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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – (PUC/SP)
Luís Vitor Castro Júnior
Campos de Visibilidade da Capoeira Baiana:
as festas populares, as escolas de capoeira, o cinema e a arte (1955-1985)
DOUTORADO EM HISTÓRIA
São Paulo, SP
2008
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Luís Vitor Castro Júnior
Campos de Visibilidade da Capoeira Baiana:
as festas populares, as escolas de capoeira, o cinema e a arte
(1955-1985)
Tese de Doutorado apresentada como exigencia
parcial para obtenção do título de Doutor em
História Social pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC/SP), sob a orientação da
Profª
Drª. Denise Bernuzzi Sant’Anna.
São Paulo
2008
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Ficha Catalográfica
Castro, Júnior, Luís Vitor
C353c Campos de visibilidade da capoeira baiana: as festas
populares, as escolas de capoeira, o cinema e a arte (1955-
1985) / Luís Vitor Castro Júnior. – São Paulo, SP, 2008.
291 f. : il.
Orientadora: Denise Bernuzzi Sant’Anna
Tese (Doutorado em História Social)– Programa de Pós –
Graduação em História Social, Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, 2008.
1. Capoeira – História - Bahia. 2. Cultura. 3. Cinema. 4.
Arte. I. Sant’Anna, Denise Bernuzzi. II. Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. III. Título.
CDU: 930.1..394.84
Banca Examinadora
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Dedico essa tese em especial à minha filha Aiana
Castro Sant’Anna que não se encontra conosco,
mas que participou dessa produção durante a
gravidez da mãe.
Dedico também a todos os Mestres de Capoeira
que se foram, mas que estão presentes graças
a força da ancestralidade africana, em particular
Mestre Canjiquinha Noronha, Bimba e Pastinha.
AGRADECIMENTO
Inicialmente, agradeço aos meus familiares; à minha mãe e educadora Terezinha
Lopes Castro pelo exemplo de mulher batalhadora, à querida esposa Giselle Lago de
Sant’ Anna pela paciência e compreensão durante a produção da tese, à minha filha
Tamires Castro, às minhas queridas e lindas irmãs Maria do Carmo e Maria Tereza, às
minhas afilhadas e sobrinhas Paula e Vitória Castro, ao sobrinho Jeremias, a Luis Vitor
Castro meu pai, ao meu cachorro Kiko pela companhia durante as noites e a toda
família Lago Sant` Anna;
Agradeço à UEFS (Universidade Estadual de Feria de Santana) pelo
afastamento das atividades docentes e pela bolsa de estudo do programa
PICDT/CAPES, em especial a Vilania da Pró-reitoria de Pesquisa, à Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo pela minha formação, à Faculdade Social, ao
Grupo de Estudo da Capoeira (JECA) em especial a Paulete, Tulé, Caio, Mau Mau,
Muleka, Luís Renato, Rosangela, Vinicius e Falcão, ao Instituo Jair Moura que me
possibilitou o acesso a maior parte dos documentos escritos, em especial ao nobre
pesquisador Frederico Abreu pelas dicas e alerta, ao Centro Esportivo de Capoeira
Angola Academia de João Pequeno de Pastinha, aos camaradas Aranha, Faísca,
Ciro, Mestre Eletricista, Jurandir, Nani (neta do Mestre), Gustavo (meu afilhado) Zoinho;
ao Grupo MEL/UFBA (grupo de estudo em mídia, memória e lazer) pelos convites para
participar das atividades do cine-clube em nome do amigo irmão Pedro Abib; Neuber
Leite e César Leiro;
O sincero e eterno agradecimento ao Mestre João Pequeno que me ensinou a
gingar no mundo da capoeira e atualmente representa a simplicidade, a ludicidade, a
compaixão e a nobreza da capoeira; aos sujeitos participantes da pesquisa os Mestres:
Ângelo Decânio, Boca Rica, Bigodinho, Bola Sete, Itapuã, Gigante, Gildo Alfinete,
Nenel, Saci, Xaréu; Lua Rasta, Jair Moura e Antonio Pitanga
À minha orientadora Drª Denise Bernuzzi Sant’Anna’ pela competência e
simplicidade; aos professores do Programa com que tive a honra de aprender com eles:
Drª Estefânia Knotz Canguçu Fraga, Drª Márcia Mansor D’Aléssio Drª, Maria Antonieta
Antonecci Maria Odila Leite, Drª Yara Aun Khoury, Drª - Silvia Helena Simões Borelli,
Drª Carmen Lúcia Soares pela contribuição na área da Educação Física e Prof Dr.
