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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
Ana Paula Pereira Costa
ATUAÇÃO DE PODERES LOCAIS NO IMPÉRIO LUSITANO: uma análise do
perfil das chefias militares dos Corpos de Ordenanças e de suas estratégias na
construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735-1777)
Dissertação de Mestrado
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2006
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ATUAÇÃO DE PODERES LOCAIS NO IMPÉRIO LUSITANO: uma análise do
perfil das chefias militares dos Corpos de Ordenanças e de suas estratégias na
construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735-1777)
Ana Paula Pereira Costa
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História
Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Manolo Garcia
Florentino.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2006
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ATUAÇÃO DE PODERES LOCAIS NO IMPÉRIO LUSITANO: uma análise do
perfil das chefias militares dos Corpos de Ordenanças e de suas estratégias na
construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735-1777)
Ana Paula Pereira Costa
Orientador: Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História
Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre
em História Social.
Aprovada por:
_______________________________________
Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino – Orientador
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
_______________________________________
Prof.a Dr.a Carla Maria Carvalho de Almeida
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
_______________________________________
Prof. Dr. João Luis Ribeiro Fragoso
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2006
4
Ficha Catalográfica
COSTA, Ana Paula Pereira.
A atuação de poderes locais no Império Lusitano: uma análise do perfil das chefias
militares dos Corpos de Ordenanças e de suas estratégias na construção de sua autoridade.
Vila Rica, (1735-1777) / Ana Paula Pereira Costa. Rio de Janeiro: UFRJ, PPGHIS, 2006.
xiv, 150f.; 31cm
Orientador: Manolo Garcia Florentino.
Dissertação (Mestrado), UFRJ, IFCS, Programa de Pós-Graduação em História Social,
2006.
Referências Bibliográficas: f. 141-149.
1 – História do Brasil. 2 – História de Minas Gerais. 3 – Poder local. 4 – Oficiais dos
Corpos de Ordenanças. I – Florentino, Manolo Garcia. II – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Programa de Pós-Graduação em História Social. III – Título.
5
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo compreender a atuação de um dos poderes
locais existentes na colônia, no caso, os Corpos de Ordenanças, bem como a
viabilização da governabilidade régia em seus domínios mediante o desempenho desta
força militar. Para tanto, fizemos um detalhado estudo acerca da composição social dos
oficiais de mais alta patente das Companhias de Ordenanças presentes em uma das mais
importantes comarcas da capitania de Minas: a comarca de Vila Rica, no período de
1735 a 1777, com o intuito de melhor compreender os elos que os ligavam.
Reconstituímos o perfil e a inserção sócio-política e econômica destes oficiais
analisando as formas de reprodução social através dos quais buscavam um melhor
posicionamento no seio da sociedade. Procuramos ainda, de forma complementar,
compreender o recrutamento deste oficialato, seu enquadramento social, as
possibilidades de mobilidade entre os agentes, bem como seus mecanismos de
promoção.
As informações contidas em diferentes grupos de documentos por nós utilizados
nos possibilitaram abordar algumas das estratégias traçadas por este oficialato para que
fossem vistos e permanecessem como homens detentores de mando. Atentamos-nos
assim para o valor norteador de suas ações na maximização de ganhos que, no caso
desta pesquisa, se traduziu na busca de autoridade e construção de sua legitimidade
social.
6
ABSTRACT
The purpose of this work is understand the performance of one of the local
powers installed in the portuguese colony of Brazil, in the case, the “Corpos de
Ordenanças”, as well as to make possible the royal government in their domains
by the acting of this military force. For so much, we made a detailed study
concerning the social composition of higher patent officials of the “Companhias
de Ordenanças” installed in one of the most important districts of Minas Gerais:
the district of Vila Rica, in the period from 1735 to 1777, to understand the links
that tied them.
We reconstituted the profile and the social and economical insert of these
officials analyzing the forms of social reproduction through which looked for a
better positioning in colonial society. We still sought to understand the
recruitment of this officership, his social framing, the possibilities of mobility
among the agents, as well as their promotion mechanisms.
The information contained in different groups of analyzed documents
became possible to approach some of the strategies drawn by this officership so
that they were seen and stayed as men command holders. We attempted ourselves
for the value of their actions in the maximization of earnings that was translated in
the authority search and construction of his social legitimacy.
7
À minha mãe Luzia, pelo
exemplo de vida e pelo apoio
incondicional na realização
de meus anseios. A ela, e
somente a ela, devo tudo o
que sou.
8
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Manolo Garcia Florentino, pelas suas sempre pertinentes e
valiosas sugestões ao trabalho. Com a sua excelente orientação, gentileza e seriedade
acadêmica, forneceu-me em todos os momentos o auxílio de que necessitava para dar
forma a esta pesquisa.
A Faperj, pelo financiamento parcial deste trabalho com a concessão da bolsa
nota 10.
Aos professores António Carlos Jucá de Sampaio e Carlos Ziller Camenietzky,
pelos proveitosos comentários na ocasião do exame de qualificação que muito
enriqueceram este trabalho. Grata ainda ao professor João Luís Ribeiro Fragoso, pela
sua participação na banca examinadora e a professora Carla Maria Carvalho de Almeida
a quem devo tanto. Agradeço sua inestimável contribuição para minha formação
acadêmica, a atenção que sempre dispensou as minhas inquietações quando ainda
tentava formular meu tema de pesquisa e por todas as vezes que disponibilizou meios
que me auxiliaram na condução da mesma (livros, documentos, carona, dicas, etc.).
Aproveito a deixa para agradecer ao professor Ronaldo Pereira de Jesus pelas vezes que
cedeu, com tanta gentileza, caronas as minhas idas a Mariana e Ouro Preto.
Aos funcionários dos arquivos da Casa setecentista de Mariana, da Casa do Pilar
de Ouro Preto e do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, pela solicitude e
simpatia que tornaram menos árduas a busca de informações.
A querida Eliane, pelo empenho em “arrumar a cama” para mim na casa da “tia”
Elza. A esta última devo um agradecimento mais que especial por ter me acolhido com
tanto carinho no Rio de Janeiro. Nunca vou poder retribuir de forma satisfatória o que
fez por mim. Obrigada.
E por falar em acolhida, registro meus sinceros agradecimentos aos amigos da
República Sé em Mariana (Maykon, Rodolfo, Henrique, Eric, Germano, Pedro, Michel,
Enio, Magno, Jessé, Márcia e Sueli), que me receberam tão afetuosamente para que eu
pudesse realizar minhas pesquisas no arquivo da cidade e em Ouro Preto. Um
agradecimento especial à Márcia Arévalo e ao Maykon Rodrigues, com os quais
estreitei grandes laços de amizades. A vocês meu muito obrigada.
9
Aos amigos Fernanda Pinheiro e Moacir Maia, com os quais dividi agradáveis
momentos durante o mestrado e em Mariana. Neste percurso se tornaram grandes
parceiros na troca de preciosas informações sobre os arquivos e documentos do
“universo colonial”, muito queridos. Grata também ao Carlos Kelmer, pela valiosa
ajuda dos últimos meses, principalmente na busca para conseguir o “livro de Portugal”.
As minhas irmãs Julyane e Josyane, pela torcida e pela paciência em aguentar
minhas constantes variações de humor.
Ao Deivy, pelas leituras e discussões dos textos produzidos ao longo da
pesquisa, pelo seu apoio nos momentos de desânimo e, sobretudo, por ter compartilhado
comigo seu amor e ter se tornado parte indissociável da minha existência.
10
SUMÁRIO
Lista de Abreviaturas....................................................................................................11
Lista de Tabelas.............................................................................................................12
Epígrafe..........................................................................................................................14
Introdução......................................................................................................................15
Capítulo 1. Apresentando as forças.............................................................................31
1.1.O quadro organizacional das Ordenanças em Portugal.................................31
1.2.O quadro organizacional das Ordenanças no Brasil.....................................38
1.3.As Tropas de Ordenanças em Minas Gerais.................................................42
Capítulo 2. A caracterização social das chefias militares..........................................54
2.1 Nobreza guerreira, nobreza política: a exigência da “qualidade social”.......54
2.2 Poder (local) e condição social: o perfil das chefias militares.......................60
2.2.1 A ocupação de cargos...........................................................................64
2.2.2 O matrimônio........................................................................................72
2.2.3 A posse de títulos..................................................................................74
2.2.4 O tempo de permanência e a rotatividade nos postos...............................78
2.3 O perfil e as atitudes econômicas..................................................................84
Capítulo 3. Das mercês às estratégias sociais: a busca pela autoridade e mando nas
conquistas.....................................................................................................................101
3.1 Os recursos disponíveis para maximizar e atestar a autoridade..................103
3.2 Direitos, privilégios e obrigações apresentadas aos oficiais de
Ordenanças........................................................................................................117
3.3 Práticas de reprodução social: as alianças matrimoniais, o destino dos filhos
e as negociações com os escravos.....................................................................124
Considerações finais....................................................................................................139
Referências bibliográficas..........................................................................................141
Quadro Sinótico..........................................................................................................150
11
LISTA DE ABREVIATURAS
AHU Arquivo Histórico Ultramarino
AEAM Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana
BNRJ Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
CPOP Casa do Pilar de Ouro Preto
CSM Casa Setecentista de Mariana
RAPM Revista do Arquivo Público Mineiro
12
LISTA DE TABELAS
1. Preenchimento dos postos de Ordenanças.................................................35
2. Número de Cias. de Ordenanças existentes na capitania de Minas no ano
de 1764.......................................................................................................45
3. Distribuição dos oficiais de Ordenanças pelas vilas, arraiais e freguesias da
comarca de Vila Rica – 1735-1777............................................................47
4. Número de ocupantes dos postos de mais alta patente das Ordenanças
distribuídos pela comarca de Vila Rica – 1735-1777................................50
5. Resumo geral das forças militares de Minas em 1768...............................52
6. Naturalidade dos oficiais de Ordenanças presentes na comarca de Vila
Rica (para os quais temos informações).....................................................61
7. Região de origem dos oficiais de Ordenanças provenientes de Portugal
(para os quais temos informações).............................................................61
8. Cargos políticos ocupados pelos oficiais de Ordenanças de Vila Rica (para
os quais temos informações)......................................................................64
9. Rendimento dos ofícios pertencentes a fazenda real em termos de
emolumentos e propinas.............................................................................67
10. Estado civil dos oficiais de Ordenanças da comarca de Vila Rica (para os
quais temos informações)...........................................................................73
11. Títulos nobiliárquicos possuídos por alguns dos oficiais de Ordenanças da
comarca de Vila Rica.................................................................................75
12. Tempo de permanência dos oficiais em postos das companhias de
Ordenanças (para os quais temos informações).........................................79
13. Porcentagem de oficiais de Ordenanças que obtiveram promoção em sua
carreira militar (para os quais temos informações)....................................80
14. Composição da riqueza, em mil-réis, nos inventários da comarca de Vila
Rica por períodos – 1750-1822..................................................................86
14.1. Composição da riqueza, em mil-réis, nos inventários dos oficiais de
Ordenanças da comarca de Vila Rica por períodos – 1750-1822..............87
13
15. Distribuição da riqueza entre os inventariados da comarca de Vila Rica por
faixas e período..........................................................................................92
15.1. Distribuição da riqueza entre os oficiais de Ordenanças da comarca de Vila
Rica por faixas e período............................................................................93
16. Ocupação econômica dos oficiais de Ordenanças da comarca de Vila Rica
(para os quais temos informações).............................................................97
17. Destino dos filhos dos oficiais de Ordenanças da comarca de Vila Rica
(para os quais temos informações)...........................................................129
14
“Nenhum reino, ou república,
floresceu sem milícia, pois ela é a
que os estabelece e conserva”.
Sebastião Pacheco Varela.
Numero vocal, exemplar,
catholico e politico, 1702.
“Toda Máquina da razão de Estado
estriba em três fundamentos
principais: conselho, forças e
reputação”.
Sebastião César de Menezes.
Summa politica, 1645.
15
Introdução
A construção do Estado Moderno na Europa, assente na fiscalidade e na guerra,
passou também pela tentativa de constituição de um exército à escala do território
nacional. A fragilidade do aparelho burocrático e a escassez de recursos humanos e
técnicos fizeram com que os monarcas se apoiassem em milícias urbanas para assegurar a
existência de uma tropa pronta a servir em caso de necessidade. Portugal não constituiu
exceção a este quadro sendo marcante a presença de forças militares ou paramilitares
locais no quadro organizacional do exército português, à imagem do que ocorria em vários
reinos europeus
1
.
Contudo cabe sublinhar uma especificidade de Portugal neste contexto. No
período de 1500-1800 boa parte das grandes potências européias ocidentais passaram
por conflitos militares nos quais se pode acompanhar a evolução das táticas, dos
armamentos e da organização militar, num processo que ficou conhecido como
“revolução militar”. Como se sabe, a revolução militar é caracterizada pela introdução
intensiva e extensiva da nova tecnologia militar de armas de fogo, o que resultou em
uma série de mudanças não apenas nas técnicas de combate, mas também na
organização militar e na relação da guerra com a sociedade
2
. Portugal, entretanto, ficou
de fora deste processo. Sua história militar é a de um país que, durante mais de 150
anos, (entre Toro-1476 e a Aclamação-1640) não participou de operações militares
terrestres na Europa e que, de experiência, conhecia apenas a guerra ultramarina, em
que se defrontavam práticas bélicas peculiares e a guerra de guerrilhas
3
. Com efeito, os
esforços de guerra de Portugal concentravam-se, sobretudo, na força naval. Desde pelo
menos o século XVI Portugal tecia uma armada permanente. Apesar de esta comportar
funções civis (comerciais) ela era ao mesmo tempo uma armada de guerra, sustentada
pela Coroa, sendo o grande sustentáculo desta em seus êxitos, pelo menos no Oriente, e
1
RODRIGUES, José Damião. “A guerra no Açores”. In. HESPANHA, António Manuel (Org). Nova
História Militar de Portugal. Vol. II – séculos XVI-XVII. Lisboa: círculo de leitores: 2003. p. 245.
2
HESPANHA, António M. “Introdução”. In: HESPANHA, António Manuel (Org). Nova História
Militar de Portugal... Op. cit., p. 9. Sobre revolução militar ver: Parker, Geoffrey. The Military
Revolution: Military Inovation and the Rise of the West, 1500-1800. Cambridge, Cambridge University
Press, 1992.
3
Idem. Sobre este assunto ver: PUNTONI, Pedro. A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a
colonização do Sertão Nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo: Hucitec, 2002.
16
do Império Ultramarino. Ou seja, a potência naval foi um fator – direto, enquanto força,
e indireto, enquanto garantidor de riqueza – de credibilização externa de Portugal
4
.
Diferente era a situação da força armada terrestre. Aí as tradições portuguesas são
tardias e pouco permanentes, até pelo menos o século XVII
5
. Conforme dito
anteriormente, e a exemplo do que acontecia em outras partes da Europa, os monarcas
se apoiaram em milícias urbanas para assegurar a existência de uma tropa pronta a
servir em caso de necessidade.
A origem destas milícias mergulha na Idade Média. No período da Reconquista os
fueros de leão e Castela, desde o século XI, e os forais portugueses desde, pelo menos,
1157, consagravam a obrigatoriedade dos cavaleiros em participar das expedições
militares. Com D. Afonso Henriques (1128-1185), no século XIII, os forais declaravam
que os súditos eram obrigados a prestar serviços militares a fim de prepararem-se para a
guerra a que as disputas territoriais com os mouros os obrigava. Para além do serviço
militar exigido da população em geral, os monarcas portugueses preocuparam-se, desde
final do século XIII, em criar corpos especializados. Assim surgem os besteiros
organizados como a tropa de elite portuguesa no primeiro quartel do século XIV,
recrutados entre os mesteirais jovens, ou não os havendo em número suficiente, entre
serviçais e braceiros
6
. Neste sistema o Rei era o comandante supremo, sendo a organização
das tropas, nestes primeiros tempos, feita em hostes, uma unidade tática dividida em
companhias de cavalaria e infantaria
7
.
Esta modalidade de organização militar se manteve até o início do século XVI. Não
existia um exército regular e o Rei continuava a depender desta estrutura intimamente
articulada com a rede concelhia e com as hostes senhoriais.
A partir do século XVI, a estrutura militar lusitana começa a tomar forma mais
consistente com o esboço de um projeto que transformasse a infantaria medieval em
Tropa Regular, em “exército do Estado”
8
. Nesta esteira é que se tem a criação dos
Corpos de Ordenanças. A criação do sistema de Ordenanças tem sido destacada na
4
HESPANHA, António M. “Conclusão”. In: HESPANHA, António Manuel (Org). Nova História
Militar de Portugal... Op. cit., p. 360-361.
5
Idem.
6
RODRIGUES, José Damião. “A guerra no Açores” In: HESPANHA, António Manuel (Org). Nova
História Militar de Portugal... Op. cit., p. 245.
7
SILVA, Kalina V. da. O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial: militarização e
marginalidade na Capitania de Pernambuco dos séculos XVII e XVIII. Recife: Fundação de Cultura
Cidade de Recife, 2001, p. 46.
8
SILVA, Kalina V. da. O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial... Op. cit., p. 48.
17
história militar portuguesa e nas discussões acerca dos reflexos da revolução militar na
Europa como uma especificidade. A pouca atuação direta do Monarca em confrontos
bélicos poderia tornar diminuta sua autoridade como chefe militar, o que seria
prejudicial a sua imagem já que, como visto, o Estado Português moderno construiu-se
sob a égide do fisco e da guerra. Ao representar um universo quase geral da população
masculina, na medida em que englobava todos os indivíduos capazes de pegar em
armas, entre 18 e 60 anos, obrigando-os, de acordo com sua riqueza, a possuírem
equipamento militar, as tropas de Ordenanças apresentam-se assim como um fator de
monta não no plano da eficácia, mas no plano ideológico. Com tal sistema o Rei
reafirma-se como um chefe militar, ainda que meramente simbólico, do reino, topo de
uma pirâmide de chefias de hostes senhoriais e concelhias, passando a criar obrigações
militares diretas aos seus vassalos, fazendo-se membro de uma hoste do reino,
diretamente recrutada e organizada sob seu comando
9
.
Com a Restauração em 1640, a organização militar se fecha com a criação
efetiva de um exército regular não mais baseado nas hostes medievais que na segunda
metade do XVII serão substituídas pelos terços, divididos em companhias; e com a
criação das Milícias
10
. Portanto, somente depois de 1640 Portugal efetiva a criação de
um exército permanente a fim de se defender de uma potência (Espanha) que como as
grandes monarquias européias dispunham de exércitos permanentes a muito mais
tempo. Progressivamente o exército português vai se estruturando, sem, contudo, fazer
de Portugal uma potência militar
11
.
A estrutura militar lusitana fica então organizada a partir de três tipos específicos
de forças: os Corpos Regulares (conhecidos também por Tropa Paga ou de Linha), as
Milícias ou Corpo de Auxiliares e as Ordenanças ou Corpos Irregulares. Os Corpos
Regulares, criados em 1640 em Portugal, constituíam-se no exército “profissional”
português, sendo a única força paga pela Fazenda Real. Essa força organizava-se em
terços e companhias, cujo comando pertencia a fidalgos de nomeação real. Cada terço
era dirigido por um mestre-de-campo e seus membros estavam sujeitos a regulamentos
9
BEBIANO, Rui. “A guerra: o seu imaginário e a sua deontologia”. In: HESPANHA, António Manuel
(Org). Nova História Militar de Portugal... Op. cit., p. 36-50.
10
Idem, p. 50.
11
HESPANHA, António M. “Conclusão”. In: HESPANHA, António Manuel (Org). Nova História
Militar de Portugal... Op. cit., p. 361-362.
18
disciplinares. Teoricamente, dedicar-se-iam exclusivamente às atividades militares.
Seriam mantidos sempre em armas, exercitados e disciplinados
12
.
As Milícias ou Corpos de Auxiliares, criados em Portugal em 1641, eram de
serviço não remunerado e obrigatório para os civis constituindo-se em forças
deslocáveis que prestavam serviço de apoio às Tropas Pagas. Organizavam-se em terços
e companhias, sendo seu enquadramento feito em bases territoriais, junto à população
civil. Os Corpos de Auxiliares eram armados, exercitados e disciplinados, não somente
para operar com a Tropa Regular, mas também para substituí-la quando aquela fosse
chamada para fora de seu território. Esta força era composta por homens aptos para o
serviço militar, já que eram “treinados” para tanto e que sempre eram mobilizados em
caso de necessidade bélica. Entretanto, não ficavam ligados permanentemente à função
militar como ocorre nas Tropas Regulares. Sua hierarquia se organizava da seguinte
forma: mestres-de-campo, coronéis, sargento-mores, tenentes-coronéis, capitães,
tenentes, alferes, sargentos, furriéis, cabos-de-esquadra, porta-estandartes e tambor.
Deve-se observar que o título de Mestre de Campo era atribuído ao comandante de
Terço de Infantaria, enquanto o título de Coronel era atribuído ao comandante do Terço
de Cavalaria
13
.
A completar o tripé da organização militar estariam os Corpos de Ordenanças.
Criados pela lei de 1549 de D. João III e organizados conforme o Regimento das
Ordenanças de 1570
14
e da provisão de 1574
15
, os Corpos de Ordenanças, possuíam um
sistema de recrutamento que deveria abranger toda a população masculina entre 18 e 60
anos que ainda não tivesse sido recrutada pelas duas primeiras forças, excetuando-se os
privilegiados
16
. Conhecidos também por “paisanos armados” possuíam um forte caráter
local e procuravam efetuar um arrolamento de toda a população para as situações de
12
SILVA, Kalina Vanderlei. O miserável soldo e a boa ordem da sociedade colonial... Op. cit., ver
capítulo 2.
13
FILHO, Jorge da Cunha Pereira. “Tropas militares luso-brasileiras nos séculos XVIII e XIX”. In:
Boletim do Projeto "Pesquisa Genealógica Sobre as Origens da Família Cunha Pereira". Ano 03, nº
12, 1998, p. 19-21.
14
A respeito disso ver: Regimento das Ordenanças de 1570. In: COSTA, Veríssimo Antonio Ferreira da.
Collecção Systematica das Leis Militares de Portugal, Tomo IV – “Leis pertencentes às Ordenanças”,
Lisboa, Impressão Regia, 1816. Localização: BN/F,4,3-5/Divisão de Obras Raras.
15
Esta provisão editada quatro anos depois de promulgado o Regimento das Ordenanças complementava o
mesmo com algumas alterações e esclarecimentos fundamentados nas necessidades decorrentes da
atuação prática das Ordenanças. Para maiores detalhes ver: Provisão das Ordenanças de 1574. In:
COSTA, Veríssimo Antonio Ferreira da. Collecção Systematica... Op. cit.
16
MONTEIRO Nuno G. “Os concelhos e as comunidades”. In: HESPANHA, António M. (Org). História
de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. Vol. 4, p. 273.
19
necessidade militar. Os componentes das Ordenanças também não recebiam soldo,
permaneciam em seus serviços particulares e, somente em caso de grave perturbação da
ordem pública, abandonavam suas atividades. O termo “paisanos armados” carrega em
si a essência do que seria a qualidade militar dos integrantes das Ordenanças, isto é, um
grupo de homens que não possuía instrução militar sistemática, mas que, de forma
paradoxal, eram utilizados em missões de caráter militar e em atividades de controle
interno
17
. Também se organizavam em terços que se subdividiam em companhias
18
. Os
postos de Ordenanças de mais alta patente eram: capitão-mor, sargento-mor, capitão. Os
oficiais inferiores eram os alferes, sargentos, furriéis, cabos-de-esquadra, porta-
estandartes e tambor
19
.
De acordo com António Hespanha, as Ordenanças em Portugal, e mesmo no
ultramar, tiveram um impacto político disciplinador, pois através delas se fazia chegar
às periferias as determinações do centro; bem como tiveram um caráter dispersor do
poder régio ao fomentar o reforço das elites locais e também ao se oporem aos
comandos centralizados da Tropa profissional Paga
20
.
Para o caso português, alguns autores têm destacado a importância das
Ordenanças como fonte de poder na esfera local e aliada na implementação das
diretrizes administrativas
21
. Por seu turno, a convivência da Coroa com os poderes
locais tem sido apontada como principal contraponto do exercício “absoluto” da
autoridade régia em seus domínios
22
. O papel que tais poderes desempenharam
compreende uma conjugação entre comportamentos classicistas (pois as classes
dirigentes das localidades não eram homogêneas, fato que repercutiu em seus
comportamentos), solidariedades estamentais e laços de patrocínio, tudo conjugado com
o poder conferido pela outorga de honras pelo Rei. Este poder podia ser significativo
quando a Coroa tinha uma ampla capacidade de patrocínio visto que, quando usado
17
COTTA, Francis Albert. “Os Terços de Homens Pardos e Pretos Libertos: mobilidade social via postos
militares nas Minas do século XVIII”. MNEME – Revista de Humanidades. UFRN – CERES.
http://www.seol.com.br/mneme/, p. 3.
18
Idem, p. 4.
19
FILHO, Jorge da Cunha Pereira. “Tropas militares luso-brasileiras nos séculos XVIII e XIX...” Op. cit.,
p. 5-9.
20
HESPANHA, António M. “Conclusão”. In: HESPANHA, António Manuel (Org). Nova História
Militar de Portugal... Op. cit., p. 362.
21
MONTEIRO, Nuno G. “Os concelhos e as comunidades...” Op. cit., p. 273. Ver também: ALDEN,
Dauril. Royal government in colonial Brazil: with special reference to the administration of the Marquis
of Lavradio, Viceroy, 1769-1779. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1968. p.
443-446. Ver ainda: HESPANHA, António Manuel (Org). Nova História Militar de Portugal... Op. cit.
22
MONTEIRO, Nuno G. “Os concelhos e as comunidades...” Op. cit., p. 275.
20
judiciosamente, permitia incorporar novos grupos sociais ao aparelho estatal e assim
ampliar sua base social. Entretanto, este processo fazia com que a Coroa não pudesse
prescindir do apoio destes grupos dando lugar ao florescimento de clientelas e de redes
de intermediários sociais
23
.
Vale lembrar que esta sociedade regia-se a partir de um paradigma corporativista
segundo o qual o indivíduo não existe sozinho e sim como parte de um todo ocupando
um lugar na ordem, uma tarefa ou dever social
24
. Desta forma, a partir deste paradigma
pregava-se que o poder era, por natureza, repartido; e, numa sociedade bem governada,
esta partilha natural deveria traduzir-se na autonomia político-jurídica dos corpos
sociais. A função da cabeça (Rei) não era, pois, a de destruir a autonomia de cada corpo
social, mas por um lado, a de representar externamente a unidade do corpo e, por outro,
a de manter a harmonia entre todos os seus membros, atribuindo a cada um aquilo que
lhe é próprio; garantindo a cada qual o seu estatuto (“foro”, “direito”, “privilégio”);
numa palavra, realizando a justiça
25
. Nesta perspectiva, a representação do sistema
político ocorreria através de uma articulação hierarquizada de múltiplos círculos
autônomos de poder tais como as famílias, as cidades, as corporações, os senhorios, os
reinos, o Império, nos quais a articulação dos poderes se faria de acordo com os
mecanismos espontâneos decalcados sobre as relações sociais de poder, ou seja, sobre o
poder efetivo de cada esfera para impor às outras o seu reconhecimento
26
.
Deste modo, e conforme destacou António Hespanha
, o Estado português na
Época Moderna não deve ser entendido sob o ponto de vista da centralização
excessiva, mas a partir do conceito de Monarquia Corporativa. Neste sentido teríamos
um Estado no qual o poder real partilhava o espaço político com outras instâncias de
poder: Igreja, Concelhos, Senhores, Família; onde o direito legislativo da Coroa seria
enquadrado pela doutrina jurídica e por usos e práticas locais; onde os deveres políticos
cediam ante os deveres morais (graça, piedade, gratidão, misericórdia) ou afetivos
23
PUJOL, Xavier G. “Centralismo e localismo? Sobre as relações políticas e culturais entre capital e
territórios nas monarquias européias dos séculos XVI e XVII”. In: Penélope, n. 6, 1991. p. 129.
24
HESPANHA, A M. Panorama Histórico da Cultura Jurídica Européia. Madri: Editorial Tecnos,
1998. p. 59-61.
25
Idem, p. 61-63.
26
HESPANHA, António M. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político. Portugal – século
XVII. Coimbra: Almedina, 1994. p.298-308.
21
(redes de amigos e clientes); e onde os oficiais régios teriam ampla proteção de seus
direitos e atribuições, tendendo a minar o poder real
27
.
Assim, ao mesmo tempo em que se reconheceu a importância dos poderes locais
para a efetivação do poder régio em muitos de seus domínios, se descobriu que a
vitalidades do mesmo era indissociável da constituição de poderosas elites locais
28
.
Como bem demonstrou Pedro Cardim, o Rei estabelecia com os grupos dirigentes do
reino, e das localidades ultramarinas, vínculos de interdependência e de
complementaridade: o monarca cada vez mais contou com os serviços destes homens
nomeando-os para os mais variados postos e cargos nos mais variados lugares de seu
Império. Por seu turno, tais indivíduos esperavam que a realeza os recompensassem
devidamente pelos serviços prestados. Este sistema de remuneração de serviços
funcionou como o principal suporte do regime político luso moderno. Em contrapartida,
este mesmo sistema de concessão de mercês abriu espaço para uma maior perifização
do poder e para a emergência de grupos locais com interesses próprios
29
.
Dentro deste viés, na última década estudos que têm se dedicado ao processo de
colonização brasileira vêm se atentado para a limitação dos poderes régios e,
consequentemente, para a atuação de poderes locais na construção da autoridade
metropolitana na colônia; para a negociação que envolvia as relações entre Coroa e
súditos, para a formação de uma “nobreza da terra” e para a influência de práticas e
valores de Antigo Regime nos diferentes setores da sociedade
30
. Esta historiografia
assinala que as tensões afetando os principais grupos de poder na América Portuguesa
estiveram vinculadas a um dado perfil de formação do súdito colonial, destacando a
forma e a força da dinâmica local nas relações de poder. Conforme destacou Jack
27
HESPANHA, António. “A constituição do Império Português: revisão de alguns enviesamentos
correntes”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria F. & GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs). O Antigo
Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001. p. 166-167.
28
MONTEIRO, Nuno G. “Os concelhos e as comunidades...” Op. cit., p. 288.
29
CARDIM, Pedro. “Centralização política e Estado na recente historiografia sobre o Portugal do Antigo
Regime”. In: Revista Nação e Defesa. Lisboa: Instituto de Defesa Nacional, nº 87, 1998. p. 134-135.
30
A título de ilustração podemos citar: FRAGOSO, João. “A nobreza da República: notas sobre a
formação da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI e XVII)”. In: Topoi: Revista de
História. Rio de Janeiro, vol. 1, 2000, p. 45-122; FRAGOSO, João, BICALHO, Maria F. & GOUVÊA,
Maria F. (Orgs). O Antigo Regime nos trópicos... Op. cit.; BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o
Império: o Rio de Janeiro no século XVIII. RJ: Civilização Brasileira, 2003; FURTADO, Júnia
Ferreira. Homens de negócio: a interiorizarão da metrópole e do comércio nas minas setecentistas. São
Paulo: HUCITEC, 1999.
22
Greene as elites coloniais foram capazes tanto de opor resistência quanto de usar as
instituições metropolitanas em prol de seus objetivos
31
.
Ressalte-se que este processo de atuação das elites no território colonial vinha
seguindo um padrão definido em moldes gerais pelas normas e agências institucionais
estabelecidas pela própria Coroa. Maria Fernanda Bicalho analisou muito bem esta
questão destacando que nas conquistas, através do controle de instituições locais como
as Câmaras, as Ordenanças e as Irmandades, as elites coloniais procuraram ter acesso a
honras, privilégios e signos de distinção
32
. Estes três órgãos/instituições constituíam-se
em esferas de poder local, sendo fundamentais para garantir a convivência “ordenada”
da população na América Portuguesa
33
.
No caso das Ordenanças sua importância para a Coroa tem sido atestada por se
constituírem em um espaço de negociação que fundamentava os vínculos políticos entre
a Metrópole e a Colônia sendo, portanto, um canal de encontro e colaboração entre
Metrópole e comunidades locais, bem como uma esfera de negociação de conflitos e
divergências
34
, e também por se constituírem em um importante componente da
administração lusa na colônia, pois levavam a ordem legal e administrativa da Coroa
para os lugares mais longínquos de seu vasto Império
35
. Este elemento também é
ressaltado por Raymundo Faoro, para quem as Ordenanças constituíram a “espinha
dorsal” da colônia, elemento de ordem e disciplina
36
.
Alguns autores destacam que os indivíduos que ocupavam os quadros da
oficialidade de Ordenanças eram, em sua maioria, membros das elites proprietárias
locais, sem nenhuma experiência militar, e que sua posição de patenteado implicava em
prestígio e poder, mas em nenhuma responsabilidade, e por isso atuavam, muitas vezes,
31
GREENE, Jack. “Negotiated Authorities: the problem of governance in the extended polities of the
early modern Atlantic world”. In: Negotiated Authorities. Essays in colonial political and constitutional
history. Charlottesville, University Press of Virginia, 1994. Passim.
32
BICALHO, Maria F. “As câmaras ultramarinas e o governo do Império” In: FRAGOSO, João,
BICALHO, Maria F. & GOUVÊA, Maria F. (Orgs). O Antigo Regime nos trópicos... Op. cit., p. 207.
33
GOUVÊA, Maria de Fátima. “Redes de poder na América Portuguesa: o caso dos Homens Bons do Rio
de Janeiro (1790-1822)” In: Revista Brasileira de História, v. 8, nº 36, p. 297-330. 1998, p. 310.
34
MELLO, Christiane F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do
século XVIII: as capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e a manutenção do Império
Português no centro-sul da América. Niterói: UFF, 2002. Tese de doutorado. p. 2-9.
35
PRADO Jr. Caio, Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000, p.
324.
36
FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Vol. 1. São Paulo:
Globo; Publifolha, 2000, p. 222.
23
de forma independente, violando ordens e abusando de sua autoridade
37
. Não se
desconsidera que os abusos de autoridade existiram, muito menos que os indivíduos
atuantes nas Ordenanças não se constituíam em meros executantes dos interesses do
poder central e de seus representantes ultramarinos, pois eram também agentes
representantes de interesses inscritos na esfera local
38
. Contudo, a idéia de que os
oficiais de Ordenanças não possuíam nenhuma responsabilidade e de que se constituíam
em forças independentes sem nenhuma ligação com o poder régio, é demasiado
deturpada. Estes estudos não se atentaram para o fato de que o Rei detinha o controle da
nomeação dos oficiais, através da concessão de postos militares, e que por meio disto, e
da concessão de outras mercês, a Coroa estabelecia vínculos estratégicos com os
colonos que propiciavam a expansão de seus interesses no além-mar
39
.
Assim considerando que os Corpos de Ordenanças eram um poder local nos
moldes já explicitados e que os indivíduos atuantes nesta força militar ligavam-se ao
núcleo de poder metropolitano em elos de interdependência que davam sustentação a
governabilidade régia, para entendermos, na prática, a efetivação desses mecanismos
seria essencial uma análise dos homens a quem cabiam seu comando. Em outros termos
para uma melhor compreensão do exercício da governabilidade do Rei em seus
domínios ultramarinos e dos mecanismos de funcionamento dos poderes locais no caso,
dos Corpos de Ordenanças, seria relevante realizar uma análise da inserção dos
indivíduos pertencentes a esta força militar a nível local, considerando as estratégias e
recursos de que este oficialato dispunha para adquirirem e atestarem sua “qualidade”, e
deste modo, consolidar suas posições de mando. Neste caso, consideramos que era
fundamental que o ocupante de um posto nas Ordenanças obtivesse autoridade e
reconhecimento público e social para que conseguissem tornar-se face visível do poder.
Ressalte-se que o exercício do mando dos oficiais de Ordenanças não era algo
isolado da sociedade em que se inseriam, ou seja, era algo que necessitava do
consentimento dos demais grupos e neste momento as negociações assumiam papel
37
AUFDERHEIDE, Patricia Ann. Order and violence: social deviance and social control in Brazil, 1780-
1840. Thesis of the University of Minnesota, 1976. Vol. 1. p. 126. Ver ainda: KARASCH, Mary. “The
Periphery of the periphery? Vila Boa de Goiás, 1780-1835”. In: DANIELS, Christine & KENNEDY,
Michael V. Negotiated Empires: Centers and Peripheries in the Americas, 1500-1820. New York &
London: Routledge, 2003, p. 155.
38
MELLO, Christiane F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do
século XVIII... Op. cit., p. 5.
39
FRAGOSO, João, BICALHO, Maria F. B. & GOUVÊA, Maria. “Bases da materialidade e da
Governabilidade no Império: uma leitura do Brasil colonial”. Penélope, n.º 23, Lisboa, 2000, p. 75.
24
fundamental. Como bem ressaltou João Fragoso, a sociedade colonial possuía
mecanismos de reprodução e elasticidade, entre os quais a prática de negociação,
obviamente não se desconsidera que tais negociações continham limites tais como a
hierarquia estamental. Daí a importância da idéia de estratégias e com ela, a de conflito,
como instrumento de análise para entendimento do Antigo Regime nos trópicos
40
.
A presente pesquisa se debruçou sob tal aspecto. Tendo como pano de fundo o
Império Luso, tivemos por objetivo fazer um detalhado estudo acerca da composição
social dos oficiais de mais alta patente das Companhias de Ordenanças presentes em
uma das mais importantes comarcas da capitania de Minas: a comarca de Vila Rica, no
período de 1735 a 1777. A reflexão se desenvolveu a partir da análise do perfil e da
inserção econômica e político-social deste oficialato destacando-se os mecanismos
utilizados por eles para firmar espos de prestígio e distinção, os quais levavam à
consolidação de seus instrumentos de mando e, conseqüentemente, a legitimão e
maximização de sua “qualidade” e autoridade nas conquistas.
A delimitação espacial que propomos analisar neste trabalho abarca um
importante território das Minas Gerais no século XVIII: a comarca de Vila Rica
composta por dois termos, Mariana (antiga Vila do Carmo) e Ouro Preto. O termo de
Mariana, já na primeira década do século XVIII, constituiu-se num importante centro
religioso e administrativo
41
. A instalação do Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte
no ano de 1750 reforçou o caráter de centro religioso de Mariana e lhe conferiu outro
importante papel: o de centro educacional. De todas as partes da capitania, um grande
número de alunos para ali se dirigia com vistas a se ordenarem ou se educarem. Essa
concentração de alunos e professores contribuía para aumentar o dinamismo da cidade.
Além disso, Mariana era a sede de uma grande circunscrição judiciária, e, portanto o
local onde os habitantes de todo o município resolviam as contendas legais do
cotidiano
42
. A importância de Ouro preto configura-se pela própria condição de capital
da capitania e de se constituir, em um importantíssimo centro comercial: “Ouro preto era a
parte principal destas minas e o sitio de mayores conveniencias que os povos tinhão
40
FRAGOSO, João. “Afogando em nomes: temas e experiências em história econômica”. In: Topoi:
Revista de História. Rio de Janeiro, vol. 5, 2002, p.46.
41
ALMEIDA, Carla Maria C. de. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana – 1750-1850.
Niterói: UFF, 1994. Dissertação de Mestrado. p. 47.
42
Idem, p. 48.
25
achado para o comercio
43
”. Foi uma região extremamente produtiva e em constante
crescimento até meados do século XVIII, tanto em termos da proporção da população
nela residente, quanto em relação à arrecadação que era capaz de gerar para a
administração colonial
44
.
*****
Em se tratando de um estudo preocupado em apreender o perfil e os mecanismos
de ação de indivíduos, a presente dissertação teve como principal interlocutor o
antropólogo norueguês Fredrik Barth.
Inspirado na matriz de análise weberiana, F. Barth destaca a ação social como
uma das chaves para o entendimento da sociedade, assinalando que seu resultado
depende das ações paralelas, ou reações, de outras pessoas o que significa dizer que não
nos devemos prender a comportamentos formais e sim aos processos dos quais eles são
produtos
45
. Nesta perspectiva, um comportamento humano não é mais a consequência
mecânica da obediência a uma norma e somente será explicado se apreendermos a
utilidade de suas conseqüências em termos de valores adotados pelos atores e pela
compreensão da conexão entre os atos e resultados
46
.
Para Barth:
“O ponto de partida na análise de uma sociedade é entender o ponto de
vista dos próprios atores, pois, assim se percebe o sistema agregado não
pela sofisticada operacionalidade e índices bem medidos mas pelas
categorias cognitivas compartilhadas e os valores dos participantes do
sistema”
47
.
Assim, entender o lugar dos eventos sociais no contexto da sociedade e da
cultura que observamos é um passo fundamental na pesquisa, mas como fazer isso? A
partir da observação de tais eventos em padrões de expectativas ou obrigações no
sistema social, bem como a partir da observação do entrelaçamento do comportamento
43
“Creação de villas no período colonial”. In: RAPM. Belo Horizonte, 1897, Ano II, janeiro a março.
44
Ver: ALMEIDA, Carla M. C. de. Homens ricos, homens bons: produção e hierarquização social em
Minas colonial (1750-1822). Niterói: UFF, 2001. Tese de Doutorado. Caps. 2 e 3.
45
ROSENTAL, Paul André. “Construir o macro pelo micro: Fredrik Barth e a microhistória” In: REVEL,
Jacques (Org). Jogos de escala: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 157.
