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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA DE ECONOMIA DE SÃO PAULO - EESP
MÁRCIO NAPPO
A DEMANDA POR GASOLINA NO BRASIL:
Uma avaliação de suas elasticidades após a introdução dos carros bicombustível
SÃO PAULO
2007
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1
MÁRCIO NAPPO
A DEMANDA POR GASOLINA NO BRASIL:
Uma avaliação de suas elasticidades após a introdução dos carros bicombustível
Dissertação apresentada à Escola de
Economia de São Paulo da Fundação
Getúlio Vargas – FGV-EESP, como
requisito para obtenção do título de Mestre
em Finanças e Economia Empresarial.
Campo de conhecimento: Microeconomia
Orientador: Prof. Dr. Alexandre Lahóz
Mendonça de Barros
SÃO PAULO
2007
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MÁRCIO NAPPO
A DEMANDA POR GASOLINA NO BRASIL:
Uma avaliação de suas elasticidades após a introdução dos carros bicombustível
Dissertação apresentada à Escola de
Economia de São Paulo da Fundação
Getúlio Vargas - EESP, como requisito
para obtenção do título de Mestre em
Finanças e Economia Empresarial.
Campo de conhecimento: Microeconomia
Data de aprovação
02 / 03 / 2007
Banca examinadora:
Prof. Dr. Alexandre Lahóz Mendonça de
Barros (Orientador)
FGV-EESP
Prof. Dr. Paulo Furquim de Azevedo
FGV-EESP
Prof
a
. Dra. Márcia Azanha Ferraz Dias de
Moraes
ESALQ-USP
3
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha esposa, Juliana, pelo amor incondicional, pelo
apoio e incentivo nos momentos mais difíceis e, sobretudo, pela paciência e compreensão
pelas horas (e foram muitas) que passei ausente estudando e escrevendo esta dissertação.
Também gostaria de fazer uma menção especial ao Bernardo, meu filho, que
muito em breve estará conosco e que também cedeu um pouco do seu tempo para que este
trabalho pudesse ser concluído.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todo corpo docente do Mestrado Profissional em Finanças e
Economia Empresarial – MPFE da FGV-SP pelo curso de excelente qualidade que me foi
oferecido e a todos aqueles que estavam de alguma forma ligados ao bom funcionamento
das aulas. Agradeço também aos meus colegas de curso, pelo espírito de companheirismo
e pelo que me ensinaram ao longo de mais de dois anos de convivência, quase que diária.
Devo um agradecimento especial ao professor Alexandre Lahóz Mendonça de
Barros, meu orientador, e ao Prof. Alexandre Chibebe Nicolella pelo auxílio na parte
econométrica.
Também de fundamental importância foi o apoio financeiro da Associação
Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais – Abiove e a confiança depositada em mim por
Fabio Trigueirinho e Carlo Lovatelli.
Agradeço também à Renata Nascimento, economista da Petrobras e ao pessoal
da ANP pelo fornecimento das séries de dados relativas ao consumo e aos preços dos
combustíveis utilizadas nos testes econométricos desenvolvidos.
Agradeço ainda a meus pais, familiares e amigos, especialmente Cleide e Zeca,
que me incentivaram, me apoiaram e, sobretudo, tiveram enorme paciência ao longo da
elaboração deste trabalho.
5
RESUMO
A questão central que buscou-se responder no presente estudo foi: qual o
impacto dos veículos flex-fuel sobre a demanda por gasolina no Brasil? Para tentar
responder esta questão foi estimada a função demanda por gasolina no Brasil e suas
elasticidades-preço e renda, para o período de agosto de 1994 a julho de 2006 (era pós-
Plano Real), utilizando-se técnicas de cointegração para avaliar a existência de uma relação
de equilíbrio de longo prazo entre variáveis do modelo. Com a renovação da frota
automotiva, centrada cada vez mais nos veículos flex-fuel, cuja participação nas vendas
nacionais de veículos novos deve ultrapassar os 70% em 2006, surge a preocupação de
que o deslocamento do consumo de gasolina pelo álcool hidratado leve a excedentes
crescentes de gasolina no Brasil. Os resultados obtidos neste estudo indicam que a
demanda por gasolina no Brasil é inelástica no longo prazo, tanto em relação a variações
nos preços deste combustível, quanto a alterações na renda dos consumidores. Os valores
estimados para as elasticidades-preço e renda de longo prazo foram de -0,197 e 0,685,
respectivamente. Também foi estimado o coeficiente de uma variável binária de inclinação
associada ao preço da gasolina, incluída no modelo com o objetivo de capturar os impactos
da entrada do flex-fuel sobre a curva de demanda por gasolina a partir de março de 2003.
Esta variável binária de inclinação apresentou-se com um coeficiente de aproximadamente
-0,137. Isto significa que a partir de março de 2003 há uma significativa mudança na
elasticidade-preço da demanda por gasolina, que se torna mais elástica, saindo de -0,197
para -0,334. Este resultado indica que o mercado nacional de combustíveis de ciclo Otto
pode estar passando por mudanças estruturais, para as quais a entrada dos veículos flex-
fuel é a causa mais provável e que o álcool hidratado tem se tornado um substituto menos
imperfeito da gasolina.
Palavras-chave: Demanda por gasolina, Elasticidade-preço, Elasticidade-renda,
Veículos flex-fuel, Análise de Cointegração.
6
ABSTRACT
The central question that this study seeks to answer is: What is the impact of
flex-fuel vehicles on the demand for gasoline in Brazil? To attempt to answer this question,
the function demand for gasoline in Brazil was estimated, as were the price and income
elasticities, for the period August 1994 through July 2006 (post Plano Real era), using
cointegration techniques to evaluate the existence of a long-term balance relationship
between the model’s variables. With the renewal of the automotive fleet increasingly
centered on flex-fuel vehicles, whose market share in the domestic sales of new vehicles
should be over 70% in 2006, there is some concern that the shift from consumption of
gasoline to hydrated alcohol may lead to a growing excess of gasoline in Brazil. The results
obtained in this study indicate that the demand for gasoline in Brazil is inelastic in the long
term, in relation both to the price variations of this fuel and to the alterations in consumer
income. The amounts estimated for the price and long-term income elasticities were –0.197
and 0.685, respectively. An estimate was made of the coefficient of a dummy inclination
variable, associated with the price of gasoline and included in the model to capture the
impact flex-fuel has on the gasoline demand curve, starting in March 2003. This dummy
inclination variable had a coefficient of approximately –0.137, meaning that, as of March
2003, there is a significant change in the price elasticity of the demand for gasoline, which
becomes more elastic, going from –0.197 to –0.334. This result indicates that the Otto
cycle’s national fuel market might be facing structural changes in which the launching of flex-
fuel vehicles is the most likely cause and that hydrated alcohol has become a less imperfect
substitute for gasoline.
Key-words: Demand for gasoline, Price elasticity, Income elasticity, Flex-fuel
vehicles, Cointegration techniques.
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................8
2 COMBUSTÍVEIS DE CICLO OTTO NO BRASIL: UM BREVE HISTÓRICO DO
PERÍODO 1973 – 2005......................................................................................... .....10
2.1 Os choques do petróleo e suas conseqüências.........................................................10
2.2 Os efeitos dos choques no Brasil................................................................................11
2.3 O Programa Nacional do Álcool (PNA).......................................................................13
2.4 O Consumo de Gasolina no Brasil: Principais Eventos (1973-2005) .........................22
2.5 O Advento dos Carros Bicombustível .........................................................................27
3 MODELOS DE DEMANDA POR COMBUSTÍVEIS....................................................30
3.1 Modelos de Demanda por Combustíveis no Mundo...................................................30
3.2 Modelos de Demanda por Combustíveis no Brasil.....................................................33
4 O MODELO DE DEMANDA POR GASOLINA NO BRASIL................................. . ....41
4.1 O Modelo Econométrico..............................................................................................41
4.2 Fonte de Dados................................................................................................. .........42
4.3 Análise de Séries Temporais......................................................................................42
4.3.1 Testes de Raiz Unitária................................................................................... ...........44
4.3.2 Análise de Cointegração.............................................................................................46
4.3.3 Metodologia de Johansen para Análise de Cointegração...................................... ....48
4.4 Resultados da Regressão pelo método MQO............................................................50
4.5 Uma Análise Comparativa..........................................................................................55
5 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 57
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................59
8
1 INTRODUÇÃO
Ao longo dos últimos 30 anos o consumo de gasolina no país foi afetado de
forma significativa por diversos eventos. Nos anos de 1973 e 1979 os Choques do Petróleo
promoveram elevações nunca vistas antes nos preços do barril de óleo, com fortes impactos
no preço da gasolina e demais derivados. A reação brasileira aos choques da década de
1970 se deu em duas direções: a do desenvolvimento de tecnologias de exploração e
produção de petróleo em território nacional - que culminou na exploração de petróleo em
águas profundas pela Petrobras; e da implementação, em novembro de 1975, do Programa
Nacional do Álcool (PNA), cuja segunda etapa denominou-se “Proálcool” (em dezembro de
1978), quando o governo passou a incentivar as montadoras de veículos instaladas no país
a produzir automóveis movidos a álcool e os consumidores, a adquiri-los.
Como decorrência da produção de álcool para fins carburantes, o consumo de
gasolina no Brasil passou a ser afetado de duas maneiras: através da sua mistura com
álcool anidro (em teores ao redor de 20%), constituindo a chamada gasolina C, e
concorrendo diretamente com o álcool hidratado, principalmente no período de 1979 a 1987,
que marcam o ápice do Proálcool.
Apesar do enorme sucesso do programa, a partir de 1987 o Proálcool entra em
crise. O principal motivo foi o desabastecimento de álcool hidratado nos postos de
combustíveis, deixando os consumidores em situação crítica, visto que os carros movidos a
álcool não poderiam ser abastecidos alternativamente com gasolina. Gradativamente, o
Proálcool caiu em descrédito e a frota de carros movida a álcool, que naquele momento
representava cerca de 94% da frota nacional de veículos leves, foi sendo convertida à
gasolina, à expensas do consumidor. A partir deste momento, o consumo nacional de
gasolina volta a crescer fortemente. Por mais de uma década (1988 a 1998), este consumo
cresceu de forma contínua, a uma taxa média de 9,9% ao ano.
A partir de março de 2003, com o lançamento dos carros bicombustível, também
conhecidos como veículos flex-fuel devido a sua capacidade de funcionar com qualquer
porcentagem de mistura de gasolina e álcool, tem-se observado o aumento da demanda por
álcool hidratado no país. A crescente participação deste tipo de veículo nas vendas de
carros novos, atingindo cerca de 39% do mercado nacional de veículos leves em 2005 e
mais de 70% em novembro de 2006, segundo a Anfavea, é uma forte evidência de que o
consumidor percebe esta nova tecnologia como uma enorme vantagem do ponto vista da
liberdade de escolha entre gasolina e álcool hidratado na hora de abastecer.
9
Inúmeros estudos anteriores a 2003, através do cálculo da elasticidade-preço
cruzada da gasolina em relação ao álcool, concluíram que o álcool combustível era tão
somente um substituto imperfeito da gasolina, visto que até aquele momento o consumidor,
no seu processo de escolha entre estes dois combustíveis, enfrentava uma forte restrição de
ordem tecnológica que consistia na escolha do tipo de veículo: movido (exclusivamente) à
gasolina ou a álcool. Na medida em que esta restrição foi superada com o lançamento dos
carros bicombustível, o processo de escolha do consumidor (detentor desta nova tecnologia)
tornou-se mais claro e direto, tendo como principal variável o preço dos combustíveis
ajustado pelo seu rendimento no motor. Isto abre um campo enorme de possibilidades para
o aumento do consumo do álcool combustível no país em detrimento do consumo de
gasolina, o que leva de imediato a questão central que se tenta responder neste trabalho:
qual o impacto dos veículos flex-fuel sobre a demanda por gasolina no Brasil?
Para tentar responder a questão acima serão estimadas as elasticidades-preço,
renda e preço cruzada da demanda por gasolina em relação ao álcool para o período de
agosto de 1994 a julho de 2006, utilizando técnicas de cointegração para as estimativas de
longo prazo. O período escolhido para a análise, que compreende o início do Plano Real até
os dias atuais, deveu-se principalmente à disponibilidade de dados com periodicidade
mensal, especialmente dados de consumo mensal de gasolina no país, que inexistem para
períodos anteriores.
O estudo em questão está organizado em cinco capítulos, incluindo a introdução
e a conclusão. O segundo capítulo apresenta um panorama da evolução do mercado de
combustíveis brasileiro para o período de 1973 a 2005, enfatizando as principais mudanças
ocorridas no consumo de gasolina e álcool combustível neste período. O terceiro capítulo
traz uma breve revisão bibliográfica sobre os principais trabalhos conduzidos dentro da
mesma linha de investigação do presente estudo, para o Brasil e o mundo. O quarto capítulo
trata da definição do modelo econométrico para a estimação das elasticidades-preço, renda
e preço cruzada da gasolina em relação ao álcool, de aspectos teóricos e metodológicos
pertinentes ao processo de estimação e traz os resultados das estimativas dos parâmetros
de longo prazo. Por fim, na conclusão são comentadas as principais implicações
econômicas dos resultados obtidos.
10
2 COMBUSTÍVEIS DE CICLO OTTO NO BRASIL: UM BREVE HISTÓRICO DO
PERÍODO 1973 – 2005
2.1 Os choques do petróleo e suas conseqüências
Alguns especialistas dividem as crises do petróleo no século XX em dois
momentos distintos: o primeiro deles caracteriza-se pela disputa pelo controle do processo
de extração e distribuição do petróleo entre os estados-nacionais em formação no mundo
árabe e as grandes empresas multinacionais do petróleo (européias e americanas) que
detinham estes direitos. Tratou-se, portanto, de uma luta em torno de dinheiro e poder. Já
no momento posterior, as crises do petróleo tiveram contornos nitidamente políticos e
envolveram conflitos entre os países produtores e os países consumidores, culminando nos
choques de 1973 e 1979, que levaram o mundo a um processo de recessão.
O primeiro choque do petróleo
O primeiro choque do petróleo em 1973 se deu como decorrência direta da
retomada por Israel, apoiada pelos Estados Unidos, dos territórios atacados por Egito e Síria
na Guerra do Yon-Kippur. Derivada da Guerra dos Seis Dias, quando Israel ocupou
territórios palestinos na Jordânia e na Faixa de Gaza, vencendo os exércitos da Síria, do
Egito e da Jordânia, a Guerra do Yon-Kippur começou no Dia do Perdão dos judeus (o Yon-
Kippur), quando os países árabes retomaram os territórios perdidos
Neste momento, o petróleo passou a ser usado como arma política para forçar a
opinião pública mundial a pressionar Israel. Os países árabes produtores de petróleo, então
organizados no cartel da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo),
decidiram, em outubro de 1973, aumentar o preço do barril de petróleo de US$ 2,90 para
US$ 11,65, em apenas três meses. A crise caracterizou-se pelo embargo de petróleo,
lançado inicialmente pela Arábia Saudita e acompanhado pelos países árabes, aos
mercados dos Estados Unidos e da Europa.
