). Note-se como nos sedimentos paleolagunares a porcentagem de MO
ultrapassa os valores de C total, ao contrário do que acontece na camada escura.
Nos sedimentos arqueológicos da T11 a situação é a oposta, já que MO e C têm
porcentagens semelhantes e a concentração de C é levemente maior que a de MO,
embora não supere os 3%. As concentrações de C e N na T11 chegam a alcançar valores
superiores aos encontrados nos pontos 5 e 6, que efetivamente possuem maiores teores
de MO (fig. 25). Isto estaria indicando que nos sedimentos arqueológicos da camada
preta só uma fração menor da concentração de C e N totais estaria relacionada com a
MO presente.
As diferenças entre MO, C e N são também observadas ao longo do perfil da T11
(fig. 26), no qual as porcetagens de C e N permanecem relativamente constantes,
embora a MO varie entre valores comparativamente menores à porcentagem de C total.
Fig. 26. – Distribuição das concentrações de MO (%), C total (%) e N total (ppm) ao longo da seção
vertical da T11.
Portanto, a maior parte do C e N presentes na T11 está certamente vinculada a um
outro material, especialmente rico em estes elementos, que caracteriza todas as unidades
amostradas verticalmente e cuja concentração não está exclusivamente vinculada com o
conteúdo de MO
Tomando o C total como referência, as formas nas quais este elemento pode estar
representado nos sedimentos são, além da forma orgânica (MO e humus), os carbonatos
99
(composto inorgânico), a grafita e o carvão (formas elementais) (Hesse 1971). Parte do
conteúdo de C pode estar efetivamente relacionada com a forma inorgânica contida nos
ossos, mas isto não explica os altos valores de N e S também registrados na T11.
Portanto, seria a forma elemental do C a responsável pela concentração de C na
camada preta, especialmente representada pelos carvões produzidos pela queima de
material vegetal, que possuem tanto N como S na sua composição, junto com vários
outros nutrientes (Lehmann et al. 2003: 345); isto coincide com as quantidades
consideráveis de carvão reconhecidas macroscopicamente em todas as frações
granulométricas das arqueofácies identificadas.
Os carvões, partículas orgânicas pretas e opacas, têm recebido uma variedade de
denominações em função da técnica e da disciplina empregada. Genericamente são
chamados de carbono preto (black carbon), produzido pela combustão incompleta de
materiais orgânicos (combustíveis fósseis, madeira e vegetação) (White & Hannus
1981: 363; Schmidt & Noack 2000: 777).
Este carbono preto se forma em reações exotérmicas a temperaturas entre 280º e
500ºC. Durante a queima, parte dos materiais vegetais volatiliza formando partículas
sub-micronesimais na fase gasosa (que recondensam em fuligem altamente grafitizada),
e outra parte é queimada (carbonizada), restando partículas de mais de dezenas de
micrômetros (Dimbleby 1967; Rodriguez Ariza 1993; Schmidt & Noack 2000).
O carvão propriamente dito é o produto da queima de madeira. Na medida em que
a temperatura aumenta, os elementos estruturais maiores da planta (hemicelulose,
celulose e lignina) se quebram enquanto CO, CO
2
e outros gases são liberados. A
evaporação destes gases resulta na condensação do esqueleto de C e na aromatização, o
que resulta na formação de camadas de tipo grafítico (Cohen-Ofri et al. 2006).
O carvão depositado na superfície de um solo ou sedimento, embora muito
susceptível à erosão pelo vento e água, devido a sua fragilidade, é considerado de
natureza inerte e indestrutível do ponto de vista químico (exceto pela queima); por não
oferecer uma fonte de alimentação para os microorganismos, permanece sem mudar
indefinidamente (Dimbleby 1967: 100; Schmidt & Noack 2000: 780; De Souza Falcão
et al. 2003: 260). Porém, a pretendida natureza inerte dos carvões é ainda tema de
discussão e estudos recentes têm demonstrado que ele é passível de alterações
diagenéticas (Cohen-Ofri et al. 2006).
Na figura 26, pode-se observar como as unidades arqueológicas que apresentam os
menores teores de MO na T11 simultaneamente contêm as maiores concentrações de C
100
(unidades III, V, IX e XI). Estas unidades correspondem às arqueofácies 2 e subfácies
2.1, identificadas em campo como compostas por materiais queimados (ossos
queimados e carvões na arqueofácies 2, junto com cinzas na subfácies 2.1.).
Para esclarecer mais esta relação entre a MO e a concentração de C na T11,
converteram-se as porcentagens de MO em porcentagens aproximadas de C orgânico
total. Desta maneira, conseguem se observar melhor as diferentes proporções entre as
diversas formas de C nas amostras. Para converter a porcentagem de MO determinada
pelo método de oxidação com H
2
O
2
em C orgânico total, realizam-se os seguintes
cálculos, baseados em Hesse (1971):
% MO = C orgânico não corrigido
(100/58)
C orgânico não corrigido x (100/87) = C orgânico total
Porém, cabe ressaltar que o método de oxidação por H
2
O
2
oferece uma estimativa
expedita das porcentagens de MO, pelo qual qualquer calculo realizado sobre estes
valores deve ser tomado como uma aproximação à realidade.
Fig. 27. – Porcentagens de C
orgânico e C inorgânico e
elementar para as diferentes
arqueofácies na T11.
101
Na figura 27, apresentam-se as porcentagens aproximadas calculadas de C
orgânico e C inorgânico e elementar para cada unidade amostrada na T11. Este gráfico
permite confirmar como as unidades correspondentes às arqueofácies 2 e subfácies 2.1
efetivamente apresentam as menores porcentagens de C orgânico e os maiores valores
de C inorgânico e elementar. Nestas arqueofácies e subfácies, o C elementar estaria
representado pelos carvões, e o C inorgânico estaria vinculado à presença de cinzas, já
que as cinzas produzidas pela queima de madeira estão formadas predominantemente
por cristais de carbonato de cálcio (Brochier 1983a; 1983b; 2002; Canti 2003). No
tópico 5.5.7, discussões adicionais sobre as concentrações relativas de cinzas e carvões
na T10 e T11 serão apresentadas.
Portanto:
Levando em consideração a presença constante de C elementar e N no perfil, e em vista
do observado em campo durante a flotação dos sedimentos para coleta de amostras
antracológicas
8
, os carvões representam um componente constante na camada preta,
ainda que sua concentração e granulometria varie nas diferentes arqueofácies
identificadas.
Na figura 28, apresentam-se as concentrações dos elementos maiores, menores e
traço ao longo do perfil da T11. Neste gráfico, pode-se observar que as porcentagens de
P
2
O
5
e CaO também tendem a diminuir na arqueofácies 2 e subfácies 2.1, compostas
por materiais queimados. Isto estaria corroborando a menor quantidade de restos
arqueofaunísticos que já tinha sido identificada nestas unidades após o tratamento com
HCl (ver tópico 5.2.3).
Pelo demais, os diagramas da figura 28 permitem observar como a composição
química das diferentes unidades amostradas permanece relativamente a mesma ao longo
do perfil, mostrando unicamente variações importantes nos teores de P
2
O
5
e CaO, com
mudanças muito sutis nas concentrações dos demais elementos, provavelmente
vinculadas aos carvões e à M.O presentes.
8
Trabalho que está sendo realizado no projeto temático pela Dra. Rita Scheel-Ybert.
102
De esta maneira, a análise química multi-elemental permite concluir que:
As arqueofácies identificadas na T11 apresentam aproximadamente a mesma
composição química em termos qualitativos e quantitativos. Alterações importantes nas
porcentagens de P
2
O
5
, CaO, C orgânico e MO, observadas na arqueofácies 2 e subfácies
2.1, são condizentes com seu menor conteúdo arqueofaunístico e com sua composição
majoritária a base de partículas resultantes da queima vegetal (carvão).
103
Fig. 28. – Concentração de elementos maiores e menores (superior) e elementos traço (inferior) na T11.
104
5.4. – Mineralogia da fração argila
A composição mineralógica da fração argila é uma pripriedade significativa na
caracterização de arqueofácies. Ela pode outorgar informações relativas à relação entre
as distintas arqueofácies identificadas, aos processos intempéricos e pedogênicos
atuantes no local, à influência antrópica na adição ou alteração dos componentes
arqueossedimentares e à possível semelhança entre sedimentos arqueológicos e naturais.
Para conhecer minerais de argila existentes nas arqueofácies identificadas na T11,
foram analisadas amostras correspondentes às arqueofácies 1 e 2, e às subfácies 2.1 e
3.1.; para efeito de comparação, analisaram-se também duas amostras correspondentes à
facies lamosa dos pontos 1 e 3 da área de controle.
105
Fig. 29. – Difratogramas dos minerais de argila nas arqueofácies da T11 e nos pontos 1 e 3 da área de
controle. T11/I: arqueofácies 1; T11/III: arqueofácies 2; T11/VI: subfácies 3.1; T11/VIII: subfácies 3.1;
T11/XI: subfácies 2.1; T11/XII: subfácies 3.1.
106
Na figura 29, apresentam-se os difratogramas correspondentes aos materiais
analisados. Da leitura destes gráficos extrai-se o seguinte conjunto de informações sobre
a composição mineralógica da fração argila nas arqueofácies analisadas: na unidade I
(arqueofácies 1) identificou-se apenas a presença de apatita; na unidade III
(arqueofácies 2) apresenta apatita e um pico correspondente a pirofosfato de sódio,
componente intrusivo utilizado na defloculação das amostras; as unidades VI e VIII
(subfácies 3.1) só apresentam apatita; a unidade XI (subfácies 2.1) apresenta apatita
juntamente com mica, caulinita e pirofosfato intrusivo; por último, a unidade XII
(subfácies 3.1) também apresenta apatita junto com mica e caulinita.
As amostras da área de controle correspondententes ao Ponto 1 contêm caulinita e
pirofosfato de sódio, e a correspondente ao Ponto 3 contém caulinita, illita e um pico de
14 Å que pode corresponder tanto a esmectita como a clorita. Para diferenciar entre
estes dois últimos componentes qual deve ser realizado o tratamento com glicerol e
aquecimento.
Em todos os difratogramas da figura 29, tanto da camada preta arqueológica como
da área de controle, pode-se observar, junto com os materiais cristalinos, a presença de
um material amorfo ou de baixa cristalinidade. Este material pode estar relacionado com
a lâmina de vidro na qual foram preparadas as amostras, ou com a presença de um
componente sedimentar efetivamente amorfo ou de cristalinidade baixa..
Portanto, da apreciação dos gráficos da figura 29 extraem-se duas conclusões
fundamentais sobre a composição da camada escura:
A apatita é o mineral de maior destaque na fração argila; à exceção das subfácies
localizadas próximas à base do perfil, a camada preta não possui aparentemente
filossilicatos na sua composição.
Encontrar apatita na fração argila da camada escura não resulta surpreendente.
Este mineral constitui o componente inorgânico principal dos ossos, que, por sua vez,
são o componente antrópico mais conspícuo dos sedimentos arqueológicos da camada
escura. Os restos arqueofaunísticos provavelmente já começaram a sofrer os efeitos do
intemperismo assim que foram depositados, ainda na época em que o sistema cultural
sambaquieiro era ativo. Os processos intempéricos físicos e químicos operando no local
de deposição são capazes de provocar a separação e destruição dos componentes
microscópicos, orgânicos e inorgânicos (Behrensmeyer 1978: 153). A completitude
107
estrutural e mineralógica dos ossos teria sido alterada progressivamente pela ação dos
agentes intempéricos, liberando e reprecipitando fosfato, na forma de apatita, na fração
argila.
Como os minerais de apatita (hidroxiapatita, fluorapatita e cloroapatita) são
isomorfos (Posner et al. 1984), não é possível diferenciar entre eles, de modo seguro,
apenas com base em difratometria de raios-X. Portanto, a partir desta análise sabe-se
que na camada preta existe mineral do grupo da apatita, embora não se possa determinar
qual isomorfo do grupo está efetivamente presente, tampouco em que quantidade. O
mineral do osso é referido indistintamente na literatura como hidroxiapatita
(Ca
5
(PO
4
)
3
(OH)) ou hidroxiapatita carbonatada (antiga “dahlita”, nome não referendado
pela International Mineralogical Association; Ca
5
(PO
4
,CO
3
)
3
(OH)) (Pate & Hutton
1988; Linse 1992; McCutcheon 1992; White & Hannus 1993; Steiner et al. 1995;
Karkanas et al. 2000; Hedges 2002; Berna et al. 2004; Trueman et al. 2004; Smith et al.
2007). A hidroxiapatita pura é unicamente encontrada em rochas ígneas formadas a
altas temperaturas, sendo que as formas de hidroxiapatita de baixa temperatura são
sempre carbonatadas (Berna et al. 2004: 877). Portanto, os ossos compõem-se, em
termos gerais, por hidroxiapatita, a qual pode conter carbonatos na sua composição,
tanto na estrutura cristalina como adsorvidos em superfície (Posner et al. 1984). O grau
de carbonatação, entretanto, permanece incerto, já que depende de vários fatores
atuando na geração dos tecidos ósseos.