46
BARTH, Fredrik. “Anthropological models and social reality”. In: Process and form in social life.
vol. 1, London: Routledge & Kegan Paul, 1981. p .14-31.
47
Idem, p. 23.
26
com as necessidades do viver cotidiano
48
. Para Barth, pois, é inimaginável que qualquer
participante de um sistema social seja tão constrangido por forças externas a si que suas
ações sejam completamente predeterminadas em vez de afetadas por seu próprio
entendimento, expectativas e conceitualizações a respeito dos eventos da vida social
49
.
O argumento básico da obra de Barth é que a ação é fruto da escolha dos atores e
se tais escolhas dão certo elas se institucionalizam. Assim, para se entender um
comportamento é necessário descrever o processo que o gerou e desta forma ter acesso
aos valores que norteiam as ações dos indivíduos, as estratégias e recursos dos mesmos
para que consigam maximizar ganhos. Este modelo guiado pela geração do processo
analisa as escolhas para perceber como se dá a interação entre as pessoas onde, através
do que o autor denomina de transação (seqüências de interações sistematicamente
governadas pela reciprocidade), é possível perceber as limitações e possibilidades dos
atores. Relevante ressaltar que este processo tem uma mobilidade e o resultado dele não
necessariamente é o que os atores esperavam, visto que existe a ação do outro – a
incerteza – como um dos componentes deste processo de interação. Como em Barth o
indivíduo é pensado de forma relacional, isto é, em suas relações com outros indivíduos,
o social assume uma dimensão dinâmica visto que muitos elementos estão envolvidos
na tecitura do sistema: estratégias, incerteza, concepções e necessidade diferenciadas
50
.
Por isso, estaremos vendo todo o processo de inserção e reprodução do grupo em
questão como algo estabelecido a partir de barganhas, já que o mesmo era formado por
agentes com status diferentes que vão estabelecendo estratégias e lançando mão de
recursos variados. Ou seja, tal processo é sempre algo tenso
51
.
Em tal perspectiva de análise tem-se como epicentro o homem, as relações
interindividuais o que implica na capacidade do indivíduo de manipular o conjunto de
suas relações para tentar atingir certos fins. Assim, analisamos os oficiais de
Ordenanças como seres dotados de capacidade de raciocínio que buscavam melhorar a
posição detida no interior do sistema social em que se inseriam pela adoção de
48
Ibidem, p.24-25.
49
BARTH, Fredrik. Scale and Social Organization. Oslo/Bergen/Tromso: Universitetsforlaget, 1972. p.
253-272.
50
BARTH, Fredrik. “A análise da cultura nas sociedades complexas”. In: O guru, o iniciador e outras
variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000. p.107-139.
51
BARTH, Fredrik. “Analytical dimensions in the comparison of social organizations”. In: Process and
form in social life... Op. cit., p. 119-137.
27
estratégias que visavam o aumento da capacidade de controle dos recursos que lhes
estavam disponíveis
52
.
Desta forma, tendo por base estes pressupostos e pondo em cena um indivíduo
ativo e racional que opera escolhas próprias; procuraremos também dar conta das
obrigações e das limitações que pesavam sobre os oficiais enquanto agentes
representantes simultaneamente dos interesses régios, bem como indivíduos que
possuíam e defendiam interesses próprios.
A grande questão será perceber como os valores estavam distribuídos e como o
jogo era jogado, pois a partir daí pode-se explicar como a variedade de formas sociais
era gerada e como cada ator usava os recursos que possuíam a fim de tirar maior
vantagem possível. Devemos então identificar as expectativas e obrigações de cada um
no jogo para desta forma apreender o processo de construção do mando destes oficiais
53
.
Saliente-se que a busca por maximização de ganhos podia ser realizada por
diferentes escolhas e caminhos, mas que eram norteados pela mesma matriz de valores,
no caso desta pesquisa, a busca pela autoridade e poder de mando. A comparação foi o
meio mais contundente de observar, através da análise de diferentes trajetórias
individuais, esta “gama de possíveis”. Como a ação visava maximizar ganhos, o uso da
comparação entre as ações, conforme será apontado na dissertação, mostrou-se
fundamental visto que, possibilitou observar qual ação proporcionava maiores ganhos.
Ressalte-se que a possibilidade de fracasso também existia bem como um ganho
mínimo dentro do que se almejava
54
.
*****
Do ponto de vista metodológico a presente pesquisa terá o nome como fio
condutor, de forma a possibilitar um acompanhamento do destino de um indivíduo,
observando a complexa rede de relações e contextos nos quais os atores constroem sua
história
55
. Assim, o ponto de partida da pesquisa foi uma lista elaborada por mim a
52
CUNHA, Mafalda Soares da. A Casa de Bragança, 1560-1640: práticas senhorias e redes clientelares.
Lisboa: Editora Estampa, 2000, p. 96.
53
ROSENTAL, Paul-André. “Construir o macro pelo micro: Fredrik Barth...” Op. cit., p. 158-159.
54
BARTH, Fredrik. “Models of social organization III: the problem of comparison”. In: Process and
form in social life... Op. cit., p. 61-75.
55
GINZBURG, Carlo. “O nome e o como” In: A micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro:
DIFEL, 1991, p. 177-178.
28
partir da documentação do Arquivo Histórico Ultramarino arrolando todos os indivíduos
que receberam as mais altas patentes das Ordenanças para a comarca de Vila Rica entre
os anos de 1735-1777. Foram arrolados ao todo 136 nomes os quais englobaram os
postos de capitão-mor, sargento-mor e capitão.
Escolhidos os agentes históricos a analisar, procuramos segui-los nas múltiplas
relações que mantinham, o que significa investigar tais sujeitos em vários tipos de
fontes de forma a contemplá-lo nos diferentes aspectos – cultural, econômico, político
etc. – de seu cotidiano
56
.
Com tal método facilitamos o entendimento dos indivíduos como seres portadores
de experiências socioculturais, das quais sairiam estratégias de vida. Através destas
estratégias e/ou recursos os diferentes grupos e indivíduos entrariam em barganhas e
disputas
57
.
Assim sendo, procuramos levantar o maior número possível de informações para
cada um dos nomes listados nos seguintes corpos documentais:
1) Documentação avulsa do Arquivo Histórico Ultramarino relativa à capitania de
Minas Gerais. Esta documentação, disponível em CD-rom no acervo do Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é concernente a
alvarás, regimentos, ordens, cartas patentes e de sesmarias, provisões, instruções,
doações, ofícios do governador ao Rei, consulta ao Conselho Ultramarino, dentre
outros. Neste corpo documental encontramos informações valiosas nas cartas patentes e
nas “folhas de serviço militar” dos oficiais que nos permitiram ter acesso à trajetória de
vida destes homens e a sua inserção político-social na região que habitavam, na medida
em que tais fontes dissertam acerca dos serviços que estes militares prestaram à Coroa,
das mercês conquistadas e requisitadas, dos cargos administrativos ocupados, bem como
de sua participação em serviços de defesa e povoamento da colônia.
2) Documentação cartorária composta pelos inventários post-mortem e testamentos
presentes no arquivo da Casa do Pilar em Ouro Preto e na Casa Setecentista de Mariana
que além da investigação do perfil econômico de alguns oficiais nos permitiu
complementar a análise de outras variáveis da inserção política e social destes homens,
bem como de suas estratégias sociais.
56
FRAGOSO, João. “Afogando em nomes...” Op. cit., p. 62.
57
Idem, p. 63.
29
3) Processos matrimoniais presentes no Arquivo da Cúria da Arquidiocese de Mariana
utilizados no intuito de investigar as opções matrimoniais de alguns casos mais
emblemáticos,bem como suas estratégias familiares.
4) Leis militares acerca dos Corpos de Ordenanças presentes na Biblioteca Nacional
coletados a fim de compreender a estrutura organizacional das Companhias de
Ordenanças, ou seja, sua natureza, seu caráter, sua forma de recrutamento, a composição
de suas tropas, sua hierarquia e política de utilização.
5) Revista do Arquivo Público Mineiro.
*****
A dissertação foi dividida em três capítulos de forma a permitir uma melhor
visualização de como se constituiu o corpo de oficiais de mais alta patente das
Companhias de Ordenanças na região e período enfocados. Assim, no primeiro capítulo
optamos por abordar a estrutura de funcionamento desta força militar
dissertando acerca
de suas bases organizacionais e legislativas, tanto para o reino quanto para o ultramar,
nos atentando também para as medidas tomadas nos campos do domínio financeiro e da
administração militar a fim de dar suporte a esta estrutura mais geral da organização
militar lusa. Além disso, colocando em foco o caso de Minas Gerais, procuramos
também neste primeiro capítulo analisar o caráter destes corpos, sua hierarquia,
contingente e disposição de suas tropas pela comarca de Vila Rica, de forma a termos
um retrato da orgânica dos Corpos de Ordenanças, desde sua criação no Reino até sua
instalação na América Portuguesa e mais especificamente em Minas Gerais.
O segundo capítulo tratou da reconstituição do perfil e da inserção sócio-política
e econômica dos oficiais de alta patente pertencentes aos Corpos de Ordenanças
presentes na comarca da Vila Rica. Procuramos compreender assim o recrutamento
desta elite militar, seu enquadramento social, as possibilidades de mobilidade entre os
agentes, bem como seus mecanismos de promoção.
Por fim, o terceiro capítulo abordou as estratégias traçadas e os recursos disponíveis
para que os oficiais fossem vistos e permanecessem como homens de “qualidade” e,
portanto, detentores de mando. Nos atentamos para o valor norteador de suas ações, ou
30
seja, para aquilo que orientava sua busca por maximização de ganhos que, no caso desta
pesquisa, se traduziu na busca de autoridade e construção de sua legitimidade social.
31
Capítulo 1
Apresentando as forças
1.1. O Quadro organizacional das Ordenanças em Portugal
O Alvará Régio de 1508, do rei D. Manuel, lançou as bases do sistema de
Ordenanças em Portugal. Denominada de "Gente da Ordenança das Vinte Lanças da
Guarda", eram nestes primeiros tempos constituídas de mercenários estrangeiros, não
tendo ainda sua característica de permanência. Anos depois, em 1549, D. João III
publicava um Regimento no qual determinava que os serviços de armas cabiam a todos
os súditos com idade entre 20 e 65 anos, no reino e nos quatro arquipélagos atlânticos.
Com este documento introduzia-se em Portugal aquilo que Joaquim Romero de
Magalhães chamou de “princípio de militarização geral da sociedade”
58
.
Sobre esta estrutura, e perante a necessidade de um aparelho militar local bem
montado, as leis e regimentos de D. Sebastião – com destaque para a “Lei de Armas
(6.12.1569)”, o “Regimento dos capitães-mores e mais capitães e oficiais das
companhias (10.12.1570)” e a “Provisão sobre as Ordenanças (15.5.1574)” – ampliaram
as medidas anteriormente tomadas. Vejamos mais pormenorizadamente estes
regulamentos sebásticos que se constituíram no eixo estruturante da organização militar
que marcou todo o Antigo Regime português
59
.
A “Lei de Armas” estabeleceu algumas regras para o funcionamento desta força
militar. Estendeu a todo o reino a instituição das Ordenanças, que inicialmente havia
sido estabelecida somente para Lisboa; estipulou que todos os homens entre os 20 e os
65 anos estavam convocados automática e permanentemente para a defesa do país,
excetuando-se os sacerdotes, magistrados e outros funcionários graduados do governo,
ou pessoas doentes e deficientes físicos ou mentais; e determinava que cada fidalgo,
cavaleiro, escudeiro ou assemelhado deveria participar da Ordenança com certa
quantidade de recursos e equipamentos, dependendo da sua renda
60
.
58
RODRIGUES, José Damião. “A guerra no Açores” In: HESPANHA, António Manuel (Org). Nova
História Militar de Portugal... Op. cit., p 245.
59
Idem.
60
MELLO, Christiane F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do
século XVIII...Op. cit., 21.
32
O “Regimento das Ordenanças ou dos capitães-mores” organizou mais
sistematicamente esta força militar, dissertando sobre sua hierarquia de comando, o
processo e critério eletivo do preenchimento de seus postos, as obrigações dos mesmos,
a composição das companhias, a forma de recrutamento, o adestramento militar, os
exercícios periódicos e sua organização territorial. Estabeleceu também algumas
alterações, como por exemplo, a mudança nos limites de idade da convocação dos
homens, agora feita entre aqueles com idade entre 18 e 60 anos.
O Regimento de 1570 estabelecia a eleição do capitão-mor nos lugares onde o
dono da terra não estivesse presente e onde não houvesse alcaides-mores. O processo
eletivo era realizado na câmara local, com a necessária presença do corregedor e do
provedor da comarca
61
sendo que:
“[...]na eleição dos ditos capitães, especialmente os mores, terão sempe
respeito que se elejão pessoas principais da terra e que tenham partes e
qualidades para os ditos cargos[...]”
62
.
Dispunha-se, contudo, que se os senhores da terra viessem a residir em suas
capitanias, o capitão-mor eleito pela Câmara municipal perderia seu posto, a ser
ocupado por aqueles senhores e pelos alcaides-mores. Dono da terra ou eleito, o
capitão-mor recebia o juramento e fazia as escolhas, juntamente com a Câmara, dos
demais oficiais: sargento-mor, capitão-de-companhia, alferes e sargento. No topo dessa
hierarquia, o capitão-mor encarregava-se de engajar a população no serviço das
Ordenanças, bem como visitar e determinar a formação de Companhias. Teoricamente
cada Companhia de Ordenança deveria ser composta de 250 homens, distribuídos em 10
esquadras de 25 homens, sob o comando do capitão-de-companhia. Este se subordinava
diretamente ao capitão-mor e tinha em sua companhia um alferes, um sargento, um
meirinho, um escrivão, dez cabos-de-esquadra e um tambor. Em caso de afastamento, a
substituição seguia a ordem da hierarquia
63
. Eventualmente haveria ao lado das
companhias de infantaria as companhias de cavalo, para enquadrar a gente nobre do
61
SALGADO, Graça (org.). Fiscais e Meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1985. p. 100.
62
Regimento das Ordenanças de 1570. In: VERISSIMO, Antonio F. da Costa. Collecção Systematica...
Op. cit. p. 1-2.
63
SALGADO, Graça (org.). Fiscais e Meirinhos... Op. cit., p.100-101. Ver também: VERISSIMO,
Antonio Ferreira da Costa. Collecção Systematica das Leis Militares de Portugal, Tomo IV – “Leis
pertencentes às Ordenanças” Op. cit., p. 1-7.
33
concelho
64
. Posteriormente o número de soldados de uma companhia foi reduzido para
60 homens, o que geralmente correspondia a quatro 4 esquadras de 15 soldados. Onde
era possível, as Companhias de Ordenanças eram reunidas em unidades maiores
denominadas de terço de Ordenanças. Cada terço era composto de quatro 4
Companhias, o equivalente a um efetivo de 1.000 soldados. Esse efetivo era exatamente
um terço (1/3) do efetivo da unidade superior, o regimento de Ordenanças, que tinha
3.000 soldados
65
.
Em maio de 1574, o mesmo D. Sebastião edita a “Provisão das Ordenanças”,
repleta de novas instruções que complementava o Regimento de 1570, fundamentadas nas
necessidades decorrentes da atuação prática desta força militar
66
. Por sua determinação,
nos lugares onde só houvesse uma Companhia de Ordenanças, o comando da tropa seria
exercido pelo capitão-de-companhia existente, e não mais pelo capitão-mor, exceto quando
este fosse o próprio senhor das terras.
A Provisão de 1574 reafirmava ainda a obrigatoriedade de todos os moradores
possuírem armas, além de encarregar funcionários – juízes de fora ou capitães-mores – de
zelar pelo cumprimento dessas determinações num prazo máximo de seis meses.
Estabelecia também a competência do sargento-mor da comarca, cuja função era vistoriar
as Companhias de Ordenanças sob sua jurisdição, bem como promover o adestramento da
tropa e fiscalizar o estado de conservação do armamento. Além disso, era obrigado a
possuir um livro de registro onde constasse o número de Companhias existentes na
comarca, o total de indivíduos engajados e os nomes dos capitães-mores, capitães-de-
companhia e alferes. Os capitães-de-companhia, sargentos-mores, alferes, sargentos e
cabos-de-esquadra tinham de seguir à risca as recomendações do sargento-mor da
comarca, caso contrário, seriam submetidos a penas pecuniárias estabelecidas de acordo
com a patente do infrator. A execução das condenações ficava a cargo do ouvidor, do
provedor ou do juiz de fora e, na ausência de alguma dessas autoridades, dos juízes
ordinários
67
.
64
HESPANHA, A M. “A administração militar”. In: HESPANHA, A M. (Org.). Nova História militar
de Portugal... Op. cit, p. 169.
65
FILHO, Jorge da Cunha Pereira. “Tropas militares luso-brasileiras nos séculos XVIII e XIX...” Op. cit.,
p. 7.
66
Para maiores detalhes ver: Provisão das Ordenanças de 1574. In: VERISSIMO, Antonio F. da Costa.
Collecção Systematica... Op. cit.
67
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos... Op. cit., p.101-102.
34
Refira-se desde já que as reformas sebásticas concederam às Câmaras um papel
central na organização das Ordenanças na medida em que ficaram responsáveis pelas
eleições dos oficiais, sendo os membros da Câmara eleitores e elegíveis ao mesmo tempo,
o que reforçava o poder das elites locais
68
.
Em 1709, com a promulgação de um Alvará Régio, o preenchimento dos postos de
Ordenanças sofreu algumas modificações. Na eleição para os capitães-mores de cada vila,
cidade ou concelho estipulou-se que em vez de elegê-los diretamente quando vagasse seu
posto, os oficiais da Câmara municipal deveriam avisar o ouvidor ou o provedor da
comarca, que era obrigado a comparecer à mesma para, juntamente com os camaristas,
escolher três pessoas do local “da melhor nobreza, cristandade e desinteresse”. Os nomes
e as devidas justificativas eram enviadas ao general ou cabo que comandasse as armas da
localidade, que baseado nas informações dadas pelos oficiais da Câmara e pelos
funcionários régios encarregados de supervisionarem as eleições, propunha ao Rei –
através do conselho de guerra metropolitano – as pessoas mais convenientes para a
ocupação do posto
69
.
A eleição dos sargentos-mores e capitães-de-companhia passou a se realizar
segundo esse mesmo modelo. Diferia apenas na composição do grupo de escolha: em
lugar do ouvidor ou provedor da comarca, a opção pelos três nomes cabia aos oficiais da
Câmara municipal em conjunto com o alcaide-mor ou capitão-mor e, na falta destes,
recaía obrigatoriamente sobre as pessoas residentes nos limites da vila, cidade ou
conselho. A escolha final caberia ao Conselho de Guerra. Este passou a ser responsável
por expedir as patentes – assinadas pelo Rei – de capitão-mor, sargento-mor e capitão-
de-companhia, que deixaram de ser feitas por provisões, como se praticara até então. Os
prazos para a confirmação régia de patentes era de 1 ano para os residentes em porto de
mar e de 2 anos para os residentes nas Minas e Sertões. As vagas para os postos de
alferes e sargentos-de-companhia eram preenchidas através de nomeação, recaindo a
escolha sobre “as pessoas mais dignas e capazes de suas companhias”. Tais
nomeações, realizadas pelos capitães-de-companhia, deviam ser aprovadas pelo capitão-
mor e confirmadas pelo governador das armas. Se incidissem sobre pessoas incapazes
para o exercício do cargo, eram indicados outros nomes
70
.
68
RODRIGUES, José Damião. “A guerra no Açores...” Op. cit., p. 245.
69
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos... Op. cit., p. 105-106.
70
Idem.
35
A eleição para os postos de Ordenanças passou a se realizar então do seguinte
modo:
TABELA 1
Preenchimento dos postos de Ordenanças
Posto Seleção e nomeação Confirmação
Capitão-mor Oficiais da câmara e corregedor ou provedor
indicavam três pessoas "da melhor nobreza e
cristandade" para o Governador e Capitão
General sugerir ao Rei
Carta Patente do Conselho
de Guerra
Sargento-mor Eleição por camaristas, alcaide-mor,
donatário e capitão-mor
Carta Patente do Conselho
de Guerra
Capitão Escolhido pelo sargento-mor e aprovado pelo
capitão-mor
Carta Patente do Conselho
de Guerra
Alferes Escolhido pelo capitão e aprovado pelo
capitão-mor
Carta Patente do
Governador
Sargento Escolhido pelo capitão e aprovado pelo
capitão-mor
Carta Patente do
Governador
Fonte: Regimento das Ordenanças de 1570. In: VERISSIMO, Antonio Ferreira da Costa. Collecção
Systematica das Leis Militares de Portugal, Tomo IV – “Leis pertencentes às Ordenanças”, Lisboa,
Impressão Regia, 1816. Localização: BN/F,4,3-5/Divisão de Obras Raras.
Como referido, a eleição para todos estes postos se processava dentre as “pessoas
principais” residentes nas respectivas localidades. O termo “pessoas principais”
traduzia-se em homens com capacidade de mando, que se mostravam extremamente
desejosos de títulos e honras. Pode-se dizer que os privilégios da ocupação de um posto
nas Ordenanças não representavam diretamente ganhos monetários – o que representava
para a Coroa uma economia em gastos diretos com a administração – mas sim produção
ou reprodução de prestígio e posição de comando, bens não negligenciáveis no Antigo
Regime, bem como isenções de impostos e outros privilégios
71
.
O comando e mesmo a criação das Tropas de Ordenanças, muitas vezes devida a
iniciativas individuais, era um fator de prestígio. Lembremos também que o exercício
das armas era um fator nobilitante
72
. Na verdade, pode-se dizer que uma patente das
Companhias de Ordenanças atribuía a seu possuidor um poder de atuação em dois
sentidos. Pelo próprio Regimento das Ordenanças de 1570 fica estipulado que os
capitães-mores e os capitães das Companhias locais ficavam com um poder imenso de
71
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos... Op. cit., p. 111.
72
RODRIGUES, José Damião. “A guerra no Açores...” Op. cit., p. 247.
36
escolha dos aptos e não aptos para o serviço militar”
73
, o que proporcionava aos
oficiais uma rede de influências muito importante sobre os habitantes das localidades
onde se instituíam, pelo conhecimento detalhado da população e pela autoridade de
impor-lhes o treino militar
74
. Além disso, as patentes eram um instrumento de
nobilitação visto que os oficiais podiam “[...]gozar e usar do privilegio de cavaleiro,
posto que o não seja. Gozam sim do privilegio de nobres, mas não adquirem
nobreza.[...]”
75
.
A vocação militar era vista como um elemento definidor da identidade
nobiliárquica, as relações entre as nobrezas e as monarquias européias no período moderno
foram muito variáveis, oscilando desde as situações de militarização da nobreza pela
monarquia (caso da Prússia) até aquelas em que o serviço militar da nobreza era voluntário
caso da Espanha, da França e também de Portugal
76
.
Somente na segunda metade do século XVIII é que se tomaram medidas em
Portugal para que a assimilação imemorial “nobreza-guerra” desse lugar a noção de que a
guerra seria uma arte nobre, porém técnica. Neste contexto é que a afirmação do estatuto
militar, o papel dos engenheiros militares, dos matemáticos da balística e das táticas
aliadas a um discurso fundamentador de uma autonomia de saber, adquiriu peso ímpar
77
.
Nesse campo, e dentro de uma esfera estritamente militar, é enorme o peso adquirido pelos
trabalhos e pela ação do conde de Lippe. Foi na década de 1760, que ocorreram os maiores
esforços no sentido de reformar o exército português que passou a contar com a ajuda do
conde de Schaumburg-Lippe, um dos oficiais de maior prestígio na época. Chegado a
Portugal em 1762 à sombra do pacto da Família
78
, teve entre suas principais preocupações
73
MAGALHÃES, Joaquim Romero. “A guerra: os homens e as armas”. In: O Algarve Econômico: 1600-
1773. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. p. 110.
74
MELLO, Christiane F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do
século XVIII...Op. cit., p. 32.
75
VERISSIMO, Antonio Ferreira da Costa. Collecção Systematica das Leis Militares de Portugal,
Tomo IV – “Leis pertencentes às Ordenanças”, op. cit., p. 44.
76
GOUVEIA, António Camões & MONTEIRO, Nuno G. “A milícia”. In: HESPANHA, António M.
(Org). História de Portugal: o Antigo Regime... Op. cit. p.180.
77
Idem.
78
O pacto da família constituiu-se em um pacto firmado em agosto de 1761 pelos integrantes da família
dos Bourbons, então reinantes na França, para defenderem seus estados mutuamente. Nesse mesmo
período a França participava da Guerra dos Sete Anos contra a Inglaterra. Na ocasião, embora D. José de
Portugal fosse casado com uma princesa Bourbon não podia aderir ao pacto da família e auxiliar na
defesa do território francês, pois era aliado da Inglaterra. Portugal tentou por um tempo permanecer
neutro ao conflito, mas as pressões inglesas levaram o Rei a participar da fase final da guerra como seu
aliado, ficando assim em lado oposto ao da família Bourbon. In MELLO, Christiane F. Pagano de. “A
37
a melhoria das fortificações, introdução de novas regras de recrutamento, aprendizagem,
fardamento e disciplina. Criar um corpo militar, ultrapassando o bando, foi sua
preocupação fundamental
79
.
Medidas nos campos do domínio financeiro e da administração militar também
foram sendo tomadas a fim de dar suporte a esta estrutura mais geral da organização
militar. Neste contexto é que se tem a criação da Junta dos Três Estados (pelo Decreto
de 18.1.1643) responsável pela gestão das quantias votadas pelas cortes para o sustento
da guerra; bem como a criação da Vedoria-geral, Contadoria-geral e Pagadoria-geral do
exército (pelo Regimento das Fronteiras de 29.8.1645). Estas três instâncias
supervisionavam a administração financeira das tropas, o sistema de promoções, baixas,
pagamentos de soldo, suprimentos e contabilidade geral das tropas
80
. O vedor-geral do
exército ficava encarregado de arrolar os soldados, controlar o pagamento dos oficiais e
soldados quando fosse necessário, além de ser responsável por todos os gastos com as
tropas das fronteiras. A seu serviço deviam estar 4 comissários de mostra e 4 oficiais de
pena, encarregados de fazer as revistas, inscrições das tropas e elaborar as listas onde
constariam os dados pessoais do militar (nome, data de ingresso, posto, conduta, morte
em serviço, baixa, promoção). Dessas listagens era extraída a fé de ofício, que
condicionava a promoção ou rebaixamento de patente. Cabia também ao vedor-geral
zelar pela qualidade dos suprimentos fornecidos às Tropas Regulares, pelo estado das
munições, armazéns e hospitais. As necessidades de cada praça eram verificadas pelo
comissário da vedoria que, em conjunto com almoxarifes e capitães-mores, assentava
todas as despesas, cujas certidões deviam ser entregues ao vedor-geral e ao contador.
Nenhum governador das armas, general, mestre-de-campo ou qualquer outro oficial
podia opor obstáculo a esse trabalho
81
.
No domínio da administração militar cria-se o Conselho de Guerra (por um
Regimento de 22.12.1643). Tratava-se de um tribunal real com atribuições de dar
pareceres aos postos militares superiores, sobre recrutamentos, sobre fábrica das naus e
sobre a fortificação de lugares.
guerra e o pacto: a política de intensa mobilização militar”. In: Castro, Celso; Izecksohn, Vitor e Kraay,
Hendrik (orgs.) Nova História Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2004. p. 69.
79
Idem, p. 181.
80
HESPANHA, A M. “A administração militar”. In: HESPANHA, A M. (Org). Nova História militar de
Portugal... Op. cit, p. 175.
81
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos... Op. cit. p.102-103.
38
Abaixo do Conselho de Guerra, nas províncias, havia os governadores de armas
das províncias, cargo criado pelo Regimento de 1650. Estes eram encarregados da
administração militar no que concerne ao recrutamento, à supervisão das obrigações
quanto a armas e cavalos e a avaliação da qualidade dos oficiais de Ordenanças, eleitos
pelas Câmaras
82
.
1.2. O Quadro Organizacional das Ordenanças no Brasil
Segundo Maria Fernanda Bicalho a guerra pode ser considerada uma das chaves
explicativas da relação entre Colônia e Metrópole, fundamentando toda a lógica do
sistema colonial, visto ter marcado uma das modalidades de exercício de poder e
controle dos homens pelo Estado: a arregimentação e a militarização da população
colonial
83
. O fato de o Estado Português ter procurado constituir-se com um caráter
militar foi um pressuposto também transmitido para a América Portuguesa, na medida
em que desde o início da colonização a Coroa procurou transformar cada colono em um
homem de guerra
84
.
O aspecto militar sempre esteve presente na política colonizadora, onde a
preocupação com a defesa e conservação dos domínios ultramarinos era fator primordial
no seio das questões administrativas, sendo isto feito tanto pela militarização dos
colonos naturais e reinóis, quanto pelo reforço da obediência dos súditos à autoridade de
seus governantes, representantes da soberania real no além-mar
85
.
Desde o Foral dado a Martim Afonso de Souza em 1530, os governadores
dispunham também em sua titulação do papel de capitão-mor, mesmo não sendo um
militar, pois lhes caberia o comando das armas na sua jurisdição. A defesa constituía a
garantia dos interesses exclusivos da Coroa sob o território colonial
86
.
Em 1548, com a instituição do governo-geral, a Coroa elaborou as primeiras
normas para organização militar na colônia que, no entanto, girava ainda em torno dos
82
HESPANHA, A M. “A administração militar”. In: HESPANHA, A M. (Org). Nova História militar de
Portugal... Op. cit, p. 175.
83
BICALHO, Maria F. A cidade e o Império... Op. cit., p. 334.
84
SILVA, Kalina V. da. O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial... Op. cit., p.71-73.
85
BICALHO, Maria F. A cidade e o Império... Op. cit., p. 332.
86
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos... Op. cit, p. 99.
39
moradores locais. O Regimento de 1548, passado ao primeiro governador-geral, Tomé
de Sousa, definia estas primeiras medidas para uma organização militar na colônia. O
referido Regimento estipulava que os capitães-mores, os senhores de engenho e demais
moradores tivessem artilharia e armas, discriminando detalhadamente os tipos e
quantidades de armamento. Concedia o prazo de um ano para a sua aquisição por parte
dos moradores, findo ao qual era prevista punição aos não cumpridores de suas
determinações. Para verificar se as ordens estavam sendo obedecidas e executar as
penas em caso de falta, foi estabelecido que o provedor-mor se encarregasse de realizar
a inspeção e, na sua ausência, os provedores da capitania exerceriam tal função. Para a
segurança e defesa das povoações e fortalezas do Brasil, os capitães e os senhores de
engenho seriam obrigados a sustentar o efetivo militar: cada capitão deveria ter em sua
capitania pelo menos 2 facões, 6 berços, 20 arcabuzes, a pólvora necessária, 20 bestas,
20 lanças, 40 espadas e 40 corpos de armas de algodão; cada senhor de engenho ao
menos 4 berços, 10 espingardas e a pólvora precisa, 10 bestas, 10 lanças, 20 espadas e
20 corpos de armas de algodão; e cada morador que tivesse no Brasil casas e terras
devia ter pelo menos besta, espingarda, lança e espada
87
.
Portanto, com a implantação do governo-geral e a subseqüente centralização dos
negócios administrativos, o próprio governador-geral assumiria o comando das armas
88
.
Nas Capitanias Hereditárias a hierarquia militar obedecia à seguinte ordem: donatário,
capitão-mor, capitão de infantaria, capitão de cavalaria. As Ordenanças eram
organizadas em cada Vila, aí se incluindo seus Arraiais e Povoados, sendo seus
comandantes responsáveis diretos pela defesa local
89
.
Porém, no início da colonização – e assim o será por praticamente todo o
período colonial – os poderes públicos não tinham condições de realizar de maneira
eficiente o controle e defesa do território ante os inimigos internos e externos. Para
tanto, utilizavam os guerreiros obtidos junto às tribos indígenas amigas, assim como os
soldados das linhas Auxiliares. O Regimento de 1548 fixava formas de recrutamento e
organização desta força Auxiliar, cujos encargos eram dos moradores. Em outros
87
Para conhecimento do regimento citado ver AMARAL, Roberto e BONAVIDES, Paulo. Textos
Políticos da História do Brasil. Brasília: Senado Federal, conselho editorial, 2002. vol. 1. p. 157-170.
88
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos... Op. cit., p. 98-99.
89
FILHO, Jorge da Cunha P. “Tropas militares luso-brasileiras nos séculos XVIII e XIX...” Op. cit., 12.
40
termos, para além das linhas Regulares, a força privada garantia a homeóstase do
sistema
90
.
A fim de armar a população da colônia através de imposições legais, a Coroa
promulgou o Alvará de Armas de 1569 que tornava obrigatória a posse de armas pelos
homens livres
91
.
No entanto, essas medidas não conseguiram organizar o sistema de defesa e
transformar as Ordenanças em uma força militar regulamentada. Isto foi feito com a
promulgação do já citado Regimento das Ordenanças de 1570 (ou Regimento dos
capitães-mores) que ampliou as providências contidas no de 1548, estabelecendo a
formação de Corpos de Ordenança nas capitanias
92
.
Outras leis referentes às Ordenanças foram editadas no Brasil. O Regimento de
1677, passado ao governador-geral Roque da Costa Barreto (1678-1682), exortava os
governadores ao cumprimento do Regimento de Fronteiras, particularmente no tocante
às regras de promoção dos oficiais
93
. Em 1739, promulgou-se uma lei estabelecendo o
provimento integral dos postos das Ordenanças pelo governador e capitão general, bem
como determinando que as localidades marítimas devessem ter também terços de
Auxiliares; outra lei editada em 1749 tornou o cargo de capitão-mor vitalício, em lugar
de ser trienal. Em abril de 1758 foi editada a “Provisão de Ordenanças”, extinguindo os
cargos civis de meirinhos e escrivães das companhias, passando suas funções para os
sargentos. Assim todas as funções da companhia passaram a ser exercidas
exclusivamente por militares
94
.
Não podemos deixar de citar a política de reorganização militar implementada
em Portugal em 1760 com o Marquês de Pombal que também teve seus reflexos no
Brasil. A política de Sebastião de José de Carvalho e Melo em relação ao Brasil se
apoiou em três pilares: a defesa do território, a expansão econômica e o fortalecimento
90
PUNTONI, Pedro. “A arte da guerra no Brasil: tecnologia estratégias militares na expansão da fronteira
da América portuguesa (1550-1700)”. In: Castro, Celso; Izecksohn, Vitor e Kraay, Hendrik (Orgs). Nova
História Militar Brasileira... Op. cit., p. 44.
91
Idem.
92
FILHO, Jorge da Cunha P. “Tropas militares luso-brasileiras nos séculos XVIII e XIX...” Op. cit., p. 4-
11.
93
COTTA, Francis A. No rastro dos Dragões: universo militar luso-brasileiro e as políticas de ordem nas
Minas setecentistas. Belo Horizonte: UFMG, 2005. Tese de Doutorado. p. 126.
94
FILHO, Jorge da Cunha P. “Tropas militares luso-brasileiras nos séculos XVIII e XIX...” Op. cit., p. 8.
41
do poder central
95
. Se em Portugal, a Coroa delegou a tarefa de organização de seu
exército ao conde de Schaumburg-Lippe, no Brasil isso foi feito pelo tenente-general
austríaco João Henrique Böhm, influenciado pelo modelo de conde de Lippe, bem como
pelo morgado de Mateus, D. Luís Antônio de Sousa, e pelo Marquês de Lavradio, dois
dos aristocratas mais eficientes que haviam trabalhado com Lippe
96
.
Outras modificações na organização militar da colônia foram realizadas durante
o século XVIII com o objetivo geral de reduzir gastos e evitar os abusos cometidos,
recriando cargos e redefinindo critérios para seu provimento. Uma das mudanças a ser
citada foi a ocorrida no papel das Milícias: por decreto de 7 de agosto de 1796 e
resolução de 22 de fevereiro de 1797, a Milícia passou à categoria de Tropa de Segunda
Linha, sendo a composição de cada regimento feita por comarcas e distritos. Na mesma
época, estabeleceu-se que os postos superiores desse corpo Auxiliar seriam preenchidos
por oficiais recrutados nas Tropas Pagas. Juntamente com as Ordenanças, as Milícias
persistiriam como um dos seguimentos da organização militar em todo o período
colonial e ambas foram extintas apenas em 1831, com a criação da Guarda Nacional
97
.
Vale lembrar que no Brasil, ao contrário de Portugal, o caráter nivelador que se
introduzia com as Ordenanças gerava grandes expectativas. Se em Portugal a associação
com as Ordenanças era tida pela nobreza como desonrosa, devido à dissociação entre a
expectativa de um acréscimo de honra e a participação nesta força militar – que se
traduzia numa resistência ao recrutamento e a participação nos seus escalões mais
altos
98
– o cenário no Brasil era outro. Se levarmos em conta que na América
Portuguesa a hierarquia social se forjava na presença do escravismo, o corte social
proposto pelas Ordenanças era uma oportunidade de afirmação social e de distinção
entre os homens livres, sendo por isso a posse de uma patente nesta força militar algo
muito requisitado pelas elites locais
99
.
95
AZEVEDO, João Lúcio de. “Política de Pombal em relação ao Brasil”. In: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, 1927, tomo especial, Congresso Internacional de
História da América, v.3, p. 167-203. Apud: BOSHI, Caio. “Administração e administradores no Brasil
pombalino: os governadores da capitania de Minas Gerais”. In: Tempo: Revista do Departamento de
História da UFF, Niterói, v.7, n. 13, 2002.p. 78-79.
96
MAXWELL, Kenneth. Guerra e Império. In: Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. Rio de
Janeiro: Paz e terra, 1996. p. 126.
97
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos... Op. cit., p.110.
98
COSTA, Fernando Dores. “Milícia e sociedade: recrutamento”. In: HESPANHA, A M(Org). Nova
História militar de Portugal... Op. cit, p 75.
99
PUNTONI, Pedro. “A arte da guerra no Brasil: tecnologia estratégias militares na expansão da fronteira
da América portuguesa (1550-1700)...” Op. cit. p. 45.
42
Importante também é notar que as Ordenanças como força militar dominante nas
décadas inicias da colonização, acabaram por moldar as estruturas políticas que se
organizavam no nível local intermediário dos poderes locais e o governo-geral. Com
efeito, à medida que as capitanias hereditárias passavam ao controle da Coroa, ou seja,
tornavam-se território sob administração direta da monarquia, o posto administrativo
superior nos limites de sua jurisdição confundia-se nominalmente com o de capitão-
mor. Mas esse capitão-mor exercia também as funções relativas ao Corpo das
Ordenanças. Por sua vez estava subordinado ao governador-geral que exercia o
comando supremo das forças militares
100
.
1.3. As Tropas de Ordenanças em Minas Gerais
A introdução das Companhias de Ordenanças em Minas Gerais data de 1709.
Instituídas por uma carta régia, elas foram sendo sistematicamente organizadas em
diversas vilas e arraiais da região mineira que haviam sido criadas recentemente, a
saber, Ribeirão do Carmo, Vila Rica, Sabará, Rio das Mortes, Serro Frio e Brejo do
Salgado
101
.
Alguns autores têm destacado, direta ou indiretamente, a relevância do papel
desempenhado pelos Corpos de Ordenanças para a efetivação da colonização das Minas,
na medida em que auxiliaram na repressão interna de levantes, no controle de opiniões
contrárias a excessiva tributação a qual os povos da capitania estavam sujeitos, e no
controle do inimigo, isto é, do gentio, do quilombola e do vadio
102
. Além disso, na
concepção das autoridades portuguesas, os Corpos de Ordenanças funcionariam também
como um instrumento pedagógico, a mostrar a cada vassalo o seu lugar na ordem da
sociedade
103
.
100
Idem, p. 46.
101
FILHO, Jorge da Cunha Pereira. “Tropas militares luso-brasileiras nos séculos XVIII e XIX...” Op.
cit., p.13.
102
SODRÉ, Nelson Werneck. História militar do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
Apud SILVA, Kalina V. O miserável soldo e a boa ordem da sociedade colonial... Op. cit., p. 95.
MELLO E SOUSA, Laura de. Desclassificados do ouro. Rio de Janeiro: Graal. 4ª Ed. Ver também:
AMANTINO, Márcia. O mundo das feras: os moradores do sertão do Oeste de Minas Gerais – século
XVIII. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001. Tese de Doutorado. 2vls. Principalmente o cap. 4.
103
A perspectiva pedagógica dos Corpos de Ordenanças foi destacada por PRADO Jr. Caio, Formação do
Brasil Contemporâneo... Op. cit FAORO, Raimundo. Os donos do poder... Op. cit. MELLO, Christiane
43
A partir das notícias do descobrimento de ouro na região de Minas Gerais a
Coroa procurou agilizar a montagem de estruturas administrativas, legais e militares que
pudessem implementar medidas de controle sobre o espaço mineiro. A Coroa desejava
conhecer o território tencionando controlá-lo, saber suas potencialidades, impedir
extravios e sonegações de impostos, e estabelecer a ordem pública. Num território
vasto, inóspito e desconhecido, a informação e o saber constituíam indispensáveis
elementos de poder. Neste aspecto, os militares constituíram-se em fortes
colaboradores, pois ao disporem de mobilidade, possuíam vasto conhecimento do
território, “dois dos fatores indispensáveis à conservação da ordem e manutenção da
tranqüilidade pública”
104
.
