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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA
ÁREA DE CONCENTRAO: CIÊNCIAS HUMANAS E POTICAS
PÚBLICAS EM SAÚDE
Além da aparência, em busca da essência.
O que nos faz viver mais?
Florianópolis, setembro de 2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA
ÁREA DE CONCENTRAO: CIÊNCIAS HUMANAS E POTICAS
PÚBLICAS EM SAÚDE
RICARDO CAMARGO VIEIRA
Além da aparência, em busca da essência.
O que nos faz viver mais?
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Saúde
Pública da Universidade Federal de Santa
Catarina.
Área de Concentração: Ciências Humanas e
Políticas Públicas em Saúde.
ORIENTADOR: Dr. Marco Aurélio Da Ros
Florianópolis, setembro de 2007.
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3
Catalogação na fonte elaborada por M. Margarete Elbert CRB14/167
V658a Vieira, Ricardo Camargo
Além da ap
a
ncia, em busca da essência. O que nos faz viver
mais? / Ricardo Camargo Vieira ; orientador: Marco Aurélio Da
Ros. - Florianópolis, 2007.
93f.
Inclui bibliografia
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Santa
Catarina, Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, 2007
A obra inclui dois artigos com os tulos: Longevidade e sua
relação com promoção da sde, qualidade de vida e felicidade /
Ricardo Camargo Vieira, Marco Aurélio Da Ros. – Além da apa
rência, em busca ... / Ricardo C. Vieira, Marco A. Da Ros.
1. Longevidade. 2. Promoção da saúde. 3. Qualidade de vida.
4. Atitudes em relação à saúde. I. Da Ros, Marco Aulio.
II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-
Graduação em Saúde Pública. III.Título.
CDU: 612.68
4
Como a vida muda
Como a vida é muda
Como a vida é nula
Como a vida é nada
Como a vida é tudo
Tudo que se perde
mesmo sem ter ganho
Como a vida é senha
de outra vida nova
que envelhece antes
de romper o novo
Como a vida é outra
sempre outra, outra
não a que é vivida
Como a vida é vida
ainda quando morte
esculpida em vida
Como a vida é forte
em suas algemas (...)
Carlos Drummond de Andrade
Dedicado à
Dona Maria, Seu Wendelino,
Dona Regina e Dona Nair
5
AGRADECIMENTOS
Ao Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa
Catarina, seus professores e funcionários.
Ao meu orientador, Marco Aurélio Da Ros, e aos membros da minha banca, Sandra Caponi
e Luiz Cutolo.
À Secretaria Municipal de Saúde de Antonio Carlos, seus funciorios e colegas que
apoiaram esta pesquisa.
Aos meus amigos, do Mestrado, da Residência, da Graduação, do trabalho e da vida. Se os
vejo, estão comigo; se o os vejo, levo-os comigo.
À minha família. Amo todos.
À minha amada esposa Anastasia, seu sorriso continua sendo minha alegria, e a minha
amada filha Luana, luz de nossa vida.
À Deus.
6
ÍNDICE
INTRODUÇÃO__________________________________________________________5
REVISÃO DE LITERATURA______________________________________________7
A Promoção da Saúde_____________________________________________7
Longevidade____________________________________________________11
Qualidade de Vida e Subjetividade__________________________________14
OBJETIVO GERAL_____________________________________________________19
Objetivos específicos_____________________________________________19
PERCURSO METODOLÓGICO__________________________________________20
Sujeitos e cenário do estudo________________________________________22
Aspectos éticos__________________________________________________23
Limites________________________________________________________23
Análise e tratamento dos dados a partir das entrevistas___________________25
1 – Ocupação________________________________________25
2 – Autonomia_______________________________________25
3 – Resiliência_______________________________________26
4 – Solidariedade_____________________________________26
5 – Espiritualidade____________________________________26
6 – Relacionamentos afetivos____________________________27
7 – Sentimentos de realização___________________________27
8 – Celebração_______________________________________28
9 – Esperança________________________________________28
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS_______________________________________31
LONGEVIDADE E SUA RELAÇÃO COM PROMOÇÃO DA SAÚDE,
QUALIDADE DE VIDA E FELICIDADE (artigo) ____________________________35
7
ALÉM DA APARÊNCIA, EM BUSCA DA ESSÊNCIA. O QUE NOS FAZ VIVER
MAIS? (artigo)__________________________________________________________50
ANEXOS_______________________________________________________________67
I - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido______________________________67
II – Roteiro de entrevista_________________________________________________68
III – Categorização e Análise______________________________________________71
1 – Ocupação________________________________________72
2 – Autonomia_______________________________________75
3 – Resiliência_______________________________________78
4 – Solidariedade_____________________________________81
5 – Espiritualidade____________________________________83
6 – Relacionamentos afetivos___________________________85
7 – Sentimentos de realização___________________________89
8 – Celebração_______________________________________92
9 – Esperança________________________________________93
8
INTRODUÇÃO
A discussão em torno do papel do campo da saúde, e de sua contribuição para a
melhoria da vida das pessoas e do aumento da capacidade de, plenamente, se
desenvolverem e viverem mais, nem sempre integrou o ideário e as diretrizes da assistência
a saúde.
A mudança das visões sobre o processo saúde-doença nem sempre foi permeada
pelo beneficio das pessoas, sendo que em muitos casos este objetivo ficou muito distante.
A passagem, através da hisria, da visão higienista, para a visão social, e, mais
tarde, para a visão biológica marcou a transição das concepções sobre o processo saúde-
doença desde o século XVII até metade do século XX (Cutolo, 2000) e evidenciou, em
certo momento, um retrocesso do campo da saúde em objetivar a melhoria da vida das
pessoas.
Somente após a metade do século XX e o amadurecimento do entendimento de que
o processo saúde-doença teria uma determinação multifatorial, é que houve um progresso
na discussão do papel da área da saúde, a ponto de se chegar a compreensão da
determinação social do processo saúde-doença (Scliar, 1987).
A partir de então, as discussões relacionadas a contribuição do campo da saúde para
uma vida mais longa e melhor sempre foram permeadas pela tentativa de se entender o que
é vida saudável e de como alcançá-la, assim como, vistas como tentativas não isoladas de
outros setores, ou seja: eminentemente intersetorial, na direção de um bem-estar global
(Lefevre, 2004).
Porém, nunca foi tão evidente quanto hoje, o quanto que a determinação
biologicista, visão hegemônica nos últimos tempos, vem se demonstrando insuficiente para
dar conta de todas as questões referentes à determinação do processo saúde-doença
(Feuerwerker, 1998).
Se, em um tempo na história, a busca pelo microscópico, pelo processo químico,
pelo intracorporal foi a única e exclusiva possibilidade de se pensar contribuições e
respostas para a melhoria na vida das pessoas e o prolongamento de suas vidas, hoje
existem outras possibilidades mais amplas e coerentes de se entender como a área da saúde
pode abordar este desafio.
9
Cada vez mais, percebe-se que as condições de vida, incluídas as de moradia,
saneamento, trabalho, educação, participação social e potica, autonomia e
desenvolvimento econômico; as condições psicológicas, embasadas na família e na
comunidade; e as influências culturais, contribuem de forma decisiva, tanto na capacidade
de enfrentamento dos problemas, quanto na determinação do prolongamento da vida das
pessoas (Buss & Ferreira, 1998).
A observação e a comparação entre realidades distintas pela suas condições de vida,
feitas por diversos estudos, revelam essa correlação direta (Marcondes, 2004). Hoje, é claro
para nós que se populações com poucos recursos sócio-econômicos, como as da África sub-
saariana ou as sul-americanas, vivem menos que outras mais abastadas, como as de países
nórdicos, não é exatamente pela falta de assistência médica ou por escassez de
medicamentos, mas sim pela melhores condições de vida e de desenvolvimento pessoal e
coletivo que estas detêm.
Entretanto, há um tempo atrás, este entendimento não era tão evidente para todos (e
ainda não o é para muitos hoje), assim como, da contribuição de algumas características
individuais (tanto psicológicas quanto culturais) no evitamento e no enfrentamento de
certas patologias e na contribuição para a melhoria da vida dos indivíduos e populações.
Alguns estudos são promissores ao revelar que determinadas características
psicológicas e de resiliência, assim como, alguns aspectos culturais, relacionados com a
forma de encarar situações adversas também influenciam em resultados, eventos e
desfechos, tanto individuais quanto coletivos (Bydlowski et al, 2004; Melillo, Ojeda et al,
2005).
O entendimento de que todos estes aspectos integram os fatores que compõem a
determinação social do processo saúde-doença, facilita a compreensão da necessidade de se
discutir e aprofundar mais os estudos em torno de temas como Integralidade e Promoção da
Saúde.
Admitir que um dos grandes desafios para o campo da saúde hoje é mergulhar na
busca pela Integralidade, percebendo sua forte vinculação com a Promoção da Saúde,
aproxima o setor saúde da possibilidade de se criar ferramentas que auxiliem no
desenvolvimento do maior benefício que se pode atribuir para esta área do conhecimento: a
contribuição para uma vida longa e saudável.
10
Para tanto, a Promoção da Saúde, pressupondo a determinação social do processo
saúde-doença, busca a superação dos fatores ligados a estruturação social e, em última
instância, trabalha na tentativa de melhorar o desenvolvimento e a inserção humana dentro
da sociedade.
Diante disto, qual seria o papel da área da saúde e dos profissionais que dela fazem
o seu campo de trabalho. Seria somente de ajudar a prolongar a vida? Seria de curar e
reabilitar? Seria de ajudar a diminuir o sofrimento humano? Seria de promover a saúde? Ou
seriam todos estes em conjunto, nos diferentes níveis de atenção a saúde?
Para se responder a estas perguntas, faz-se necessária uma discussão: o que
contribui para uma vida longa?
Este trabalho se propõe a esta discussão. Propõe-se discutir a relação que a
Promoção da Saúde traz com uma vida longeva e, assim, contribuir para futuramente se
perceber as possibilidades que esta relação traz com modos de intervenção ao nível da
assistência a saúde e também para auxiliar na definição do papel dos profissionais de saúde,
bem como, na sua formação.
11
REVISÃO DE LITERATURA
A Promoção da Saúde
O conceito de Promoção da Saúde apareceu na década de 40, de forma latente em
1946 com Sigerist, que a definiu como uma das tarefas essenciais da medicina; e veio
novamente à tona na década de 1960, com o conceito positivo de doença, no sentido de
incentivar a prevenção das doenças, através do estímulo de hábitos e comportamentos
saudáveis, e com a preocupação de atuar nos fatores de risco, onde a Promoção da Saúde
entra como parte da prevenção primária (Brasil, 1996).
Entretanto, na década de 1970, continuou-se a perceber que não bastava atuar
apenas na cura da doença, ou seja, depois que a doença já se instalara; era preciso intervir
nos determinantes do adoecimento. Assim, o Informe Lalonde de 1974 é um marco na área
da Promoção da Saúde. Este Informe definiu quatro grandes eixos do campo da saúde:
biologia humana, meio ambiente, estilo de vida e organização da atenção à saúde e
evidenciou a menor influencia da assistência médica no estado de saúde das populações
(Teixeira, 2002).
“Até agora, quase todos os esforços feitos pela sociedade
para melhorar a saúde e a maioria dos gastos diretos em
saúde centraram-se na organização dos serviços de
atenção sanitária. Sem dúvida, quando identificamos as
principais causas atuais de doença e morte no Canadá,
vemos que estão arraigadas nos outros três elementos do
conceito: biologia humana, meio ambiente e estilos de vida.
Portanto, é evidente que gastam-se grandes somas no
tratamento de doenças que poderiam ser evitadas”.
(LALONDE, 1974)
Ao longo dos anos 70 e 80, com a evolução nas discussões acerca dos conceitos de
saúde e a realização da Conferência de Alma-Ata, em 1978 na antiga União Soviética, as
evidências da associação entre a saúde e estilos de vida foram se reforçando.
12
Então, desdobrou-se a I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde,
realizada em 1986, na cidade de Ottawa, Canadá.
Nesta conferência foram estabelecidas as bases conceituais da Promoção da Saúde,
que incluíam temas como, a paz, a educação, a habitação, o poder de compra, um
ecossistema estável e conservação dos recursos naturais e a eqüidade (WHO, 1986). Além
disso, associou o tema a um conjunto de valores como solidariedade, democracia,
cidadania, desenvolvimento, participação e ação conjuntas (Buss in OPS, 2000).
Esta Conferência foi seguida ainda pelas Conferências Internacionais sobre
Promoção da Saúde de Adelaide em 1988, Sundsvall em 1991 e Jacarta em 1997, assim
como da Conferência Internacional de Promoção da Saúde de Santa-fé de Bogotá em 1992,
que tratou do tema pela primeira vez na América Latina.
"A promoção da saúde representa um amplo processo
social e político, ela não engloba apenas as ações dirigidas
para o fortalecimento das habilidades e capacidades dos
indivíduos, mas, também, das ações direcionadas para as
mudanças nas condições sociais, ambientais e econômicas,
de forma a aliviar seu impacto sobre a saúde pública e
individual. A promoção da saúde é o processo que
possibilita às pessoas aumentar o controle sobre
determinantes da saúde e dessa forma, melhorar sua
saúde".
(Carta de Ottawa, 1986).
A Carta de Ottawa ampliou a concepção da promoção da saúde, dando especial
destaque às dimensões sócio-econômicas, políticas e culturais sobre as condições de saúde.
A Carta de Ottawa propôs as seguintes estratégias de ação, segundo Silveira (2004):
1- estabelecimento de poticas públicas saudáveis;
2- criação de ambientes favoráveis à saúde;
3- reforço da ação comunitária;
4- desenvolvimento das capacidades individuais;
13
5- reorientação dos serviços de saúde.
Dessa forma, a Promoção da Saúde saiu dos centros de saúde e se estendeu para as
comunidades, os ambientes, a escola, etc.
A Promoção da Saúde, como nível de atenção, se referindo às ações destinadas a
melhorar e aprimorar a saúde das pessoas e tem então, como enfoque, uma visão integral do
processo saúde-doença-atenção. Com essa discussão, enfatizou-se saúde como um campo
complexo, que envolve diversos olhares e diversas intervenções (Teixeira, 2002).
Já em 2000, a 5ª Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde, ocorrida no
xico, focou-se, essencialmente, em como a Promoção da Saúde, através dos
determinantes sociais da saúde, ajudam a melhorar a vida ecomica e social das
populações desfavorecidas.
Os principais objetivos desta Conferência foram definidos da seguinte forma:
- Mostrar como a promoção da saúde marca a diferença para a saúde e para a
qualidade de vida, especialmente para as pessoas que vivem em circunstâncias adversas;
- Colocar a saúde no topo da agenda de desenvolvimento internacional, nacional e
local;
- Estimular as parcerias para a saúde entre diferentes setores e a todos os níveis da
sociedade.
Assim, pode-se concluir que o conceito de promoção da saúde foi tendo um enfoque
cada vez mais abrangente, transparecendo a evolução do contexto socioeconômico e
potico (Tavares, 2002).
Desta forma, hoje, saúde se apresenta como um conceito abrangente e positivo, que
se apóia nos recursos sociais, pessoais e não somente na capacidade física ou condições
biológicas das pessoas.
Sob a perspectiva da Promoção da Saúde, a discussão sobre a construção de vidas
mais saudáveis tem ocupado cada vez mais espaço. Afinal, viver bem e com saúde é um
desejo de todos, mesmo que a idéia de bem viver e de ter saúde não seja exatamente a
mesma para todas as pessoas.
Mas sabemos que nossa vida, da mesma forma que a nossa saúde, é constrda
diariamente, seja pors mesmos, seja pelas contingências e condões que noso
impostas, oferecidas ou conquistadas.
14
Ter uma vida saudável é mais do que ter um corpo saudável. Entender vida saudável
como estando limitada a um corpo são é como acreditar que ter saúde é não estar doente.
Sabemos que essa idéia de saúde associada exclusivamente ao corpo foi, durante muito
tempo, a noção sobre a qual a medicina moderna mais se apoiou, para propor suas ações e
as suas modalidades de intervenção. No entanto, essa concepção foi incapaz de explicar as
muitas formas de adoecer e de manter-se saudável (Brasil, 2002).
Existem inúmeras razões para as várias formas de adoecer e de manter-se saudável
que estão mais relacionadas ao modo de viver de cada um, que se apóiam na cultura, nas
crenças e nos valores que são compartilhados coletivamente. Essa combinação de aspectos
individuais e coletivos, associada a outros fatores de diferentes naturezas, como no caso das
reações emocionais provocadas pelo enfrentamento de determinadas situações, ou mesmo
da compreensão que se tem da própria vida, ajuda a compor um quadro demonstrativo do
quanto é complexo pensar a saúde e falar de um modo de viver saudável (Brasil, 2002).
A promoção da saúde busca modificar condições de vida para que sejam dignas e
adequadas, aponta para a transformação dos processos individuais de tomada de decisão
para que sejam predominantemente favoráveis à qualidade de vida e à saúde, e orienta-se
ao conjunto de ações e decisões coletivas que possam favorecer a saúde e a melhoria das
condições de bem-estar e, desta forma fazer com que as pessoas vivam mais e melhor.
Está, desta forma, estreitamente ligada às ações que fazem as populações terem
condições dignas de vida, ou seja, viverem melhor, e assim, viverem mais, estando
portanto, estreitamente ligada também a longevidade.
15
Longevidade
No panorama mundial, estudos clássicos, como o 'Black Report' inglês, além de
uma série de outros estudos (canadenses, norte-americanos e europeus), são pródigos em
mostrar as relações entre saúde, longevidade e qualidade/condições de vida.
A maioria deles mostra que, para se discutir longevidade, não basta discutir como as
populações vão levar suas vidas após chegarem a velhice, ou pensar de forma objetiva
somente em indicadores coletivos de condições ou qualidade de vida.
Pois, como afirma Litvak (1990), o envelhecimento não começa subitamente, mas
consiste no acúmulo e interação de processos sociais, médicos e de comportamento durante
toda a vida. As metas, segundo ele, para se alcançar uma velhice saudável, são promover a
saúde e o bem-estar durante toda a vida do indivíduo.
De acordo com Chaimowicz (1997), em países industrializados a queda das taxas de
mortalidade e fecundidade iniciadas no século XIX, acompanhou a ampliação da cobertura
dos sistemas de proteção social e melhorias das condições de habitação, alimentação,
trabalho e do saneamento básico. No Brasil, por outro lado, o decnio da mortalidade que
deu início à transição demográfica foi determinado mais pela ação médico-sanitária do
Estado que por transformações estruturais que pudessem se traduzir em melhoria da
qualidade de vida da populão: nas primeiras décadas do século XX, através de poticas
urbanas de saúde pública como a vacinação, higiene pública e outras campanhas sanitárias,
e a partir da década de 40 pela ampliação e desenvolvimento tecnológico da atenção médica
na rede pública.
No entanto, Kalache (1987) revela que há uma diferença fundamental entre os
fatores que levaram a transição epidemiológica dos países mais desenvolvidos e aqueles
que se observam, hoje, nos países em desenvolvimento. Até a Segunda Guerra Mundial, o
impactodico-tecnológico, na redução da mortalidade, estava limitado a um mínimo. Foi
só a partir daí que se tornou possível prevenir e tratar diversas enfermidades, cujo desfecho,
anteriormente, era, freqüentemente, fatal: tuberculose, poliomielite, sarampo,
gastroenterites e pneumopatias na infância entre muitas outras. No entanto, muito antes
disso, a expectativa de vida na Europa, como exemplo, já havia alcançado valores tão altos
como os do Brasil de agora. Isso se deveu a uma melhoria das condições de vida para as
16
populações daquele continente como um todo: melhor nutrição, condições habitacionais,
saneamento, etc.
Segundo Buss (2000), em um livro clássico de 1989, McKeown & Lowe afirmam
que as melhorias na nutrição e no saneamento (aspectos relativos ao meio ambiente) e as
modificações nas condutas da reprodão humana (sobretudo a diminuão nomero de
filhos por família) foram os fatores responsáveis pela redução da mortalidade na Inglaterra
e no País de Gales, no século XIX e na primeira metade do século XX. As intervenções
médicas eficazes, como as imunizações e a antibioticoterapia, tiveram influência tardia e de
menor importância relativa.
Atualmente, mesmo que as condições de vida, sob o ponto de vista sócio-
econômico, não tenham melhorado, significativamente, para uma parcela apreciável da
população dos países em desenvolvimento, como o Brasil, as taxas de mortalidade m
experimentando substanciais diminuições. Elas são resultantes de intervenções, de medidas
específicas de saúdeblica, do tratamento efetivo de infecções; não é portanto o processo
de envelhecimento natural como conseqüência de melhores níveis de vida para a maioria
dos habitantes (como na Europa pós-Revolução Industrial), mas um processo artificial, em
que muitos sobrevivem, apesar de suas condições de vida, simplesmente, porque recebem
imunização ativa contra determinadas doenças ou tratamento específico, para outras.
Em termos práticos, este tipo de processo de envelhecimento defronta países como o
Brasil, com um duplo encargo na área da saúde: por um lado, a importância crescente de
doenças crônicas entre as causas de mortalidade (desde o início da década de 60 que as
doenças cardiovasculares passaram a ser o primeiro grupo entre as causas de mortes no
Brasil, seguido, atualmente, por neoplasias). Por outro lado, as marcas do
subdesenvolvimento permanecem presentes, sobretudo, em termos de morbidade por
doenças infecciosas e parasitárias ou pela importância que a subnutrição continua ocupando
entre nós (Kalache, 1987).
Segundo Periago (2005), no começo do 21º século, a região do Américas tinha em
torno de 2.228.900 pessoas que atingiam noventa anos de idade ou mais, e 90.400 deles já
eram centenárias. Ela afirma que, pelo meio do século, estes números terão subido a quase
13.903.000 e 689.000, respectivamente. Estes nonagenários representam um grupo da
população que conseguiu sobreviver apesar da mortalidade infantil alta e das principais
17
epidemias de doenças infecciosas. A maioria destes “sobreviventes” representa casos
extraordinários. Porém, entre 2025 e 2050, as pessoas que serão nonagenárias não terão
sido selecionadas por causa dos seus dotes genéticos ou por condições de vida particulares,
mas terão sido beneficiadas por políticas públicas. Os centenários de 2025 já são
conhecidos: eles são as pessoas que em 2000 passavam dos 75 anos. Isto requer promover
estilos de vida saudáveis e pensar qualidade de vida ao longo de vida.
Parece evidente a necessidade de se repensar o papel do campo da saúde nesse
contexto, onde se tem estabelecido a contribuição decisiva das condições de vida da
população na determinação da sua condição de saúde.
