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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA
LAURA CAVALCANTI DE FARIAS
ACOLHIMENTO NA ATENÇÃO BÁSICA: REFLEXÕES ÉTICAS SOBRE A
ATENÇÃO À SAÚDE DOS USUÁRIOS
Florianópolis
2007
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LAURA CAVALCANTI DE FARIAS
ACOLHIMENTO NA ATENÇÃO BÁSICA: REFLEXÕES ÉTICAS SOBRE A
ATENÇÃO À SAÚDE DOS USUÁRIOS
Florianópolis
2007
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LAURA CAVALCANTI DE FARIAS
ACOLHIMENTO NA ATENÇÃO BÁSICA: REFLEXÕES ÉTICAS SOBRE A
ATENÇÃO À SAÚDE DOS USUÁRIOS
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós Graduação em Saúde Pública
da Universidade Federal de Santa Catarina,
para obtenção do grau de Mestre em Saúde
Pública. Área de Concentração: Ciências
Humanas e Políticas Públicas.
Orientadora: Profa. Dra. Marta Inez Machado Verdi
Florianópolis
2007
FARIAS, Laura Cavalcanti de
Acolhimento na Atenção Básica: reflexões éticas sobre a atenção à saúde do
usuários/ Laura Cavalcanti de Farias. Florianópolis: UFSC, 2007.
84f.:il; 31cm
Orientadora: Profª Drª Marta Inez Machado Verdi
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina PPGSP- UFSC - Área de
Concentração: Ciências Humanas e Políticas Públicas.
Atenção Básica; Acolhimento; Bioética
Ao meu querido avô Loureny, por me ensinar a construir e realizar
sonhos em bases concretas, com valores verdadeiros.
AGRADECIMENTOS
A muitos tenho a agradecer...
Aos que participaram direta e indiretamente na realização deste trabalho...
Aos que há tempos estão ao meu lado incentivando nos desafios...
Àqueles que chegaram a pouco e prontamente compartilharam dos meus sonhos...
Quão é importante este momento, quando ao final de uma etapa, dedico uma pausa para
agradecer e constato o quanto e a tantos, para ser justa, devo dedicar minha gratidão.
Aos especiais...
Professora Marta Verdi, orientadora e amiga...
Professoras Sandra Caponi, Denise Pires e Elma Zoboli, membros da banca, meus sinceros
agradecimentos pelas riquíssimas contribuições.
A Universidade Federal de Santa Catarina, ao Departamento de Saúde Pública e ao
Programa de Pós Graduação em Saúde Pública que me acolhe desde 2001, em momentos e
situações distintas, da Graduação ao Mestrado.
A todos os gestores, trabalhadores e usuários que participaram da pesquisa, pela
disponibilidade em participar da pesquisa.
A Escola Técnica Pró Saúde, pela acolhida profissional, em especial ao Marco Aurélio, Luiz
Cláudio e Marli.
Aos amigos, fundamentais na composição do significado da vida.
A minha família, pois, serão sempre os responsáveis por motivarem minhas escolhas e
minhas conquistas.
Ao Luis, por estar todos os dias ao meu lado, nas angústias e nas alegrias, na simplicidade
ou na complexidade do cotidiano você jamais me deixou só...
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS
PROJETO DE PESQUISA AMPLIADO
10
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 11
2 OBJETIVOS........................................................................................................... 17
2.1 Objetivo Geral....................................................................................................... 17
2.2 Objetivos Específicos............................................................................................ 17
3 REVISÃO DE LITERATURA............................................................................. 18
3.1 Relação Estado e Saúde: retrospectiva histórico-estrutural................................... 18
3.1.1 A Reforma Sanitária Brasileira: um recorte do processo pela transformação na
saúde.....................................................................................................................
22
3.2 Sistema Único de Saúde: do plano político-ideológico à proposta técnico-
operacional ...............................................................................................................
26
3.2.1 A Atenção Básica à Saúde no SUS.....................................................................
32
3.3 Humanização na Saúde e Como Política Pública................................................. 34
3.4 Acolhimento à Luz da Bioética............................................................................ 42
5 DESENHO METODOLÓGICO.......................................................................... 46
5.1 Tipo de Estudo..................................................................................................... 46
5.2 Cenário e Sujeitos do Estudo................................................................................. 46
5.2.1 Perfil dos Sujeitos de Pesquisa ...........................................................................
47
5.4 Coleta e Registro de Dados....................................................................................
48
5.5 Análise dos Dados..................................................................................................
51
5.6 Aspectos Éticos......................................................................................................
51
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 53
ARTIGO CIENTÍFICO........................................................................................... 58
Acolhimento na Atenção Básica: Reflexões Éticas Sobre a Atenção à Saúde dos
Usuários........................................................................................................................
59
APÊNDICES.............................................................................................................. 81
Apêndice I – Roteiro entrevista semi estruturada – Usuários.................................... 82
Apêndice II – Roteiro entrevista semi estruturada – Trabalhadores da saúde ........... 83
Apêndice III– Roteiro entrevista semi estruturada – Gestores.....................................
84
Apêndice IV – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.................................... 85
Apêndice V – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Usuários....................
86
LISTA DE FIGURAS
QUADRO 1 - Caracterização sujeitos pesquisados. Florianópolis, 2007....................
46
P
ROJETO DE
P
ESQUISA
A
MPLIADO
1 INTRODUÇÃO
No século XX, as políticas públicas de saúde no Brasil assumiram diferentes
concepções e modelos nas estratégias de intervenção do Estado sobre a saúde da população,
desde as práticas sanitárias do modelo higienista campanhista do início do século, passando
pelo modelo médico-assistencial privatista, até chegar ao processo da Reforma Sanitária.
Importante ressaltar que a emergência destes diferentes modelos se deu a partir de diversas e
até conflitantes motivações e interesses constituindo, assim, diferentes estruturas político-
operativas.
O modelo higienista campanhista do início do século XX surgiu com a finalidade de
reverter o quadro de epidemias que assolavam o país, sobretudo nos grandes aglomerados
urbanos da época, porém com a lógica de garantir as demandas econômicas, para proteger a
economia agro-exportadora. Embora as práticas higienistas tenham permanecido como
estratégia de caráter coletivo, paralelamente, começou a se constituir o embrião do modelo
médico assistencial privatista através da assistência médica previdenciária, não universal e
dicotomizada, com o advento da organização dos trabalhadores em Caixas de Aposentadorias
e Pensões (CAPs) nos anos 20, mais tarde transformados em Institutos de Aposentadorias e
Pensões (IAPs). No período desenvolvimentista (anos 1950-1960), ocorreu a expansão da
assistência médica previdenciária, culminando na unificação destes institutos ao Instituto
Nacional de Previdência Social (INPS) durante o regime militar, provocando mais fortemente
a cisão entre dois modelos paralelos: de um lado, a atenção médico individual-curativa de
responsabilidade do sistema previdenciário, e de outro, a atenção preventiva de caráter
coletivo realizada pelo Ministério da Saúde (MENDES, 1995).
O modelo assistencial estruturado neste período, seguiu a lógica hospitalocêntrica,
com ênfase ao aparato tecnológico, contribuindo para efetivar o modelo de atenção
hegemônico biomédico centrado na figura do médico, no biologismo, mecanicismo,
curativismo, especialização e individualismo (SILVA JUNIOR, 1998).
12
O cenário político do Brasil, pós-ditadura militar foi fundamentalmente de
redemocratização, com o surgimento, ao final da década de 1970, de diversas entidades de
diferentes setores da sociedade civil, que se organizaram em oposição ao autoritarismo do
regime militar, lutando pelo retorno da democracia no país. Neste contexto, inscreveu-se o
processo de reestruturação no setor da saúde, com a emergência do Movimento pela Reforma
Sanitária Brasileira e sua proposta que ultrapassava os limites do setor saúde, contribuindo
para a transformação da sociedade como um todo.
A Constituição Federal de 1988 incorporou as principais propostas da VIII
Conferência Nacional de Saúde, marco histórico do processo da Reforma Sanitária
Brasileira, tratando a saúde como direito de todos e dever do Estado e criando o Sistema
Único de Saúde (SUS). Assim, regulamentado pelas Leis Orgânicas da Saúde (LOS)
8.080/90 e 8.142/90, o SUS emerge tanto como um mecanismo regido por princípios e
diretrizes com a finalidade de alterar a situação de desigualdade na assistência à saúde da
população, tornando universal o atendimento público a todos os cidadãos, e
redemocratizando o espaço social da saúde no Brasil.
O atual modelo de atenção à saúde preconizado tem, em tese, os instrumentos para
produzir um novo modo de agir em saúde, no qual a lógica seja invertida, isto é, não esteja
mais centrada na produção de procedimentos, mas na produção social da saúde e na atenção
à saúde estruturada em ações individuais e coletivas de promoção a saúde, prevenção de
doenças e reabilitação (MENDES, 1999).
Os maiores desafios relacionam-se à estruturação deste novo modelo que realize, de
fato, suas ações em sintonia com os princípios da universalidade, igualdade e integralidade.
Almeja-se a melhoria na qualidade da atenção e aumento da resolutividade nos serviços.
Neste sentido, são enfatizadas as ações do primeiro nível de atendimento à saúde do SUS, a
Atenção Básica com a finalidade de reverter a lógica do modelo dominante, centrado na
doença e nas ações curativas. Deste modo, as políticas implementadas buscam ordenar o
sistema nessa nova configuração, sendo indicada como estratégia prioritária de organização
da Atenção Básica no SUS, a Estratégia Saúde da Família, o que se efetiva mais claramente
na Política Nacional de Atenção Básica instituída desde 2006.
Contudo, os avanços ocorridos na saúde pública no Brasil em quase duas décadas da
implantação do SUS ainda convivem com problemas de diversas ordens. A fragmentação do
processo de trabalho divide as relações entre os gestores, os trabalhadores da saúde e os
usuários, fragilizando o trabalho em equipe e a dimensão subjetiva nas práticas de atenção
(BRASIL, 2006b). Um princípio da Atenção Básica e da ESF, que acompanhou o Movimento
13
Sanitário e imprimiu suas características nas propostas da Reforma Sanitária, foi o princípio
da humanização das práticas de saúde.
O tema da humanização na saúde ganhou um novo status, segundo Deslandes (2004)
com a regulamentação do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar
(PNHSH), no ano 2000. O Ministério da Saúde, em 2004, expandiu este projeto para todos
níveis de atenção ao implantar a Política Nacional de Humanização do SUS (PNH) ou
“HUMANIZASUS”. Seu marco teórico-político configura-se em torno da humanização das
práticas de atenção e gestão em todas as esferas do SUS, como uma dimensão fundamental do
sistema de saúde, devendo operar transversalmente em toda rede do SUS.
Como política, a PNH deve traduzir princípios e modos de operar no conjunto das
relações entre profissionais e usuários, entre os diferentes profissionais, entre as diversas
unidades e serviços de saúde e entre as instâncias que constituem o SUS. Um dos princípios
da PNH é a valorização da dimensão subjetiva coletiva e social na atenção e na gestão dos
serviços de saúde do SUS como modo de fortalecer a garantia do direito à saúde com
qualidade e resolutividade. Uma das estratégias operacionais propostas para alcançar os
resultados esperados é a prática do Acolhimento que compreende desde a recepção do usuário
no sistema de saúde, a responsabilização integral de suas necessidades e a atenção resolutiva
aos seus problemas (BRASIL, 2006b).
O Acolhimento enquanto estratégia foi elaborado desde as propostas de reorientação
da atenção à saúde, constituindo-se como uma diretriz do modelo tecnoassistencial. O
acolhimento propõe reorganizar o serviço no sentido de oferecer sempre uma resposta
positiva ao problema de saúde apresentado pelo usuário (FRANCO, BUENO e MERHY,
2004).
Alguns estudos foram realizados com o objetivo de conhecer, na prática dos serviços
de saúde, como ocorrem os processos de implantação do Acolhimento, suas implicações no
cotidiano das unidades de saúde e seus impactos na consolidação dos princípios do SUS.
Em um trabalho investigativo sobre a implantação do acolhimento, realizado em uma
Unidade Básica de Saúde (UBS) no município de Betim/MG, Franco, Bueno e Merhy (2004)
apontaram dificuldades, limites e desafios para firmar a inversão do modelo assistencial de
atenção à saúde. As dificuldades perpassam o temor frente à nova atividade e as condições
encontradas na UBS, como a oferta reduzida de serviços e a demanda reprimida para serviços
básicos e especializados. Com a implantação do acolhimento os problemas que existiam
anteriormente no serviço apareceram de forma mais evidente. Após um ano de implantação
do acolhimento, três questões ainda permaneceram como limites deste processo: pouca
14
inserção de profissionais médicos no acolhimento, o agendamento de consultas médicas,
como questão crítica nos serviços e o terceiro desafio era a conciliação do trabalho de
assistência interna, dentro da UBS, com o trabalho externo, perpetuando o modelo biomédico.
Ramos e Lima (2003) entendem por acolhimento a postura do trabalhador de colocar-
se no lugar do usuário para sentir quais são suas necessidades, atendê-las ou redirecioná-las.
O Acolhimento é visto como um dos elementos para a avaliação da qualidade dos serviços de
saúde, pois contribui para a procura do serviço pelo usuário, estabelecendo freqüentemente
um vínculo entre usuário e sistema de saúde, propiciando uma relação menos impessoal entre
trabalhadores de saúde e usuário e favorecendo o acesso. No estudo, percebe-se uma nova
essência na análise do Acolhimento que remete à uma reflexão a partir da subjetividade do
outro.
Ao considerar as ações de acolhimento e de construção do nculo entre os
trabalhadores de uma equipe do Programa de Saúde da Família e os usuários, Schmith e Lima
(2004) constataram que se mantém a organização por ações programáticas e somente a
proposta de território delimitado e população adscrita foram adotadas como estratégia do
novo modelo de vigilância à saúde. Os princípios e diretrizes do SUS não são compreendidos
por toda equipe de saúde pesquisada. Restringia-se o Acolhimento a uma ação programática,
sem maiores repercussões individuais e coletivas.
Enquanto dispositivo de uma Política de Humanização dos serviços de saúde, o
Acolhimento denota a ação humana de reconhecer a dimensão subjetiva do ser humano,
reconhecendo-o como sujeito histórico, social e cultural. Esta estratégia ultrapassa os limites
técnico-operacionais de uma atividade programada e tange as esferas dos valores éticos. O
Acolhimento pressupõe a mobilização de gestores, profissionais e usuários para todos os
aspectos das relações que se estabelecem no âmbito da saúde. Contudo, um tênue limite
deverá existir entre a perspectiva individual e coletiva para não confundir o processo de
subjetivação com uma mera iniciativa de compaixão que caracteriza uma visão paternalista. É
necessária uma consciência de cidadania e, reconhecer no SUS a principal instância do direito
de acesso, da integralidade e da eqüidade na saúde, bem como, nas suas estratégias, um
caminho para exercê-la.
Muitas investigações sobre o processo de acolher na saúde, principalmente na Atenção
Básica ainda estão voltadas para os aspectos organizacionais e administrativos. De acordo
com as propostas de humanização da saúde, emerge a necessidade de avançar um pouco mais
nas considerações sobre o Acolhimento enquanto dispositivo de uma política de humanização
e, portanto, envolto em considerações e aspectos éticos indissociáveis que vão desde o
15
reconhecimento da saúde como direito até as questões implicadas nas relações de
responsabilização e vínculo estabelecidas entre os sujeitos protagonistas da assistência e da
gestão em saúde.
A atenção básica à saúde representa a “porta de entrada” no Sistema de Saúde para a
maioria dos usuários. As UBS constituem espaços onde são estabelecidas a relação entre os
protagonistas, no cotidiano dos serviços, bem como representa o campo real da
implementação das políticas públicas de saúde. Ainda são insipientes os estudos que buscam
conhecer quais são as implicações éticas envolvidas no processo de acolher implementado nas
UBS, com potencial influência sobre a mudança da atenção desenvolvida nos serviços de
saúde e no exercício pleno do direito. Impulsionado por esta lacuna, o presente estudo
pretendeu responder a seguinte questão: Quais são os possíveis conflitos éticos oriundos do
cotidiano do acolhimento nos serviços de saúde de uma rede básica municipal?
A partir de situações persistentes nas instituições de saúde pública, como a limitação
do acesso dos usuários aos serviços e da qualidade questionável da atenção diante de uma
expressiva demanda e uma estrutura insuficiente e deficiente, especialmente considerando as
circunstâncias oriundas do processo de transformação do modelo assistencial, o acolhimento
articula-se com o referencial bioético para a análise das situações problemas que dele podem
emergir. Neste sentido, a Bioética Cotidiana de Berlinguer (1993) e a Bioética da Proteção de
Schramm e Kottow (2001) se mostraram como referenciais bioéticos consistentes para
discussão da temática.
Considerando a importância de se ultrapassar o discurso bioético centrado nos avanços
científicos, sobretudo da medicina e da biologia, denominados por Berlinguer (1993) de
situações limites, o autor indica o quanto que esta orientação negligenciou os milhares de
problemas que afetam milhões de pessoas cotidianamente, sobretudo as populações
vulneráveis. Deste modo, reforça que conflitos e dilemas da vida cotidiana de considerável
relevância necessitam ser retomados, a exemplo da restrita oferta da assistência à saúde.
Sob outra perspectiva ética, o acolhimento ou as situações que podem emergir desta
prática, permitem serem analisadas sob a ótica do modelo da Bioética da Proteção. O contexto
sanitário brasileiro estabelece a saúde como um direito de todos e um dever do Estado, o SUS
enquanto sistema nacional de saúde e suas políticas devem respeitar esta premissa, além de
orientar suas práticas por princípios para a garantia do direito. A Bioética da Proteção para a
saúde pública é considerada uma ferramenta de ética aplicada para legitimar políticas
sanitárias como a brasileira que visam garantir o direito de cidadania. A proteção pressupõe a
relação de responsabilidade entre uma esfera de maior poder – o Estado – sobre a coletividade
16
para a garantia de seus direitos fundamentais. Schramm e Kottow (2001) definem proteção
como a ação de resguardar as necessidades que devem ser satisfeitas para favorecer princípios
como a responsabilidade e a autonomia.
Considerando o acolhimento uma estratégia cuja proposta é ultrapassar as fronteiras
técnicas e dentre seus objetivos estão a garantia de acesso e a promoção do vínculo dos
usuários com o Sistema de Saúde, sua prática pode ser implementada com inúmeros revezes,
atribuídos, principalmente a determinantes organizacionais. O presente estudo pretendeu
tanger esferas de questões éticas e propôs identificar e analisar as implicações éticas
emergentes nas práticas cotidianas de acolhimento, a partir da percepção dos atores
envolvidos, usuários, gestores e trabalhadores da saúde.
A reflexão ética representa uma importante iniciativa para a avaliação das políticas
públicas, principalmente para o pensar crítico das práticas cotidianas. Visa, sobretudo,
fortalecer a construção de um novo modelo assistencial efetivo e em consonância com seus
princípios.