Vinicius Demarchi Terra pelas dicas no exame de qualificação’; aos colegas de turma:
Bartolomeu de Jesus Mendes pela orientação e as conversas em São Paulo e à Luiz
Antonio pelas dicas no trabalho;
À todos os professores do colegiado do curso Licenciatura em Educação Física
da UEFS, em especial Admilson Santos e JoSant`Anna Sobrinho pelas conversas
sobre a cultura africana e por assumir minhas disciplinas, ao ex-professor da UEFS e
ex-colega da UFBA em 1988 Luís Carlos Rocha; aos professores João Danilo e
Wellington Araújo, enfim, a todos os professores;
À bibliotecária Graça Simões fundadora do curso de Educação Física da UEFS,
não só pela revisão das normas da ABNT, mas pelo exemplo de funcionaria que
sempre esteve à disposição para ajudar a construir o curso; a professora Raquel Assis
Lantyer de Araújo pela disponibilidade para fazer a revisão gramatical do trabalho.
Aos professores: Luis Antonio Ferreira Bahia que me ensinou a arte da
pedagogia corporal, Fernando Espírito Santo pelo incentivo e pela solidariedade dos
enfretamentos vividos durante a graduação em Educação Física; a Jacques Gauthier
que me alfabetizou na arte de pesquisar; ao historiador e Mestre de Capoeira Bel, ao
Professor Vitor Marinho; pelo incentivo;
À todos os colegas de infância do largo de Santo Antonio Além do Carmo e aos
amigos: Ubirajara de Oliveira Barroso (Bira), responsável pelo contato com a capoeira
do Mestre João Pequeno; Marco Aurélio Modesto Marom e Frederico Marom pelos
momentos de alegria; Martim Santiago que me iniciou na arte da navegação; Carlos
André e Pedro Ivo sempre de bom humor contagiando a turma com piadas e
perturbações; Juarez Dias Santos, pelas investidas nem sempre bem sucedidas;
Agradeço também a Ligia Amparo e Ana Amparo pela ajuda na hospedagem no
primeiro semestre em São Paulo, à dona Ana, ao finado Agnelo e Claudemir (Neném) e
a turma da APG, Marcelo e D. Yara..
Enfim, agradeço a todos que me ajudaram nesta caminhada, a Deus e a todos
Orixás: Axé.
“As vozes do poder e de saber se inscreviam em
coordenadas de exor-referência que lhes garantiam um uso
extensivo e uma circunscrição precisa de sentido. A Terra
era o referente de base dos poderes sobre os corpos e as
populações, enquanto que o Capital era o referente dos
saberes econômicos e do controle dos meios de produção.