Os próprios objetivos da atenção à saúde passam a ser questionados então, sendo
que cada vez mais esses objetivos têm deixado de ser simplesmente a “cura” e passam a ser
a “melhoria da vida” dos pacientes (Campolina & Ciconelli, 2006).
Voltando ao que afirmam as Conferências sobre Promoção da Saúde, se ao
pensarmos saúde nos remetemos a aspectos estruturais mantidos pelo Estado e pela
sociedade, fica claro que a discussão acerca dos determinantes da longevidade passa longe
da simples assistência a saúde, principalmente se vista simplesmente pelo prisma
curativista. Passa pela valorização da luta pelos determinantes sociais da saúde, pela
insisncia na tentativa de se enfocar o desenvolvimento das populações pelo prisma
humanista, utilizando a assistência à saúde como uma arma no combate a iniqüidade e a
possibilidade do desenvolvimento social. Passa pela discussão de condições e qualidade de
vida.
18
Qualidade de Vida e Subjetividade
Foi particularmente na década de 1960 que o constructo qualidade de vida passou a
ser entendido como qualidade de vida subjetiva ou qualidade de vida percebida pelas
pessoas. Em grande parte, influenciado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que
declara que a saúde não se restringe à ausência de doença, mas engloba a percepção
individual de um completo bem-estar físico, mental e social, o conceito ampliou-se para
além da significação do crescimento econômico, buscando envolver os diversos aspectos do
desenvolvimento social (Campolina & Ciconelli, 2006).
Minayo, Hartz e Buss (2000) afirmam que qualidade de vida é uma noção
eminentemente humana, que tem sido aproximada ao grau de satisfação encontrado na vida
familiar, amorosa, social e ambiental e à própria estética existencial. Pressupõe a
capacidade de efetuar uma síntese cultural de todos os elementos que determinada
sociedade considera seu padrão de conforto e bem-estar.
Entretanto, a partir do início da década de 1990, parece consolidar-se um consenso
entre os estudiosos da área quanto a dois aspectos relevantes do conceito de qualidade de
vida: subjetividade e multidimensionalidade (Seidl e Zanon, 2004).
Até então, três correntes orientavam a concepção deste constructo: o funcionalismo,
que define um estado normal para certa idade e função social e seu desvio (ou morbidade),
caracterizado por indicadores individuais de capacidade de execução de atividades; a teoria
do bem-estar, que explora as reações subjetivas das experiências de vida, buscando a
competência do indivíduo para minimizar sofrimentos e aumentar a satisfação pessoal e de
seu entorno e a teoria da utilidade, de base econômica, que pressupõe a escolha dos
indivíduos ao compararem um determinado estado de saúde a outro (Minayo, Hartz e Buss,
2000).
Ao contrariar estas correntes, Seidl e Zanon (2004) revelam que, no que concerne à
subjetividade, o termo qualidade de vida trata de considerar a percepção que a pessoa tem
sobre o seu estado de saúde e sobre os aspectos não-médicos do seu contexto de vida. Em
outras palavras, que somente o indivíduo tem como avaliar a sua situação pessoal em cada
uma das dimensões relacionadas à qualidade de vida.
Estudiosos enfatizam que qualidade de vida só pode ser avaliada pela própria
pessoa, ao contrário das tendências iniciais de uso do conceito. Xavier (2003), por exemplo,
19
afirma que há um grande número de escalas estruturadas e testes desenvolvidos para medir
a qualidade de vida. Eles variam amplamente na concepção, construtos e conteúdos que
demonstram que não há nenhum acordo sobre o que é uma medida da qualidade de vida.
Destaca ainda que a validade das medidas de qualidade de vida é difícil ser estabelecida,
assim como, não há nenhum modo de determinar qual padrão-ouro a qual estas escalas
deveriam ser comparadas.
Além disso, até agora a maioria dos testes foi desenvolvido por profissionais,
baseado nos seus padrões e definições sobre o que determina a qualidade de vida. Porém,
sentimentos sobre a vida são subjetivos e o que é estimado como um fator importante para
o bem-estar de um, pode não ser significante para outro.
Nesse sentido, a OMS afirma que há a preocupação quanto ao desenvolvimento de
métodos de avaliação e de instrumentos que devem considerar a perspectiva da população
ou dos pacientes, e não a visão de cientistas e de profissionais de saúde (WHOQLS group,
1995).
Voltando ainda para os dois aspectos relevantes do conceito de qualidade de vida, o
consenso quanto à multidimensionalidade, segundo Seidl e Zanon (2004), refere-se ao
reconhecimento de que o construto é composto por diferentes dimensões. Sendo que duas
tendências quanto à conceituação do termo na área de saúde são identificadas: qualidade de
vida como um conceito mais genérico, e qualidade de vida relacionada ao estado de saúde.
No primeiro caso, que mais interessa para este trabalho, a qualidade de vida
apresenta uma acepção mais ampla, aparentemente influenciada por estudos sociológicos,
sem fazer referência a disfunções ou agravos. Acepção esta, adotada pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), a qualidade de vida foi definida como "a percepção do indivíduo
sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele
vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações" (WHOQLS
Group, 1995).
Enfatizando o aspecto subjetivo, multidimensional e individual da qualidade de
vida, assim como seu conceito mais genérico, Minayo, Hartz e Buss (2000) afirmam que,
embora se saiba que o estado de saúde de indivíduos e coletividades, assim como os
sistemas de saúde, influenciam e são influenciados pelo ambiente global, há que se
reconhecer que nem todos os aspectos da vida humana são, necessariamente, uma questão
20
médica ou sanitária. Destacam que “a ação governamental ou comunitária sobre todos os
aspectos da vida humana está compartimentalizada em setores econômicos e sociais, e
distribuída entre diferentes grupos de interesse e organizações”.
Desse modo, pode-se dizer que, mesmo tendo uma conotação individual, a questão
da qualidade de vida diz respeito ao padrão que a própria sociedade define e se mobiliza
para conquistar, consciente ou inconscientemente, e ao conjunto das políticas públicas e
sociais que induzem e norteiam o desenvolvimento humano, as mudanças positivas no
modo, nas condições e estilos de vida, cabendo parcela significativa da formulação e das
responsabilidades ao denominado setor saúde.
Admitindo o conceito da OMS, entendemos então qualidade de vida como um
conceito mutável e influenciado, dentro de cada sociedade, pelos valores importantes para
esta, e admitimos que, mesmo dentro da uma sociedade, podemos ter conceitos diferentes,
influenciados por fatores culturais, religiosos, comunitários e familiares, entre outros.
Portanto, como é influenciada por estes fatores, a dimensão individual ganha vulto e
destaca seu papel na percepção de qualidade de vida e do bem-estar humano.
Desta forma, ao partir-se do princípio que a qualidade de vida, ou o bem-estar
humano, é composto por duas dimensões básicas: a dimensão objetiva e a subjetiva; a
dimensão objetiva é aquela passível de ser publicamente apurada, observada e medida por
fora, e que se reflete nas condições de vida registradas por indicadores numéricos de
nutrição, saúde, moradia, criminalidade, etc; a dimensão subjetiva consiste na experiência
interna de cada indivíduo, isto é, tudo aquilo que passa em sua mente de forma espontânea,
que ele sente e pensa sobre a vida que tem levado (Gianetti, 2002).
Ainda, segundo Gianetti (2002), nota-se obviamente uma dependência recíproca
entre ambas, a partir da observação de situações extremas: se o lado objetivo do bem-estar
não preencher requisitos nimos (alimentação, moradia, saúde etc...), não há mais bem-
estar possível.
Diener (2000) afirma que, por milênios, pensadores ponderaram sobre a questão da
qualidade de vida ou do bem-estar subjetivo, apesar de ser de outra forma, perguntando-se:
o que é uma vida boa? Nestas reflexões, eles focaram-se em critérios como: amar outros,
prazer, ou introspecção como características que definem qualidade de vida. Outra idéia do
que constitui uma vida boa também presente entre estes pensadores, entretanto, é a
21
percepção das pessoas de que elas próprias estão tendo boas vidas. Idéia, como já citado,
norteadora do conceito da OMS (WHOQLS Group, 1995).
Esta definição subjetiva de qualidade de vida é democrática por conceder a cada
indiduo o direito para decidir se sua vida vale a pena ou não. É a aproximação com esta
definição de vida boa que veio a ser chamado "bem-estar subjetivo" e em condições
coloquiais às vezes etiquetada de “felicidade”.
Mais recentemente, alguns autores têm trabalhado o tema bem-estar subjetivo e
outros, mais audaciosos, mas com o mesmo enfoque, tratam do tema através da expressão
“felicidade”, apenas como uma denominação diferente.
Segundo Seligman (2004), a felicidade (ou o bem-estar subjetivo) estaria ancorada
em três pontos: prazer, engajamento e propósito, que refletiriam respectivamente uma vida
agradável, boa e significativa.
O autor explica que prazer seria o quanto o individuo experimenta momentos de
satisfação intensa e fugaz, ao passo que engajamento seria a sensação de gratificação ao
contemplar suas forças e virtudes tendo sido bem empregadas em esforços como o trabalho,
amor ou criação dos filhos. Já o propósito significa o emprego das forças pessoais a serviço
de alguma coisa maior que s mesmos, como justiça social, liberdade, democracia,
religião, etc (Seligman, 2004).
O bem-estar subjetivo, ou felicidade, é parte da saúde no seu sentido mais geral e é
manifestado em todas as esferas da atividade humana. É bem conhecido que quando um
indivíduo se sente bem é mais produtivo, sociável e criativo, possui uma projeção de futuro
positiva, infunde felicidade e a felicidade implica capacidade para amar, trabalhar,
relacionar-se socialmente e controlar o meio. Tudo isso explica por si só a relação do bem-
estar psicológico e da felicidade com os níveis de saúde (García-Viniegras e Benítez,
2000).
De fato, como afirma Marcondes (2004), se situamos o conceito de saúde num
modelo diferente do da história natural da doença e procuramos a sua positividade,
devemos empreender esforços para que nossa abordagem sobre qualidade de vida possa
verdadeiramente contemplar questões como a busca da felicidade, realização de potenciais
pessoais e coletivos, vida que valha a pena ser vivida, entre outras questões não resolvidas
exclusivamente pela lógica da prevenção.
22
Provavelmente, tal movimento necessitará de conhecimentos de outras áreas do
conhecimento científico, bem como das artes e da filosofia, dos saberes populares e das
práticas religiosas ainda pouco legitimadas, para falar de saúde.
Por fim, é importante observar também que, em todas as sondagens feitas sobre
qualidade de vida, valores não materiais, como amor, liberdade, solidariedade e inserção
social, realização pessoal e felicidade, comem sua concepção (Minayo, Hartz & Buss,
2000).
Mas, ainda fica a dúvida: tendo-se estabelecida a relação de condições / qualidade
de vida com a longevidade, ao serem vistas pelo prisma da Promoção da saúde, qual seria a
contribuição desta perspectiva subjetiva da qualidade de vida para a longevidade? Quais
aspectos estão ligados a longevidade ao se analisar o transcorrer da vida das pessoas em
nível individual?
Se, como diz Gianetti (2002), nota-se obviamente uma dependência recíproca entre
o lado objetivo e subjetivo do bem-estar, ao se preencher requisitos nimos para a
sobrevivência, qual é o tamanho da influência do subjetivo para o prolongamento da vida
das pessoas?
Qual é o papel do bem-estar subjetivo e da capacidade de lidar com as nuances da
vida em fazer-nos viver mais? Qual é a relação destes aspectos individuais com a
longevidade?
É sobre estas questões que este trabalho irá se debruçar, ao tentar estabelecer uma
discussão sobre a relação que alguns aspectos, analisados em nível individual, tem com a
longevidade, ao verificar e discutir a presença destes aspectos na vida dos sujeitos de
pesquisa, e da percepção que cada uma destas pessoas tem destes aspectos em sua vida.
23
OBJETIVO GERAL
! Realizar um levantamento de aspectos presentes ao longo da vida dos sujeitos de
pesquisa, longevos por princípio, e discutir a ligação desses aspectos com a longevidade
destes sujeitos.
Objetivos específicos
! Identificar aspectos marcantes ao longo da vida das pessoas entrevistadas.
! Correlacionar estes aspectos com a longevidade.
24
PERCURSO METODOLÓGICO:
“Se desejamos saber como as pessoas se sentem
- qual sua experiência interior, o que
lembram, como são suas emoções e seus motivos,
quais as razões para agirem como o fazem –,
por que não perguntar a elas ?
G. W. Allport
Em função da natureza do problema focalizado e das considerações feitas no
embasamento teórico, é apresentado aqui o percurso metodológico que foi adotado para o
processo de pesquisa. Assim, inserem-se neste item a caracterização do estudo, o método e
o modo de investigação, a população, as técnicas de coleta e as limitações do estudo, assim
como, o tratamento dos dados coletados na pesquisa.
Para se procurar entender e abordar assuntos, como o deste estudo que discute
aspectos ligados a longevidade, que não cabem numa perspectiva objetiva e que fogem ao
escopo da mensuração direta, a via de aproximação não pôde seguir uma metodologia
baseada no quantificável, no ordenamento direto e sem maleabilidade.
Não foi proposto virar as costas ao método, muito pelo contrário. Tratou-se de
utilizar uma aproximação baseada na qualidade do que é apresentado como evidência, não
na sua simples contagem, a partir de algo já dado. Foi proposto fugir da “miséria da
ciência”, como diria Pedro Demo (1995), que a explicou dizendo que “(...) A maior miséria
da ciência é ter fundado uma neutralidade tão comprometedora e tão infeliz. Por método,
não entende de felicidade(...) não tem nada a dizer sobre a felicidade do homem. Não é
tema para ela. Não cabe no método. E com isto desfaz-se da qualidade política(...) É um
absurdo sarcástico jogar fora da ciência o que não cabe no método. Se a ciência se der a
isto, não passará de algo mesquinho.”.
Os estudiosos adeptos de enfoques qualitativos, de acordo com Seidl e Zannon
(2004), enfatizam que a utilização de medidas padronizadas pode levar a respostas
estereotipadas, que têm pouco ou nenhum significado para as pessoas e das quais esta
pesquisa quis fugir.
Estes mesmos autores defendem o uso de técnicas como as histórias de vida ou as
biografias, e outras análises típicas dos enfoques qualitativos que podem trazer
25
contribuições à área. Apesar de alguns outros pesquisadores defenderem a
complementaridade das metodologias, por meio da combinação de medidas padronizadas
com análises de cunho quantitativo (Seidl e Zannon, 2004), esta pesquisa seguiu o modelo
proposto pelos primeiros, pois se aproximou mais do propósito de análise deste estudo.
Para tanto, esta pesquisa seguiu a metodologia de Histórias de Vida que, segundo
Denzin (apud Minayo, 2004), “apresenta as experiências e as definições vividas por uma
pessoa, um grupo (...) e como (...) interpretam sua experiência”. Sendo realizada como uma
entrevista prolongada com os sujeitos envolvidos na pesquisa, na qual o pesquisador
constantemente interage com o informante, combina observação, relatos introspectivos de
lembraas e relencias e roteiros mais ou menos centrados em algum tema (Minayo,
2004), que neste caso foram exatamente estas experiências e suas relações com a
longevidade.
Desta forma, como dito anteriormente, procurou-se fazer um aprofundamento das
questões referentes às relações que esperávamos encontrar com a longevidade. A pesquisa
procurou explorar estas queses a partir de uma perspectiva individualizada e detalhada.
E para tanto, a abordagem qualitativa foi fundamental, já que a pesquisa qualitativa
justifica-se na intenção de aprofundar a investigação no mundo dos significados das ações e
relações humanas, ou seja, se preocupa com um nível da realidade social, cujos processos e
fenômenos não podem ser quantificados ou reduzidos à operacionalização de variáveis
(Minayo, 2004).
Entendendo-se também que, segundo Minayo (2004), a pesquisa qualitativa não se
baseia em critérios numéricos para garantir representatividade, partimos de uma amostra
inicial de três sujeitos de pesquisa. Tendo-se levado em consideração que a amostragem
boa é aquela que possibilita abranger a totalidade do problema investigado em suas
múltiplas dimensões (Minayo, 1994), não houve a necessidade de ampliar esta amostragem
diante da sua análise.
Os dados obtidos através das entrevistas foram registrados através de gravações em
áudio, mediante o consentimento dos sujeitos de pesquisa entrevistados, sendo que as
informações coletadas foram posteriormente transcritas e examinadas através da análise dos
seus conteúdos.
26
Sujeitos e cenário do estudo
Para a escolha dos sujeitos de pesquisa, tentou-se confluir dois critérios: os de
longevidade e de local que respeitasse relativas boas condições de vida, com o pressuposto
de o primeiro advira do segundo. Procurou-se tamm escolher um cenário de pesquisa
onde estas boas condições de vida fossem homogêneas entre a maioria da população.
Para tanto, foi escolhido o munipio de Antônio Carlos, região metropolitana de
Florianópolis, estado de Santa Catarina.
Este município foi escolhido por ter, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano
do Brasil elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
em 2002, o segundo lugar entre as 5510 cidades brasileiras na classificação da longevidade,
possuindo uma esperança de vida ao nascer de 77,9 anos em 2000, além de ter seu Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH) elevado, atingindo 0,827 pontos, ficando com a 154
a
posição nacional e 36
a
dentre os 293 municípios do Estado de Santa Catarina (PNUD,
2006).
Ainda segundo o PNUD, esta cidade situa-se dentro de uma região metropolitana, a
da Grande Florianópolis, que detém o maior IDH (0,859) entre as regiões metropolitanas
brasileiras (PNUD, 2006). Este fato nos permite pressupor que a maioria desta população
tem suas necessidades humanas básicas contempladas e uma maior homogeneidade, um
viés importante a ser considerado.
De acordo com Pochman e Amorim, a cidade de Antônio Carlos também apresenta
um baixo grau de exclusão social, retratado por seu bom Índice de Exclusão Social (0,816),
colocando-a na 336
a
posição entre as cidades brasileiras. Este índice é o resultado de uma
compilação de vários índices de expressão (os de Pobreza, Emprego, Desigualdade, Anos
de estudo, Alfabetização, Escolaridade, Juventude e Violência) e, a exemplo do IDH,
apresenta uma variação de 0 a 1, sendo melhor quanto mais próximo de 1 (Pochman e
Amorim, 2004).
Esta cidade ainda está inserida no Estado de Santa Catarina, que desde 1960 vem
apresentando uma evolução, quando analisada a luz deste mesmo índice. A sua evolução
mostra a variação deste índice de 0,425 em 1960, passando por 0,686 em 1980, chegando a
0,739 em 2000 (Campos, 2004).
27
Para tanto, foram selecionadas seis pessoas longevas a partir de dados cadastrais da
Secretaria Municipal de Saúde do município e da indicação dos profissionais que trabalham
diretamente na assistência a saúde da população, na Unidade Local de Saúde, com a
solicitação de que indicassem pessoas que tivessem nascido e vivido no município (ou na
região) a maior parte de suas vidas.
A partir disso, o pesquisador e responsável pelas entrevistas foi apresentado pela
equipe de saúde local para quatro dos possíveis seis entrevistados, sendo que três deles
aceitaram (um homem e duas mulheres) e um rejeitou a participação na pesquisa por
motivos pessoais. As a aceitação da entrevista, o pesquisador visitou os sujeitos de
pesquisa mais uma vez antes de realizar a entrevista para uma melhor aproximação do
entrevistado e de sua realidade e para melhor apresentar a pesquisa e também o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Posteriormente, noutro dia, foi realizada a entrevista.
Aspectos éticos
As Diretrizes e Normas da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do
Ministério da Saúde (CNS/MS) basearam a realização deste trabalho e, seguindo o objetivo
para que foi criada, garantiu os aspectos éticos no desenvolvimento desta pesquisa.
O projeto foi apreciado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos
(CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o registro CAAE-
2030.0.000.242-06 no Sistema Nacional de Informações Sobre Ética em Pesquisa
envolvendo Seres Humanos (SISNEP), tendo sido também avaliado pela Secretaria de
Saúde do município de Antônio Carlos.
Além disto, o autor se propôs a retornar o resultado da pesquisa às pessoas
envolvidas, aos sujeitos de pesquisa e a Secretaria de Saúde do município de Antônio
Carlos, visando o beneficio para estas pessoas da ampliação do conhecimento acerca do
tema desenvolvido pela pesquisa, assim como, dar suporte a algumas questões surgidas ao
longo do processo de pesquisa que se encontram ao alcance dos pesquisadores envolvidos.
Limites
28
Ao contrário do que se poderia afirmar, a maior limitação desta pesquisa não esteve
no fato de sua generalização não ser possível por sê-la qualitativa, mas no viés da
interpretação do autor da pesquisa.
Quando se propôs a análise pela metodologia de História de Vida, pressupôs-se de
antemão o embricamento do qualitativo com o quantitativo por um prisma Dialético
(Konder, 2004), onde quantidade e qualidade são inseparáveis e interdependentes,
ensejando-se assim a dissolução das dicotomias quantitativo/qualitativo, macro/micro e
interioridade/exterioridade (Minayo, 2004).
Ao admitir uma posição fora da talneutralidade” a que Demo (1995) se referia e
combatia, o autor reconhece a possibilidade de interferência, a que todo pesquisador está
sujeito, de seus próprios vieses, que incluem os de formação pessoal e profissional,
ideologia política, entre outros.
Devido a isto, escolheu-se a metodologia qualitativa, em detrimento da
quantitativa, não somente por uma questão ideológica, visto que as metodologias
quantitativas são ícones do positivismo e do modelo hegemônico biomédico do campo da
saúde, mas também pelo desejo de aprofundar o caráter social e a construção do
conhecimento sem apreendê-lo de forma parcial e inacabada (Minayo, 2004).
O desejo, eno, foi de cercar o tema e o problema de pesquisa de uma forma a
abarcar todos as suas possibilidades, através de entrevistas bem desenvolvidas e traçar
correlações aprofundadas no mais amplo espectro bibliográfico, para minimizar a
influência citada.
Análise e tratamento dos dados a partir das entrevistas
Como passo inicial para o processo discussão dos resultados e do trabalho de
conclusão da pesquisa, procedeu-se a categorização do conteúdo das entrevistas através da
análise das respostas dadas pelos sujeitos de pesquisa diante da entrevista.
Diante do fato das entrevistas terem sido realizadas pelo método de História de
Vida, pôde-se enfaticamente perceber a profundidade que o conteúdo das respostas trouxe.
Este fato merece destaque pois permitiu uma criteriosa análise dos fatores que
permearam a vida das pessoas, no sentido de alcançar e compreender o que estes
29
acontecimentos realmente significaram para os sujeitos da pesquisa e, portanto, para a mais
fiel interpretação deste material.
