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ARTHUR BARROSO MOREIRA
CARNAVAL EM JUIZ DE FORA: IDENTIDADE COMUNITÁRIA
OU PRODUTO DA INDÚSTRIA CULTURAL?
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo, 2008
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ARTHUR BARROSO MOREIRA
CARNAVAL EM JUIZ DE FORA: IDENTIDADE COMUNITÁRIA
OU PRODUTO DA INDÚSTRIA CULTURAL?
Tese apresentada em cumprimento parcial às exigências
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
da Umesp – Universidade Metodista de São Paulo, para
a obtenção do grau de Doutor.
Orientadora: Profa. Dra. Cicília Maria Krohling Peruzzo
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo, 2008
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DEDICATÓRIA
Ao Dr. Joseph Luyten
EPÍGRAFE
A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos
(Karl Marx)
AGRADECIMENTOS
Sempre em primeiro lugar agradeço a Deus.
Aos professores do programa de pós-graduação, pelo rico convívio.
À minha orientadora Cicília Peruzzo.
À Universidade Metodista.
Aos meus familiares pelo incentivo e apoio.
Um agradecimento especial para Carol Fernandes e Michele Cafiero.
Ao Braw.
SUMÁRIO
Página
INTRODUÇÃO
11
CAPÍTULO I - CARNAVAL: FESTA EUROPÉIA E IDENTIDADE
BRASILEIRA, UMA TRAJETÓRIA CONTROVERSA
15
1 (IM)PROVÁVEIS ORIGENS: AS DIONÍSIAS NA GRÉCIA E AS BACANAIS EM
ROMA
15
2 CARNAVAL: UMA FESTA CRISTÃ
20
3 AS FESTAS NO BRASIL PORTUGUÊS COM EFEITOS NO CARNAVAL 22
3.1 Festa do Divino 23
3.2 Festas para os escravos e para os reis 24
3.3 Festas para os santos
25
4 O IMPÉRIO DO CARNAVAL E O CARNAVAL DO IMPÉRIO 26
4.1 O Entrudo 28
4.2 Cucumbis, Zé-Pereiras e outros bichos
30
5 O REINADO DE MOMO E SUAS INFLUÊNCIAS NA TRANSIÇÃO DO SÉCULO
XIX PARA O SÉCULO XX
32
5.1 Carnaval café com leite
34
6 SURGIMENTO DAS ESCOLAS DE SAMBA 41
6.1 As primeiras Escolas de Samba e a oficialização do desfile 43
6.2 Período de consolidação 48
6.3 Da chegada definitiva da indústria cultural ao maior espetáculo da terra
51
CAPÍTULO II - CARNAVAL EM JUIZ DE FORA
58
1 UMA CIDADE SOBRE ÁGUAS ESVERDINHENTAS
60
2 COMO ERAM OS DESFILES
73
3 AS ESCOLAS DE SAMBA DE JUIZ DE FORA 77
3.1 Turunas do Riachuelo 78
3.2 Feliz Lembrança 84
3.3 Partido Alto 94
3.4 Juventude Imperial 98
3.5 As quatro Escolas de Samba fundamentais
101
4 A PRESENÇA DAS ESCOLAS DE SAMBA NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO 102
4.1 O Pharol 104
4.2 Diário Mercantil 105
4.3 Tribuna de Minas 106
4.4 As rádios 107
4.5 A televisão 109
4.6 Cinema 111
4.7 Questões sobre a mídia local
113
5 COMO É O FINANCIAMENTO DOS DESFILES
114
CAPÍTULO III - ESCOLAS DE SAMBA: IDENTIDADE, CONTROLE E
VIGILÂNCIA
119
1 OS TEMAS DOS SAMBAS DE ENREDO EM JUIZ DE FORA
128
2 É PERMITIDO PROIBIR
131
3 ESCOLA DE SAMBA COMO SISTEMA DE VIGILÂNCIA
132
4 COMUNIDADE E IDENTIDADE
141
4.1 Meios de comunicação e identidade
144
5 DAS TRADIÇÕES INVENTADAS
149
6 CARNAVAL E INDÚSTRIA CULTURAL
152
6.1 Repressão e consumo
159
6.2 Escolas de Samba na sociedade do espetáculo
162
CONCLUSÕES
168
RESUMO
Pesquisa a respeito das influências da indústria cultural sobre a formação da identidade nas
Escolas de Samba em Juiz de Fora, as transformações introduzidas nestas agremiações através
dos meios de comunicação de massa ao longo dos anos e o modo pelo qual os sambistas de
Juiz de Fora reinterpretam e assimilam as informações da indústria cultural. O papel dos
meios de comunicação locais frente ao carnaval. O trabalho dividiu-se em três etapas:
pesquisa bibliográfica; realização de um diagnóstico a partir de entrevistas semi-estruturadas
com as pessoas envolvidas com as Escolas de Samba ou historicamente relevantes para os
desfiles oficiais de carnaval em Juiz de Fora; e a análise qualitativa dos dados coletados.
Levantou-se a trajetória histórica das Escolas de Samba de Juiz de Fora e seus pontos de
contato com as Escolas de Samba do Rio de Janeiro, além de se buscar compreender qual é a
percepção que os juizforanos têm sobre o desfile local. As informações foram trabalhadas sob
o ponto de vista da Teoria Crítica, das propostas filosóficas de Michel Foucault, das
considerações sobre a sociedade do espetáculo. O trabalho demonstra que a preocupação
principal das Escolas de Samba de Juiz de Fora é com a realização de um desfile que se
enquadre nos padrões exigidos pela indústria cultural, conseqüentemente o espetáculo em
torno da festa transformou-se em uma forma de controle social, eliminando a espontaneidade
e a transgressão que tradicionalmente estão associadas ao carnaval.
Palavras-chave: Comunicação, Escola de Samba, Juiz de Fora, Teoria Crítica, Controle
social
Abstract
This research is regarding the influences of the cultural industry on the formation of the
identity in the Schools of Samba in Juiz de Fora, the transformations introduced in these clubs
through the mass medias to long them years and the way for which the sambistas of Juiz de
Fora make the adjust interpretation and assimilate the information of the cultural industry.
The performance of the local medias front to the carnival. The work was divided in three
stages: bibliographical research; accomplishment of a diagnosis from interviews half-
structuralized with the involved with Schools of Samba or historical expert people for the
official parades of carnival in Juiz de Fora; and the qualitative analysis of the collected data. It
was arisen historical trajectory of the Schools of Samba of Juiz de Fora and its points of
contact with the Schools of Samba of Rio De Janeiro, beyond if to search to understand which
have is the perception that the people from Juiz de Fora on the local parade. The information
had been worked under the point of view of the Critical Theory, of the philosophical
proposals of Michel Foucault, of the balances on the society of the spectacle. The work
demonstrates that the main concern of the Schools of Samba of Juiz de Fora is with the
accomplishment of a parade that if fits in the standards demanded for the cultural industry,
consequently the spectacle around the party was changedded into a form of social control,
eliminating the liberality and the trespass that traditionally are associates to the carnival.
Key words: Communication, School of Samba, Juiz de Fora, Critical Theory, social control
INTRODUÇÃO
A idéia da presente investigação surgiu a partir de trabalhos fotográficos realizados
com alunos de fotojornalismo durante os desfiles das Escolas de Samba de Juiz de Fora no
ano de 2003. Algumas das perguntas que estavam presentes naquele momento eram sobre o
significado daquelas agremiações para o público e para quem estava desfilando e,
particularmente, qual era o sentido de ter aquele tipo de comemoração? Uma contribuição
importante para acender a centelha da investigação foi o contato com o livro de Hermano
Vianna, O mistério do samba. Ora! Haveria então outros mistérios cobertos pelo véu da
desmemória?
Tal inquietação nos conduziu à escolha do tema desta pesquisa, o carnaval das Escolas
de Samba de Juiz de Fora. As agremiações representam uma das faces do carnaval
maciçamente presente nos veículos de comunicação, permitindo que se veja quais
transformações ocorreram a partir da presença dos desfiles na televisão e conseqüentemente.
Assim, o problema de pesquisa indaga quais foram as alterações provocadas pela Indústria
Cultural no desfile de Escolas de Samba, bem como se a preservação de identidades
comunitárias dos grupos que constituem as Escolas de Samba de Juiz de Fora.
Definido que o objeto de nosso estudo é o impacto que a apropriação do desfile das
Escolas de Samba pela Indústria Cultural provocou e quais foram as mudanças que surgiram
na festa popular em Juiz de Fora a partir do momento em que esta festa popular passou a ser
um espetáculo, formulamos as seguintes hipóteses: 1) A introdução de Escolas de Samba no
carnaval das cidades do interior do país e os modos de elas desfilarem são determinados pela
transmissão televisiva do carnaval do Rio de Janeiro. Logo, o discurso proferido pelas escolas
de samba de Juiz de Fora é acrítico, com temas que o remetem às comunidades locais,
porque há a simples cópia do modelo do carnaval carioca, com o controle sobre o discurso das
classes subalternas exercido através da criação de um espaço (sambódromo), do controle do
tempo de exibição (duração do desfile) e do formato de apresentação (préstito horizontal). As
Escolas de Samba aparentam funcionar como voz dos desvalidos na esfera pública, mas o
canal de comunicação é um espaço público midiatizado. 2) Escola de Samba é o triunfo da
11
visão da classe dominante que, através da Indústria Cultural, define como devem ser a
diversão e a cultura populares, convertendo em espetáculo as manifestações comunitárias que
podem ser transformadas, retirando-lhes o sentido original. A assimilação da estética
televisiva pelas classes subalternas acontece porque seus líderes de opinião valorizam os
modelos traçados pela classe dominante buscando copiá-los como forma de aproximação e
reconhecimento. No carnaval a cultura local está abandonando suas práticas tradicionais e
criando uma identificação com os produtos encontrados nos meios de comunicação de massa,
logicamente dimensionando estes produtos para as possibilidades de consumo local. 3) Uma
vez que o produto Escola de Samba é tratado como fruto da identidade nacional e em virtude
do caráter centralizado das redes de televisão, as TVs locais apenas repercutem os veículos de
comunicação nacionais e o desfile de Escolas de Samba é tratado como uma apresentação
homogênea.
Para realizar uma análise consistente direcionamos a investigação no sentido entender
a origem e as modificações carnavalescas em Juiz de Fora a partir da interferência dos meios
de comunicação na representação das identidades comunitárias. Assim, examinamos as
escolas de samba de Juiz de Fora e a forma pela qual elas apresentam sua identidade como
grupo cultural, um meio para compreender quais foram as motivações para fazer mudanças
nos desfiles a partir do ano de 1966. Fez parte desta análise a estrutura e o desfile das
Escolas de samba e a participação dos veículos locais no carnaval da cidade que, ao final de
nosso trabalho nos permitirá também averiguar se a existência de Escolas de Samba em Juiz
de Fora é decorrente de uma busca por reconhecimento das classes subalternas ou se estas
agremiações nasceram como fruto da indústria cultural.
O caminho a ser percorrido passa pela evolução histórica das festas populares e seu
relacionamento com a comunicação de massa no Brasil. Então, no primeiro momento,
realizamos uma investigação sobre o surgimento das Escolas de Samba tanto no Rio de
Janeiro quanto em Juiz de Fora, para conseguir um embasamento histórico e também social.
Aproveitamos para demarcar alterações estruturais que as Escolas de Samba sofreram a partir
da influência da indústria cultural e investigamos a origem e as modificações carnavalescas
em Juiz de Fora a partir da interferência dos meios de comunicação. Os dados coletados em
campo nos deram valiosas evidências sobre a estrutura dos desfiles das Escolas de Samba de
Juiz de Fora, permitindo compreender suas modificações.
Para atingir as metas pretendidas com esta pesquisa usamos como fonte para as
informações iniciais uma pesquisa bibliográfica em livros, trabalhos acadêmicos sobre o
12
carnaval, revistas e jornais. O objetivo primário deste levantamento foi o de sistematizar os
conhecimentos existentes e apreender o estado atual dos estudos sobre a questão investigada.
A etapa seguinte da pesquisa foi o diagnóstico, que se dividiu em pesquisa documental nos
arquivos das escolas de samba, da Liga das Escolas de Samba e da Prefeitura de Juiz de Fora;
e em entrevistas semi-estruturadas com pessoas que têm o convívio cotidiano com as Escolas
de Samba de Juiz de Fora (presidentes, carnavalescos, membros com função de coordenação,
mestres de bateria, porta-bandeiras). As agremiações escolhidas – Turunas do Riachuelo,
Feliz Lembrança, Partido Alto, Juventude Imperial foram selecionadas por serem as mais
antigas Escolas em funcionamento na cidade e pelo fato de possuírem características que as
tornam fundamentais dentro do carnaval de Juiz de Fora. A modalidade de entrevista utilizada
se mostrou a mais adequada porque sua apresentação é flexível, o que permite aos
entrevistados falarem livremente, corrigirem-se, explicarem-se e retornar a alguma passagem
para reforçar sua importância. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas, e estão
anexadas a este trabalho na íntegra.
Com as informações levantadas nas entrevistas, através da documentação pesquisada e
do levantamento bibliográfico, realizamos a análise qualitativa do conteúdo (emparelhamento
pattern-matching). Como explicam os professores Cristian Laville e Jean Dionne, a
abordagem qualitativa do conteúdo se justifica pelo fato de que não nos importa a freqüência
com a qual os eventos acontecem, mas sim, a sua presença, os elementos que os tornam
significativos dentro do contexto da pesquisa. Compreendemos que essa abordagem corre um
maior risco de erro e para tanto tomamos todas as medidas preventivas que cabiam ser
adotadas, mas, mesmo com o risco, uma abordagem qualitativa o abandona elementos
importantes como acontece com a abordagem quantitativa ao examinar freqüências
estatísticas baixas.
Para proceder a análise dos dados coletados realizamos uma articulação entre os
pensamentos da Teoria Crítica, da Internacional Situacionista, de Michel Foucault, além do
trabalho sobre tradições compilado por Eric Hobsbawm e Terence Ranger. A pretensão desta
pesquisa é de pensar o carnaval a partir do ponto de vista da comunicação e sua presença
como espetáculo. Assim, evitamos entrar na seara de Roberto DaMatta, Jessé de Souza ou
Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcante, para não desviarmo-nos para o campo da
sociologia e/ou antropologia, duas áreas que já investigam o tema há muito, e nos resumirmos
a uma discussão conceitual sobre os diversos modos de ver e entender o carnaval. Além disto,
percebemos a possibilidade de investigar o carnaval em Juiz de Fora para além da situação
presente ou da simples constatação de situações aparentes.
13
Consideramos que este procedimento de pesquisa nos levou à resposta dos objetivos
levantados no começo de trabalho: verificar que transformações ocorreram nas Escolas de
Samba de Juiz de Fora a partir da presença da indústria cultural; analisar as alterações
provocadas pela indústria cultural no desfile de Escolas de Samba; verificar se em Juiz de
Fora se incorpora o discurso televisivo do carnaval das Escolas de Samba; e averiguar como
se estabelecem as identidades comunitárias dos grupos que constituem as Escolas de Samba
de Juiz de Fora.
Resolvemos concentrar nossa investigação nas Escolas de Samba porque elas
representam uma das faces, uma das formas de se fazer o carnaval que está presente
maciçamente nos veículos de comunicação. Assim sendo, a partir do projeto inicialmente
pensado, a forma final deste trabalho ficou organizada em três capítulos. No primeiro capítulo
realizamos um levantamento sobre as origens da festa de carnaval desde a Idade Média, suas
formas portuguesas e sua presença no Brasil – enfocando o império, a transição entre Império
e República, o surgimento das Escolas de Samba e o processo evolutivo das mesmas.
No segundo capítulo realizamos um levantamento sobre a formação da região onde
hoje está a cidade de Juiz de Fora, as influências socio-econômicas e as práticas culturais
existentes desde a formação da cidade. Coletamos dados sobre o carnaval local e realizamos
um mapeamento sobre as Escolas de Samba contidas no universo pretendido – como resultado
temos o panorama histórico de quatro agremiações: Turunas do Riachuelo, Juventude
Imperial, Feliz Lembrança e Partido Alto. Ao mesmo tempo mostramos os principais meios
de comunicação locais e sua presença na cobertura do carnaval da cidade.
Na última parte está uma análise das informações obtidas através das entrevistas com
presidentes das Escolas, mestres de bateria, mestres-sala e portas-bandeira, madrinhas de
bateria e carnavalescos. Neste capítulo fazemos uma articulação entre a fala destas pessoas e o
ponto de vista teórico. Além das pessoas vinculadas diretamente às Escolas de Samba,
incluímos as entrevistas com o ex-prefeito do período de apogeu das agremiações, e com o
jornalista que era um dos responsáveis pelo Departamento de Turismo na época de criação do
primeiro desfile oficial de Juiz de Fora.
Como complementação das informações levantadas anexamos a este trabalho um
DVD com cinejornais de João Carriço que fazem a cobertura do carnaval de Juiz de Fora. Os
filmes cobrem vários anos a partir da década de 1930. Deixamos também em anexo a íntegra
das entrevistas que embasaram nosso diagnóstico, além de uma série de documentos oficiais,
fotos de recortes de jornal e imagens que complementam algumas informações.
14
CAPÍTULO I CARNAVAL: FESTA EUROPÉIA E
IDENTIDADE BRASILEIRA, UMA TRAJETÓRIA
CONTROVERSA
Mais do que realizar uma localização espaço-temporal dos eventos carnavalescos, este
capítulo pretende-se uma discussão e resgate da dimensão histórica do fazer social, pois
acreditamos que o passado é a chave para a compreensão do presente e é a partir de suas
contradições e potencialidades não realizadas que se constrói a reflexão que possibilita um
futuro transformador. A discussão do caráter histórico da festa vai nos permitir compreender
como as identidades foram construídas, quais as bases da tradição do carnaval existente e
como se formou a locução, o discurso da Indústria Cultural em uma festa popular, espontânea
e sem regras.
A evolução do carnaval e o aparecimento das escolas de samba estão apresentados na
literatura existente, ainda que esta não seja tão ampla e numerosa como se deseja. Diferentes
autores se interessam em dar uma visão panorâmica da festa carnavalesca, alguns, como
Hiram Araújo, Nei Lopes, Edigar de Alencar e José Carlos Sebe se detêm nos aspectos que
julgam mais importantes desde os primeiros anos de existência do carnaval no Brasil até o
perfil das agremiações, com os detalhes mínimos dos adereços, passando pela relação entre os
membros da cúpula ou da base das escolas de samba; outros pesquisadores buscam uma
abordagem política ou sociológica para os diferentes pontos que escolhem abordar, cada um
acrescentando conhecimentos e informações que o conjunto pode dar conta da
complexidade das escolas de samba, neste segundo grupo temos como exemplo as abordagens
de Hermano Viana, Maria Clementina Pereira Cunha e Roberto DaMatta.
Veremos que construir uma história linear e consensual do carnaval não será possível.
nitidamente duas linhas de abordagem da festa. Em uma delas uma locução
unidimensional, reafirmada por todo o século XX, que transforma a construção social
em um evento que faz parte da natureza do país, da identidade nacional
1
: a comunhão
perfeita que reconcilia a nação acima das mazelas sociais. As poucas ressalvas têm
um caráter de mostrar os conflitos, mas apenas para que este seja harmonizado,
impedindo qualquer desvio ou exercício de análise. A outra forma de ver a festa,
embora minoritária, entende que o discurso oficial e a práxis social devem ser
1
Pode-se ver esta situação nos diversos exemplos da imprensa carioca presentes no livro de Cunha (2001);
também nas coberturas que os diversos canais de TV realizam entre o mês de janeiro e o período do carnaval.
Esta é a abordagem que, por exemplo, Sebe faz em sua obra Carnaval, carnavais.
15
analisadas dentro de uma perspectiva crítica, buscando-se suas raízes históricas e
tentando-se compreender os fenômenos como frutos de uma construção da sociedade e
não algo dado pela natureza. Nesta perspectiva o clichê de grande parte da bibliografia
existente é deixado de lado, pois não cabe realizar a propaganda da expressão festiva
entre o país e seu povo, mas entender as contradições e conflitos contidos no
carnaval
2
.
Para chegar à configuração do carnaval no período televiso que se inicia no ano de
1966 faremos um vôo panorâmico sobre a história da festa com o objetivo de ressaltar
alguns pontos que contribuem para a abordagem que pretendemos dar ao tema. Colocaremos
a visão de vários pesquisadores sobre a festa carnavalesca, incluindo suas idéias sobre as
possíveis origens. Como existem posições discordantes a respeito da construção do carnaval,
acabaremos por mostrar ao longo do texto, e de forma clara, sob qual ponto de vista nossa
análise se construirá.
1 (Im)prováveis origens: as dionísias na Grécia e as bacanais em Roma
A maior parte dos pesquisadores
3
que se envolvem na descrição da evolução histórica
do carnaval gosta de situar sua origem no ponto histórico mais distante, se possível nos
hominídeos pré Homo sapiens. Tudo isto para considerar o carnaval como uma festa que faz
parte do DNA humano, ou seja, algo que pertence à natureza e nunca uma construção social
conduzida por forças sociais. Então, um culto, uma cerimônia celebrando a chegada de um
ciclo da natureza, uma comunicação do início ou do fim de tarefas de grupos humanos, uma
homenagem a um deus, um símbolo de comunhão com o sagrado, pedindo ou agradecendo
pela fecundidade das criaturas ou pela fertilidade da Terra ou qualquer outra origem
comunicativa tornou-se o prenúncio do carnaval, da mesma forma que as pinturas rupestres
no fundo das cavernas anunciavam o alvorecer das histórias em quadrinhos.
Quase todas as ações de culto humano têm uma origem distante, passando pelas
manifestações de homens e mulheres quando viam chegar a primavera com a
possibilidade de invocar o desconhecido que trazia o sol e fazia reinar uma alegria
inexplicável que empurrava para a dança e para o encantamento da brotação e dos
nascimentos até a oficialização dos louvores a Dionísio, na Grécia, mesmo assim os
autores citados acima insistem que tanto as dionísias, na Grécia, quanto às saturnais,
em Roma, representam importantes festas que podem ter gerado o carnaval dos dias
atuais, como no trecho escrito por Sebe: “Muitos dos elementos essenciais da folia
estavam presentes nesta manifestação [as saturnais]” (1986, p. 17).
2
Destaque para o trabalho de Hermano Viana, O mistério do samba.
3
O motivo principal para que isto ocorra é a utilização dos livros de Hiram Araújo (chancelado pela Liga das
Escolas de Samba do Rio de Janeiro) e José Carlos Sebe sem uma leitura crítica da forma como eles historiam o
carnaval. Existe também a dificuldade de encontrar outras referências. Detectamos esta abordagem em trabalhos
da Universidade de São Paulo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Estadual do Rio de
Janeiro, Universidade Federal de Juiz de Fora, Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade Metodista
de São Paulo.
16
Buscando informações em Araújo (2003, p.10), pode-se fazer um breve apanhado
sobre as festas dionisíacas que são consideradas, por este autor como o anúncio próximo do
carnaval cristão uma proximidade de uma dúzia de séculos. Para se ter uma idéia da
construção por uma analogia forçada que Araújo faz entre as duas festas, ele descreve uma
origem confusa do deus do delírio sagrado e estabelece uma razão pela qual a sociedade grega
manteve Dionísio preso ao campo, escondido por muitos séculos: toda a preocupação em não
trazê-lo para o meio urbano tinha na base um motivo político, pois “com seu êxtase e
entusiasmo, o filho de Sêmele era uma séria ameaça à polis aristocrática, à polis dos
Eupátridas, ao status quo vigente, cujo suporte religioso eram os aristocráticos deuses
olímpicos”. Isto é uma explicação sem sentido, uma vez que o caráter da sociedade e dos
deuses gregos era outro; não existia um estado-nação grego, mas uma nação dividida em
vários Estados autônomos e as decisões eram tomadas a partir das discussões públicas entre
os cidadãos. No caso dos deuses, estes possuíam características humanas e provocavam na
população um temor sobre sua ira, além de participarem cotidiana e amoralmente da vida dos
mortais - vide as histórias zoofílicas de Zeus
4
quando buscava seduzir uma mortal.
Segundo a mitologia, independente de ser ou o respeitado e reconhecido pelos
mortais, Dionísio tinha seus seguidores na Terra e um séqüito de sátiros
5
e ninfas
6
entre os
imortais. Desde a oficialização de seu culto, pelo século VII ou VI a.C, anualmente vinha para
a Grécia saudar a primavera, e era recebido pelos fiéis mortais com o barulho da música, a
alegria do vinho, a orgia do sexo e da violência. Simbolicamente chegava pelo mar, na forma
como havia aportado em Atenas: num barco de rodas
7
puxado por sátiros e repleto de homens
e mulheres nus. Formava, em terra firme, uma procissão com mascarados em manifesta
alegria, conduzindo um touro para o sacrifício no templo Lenanion, onde se consumaria a
hierogamia
8
. Nas dionísias, urbanas ou rurais da Grécia, a liberalidade e a licenciosidade eram
incentivadas pela bebida e o sexo e as orgias dominavam a cena. Todas as manifestações eram
toleradas pelos dirigentes, por visarem a fecundidade e a fertilidade da terra, além de
permanecerem no “mundo da sensibilidade, sem chegar à reflexão como na tragédia”
(ARAÚJO, 2003, p.12). Ainda segundo este autor, pelo século VI a.C, as festas passaram a
gerar as “bagunças dionisíacas” e a tolerância social foi-se esgotando; medidas foram tomadas
4
Para seduzir Europa ele se transformou em um touro branco e, conta a lenda, lambeu o pé da moça. Uma ação
nada aristocrática no sentido que Araújo emprega.
5
Sátiros são semideuses habitantes das florestas, com pernas e pés de bode (VICTORIA, s/d).
6
Ninfas o “divindades femininas menores, eram ligadas aos elementos da Natureza. Oceânides ou Oceânidas
eram as ninfas do grande Oceano [...]” (VICTORIA, s/d).
7
Carrum navalis: carros com rodas que chegavam pelo mar, marcando a abertura das Dionísias. Pode estar no
termo a origem da palavra carnaval, na concepção de Araújo.
8
Hierogamia: O casamento entre o deus e polis em busca da fecundação.
17
para reprimir e banir as homenagens a Dionísio, ao longo do século V a.C, quando a Grécia
experimentava o auge artístico e cultural (ARAÚJO, 2003, p.12-13). Na realidade este auge
aconteceu em Atenas e nas cidades sob sua influência, pois, como dissemos acima, a Grécia
enquanto Estado-Nação não existia. Logo, é provável que a repressão restringiu-se ao
território da Ática e da Liga Ateniense, uma vez que cada cidade tinha seu próprio sistema
legal e social.
Enquanto na Grécia as cidades introduziam o culto a Ísis, no século IV a.C, em Roma,
apareciam as saturnais ou saturnálias, vividas em dezembro, último mês do calendário
romano. A festa em homenagem a Saturno que ensinou, segundo a lenda, os segredos da
agricultura na Península Itálica, nivelando socialmente os homens e criando um sistema
político justo, acontecia em agradecimento, pois, quando o deus regressou ao Olimpo,
Na memória coletiva romana, ficou uma espécie de dever que levaria os cidadãos a
reproduzir anualmente uma celebração evocativa daqueles tempos. Os sete dias
saturnais eram escolhidos entre 17 e 23 de dezembro, e a ordem nesta semana era
viver alegremente, comer muito e extroverter os instintos regulados durante o ‘tempo
ordinário’ do ano (SEBE, 1986, p.15-16).
O autor registra ainda que, tanto na Grécia como em Roma, Dionísio e Saturno deviam ser
saudados com farta distribuição de vinho à população e ao mesmo tempo em que a comida e a
bebida quebravam a rotina diária as pessoas deviam usar disfarces. Neste ponto temos que
discordar de algumas colocações de Sebe, porque ele esquece que a natureza de ambos
Saturno e Dionísio é díspare, pois Saturno é um titã expulso do céu e condenado a viver
com os mortais sobre a terra enquanto Dionísio é um deus, além disto, a comemoração a cada
um acontecia em um período do ano diferente: dezembro para Saturno; fevereiro para
Dionísio as datas eram fixas. Além da mistura que Carlos Sebe faz entre o panteão Grego e
Romano. Soma-se a isto os problemas de calendário enfrentados na antiguidade (os dias o
coincidiam de um ano para outro), algo que só foi parcialmente resolvido por Júlio César com
a instituição do calendário Juliano (46 a.C) e definitivamente acertado com a instituição, no
ocidente, do calendário gregoriano
9
.
Misturando tradições mitológicas e conceitos estranhos à cultura greco-romana, para
Sebe o carnaval seria a festa a fechar um ciclo do ano, quando morria o mal, e retornava o
novo. “Bebedeiras, lascívia, muita comida, orgias coletivas, música e dança contidas em um
espaço de tempo programado, permitem ver que na ‘inversão do cotidiano’ estava a idéia de
um renascimento” (1986, p.20). Com a ampliação das fronteiras de Roma é natural que os
soldados romanos tenham levado as Saturnais a todas as partes por onde passaram, mostrando
9
Para uma rápida referência sobre os calendários pode-se usar o verbete Calendário da Wikipedia.
18
em vários lugares do mundo antigo a idéia de que “Uma vez por ano é lícito endoidecer”,
ditado que justifica a participação dos homens mortais nos prazeres e nas delícias dos deuses,
(1986, p.22). Dentro do ponto de vista que defendemos o carnaval como uma construção
social a partir do cristianismo a noção de renascimento não se liga ao tríduo momesco, mas
sim à páscoa.
Apesar de toda a confusão que Hiram Araújo e Carlos Sebe criaram entre o panteão
romano e o panteão grego, das imprecisões históricas e da criação de uma relação forçada
entre as duas festas da antiguidade clássica e o carnaval uma ação de Estado relevante
mostrada por eles neste período histórico é a tentativa de controle das classes dominantes
sobre as manifestações populares, principalmente em Roma. Devido aos excessos que de um
ano para outro se agravavam, tal a euforia, a desordem e o escândalo com que as bacantes
10
se
entregavam à dança, aos gritos, à atração para o sexo; em 186 a.C, pela edição de um Senato
Consulto
11
, o Senado Romano proibiu as Bacanais e todas as comemorações a Baco. Contudo,
as medidas repressivas não perduraram por muito tempo e as celebrações orgiásticas a Baco
retornaram no tempo do Império (a partir de 27 a.C) com mais força e licenciosidade que no
período republicano (ARAÚJO, 2003).
2 Carnaval: uma festa cristã
Não se pode acompanhar o surgimento do carnaval nos primeiros tempos da era
cristã
12
sem levar em conta as polêmicas ou imprecisões históricas de uma tradição religiosa
que foi se consolidando aos poucos no seio da sociedade. É preciso sempre levar em conta
que a Igreja tornou-se instituição razoavelmente respeitada apenas após o Imperador
Diocleciano e sua força estava na parte oriental do Império Romano. O fim de todas as
perseguições aos cristãos acontece com Constantino I, o grande, que redige o Édito de Milão
(313 d.C) legitimando todas as religiões e o Estado laico (IMPERIA, 2006; WIKIMEDIA,
2006).
A primeira grande reunião para organização da Igreja ocorre no Concílio de Nicéia
(325 d.C), na Ásia Menor. Aquela Assembléia de bispos tinha como objetivo tratar de
10
Bacantes ou Mêmades são mulheres, e não sacerdotisas, que desfrutavam de prestigio no culto a Baco.
(VICTORIA, s/d).
11
Senato Consulto: parecer consultivo estabelecido pelo senado. No caso, o parecer foi o famoso Senatus
Consultum de Bacchanalibus (ver Wikipedia, em italiano, no verbete Senato Consulto)
12
A Era Crisfoi criada pelo escritor eclesiástico Dionísio, o Pequeno, ao estabelecer a data do nascimento de
Cristo como sendo em 25 de dezembro do ano de 753 depois da fundação de Roma; o mês de janeiro seguinte
marca o ano 1 da era cristã.
19
assuntos doutrinários e disciplinares da Igreja: a questão ariana, o cisma de Milécio, o batismo
de heréticos, o estatuto dos prisioneiros na perseguição de Licínio e a celebração da Páscoa
questão que definiria a existência do carnaval. O antijudaísmo cristão acabou por definir o ano
eclesiástico (até o concílio cada região comemorava a Páscoa em datas diferentes) e a forma
de celebração: para os cristãos passou a ser proibida a Páscoa com os judeus, a observância do
Shabbat e o consumo do pão ázimo. O dia para os festejos pascais foi determinado a partir da
mistura de tradição e astronomia: A tradição diz que Jesus foi crucificado no dia 14.º dia do
mês de Nisan do calendário judeu (primeira lua da primavera) e ressuscitou no dia 16.º dia
(não importa o dia da semana). O calendário judeu é lunar, então a data da Páscoa está
vinculada aos ciclos lunares. Para realizar uma total separação com a tradição judaica o
Concílio de Nicéia dispôs que a Páscoa fosse celebrada no domingo seguinte à primeira lua
cheia após o equinócio da primavera boreal (21 de março). Daí esta celebração constituiu-se
no motor que rege as festas móveis do calendário. O concílio elaborou uma cronologia de
feriados que, a cada doze meses, dizia ao mundo quando celebrar a Semana Santa, o Carnaval
e as outras festas cristãs, em torno das quais se articula o calendário religioso (WIKIMEDIA,
2006; RIBEIRO JR, 2006; BETTANCOURT, 2004).
Resumindo: O calendário litúrgico católico tem como centro a festa da Páscoa,
que ocorre no primeiro domingo após a primeira lua cheia que se verificar a partir do
equinócio de primavera do hemisfério norte (21 de março). A sexta-feira da Paixão é a que
antecede o Domingo de Páscoa. A terça-feira de Carnaval ocorre 47 dias antes da Páscoa e a
quinta-feira de Corpus Christi ocorre 60 dias após a Páscoa. Domingo de Ramos é o que
antecede o Domingo de Páscoa e a Quaresma são os 40 dias entre o carnaval e o Domingo
de Ramos, a quinta-feira da Ascensão ocorre 39 dias após a páscoa e o Domingo de
Pentecostes vem 10 dias após a Ascensão.
Não existe um consenso em relação à origem do nome dessa festa que antecede a
abertura do ano eclesiástico. Para alguns, ele se origina na expressão usada por Gregório I,
Magno em 590 d.C quando o domingo anterior à Quaresma, denominado de qüinquagésima,
recebeu o título de dominica ad carne levandas, que significa ação de tirar a carne, pois a
Quaresma são os quarenta dias de jejum, sacrifícios e abstinência de carne. Logo, a noite de
terça-feira seria, de fato, a última oportunidade de ainda se comer carne antes da Páscoa. A
expressão foi sendo abreviada e modificada em longo trajeto pelos dialetos italianos falados
em Milão, na Sicília ou na Calábria: carne levandas, carne levale, carne levamen, carneval,
carnaval. Alguns pesquisadores vêem a palavra carnaval em Milão no ano de 1130, outros
afirmam que a festa levou esse nome na França em 1268 e outros, ainda, encontram-na na
20
Alemanha no século XIX (ARAÚJO, 2003, p.38). Efetivamente os registros mais antigos são
do início do século XII na cidade de Roma, a festa é descrita como uma parada pela cidade
envolvendo as diversas classes sociais, inclusive o Papa, seguida pela matança de bois e
outros animais. Seu objetivo era permitir a jogatina e o consumo de muita carne antes da
quarta-feira de cinzas daí o termo latino carnem levare (afastar-se da carne). Os italianos
encurtaram o temo para carnevale, traduzido por espanhóis e portugueses para carnaval,
pelos ingleses para carnival e pelos alemães para karneval (MUSEUM OF
INTERNATIONAL FOLK ART, 2006). Desde que teve sua data determinada a festa foi
tomando a área mediterrânea da Europa, destacando-se nas cidades de Roma e Veneza, na
Itália; de Paris e Nice, na França e Nurembergue e Colônia, na Alemanha. A Igreja adotou
uma atitude tolerante com alguns exageros da festividade que chegou a ser promovida e
ganhou força pelas mãos do Papa Paulo II, que nascido em Veneza considerou muito pacata a
Avenida Principal de Roma: iluminada por velas programou corridas de cavalo, apresentações
teatrais de anões e corcundas, lançamento de ovos, tudo que representava uma folia na época
(ARAÚJO, 2003, p.38; Jorge de Lima apud ALENCAR, E., 1980, P.54).
Pelo século XVIII, o carnaval de Roma era o mais famoso da Europa, nele se elegia
um Rei para Rir e a cidade toda se entregava ao riso e à alegria. uma frase de Goethe na
qual se pode perceber o quanto seria divertida e espontânea a festa na Itália, em 1788, “O
carnaval de Roma não é propriamente uma festa que se dá ao povo, mas que o povo se a si
mesmo.” (apud ARAÚJO, 2003, p.39). Na descrição de Peter Burke, referindo-se ao carnaval
de Roma, pode-se ler:
O carnaval pode ser visto como uma peça imensa em que as principais ruas e as praças
se convertiam em palcos, a cidade se tornava um teatro sem paredes, e os habitantes
eram os atores e os espectadores, que assistiam à cena de seus balcões. De fato, não
havia uma distinção marcante, entre atores e espectadores, visto que as senhoras em
seus balcões podiam lançar ovos na multidão abaixo e os mascarados muitas vezes
tinham licença para irromper em casas particulares. (1995, p.20)
Em toda a Europa as brincadeiras pré-Páscoa ganharam popularidade e cada língua
cunhou sinônimos para significar carnaval. No inglês pode-se encontrar o Shrove Tide, os
alemães usam o termo Fasching, os teuto-suíços Fasnacht e os franceses adotaram a
expressão Mardi Gras (MUSEUM OF INTERNATIONAL FOLK ART, 2006). Portugal, por
sua vez, usou a palavra Entrudo e levou para suas colônias estas manifestações de rua e as
brincadeiras de atirar coisas nas pessoas conhecidas.
Entrudo é um vulgarismo da palavra latina entroito, que significa início, começo,
abertura da Quaresma. Na Galícia se denomina antroido e em Astúrias antroju. Em toda
21
Europa este tipo de brincadeira dominou e domina o carnaval, com força dominante de
grosseria e violência entre os anos de 1200 e 1300 (GÓES, 2002; PERES, 2006). Góes (2002)
mostra o divertimento no Brasil como originário de imigrantes dos arquipélagos da Madeira,
dos Açores e de Cabo Verde. A sua presença tanto podia estar nas segundas-feiras e terças-
feiras precedentes à quarta-feira de cinzas como bem antes, quando tudo que pudesse ser
agarrado era jogado no próximo, simulando, os participantes, uma guerra de arremessos,
entrando aí, polvilho, cal, alvaiade ou pó-de-mico.
3 As festas no Brasil português com efeitos no carnaval
Em todos os períodos políticos pelos quais passou o Brasil conviveu com festas, tanto
populares, como oficiais. Nos primeiros séculos da presença dos portugueses na colônia, o
que fosse comemorado em Portugal, no Brasil também o seria. Embora a maioria dos
registros refira-se a festividades no Rio de Janeiro, existem relatos que mostram
comemorações em outras partes do Brasil que podem ser predecessores da nossa forma de
comemorar o carnaval. A seleção feita por Araújo (2003) sobre tais acontecimentos rememora
uma encenação, em 1579, organizada pelo padre José de Anchieta: o Auto das Dez Mil
Virgens, no Espírito Santo, com a apresentação de carro alegórico, por ocasião da chegada de
relíquias das mártires.
No Rio de Janeiro, o mesmo autor (2003) narra as comemorações referentes à
libertação de Portugal do domínio espanhol, realizadas no domingo de Páscoa de 1641, 31 de
março, quando aconteceu, na Rua Direita – rua Primeiro de Março, hoje – um desfile,
acompanhado com música de João Ferreira de Souza. Eram 161 cavaleiros encamisados
13
e
dois carros alegóricos, montados com cenas referentes à coroação de El Rey Dom João IV,
em Portugal, o primeiro monarca após o domínio espanhol. Araújo (2003, p.51) chama a
atenção para o fato de que alguns autores consideram esse acontecimento como sendo o
“Marco Zero do Carnaval Carioca”.
3.1 FESTA DO DIVINO
Em 1700 teria chegado à colônia a festa do Divino Espírito Santo (Pentecostes).
Existem controvérsias sobre suas origens e sua chegada ao Brasil. Uma das versões considera
que a festa nasceu em Alenquer, Portugal, no século XIII, por inspiração de Dom Dinis e
13
Homens vestindo longas camisas brancas (ARAÚJO, 2003, p. 51).
22
Dona Isabel, por celebrar o Pentecostes é uma festa móvel 50 dias após o Domingo de
Páscoa. Nesta época acontecia principalmente nas regiões da Bahia, de Minas Gerais e do Rio
de Janeiro (BRANDÃO, 1978). Sua popularidade era tão grande que influenciou o título
adotado para os reis brasileiros: Imperador D. Pedro I e Imperador D. Pedro II, pois
Imperador era o título de quem presidia as festividades do Divino. Pela popularidade do título
poderia ser possível, aos reis brasileiros serem mais bem compreendidos e mais amados pela
população. Foi um esforço de aproximação entre a Coroa e o povo recomendado por José
Bonifácio (CÂMARA CASCUDO apud SCHWARCZ, 1999, p.270). Para as camadas mais
ilustradas remetia ao título romano: imperador era o vitorioso de uma guerra que possuía o
direito, outorgado pelos deuses, de governar.
[...] desde a fundação do império os ‘reis de verdade’ dialogavam com os reis
imaginários’, os quais por sua vez também ajudavam a sedimentar a imagem da
realeza brasileira. Em meio aos festejos do Divino, era o pequeno imperador vestido
com seu manto verde e usando sua coroa dourada as cores de nossa bandeira e do
manto do Imperador quem ‘dominava no meio de sua corte’ (SCHWARCZ, 1999,
p.272).
Enquanto Colônia, os vice-reis e as personalidades que os acompanhavam visitavam o
Império instalado diante do mastro, em frente da igreja, onde ficava o Imperador do Divino,
em geral um menino vestido com um manto verde e uma coroa dourada. Para chegar a esse
momento de celebração, tanto no interior, como na Corte um movimento popular era
organizado:
[...] grupos de músicos, cantores mestres e contramestres, tocadores de viola,
contralto com caixa e tipo com triângulo ou pandeiro e ainda, na área rural se
acrescenta um cargueiro, que leva o burro com as cangalhas cheias com as roupas dos
foliões –, com a finalidade de pedir donativos para a Festa do Divino. Esses grupos
festivos chamavam-se Bandeiras, uma espécie de rancho onde se sobressaía o Alferes
[tenente], pessoa que conduzia a Bandeira do Divino, responsável pelas ofertas obtidas
nos longos trajetos percorridos, visitando casas e sítios onde em geral eram recebidos
com uma espécie de baile rural. Dispunha a folia de 11 meses para a coleta dos
donativos.
Nas freguesias onde se instalavam as Festas do Divino, armavam-se barracas e
palanques enfeitados com bandeiras e galhardetes. A festa acontecia coma chegada
dos romeiros. Havia música e dança pontificando os velhos, figuras cômicas, de
tradição portuguesa. Os velhos seriam revividos mais tarde, nos cordões
carnavalescos. Ocorriam leilões e cavalhadas, e a festa durava por vezes sete dias,
terminando de forma ruidosa ao espocar dos fogos de artifício. Até 1885 nenhuma
festa profana religiosa foi mais popular que a Festa do Divino (ARAÚJO, 2003,
p.52)
14
.
14
Estas fantasias de velhos referidas pelo autor chegaram ao carnaval no século XIX. Eram as fantasias daqueles
que foram denominados pela imprensa especializada de foliões avulsos ou máscaras avulsas. A tradição
portuguesa citada era o Entrudo.
23
3.2 FESTAS PARA OS ESCRAVOS E PARA OS REIS
As festas negras foram marcantes na vida da cidade do Rio de Janeiro e de sua
população. A Igreja do Rosário da Rua da Vala - atual rua Uruguaiana - foi inaugurada em
1725 e ligada por irmandade a outros santos como São Benedito e Santo Rei Balthazar. No
adro da igreja havia encenações folclóricas dos congos, batuques e sepultamentos como os
cucumbis. Dessas festas temos duas situações que entraram para o carnaval. A primeira,
conforme a descrição de Melo Morais Filho (apud ARAÚJO, 2003, p.54): “[...] o alarido
selvagem dos cocumbis que cantando seus lamentos, batiam palmas, cadenciadas pelo
tambor-mor. Com essa forma entraram no carnaval, se transformando em cordões
carnavalescos”
15
. A segunda, nasceu nas procissões de Nossa Senhora do Rosário, realizadas
em outubro. A guarda de honra formada pelas taieiras, mulatas vestidas de saias brancas e
camisas de seda finíssima à moda baiana, ladeando o andor, foi, na visão de Araújo (2003,
p.54), a origem da ala das baianas das escolas de samba modernas.
Em 1762, em janeiro, nasceu D. José, Príncipe da Beira e a Colônia o festejou durante
três dias, com luzes nas ruas, nas casas, nos barcos ancorados na baía; com touradas,
cavalhadas, desfiles de carros alegóricos, danças e brincadeiras. Cunha (2001) descreve os
festejos na colônia por conta do casamento de D. João VI com D. Carlota Joaquina em 1786 e
estabelece algumas proximidades ideológicas com as práticas do carnaval brasileiro. No
Campo dos Curros atual Campo de Santana aconteceram danças, touradas, cavalhadas e
desfile de carros alegóricos. Estes carros alegóricos com Baco, Vulcano e Netuno acabam
remetendo às origens das Grandes Sociedades Carnavalescas do século XIX, pois
[...] eram expressão de “idéias” para além da coincidência nas intenções de “dar
normas aos mais para o futuro”
16
que, ao que parece, jamais deixou de freqüentar as
formas de auto-representação das elites. Tais normas, certamente revestidas de
propósitos de reafirmação das hierarquias sociais, vinham além disso ancoradas em
simbologias buscadas na mitologia clássica, executadas com esmero e desenho muito
semelhantes aos carros de Tenentes, Democráticos e Fenianos que vamos encontrar
nos carnavais cariocas das últimas décadas do século XIX e início do XX. (CUNHA,
2001, p.282-3)
15
Os Cucumbis entraram para o carnaval em sua forma original, nos momentos finais do período escravocrata e
duraram até a virada para o século XX. Após a abolição foram duramente combatidos pela intelectualidade. Não
há esta relação com os cordões como propõe Morais Filho.
16
Verso do início do livro Relação dos magníficos carros que se fizeram de arquitetura, perspectiva e fogos.
Esta publicação traz os desenhos dos carros usados na festa.
24
3.3 FESTAS PARA OS SANTOS
Uma festa religiosa dirigida exclusivamente ao sagrado aparece no livro de Schwarcz
(1999, p.259 e p.269) que comenta as observações de Spix e Martivs, naturalistas chegados
em 1817 ao Brasil. Ambos descrevem uma procissão que presenciaram na Bahia a do
Senhor do Bonfim. Os dois cientistas alemães, ao observarem o acontecimento, consideram-
se diante de “um dos quadros mais impressionantes da vida”. Primeiro destacam as diferentes
raças e classes presentes lado-a-lado no evento. Depois, comentam o luxo das numerosas
irmandades religiosas “de gentes de todas as cores, que procuram exceder-se mutuamente
com a riqueza de suas roupas, bandeiras e insígnias [...] as tropas portuguesas de linha e as
milícias pacíficas da capital”, tudo sob a direção de padres europeus que ministram um culto
romano antigo.
[...] no meio do barulho selvagem de negros exaltados, e quase queria dizer meio
pagãos, e cercados pelo tumulto de mulatos ágeis [...] como num espelho mágico, o
espectador admirado, passarem representantes de todas as épocas, de todos os
continentes, de todos os gênios, toda a história da evolução humana, com os seus mais
elevados ideais, as suas lutas, culminâncias e obstáculos; e esse espetáculo único, que
nem a própria Londres ou Paris poderiam oferecer, aumenta ainda de interesse
(SCHWARCZ,1999, p.259).
Talvez apenas o estrangeiro tenha o olhar para comentar que a população recriava nas
ruas antigos reinados imaginários ao exercitar a tradição das procissões. Neste espaço público
estavam presentes a mistura de camadas sociais, as roupas suntuosas vestidas como
ostentação, a sensualidade e a alegria. Parece à estudiosa que sentimentos religiosos ou
cívicos não estivessem representados e o que todos buscavam era o “exercício da
sociabilidade”, o mais era um puro pretexto (SCHWARCZ, 1999, p.259).
Um outro exemplo aconteceu em 1850
17
: a primeira procissão de São Jorge
existente em Portugal desde 1387, quando, pela devoção de D. João I, o santo tornou-se
Patrono Nacional português em substituição a São Tiago.
No dia 23 de abril de 1850, saiu pela primeira vez, no Brasil, uma das procissões mais
representativas e bonitas do Rio antigo, a de São Jorge. [...] era uma das maiores
paradas profano-religiosas e militares de que se tem notícia. A imagem do santo ficava
exposta na capela da Rua de São Jorge, à espera do cavalo branco em que sairia
montado. Ao amanhecer do dia 23 de abril, os sinos começavam a badalar, anunciando
o início da festa. Às 10 horas, a imagem de São Jorge deixava a capelinha e ia para o
Largo do paço se juntar aos fieis. A Guarda Nacional comparecia para tomar posição e
ser passada em revista pelo “Santo General”. Depois, o cortejo seguia pelas ruas da
cidade, ao som de dobrados e marchas executados pela banda militar. Faziam parte do
séqüito de 24 cavalos, fornecidos pelas cavalariças da Imperial Quinta da Boa Vista,
17
Mesmo o país tendo conquistado sua independência em 1822 consideramos importante a descrição desta festa
porque ela ainda traz o mesmo espírito do período colonial.
25
que levavam os tesouros de São Jorge: ‘Grandes chaleiras de prata sobre as mantas de
pano verde, quase arrastantes, agaloadas de amarelo e guarnecidas nos cantos com as
armas imperiais.’ No final vinha o Estado de São Jorge, composto pelas diversas
irmandades com suas vestes de nobreza, anjinhos, escrivães, cavaleiros com insigne e
ordens, os ministros com fardas de gala e os arqueiros (ARAÚJO, 2003, p.55–56).
É uma festa que, no Brasil, permanece até os dias atuais compondo o calendário das igrejas
ortodoxas e de ritos cristãos orientais. São Jorge tem relação também com a Escola de Samba
Império Serrano que comemora, desde 1965, a data do santo a cada domingo posterior a 23 de
abril com grande passeata de automóveis. Tal relação aconteça talvez mais por influência de
Ogum – São Jorge no panteão do candomblé/umbanda por causa da participação de
importantes figuras desta religião na agremiação (GRES IMPÉRIO SERRANO, 2006).
4 O IMPÉRIO DO CARNAVAL E O CARNAVAL DO IMPÉRIO
Com a independência o Brasil passa a ser um país, mas ao contrário dos laços políticos
os laços culturais permanecem por longos anos. As festas, as comidas, as músicas ainda
trazem um forte sotaque da antiga metrópole. A formação da identidade e da cultura nacional
vai se construindo de forma gradual. A maneira de brincar o carnaval no Primeiro Império
não se modificou; novas manifestações culturais continuaram vindo de Portugal, mesmo no
Segundo Império. O laço entre Brasil e Portugal continuou forte após a independência, pois as
classes dominantes consumiam e se educavam na Europa. A verdadeira vocação carnavalesca
do Brasil estava no entrudo. Araújo (2003) data o Entrudo como sendo de 1723, mas o
próprio autor encontrou referências sobre ele, na forma de proibições, em datas bem
anteriores: 1604, 1608, 1685 e 1691. Qualquer que seja a data que se propuser a considerar, o
Entrudo foi a primeira e a mais duradoura forma de brincar o carnaval no país, permanecendo
até meados do século XX. A brincadeira ainda existe em Portugal e na região espanhola da
Galícia.
Ao longo do século XIX muitos viajantes vieram ao Brasil e a leitura que Lilia
Schwarcz faz de seus escritos é uma rica fonte para a compreensão das festas que aconteciam
em profusão no Brasil. A população, já bem misturada biologicamente, favorecia outra
observação muito importante diante dos rígidos valores dos estrangeiros, principalmente dos
vindos de países de fortes raízes protestantes: a mestiçagem dos costumes e da religião. “[...]
onde começava o culto cristão e onde terminava a festa popular: eis uma questão difícil de
entender [...]” (1999, p.256). Como explica Burke (1995), no Brasil a cultura popular foi, por
muito tempo, uma segunda cultura para a população instruída e a única forma de expressão
26
para as demais camadas da população, isto significa que de alguma forma toda a população se
achava nela incluída era, no final das contas, uma cultura de todos. Pelas pesquisas de
Schwarcz e Burke podemos depreender que as festas eram os pilares políticos e integrativos
do Brasil, um momento de comunhão entre o imperador e todos os súditos, que pelo que
nos parece não havia uma estrutura formal de relacionamento entre Estado e Povo (talvez
até hoje este relacionamento seja dependente do contexto imediato).
O carnaval, assim nomeado pelos intelectuais da Corte para diferenciar socialmente
uma brincadeira organizada pelas elites do jogo espontâneo do entrudo, teve início pelos anos
de 1835 e se manifestou por bailes públicos, com as pessoas mascaradas, em salões ou teatros.
Em 1855, os festejos ganharam as ruas com o primeiro desfile de carros alegóricos montados
para essa ocasião pelo Congresso das Sumidades Carnavalescas. Como comprovação do
prestígio do movimento pode-se registrar a presença de D. Pedro II, com a família, para
assistir à apresentação daquele grupo, atendendo ao pedido de uma comissão que o visitou.
Nas palavras de Schwarcz (1999, p.281), o carnaval, a partir da metade do século XIX,
procurava substituir o entrudo, “fazia parte de um projeto civilizatório mais amplo que, nesse
caso, procurava mudar o caráter do ritual brasileiro, transformando-o numa cópia do modelo
europeu veneziano”.
Neste ponto nos deparamos com aquilo que Adorno chamou de jargão da
autenticidade: “O jargão - objetivamente falando, é um sistema - usa a desorganização como
seu princípio de organização, avaria a língua em palavras isoladas”
18
(apud CASE.EDU,
2006, tradução nossa). Fazemos esta observação porque ameados do século XIX o Entrudo
significava um conjunto de brincadeiras e folguedos que aconteciam (e acontecem) três dias
antes da quarta-feira de cinzas e será no final do Segundo Império que Carnaval passará a
ser uma contraposição de Entrudo, ou seja, as práticas recentes vindas da Europa passam a ser
superiores à diversão colonial da plebe rude. A corrupção da língua
19
pelos intelectuais da
corte serviu para separar socialmente o tríduo momesco uma separação ecoada por rios
pesquisadores do carnaval como algo natural da evolução da festa. Neste sentido “[...] falamos
de tal maneira a trazer o respeito dos outros para baixo e ao mesmo tempo sobrepor o nosso.
18
The jargon - objectively speaking, a system - uses disorganization as its principle of organization, the
breakdown of language into words in themselves.
19
Este termo é uma continuidade conceitual de Herbert Marcuse sobre a questão do jargão levantada por
Adorno. Este fala no retorno ao uso apropriado da linguagem como forma de se alcançar o objetivo
transcendente da verdade, enquanto o primeiro afirma que na sociedade industrial as palavras passaram a ser
avariadas, alteradas, corrompidas por significados contraditórios que trazem embutidos uma lógica de
dominação.
27
[...] O jargão é uma ferramenta usada pela sociedade a fim distinguir os poucos dos muitos,
para distinguir ‘minha’ classe de ‘sua’ classe”
20
(CASE.EDU, 2006, tradução nossa).
4.1 O ENTRUDO
Lilia Schwarcz (1998) recorre ao depoimento de dois viajantes, para falar sobre o
Entrudo. H. Koster, chegado ao Brasil em 1809 e o reverendo J. C. Fletcher, vindo em missão
evangélica em 1851 e permanecendo a1865. A autora (1998, p.279), considera o tom que
Koster usa ao descrever sua participação no movimento como crítico, embora demonstre que
se divertiu e informe que as brincadeiras aconteciam desde uma semana antes da data
prevista.
[...] potes e panelas saíram da cozinha e foram introduzidos para enegrecer e besuntar-
nos os rostos a todos.[...] Os rapazes que tinham relações com a família puderam
interessá-las na brincadeira, e as senhoras e as escravas participavam valentemente da
luta. Ocorreu um episódio que provocou gargalhadas e que é uma característica. Um
homem que encontramos aqui dizia que não o molhassem porque estava adoentado.
Não percebia, entretanto, que não observava para os outros o que pedia para ele
mesmo. Um do grupo, vendo isso, atacou-o com um colherão de prata cheio de água.