O intemperismo do mineral que compõe o osso inicia-se pela formação de ácidos
orgânicos e carbônicos resultantes da decomposição microbial do colágeno. Uma vez
formados, estes ácidos e outros ácidos orgânicos, inclusive húmicos, eventualmente
presentes no solo ou sedimento, aceleram a degradação do próprio colágeno, cuja
decomposição é mais rápida que a da fração inorgânica dos ossos. O decaimento do
colágeno provoca a dissolução e transformação dos cristais de hidroxiapatita, na
dependencia das condições de pH e do regime hidrológico do local de deposição
(Gordon & Buikstra 1981; White & Hannus 1983; Linse 1992; Berna et al. 2004;
Trueman et al. 2004; Smith et al. 2007). Estas duas variáveis, pH e regime hidrológico,
são os fatores controladores das mudanças diagenéticas sofridas pelos restos
arqueofaunísticos e pela dissolução e remoção da hidroxiapatita.
A hidroxiapatita dos ossos é relativamente insolúvel a pH básico (acima de 7,6-
8,1) e aumenta sua solubilidade rapidamente conforme as condições ficam
progressivamente mais ácidas; recristaliza a pH neutro (7-7,5) e forma fosfatos de Al
108
insolúveis a pH ácido (menor que 7) (White & Hannus 1983; Lucas & Prévôt 1991;
Berna et al. 2004).
Em condições neutras a ácidas, o mineral dos ossos é facilmente dissolvido, e se o
regime hidrológico do depósito for intenso a dissolução e remoção dos fosfatos será
considerável. Se as condições de pH se mantêm, os fosfatos em solução em meio ao
sedimento podem reprecipitar e recristalizar in situ formando um mineral fosfático
autígeno, amorfo ou cristalino. Este mineral pode ocorrer na forma de agregados
individuais ou como encobrimento dos grãos que compõem sua fração grossa (Goldberg
& Nathan 1975; Lucas e Prévôt 1991; Courty & Fedoroff 2002; Trueman et al. 2004).
Levando em consideração a liberação de ácidos pela degradação do colágeno dos
ossos, que compõem a camada preta, pode-se supor que as condições originais no
momento de deposição antrópica teriam sido provavelmente neutras a ácidas. Como a
camada preta se comporta como um sistema aberto, a presença de CO
2
atmosférico teria
atuado como fonte de ácido para igualmente induzir à dissolução da hidroxiapatita dos
ossos. A alta porosidade da camada preta favorece a intensa passagem de água e a boa
drenagem, o que reduz os períodos de saturação e aumenta a eficiência da percolação
como mecanismo para a remoção dos fosfatos. Estes fosfatos podem ter precipitado e
recristalizado como apatita autígena na forma de neoformações fosfáticas
(cripto)cristalinas (as quais podem ser denominadas descritivamente, seguindo o
poadrão da nomenclatura de Folk (1959) como fosfomicrita).
Medições do pH atual da camada preta na T10 mostram condições alcalinas a
neutras nestes sedimentos (pH entre 7,0 e 7,5) (Nishida 2007). Estas condições são
especialmente favoráveis para que o mineral do osso reprecipite como apatita autígena.
Determinar as condições de pH original do momento de deposição destes sedimentos
arqueológicos só se pode conseguir através de evidências indiretas. Neste caso, a
presença de minerais autígenos, que se formam sob condições específicas de pH e
percolação de água, permite a reconstrução aproximada das condições químicas que
prevaleceram na camada escura no momento da sua formação (Karkanas et al. 2000;
Berna et al. 2004). Porém, estes minerais autígenos não são necessariamente estáveis e
podem igualmente sofrer dissolução e recristalização no caso de uma mudança nas
condições químicas do sedimento.
No trabalho de iniciação cientifica desenvolvido no IGc-USP por Érico Benedeti
Mazini (2007), que consistiu na análise petrográfica de amostras provenientes da
camada concrecionada imediatamente inferior à camada preta, observaram-se situações
109
deste tipo. Cimentos criptocristalinos de cor castanha envolvem os grãos que compõem
o arcabouço da concreção, compostos quartzo (35-40%) e fragmentos de ossos (20-
40%) e de conchas carbonáticas de moluscos (10-40%). Estes cimentos podem
apresentar-se na forma de cutículas delgadas (menores que 10μm) ou crostas espessas
em torno dos grãos, bem como intergranulares. Sua composição, identificada como
fosfática ao MEV-EED, ter-se-ia originado a partir da dissolução, mobilização e
reprecipitação do fosfato presente nos ossos, provindo, por lixiviação, da camada preta.
Deste modo:
O intemperismo sofrido pelos restos arqueofaunísticos, favorecido pelas
oscilações de pH e a alta percolação da água, provocaram a formação de fosfomicrita
autígena na camada preta, responsável pela identificação, por difratometria de raios-X,
de apatita na fração mais fina das arqueofácies identificadas.
Porém, vários dos ossos que compõem a camada escura apresentam evidências
claras de queima até o grau de carbonização (transformação em carvão) e calcinação
(transformação em óxido de cálcio). Portanto, cabe aqui fazer a seguinte pergunta: como
a alteração térmica sofrida pelos ossos influi no seu comportamento perante a ação do
intemperismo?
Estudos realizados por Shipman et al. (1984) concluíram que em todas as etapas
de aquecimento dos ossos (de 0 a 940ºC), a hidroxiapatita permanece como componente
mineral predominante. A única diferença observada reside no tamanho dos cristais, que
tendem a ficar maiores conforme aumenta gradualmente a temperatura de aquecimento.
Esta variação de tamanho é semelhante a que acontece no osso durante o processo de
dissolução e recristalização da hidroxiapatita na diagênese (Trueman et al. 2004).
Com a dissolução ou queima da matriz orgânica dos ossos, os cristais da fração
mineral tendem a crescer às expensas dos cristais menores destruídos ou dissolvidos,
aumentando consideravelmente seu tamanho. Porém, a morfologia superficial dos ossos
é diferente em ossos queimados e em ossos que somente sofreram os efeitos do
intemperismo; isto permite diferenciar, apenas com o uso do MEV, restos
arqueofaunísticos cuja alteração foi produzida pela queima, nos quais os grandes cristais
de hidroxiapatita apresentam-se com traços de derretimento (textura superficial globular
110
ou vesicular), de restos com alteração gerada pela diagênese (Shipman et al. 1984;
McCutcheon 1992; Trueman et al. 2004).
Aqueles ossos que foram queimados previamente à deposição final na camada
escura podem ser até mais resistentes ao intemperismo (porém não à pressão física) que
os ossos frescos, devido a que o maior tamanho dos seus cristais (adquirido como
resultado da queima) os torna menos suscetíveis à dissolução (Karkanas 2000). Uma
condição semelhante é adquirida durante o intemperismo ou diagênese prolongados, já
que a recristalização do mineral do osso produzida nesses processos acaba aumentando
a sua resistência à dissolução (Berna et al. 2004).
A difratometria de raios-X realizada nas arqueofácies da T11 permitiu observar
não apenas que a apatita é o componente principal da fração argila, mas também que os
filossilicatos estão pouco ou não representados na camada preta. Somente em aquelas
unidades localizadas na base do perfil, correspondentes a subfácies 2.1 e 3.1, foram
registradas pequenas quantidades de filossilicatos na forma de caulinita e mica.
A ausência de filossilicatos na maior parte do perfil, associada a seu aparecimento
em escassas quantidades na base, está provavelmente relacionada à lixiviação dos
materiais finos até os níveis inferiores. Como o sambaqui está num nível mais alto que o
depósito paleolagunar em relação ao freático, ele está sujeito a gradiente hidrostático
maior e mais eluviação.
A escassez de filossilicatos nos sedimentos arqueológicos é reforçada pelos baixos
conteúdos de Al (valor médio de 2%), detectado nas análises químicas, em comparação
com a área de controle (valor médio entre 5 a 10%), e pela menor presença de culinita
identificada na difratometria.
Pensar que o aquecimento sofrido por estes sedimentos poderia ter transformado
os filossilicatos em materiais de baixa cristalinidade também é um argumento
discutível. Se tivessem efetivamente existindo grandes quantidades de aluminossilicatos
nas amostras antes da queima do sedimento, então os teores de Al deveriam ser
consideravelmente maiores atualmente, coisa que não se observa nas análises químicas
realizadas. Igualmente a presença de material amorfo, possivelmente alofana, ou
filossilicatos de baixa cristalinidade, observa-se tanto na camada preta como nos
sedimentos paleolagunares. Portanto, a alofana pode estar representando um
componente sedimentar presente em ambos os depósitos e não um material queimado
no sítio arqueológico.
111
Portanto:
A camada preta pode ter incluído filossilicatos na sua composição, embora
atualmente sua presença não seja conspicuamente manifesta. Estes minerais podem ter
lixiviado até níveis inferiores pós-deposicionalmente.
5.5. – Micromorfologia
A micromorfologia das arqueofácies da camada preta constitui o nexo necessário
entre a observação macroscópica realizada em campo, os resultados dos ensaios
laboratoriais quantitativos, e a realidade microscópica destes sedimentos arqueológicos.
Visa alcançar os seguintes objetivos:
Ampliar os conhecimentos sobre a composição da camada preta.
Conhecer as hierarquias e as relações que existem entre seus componentes.
Reconhecer a ação dos processos pós-deposicionais sofridos.
Avaliar o grau de influência antrópica na sua trama e composição.
A seguir, apresentam-se as tabelas com as descrições micromorfológicas das
arqueofácies e subfácies identificadas na trincheira 10 (tabela 4) e na trincheira 11
(tabela 5).
112
Tab. 4. – Descrição micromorfológica das arqueofácies (AF) e subfácies (SF) identificadas na T10. Freqüências de classes segundo Bullock et al. (1985): • Muito Poucas (<
5%); •• Poucas (5-15%) ; ••• Comum (15-30%) ; •••• Freqüente (30-50%); ••••• Dominante (50-70%); •••••• Muito dominante (>70%).
JAB II Trincheira 10
Material
mineral
grosso
Material
orgânico
grosso
Feições
pedológicas
Lâmina
Microestrutura
Porosidade
(%) Poros
Distribuição
Razão
c/f
Padrão de
distribuição
Quartzo
Ossos de peixe
Fitolitos
Diatomáceas
Agregados de
material silicoso
Carvão
Restos de
tecidos
Micromassa
Nódulos
anórticos
Excrementos
Revestimentos
(amorfo)
T10/9
Unidade I
AF 1
Microaggregads
intergranulares
Vazio de
empacotamento
complexo
•••
Aleatória
60:40
Enáulica
fina/igual de
espaçamento
fechado/simples
••• ••
• •
Amorfa
castanho
escuro
Monomorfa
mamilados
pendente/
em cúpula
T10/6
Superior
Unidade I
AF 1
Inferior
Unidade II
AF 2
Microagregados
intergranulares
Vazio de
empacotamento
complexo
•••
••
Aleatória
60:40
50:50
Enáulica
fina/igual de
espaçamento
fechado/
simples
••• •••
••• •••
• ••
••
Amorfa,
castanho-
amarela
Monomorfa
Amorfa, preta
Monomorfa
elipsóide elipsóide
pendente/
em cúpula
T10/8
Unidade II
AF 2
Microagregados
intergranulares
Vazio de
empacotamento
complexo
••••
Aleatória
50:50
Enáulica
fina/igual de
espaçamento
fechado/simples
•• •••
•• •
Indiferenciada
Amorfa,
castanho
escuro
Polimorfa
mamilados/
elipsóide
pendente/
em cúpula
113
Continuação Tabela 4.
Material
mineral
grosso
Material
orgânico
grosso
Feições
pedológicas
Lâmina
Microestrutura
Porosidade
(%) Poros
Distribuição
Razão
c/f
Padrão de
distribuição
Quartzo
Ossos de peixe
Fitólitos
Diatomáceas
Agregados de
material silicoso
Carvão
Restos de
tecidos
Micromassa
Nódulos
anórticos
Excrementos
Revestimentos
(amorfo)
T10/7
Unidade V
SF 3.1
Microagregados
intergranulares
Vazio de
empacotamento
complexo
•••
Aleatória
60:40
Enáulica
fina/igual de
espaçamento
fechado/ simples
••• •••
• ••
Indiferenciada
Amorfa,
castanho-
amarela
Polimorfa
mamilados
pendente/
em cúpula
T10/1
Unidade VIB
SF 3.3
Microagregados
intergranulares
Vazio de
empacotamento
complexo
••••
Aleatória
40:60
Enáulica fina de
espaçamento
simples
••• ••• •• ••
• •
Indiferenciada
Amorfa,
amarela
Polimorfa
mamilados
pendente/ em
cúpula
114
Tab. 5. – Descrição micromorfológica das arqueofácies (AF) e subfácies (SF) identificadas na T11.