Assim sendo, no campo da atuação militar, há de se destacar as especificidades
da capitania, dentre elas a preponderância dos assuntos relacionados às questões da
manutenção do controle social interno. Não se desconsidera que a preocupação com a
ordem interna também estivesse presente nas políticas militares das demais capitanias
no período colonial. Porém, em Minas Gerais, tal aspecto se sobressaiu dentre outros
assuntos relacionados com o campo militar. Assim sendo, em capitanias como Rio de
Janeiro, Bahia e São Paulo a preocupação central era com a defesa marítima. Outras
capitanias como Goiás, Mato Grosso, Pará e mesmo São Paulo se dedicavam,
primordialmente, à defesa das fronteiras terrestres – que iam do Mato Grosso ao
Amapá. Já no sul, a preocupação maior girava em torno da expulsão dos espanhóis. Em
Minas Gerais devido à chegada de um grande afluxo populacional durante boa parte do
século XVIII, em decorrência do ouro, formou-se um clima de instabilidade social.
Desta forma, o eixo central das preocupações relacionadas ao campo militar ficou sendo
a manutenção da ordem pública interna, o que teria proporcionado uma certa
especialização “policial” precoce
105
.
Minas Gerais destacava-se dentre as outras capitanias da América Lusa pela sua
contribuição em termos econômicos para a Coroa, pois com o ouro daí advindo, tal
região passou a ter papel significativo no cenário mundial do século XVIII equilibrando
F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do século XVIII... Op.
cit. Apud: COTTA, Francis A. No rastro dos Dragões... Op. cit. p. 242-243.
104
COTTA, Francis A. No rastro dos Dragões... Op. cit. p. 258.
105
COTTA, Francis A. “Organização militar”. In: ROMEIRO, Adriana & BOTELHO, Ângela Vianna.
Dicionário Histórico das Minas Gerais. 2ª ed. Revista. Belo Horizonte: Autênticas, 2004. p.218.
44
as finanças portuguesas
106
. No vasto Império Português setecentista, poucos foram os
territórios em que as contradições do viver em colônia se exprimiram de forma tão
acentuada como nesta capitania. Esta sociedade fluida, volúvel e complexa exigia dos
administradores um cuidado maior que nem sempre as autoridades reinóis distinguiam e
entendiam, não estando à capacidade administrativa submetida a regras ou normas
genéricas que não levassem em conta as singularidades locais
107
. Não por acaso, nesta
capitania as Ordenanças tiveram ainda muito cedo um papel de controle e morigeração
das populações
108
.
Numa região marcada por alta densidade populacional, elevados índices de
violência, inúmeras jazidas de riquezas naturais e considerável imensidão territorial
seriam impossíveis para os Dragões, a Tropa Regular de Minas, desempenharem de
maneira eficiente suas missões, se não fosse pelo auxílio dado pelos Corpos de
Auxiliares e de Ordenanças
109
.
Em cada vila das Minas, agrupadas em quatro comarcas (Vila Rica; Vila Real do
Sabará ou Rio das Velhas; Rio das Mortes; e Serro do Frio) existia um capitão-mor
responsável por um conjunto de Ordenanças de homens pardos, negros libertos e
brancos
110
. À frente de cada Ordenança estaria um capitão, conhecido por capitão-de-
distrito, presente nos arraiais. Estes capitães seriam os responsáveis diretos pela
execução das determinações dos capitães-generais, repassadas pelos capitães-mores.
Num território tão vasto eram eles, coadjuvados, em casos específicos, por outros
corpos, os responsáveis por implementar as “políticas de ordem” em suas localidades
111
.
Para o território das Minas Gerais, não se tem uma relação completa dos Corpos
de Ordenanças existentes na capitania. Entretanto, na segunda metade do século XVIII,
algumas autoridades régias residentes nas Minas, sob os auspícios da orientação de
Pombal que visava reestruturar as forças bélicas deste domínio luso, procuraram
106
BOXER, Charles. “Vila Rica de Ouro Preto”. In: A Idade do Ouro do Brasil. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2000.
107
MELLO E SOUZA, Laura de. “Prefácio”. In: SILVEIRA, Marco A. O universo do indistinto. São
Paulo: Hucitec, 1999. p. 14.
108
SOUZA, Bernardo Xavier Pinto e. "Memórias Históricas da Província de Minas Geraes". In: RAPM.
Belo Horizonte, 1908, vol. 8, p. 523-639.
109
COTTA, Francis Albert. No rastro dos Dragões... Op cit. p. 229.
110
As vilas com população inferior a 100 moradores não teriam capitão-mor e o comando militar caberia
ao capitão-de-distrito. Apud: COTTA, Francis Albert. No rastro dos Dragões... Op. cit. p. 185.
111
Idem, p. 185-230.
45
contabilizar os homens militarmente úteis. É neste contexto que se tem a promulgação
da carta régia de 22 de março de 1765, dirigida ao governador de Minas para que:
“[...]mande alistar todos os moradores desta Capitania sem distinção de
cores e classes, que pudessem pegar em armas, e formar por classes,
Terços Auxiliares e Ordenanças de ambas as armas (infantaria e
cavalaria), criando os oficiais precisos, e mandando disciplinar cada um
dos Terços Auxiliares por Sargento-mor tirado das tropas pagas, que
vencerão o mesmo soldo que os das tropas pagas, que estão nesta
Capitania, pagos pelos rendimentos das Câmaras[...]”
112
.
Deste modo, foram elaborados alguns mapas com a disposição das Companhias
de Ordenanças existentes na capitania, aos quais recorrermos agora para termos uma
noção de seu contingente, espalhados pelas comarcas mineiras, no ano de1764:
TABELA 2
Número de Cias. de Ordenanças existentes na capitania de Minas no ano de 1764
Comarcas Homens de Pardos Pretos
Vila Rica 33 Cias. 21 Cias. 17 Cias.
Rio das Mortes 51 Cias. 17 Cias. 15 Cias.
Rio das Velhas 22 Cias. 15 Cias. 13 Cias.
Serro Frio 47 Cias. 23 Cias. 13 Cias.
Fonte: Relação de 4 regimentos de cavalaria auxiliar e dragões de MG, 1764. AHU/MG/ cx: 84; doc: 70.
Apesar de não constar na tabela acima as Ordenanças estavam divididas em
“homens de pé” e “homens de cavalo” bem como em tropas de brancos, pardos e
negros, ou seja, hierarquizada segundo a cor
113
. No Brasil, a designação infantaria ou
cavalaria era aplicada somente aos corpos militares Regulares e Auxiliares. De acordo
com a legislação e com a tradição lusitana, não haveria Ordenanças de homens de
cavalo formadas por pardos ou negros libertos. As Ordenanças de homens de cavalo
eram destinadas aos brancos. Por outro lado, os homens brancos pobres desprovidos de
montaria e de escravo, responsável pelo trato do semovente, seriam reunidos nas
companhias de Ordenanças de Pé. Os homens pardos e negros estariam agrupados,
112
AHU/MG/cx: 85; doc: 42.
113
Conforme ressaltou Stuart Schwartz, devido a forte presença do escravismo a sociedade colonial
brasileira, desde seus primórdios, teve suas relações sociais estruturadas a partir da cor e da raça. Assim,
estes dois componentes também hierarquizaram e criaram critérios de status que permearam a vida social
da colônia. SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial – 1550-
1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1988.Ver capítulo 9.
46
basicamente, no caso das Ordenanças em companhias de Ordenanças de Pé; os Corpos
de Pedestres e os Corpos de Homens-do-Mato
114
.
Para a comarca de Vila Rica temos ao todo 33 Companhias de Ordenanças de
brancos. Levando-se em conta que cada companhia tinha em média 60 soldados, isso
para quase todo o século XVIII
115
, pode-se considerar que para aquele ano de 1764 a
comarca dispunha de um efetivo de 1.980 homens.
Apesar da dificuldade de se conhecer o número de oficiais de mais alta patente dos
Corpos de Ordenanças existentes na comarca, devido à falta de estatísticas, pelos dados
coletados podemos ter uma noção da distribuição dos oficiais pelas vilas e arraiais da
comarca de Vila Rica no período abordado pela pesquisa:
114
COTTA, Francis Albert. No rastro dos Dragões... Op. cit. p. 186.
115
Foi o que constatamos com a análise das cartas patentes dos oficiais enfocados. Nestas cartas patentes
vinha disposto o número de soldados que ficariam sob o comando dos oficiais, número este que girava em
torno de 60 homens.
47
TABELA 3
Distribuição dos oficiais de Ordenanças pelas vilas, arraiais e freguesias da comarca
de Vila Rica – 1735-1777
Localidade Freqüência
%
Ouro Preto 26 19,1
Mariana 18 13,2
Itaubira 4 2,9
Congonhas 4 2,9
São Bartolomeu 5 3,7
Pinheiros 1 0,7
Gama 3 2,2
Camargo 3 2,2
Catas Altas 7 5,1
Mato Dentro 2 1,5
Bocaina 2 1,5
Passagem 4 2,9
Brumado 3 2,2
Santa Bárbara 2 1,5
Taquaral 3 2,2
Morro de Santana 4 2,9
Inficcionado 4 2,9
Bacalhau 2 1,5
Ouro Branco 3 2,2
Guarapiranga 8 5,9
Gualachos do Norte 1 0,7
António Pereira 4 2,9
São Caetano 3 2,2
São José da Barra Longa 3 2,2
São Sebastião 5 3,7
Caquende 2 1,5
Cachoeira do Campo 4 2,9
Itatiaia 1 0,7
António Dias 3 2,2
Itaverava 1 0,7
Furquim 1 0,7
Total 136 100
Fonte: cartas patentes presentes no Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate – Documentação avulsa
de Minas Gerais/Cd-rom/ referentes aos oficiais de Ordenanças.
Como se pode constatar pela tabela acima, longe de apresentarem uma
distribuição uniforme, os oficiais concentravam-se de forma irregular pela comarca,
sendo que sua maior incidência era nas principais vilas, arraiais e freguesias locais onde
a circulação de pessoas, presença de autoridades, dinâmica do comércio e da produção
agrária era mais acentuada. O maior número dos oficiais se concentrava nas cabeças da
48
comarca, isto é, em Mariana e Ouro Preto que juntas dispunham de 32, 3% dos mesmos.
Outros arraiais e freguesias importantes da comarca também possuíam um número
considerável de oficiais de Ordenanças tais como Guarapiranga e Catas Altas,
pertencentes ao termo de Mariana, que agrupavam 11% destes indivíduos dentro de
nossa amostragem. A tabela acima também permite destacar a presença de oficiais de
Ordenanças em boa parte das vilas, arraiais e freguesias que compunham a comarca de
Vila Rica, inclusive nos lugares mais longínquos, a exemplo do que relata a
historiografia
116
.
A fixação destes homens de patente em diversas localidades era importante para
os propósitos normatizadores da Coroa e, por isso mesmo, rigorosamente exigida. O
fato de o patenteado perder seu posto, caso se retirasse de sua região, reforça a tese do
interesse da Coroa em fixá-lo em determinada localidade, pois, desta forma, os capitães-
generais e capitães-mores teriam, teoricamente, um maior controle sobre a população,
que formalmente pertenceria à Ordenança de sua região.
A principal função do capitão-mor era saber quantas pessoas existiam na
localidade em que atuava capazes de pegar em armas, ou seja, ter conhecimento da
população militarmente útil, o que lhes atribuía um forte poder à escala local
117
.
Seguindo essa lógica, os capitães-de-distrito e demais oficiais conheceriam os
moradores de sua Ordenança e, conseqüentemente, os estrangeiros que por lá
andassem
118
.
Além disso, a utilidade do conhecimento que esses oficiais adquiriam ao se
espalharem por diferentes localidades e aí se fixarem era útil para a Coroa também em
tarefas relativas aos levantamentos de dados. Com as informações coletadas por estes
oficiais, elaboravam-se mapas das populações, estatísticas acerca da estrutura econômica
das localidades - incluindo número de plantações e escravos, avaliavam-se as
possibilidades de rendas e procedia-se, de acordo com a conveniência, a abertura ou
fechamento de caminhos
119
. Maria Alexandre Lousada destaca que “saber quantos são e
116
Neste sentido ver: PRADO Jr. Caio, Formação do Brasil Contemporâneo... Op. cit., p. 324. FAORO,
Raimundo. Os donos do poder... Op. cit., p. 222.
117
COSTA, Fernando Dores. “Milícia e sociedade: recrutamento”. In: HESPANHA, A M. (Org). Nova
História militar de Portugal... Op. cit, p 74.
118
COTTA, Francis Albert. No rastro dos Dragões... Op. cit. p. 244.
119
Idem. Ver também: ALDEN, Dauril. Royal government in colonial Brazil: with special reference to
the administration of the Marquis of Lavradio... Op. cit., p. 444-445.
49
onde se localizava a população das Minas é considerado o primeiro passo para o exercício
mais eficaz da vigilância, da manutenção da ordem e da repressão”
120
.
Maria Elisa Linhares Borges destaca a participação dos oficiais militares
pertencentes aos Corpos Auxiliares e Ordenanças em ações de apoio logístico e mesmo
no fornecimento de conhecimentos locais para as expedições cartográficas: “O
conhecimento que os paisanos armados tinham do território não só viabilizavam as
atividades corriqueiras da vida militar, como também facilitava a locomoção do
cartógrafo em áreas por ele desconhecidas”
121
.
Vejamos então mais detalhadamente como estavam distribuídos os oficiais pela
comarca cruzando os dados referentes à disposição dos oficiais por localidade com as
patentes possuídas:
120
LOUSADA, Maria Alexandra. Espaços de sociabilidade em Lisboa: finais do século XVIII – 1834.
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1996. Tese de Doutorado. p. 70 Apud: COTTA, Francis
Albert. No rastro dos Dragões... Op. cit. p. 247.
121
BORGES, Maria Eliza Linhares. “Cartografia, poder e imaginário: produção cartográfica portuguesa e
as terras de além-mar. In: SIMAN, Lara Mara de Castro & FONSEA, Thais N. de Lima (Orgs).
Inaugurando a história e construindo a nação: discursos e imagens no ensino de história. 1º ed. Belo
Horizonte, 2001. p. 112. Apud: COTTA, Francis Albert. No rastro dos Dragões... Op. cit. p. 247.
50
TABELA 4
Número de ocupantes dos postos de mais alta patente das Ordenanças
distribuídos pela comarca de Vila Rica – 1735-1777
Patente
Localidade
Capitão-mor Sargento-mor Capitão
Total
Ouro Preto 3 7 16 26
Mariana 4 3 11 18
Itaubira 1 2 1 4
Congonhas 1 0 3 4
o Bartolomeu 1 2 2 5
Pinheiros 0 0 1 1
Gama 1 1 1 3
Camargo 0 0 3 3
Catas Altas 1 0 6 7
Mato Dentro 0 1 1 2
Bocaina 0 0 2 2
Passagem 0 1 3 4
Brumado 0 1 2 3
Santarbara 1 0 1 2
Taquaral 0 0 3 3
Morro de Santana 0 0 4 4
Inficcionado 0 0 4 4
Bacalhau 0 0 2 2
Ouro Branco 1 1 1 3
Guarapiranga 1 1 6 8
Gualachos do Norte 0 1 0 1
Annio Pereira 0 0 4 4
o Caetano 0 0 3 3
o José da Barra Longa 0 1 2 3
o Sebastião 0 0 5 5
Caquende 0 0 2 2
Cachoeira do Campo 0 1 3 4
Itatiaia 1 0 0 1
Annio Dias 0 0 3 3
Itaverava 1 0 0 1
Furquim 0 0 1 1
Total
17 23 96 136
Fonte: cartas patentes presentes no Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate – Documentação avulsa
de Minas Gerais/Cd-rom/ referentes aos oficiais de Ordenanças.
Para exemplificarmos a disposição acima constatada, analisemos a ocupação de
um dos postos mais alto da hierarquia nas cabeças da comarca, o de capitão-mor, posto
que conferia a seus ocupantes “nobreza vitalícia” e onde a rotatividade geralmente era
51
menor
122
Em Ouro Preto a ocupação do posto mencionado foi feita por apenas 3
indivíduos ao longo de todo período abordado pela pesquisa. O primeiro dos capitães-
mores de Ouro Preto foi João Freire dos Santos. Não conseguimos descobrir quando
ganhou a patente, mas sabemos que ocupou o posto até 1740 quando foi substituído por
António Ramos dos Reis
123
. Este ocupou o dito posto de 1741 a 1761, quando falece
124
.
Para substituí-lo é escolhido José Alves Maciel que o ocupa até finais do século
XVIII
125
.
A cidade de Mariana (antiga Vila do Carmo) também teve uma pequena
rotatividade na ocupação do principal posto de Ordenanças. O primeiro de seus
capitães-mores foi Rafael da Silva e Sousa que ocupou o posto até 1744/1745
aproximadamente, quando é nomeado para o cargo de intendente da fazenda real no
arraial de São Luís, distrito de Paracatu, comarca de Sabará e para lá se muda
126
. Em
seu lugar assume João de São Boaventura Vieira, que ocupa o posto até 1757, quando
falece
127
. Para substituí-lo é escolhido José da Silva Pontes, capitão-mor até 1775
128
,
quando assume seu filho homônimo que exerce o posto até finais do século XVIII
129
.
A pequena rotatividade no posto de capitão-mor pode ser explicada, obviamente,
pelo fato de ser este um cargo vitalício mas também pelo fato de ser o mais elevado da
hierarquia militar. Como só poderiam ser ocupados pelas “pessoas principais” das
localidades, como a própria legislação estabelecia, atestava o prestígio de seu ocupante,
e aqueles que aí chegassem aí procuravam se manter.
Situação diferente encontramos na ocupação do posto de capitão. Os capitães
eram os mais bem distribuídos, existiram em maior número - estando presentes em
quase todas as localidades - e tinham uma rotatividade mais acentuada. Ouro Preto, por
exemplo, teve ao longo do período enfocado 16 capitães de Ordenanças, nas forças de
cavalo e de pé. Não descreverei as mudanças de ocupação como fiz anteriormente, até
porque ficaria demasiado grande, mas importa sublinhar que pela análise das cartas
122
RODRIGUES, José Damião. “A guerra no Açores...” Op. cit., p. 251.
123
AHU/MG/cx: 39; doc: 67.
124
Ver: CPOP, 1º ofício – Testamento de António Ramos dos Reis. Livro 20, folha 74, (1761).
125
Ver: AHU/MG/cx: 85; doc: 34.
126
AHU/MG/cx: 47; doc: 28.
127
Ver: CSM, 1º ofício – Inventário post-mortem de João de São Boaventura Vieira. Códice 13, auto 429,
(1757).
128
Ver: AHU/MG/cx: 108; doc: 45
129
Ver: CSM, 1º ofício – Inventário post-mortem de José da Silva Pontes. Códice 156, auto 3264, (1800).
52
patentes passadas, referentes ao posto de capitão, constatamos que os principais motivos
que levavam a esta constante troca no referido posto eram: ausência – para o reino, para
outras partes de Minas ou para outras capitanias; desistência –por incapacidade advinda
de doenças e velhice; promoções – o posto de capitão foi, em muitos casos, a porta de
entrada para estes indivíduos atestarem seu valor e conseguirem alcançar uma patente
mais alta; e, claro, falecimento.
Outro posto de destaque era o de sargento-mor que como mostra a tabela
existiram em número significativo em toda a comarca e se concentravam nas principais
vilas e arraiais, como dito anteriormente.
A despeito de o corpo militar ser designado por sua localidade, abundavam casos
em que o regimento, companhia ou terço era conhecido pelo nome do seu
comandante
130
:
TABELA 5
Resumo geral das Forças Militares de Minas em 1768
Número das Cias. Força Número de Praças
67
Cavalaria Ligeira, Dragões e
Auxiliares dos regimentos
de Fraga, Souza, Azevedo,
Soutto e Lacerda
4.163
167
Infantaria de Ordenanças
dos Corpos de Pontes,
Maciel, Nogueira, Carvalho,
Vieira, Neves, Villar,
Monroy e Coelho
11.575
99
Pardos Libertos dos
referidos distritos
6.020
55
Pretos Libertos do referidos
distritos
3.442
388
Total
25.200
Fonte: Mapas sobre capitação de escravos, entradas, dízimos, escravos, forças militares de Minas e
cálculos da Provedoria, 1768. AHU/MG/cx: 93; doc: 58.
Como mostra a tabela acima, as Companhias de Ordenanças em Minas eram
associadas aos nomes de seus comandantes. Por exemplo, o Corpo de Pontes remetia-se
ao regimento comandado pelo capitão-mor José da Silva Pontes, e o Corpo de Maciel
remetia-se ao regimento comandado pelo capitão-mor José Alves Maciel. Ressaltava-se,
130
COTTA, Francis Albert. No rastro dos Dragões... Op. cit. p. 114.
53
nestes casos a figura daquele oficial que estava no comando, que organizou, fardou e
equipou o corpo militar com seus próprios recursos financeiros
131
.
A historiografia tem chamado atenção para o fato de que na América
Portuguesa, diante da dificuldade da Metrópole em financiar as despesas militares da
colônia, não raro se transferiram aos colonos os custos de sua própria defesa que
assumiam, através de tributos e trabalhos, os altos custos da manutenção do Império.
Inúmeros foram os expedientes utilizados pelas autoridades militares para a defesa das
conquistas. Constava entre eles, à mobilização periódica da população, a requisição
compulsória de seus escravos para a construção e reparo de fortalezas, a tentativa de
arregimentação de homens de qualquer “qualidade” - incluindo índios e vadios - para o
preenchimento das tropas e para socorrer a Coroa nos momentos de suposto perigo, e o
sustento das mesmas
132
. Tais imperativos facilitavam o atrelamento da figura do
comandante com o seu corpo militar.
O comandante do corpo militar assumia assim o papel de cabeça; os oficiais,
sargentos, cabos e soldados seriam os membros, denotando que o universo militar, e
como não poderia deixar de ser, era também influenciado pelo paradigma
corporativista
133
segundo o qual o indivíduo não existe sozinho e sim como parte de um
todo ocupando um lugar na ordem, uma tarefa ou dever social
134
.
Tendo abordado a organização mais geral dos Corpos de Ordenanças que nos
permitiu entender os mecanismos de funcionamento formais e institucionais desta força
militar, convirá agora observar mais de perto os homens a quem cabia o seu comando
para que, através da investigação do perfil e trajetória de vida destes oficiais, possamos
entender os mecanismos de funcionamento interno das Ordenanças, isto é, como se
efetivava na prática as relações entre poder central e local.
131
Idem.
132
BICALHO, Maria Fernanda A cidade e o Império... Op. cit. .305-318
133
COTTA, Francis Albert. No rastro dos Dragões... Op. cit., p. 114.
134
HESPANHA, António M. Panorama Histórico da Cultura Jurídica Européia... Op. cit., 59-61.
54
Capítulo 2
A caracterização social das chefias militares
2.1. Nobreza guerreira, nobreza política: a exigência da “qualidade social”
No Brasil, o interesse pela história militar no período colonial tem se mostrado
reduzido
135
. Boa parte dos autores que se debruçaram sobre o tema ou o abordaram de
forma indireta ou tiveram como preocupação central a análise de aspectos institucionais
das forças militares do período
136
. Estudos que tiveram como preocupação central a
composição social do corpo de oficiais e soldados para o período colonial são ainda
mais escassos
137
. Com a falta de análises sobre tal temática se perdeu a visão de um
exército de Antigo Regime socialmente complexo, principalmente no topo de sua
hierarquia. Assim sendo, objetivando ultrapassar visões simplistas da caracterização
social do corpo de oficiais no período colonial, neste capítulo investigaremos o perfil e a
inserção sócio-política e econômica dos oficiais de alta patente pertencentes aos Corpos
de Ordenanças presentes na comarca da Vila Rica. Procuraremos compreender o
recrutamento social destas chefias militares, seu enquadramento social, as
possibilidades de mobilidade entre os agentes e os mecanismos de promoção deste
oficialato.
Como a pretensão deste capítulo é a reconstituição do perfil dos indivíduos que
formavam os quadros das chefias militares em Minas colonial, cabe aqui fazer uma
135
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Os corpos de auxiliares e de ordenanças na segunda
metade do século XVIII... Op. cit. p. 1.
136
PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo... Op. cit; FAORO, Raymundo. Os donos do
poder: formação do patronato político brasileiro... Op. cit.; LEONZO, Nanci. As companhias de
ordenanças na capitania de São Paulo: das origens ao governo de Morgado de Mateus. São Paulo:
coleção do museu paulista, série história, v. 6, 1977; BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Autoridade e
conflito no Brasil colonial: o governo do Morgado de Mateus em São Paulo (1765-1775). São Paulo,
Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1979; PEREGALLI, Enrique. Recrutamento militar
no Brasil colonial. Campinas: Editora da Unicamp, 1986. MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Os
corpos de auxiliares e de ordenanças na segunda metade do século XVIII... Op. cit.; MELLO E
SOUZA, Laura de. Desclassificados do ouro... Op. c it.; ANASTASIA, Carla. Vassalos e rebeldes:
violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998.
137
SILVA, Kalina V. da. O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial: militarização e
marginalidade na Capitania de Pernambuco dos séculos XVII e XVIII... Op. cit. KRAAY, Hendrik. Race,
state and armed forces in indenpendence-era Brazil: Bahia 1790s-1840s. Stanford: Stanford
University Press, 2001. In: COTTA, Francis A. No rastro dos Dragões: universo militar luso-
brasileiro e as políticas da ordem nas Minas setecentista... Op. cit.
55
observação. Em Portugal, e também no ultramar, mais importante que os saberes
particulares de guerra na composição de um chefe militar era sua “qualidade”
138
. Na
sociedade ultramarina de Antigo Regime os indivíduos possuíam uma cultura e
experiência de vida baseadas na percepção de que o mundo, “a ordem natural das
coisas” era hierarquizada; de que as pessoas por suas “qualidades” naturais e sociais,
ocupavam posições distintas e desiguais na sociedade. Na América esta visão seria
reforçada pela idéia de conquista, pelas lutas contra o gentio e pela escravidão. Tais
elementos abriam possibilidades para o alargamento do cabedal político, econômico e
simbólico dos coloniais, e consequentemente, para a aquisição ou aumento da
“qualidade” (social)
139
.
Deste modo, no Antigo Regime a direção social por “homens de qualidade” das
mais importantes instâncias da sociedade, e entre estas se incluem a militar, era desejada
e baseada numa autoridade difusa, concentrada e sem especialização. É esse princípio
da autoridade difusa e não o da capacidade técnica que fez com que se considerasse
imperativa a presença dos nobres à frente de instituições como as Câmaras e
Ordenanças em Portugal
140
. Apesar da evolução na relação nobreza-guerra ocorrida na
Europa nos séculos XVII e XVIII, na qual declinaram as forças militares diretamente
organizadas por nobres, ou seja os exércitos senhoriais em contraponto ao crescimento
dos exércitos reais, em Portugal as nobrezas mantiveram uma importância primordial e
indiscutível nos comandos dos exércitos reais
141
.
Como se verá, os indivíduos que formavam o corpo de oficiais de mais alta
patente das Ordenanças em Vila Rica possuíam também a “qualidade” de nobre, porém
acerca desta noção cabe uma ressalva. Como bem demonstrou Nuno Gonçalo Monteiro,
no decorrer dos séculos XVI e XVII a sociedade portuguesa conheceu um alargamento
da noção de nobreza, em parte devido aos casamentos entre a elite e os ramos de
famílias secundárias da fidalguia, contribuindo para a diminuição da distinção entre
fidalgo e cidadão. Assim sendo, para evitar o risco de uma possível total banalização e
138
HESPANHA, António M. “Introdução”. In: HESPANHA, António Manuel (Org). Nova História
Militar de Portugal... Op. cit., p. 20-24.
139
FRAGOSO, João; BICALHO, Maria F. & GOUVÊA, Maria de Fátima “Introdução”. In: FRAGOSO,
João; BICALHO, Maria F. & GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs). O Antigo Regime nos trópicos... Op.
cit., p. 24.
140
MONTEIRO, Nuno G. “Comandos militares e elites sociais”. In: HESPANHA, António Manuel (Org).
Nova História Militar de Portugal... Op. cit., p. 106.
141
Idem p. 101.
56
descaracterização do estado de nobre, criou-se um estado do meio ou estado
privilegiado, que veio a ser conhecido como “nobreza civil ou política”, no qual a
aquisição da condição de nobre se fazia pela prestação de serviços ao monarca.
Portanto, a “nobreza civil ou política” seria composta por homens que, embora de
nascimento humilde, conquistaram um grau de enobrecimento devido a ações valorosas
que obraram ou a cargos honrosos que ocuparam, diferenciando-se da nobreza derivada
do sangue, herdada dos avós, conhecidos como os “Grandes”
142
.
Era esta a qualidade de nobre que formava as chefias militares de Ordenanças
nas Minas setecentistas que, como se verá mais adiante, prestaram os mais variados
tipos de serviços a Coroa, recebendo assim a promessa de honras e mercês do Rei.
Contudo, para além da noção de nobreza civil ou política, estaremos invocando também
para compreensão da composição destes oficiais, a noção de nobreza em seu sentido
primeiro, isto é, em seu caráter guerreiro, donde depreende-se também a concepção de
conquistador, ou seja, indivíduos que às custas de sua vida, fazenda e negros armados
realizaram valorosas ações em nome do Rei e para o bem comum dos povos
143
.
Assim sendo, teremos como principal indicativo das questões anteriormente
expostas à concessão de mercês e benefícios reais. Para os objetivos desta pesquisa, as
mercês nos ajudarão a traçar um panorama substancial dos oficiais das Ordenanças, pois
se por um lado nas conquistas, e também no reino, produziam súditos mediante a
geração de laços de lealdade, por outro lado dava condições para a geração e a
reprodução de uma elite local com interesses próprios, conhecidos como os “melhores
da terra”
144
.
Na discussão acerca da concessão de mercês régias uma opção seria partir da
noção de economia moral do dom do antropólogo Marcel Mauss, segundo a qual
142
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Poder senhorial, estatuto nobiliárquico e aristocracia” In: HESPANHA,
António M. (Org). História de Portugal... Op. cit., p. 298-299.
143
FRAGOSO, João. “A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do
Rio de Janeiro, século XVII: algumas notas de pesquisa”. Revista Tempo. Niterói, volume 15, 2003, p.
11- 35. Passim. Apud: MATHIAS, Carlos Leonardo. Jogos de interesse e estratégias de ação no
contexto da revolta mineira de Vila Rica, c. 1709 – c. 1736. Rio de janeiro: UFRJ, 2005. Dissertação de
Mestrado. p. 17.
144
FRAGOSO, João. “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite
senhorial (séculos XVI e XVII)” In: FRAGOSO, João, BICALHO, Maria F. & GOUVÊA, Maria F.
(Orgs). O Antigo Regime nos trópicos... Op. cit., p. 50.
57
aqueles beneficiados passariam a estar ligados ao monarca através de uma rede baseada
em relações assimétricas de troca de favores e serviços
145
.
Segundo Mauss, dar instituía uma relação dupla entre quem dá e quem recebe.
Por um lado estabelecia-se uma relação de solidariedade, pois quem dá partilha o que
tem; e por outro se estabelecia uma relação de superioridade, pois aquele que recebe o
dom e o aceita fica em dívida para com aquele que deu. Portanto, a coisa dada não é
totalmente alienada visto que aquele que a cede continua a conservar direitos sobre o
que deu e tira daí uma série de vantagens. Logo, aceitar um dom é mais que aceitar uma
coisa, é aceitar que aquele que dá exerça direitos sobre aquele que recebe. Assim, dons e
contradons criam um estado de endividamento e de dependência mútuos que acarreta
conseqüências sociais a ambas as partes: obrigações e vantagens, sendo que ao fim das
trocas os dois parceiros se encontram em uma situação de equilíbrio já que a igualdade
de seus status se existia antes do dom inicial, é restaurada pelo contradom final
146
.
Avançando um pouco mais, Maurice Godelier sugere que o que faz com que
alguém dê algo é a vontade do indivíduo e/ou grupo de (re)produzir entre eles laços
pessoais que combine solidariedade e dependência. Desse modo, a vontade de
estabelecer tais laços pessoais exprimem mais que a vontade pessoal dos indivíduos,
pois aquilo que se (re)produz, por meio desses laços pessoais, é o conjunto ou uma parte
essencial das relações sociais que constituem a base de sua sociedade e que lhe
imprimem uma certa lógica global que é, ao mesmo tempo, fonte da identidade social
dos indivíduos. Em suma, o que se manifesta através dos objetivos que perseguem, das
decisões que tomam, das ações que realizam os indivíduos que compõem uma dada
sociedade não são apenas suas vontades pessoais, mas necessidades a-pessoais ou
impessoais ligadas a natureza de suas relações sociais e que ressurgem sem cessar da
(re)produção dessas relações
147
.
Tendo por base as premissas de Mauss, Ângela B. Xavier e António M.
Hespanha procuraram analisar o ato de dar (mercês) na sociedade do Antigo Regime.
Segundo estes autores o dom fazia parte de um universo normativo que lhe retirava toda
a espontaneidade e o transformava em unidade de uma cadeia infinita de atos
beneficiais. Afirmam que:
145
MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU, 1974.
146
GODELIER, Maurice. O enigma do dom. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 23-76.
147
Idem, p.156-158.
58
“A atividade de dar (a liberdade, a graça) integra uma tríade de
obrigações: dar, receber e restituir. Estes actos cimentavam a natureza
das relações sociais e, a partir destas, das próprias relações políticas.
Deste modo, o dom podia acabar por tornar-se um princípio e epifania
do Poder”
148
.
Assim sendo, a “comunicação pelo dom” pressupunha um benfeitor e um
beneficiado caracterizando uma economia de favores. Ao dispensar um benefício, o
benfeitor criava no beneficiado a obrigação moral de receber e também de restituir.
Retribuição que deveria ser ainda de maior valor que o benefício recebido. Com isso
criavam-se laços afetivos e econômicos entre os dois pólos da relação que, por serem
desiguais, eram também desequilibrados. Gerava-se, portanto uma espiral de poder que
tendia a crescer em grandes proporções
149
.
Dentro deste viés, a ocupação de cargos administrativos, postos militares, aquisição
de títulos, são vistos numa perspectiva que destaca que se ao mesmo tempo em que ser
provido nestes postos e cargos eram graças que muitos almejavam alcançar, o exercício
dos mesmos era também entendido pelos súditos como serviços prestados e, portanto,
dignos de serem recompensados, principalmente se tivessem como comprovar que
tiveram bom desempenho ao ocupá-los
150
, o que acabava por propiciar um espaço para a
negociação nas relações destes homens com a Coroa.
Malgrado as contribuições que o trabalho de Mauss proporcionou para muitos
estudiosos no entendimento das relações processadas em diversas formas de sociedade,
inclusive nas de Antigo Regime, não o utilizaremos como referencial teórico no
presente trabalho na medida em que optamos por analisar a concessão de mercês reais a
partir dos pressupostos de Fredrik Barth, pelos seguintes motivos. Apesar da análise de
Mauss reconhecer que as graças reais propiciavam ao beneficiado maior margem de
negociação com a Coroa, bem como mobilidade e, consequentemente, prestígio social,
sugerindo assim que havia entre as partes, ou seja, entre rei e súdito no caso, a tentativa
deste em atingir certos interesses e benefícios e vice-versa, tal noção acaba por tornar a
relação rei/súdito mecânica, dando o comportamento como dado, pois pressupõem-se
que as normas já estão prontas não havendo espaço para ação do sujeito que a vivencia.
148
XAVIER, Ângela Barreto e HESPANHA, António Manuel. “As redes clientelares”. In: HESPANHA,
António M. (Org). História de Portugal: o Antigo Regime... Op. cit., p. 340-341.
149
GOUVÊA, Maria de F.; FRAZÃO, Gabriel A & SANTOS, Marília N. dos. “Redes de poder e
conhecimento na governação do Império Português, 1688-1735”. In: Topoi: Revista de História. Rio de
Janeiro, vol. 5, nº. 8, 2004, p.98.
150
ALMEIDA, Carla M. C. de. Homens ricos, homens bons... Op. cit., p. 252.
59
Em outras palavras, o modelo acaba se tornando estático. Não se leva em conta a idéia
de estratégia e/ou recursos destes agentes que são acionados na medida em que novas
possibilidades são desencadeadas pelo próprio processo histórico, modificando
comportamentos e relações sociais
151
. É exatamente neste ponto que podemos
estabelecer um diálogo frutífero com obra de Fredrik Barth, na medida em que seus
pressupostos nos remetem para o fato de que em meio ao processo de solicitação de
uma mercê, novos recursos e estratégias, novos valores e status (direitos e deveres dos
agentes históricos) podem ser delineados, ou seja, tal análise sofistica o entendimento
das relações sociais; do que leva os indivíduos a interagirem.
Nos pedidos de mercês, os argumentos utilizados para aquisição da mesma não
devem ser vistos como mera reprodução de fórmula padronizada dos requerimentos
encaminhados ao rei onde se pediam favores ao Monarca
152
. Deve-se atentar para o
conteúdo da argumentação entendendo os serviços prestados que vão sendo listados, as
reclamações dos súditos, a petição de novas graças, como recursos e estratégias
utilizadas por eles na tentativa de maximizar ganhos e assim sobreviverem e adaptar-se
ao mundo colonial. A partir do resgate das estratégias individuais e de grupo é possível
compreender como toda uma gama de possibilidades de ação autônoma se configura e
produz a possibilidade de mudança, entendendo-se assim o tecido social como algo
construído a partir da interação contínua entre diversas pessoas e grupos que se lançam
ativamente a cada momento em busca de objetivos diferentes e articulando diversas
formas de ação
153
. As ações sociais devem ser entendidas como ferramentas para se
conhecer a realidade e deste modo, não devem ser entendidas como dadas, nem vistas
como presas às normas sociais, pois são constituídas a partir das interações entre
diversas pessoas ou grupos sendo dependentes do status e recursos do indivíduo.
Ademais, na noção de economia moral do dom a idéia perpassada ao final da
interação entre os atores é a de dependência, o que, como disse, aniquila a ação do
sujeito durante o processo. Em Barth, ao contrário, a idéia perpassada é a de que ao final
da interação ambas as partes saem ganhando, ou seja, ambas as partes maximizam
ganhos, pois se leva em conta que as expectativas dos atores que estão interagindo são
151
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias
coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 2003. p. 164.
152
Idem, p. 258.
153
FILHO, Henrique Espada Rodrigues Lima. Microstoria: escalas, indícios e singularidades. Campinas:
Unicamp, 1999. Tese de Doutorado. p. 258.
60
diferentes e que cada um tem uma noção diferenciada do que é ganhar, fato que está
relacionado com o status de cada um e com seu posicionamento social. As estratégias e
recursos usados pelos variados segmentos da sociedade no sentido de maximizar ganhos
devem ser entendidas a partir de suas visões de mundo, de uma cultura que é própria a
cada um destes setores e do desempenho de certos papéis sociais. Ao estarem
posicionados para o jogo, os atores têm diferentes intenções ao agirem, o que não anula
o fato de que ambos podem tirar proveito de uma determinada situação. Além disso,
uma das partes pode conseguir informações incorretas, ou ser desapontado em suas
expectativas, isto é, ele pode ser enganado pelo outro. Como as partes podem diferir
com respeito as suas circunstâncias particulares, isto é, os dois têm, situacional e
temporalmente, necessidades diferentes, é necessário distinguir a mudança contínua no
perfil dos apetites e preferências do perfil dos julgamentos estáveis de valor através dos
quais as pessoas também parecem aderir. Esses valores mais estáveis através dos quais
diferentes situações e estratégias de longo alcance podem ser comparadas, se tornam
mais fundamentais para uma explanação das formas sociais
154
.
2.2. Poder (local) e condição social: o perfil das chefias militares
A partir de agora faremos a reconstituição do perfil dos comandantes militares dos
Corpos de Ordenanças presente numa das mais importantes comarcas mineiras tendo
por base o tratamento sistemático de algumas variáveis, a saber, naturalidade, acesso a
cargos políticos, inserção local via matrimônio, acesso a títulos, permanência e rotatividade
nos postos militares, mecanismos de promoção, níveis de riqueza, formas de investimento
e atividades econômicas desempenhadas. Estaremos trabalhando com o total de 136 nomes
de oficiais de alta patente listados para a Comarca de Vila Rica, dentre os quais
enfocaremos algumas trajetórias mais emblemáticas que nos permitam exemplificar seu
perfil e inserção local
155
. Para visualizar os traços básicos do perfil deste oficialato e o
peso que tiveram na formação dos mesmos organizaremos as informações obtidas em
tabelas. O primeiro dado a ser explorado será a origem dos oficiais:
154
Neste sentido ver: BARTH, Fredrik. “Models of social organization I: the analytical importance of
transaction”. In: Process and form in social life: selected essays of Fredrik Barth… Op. cit., . p. 32-47.
155
A referida listagem foi feita a partir de dados obtidos no Arquivo Histórico Ultramarino referentes ao
recebimento de cartas patentes dos Corpos de Ordenanças entre o período abarcado pela pesquisa.
61
TABELA 6
Naturalidade os oficiais de Ordenanças presentes na comarca de Vila Rica
(para os quais temos informações)
Local Freqüência
%
Português 65 87,84
Outras capitanias 9 12,16
Total 74 100
Fonte: Inventários post-mortem e Testamentos da CSM e da CPOP. Pedidos de passagem para o Reino do
AHU/MG. Processos Matrimoniais do AEAM.