[...] voou para a estrebaria, montou seu cavalo e galopou furiosamente mas, por
infortúnio seu , esqueceu que o caminho por onde operaria a retirada, passava por
baixo das janelas da casa e, ao defronta-las, duas tinas de água alagaram-no, a ele e à
montaria [...].
Pela forma como Fletcher, o viajante, se refere à brincadeira, pode-se compreender
como e porque os estrangeiros achavam-na grosseira: “Não era com chuvas de confeitos, que
as pessoas se saudavam nos dias do entrudo [...]” e descreve os objetos utilizados para que a
água fosse lançada sobre as pessoas: bolas de cera feitas com a forma de laranjas e ovos,
cheia de água.” Preparadas e vendidas no comércio, as bolas podiam ser atiradas a grande
distância e ao atingir o alvo espalhava a água nelas contida. Os participantes também
causavam estranheza: “Diferentemente de qualquer brincadeira análoga de bolas de neve nos
países frios, esse jogo não se limitava às crianças ou às ruas. Mas era feito na alta-roda, tanto
quanto na classe inferior, fora e dentro de casa” (SCHWARCZ, 1999, p.279).
Góes (2002, p.205) chama a atenção para o fato de que estando as pessoas vivendo um
período de “suspensão da ordem cotidiana” era possível uma “aproximação ou sensibilização
corporal de caráter excepcional” para o século XIX. Assim os rapazes podiam atirar limões na
altura do colo das moças que retribuíam o feito molhando seus pretendentes. É, ainda, nos
20
[...] we speak in such a way as to bring others down while at the same time raising ourselves up [...]The jargon
is a tool used by society in order to distinguish the few from the many, to distinguish "my" class from "your"
class.
28
relatos de Fletcher que se tem notícia da proibição que deveria ser definitiva: [...] até 1854,
quando um novo chefe de polícia, com grande energia, pôs fim ao violento entrudo, seus
combates e duchas. O entrudo agora se realiza de um modo seco, porém ainda divertido, no
estilo de Paris e Roma” (SCHWARCZ, 1999, p.279).
Mas, para se compreender a resistência a mudanças nas práticas populares, conforme o
projeto das elites, observe-se que no final da década de 1880 ainda conviviam o Entrudo e o
formato de Carnaval proposto pelos intelectuais, situação que mereceu referência de D. Pedro
II em carta datada de 1887, escrita em Petrópolis, à Condessa de Barral. O Imperador diz: “O
entrudo tem sido, graças a Deus, bem tranqüilo no Rio e aqui quase nenhum...” (apud
SCHWARCZ, 1999, p.281). Mais do que uma demonstração de alívio o Imperador faz um
lamento, pois ele era o principal entusiasta dos limões de cheiro do Entrudo.
Combatido pela intelectualidade carioca no final do Segundo Império como uma
prática violenta, grosseira e fora dos padrões de civilização que se pretendia para o país, o
Entrudo resiste nas ruas e divide o espaço público com as outras diferentes formas de
manifestações carnavalescas. No Rio de Janeiro após a segunda década do século XX ele vai
sendo ressignificado e desaparecendo (CUNHA, 2001; ALENCAR, E., 1980). Sua existência
persiste pelas cidades do interior do país, com grande parte de suas práticas originais de
molhação e provocações, até os anos 1970.
4.2 CUCUMBIS, ZÉ-PEREIRAS E OUTROS BICHOS
Presença antiga nas festas públicas e associado às irmandades católicas os Cucumbis
eram manifestações negras toleradas nas vias públicas durante o carnaval. Seus desfiles
contavam a história de reis, aventuras e misticismo religioso através de uma mistura
lingüística entre o português e línguas africanas. Tamborins, marimbas, chocalhos e agogôs
normalmente compunham o acompanhamento musical e todos vestiam trajes condizentes com
o papel que encarnavam. Folcloristas como Melo Moraes Filho consideravam-nos expressão
da tradição africana e a imprensa e os intelectuais abolicionistas os saudavam como uma voz
clamando pela liberdade e a demonstrar as mazelas do povo cativo. Este olhar piedoso não
resistiu à abolição. Com os olhos voltados para a construção de um pretenso Brasil civilizado
os Cucumbis foram relegados ao papel de bárbaros e incivilizados agrupamentos de negros
que o deveria mais ocupar as ruas durante os dias de folia, pois o carnaval da civilização
precisava de espaço. Os Cucumbis desaparecem junto com o século XIX (CUNHA, 2001).
29
O sentimento a respeito dos Cucumbis não se alterou de uma hora para outra, com o
simples fato de ter-se acabado a escravidão, existia um certo desconforto com sua presença
nas ruas. O incômodo causado pelos Cucumbis pode ser visto, por exemplo, em crônicas
publicadas já em 1886:
Entre duas sociedades dançavam, à moda de África, negros e negras de canitar e cinto
de penas, saltando sobre um e outro pé, entoando uma cantilena gemida e soluçante
[...] Em vez de lutar pela reconquista de sua liberdade e brios, o negro vinha expor-se,
ataviado a palhaço, às chufas do povo que vive à sua custa. Imenso ridículo (CIRO DE
AZEVEDO apud CUNHA, 2001, p.44).
O mesmo destino teve o Zé-Pereira no carnaval do Rio de Janeiro. o porque fosse
coisa de negros, mas porque era uma forma de diversão que se complementava com o
Entrudo, era a presença da plebe branca e marginalizada que atraía uma multidão atrás de seus
bumbos. Ao contrário dos Cucumbis o Zé-Pereira era um desfile espalhafatoso e barulhento,
tendo à frente um homem fantasiado com palha/capim levando um estandarte e seguido por
fantasiados diversos tocando bumbos. Fechando o desfile vinham outros fantasiados, de
qualquer jeito, que usavam latas como instrumentos de percussão. Seu surgimento no carnaval
do Rio de Janeiro está situado entre 1846 e 1852 por obra do sapateiro português José
Nogueira de Azevedo Paredes (CUNHA, 2001; ALENCAR, E., 1980).
Apesar desta chegada ao Rio de Janeiro ser a mais famosa referência ao aparecimento
do Zé-Pereira no Brasil, ela mostra uma incorreção histórica. Portugueses da região do Minho
vieram para Minas Gerais e introduziram o Zé-Pereira no século XVII, dois séculos antes
de sua presença no carnaval da corte. Existem documentos do século XVIII sobre festas com
a presença deste tipo de manifestação popular na chegada do primeiro bispo da cidade de
Mariana, Dom Frei Manoel da Cruz. Nesta época sua formação respeitava o costume
português: tocadores de caixa e de bumbo acompanhados por tocadores de gaitas de foles.
Com o tempo os gaiteiros foram desaparecendo e restaram apenas os percussionistas
(Eduardo de Lima e Henrique Oliveira apud AGENDA DO SAMBA & CHORO, 2006).
Como o processo de civilizatório e europeizante da capital do país no final do século XIX não
atingiu as cidades do interior, o Zé-Pereira continua existindo em Minas Gerais.
O último personagem a entrar em cena no carnaval do Brasil imperial foi aquele
apoiado pelos intelectuais e fortemente incentivado pelos jornais da época, na visão deles era
a manifestação pública que ajudaria a levar o país à civilização: A Grande Sociedade
Carnavalesca. Sua origem é muito bem datada, pois representou um grande esforço da classe
dominante em se expressar para as massas.
30
Em 1855 intelectuais como Augusto de Castro, Manuel Antônio de Almeida e José de
Alencar fundam a Sociedade das Sumidades Carnavalescas, promotora do primeiro desfile de
carnaval nas ruas do Rio de Janeiro. Ela marca, em definitivo, a separação social dentro do
carnaval brasileiro, para tanto foram buscar as bênçãos do folião-mor no Paço Imperial
(CUNHA, 2001; ALENCAR, E., 1980). Um dos sócios mais famosos desta Sociedade define
bem esta clivagem social:
[...] Uma sociedade criada o ano passado, e que conta perto de oitenta sócios, todos
pessoas de boa companhia, deve fazer no domingo a sua grande promenade [...].
A riqueza e luxo dos trajes, uma banda de música, as flôres, o aspecto original dêsses
grupos alegres, hão de tornar interessante êsse passeio dos máscaras, o primeiro que
que se realizará nesta côrte com tôda a ordem e regularidade. [...]
Todos os membros da sociedade são pessoas delicadas e do mais fino trato; e por
conseguinte podem ter certeza que quaisquer palavras [...] não serão capazes de
ofender nem sequer uma suscetibilidade (ALENCAR, J., [1955], p.141).
No curto espaço de dez anos as Grandes Sociedades tornam-se o grande espetáculo do
carnaval da corte e “conseguiram obter muito cedo uma intensa aprovação e interesse entre
foliões que pareciam reconhecê-las como mais uma forma de brincar e não necessariamente
como a melhor” (CUNHA, 2001, p.106). Todas tendo um caráter de clube, com atividade
permanente durante o ano, e contando com um rol de associados selecionados pela renda. A
partir da entrada em cena destas Sociedades o carnaval ganhou cerimonial, roteiro,
organização e um desfile, com percurso pré-estabelecido, de fantasias e carros com alegorias
– uma estrutura que será reproduzida, já no século XX pelas Escolas de Samba.
O núcleo inicial de oitenta a cem associados apresentava-se nas acanhadas ruas do Rio
de Janeiro de meados do século XIX como um rico teatro de carros alegóricos,
cavaleiros, fantasias luxuosas, imaginação e banda de música. Não traziam carros de
crítica (ou “de idéias”) [...]. Impunham uma forma processional e estruturada aos
festejos de Momo, que exigia um grau elevado de organização para seu
desenvolvimento. Organização das próprias agremiações [...] [que] trataram de
constituir-se como entidades de direito civil, eleger diretorias [...] e divulgar pela
imprensa os roteiros e temas de seus préstitos, deliberados em assembléias-gerais
(CUNHA, 2001, p.105).
Maria Cunha (2001) argumenta com muita propriedade que as Grandes Sociedades
estabeleceram uma separação entre ricos e pobres no carnaval. Em seus desfiles os sócios não
iam pelo chão, que era o espaço para a plebe admirar a suntuosidade do desfile. Através da
pesquisa de Maria Cunha podemos perceber que neste momento (metade século XIX) estes
clubes funcionavam também como forma de estrangeiros ricos ou novos ricos e sem berço
serem reconhecidos e aceitos dentro da sociedade aristocrática.
Ao final da Guerra do Paraguai as Grandes Sociedades passam a ter como
característica central a presença de carros de críticas ou de idéias. Elas vão perder influência
31
após a abolição da escravidão e o golpe republicano. Já no século XX o despertam tanto
interesse quanto antes e, a partir de 1940, entram em um lento processo de desaparecimento.
O último desfile que se tem registro de uma Grande Sociedade aconteceu em 1997 (CUNHA,
2001; ARAÚJO, 2003).
5 O REINADO DE MOMO E SUAS INFLUÊNCIAS NA TRANSIÇÃO DO
SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XX
Ao se considerar a passagem do século XIX para o século XX a primeira anotação
carnavalesca ainda fica por conta do Entrudo. Os escravos acabaram, o imperador foi
mandado embora, a república instalou-se no Catete e as fronteiras sociais tornaram-se
conflituosas. A herança cultural do Entrudo era a única coisa que continuava de pé, como se o
país ainda vivesse no tempo dos portugueses. Na verdade ela desapareceu lentamente, ou
diminuiu muito, pelo efeito de inúmeras campanhas empreendidas pelo governo republicano,
pela imprensa e pelos intelectuais, tudo pela “civilização e pelo progresso”, conforme observa
Góes (2003). O Prefeito do Rio de Janeiro agora capital da república Pereira Passos, em
1904, segundo Araújo (2003), dirigiu às instituições escolares de ensino superior e médio o
pedido de que os diretores se interessassem em alertar a juventude para o perigo e a
inconveniência da brincadeira; ao mesmo tempo baixava leis municipais proibindo a sua
prática.
A preocupação em tornar o Rio de Janeiro uma cidade comparável aos principais
centros culturais do mundo sempre esteve presente na história da cidade. Pela sua localização
ela era um porto estratégico na América portuguesa daí tornar-se uma cidade importante. Sua
importância geopolítica tomará grande impulso com a chegada da Família Real Portuguesa e
esta busca pela civilização se aprofundará, tendo nos meios de comunicação o mais forte
aliado, seja no século XIX ou ainda hoje. Ao mesmo tempo a cidade era – e continua sendo
para seus visitantes atentos “o mais imundo ajuntamento de seres humanos debaixo do céu”
(Manoel José de Araújo Porto-alegre apud. NAVES, 1996).
A aproximação com a Europa sempre foi tentada nas mínimas coisas. Em 1892
aparecem os primeiros bailes com confete importado de Paris em substituição aos
tradicionais limões de cera cheios de água. Os bailes de máscaras agora poderiam ser
comparados aos de Nice e Veneza. Nos anos seguintes a novidade chega aos portos às
toneladas (CUNHA, 2001; ALENCAR, E., 1980). O jornal Gazeta de Notícias saudou a
introdução desta novidade da seguinte forma:
32
Este ano, em vez das bisnagas e dos limões de borracha, que bem boas constipações
promoviam, tivemos uma novidade: os confetti parisienses, que consistem em algumas
rodelas de papel, que eram atiradas sobre os que passavam, inofensivos e limpos, e
que constituem, por assim dizer, um passatempo agradável para os rapazes e moças
(apud ALENCAR, E., 1980, p.58).
Por aquela ocasião, estavam parcialmente demarcados os locais para a festa: a rua e os
salões, conforme a demanda de determinada classe social. Parcialmente porque o carnaval dos
ricos os Felianos, os Tenentes do Diabo, os Democráticos e as Grandes Sociedades
Carnavalescas menores – depois de desfilarem por algumas ruas do centro iam para os clubes,
deixando o espaço público para o carnaval do povo Essa diferenciação controlava os espaços
e deixava a tarefa de vigilância “da polícia dentro de um evidente esquema de dominação pelo
aparelho do Estado” (SEBE, 1996, p. 60).
Na então capital da República, por essa época, os salões passavam a ser o espaço
preferido pelas elites: eram mais seguros, disciplinados e assim definido segundo
padrões europeizados; procedia-se também distinção sócio-racial, que segregava a
festa dos pobres aos morros e favelas (SEBE, 1996, p.61).
Esta visão de Carlos Sebe é um tanto simplista, pois é de domínio público que a ocupação
dos morros acontece após o bota abaixo do prefeito Pereira Passos e, mesmo depois desta
reforma urbana, o centro do Rio de Janeiro continuará sendo o lugar por excelência do
carnaval
21
.
Conforme a narração de Sebe (1986) e Maria Cunha (2001), a população pobre se
adaptava à proposta pedagógica das Grandes Sociedades e, sem luxo, também se reunia em
agremiações, ou um simulacro destas Sociedades ou nos Zé-pereiras, mais ao gosto da plebe
que pelas ruas iam mexendo com a multidão de forma irreverente e cômica e menos
dominada, provocando uma inversão de ordem. Entretanto, havia uma certa preocupação em
dar um caráter socialmente aceitável aos Zé-pereiras, uma tentativa foi a incorporação da
música do teatro de revista O Zé-pereira carnavalesco, cujo refrão dizia: E viva o Zé-
pereira!/Que a ninguém faz mal. Para Edigar de Alencar esta “ainda que por simples acaso,
passa a ser a primeira musiquinha inteiramente ajustada ao carnaval [...] não somente no Rio,
mas em todo o país” (1980, p.64).
21
Dentro da bibliografia consultada os livros O mistério do samba e Ecos da folia, principalmente o segundo,
realizam uma boa descrição sobre a situação urbana do Rio de Janeiro neste período.
33
5.1 CARNAVAL CAFÉ COM LEITE
A primeira república, sob a alcunha de República do Café com Leite
22
, transformou do
dia para a noite senhores e ex-escravos em cidadãos, aristocratas e plebeus em iguais perante
a lei e instaurou uma sociedade democrática onde na véspera dormiu uma sociedade
monárquica. A mudança de regime, claro, foi conflituosa e as tensões também estavam
presentes no espaço público. As três Grandes Sociedades Carnavalescas Fenianos,
Democráticos e Tenentes do Diabo saíram vitoriosas de sua batalha política. Apinhadas de
jornalistas, intelectuais, artistas e prostitutas francesas sempre trafegaram com seus carros de
idéias ou de críticas pedindo o fim da escravidão e a instauração da república. Para além desta
disputa ideológica havia o trabalho prático destas Sociedades para tentar
Configurar e educar o povo inculto e bárbaro, redefinir a cidade e o cidadão, desenhar
no país novas identidades [...]. uma nação livre das divisões irreconciliáveis da
dominação senhorial. Para isso, parecia necessário engendrar também o povo que a
habitaria, e moldá-lo à imagem e semelhança de Deus, mesmo que fosse apenas o deus
Momo que abençoava os Carnavais em que se pugnava pela civilização. Assim,
parecia fundamental conquistar sua [do povo] adesão e seu aplauso, dirigi-lo em suas
preferências e seus comportamentos, ensinar-lhe idéias e símbolos, inventando
tradições (CUNHA, 2001, p.117).
O que estes educados homens da sociedade crioula não se deram conta foi que a
instauração da república era incompatível com seus ideais. O novo regime permitia a todos
uma presença igual no espaço público, em função disto o número de Grandes Sociedades
cresceu, principalmente nos subúrbios habitados pelas classes subalternas. Como se não
bastasse ainda geraram novas formas para se brincar o carnaval: o Rancho e o Cordão.
Conseqüentemente a pedagogia civilizadora das Grandes Sociedades é posta em xeque, pois
“uma multidão de negros e mulatos e préstitos suburbanos sem ‘espírito’ ou luxo pareciam
algo muito distante do ideal civilizador que algum tempo atrás levara às ruas a ‘fina flor’ da
capital” (CUNHA, 2001, p.119). Podemos inferir que as Sociedades dos subúrbios marcaram
a decadência deste tipo de diversão, pois as classes subalternas passaram a ser protagonistas
da festa.
O conflito burguesia versus aristocracia vencido pelas Grandes Sociedades acabou por
instaurar, dialeticamente, um novo conflito: burguesia versus proletariado. Os intelectuais não
poderiam colocar no carnaval carros com alegorias criticando o regime que eles lutaram pela
implantação, mas qual era a percepção da população, em especial as classes subalternas a
22
Este período (1894-1930) passou à história como do Café com Leite por causa do acordo de ocupação
alternada da presidência da república entre políticos de Minas Gerais (produtor de leite) e políticos de São Paulo
(produtor de café). O sistema eleitoral do período permitia este tipo de situação.
34
respeito deste novo formato do Estado? Como era a divisão do espaço público entre as
Sociedades da burguesia e as Sociedades do subúrbio? Para um Rio de Janeiro que no apagar
das luzes do século XIX era, nas palavras do memorialista Luiz Edmundo, “cidade de
comendadores analfabetos, burgo comercial estrangeirado e podre, desagradável ao olfato,
onde vicejam apenas velhas e prosaicas tradições com as quais os espíritos de certa distinção
vivem em desacordo, quando não vivem em luta a mais aberta e acesa” (apud CUNHA, 2001,
p.120), écil inferir que o fluxo de pessoas para brincar o carnaval no centro e a competição
pelo melhor espaço traziam à tona os conflitos sociais
23
.
De critica social as Grandes Sociedades passaram à defesa intransigente de um regime
que no início do século XX mostra-se cada vez mais elitista e impopular. Elas passaram a
porta-vozes de “reformas urbanas autoritárias, da intervenção médica pela violência, do
aparato policial cada vez mais discriminatório. [...] quase sempre a própria multidão que
amara e aplaudira as sociedades [...] era ridicularizada e exposta ao riso público nas suas
alusões carnavalescas” (CUNHA, 2001, p.143). Sem identificação com o desfile das Grandes
Sociedades as classes subalternas se reuniam em pequenas sociedades e clubes de subúrbio ou
mantinham antigas brincadeiras como os zé-pereiras e, no caso dos migrantes nordestinos,
grupos de frevo. Duas organizações mudam o panorama carnavalesco no primeiro decênio do
século XX: os Ranchos e os Cordões.
Os Ranchos se formavam e se dissolviam desde 1872, mas neste período ainda eram
Terno de Reis
24
, com forte influência folclórica nordestina, que iam para as ruas nos dias do
carnaval, semanas depois de seu dia tradicional de ocupar as ruas. Estes Ternos eram
mantidos por migrantes nordestinos que se fixaram no Rio de Janeiro. Com o tempo sua
presença foi sendo adaptada e padronizada para o carnaval, até que em 1906, conforme José
Carlos Sebe (1986) ou 1907, conforme Maria Cunha (2001) e Edgar de Alencar (1980) ou
1908, conforme Hiram Araújo (2003) apareceu o Rancho Ameno Resedá, que demarcaria
uma espécie de o antes e o depois do carnaval carioca. Essa ocasião significou, também, “o
triunfo do modelo baiano das festas religiosas que se havia secularizado e se adaptado às
condições da capital” (SEBE, 1986, p.63).
Os Ranchos se desenvolveram de tal forma que os jornais, os intelectuais e os homens
públicos prestigiavam as pequenas sociedades assistindo a seus desfiles ou convidando-os a
desfilarem diante dos prédios dos jornais. Eram uma contraposição aos Cordões, mais
23
Exemplos deste problema estão nas crônicas de Machado de Assis publicadas no jornal A Semana Ilustrada.
24
Grupo musical que vai de casa em casa no dia de Reis (6 de janeiro), cantando, pedindo uma prenda e
chamando os donos da casa para acompanha-los em sua caminhada.
35
desorganizados e considerados violentos (CUNHA, 2001; ARAÚJO, 2003). A organização do
grupo contava com fantasias luxuosas e criativas enfeitadas com esplendores nas costas, além
de pórticos, painéis e alegorias menores que as das Grandes Sociedades. Segundo Araújo
(2003) a organização dos Ranchos era: (1) Abre-Alas; (2) Comissão de Frente; (3) Figurantes;
(4) Alegorias; (5) Mestre de Manobra; (6) Mestre–Sala e Porta–Estandarte; (7) O Primeiro
Mestre de Canto; (8) Coro Feminino; (9) Segunda Baliza e Porta–Estandarte; (10) Segundo
Mestre de Canto; (11) Corpo Coral Masculino; (12) Orquestra.
Pelos anos de 1920 e 1930, os Ranchos, com participantes predominantemente vindos
das classes subalternas, tiveram o seu dia de desfile: a segunda-feira de carnaval no palco
nobre do carnaval carioca, a Avenida Rio Branco antiga avenida Central, cartão postal da
cidade modernizada. Este direito de penetração no espaço das elites foi conseguido pela
afirmação de suas identidades culturais através de recursos emblemáticos de cunhos
pacíficos” e seu declínio nos anos Vargas foi uma decorrência do desinteresse da mídia e da
falta de planejamento cultural (ARAÚJO, 2003, p. 219). Podemos dizer também que a política
de propaganda do regime varguista tenha encontrado uma identidade cultural mais pacífica
em outros grupos e outras manifestações.
Enquanto os Ranchos foram aceitos por sua proximidade com os anseios da elite os
Cordões foram perseguidos por apresentarem características opostas podemos até mesmo
considerá-los uma espécie de Entrudo organizado. Hiram Araújo (2003, p.118) nos mostra um
bom exemplo:
[...] os cordões iam passando. Os donos das funerárias sentados com suas famílias na
calçada, recebiam a homenagem dos porta-estandartes, que se exibiam numa espécie
de parada, como fazem hoje as escolas de samba diante do palanque da comissão
julgadora. Se o comerciante gostasse do cordão, fazia um aceno. O estandarte era
abaixado, e ele enfiava na ponta uma pequena coroa. Assim, quando esses blocos de
foliões apareciam na quadra da Praça 11 já vinham exibindo a maior ou menor
quantidade de coroas conquistadas o que gerava brigas memoráveis.
Com certeza muitos foliões acabaram tornando-se clientes da funerária após o desfile, pois
numa referência encontramos o seguinte trecho: “Pancadaria grossa. Tudo entra no bolo.
Mulher, homem, rapazolas. Rebrilham facas e ouvem-se tiros. Quando a polícia aparece, além
de inúmeros feridos, há dois mortos do Estrela [...]” (Luiz Edmundo apud ALENCAR, E.,
1980, p.89).
Ao contrário dos Ranchos, trazidos pelos migrantes do nordeste, os Cordões “saíram
dos templos. Vêm da festa de N.S. do Rosário, ainda nos tempos coloniais” (João do Rio apud
ARAÚJO, 2003, p.116). Logo, era uma manifestação nascida entre as classes subalternas do
próprio Rio de Janeiro. Seu desfile era realizado com a seguinte estrutura: o grupo desfilava a
36
pé, portando fantasias variadas; seus componentes eram predominantemente masculinos; o
acompanhamento musical era realizado com forte percussão, por vezes acompanhada de
cavaquinho e violão; dois dançarinos vestidos de índio iam à frente abrindo caminho e
entoando um canto; um coro repetia o estribilho; mestre-de-pancadaria para dar ritmo à
marcha sincopada da percussão (CUNHA, 2001).
O aparecimento de concursos de cordões patrocinados pelos jornais era uma forma de
dar representatividade a alguns grupos, enquanto outros eram proibidos de sair às ruas pela
polícia. No sábado os estandartes ficavam expostos nas redações, até a segunda-feira quando
desfilariam pelas ruas e enfrentariam a violência ao final, na praça Onze (ARAÚJO, 2003;
CUNHA, 2001). O apoio dos jornais era menor que o dado aos Ranchos por situações como a
descrita por Cartola à pesquisadora Maria Júlia Goldwasser: “Esses eram blocos organizados.
Nós éramos desorganizados [...] resolvemos organizar o nosso bloco, organizar o Bloco dos
Arengueiros. Esse bloco era a turma da pior espécie, era o que não prestava, a turma que não
valia nada. Saía no carnaval não para brincar, mas para brigar” (apud AUGRAS, 1998, p. 24).
Os autores citados até aqui vêm a origem das escolas de samba como resultado da
reunião/evolução/reestruturação dos ranchos, dos blocos e dos cordões que circulavam pelas
ruas do Rio de Janeiro no início do século XX. Para nós elas surgem no contexto de
eliminação do carnaval individualizado e espontâneo das fantasias avulsas e do Entrudo pelo
carnaval coletivo e controlado das organizações comunitárias e da propaganda dos veículos de
comunicação. Os conflitos sociais da República Velha se faziam presentes nos três dias de
folia e a disputa por corações e mentes em torno da forma de se brincar o carnaval era, antes
de tudo, um confronto de ideologias. Nós identificamos dois tipos de embate: 1) a luta dava-se
de forma vertical, ou seja, elite contra classes subalternas. Aqui os meios de comunicação
ocupam o centro do palco, pois são a ressonância dos interesses privados tentando determinar
como deve ser a ocupação do espaço público a partir do lúdico. 2) a luta dava-se de forma
horizontal, ou seja, as classes subalternas se confrontavam. Os grupos se dividiam por
diversos tipos de interesse desde disputas entre nativos e migrantes até questões religiosas,
sejam crenças diferentes ou a busca pela liderança dentro de uma mesma fé.
“Não se sabia muito bem quais os limites entre o aceitável e o desejável [...] os riscos
decorrentes da ampliação da cidadania pareciam incomodar as elites [... e as primeiras
décadas da República foram] estratégicas para as definições posteriores do Carnaval carioca”
(CUNHA, 2001, p.155). Como dissemos acima, também as tensões acumuladas durante o ano
pelas classes populares, que explodiam no momento em que elas ocupavam o mesmo espaço
37
da cidade, contribuíram para estas definições posteriores”. Cordões e Ranchos se ajustavam
às exigências da polícia republicana.
nenhum desses grupos se auto-intitula cordão” embora a palavra rancho apareça
uma vez ou outra ao especificar-se detalhes sobre a forma de apresentação pública de
alguns deles. Nesse contexto institucional, ao se auto-intitularem dessa forma e
adotarem certos padrões de comportamento, as pequenas sociedades, grêmios e clubes
carnavalescos buscavam, por um lado, garantias legais para o seu funcionamento; mas,
por outro, mostravam aspirar a foros mais altos de reconhecimento e legitimidade
(CUNHA, 2001, p.159).
No contexto da festa não se sabe ao certo como os Cordões foram mudando o
comportamento. É um exemplo clássico da intenção das pessoas nos desfiles em geral, da
época, o fato de que as primeiras alas de baianas destes grupos eram formadas por homens,
“não por ambigüidade sexual, mas porque as amplas saias ofereciam excelentes esconderijos
para suas armas” (AUGRAS, 1998, p.24). O tratamento dado a eles era ambíguo, pois alguns
atingiram o reconhecimento almejado, como o Cordão Rosa de Ouro que recebeu de presente
de Chiquinha Gonzaga a marchinha Ó Abre Alas (ALENCAR, E., 1980). Outros eram
combatidos.
Américo Fluminense em fins da primeira década do século XX trata de qualificar os
Cordões em suas crônicas para a revista Kosmos da seguinte forma:
Enquanto assim corria o Carnaval, os cucumbis [...] mudavam o aspecto dos folguedos
comunicando a sua selvageria aos instintos rudes do povo. Dir-se-ia uma afinidade.
Deles nasciam os cordões, esses horríveis, fétidos, bárbaros cordões, que dão ao nosso
Carnaval de hoje algo de boçal e selvagem com sua imutável melopéia de adufes e
pandeiros [...]. Já não há alegria nem espírito, há berreiro de taba de mistura com uivos
de africanos em samba (apud CUNHA, 2001, p.176)
No entanto, os participantes destas agremiações sabiam muito bem que haviam diferenças e
rivalidades entre diversos grupos dentro de sua classe social. Nos dados compilados por Maria
Cunha (2001) encontramos bons exemplos desta cisão. O Rancho Flor do Abacate, já ungido
pela imprensa após vários carnavais, recebe licença para desfilar sem questionamentos pelas
autoridades; o Grêmio Carnavalesco Estrela do Paraíso recebe autorização após
sindicância da polícia e levantamento da ficha criminal de sua diretoria; e a Sociedade
Familiar Dançante e Carnavalesca Club dos Mangueiras é proibido de sair às ruas porque no
prontuário de alguns de seus diretores consta a participação em greves
25
.
Além da relação amigável entre alguns grupos e as elites havia a disputa de poder
dentro das comunidades. Negros cariocas e baianos se enfrentavam principalmente pela
liderança religiosa. Os negros migrantes queriam também uma suave integração com as
25
A autora buscou estas informações nas autorizações policiais de 1910.
38
instituições. Assim, os Ranchos saíam no carnaval também como forma de demarcar a
diferença entre os migrantes e as formas tradicionais do carnaval dos cariocas, tratadas com
desdém pelos baianos. Os nordestinos montavam seus desfiles para satirizar os terreiros do
Rio de Janeiro, tornando seus grupos uma oposição às brincadeiras de carnaval dos negros
cariocas africanismos nas considerações que Américo Fluminense fez acima e
demonstravam uma clara hostilidade com as tradições negras da cidade (CUNHA, 2001). A
trajetória de Hilário Jovino Ferreira reflete esta disputa: Ogã, fundador de vários Ranchos,
Pernambucano migrado para o Rio de Janeiro e reconhecido – hoje como um dos principais
nomes da estruturação das sementes das Escolas de Samba por ter levado para o carnaval o
desfile de Terno de Reis em oposição aos Cordões; freqüentou a casa de Tia Ciata outro
nome fundamental para as Escolas de Samba e mãe-de-santo nordestina até o momento em
que se atritaram em função da disputa pela liderança espiritual e social do grupo.
O jornal Gazeta de Notícias instituiu o primeiro concurso de Cordões em 1906, mais
do que uma repressão ineficaz pela força, uma parte das elites pensava na introjeção do olho
do controle, ou seja, uma vez que existiam critérios de julgamento premiáveis – luxo e
originalidade – os componentes dos Cordões passariam a se preocupar com o desfile e
provavelmente alguns grupos viriam mais mansos para as ruas. Perseguindo a glória da
premiação e os critérios estabelecidos pelo persistente jornal em seus ímpetos de civilizar os
bárbaros, as agremiações logo vão transformando seus desfiles segundo os nones
estabelecidos” (CUNHA, 2001, p.209).
Este fenômeno de transformação pode ser explicado pela a partir das observações que
Michel Foucault faz sobre o panóptico de Jeremy Bentham, ou seja, em lugar de ampliar o
aparato repressivo busca-se a dissuasão, mais que impedir a realização do mal, fazer com que
as pessoas o queiram e não possam fazê-lo pela interiorização do olhar de inspetor que
sempre vigia. Enquanto a repressão é onerosa pelo aparato material e a multiplicação da
violência do Estado também multiplica a revolta contra o Estado, a dissuasão utiliza-se apenas
do olhar vigilante, “um olhar que vigia e que cada um sentindo-o pesar sobre si, acabará por
interiorizar, a ponto de observar a si mesmo; [...] cada um exercerá esta vigilância sobre e
contra si mesmo” (FOUCAULT, 1995, p.218). Dentro do mesmo tema o autor ainda entende
que enquanto o regime monárquico utilizava-se da câmara escura, a república buscava sua
39
destruição para evitar o arbitrário político, os monarquistas, as superstições, os complôs, as
epidemias
26
.
No caso dos Ranchos este tipo de controle se faz notar desde seu aparecimento. Hilário
Jovino exerceu cargos na burocracia do aparato policial e Tia Ciata construiu uma rede de
relações com as elites. Ambos e os demais Ranchos realizaram uma estratégia para sua
aceitação: “assumiram-se como manifestação folclórica, sossegando a inquietação dos
jornalistas [e intelectuais] desconfiados da folia dos pobres. Estabeleceram bases fixas de
organização [...] tendência [...] que se fixara no Carnaval carioca a partir das Grandes
Sociedades” (CUNHA, 2001, p.218). Esta transformação do Rancho em folclore segue o
mesmo caminho de várias outras tradições inventadas.
Uma mudança radical em termos de Carnaval ocorre em 1907. Todos os autores
consultados (incluindo outros que não constam de nossas referências) concordam que o
aparecimento do Rancho Ameno Resedá altera de forma significativa o panorama de se fazer
o carnaval. Para Edigar de Alencar (1980, p.100) a grande mudança “é que eram introduzidos
no conjunto musical instrumentos de sopro como flauta, clarinete, sax, bombardinos, pistons e
até violinos”. Hiram Araújo (2003) e Maria Cunha (2001) consideram significativo o fato de o
Ameno Resedá não ter saído dos terreiros, mas ter nascido da reunião de músicos ligados ao
choro que levaram para rua um estilo musical diverso do que se via até este momento. O auge
de sua fama e o passaporte para a aceitação plena foi o desfile realizado no Palácio das
Laranjeiras, em 1911, para o marechal-presidente Hermes da Fonseca. Existiram outros
Ranchos não religiosos, mas não eram bem vistos por causa da presença de imigrantes
europeus vinculados aos sindicatos.
Depois de 55 anos que a Sociedade Congresso das Sumidades Carnavalescas foi ao
Paço Imperial beijar a mão de D. Pedro II e mostrar uma nova maneira de ocupação do espaço
público durante o carnaval, o Ameno Resevai demonstrar sua docilidade frente o poder
instituído. A burguesia recebe o afago na cabeça da aristocracia e ao assumir o poder tem o
proletariado a lhe pedir a mão sobre a pele.
A aceitação dos Ranchos não será a única novidade na segunda década do século XX.
Em 1917 surge a música Pelo telefone, que passou à história como primeiro samba. No
entanto, Edigar de Alencar (1980) faz a ressalva que o samba enquanto gênero musical
existia por este tempo, seja em discos no Ceará ou em filmes realizados em Porto Alegre. Para
26
Foucault está falando do período revolucionário na França, mas podemos dizer que provavelmente este mesmo
sentimento moveu a reforma urbana do Rio de Janeiro: iluminar os cantos escuros. No caso do Brasil, sem a
ideologia da Revolução.
40
este pesquisador a diferença é que “o maxixe PELO TELEFONE considerado como o
primeiro samba a ser lançado com essa designação significando coreografia urbana, isto é,
dança a dois, e não como festa, pagode ou bailarico, fez furor” (ALENCAR, E., 1980, p.122).
A composição foi uma criação coletiva em um dos sarais na casa de Tia Ciata, mas
espertamente registrada por Donga
27
. Segundo Almirante (apud ALENCAR, E., 1980) os
principais nomes responsáveis pela criação de Pelo telefone foram Mauro de Almeida, João
da Mata, mestre Germano, Tia Ciata, Hilário Jovino, Sinhô e o próprio Donga.
6 Surgimento das escolas de samba
Inventado o samba faltava ainda um longo caminho de lapidação para que ele
chegasse às ruas em condições de competir com os Ranchos e Cordões na preferência dos
foliões. Maria Cunha (2001) nos mostra que o fôlego dos Cordões o é o mesmo e que os
Ranchos dominam a cena por volta de 1923. Um subproduto dos Ranchos, mais aceitos que
os Cordões, foram os Sujos, cujo objetivo inicial, pelos idos de 1910, era ridicularizar os
Ranchos adversários. nos anos 1920 estes Sujos usavam seu humor como crítica social,
como o caso do Macaco é outro, uma réplica ao tratamento racista dado à população negra.
De qualquer forma, e símios à parte, ao final das duas primeiras décadas do
século XX o perigo representado pela insistente presença dos trabalhadores
pobres no Carnaval de rua parecia controlado, aos olhos dos guardiães da
regeneração urbana, da civilização e da modernidade carnavalesca [...]. Com
suspiros de alívio, as elites “pensantes” puderam ver nele [carnaval] uma
“expressão nacional” em que a “alma do povo” afluía em sua verdadeira
expressão, um momento de suspensão dos conflitos e de pacífica e alegre
convivência social em um país possível. No fundo, para elas, o macaco
continuava sendo o mesmo. Mas agora parecia que se poderia rir com alívio de
suas tentativas de parecer humano (CUNHA, 2001, p.239).
Araújo (2003) cita um grupo de sambistas do Estácio que em busca de respeito e admiração,
resolveu imitar as turmas dos Ranchos, constituindo uma agremiação que se impondo pelo
samba seria bem aceita como o eram os ranchos. Os mais famosos fundadores desta
agremiação foram: Ismael Silva, Nilton Bastos e Juvenal Lopes. A denominação atribuída à
nova agremiação que os sambistas propunham tem pelo menos duas versões, trazidas por
Araújo (2003). A primeira diz que Ismael Silva chama a si a gloria de ter inventado o nome
escola de samba. Como o grupo se reunia justamente próximo da escola normal, os sambistas
concordaram que, tendo muita sabedoria a respeito do samba, podiam ser considerados
27
Donga (Ernesto dos Santos) tornou-se um dos principais compositores do carnaval.
41
mestres e formavam, portanto, uma escola de samba. Pode-se acrescentar que Ismael Silva
dizia: nós não somos um bloco qualquer, nós somos escola de samba (AUGRAS 1998,
p.25). A outra versão é de Almirante e Édson Carneiro (apud ARAÚJO, 2003, p.220) que
atribuem o título à popularização do tiro de guerra em 1916 (a voz de comando era “Escola,
sentido!”). Jota Efegê (apud AUGRAS, 1998) cita ainda o fato de o Rancho Ameno Resedá
usar a denominação de rancho-escola desde a sua fundação.
Os sambistas do Estácio batizaram o grupo de Deixa Falar. No entanto, Augras (1998)
e Araújo (2003) mostram que as intenções iniciais não se concretizaram e esta
primeira Escola de Samba, por várias razões, nunca deixou de ser Rancho, até seu
desaparecimento em 1932. A novidade introduzida pelo Deixa Falar foi a tentativa de
mudar o compasso com a invenção de um surdo de marcação e do tamborim, pois até
então “o estilo não dava para andar. [...] o samba era assim: tan tantan tan tantan. [...]
a gente começou um samba assim: bum bum praticumbum prugurundum
(ISMAEL SILVA apud ARAÚJO, 2003, p.220).
Monique Augras (1998, p.25) considera que o fim dos anos 1920 presencia o samba
rumando para a respeitabilidade com a adição da palavra escola, pois citando Ari Araújo:
“[Escola de Samba traz] o desejo de ascensão social e reconhecimento pela sociedade como
um todo não do samba como do negro, visto ser a educação a via oferecida pelo sistema
para tanto”. Devemos considerar também que a mudança nas formas da folia deste período se
deve também a fatores temporais. Nos anos 1920 o país experimenta a primeira geração que
não conviveu com o período escravocrata e nem com o Império, portanto as tensões anteriores
(ex-senhores versus ex-escravos ou aristocratas x burgueses) tornaram-se reminiscências dos
pais sexagenários. No campo político a República Velha prepara o terreno para o período
Vargas, que será definitivo para uma série de mudanças, principalmente nos campos da
educação, da cultura e da comunicação.
6.1 AS PRIMEIRAS ESCOLAS DE SAMBA E A OFICIALIZAÇÃO DO DESFILE
No mesmo ano de criação da Deixa Falar, 1928, surge também aquela que foi
efetivamente a primeira Escola de Samba: Estação Primeira de Mangueira. Tanto a
Mangueira quanto as demais Escolas deste período surgiram quando uma parte dos membros
dos blocos e Cordões ficaram mais amadurecidos e evitavam sair no carnaval para brigar com
moradores de outros bairros. Também os componentes de Ranchos e bandas abandonaram
suas agremiações originais em função de desentendimentos ou outras razões pessoais. Por
serem seus membros das classes subalternas, é impossível reconstituir com exatidão suas
histórias. De qualquer forma em 1930 cinco Escolas de Samba estão presentes no carnaval do
42
Rio de Janeiro: Cada Ano Sai Melhor (São Carlos); Mangueira, Oswaldo Cruz e Para o Ano
Sai Melhor (Estácio); e Vizinha Faladeira (Praça Onze) (AUGRAS, 1998; ARAÚJO, 2003).
É também no ano de 1930 que os barões do café são apeados do poder. O novo grupo
no poder, comandado por Getúlio Vargas, sabia da necessidade de conquistar as classes
subalternas ideologicamente, daí a necessidade da criação de símbolos de identidade nacional
para serem usados na indústria cultural que aportava com toda a força no Brasil. No caso do
samba aproveitaram os novos ventos da antropologia para alçá-lo à condição de tradução da
alma brasileira.
Reflexo desta tradução pode ser exemplificado através do texto de Hermano Vianna
(2002) que resgata um encontro em 1926 entre Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre
(ambos com obras fundadoras da identidade brasileira), Prudente de Morais Neto, Villa-
Lobos, Luciano Gallet (ambos compositores eruditos), Patrício Teixeira, Donga e Pixinguinha
(três compositores de samba). Concordamos com Vianna quando ele considera que
Essa “noitada de violão” pode servir como alegoria [...] da “invenção de uma
tradição”, aquela do Brasil Mestiço, onde a música samba ocupa o lugar de destaque
como elemento definidor da nacionalidade. A naturalidade do episódio não nos deve
enganar: seu aspecto de fato corriqueiro foi obviamente construído, como também
acontece com acontecimentos narrados em mitos fundadores de todas as tradições. O
fato de tal encontro não se ter transformado em mito [...] mostra que se acreditava
realmente que uma reunião como aquela era algo banal, coisa de todo dia, indigna de
um registro mais cuidadoso (VIANNA, 2002, p.20-21).
Os jornalistas Orestes Barbosa, Francisco Guimarães e Alexandre Gonçalves Pinto,
copiando o estilo de seus antecessores do século XIX, também contribuíram para alçar o
samba (e o choro) a esta condição de tradução da alma brasileira.
Os três, sem dúvida nenhuma, ajudaram a “inventar” a grande tradição musical urbana
carioca e, por extensão, brasileira: o choro e o samba como símbolo de identidade
nacional. Privilegiaram explicita e cuidadosamente determinadas imagens em
detrimento de outras e essas escolhas algumas vezes definem diretamente, melhor
dizer evidenciam, os valores de época em relação aos autores e músicos dessa música
urbana de que falam (BRAGA, 2002, p.195).
O samba, famoso no resto do país presencia as Escolas de Samba ocupando o
espaço urbano. Com tantas preocupações para se tornar visível à população carioca e ocupar
um lugar de respeito que as tornasse importantes, não havia tempo para criarem uma nova
estrutura procissional, uma forma especial de cortejo. A Escola de Samba, para sua evolução
pelas ruas da cidade “aproveitou o desenvolvimento dos ranchos em suas estruturas
procissinonais somente o samba faz diferença fundamental entre rancho e escola: diferença
de ritmo, de ginga, de evolução, de número de figurantes” (ARAÚJO, 2003, p. 220). A forma
43
organizada de saírem a público não acabou com a rivalidade entre os grupos carnavalescos.
Mas o caminho para se evitar a violência estava dado pelos jornais desde o culo XIX: o
concurso.
O repórter que primeiro reservou um espaço na mídia para as Escolas de Samba foi
Carlos Pimentel do jornal Mundo Sportivo. Ele entrevistava o pessoal ligado ao carnaval para
preencher o noticiário no período entre os torneios de futebol e remo. A idéia de promover um
concurso entre as escolas coube a Mário Filho, proprietário do veículo. Assim, em 1932, na
Praça Onze, com um regulamento esboçado pelo jornal, num coreto armado precariamente e
com uma comissão julgadora aconteceu o primeiro desfile oficial das Escolas de Samba
(CABRAL, 1996, p.59-60, 68-71). Esta comissão julgadora foi formada por Álvaro Moreira,
Eugênia (mulher de Álvaro), Orestes Barbosa, Raimundo Magalhães Júnior, José Lira,
Fernando Costa e J. Reis. Das 19 escolas que se apresentaram, cinco foram premiadas,
cabendo o primeiro lugar à Mangueira, um empate no segundo posto entre Vai Como Pode e
Linha do Estácio, seguidas de Para o Ano Sai Melhor em terceiro e Unidos da Tijuca em
quarto (AUGRAS, 1998, p.29-30). A presença de uma comissão julgadora com jornalistas e
intelectuais reforça os movimentos das elites no intuito de controle, da mesma forma que era
realizado no século XIX. Com certeza o ambiente da praça Onze, palco do desfile e do samba
nos outros dias do ano era visto com desconfiança, pois ali se misturavam tanto o proletariado
quanto pequenos comerciantes judeus, turcos e ciganos.
Além de levar ao domínio público a existência das Escolas de Samba e de seu desfile,
o concurso e a premiação abriram o caminho para a instituição de normas e controles.
Do ponto de vista do controle social, os concursos são sem dúvida eficazes. Premiar o
desempenho de determinado grupo permite reforçar padrões de representação e
dissuadir outros grupos de seguir rotas desviantes. Sob a aparência de valorizar a
produção desses grupos, o concurso institui uma hierarquia de valores, estéticos
alguns, ideológicos quase todos, que, ao legitimar certas atuações e desqualificar
outras, acaba assegurando a manutenção de um modelo estável e de fácil fiscalização.
E o primeiro passo para tanto é a regulamentação do desfile (AUGRAS, 1998, p.30).
Neste mesmo ano o prefeito do Rio de Janeiro, Pedro Ernesto, “grande animador do carnaval,
entregara ao Touring Club a realização da festa maior do Brasil, que decorreu animadíssima”
(ALENCAR, E., 1980, p.215). Neste momento o carnaval é a principal manifestação popular
do país, mas as Escolas de Samba não ocupam o centro do palco.
No ano seguinte, 1933, o jornal O Globo aproveitou o sucesso alcançado pelo Mundo
Sportivo e, por causa do fechamento do concorrente, patrocinou o desfile das Escolas de
Samba e selecionou quatro quesitos para serem julgados pela comissão formada por
jornalistas e intelectuais interessados em samba: (1) poesia do samba; (2) enredo; (3)
44
originalidade; (4) conjunto. Aprofundando o reconhecimento oficial das Escolas de Samba, o
seu desfile foi inscrito no programa do Distrito Federal e do Touring Club (AUGRAS, 1998,
p.30; CABRAL, 1996, p. 75-79).
É neste segundo ano que surge o primeiro samba-enredo, com a Escola de Samba
Unidos da Tijuca. Até então a poesia do samba estava considerada, mas o em sua relação
com o enredo. Em geral, havia dois sambas um de ida e outro de volta, ambos sem relação
com o tema do desfile. Os sambas eram improvisados por verdadeiros repentistas que criavam
versos alusivos ao momento do desfile e eram emendados com estribilhos do conhecimento
popular (AUGRAS, 1998, p.31-33, 37). Araújo (2003, p.271-273, 356) diz que no período
que compreende os anos 1930 e 1940 o samba-enredo o existia como gênero musical, por
isso causou surpresa, em 1933, a ligação do samba da Unidos da Tijuca com o seu enredo. A
novidade não impediu que a Mangueira fosse novamente campeã, seguida da Azul e Branco
do Salgueiro, com a inovadora Unidos da Tijuca em terceiro lugar. O crescimento das Escolas
de Samba era visível, pois 28 agremiações se inscreveram no concurso de 1933, contra 19
inscritas na disputa do ano anterior.
O regulamento criado pelo jornal O Globo marcou definitivamente o modo pelo qual
as Escolas de Samba se comportariam nas ruas: estavam proibidos os instrumentos de sopro
no acompanhamento musical e era obrigatória a presença das Baianas - o desfile ainda não era
realizado por alas (ARAÚJO 2003, p.357; CABRAL, 1996, p.78-79). Duas tradições do
carnaval estavam inventadas pelos intelectuais e jornalistas e se reproduziram como se fossem
ecos de um passado imemorial chegado ao Brasil nos porões dos navios negreiros.
A oficialização definitiva desta nova forma de participar da folia acontece no
aniversário da cidade do Rio de Janeiro dia de São Sebastião em 1934. Na descrição de
Augras (1998, p.32-34) e Araújo (2003, p.226-227), uma grande festa com a participação de
todas as agremiações carnavalescas acontece no Campo de Santana, com cobrança de entradas
para quem quisesse assistir aos desfiles. A renda da venda de ingressos foi revertida para as
entidades e os percentuais demonstravam o prestígio e a popularidade de cada uma: 35%
ficaram com as Grandes Sociedades, 30% coube aos Ranchos, 25% foi entregue aos blocos,
7% da verba resultante foram destinados às Escolas de samba e os 3% restantes coube ao
Clube Carnavalesco do Andaraí. Em setembro do mesmo ano é constituída a União das
Escolas de Samba. Entidade que antes do carnaval de 1935 se dirigia ao prefeito Pedro
Ernesto através de carta na qual declarava que
[pretende nortear] os núcleos onde se cultiva a verdadeira música nacional,
imprimindo em suas diretrizes o cunho essencial da brasilidade. [...] Explicadas que
45
estão as finalidades desta agremiação, sob o vosso patrocínio, composta de 28 núcleos,
num total aproximado de 12 mil componentes, tendo uma sica própria, seus
instrumentos próprios e seus cortejos baseados em motivos nacionais, fazendo
ressurgir o carnaval de rua, base de toda a propaganda que se tem feito em torno da
nossa festa máxima (AUGRAS, 1998, p.34).
Estava mais que amansada a plebe rude que passou a habitar os morros da agora Cidade
Maravilhosa. Prova disto foi a assinatura de um decreto de reconhecimento da União das
Escolas de Samba pelo prefeito (AUGRAS, 1998).
O ano de 1935 marca a organização oficial do desfile das Escolas de Samba pela
prefeitura do Rio de Janeiro, sob o patrocínio do jornal A Nação. Em sua regulamentação
estavam os seguintes quesitos: (1) originalidade, (2) harmonia, (3) bateria e (4) bandeira
(AUGRAS, 1998; CABRAL, 1996). Mas segundo Hiram Araújo (2003, p.358) o julgamento
foi sobre: (1) originalidade, (2) harmonia, (3) bateria e (4) letra de versos. Seja como for a
novidade estava por conta da comissão julgadora, integrada pelo sambista Ismael Silva, um
dos fundadores da Deixa Falar. Podemos entender que a partir desse momento em que os
sambistas já podem ocupar o mesmo patamar dos intelectuais e jornalistas, já se instala o olho
do controle nas Escolas de Samba e a conseqüente atitude de obediência às regras oficiais. O
ciclo evolutivo
[...] das escolas de samba, até chegar à atual feição de ‘maior espetáculo da terra’ é
pautado por episódios sucessivos de docilidade, resistência, confronto e negociação,
pondo em cena diversas modalidades de solução para o conflito entre desejo e
necessidade, entre a expressão genuína e o atendimento às exigências dos diversos
patrocinadores, sejam eles ligados ao Estado, à indústria turística ou à contravenção
(AUGRAS, 1999, p.38).
Além de se firmarem institucionalmente em 1935 as Escolas de Samba tiveram que
dar uma contrapartida ao Estado: elas foram obrigadas a se registrarem como Grêmio
Recreativo Escola de Samba GRES na Delegacia de Costumes e Diversões e atenderem a
uma estrutura organizacional: coro masculino, abrindo o desfile; pastoras, apoiando-o quando
do samba principal; porta estandarte e mestre-sala; baianas e o “carramanchão”, compositores
e músicos. Estrutura que permaneceu até 1950, desfilando na Praça Onze (SEBE, 1989). Em
seu capítulo sobre as Escolas de Samba primitivas, agremiações com cerca de 70 a 100
participantes, Hiram Araújo (2003, p.225-226) descreve detalhadamente a estrutura do
período: 1) Pede passagem (abre-alas), tabuleta com nome e símbolo da Escola; 2) Comissão
de frente (linha de frente), formada pelos integrantes mais importantes; 3) primeiro Mestre-
sala e Porta-bandeira; 4) primeiro Puxador e primeiro Versador, o Puxador ajuda o coro na
primeira parte do samba e o Versador se responsabiliza por improvisar a letra para o resto do
desfile; 5) Caramanchão, onde ficam os convidados; 6) Coro, formado por vozes femininas
46
cuja evolução acontece em torno do Caramanchão; 7) segundo Puxador e segundo Versador,
mesma função dos primeiros; 8) Bateria, instrumento de percussão podendo ter
acompanhamento de instrumentos de cordas
28
; 9) Baianas de linha, ladeavam a Escola para
proteger o desfile, eram geralmente homens com navalha sob as saias.
Apesar do reconhecimento oficial muitos problemas ainda envolviam a apresentação
das Escolas de Samba. O ano de 1936 transcorreu sem problemas e houve premiação em
dinheiro. Mas em 1937, no meio da madrugada e do desfile o delegado Dulcídio Gonçalves
retirou o cordão de isolamento e o policiamento da praça Onze, o que impediu o desfile de
metade das 32 Escolas inscritas. No ano seguinte, 1938, as chuvas impediram a competição
pela ausência da comissão julgadora, mesmo assim as Escolas desfilaram (AUGRAS, 1998;
ARAÚJO, 2003).
1939 viu o surgimento de uma lenda que persiste até hoje: a influência do
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) no enredo das Escolas de Samba, obrigando o
uso de temas brasileiros. Ao contrário do século XIX em que os intelectuais, os jornais e o
Estado tentavam domesticar a plebe rude dos Cordões, Ranchos e Entrudo, o final do primeiro
terço do século XX a encontra devidamente domesticada. A exigência do tema nacional
parte dos próprios sambistas e de sua entidade representativa, sem que Estado ou Elites
precisem se manifestar. Quem apurou esta informação foi Haroldo Costa (apud AUGRAS,
1998, p.45):
Em 1938, Eloy Antero Dias, o Mano Eloy da Império Serrano, outra grande figura da
galeria dos grandes sambistas históricos, era o presidente da União das Escolas de
Samba, que naquela oportunidade tentava ordenar os desfiles através de um
regulamento cujo artigo primeiro era assim redigido:
“Art. 1.˚ - De acordo com a música nacional, as escolas não poderão apresentar os
seus enredos no carnaval, por ocasião dos préstitos, com carros alegóricos ou carretas,
assim como não serão permitidas histórias internacionais em sonhos ou imaginação”.
Vale lembrar que o DIP foi criado apenas no final de dezembro de 1939. Muito
provavelmente Mano Eloy buscava angariar a simpatia e as migalhas do estado paternalista
que foi criado por Getúlio Vargas.
28
Isto foi uma imposição aos desfiles das Escolas de Samba, pois originalmente o samba aceitava participação
dos metais. Ismael Silva teve sua Escola desclassificada em um concurso não-oficial dos anos 1920 porque a
bateria tinha flautistas (Encontramos este acontecimento citado nos livros de Sérgio Cabral, Maria Cunha,
Monique Augras e Hiram Araújo, além de alguns sítios da Internet).
47
6.2 PERÍODO DE CONSOLIDAÇÃO
Introduzindo mudanças de forma gradual e lenta as escolas de samba iam se
individualizando e, nas décadas de 1940 e de 1950, se pode falar em identidade possuem
enredo, samba de enredo (termo usado efetivamente a partir dos anos 1950), alegorias e
fantasias.