AAnálise de conteúdo’ (Bardin, 1979) das entrevistas permitiu classificação do
contdo das falas em nove categorias, sendo que algumas delas encontram-se
caracterizadas por subcategorias, descritas a diante.
Essas divisões e subdivisões foram possíveis diante da leitura e alise exaustiva
das entrevistas, através do que Minayo chama de ‘leitura flutuante’, posterior constituição
de corpus’, procedendo então as fases de exploração, tratamento e interpretação dos
resultados obtidos.
As categorias extraídas das entrevistas pelas suas análises temáticas (Minayo, 2004)
foram as seguintes:
1. Ocupação
Nesta categoria, procurou-se utilizar o termo “ocupação” para se caracterizar as
atividades que envolvessem rotineiramente a vida dos entrevistados, que ocupassem o seu
dia-dia.
Fez-se ainda uma distinção nesta categoria através da subdivisão em “trabalho
formal”, na qual se encontra a atividade profissional ou a forma de sustento do entrevistado
e “atividades rotineiras” para caracterizar atividades realizadas pelos sujeitos de pesquisa
nas quais não estão presentes os critérios anteriores, mas que denotam um envolvimento
cotidiano dos mesmos.
2. Autonomia
Entendendo autonomia como a capacidade de governar-se por si mesmo e fazer as
coisas independentemente, e ainda, exercer um grau elevado de liberdade e de
independência moral ou intelectual, criou-se esta categoria.
Analisando-se criteriosamente os fatores que envolvem e envolveram autonomia na
vida dos sujeitos de pesquisa, entendeu-se por bem realizar a subcategorização a seguir:
‘Individual’ e ‘Coletiva’. Esta ultima caracterizada por ‘familiar’ e ‘comunitária’.
3. Resiliência
30
Sendo oriundo da física, de onde caracterizava flexibilidade, elasticidade ou a
capacidade dos materiais de resistirem algum tipo força, o termo resiliência passou por um
processo de ‘importação’ em direção às ciências humanas e hoje representa a resistência do
individuo face às adversidades, não somente guiada por uma resistência física, mas pela
visão positiva de reconstruir sua vida, a despeito de um entorno negativo, do estresse, das
contrições sociais, que influenciam negativamente para seu retorno à vida, ou seja, a
capacidade de um ser humano em superar uma dificuldade.
Não existindo ainda uma unanimidade na sua conceituação, a resiliência é
comumente definida como a capacidade de o indivíduo, ou a família, enfrentar as
adversidades, ser transformado por elas, mas conseguir superá-las sendo uma forma de se
garantir integridade, mesmo nos momentos mais críticos. (Pinheiro, 2004)
Estas definições permitiram que fossem feitas algumas aproximações deste termo
com várias falas dos entrevistados, que ainda permitiram um agrupamento dos seus
significados de duas formas: a) perseverança apesar das dificuldades e b) resistências
apesar das perdas.
4. Solidariedade
Ao atribuir o sentido de solidariedade a uma virtude moral que responsabiliza os
indivíduos em relação aos outros ou a uma coletividade, conseguiu-se extrair das falas duas
vertentes para este termo.
A primeira que denota uma percepção dos entrevistados de dever para com outros
sujeitos, explicita a vontade e a prática dos sujeitos de pesquisa de realizar atos de para as
outras pessoas, caracterizando as ações destes num sentido de “doar-se ao semelhante”.
Apresenta-se como a vertente ‘individual’ da solidariedade.
A segunda vertente, a coletiva, explicita um teor de reciprocidade entre os
indivíduos próximos aos sujeitos de pesquisa. Evidencia a vinculação entre estas pessoas e
a presença da primeira vertente em outras pessoas do convívio dos entrevistados.
5. Espiritualidade
Neste quesito, inicialmente, foram agrupadas a ‘prática religiosa’ e a
‘espiritualidade’ como subdivisões de uma categoria chamada ‘religiosidade’. Entretanto
31
analisando-se melhor o conteúdo desta categoria, entendeu-se por bem caracterizar a
‘prática religiosa’ como parte da categoria ‘ocupação’, por entendermos que a freqüência a
atividades religiosas denotaria melhor um emprego rotineiro do tempo dos entrevistados
nesse tipo de prática.
A ‘prática religiosa’ diferenciava-se portanto do real conteúdo que poder-se-ia
atribuir a uma categoria que expressasse a vinculação dos sujeitos de entrevista com aquilo
que Vasconcelos (2006) chama de experiência de ligação com uma dimensão que vai além
das realidades consideradas normais da vida humana.
Optou-se então por criar uma categoria isolada denominada Espiritualidade, diante
do fato de ser freqüente a ocorrência deste conteúdo nas entrevistas.Além do que, estes
conteúdos, quando apareciam, expressavam uma grande importância na vida destas
pessoas. Importância que vai ao encontro do dito por Dalai-Lama (in Boff, 2006), que
afirmou que “espiritualidade é aquilo que produz no ser humano uma mudança interior”.
6. Relacionamentos afetivos
Diante das entrevistas transcritas e através das suas análises pôde-se perceber a forte
freqüência dos relacionamentos afetivos na vida dos entrevistados. A presença desses
relacionamentos era caracterizada pelos sentimentos de afeição, amor e amizade.
Criou-se esta categoria baseada nos relacionamentos mantidos pelos sujeitos de
pesquisa com seus cônjuges, namorados (e afins) que caracterizavam relacionamentos
amorosos, e com filhos, familiares e amigos com os quais mantinham uma relação de forte
afeto e um convívio muito próximo.
Esta categoria foi então subdividida em: a) Filhos, Familiares e Amigos e b)
Amores.
7. Sentimento de Realização
Nesta categoria foi possível agrupar quatro itens que caracterizam-na, ao
entendermos que realização se define como o ato de realizar algo, tornar real, pôr em
prática, fazer, constituir, criar, alcançar seu objetivo ou ideal (Ferreira, 1988).
Ao primeiro momento, pode parecer estranha a associação de quatro subcategorias
distintas de certo modo. Entretanto, fica fácil compreender o ajuntamento destes subgrupos
32
ao apropriarmo-nos do conceito acima descrito e ao entendermos que sentimentos como os
de satisfação com a vida (1), auto-estima elevada (2), deixar ou fazer parte de um “legado
(3) e de prosperidade emergem, neste caso, da noção de ter produzido algo em suas vidas
ou de um sentimento de realização, propriamente dito.
Portanto a categoria ‘Sentimento de realizaçãoficou subdividida como se segue:
a. Satisfação com a vida: possuir uma avaliação positiva do decorrer de sua
vida até o momento;
b. Auto-estima elevada: denotar apreço, afeição ou consideração positiva por si
mesmo;
c. Deixar ou fazer parte de um “legado”: entendendo legado como aquilo que
uma geração transmite a outra;
d. Prosperidade: progresso, desenvolvimento gradual de um ser, de algo ou de
uma atividade.
8. Celebração
A categoria ‘Celebração’ foi criada devido a presença corrente de citações de
festejos e de comemorações que freqüentemente perpassavam a vida dos entrevistados.
Estes festejos ou comemorações, ligados a diferentes âmbitos de suas vidas, demonstravam
o seu engajamento em atividades coletivas produtoras de alegria e diversão.
9. Esperança
Devido ao fato dos entrevistados explicitarem durante boa parte das entrevistas uma
expectativa positiva do futuro, decidiu-se por criar a categoria ‘Esperança’. Vale ressaltar
aqui a diferenciação que esperança tem de otimismo para evitar a confuo entre os termos,
uma vez que os participantes da pesquisa não evidenciaram este último.
Entendida como um sistema ou filosofia dos que têm no progresso moral e
material da humanidade, na melhoria das condões atuais, na evolução social para o bem e
para o ótimo, a ‘esperança’ revela a tendência da pessoa para considerar como provável ou
esperar a realização daquilo que se deseja. Ao passo que otimismo encampa a disposão
natural ou tendência para ver as coisas pelo lado bom, na qual sempre haverá uma solução
33
das situações ainda muito difíceis pois tudo ocorre no mundo do melhor modo possível
(Ferreira, 1988).
34
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38
Longevidade e sua relação com Promoção da Saúde, Qualidade de Vida e
Felicidade
Longevity and its relationship with Health Promotion, Quality of Life and Happiness
Longevidad y su relación con Promoción de la Salud, Calidad de Vida y Felicidad
Ricardo Camargo Vieira
1
, Marco Aurélio Da Ros
2
RESUMO: Este ensaio se propõe a contribuir com a discussão do papel do setor saúde na
busca por vidas mais longas e saudáveis, ajudando na ressignificação corrente dos objetivos
desta área do conhecimento e influenciando, por conseqüência, na assistência prestada e
nos seus métodos de intervenção. Procurando traçar paralelos entre vários conceitos, faz-se
um recorte teórico e encontra-se a possibilidade de se entender o bem-estar subjetivo como
expressão da Promoção da Saúde. Podendo ser compreendido coloquialmente como
felicidade, o bem-estar subjetivo acaba por ser apontado como item imprescindível para o
entendimento dos conceitos de Promoção da Saúde e Qualidade de vida e para a
possibilidade de um olhar diferenciado sobre os determinantes da longevidade.
Palavras-chave: Longevidade, Promoção da Saúde, Qualidade de Vida, Felicidade,
Saúde Coletiva
ABSTRACT: This assay proposes to contribute with the discussion of the health sector’s
role in the search for longer and healthful lives, helping in the current ‘re-meaning’ of the
objectives of this knowledge area and influencing, for consequence, the assistance and its
methods of intervention. Looking for tracing parallels among some concepts, a theoretical
clipping was made up, meeting a possibility of understanding subjective well-being as an
expression of the Health Promotion. Being understood colloquially as happiness, subjective
well-being can be pointed as essential item in the agreement of the concepts of Health
Promotion and Quality of life and in the possibility of a differentiated look on the
conditioners of longevity.
Key-word: Longevity, Health Promotion, Quality of Life, Happiness, Public Health
RESUMEN: Este análisis se propone a contribuir con la discusión del papel del sector
salud en la búsqueda por vidas más largas y saludables, ayudando en la resignificación
corriente de los objetivos de esta área del conocimiento e influenciando, como
consecuencia, la asistencia y sus métodos de intervencn. Buscando paralelos que
remontan entre algunos conceptos, un truncamiento teórico fue compuesto y que encuentra
una posibilidad de entender bienestar subjetivo como expresión de la Promoción de la
Salud. Pudendo ser entendido como felicidad, el bienestar subjetivo se puede señalar como
un ítem esencial en la comprensión de los conceptos de Promoción de la Salud y Calidad de
vida, y en la posibilidad de una mirada distinguida en los determinantes de la longevidad.
Palabras clave: Longevidad, Promoción de la Salud, Calidad de Vida, Felicidad, Salud
Pública
1
dico de Família e Comunidade. Prefeitura Municipal de Florianópolis – Secretaria Municipal de Saúde.
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina.
2
dico de Família e Comunidade. Mestre em Planejamento. Doutor em Educão. Departamento de Saúde
Pública da Universidade Federal de Santa Catarina.
39
Introdução
A discussão em torno de qual papel teria o setor saúde na contribuição para a
melhoria da vida das pessoas e para o aumento das suas capacidades de, plenamente, se
desenvolverem e viverem mais, nem sempre integrou o ideário e as diretrizes da assistência
a saúde.
A mudança das visões sobre o processo saúde-doença nem sempre foi permeada
pelo beneficio para as pessoas. Em seu processo histórico, perpassou a visão higienista, a
visão da medicina social, e, mais tarde, a visão biologicista, sendo que em certos
momentos, evidenciou um retrocesso do campo da saúde em objetivar a melhoria da vida
das pessoas.
1
Somente após a metade do século XX e o amadurecimento do entendimento de que
o processo saúde-doença teria uma determinação multifatorial, é que houve um avanço na
discussão do papel da área da saúde, a ponto de se chegar a compreensão da determinação
social do processo saúde-doença.
1
A partir de então, as discussões relacionadas a contribuição desta área do
conhecimento, para uma vida mais longa e melhor, passaram a ser permeadas também pela
tentativa de se entender o que é vida saudável e de como alcançá-la, além de serem vistas
como tentativas não isoladas de outros setores, ou seja: eminentemente intersetorial, na
direção de um bem-estar global.
Estas discussões apontavam para o quanto a determinação biologicista, visão
hegemônica nos últimos tempos, estava se demonstrado insuficiente para dar conta de todas
as questões referentes à determinação do processo saúde-doença.
1
Se, em um tempo na história, a busca pelo microscópico, pelo processo químico,
pelo intracorporal foi a única e exclusiva possibilidade de se pensar contribuições e
respostas para a melhoria na vida das pessoas e o prolongamento de suas vidas, hoje
existem outras possibilidades mais amplas e coerentes de se entender como a área da saúde
pode abordar este desafio.
Cada vez mais, percebe-se que as condições de vida, incluídas as de moradia,
saneamento, trabalho, educação, participação social e potica, autonomia e
desenvolvimento econômico; as condições psicológicas, embasadas na família e na
comunidade; e as influências culturais, contribuem de forma decisiva, tanto na capacidade
40
de enfrentamento dos problemas, quanto na determinação do prolongamento da vida das
pessoas.
2
A observação e a comparação entre realidades distintas pela suas condições de vida,
feitas por diversos estudos, revelam essa correlação direta.
2
Hoje, é claro para nós que se
populações com poucos recursos sócio-econômicos, como as da África sub-saariana ou as
sul-americanas, vivem menos que outras mais abastadas, como as de países nórdicos, não é
exatamente pela falta de assistência médica ou por escassez de medicamentos, mas sim pela
melhores condições de vida e de desenvolvimento pessoal e coletivo que estas detêm.
Entretanto, há um tempo atrás, este entendimento não era tão evidente. Aliás,
também não era evidente a contribuição de algumas características individuais (tanto
psicológicas quanto culturais) no evitamento e no enfrentamento de certas patologias e na
contribuição para a melhoria da vida dos indivíduos e populações.
Alguns estudos são promissores para colaborar com este entendimento ao revelar
que determinadas características psicogicas, como resilncia, postura otimista, entre
outros, associadas ou não a alguns aspectos culturais, relacionados com a forma de encarar
situações adversas também influenciam em resultados, eventos e desfechos, tanto
individuais quanto coletivos.
3,4
O entendimento de que todos estes aspectos integram os fatores que compõem a
determinação social do processo saúde-doença, facilita a compreensão da necessidade de se
discutir e aprofundar mais os estudos em torno de temas como Integralidade e Promoção da
Saúde, devido à aproximação evidente entre eles.
3
Admitir que um dos grandes desafios para o campo da saúde hoje é mergulhar na
busca pela Integralidade e seus determinantes, percebendo sua forte vinculação com a
Promoção da Saúde, aproxima o setor saúde da possibilidade de se criar ferramentas que
auxiliem no desenvolvimento do maior benefício que se pode atribuir para esta área do
conhecimento: a contribuição para uma vida longa e saudável.
Para tanto, a Promoção da Saúde, pressupondo a determinação social do processo
saúde-doença, busca a superação dos fatores ligados a estruturação social e, em última
instância, trabalha na tentativa de melhorar o desenvolvimento e a inserção humana dentro
da sociedade.
41
Diante disto, este ensaio se propõe a contribuir com a discussão do papel do setor
saúde na busca por vidas mais longas e saudáveis, pretende ajudar na ressignificação
corrente dos objetivos desta área do conhecimento e influenciar, por conseqüência, na
assistência prestada e nos seus métodos de intervenção.
A Promoção da Saúde
O conceito de Promoção da Saúde apareceu entre as décadas de 1920 e 1940, de
forma latente, com Winslow e Sigerist, que a definiram, no sentido de evitar as doenças,
através do estímulo de hábitos e comportamentos saudáveis e com a preocupação de atuar
nos fatores de risco, como parte da prevenção.
5,6
Entretanto, a partir da década de 1970, continuou-se a perceber que não bastava
atuar apenas na cura da doença, ou seja, depois que a doença já se instalara; era preciso
intervir nos determinantes do adoecimento. Ao longo dos 30 anos seguintes, com a
evolução nas discussões acerca dos conceitos de saúde e a realização de várias conferências
sobre o tema, as evidências da associação entre saúde e estilos de vida foram se
reforçando.
5
Então, na I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em 1986,
na cidade de Ottawa, Canadá foram estabelecidas as bases conceituais da Promoção da
Saúde, que incluíam temas como, a paz, a educação, a habitão, o poder de compra, um
ecossistema estável e conservação dos recursos naturais e a eqüidade. Além disso, associou
o tema a um conjunto de valores como solidariedade, democracia, cidadania,
desenvolvimento, participação e ação conjuntas.
5,6
A Carta de Ottawa ampliou a concepção da promoção da saúde, dando especial
destaque às dimensões cio-ecomicas, poticas e culturais sobre as condições de saúde.
Propôs como estratégias de ação: estabelecimento de poticas públicas saudáveis; ações
conjuntas intersetoriais; reforço da ação comunitária; desenvolvimento das capacidades
individuais; e reorientação dos serviços de saúde. Dessa forma, a Promoção da Saúde saiu
das unidades de assistência a saúde e se estendeu para as comunidades, os ambientes, as
escolas e outros equipamentos sociais.
5
A Promoção da Saúde, como nível de atenção, passou a se referir às ações
destinadas a melhorar e aprimorar a saúde das pessoas, enfatizando a complexidade do
42
setor saúde. Esta complexidade acaba por envolver diversos olhares e diversas
intervenções, tendo como enfoque uma visão integral do processo saúde-doença-atenção.
Esta Conferência foi seguida ainda pelas Conferências Internacionais sobre
Promoção da Saúde de Adelaide em 1988, Sundsvall em 1991, de Jacarta em 1997 e da
cidade do México em 2000.
A discussão em torno do assunto evoluiu no sentido de enfatizar como a Promoção
da Saúde ajuda a melhorar a vida econômica e social das populações e marca a diferença
para a saúde e para a qualidade de vida, especialmente para as pessoas que vivem em
circunstâncias adversas. Enfocando a necessidade de se colocar a saúde no topo da agenda
de desenvolvimento internacional, nacional e local, a evolução deste conceito estimulou as
parcerias para a saúde entre diferentes setores e em todos os níveis da sociedade.
Assim, pode-se concluir que o entendimento de Promoção da Saúde foi tendo um
enfoque cada vez mais abrangente, transparecendo a mudança dos contextos
socioecomico e potico que traçam paralelos entre seu conceito e o de outros variados
movimentos, como o ambientalista, cooperativista, feminista, entre outros.
Este contexto sócio-histórico permitiu a divisão em dois grupos do amplo
entendimento que se tem de Promoção da Saúde. Um deles, com enfoque
comportamentalista, expressa-se em atividades dirigidas a transformação do
comportamento dos indivíduos e de seus hábitos e estilos de vida, localizando-os nas
famílias e, no máximo, nas comunidades. Ao pontuar fatores de risco, transfere, em ultima
instância, a responsabilidade para o indivíduo.
5,6
O outro enfoque dado a Promoção da Saúde, mais condizente com a evolução
histórica do conceito, localiza o protagonismo nos determinantes gerais, nas condições de
vida e de saúde, estando diretamente relacionada à qualidade de vida individual e coletiva.
Destaca o acesso a alimentação saudável, habitação e saneamento, boas condições de
trabalho, educação, ambiente e apoio social ao dirigir seu foco para o coletivo de indivíduos
e para o ambiente, entendido em seu amplo espectro (físico, social, potico, econômico e
cultural).
5,6
Sob estes enfoques, a saúde se apresenta como um conceito abrangente e positivo,
que se apóia nos recursos sociais, pessoais e não somente na capacidade física ou condições
43
biológicas das pessoas. Traz a tona uma discussão que tem ocupado cada vez mais espaço:
a construção de vidas mais saudáveis.
Se viver bem e com saúde é um desejo de todos, mesmo que a idéia de bem viver e
de ter saúde não seja exatamente a mesma para todos os indivíduos, sabe-se que a vida das
pessoas, da mesma forma que a sua saúde, é construída diariamente, seja por eles mesmos,
seja pelas contingências e seja pelas condições que lhes são impostas, oferecidas ou
conquistadas.
Ter uma vida saudável é muito mais do que ter um somente um corpo saudável.
Entender vida saudável como estando limitada a um corpo sadio é o mesmo que acreditar
que ter saúde é não ter doença alguma.
Esta idéia distorcida de saúde associada exclusivamente às questões corporais foi,
durante muito tempo, a noção sobre a qual a saúde mais se apoiou para propor suas ações e
as suas modalidades de intervenção. Entretanto, essa concepção não foi capaz de explicar
as muitas formas de se adoecer e de se manter saudável.
7
Existem inúmeras razões para as várias formas de adoecer e de manter-se saudável
que estão mais relacionadas ao modo de viver de cada um, que se apóiam na cultura, nas
crenças e nos valores que são compartilhados coletivamente, assim como, nas condições
sociais que se encontram. Essa combinação de aspectos individuais e coletivos, associada a
outros fatores de diferentes naturezas, como no caso das reações emocionais provocadas
pelo enfrentamento de determinadas situações, ou mesmo da compreensão que se tem da
própria vida, ajuda a demonstrar o quanto é complexo pensar saúde, falar de um modo de
promove-la e de viver saudável.
7
A promoção da saúde busca modificar condições de vida para que sejam dignas e
adequadas, aponta para a transformação dos processos individuais de tomada de decisão
para que sejam predominantemente favoráveis à qualidade de vida e à saúde, e orienta-se
ao conjunto de ações e decisões coletivas que possam favorecer a saúde e a melhoria das
condições de bem-estar e, desta forma fazer com que as pessoas vivam mais e melhor,
coletivamente.
Desta forma, a Promoção da Saúde está ligada às ações e às condições que fazem
com que as populações apresentem formas de viver condizentes com o esperado para um
enfoque humanitário. Para que as pessoas tenham bom padrão de vida, ou ainda, vivam
44
melhor, e conseqüentemente, vivam mais. Este conceito de Promoção da Saúde mantém
portanto uma estreita relação com a longevidade.
Longevidade e Promoção da Saúde
No panorama mundial, as relações entre saúde, longevidade e qualidade/condições
de vida têm se mostrado cada vez mais evidentes, deixando claro que, para se discutir
longevidade, não basta discutir como as populações vão levar suas vidas após chegarem a
velhice, ou pensar de forma objetiva somente em indicadores coletivos de condições ou
qualidade de vida. Pois o envelhecimento não começa subitamente, mas consiste no
acúmulo e interação de processos sociais e de comportamento durante a vida toda,
devendo-se promover a saúde e o bem-estar durante toda a vida do indivíduo, para se
alcançar uma velhice saudável.