O Corpo sem órgãos da auto-referência, sem figura nem
fundo, nos abre, por sua vez, o horizonte inteiramente
diferente de uma processualidade considerada como ponto
de emergência contínua de toda forma criativa. (Felix
Guattari
Se você pensa que sabe tudo, lagartixa sabe mais, ela sobe
na parede, coisa que a gente não faz” (verso do domino
público)
RESUMO
Este trabalho propõe-se a pesquisar a constituição de alguns campos de visibilidades
da capoeira baiana, em particular, as experiências dos antigos mestres nos centros
(nas escolas) de capoeira, nas festas populares, no cinema e na arte. Pretende-se
analisar os jogos de cultura, corpo e sociabilidade presentes na capoeira, assim como
suas relações com a seguinte passagem histórica; a visão da capoeira como sendo
algo minoritário, ritualístico, pertencente um certo grupo social para uma visibilidade
da capoeira enquanto forma de expressão característica do turismo, do esporte, do
cinema e da arte; Refletimos, também a respeito dos dispositivos criados pelo corpo e
pela oralidade na transmissão dos saberes, bem como a necessidade dos capoeiras de
expressarem sua arte para o público em geral. Ousamos recriar conceitos como
duplagens culturais, corpo-capoeira, cultura-capoeira, paisagem-passagem, arte-
capoeira e outros Para tanto, focamos o tempo histórico nas décadas de 1950 à 1990,
período de grande efervescência na política, na cultura e nas relações sociais como um
todo, tanto em nível nacional como internacional. Do ponto de vista historiográfico, a
importância deste período histórico está na constante curiosidade pelo universo
simbólico da capoeira, sendo muito referenciado devido ao processo de difusão da
capoeira baiana para o Brasil e para o mundo. A árdua tarefa e o esforço de tentamos
trabalhar as fontes de maneira interdisciplinar, as fontes orais, imagéticas e escritas.
Cada gênero de fonte como se fosse um platô que se liga um no outro, ressoando entre
elas, complementam-se, mas também, se interpelam e se contradiz. Os diversos
campos de visibilidade da capoeira permitiram a passagem de uma arte baseada nos
princípios ritualísticos de “tradições” para novas formas operantes de viver a capoeira.
Essa situação criou novos territórios de trânsito, de vaivém e de passagens
indeterminadas, daqueles que queriam mostrar a sua arte-cultura-capoeira para
aqueles que além de contemplar, passaram também a consumir esses novos processos
educacionais de trabalhar o corpo. Sendo assim, os sujeitos com suas respectivas
culturas se articulam por diversos desejos, formandos novos territórios de trocas
culturais, quase sempre, ambivalentes, disciplinares, comunitários, familiares e,
sobretudo trans-culturais
Palavras-chave: Capoeira. Cultura. Cinema. Arte.
ABSTRACT
This paper aims at researching the constitution of some visibility fields of the “capoeira”
from Bahia, particularly the experiments of ancient masters in centers (in schools) of
“capoeira”, in popular festivities, in the cinema and in art. It is intended to analyze
cultural games, body and sociability present in “capoeira”, as well as its relations to the
following historical passage, the vision of “capoeira” as being something minoritary,
ritualistic, belonging to a certain social group for a visibility of “capoeira” as a
characteristic expression form of tourism, sports, cinema and art; It has been also
considered the devices created by the body and orality in the transmission of
knowledge, as well as the necessity of the “capoeira” dancers to Express their art for
public in general. We dared recreate concepts as cultural-partnership, body-capoeira,
culture-capoeira, landscape-passage, art-capoeira and others. In order to do so, the
historical between the decades of 1950 and 1990, period of great thrill in politics, culture
and social relations as a whole, not only in national patterns, but also international. From
the historical perspective, the importance of this historical period relies in the constant
curiosity for the symbolic universe of “capoeira”, being much referenced due to its
process of diffusion to Brazil and to the world. The hard task and effort of trying to work
the sources in an interdisciplinary manner, the oral, image and written sources. Each
gender of source as if it were a plateau which bonds in one to the other, reverberating
among themselves, complementing themselves, but also, interposing and contradicting
themselves. The many fields of visibility for “capoeira” allowed the passage of an art
based in the ritualistic principles of “traditions” to new operating forms of living the
“capoeira’. This situation created new lands of transit, of commuting and of undefined
passages, of those who wanted to show their art-culture-capoeira to those who beyond
admiring, started to, also, consume these new educational processes of working the
body. Thus, the subjects with their respective cultures articulate themselves through
several wishes, making new lands of cultural exchange, almost always, ambivalent,
disciplinary, communitarian, familiar and, above all, trans-cultural.
Key-words: Capoeira. Culture. Cinema. Art.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .
12
CAPÍTULO 1
12
1.1 Cidade e Corpo: o entendimento sobre Cultura-Capoeira. 34
1.2 O corpo-capoeira no “quintal de Nagô”: as crônicas de Antonio
Viana
48
1.3 A Geografia das rodas de Capoeira na cidade 55
1.4 A roda de capoeira nas festas populares e nas domingueiras. 57
1.5 Os centros de capoeira: espaço de sociabilidade e produção
Cultural
74
1.6 A cidade do Salvador: O turismo e a capoeira 76
1.7 “Lê, lê, lê, ô, ô, ô, a turma de Bimba chegou”: o sitio Caroano 89
1.8 O Centro Esportivo de Capoeira Angola: “Meu corpo é minha
arte”
97
1.9 O Mestre Canjiquinha no Belvederes da Sé 106
1.10 A esportivização e a capoeira 115
CAPÍTULO 2
120
2.1 O cinema como fonte histórica 120
2.2 Cinema, Capoeira e Corpo 127
2.3 Cinema Novo e a Cultura Popular 130
2.4 Capoeira e Cinema: As primeiras referências encontradas 133
2.5 Vadiação 135
2.6 Dança de Guerra 146
2.7 Bahia por Exemplo 159
2.8 Festas na Bahia de Oxalá 164
2.9 Um dia na rampa 166
2.10 Barravento 169
2.11 A Grande Feira 177
2.12 O Pagador de Promessa 183
2.13 Tenda dos Milagres 193
2.14 Jubiabá 199
2.15 A Capoeira vai ao Cinema 203
CAPÍTULO 3
206
3.1 A arte-capoeira e as possíveis leituras do corpo-capoeira nas
Imagens do “capeta carybé”
206
3. 2 Os discursos da capoeira como arte Capoeira 220
3. 1 O poder-potência do corpo-capoeira nos desenhos do Mestre
Carybé
237
O Iê ê ê final 253
Fontes 257
Referências 260
12
Introdução
Mestre Pastinha diz: “Capoeira é tudo o que a boca come e tudo o que o corpo
”. Na revista O Cruzeiro de 10 de janeiro de 1948, Cláudio Tuiuti Tavares, no seu
artigo Capoeira mata um”, ao se reportar a Manuel Querino de Deus, assim se refere à
capoeira do seu tempo. “A 'capoeira' era uma espécie de jogo atlético, que consistia em
rápidos movimentos de mãos, pés e cabeças, em certas desarticulações do
tronco, e particularmente na agilidade de saltos para frente e para trás, para os
lados, tudo em defesa e ataque, corpo a corpo (grifo meu). Também no jornal A
Tarde de 2 de maio de 1992, em matéria intitulada “Os grandes mestres de capoeira”,
aparece: “A 'roda' está formada e todos batem palma. Agachados, dois jovens negros
cumprimentam-se com um aperto de mão. Os berimbaus são acionados pelos
mestres...”. Ao comentar sobre o Mestre Cobrinha Verde: “Arregaçou as mangas do
paletó e foi para o centro da roda à espera de um parceiro. Lutou alguns minutos, é
verdade, mas mostrou a destreza e a agilidade que ainda guarda, mesmo estando
velho e doente. Sim, porque a capoeira é uma mistura de dança, luta e música e acima
de tudo, fé. Os que jogam, chamados de capoeiristas ou capoeiras, têm extrema
confiança na sua destreza, na agilidade de seus corpos e principalmente na
malandragem....” (grifo meu). Na ladainha de Toni Vargas: “Às vezes me chamam de
negro, pensando que vão me humilhar, mas o que eles não sabem é que isso só me faz
lembrar que eu venho daquela raça que lutou para se libertar, criou o maculelê, acredita
no candomblé e que traz um sorriso no rosto, a ginga do corpo e o samba no
(grifo meu).
Não são poucas nem insignificantes as referências (fontes) à capoeira que
revelam a temática do corpo. Elas expressam os vários significados relevantes que o
corpo possui no universo simbólico da capoeira num movimento imbricado da “cultura
popular” e a história da capoeira em cada época.
A célebre frase do Mestre Pastinha, A capoeira é tudo o que a boca come e
tudo o que o corpo , fonte inspiradora do nosso tema de pesquisa, permite-nos
pensar que a capoeira implica numa complexidade de linhas e curvas de viver a cultura.