O segundo choque do petróleo
Em 1979 tem início a Revolução Islâmica no Irã, quando o movimento liderado
pelo Aiatolá Khomeini derrubou o Xá Reza Pahlevi. A crise que se estendeu até 1981 e
desorganizou todo o setor produtivo do Irã, fez com que o preço do barril saltasse de US$
11
13 para US$ 34 (equivalentes a US$ 80 atuais). Ou seja, um aumento de 1.072% em
relação ao preço do barril em 1973 antes do primeiro choque. Os preços permaneceram
altos até 1986, quando voltaram a cair. Durante maior parte deste período o Irã esteve
envolvido na Guerra Irã-Iraque, desencadeada em 1980 (que duraria até 1988) por Saddam
Hussein, com o apoio dos Estados Unidos, contra o novo regime xiita do Irã.
2.2 Os efeitos dos choques no Brasil
À época do primeiro choque, em 1973, o petróleo já era a principal fonte
energética do Brasil, representando cerca de 46% da oferta interna de energia, medida em
tonelada equivalente petróleo (tep). Conforme o Gráfico 1 abaixo, vemos que desde 1940,
principalmente após a 2ª Guerra Mundial, o petróleo, através de seus derivados, vinha
rapidamente substituindo o carvão vegetal e a lenha na matriz energética nacional. Este
processo é reflexo das mudanças estruturais que o país vinha passando neste período,
caracterizado pelo forte movimento de urbanização da população e principalmente pela
intensificação do processo de industrialização. Outro fator relevante era o grau de
dependência do petróleo importado naquele momento, que chegava a cerca de 77% do
volume consumido no país. Portanto, a elevação súbita dos preços do barril de petróleo, de
US$ 2,90 para US$ 11,65, gerou forte impacto sobre a balança comercial e,
conseqüentemente, criou uma situação de vulnerabilidade das contas externas do país.
OFERTA INTERNA DE ENERGIA (%)
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1940
1944
1948
1952
1956
1960
1964
1968
1972
1976
1980
1984
1988
1992
1996
2000
2004
PETRÓLEO, GÁS E DERIVADOS
LENHA & C. VEGETAL
PRODUTOS DA CANA
OUTRAS
CARVÃO MINERAL
HIDRÁULICA
Gráfico 1 – Oferta Interna de Energia (%)
Fonte: MME - Balan
ç
o Ener
g
ético Nacional 2005
(
tab. 1.12
)
12
No entanto, ao contrário do que se poderia esperar, no período entre os dois
choques (1974-1979), o consumo de petróleo no país cresceu a uma taxa de 6,4% ao ano
(Gráfico 2). Segundo Pinto Jr. (1989), tal fato pode ser explicado pela inelasticidade-preço
da demanda por petróleo no curto prazo e pela participação dos seus derivados em todos os
setores de atividade da economia. Neste sentido, cabe ressaltar que o petróleo e seus
derivados cumprem os requisitos básicos que caracterizam os bens inelásticos, ou seja,
essencialidade e inexistência de substitutos próximos.
No início dos anos de 1970, embora a Petrobras já estivesse bem estruturada,
com profissionais brasileiros especializados na prospecção e com a produção de petróleo
mais incrementada, a alta competitividade do mercado internacional tornava a importação
de óleo bruto uma atividade irresistível, estacionando a produção nacional, frente a um
consumo crescente. O declínio das reservas terrestres e a baixa produção no mar levaram à
ampliação dos financiamentos no downstream (refino, transporte e petroquímica) e à criação
da Braspetro em 1972, com a finalidade de buscar alternativas de abastecimento de
petróleo em outros países.
Após o primeiro choque do petróleo em 1973, verificou-se a vulnerabilidade
brasileira decorrente da falta de investimentos no setor de upstream (pesquisa e
exploração), que mais do que nunca passou a ser considerado fator estratégico de
segurança e desenvolvimento do país. Em razão dessa vulnerabilidade, a Petrobras lançou
mão de duas estratégias: (1) passou a celebrar, com empresas privadas detentoras de
tecnologia exploratória, os chamados “Contratos de Risco”, que acabaram por não surtir o
efeito esperado no aumento da oferta interna de óleo (Pinto Jr, 1989: 37-53) e (2)
redirecionou seus investimentos para exploração off-shore de petróleo, baseada no recém
descoberto Campo de Garoupa (1974), localizado na Bacia de Campos (RJ). O Campo de
Garoupa marcou o início de uma segunda fase dentro da Petrobras, na qual a empresa se
diferenciaria mundialmente pela exploração de petróleo em águas profundas e
ultraprofundas.
A exploração de petróleo em águas profundas se mostrou tão promissora,
sobretudo pelos esforços de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia nacional para este
tipo de prospecção, principalmente após o segundo choque, que em 1981 a produção
marítima já superava a terrestre e em 1984 a produção brasileira se igualaria à quantidade
importada, com meio milhão de barris diários.
13
Gráfico 2 – Produção e Consumo de Petróleo (10
6
m
3
)
0
20
40
60
80
100
1974
1977
1980
1983
1986
1989
1992
1995
1998
2001
2004
CONSUMO TOTAL
PRODUÇÃO
Fonte: MME - Balanço Energético Nacional 2005 (tab. 2.2)
Com os choques do petróleo de 1973 e 1979 os agentes econômicos atentaram
não somente para a necessidade de se produzir petróleo em seus respectivos territórios
nacionais, mas também para necessidade de se pesquisar possíveis substitutos para um
insumo tão essencial nos processos produtivos e no cotidiano moderno. É neste contexto
que, paralelamente aos esforços da Petrobras em aumentar a oferta interna de petróleo,
surge o Programa Nacional do Álcool (PNA), cujo objetivo inicial era a mistura de álcool, na
forma de álcool anidro, à gasolina. É somente na sua segunda fase, após o segundo choque
do petróleo, que se inicia a produção dos carros movidos a álcool no Brasil, caracterizando o
programa na forma que o conhecemos.
Deste modo, o álcool, que sempre fora considerado subproduto do açúcar,
passou daquele momento em diante a desempenhar papel estratégico na economia
brasileira e, diante do sucesso da iniciativa, deixou de ser encarado apenas como resposta
a uma crise temporária, tornando-se uma solução permanente, com impactos profundos na
matriz energética nacional.
2.3 O Programa Nacional do Álcool (PNA)
O Programa Nacional do Álcool (PNA) foi criado em 14 de novembro de 1975
pelo Decreto n° 76.593, com o objetivo de estimular a produção de álcool no país, visando a
substituição em larga escala dos derivados de petróleo. De acordo com o decreto, a
produção do álcool oriundo da cana-de-açúcar, da mandioca ou de qualquer outro insumo
14
deveria ser incentivada por meio da expansão da oferta de matérias-primas, com especial
ênfase no aumento da produção agrícola, da modernização e ampliação das destilarias
existentes, da instalação de novas unidades produtoras (anexas a usinas de açúcar ou
autônomas) e armazenadoras.
O Programa foi desenvolvido para evitar o aumento da dependência externa de
divisas quando do choque de preços do petróleo, no início dos anos de 1970, que elevou os
gastos do país com importação de petróleo de US$ 600 milhões em 1973 para US$ 2,5
bilhões em 1974. Naquela época o Brasil importava cerca de 80% de sua necessidade de
petróleo. O PNA, inicialmente, baseou-se na produção de álcool anidro para a mistura com
gasolina, objetivando assim a redução do volume importado de petróleo e derivados. Em
sua segunda fase, a partir de 1979, agora chamado de Proálcool, o Programa ensejou a
criação de carros movidos exclusivamente a álcool. De 1979 a 2005, foram produzidos
cerca de 5,6 milhões de veículos movidos a álcool hidratado
1
(Anfavea). Adicionalmente, o
Programa substituiu por uma fração de álcool anidro (entre 1,1% a 25%) um volume de
gasolina pura consumida por uma frota superior a 10 milhões de veículos a gasolina,
evitando, assim, nesse período, emissões de gás carbônico da ordem de 110 milhões de
toneladas. A substituição de gasolina por etanol entre 1976 e 2004 representou uma
economia de divisas da ordem de US$ 61 bilhões (dólares de dezembro de 2004), ou ainda
US$ 121 bilhões se forem contabilizados os juros, segundo cálculos da União da
Agroindústria Canavieira de São Paulo (UNICA).
Outro fato importante na época, que contribuiu para a criação do PNA, foi o
preço do açúcar no mercado internacional, que vinha decaindo rapidamente (Gráfico 3), o
que tornou interessante às usinas a mudança de produção de açúcar para álcool. De modo
geral, as etapas na produção do açúcar e do álcool diferem apenas a partir da obtenção do
suco, que poderá ser fermentado para a produção de álcool ou tratado para a produção de
açúcar.
1
Este número não inclui os veículos flex-fuel, que iniciaram sua produção a partir de março de 2003.
15
Gráfico 4 Pros deúcar Bruto (US cents/lb)
Gráfico 3
Pre
ç
os de A
ç
úcar Bruto
(
US cents/lb
)
Fonte: Alonso e Buzzanell, 1991, nº4: World Almanac, 1996
De maneira geral o Proálcool pode ser dividido em cinco fases distintas (Gráfico
6):
Fase Inicial - 1975 a 1979
Nessa fase, os esforços foram dirigidos principalmente para a produção de
álcool anidro para a mistura com a gasolina
2
, com aproveitamento da infraestrutura
existente, sobretudo a utilização de destilarias anexas às usinas de açúcar. A produção
alcooleira passou de 600 milhões de l/ano (1975-76) para 3,4 bilhões de l/ano (1979-80).
Para a implementação do Programa, foi estabelecido um processo, que ficou conhecido
como subsídio cruzado, de transferência de recursos arrecadados a partir de parcelas dos
preços da gasolina, diesel e lubrificantes para compensar os custos de produção do álcool,
de modo a viabilizá-lo como combustível. Assim, foi estabelecida uma relação de paridade
de preços entre o álcool e o açúcar para o produtor e incentivos de financiamento para as
fases agrícola e industrial de produção do combustível.
Além disso, com a criação do veículo movido a álcool, a partir de 1979,
estabeleceram-se políticas de preços relativos entre o álcool hidratado e a gasolina nos
postos de revenda, de forma a estimular o uso do novo combustível.
2
O Decreto nº 80.762/77 estabelecia a adição de 20% de álcool anidro à gasolina.
16
Fase de Afirmação - 1980 a 1986
O segundo choque do petróleo (1979-80) triplicou o preço do barril de petróleo e
as compras desse produto passaram a representar 41% da pauta de importações brasileiras
em 1980. O governo, então, resolveu adotar medidas para a implementação da produção e
utilização em larga escala de carros movidos a álcool no país. Esta segunda fase do PNA,
marcada pela produção de álcool hidratado, ficou conhecida como Proálcool.
Dentre os principais instrumentos utilizados pelo governo para incentivar o uso
do carro a álcool estavam
3
:
i. O preço do álcool hidratado, que foi inicialmente fixado a 65% do preço da
gasolina (em 1980) e, posteriormente, atingiu 59% (em 1982), representou um
ganho real para o consumidor deste combustível, visto que a equiparação dos
preços entre gasolina e álcool hidratado, ajustado pelo menor poder calorífico do
álcool em relação à gasolina, acontece quando o preço do álcool hidratado é de
cerca de 70% do preço da gasolina na bomba. De modo geral, o preço do álcool
hidratado nesse período era cerca de 40% a 45% inferior ao da gasolina;
ii. Os impostos associados à compra de veículos novos, que foram reduzidos para
os carros a álcool e elevados para os a gasolina, produzindo um diferencial de
5%;
iii. A cobrança do IPVA (Imposto de Propriedade de Veículos Automotores) 3%
menor para os automóveis movidos a álcool em comparação aos movidos à
gasolina.
Além disso, foram criados organismos como o Conselho Nacional do Álcool -
CNAL e a Comissão Executiva Nacional do Álcool - CENAL para agilizar o programa. Como
resultado, a produção alcooleira atingiu um pico de 12,3 bilhões de litros em 1986-87,
superando em 15% a meta inicial do governo de 10,7 bilhões de l/ano para o fim do período.
A proporção de carros movidos a álcool no total de automóveis de ciclo Otto (passageiros e
de uso misto) produzidos no país aumentou de 0,46% em 1979 para 24,7% em 1980,
atingindo um teto de 76,1% em 1986. Todo este processo levou a uma forte redução da
demanda por gasolina ao longo da década de 1980 (Gráfico 4).
3
Ver OLIVEIRA, A. “Reassessing the Brazilian alcohol programme”. Energy Policy. [s.l.] Butterworth-Heinemann Ltd,
january/february, 1991, p.47-55.
17
Finalmente, cabe ressaltar que o forte incremento na produção de álcool neste
período se deu através da implantação de um grande número de destilarias autônomas
(dedicadas exclusivamente à produção de álcool) e da expansão da produção de cana-de-
açúcar para áreas novas.
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
1974
1977
1980
1983
1986
1989
1992
1995
1998
2001
2004
Gráfico 4 – Consumo de Gasolina e Álcool (10
6
m
3
)
Fonte: MME - Balanço Energético Nacional 2005 (tabs. 2.18 e 2.27)
ÁLCOOL
GASOLINA
Fase de Estagnação - 1986 a 1995
A partir de 1986, o cenário internacional do mercado petrolífero é alterado. Os
preços do barril de óleo bruto caíram de um patamar de US$ 30 a US$ 40 para um nível de
US$ 12 a US$ 20. Esse novo período, denominado “Contra-choque do petróleo”, colocou
em xeque os programas de substituição de hidrocarbonetos fósseis e de uso eficiente da
energia em todo o mundo. Na política energética brasileira, seus efeitos foram sentidos a
partir de 1988, coincidindo com um período de escassez de recursos públicos para subsidiar
os programas de estímulo aos energéticos alternativos, resultando num sensível decréscimo
no volume de investimentos nos projetos de produção interna de energia.
A oferta de álcool no período não pôde acompanhar o crescimento
descompassado da demanda (Gráfico 5), com as vendas de carro a álcool atingindo níveis
superiores a 75% das vendas totais de veículos de ciclo Otto para o mercado interno em
1986.
18
Os baixos preços pagos aos produtores de álcool a partir da abrupta queda dos
preços internacionais do petróleo (que se iniciou ao final de 1985) impediram a elevação da
produção interna do produto. Por outro lado, a demanda pelo álcool hidratado, por parte dos
consumidores, continuou sendo estimulada por meio da manutenção de preços
relativamente atrativos, comparados aos da gasolina, e da manutenção de menores
impostos nos veículos a álcool comparados aos à gasolina. Essa combinação de
desestímulo à produção de álcool e de estímulo à sua demanda, pelos fatores de mercado e
intervenção governamental assinalados, gerou a crise de abastecimento da entressafra
1989-90. Vale ressaltar que, no período anterior à crise de abastecimento, houve
desestímulo tanto à produção de álcool, conforme citado, quanto à produção e exportação
de açúcar, que àquela época tinham seus preços fixados pelo governo.
A produção de álcool manteve-se em níveis praticamente constantes, atingindo
11,6 bilhões de litros na safra 1985-86; 10,0 bilhões em 1986-87; 12,3 bilhões em 1987-88;
11,5 bilhões em 1988-89 e 11,8 bilhões em 1989-90 (MME - Balanço Energético Nacional
2004). As produções brasileiras de açúcar no período,
segundo a União da Agroindústria
Canavieira de São Paulo (UNICA), foram de 7,8 milhões de toneladas na safra 1985-86; 8,2
milhões em 1986-87; 7,9 milhões em 1987-88; 8,1 milhões em 1988-89 e 7,3 milhões de
toneladas em 1989-90. As exportações de açúcar, por sua vez, reduziram-se nesse período,
passando de 1,9 milhões de toneladas na safra 1985-86 para 1,1 milhão de toneladas na
safra 1989-90.
