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direito” (Latour 2004a: 86)
328
.
Mas essa é uma imagem “gradativa” ou ‘binária”? Graus de articulação parecem coexistir com
um critério ou/ou. O papel político da ANT tem como objetivo a distinção entre ‘organização’ e
‘unificação’; a ‘unificação’ não é conhecida de antemão, é o que é precipitado ao fim, quando o
coletivo foi reunido – mas este foi o modo com o qual Latour descreveu a “realidade”, como uma
conseqüência, não uma causa. Listas de ações maiores tanto estabilizam quanto desestabilizam; a
realidade e a unidade parecem tanto separadas quanto unidas; redes e coletivos podem ser mais ou
menos articulados; atores podem obstruir ou apoiar sua construção. E, assim como Latour nos
convence, a moderna proliferação de híbridos é uma conseqüência da purificação. A mecânica destes
processos separados de unificação e agregação parece ser um negócio escorregadio329.
Stengers nos diz que seus alunos freqüentemente lhe perguntam se o Parlamento das Coisas do
Latour é reformista ou revolucionário
(2000a [1993]: 152). Ela nos diz que não há resposta a essa
questão. Mas ela sugere que seu interesse enquanto imagem é que “ela provoca uma
‘deformação’ imediatamente operativa do presente sob o efeito de um futuro cujas demandas
são ilimitadas” (ibid: 152). Ela, de fato, celebra o “triunfo da empreitada científica, pois
constitui o teste generalizado das ficções” (ibid: 152)
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, especialmente aquela ficção que
considera que as ficções particulares devam ser submetidas a uma geral. A seus olhos, o
Parlamento das Coisas do Latour valoriza o princípio da multiplicidade sobre o da conquista;
da mesma forma que as ciências modernas modificam a relação sujeito-objeto para deixar o
mundo complicar o estabelecimento de uma ficção sobre todas as outras, ela também vê o
Parlamento das Coisas de Latour como permitindo que cada novo representante complique o
328
“We shall say of a collective that it is more or less articulated, in every sense of the word: that it
“speaks” more, that it is subtler and more astute, that includes more articles, discrete units, or concerned parties,
that it mixes them together with greater degrees of freedom, that it deploys longer lists of actions. We shall say
in contrast that another collective is more silent, that it has fewer concerned parties, fewer degrees of freedom
and fewer independent articles, that it is more rigid. We can even say of a two-house collective, made up of free
subjects and indisputable natures, that it is completely inarticulate, totally speechless, since the goal of the
subject-object opposition is actually to suppress speech, to suspend debate, to interrupt discussion, to hamper
articulation and composition, to short-circuit public life, to replace the progressive composition of the common
world with the striking transfer of the indisputable – facts or violence, might or right.”
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Tânia Stolze Lima (1999) demonstra muito bem esse caráter escorregadio. Ela argumenta que, ao
sugerir que os pré-modernos – que estão envolvidos no processo de mediação e não de purificação – não
separam natureza e cultura, enquanto nós – modernos purificadores – o fazemos, Latour está resgatando o
mesmo Grande Divisor que ele tenta descartar. Mas esta observação mesma se sustenta na ênfase de que uma
premissa da regra de Latour é não acreditar nos cientistas (Lima 1999: 44), aqueles que nos fariam acreditar que
natureza e cultura são separadas. Entretanto, como mostrei, Latour freqüentemente aponta para o fato de que os
próprios atores que lhe demonstram a impossibilidade de escolher entre o ‘real’ e o ‘construído’, os que enlistam
os mais elementos heterogeneos, são os próprios cientistas.
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“triumph of scientific enterprises, for it constitutes the generalized putting to the test of fictions”