13
Embora a alimentação não faça parte do tema central da pesquisa, é importante dizer
que o ato de se alimentar, além da importância bioquímica para o organismo, ele tem
todo arcabouço cultural. Sant’Anna considera: comida é ao mesmo tempo cultural e
natural, quando comemos uma moqueca de dendê é, de certo modo, aquela Bahia
presente no imaginário do consumidor que será acionada a cada garfada
1
. Na cidade
de Salvador, como em outros centros urbanos, a comida é um símbolo cultural
marcante no cotidiano das pessoas e podemos considerar o dendê, comida do corpo e
oferenda para os deuses, como uma força marcante no imaginário popular da
comunidade baiana. A metáfora do Mestre Pastinha, ao relacionar a comida à capoeira,
coloca-nos em conexões com diversas formas de explicar o universo simbólico da
capoeira.
Denise Sant`Anna chama nossa atenção no artigo intitulado É possível realizar
uma história do corpo?
2
. Ela nos alerta para os riscos ao escrever uma história do corpo
devido às ltiplas abordagens existentes nas diversas áreas do conhecimento: as
ciências biomédicas, as ciências humanas e a própria arte. Na sua imensidão, a
temática do corpo abriga uma multiplicidade de vetores importantíssimo.
1
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. Bom para os olhos, bom para o estômago: o espetáculo contenporaneo
da alimentação. Pro-Posições. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação.
Campinas, v. 14, n. 2($!), p. 48, maio/ago. 2003.
2
Sant’Anna comenta: Contudo, tê-la no horizonte dos objetivos de uma pesquisa mais modesta e
limitada pode trazer inúmeras contribuições às ciências e também às artes. Dito de outro modo, quando
se pesquisa o corpo por meio de uma de suas inúmeras vias a saúde, a educação, o esporte, a
culinária, entre outras – e se mantém como questão geral. Como uma dada cultura ou um determinado
grupo social criou maneiras de conhecê-los e controlá-la?, o que se obtém como resultado não apenas
informações sobre as formas fortificar o organismo e melhorar as aparências físicas inventadas,
atualizadas e esquecidas historicamente. Justamente com elas, são desvendados momentos de
grande descontrole e de total surpresa diante de reações do corpo, presentes tanto no passado quanto
na atualidade. SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. É possível realizar uma história do corpo? In: SOARES,
Carmem (Org.). Corpo e História. Campinas, SP: Autores Associados. 2001. p. 4
14
A temática do corpo no âmbito da pesquisa é uma linha singular que impulsiona
os campos de visibilidade, através da sua gestualidade, da sua plasticidade e da sua
expressão, poís ele serve de dispositivo para contar e registrar a história. Dessa
maneira, estamos considerando o corpo como fonte de conhecimentos multiplos
3
pela
razão, obviamente, também pela emoção, por aquelas coisas estranhas que ressoam
nos corpos estigmatizados, pelas sensações e pela intuição (fundamental quando o
conhecimento se desenvolve em registros espirituais), ou seja, a gestualidade, a
imaginacao, o sonho o canto, o som do corpo, voz que ressoa em nossos corpos.
Corpos colonizados historicamente, mas em permanentes atualizações das
resistências que se refletem na relação colonizador-colonizado
4
, revelam a
transversalidade que o corpo assume no âmbito da capoeira, instigando a pesquisar a
“expressão corporal” a partir de antigos mestres da capoeira, seja Angola (Mestre
Pastinha), Regional (Mestre Bimba) ou até mesmo a terceira via Capoeira (Mestre
Canjiquinha), na sua arte de fazer considerando a dimensão estética da roda e os
desdobramentos culturais. A idéia não é de valorizar um estilo de capoeira em
detrimento do outro, mas de compreender as relações políticas entre eles, descobrindo
3
Vigarello nos pista a fim entendemos a abundância de referenciais para a compreensão do corpo.