Apesar de seu caráter efêmero, a crise de abastecimento de álcool do fim dos
anos 1980 afetou a credibilidade do Proálcool que, juntamente com a redução de estímulos
ao seu uso, provocou nos anos seguintes um significativo decréscimo da demanda e,
conseqüentemente, das vendas de automóveis movidos por esse combustível.
Deve-se acrescentar ainda outros fatores determinantes, que associados
também contribuíram para a redução da produção dos veículos a álcool. No final da década
de 1980 e início da década de 1990, o cenário internacional dos preços do petróleo sofreu
fortes alterações, tendo o preço do barril diminuído sensivelmente. Tal realidade, que se
manteve praticamente como a tônica dos dez anos seguintes, somou-se à tendência cada
vez mais forte da indústria automobilística em optar pela fabricação de modelos e motores
padronizados mundialmente (na versão à gasolina). No início da década de 1990, houve
também a liberação no Brasil das importações de veículos automotivos (produzidos, na sua
origem, exclusivamente nas versões gasolina e diesel) e, ainda, a introdução da política de
19
incentivos para o “carro popular” – de até 1000 cilindradas – desenvolvido para ser movido à
gasolina.
A crise de abastecimento de álcool do final da década de 1980 somente foi
superada com a introdução no mercado do que se convencionou chamar de mistura MEG,
que substituía, com igual desempenho, o álcool hidratado. Essa mistura (60% de álcool
hidratado, 34% de metanol e 6% de gasolina) obrigou o país a realizar importações de
etanol e metanol (que no período entre 1989-95 superaram 1 bilhão de litros) para garantir o
abastecimento do mercado ao longo da década de 1990. A mistura atendeu as
necessidades do mercado e não foram constatados problemas sérios de contaminação e de
saúde pública, apesar da toxidade do metanol.
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
1974
1977
1980
1983
1986
1989
1992
1995
1998
2001
2004
Gráfico 5 – Produção e Consumo de Álcool (10
6
m
3
)
CONSUMO
PRODUÇÃO
CRISE DE
ABASTECIMENTO
1989-90
Fonte: MME - Balanço Energético Nacional 2005 (tab 2.27)
Fase de Redefinição - 1995 a 2000
Nesta fase, os mercados de álcool combustível, tanto anidro quanto hidratado,
iniciam seu processo de desregulamentação, finalizado em 1999. A partir deste ano, os
preços do álcool combustível passaram a ser liberados em todas as suas fases de
produção, distribuição e revenda, sendo os mesmos determinados pelas condições de oferta
e demanda. Além disso, de cerca de 1,1 milhão de toneladas de açúcar que o país
exportava em 1990, passou-se neste período à exportação de até 10 milhões de toneladas
20
por ano, o que levou o Brasil a dominar o mercado internacional, barateando o preço do
produto.
Como conseqüência de tais mudanças, foi criado, por meio do Decreto de 21 de
agosto de 1997, o Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool - CIMA, com o intuito de
direcionar políticas para o setor sucroalcooleiro e coordenar a produção de seus produtos
(altamente competitivos entre si): açúcar para o mercado interno, açúcar para o mercado
externo, álcool para o mercado interno e álcool para o mercado externo.
Fase Atual - 2000 a 2005
Trinta anos depois do início do Proálcool, o Brasil vive agora uma nova
expansão dos canaviais com o objetivo de oferecer, em grande escala, o combustível
alternativo. O plantio avança além das áreas tradicionais, do interior paulista e do Nordeste,
e espalha-se pelos cerrados. A nova escalada da produção não é um movimento
comandado pelo governo, como a ocorrida no final da década de 1970, quando o Brasil
encontrou no álcool a solução para enfrentar o aumento abrupto dos preços do petróleo que
importava. A corrida para ampliar unidades e construir novas usinas é movida por decisões
da iniciativa privada, convicta de que o álcool terá, a partir de agora, um papel cada vez
mais importante como combustível, no Brasil e no mundo.
A tecnologia dos motores flex-fuel veio dar novo fôlego ao consumo interno de
álcool. O carro bicombustível, que pode ser movido à gasolina, álcool ou uma mistura dos
dois combustíveis, foi introduzido no país em março de 2003 e conquistou rapidamente o
consumidor. Em 2005, esta opção de motor já estava presente em quase todos os modelos
das montadoras e as vendas dos automóveis bicombustível ultrapassaram pela primeira vez
a dos movidos à gasolina na corrida do mercado interno. Diante do nível elevado das
cotações de petróleo no mercado internacional, a expectativa da indústria automobilística,
segundo a Anfavea, é que essa participação se amplie ainda mais, atingindo 75% dos
carros novos vendidos em 2006. A relação atual de preços faz com que o usuário dos
modelos bicombustível dê preferência ao álcool.
No plano internacional, os custos de produção mais baixos e os recursos
naturais abundantes tornam o Brasil o maior candidato ao papel de supridor mundial de
etanol. O mercado japonês é o mais promissor: o governo daquele país já autorizou a
mistura de até 3% de etanol na gasolina, de forma não obrigatória. Se houver uma decisão
21
tornando a mistura obrigatória, será criado um mercado de 1,5 bilhão de litros por ano,
volume que aquele país certamente terá que importar. Além do Japão, muitos outros países
já têm projetos aprovados de mistura de etanol à gasolina. Na União Européia, a Diretiva
dos Biocombustíveis estabelece metas não mandatórias de uma participação de 2% em
2005 e de 5,75% em 2010 de biocombustíveis. O cumprimento da meta exigirá a produção
de 13 bilhões de litros de etanol por ano. Embora o objetivo da União Européia seja atender
a essa demanda com produção local, a partir de beterraba e de cereais, com custos
certamente mais altos que os do processo que utiliza cana-de-açúcar, existe uma forte
possibilidade de uma parte desta demanda ser provida com importações.
Os Estados Unidos, embora estejam conseguindo aumentar rapidamente sua
produção de etanol a partir do milho, no ano passado tiveram que recorrer à importações do
álcool brasileiro. A China também tem uma produção crescente e planos de impor a mistura,
mas poderá ter que recorrer a importações para atender seu enorme mercado. Na Índia, a
mistura de etanol começou em algumas províncias. Como problemas climáticos afetaram a
produção de álcool, o país foi o maior importador do produto brasileiro no ano passado. Com
o aumento das vendas para uso como combustível, as exportações de álcool em 2005
deram um salto no Brasil, atingindo 2,6 bilhões de litros exportados, segundo dados da
Secretaria de Comércio Exterior (SECEX).
Às perspectivas de elevação do consumo do álcool no mercado interno e externo
se somam a um momento favorável para o aumento das exportações de açúcar, depois da
vitória brasileira na Organização Mundial do Comércio contra os subsídios concedidos pela
União Européia a seus produtores, e o resultado é o início de uma onda de crescimento sem
precedentes para o setor sucroalcooleiro. Um estudo da União da Agroindústria Canavieira
de São Paulo (UNICA) aponta que o setor terá que atender até 2010 uma demanda
adicional de 10 bilhões de litros de álcool, além de 7 milhões de toneladas de açúcar. A
produção da safra 2006/07, iniciada em abril, deve ser de 17 bilhões de litros de álcool e 26
milhões de toneladas de açúcar. Para incrementar a produção, ainda segundo a UNICA,
será preciso levar mais 180 milhões de toneladas de cana para a moagem, e expandir os
canaviais em cerca de 2,5 milhões de hectares até 2010. Cerca de 40 novas usinas estão
em projeto ou em fase de implantação, com um total de investimentos calculado em US$ 3
bilhões. A maior parte delas concentra-se no oeste do estado de São Paulo, ocupando
espaço aberto pelo deslocamento da pecuária. Esses investimentos deverão criar 360 mil
novos empregos diretos e 900 mil indiretos.
22
Gráfico 6 – Consumo de Álcool (10
6
m
3
)
Fases do PNA / Proálcool
0
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4
6
8
10
12
1974
1977
1980
1983
1986
1989
1992
1995
1998
2001
2004
FASE DE
ESTAGNAÇÃO
FASE
INICIAL
FASE DE
AFIRMAÇÃO
FASE DE
REDEFINIÇÃO
FASE
ATUAL
ÁLCOOL
ANIDRO
FLEX-FUEL
ÁLCOOL
HIDRATADO
Fonte: MME - Balanço Energético Nacional 2005 (tab. 2.28 e 2.29)
2.4 O Consumo de Gasolina no Brasil: Principais Eventos (1973-2005)
Ao longo dos últimos 30 anos o consumo de gasolina no país foi afetado de
forma significativa por diversos eventos (Gráfico 10). Nos anos de 1973 e 1979 os Choques
do Petróleo promoveram elevações nunca vistas antes nos preços do barril de óleo, com
fortes impactos no consumo de gasolina e dos demais derivados. Embora o primeiro choque
em 1973 tenha elevado os preços da gasolina no país de US$ 23,8 para US$ 42,4
4
por
barril equivalente petróleo (bep)
5
, a demanda por gasolina continuou a crescer (como pode
ser observado no Gráfico 8) e somente em 1976 iniciou uma tendência de queda, acentuada
pelo segundo choque, que perdurou até o ano de 1988. Esta persistência do consumo,
apesar da forte elevação de preços, é uma evidência empírica, para o caso brasileiro, da
inelasticidade-preço da demanda por combustíveis no curto prazo. A esse respeito ainda
cabe lembrar, como dito anteriormente, que à época do primeiro choque o petróleo já era a
principal fonte energética do Brasil, representando cerca de 46% da oferta interna de
energia. Além disso, o grau de dependência do petróleo importado naquele momento
chegava a cerca de 77% do volume consumido no país. Esses são alguns dos fatores
estruturais por trás da persistência do consumo, logo após o primeiro choque.
4
Dólar corrente convertido a dólar constante de 2004 pelo IPC dos EUA – Fonte: MME - Balanço Energético Nacional 2005
(tab. 7.10)
5
bep: sigla de “barril equivalente de petróleo”. Unidade de medida de energia equivalente, por convenção, a 1.390 Mcal.
23
A partir do segundo choque do petróleo, em 1979, a gasolina passa a concorrer
diretamente com um combustível alternativo: o álcool hidratado. Era o início da segunda
fase do Programa Nacional do Álcool (PNA), que ficou conhecida como Proálcool. É nesta
fase que se inicia a produção dos carros movidos a álcool no Brasil. Conforme já discutido
no item 2.3 deste estudo, a produção e consumo de álcool hidratado, assim como a
fabricação de carros movidos a álcool, tiveram forte incentivo do Governo, através da
redução de impostos, financiamento barato e principalmente política de preços. O preço do
álcool hidratado, que à época era controlado pelo Governo, era fixado em relação ao preço
da gasolina de modo a representar um ganho real para o consumidor que optasse pelo uso
do álcool. Para que isto ocorresse bastava que o preço do álcool hidratado ficasse abaixo de
70% do preço da gasolina na bomba.
6
Conforme o Gráfico 7 abaixo, vemos que até o ano
de 1988 a relação de preços entre o álcool hidratado e a gasolina se manteve em patamares
bastante favoráveis ao álcool. É neste sentido que se explica o forte declínio do consumo de
gasolina no país para o período de 1979 a 1987.
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
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0,7
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1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
Gráfico 7 – Relação Álcool Hidratado/Gasolina
Preços Médios Correntes (US$/m
3
)
1
Fonte: MME - Balanço Energético Nacional 2005 (tab. 7.9)
(1) Moeda nacional corrente convertida a dólar corrente pela taxa média anual
do câmbio. Preços ao consumidor com impostos.
O ano de 1988 marca a retomada do consumo de gasolina no país. Por mais de
uma década (1988 a 1998) este consumo cresceu de forma contínua (Gráfico 9), a uma taxa
média de 9,9% ao ano. Um fator fundamental por trás deste processo de retomada do
consumo foi o chamado “Contra-choque do petróleo”, que levou a uma forte redução nos
preços do óleo no mercado internacional, em 1986. Conforme o Gfico 8 abaixo, vemos
6
Este coeficiente decorre da diferença de poder calorífico do álcool em relação à gasolina.
24
que no período de 1986 até início dos anos de 1990, o preço da gasolina no país reverteu a
tendência de alta e se manteve estável ou com alguma diminuição, refletindo as reduções
do preço do petróleo no mercado internacional. Por outro lado, o preço do álcool hidratado
(tomado em termos de barril equivalente petróleo – bep
7
) se manteve acima dos preços da
gasolina neste período. Esta mudança nos preços relativos dos combustíveis já estava
implícita na trajetória das relações de preço álcool hidratado/gasolina do Gráfico 7.
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20
40
60
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1973
1976
1979
1982
1985
1988
1991
1994
1997
2000
2003
GASOLINA
ÁLCOOL
HIDRATADO
Fonte: MME - Balanço Energético Nacional 2005 (tab. 7.10)
Preços Médios Constantes (preços de 2004)
Gráfico 8 – Preços da Gasolina e Álcool Hidratado (US$/ bep)
É importante destacar que, embora estivesse em curso uma mudança nos
preços relativos entre gasolina e álcool hidratado desde 1986, invertendo-se a tendência
favorável ao álcool presente no período anterior, o consumo de álcool hidratado continuou a
crescer até 1989, baseado principalmente nas políticas governamentais do Proálcool
8
. A
partir de março daquele mesmo ano, no entanto, os donos de automóveis a álcool tiveram
de passar a conviver com a falta do combustível (ROPPA, B. F, 2005: p.34). Em função
desta crise de abastecimento, houve uma queda na demanda de carros novos a álcool e
passou-se a converter os veículos existentes movidos a álcool para gasolina, apesar do alto
custo de tal procedimento
9
. Naturalmente, este processo de conversão de veículos a álcool
para gasolina resultou num forte incremento ao consumo de gasolina no país, visto que os
7
A comparação entre os preços da gasolina e do álcool hidratado em US$/bep, ao invés de US$/m
3
, é usual para se ajustar as
diferenças de poder calorífico entre os dois combustíveis.
8
Para uma explicação detalhada, ver item 2.3.
9
Apesar de ser mais interessante economicamente vender o carro a álcool e comprar outro movido à gasolina, não havia
demanda para os primeiros. Então, a conversão era a única saída para um menor prejuízo por parte dos possuidores de
automóveis movidos a álcool (ROPPA, B. F, 2005: p.34).
25
carros movidos a álcool representavam neste momento a maior parte da frota de veículos de
ciclo Otto.
Ainda na década de 1990, principalmente após 1994, o consumo de gasolina
volta a crescer fortemente. De 1994 a 1999 este crescimento foi de cerca de 10% ao ano,
enquanto a venda dos demais combustíveis aumentou a uma taxa média de 3,2% ao ano.
Este aumento no consumo de gasolina se deu como resultado da abertura da economia, a
qual permitiu que os preços dos bens importados caíssem, inclusive carros, e também do
programa de estabilização promovido pelo governo, que derrubou os índices de inflação
para menos de 10% ao ano. (ALVES & BUENO, 2003).