JAB II Trincheira 11
Material
mineral
grosso
Material
orgânico
grosso
Feições
pedológicas
Lâmina
Microestrutura
Porosidade
(%) Poros
Distribuição
Razão
c/f
Padrão de
distribuição
Quartzo
Ossos de peixe
Fitolitos
Diatomáceas
Agregados de
material silicoso
Carvão
Restos de tecidos
Micromassa
Nódulos anórticos
Excrementos
Revestimentos
(amorfo)
T11/6
Superior
Unidade I
AF 1
Inferior
Unidade IB
Microagregados
intergranulares
Vazio de
empacotamento
complexo
•••
Aleatória
30:70
Enáulica
fina/igual de
espaçamento
simples
••• •••
••• ••• •• •
•••
• •
Amorfa, preta.
Monomorfa
Indiferenciada
amarela
Polimorfa
mamilados
pendente/
em cúpula
T11/5
Superior
Unidade IA
AF 2
Inferior
Unidade II
AF 3
Microagregados
intergranulares
Vazio de
empacotamento
complexo
•••
••••
Aleatória
Aleatória
60:40
70:30
Enáulica igual de
espaçamento
simples
Enáulica de
espaçamento
fechado/simples
••• ••• • •
••• •••
•••
Amorfa, preta.
Monomorfa
Indiferenciada
amorfa,
castanho-
amarelo
Polimorfa
mamilados
pendente/
em cúpula
T11/9
Unidade VI
SF 3.1
Microagregados
intergranulares
Vazio de
empacotamento
complexo
•••••
Aleatória
80:20
Enáulica fina de
espaçamento
fechado
••• ••• •• • •
• •
Indiferenciada
Amorfa,
castanho-
amarela
Polimorfa
pendente/
em cúpula
115
Continuação Tabela 5.
Material
mineral
grosso
Material
orgânico
grosso
Feições
pedológicas
Lâmina
Microestrutura
Porosidade
(%) Poros
Distribuição
Razão
c/f
Padrão de
distribuição
Quartzo
Ossos de peixe
Fitólitos
Diatomáceas
Agregados de
material silicoso
Carvão
Restos de
tecidos
Micromassa
Nódulos
anórticos
Excrementos
Revestimentos
(amorfo)
T11/3
Unidade VI
SF 3.1
Microagregados
intergranulares
Vazio de
empacotamento
complexo
••••
Aleatória
70:30
Enáulica
fina/igual de
espaçamento
simples
••• •••• •
• •
Indiferenciada
Amorfa,
castanho-
amarelo
Polimorfa
mamilados
pendente/ em
cúpula
T11/2
Unidade X
SF 3.1
Microagregados
intergranulares
Vazio de
empacotamento
complexo
••••
Aleatória
70:30
Enálulica fina de
espaçamento
fechado/
simples
••• ••• •
• •
Indiferenciada
Amorfa,
castanho-
amarelo
Polimorfa
mamilados
pendente/ em
cúpula
T11/8
Unidade XI
SF 2.1
Franja
Central
Com
microagregados
intergranulares
Laminar
Vazio de
empacotamento
complexo
Planar
•••
••
Aleatória
Listrada
60:40
40:60
Enáulica fina de
espaçamento
fechado
Porfirica de
espaçamento
simples
••• ••• ••
••• ••• •• ••
•• •
Indiferenciada
Amorfa,
castanho-
amarelo
Polimorfa
mamilados
pendente/
em cúpula
116
Continuação Tabela 5.
Material
mineral
grosso
Material
orgânico
grosso
Feições
pedológicas
Lâmina
Microestrutura
Porosidade
(%) Poros
Distribuição
Razão
c/f
Padrão de
distribuição
Quartzo
Ossos de peixe
Fitólitos
Diatomáceas
Agregados de
material silicoso
Carvão
Restos de tecidos
Micromassa
Nódulos anórticos
Excrementos
Revestimentos
(amorfo)
T11/1
Unidade XII
SF 3.1
Microagregados
intergranulares
Vazio de
empacotamento
complexo
••
••
Aleatória
70:30
Enáulica fina de
espaçamento
simples
••• ••• •
• •
Indiferenciada
Amorfa,
castanho-
amarelo
Polimorfa
pendente/ em
cúpula
T11/7
Unidade XIV
AF 5
Microagregados
intergranulares
Vazio de
empacotamento
complexo
••••
Aleatória 60:40 Enáulica grossa/
Igual de
espaçamento
fechado/simples
••• ••• • •
1. Indiferenc.
laranja-
amarela
Polimorfa
2. Amorfa,
preta
Monomorfa
pendente/ em
cúpula
117
O estudo micromorfológico das arqueofácies identificadas nas trincheiras 10 e 11
permitiu reconhecer uma série de elementos comuns à totalidade das lâminas analisadas.
Estes elementos estão vinculados à trama e à composição das arqueofácies identificadas
(fração grossa e micromassa) e podem se agrupar da seguinte maneira:
Microestrutura composta por microagregados intergranulares
Porosidade de tipos vazio de empacotamento complexo e distribuição
aleatória
Padrão de distribuição da massa basal (fração grossa e micromassa) de tipo
enáulico
Composição e morfologia da fração grossa variável em função da
proporção relativa entre os diferentes componentes:
1) Fragmentos de
ossos de peixe
2) Grãos de quartzo
3) Carvão
Mal selecionados.
Distribuição aleatória.
Angulares-
subangulares,
ondulados.
Bem selecionados.
Distribuição aleatória.
Muito arredondados,
suaves.
Mal selecionados.
Distribuição aleatória.
Subangulares, toscos.
Micromassa composta por material orgânico amorfo, monomórfico e preto,
misturada com micromassa indiferenciada (criptocristalina) castanho-
amarelo e laranja.
5.5.1. – Padrão de distribuição
Embora a maior parte das lâminas analisadas apresentasse um padrão de
distribuição enáulico (fração grossa e agregados de material fino nos espaços
intersticiais), em algumas lâminas observaram-se também padrões de distribuição de
tipo gefúrico convexo (fração grossa ligada por pontes de material fino) e mônico
grosso (fração grossa e poros, sem micromassa). Padrões gefúricos convexos podem ser
observados sempre em alguma porção da quase totalidade das lâminas analisadas.
Padrões mônicos grossos foram observados na unidade VI da T11, subfácies 3.1, na
unidade XII T11, subfácies 3.1 e na unidade VIB da T10, subfácies 3.3.
118
5.5.2. – Fração grossa
A composição da fração grossa permanece constante ao longo da vertical nas
seções estudadas. O marcado predomínio dos restos arqueofaunísticos é acompanhado
por grãos de quartzo e carvão. A grande diferença observada refere-se à quantidade
relativa de carvão. Em termos gerais, aquelas arqueofácies e subfácies identificadas
como ricas em materiais queimados (arqueofácies 2 e subfácies 2.1) apresentam maiores
quantidades de carvão na sua composição, embora alguns carvões também fossem
observados nas demais arqueofácies identificadas.
Fig. 30. – Fragmentos de carvão nas arqueofácies 1 (esquerda) e subácies 3.1 (centro e direita).
Fotomicrografias tomadas no microscópio óptico de luz polarizada com nicóis paralelos (PPL).
Ossos e carvões apresentam má seleção granulométrica e morfométrica (critérios
baseados em Bullock et al. 1985), indicada pela ampla variedade de tamanhos e formas
observada ao longo de todas as arqueofácies. Da mesma maneira, suas bordas são
sempre angulares e toscas, o que também indica pouco ou nenhum transporte físico por
agentes naturais. A presença conjunta destes elementos num depósito está geralmente
associada à influência antrópica e, portanto, a processos de transporte antrópico
responsáveis pela sua deposição no local. Nos grãos de quartzo a situação é diferente.
Sua boa seleção, alta esfericidade e arredondamento indicam processos de transporte
naturais que podem estar vinculados, pela evidência apresentada no tópico 5.2.3, a
depósitos paleolagunares. Porém, sua presença na camada preta conjuntamente com
ossos e carvões transportados antropicamente em micromassa polimorfa organo-mineral
não é característica de nenhum processo natural conhecido; portanto, seu transporte
último também teria sido de tipo antrópico.
119
Fig. 31. – Massa basal composta por grãos
de quartzo (q) bem arredondados e
selecionados e fragmentos de osso (o) e
carvão (c) de tamanho variado. T11,
unidade VI, subfácies 3.1. Fotomicrografia
em PPL.
Portanto:
A evidência apresentada pela fração grossa indica que em todas as arqueofácies
estudadas existe uma mistura de componentes naturais, representados pelos grãos de
quartzo, com componentes vinculados à atividade antrópica, representados pelos ossos e
carvões. Sua presença conjunta e misturada no depósito reforça a hipótese de natureza
antrópica para a camada preta, em termos de transporte e deposição de materiais
constituintes.
Microscopicamente os restos arqueofaunísticos apresentaram-se altamente
fragmentados. Esta fragmentação pode estar relacionada à queima ou ao intemperismo
sofridos por estes materiais. O tecido ósseo, no animal ainda vivo, é muito resistente;
porém, os ossos são enfraquecidos tanto na diagênese como na queima (de maneira
instantânea). Principalmente após o ato da queima, a capacidade do osso de resistir à
quebra diminui consideravelmente e o osso fica frágil e altamente fragmentável e
desmanchável (Steiner et al. 1995: 229).
Porém, não é a queima em si mesma o que fragmenta os ossos, mas qualquer
pressão posteriormente exercida sobre seu material já enfraquecido por esta queima. O
pisoteio, por exemplo, provocado pela visita recorrente de populações humanas ao
mesmo local, é uma das causas principais de fragmentação em contextos culturais
(Steiner et al. 1995: 235). Esta ação poderia ser uma das responsáveis pela alta
fragmentação dos restos arqueofaunísticos da camada preta, já que, desde o começo da
sua construção até o momento de abandono do sítio, passaram-se cerca de 500 anos.
120
Durante esse intervalo de tempo, o local foi freqüentemente visitado pelas populações
sambaquieiras. Esta suposição não exclui a possibilidade de a alta fragmentação dever-
se a outros fatores, como o transporte antrópico, por exemplo, já que a fração grossa das
arqueofácies que compõem a camada preta dão evidências de que a deposição destes
materiais envolveu a coleta e o transporte por agentes humanos.
Deste modo:
A alteração térmica (calcinação, carbonização e queima) sofrida pelos restos
arqueofaunísticos, dependente da proximidade dos materiais com a fonte de calor,
provocou sua debilitação estrutural. Este fato facilita a fragmentação dos ossos sob
qualquer tipo de pressão física exercida, que pode haver estado relacionada seja ao
pisoteio sobre a camada preta seja à coleta e transporte antrópico destes materiais até o
local final de deposição.
Além dos fragmentos ósseos, foram também identificados na fração grossa da
camada preta outros resíduos inorgânicos de origem biológica, como fitólitos e
diatomáceas. Compostos de opala (sílica coloidal hidratada, de baixa cristalinidade,
portanto opticamente isótropa), os fitólitos formam-se normalmente dentro de ou entre
as células vegetais, particularmente nos órgãos aéreos das plantas, nos quais a
evaporação é maior. Suas dimensões variam aproximadamente de 10 a 50 µm, em
média. As gramíneas são as espécies que mais fitólitos produzem, porém os fitólitos,
como os grãos de pólen, não apresentam formas características de um táxon, espécie ou
gênero. Cada táxon produz múltiplas formas e formas idênticas são comuns a vários
táxons diferentes (Courty et al. 1989; Brochier 2002).
As diatomáceas são algas unicelulares que possuem esqueleto externo de opala,
podem apresentar simetria radial ou bilateral e assumir diferentes formas. Estes
organismos podem ocorrer tanto em corpos de água como em depósitos sedimentares
(Stoops 2003: 75).
121
Fig. 32. – Fitólitos (esquerda) e diatomáceas (centro e direita) na camada preta. Fotomicrografias em PPL.
Quanto à presença de diatomáceas na camada preta, destaca-se a metade inferior
da unidade VIB (subfácies 3.3) na T10, que apresenta elevada concentração de
fragmentos de osso com tamanho consideravelmente maior que o observado no restante
das lâminas. Essa amostra apresenta alta concentração de frústulas de diatomáceas
aleatoriamente dispostas entre os ossos (fig. 33).
Fig. 33. – Concentração de frústulas de diatomáceas entre restos arqueofaunísticos na arqueofácies 3.3,
T10. Fotomicrografias em PPL.
122
Um componente particular que chama a atenção na fração grossa da camada preta
são os denominados agregados de material silicoso. Estes agregados são incolores sob
luz plano-polarizada e apresentam-se isótropos sob polarizadores cruzados. Tal
comportamento óptico é típico da sílica amorfa, como se viu na descrição dos fitólitos e
diatomáceas. Porém, estes materiais não apresentam morfologia que permita associá-los
a microfósseis ou outros tipos de grãos conhecidos (fig. 34).