Esses arcabouços dão identidade própria às escolas de samba. Já é possível diferenciá-
las das Grandes Sociedades, ranchos e blocos. Tal estrutura montou-se sobre uma
disposição ritualista composta pelo ritmo e pela dança, que guardou com mais força os
signos e símbolos das raízes. Nestas décadas as escolas de samba, ainda ‘tribais’,
refletem com grande intensidade os valores das comunidades. Tiques, cacoetes,
hábitos tornam reconhecíveis os sambistas da Portela, Mangueira, Império Serrano etc.
O exemplo mais claro se refere às baterias. Nessa ocasião, as batidas das baterias das
escolas de samba indicam de longe as agremiações desfilantes (ARAÚJO, 2003, p.
230-231).
Embora possa parecer resolvida a busca de visibilidade das escolas, elas ainda estavam
longe da Avenida Rio Branco, reservada às Grandes Sociedades, aos Ranchos e ao Corso que
exibia a elegância da burguesia no domingo de carnaval. Começava a difícil tarefa da
distribuição de verbas e prestação de contas e, sobretudo, se enquadravam na regra do jogo
oficial. Como diz Augras com certo realismo: “Tudo deixa supor que a transformação
progressiva do desfile da estrutura das escolas de samba e, particularmente, a importância
cada vez maior do samba-enredo, caminham pari passu com a expectativa oficial”
(AUGRAS, 1998, p.35).
De 1940 a 1942 a prefeitura do Rio de Janeiro exerceu completo controle sobre as
Escolas de Samba através da burocratização da inscrição e de um regulamento detalhado
sobre o desfile. Paralelamente
A valorização da produção cultural do morro vinha-se inserir no nacionalismo
getulista, cujos intelectuais se empenhavam em promover o folclore brasileiro [...] são
constantes os artigos referentes a folclore e cultura popular [...] realçar aquilo que se
julgava ser “intrínseco” ao homem brasileiro implicava o interesse pelo samba. Mas
aos olhos da elite intelectual era claro que não se podia deixá-lo proliferar em qualquer
direção. [...] Era necessário educá-lo, dar-lhe formato mais civilizado, mais condizente
com os padrões da moderna nacionalidade (AUGRAS, 1998, p.51-52).
A diferença em relação ao século XIX é que aqui se busca uma identidade nacional mestiça,
elogiada com a publicação de Casa Grande & Senzala em 1933. Além disto, e talvez mais
importante, mas que não é objeto de nosso estudo, a necessidade de a Indústria Cultural
conseguir um produto aceitável nas várias regiões do país, pois a indústria fonográfica e o
rádio precisavam de um produto que permitisse a venda em escala para crescerem em todas as
regiões.
48
Os carnavais de 1943 a 1945 foram chamados de carnavais de guerra e as subvenções
e controle da prefeitura do Rio de Janeiro sobre o desfile foram suspensos. A Liga de Defesa
Nacional e a União Nacional dos Estudantes tornaram-se responsáveis pela realização do
desfile. Um sonho das Escolas de Samba acabou se concretizando, o préstito passou da praça
Onze – posta abaixo em 1942 – para a avenida Rio Branco (ARAÚJO, 2003). Neste período é
possível ver o resultado da investida do Estado Novo sobre o samba: as Escolas desfilaram
aos domingos, o dia mais nobre, enquanto a segunda-feira ficou com o desfile dos Ranchos,
corso, blocos e Grandes Sociedades (AUGRAS, 1998, p.55).
A segunda metade dos anos 1940 presencia o fim da Segunda Guerra Mundial, o fim
do governo Vargas, a constituição de um mundo bipolar com repercussões no Brasil e a
retomada da organização dos desfiles das Escolas de Samba pelo Estado. A novidade no
desfile de 1946 foi o julgamento pela primeira vez da coreografia de Meste-sala e Porta-
bandeira e o fim dos sambas com versos improvisados. É neste ano que o Partido Comunista
Brasileiro (PCB), em seu breve período de legalidade, se aproxima da União Geral das
Escolas de Samba – após um namoro que havia começado em 1936 – esta aproximação leva a
uma reação dos setores anticomunistas, que fundam a Federação Brasileira das Escolas de
Samba. Esta última torna-se a entidade subvencionada pelo poder público a partir de 1948. No
ano seguinte passam a acontecer dois desfiles separados, um a cargo da prefeitura e da
Federação e o outro organizado pela União Geral, uma das versões sobre esta separação diz
respeito à vitória da Império Serrano, que levantou suspeitas sobre a Federação das Escolas,
pois o casal de Mestre-sala e Porta-bandeira da Escola não saiu no início do desfile conforme
a tradição. Mangueira e Portela se desligam da Federação, prometendo dar nova vida à União
Geral das Escolas de Samba. O PCB, posto na ilegalidade, não tem mais influência nas
Escolas de Samba (CABRAL, 1996; AUGRAS, 1998; LINHA... www, 2006).
O ano de 1949 presencia os meios de comunicação eletrônicos chegarem ao desfile
das Escolas de Samba: ocorre a primeira transmissão ao vivo do carnaval pela Rádio
Continental (LINHA... www, 2006). Segundo Edigar de Alencar (1980, p.337) é o ano,
também, das entidades cobradoras de direitos autorais definirei, por causa dos preços, aquilo
que os clubes (de acordo com a disponibilidade de caixa) poderão tocar nos bailes de
carnaval. Para este pesquisador “o povo não escolhe, não samba, o canta o que desejaria,
mas o que a orquestra ou o conjuntinho executa. Também o dio e a televisão [sic]
transmitem certas músicas”.
O legado do governo Dutra acabou sendo mais ditatorial que o do Estado Novo:
alinhamento incondicional com os Estados Unidos, perseguição aos comunistas a exemplo do
49
Macarthismo, proibição do jogo. Maria Laura Pereira de Queiroz (apud AUGRAS, 1998,
p.63-64) considera que esta proibição foi o golpe de misericórdia nas Grandes Sociedades,
que funcionavam como clubes de jogatina durante o ano, financiando seus desfiles com o
lucro do jogo. “Num aspecto talvez paradoxal, foi também o governo Dutra o responsável
pelo aumento da visibilidade das escolas de samba, conseqüência da decadência das grandes
sociedades carnavalescas” (AUGRAS, 1998, p.64)
No desfile das ruas mudanças vão aparecer no ano de 1952. As entidades Federação e
União Geral se reuniram, no dia 5 de março, na Associação das Escolas de Samba e o
regulamento dos desfiles passou a determinar que as alas se apresentassem fantasiadas e não
com uniformes e que o samba estivesse relacionado ao enredo. Foi essa característica que
permitiu ao samba-enredo constituir-se como gênero musical próprio. Com o Partido
Comunista na ilegalidade, as escolas deixam de ser palco de disputas políticas. Deixam de
existir dois desfiles distintos com diferentes campeões, conforme vinha ocorrendo desde
1949. As Escolas também passam a ser divididas em dois grupos desfilando em locais
distintos na av. Presidente Vargas e na Central do Brasil. No primeiro, inscrevem-se escolas
de samba com um nimo de 300 componentes e, no segundo, exige-se um mínimo de cem;
era uma forma de tentar controlar o horário de término da festa (LINHA... www, 2006;
CABRAL, 1996, p.161-168). Pela crescente presença de público a Prefeitura instala um
tablado com um metro de altura para o desfile das Escolas principais, que deixa de ser
montado a partir do carnaval de 1957, quando as Escolas de Samba trocam o local de desfile
(ARAÚJO, 2003).
A comercialização do desfile começa a ganhar forma no carnaval de 1958, ano no qual
o grande volume de público institui um novo tipo de comércio: o pagamento de CR$ 5 (cinco
cruzeiros) para assistir ao desfile acomodado em caixotes de madeira. E pela primeira vez a
comissão julgadora pôde dar a nota fracionada (LINHA... www, 2006; ARAÚJO, 2003).
A valorização real do samba-enredo ou samba de enredo, enquanto criação musical, só
aconteceu efetivamente a partir da década de 1950. Edigar de Alencar, por exemplo, deixa
isto claro em seu livro quando comenta que
Geralmente tais sambas são longos, de letras extensas, rimas escassas, e fazem o relato
de um fato ou a descrição de um personagem. Pouco poderemos falar desse gênero
porque se trata de música quase particular, cantada somente no desfile da escola.
Raramente é gravada e pela sua extensão poética e às vezes melódica é difícil de ser
decorada pelo povo (1980, p.378-379).
50
Estas afirmações devem ser resquícios da primeira edição da obra, datada de 1965, quase dez
anos antes da assinatura do primeiro contrato de gravação das Escolas de Samba com a
indústria fonográfica. Ainda ecoa o momento de afirmação do gênero.
Augras (1998, p.65) acredita que um livro foi fundamental na constituição dos enredos
de temas nacionais: Porque me ufano do meu paiz, de Afonso Celso, escrito em 1921. Esta
obra enumera os ideais de superioridade do Brasil: grandeza territorial, beleza, clima,
ausência de calamidades, excelência do tipo nacional, generosidade da natureza; adicionados
aos aspectos históricos de suavidade do regime colonial, sistema escravista suave,
generosidade com os outros povos. A partir destes aspectos os grandes eventos nacionais
seriam a atuação dos Jesuítas, as investidas dos bandeirantes, a república dos Palmares, a
guerra contra os holandeses, a retirada da Laguna e a Independência.
6.3 DA CHEGADA DEFINITIVA DA INDÚSTRIA CULTURAL AO MAIOR
ESPETÁCULO DA TERRA
Hiram Araújo chama o período que compreende as décadas de 1960 e de 1970 de
“sincretismo cultural” no samba. É o momento de uma mudança intrínseca (ou paralela) a
uma transformação na sociedade em geral. A principal transformação foi a transferência da
população das zonas rurais para as zonas urbanas
A crescente transformação do Rio, sem os cuidados básicos de preservação cultural, a
criação de uma classe dia participante e a migração progressiva de pessoas de
outras regiões (principalmente do Norte) substituem os costumes e tradições (locais),
por modismos e expressões alienígenas. Instala-se uma espécie de cosmopolitismo. O
carnaval sofre essa influência. Quem não adere fica para trás. O entrudo é substituído,
as Grandes Sociedades e ranchos carnavalescos se esvaziam. As marchinhas
carnavalescas têm o mesmo destino. As escolas de samba, manifestações
autenticamente cariocas, se adaptam às características da cidade. Os primeiros
sintomas de tais transformações são desencadeados na Salgueiro (ARAÚJO, 2003,
p.231).
Em 1960 o Presidente da Salgueiro, Nelson de Andrade, forma um grupo de artistas
plásticos para desenvolver um trabalho de elaboração visual. É o marco de uma alteração na
apresentação: os temas extrapolam a historiografia oficial; os materiais se diversificam; e os
artesãos da comunidade são substituídos por artistas e profissionais especializados – do Teatro
Municipal, da Escola de Belas-Artes e depois o pessoal da TV (ARAÚJO, 2003, p.231-232).
A comparação com as Grandes Sociedades, o carnaval da elite, o seria mais possível,
pois elas pertenciam a um passado perdido na memória; estava aberto o caminho para a
interferência direta, não mais de intelectuais e jornalistas provincianos, mas da Indústria
Cultural.
51
Neste mesmo ano a Mangueira transforma suas baianas em ala. Aproveitando a
aproximação da classe dia com as Escolas de Samba e a presença constante de pessoas
externas à comunidade, Mangueira e Portela fecham suas quadras em 1961 e passam a cobrar
ingressos para quem for assistir aos ensaios. No ano seguinte a prefeitura do Rio de Janeiro
compreende o potencial de explorar economicamente o desfile das Escolas e constrói as
primeiras arquibancadas na avenida Rio Branco. Neste ano são vendidos 3,5 mil ingressos.
Tem início a comercialização oficial dos desfiles. É em 1964 que as Escolas de Samba são
definitiva e irremediavelmente invadidas pelos foliões de classe média. Portela e Mangueira,
por exemplo, viram seus desfiles saltarem de cerca de 90 componentes nos anos 1930 para
algo em torno de 1,2 mil pessoas. Este crescimento gerou o primeiro subproduto no ano
seguinte: a criação do desfile das campeãs (LINHA... www, 2006).
A televisão, meio de comunicação que estava se firmando no país, não deixa as
Escolas de Samba fora de sua programação. A TV Continental foi a primeira emissora a
transmitir flashes dos desfiles no ano de 1960 (ARAÚJO, 2003, p.334). Em 1966 a Rede
Globo transmite pela primeira vez o desfile na íntegra. Ao longo dos anos 1960, com a
habilidade de aceitar as modernizações, na visão complacente de Sebe (1989, p.73), as
Escolas de Samba valem-se delas como forma de manter e aumentar o prestígio, em 1965,
centenário da cidade do Rio de Janeiro, o carnaval das Escolas de Samba era “o maior
espetáculo popular do mundo”. Ao contrário, como vimos acima, do que foi o aniversário da
cidade de 30 anos antes, no qual as Escolas eram meras coadjuvantes.
Carlos Sebe (1989, p.65-70), apesar de seu otimismo observa que passando para o
gosto da classe média, as Escolas foram perdendo a fidelidade às suas cores tradicionais,
aderindo às cores fortes a ao branco, prateado e dourado, ganharam em luxo e perderam em
relação ao samba no , ainda que alguns princípios básicos se mantivessem ou fossem
revitalizados como, por exemplo, a valorização do casal porta bandeira/mestre sala. Toda a
movimentação que marca o início da mudança estética nas Escolas de Samba vai se
aprofundar na década seguinte.
Os anos 1970 percebem o ritmo da bateria se acelerar, pois o gigantismo das Escolas
tem que caber em um tempo-limite rigoroso para o desfile. Ainda por causa do tempo as alas
se tornam compactas e os destaques sobem aos carros. O samba de enredo também sofrerá
alterações: ele torna-se mais curto na letra e também se acelerará para acompanhar a batida da
bateria (ARAÚJO, 2003, p.231-232, 279). Esta modificação será importante para a indústria
fonográfica, pois agora estes sambas-enredo poderão ser comercializados, primeiro em
discos e depois nas rádios. O encurtamento da letra facilita a memorização e o conseqüente
52
reconhecimento, ou, pensando no samba a partir do ponto de vista de Adorno (1999, p. 80-81)
podemos dizer que se igualou o produto oferecido para que todos aceitem um estilo musical
oficializado e transformado em mercadoria.
O caráter de mercadoria do samba de enredo toma forma final em 1973, quando as
Escolas assinam contrato (pela primeira vez) com a gravadora Top Tape
29
para gravar o disco
com os temas do carnaval daquele ano. O produto se transforma em um fenômeno de vendas,
ou seja, o samba-enredo se torna um negócio rentável (LINHA... www, 2006). Isto não
significa que a indústria fonográfica estava alheia ao mundo das Escolas de Samba, cantores
como Emilinha Borba e Jorge Goulart incluíram sambas-enredo em seus discos a partir de
1954. Nos anos 1960 músicos das Escolas de Samba lançaram compactos com suas
composições para o carnaval, além de terem seus sambas-enredo incluídos nos discos da nova
gerção de cantores, Eliana Pitman e Jair Rodrigues, por exemplo. O primeiro LP com
captação de áudio ao vivo – exclusivamente de sambas-enredo é lançado pela gravadora Codil
em 1968, experiência repetida no ano seguinte. Em 1970 a gravadora Caravelle faz o disco
das Escolas de Samba gravado em estúdio. Vendo a possibilidade de lucro com o crescimento
de vendas a Associação das Escolas de Samba tenta produzir sozinha o disco do ano seguinte
obviamente, por desconhecer os mecanismos da Indústria Cultural –, resultando num
monumental fracasso. A tentativa frustrada da Associação abre as portas para que a Top Tape
assuma a produção e vendagem dos discos
30
(ARAÚJO, 2003, 278-283).
A partir da indústria fonográfica o puxador de samba e o compositor tornam-se
funções importantes dentro da Escola. Neste início de anos 1970 a TV também percebia esta
importância, tanto que Bandeira 2 telenovela da Rede Globo teve um sambista real (Zé
Catimba, interpretado por Grande Otelo) como personagem e o tema musical da abertura foi o
enredo que a Imperatriz Leopoldinense apresentou no carnaval, composto por Catimba
Martim Cererê (ZÉ... www, 2006).
O desfile torna-se mais sofisticado e, a partir de 1974, várias ruas do centro do Rio de
Janeiro são usadas como palco na tentativa de a que melhor se adeque à grandiosidade do
espetáculo (ARAÚJO, 2003, p.232-233). Como todo espetáculo deste período, ainda mais
com presença nacional a partir da televisão e da vendagem de discos, o desfile das Escolas de
Samba não passou despercebido pela ditadura militar. Com a instauração do Ato Institucional
n.˚5 (AI-5) em dezembro 1968 havia a necessidade dos censores avaliarem as letras. No
29
A gravadora foi responsável pelos discos das Escolas de Samba até 1986, quando a Liga das Escolas criou um
selo próprio.
30
Ao contrário da linha do temp feita pelo portal Terra, Hiram Araújo data a entrada da gravadora Top Tape na
produção do disco dos sambas-enredo como 1972.
53
primeiro carnaval do AI-5 o samba da Império Serrano Heróis da liberdade foi
considerado uma homenagem à oposição ao regime e a Escola é obrigada a mudar alguns
versos do samba-enredo. No ano seguinte o envio de croquis das alegorias e fantasias para a
censura passa a ser obrigatório (LINHA... www, 2006).
A segunda metade da década de 1970 e o início dos anos 1980 presenciam a
profissionalização do carnavalesco, que passa a ser usado em todas as Escolas, tornando-se
tão importantes quanto o puxador. Surgem nomes como Arlindo Rodrigues e Joãosinho
Trinta, vindos do teatro.
A participação desses elementos no carnaval reafirma a tese que [...] o universo da
escola de samba não tem nada de produto genuíno da cultura popular [...] amesmo
quando o tema tratado é referente ao universo afro-brasileiro, a sugestão vem de um
elemento ligado à cultura da elite. Tal constatação reforça a polêmica máxima de João
Trinta ao afirmar que “quem gosta de miséria é intelectual”, que o povo gosta de
luxo (GÓES, 2002, p.208).
É o período do uso intenso de esplendores, ombreiras e adereços de cabeça com inspiração
art-déco e/ou barroca. É também o período de verticalização das fantasia, uma forma de
aproximar a Escola do público no alto da arquibancada e conseguir um bom resultado visual
no vídeo.
O dado curioso é que, na verdade, se fantasiam membros das alas da cintura para
cima, na parte de baixo há, quando muito, uma perneira e um pequeno saiote com
enfeites que cobre o collant ou a sunga. Em contrapartida os destaques que desfilam
nos carros, mal se movem sob o peso faustoso dos bordados e das plumas (GÓES,
2002, p.208).
A Beija-flor de Nilópolis, com Joãozinho Trinta, torna-se a escola modelo para todas
as outras, mas o encarecimento provocado por sua visão do desfile vai muito além das verbas
disponibilizadas pela Riotur. Para salvar a situação aparece o mecenato dos banqueiros do
jogo de bicho, que “passam à história do mecenato como uma das poucas categorias de
homens ricos a investirem nessa forma de cultura popular, o carnaval” (ARAÚJO, 2003,
p.232). Ironia à parte, os anos 1980 assistem à profissionalização das Escolas de Samba e a
sua transformação em espetáculo.
O carnaval do Rio de Janeiro como um todo caminha em direção a uma super
produção, ao show bussiness. No entanto, as Escolas vagam pelas ruas da cidade até a
construção da Passarela do Samba em 1984. Ao mesmo tempo é fundada a Liga Independente
das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), uma dissidência das dez principais Escolas
de Samba em relação à Associação das Escolas de Samba, que passa a gerir o interesse das
principais Escolas, que pela primeira vez conseguem ver o lucro da venda dos ingressos. A
construção do sambódromo trouxe mudanças profundas para o fazer e o ver o carnaval das
54
escolas de samba: divisão do desfile em dois dias de modo que as escolas mais populares
estejam distribuídas a fim de garantir público e renda; sendo fixas, as arquibancadas
tornaram-se menos dispendiosas, favorecendo renda aos produtores dos desfiles; o local
permitiu a grandiosidade do espetáculo (ARAÚJO, 2003, 232, 244-249). Em 1987 amesmo
a responsabilidade pelo julgamento dos desfiles passou à Liesa. Reformulou-se a forma do
julgamento com a ampliação do quadro de julgadores de 20 para 60 40 efetivos e 20
suplentes (LINHA... www, 2006).
A profissionalização e a transformação dos desfiles em um grande espetáculo exigiram
a presença de um elemento financiador para os crescentes custos das Escolas de Samba. Este
financiador surgiu na figura do bicheiro, o dono da banca do jogo de bicho considerado
ilegal em 1946. Na verdade o processo ocorreu de forma inversa, isto é, a presença dos chefes
da contravenção nas Escolas de Samba é que foi responsável pela espetacularização e
profissionalização dos desfiles.
Podemos situar o início do casamento do jogo de bicho com o samba a partir da
ascensão de Natalino José do Nascimento no universo da contravenção dos anos 1950.
Natalino era mais conhecido como o sambista Natal da Portela, considerado o mais popular
do Brasil num concurso de 1972. Depois de várias reeleições recebeu o título de Presidente de
Honra da Portela. Ao mesmo tempo abarcava todos os redutos da contravenção na região de
Madureira e Oswaldo Cruz e é considerado o maior banqueiro de bicho de todos os tempos.
Natal pode ser considerado um homem de duas faces, uma com 250 processos, mais de cem
prisões, cinco passagens pela Ilha Grande, uma por Fernando de Noronha e um homicídio; a
outra como o construtor da primeira sede da Escola de Samba Portela, provedor de orfanatos e
irmandade de beneficência, bem feitor da comunidade asfaltou, pôs água e esgoto em 41
ruas de Madureira e fez uma plataforma nova na estação com dinheiro próprio. Seu
comportamento também se refletia na Portela:
Para Natal, os 2000 ou 3000 figurantes da Portela deviam sempre usar os panos mais
finos, chapéu de três bicos, botas longas de caçador de esmeraldas e uma espada na
cinta. Não era seguramente um traje adequado para duas horas de samba rasgado na
avenida, mas aqueles bordados e plumas das fantasias de destaque satisfaziam a sua
vaidade. E quando o componente da escola não podia pagar essas roupas, Natal
pagava (INTRODUÇÃO... www, 2006).
Esta interferência de Natal com certeza contribuiu para a hegemonia da Portela nas disputas
dos desfiles entre os anos de 1939 e 1966. Nesses 28 anos a Escola foi campeã 17 vezes e
vice-campeã 5 vezes.
E sem dúvida foi sob a inspiração de Natal que outras escolas de samba da Guanabara
também procuraram na contravenção os líderes e o dinheiro de que necessitavam.
55
Surgiram o Miro na Vila Isabel, Osmar Valença no Salgueiro, "Pirulito" no Império
Serrano, "Tucão" no bairro do Caju, Castor de Andrade na Mocidade Independente de
Padre Miguel, Anízio Abrahão David na Beija-Flor e Luiz Pacheco Drummond na
Imperatriz Leopoldinense. Mas a opinião quase unâmine entre os entendidos de samba
é que nenhum deles, na realidade, superou Natal da Portela (INTRODUÇÃO... www,
2006)
31
.
Além do casamento com a contravenção (bicheiros) as Escolas de Samba tornaram-se
habitat de personagens do universo televisivo. A estética mediatizada pela TV acabou
criando estruturas dentro do desfile para serem mostradas na TV, como é o caso da Mocidade
Independente de Padre Miguel, que em 1985 inventa a figura da madrinha de bateria, função
cuja primazia coube a modelo Monique Evans, um símbolo sexual desta época. Hoje a
madrinha da bateria já é uma tradição em todas as Escolas.
O ano de 1989 traz uma reformulação econômica para as Escolas de Samba com a
alteração na distribuição dos lucros obtidos com a venda dos ingressos. O dinheiro arrecadado
no desfile não é mais dividido igualmente, mas em ordem decrescente de acordo com a
colocação final (LINHA... www, 2006).
Após dez anos de sua construção é assinado o tombamento da Passarela do Samba.
Num levantamento realizado em 1996 descobre-se que cerca de 20% dos componentes das
Escolas de Samba mais famosas como Imperatriz Leopoldinense, Portela e Mocidade são
foliões vindos de outros Estados como São Paulo e Minas Gerais (LINHA... www, 2006).
Além disto a presença de estrangeiros e a venda de fantasias pela Internet ou em agências de
turismo colocaram 5 mil pessoas para desfilar em cada uma das Escolas. A política das
Escolas nos últimos anos tem sido a de limitar em 10% das alas a presença de estrangeiros
(FIGUEIREDO, 2005).
O objetivo maior das escolas hoje é ganhar o carnaval. Dentro do sistema lúdico-
capitalista, que, evidentemente, espelha o sistema que contextualiza a festa, o carnaval torna-
se passível de julgamento” (SEBE, 1989, p.74). Assim é que todo ano uma comissão
julgadora avaliando: (1) alegoria; (2) letra; (3) fantasia; (4) enredo; (5) harmonia; (6) melodia;
(7) evolução; (8) bateria; (9) comissão de frente; (10) mestre-sala e porta-bandeira. De fora
destes quesitos está a ala de baiana que não tem nota, mas é obrigatória.
Neste novo contexto, com a fundação da Liga Independente das Escolas de samba, os
sambistas se organizam de forma administrativamente profissional.
31
Estas informações sobre Natal retiradas do sítio da Portela na Internet são de uma matéria publicada na revista
Veja em 1972. Infelizmente os responsáveis pelo sítio não colocaram maiores referências sobre a matéria como,
por exemplo, o título e o autor.
56
Desde que o segmento de vanguarda das escolas de samba ampliou a faixa que era
somente folclórica e enfatizou o aspecto da “relação mercado/grande estética”, [sic]
mudaram-se os comportamentos. Em atendimento a certas necessidades do mercado,
os desfiles partiram para adaptar-se às novas propostas. Novas técnicas foram
introduzidas, em atendimento à opção espetáculo. Dentro desta característica, as
escolas de samba modernas começam a produzir arte de multidões, elaboradas em
espetáculo de massa, nos quais os fortes efeitos visuais são uma das bases. Tal arte de
multidões trabalha com categorias artísticas consagradas, para agradar ao mercado
consumidor, por isso, o grau de renovação é muito pequeno. Não há grandes ousadias.
Mesmo quando parece inovar, os signos repousam no aceito. Nos espetáculos de
massa procura-se esgotar toda a proposta no intenso aspecto visual, favorecendo um
ilusionismo que leva o espectador ao sonho e à emoção (ARAÚJO, 2003, p. 233).
Mais precisamente, “foi-se o tempo em que, como sugere Assis Valente, vestia-se uma camisa
listada e saía-se por aí” (GÓES, 2002, p.211).
57
CAPÍTULO II – CARNAVAL EM JUIZ DE FORA
A forma de povoamento de Minas Gerais pelos portugueses, a distribuição dos
indígenas pelo território e os fluxos migratórios de mão-de-obra estrangeira assalariada
ajudam a entender em parte as formações culturais nas diversas regiões que compõem o
estado. Por estar fora da faixa litorânea o território mineiro foi sendo desbravado aos poucos,
a partir de dois eixos principais: pelo norte, com a expansão dos currais e boiadas pelo vale do
rio São Francisco; e pelo sul, com os portugueses que vinham de São Paulo em busca de
pedras e metais preciosos (PINTO, 1965, p.193-194).
O eixo norte é o primeiro a realizar a ocupação do território mineiro. Os currais sobem
o rio São Francisco no século XV e no final século seguinte já estão ocupando as nascentes do
rio das Velhas. Grandes extensões de terra pertenciam a poucas famílias, que praticavam uma
pecuária extensiva e administravam indiretamente os currais (a família Antônio Guedes, por
exemplo, tinha terras que iam do Morro do Chapéu Bahia, até o local onde hoje é a região
metropolitana de Belo Horizonte). Esta característica das propriedades resultou em um
povoamento esparso de escravos e/ou prepostos dos proprietários das sesmarias
32
; em alguns
casos tios de uma légua eram arrendados para pequenos criadores por 10 mil réis
(Capistrano de Abreu apud PINTO, 1965, p.200).
Pelo sul de Minas Gerais entraram os bandeirantes, que irão se preocupar com a
ocupação da terra somente a partir de 1674. Com a descoberta de ouro na década de 1690 o
fluxo de pessoas a partir de São Paulo torna-se intenso e as áreas mineradoras foram mais
densamente povoadas, por exemplo, em 1711 o distrito de Vila Rica (Ouro Preto) possuía
cerca de 40 mil habitantes. O ouro e as cidades foram responsáveis pelo “deslocamento do
centro de gravidade econômico e social do norte para o sul [da América portuguesa]” (Caio
Prado Júnior apud Pinto, 1965, p.194).
No início do século XVIII já estava concretizada a forma de ocupação e penetração do
território mineiro, o interior seria alcançado
32
Designação empregada no Brasil colônia para glebas cedidas a particulares (sesmeiros), com superfície muito
variável. Pela carta régia de 27 de dezembro de 1695, a sesmaria equivalia a 4 léguas quadradas: uma área de
superfície retangular de 1 gua de testada por 4 léguas de fundo. Pela carta gia, de 7 de dezembro de 1697, as
dimensões foram reduzidas para 3 léguas de fundo.
58
[...] através de São Paulo, pelo chamado ‘caminho velho’ cuja picada inicial foi a rota
seguida pela bandeira de Fernão Dias passando pelo vale do Paraíba atravessando a
Mantiqueira pela Garganta do Embaú, para depois atingir Minas Gerais. O ‘caminho
baiano’ partia do Recôncavo acompanhando o rio Paraguaçu [...] se bifurcava,
seguindo um ramo para o São Francisco e outro, muito mais curto, pelas margens do
rio Verde Grande (PINTO, 1965, p.204).
Como forma de controle da região a Coroa proibiu a criação de povoamentos no leste de
Minas Gerais, da Zona da Mata ao vale do rio Doce. Além do impedimento legal a hostilidade
dos índios da região afastou os colonizadores. Lisboa determinou também que pelo caminho
da Bahia circulasse apenas gado. Paralelamente foram criados registros (alfândegas) ao longo
das principais vias de comércio, que acabaram por originar algumas cidades mineiras – Pouso
Alegre, Contagem e Mathias Barbosa, por exemplo (PINTO, 1965, p.198, p.206). Uma
medida de impacto econômico foi a abertura do Caminho Novo (1701-1709) que ligou a
Borda do Campo (Registro Velho) a Raiz da Serra (RJ), assim o porto do Rio de Janeiro
passou a ter importância maior que o de Salvador. O Caminho Novo era a única via
autorizada para quem cruzava a Zona da Mata e a circulação de pessoas, mercadorias e ouro
era obrigatoriamente feita por ele. Como nas demais estradas oficiais as alfândegas eram de
diversos tipos e cobrava-se pelos minérios, tráfego de pessoas, mercadorias e animais. Um
portão com cadeado fechava a estrada (ESTEVES; LAGE, 1989 e SANTOS, 2006).
A busca do ouro e a política de controle portuguesa mantiveram as sesmarias ao longo
do caminho novo praticamente desabitas. Somente a decadência das regiões mineradoras
impulsionou a atividade agropecuária na província, mas será apenas no período conhecido
como ciclo do café, já no século XIX, que a Zona da Mata mineira será efetivamente ocupada.
A diferença deste povoamento moderno em relação aos fluxos de população anteriores foi a
falta de braços, seja escravo ou livre, para os diferentes trabalhos nas fazendas e nos vilarejos
que começavam a surgir (Affonso Escragnolle Tunay apud PINTO, 1965, p.211-212). As
Minas Gerais oitocentista eram um quase quadrado dividido em cinco comarcas Vila Rica,
Rio das Mortes, Serro do Frio, Sabará e Paracatu. A Zona da Mata pertencia à comarca do Rio
das Mortes, cuja sede era São João D’El Rei. Os povoados de Simão Pereira e Mathias
Barbosa
33
pertencentes à cidade de Barbacena foram as pontas de lança na ocupação do
vale do rio Paraibuna. É neste contexto que se inicia a formação da cidade de Juiz de Fora.
33
Originalmente grafava-se Mathias Barboza
59
1 UMA CIDADE SOBRE ÁGUAS ESVERDINHENTAS
Com a venda da fazenda do Juiz de Fora, em 1812, inicia-se um processo de atração
de tropeiros que contribuíram com a formação de um povoado no Morro da Boiada (a sudeste
da atual área central da cidade), permitindo o descanso dos animais e a comercialização de
alguns produtos. Será em 1828 que o pequeno arraial tecondições de ser transformado em
distrito
34
do município de Barbacena, com o nome de Santo Antônio do Juiz de Fora. Pelo
recenseamento de 1831 a população local contava com 1419 pessoas (FAZOLATTO, 2001, p.
17-21). A estrada do Paraibuna, começada a construir em 1836, alterou o caminho de ligação
entre o interior de Minas Gerais e o porto do Rio de Janeiro. Mesmo aproveitando alguns
trechos do Caminho Novo a estrada passou por fora do povoamento do Morro da Boiada,
levando os tropeiros a passar pela margem direita do rio Paraibuna, em frente a antiga sede da
fazenda do Juiz de Fora. Conseqüentemente a população da região mudou-se para o que são
hoje os bairros da zona sul do atual traçado da cidade, uma das poucas áreas facilmente
habitáveis neste trecho do rio.
Estava escripto que a cidade moderna e próspera que ora se encontra às margens do
Parahybuna não se contentaria com o recanto da boiada; eil-a transferida da pousada
para a várzea que o sobrado de Juiz de Fóra solitário, espiava, como uma esphynge,
esperando o milagre de se tornar centro de actividade o que até então era baldio e
cheio de lagoas de águas esverdinhentas... (ESTEVES; LAGE, 1989, p. 50-51)
A atividade econômica desta nova área urbana continuou sendo o rancho para atendimento
aos tropeiros.
As fontes de informação sobre os modos de vida e os fazeres culturais da região
durante o século XIX ficam por conta dos relatos de viagem, principalmente de estrangeiros.
O botânico Auguste de Saint-Hilaire – por exemplo –, que atravessou Minas Gerais em
compania de Langsdorff, lançou um olhar atento tanto para sua missão colher espécies da
flora e da fauna para levar à França quanto para os hábitos e costumes do Brasil, onde ficou
entre 1816 e 1822. Ao cruzar a região de Conceição do Mato Dentro ele observou que
A alegria que anima nossos camponeses [franceses] é estranha aos habitantes das
povoações da Província de Minas. Com exceção dos torneios (cavalhada) que às vezes
celebram pela época de Pentecostes, não conhecem outra espécie de divertimento
além de uma dança que a decência mal permite mencionar, e que, no entanto, se
tornou quase nacional (o batuque). Sua felicidade é não fazer nada; seus prazeres são
os sensuais (2000, p.137).
34
Até a República Velha os distritos tinham uma importante função política e administrativa dentro da divisão
municipal. Cada distrito, por exemplo, elegia um representante para a câmara municipal, que era o órgão
responsável pela administração do município.
60
Este batuque ao qual se refere Saint-Hilaire é uma dança de origem africana que tem relação
com rituais de procriação. Sua prática foi severamente proibida pela igreja, mas os
fazendeiros tinham interesse em aumentar o número de escravos e, por que não, observar o
sex appeal de suas escravas. No interior de São Paulo ela é dançada na festa do Divino
Espírito Santo e nas festas juninas. Sua coreografia consiste em: uma fileira de homens fica
do lado dos tocadores e as mulheres formam uma fileira do outro lado. As duas fileiras se
encontram requebrando e cada homem dá três umbigadas numa mulher. Enquanto os músicos
tocam um batuqueiro modista faz os versos – há um solo e em seguida o coro é feito pelos que
estão batucando. Os versos o da seguinte forma: sai cinza,/levanta pó,/batuque na
cozinha/sinhá não quer,/por causa do batuque/queimei meu pé (ARAÚJO, s.d., p.60).
Especificamente sobre Juiz de Fora as referências às festas deste período estão
contidas no seguinte trecho do Álbum do Município, editado originalmente em 1915:
Até essa data, 1855, nossa cidade se contentava com as tradicionaes cavalhadas, que
se effectuavam no logar occupado pelo prédio dos herdeiros do Coronel João José
Vieira, com as festas de egreja e circos de cavallinhos. Nada de theatros nem
associações recreativas (ESTEVES; LAGE, 1989, p.56).
No entanto, estas festas de igreja são menos intensas que as festas produzidas no Rio de
Janeiro, pois apenas o clero secular poderia atuar na província mineira. As ordens religiosas
cumpriram fielmente a proibição regia e não se estabeleceram em Minas Gerais. Assim, as
procissões da Semana Santa e o Pentecostes são os principais eventos religiosos relatados por
Saint-Hilaire. É interessante notar que nos dois livros que compõem suas anotações de viagem
pela província o botânico francês não menciona qualquer evento importante em Minas Gerais
no período do carnaval.
Quanto à cavalhada mencionada no Álbum do Município é possível que a parte
religiosa fosse menos observada que a parte do torneio entre peões. Na parte religiosa uma
encenação da luta entre cristãos e mouros, com estes sendo batizados no final; a finalidade é
transmitir uma lição cristã: o bem vence o mal – obviamente os mouros (mulçumanos)
representam o mal. Na parte do torneio, ou da brincadeira, acontecem jogos entre os
cavaleiros. O jogo mais conhecido é o de pegar a argolinha com o cavalo a galope; a idéia é
pegar uma pequena argola amarrada a uma trave com uma lança. Este jogo é uma lembrança
das justas medievais (ARAÚJO, s.d., p.110).
A primeira descrição que Saint-Hilaire faz de um evento festivo na Província de Minas
Gerais refere-se à quaresma de 1817, passada em Vila do Príncipe (atual Serro). O autor relata
que três vezes por semana acontecia a procissão das almas, constituída apenas por leigos. A
partir do Domingo de Ramos os sacerdotes passam a liderar as procissões com a presença das
61
imagens das igrejas; a quinta-feira e a sexta-feira santas eram dias sem trabalho A quinta-
feira santa é considerada nesse lugar como uma das maiores festas do ano” (2000, p.151) – e,
no ano em questão, aconteceu a coroação de D. João VI, marcada para o dia da Páscoa (6 de
abril), fato que foi comemorado na Vila do Príncipe. Como observador privilegiado Saint-
Hilaire descreve em pormenores os trajes de gala usados pela elite local (2000, p.150-152). A
única nota de estranhamento do botânico francês foi por conta da festa tradicional para
encerramento da páscoa:
À tardinha, mascarados, quase todos armados de sabres, se espalharam pela vila. Não
foi, porém, em honra da coroação que teve lugar esse carnaval: todos os anos,
garantiram-me, ele se repete no dia de Páscoa, nas diversas partes da Província. Os
mascarados [...] entre os quais havia muitos homens disfarçados de mulher, parou na
praça em que eu estava morando, e se pôs a dançar o batuque; grande número de
senhoras se achava às janelas, e observei que nenhuma delas se retirou durante essa
dança obscena (SAINT-HILAIRE, 2000, p.152).
Como em toda a região da Zona da Mata um dos principais problemas de Juiz de Fora
foi a falta de mão-de-obra. À falta de braços se somou o pouco caso com o qual a
administração pública tratava a cidade, como pudemos perceber a partir da leitura de
documentos do Arquivo Público Municipal que se referem à administração de Juiz de Fora
durante o período imperial
35
. Então o crescimento econômico só foi possível a partir de
empreendimentos privados, cujos principais marcos foram construção de uma nova estrada de
ligação com a Corte e com a capital provincial e, mais tarde, uma usina hidrelétrica.
A nova estrada União e Indústria teve não o impacto econômico de facilitar o
escoamento da produção local (principalmente café) como atingiu em cheio o modo de vida
da cidade: em 1855 a área urbana de Juiz de Fora contava com cerca de 600 habitantes; com o
fim das obras em 1861 foram acrescentados 1144 alemães, luteranos em sua maioria.
Estabeleceu-se uma relação conflituosa na qual a colônia alemã foi asfixiada economicamente
e sofreu forte discriminação social e religiosa (ESTEVES; LAGE, 1989, p. 59-60;
FAZOLATTO, 2001, p. 28-29).
Por esta época passou pela região o naturalista norte-americano Luiz Agassiz
36
, que
chefiava uma missão científica para coletar flora e fauna para as coleções da Universidade de
Cambridge a missão percorreu o país entre 1865 e 1866. Em seu diário de viagem, escrito
em conjunto com sua esposa, o relato de duas vindas a Juiz de Fora: a primeira, em 20 de
35
Por não ser o foco de nossa pesquisa não nos detivemos sobre estas informações, mas pudemos perceber em
ofícios encaminhados pela administração central da Província que a mesmo um recenseamento não foi
realizado. E quando era um pedido da Corte a Assembléia Provincial, já cobrando informações pela segunda vez,
se contentava com o envio de informações aproximadas.
36
Jean Louis Rodolf Agassiz era suíço naturalizado norte-americano. Até meados do século XX o Brasil seguia a
tradição lusitana de aportuguesar os nomes estrangeiros, assim manteremos a grafia usada pela fonte.
62
maio de 1865, foi uma rápida passagem que misturou investigação científica e encontro social
que foi marcado por “um concerto dado por uma orquestra de músicos alemães, quase todos
empregados na estrada” (AGASSIZ; AGASSIZ, 2000, p. 94). A segunda passagem por Juiz
de Fora aconteceu no mês de junho. A equipe de norte-americanos ficou hospedada em uma
fazenda de café, onde teve a oportunidade de ver uma festa junina:
Noite de São João. Voltamos para casa à noitinha. Houve um grande jantar, depois
uma enorme fogueira em honra de o João foi acesa em frente da casa. [...] Pelo
clarão da fogueira passava a ronda dos pretos, com gestos selvagens e cantos
cadenciados com acompanhamentos de tambor; depois, de repente, com grandes
estrondos, estouravam foguetes, deixando traços luminosos e brilhantes (AGASSIZ;
AGASSIZ, 2000, p. 120-121).
Apesar de não se referir diretamente a Juiz de Fora, existe uma observação dos
Agassiz sobre o espírito de festa dos brasileiros que retrata bem o panorama da época. De uma
comemoração cívica passada em Manaus realizaram uma comparação com as outras festas
das quais participaram durante sua estada no Brasil:
3 de dezembro – Passou ontem o aniversário do nascimento do Imperador, dia de festa
solenemente respeitado no Brasil e, este ano, o entusiasmo ainda foi maior que de
costume. D. Pedro II acaba de voltar da guerra e se tornou duplamente estimado [...]
Tivemos iluminações, flores, música etc, tanto como em outra parte qualquer.
Saímos à tarde para fazer algumas visitas e ouvir música num campo que é decorado
com o nome de praça pública. [...] finalmente, para coroar a festa, prepararam uma
pequena mongolfiera que subiu iluminada para os céus. Todas as vezes, porém, que
assistimos a festas públicas, ficamos impressionados e a nossa observação é
confirmada pelos estrangeiros aqui residentes com a ausência de alegria e bom
humor. Há em todas as comemorações nacionais, em todas as demonstrações de
júbilo, um não-sei-quê de desânimo e falta de expressão. Talvez efeito do clima
enervante. Parece que nem no trabalho nem na alegria os brasileiros podem ter ardor;
não manifestam nem essa atividade que aos nossos compatriotas impõe uma vida
febril e sem descanso, mas cheia de interesse, nem esse amor às distrações que
domina os europeus do continente (2000, p.283-284).
A partir desta observação de meados do século XIX, fica a dúvida: de onde saiu o senso
comum de que o brasileiro é um amante das festas e naturalmente alegre e divertido?
A ausência de suntuosos festejos católicos tem, em Juiz de Fora, uma outra razão de
ser. Como toda a Zona da Mata, a cidade foi constituída de marginalizados da mineração e do
modo de vida barroco, assim as festas barrocas são aqui esquecidas. Enquanto os
trabalhadores iam aos circos de cavalinhos, cervejarias e piqueniques do 1˚ de maio, a elite se
divertia nos teatros e saraus, em visitas às fazendas” (CHRISTO, 1994, p. 14). A cidade ganha
este status em 31 de maio de 1850, pois o poder financeiro do café da Zona da Mata gerava
poder político para os fazendeiros locais. O café “permitiu a Juiz de Fora devido a, entre
outros fatores, ser a cidade posto de armazenamento, escoamento e venda de café uma
concentração de capitais capaz de suscitar o crescimento industrial” (CHRISTO, 1994, p. 11).
63
A autonomia política não correspondia à autonomia religiosa, a sede do bispado era em
Mariana. Por isto os prepostos locais eram conservadores e a cidade sentia os efeitos da mão
de ferro do bispo de Mariana: perseguição à colônia alemã, de maioria luterana; combate à
instalação dos metodistas e à instalação de suas escolas; pressões sobre a assembléia
provincial contra a câmara local
37
. Este clima belicoso pode ser exemplificado com a visita do
bispo de Trípoli, D. Lasagna à cidade, em 1894. Quando ele e seu staff na estação central
“populares mostraram todo o seu descontentamento agredindo-o verbalmente, fazendo gestos
obscenos aos que o acompanhavam, principalmente às freiras, e atirando excrementos de
animais contra o trem
38
” (CHRISTO, 1994, p. 13).
Os conflitos sempre experimentavam uma pausa para as festas. No século XIX a
maior delas foi a vinda do imperador D. Pedro II para a inauguração da estrada União e
Indústria. Esta primeira visita, em 1861, mobilizou toda a província e atraiu políticos de
outras doze, deixando as casas da cidade de portas abertas para atender às necessidades de
tantos visitantes. “Foram quatro dias de agitadas encheções de fossas” (LESSA, 1985, p.88).
Mariano Procópio, construtor da estrada, entreteu a família imperial com a banda dos colonos
alemães (valsas e tiroliros, de tiroleses legítimos) e, à noite, com canções alemãs e trajes
típicos em uma marche-aux-flambeaux
39
(LESSA, 1985, p.88, 90).
Mesmo com toda esta agitação Richard Burton, cônsul do Reino Unido em Santos,
considerava Juiz de Fora como
Uma única rua, ora poeirenta, ora enlameada, ou melhor, uma estrada, ao longo da
qual alinham-se pares de palmeiras. Seu único mérito é a largura [...] as moradias são
baixas e pobres [... existem] casas grandes e espaçosas de cidades, com abacaxis
dourados nos telhados e bolas de vidro nas sacadas à francesa, repuxos fantásticos,
ângulos encadeados, pássaros de barro e cal dispostos pelos muros e todas as
extravagâncias arquitetônicas do Rio de Janeiro (apud LESSA, 1985, p.101).
Neste cenário de ruas sem calçamento e ricos barões do café foi erguido o terceiro teatro da
província de Minas Gerais em 1863: o Teatro da Misericórdia. O segundo teatro da cidade, o
teatro São Sebastião, estaria funcionando em 1870 e no ano seguinte, após quatro anos de
obras, ficou pronto o teatro Perseverança. Em 1874 aparece o teatro Matos Lobo (LESSA,
1985, p. 92-3, 104, 106, 107). Diversão urbana para uma cidade tipicamente rural.
Paralelamente ao desenvolvimento dos movimentos culturais além dos teatros Juiz
de Fora reuniu escritores para a formação da Academia Mineira de Letras a cidade viu
37
Documentos que detalham estas ões podem ser encontrados na Junta Comercial, nos arquivos do Instituto
Granbery da Igreja Metodista e no Arquivo Histórico Municipal. Todos em Juiz de Fora.
38
O bispo faleceu neste mesmo dia, quando seu trem se chocou com outro, provocando um grave acidente, com
muitas mortes, ainda no perímetro urbano de Juiz de Fora.
39
Marcha ou desfile com tochas.
64
florescer vários veículos de comunicação. O historiador Jair Lessa (1985) data a chegada do
telégrafo em 1870, enquanto Walter Fonseca (1987) cita que ele chega com a instalação da
Cia. Telefônica do Brasil em 1884, na rua Halfeld. Com mais precisão é possível datar os
diversos jornais e revistas do século XIX. O Pharol foi o principal jornal de Juiz de Fora e um
dos poucos de longa duração, ele foi também o primeiro a circular na cidade, em 1870. Com
quatro páginas, a redação do semanário era dirigida por Thomaz Cameron, Leopoldo Augusto
de Miranda e Georges Sales Dupin. Em suas páginas eram publicados os editais e decretos da
câmara municipal, capítulos de folhetins, notícias sem a menor importância sobre
curiosidades acontecidas na Europa e com interesse local anúncios
40
. Entretanto, outros
jornais também começaram a circular neste mesmo ano: O Constituinte, substituído por O
Imparcial, de Francisco de Assis Mendes Ribeiro em 22/06/1870 segundo Fonseca (1987)
ou 22/07/1870 conforme Lessa (1985) – que encerrou suas atividades em dezembro do
mesmo ano. ainda, em Fonseca (1987), uma referência à existência de um jornal em 1870
chamado de Comercial, pertencente a Francisco Mariano Alves Lessa (1985) situa este
veículo em 1871 que teve duração de poucos meses. Lessa (1985, p.106) escreve que entre
1870 e 1873 existiu também um jornal humorístico cujo título era O Papagaio.
Com este grande número de jornais é possível perceber detalhes do cotidiano das
últimas três décadas do século XIX. a reclamação que o dia de Santo Antônio, padroeiro
de Juiz de Fora, não era comemorado adequadamente. O carnaval era escandaloso,
principalmente os foliões de fora, levando “a imprensa [a solicitar] aos hotéis que
registrassem o nome e o endereço destes foliões, porém os hotéis defendiam-se, dizendo que
sempre o faziam, porém o hóspede dava nome falso” (LESSA, 1985, p.115-116). A
brincadeira do entrudo dominava a festa, com fantasias de dominós para proteger a identidade
daqueles que tinham um código próprio para molhar as pessoas: limões de cheiro para os
namorados, muita água para os amigos e a água dos penicos para quem gozasse de antipatia.
Além da água havia as cusparadas das janelas do segundo andar ou da sacada (LESSA, 1985,
p.116).
As páginas do jornal O Pharol mostram um outro panorama do carnaval de 1876. No
dia 10 de fevereiro o Theatro Rionovense anunciava as três noites de baile a mil réis cada
(dias 27, 28 e 29) e a presença da banda de Manoel Vicente de Castro pelas ruas da cidade de
Rio Novo durante a tarde, a partir das 16 horas. Na edição do dia 27 de fevereiro dois
anúncios de Juiz de Fora chamam para a festa: os bailes do teatro Perseverança, entre 20 horas
40
Parte do acervo do jornal encontra-se microfilmado no Arquivo Histórico da UFJF. A data inicial dos
microfilmes é 1876. Todo o acervo está depositado na Biblioteca Municipal Murilo Mendes.
65
e 4 horas, cuja entrada custava dois mil réis e a loja de roupas de João Evangelista, que entre
outras coisas possuía todos os mais artigos próprios para os folguedos carnavalescos” (O
Pharol, 27 fev. 1876). Passada a festa restava aos jornais reverberar os ecos da folia:
Muito sem animação correrão por aqui os folguedos carnavalescos. Outro tanto não se
póde dizer do entrudo que em certos lugares attingio proporções gigantescas;
voltamos ao bom tempo em que se não podia sahir à rua durante os três famosos dias
sem correr o risco de voltar-se para a casa molhado como um pinto.
Ainda bom será enquanto só se jogar água! (O PHAROL, 02 mar. 1876)
O carnaval saudado pelo jornal não era uma festa que mobilizava a cidade, pois no mesmo
veículo, no dia 17 de fevereiro, encontramos três anúncios de festas das igrejas locais: um
agradecia as esmolas e organização da festa da igreja do atual bairro Grama; os outros dois
tratavam da nomeação dos festeiros para as comemorações de Nossa Senhora das Dores e de
São Benedito (O PHAROL, 17 fev. 1876).
A referencia do carnaval enquanto evento importante em Juiz de Fora nós
encontramos em Jair Lessa (1985, p.171), que narra os preparativos para a folia de 1884: um
grupo de rapazes da elite local organizou o bloco Diabos Carnavalescos, usando como sede o
teatro Perseverança. Um mês antes do tríduo momesco saíram a cavalo pelas ruas com
casacas pretas, cartolas e gravatas vermelhas; tocavam clarins e convocavam a população para
um desfile de carruagens pelas ruas; ornamentaram as ruas com cartazes que criticavam a
Telefônica, os bondes, a polícia, a catedral e carregavam um caixão com projetos da Câmara;
os Diabos Carnavalescos chegaram a batizar Juiz de Fora de Veneza de Minas
41
. Enquanto
isto os fiscais do município tentavam impedir a molhação do entrudo durante o carnaval
através de editais, que naturalmente foram descumpridos.
No ano de 1888, foi criado o clube dos Volapukistas
42
, o primeiro clube de Grande
Sociedade Carnavalesca em Juiz de Fora, formado por advogados e funcionários do fórum.
Neste ano o clube se apresentou pelas ruas da cidade com uma ousadia: seis grandes carros
alegóricos, “sendo que o carro-chefe carregava uma gôndola, sobre a qual, dez rapazes
mascarados declamavam que haviam encomendado vinte louras imigrantes, ‘não roceiras…
mas faceiras’” (LESSA, 1985, p.216). Seu ideário era o mesmo das Grandes Sociedades do
Rio de Janeiro: acabar com o que consideravam a barbaridade do Entrudo e promover o
41
A ironia do nome vem dos diversos córregos e lagoas existentes na cidade hoje aterrados. Nas diversas
referências que encontramos sobre Juiz de Fora descobrimos que era comum ser dado um apelido à cidade.
Acreditamos que as referências eram irônicas, apesar de serem tomadas como elogio. Um exemplo claro está em
um prefácio de Sylvio Romero para um livro sobre a cultura local (O teatro em Juiz de Fora, de Albino Esteves),
no qual Juiz de Fora é chamada de Europa dos Pobres.
42
Corruptela de Volapük, uma linguagem baseada no alemão e no inglês inventada por Johann Martin Schleyer
em 1880, com o intuito de torná-la universal, nos moldes do esperanto.
66
carnaval da civilização para que a plebe rude se educasse. Os Volapukitas pediam aos foliões
para atirarem flores em lugar de água, embora um que outro ainda teimava em jogar limões-
de-cheiro plenos de água perfumada, poucos, porém, porque a cera estava ficando cara e mais
encarecia nos carnavais, semanas-santas e finados” (LESSA, 1985, p.216). Como vimos no
primeiro capítulo, o ensino da civilização ia além das lindas francesas seminuas sobre os
carros; no caso deste clube de Juiz de Fora envolvia a decoração das ruas com lampiões
belgas na frente das principais lojas e a construção de um coreto decorado pelo pintor Hipólito
Caron
43
. Atrás de si traziam barulhento Pereira e uma grande Marche aux flambeaux
(LESSA, 1985, p.215-216).
A abolição pouco impacto econômico provocou na economia da região, pois sempre
faltaram braços na Zona da Mata mineira, e a mão-de-obra muito era composta por
grande número de imigrantes europeus. Primeiro os alemães trazidos por Mariano Procópio e
posteriormente outras nacionalidades, principalmente italianos, incentivados pelo Rio de
Janeiro. O volume de estrangeiros era tanto que foi criada na Tapera (atual bairro Santa
Terezinha) a Hospedaria do Imigrante, em 1888, centro de triagem para toda a província que
durou até 1920. Atualmente o prédio sedia o Segundo Batalhão da Polícia Militar.
Na virada do século XIX para o século XX Juiz de Fora era o principal centro
econômico de Minas Gerais e, graças ao café, a Zona da Mata era a mais rica região do
estado. Em 1910, por exemplo, a cidade possuía 17 indústrias, cerca de 350 estabelecimentos
comerciais e de serviços, diversos profissionais liberais e seis colégios. A cidade contava com
30 mil habitantes, a mais populosa de Minas (ACESSA.COM, 2007a). Sobre o carnaval deste
início de século XX o melhor retrato quem faz é o memorialista Pedro Nava, recordando
1907:
Água não era só de chuva ou de enchente. Mais abundante era a dos entrudos.
Carnaval. Passavam uns escassos mascarados, dominós de voz fina, diabinhos com
que o Benjamin Rezende se divertia arrancando e quebrando chifres […] os primeiros
lança-perfumes – Vlan e o Rodo. Mas o bom mesmo era o entrudo. […] Os limões de
todos os tamanhos e de todas as cores que eram preparados com semanas de
antecedência e em enorme quantidade. Continham água-de-cheiro, água pura, água
colorida, mas os que nos caíam da sacada do Barão vinham cheios de água suja, de
tinta, de mijo podre. Desciam ao mesmo tempo que as cusparadas das moças. […]
Todos os pontos estratégicos das casas eram ocupados com jarras, baldes, latas e
bacias para esperar os atacantes. Porque havia assaltos de porta a porta. […] Acabava
tudo numa inundação de vinho do porto, para rebater e cortar o frio. À noite penava
com asma (s.d., p.296-297).
43
Pintor juizforano com vários prêmios pela Escola Nacional de Belas Artes.