No período de 1999 a 2002 o consumo de gasolina no Brasil voltou a cair. Vários
fatores contribuíram para esta redução, alguns de caráter conjuntural, outros de caráter
institucional e regulatório. Entre estes, o mais importante foi o estabelecimento da Lei n.º
9.478/97, em 6 de agosto de 1997, a chamada Lei do Petróleo, que inicia o processo de
liberalização do mercado de combustíveis no país. A partir desta lei foram criados o
Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, vinculado ao Ministério das Minas e
Energia e responsável por estabelecer as diretrizes da política energética nacional, e a
Agência Nacional do Petróleo – ANP, órgão regulador da indústria do petróleo.
A alteração do marco legal visou à introdução de um ambiente mais competitivo
e a inserção da indústria do petróleo brasileira no cenário internacional. Dentro desse
contexto, o Estado como operador e proprietário de ativos no setor produtivo cedeu lugar ao
Estado regulador, responsável por assegurar a liberdade dos agentes privados em busca de
eficiência, progresso e qualidade de serviço, além de proteger os consumidores contra
abusos de poder de mercado.
A Lei n.º 9.478/97 previa que durante um período de transição de no máximo
trinta e seis meses, contados a partir da sua publicação e encerrando-se em agosto de
2000, os reajustes e revisões dos preços dos derivados básicos de petróleo e gás natural,
praticados pelas refinarias e pelas unidades de processamento, estariam sob as diretrizes
dos Ministros da Fazenda - MF e de Minas e Energia - MME. As medidas tomadas durante
esse período de transição, isto é, liberação dos preços e eliminação gradual dos subsídios
existentes nos derivados de petróleo, tinham o claro objetivo de sinalizar a abertura desse
setor ao livre mercado. O início deste processo de abertura econômica e alinhamento dos
preços nacionais ao mercado internacional foi marcado pela edição da Portaria MF/MME n.º
3/98, de 27 de julho de 1998, que revogou a sistemática até então existente de formação de
26
preços dos derivados e estabeleceu uma nova estrutura de preço do petróleo e derivados no
país.
Na nova sistemática, o MF e o MME, em conjunto com a Petrobras, definiram um
preço de realização inicial, P
0
, para cada derivado, refletindo o custo operacional da
empresa acrescido de uma margem de lucro. A partir de 1º de agosto de 1998, o preço de
realização de cada derivado passou a variar mensalmente, em função dos seus preços no
mercado internacional. Esse preço era atualizado todo dia primeiro de cada mês de acordo
com a variação cambial e com as cotações dos produtos nos mercados de US-Gulf.
Além disso, o novo marco regulatório permitiu a entrada dos chamados “postos
de bandeira branca”
10
no mercado de combustíveis. A proliferação deste tipo de posto de
combustível e o surgimento de um número expressivo de novas distribuidoras de
combustíveis coincidem com o crescente processo de adulteração e fraude da gasolina
neste período. Na medida em que o preço da gasolina se elevava no mercado interno, em
função de seu gradual alinhamento com os preços internacionais, alguns postos de
gasolina, buscando manter ou ampliar sua competitividade sobre os demais, passaram a
misturar solventes à gasolina e/ou adicionar quantidades de álcool anidro (que não paga
impostos) em teores superiores àqueles estabelecidos por lei. Este é um dos fatores
apontados como a causa da queda do consumo de gasolina neste período.
A adulteração e a fraude da gasolina ocorrem porque a ANP não possui
informações suficientes para calcular a quantidade efetivamente vendida da chamada
gasolina “C” (gasolina pura – “A” – adicionada de um percentual de álcool anidro que varia
entre 20 e 25%, de acordo com a escolha do governo), pois apenas dispõe de dados sobre
a venda bruta de gasolina de cada posto de venda de combustíveis, sem ter conhecimento
se tal estabelecimento adicionou algum outro tipo de substância à gasolina vendida.
(ROPPA, B. F, 2005).
Um outro fator relevante neste período é a liberação do uso de GNV (Gás
Natural Veicular) para veículos particulares em 1997, que também contribuiu para o
deslocamento do consumo da gasolina. De 1997 a 2003 o consumo de GNV no país
evoluiu de menos de 50 mil m
3
para mais de 1,2 milhão de m
3
.
10
Bandeira Branca: postos revendedores varejistas que adquirem combustíveis de vários distribuidores diferentes e identificam
o fornecedor do combustível em cada bomba abastecedora do posto (matéria regulamentada pela Portaria ANP n.º 116/00)
27
Portanto, a ação conjunta do aumento dos preços dos combustíveis neste
período (decorrente da abertura do mercado de combustíveis), associada aos processos de
adulteração e fraude da gasolina (que deslocam seu consumo), a utilização do GNV e
também ao baixo crescimento econômico deste período (marcado pela grave crise
energética de 2001) explicam a forte redução do consumo de gasolina entre 1999 a 2002,
depois de um período de quase dez anos de crescimento contínuo.
Nos anos de 2003 e 2004, apesar dos aumentos nos preços da gasolina em
relação a 2002 (embora ainda mais baixos que os preços praticados em 2000/2001), o
consumo deste combustível volta a crescer. Dados da Agência Nacional do Petróleo – ANP
para o ano de 2005 confirmam esta tendência.
0
2
4
6
8
10
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14
16
18
20
1970
1973
1976
1979
1982
1985
1988
1991
1994
1997
2000
2003
1º Choque
do Petróleo
Gráfico 9 – Consumo de Gasolina e Álcool Hidratado (10
6
m
3
)
GASOLINA
ÁLCOOL
HIDRATADO
Lançamento dos
carros Flex-fuel
Lei nº 9.478/97
2º Choque
do Petróleo
Contra-choque
do Petróleo
Principais Eventos (1970 – 2004)
Fonte: MME - Balanço Energético Nacional 2005 (tabs. 2.18 e 2.29)
2.5 O Advento dos Carros Bicombustível
O desenvolvimento de um motor bicombustível, que trabalha com álcool ou
gasolina, ou qualquer teor de mistura dos dois combustíveis, começou no início dos anos
1990. No entanto, o primeiro veículo flex-fuel só foi lançado no Brasil em março de 2003
pela Volkswagen, utilizando um sistema desenvolvido pela Bosch.
28
Esta nova tecnologia consiste em um sensor que faz o reconhecimento
automático do teor de oxigênio presente na combustão, detectando assim a presença do
álcool e seu percentual na mistura com a gasolina. A informação, então, é passada para a
unidade de comando do sistema de injeção eletrônica, que realiza de forma automática a
adaptação de todas as funções de gerenciamento do motor ao combustível usado.
O motor bicombustível dá ampla liberdade de escolha aos usuários, que podem
escolher o combustível que vão usar depois de calcular a relação de preços na bomba entre
o álcool e a gasolina, e economizar com isto. Como o consumo relativo é diferente, o uso do
álcool é vantajoso quando seu preço for inferior a 70% do da gasolina. Com o
encarecimento do petróleo no mercado mundial, usar álcool como combustível voltou a ser
vantajoso para o motorista. Em alguns estados, como São Paulo (maior produtor nacional
de álcool), ele chega a custar metade do preço da gasolina nas épocas de safra da cana-de-
açúcar.
Segundo estudos da Anfavea, estima-se que nos próximos anos ingressem no
mercado nacional pelo menos 1 milhão de veículos/ano do tipo flex-fuel, demandando cerca
de 1,5 bilhão de litros de álcool hidratado/ano (estima-se que esses veículos devem
consumir uma média de 2 mil litros/ano). Entretanto, deve-se descontar uma redução de 500
mil litros/ano, que deverá deixar de ser consumida pela antiga frota de veículos a álcool, em
fase de sucateamento.
A participação dos veículos flex-fuel nas vendas nacionais de veículos novos tem
crescido de forma acelerada. Segundo estudo prospectivo da Petrobras, a participação do
flex-fuel nas vendas de automóveis deve ultrapassar os 70% em 2006, atingindo cerca de
80% em 2008-2010. Os automóveis movidos exclusivamente à gasolina devem ficar
restritos a categoria top de venda das montadoras, a produção de algumas montadoras que
ainda não incorporaram a nova tecnologia (Mercedes, Honda, Toyota e Hyundai), aos
importados e a uma parcela restrita de modelos que continuarão a oferecer a opção à
gasolina.
No Gráfico 10 abaixo, segundo o mesmo estudo da Petrobras, até o ano de
2015, cerca de metade da frota de veículos leves no Brasil deve ser composta de veículos
flex-fuel. Este fato tem trazido enorme preocupação para a estatal, que teme que um
crescimento explosivo da demanda de álcool hidratado para atender os veículos flex-fuel,
leve a uma forte redução do consumo de gasolina, gerando, em conseqüência, excedentes
crescentes deste derivado no país.
29
A preferência pelo flex-fuel, porém, deve levar ao final da produção dos carros
com motor a álcool. Depois de atingir níveis muito baixos de participação no mercado, em
torno de 0,1% em 1997 e 1998, as vendas de carros a álcool haviam registrado ligeiro
aumento. Entretanto, em face da forte concorrência dos carros bicombustível, parece
inevitável o seu desaparecimento nos próximos anos.
Gráfico 10
30
3 MODELOS DE DEMANDA POR COMBUSTÍVEIS
.1 Modelos de Demanda por Combustíveis no Mundo
Existem inúmeros trabalhos em vários países que procuram estudar o consumo
de combu
ahl & Sterner (1991) conduziram uma pesquisa sobre diversos estudos que
enfocaram
e acordo com os autores, o modelo mais simples é o modelo estático, no qual a
demanda p
gas
t
= f
1
(Pgas
t
, Y
t
) (1) onde: Cgas
t
é demanda por gasolina
Y
t
é renda real do consumidor
Outros modelos, também apresentados por Dahl e Sterner (1991), incluem como
variável re
gas
t
= f
2
(Pgas
t
, Y
t
, V
t
) (2) onde: V
t
é o estoque de veículos movidos à gasolina
Uma outra especificação do modelo acima são os chamados modelos de
característi
3
stível a partir da utilização das mais diversas especificações e métodos
econométricos. Alguns deles serão apresentados a seguir.
D
a demanda por gasolina na qual classificaram os trabalhos por tipo de dados e
por dez diferentes categorias de modelos. Concluíram que os principais parâmetros
utilizados neste tipo de análise têm sido o preço do combustível e a renda do consumidor, e
que há semelhanças consideráveis com respeito aos valores obtidos para as elasticidades
preço e renda, tanto de curto prazo como de longo prazo, dentre os vários estudos.
D
or gasolina é função de seu preço real e da renda real do consumidor.
C
Pgas
t
é preço real da gasolina
levante para determinação da demanda por gasolina, além do preço real do
combustível e da renda real do consumidor, o estoque de veículos movidos pelo
combustível em questão. Este tipo de modelo encontra-se representado em (2).
C
cas do veículo, que se encontra representado em (3). Nestes modelos assume-
se que as características do automóvel (principalmente sua eficiência ao consumo,
influenciada pelo tamanho e peso do veículo) são variáveis fundamentais, além das já
citadas, para análise da evolução do consumo, pois são estas que capturam o ajustamento
de longo prazo na demanda por combustível.
31
Cgas
t
= f
3
(Pgas
t
, Y
t
, V
t
, CHAR) (3) onde: CHAR
são as características do veículo
movido à gasolina em termos de eficiência
A pesquisa de Dahl e Sterner (1991) ainda considera um segundo conjunto de
modelos de caráter dinâmico, que tenta capturar o processo de adaptação do consumidor a
variações em sua renda e no preço do combustível no tempo. O modelo geralmente usado
para representar este comportamento é o modelo de ajustamento parcial, também chamado
de lagged endogenous model, que estima a quantidade demandada como função do preço
real da gasolina, da renda real e da quantidade de gasolina demandada no período anterior.
Este tipo de modelo encontra-se representado em (4).
Cgas
t
= f
4
(Pgas
t
, Y
t
, Cgas
t-1
) (4) onde: Cgas
t-1
é demanda por gasolina no período
anterior
Há também modelos dinâmicos que relaxam a hipótese usada em (4) de que o
preço e a renda têm estruturas de defasagem idênticas. Estes modelos são chamados de
modelos de defasagens distribuídas. A forma mais simples de apresentar este modelo pode
ser vista em (5).
Cgas
t
= f
5
(Pgas
t-i
, Y
t-i
) (5)
Finalmente, os autores destacam a possibilidade de modelos que mesclam os
chamados lagged endogenous model com o modelo de defasagens distribuídas. Estes
modelos são conhecidos na literatura como model lagged endogenous other lag e
geralmente são utilizados na ausência de informação nos dados coletados. Este tipo de
modelo encontra-se representado em (6).
Cgas
t
= f
6
(Pgas
t-i
, Y
t-i,
Cgas
t-1
) (6)
Outro trabalho sobre a demanda por gasolina é o realizado por Bentzen (1994)
na Dinamarca, que empregou técnicas de cointegração a modelos baseados na relação
entre a quantidade de gasolina consumida em veículos de passageiros, estoque de veículos
e o preço real da gasolina.
Espey (1998) realizou uma avaliação baseada em meta-análise, com objetivo de
determinar os fatores que afetaram sistematicamente as estimativas de elasticidade-preço e
de elasticidade-renda obtidas para a demanda por gasolina. Quatro modelos econométricos
32
foram estimados utilizando como variáveis dependentes as estimativas de elasticidade-
preço e renda de curto e de longo prazo, obtidas em estudos conduzidos previamente.
Ramanathan (1999) realizou um estudo para determinar as elasticidades de
curto e longo prazo da demanda por gasolina para a Índia, no qual empregou modelos que
apresentam o consumo per capita por gasolina como uma função da renda real per capita e
de um índice de preços de gasolina, semelhantes aos indicados pelas seguintes equações:
log CG
t
= α + β log P
t
+ δ log RE
t
+ e
t
(1)
log CG
t
= α + β log P
t
+ δ log RE
t
+ γ log CG
t-1
+ e
t
(2)
onde: CG
t
: consumo per capita de gasolina
P
t
: preço da gasolina, expresso em valor real
RE
t
: renda agregada per capita, expressa em valor real.
A equação (1) especifica a demanda por gasolina através de suas varáveis
básicas (preço e renda), enquanto que a equação (2) utiliza-se de um modelo dinâmico de
ajustamento parcial, com uma defasagem, a fim de captar processos de adaptação do
consumidor à variação nos parâmetros, que requerem tempo para serem plenamente
implementados.
Mais recentemente, Kayser (2000) promoveu um estudo relativo à demanda por
gasolina que buscou determinar as elasticidade-preço e elasticidade-renda empregando um
modelo que considerou a demanda por gasolina e por automóveis como decisões tomadas
de forma simultânea. Para a obtenção de dados relativos ao consumo individual, empregou-
se um procedimento de painel, denominado Panel Study of Income Dynamics (PSID). Esses
dados foram empregados conjuntamente com preços de gasolina e medidas de eficiência de
combustível.
Vários estudos, ainda, tentaram analisar a relação de longo prazo entre consumo
de energia e o PIB, utilizando técnicas de cointegração e de vetor de correção de erros.