Em países industrializados, a queda das taxas de mortalidade e fecundidade
iniciadas no século XIX, acompanhou a ampliação da cobertura dos sistemas de proteção
social e melhorias das condições de habitação, alimentação, trabalho e do saneamento
básico. No Brasil, por outro lado, o declínio da mortalidade, que deu início à transição
demográfica, foi determinado mais pela ação médico-sanitária do Estado que por
transformações estruturais que pudessem se traduzir em melhoria da qualidade de vida da
população: nas primeiras décadas do século XX, através de políticas urbanas de saúde
pública como a vacinação, higiene pública e outras campanhas sanitárias, e a partir da
década de 40 pela ampliação e desenvolvimento tecnológico da atenção médica na rede
pública.
8
No entanto, há uma diferença fundamental entre os fatores que levaram a transição
epidemiológica dos países mais desenvolvidos e aqueles que se observam, hoje, nos países
em desenvolvimento. Foi só a partir da segunda metade do século XX que se tornou
possível prevenir e tratar diversas enfermidades, cujo desfecho, anteriormente, era
freqüentemente fatal. Porém, muito antes disso, a expectativa de vida na Europa, por
exemplo, já havia alcançado valores tão altos como os do Brasil de hoje. Isso se deveu a
uma melhoria das condições de vida para as populações daquele continente como um todo,
e não ao impacto de medidas médico-tecnológicas.
8
Maquiando esse contraste, as taxas de mortalidade vêm experimentando
substanciais diminuições, mesmo que as condições de vida, sob o ponto de vista sócio-
45
econômico, não tenham tido uma melhora significativa para uma parcela apreciável da
população dos países em desenvolvimento. Esse aumento na expectativa de vida é
resultante de intervenções, de medidas específicas de saúde pública, não é portanto o
resultado de um processo de envelhecimento natural devido a melhoria dos níveis de vida
da maioria dos habitantes, mas sim um processo artificial.
Esse processo artificial faz com que muitas pessoas literalmente sobrevivam, apesar
de suas lamentáveis condições de vida.
Como resultado, esse processo não natural de envelhecimento depara países como o
Brasil, com uma dupla obrigação na área da saúde. Se de um lado, as marcas da pobreza e
das condições sócio-econômicas ruins permanecem presentes, evidenciada pelos índices de
morbi-mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias e pela importância que a
subnutrição continua ocupando entre nós; por outro lado, as doenças crônicas já figuram
entre as principais causas de morbi-mortalidade (doenças cardiovasculares, neoplasias,
doenças neuro-degenerativas, etc).
8
Parece evidente a necessidade de se repensar o papel do setor saúde nesse contexto,
em que se percebe claramente a contribuição decisiva das condições de vida das populações
na determinação da sua saúde. Isto requer promover estilos de vida saudáveis e pensar
qualidade de vida ao longo da vida, para que não tenhamos que lidar apenas com
“sobreviventes”, mantendo e reproduzindo um ciclo auto-destrutivo que apresenta uma
tendência a se perpetuar.
Desta forma, os próprios objetivos da atenção à saúde passam a ser questionados
então, sendo que cada vez mais esses objetivos deixem de ser simplesmente a “cura” dos
pacientes e passem a ser a “melhoria da vida” das pessoas, no sentido do que afirmam as
bases da Promoção da Saúde.
Se diante da reflexão sobre o que é saúde, ocorre uma vinculação com aspectos
estruturais mantidos pelo Estado e pela sociedade, fica claro que a discussão acerca dos
determinantes da longevidade o passa simplesmente pela assistência a sde,
principalmente se pensada pelo prisma curativista. Essa reflexão fundamenta a valorização
da luta pelos determinantes sociais da saúde, pela insisncia na tentativa de se enfocar o
desenvolvimento das populações pelo prisma humanista e também, com importância
relativizada, pela ressignificação da assistência à saúde como uma arma no combate a
46
iniqüidade e a possibilidade de desenvolvimento social e humano. A discussão sobre o que
é saúde portanto passa pela discussão de condições e qualidade de vida.
Qualidade de Vida e Subjetividade
A partir da década de 1960, o constructo qualidade de vida passou a ser entendido
por um prisma subjetivo ou como qualidade de vida percebida pelas próprias pessoas,
tendo-se ampliado para além da significação do crescimento econômico, buscando envolver
os diversos aspectos do desenvolvimento social. Essa mudança foi em grande parte
influenciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que declara que a saúde o se
restringe à ausência de doença, mas engloba a percepção individual de questões que
envolvem o bem-estar físico, mental e social.
9
Entretanto, a partir do início da década de 1990, parece consolidar-se um
direcionamento entre os estudiosos da área quanto a dois aspectos relevantes do conceito de
qualidade de vida: subjetividade e multidimensionalidade.
10
As várias concepções deste constructo eram até então orientadas por algumas
correntes que seguiam padrões funcionalistas, ecomicos ou de subjetividade. Entretanto,
estudiosos enfatizam que qualidade de vida só pode ser avaliada pela própria pessoa, ao
contrário das tendências iniciais de uso do conceito. Revelam que, no que tange a
subjetividade, o termo qualidade de vida trata de considerar a percepção que a própria
pessoa tem sobre o seu estado de saúde e sobre os aspectos não-médicos do seu contexto de
vida. Em outras palavras, que somente o indivíduo tem como avaliar a sua situação pessoal
em cada uma das dimensões relacionadas à qualidade de vida.
10
Apesar disso, ainda há um grande número de escalas estruturadas e testes
desenvolvidos para tentar medir a qualidade de vida e que portanto variam amplamente na
concepção, construtos e conteúdos, demonstrando que não há nenhum acordo sobre o que é
uma medida da qualidade de vida, pois a maioria dos testes foi desenvolvido por
profissionais, baseado nos seus padrões e definições sobre o que determina a qualidade de
vida.
11
Porém, sentimentos sobre a vida são subjetivos e o que é estimado como um fator
importante para o bem-estar de um, pode não ser significante para outra pessoa. Nesse
sentido, a OMS afirma que há a preocupação quanto ao desenvolvimento de métodos de
47
avaliação e de instrumentos que devam considerar a perspectiva da população ou dos
pacientes, e não a visão dos pesquisadores, de cientistas ou de profissionais de saúde.
12
Deste modo, mais recentemente a qualidade de vida tem sido aproximada do grau
de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental, mediado pela
percepção dos indivíduos e suas coletividades. É mediada pelos seus conhecimentos,
experiências e valores, pressupondo a capacidade de efetuar uma síntese cultural de todos
os elementos que determinada sociedade considera seu padrão de conforto e bem-estar,
evidenciando deste modo os aspectos subjetivos relacionados a qualidade de vida.
9
Em relação à multidimensionalidade, o segundo aspecto relevante do conceito de
qualidade de vida, duas tendências são identificadas: qualidade de vida como um conceito
mais genérico, e qualidade de vida relacionada ao estado de saúde, reconhecendo as
diferentes dimensões do construto.
O aspecto multidimensional do constructo foi validado empiricamente através de
quatro dimensões, a física que seria a percepção do indivíduo sobre sua condição física; a
psicológica como a percepção do indivíduo sobre sua condição afetiva e cognitiva; a de
relacionamento social sendo a percepção do indivíduo sobre os relacionamentos sociais e os
papéis sociais adotados na vida; e a do ambiente como a percepção do indivíduo sobre
aspectos diversos relacionados ao ambiente onde vive.
11
Como as ciências da sde mantiveram nos últimos anos a tendência biologicista, a
dimensão sica do constructo acabou por ganhar mais ênfase, evidenciando-se na segunda
tendência apontada dentro do aspecto multidimensional da qualidade de vida. A qualidade
de vida relacionada ao estado de saúde abrange uma face muito mais “engessada” do olhar
sobre a qualidade de vida, abordando aspectos por vezes muito estanques e objetivos,
ligados a doenças ou estados patológicos, tendenciando para o comportamentalismo
presente durante muito tempo nas concepções de Promoção da Saúde.
Apesar de importantes, as questões objetivas relacionadas às condições de vida não
necessariamente constituem o mesmo peso na avaliação de cada sujeito. É comum o
equívoco de se determinar a associação da qualidade de vida exclusivamente a
determinados estados de saúde, não havendo a percepção de que ambos somente mantém
uma relação, mas não são equivalentes.
10,11
48
Enfatizando os aspectos subjetivos e multidimensionais da qualidade de vida, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) adota uma acepção mais ampla para o termo,
aparentemente influenciada por estudos sociológicos, sem fazer referência a disfunções ou
agravos, embora se saiba que o estado de saúde de indivíduos e coletividades, assim como
os sistemas de saúde, influenciam e são influenciados pelo ambiente em que estão
inseridos.
A OMS, adotando um conceito mais genérico, definiu qualidade de vida como "a
percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas
de valores nos quais ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e
preocupações".
12
Assim, é possível dizer que a qualidade de vida, apesar de se apresentar com uma
conotação individualizada, mantém uma forte vinculação com o padrão que a coletividade
aponta e busca para si, enfatizando o rumo que a própria sociedade estabelece para ela
mesma. Envolvendo, consciente ou inconscientemente, todo o conjunto de políticas
públicas e sociais que induzem e norteiam o desenvolvimento humano.
Admitindo o conceito da OMS então, pode-se entender qualidade de vida como um
conceito mutável e influenciado, dentro de cada sociedade, pelos valores importantes para
esta. Desta forma, é possível perceber que, dentro da uma mesma sociedade, pode-se ter
conceitos diferentes de qualidade de vida, influenciados por fatores culturais, religiosos,
comunitários e familiares, entre outros. Estabelecendo uma “via-de-mão-dupla”, a
dimensão individual ganha vulto e destaca seu papel central na percepção e determinação
da qualidade de vida e do bem-estar humano.
Desta forma, a qualidade de vida, ou o bem-estar humano, se revela composto por
duas dimensões básicas: a dimensão objetiva e a subjetiva. A dimensão objetiva é aquela
passível de ser publicamente apurada, observada e medida por fora, e que se reflete nas
condições de vida registradas por indicadores numéricos de nutrição, saúde, moradia,
criminalidade ou estado de saúde. Já a dimensão subjetiva consiste na experiência interna
de cada indivíduo, isto é, tudo aquilo que passa em sua mente de forma espontânea, que ele
sente e pensa sobre a vida que tem levado.
Ainda, nota-se obviamente uma dependência recíproca entre ambas, a partir da
observação de situações extremas: se o lado objetivo do bem-estar não preencher requisitos
49
mínimos (alimentação, moradia, saúde, trabalho), não há mais bem-estar possível. Não há
mais qualidade de vida.
“Felicidade” como expressão da Qualidade de vida
Por milênios, pensadores ponderaram sobre a questão do bem-estar subjetivo ou da
qualidade de vida. Apesar de ser de outra forma, perguntavam-se: o que é ter uma vida boa?
Nestas reflexões, eles focaram-se em critérios como: amor, prazer, ou introspecção
como características que definem qualidade de vida. Outra idéia do que constituiria uma
vida boa também presente entre estes pensadores, entretanto, fora a percepção das pessoas
de que se elas próprias estariam tendo boas vidas.
13
Idéia, como citado, norteadora do
conceito da OMS.
Esta definição subjetiva de qualidade de vida é democrática por conceder a cada
indiduo o direito para decidir se sua vida vale a pena ou não. É a aproximação com esta
definição de vida boa que veio a ser chamado "bem-estar subjetivo"
13
e em condições
coloquiais às vezes etiquetada de “felicidade”.
O bem-estar subjetivo, ou felicidade, é parte da saúde no seu sentido mais geral e é
manifestado em todas as esferas da atividade humana. É bem conhecido que quando um
indivíduo se sente bem é mais produtivo, sociável e criativo, possui uma projeção de futuro
positiva, infunde felicidade e a felicidade implica capacidade para amar, trabalhar,
relacionar-se socialmente e controlar o meio. Tudo isso explica por si só a relação do bem-
estar subjetivo (ou da felicidade) com os níveis de saúde.
14
A população em geral sabe disso: em todas as sondagens feitas sobre qualidade de
vida, valoreso materiais, como amor, solidariedade, realização pessoal e felicidade,
comem sua concepção e entendimento.
10
É claro que, mesmo aprofundando a dimensão subjetiva da qualidade de vida no
sentido de afirmá-la como bem-estar subjetivo, aproximando-o do que se pode chamar de
‘felicidade’, não se está negando a necessidade de se garantir boas condições de vida, mas
sim reafirmando o entendimento de que um aspecto é complementar ao outro, não devendo
ser dependente da condição material, mas tão somente alicerçado na sua suficiência.
Encontrando base para seu pleno desenvolvimento a questão subjetiva da qualidade
de vida pode ser explorada no sentido de reafirmar a Promoção da Saúde, ao entendê-la
como a busca por modificar as condições de vida da sua própria coletividade para que
50
sejam dignas e adequadas, buscando também a transformão dos indivíduos, visando a
qualidade de vida e a saúde nas suas diferentes dimensões (objetivas e subjetivas).
O caminho traçado nesta busca e os avanços conquistados durante este trajeto
poderão ser entendidos como o processo determinante para a conquista da qualidade de
vida, o bem-estar subjetivo ou, que seja, a felicidade.
Considerações finais
Se promover a saúde é favorecer a melhoria das condições de bem-estar para as
populações, e se é a partir de boas condições de vida que a longevidade se estrutura, o
determinante para uma vida longeva poderá estar alicerçado no bem-estar subjetivo e nos
seus condicionantes.
Se for possível o empreendimento de esforços na árdua tarefa da busca pela saúde
através de um modelo diferente do hegemônico e a procura da sua positividade,
encontrando sustentação possivelmente em outros campos do saber que não somente o
biomédico, será possível que a abordagem sobre a qualidade de vida possa realmente
abarcar questões como a busca da felicidade, satisfação na vida, bem-estar individual e
coletivo e outros dilemas que não usualmente abordados.
Para tanto será necessário escorar a Promoção da Saúde também em áreas como o
conhecimento popular, a filosofia, as ciências humanas e sociais, assim como a
espiritualidade, ou seja, áreas do saber claramente influenciadas pelo subjetivo.
Diante de evidências suficientes que ao estarem garantidas as boas (e não mínimas)
condições de vida, ou seja, o aspecto objetivo da qualidade de vida, inclda a assistência a
saúde, há um incremento importante na longevidade, fica o apontamento de qual rumo a
saúde pode tomar na busca pelo prolongamento saudável da vida humana.
É posvel que este movimento fa com que percebamos a confluência e a
dependência de dois aspectos sempre almejados pela humanidade: o bem-estar subjetivo e a
longevidade.
Para tanto, será preciso um mergulho no subjetivo, na busca pela autonomia e pelo
empoderamento dos indivíduos e comunidades no sentido de poderem traçar seus próprios
caminhos, ressignificando assim suas vidas e o papel da área da saúde como nível de
assistência. Ressignificando a busca pela saúde como a busca pelo bem-estar, ou ainda, pela
felicidade.
51
Bibliografia
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53
Além da aparência, em busca da essência. O que nos faz viver mais?
Beyond the appearance, in search of the essence. What does make us to live more?
Más allá de la apariencia, en la búsqueda de la esencia. ¿Que nos hace vivir más?
Ricardo Camargo Vieira
3
, Marco Aurélio Da Ros
4
RESUMO: A partir de um patamar digno de condições socioecomicas, a contribuição
das questões materiais e objetivas para a longevidade não é comprovada. Este estudo
objetivou identificar aspectos presentes ao longo da vida de sujeitos de pesquisa longevos e
discutir a ligação desses aspectos com a longevidade. A pesquisa foi realizada pelo método
de História de Vida na cidade de Antonio Carlos (SC), a 2
a
cidade em expectativa de vida
no Brasil e que detém bons Índice de Desenvolvimento Humano e Índice de Exclusão
Social. Encontrou-se a associação da longevidade com ocupação, autonomia, resiliência,
solidariedade, espiritualidade, sentimento de realização, relacionamentos afetivos,
celebração e esperança.
Palavras-chave: Longevidade, Promoção da Saúde, Saúde Coletiva
ABSTRACT: Starting from a worthy level of socioeconomic conditions, the contribution
of the material and objective subjects for longevity is not an evidence. This study
objectified to identify present aspects along the life of elderly subject of research and to
discuss the connection of those aspects with the longevity. The research was accomplished
by the method of History of Life at the 2nd city in life expectation in Brazil, which presents
good Human Development Index and good Social Exclusion Index. This study met the
association of longevity with occupation, autonomy, resilience, solidarity, spirituality,
accomplishment feeling, affective relationships, celebration and hope.
Key-words: Longevity, Health Promotion, Public Health
RESUMEN: A partir de un nivel digno de condiciones socioeconómicas, la contribución
de las cuestiones materiales y objetivas para la longevidad no es una evidencia. Este estudio
buscó identificar los aspectos presentes a lo largo de la vida de los sujetos de pesquisa y
discutir la conexión de esos aspectos con la longevidad. La investigación fue lograda por el
método de historia de vida en la 2da ciudad en expectativa de vida en el Brasil, que
presenta bueno Índice de desarrollo humano y bueno Índice de exclusión social. Este
estudio encontró la asociación de la longevidad con la ocupación, la autonomía, la
resiliencia, la solidaridad, la espiritualidad, el sentimiento de realizacn, las relaciones
afectivas, la celebración y la esperanza.
Palabras clave: Longevidad, Promoción de la Salud, Salud Pública
3
dico de Família e Comunidade. Prefeitura Municipal de Florianópolis – Secretaria Municipal de Saúde.
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina.
4
dico de Família e Comunidade. Mestre em Planejamento. Doutor em Educão. Departamento de Saúde
Pública da Universidade Federal de Santa Catarina.
54
INTRODUÇÃO
A saúde e as condições de vida têm demonstrado melhoras significativas para a
maioria dos países do mundo, se analisadas principalmente após a segunda metade do
século XX. Esses avanços são fruto da melhoria da organização potica e social, assim
como, de avanços ecomicos, nas condições ambientais e na saúde pública.
1
Eles acabam por se refletir nos indicadores de saúde que vêm apresentando
melhorias contínuas e incontestáveis, apesar das profundas iniqüidades a que determinadas
populações estejam submetidas, seja quando comparadas entre países diferentes, seja dentro
de cada um.
1
Um dos indicadores que vem apresentando substancial incremento é a expectativa
de vida que, tanto quanto outros indicadores básicos de saúde, mantém uma forte
vinculação com os diferenciais econômicos. Esses diferenciais econômicos são
determinantes tanto para as variações nas tendências dos indicadores, como para os
condicionantes sociais do processo saúde-doença-atenção e para o desenvolvimento
humano.
1
Apesar destas evidentes associações entre o desenvolvimento econômico e social
com os indicadores de saúde, como a expectativa de vida, pesquisas recentes não são
consensuais na associação de condições socioeconômicas na velhice e morbi-mortalidade,
tampouco na associação direta de renda com a saúde da população como um todo nos
estudos ecológicos. A maioria destes estudos foi realizada em países desenvolvidos e
sucitam alguns apontamentos. Um deles é que estas populações estariam sendo analisadas
mantendo-se um patamar mínimo de condições de vida, ou seja, em países desenvolvidos
as condições socioecomicas se apresentam suficientes para a maioria da população.
(2, 3)
,
Apesar de ser documentada a relão inversa da longevidade com a exclusão social, estudos
como estes indicam a necessidade de se explorar outros condicionantes para a
longevidade.
2
Em um estudo representativo da população brasileira, foram encontradas fortes
associações entre pior nível sócio-econômico e pior percepção da saúde, apesar de não
terem sido observadas associações entre nível sócio-econômico e condições crônicas
específicas. Este estudo corrobora com vários outros que têm demonstrado
consistentemente que a percepção da saúde tem sido descrita como um importante preditor
55
da sobrevivência entre idosos, sendo também um indicador mais fiel da qualidade de vida
do que doenças específicas.
2
Essas associações reforçam a necessidade de se enfatizar a aproximação do setor
saúde com as estratégias de Promoção da Saúde, pois combinam ações do Estado (políticas
públicas saudáveis), da comunidade (reforço da ação comunitária – empowerment
comunitário), de indivíduos (desenvolvimento de habilidades pessoais – empowerment
individual), do sistema de saúde (reorientação do sistema de saúde) e de parcerias
intersetoriais.
(1, 4)
A Promoção da Saúde tem sido caracterizada modernamente pela constatação do
papel protagonista dos determinantes gerais sobre as condições de saúde e se associa a um
conjunto de valores, como qualidade de vida, saúde, solidariedade, eqüidade, democracia,
cidadania, desenvolvimento e participação social e outros.
(1, 4)
Desta forma, a Promoção da Saúde e as suas estratégias são determinadas pela
condição socioecomica das populações, mas também acabam por influenciá-las.
Apresentando o viés macro e o viés micro, aponta para aspectos bem definidos do
desenvolvimento socioecomico e para os aspectos singulares que cada cultura define
para si como condicionantes da sua saúde, ou seja, os aspectos individuais, comunitários e
locais.
Portanto, ao se partir do pressuposto que, tendo-se condições de vida a partir de um
patamar social digno e condizente com a possibilidade de desenvolvimento humano, é
posvel extrapolarmos os determinantes da longevidade também para questões
relacionadas a percepção de saúde das pessoas ou das experiências vivenciadas por elas ao
longo de suas vidas.
Ao se perceber que o conhecimento biomédico tem cada vez menos respondido a
estas questões e às tentativas de se modificar os determinantes de saúde da população, e
desta forma ter se demonstrado superado como modelo de saúde
3
, é necessário que se
busque outros caminhos que contribuam para o entendimento do aumento da longevidade.
Diante disso, quais outros fatores poderiam estar associados a longevidade se
entendermos que a contribuição dos aspectos socioeconômicos se dá até certo ponto? Que
fatores presentes ao longo da vida das pessoas poderiam estar contribuindo na determinação
da longevidade destes indivíduos?
56
Este estudo procurou identificar aspectos presentes ao longo da vida de sujeitos de
pesquisa longevos e discutir a ligação desses aspectos com a longevidade.
PERCURSO METODOLÓGICO
Para se procurar entender e abordar assuntos, como o deste estudo que discute
aspectos ligados a longevidade, que não cabem numa perspectiva objetiva e que fogem ao
escopo da mensuração direta, a via de aproximação não pôde seguir uma metodologia
baseada no quantificável, no ordenamento direto e sem maleabilidade. Tratou-se de utilizar
uma aproximação baseada na qualidade do que é apresentado como evidência, não na sua
quantificação, a partir de algo já dado.
Os estudiosos adeptos de enfoques qualitativos enfatizam que a utilização de
medidas padronizadas pode levar a respostas estereotipadas, que têm pouco ou nenhum
significado para as pessoas e das quais esta pesquisa quis fugir.