Para fins de compreensão da estrutura desta dissertação é importante destacar que sua
apresentação seguiu o formato proposto segundo o regimento do Programa de Pós-Graduação
em Saúde Pública. Inicialmente consta o projeto de pesquisa ampliado composto por
introdução, objetivos, revisão de literatura, percurso metodológico e referências.
Posteriormente insere-se o artigo cientifico que será submetido à Revista Ciência e Saúde
Coletiva.
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Analisar as implicações éticas presentes nas práticas cotidianas de acolhimento em
Unidades Básicas de Saúde, na percepção dos atores envolvidos, gestores, trabalhadores da
saúde e usuários.
2.2 Objetivos Específicos
Conhecer os conflitos éticos cotidianos oriundos do processo de
acolhimento em unidades básicas de saúde.
Identificar as implicações éticas sobre a atenção à saúde dos usuários,
para a garantia do direito e a qualidade do atendimento.
Analisar as implicações éticas emergentes nas práticas cotidianas de
acolhimento à luz da Bioética Cotidiana e da Bioética da Proteção.
3 REVISÃO DE LITERATURA
Este capítulo busca delinear os principais aspectos ligados ao processo de construção
de um novo significado, denominado, por autores como Eugênio Vilaça Mendes, de
paradigma, para a atenção à saúde no Brasil. Para atender a este objetivo serão abordados três
momentos que caracterizam tal processo e seu contexto: o cenário antigo, anterior à mudança,
a transição para um novo cenário e a atual configuração do mesmo, destacando-se a ênfase e a
conformação de estratégias para a efetivação dos princípios do sistema público de saúde
brasileiro.
3.1 Relação Estado e Saúde: retrospectiva histórico-estrutural
Revisitar na literatura os condicionantes estruturais na intervenção do Estado na saúde
e os processos históricos que configuraram padrões da relação Estado/saúde/sociedade,
permite compreender como se processaram as mudanças no setor saúde. O cenário deste
retrospecto é o Brasil no século XX e o objetivo é delinear os pontos de maior relevância da
evolução das políticas de saúde. O conhecimento de uma realidade sanitária específica, bem
como dos seus processos de formulação política, implica considerar o desenvolvimento do
aparelho estatal responsável, como produto das histórias das relações entre forças políticas
(TEIXEIRA, 1989).
O desenho histórico/estrutural da relação Estado/saúde/sociedade busca reunir os
modelos de desenvolvimento, a ordem política, o regime político e as representações de
interesse estatal e social. Os sistemas de representação e organização de interesses, os
comportamentos e alianças entre atores políticos, suas estratégias e projetos ao nível setorial,
são compreendidos quando analisados à luz dos regimes e instituições políticas onde estão
inseridos (Ibidem, 1989). Merhy (1992) acrescenta ainda, a perspectiva que a compreensão
das políticas públicas têm se apresentado sob a forma de um modelo tecno-assistencial,
constituído a partir de um conjunto de políticas sociais dos governos.
19
Contudo, não faz parte da intenção deste estudo analisar os processos como tais, a
partir de referenciais teóricos, mas, retratá-los enquanto recortes históricos capazes de inserir
o objeto de trabalho, as questões bioéticas, num contexto político-social de onde demandaram
as transformações na área da saúde até o momento presente, onde emerge o tema pesquisado.
No século XX, “o sistema de saúde brasileiro transitou do sanitarismo campanhista
para o modelo médico assistencial privatista e deste, para o projeto neoliberal” (MENDES,
1995 p.19). Nas práticas de saúde foi estabelecida uma expressiva dicotomia, a atenção
médica individual, previdenciária ou filantrópica, e as práticas de caráter coletivo, preventivas
e programáticas, implementadas pela saúde pública.
Até metade do século XX, o modelo econômico agro-exportador exigiu do sistema de
saúde brasileiro uma política de saneamento dos locais de circulação dos produtos para
exportação e a erradicação e controle de doenças potencialmente prejudiciais aos lucros
econômicos. De um lado, então, temos o modelo sanitário campanhista, descrito por Mendes
(1995) como um modelo inspirado na visão militarista de combate às doenças de massa,
caracterizado pela centralização das decisões e repressão nas intervenções individuais e
sociais.
“A intervenção do Estado na área do seguro social para assalariados urbanos do setor
privado data de 1919, com o seguro de acidentes de trabalho” (COHN et al, 2002 p.14) e na
década de 20 foram criadas as Caixas de Aposentadorias e Pensões CAP’s. As CAP’s eram
organizadas por empresas, administradas e financiadas por empresários e trabalhadores e sua
finalidade era assistencial. As classes assalariadas urbanas, passaram a ser assistidas por
serviços de atenção médica individual, prestados pelas CAP’s, que compravam serviços
médicos do setor privado pelo credenciamento médico (COHN et al, 2002).
Na década de 30, foram formados os Institutos de Aposentadorias e Pensões IAP’s –
autarquias que institucionalizam o seguro social e passaram a ser geridos pelo Estado. Os
recursos financeiros continuavam sendo de origem tripartite como nas CAP’s, empregados,
empregadores e União, porém, a partir de então a contribuição patronal passou a ser calculada
sobre o salário pago (COHN et al, 2002). No período mais autoritário – 1930-1945 - a
preocupação da Previdência Social passou a ser de caráter contencionista e a assistência
médica vista como função provisória e secundária (MENDES, 1995).
Em 1966, todo sistema previdenciário foi unificado no Instituto Nacional de
Previdência Social INPS. A sociedade brasileira vivia um momento de transformações,
sociais e econômicas e o Brasil assistia ao intenso processo de industrialização e urbanização.
Estas transformações geraram uma massa operária que deveria ser atendida pelo sistema de
20
saúde, o importante agora, era atuar sobre o corpo do trabalhador, mantendo restaurada sua
capacidade produtiva (MENDES, 1995).
Toda a mobilização da intervenção do Estado através das ações da Previdência Social
sobre os serviços de saúde constituiu o outro lado da dicotomia e a consagração da medicina
científica como modelo hegemônico de atenção à saúde. Os reflexos deste processo formaram
o principal retrato do cenário das políticas públicas de saúde desde o início do culo XX, e
perduram com implicações importantes até os dias atuais.
Para compreender a concepção da medicina cientifica é importante conhecer os
elementos estruturais que imperavam no desenvolvimento da prática médica. São eles:
a) O mecanicismo, insere a visão do corpo humano como uma máquina,
elemento essencial aos modos de produção dominante;
b) O biologismo, reconhece exclusivamente a natureza biológica das
doenças e de suas causas;
c) O individualismo, tem o indivíduo como objeto da medicina científica,
alheia à vida e aos aspectos sociais;
d) A especialização, significa o aprofundamento do conhecimento em
partes específicas;
e) A exclusão das práticas alternativas, a medicina científica impôs-se as
outras práticas médicas sob o mito da eficiência cientificamente comprovada;
f) A tecnificação do ato médico traduz-se na necessidade de cnicas e
equipamentos para a investigação diagnóstica e para a terapêutica. Em primeiro lugar
estão a tecnologia e a medicação, a pessoa do médico é secundária nesta relação;
g) A ênfase na medicina curativa, voltada para o tratamento das doenças
objetivando a cura;
h) A concentração dos recursos, as instituições hospitalares constituem os
espaços ideais para atender às necessidades de especialização e de tecnologia (SILVA
JUNIOR, 1998).
Segundo Cohn et al (2002), o apogeu do modelo desenvolvimentista marcou o início
de um processo acelerado de aprofundamento da dicotomia entre atenção médica curativa e
medidas preventivas de caráter coletivo, bem como do distanciamento dos serviços públicos e
serviços privados de saúde.
Na segunda metade da década de 1970, a rede pública de serviços passou a assumir
crescentemente a assistência médica individual. O Sistema Nacional de Saúde – lei 6229\75 –
referenda os serviços vinculados ao Ministério da Saúde estarem contemplando também a
21
assistência médica individual (ibidem, 2002). O Sistema Nacional de Saúde institucionalizou
o modelo médico-assistencial privatista, definindo as competências das instituições públicas e
privadas, bem como consolidou a divisão dos espaços institucionais de atenção à saúde
coletiva e à saúde das pessoas, que consagrava a separação das ações de saúde pública sob a
responsabilidade do setor estatal das ações de atenção médica delegadas para o setor privado.
Em 1977, a Lei n 6.439 criou o Sistema Nacional de Previdência Social SINPAS
que, conjuntamente com a Constituição de 1967-69 e a Lei 6.229, conformaram a base
jurídico-legal do sistema de saúde vigente nos anos 70. Estes conjuntos de políticas públicas
construíram as bases que permitiram a hegemonização do modelo médico-assistencial
privatista assentado no tripé, Estado como financiador do sistema através da Previdência
Social, setor privado nacional como maior prestador de serviços de atenção médica e setor
privado internacional como produtor de insumos, equipamentos biomédicos e medicamentos
(MENDES, 1995). “A lógica do favorecimento do setor privado da assistência médica através
da política previdenciária prevaleceu de forma explicita até os anos 80” (COHN et al, 2002
p.17).
Teixeira (1989) descreve porque desde o final da década de 70 o modelo médico-
assistencial privatista demonstrava inadequações à realidade sanitária nacional. A prática
médica curativa, sofisticada e especializada não era capaz de alterar o perfil de morbi-
mortalidade do país; a ausência de critérios para a compra de serviços aos hospitais privados
era incompatível com as necessidades de coordenação e planejamento da rede prestadora de
serviços; o alto grau de centralização e fragmentação em dois ministérios Ministério da
Saúde e Ministério da Previdência e Assistência Social criava superposições,
descoordenações e ausência de controle reduzindo a eficácia e a eficiência da ação
governamental.
As constatações acerca de uma nova realidade, que se fazia cada vez mais visível e
presente nas discussões sociais e políticas, fomentaram a entrada de novos atores sociais nessa
arena movidos pelo ímpeto de transformar o cenário de exclusão, fragmentação e dicotomia
das políticas públicas de saúde. Neste cenário, destaca-se o movimento sanitário brasileiro
com sua luta por transformações legais e reais no sistema de saúde, cuja base ideológica
fomentou o reconhecimento da saúde como direito e norteou a elaboração de uma nova
organização para o sistema público brasileiro neste âmbito.
22
3.1.1 A Reforma Sanitária Brasileira: um recorte do processo pela transformação na
saúde.
O enfoque especial ao processo da Reforma Sanitário no Brasil, que teve seu apogeu
com a aprovação do projeto reformista na área da saúde, deve-se à particularidade dos fatos
que compõem os bastidores das políticas públicas, mas principalmente, a extrema relevância
deste processo para a compreensão de como está atualmente configurado o sistema de saúde
no país.
Foi durante o período mais repressivo do autoritarismo no Brasil final dos anos 60 e
inicio dos anos 70 – que se transformou a abordagem dos problemas de saúde e se constituiu a
base teórica e ideológica de um pensamento médico social (ESCOREL, 1998, p.19). O
movimento contra-hegemônico, conformado como reforma sanitária nos anos 80, surgiu nas
Universidades onde foram criados os Departamentos de Medicina Preventiva.
A implantação dos Departamentos de Medicina Preventiva no Brasil, data da década
de 50, porém, foi a partir de 1968 com a reforma Universitária que a existência destes
Departamentos tornou-se obrigatória nas faculdades de medicina. As bases do preventivismo
assentam-se em modelos conceituais como a história natural da doença, o conceito ecológico
de saúde e doença e a multicausalidade. O social é mitificado, simplificado ou reduzido. No
Brasil, a leitura do discurso preventivista deveria ser sobretudo estatal, devido ao papel
desempenhado pelo Estado na prestação da assistência à saúde (Escorel, 1998).
No final dos anos 60, surgiu na América Latina, a proposta de medicina comunitária.
Os programas de medicina comunitária agradavam os governos latino-americanos por serem
soluções “baratas” para uma demanda crescente de atenção à saúde. Até o início da década de
70, os programas orientados pelo enfoque médico social, estavam vinculados aos
Departamentos de Medicina Preventiva, utilizados como campo de estágio na formação de
internos e residentes. Esses projetos alternativos produziriam mais tarde, no campo da saúde
pública, bases de futuros projetos institucionais (Ibidem, 1998).
Experiências locais e projetos pilotos, baseados na medicina comunitária, em 1976
iriam culminar no Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento no Nordeste
PIASS elaborado pela Secretaria de Planejamento da Presidência da Republica. Mendes
(1995) conclui que começava a esboçar-se uma entrada no aparelho do Estado de técnicos
provindos do Movimento Sanitário, o que viria a ser um ponto importante nas políticas
públicas nos anos 80. O autor também registra o surgimento, em todo País, de movimentos de
trabalhadores de saúde, em 1976 o aparecimento do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde
23
CEBES – e em 1979 da Associação Brasileira de Pós Graduação em Saúde Coletiva –
ABRASCO, que através de publicações, debates, simpósios e outras atividades começaram a
sistematizar uma proposta alternativa ao modelo médico-assistencial privatista.
No contexto do processo de redemocratização da sociedade brasileira, dos
movimentos sociais que proliferaram em todo país e das novas formas de exercício da
política, inscreveu-se o processo de reformulação da saúde que culminou com a Proposta da
Reforma Sanitária Brasileira. O “Movimento Sanitário” foi assim denominado pela liderança
intelectual e política do processo, tratando-se de um grupo restrito de intelectuais, médicos e
lideranças políticas do setor da saúde, provenientes na sua maioria do Partido Comunista
Brasileiro (PCB). Este grupo influenciou o âmbito acadêmico e pode ser considerado o
mentor do processo de reformulação do setor (GERSHMAN, 1995).
O Movimento Sanitário, contra hegemônico, dividiu a arena social e política com o
projeto neoliberal. Assinalada por Mendes (1995), a consolidação do projeto neoliberal
ocorreu de forma sutil e pouco perceptível. A década de 80 foi marcada pela crise econômica,
a instabilidade e a crise estrutural expressas pela aceleração inflacionária e ruptura do Estado
desenvolvimentista. “O Estado que sustentou as elites nacionais passou a ser, especialmente
no final da década, o grande vilão, abrindo espaços às propostas neoliberais que conduzem a
um Estado mínimo” (MENDES, 1995, p.32).
No setor da saúde, a crise do Estado repercutiu nas diferentes propostas de superação
que sucederam ao longo dos anos. A crise da Previdência Social é refletida por três momentos
descritos por Mendes (1995) como:
1) Crise ideológica - Com base técnica no PIASS e respaldo político da
VII Conferência Nacional de Saúde, em outubro de 1980, surgiu o Programa Nacional
de Serviços Básicos de Saúde PREV-SAÚDE encomendado a um grupo técnico
interministerial com apoio da Organização Pan-americana da Saúde e que tinha como
objeto a universalização dos cuidados primários da saúde em todo o território
nacional. Num primeiro momento, o Programa incorpora diretivas de organismos
internacionais e do movimento sanitário, mas, ainda continha o viés da elaboração
tecnocrática. Sua segunda versão reduziu o projeto a uma proposta racionalizadora do
modelo vigente, a partir deste momento foi colocado em debate público sofrendo
contestações de caráter ideológico, encaminhado a Comissão de Saúde da Câmara dos
Deputados não retornou mais ao cenário político.
2) Crise Financeira - Como resultado da crise econômica, esta crise
identificou a assistência médica como o foco gerador dos problemas financeiros da
24
Previdência Social e acirrou o fracionamento dos diferentes interesses no interior da
arena política da saúde.
3) Crise político institucional Esta crise foi marcada pela criação de uma
instância reguladora da saúde previdenciária, o Decreto n 86.329, de 2 de setembro de
1981, criou o Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária–
CONASP cuja finalidade foi de propor normas para a assistência previdenciária,
racionalizar a alocação de recursos e propor medidas de controle e avaliação do
sistema de atenção médica.
Ademais, importa salientar que esta instituição passa a absorver, em postos de
importância, alguns técnicos ligados ao movimento sanitário, o que, de um lado,
início à ruptura, por dentro, da dominância dos anéis burocráticos previdenciários e,
de outro, coloca no cerne de uma instituição em crise as temáticas do projeto contra-
hegemônico que se estava gestando (MENDES, 1995 p.36).
No campo das políticas públicas, a contribuição do CONASP foi a implantação das
Ações Integradas de Saúde – AIS’s – caracterizadas, num primeiro momento, como um
programa de atenção médica e, numa segunda conformação, com nuances impressas pelo
Movimento Sanitário, como estratégia em busca de um Sistema Unificado de Saúde. Neste
segundo momento, as AIS’s introduziram o mecanismo de planejamento descentralizado e
integrado, implicando na valorização dos mecanismos de co-gestão, na introdução de
financiamento das ações preventivas e na democratização do controle e da avaliação
(MENDES, 1995).
A ocupação do pensamento contra-hegemônico nas instituições federais gestoras dos
serviços de saúde ou definidoras das políticas de saúde serviu para acumular experiência
traduzida nos projetos desenvolvidos pelo movimento sanitário desde o PREV-SAÚDE até as
AIS’s (ESCOREL, 1998).
Todo este movimento iniciado pelo projeto sanitário nos campos ideológico, político e
institucional viveu seu momento máximo na VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), em
março de 1986, em Brasília. Este momento registrou a aprovação do projeto da “Reforma
Sanitária Brasileira”, o qual segundo Gershman (1995 p.42) “introduziu mudanças no setor da
saúde, de forma a torná-lo democrático, acessível, universal e socialmente eqüitativo”.
A VIII Conferência foi o exemplo máximo da utilização do espaço ocupado no
aparelho do Estado para possibilitar a discussão democrática das diretrizes políticas
setoriais. Durante o plenário, reuniram-se aproximadamente cinco mil pessoas, entre
as quais mil delegados, discutiu-se e aprovou-se a unificação do Sistema de Saúde
(ESCOREL, 1998 p.187).
25
O relatório final da VIII CNS traz o consolidado das discussões sobre “Saúde como
direito”, “Reformulação do Sistema Nacional de Saúde” e “Financiamento do setor”. Todas as
proposições apontadas nos temas refletem o momento de mobilização social e de
reformulação do setor da saúde. O conceito de saúde foi baseado na abrangência de fatores,
passando a ser definida como direito do cidadão e dever do estado.
[...] saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda,
meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de
terra e acesso aos serviços de saúde [...] o direito a saúde significa a garantia pelo
Estado de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações de
serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde em todos os seus veis, a
todos os habitantes do território nacional [...] (BRASIL, 1986 Relatório Final VIII
Conferência Nacional de Saúde).
A Reforma Sanitária transformou os âmbitos político-jurídico, político-institucional e
político-operativo para configurar a saúde enquanto direito universal. A saúde como direito de
cidadania e dever do Estado propugna-se a transição do direito fragmentado e discriminatório
para o direito igualitário às ações de saúde para todos os cidadãos e define o Estado como
responsável pela garantia deste direito (MENDES, 1995).