67
Dez anos depois dessas lembranças de Pedro Nava a cidade está mais elitizada, seus
pântanos mais aterrados e os riachos mais subterrâneos. Cerca de 30 mil sacas de café são
escoadas pela estação do Retiro e em Paris existe um escritório exclusivo para a venda
do café juizforano na Europa. O dinheiro fácil do café impulsiona também a diversão local.
O Club Juiz de Fora é um sintoma deste período, construído pelo principal empreiteiro
local, o prédio era meio art-noveau e o salão era decorado com mobília francesa, espelhos
e as janelas tinham o parapeito revestido de veludo – ao estilo Luis XVI. A obra, pronta em
1918, custou 300 contos de réis, paga com a contribuição de um conto por sócio
(TEIXEIRA FILHO, 1966, p.112; ACESSA.COM, 2007b). A burguesia local já o
precisava mais se arriscar nas ruas para os festejos de Momo, pois
Nos bailes de carnaval, já nessa ocasião libertos do estúpido ‘entrudo’ [sic] e em plena
era do lança-perfume, das serpentinas e dos confetes dourados, seria um desdouro
uma senhorita apresentar-se sem a sua rica fantasia. A disputa de prêmios pelas mais
lindas constituía um pleito sensacional, o mesmo acontecendo entre as crianças. Deus
me livrasse de alguém aparecer por lá de camisa de malandro (TEIXEIRA FILHO,
1966, p.113).
Os bailes entusiasmavam a elite juizforana e atraíam visitantes do Rio de Janeiro e de
outras cidades de Minas por causa da fama. Porém, nem tudo eram flores. As condições de
trabalho para o operariado nas fábricas da cidade refletiam os mesmos problemas do resto do
país no início da industrialização. Entre 1912 e 1924 ocorreram greves e confrontos com a
polícia. O dinheiro do café que levantava asbricas não conseguia segurar em Juiz de Fora a
mão-de-obra mais qualificada. A cada ano agentes das indústrias de São Paulo vinham até
Minas recrutar principalmente imigrantes qualificados para as empresas paulistanas
44
. Outro
foco de tensões locais eram os imigrantes alemães. Por levarem uma vida à parte, muitos
descendentes dos imigrantes originais preferiram retornaram para a Alemanha na Primeira
Guerra Mundial como membros do exército do imperador Wilhelm II do que continuar em
Juiz de Fora
45
.
Nos anos 1920 a música variava entre sambas (provavelmente lundo e/ou maxixe),
marchinhas, tangos e valsas. Duas Grandes Sociedades Carnavalescas reuniam os homens: os
Tenentes da Folia, que terminavam suas brincadeiras no Club Juiz de Fora; e os Príncipes da
Fuzarca, que passavam as tardes no Corso e as noites entre o Clube dos Planetas e Clube dos
Grafos (TRAVASSOS, 1989, p.11). Aracy Fonseca Horta, uma foliã desta época descreve um
44
Uma parte desta história está no livro de Silvia M. Belfort Vilela de Andrade: Classe operária em Juiz de Fora.
No qual a autora acompanha as três principais greves da cidade (1912, 1920 e 1924) e suas conseqüências.
45
Não existem pesquisas sobre estes dados. A informação nos foi apresentada em contatos descendentes da
colônia alemã e amigos destes; inclusive cita-se a existência de muitos simpatizantes do nazismo no período da
Segunda Guerra Mundial.
68
dia de carnaval em Juiz de Fora pelas décadas de 1920 e 1930: “Durante o dia brincávamos de
‘sujos’ improvisando máscaras com fronhas e vestidas como homens, com uma varinha na
mão para açoitar quem ousasse se aproximar demais. [...] depois participávamos do corso,
fantasiadas, cantando até o final da noite, quando íamos para os clubes” (apud TRAVASSOS,
1989, p.11). Os clubes eram a referência do carnaval em Juiz de Fora, tanto que a primeira
Rainha do Carnaval, Ivone Mazocoli, foi eleita em 1935 numa disputa que envolvia as
representantes das diferentes associações existentes
46
. Neste mesmo ano jornalistas e cronistas
carnavalescos juizforanos fazem-se presentes na folia como a Turma da Perpétua; além de
apuração a imprensa local também se divertia saindo no corso e depois indo para os diferentes
bailes noturnos (TRIBUNA DA TARDE, 1989, p.12-13). Este ainda é um período no qual
“Os homens raramente se fantasiavam; quando muito, empoavam as cabeças e compareciam
sempre impecavelmente trajados, em calças de linho e camisas esportivas, pernas totalmente
cobertas” (Aracy Fonseca Horta apud TRAVASSOS, 1989, p.11). Pelo menos para a
burguesia juizforana o Carnaval era uma festa em família, com um controle sobre o ambiente
a ser freqüentado por esposas e filhas.
Ali [no clube Juiz de Fora] os bailes de sábado, abertura oficial do carnaval da cidade,
exigiam traje a rigor e se permitia o smoking, o summer e o traje longo ou fantasia
de alto luxo, confeccionadas em tecidos nobres, sempre recatadíssimas, onde
transparências e decotes ousados eram inimagináveis e o comprimento da saia, se
acima dos joelhos, fazia com que a foliona fosse barrada à entrada, fatalmente (Aracy
Fonseca Horta apud TRAVASSOS, 1989, p.11).
A presença feminina no carnaval de Juiz de Fora não se limitava aos salões ou ao
corso, havia um bloco de rua formado pelo pessoal da Escola Alemã, que atuou entre 1933 e
1940, com a presença das mulheres. Os alemães possuíam também um clube restrito para os
bailes, na rua D. Pedro (Geraldo Halfeld apud TRIBUNA DA TARDE, 1989, p.6). Outras
mulheres driblavam a vigilância familiar para participar da folia nas ruas, geralmente
brincavam enquanto se deslocavam do clube dos Grafos (rua Halfeld) para o clube dos
Excursionistas (Galeria Pio X, esquina com rua Marechal Deodoro). Glorinha Ciuffo,
vencedora do primeiro concurso para escolha da melhor foliona das batalhas de confeti
(1937), mostra as dificuldades enfrentadas: “embora eu gostasse e brincasse o carnaval de rua,
era tudo escondido de meu pai […] que não admitia” (apud TRIBUNA DA TARDE, 1989,
p.5). Os comerciantes Antônio Coury, na rua Marechal Deodoro e Cecílio Sampaio, na rua
46
Pelas fontes consultadas presumimos que os clubes em Juiz de Fora desempenhavam o mesmo papel que as
Grandes Sociedades Carnavalescas no Rio de Janeiro. Excetuando-se as associações esportivas e, talvez, o clube
Juiz de Fora.
69
Halfeld
47
rivalizavam na organização das batalhas de confete, que se tornaram uma das
marcas do carnaval juizforano durante quatro décadas elas permaneceram até o final dos
anos 1960 (TRIBUNA DA TARDE, 1989, p.4-5).
A crise do café abalou fortemente a economia local. A ascensão de Getúlio Vargas ao
poder trouxe para o centro do jogo político da Zona da Mata líderes ligados às classes
populares. A Segunda Guerra Mundial apagou a presença alemã na cidade. Mas as mudanças
foram acontecendo devagar, pois enquanto no Rio de Janeiro as Escolas de Samba se
alinhavam aos novos tempos e ascendiam como paradigma da identidade nacional, em Juiz de
Fora elas apenas um grupo de foliões precariamente organizado participando do carnaval de
rua, como percebemos na declaração de Ernani Ciuffo: “fui diretor, cantor e compositor dos
Turunas […]. Mas o que eu gostava mesmo era das batalhas de confetes, principalmente as da
Halfeld e da Marechal […] e os comerciantes patrocinavam” (apud TRIBUNA DA TARDE,
1989, p.4).
Inovações no carnaval surgem apenas no final dos anos 1940. Com a inauguração dos
transmissores da rádio Industrial, em 1949, começa-se a cobertura dos bailes carnavalescos
dos clubes (TRIBUNA DA TARDE, 1989, p.4). Desde o fim da década de 1930 até os anos
1960 a festa nos clubes era o centro da folia em Juiz de Fora. Do tradicional Club Juiz de Fora
a festa atingiu os elitistas Sport, Clube Bom Pastor e Dom Pedro II. A partir destes os bailes
carnavalescos tomaram todas as direções e todas as camadas da sociedade local, sendo que os
principais locais da folia eram o Clube dos Planetas, Clube dos Grafos, Clube Elite,
Tupynambás, Tupi, Associação dos Empregados do Comércio e Círculo Militar. O Elite
Clube Mineiro, por exemplo, ficava na parte baixa da rua Halfeld (mais próxima ao rio
Paraibuna) e era freqüentado pelos mais pobres, que em seu salão dançavam suingue e samba.
Diz-se que uma parte da burguesia aparecia no clube para aprender a dançar e depois exibir-se
nos salões mais chiques (ACESSA.COM, 2007b). No entanto, as equipes das rádios, com
todas as restrições tecnológicas do período, freqüentam apenas os eventos da elite juizforana.
O radialista Mário Moraes, que foi diretor artístico da rádio PRB3 (atual rádio Solar), mostra
quais eram os locais visitados por sua equipe: “Foi nos anos 50 e 60 que os bailes tiveram seu
apogeu. Nós, da rádio, fazíamos transmissão ao vivo dos bailes da cidade, principalmente os
do Sport Club e do Clube Bom Pastor”; ele ainda comenta que o auditório da rádio se
transformava em salão de baile durante o carnaval “Nós tirávamos os móveis, colocávamos a
orquestra tocando as marchinhas e o público vinha se divertir” (apud ACESSA.COM, 2007c).
47
Estas ruas atravessam a área central de Juiz de Fora paralelamente no sentido leste/oeste. As batalhas de
confete se restringiam ao trecho entre as avenidas Rio Branco e Getúlio Vargas.
70
Outra novidade, mas que durou apenas os carnavais de 1949 e 1950, foi a criação dos
Granfinos do Samba. Era uma Escola de Samba com bateria e mais de cem componentes,
criada por membros da elite local. Um dos criadores desta Escola foi Geraldo Mendes, dono
da rádio Industrial e posteriormente da concessão do canal de TV local TV Industrial
(depois vendido para a TV Globo). Sobre a Escola de Samba ele afirma que decidiu-se “criar
um movimento carnavalesco inovador em termos visuais. Em vez das tradicionais camisas
listradas e dos chapéus usados pelos componentes das escolas existentes, saímos de fraque e
cartola. No ano seguinte de rumbeiros” (TRIBUNA DA TARDE, 1989, p.7). Para outro
fundador deste movimento, Nilson Rodrigues esta “foi uma época alegre e bonita, em que o
luxo e o bom gosto deixaram os salões sofisticados e chegaram às ruas da cidade, ao povo”
(TRIBUNA DA TARDE, 1989, p.7). Depois de um século da criação das Grandes Sociedades
Carnavalescas do Rio de Janeiro e sua ideologia de educar esteticamente a plebe rude e sem
cultura, a mesma concepção encontra-se presente no interior do Brasil.
Talvez para marcar o fim de um período do carnaval juizforano o Club Juiz de Fora
pega fogo, justamente após o baile e justamente em 1950, época na qual a cidade comemorava
seu centenário de emancipação. Mesmo sem o seu tradicional local de festas a cidade divertia-
se. Os anos 1950 e 1960 viram acontecer os Bailes dos Casados: no mais estrito sentido
carnavalesco eles aconteciam às tardes no Palace Hotel e no Cinema Glória. Eram bailes de
máscaras voltados para a burguesia local e não havia discriminação entre homens (os coroas)
ou mulheres (as gatinhas), “que, ávidos, se divertiam em busca de ‘novas emoções’ durante o
Carnaval o que de certa forma era permitido pelas tradicionais famílias e mesmo esposas
exclusivistas” (João Medeiro Filho, 1989, p.9).
Podemos considerar o ano de 1966 como o marco da mudança do carnaval juizforano.
E o ano do primeiro desfile oficial das Escolas de Samba da cidade e, conseqüentemente, o
início da folia organizada e normatizada. O corso e as batalhas de confete vão perdendo
espaço para as arquibancadas e para os clubes. José Rodrigues da Silva considera que “até
1960, o carnaval de rua era muito bom e alegre. Aos poucos foi desaparecendo e os foliões
passaram a brincar nos clubes, como Bom Pastor e Sport, que promoveram grandes bailes
carnavalescos” (TRIBUNA DA TARDE, 1989, p.6). Os bailes de carnaval dos clubes
atravessaram os anos 1970, mas começaram sua decadência na década seguinte e
praticamente deixaram de acontecer. Várias são as razões apontadas para seu
desaparecimento. Segundo o ex-prefeito Melo Reis (2006) a cobrança de direitos autorais pelo
ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) tornou cara a realização dos bailes;
o jornalista Wilson Cid (2007) considera que a crise econômica do período 1980/1995
71
inviabilizou financeiramente os clubes; enquanto o professor José Luiz Ribeiro acredita que a
decadência do carnaval nos clubes aconteceu por causa da ida das pessoas para as Escolas de
Samba, “influenciadas pelo carnaval carioca. [...] A própria TV incentiva o carnaval de rua.
Voltamos para o início do carnaval, com a mesma bagunça [sic]” (ACESSA.COM, 2007c).
Com a chegada das Escolas de Samba do Rio de Janeiro à televisão Juiz de Fora
adotou uma estratégia publicitária agressiva no carnaval. Primeiro no governo do prefeito
Ademar Rezende de Andrade (1964-1967), quando o Departamento Autônomo de Turismo
(DAT) instituiu os desfiles oficiais e os organizou, a partir de um regulamento, na avenida Rio
Branco; depois na gestão do prefeito Francisco Antônio de Melo Reis (1977-1982), que
investiu maciçamente na imagem do carnaval da cidade com a vinda de atores de televisão
para assistir aos desfiles e divulgação nacional do evento pela Embratur (Empresa Brasileira
de Turismo). O depoimento de Solange Brandi ilustra bem este período: “Recebi uma
medalha do prefeito Mello Reis […] e a convite da prefeitura fui ao Rio, com outros
destaques da cidade, participar de uma festa […] promovida pela Embratur. Na ocasião
[1979], o carnaval de juiz de Fora foi considerado o melhor do país” (TRIBUNA DA
TARDE, 1989, p.7).
Entretanto, a partir de 1985 a crise foi do próprio carnaval Juizforano. A nova
urbanização adotada para a avenida Rio Branco e o desinteresse do poder público em
promover o espetáculo o apoio se limita em dar dinheiro para as Escolas de Samba
criaram dificuldades para os desfiles. Levando os préstitos para pontos da cidade diferentes a
cada ano e realizando um evento desconectado da vida da cidade, a municipalidade foi
responsabilizada por dificultar o acesso da população aos desfiles e por favorecer o
desinteresse pelo processo em geral. As diretorias das Escolas de Samba se imobilizaram à
espera das verbas vindas do poder público e, em sua maioria, provocaram um afastamento
entre a agremiação e seus participantes, mantendo as quadras fechadas a maior parte do ano e
trabalhando para o carnaval entre dezembro e fevereiro. Hoje a disputa é praticamente uma
prestação de contas pelo dinheiro recebido da prefeitura.
72
2 COMO ERAM OS DESFILES
As primeiras Escolas de Samba de Juiz de Fora foram criadas na década de 1930, mas
o primeiro concurso oficial da cidade aconteceu apenas em 1966. Durante este intervalo a
disputa entre as agremiações ocorriam informalmente e cada qual se julgava como a
vencedora da animação a cada ano. Elas desfilavam pelas ruas da cidade, dividindo o espaço
com fantasiados avulsos, pequenos blocos, os ranchos e o corso. A participação ativa nas
batalhas de confete rendiam conquistas de campeonatos. No entanto, Jair de Carvalho,
integrante da Escola Feliz Lembrança, o considera qualquer validade para os títulos
conferidos nos concursos dos organizadores das batalhas de confete, um dos motivos é a não
escolha de um campeão do ano, outra razão era que “em cada lugar era uma comissão
julgadora diferente que dava ganho de causa, praticamente a todas as agremiações
dependendo de injunções ou interesses do comércio dos bairros” (apud MOSTARO;
MEDEIROS; MEDEIROS FILHO, 1977, p.78).
Ao contrário dos blocos, ranchos e do corso que sempre contaram com a participação
feminina, a estrutura das Escolas de Samba eram exclusividade dos homens. Como veremos
na trajetória das principais agremiações de Juiz de Fora, nos primeiros anos de cada uma delas
o papel da mulher ficou sempre em segundo plano, normalmente a participação ficava restrita
às prostitutas ou mulheres de classes populares cujos parentes próximos eram muito
envolvidos com o universo do samba, como podemos ver na fala de Jair de Carvalho:
Naquele tempo Escola de Samba era coisa de homem. Nem se podia pensar na
possibilidade de recrutar o sexo feminino. Acredito que o grito de igualdade foi dado,
no inicio dos anos 40, por minha irmã Gilda de Carvalho e por duas sobrinhas do B.O,
Anélia e Naíla. Indubitavelmente essas moças foram precursoras do feminismo. E
olha que o samba ainda era tido como coisa de malandro, vigarista e outras coisas
mais. O fato criou uma polemica das mais acirradas. Uma clara manifestação de amor
ao samba, ao carnaval de rua. Deram um show (MOSTARO; MEDEIROS;
MEDEIROS FILHO, 1977, p.78).
Nestes primeiro anos também não existiam sambas de enredo, cantava-se composições
conhecidas nacionalmente ou dos próprios compositores locais. As Escolas cantavam mais de
um samba, selecionados pela diretoria. Havia também a escolha de um refrão para os
improvisos, o júri das batalhas de confete pensava o tema e os improvisadores faziam a
música na hora, recebendo uma nota. Na área central da cidade o desfile passava
infalivelmente pela batalha de confete de rua Halfeld. Nos anos 1940 e 1950 um palanque era
armado em frente ao cinema Glória para os cantores, enquanto a Escola passava, eles iam
73
cantando as músicas escolhidas para aquele ano e os improvisos (NÓBREGA, 1989, p.14;
PANORAMA, 2004, p.16).
A instituição de um concurso oficial pelo DAT leva a prefeitura a escolher como palco
dos desfiles a avenida Rio Branco, por ser a via mais larga da cidade, podendo acomodar
facilmente o público e dar bastante espaço para a evolução das agremiações. Por sua posição e
espaço o local era ocupado pela folia muito antes da oficialização, o ano de 1966 apenas
consolidou-o como passarela do samba, ainda sem arquibancadas e apenas uma corda
separando o público do espetáculo. As agremiações faziam o trajeto entre a rua Espírito Santo
e a rua Floriano Peixoto e uma comissão julgadora avaliava as agremiações. Neste primeiro
ano a vitória foi da Escola de Samba Feliz Lembrança, marcando uma nova forma de se fazer
o carnaval na cidade, como veremos adiante.
No ano seguinte não aconteceu o desfile oficial das Escolas de Samba porque “a
equipe do então prefeito Itamar Franco assumiu o mandato e não teve tempo suficiente para
organizar a festa” (ACESSA.COM, 2007d). Com a realização da disputa em 1968, também na
avenida Rio Branco, a campeã foi a Escola de Samba Mocidade Independente do São Mateus.
Quando tudo caminhava para a consolidação da festa das Escolas de Samba, a equipe de
Itamar Franco não consegue realizá-la em 1969. Será a partir de 1970 que os concursos
acontecerão sem interrupção, mas não sem problemas, até 1991. Podemos considerar o
período entre 1970 e 1980 como uma fase de ascensão para as Escolas de Samba juizforanas.
O local dos desfiles oficiais mudou em 1981. Uma obra de reurbanização da avenida
Rio Branco obrigou a alteração. Inicialmente o último ano das Escolas de Samba na Rio
Branco era 1979, neste ano o jornalista José Carlos de Lery Guimarães compôs um tema
lamentando a perda do tradicional espaço: Adeus avenida; que virou hit do carnaval local. O
atraso no início das obras permitiu que a avenida recebesse o desfile de 1980
(ACESSA.COM, 2007d). Iniciada a construção o carnaval de 1981 foi realizado na Avenida
Francisco Bernardino da praça da Estação em direção à rua Benjamin Constant. Em 1982
trocou-se novamente o local dos desfiles; desta vez a avenida Getúlio Vargas foi a escolhida
para receber a festa do samba. As Escolas desfilaram a partir da rua Santa Rita em direção à
rua São Sebastião.
No ano de 1983 o desfile retorna à avenida Rio Branco. Era o primeiro ano da
primeira administração de Tarcísio Delgado e a presença das Escolas de Samba na avenida
era uma medida política, pois Melo Reis, seu antecessor, era filiado a outro partido: Arena.
Para marcar a diferença e dar ares de uma gestão democrática o slogan do carnaval foi: Na
74
avenida de novo, o carnaval do povo. O uso político do desfile das Escolas de Samba é mais
perceptível em 1984, quando a própria prefeitura lança uma revista de balanço das atividades
no ano e diz textualmente:
Com o enredo armado... A Rio Branco, agora mais que nunca, é do povo”, a
Funalfa está acertando todos os ponteiros e afinando todos os instrumentos para um
bom carnaval. Carnaval devolvido ao povo, seu legitimo dono, há muito tempo
impedido de freqüentar a Rio Branco [...]. Ainda mais se nos lembrarmos que o
carnaval de 85 será o da vitória de Tancredo Neves, o que dá pra comemorar com
muito mais festa, evidentemente (PREFEITURA DE JUIZ DE FORA, 1984, p.21).
até o último ano desta administração, 1988, o carnaval manteve-se no mesmo local. No ano
seguinte a entrada de um novo prefeito, Alberto Bejani (PJ)
48
, provocou uma nova mudança
no local dos desfiles. Continuou na avenida Rio Branco, mas num trecho menos aristocrático,
entre a avenida Brasil e a rua Marechal Setembrino de Carvalho. A alteração provocou um
boicote das principais Escolas de Samba, saindo apenas as agremiações do segundo grupo
(ACESSA.COM, 2007d). A própria Funalfa
49
não registra o resultado deste ano, dando a
entender que não houve um concurso oficial em 1989. É o início da decadência desta forma
de carnaval em Juiz de Fora. Por coincidência foi a primeira vez que os desfiles mudaram o
sentido original sul/norte para norte/sul.
Em 1990, através de um plebiscito [sic] o povo escolheu que o desfile retornasse à
avenida Rio Branco entre as ruas Floriano Peixoto e Espírito Santo” (ACESSA.COM, 2007d).
Também voltaram ao desfile as Escolas de Samba do primeiro grupo. Mas a alegria durou
pouco. Em 1991, 1992 e 1993 o concurso oficial não aconteceu. Em 1994 o desfile das
Escolas de Samba na avenida Rio Branco volta para o trecho entre a avenida Brasil e a rua
Marechal Setembrino de Carvalho. Neste momento Juiz de Fora está no segundo ano do
prefeito Custódio Mattos (PSDB), cuja administração muda o desfile de 1995 para a avenida
Brasil, na margem direita do rio Paraibuna. O trajeto percorrido pelas Escolas de Samba passa
a ser entre a avenida Kasher no local um grande terreno aberto pertencente à MRS (ex-
Rede Ferroviária Federal) que ficou conhecido como Terreirão do Samba e a rua Benjamin
Constant. Na nova passarela do samba foram realizados os desfiles de 1996, 1997 e 1998
(ACESSA.COM, 2007d). Em 1999, no penúltimo ano da segunda administração Tarcísio
Delgado (1997-2000), o desfile oficial não foi promovido pela prefeitura.
48
Partido da Juventude, que teve vida efêmera. Posteriormente este político passou para o Partido da
Reconstrução Nacional (PRN), que elegeu o ex-presidente da república Fernando Collor. Bejani, nesta época,
buscava associar sua imagem à do então governador de Alagoas.
49
Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage. Esta fundação cumpre as funções de secretaria de cultura do
município. Seu superintendente é indicado pelo prefeito.
75
As Escolas de Samba retornam novamente para a avenida Rio Branco em 2000.
Novamente por interesse eleitoral do prefeito Tarcísio Delgado, que se reelege para o
mandato 2001-2004. Durante todo este período os desfiles acontecem entre a rua Espírito
Santo e rua Floriano Peixoto, mas desta vez com forte oposição, pois as Escolas de Samba
locais já não possuem inserção social e os desfiles (e as próprias Escolas de Samba) vivem
seu momento de completa decadência. Alberto Bejani – desta vez no PTB – retorna à
prefeitura e mantém o carnaval de 2005 no mesmo local. Nos dois anos seguintes sua
administração realiza nova transferência do desfile, para a avenida Brasil, desta vez entre a
avenida Rui Barbosa e a avenida Rio Branco, um trecho mais distante do centro de Juiz de
Fora.
A retirada dos desfiles da avenida Barão do Rio Branco incomodou (e ainda
incomoda) todas as Escolas de Samba de Juiz de Fora e de uma forma geral é apontada por
estas como a razão principal de uma queda no entusiasmo dos foliões e do afastamento do
público em geral. A primeira vez houve uma certa comoção, mas da última vez que
aconteceu, a transferência foi considerada uma bênção. Sobre esta situação o ex-prefeito Melo
Reis (2006) justifica sua ação e a necessidade da saída dos desfiles de Escolas de Samba desta
via como um benefício público, pois a função da avenida é de ligação entre o norte e o sul da
cidade, devendo servir nos 365 dias do ano a todos os cidadãos e não somente como palco
para os três dias de carnaval, para quem fosse assistir aos desfiles. A pista de ônibus no
centro da via carrega todo o tráfego pesado do sistema de transporte coletivo da cidade e os
canteiros de separação precisam de conservação para ser uma área verde permanente. Além
da cobertura dos pontos de ônibus que precisavam ser retiradas para a montagem das
arquibancadas, isto justamente no verão, um período de forte calor e chuvas intensas.
Reconhecendo foi um erro de sua administração tentar usar a avenida Getúlio Vargas, que é
relativamente estreita para o espetáculo, Melo Reis considera que o ideal para as Escolas de
Samba seria haver um lugar especial para a festa. No entanto, a cidade ainda não encontrou
essa localização e nem mesmo a buscou nesses vinte e poucos anos, desde de sua saída do
executivo municipal.
A entrevista que Melo Reis nos concedeu em 2006 faz eco a uma crônica publicada no
jornal Diário Mercantil, que circulava em Juiz de Fora em 1983:
É por isto que dou hoje uma sugestão ao novo prefeito, que entrou de rijo na batalha
carnavalesca [...] se o carnaval é rendoso, compensador [...] então é hora de pensar em
investir nele de modo definitivo [...].
Sugiro que a Prefeitura estude como dar ao carnaval um lugar próprio, como se faz
com o futebol [...]. Pois sugiro um lugar assim para os desfiles carnavalescos. [...] O
76
Barão de Ramiz Galvão, que andou sugerindo nomes eruditos para certos desportos,
talvez sugerisse poreiódromo (de poréia = desfile, em grego).
[...] O que importa é que o carnaval tenha seu lugar permanente, sem problemas de
mudanças no tráfego, alteração da figura da Avenida, sem briga de políticos. Um
lugar com arquibancadas de concreto [...] conforto para os espectadores, camarotes
para a gente bem, para o mundo oficial, cabinas para as estações de rádio e televisão
[...].
Escolha-se o lugar, faça-se este sambódromo ou pereiódromo. E o povo irá lá. Isso de
dizer que o carnaval tem que ser na Avenida é papo furado. No Rio de Janeiro,
acabou-se com o da Praça Onze, com o da Avenida Central e, hoje, a rua Marquês de
Sapucaí se enche de gente do mesmo jeito. O povo vai ao carnaval, onde ele estiver
(OLIVEIRA, 1986, p. 42-43).
Como a sugestão do cronista não foi acatada, as únicas inovações que aconteceram foram a
descentralização da festa, com apoio do poder público a blocos e bandas em diversos bairros
e, partir de 2000, a criação do troféu Pandeiro de Ouro, para os destaques dos desfiles das
Escolas de Samba. A Funalfa passou a instituir um júri próprio para o troféu e a realizar uma
festa pós-carnaval para a entrega dos prêmios. Este troféu nada mais é que uma cópia do
Estandarte de Ouro, concedido pelas Organizações Globo aos destaques dos desfiles do Rio
de Janeiro. Um dos contemplados com o Pandeiro de Ouro foi Juracy Neves, proprietário de
uma rede de veículos de comunicação em Juiz de Fora. Em termos de divulgação o principal
resultado da Funalfa é a gravação do disco com os temas das Escolas locais a partir de 2003 e
em parceria com a Liga das Escolas de Samba (FUNALFA, [2004?], p.45-47).
3 AS ESCOLAS DE SAMBA DE JUIZ DE FORA
Resgatar a trajetória histórica das Escolas de samba de Juiz de Fora é uma árdua
tarefa. Em sua maior parte elas o têm preocupação em preservar sua memória e apenas as
mais tradicionais e das quais participam membros da elite local conseguiram manter
informações mais precisas. A própria cidade é carente de memória, o que é agravado pelos
meios de informação locais: os existentes destruíram parte de seus arquivos ou os
armazenam sem organização; os que não atuam mais estão com o material produzido
armazenados em situação de precariedade.
Uma parte das informações pode ser encontrada também no sítio da Funalfa ou consta
das publicações que a instituição edita na proximidade do carnaval. Um resgate mais
abrangente da vida das Escolas de Samba juizforanas exigiu entrevistas com os mais antigos
participantes do carnaval da cidade. A seguir mostramos um panorama sobre as quatro
agremiações que consideramos fundamentais dentro do carnaval da cidade.
77
3.1 TURUNAS DO RIACHUELO
A primeira Escola de Samba do estado de Minas Gerais foi fundada em Juiz de Fora: a
Turunas do Riachuelo. Além dessa posição singular no Estado, os sambistas locais a
consideram a quarta agremiação do Brasil, entretanto os livros de Monique Augras (1998),
Hiram Araújo (2003), Sérgio Cabral (1996), Nei Lopes (2003) dão conta da existência de,
pelo menos, cinco Escolas de Samba no Rio de Janeiro em 1930: Cada Ano Sai Melhor,
Estação Primeira de Mangueira, Oswaldo Cruz (Portela), Para o Ano Sai Melhor, Vizinha
Faladeira. Também uma música de 1936 Palpite infeliz, de Noel Rosa – fala sobre a
presença do samba também no Estácio, Salgueiro, Matriz e Vila Isabel; provavelmente
existiam Escolas de Samba nestas áreas do Rio de Janeiro. Mesmo com esta quantidade de
referências a organização Escola de Samba era uma novidade para a sociedade em geral, e
para a de Juiz de Fora, uma cidade do interior, não seria exceção.
A Turunas do Riachuelo foi fundada em 1934 e seu registro em cartório data de 26 de
fevereiro de 1955, na gestão do presidente Celso Nunes Leal. O documento está no Cartório
de Títulos e Documentos sob o número 350. Ela foi considerada de utilidade pública com a
Lei Municipal 18.882 de 01 de agosto de 1963 (MOSTARO; MEDEIROS; MEDEIROS
FILHO, 1977, p.29). As palavras que Neline Pinto enviou à cidade no programa oficial da
Escola quando esta retomou suas atividades em 1972 são uma espécie de justificativa para sua
Utilidade Pública.
Alegrou e educou muita gente. [...] tanto fez pelo carnaval de J.F., motivou tanto
entusiasmo na alegria do povo, que outros lutadores surgiram na arena do samba,
fundando escolas, revelando passistas, compositores e instrumentistas. Cumpriu a
obrigação de, na palavra de seu grande presidente José Oceano Soares, educar pela
disciplina, pelo refletir dos anseios populares, modificando o conceito de que Escola
de Samba era agrupamento de malandros ou marginais. Turunas iniciou uma era de
Comunicação quando esta palavra existia nos memorandos de escritórios... (apud
MOSTARO; MEDEIROS; MEDEIROS FILHO, 1977, p.29).
Um discurso que o difere do das Grandes Sociedades do século XIX: “educar pela
disciplina, pelo refletir dos anseios populares”, desde que este anseio não fosse contrário às
concepções de povo dos diretores da Escola.
A presença do grupo que formou a Turunas no Carnaval juizforano data de 1933,
quando se agruparam ao redor do bloco Feito com Vontade, composto principalmente
pelos quatro irmãos Toschi, os irmãos Soares (José Oceano e José Sol e Ar), Pedrinho Inglês,
Nilo de Freitas, José Silvério (Zé Lacraia), José Teodorico, Marmel Consulumagno, José
Pepino, Santolima, da Grota, Américo Fatori e Dionísio de Aquino (NÓBREGA, 1989,
p.14). Este bloco desapareceu para dar lugar à Escola que desfilou em 1934. José Oceano
78
Soares foi o responsável pela idéia da transformação, uma vez que, a trabalho, freqüentava o
Rio de Janeiro e de seus contatos com vários músicos ligados ao universo do samba idealizou
uma Escola de Samba em Juiz de Fora. Em depoimento ele comenta que
No começo dos anos [19]30 eu fui para o Rio e trabalhava à noite, no Parque Armando
Lacerda, uma quermesse para levantar fundos para uma igreja na Conde de Bonfim
(Tijuca). Em [19]33 voltei para Juiz de Fora. Havia o bloco “Feito de Vontade,
que eu saía, (ali da Rua Silva Jardim) juntamente com os irmãos Toschi, entre outros.
Procurei o Pepino propondo a idéia de transformar o bloco em Escola de Samba. É
que no parque onde estava trabalhando (só em [19]36 fixei residência de novo em JF),
quase todas as noites havia roda de samba. E freqüentavam: um garoto chamado
Noel Rosa, Rubens Cardoso, campeão do pugilismo, Germano Augusto e um italiano
chamado Kid Pepe, ambos compositores, e outros. Entre uma cerveja e outra se falava
muito de Escola de Samba. Uma espécie de palavra de ordem dos sambistas. Muito se
dizia da escola Azul e Branco, que mais tarde virou o Acadêmicos do Salgueiro.
Fiquei com aquilo na cabeça e trouxe a idéia para JF (MOSTARO; MEDEIROS;
MEDEIROS FILHO,1977, p.54).
A rua Silva Jardim fica na região central, atravessando o Largo do Riachuelo, que é ampliado
pelo Largo de São Roque (originalmente a área era uma lagoa). Ambos ligam a avenida dos
Andradas e a avenida Rio Branco (que antes do aterro terminava na lagoa), ao pé do Morro da
Glória (divisão original entre a Juiz de Fora do Halfeld e a do Mariano Procópio).
Animados, os foliões aderiram à novidade e em pouco tempo surgia os Turunas
50
, logo
reconhecidos como do Riachuelo. A denominação foi inspirada no conjunto pernambucano de
Augusto Calheiros, Turunas da Mauricéia, que por esta época fazia sucesso nos carnavais do
Rio de Janeiro. Remo Toschi fez o estandarte da agremiação: um microfone, um pandeiro, um
chapéu de palha e uma letra T maiúscula; em seus primeiros tempos a agremiação usou as
cores vermelha e branca, por causa dos torcedores do Tupinambás Futebol Clube. Para evitar
o sentido clubístico e rivalidades ou qualquer tipo de divisões no interior da Escola,
promoveu-se a troca dessas cores para o azul e branco (MOSTARO; MEDEIROS;
MEDEIROS FILHO, 1977, p.23, 54; NÓBREGA, 1989, p.14).
Logo de início não houve diretoria, João Miranda foi nomeado presidente simbólico.
Seu segundo presidente, já numa fase de melhor organização, foi José Oceano Soares. Em seu
primeiro ano de existência a Turunas cantou os sambas dos compositores conhecidos
nacionalmente como Noel Rosa e Ary Barroso, a única música própria foi uma marchinha
composta por Remo Toschi: Bailarinas Somos. No ano seguinte as músicas nacionais foram
perdendo espaço e foram mostradas as primeiras composições de autoria de seus próprios
músicos, cujos nomes de destaque foram: Oceano Soares, Nilton Santos (Mestre Cocada),
Alfredo Toschi, Ernani Ciuffo, Paulinho Messias, Murilo Morais, Jandir Segantini, Oswaldo
50
Turuna é uma palavra de origem tupi Tu’runa que significa valente, batuta.
79
de Andrade, Dormevilly Nóbrega, Nelson Gomes, Sol e Ar Soares, Emanuel (Lua), Luiz
Quirino de Freitas, Luiz Antônio, João Vila Real, Onofre Soares (Bebém), Céu Azul Soares,
Geraldo Batista (Camarão), Dâmaso Altomar, Adilson Zappa. Da mesma forma que as
Escolas de Samba do Rio de Janeiro, a Turunas do Riachuelo desfilou por muito tempo sem
um enredo definido e sem um samba a ele ligado. Nos meses que precedia ao carnaval eram
escolhidos dois ou três sambas que seriam levados às batalhas de confete que aconteciam nas
ruas centrais e se multiplicavam pelos bairros próximos. Apenas em 1945, por sugestão dos
organizadores do carnaval da cidade, as escolas apresentaram um tema definido: Término da
Grande Guerra. Repetido no ano de 1950, quando Juiz de Fora comemorou o seu centenário
(MOSTARO; MEDEIROS; MEDEIROS FILHO, 1977, p.27; NÓBREGA, 1989, p.14).
Neste período a Escola, mesmo não tendo obrigatoriedade, desfilou alguns enredos
principalmente entre os anos de 1956 e 1962. Nestes desfiles a Escola usava um samba único
durante todo o desfile. Os mais importantes foram Cidade Secular, 1950 (Hernani Ciuffo),
pelo centenário de Juiz de Fora; Homenagem a Euvaldo Lodi, 1952 (João Cardoso);
Descoberta do Brasil, 1956 (João Cardoso); Homenagem à Bahia, 1957 (Alfredo Toschi);
Carmen Miranda, 1958 (Ministrinho e Camarão); Homenagem a Zequinha de Abreu, 1960
(Dermeval Nóbrega)
51
. Até 1966, antes da instituição do concurso oficial de Juiz de Fora, a
Turunas autoproclamava o título de A Campeoníssima e/ou Campeã das Campeãs. Segundo
ela o título se manifestava nos aplausos das pessoas durante as batalhas de confete e no
desfile. Se os seus componentes consideram os títulos vindos da população, seus opositores
viam-no como um rótulo criado pelo orgulho e elitismo dos próprios membros da agremiação
(MOSTARO; MEDEIROS; MEDEIROS FILHO, 1977, p.28; NÓBREGA, 1989, p.14). A
fixação deste título fictício aconteceu provavelmente por um referendo da imprensa, pois os
membros da Escola pertenciam à burguesia juizforana e às instituições culturais, também
pode ser um resquício da presença de muitos barões do segundo império
52
na cidade.
A decepção da Escola foi imensa quando o concurso oficial do carnaval deu o
resultado de 1966: a Turunas do Riachuelo ficou em segundo lugar. O enredo derrotado foi
Homenagem a Belmiro Braga. A perda do primeiro tulo oficialmente instituído, justamente
para a sua rival, e sofrendo divisões internas provocaram a paralisação de suas atividades. A
Escola abandonou a Avenida por seis anos, no período de 1967 a 1971. A volta dos Turunas
aos desfiles em 1972 recebeu o rótulo de Retorno Feliz. Esta retomada das atividades foi
51
Há um conflito entre as duas fontes consultadas em relação à autoria de alguns dos sambas. Optamos pela
relação descrita por MOSTARO; MEDEIROS; MEDEIROS FILHO.
52
No Brasil os títulos nobiliárquicos eram comprados e não eram hereditários.
80
possível pelo idealismo, liderança e entusiasmo de Luiz Abraão Sefair. Mas, a chegada o
foi tão retumbante. A Escola conseguiu apenas o terceiro lugar com o enredo
Transamazônica, de Neline Pinto e samba de Adair e Amauri (MOSTARO; MEDEIROS;
MEDEIROS FILHO, 1977, p.28-29; NÓBREGA, 1989, p.14). Nesta época Luiz Sefair estava
se lançando na política partidária como vereador pelo MDB e chegou a conquistar uma
cadeira na câmara federal, na onda oposicionista das eleições legislativas de 1974.
A partir de 1973, quando foi vice-campeã com o enredo História das Artes em Juiz de
Fora, com o enredo de Dormevilly Nóbrega e samba de Manoel Quirino, reaproximou-se da
elite juizforana. O tema abordando as diversas artes favoreceu a ligação da escola com
entidades culturais da cidade. A principal aproximação foi com a Galeria de Arte Celina
53
GAC –, que estabeleceu uma profunda e duradoura interação com a Escola, que chegou a
criar uma ala. Nívea Bracher, responsável pela coordenação da ala GAC, descreve, em
depoimento a Mostaro, Medeiros e Medeiros Filho (1997, p.32), a apresentação de 1973:
Formamos uma ala com cerca de setenta figurantes, representativa das artes plásticas.
[...] como, na época a GAC englobasse também outros setores de arte, além da pintura,
cinema, teatro, etc., ficou estabelecido que uma parte da ala permaneceria fixa, em
evolução no seu próprio lugar e uma outra, chamada ‘ala móvel’ sairia a percorrer
toda a Escola, durante o desfile, homenageando com sua passagem cada setor de Arte
da cidade, representado nas diversas alas da Escola. O efeito da ‘ala móvel’ na avenida
foi de surpresa, tendo dado uma nota de alegria colorida, entusiasmo, recebendo
aplausos por onde passava. [...] Cada figurante pintou sua própria fantasia com cores e
motivos diferentes, de acordo com o gosto pessoal de cada um e, cada fantasia assim
diferenciada deu um colorido de grande efeito e perfeita harmonia na avenida. A
fantasia da ala era representativa de pintor, constituindo-se de gorro, laço no pescoço,
bata, calças e sapatilhas. Como os seus componentes não tinham dinheiro, da fantasia
foram eliminadas, tanto as calças quanto as sapatilhas, o que deu um aspecto juvenil e
descontraído à ala.
A movimentação cultural em trono da Turunas do Riachuelo promovida pela GAC refletiu-se
no retorno de Ministrinho para a avenida, colocou os artistas Décio e Shirley Bracher
colaborando na confecção das alegorias e um trabalho do cineasta Décio Lopes sobre a ala
GAC. Nos anos seguinte a Turunas sagrou-se tri-campeã 1974, 1975, 1976
respectivamente com os enredos Tradições da Bahia (Jeovah Leal e Dâmaso Altomar); O cair
da noite na Floresta Encantada (Jeovah Leal e Hegel Pontes) e Canto à Estrela Estrela
Dalva (homenagem a Dalva de Oliveira, de Silvandiro Frateschi e Nívea Bracher)
(MOSTARO; MEDEIROS; MEDEIROS FILHO, 1977, p.34). Em 1977 foi vice-campeã com
o tema Beja, a Feiticeira de Araxá. Voltou a ser campeã em 1978 com AEIOUrca e
conquistou o bi-campeonato em 1979 levando para a avenida É isso ai, nós temos (DEUS,
53
Atual Galeria Celina Bracher
81
2006). No entanto Dormevilly Nóbrega (1989, p.14) se refere ao tema de Dona Beja (Beja,
mina de recordações) como sendo o enredo campeão de 1978.
A própria Escola reconhece que as duas décadas seguintes representaram um tempo de
muitas dificuldades, com um desempenho irregular nos desfiles. em 1980 o Turunas ficou
em último lugar na disputa do carnaval, quando o tema foi Beleza é fundamental, segundo
Vinícius de Morais, samba feito por João Medeiros Filho, Mamão e Cézar Itaboray. No ano
seguinte, opôs-se ao regulamento oficial e deixou de participar do concurso em sinal de
protesto. Em 1982, a Turunas desfilou, conseguindo o terceiro lugar com o tema Um
Inesquecível e Eterno Carnaval, de Afonso Guedes. No ano seguinte, 1983, conquistou mais
um campeonato, mostrando na avenida o enredo O Magnífico Salão Imperial, a respeito das
festas e dos amores de D. Pedro I (GRÊMIO RECREATIVO ESCOLA DE SAMBA
TRURUNAS DO RIACHUELO, 2005). Du Valle
54
revela alguns aspectos interessantes da
Escola nos carnavais seguintes: na comemoração do seu cinqüentenário 1984 –, a Turunas
convidou Joãozinho Trinta para criar o figurino do enredo sobre seus Cinqüenta Anos de
Glória. O tema falava sobre a história da Escola e do carnaval de Juiz de Fora. Todo o esforço
para uma conquista inesquecível foi em vão e as expectativas com o campeonato frustradas:
as notas dos jurados deram apenas para alcançar o terceiro lugar.
Após esta nova frustração a Turunas do Riachuelo deixou de desfilar por três anos e
quando retornou em 1988 ficou com a última colocação com o enredo Voltei, aqui é o meu
lugar. Em 1989, 1991, 1992, 1993 não aconteceram os desfiles oficiais. Em 1994 a Turunas
desfila para repetir os pífios desempenhos dos anos anteriores, ficou com o penúltimo lugar
com o enredo As copas do mundo. A Escola não saiu em 1995. Em 1996, cantando novamente
a sua própria história – Riachuelo, o tempo que a saudade não apaga –, ficou em último lugar
e repetiu a colocação no ano seguinte, quando o tema foi Olimpíadas no Rio de Janeiro (DU
VALLE). Em 1998 a Escola, mais uma vez, abandona a passarela (FUNALFA, 1998, p.7). No
ano 2000, com o desfile das Escolas de Samba retornando para a avenida Rio Branco, a
Turunas inicia um período de recuperação do status de grande Escolas e com o enredo Era
uma vez o bicho Homem, de Aloísio Costa, ficou em quarto lugar entre as seis escolas que
desfilaram (DU VALLE). Em 2001, a Turunas saiu com o tema Turunas: Olimpo do Samba,
de Waltencir Barbosa e Diomário de Deus, conseguindo ser vice-campeã. Em 2002 os
mesmos carnavalescos levam a escola para a avenida com o tema Atlântida o continente
54
Luiz Carlos do Valle, presidente do Turunas do Riachuelo, usa os apelidos de Du Valle e Luluca. Esta
entrevista foi concedida ao autor em outubro de 2006.
82
perdido, conquistando o campeonato e recebendo a nota dez em todos os quesitos. Para o
autor do enredo
De todos os grandiosos desfiles não poderíamos deixar de comentar o divisor de águas
do carnaval da cidade, o inesquecível e imponente ‘Atlântida o Continente Perdido’
(2002). Um marco que fez o público ir ao delírio com a faraônica e memorável
estrutura apresentada, sendo um grande passo dado no carnaval, mostrando para os
demais dirigentes do carnaval que trabalhando o ano inteiro em equipe, com
organização e criatividade, se consegue um excelente resultado. Hoje lutamos contra a
falta de recursos, de apoio dos poderes público e privado, diante de um quadro de
desorganização e incertezas. Mesmo assim nos apresentamos com dignidade trazendo
de fato alegria para a avenida (DEUS
55
).
A Turunas foi bi-campeã em 2003 com a mesma equipe dos anos anteriores, apresentando o
enredo Ogum, o que veio da África.
O carnaval de 2004 terminou em polêmica. Um regulamento diferente dos anos
anteriores fez com que muitas escolas perdessem pontos na competição. Este foi o ano em que
a Turunas recorreu ao Rio de Janeiro, realizando uma parceria com a Escola de Samba
Viradouro, na comemoração dos seus setenta anos de existência. Colocando na avenida Rio
Branco 1100 componentes, a escola levava o tema 70 anos de glória, a Turunas vira ouro
com a Viradouro, mas no momento de entrar na Avenida, houve um problema que nada tinha
a ver com a Escola e que lhe custou 5 pontos: o resultado final foi o quarto lugar. A Escola
participou dos desfiles de 2005 realizando uma crítica aos jurados do carnaval do ano anterior,
com o enredo Hoje tem Alegria. O que rendeu à agremiação o terceiro lugar. Em 2006 faturou
o tulo de campeã com a montagem do enredo A Ópera Negra. Em sua estrutura atual a
Turunas do Riachuelo possui uma bateria com 120 componentes. Para a diretoria uma
conquista da Escola é o fato de ser a única de Juiz de Fora com Velha Guarda (GRÊMIO
RECREATIVO ESCOLA DE SAMBA TRURUNAS DO RIACHUELO, 2005; DU VALLE;
DEUS).
Luiz Carlos Du Valle comenta que além do movimento em torno do samba a Turunas
desenvolve projetos sociais. O único destes projetos é uma parceria com o grupo Afoxé, do
bairro Ipiranga que é um bairro periférico da zona sul de Juiz de Fora, sem relação com a
localização atual da Escola ou com o Largo do Riachuelo para utilização da quadra em
todas as manhãs de domingo. Crianças e adolescentes praticam danças, batuque e capoeira.
Durante um dia da semana, o grupo movimenta a quadra com artesanato e comidas típicas.
Para ele o principal problema do carnaval da cidade é “a traição do folião de Juiz de Fora”,
que troca o carnaval da cidade pelo do Rio de Janeiro, do litoral capixaba ou das pequenas
55
Entrevista concedida ao autor por Diomário de Deus, carnavalesco da Escola de Samba Turunas do Riachuelo
em outubro de 2006.
83
cidades mineiras. Daí a necessidade, em seu ponto de vista, que as Escolas de Samba locais
têm da verba da Prefeitura, pois a maioria dos freqüentadores que fica para participar do
carnaval pertence à classe pobre.
Ficha Técnica – 2006
Nome da Escola: G.R.E.S. Turunas do Riachuelo.
Reduto da Escola: Largo do Riachuelo, Santos Anjos e Grajaú
Endereço da Quadra: Rua Vespasiano Pinto Vieira, 50/com Avenida Brasil
Cores da Escola: Azul e Branco.
Presidente: Luiz Carlos Do Valle (Luluca)
Carnavalesco: Diomário De Deus
Figurinista: Diomário de Deus e Paulo Berberick
Alegorista: Paulo Berberick
Número de Componentes: 1000
Componentes da Bateria: 100
Mestre de Bateria: Wagner Luiz Kirchmair
Mestre de Tamborim: Marquinhos
Porta-Bandeiras: Alcione Cristine
Mestre-Sala: Carlos Eduardo
3.2 FELIZ LEMBRANÇA
O Grêmio Recreativo Escola de Samba Feliz Lembrança nasceu de uma forte
integração de seus participantes, firmando a sua presença no carnaval de Juiz de Fora por um
processo de colaboração coletiva de seus membros fundadores e sem rivalidades internas nas
primeiras décadas de sua existência. Sua motivação partia de uma rivalidade externa, pois a
Feliz Lembrança é a segunda escola de Juiz de Fora e surgiu proclamando sua oposição com a
Turunas do Riachuelo.
Mostaro, Medeiros e Medeiros Filho (1977), mostram alguns acasos que contribuíram
para o nascimento da Feliz Lembrança:
no inicio do 1937 Ivan Maria, o Bananinha, morava na avenida Sete de Setembro,
região popularmente conhecida nesta época como Botanágua, quando Geraldo
Oliveira, o Abissínio, recém chegado do Rio de Janeiro, mudou-se do outro lado da
cidade, do Largo do Cruzeiro, para morar na mesma avenida. Os dois eram
pandeiristas e, por afinidade musical, logo ficaram amigos. Para o carnaval daquele
mesmo ano, animando-se um ao outro, organizaram um grupo que, munido de surdos,
84
tamborins, pandeiros, violões e cavaquinhos, saiu pelas ruas do bairro e da cidade,
participando das batalhas de confete e desfilando de sujo. No ano seguinte o grupo de
foliões da Avenida Sete desfilou da mesma forma.
Djalma de Carvalho descreve sucintamente a primeira saída do grupo para Mostaro, Medeiros
e Medeiros Filho (1977, p.75):
“Nós saímos numa batalha de confete, fantasiados com sainhas de papel crepom.
Descemos pela Halfeld, Marechal e Santa Rita. Foi um dos primeiros desfiles. Devia
ter mais ou menos umas trinta pessoas. Nós não tínhamos composição própria naquela
época, e se cantava músicas de sucesso do Rio”.
Em 1939, antes do carnaval, surge a idéia de formar uma Escola de Samba,
pensamento que partiu de Geraldo de Oliveira. Imediatamente Ivan Maria, Bilico, Enio e
Lilico deram seu apoio. Nas reuniões para discutirem os detalhes, a organização correu
rápida. Sendo os principais idealizadores pandeiristas, Ivan sugeriu que o emblema da Escola
fosse um pandeiro. A idéia foi aceita e considerada uma ‘feliz lembrança’, surgindo daí o
nome da agremiação: Escola de Samba Feliz Lembrança. As cores foram idéia de Abissínio:
azul, vermelho e branco, retiradas de uma tinturaria onde trabalhava (NÓBREGA, 1989,
p.15).
Neste ano e em 1940 a Escola desfilou sem maiores pretensões, pois a fundação foi a
toque de caixa e a enchente de 1940 não poupou o reduto da Feliz Lembrança, às margens do
Paraibuna. Nestes primeiros tempos, passaram pela Escola importantes nomes, como os de
Danilo Soares, Nelson Silva, Toninho Rabeca, Álvaro Santos, Mestre Sandoval, Bil da
Castanhola, Nelson Spada, Djalma de Carvalho, Antônio Nascimento, Pascoal Olinda,
Waldemar Salimena, Sebastião Feliz, João Cardoso (que pertencia ao Turunas). A Feliz
Lembrança tomou ares de uma Escola de Samba que faria frente ao Turunas na casa de
Floriano Rosa, no Beco de Santo Antonio, e depois na Avenida Sete, com o seu quartel
general sob a responsabilidade da família Carvalho: Sr. Euclides, a esposa Maria, e os filhos
Djalma, Juca e Jair e a pequenina Nancy, futura porta bandeira. A casa do Sr. Euclides era,
além de sede da Escola, o local dos ensaios, o atelier para as fantasias, adereços e a oficina
para os carros alegóricos (MOSTARO; MEDEIROS; MEDEIROS FILHO, 1977, p.76;
NÓBREGA, 1989, p.15).
No período da Segunda Guerra Mundial a estrutura da Feliz Lembrança não foi
afetada, apenas o compositor Djalma de Carvalho afastou-se temporariamente. É neste
momento que despontam as participações femininas de Judith de Paula, Terezinha Alves,
Nancy e Piropita. Dormevilly Nóbrega (1989, p.15) conta que o fim da guerra é saudado com
o enredo O carnaval da vitória, de Djalma de Carvalho, Danilo Soares e João Cardoso.
85
Entretanto Mostaro, Medeiros e Medeiros Filho (1977, p.70) comentam que o carnaval da
vitória, em 1946, apresentou três sambas: Despedida aos Sambistas; Fui um Expedicionário;
Silêncio; respectivamente dos compositores citados. Embora não houvesse, ainda, a
preocupação de um samba único para os desfiles pelas ruas da cidade e nas batalhas de
confeti, a Escola apresentou no ano seguinte um samba enredo-homenagem com letra, música
e concepção geral de João Cardoso: Brasil Ontem, Brasil Hoje (segundo Dormevilly Nóbrega:
Brasil de ontem e hoje). Isto se deveu ao conhecimento que os componentes da Escola
tiveram do Estatuto da Federação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. A Feliz
Lembrança não deu continuidade a este sistema e, em 1948, a Escola voltou a cantar os
sambas surgidos ao longo do ano, entre suas composições estão: Leviana; Lamento e
Filosofia. A maior composição dos sambistas da Feliz Lembrança aconteceu em novembro de
1948, na preparação para o carnaval do ano seguinte: Se eu fosse feliz, de Juquita, BO
(Barbeiro Olber [de Oliveira Alves]) e Djalma de Carvalho. A música fez tanto sucesso nas
batalhas de confeti que se tornou o hino do carnaval juizforano. Além desta composição
outros dois sambas foram apresentados pela Escola no carnaval de 1949: Advertência, de
Danilo Soares, uma música contra o consumo de bebida alcoólica, única composição do
gênero em Juiz de Fora; e Desespero sem Causa, de Djalma de Carvalho (MOSTARO;
MEDEIROS; MEDEIROS FILHO, 1977, p.70-71; NÓBREGA, 1989, p.15).
Na questão da introdução do samba enredo no carnaval de Juiz de Fora Djalma de
Carvalho chegou a dar entrevista declarando que
Antigamente, quando Blocos, Escolas e Ranchos saiam nas ruas, eles não tinham um
samba-enredo, eram temas improvisados na hora. Saíam com várias músicas e uma
comissão de júri composta de jornalistas, escalava os temas, e se improvisava na hora.
Eu recordo que uma dos primeiros compositores a apresentar uma música em escola
de samba naquela época foi o Alfredo Toschi. Me consta que nessa época o Alfredo
iniciou esta maneira de apresentar uma música na escola de Samba, pois antes o tema
era dado na hora para disputar o prêmio entre as escolas no improviso. Não havia
ainda, contagem de pontos (MOSTARO, MEDEIROS; MEDEIROS FILHO, 1977,
p.75).
Na verdade, Toschi, que era compositor do Turunas, apresentou tema único para os desfiles
alguns anos depois da Feliz Lembrança, entre 1957 e 1962, segundo informações levantadas
pelos mesmos pesquisadores.