5
Para tanto, esta pesquisa seguiu a metodologia de Histórias de Vida que apresenta as
experiências e as definições vividas pelo sujeito de pesquisa e como interpreta sua
experiência. Tendo sido realizada como entrevistas prolongadas, foi possível combinar
observação, relatos introspectivos de lembranças e relencias e roteiros mais ou menos
centrados no tema, que neste caso foram exatamente estas experiências e suas relações com
a longevidade.
5
Desta forma, procurou-se fazer um aprofundamento das questões referentes às
relações que esperávamos encontrar com a longevidade. A pesquisa procurou explorar
questões a partir de uma perspectiva individualizada e detalhada. E para tanto, a abordagem
qualitativa foi fundamental, já que a pesquisa qualitativa justifica-se na intenção de
aprofundar a investigação no mundo dos significados das ações e relações humanas, ou
seja, se preocupa com um nível da realidade social, cujos processos e fenômenos não
podem ser quantificados ou reduzidos à operacionalização de variáveis.
5
Entendendo-se também que a pesquisa qualitativa não se baseia em critérios
numéricos para garantir representatividade, partimos de uma amostra inicial de três sujeitos
de pesquisa. E tendo-se levado em consideração que a amostragem boa é aquela que
possibilita abranger a totalidade do problema investigado em suas ltiplas dimenes,o
pareceu haver a necessidade de ampliar esta amostragem diante da sua análise.
5
Sujeitos e cenário do estudo
57
Para a escolha dos sujeitos de pesquisa, tentou-se confluir dois critérios: os de
longevidade e de local que respeitasse relativas boas condições de vida, com o pressuposto
de que o primeiro advira do segundo. Procurou-se também escolher um cenário de pesquisa
onde estas boas condições de vida fossem homogêneas entre a maioria da população.
Para tanto, foi escolhido o munipio de Antônio Carlos, região metropolitana de
Florianópolis, estado de Santa Catarina. Este município foi escolhido por ter, segundo o
Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil elaborado pelo Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD) em 2002, o segundo lugar entre as mais de cinco mil
cidades brasileiras na classificação da longevidade, possuindo uma esperança de vida ao
nascer de 77,9 anos em 2000, além de ter seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
elevado, atingindo 0,827 pontos. Este IDH a faz ficar com a 154
a
posição nacional e 36
a
dentre os 293 municípios do Estado de Santa Catarina
6
e, apesar de merecer uma
investigação pela aparente discrepância entre as posições da esperança de vida e do IDH,
evidencia uma posição de destaque.
Ainda segundo o PNUD, esta cidade situa-se dentro de uma região metropolitana, a
da Grande Florianópolis, que detém o maior IDH (0,859) entre as regiões metropolitanas
brasileiras.
6
Este fato nos permite pressupor que a maioria desta população tem suas
necessidades humanas básicas contempladas e uma certa homogeneidade entre seus
moradores.
A cidade de Antônio Carlos também apresenta um baixo grau de exclusão social,
retratado por seu bom Índice de Exclusão Social (0,816), colocando-a na 336
a
posição entre
as cidades brasileiras. Este índice é o resultado de uma compilação de vários índices de
expressão (os de Pobreza, Emprego, Desigualdade, Anos de estudo, Alfabetização,
Escolaridade, Juventude e Violência) e, a exemplo do IDH, apresenta uma variação de 0 a
1, sendo melhor quanto mais próximo de 1.
7
Esta cidade ainda está inserida no Estado de
Santa Catarina, que desde 1960 vem apresentando evolução deste mesmo índice, mostrando
uma variação de 0,425 em 1960, passando por 0,686 em 1980, chegando a 0,739 em 2000.
6
Para tanto, foram selecionadas seis pessoas longevas a partir de dados cadastrais da
Secretaria Municipal de Saúde do município e da indicação dos profissionais que trabalham
diretamente na assistência a saúde da população, na Unidade Local de Saúde, com a
58
solicitação de que indicassem pessoas que tivessem nascido e vivido no município (ou na
região) a maior parte de suas vidas.
A partir disso, o pesquisador foi apresentado pela equipe de saúde local para quatro
dos possíveis seis entrevistados, sendo que três deles aceitaram e um rejeitou a participação
na pesquisa por motivos pessoais. Após a aceitação da entrevista, o pesquisador visitou os
sujeitos de pesquisa mais uma vez antes de realizar a entrevista para uma melhor
aproximação do entrevistado e de sua realidade e para apresentar o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (sob o registro CAAE-2030.0.000.242-06 no SISNEP).
Posteriormente, foram realizadas as entrevistas com a proposição de retornar o resultado da
pesquisa às pessoas envolvidas.
ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Como passo inicial para o processo de discussão dos resultados e do trabalho de
conclusão da pesquisa, procedeu-se a categorização do conteúdo das entrevistas através da
análise das respostas dadas pelos sujeitos de pesquisa.
Diante do fato das entrevistas terem sido realizadas pelo método de História de
Vida, pôde-se enfaticamente perceber a profundidade que o conteúdo das respostas trouxe.
Este fato merece destaque pois permitiu a análise dos fatores que permearam a vida
destas pessoas, na tentativa de alcançar e compreender o que estes acontecimentos
realmente significaram para os sujeitos de pesquisa e, portanto, para uma interpretação mais
fiel posvel deste material.
A ‘análise de conteúdo
5
das entrevistas permitiu a classificação do conteúdo das
falas dos sujeitos de pesquisa em nove categorias, sendo que algumas delas encontram-se
caracterizadas por subcategorias, descritas a diante.
Essas divisões e subdivisões foram possíveis diante da leitura flutuante’ e alise
exaustiva das entrevistas e posterior ‘constituição de corpus’, procedendo então as fases de
exploração, tratamento e interpretação dos resultados obtidos.
5
As categorias extraídas das entrevistas pelas suas análises temáticas são descritas a
seguir caracterizadas por falas como exemplos, onde os sujeitos de pesquisa são tratados
pelos pseudônimos Benzedeira (de 96 anos), Contador de Histórias (92 anos) e Zeladora
(82 anos). Além disto, pode-se observar nas falas a mistura das categorias, pois a sua
separação foi mero exercício acadêmico.
59
Ocupação
Nesta categoria, procurou-se utilizar o termo “ocupação” para caracterizar as
atividades que envolvessem rotineiramente a vida dos entrevistados, que ocupassem o seu
dia-dia.
Fez-se ainda uma distinção nesta categoria através da subdivisão em “trabalho
formal”, na qual se encontra a atividade profissional ou a forma de sustento do entrevistado,
e “atividades rotineiras”, para caracterizar atividades realizadas pelos sujeitos de pesquisa
nas quais não estão presentes os critérios anteriores, mas sim, atividades que denotam um
envolvimento cotidiano dos mesmos.
- “(...) galinha, porco, tinha cavalos. Fazíamos cachaça, açúcar, farinha,
plantávamos arroz, feijão. Só comprávamos carne, mas às vezes matávamos (algum
animal) ou outros matavam, dávamos uns pedaços aos outros, tudo combinava. Mas uma
vida pesada, sabe?(...) tirávamos aquela lenha toda e plantava o milho, o feijão, o arroz,
tudo ali. Nós trabalhávamos! Eu estou desde os oito anos na roça.” (Benzedeira);
- “Ah! Uma poão (de livros e cadernos)... Eu escrevia as folhas e depois ia
juntando pra fazer o livro, né? (...) É, eu crio historias, muito bonitas mesmo. (...) Vai dar
41 anos, este ano (desde quando começou).” (Contador de Histórias);
- “Hoje eu sou zeladora do Apostolado, eu cuido do Apostolado, eu tenho as
minhas (companheiras de religião) que pertencem a minha lista, tenho 21 que são da
minha lista, eu tenho que cuidar delas, cobrar delas, tem que levar para a Igreja, tem que
mandar para a Igreja. Eu cuido da Igreja (...). E agora, no Apostolado da Oração, eu já
estou há muitos anos, desde que eu casei eu sempre pertenci ao Apostolado até hoje
ainda.” (Zeladora).
Autonomia
Entendendo autonomia como a capacidade de governar-se por si mesmo e fazer as
coisas independentemente, e ainda, exercer um grau elevado de liberdade e de
independência moral ou intelectual, criou-se esta categoria.
Analisando-se criteriosamente os fatores que envolvem e envolveram autonomia na
vida dos sujeitos de pesquisa, entendeu-se por bem realizar a subcategorização a seguir:
‘Individual’ e ‘Coletiva’. Esta ultima caracterizada por ser ‘familiar’ e ‘comunitária’.
a. Individual
60
- “Eu nunca deixei os filhos passarem necessidade. Eu fazia pão, eu fazia rosca,
eu fazia tudo. Cozinhava, fazia sabão. Fazia tudo.” (Zeladora).
b. Coletiva (Familiar e Comunitária)
- “Naquele tempo, nada era comprado na venda, era quase tudo colhido
da roça (...) Tudo que nós comíamos em casa e também carne, a gente criava. Muitos
porcos, muito gado... De vez enquanto a gente podia matar um boizinho, uma vaquinha e
sempre muitos porcos.(Contador de Histórias);
- “Os vizinhos, tudo era muito bom, ajudavam os outros... Hoje, ninguém quer
ajudar o outro! Se alguém não tinha no que trabalhar dava uma ajuda boa para ele
trabalhar... (...) Um ajudava o outro.” (Benzedeira).
Resiliência
Sendo oriundo da física, de onde caracterizava flexibilidade, elasticidade ou a
capacidade dos materiais de resistirem algum tipo de força, o termo resiliência passou por
um processo de ‘importação’ em direção às ciências humanas e hoje representa a
resistência do individuo face às adversidades, não somente guiada por uma resistência
física, mas pela visão positiva de reconstruir sua vida, a despeito de um entorno negativo,
do estresse, das contrições sociais, que influenciam negativamente para seu retorno à vida,
ou seja, a capacidade de um ser humano em superar dificuldades.
8
Não existindo ainda uma unanimidade na sua conceituação, a resiliência é
comumente definida como a capacidade de o indivíduo, ou a família, enfrentar as
adversidades, ser transformado por elas, mas conseguir superá-las sendo uma forma de se
garantir integridade, mesmo nos momentos mais críticos.
8
Estas definições permitiram que fossem feitas algumas aproximações deste termo
com várias falas dos entrevistados, que ainda permitiram um agrupamento dos seus
significados de duas formas: perseverança apesar das dificuldades e resistências apesar das
perdas.
a. Perseverança apesar das dificuldades
- “A vida foi dura vou te contar. Não era brincadeira não, hoje eu penso que era
mentira. Que não era possível atravessar tudo o que eu atravessei. Mas atravessei, graças
a Deus, estou aqui com 82 anos .” (Zeladora);
61
- “Depois que ele (o pai) morreu, nós tivemos que ir pra roça... Nós era pequeno
(8 anos)... Aí, trabalhava na roça, fazia farinha (...) Era uma vida pesada... Oh, credo!
(Benzedeira).
b. Resistência apesar das perdas
- “Quando ele (esposo) faleceu, ele ficou 15 dias lá no hospital que era uma
penúria a gente ver, lá no oxigênio e coisa. Eu pensava assim, se era para eu ficar com ele
e vendo ele sofrer desse jeito, foi bom que Deus o levou. Eu me conformava, porque ele
estava sofrendo muito nos últimos tempos no hospital. Que sofrimento era lá, era muito
triste a gente ver (...) foi melhor para ele morrer (...). Porque ele não podia mais viver, do
jeito que ele estava não podia mais viver. Então Deus o levou. A gente se conformou,
porque nossa vida é assim, ela vai a um tempo, depois...” (Zeladora);
- “(...) eu fui pra lá, ali pelas onze horas e não encontrei-o (filho), a casa tava
toda aberta, eu ‘tava’ vendo o serviço dele que ele ‘tava’ fazendo (...), mas eu não
encontrei com ele. (...) olhamos dentro de casa, pra lá, pra cá, e nós fomos embora.
Quando estávamos aqui em casa já falaram no telefone que ele tinha morrido... E nós
estivemos ali, mas não lembramos de olhar embaixo da casa, eu vi que tava aberto ali, mas
ninguém se lembrou de dar uma olhada ali. Ninguém olhou em baixo da casa e quando
chegamos aqui já avisaram por telefone que ele tinha morrido (eletrocutado). (...) Ah, sim!
Era muito ligado a ele... (...) Faz três anos que ele faleceu. (Contador de Histórias).
Solidariedade
Ao atribuir o sentido de solidariedade a uma virtude moral que responsabiliza os
indivíduos em relação aos outros ou a uma coletividade, conseguiu-se extrair das falas duas
vertentes para este termo.
A primeira que denota uma percepção dos entrevistados de dever para com outros
sujeitos, explicita a vontade e a prática dos sujeitos de pesquisa de realizar bons atos para as
outras pessoas, caracterizando suas ações num sentido de “doar-se ao semelhante”.
Apresenta-se como a vertente ‘individual’ da solidariedade.
A segunda vertente, a coletiva, explicita um teor de reciprocidade entre os
indivíduos próximos aos sujeitos de pesquisa. Evidencia a vinculação entre estas pessoas e
a presença da primeira vertente em outras pessoas do convívio dos entrevistados.
a. Individual
62
- “E sou boa também, ajudo os outros. Ganho um ‘salariozinho’ mas ainda
ajudo, tem tanta gente que vem aqui pedir. E a vó dá. Não deixo sair sem dinheiro, eles
vem eu dou pão, quando chega o Natal, eu dou dinheiro para eles comprarem uma
galinha, para comer, para eles fazerem a festa deles também. (...) tem que ajudar.”
(Benzedeira);
- “(...) esta igreja eu ajudei muito, por que a maior parte da madeira foi tirada
daqui do mato pra fazer esta igreja; e até pra igreja de Antonio Carlos, a madeira mais
pesada foi tirada daqui sem cobrar um tostão.” (Contador de Histórias).
b. Coletiva
- “Quando o pai esteve doente, cada noite ficava um (filho) lá. Eles fizeram
reunião entre eles ‘hoje é esse, amanhã é esse, depois de amanhã é aquele...’. Ninguém
achou ruim, todo mundo ajudou.” (Zeladora);
- “Os vizinhos, tudo era muito bom, ajudavam os outros (...) Se alguém não tinha
no que trabalhar, dava uma ajuda boa para ele trabalhar... (...) Um ajudava o outro.”
(Benzedeira);
- (os filhos) Ajudavam... a esposa também ajudava muito, toda a família
trabalhava junto, toda a família ajudava na roça.” (Contador de Histórias).
Espiritualidade
Neste quesito, inicialmente, foram agrupadas a ‘prática religiosa’ e a
‘espiritualidade’ como subdivisões de uma categoria chamada ‘religiosidade’. Entretanto
analisando-se melhor o conteúdo desta categoria, entendeu-se por bem caracterizar a
‘prática religiosa’ como parte da categoria ‘ocupação’, por haver o entendimento de que a
freência a atividades religiosas denotaria melhor um emprego rotineiro do tempo dos
entrevistados nesse tipo de prática.
A ‘prática religiosa’ diferenciava-se portanto do real conteúdo que poder-se-ia
atribuir a uma categoria que expressasse a vinculação dos sujeitos de entrevista com a
experiência de ligação com uma dimensão que vai além das realidades consideradas
normais da vida humana.
9
Optou-se então por criar uma categoria isolada denominada Espiritualidade, diante
do fato de ser freqüente a ocorrência deste conteúdo nas entrevistas. Além do que, estes
63
conteúdos, quando apareciam, expressavam uma grande importância na vida destas
pessoas.
- “No meu parecer, sem Deus, ninguém forma. Eu sempre digo para os meus
filhos: ‘Botem Deus na frente para vocês irem em frente.’(...) Porque se a gente tem fé, a
gente tem força; se a gente não tem fé, a gente perde a força. Pessoas que não tem fé eles
perdem a força, eles caem na vida (...). A pessoa que não tem fé não tem força, eu acho.”
(Zeladora);
- A vida da gente é pesada né? Mas é cheia de alegria. A gente deve ter alegria e
fé em Deus. Eu sempre digo, Deus é bom. Por que sem Deus nós não somos nada e com
Deus nós somos valentes.” (Benzedeira);
- “(...) não tenho nada melhor que os outros também, só vai por que Deus me
deixou aqui pra ver que eu tinha mais uma tarefa a fazer, não acabei minhas tarefas ainda,
meus trabalhos. Por causa disso cheguei a 90 anos.” (Contador de Histórias).
Relacionamentos afetivos
Diante das entrevistas transcritas e através das suas análises pôde-se perceber a forte
freqüência dos relacionamentos afetivos na vida dos entrevistados. A presença desses
relacionamentos era caracterizada pelos sentimentos de afeição, amor e amizade.
Criou-se esta categoria baseada nos relacionamentos mantidos pelos sujeitos de
pesquisa com seus companheiros (cônjuges, namorados e afins) que caracterizavam
relacionamentos amorosos, e com filhos, familiares e amigos com os quais mantinham uma
relação de forte afeto e um convívio muito próximo.
Esta categoria foi então subdividida em:
a. Filhos, familiares e amigos (filhos, netos, etc)
- “Eu sempre estava contente, cada filho que eu ganhava, eu sempre aceitava
com muito amor, todos eles. Hoje ainda o amor deles é todo igual.” (Zeladora);
- “Ah! Tinha, sim! Tinha uns companheiros da escola que ficaram amigos até o
final da vida (...) agora minha turma tá ficando meio fraca já. Tem dois companheiros do
meu banco (da escola), éramos quatro: o Zacarias faleceu, o Luiz tá meio mal também e é
um pouco mais velho que eu, e o Samuel era do meu banco, (...) quatro alunos. (...)
(continuamos amigos) a vida toda. (...) Sim, tinha muitos amigos, amigos que eram do meu
banco. (...) Faleceram...” (Contador de Histórias).
64
b. Amores
- “O Alvino (esposo) tinha 21 e eu tinha 20 (anos, ao casamento)... Nós nos
conhecemos desde os tempos de aula... Depois nós nos criamos, ele foi para um lado e eu
para o outro, ele tinha as namoradas dele eu tinha os meus namorados e ficou assim (...).
Depois, (...) me pediu em namoro e a gente casou.” (Zeladora);
- Mas o que mais valeu a pena pra mim foi ser casado, (...) ter esposa (...), tanto
a primeira quanto esta aqui (a segunda)...” (Contador de Histórias).
Sentimento de Realização
Nesta categoria foi possível agrupar quatro itens que caracterizam esta categoria, ao
se entender que realização é definida como o ato de realizar algo, tornar real, pôr em
prática, fazer, constituir, criar, alcançar seu objetivo ou ideal.
10
Ao primeiro momento, pode parecer estranha a associação de quatro subcategorias
distintas de certo modo. Entretanto, fica fácil compreender o ajuntamento destes subgrupos
ao se apropriar do conceito acima descrito e ao se entender que sentimentos como os de
satisfação com a vida (1), auto-estima elevada (2), deixar ou fazer parte de um “legado” (3)
e de prosperidade (4) emergem, neste caso, da noção de ter produzido algo em suas vidas
ou de um sentimento de realização, propriamente dito.
Portanto a categoria ‘Sentimento de realizaçãoficou subdividida como se segue:
a. Satisfação com a vida: possuir uma avaliação positiva do decorrer de sua vida até o
momento;
- “Como eu tinha muita confiança em Deus eu esperava felicidade, sempre
esperei ser feliz, e graças a Deus, como eu fui feliz.” (Zeladora);
- “Ah, estou (satisfeita com a vida), eu sei que vou para o céu! (Benzedeira);
- É por que a felicidade a gente não sofre mais, a gente ta satisfeito, né? A gente
ver: ‘Ah! Aqui tem tudo que eu quero!’. Satisfeito... Eu acho que a felicidade é isso...”
(Contador de Histórias).
b. Auto-estima elevada: denotar apreço, afeição ou consideração positiva por si
mesmo;
- Ah, eu rezo para (eu mesma) durar bastante anos, mas com saúde. Para
ajudar... pois se a vó morre, quem vai rezar como eu rezo?Então a vó reza para poder
65
deixar a vó mais tempo, mas com saúde, doente na cama não. (...) Por que eu sei que faz
falta. Se eu morrer, farei muita falta... Nossa Senhora!” (Benzedeira);
- “(...) mas todo mundo gostava muito de mim até hoje, eu gosto de todos e todo
mundo gosta de mim.” (Contador de Histórias).
c. Deixar ou fazer parte de um “legado”: entendendo legado como aquilo que uma
geração transmite a outra;
- “Eu conservei essa união (entre a família) e acho que eu vou conservar até
morrer. (Zeladora);
- “Ah, tem que ensinar. (...) A gente tem que ensinar, mas quem vem aqui, tem o
livrinho (de benzeduras), aí quem pega o livrinho, aprende!” (Benzedeira);
- “Eu gostava que (os filhos e netos) continuassem a religião como a gente da
família, por que a gente tinha fé que aquele era um meio pra gente se salvar, né? Eu
praticava a religião como os pais e avôs também já tinham... e a gente gostava que filhos
continuassem também. (...) Sim... (os filhos e netos) Vão sim.” (Contador de Histórias).
d. Prosperidade: progresso, desenvolvimento gradual de um ser, de algo ou de uma
atividade.
- “Naquele tempo não tinha farmácia, não tinha nada aqui, era tudo deserto
como se diz, não tinha estrada, não tinha nada. (...) Depois arrumaram, fizeram o asfalto,
daí melhorou. Começou a ficar bom. Veio a farmácia para cá e coisas que eram preciso.
Antes não tinha nada.” (Zeladora);
- “E ele (filho) veio aqui e comprou esse chão de casa (...). Aí fizemos aquela
casinha de madeira ali e ficamos morando ali. O terreno (antigo) está lá ainda, o terreno
está lá, no sítio... Tem gado, tem galinha e tudo. Fica perto, é atrás desse morro... (...)
então viemos morar aqui (casa de alvenaria) (...).” (Benzedeira).
Celebração
A categoria ‘Celebração’ foi criada devido a presença corrente de citações de
festejos e de comemorações que freqüentemente perpassavam a vida dos entrevistados.
Estes festejos ou comemorações, ligados a diferentes âmbitos de suas vidas, demonstravam
o seu engajamento em atividades coletivas produtoras de alegria e diversão.
66
- “(...) na casa onde eu morava já tinham esse hábito de festejar aniversário,
começo do ano, Natal, essas coisas. Eu me casei e continuei com os mesmos hábitos, o
mesmo sistema. (Zeladora);
- “Tinha (todos os domingos)... Tinha baile, tinha missa... Domingo ia à missa,
voltava pra casa, de tarde ia dançar... Dançávamos que nos acabávamos, sabíamos
dançar, nós éramos ‘dançadeiras’, todos dançavam conosco.” (Benzedeira);
- Por que eram os negociantes que faziam (as festas) e durante a semana era
escolhido um dia pra fazer pra igreja, e depois mudou, domingo pra negociante e domingo
depois pra igreja.” (Contador de Histórias).