Exemplos destes procedimentos são os trabalhos de Glasure & Lee (1998), que aplicaram
técnicas de cointegração para averiguar o sentido da causalidade entre o consumo de
energia e o PIB, aplicado às economias da Coréia do Sul e de Cingapura. Também Masih &
Masih (1997) conduziram um trabalho com propósito semelhante, que consistiu em
examinar a questão da causalidade entre o consumo de energia e a renda real,
33
considerando a influência dos preços uma terceira variável. A análise foi aplicada às
economias da Coréia do Sul e de Taiwan, por se tratarem de duas economias altamente
dependentes de energia.
3.2 Modelos de Demanda por Combustíveis no Brasil
No Brasil, há poucos estudos relativos à estimação da função demanda por
gasolina, apesar da importância deste combustível em nossa matriz energética. É
importante notar também que, para o caso brasileiro, os autores que se dedicaram a esta
questão têm incluído, além do preço da gasolina e da renda do consumidor, o álcool
combustível como uma variável importante na especificação da função de demanda por
gasolina. Adicionalmente, esses autores também têm calculado a elasticidade-preço
cruzada da gasolina em relação ao álcool no curto e longo prazo. De modo geral,
concluíram que o álcool combustível é tão somente um substituto imperfeito da gasolina.
Dentre os trabalhos que versam sobre a demanda por combustíveis no país
apresentamos a seguir, de forma resumida, a estrutura e os principais resultados de três
deles. Esta escolha baseou-se na similaridade de objetivos e metodologia que estes
trabalhos guardam com o presente estudo. Assim, passam a ser um ponto de referência
para a análise que desenvolveremos no capítulo seguinte.
Burnquist & Bacchi (2002) analisaram a demanda nacional por gasolina no
período de 1973 a 1998 a partir de um modelo econômico básico que relaciona consumo,
preço e renda utilizando técnicas de cointegração, para estimar as relações de longo prazo,
e modelo de correção de erro, para a análise das relações de curto prazo. Os resultados
obtidos indicam que no curto prazo a demanda por gasolina no país é inelástica a mudanças
na renda real, dado que a elasticidade-renda da demanda por gasolina foi estimada em
0,600. No longo prazo, por sua vez, a elasticidade-renda obtida apresentou-se relativamente
mais elevada, sendo da ordem de 0,959, o que para as autoras ainda caracteriza uma
demanda inelástica. Esses resultados permitem caracterizar a gasolina como um bem
normal, dado que as elasticidades-renda estimadas apresentam-se positivas e menores que
a unidade, mesmo no longo prazo.
No caso da renda, cabe ressaltar ainda que as autoras destacaram que, além da
relação contemporânea que esta variável guarda com a demanda por combustível, suas
variações também podem influenciar o consumo de gasolina em períodos futuros. Isso pode
34
ser explicado pelo fato de que esse consumo pode aumentar não apenas pelo uso mais
intensivo da frota existente, como também pelo aumento do número de veículos que
constituem a frota nacional
11
, sendo que o efeito desse último fator tende a ser captado com
alguma defasagem de tempo.
No que se refere à elasticidade-preço da demanda, os resultados para este
período mostraram que o consumo de gasolina, no contexto da economia brasileira, é
aparentemente pouco sensível a mudanças nos preços desse combustível, tanto no curto
como no longo prazo. O valor estimado para a elasticidade-preço no curto prazo foi de
(-0,319), comprovando que a demanda por gasolina no país é inelástica em relação a essa
variável. Apesar deste valor ser semelhante ao verificado em outros países em estudos
sobre demanda por gasolina, as autoras ressaltam que seria razoável esperar para o caso
brasileiro que a elasticidade-preço resultante fosse relativamente mais elevada que a de
outros países, dada a possibilidade, ainda que parcial, da substituição no Brasil da gasolina
pelo álcool combustível. Elas atribuem a ausência deste efeito substituição ao fato de que o
preço do álcool, durante este período, era administrado pelo governo, que mantinha
praticamente constante a sua relação com o preço da gasolina, reduzindo a influência
potencial sobre a elasticidade-preço da demanda.
Quanto à elasticidade-preço da demanda para longo prazo, estimou-se o valor
de (-0,2272), que é ligeiramente inferior ao da elasticidade de curto prazo. Apesar desse
resultado ser conflitante com as evidências empíricas de existência de elasticidades maiores
no longo prazo, ele foi considerado significativo estatisticamente a 1% de probabilidade.
Os dados utilizados nas estimativas das elasticidades compreendem médias
anuais, relativas ao período de 1973 a 1998. Os dados de consumo e preço da gasolina
para o mercado brasileiro foram obtidos junto a publicações anuais do Balanço Energético
Nacional – 1999 do Ministério das Minas e Energia. A série de preços equivale a valores
médios anuais do preço da gasolina, expressos em Reais de 1998. O consumo de gasolina
corresponde ao total consumido na economia brasileira, tomado em 1.000 m
3
e
transformado em valores per capita, considerando dados de população obtidos junto ao
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados relativos ao PIB real per
capita, utilizados para representar a variável renda na função demanda, também foram
obtidos junto ao IBGE. Essa série também foi expressa em Reais de 1998, de forma
semelhante à empregada para os preços de gasolina.
11
Este aumento da frota pode ocorrer como decorrência direta do aumento da renda dos consumidores.
35
O modelo especificado para a análise das relações de curto prazo é dado como:
Δln CG
t
= α + βΔ ln PG
t
+ δΔ ln RE
t
+ γ Δln RE
t-2
+ e
t
onde: CG
t
: consumo per capita de gasolina;
PG
t
: preço da gasolina;
RE
t
: renda agregada per capita; e
e
t
: termo de correção de erro.
As conclusões gerais do estudo, além da indicação de que o consumo de
gasolina no Brasil é mais sensível a alterações na renda do que nos preços, são que:
Os resultados obtidos nesta análise quanto ao comportamento da demanda por gasolina
no Brasil sugerem que a resposta do volume consumido, mediante alterações nos
preços, é pouco expressiva. Dessa forma, considerando-se a possibilidade de que os
mecanismos de formação dos preços venham a evoluir de forma a permitir uma maior
internalização das oscilações nos preços internacionais do petróleo, tem-se que os
efeitos esperados mediante uma redução nesses preços, por exemplo, são positivos
12
.
Em termos macroeconômicos, o efeito positivo associado a reduções dos preços seria
vinculado à importância relativa do preço dos combustíveis na determinação dos índices
inflacionários. Além disso, a possibilidade de que a expansão no consumo seja
relativamente pequena, em reposta a uma redução nos preços de gasolina, restringe a
possibilidade da evolução de um desequilíbrio entre a oferta e demanda pelo produto no
mercado interno. (BURNQUIST; BACCHI, 2000: p.11-12).
Alves & Bueno (2003) estudaram o comportamento da demanda por gasolina no
Brasil entre os anos de 1974 a 1999,
utilizando técnicas de cointegração e modelo de
correção de erro, com o objetivo de estimar as elasticidades-preço e renda deste
combustível. Este trabalho se diferencia de outros estudos anteriores pela inclusão do preço
do álcool como uma variável explicativa adicional ao modelo de demanda da gasolina. Isto
permitiu que adicionalmente se estimasse a elasticidade-cruzada entre álcool e gasolina,
objetivando entender até que ponto o álcool combustível se constitui em um substituto da
gasolina. Uma das justificativas para esta nova abordagem, segundo os autores, é que o
Brasil é a única economia de grande porte que desenvolveu um substituto para gasolina,
sendo por conta disso, inclusive, uma referência para outros países que procuram diminuir
sua dependência deste combustível automotivo.
Foram utilizados para as estimativas dados de várias fontes: Os dados de
população e renda disponível são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
12
As autoras estavam particularmente interessadas nos possíveis efeitos sobre a demanda por gasolina no país, decorrentes
da Lei nº 9.478 (Lei do Petróleo) de 1997 que determinou o fim do monopólio da Petrobras sobre as atividades petrolíferas e
promoveu a abertura do mercado de combustíveis brasileiro.
36
As proxies para os preços da gasolina e álcool, assim como os dados de índice de preços,
são da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE). Os dados de consumo de
gasolina no país são da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Todos estes dados
compreendem o período de 1974 a 1999. Os dados anuais para o preço real do álcool
hidratado referem-se aos anos de 1984 a 1999
13
. Todos os preços reais e renda real são
expressos em número índice com base no ano de 1984.
Conforme citado anteriormente, o modelo proposto pelos autores inclui na
especificação da função de demanda por gasolina no Brasil, além da renda e preço da
gasolina, o preço do álcool combustível (hidratado). A equação de cointegração usada no
estudo segue, portanto, a seguinte especificação:
ln C
t
= β
0
+ β
1
lnY
t
+ β
2
lnP
t
+ β
3
lnA
t
+ e
t
onde: C
t
: consumo per capita anual de gasolina medido em litros;
Y
t
: renda agregada real anual per capita;
P
t
: preço real anual da gasolina;
A
t
: preço real anual do álcool hidratado; e
e
t
: resíduo.
Os resultados econométricos apresentados a partir desta especificação são os
seguintes: as variáveis referentes aos preços da gasolina e do álcool apresentaram
coeficientes significativamente diferentes de zero a um nível de significância de 15%, sendo
considerado pelos autores como bastante razoável, dado o pequeno número de
observações e os graus de liberdade disponíveis na amostra. Os sinais e valores das
elasticidades calculadas (elasticidade-preço e renda) estão coerentes com a teoria
econômica, caracterizando a demanda por gasolina no país como inelástica com respeito a
preço e renda. Quanto à estimativa da elasticidade-cruzada, embora seu sinal seja positivo,
conforme o esperado para bens substitutos como a gasolina e o álcool, seu valor absoluto
(0,4803) mostrou-se bastante baixo, caracterizando assim o álcool combustível como um
substituto imperfeito da gasolina, mesmo no longo prazo. Isto, segundo os autores, é
explicado pelo alto custo associado à mudança necessária nos motores para conversão do
uso do combustível, no caso, de gasolina para álcool hidratado.
O estudo também ressalta que o valor da elasticidade-preço da gasolina para o
Brasil (-0,4646) está próximo daqueles reportados para outros países, tais como o que
13
A fonte dos dados não consta no original.
37
Eltony and Al-Mutairi (1995) estimou para o Kwait, no valor de 0,463, e a estimativa de 0,319
que Ramanathan (1999) encontrou para a Índia. Entretanto, o valor encontrado para
elasticidade-renda (0,1217) parece ser muito mais baixo do que aqueles encontrados para
esses países.
Os resultados do modelo de correção de erro, para estimativas de curto prazo,
também indicam que os sinais das elasticidades estão de acordo com o previsto na teoria.
Além disso, a elasticidade-preço de curto prazo (-0,0919) é menor do que a de longo prazo,
conforme o esperado. A estimativa da elasticidade-renda de curto prazo (0,1216) foi
praticamente a mesma que a de longo prazo. Outro ponto de destaque é o fato de os
coeficientes do álcool e da gasolina não serem significativamente diferentes de zero, de
onde se pode concluir, segundo os autores, que a demanda por gasolina é perfeitamente
inelástica no curto prazo.
As conclusões finais do trabalho são que “o consumo de gasolina parece ter uma
tendência quadrática, a qual é explicada pelo processo de ajustamento da economia
brasileira aos repetidos choques do petróleo nos últimos 30 anos. A elasticidade-preço da
gasolina é inelástica no longo prazo e completamente inelástica no curto prazo [...]. Também
como esperado, a elasticidade-cruzada entre álcool e gasolina é positiva, confirmando que
eles são substitutos, embora substitutos imperfeitos. A elasticidade-preço nula da gasolina
no curto prazo leva a elasticidade-cruzada nula com respeito ao álcool, um resultado
também confirmado por este estudo”
(ALVES; BUENO, 2003, Energy Economics 25 (2003):
191-199, p.198, tradução nossa).
Roppa (2005) analisou a evolução da demanda por gasolina no Brasil no período
de 1973 a 2003, a partir de um modelo em que o consumo de gasolina é uma função de seu
preço, do preço do álcool hidratado e da renda. O principal objetivo do trabalho é examinar
as condições de substituição da gasolina pelo álcool combustível. Neste sentido, foram
efetuados os cálculos das elasticidades-preço e renda da demanda por gasolina, e da
elasticidade-preço cruzada da demanda por gasolina em relação ao álcool, utilizando o
método de cointegração e o modelo de correção de erros para estimar, respectivamente, as
relações de longo e curto prazo entre as variáveis.
Quatro principais fontes de informação foram utilizadas: Agência Nacional do
Petróleo (ANP) para os dados de consumo anual de gasolina em mil m
3
, Ministério de Minas
e Energia para os dados de preço da gasolina e do álcool em US$/m
3
, Banco Central do
Brasil para os dados de PIB anual per capita em R$ de 1979 e Instituto Brasileiro de
38
Geografia e Estatística (IBGE) para os dados de população. Todos esses dados foram
convertidos para escala logarítmica, a fim de facilitar a interpretação dos coeficientes de
cada variável em questão. O período de abrangência dos dados compreende os anos de
1973 a 2003, com exceção dos preços do álcool hidratado, cuja série inicia-se a partir de
1979.
A equação de cointegração (para as estimativas de longo prazo) e o modelo de
correção de erro (para as estimativas de curto prazo) assumem respectivamente as
seguintes especificações:
ln Cgas
t
= β
0
+ β
1
lnY
t
+ β
2
ln Pgas
t
+ β
3
ln Palc
t
+ε
t
(1)
onde: Cgas
t
: consumo de gasolina anual per capita em m
3
;
Y
t
: Produto Interno Bruto (PIB) real anual per capita em US$ milhões;
Pgas
t
: preço real da gasolina em US$/m
3
;
Palc
t
: preço real do álcool, em US$/m
3
; e
ε
t
: resíduo da equação da equação (1).
ln Cgas
t
= α
0
+ α
1
lnY
t-i
+ α
2
ln Pgas
t-i
+ α
3
ln Palc
t-i
+ α
4
ε
t-1
+ z
t
(2)
onde: Δ indica a primeira diferença;
Z
t
: resíduo da equação (2);
ε
t-1
: resíduo defasado da equação (1)
onde: ε
t-1
= ln Cgas
t-1
- β
0
- β
1
lnY
t-1
- β
2
ln Pgas
t-1
- β
3
ln Palc
t-1
;
Dada a inexistência de uma série mais extensa para o preço do álcool hidratado,
os testes econométricos foram realizados para o período 1979-2000. De modo sucinto, os
resultados obtidos são os seguintes: foi necessária a inclusão das variáveis de tendência t e
t² na equação de cointegração (1), a fim de ajustar o modelo ao comportamento da série de
consumo per capita da gasolina em escala logarítmica, que apresenta tendência quadrática.
Além disso, também foram agregadas à equação (1) as variáveis lnCgas
t
e lnY
t
, pois
segundo a autora “é razoável supor que o consumo de gasolina no período t é afetado tanto
pela renda quanto pelo consumo no período anterior”. Os coeficientes relativos às variáveis
lnY
t
, lnPgas
t
e lnPalc
t
estimados mostraram-se estatisticamente significativos, sendo o último
significativo ao nível de 20% e os demais, ao nível de 5%.