A saúde como direito de todos garante o atendimento universal e igualitário, em
contraposição ao sistema previdenciário excludente. A incorporação pelo Estado do direito à
saúde e sua efetividade nas políticas públicas garante o papel estatal de executor,
regulamentador e financiador das ações de saúde a partir do SUS (TEIXEIRA; MENDONÇA,
1989).
Estas questões são historicamente inéditas e traduzem o momento das transformações
democráticas frente às necessidades coletivas de saúde, além de refletirem as pressões sociais
pelas mudanças. A conquista da cidadania foi a máxima dos resultados alcançados pelo
processo da Reforma Sanitária e a garantia do direito foi a condição principal para promovê-
la.
Todas as resoluções emanadas da VIII CNS tiveram continuidade através da formação
da Comissão Nacional da Reforma Sanitária. A formação desta comissão deslocou a luta do
âmbito social para o interior dos organismos estatais, os enfrentamentos políticos pela
implantação da Reforma Sanitária estiveram permeados pela lógica do setor público,
limitados pela relação de força no interior do aparelho do Estado, permeado pelo clientelismo
político, à política de favores pessoais e às rotinas burocráticas (GERSHMAN, 1995 p.43).
A efetiva implantação da Reforma ocorreu em 1987 com a criação do Sistema
Unificado e Descentralizado de Saúde SUDS este sistema incorporou os princípios da
26
Reforma Sanitária com, universalidade, integralidade, regionalização, hierarquização e a
descentralização.
Através de mecanismos políticos, contábeis e burocráticos no INAMPS e no
Ministério da Saúde, criam-se obstáculos à implementação do SUDS, dentre os quais o mais
notável foi o desaparecimento dos recursos nos meandros das máquinas federais, estaduais e
municipais. As unidades locais de saúde viveram permanente crise pela falta de pagamento
dos profissionais, falta de materiais e medicamentos. Estes fatos provocaram desconfiança na
população em relação ao setor público da saúde, aproveitando-se desta fragilidade, o setor
privado cresceu consideravelmente nesta época (Ibidem, 1995). Para Mendes (1995) o SUDS
não foi mais desorganizado devido a sua concomitância com o processo de elaboração da
Constituição Federal.
Gershman (1995) destaca o importante papel da Plenária Nacional de Entidades de
Saúde, constituída em meados de 1987 e formada por entidades representativas do movimento
popular em saúde, do movimento sindical, dos partidos políticos de esquerda, dos
profissionais de saúde, de representantes do Movimento Sanitário e Academia e de entidades
estaduais e municipais favoráveis a Reforma. A Plenária destacou-se pelos significativos
avanços em termos de articulação de um movimento social de caráter nacional em torno da
questão da saúde, conseguindo plasmar na Constituição Nacional os princípios da Reforma
Sanitária.
O cenário onde a Assembléia Constituinte se formou, era de (re) democratização do
país, era o auge das reivindicações sociais, bem como das conquistas, o projeto da Reforma
Sanitária pouco havia sido aprovado numa manifestação singular de democracia. Apesar
dos reveses políticos e econômicos da corrente contra-hegemônica, as propostas do
Movimento Sanitário alcançam espaços fundamentais no texto constitucional que trata da
saúde.
De fato, a articulação e organização de forças populares na Plenária Nacional
possibilitaram que o capitulo da saúde na Constituição Nacional contemplasse o
direito universal à saúde e a criação de um sistema único de saúde, descentralizado,
acessível e democrático (GERSHMAN, 1995 p.44).
3.2. Sistema Único de Saúde: do plano político-ideológico à proposta técnico-operacional
O SUS, entendido como processo social em marcha, não se iniciou em 1988, com a
consagração constitucional de seus princípios, nem deve ter um momento definido
para o seu término [...] (MENDES, 1999 p.57).
27
A saúde na Constituição é definida como resultante de políticas sociais e econômicos,
como direito de cidadania e dever do Estado, como parte da seguridade social e cujas ações e
serviços devem ser providos por um Sistema Único de Saúde. A Constituição Federal de 1988
incorporou as principais propostas da VIII Conferência Nacional de Saúde, tratando da saúde
e da criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em seus artigos 196 a 200, cuja
regulamentação ocorreu através das Leis Orgânicas da Saúde (LOS) 8.080/90 e
8.142/90.
O artigo 198 da Constituição Federal prevê a organização do SUS de acordo com as
diretrizes da descentralização, com direção única em cada esfera do governo; do atendimento
integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais; da participação da comunidade (BRASIL, 1988).
As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou
conveniados que integram o SUS devem, além das diretrizes, obedecer aos seguintes
princípios dispostos no artigo 7, Capítulo II da LOS 8.080/90:
I) Universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de
assistência;
II) Integralidade da assistência. Entendida como um conjunto articulado e
continuo das ações e os serviços preventivos e os curativos, individuais e
coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do
sistema;
III) Preservação da autonomia da pessoa na defesa da sua integridade
física e moral;
IV) Igualdade de assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de
qualquer espécie;
V) Direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
VI) Divulgação de informações quanto o potencial dos serviços de saúde e
a sua utilização pelo usuário;
VII) Utilização da epidemiologia para o estabelecimento de
prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;
VIII) Participação da comunidade;
IX) Descentralização político-administrativa com direção única em cada
esfera de governo, dando ênfase na descentralização dos serviços para os
municípios e regionalizando e hierarquizando a rede de serviços de saúde;
28
X) Integração, em nível executivo, das ações de saúde, meio ambiente e
saneamento básico;
XI) Conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e
humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na
prestação de serviços de assistência à saúde da população;
XII) Capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de
assistência à saúde da população;
XIII) Organização dos serviços públicos de modo a evitar
duplicidade de meios para fins idênticos (BRASIL, 1990 a).
Durante o processo de promulgação, a Lei 8.080\90 sofreu 25 vetos do então
Presidente da República Fernando Collor de Mello, sendo que meses depois, alguns temas
vetados foram definidos na Lei Complementar 8.142 de 28 de dezembro de 1990. Esta LOS
dispõe, principalmente, sobre a participação da comunidade na gestão do SUS instituindo
em cada esfera do governo as Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde enquanto
instâncias de controle social; e sobre as transferências intergovernamentais de recursos
financeiros na área da saúde definindo os parâmetros de alocação dos recursos do Fundo
Nacional de Saúde e os requisitos para Municípios, Estados e Distrito Federal receberem
estes recursos (BRASIL, 1990b).
Mesmo com a regulamentação do SUS pelas LOS 8.080/90 e 8.142/90, ainda eram
observadas algumas dificuldades operacionais no processo de implantação do Sistema. Para
contornar essas dificuldades, o Ministério da Saúde passou a editar as Normas Operacionais
Básicas (NOBs) do SUS, com o intuito de normatizar as formas de trabalho conjunto entre
as três esferas de governo, buscando a aplicação dos princípios legais para as diferentes
realidades locais (CARVALHO; PETRIS; TURINI, 2001).
Em 17 de julho de 1991 através de Resolução 273 foi editada a NOB 01/91. As
disposições desta Norma buscavam instituir o arranjo institucional previsto na legislação
para a gestão descentralizada do SUS, porém, ainda estava muito baseada nas normas
desenvolvidas pelo antigo INAMPS, principalmente no pagamento das atividades centrado
nas ações médicas, o que descaracterizava os principais objetivos do SUS ao redefinir a
lógica de transferência de recursos a estados e municípios (Ibidem, 2001).
Em agosto de 1992 foi realizada a IX Conferência Nacional de Saúde, tendo como
tema “Municipalização da saúde, condição indispensável para a efetiva implantação do
SUS”. Pautada nas recomendações desta conferência, foi exposta e divulgada a formulação
29
da estratégia para descentralização, no documento “Descentralização das Ações e Serviços
de Saúde – A Ousadia de Cumprir e Fazer Cumprir a Lei”. Este documento, após ser
discutido e analisado por vários atores da área, ganhou uma nova versão e constituiu-se na
NOB n º 01/93, aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde e publicada em 20 de maio de
1993, através da Portaria do Ministério da Saúde 545 (CARVALHO; MARTIN;
CORDONI JUNIOR, 2001).
Diante de alguns limites que persistiram, com destaque para os reveses de alocação
de recursos e da descentralização, foi editada e publicada através da portaria do Ministério
da Saúde n º 2203, em 6 de novembro de 1996, a NOB n º 01/96 (NOB/96). Esta Norma
buscou promover e consolidar o pleno exercício, por parte do poder público municipal e do
Distrito Federal, da função de gestor da atenção à saúde de seus munícipes, com a
conseqüente redefinição das responsabilidades dos Estados, do Distrito Federal e da União
(BRASIL, 1997).
A NOB/96 reafirmou a importância do papel das Comissões Intergestores, Tripartite
na esfera federal e Bipartite na esfera estadual, e instituiu tetos financeiros para todas as
esferas de governo, determinando, para os municípios a elaboração com a participação do
gestor estadual, de uma Programação Pactuada e Integrada (PPI) para definição de seus
tetos. Os municípios e os estados passaram a serem co-responsáveis na busca da eqüidade,
da qualidade na atenção e na construção de uma rede regionalizada e hierarquizada de
serviços (CARVALHO; MARTIN; CORDONI JUNIOR, 2001).
A atenção à saúde passou a envolver três grandes campos:
a) o campo da assistência, individual e coletiva no âmbito ambulatorial e hospitalar;
b) o campo das intervenções ambientais relacionadas às condições sanitárias nos
ambientes de vida e de trabalho;
c) o campo das políticas externas ao setor saúde que interferem nos determinantes
sociais do processo saúde-doença da coletividade.
Nos três campos enquadra-se o espectro das ações compreendidas nos níveis de
atenção a saúde, representados pela promoção, proteção e recuperação, priorizando o caráter
preventivo (BRASIL, 1997).
Com seus propósitos, a NOB/96 constituiu um mecanismo indutor da conformação
de um novo modelo de atenção à saúde. Este modelo deveria resultar na ampliação do
modelo centrado na relação individualizada e na intervenção terapêutica. Transformando-se
em um modelo de atenção centrado na qualidade de vida das pessoas e de seu meio
ambiente, bem como, na relação da equipe de saúde com a comunidade, especialmente, com
30
as famílias. Este novo modelo também considera os processos de educação e de
comunicação social como essenciais que permitem a compreensão globalizadora e
fundamentam as negociações para uma mudança consciente. Outro enfoque é a questão
ética, deseja-se construir uma ética coletiva que transcenda a ética individual, o que implica
em transformações na relação entre usuários e agentes do sistema de saúde e na intervenção
ambiental (Ibidem, 1997).
A conformação de um novo modelo visou atingir os princípios constitucionais do
direito a saúde e teve para isto duas bases fundamentais: a consolidação do vínculo dos
segmentos sociais e o SUS e a criação de condições para a eficiência e eficácia gerenciais.
Com a formulação dos sistemas municipais, rede regionalizada e hierarquizada, de
atendimento integral em estabelecimentos de ações e serviços no âmbito do SUS,
disciplinados em subsistemas, um para cada município, os segmentos sociais e os gestores
apropriaram-se de um conjunto de serviços bem definido capazes de desenvolver uma
programação de atividades publicamente pactuada (BRASIL, 1997).
A implantação das Normas Operacionais Básicas do SUS, especialmente, da NOB-
SUS 93 e 96 promoveu a integração das ações de saúde entre as três esferas do governo e
desencadeou um processo de descentralização intenso. Ao final do ano de 2000, a
habilitação nas condições de gestão na NOB/96 atingiu mais de 99% dos municípios do país
e nos estados houve avanços significativos na organização de redes articuladas e resolutivas
de serviços.
Contudo, à medida que o processo de gestão descentralizada do sistema amadurecia,
evidenciou um conjunto de problemas e obstáculos em relação aos aspectos críticos para a
consolidação do SUS agravados pela complexa estrutura político administrativa estabelecida
na Constituição Federal de 1988, em que os três níveis de governo são autônomos, sem
vinculação hierárquica. Novamente, com o intuito de enfrentar os problemas de implantação
do SUS, em janeiro de 2001, através da portaria n 95 do Ministério da Saúde foi editada a
Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS-SUS 01/2001). O conjunto de estratégias
apresentado pela NOAS articulava-se em torno da ampliação das responsabilidades dos
municípios na garantia de acesso aos serviços da atenção básica, da regionalização e da
organização funcional do SUS atualizando a regulamentação da assistência á saúde (BRASIL,
2001).
Considerando que um sistema de saúde equânime, integral, universal, resolutivo e com
qualidade nos seus serviços, concebe a atenção básica como parte imprescindível de um
conjunto de ações para o atendimento dos problemas de saúde da população a NOAS 01/01
31
ampliou o acesso e a qualidade da atenção básica instituindo a Gestão Plena da Atenção
Básica Ampliada (GPABA), onde o município assume, dentre outras responsabilidades:
a) Na organização – A gerência de unidades ambulatoriais próprias; gerência de unidades
ambulatoriais transferidas pelo estado ou pela União; a organização da rede de atenção
básica, incluída a gestão de prestadores privados; o desenvolvimento do cadastramento
nacional dos usuários do SUS.
b) Na atenção à saúde - O cumprimento das responsabilidades de controle da tuberculose,
a eliminação da hanseníase, o controle da hipertensão arterial, o controle da diabetes
mellitus, a saúde da criança, a saúde da mulher e a saúde bucal; a disponibilização, em
qualidade e quantidade suficiente para a sua população, de serviços capazes de
oferecer atendimento conforme o conjunto de procedimentos assistenciais que
compõem as ões de Atenção Básica Ampliada; a execução das ações básicas de
vigilância sanitária; a execução das ações básicas de epidemiologia, de controle de
doenças e de ocorrências mórbidas, decorrentes de causas externas;
c) No planejamento - A elaboração do Plano Municipal de Saúde; a realização de
avaliação permanente do impacto das ações do Sistema sobre as condições de saúde
dos seus munícipes e sobre o seu meio ambiente; a elaboração do relatório anual de
gestão e aprovação pelo Conselho Municipal de Saúde/CMS; o Pacto de Indicadores
da Atenção Básica firmado com o estado (Ibidem, 2001).
Durante o processo de implantação da NOAS 01/2001 foram identificados entraves na
operacionalização de determinados itens, decorrentes das dificuldades para estabelecer o
comando único sobre os prestadores de serviços ao SUS e assegurar a totalidade da gestão
municipal nas sedes dos módulos assistenciais A alternativa encontrada foi a elaboração da
NOAS-SUS 01/02, que assegurou a manutenção das diretrizes organizativas definidas pela
NOAS 01/2001 e procurou oferecer as alternativas necessárias à superação das dificuldades e
impasses oriundos da dinâmica concreta de sua implementação (BRASIL, 2002).
Como estratégia de hierarquização dos serviços de saúde e de busca de maior
eqüidade, a instituição do Plano Diretor de Regionalização, de acordo com a NOAS 01/2002
fundamentou-se na conformação de sistemas funcionais e resolutivos de assistência à saúde,
por meio da organização dos territórios estaduais em regiões/microrregiões e módulos
assistenciais; da conformação de redes hierarquizadas de serviços; do estabelecimento de
mecanismos e fluxos de referência e contra-referência intermunicipais, objetivando garantir a
32
integralidade da assistência e o acesso da população aos serviços e ações de saúde de acordo
com suas necessidades (Ibidem, 2002).
Desde como foi compreendida na NOB/96, a atenção à saúde permanece seguindo
seus preceitos de acordo com suas bases constitucionais. O processo de conformação de um
novo modelo de atenção à saúde permaneceu nas Normas de Assistência que se configuraram
posteriormente, entendido nas entrelinhas das disposições normativas que buscaram
constantemente rever e aprimorar, na prática, as diretrizes para garantir o acesso universal, a
integralidade e a qualidade das ações e dos serviços de saúde, bem como, dos demais
princípios do SUS durante a sua implantação no país.
Em 2006, a portaria 399 de 22 de fevereiro, estabeleceu as Diretrizes do Pacto pela
Saúde contemplando o Pacto entre os gestores do SUS nas dimensões: Pacto pela Vida, Em
Defesa do SUS e de Gestão. Transcorridos quatro anos da publicação da NOAS, o Ministério
da Saúde, o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de
Secretários Municipais de Saúde (Conasems) buscam estratégias para a pactuação de
responsabilidades entre as três esferas de gestão no intento de superar a fragmentação de
políticas e programas de saúde (BRASIL, 2006c).
O Pacto pela Vida determinou compromissos em torno de algumas prioridades que
representam impactos sobre a situação de saúde da população, bem como, estabelece metas
para cada um dos acordos e para todos os níveis gestores. Dentre os eixos pactuados tem-se o
Fortalecimento da Atenção Básica, os objetivos perpassam ações de organização para garantir
a consonância com os princípios filosóficos e organizativos do SUS.
3.2.1 A Atenção Básica à Saúde no SUS
Neste momento, o enfoque é para a Atenção Básica à saúde no SUS enquanto nível de
organização do sistema e palco privilegiado onde se insere o tema deste estudo. Desde que o
SUS foi concebido ideológica e legalmente, um movimento para a mudança do modelo de
atenção à saúde, priorizando o nível da Atenção Básica, é impulsionado nos âmbitos da gestão
e da organização das ações e serviços de saúde (MARQUES; MENDES, 2002).
O SUS enquanto um sistema pressupõe a existência de partes que funcionam de
acordo com uma estrutura e uma organização. No contexto da organização de prestação de
serviços na saúde o sistema está organizado em três níveis hierárquicos de atendimento, vel
primário, nível secundário e nível terciário. Denominados níveis de complexidade de ações e
33
de serviços, os três veis estão configurados sob a forma piramidal e compondo a base da
pirâmide temos representada a atenção primária ou básica à saúde (COHN; ELIAS, 2005).
Para alguns autores, na promoção da Atenção Básica está implicado um novo modelo
assistencial. Mendes (1999) destaca que a crise na saúde, sobretudo, fundamentou-se na
necessidade de reverter a lógica do modelo assistencial biomédico para o modelo de atenção à
saúde baseado na produção social da saúde. O autor descreve os elementos chave de mudança
para afirmação real do SUS: a concepção do processo saúde-doença, o paradigma do processo
sanitário, a prática sanitária e a ordem governativa da saúde na cidade (MENDES, 1999
p.234).