Esperança
Devido ao fato dos entrevistados explicitarem durante boa parte das entrevistas uma
expectativa positiva do futuro, decidiu-se por criar a categoria ‘Esperança’. Vale ressaltar
aqui a diferenciação que esperança tem de otimismo para evitar a confuo entre os termos,
uma vez que os participantes da pesquisa não evidenciaram este último.
Entendida como um sistema ou filosofia dos que têm no progresso moral e
material da humanidade, na melhoria das condões atuais, na evolução social para o bem e
para o ótimo, a ‘esperança’ revela a tendência da pessoa para considerar como provável ou
esperar a realização daquilo que se deseja. Ao passo que otimismo encampa a disposão
natural ou tendência para ver as coisas pelo lado bom, na qual sempre haverá uma solução
das situações ainda muito difíceis pois tudo ocorre no mundo do melhor modo possível.
10
- “(...) sempre esperava a felicidade. Nunca desanimei.” (Zeladora);
- “É, eu vou fazer 100 anos e vou fazer uma festa...” (Benzedeira);
- “(...) depois que eu comprei este terreno (onde está a casa em que vivo há 70
anos), eu disse: ‘eu não vou nunca mais sair daqui’ (...).” (Contador de Histórias).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise do conteúdo das entrevistas e as categorias dali extraídas permitiram a
percepção da amplitude dos elementos que compõem a existência dessas pessoas e
permeiam os acontecimentos de suas vidas.
Além dessa amplitude, pôde-se observar a profunda interdependência e o
embricamento que as categorias mantinham. Notadamente, o quanto que a autonomia se
relacionava com o trabalho formal, a resiliência dependia da autonomia familiar e
67
comunitária e dos relacionamentos afetivos, assim como, o quanto que a esperança pode
estar vinculada a espiritualidade, trazer sentimentos de realização e ser mediada pela
solidariedade, por exemplo. E, apesar de existirem outros fatores presentes na vida de cada
um dos entrevistados isoladamente, as categorias sempre contemplaram aquilo que era
comum aos três. Além do que, nenhum fator fora das categorias se demonstrou tão
significativo quanto o conteúdo das mesmas.
Vários estudos
2,11,12
m apontado na direção de elementos semelhantes e se
aproximam das categorias analisadas por esta pesquisa, apesar de não terem o mesmo
desenho ou analisarem faixas etárias específicas (adolescência ou velhice, por exemplo) e
o o curso da vida dos sujeitos de pesquisa, quando analisados quesitos que integrem os
condicionantes para uma vida saudável.
Entretanto, o desenho metodológico deste estudo permite auferir uma associação
dos fatores que permearam a vida dos sujeitos de pesquisa com o fato de serem longevos,
pois as categorias foram extraídas das suas falas e daquilo que marcadamente fazem ou
fizeram parte de suas existências.
Estas características indicam outras possibilidades de compreender os determinantes
da longevidade humana que fogem da abordagem tradicional marcada pela centralização
biologicista e pela descontextualização.
13
Não se propõe aqui o caráter prescritivo de estilos de vida que pressupõe o
determinismo individual da saúde descontextualizada sócio-culturalmente,
13
mas ajudar na
compreensão dos fatores que se relacionam com a longevidade e apontar possibilidades de
pesquisa e no redirecionamento da assistência a saúde.
Devido às categorias se aproximarem muito dos pressupostos e estratégias da
Promoção da Saúde, reafirma-se a necessidade de condições de vida condizentes com um
desenvolvimento humano saudável, amparadas por políticas públicas justas e igualitárias,
promovendo a saúde no sentido de reforçar a criação de ambientes saudáveis, a ação
comunitária e o desenvolvimento das capacidades individuais.
1,4
Além disso, as categorias compunham os determinantes daquilo que os sujeitos de
pesquisa apontavam como os condicionantes para o balanço positivo que faziam de suas
vidas e para a sensação de suas vidas terem ‘valido a pena’. E apesar de não termos falado
68
em ‘felicidade’, o somatório das categorias parecem apontar para isso, dando pistas para se
entender melhor a longevidade.
A impressão final é que conviver com os entrevistados, com sua fé na vida e com
seus exemplos admiráveis, trouxe mais esperança e mais felicidade aos pesquisadores.
BIBLIOGRAFIA
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2000;5(1):163-177.
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regressão linear múltipla [tese]. Florianópolis (SC): UFSC / Programa de Pós-Graduação
em Engenharia de Produção; 2005.
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saúde: trajetória histórica de suas concepções. Texto & Contexto - Enfermagem, v.15, p.
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Desenvolvimento Humano do Brasil, 2002. Acesso em: 01 jul. 2006. Disponível em:
http://www.pnud.org.br.
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ed. São Paulo:
Cortez, 2004.
8. Pinheiro DPN. A resiliência em discussão. Psicol. estud. , Maringá, v. 9, n.
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9. Vasconcelos EM, organizador. A espiritualidade no trabalho em saúde. São Paulo:
Hucitec, 2006.
10. Ferreira ABH. Dicionário Aurélio Escolar da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira S.A., 1988.
69
11. Guedea MTD, Albuquerque FJB, Troccoli BT et al. Relationships of subjective
well-being, coping strategies and perceived social support in the elderly. Psicol. Reflex.
Crit..2006, vol.19, no.2, p.301-308.
12. Pesce RP, Assis SG, Santos N, Oliveira RVC. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Mai-
Ago 2004, vol. 20 n. 2, p.135-143.
13. Castiel LD, Vasconcellos-Silva PR. A noção de ‘estilos de vida’ em promoção de
saúde: um exercício critico de sensibilidade epistemológica. In: Bagrichevsky M, Palma A,
Estevão A, Da Ros M, organizadores. A saúde em debate na educação física – volume 2.
Blumenau: Nova Letra, 2006. p. 67-92.
70
ANEXO 1
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Meu nome é Ricardo Camargo Vieira e estou desenvolvendo a pesquisa Além da
aparência, em busca da essência. O que nos faz viver mais? com o objetivo de analisar
fatores que influenciam na longevidade das pessoas. Este estudo será desenvolvido como
parte da busca da ciência pela melhoria das condições de vida, da longevidade e da saúde
da população em geral, sendo necessário para a defesa de Tese de Mestrado no Programa
de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina, onde
serão realizadas entrevistas e revisão bibliográfica. A entrevista que desejo realizar com
você, através da gravação por áudio, se propõe a não trazer desconforto algum e a poder
contribuir para uma reflexão a respeito da vida e da saúde do entrevistado, assim como,
para a saúde pública no Brasil e a formação de recursos humanos para o SUS.
Se você tiver alguma dúvida em relação ao estudo ou não quiser mais fazer parte do
mesmo, pode entrar em contato pelo telefone (48) 91114240 ou e-mail
ricardocamargovieira@yahoo.com.br
. Se você estiver de acordo em participar, posso
garantir que seu nome não será divulgado sem autorização, assim como, as informações
fornecidas serão confidenciais e serão utilizadas somente para a realização do trabalho.
Assinaturas:
Pesquisador principal ________________________________________
Pesquisador responsável _____________________________________
Eu, _____________________________________________________, fui esclarecido
sobre a pesquisa Além da aparência, em busca da essência. O que nos faz viver mais? e
concordo que minha entrevista seja utilizada na realização da mesma.
____________________________ , ___ de _____________________ de 2007.
Assinatura: _________________________________ RG: __________________
71
ANEXO 2
Nome do Entrevistado:
Data de Nascimento:
Endereço:
Contato:
ROTEIRO DE ENTREVISTA:
1- Conte sua vida e o que representou (como se sentia em) cada um destes
momentos/situações:
a. Onde nasceu?
b. Locais onde viveu?
c. Como foi sua inncia?
d. Como foi a adolescência?
e. Como era sua família nesta época?
f. Você estudou? Onde? Por quanto tempo?
g. Quais foram os amigos?
h. Quais foram os amores?
i. Como iniciou o seu núcleo familiar?
j. Quantas vezes você casou?
k. Como era sua relação com o cônjuge?
l. Quantos filhos você teve?
m. Como era sua relação com eles?
n. Qual era o trabalho/ocupação? Gostava?
o. Tinha/tem alguma crença (religiosa, política, ideológica, etc...) ?
72
p. Tinha sonhos/desejos? Realizou-os?
q. Qual era sua perspectiva/expectativa de vida na época?
Alcançou-as?
r. Que fatos lhe surpreenderam? O que você aprendeu?
s. Como foi a idade adulta?
t. Como foi/está sendo a velhice?
u. Mudaram seus sonhos?
v. Que fatos lhe surpreenderam? O que você aprendeu a mais? (na
vida adulta e na velhice)
w. Qual era sua perspectiva/expectativa de vida na época?
Alcançou-as?
x. Quais valores você modificou no decorrer da sua vida? O que
você mais valorizava em cada fase de sua vida? O que estes lhe
traziam?
y. O que ou quem você deixou pra trás?
z. Que lições voaprendeu?
aa. O que sempre lhe trouxe alegria?
bb. O que lhe traz mais alegria hoje?
cc. O que você gosta de fazer para se divertir?
dd. Você tem algum prazer que foi se perdendo? Quais?
ee. E os amigos hoje, quemo?
ff. E os amores, quem são?
gg. Você tem algum grupo de convivência?
hh. Com quem você convive mais?
ii. Já pensou em deixar esta cidade?
jj. Ir para uma cidade grande?
kk. O que você mais valoriza hoje?
73
ll. Pelo que você mais lutou na vida?
mm. O que mais valeu a pena na sua vida?
nn. Que ‘balanço’ você faz da sua vida?
oo. Quais são seus planos para o futuro?
2- O que você acha que fez ou faz você viver tanto tempo?
3- O que é bem-estar ou felicidade para você?
74
ANEXO 3
CATEGORIZAÇÃO e ANÁLISE
SUJEITOS DE PESQUISA (PSEUDÔNIMOS):
- ZELADORA
- BENZEDEIRA
- CONTADOR DE HISTÓRIAS
CATEGORIAS:
1. OCUPAÇÃO
e. Trabalho formal
f. Atividades rotineiras
2. AUTONOMIA
a. Individual
b. Coletiva
i. Familiar
ii. Comunitária
3. RESILIÊNCIA
a. Perseverança apesar das dificuldades
b. Resistências apesar das perdas
4. SOLIDARIEDADE
a. Individual
b. Coletiva
5. ESPIRITUALIDADE
6. RELACIONAMENTOS AFETIVOS
a. Filhos, familiares e amigos
b. Amores
7. SENTIMENTO DE REALIZÃO
a. Satisfação com a vida
b. Auto-estima elevada
g. Deixar ou fazer parte de um “legado
h. Prosperidade
8. CELEBRAÇÃO
9. ESPERANÇA
75
CATEGORIAS E CITAÇÕES:
1 - OCUPAÇÃO
Trabalho formal
ZELADORA
- “Quando eu casei, ele (marido) já trabalhava de alfaiate. Ele me ensinou a
fazer calças. Ele fazia o paletó e eu as calças. Continuamos a trabalhar assim,
eu numa máquina e ele em outra. Eu costurava as calças e ele o paletó,
trabalhamos algum tempo assim. Depois ele ficou doente. Dois anos que ele não
trabalhou mais e foi onde eu caí na roça.”
BENZEDEIRA
- “Desde os 8 anos a vó já foi pra roça trabalhar...”.
- “(...) galinha, porco, tinha cavalos. Fazíamos cachaça, açúcar, farinha,
plantávamos arroz, feijão. Só comprávamos carne, mas às vezes matávamos
(algum animal) ou outros matavam, dávamos uns pedaços aos outros, tudo
combinava. Mas uma vida pesada, sabe?(...) tirávamos aquela lenha toda e
plantava o milho, o feijão, o arroz, tudo ali. Nós trabalhávamos! Eu estou desde
os oito anos na roça.”
CONTADOR DE HISTÓRIAS
- “Trabalhava sempre na roça (durante a infância) (...) (Acordávamos) Antes de
amanhecer o dia assim, agora há pouco tempo que estamos levantando mais
tarde, mas sempre às 5 horas da manhã, no inverno; por que no verão era mais
cedo. Por que senão tava no serviço”.
- “Depois (dos doze anos) foi toda a vida na roça, foi, foi até eu ir pro exercito
com 20 anos”.
- “(...) tamm porque tinha a vida toda na roça, de manha até à noite, só que a
gente sempre estudava um pouco em casa pra não esquecer, mas depois de
tempo de casado eu não tinha tempo pra estudar nem pra pegar num livro,
porque a gente comprou o terreno e tinha que trabalhar pra pagar o terreno,
então depois com um tempinho mais vago eu comecei outra vez, assim fazer a
assinatura de um jornal assim pra melhorar um pouco por que no primeiro
jornal levou tempo pra ler mas depois acostumou , depois em pouco tempo já
lia”.
- “(...) toda a família trabalhava junto, toda a família ajudava na roça”.
Atividades rotineiras
ZELADORA
O cuidados dos iros na infância
- “A minha mãe trabalhava na roça e eu desde pequenininha já cuidava dos meus
irmãozinhos. Então a minha mãe ia para a roça e eu fica em casa cuidando dos
meus irmãozinhos. Trabalhei desde pequeninha, até hoje estou batalhando
76
sozinha ainda(...) Gostava (do trabalho de cuidar dos irmãos) , eu cuidava bem
deles(...)”
As tarefas domésticas
- “(...) e depois tinha uma gruta que eu cuidei daquela gruta durante muitos anos
no tempo que eu era solteira (...) cuidava da casa, trabalhei muito. Como passar
roupa essas coisas assim era tudo comigo. A limpeza da casa, tudo era comigo,
eu tinha que fazer tudo(...) e me criei assim.” (ADOLESCÊNCIA)
- “Porque a gente tem as crianças na aula, tem que ter sempre a roupa arrumada,
tem que ter sempre tudo em dia, tem que olhar os boletins, tudo isso(...) Eu que
tinha que ir na escola, buscar os boletins, ver se eles estavam bem ou se
estavam mal.” (IDADE ADULTA)
- “(...) depois ele (marido) foi trabalhar como relojoeiro e eu não precisava mais
ajuda-lo. Eu só tinha que cuidar da casa, das refeições, das roupas e ele foi
trabalhar sozinho. De manhã, ele tomava o café dele e ia trabalhar lá, voltava
ao meio dia, almoçava, depois ia para lá de novo e eu ficava trabalhando
aqui.”
Prática religiosa
- “(...) depois eu fui para a doutrina, depois fui para a primeira eucaristia, depois
continuei, eu era muito devota e depois tinha uma gruta que eu cuidei daquela
gruta durante muitos anos...”
- “Desde de criança, eu sempre fui muito religiosa.”
- “Gostava muito (da religião)... Freqüentava a Igreja, cuidava da Gruta, depois
me casei e continuei...”
- “Eu cuido da Igreja e vou toda semana na missa, todo domingo na missa. Eu
acho que é isso que me dá força. É isso ai que me dá força.”
- “Hoje eu sou zeladora do Apostolado, eu cuido do Apostolado, eu tenho as
minhas (companheiras de religião) que pertencem a minha lista, tenho 21 que
são da minha lista, eu tenho que cuidar delas, cobrar delas, tem que levar para
a Igreja, tem que mandar para a Igreja. Eu cuido da Igreja (...). E agora o
Apostolado da Oração, eu já estou há muitos anos, desde que eu casei eu
sempre pertenci ao Apostolado até hoje ainda.”
BENZEDEIRA
Tarefas domésticas
- “Ah, depois que eu parei de trabalhar na roça, é essa vida aqui... rezar para os
doentes e trabalhar, fazer comida... cuidar da casa, lavar roupa... é a vida da
vó, ainda trabalho...”
Prática religiosa
- O povo era pobre, mas tudo trabalhava... Rezavam muito, sabe? Faziam
novena... Quase toda noite tinha novena pra gente ir rezar...”
- “Nós aprendia (a rezar)... Nós tinha medo! A mãe dizia que se nós não
aprendêssemos, nós não ia pro céu... Tinha que ir pro céu porque Jesus tinha
sofrido tanto... Tinha que rezar pra Ele, né?”
- Desde a idade de 15 anos já aprendi com a minha mãe. Desde 15 anos já
benzia.”
- “Sim, (benzedura) é trabalho sim. Mas eu faço com alegria. Deixo tudo e faço.
Tem muita gente aqui para benzer”.
77
CONTADOR DE HISTÓRIAS
Prática religiosa
- desde os primeiros tempos, a gente ia à igreja com a mãe, as mães tinham uma
‘tropinha’ de pequenininhos juntos. Só depois de setes anos, que ai a gente ia
pra doutrina, (...) lá então, a gente ficava junto com as crianças”.
- Eu gosto muito de ir pra igreja, antes no começo eu era capelão da igreja
aqui, secretario aqui (...), fazia parte do coral aqui (...) e era chefe do coral
aqui nos primeiros tempos”.
- “Continuo sim (indo à igreja), nós vamos quase todas as semanas no domingo,
às vezes tem coisa especial durante a semana que daí a gente vai”.
Estudo
- “(...) a escola era particular, pago pelos pais, era escola paroquial, mas era
pago pelos pais. O tempo de ir pra escola era três anos, por que depois disso as
crianças podiam sair da escola por que a escola era só pra três anos. (...) É ai
fiquei três anos e o professor veio pedir pros meus pais pra eu ficar mais tempo,
por que era favorável pra mim; (...) Durante três anos todo o dia, (...) eu ia todo
o dia. (...) Ah gostava”.
- “(...) em 1967 nos fizemos a Festa do centenário; e desde lá eu comecei a
escrever meus livros”.
- “Ah! Uma poão (de livros e cadernos)... Eu escrevia as folhas e depois ia
juntando pra fazer o livro, né? (...) É, eu crio historias, muito bonitas mesmo.
(...) Vai dar 41 anos, este ano (desde quando começou)”.
- “Eu sempre procuro trabalhar na roça, no quintal, escrevendo livro, lendo
livro, estudando sempre tendo um passatempo, por que eu não fico parado
nenhum momentinho”.
78
2 - AUTONOMIA
Individual
ZELADORA
- “Me tratei com o farmacêutico que tinha em Biguaçu, eu me tratei com ele. Eu
ia lá, me dava remédio, eu tomava, depois estava me sentindo bem e pronto!
- “Eu cuidava dele de noite, (...) eu enfaixava as pernas dele (...). Daí tinha que
lavar com chá, com ervas. Fazia aquelas paneladas de chá e lavava (...). E eu
fazia, fazia tudo.”
- “Eu nunca deixei os filhos passarem necessidade. Eu fazia pão, eu fazia rosca,
eu fazia tudo. Cozinhava, fazia sabão. Fazia tudo.”
- “Proibiram (de trabalhar) por causa da minha coluna, eu já estou toda torta. A
minha coluna já puxou porque eu peguei muito peso, porque era tudo nas
minhas costas, então eu carreguei muito peso. Agora eu estou torta, curvada,
corcunda como se diz. Agora eles não querem mais que eu trabalhe (...) Agora
estão me proibindo, mas às vezes eu fujo, ainda ontem eu plantei um canteirinho
de alface, um canteirinho de rúcula, às vezes eu fujo da raia e ainda vou lá
fazer.”
- “(...) uma hortazinha para o gasto da casa(...) isso a gente cultivava. A
verdura, essas coisas, nunca faltou.”
- “Eu cuidava do quintal, tinha horta, plantava de tudo: tinha couve, tinha
repolho, plantava cebola, plantava tudo ali. Eu cuidava da horta e cuidava dos
serviços da casa era o que eu fazia. E também naquele tempo tinha vaca de leite
que ali atrás tinha pastagem, não pagava aluguel, então tinha 2 vacas de leite,
cuidava daqui também. Depois o homem (marido) vendeu e eu vendi as vacas
também, eu tinha criação, deixei tudo.”
BENZEDEIRA
- “É, graças a Deus a vó (referindo-se a ela mesma) tem saúde. Tem gente que
qualquer coisinha, corre para o médico. Que nada, eu faço o meu remédio!
- “Subi para cima da cama e já saíram (no parto)! Quando eu ganhei o Deca, não
precisou ir lá para baixo (maternidade). Eu mesma dizia, que não precisa.
Minha mãe teve todos os filhos em casa. Ia lá o pai e colocava uma gamela em
cima da cama e ela lavava o nenê. Cortava o umbigo e lavava o nenê. Minha
mãe. Onze filhos, ela disse. Eu também ganhei meus dois em casa.”
- Plantava cana, plantava milho, plantava arroz, plantava aipim, feijão... Colhia
tudo pro gasto! Criava galinha, criava porco, criava gado... E assim foi a nossa
vida, toda vida... (na juventude, desde os 8 anos de idade)”.
- “Quando chegava a semana santa (...) Naqueles dias nós não comíamos carne e
tínhamos que fazer jejum, não tomávamos café. Aí quando eu já estava grande
eu fui para confissão e disse para o padre que eu não podia fazer o jejum por
que eu trabalhava na roça e enfrentava fome, ficava fraca. Aí o padre disse
então que eu não precisava fazer jejum e que quando chegasse a casa ao meio
dia, rezasse um terço para Jesus”.
79
CONTADOR DE HISTÓRIAS
- “(...) é que eu tinha muita proteção (reserva financeira fruto de seu trabalho),
por que aquele ano já podia tratar o terreno pra pagar o ano que vem”.
- “(no início do casamento) trabalhei no terreno do meu pai. (...) a gente podia
fazer roça e eu ganhei meu dinheiro no terreno do meu pai”.
- “naquele tempo nada era comprado na venda, era quase tudo colhido da roça
(...)”.
- “Até 1970, só se comia pão de milho (plantado por ele mesmo), depois que
começou a comprar farinha de trigo de outro lugar, (...) mas o pessoal não
comprava açúcar branco da venda, era mais o que a gente fazia, o mascavo”.
- “Tudo que nós comíamos em casa e também carne, a gente criava. Muitos
porcos, muito gado... De vez enquanto a gente podia matar um boizinho, uma
vaquinha e sempre muitos porcos. Já hoje em dia é tudo proibido, já não
adianta mais comprar porco, criar porco, por que os médicos falam que não é
bom comer muita carne de porco, por causa do colesterol, né? E o gado
também, grande parte do pasto já é feito quintal, porque a gente não cria mais
tanto gado (...). Hoje em dia nós quase não compramos ainda, mas de agora em
diante nós vamos comprar, porque nós acabamos quase com o gado”.
- “Nuns tempos atrás a gente comia muita carne de porco, muita gordura, mas
como hoje em dia os médicos disseram que não era bom comer tanta gordura
então a gente diminuiu. (...) eu já não comia muita carne. (...) Em outras coisas
a gente não mudou muito porque, só que a gente come menos carne e gordura
que a gente comia antes, mas em outras comidas continuam iguais (...)”.