39
Os cálculos das elasticidades de longo prazo da demanda por gasolina no
período de 1979 a 2000 indicam que essas estimativas apresentaram os sinais esperados:
positivo para a elasticidade-renda da gasolina e elasticidade-preço cruzada da gasolina em
relação ao álcool; e negativo para a elasticidade-preço da gasolina. Quanto aos valores
estimados, os resultados mostram que a gasolina revelou-se inelástica tanto ao seu preço
quanto à sua renda no longo prazo (respectivamente -0,6344 e 0,1637). A elasticidade-
preço cruzada (0,4019) apresentou o álcool como um substituto imperfeito da gasolina. Nas
palavras da autora: “[...] a relação de substituibilidade foi confirmada, porém, foi reduzida,
indicando que no longo prazo a demanda por gasolina é relativamente inelástica em relação
ao preço do álcool”. A justificativa para este resultado, ainda segundo a autora, é “que,
apesar de no longo prazo haver a possibilidade de os consumidores trocarem de carro,
adotando um modelo a álcool, há uma certa insegurança em relação à disponibilidade deste
último nos postos, dado o fim inesperado (do ponto de vista dos consumidores) do
Programa Proálcool, apesar do custo que esta atitude poderia acarretar”.
Para o curto prazo, as estimativas do modelo de correção de erro para a
elasticidade-preço e renda da gasolina apresentaram os sinais esperados: negativo para a
primeira e positivo para a segunda. Novamente, a gasolina apresentou-se inelástica tanto
em relação à sua renda quanto ao seu preço (0,4718 e -0,0734, respectivamente). No
entanto, somente a elasticidade-renda mostrou-se estatisticamente significativa, ao nível de
5%. A elasticidade-preço cruzada da gasolina em relação ao álcool, por sua vez, revelou
sinal contrário ao esperado (-0,1986). Todavia, esta variável, assim como a variável
elasticidade-preço da gasolina, não é estatisticamente significativa.
Finalmente, é importante destacar que a autora aplicou a mesma metodologia
econométrica para o período 1979-2003 e, “surpreendentemente”, encontrou resultados
incoerentes com a teoria econômica. Com a exceção da variável elasticidade-renda da
gasolina, os sinais encontrados para as elasticidades-preço e preço cruzada da gasolina em
relação ao álcool, tanto para o longo quanto para o curto prazo, se mostraram contrários ao
esperado. Além disso, com exceção da elasticidade-preço cruzada da gasolina em relação
ao álcool, no curto prazo, todos os demais resultados mostraram-se estatisticamente
insignificantes.
Segundo a autora, o motivo de uma alteração tão significativa nos resultados,
quando se consideram estes três anos adicionais no período analisado, “pode estar nos
fatores que vêm tornando errônea a mensuração do consumo de gasolina”. Os fatores
apontados são: (1) adulteração e fraude da gasolina e (2) a questão da sonegação fiscal,
40
advinda dos diferenciais de ICMS entre estados que permite que a distribuidora se aproprie
deste diferencial de alíquota de ICMS e, conseqüentemente, consiga distribuir o combustível
a um preço mais baixo. A intensificação destas práticas (ilegais) reduz artificialmente o
preço da gasolina e, com isso, aumenta a quantidade vendida do produto.
41
4 O MODELO DE DEMANDA POR GASOLINA NO BRASIL
4.1 O Modelo Econométrico
Segundo a teoria econômica, a especificação da função de demanda de um bem
qualquer requer pelo menos duas variáveis básicas: o preço do bem e a renda dos seus
consumidores. Os estudos empíricos acerca da demanda por gasolina, de modo quase
generalizado, baseiam-se somente nestas duas varáveis. A esse respeito, Dahl & Sterner
(1991) concluíram, a partir da análise de diversos trabalhos sobre a demanda por gasolina,
que os principais parâmetros utilizados neste tipo de análise têm sido o preço do
combustível e a renda do consumidor. Para o Brasil, no entanto, é quase impensável um
modelo de demanda por gasolina que ignore completamente a importância do álcool
hidratado como uma variável relevante em sua especificação. A esse respeito, Roppa
(2005) e Alves & Bueno (2003)
14
consideraram o preço do álcool hidratado na especificação
de seus modelos de demanda de gasolina no país, com o objetivo de avaliar o grau de
substituibilidade do álcool combustível pela gasolina. Ambos concluíram, através do cálculo
da elasticidade-cruzada da gasolina pelo álcool, que o álcool hidratado é tão somente um
bem substituto imperfeito da gasolina.
Com o objetivo de examinar qual das abordagens acima melhor se adequa aos
propósitos do estudo em questão, ou seja, analisar o impacto dos veículos flex-fuel sobre a
demanda por gasolina no Brasil, utilizaremos duas especificações distintas da função de
demanda por gasolina. A equação (1), que inclui o preço do álcool hidratado, além do preço
da gasolina e da renda do consumidor, como variáveis explicativas e a equação (2), que
utiliza o preço da gasolina, a renda do consumidor e uma variável binária
15
de inclinação
associada ao preço da gasolina, incluída no modelo com o objetivo de capturar os impactos
da entrada dos veículos flex-fuel sobre a curva de demanda por gasolina a partir de março
de 2003.
Assim, a função demanda por gasolina no Brasil será estimada
16
a partir das
seguintes especificações:
14
Para mais detalhes, ver o item 3.2
15
A utilização de variáveis binárias (dummy) neste caso é particularmente interessante, visto que o fato dos veículos serem ou
não flex-fuel caracteriza uma informação de ordem qualitativa, cujo caráter binário recomenda o uso de variáveis binárias.
16
A estimação do modelo e demais procedimentos econométricos foram efetuados a partir do pacote econométrico STATA 8.2.
42
lcons_gas
t
= β
0
+ β
2
lp_gas
t
+ β
3
lpib_pc
t
+ β
4
lp_alc
t
+ ε
t
(1)
lcons_gas
t
= β
0
+ β
2
lp_gas
t
+ β
3
lpib_pc
t
+ β
5
bin.lp_gas
t
+ ε
t
(2)
onde: lcons_gas
t
: consumo mensal nacional de gasolina (em litros)
lp_gas
t
: preço real mensal da gasolina (em R$/l de set/2006)
lpib_pc
t
: renda real mensal per capita (PIB per capita em R$ de set/2006)
lp_alc
t
: preço real mensal do álcool hidratado (em R$/l de set/2006)
bin.lp_gas
t
: variável binária de inclinação associada ao preço da gasolina
ε
t
: resíduo
As variáveis apresentadas acima foram transformadas em sua forma
logarítmica
17
.
4.2 Fonte de Dados
Os dados utilizados nas estimativas compreendem valores mensais relativos ao
período de agosto de 1994 a julho de 2006. Os dados de consumo mensal de gasolina no
Brasil foram obtidos junto a Agência Nacional de Petróleo e Gás Natural (ANP). As séries de
preços são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e equivalem a valores
médios mensais dos preços da gasolina e do álcool hidratado no mercado brasileiro,
expressos em Reais de setembro de 2006. Estes valores foram deflacionados pelo IPCA de
setembro de 2006. Os dados relativos ao PIB real per capita, utilizados para representar a
variável renda na função demanda, foram construídos a partir dos valores mensais para o
PIB e a população brasileira, ambos fornecidos pelo IBGE. Essa série também foi expressa
em Reais de setembro de 2006, de forma semelhante à empregada para os preços da
gasolina e do álcool hidratado.
4.3 Análise de Séries Temporais
Para se calcular as elasticidades-preço e renda da gasolina, um problema típico
na utilização do método de mínimos quadrados ordinários (MQO) em séries temporais é o
17
A transformação logarítmica é vantajosa porque os coeficientes das varáveis explicativas podem ser interpretados como
elasticidades e também porque esta transformação suaviza a variância das séries.
43
da regressão espúria
18
, na qual os valores tipicamente significantes de parâmetros
estimados podem não refletir nenhuma relação econômica entre as variáveis envolvidas.
Este problema surge principalmente em regressões envolvendo variáveis não-
estacionárias
19
que, por sua vez, tendem a produzir resíduos não estacionários, violando
assim um dos pressupostos básicos da estimação por MQO. Ao se negligenciar esse fato, o
resultado da regressão geralmente subestima a variância dos erros, o que compromete os
valores da estatística t e, por conseguinte, os testes de hipótese sobre a significância
estatística dos parâmetros. Além disso, regressões espúrias costumam produzir coeficientes
de determinação (R
2
) elevados que, contrariamente à interpretação usual, não refletem
necessariamente uma forte associação entre as variáveis dependentes e independentes,
mas sim a tendência geral, crescente ou decrescente, dos valores observados.
Um indício de não-estacionariedade é justamente a presença de tendência nas
séries de tempo. A tendência existente em séries não estacionárias pode ser eliminada pela
inclusão da variável tempo (variável de tendência) entre as variáveis independentes, quando
se tratar de um processo de tendência determinista, ou por diferenciação
20
, quando se tratar
de um processo de tendência estocástica.
Portanto, para a utilização do método MQO em séries temporais, sem se correr o
risco de regressão espúria, é necessário primeiramente verificar se as séries de tempo em
questão são estacionárias. Isto foi feito através da aplicação dos testes de raiz unitária, cujo
objetivo é determinar o número de raízes sobre o círculo unitário, ou raízes unitárias,
presentes no processo estocástico gerador da série. O número de raízes unitárias, neste
caso, corresponde a ordem de integração da série e ao número de diferenças necessário
para tornar uma série estacionária.
18
A expressão “spurious regression”, utilizada para classificar uma regressão como desprovida de sentido econômico, foi
primeiramente empregada por Granger e Newbold (1974).
19
O processo estocástico, ou a série temporal
{
}
{
}
K,,,,, 210
±
±
=
Ζ
Ζ
ty
t
é estacionária se:
jjtt
t
t
yyEc
ettodoparayEb
yEa
γμμ
μ
=
Ζ=
<
)()()(
;,)()(
;)(
2
A primeira condição afirma apenas que a variância deve ser finita, ainda que desigual em diferentes períodos. A segunda
condição afirma que a média é igual para todo período, mesmo que a distribuição da variável aleatória vá-se alterando ao
longo do tempo. A terceira condição estabelece que a variância é sempre igual para todo período de tempo e que a
autocovariância não depende do tempo, mas apenas do intervalo de tempo (Fava, 2000).
20
O processo de diferenciação para alcançar a estacionariedade está intrinsecamente relacionado ao conceito econométrico
de integração, que pode ser assim entendido: uma variável de tendência estocástica x(t) é dita integrada de ordem n, com
notação I(n), caso sejam necessárias n diferenciações para que x(t) atinja estacionariedade. Assim, uma variável I(1) é não-
estacionária, mas alcança estacionariedade após uma diferenciação. Já uma variável I(0), é dita estacionária em nível, sem
que seja necessária qualquer diferenciação (Enders, 2004).
44
Caso se conclua, no entanto, que as séries não são estacionárias, é possível
ainda a utilização do método MQO, desde que as séries sejam cointegradas. Neste caso,
será necessário promover a análise de cointegração entre as variáveis do modelo.
4.3.1 Testes de Raiz Unitária
Para testar a condição de estacionariedade e determinar a ordem de integração
das variáveis definidas neste estudo, utilizou-se o teste de Dickey-Fuller Aumentado - ADF
(Dickey & Fuller; 1979)
21
, que considera a hipótese de não-estacionaridade a partir da
presença de uma raiz unitária, ou seja, testa a hipótese de que o processo é integrado de
ordem um contra a hipótese alternativa de que o processo é estacionário em nível.
O teste Dickey-Fuller Aumentado - ADF considera três possíveis modelos auto-
regressivos que podem ser usados para testar a presença de raiz unitária:
=
=
+
=
+
=
+
=
=
=
+Δ+=Δ
+Δ++=Δ
+Δ+++=Δ
p
ij
j
p
i
i
tit
p
i
itt
tit
p
i
itt
tit
p
i
itt
a
a
iiiyyy
iiyyay
iyytaay
sivoautoregreselodoordemaigualpdoonde
β
γ
εβγ
εβγ
εβγ
modsen;)(:
)(
)(
)(
1
1
2
1
1
2
10
1
2
120
1
A diferença entre os três modelos consiste na presença ou não dos elementos
determinísticos a
0
e a
2
t. A equação (iii) acima representa um modelo do tipo “passeio
aleatório” puro. Na equação (ii), por sua vez, é acrescentado um intercepto a
0
, também
chamado de constante, e na equação (i) é incluído, além do intercepto, um termo de
tendência linear temporal a
2
t, constituindo o chamado modelo completo.
O parâmetro de interesse do teste é
γ. Se γ = 0, então a seqüência {y
t
} tem uma
raiz unitária. O procedimento consiste em estimar uma (ou mais) das equações acima
21
O teste de Dickey-Fuller Aumentado – ADF apresenta-se mais adequado aos propósitos deste estudo pelo fato de permitir
que y
t
seja descrito por um processo estocástico AR(p), enquanto que o teste Dickey-Fuller – DF aplica-se somente a
processos AR(1). Ambos os testes destinam-se a séries que têm no máximo, uma raiz unitária, ou seja, séries que são
originalmente estacionárias ou são estacionarizadas com aplicação de uma diferença.
45
usando o processo de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) para obter as estimativas do
valor de
γ e os erros padrão a ele associados. Comparando o t-estatístico resultante da
regressão com os valores críticos calculados por Dickey e Fuller, permite determinar se
aceita-se ou rejeita-se a hipótese nula H
0
: γ = 0. É importante ressaltar, no entanto, que os
valores críticos da estatística t dependem da forma da equação e do tamanho da amostra,
ou seja, esses valores dependem da inclusão ou não de intercepto e/ou termo de tendência
linear temporal na equação que está sendo testada. Assim, as estatísticas apropriadas para
serem usadas com as equações (i), (ii) e (iii) acima são, respectivamente, as estatísticas
τ
τ
, τ
μ
e τ.
A escolha da versão mais apropriada para realizar o teste, com relação a
inclusão ou não de intercepto e/ou termo de tendência linear temporal, é feita a partir da
especificação mais geral do modelo, incluindo constante e tendência, passando para
modelos mais parcimoniosos se esses termos se apresentarem estatisticamente não
significativos, segundo procedimento apresentado em Enders (2004).
Para a determinação do valor de p (a ordem do processo auto-regressivo) nos
modelos expresso pelas equações (i), (ii) e (iii) foram utilizados os critérios de AIC (Akaike
Information Criterion) e SBC (Schwarz Bayesian Criterion) para escolha da melhor
defasagem, tendo em seguida se observado a significância estatística da última defasagem
para confirmação do valor de p
22
.
Os resultados do teste Dickey-Fuller Aumentado - ADF para presença de raiz
unitária são apresentados na Tabela 1. A fim de se obter um resultado mais conclusivo com
relação a variável lcons_gas, que no teste ADF rejeitou a existência de raiz unitária, foram
efetuados, para esta variável, outros testes, como o KPSS
23
e o DF-GLS, para os quais a
presença de uma raiz unitária não foi rejeitada. A partir dos resultados, concluiu-se que a um
nível de significância estatística de 1%, a hipótese nula de existência de uma raiz unitária
não é rejeitada para nenhuma das variáveis analisadas. Isto indica que todas as variáveis do
22
Para se estimar de maneira apropriada o parâmetro γ e seu erro padrão, é necessário que todos os termos auto-regressivos
estejam incluídos na equação que está sendo estimada. Caso o número de defasagens seja insuficientemente pequeno
significa que os resíduos da regressão não se comportarão como ruído branco, o que levará o modelo a não capturar todo
processo auto-regressivos dos erros, de modo que
γ e seu erro padrão não sejam bem estimados. Por outro lado, a inclusão
de mais defasagens que o necessário reduz o poder do teste em rejeitar a hipótese nula de uma raiz unitária, devido ao fato de
que o aumento de defasagens exige a estimação de parâmetros adicionais, o que leva a perda de graus de liberdade. Para
avaliação dos resíduos, em termos de se comportarem ou não como ruído branco, foi utilizado o teste Q de Portmanteau, o
qual não rejeitou a hipótese nula de presença de resíduos ruído branco para todas as séries apresentadas.