Dos 136 oficiais pesquisados, conseguimos obter informações acerca da origem para
74 nomes (54,4%). Dentre estes, a esmagadora maioria, 65 (87,84%), eram portugueses e 9
(12,16%) procedentes de outras capitanias da América Portuguesa, no caso Minas Gerais,
Rio de Janeiro e São Paulo confirmando as considerações feitas pela historiografia a
respeito da origem dos integrantes do quadro das elites coloniais
156
. Assim como entre os
imigrantes portugueses que chegavam a Minas Gerais como um todo, entre os oficiais
analisados a grande maioria era proveniente do norte de Portugal, sobretudo das regiões do
Minho e Douro:
TABELA 7
Região de origem dos oficiais de Ordenanças provenientes de Portugal (para os
quais temos informações)
Local Freqüência
%
Norte
Minho 23 47,92
Douro 14 29,17
Centro
Lisboa 10 20,83
Algarve
1 2,08
Total 48 100
Fonte: Inventários post-mortem e Testamentos da CSM e da CPOP. Pedidos de passagem para o Reino do
AHU/MG. Processos Matrimoniais do AEAM.
O motivo desta migração intensa dos portugueses do norte para esta capitania foi
muito bem atestado por Donald Ramos, segundo o autor:
“Havendo já no norte o costume entre a população masculina, adulta e
solteira de imigrar para outras regiões em busca de melhores condições de
156
Dentre outros: ALMEIDA, Carla M. C. de. Homens ricos, homens bons... Op. cit.; FURTADO, Júnia.
Homens de negócio... Op. cit.; MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa: A Inconfidência Mineira,
Brasil e Portugal, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
62
vida podendo, assim, ajudar suas famílias, grandes levas de portugueses,
aproveitando as oportunidades oferecidas pelo ouro mineiro – atrativo
considerável –, para ali se dirigiam no século XVIII”
157
.
Do mesmo modo, Manolo Florentino e Cacilda Machado ressaltam elementos que se
constituíram em pressões constantes que garantiram o fluxo migratório desta região do
norte para a América Portuguesa, a saber, altas taxas de fecundidade que resultava em
substancial aumento demográfico, predomínio de pequenas propriedades, heranças com
partilhas restritas e redes de relações sociais fortemente estruturadas
158
.
Muitos destes portugueses vinham para as Minas em busca de riqueza e ascensão
social, tencionando melhores condições de vida. Analisemos, pois, alguns percursos de
oficiais de Ordenanças provenientes de Portugal que nos permitam avaliar os mecanismos
de inserção destes imigrantes no além-mar, de forma a visualizar suas possibilidades de
ação para conseguirem alcançar a tão almejada ascensão social. Vejamos o caso de João
Rodrigues dos Santos. João Rodrigues dos Santos era natural de Lisboa e viera para as
Minas entre 1720-1724, provido no cargo de inquiridor, distribuidor e contador da
câmara da vila de São João Del Rey, permanecendo em Minas até sua morte em
1773
159
. Este cargo lhe permitia ter conhecimento e controle sobre as pessoas que
arremataram contratos na capitania, atuar em julgamentos e distribuir recursos
(ordenados) entre alguns funcionários régios (como os tabeliães e os juízes)
160
. Com
estas atribuições provenientes do cargo que iria ocupar ganhava instantaneamente
vantagens para o estabelecimento de relações sociais, para a aquisição de cabedais
econômicos e de status, ou seja, já vinha para as Minas instrumentalizado com recursos
que lhe permitiriam ter maior margem de manobra na obtenção de ascensão social.
Desde que chegara à capitania conseguiu contabilizar outras mercês que lhe
conferiram ainda mais prestígio, como a patente de capitão de Ordenanças, um hábito
da Ordem de Cristo e sesmarias. Estas por sua vez nos mostram que se por um lado João
Rodrigues dos Santos permaneceu nas Minas até sua morte em 1773, por outro não se
157
RAMOS, Donald. “From Minho to Minas: the portuguese roots of the mineiro family”. In: Hispanic
American Historical Review. North Carolina, vol. 73, nov. 1993. p. 639-62. Apud: FURTADO, Júnia.
Homens de negócio...Op. cit., p.152.
158
FLORENTINO, Manolo & MACHADO, Cacilda. “Imigração portuguesa e miscigenação no Brasil nos
séculos XIX e XX: um ensaio”. In: LESSA, Carlos (Org). Os lusíadas na aventura do Rio moderno.
Rio de Janeiro: Ed. Record, 2002. p. 105.
159
AHU/MG/cx: 7, doc: 5
160
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos... Op. cit.,p.140-141.
63
estabeleceu por completo em São João Del Rey, pois migrou para Mariana, o que é
constatado por 4 pedidos de sesmarias que faz entre 1740 e 1753, sendo as duas últimas
localizadas na freguesia de Guarapiranga
161
. De fato é em Guarapiranga que ele falece e
que encontramos registrado o inventário de seus bens. Neste deixou um patrimônio de
11:965$265 para ser dividido entre sua mulher Maria Ferreira da Anunciação e seus 7
filhos. Entre seus bens arrolados encontramos considerável patrimônio composto pela
fazenda em que vivia com sua família, “situada na passagem chamada o Bicudo, com
casa de vivenda, paiol, engenho, moinho e senzalas, tudo coberto de telhas”; por outra
fazenda na passagem do Itacurusú “com casas de vivenda, paiol, moinho e monjolo tudo
coberto de telhas”; e por uma “morada de casas sitas no arraial do Piranga ao pé da
Igreja matriz de sobrado coberta de telha”. Possuía também louças da Índia e Macau,
objetos de prata e um plantel de 66 escravos
162
. Seu poder econômico provinha da
mineração, atividade que lhe possibilitou a classificação como um dos homens mais
ricos da capitania de Minas Gerais em uma listagem feita pelo provedor da fazenda
Domingos Pinheiro em 1756 com o nome dos mais ricos moradores da capitania que
pudessem contribuir para a reconstrução de Lisboa destruída pelo terremoto de 1755
163
.
Nota-se que ao longo de sua vida João Rodrigues dos Santos foi direcionando
suas ações a fim de integrar-se a variados pólos e/ou mecanismos propiciadores de
poder e que eram coletivamente reconhecidos como elementos consolidadores de
posições privilegiadas na sociedade mineira, quais sejam: a presença na câmara, a posse
de terras e escravos, a posse de uma patente militar e de títulos, o casamento e a riqueza.
Todos estes elementos convergem para aquilo que entendemos ser o valor norteador das
ações destes oficiais quando instalados no além-mar, isto é, a busca pela aquisição e
consolidação de posições de prestígio e comando, tema que será abordado mais adiante.
Como bem destacou Giovanni Levi a aquisição de poder em sociedades de Antigo
Regime, pode ser compreendida enquanto recompensa daqueles que sabem explorar os
161
Arquivo Público Mineiro, códice Seção Colonial. 72, p.151 (1740); códice SC. 94, p.174 (1752);
códice SC. 106, p.11 (1753); códice SC. 125, p.7 (1753). In: CATÁLAGO de sesmaria. Revista do
Arquivo Público Mineiro. Vol. 1, 1988. Apud: ALMEIDA, Carla M. C. de. Homens ricos, homens
bons... Op. cit., p. 85.
162
CSM, 1º ofício – Inventário post-mortem de João Rodrigues dos Santos. Códice 80, auto 1695, (1773).
163
A localização da referida lista é a seguinte: AHU/MG/ cx. 70 doc. 40. Apud, ALMEIDA, Carla M. C.
de. Homens ricos, homens bons... Op. cit., p. 230.
64
recursos de uma situação, tirar partido das ambigüidades e das tensões que caracterizam
o jogo social
164
.
Como em uma sociedade de Antigo Regime a hierarquia não é forjada apenas
por aspectos econômicos, mas, sobretudo políticos e sociais, os indivíduos se percebiam
e eram percebidos por suas “qualidades”. Por isso, era primordial que os homens que
vinham do reino, ou de outras localidades, se movimentassem nas teias sociais de seu
cotidiano para que pudessem ocupar posições distintas em relação aos demais
segmentos da população, e assim maximizar suas prerrogativas de mando e prestígio
social, o que o exemplo de João Rodrigues dos Santos demonstrou muito bem.
2.2.1. A ocupação de cargos
Como visto, uma das formas de movimentação (social) destes oficiais e de
aquisição de “qualidade” era a ocupação de cargos administrativos, não por acaso os
dados compilados mostraram uma considerável presença destes indivíduos em cargos
burocráticos:
TABELA 8
Cargos políticos ocupados pelos oficiais de Ordenanças da comarca de Vila
Rica (para os quais temos informações)
Cargo Freqüência %
Câmara 13 26,53
Fazenda 10 20,40
Justiça 6 12,24
Câmara e Fazenda 6 12,24
Câmara e Justiça 7 14,28
Fazenda e Justiça 2 4,08
Todas as instâncias 4 8,16
Secretaria de governo de MG 1 2,04
Total 49 100
Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate – Documentação avulsa de Minas Gerais/Cd-rom
Para os oficiais que conseguimos obter informações acerca da ocupação de ofícios
administrativos, todos desempenharam algum tipo de cargo em uma, ou em mais de uma,
das três principais instâncias de poder, a saber, a Fazenda, a Justiça e a Câmara. A
164
LEVI, Giovanni. A herança imaterial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 31-33.
65
ocupação de cargos na Câmara se sobressaiu na amostragem somando 13 casos (26,53%),
isso sem contar com aqueles oficiais que ocuparam cargos na câmara e na fazenda, e na
câmara e na justiça simultaneamente. A câmara na sociedade colonial sempre foi um locus
tradicional de poder, pois era o órgão especializado em cuidar do “bem comum” da
República, ou seja, dirigir a organização social e política das regiões
165
. Os cidadãos eram
os responsáveis pela “coisa pública”, o que garantia aos camaristas acesso a honras,
isenções, foros e franquias. Além disso, tal instituição deve ser também destacada como
órgão fundamental de representação dos interesses e das demandas dos colonos
166
.
O acesso a cargos na administração, em qualquer uma das instâncias citadas,
conferia a seus ocupantes dignidade e definia seu lugar social perante os habitantes locais.
Na caracterização das elites coloniais, a nobilitação e o exercício de um cargo ou função
pública aparecem como elementos fundamentais, principalmente para aquisição e
exercício da autoridade, assunto ao qual voltaremos mais adiante.
Ademais, tais cargos, além do poder em nome Del Rey, proporcionavam outras
benesses como vencimentos e emolumentos. Relevante destacar que o mais importante
na ocupação destes cargos, em termos econômicos, não era tanto o salário pago pela
fazenda real, mas, principalmente, os emolumentos que deles se podia conseguir
167
.
Conforme destacou Maria Beatriz Nizza da Silva, os cargos ligados à justiça,
principalmente à magistratura, e os cargos fazendários proporcionavam um rendimento
substancial, apesar de serem obtidos mediante pagamento de donativo à Coroa, que
assim lucrava com sua distribuição
168
. O capitão-mor Rafael da Silva e Souza, por
exemplo, que atuou como juiz de órfãos na Vila do Carmo por mais de 5 anos, “pagou
os novos direitos e a terça parte a real fazenda pelo cargo”
169
, e por cada serviço que
prestava como tal arrecadava vultosas quantias. Só para termos uma idéia do quanto à
ocupação de cargos como este podia render em termos econômicos para seus ocupantes,
ressalte-se que Rafael da Silva e Souza levava:
“[...]16 oitavas de ouro por cada inventário e partilha que fazia e levava
também de asignatura em qualquer sentença 1.500 reis a imitaçam do
165
FRAGOSO, João. “Afogando em nomes: temas e experiências em história econômica...” Op. cit., p. 44.
166
BICALHO, Maria Fernanda. “As Câmaras Municipais no Império Português: o exemplo do Rio de
Janeiro”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v.18, n.36, p.251-280, 1998, p.252.
167
FRAGOSO, João. “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite
senhorial (séculos XVI – XVII)”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria F. & GOUVÊA, Maria de
Fátima (Orgs). O Antigo Regime nos trópicos... Op. cit., p. 49.
168
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: Ed. Unesp, 2005. p. 228-234.
169
Ver; AHU/MG/cx: 22; doc: 23 e doc: 26.
66
ouvidor desta comarca e dos mandatos que passava a quarta parte de
huma oitava e de mandar rematar a obra do cofre para estar o dinheiro
dos órfãos levou uma libra de ouro[...]”
170
.
Além disso, o cargo de juiz de órfãos integrava um dos postos estratégicos da
administração colonial na medida em que permitia a seus ocupantes ter acesso a
“poupança colonial”. Ao titular deste juizado cabia a guarda dos bens dos órfãos e em
especial, a arca dos órfãos, o cofre onde era guardado todo o dinheiro, as dívidas e os
rendimentos das fazendas herdadas dos pais falecidos
171
.
Rafael da Silva e Souza fora também juiz ordinário na Vila do Carmo de 1715 a
1724. Nas terras onde não existia juiz de fora a aplicação da justiça estava a cargo dos
juízes ordinários, eleitos localmente, sem formação letrada e, pelo menos teoricamente,
tutelados pelos corregedores das comarcas
172
. Além de ter em suas mãos um poderoso
instrumento de coerção - a aplicação da justiça - e distinção social, o exercício de tal
cargo lhe rendia também grossos emolumentos. É o que constatamos a partir de um
requerimento que este oficial envia em 1724 para o Conselho Ultramarino pedindo o
pagamento de seus emolumentos referentes ao cargo de juiz ordinário que ocupava:
“[...] diz que pelas obrigaçoens de seu officio devia levar o seguinte: por
remataçoens de até 50 oitavas levará ½ oitava, de remataçoens de até
100 oitavas levará 1 oitava e day para cima levará 2 oitavas. Pellos dias
de caminho levará 4 oitavas, por inquirição levará ¼, pela abertura de
inventários levará 8 oitavas, por tomar qualquer conta de tutores levará
30 oitavas[...]”
173
.
Sem dúvida alguma, para Rafael da Silva e Souza a ocupação destes dois cargos
contribuíram, e muito, para aumento de sua fortuna pessoal, bem como para incremento
de seu poder político.
Os cargos fazendários eram também muito rentosos, não por acaso ocuparam o
segundo lugar na amostragem. Na hierarquia burocrática do Antigo Regime português,
os ofícios ligados a este órgão da administração estavam entre os mais procurados.
Segundo José Subtil, a partir da década de 50 do século XVIII se alterou a forma de
pagamento dos serviços, tendendo-se cada vez mais para a substituição do princípio do
170
Idem.
171
FRAGOSO, João. “A nobreza da república: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio
de Janeiro...” Op. cit., p. 61.
172
SUBTIL, José. “Os poderes do centro”. In: HESPANHA, António M. (Org.) História de Portugal...
Op. cit. p. 163.
173
AHU/MG/cx: 22; doc: 23.
67
rendimento pelo princípio do ordenado, associando à função desempenhada um
montante fixo de remuneração
174
. Pela tabela abaixo podemos visualizar o quanto os
variados ofícios da fazenda real geravam de emolumentos e propinas.
TABELA 9
Rendimento dos ofícios pertencentes à Fazenda Real em termos de emolumentos e
propinas
Ofício
Ordenado
anual
Propinas (trienal)*
Propinas
Extraordinárias**
Provedor
1:600$000 4:275$000 135$000
Procurador da Fazenda
500$000 1:162$500 135$000
Tesoureiro
800$000 1:162$500 45$000
Ajudante de Tesoureiro
547$500 576$9000 22$000
Porteiro e Guarda Livros
250$000 237$000 11$250
Meirinho
250$000 219$900 14$000
Escrivão de Meirinho
250$000 73$000 11$250
(*) Tais propinas são referentes a todos os contratos régios lançados na capitania e o valor colocado na
tabela se refere ao triênio dos contratos, ou seja, o que se arrecadava a cada três anos. Ressalte-se que no
caso do ofício de Escrivão de Meirinho o valor colocado se refere ao rendimento arrecadado anualmente.
(**) As propinas extraordinárias são referentes às ocasiões de casamentos, aclamações, falecimentos, e
nascimentos de pessoas reais.
Fonte: carta de Domingos Pinheiro, provedor da fazenda de Minas, informando a Diogo de Mendonça
Corte-Real sobre os ordenados de alguns ofícios existentes nas Minas. AHU/MG/cx: 68; doc: 3.
A de se sublinhar um outro aspecto relacionado à ocupação de cargos
administrativos na colônia. A proximidade com o poder proporcionava o acesso a
informações privilegiadas, o que poderia ser um recurso a mais para estes indivíduos no
sentido de lhes darem maior margem de manobra na ordem colonial. Segundo Maria de
Fátima Gouvêa, o exercício de ofícios administrativos pode ser considerado como uma
estratégia que vincula saber e poder visto que a ocupação seqüencial de diferentes
cargos por um mesmo indivíduo incidia no acúmulo de informações e experiências em
um mesmo sujeito através de sua circulação por diferentes instâncias administrativas e
espaciais do Império Português
175
. A despeito de ter dito isso para os oficiais régios que
ocupavam os altos postos da administração ultramarina, seu argumento é também válido
para aqueles indivíduos que circulavam entre os cargos políticos da colônia, como os
174
SUBTIL, José. “Os poderes do centro”. In: HESPANHA, António M. (Org.) História de Portugal...
Op. cit. p. 167.
175
GOUVÊA, Maria de F.; FRAZÃO, Gabriel A & SANTOS, Marília N. dos. “Redes de poder e
conhecimento na governação do Império Português...” Op. cit., p. 101.
68
oficiais por nós aqui analisados. Vejamos um exemplo. O Sargento-mor Diogo José da
Silva Saldanha ocupou ao longo de sua vida vários cargos nas diferentes instâncias de
poder colonial, isto é, na Justiça, Câmara, Fazenda e Misericórdia, sem contar, é claro,
nas Ordenanças. Em uma consulta do conselho ultramarino de 1796 temos o relato de
todos os cargos administrativos que este oficial ocupou:
“[...]Diogo José da Silva Saldanha serviu por muitos annos de juiz
almotace e de vereador em Villa Rica, onde mora a 40 anos(...)foi
também juiz de órfãos hum triênio e procurador na Santa Casa de
Misericórdia por 13 annos, além de ter sido aí também thesoureiro por 7
annos(...)foi também fiscal da Real Casa de Fundição quando se
nomeavam pessoas para este cargo[...]”
176
.
Através da ocupação de tais ofícios Diogo José da Silva Saldanha garantia para
si inúmeros privilégios que certamente ajudaram no aumento de sua fortuna pessoal. O
referido oficial era um dos maiores negociantes da região de Vila Rica, possuidor de um
grande negócio de fazenda seca. Levando-se em conta que o exercício dos cargos de
juiz almotacé e de vereador possibilitavam o controle dos preços e serviços ligados ao
comércio da região sob sua jurisdição
177
, pode-se supor que durante o período em que
exerceu tais ofícios seus negócios prosperaram.
Como será sugerido mais à frente, nesta sociedade a riqueza por si só não
garantia a “qualidade” de um indivíduo, mas era necessária para sustentá-la. Conforme
desatacou Nizza e Silva, no Brasil colonial a “qualidade” implica também em um estilo
de vida, em tratar-se à lei da nobreza, o que só seria possível para aqueles possuidores
de largos cabedais
178
. Assim, as possibilidades de enriquecimento que a ocupação de
cargos administrativos trazia se incluem também entre os elementos que levavam a
grande procura dos mesmos, além, é claro, do que proporcionavam em termos de
prerrogativas políticas. Ou seja, os exemplos citados denotam como uma bem sucedida
inserção política, pela ocupação de ofícios, podia abrir espaço para que o indivíduo se
transformasse também em um membro da elite econômica. Seguindo este raciocínio
pode-se dizer que a política era caminho privilegiado na busca de enriquecimento.
Ressalte-se ainda que, somados, tivemos 19 (38,76%) de casos em que o oficial
ocupou cargos em mais de uma das instâncias de poder citadas. Esta ocupação de
176
AHU/MG/cx: 142; doc: 22.
177
FRAGOSO, João. “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro...” Op. cit., p 46-48.
178
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia... Op. cit., p. 321-322.
69
variados ofícios administrativos por parte destes homens podia fomentar a comunicação
política entre estas instituições pela via da presença física dos dirigentes
179
. Em
contrapartida, a presença dos mesmos indivíduos em variados cargos de poder acabava
por consolidar o surgimento de poderosos grupos dirigentes locais. A.J.R. Russell-
Wood, em estudo acerca dos governos locais, ressalta que não era mera coincidência
que as pessoas que atuavam como vereadores e juízes tivessem altos postos nas forças
militares. Ou seja, a incumbência de um cargo abria caminho para outros, criando assim
uma pequena oligarquia dirigente
180
.
A trajetória do sargento-mor Domingos Pinheiro é exemplar neste sentido.
Nascido em Almada, era bacharel formado em Cânones pela Universidade de
Coimbra
181
. Ainda no reino exercera cargos administrativos, fora Juiz da Índia e Mina e
Vedor da Gente de Guerra, bem como tentou seguir carreira na magistratura atuando
como advogado na casa de suplicação em Portugal. Instalado no Brasil, exerceu
diversos cargos fazendários, segundo seu relato:
“[...] desde que se transportara de Portugal para esta América atuou
por mais de 20 anos na capitania com boa aceitação e limpeza de mãos
ajudando na arrecadação da fazenda real desde 1737 quando foi
promovido no posto de provedor da fazenda onde atuou até 1739 quando
passou a intendente da fazenda na Vila do Carmo onde serviu até 1751 e
depois intendente de Vila Rica onde ajudou criar a casa de fundição. Em
1753 foi promovido no cargo de provedor da fazenda onde ficou até
1758 e depois disso atou ainda como ajudante de governo e como tal fez
várias diligências para arrecadação dos quintos nos novos descubertos
(cuieté e goiás), e da capitação fazendo várias viagens para o Rio de
Janeiro para levar os ditos quintos[...]
182
”.
Domingos Pinheiro, portanto, atuara nas três principais instâncias de poder
(justiça, fazenda e magistratura) exercendo importantes funções ainda no reino que
possivelmente abriram caminho para sua bem sucedida inserção nos trópicos,
evidenciada pela patente de sargento-mor conquistada bem como pela ocupação de
cargos chaves da estrutura fazendária colonial.
179
SUBTIL, José. “Os poderes do centro”. In: HESPANHA, António M. (Org). História de Portugal...
Op. cit. p. 172.
180
WOOD, Russel. O governo local na América Portuguesa: um estudo de divergência cultural. In:
Revista de História. São Paulo: FFLCH/USP, LV (109):25-79, 1977. Apud. SILVEIRA, Marco A. O
universo do indistinto: Estado e sociedade nas Minas setecentistas, (1753-1808). São Paulo: Hucitec,
1997. p. 153.
181
AHU/MG/cx: 30; doc: 40.
182
AHU/MG/cx: 87; doc: 96.
70
Esta acumulação de cargos pode ser entendida também, resguardada as devidas
diferenças, a partir daquilo que Nuno Gonçalo Monteiro chamou de “economia de
serviços circular” segundo a qual a elite cortesã monopolizava os principais cargos e
ofícios no paço, no exército e nas colônias. Como remuneração por tais serviços, ela
recebia novas concessões régias que poderiam ser acumuladas e que também poderiam
adquirir a forma de novos serviços, como a administração de mais bens da
Coroa ou de
postos com mais prestígio
183
.
Algumas famílias foram capazes de deter para si parte do mando local, a partir da
ocupação de postos concelhios por exemplo, por várias gerações seguidas envolvendo-
se assim na organização social da sociedade colonial, o que consistia num instrumental
poderoso para a atuação e ascensão destes oficiais no além-mar. A título de
exemplificação destaco João da Costa Azevedo. O capitão João da Costa Azevedo era
natural do reino e casado com Ana Maria de Jesus com quem teve 7 filhos. Pelo seu
inventário constatamos que teve uma vida confortável nas Minas. Seu patrimônio
consistia em várias moradas de casas todas cobertas de telhas na cidade de Mariana, um
plantel de 5 escravos, alguns móveis, louças da Índia, rebanho, além de dívidas ativas,
sendo seu monte-mor totalizado em 5:718$483
184
.
João da Costa Azevedo ocupou durante muitos anos o ofício de escrivão da
câmara de Mariana, cargo que adquiriu através do casamento com Ana Maria de Jesus,
já que tal ofício era “propriedade” da família de Pedro Duarte, seu sogro. O primeiro a
ganhar o referido cargo foi o pai de Pedro Duarte, António Pereira Machado em 1725,
homem dos primeiros povoadores das minas, comprando muitas terras no ribeirão do
Carmo gastando para isso grande quantidade de ouro e nelas lavrara e tirara muito
ouro. Com o povoamento desta vila, foram para as ditas terras muitos moradores e
edificaram nas terras lavradias do ouro em que tivera considerável perda, por ficar
impossibilitado para poder lavrar
185
. Além disso, Antônio Pereira Machado largara ao
senado da câmara uma sesmaria que ganhara do governador António de Albuquerque
Coelho de Carvalho, para seu logradouro rocio e por causa desta dádiva e por ser o
que ele fez de muita utilidade ao real serviço foi por bem lhe fazer mercê da
183
FRAGOSO, João. “A nobreza da república: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio
de Janeiro...” Op. cit., p. 95-96.
184
CSM, 1º ofício - Inventário post-mortem de João da Costa Azevedo. Códice 92, auto1927, (1792).
185
AHU/MG/cx: 162; doc:25.
71
propriedade do ofício de escrivam da camara da Vila do Carmo
186
. Ressalte-se que
António Pereira Machado não se preocupou com o fato de ceder à sesmaria que ganhara
como mercê e que lhe tiraria a posse de um considerável pedaço de terra, pois sabia que
o valor ganho seria maior do que o perdido, em outras palavras, traçou uma estratégia
que lhe possibilitou maximizar ganhos no caso, um importante cargo num centro de
poder local que daria a sua família possibilidade de integrar o quadro dos “homens
bons” da região.
Em 1731 António Pereira Machado passa o dito ofício para seu filho Pedro Duarte
Pereira que possuía capacidade e limpeza de sangue para o exercer. Este em 1750
passa o cargo para seu genro João da Costa Azevedo por não ter filho varão e por ter o
dito os requisitos para bem servir o dito oficio sendo tal prática um costume entre
aqueles que não tinham filho varão. Em 1802 um de seus filhos, Francisco da Costa
Azevedo pede a mercê da ocupação do cargo de escrivão cujo posto se acha servindo
desde 1782 provando ser de seu merecimento por ter sempre desempenhado com honra
e zello o dito ofício
187
.
De acordo com a teoria feudal, associava-se ao exercício do cargo uma relação
de fidelidade pessoal, para além de uma vantagem patrimonial (benefício). O direito
consuetudinário acabou por permitir que os ofícios ingressassem no patrimônio do
titular, podendo ser vendidos (venalidade), arrendados (penhoralidade) ou deixados em
herança (hereditariedade), embora a legislação portuguesa proibisse tais práticas
188
.
Assim sendo, seguindo um velho costume luso, os postos camaristas e os ofícios régios
– se concedidos como “propriedades”, como no caso analisado – podiam ser
hereditários, o que muitas vezes contribuiu para a consolidação de algumas famílias em
situações geradoras de poder, reiterando-se assim uma sociedade de Antigo Regime
marcada pela desigualdade
189
. Ressalte-se aqui que João da Costa Azevedo lançou mão
de uma estratégia eficaz para adquirir status, utilizando um importante elemento de
coesão social: o matrimônio.
186
Idem.
187
Ibidem.
188
SUBTIL, José. “Os poderes do centro”. In: HESPANHA, António M. (Org). História de Portugal...
Op. cit. p 167-168.
189
FLORENTINO, Manolo & FRAGOSO, João. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico,
sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, 1790-1840. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 4ª edição. p. 65-83.
72
Como bem destacou Mafalda Soares da Cunha a escolha do cônjuge constituía-
se um dos momentos com maiores implicações nas trajetórias individuais. Assim
partindo-se do pressuposto de que no período analisado as alianças matrimoniais não
eram motivadas por laços afetivos, mas por estratégias sociais, políticas e
econômicas
190
, pode-se sugerir que o casamento de João da Costa Azevedo foi resultado
destas estratégias, pois com seu matrimônio passou a ter a propriedade do ofício de
escrivão que lhe abria uma gama maior de possibilidades para obter recursos a fim de
ascender socialmente. Eram atribuições do escrivão da câmara: auxiliar o ouvidor ou o
juiz ordinário nas funções de justiça; fazer assento no livro dos habitantes do termo
engajados nas Ordenanças; fazer as execuções, penhoras e demais diligências
necessárias à arrecadação da fazenda dos defuntos; proceder à arrematação de bebidas
da terra, contrato do donativo do tabaco e donativo do gado; registrar as patentes e
provisões; passar licenças aos vendeiros; entre outros
191
. Desta forma, através da
ocupação deste cargo, João da Costa Azevedo, bem como seus antecedentes e
descendentes, mobilizava recursos públicos que lhe garantia acesso ao sistema de
arrematação de impostos, interferência nos negócios e mercados da região, além de
proporcionar produção de prestígio e status, colocando sua família numa posição
privilegiada da hierarquia social. Com este exemplo pode-se inferir, conforme nos alerta
Barth, que os comportamentos estão conectados com o viver cotidiano pelas interações
e é deste modo que surgem pistas sobre o significado dos atos, sobre as convenções
sociais e o papel que se espera que os agentes desempenhem
192
. Dito isto, podemos
ressaltar um outro importante mecanismo de inserção local e do perfil do oficialato
analisado: o matrimônio.
2.2.2. O matrimônio
Segundo Luciano Figueiredo na sociedade mineira o casamento era um indício
de status e prestígio social, além disso, possibilitava estabelecer alianças que se
190
CUNHA, Mafalda Soares da. A casa de Bragança... Op. cit., p. 470.
191
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos... Op. cit. p. 138-271.
192
BARTH, Fredrik. “Anthropological models and social reality”. In: Process and form in social life. ..
Op. cit. Passim
73
mostraram essenciais para a reprodução social dos agentes coloniais
193
. Não por acaso
ao se instalarem nas Minas parte considerável dos oficiais analisados procuraram
enraizar-se e constituir família. Analisando alguns processos matrimoniais, inventários
post-mortem e testamentos, bem como pedidos de passagem para o reino presentes no
Arquivo Histórico Ultramarino constatamos que era alto o percentual de oficiais
casados. Senão vejamos:
TABELA 10
Estado civil dos oficiais de Ordenanças da comarca de Vila Rica (para os
quais temos informações)
Estado civil Freqüência
%
Casado 73 86,90
solteiro 11 13,10
Total 84 100
Fonte: Inventários post-mortem e Testamentos da CSM e da CPOP. Processos Matrimoniais do AEAM
Para os 84 oficiais, (61,8%), que conseguimos obter informações acerca desta
variável, 73 (86,90%) eram casados e 11 (13,10 %) permaneceram solteiros. O grupo
familiar constituiu-se inúmeras vezes em apoio importante para amenizar as
dificuldades do viver cotidiano, sendo importante espaço de solidariedade e
organização
194
, além de mecanismo de integração destes oficiais, em sua maioria
reinóis, na sociedade mineira. Este tópico será tratado mais detalhadamente em outra
parte deste trabalho, mas apenas para visualizarmos sua importância para o alcance e
consolidação das posições sociais destes oficiais vamos citar um exemplo. O já
mencionado capitão João Rodrigues dos Santos era homem de considerável poder
econômico e político, como se constatou pela riqueza que possuía (um patrimônio que
somava 11:965$265); pelos cargos que exerceu (inquiridor, distribuidor e contador em
São João Del Rey), e por seus títulos (Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo). Além
destes elementos, que por si só faziam de João Rodrigues dos Santos ocupar um
patamar de destaque na hierarquia social mineira, outro mecanismo o auxiliou na
consolidação de sua posição, a saber, seu casamento com Maria Ferreira da Anunciação.
Esta era filha do capitão de Ordenanças António Alves Ferreira, e seu casamento com
193
FIGUEIREDO, Luciano. Barrocas famílias: vida familiar em Minas Gerais do século XVIII. São
Paulo: Hucitec, 1997. Ver cap. 1.
194
Idem.
74
ela lhe inseriu no seleto grupo das “principais famílias da terra”, pois António Alves
Ferreira foi um dos primeiros povoadores das Minas
195
. Além disso, era também
afortunado, dedicou-se a mineração tornando-se dono de algumas lavras, roças, 1
fazenda e 37 escravos, sendo possuidor de um patrimônio que somava 17:623$0067.
Um montante nada desprezível do qual se beneficiariam seus 8 filhos após sua morte, e
consequentemente, seus cônjuges. Portanto, com este matrimônio, João Rodrigues dos
Santos, além de sua inserção em uma importante família das Minas, adquirira bens que
lhe permitiram transformar-se em um próspero minerador.
Além disso, o matrimônio pode ser considerado um indício de enraizamento
destes oficiais, imigrantes portugueses em sua maioria, no espaço colonial. Alguns
estudiosos da imigração lusa para o Brasil destacam que o imigrado normalmente não
rompia laços com a terra natal e que o padrão migratório relacionava-se a busca de
ascensão social e posterior retorno
196
. Se os oficias analisados se encaixam neste padrão
migratório é difícil dizer. Porém dados como este do matrimônio podem apontar
caminhos. Ao que parece estes oficiais optaram por se estabelecerem nos trópicos e aí
criarem raízes. Ademais não podemos desconsiderar que todos os serviços que estes
indivíduos prestaram ao Rei e que resultaram em mercês e, conseqüentemente, na
ocupação de patamares sociais que dificilmente alcançariam no reino, constituiu-se em
poderoso atrativo para sua permanência no território colonial.
2.2.3. A posse de títulos
Um outro dado a ser explorado na constituição do perfil e da inserção deste
oficialato é a posse de títulos. Os títulos conferiam nobreza e distinção proporcionando
aos oficiais instrumental poderoso na definição dos lugares sociais. Na colônia, como
bem ressaltou Maria Beatriz Nizza da Silva, aqueles que prestassem serviços a Coroa
eram recompensados com variadas formas de nobilitação que lhes atribuíam
195
AHU/MG/cx: 35; doc: 77.
196
Neste sentido ver: KLEIN,Hebert S. “A integração social e econômica dos imigrantes portugueses no
Brasil no fim do século XIX e no início do XX”. In: Revista Brasileira de Estudos de População. São
Paulo, v.6, n. 2, jul./dez. 1989. MERRICK, Thomas & GRAHAM, Douglas. População e
desenvolvimento econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. MONTEIRO, Miguel. Migrantes,
emigrantes e brasileiros (1834-1926). Fafe, NEPS/IBIT/IESF, 2000. Apud: FLORENTINO, Manolo &
MACHADO, Cacilda. “Imigração portuguesa e miscigenação no Brasil nos séculos XIX e XX: um
ensaio”... Op. cit, p. 108-109.
75
determinados privilégios
197
. Numa sociedade hierarquizada como era a do Antigo
Regime fazia-se constantemente necessário defender seu lugar social nos mais íntimos
detalhes e neste aspecto os títulos assumem importância ímpar.
Entre os títulos de maior incidência entre os oficiais analisados estavam o Foro
de Cavaleiro e Escudeiro da Casa Real, os Hábitos das Ordens Militares, sobretudo a de
Cristo, e a Familiatura do Santo Ofício. Encontramos, em nossa amostragem, 21 oficiais
que possuíam algum destes títulos, ou mais de um deles:
TABELA 11
Títulos possuídos por alguns dos oficiais de Ordenanças da comarca de Vila Rica
Nome Fidalgo Familiar
Ordem de
Cristo
António Alves Ferreira - - X
António Ramos dos Reis - - X
Caetano Alves Rodrigues X - X
Cosme Damião Vieira da Silva - - X
Domingos Pinheiro - - X
Estevão Gonçalves Fraga - - X
Feliciano José da Câmara - - X
Francisco Pais de Oliveira - - X
Francisco Rodrigues Vilarinho - X -
João de Sousa Lisboa - X X
João Favacho Roubão - X -
João Lobo Leite Pereira X - -
João Rodrigues dos Santos - - X
José Álvares Maciel - - X
José Caetano Rodrigues Horta X - X
José da Silva Pontes - - X
Luís José Ferreira da Gouveia - - X
Manuel de Sousa Pereira - X X
Nicolau da Silva Bragança - - X
Nuno José Pinto Pereira - - X
Vicente Freire de Sousa - - X
Total
3 4 17
Fonte: AHU/Projeto Resgate Documentação avulsa de Minas Gerais/Cd-rom. Carta de D. António de
Noronha remetendo a Martinho de Melo e Castro uma relação dos privilegiados existentes em Minas.
AHU/MG/cx: 111; doc: 38.
A partir do reinado de D. Manuel I passou-se a estabelecer moradia na Casa Real
de acordo com a “qualidade” do beneficiado. Ser morador da Casa Real implicava
197
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia... Op. cit., p. 321.
76
receber uma “moradia” mensal e uma ração diária de cevada, além de se poder subir de
graduação. Cabe sublinhar que fidalguia e nobreza hereditária não podem ser usados
como sinônimos, pois a condição de fidalgo podia ser dada pelo rei, assim como a
“nobreza civil ou política”, mas a nobreza hereditária se assentava na linhagem
passando de pai para filho constituindo-se em uma nobreza “natural”. Ademais, se podia
herdar durante várias gerações a condição de nobre sem por isso se ser fidalgo
198
. Os
exemplos mostram que o “filhamento” na Casa Real não era apenas o resultado de uma
ascendência fidalga e sim a recompensa de serviços militares na colônia. Este foi o caso
de José Caetano Rodrigues Horta, natural da freguesia de São Sebastião, feito Escudeiro
e Cavaleiro Fidalgo da Casa Real antes de 1757; honra recebida em atenção aos grandes
serviços por ele prestado na defesa da capitania de Minas tudo “às custas da despesa de
sua fazenda”
199
.
Ser Familiar do Santo Ofício era também sinal de grande prestígio. A seleção
dos Familiares era feita entre pessoas que tivessem fazenda e vivessem abastadamente,
pois lhes eram exigidas, no decorrer de suas diligências, viagens e deslocações. Eram
eles quem informavam o comissário local sobre os casos que pertencessem à jurisdição
inquisitorial bem como se encarregavam de todas as diligências determinadas pelo
representante eclesiástico do Santo Ofício
200
. Os critérios do Santo Ofício para aceitação
dos candidatos a Familiares eram a limpeza de sangue, saber ler e escrever, ser capaz de
se encarregar de averiguações secretas, possuir bens de fortuna. Segundo Nizza da Silva
a Familiatura era um passo importante na caminhada de ascensão social havendo
mesmo um certo padrão neste processo: postos de Ordenanças, Familiatura, cargo
municipal e, ocasionalmente, Ordem de Cristo
201
. Além disso, exigia-se um certo
“rigor” nas atitudes e comportamentos dos candidatos, o que não impedia que exceções
fossem abertas. O capitão João Favacho Roubão, por exemplo, apesar de ter
permanecido solteiro ao longo de sua vida, possuía um filho ilegítimo, fruto de um
relacionamento com uma mulher “parda e solteira”
202
. Este fato poderia ter sido um
obstáculo para a aquisição por parte deste oficial da Familiatura já que, para o Santo
Ofício, os costumes adquiriam grande importância e não convinha à aceitação de
198
Idem, p. 16-1.
199
AHU/MG/cx: 86; doc: 17.
200
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia... Op. cit., p. 159-160.
201
Idem p. 161.
202
CSM, 1º ofício. Testamento de João Favacho Roubão. Livro n.º47, Folha 104, (1782).
77
Familiares com filhos fora do matrimônio, sobretudo se fossem de cor. Porém, mesmo
considerando esta exigência, tal “desvio” não atrapalhou João Favacho Roubão de
alcançar o título em questão e aparecer listado em um documento de 1777, remetido a
Martinho de Melo e Castro, com o nome dos privilegiados existentes na capitania
203
.
Entre esta pequena parcela de oficiais detentora de títulos, a posse de Hábitos da
Ordem de Cristo se sobressai, dado significativo se considerarmos que para receber tais
graças era necessário passar por toda uma engrenagem com regras próprias. Se
compararmos a concessão deste título com outros aqui também mencionados, como o
filhamento na Casa Real, as diferenças ficam mais nítidas. Se o ser Fidalgo da Casa
Real dependia apenas da vontade do Rei, para receber os Hábitos das Ordens Militares,
a Mesa de Consciência e Ordens, instituição que administrava tais Ordens, colocava
uma série de exigências baseadas em estatutos e em uma série de provanças de isenção
de defeito “mecânico” e limpeza de sangue, que até a segunda metade do século XVIII
permaneceram muito rígidas
204
.
Em Portugal as ordens militares surgiram no contexto da reconquista, havendo três
ordens: a de Cristo, a de Santiago e a de Avis. A de Cristo foi criada pelo rei D. Dinis e
teve importante papel nos descobrimentos ultramarinos do século XV. Ser membro de uma
ordem militar era um sinal de prestígio que, a princípio, seria destinado somente à nobreza,
sendo o ingresso feito a partir de vários critérios a exemplo da mencionada limpeza de
sangue (ou seja, ausência de ascendentes judeus, mouros, negros, mestiços) isenção de
defeito mecânico (ou seja, ausência de trabalhadores manuais entre os ascendentes). Porém
nas conquistas outros critérios foram agregados aos originais, sobretudo a prestação de
serviços à Coroa
205
.
Assim sendo, no ultramar, a concessão de hábitos militares foi um artifício
utilizado correntemente pelo Rei para premiar os súditos leais que prestassem serviços de
grande utilidade para Republica. Entre estes serviços de grande utilidade estavam a defesa
das conquistas e, para o caso de Minas Gerais e também Goiás, o pagamento dos quintos,
pois desde a promulgação do alva de 3 de dezembro de 1750
206
passou-se a recompensar
203
AHU/MG cx111, doc 38.