Fig. 34. – Agregados de material silicoso na T10, subfácies 3.1, unidade V (esquerda e centro) e
arqueofácies 2, unidade II (direita).
Pela sua textura interna e composição de sílica amorfa, sua origem pode estar
relacionada pelo menos a três componentes do registro: os grãos de quartzo, os fitólitos
ou as diatomáceas. Existem diversas evidências da presença, na camada preta, de
materiais termicamente alterados (carbonizados, calcinados etc.). O quartzo pode sofrer
igualmente os efeitos das altas temperaturas e transformar-se num de seus polimorfos
(opala-A, opala-C, opala-T, cristobalita) inclusive abaixo do ponto de fusão do seu
estado puro caso coexista no depósito com materiais alcalinos, como podem ser os
ossos. A temperaturas normais em fogueiras antrópicas (400-600˚C), o quartzo
permanece inalterado, mas acima dos 800˚C sua alteração pode começar e entre 1000 e
1200ºC, pode já se transformar em opala (Courty et al. 1989; Berna et al. 2007).
Portanto, uma possibilidade para a gênese dos materiais silicosos é a alteração dos grãos
de quartzo produzida pelas altas temperaturas alcançadas nas fogueiras antrópicas.
Situação semelhante pode ter acontecido com os fitólitos e diatomáceas. Estes
materiais, também compostos de sílica amorfa, podem começar a se derreter a partir dos
800ºC, se coexistirem no depósito com ossos. Estas temperaturas podem derreter
concentrações de fitólitos ou diatomáceas e originar assim agregados semelhantes aos
materiais silicosos identificados na camada preta.
123
5.5.3. – Micromassa
Todas as arqueofácies e subfácies identificadas nos perfis das trincheiras 10 e 11
estão constituídas por uma micromassa amorfa misturada com uma micromassa
indiferenciada (criptocristalina) de baixa birrefringência na forma de uma micromassa
polimorfa organo-mineral. Nas arqueofácies 3, subfácies 3.1 e 3.3, esta micromassa é
majoritariamente castanho-amarela, indiferenciada, com manchas preta, amorfas. No
caso das arqueofácies 1 e 2, a micromassa é majoritariamente amorfa, monomorfa e
preta. Já na subfácies 2.1 e na unidade IB da T11, que corresponde a uma mancha cinza
dentro da unidade I (arqueofácies 1), a micromassa é indiferenciada e apresenta cor
cinza amarelado. As características desta micromassa serão discutidas mais adiante.
As diferenças observadas na constituição da micromassa são elementos chave na
caracterização das arqueofácies e subfácies, já que a composição da fração grossa
permanece a mesma ao longo dos perfis. A micromassa polimorfa castanho-amarela
parece ser de natureza fosfática e ocorre misturada com microcarvões e fitólitos;
enquanto isso a micromassa monomorfa preta estaria predominantemente composta por
carvões e microcarvões.
Na diagênse, a fase cristalina que compõe o carvão tende a degradar-se via
oxidação e a converter-se em material semelhante às substancias húmicas (Cohen-Ofri
et al. 2006). Dada a baixa porcentagem de MO na camada preta, as partículas pretas e
amorfas que se observam microscopicamente não estariam associadas aos produtos da
alteração intempérica dos carvões, componente significativo destes sedimentos
arqueológicos. A composição das micromassa estaria relacionada com a presença
relativa de restos carbonizados de plantas e ossos, misturados provavelmente com a
fosfomicrita (fosfato criptocristalino) produzida pela dissolução e reprecipitação da
hidroxiapatita (ver tópico 5.3.3).
Reprecipitada quimicamente como material pós-deposicional autígeno, a
fosfomicrita apresentar-se-ia na forma de micromassa e como feição pedológica
nitidamente separada do material parental (Bullock et al. 1985: 118). Esta fosfomicrita
pode ter sido tanto transportada como formada in situ, embora pela evidência
apresentada pelas concreções (Mazini 2007) a segunda opção pareça a mais provável.
124
Fig. 35. – Seções estratigráficas da T10 e T11 com a localização das arqueofácies e subfácies reconhecidas macroscopicamente e as microarqueofácies e microsubfácies
correspondentes. Fotomicrografias em PPL.
125
Portanto:
A micromassa da camada preta representa uma mistura de material orgânico,
representado pelos carvões e microcarvões, e inorgânico, representado pela
fosfomicrita. O material inorgânico tem a particularidade de haver sido produzido na
diagênese.
5.5.4. – Atividade biológica
A microestrutura predominante em todas as arqueofácies e subfácies é de
agregados intergranulares. Este tipo de microestruturas é freqüente em horizontes A de
solos naturais (Simpson & Barret 1996), que apresentam alto conteúdo orgânico e forte
atividade biológica. A endofauna do solo tem papel fundamental na redistribuição dos
componentes orgânicos e minerais, através da formação de galerias da produção de
excrementos (Babel 1975; Stein 1983). A ação biológica, junto com a percolação da
água, mais intensa nos horizontes superficiais, são os principais responsáveis pela
configuração de microestruturas como as observadas na camada escura.
Cabe ressaltar que os sedimentos arqueológicos, em geral, são particularmente
ricos em termos de atividade biológica relacionada à fauna do solo e às plantas
colonizando o substrato. A ação conjunta destes agentes produz uma combinação de
modificações físicas (homogeneização mecânica) e bioquímicas (decomposição e
degradação da MO) que pode chegar a alterar completamente as características originais
do depósito arqueológico com a passagem do tempo (Courty et al. 1989). Este poderia
ser o caso da camada preta, cuja microestrutura atual pode ser conseqüência de anos de
percolação da água e ação da fauna do solo no seu interior, e não refletiria, portanto, o
arranjo original destes sedimentos no momento da sua deposição.
A ação da fauna do solo não é unicamente identificada pelo arranjo
microestrutural. Os excrementos produzidos por estes organismos constituem feição
pedológica importante para confirmar atividade animal antiga ou atual no depósito. Em
função das características composicionais do solo ou sedimento os organismos que nele
habitam produzirão excrementos que poderão ser fundamentalmente orgânicos,
minerais ou organominerais (Babel 1975; Bullock et al. 1985; Courty et al. 1989).
126
No caso da camada preta, em várias arqueofácies identificaram-se possíveis
excrementos e restos de excrementos produzidos pela fauna do solo. Estes
apresentaram-se majoritariamente na forma de macroexcrementos (dimensão
milimétrica) formados por agregados densos elipsoidais ou mamilados. Sua composição
é essencialmente a mesma do depósito, ou seja, fragmentos de osso, fitólitos e grãos de
quartzo dentro de uma micromassa orgânica e amorfa misturada com uma micromassa
indiferenciada de baixa birrefringência. Não obstante, estes agregados poderiam
também representar peloides delimitados por galerias de bioturação.
Fig. 36. – Imagem de um possível
excremento ou peloide localizado
dentro de um canal. T10, arqueofácies
1. Fotomicrografia em PPL.
Este tipo de alteração biológica pode ser também modificada por processos
pedológicos subseqüentes, da mesma natureza ou não. Os excrementos ou peloides
sofrem um envelhecimento devido ao processo de alteração que resulta na perda da sua
forma original (Bullock et al. 1985). Estes podem se desintegrar pela percolação de
água no sistema ou podem ser ingeridos por outros organismos, sendo re-excretados
com formas diferentes.
As raízes da vegetação que se estabelece no solo ou sedimento altera o arranjo dos
materiais que os compõem, e assim produzem modificações mecânicas semelhantes às
ocasionadas pela fauna. Porém, a ação das raízes é mais lenta que as dos animais (seu
impacto cresce conforme aumenta o diâmetro da raiz) e sua ação nem sempre é
facilmente distinguível da criada por aqueles. A ação das plantas e dos organismos não
se restringe à alteração física do solo. Reações químicas e físico-químicas também são
induzidas pelas substâncias orgânicas produzidas pelas raízes e a atividade bacteriana
127
associada, que resultam na alteração de certos minerais e na criação de novos
complexos organo-minerais (Babel 1975; Courty et al. 1989).
Na camada preta, a presença de raízes foi observada macroscopicamente ao longo
dos dois perfis estudados, com diminuição em quantidade e diâmetro da superfície para
a base.
Fig. 37. – Evidências de atividade biológica na camada preta. As duas fotomicrografias superiores
correspondem a substâncias orgânicas recentes. As fotomicrografias inferiores referem-se a seção
transversal de raiz em PPL (esquerda) e nicóis cruzados (XPL) (direita). As cores de interferência no
interior da raiz correspondem às paredes das células, ricas em celulose (Babel 1975; Bullock et al. 1985).
As substâncias orgânicas caracterizam-se por não apresentar estruturas
microscopicamente definitivas e reconhecíveis. Formam-se pela desintegração de
resíduos de plantas ou pela precipitação de solutos orgânicos ou aglutinação de colóides
(ver fig 38). À diferença das substâncias orgânicas, os restos de plantas são partes
coerentes de tecidos reconhecíveis ao microscópio (Babel 1975: 377). Substâncias
orgânicas foram também identificadas na camada preta, particularmente aquelas
correspondentes a restos de tecidos vegetais, definidos como tal por apresentar mais de
cinco células interconectadas (ver fig 37).
128
Fig. 38. – Restos de tecidos vegetais na camada preta. Superior esquerda: fragmento de epiderme,
provavelmente proveniente do talo (T10, unidade V, subfacies 3.1). Superior direita: fragmento de tecido
indiferenciado (T10, unidade I, arqueofácies I). Inferior esquerda: resto de epiderme, mesofilo e cutícula
(T11, unidade VI, subfácies 3.1). Inferior direita: células enroladas, provavelmente de epiderme de folha
(T11, unidade XII, subfácies 3.1).
5.5.5. – Feições pedológicas
Em todas as arqueofácies e subfácies estudadas, foram identificados os
denominados encobrimentos (coatings). Trata-se de feições pedológicas que recobrem
uma superfície natural (poros, grãos ou agregados) presente no solo. Resultam do
transporte em suspensão de materiais finos, embora não exclusivamente (Stoops 2003).
Estes encobrimentos podem ser cristalinos, criptocristalinos ou amorfos, formados in
situ ou infiltrados.
Na camada preta, estes encobrimentos envolvem os grãos de quartzo, os
fragmentos ósseos e até os agregados de material silicoso total ou parcialmente.
Apresentam-se pendentes ou em cúpula e em dois hábitos diferentes: como material
castanho indiferenciado (criptocristalino), amorfo e mal selecionado, composto por
129
materiais na fração silte (fragmentos ósseos) até argila sem laminação; e como material
indiferenciado, amorfo, de coloração laranja, límpido ou impuro, também sem
laminação.
Em termos gerais, estes encobrimentos apresentam composição semelhante à da
micromassa. A percolação da água no depósito provoca o a lixiviação dos materiais
finos e a dissolução de componentes orgânicos (colágeno, restos paleobotânicos) e
inorgânicos (restos arqueofaunísticos) em função das condições de pH e Eh do
sedimento em questão, como se discutiu no tópico 5.4. Os materiais finos, junto com
aqueles dissolvidos, são transportados pela água ao longo do perfil e acabam se
depositando como encobrimentos que envolvem os materiais da fração grossa.
Aqueles encobrimentos organo-minerais e mal selecionados, poderiam estar
relacionados com este processo. Já aquele recobrimento laranja e indiferenciado,
poderia se tratar de uma neoformação presumivelmente fosfática, como tem se discutido
no tópico 5.4. Recobrimentos criptocristalinos podem resultar tanto da exposição
superficial ao intemperismo como dos processos de dissolução e reprecipitação que
acontecem na profundidade dos perfis. Por isso, esta feição deve ser tomada como
indicador ambíguo de pedogênese e deve ser interpretada com cautela.
Fig. 39. – Encobrimentos em cúpula e pendulares na subfácies 3.1. da T10 (unidade V) (esquerda) e na
T11 (unidade VI), respectivamente. Encobrimento pendular em agregado de material silicoso da subfácies
3.1 na T10 (unidade V).
O segundo tipo de feição pedológica identificada em ambas as trincheiras foram
os denominados nódulos. Os nódulos são feições pedológicas relativamente
equidimensionais não relacionadas a poros ou superfícies naturais (grãos ou agregados)
(Bullock et al. 1985; Stoops 2003). Não obstante, determinar se um nódulo é
efetivamente pedogênico ou se se trata de um elemento herdado nem sempre é fácil.
Caso pedogênico, seria feição pedológica, mas se herdado seria componente da massa
basal. Como esta identificação é ambígua, decidiu-se incluir todos os tipos de nódulos
observados sob a categoria de feições pedológicas (ver tabelas 4 e 5).