A Escola retomará o samba enredo apenas a partir de 1952. Neste ano ela desfila com
uma composição de Danilo Soares e Antonio Cardoso (Coló) em homenagem a José do
Patrocínio. Foi por este tempo que Nelson Silva começou a se destacar como compositor. Ele
começou na Feliz Lembrança como passista e algum tempo depois passou a colaborar na
orientação da bateria. Sua primeira composição foi em parceria com Djalma de Carvalho, o
86
samba Depois da Comédia. Em 1955 a Escola apresentou uma composição sua, o samba-hino
Saudade do Hav. A morte de Danilo Soares em 1960 fez a Escola entrar em recesso por
cinco anos, mas antes de parar as suas atividades ela se apresentou prestando uma
homenagem ao seu integrante e compositor com outro samba-hino (MOSTARO;
MEDEIROS; MEDEIROS FILHO, 1977, p.73).
A Feliz Lembrança retirou o luto e retornou aos desfiles de carnaval em 1966, para
receber a sua maior glória: Campeã do primeiro concurso oficial promovido pela Prefeitura.
Djalma de Carvalho revela uma curiosidade sobre esta premiação: “A taça está comigo em
São Paulo” (MOSTARO; MEDEIROS; MEDEIROS FILHO, 1977, p.76). Ou seja, a própria
agremiação não possui o prêmio de sua conquista. No meio carnavalesco juizforano é uma
unanimidade a idéia de que o desfile de 1966 representou uma profunda mudança na
concepção do evento.
Álvaro José dos Santos, presidente da Escola em 1966, instituiu uma comissão para
produzir um verdadeiro espetáculo. Com o samba Mascara Veneziana, do jornalista José
Carlos de Lery Guimarães e do compositor Nelson Silva, a Feliz Lembrança conseguiu
agradar o público e os jurados revolucionando “o Carnaval das Escolas, ampliando-lhes o
campo teatral e dando-lhes um universo de estilização e mobilidade de ação” (NÓBREGA,
1989, p.15). A mudança em direção a um espetáculo começou pelo figurino. Até então,
predominava nos desfiles os componentes caracterizados como o estereótipo do malandro
carioca: “Chapéu palhinha, camisa listrada e malandragem no pé” (MOSTARO; MEDEIROS;
MEDEIROS FILHO, 1977, p.82). Terminavam de compor o préstito as baianas, o mestre-sala
e a porta bandeira. Em 1966 tudo foi diferente:
A música especialmente composta por Nelson Silva, para o poema de J. Carlos, de
rara beleza, possui vários movimentos acompanhando a narrativa bastante extensa e
categorizada.
Conseguiu o compositor, com bastante felicidade, a miscigenação musical da tarantela
italiana e do clássico Offenbach, tudo ao condicionamento do samba bem popular, e
estrondoso foi o sucesso de sua apresentação na avenida com a empolgação total dos
componentes da Escola e da multidão presente, com o povo cantando em coro a bela
melodia.
Foi ainda a primeira vez que uma escola de nossa cidade introduziu no seu enredo não
um guarda roupa consoante com o tema desenvolvido, como também uma nova
coreografia segundo os personagens e alas representados.
Instituiu-se ainda a presença de carros alegóricos, e como “gran finalle” apoteótico,
uma piscina móvel onde flutuava uma gôndola veneziana construída em idênticas
proporções às reais existentes no velho mundo.
[...] As inovações trazidas pela Feliz Lembrança fizeram escola, e desde aí, partiram as
agremiações para um acuramento da forma e da essência em suas apresentações. Na
forma, representada esta pelas alegorias, coreografias, vestuário e adereços, e na
essência pelo apuramento da letra, enredo e música apresentados (MOSTARO,
MEDEIROS E MEDEIROS FILHO, 1977, p.82).
87
A vitória da Feliz Lembrança foi muito questionada pelo Turunas do Riachuelo, pois o
lado nobre da cidade foi vencido. A principal questão levantada foi, sobretudo, em relação à
nacionalidade do tema. Esse ponto tomava por base o mito de uma Portaria do DIP –
Departamento de Imprensa e Propaganda, ainda no Estado Novo, que tornaria obrigatória a
exaltação e o enfoque, em todas as manifestações populares, de temas autenticamente
nacionais
56
. Esta idéia errônea sobre o DIP era tão arraigada que o próprio José Carlos de
Lery Guimarães deu em defesa de seu tema a seguinte resposta:
O Estado Novo, felizmente acabou. Entendo que a cultura é um fato universal. A
sensibilidade brasileira precisa saber também dos clássicos. E nosso especifico de
‘Mascara Veneziana’, tenho a declarar que não havia, no recém criado DAT, nada
regulamentando a matéria. O povo entendeu a mensagem. A Feliz Lembrança
cumpriu a sua missão (MOSTARO; MEDEIROS; MEDEIROS FILHO, 1977, p.83).
No ano seguinte não houve um desfile oficial de carnaval. A Feliz Lembrança, para
não desperdiçar o que havia planejado, tomou a iniciativa de apresentar um espetáculo fora do
carnaval. Assim, para festejar o aniversário de Juiz de Fora, em 31 de maio, resolve desfilar o
enredo Noite Mineira, sobre as festas juninas. Em 1968 a equipe do então prefeito Itamar
Franco consegue organizar a competição oficial das Escolas de Samba. Esquentado pelo
debate sobre a natureza do enredo Mascara Veneziana, Lery Guimarães e Nelson Silva, levam
para a avenida um tema brasileiro e eminentemente social: Zungá-Rei. O aspecto social do
tema foi proposto por Nelson Silva que se preocupava com a necessidade de valorização do
trabalho negro e propunha questionar os problemas ligados à escravidão e sua abolição
(Mostaro; Medeiros; Medeiros Filho, 1977, p.98). Na época a pouca compreensão da
representação teatral dos desfiles provocou um incidente pitoresco, também fruto dos
preconceitos existentes:
Tínhamos também seis liteiras que eram carregadas por negros, escravos, que
conduziam as sinhás brancas. Alias, tivemos um trabalho muito grande para conseguir
os personagens que carregariam as liteiras, porque os negros da escola não queriam
ser acorrentados e nem aparecer de escravo carregando as sinhazinhas... Foi muito
difícil convencê-los de que aquilo era uma representação. Tive que fazer uma
verdadeira catequese para convencer os crioulos, pois eles diziam: “Essa não, eu não
sou mais escravo de ninguém, eu sou livre...” Foi duro conseguir convencê-los de que
aquilo era uma coisa fictícia, que não era real. As sinhazinhas, durante a
representação, desciam das liteiras e dançavam também (Álvaro dos Santos apud
MOSTARO; MEDEIROS; MEDEIROS FILHO, 1977, p.99).
Perdendo o título de 1968 para a Mocidade Independente do São Mateus, a Feliz
Lembrança anuncia para o ano seguinte um espetáculo grandioso em comemoração de seus
56
Como vimos no primeiro capítulo esta portaria jamais existiu. Esta obrigatoriedade foi auto imposta pelas
Escolas de Samba do Rio de Janeiro.
88
quarenta anos de existência. No entanto, o presente de aniversário não veio, uma vez que a
administração municipal não conseguiu organizar o concurso oficial. Mostaro, Medeiros e
Medeiros Filho (1977) consideram que a Feliz Lembrança atingiu um ponto alto de sua
existência com as realizações de 1966, 1967, 1968, a partir de então enfrentou um longo
período de acomodação. Diferentes razões contribuíram para esta estagnação: estava sem sua
concorrente tradicional, pois o Turunas havia paralisado as atividades em 1967; seu principal
compositor, Nelson Silva, falecera e José Carlos de Lery Guimarães se afastara; desestímulo
com o desfile oficial, pois o de 1969 não foi realizado e o de 1970 teve apenas duas Escolas.
O crescimento da agremiação fez com que a casa da família Carvalho ficasse pequena.
A primeira mudança, nos anos 1950, foi para as dependências do antigo rculo Civil
(avenida Sete); um salão com bar, palanque e capacidade para 28 mesas. Era um início, mas
como as demais Escolas de Samba de Juiz de Fora a Feliz Lembrança passou a lutar por um
espaço para a construção de uma quadra e um barracão para as suas atividades. Álvaro José
dos Santos relata como conseguiu o primeiro terreno:
fomos conseguir a doação do terreno para a quadra, quando da administração do
prefeito Itamar Franco, meu amigo de muitos anos e admirador da Escola. Eu pedi a
ele que nos doasse um terreno e ele mandou que eu verificasse a existência de terrenos
disponíveis para isso. Fui então à sessão de mapas, e junto com amigos funcionários
da Prefeitura, com a ajuda também da Drª Dulce Palmer, obtive a informação que
havia diversos lotes na quadra ‘A’ lotes 3, 4, 5, 6, 7 e 8, com uma área aproximada
de quase três mil metros quadrados. A quadra é na Várzea Paraibuna, perto da estação
da Leopoldina. Levei a informação ao Itamar, e ele se reuniu com o Murílio Hingel e o
José Cesário Moreira, e na minha presença consultou os dois sobre a possibilidade de
ser feita a doação. O Murílio Hingel falou: A doação não pode ser feita assim, à
vontade. Tem que ter um motivo. Daí que ele aventou a idéia de se destinar uma das
salas da futura construção para o Ensino Supletivo. seria um motivo para que a
Câmara aprovasse. Acertamos tudo; o Dr Itamar mandou a mensagem à Câmara, foi
aprovada, e ele sancionou a lei, que foi publicada na Gazeta Comercial que eu tenho
em meu poder. Tenho também a cópia da delimitação das áreas. Essa doação foi feita
no final do primeiro governo do Itamar e eu agradeço muito a ele por essa grande
ajuda que ele deu á escola. [...] Existe a lei e foi sancionada (MOSTARO,
MEDEIROS E MEDEIROS FILHO, 1977, p.100-101).
A Lei a que ele se refere leva o 3237, de 01 de julho de 1969. Dispõe sobre a
doação de terreno à Escola de Samba Feliz Lembrança. Está assinada por Itamar Augusto C.
Franco - Prefeito Municipal. No entanto, ela cita como objeto da doação os lotes 5, 6, 7 e 8 da
mesma quadra “A”; e designa o local como Baixada do Paraibuna. Em seu Artigo 2º, sobre as
regras da doação acrescenta: “Parágrafo único – Fica assegurada à Prefeitura Municipal
através da Secretaria de Educação e Cultura, a faculdade de instalar nas dependências da sede
social a ser construída pela entidade beneficiaria, uma Escola Municipal, com funcionamento
89
diurno até às 17 horas” (PREFEITURA DE JUIZ DE FORA, 2007). A escola municipal
jamais foi erguida.
No carnaval de 1970 disputa o título apenas com a Juventude Imperial e perde. Em
1971 desfila na avenida com o enredo Evocação à Seresta, samba de Armando Aguiar
(Mamão) e Roberto Medeiros. Neste ano o presidente Álvaro José dos Santos precisou se
afastar por motivos de saúde. Ao mesmo tempo diversos componentes se afastam e a
agremiação vai sendo administrada pelo vice-presidente José da Silva (Zico), durante o
período que ele próprio intitula de debandada geral (MOSTARO; MEDEIROS; MEDEIROS
FILHO, 1977, p.131). Sem material humano e sem verba Zico revela que o desfile do
carnaval de 1972 foi adaptado:
Escolhemos o tema “Brasil Hospitaleiro” e, pela primeira vez, fizemos um concurso
interno para a escolha do samba. [venceu o samba de autoria de Odilon de Oliveira e
Felícia G. de Oliveira]. Sem nenhum recurso (a nossa meta era simplesmente sair) e
nem mesmo idéia para criar os figurinos [...]. Um carnaval bastante pobre de nossa
parte, mas sem comprometer a Escola. Eram três Escolas a desfilar. Como era
esperado ficamos com o terceiro lugar.
O principal problema da Feliz Lembrança para o desfile de 1973 já era a gestão,
conforme apreendemos a partir das entrevistas para Mostaro, Medeiros e Medeiros Filho
(1977, p.131-133) de José da Silva e seu sucessor na presidência da Feliz Lembrança,
Demerval Martins da Silva. Neste ano a verba destinada pelo Departamento Autônomo de
Turismo estava comprometida com as dívidas do desfile de 1972. Por este motivo a Escola
fez Reminiscências de Carnaval, de Geraldo de Souza Moreira, Juarez dos Santos e Miriam
de Oliveira, um enredo que permitiu o reaproveitamento (ou remodelagem) de fantasias e
outros elementos.
Procuramos sair com um tema-enredo que nos fosse bastante acessível. E
“Reminiscências de Carnaval” nos pareceu o indicado. O samba vencedor falava de
Carmen Miranda; Noel Rosa, Ataulpho Alves e ficou relativamente fácil criar fantasia
sobre o repertório de carnaval antigo. Assim como jardineira”, por exemplo. Mais
uma vez Dª. Celeste Salimena cuidou das indumentárias usando de vários artifícios:
um deles foi virar fantasias do lado do avesso (José da Silva apud MOSTARO;
MEDEIROS; MEDEIROS FILHO, 1977, p.132).
O fiasco do desfile se repete e a Escola fica com a última colocação. Sem muita
inspiração foi também o desfile de 1974: A vida é um circo, de José Antônio de Souza Jacob
(Tuka) e Antônio Messias da Rocha Filho. Em 1975 o desfile não foi marcante; o enredo,
Cancioneiro de Lampião, foi realizado pela mesma dupla do ano anterior, desta vez se
inspirando no poema homônimo de Nertan Macedo. É neste contexto que Demerval Martins
da Silva se reaproxima da Feliz Lembrança, após muitos anos afastado de Juiz de Fora. Após
90
o desfile de 1975 ele foi convidado para se candidatar à presidência da agremiação, ao final da
gestão de Zico, mas preferiu assumir a vaga de vice-presidente na chapa de Vanzetti Alves. A
crise da Escola acabou por conduzir Demerval à presidência: Vanzetti renunciou após um
mês, a antiga diretoria se afastou, várias contas novas começaram a aparecer, a dívida anterior
continuava alta e a sede, localizada na rua Halfeld, dava prejuízo.
A história da sede da Feliz Lembrança apresenta uma lacuna interessante, pois na
entrevista de Álvaro José dos Santos para Mostaro, Medeiros e Medeiros Filho (1977, p.101)
ele informa que “aqueles terrenos seriam aproveitados para a nova Rodoviária”. Mas a
mudança do local da rodoviária aconteceu nos anos 1980, em outro local. Ao mesmo
tempo Demerval Martins da Silva declara a existência da sede na rua Halfeld e acrescenta que
ela “só dava prejuízo (e freqüentada por gente da pior espécie), que tivemos que fechar e
entregar as chaves” (MOSTARO; MEDEIROS; MEDEIROS FILHO, 1977, p.133). Assim,
não fica claro o que aconteceu com a doação da prefeitura e como foi a transição entre as
sedes neste período. Sabemos com certeza que no ano de 1975, com o Decreto N.º 1.666 - de
17 de setembro, o Prefeito Saulo Pinto Moreira concedeu permissão para que a Escola Feliz
Lembrança se instalasse em terreno situado entre a Avenida Bargiona e a Estrada de Ferro
Central do Brasil (EFCB), local próximo à avenida Sete de Setembro (PREFEITURA DE
JUIZ DE FORA, 2007). A quadra da Escola permaneceu ali a 1995, quando o viaduto
Augusto Franco foi construído. Naquele momento, como a permissão de uso do terreno foi
concedida em condição de revogável a “qualquer tempo, independente de aviso, notificação
ou interpelação, sem ônus indenizatório para a permitente e a seu critério”, conforme o artigo
3
o
do Decreto, a Escola perdeu a sua referência em relação ao local de origem. Hoje ela está
instalada no bairro Barbosa Lage, zona norte de Juiz de Fora, em terreno cedido pela
prefeitura (PREFEITURA DE JUIZ DE FORA, 2007).
Em 1976, já com a nova quadra para ensaio, a Feliz Lembrança leva para os desfiles o
enredo Marcílio Dias, o herói da batalha do Riachuelo, a Escola repete os péssimos desfiles
dos anos anteriores e fica em penúltimo lugar entre as seis que desfilaram. No ano seguinte foi
vice-campeã com o enredo Pernambuco leão do norte, uma homenagem àquele estado. Para
fugir dos temas tradicionais dos desfiles de Juiz de Fora a Feliz Lembrança desfilou em 1978
com uma exaltação à natureza: Fábula de Amor à Natureza, de Gilson Campos e Sarrafo. O
objetivo foi de alertar sobre a necessidade de preservação e dos problemas ecológicos. A
Escola faz um bom desfile, se comparado aos anos anteriores, ficando em terceiro lugar. Com
maior organização a Escola chegou ao carnaval de 1979 com o enredo Eldorado, sonho
fantástico. Ao final do desfile terminou empatada com a campeã Turunas do Riachuelo, como
91
o regulamento não previa dupla premiação o critério de desempate foi no quesito bateria, com
uma nota menor que a rival, a Feliz Lembrança teve que se contentar com o segundo lugar.
Com Baco no país do carnaval, de Tuka e Camaragibe, ela alcança apenas a terceira
colocação do concurso de 1980.
José Carlos de Lery Guimarães, um dos responsáveis pelo período áureo dos anos
1960, volta à Escola com o samba Amar é uma Feliz Lembrança para disputar o título de
1981, mas a agremiação consegue apenas a penúltima colocação. Para 1982 o enredo
escolhido foi A lenda encantada dos mares de Minas, uma mistura de diversas mitologias
com uma visão ufanista de Minas Gerais, representada como um mar de pedras preciosas.
Com Dia de feira (só para ver, comer não), samba de Tuka e Canário, a Feliz Lembrança fica
em último lugar no desfile de 1983. Apesar deste resultado a Feliz Lembrança conseguiu se
reestruturar definitivamente nos anos 1980 e voltou a ser campeã do concurso oficial no
carnaval de 1984, com o enredo Eneida, o pierrô está de volta. No ano seguinte chega ao
bicampeonato com Valongo, a porta da cultura negra no Brasil, dos irmãos Ailton e Amilton
Damião, Nilo Nascimento e João Carlos (NÓBREGA, 1989, p.15). O enredo faz referência a
um porto no Rio de Janeiro no qual os escravos eram desembarcados antes de serem
vendidos. A agremiação participa do boicote ao concurso oficial e não desfila em 1986,
mesmo assim a década mostra a recuperação da Escola, pois ela conquista mais um
campeonato em 1987 com o enredo Sassaricando. Perdeu o campeonato de 1988 desfilando
Clementina, cadê você?, homenagem à cantora Clementina de Jesus. Um novo boicote das
principais Escolas de Samba ao concurso da prefeitura faz com que a Feliz Lembrança não
comemore seu cinqüentenário em 1989. Uma coincidência que se tornou comum na história
da agremiação pode ser notada a partir de 1969: deixar de desfilar nas efemérides que
completam sua década de sua existência, a exceção foi o ano de 1979.
Em compensação a Escola inicia os anos 1990 como campeã, Alegria de viver foi o
enredo vencedor. De 1991 a 1993 a prefeitura de Juiz de Fora não realizou o desfile oficial,
então a Feliz Lembrança foi defender o título de 1990 apenas em 1994, quando contou a
história da dança no Brasil com o tema Dois prá lá, dois prá cá, venha comigo dançar. A
Escola acabou classificada nas últimas posições. O desempenho ruim também em 1995
(Ainda ecoa um grito em Palmares) e 1996 (Meu sonho é ser feliz) se repete no ano seguinte,
o que provoca sua retirada em 1998. Por vontade de sua diretoria a escola não desfilou e a não
realização dos desfiles em 1999 impediu que ela comemorasse seus 60 anos de existência.
A Feliz Lembrança retorna à avenida em 2000 com o enredo Taí, Carmen Miranda,
samba de Oswaldo Fernandes Filho. Repetindo o desempenho ruim nos desfiles ela fica com
92
o penúltimo lugar. Em 2001 a agremiação apresenta O Futuro é Agora e no desfile de 2002
faz uma homenagem a um dos responsáveis pela vitória do desfile de 1966, recebendo o
pomposo título Feliz Lembrança pede passagem à imprensa e homenageia José Carlos de
Lery Guimarães, cujos compositores foram Mamão, Cris, João Leonel e Carioca. Novamente
a Feliz Lembrança fica com as últimas posições. No ano seguinte, 2003, ela mostra na
avenida um enredo que parece encarnar sua própria situação: A vida, um jogo em busca da
sorte, de Ney Geraldo Gouvêa. Das oito Escolas que desfilaram ficou em sexto e quase foi
rebaixada para o segundo grupo. A Viagem Encantada Da Feliz Lembrança Pelas Terras De
Pindorama, de Marquinho Boi, Nilmar Romano, Tito, Raimundo De Lima, foi o enredo do
concurso de 2004. O objetivo da escola foi contar a vida das tribos que habitavam o Brasil
antes da chegada dos portugueses e o impacto causado pelo contato com os europeus.
Voltando a fazer um desfile ruim repetiu o sexto lugar. O vice-campeonato de 2005 com o
enredo Um Canto de Amor à Natureza, revela um resultado aparentemente bom, mas o
regulamento daquele ano permitiu que três Escolas fossem declaradas campeãs, então a Feliz
Lembrança foi apenas a quarta melhor Escola de Samba a desfilar. Para tentar o título de 2006
a agremiação escolheu como título do desfile uma homenagem ao seu principal compositor:
Nelson Silva, uma feliz lembrança e atingiu o melhor resultado dos últimos doze anos: vice-
campeonato.
Ficha Técnica 2006
Endereço da Quadra: Rua Antônio Guimarães Peralva, 126.
Cores da Escola: Azul, Vermelho e Branco.
Presidente: Jair de Castro Filho
Carnavalesco: Anderson Luiz
Figurinista: Anderson Luiz, Fernando Matias, Deyverson Lawall
Número De Componentes: 820
Componentes Da Bateria: 120
Mestres De Bateria: Lei e Paulinho
Porta-Bandeira: Bete
Mestre-Sala: Fernando Matias
93
3.3 PARTIDO ALTO
Como dissemos anteriormente, as Escolas de Samba de Juiz de Fora não preservam a
memória dos movimentos culturais e eventos carnavalescos que lhes deram origem. Uma
exceção é o Partido Alto, uma afirmação dos próprios membros da Escola, como o intérprete
Paulo Cezar Calichio (Coração) e José Maria Ferreira em texto produzido como parte do
Projeto Memória Histórica do G.R.E.S. Partido Alto.
O G.R.E.S. Partido Alto tem seu berço e suas raízes na Rua Redentor, Largo do
Cruzeiro e na Avenida Olegário Maciel, na parte alta de Juiz de Fora, local onde,
desde a década dos anos 40 do século XX, com o ‘Rancho Pastorinhas do Morro’ se
respirava ares de bom carnaval de rua.
O tempo passou e ao passar fez desaparecer do cenário os ‘Ranchos’, mas não o
espírito carnavalesco, que logo ressurgiu nos ‘blocos de embalo’ (CALICHIO;
FERREIRA, [2004?]).
Criado para o carnaval de 1963 o Bloco de Embalo dos 32 Malandros desfilava ao
do Morro do Imperador, nos arredores do largo do Cruzeiro, onde seus componentes
moravam. Percorria a rua Redentor, rua Carlota Malta, rua Solano Braga e rua Fernando
Lobo. Em seguida descia a rua Santo Antônio até atingir a esquina com a rua Halfeld e entrar
no Parque Halfeld para dar o ponto aos instrumentos de percussão nas fogueirinhas
improvisadas. A parada era também uma estratégia para receber os componentes que, por
serem proibidos de participar do carnaval, esperavam naquele ponto. Estando todos reunidos,
o bloco descia a Halfeld até chegar à Praça da Estação. A proibição de sair no bloco ou
mesmo de brincar o carnaval de rua para alguns componentes, conta Ferreira (2005), vinha
das namoradas ou das esposas, pois o bloco era formado por homens e mulheres de família
não participavam da folia. Em alguns casos até as mães costumavam proibir a saída de seus
filhos, assim sendo, a bateria descia por um lado e uma parte dos foliões por outro. Este
comentário sobre a não participação feminina não encontra respaldo nas informações
levantadas anteriormente sobre o carnaval de Juiz de Fora. Provavelmente a forma de
participar da folia uso de violência, provocação a outros grupos, abuso de álcool e assédio a
mulheres – deve ter contribuído para esta imagem antifamília dos participantes do bloco.
A sede do bloco era o Boteco da Esquina, um dos bares que existiam na região do
largo do Cruzeiro. Um de seus líderes era Nilton Cruz (Niltão), já falecido. Segundo as
informações de Ferreira (2005), um dos sonhos de Niltão era formar uma Escola de Samba.
Tanto que no dia 8 de novembro de 1967, no botequim que fazia as vezes de sede do bloco,
foi assinada, por 15 arrojados amantes do carnaval, a ata de fundação da Escola de Samba.
Naquela reunião foram tratados os principais assuntos deste tipo de reunião: nome, cores e
94
eleição da diretoria. Nilton Cruz sugeriu o nome, logo aceito, Partido do Alto, lembrando a
localização do largo do Cruzeiro, que exige uma subida íngreme de aproximadamente 200
metros a partir do centro da cidade. As cores escolhidas foram o verde e o rosa. Embora sejam
as cores da Mangueira, do Rio de Janeiro, Ferreira (2005) nega que alguém do grupo de
fundadores fosse mangueirense. Sebastião Giron da Silva (2006), presidente do período
2005/2006, informou que não houve coincidência, ele afirmou que “A Mangueira foi quem
batizou, veio a JF para batizar o Partido Alto. Então nós temos muito respeito pela nossa
madrinha. Se for da Mangueira temos que falar com carinho, e até copiamos o seu Verde e
Rosa”. A Diretoria foi decidida na reunião seguinte: Presidente, Orlando Gonçalves
(Landim); Diretor e mestre de bateria, Nilton Cruz; Diretor de Patrimônio, Nelson Pires
(Papinha), que deveria manter com recursos próprios, uma bateria de percussão, doada por
Sebastião (Isquerê) e um bumbo, doado por João Batista Pereira (Joãozinho da Percussão
57
).
A ata de fundação da Escola e outras subseqüentes perderam-se pelo desaparecimento
do Livro de Atas 1, conforme consta da folha 01, do Livro de Atas 2, aberto em 14 de
novembro de 1977. A Escola de Samba foi registrada em 1968 e, por questões de sonoridade
e hábito, tornou-se Partido Alto, sem a partícula do.
Uma parte da trajetória da Partido Alto nos desfiles de Juiz de Fora é comentada por
Ferreira (2004), que narra os sucessos da agremiação: a escola chegou aos desfiles na avenida
Rio Branco em 1969, contando com ajuda do Departamento Autônomo de Turismo. No ano
de 1970 ficou em terceiro lugar na disputa oficial. De início não compete com as Escolas de
Samba, após ser vice-campeão em 1971, conquista o primeiro prêmio do desfile de blocos em
1972, com o enredo Festa do Divino, foi a primeira vez que um bloco apresentava um enredo
nos desfiles. No ano seguinte, com Baile na Casa Grande, repetiu o título de campeã na
mesma categoria. Em 1974, com Chica da Silva, a verde e rosa assinou como Grêmio
Recreativo Escola de Samba Partido Alto sua passagem pela avenida, chegando ao vice-
campeonato. Mesma colocação obtida em 1975 com Origens e glórias do povo brasileiro, de
Antônio Geraldo Soares, que desta vez desfilando entre as principais Escolas de Samba da
cidade. Com um desfile pior em 1976, Rio, samba e fantasia não consegue passar da quarta
colocação. Conquista a terceira colocação em 1977 com Festa do Divino e volta a ser vice em
1978 com o tema A comunicação através do carnaval fantástico. Falando sobre o carnaval do
Rio de Janeiro a Escola é terceira colocada em 1979: Ameno Resedá e Joãozinho 30: ontem e
hoje.
57
Joãozinho da percussão acabou se consagrando internacionalmente como percussionista.
95
É somente em 1980, com o enredo Fernão Dias, o Caçador de Esmeraldas e samba
composto por Vornei e Paulinho, que irá conquistar o primeiro título de campeã entre as
Escolas de Samba de Juiz de Fora. No ano seguinte a Escola desfila o tema Natureza em
sonho e realidade, de Mamão e Carioca. Este enredo ecológico não foi suficiente para atingir
o primeiro lugar, a Escola terminou empatada com a Real Grandeza, mas o quesito de
desempate foi música, o que deixou a Escola com o segundo lugar. A conquista do segundo
campeonato não demorou muito, foi em 1982 com o enredo Almôndegas de Ouro Vida e
Obra do Barão de Catas Altas. Tentando repetir a conquista, a Escola escolhe como enredo
para o ano de 1983 o tema Olê, olá brasiliano, de Vorney, Santos e Raimundinho do Partido
Alto. O resultado foi mais um vice-campeonato. Apesar dos bons desempenhos a agremiação
não desfila no concurso de 1984. A ausência não impede que ela conquiste o segundo lugar
em 1985 com o tema Vôo à eternidade, de Henrique, Paulo César e PC Santos que
propuseram uma discussão sobre a luta do bem contra o mal. Com o boicote das Escolas de
Samba ao desfile da prefeitura o Partido Alto não entra na avenida em 1986. No ano seguinte
volta a desfilar e fica em quarto lugar. Não participa do concurso de 1988 e em 1990, com o
enredo Itamaracá, ilha do sol não consegue atingir as primeiras colocações.
A prefeitura de Juiz de Fora não promove os concursos das Escolas de Samba nos três
anos seguintes. O Partido Alto se mostra mais desmobilizado que as demais agremiações e
retorna ao carnaval em 1996, quando obtém o terceiro lugar com Uma estória verde e
amarela, sobre a história do Brasil. Em seguida o Partido Alto veria outro título de campeã,
em 1997, com o enredo E por Falar em Saudades... Onde Anda a sua Cor. Foi um período no
qual a Escola começou a oscilar entre o primeiro e o segundo grupos, além de não desfilar em
vários carnavais. Como diz Ferreira (2004) a Partido Alto fez um movimento de um iôiô entre
o primeiro e segundo grupos. Em 1998 ela conquistou o vice-campeonato do grupo principal,
mas sua ascensão foi interrompida porque os desfiles de 1999 não foram realizados,
desmobilizando seus componentes. Ela também não entrou na avenida em 2000, voltando a
disputar o concurso oficial a partir de 2001, no segundo grupo, ano em que conquistou o vice-
campeonato com o tema Estória de pescador, nos mares da Bahia ninguém sabe ninguém
viu por força do regulamento permaneceu neste grupo. Após um desfile ruim em 2002, o
Partido Alto teve sucesso no ano de 2003 e com o enredo Sonho de uma Noite de Carnaval
foi campeã do segundo grupo, conquistando o direito de desfilar no primeiro grupo em 2004.
Naquele ano com um enredo sobre os artistas juizforanos e os espaços culturais tradicionais
da cidade ela foi rebaixada. Este enredo, Exaltação às artes, foi planejado por Edson Fildelis,
com samba de Jorge Dragão, Tide, Adilson e Edinel. Com o enredo Clara... Clareia...
96
Claridade, de Romeu Biazollo e samba de Zezé do Pandeiro, Edynel e Cléber, homenageando
Clara Nunes, a Escola não conseguiu subir em 2005, ficando nas últimas colocações entre as
agremiações do segundo grupo.
Com problemas internos o ano de 2006 representou uma faxina nos componentes e
mudanças nas práticas de administração da Escola um de seus principais financiadores se
afastou, pessoas ligadas a outras agremiações ou que não tinham presença efetiva foram
tiradas da diretoria. O enredo daquele ano foi inspirado na música A banca do destino (Billi
Blanco), e a montagem do desfile envolveu um trabalho voluntário incomum para as Escolas
de Samba juizforanas. Mais alto o coqueiro, maior é o tombo. Afinal, todo mundo é igual, do
carnavalesco Beto Dutra e samba de Edsom de Souza e Marcelo Pacífico conquistou
novamente o vice-campeonato do segundo grupo.
Um aspecto pitoresco na história do Partido Alto se refere a sua existência física, ou
seja, sua sede. Por muitos anos a Escola vagou por diferentes locais na região aos pés do
morro do Imperador: avenida Olegário Maciel, largo do Cruzeiro, rua Espírito Santo, rua José
Saint-Clair de Carvalho. Em 1976, 30 de setembro, foi assinado pelo prefeito Saulo Moreira o
Decreto 1804 concedendo permissão de uso de uma área em favor do Grêmio Recreativo
Partido Alto, com a finalidade da Escola fazer ali seus ensaios carnavalescos. O local era um
terreno de propriedade da Municipalidade com aproximadamente 3.401m
2
e localizada na
própria região. Como essa permissão poderia ser revogada “a qualquer tempo,
independentemente de aviso, notificação ou interpelação, o fazendo o permissionário, neste
caso, jus à qualquer direito indenizatório”, em pouco tempo a Escola ficou novamente sem
lugar (PREFEITURA DE JUIZ DE FORA, 2007). Somente em 1985, na gestão do Prefeito
Francisco Antônio de Mello Reis, a Escola conseguiu novamente uma sede própria, mas longe
do seu lugar de origem. A quadra, ainda hoje ocupada pela escola fica na avenida Brasil, no
Bairro Mariano Procópio, situação comentada em entrevista com o ex-prefeito Mello Reis.
Desde que se localizou no Mariano Procópio, a Escola fala sobre o seu reduto fazendo duas
referências: a) Por origem e fundação: Largo do Cruzeiro e bairro Paineiras; b) por
localização: bairro Mariano Procópio. Marcelo Pacífico (2007), Presidente para os carnavais
de 2007 e 2008 considera que, apesar da mudança para um local tão distante da região de
origem, a Partido Alto não se sente prejudicada e continua contando com a participação do
pessoal que mora no largo do Cruzeiro, Paineiras e no vizinho bairro Dom Bosco. Esta
permanência de pessoas da antiga comunidade é fundamental para a sobrevivência da Escola,
pois sua atual localização é numa área fracamente habitada.
97
Ficha Técnica 2006
Endereço da Quadra: avenida Brasil, 5113
Cores da Escola: Verde e Rosa
Presidente: Sebastião Giron da Silva
Carnavalesco: Beto Dutra
Figurinista: Beto Dutra
Número De Componentes: 650
Componentes Da Bateria: 110
Mestres De Bateria: Aroldo dos Anjos
Porta-Bandeira: Regina
Mestre-Sala: Alexandre
3.4 JUVENTUDE IMPERIAL
O grupo fundador da Juventude Imperial surgiu em março de 1964, na vila Olavo
Costa, com seus componentes formando o Bloco do Olavo. A este grupo reuniu-se a família
de David Chaves, um dos fundadores e presidente da Escola por vários anos. O objetivo
inicial do grupo, como o dos demais blocos, era apenas sair pelas ruas de Juiz de Fora durante
o carnaval. Incentivados pelo Departamento Autônomo de Turismo (DAT) o bloco acabou se
transformando em Escola de Samba o interesse do DAT era viabilizar o concurso oficial,
pois apenas a Feliz Lembrança estava em atividade. Desta forma a comunidade da região
fundou a Escola. Segundo David Chaves
58
(2007) as cores verde e branco foram escolhidas
por causa de sua convivência com a carioca Mocidade Independente, e pela ajuda inicial dada
pela agremiação de Padre Miguel. Por ser um bairro periférico e surgido a partir de invasões
de terra, muitas dificuldades caracterizam a história da comunidade que participa da
Juventude. Um dos bairros é chamado folcloricamente de buraco do Olavo
59
.
A Escola de Samba Juventude Imperial é a única campeã dos desfiles oficiais do
carnaval de Juiz de Fora por quatro anos consecutivos: 1970, Três episódios; 1971, Os
sertões; 1972, Manoel Bananeiro; 1973, Zumbi, rei negro dos Palmares. Em 1974 ela se
retirou da disputa após ter desfilado e suas notas não foram lidas, mas quem garanta que a
Escola seria novamente campeã. Nos anos seguintes a Escola coleciona resultados
58
Entrevista concedida ao autor em fevereiro de 2007 por David Chaves presidente da Escola de Samba
Juventude Imperial.
59
Olavo Costa foi prefeito de Juiz de Fora em três mandatos.
98
decepcionantes. Em 1976 Cantos e encantos do nordeste é o enredo de melhor desempenho
no final dos anos 1970: terceiro lugar.
Em 1978 a escola desfilou Escrava Isaura, enredo baseado no romance de Bernardo
Guimarães, aproveitando que a mesma obra estava sendo apresentada pela Rede Globo como
tema de novela. A Escola fez questão de chamar a atenção do público em seu material de
divulgação do samba para a grande diferença entre aquilo que o desfile mostrava: fidelidade
ao livro e as diferenças em relação à história contada na telenovela. Basicamente: Isaura não
foge para Barbacena e sim para o Recife; e Malvina não morre no final, simplesmente assiste
ao suicídio do marido. Apesar de todo o cuidado com o enredo a Escola repete a penúltima
colocação do ano anterior. 1979 também não é um bom ano para a Escola, que com o enredo
Carnaval do povo no mundo dos astros fica em quarto lugar entre as seis Escolas
participantes. No ano seguinte conquista o vice-campeonato com o tema Macunaíma, baseado
no livro homônimo.
Os anos 1980 assistem um desempenho muito ruim da juventude Imperial nas disputas
oficiais. Ela fica em terceiro lugar em 1981 com No reino da ilusão, uma lenda do carnaval,
samba de Flavinho da Juventude, Kelmer e J. Santos. Em 1982 A coroação de Oxum-maré no
palácio de Xangô, baseado em uma das histórias da mitologia africana, fica nas últimas
colocações. Por uma série de discordâncias com a organização dos desfiles oficiais a Escola
desiste de participar às vésperas do carnaval de 1983 e quando volta aos desfiles no ano
seguinte não consegue escapar do último lugar. Tenda dos milagres, em 1985, samba de
Sérgio Português, Tuka, Manoel da Cuíca e Roberto Medeiros baseado no livro de Jorge
Amado. A Juventude participa do boicote das Escolas ao desfile de 1986 e, como na vez
anterior, ao desfilar no ano seguinte fica com a última colocação. O enredo de 1988 parece
uma preocupação com o desempenho da própria Escola: Boa sorte Brasil, a respeito das
principais superstições para dar sorte. Para encerrar esta fase de maus resultados a Juventude
Imperial busca um tema político para sair no carnaval de 1990: A praça é do povo, samba de
Roberto Medeiros e Tuka. A inspiração é um poema de Castro Alves e a referência da música
está ligada à primeira eleição presidencial após o golpe de 64. Mais uma vez o resultado a
deixa entre as últimas colocadas.
Em 1994, com a retomada dos desfiles oficiais pela prefeitura a direção da Escola
consegue reestruturar a agremiação e iniciar um período de resultados positivos. Neste ano
conquistou o 3
o
lugar com uma auto referência: Exaltação comunidade verde e branco, 10
somente 10. Nos anos 1995, 1996 e 1997 foi vice-campeã com os temas: Motumbalaxé;
Anhangá-Pitã, sobre a luta entre índios e brancos; e Kalofé olorum orumbá (Deus te
99
abençoe). Os quatro elementos da criação do mundo aos sons dos tambores africanos, mais
uma referência à África. Em 1998, com o enredo Rio Paraibuna, sua História, nossa Vida
obteve o terceiro lugar. Em 2000 a agremiação obteve novamente o vice-campeonato do
desfile de carnaval com o tema racial Sou negro, sou negro sim senhor, e em 2001 desfilou o
tema Estrela do meu caminho, sendo a primeira vez desde 1994 que não alcança as três
primeiras colocações. Em 2002, a escola levou para a avenida o enredo Carlos Bracher – uma
explosão de luz e cor, ficando com o terceiro lugar. No ano seguinte faz uma homenagem ao
bambu e comenta a presença desta gramínea em diferentes culturas com o sugestivo título
Enverga mas não quebra, e repete a terceira colocação. Uma homenagem ao compositor
Martinho da Vila Martinho de todas as vilas leva a Escola ao vice-campeonato no ano
seguinte.
O título de campeã dos desfiles é conquistado em 2005, após mais de 20 anos. Usando
um tema desfilado em 1979: Carnaval do povo no mundo dos astros, a Juventude Imperial
dividiu a primeira colocação com Real Grandeza e Unidos do Ladeira. Nos anos 1970 o
enredo não passou da quarta colocação. Em 2006 a Escola tentou repetir o bom resultado com
uma homenagem a cidade de São João d’El Rey: De Tiradentes a Tancredo, a terra onde os
sinos falam. O resultado foi um decepcionante quarto lugar.
Como as demais Escolas de Samba de Juiz de Fora a Juventude Imperial sofreu os
mesmos problemas para a construção de uma quadra de ensaios. O primeiro passo na
conquista de uma sede foi dado em agosto de 1976, quando a câmara municipal aprovou a
concessão de título de utilidade pública para a agremiação Lei 5088. Como entidade de
utilidade pública era possível receber verbas da prefeitura e o caminho ficou aberto para a
doação de um terreno da municipalidade. Em setembro do mesmo ano o prefeito Saulo Pinto
Moreira procede à doação de um imóvel de 5.500 m
2
para a construção da sede da Juventude
Imperial. Esta doação acabou revogada, provavelmente pelo não cumprimento do prazo de
construção das instalações da Escola. Apenas em 1979, na gestão do prefeito Melo Reis, a
Escola conseguiu se estabelecer em um terreno – que é a atual localização da sua quadra no
bairro Furtado de Menezes. A área de pouco mais de 1.400 m
2
pertencente à municipalidade
implicava no compromisso de se edificar a sede em, no máximo, dois anos, conforme o texto
da Lei 5642/79 esta Lei de 1979 foi revogatória da doação de 1976 (PREFEITURA DE
JUIZ DE FORA, 2007).
100
Ficha Técnica de 2006
Nome da Escola: G.R.A.C.E.S. Juventude Imperial.
Reduto da Escola: Furtado de Menezes, Vila Olavo Costa, Vila Ideal, Vila Ozanan
Endereço da Quadra: Rua Furtado de Menezes, 1-A.
Cores da Escola: Verde e Branco.
Presidente: David Chaves.
Carnavalescos: Marcos Conegundes
Figurinistas: Marcos Conegundes
Número de Componentes: 900
Componentes da Bateria: 120
Mestre de Bateria: George de Oliveira
Porta-Bandeira: Letícia Dos Reis
Mestre-Sala: Diego Ferreira
3.5 As quatro Escolas de Samba fundamentais
Por que as quatro Escolas de Samba descritas acima são fundamentais para o carnaval
de Juiz de Fora? O Turunas do Riachuelo e a Feliz Lembrança pelo pioneirismo e o fato de
ainda se manterem em atividade. Por serem as duas primeiras agremiações da cidade, também
formaram e aglutinaram os principais nomes do samba juizforano. Partido Alto e Juventude
Imperial, que surgiram nos anos 1960 e não interromperam suas atividades, têm sua
importância não por sua antiguidade, mas pela organização e inovação que trouxeram ao
universo carnavalesco de Juiz de Fora. A Juventude trouxe um ritmo de bateria do Rio de
Janeiro que não era praticado pelas concorrentes locais, além de conseguir aglutinar um dos
bairros mais pobres da cidade. A organização é o ponto forte do Partido Alto, a única Escola
de Samba que possui um trabalho efetivo de preservação da memória e criar identidade entre
seus membros.
Como pudemos observar a Escola de Samba Turunas do Riachuelo foi constituída por
pessoas da elite juizforana. O Turunas sempre manteve a idéia de ser uma agremiação que não
está vinculada a um bairro e pelo suporte financeiro de sua diretoria conseguir realizar um
rico desfile de carnaval como Du Valle frisou em sua entrevista, nos anos 1970/1980 um
grupo de 20 empresários garantia a entrada da Escola na avenida. Mesmo mais recentemente,
com a inconstância e a baixa popularidade dos desfiles, o Turunas mantém a marca de ser
uma Escola de Samba elitista.
101
Nascida como contraponto ao Turunas do Riachuelo, a Escola de Samba Feliz
Lembrança é a representante da classe média, classe média-baixa, ou seja, funcionários
públicos, pequenos comerciantes, trabalhadores de nível intermediário. Até 1995 a Escola foi
identificada com os moradores da região da avenida Sete de Setembro, Bairro Costa Carvalho,
região da praça da Estação e bairro Poço Rico. Após esta data a Feliz Lembrança foi para a
Zona Norte e perdeu a proximidade com seus colaboradores tradicionais, precisando
encontrar novos componentes na região para onde se transferiu. Ao contrário do Turunas a
Feliz Lembrança, até antes da mudança de sua quadra, tinha no capital intelectual sua maior
força.
A Escola de Samba o Partido Alto possui uma história que começa nos anos 1960 e
dentro de um grupo de agremiações secundárias no carnaval juizforano. O que a diferencia
das demais Escolas de Juiz de Fora é o fato de ter conseguido se transformar em uma
“comunidade”, seu membros se tratam por família verde-rosa. Mesmo não estando mais
localizada em seu território de origem, a praça do Cruzeiro, as pessoas da região freqüentam a
quadra do Partido Alto mesmo com a mudança de localização. A agremiação é a única da
cidade que tem um trabalho próprio de memória histórica e sempre reafirma suas origens.
A Escola de Samba que foi construída por pessoas oriundas das classes subalternas em
Juiz de Fora foi a Juventude Imperial. Com sua sede em um dos bairros mais pobres da cidade
a agremiação possui uma ligação tão forte com a região na qual atua que dificilmente resistiria
a uma mudança de sede como as que ocorreram com a Feliz Lembrança e o Partido Alto. O
diferencial da Juventude Imperial no carnaval de Juiz de Fora está na música, ela surgiu
introduzindo uma batida de bateria semelhante à do Rio de Janeiro e diferente da
musicalidade tradicional das Escolas locais. Em lugar de competir com luxo a Escola buscou
se diferenciar musicalmente, a fama foi tanta que até hoje a bateria da agremiação é
considerada a melhor da cidade.
4 A PRESENÇA DAS ESCOLAS DE SAMBA NOS MEIOS DE
COMUNICAÇÃO LOCAIS
Pela importância econômica na transição do século XIX para o século XX Juiz de
Fora se tornou uma cidade com uma importante rede de comunicação. O crescimento da
cidade durante o século passado, transformando-a hoje na cidade mais populosa fora da região
metropolitana de Belo Horizonte, contribuiu para a manutenção desta rede, apesar da perda de
102
importância econômica da região sudeste de Minas Gerais (zonas da Mata, Vertentes e Alto
Rio Doce).
O primeiro veículo de comunicação da cidade foi o jornal O Pharol, editado a partir
de 1870 por Tomaz Cameron, Leopoldo Augusto de Miranda e Georges Sales Dupin. Sua
primazia ainda é polêmica em razão da preservação do acervo de periódicos da cidade,
pois apenas recentemente foi encontrado um exemplar que é anterior ao jornal O Constituinte.
De todo modo, O Pharol era impresso na cidade de Paraíba do Sul em 1866 e passa a ter
um escritório em Juiz de Fora em 1868, após sua transferência definitiva para a cidade, foi o
mais importante veículo de comunicação da região durante o século XIX (LESSA, 1985,
p.103). 1870 foi o ano em que O Constituinte também começou a ser editado, substituído em
junho do mesmo ano pelo jornal abolicionista O Imparcial que desapareceu no final do
mesmo ano. A exceção d’O Pharol, todos os jornais surgidos nesta cada tiveram vida
efêmera (ESTEVES; LAGE, 1989).
Juiz de Fora possuiu em toda sua história cerca de 590 veículos impressos, entre
jornais e revistas, que em sua maioria circularam por menos de um ano (FONSECA, 1987,
p.66). A cidade conta hoje com três jornais locais Tribuna de Minas, Diário Regional e
Jornal Panorama –, além do consumo dos jornais de São Paulo, Rio de Janeiro e, em menor
escala, Belo Horizonte.
Ainda no século XIX a cidade recebe sua primeira rede de telefonia com a
implantação da Cia. Telefônica do Brasil em 1884, empresa dos ingleses W. Finnie, Kemp e
Walter Hemsley. Para uma cidade de pouco mais de 17,5 mil habitantes
60
foram colocados 30
ramais (LESSA, 1985, p.162). Em 1893 a cidade assume o setor e passa a ampliá-lo e
modernizá-lo lentamente. Só em 1971, com a implantação do sistema de microondas da
Embratel é que a rede telefônica da cidade deixa de ser administrada pelo município e passa
ao controle de Telemig.
Apesar de avançada e pioneira em termos de telecomunicações, a cidade presenciou a
implantação de emissoras locais de rádio somente depois da construção bem sucedida do
serviço de alto-falantes de Arthur Vieira, que começou a funcionar em 19/02/1925. Além da
publicidade do comércio local havia entretenimento, garantido pelas músicas que eram
transmitidas a partir das rádios existentes no Rio de Janeiro. A Rádio Sociedade de Juiz de
Fora só começou a transmitir no início de setembro de 1926 (FONSECA, 1987). A Sociedade
foi a primeira emissora de Minas Gerais.
60
Dado do censo de 1890 e considerando apenas o distrito de Juiz de Fora.
103
Quanto ao audiovisual Juiz de Fora teve um produtor de cinema, que se dedicou aos
cinejornais entre os anos 1930 e 1950, João Gonçalves Carriço, e conheceu uma das primeiras
transmissões de TV do Brasil, graças ao trabalho de fundo de quintal de Olavo Bastos Freire.
Ele montou transmissores e receptores por autodidatismo e realizou transmissões públicas
para autoridades estaduais em 1948
61
. A forma como foi regulamentado o setor pelo governo
federal fez com que Bastos Freire interrompesse a fabricação de equipamentos e se dedicasse
a outras atividades. A primeira emissora local foi a TV Industrial, instalada em 1964.
Segundo dados do IBGE Juiz de Fora conta hoje com três jornais diários, três canais de
televisão TV Panorama, afiliada da Rede Globo; TV Alterosa, dos Diários Associados, que
transmite a programação do SBT para Minas Gerais; TV Pio XII, que faz parte da rede de
emissoras educativas. No rádio a cidade possui dez emissoras, entre AM e FM. A seguir
veremos um breve perfil das principais empresas de comunicação que atuam ou atuaram em
Juiz de Fora e a forma pela qual o carnaval esteve presente no noticiário destas empresas.
4.1 – O PHAROL
Datado de 8 de janeiro de 1870 o exemplar mais antigo existente nos arquivos de Juiz
de Fora do jornal O Pharol. Foi o principal jornal da cidade até encerrar suas atividades em
1939. Inicialmente era em formato tablóide, com quatro páginas e circulação semanal. Seu
conteúdo mesclava publicidade, folhetim e notícias, sendo o tema destas direcionado para
aqueles que habitualmente freqüentavam Paris ou Londres, algumas vezes com observações
sobre a política local ou acontecimentos da Corte
62
.
O alinhamento político do veículo variou de acordo com o tipo de proprietário e
foram muitos. Seu fundador foi Thomaz Cameron que possuía uma orientação democrática. A
partir de 1875, sob administração de George Charles Dupin tendeu para o liberalismo.
Quando Lindolpho de Assis assume o veículo em 1885 uma guinada para o
conservadorismo. Entre outubro de 1889 e junho de 1891, após fusão com o Diário de Minas
e quatro controladores José Braga, José Mariano Pinto Monteiro, Victor Manoel de Souza
Lima e Feliciano Penido –, O Pharol é considerado como um veículo politicamente imparcial.
Com sua aquisição por Alfredo Ferreira Lage, cuja família era cortesã, torna-se monarquista
e, em 1895, declara-se abertamente restaurador. Sua publicação fica suspensa entre outubro de
61
João Carriço registrou a transmissão em um de seus cinejornais. Fonseca (1987) faz uma referência a Olavo
Bastos. Os equipamentos e anotações de Olavo Bastos encontram-se depositado na Funalfa.
62
Todo o arquivo impresso do jornal encontra-se disponível para consulta na Biblioteca Municipal Murilo
Mendes, ou em microfilme no Arquivo Histórico da Universidade Federal de Juiz de Fora. Devido a enorme
quantidade de jornais examinamos apenas os exemplares dos três primeiros anos.
104
1896 e abril de 1897, quando assume a chefia de redação Francisco Bernardino Rodrigues
Silva que declara reiteradas vezes que o jornal segue uma orientação política republicana e
conservadora. O Pharol foi semanário a 1873, aumentando no ano seguinte sua
periodicidade até conseguir se transformar em jornal diário em 1885 (ESTEVES; LAGE,
1915, p.323-324).
Conforme observamos na pesquisa dos arquivos do jornal o noticiário carnavalesco
das páginas d’O Pharol se resumia a notas sobre a organização de bailes carnavalescos,
comentários sobre os acontecimentos durante a folia, avaliações sobre a brincadeira do
entrudo e das batalhas de confete. O jornal também era fonte de publicidade para os bailes
carnavalescos de Juiz de Fora e região, como em Rio Novo:
105
Bailes Carnavalescos Havera
Noites dos dias 27, 28 e 29 do corrente mez, no salão Theatro Rionovense
Mascarados pelas ruas, banda de Manoel Vicente de Castro
4 horas da tarde grupo de marcarados e 8 horas da noite Baile
1.000 réis entrada (O Pharol, 10/02/1876, p.3)
além de divulgar o comércio de produtos para a folia, como podemos observar na página
abaixo:
Roupas finas, ternos completos para homem e para senhoras, ha em casa de João
Evangelista, assim como todos os mais artigos proprios para os FOLGUEDOS
CARNAVALESCOS
106
4.2 DIÁRIO MERCANTIL
O Diário Mercantil, ao lado do pioneiro O Pharol, foi um jornal importante surgido
em Juiz de Fora. Ele foi lançado em 1912 por Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
63
e João
Nogueira Penido (ESTEVES; LAGE, 1915, p.323-324). O primeiro de tradicional família,
descendente de Bonifácio de Andrada e um dos mais influentes políticos mineiros no
período da República Velha; o segundo descendente do Barão de Bertioga, um dos
principais nomes da aristocracia regional. Em 1932 passou ao controle do grupo Diários
dos Associados, que pertencia ao jornalista e empresário Assis Chateaubriand.
A trajetória do veículo, em Juiz de Fora
64
, encerrou-se no ano de 1983 de forma
melancólica, pois
os poucos leitores juizforanos preferiam os jornais cariocas, dos 5 mil exemplares
vendidos nas bancas da cidade, 1,5 mil liam O Globo, 1,2 mil preferiam o Jornal do
Brasil, 1 mil gostavam de ler o Diário da Tarde, versão vespertina do DM [Diário
Mercantil], e apenas 670 leitores costumavam ler o Diário Mercantil (OLIVEIRA,
2007).
O jornal foi o único veículo impresso de Juiz de Fora que presenciou os anos de
ascensão e o apogeu do carnaval das Escolas de Samba locais, que começou com o
lançamento dos desfiles oficiais em 1966 e culminou com o último desfile da avenida Rio
Branco em 1981. Uma avaliação feita pelo ex-prefeito Melo Reis
65
(2006) nos esclarece que
Esse Carnaval de Escola de Samba, de rua, vem crescendo e eu acho que ele atingiu o
ponto mais alto na época que eu fui prefeito. Porque nós investimos em
arquibancadas, foram as primeiras arquibancadas instaladas no carnaval de Juiz de
Fora. Nós investimos muito na decoração da cidade. […] nós viabilizamos a quadra
do Turunas na baixada do Paraibuna; a escola de samba lá do Furtado de Menezes, a
Juventude Imperial e a Escola de Samba Partido Alto.
Ao pesquisarmos o noticiário do Diário Mercantil sobre o carnaval durante os anos
1970, notamos que o jornal mesclava a prestação de serviços mapa com as ruas que seriam
interditadas, plantões e serviços que não funcionariam com as informações sobre as Escolas
de Samba, os bailes nos clubes e os outros eventos relevantes relacionados ao carnaval. Nas
páginas deste jornal era possível acompanhar os preparativos das Escolas, cerca de trinta dias
antes do carnaval, até o resultado dos desfiles e, na semana seguinte, se fosse o caso, a
63
Foi o quarto membro da família a receber este nome
64
Os Diários Associados mantêm a propriedade do título e editam um jornal Diário Mercantil, com noticiário
exclusivamente econômico, no Rio de Janeiro.
65
Entrevista concedida ao autor em agosto de 2006 por Francisco Antônio de Melo Reis, prefeito de Juiz de Fora
entre 1977 e 1983.
107
polêmica gerada por esta ou aquela nota dos jurados (em anexo deixamos alguns recortes do
Diário Mercantil).
4.3 TRIBUNA DE MINAS
Com o objetivo explícito de concorrer com o Diário Mercantil, então único jornal em
circulação em Juiz de Fora, é lançado o número zero do jornal Tribuna de Minas 31 de
agosto de 1981. De propriedade do médico e empresário Juracy Azevedo Neves. No formato
standard, com impressão preto e branco, e posteriormente (1994) com as capas e contracapas
dos diferentes cadernos coloridas, o veículo é um diário de seis dias: na segunda-feira não
existe edição, e também em feriados muito longos.