204
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia... Op. cit., p. 98-106.
205
VAINFAS, Ronaldo. Ordens Militares. In: Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de
Janeiro: Objetiva, 2000. p. 437-438.
206
Este Alvará aboliu o sistema de capitação de escravos e determinou a cobrança dos quintos pelo
sistema de Casa de Fundição acrescentando uma arrecadação mínima de 100 arrobas anuais instituindo a
derrama. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia... Op. cit., p. 198.
78
com benefícios, mercês e honras, quem recolhesse à Casa de Fundição, no espaço de um
ano, oito arrobas de ouro ou mais. Dada à progressiva diminuição da recolha de ouro nas
Casas de Fundição, o incentivo de mercês àqueles que recolhessem anualmente mais de 8
arrobas foi efetivamente posto em prática com o atendimento dos pedidos de Hábito de
Cristo que chegavam ao Conselho Ultramarino
207
. Foi neste contexto que Vicente Freire
de Sousa, capitão da Ordenança de Pé de uma das companhias da cidade de Mariana
solicitou, em 1757, o Hábito de Cristo. Citado como um dos homens mais ricos da
capitania de Minas na já mencionada lista de 1756 feita pelo provedor da fazenda, vivia da
ocupação de mineiro. Apesar de ser homem possuidor de cabedais, o que na sociedade
mineira já lhe conferia certa posição de destaque, este oficial procurou destacar-se também
pelo prestígio. Sendo assim enveredou-se pela tentativa de se tornar Cavaleiro da Ordem
de Cristo. Para obter esta última mercê argumenta que:
“[...]meteu na casa de fundição da dita Vila Rica desde princípio de
agosto de 1754 até maio de 1755 12 arrobas, 47 marcos,6 onças e 1
oitava de ouro e que sendo V.Mag servido remunerar os vassalos que
fazem entrar na casa de fundição quantidade de ouro solicita o habito da
ordem de cristo como premio por tal serviço[...]”
208
.
Contudo, cabe sublinhar que este artifício da Coroa para remunerar serviços
ligados a extração do ouro se chocava freqüentemente com as exigências da Mesa de
Consciência e Ordens que muitas vezes barravam a concessão dos Hábitos para aqueles
que não tivessem os critérios priorizados pelos estatutos
209
.
2.2.4. O tempo de permanência e a rotatividade nos postos
Outro dado a ser explorado na constituição do perfil do oficialato diz respeito ao
seu tempo de permanência nos postos militares:
207
Idem.
208
AHU/MG/cx: 71; doc: 18.
209
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia... Op. cit., p. 104.
79
TABELA 12
Tempo de permanência dos oficiais em postos das Companhias de
Ordenanças (para os quais temos informações)
Permanência Freqüência
%
0 a 4 anos 9 9,78
4 a 10 anos 10 10,87
+ de 10 anos 73 79,35
Total 92 100
Fonte: cartas patentes do AHU/Projeto Resgate – Documentação avulsa de Minas Gerais/Cd-rom
Pela tabela acima constatamos que eram raros os casos em que um oficial
ocupava seu posto por pouco tempo, havendo assim uma quase monopolização de
postos militares pelos mesmos indivíduos. Para os 92 nomes (67,6%) que conseguimos
obter informações a este respeito, em apenas 9 casos (9,78%) o indivíduo permaneceu
por menos de 4 anos no posto. Para o restante dos nomes, 10 (10,87%) permaneceram
de 4 a 10 anos e 73 (79,35%) permaneceram por mais de 10 anos.
A historiografia relata que para se chegar aos mais altos postos havia duas regras
fundamentais, o que é válido tanto para o reino quanto para o ultramar: a primeira diz
respeito ao percurso que se devia fazer nos variados postos, isto é, de um mais baixo
para um de mais alto patamar; a segunda se refere ao tempo de permanência nestes
postos que deveria ser grande
210
. De fato, entre os oficiais aqui analisados que
conseguiram atingir o posto de maior prestígio nas Ordenanças, o de capitão-mor, e até
postos de maior prestígio em outras forças militares como o de coronel nas forças
Auxiliares, figurou além da grande permanência, como constatamos pela tabela acima,
uma carreira militar onde ocuparam postos de um escalão mais baixo até atingirem um
mais alto.
Ademais, a longa permanência destes oficiais em postos militares pode ser
considerada mais um indício de seu enraizamento nos trópicos, bem como de seu
envolvimento com a própria história colonial. Em outras palavras, tal permanência pode
ter auxiliado na formação daquilo que Luciano Figueiredo denominou de “patrimônio
memorialístico” – de enfrentamento, privações, perdas e empenho de suas vidas e
cabedais – ou seja, de inclusão no espaço colonial através de elementos que os
colocavam como agentes ativos do projeto colonizador e sustentavam suas demandas
210
COSTA, Fernando Dores. “Fidalgos e plebeus”. In: HESPANHA, António Manuel (Org). Nova
História Militar de Portugal... Op. cit. p. 106.
80
junto ao Monarca situando-os num plano diferenciado nas suas relações com
Portugal
211
, tema que será melhor trabalhado mais adiante.
Constatamos também a presença de certa rotatividade dos oficiais no exercício
de vários postos militares. Muitos destes indivíduos continuariam a ser militares só que
através do exercício de diferentes postos ao longo de suas vidas, não só nas Ordenanças
como também nas Tropas Pagas e Auxiliares, sendo esta rotatividade muitas vezes fruto
de promoções:
TABELA 13
Porcentagem de oficiais de Ordenanças que obtiveram promoção em sua
carreira militar (para os quais temos informações)
Promoção Freqüência %
Sim 61 66,30
Não 31 33,70
Total 92 100
Fonte: cartas patentes do AHU/Projeto Resgate – Documentação avulsa de Minas Gerais/Cd-rom
Para os oficiais que conseguimos coletar informações acerca deste dado, 31
(33,70%) não obtiveram promoções, isto é, permaneceram ligados a um único posto por
toda sua vida e 61 (66,30%) dos nomes possuíram diferentes patentes ao longo de sua
vida, estabelecendo uma “carreira militar” bem sucedida, ocupando diferentes postos e
em diferentes forças militares, e muitas vezes chegando ao topo da hierarquia nas
Ordenanças. Neste sentido vale a pena observar a carreira de Manuel Manso da Costa
Reis, através da qual também podemos compreender além dos mecanismos de
promoção, o processo de seleção para postos militares. Em 1770 o tenente Manuel
Manso da Costa Reis foi indicado, juntamente com o capitão Feliciano José da Câmara
– capitão mais velho do terço de Ordenanças de Vila Rica – e com o tenente-coronel do
terço de Auxiliares de Vila Rica António de Sousa Mesquita, na lista tríplice da Câmara
de Ouro Preto para ocupar o posto de sargento-mor das Ordenanças vago por
falecimento de Manuel Rodrigues Abrantes. Como de costume, o requerente apresentou
sua folha de serviços militar, na qual listava os serviços prestados a Coroa que o
211
FIGUEIREDO, Luciano. Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa. Rio de
Janeiro, Bahia e Minas Gerais, 1640-1761. São Paulo: USP, 1996. Tese de Doutorado. p. 472. Apud:
BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o Império... Op. cit., p. 388-389.
81
capacitavam a ser indicado como um dos “principais da terra” e, portanto, ao posto
212
.
Através do que foi relatado neste documento podemos acompanhar a carreira militar de
Manuel Manso da Costa Reis e constatamos que este oficial passou pelas diferentes
forças militares, isto é, foi oficial nas Tropas Pagas, Auxiliares e de Ordenanças o que
lhe possibilitou um significativo acúmulo de experiência e honrarias que agora estavam
sendo usadas na aquisição de uma outra patente de mais alto escalão na hierarquia.
Segundo o relato:
“[...]Manuel Manso da Costa Reis já havia servido nas tropas pagas
desta capitania, fora também coronel do regimento de cavalaria auxiliar
de nobreza de vila rica e tenente na mesma, postos ocupados por ser um
dos primeiros povoadores da localidade e pessoa abastada de bens, alem
de ser uma das pessoas mais idôneas e capazes da capitania [...]”
213
.
Todas estas características ajudaram este oficial a ganhar a disputa pelo posto de
sargento-mor dos outros dois concorrentes, garantindo assim sua ascensão a um dos
mais altos postos da hierarquia militar nas Ordenanças e consequentemente, ao aumento
de seu status.
O exemplo acima pode ajudar também a entender quais os atributos que
pesavam decisivamente nas promoções dos oficiais no ultramar. Em Portugal os postos
de maior prestígio, em qualquer uma das forças militares, eram ocupados, em sua
maioria, pela primeira nobreza de corte sendo seu alcance resultado, não de uma
promoção, mas da hereditariedade
214
. Em outros termos, em Portugal o critério
determinante para alcançar os mais altos postos militares era o nascimento ilustre. Já no
ultramar o critério determinante para aqueles que quisessem alcançar o topo da
hierarquia militar era a prestação de serviços a Coroa. Como o caso de Manuel Manso
da Costa Reis exemplificou, as promoções no seio das Ordenanças ocorriam mediante a
prestação de variados serviços ao monarca que em retribuição os agraciava com mercês,
tais como as patentes militares.
Assim, se a formação específica de militar em academias militares era aspecto
de pouca importância para a ascensão dos oficiais a postos de maior prestígio, tanto no
reino quanto no ultramar
215
, a experiência militar mediante atuações bélicas era muito
valorizada e um poderoso recurso na obtenção de mercês e, portanto, de promoções.
212
AHU/MG/cx: 99; doc: 24.
213
Idem.
214
MONTEIRO, Nuno G. “Comandos militares e elites sociais...” Op. cit., p. 102-104.
215
Idem.
82
Convém lembrar que os serviços de guerra e defesa da terra incluíam-se entre os mais
enobrecedores e importantes para concessão de mercês régias e, neste sentido, se
constituíam em um importante componente da incrementação da “qualidade” dos
coloniais
216
. A trajetória de Caetano Alves Rodrigues é nesse caso bem expressiva.
Natural de Lisboa atuou em diversas partes do Império como militar. Assentou praça de
soldado no estado da Índia onde assistiu por mais de 5 annos, atuando também como
alferes de infantaria, tenente de mar e guerra e capitão. Seus serviços foram essenciais,
no entender do governador D. Lourenço de Almeida, em momentos críticos para a
Coroa. Dentre estes destaca a invasão da fortaleza de Andorna construída no rio de Goa
que por ordens reais devia ser destruída onde:
“[...]Caetano Alves Rodrigues foi um dos primeiros que saltaram em
terra avansando com armas e mays gente a dita fortaleza conseguindo
queimala e demolila, matando e aprisionando se todos os que não
puderam fugir(...) e da mesma sorte conduziu um exercito para tomar e
qeimar as aldeas que tinha atras da fortaleza de pilligão que depois de 8
dias de citio se renderam(...) e no socorro que se deo ao rey para tomar
as terras da fortaleza de Ponda (sic) foi Caetano Alves Rodrigues
nomeado para rondar em balões o rio que circundava tal fortaleza para
que se rendessem[...]
217
”.
Além de ter atuado em Goa, prestou serviços também no mar “atacando
voluntariamente o navio inglês Angria quando o rei saiu em missão para ir tomar a dita
armada Angria(...) e o dito Caetano foi com 20 soldados armados a bordo do sito navio
e fez com tanto valor que conseguiu trazer o navio a Goa
218
”.
Após todos estes 5 anos atuando na Índia, embarcou para a América Portuguesa:
“[...]e sendo chegado a pouco tempo nas Minas quando os franceses
invadiram o Rio de Janeiro, foi dos primeiros que se offereceo para
acompanhar o governador António de Albuquerque e o fez com despesa
de sua fazenda. Combateu também os revoltosos de Vila Rica e a mando
do Conde de Assumar acompanhou o dito governador com seus escravos
armados até Vila Rica para castigar se os cabeças do levante, e lá ficou
hum mês[...]
219
”.
Por todos estes serviços foi nomeado capitão de Ordenanças e, em 1722,
coronel de cavalaria de São Paulo, e, posteriormente, de Vila Rica. Além disso, por sua
participação valorosa em tão importantes acontecimentos foi feito cavaleiro professo da
216
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas... Op. cit., p. 153.
217
AHU/MG/cx: 86; doc: 17.
218
Idem.
219
Idem.
83
Ordem de Cristo em 1731 e condecorado com o foro de escudeiro e cavaleiro fidalgo da
casa real em 1749
220
.
Acrescente-se que as sondagens sobre o recrutamento social das chefias
militares em Minas colonial não é tarefa fácil. Sua origem social não pode ser mapeada
pelo nascimento, como no caso de Portugal, visto que, como veremos adiante, o lugar
de oficial nas Ordenanças no ultramar podia ser obtido por diferentes caminhos o que
resultava na formação de um corpo de oficiais bem heterogêneo.
Provenientes sobretudo do norte de Portugal estes indivíduos vinham para as
Minas em busca de melhores oportunidades que surgiam mediante a prestação de
serviços a Coroa. Esta prestação de serviços configurou-se em uma oportunidade
através da qual os oficiais aqui enfocados lograram ganhos materiais e/ou imateriais. Ou
seja, através destes serviços, os homens, os melhores homens puderam reivindicar
honras e mercês, e desta forma tornarem-se pessoas “principais da terra” aumentando
seu cabedal político, econômico e simbólico
221
.
Todos os elementos mencionados até agora– acesso a cargos e o status daí
advindo, matrimônio, experiência militar adquirida pela ocupação de postos por longos
períodos, rotatividade, promoção etc. – propiciaram a estes oficiais recursos e meios de
estabelecer estratégias que lhes garantissem acesso a posições privilegiadas. Ressalte-se,
porém que os indivíduos que compunham os quadros das chefias militares de
Ordenanças na região enfocada não se constituíam em um grupo homogêneo e,
consequentemente, perfeitamente configurado. Os próprios exemplos até agora citados e
outros que serão trabalhados posteriormente revelam que este grupo não se encaixa em
um patamar específico visto que oferecem níveis diferenciados de estratificação. Deste
modo, não se deve especificar o campo de atuação do oficial ou o fundamento de sua
força (riqueza, poder político, categoria social) para caracterizá-lo socialmente, mas que
motivações de diferentes naturezas – política, econômica, militar, religiosa, etc. – se
sobrepõem e atuam conjuntamente na definição do grupo, qualquer que seja a
procedência dos agentes
222
.
220
Ibidem.
221
MATHIAS, Carlos Leonardo Kelmer. Jogos de interesses e estratégias de ação no contexto da
revolta mineira de Vila Rica... Op. cit., p. 14-15.
222
MARAVALL, José António. Poder, honor y élites en el siglo XVII. Madrid: siglo XXI de Espanha
editores, S. A, 1989, 3ª edição. p. 156-157.
84
Dentro do que foi relatado penso ter ficado clara a estreita relação existente entre
os oficiais, enquanto indivíduos pertencentes a uma esfera de pode local e o Rei. Da
reconstituição do perfil e inserção destes indivíduos, bem como de algumas trajetórias
de vida, constatamos que, não só, mas também, as mercês régias tiveram papel fulcral
na consolidação de posições sociais privilegiadas.
Como já sugerido, a concessão de mercês régias era a peça mestra da dinâmica
política do período e atuava num duplo sentido: por um lado era adotada como
mecanismo de recompensa aos leais súditos ligando-os a figura do Monarca, numa
relação de complementaridade; por outro lado abria espaço para a formação de
poderosos grupos locais dirigentes que por meio das mercês alimentavam seu poder
223
.
Desta assertiva depreende-se uma característica marcante desta sociedade de Antigo
Regime lusa no ultramar, a saber, a concentração de poder nas mãos de certos
integrantes das elites locais. Em outros termos, e como alguns autores já têm
demonstrado, os poderosos locais foram se mostrando cada vez mais importantes para a
viabilização das recomendações régias e para a manutenção da ordem, sendo portanto
essencial o estabelecimento de negociações com tais grupos para que o Rei exercesse
sua governabilidade nos domínios ultramarinos
224
.
2.3. O perfil e as atitudes econômicas
Este tópico tratará de um outro ponto da caracterização do grupo em questão, qual
seja, das suas atitudes econômicas. A relevância deste tipo de investigação se confirma
pela importância que a riqueza possuía para a sustentação da “qualidade” dos indivíduos
na sociedade mineira setecentista, que, como visto, era determinante na definição dos
lugares sociais.
223
CARDIM, Pedro. “Centralização política e Estado na recente historiografia sobre o Portugal do Antigo
Regime...” Op. cit., p. 134-135.
224
Neste sentido ver: BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o Império: o Rio de Janeiro no século
XVIII... Op. cit., MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos: nobres contra mascates,
Pernambuco, 1666-1715. FIGUEIREDO, Luciano. “O império em apuros: notas para o estudo das
alterações ultramarinas e das práticas políticas no império colonial português, séculos XVII e XVIII” . In:
FURTADO, Júnia (Org.). Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do
Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: HUMANITAS, 2001, p. 197-254. FRAGOSO, João,
BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima. “Bases da materialidade e da
Governabilidade no Império: uma leitura do Brasil colonial...” Op. cit.
85
O tema da hierarquia sócio-econômica na América Portuguesa tem sido tratado
pela historiografia a partir da noção de Antigo Regime nos trópicos, ou seja, a partir de
critérios que levem em conta as relações sociais em seus vários ângulos ficando as
variadas instâncias – culturais, econômicas, políticas – intimamente interligadas
225
.
Nesta perspectiva, entendemos que os indivíduos se percebiam e eram percebidos por
suas “qualidades”, e neste ambiente o cabedal (riqueza material) era visto como meio
para sustentar esta “qualidade”.
Nos trópicos, como bem destacou João Fragoso, a elite que dirigia a sociedade
colonial consistia em uma “nobreza” diferente da européia. Não descendiam das
melhores casas aristocráticas portuguesas, não viviam de rendas dadas por um
campesinato ou pelo rei, nem tampouco seus afazeres se resumiam unicamente à guerra
ou à administração da “coisa pública”, como no Velho Mundo. Muitos membros desta
elite envolviam-se em atividades mercantis e com o trabalho, não sendo isso um
elemento que diminuía sua “qualidade”, pelo contrário, serviam para mantê-la. Em se
tratando de uma sociedade de Antigo Regime o poder político e de mando, o prestígio e
o status vinham em primeiro lugar em termos de definição dos papéis sociais.
Entretanto, não se desconsidera que o enriquecimento influía nos contornos da
hierarquia social
226
.
Assim sendo, neste tópico procuraremos definir o perfil e a inserção econômica de
alguns dos oficiais de mais alta patente das Companhias de Ordenanças da comarca de
Vila Rica para os quais foi possível encontrar inventários post-mortem e testamentos
227
.
Objetivaremos identificar as atividades produtivas nas quais estavam envolvidos, seu
padrão de vida e como a riqueza se distribuía entre os diversos ativos que compunham
suas fortunas (bens imóveis, escravos, dívidas, etc.). Além disso, procuraremos visualizar
o locus desta parcela dos oficiais analisados na hierarquia sócio-econômica, agrupando
os inventários em faixas de fortunas, para assim entender as diferenças nos níveis de
riqueza no seio deste grupo.
Ressalte-se que também no gerenciamento das práticas econômicas do grupo aqui
enfocado estaremos destacando os recursos e estratégias utilizadas por eles na tentativa
de maximizar ganhos e assim sobreviverem e adaptar-se ao mundo colonial.
225
FRAGOSO, João. “Afogando em nomes...” Op. cit., p. 43-44.
226
Idem, p.45-46.
227
Estaremos trabalhando com o total de 34 inventários post-mortem e 34 testamentos.
86
Para visualizarmos a inserção econômica dos oficiais de Ordenanças na comarca
de Vila Rica, o primeiro passo será a apreensão do perfil mais amplo da economia
mineira, para tanto recorreremos ao perfil da composição da riqueza dos inventariados
da comarca de Vila Rica:
Tabela 14
Composição da riqueza, em mil-réis, nos inventários da comarca de Vila Rica por
períodos – 1750-1822
CVR
Setor/Atividade 1750-1779 1780-1822
Escravos 37,42% 27,38%
Instrumentos de trabalho 1,25% 1,34%
Rebanho/Colheitas 1,93% 3,74%
Comércio 0,03% 7,45%
Dívidas ativas 24,68% 24,18%
Imóveis (rurais e urbanos) 28,64% 25,92%
Jóias e Metais preciosos 3,55% 2,82%
Moeda 0,07% 4,37%
Outros* 2,38% 2,80%
Monte-bruto 141:994$108 607:005$361
*Nesta variável incluem-se objetos como roupas, móveis, utensílios domésticos e objetos de uso pessoal e
de decoração.
Fonte: ALMEIDA, Carla M. C. de. Homens ricos, homens bons... Op. cit. p. 172.
Como mostra a tabela acima, e conforme destacou Carla Almeida, a estrutura
econômica dessa região era caracterizada pela pequena circulação monetária (o que
pode ser constatado pela ínfima presença da variável moeda no patrimônio dos
mineiros), fortes mecanismos de acumulação mercantil (visualizados principalmente
pelo alto percentual de dívidas ativas entre os inventariados) e prática produtiva
extensiva (evidenciado pela pequena participação dos instrumentos de trabalho na
composição das fortunas dos mineiros, aliada a grande importância dos bens imóveis e
escravos indicando uma economia muito mais dependente de constantes incorporações
de terra e mão-de-obra para seu funcionamento do que do aprimoramento técnico)
228
.
Comparando com nossa amostragem, verificamos que o perfil de acumulação e de
investimentos da parcela de oficiais de Ordenanças que estamos analisando em alguns
228
ALMEIDA, Carla M. C. de. Homens ricos, homens bons... Op. cit., p. 71-81.
87
aspectos se assemelha, mas em outros se diferencia do perfil estrutural da economia
mineira. Senão vejamos:
TABELA 14.1
Composição da riqueza, em mil-réis, nos inventários dos oficiais de Ordenanças da
Comarca de Vila Rica por períodos – 1750-1822
229
CVR
Setor/Atividade 1750-1779 1780-1822
Escravos 32,22% 22,97%
Bens rurais 16,08% 43,54%
Dívidas ativas 37,23% 19,82%
Prédios urbanos 4,81% 7,33%
Jóias e Metais preciosos 1,52% 0,71%
Moeda 2,13% -
Outros* 5,90% 5,62%
Monte-bruto 112:717$744 95:979$369
*Nesta variável incluem-se objetos como roupas, móveis, utensílios domésticos e objetos de uso pessoal e
de decoração.
Obs.: Foram levantados 13 inventários para o primeiro período e 15 para o segundo. Foram eliminados
desta tabela 6 inventários para os quais só foi possível considerar o monte-mor.
Fonte: Inventários post-mortem da Casa Setecentista de Mariana e da Casa do Pilar de Ouro Preto.
No patrimônio dos oficiais, assim como no dos mineiros em geral, era baixo o
percentual de moedas, jóias e metais preciosos o que, como visto, aponta para uma
economia com frágil circulação monetária e baixa liquidez. Tais características não
eram exclusivas da capitania de Minas Gerais estando também presentes em outras
áreas da América Portuguesa como o Rio de Janeiro
230
.
Constatamos que as direções preferenciais dos investimentos desta pequena
parcela de oficiais eram os escravos, os imóveis e as dívidas ativas ocorrendo,
entretanto, variação significativa no peso de cada uma destas variáveis na composição
das fortunas ao longo dos dois períodos enfocados, ao contrário do que viu C. Almeida.
229
Tal delimitação temporal foi escolhida com base no trabalho de Carla Almeida, o qual estamos
utilizando como parâmetro comparativo. Segundo a referida autora tal periodização inclui duas distintas
fases da economia mineira: a primeira fase (1750-1779) pode ser caracterizada como um período de auge
minerador e a segunda fase (1780-1822) é entendida como o momento em que a economia mineira deixou de
ter a mineração como atividade principal e a agropecuária passou ser o eixo central da economia. Ver:
ALMEIDA, Carla M. C. de. Homens ricos, homens bons... Op. cit., p. 6-7.
230
Neste sentido ver: FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: Uma história do Tráfico Atlântico de
escravos entre a África e o Rio de Janeiro (sécs. XVIII e XIX). São Paulo: Cia das Letras, 1997. Ver
Também: FRAGOSO, João & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto... Op. cit.
88
Comparando os oficias com os mineiros inventariados no geral percebemos que
eles também investiam significativamente em escravos. Este era um investimento
possível e acessível às suas fortunas, além de reiterar a diferenciação sócio-econômica
entre uma elite e outros homens livres. Percebemos que entre as maiores fortunas
predominavam plantéis expressivos. Dentre a parcela de oficiais aqui enfocados 27,77%
possuíam mais de 30 escravos, 38,88% possuía de 10 a 30 escravos. O número de
oficiais com plantéis menores de 10 escravos chegava a 30,55%. Ressalte-se que no
conjunto apenas um (2,77%) destes oficiais inventariados não possuía nenhum escravo
denotando que muitos destes homens revertiam parte de seus investimentos na compra
dos mesmos, principalmente aqueles com fortunas acima de 2000 libras. Os dados
também mostram o quanto era alta a concentração de escravos em poucas mãos, fato já
amplamente relatado pela historiografia sobre Minas
231
.
Contudo, nota-se que no decorrer do 1º para o 2º período há uma oscilação desta
variável entre os bens arrolados. Isto talvez indique que aos oficiais inventariados
apresentaram-se outras opções de investimentos, onde muitos podiam deslocar seus
recursos para outros tipos de negócios. De fato, pela tabela acima, percebemos um
acentuado aumento dos bens rurais (nesta variável incluímos terra, lavras, animais,
colheita, instrumentos de trabalho e imóveis localizados em áreas rurais) entre os
valores arrolados, e como em Minas o setor rural era também responsável por boa parte
da geração de riqueza
232
, tudo indica que estes homens não se abstiveram de investir em
tal setor.
Concernente a isso, e ao contrário do que viu C. Almeida, percebemos pelos dados
da tabela que houve uma brusca queda de investimentos em setores mercantis por parte
destes oficiais, o que pode ser visualizado pela grande variação no percentual de dívidas
ativas ao longo dois períodos. Assim, se no primeiro período as atividades creditícias
tinham papel de destaque no patrimônio destes oficiais, no segundo período o capital
mercantil e suas formas específicas de acumulação vão perdendo espaço para o setor
rural que ganha significativo destaque.
231
A exemplo ver: COSTA, Iraci del Nero & LUNA, Francisco Vidal. Minas colonial: economia e
sociedade. São Paulo: Fipe-Pioneira, 1982, p. 40. Dos 3.400 senhores de escravos arrolados, 26 tinham
mais de 40 cativos, 06, mais de 60 cativos e 01 mais de 100 cativos (126). Apud: ARAÚJO, Luís António
S. Contratos e tributos nas Minas setecentistas: o estudo de um caso – João de Sousa Lisboa (1745-
1765). Niterói: UFF, 2002. Dissertação de Mestrado. p. 29.
232
ALMEIDA, Carla M. C. de. Homens ricos, homens bons... Op. cit., p.182.
89
Deve-se considerar que além dos rendimentos que os oficiais poderiam tirar do
setor rural, cuja incrementação relaciona-se com o rearranjo interno econômico da
capitania de Minas verificado a partir da segunda metade dos setecentos no qual os
produtos agropecuários passaram a desempenhar papel preponderante na economia,
anteriormente ocupado pelo ouro
233
, um outro fator poderia explicar o direcionamento
dos investimentos para este setor rural. No contexto de uma sociedade agrária de base
escravista a posse de grandes extensões de terras, fazendas, lavras e de numeroso plantel
de escravos era forma de se demonstrar poder e diferenciação social, visualizada na
honra e formas de tratamento devidas às pessoas de “qualidade”
234
. Deve-se considerar,
pois, que a tentativa de consolidar posições de mando também guiava as práticas
econômicas nesta sociedade.
Outra variável que obteve destaque entre os bens arrolados refere-se a prédios
urbanos, apesar destes terem um valor menor frente às propriedades rurais. Acreditamos
que a posse de propriedades urbanas se dava pelo fato destes oficiais, sobretudo os
detentores das patentes superiores, residirem preferencialmente nas vilas, dividindo seu
tempo entre a casa que aí possuíam e suas fazendas e sítios nas áreas rurais. A posse de
uma casa nos espaços urbanos se explica pela necessidade de alguns destes homens
estarem mais próximos dos centros de poder, como a câmara
235
, ao qual como visto,
alguns se associavam pela ocupação de cargos. No que respeita a distribuição espacial
destas casas de morada dos oficiais, em especial as dos que pertenciam às famílias mais
importantes, localizavam-se nos lugares principais da Vila do Carmo e de Vila Rica e
seus termos, sobretudo nas ruas direita de cada uma das localidades e nas ruas onde se
localizavam suas igrejas matrizes, ou próximo a elas
236
.
Alguns bens móveis que entraram na contabilização como jóias, roupas, móveis
de jacarandá, apetrechos de uso doméstico e decoração (entrando nesta classificação
talheres de prata, louças da Índia e do Porto, pinturas, etc.) revelam que estes oficiais
valorizavam e investiam em objetos que lhes garantissem o seu “bom tratamento”, a
exemplo de outros mineiros inventariados e analisados por C. Almeida. Conforme
destacou a referida autora, as próprias “condições” dos dois termos que compunham a
233
ALMEIDA, Carla M. C. de. Homens ricos, homens bons... Op. cit. Ver principalmente capítulos 2 e
3.
234
RODRIGUES, José Damião. “A guerra no Açores...” Op. cit., p. 252.
235
Idem, p. 253.
236
Ibidem.
90
comarca de Vila Rica contribuía para isso: Ouro Preto era capital das Minas Gerais e
abrigava as autoridades mais importantes da capitania; Mariana por ser sede do Bispado
concentrava um grande contingente de letrados, ocupados tanto em atividades
eclesiásticas quanto em cargos administrativos. Os ocupantes de tais cargos tendiam a
ser pessoas mais habituadas ao “bom tratamento”
237
. Neste sentido, tendo a concordar
com Laura de Mello e Sousa quando afirma que para os homens afortunados das Minas
Gerais, o luxo cumpria uma função social específica: a de sinal distintivo do status
social, como instrumento de dominação necessário à consolidação e manutenção do
mando
238
.
Acreditamos que os oficiais se utilizaram de todos os mecanismos possíveis para
se manterem enquanto autoridade, e se o luxo e a ostentação eram socialmente
reconhecidos pelos “povos” como um recurso legitimador do poder deste oficialato, este
soube muito bem utilizá-lo. As roupas, jóias, móveis serviam para ostentar sua condição
social, para se distinguirem dos homens comuns e da massa escrava. A sociedade
mineira, mesmo com a possibilidade de enriquecimento trazida pelo ouro, era uma
sociedade assentada na nobiliarquia, no reconhecimento social, no prestígio
exteriorizado, pois assim se enunciava o papel de cada indivíduo na hierarquia.
Havia uma preocupação com o tipo de roupa, tecidos e adereços que cada grupo
podia portar e, de tempos em tempos, o Rei editava novas regulamentações a este
respeito. Em 1749, por exemplo, o Rei permitiu que os postos superiores a oficiais de
alferes pudessem “Trazer galão de ouro, ou prata no chapéu e botões lisos dourados, ou
prateados nos vestidos e que, nos arreios de seus cavalos, possam usar de metal
dourado, ou prateado com muita moderação
239
”. Anos mais tarde, em 1754, permitiu
que os oficiais de Terços Auxiliares e de Ordenanças pudessem “usar galões de ouro, ou
prata, nos seus chapéus
240
”.
De fato, em praticamente todos os inventários por nós aqui analisados foram
encontrados vestimentas como as descritas acima, denotando assim que o luxo, a pompa
e um padrão de vida suntuoso eram elementos essenciais na consolidação de uma boa
reputação. Apesar das leis de suntuosidade datadas de 1742 e 1749 – que proibiam os
237
ALMEIDA, Carla M. C. de. Homens ricos, homens bons... Op. cit., p.188.
238
MELLO E SOUSA, Laura de. Desclassificados do ouro. Rio de Janeiro: Graal, 1982. p.27. Apud.
ALMEIDA, Carla. Homens ricos, homens bons... Op. cit., p.188.
239
FURTADO, Júnia. Homens de negócio... Op. cit., p. 31
240
Idem.
91
colonos de usarem em suas vestimentas seda, veludo, ouro e prata; que limitavam a
ostentação causada pelo uso de ouro e prata nas mobílias e carruagens; e que
restringiam o número daqueles que poderiam carregar espadas e armas de fogo ou
outros símbolos de elevado status – a elite colonial investia avidamente em tais signos e
elementos
241
. A exteriorização da ostentação, do luxo e da riqueza por meio das
vestimentas, insígnias, e outros objetos demarcavam o espaço social ocupado,
conferindo status e prestígio ao indivíduo. Vejamos um exemplo. O capitão de
Ordenança de Pé do distrito da Gama Tomé Soares de Brito, ao solicitar confirmação da
dita patente, argumentava que “serviu em vários ofícios sempre com boa nota e
reputação sendo continuamente chamado para várias diligências, além de ser homem
abundante de bens vivendo nobremente
242
. De fato, ao analisarmos seu inventário aberto
em 1804 na Freguesia de São Caetano por seu filho José Soares de Brito, constatamos
ser Tomé Soares de Brito um homem muito rico. Foi casado com Isidora Maria do
Espírito Santo com a qual tivera dois filhos: o já mencionado José Soares de Brito,
padre, e Tomé Soares de Brito, alferes. O defunto deixara como herança para sua
família um patrimônio composto por terras de cultura na paragem do Piranga, uma
fazenda, dívidas ativas, vários animais e um plantel de dezesseis escravos; além de
vários utensílios que evidenciavam sua distinção social como objetos de ouro e prata,
louças da Índia e do Porto, móveis de jacarandá e vestimentas de seda e linho cuja soma
total do monte-mor chegava à quantia de 12:025$500
243
. Pelo exposto pode-se dizer que
Tomé Soares de Brito visava com estes últimos elementos publicizar sua imagem, e
assim deixar claro qual seu lugar na hierarquia social.
A partir de agora estaremos analisando o locus sócio-econômico da parcela de
oficiais de Ordenanças aqui enfocados a partir da compreensão da distribuição da
riqueza gerada. Para tanto vamos comparar a hierarquia de fortunas que elaboramos a
partir dos dados dos inventários post-mortem dos oficiais com a de Carla Almeida que,
intentando observar os meandros da riqueza e pobreza nas Minas setecentista, também
elaborou uma hierarquia de fortunas a partir de uma parcela de inventários post-mortem
agrupados na Casa Setecentista de Mariana e no Arquivo da Casa do Pilar em Ouro
Preto:
241
RUSSEL-WOOD, A. J. R. “Centros e periferias no mundo luso-brasileiro, 1500-1808”. In: Revista
Brasileira de História. V. 18, nº 36, 1998. p. 198.
242
AHU/MG/cx: 76; doc: 30.
243
CSM, 1º ofício – Inventário post-mortem de Tomé Soares de Brito. Códice 122, auto 2542, (1804).
92
TABELA 15
Distribuição da riqueza entre os inventariados da comarca de Vila Rica por faixa e
período – 1750-1822
CVR
1750-1799 1780-1822
Faixas de
fortuna em
libras
A B A B
0-200
%
21
31,3
2.157,635
3,5
125
48,1
11.609,197
6,7
201-500
%
13
19,4
4.096,045
6,6
67
25,8
20.586,915
11,9
501-1000
%
17
25,4
12.735,483
20,5
30
11,5
20.300,288
11,8
1001-2000
%
10
14,9
14.897,921
24,0
23
8,9
32.346,762
18,7
2001-5000
%
4
6,0
14.358,543
23,1
10
3,8
31.157,663
18,0
+ 5000
%
2
3,0
13.836,926
22,3
5
1,9
56.957,347
32,9
Total
67 62.082,556 260 172.958,172
Fonte: Inventários post-mortem da CSM e CPOP. A: Nº. e % dos inventários da faixa; B: Valor dos
inventários da faixa. Apud: ALMEIDA, Carla Maria C. de. Homens ricos, homens bons... Op. cit., p.
191.
93
TABELA 15.1
Distribuição da riqueza entre os oficiais de Ordenanças da comarca de Vila Rica
por faixas e período – 1750-1822
CVR
1750-1779 1780-1822
Faixas de
fortuna em libras
A B A B
1-200
%
0
0
0
0
1
5,55
142,310
0,42
201-500
%
1
6,25
337,552
0,43
3
16,66
891,524
2,65
501-1000
%
1
6,25
932,236
1,19
3
16,66
2.231,587
6,63
1001-2000
%
5
31,25
8.229,153
10,48
5
27,77
7.474,823
22,20
2001-5000
%
5
31,25
18.355,802
23,38
6
33,33
22.931,678
68,10
+ de 5000
%
4
25
50.653,444
64,52
0
0
0
0
Total
16
78.508,110 18 33.671,922
Fonte: Inventários post-mortem da CSM e CPOP e testamento da CPOP. A: Nº. e % dos inventários da
faixa; B: Valor dos inventários da faixa
. Para todos os inventários anteriores a 1810, convertemos o mil-
réis para libras esterlinas a partir de BUESCU, Mircea. 300 anos de inflação. Rio de Janeiro: APEC,
1973. p.50-51. Em apenas dois casos fizemos a conversão para libras esterlinas com base na tabela de
flutuações cambiais do livro de MATTOSO, Kátia de Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1982. P. 254, visto que a partir da data acima citada o mil-réis começou a se desvalorizar crescentemente.
Antes de adentrarmos na questão proposta, cabe sublinhar que as duas primeiras
faixas de fortuna englobam o que chamaremos de pequenos proprietários, ou seja,
indivíduos com fortunas avaliadas em até 500 libras. Os indivíduos possuidores de um
patrimônio que oscilavam entre 501 a 2000 libras chamaremos de médios proprietários.
94
Estaremos denominando de grandes proprietários àqueles possuidores de fortunas acima
de 2000 libras
244
.
Pelos dados expostos na tabela 15, percebemos que a C. Almeida se deparou
com um quadro de grande percentual de pequenos proprietários entre os habitantes
inventariados de Vila Rica de uma forma geral, com um número significativo de médios
e diminuta parcela de grandes proprietários. Já entre a parcela de oficiais por nós
analisada encontramos um quadro diferente: entre estes era muito baixa a incidência de
pequenos proprietários, apenas 5 oficiais, num total de 226 inventariados da comarca,
possuíam fortunas abaixo de 500 libras. A grande maioria dos oficiais se encaixava
entre o que denominamos de médios e grandes proprietários dentro de nossa hierarquia
de fortuna. Nas 2 faixas intermédias que englobam 501-2000 libras havia 14 oficiais e
naquelas superiores a 2000 libras havia 15, ou seja, a parcela de oficiais aqui analisada
ocupava lugar de destaque no seio da hierarquia sócio-econômica desta sociedade,
sendo homens possuidores de considerável fortuna em comparação com o restante da
população inventariada. Com efeito, ao comparamos os indivíduos possuidores de
fortunas acima de 5000 libras percebemos o quanto era alto o poder econômico de
alguns destes oficiais. Eram quatro os indivíduos que se encaixavam nesta faixa de
fortuna, a saber, António Gonçalves Torres, António Ramos dos Reis, João António
Rodrigues e Paulo Rodrigues Durão. Suas fortunas somavam respectivamente 7.899,859
libras; 22.053,445 libras; 5.736,427 libras e 14.963,713 libras. Ou seja, em nossa
amostragem, estes 4 indivíduos detinham 45,15% do total da riqueza, para os dois
períodos, em suas mãos.
Portanto, boa parte dos oficiais enfocados se encontrava entre a parcela do
grupo dominante da hierarquia econômica da capitania, constituindo-se assim em
indivíduos detentores de grande poder político e econômico.
No entanto, através das faixas é possível perceber também que, apesar de se
constituírem em um grupo de homens ricos, havia diferenciações econômicas entre a
parcela de oficiais analisada. Por seu turno pode-se sugerir que os oficiais não
formavam um verdadeiro grupo social, isto é, não faziam parte de um grupo uniforme e
homogêneo, o que os dados da tabela acima corroboram mediante identificação de
244
Ressalte-se que tal classificação foi estabelecida a partir das análises de Carla Almeida em seu estudo
acerca da hierarquização econômico-social da região enfocada. ALMEIDA, Carla M. C. de. Homens
ricos, homens bons... Op. cit.
95
diferenças de riqueza e, consequentemente, de status, entre eles. Em outros termos, os
indivíduos que integravam esta esfera militar não tinham todos a mesma origem social e
este fato resultava na demarcação de diferenças no seio deste grupo. Com efeito, a
própria divisão das Ordenanças em forças de Pé, de Cavalos, de Pardos Libertos e de
Negros Libertos, instituía diferenciações entre os comandantes militares. Um oficial
com patente de capitão-mor de Cavalos possuía muito mais status que um oficial de
posse de um posto de mesma patente mas que fosse pertencente a uma companhia de
Negros Libertos. Ou seja, até mesmo o tipo de categoria social que o oficial comandava
gerava níveis diferenciados de honra e status no interior do Corpo de Ordenanças.
Vejamos dois exemplos que demonstram bem esta disparidade de status, de
honra e de riqueza entre os oficiais analisados. António da Costa Guimarães era casado,
sem filhos e morreu em 1816 deixando testamento em que dizia ser natural de Braga.