Ele distingui três grandes faces do enfoque com suas respectivas singularidade. “A primeira face é o
princípio da eficácia: recursos técnicos que o corpo retira da mecânica e dos sistemas orgânicos, ou
seja, a sua capacidade de ação. A segunda destas faces é a do princípio da propriedade, posse, pelo
corpo, de um espaço e, nele, de um território totalmente pessoal, ou seja, apropriação do ser no mais
intimo de si, nos limites de uma dimensão biológica...” “muralhas da intimidade” “.... Esta face mostra-
se de uma importância, pois suas variantes históricas revelam deslocamento de sensibilidade, que se
referem não somente à relação com o outro, mas, também, para consigo mesmo. A terceira face é a do
princípio da identidade: manifestação, pelo corpo, de uma interiorização ou de um pertencimento que
designa o sujeito, ou seja, o recurso de mensagem e de trocas de sinais e de expressões de natureza
física. Pode-se pensar aqui os recursos expressivo, a emissão de mensagem, a emergência de um
sentido voluntário ou involuntário. VIGARELLO, Georges. A história e os modelos de corpo. Pro-
Posições. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. Campinas, v. 14, n. 2, p. 22-
23, maio/ago. 2003.
4
Paulo Freire, ao analisar a relação de exploração do escravo na história do Brasil, diz: “Não há dúvidas,
por exemplo, de que nosso passado escravocrata nos marca como um todo até hoje. Cortas as classes
sociais, as dominantes como as dominadas. Ambas revelam compreensões do mundo e têm práticas
significativamente indicativas daquele passado que se faz presente a cada instante. Mas o passado
escravocrata não se esgota apenas na experiência do senhor todo-poderoso que ordena e ameaça e
do escravo humilhado que “obedece” para não morrer, mas na relação entre eles. E é exatamente
obedecendo para não morrer que o escravo termina por descobrir que “obedecer”, em seu caso, é uma
forma de luta, na medida em que, assumindo tal comportamento, o escravo sobrevive. E é de
aprendizado em aprendizado que se vai fundando uma cultura de resistência, cheia de “manhas”, mas
de sonhos também, de rebeldia na aparente acomodação” FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança;
um reencontro com a pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra,1998. p. 108.
15
as táticas
5
utilizadas pelos capoeiristas para lidarem com determinadas forças
hegemônicas de poder e perceber as diferenças culturais presentes.
O tocante central da pesquisa é de perceber a constituição de alguns
campos de visibilidades da capoeira baiana, em particular, as experiências dos
antigos mestres nos centros (nas escolas) de capoeira, nas festas populares, no
cinema e na arte. Neste sentido, pretende-se analisar os jogos de cultura, corpo e
sociabilidade presentes na capoeira, assim como suas relações com a seguinte
passagem histórica; a visão da capoeira como sendo algo minoritário, ritualístico,
pertencente um certo grupo social para uma visibilidade da capoeira enquanto
forma de expressão característica do esporte e do turismo; a passagem da
capoeira como práticas especificas presentes no imaginário da cultura baiana para as
relações hegemônicas do turismo e do esporte.
Reportamos a campos de visibilidade como algo que não deve ser compreendido
como fixo; ele é vel, flutuante no espaço e no tempo. O campo é o território das
festas populares, das rodas nas escolas de capoeira, das salas de cinemas e das
exposições de arte, visto que a cidade do Salvador vinha se modernizando, mas é,
também, a linguagem de expressão e de conteúdo do corpo na narrativa dramática.
Portanto, o território é formado por esse trânsito, por essa permeabilidade generalizada,
por esse sistema de interação. Este campo é o lugar indeterminado onde o visível é
uma qualidade de uma textura, a superfície de uma profundidade. Lugares capazes de
transformar a linguagem dos corpos-capoeira como uma trama de referências de
múltiplas passagens.