Para caracterizar as mudanças desejadas é possível sintetizar cada um dos aspectos
mencionados de acordo com as suas perspectivas de transformação:
a) A concepção do processo saúde-doença é modificada a medida que
novas concepções articulam saúde com condições de vida, desta forma, saúde é
resultante de um processo de produção social e expressa pela condição de existência
dos seres humanos no seu cotidiano;
b) A mudança do paradigma sanitário pressupõe uma mudança
paradigmática da biomedicina para a produção social da saúde, cujos fundamentos
estão na teoria da produção social que abrange tudo o que o ser humano cria a partir
do conjunto de suas capacidades como tal. Uma sociedade é capaz de produzir e
acumular saúde ou produzir socialmente enfermidades.
c) As mudanças das práticas sanitárias propõem estruturar-se sobre o
conceito de “vigilância à saúde, uma nova forma de resposta social organizada aos
problemas de saúde, referenciada pelo conceito positivo de saúde e pelo paradigma da
produção social da saúde” (Ibidem, 1999 p.243). A vigilância à saúde apóia-se em
estratégias de intervenção individual e coletiva, a partir da combinação de ações de
promoção da saúde, prevenção de doenças e acidentes e ações de caráter curativo, com
base no saber interdisciplinar e no fazer intersetorial.
d) As mudanças da ordem governativa na cidade implicam numa nova
lógica governativa, se, anteriormente era centrada no setor da saúde, o modelo de
vigilância à saúde exige uma nova racionalidade que faz de toda a estrutura político
administrativa da cidade um espaço de produção social da saúde (MENDES, 1999).
O paradigma da produção social da saúde e a vigilância a saúde como prática sanitária
constitui a estrutura de uma nova realidade que se processa no cenário da saúde pública do
34
Brasil. A Atenção Básica, enquanto primeiro vel de atenção do sistema, está baseada nas
proposições do modelo de vigilância à saúde:
A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito
individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção
de agravos, o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação e a manutenção da saúde. É
desenvolvida por meio do exercício de praticas gerenciais e sanitárias democráticas
e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de
territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária,
considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações.
Utiliza tecnologia de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver
os problemas de saúde de maior freqüência e relevância em seu território. É o
contato preferencial dos usuários com os sistemas de saúde. Orienta-se pelos
princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do
vinculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da
equidade e da participação social. (BRASIL, 2006a).
O sujeito é compreendido na sua singularidade, complexidade, integralidade e na sua
inserção social, as ações da Atenção Básica são desenvolvidas na busca de promover a
qualidade de vida (Ibidem, 2006a).
A reorganização da assistência à saúde no SUS, com ênfase na Atenção Básica, e o
processo de mudança do modelo de atenção apresentou, como marco, a operacionalização do
Programa de Saúde da Família (PSF) em 1994 (MARQUES; MENDES, 2002).
Algumas experiências internacionais do Canadá, Cuba e Inglaterra tiveram influência
indireta na formulação do PSF. Porém, as origens do Programa estão no Programa de Agentes
de Saúde (PAS) desenvolvido no Ceará em 1987 e estendido para todo país em 1991,
denominado Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e numa experiência de
programa de saúde da família, no município de Quixadá/CE. Com estas bases, em 1994, o
Ministério da Saúde lançou o PSF como uma política de atenção primária à saúde (MENDES,
2002).
A Portaria do Ministério da Saúde n.648 de 28 de março de 2006 elege a Saúde da
Família como estratégia prioritária para a organização da Atenção Básica. Além dos
princípios gerais da Atenção Básica, a Estratégia Saúde da Família (ESF) deve:
I ter caráter substitutivo em relação a rede de Atenção Básica tradicional
nos territórios em que as Equipes de Saúde da Família atuam;
II atuar no território, realizando cadastramento domiciliar, diagnóstico
situacional, ações dirigidas aos problemas de saúde de maneira pactuada com a
comunidade onde atua, buscando o cuidado dos indivíduos e das famílias ao longo
do tempo, mantendo sempre postura pró ativa frente aos problemas de saúde-doença
da população;
III desenvolver atividades de acordo com o planejamento e a
programação, realizados com base no diagnóstico situacional e tendo como foco a
família e a comunidade;
IV buscar a integração com as instituições e organizações sociais, em
especial em sua área de abrangência, para o desenvolvimento de parcerias; e
V – ser um espaço de construção de cidadania (Brasil, 2006a).
35
Em consonância com os princípios do SUS, os princípios da Atenção Básica e da
Estratégia Saúde da Família expressam toda a articulação ideológica, organizativa e política
inserida no atual cenário das políticas públicas de saúde, sobretudo, refletem o processo de
mudança do modelo de atenção. Todos estes princípios devem orientar a organização da
atenção à saúde respeitando o princípio da “heterogeneidade” (MENDES, 1999 p.280) que
reconhece a singularidade das particularidades de cada realidade onde as práticas se
concretizam no dia a dia e onde se processam as mudanças.
Por se tratar de um contexto de profundas transformações no âmbito da saúde são
incitados múltiplos olhares sobre o vasto panorama de características próprias desta nova
maneira de pensar e fazer saúde. Inseridos neste universo do SUS, considerado o macro das
políticas públicas de saúde, bem como, nos seus micro-espaços como da Atenção Básica à
Saúde e da Estratégia de Saúde da Família, tomemos apenas um único enfoque: a
humanização enquanto princípio que orienta e deve permear as ações e os serviços deste
grande contexto.
3.3 Humanização na Saúde e Como Política Pública
O termo “humanização” permeia o campo da assistência à saúde mais de 40 anos.
Casate e Correa (2005) analisaram a produção científica sobre as concepções de
“humanização em saúde /enfermagem”, o compilado deste estudo apresentou reflexões acerca
do tema, emergindo no cenário da assistência à saúde, desde o final da década de 50, na área
da enfermagem e na década de 1970 para a medicina.
Segundo Fortes (2004), a humanização da atenção à saúde tem seu fundamento na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo seu artigo primeiro “Todos os homens
nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem
agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (ONU, 1948 Art 1).
Posteriormente, o tema é novamente referendado na declaração da Conferência
Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde em Alma-Ata em 1978 na URSS.
A Conferência enfatiza que a saúde é o estado de completo bem–estar físico, mental
e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade- é um direito
humano fundamental, que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a
mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros
setores sociais e econômicos, além do setor saúde ( OMS, 1978).
36
No Brasil, o Movimento da Reforma Sanitária imprimia em todas as suas
reivindicações um caráter humanizado para as práticas em saúde que pretendiam transformar.
Com a aprovação das diretrizes da Reforma Sanitária, na VIII Conferência Nacional de Saúde
em 1986, e sua institucionalização na Constituição Federal de 1988, a estruturação do SUS
inaugurou o reordenamento teórico, paradigmático e operacional da saúde (REIS; MAZINA;
GALO, 2004).
Além do caráter humanizado das propostas da Reforma Sanitária, o tema da
humanização esteve intrinsecamente ligado a todo processo de redemocratização da sociedade
brasileira, em que as lutas por políticas públicas revigoradas em sua dimensão coletiva
impunham, principalmente, a redefinição do papel do Estado e os direitos dos homens. A
partir da década de 70, assistiu-se a uma revolução crítica e a retomada da transcendência
humana, com a instauração do Estado-nação, é quando o humanismo retornou às discussões e
permanece como foco nos debates atuais (BENEVIDES; PASSOS, 2005).
Paralelamente a este cenário, outros processos de (re) democratização da saúde
reivindicavam a humanização do atendimento e constituíram afluentes fundamentais do
processo mais amplo. Neste contexto, Vaistman e Andrade (2005) destacam os movimentos
feministas e os movimentos pelos direitos do paciente, idosos, portadores de HIV e de
distúrbios mentais.
Para Deslandes (2004), a legitimidade da questão “humanização” ganhou um novo
status com a regulamentação em 2000, pelo Ministério da Saúde, do Programa Nacional de
Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH). O Programa propôs um conjunto de ações
integradas com o objetivo de alterar os padrões de assistência aos usuários no ambiente
hospitalar público. Sua elaboração foi baseada nas relações entre profissionais, entre
profissionais e usuários e entre hospital e comunidade, visando a qualidade e a eficácia para
os serviços prestados (BRASIL, 2000).
Em 2004, o Ministério da Saúde estabelece a Política Nacional de Humanização da
Atenção e Gestão em Saúde no SUS (PNH) ou simplesmente HumanizaSUS. Esta iniciativa
expande a humanização para todos os níveis de atenção à saúde.
Faz-se necessária uma definição acerca do conceito de humanização para proporcionar
uma compreensão adequada ao que pretende instituir o governo no momento que elege a
humanização como política pública de saúde. O tema humanização é tratado por alguns
autores pela sua característica polissêmica, ou seja, com diversos sentidos. Cabe destacar no
cenário da saúde, mais especificamente no contexto da humanização, o estudo de Deslandes
(2004) que analisa o documento oficial do PNHAH e busca definir os sentidos atribuídos à
37
humanização impressos no discurso do Programa. A autora considera três eixos de
significados:
1) A humanização como oposição à violência, no sentido de resgatar a
humanidade do atendimento à saúde. Entende-se por violência as situações concretas
de negação total do direito e as ocasiões de descaso na compreensão das dimensões
psicológicas e sociais. Situações protagonizadas pelos profissionais e pelos usuários.
2) A humanização como capacidade de qualificação dos serviços
prestados. O discurso destaca a interação necessária entre tecnologia e relacionamento
humano, com ênfase no humano enquanto estratégia para não despersonificar o
atendimento.
3) A humanização como melhoria das condições de trabalho do cuidador,
reconhecendo aspectos como a infra-estrutura enquanto condições básicas para
promoção do bom relacionamento.
Segundo a autora, os três eixos interagem entre si e todos com o eixo da comunicação,
apontada como recurso-chave para a humanização, o ser humano é dado como um ser de
linguagem com seus significados próprios e singulares. Nesta perspectiva a autora conclui que
“humanizar é garantir à palavra a sua dignidade ética” (DESLANDES, 2004, p.11).
Benevides e Passos (2005) redefinem o conceito de humanização tratando-o como
estratégia de interferência nas práticas de saúde, considerando “[...] que sujeitos sociais, atores
concretos e engajados em práticas locais, quando mobilizados, são capazes de, coletivamente,
transformar realidades transformando-se a si próprios neste mesmo processo” (BENEVIDES;
PASSOS, 2005a p.391).
Campos (2005) considera que o debate sobre humanização pode contemplar uma
dimensão puramente abstrata e ideológicas, mas pode interferir na prática da saúde quando
admite a existência de um processo de alienação no SUS, num mundo contemporâneo onde os
valores estão em desuso, e resgata o olhar da atenção para o ser humano, com respeito ao
Sujeito e a centralidade da vida humana.
É no campo real onde se encontra a dimensão coletiva da produção de sujeitos
autônomos e protagonistas na produção da sua saúde, esta por sua vez, compreendida pela sua
multiplicidade de determinantes e na complexidade das relações que ela demanda. A
humanização no SUS como processo de subjetivação torna-se efetiva com a concretização
dos modelos de atenção e gestão, exaustivamente discutidos e conformados na construção e
implantação do Sistema de Saúde, com a sintonia da teoria com a prática e do conhecimento
com a transformação da realidade (BENEVIDES; PASSOS, 2005).
38
O Ministério da Saúde entende que tem a responsabilidade de ampliar o debate sobre
humanização, de sensibilizar outros segmentos e tomar este movimento como estratégia para
o fortalecimento do SUS, tornando a humanização enquanto uma política pública de saúde
(BRASIL, 2006b).
Humanização na saúde deixa de ser fragmentada em Programas e passa a ser uma
política transversal que perpassa diferentes ações e instâncias gestoras do SUS. Benevides e
Passos (2005) destacam que o risco em tomar a humanização como mais um Programa seria o
de operacionalizar normativas exaltando o modo vertical das relações, estando pautado em
ações a serem cumpridas e em metas a serem alcançadas, esquecendo-se da resolutividade e
qualidade dos serviços.
Como política, a PNH é norteada por princípios entre os quais abrangem aspectos
como a valorização da dimensão subjetiva, coletiva e social em todas as práticas de atenção e
gestão no SUS, fortalecendo o compromisso com os direitos dos cidadãos, o trabalho em
equipe multiprofissional, a construção de redes cooperativas e de autonomia e protagonismos
dos sujeitos coletivos, bem como da sua co-responsabilidade nos processos de gestão e
atenção. Também orientam esta política, o fortalecimento do controle social em todas as
instâncias do SUS, o compromisso com a democratização das relações de trabalho e
valorização dos trabalhadores e da ambiência, com organização de espaços saudáveis e
acolhedores de trabalho.
A proposta da PNH coincide com os próprios princípios do SUS,
especialmente, quanto à universalidade do acesso e do direito à saúde, a integralidade e a
igualdade nas ações como necessidades fundamentais ao exercício da cidadania. Com a
implementação desta política, o Ministério espera alcançar a qualificação da atenção e da
gestão em saúde no SUS.
[...] Serão reduzidas as filas e o tempo de espera com ampliação do acesso e
atendimento acolhedor e resolutivo baseado em critérios de risco; todo usuário do
SUS saberá quem são os profissionais que cuidam da sua saúde e a rede de serviços
se responsabilizará por sua referencia territorial e atenção integra; as unidades de
saúde garantirão os direitos dos usuários, orientando-se pelas conquistas já
asseguradas em lei e ampliando os mecanismos de sua participação ativa, [...]
garantirão gestão participativa aos seus trabalhadores e usuários [...] (BRASIL,
2006b).
Para viabilizar os princípios e os resultados esperados com a PNH são definidos
alguns dispositivos, entendidos pela política como “tecnologias” ou “modos de fazer”:
1. Acolhimento com classificação de risco;
2. Equipes de Referência e de Apoio Matricial;
39
3. Projeto Terapêutico Singular e Projeto de Saúde Coletiva;
4. Projeto de Construção Coletiva da Ambiência;
5. Colegiados de Gestão; Contratos de Gestão;
6. Sistemas de Escuta Qualificada para usuários e trabalhadores da saúde;
7. Projeto “Acolhendo os familiares/rede social participante”;
8. Programas de Qualidade de Vida e Saúde para os Trabalhadores da Saúde;
9. Grupo de Trabalho de Humanização (BRASIL, 2006b).
Estes dispositivos visam basicamente à reorganização dos processos de trabalho em
saúde, propondo transformações nas relações sociais e nos modos de produzir e prestar
serviços, devendo enquanto instrumentos de mudança, permear a atenção e a gestão em saúde
(SANTOS FILHO, 2006).
Em vários eixos de ação, como são os eixos da gestão, do trabalho, do financiamento,
da atenção e da comunicação, o Ministério pretende institucionalizar e difundir a PNH, bem
como, apropriar a sociedade dos resultados desta política. Para tanto, alguns parâmetros são
traçados para orientar as ações de Humanização na rede do SUS nos diferentes níveis de
atenção.
Para este estudo, cabe destacar os parâmetros para implementação da PNH na Atenção
Básica à Saúde. Estas estratégias compõem o escopo da política de humanização no primeiro
nível de atenção à saúde, objetivando alcançar os resultados esperados e de acordo com seus
princípios. Inicialmente, temos a organização do Acolhimento para promover a ampliação
efetiva do acesso à atenção básica e aos demais níveis do sistema. Outra estratégia é a
abordagem orientada por projetos terapêuticos de saúde individuais e coletivos, na perspectiva
do exercício de uma clínica ampliada, capaz de aumentar a autonomia dos sujeitos e no
estabelecimento de redes de saúde, incluindo todos os atores e equipamentos sociais. A
organização do trabalho, centrado nas equipes multiprofissionais e atuação transdisciplinar
podem avançar na gestão compartilhada dos cuidados /atenção. Ademais temos a
implementação de sistemas de escuta qualificada para usuários e trabalhadores, educação
permanente, valorização e cuidado para os trabalhadores de saúde e a organização do trabalho
com base em metas discutidas coletivamente (BRASIL, 2006b).
Ainda para atender aos objetivos deste estudo, será enfatizada a estratégia
correspondente ao dispositivo de acolhimento por entendê-lo enquanto um espaço dinâmico
com informações diferenciadas e potencialmente geradoras de conflitos éticos, por sua vez
determinados pelas relações estabelecidas no âmbito da produção do cuidado.
40
A Portaria n. 648/06 determinou como uma das características do processo de trabalho
das Equipes da Atenção Básica, consequentemente das Equipes de Saúde da Família, a
implementação das diretrizes da PNH, incluindo o acolhimento.
Segundo o Documento Base da PNH, o Acolhimento compreende a recepção do
usuário, desde a sua chegada ao serviço de saúde, a responsabilização integral de suas
necessidades, permitindo que ele expresse suas angústias, e a garantia de uma atenção
resolutiva e articulada com outros serviços, quando necessário (BRASIL, 2006b).
Outros autores, em seus estudos, atribuem diferentes interpretações para Acolhimento.
Franco, Bueno e Merhy (2004) entendem o acolhimento como uma etapa da produção da
relação usuário-serviço e do conjunto do processo de trabalho na saúde. Os autores, propõem
o Acolhimento como um dispositivo capaz de questionar as relações estabelecidas no
cotidiano dos serviços de saúde e de revelar como se processam os modelos assistenciais na
prática, além de, avaliar e refletir sobre o vínculo e a responsabilização construídos nas
relações usuário-trabalhadores-gestão.
Teixeira (2005) elaborou um estudo sobre os sentidos da humanização na produção
dos cuidados primários de saúde que traz à tona um significado de Acolhimento para além do
conceito de atividade de recepção nos serviços. O Acolhimento é proposto como uma técnica
de conversa operada por qualquer profissional em qualquer momento do atendimento
“acolhimento dialogado” (p.592). Nesta ‘tecnologia’, o diálogo se orienta em busca de
conhecer as necessidades do usuário e dos modos de satisfazê-las.
O Acolhimento propõe reorganizar o serviço no sentido de garantir acesso universal,
resolubilidade e atendimento humanizado. Oferecer sempre uma resposta positiva ao
problema de saúde apresentado pelo usuário é a tradução da idéia básica do Acolhimento, que
se construiu como diretriz operacional da PNH. Enquanto estratégia, propõe inverter a lógica
de organização e funcionamento do serviço de saúde partindo de princípios como: atender
todas as pessoas que procuram o serviço de saúde, garantindo acessibilidade universal,
reorganizar o processo de trabalho, deslocando o eixo central do médico para uma equipe
multiprofissional que se compromete a resolver o problema de saúde do usuário, bem como,
busca qualificar a relação trabalhador usuário que deve dar-se por parâmetros humanitários,
de solidariedade e cidadania (FRANCO; BUENO; MERHY, 2004).
O acolhimento quando entendido como estratégia de humanização, redundante às
relações humanas, na atenção a saúde como nas demais áreas, sugere conflitos em diferentes
âmbitos, político, profissional e pessoal. A relação destes âmbitos está pautada sob a
perspectiva de respostas ao atendimento às necessidades individuais e coletivas, neste caso
41
especificamente a saúde, de forma bilateral, de quem oferece e quem recebe. Estas relações
perpassam por implicações bioéticas do seu desenvolvimento. Nesta perspectiva, “o
acolhimento é a atitude de receber, integrar, incluir, por oposição à segregar, dificultar o
acesso, excluir (ASSOCIAÇÃO PALAS ATHENA, 2002 p.63).