Era morador no arraial de António Pereira em Mariana sendo o oficial com menor
patrimônio em nossa amostragem. Durante sua vida não ocupara nenhum cargo
administrativo, não ganhara sesmarias nem conseguira ocupar um posto militar de maior
destaque; fora a vida toda capitão da companhia de Pardos Libertos sem ter realizados
grandes feitos ou “serviços” que pudesse usar como recurso para ascender ao topo da
hierarquia. Entre seus maiores bens estavam duas moradas de casa assobradadas coberta
de telhas com quintal cujo valor era de 290$000 além de algumas dívidas ativas com
valor de 124$400, possuindo ainda 3 cavalos e algumas roupas que achou por bem listar
por terem algum valor. Não possuía escravos. Quando foi feito seu inventário seu
monte-mor era de 599$203 ou 142,310 libras
245
.
António Ramos dos Reis é o oficial como maior patrimônio que localizamos
cujo monte-mor, de acordo com seu testamento, somava 78:400$000 ou 22.053,445
libras. Era casado e possuía 3 filhos, em seu testamento dizia ser natural do Porto e
morador em Vila Rica. Este oficial foi um dos homens mais abastados das Minas
Gerais, sendo descobridor de uma grandiosa lavra localizada no morro chamado
comumente de morro do Ramos onde tem serviço de talho aberto e varias minas com
muitas grades, tanques de recolher águas onde tem para cima de 100 escravos. Além
disso, tinha também várias moradas de casas em Ouro Preto e no Rio de Janeiro, além
de outra fazenda, também no Rio de Janeiro, com casa de vivenda e capela, hum curral
245
CSM, 1º ofício - Inventário post-mortem de António da Costa Guimarães. Códice 44, auto 1012,
(1816).
96
de criação de gado vacum com mais de 20 escravos, tendo também sesmaria no distrito
de Iguaçu que cultiva há 14 anos por seus escravos que em sua estimação vale par cima
de 60$000 cruzados
246
. Possuía ainda inúmeras jóias e objetos de ouro e prata. Ocupara
importantes postos militares ao longo de sua vida como o de mestre-de-campo e o de
capitão-mor, além de desempenhar importantes funções administrativas como o de
vereador e o de juiz de órfãos e ser cavaleiro professo da Ordem de Cristo
247
.
Evidencia-se a partir destes dois exemplos que, mesmo em se tratando de um
grupo com alguns traços comuns que os definiam enquanto tal, as possibilidades de
acumulação – tanto material quanto de prestígio – para os indivíduos aqui enfocados, na
sociedade em que se inseriam, eram bem díspares. Se nesta sociedade os indivíduos se
percebiam e eram percebidos por suas “qualidades”, convém lembrar que havia
diferenças entre as “qualidades” dos membros deste grupo. Como sugerido, muitos
elementos, além da riqueza, influíam na diferenciação e hierarquização desta
“qualidade”, tais como o fato de serem conquistadores, de ocuparem cargos de mando
na câmara e na administração real, a posse de títulos; elementos que, como se verá,
foram utilizados como estratégias e/ou recursos por estes indivíduos para conquistar e
manter posições de destaque na escala social e, consequentemente, exercer seu mando.
Isso nos leva a perceber uma cultura desigualmente distribuída, gerando transações onde
cada parte, com estratégias e recursos diferenciados, busca maximizar seus ganhos
248
.
Assim, definir a composição dos grupos dominantes numa sociedade de Antigo
Regime passa pela percepção de que a esfera política se constituiu em espaço
privilegiado de controle e instrumento de coerção de sobretrabalho
249
. O topo da
hierarquia em Minas Gerais era, portanto, ocupado por aqueles que conseguiam
articular-se entre os detentores de grandes cabedais e do poder político, não por acaso
António Ramos dos Reis era o homem mais abastado dentro da parcela de oficiais
enfocada.
Portanto, apenas o enriquecimento não garantia a ascensão social, que dependia de
outras relações que não as econômicas. Nesta perspectiva é que se entende a busca de
títulos, cargos, entre outras possibilidades, por parte dos oficiais para ampliar suas
246
CPOP, 1º ofício - Testamento de António Ramos dos Reis. Livro n.º 20, folha 74, (1761).
247
AHU/MG/cx:39; doc:67. Ver também; AHU/MG/cx: 31; doc: 1.
248
BARTH, Fredrik. “Models of social organization I: Introduction. The analytical importance of
transaction”. In: Process and form in social life...Op. cit., p.32-47.
249
ARAÚJO, Luís António S. Contratos e tributos nas Minas setecentistas... Op. cit., p. 31.
97
riquezas. Tais investimentos, além de prerrogativas políticas, lhes proporcionariam
privilégios nas relações com o aparelho jurídico-burocrático e emolumentos que
engordavam suas fortunas.
Mas a que tipo de atividade se atrelava estes oficiais? Para responder a esta
questão montamos a tabela seguinte a partir das informações contidas nos inventários
post-mortem e na lista elaborada pelo provedor da fazenda Domingos Pinheiro em 1756.
Os nomes vinham separados por comarcas e traziam indicado o local de residência e a
ocupação de cada um deles
250
:
TABELA 16
Ocupação econômica dos oficias de Ordenanças da comarca de Vila Rica (para
os quais temos informações)
Ocupação Freqüência %
Mineração 35 57,38
Negócio 16 26,23
Roceiro 7 11,47
Administrador do contrato 2 3,28
Escrivão da câmara 1 1,64
Total 61 100
Obs.: Foram eliminados desta tabela os inventários para os quais só foi possível considerar o monte-mor.
Fonte: Lista dos homens mais abastados da capitania feita pelo provedor da fazenda Domingos Pinheiro.
AHU/MG/cx: 70; doc: 41 e Inventários post-mortem da CSM e CPOP.
Entre a parcela de oficiais aqui analisada, a mineração era a atividade econômica
principal a que eles se atrelavam. Levando-se em conta que a lista utilizada para
verificação deste dado foi feita em um período de auge minerador e que tal atividade foi
a “razão de ser” da comarca em perspectiva não surpreende que assim o fosse. Porém,
ao analisarmos juntamente com tal lista, os inventários post-mortem destes oficiais, que
nos informam o momento final de suas vidas, constatamos que com a crise do ouro
muitos destes homens procuraram diversificar suas atividades econômicas, se dedicando
também a outras atividades que ao longo do século XVIII foram dando maiores
oportunidades de enriquecimento e, desta forma, conseguiram se manter
economicamente dinâmicos. Assertiva que também é corroborada pela mudança
verificada anteriormente no padrão de investimentos destes oficiais.
250
Ver: ALMEIDA, Carla M. C. de. Homens ricos, homens bons... Op. cit., p. 230.
98
Como já mencionado, com a crise do ouro, houve um rearranjo interno na
atividade econômica principal, passando as atividades agropecuárias a desempenhar o
papel de eixo central da economia
251
. Nesta esteira, entre as estratégias traçadas por
estes oficiais para superarem a crise da produção aurífera na capitania ao longo do
setecentos está a diversificação das atividades produtivas em suas propriedades, um
meio eficaz de reduzir a dependência do mercado e assim garantir a reprodução da
fazenda na medida em que aumentava os rendimentos da mesma
252
. A forma mais
comum de tal diversificação era conjugar em suas propriedades a mineração com a
agropecuária. Por exemplo, o capitão João Rodrigues do Santos se declarava na lista de
1756 como minerador. Quando, porém, analisamos seu inventário, datado de 1773,
constatamos que este oficial foi ao longo do tempo se dedicando também a
agropecuária, passando a exercer as duas atividades, o que parece ter contribuindo para
o dinamismo de sua propriedade e, consequentemente, para o incremento de seu
patrimônio pois, ao final de sua vida possuía um monte-mor no valor de 11:965$265
253
.
Assim, conjugar a extração mineral com a agropecuária parecia ser a opção econômica
mais viável para aqueles que tinham possibilidade de acesso a terra e escravos na
comarca de Vila Rica.
Outra atividade a que esta parcela de oficiais podia se dedicar e obter
enriquecimento era o negócio. A arte de negociar parece ter sido muito lucrativa pois
muitos dos oficiais enfocados que em 1756 se declararam mineiros, foram, ao longo do
tempo, redirecionando investimentos para a atividade mercantil (visualizada sobretudo
nas sociedades e na comercialização de víveres, já que o empréstimo de dinheiro a juros
foi se tornando pouco usual entre os oficiais ao longo do tempo, dado constatado
anteriormente pela queda da variável “dívidas ativas” no patrimônio destes homens). A
presença de tropas e outros instrumentos denotam que eventualmente comercializavam sua
produção em pequenos ranchos e vendas. Além disso, alguns possuíam sociedades em
vários negócios, e alguns poucos emprestavam dinheiro a juros. O desempenho destas
atividades comerciais era um meio de se obter uma fonte adicional de ganho.
A ocupação de roceiro também obteve destaque. Levando-se em conta que as
atividades agropastoris e a pecuária foram ao longo do século XVIII aumentando cada vez
251
Ver ALMEIDA, Carla M. C. de. Homens ricos, homens bons... Op. cit., cap. 2.
252
A exemplo do que viu ALMEIDA, C. op. cit., p. 219.
253
CSM, 1º ofício - Inventário post-mortem de João Rodrigues dos Santos. Códice 80, auto 1795 (1773).
99
mais seu dinamismo, não surpreende que aqueles que já em 1756 se dedicavam a elas
continuassem revertendo seus investimentos para tal setor. Por exemplo, O capitão
Francisco Machado Magalhães se declarou roceiro na lista do provedor da fazenda e, como
pode ser visualizado por seu inventário, continuou se dedicando a tal atividade até o final
de sua vida, setor que lhe rendeu significativo cabedal sendo a soma de seu monte-mor
contabilizada em 15:266$269
254
.
Dentro do quadro esboçado, pode-se dizer que, ao menos, a parcela de oficiais por
nós aqui analisada, eram homens de significativo cabedal econômico e que numa
sociedade escravista a posse de riqueza, traduzida principalmente em propriedades e
escravos, era forma de obter promoção social, pois a distinção se fazia mais pela posse (de
riquezas, mas também de cabedais políticos e sociais) do que pelo nascimento.
Assim, se a “qualidade” destes oficiais era proveniente da política, era sustentada
pelo cabedal econômico que muitas vezes era incrementado por meio desta “qualidade
primeira”, isto é, o aproveitamento da condição política para realizar acumulações
materiais
255
, ou seja, a relação entre as esferas política e econômica ia gerando um círculo
virtuoso – uma agindo sob a outra constantemente.
Neste sentido, cabe sublinhar que os oficiais de Ordenanças atuaram como
braços da Coroa na administração do território colonial
256
, utilizando-se tanto do seu
controle/monopólio sobre os fatores de produção e da mão de obra escrava, quanto do
seu poder político-militar na consolidação de suas posições sociais. Eles se constituíram
em parceiros do empreendimento colonial na área da mineração, aumentado sua riqueza
e seu poder, vincularam-se como colaboradores, e não como adversários, da Coroa que,
em troca, lhes concedia monopólios e privilégios
257
.
Assim sendo, para além das diferenças que resultavam da administração de um
maior ou menor número de cabedais devemos equacionar o papel da política. O
exercício de cargos administrativos, o poder concelhio, os hábitos das ordens militares,
e outras benesses distribuídas pela Coroa funcionaram igualmente como um fator de
diferenciação no seio deste oficialato.
254
CSM, 1º ofício - Inventário post-mortem de Francisco Machado Magalhães. Códice 90, auto 1878,
(1799).
255
FRAGOSO, João. “Afogando em nomes...” Op. cit., p.45.
256
Neste sentido ver: PRADO Jr. Caio, Formação do Brasil Contemporâneo... Op. cit. Ver também:
FAORO, Raimundo. Os donos do poder... Op. cit.
257
ARAÚJO, Luís Antônio S. Contratos e tributos nas Minas setecentistas... Op. cit., p. 50.
100
Instalados em território colonial muitos dos oficiais procuraram se inserir-se de
forma privilegiada na sociedade. O respeito que logravam alcançar na colônia ligava-se
a extensão de seus bens, à vida de ostentação e luxo que pudessem levar, a cargos
honrosos que conseguissem ocupar, e a outros elementos provenientes de mercês régias
que podem ser considerados grandes trunfos dos oficiais para “jogarem” melhor nesta
teia social, pois disto obtinham bens materiais e imateriais que lhes transformavam em
poderosos locais e consequentemente, em indivíduos imprescindíveis ao poder real.
Porém, cabe ainda uma melhor explanação acerca de como isso influenciava na
construção da autoridade destes oficiais. Era fundamental que o indivíduo tivesse a
convicção de que para assumir a função de oficial possuía os valores, os recursos, os
méritos que o tornavam capacitado para tanto. Ora, isso somente seria sustentado a
partir da busca de distinção e honra e da manutenção do poder adquirido através da
afirmação do poder pessoal. Nesta sociedade e para o grupo em questão era essencial a
busca de auto-afirmação e manutenção da integridade pessoal. A aquisição e/ou
manutenção da autoridade, necessária para o exercício do mando, era mais que um valor
a ser alcançado, envolvia a própria sobrevivência destes homens
258
. É sobre isso que
falaremos a seguir.
258
SILVA, Célia Nonata da. A teia da vida: violência interpessoal nas Minas setecentistas. Belo
Horizonte: UFMG, 1998. Dissertação de Mestrado. Especialmente o capítulo 3.
101
Capítulo 3
Das mercês às estratégias sociais: a busca pela autoridade e mando nas conquistas
A invocação da “qualidade” (social) é visível nos atos de nomeações para postos
militares a fim de escolher o dirigente ideal
259
. Como visto anteriormente, no Antigo
Regime, a direção social por “homens de qualidade” das mais importantes instâncias da
sociedade, e entre estas se incluem o âmbito militar, era desejada e baseada numa
autoridade difusa, concentrada e sem especialização. No ultramar esta qualidade estava
invariavelmente associada à nobreza, mas não a uma nobreza derivada do ilustre
nascimento, do sangue e hereditária, e sim a um ideal que invocava a concepção de
“nobreza civil ou política” isto é, baseada na prestação de serviços ao Monarca, bem
como a um ideal que invocava um caráter guerreiro, donde se depreende também a
concepção de conquistador
260
.
A idéia de que os oficiais das forças militares deveriam possuir uma natureza
diferente pode ser capitaneada, segundo Fernando Dores Costa, pela pressuposição de
que estava em causa a definição da autoridade capaz de levantar homens e exercer sobre
eles a influência desejada
261
. Não pretendo entrar na discussão acerca da eficácia do
recrutamento por parte destes oficiais, o que quero é chamar a atenção para o fato de
que estes homens tinham de se reconhecerem e serem reconhecidos como “homens de
qualidade” para conseguirem exercer o seu mando. O acesso ao mando e, portanto, ao
ápice da hierarquia social na colônia não era automático. Para serem reconhecidos como
um grupo de “qualidade superior” necessitavam do “consentimento” da sociedade
262
.
Como a força bélica é um palco, como qualquer outro, de jogo das honras e das
precedências
263
, a composição dos postos superiores que detinham uma clara posição
259
COSTA, Fernando Dores. “Fidalgos e plebeus”. In: HESPANHA, António M. (Org). Nova História
Militar de Portugal... Op. cit., p. 106-107.
260
Conforme destacou Nizza da Silva, a nobilitação dos coloniais perpassa pela prestação de serviços ao
Monarca que retribui com mercês que vão nobilitando cada vez mais estes indivíduos. SILVA, Maria
Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia... Op. cit. p.7-10.
261
COSTA, Fernando Dores. “Milícia e sociedade: recrutamento”. In: HESPANHA, António M. (Org).
Nova História Militar de Portugal... Op. cit., p. 74.
262
FRAGOSO, João. “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite
senhorial (séculos XVI e XVII)” In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria F. & GOUVÊA, Maria de
Fátima (Orgs). O Antigo Regime nos Tópicos... Op. cit., p. 58.
263
COSTA, Fernando Dores. “Milícia e sociedade: recrutamento”. In: HESPANHA, António M. (Org).
Nova História Militar de Portugal... Op. cit.,p. 99.
102
chave, não podia ser capitaneada por chefes apenas decorados com as “qualidades
naturais” (força e destemor). Importante também na composição das chefias era o
prestígio social e político de seu ocupante
264
.
Se os oficiais de Ordenanças exerciam funções reguladoras, se auxiliavam no
ordenamento social e, consequentemente, a Coroa em seus propósitos normatizadores,
pressupõe-se que tinham recursos para tanto, isto é, pressupõe-se que possuíam
autoridade suficiente para o fazê-lo, sobretudo se levarmos em conta que para
preenchimento de tais postos eram escolhidos os “principais da localidade, como a
própria legislação portuguesa estabelecia.
Considerando que havia uma relação entre hierarquia e condição social, que
mecanismos propiciavam a consolidação de poder destes oficiais para que atingissem os
mais altos patamares da hierarquia? Quais os elementos propiciadores do mando destes
oficiais? Em suma, quais as estratégias traçadas e os recursos disponíveis para serem
vistos e permanecerem enquanto autoridade? São estas as questões que o presente
capítulo procurará responder.
Para o esclarecimento das questões expostas partiremos para a adoção de esquemas
interpretativos que enfatizam a experiência e as ações sociais dos atores. Importante
ressaltar que a adoção de uma abordagem centrada na ação social retratará os atores como
movidos por forças internas do próprio processo social. Apesar das estruturas extra-
individuais existirem na sociedade, estas, acreditamos, não possuem existência autônoma,
independente dos indivíduos: são produzidas por eles. O suposto aqui defendido é que os
indivíduos podem alterar os fundamentos da ordem vivenciada a cada momento sucessivo
no tempo histórico: eles não carregam dentro de si as normas sociais; estas são formadas
nas interações entre os atores.
Em outras palavras analisaremos os oficiais de Ordenanças como seres racionais
e sociais que perseguem objetivos; onde as regras e os limites impostos às suas próprias
capacidades de escolha estão essencialmente inscritos nas relações sociais que eles
mantêm. Eles se situam, portanto nas redes de obrigações, de expectativas, de
reciprocidades que mantêm e caracterizam a vida social, sendo suas ações dependentes
da posição que ocupam e de sua imagem ante ao grupo ao qual pertencem.
264
HESPANHA, António m. “Introdução”. In: HESPANHA, António M. (Org). Nova História Militar
de Portugal... Op. cit., p. 20-24.
103
Priorizaremos aqui como fontes os relatos de carta patente e as “folhas militares”
destes homens onde expunham todo um modus operandi destacando “serviços” que nos
permitam entender que padrões de comportamento eram mais acionados para conseguir
atingir certos fins, ou seja, que tipo de comportamento orientava suas escolhas e o que
se privilegiava como mecanismo de ação.
3.1. Os recursos disponíveis para maximizar e atestar a autoridade
Como já sugerido, os oficiais de Ordenanças possuíam como valor norteador de
suas ações em Minas colonial a busca por legitimação e maximização de sua prerrogativa
de mando e de sua “qualidade”. O valor é identificado por escolhas que se repetem, que
adquirem regularidade. Segundo Barth, valores são o que as pessoas pensam e como
agem sobre certo fim. São julgamentos a partir dos quais se procura maximizar
ganhos
265
. A maximização de ganhos é alcançada através do uso de uma série de
recursos e de estratégias que delineiam diferentes escolhas e caminhos, mas que são
norteados pela mesma matriz de valores e a comparação é um meio de observar, por
diferentes trajetórias individuais, esta “gama de possíveis”. Portanto, a comparação
pode ser utilizada para se perceber como um valor e um comportamento se tornam uma
regra, um padrão
266
. Vejamos dois casos em que o valor norteador das ações dos oficiais
de Ordenanças, bem como os recursos de que dispunham para maximizar ganhos, no
sentido de terem mais margem de manobra dentro dos limites e condições da ordem
colonial, ficam explícitos.
Manuel de Souza Pereira, natural de Lisboa, filho de Manuel da Costa Pereira
escrivão proprietário das apelações cíveis, viera para as Minas provido no cargo de
inquiridor, contador e distribuidor em Vila do Príncipe, por sua boa capacidade, por ser
estudante de gramática e por já ter atuado como escrivão do judicial em Lisboa
267
.
Ainda no reino tivera suas primeiras atuações militares exercendo a praça de soldado e
265
BARTH, Fredrik. “Models of social organization II: processes of integration in culture”. In: Process
and form in social life... Op. cit., p.48-60.
266
BARTH, Fredrik. “Metodologias comparativas na análise dos dados antropológicos”. In: O guru, o
iniciador... Op. cit., p.186-200.
267
AHU/MG/cx: 24; doc: 85.
104
alferes pago na guerra da grande aliança
268
. Já nas Minas alcançou duas importantes
patentes: a de sargento-mor de Ordenanças e a de tenente-coronel de Cavalaria Auxiliar,
ambas de Vila Rica
269
, e em 1765 solicitava a patente de coronel de cavalaria Auxiliar
também de Vila Rica. Entre os argumentos que destacou para obter a dita patente, além
de sua já citada experiência militar, dizia ser homem abastado e viver sempre a lei da
nobreza cujas circunstâncias são acompanhadas da boa vontade com que sempre se
empregou no real serviço e à toda defesa
270
. Menciona também os vários cargos
políticos que exerceu ao longo de sua vida; além do já citado ofício de inquiridor,
contador e distribuidor em Vila do Príncipe, atuara como escrivão da ouvidoria na
mesma localidade e como juiz ordinário em Vila Rica
271
. Todos estes papéis sociais já
faziam de Manuel de Sousa Pereira um dos homens mais prestigiados da capitania,
porém, além disso, este oficial conseguiu ser agraciado com o hábito da Ordem de
Cristo e tornar-se familiar do Santo Ofício
272
.
Bernardo Joaquim Pessoa de Lemos era natural da Figueira, comarca de
Coimbra, casado com D. Maria Correa Galas, morador em Vila Rica e tinha a ocupação
de mineiro. Desde 1735 ocupava o ambiente das Ordenanças através do posto de alferes
em uma companhia de cavalaria. Esta companhia de cavalos integrava um dos quatro
regimentos de cavalaria de Ordenanças criados por Gomes Freire de Andrade em 1735
para melhor militarizar o país e para socorrer o Rio de Janeiro no caso de ataque
inimigo
273
. O fato de Bernardo Joaquim Pessoa de Lemos ter sido escolhido para ocupar
um dos postos destes novos regimentos criados, denota o grande prestígio que ele já
devia possuir nesta sociedade, e que ao ser escolhido para ocupar tal regimento
maximizava ainda mais, uma vez que Gomes Freire estipulou que os novos oficiais
268
A guerra da grande aliança se refere ao conflito de Sucessão da Espanha ocorrido no início do século
XVIII, dentro do quadro de tensões que se seguiram à Restauração, que, em termos gerais, tinha como
protagonistas França e Grã-Bretanha. Neste conflito, Portugal coligou-se com a Inglaterra contra a
França, em troca da proteção daquela nos conflitos continentais e por vantagens comerciais em suas
possessões ao redor do mundo. Ao se colocar contra os interesses franceses, Portugal teve seus domínios
ultramarinos sistematicamente assediados pela guerra de corso promovida pela França. Corsários
queimaram a cidade de Benguela em 1705, saquearem a Ilha do Príncipe em 1706, São Tomé em 1709 e
Santiago de Cabo Verde em 1712. Mas nenhum desses empreendimentos foi tão lucrativo quanto à
invasão e o saque da cidade do Rio de Janeiro pela esquadra de Duguay-Tourin em 1711, depois do
fracasso da invasão de Duclerc no ano anterior. Sobre este assunto ver: BICALHO, Maria Fernanda. A
cidade e o Império... Op. cit.
269
AHU/MG/cx: 85; doc: 75.
270
Idem. Grifo meu
271
Ibidem. Ver também cx:44; doc: 81.
272
“Relação dos privilegiados existentes na capitania de Minas”. AHU/MG/cx: 111; doc: 38.
273
MELLO E SOUSA Laura de. Desclassificados do ouro... Op. cit., p. 111.
105
deveriam ser escolhidos entre as pessoas de maior distinção e capacidade da
capitania
274
. Em 1741 tornou-se tenente de cavalos de Auxiliares, e em 1764, Bernardo
Joaquim Pessoa de Lemos solicitou nova patente – desta vez de capitão na companhia
criada por Gomes Freire – no lugar de Francisco da Silva Machado que desistira do
posto em razão de se achar avançado em annos e padece queixas que o impossibilitão
de montar a cavallo e por este motivo não poder continuar no real serviço
275
.
Porém, sua bem sucedida carreira militar, não fora suficiente para conseguir a
confirmação no posto de capitão de cavalaria. Desta forma, a fim de reafirmar os
merecimentos que o tornavam capacitado para ganhar tal patente, Bernardo Joaquim
Pessoa de Lemos argumenta que além de ser pessoa distinta e estar estabelecido com
lavras e rossas e viver abonado de bens, prestou outros serviços a Coroa como o
exercício de cargos na câmara de Vila Rica, no caso o de juiz almotacé e vereador, aos
quais se tem conservado com a mesma autoridade e honra. Vejamos seu desempenho
nestes cargos relatados pelos próprios vereadores:
“[...]assistiu a todas as vezes em que se fazia preciso a sua
assistencia(...)e no anno que estava servindo de vereador concorreu com
seu votto para se estabelecer o novo subsidio que a dita comarca
ofereçeo a V. Magestade por carta que esta recebeo por causa do
estrago que causou o terremoto na cidade de Lisboa obrando em tudo
com muito acerto e por ser pessoa distinta foi eleito pela mesma camara
com assistencia do capitão-mor desta vila António Ramos dos Reis no
posto de capitam de cavallos de Itatiaia pelo qual julgamos abil para
todos os empregos da Republica[...]”
276
.
A fim de garantir a obtenção da dita patente, e assim aumentar sua prerrogativa
de mando e ressaltar sua “qualidade”, Bernardo Joaquim Pessoa de Lemos aciona um
outro papel social por ele desempenhado que também era muito valorizado nesta
sociedade: o de camarista, denotando que os agentes sociais podiam possuir vários
status (isto é, recursos, direitos e deveres) num mesmo contexto. Na sociedade aqui
enfocada, o mesmo indivíduo podia ser simultaneamente: oficial, camarista,
comerciante, senhor de escravos, entre outros, ou seja, o sujeito era multifacetário e
jogava com todas essas possibilidades. Ressalte-se que o uso de cada um destes status
na maximização de ganhos dependia da situação em questão, dada pelo processo de
274
AHU/MG/cx: 84; doc:26.
275
Idem.
276
Ibidem.
106
interação. Por isso, para Barth o processo é sempre uma barganha, pois é formado por
agentes com status diferentes que vão estabelecendo estratégias ou seja, para ele o
processo é sempre algo tenso
277
.
Pelos exemplos citados nota-se que entre os recursos utilizados por estes
indivíduos para conseguir angariar mercês e assim maximizar sua autoridade estão o
fato de terem uma certa experiência com assuntos militares na ocupação de outros
postos, exercerem cargos públicos e ser abonado de bens. Como visto anteriormente, era
comum que os oficiais ocupassem vários postos militares e por longos períodos de
tempo, lhes dando assim certa experiência em relação a tais assuntos, além de abrir
espaço para a formação de uma memória de um passado permeado por lutas e
adversidades em que tais vassalos demonstraram lealdade. Em troca, podiam alcançar o
reconhecimento do rei com o agraciamento de títulos, privilégios e honras; elementos
que operavam as distinções hierárquicas no seio deste grupo e contribuíam na definição
de sua “qualidade”.
O exercício de cargos públicos era também destacado nos discursos dos oficiais
como um elemento que os diferenciava dos demais, e que, portanto os faziam dignos de
receberem outras benesses reais. A ocupação destes cargos era um importante
mecanismo de diferenciação social, principalmente os que se referiam aos cargos de
governança, pois a ocupação de tais postos era meio de se obter o reconhecimento
público de status e traduziria uma assimilação por parte das elites locais. A ocupação
destes cargos administrativos pode ser considerada fulcral para aquisição e exercício da
autoridade destes oficiais, pois era forma de participar do poder, de interferir em pontos
chaves desta sociedade como a justiça e a economia
278
, de partilhar da honra inerente a
tais funções, de incrementar redes de dependentes e de poder, ou seja, de fazer parte da
pequena elite colonial. Ademais além destas prerrogativas políticas, tais cargos abriam
espaço, como já mencionado, para que estes indivíduos se inserissem nos quadros da
elite econômica, com os emolumentos e propinas que ganhavam e com a posse de
informações privilegiadas que podiam auxiliá-los na condução das atividades
econômicas as quais se atrelavam.
277
BARTH, Fredrik. “Analytical dimensions in the comparison of social organizations”. In: Process and
form... Op. cit., p. 119-137.
278
FRAGOSO, João. “A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do
Rio de Janeiro, século XVII: algumas notas de pesquisa”. Tempo. Revista do Departamento de História
da UFF, Niterói, v. 15, 2003, p. 4.
107
E a riqueza não pode ser desprezada como um elemento propiciador da autoridade
deste oficialato. Como os exemplos anteriormente expostos demonstraram muito bem,
era comum que os oficiais destacassem em seus discursos sua opulência de cabedais e o
fato de viverem nobremente e distintamente para a aquisição de mercês. Portanto, o
cabedal também era importante na classificação e caracterização dos oficiais,
principalmente se lembrarmos que existiam diferenças de nível econômico e
consequentemente de status no seio deste grupo e que justamente por isso se criava a
distanciação necessária para a efetivação da hierarquia interna do corpo
279
.
Desde o século XVII as intervenções legislativas da Coroa se encaminharam no
sentido de garantir que os postos de Ordenanças, bem como os de vereações, fossem
ocupados pelos “principais da terra”. Nesta caracterização a riqueza assume papel
significativo. Além disso, se lembrarmos que os oficiais desta força militar não
recebiam soldo, só para aqueles que possuíssem opulência de cabedais seria possível
ocupar os mais altos postos nas Ordenanças, conquistados mediante prestação de
serviços que muitas vezes demandavam o uso de “fazendas e cabedais”, além de
escravos. A própria legislação portuguesa, desde as disposições sebásticas, definia que
os oficiais de Ordenanças deveriam possuir uma renda mínima para o exercício dos
postos, principalmente os que estavam ligados a cavalaria, onde se exigia “tratar-se à lei
da nobreza”, isto é com cavalos e criados. Somente a posse de riqueza permitia o
tratamento nobre, o que envolvia além da posse de escravos, criados e cavalos, o uso de
indumentárias opulentas, objetos decorativos, insígnias e até mesmo o uso de certas
armas como o espadim
280
.
A exteriorização da nobreza colocava a população a par dos modos de proceder
do reino e da hierarquia de poder, da ostentação de luxo e riqueza por meio das
vestimentas e insígnias, e assim demarcava o espaço social ocupado. Alba Zaluar já
destacara que através dos símbolos, os agentes sociais podiam referir-se a importantes
noções abstratas tais como solidariedade grupal, poder, autoridade, dependência,
reciprocidade social, etc. Segundo a referida autora, o ritual e os símbolos podem ser
manipulados com fins de legitimar status, ou seja, podem assumir uma função política,
279
COSTA, Fernando Dores. “Fidalgos e Plebeus...” Op. cit., p. 110.
280
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia... Op. cit., p. 137.
108
pois podem ser utilizados para afirmar unidade e legitimar posições sociais
281
. Em outra
parte deste trabalho destacamos a importância que a indumentária, a decoração das
casas, o uso de jóias, tinha para os oficiais. Não por acaso muitos deles possuíam entre
seus bens arrolados em inventários roupas de linho e seda bordadas de ouro e prata,
objetos de porcelana, móveis de jacarandá trabalhados, jóias com diamantes. A
distinção hierárquica por tais elementos era típica do Antigo Regime sendo um meio de
se distinguir das demais camadas sociais. Com tais elementos iriam publicizar suas
imagens, e assim podiam tornar público seu lugar na hierarquia social. O Sargento-mor
João António Rodrigues, por exemplo, possuía entre os bens arrolados em seu
inventário pinturas, inúmeras jóias como anéis e brincos de ouro e diamantes, crucifixos
e brasões de ouro, roupas de carmesim com bordados de ouro e prata, louças da Índia e
do Porto
282
. Pode-se dizer que com tais objetos e seu modo de vida João António
Rodrigues procurava externar todo seu prestígio e reforçar a estratificação da sociedade,
estabelecendo espaços de prestígio e distinção e, consequentemente, reforçando sua
“qualidade”.
Os oficiais, portanto, se percebiam e eram percebidos enquanto tais a partir de
elementos fulcrais desta sociedade que tinha o prestígio social – ligado sobretudo ao
exercício do poder público e ocupação de cargos honrosos, bem com a riqueza – como
um de seus pilares, denotando que as modalidades de percepção e de ação coletivamente
desenvolvidas no sistema de interações são individualmente incorporadas. Em outras
palavras, e conforme destacou J. Maravall, este grupo justificava seu poder
fundamentando-o em elementos que eram aceitos coletivamente
283
.
Outro recurso que estes oficiais podiam utilizar para ter acesso a benefícios e
mercês e desta forma, a meios de aumentar seu mando e “qualidade”, era oferecer suas
“fazendas” e escravos na defesa das conquistas. A título de exemplificação destaco
Bento Ferraz Lima. Em 1735 este oficial solicita confirmação de carta patente de
capitão-mor de Catas Altas, posto que, nos dizeres do governador André de Mello e
Castro, Bento Ferraz Lima era merecedor por ser pessoa de muitos merecimentos, pella
sua fidelidade zello e valor com que sempre se distingiu neste paiz não só pella
aceitação de todos como para o real serviço empregandosse nele com todo o afecto
281
ZALUAR, Alba. Os Homens de Deus: um estudo dos santos e das festas no catolicismo popular. Rio
de Janeiro: Zahar, 1983. p. 33-36.
282
CSM, 1º ofício – Inventário post-mortem de João António Rodrigues. Códice 133, auto 2774, (1732).
283
MARAVALL, José António. Poder, honor y élites en el siglo XVII... Op. cit., p. 164.
109
sempre que veio ser preciso
284
. Estas ocasiões a que se refere o governador foram
quatro momentos distintos: em 1718 na perturbação causada pelo coronel João
Barreiros e pelo Juiz de Cayeté por juntarem armas e perturbarem os povos do distrito,
situação em que, por ordem do Conde de Assumar, Bento Ferraz Lima acudiu com
vinte escravos seus armados, dando calor à prisão e conduzindo os presos com toda a
segurança. Na marcha que o dito oficial fez para o morro do Carassa para atacar
quilombos de onde saião continuamente negros a fazer brutalidades no que dispendeo
sua fazenda considerável parte por levar escravos armados. A sua atuação no levante
de Pitangui mandando, por ordem do Conde de Assumar ir para aquela vila vários
escravos armados com hú homem branco que lá estiverão does meses the ficar o paiz
na devida obediência. E por último sua atuação no levante de Vila Rica:
[...]quando intentarão os moradores das minas reduzir a republica as
terras deste governo expulsando delle governadores e justiças vindo
promptamente de sua casa por ordem do governador a incorporarsse
com elle marchando em sua companhia para Vila Rica com muitos
escravos armados onde lhe asistio, the se extinguir a rebelião [...] e mais
uma vez dispendeo seus escravos para conduzir os presos com segurança
ao Rio de Janeiro”
285
.
Conquistar novas terras e, portanto, submeter populações, implicava em ter
superioridade em uma hierarquia estamental. O relato acima nos mostra que isto se
tornava ainda mais reforçado quando tais feitos eram às custas de suas fazendas e
escravos, fenômeno que podia traduzir-se em mercês régias para estes “leais súditos”
286
.
Como um dos primeiros povoadores das Minas
287
Bento Ferraz Lima atuou
sistematicamente em combate a levantes e conflitos internos da capitania, acompanhado
de seus negros armados, a fim de angariar mercês e reconhecimento social. De fato,
pelo tempo que permaneceu na dita capitania como oficial tornou-se pessoa bem quista
e de muito respeito, concorrendo com seu exemplo e persuasão para aumento dos
quintos. Tais qualidades ajudaram-no a ocupar cargos honrosos na republica
284
AHU/MG/cx:29; doc:77.
285
Idem, todos os grifos são meus.
286
FRAGOSO, João. “A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do
Rio de Janeiro...” Op. cit., p. 2.
287
Isto é constatado pelo fato de ter ajudado, por ordem de D. Lourenço de Almeida, no estabelecimento
das Casas de Fundição e Moeda em Vila Rica no início do século XVIII. Na condição de “primeiro
povoador” podia adquirir sesmarias, cargos administrativos além de atuação na câmara, o que lhe
propiciava transformar-se num dos melhores da terra.
110
mostrando acerto e fidelidade desprezando sempre sua fazenda pella honra do real
serviço, além, de ajudá-lo a ganhar a patente de capitão-mor
288
.
O exemplo citado corrobora mais uma vez a importância que a riqueza assumia na
constituição da “qualidade” e do poder de um indivíduo nesta sociedade. Decerto que a
riqueza por si só no Brasil colonial não definia esta “qualidade”, já que era necessário
um enquadramento nas graças honoríficas existentes para conquistá-la
289
, mas não se
pode desconsiderar que o cabedal foi em muitos casos condição sine qua non para
mantê-la.
Outro recurso utilizado por este oficialato para angariar mercês e,
consequentemente, poder e autoridade, era sua participação na conquista e defesa do
território colonial. A idéia de conquista do território colonial como elemento de glória;
como local e instrumento por intermédio do qual os “homens de qualidade” podiam, ao
mesmo tempo, afirmar seu domínio e o seu prestígio, integra-se ao sistema de valores
destes oficiais
290
. Os relatos de suas cartas patentes nos permitem afirmar que eles se
apropriaram da própria história colonial para garantir a defesa de interesses na medida
em que se incluíam nela, colocavam-se ao lado dos vencedores, proclamavam seus
feitos heróicos e glórias. Nicolau da Silva Bragança é um caso exemplar neste sentido.
Natural da cidade do Porto, saíra de sua terra natal em 1705 embarcado na fragata Nossa
Senhora da Graça sob comando do capitão José Sardinha cujo destino era o Rio de
Janeiro “saindo do porto de Lisboa em 28 de abril do dito anno comboiando uma nau
da India e mais 20 navios ao Rio de Janeiro onde entraram em 30 de Julho”. Nicolau
da Silva Bragança atuara nesta viagem como praça de soldado da Companhia da 3ª
Armada o qual, nos dizeres do capitão do navio, “em todo o decurso desta viagem fez
suas obrigações de soldado, obedecendo ao real serviço e a tudo que eu e outros
oficiais lhe foi mandado e merece toda honra que V. Mag. for servido fazer lhe
291
”.
Chegando ao Rio de Janeiro foi mandado servir no presídio de Santos com passagem
por ordem do general do Rio de Janeiro e lá serviu por alguns annos. Em 1708:
“[...]na ocasião em que um homem regulo chamando Bento Fernandes
de Faria que intentava invadir com 112 homens armados o dito presidio
Nicolau da Silva Bragança acudiu o governador della para desalojar os
288
Ibidem, grifo meu.
289
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia... Op. cit. p.132.
290
BEBIANO, Rui. “A guerra: o seu imaginário e a sua deontologia”. In: HESPANHA, António M. (Org).
Nova História Militar de Portugal... Op. cit., p. 47.
291
AHU/MG/cx: 1; doc: 9.
111
infratores com honra e acerto dando conta de tudo que se lhe
encarregou
292
”.
Em 1721, já em Vila Rica, por ordem do Conde de Assumar:
“[...]marchou para Vila do Carmo armado com seus escravos e outro
companheiro para guarnecer o governador contra os intentos dos
amotinados hindo no destacamento que foi prender José da Silva
Guimarães e Francisco Xavier cabeça dos soblevados, marchando com
o mesmo Conde a socegar Vila Rica donde por ordem sua foy
acompanhar os cabeças da mesma sobelavação the fora da comarca
[...]
293
”.
Além disso, Nicolau da Silva Bragança serviu por muito tempo como provedor
dos quintos da freguesia do Furquim e “[...]achandosse na cobrança delles fazendo
todo este serviço a sua custa procedendo em tudo com grande honra e acerto obrando
da mesma sorte no posto de sargento-mor do Brumado e Rio abaixo
294
”. Após listar
todos estes serviços prestados à Coroa, Nicolau da Silva Bragança envia um
requerimento ao Conselho Ultramarino solicitando que, em reconhecimento a toda a sua
lealdade ao rei, lhe seja concedido graças, um reconhecimento que parece ter sido dado
visto que em 1750 aparece como cavaleiro professo da Ordem de Cristo pedindo, em
paga de seus serviços, a mercê de se lhe conceder 400$000 de tença para repartir por 3
irmãos
295
.
Assim como a experiência militar, o fato de serem abastados de bens, de viverem
distintamente e nobremente e exercerem cargos públicos foram utilizados como
recursos por parte deste oficialato para legitimação de sua “qualidade” e, portanto, de
sua de autoridade; os méritos provenientes da conquista por meio de um discurso que
valorizava sua condição de herói na colonização da América, foram também muito
usados neste sentido. Quando em suas petições estes oficiais se reportavam aos anos de
serviços prestados ao rei e aos grandes feitos realizados por eles em combate a levantes,
sossego dos povos, povoamento de novos territórios, estavam na verdade se apropriando
dos valores e glórias da sociedade colonial para enaltecer suas ações, angariar
reconhecimento social e obter uma explicação para sua condição de aliados à Coroa
portuguesa, buscando inclusive valorizar-se aos seus próprios olhos. Em seus relatos
292
AHU/MG/cx: 36; doc: 75.