23
A sigla KPSS é referência à primeira letra dos últimos nomes dos autores do teste: Kwiatkowski, Phillips, Schmidt, Shin
(1992). O teste KPSS testa a hipótese nula de que a variável não possui raiz unitária, ou seja, de que a série é estacionária em
nível, contra a hipótese de que o processo possui uma raiz unitária.
46
modelo são integradas de ordem I(1), portanto, cada uma deve ser tomada em sua primeira
diferença para tornar-se estacionária.
Tabela 1 -
Teste Dickey-Fuller Aumentado - ADF para testar a presea de uma raiz unitária
V
ariáveis
p
τ
τ
τ
β
τ
τ
ατ
p
τ
μ
τ
α
μ
p
τ
lcons_gas
12 -3,319 -0,26 3,34 12 -3,825 3,83 13 0,948
Valor crítico* -4,030 3,53 3,78 -3,500 3,22 -2,596
lp_gas
15 -1,572 1,11 1,93 7 -1,070 1,60 4 0,815
Valor crítico* -4,030 3,53 3,78 -3,497 3,22 -2,594
lp_alc
9 -3,624 3,07 -0,51 1 -2,254 1,95 7 -0,238
Valor crítico* -4,028 3,53 3,78 -3,495 3,22 -2,595
lpib_pc
12 -2,502 -2,16 2,50 12 -1,267 1,27 12 -0,157
Valor crítico* -4,029 3,53 3,78 -3,499 3,22 -2,596
* Os valores críticos das estatistícas referem-se ao nível de significância de 1%
Obs.
- Os valores críticos para o teste de constante e tendência utilizam os valores calculados por Dickey e Fuller.
- O valor da estatistíca τ para teste de raiz unitária refere-se aos valores calculados por MacKinnon.
equação (3)
Modelo sem tendência e constante
equação (1)
Modelo completo
equação (2)
Modelo com constante
Deve-se observar, no entanto, que regressões efetuadas a partir de variáveis em
diferenças podem conduzir a estimativas inconsistentes dos parâmetros se forem ignoradas
possíveis relações de cointegração entre as variáveis do modelo (Burnquist & Bacchi, 2002).
Para evitar problemas dessa natureza, foram conduzidos testes de cointegração entre as
variáveis, que são apresentados na seção seguinte.
Desde que as variáveis sejam cointegradas, é possível, ainda, a utilização do
método MQO sem que haja o risco de regressão espúria.
4.3.2 Análise de Cointegração
Qualquer relação de equilíbrio entre um conjunto de variáveis não-estacionárias
implica que suas tendências estocásticas estejam relacionadas de alguma maneira, de
modo que essas variáveis não podem mover-se independentemente umas das outras. Na
medida em que esta relação entre as tendências estocásticas de variáveis não-estacionárias
ocorre de forma consistente ao longo do tempo, dizemos que estas variáveis são
cointegradas e que existe uma relação de equilíbrio de longo prazo entre elas.
47
Uma definição formal de cointegração, conforme Engle e Granger (1987), é a
seguinte:
Seja x
t
um vetor (N x 1). Os componentes de x
t
são ditos cointegrados de ordem
(d,b), denotado por x
t
~ CI (d,b), se:
1) todos os componentes de x
t
são I(d); e
2) existe um vetor β 0 tal que z
t
= β´x
t
~ I(d - b), b>0.
O vetor β é chamado vetor de cointegração
Assim, a definição de cointegração requer, em primeiro lugar, que todas as
variáveis do modelo sejam integradas de mesma ordem. A segunda condição é que a
combinação linear das variáveis do modelo resulte em uma série cuja ordem de integração
seja menor que a das séries originais (Hendry & Juselius, 1999).
Ainda sobre a definição acima, há três pontos importantes a destacar:
i. Da definição original de Engle e Granger, cointegração refere-se a variáveis
que são integradas de mesma ordem. No entanto, isto não implica que todas
as variáveis integradas de mesma ordem sejam cointegradas. Freqüentemente
um conjunto de variáveis I(d) não é cointegrado, o que, naturalmente, implica
que não há entre estas variáveis uma relação estável de equilíbrio de longo
prazo. Também se duas variáveis são integradas de diferentes ordens, elas
não podem ser cointegradas.
ii. Se o vetor x
t
tem n componentes não-estacionários, podem existir no máximo
n-1 vetores de cointegração linearmente independentes. O número de vetores
de cointegração é chamado de rank de cointegração de x
t.
iii. A maior parte da literatura sobre cointegração refere-se ao caso no qual cada
variável tem uma única raiz unitária. A razão disso decorre do fato de que a
análise tradicional de séries temporais se aplica quase que em sua totalidade à
variáveis que são I(0), ou seja, variáveis estacionárias. Além disso, poucas
variáveis econômicas são integradas de ordem maior que um. A esse respeito,
Nelson e Plosser (1982) conduziram um estudo com cerca de treze
48
importantes variáveis macroeconômicas, demonstrando que elas são
integradas de ordem um.
De modo geral, há duas importantes metodologias para se testar cointegração: a
metodologia de Engle-Granger (1987), que procura determinar se os resíduos da regressão
da equação de equilíbrio de longo prazo são estacionários, isto é, I(0); e a metodologia de
Johansen (1988), que baseia-se na determinação do rank (ou posto) da matriz
π
24
. No
presente estudo, para a análise de cointegração entre as variáveis do modelo de demanda
por gasolina no Brasil, será utilizado o procedimento de Johansen (1988).
4.3.3 Metodologia de Johansen para Análise de Cointegração
Segundo Enders (2004), a metodologia de Johansen pode ser vista como uma
generalização multivariada do teste de Dickey-Fuller Aumentado – ADF. Esta comparação
torna-se mais evidente a partir da observação da equação geral do teste, expressa abaixo:
()
)(
)(
)(
)(:
nxnidentidadematrixumaéI
nxnparâmetrosdematrizumaéA
xnvetoressãoeex
A
AIonde
ivxxx
tt
p
ij
ji
p
i
i
p
i
tititt
1
1
1
1
1
1
1
+=
=
=
=
=
+Δ+=Δ
π
π
εππ
A metodologia de Johansen para determinação de estacionariedade está
fortemente baseada na relação existente entre o rank de uma matriz e o seu número de
raízes características que diferem de zero. Na verdade, o rank de uma matriz é sempre igual
ao número de raízes características que diferem de zero nesta matriz. Deste modo, o
objetivo principal do teste é determinar o rank da matriz
π. A determinação do rank da matriz
π permite inferir quantos vetores de cointegração independentes a matriz possui, sendo que
quatro situações podem ocorrer:
24
A matriz π será definida mais adiante, quando falarmos da Metodologia de Johansen para Análise de Cointegração.
49
i. Se rank (
π) = 0, a matriz é nula e a equação (iv) é um modelo de Vetores Auto-
regressivos – VAR em primeira diferença, o que significa que não há
cointegração.
ii. Se rank (π) = n, a matriz possui n vetores de cointegração, indicando que o
processo vetorial é estacionário.
iii. Se rank (
π) = 1, há um único vetor de cointegração e, portanto, as variáveis do
modelo são cointegradas.
iv. Se 1 < rank (
π) < n, há múltiplos vetores de cointegração.
O teste para determinar o número de raízes características (e,
conseqüentemente, o rank da matriz
π) que são significativamente diferentes de um é
realizado utilizando-se as seguintes estatísticas:
usadassobservaçõedenúmeroT
estimadamatrizdaobtidos
seigenvaluechamadotambémticascaracterísraízesdasonde
Trr
Tr
i
r
n
ri
itraço
=
=
=+
=
+
+=
π
λ
λλ
λλ
)(estimadovalor
ˆ
:
)
ˆ
ln(),(
)
ˆ
ln()(
max 1
1
11
1
A estatística λ
traço
testa a hipótese nula de que o número de vetores de
cointegração é menor do que ou igual a r contra uma alternativa geral. O valor de λ
traço
é
igual a zero quando λ
i
= 0, de modo que quanto mais longe de zero estiverem os valores das
raízes características, maior será o valor da estatística λ
traço
.
A estatística λ
max
testa a hipótese nula de que o número de vetores de
cointegração é igual a r contra uma alternativa de r+1 vetores de cointegração. Se o valor
estimado da raiz característica é próximo de zero, λ
max
será pequeno.
Para a determinação do número de defasagens da equação (iv), caracterizado
pelo valor de p, foram utilizados os critérios de AIC (Akaike Information Criterion) e SBC
(Schwarz Bayesian Criterion), adequados a um contexto multi-equacional.
50
Os resultados apresentados na Tabela 2 (para os testes λ
traço
e λ
max
) permitem
concluir que existe apenas um vetor de cointegração entre as variáveis do modelo, a um
nível de significância de 1%. Isto quer dizer que essas variáveis cointegram e, portanto, que
existe uma relação de equilíbrio de longo prazo entre o preço da gasolina, o preço do álcool
hidratado, a renda (expressa pelo PIB per capita) e o consumo de gasolina no Brasil. Deste
modo, podemos regredir as variáveis no nível, pelo método MQO, sem correr o risco de
regressões espúrias.
Tabela 2 -
Teste Johansen para Análise de Cointegração
Hipótese nula eigenvalue
λ
traço
Valor Crítico Valor Crítico
5% 1%
r = 0
95,251 68,52 76,07
r = 1
0,28596 49,107* 47,21 54,46
r = 2
0,18024 21,880 29,68 35,65
r = 3
0,09404 8,350 15,41 20,04
r = 4
0,05374 0,782 3,76 6,65
r = 5
0,00569
* Denota não rejeição da hipótese nula a um nível de significâcia de 1%.
Obs. -
Valores críticos para o teste de hipóteses em Osterwald-Lenum (1992).
- Foi utilizado um modelo com constante e 6 defasagens.
4.4 Resultados da Regressão pelo Método MQO
Conforme proposto no item 4.1 deste trabalho, estimou-se a função demanda
por gasolina no Brasil considerando inicialmente a equação (1), cujas variáveis explicativas
são o preço da gasolina, o preço do álcool hidratado e a renda (expressa pelo PIB per
capita). Nota-se a partir da Tabela 3, que a variável preço do álcool hidratado mostrou-se
não significativa estatisticamente. Este resultado, aparentemente inusitado dada a
importância do álcool (anidro e hidratado) no mercado de combustíveis brasileiro, pode ser
explicado a partir de um problema de multicolinearidade
25
entre o preço da gasolina e do
álcool hidratado, provavelmente resultado das determinações legais que regiam os preços
de combustíveis no Brasil até o final do ano de 2001.
25
Termo que se refere à correlação entre as variáveis independentes em um modelo de regressão múltipla (Wooldridge, 2003:
840).
51
Tabela 3 -
Resultados da Estimação - Regressão Cochrane-Orcutt AR(1)
26
lcons_gas Coeficientes Erro Padrão t-estat. P>| t |
lp_gas
0,3561854 0,0802306 4,44 0,000 0,1975651 0,5148057
lp_alc
-0,1059273 0,1015367 -1,04 0,299 -0,3066708 0,0948161
lpib_pc
0,6979233 0,1330665 5,24 0,000 0,4348437 0,961003
const.
16,34432 0,9277393 17,62 0,000 14,51013 18,17851
Estatística Durbin-Watson (original) = 0,779097 Número de observações = 144
Estatística Durbin-Watson (transformada) = 2,468229 F( 3, 140 ) = 14,00
Prob > F = 0,0000
R
2
= 0,2308
R
2
ajust. = 0,2143
[95% Interval. Conf.]
26
A desregulamentação dos preços de combustíveis no país ocorreu de forma
gradual entre os anos de 1999 e 2001. O mercado de álcool hidratado foi desregulamentado
a partir da Portaria MF nº 275, de 16 de outubro de 1998, que liberou os preços do álcool
etílico hidratado combustível - AEHC nas unidades produtoras, a partir de 1º de fevereiro de
1999. Já a liberação dos preços de derivados de petróleo nas unidades produtoras ocorreu
com a Lei nº 9.990, de 21 de julho de 2000 (que alterava a redação da Lei nº 9.478, de 06
de agosto de 1997, chamada Lei do Petróleo). A Lei nº. 9.990 determinou que os preços de
faturamento dos derivados de petróleo, que até 31 de dezembro de 2001 eram
determinados em conjunto pelos Ministérios da Fazenda e de Minas e Energia por meio de
Portarias Interministeriais, estariam liberados a parir de 1º de janeiro de 2002.
Assim, os reajustes de preços ocorridos até janeiro de 1999 para o álcool
hidratado e final de 2001, para a gasolina, se deram por imposição governamental,
desconsiderando a competitividade relativa entre estes dois combustíveis. De modo geral, o
26
A transformação de Cochrane-Orcutt AR(1) é utilizada para corrigir problemas de correlação serial dos resíduos, do tipo
AR(1), utilizando variáveis “quase-diferenciadas” para estimação dos coeficientes por MQO. Segundo Wooldridge (2003), para
o caso com apenas uma variável explicativa, a transformação Cochrane-Orcutt é a seguinte:
Seja: y
t
= β
0
+ β
1
x
t
+ u
t
, para todo t = 1,2,...,n. (1)
e y
t - 1
= β
0
+ β
1
x
t - 1
+ u
t – 1
(2)
Se multiplicarmos a equação (2) por ρ e a subtrairmos da equação (1), obtemos
y
t
- ρy
t - 1
= (1 – ρ)β
0
+ β
1
(x
t
- ρx
t – 1
) + e
t
, onde | ρ | < 1, t 2 e e
t
= u
t
ρu
t – 1
(3)
que pode ser escrita como:
y*
t
= (1 – ρ)β
0
+ β
1
x*
t
+ e
t
(4)
onde t 2 e y*
t
= y
t
- ρy
t – 1
, x*
t
= x
t
- ρx
t – 1
são chamadas de variáveis “quase-diferenciadas”
A equação (4), cujos termos de erro e
t
são não-correlacionados, é conhecida como transformação Cochrane-Orcutt AR(1).
52
preço do álcool hidratado sempre esteve atrelado ao preço da gasolina, segundo uma regra
de proporcionalidade estabelecida pelo governo, através da qual se repassavam os
aumentos de preço da gasolina ao álcool. Conforme o Gráfico 11 abaixo, mesmo após a
desregulamentação do mercado de álcool em 1999, as trajetórias de preços dos dois
combustíveis continuaram bastante semelhantes, com o preço do álcool hidratado, de certa
maneira, acompanhando o preço da gasolina. A maior volatilidade dos preços do álcool,
naturalmente, se deve a sazonalidade de sua oferta, regida pelo ciclo de produção agrícola
da cana-de-açúcar.