As ações de saúde não podem ser reduzidas a aspectos técnico-científicos, porém,
também não devem ser vistas exclusivamente pelo ângulo humano subjetivo. Tomar
consciência da situação criada pela relação do humano diante da tecnologia é uma iniciativa
ética potencial, produtora de responsabilidade e respeito. O Acolhimento nas unidades de
saúde pressupõe pessoas mobilizadas nas relações interpessoais, correspondente a atividade
profissional que repercute junto à população. No desenvolvimento da prática profissional,
uma estratégia como o Acolhimento significa um compromisso social individualizado que
depende de valores intrinsecamente humanos.
A prática do acolhimento na atenção à saúde é compreendido conforme recomenda a
PNH, destacando-se a responsabilidade dos serviços de saúde pela atenção integral no
atendimento às necessidades dos usuários. Desta forma, o acolhimento é a ação cujo um dos
objetivos é a atenção integral a saúde.
O atendimento integral à saúde foi impresso, sobretudo, no texto constitucional de
1988. Desde então, com maior ênfase, os sentidos para compreender a saúde de modo integral
tornaram-se tema de muitos estudos. Usualmente a expressão amplamente debatida é a
integralidade como sinonímia da expressão que trata a Constituição Federal Brasileira em seu
artigo 198.
Mattos (2001) propõe uma reflexão acerca dos sentidos do princípio da integralidade.
O autor sugere analisá-lo sob a ótica de três grandes conjuntos de sentidos: das práticas
profissionais, da organização dos serviços e das respostas governamentais. Nestes eixos, são
discutidas as atitudes reducionistas dos atores envolvidos, como a redução ao aspecto clínico
da doença pelos profissionais, a organização dos serviços voltados apenas aos sofrimentos
físicos e as respostas políticas limitadas a uma ou algumas dimensões dos problemas de
saúde. O significado destes reducionismos opõe-se ao sentido de integralidade. O autor ainda
atribui ao hábito de reduzir múltiplos aspectos em poucos à incapacidade de relacionamento
entre os sujeitos do processo, avessos ao diálogo. Olhar o sujeito como portador de anseios e
compreender sua subjetividade, significa contrapor-se ao reducionismo, significa dispor-se ao
diálogo e atender integralmente as diferentes necessidades.
Silva Junior e Mascarenhas (2004) entendem o acolhimento articulado a outros
conceitos como nculo/responsabilização e qualidade na atenção, como uma tradução de
42
integralidade. Como uma mudança de postura, o acolhimento pressupõe a atitude de receber,
de escutar, de tratar com humanidade o usuário. Potencialmente, esta atitude poderá
desencadear relações de dimensões mais abrangentes na dinâmica entre profissional-usuário,
seus reflexos serão percebidos nas relações profissional-usuário-sistema, completa a tríade
dos protagonistas das ações e dos serviços de saúde.
As instituições, no seu agir cotidiano, materializam as políticas por meio das ações
individuais. A integralidade é construída em ações, sobretudo em atitudes de diferentes
perspectivas envolvidas, em resposta a interesses, concepções e ao contexto (PINHEIRO;
LUZ, 2003).
3.4 Acolhimento à Luz da Bioética.
A proposta de uma ação acolhedora para os usuários nos serviços de saúde denota o
estabelecimento de uma relação de sujeitos em processos que visam atender as necessidades e
carências no âmbito da saúde. Os modelos teóricos da Bioética são recentes nos contextos da
atenção à saúde, e foram propostos, principalmente diante dos avanços da medicina.
Atualmente sua aplicabilidade transpõe fronteiras e adentra em situações do cotidiano,
sobretudo no que tange as desigualdades sociais no acesso à saúde.
A prática do acolhimento articula-se com o referencial da Bioética a partir do
pressuposto que nas bases deste processo estão as ações humanas passiveis de gerarem
conflitos éticos e as políticas públicas neste contexto como garantia para o direito social à
saúde.
Contextualizando historicamente, a Bioética nasceu num momento, especialmente na
segunda metade do século XX, quando houve um extraordinário desenvolvimento cientifico
biológico. Deste campo do saber, a biomedicina, emergiu a necessidade de promover a
discussão ética sobre as questões suscitadas nas suas práticas, principalmente, da
experimentação com seres humanos e animais e do avanço e revolução das descobertas
genéticas.
Três momentos históricos marcaram o seu nascimento: o termo Bioética foi impresso
pela primeira vez pelo médico americano Van Ressenlaer Potter em seu livro “Bioethics:
Bridge to the future” publicado em 1971. Sua intenção era destacar a necessidade de construir
uma disciplina que interligasse as ciências biológicas e sociais com a ética, preocupada com o
progresso científico em relação com a vida. Sua obra questionava para onde o progresso
científico e tecnológico poderia levar a humanidade e enfatizava a importância de uma
43
reflexão cautelosa sobre o processo de evolução uma reportagem na revista Time no mesmo
ano do lançamento do livro, torna a expressão Bioética conhecida do grande público
(FORTES; ZOBOLI, 2003).
Neste mesmo ano, 1971, o médico holandês, André Hellegers introduziu o termo
Bioética enquanto disciplina do Joseph and Rose Kennedy Institute of Human Reproduction
na Bioethcs, em Washington DC. Esta ação produziu um efeito questionado posteriormente,
pois, restringiu a utilização do termo para a biomedicina.
A publicação de Tom Beuchamp e James Childress “Principles of Biomedical
Ethics”,em 1979, apresenta o modelo principialista e contribui para estreitar a relação da
Bioética somente com as questões individuais, deontológicas e as relações entre profissionais
e usuários de saúde. A reflexão bioética era enquadrada em quatro princípios: da autonomia,
da beneficência, da não maleficência e da justiça (FORTES; ZOBOLI, 2003; KOTTOW,
2005).
Ao passo que a sociedade evolui, no conhecimento e em tecnologia, surgem novas
necessidades, como reflexos deste processo. Schramm (2001) pressupõe que a quantidade e a
qualidade dos desejos individuais ou mesmo das sociedades democráticas modernas, apontam
para situações de dilemas éticos em relação ao respeito de valores fundamentais a dignidade
humana e de acesso aos produtos desta dinâmica. A garantia de direitos constitucionais como
a “saúde para todos” torna os serviços públicos de saúde um rico cenário para situações
cotidianas de desrespeito aos princípios sociais e morais.
É neste contexto que se insere o acolhimento enquanto prática cujas bases são as
relações humanas, onde se conforma um espaço estratégico para a garantia do direito à saúde
e para a qualidade da atenção em respeito à dignidade humana. A ação de acolher
compreendida a partir de seu determinante subjetivo potencialmente denota uma ação fundada
sobre valores éticos e sob a perspectiva de política pública assinala para a discussão de
responsabilidade ética desempenhada pelo Estado.
Da articulação entre a prática do acolhimento e a emergente reflexão ética este estudo
orienta sua análise sob dois referenciais da Bioética, a Bioética Cotidiana e a Bioética da
Proteção.
Numa breve avaliação do contexto histórico das práticas biomédicas, torna-se evidente
o predomínio do caráter assistencial curativo em relação às ações de promoção á saúde e
prevenção, bem como, da utilização de equipamentos tecnológicos e sofisticados à frente das
ações humanas. Estes aspectos confirmam o desenvolvimento do olhar da Bioética voltado
apenas para os casos extremos de intervenção da biomedicina sobre a vida.
44
Na década de 90, as concepções clínicas e individualizadas sofreram fortes críticas,
bem como, foi questionada a prevalência da atenção para as chamadas “situações limites” ou
“fronteira” como a eutanásia, os transplantes de órgãos, o aborto e outras questões. Berlinguer
(1993) sem a intenção de priorizar uma reflexão em detrimento de outra, questiona a ênfase
dada pelos estudos da Bioética sobre os “casos de situações limite” (1993, p.21) que
conduzem os debates para os casos eventuais, negligenciando os problemas morais que
surgem na vida cotidiana. O autor alerta para o risco de voltar a atenção apenas para questões
secundárias às outras que, quando avaliadas sob o olhar ético, não implicariam em um
conflito de limite. A Bioética cotidiana refere-se aos comportamentos e idéias de cada pessoa,
a partir dos quais se busca compreender princípios e valores que estão na base das ações
humanas. Além disso, foca a atenção nos dilemas éticos que afetam cotidianamente milhares
de pessoas e que são sistematicamente negligenciados.
É no dia a dia das instituições de saúde que emerge um extenso rol de casos de
privação de acesso, atendimento desprovido de condições mínimas para a qualidade e relações
entre sujeitos que inferem profundas críticas sob a análise ética. Este universo não pode ser
esquecido, tão pouco ser subestimado pela ética aplicada à situações extremas e passíveis de
serem evitadas em muitos casos, se adotas posturas de valorização da vida e da naturalidade
desta condição.
Uma outra perspectiva se constrói no campo da saúde pública, especialmente, quando
se analisa os conflitos éticos que emergem em cenários dos países de Terceiro Mundo. Esta
especificidade fomentou um movimento de conscientização na América Latina pela urgência
em desenvolver uma corrente Bioética orientada às questões coletivas contextualizadas em
realidades de exclusão social. A Bioética, assim como a saúde pública possui abordagens
multidisciplinar e interdisciplinar e uma visão autônoma e humanista para as ações e serviços
de saúde, garantindo a dignidade humana e os direitos dos cidadãos (FORTES; ZOBOLI,
2003).
A partir desta compreensão os princípios da Política Nacional de Humanização (PNH)
estão intrinsecamente envolvidos com um olhar sensível sobre sujeitos singulares em sua
biografia e cultura, respeitando sua autonomia e seu protagonismo, exatamente como propõe
agir a política através de seus dispositivos que, por sua vez implicam numa consciência ética,
sobretudo quanto ao direito à saúde com acesso de qualidade aos serviços de atenção à saúde.
Conforme foi concebida, a saúde pública tem como finalidade a preocupação com a
saúde das populações em contextos naturais e sócio-culturais diversos, e surgiu sob os
desígnios da prevenção de doenças e da promoção a estilos de vida saudáveis. Os conflitos
45
éticos da saúde pública podem ser enfrentados, para Schramm e Kottow (2001), por meio de
uma nova concepção da Bioética, denominada “Bioética da proteção”. A proteção é
compreendida por estes autores como o resguardo das necessidades essenciais, não deve ser
reduzida ao princípio da beneficência, pois, dependeria de uma avaliação apenas individual
sobre o que é benéfico, tampouco, pode ser confundida com paternalismo porque neste caso
existe um agente que decide e impõe o que e para quem destina-se o beneficio.
São quatro as bases, segundo Kottow (2005 p.33) que sustentam o desenvolvimento de
uma ética de proteção: o compromisso político de todo Estado; o fundamento ético da
convivência; as limitações do pensamento principialista; a necessidade de uma ética própria
para a América Latina, que faça eco à realidade socioeconômica de países precariamente
desenvolvidos.
O conceito de proteção desenvolvido pela Bioética da proteção, quando aplicado aos
problemas da saúde pública, pretende integrar a responsabilidade moral e a eficácia
pragmática, podendo, portanto, ser considerado uma genuína ferramenta da ética
aplicada. Isso é indispensável para legitimar políticas sanitárias que se pretendem
universalistas do ponto de vista dos valores, como é a política sanitária inspirada da
Constituição Brasileira e nos princípios do SUS. Mas, pretende também respeitar, na
medida do possível, a pluralidade dos valores e interesses que perpassam as
coletividades, não impondo comportamento que poderiam infringir os direitos
fundamentais das pessoas, mas, oferecendo modelos de comportamentos
considerados válidos do ponto de vista da prevenção do adoecimento e da promoção
da saúde [...] (SCHRAMM, 2003 p.83).
A PNH é uma política de Estado que incorporou princípios construídos por
movimentos sociais que reivindicavam a garantia do acesso universal às ações e aos serviços
públicos de saúde, estes mesmos princípios regem o arcabouço jurídico-institucional do SUS
que desde sua regulamentação busca formas de exercê-los na sua dimensão real. Desta forma,
o Estado deve assumir o cuidado pela cidadania da população sob sua responsabilidade, que
implica em uma ética de responsabilidade social, entendida como a proteção do Estado para
os cidadãos, e também a responsabilidade destes sujeitos pelo planejamento e aplicação desta
proteção a medida que são responsáveis pelas suas escolhas, presumindo-se uma construção
coletiva das políticas públicas (SCHRAMM; KOTTOW, 2001; KOTTOW, 2005).
5 DESENHO METODOLÓGICO
5.1 Tipo de estudo
Trata-se de um estudo cujo fenômeno investigado requer uma abordagem qualitativa
de design exploratório-descritivo. A pesquisa qualitativa justifica-se na intenção de
aprofundar a investigação no mundo dos significados das ações e relações humanas, ou seja,
se preocupa com um nível da realidade social, cujos processos e fenômenos não podem ser
quantificados ou reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2004).
O design exploratório proporciona uma visão geral do fenômeno da pesquisa e o
cunho descritivo é apropriado para conhecer suas características (GIL, 1989).
5.2 Cenário e sujeitos do estudo
O estudo foi realizado em Unidades Básicas de Saúde (UBS) da rede municipal de
saúde onde está implantada a Política Nacional de Humanização de acordo com o Plano
Municipal de Saúde, em um município de grande porte do estado de Santa Catarina (100.000
a 900.000 hab)
1
. A rede municipal é composta por cinco (5) regionais de saúde, quarenta e
seis (46) UBS’s e duas (2) policlínicas.
Do total de UBS que compõem a rede municipal, foram sorteadas cinco (5) unidades,
uma unidade por regional de saúde. Nestas, os respectivos sujeitos eram aleatoriamente
convidados a participar da pesquisa, seguindo o critério da acessibilidade e disponibilidade.
Especialmente para os gestores optou-se por convidar, pelos mesmos critérios, representantes
do nível regional e central, pois, no nível local apenas o coordenador da unidade representava
a gestão.
1
Classificação de acordo com a estimativa de população, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
2004.
47
Os critérios de inclusão na pesquisa para gestores foi atuar na gestão nos âmbitos
local, regional ou central no setor de Atenção Básica. Os trabalhadores deveriam compor as
equipes locais de saúde, não sendo baliza para escolha a participação na ESF, pois se entende
que a PNH é extensiva aos serviços e todos trabalhadores da rede municipal
independentemente do enquadramento funcional devem atuar segundo seus princípios e
estratégias. Todos os usuários deveriam ser cadastrados nas respectivas UBS, moradores da
comunidade e usavarem os serviços há pelo menos 1 ano.
Os critérios de seleção de todos os participantes a partir do universo descrito
anteriormente, podem ser enumerados da seguinte forma: 1) disponibilidade de tempo para
participar da entrevista; 2) interesse em participar da pesquisa; 3) assinatura do termo de
consentimento livre e esclarecido (Apêndice IV e V)
Os limites numéricos para cada categoria de sujeitos foram estabelecidos como
previsão empírica, baseados principalmente na representatividade das informações para o
estudo qualitativo que exclui o critério numérico para garantir validade aos dados. Foi
considerada a “vinculação significativa para o problema investigado” (DESLANDES, 2004,
p. 43), alguns critérios na seleção e a saturação das informações obtidas. Inicialmente foram
limitadas dez (10) entrevistas para cada categoria, totalizando uma amostra de trinta (30)
sujeitos.
E sujeitos efetivamente a amostragem final foi de nove (9) gestores, dez (10)
trabalhadores de saúde e sete (7) usuários dos serviços, totalizando 26 sujeitos. Foram
realizadas mais duas entrevistas com usuários, mas devido às perdas técnicas não foi possível
o aproveitamento das informações.
A etapa final e determinante para o total dos entrevistados foi a saturação das
informações evidenciadas pela repetição das informações segundo as questões norteadoras e
os objetivos da pesquisa.
5.2.1 Perfil dos sujeitos de pesquisa
A partir de alguns itens relativos à identificação dos sujeitos que foram abordados nas
entrevistas foi possível elaborar o perfil dos entrevistados conforme o quadro a seguir:
48
Quadro 1: Caracterização sujeitos pesquisados. Florianópolis, 2007.
Categoria Sexo Faixa etária Formação ** Escolaridade Tempo de gestão, de
serviços e de usuário na
UBS
M F 20-
|30
30-
|40
40-
|50
50 ou
mais
Méd. Enf. Odont. Téc.
Enf.
F M S < = 1
ano
1|-5 > 5
anos
1 G x x x x x
2 G x x x x x
3 G x x x x x
4 G x x x x x
5 G x x x x x
6 G x x x x x
7 G x x x x x
8 G x x x x x
9 G x x x x x
10 T x x x x x x x
11 T x x x x
12 T x x x x
13 T x x x x x
14 T x x x x x
15 T x x x x x
16 T x x x x x
17 T x x x x x
18 T x x x x x
19 T x x x x x
20 U x x --- --- --- --- x x
21 U x x --- --- --- --- x x
22 U x x --- --- --- --- x x
23 U x x --- --- --- --- x x
24 U x x --- --- --- --- x x
25 U x x --- --- --- --- x x
26 U x x --- --- --- --- x x
T 26 3 23 3 9 7 7 2 9 1 7 4 9 13 5 8 13
49
* Categorias: G – Gestor; T – Trabalhador; U – Usuário.
** Formação: Medicina, Enfermagem, Odontologia e Técnico em Enfermagem.
*** Escolaridade: F- Ensino Fundamental; M – Ensino Médio; S – Ensino Superior
Observadas as informações acima se identificou um predomínio, entre os
entrevistados, de sujeitos do sexo feminino, prevalente em todas as categorias. Este dado pode
refletir a crescente participação da mulher no mercado de trabalho e corrobora com o
predomínio da demanda nos serviços de saúde composta por mulheres, devido aos programas
destinados ao público e à saúde das crianças.
Quanto às faixas etárias, há um predomínio de sujeitos entre os trinta anos e cinqüenta
anos de idade. Segundo a formação, dois gestores entrevistados eram médicos, seis eram
enfermeiros e um odontólogo. Dos trabalhadores que participaram da pesquisa, três eram
enfermeiros e sete eram técnicos em enfermagem. Os usuários não foram questionados sobre
sua formação, mas, quanto a sua escolaridade. Do total de sete usuários entrevistados, um
possuía nível de ensino superior, dois nível de ensino médio e 4 nível de ensino fundamental.
A caracterização do tempo de atuação na gestão demonstrou um equilíbrio entre os
entrevistados, três atuavam um período igual ou inferior a um ano, três entre um ano e
quatro anos e os demais três ocupavam uma posição na gestão dos serviços de saúde cinco
anos ou mais. Pode-se atribuir esta característica a vinculação política de gestão política
municipal e a escolha dos representantes para os demais níveis que o representam em
secretarias e setores administrativos.
O tempo de atuação nos serviços de atenção básica à saúde revela um equilíbrio entre
os trabalhadores que atuam mais de cinco anos e aqueles que estão a um tempo inferior.
Pode-se considerar um expressivo número de profissionais que ingressaram na atenção básica
a saúde em tempos anteriores às mudanças estratégicas de organização e de modelo
assistencial, bem como, a formação destes profissionais foi estruturada sobre a lógica do
modelo biomédico, uma vez que a reestruturação curricular é uma recente realidade que ainda
está sendo construída.