293
Idem, grifos meus.
294
Ibidem.
295
AHU/MG/cx: 57; doc: 19.
112
evidenciam que procuravam se colocar na posição de vencedores, aliados as autoridades
reinóis com as quais dividam as honras e glórias das conquistas militares, merecendo
por isso as mercês do rei. Assumiam assim a identidade de subordinados, mas
reelaboravam-na de forma a transformá-la em identidade gloriosa colocando-se como
fiéis servidores do rei distante
296
.
Neste aspecto é exemplar o caso do capitão-do-mato José Inácio Marçal Coutinho.
Homem preto, crioulo forro, natural do Brasil, seu percurso individual para conseguir
esta patente nos mostra também como podiam ser abertas possibilidades de mobilidade
nesta sociedade.
Como se sabe, nas Minas era comum o emprego de homens de cor em
campanhas militares, agrupados em Corpo de Homens do Mato, cujo fim era atacar
quilombos, prender negros fugidos e impedir assaltos nas estradas
297
. No decorrer do
século XVIII estes homens-do-mato ficaram conhecidos por: capitães-do-mato,
capitães-majores-do-mato, capitães-do-campo, capitães-das-entradas, capitães-de-
assalto, capitães-das-entradas-do-mato e capitães-das-entradas-e-assaltos. As
denominações variavam no tempo e no espaço. Hierarquicamente estavam divididos
em: capitão-mor-do-mato, sargento-mor-do-mato, capitão-do-mato; cabo-do-mato e
soldado-do-mato
298
.
A utilidade que os homens de cor tinham para o real serviço era constantemente
reconhecida pelas autoridades reinós. O governador da capitania Martinho de Mendonça
de Mello e Castro, por exemplo, ao organizar as forças militares de Minas que seriam
mandadas em socorro do Marquês de Lavradio na guerra contra a Espanha no sul do
Brasil, destaca que em relação aos corpos de homens pardos e pretos:“esta gente he
muito util pela facilidade que tem de entrar nos matos
299
”.
O próprio José Inácio reconhecia o auxílio que os homens de cor forneciam a
Coroa empregados em forças militares (divididas em Companhias de Ordenanças de Pé,
Corpos de Pedestres e Companhias de Homens do Mato). Segundo seu relato:
“[...]desde o descobrimento das minas Sua Mag. tem empregado os
homens de cor preta, parda e mamelucos da terra com ocupaçoens de
capitaes mores e capitaes de entradas dos matos por razão de serem
eles práticos nas ocultas veredas dos matos e se necessitar dos prestimos
296
ALMEIDA, Maria Regina C. de. Metamorfoses indígenas... Op. cit., p. 259.
297
COTTA, Francis A. No rastro dos Dragões... Op. cit. p. 207.
298
Idem.
299
AHU/MG/cx: 108; doc: 47.
113
de taes execuçoens para limparem as estradas e destroirem as ditas
estradas de homens regulos e facinorosos e que para a melhor execução
destes empregos e dos segredos das ordens superiores dos governadores,
camaras, corregedores e mais justiça de S. Mag sirva tais postos com os
ditos negros e pardos”
300
.
José Inácio assim como muitos outros de seu tempo, era um homem negro a
perseguir, prender, mutilar, degolar e matar negros quilombolas ou simples fujões em
troca de recompensas e que por tais “serviços” esperava algum dia receber mercês do
rei
301
.
Com efeito, em 1762 José Inácio Marçal Coutinho solicita uma patente de
capitão das entradas e assalto dos matos, rios, serras e campos de Vila Rica, o que
pressupunha recursos para tanto. Dentre estes destacava o fato de ser “pratico das ditas
entradas e asalto dos atos e de sempre ter se tratado com limpeza de mãos
302
”. Esta
última menção denota que José Inácio tinha saído da escravidão e possuía algum
cabedal que o permitia “viver distintamente”. Além disso, destaca sua capacidade e
valor assinalando todos os momentos em que esteve a serviço Del Rey:
“[...]porque foy sempre igoal vaçalo de V. Mag. como os mais libertos
da dita capitania com os quaes serve a V. Mag. em utilidade a sua real
coroa e fazenda com os mais libertos todas as diligencias do real
serviço ordenadas por seus superiores os capitaes generaes
governadores, cameras, ouvidores, provedores, juizes de fora e
ordinarios como destruir coios de foragidos que se acham nas estradas
a roubar e matar e incomodar moradores das povoações como sucedeo
na vila da Sabará em 1748 sendo ouvidores dela João Alvares Simão e
João de Sousa Lobo. Além disso como consta da relação de serviços do
suplicante e mais libertos junto a hum registro, contribui na mesma
forma hum e outros com quintos na real casa da capitação do ouro e
continuão na real fundição do ouro em rever dizimos e passagens de
rios[...]”
303
.
Pelo seu requerimento percebemos também que José Inácio estava ciente de que
outros homens de cor foram agraciados com patentes militares de mais alto escalão na
300
AHU/MG/cx: 79; doc: 15. Grifos meus.
301
SOUZA, Laura de Mello e. “Violência e práticas culturais no cotidiano de uma expedição contra
quilombolas”. In: Norma e conflito. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 195. Apud: COTTA, Francis
Albert. No rastro dos Dragões... Op. cit., 222.
302
AHU/MG/cx: 80; doc: 26.
303
Idem. Todos os grifos são meus.
114
América e até em outras partes do Império, e que, portanto, não era nada absurdo o que
estava pedindo. Argumenta que:
“[...]por haver em toda America, Angola, Sam Thome e Cabo Verde
regimento de auxiliar militar e ordenanças como os Henriques de
Pernambuco, terço destes Henriques na Bahia, capitaes de Infantaria
nas cias com algumas dos regimentos de Angola, capitaens mores de
presidios da mesma Angola e houve tambem nas Minas em tempo dos
governadores Manuel Nunes Viana e Antonio de Albuquerque que
fundou cia de forros na dita capitania na Vila de São João Del Rey e
tem sido varios postos ocupados por homens da cor[...]”
304
.
Menciona também um outro recurso que possuía e que evidencia um outro status
seu: o de homem letrado. Por ter ocupado o emprego de escrevente “[...]com conhecida
pratica do judicial e daquelas pessoas mais notaveis daquelas povoacões fazendas e
estradas(...)era o suplicante dotado da prenda de saber ler, escrever, contar e outros
que formão limitações dos referidos homens pretos”
305
.
José Inácio consegue o posto solicitado recebendo em 1765 a confirmação de
sua carta patente passada por D. José I. O exemplo aqui apresentado revela que José
Inácio se identificava perante as autoridades e colonos a partir da posição que ocupava
no mundo colonial, apropriando-se do código lusitano para defender suas reivindicações
e também da própria história colonial, se inserindo nela, participando da colonização e
defesa do território ao lado dos partidários do rei.
Através das patentes e de sua atuação em forças bélicas os homens de cor tinham
abertas possibilidades de conseguirem suas liberdades e uma certa mobilidade social,
como o exemplo de José Inácio demonstrou muito bem
306
. Conforme ressaltou Barth,
mesmo na desigualdade, o agente procura maximizar ganhos, pois devido a seu papel
social/status (isto é recursos, direitos e deveres) pode se movimentar. Para cada um de
seus papéis sociais o ator vai ter recursos, direitos e obrigações diferentes. Isto relativiza
a idéia de uma sociedade estamental onde as hierarquias são totalmente rígidas, como
no Antigo Regime, pois com os vários status o sujeito burla certas divisões sociais
307
.
Destacaremos um último caso para exemplificar os mecanismos de ação dos atores
em foco para maximizarem ganhos, no caso, mercês que em última instância acarretavam
“qualidade” e prerrogativas de mando. Em outros termos, procuraremos explicar como a
304
Idem. Grifos meus.
305
Ibidem. Grifo meu.
306
COTTA, Francis A. No rastro dos Dragões... Op cit., p. 222.
307
BARTH, Fredrik. “Models reconsidered”. In: Process and form in social life… Op. cit. p. 76-104.
115
variedade de formas sociais era gerada a partir do uso que cada ator fazia dos recursos
que dispunham e como procuravam tirar daí maior vantagem possível, identificando
assim as expectativas e obrigações de cada um no jogo (social)
308
.
Se pensarmos que eram inúmeros os interesses dos vários agentes sociais presentes
nesta sociedade e que a realização das expectativas de uns chocava-se com a de outros,
gerando conflitos, a escolha de novos oficiais para os lugares vagos das companhias e,
sobretudo, a eleição para capitão-mor, posto que conferia nobreza vitalícia, é momento
privilegiado para entendermos os mecanismos de ação dos oficiais, pois funcionavam
como um palco onde os diferentes atores procuravam fazer valer sua força
309
.
A região de Vila Rica foi marcada por diversos choques entre oficiais das
Ordenanças a propósito dos atos eleitorais como o ocorrido entre o sargento-mor João
da Silva Tavares e José da Silva Pontes. Em 1775 devido ao falecimento do antigo
titular do posto de capitão-mor de Mariana José da Silva Pontes, teve-se eleição para
preenchimento do mesmo. Os principais candidatos à sucessão eram dois: de um lado o
filho do antigo titular também chamado José da Silva Pontes que servia “atualmente a
S. Mag. em praça de cadete nas tropas pagas de dragões de Vila Rica, sendo pessoa
das principais desta vila
310
; de outro João da Silva Tavares que serviu como capitão de
cavalos de Ordenanças no Inficcionado “mais de 19 annos”. Atualmente servia no
posto de sargento-mor onde tem atuado com geral aceitação dos povos, seos superiores
e sobalternos como se vê da atestação do ouvidor-geral e corregedor da comarca
311
”.
João da Silva Tavares fora também juiz de órfãos entre os anos de 1772 e 1773 onde:
“[...]se portou com notorio zello e desinteresse; além de ter sido
também, guarda-mor substituto da repartição das terras e agoas
mineiras em Catas Altas, cuidando muito em compor discórdias,
inquietações e pondo em boa arrecadação o real subsídio e interesses
régios em que tem feito grandes despesas de sua própria fazenda a sua
custa sem ter soldo algum”
312
.
A despeito de João da Silva Tavares ser homem de tanto prestígio e ter tanta
experiência em termos militares, além de “ser pessoa muito rica que sempre se tratou a
308
ROSENTAL, Paul-André. “Construir o macro pelo micro: Fredrik Barth...” Op. cit., p. 158-159.
309
RODRIGUES, José Damião. “A guerra nos Açores...” Op. cit. p. 251.
310
Ibidem. Todos os grifos são meus.
311
AHU/MG/cx: 108; doc: 45
312
Idem.
116
ley da nobreza com armas, cavalos e criados”
313
, tendo portanto uma candidatura muito
bem justificada, ele perdeu a disputa. Não concordando com a escolha, o dito sargento-
mor enviou um requerimento ao Conselho Ultramarino queixando-se do modo como se
procedeu a elevação do posto de capitão-mor de Mariana e solicitava sua nomeação
para o mesmo.
Reclamara que:
“[...]sucedendo a falecer o capitão-mor da dita cidade José da Silva
Pontes e querendo a câmara proceder a eleição do dito posto se
antecipou o corregedor da comarca a intimidar os senadores da parte
do capitão general e governador da capitania António Carlos Furtado
de Mendonça para que votassem em primeiro lugar em José da Silva
Pontes, filho do dito capitão-mor defunto, que atualmente serve a S.
Mag. em praça de cadete nas tropas pagas de dragões de Vila Rica”
314
.
Desta forma afirmava que José da Silva Pontes (filho) não podia ser eleito por
ter muitos impedimentos, dentre estes destaca:
“[...]que é da real intenção de V. Mag. que não saia das Tropas Pagas
indivíduo algum para as Ordenanças e que para as ocupações de
capitão mor sejam propostas pessoas com inteligência e abastados de
bens da melhor nobreza e o dito José da Silva Pontes não tenha cousa
algua de seo”
315
.
Temos aqui um caso que demonstra bem como que na interação as partes
procuram maximizar ganhos colocando em prática um jogo de estratégias. Estas
consistem em uma seqüência de prestações recíprocas que representam os sucessivos
movimentos no jogo. A estratégia engloba a tentativa de maximizar ganhos por uma
série de escolhas numa situação concreta.
316
. Percebe-se que da parte de José da Silva
Pontes o recurso acionado foi a rede de relações na qual se inseria visualizada pela
persuasão do governador junto aos vereadores para que estes indicassem na lista
tríplice, pela qual se realizava as eleições para postos nas Ordenanças, o nome de José
da Silva Pontes (filho) em primeiro lugar a fim de garantir que ele adquirisse a mercê
em jogo. Já João da Silva Tavares lança mão de recursos que, como visto ao longo do
313
AHU/MG/cx: 116; cx; 58.
314
Ibidem. Todos os grifos são meus.
315
AHU/MG/cx: 108; doc: 45. Grifos meus.
316
BARTH, Fredrik. “On the study of social change” In: Process and form in social life... Op. cit. p. 105-
118.
117
trabalho, eram poderosos definidores e atestadores da “qualidade” social destes oficiais,
quais sejam, a experiência militar, o exercício de cargos e a riqueza.
Este intrincado pleito termina com a não anulação da eleição para o posto de
capitão-mor ficando, portanto, José da Silva Pontes nomeado para o posto. Pelo
exemplo citado podemos constatar que era uma questão de status que estava na base da
queixa apresentada por João da Silva Tavares. Sendo pessoa de tanto prestígio e
dispondo de bens era um dos “principais” de Mariana, não sendo portanto admissível
que se visse diminuído em sua “qualidade”. Não por acaso, apesar de perder o posto de
capitão-mor acabou sendo eleito coronel do 1º regimento de cavalaria Auxiliar de
Mariana em 1780, por falecimento de António Gonçalves Torres, seu antigo titular, e
desta vez não tivera nenhum impedimento
317
.
Assim, e conforme nos alerta Barth, a ênfase dada à heterogeneidade social que,
em toda sociedade prevalece em termos de distribuição de recursos, evidencia que cada
indivíduo age em função de uma situação que lhe é própria e que depende dos recursos
de que dispõem
318
.
3.2. Direitos, privilégios e obrigações apresentadas aos oficiais de Ordenanças
Se está claro que as pessoas exercem escolhas na vida social, a questão é como
perceber quais são os incentivos e limites que estão influenciando as escolhas. Para
Barth a vida social é feita de diferenciais (incerteza, estratégias, status, posições e
necessidades diferenciadas) onde cada um dos quais oferece uma possibilidade de
mudança.
Nesta perspectiva, a sociedade se apresenta como algo caótico que, entretanto,
funciona; sendo de suma importância para o entendimento da mesma perceber como os
direitos e obrigações de cada um dos agentes são vivenciados e como os recursos dos
mesmos são distribuídos, pois é através destes elementos que o “caos” se integra.
Portanto, os comportamentos individuais refletem o uso que os atores fazem da “margem
de manobra” de que dispõem numa dada situação dentro de seu universo de possíveis
319
.
317
AHU/MG/cx: 116; doc: 58.
318
ROSENTAL, Paul-André. “Construir o macro pelo micro...” Op. cit., p. 155-157.
319
Idem, p. 159.
118
Através dos recursos que os oficiais lançaram mão para adquirirem e atestarem
sua “qualidade” e poder, é possível perceber que as mercês cumpriam uma função social
específica: a de sinal distintivo do status, como instrumento de dominação necessário à
consolidação e manutenção do mando.
Portanto, estes oficiais buscavam melhorar a posição detida no interior da
configuração social em que se inseriam pela adoção de mecanismos e/ou utilização de
recursos a fim de aumentar seu prestígio e autoridade. Pelos argumentos destacados em
seus pedidos de mercês, pode-se dizer que estes indivíduos possuíam certa autonomia e
poder político no sentido de negociar e defender interesses ante ao Monarca. Como a
mobilidade social era baseada na prestação de serviços, nas relações sociais e na
capacidade de mediação entre a comunidade local e o mundo exterior, as estratégias
utilizadas, e fundadas sobre esses fatores de ascensão, contribuíram para certa
conformação da realidade política.
Já foi salientado que no processo de interação os oficiais adquiriam o instrumental
necessário que lhes permitiam sobreviver e adaptar-se ao mundo colonial em formação
e sabiam lançar mão dos recursos disponíveis nos momento apropriados
320
. Afinal ser
capitão- mor, sargento-mor, capitão era uma forma de identificação no mundo colonial
que muitos indivíduos passaram a assumir instalados nas conquistas e essa identificação
definia seu lugar social na hierarquia do Antigo Regime que, além de lhes impor uma
série de obrigações, lhes garantiam também direitos que faziam questão de usufruir.
Os privilégios adquiridos com uma patente de Ordenanças eram vários e sempre
sublinhados nas cartas patentes que assim sobre eles discorriam “[...]na ocupação do
posto não vencerá soldo algum mas gozará de todas as honras, privilégios, liberdades e
isenções e franquezas que em razão dele lhe pertencem[...]” Através do Regimento de
1570 podemos ter acesso a alguns destes privilégios dados aos homens de patente. No
referido Regimento ficava assim estipulado:
“[...]todo capitão-mor e capitão logram do privilegio de cavalleiro fidalgo;
todo militar goza de nobreza pelo privilegio do foro, ainda que antes de o
ser militar tenha sido mecanico, de qualquer qualidade, ou condição, por
ella he dado a suas mulheres, filhas e descendentes do genero feminino o
titulo de dom. São tambem isentos dos encargos dos concelhos, não pagão
320
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas... Op. cit., p. 260.
119
jogados aos reguengos, não podem ser presos em ferros nem presos por
dívida,; lograo privilegio de aposentadoria ativa e passiva[...]”
321
.
De todos os direitos que possuíam, o que os possibilitavam meio de nobilitação era
o mais valorizado e sempre que alguma situação impedia que tal direito fosse exercido, os
oficiais não se privavam de reivindicá-lo. O caso do já mencionado António Ramos dos
Reis denota exemplarmente o que estamos querendo dizer quando remete para o Conselho
Ultramarino uma reclamação de que os privilégios cabíveis a seu posto não estavam sendo
respeitados e validados. Natural do Porto chegara ao Brasil com 9 anos de idade com seus
pais António Martins Ramos e Maria Gonçalves e vivera no Rio de Janeiro antes de vir
para as Minas. No Rio de Janeiro se casou com Vitória dos Reis e com ela tivera três
filhos. Ainda nesta cidade iniciou sua carreira militar servindo alguns anos em praça de
soldado infante em um dos terços da Guarnição do Rio de Janeiro
322
. Em 1714
encontramos António Ramos dos Reis em Minas Gerais onde estabeleceu uma trajetória de
sucesso ocupando vários postos militares importantes como o de capitão de auxiliares no
distrito de São Bartolomeu, o de mestre-de-campo de Vila Rica em 1732 e ,em 1741, o de
capitão-mor das Ordenanças de Vila Rica. Mostrou-se:
“[...] fiel a V. Mag. em todos estes serviços fazendo muitas de suas
obrigações com despesas de sua fazenda, como na ocasião em que
socorreu o Rio de Janeiro quando os franceses invadiram tal cidade com
seus escravos armados e fazendo tal jornada à custa de sua fazenda. Como
também na ocasião em que ajudou na contenção da revolta contra o
ouvidor geral Manoel da Costa Amorim com seus escravos armados
[...]”
323
.
Além da ocupação de importantes postos militares, António Ramos dos Reis
ocupou também importantes cargos como o de vereador e o de juiz de órfãos, ambos em
Vila Rica, sendo também membro de importantes Irmandades de Vila Rica, do Rio de
Janeiro e de Portugal
324
. Além de todos estes postos e cargos que lhe conferiam enorme
prestígio e atestavam sua “qualidade” , este oficial, como visto anteriormente, foi também
um dos homens mais abastados das Minas Gerais, dado nada desprezível nesta sociedade
para aqueles que quisessem reconhecimento público da distinta posição social que
321
“Regimento das Ordenanças de 1570” In: VERISSIMO, Antonio Ferreira da Costa. Collecção
Systematica das Leis Militares de Portugal... Op. cit., p. 62.
322
CPOP, 1º ofício – Testamento de António Ramos dos Reis. Livro nº. 20, folha 74, (1761).
323
AHU/MG/cx:39; doc:67.
324
CPOP, 1º ofício – Testamento de António Ramos dos Reis. Livro nº. 20, folha 74, (1761).
120
ocupavam. António Ramos dos Reis era também cavaleiro professo da Ordem de Cristo
325
,
o que consistia num poderoso mecanismo de distinção social que evocava dignidade e
nobreza
326
.
Segundo Norbert Elias, numa sociedade permeada por valores e práticas de
Antigo Regime, a forma como se era visto era imprescindível para a determinação de
sua posição e distinção enquanto elite
327
, e as festas barrocas eram excelente momento
para se externalizar posições de mando e prestígio. Emanuel Araújo destaca que as
festas eram lugar de expressão de fidalguia, que ressaltava o brilho, o poder e a
grandeza dos participantes, sendo legitimadoras do poder local na medida em que
introjetavam valores necessários à ordenação e domínio sobre a sociedade
328
.
Assim, nesta sociedade marcada por símbolos, rituais e valores voltados para a
distinção e nobiliarquia, o respeito às regras do cerimonial e a ocupação das posições de
destaque eram fundamentais para o reconhecimento da “qualidade” e da autoridade.
Não por acaso, António Ramos dos Reis reclama que suas honras e lugar que
deveria ocupar na festa realizada em Vila Rica para comemorar o nascimento da infanta
não foram respeitados. Argumenta que:
“[...]na referida festa se deo ao suplicante acento com impropriedade
faltandose a elle a honra devida e que por ocupar o posto de capitão-
mor lhe eram competentes todas as honras e privilegios, liberdades e
isençoens concedidos às pessoas que ocupam tais postos em qualquer
parte do reino [...]”
329
.
Para tentar evidenciar que este privilégio era quase um “direito adquirido” o dito
oficial cita um caso semelhante ao seu que ocorreu na Bahia em 1716 ao se negarem as
honras ao mestre de campo Miguel Pereira da Costa onde se resolveu que se
restituissem ao dito mestre de campo seu lugar de direito
330
.
Do acima exposto depreende-se que em uma sociedade de Antigo Regime, para
que os oficiais conseguissem manter sua “qualidade” , fazia-se necessário estar em
constante movimentação nas teias sociais que permeavam seu cotidiano. Por ser uma
325
AHU/MG/cx: 31; doc:1.
326
CUNHA, Mafalda Soares da. A Casa de Bragança... Op. cit., p.48-53.
327
ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de
corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. Parte III.
328
ARAÚJO, Emanuel. O teatro dos vícios: transgressão e transigência na sociedade urbana colonial. Rio
de Janeiro: ed. José Olímpio, 1997. Passim.
329
AHU/MG/cx: 41; doc: 10.
330
Idem.
121
sociedade marcada por tensão permanente, a estagnação podia ser fatal para aqueles que
almejassem ascender socialmente
331
. Por estagnação entendemos o não aproveitamento
dos recursos de que este oficialato dispunha nesta sociedade para adquirir mais prestígio
e aumentar suas posições de comando; recursos estes que surgiam das pprias relações
sociais que eles mantinham e que em última instância denotava autonomia e autoridade
política por parte destes indivíduos.
Muitas também eram as obrigações a que este oficialato estava sujeito. Talvez
uma das mais elementares era ter de morar no distrito onde atuava. Em todas as cartas
patentes vinha assim estipulado“[...]são obrigados a residir sempre dentro do distrito
da dita sua companhia, sob pena de se lhes dar baixa e prover outra pessoa no referido
posto[...]”. O Regimento das Ordenanças de 1570 também dissertava acerca deste
assunto argumentando que “[...]se o capitão-mor se ausentar até 2 meses no verão e 6
meses no inverno o sargento-mor lhe substitui, se sua ausência passar disso deve-se
eleger outro capitão-mor[...]”
332
. De fato, encontramos alguns casos em que a perda de
um posto foi devida à mudança para outras localidades. António Luís Brandão, por
exemplo, ganha a patente de capitão de Ordenança de Pé no arraial da passagem em
1741 devido “[...]ausência que fez para o Rio de Janeiro o capitão della António
Álvares da Cruz, estabelecendo nesta cidade sua casa, como me constou por
informação do capitão mor desta villa
333
”. A importância do “critério da residência” é
atestada por Fernando Dores Costa para quem “a cadeia de autoridade definida na
companhia rege-se pelo critério da residência. O ‘espírito’ que parece guiar o
regimento é o de garantir a presença dos dirigentes do treino obrigatório nos locais
onde se organizam as companhias
334
”.
Outra obrigação dos oficiais de Ordenanças, sobretudo dos capitães-mores, bem
como dos sargentos-mores era organizar os alardos ou “mostras gerais”, ou seja, impor
o treino militar. Estes deveriam ter lugar duas vezes por ano, mas sem uma regularidade
definida. Após a convocatória as companhias de cada localidade deveriam reunir-se no
local determinado, geralmente na praça pública em frente às câmaras, para serem
inspecionados e se efetuarem os exercícios. Durante os alardos estes oficiais
331
ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte...Op. cit., partes III, IV, V e VI.
332
“Regimento das Ordenanças de 1570”. In: VERÍSSIMO. António. “Collecção sistemática de leys...”
Op. cit. p. 9.
333
AHU/MG/cx: 41; doc: 35. Grifo meu.
334
COSTA, Fernando Dores. “Milícia e sociedade: recrutamento...” Op. cit., p. 73.
122
examinavam as armas dos soldados, para verificar se estas se encontravam em
condições de uso
335
.
Cabia ainda aos oficiais, em caso de ataque inimigo, organizar a defesa e zelar
pela conservação e reparo das estruturas defensivas. Durante todo o século XVIII foi
constante a atuação de oficiais de Ordenanças em contenção de revoltas, ataque a
quilombos, vigilância de caminhos e defesa de fronteiras.
A fragilidade da estrutura burocrática da Coroa determinava que para o
desempenho de certas funções administrativas também se recorresse à colaboração dos
oficiais de Ordenanças, o que acabou se tornando quase uma “obrigação” para estes
indivíduos, até porque sem estas prestações de serviços não conseguiam sua ascensão e
atestação de sua “qualidade”. Eleitos entre os “principais da terra”, eles eram muitas
vezes chamados a desempenhar funções que em princípio caberiam as extensões
periféricas do poder central, realidade presente não só no ultramar mas também no
reino
336
. Entre estas atividades administrativas sob responsabilidade dos oficiais de
Ordenanças, no período abordado, estavam a construção de obras públicas e a coleta de
alguns tributos, como a capitação e o quinto, atuações com as quais também
contribuíam para a manutenção da ordem pública
337
.
Por exemplo, em 1748 Manuel Cardoso Cruz e Manuel Teixeira Chaves, capitães
de Ordenanças de Mariana, enviam um requerimento ao Rei D. João V solicitando que
se ajustasse a melhor forma de se evitar as inundações da cidade, causadas pelas cheias
do ribeirão do Carmo. Argumentam que:
“[...]desejam evitar os dannos que se encaminha para a cidade e a ruina
dos seos habitantes e que querem fazer hua obra para evitar as ditas
cheias, mas que tal obra é impocivel não só as rendas do senado da vila,
mas ainda as posses de todos os moradores da vizinhança della[...]
338
”.
Reconhecem que tal obra era de utilidade ao “bem comum” e à Coroa e se
oferecem para fazer a dita obra “movidos não só de utilidade própria, mas do bem
comum e pelo desejo que como leais vacalos tem de servir a S. Mag”. Entretanto,
colocam algumas condições:
335
RODRIGUES, José Damião. “A guerra nos Açores...” Op. cit. p. 249.
336
Idem, p. 252.
337
FIGUEIREDO, Luciano Raposo de A. “Glossário”. In: Códice Costa Mattoso. Belo Horizonte:
Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. Volume 2. Coleção Mineiriana.
338
AHU/MG/cx: 51; doc: 45.
123
“[...]pedem uma pequena despesa annual do senado da mesma cidade,
os foros que se paga ao senado das terras que se tem aforado e aforarem
de casas feitas que rendem 600 mil por anno(...)e pedem também as
terras por onde passa o dito rio das quais já se tirou já o ouro e que
alguns proprietários os ajudem com certo número de escravos
correspondentes as terras que tiverem, e pedem também que os escravos,
assim como pardos, prettos, forros que por crimes merecerem degredos
lhe sejam dados para trabalharem na dita obra
339
”.
Do acima exposto pode-se dizer que os oficiais participavam de certa forma do
controle da vida política e econômica das localidades, exerciam um relativo poder sobre
as populações e revelavam-se essenciais a um aparelho estatal em construção; um
recurso que a Coroa lançou mão em Portugal, depois da guerra da Restauração, e que
foi repassado para a América
340
.
O que emerge do quadro esboçado até agora é a constituição de um corpo de
oficiais de alta patente que tem sua autoridade fundada na antiguidade (através da
permanência nos postos) no desempenho de variadas funções (através do exercício de
cargos políticos) e na riqueza, elementos que multiplicam, num círculo virtuoso, o poder
destes indivíduos. Disto depreende-se que o funcionamento da organização bélica, pelo
menos no que diz respeito às Ordenanças na região e período enfocados, estava
estritamente ligado às medidas régias que por meio do sistema de mercês, coadunava as
ações e relações dos coloniais, no caso dos oficiais, para o ordenamento do espaço
social que pretendia dominar. Obviamente que nem sempre os desígnios régios para
ordenamento do espaço social iam de encontro aos interesses dos indivíduos ou grupos
que os colocavam em prática, e que justamente por se constituírem em homens
possuidores de autoridade dos quais a Coroa não podia prescindir, podiam negociar com
a mesma a defesa de interesses. Este aspecto foi muito bem demonstrado por C. pagano
ao analisar um pedido de recrutamento feito pelo governador de Minas, Luís Diogo
Lobo da Silva, em 1766 aos comandantes das tropas de Auxiliares e de Ordenanças para
reunirem contingente para marchar à guerra no sul do Brasil. Ao solicitar que os
escravos da capitania também fossem convocados como soldados, as determinações
régias encontraram forte resistência das elites, inclusive dos comandantes militares, pois
tocava em um dos pilares daquela sociedade e no patrimônio destes indivíduos. As
339
Idem.
340
RODRIGUES, José Damião. “A guerra nos Açores...” Op. cit. p. 252.
124
resistências encontradas levaram o governador a prescrever novas determinações com
“tom mais prudente”, negociando com os grupos de poder local de forma a conseguir a
cooperação militar de que necessitava
341
. O episódio denota que para a viabilização das
diretrizes militares no território colonial era essencial o apoio destes grupos e que, em
certos momentos, as ordens emanadas da Metrópole tiveram que sofrer alterações e
adaptações às possibilidades e às realidades locais encontradas pelos seus representantes
ultramarinos
342
. Portanto, no campo de atuação dos oficiais militares, sua conduta ora
convergia para a realização dos desígnios régios, ora obedecia a uma rede relacional
mais complexa em que pesavam interesses particulares
343
.
3.3. Práticas de reprodução social: as alianças matrimoniais, o destino dos
filhos e as negociações com os escravos
Além das mercês e da riqueza outros foram os mecanismos de ascensão social e
manutenção da “qualidade” e do poder de mando dos oficiais analisados.
A historiografia tem destacado inúmeras práticas dos grupos que faziam parte da
elite colonial para sua estruturação, sobrevivência e ampliação de poder. Dentre estas
práticas tem se ressaltado as redes tecidas intra-elites visualizadas em práticas parentais
entre suas famílias, constituição de alianças com frações das elites regionais da América
lusa e com autoridades metropolitanas – inclusive com as de Lisboa; casamento com
negociantes, etc
344
. Além disso, não se pode desconsiderar, conforme destaca João
Fragoso, as ligações que se deveriam estabelecer com os chamados grupos subalternos:
lavradores, indígenas, negros, etc., para construção da hegemonia social das elites, já
que seu poder de mando deveria ser consentido também por tais segmentos sociais
345
.
341
MELLO, Christiane F. P. de. “A Guerra e o pacto: a política de intensa mobilização militar nas Minas
Gerais”. In: CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor e KRAAY, Hendrik (Orgs). Nova História Militar
Brasileira... Op.cit., p. 71-84.
342
MELLO, Christiane F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do
século XVIII... Op. cit., p. 10-11.
343
WEHLING, Arno & WEHLING, Maria. “O funcionário colonial entre a sociedade e o rei”. In: Mary
Del Priore (Org). Revisão do paraíso: os brasileiros e o Estado em 500 anos de História. Rio de Janeiro:
Campus, 2000, p. 139-142. E também SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil
colonial. São Paulo: Perspectiva, 1979, p. 58-63.
344
FRAGOSO João. “Afogando em nomes...” Op. cit., p. 47.
345
Idem, p. 46-47.
125
Assim sendo, destacaremos nesta parte do trabalho a realização de algumas
destas práticas pelos oficiais de Ordenanças de forma a complementar a análise da
aquisição e manutenção da “qualidade” e prerrogativas de mando por parte destes
indivíduos. Assim, optamos por analisar suas opções matrimoniais, suas estratégias
familiares no que concerne ao destino de seus filhos, bem como suas ligações com os
escravos.
A muito se sabe que o matrimônio possibilitava às elites um melhor
posicionamento na sociedade em que se inseriam, visto que abriam a possibilidade de
aquisição de dividendos políticos e econômicos sendo, portanto, elementar para
sobrevivência e ampliação de seu poder pessoal no território colonial
346
. As estratégias
familiares também podem ser entendidas neste sentido, sobretudo aquelas que se
referem ao destino dos filhos desta elite.
As fontes mais indicadas para conhecermos as alianças de casamento e, também
as estratégias familiares dos oficiais são os processos matrimoniais, os inventários post-
mortem e os testamentos. Analisaremos alguns casos emblemáticos em termos de
possibilidades existentes para o estabelecimento das estratégias familiares e
matrimoniais e que tipo de ganhos elas podiam trazer para os oficiais analisados.
Ressalte-se que a reconstituição destes arranjos deve ser relacionada com o poder
econômico e políticos dos indivíduos em interação, pois só assim ficará claro as razões
que faziam do matrimônio e das estratégias familiares um mecanismo de ação dos
oficiais para atestarem sua “qualidade”
347
.
Neste sentido vale ressaltar o caso do capitão-mor José Alves Maciel. Este era
natural de Vila Viana, comarca do Minho, morador em Vila Rica e constituía-se num
importante e influente nome da capitania. Homem rico
348
exercia a função de
administrador do contrato das entradas de Minas, sendo sócio e credor de outros
personagens poderosos da região tais como o contratador João de Sousa Lisboa e o
coronel João Lobo Leite Pereira
349
. Era Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo e foi
vereador na câmara de Vila Rica, o que o colocava no patamar de “homem bom
350
. Em
346
FRAGOSO João. “Afogando em nomes...” Op. cit., p. 46-47.
347
MATHIAS, Carlos Leonardo. Jogos de interesse e estratégias de ação no contexto da revolta
mineira de Vila Rica... Op. cit., p. 73.
348
Acerca da noção de homem rico ver: ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens ricos, homens
bons... Op. cit.
349
Ver: AHU/MG/cx: 59; doc: 35.
350
Ver: AHU/MG/cx: 91; doc: 83.
126
1755, então com 34 anos, abriu processo para contrair matrimônio com Juliana
Francisca de Oliveira Leite à época com 22 anos
351
. A noiva era filha de Maximiano de
Oliveira Leite, um dos primeiros povoadores das Minas e um dos nomes mais
importantes da capitania. Entre outros feitos foi coronel e guarda-mor das Minas. Era
também Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo, bem como nomeado Fidalgo da Casa
Real. Maximiano de Oliveira Leite era filho de Francisco Pais de Oliveira Horta
falecido em 1701 em Santana de Parnaíba, com sua esposa, Mariana Pais Leme, irmã de
Garcia Rodrigues Paes e filha do Governador das Esmeraldas Fernão Dias Paes. Ou
seja, pela descendência matrilinear, Maximiano era neto do famoso bandeirante e
sobrinho de Garcia Rodrigues Pais
352
. Observa-se que Maximiano de Oliveira Leite
pertencia àquilo que se denominou “melhores famílias da terra”, ou seja, famílias que
conseguiram acumular consideráveis cabedais e prestígio social quer através da
atividade de conquista, quer através da ocupação de cargos da governança, quer através
de atividades comerciais ou ainda, com mais freqüência, da soma de todas essas
atividades
353
.
As vantagens que o capitão-mor José Alves Maciel adquire com este casamento,
aliás, não só ele mas a família de sua noiva, são imensas. Partindo-se do princípio de
que a época o matrimônio não era motivado por laços afetivos, mas por estratégias
sociais, políticas e econômicas
354
pode-se dizer que o matrimônio de José Alves Maciel
com Juliana Francisca de Oliveira Leite foi resultado destas estratégias de poder dadas
pela sociedade estamental. Casando-se entre si, tais indivíduos garantiam, não somente
a permanência de suas fortunas no seio da própria família, mas também reafirmavam a
hierarquia e a desigualdade estamental da sociedade colonial, pois esses casamentos
demonstravam a diferença existente entre a minoria pertencente às melhores famílias da
terra - os “homens bons” - e a grande maioria que não preenchia os requisitos
necessários para fazer parte desse seleto grupo
355
.
351
AEAM. Processo matrimonial de José Alves Maciel e Juliana Francisca de Oliveira Leite. Armário 04,
pasta 464, doc: 4638, (1755).
352
MATHIAS, Carlos Leonardo. Jogos de interesse e estratégias de ação no contexto da revolta
mineira de Vila Rica... Op. cit. p. 76.
353
Idem.
354
GOUVÊA, Maria de F.; FRAZÃO, Gabriel A & SANTOS, Marília N. dos. “Redes de poder e
conhecimento na governação do Império Português...”Op. cit., p.106.
355
MATHIAS, Carlos Leonardo. Jogos de interesse e estratégias de ação no contexto da revolta
mineira de Vila Rica... Op. cit. p. 76-77.
127
Outro caso que merece destaque é a do capitão Luís Lobo Leite Pereira. Este era
natural da freguesia de António Dias e morador em Vila Rica. Era filho do coronel João
Lobo Leite Pereira um dos homens mais distintos da região das Minas. Fidalgo da Casa
Real foi nomeado pelo conde de Sarzedas, D. Rodrigo da Silveira, por ordem do rei D.
Pedro, membro da guarda pessoal do rei para acompanhá-lo na campanha da Beira,
além de possuir sucessão de legítima baronia
356
. Era considerado um dos homens mais
ricos de Vila Rica sendo possuidor de um morgado na vila de Santarém, Portugal, de
onde era natural
357
. Em sua rede de relações pessoais estava ninguém menos que D.
Lourenço de Almeida, padrinho de batismo de seu filho Luís Lobo Leite Pereira
358
.
Este, por ser o primogênito ficou responsável pela administração do morgado da família
quando seu pai faleceu. Em 1776 Luís Lobo, então com 46 anos, abriu processo para
contrair matrimônio com Maria Josefa de Ávila a época com 23 anos
359
. A diferença de
idade entre os cônjuges era razoável, o que reforça a idéia de uma estratégia
matrimonial, bem como a interferência dos pais na escolha do cônjuge, com intuito de
preservar e/ou ampliar o prestígio da família na região. Tal argumento é reforçado
também pelo fato de Maria Josefa ser bisneta da avó de Luís Lobo, ou seja, os cônjuges
eram parentes consangüíneos de 3º grau. A mãe de Luís Lobo, D. Teresa da Silva
Figueiredo, era irmã da avó de Maria Josefa de Ávila. Logo a mãe desta, D. Josefa de
Ávila da Silva Figueiredo, era neta da avó de Luís Lobo, portanto Maria Josefa de Ávila
era bisneta da avó de Luís Lobo, também chamada D. Josefa de Ávila
360
. O casamento
entre membros de uma mesma família era aceito comumente entre a elite colonial,
sobretudo em casos que se pretendia frisar um sentimento de superioridade
361
. Se o
casamento pode ser visto como um investimento social e político, com o qual se
estabelece relações que auxiliavam na consolidação do poder e atestação da
“qualidade”, pode também ser visto como um investimento econômico, visto que
disponibilizava recursos materiais que aumentavam o cabedal das partes
362
. Levando-se
em conta que Luís Lobo administrava um morgado, que pelas leis de primogenitude não
356
AHU/MG/cx; 36; doc: 4.
357
Idem.
358
AEAM. Processo matrimonial de Luís Lobo Leite Pereira e Maria Josefa de Ávila. Armário 05, pasta
597, doc: 5968, (1776).
359
Idem.
360
Ibidem.
361
FRAGOSO, João. “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite
senhorial...” Op. cit., p. 53.
362
CUNHA, Mafalda Soares da. A casa de Bragança... O. cit., p. 454-459.
128
podia ser dividido de forma igualitária entre os demais herdeiros, e que Maria Josefa era
herdeira de uma considerável fortuna
363
, pode-se supor que tal casamento favoreceu a
acumulação econômica das partes. Em última instância isso também favorecia a posição
social desta nova família na hierarquia já que o cabedal nesta sociedade atuava no
sentido de manter a “qualidade” do indivíduo, e em consequência, sua capacidade de
mando
364
.
Os exemplos citados nos permitem assinalar que nesta sociedade as relações
matrimoniais foram importante recurso na realização dos propósitos de busca de
prestígio e demonstração de diferença em relação aos demais, fator essencial para
garantir a distinção, pois lhes forneciam algum tipo de “ganho”, material ou não. Tais
exemplos, portanto, vão de encontro à afirmação de Barth que salienta que a realidade
resulta do comportamento individual dos atores que dão forma aos seus atos através da
maneira que usam as oportunidades oferecidas, sendo que a descrição de uma
organização social deve representar as relações fundamentais que conectam as pessoas
em sociedade
365
.
