Um romântico tardio, um tanto deslocado ou anacrônico, alheio às
aparências poderosas que o ouro e o roubo propiciam. Talvez pudesse ter
sido poeta, um flâneur da província; não passou de um modesto negociante
possuído de fervor passional [...] Mas era um demônio na cama e na rede.
Ele me contou cenas de amor com a maior naturalidade, a voz pastosa,
pausada, a expressão libidinosa no rosto estriado, molhado de suor,
molhado pelas lembranças das noites, tardes e manhãs em que os dois se
enrolavam na rede, o leito preferido do amor, ali onde os poderes de Zana
se desmanchavam em melopéia de gozo e riso. “Algavarias do desejo”,
repetia Halim, citando as palavras de Abbas. Com o tempo, ela acabou por
se acostumar com os dois corpos acasalados, escandalosos, que não tinham
hora nem lugar para o encontro. Nas manhãs de domingo Zana resistia aos
galanteios de Halim e corria para a igreja Nossa Senhora dos Remédios.
Mas ao regressar a casa, com a alma pura e o gosto da hóstia no céu da
boca, Halim a erguia na soleira da porta e subia a escada carregando-a no
colo. E, enquanto subia, deixava as alpercatas e o roupão nos degraus, e
mais os sapatos, as meias, as anáguas e o vestido dela, de modo que
entravam quase nus na alcova aromada por orquídeas brancas. “Por Deus,
nunca pude levar a sério o comércio”, disse ele, num tom de falso lamento.
“Não tinha tempo nem cabeça para isso. Sei que fui displicente nos
negócios, mas é que exagerava nas coisas do amor.”
(HATOUM, 2000, p. 52-54; 65)
Representada como canal lingüístico da emoção, como se verifica em Amado e Hatoum,
a língua árabe, além de mediar o convívio amoroso entre os personagens, também
desempenha o papel desencadeador das lembranças de si, o que Hall denomina de núcleo ou
essência interior, embora em contínua formação e modificação com os mundos culturais
“exteriores” (HALL, 2001, p. 11), como se vê sugerido nas narrativas:
E, por mais espantoso que pareça, naqueles dias vibrantes do comício, no
maior deles, quando dr. Ezequiel bateu todos os seus recordes anteriores de
cachaça e inspiração, Nacib pronunciou um discurso. Deu-lhe uma coisa
por dentro, depois de ouvir Ezequiel. Não agüentou, pediu a palavra. Foi
um sucesso sem precedentes, sobretudo porque, tendo começado em
português e faltando-lhe as palavras bonitas, pescadas dificilmente na
memória, ele terminou em árabe, num rolar de vocábulos sucedendo-se em
impressionante rapidez. Os aplausos não findavam. – Foi o discurso mais
sincero e mais inspirado de toda a campanha – classificou João Fulgêncio.
(AMADO, 1979
1, p. 327)
Às vezes ele se esquecia e falava em árabe. Eu sorria, fazendo-lhe um gesto
de incompreensão: “É bonito, mas não sei o que o senhor está dizendo”. Ele
dava um tapinha na testa, murmurava: “É a velhice, a gente não escolhe a