Efetivamente o jornal não conseguiu seu objetivo inicial, pois o Diário Mercantil
encerrou as atividades em 1983. A partir desta data a Tribuna de Minas assumiu o papel
desempenhado pelo seu oponente nos anos 1970, tornando-se o único veículo impresso de
Juiz de Fora – herdando também o ônus decorrente desta situação.
A cobertura dos festejos de Momo na Tribuna de Minas resume-se aos eventos oficiais
promovidos pela prefeitura de Juiz de Fora e/ou pela Liga das Escolas de Samba, como a
eleição da Rainha do Carnaval ou desfile da Banda Daki, tombada como patrimônio cultural e
que desfila no sábado pela manhã. A ascensão do jornal coincide com o período de declínio
dos desfiles na cidade, fazendo com que a Tribuna divulgue roteiros de viagem, abra espaço
para mostrar a programação carnavalesca das cidades da região e do litoral do Espírito Santo e
Rio de Janeiro. Eventualmente o diário deixa de circular na quarta-feira de cinzas.
4.4 AS RÁDIOS
A primeira emissora de rádio de Juiz de Fora era mantida por vários sócios e não tinha
fins lucrativos: a Rádio Sociedade. Nos primeiros anos se dedicou a transmissão de músicas
para as poucas famílias que possuíam o aparelho receptor. Durante a revolução de 1930 a
emissora foi obrigada a ceder peças para o exército. O modelo administrativo foi
profissionalizado em 1937, quando a rádio passou a ser sociedade anônima, tendo o governo
do estado como maior acionista. Em 1947 ela passou a fazer parte dos Diários Associados,
que vendeu a emissora para o Grupo Solar em 1981, que ainda detém a concessão. A Rádio
Industrial, primeira concorrente da dio Sociedade, surgiu apenas em 1949 e tinha a
proposta de copiar a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, na época a emissora de maior
108
audiência do Brasil. O boom do rádio brasileiro nos anos 1950 fez com que a cidade ganhasse
mais uma emissora em 1956: a Rádio Difusora (FERNANDES, 2006, p.17-18).
A concorrência entre os três veículos também se fazia presente nos eventos da cidade.
Todas transmitiam os eventos relacionados ao carnaval. No entanto, o desfile de Escolas de
Samba enfrentou o período de transição do rádio para a tv. Nas palavras de Wilson Cid
66
[A Televisão] prejudicou muito a atividade do rádio. Mas isso a gente já havia
percebido no final da década de 60 […] a gente começou a derivar a cobertura do
carnaval para Pronto Socorro, polícia, delegacia de menores, rodovias, para tirar o
rádio da dependência do desfile das escolas de samba que a gente transmitia, alguma
escola ia até às 6 ou 7 horas da manhã e a gente mantinha a cobertura tanto das
escolas como dos clubes. […] Mas quando a televisão começou a aparecer mais,
quando nos... o desfile das escolas de samba se tornou assim, uma grande evento de
cores, aquela coisa deslumbrante. Aí o rádio, como não transmite a cor, no máximo o
som e o som de carnaval é muito mal transmitido, sempre foi muito mal transmitido, a
gente então começou a perder espaço
A segunda onda de crescimento do dio em Juiz de Fora aconteceu com a
popularização e a chegada das emissoras FM. A primeira emissora da cidade foi a Manchester
FM, que entrou no ar em maio de 1981. Pelas características do FM e pelo período de declínio
experimentado pelo carnaval local, as Escolas de Samba não tiveram presença neste meio. Até
mesmo porque um evento como o carnaval atual não consegue atrair público para um veículo
com as características do rádio, ou, na avaliação de Wilson Cid
o espaço do rádio hoje, nesse particular, é limitado. A não ser que ele queira se
dedicar a outros setores, como fazíamos isso muitos anos na velha PRB3, ver
mais estradas, ver mais Pronto Socorro, Juizado de Menores, essas coisas paralelas.
Tanto é que fazíamos também o seguinte: nessa época a gente procurava chamar a
atenção da população, dos ouvintes, para os preparativos das escolas de samba. a
partir de meio dia a gente já estava na sede lá, acompanhando fantasia, últimas
providências, aquelas coisas ultimadas de escolas de samba, do desfile. A gente
sempre esteve muito presente nisso aí, porque já sabia que na hora de mostrar a escola
mesmo a televisão vinha e abocanhava totalmente, e com razão.
A exceção neste tipo de freqüência é a Rádio 107 FM. Mas aqui não estamos falando
de uma emissora comercial e sim de uma emissora educativa: a dio Pio XII FM
transformou-se em 2006 na 107, mantendo o caráter educativo da concessão. O objetivo de
sua programação é mesclar o popular e o noticiário em estúdio. A cobertura de rua durante o
carnaval tem como foco o caráter cultural da festa, numa tentativa de “valorizar o artista do
carnaval, das Escolas de Samba” (CAMPOS
67
). O trabalho de carnaval da 107 FM começa
nos primeiros ensaios das Escolas, mostrando o esforço das agremiações para preparar
66
Entrevista concedida ao autor em fevereiro de 2007. Wilson Cid é jornalista e foi membro da direção do
Departamento Autônomo de Turismo na época de criação dos desfiles oficiais das Escolas de Samba (1966).
Atualmente é editor do Jornal Panorama.
67
Entrevista concedida ao autor por Armando Campos, diretor da rádio 107 FM, em julho de 2007.
109
fantasias e alegorias, e vai aa divulgação dos resultados dos desfiles. As observações feitas
acima por Wilson Cid podem ser constatadas no trabalho desta rádio: ela o faz a cobertura
do meio da avenida, do desfile, restringindo sua atuação às entrevistas na concentração e nos
bastidores; também faz a função de prestadora de serviços, noticiando os fatos extra-evento.
4.5 A TELEVISÃO
O primeiro canal de televisão de Juiz de Fora foi implantado na cada de 1960. O
empresário Sérgio Vieira Mendes que já era proprietário de emissoras de rádio foi o
idealizador do projeto daquilo que viria a ser a TV Industrial. A idéia era de uma TV
estritamente com produção local. Mas, como nas rádios, copiando o formato daquilo que
existia nas emissoras de alcance nacional. A concessão foi aprovada pelo então presidente
João Goulart em janeiro de 1963. Em 29 de julho de 1964 entrava no ar a primeira estação
geradora de TV do interior do Brasil. A sede da emissora ficava no alto do Morro do
Imperador, que domina a área central da cidade, em terreno doado pela prefeitura.
O alcance da TV Industrial e sua importância para as cidades da região talvez maior
do que para a própria Juiz de Fora – pode ser entendido a partir do depoimento encontrado em
um blog
68
:
Minhas primeiras lembranças começam na decisão da Taça Guanabara de
1976, quando Zico perdeu o penalti que deu o título ao Vasco. Fiquei numa
empolgação danada. Aqui em Leopoldina pegava uma TV chamada TV
Industrial de Juiz de Fora que transmitia ao Vivo os clássicos do futebol
carioca sempre aos domingos. Época em que o Maracanã levava
tranquilamente 150 mil pessoas aos clássicos. Eu achava aquilo o máximo e
não perdia nenhum jogo sempre acompanhado do meu pai. Já nesta época
ganhei o meu próprio radinho de pilha para assistir aos jogos e não atrapalhar o
meu pai que também não perdia um jogo sequer e precisava ficar com o rádio
colado no ouvido.
Os funcionários da área cnica vieram de fora e uma de suas funções era ensinar para o
pessoal de Juiz de Fora a operação dos equipamentos. Sem pertencer a uma grande rede a TV
Industrial foi perdendo fôlego e sofrendo uma lenta agonia até ser vendida para as
Organizações Globo em 1980. A partir daí o canal passa a retransmitir o sinal da Rede Globo
e a programação local é reduzida a alguns minutos diários nos telejornais e às produções de
um departamento comercial. A Globo Juiz de Fora torna-se uma extensão, com autonomia, da
Globo Minas (Belo Horizonte).
68
Disponível em: http://www.netvasco.com.br/forum/viewthread.php?tid=4735&page=2.
110
Mudanças na TV Globo de Juiz de Fora voltam a acontecer com a crise financeira do
setor de comunicação no Brasil no final da década de 1990, que não poupou as Organizações
Globo. A emissora passa a se chamar TV Panorama em 1998 e o departamento comercial foi
extinto, além do enxugamento do quadro de funcionários. Entretanto, o tempo de transmissão
do telejornalismo local aumentou de 15 minutos para 50 minutos diários. Em 2003, como
estratégia financeira, a Rede Globo opta pela venda de suas emissoras periféricas. Então, a TV
Panorama é vendida para o Omar Peres
69
, na época secretário de Indústria e Comércio de
Minas Gerais e próximo ao governado, o político juizforano Itamar Franco.
Não nos foi possível uma avaliação sobre a participação da TV Industrial no carnaval
juizforano, uma vez que as informações levantadas dão conta que todo o arquivo de imagem e
os equipamentos da antiga emissora foram descartados quando a Globo assumiu o canal.
Também não foi possível vencer a resistência de Geraldo Mendes, filho do fundador da
emissora e um de seus diretores, em conceder uma entrevista. Através de arquivos
fotográficos particulares foi possível apenas perceber a presença da TV Industrial na
cobertura dos desfiles das Escolas de Samba de Juiz de Fora, mas impossível estabelecer o
modo pelo qual ela se dava. Por outro lado, a Rede Globo Juiz de Fora e sua sucessora TV
Panorama realizam sempre uma cobertura pontual, com flashes do desfile de Juiz de Fora
durante o break comercial da programação, entrevistas com secretários municipais e o
presidente da Liga das Escolas de Samba nos telejornais locais, entradas ao vivo de
jornalismo para informações sobre serviços ou algum acontecimento de maior relevância
normalmente ocorrências policiais ou acidentes (em Juiz de Fora estas entradas têm a marca
Panorama Informa, mas a marca muda de acordo com a praça). A programação de carnaval
na fase Rede Globo sempre foi vinculada ao produto principal da cabeça da rede, que é o
desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e, mais recentemente, também o desfile das
Escolas de Samba de São Paulo.
A segunda concessão de um canal de TV para Juiz de Fora foi uma emissora
Educativa. Ela entrou no ar em 31 de maio de 1981
70
, sob a responsabilidade da Fundação
Educacional Pio XII, pertencente ao empresário do ramo educacional Josino Aragão. A partir
desta TV ele monta um grupo de comunicação com um jornal impresso, uma rádio AM, uma
rádio FM e veio a conquistar a concessão de um canal de TV comercial do qual falaremos
adiante. De sua inauguração ao final de 1999 a TV Pio XII vai transmitir integralmente a
69
Hoje o empresário é controlador de um grupo de comunicação com emissora de rádio, jornal e portal de
Internet. Além disto possui negócios em outros setores.
70
Data de comemoração do aniversário de Juiz de Fora.
111
programação gerada no Rio de Janeiro pela TVE e alguns programas da TV Cultura de São
Paulo. Atualmente, com o nome de TVE Juiz de Fora, mas ainda sob controle do mesmo
grupo, produz um único programa local que é uma mesa redonda dedicada a debater os temas
da atualidade e realizar entrevistas com personagens de Juiz de Fora e região.
O grupo de comunicação comandado por Josino Aragão foi responsável pela obtenção
da terceira concessão para um canal de TV local. A TV Tiradentes entrou no ar em 1990, com
a previsão inicial de atuar como repetidora da TV Manchete do Rio de Janeiro. Mas com a
crise financeira do Grupo Manchete no final dos anos 1980, a TV Tiradentes optou por iniciar
suas transmissões como afiliada do SBT e dispondo espaço para realizar uma programação
local: todo o horário vespertino a partir do telejornal das 13 horas era ocupado com dois
programas de auditório, um programa com exibição de clipes, um programa de debates. Da
programação constavam também dois telejornais com abrangência regional cuja
apresentação era gravada - totalizando cerca de cinco horas. As crises internas começam a
acontecer pelo não cumprimento de cláusulas contratuais e gestão temerária, o que provoca a
não renovação do contrato com o SBT. A emissora afiliou-se à Rede Record em 1997 e em
seguida, 1998, à Rede Bandeirantes, mas não conseguiu se manter financeiramente. No final
de 1999 ela é vendida para o grupo Diários Associados TV Alterosa, afiliada do SBT. A
partir desta época trocou a marca TV Tiradentes pela marca Alterosa e a programação local se
restringe a um telejornal e matérias no telejornal estadual, produzido em Belo Horizonte.
A única transmissão do carnaval de Juiz de Fora pela TV Tiradentes aconteceu em seu
primeiro ano de existência, de forma um tanto precária. Infelizmente os arquivos deste
período não existem mais
71
. Nos anos seguintes a emissora seguiu o esquema de
transmissão da Globo local, limitando-se à cobertura jornalística do evento e flashes dos
desfiles durante a programação. A TV Alterosa mantém este esquema, a única diferença é que
a emissora instituiu uma eleição de musa do carnaval, cuja eleita representa a emissora nos
camarotes durante os desfiles e nos eventos paralelos.
71
Neste ponto a informação pertence à memória do pesquisador que recorda de alguns momentos, como a
apresentação do bailado do rei Momo e da rainha do carnaval em um estúdio de paredes brancas e confetes e
serpentinas sendo jogados pelo pessoal técnico, cena emoldurada por confetes virtuais desfilando pelo vídeo.
112
4.6 CINEMA
Juiz de Fora teve sua primeira sessão de cinema em 1897. Trinta anos depois a cidade
vai conhecer um dos maiores documentaristas do Brasil: João Gonçalves Carriço, que retratou
o cotidiano da cidade e mostrou-o para as mais diferentes partes do país. Carriço abriu um
ateliê de pintura e um estúdio fotográfico onde realiza experiências cinematográficas com
projeções em um “cinema ambulante pelo interior de Minas Gerais em carro de bois”
(SIRIMARCO, 2005, p. 39). Em 1927 inaugura o Cine Popular e em 1934 a produtora
Carriço Film, que foi marcada pela produção de cinejornais e documentários durante as
décadas de 1930, 1940 e 1950.
A importância do cinejornalista João Carriço foi reconhecida inclusive por Humberto
Mauro, seu contemporâneo que em homenagem ao colega ressaltou ser ele um dos mais
sólidos pilares do cinema brasileiro em carta à família por ocasião de seu falecimento em
1959.
Exibir sonhos levou Carriço a produzir sonhos. Assim, em 1933, funda a Carriço
Film, empreendimento que passou a documentar os principais fatos de Juiz de Fora e,
posteriormente em Minas Gerais, produzindo importantes cinejornais de forma
ininterrupta até 1956. Carriço faleceu em 1959, mas o Cine-Theatro Popular
sobreviveu sob a direção de seu filho Manoel até 1966 (MAURO, 2007).
O acervo da Carriço Film foi doado para a Prefeitura de Juiz de Fora, ainda nos anos
1950 pelo próprio João Carriço e mais tarde completado por seu filho Manoel Carriço.
“Segundo Manuel, foram cerca de mil latas que deveriam perfazer cerca de 500 (!) cinejornais
e documentários” (CINEMATECA BRASILEIRA, 2001, p.12).
Documentos e livros de anotações de Carriço desapareceram da Prefeitura Municipal
entre uma gestão e outra – o acervo fora doado por João Carriço à Prefeitura nos anos
50 – o que sempre torna nebulosa a apuração de dados.
Em 1962, três anos após sua morte, o filho de Manoel Carriço passa para a Prefeitura
o acervo restante (Lei 1657 de 28.05.1962, referente à aquisição de 202 cinejornais).
[...] Em 1978, Manoel Carriço afirmara que a atividade da empresa totalizava 1.000
rolos de filmes. Segundo o cinegrafista João Peixoto, fazia-se 1 a 2 cinejornais por
mês.
Parte do acervo da Carriço Film foi jogado no Rio Paraibuna, em 1973, e
possivelmente em anos anteriores. Portanto o acervo não é completo.
As fichas da filmoteca de Juiz de Fora em 75/76, de acordo com a indicação
das latas das películas, totalizavam cerca de 250 cinejornais de um acervo que
atingiria cerca de 400(?) filmes (SIRIMARCO, 2005, p. 19-20).
A coleção Carriço chegou à Cinemateca Brasileira de São Paulo na segunda metade da
década de 1970 na gestão do prefeito Melo Reis, levada pelo pesquisador Décio Lopes. Os
rolos foram inventariados pela Cinemateca e catalogados. Uma parte do acervo foi recuperada
113
através de um plano de restauração na própria instituição. Um incêndio em um depósito de
filmes de nitrato da Cinemateca eliminou várias edições de cinejornais da Carriço Film, em
1982. Em ofício de 31 de dezembro de 1982 especificou à Prefeitura de Juiz de Fora a
existência de 690 rolos inventariados. Após o incêndio outro ofício informava que “restaram
448 rolos depositados, 208 rolos destruídos e 34 rolos não localizados” (SIRIMARCO, 2005,
p. 21).
Através dos cinejornais produzidos por João Carriço é possível perceber algumas
mudanças sofridas no carnaval juizforano. Nos primeiros filmes são registradas apenas
algumas pessoas fantasiadas pelas ruas, se divertindo em pequenos grupos; num segundo
momento o desfile dos corsos, dos ranchos carnavalescos e os bailes nos clubes, e, nos
últimos anos de produção da Carriço Film, a presença do desfile de Escolas de Samba nas
ruas, mas aparentando ser um registro de menor importância.
4.7 QUESTÕES SOBRE A MÍDIA LOCAL
O termo Mídia local denota que estamos tratando de uma comunicação baseada em
informação de proximidade. Na prática, como analisou Peruzzo em seu artigo Mídia regional
e local: aspectos conceituais e tendências, ela contém distorções em função das relações de
produção das notícias e de outros conteúdos midiáticos. Jornal, rádio e televisão surgem com
um raio de abrangência local ou regional. No entanto, a televisão alterou substancialmente sua
vocação com a absorção de tecnologias que permitiram a formação de redes nacionais, pois
no Brasil o desenvolvimento das comunicações priorizou a produção de mensagens no sentido
dos grandes centros para o interior do país – estratégia de uma política de “integração
nacionalista”.
Se a mídia transgride fronteiras de espaço ou de tempo, na mídia de âmbito regional
estas se tornam ainda mais tênues. O jornalismo praticado em Juiz de Fora, nos meios
tradicionais (rádio, jornais e TV) pertence ao domínio da esfera privada, ao jornalismo
comercial. Assim podemos notar que o noticiário é permeado pelas distorções que aparecem
em interesses políticos e econômicos, mas divulga temas locais. O rádio e o impresso são
eminentementes locais, enquanto que as TVs m o espaço reduzido em função de
pertencerem a redes nacionais.
As características do jornalismo juizforano são as mesmas identificadas por Peruzzo
(2005, p.81-83), o aproveitamento intencional e acrítico de releases, ligação política e
autocensura. Além disto, falta uma ampla cobertura local, existem poucos profissionais e
114
dispensa de profissionais experientes. Existe também a tendência de reproduzir a grande-
imprensa, imitando o estilo de tratamento da informação e dedicando amplos espaços para
notícias nacionais e internacionais principalmente por exigência das matrizes, como no caso
de um produto nacional como o desfile das Escolas de Samba.
Não devemos confundir mídia local com mídia comunitária, pois “o primeiro tipo de
mídia visa mais a transmissão da informação e o segundo a mobilização social e a educação
informal” (PERUZZO, 2003). No caso do carnaval de Juiz de Fora a cobertura é realizada
sempre pela mídia local de forma pontual. Como dissemos acima, neste tipo de cobertura não
uma preocupação em buscar informações nas Escolas de Samba, apenas espera-se que a
informação chegue até a redação e a cobertura de rua muitas vezes têm um caráter
editorialista, com um mínimo de apuração. No caso do jornal e da televisão as imagens
ajudam a cobrir o espaço da edição.
5 COMO É O FINANCIAMENTO DOS DESFILES
No Rio de Janeiro o financiamento das Escolas de Samba passa pelo dinheiro do jogo
do bicho, do tráfico de drogas e de algumas empresas que vêm no desfile a oportunidade de
exposição da sua marca, esta é a constatação da antropóloga Maria Laura Viveiros de Castro
Cavalcante
72
. Em duas entrevistas ao jornal Folha de S. Paulo, uma em 2005 e outra em
2007, ela traça o perfil do financiamento das agremiações cariocas. Para o jornalista Antônio
Gois (7 fev. 2005) ela afirma que:
Os bicheiros modernizaram o Carnaval sob uma égide extremamente conservadora,
que é a da patronagem. [...] O Carnaval carioca passa por um momento crítico [...]. A
presença do tráfico nas comunidades está aumentando terrivelmente e as escolas de
samba acabam expressando isso, não há como ficarem de fora desse processo.
Eu não estou dizendo que a presença do bicheiro seja boa, mas ela é inegavelmente
melhor do que a do tráfico. [...] Sua presença [do traficante] é sempre mais obscura e
o interesse é mais imediatista.
Na entrevista de 2007 para o mesmo jornal a antropóloga Maria Cavalcante afirma ao repórter
Luiz Fernando Vianna (22 fev. 2007) que
Obviamente o papel deles [bicheiros] na organização do desfile foi modernizador.
Mas é paradoxal, porque é uma modernização associada a códigos não modernos,
como patronagem, clientelismo e falta de clareza dos mecanismos de circulação
monetária nas escolas. As pessoas falam muito em profissionalização, mas não sei até
que ponto mudou muito.
72
A antropóloga Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcante é uma das melhores fontes sobre a organização das
Escolas cariocas, com o livro Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile. Além de constantemente dar
entrevistas para jornais sobre a questão do financiamento e da presença do crime organizado nas agremiações.
115
Até nos patrocínios de empresas os valores não são claros, não se sabe quem
exatamente recebe, como esse dinheiro entra na vida da escola.
Esse dinheiro é obscuro. Não digo que a finalidade dele seja ilegal, mas é obscura a
circulação dele.
Em Juiz de Fora o tema dos custos e financiamento de um desfile não é um assunto
dos mais confortáveis a se discutir com as pessoas envolvidas na organização do carnaval. Na
cidade a voz corrente no meio carnavalesco é que as Escolas de Samba são economicamente
inviáveis e o custo do desfile acaba sendo pago por amantes do carnaval e amigos das
agremiações. A fala em torno da falta de recursos começa pelo presidente da Liga das
Escolas, Edson Tostes
73
:
eu sempre me perguntei no Rio, por exemplo, o volume de dinheiro que gira em
torno do carnaval, das Escolas de Samba... será que esse volume de dinheiro, o poder
financeiro, ele gerou essa organização toda ou foi a organização deles que gerou esse
dinheiro? Então o que acontece aqui? como a gente não tem dinheiro, a gente… eu
sempre procuro trabalhar em cima da organização, em cima de horários, […] nós
estamos tentando fazer o que? cada vez mais nos organizando... eu acho que o
caminho é mais ou menos esse [para gerar recursos].
O presidente da Juventude Imperial, David Chaves, desfila uma profusão de números
para demonstrar a precariedade financeira das Escolas de Samba de Juiz de Fora, o que reflete
na quantidade de componentes: “A escola desfila com 800 componentes, já desfilou com mais
componentes, já desfilou com mais de 1200 componente, quando a bateria era 200
componentes […] hoje não, hoje a bateria é de 120, desfila com 800”. No entanto, ele
também demonstra que existem formas alternativas de arrecadação:
uma fantasia dessa, o custo dela fica em mais de 50 reais, só em mão de obra pra fazer
fica em 20 reais, fora o material... […] como você vai cobrar de uma comunidade uma
venda de fantasia por X. Lá no Rio você vende 500, mil reais, 400 mil... aqui ninguém
tem como pagar, então você faz o seguinte: pra chegar nesse custo de 50 reais, pra
cobrir o que que a gente faz, a gente aluga uma fantasia por 20 reais, ele devolve a
fantasia e você repassa ela amanhã pra outra pessoa que vai vender pra outra cidade.
Quer dizer você aluga ela por 20 e repassa depois por 30, até 50 reais, cada peça,
então você começa a cobrir por aí, mas o dinheiro só vem depois, isso é, também se
ela voltar, se não voltar...
A tentativa de repetir fórmulas de sucesso do carnaval carioca se faz presente na busca de
captação de investimento publicitário do setor privado. Pelo que pudemos observar, apenas as
empresas com penetração local realizam este tipo de investimento, mesmo assim se o enredo
estiver ligado à imagem do proprietário. Normalmente são enredos mais personalistas. Dos
recentes homenageados estão: Juracy Neves (grupo de mídia), Vicentão (vereador), Cézar
Romero (agência de publicidade/colunista social), Eduardo Gomes (colunista social), José
73
Entrevista concedida ao autor em fevereiro de 2007 por Edson Tostes Filho, presidente da Liga Independente
das Escolas de Samba de Juiz de Fora.
116
Alberto Pinho Neves (ex-superintendente da Funalfa). A falta de inserção na mídia nacional
contribui para que alguns projetos não dêem certo, como David Chaves, sem querer, revela:
Esse ano [2007], por exemplo, a Feliz Lembrança está, hoje, homenageando o César
Romero no qual o César Romero está ajudando a escola […]. Não é tanto quanto o
Rio de Janeiro, mas é uma fórmula de ajudar. Já fizemos vários... o ano passado o
nosso enredo foi sobre Tiradentes, a cidade de Tiradentes. […] o Prefeito veio duas
vezes aqui na quadra recebeu homenagem fomos lá, mas no fim deu em nada. Olha só
a controvérsia: no ano anterior o Governo de Minas ajudou a Mangueira em 3 milhões
de reais, olha só a diferença. Você ser ajudado e não ser ajudado. Então, nós mesmos,
mineiros não queremos que o carnaval de Juiz de Fora cresça, não justifica você... está
certo é um direito... temos as leis pra poder mandar as verbas, mas é um dos
paragrafos maior, nós fizemos um carnaval falando de Minas, São João D’El Rei,
falando no avô dele, Tancredo Neves e, no entanto, nem um agradecimento; olha só;
como você vai falar da sua terra? então é preferível falar de um cara lá da China. Se
ele não ajudar, pelo menos, tudo bem.
Estabelecidas as justificativas e meios de se contornar as dificuldades no âmbito privado das
Escolas, passamos a entrar no terreno pouco iluminado da relação entre a Prefeitura de Juiz de
Fora e as agremiações. Para a Liga existe uma parceria com o poder público, mas que o
suprime as dificuldades financeiras:
[…] realmente tem sim, essa dificuldade. As Escolas do grupo 1A […] receberam 55
mil e tem mais alguma coisa em termos de cerveja, barracas. Algum dinheiro, com
certeza, ainda vem, mas pouca coisa e eu tenho certeza: as Escolas vão fazer um
carnaval na faixa de 70 [mil reais], de 80 e tudo; […] o poder público, nosso
principal parceiro, ele tem a infra-estrutura toda do carnaval pra ser feito, […] ou seja,
a logística do carnaval é por conta do poder público e [mais] essa ajuda em dinheiro.
A diferença é que se você ganha 20 mil no grupo B e o seu carnaval é de trinta,
trabalhe o ano inteiro, pra arrumar dinheiro pra cobrir essas diferenças, você tem que
pôr sua quadra pra funcionar, você tem fazer show, baile, festa, churrasco, vender rifa,
bingo, eu não sei, o que for legal. O que a lei permitir você tem que fazer, pra você
poder arrumar um dinheiro extra. Vai buscar seus patrocinadores, qual o problema? A
Escola tem que gerar seus próprios recursos, faz as fantasias, aluga as fantasias depois
do carnaval a pessoa te devolve, você vende as fantasias pra frente... como muita
gente faz aí. Então, claro, não é você receber 50 mil do poder público e fazer um
carnaval de 50 mil. A idéia é essa mesma, você recebe 50 e faz o carnaval de 60/70.
Eu quando estive à frente da Unidos do Ladeira, por exemplo, até carro, fizemos rifa
de carro, não foi um nem dois não, rifamos uns 4 carros pra poder angariar recursos. A
gente precisava de mais dinheiro. Na época as Escolas recebiam do poder público 30
mil eu quando fui presidente do Ladeira o meu último carnaval ficou em 100 mil
reais... e numa Escola que nem quadra tem, nós temos um salão de festa (TOSTES).
A possibilidade da busca de um patrocínio é recente, pois o carnavalesco da Turunas
do Riachuelo, Paulo Berberick
74
relata que a Escola perdeu pontos em desfiles por conta de
merchandising indevido: “ele me entra na escola pra desfilar com uma camisa escrito
Turunas, mas não era uma camisa que foi feita pra que ele desfilasse, escrito Passional
Malhas nas costas. Nessa época a Liga das Escolas de Samba penalizava com a perda de 5
74
Entrevista concedida ao autor em fevereiro de 2007.
117
pontos caso se fizesse um merchandising”. Mas a proibição de publicidade não é o único tipo
de questionamento que os dirigentes do turunas fazem em relação ao trabalho da Liga, o
presidente do Turunas, Du Valle que se apresenta como banqueiro –, coloca a relação de
proximidade com o poder público como impedimento para que a verba alocada para a
realização dos desfiles não seja maior:
Quer dizer, devido a esse monte de problemas que as escolas enfrentam a gente
dependendo exclusivamente do poder público porque a Liga das Escolas de Samba de
Juiz de Fora. Liga Independente, não é nada independente. Ela é dependente da
Prefeitura. Então não sabemos a verba do ano que vem ainda, não sabemos o enredo
nosso quanto que nós vamos gastar porque a gente tem que basear na verba que vem
então muitas vezes a gente faz um carnaval de 70, 80 mil reais e vêm 50. E 50 mil, 60
mil não coloca escola nenhuma na rua pra disputar título. Coloca pra tirar 3º, 4º, 5º ou
então até cair pro segundo grupo. Mas pra disputar o título é acima de 100 mil reais,
não fica em menos de 100 mil reais, né? Igual esse ano a escola aqui toda ficou em
120 ou 130 mil reais. Quer dizer, o dobro da verba que a prefeitura soltou.
Ele não esclarece de onde vem o montante para a Escola cobrir a diferença, mas em outro
trecho da entrevista deixa uma brecha para que possamos inferir:
em [19]72 eu entrei no Turunas. Eu entrei era um grupo de 20 pessoas um grupo
muito forte e era a maioria todos empresários. Aonde o Turunas pra colocar na rua,
era um Turunas mais fácil de colocar porque tinha esse grupo. Esse grupo se reunia na
churrascaria Palácio que ainda existe no calçadão. Ali, saia todas as idéias para o
carnaval do ano seguinte.
O ex-prefeito de Juiz de Fora, Francisco Antônio de Melo Reis é quem nos mostra
claramente de onde vem o dinheiro responsável para a existência das Escolas de Samba de
Juiz de Fora, afirmando que “o carnaval do Rio de Janeiro [...] é organizado, [...] esse dinheiro
é do chamado conta 2, jogo do bicho, esse dinheiro é da contravenção, vamos dizer assim, que
sustenta grande parte do carnaval do Rio de Janeiro”, enquanto em Juiz de Fora o custo recai
sobre o poder público porque “as Escolas funcionam como um projeto da Prefeitura, porque o
carnaval sempre foi sediado pela Prefeitura, então a prefeitura dita regras”. Corroborando esta
afirmação do ex-prefeito fizemos um levantamento nos arquivos da prefeitura e compilamos
vários decretos que mostram que o poder público sempre financiou as instituições ligadas ao
carnaval, não apenas as Escolas de Samba. Ou seja, o carnaval em Juiz de Fora é
fundamentalmente um evento do Estado.
Consultando a legislação municipal através do sítio da prefeitura na Internet pudemos
observar que a afirmação do ex-prefeito Melo Reis esta correta e que o financiamento público
às organizações carnavalescas começou no período dos ranchos. O decreto mais antigo que
localizamos é de 1949, lei nº 124, que concede auxílio de Cr$ 50 mil (cinqüenta mil cruzeiros)
“aos ranchos carnavalescos e escolas de samba desta cidade, abaixo discriminados: Prazer das
118
Morenas - Cr$ 10.000,00 Rouxinoes - Cr$ 10.000,00 Quem Pode Pode; Cr$ 10.000,00 Não
Venhas Assim - Cr$ 10.000,00 Turunas - Cr$ 5.000,00 Feliz Lembrança - Cr$ 5.000,00”
(PREFEITURA DE JUIZ DE FORA, 15 fev. 2007). No ano seguinte o valor global da
despesa com o carnaval sobe para Cr$ 86 mil, ou seja, um acréscimo de 28%, percentual
maior que a inflação do período. Os valores continuaram subindo até o patamar de Cr$ 300
mil, em 1954, e ao contrário dos anos anteriores a lei 615/1954 o definia como seria a
distribuição do montante entre as agremiações (PREFEITURA DE JUIZ DE FORA, 15 fev.
2007).
Não encontramos referência sobre os anos de 1955 e 1956. De 1957 a legislação
estabelece uma premiação em dinheiro para os vencedores do carnaval em diversas
categorias, em concurso organizado pela Associação de Compositores Musicais de Juiz de
Fora. O montante despendido fica em apenas Cr$ 70 mil. No final dos anos 1950 o dinheiro
dado pela prefeitura às agremiações gira em torno dos Cr$ 100 mil e distribuído de acordo
com a importância de cada entidade, como no carnaval de 1958 (lei nº 1065):
Art.2º - As entidades beneficiadas por esta lei são em número de oito, assim
discriminadas: Escola de Samba Castelo de Ouro...Cr$ 10.000,00 Escola de Samba
Rivais no Samba...Cr$ 10.000,00 Escola de Samba Prá de Boa...Cr$ 10.000,00
Escola de Samba Unidos da Serra...Cr$ 10.000,00 Escola de Samba Independentes do
Morro Cr$ 10.000,00 Escola de Samba Feliz Lembrança...Cr$ 15.000,00 Escola de
Samba Turunas do Riachuelo...Cr$ 15.000,00 Rancho Carnavalesco Não Venhas
Assim...Cr$ 20.000,00 (PREFEITURA DE JUIZ DE FORA, 15 fev. 2007).
As subvenções dos anos 1960 o estão disponíveis no sítio da prefeitura. Nos anos
1970 as subvenções às Escolas de Samba estão misturadas a outras verbas de caráter social e
assistencial. Como exemplo pegamos aleatoriamente o ano de 1974: da verba total de Cr$ 228
mil, foram destinados às Escolas de Samba Cr$ 13.850,00 (o que representa 6% do montante).
Em 1980, último ano no qual o dinheiro para as Escolas ficou associado ao pacote destinado
às entidades filantrópicas e culturais, a porcentagem da verba que cabia às agremiações
carnavalescas representou apenas 2,71% do total (cerca de Cr$ 42 mil), apesar de quase ter
dobrado o número de Escolas.
A partir dos anos 1990 o financiamento para as Escolas de Samba passou a ter uma
rubrica própria, nos impedindo de ter um parâmetro de comparação com as outras destinações
do orçamento municipal. No entanto, podemos ler estes números para constatar três situações:
1) sem o financiamento público as Escolas de Samba em Juiz de Fora deixariam de existir,
pois toda a atividade em busca de financiamento gira em torno da suplementação da verba
Estatal e não na busca de independência financeira; 2) A gestão de uma Escola de Samba em
Juiz de Fora é temerária, ou seja, o desfile não é planejado para se adequar ao orçamento,
119
sempre a tentativa de se alcançar o luxuoso, apesar de previamente já se saber que não será
possível; 3) Pelo volume de investimento do poder público constatamos que o desfile de
Escolas de Samba nunca foi uma prioridade econômica ou turística, possivelmente é um
investimento em clientelismo político.
120
CAPÍTULO III ESCOLAS DE SAMBA: IDENTIDADE,
CONTROLE E VIGILÂNCIA
Para entender as Escolas de Samba de Juiz de Fora vamos realizar a análise da
evolução de setores das agremiações ou do desfile que possam nos dar pistas sobre os motivos
que levaram às mudanças ou conservação de práticas ao longo do tempo. Inicialmente vamos
ver a evolução do desfile do Rio de Janeiro e depois compará-lo com a evolução do desfile de
Juiz de Fora.
No Rio de Janeiro as primeiras Escolas tinham uma estrutura simples, com cerca de
cem integrantes. No esquema abaixo podemos ver que ela era divida em duas partes, uma fixa
e a outra realizando evoluções ao redor de um palco, o desfile não se realizava na forma de
passarela. A parte que evoluía constava de: Pede Passagem, faixa com o nome da agremiação
e agradecimentos; Linha de Frente, composta pelas pessoas mais importantes; Mestre-sala e
Porta-estandarte; Coro, geralmente feminino; Bateria e Baianas de Linha. A parte fixa era
composta de: Caramanchão, palco com os convidados e cantores da Escola; Puxador e
Versador principais; Puxador e Versador secundários (ARAÚJO, 2003). Esta forma de
apresentação aconteceu entre 1928 e 1940.
Graficamente este período pode ser visto da seguinte forma
75
:
75
Os desenhos e fotos dos gráficos foram retirados do site da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro
(www.salgueiro.org.br) e representam a estrutura do desfile que a agemiação pretendia para o carnaval de 2005.
O autor dos desenhos é o cartunista Lan.
121
PEDE PASSAGEM
Baiana de linha LINHA DE FRENTE Baiana de linha
MESTRE-SALA E PORTA-ESTANDARTE
Caramanchão
CORO
DESFILANTES PUXADORES E VERSADORES
BATERIA
Ao longo dos anos foram aumentando o número de componentes. Ainda nos anos
1930 as baianas da segurança foram aos poucos sendo substituídas por cordas não sabemos
quando a obrigatoriedade do uso de cordas começou, mas a obrigatoriedade de seu uso fez
parte do regulamento dos desfiles a 1959. Os carros alegóricos foram acrescentados aos
desfiles ainda nos anos 1930 – não conseguimos localizar em qual Escola ou data eles
surgiram.
Segundo Hiram Araújo (2003, p.230) o formato atual do desfile se configura nas
décadas de 1940 e 1950, com o desfile sem o Caramanchão e a introdução de enredo, samba
de enredo, alegorias e fantasias. De acordo com Monique Augras (1998, p.77-79) a mudança
de formato no desfile vai se efetivar no carnaval de 1952, cujo regulamento estabelece a
obrigatoriedade de samba de enredo e uso de fantasia para todas as agremiações elementos
que já eram apresentados por algumas Escolas. Neste período os meios de comunicação
eletrônicos se fazem mais presentes: A Rádio Continental passa a transmitir os desfiles ao
vivo em 1949.
122
Realizada a mudança no formato o passo seguinte foi a realização de mudanças
estéticas. As décadas de 1960 e 1970 foram fundamentais para a transição final dos desfiles
das Escolas de Samba entre a manifestação cultural de comunidades carentes e o espetáculo
midiático. Alguns momentos desta mudança foram: a transformação das baianas de linha
(segurança) em uma ala das baianas com mulheres da agremiação (1960); tem início a
comercialização de arquibancadas para se ver os desfiles (1962); é instituído um limite de
tempo para o desfile das escolas de samba (1971); artistas plásticos e cenógrafos tornam-se
carnavalescos (1960). Hiram Araújo (2003, p.231) considera que foram mudanças
“ocasionadas pela penetração da classe média no samba. Alguns autores denominam o
período de ‘embranquecimento do samba’. Nós preferimos chamá-lo sincretismo cultural”.
Na concepção de Hiram Araújo a década de 1980 marca a revolução econômica e
administrativa das Escolas de Samba. Com a profissionalização da gestão do desfile. Talvez
seja mais correto definir o período de 1984 (inauguração do sambódromo) até hoje como a
espetacularização definitiva do produto Escola de Samba. Dois eventos podem ser vistos
como os marcos desta transformação em produto: em 1983 as Escolas sugerem que o desfile
das principais agremiações no ano seguinte seja dividido em dois dias, ou seja, um dia a mais
para arrecadação com ingressos e direitos de imagem; em 1985 surge a posição de madrinha
da bateria, criada pela Mocidade Independente de Padre Miguel e sendo Monique Evans a
primeira a desempenhar tal função é interessante frisar que na época ela era modelo com
carreira internacional e mantinha um relacionamento com o músico Lobão, seria a cereja do
bolo do casamento definitivo entre a indústria cultural e as “comunidades” sambistas?
Atualmente o desfile do grupo principal no Rio de Janeiro é montado em setores, com
cada um destes setores comportando quatro alas em média. A diferença entre as agremiações
esta no uso de seis ou sete setores. Graficamente o desfile atual no Rio de Janeiro é montado
da seguinte forma:
123
1º Setor
COMISSÃO DE FRENTE
1º CARRO
ABRE-ALAS
ALA
ALA
ALA
ALA
2º Setor
ALA
ALA
ALA
2º CARRO
124
ALA
ALA
ALA
3º Setor
ALA
3º CARRO
ALA
ALA
1º CASAL DE MESTRE-SALA E PORTA-
BANDEIRA
RAINHA DA BATERIA
BATERIA
125
ALA
4º Setor
ALA
4º CARRO
ALA
ALA DAS BAIANAS
ALA
5º Setor
ALA DE PASSISTAS
ALA
5º CARRO
126
ALA
ALA
6º Setor
ALA
6º CARRO
ALA DAS CRIANÇAS
2º CASAL DE MESTRE-SALA E PORTA-
BANDEIRA
ALA
ALA
7º Setor
ALA
7º CARRO
127
ALA
ALA
ALA DA VELHA GUARDA
Desfile de Juiz de Fora
Os desfiles das Escolas de Samba de Juiz de Fora apresentam características
semelhantes aos desfiles do Rio de Janeiro. Entretanto, devemos ressaltar que ao primeiro
desfile competitivo em 1966, o formato e a estética das agremiações copiam o padrão dos
primeiros anos do carnaval carioca, com duas exceções: não existiam as Baianas de linha e
não havia Caramanchão, pois os versadores e puxadores cantavam no meio da Escola e
usavam os palcos existentes nas batalhas de confete. De um modo geral os homens vinham
vestidos de malandro – chapéu palheta e camisa listrada e as mulheres de rumbeiras/baianas
76
.
A disposição das Escolas no desfile seria da seguinte forma:
76
Além das entrevistas do capítulo II, estas características podem ser observadas nas imagens produzidas por
João Carriço, que constam do DVD anexo. Há também uma breve descrição em Mostaro, Medeiros e Medeiros
Filho, 1977, p.82.
1
28
ABRE-ALAS
DESFILANTES
CORO
PUXADORES E VERSADORES
MESTRE-SALA E PORTA-ESTANDARTE
BATERIA
Foi o carnaval de 1966, com a introdução do concurso oficial, que as Escolas de
Samba juizforanas modificaram seus desfiles. A Feliz Lembrança trouxe a inovação do carro
alegórico com destaques, a divisão por alas, um samba de enredo e as alas distribuídas de
acordo com o enredo. Uma segunda inovação foi introduzida pela Juventude Imperial que
trouxe a batida mais rápida que as Escolas do Rio de Janeiro estavam usando e a bateria como
ponto de sustentação do desfile, em detrimento do luxo até mesmo porque a Escola não
tinha recursos para ser luxuosa.
Da década de 70 do século passado até hoje as Escolas de Juiz de Fora usam uma
mesma estrutura para apresentarem-se: alegorias, divisão por alas, mestre-sala e porta-
bandeira, comissão de frente. A madrinha de bateria foi uma instituição recente, apesar dos
entrevistados considerarem que ela é um elemento tradicional nas agremiações juizforanas.
129
Como as Escolas de Samba de Juiz de Fora não se organizam por setores, cada uma
organiza a distribuição das alas e alegorias do seu modo e esta distribuição não se repete de
um ano para o outro, por isto não representaremos graficamente o desfile atual em Juiz de
Fora o único uso comum que as escolas fazem de seus elementos é a comissão de frente,
carro abre-alas e uma alegoria para encerrar o desfile; a presença ou não de uma ala composta
por crianças vai depender da exigência do regulamento do desfile.
A princípio estes dados revelam alguns pontos de influência entre o desfile do Rio de
Janeiro e o desfile de Juiz de Fora. No entanto, as entrevistas que veremos mais ao final deste
capítulo vão revelar que não existe uma forma mineira e uma forma carioca de ser Escola de
Samba, o que as Escolas juizforanas buscam é ser iguais às suas congêneres do Rio de
Janeiro, ou seja, busca-se a homogeneidade, um discurso (visual, estético, do samba)
unidimensional.
1 OS TEMAS DOS SAMBAS DE ENREDO EM JUIZ DE FORA
Para compreender melhor o modo como as Escolas de Samba de Juiz de Fora se
expressam e a visão de mundo que possuem, vamos realizar uma análise dos temas cantados
nos carnavais. Separamos esta análise em cinco partes: os enredos das quatro Escolas
descritas no capítulo 2 e os enredos vencedores dos desfiles de Juiz de Fora. Assim,
separamos os temas pelas seguintes categorias: 1) local personalidades, datas e
acontecimentos que pertencem a região de Juiz de Fora; 2) Negritude referência à cultura
africana, religiões afro-brasileiras, consciência negra; 3) carnaval – a festa é o tema do samba;
4) Brasil regiões, cidades ou estados do país; 5) personalidades pessoas de referência
histórica ou cultural que não pertencem a Juiz de Fora; 6) Auto-exaltação o enredo é a
própria Escola de Samba; 7) outros para os enredos que não se enquadrarem nas categorias
anteriores e cujo tema não seja significativo estatisticamente. O período analisado se refere
aos anos entre 1966 e 2006, inclusive. Assim, teremos os seguintes resultados:
Turunas do Riachuelo: Participação em 24 desfiles.
Local: 2; corresponde a 8,33% do total.
Negritude: 2; corresponde a 8,33% do total.
Carnaval: 1; corresponde a 4,16% do total.
130
Brasil: 3; corresponde a 12,5% do total.
Personalidades: 4; corresponde a 16,66% do total.
Auto-exaltação: 6; corresponde a 25% do total.
Outros: 6; corresponde a 25% do total.
Feliz Lembrança: Participação em 31 desfiles.
Local: 2; corresponde a 6,45% do total.
Negritude: 3; corresponde a 9,67% do total.
Carnaval: 4; corresponde a 12,9% do total.
Brasil: 4; corresponde a 12,9% do total.
Personalidades: 4; corresponde a 12,9% do total.
Auto-exaltação: 1; corresponde a 3,22% do total.
Outros: 13; corresponde a 41,93% do total.
Partido Alto: Participação em 22 desfiles.
Local: 1; corresponde a 4,54% do total
Negritude: 1; corresponde a 4,54% do total
Carnaval: 3; corresponde a 13,63% do total
Brasil: 8; corresponde a 36,36% do total
Personalidades: 3; corresponde a 13,63% do total
Auto-exaltação: 0; corresponde a 0% do total
Outros: 6; corresponde a 27,27% do total.
Juventude Imperial: Participação em 24 desfiles.
Local: 2; corresponde a 8,33% do total
Negritude: 5; corresponde a 20,83% do total
131
Carnaval: 3; corresponde a 12,5% do total
Brasil: 3, corresponde a 12,5% do total
Personalidades: 2; corresponde a 8,33% do total
Auto-exaltação: 1; corresponde a 4,16% do total
Outros: 8; corresponde a 33% do total. Sendo que 4 (16,66%) são de inspiração na literatura
Brasileira (A praça é do povo poema de Castro Alves; Os sertões Euclides da Cunha;
Tenda dos Milagres – Jorge Amado; Escrava Isaura – Manoel Bernardino).
Com base nestes dados podemos afirmar que as Escolas de Samba de Juiz de Fora se
diferenciam por temáticas: o Turunas canta a si mesmo (25% dos enredos), provavelmente
por sua antiguidade, uma forma de se mostrar como a Escola introdutora do carnaval na
cidade. Homenagear-se pode significar uma maneira de dizer-se tradicional ou zeladora de
uma tradição. O Partido Alto, ao contrário, o tem um samba auto-referente, pode ser que o
fato de preservar a memória da Escola não gere a necessidade de falar de si, pois a
“comunidade verde-rosa” conhece sua história. O mesmo acontece com Juventude Imperial e
Feliz Lembrança, que têm apenas um enredo cada uma falando de si.
O Partido Alto é a agremiação que mais canta o Brasil, com 36,36% de seus enredos.
As demais Escolas de Samba analisadas apresentam um equilíbrio entre os temas Brasil,
personalidades e carnaval. Em compensação o tema negritude é pouco abordado pelo Partido
Alto, ou seja, apenas uma vez em 22 anos. a Juventude Imperial, ao contrário é a Escola
que mais vezes teve a negritude como tema 20,83% dos enredos. A provável
preponderância de sambas com a temática da cultura afro-brasileira pode estar no fato de a
Juventude Imperial ser uma Escola de Samba de bairros pobres e periféricos e por isto haver
uma identificação.
No item Outros um dado curioso a respeito da Juventude Imperial é a existência de
quatro enredos inspirados diretamente na literatura Brasileira, o que corresponderia a 16,66%
dos temas abordados pela Escola. Mas apenas na Juventude o tema da literatura é
significativo. Nas demais agremiações uma distribuição que não é possível estabelecer
uma categoria de análise, pois os enredos variam de um bolero ao índio, ou da história da
dança à ecologia. A Feliz Lembrança foi a que mais apresentou variabilidade temática nos
enredos, com 41,93% dos temas não categorizáveis.
132
Incluímos uma categoria Local para enxergar aque ponto as Escolas de Samba se
preocupavam em cantar seu território de origem, sua cidade, as pessoas e eventos que
constituem Juiz de Fora. Constatamos que o tema tem alguma importância, mas não é dos
mais significativos para as agremiações e, em termos de música, não é o local que gera
identidade. Dos enredos sobre a cidade a maior parte é sobre artistas com projeção (Bracher,
Belmiro Braga, Murilo Mendes que viveu aos 14 anos em Juiz de Fora) ou pessoas
ligadas à Escola (José Carlos Lery e Nélson Silva – ambos da Feliz Lembrança).
Analisando com o mesmo critério os enredos vencedores do desfile das Escolas de
Samba do carnaval de Juiz de Fora nós verificaremos uma situação semelhante (na tabela do
anexo 1 temos os vencedores do carnaval e os respectivos enredos): de um total de 34 enredos
verificamos a seguinte distribuição:
Local: 4; corresponde a 11,76% do total
Negritude: 7; corresponde a 20,58% do total
Carnaval: 3; corresponde a 8,82% do total
Brasil: 3; corresponde a 8,82% do total
Personalidades: 3; corresponde a 8,82% do total
Auto-exaltação: 3; corresponde a 8,82% do total
Outros: 11; corresponde a 32,35% do total.
O que podemos observar é que os sambas ligados ao local e à negritude tendem a
agradar mais aos jurados. Também notamos que os jurados preferem temas subjetivos como
Porque hoje é sábado (Ladeira), Atlântida, o continente perdido (Turunas), Sassaricando
(Feliz Lembrança), Tempo de criança (Real Grandeza). Os temas subjetivos foram vitoriosos
em oito carnavais (23,52% do total).
2 É PERMITIDO PROIBIR
Antes de realizar uma análise das entrevistas com as pessoas envolvidas com o
carnaval de Juiz de Fora vamos mapear as alterações nas normas do concurso das Escolas de
Samba do Rio de Janeiro que foram mais significativas para o atual formato das Escolas de
Samba. Não conseguimos resgatar todos os regulamentos dos desfiles de Juiz de Fora, mas
vimos que são inspirados nos regulamentos cariocas.
133
A primeira proibição importante aconteceu em 1933, no Rio de Janeiro: o jornal O
Globo, responsável pela organização da competição entre as agremiações, proibiu a presença
de instrumentos de sopro na bateria (ARAÚJO, 2003, p.356); desde então eles foram banidos
do desfile. Acreditamos que foi uma forma do jornal tentar diferenciar o choro daquilo que os
intelectuais defendiam como sendo o samba, ou a tradição que se pretendia inventar para o
samba, como veremos no item 4.1 deste capítulo.
O ordenamento dos desfiles tornou-se rígido também no quesito enredo: em 1938 a
União das Escolas de Samba proibiram histórias internacionais (AUGRAS, 1998, p.45). A
autocensura refletiu um alinhamento com o Estado Novo, em detrimento da liberdade criativa
dos compositores. Esta proibição aparece em Juiz de Fora no carnaval de 1982 num momento
em que as Escolas do Rio de Janeiro possuíam liberdade de criação (ver no CD anexo as
proibições para o carnaval juizforano).
Fora a proibição política e “identitária”, verificamos que a proibição de usar
livremente o tempo para desfilar é talvez a mais denunciadora da interferência externa sobre
as agremiações e como veremos nas entrevistas abaixo é considerada em Juiz de Fora como
uma das principais metas para se atingir um carnaval organizado. No Rio de Janeiro o tempo
limite para o desfile de uma Escola de Samba foi instituído em 1971, provavelmente por uma
exigência da Televisão que necessitava maior controle sobre a programação. A transmissão
integral ao vivo dos desfiles começou em 1966.
Também em 1971 o regulamento do Rio de Janeiro proibiu o desfile de travestis nas
Escolas, basicamente homem usaria fantasias masculinas e mulheres fantasias femininas, o
que eliminava as características básicas do carnaval: transgressão e irreverência. Este tipo de
proibição jamais foi cogitado em Juiz de Fora, uma vez que as baianas mais famosas do
carnaval local são homens e a mais antiga madrinha da bateria da cidade não é mulher. Seria
uma adaptação da indústria cultural às possibilidades de Juiz de Fora?
Se o carnaval é uma festa de caráter espontâneo, marcada pela irreverência e falta de
regras, por que tantas proibições e tantos controles naquilo que seria a marca registrada do
carnaval, a Escola de Samba? Até que ponto usar o slogan de “maior espetáculo da Terra”
para os desfiles de carnaval não seria um sintoma da transformação de uma manifestação
cultural em um mero produto da sociedade do espetáculo? Será que o desfile de Escolas de
Samba e o próprio samba de enredo não seriam a transformação da diversão de
134
“comunidades” marginalizadas em trabalho gratuito na linha de montagem da indústria
cultural? Estas são algumas perguntas que tentaremos responder a partir de agora.
3 ESCOLA DE SAMBA COMO SISTEMA DE VIGILÂNCIA
Como vimos no primeiro capítulo, as Grandes Sociedades Carnavalescas do Rio de
Janeiro tentaram educar o povo para que este se divertisse no carnaval nos moldes daquilo
que seus membros consideravam ser os marcos de uma sociedade civilizada e moderna. As
marcas desta pedagogia civilizatória da elite intelectual do século XIX foram profundas, pois
as Sociedades Carnavalescas eram presença importante. Hoje podemos perceber este legado
ideológico se olharmos atentamente para as formas como a indústria cultural assumiu,
organizou a festa e domesticou a plebe inculta.
O controle das massas era uma preocupação presente no século XVIII, cujo melhor
exemplo são as diversas proibições ao jogo do entrudo, baixadas pelos chefes de polícia.
Proibições que a cada ano nunca eram cumpridas. Encontramos em Michel Foucault diversos
relatos sobre o incômodo que a aglomeração popular gerava nas elites, mas aqui não se trata
dos rituais festivos e sim dos rituais jurídicos e de exercício do poder. No entanto, a
proximidade é tanta que o autor observa que as últimas palavras dos condenados à morte na
forca são contra o poder e a religião, e estas palavras são aclamadas pela multidão que
presencia a execução, tendo “todo um aspecto de carnaval em que os papéis são invertidos, os
poderes ridicularizados e os criminosos transformados em heróis. A infâmia se transforma no
contrário; a coragem deles, seus gritos e lamentos podem preocupar a lei” (1987, p.51).
Para Foucault a multidão vai ao cadafalso também para ouvir o condenado mal dizer o poder
e a religião “ao abrigo da morte que vai chegar, o criminoso pode dizer tudo, e os assistentes
aclamá-lo” (1987, p.51). O criminoso que será executado torna-se uma espécie de porta-voz
do descontentamento popular que não pode se manifestar, da mesma forma que os carros de
idéias das grandes sociedades carnavalescas, ou os mascarados que derrubavam e destruíam
cartolas, ou os cordões com suas músicas de desafio.
Michel Foucault observou também que as agitações em torno do cadafalso aconteciam
pelo pavor que os suplícios simbolizavam. Mas a pena capital em praça pública também
gerava focos de ilegalismo, pois o trabalho era interrompido para ver a execução, tabernas
ficavam cheias, diziam-se injúrias aos homens da lei; havia brigas e furtos por causa da
aglomeração; tentativas de se apossar do condenado para salvá-lo ou matá-lo. Para o poder
135
o principal problema estava no campo político: era a identificação da classe subalterna com o
supliciado, ou seja, a pedagogia civilizatória gerava uma solidariedade de classe. O ritual
jurídico tornou-se ambíguo “e os reformadores do culo XVIII e XIX não esquecerão que as
execuções, no fim das contas, simplesmente não assustavam o povo” (FOUCAULT, 1987,
p.52-53).