Além do matrimônio outro tipo de estratégia auxiliou na aquisição de posições
sociais privilegiadas e atestação do poder dos oficiais de Ordenanças aqui analisados: os
arranjos familiares concernentes ao destino de seus filhos. O rumo que os filhos
tomavam podiam também dar projeção no meio social. Cada nova geração deveria
percorrer caminhos que aumentassem ou mantivessem a “qualidade” da família e não o
contrário
366
. Vale ressaltar que os rumos que um determinado indivíduo tomava poderia
classificá-lo ou desclassificá-lo, assim como a toda sua parentela, aos olhos dos seus
iguais e dos seus desiguais, contribuindo, dessa forma, para a reprodução dos sistemas
de dominação
367
.
363
Seu pai, além de alferes de cavalaria Auxiliar de Congonhas do Campo, se dedicava a atividade de
roceiro. Possuía muitas terras onde cultivava alimentos como o “milho e mais legumes próprios do paiz”.
Posteriormente passou a se dedicar à cultura da cana estabelecendo um engenho em sua propriedade. Ver:
AHU/MG/cx: 140; doc: 44.
364
FRAGOSO, João. “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite
senhorial...” Op. cit., p. 53.
365
BARTH, Fredrik. “Anthropological models and social reality”. In: Process and form in social life
Op. cit., p.14-31.
366
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia... Op. cit., p. 321.
367
MELLO, Evaldo Cabral de Mello. O nome e o sangue: uma parábola familiar no Pernambuco
colonial. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. p. 13
129
Os exemplos ilustrativos disponíveis mostram que foram preferencialmente três as
opções adotadas pelos oficiais para o encaminhamento de seus filhos, a saber, o
universo militar, o religioso e a magistratura:
TABELA 17
Destino dos filhos dos oficiais de Ordenanças da comarca de Vila Rica (para os
quais temos informações)
Carreira Nº
%
Eclesiástica 10 33,33%
Militar 9 30%
Magistratura 8 26,67%
Medicina 3 10%
Total 30 100%
Fonte: identificação dos alunos mineiros na Universidade de Coimbra e filiação dos estudantes (1700-
1800). In: VALADARES, Virgínia Maria Trindade. Elites mineiras setecentistas: conjugação de dois
mundos. Lisboa: Ed. Colibri, 2004. p. 496-502.
Ter um filho militar era de fato muito prestigioso. Tal como os bacharéis e os
eclesiásticos que veremos mais à frente, os indivíduos que ingressavam na carreira
militar não como simples soldados, mas como oficiais, tinham de apresentar provas de
sua nobreza, cristandade e desinteresse. Desta forma, se provava o valor não só do
requerente a patente, mas também de sua família, já que se investigava além da
trajetória, do prestígio e da distinção do requerente a de sua parentela. O capitão-mor
João de São Boaventura Vieira, por exemplo, era casado com Teresa Maria de Jesus e
com ela tivera 9 filhos sendo 4 mulheres e 5 homens. Três de suas filhas se tornaram
religiosas na cidade de Beja e 1 de seus filhos se tornou religioso na Companhia de
Jesus, o que por si só atestava o grande respaldo desta família
368
. Um de seus outros
filhos, João Batista Viera Godinho, optou por seguir carreira militar chegando a ocupar
dois dos mais altos postos da hierarquia militar: o de marechal de campo e o de
brigadeiro
369
. Estes postos além de já terem anexos a si distintos tratamentos e honras
desde sua criação, por decreto de 13 de maio de 1789, passaram a proporcionar também,
instantaneamente, ao seu possuidor o foro de Fidalgo da Casa Real
370
. Assim, ao
368
Ver: CSM, 1º ofício - Inventário post-mortem de João de São Boaventura Vieira. Códice 13, auto 1429,
(1757).
369
AHU/MG/cx: 186; doc: 14. Ver também cx: 174; doc: 32.
370
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia... Op. cit., p. 238.
130
ingressar nesta carreira militar João Batista Vieira Godinho elevava ainda mais a
posição social de sua família atestando a “qualidade” da mesma.
Ter um filho eclesiástico também era um fator que atestava o prestígio social da
família e uma forma de “aristocratização”, pois provava a limpeza de sangue da mesma.
Conforme destacaram Fernanda Olival e Nuno Gonçalo Monteiro, ter um filho
eclesiástico resultava sobretudo em ganhos simbólicos, pois os próprios mecanismos de
habilitação dos candidatos à ordenação, quais sejam, a legitimidade do nascimento, a
qualidade dos ascendentes e a limpeza de sangue constituíam-se em importantes
elementos de distinção social
371
. Além disso, dar a um filho este destino podia ser uma
estratégia para se reduzir potenciais herdeiros e não se desmembrar o patrimônio da
família
372
. Neste sentido vale destacar o exemplo do capitão Manuel Rodrigues Passos.
Este era natural da freguesia de São Miguel de Alcântara, termo de Braga, chegara as
Minas no início do século XVIII sendo um de seus primeiros povoadores. Estabeleceu-
se no arraial de António Pereira e, como muitos portugueses que para esta parte da
América vieram, procurou se destacar como uma das pessoas mais capazes da
capitania
373
. Tornou-se homem de posses, possuidor de lavras de minerar ouro e de um
plantel de escravos composto por 30 cabeças. Possuía ainda algumas roças, uma fazenda
e uma morada de casas tudo no arraial onde morava. Manuel Rodrigues Passos casou-se
com Joana Maciel da Costa, natural do Rio de Janeiro, e com ela teve 4 filhos, sendo 1
mulher, casada, e três homens, todos eclesiásticos
374
. Dois dos filhos de Manuel
permaneceram em Lisboa como religiosos
375
e 1 depois de sua formação religiosa,
também em Lisboa, se transferiu para Mariana se tornando vigário encomendado da
freguesia de Nossa Senhora de Monserrate de Baependi, bispado de Mariana
376
. Como
mencionado anteriormente ter filhos religiosos significava uma menor distribuição da
riqueza e, consequentemente, maior conservação do patrimônio familiar. De fato, na
partilha dos bens do referido oficial dois de seus filhos eclesiásticos não entraram na
divisão ficando a maior parte da administração dos bens do defunto nas mãos do marido
371
OLIVAL, Fernanda & MONTEIRO, Nuno G. “Mobilidade social nas carreiras eclesiásticas em
Portugal (1500-1820)”. In: Análise social. Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de
Lisboa. Lisboa, vol. XXXVII, 2003. p. 1220.
372
Idem p. 1226-1231.
373
Ver: CSM, 1º ofício - Inventário post-mortem de Manuel Rodrigues Passos. Códice 45, auto 1744,
(1744).
374
Idem.
375
Ibidem. Ver testamento de Manuel Rodrigues Passos anexo ao seu inventário.
376
AHU/MG/cx: 104; doc: 15.
131
de sua única filha, o capitão António Fernandes de Sousa
377
. Este além de genro de
Manuel Rodrigues Passos era também seu primo e herdou, de certa forma, a posição e o
status social de seu sogro e primo, não por acaso é ele quem “substitui” o dito no posto
de capitão de Ordenanças de António Pereira, um ano depois da morte do mesmo em
1744
378
.
A magistratura, como destacou Maria Beatriz Nizza da Silva, era também uma
carreira muito procurada pelos coloniais. Aqueles que optassem por tal caminho
geralmente ingressavam nos cursos de Leis ou de Cânones da Universidade de
Coimbra
379
. Entretanto nem todos exerceram a carreira propriamente dita, pois era
reduzido o número de lugares de letras no Brasil. Assim sendo, muitos se dedicaram a
outras atividades que evidentemente tinham de se coadunar com a “nobreza” que o grau
acadêmico lhes conferia, tais como cargos relacionados a Fazenda Real onde seus
saberes jurídicos eram considerados de grande utilidade
380
. O saber então adquiria nesta
sociedade considerável importância, visto que um título acadêmico podia (re)afirmar a
“qualidade” da família, além de possibilitar acúmulo de riqueza, pois como visto
anteriormente, a ocupação de cargos na magistratura e na fazenda proporcionavam um
rendimento substancial
381
. Para exemplificar destaco o caso do sargento-mor João
António Rodrigues. Natural do reino e morador na freguesia de São Caetano, era casado
com Maria Gonçalves Moreira com a qual tivera 9 filhos sendo 5 mulheres e 4
homens
382
. Dentre estes, o primogênito, João Rodrigues Moreira, se tornou capitão de
cavalaria de Ordenanças de São Caetano, bem como vereador o que o colocava na
órbita dos “homens bons” da localidade
383
. Dois de seus outros filhos se tornaram
religiosos e o outro seguiu carreira na magistratura
384
. Este último, que nos interessa
mais de perto, se chamava Gaspar Gonçalves dos Reis e se formou como Doutor
bacharel em Cânones na Universidade de Coimbra. Resolveu seguir carreira e concorrer
aos lugares de letras tornando-se desembargador e juiz de fora, cargos relevantes na
377
CSM, 1º ofício - Inventário post-mortem de Manuel Rodrigues Passos. Códice 45, auto 1744, (1744).
378
AHU/MG/cx: 45; doc: 11.
379
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia... Op. cit., p. 234.
380
Idem, p. 232.
381
Ibidem, p. 321.
382
CSM, 1º ofício - Inventário post-mortem de João António Rodrigues. Códice 133, auto 2774, (1732).
383
Ver: AHU/MG/cx: 41; doc: 101.
384
CSM, 1º ofício - Inventário post-mortem de João António Rodrigues. Códice 133, auto 2774, (1732).
132
magistratura
385
. Na verdade a escolha de Gaspar Gonçalves dos Reis pela carreira na
magistratura fechava o desenho daquilo que Nuno Gonçalo Monteiro e Fernanda Olival
denominaram de “família perfeita”, isto é, aquela que tinha um filho militar, um
eclesiástico e um magistrado. Os três formavam uma unidade em que podiam manter-se
reciprocamente e conservar as riquezas e o esplendor da parentela
386
Além das ligações matrimoniais e das estratégias familiares os oficiais
necessitavam de outros tipos de ligações para garantir a reprodução do grupo, a saber, a
capacidade de estabelecer reciprocidades com os chamados grupos subalternos.
Tal fenômeno se constituía num momento essencial para a construção da
legitimidade social do grupo, um mecanismo que viabilizava sua autoridade. Como dito
anteriormente para exercerem sua autoridade necessitavam do “consentimento” da
sociedade e neste momento as negociações – além daquelas com a elite – com estratos
subalternos assumiam papel fundamental
387
.
Um ponto ainda pouco estudado na construção da hegemonia da elite colonial é
certamente as relações que estabeleciam com os escravos. Como já sugerido,
acompanhados de seus negros armados, os oficiais de Ordenanças atuaram
sistematicamente em combate a levantes e conflitos, internos e externos, e povoamento
de novos territórios a fim de angariar mercês e reconhecimento social
388
. Ora, mais do
que a participação dos colonos na conquista do território colonial o que afirmações
como estas devem escancarar é a importância adquirida pelos negros para os seus
senhores/oficiais. Além das patentes militares, da ocupação de postos na governança e
demais cargos administrativos, acreditamos que a posse de numerosa escravaria ou de
aliados que pudesse dispor a serviço Del-rei era também importante na definição de um
385
AHU/MG/cx: 108; doc: 53.
386
OLIVAL, Fernanda & MONTEIRO, Nuno G. “Mobilidade social nas carreiras eclesiásticas em
Portugal...” Op. cit., p. 1226.
387
FRAGOSO, João. “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite
senhorial...” Op. cit., p. 58-60.
388
Esta realidade se fez presente em várias partes da América Portuguesa. Para o Rio de Janeiro,
Pernambuco, Olinda, São Paulo, Minas Gerais são inúmeros os relatos que apontam as constantes
intromissões daqueles que se arrogavam o título de principais da terra, principalmente quando imbuídos
de uma patente militar, na conquista, defesa e povoamento da colônia, o que na maioria das vezes era
feito à custa de seu sangue, vida, fazenda e escravos. Neste sentido ver: BICALHO, Maria Fernanda. A
cidade e o Império... Op. cit., cap. 12; FRAGOSO, João. “A nobreza vive em bandos: a economia
política das melhores famílias da terra do Rio de Janeiro, século XVII: algumas notas de pesquisa...” Op.
cit., p. 11- 35. MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro veio: o imaginário da restauração pernambucana.
Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos: nobres contra
mascates, Pernambuco... Op. cit. NAZZARI, Muriel. O desaparecimento do dote: 1600-1900. São
Paulo: Cia das Letras, 2001, partes 1 e 2.
133
indivíduo como poderoso e, logo, com prerrogativa de mando, desde que o senhor de tal
escravaria estivesse em condição de armá-los à sua custa, poder desviá-los de suas
atividades principais para a realização de outras diligências e tenha estabelecido com
tais agentes uma via de reciprocidade
389
.
Em outros termos, se os “leais súditos” prestavam variados serviços ao Rei à
custa de seus negros armados, não é incorreto dizer que a “subordinação” destes negros
não podia ser feita apenas via coerção, armas e castigos. Tal “subordinação” envolvia
também negociações
390
. O próprio Conde de Assumar nos dá indícios de como a
negociação estava presente nas relações senhor/escravo nas Minas. Em 1719 temendo
atos sediciosos por parte da população negra da capitania, informava ao rei que se
agravava o clima de tensão porque os negros tinham a seu favor a sua multidão e a
nécia confiança de seus senhores, que não só lhes fiavam todo gênero de armas, mas
encobriam suas insolências e delitos
391
.
Como a preocupação em se definir os espaços de mando é uma constante na vida
destes homens e motivo de tensões permanentes, a existência de bandos armados
brigando reciprocamente se tornou comum no cenário das Minas setecentistas
392
. Esses
bandos resultavam dos embates entre as facções da elite e, portanto, referiam-se à teia
de alianças que elas criavam entre si e com outros grupos sociais. Conforme destacou
João Fragoso, através destas alianças, as melhores famílias adquiriam algo
indispensável em suas disputas: a cumplicidade de outros estratos sociais. Mais do que
isto, a composição dos bandos legitimava a própria hierarquia estamental. Na realidade,
a reiteração da sociedade implicava na “união do povo”, portanto, na existência de um
bando que tivesse legitimidade social. Nestas condições, as possibilidades junto aos
centros de poder eram ampliadas. Com isto, garantiam-se ações econômicas, políticas,
bélicas, sociais. Estes bandos estavam preocupados, antes de qualquer coisa, em garantir
sua hegemonia política sobre a sociedade colonial, o que acabava por aguçar lutas entre
389
FRAGOSO, João. “A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do
Rio de Janeiro, século XVII...” Op. cit., passim.
390
FRAGOSO, João. “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite
senhorial...” Op. cit., p. 58.
391
“Sobre a sublevação que os negros intentaram a estas Minas”. Carta do governador ao Rei de Portugal
de 20 de abril de 1719. Apud: ANASTASIA, Carla Maria Junho. Vassalos e rebeldes... Op. cit., p. 127.
392
Neste sentido ver; SILVEIRA, Marco Antônio. “Guerra de usurpação, guerra de guerrilhas: conquista e
soberania nas Minas setecentistas” In: Vária historia. Belo Horizonte, nº 25, 2001. Ver também: SILVA,
Célia Nonata da. A teia da vida...Op. cit. Especialmente o capítulo 3.
134
bandos rivais
393
. Com tais ações objetivava-se delimitar o “território” de domínio de
cada um e com isso garantir o prestígio, o poder local e a posse do mando. Por se tratar
de uma sociedade estamental baseada no trabalho cativo, sem estes não existiria uma
estratificação de tipo antigo e muito menos os seus bandos
394
.
Dito de outro modo, a exclusão social não era sinônimo de tensão social crônica,
como vimos em vários relatos esboçados neste trabalho foram freqüentes os casos de
oficiais que iam a confrontos acompanhados de seus escravos armados, o que nos
informa sobre práticas de negociações. Portanto, para além do genocídio e do cativeiro,
não há de se estranhar a existência de reciprocidades entre este grupo e cativos. Tais
práticas talvez expliquem porque o capitão-mor de São Bartolomeu Domingos da Rocha
Ferreira na ocasião da sublevação dos moradores da Vila do Carmo contra o
desembargador Manoel da Costa de Amorim, antigo ouvidor da Comarca, esteve
“prompto em seu socorro não só com sua pessoa mas com negros armados enquanto
durou a dita inquietação
395
”.
A possibilidade dos escravos de Domingos da Rocha Ferreira portarem armas
implicava em acordos estabelecidos entre eles e seu dono. Tudo indica que este oficial
não temia que alguns de seus cativos armados se revoltassem contra ele. Estes
confrontos poderiam se tornar momentos propícios para subversão dos negros,
principalmente se levarmos em conta que estes estavam armados, sendo este um bom
índice para medir o “sucesso” das negociações entre eles. Portanto, o fato dos escravos
lutarem ao lado de seus senhores indica a presença de reciprocidades entre tais grupos,
inclusive com ganhos recíprocos, o que garantia a reprodução de uma determinada
estratificação social
396
.
Sem querer fazer generalizações, até porque a falta de dados não me permite,
alguns elementos podem ilustrar a presença de negociações entre oficiais e escravos.
Dentre eles a existência da alforria e coartação nas relações entre ambos. Dentre os 34
inventários e 34 testamentos consultados constatamos que foram 15 os oficiais que
alforriaram ou deixaram escravos coartados. Mesmos os números sendo mínimos é
393
FRAGOSO João “A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do
Rio de Janeiro, século XVII: algumas notas de pesquisa...” Op. cit., p. 9. Apud: MATHIAS, Carlos
Leonardo. Jogos de interesse e estratégias de ação no contexto da revolta mineira de Vila Rica... Op.
cit. p. 109.
394
Idem, p. 16.
395
AHU/MG/cx: 31; doc: 87. Grifo meu.
396
FRAGOSO, João. “Afogando em nomes...” Op. cit., 48-49.
135
relevante destacar que alguns destes homens recorreram a tais práticas. Em 1774, o
capitão António Luís Brandão, morador no arraial da Passagem, deixava um testamento
onde declarava deixar forro o mulato João e lhe permitia que “esse levasse toda sua
roupa”. Deixava ainda 3 negros coartados: José, coartado em 20 mil réis, quantia a ser
paga em 5 anos, o negro Manuel de nação Congo, coartado em 25 mil réis, quantia a ser
paga em 4 anos e o negro Roque de nação Rebello, coartado em 30 mil réis quantia a ser
paga em 4 anos
397
. Do mesmo modo procedeu o capitão-mor António Ramos dos Reis.
Possuidor de um plantel de mais de 120 escravos, segundo registro de seu testamento.
Neste atestava que ao falecer ficaria forra a escrava Maria Appolonia, chamada agilô,
lhe deixando ainda escolher, dentre todas as crioulas que ele tinha, uma para ser sua
escrava além de lhe deixar uma morada de casas em Ouro Preto. Deixava ainda
alforriadas a escrava Sebastiana Ramos, preta de nação coura e seus dois filhos pardos,
a escrava Anna Ramos e seus dois filhos, e o escravo António Velho. Também deixava
a cada um destes escravos uma morada de casas “para que possam morar em sua vida e
seus ditos filhos
398
.
Os exemplos citados nos mostram que as manumissões podem ser um valioso
indicativo da existência de negociações e reciprocidades. As cartas de alforria têm sido
consideradas em dois grupos: um no qual há um ônus econômico e outro em que isto
não ocorre, o que não significa que algum tipo de compensação deixava de ser dada ao
senhor
399
. Para a parcela de cativos que desejassem e conseguiam obter a liberdade por
meio de pagamento, alguns autores têm destacado que, neste aspecto, os escravos
dependiam deles mesmos ou de parentes para obter a quantia necessária o que torna a
aquisição da liberdade como uma conquista escrava. A perspectiva senhorial da doação
é, então, substituída pela perspectiva dos submetidos, isto é, a alforria como resultado
de um processo repleto de investimentos individuais e coletivos
400
. Assim, cabe
397
CSM, 1º ofício - Testamento de António Luís Brandão. Livro nº. 47, folha 164, (1774).
398
CPOP, 1º ofício - Testamento de António Ramos dos Reis. Livro nº. 20, folha 74, (1761).
399
Neste último caso os bons serviços prestados e a dedicação dos escravos aos seus senhores, apesar de
não serem motivo muito importante para emancipação, eram uma espécie de “pré-requisito” ou exigência
mínima. Um elemento fundamental no processo de emancipação para este último caso eram os laços de
afeição, amor, parentesco por afinidade ou consangüíneo. Neste quesito entram os filhos ilegítimos; as
concubinas; os afilhados dos senhores, senhoras ou parentes; as “crias” da casa - que na maioria das vezes
resultava em maternidade ou paternidade adotiva; os escravos que prestavam serviços especiais - como
cuidar do senhor durante uma enfermidade; e os escravos que criaram o senhor ou seus filhos. In:
SCHWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros e rebeldes. São Paulo: Edusc, 2001, p. 196-197.
400
Neste sentido ver: PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII;
estratégias de resistência através dos testamentos. São Paulo: Annablume, 1995, principalmente capítulo
136
sublinhar que as manumissões podem e devem ser vistas como um elemento decorrente
de um longo processo de negociação entre senhor e escravos, construído a partir de uma
bem-estruturada rede de relações sociais entre estes agentes
401
.
A formação de famílias nos plantéis destes oficiais também pode ser um
indicativo que entre eles e seus escravos se estabeleciam barganhas. Dos 34 Inventários
analisados, conseguimos visualizar a formação de famílias escravas em 15 deles. Por
exemplo, o capitão José Caetano Rodrigues Horta, homem de muito prestígio, possuidor
de títulos como o de Cavaleiro da Ordem de Cristo e Escudeiro e Cavaleiro Fidalgo da
Casa Real, era considerado um dos homens mais ricos da capitania
402
. Entre seus bens
encontramos arrolados um plantel de escravos composto por 53 cabeças. Neste não se
observou um grande desequilíbrio entre os sexos. Dos arrolados 56,66% eram homens e
43,89 mulheres o que facilitava a constituição de famílias. Dentre estes 69,81% (37
escravos) estavam unidos por relações de parentesco. Ao todo havia neste plantel 14
famílias organizadas das mais variadas formas. Algumas eram compostas por pai, mãe e
filhos, outras por mãe e filhos, outras por marido e mulher havendo inclusive algumas
famílias que tinham netos, o que denota estabilidade. Este era o caso da família de Lucia
criola, de idade de 50 anos que se dizia viúva. Lucia tivera 3 filhos: Joanna parda de 24
anos, Joaquim Antonio criolo de 23 anos e Violante criola de 22 anos. Esta por sua vez
teve um filho chamado Felix criolo que a época da morte de José Caetano estava com 1
ano e 6 meses de vida. Portanto temos aqui uma família proveniente, possivelmente, de
uma união estável de Lucia, já que os intervalos intergenésicos entre os filhos eram
pequenos, e que conseguiu se reproduzir até a 3ª geração
403
.
A importância da família escrava para amenizar os medos e gerar melhor
convivência entre senhores e escravos foi muito bem demonstrada por José Roberto
Góes e Manolo Florentino. Estes autores analisando os plantéis no Rio de Janeiro entre
os anos de 1790 a 1850 destacaram que a formação de famílias podia trazer ganhos
2. Ver também FLORENTINO, Manolo. “Sobre minas, crioulos e a liberdade costumeira no Rio de
Janeiro, 1789-1871”. In; FLORENTINO, Manolo (org.). Tráfico, cativeiro e liberdade. Rio de Janeiro,
séculos XVII-XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p 331-366.
401
Sampaio, António Carlos Jucá. “A produção da liberdade: padrões gerais das manumissões no Rio de
Janeiro colonial, 1650-1750”. In: FLORENTINO, Manolo (org.). Tráfico, cativeiro e liberdade... Op.
cit., p. 317.
402
Segundo a lista feita em 1756 pelo provedor da fazenda. Ver: ALMEIDA, Carla M. C. de. Homens
ricos, homens bons... Op. cit.
403
CSM, 1º ofício – Inventário post-mortem de José Caetano Rodrigues Horta. Códice 133, auto 2778,
(1815).
137
tanto para senhores quanto para os escravos
404
. Para o senhor, a capacidade dos escravos
de constituir família, tanto dentro quanto fora do casamento, servia a seus interesses na
medida em que proporcionava certa sensação de estabilidade social e paz. Em outros
termos, a existência da família escrava era uma condição estrutural para a continuidade
do escravismo, pois era só criando escravos com compromissos entre si que os senhores
podiam garantir a “paz” nas senzalas. Já para os escravos a formação de famílias
constituía-se em estratégia para fazer aliados; por meio do casamento e batismo eles
estreitavam laços que nas difíceis condições da escravidão transformavam-se em laços
de aliança e solidariedade
405
.
No caso dos cativos, a prática de tais mecanismos denota que eles eram seres
providos de capacidade de ação e raciocínio. Neste sentido é que se entende porque a
rebelião e o aquilombamento não foram os únicos meios tomados pelos escravos a fim
de reagir e sobreviver na sociedade escravista
406
. A violência do senhor convivia com
outros mecanismos compensatórios para aliviar a tensão que ela própria exercia sobre o
cativeiro e que se constituíam em espaço social de ação dos escravos
407
que ordenavam
as relações e tornavam o viver menos difícil e sofrido
408
.
Os exemplos citados sugerem a existência de acordos, negociações,
reciprocidades na relação senhor/escravo, denotando que o sistema escravista se
sustentava também sobre uma base de conciliação. Não se põe em dúvida à existência
da violência, o provam as rebeliões e fugas em geral, mas de igual modo não se fie que
estes eram os únicos mecanismos de interação entre cativos e senhores
409
. Ao que
parece, a idéia de negociação entre senhores e escravos não era apenas uma figura de
retórica
410
, havendo inclusive ganhos para ambos os lados. Os negros poderiam
conseguir uma série de vantagens prestando-se a serviços como braço armado de seus
senhores. Estes oferecendo seus negros e fazendas a Del-Rey, além das possibilidades
404
GÓES, José Roberto & FLORENTINO, Manolo. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico
atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
405
Idem, p. 175.
406
ENGEMANN, Carlos. “Da comunidade escrava: Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX”. In:
FLORENTINO, Manolo (org.). Tráfico, cativeiro e liberdade... Op. cit., p. 173-174.
407
Idem, p. 189.
408
FLORENTINO, Manolo. “Alforrias e etnicidade no Rio de Janeiro oitocentista: notas de pesquisa”. In:
Topoi. Revista de história. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ. Set.
2002, n.5, p.26.
409
ENGEMANN, Carlos. “Da comunidade escrava: Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX...” Op. cit., p 201.
410
FRAGOSO João “A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do
Rio de Janeiro, século XVII: algumas notas de pesquisa...” Op. cit., p. 18.
138
de alargamento de seus leques de mercês e privilégios, maximizavam prerrogativas de
mando e, desta forma, reafirmavam sua “qualidade” social.
139
Considerações finais
O presente trabalho foi elaborado tendo por base dois pressupostos: que os Corpos
de Ordenanças se constituíam em um poder local que se atrelava ao núcleo de poder
metropolitano em elos de interdependência que davam sustentação a governabilidade
régia; e que era fundamental que o ocupante de um posto nas Ordenanças obtivesse
autoridade e reconhecimento público e social para que conseguisse tornar-se face visível
do poder. Assim, para entendermos a efetivação desses mecanismos optamos por fazer
um estudo da composição social dos homens a quem cabiam o comando das
Ordenanças. Desta forma, nos voltamos para os mecanismos de inserção local destes
indivíduos, considerando as estratégias e recursos de que este oficialato dispunha para
construção de sua autoridade.
Talvez, a conclusão mais premente a ser delineada é o fato de que as forças
militares no período colonial eram sociamente complexas, pois os indivíduos que
compunham os quadros das chefias militares de Ordenanças na região e período
enfocados não se constituíam em um grupo homogêneo e, consequentemente,
perfeitamente configurado. Eram vários os caminhos possíveis na composição de um
chefe militar, mas todos governados pela mesma matriz de valor, qual seja, a busca pela
aquisição e consolidação de “qualidade”, bem como de poder de mando.
Vimos que, provenientes sobretudo do norte de Portugal, estes oficiais procuraram
direcionar suas ações a fim de integrar-se a variados pólos e/ou mecanismos
propiciadores de poder e que eram coletivamente reconhecidos como elementos
consolidadores de posições privilegiadas na sociedade mineira, quais sejam:o exercício
de cargos políticos, a posse de terras e escravos, a posse de títulos, o casamento e a
riqueza. Assim, constatamos que entre os recursos utilizados por estes indivíduos para
conseguir angariar mercês e assim maximizar sua autoridade estava o fato de terem uma
certa experiência com assuntos militares na ocupação de outros postos, exercerem
cargos públicos, ser abonado de bens, oferecerem serviços pecuniários ao monarca e
participar dos méritos provenientes da conquista.
Deste modo, concluímos que a autoridade do oficialato enfocado estava
fundamentada na antiguidade (através da permanência nos postos),
na participação da
conquista da terra, no desempenho de variadas funções (através do exercício de cargos
140
políticos), na riqueza e em práticas sociais que lhes dessem legitimidade; elementos que
multiplicavam, num círculo virtuoso, o poder destes indivíduos. Em outros termos, o
respeito que logravam alcançar na colônia ligava-se a extensão de seus bens, à vida de
ostentação e luxo que pudessem levar, a cargos honrosos que conseguissem ocupar, as
alianças matrimoniais estabelecidas, as estratégias familiares traçadas e as
reciprocidades com os escravos; elementos que podem ser considerados grandes trunfos
dos oficiais para “jogarem” melhor nesta teia social, pois disto obtinham bens materiais
e imateriais que lhes transformavam em poderosos locais e consequentemente, em
indivíduos imprescindíveis ao poder real. Disto depreende-se que o funcionamento da
organização bélica, pelo menos no que diz respeito às Ordenanças na região e período
enfocados, estava estritamente ligado às medidas régias que por meio do sistema de
mercês, coadunava as ações e relações dos coloniais, no caso dos oficiais, para o
ordenamento do espaço social que pretendia dominar. Obviamente que nem sempre os
desígnios régios para ordenamento do espaço social iam de encontro aos interesses dos
indivíduos ou grupos que os colocavam em prática, e que justamente por se constituírem
em homens possuidores de autoridade dos quais a Coroa não podia prescindir, podiam
negociar com a mesma a defesa de interesses.
Contudo, se tais elementos favoreciam a ascensão social e a fundamentação da
autoridade, nada disso era decisivo. Estes homens precisavam reafirmar a todo o
momento seus merecimentos através de novas demonstrações de fidelidade e de seu
valor social, o que exigia a constante movimentação pelos canais que proporcionavam a
sustentação de sua “qualidade”.
141
Referências Bibliográficas
Documentação manuscrita
*Arquivo Histórico Ultramarino – Projeto Resgate – Documentação avulsa de Minas
Gerais/Cd- rom.
* Arquivo da Casa Setecentista de Mariana
- Inventários post-mortem
1º ofício. André Correia Lima. Códice 86, auto 1821, (1770).
1º ofício. António Alves Ferreira. Códice 36, auto 843, (1749).
1º ofício. António Carneiro de Sampaio. Códice 55, auto 122, (1800).
1º ofício. António da Costa Guimarães. Códice 44, auto 1012, (1816).
1º ofício. António da Silva Herdeiro. Códice 25, auto 654, (1802).
1º ofício. António Gonçalves Torres. Códice 59, auto 1305, (1776).
1º ofício. António Luís de Miranda. Códice 31, auto 756, (1777).
1º ofício. Baltazar Martins Chaves. Códice 34, auto 2806, (1761).
1º ofício. Domingos Gonçalves Torres. Códice 33, auto 786, (1762).
1º ofício. Francisco da Fonseca Ferreira. Códice 129, auto 2703, (1801).
1º ofício. Francisco Ferreira dos Santos. Códice 97, auto 2024, (1791).
1º ofício. Francisco Machado Magalhães. Códice 90, auto 1878, (1799).
1º ofício. Francisco Pereira Lobo. Códice 88, auto 1856, (1774).
1º ofício. Gregório de Matos Lobo. Códice 140, auto 2911, (1785).
1º ofício. João António Rodrigues. Códice 133, auto 2774, (1732).
1º ofício. João da Costa Azevedo. Códice 92, auto 1927, (1792).
1º ofício. João da Silva Tavares. Códice 16, auto 463, (1835).
1º ofício. João de São Boaventura Vieira. Códice 13, auto 429, (1757).
1º ofício. João Favacho Roubão. Códice 49, auto 1119, (1784).
1º ofício. João Rodrigues dos Santos. Códice 80, auto 1795, (1773).
1º ofício. José Caetano Rodrigues Horta. Códice 133, auto 2778, (1815).
1º ofício. José da Silva Pontes. Códice 156, auto 3264, (1800).
1º ofício. Luis José Ferreira da Gouveia. Códice72, auto 1577, (1758).
1º ofício. Manuel Rodrigues Passos. Códice 45, auto 1042, (1744).
1º ofício. Paulo Rodrigues Durão. Códice 115, auto 2377, (1743).
1º ofício. Tomé Soares de Brito. Códice 122, auto 2542, (1804).
2º ofício. António Ferreira da Rocha. Códice 68, auto 1496, (1787).
2º ofício. João da Silva Tavares. Códice 16, auto 463, (1835).
2º ofício. José de Araújo Correia. Códice 45, auto 1016, (1760).
2º ofício. Manuel Cardoso Cruz. Códice 20, auto 533, (1757).
2º ofício. Manuel Ferreira da Costa. Códice 40, auto 458, (1805).
- Testamentos
142
1º ofício. António Álvares da Cruz. Livro n.º 65, folha 127, (1741).
1º ofício. António Coelho de Oliveira. Livro n.º 68, folha 135, (1774).
1º ofício. António Luís Brandão. Livro n.º47, Folha 164, (1774).
1º ofício. Domingos Pinheiro. Livro n.º42, Folha 187, (1795).
1º ofício. Francisco Pereira Lobo. Livro n.º51, Folha 91, (1771).
1º ofício. João Coelho de Oliveira. Livro n.º71, Folha 101, (1749).
1º ofício. João Favacho Roubão. Livro n.º47, Folha 104, (1782).
1º ofício. José da Costa de Oliveira. Livro n.º59, Folha 78, (1759).
1º ofício. José Ferreira de Araújo. Livro n.º5, Folha 28, (1767).
1º ofício. José Francisco Lopes. Livro n.º17, Folha 66, (1808).
1º ofício. José Neto de Sousa. Livro n.º 48, folha 11, (1761).
1º ofício. Manuel de Oliveira Campos. Livro n.º57, Folha 248, (1782).
1º ofício. Manuel Ferreira da Costa. Livro n.º17, Folha 207, (1819).
1º ofício. Miguel Caetano Teixeira. Livro n.º51, Folha 106, (1766).
António Alves Ferreira. Anexo ao seu Inventário, (1748).
António Carneiro de Sampaio. Anexo ao seu Inventário, (1799).
António da Costa Guimarães. Anexo ao seu Inventário, (1815).
António da Silva Herdeiro. Anexo ao seu Inventário, (1802).
António Gonçalves Torres. Anexo ao seu Inventário, (1775).
António Luís de Miranda. Anexo ao seu Inventário, (1756).
Baltazar Martins Chaves. Anexo ao seu Inventário, (1760).
Domingos Gonçalves Torres. Anexo ao seu Inventário, (1763).
Francisco da Fonseca Ferreira. Anexo ao seu Inventário, (1800).
Francisco Ferreira dos santos. Anexo ao seu Inventário, (1791).
Francisco Machado Magalhães. Anexo ao seu Inventário, (1798).
Gregório de Matos Lobo. Anexo ao seu Inventário, (1784).
João da Silva Tavares. Anexo ao seu Inventário, (1834).
José de Araújo Correia. Anexo ao seu Inventário, (1760).
Manuel Cardoso Cruz. Anexo ao seu Inventário, (1756).
Manuel Ferreira da Costa. Anexo ao seu Inventário, (1804).
Manuel Rodrigues Passos. Anexo ao seu Inventário, (1743).
* Arquivo Histórico do Museu da Inconfidência/ Casa do Pilar de Ouro Preto
- Inventários post-mortem
1º ofício. Diogo José da Silva Saldanha. Códice 37, auto 453, (1805).
1º ofício. Feliciano José da Câmara. Códice 45, auto 1791, (1791).
1º ofício. Francisco Vieira de Matos. Códice 54, auto 651, (1831).
- Testamentos
1º ofício. António Ramos dos Reis. Livro n.º20, folha 74, (1761).
Feliciano José da Câmara. Anexo ao seu Inventário, (1778).
Diogo José da Silva Saldanha. Anexo ao seu Inventário, (1805).
143
*Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana
- Processos matrimoniais
António da Rocha Ferreira e Joaquina Maria da Silva. Arm.01/pasta109/doc.1081,
(1793).
António Fernandes de Sousa e Maria Ribeiro da Rocha. Arm.01/ pasta478/doc.48,
(1732).
António Ferreira da Rocha e Maria das Neves Dias. Arm.01/pasta53/doc.522, (1757).
António João de Oliveira e Joaquina da Cruz. Arm.01/pasta69/doc.0688, (1799).
Domingos Fernandes de Oliveira e Maria de Sobral. Arm.02/pasta182/doc.1815, (1748).
Francisco Pais de Oliveira e Maria Nunes de Matos. Arm.03/pasta 73/doc.2729, (1776).
João Rodrigues Moreira e Joanna Teodora do Monte. Arm.03/pasta412/doc.4112,
(1745).
José Alves Maciel e Juliana Francisca de Oliveira Leite.Arm.04/pasta464/doc.4638,
(1755).
Luís Lobo Leite Pereira e Maria Josefa de Ávila. Arm.05/ pasta597/doc.5968, (1793).
Manuel António Rodrigues e Marcelina Moreira. Arm.05/pasta612/doc.6116, (1737).
Manuel de Sousa Pereira e Maria Martins França. Arm.06/pasta720/doc.7119, (1793).
Vicente Ferreira de Sousa e Maria da Purificação. Arm.07/pasta797/doc.7966, (1750).
Documentação impressa
AMARAL, Roberto e BONAVIDES, Paulo. Textos Políticos da História do Brasil.
Brasília: Senado Federal, conselho editorial, 2002. vol.
CATÁLAGO de sesmaria. Revista do Arquivo Público Mineiro. Vol. 1, 1988.
CATÁLAGO de sesmaria. Revista do Arquivo Público Mineiro. Vol. 2, 1988.
COSTA, Veríssimo Antonio Ferreira da. Collecção Systematica das Leis Militares de
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1816.
CÓDICE Costa Matoso. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, vol I e II, 1999.
Coordenação-geral de Luciano Raposo de Almeida Figueiredo e Maria Verônica
Campos
“Creação de villas no período colonial”. In: Revista do Arquivo Público Mineiro.
Belo Horizonte, 1897, Ano II, janeiro a março.
SOUZA, Bernardo Xavier Pinto e, “Memórias Históricas da Província de Minas
Geraes”, In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte, 1908, vol. 8.
144
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Quadro Sinótico:
- Alvará Régio que criou os Corpos de Ordenanças de 08 de Janeiro de 1508.
- Foral dado a Martim Afonso de Sousa de 24 de Setembro de 1530.
- Regimento dado ao governador-geral Tomé de Sousa de 1548.
- Regimento que determinava que os serviços de armas cabiam a todos os súditos com
idade entre 20 e 65 anos, no reino e nos quatro arquipélagos atlânticos de 1549.
- Lei de Armas de 9 de Dezembro de 1569.
- Alvará de Armas que tornava obrigatória a posse de armas pelos homens livres do
Brasil de 1569.
- Regimento dos capitães-mores das Ordenanças de 10 de Dezembro de 1570.
- Provisão das Ordenanças de 15 de maio de 1574.
- Decreto de criação da Junta dos Três Estados de 18 de Janeiro de 1643.
- Regimento de criação do Conselho de Guerra de 22 de Dezembro de 1643.
- Regimento das Fronteiras de 29 de Agosto de 1645.
- Regimento de criação do cargo de governador de armas da província de 1650.
- O Regimento passado ao governador-geral Roque da Costa Barreto que exortava os
governadores ao cumprimento do Regimento de Fronteiras de 1677.
- Alvará Régio que alterou o sistema de eleições dos oficiais de Ordenanças de 18 de
Outubro de 1709.
- Carta Régia que criou a primeira tropa de Ordenanças de Minas Gerais de 1709.
- Ordem Régia que regulou o número de oficias de Ordenanças nas capitanias de 21
de Abril de 1739.
- Ordem Régia que tornou vitalício o posto de capitão-mor de 12 de Dezembro de
1749.
- Alvará Régio que recompensava com benefícios, mercês e honras, quem recolhesse
à Casa de Fundição, no espaço de um ano, oito arrobas de ouro ou mais de 3 de
Dezembro de 1750.
- Provisão que alterou muitas das disposições acerca das Ordenanças contidas em
regimentos, provisões e ordens régias de 30 de Abril de 1758.
- Carta Régia que reestruturou as forças militares de 22 de Março de 1766.
- Decreto que dava aos ocupantes dos postos de marechal de campo e o de brigadeiro
o foro de Fidalgo da Casa Real de 13 de Maio de 1789.
- Decreto modificando o papel das Milícias que passam à categoria de Tropa de
segunda linha de 7 de Agosto de 1796.
-
Resolução que reiterou a modificação do papel das Milícias de 22 de Fevereiro de
1797.
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