130
Os corpos nodulares herdados do material parental ou formados pedogenicamente
em sedimentos derivados de um solo que sofreu processos de transporte, denominam-se
nódulos anórticos. Caracterizam-se pelos limites abruptos e pela massa basal interna
diferenciada, em termos de natureza e arranjo, à do solo ou sedimento no qual se
encontram (Stoops 2003: 117). Este tipo de nódulo foi observado recorrentemente na
camada preta. Sua origem está provavelmente vinculada ao transporte mecânico, por
agentes antrópicos, desde o local original da sua formação.
Fig. 40. – Dois exemplos de nódulos anórticos encontrados nas unidades VI e I da T11 (subfácies 3.1 e
arqueofácies 1, respectivamente). Fotomicrografias em PPL.
Na figura 40, apresentam-se dois exemplos diferentes de nódulos anórticos na
camada preta. A fotomicrografia da direita corresponde a um nódulo anórtico de
composição orgânica, provavelmente produzido por processos pedológicos em outro
local e transportado posteriormente até a camada escura. Na fotomicrografia da
esquerda, a situação é diferente. Este nódulo é composto de fitólitos alongados,
microcarvões e material orgânico fino, marrom claro e polimorfo (ver fig. 41). Pela sua
composição este nódulo parece ter sido formado na camada preta e ter sofrido
deslocamento do seu entorno sedimentar original. Este tipo de situação corresponderia
então com os denominados nódulos disórticos, que se caracterizam por ter limites
abruptos e por terem sido formados in situ, mas deslocados internamente no sedimento.
Porém, os nódulos disórticos freqüentemente são deslocados dentro do horizonte da sua
formação, e neste caso não se pode determinar com absoluta certeza se o nódulo provém
da unidade VI na qual se encontra ou se veio de uma outra localidade dentro do perfil.
131
Fig. 41. – Detalhe da composição
interna do nódulo anórtico observado
na unidade VI, subfácies 3.1. da T11.
Fotomicrografia em PPL.
5.5.6. – Cinzas
Ao analisar-se macroscopicamente a micromassa das arqueofácies e subfácies
identificadas, chamou a atenção um componente cuja identificação aparentava ser
inconfundível e que deveria ter sido igualmente reconhecido no nível microscópico: as
cinzas de madeira. A subfácies 2.1 foi definida em campo precisamente pelo conteúdo
majoritário de cinzas na sua composição, diferentemente da arqueofácies 2, que parecia
ser predominantemente carbonosa. Uma observação semelhante levou à diferenciação
em campo da subfácies 3.1 em relação à arqueofácies 3. Porém, em absolutamente
nenhuma das lâminas analisadas correspondentes a estas subfácies, ou correspondentes
a qualquer outra, conseguiu-se identificar cinzas de madeira ao microscópio.
Para entender melhor as causas deste fenômeno, repassa-se a origem e o processo
de formação das cinzas. As cinzas compõem-se majoritariamente de tecidos de plantas
queimados que podem se apresentar sob a forma de agregados microcristalinos de
carbonato de cálcio, estruturas de sílica inalterada, escória vesicular vitrificada e
material criptocristalino (Canti 2003: 341). O componente majoritário das cinzas são os
agregados microcristalinos (de cristais romboédricos de 10-30µm) denominados de
“pseudomorfos de oxalato de cálcio em calcita” (POCC). Os cristais de oxalato de
cálcio produzem-se normalmente nas plantas, principalmente nas folhas, e são
constituídos de oxalato de cálcio mono-hidratado (whewelita CaC
2
O
4
.H
2
O), ou bi-
hidratado (a weddelita CaC
2
O
4
.2H
2
O). Quando as plantas são queimadas a temperaturas
132
entre 400 e 600ºC, estes cristais são completamente oxidados. Após o resfriamento e a
re-hidratação, absorvem CO
2
da atmosfera e recristalizam em carbonato de cálcio
mantendo as características morfológicas do cristal original, o que resulta nos
denominados POCC. A partir dos 600º C, os POCC transformam-se progressivamente
em cal (Brochier 1983a, 1983b, 2002, Courty 1983; Courty et al. 1989; Courty &
Fedoroff 2002; Canti 2003).
Estes pseudomorfos de oxalato de cálcio são escuros em luz plano-polarizada e
apresentam cor de interferência de primeira a segunda ordem em luz polarizada cruzada
(Courty et al. 1989; Canti 2003). Nenhum atributo óptico que indicaria a presença deste
componente das cinzas vegetais tem sido reconhecido na camada escura em nenhuma
das arqueofácies analisadas, nem na T10 nem na T11.
Porém, outro componente importante das cinzas foi efetivamente identificado ao
longo dos perfis analisados: os fitólitos.
Os fitólitos, por sua composição (opala), resistem às temperaturas moderadas
freqüentemente alcançadas nas fogueiras antrópicas (400-600º C) e tendem a
permanecer nas cinzas quando as plantas são queimadas (Dimbleby 1967; Brochier
2002). Começam a sofrer modificações já a partir dos 600 a 800ºC, portanto a
temperaturas muito mais baixas que as do ponto de fusão da sílica (1713ºC). Isto se
deve ao fato de que a presença de materiais alcalinos nas cinzas ou no depósito onde
está sendo realizada a queima reduz consideravelmente a temperatura de derretimento
da sílica biogênica (Canti 2003). Se as condições químicas de pH são favoráveis,
temperaturas maiores que 800ºC podem acabar derretendo os esqueletos silicosos dos
fitólitos, transformando-os em massa amorfa esponjosa de porosidade vesicular (Courty
et al. 1989; Courty & Fedoroff 2002).
A presença conjunta de CaCO
3
(POCC) e restos silicosos (fitólitos ou escória
vítrea produzida pelo derretimento da sílica biogênica) permite reconhecer a existência
de cinzas num depósito. Ambos componentes podem aparecer com cor cinza ou
marrom, sob luz plano-polarizada, em virtude de contaminação por carbono não
queimado (Courty et al. 1989; Stoops 2003). Porém, os POCC são birrefringntes a
polarizadores cruzados, enquanto os fitólitos são totalmente isótropos. Ambos
conformam o componente principal das cinzas.
Porém, quando a percolação de água é intensa num depósito, com a passagem do
tempo o único resíduo das cinzas que pode sobreviver são os materiais com taxas de
dissolução ínfimas na escala arqueológica, microcarvões, óxidos de Fe e outros minerais
133
queimados junto com a planta (Canti 2003). Assim, os microcarvões, geneticamente
associados aos POCC e aos fitólitos, representam o tipo mais comum de partícula
sedimentar antrópica resultado da queima de restos vegetais (Brochier 2002: 457) por
terem maior resistência aos processos de intemperismo; de fato, a camada preta é
especialmente rica nestes materiais.
Portanto, os vários componentes das cinzas têm solubilidades diversas e lixiviam-
se diferencialmente nos sítios a céu aberto. Os primeiros a lixiviar são sempre os
carbonatos e hidróxidos de sódio e potássio, seguidos pelos CaCO
3
e finalmente pelos
restos silicosos. A velocidade deste processo depende principalmente das condições de
pH do depósito. Em condições alcalinas, como depósitos ricos em calcita por exemplo,
a sílica dissolve rapidamente enquanto permanecer rodeada de CaCO
3
. Pelo contrário,
em condições ácidas, todo o CaCO
3
é facilmente dissolvido e os componentes silicosos
derivados das cinzas são os que permanecerão por mais tempo no depósito (Etiegni &
Campbell 1991; Schiegl et al. 1996; 1996; Canti 2003).
A ausência dos pseudomorfos de oxalato de cálcio na camada preta pode estar
relacionada a dois elementos chave: a possível dissolução sofrida pelos POCC, muito
sensíveis à remoção pela água dada sua fina granulação (nesse caso eles podem
reprecipitar em outro lugar no perfil) (Brochier et al. 1992; Schiegl et al. 1994; 1996;
Karkanas et al. 2000; Brochier 2002; Weiner et al. 2002); ou o fato de que as cinzas de
gramíneas são ricas em Si e pobres em Ca e não contêm nenhum POCC na sua
composição, ao contrário das cinzas de madeira, ricas em Ca e pobres em Si (Canti
2003: 357).
Uma arqueofácies cinzenta, como as subfácies 2.1 e 3.1 junto com a unidade IA,
onde os cristais de POCC estão ausentes, pode resultar não da queima de madeira e sim
da queima de gramíneas. De fato, grande parte dos fitólitos identificados na análise
micromorfológica corresponde a fitolitos da epiderme de gramíneas, que se encontram
misturados numa micromassa castanho-amarela. As cinzas produzidas pela queima de
gramíneas são consideravelmente menos homogêneas que aquelas derivadas da queima
de madeira. Em luz plano-polarizada, costumam apresentar micromassa fosfática
marrom amarelada com altas quantidades de fitólitos; a altas temperaturas (maiores que
600˚C) quando toda a matéria orgânica é destruída, estas cinzas consistem unicamente
em resíduos silicosos branco acinzentados (Courty et al. 1989). Ambas as situações
foram efetivamente observadas na camada preta, principalmente na subfácies 3.1 e na
unidade IB.
134
Porém, deve se levar em consideração que a presença de fitólitos num depósito
não necessariamente indica a queima de materiais vegetais, como seria o caso dos
carvões, microcarvões, POCC e escória vítrea. Os fitólitos podem estar igualmente
representando a fração mais resistente à degradação intempérica dos materiais vegetais
no depósito. No caso da camada preta, seria a associação constante no perfil de fitólitos
de gramíneas com carvões, microcarvões e escória vítrea o que aponta à interpretação
da queima de gramíneas como uma atividade recorrente. Não obstante, isto não significa
que parte destes esqueletos silícios seja efetivamente o remanescente de espécies
vegetais decompostas.
Fig. 42. – Exemplo de escória vítrea (glassy slag) na unidade IA (superior esquerda). A formação desta
escória vítrea é um fenômeno de pequena escala que costuma acontecer na zona de maior temperatura de
uma fogueira. As três fotografias restantes mostram restos de sílica derivados de plantas na subfácies 3.1
(unidade VI) da T11.
135
Portanto:
Na camada preta existem evidências de queima de gramíneas como atividade
recorrente ao longo da sua construção. Os restos de sílica derivados da queima de
gramíneas estão mais conspicuamente representados nas subfácies 2.1 e 3.1,
identificadas em campo pelo seu conteúdo majoritário de cinzas.
Porém, na camada preta os carvões de madeira constituem um componente
constante nestes sedimentos arqueológicos, e representam uma inconfundível evidência
de que fibras de madeira estavam sendo efetivamente queimadas no local. Portanto, o
que aconteceu com os POCC associados à queima da madeira?
Fig. 43. – Variação da solubilidade da sílica com pH
a 25 º C. A linha sólida representa a solubilidade da
sílica amorfa (opala) determinada
experimentalmente. A linha pontuada representa a
solubilidade calculada do quartzo. Adaptado de
Karkanas et al. (2000: 924).
Na figura 43, pode-se observar como a
opala é praticamente insolúvel a pH ácido,
especialmente entre 6 e 7, e é dissolvida
rapidamente quando o pH se torna alcalino
(maior que 8,5). Ambientes ricos em cinzas
frescas de madeira (altamente alcalinas, pH
entre 9,0 e 13) oferecem condições
favoráveis para a dissolução da sílica e para a preservação dos POCC no depósito.
Atualmente a camada preta apresenta valores de pH neutros a ácidos e sua alta
porosidade favorece a percolação de água e a intensa lixiviação de solutos. A presença
exclusiva de fitólitos e microcarvões, junto com a evidência apresentada no tópico 5.4
sobre a formação de apatita autígena na camada escura, constituem indícios indiretos
para inferir que as condições hidrológicas e de pH do depósito no passado teriam sido
semelhantes ou inclusive mais ácidas que às atuais. Um regime hidrológico intenso
junto com pH neutro a ácido teria favorecido a dissolução da hidroxiapatita dos ossos e
sua reprecipitação em apatita autígena no depósito arqueológico. Da mesma maneira,
estas condições particulares beneficiaram a dissolução ou a lixiviação dos POCC até
outra locação no perfil.
136
Como na camada preta existem evidências de queima tanto de gramíneas como de
madeira, ambos os tipos de cinzas devem ter estado presentes originalmente no
depósito. Devido às condições de pH provavelmente baixo e de intensa percolação por
água, os únicos sobreviventes da queima foram os carvões e microcarvões junto com as
cinzas de gramíneas, representadas pelos fitólitos característicos desta espécie vegetal.
Neste tipo de condições intempéricas/pedogenéticas, os cristais de calcita podem ser
totalmente dissolvidos, deixando unicamente uma micromassa indiferenciada, amarela e
fosfática, junto com os fragmentos de carvão. Não obstante, esta hipótese não permite
descartar a possibilidade de encontrar-se efetivamente POCC, ou uma reprecipitação
mais fina deste material, formando agregados micríticos em outras áreas do sítio, onde
as condições possam ter sido mais favoráveis à sua preservação.
Uma outra possibilidade pode explicar a ausência dos POCC na camada escura.