Coletiva
ZELADORA
Familiar
- “Não, sempre tinha tudo. Nunca faltou nada... Eles (pais adotivos) tinham
negócio, eles tinham armazém, negociavam dos colonos, compravam as
mercadorias dos colonos, então nunca tive dificuldade em nada assim. Sempre
tinha fartura.”
- “(...) depois viemos para cá (residência atual), porque nós tínhamos
propriedade, terreno tudo lá (residência antiga). Nós vendemos lá e compramos
aqui e onde ele trabalhava.
Comunitária
- “Eu tive só dois (filhos) na maternidade o resto (quinze) foi tudo em casa. Tinha
uma parteira formada (...) a Dona Anastácia, ela já faleceu.
- “(...) eu fiquei muito doente, a parteira deixou um pedaço da placenta e me deu
aquela hemorragia (...) comou a me dar uma febre alta e (...) essa mãe de
criação que eu tinha que viu que não estava certo e foi chamar a parteira(...)
ela disse ‘olha ela está infeccionada’. Ela me fez o tratamento e eu melhorei,
mas quase, quase, quase eu fui.”
- “Naquele tempo ninguém ajudava como hoje, a prefeitura não ajudava (...).
Hoje as pessoas ajudam, fazem bingo, fazem isso fazem aquilo. (...) Não,
naquele tempo a comunidade não era assim como é hoje.”
80
BENZEDEIRA
Familiar
- “Não tínhamos médicos. Os remédios eram, quando ficávamos meio doentes,(a
mãe) colocava uns ‘solapes’ nos pés, de pirão quente, nos agasalhava e nós
suávamos e ficávamos bons. (...) Sim, aprendi com a mãe”.
Comunitária
- “Os vizinhos, tudo era muito bom, ajudavam os outros... Hoje, ninguém quer
ajudar o outro! Se alguém não tinha no que trabalhar dava uma ajuda boa para
ele trabalhar... (...) Um ajudava o outro”.
CONTADOR DE HISTÓRIAS
Comunitária
- “Não, não tinha escola pública aqui; só em 1938”.
- “A própria da comunidade, tudo vinha do pessoal mesmo, até as estradas, até
por que as estradas eram da largura do carro de boi (...)”.
- “É, uma parteira (quem fez o parto de seus filhos) que tinha estudado lá em
Blumenau, (...) por que aqui morria muita mulher no parto, ai o padre (...) disse
que pro pessoal que era de ver pra arrumar alguém pra estudar sobre aquele
serviço. Às vezes, eu podia ter ajudado no parto que as mulheres faleciam
né?Mas por causa do padre eu não podia né?Então devia ser uma pessoa que
tinha pratica pra isso, né? Pra não acontecer de tantas mulheres falecerem no
parto assim. Então a Stass Gesser foi escolhida e foi mandada lá pra
Blumenau... Então ela fazia também este serviço de medico é porque ela era
bem estudada”.
- “Porque quem era doente que não ficava curado com chá, mandavam outra
pessoa pra lá, a pessoa (doente) não era mandada pro medico, era mandada
uma pessoa pra falar da pessoa (doente) com o medico... Trazer remédio...”
Familiar
- Ajudavam (os filhos)... a esposa também ajudava muito, toda a família
trabalhava junto, toda a família ajudava na roça”.
- “(...) toda a família trabalhava junto, toda a família ajudava na roça”.
81
3 - RESILIÊNCIA
ZELADORA
Perseverança apesar das dificuldades
- “Para mim foi bom (ter estudado somente até o ‘primário’). Eu era inteligente,
eu aprendia bem, apesar de não ter estudado a diante. Mas não deu, não deu.
Quando não dá, a gente tem que parar.”
- “A vida foi dura vou te contar. Não era brincadeira não, hoje eu penso que era
mentira. Que não era possível atravessar tudo o que eu atravessei. Mas
atravessei, graças a Deus, estou aqui com 82 anos .”
- “Depois ele (marido) ficou doente. Dois anos que ele não trabalhou mais e foi
onde eu caí na roça (...) (tive que) Ir para a roça, plantar para sustentar os
filhos.
- “Daí, eu cuidei dele (quando o marido ficou doente por dois anos). Cuidei dele,
cuidei do serviço, cuidei dos filhos. Dei conta de tudo.
- “Eu tinha uma energia que parece que não era natural, porque eu dava conta
de tudo, não deixava nada para trás.”
- “Não, naquele tempo não era como hoje não. Naquele tempo ninguém ajudava
como hoje, a prefeitura não ajudava, naquele tempo não... ninguém ajudava.
Hoje as pessoas ajudam, fazem bingo, fazem isso fazem aquilo. Mas naquele
tempo não, naquele tempo era cada um para si... Não, naquele tempo a
comunidade não era assim como é hoje.”
- “Corri em diversos médicos, mas nenhum deu jeito (...) um dia, fiquei com uma
gripe muito forte e (...) aí pronto, fiquei surda. Fiz um aparelho. Agora, para eu
ouvir, só com aparelho. Sem o aparelho eu não escuto.
- “Eu esperei ela (a filha mais nova) ter 15 anos, porque eu tinha muitas varizes e
o médico queria operar, eu disse ‘enquanto eu tiver a menina que não pode se
ajudar eu não opero’, porque eu tinha medo de operar e morrer, como de fato
eu quase morri (após realizar a cirurgia).”
Resistência apesar das perdas
- “Eu sempre fui uma pessoa muito conformada, eu nunca fui uma pessoa de
desanimar, ter medo das coisas, eu sempre era uma pessoa muita animada (...).
Eu cuidava dele (marido doente) naturalmente, nos últimos tempos que ele
estava de cama, eu estava sozinha com ele, não tinha ninguém comigo. Eu
ficava sozinha com ele, e à noite quando ele precisava de qualquer coisa eu
atendia, eu ajudava.”
- “Quando ele faleceu, ele ficou 15 dias lá no hospital que era uma penúria a
gente ver, lá no oxigênio e coisa. Eu pensava assim, se era para eu ficar com ele
e vendo ele sofrer desse jeito, foi bom que Deus o levou. Eu me conformava,
porque ele estava sofrendo muito nos últimos tempos no hospital. Que
sofrimento era lá, era muito triste a gente ver(...) foi melhor para ele morrer(...)
Porque ele não podia mais viver, do jeito que ele estava não podia mais viver.
Então Deus o levou. A gente se conformou, porque nossa vida é assim, ela vai
até um tempo, depois...”
82
BENZEDEIRA
Perseverança apesar das dificuldades
- “O povo era pobre (...) Era alegre e também era triste... Mas também era alegre
o povo...
- “Depois que ele (o pai) morreu, nós tivemos que ir pra roça... Nós era pequeno
(8 anos)... Aí, trabalhava na roça, fazia farinha (...) Era uma vida pesada... Oh,
credo!”
- “A santidade foi-se. Hoje têm muito poucos que rezam, que sabem fazer essas
coisas. Muito pouco. Agora, hoje, a gente vê o povo, nem na igreja não vão, na
missa. Acabou, desprezaram a missa. (...) Hoje a gente vê gente que tem uma
vida boa e vive triste. Porque não reza.”
- “Hoje o povo não faz mais nada disso (autocuidado). Mas também não sabem,
estudam mas não é para essas coisas”.
- “(...) depois meu marido ficou doente, morreu e fiquei sozinha com o Deca e a
Maria, eu tinha um casal de filhos. Aí a Maria casou, eu fiquei sozinha com o
Deca. (...) Aí, fizemos aquela casinha de madeira ali (aponta) e ficamos
morando ali. (...) Aí então, viemos morar aqui (casa de alvenaria) e o Deca tem
dois filhos gêmeos (...) estão com vinte e quatro anos. A avó que criou eles”.
- “Eu fui à escola, mas não aprendi. sei escrever, mas não sei ler. Só sei
assinar meu nome. Depois, era duas horas de viajem (se referindo à escola)
fomos pouco tempo e ninguém foi mais. (...) Naquele tempo não havia escolas
quase”.
- “(...) e eu não quis mais trabalhar na roça. Isso não dá mais nada e eu não
posso mais assim sozinha e eu fui lá para cidade. Estive na cidade por oito
anos. (...) fiquei oito anos lá (Florianópolis). Aí depois, também enjoei. (...) era
uma vida tão pesada. (...) E aí eu vim embora. (...) vim para minha terra de
novo”.
Resistência apesar das perdas
- “(...) ele (marido) se levantou e caiu morto, morreu. Ai eu sozinha com ele, ai
eu chamei o Deca, sacudimos e nada. Então, colocamos ele em cima da cama e
disse para o Deca chamar o compadre (...). Eu disse ‘sabe de uma coisa, eu vou
aprontar ele’. Fui lá na cozinha, trouxe uma bacia com água, ele tinha um
monte de roupa vestido, estava frio, e com uma faca, rasguei tudo e lavei ele
bem lavado, enxuguei bem, vesti a camisa. Quando estava arrumando ele, eles
chegaram. O compadre Antônio chegou e aprontaram o resto. Eu tinha um
medo de defunto que nossa senhora!
- “Eu perdi meus irmãos todos, perdi meu marido, perdi a mãe, que alegria eu
posso ter? (...) A benzedura é a alegria da vó. (...) A benzedura é uma alegria...
(...) É, (minha vida foi) sempre alegre...”
CONTADOR DE HISTÓRIAS
Persistência apesar das adversidades
- “A primeira safra foi pouca coisa de cana, (...) no segundo ano, já deu onze
‘carradas’ de açúcar, seiscentas e tantas arrobas de açúcar, isso já era muito
83
naqueles tempos, colhia muito milho, muito feijão, batatinha, então tudo
ajudou”.
- “(...) depois de tempo de casado eu não tinha tempo pra estudar nem pra pegar
num livro (...) Sempre, gosto muito de ler, escrever (...) no primeiro tempo que a
gente era casado, que compramos o terreno, a gente tinha pouco tempo, mas
sempre gostava e o tempo não permitia”.
- “(...) nós éramos pra ir comprar (o terreno para a família viver), (...), mas
uns meses depois a gente já não, não vamos (fomos) mais pra lá, por causa da
malária, por que lá o pessoal reclamava, tinha aquele terreno bonito que não
adiantava nada, a maior parte tava de cama por causa da malária. (...) quando
eu cheguei aqui (no outro terreno escolhido), não tinha nada, nada, nada nem
pasto, nem roça nada! (...) aqui era perigoso, tinha muitas feras, bichos, cobra
tinha muita. Eu já fui mordido três vezes. Se eu não tinha seguido o conselho de
um amigo (de não andar mais descalço), eu já não tava mais vivo”.
Resistência apesar das perdas
- “(...) eu fui pra lá, ali pelas onze horas e não encontrei-o (filho), a casa tava
toda a aberta, eu tava vendo o serviço dele que ele tava fazendo (...), mas eu
não encontrei com ele, fui pra baixo (...), olhamos dentro de casa, pra lá, pra
cá, e nós fomos embora. Quando estávamos aqui em casa já falaram no telefone
que ele tinha morrido... E nós estivemos ali, mas não lembramos de olhar
embaixo da casa, eu vi que tava aberto ali, mas ninguém se lembrou de dar uma
olhada ali. Ninguém olhou em baixo da casa e quando chegamos aqui já
avisaram por telefone que ele tinha morrido (eletrocutado). (...) Ah, sim! Era
muito ligado a ele... (...) Faz três anos que ele faleceu”.
- “Ah, muito... A primeira foi assim: ela tinha malaria e então eu fui dar o
remédio da malaria e tinha escrito assim: criança pequena não sustenta o
remédio, e dei o remédio e a criança logo morreu. Ela já começou a ficar ruim e
o médico disse: pode dar remédio, mas a criança não sobrevive. Mas eu tinha fé
que ela podia sarar. Mas, já logo que tomou o remédio, já faleceu. Isso me
mexeu muito... E a outra faleceu pra pneumonia. Começou no meio dia e já no
outro dia já tava morto... Toda a vida gritando...” (relatando o quanto a morte
de duas filhas mexeram com ele)
- “No primeiro dia (após a morte da primeira esposa) a gente já não sabia mais o
que fazer... (...) mas depois de um tempo (dois anos), (...) aí eu casei com a
Catarina (segunda esposa)”;
- “Não teve grandes mudanças (após a morte da esposa), toda a vida era o
mesmo, trabalhar na roça, ir pra igreja”.
- “(...) primeiro eu achei que não ia casar mais, mas depois... e foi um outro
amigo também, era viúvo, o ‘Iube’. Ele falou comigo: ‘nós dois não podemos
ficar viúvos por que nos somos muito novos’ (...)”.
84
4 - SOLIDARIEDADE
ZELADORA
Individual
- Daí, eu cuidei dele (quando o marido ficou doente por dois anos). (...) Eu
cuidava dele naturalmente, nos últimos tempos que ele estava de cama, eu
estava sozinha com ele, não tinha ninguém comigo. Eu ficava sozinha com ele, e
à noite quando ele precisava de qualquer coisa eu atendia, eu ajudava.”.
- “Eu pensava assim, se era para eu ficar com ele (marido doente) e vendo ele
sofrer desse jeito, foi bom que Deus o levou. Eu me conformava, porque ele
estava sofrendo muito nos últimos tempos no hospital. Que sofrimento era lá,
era muito triste a gente ver (...) foi melhor para ele morrer”.
- “As vizinhas às vezes ganhavam os nenéns e ainda me ocupavam para ir lá,
ajudar, e eu fazia. Eu ia lá e ainda dava uma mão para elas (...) Eu era mãe de
muitas delas.”
- “Eu imaginava casar, ter filhos e ajudar a minha família”.
Coletiva
- “Hoje as pessoas ajudam, fazem bingo, fazem isso fazem aquilo. Mas naquele
tempo não, naquele tempo era cada um para si... Não, naquele tempo (na
juventude) a comunidade não era assim como é hoje.
- “Quando o pai esteve doente, cada noite ficava um (filho) lá, eles fizeram
reunião entre eles ‘hoje é esse, amanhã é esse, depois de amanhã é aquele...’.
Ninguém achou ruim, todo mundo ajudou.”
- “(...) eles (os filhos) me amparam, cuidam de mim, quando preciso ir no médico
eles me levam, me trazem. Quando eu preciso uma consulta, alguma coisa eles
arrumam para mim. Então isso para mim é uma alegria, um conforto. Eles não
me deixam cair no chão, estão sempre me acalentando. Tudo o que eu preciso é
só falar.”
BENZEDEIRA
Individual
- “Deixo tudo (que estou fazendo) e faço (benzedura). Tem muita gente aqui para
benzer”.
- “(...) Ah, a gente ajuda os pobres. Eles vêm aqui e eu dou roupa e dinheiro...
(...) Mesmo aposentada, o que eu tenho eu reparto com os outros...”
- “E sou boa também, ajudo os outros. Ganho um ‘salariozinho’ mas ainda
ajudo, tem tanta gente que vem aqui pedir. E a vó dá. Não deixo sair sem
dinheiro, eles vem eu dou pão, quando chega o Natal, eu dou dinheiro para eles
comprarem uma galinha, para comer, para eles fazerem a festa deles também.
(...) tem que ajudar.
- “Ah, eu rezo para (ela mesma) durar bastante anos, mas com saúde. Para
ajudar... pois se a vó morre, quem vai rezar como eu rezo?”
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Coletiva
- Fazíamos cachaça, açúcar, farinha, plantávamos arroz, feijão. Só
comprávamos carne, mas às vezes matávamos (algum animal) ou outros
matavam, vamos uns pedos aos outros (...)”
- “Os vizinhos, tudo era muito bom, ajudavam os outros (...) Se alguém não tinha
no que trabalhar dava uma ajuda boa para ele trabalhar... (...) Um ajudava o
outro”.
CONTADOR DE HISTÓRIAS
Individual
- “Isso sempre foi assim, a gente sempre gostava de ajudar as outras pessoas,
(...) o padre, sempre que precisava de mim, eu sempre tava disposto a qualquer
serviço também”.
- “(...) esta igreja eu ajudei muito, por que a maior parte da madeira foi tirada
daqui do mato pra fazer esta igreja; e até pra igreja de Antonio Carlos, a
madeira mais pesada foi tirada daqui sem cobrar um tostão”.
Coletiva
- “Ajudavam (os filhos)... a esposa também ajudava muito, toda a família
trabalhava junto, toda a família ajudava na roça”.
- A própria da comunidade, tudo vinha do pessoal mesmo, até as estradas, até
por que as estradas eram da largura do carro de boi (...)”.
86
5 - ESPIRITUALIDADE
ZELADORA
- “Ele (marido) foi no hospital, os médicos desenganaram e mandaram ele para
casa e ele achava que não iria mais ficar bom. Eu era muito devota à Nossa
Senhora: eu fiz promessa de fazer procissão com as crianças para a gruta, para
Deus resolver o que fosse para resolver, se fosse para ele ficar bom que ficasse,
se não fosse que Deus se lembrasse porque eu não estava mais agüentando. E
ele começou a melhorar e logo ficou bom.”
- “Como eu tinha muita confiança em Deus eu esperava felicidade, sempre
esperei ser feliz, e graças a Deus, como eu fui feliz.”
- “A minha força sempre vem lá do alto, eu não poderia ter vencido o que eu
venci.”
- “Desde de criança, eu sempre fui muito religiosa.”
- “No meu parecer, sem Deus, ninguém forma. Eu sempre digo para os meus
filhos: ‘Botem Deus na frente para vocês irem em frente.’(...) Porque se a gente
tem fé, a gente tem força; se a gente não tem fé, a gente perde a força. Pessoas
que não tem fé eles perdem a força, eles caem na vida, caem na droga. A pessoa
que não tem fé não tem força, eu acho. Porque tem pessoas que são internadas e
se não tem fé caem de volta.”
BENZEDEIRA
- “E a benzedura então, meu Deus do Céu. (...) Eles (os benzidos) ficam todos tão
contentes...”
- “(...) eu dizia assim para ele: “Ô Quinca, se eu morrer primeiro, queres que eu
venha cá dizer como é lá em cima?”. E ele disse: ‘Uma cagona que nem tu?
Tens medo! Como é que eu posso aparecer para ti?’ Aí eu disse assim: ‘Não,
mas vem quando o Deca (filho) estive junto’. Aí tá, ficou assim. ‘E se tu
morreres primeiro?’ Aí eu disse: ‘Se eu morrer primeiro?’ Ele disse: ‘Se tu
morreres primeiro, tu vens dizer para mim? Mas ele morreu primeiro. Pois eu
não fiquei com medo. (...) Eu perdi o medo. Aí, um dia eu cheguei, ele já tinha
morrido faziam uns três ou quatro meses, o Deca saiu, e eu fui lá ao quarto. E o
Quinca estava lá. Eu disse: ‘O que é Quinca?’ Ele disse: ‘Eu vim aqui dizer o
que tinhas pedido...’”
- “Tu vês, (...) os ricos não vão para o céu. (...) Ah, a gente ajuda os pobres. Eles
vêm aqui e eu dou roupa e dinheiro... (...) Mesmo aposentada, o que eu tenho eu
reparto com os outros...”
- “A vida da gente é pesada né? Mas é cheia de alegria. A gente deve ter alegria e
fé em Deus. Eu sempre digo, Deus é bom. Por que sem Deus nós não somos
nada e com Deus nós somos valentes.”
- “E sou boa também, ajudo os outros. Ganho um ‘salariozinho’ mas ainda
ajudo, tem tanta gente que vem aqui pedir. E a vó dá. Não deixo sair sem
dinheiro, eles vem eu dou pão, quando chega o Natal, eu dou dinheiro para eles
comprarem uma galinha, para comer, para eles fazerem a festa deles também.
(...) tem que ajudar. Quem não dá esmola não entra no céu.”
- “Ah, estou (satisfeita com a vida), eu sei que vou para o céu!
87
CONTADOR DE HISTÓRIAS
- “Isso sempre foi assim, a gente sempre gostava de ajudar as outras pessoas, (...)
o padre, sempre que precisava de mim, eu sempre tava disposto a qualquer
serviço também”.
- “É por que a gente quer seguir a vida de Jesus, (...) aí ia à igreja, ia à doutrina
e ia fazer a primeira comunhão... e quando a gente tinha idade ia se casar na
igreja pra ter a vida mais ou menos tranqüila”.
- “(...) não tenho nada melhor que os outros também, só vai por que Deus me
deixou aqui pra ver que eu tinha mais uma tarefa a fazer, não acabei minhas
tarefas ainda, meus trabalhos. Por causa disso cheguei a 90 anos”.
88
6 - RELACIONAMENTOS AFETIVOS
ZELADORA
Filhos, familiares e amigos (filhos, netos, etc)
- “Os que moram perto no domingo vem todos para cá. Enchem a cozinha. Eu
faço uma mesa americana, eles passam e vão se servindo. Mas é uma alegria.
Foi muita dificuldade para cria-los, mas hoje é uma alegria. Eu dou graças a
Deus.”
- “(...) porque quem tem uma família que nem eu tive tem que estar a par com
eles em casa para educar, para cuidar.”
- “As vizinhas às vezes ganhavam os nenéns e ainda me ocupavam para ir lá,
ajudar, e eu fazia. Eu ia lá e ainda dava uma mão para elas(...) Eu era mãe de
muitas delas.”
- “Eu sempre estava contente, cada filho que eu ganhava, eu sempre aceitava
com muito amor, todos eles. Hoje ainda o amor deles é todo igual.”
- “(...) mas eles (os filhos) têm medo que de repente vai atacar a (minha)
coluna.”
- “Eu sou muito apegada a eles (os filhos) e eles são a mim tamm (...) As
minhas netas também são muito apegadas a mim (...)”
- “Hoje para mim essa felicidade é minha família, são os meus filhos. Hoje a
felicidade que eu tenho são os meus filhos que eles me amparam, cuidam de
mim, quando preciso ir no médico eles me levam, me trazem. Quando eu preciso
uma consulta, alguma coisa eles arrumam para mim. Então isso para mim é
uma alegria, um conforto. Eles não me deixam cair no chão, estão sempre me
acalentando. Tudo o que eu preciso é só falar. Essa semana duas filhas foram
comigo no médico, a nora também foi...”
Amores
- “O Alvino (esposo) tinha 21 e eu tinha 20 (anos, ao casamento)... Nós nos
conhecemos desde os tempos de aula... Depois nós nos criamos, ele foi para um
lado e eu para o outro, ele tinha as namoradas dele eu tinha os meus
namorados e ficou assim (...). Depois, (...) me pediu em namoro e a gente
casou.”
- “Nós vivíamos em paz... se havia qualquer coisinha um perdoava o outro e
pronto, estava tudo bom de novo. Era assim... A gente levou a vida assim até 61
anos... 61 anos de casado.