Quanto ao tempo que utilizam as UBS há um predomínio dos usuários que são
freqüentadores das UBS’s há mais de cinco anos, revelando o vínculo com o nível de atenção
primária podendo-se explicar pela proximidade do domicílio, pela oferta de ações específicas
de alguns programas como de imunizações e de saúde da mulher e da criança e serviços
50
básicos, bem como, após a organização do SUS, este nível de atenção configura a porta de
entrada para os demais níveis. Os usuários que utilizam a um tempo inferior podem
corresponder às mudanças do local de residência que os vinculam com serviços respectivos a
sua área de moradia.
5.4 Coleta e registro dos dados
A coleta dos dados fez-se por meio de entrevistas com os sujeitos envolvidos na
pesquisa. Segundo Neto (2004) as entrevistas buscam na fala dos atores as informações que
respondem aos objetivos do estudo, trata-se de uma conversa a dois com propósito definido
que permite a coleta de dados objetivos e subjetivos.
As entrevistas seguiram o padrão semi-estruturado, pois possibilita uma maior
liberdade de expressão tanto do pesquisador como do informante, tendo em vista que a
entrevista se desenrola a partir de um questionamento básico flexível ao processo, permitindo
ao entrevistador realizar adaptações necessárias (TRIVIÑOS, 1987). Para cada categoria de
sujeitos foi elaborado um roteiro contendo duas situações problema e perguntas (Apêndice I,
II, III).
A construção dos roteiros contemplou duas situações hipotéticas no atendimento dos
serviços de Atenção Básica para investigar a percepção dos sujeitos diante dos casos
apresentados. As questões gerais foram estruturadas sob a intenção de conhecer as questões
relevantes acerca do acolhimento e da atenção à saúde e suas nuances no cotidiano das
unidades de saúde.
Para garantir fidedignidade aos dados, as entrevistas foram gravadas em áudio,
mediante o consentimento do entrevistado para o uso do gravador. As informações coletadas
foram posteriormente transcritas respeitando a literalidade dos relatos.
51
5.5 Análise dos dados
Após as etapas de coleta e transcrição das entrevistas, iniciou-se a etapa de análise dos
dados seguindo a técnica de pesquisa qualitativa de Análise de Conteúdo proposta por Bardin
(1977).
Operacionalmente, conforme orienta a técnica, procedeu-se esta etapa em três fases
distintas:
1) Pré-análise – Esta fase consistiu na leitura flutuante e exaustiva do material a fim de
constituir o corpus do estudo, com as informações que representam o universo que
se pretende analisar.
2) Codificação Este momento correspondeu ao tratamento do material, ou seja, a
transformação dos dados primários em unidades de representação do conteúdo,
visando a categorização. “Cada unidade de representação corresponde a um núcleo
de sentido cuja presença ou freqüência possuem um significado para o objetivo do
estudo” (BARDIN, 1977, p. 105).
3) Categorização Compreendeu a fase de agrupamento das unidades de
representação, segundo as semelhanças de significados e classificação temática para
compor as categorias.
Processadas todas as fases, foram compostas as seguintes categorias: Acolhimento:
Incongruências entre discursos e práticas; Acolher com limitações: a organização da oferta e a
oferta desordenada; Acolhimento e atenção integral: aproximações e distanciamentos; Do
desejo de sentir-se acolhido às experiências excludentes.
5.6 Aspectos éticos
Para garantir os aspectos éticos no desenvolvimento de pesquisa com seres humanos,
as Diretrizes e Normas da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério
da Saúde (CNS/MS) nortearam o desenvolvimento deste estudo. A pesquisa foi cadastrada no
SISNEP sob o número FR 104921 e submetida a apreciação do Comitê de Ética e Pesquisa
com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina sob o número
251/06 e aprovada na reunião do referido Comitê, no dia 25 de setembro de 2006.
52
Além de uma exigência do CEPSH a elaboração do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido visa garantir principalmente a autorização consciente para o uso das informações
obtidas. Os sujeitos do processo foram convidados a participarem espontaneamente, sendo
que a sua recusa não implicou em prejuízos pessoais ou em alguma forma de constrangimento
para os mesmos, bem como foi assegurada a possibilidade de desistirem da pesquisa em
qualquer momento. Para garantir o anonimato dos sujeitos foi adotado o uso de códigos para
identificação das informações, por meio do uso das iniciais de suas categorias de sujeitos. O
código para os gestores foi a letra G, para trabalhadores a letra T e para usuários a letra U.
Seguido à inicial de cada categoria foi atribuída uma numeração em algarismo romano,
conforme o total de sujeitos em cada categoria.
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A
RTIGO
C
IENTÍFICO
ACOLHIMENTO NA ATENÇÃO BÁSICA: REFLEXÕES ÉTICAS SOBRE A
ATENÇÃO À SAÚDE DOS USUÁRIOS.
“USER EMBRACEMENTIN BASIC CARE: ETHICAL IMPLICATIONS ON THE
HEALTH CARE OF THE USERS.
Laura Cavalcanti de Farias
Marta Verdi
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública - Centro de Ciências da Saúde - Universidade
Federal de Santa Catarina
* Este artigo é parte integrante da dissertação de mestrado de Laura Cavalcanti de Farias
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, área de concentração Ciências
Humanas e Políticas Públicas, da Universidade Federal de Santa Catarina.
Endereço para correspondência:
Laura Cavalcanti de Farias
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública
Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina - Campus Universitário
Trindade, Florianópolis – SC – Brasil - 88010-970
Resumo
O presente artigo identifica e analisa as implicações éticas oriundas das práticas cotidianas de
acolhimento em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e seus reflexos na atenção à saúde dos
usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de um estudo qualitativo de design
exploratório descritivo, realizado em cinco UBS’s da rede municipal de saúde de um
município de grande porte do estado de Santa Catarina. Foram entrevistados 26 sujeitos, entre
gestores, trabalhadores da saúde e usuários. Analisado à luz dos referenciais das abordagens
da Bioética Cotidiana e da Bioética da Proteção, o acolhimento nas realidades pesquisadas,
revelou contextos permeados por conflitos éticos que emergem do dia a dia das ações nos
serviços de saúde, mostrando distanciamentos técnicos e conceituais, bem como limitações
estruturais. Na voz dos usuários sobressaíram diferenças marcantes entre o que se caracterizou
como o desejo de sentir-se acolhido com respeito e ter atendidas suas necessidades e as
frustrantes experiências vivenciadas no cotidiano das UBSs, as quais revelam situações de
exclusão e negação do direito à saúde. Os resultados obtidos representam um revés na
implementação desta prática em consonância com os princípios da universalidade no acesso,
da integralidade na atenção e da garantia do direito à saúde.
Palavras chave: Atenção Básica; Acolhimento; Bioética
60
Abstract
This article identifies and analyses the ethical implications originated from the daily activities
of user embracement in basic health units and its implications on the health care of the users
from the Brazilian Unified Health System. It’s a qualitative study of exploitative descriptive
design which took place in five basic health unit from city’s health system of an important
city in the state of Santa Catarina, Brazil. Twenty six individuals have been interviewied,
among them are managers, health employes and users. Analyzed in the light of the references
of the Daily Bioethics’ and protection Bioethics’ approaches, the embracement in the cases
studied revealed contexts filled with ethical conflicts which emerge from routine activities in
health care, showing technical and conceptual distancing, as well as structural limitations. The
user’s statements pointed out outstanding differences between the users desire to feel
embraced respectfully and have their needs filled and their frustrating experiences they’ve
gone through in the basic health unitsdaily routine, which reveal situations of exclusion and
denial on what concerns the right to health. The represent results a setback in the
implementation of this practice in accordance with the principles of universality in the access,
integrality in care and the garantee of the right to health.
Keywords: Primary Health; User Embracement; Bioethics
Introdução
Desde 1988, depois de quase duas décadas da promulgação da Constituição Federal
Brasileira onde a saúde foi garantida como um direito de todos e um dever do Estado, bem
como, do desencadeamento do processo de regulamentação do Sistema Único de Saúde (SUS)
orientado por diretrizes e princípios como a universalidade e a integralidade, o cenário das
ações e práticas da saúde pública voltou-se para a construção de um novo modelo de
assistência à saúde.
Neste processo, são inúmeros os esforços para efetivar as prerrogativas do SUS e
garantir no campo real seu funcionamento conforme sua base teórica e conquista legal. Este
estudo tomou por referência um exemplo introduzido no ano de 2004 para atuar
transversalmente em toda a rede do SUS, a Política Nacional de Humanização (PNH),
considerando que seu marco teórico-político configura-se em torno da humanização das
práticas de atenção e gestão como uma dimensão fundamental do sistema de saúde.
61
Essa política se propõe a fomentar princípios e modos de operar no conjunto das
relações entre profissionais e usuários, entre os diferentes profissionais, entre as diversas
unidades e serviços de saúde e entre as instâncias que constituem o SUS. Um dos dispositivos
da política é o acolhimento, que compreende desde a recepção do usuário no sistema de
saúde, a responsabilização integral de suas necessidades e a atenção resolutiva aos seus
problemas
1
.
A PNH integra o acolhimento aos seus “modos de fazer”, contudo, esta prática
enquanto estratégia foi implementada desde as primeiras propostas de reorientação da atenção
à saúde, constituindo-se como uma diretriz do novo modelo tecnoassistencial. O acolhimento
propõe reorganizar o serviço no sentido de oferecer sempre uma resposta positiva ao
problema de saúde apresentado pelo usuário
2
.
Pode-se compreender o acolhimento simultaneamente enquanto uma diretriz e uma
estratégia, segundo Takemoto e Silva
3
esta prática nos serviços de saúde denota a
reorganização do trabalho e a postura diante da atenção às necessidades dos usuários. A
articulação destas perspectivas traduz a intenção de um atendimento com garantia do direito
de acesso aos serviços e da humanização das relações estabelecidas no cotidiano das
instituições.
Embora se entenda que o acolhimento deve perpassar a todos os níveis da atenção à
saúde, para atender ao escopo desta pesquisa, a investigação foi limitada à atenção básica, o
primeiro nível de atenção na organização da rede hierarquizada dos serviços do SUS.
Os estudos em torno desta temática estão basicamente delineados sob a perspectiva
estrutural e organizacional de uma atividade implantada com vistas às transformações
propostas pelo SUS. São incipientes as pesquisas que retomam o acolhimento sob a
perspectiva ética. Enquanto dispositivo de uma Política de Humanização dos serviços de
saúde, o Acolhimento traduz a ação humana de reconhecer a dimensão subjetiva do ser
62
humano, reconhecendo-o como sujeito histórico, social e cultural. Portanto, esta estratégia
pretende ultrapassar os limites técnico-operacionais de uma atividade programada e tanger as
esferas dos valores éticos.
O programa Ética do Acolhimento da prefeitura municipal de São Paulo, em parceria
com a Associação Palas Athena
4
, em 2002, publicaram um ensaio sobre a articulação
intrínseca da ação do acolher com a dimensão ética dos sujeitos e dos serviços. Os aspectos
técnico operacionais, predominantes nas instituições e nas ações dos profissionais, se
sobrepõem à atitude humana de valor ético social, de responsabilidade e respeito. Este
constitui o maior problema enfrentado no cotidiano dos serviços, de onde emerge a
necessidade de discutir os conflitos que uma prática imbuída de consciência da subjetividade
dos sujeitos pode gerar, para não transformá-la em mais uma técnica, dentre as demais
atividades mecânicas e reducionistas.
A atitude de acolher pressupõe a mobilização dos sujeitos envolvidos em todos os
aspectos das relações que se estabelecem no âmbito da saúde. É necessária uma consciência
de cidadania e, reconhecer no SUS a principal instância do direito de acesso, da integralidade
e da eqüidade na saúde, bem como, nas suas estratégias, um caminho para exercê-la. O espaço
do acolhimento na atenção básica à saúde compõe um potencial cenário para conflitos éticos
no dia a dia das ações.
Considerando a necessidade de refletir acerca da dimensão ética no processo de
acolher os usuários nos serviços de saúde e oferecer uma assistência integral e com qualidade,
tomando como contexto o cotidiano de Unidades Básicas de Saúde (UBS) em uma rede
municipal, o objetivo do presente estudo foi analisar as implicações éticas no acolhimento, a
partir da percepção dos atores envolvidos, gestores, trabalhadores da saúde e usuários.
Para subsidiar a análise foram eleitas duas abordagens da Bioética, justificados por sua
aplicabilidade teórica às situações-problemas provenientes dos serviços de saúde, sobretudo
63
no âmbito da saúde blica: a Bioética Cotidiana e a Bioética da Proteção. A primeira,
segundo Berlinguer
5
surge da necessidade de resgatar as atenções para os comportamentos e
idéias de cada pessoa, a partir dos quais se busca compreender, contextualizar e discutir suas
implicações no cotidiano dos serviços de saúde. Já a segunda, toma como referência o
objetivo básico na saúde pública no contexto brasileiro, onde a saúde é um dever do Estado e
um direito a todo cidadão. Os conflitos éticos da saúde pública podem ser enfrentados, para
Schramm e Kottow
6
, por meio de uma nova concepção da Bioética, a “Bioética da proteção”.
A ação protetora do Estado deve garantir o direito social do acesso aos serviços de saúde, com
qualidade e respeito aos direitos humanos fundamentais.
Percurso Metodológico
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa e design exploratório-descritivo,
realizado na rede básica de saúde de um município de grande porte do estado de Santa
Catarina, onde está implantada a Política Nacional de Humanização.
Os sujeitos de pesquisa foram gestores, trabalhadores da saúde e usuários, sendo a
amostra composta por vinte e seis (26) sujeitos, distribuídos em nove (9) gestores, dez (10)
trabalhadores de saúde e sete (7) usuários. Estes sujeitos foram escolhidos aleatoriamente, por
acessibilidade e disponibilidade para participar, a partir das cinco (5) Unidades Básicas de
Saúde (UBS), uma (1) de cada regional de saúde do município, eleitas por sorteio.
A coleta dos dados processou-se por meio de entrevistas, seguindo o padrão semi-
estruturado, com uso de roteiro sistematizado em duas partes: a primeira contendo a
exposição de dois casos e perguntas abertas referentes aos mesmos, e a segunda, contendo a
seqüência de questionamentos norteadores da entrevista.
A etapa de análise dos dados seguiu a técnica de Análise de Conteúdo proposta por
Bardin
7
, resultando na constituição de quatro categorias temáticas.
64
Para garantir os aspectos éticos de uma pesquisa envolvendo seres humanos, este
estudo foi apreciado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da
Universidade Federal de Santa Catarina sob o número 251/06 e aprovado na reunião do
Conselho de Ética do dia 25 de setembro de 2006. Para garantir o anonimato dos sujeitos
foram adotados códigos para identificação das informações, por meio do uso das iniciais de
suas categorias de sujeitos. O código para os gestores foi a letra G, para trabalhadores a letra
T e para usuários a letra U. Seguido à inicial de cada categoria foi atribuída uma numeração
em algarismo romano, conforme o total de sujeitos em cada categoria.
Acolhimento: Incongruências entre discursos e práticas.
A análise dos dados obtidos nas entrevistas com gestores e trabalhadores da saúde
revelou contradições entre as percepções subjetivas e a descrição das experiências como
atores do processo de acolhimento. Tais evidências foram dispostas em dois eixos de
distanciamento, com uma face de caráter conceitual e outra referente às práticas reais de
acolher.
A primeira incongruência observada expressa o distanciamento entre o discurso do
acolhimento e os modos de acolher revelado na prática. Em uma face do discurso, o
acolhimento é compreendido como método de escuta atenta e qualificada e os modos de
acolher, revelados na prática, se restringem em estratégias para o atendimento de urgências.
Gestores e trabalhadores expõem sua concepção sobre acolhimento e convergem para
uma definição baseada fundamentalmente na relação estabelecida com os usuários cujo
objetivo é ouvir suas necessidades de modo a oferecer respostas. Entretanto, é importante
ressaltar que ao ato de ouvir é atribuído um caráter especial, pois envolve muito além do
sentido de ouvir, tornando um ato mecânico em uma ão humana sensível. É imprimir ao
simples ato de ouvir a capacidade humana de escutar, de estar atento com o outro.
65
A esta escuta é atribuído outro adjetivo “qualificada”. Assim, a premissa da recepção
de um usuário, segundo refletem os sujeitos, deve ser orientada pela escuta qualificada dos
problemas demandados aos serviços.
Saber ouvi-las principalmente...e resolutividade para o problema
dela. (T IV)
Diversos autores têm discutido a importância da escuta e atenção às necessidades dos
usuários, dentre eles, destacam-se Franco, Bueno e Merhy
8
que apontam o acolhimento como
a diretriz operacional fundamental para a inversão do modelo tecno-assistencial no SUS. Tal
diretriz sustenta-se em pilares como a garantia da acessibilidade universal e a qualificação das
relações, onde escuta e atenção às necessidades são fundamentais ao processo para que o
serviço ofereça uma resposta sempre positiva aos problemas apresentados pelos usuários.
Teixeira
9
propõe a discussão do “acolhimento dialogado” como técnica de conversa,
com características peculiares e norteadas por princípios éticos, passível de ser realizada por
qualquer profissional em qualquer momento do atendimento. A proposta é conceber a ação
sob a perspectiva mais humana, evitando sua interpretação exclusivamente tecnicista e
valorizar todas as demandas individuais.
Entretanto, os discursos dos sujeitos de pesquisa mostraram-se divergentes dos relatos
dos modos de acolher operado na prática dos serviços. Os discursos são encobertos por
descrições de atendimentos pontuais, acolhimento na prática como sinônimo de atendimento
de urgência. Trata-se da atenção às pessoas que diariamente recorrem às unidades de saúde
com uma necessidade imediata e pela limitação do acesso não conseguem atendimento
agendado, elas então, são acolhidas desde que sua demanda seja avaliada como importante e
factível.
Num caso de dor a gente vai perguntar o que ele precisa, um caso de
urgência, isso é acolhimento. (T III)
66
Percebe-se que a preocupação com a qualidade da escuta presente nos discursos,
distancia-se substancialmente dos modos como os sujeitos descrevem a organização do
acolhimento no cotidiano dos serviços de saúde.
O conjunto articulado de princípios que orientam a Atenção Básica, a Estratégia de
Saúde da Família (ESF) e a PNH parecem ser esquecidos ou mesmo abandonados no processo
de organização dos serviços e execução das ações, revelando a fragilidade e inconsistência na
construção das ações. Cabe considerar a construção do processo arraigada a superação de
limites organizacionais e paradigmáticos, contudo, a gestão dos serviços mostra-se, de certa
forma, atrelada aos limites. Os trabalhadores, à margem da gestão, algumas vezes parecem
impotentes diante dos obstáculos concretos e não sinalizam para algum movimento de reação,
são absorvidos pela rotina sem perceberem, ou conscientes, porém, apáticos à própria
condição.
O segundo eixo de análise corresponde ao paradoxo entre o discurso do direito ao
acesso universal à saúde e a estratégia de organização da demanda espontânea.