Enquanto no Brasil as Grandes Sociedades tentavam usar o carnaval para civilizar as
massas, na França a justiça acabou tentando usar a literatura popular como propaganda
ideológica contra o crime, fazendo publicar folhetins, boletins etc. com a história de
condenados e seu fim no cadafalso. Em ambos os casos a tentativa de usar a cultura popular
para conquistar a simpatia das massas teve um efeito diverso ao pretendido: para os franceses
o bandido poderia tornar-se herói popular ou santo como de fato aconteceu em alguns casos
(FOUCAULT, 1987, p.54-55). Enquanto no Brasil continuou-se em uma disputa frontal entre
as formas de diversão populares e elitistas. A reforma da literatura criminal, justamente para
evitar a ambigüidade é o prenúncio do modo pelo qual a indústria cultural irá operar. Assim, o
crime passou a ter uma nova estética:
os belos assassinatos não são para os pobres coitados [...]. Estamos muito longe
daqueles relatos que detalhavam a vida e as más condições do criminoso, que o
faziam confessar ele mesmo seus crimes [... Passou-se] do momento do suplício à fase
do inquérito; do confronto físico com o poder à luta intelectual entre o criminoso e o
inquisidor. Não são simplesmente os folhetins que desaparecem ao nascer da literatura
policial; é a glória do malfeitor rústico [que desapareceu...]. O homem do povo agora
é simples demais para ser protagonista de verdades sutis. [...] Está feita a divisão: que
o povo se despoje do antigo orgulho de seus crimes: os grandes assassinatos tornaram-
se o jogo silencioso dos sábios (FOUCAULT, 1987, p.56).
O objetivo desta mudança foi o de inverter na sociedade o tradicional discurso do
crime, buscar apagar a glória duvidosa do criminoso realizando uma recodificação na qual o
crime aparececomo desgraça. Nesta recodificação os discursos dos escritores populares
só mostrarão os sinais-obstáculos que impedem a prática do crime pelo medo do castigo. Para
dar respaldo e condições de funcionamento das penas “o discurso se tornará o veículo da lei:
princípio constante da recodificação universal. Os poetas do povo se juntarão enfim aos que
se chamam a si mesmos ‘missionários da razão’; tornar-se-ão moralistas” (FOUCAULT,
1987, p.93). Este alinhamento entre os poetas do povo e o poder talvez possamos identificar
nos compositores das Escolas de Samba. É possível pensar na cooptação dos sambistas para
propagar um discurso a favor do regime um exemplo seria Natal da Portela, que em plena
ditadura militar era um conhecido banqueiro do jogo de bicho, mas não sofria represálias
porque seu discurso frente a comunidade que liderava estava alinhado ideologicamente com a
propaganda ufanista do regime a respeito do Brasil.
136
Podemos pensar os mecanismos de controle social identificados por Foucault a partir
da construção de uma estrutura industrial acoplada às Escolas de Samba, como a Cidade do
Samba, que cumpriria o mesmo objetivo por trás das penitenciárias do século XIX
77
, ou seja,
o uma casa que usasse a pedagogia universal do trabalho, colocar a pessoa no sistema quem
quer viver tem que trabalhar e este era a contrapartida para melhorar o destino do detento
em outras palavras, no espírito do capitalismo. Neste espírito buscava-se realizar na prisão a
“reconstrução do Homo oeconomicus, que exclui a utilização de penas muito breves - que
impediria a aquisição das técnicas e do gosto pelo trabalho, ou definitivas - o que tornaria
inútil qualquer aprendizagem” (FOUCAULT, 1987, p.101). Da mesma forma a brica de
sonhos exige que o trabalho na linha de montagem das fantasias seja a contrapartida para a
diversão no carnaval, algo impensável antes das Escolas de Samba.
O tipo de controle realizado na passarela do samba e no universo que cerca a Escola
de Samba vai além das amarras econômicas, são as disciplinas, as técnicas minuciosas usadas
sobre o uso do corpo e que definem um investimento político que desde o século XVII vem
atingindo vários campos tendendo a cobrir todo o corpo social. É uma anatomia política do
detalhe, de aparência inocente e que foi acelerada a partir da revolução industrial. “O que se
procura reconstruir [...] é o sujeito obediente, o indivíduo sujeito a hábitos, regras, ordens,
uma autoridade que se repete continuamente sobre ele e em torno dele, e que ele deve deixar
funcionar automaticamente nele” (FOUCAULT, 1987, p.106). É isto que faz um desfile de
Escola de Samba, este tipo de controle sobre o corpo durante a apresentação para depois ser
repetido fora da festa na presença da autoridade. Como veremos nas diversas entrevistas com
as pessoas ligadas às Escolas, a irreverência e a descontração do carnaval não fazem parte dos
desfiles oficiais. O depoimento da porta-bandeira Nádia Helali
78
, da Escola de Samba Partido
Alto de Juiz de Fora, que é aluna de um curso
79
ministrado por professores de dança de
universidades cariocas exemplifica esta disciplinarização do corpo em detrimento da
espontaneidade que deveria ser uma marca registrada do carnaval:
É, o papel da porta-bandeira dentro de uma escola de samba é um dos mais
importantes porque a porta-bandeira tem responsabilidade de carregar o pavilhão da
escola. […] então a função da porta-bandeira é mostrar pro jurado o que ela sabe
fazer, o sorriso, a simpatia, os movimentos tem que ser delicados, não adianta gostar
de ser porta-bandeira, fazer um ótimo desenvolvimento na quadra e chegar na frente
dos jurados e falar […] “será que eu vou cair”
77
Foucault faz esta relação entre o trabalho fabril e a estrutura das penitenciárias.
78
Entrevista concedida ao autor em março de 2007
79
Existem dois cursos para formação de mestre-sala e porta-bandeira criado por pessoas ligadas às Escolas de
Samba de Juiz de Fora, como veremos adiante.
137
Foucault (1987, p.122-125) estabelece também que a disciplina significa a distribuição
do homem no espaço e ela acontece a partir do uso de diversas técnicas as quais podemos
relacionar com o que é visto hoje nos desfiles de carnaval. A primeira técnica é a cerca, que é
a especificação de um local heterogêneo a todos os outros e fechado em si. O pensador
francês considera que as cercas sutis o os colégios e os quartéis, mas podemos dizer que o
local cercado para o desfile da manifestação popular e espontânea é um cercamento, ou a
própria divisão do enredo em alas – num certo sentido a grade (o objeto que limita uma cerca,
um espaço) de programação das emissoras é uma forma de disciplinar o espectador. Outra
técnica que podemos identificar na distribuição da Escola de Samba por alas é a das
localizações funcionais, que é a distribuição e divisão do espaço com rigor, com cada
elemento dentro deste espaço devidamente catalogado.
Essa disciplinarização além de sutil acontece historicamente, a partir de uma evolução
lenta e pouco perceptível. A disciplina se introduz através dos métodos de aprendizado das
atividades, assim, os procedimentos disciplinares permitiram uma historicidade evolutiva na
qual os todos os acontecimentos sociais são entendidos como uma evolução natural de algo
que está dado e cristalizado historicamente, ou seja, perde-se a noção de que eventos sociais
são decorrência de forças humanas, o produzidos socialmente. Um exemplo disto é a forma
como o senso comum entende a evolução dos festejos ligados ao carnaval: a Escola de Samba
seria a modalidade final e pré-determinada da forma de se divertir, ela é vista como o
progresso natural das grandes sociedades, ranchos e cordões que surgiram no Rio de Janeiro;
até mesmo, como vimos no primeiro capítulo, passam a ser consideradas como a
conseqüência das festas greco-romanas.
No caso específico das Escolas de Samba o aprendizado disciplinar se apresenta mais
próximo das formas de aprendizagem das corporações profissionais do início do capitalismo,
na qual o mestre era responsável por transferir todo o conhecimento técnico aos aprendizes.
Mesmo havendo hoje um aprendizado formal e com profissionais de dança fora do ambiente
das agremiações ainda mantém-se duas características básicas: a dependência em relação ao
mestre e a domestidade misturada com a transferência de conhecimento (FOUCAULT, 1987,
p.133). Isto fica claro quando tomamos a fala de alunos do curso de mestre-sala e porta-
bandeira de Juiz de Fora
[O curso] Com certeza ajuda, porque a gente chama um, esse comenta com um
amigo, leva um amigo, leva um primo, um conhecido e com isso vai chegando cada
vez mais jovens e dentro do projeto a gente procura sempre cobrar o lado dos estudos,
você pra participar do projeto se não tiver terminado o segundo grau tem que
estudando e tem que passar de ano. Então eu acho que ajuda tanto pelo lado de
138
chamar os jovens pra dentro de escola quanto colocar disciplina, responsabilidade e
incentivar eles a estudar
80
.
Esta domesticação foi entendida por Foucault (1987, p.135-140) como sendo um
deslocamento da estrutura do aprendizado militar para as escolas em fins do século XVIII:
especializa o tempo de formação e o destaca do tempo do ofício adquirido; diversos estágios
separados por provas graduadas; o programa é realizado por fases de dificuldade crescente. O
treinamento do corpo para que o indivíduo aja e reaja como parte de um grande relógio. No
caso do aprendizado militar o soldado é uma peça que tem que funcionar perfeitamente no
todo e a ordem de funcionamento não tem que ser explicada (seja no exército, na escola e até
mesmo na fábrica), tem apenas que provocar o comportamento desejado. Hoje, mais
facilmente, pode-se perceber esta organização militar derivando para as outras organizações
sociais, atingindo, já há algum tempo, as Escolas de Samba.
O sonho de uma sociedade perfeita é facilmente atributo pelos historiadores aos
filósofos e juristas do século XVIII; mas também um sonho militar da sociedade;
sua referência fundamental era não ao estado da natureza, mas às engrenagens
cuidadosamente subordinadas de uma máquina, não ao contrato primitivo, mas às
coerções permanentes, não aos direitos fundamentais, mas aos treinamentos
indefinidamente progressivos, não à vontade geral, mas à docilidade automática
(FOUCAULT, 1987, p.142).
81
Das formas que a disciplina se apresenta para controlar a atividade deste corpo que se
quer socialmente adequado a que estabelece a articulação corpo-objeto se apresenta como
específica no caso do treinamento de mestres-sala e porta-bandeiras, pois trata-se aqui de uma
disciplina que define cada uma das relações que o corpo mantém com o objeto que manipula
neste caso o mestre-sala utilizará um lenço, um leque ou um bastão, e a porta-bandeira o
pavilhão da agremiação. Este disciplinamento é a codificação instrumental do corpo, ou seja,
a decomposição do gesto global em várias séries que articulam as partes do corpo que farão os
gestos com as partes do objeto manipulado (FOUCAULT, 1987, p.130).
Os dois projeto, é o projeto Cultura do Samba, que ensaia no Ladeira todos os
domingos e tem o Direito de Aprender, que ensaia no Real Grandeza.
O projeto Cultura do Samba ele tem três anos de fundação, nós temos convênio com a
faculdade de dança do Rio de Janeiro, que vem dar aula de expressão corporal pra
gente, nós somos filiados à Escola de Mestre Sala e Porta Bandeira do Rio, então
assim mais perto do carnaval sempre vem de dois a três mestres-sala, um que estão
atuando hoje em dia e vem aqueles que fizeram nome no carnaval do Rio de Janeiro
pra poder dar aula pra gente.
80
Entrevista concedida ao autor por Alcione Procópio em março de 2007.
81
No século XX o desejo de criação de comportamentos socialmente desejados e a construção de uma sociedade
perfeita podem ser encontrados no livro Walden 2, escrito por um dos principais nomes da psicologia norte-
americana: B.F. Skinner.
139
A gente sempre procurando ver vídeo, Internet. A gente tem assim entrado sempre
em contato com o pessoal do Rio. Então a gente fica buscando, catando um pouquinho
de cada um pra poder tentar fazer alguma coisa aqui em Juiz de Fora (PROCÓPIO).
Assim, não se cria uma coreografia pois os jurados do desfile aguardam o conhecido, e
neste caso o conhecido é aquilo que está cristalizado pela indústria cultural.
A espera do já conhecido também provoca no interior de cada agremiação a vigilância
hierárquica e esta é estabelecida pelo próprio regulamento dos desfiles, mas sob o manto
daquilo que se denomina organização. Para a transmissão de TV esta organização funciona
como forma de conseguir uma imagem limpa, sem o risco de ruídos, ou seja, o objeto a ser
enquadrado pela câmera não vai disputar espaço ou tempo com outros objetos: a passista terá
o tempo para realizar sua evolução sem o aparecimento de outro componente da Escola. Por
trás da aparente improvisação o espetáculo é montado com as marcações de cena. Isto fica
claro no posicionamento dos carnavalescos quando montam o enredo:
Olha, eu tentei em 2001 fazer o Carnaval para o público. Quando abre os envelopes,
você fala: Puxa, a escola levantou tudo. Este ano, claro que eu quero que o público
agrade, mas eu estou fazendo mais um carnaval técnico, mais para agradar... os dois
[público e jurados], mas eu estou preocupado muito com o desfile técnico nos
quesitos. Estou trabalhando em todos os quesitos para tentar receber 10 em todos os
quesitos (DUTRA)
82
.
[o público] estão muito mais envolvidos com a questão do visual […] do que do lado
profissional porque hoje em dia a gente trabalha com técnica. O jurado, ele mais
preocupado com a cnica que vai ser desenvolvida, se aquilo tá realmente de acordo,
se dentro do enredo e mais preocupado com a beleza que está oculta ali naquela
mensagem que está sendo passada do que a beleza em si. Eu falei uma vez que
carnaval a gente não ganha só com luxo e com visual, a gente ganha com uma série de
outras coisas que vai sendo, ocorrendo durante o desfile. Igual se você tiver lá, por
exemplo, uma bateria boa com um samba excelente e uma harmonia fantástica, você
praticamente já ganhou o carnaval. Você não precisa nem das fantasias luxuosas. Ela
tem que estar bem acabada e dentro do organograma do desfile. Então hoje as pessoas
estão muito mais preocupadas com a beleza, a estética da escola de samba do que se
realmente aquilo dentro do enredo, se o trabalho foi bem desenvolvido. Então eu
acho que enquanto a gente tiver essa mentalidade, e as pessoas não caírem a ficha de
que a gente tem que pensar mais profissionalmente e mais dentro do que o que o
julgador tá pensando […] (DEUS)
83
.
Para conseguir organizar a estrutura do desfile a Escola passa internamente pela escala
do olhar disciplinar, um olhar vigilante e completo para evitar lacunas nas quais as pessoas
possam se comportar de forma não desejada, mas ao mesmo tempo discreto para o pesar
sobre a atividade vigiada, evitando ser um obstáculo ou freio, o que no caso de um desfile de
carnaval atrapalharia o objetivo final de criar diversão. Um sistema complexo faz com que
vigiar passe a ser uma função definida “um pessoal especializado torna-se indispensável”,
82
Entrevista concedida ao autor por Carlos Alberto Dutra, carnavalesco do Partido Alto em fevereiro de 2006.
83
Entrevista concedida ao autor por Diomário de Deus, carnavalesco do Feliz Lembrança em março de 2007.
140
mas integrante do processo de produção, por isto a presença de fiscais de ala, coreógrafos,
diretores de harmonia, diretores responsáveis pela cronometragem. O poder neste tipo de
vigilância o pode ser possuído como um objeto, não é transferido como se fosse uma
propriedade, ele funciona como uma máquina, um chefe que no caso é o presidente da
Escola, mas é o aparelho inteiro que produz o poder de vigilância sobre as pessoas que estão
participando do desfile (FOUCAULT, 1987, p.146-148).
Sendo uma estrutura descentralizada e invisível, como é possível conseguir das
pessoas o comportamento desejado? Para Foucault a norma é a lei da sociedade moderna e é
um instrumento de poder que se utiliza da sanção uma punição que o é expiação nem
repressão para fazer funcionar cinco operações que mantêm o regime disciplinar: 1)
funcionamento de uma micropenalidade: de tempo, da maneira de ser, da atividade, dos
discursos, do corpo, da sexualidade, dependendo de qual instituição se esteja falando; 2)
existência de uma punição própria, na qual quem não cumpre a meta estabelecida ou está
inadequado ao regulamento recebe uma determinada sanção; 3) existência de uma sanção
disciplinar com o objetivo de reduzir os desvios, ela não pune, pois é essencialmente
corretiva, acarreta a intensificação para correção de um exercício, de um movimento ou de
uma forma de comportar-se; 4) utilização de é um mecanismo de gratificação-sanção, ou seja,
a punição é um elemento do sistema e previamente conhecida e este mecanismo funciona
como meio de estabelecer uma hierarquia entre bons e maus indivíduos, ao mesmo tempo em
que a penalidade está integrada no ciclo dos saberes individuais o mecanismo que
representa o sistema moderno de ensino formal); 5) dividir as pessoas segundo uma
classificação pré-determinada, cujo resultado é sempre duplo: marcar os desvios em relação
ao comportamento desejado ou hierarquizar as qualidades, além de estabelecer um parâmetro
para conseguir castigar ou recompensar, neste caso a recompensa acontece através do jogo
das promoções e a punição é sempre um rebaixamento, mas a classificação que pune deve
tender a se extinguir – o indivíduo deve ter sempre a esperança de atingir a promoção
(FOUCAULT, 1987, p.149-152). Estas cinco operações disciplinares estão presentes nos
regulamentos das diversas instituições, mas é um contra-senso quando estes regulamentos
dizem respeito aos desfiles de Escolas de Samba no carnaval, que em princípio deveriam
reger-se pela espontaneidade e pela não regulamentação. Para quem vivenciou duas fases
diferentes do carnaval em Juiz de Fora o estabelecimento do controle social sobre a festa
mostra-se nítido:
[…] a marca… não, uma das marcas, para estabelecer essa diferença […] em relação
as escolas de samba é que antes delas as manifestações do carnaval, aqui como em
141
qualquer parte do Brasil, eram manifestações que dependiam muito da iniciativa
pessoal, das pessoas, no máximo duplas, no máximo trios, pequenos grupos de seis
pessoas, às vezes até famílias que se reuniam, que faziam suas apresentações, então ia
nisso uma coisa muito interessante… é que, parece, hoje um dos pontos fracos do
carnaval é a falta da espontaneidade, aquilo era muito espontâneo, as pessoas saiam
brincando assim, alegremente…
Hoje a escola depende de que: depende de horário, de organização, de você ter
inscrição naquela determinada ala, depende de você ter a fantasia, depende de você
ser convidado pela escola, isso limita um pouco, mas isso é necessário também,
senão a escola vira bagunça, tem que ter essa organização, mas faltou nelas, e é
impossível que elas tenham, aquela espontaneidade que tinha antigamente…
O carnaval de Juiz de Fora […] na metade da década de 60, do século passado, passou
a ter uma sistematização, quer dizer, uma presença regular das Escolas de Samba e
dos blocos, os ranchos, não; eles foram desaparecendo rapidamente e o que é
lamentável: os Ranchos tinham uma coisa, falavam muito aos sentimentos antigos da
cidade, eles tinham também um conteúdo de improvisação muito grande, as pessoas
entravam, participavam do Rancho e seguia em frente, aquilo não tinha maiores
exigências, não tinha maior organização. Como não tinha maior organização também
era mais democrático, a participação dos diversos carnavalescos. O último deles foi o
Valdomiro Bessa, o Valdomiro, do Não Venhas Assim (CID).
O sistema de controle social sobre as Escolas de Samba se completa com o exame, ou
seja, metaforicamente a nota da prova ou o conceito da banca examinadora. O exame combina
as técnicas da vigilância hierárquica com as técnicas de sanção. É através do exame que o
controle irá qualificar (qual apresentação foi de qualidade), classificar (qual agremiação
merecerá o primeiro lugar e quais ficarão nas escalas abaixo) e punir (quem será rebaixado
para o grupo considerado como de menor qualidade). Mais importante até que o resultado
final é entender que em todos os dispositivos de disciplina o exame é ritualizado. Este ritual
reúne uma cerimônia de poder, uma demonstração de força e realiza o estabelecimento da
verdade (FOUCAULT, 1987, p.154). A presença deste ritual se faz presente de forma clara no
processo de julgamento dos desfiles e na leitura pública dos resultados. Todo um ritual é
constituído para se saber qual será a campeã do carnaval. No caso das Escolas de Samba do
Rio de Janeiros a presença dos diferentes meios de comunicação, com apresentação ao
vivo pela televisão; as notas de cada quesito o lidas por um mestre de cerimônias que
através de pausas e entonações gera no público presente e nos telespectadores um clima de
tensão/apreensão crescente até o final da leitura das planilhas. Impensável se chegar ao
resultado do campeonato pela divulgação dos resultados através da leitura fria das notas finais
por um auditor independente. Há que acontecer o ritual.
Um dos aspectos mais importantes da realização do poder disciplinar é o fato de ele se
exercer tornando-se invisível, ou seja, as pessoas não o percebem por não serem capazes de
vê-lo. Certamente Foucault não pensou em uma Escola de Samba quando entendeu que a
visibilidade dos súditos é que assegura o poder disciplinar sobre eles, ou seja, estar sempre
142
visível é que torna o indivíduo sob controle (1987, p.156). Deixar a patuléia se apresentar e
aparecer sob os olhos vigilantes da sociedade. Podemos usar como metáfora a revista que
Luis XIV fez às tropas em 1666: 18 mil homens sob o comando do monarca realizam os
movimentos previamente treinados, formando um todo compacto e harmônico entre si e em
relação à arquitetura que os cerca (1987, p.156-157). Nos desfiles o papel de Luis XIV
caberia aos jurados, que observam bem menos que 18 mil pessoas manobrando. O controle
sobre a manifestação cultural das Escolas de Samba é perceptível e, como as outras
manifestações de controle sobre os indivíduos representa uma necessidade do Estado e suas
classes dirigentes
84
. Mas o poder derivado do domínio sobre o corpo social também tem
outras conseqüências:
Temos que deixar de descrever sempre os efeitos do poder em termos negativos: ele
“exclui”, “reprime”, “recalca”, censura”, “abstrai”, mascara”, “esconde”. Na
verdade o poder produz; ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais da
verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa
produção (FOUCAULT, 1987, p.161).
4 COMUNIDADE E IDENTIDADE
A fala das pessoas envolvidas com as Escolas de Samba de Juiz de Fora sempre
envolve a palavra comunidade seja a comunidade verde-rosa do Partido Alto, seja a
comunidade da Vila Olavo Costa, bairro onde está a sede da Juventude Imperial. Mas será
que um vínculo com uma determinada “comunidade” ou a palavra é usada apenas como
jargão de sambista? Quem nos oferece uma pista para responder esta questão é Edson Tostes
Filho, presidente da Liga das Escolas de Samba
85
:
Agora, o carnaval de Escola de Samba ele precisa, realmente, passar por mudanças.
As Escolas de Samba têm de buscar novos parceiros, novos componentes e isso eu
venho trabalhando muito neste ano de 2006 nós batemos muito nessa tecla. As
Escolas têm de abrir a porta às suas comunidades e trazer gente jovem para dentro da
Escola. O jovem pode freqüentar danceteria, carnavais fora de época e tudo mais,
mas, chegar na época do carnaval a participação dele como componente e até mesmo
como dirigentes (é importante), a gente já tem alguns novos valores como compositor,
como músico e tudo, essa gente jovem tem muito a dar para as Escolas de Samba
(TOSTES, 2007).
Uma fala que demonstra que há, ou talvez sempre tenha havido, um divórcio entre
“comunidades” e Escolas de Samba em Juiz de Fora. Podemos inferir que o vínculo das
84
Outros dois textos nos quais Foucault trabalha o domínio do Estado sobre o corpo dos indivíduos são A
história da loucura, sobre o nascimento da clínica e dos transtornos mentais, e A história da sexualidade, sobre as
formas de intervenção do poder sobre o corpo e a sexualidade.
85
Entrevista concedida ao autor por Edson Tostes Filho em fevereiro de 2007.
143
agremiações com seus componentes é algo interpessoal e provavelmente mediado pela
indústria cultural, ou seja, a existência das agremiações esta mais relacionada a uma busca por
consumo cultural do que a uma necessidade de manifestação, expressão ou busca por
reconhecimento das comunidades juizforanas marginalizadas. No entanto, poderíamos dizer
que uma Escola de Samba é uma “comunidade”? Para tanto, vamos explorar as definições de
comunidade.
O conceito de comunidade tem sido alvo de uma profunda reflexão atualmente, uma
vez que as fronteiras territoriais se expandiram com as últimas tecnologias da informação.
Cicília Peruzzo no seu texto Comunidades em tempos de rede faz uma análise das propostas
de Ferdinand Tönnies, MacIver e Page, Michalsk, Susana Finqueliecich, Jesus Galindo
Cáceres sobre os conceitos de comunidade e como estes conceitos se reorganizam com o
impacto provocado pelas tecnologias.
O avanço das tecnologias de informação e a correlata incorporação dos meios técnicos
de comunicação vêm contribuindo para a ocorrência de um acelerado processo de
mudanças no mundo atual. Entre elas alteram-se as noções de tempo e espaço na vida
social (PERUZZO, 2002, p.281).
Tomaremos então a idéia da sociedade contemporânea como uma sociedade
possuidora de facilidade de comunicação e interação com todas as partes do globo, na qual
pessoas e instituições muito diferentes entre si em termos de valores e modos de vida
transitam nos diferentes territórios para adotar grupos, criar associações virtuais que são
construídas a partir de interesses comuns ou finalidades a serem atingidas. Neste contexto, a
“configuração de comunidade não precisa restringir-se a demarcações territoriais
geográficas”, face às comunidades virtuais. Agregações sociais que emergem na Internet
quando um número de pessoas conduz discussões públicas por um tempo determinado e com
suficiente sentimento humano para formar redes de relações humanas no ciberespaço
(RHEINGOLD apud PERUZZO, 2002, p.283).
Em suma, uma comunidade, nos dias de hoje e de uma maneira global, caracteriza-se
por uma série de características, nem todas encontradas simultaneamente em toda e
qualquer comunidade, a saber:
a) Participação [...]
b) Sentimento de pertença [...]
c) Caráter cooperativo e de compromisso.
d) Confiança, aceitação de princípios e regras comuns e senso de responsabilidade
pelo conjunto.
e) Identidades [...]
f) Reconhecer-se como comunidade.
g) Alguns objetivos e interesses comuns [...]
h) Alguns tipos de comunidades estão voltados para o bem-estar social e ampliação da
cidadania. São portadores de algo em comum: igualdade e justiça social. Há, nesse
sentido, movimentos em torno da construção de um projeto novo de sociedade.
144
i) Interação [...]
j) Com ou sem lócus territorial específico [...]
l) Possui uma linguagem comum (PERUZZO, 2002, p.293).
Nas Escolas de Samba de Juiz de Fora percebemos que algumas destas característica acima se
fazem presentes. Podemos dizer que o que é comum a todas é o fato de reconhecerem-se
como comunidades, possuírem objetivos e interesses comuns e também uma linguagem
comum. As outras características variam conforme a agremiação, ou até mesmo não existem.
Por exemplo, o Partido Alto tem mais participação enquanto a Juventude Imperial está mais
direcionada na ampliação da cidadania.
A dinâmica de existência das comunidades traduz-se também nos deslocamentos de
zonas de influência e nas variações de limites territoriais das práticas culturais. Os elementos
visíveis na paisagem inscrevem-se na lógica de um sistema cultural que ultrapassa o domínio
da ocupação do solo, da geografia. Seria necessário avaliar de que maneira a modificação de
um dado (demográfico, técnico ou industrial) alteraria a coerência do sistema cultural. Porém,
esta coerência é em si o resultado de uma evolução histórica. A comunidade é norteada por
um sistema de normas historicamente definidas e modificadas que rege a inter-relação dos
elementos nos quais as Escolas de Samba se inserem: elas estão delimitadas pelo passado,
pela sua invenção enquanto tradição, pela vontade orgânica que se manifesta na afetividade,
no hábito e na memória. No caso de Juiz de Fora percebe-se que a comunidade se situa fora
do território geograficamente definido, como observa José Maria Ferreira (2006)
O Partido Alto, por ter nascido lá em cima [na praça do cruzeiro] e ter migrado pra cá
[no Mariano Procópio], nós perdemos o que nos chamamos de… esse elo com a
população do bairro, então, hoje, nós temos adeptos em vários locais da cidade, então,
hoje, o maior reduto do Partido Alto é o bairro Progresso, Santa Rita, adjacências aqui
do Mariano Procópio, o reduto principal, a raiz mesmo é no Cruzeiro, Redentor,
parte alta, então a gente migra muito. Mas ver as cores verde e rosa ela aglutina, ela
prende. Então nós fazemos questão de que todas as nossas músicas, nossas letras falar,
os nossos enredos têm que ter um verso ou começando ou terminar em verde e rosa.
Todos eles. Isso porque o verde e rosa é fator de aglutinação.
O fluxo contínuo de informações promovido pela comunicação de massa cria uma
tensão sobre a estrutura das comunidades, principalmente depois do advento dos meios
eletrônicos. O resultado destas tensões são as transformações desencadeadas por processos em
escala global nos nossos tempos de capitalismo financeiro. A indústria cultural não reconhece
as fronteiras e continuamente redefine as formas de organização e de relações sociais, ela
vence até mesmo as barreiras impostas aos meios de comunicação. Vence também as
resistências dos indivíduos, criando nova organização para o sistema cultural, como pudemos
145
verificar na forma como as Escolas de Samba encaram a migração dos componentes entre as
diversas agremiações. Para o atual presidente do Partido Alto, Marcelo Pacífico:
[…] o pessoal do morro do Cruzeiro está voltando, o pessoal volta de cima aqui
para o Partido Alto [… e] tem aquelas pessoas vão agregando, tenho hoje pessoas que
não são de lá, mas estão aqui trabalhando, nas fantasias, estão trabalhando nas
montagens das alegorias […]. É normal. E tem gente que fica em mais de uma
escola... Você vai ver Porta Bandeira desfilando pra mim, depois desfilando pra
outra escola. Puxador, puxador eu acho o maior barato... ele puxa uma escola, depois
puxa outra, puxa três ou quatro. De qual escola ele é? Você sabe com qual escola ele
se espelha mais, ele é cria da minha escola, mas ele vai pra outra também.
A análise de “comunidades”, a partir da possibilidade de trânsito intenso entre as regiões e
instituições tornou-se problemática no contexto social atual, pois as ferramentas teóricas
pedem sempre um tipo de fixação, de imobilismo que no trabalho de campo se mostra pouco
condizente com os processos de construção de identidades como pudemos observar em
nosso trabalho. Sobre a relação com o conceito de comunidade pode-se afirmar que
“comunidade” é uma entidade portadora de símbolos e possui um sistema de valores e um
código de moral, a partir dos quais irá se definir o pertencimento dos indivíduos. Assim, a
região, enquanto espaço geográfico, é apenas um princípio abstrato, uma noção histórica
modelada pelas situações, debates, conflitos ocorridos em um tempo e espaço definidos.
4.1 MEIOS DE COMUNICAÇÃO E IDENTIDADE
A idéia de cultura nacional desempenhou um importante papel na consolidação da
modernidade. Esta expressão do sentimento coletivo permitiu que os valores vigentes de uma
época fossem unificados em torno de uma identidade integral ou como sujeitos participantes
de uma comunidade imaginada. Esta concepção de identidade estabilizou o mundo social em
torno de formas coerentes, resolvidas e unificadas em uma estrutura que não estava sujeita as
mudanças fundamentais. A cultura nacional não é apenas composta por instituições culturais,
mas também por símbolos e representações que permitem formar uma certa estrutura de poder
cultural (HALL, 2001, p.25).
Os primeiros estudos norte-americanos sobre a comunicação entendiam a
importância dos veículos de informação como os principais mediadores de representações que
atravessam o meio social. Isto os transforma nos principais produtores de discursos em torno
da identidade cultural de um grupo. Atualmente a identidade cultural é discutida
principalmente por Stuart Hall e Manuel Castells. Enquanto que para este a identidade é “o
processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda em um
146
conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre as outras
fontes de significado” (CASTELLS, 1999, p.22), para o primeiro a identidade é algo em
constante mudança, porque as necessidades internas do grupo se transformam.
O papel da indústria cultural e dos meios de comunicação é fornecer segurança através
das identidades nacionais ou grupais, pois esta se configura como uma resposta ao desejo de
fluidez e segurança que uma região, um lugar ou um território é capaz de proporcionar,
mesmo com a constante reestruturação de fronteiras simbólicas e/ou imaginárias. A discussão
sobre o local e o global, nos diversos campos principalmente sociedade, economia, política
nos impõe a necessidade de entender como a cultura e a comunicação se comportam nesse
cenário, como eles interferem na vida cotidiana. Retirando a frase do contexto, talvez
possamos repetir uma afirmação de Néstor García Canclini (1999, p.175), “as identidades são
como processos de negociação”. No entanto, como toda negociação assimétrica, na qual uma
das partes possui clara vantagem sobre a outra, aquele que possui menos recursos acaba por
sucumbir e assimilar, no todo ou em grande parte, a identidade cultural imposta pelo outro.
Basta vermos a fala do presidente da Liga das Escolas de Samba de Juiz de Fora:
Não, não, não, dizer identidade própria... eu diria o seguinte, que nós, devido,
inclusive até a proximidade a gente tem um espírito do carnaval do Rio de Janeiro.
[…] até mesmo… o corpo de jurados, para julgar o grupo 1A, que é o grupo especial,
a gente traz do Rio. Este ano tivemos a palestra de um dos coordenadores dos jurados
de lá, veio falar para os presidentes […] eu acho que o caminho é mais ou menos esse:
como espelho a gente tem o carnaval do Rio de Janeiro, a gente tem que resguardar as
devidas proporções, não podemos comparar, mas dizer que aqui em Juiz de Fora é
que é feito dessa forma, não. O carnaval de Escola de Samba de Juiz de Fora tem
quase tudo a ver com o carnaval do Rio de Janeiro. Isso é... e na nossa região,
tirando o Rio, muitas outras cidades se espelham até no carnaval de Juiz de Fora,
tendo em vista que o nosso Estatuto da Liga, que inclusive... eu iniciei um processo de
reformulação, porque ele precisa disso, eu enviei o estatuto da nossa Liga para
diversas cidades da região para que eles possam ter a Liga deles também. A gente
também, graças a Deus hoje está servindo de espelho para as cidades menores
(TOSTES, 2007).
Esta imagem no espelho que os sambistas de Juiz de Fora vêm não seria a imagem da
indústria cultural? Como veremos adiante, a identidade criada pela sociedade do espetáculo?
O espelho que se mira o seriam os meios de comunicação de massa? Acreditamos que a
simples proximidade territorial (180 km lineares) entre as cidades do Rio de Janeiro e de Juiz
de Fora não explica a busca de se criar agremiações mineiras semelhantes as cariocas, senão,
outras formas de brincar o carnaval teriam subido a serra da Mantiqueira por exemplo, os
147
Clóvis
86
. No entanto, apenas as Escolas de Samba têm divulgação maciça nos meios de
comunicação.
As identidades culturais acabam sendo responsáveis por articular os fenômenos
culturais e vão classificá-los como pertencentes ou não a uma determinada identidade. A
partir daí posicionam os indivíduos e os grupos nos contextos sociais. Então, na tentativa de
classificar os fenômenos culturais as diversas áreas do conhecimento nos oferecem uma
diversidade de conceitos de identidade, não apenas para que determinemos o que está incluído
e o que o está incluído naquilo que se examina, mas também como forma de estabelecer
relações de poder entre o eu e o outro. Não quer dizer que a construção das identidades se
dará sempre pela oposição eu/outro, mas as diferenças necessariamente estabelecem critérios
de valor para o indivíduo, em qualquer contexto cultural ou ideológico. Assim, toda forma
simbólica é um fenômeno cultural e, se construção de sentido, a ideologia está presente
neste processo.
[...] na medida em que as tradições inventadas como que reintroduziam [...] o superior
e o inferior num mundo de iguais perante a lei, não poderiam agir abertamente.
Poderiam ser introduzidas clandestinamente por meio de uma aquiescência formal e
simbólica a uma organização social que era desigual de fato (HOBSBAWM;
RANGER, 1997, p.18).
O simbolismo da tradição, a cultura são discursos que articulam as diferentes esferas
do contexto social. A cultura é um modo total de vida, um processo social global que constitui
a visão de mundo de uma sociedade e de uma época e aqui o discurso das ideologias é
explicativo, buscando responder como o mundo funciona. São as ideologias que formarão as
identidades, ou seja, determinarão o que pode ser dito ou o que deve ser ocultado pelas
identidades. A ideologia define inclusive quais identidades podem ser formadas dentro dos
grupos, que posições de poder estas identidades podem assumir e qual o comportamento é
exigido em determinada conjuntura. Cada grupo social dispõe de uma ideologia que convém
ao papel a ser preenchido na sociedade de classe ou de grupo explorado, cuja consciência
profissional, moral, cívica, nacional e política será testada; ou de classe exploradora, que deve
saber comandar; ou de agentes da repressão, cujo fim é fazer-se obedecer; ou profissionais da
ideologia, cuja função é tratar, moldar as consciências (ALTHUSSER, 1983, p.79-80). Hoje
estes profissionais da ideologia podem ser até mesmo os responsáveis pelo resgate cultural
daqueles que absorvem o discurso de grupo explorado, pois esta é a forma que encaramos a
fala de uma aluna do curso de porta-bandeira:
86
Corruptela para Clows, palhaços. São fantasias coloridas de corpo inteiro e máscaras em forma de capuz que
cobrem toda a cabeça. A fantasia omite completamente a identidade de quem a usa. Ver foto no CD anexo.
148
Porque a dança do mestre-sala e da porta bandeira de certa forma foi o meio que os
negros acharam de dançar a dança clássica, porque eles viam naqueles salões pelas
janelas eles dançando a quadrilha dançando minueto e o negro não tinha muito acesso
a isso. Com a dança do mestre-sala e porta bandeira foi a forma que eles encontraram
de se colocar aqueles vestidões cheios de babado – “Vamos fazer um minueto e
dançar como os brancos também” (PROCÓPIO, 2007).
Tomando o ponto de vista de Althusser podemos afirmar que cada classe dispõe da
identidade que convém à conjuntura social. Assim, o discurso ideológico presente na cultura
ou nos simbolismos da tradição derivados desta cultura naturalizam e moldam as relações de
poder cada vez mais assimétricas quando se tratam de relacionamentos mediados pela
indústria cultural e situam os indivíduos ou grupos como diferentes, nos enquadrando numa
certa identidade que nos posiciona em relação ao corpo social. Ressaltamos mais uma vez que
as identidades não são fixas, mas constantemente transformadas, pois a cultura é um campo
de disputas de poder. Assim, toda identidade busca a hegemonia e traz em si um projeto – não
há espaço para a neutralidade.
A distorção do discurso histórico, como na fala da porta-bandeira Alcione Procópio
(tanto no trecho que reproduzimos acima, quanto no trecho abaixo) é uma das formas mais
evidentes dessa falta de neutralidade. Pode ser uma forma de criar simpatia dentro do próprio
grupo, seja para contribuir para o não questionamento da tradição. A fala dos alunos dos
cursos de mestre-sala e porta-bandeira em Juiz de Fora o demonstra:
[…] nos terreiros de candomblé se montava um presépio. Quando era no dia de santo
reis eles desfilavam pela cidade, paravam na porta da igreja rezavam e voltava pro
terreiro pra desmanchar. Então o quê que eles fizeram “- que no carnaval tudo é
permitido, então vamos deixar esse presépio montado até no carnaval e quando eles
[os brancos] tivé fazendo a bagunça deles (que era o entrudo) jogando xixi um no
outro, ovo, farinha, a gente vem desfilando com a nossa bandeira até poder desmontar
o presépio”. E assim eles fizeram, enquanto eles [os brancos] tavam fazendo a
lambrequeira deles, eles [os negros] vinham todo limpinho de branquinho, dançando
[…] e isso começou a chamar a atenção dos brancos. “- Enquanto a gente tá aqui se
sujando todo fedido, eles tão todo limpinho arrumadinho dançando no carnaval”, aí
dizem que foi daí que teve origem os desfiles de carnaval (PROCÓPIO, 2007).
É importante entender o caráter político das identidades, um jogo de discursos e construções
de sentido que definem e redefinem as diversas relações de poder. A forma como os discursos
se articulam é que posicionam as diferentes identidades.
Pode-se usar como exemplo o caso do Brasil: em meados do século XIX a cultura cria
uma identidade fictícia, na qual o estrangeiro ou imigrante era o outro, não pertencente às três
raças do mito de origem. As representações a respeito dos imigrantes traduziam sua inevitável
vinda para a substituição da mão-de-obra escrava. Então, “diante da sombra do outro, o medo
faz brotar a imagem de si mesmo. Fabrica-se uma brasilidade fictícia, contraposta à invasão
149
verdadeira e fantasiada dos imigrantes” (COLI, 2004, p.19). Esta mesma sombra acabou por
erguer outros mitos, mas desta vez o discurso ideológico usou uma oposição dentro do Brasil:
Assim, no começo, quando eu entrei pra ser mestre-sala aqui em Juiz de Fora eu senti
um certo receio, um pouco de preconceito por eu ser um mestre-sala branco... O
mundo do samba é o mundo dos negros, então quer dizer, eles inventaram o samba,
eles trouxeram o samba pro Brasil. Então assim, pra mim, foi meio receituado[sic]
87
entrar no samba, porque um mestre-sala branco, ele dança bem, será que vai ser tão
bom quanto um negro? Então você é sempre comparado a um negro, mas graças a
Deus hoje em dia eu conquistei o meu caminho em Juiz de Fora, entendeu? (COSTA,
2007).
O discurso que ainda oferece suporte ideológico a este tipo de brasilidade começa a se
difundir na década de 1930, período de consolidação do modernismo nas artes e a edição de
três obras fundadoras de uma nova visão sociológica do Brasil: Casa-Grande & Senzala;
Raízes do Brasil, e A evolução política do Brasil
88
. O debate sobre da música popular também
possui três obras de sentido específico, mas com o objetivo explícito de construir a memória
do samba e da música brasileira. Estes textos são: O Samba; Na Roda do Samba; O Choro,
escritos por Orestes Barbosa, Francisco Guimarães e Alexandre Gonçalves Pinto
89
. Eles se
aliam à nova visão da mestiçagem como valor positivo, destacando a ideologia de
originalidade musical do carioca e do brasileiro, originalidade capaz de diferenciar e colocar o
brasileiro acima dos demais povos pelo menos em termos musicais. Orestes Barbosa e
Francisco Guimarães, apelidado de Vagalume, eram jornalistas (BRAGA, 2002, p.193).
Diante da chegada da indústria cultural rádio e gravadoras no setor musical via-se
a possibilidade de demonstrar a originalidade do país através do samba e de seu irmão o
choro. Ideologia que deixou marcas profundas na cultura brasileira, pois, anos mais tarde, a
bossa nova repetiria esta afirmação de identidade ao dizer que “quem não gosta do samba
bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou doente do pé”
90
.
Orestes Barbosa foi o mais árduo defensor do samba como símbolo de identidade
nacional, pois o associava ao moderno, uma modernidade que não implicava a aceitação do
ideal dos modernistas da Semana de 22, de quem era crítico. O jornalista se encantava com a
possibilidade do samba tomar de assalto a cidade e as ruas através dos mecanismos da
indústria cultural, que no final das contas era a oportunidade para o seu reconhecimento e
conseqüentemente da consagração da mistura tão necessária. O rádio e o disco eram uma
87
Talvez ele quisesse dizer que teve receio, receoso.
88
Os autores são, respectivamente, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior. Em anexo
damos uma outra lista de explicadores do Brasil e suas principais obras.
89
O autor da tese onde retiramos a informação não deixa claro no texto e não consta das referências
bibliográficas os autores e as respectivas obras.
90
Música de João Gilberto na qual ele diz que o samba é a representação do Brasil.
150
tática para a instauração do samba como a música do Rio de Janeiro e do Brasil (BRAGA,
2002, p.193). Esta tática comprovou-se correta, pois as ondas do rádio começaram a
determinar quais músicas seriam consumidas por quem estava na periferia do país. No nosso
caso podemos ver que o carnaval começava a ser moldado pelo Rio de Janeiro no início do
período Vargas:
Agora os carnavais de rua eram muito animados, porque as marchinhas de carnavais
que eram lançadas no Rio de Janeiro, principalmente, eram divulgadas pela Rádio
Nacional, pela Rádio Mayrinck Veiga, então essas músicas de carnaval tinham no
carnaval de Juiz de Fora, elas ficavam bastante conhecidas e os ranchos de Juiz de
Fora costumavam divulgar folhetos com as músicas de carnaval nas batalhas de
confete; com as músicas de carnaval para o pessoal cantar nos salões. Daí tinham
várias orquestras, tinha a orquestra do Jota Guedes, que é tio do José Luiz Guedes,
tinha a orquestra de Mario Vieira que tocava no Sport. Mario Vieira era um violinista
famoso […] (REIS, 2006).
Os três autores citados acima, como porta-vozes da indústria cultural, ajudaram a inventar a
grande tradição musical urbana e brasileira que é o samba. “Privilegiaram explicita e
cuidadosamente determinadas imagens em detrimento de outras e essas escolhas algumas
vezes definem diretamente […] os valores de época em relação aos autores e músicos dessa
música urbana de que falam” (BRAGA, 2002, p.195).
5 DAS TRADIÇÕES INVENTADAS
Se tomarmos o trabalho de Eric Hobsbawm e Terence Ranger a respeito da invenção
das tradições, poderemos notar nitidamente que a história do samba e das Escolas de Samba
se encaixam perfeitamente nas observações destes autores. Assim o conceito de tradição
inventada estabelece que estas são um
Conjunto de práticas normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas;
tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas
de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma
continuidade com relação ao passado (HOBSBAWM; RANGER, 1997, p.9).
Com o entendimento de que esta relação com o passado histórico próximo ou distante é
sempre artificial. No caso específico do samba é a produção e os produtores daquilo que ficou
conhecido como samba urbano que o trabalho propagandístico de Orestes Barbosa quis fixar
como memória. O estilo que deflagrou um interesse ostensivo da indústria cultural nacional,
cuja divulgação comercial foi ampliada nos anos 1920, principalmente pela atividade do
sambista Sinhô.
151
A importância do livro de Barbosa reside no fato desta ser porta-voz documental-
analítico da nacionalidade brasileira, colocando a música como um dos principais elementos
da alma nacional. Com isto estabelece-se a idéia de continuidade em relação a um passado
vívido (BRAGA, 2002, p.229). É aqui que percebemos que tradição é diferente de costume,
pois as Tradições, mesmo as inventadas, querem a invariabilidade, ou seja, o passado real ou
forjado impõe práticas fixas. O costume, ao contrário, não impede as inovações e pode mudar
até certo ponto, mas mantendo sua compatibilidade com aquilo que é o seu precedente. Os
movimentos de mudança ou resistência à inovação irão depender da sanção do precedente, da
continuidade histórica e dos direitos naturais. O costume não é invariável porque a vida não o
é (HOBSBAWM; RANGER, 1997, p.9-10). Para Orestes Barbosa a invariabilidade se explica
na equação de que o carnaval é o samba e o samba é o carnaval que evoluiu aa Escola de
Samba, “organizações perfeitas. É rigoroso o ensino de cantos e bailados. Tudo é feito dentro
de teorias inéditas. professores que são verdadeiras revelações” (apud. BRAGA, 2002,
p.229). A invariabilidade se demonstrou como marca das Escolas de Samba de Juiz de
Fora, gerando uma crítica ao seu formato cristalizado e imitativo ao modelo televisivo de
desfile:
Eu acho que as escolas de samba de Juiz de Fora, hoje, estão muito fracas, não têm
perspectiva nenhuma, o carnaval de Juiz de Fora tinha que ser repensado, esse
negócio de desfile de escola de samba aqui, eu acho um... Eu acho que esse modelo de
carnaval de Juiz de Fora, eu não investiria nele, hoje, não oferece nada, não tem
criatividade, é repetitivo, é muito medíocre, é um outro investimento, eu acho que tem
que criar uma outra coisa, não imitar o carnaval de salvador, negócio de trio elétrico
não tem perspectiva nenhuma acho que tinha que ser uma coisa nova, é problema de
criar, ficar diferenciado (REIS, 2006).
“Consideramos que a invenção das tradições é essencialmente um processo de
formalização e ritualização, caracterizado por referir-se ao passado, mesmo que apenas pela
imposição da repetição”, as tradições inventadas o mais nítidas quando iniciadas
deliberadamente por um inventor, como é o caso de Baden Powell e o escotismo; também a
determinação de sua origem é simples quando as tradições são formalmente instituídas e
planejadas, como o simbolismo nazista; e o mais difíceis de mapear quando criadas a partir
de círculos fechados ou são produzidas de modo informal durante um certo período, como é o
caso das Escolas de Samba e do próprio samba
91
(HOBSBAWM; RANGER, 1997, p.9-10).
Isto é visível na forma como os participantes das Escolas vêm a instituição, como uma
entidade imutável historicamente. Regina Maria Rabelo (2006) falando de sua aposentadoria
91
Um trabalho muito bom na tentativa de elucidar a trajetória do samba é o de Hermano Vianna: O mistério do
samba, tese publicada em 2002 no formato de livro, no qual trata dos processos por trás da aparição do samba no
cenário cultural e sua transformação em identidade nacional.
152
como porta-bandeira deixa claro que o mapeamento do passado das Escolas de Samba esta
escondido nas brumas da memória:
Depois dos 50 [anos] ninguém consegue elegância, leveza, mais não. Eu acho o
seguinte, é uma posição de destaque para a pessoa. Acho que a ala das baianas,
Bateria, Mestre-Sala e Porta-Bandeira, não que as outras alas não tenham seu devido
valor, mas esses são aqueles quesitos permanentes dentro da escola. Têm importância
muito grande essas três coisas: importância de tradição e não só do passado. Eu acho
que a Bandeira da Escola é um manto que aquece todos os componentes e carregar
esse manto... quem carrega esse manto... a pessoa, né?
Da mesma forma detectamos a falta de nitidez histórica nas novas gerações. Alcione Procópio
(2007) o foi capaz de falar sobre a origem da porta-bandeira nas Escolas de Samba porque
as informações passadas nos cursos em Juiz de Fora, provavelmente, tentam ocultar as pistas
que revelariam a Escola de Samba como uma tradição inventada no Rio de Janeiro do século
XX:
Olha tem varias origens, dizem que tem varias origens. Uns dizem que veio de tribos
africanas que os homens dançavam com panos pra poder chamar a atenção das
meninas da tribo que estavam na fase de se casar. Outros dizem que os negros nobres
quando morriam quando ia enterrar, eles eram enterrado atrás do muro do cemitério,
então cada tribo fazia um estandarte de uma cor especifica da tribo dele e saia
desfilando fazendo o cortejo fúnebre.
Neste ponto podemos retroceder aos anos 1930 para compreender o porque da
invenção de uma tradição de Escolas de Samba em Juiz de Fora. É um momento histórico no
qual Hobsbawm e Ranger (1997, p.12-13) identificam como ideal para o surgimento das
tradições inventadas, por conter três características: 1) transformações rápidas na sociedade
que debilitam ou destroem os padrões sociais, uma vez que para os novos padrões as velhas
tradições tornam-se incompatíveis; 2) os promotores e os divulgadores institucionais perdem
a capacidade de adaptação e flexibilidade; 3) eliminadas de outras formas, “inventam-se
novas tradições quando ocorrem transformações suficientemente amplas e rápidas tanto do
lado da demanda quanto da oferta”. Transformações estas que se tornaram mais rápidas com a
consolidação da urbanização da região
na época de [19]40/50 você não tinha a expressão “Carnaval de Juiz de Fora”,
expressão que passou a existir da década de [19]60 pra frente, principalmente quando
o Feliz Lembrança saiu com um enredo, que foi feito pelo José Carlos de Lery
Guimarães e Nelson Silva, do Batuque Afro-Brasileiro […]. Foi que surgiu esse
Carnaval como evento, isso foi na década de [19]60. as escolas de Samba foram
crescendo e os Ranchos já estavam praticamente em extinção (REIS, 2006).
É importante entender, também, que as tradições inventadas não surgem por geração
espontânea, elas utilizam elementos antigos na sua elaboração, pois qualquer sociedade tem
um passado com amplo repertório e práticas culturais com forte carga simbólica. Assim, as
153
novas tradições podem ser imediatamente enxertadas nas velhas ou podem ser inventadas com
empréstimos dos rituais, simbolismos e princípios morais oficializados (religião, pompa
principesca, folclore, maçonaria). O movimento modernista, os propagandistas do Estado
Novo, os Integralistas, os textos de Orestes Barbosa, Francisco Guimarães e Alexandre
Gonçalves Pinto fizeram parte de movimentos ideológicos que tornaram necessária a
invenção de uma continuidade histórica como é comum em todos os movimentos
ideológicos que pretendem fundar tradições. Existe também a criação de símbolos e
acessórios além de rupturas de continuidade visíveis, mesmo com uma antiguidade genuína
Tal ruptura é visível mesmo em movimentos que deliberadamente se denominam
“tradicionalistas” e que atraem grupos considerados por unanimidade repositórios da
continuidade histórica e da tradição [...] o próprio aparecimento de movimentos que
defendem a restauração das tradições, sejam eles “tradicionalistasou não, indica
essa ruptura. Tais movimentos, comuns entre os intelectuais desde a época romântica,
nunca poderão desenvolver, nem preservar um passado vivo [...] estão destinados a se
transformarem em “tradições inventadas”. Por outro lado, a força e a adaptabilidade
das tradições genuínas não deve ser confundida com a “invenção das tradições”. Não
é necessário recuperar nem inventar tradições quando os velhos usos ainda se
conservam (HOBSBAWM; RANGER, 1997, p.15-16).
Ao mesmo tempo os autores identificam que o fenômeno da tentativa de restauração
da tradição é revelador de seu declínio. No texto eles citam os donos de fazenda europeus na
virada do culo XIX, mas nós podemos identificar aqui a nostalgia pelas marchinhas de
carnaval ou na tentativa da prefeitura de Juiz de Fora em restaurar o desfile dos ranchos
carnavalescos na década de 1970. O prefeito da época, Melo Reis, comenta que no caso dos
“Rouxinóis, nós tentamos reabilitá-los, conseguimos fazer alguma coisa, mas não durou
muito, morreu, não havia mais motivação para isso”. Da mesma forma pode-se pensar sobre
as tentativas de restaurar o desfile de Escolas de Samba em Juiz de Fora. Nas palavras do ex-
prefeito,
[…] o carnaval de rua nunca deu prejuízo, pelo contrário, regrediu, se você pegar o
carnaval de 1972/1973 era muito superior muito mais monumental, havia uma
participação popular muito mais intensa, eu acho que esse modelo de carnaval, na
minha visão de hoje é um modelo com tendência a desaparecer, ele não oferece mais
perspectiva, ele não tem novidade, ele é repetitivo ao carnaval do Rio de Janeiro,
ninguém consegue fazer um carnaval nesse estilo, igual ao do Rio de Janeiro, nem
chegar aos pés.
Se Orestes Barbosa que gostava de samba e até mesmo compunha passava ao largo de
preocupações estéticas e encarava-o como objeto de utilidade para ascensão econômica. A
visibilidade pela qual lutava relacionava-se como o geistzeit, a percepção de um espírito de
modernidade que seria o marco da nacionalidade brasileira e da identidade cultural. O furacão
da modernidade varria do mapa a modinha e os estilos tão úteis na conformação musical do
154
brasileiro, abrindo espaço para a linguagem dos sambistas: coloquial, cosmopolita, parodística
e, por isso mesmo, moderna (BRAGA, 2002, p.240).
6 CARNAVAL E INDÚSTRIA CULTURAL
Pelo que vimos acima, podemos entender que a chegada da indústria cultural no setor
musical brasileiro representou a entronização do país no sistema econômico globalizante
iniciado com a revolução industrial e ideologicamente marcado pela racionalidade técnica. O
Brasil foi inserido neste contexto modernizador, o que ajudou na gestação de uma nova elite
formada pelos modelos de um pensamento científico considerado cosmopolita. A revolução
científico-tecnológica imposta à periferia contribuiu para o panorama da Belle Époque (1900-
1920) e seus desdobramentos. O imaginário social do período influenciou a produção musical
e cultural. Esta influência tornou falsa a identidade do novo universal e do novo particular sob
o poder do monopólio dos produtores musicais. Um processo identificado pela Escola de
Frankfurt, no qual toda cultura de massa é idêntica, no qual o rádio não precisa mais se
apresentar como arte. Ele se apresenta com a verdade de que não passa de um negócio, e esta
verdade é usada como ideologia destinada a legitimar o lixo que propositadamente produzem.