Em contextos de cavernas, tem sido relatada a alteração da calcita derivada das cinzas
em minerais de fosfato. Especificamente, a solução fosfática derivada da dissolução do
mineral dos ossos reprecipitaria ao entrar em contato com o carbonato de cálcio das
cinzas em hidroxiapatita carbonatada (antiga “dahlita”) (Goldberg & Nathan 1975;
Schiegl et al. 1996; Karkanas et al. 2000; Weiner et al. 2002). Ao microscópio óptico, a
hidroxiapatita carbonatada é de cor amarela âmbar, tornando-se isótropa e
indiferenciada a polarizadores cruzados. Este mineral é formado essencialmente por P e
Ca, com quantidades menores de Si, K, Al, Fe e Mg (Schiegl et al. 1996).
Novamente, as condições de pH são as que ditam a alteração da calcita em apatita,
assim como as quantidades de fósforo em solução. Não obstante, a concentração de
fosfato requerida para converter calcita em apatita é relativamente baixa a qualquer
valor de pH, mas para que esta reação seja continua o suplemento de fósforo deve ser
consideravelmente alto (fig. 45) (Karkanas et al. 2000).
137
Fig. 44. – Condições limites para a alteração de
calcita (C) em hidroxiapatita (HA) e apatita
flúor-carbonatada (FCA) segundo Nriagu
(1976) e Veillard et al. (1979). Adaptado de
Karkanas et al. (2000: 922).
Se os ossos são depositados junto com a calcita, como ocorre quando se associam
a cinzas de madeira, então devem permanecer estáveis enquanto a calcita se mantiver
presente, não dissolvida (Berna et al. 2004). Quando as condições são favoráveis para a
dissolução tanto de calcita como de apatita, então o fosfato entra na solução intersticial
do sedimento e pode se combinar com a calcita ainda não dissolvida para recristalizar
em apatita carbonatada neoformada.
Não obstante, situações deste tipo têm sido estudadas unicamente em sítios em
cavernas, onde o próprio substrato é rico em minerais carbonáticos autóctones de
origem ortoquímica, aos quais são adicionados os restos arqueofaunísticos e os POCC.
Em sítios a céu aberto compostos por sedimentos arqueológicos antropicamente
transportados, não se dispõe de estudos que permitam confirmar este tipo de situação.
Deste modo, estudos mais aprofundados sobre a mineralogia da camada preta poderão
esclarecer os dados que neste trabalho se apresentam como mera hipótese.
Portanto, agrupando os múltiplos elementos do registro microscópico que foram
discutidos ao longo deste tópico, pode se chegar à seguinte conclusão:
A camada escura representa um sedimento arqueológico conformado
majoritariamente por uma remobilização de elementos termicamente alterados, e não
por materiais queimados in situ.
138
5.5.7. – Diatomáceas
Durante a análise das secções delgadas das arqueofácies das trincheiras 10 e 11
foram identificadas diversas espécies de diatomáceas. Com o intuito de aprofundar na
identificação das diferentes espécies que estão representadas na camada preta foram
elaboradas lâminas especiais para tal análise. A doutoranda Paula Amaral do Instituto
de Geociências (IGc/USP) auxiliou na confecção das lâminas e realizou a identificação
de espécies ao microscópio óptico.
Foi elaborada uma lâmina por trincheira, correspondente à arqueofacies 3 (unidade
III) na T10 e à subfácies 3.1 (unidade VIII) na T11. As figuras 45 y 46 apresentam as
diversas espécies identificadas.
Fig. 45. – Espécies de diatomáceas identificadas na T10 e T11.
139
Fig. 46. – Espécies de diatomáceas identificadas na T10 e T11.
A grande maioria das espécies identificadas na camada preta correspondem com
espécies que habitam ambientes marinhos litorais e estuarinos, toleram variações na
salinidade das águas e são cosmopolitas. Exemplo destas espécies são Actinoptychus
vulgaris, Plagiogramma interruptum, Plagiogramma gregorium, Diploneis smithii,
Cyclotella striata, Grammatophora oceânica, Nitzschia compressa, Cocconeis
placentula. Já as espécies Rhopalodia gibberula, Eunotia paraerupta e Hantzschia
140
amphioxys são espécies de água doce ou levemente salobras com alta tolerância a
variações na temperatura das águas.
As lâminas de diatomáceas realizada neste trabalho foram exclusivamente para
identificação das espécies presentes no depósito. O caráter expeditivo deste estudo
somente permitiu corroborar que a assembléia de diatomáceas observada na camada
preta é coerente com o ambiente de localização do sítio, embora sua presença no
depósito arqueológico não se deva a processos de transporte naturais. Estudos mais
sistemáticos que combinem uma amostragem completa nos perfis com a quantificação
das diversas espécies identificadas, permitirão inferir o verdadeiro valor interpretativo
destes organismos.
5.6. – Microscopia Eletrônica de Varredura
Nas figuras 47, 48, 49 e 50, apresentam-se as imagens obtidas com o sensor de
elétrons retroespalhados das diferentes seções e amostras brutas analisadas. Os números
assinalados nas imagens indicam a localização dos pontos submetidos à análise com o
EED.
A análise química semiquantitativa realizada a partir das imagens das figuras 47,
48 e 49 permitiu determinar que na composição aproximada dos restos
arqueofaunísticos da camada escura predominam Ca (~20%), C (~15%), O (~30%), P
(~10%), Si (~1%) (porcentagens em massa), com quantidades menores de Na, Mg e Fe.
Isto indica que vários dos componentes característicos dos ossos já não formam mais
parte da sua composição atual, como o K, Mn, Sr, entre outros. Isto pode ser resultado
da queima destes materiais ou das alterações intempéricas sofridas com o decorrer do
tempo no depósito.
A micromassa preta, monomorfa e amorfa (fig. 48 e 49) mostrou-se composta
majoritariamente de C (~50%), O (~30%), Si (~10%) e Ca (~2%), com concentrações
menores que 1% de Na, Mg, K e Fe, em ordem decrescente. Isso confirma sua
composição predominantemente carbonosa, embora também apresente uma mistura
com outros materiais que aportam em menor magnitude os diversos elementos
identificados.
141
Já a micromassa castanho-amarela, polimorfa e indiferenciada (fig. 50),
previamente descrita como de natureza fosfática confirmou estar composta basicamente
de P e Ca, com teores menores de Mn, Mg, Si, Na, Fe, Cl e Al. Porém, a mesma
apresentou uma composição dominada por uma forte mistura de materiais até na escala
micrométrica.
Fig. 47. – Fotomicrografias obtidas com sensor de elétrons secundários nas superfícies de fragmentos de
carvão (esquerda) e da superfície de um fragmento de osso (espinha) (direita) recuperados da camada
preta.
Fig. 48. – Imagem obtida com o sensor de elétrons retroespalhados (QSBD) da arqueofácies 2, T10. Os
números 1 e 4 correspondem à resina e ao bálsamo utilizados na laminação; 2 e 3 correspondem à
micromassa preta monomorfa amorfa; 5 é grão de quartzo com fragmentação produzida provavelmente
durante a laminação; 6 e 7 são fragmentos de osso.
142
Fig. 49. – Imagem obtida com o sensor de elétrons retroespalhados na subfácies 2.1, T11. O ponto 1
corresponde a fragmento de osso, 3 e 5 à micromassa preta, monomorfa, amorfa, e 4 a grão de quartzo.
Fig. 50. – Imagem obtida com o sensor de elétrons retroespalhados na arqueofácies 1, T10. Os três pontos
assinalados correspondem à micromassa castanho-amarela polimorfa indiferenciada.
143
CAPÍTULO VI: CONCLUSÕES
144
O objetivo teórico deste trabalho resultou no estabelecimento de um método de
estudo arqueoestratigráfico que permite extrair da seqüência vertical informações
relativas aos processos de formação de sítio. Embora derivado da geoarqueologia,
subdisciplina tradicionalmente associada aos processos naturais de alteração do registro
arqueológico, este método não se limita ao estudo dos aspectos pós-deposicionais, mas
pretende igualmente ingressar no contexto sistêmico para inferir comportamentos
deposicionais.
O eixo principal do método é a definição das denominadas arqueofácies,
materialização da ação conjunta de processos antrópicos e naturais vinculados a
comunidades passadas. As arqueofacies podem ser consideradas ferramentas para a
descrição e interpretação do registro arqueológico. A análise de arqueofácies definida
envolve três etapas fundamentais: descrição detalhada em campo dos atributos das
unidades arqueoestratigráficas identificadas no perfil (com base em critérios como
composição, geometria externa, estruturas internas, conteúdo orgânico, componentes
antrópicos); caracterização no laboratório das suas propriedades físicas, químicas,
mineralógicas, micromorfológicas, micropaleontológicas etc.; e respectiva
interpretação, em termos de processos naturais, deposição cultural e comportamentos
humanos.
Neste trabalho, a análise de arqueofácies foi utilizada no estudo dos processos de
formação do sambaqui Jabuticabeira II, interpretado como um sítio cemitério
caracterizado por envolver uma dinâmica construtiva materializada por dois corpos
arqueossedimentares sucessivos no tempo: a camada conchífera e a camada preta. A
camada preta, objeto deste trabalho, representaria uma modificação na escolha dos
materiais construtivos associados ao ritual funerário.
Desde o começo das investigações no sítio Jabuticabeira II, a camada preta não
tem sido alvo principal das pesquisas, e os conhecimentos que até o momento se tinham
deste fenômeno de deposição cultural eram sobretudo interpretativos e baseados
exclusivamente em aspectos macroscópicos. Com este projeto de mestrado, da-se
continuidade aos estudos recentemente desenvolvidos na camada preta (Nishida 2007),
com vistas a aprofundar-se no conhecimento e na interpretação deste complexo corpo
arqueossedimentar. A partir da aplicação da análise de arqueofácies desenhada,
ampliaram-se consideravelmente as informações que se tinham da camada preta e
contribuiu-se com interpretações que confirmam antigas suposições, ao mesmo tempo
que redirecionam os olhares.
145
As arqueofácies definidas neste trabalho corresponderiam com o que Orquera &
Piana (1992) chamam de “fases de formação” dos sítios concheiros, cuja definição é a
seguinte:
“/…/ cada conjunto de cuasi-unidades de depositación que muestra algunas
características predominantes de composición, continuidad estratigráfica (no
interrumpida por hiatos marcados) y recurrencia en su localización dentro del sitio
(1992: 34)
Descrição, classificação e caracterização de arqueofácies e subfácies permitiram
identificar processos naturais e antrópicos envolvidos na formação destes sedimentos
arqueológicos, assim como estabelecer similaridades e diferenças entre as arqueofácies
que, a partir do arranjo espacial das mesmas, possibilitam a interpretação na seqüência
vertical de associações de arqueofácies. Estas associações expressam a mudança ou
permanência de arqueofácies em termos de eventos que podem estar relacionados com o
grau de preservação do estado de deposição inicial, ou que podem corresponder ou não
a uma mesma dinâmica deposicional.
6.1. – Síntese das informações descritivas
Múltiplas linhas de evidências foram trabalhadas na análise de arqueofácies para
oferecer uma interpretação completa dos fenômenos que envolve a camada preta. Estas
diferentes linhas de evidências, incorporadas nas várias análises estipuladas para a
caracterização de arqueofácies, ofereceram um conjunto de inferências vinculadas com
a dinâmica antrópico-natural deste corpo arqueossedimentar.
Numa primeira abordagem macroscópica visual das arqueofácies que compõem a
camada preta, tal como se apresenta nas trincheiras 10 e 11, podem-se observar
diferenças relacionadas principalmente à coloração e a composição dos sedimentos, que
permitiram a distinção de cinco arqueofácies e três subfácies. Quanto à composição das
arqueofácies e subfácies identificadas, a caracterização posterior permitiu reconhecer
um conjunto de componentes comuns a ambas as seções verticais estudadas. A camada
preta foi então particularizada como combinação de componentes de caráter natural,
representado pelas areias terrígenas quartzosas, e componentes vinculados a atividades
146
culturais, representados pelos restos arqueofaunísticos e carvões. Tanto as análises
granulométricas como as análises químicas e micromorfológicas respaldaram esta
identificação.
As areias quartzosas representam mais de 50% da composição destes sedimentos
arqueológicos e sua origem estaria vinculada a depósitos paleolagunares como os que
caracterizam a área de localização do sítio. Suas características texturais indicam um
tipo de transporte que não corresponde ao dos demais elementos da fração grossa. Ossos
e carvões parecem não ter sofrido qualquer tipo de transporte por agentes naturais e sua
presença conjunta no depósito antrópico, junto com as areias paleolagunares, indica que
todos estes elementos foram depositados pelo mesmo agente de natureza antrópica.