Ao acolhimento é atribuído também o significado de acesso aos serviços de saúde. É
uma das ações estratégicas para contemplar um direito à saúde garantido no artigo 196 da
Constituição Federal Brasileira de 1988.
Considerada a porta de entrada prioritária para o usuário no sistema de saúde, a
atenção básica exerce o papel de grande acolhedora, deve como todos os outros serviços
atender a todos. Quando impossibilitada de oferecer respostas, por questões de organização ou
competência, deverá dispor de uma rede de referências de serviços e canais de fluxos que
permitam encaminhamentos.
A Portaria MS 648/2006, que trata da Política Nacional de Atenção Básica, em seu
capítulo 1, orienta, dentre diferentes princípios, o acesso universal e contínuo, bem como a
efetivação da integralidade integrando ações programáticas e demanda espontânea
10
.
67
Frente às concepções teóricas e determinações legais, bem como, aos relatos dos
sujeitos acerca da estruturação da assistência nas UBSs é possível identificar questões sobre a
ineficiência da programação das unidades frente aos problemas reais das comunidades,
seguindo a lógica verticalizada das suas ações.
O acolhimento surgiu como uma atividade programada para a atenção da demanda
espontânea. A ação mecânica reduz um processo com diferentes e complexas interfaces a
simplesmente mais uma atividade da unidade para o atendimento daqueles que não foram, por
critérios de classificação e seleção, elencados para a atenção.
É perguntar o que a pessoa ta sentindo, o que ela ta precisando no
momento e não só dizer não tem, “tchau”. (T III)
nitidamente uma distinção técnica entre acolhimento enquanto atividade de
atendimento para demanda espontânea e a atenção humanizada das necessidades dos usuários
como preconiza a PNH. Acolher restringe-se a uma situação focada em um problema
preservando no cotidiano das unidades o acesso limitado e a atenção centrada na queixa-
conduta.
Estas situações podem ser analisadas sob a ótica da bioética da proteção, da premente
questão do papel do Estado na garantia do acesso aos serviços públicos de saúde. Diante do
valor da saúde como bem de cidadania Schramm
11
desenvolveu o conceito de proteção
aplicado à saúde pública a partir da integração entre a responsabilidade moral e a pragmática
aplicadas às políticas sanitárias universais à exemplo do SUS. Neste contexto, cabe ao gestor
a responsabilidade instituída para a garantia das ações correspondentes às necessidades de
saúde da população protegendo-a de ameaças concretas.
A implicação identificada justifica-se na observação de um cenário avesso ao
apregoado pelos direitos legais de acesso à saúde garantido mediante as políticas públicas de
responsabilidade do Estado.
68
A apropriação deste referencial e sua aplicação na análise dos conflitos oriundos da
negação da responsabilidade sanitária do Estado permite a constante avaliação do
desempenho e da implementação das políticas públicas, pois, se estabelece um olhar crítico e
reflexivo acerca do direito e da qualidade do mesmo, ainda que quando se pense neste como
um substantivo qualificado intrinsecamente se constate inúmeras contradições no seu
exercício prático.
Num contexto desigual, onde o Estado mínimo trava uma disputa diária com o social,
o direito à saúde faz-se imperativo nos discursos e nas ações dos agentes institucionalmente
constituídos, gestores e trabalhadores da área. O acesso significa o início do processo de
resgate da cidadania e da responsabilidade individual, o não reconhecimento do direito
distancia os sujeitos do seu papel de agente participativo na construção da cidadania.
Acolher com limitações: a organização da oferta e a oferta desordenada.
Nesta categoria, são discutidas algumas questões emergentes dos relatos de gestores e
trabalhadores, quanto às condições da estrutura organizativa dos serviços básicos de saúde e
influências da evolução do modelo assistencial que representam obstáculos para a prática do
acolhimento. Foram identificados limites estruturais, de esfera técnica, e limites conceituais,
de esfera doutrinária.
As limitações técnicas correspondem às precariedades das estruturas físicas das
unidades de saúde e a escassez de profissionais. São estruturas insuficientes para responder
adequadamente à demanda requerida pelos usuários. As restrições correspondem
essencialmente à exigüidade de espaço físico e a divisão da área que por vezes resulta em
espaços inadequados.
No âmbito dos recursos humanos, outro limite apontado foi a falta de profissionais nas
equipes de saúde. A demanda é expressiva, porém a organização da oferta com profissionais
69
suficientes ainda está aquém do desejável para um atendimento de real efeito para usuários,
mas de igual teor para trabalhadores. A satisfação unilateral é efêmera, quem está no exercício
de sua profissão carece de respaldo para sua atuação.
Falta de funcionários, se cada um tivesse com seu setor preenchido
ele teria mais tempo de alguém fazer acolhimento. (T III)
A PNH orienta as suas estratégias também para os trabalhadores, na valorização da sua
dimensão subjetiva, na qualidade da ambiência e no fomento da educação permanente.
Do ponto de vista estrutural foi possível identificar duas questões éticas oriundas das
deficiências físicas das unidades de saúde e relatadas enquanto conflitos cotidianos
enfrentados pelos usuários: o direito à privacidade e ao sigilo.
Sacardo e Fortes
12
definem privacidade como o consenso que consiste em um
mecanismo de regulação entre sujeitos no estabelecimento de sua relação e mediado pela
confiança.
Zoboli
13
, em seu estudo acerca de questões éticas implicadas numa experiência de
atenção básica à saúde, observou a inegável influência da estrutura física na exposição dos
usuários. As arquiteturas insustentáveis são geratrizes de situações éticas conflituosas e
dificultam o desenvolvimento de uma relação de confiança e vínculo entre trabalhadores e
usuários.
Um local adequado, se nós formos olhar a realidade das unidades
nem todas possuem um espaço onde a pessoa possa, sem ser no
balcão onde todas as outras estão ouvindo, colocar a gravidade do
seu estado, a urgência do seu atendimento, sem se expor. (G IV)
O acolhimento é reprimido pela ausência de condições básicas de receber os usuários
respeitando o seu bem privado, suas necessidades particulares, de domínio individual. A
configuração física, bem como o modo como o distribuídos os espaços nas unidades de
saúde propiciam a exposição e constituem um entrave para acolher.
70
Inerente à questão da privacidade insere-se a confidencialidade das informações. A
correlação existe no momento em que o âmbito privado passa a ser de conhecimento de
outrem e exige deste a postura de não revelar qualquer informação sem a autorização da
pessoa que lhe confiou. O que é observado é que as condições adversas de trabalho podem
velar a violação de princípios em detrimento do atendimento das demandas.
Neste momento, a análise ultrapassa a fronteira técnica e atinge um plano para além da
avaliação factual. O processo histórico, o conjunto complexo de todos os fatos que
determinam socialmente o saber e o fazer, é o cenário principal e é em consonância a ele que
se inserem as estruturas e os atores.
Na história das políticas públicas de saúde no Brasil, o atual sistema é considerado
revolucionário visto em seus princípios e diretrizes, sobretudo pela proposta transformadora
das práticas hegemônicas.
Mendes
14
enumera três dimensões representativas da complexidade do sistema social
em construção e são referências para voltar os olhares da reflexão, a dimensão política, a
dimensão ideológica e a dimensão tecnológica. Destaca-se a dimensão ideológica, visto que
os atores sociais desta pesquisa co-participes e co-responsáveis do processo, revelaram
perspectivas limitadas quanto ao paradigma sanitário, contradições de dois modelos em um
mesmo contexto, onde sobressai as impressões do modelo biomédico.
Os entraves ideológicos são subjetivos com influências dos determinantes sociais em
contextos propícios. A transformação começa em cada sujeito, nas concepções e nas ações,
porém, a adversidades estruturais contribuem para tolher manifestações neste sentido.
A gente criou uma população que acredita que precisa ser
medicalizada, que precisa ter um aparato de exames pra resolver uma
dor de cabeça[...] (G VI)
71
Constatou-se descrições segundo as experiências, de um perfil comum de usuários,
pessoas com necessidades, via de regra, de atenção curativa, onde o reconhecimento que
este perfil é produto da historicidade social das concepções do processo saúde-doença.
A organização díspar em uma mesma gestão, onde o plano municipal contempla a
política de humanização e, especialmente insere-se no serviço público com princípios
doutrinários estabelecidos, também é considerado um reflexo de dimensão ideológica.
Nós queremos falar de acolhimento e nós estamos cobrando
produtividade [...] o profissional que pensa em fazer acolhimento e
acredita que a resolubilidade não está no número de consultas e eu
tenho um gestor que te cobra tantas consultas diárias. [...] (G VI)
Diante do quadro acima delineado emerge outra implicação ética resultante da dos
modos de fazer e do reducionismo teórico conformado pelo processo histórico. O desrespeito
à autonomia do sujeito se configura pela ação de gestores e trabalhadores de saúde em um
plano micro, modulada pelo plano macro do paradigma biomédico.
Resulta desta interação uma atenção que desqualifica o usuário enquanto protagonista
da sua saúde e o personifica apenas com características fisiopatológicas. Por conseguinte,
estes sujeitos destituídos de suas características subjetivas diante da heteronomia profissional
reproduzem papéis a eles atribuídos. Estes sujeitos são privados, pelas atitudes na atenção à
sua saúde, do pensamento e da prática individual autônoma, não respeitados os preceitos
requeridos para uma relação com esta base.
A autonomia de gestores e trabalhadores da saúde, conforme recomenda a PNH,
segundo seus próprios depoimentos, parece ser também desrespeitada pelo efeito magno do
modelo clínico. Tal fato mostra-se impresso na inércia destes protagonistas frente às
demandas, o acolhimento se torna uma opção para responder pontualmente às necessidades de
atenção médica, curativa e de medicalização.
72
Berlinguer
15
reflete a influência da biomedicina sobre a face desumana da atenção a
saúde, o autor considera os avanços advindos das práticas especializadas, e, atenta para que o
apelo por atitudes humanizadas não seja propagado com resistência alheia à qualificação,
ainda que técnica, dos tratamentos às doenças. Um processo não deve ocorrer em detrimento
do outro, trata-se de percorrer um caminho fronteiriço entre as faces de atendimentos técnico
e humano.
Acolher enquanto estratégia de humanização nos serviços pode ser ameaçada pela
tendência de tecnificação, trafega pelo tênue limiar da reprodução de modos e da
reformulação de posturas.
Numa crítica ao reducionismo da biomedicina, Soares e Camargo Junior
16
propõem
um conceito complexo para a autonomia baseado na interdependência entre os sujeitos e seus
meios, nas relações democráticas de saberes, respeito, responsabilidade e valorização da
subjetividade. Quando aplicado ao contexto das instituições públicas de saúde, a reflexão
perpassa a desigualdade resultante da relação de poder e saber estabelecida entre gestores e
trabalhadores e usuários como o principal obstáculo ao respeito da autonomia.
O acolhimento orientado por princípios e posturas éticas torna-se um campo fértil
para a formação de sujeitos concretamente autônomos, protege a saúde individual e coletiva,
bem como, legitima uma política social neste âmbito.
Acolhimento e atenção integral: aproximações e distanciamentos.
Analisadas as percepções acerca do sentido da atenção integral, para gestores e
trabalhadores da saúde, foi possível identificar como estes atores reconhecem as necessidades
dos usuários frente aos serviços e, especificamente, no processo de acolhimento. Deste
questionamento emergiram três temas, explorados em seguida: o todo do serviço, o todo do
73
sujeito e a fragmentação dos serviços, este último perpassa o produto da concepção e
corresponde à relação concreta entre o acolher e a atenção dispensada.
O adjetivo integral qualifica a atenção à saúde nas bases legais das políticas públicas
de saúde, o termo é empregado nos princípios doutrinários com o intento de caracterizar a
garantia do acesso nos três níveis hierárquicos de atenção à saúde, complexidade básica,
média e alta, com ações de promoção à saúde, prevenção de doenças e acidentes e
reabilitação. Compondo um conjunto articulado e contínuo de serviços sem prejuízos para
nenhuma das assistências
17, 1
.
Pinheiro
18
define a integralidade como uma ação social resultante da interação de
atores na relação da demanda e da oferta, em um plano sistêmico referente à rede de serviços
e em outro plano individual, construído na concretude da assistência, considerando os
aspectos objetivos e subjetivos.
“O todo do serviço” corresponde ao plano sistêmico, gestores e trabalhadores
compreendem como atenção integral toda ação com vistas a oferecer todos os serviços de
saúde cabíveis às necessidades dos usuários.
Atendimento integral eu acho que é não paciente trazer um filho
que ta com dor de cabeça, pego um paracetamol e foi embora, eu
acho que tem que ver se a caderneta está completa, se ele ta
consultando, se ele não tá, se ta fazendo o acompanhamento
direitinho, se ele foi no dentista. (G III)
Faz-se uma breve pausa para destacar, a partir dos depoimentos acima, um exercício
de domínio persecutório traduzido do entendimento destes gestores e trabalhadores sobre o
atendimento integral. Observa-se uma postura controladora acerca de questões compreendidas
como fundamentais na atenção completa do usuário, mas, que concretamente não garantem a
ele condição digna de saúde.
Segue-se estabelecendo um parâmetro para um atendimento integral, segundo os
trabalhadores da saúde, com base no acesso a todos os níveis de atenção dos serviços.
74
Integral é tudo que está precisando no momento. Se vai precisar de
uma consulta médica, se vai precisar de um medicamento. Se chegar
especialidade, ele precisa ser atendido pela especialidade. (T II)
Como diretriz do SUS, integralidade segundo Mattos
19
é parte de uma “imagem
objetivo”. Corresponde a uma meta, pouco específica, de onde parte a configuração da
organização dos serviços a fim de atingir objetivos bem delineados como a construção de um
novo modelo assistencial.
Parafraseando Pinheiro
18
, o conceito de integralidade toma, neste momento, na
compreensão dos sujeitos, o plano individual. “O todo do sujeito” refere-se à atenção
considerando as múltiplas dimensões do sujeito, dentre as quais destacam-se a sua história, o
seu contexto social e cultural.
Atenção integral à saúde seria ver o paciente como um ser social
dentro do seu meio social, familiar, psicológico e físico[...] (G II)
Tais dimensões junto com outras ainda surgidas, como a psicológica e de valores
próprios de cada individuo foram todas resgatadas como determinantes do processo saúde-
doença e da qualidade da atenção.
Ayres
20
corrobora com o os usuais conceitos de sujeito amplamente empregados nos
pensamentos sanitários, “seres autênticos, com suas necessidades e valores, capazes de
produzir coisas e transformar sua própria história” neste ínterim defende a tese da
intersubjetividade “o caráter imediatamente relacional e irremediavelmente contingente de
nossas identidades e historicidades como indivíduos e grupos
20
. A recognição é uma ação de
dois ou mais sujeitos, portanto, denota olhar o outro como a si próprio.
“A fragmentação dos serviços” corresponde à expressão de gestores e trabalhadores
sobre as reais limitações do atendimento integral às necessidades dos usuários.
“Não adianta a pessoa chegar na unidade básica de saúde e... por
exemplo: o que eu resolvi do básico eu resolvi e o que é de media
complexidade e alta complexidade não acontece”. (G V)
75
Novamente os determinantes estruturais constituem em um significativo impedimento
aos anseios de uma atenção voltada ao todo do serviço, enquanto garantia de acesso, bem
como, consideração pela qualidade nos atendimentos, com resolutividade e voltado para todas
as necessidades.
Do desejo de sentir-se acolhido às experiências excludentes.
Nesta categoria, buscou-se privilegiar a discussão das vozes uníssonas dos usuários as
quais evidenciaram de um lado, mais que a percepção do melhor modo de acolher, o próprio
desejo de sentir-se acolhido com respeito e ter atendidas suas necessidades reais. De outro
lado, mostram as experiências vivenciadas no cotidiano das UBSs, as quais se configuram em
relatos denunciativos de exclusão e de negação do direito à saúde.
Inicia-se com a faceta positiva, para caracterizar o modo como os usuários
expressaram o significado de sentir-se acolhido, cabendo neste momento, registrar o
desconhecimento destes sujeitos sobre o desenvolvimento de uma prática de acolhimento nas
UBS’s. Diante deste fato, buscou-se resgatar a percepção dos usuários frente às suas
expectativas em relação a como gostariam de ser acolhidos ou atendidos, o que pode ser
evidenciado no relato abaixo:
Acho que alguém pra chegar e perguntar o que tu precisa, o que tu
quer, dentro da tua necessidade informar se tem aqui ou se não tem
aqui, porque tudo a gente tem que perguntar.”( U IV)
O atendimento desejado se constitui de elementos como atenção e reconhecimento,
permeando, sobre ambos, os direitos, do indivíduo e social. Refletir sobre o significado de
sentir-se acolhido pelos serviços de saúde proporcionou aos usuários expressar dois
sentimentos, o primeiro de caráter pontual, pois eles buscam soluções para suas necessidades,
76
porém, envolvidos na ação de procurar um atendimento à saúde estão as características
subjetivas das relações estabelecidas.
Este fato reforça as idéias anteriormente abordadas quanto ao acolhimento como ação
que traduz atitudes dos sujeitos envolvidos. Significa, para os usuários, a postura de quem
acolhe voltada para a qualidade da atenção expressamente refletida pelo respeito ao ser
humano, às suas demandas e sua fragilidade.
Apesar da procura estar baseada em uma necessidade factível nos serviços, um
cenário de comportamento ético que perpassa todos os momentos da atenção à saúde e os
usuários também reconhecem como legítimo para caracterizar o seu acolhimento enquanto
ideal. São compromissos com a atenção da subjetividade, mas principalmente, com o direito à
saúde enquanto fundamental a todos os seres humanos e garantido a todos os cidadãos.
Nesta perspectiva, os direitos do indivíduo, ou de primeira geração, podem ser
definidos como os direitos subjetivos, correspondem à liberdade privada, são próprios da
condição humana. A segunda geração congrega os direitos sociais e “referem-se à garantia
para o pleno exercício público do indivíduo”
21
. O direito à saúde figura-se em um destes
direitos.
A faceta negativa refere-se à privação deste mesmo direito, vivenciada pelos usuários
no dia a dia do atendimento pelas UBSs. Estes depoimentos em nada se assemelham aos
anteriores, pelo conteúdo díspar em descrever o quanto sentem a negação do direito à saúde,
sobretudo pelo limite de acesso aos serviços.
[...]é chegar 5 horas da manhã e perguntar o número de fichas...”Ah,
hoje temos 8 fichas” [...]Por que tem que ser no meio da semana
para marcar a consulta? Quer dizer que o cidadão vai ter que
esperar, vai ter dia para ficar doente? (U I)
São situações que expressam a negligência do direito à saúde proposto em
conformidade com valores éticos e legais. Uma geração de direitos jamais se sobrepõe à
77
outra, neste caso um violação dos direitos humanos e de cidadania, visto que o sujeito é
colocado numa posição de privação da liberdade individual e lhe é negado o acesso a um
serviço garantido pela proteção do Estado.