Gráfico 11 – Preços da Gasolina e Álcool Hidratado
Preços Médios Mensais (R$ de set/2006 - forma logarítmica)
0 .5 1
1994m1 1996m1 1998m1 2000m1 2002m1 2004m1 2006m1
Time_set
lp_gas lp_alc
Fonte: IBGE
Outra indicação desta relação entre o preço da gasolina e do álcool hidratado é o
fato de que a variável álcool hidratado continuou estatisticamente não significativa mesmo
quando a equação (1) foi estimada com dados a partir de 1999.
Portanto, as evidências indicam que o preço da gasolina não é influenciado pelo
preço do álcool, mas sim o contrário, o que explicaria a não significância estatística desta
variável na equação (1) estimada para demanda por gasolina. Neste sentido, efetuou-se um
teste de causalidade de Granger
27
para determinar com mais clareza a direção desta
causalidade entre o preço da gasolina e do álcool hidratado. O teste revelou que o preço da
27
Testa a hipótese de causalidade entre variáveis, a partir da noção de quanto os valores passados de uma série (x
t
) são úteis
para predizer os valores futuros de uma outra série (y
t
), depois dos valores passados de y
t
terem sido descontados
(Wooldridge, 2003: 836).
53
gasolina Granger-causa o preço do álcool hidratado, mas o preço do álcool hidratado não
Granger-causa o preço da gasolina. Os resultados do teste estão na Tabela 4 abaixo.
Tabela 4 -
Teste de Causalidade de Granger
Amostra: 1995m1 a 2006m9
F( 6, 128) = 0,95 chi
2
(6) = 6,28 obs = 141
Prob > F = 0,4615 Prob > chi
2
= 0,3922
Amostra: 1995m1 a 2006m9
F( 6, 128) = 2,44 chi
2
(6) = 16,16 obs = 141
Prob > F = 0,0285 Prob > chi
2
= 0,0129
Obs. -
Foi utilizado um modelo com 6 defasagens.
H
0
: lp_alc não Granger-causa lp_gas
H
0
: lp_gas não Granger-causa lp_alc
Em face da não significância estatística da variável preço do álcool hidratado na
equação (1), não foi possível a estimação da elasticidade-preço cruzada da demanda por
gasolina em relação ao álcool. O cálculo da elasticidade-preço cruzada seria utilizado para
promover uma avaliação, ainda que preliminar
28
, do impacto dos carros flexíveis sobre a
demanda por gasolina, através da comparação de seus valores antes e depois da entrada
dos veículos flex-fuel no mercado. Assim, passou-se a estimação da equação (2).
Na equação (2), foi utilizada (ao invés do preço do álcool hidratado) uma variável
binária de inclinação associada ao preço da gasolina, que passa a ter valores não nulos a
partir de março de 2003 (quando se inicia a venda de carros flex-fuel no país). A utilização
desta variável de interação no modelo tem como objetivo capturar os desvios de inclinação
da curva de demanda por gasolina, particularmente após a entrada do flex-fuel no mercado.
Alterações na inclinação ao longo da curva de demanda representam mudanças em suas
elasticidades.
Deste modo, a função demanda por gasolina no Brasil passa a ser estimada a
partir da seguinte especificação:
lcons_gas
t
= β
0
+ β
1
t
+
β
2
lp_gas
t
+ β
3
lpib_pc
t
+ β
5
bin.lp_gas
t
+ ε
t
(3)
onde t é a variável de tendência estocástica incorporada a equação (2) original.
28
A análise pode ser qualificada de preliminar, visto que a introdução dos carros flexíveis ainda é muito recente (março de
2003) e principalmente pelo fato de sua participação na frota nacional de veículos leves ainda ser relativamente pequena.
54
Os resultados da estimação da equação (3) são apresentados na Tabela 5.
Esses resultados indicam que as elasticidades-preço e renda de longo prazo da demanda
por gasolina no Brasil são de -0,197 e 0,685, respectivamente. Ambas as estimativas são
estatisticamente significantes e com os sinais corretos, ou seja, estão de acordo com a
teoria econômica. A elasticidade-preço de longo prazo implica que um aumento de 10% no
preço da gasolina resulta em uma diminuição de aproximadamente 2% no seu consumo,
caracterizando a demanda por gasolina no Brasil, para o período pós-Plano Real, como
bastante inelástica a preços. A elasticidade-renda de longo prazo implica que um aumento
de 10% na renda real dos consumidores resulta em um aumento de aproximadamente 6,9%
no consumo de gasolina. A constante β
0
e a variável de tendência estocástica t também se
mostraram estatisticamente significantes.
A variável binária de inclinação (bin.lp_gas) apresentou-se com o sinal esperado
e estatisticamente significante, com um coeficiente de aproximadamente -0,137. Isto
significa que a partir de março de 2003 há uma significativa mudança na elasticidade-preço
da demanda por gasolina, que se torna mais elástica, saindo de -0,197 para -0,334
29
. Este
resultado, portanto, indica que o mercado nacional de combustíveis de ciclo Otto pode estar
passando por mudanças estruturais, para as quais a entrada dos veículos flex-fuel é a causa
mais provável.
Além disso, embora não tenha sido possível o cálculo da elasticidade-preço
cruzada da demanda por gasolina em relação ao álcool, é possível afirmar que com a
entrada dos carros bicombustível o álcool hidratado tem se tornado um substituto menos
imperfeito da gasolina. Esta afirmação decorre tanto do aumento na elasticidade-preço da
demanda por gasolina após março de 2003 – visto que a elasticidade da demanda de um
bem depende, em grande parte, de quantos substitutos próximos esse bem tiver (VARIAN,
2003: p. 291) – ou seja, no caso da gasolina esta afirmação refere-se ao álcool hidratado,
quanto das características intrínsecas da tecnologia flex-fuel, que permite ampla liberdade
de escolha do consumidor quanto ao tipo de combustível que pretende usar, baseado
somente nos preços relativos de álcool e gasolina na bomba.
29
Este valor decorre da interação da variável binária de inclinação (que passa a ter valores não nulos a partir de março de
2003) com a variável preço da gasolina, cujos coeficientes são somados.
55
Tabela 5 -
Resultados da Estimação - Regressão Cochrane-Orcutt AR(1)
lcons_gas Coeficientes Erro Padrão t-estat. P>| t |
lp_gas
-0,1967349 0,0792285 -2,48 0,014 -0,3533837 -0,0400862
lpib_pc
0,6849769 0,1074856 6,37 0,000 0,4724588 0,8974950
bin.lp_gas
-0,1372058 0,0388380 -3,53 0,001 -0,2139955 -0,0604161
t
0,0046469 0,0006805 6,83 0,000 0,0033014 0,0059924
const.
16,4326100 0,7472082 21,99 0,000 14,95524 17,90997
Estatística Durbin-Watson (original) = 1,413887 Número de observações = 144
Estatística Durbin-Watson (transformada) = 2,135629 F( 4, 139 ) = 43,21
Prob > F = 0,0000
R
2
= 0,5543
R
2
ajust. = 0,5415
[95% Interval. Conf.]
4.5 Uma Análise Comparativa
Os resultados do presente estudo podem ser comparados com aqueles
reportados em trabalhos anteriores sobre a demanda por gasolina no Brasil. A Tabela 6
sumariza os principais resultados destes trabalhos. Uma primeira diferença é com relação a
período de análise coberto por cada um deles. Com exceção do presente estudo, que
concentra a análise no período pós-Plano Real (1994) até os dias atuais, os demais
trabalhos concentraram-se no período que vai do início da mistura álcool anidro-gasolina no
Brasil (1º choque do petróleo em 1973) ou do início do Proálcool em 1979, até o final dos
anos de 1990. Portanto, há nítidas e marcantes diferenças entre os períodos analisados.
Entre essas diferenças, uma das mais importante é a questão inflacionária, presente
principalmente durante a década de 1980 e inicio dos anos de 1990. Na medida em que o
controle de preços dos combustíveis pelo Governo foi um dos principais instrumentos de
controle da inflação nas décadas passadas, os preços da gasolina e do álcool nestes
períodos dificilmente refletiram a condição real de preços relativos com o restante da
economia, o que de alguma maneira pode ter efeito sobre o valor das elasticidades.
Outro ponto relevante diz respeito ao número de observações empregado. Os
três trabalhos anteriores ao presente estudo (que contou com séries mensais) utilizaram
séries anuais, que compreendiam pouco mais que 20 observações (descontados os graus
de liberdade). Inúmeros fatores levaram esses autores a trabalhar com amostras tão
56
restritas, principalmente a ausência de dados sobre preço e consumo de combustíveis (em
séries mensais) para os períodos por eles analisados.
A comparação das elasticidades, a partir da Tabela 6, mostra uma grande
variação entre os valores reportados nos diversos estudos. O trabalho de Roppa (2005) foi o
que apresentou o maior valor para a elasticidade-preço da demanda por gasolina (-0,634),
enquanto que o presente estudo reportou o menor valor para esta estatística (-0,197)
quando tomada isoladamente, sem considerar a variável binária de inclinação associada ao
preço da gasolina. Com relação à elasticidade-renda, o estudo de Burnquist & Bacchi (2002)
encontrou o maior valor (0,959), ao passo que Alves & Bueno (2003) apresentam o menor
coeficiente para elasticidade-renda (0,122). De modo geral, todos os trabalhos consideraram
a demanda por gasolina no Brasil inelástica no longo prazo com relação à preço e renda.
Apesar das diferenças apontadas, acreditamos que os resultados encontrados
no presente estudo mostram-se bastante consistentes estatisticamente e adequados
economicamente. Isto se deve, principalmente, à quantidade significativa de observações a
partir das quais foram gerados os coeficientes e à utilização de um período de análise (pós-
Plano Real) que, além de recente, caracteriza-se pela estabilidade econômica e
previsibilidade dos agentes.
Tabela 6 -
Uma Comparação das Elasticidades da Gasolina no Brasil
Preço Renda Cruzada Biria
1- Presente estudo
1994-2006 (mensal) -0,197 0,685 ** -0,137*
2- Roppa (2005)
1979-2000 (anual) -0,634 0,164 0,402 **
3- Alves & Bueno (2003)
1974-1999 (anual) -0,465 0,122 0,480 **
4- Burnquist & Bacchi (2002)
1973-1998 (anual) -0,227 0,959 ** **
* Coeficiente da variável binária de inclinação associada ao preço da gasolina
** Não consta
Elasticidades de Longo Prazo
Período de
Estimação
Estudo
57
5 CONCLUSÃO
A questão central que buscou-se responder no presente estudo foi: qual o
impacto dos veículos flex-fuel sobre a demanda por gasolina no Brasil? Para tentar
responder esta questão foi estimada a função demanda por gasolina no Brasil e suas
elasticidades-preço e renda, para o período de agosto de 1994 a julho de 2006 (era pós-
Plano Real), utilizando-se técnicas de cointegração para avaliar a existência de uma relação
de equilíbrio de longo prazo entre variáveis do modelo.
Os resultados apresentados neste trabalho mostraram que o álcool hidratado,
apesar de sua reconhecida importância no mercado de combustíveis brasileiro, não é uma
variável relevante para explicar a demanda por gasolina no Brasil para o período estudado
(agosto de 1994 a julho de 2006). Durante o processo de estimação, esta variável (que
constava de uma das especificações da função demanda por gasolina no Brasil) mostrou-se
não significativa estatisticamente. Este resultado pode ser explicado a partir de um problema
de multicolinearidade entre o preço da gasolina e do álcool hidratado, provavelmente
resultado das determinações legais que regiam os preços de combustíveis no Brasil até o
final do ano de 2001. A inclusão do álcool hidratado como variável explicativa no modelo
tinha como objetivo o cálculo da elasticidade-preço cruzada da demanda por gasolina em
relação ao álcool, a fim de se avaliar o grau de substituibilidade entre estes dois
combustíveis, particularmente após o lançamento dos veículos flex-fuel.
As evidências também indicam que o preço da gasolina não é influenciado pelo
preço do álcool, mas sim o contrário. O teste de causalidade de Granger revelou que o
preço da gasolina Granger-causa o preço do álcool hidratado, mas o preço do álcool
hidratado não Granger-causa o preço da gasolina.
A partir de uma segunda especificação da função demanda por gasolina no
Brasil, que utilizou o preço da gasolina, a renda do consumidor e uma variável binária de
inclinação associada ao preço da gasolina (em substituição ao preço do álcool hidratado)
como variáveis explicativas, verificou-se que a demanda por gasolina no Brasil é inelástica
no longo prazo, tanto em relação a variações nos preços deste combustível, quanto a
alterações na renda dos consumidores. A elasticidade-preço da demanda mostrou-se baixa
(-0,197), caracterizando a demanda por gasolina no país, para o período pós-Plano Real,
como bastante inelástica a preços. O valor obtido para elasticidade-renda (0,685) indica que
o consumo de gasolina, apesar de também inelástico à renda, é mais sensível a alterações
58
nessa variável do que nos preços. Além disso, dado que a elasticidade-renda estimada
apresentou-se menor que a unidade, pode-se caracterizar a gasolina como um bem normal.
A variável binária de inclinação associada ao preço da gasolina, incluída no
modelo com o objetivo de capturar os desvios de inclinação da curva de demanda por
gasolina após a entrada dos veículos flex-fuel no mercado, apresentou-se com o sinal
esperado e estatisticamente significante, com um coeficiente de aproximadamente -0,137.
Isto significa que a partir de março de 2003 (quando se inicia a venda de carros flex-fuel no
país) há uma significativa mudança na elasticidade-preço da demanda por gasolina, que se
torna mais elástica, saindo de -0,197 para -0,334. Este resultado, portanto, indica que o
mercado nacional de combustíveis de ciclo Otto pode estar passando por mudanças
estruturais, para as quais a entrada dos veículos flex-fuel é a causa mais provável. Além
disso, embora não tenha sido possível o cálculo da elasticidade-preço cruzada da demanda
por gasolina em relação ao álcool, é possível afirmar que com a entrada dos carros
bicombustível o álcool hidratado tem se tornado um substituto menos imperfeito da gasolina.
Neste sentido, alguns especialistas acreditam que o aumento da participação
dos veículos flex-fuel na frota automotiva nacional vai limitar a capacidade de reajuste dos
preços da gasolina no país. Caso o preço da gasolina sofra um forte reajuste (que não seja
acompanhado pelo álcool hidratado), a tendência é que o álcool hidratado passe a ser mais
usado pelos motoristas de veículos flex-fuel, reduzindo assim a demanda pela gasolina. O
atual presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, recentemente se manifestou sobre esta
questão
30
: "O carro bicombustível vai ser um regulador de mercado porque vai limitar a
capacidade de reajuste". Ele também admitiu que a estatal já analisa o impacto desses
veículos no mercado de derivados de petróleo no país, visto que o deslocamento do
consumo de gasolina pelo álcool hidratado deve levar a excedentes crescentes de gasolina
no Brasil.
Assim, com a renovação da frota automotiva centrada cada vez mais nos
veículos flex-fuel, é razoável supor que as mudanças trazidas por esta nova tecnologia
tendam a se acentuar, promovendo novas alterações no comportamento da demanda por
gasolina no Brasil, particularmente no aumento da elasticidade-preço da demanda por
gasolina.
30
Matéria publicada na Folha (de São Paulo) Online, em 21/09/2005.
59
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