A técnica da indústria cultural levou à padronização, sacrificando o que fazia a diferença entre
a lógica da obra e a do sistema social (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.114). Como
ponta de lança ideológico a indústria fonográfica tinha as páginas da revista Phonoarte cujo
slogan era “A primeira revista brasileira do fonógrafo”. Esta revista circulou entre 1928 e
1931 com o objetivo “explícito de dar certo apoio às diversas fábricas de discos que aqui
começavam a ser montadas” (BRAGA, 2002, p.32).
Enquanto o século XIX via o delineamento das redes de comunicação com o
implemento dos sistemas de cabos submarinos, o estabelecimento de agências internacionais
de notícias e a distribuição do espectro eletromagnético será apenas nos anos 1930 que a
radiodifusão dará seus primeiros passos no Rio de Janeiro. O veículo tornar-se-á comercial e
interiorizar-se-á efetivamente nos anos 1940. A publicidade foi liberada por decreto de
Getúlio Vargas em 1932. O rádio foi o grande divulgador da música popular urbana
produzida na capital federal, dentre elas o samba. Os artistas populares lançaram-se no novo
meio e descobriam uma forma de ascensão social, mas tanto naquele tempo quanto no desfile
televisivo das Escolas de Samba atuais os talentos pertenciam à indústria cultural, eram
cantores reconhecidos ou são personalidades do meio televisivo muito antes de serem
apresentados por ela: de outro modo não se integrariam tão fervorosamente. Pode-se perceber
155
também que quando um ramo artístico segue a mesma receita de sucesso de um outro ramo
muito afastado dele quanto aos recursos e ao conteúdo, falar em desejos espontâneos do
público, sobre o que agrada ou não, é uma desculpa esfarrapada (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p.115). O rádio trouxe a maneira de cantar dizendo os versos, a
tecnologia de gravação, o microfone colocou em cena o cantor de dio. Graças à técnica do
novo meio foi possível ouvir vozes menos potentes como as de Noel Rosa, Ismael Silva,
Mário Reis e possibilitar a fixação do samba e seu estilo recitado, com o rádio validando um
repertório popular, mas não folclórico (BRAGA, 2002, p.83).
A construção de um cânone cultural sobre o qual repousasse a nacionalidade brasileira
já existia na literatura romântica, mas da mesma forma que os foliões intelectuais das Grandes
Sociedades Carnavalescas pressentiram que sua pedagogia do carnaval estava gerando um
efeito incontrolado e indesejado, os ideólogos da divulgação musical e elevação cultural pelas
ondas do rádio perceberam que seu dogma básico de estabelecimento do ideário nacionalista,
que era a pesquisa das manifestações folclóricas como base para a produção de uma música
brasileira de expressão artística, estava na verdade produzindo um efeito contrário, pois as
ondas herzianas estavam sendo apossadas por gente que não tinha nenhuma competência, por
semi-alfabetizados ou analfabetos que tocavam violão e escreviam samba. A intelectualidade
modernista não compreendeu que a indústria cultural atua classificando os produtos e o
público, para todos algo está previsto; para que ninguém escape. Todas as distinções são
acentuadas e difundidas para que seja possível o oferecimento de uma hierarquia de
qualidades, que no fundo serve apenas para uma quantificação mais completa dos produtos
culturais. “Os produtos mecanicamente diferenciados acabam por se revelar sempre como a
mesma coisa. […] as vantagens e desvantagens que os conhecedores discutem servem apenas
para perpetuar a ilusão da concorrência e da possibilidade de escolha” (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p.118). Para o consumidor do dio nos anos 1930 ou para o
consumidor de TV hoje, tudo já foi classificado no esquema da produção. O conteúdo
específico do espetáculo carnaval varia na aparência e todos os detalhes são clichês a
serem usados arbitrariamente: o desfile usa um mesmo formato para todas as Escolas, os
sambas que fazem referências a personagens os trata como heróis – seja o índio ou o
bandeirante, os temas têm o tratamento estereotipado que irá se refletir nas alegorias o índio
é da floresta, na Bahia candomblé; escolhendo a letra de um samba aleatoriamente
temos muitos exemplos dos clichês, escolhemos o samba da Mangueira de 1969, composição
de Darci, Jurandir e Hélio Turco:
156
Abriu-se a cortina do passado/ neste palco iluminado/ onde tudo é carnaval/ vamos
recordar/ nesta grande apoteose/ uma história triunfal/ Brasil dos mercadores/
aventureiros e sonhadores/ que desbravaram o sertão/ deste imenso rincão./ Foi tão
sublime o ideal dos pioneiros/ bandeirantes de um progresso/ soberano e altaneiro./
Na imensidão de nossas matas/ cachoeiras e cascatas/ fontes de riqueza natural/ era
extraído um tesouro/ onde imperava o ouro/ e os verdes canaviais. [sic]/ Em Vila
Rica os mercadores/ ostentavam seus brasões/ nos elegantes salões./ Longe ao longe
então se ouvia/ a suave sinfonia/ dos mascates em pregão./ Glória/ a estes bravos/ que
lutaram por um ideal./ E conseguiram conquistar/ as riquezas do Brasil colonial
(AUGRAS, 1998, p.265-266).
Alguns destes clichês o imperceptíveis pelo aprendizado de quem produz o espetáculo,
como Paulo Berberick
92
:
Então eu fui trabalhar na Portela. […] Então eu saía em janeiro e ia trabalhar no
barracão da Portela com os grandes carnavalescos da época, Viriato Ferreira, Max
Lopes que hoje é da Mangueira… tava iniciando também nessa época lá, então a
gente era auxiliar de barracão e aprendizes de feiticeiro, aprendiz de magos. Então
quer dizer, a partir dessa formação, através da experiência na Portela, e dentro do
carnaval do Rio de Janeiro é que eu tive as condições necessárias para ser
carnavalesco aqui em Juiz de Fora.
Ou porque o esquema esta cristalizado para as gerações atuais e a cópia dos clichês é
considerada como uma tentativa de se chegar à perfeição de algo que é visto como imutável,
como no caso da porta-bandeira Nádia Helali
93
:
Eu queria ser a Lucinha Nobre, né. A Lucinha Nobre de Juiz de Fora, mas como a
gente num pode ser igual, a gente pode igual o Dionílson
94
fala: “coisa boa é pra ser
copiada”. Então eu acho que os movimentos são bonitos, eu fico olhando nas vinhetas
da Globo quando passa eu entro, fico em pé na frente do espelho e fico fazendo os
movimentos com o braço, pra mim quando chegar numa apresentação, no ensaio, eu
mostrar o que eu vi e o que eu aprendi.
Ou porque os responsáveis pela organização das Escolas de Samba as vêm como algo que
não é cultura ou o fazer cultural lhe é periférico, como podemos depreender da fala do
presidente da Liga das Escolas de Samba de Juiz de Fora, Edson Tostes quando analisa que
nas agremiações o trabalho realizado “além de ser gerador de empregos, é gerador de cultura.
É o que nosso país precisa. A gente procura sempre colocar. A festa é importante, mas a gente
nunca pode esquecer o lado social e o lado cultural do carnaval”.
Assim, como os dominados sempre levaram mais a sério do que os dominadores a
moral que deles recebiam, as massas sucumbem mais facilmente ao mito do sucesso do que os
bem-sucedidos e obstinadamente insistem na ideologia que os escraviza. Uma escravidão que
se mistura com a pretensa identidade cultural, que se impõe sempre que questionada. Edson
92
Entrevista concedida ao autor em março de 2007.
93
Entrevista concedida ao autor em fevereiro de 2007.
94
Instrutor do projeto Cultura no Samba.
157
Tostes é categórico quando discorda da possibilidade de se fazer um carnaval em Juiz de Fora
sem as Escolas de Samba e comete um erro histórico ao afirmar que “[…] a nossa identidade
é, por tradição, ligada sempre a Escola de Samba. Existem algumas novidades […] pouco
tempo, o advento do carnaval baiano em que você tem um... respeito, acho que tudo o que a
gente pode incentivar em termos da cultura, de festa, de alegria é válido”. Este erro não é
proposital, uma vez que esta identidade é construída a partir de um monopólio privado da
cultura, cuja “tirania deixa o corpo livre e vai direto à alma. O mestre não diz mais: vo
pensará como eu ou morrerá. Ele diz: você é livre de não pensar como eu: sua vida, seus bens,
tudo você de conservar, mas de hoje em diante você será um estrangeiro entre nós”
(Tocqueville apud ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.125). Se fizermos uma analogia
musical poderemos ver a observação de Tocqueville na bossa nova, no mesmo trecho musical
mencionado anteriormente: quem não gosta de samba bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou
doente do pé. Ou seja, um estranho entre nós. Mas a enganação e a falsificação não estão no
fato de a indústria cultural oferecer diversões, o venal é envolver o prazer nos clichês
ideológicos da cultura, ou seja, estabelecer como prazer algo que não é. Um exemplo:
Uma coisa que eu gosto muito de falar em relação ao carnaval de Escola de Samba,
porque o carnaval de Escola de Samba… diferente de algumas situações… ele tem
como um dos objetivos… claro, festa a alegria, o entretenimento, mas o carnaval, ele
é acima de tudo gerador de emprego e de cultura, isso é que é muito importante. Nós
temos exemplo […] de pessoas em nosso relacionamento que trabalham durante o
carnaval e ficam desempregados o ano inteiro, mas fica desempregado não por opção,
não, é porque não tem emprego mesmo. Então, na época, é um trabalho temporário,
mas que resolve pelo menos em parte... ajuda resolver o problema de muita gente
(TOSTES, 2007)
Como os frankfurtianos haviam descoberto, a indústria cultural é a indústria da
diversão e o controle que ela exerce é mediado pela diversão, sendo que esta diversão é um
fim em si mesma, ou seja, é uma atividade para se preencher o tempo do o-trabalho. A
diversão acaba sendo procurada por aqueles que querem escapar ao trabalho mecanizado para
se por de novo em condições de realizá-lo. No final das contas a mecanização do trabalho
atingiu também o lazer, determinando a produção de mercadorias destinadas à diversão e
transformando esta em uma cópia do processo alienante do trabalho, pois na diversão somos
guiados por um roteiro a as conclusões pré-estabelecidas. O lazer é uma seqüência
automatizada de operações padronizadas, transformando o que deveria ser fonte de prazer em
algo que não exija esforço, por isto tem que reproduzir os processos já conhecidos e eliminar
o esforço intelectual. Como na linha de montagem a fórmula da indústria cultural consiste na
repetição, sendo que as inovações são apenas aperfeiçoamentos da produção e o interesse dos
consumidores acaba por se prender à técnica e não aos conteúdos repetidos, ocos, e em
158
parte abandonados. Aquilo que os espectadores das Escolas de Samba adoram é a onipresença
do estereótipo garantida pela técnica (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.127-128). Quem
participa do dia-a-dia das Escolas de Samba enxerga uma necessidade de o objeto de diversão
se parecer com o chão de fábrica:
Tem o amor e tem também o trabalho, que o carnaval é um trabalho. O carnavalesco
recebe, o mestre-sala e porta-bandeira recebe, o mestre de bateria recebe. E tem
aquelas escola que a gente gosta mais e tem aquela que a gente está trabalhando. Igual
no meu caso, a minha escola de coração é a Unidos do Ladeira mas não é porque eu
sou Ladeira que eu não faço aquele trabalho (CARLOS EDUARDO
95
).
Ou trata a agremiação como uma empresa inserida no contexto do mercado e tendo de agir e
se organizar como se fosse um ramo de atividade industrial:
Carnaval pertence a uma atividade de turismo. […] Os hotéis começaram a
aparecer, mas falta hoje você fazer com que o pessoal de Juiz de Fora não abandone a
cidade nas datas, entre elas o carnaval. Turismo, que deixa de ser turismo exportador
pra ser turismo receptivo, isso denota que tem que haver uma influência da mídia,
tudo isso tem que ser visto, mas é muito difícil... quando você pensa isso você não
encontra eco. Outro aspecto que [inaudível] fala com os amigos do carnaval é que
você tem que educar administrativamente as pessoas que fazem carnaval: ensiná-los a
manusear uma conta corrente, administrar economicamente, conhecer a legislação,
responsabilidade fiscal, licitações, para ensinar o cara administrar. A escola de samba
por ter CNPJ, por ser uma entidade de utilidade pública, ela tem que ser administrada
como uma empresa, se não administrar como uma empresa, a tendência é que as
escolas venham paulatinamente declinando... (FERREIRA).
Voltamos aqui à questão do controle disciplinar do qual trata Michel Foucault. Mas
aqui no campo econômico, no qual “a afinidade original entre os negócios e a diversão
mostra-se em seu próprio sentido: a apologia da sociedade. Divertir-se significa estar de
acordo”. Diversão significa não ter que pensar e esquecer o sofrimento, por mais que o enredo
e as alegorias em desfile o mostrem. É uma fuga da idéia de resistir a uma realidade ruim: “a
felicidade não deve chegar para todos, mas para quem tira a sorte, ou melhor, para quem é
designado por uma potência superior” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.135). Enquanto
que no passado a oposição do indivíduo frente à sociedade era a substância de evolução da
própria sociedade e o corpo social glorificava “a valentia e a liberdade do sentimento em face
de um inimigo poderoso, de uma adversidade sublime, de um problema terrificante”
(Nietzsche apud ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.144), hoje a dimensão do trágico
desapareceu na falsa identidade da sociedade e do sujeito. Com a liquidação do indivíduo a
indústria cultural coloca a imitação como absoluto. Reduzida ao estilo, à fórmula do fazer ela
mostra que o seu objetivo é a obediência à hierarquia social. A barbárie estética consuma a
ameaça que sempre pairou sobre as criações artísticas: reduzir tudo a um denominador
95
Entrevista concedida ao autor em março de 2007. Carlos Eduardo é mestre-sala.
159
comum nomeado como ‘cultura’ que na verdade contém apenas o levantamento estatístico, a
catalogação, a classificação que irá introduzir a cultura no domínio da administração. Uma
vez catalogada e unidimensional o que existe de competência e perícia são proscritas,
consideradas arrogância de quem se acha melhor que os outros, pois a cultura distribuiu tão
democraticamente seu privilégio a todos (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.123, 125). Em
função desta eliminação das competências é ilusório pensar na entrada de novas gerações
como fator de mudança, estas novas gerações, em função das tradições inventadas ao redor
das Escolas de Samba e da visão unidimensional da cultura, realizariam apenas mais do
mesmo. Assim, nem a perspectiva de fortalecimento do Presidente da Liga das Escolas se
concretizaria:
a grande expectativa nossa e que a Liga vem fazendo, mas que precisa muitos dos
presidentes das Escolas de Samba fazer, é exatamente isso que eu te falei: eles têm
que envolver mais a comunidade, envolver a juventude nos seus projetos para se
fortalecerem... […] A gente tem uma turma boa dentro das Escolas que gosta mesmo,
às vezes por tradição até de família e tudo mais, mas a gente tem de buscar essa turma
boa, inteligente, para participar ativamente e dar continuidade ao processo (TOSTES).
E também não existe a possibilidade de uma mudança profunda como a sugerida por Wilson
Cid:
[… se] elas delimitassem melhor a área de influência dos mineiros. Ao invés de nós
ficarmos assim, em termos como a Amazônia do século passado, o Carnaval de
Veneza, o petróleo. […] nós temos as Cavalhadas, as tradições religiosas, […] o
Barroco em Minas Gerais, se você quiser pesquisar sobre a dívida do ouro do Barroco,
essas coisas assim tão ligadas à nossa história, a gente encontraria muita coisa pra
fazer, mas muita coisa mesmo. Então eu penso que que não podemos concorrer, já
que seria até ridículo tentar estabelecer uma relação com o carnaval do Rio, a gente
podia criar uma marca muito nossa, com a qual ninguém pudesse concorrer conosco,
aí nós estaríamos em situação privilegiada, a gente escolheria temas mais nossos, mais
locais, que fizesse da escola de samba, dos blocos uma manifestação assim, pró-
regional, eu acho que aí seria melhor.
A impossibilidade de se modificar o sistema do desfile das Escolas de Samba está na
cristalização do modelo pela indústria cultural e sua tradução estereotipada de tudo no
esquema da reprodutibilidade mecânica que irá superar todo o verdadeiro estilo. A identidade
das agremiações está fundada no catálogo, no index do proibido e do tolerado. O próprio Rio
de Janeiro nos o exemplo com Joãosinho Trinta, que a partir do momento que ultrapassou
a fronteira do novo e da vanguarda foi posto na geladeira e empurrado para uma atuação
periférica, pois o sistema circunscreve a margem de liberdade e os menores detalhes são
modelados de acordo com este catálogo. É com as proibições que a indústria cultural fixa sua
linguagem, que é o mantra a ser repetido para se atingir o sucesso, como bem descobriu
Carlos Alberto Dutra quando disse acima que tentou realizar um carnaval para o público em
160
2001 e recebeu notas ruins dos jurados; para ele a preocupação tornou-se o desfile técnico
nos quesitos”, ou seja, não há espaço para a irreverência e a espontaneidade, que deveriam ser
as características do carnaval.
Diomário de Deus também demonstra que as regras impostas ao desfile o seguidas
estritamente e apesar de saber que a possibilidade de mudá-las existe a ação se restringe à
obediência cega: “Infelizmente, a gente não pode tirar nada da cartola e colocar na avenida
porque o jurado está cobrando as coisas da gente. Então você tem que ter muita instrução,
você tem que saber o que é que você falando”. Não como negar que a produção de
novos efeitos serve apenas para aumentar o poder da tradição ao qual pretende escapar. Tudo
o que vem a público está tão profundamente marcado que nada pode surgir sem exibir de
antemão os traços do jargão e sem se credenciar a aprovação ao primeiro olhar, ou seja, por
mais que as Escolas de Samba apresentem novidades como mecanismos de movimento para
as alegorias – o dragão que solta fumaça, a águia que bate as asas do carro abre-alas, a bateria
que fica sobre o carro até o momento de entrar no recuo –, estas novidades são apenas na
aparência, pois o essencial do discurso dos sambas e da organização do desfile não mudam.
Os astros são aqueles que falam o jargão com tanta facilidade, espontaneidade e alegria como
se ele (o jargão) fosse a linguagem que, no entanto, este jargão muito reduziu ao silêncio.
O jargão se impõe tanto mais imperiosamente quanto mais a técnica reduz a tensão entre a
vida cotidiana e a obra produzida (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.120). É essa
natureza, complicada pelas exigências sempre presentes e sempre exagerada do medium
específico que constitui o novo estilo, a saber, “um sistema da não-cultura, à qual se pode
conceder até mesmo uma certa ‘unidade de estilo’, se é que ainda tem sentido falar em uma
barbárie estilizada” (Nietzsche apud ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.121).
6.1 REPRESSÃO E CONSUMO
Quando Adorno e Horkheimer (1985, p.119; 133; 137) afirmam que os produtos da
indústria cultural podem ter a certeza de que até os distraídos vão consumi-los atentamente
ainda não existiam os foliões do sofá, aquelas pessoas que consomem os desfiles de Escolas
de Samba e trios elétricos pela mídia eletrônica, até mesmo o carnaval de Juiz de Fora tem
seus fãs de consumo indireto, como afirma Edson Tostes (2007): “o carnaval, ele tem os seus
adeptos, tem pessoas que nem vão na avenida, mas curtem os ensaios, na TV, no dio, tenho
conhecidos aí, o pessoal de mais idade pela TV os flashes, no radinho, a noite inteira
acompanhando”. Para funcionar em sua gica, o sistema o pode soltar o consumidor, por
161
isto apresenta as possibilidades de satisfação das necessidades, mas mostra que estas
necessidades precisam ser organizadas de tal modo que a pessoa só se veja como um eterno
consumidor e no final das contas a diversão é usada para a resignação, até porque para a
indústria cultural as pessoas interessam enquanto clientes ou empregados, ou seja, não
passam de um simples material para a realização da produção. Constantemente astros e
estrelas são elevados ao céu para no momento seguinte desaparecerem.
Para que este movimento de consumo dos produtos culturais e das pessoas se
mantenha a indústria cultural articula uma ética e estabelece um gosto. Esta ética e este gosto
“podam a diversão irrefreada taxando-a de ingênua, e a ingenuidade é tão grave como o
intelectualismo” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.134). Enquanto Joãosinho Trinta
denuncia o intelectualismo no carnaval com a célebre frase: “pobre gosta de luxo, quem gosta
de miséria é intelectual”; o presidente da Escola de Samba Juventude Imperial de Juiz de
Fora, David Chaves, combate a diversão praticamente decretando que não carnaval sem
Escolas de Samba:
Eu gostaria de ver o carnaval de Juiz de Fora sem escola de samba. Porque as
pessoas poderiam até mais valor às escola de samba. Porque quem faz o carnaval
de Juiz de Fora?… quem fazia os carnavais de Juiz de Fora, era os clubes. Era Sport,
Tupinambás, Bom Pastor, entendeu? Era Clube do Papo, você que hoje, não tem
mais carnaval de clube. Até a própria sociedade não se encontrando dentro do
carnaval, entendeu? Agora como seria esse carnaval sem as escola de samba? Seria
um cemitério dentro de Juiz de Fora, um cemitério dentro da nossa cidade. Teria bloco
aí, aquela bagunça imensa, entendeu? Aquela desorganização nas ruas, com bloco
batendo naquelas porta de aço das pessoa, destruindo as coisa, o que ia acontecer era
isso. Mas eu gostaria de o carnaval de Juiz de Fora sem as escola de samba pra
como ele ficaria. Eu imagino, na minha cabeça, como ele vai ficá, entendeu? Mas eu
gostaria de isso, entendeu? Porque eu acho que nós não tamo aqui pra retarda o
crescimento dum carnaval, nós tamos aqui pra criar mais alegria para o povo
(CHAVES, 2007).
O controle sobre o corpo ao qual Foucault se refere, como vimos acima, encontra eco
na análise sobre a indústria cultural realizada por Adorno e Horkheimer (1985, p.131): “A
indústria cultural não sublima, mas reprime”. Nas Escolas de Samba é uma repressão mais
explícita, pois expõe repetidamente os objetos do desejo aqui o corpo nu com o objetivo
apenas de excitar o prazer preliminar não sublimado. Deste modo, a indústria cultural
consegue ser ao mesmo tempo pornográfica e puritana. Isto pode ser encarado positivamente
como o faz o carnavalesco Paulo Berberick (2007): “Aqui não tem sexo, aqui não tem droga.
É um trabalho, é uma fábrica de sonhos, né, é uma fábrica de coisas bonitas, é uma fábrica de
beleza”. Ou esta repressão pode ser sentida de forma mais objetiva, como é o caso da
madrinha da bateria do Turunas do Riachuelo, Fernanda Muller (2007):
162
[… não ser premiada faz parte de] um preconceito, lógico, esse não tem jeito. A
realidade é essa: a melhor madrinha de bateria de Juiz de Fora é homem. É um
travesti. Como é que explica isso? Aí o quê que eu preferi fazer pra eu me vacinar, me
proteger e pra eu deixar a cabeça deles em paz, eu não sou rainha da bateria, eu sou
madrinha. Eu sou madrinha e o prêmio deles é rainha, então eu tirei o meu da reta e
deixei eles mais aliviados. Na realidade é preconceito. Porque eles não vão ter como
explicar.
Também o desfile enquanto produto e como forma de controle tem que impedir os
desvios às normas. Um dos objetivos é a produção em rie do objeto sexual que gerará
automaticamente seu recalcamento, dentro do ponto de vista freudiano: quanto mais se fala
menos se pratica. No mundo do espetáculo “só as operetas e depois os filmes representam o
sexo com uma gargalhada sonora” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.132). Apesar de se
falar que o desfile das Escolas “é o carnaval com uma cultura, como o teatro móvel, com uma
cultura maravilhosa que tem que ser levada com seriedade, com dedicação, com amor e acima
de tudo com a dedicação” (BERBERICK), acreditamos que ele está muito longe de ser uma
ópera popular, ele realmente é uma opereta, um estilo de representação cujo significado é
desconhecido da massa ou está camuflado para que a massa não veja o que realmente as
Escolas de Samba são: cultura industrializada. E esta cultura industrializada serve para que as
pessoas percebam sua própria nulidade e integrem-se ao sistema: “você se surpreende porque
eles [os membros das agremiações] falam que carnaval pra eles não é somente a folia, a visão
que eles tem do carnaval é aquela visão da cultura que tem que ser bem trabalhada”
(BERBERICK).
A cada ano o espetáculo das Escolas de Samba promovido pela indústria cultural
demonstra a renúncia permanente que é imposta às pessoas: “é justamente porque nunca deve
ter lugar que tudo gira em torno do coito” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.132). Desde
os desfiles das Grandes Sociedades Carnavalescas durante o império que isto é colocado às
massas, dos carros de idéias com as francesas semidespidas aos carros alegóricos com a mais
recente estrela da televisão nua, a mensagem à plebe rude é a mesma: olhar, desejar e sonhar,
mas você é incapaz ter o prazer.
Pode-se também fazer uma reformulação da frase de Adorno e Horkheimer (1985,
p.143): “O cinema torna-se uma efetivamente uma instituição de aperfeiçoamento moral”.
Bastaria substituir a palavra cinema por Escola de Samba, com certeza os sambistas irão
concordar que eles trabalham para o aperfeiçoamento moral:
Numa Porta bandeira não pode faltar, como você falou, elegância, simpatia. E assim,
tem assim, o sico que toda porta-bandeira tem saber fazer, ela não pode andar de
saia dentro de quadra de escola de samba ou em algum lugar que tenha o pavilhão, ela
tem… sempre de salto. Em hipótese nenhuma, lugar onde tem o pavilhão ela não
163
pode sambar, ela tem respeitar o pavilhão, seja o dela ou da escola que ela está
visitando (ALCIONE PROPCÓPIO).
A indústria cultural, ao contrário daquilo que se pensa, o está corrompida como se fosse a
babilônia do pecado e do prazer, está corrompida porque se comporta como se fosse a catedral
do divertimento de alto nível e na verdade sua função é reduzi-lo a uma forma sem conteúdo
(ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.134).
No fim das contas as massas devem ser direcionadas à ordem por meio do espetáculo
sem se importar com seu modo de vida, coagido pelo sistema. Reproduzir e consumir o
próprio sistema de trabalho é a meta final:
O carnaval, como negócio é uma coisa interessante, a gente sabe que tem grandes
empresas que fazem um estudo em relação principalmente à motivação e um dos
campos desse estudos é uma Escola de Samba. Como que alguém […] consegue
motivar tantas pessoas a trabalharem de graça e a trabalhar com tanto entusiasmo e
tanto empenho, eles tentam descobrir isso pra que isso seja aplicado em técnicas
dentro da empresa, de motivação, porque você pode ter os melhores empregados do
mundo, mas se eles não tiverem motivação o lucro da sua empresa vai ser muito
pequeno e como você motiva e como você organiza aquele monte de gente numa
avenida, num clima de festa, de bebida, de tudo e você uma Escola passar sem
problema nenhum, sem confusão nenhuma. Nós tivemos o carnaval de 2006 […] sem
uma ocorrência policial. São essas coisas que nos incentivam a continuar, porque a
gente que tem realmente campo, tem perspectivas e tem objetivo social, inclusive,
no meio (TOSTES).
6.2 ESCOLAS DE SAMBA NA SOCIEDADE DO ESPETÁCULO
Nesta perspectiva de discussão em torno do desfile de Escolas de Samba como um
produto da indústria cultural julgamos interessante recorrer, também, às análises de Guy
Debord e Douglas Kellner sobre o espetáculo e sua inserção em nossa sociedade. Assim como
os frankfurtianos ambos consideram o espetáculo como algo indiscutível e inacessível, cuja
mensagem principal que exige uma atitude de aceitação passiva é: “o que aparece é bom, o
que é bom aparece” (DEBORD, 1997, p.16). Afirmativa corroborada pelo ex-presidente da
Escolas de Samba Partido Alto, Sebastião Giron da Silva
96
, quando fala sobre a organização
da agremiação:
[…] nós temos um Diretor [… que] procura... a gente pega as fitas pós-carnaval...
Escolas do Rio, as próprias escolas de Juiz de Fora... o que tiver de mais atual... ele
esna casa dele analisando o carnaval do Partido Alto de 96/97/98 e de 2000, aonde
nos tivemos um grande êxito nessas partes, […] ele analisa e vê o desfile, olha uma
coisa e dá para passar para o diretor de harmonia alguma coisa que houve, a posição
da Porta Bandeira, a nota que a Porta Bandeira tirou naquele ano, ela tem que
trabalhar no ponto, a bateria, o mestre da bateria, essas posições, como é que foi...
96
Entrevista para o autor em janeiro de 2006.
164
tudo isso, ele faz essa análise e passa pra gente. Por exemplo, a escola campeã do Rio
de Janeiro, nós temos o filme em casa, então passa, olha e analisa, diz: “olha nós
podemos corrigir aqui... podemos corrigir ali e vamos fazer”.
Como observa Douglas Kellner (2004), a cultura da mídia – que nada mais é que um braço da
indústria cultural – fornece material cada vez mais farto para modelar o pensamento, o
comportamento e as identidades. Ao contrário de Hiram Araújo e Carlos Sebe que, como
vimos no primeiro capítulo, enxergam o carnaval como algo que evoluiu da antiguidade
clássica, Kellner nos mostra, pelo contrário, que o carnaval está na mesma categoria das festas
romanas ou dos espetáculos medievais, qual seja, uma demonstração de poder: “Maquiavel
aconselhou seu príncipe sobre o uso produtivo do espetáculo para o governo e o controle da
sociedade, e os imperadores e reis dos estados modernos cultivaram os espetáculos como
parte de seus rituais de governo e poder” (KELLNER, 20, p.).
O entretenimento popular, não há como negar, tem suas raízes comunitárias, no
entanto, o desenvolvimento de dias eletrônicas televisão e rádio incluídos e, mais
recentemente das tecnologias da informação, o como escapar do fato de que os
tecnoespetáculos
97
– acreditamos que a televisão também é abrangida por este termo têm, já
algum tempo, determinado uma parte dos perfis sociais e das culturas contemporâneas.
Afinal, O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas,
mediada por imagens” (DEBORD, 1997, p.14). Em vários sentidos o próprio espetáculo das
Escolas de Samba tornou-se um dos princípios organizacionais da economia, da política, da
sociedade e da vida cotidiana das pessoas que estão ao seu redor, seja numa região mais
carente como a da Vila Olavo Costa, onde a Juventude Imperial sempre atuou:
[A finalidade de manter a escola] é mais pelo lazer do bairro, [...] é quase obrigação
[...]é um bairro que não tem lazer... e a escola tornou-se uma referência de lazer...
então as pessoas já ficam naquela expectativa no fim de semana... é baile... é escola de
samba... […] eu gostaria de botar um lazer mais sofisticado, por exemplo, uma
piscina... […] mas a dificuldade é muito grande, porque tudo que se faz aqui se gasta,
não tem como você absorver […] Se você cobrar o ingresso muito caro, você não
consegue o público, se você colocar um ingresso baixo você não tem condições de
pagar, então é muito complicado… a periferia, até os eventos têm que ser medidos,
tem que calcular o que vai fazer pra não ter prejuízo, basicamente é prejuízo...
(CHAVES).
Seja numa Escola como o Partido Alto que faz muito tempo perdeu sua referência
territorial ao trocar o Largo do Cruzeiro por outras regiões da cidade até se estabelecer
definitivamente numa área não residencial do bairro Mariano Procópio:
[…] O Partido Alto é uma escola que sempre, sempre trabalhou com um corpo grande
de voluntários, […] é uma escola muito bem aceita pelo público em geral. O público
97
Termo usado por Kellner em seu artigo: A cultura da mídia e o triunfo do espetáculo.
165
tem um reconhecimento muito grande com o Partido Alto. Grandes sambas. Grandes
enredo, eu nunca vou cansar de falar de Afonso Loti, um dos grandes carnavalescos
de Juiz de Fora, sem tirar os méritos dos outros, pois muitos carnavalescos foram
discípulos de Afonso Loti. […] Infelizmente vai sempre existir essas coisas: aqueles
que têm maior aceitação do público, têm uma aceitação menor de diretores disso e
daquilo. A gente não se livrou por que? nós procurou fazer o nosso trabalho. A gente
fala assim, vem no Partido Alto é uma coisa, trabalhar pelo Partido Alto é uma coisa,
e fora, a pessoa dizer assim, “eu sou uma co-irmã, uma escola pobre”. Não adianta
ele ser uma escola e não participar. Tem muitos caras do portão a dentro doando 5
minutos pra ele. Aqui no Partido alto não, a gente vem pra cá e doa, se for preciso, 48
horas, 72 horas. A família Verde e Rosa é isso, é uma doação de todos para a escola.
O que a gente paga é o nimo praticamente possível nesse sentido; porque, por
exemplo, estourou uma lâmpada lá, eu vou e conserto, teve um problema ali, o filho
vem e faz, um problema com o freezer, o outro colega que entende de freezer vem
e faz; precisa fazer uma solda, o Geraldo vem e faz a solda. A ferramenta nós
compramos, juntamos e compramos. Então, a pessoa vem e trabalha em prol da
Escola (GIRON).
No fundo, mesmo o Brasil não sendo a sociedade industrial na qual vivia Debord, podemos
ver que “o espetáculo não possui um fim, realiza-se por si” (DEBORD, 1997, p.17).
Quando Douglas Kellner comenta o texto de Debord podemos transferir para o Brasil
aquilo que ambos consideram ser uma sociedade de dia e de consumo, organizada em
função da produção e consumo de imagens, mercadorias e eventos culturais. Sendo que
Kellner irá definir os espetáculos como sendo fenômenos de cultura da mídia, fenômenos
estes que irão representar os valores básicos da sociedade, irão determinar o comportamento
dos indivíduos e a mesmo dramatizar os conflitos e lutas, além de buscar estabelecer os
modelos para a solução destes conflitos. A cultura da mídia é também o espaço de luta pelo
controle da sociedade, pois os espetáculos sedutores como o das Escolas de Samba acabam
por fascinar os ingênuos e a sociedade de consumo, que são envolvidos por uma simbologia
do que irá influenciar profundamente o pensamento e a ação em torno do entretenimento.
(KELLNER, 2001, p.54; KELLNER, 2004). Isto é perceptível tanto na fala dos organizadores
do espetáculo, como o presidente da Liga das Escolas de Samba:
[…] se amanhã, falar em fazer um desfile não competitivo, vira brincadeira. Eu
acho que o carnaval de escola de samba, ele por ser, a gente ter muito compromisso
com ele, porque envolve tanto dinheiro, tanto da iniciativa privada quanto do poder
publico, então é uma coisa séria, então não se pode deixar de qualquer maneira. A
gente tem que ter um espaço reservado dentro do carnaval para se brincar para se
descontrair, agora ali na escola de samba, existe a competição e existe um
compromisso […] O caminho é mesmo pelo contrário, eu acho que a gente tem é que
cada vez se profissionalizar mais e essa profissionalização atingir a escola de samba
durante o ano inteiro, pra que se possa fazer da escola, que é um troço que envolve
dinheiro e muita despesa, fazer de todas essas escolas empresas, porque na verdade
sem o recurso você não consegue fazer nada. […] então aquilo ali é uma indústria do
carnaval. Na verdade, a gente tem que criar mecanismos, de se profissionalizar, de se
organizar, de estruturar melhor as escolas também nesse aspecto, inclusive contábil
porque que eles têm que prestar contas, inclusive do dinheiro (TOSTES).
166
Quanto das novas gerações de sambistas:
Primeiro que eu não sei sambar, então pra mim não adianta sair de passista. Mas eu
acho que se você é porta-bandeira você tem que ser porta-bandeira. Num é que num
tenha que sair, mas tem que respeitar aquela função […], mas o mestre Dionísio, ele
vem pra dar aula no Projeto Cultura do Samba, então ele falou que se é pra ser porta-
bandeira, seja porta-bandeira. Se for pra ser passista tire a saia de porta-bandeira e fica
de sandália e põe short pra sambar (HELALI).
Os elementos do folclore são absorvidos não por uma necessidade ou força estética ou
cultural que possuam, mas como fórmula que o poder se utiliza para se fazer compreender
pelas massas incultas e mantê-las dentro do sistema, pois só se aceito nos meios de
comunicação os elementos folclóricos adaptáveis; os resistentes serão eliminados. As Escolas
de Samba se adaptaram ao esquema televisivo, todas as mudanças foram no sentido de se
criar um espetáculo para a televisão, não um espetáculo para a participação do público: as alas
são massas compactas verticais com melhor visibilidade quando estão distantes; as alegorias
são grandes com os destaques se confundindo com o cenário; os detalhes serão captados
por câmeras, pois se perdem no volume de informações de um desfile; na arquibancada o
público está distante da passarela. No esquema de produção do espetáculo o público da
avenida tem formas pré-definidas de participação. Como observou Guy Debord, no
espetáculo uma parte do mundo se representa mostrando-se através de uma linguagem que
mostra a separação entre as diferentes classes sob o capitalismo. O que liga os espectadores é
a ligação com o centro de poder, que os mantém permanentemente isolados (multidões
solitárias). O espetáculo reúne o separado, mas o reúne como separado. O processo técnico
isola, do carro à televisão. Pode-se dizer que são as multidões presentes nos camarotes e
arquibancadas (1997, p.23).
se o espetáculo tomado sob o aspecto restrito dos ‘meios de comunicação de massa’,
que são sua manifestação superficial mais esmagadora, a impressão de invadir a
sociedade como simples instrumentação, tal instrumentação nada tem de neutra […].
Se as necessidades sociais […] só podem encontrar satisfação com sua mediação […]
é porque essa “comunicação” é essencialmente unilateral (DEBORD, 1997, p.20-21).
No que se refere aos desfiles das Escolas de Samba, aquilo que era um momento de
participação de uma comunidade é impossível hoje, cujas festas são paródias do diálogo e da
doação. Na visão de Debord as festas atuais, e o carnaval é uma delas, apenas incitam um
movimento econômico que só traz a decepção para o público, condenado sempre ao mesmo
produto, por mais novo que pareça; para os sambistas, condenados a esperança de alcançar a
glória (que será desfrutada pela minoria) –, compensada pela promessa de uma nova
decepção (1997, p.106). No caso do carnaval, sua transformação em desfile, seja de Escola de
167
Samba, seja de trios elétricos o coloca como uma festividade sem festa; a decepção está no
verso da música: para tudo se acabar na quarta-feira”. No entanto, sempre uma promessa
de nova decepção no ano seguinte.
Ao mesmo tempo em que temos a concepção da Escola de Frankfurt de uma sociedade
“totalmente organizada” ou unidimensional” (conceitos exaustivamente debatidos em
Horkheimer; Adorno; Marcuse), temos em Kellner aquilo que ele chama de Economia do
Espetáculo, segundo a qual as corporações precisam fazer circular suas imagens e marcas para
que os negócios e a publicidade se combinem no mecanismo de divulgação que se faz sob a
forma de espetáculo (marca mangueira; samba-funk-reague-axé; afro-quelquer-coisa; ongs
ligadas ao samba). Também necessitam transformar suas logomarcas em pontos de referência
conhecidos na cultura contemporânea Xuxa, Maurício de Souza, Petróleo Ipiranga,
Companhia Vale do Rio Doce, Volvo. No caso de uma sociedade como a brasileira, pode
significar também a imagem ou marca do Estado e/ou governante já foram patrocinadores
os estados de Minas Gerais, Sergipe, Amazonas; as cidades de Olinda, Macaé, Campos dos
Goytacazes –, voltando ao que afirmou o ex-prefeito de Juiz de Fora, Melo Reis, o carnaval
de rua é um espetáculo montado pela prefeitura, que “dita as regras”.
Do ponto de vista econômico ao qual se reduziu o desfile das Escolas de
Samba podemos parafrasear Guy Debord (1997, p.24), quando afirma que “o
espetáculo na sociedade corresponde a uma fabricação concreta da alienação.
A expansão econômica é sobretudo a expansão dessa produção industrial
específica. O que cresce com a economia que se move por si mesma pode
ser a alienação que estava em seu núcleo original”. Uma indústria cujo produto
é a venda de blocos de tempo ou a idéia dos lazeres como mercadoria. A
Escola de Samba, no final das contas, são setores independentes que se
agrupam no dia do desfile, como se fosse um carro que chega pronto ao final
da linha de montagem.
A expansão do espetáculo no campo econômico facilitou o surgimento do
megaespetáculo, dos espetáculos interativos, querendo ou não a Escola de Samba é um
espetáculo interativo para o pobre, pois ele é quem ocupa os espaços nos quais é possível a
interação durante o desfile e também sua aproximação com o topo deste universo que são as
celebridades. Conforme nos diz Kellner (2004, p.6): “A celebridade também é produzida e
manipulada no mundo do espetáculo. As celebridades são os ícones da cultura da mídia, os
deuses e deusas da vida cotidiana”. Tanto que no caso do carnaval há uma busca pela
presença destas celebridades como forma de garantir a valorização da marca do espetáculo
local:
[a TV] retira um pouco da presença daqui [de Juiz de Fora], porque as pessoas que
saem daqui para desfilar raramente aparecem na televisão […]. Mas eu acho que
168
afeta aqui. E naquela época do Melo Reis, na gestão dele como prefeito, quando o
carnaval externo se consolidou em definitivo […] a vinda de artista da televisão, era
facilitada por dois motivos: primeiro era importante para a festa popular porque a
televisão começava também a consolidar a teledramaturgia dos grandes shows, de
maneira que os cantores e atores eram importantes e quando apareciam na avenida
aqui eram figuras que estavam surgindo e tal... […] Outro ponto é que ainda não havia
[…] uma valorização de cachês tão grande como hoje […]. Naquela época, não,
naquela época os cachês eram mais acessíveis, era possível fazer essa graça (CID,
2007).
Por mais que estejamos falando de sociedades culturais e tecnologicamente diferentes o é
possível deixar de atentar para algo que aproxima o Brasil e as sociedades industriais, que é o
fato de a televisão, desde seu surgimento nos anos 1940, promover os espetáculos de
consumo, vendendo carros, moda, utilidades domésticas ou desfiles de Escolas de Samba,
mercadorias que acompanham ou moldam o estilo de vida e os valores do consumidor.
Segundo Kellner (2004, p.9) “A TV é hoje um meio para a exibição de programas
espetaculares, Nesses programas, homens e mulheres se humilham, experimentando vergonha
e rejeição ao competirem pelos favores sexuais dos participantes, onde são raros os momentos
de glória e recompensa”.
Como país da periferia do capitalismo o Brasil está experimentando hoje uma nova
cultura do espetáculo que se traduz em uma nova configuração da economia, da sociedade, da
política e da vida cotidiana. O surgimento dos diversos carnavais fora de época, as micaretas
podem ser uma tradução destas mudanças, uma forma de manter funcionando um ramo da
indústria fonográfica durante todo o ano, que são as bandas dos trios elétricos. Enquanto as
Escolas de Samba se preparam para o ano seguinte, as bandas rodam o Brasil. Uma mesma
banda pode, inclusive se dividir para realizar apresentações em cidades diferentes no mesmo
dia e hora.
Estas mudanças são sentidas nas sociedades industriais mais de 20 anos. Para os
países periféricos é um novo desafio o mapeamento teórico e a análise dessas novas formas de
cultura e de sociedade. Além disto entender as novas formas de dominação e de opressão que
possam surgir, bem como a potencialidade para a realização da justiça social. Parafraseando
Kellner (apud Kellner, 2004, p.14)
Estamos numa situação paralela, eu diria, à da Escola de Frankfurt dos anos [19]30,
que foi forçada a teorizar as emergentes configurações da economia, política,
sociedade e cultura, trazidas pela transição do mercado ao se estabelecer o capitalismo
monopolista. Nos seus textos clássicos, eles analisaram as novas formas da
organização social e econômica, a tecnologia e a cultura; o surgimento das
megacorporações e cartéis e o Estado capitalista no “capitalismo organizado” nas suas
duas formas, a fascista ou “democrática”, e as indústrias culturais e a cultura de massa
que serviam como novos tipos de controle social, novas formas de ideologia e de
dominação, e uma poderosa configuração da cultura e da vida cotidiana.
169
As Escolas de Samba depois de absorvidas pela industria cultural se renderam à
técnica em detrimento da espontaneidade e irreverência, que continuam existindo apenas no
discurso sobre o carnaval. Como vimos nas entrevistas dos carnavalescos de Juiz de Fora, não
existe mais a descontração, mas uma preocupação obsessiva com o “desfile técnico”,
controlado. Em hipótese alguma a Escola de Samba irá para a avenida mostrar a identidade
cultural da comunidade, ela só descerá do morro para o asfalto montar o espetáculo se o cachê
for devidamente pago. O Brasil do samba-enredo matou o carnaval cantado pela marchinha
que Pedro Caetano e Claudionor Cruz compuseram no longínquo ano de 1944: “Com dinheiro
ou sem dinheiro/ ê ê ê ê, eu brinco”.
170
CONCLUSÃO
A percepção dos fenômenos sociais é sempre mais simples quando observado depois
de um certo distanciamento temporal. Entender as variáveis que compõem o tempo presente
requer um apurado senso histórico e, no caso da realização de uma investigação, o
distanciamento necessário para apaziguar as paixões que querem ajustar o objeto de pesquisa
às idiossincrasias do pesquisador. Com as informações contidas em nosso trabalho de
investigação pudemos identificar como uma prática cultural surgida pela necessidade de
expressão das classes subalternas do Rio de Janeiro foi facilmente subjugada e moldada pelo
sistema de produção da indústria cultural e reificado com o intuito ou a necessidade política
do Estado brasileiro no início do século XX em manter a unidade territorial
98
de criar uma
identidade comum para o Brasil. Daí a propaganda usando a idéia da unidade de um grande
território em torno de uma língua comum e de uma cultura comum convivendo com
diversidades regionais. A Escola de Samba, possibilidade de inserção social dos
marginalizados, viu-se, em pouco mais de vinte anos, transformada em fetiche da sociedade
do espetáculo – se contarmos do momento da oficialização dos desfiles em 1935 até a entrada
de artistas plásticos e cenógrafos para organizar as Escolas em 1959. A sedução do espetáculo
e suas possibilidades de gerar um comportamento normatizado contribuíram para que
agremiações surgissem além das fronteiras cariocas.
Uma cidade que experimentou muito cedo as Escolas de Samba como forma de
brincar o carnaval foi Juiz de Fora foi este o motivo para escolher esta cidade como foco de
investigação. Apesar de as entrevistas e os dados encontrados pela pesquisa atenderem
satisfatoriamente a proposta deste trabalho, uma pergunta importante o pôde ser respondida
totalmente: por que as Escolas de Samba, que existiam na cidade desde a cada de 1930, só
passaram a ter importância para o carnaval local a partir do final da década de 1960? De
forma complementar pode-se questionar os motivos pelos quais em um espaço de dez anos
estas agremiações entraram em decadência, nos anos 1980? Nos atrevemos a responder esta
questão da seguinte forma: havia uma forte cultura local e uma sociedade que demandava
98
Preocupação latente, cujo exemplo mais recente foi a aprovação e implantação do Projeto Calha Norte nos
anos 1990 e, posteriormente, as ações que visam impedir a demarcação de terras indígenas em áreas de fronteira.
171
outras formas de manifestações e era refratária à importão dos modelos de Escolas de
Samba do Rio de Janeiro, além de a cidade ter uma classe média – que foi o setor responsável
pela criação das agremiações com acesso às formas tradicionais locais de carnaval (bailes
em clubes e batalhas de confete); com o boom da televisão nos anos 1960 e a conseqüente
transmissão dos desfiles do Rio de Janeiro foi demonstrado a todo o país, inclusive à classe
média juizforana e a vários setores das classes subalternas, a possibilidade da realização de
um espetáculo de rua grandioso chamado desfile das Escolas de Samba (“O maior espetáculo
da Terra”, segundo slogan que abre as transmissões). O tempo e a decadência econômica da
Zona da Mata mineira foram responsáveis pelo refluxo da idéia de espetáculo grandioso em
Juiz de Fora e as pessoas envolvidas com as Escolas de Samba locais constataram que não é
possível copiar a evolução técnica/tecnológica das montagens do Rio de Janeiro, elas também
continuam amarradas a alguns dogmas que as impede de escapar do desgaste provocado pelo
esquema repetitivo do formato do desfile. Os carnavalescos e alegoristas têm a noção que o
desfile planejado no papel está muito além da possibilidade de realização das agremiações
juizforanas.
Através das entrevistas realizadas com os carnavalescos e diretores das Escolas de
Samba foi possível perceber que as tentativas de manter o funcionamento das Escolas de
Samba de Juiz de Fora realizam-se no sentido de perpetuar o formato do espetáculo nos
moldes preconizados pelos meios de comunicação e de manter sua identidade atrelada ao
conceito, ou melhor, ao clichê/estereótipo das agremiações cariocas. Assim, qualquer
tentativa de mudança estrutural na forma de organização ou de se apresentar ao público será
combatida, pois o modelo a ser seguido já está dado pela indústria cultural. No entanto, como
dissemos acima, é um espetáculo para o tamanho de Juiz de Fora, ou seja, uma caricatura do
espetáculo carioca, cuja semelhança está presente apenas em uma distribuição descritiva de
funções e objetos: bateria, alegorias, mestre-sala e porta-bandeira, baianas, alas fantasiadas,
comissão de frente, instrumentos que compõem a bateria, local para o público, comissão
julgadora.
É importante observar que o discurso que está presente na fala das pessoas
entrevistadas é o reforço do estereótipo, principalmente quando o entrevistado é o mestre-sala
ou a porta-bandeira. No caso destes o que vemos é uma distorção e ignorância da história para
dar uma conotação de tradição à função que desempenham no carnaval. No entanto, esta
conotação que busca justificar a ausência de mudanças não é percebida pelos entrevistados,
ou seja, para eles não é possível copiar a grandiosidade do Rio de Janeiro, mas querem pelo
172
menos copiar a forma de desfilar, pois assim estariam mantendo uma tradição que consideram
tão antiga quanto o próprio tempo.
Além do domínio exercido externamente pela indústria cultural, os mecanismos de
controle e manutenção do status quo existentes dentro das Escolas de Samba também não são
percebidos pelas pessoas que fazem parte das agremiações. Alguns controles disciplinares,
obviamente, surgiram para não serem notados, mas formas claras de controle são tidas como
naturais, mesmo que só dependam da vontade das agremiações modificá-las. O melhor
exemplo é o dos regulamentos dos desfiles; as regras são estabelecidas pelas próprias Escolas
de Samba e, nas entrevistas em que o tema foi abordado, elas reclamam de diversos tópicos,
como se modificá-los dependesse de uma entidade etérea e inatingível. Podemos afirmar que
as Escolas de Samba atuam no sentido de ensinar a submissão. Assim, a festa dentro da
sociedade do espetáculo cumpriria a mesma função de controle que Foucault observou na
clínica do início da modernidade.
Com relação à pergunta contida no título deste trabalho não há dúvida de que a
identidade cultural das Escolas de Samba de Juiz de Fora nasceu no Rio de Janeiro, num claro
movimento de imposição de práticas culturais por quem tem maior poder de divulgação de
informações. O samba carioca, com muitos defensores dentro dos veículos de comunicação e
servindo como ponta de lança para a introdução e crescimento de uma indústria fonográfica
no Brasil, se espalhou rapidamente por várias regiões e acabou por moldar musicalmente o
carnaval. O samba de roda, o maxixe, o lundo entre outras práticas tornaram-se periféricas. Os
dados levantados não respondem diretamente as hipóteses formuladas no presente trabalho,
mas nos deixam pistas suficientes para afirmar que o discurso das agremiações juizforanas é
acrítico e não tem relação de identificação para as comunidades locais por dois motivos: 1) as
Escolas copiam o modelo carioca, estabelecido via televisão; e 2) a maior parte dos enredos –
em torno de 90% - são temas não locais. Também podemos dizer que a assimilação da
estética da comunicação de massa pelas classes subalternas acontece porque seus líderes de
opinião – e no caso das Escolas de Samba, de todas as pessoas que participam ativamente do
dia-a-dia da agremiação – valorizam os modelos traçados pela classe dominante buscando
copiá-los como forma de aproximação e reconhecimento.
Como o Rio de Janeiro era a capital do Brasil até meados do século XX, a indústria do
entretenimento se instalou nesta cidade que era o principal mercado consumidor de produtos
culturais e irradiador das novidades para o resto do país. A lógica do mercado impunha que a
produção cultural carioca fosse, conseqüentemente, o principal produto a ser vendido para as
demais regiões do país, daí a idéia de tradição do samba carioca ser vendida e aceita nas
173
regiões mais próximas. Nos anos mais recentes o mercado para o produto Escola de Samba
saturou-se em Juiz de Fora, transformando a cidade em ponto de apoio para capilarizar ainda
mais o produto Escola de Samba, vendendo-o às pequenas cidades ao seu redor, que
apresentam maior perspectiva de expansão – é a mesma lógica usada por bancos, empresas de
telefonia, fabricantes de automóveis ou qualquer outra indústria. Enfim, a indústria cultural
constrói e da consistência para a identidade das tradições inventadas que se situam no âmbito
do espetáculo, pois hoje, mais do que nunca, é este que consegue pacificar as massas.
Ao final desta pesquisa identificamos novas possibilidades de investigação dentro do
campo da comunicação que poderiam trazer mais algumas informações relevantes com
relação às modificações das práticas culturais, o em Juiz de Fora, mas em qualquer
cidade à margem dos grandes centros. Um tema também interessante que pode ser
complementar ao trabalho que realizamos é um mapeamento nos jornais locais sobre o
tratamento que as diversas festas receberam ao longo do tempo detectando a variação de
importância dos festejos no cotidiano da cidade – é um trabalho simples de se realizar em Juiz
de Fora, uma vez que o acervo de jornais e documentos existentes é amplo e retrato da região
desde 1805. Outra questão, já agora no campo da economia, é um estudo do impacto
econômico das Escolas de Samba para Juiz de Fora e, uma vez que o carnaval é financiado
pelo poder público, a viabilidade econômica de se manter este formato de espetáculo.
Também, no campo da comunicação, valeria a pena investigar os impactos que as atuais
tecnologias de comunicação estão produzindo nas Escolas de Samba do Rio de Janeiro e São
Paulo, que serão as primeiras a experimentar possíveis modificações. Utilizando a
metodologia desta pesquisa pensamos que um enriquecimento para os dados levantados seja
buscar a base sobre a qual estão se criando novas Escolas de Samba em pequenas cidades, ou
seja, tentar compreender o porquê de algumas cidades como o caso de Rio Novo (MG)
aderirem recentemente ao desfile de Escolas de samba como forma de brincar o carnaval.
Do ponto de vista teórico o trabalho demonstrou que há uma necessidade de se
retomar as análises da primeira geração da Teoria Crítica em função da amplificação dos
esquemas de produção indústria do espetáculo com a emergência das atuais tecnologias de
informação e comunicação; nas palavras do professor Douglas Kellner, estamos em situação
similar a vivida no início do século XX, com a emergência do rádio e do cinema ficcional. No
sentido que se busca na tecnologia a panacéia e que toda evolução técnica nos conduz de
forma linear para o progresso encarado como sinônimo de felicidade. Obviamente, sem
abrir mão das contribuições teóricas das duas gerações posteriores e de outras linhas de
pensamento, por exemplo: McLuhan e Foucault.
174
Em síntese, o que vimos foi uma relação que é claramente de sobreposição de uma
prática cultural em relação a outra, ou seja, primeiro o rádio levou as músicas do Rio de
Janeiro para serem cantadas em Juiz de Fora, em seguida as Escolas de Samba foram se
consolidando e eliminando as outras formas de se brincar a festa, até se tornarem sinônimo de
carnaval – o que Marcuse chamaria de linguagem unidimensional: carnaval é Escola de
Samba. Também não podemos de forma alguma caracterizar as Escolas de Samba, talvez com
exceção das cariocas, como organizações populares, no máximo elas são cultura de massa
99
-
tomando o sentido frankfurtiano do termo. Sua identidade, os discursos que produz e suas
práticas sociais são claramente um produto da indústria cultural. Esta instituição é voltada
exclusivamente para o espetáculo, mantendo seu verniz de cultura popular apenas para
garantir a permanência de uma tradição de identidade brasileira inventada no início do século
XX. Isto não significa que existe um paraíso perdido no passado que deva ser resgatado ou
que as pessoas não se divirtam no carnaval, identificamos um processo histórico que só
poderá ser modificado por outro processo histórico. Brinquemos, pois! Mas com a
consciência da existência da dominação e do controle, sem as amarras de uma esperança
acaciana.
Como esta é uma pesquisa no campo das humanidades o tema está longe de ser
esgotado. Portanto, em lugar de um ponto final preferimos deixar uma provocação: O mesmo
resultado seria obtido se outra cidade ou região for investigada?
99
Em anexo a carta de Adorno na qual ele esclarece o que é cultura de massa e o que é indústria cultural.
BIBLIOGRAFIA
ADORNO, Theodor. O fetichismo na música e a regressão da audição. In: ADORNO,
Theodor. Textos escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
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