- “Eu tive uma vez um namorado, ele era lá de Biguaçu e eu gostava muito dele,
naquela época eu era bem nova, eu tinha 17 anos quando namorei aquele
rapaz. Namorei um ano mais ou menos. Ele era lá de Biguaçu. Ele vinha de
Biguaçu até aqui de bicicleta só para conversar comigo, quase morria para vir
conversar comigo (...) Depois eu paquerei outro aqui, ele era irmão desse vice-
prefeito aqui, paquerei aquele uns tempos também. Ele já estava falando em
casar, e não sei mais o quê, daí eu já desisti daquele também. E comecei de
namoro com esse que é meu marido e casei com esse, né?”
89
BENZEDEIRA
Amores
- “(...) depois ele (o esposo) contou, depois de casado, (...) ele contou pra mim,
(...) que ele disse assim (antes de seu primeiro casamento): ‘Meu Deus dou,
por que eu não fui casar com a Regina? Agora vou casar com aquela moça,
devia casar com a Regina (...)!’ (...) e parece que Deus lá no céu disse amém e
ela morreu. Cinco anos de casado e ela morreu e ele foi me procurar. Vê que
coisa!”
- “Depois de casada (começou a criar amor pelo esposo). (...) Ele era uma
pessoa muito boa...”
Filhos, familiares e amigos
- “A minha mãe era muito boa, eu gostava dela”.
- “(...) minhas netas estão todas bem, eu ganhei uma bisneta, e tem quatro netas
e tenho dois netos (...), todos casados. Os dois netos estão solteiros ainda. Mas é
a alegria da vó. (...) São todos os dois noivos, tem 24 anos, vão casar e a vó es
bem contente.”
- “(...) morava um aqui, outro ali (membros da família). (...) mas um ia passear
na casa do outro”.
- “(...) depois apareceram os dois pequenos gêmeos (netos) (...). Aí a vó criou
eles, (filho e nora) deixavam a semana inteira aqui com a vó, depois eu ia
passar os finais de semana lá com eles... Eles gostavam tanto da vó!”
CONTADOR DE HISTÓRIAS
Amores
- “Eu fui falar com ela (segunda esposa) e então ela logo aceitou (casamento), e
depois o pai dela também e então fizemos o casamento!”
- “Mas o que mais valeu a pena pra mim foi ser casado, (...)ter esposa (...), tanto
a primeira quanto esta aqui (a segunda)...”
Filhos, familiares e amigos
- “(...) logo (após casar) tive muitos filhos, ao todo são 20 filhos, três com ela (a
esposa ao lado) e 17 com a falecida”.
- “quase todo domingo tem um filho aqui em casa, de vez em quando eles vêm
mais juntos e vem pra cá”.
- “Ah! Tinha, sim! Tinha uns companheiros da escola que ficaram amigos até o
final da vida (...) agora minha turma tá ficando meio fraca já. Tem dois
companheiros do meu banco, éramos quatro: o Zacarias faleceu, o Luiz tá meio
mal também e é um pouco mais velha que eu, e o Samuel era do meu banco, (...)
quatro alunos. (...) (ficamos amigos) a vida toda. (...) Sim, tinha muitos amigos,
amigos que eram do meu banco. (...) Faleceram...”
- “Estes amigos eram muito... E todo mundo gostou de mim, e eu também gostava
de todo mundo. (...) mas todo mundo gostava muito de mim até hoje, eu gosto de
todos e todo mundo gosta de mim.”
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7 - SENTIMENTO DE REALIZAÇÃO
ZELADORA
Satisfação com a vida
- “Como eu tinha muita confiança em Deus eu esperava felicidade, sempre
esperei ser feliz, e graças a Deus, como eu fui feliz.”
- “Hoje eu olho e penso que era impossível eu alcançar tudo o que eu alcancei.
- “(tive) Dezessete (filhos). Uma menina faleceu. Faleceu com 2 anos e 7 meses...
(criei) Dez homens e seis mulheres. Uma tarefa bem cumprida.”
- “Eu imaginava casar, ter filhos e ajudar a minha família. Como aconteceu.
Aconteceu isso ai.”
- “Às vezes, eu perco o sono e fico pensando ‘será que você conseguiu dar a volta
em tudo isso?’. Mas eu dei.
- “Mas foi uma vida bonita. Hoje em dia quando a gente se reúne aqui, às vezes a
gente fica conversando uma hora, duas horas ali na mesa batendo papo. E eles
(filhos) dizem ‘que tempo bonito aquele que a gente morava no interior...’. Hoje
eles gostam daquilo.”
- “Eu acho que o que mais valeu a pena foi a educação da minha família, porque
hoje eu estou vendo a família unida. Acho que foi o que mais me valeu. O
trabalho que mais me valeu foi esse. Me sinto feliz que pude educar a minha
família, pude conservar eles na união. Acho que isso valeu a pena (...) Me sinto
recompensada por isso.”
- “Para mim representou grande coisa (a criação e a educação dos filhos), pois
se eu pude cuidar deles educando e unindo eles sempre, para hoje eles serem
unidos, eu acho que é muita coisa.”
- “(...) é o bem estar, viver de bem comigo mesmo. Eu estava de bem comigo
mesmo e aquilo dava vida para a gente. Eu sempre fui uma pessoa disposta,
alegre, comunicativa, assim com todo mundo. Acho que é a alegria que traz
vida para a gente (...) Isso foi a fé, foi a saúde, isso eu não posso te dizer. Eu
sempre tive essa energia, nunca me custou nada. Meus trabalhos, nada me
custava. Eu fazia tudo com amor (...), o trabalho também. Era a fé, o trabalho, o
amor, a família, tudo isso.”
BENZEDEIRA
Satisfação com a vida
- “Quando a gente tem saúde, a gente fica tão contente. Os meus netos são tão
bem de saúde, quando eles vêm passear aqui, fico tão contente.”
- “(...) meus irmãos todos morreram uma morte bonita... tem gente que passa
trabalho para morrer, não morre, sofre e sofre, é uma coisa... (...) todos tiveram
mortes bonitas... (...) A minha mãe também teve uma morte bonita, (...) o meu
pai... todos tiveram mortes bonitas.”
- “Ah, a vó (ela mesma) queria (dar estudos para os filhos)... Eu tenho uma
paixão, porque não sei ler. Ah, se eu soubesse ler era outra coisa... (...) Ah, eu
queria que eles aprendessem a ler e que trabalhassem, que fossem bons para os
outros, que não tomassem cachaça, que não bebessem. Gostava que ‘se dessem
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com os outros’. É muito bonito agente se dar com os outros... (...) deu tudo
certo.”
- “Ah, a vida foi uma vida muito boa, sempre. Porque agente sabia que existia
Deus e que ele não é ruim para ninguém... (...) É, foi sofrida sim... (...) Mas
tinha alegria. (...) Era sofrida mas era cheia assim, eu gostava de trabalhar. (...)
Essa era uma vida boa, era uma vida de sacrifícios, mas agente tinha alegria,
sabe como é? É, a vida tinha alegria.”
- “Ah, estou (satisfeita com a vida), eu sei que vou para o céu!
CONTADOR DE HISTÓRIAS
Satisfação com a vida
- “Mas o que mais valeu a pena pra mim foi ser casado, ter família, ter sitio, ter
terreno, ter esposa (...) tanto a primeira quanto esta aqui... E esta foi a melhor
parte da minha vida: criar uma família... ter um terreno bastante grande...”
- “É por que a felicidade a gente não sofre mais a gente ta satisfeito, né? A gente
ver: ‘Ah! Aqui tem tudo que eu quero!. Satisfeito... Eu acho que a felicidade é
isso...”
ZELADORA
Auto-estima elevada
- “Eu acredito em mim mesmo, porque se eu não acreditar em mim mesma eu
também não posso ter força.”
- “E tem a minha fita que vou te mostrar que eu tenho que usar quando vou a
Igreja. Eu tenho que usar essa fita toda vez que vou na missa. Isso aqui é o sinal
que eu sou zeladora.”
- “Hoje ainda, eles (os filhos) se preocupam bastante comigo.”
- “Se ele (um dos filhos mais próximos) pode vir, ele vem. Ele vem aqui, fica uma
meia hora e vai embora, para saber como eu estou. Senão, ele liga: ‘Mãe, como
é que você está? Está bem?’”
- “Todos os domingos, os meninos (os filhos e suas famílias) vêm todos... Isso
para mim é uma alegria. Essa mesa aqui, eles enchem de um lado a outro.
- “Eu conservei essa união (entre a família) e acho que eu vou conservar até
morrer. E já os netos, os namorados das netas, estão todos aqui. Quando tem
festa, alguma coisa, Natal, Ano Novo, esses dias, estão todos aqui, vêm todos
para casa. É neto, é bisneta, é os namorados, os maridos, vêm todos, aparece
toda a família. Essa união é bonita. As pessoas se admiram.”
- “Eu nunca fui de baixar a cabeça e entristecer, tanto que as pessoas que tinham
contato comigo sempre me perguntavam como que eu fazia para conservar a
alegria.”
- “Porque eles (os filhos) são tão apegados a mim que eu acho que se eu faltar
eles vão sentir muita falta (...) Quando o pai faleceu, eles não sentiram muito,
mas quando eu falecer acho que eles vão sentir muito.
- “(...) eu andava de bicicleta muito bem que todos se admiravam que eu andava
muito bem, andaram me filmando de bicicleta...”
BENZEDEIRA
92
Auto-estima elevada
- ... E a benzedura então, meu Deus do Céu, tem dias que vem dez pessoas...”
- De Florianópolis então, (...) vem tanta gente de lá, ficam boas! (...) É mesmo
uma alegria dizer: ‘ficou bom!’. Quanta gente telefona para mim para dizer que
ficou bom! Eles telefonam até lá do Rio de Janeiro.”
- “(...) lá em Florianópolis eu já rezava para eles também... (...) Depois que eu
vim para cá, de vez em quando vem um aqui para eu rezar. E tudo fica bom! E
colocaram no jornal! A avó não queria, mas colocaram no jornal. Vem muita
gente, a avó não dá mais para isso. Tiraram foto da avó, colocaram no jornal...
e depois eu pedi para eles (jornalistas) não virem mais por que eu não posso. Se
eles querem, venham aqui, a velha reza”.
- “Ah, eu rezo para (ela mesma) durar bastante anos, mas com saúde. Para
ajudar... pois se a vó morre, quem vai rezar como eu rezo?Então a vó reza para
poder deixar a vó mais tempo, mas com saúde, doente na cama não. (...) Por
que eu sei que faz falta. Se eu morrer, farei muita falta... Nossa Senhora! Todo
mundo vêm aqui e diz: ‘ah, eu vou rezar pra vó ficar boa’, pois de vez em
quando fico doente. Mas eu digo ‘não, mas minha doença é velhice’.”
CONTADOR DE HISTÓRIAS
Auto-estima elevada
- “já na igreja, no serviço da igreja... Ai, todos que tinham que anotar missa e
coisas assim, então todo este pessoal vinha comigo, eu fazia o trabalho pro
padre, (...), mas todo mundo gostava (...)”.
- “(...) eu queria fazer um discurso pequeno também, foi neste ponto que foi
escrito este primeiro caderno. Depois todo mundo gostou do caderno, (...) todo
mundo gostou muito do serviço”.
- “Destes livros ai (escritos por ele), eu já vendo mais de cem. E, se tivesse mais
cem ou mais duzentos, eu vendia mais. Não ficava nenhum (...)”.
- “É por que se ninguém tivesse dado valor, eu não tinha continuado (a escrever),
mas como todo mundo tava gostando...”
- “(...) mas todo mundo gostava muito de mim até hoje, eu gosto de todos e todo
mundo gosta de mim.”
ZELADORA
Deixar / fazer parte de um “legado”
- “Eu gostei, ensinei os meus filhos, até o mais velho é presidente de uma Igreja,
ajudou a construir uma Igreja. Tem o Luis Carlos que é da Igreja, ele é cantor,
ele dirigi tudo ai da Igreja, dá catequese, crisma, faz reunião de batismo, tudo é
com ele. Ele e a esposa dele. E tem a Maria de Lourdes que trabalha lá em
Barreiros ela é da Igreja também, ela que cuida tudo na Igreja, ela é ministra
da eucaristia, é do movimento de pessoas que fazem grupo de oração. Tem o
outro lá em Joinville também. Tem o Lázaro que mora lá em Forquilhinhas
também é ministro da eucaristia e ajuda a Igreja. Os meus filhos são todos
iguais a mim. Todos eles, foram instruídos desde pequenininhos e hoje
ajudam a Igreja. Uns são mais, outros são menos,. Uns são meio preguiçosos e
tem que dar uma puxadinha...”
93
- “Desde pequeno, eles sempre foram muito unidos, se casaram mas nunca
deixaram a casa... Sempre foram unidos. Quando o pai esteve doente, cada
noite ficava um lá, eles fizeram reunião entre eles ‘hoje é esse, amanhã é esse,
depois de amanhã é aquele...’. Ninguém achou ruim, todo mundo ajudou.
Durante o dia ficavam as filhas e a noite os filhos.”
- “Eu conservei essa união (entre a família) e acho que eu vou conservar até
morrer.
BENZEDEIRA
Deixar / fazer parte de um “legado”
- “(...) ela (sua mãe) era benzedeira e fazia os remédios, ela ia longe e eles
vinham com carrinho de mola para buscá-la. (...) (aprendeu a benzer) Com a
mãe dela. (...) Depois quando ela morreu, eu vim para aqui e eles sabiam que eu
sabia benzer”.
- “Ah, tem que ensinar. (...) A gente tem que ensinar, mas quem vem aqui, tem o
livrinho, aí quem pega o livrinho, aprende!”
- “Eles são muito bons, a vó ensinou eles (os netos). (...) E sempre digo para eles,
se um for mais pobre, ajuda o outro. Um tem que ajudar o outro, que é tão
bonito, todos terem. Mas tem gente que é ruim, se o irmão é pobre não ajuda.
Tem que ajudar.”
CONTADOR DE HISTÓRIAS
Deixar / fazer parte de um “legado”
- “(desejava para os filhos) Que eles tivessem um ‘ estudozinho’ pra eles. Quem
quisesse estudar, podia estudar. Porque, dos rapazes, quatro estudavam pra
fora; mas, das moças, também quatro, cinco também estudaram no colégio e
uma ficou freira. (...) Os que não foram estudar, foram trabalhar de carpinteiro,
pedreiro, ate tem um que tá na Palhoça, que tem uma turma que trabalha com
ele, mas ele é o chefe, que trabalha pra cidade, pras praias pra todo lugar. Tem
um que chegou até Major da policia. (...)Deixei a vontade, quem quer estudar,
não mandava ninguém só ia quem queria”.
- “(...) pra igreja todo mundo (os filhos) gostava de ir. (...) sempre junto no
domingo”.
- (...) lá naqueles tempos, a gente (a família) ia todo mundo junto pra igreja. (...)
eles (os filhos) já iam por eles... já levava todo mundo junto”
- “Eu era o chefe do coral aqui (...) e depois (...) foi entrando mais gente, com
mais estudo que eu, e daí eu pedi pra eles continuarem. (...) Hoje tô no coral
ainda”.
- “eu gostava que (os filhos) continuassem a religião como a gente da família,
por que a gente tinha fé que aquele era um meio pra gente se salvar, né? Eu
praticava a religião como os pais e avôs também já tinham... e a gente gostava
que filhos continuassem também. (...) Sim... (os filhos e netos) Vão sim”.
ZELADORA
Prosperidade
- Naquele tempo não tinha farmácia, não tinha nada aqui, era tudo deserto como
se diz, não tinha estrada, não tinha nada. (...) Depois arrumaram, fizeram o
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asfalto, daí melhorou. Começou a ficar bom. Veio a farmácia para cá e coisas
que eram preciso. Antes não tinha nada.”
- “Mas naquele tempo era falta de padre, falta de condução, falta de estrada,
falta de tudo. Era muito difícil. A estrada era horrível.
- “(...) eu estudei até o primário, depois do primário eu sai da aula (...) naquela
época, não tinha o ginásio’ da escola.”
- “Então eu tinha que escrever todas as cartas, porque naquele tempo não é que
nem hoje, naquele tempo não tinha telefone. Eu tinha que escrever as cartas
(para a família adotiva).”
- “Não, naquele tempo não era como hoje não. Naquele tempo ninguém ajudava
como hoje, a prefeitura não ajudava, naquele tempo não... ninguém ajudava.
Hoje as pessoas ajudam, fazem bingo, fazem isso fazem aquilo. Mas naquele
tempo não, naquele tempo era cada um para si... Não, naquele tempo a
comunidade não era assim como é hoje.”
BENZEDEIRA
Prosperidade
- “E ele (filho) veio aqui e comprou esse chão de casa (...). Aí fizemos aquela
casinha de madeira ali e ficamos morando ali. O terreno (antigo) está lá ainda,
o terreno está lá no sítio... Tem gado, tem galinha e tudo. Fica perto, é atrás
desse morro... (...) Aí então viemos morar aqui (casa de alvenaria) (...)”.
CONTADOR DE HISTÓRIAS
Prosperidade
Individual
- “(...) eu casei em janeiro e comprei o terreno em setembro no mesmo ano (...)”.
- “Eu tinha terreno pra trabalhar em casa, no terreno do meu pai, mas depois a
gente já tem um dinheirinho e já queria comprar um terreno.”
- “A casa nova nós começamos em 13 de dezembro (...) de 1961 e em 62 foi
pronta... em 62... no mesmo dia, já colocamos luz elétrica, no mesmo dia.
Dividimos lá em baixo, lá na roça pra ficar tudo iluminadinho. Trinta e seis
lâmpadas até 1977, quando foi posta a luz de fora. (...) Nós tínhamos um motor,
e um dínamo, pra fazer a eletricidade”.
- “Primeiro foi à casinha lá em baixo, depois ali em cima maior, depois esta aqui
e depois esta ali, que tá melhorando...”
- “O meu serviço de escrever (...) todas as famílias gostaram de ler o caderno,
tudo anotado bem direitinho, então foi indo assim e eu continuei a escrever. E
depois, (...) o meu filho bateu com a maquina (...), mas depois na prefeitura foi
feito com computador (...)”.
Coletiva
- “Nada, aqui não tinha nada”. (referindo-se a serviços públicos e infra-
estrutura, há 70 anos)
- “Hoje em dia é mais fácil, no tempo antigo pra nós assistir uma missa tinha que
ir pra São Pedro de Alcântara lá do outro lado do morro, hoje é tudo mais
perto, tem missa aqui por perto (...)”.
- “(...) naqueles tempos, o hospital era tudo pago (...)”.
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8 - CELEBRAÇÃO
ZELADORA
- “Os meus filhos, a união da minha família, tudo isso me traz alegria. As festas
que a gente faz em casa. Sempre fui de festejar o aniversário dos filhos, da
família e tudo isso traz alegria, isso traz vida. Se a pessoa não faz festa, não faz
nada, não traz alegria. Isso tudo é alegria, isso tudo traz vida, acho que por isso
que eu ainda estou vivendo.”
- “(...) na casa onde eu morava já tinham esse hábito de festejar aniversário,
começo do ano, Natal, essas coisas. Eu me casei e continuei com os mesmo
hábitos, o mesmo sistema.”
- “Tinha festa de São Pedro, São Paulo, tinha dança, a gente dançava e se
divertia. Tinha a festa de Santa Maria, tinham os padroeiros das Igrejas, então
eles faziam a festa e depois tinha dança. A festa era na Igreja e depois que
acabava a festa tinha dança nos salões das casas onde eles faziam a festa. A
gente dançava e se divertia(...)”
- “O encontro de Idosos, nós temos toda feira o encontro de Idosos... É ligado
a Igreja, ao Posto, a Prefeitura. A Prefeitura dá assistência.”
BENZEDEIRA
- “Tinha (todos os domingos)... Tinha baile, tinha missa... Domingo ia à missa,
voltava pra casa, de tarde ia dançar...”
- “Dançávamos que nos acabávamos, sabíamos dançar, nós éramos
‘dançadeiras’, todos dançavam conosco.”
CONTADOR DE HISTÓRIAS
- Por que eram os negociantes que faziam (as festas) e durante a semana era
escolhido um dia pra fazer pra igreja, e depois mudou, domingo pra negociante
e domingo depois pra igreja”.
- Em 1867, tinha chegaram os primeiros colonos aqui em ‘Rachadel’, então em
1967 nos fizemos a Festa do centenário”.
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9 - ESPERANÇA
ZELADORA
- “Eu sempre esperava que um dia eu seria feliz, mas de que jeito eu não sei... Eu
imaginava que mais tarde iria casar, encontrar um bom casamento... ter filhos e
ajudar a minha família (...) Eu nunca pensei em trabalhar fora, porque quem
tem uma família que nem eu tive tem que estar a par com eles em casa para
educar, para cuidar.”
- “(meu desejo) É chegar aos 90 anos para não deixar os meus filhos... (...) Até os
100 anos eu não vou viver. Seu eu for até os 90 dou graças a Deus.”
- “(Quero continuar) Fazendo o meu servicinho, fazendo a minha comidinha,
quando vem visita eu faço comida, faço o meu pãozinho, lavo a minha roupa,
fazendo, não quero perder as minhas energias, não. Por enquanto quero
conservar.”
- “(Quero) Curtir a vida, curtir a família. O que eu vou querer mais? Trabalhar
não posso mais, só serviço assim em casa, servicinho leve, mas se for para eu
enfrentar como eu enfrentava já não enfrento mais, minhas forças estão
perdidas.”
- “Eu acho que as coisas quando são para acontecer já estão no caminho da
gente.”
- “(...) sempre esperava a felicidade. Nunca desanimei.”
BENZEDEIRA
- “É, eu vou fazer 100 anos, vou fazer uma festa...”
- “Daqui para frente?(...) Rezar, ter fé em Deus. (...) continuar trabalhando. (...)
Trabalhando, fazendo comida, rezando, andando ao redor de casa. Mas
rezando, (...) benzendo as pessoas.”
CONTADOR DE HISTÓRIAS
- “Traz uma grande esperança (rezar e freqüentar a igreja), por que quando a
gente sair daqui vai pra outro lugar, aí pode encontrar um lugar melhor, mais
feliz”.
- “(...) eu estou escrevendo ainda, pra no fim do ano lançar um livro (...)”.
- “(...) depois que eu comprei este terreno, eu disse: ‘eu não vou nunca mais sair
daqui’ (...)”.
- “Ele (Deus) tá pra me mandar o que tem pra fazer ainda, tá pra aparecer; por
que acabando uma coisa já aparece outra pra eu escrever, agora já tem três
coisas ali e só eu ter tempo que eu vou fazer ainda, o que não vai dar tempo fica
como tá, mas já acabando um eu já escrevo o outro”.
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