Os usuários expressam sua decepção, sensação de indignidade e impotência frente às
suas vivências, de certa forma, são acentuadas pela condição de vulnerabilidade que a
necessidade lhes confere.
Eu venho em último caso, por exemplo, agora estou com garganta
inflamada, não tenho condições nem de comer. Esse é o último
recurso que tenho. (U I)
Estes relatos expressam o desrespeito à dignidade e novamente o descumprimento do
papel do Estado. O acolhimento inexiste no conhecimento prático, tão pouco na interpretação
do atendimento prestado, os usuários se sentem completamente desprotegidos. A ética da
proteção aplicada à saúde pública, na proposta de Kottow
22
reforça a responsabilidade do
Estado, definido como figura moral da proteção aos susceptíveis. Num contexto onde as
desigualdades são persistentes e o desinteresse pelo bem comum predomina surge um
discurso bioético para o enfrentamento dos dilemas práticos oriundo de uma sociedade com
estas características.
Considerações Finais
A prática do acolhimento em todos os serviços públicos de saúde organiza-se em
modos de atendimento aos usuários com a finalidade de garantir acesso e qualidade na
atenção. Aliado as outras estratégias operacionais, o acolhimento visa, sobretudo, contribuir
com a construção de um SUS universal e integral, como orientam seus princípios.
Contudo, o desenvolvimento deste processo no cotidiano das instituições de saúde
pode revelar contradições e distanciamentos entre as intenções de uma prática e sua real
aplicação nas situações concretas diárias. Este fato certamente representará um obstáculo para
78
o pleno estabelecimento das políticas públicas de saúde, bem como, para efetivação do SUS
em constante busca pelo aperfeiçoamento de sua implantação no campo real das ações e dos
serviços, sobretudo uma ameaça aos direitos conquistados socialmente.
Retomando os objetivos deste estudo, o cotidiano das Unidades Básicas de Saúde
revelou, nas percepções de seus protagonistas, um acolhimento aos usuários fundamentado,
basicamente, em uma estratégia técnica de recepção, triagem e encaminhamento.
Contrapondo-se a este perfil, configura-se num discurso consoante com os princípios da PNH
um acolhimento ideal. Gestores e trabalhadores compreendem o processo de acolher enquanto
uma premissa do novo modelo de atenção à saúde. Duas faces, opostas e destoantes, uma
teórica e outra conceitual, entre o discurso e a prática se apresentam e resultante desta
dualidade encontra-se a veemente questão do não cumprimento do direito universal à saúde,
garantido constitucionalmente. Estas situações configuram o cotidiano das UBS e são pouco
questionadas e discutidas, bem como, o papel do Estado diante da garantia deste direito, fato
que tornam naturais a desigualdade e a exclusão.
As ações diárias nos serviços das UBS enfrentam alguns limites, dificultando a
implementação do acolhimento segundo sua orientação conceitual e técnica. Estes são
classificados, principalmente como limites de ordem estrutural e organizacional, porém são
consideravelmente expressivas, as limitações de ordem ideológica.
Analisada a atenção voltada às necessidades dos usuários percebeu-se uma
compreensão harmônica com os diversos conceitos de integralidade. Esta é percebida como a
atenção às múltiplas dimensões dos sujeitos e como a totalidade na oferta dos serviços de
saúde. Porém, a realidade revela uma fragmentação dos sujeitos e dos serviços, pelas
limitações dos serviços e por uma dificuldade subjetiva em não compreender o outro como
um todo, mas, em respeitar este todo.
79
Um importante retrato possível de ser construído com as informações dos usuários foi
de duas imagens díspares, entre a expectativa de um acolhimento ideal e a experiência
frustrante da falta de acesso e da precariedade do atendimento, resultando em experiências
excludentes.
Muito além de uma diferença teórica o acolhimento enquanto prática mantém-se
atrelado a uma atividade técnica e a postura de acolher distante do ideal no plano real das
ações.
Uma estratégia que se propõe ultrapassar as fronteiras técnicas e se fundamenta em
princípios éticos e sociais, é implementada com inúmeros revezes, atribuídos, principalmente
a determinantes organizacionais, porém com implicações éticas expressivas como o descaso
com a qualidade da atenção, a limitação do acesso e a negação do direito.
A reflexão ética das situações problemas do cotidiano dos serviços básicos de saúde
torna-se essencial para superar os limites, reavaliar as atitudes e efetivamente construir uma
nova prática na atenção à saúde. Torna-se, em igual teor, um incentivo ao questionamento
quanto o papel assumido pelo Estado na proteção da saúde dos cidadãos.
No bojo desta discussão está o respeito ao direito que os usuários possuem de terem
sua saúde resguardada e suas necessidades atendidas, anseia-se pelo fortalecimento destes
sujeitos de direitos e pela compreensão da sua totalidade enquanto ser humano.
Referências
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Documento Base. Brasília, 2006b. In: PASSOS, Eduardo (Org). Formação de apoiadores
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Documento Base. Brasília, 2006. [acessado 2006 Abr 26] Disponível em:
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10. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria 648, de 28 de março de 2006. Brasília, 2006.
[acessado 2006 Abr 26] Disponível em:
http://dtr2004.saude.gov.br/dab/legislacao/portaria_648_28_03_2006.pdf.
11. SCHRAMM, Fermin Roland. A bioética da proteção em saúde publica. In: FORTES,
Paulo Antonio de Carvalho; ZOBOLI, Elma Lurdes Campos Pavone (Orgs). Bioética e
saúde pública. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, Edições Loyola, 2003. p.71-84.
12. SACARDO, Daniele Pompei; FORTES, Paulo Antonio de Carvalho. Desafios para a
preservação da privacidade no contexto da saúde pública. [periódico na Internet] [acessado
2006 Nov 16]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br\revista\bio2v8\seccao2.html.
13. ZOBOLI, Elma Lourdes Campos Zoboli. Bioética e atenção básica: um estudo de ética
descritiva com enfermeiros e médicos do Programa de Saúde da Família. (Tese de doutorado)
Universidade de São Paulo - USP, 2003.
14. MENDES, Eugenio Vilaça. Uma agenda para a saúde. 2 Ed. São Paulo: HUCITEC,
1999.
15. BERLINGUER, Giovanni. Ética da Saúde. São Paulo: HUCITEC, 1996.
16. SOARES, Jussara Calmon Reis de Souza; CAMARGO JUNIOR, Kenneth Rochel. A
autonomia do paciente no processo terapêutico com valor para a saúde. Interface
Comunicação, Saúde, Educação. jan\abr 2007 v.11, n. 21, p. 65-78
17. BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Lei Orgânica da Saúde nº. 8.080 de 19 de
setembro de 1990. Brasília, 1990a.. [acessado 2004 Ago 23]. Disponível em:
http://www.senado.gov.br
18. PINHEIRO, Roseni. As práticas do cotidiano na relação oferta e demanda dos serviços de
saúde: um campo de estudo e construção da integralidade. In: PINHEIRO, Roseni; MATTOS,
Rubem Araújo de (Orgs). Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde.
Rio de Janeiro: UERJ, IMS: ABRASCO, 2001. p. 65-112.
19. MATTOS, Ruben Araújo de. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de
valores que merecem ser defendidos. In: PINHEIRO, Roseni; MATTOS, Rubem Araújo de
(Orgs). Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro:
UERJ, IMS: ABRASCO, 2001. p. 39-64.
20. AYRES, José Ricardo de Carvalho Mesquita. Subjetividade, intersubjetividade e práticas
de saúde. Ciência e Saúde Coletiva. 2001. v.6, n. 1p. 63-72.
21. AYRES, José Ricardo de Carvalho Mesquita. Análise do discurso oficial sobre a
humanização da assistência hospitalar. Ciência e Saúde Coletiva. jan 200. v.6, n. 1p. 63-72.
22. KOTTOW, Miguel. Bioética da proteção: considerações sobre o contexto latino
americano. In: SCHRAMM, Fermin Roland; REGO, Sergio; BRAZ, Marlene; PALACIOS,
Marisa. (Orgs) Bioética riscos e proteção. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; Editora FIOCRUZ,
2005. p. 29-44.
APÊNDICES
APÊNDICE I – Roteiro de entrevista semi-estruturada – Usuário.
1 – Caracterização do perfil do sujeito:
Idade, Sexo, Escolaridade, Há quanto tempo é usuário desta Unidade de Saúde?
2 – Casos
Será solicitado ao entrevistado que emita sua opinião frente aos casos apresentados pela
pesquisadora e justifique.
O senhor E, procurou a unidade de saúde próxima a sua casa buscando atendimento médico.
alguns dias ele vinha sentindo-se indisposto e com fortes dores de cabeça. Chegando a
unidade ele foi informado que não havia profissional disponível no momento para lhe atender
e que deveria retornar no dia seguinte para marcar uma consulta para a próxima semana.
A. P., chegou à unidade de saúde com queixa de dor de cabeça, tontura e desconforto
abdominal. Não havia possibilidade de marcar uma consulta, nem de atendimento de
urgência. A. P. como não estava suportando o desconforto, foi solicitado, pela recepção, que
um profissional de enfermagem atendesse o caso. Após esperar por muito tempo, um técnico
de enfermagem verificou os sinais vitais, perguntou desde quando estava sentido os sintomas
e recomendou que deveria procurar a emergência de um hospital mais próximo.
3 – Questões gerais:
1. Quais são os motivos que fazem você procurar os serviços de saúde desta unidade?
2. O que você considera fácil no seu atendimento nesta unidade? O que você
considera difícil no seu atendimento nesta unidade?
3. Você acha que seus problemas/necessidades são atendidos por esta unidade?
4. Você conhece ou já ouviu falar sobre acolhimento?
5. Você sabe se nesta Unidade de Saúde é realizado Acolhimento?
6. Se for realizado Acolhimento, houve mudanças no seu atendimento na unidade de
saúde após a implantação do acolhimento? Positivas e/ou negativas? Quais?
*** Caso as questões 5 e 6 não possam ser respondidas, perguntar: Como você se
sente atendido pelos profissionais desta unidade de saúde? Por quê?
7. Você conhece os profissionais desta unidade de saúde? Como você avalia o seu
relacionamento com eles? Porque?
8. Você já viveu alguma situação desagradável quando atendido nesta unidade de
saúde?
Você gostaria de contribuir com mais alguma informação?
APÊNDICE II – Roteiro de entrevista semi-estruturada – Trabalhador de saúde.
1 – Caracterização do perfil do sujeito:
Idade. Sexo, Formação, Tempo de atuação na unidade de saúde?
2 – Casos
Será solicitado ao entrevistado que emita sua opinião frente aos casos apresentados pela
pesquisadora e justifique.
O senhor E, procurou a unidade de saúde próxima a sua casa buscando atendimento médico.
alguns dias ele vinha sentindo-se indisposto e com fortes dores de cabeça. Chegando a
unidade ele foi informado que não havia profissional disponível no momento para lhe atender
e que deveria retornar no dia seguinte para marcar uma consulta para a próxima semana.
A. P., chegou à unidade de saúde com queixa de dor de cabeça, tontura e desconforto
abdominal. Não havia possibilidade de marcar uma consulta, nem de atendimento de
urgência. A. P. como não estava suportando o desconforto, foi solicitado, pela recepção, que
um profissional de enfermagem atendesse o caso. Após esperar por muito tempo, um técnico
de enfermagem verificou os sinais vitais, perguntou desde quando estava sentido os sintomas
e recomendou que deveria procurar a emergência de um hospital mais próximo.
3 – Questões gerais
1. O que você entende por acolhimento?
2. O que o acolhimento pode mudar no funcionamento de uma unidade de saúde?
3. O que o acolhimento pode mudar no atendimento ao usuário?
4. Quais as dificuldades encontradas para a implantação do acolhimento?
5. Quais as facilidades encontradas para a implantação do acolhimento?
6. Você conhece a comunidade da área que você atua? Como você avalia seu
relacionamento profissional com os usuários/comunidade?
7. Como você avalia sua integração com a equipe de saúde desta unidade? Quais as
facilidades e as dificuldades encontradas no relacionamento da equipe?
8. O que você entende por atenção integral a saúde?
9. Como você relaciona a prática do acolhimento com uma atenção integral ao
usuário do sistema de saúde?
Você gostaria de contribuir com mais alguma informação?
APÊNDICE III – Roteiro de entrevista semi-estruturada –Gestor.
1 – Caracterização do perfil do sujeito:
Idade, Sexo, Formação, Tempo de atuação na gestão da saúde?
2 – Casos
Será solicitado ao entrevistado que emita sua opinião frente aos casos apresentados pela
pesquisadora e justifique.
O senhor E, procurou a unidade de saúde próxima a sua casa buscando atendimento médico.
alguns dias ele vinha sentindo-se indisposto e com fortes dores de cabeça. Chegando a
unidade ele foi informado que não havia profissional disponível no momento para lhe atender
e que deveria retornar no dia seguinte para marcar uma consulta para a próxima semana.
A. P., chegou à unidade de saúde com queixa de dor de cabeça, tontura e desconforto
abdominal. Não havia possibilidade de marcar uma consulta, nem de atendimento de
urgência. A. P. como não estava suportando o desconforto, foi solicitado, pela recepção, que
um profissional de enfermagem atendesse o caso. Após esperar por muito tempo, um técnico
de enfermagem verificou os sinais vitais, perguntou desde quando estava sentido os sintomas
e recomendou que deveria procurar a emergência de um hospital mais próximo.
3 – Relacionado a Acolhimento:
1. O que você entende por acolhimento?
2. Quais as mudanças que podem ocorrer com prática do acolhimento para a organização
do atendimento á saúde?
3. Quais as dificuldades para a implantação do acolhimento na organização da atenção
básica?
4. Quais as facilidades para a implantação do acolhimento na organização da atenção
básica?
5. O que você entende por atenção integral a saúde?
6. Como você relaciona a prática do acolhimento com uma atenção integral ao usuário do
sistema de saúde?
7. Como você avalia a relação da gestão dos serviços de saúde com os profissionais e os
usuários? Quais os obstáculos e/ou potencialidades?
Você gostaria de contribuir com mais alguma informação?
APÊNDICE IV – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIENCIAS DA SAÚDE
DEPARTAMENTO DE SAÚDE PÚBLICA
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Meu nome é Laura Cavalcanti de Farias, Enfermeira e Mestranda do Programa de
Pós Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina, sob orientação
da Enfermeira Drª Marta Inez Machado Verdi, estou desenvolvendo a pesquisa: As
implicações éticas no acolhimento em saúde: reflexões sobre a atenção integral à saúde”,
com o objetivo de analisar as implicações éticas presentes nas práticas de acolhimento na
atenção básica para a garantia da atenção integral à saúde, na percepção dos usuários, gestores
e trabalhadores da saúde.
Este estudo é necessário porque tem por finalidade levantar informações da realidade
concreta das unidades básicas de saúde no sentido da garantia da atenção integral a saúde
operacionalizada através da prática do acolhimento. Visa, também, impulsionar a reflexão
acerca das questões éticas que surgem da ação de acolher o usuário a partir da visão
característica dos sujeitos envolvidos neste processo, os próprios usuários, os trabalhadores da
saúde que realizam o acolhimento e os gestores que gerenciam os serviços de saúde.
Para isto será necessário o desenvolvimento de entrevistas gravada em áudio com os
sujeitos descritos acima, usuários, trabalhadores da saúde e gestores. Os resultados serão
posteriormente transcritos e publicados sob a forma de uma dissertação de mestrados e através
de artigos científicos. Isto não trará riscos e desconfortos e espera-se que traga benefícios no
âmbito da promoção do atendimento integral a saúde. Aos participantes estará garantido o
anonimato, o sigilo das informações e a liberdade de se retirar da pesquisa a qualquer
momento, invalidando este consentimento e autorização para publicação, sem que isso traga
qualquer prejuízo e/ou constrangimento.
Diante do exposto, Eu __________________________________________________,
concordo em colaborar com o trabalho na condição de informante/sujeito voluntário e declaro
para os devidos fins que fui informado (a) e orientado (a), de forma clara e detalhada a
respeito dos objetivos, da justificativa e da metodologia e das condições da minha
participação neste trabalho.
Concordo, portanto, com as condições ofertadas pela pesquisadora para a correta
utilização das minhas informações, bem como, a mesma afirma as condições descritas neste
documento que asseguram a minha participação no trabalho.
Florianópolis, _______ de _____________________ de 2006.
______________________
Ass:______________________________ Laura Cavalcanti de Farias
Pesquisadora responsável
RG:______________________________ RG: 3.960.166
APÊNDICE V – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - Usuários
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIENCIAS DA SAÚDE
DEPARTAMENTO DE SAÚDE PÚBLICA
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Meu nome é Laura Cavalcanti de Farias, Enfermeira e Mestranda do Programa de
Pós Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina, sob orientação
da Enfermeira Drª Marta Inez Machado Verdi, estou desenvolvendo a pesquisa: As
implicações éticas no acolhimento em saúde: reflexões sobre a atenção integral à saúde”,
com o objetivo de analisar as implicações éticas presentes nas práticas de acolhimento na
atenção básica para a garantia da atenção integral à saúde, na percepção dos usuários, gestores
e trabalhadores da saúde.
Este estudo é necessário porque tem por finalidade levantar informações da realidade
sobre o atendimento integral a saúde, realizado nas Unidades Locais de Saúde, por meio do
acolhimento. Visa, também, incentivar a reflexão acerca das questões éticas que surgem da
ação de acolher o usuário a partir da percepção dos sujeitos envolvidos nesta atividade os
usuários atendidos nas unidades de saúde, os trabalhadores da saúde que realizam o
acolhimento e os gestores que administram os serviços de saúde.
Para isto será necessário o desenvolvimento de entrevistas gravada em áudio com
usuários, trabalhadores da saúde e gestores. As informações gravadas serão posteriormente
transcritos e publicados sob a forma de um trabalho final de mestrados e através de artigos
científicos. A participação nesta pesquisa não trará riscos e desconfortos e espera-se que traga
benefícios para promoção do atendimento integral a saúde. Aos participantes estará garantido
o anonimato, o sigilo das informações e a liberdade de se retirar da pesquisa a qualquer
momento, tornando este consentimento e autorização para publicação inválidos, sem que isso
traga qualquer prejuízo e/ou constrangimento.
Diante das condições acima, Eu ___________________________________________,
concordo em colaborar com o trabalho como informante voluntário e declaro para os devidos
fins que fui informado (a) e orientado (a), de forma clara e detalhada a respeito dos objetivos,
da justificativa, da metodologia e das condições da minha participação neste trabalho.
Concordo, portanto, com as condições oferecidas pela pesquisadora para a correta
utilização das minhas informações, bem como, a mesma afirma as condições descritas neste
documento que asseguram a minha participação no trabalho.
Florianópolis, _______ de _____________________ de 2006.
______________________
Ass:______________________________ Laura Cavalcanti de Farias
Pesquisadora responsável
RG:______________________________ RG: 3.960.166
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