A relação genética entre os sedimentos paleolagunares e a camada escura, inferida
na base de critérios texturais e de cor, demonstrou não ser tão direta. A maior
semelhança que estes sedimentos arqueológicos guardam com a paleolaguna refere-se
às areias terrígenas quartzosas que contêm e a textura delas. Quanto a outros
componentes dos sedimentos paleolagunares, filossilicatos e MO, o vinculo com estes
sedimentos naturais torna-se menos evidente. A ausência ou o baixa quantidade de
filossilicatos registrada atualmente na camada preta, pode estar ligada à lavagem que
estes minerais sofreram. Igualmente, os baixos teores de MO dos sedimentos
arqueológicos, que muito contrastam com os valores nos sedimentos paleolagunares,
podem se dever ao mesmo processo de lavagem.
Ossos e carvões têm a particularidade de estar representados em quase a totalidade
das frações granulométricas da camada escura, desde cascalho até argila. Os
microcarvões presentes em todas as arqueofácies estão relacionados à queima de
madeira e aos fragmentos microscópicos de ossos carbonizados, e perfazem parte
importante da micromassa da camada preta. A presença de apatita na fração argila está
vinculada com a reprecipitação do fosfato dissolvido nos ossos, na forma de
fosfomicrita autígena, fenômeno favorecido pelas condições de pH e regime hidrológico
do depósito.
Os restos arqueofaunísticos, componente mais conspícuo da camada preta, foram
expostos à ação direta do fogo uma vez consumida sua carne até alcançar, em vários
casos, o estado de carbonização e calcinação. Este grau de alteração térmica é atingido
nos ossos de peixe a temperaturas maiores que 300ºC e só através da proximidade
imediata com a fonte de calor. Portanto, estes resíduos alimentícios teriam sido
147
intencionalmente queimados o que favoreceu sua debilitação estrutural e a alta
fragmentação sofrida pelo transporte antrópico ou pelo pisoteio após a depositação.
Os materiais vegetais, longamente relegados a segundo plano nas pesquisas
arqueológicas, demonstraram-se altamente representados na camada preta. Na forma de
carvões, microcarvões, fitólitos, escória vítrea etc., estes resíduos vinculados à queima
de plantas são imperceptíveis a olho nu, mas surpreendentemente conspícuos na escala
microscópica. A queima de madeira e gramíneas foi aparentemente uma atividade
recorrente ao longo da construção da camada preta. Seus resíduos acham-se
entremisturados com os restos faunísticos e os grãos de quartzo, que ao mesmo tempo
também apresentam evidências de terem sofrido a ação do aquecimento, certamente por
fogueiras antrópicas.
Os carvões e microcarvões associados à queima de madeiras podem-se vincular à
utilização deste material vegetal como combustível para as fogueiras, assim como
aqueima de gramíneas. Não obstante, a presença de gramíneas pode também indicar sua
exploração como recurso alimentício por parte estas populações, ou uma possível
atividade de fabricação de cestos e tecidos a partir do uso de fibras vegetais.
Diferentemente da escória vítrea, a presença de fitólitos não está unicamente
relacionada ao aquecimento de materiais vegetais. Grande parte destes esqueletos
silicosos pode representar os restos resistentes de materiais vegetais degradados
naturalmente no depósito, e não necessariamente queimados.
Os fitólitos são um componente de destaque na camada preta. Como as gramíneas
são grandes produtoras de fitólitos, as formas correspondentes a esta família foram as
mais claramente identificadas na seção delgada. Porém, as lâminas de diatomáceas
evidenciaram igualmente a presença de uma variedade ainda maior de formas.
Considera-se de importância primordial a realização de um estudo específico destes
materiais silicosos na camada preta que contemple a quantificação e a identificação dos
diferentes tipos de fitólitos existentes. Um estudo dessa natureza fornecerá informações
importantes sobre a exploração de recursos vegetais por parte das populações
sambaquieiras, tanto como matérias primas na produção de bens de uso, como com fins
de consumo.
Materiais vinculados com atividades humanas são constantes ao longo das seções
verticais trabalhadas. Sua proporção relativa nas arqueofácies e subfácies identificadas
estaria vinculada a comportamentos deposicionais diferenciais na construção deste
148
corpo arqueossedimentar, vinculados as proporções de restos arqueofaunísticos e
carvões.
Estas diferenças estariam vinculadas a comportamentos deposicionais e não a
processos pós-deposicionais naturais (pedogênicos), e referem principalmente á
composição da micromassa. Porém, o fato de as alterações pedogênicas se apresentarem
em proporção relativamente constante na camada escura, da base até o topo, sugere que:
a pedogênese afetou equitativamente à totalidade do depósito uma vez constituído como
tal; ou não existiram hiatos temporais longos entre a deposição das diferentes
arqueofácies que possam ter motivado uma pedogênese diferencial entre os episódios
deposicionais.
Dada a natureza antrópica da camada preta, em termos de transporte e deposição,
tanto os encobrimentos, como os nódulos anórticos e até parte dos possíveis
excrementos identificados podem ser também elementos herdados e não exclusivamente
desenvolvidos no local. Porém, no caso dos encobrimentos, grande parte deles
apresenta-se em cúpula ou em pendulo o que sugere sua formação efetivamente in situ.
Já os nódulos anórticos parecem mesmo ser elementos herdados.
6.2. – Depósitos secundários e terciários
Vários dos atributos micromorfológicos identificados na camada preta permitem
associar estes sedimentos arqueológicos com aqueles provenientes de depósitos de
descarte secundário (sensu Schiffer 1972, 1983, 1987). O conceito de depósitos ou
sedimentos secundários representa uma extrapolação, para o registro arqueossedimentar,
das propostas de Schiffer para o descarte de restos artefatuais. O descarte, término de
vida de uso de um elemento, é um tipo de deposição cultural que pode ser: primária,
quando o material foi descartado na sua locação de uso; secundária, quando foi
descartado em locação diferente da de uso; terciária, quando removido de áreas de
descarte secundário, para reutilização; ou defacto, quando chega ao contexto
arqueológico sem ter sido intencionalmente descartado. Os descartes secundário e
terciário envolvem necessariamente o transporte prévio ao abandono do elemento
149
descartado dentro do contexto sistêmico, enquanto o descarte primário é realizado in
situ e está principalmente relacionado com atividades de subsistência.
Os comportamentos deposicionais relacionados com o descarte e o abandono
foram longamente considerados obscurecedores do registro arqueológico. Porém, o
descarte constitui atividade humana fundamental na dinâmica social (La Motta &
Schiffer 2002). O estudo do descarte que se deriva da análise da camada preta, assim
como de outro tipo de deposição cultural, constitui ferramenta valiosa para o estudo dos
sistemas comportamentais e organizacionais das sociedades sambaquieiras.
Depósitos ou sedimentos secundários caracterizam-se por apresentar
microestruturas com microagregados intergranulares, padrão de empacotamento
complexo e componentes distribuídos aleatoriamente, provavelmente resultado da
alteração dos materiais grossos e finos durante a coleta, a deposição e a separação
enquanto os materiais caem ao solo (Matthews et al. 1997: 289). As áreas de deposição
secundária apresentam, em contraste às áreas intensamente usadas, alta concentração de
materiais e baixa intensidade de pisoteio (Schiffer 1987: 126), o que se reflete
micromorfologicamente nas características anteriormente citadas.
As superfícies de pisoteio ou ocupação caracterizam-se precisamente como finas
lentes com microestruturas densas e materiais orientados linearmente e distribuídos
paralelamente em relação ao substrato (Goldberg & Whitbread 1993: 166; Matthews et
al. 1997: 289). Tais situações não foram observadas nas seções delgadas da camada
preta, porém, isso não permite descartar sua existência, já que a camada preta apresenta
evidências de efeitos de agentes intempéricos, os quais podem ter alterado o registro
destas superfícies de compactação diferencial.
Os middens são o tipo de depósito secundário identificado na literatura que guarda
maiores semelhanças com o observado na camada preta. Trata-se de depósitos
formalizados de rejeitos das atividades cotidianas (Beck & Hill 2004: 305), que tomam
a forma de um montículo ou camada espessa rica em restos orgânicos e restos não
comestíveis de alimentos (Courty et al. 1989: 118). Needham e Spence (1997: 80)
definem os middens como depósitos de ocupação ricos em detritos com evidências de
acumulação deliberada e seqüencial de restos num lugar único. Esta definição é similar
àquela de Wilson (1994: 44), que define o midden como um agregado de restos
secundários ou depósitos localizados de alta densidade, que aparecem como resultado
de uma deposição formalizada. Este tipo de depósito caracteriza-se por apresentar tanto
macroscópica como microscopicamente maior conteúdo de ossos, conchas, carvão,
150
matéria orgânica decomposta, fosfatos (Goldberg & Whitbread 1992), entre outros
componentes derivados dos resíduos cotidianos das populações, todos sem orientação
tridimensional preferencial.
Em seção delgada, este tipo de depósito apresenta fragmentos de conchas e ossos
dispersos, pobremente empacotados, junto com agregados que misturam material
mineral e orgânico. Esta associação de elementos, a angulosidade dos fragmentos, o
empacotamento aberto e alta porosidade do depósito permitem separar os middens de
assembléias naturais (Courty et al. 1989: 118).
Todas as características descritas anteriormente para depósitos secundários de tipo
midden observam-se na camada preta como um todo (incluindo as diferentes
arqueofácies e subfácies), inclusive sua composição por lentes correspondentes a
episódios de discretos de deposição de materiais queimados (Matthews et al. 1997). Os
atributos microscópicos típicos de middens observam-se nas seções delgadas de todas as
arqueofácies estudadas, o que sugere que a camada preta poderia tratar-se efetivamente
de depósito de este tipo.
Porém, deve-se advertir que o uso do termo midden não resulta apropriado neste
contexto, já que enfatiza principalmente o valor material do depósito para a subsistência
e tende a mascarar assim o aspecto simbólico da construção na vida cultural das
sociedades sambaquieiras. Além disso, falar de middens para referir-se a sambaquis
retrocede as investigações deste fenômeno arqueológico às interpretações de começos
do século XX, quando se considerava os sambaquis como simples acúmulos de rejeitos
alimentícios.
Figuti e Klokler (1996), ao inferir que as camadas de moluscos são produto de
uma intenção explícita de construção dos sambaquis, já haviam oposto que estes sítios
entrariam na categoria de shell bearing habitation site (Widmer 1989 em Claasen
1991). Este tipo de sítio compõe-se principalmente, mas não exclusivamente, por restos
de moluscos, que podem ou não ter sido utilizados originalmente como alimento, mas
cujo emprego final é para fins arquitetônicos. Essa categoria de sítio, proposta para os
sambaquis de composição predominantemente conchífera, pode ser igualmente aplicada
à camada preta, rica em restos arqueofaunísticos.
Igualmente, dois elementos fundamentais na constituição da camada preta
impedem associar diretamente estes sedimentos a depósitos de tipo midden: a alta
densidade de sepultamentos humanos e a dinâmica construtiva, proposta para o
levantamento da camada preta, isto é, sobreposição de pequenos montículos
151
estratificados que cobriam, diacrônica ou sincronicamente, diferentes sepultamentos
(Klokler & Gaspar 2004; Bendazzoli 2007; Nishida 2007).
Deste modo, as evidências macro e microscópica induzem à interpretação da
camada preta como um depósito de descarte secundário não meramente associado ao
rejeito de objetos comestíveis. A análise das diferenças observadas entre as arqueofácies
pode auxiliar na explicação desta questão. As principais diferenças vinculam-se com
variações na concentração de restos faunísticos, carvão e cinzas.
A maior porcentagem de ossos é encontrada nas arqueofácies 3 e subfácies 3.1,
que se intercalam com as arqueofácies 2 e subfácies 2.1. Estas últimas, por sua vez,
apresentam ossos, não somente em menor quantidade mas mais carbonizados e
calcinados. A concentração diferencial de ossos também se reflete nos teores de fósforo
e cálcio, maiores na arqueofácies 3 e subfácies 3.1. que na arqueofácies 2 e subfácies
2.1.
As evidências de queima em ossos, junto com a alta concentração de carvão e
cinzas, poderia indicar duas situações possíveis: que os materiais foram queimados in
situ após sua deposição; ou que correspondem aos restos de antigas fogueiras acesas
para o cozimento de alimentos, cujos resíduos foram posteriormente arrojados no local.
Se a queima tivesse sido realizada in situ, então a intensidade da temperatura
necessária para a calcinação e carbonização dos ossos, assim como para a formação de
carvões e cinzas, teria atingido e alterado também os estratos imediatamente inferiores.
Isto é assim já que incêndios ou fogueiras em superfície podem alcançar até 5 cm de
profundidade formando um gradiente de alteração dentro do sedimento. Desse modo,
ter-se-iam unidades lenticulares ricas em ossos completamente calcinados e
carbonizados cujo grau de queima diminuiria conforme aumentasse a distância lateral e
vertical do epicentro da fogueira.
As fogueiras são identificadas em campo por apresentar formas arredondadas a
ovaladas na seção horizontal, com 40 a 60 cm de diâmetro, ou por mostrar formas
lenticulares na seção vertical, com espessuras que vão de alguns milímetros até dezenas
de centímetros no máximo. Reconhecem-se também pela sua coloração diferencial em
relação aos sedimentos adjacentes, geralmente com materiais brancos ou cinza claro no
topo, uma camada preta ou castanho escura rica em carvão e um substrato de
sedimentos avermelhados (Schiegl et al.1994; 1996; Weiner et al. 2002).
Esta situação de fato se observa próximo à base da T11, onde os restos de fogueira
são claramente identificados tanto na seção vertical como na exposição horizontal (fig.
152
51). Essa fogueira corresponde com à arqueofácies 4 (unidade XIII), lenticular, rígida e
rica em carvão e ossos totalmente carbonizados. Esta antiga fogueira in situ
efetivamente teria afetado os sedimentos da unidade inferior (unidade XIV,
arqueofácies 5), tanto como resultado do calor em superfície como pelo intemperismo
diferencial posterior induzido pela presença de seus restos.
Fig. 51. – Fogueira na T11, arqueofácies 4 (unidade XIII). Note-se
a forma clara e arredondada da fogueira e sua associação com o
sepultamento 139, imediatamente abaixo. Fotos: Paula Nishida.
Nas arqueofácies e subfácies restantes não foram
observadas evidências deste tipo nem na seção vertical
nem na exposição horizontal. Além disso, elas
apresentam misturas de materiais com diversos graus de
queima, dentro de matrizes que compreendem
micromassas fosfáticas e carbonosas, intercaladas e
com limites geralmente abruptos entre si. Esta situação
é observada tanto na T11 como na T10.
As diferentes unidades arqueossedimentares que
compõem ambas as trincheiras conformariam uma
seqüência de episódios deposicionais discretos, dada
sua micromassa diferencial, os contatos diretos e as
evidências de processos pedogênicos. A presença de várias das arqueofácies em ambos
os perfis indica a extensão espacial destes episódios construtivos.
Pelo arranjo, distribuição aleatória e mistura de materiais com diversos graus de
alteração térmica, a queima dos componentes macro e microscópicos da camada escura
não teria sido produzida in situ (exceto na arqueofácies 4), mas numa locação diferente
da deposição final. Assim, os episódios deposicionais representados pelas diferentes
arqueofácies, embora ricos em materiais queimados, compreenderiam momentos
distintos de remobilização de elementos termicamente alterados.
A repetição intercalada das arqueofácies ao longo dos perfis e seu hábito de
recobrimento de sepultamentos humanos está relacionada com uma intencionalidade
construtiva diferencial, e não simplesmente com o descarte de resíduos alimentares em
depósitos de descarte secundário. A associação de arqueofácies que representam estaria
153
refletindo a dinâmica de ocupação e construção da camada preta, caracterizada pela
coleta, transporte e deposição antrópica de materiais.
Os materiais de origem biológica da camada preta, ossos e carvões, apresentam
claros indícios de integridade comprometida por processos antrópicos não realizados no
local (como a queima). Provavelmente, estes materiais foram acumulados originalmente
num depósito secundário de tipo midden onde sofreram a ação da queima antrópica e
dos agentes intempéricos. Posteriormente, foram retransportados até a camada preta, já
com os traços da alteração sofrida, onde foram redepositados de modo a formar a matriz
arqueossedimentar altamente misturada.
Interpreta-se a origem doméstica dos restos arqueofaunísticos que compõem à
camada preta principalmente devido a sua grande abundancia. Devido à degradação que
estes materiais sofreram ao longo do tempo, a quantidade que se observa atualmente no
sítio seria consideravelmente inferior à originalmente depositada. A ausência de sítios
de habitação vinculados a este grande sambaqui poderia ser explicada como
conseqüência desta remobilização de materiais. Isto não exclui a possibilidade de que
parte dos restos alimentícios que compõem a camada preta esteja também relacionada
aos restos de grandes festins e banquetes rituais. Porém, sua evolução teria sido a
mesma.
A associação de arqueofácies representada pela seqüência de micromassas
carbonosas e fosfáticas relaciona-se a uma intencionalidade nos diferentes episódios
construtivos. Esta intencionalidade estaria vinculada ao ritual funerário, porém, sua
matéria prima guardaria relação com o cotidiano das comunidades. Portanto, a camada
preta não representa um depósito secundário, mas um depósito construído com os
resíduos diretos de atividades vinculadas à subsistência dos grupos dentro de um padrão
construtivo vinculado fundamentalmente ao ritual funerário.
Depósitos deste tipo têm sido chamados indistintamente de terciários ou middens
secundários (Schiffer 1983, 1987; Courty et al. 1989). Neste ponto da discussão, deve-
se lembrar que classificações de sedimentos arqueológicos que envolvem intenção
somente podem ser alcançadas através de um estudo detalhado e sistemático, inserido
em método geoarqueológico eficiente. Abordar o registro arqueossedimentar com
enfoques interpretativos a priori somente dificulta a apreciação da verdadeira realidade
natural e cultural que os sedimentos arqueológicos envolvem.
A camada preta representa um grande depósito arqueológico onde o palimpsesto
domina tanto sua conformação como sua configuração final. No seu uso comum em
154
arqueologia, o termo palimpsesto refere à superposição de atividades que ocasiona a
destruição total ou parcial dos seus restos materiais, e das quais só a última permanece
intacta no registro. Não obstante, o palimpsesto pode também envolver a acumulação e
transformação de atividades sucessivas parcialmente preservadas, de maneira que o total
é diferente e até maior que a os constituintes originais.
Geoff Bailey (2007) define cinco tipos de palimpsesto: o verdadeiro, no qual todo
resto de atividades previas é removido, exceto os da mais recente; o cumulativo, no qual
os restos de atividades anteriores permanecem superpostos um sobre os outros sem
perda de evidências, mas com forte mistura até o ponto de não poder diferenciar os
constituintes originais de cada episódio; o espacial, variação do palimpsesto cumulativo
definida como mistura de episódios espacialmente separados cuja relação temporal tem
se tornado difícil de identificar pela ação de processos de alteração naturais; o temporal,
que refere a depósitos compostos por materiais de idades diferentes, mas que
correspondem a um mesmo episódio de deposição; e o de significado, que define a
sucessão de significados que adquire um objeto ou grupo de objetos como resultado de
seus diferentes usos.
A camada preta, portanto, envolve dois tipos de palimpsesto: o cumulativo e o de
significado. Os milhares de ossos de peixe, carvões, entre outros componentes, que
conformam este grande corpo arqueossedimentar representam uma multiplicidade de
episódios de consumo, queima e deposição que comprometem sua resolução temporal
individual no nível estratigráfico. Como o espectro de episódios individuais é numeroso,
só pode-se observar tendências gerais representadas por este palimpsesto como um
todo. Desta maneira, cada arqueofácies e subfácies identificada representaria um time-
averaging de componentes com diversas histórias de vida e, portanto, pouca resolução
temporal, já que os restos materiais dos episódios sucessivos de deposição estão
intensamente misturados.
Entretanto, na camada preta esta mistura resultou da atividade de remobilização
dos materiais construtivos desde um depósito até outro, com a conseqüente
transmutação no papel simbólico dos mesmos. Este palimpsesto cumulativo caracteriza-
se por provocar a desaparição do padrão original, o depósito secundário original do qual
provêem os materiais, e por simultaneamente criar um padrão final novo, o depósito
terciário, resultado do transporte intencional.
Portanto, a camada preta tem a particularidade de incluir o simbolismo e a
dinâmica do ritual funerário que caracterizou o sítio Jabuticabeira II desde o começo da
155
sua construção, numa estrutura sustentada pelos resíduos das atividades cotidianas. Este
comportamento deposicional tão especial, que se nutre dos detritos alimentícios na
sustentação do ritual funerário, definiria grande parte do processo construtivo deste
sítio.
Os indícios, longamente procurados, de áreas de habitação associadas a esta
estrutura de grande porte podem estar mascarados na forma de grandes depósitos rituais.
O depósito secundário original onde estes materiais foram acumulados poderia ter
estado dentro ou fora do sítio, e poderia igualmente se tratar tanto de estrutura positiva
na paisagem (montículo elevado) quanto negativa (escavação no terreno). Os materiais
incluídos nestas áreas teriam sido posteriormente coletados para sua redeposição como
elemento ritual na camada escura.
O sítio Jabuticabeira II representa a articulação e amalgamação do cotidiano com
o ritual, integrando as esferas estruturais e superestruturais numa estrutura que encerra o
dinamismo da vida destas comunidades. A abordagem dicotômica que desconecta o
registro do dia a dia, concebido como norma, com o mundo ritual, concebido como
exceção, não teria permitido, até o momento, apreciar a verdadeira natureza deste
fenômeno arqueológico.
A oposição convencional entre ritual e cotidiano não é funcional no estudo do sítio
Jabuticabeira II e deriva de visões influenciadas pelos parâmetros da nossa própria
cultura:
“How do archaeologists distinguish between ritual and the everyday? /…/ they have
done so on a largely intuitive basis, influenced by their experience in an increasingly
secular world. It is a world in which ritual and religious belief have been pushed to the
margins. /…/ They have seen ritual as something that involved special people, special
places and a distinctive range of material culture. They have also assumed that ritual was
quite separate from the concerns of daily life. That may not have been true”
(Bradley
2003: 13).
Portanto:
Com as evidencias trabalhadas pode se concluir que a camada preta representa a
ritualização dos componentes da vida doméstica em torno do ritual funerário.
156
6.3. – Modelo de cadeia comportamental
No processo de formação da camada preta do sítio Jabuticabeira II estão
envolvidos uma serie de comportamentos deposicionais relacionados com atividades de
descarte, rituais, cotidianas, entre outras. O registro arqueológico e arqueossedimentar,
dentro de um marco de referência antropológico, permitem aproximar os
comportamentos deposicionais e vincular estes com a variação na organização das
atividades do grupo.
A remoção de elementos das atividades em que participaram, ou deposição
cultural, é fundamental na análise de sistemas culturais em arqueologia e na construção
de teoria sobre comportamentos deposicionais. A deposição cultural não represente
unicamente o produto do descarte artefatual, a remoção de objetos ou espaços
arquitetônicos de um sistema comportamental pode ser realizada para modificar o
desempenho e a organização das atividades, assim como para redirecionar fluxos de
materiais, pessoas e informação entre atividades (Schiffer & LaMotta 2002).
Para elaboração de modelos expliquem a variação dos comportamentos
deposicionais no sistema organizacional do grupo, uma serie de variáveis deve ser
levada em consideração dentro do registro arqueológico, que incluem: o local final de
deposição; os tipos de artefatos ou elementos depositados juntos; a etapa na história de
vida de um objeto em que passou a formar parte do contexto arqueológico; e o tipo de
atividades relacionadas aos diferentes eventos deposicionais (Schiffer & LaMotta 2002).
No sitio Jabuticabeira II observa-se uma multiplicidade de comportamentos
deposicionais onde aqueles materiais relacionados com o cotidiano do grupo são
remobilizados para formar parte da esfera ritual associada a atividades funerárias. O
volume dos restos arqueofaunísticos recuperados da camada escura e a ausência de
áreas de atividade doméstica relacionadas ao sítio, induzem a pensar que os materiais
depositados neste sambaqui estão vinculados a resíduos domésticos e não
exclusivamente rituais; embora o comportamento que originou sua deposição final seja
a materialização de aspectos vinculados com a superestrutura destas comunidades.
O processo de formação cultural deste depósito está predominantemente
relacionado ao descarte terciário, mas não exclusivamente, já que contém também
157
elementos com outras histórias de deposição cultural (estacas, fogueiras, sepultamentos
etc., que representam contextos primários).
Para explicar os comportamentos deposicionais associados com a formação da
camada preta, foi elaborado um modelo de cadeia comportamental conjuntamente com a
doutoranda Daniela Klokler da Universidade do Arizona, que trabalha com o registro
arqueofaunístico associado aos sepultamentos humanos no esclarecimento de questões
relacionadas com o ritual funerário.
Esta cadeia comportamental apresenta-se na forma de um diagrama de fluxo que
rastreia os materiais arqueológicos (incluindo o registro artefatual dentro do
arqueossedimentar), desde o contexto sistêmico ao arqueológico. A partir da avaliação
dos componentes do registro arqueológico, localização no sítio e origem natural, relação
com os demais componentes e feições antrópicas relacionadas com sua produção,
inferem-se as diferentes comportamentos deposicionais que podem ter participado na
configuração da camada preta ao longo da evolução cultural deste corpo
arqueossedimentar.
A partir da valorização do modelo de cadeia comportamental proposto pode se
apreciar o complexo sistema de atividades vinculado com a formação deste sítio, onde
materiais pertencentes a esferas tradicionalmente consideradas opostas e dicotômicas se
reacomodam para outorgar um novo sentido ao mundo material da comunidade.
158
Fig. 52. – Modelo de cadeia comportamental para a formação da camada preta que recobre o sítio Jabuticabeira II.
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