A emergência desses campos de visibilidades vai contribuir de maneira
significativa para a difusão da capoeira baiana para outros lugares do Brasil e do
Mundo. Para tanto, elegemos questões norteadoras: quais os dispositivos usados
pelo corpo para se torna mais visível nas festas populares?; Como os antigos
Mestres de Capoeira produziram suas apresentações, tendo em vista o crescente
5
O sentido de tática estar nas multiplicidades de lógicas na arte do fazer, marginal a lógica e ao discurso
dominante. Estamos compartilhado a noção de tática colocada por Michel de Certeau e que Barbero
comenta que “tática é, pelo contrário, o modo de operação de luta, de “quem não dispõe de lugar
próprio nem de fronteiras que distinga o outro como uma totalidade visível”: o que faz da tática um
modo de ação dependente do tempo, muito permeável ao contexto, sensível especialmente à
ocasião”.MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia.
Rio de Janeiro: Ed. UFRJ. 2003. p. 126
16
aumento do público turístico, nos espaços dos centros de capoeira?; Quais os
enunciados presentes nos filmes em que a capoeira aparece (produção
cinematográfica e nos vídeos documentários)?; e quais as narrativas dramáticas
do corpo diante de sua metamorfose no jogo/luta/dança, a partir das artes de
Carybé?
Perante o trabalho, busca-se, portanto, compreender as narrativas e os saberes
produzidos pelo corpo, identificando as suas representações simbólicas no âmbito
cultural da capoeira. O desafio da pesquisa é analisar a complexidade da roda de
capoeira e como os atores utilizam seus conhecimentos no processo de transmissão e
difusão dos seus preceitos. Queremos descobrir os saberes que os mestres expressam
na sua arte e no seu ofício, suas tramas e suas criatividades.
A fim de delimitar o tempo histórico da pesquisa, optamos pelas cadas de
1950 à 1990, período de grande efervescência na política, na cultura e nas relações
sociais como um todo, tanto em nível nacional como internacional. Vários episódios
marcaram essa época: ocorre o golpe de 1964, quando os militares assumem o país e,
em 1968 o presidente Costa Silva ordena o fechamento do congresso com o ato AI-5; é
realizado o primeiro transplante de coração no Brasil; acontece a guerra do Vietnã; a
França explode com o movimento que ficou conhecido como maio de 68, sendo Paris o
palco de uma marcante manifestação popular com a participação de 1 milhão de
estudantes e trabalhadores; é assassinado o ativista político e pastor Luther King.
Do ponto de vista historiográfico, a importância deste corte histórico está na
constante curiosidade pelo universo simbólico da capoeira, sendo atualmente um
período histórico muito referenciado devido ao processo de difusão da capoeira no
Brasil e no mundo, até como outra opção em virtude dos poucos trabalhos que se
referem a esse período.
Não se pretende esclarecer todas as impressões encontradas no período
delimitado, até porque seria uma tarefa interminável, mas, de forma embrionária e
modesta, procuramos os fragmentos dos episódios históricos para apresentar as
múltiplas nuanças da capoeira, compreendendo as singularidades que cada sujeito,
com as suas respectivas experiências encontrou para contar, registrar e afirmar a sua
história.
17
O corpo-capoeira, expressão que seutilizada daqui por diante para se referir
aos dispositivos usados para a produção de narrativas e de conhecimentos. O corpo-
capoeira gravou muitas experiências e sabe aquilo que o discurso racional muitas
vezes não pode expressar clara e distintamente. A idéia é permitir que o corpo inteiro,
com suas zonas de escuridão, seu inconsciente, seus gritos e murmúrios, suas dobras,
participe da pesquisa. Essa referência ao corpo parece particularmente pertinente em
terra colonizada, onde as vias do discurso racional, mesmo mítico, podem ter sido
fechadas, interditas ou tornadas impraticáveis pela opressão sofrida.
Considerar o corpo como território
6
do espaço-tempo de nossas lembranças
ancestrais de experiências acumuladas ao longo da vida é compreendê-lo dentro de
possibilidades infinitas, que podem, ao mesmo tempo, ser reveladoras de situações
imagináveis, mas que podem também esconder de nossas lentes outros
conhecimentos.
Queremos descobrir os saberes que os corpos expressam utilizando-se de
outros signos, outras formas de linguagem e de expressão, que fogem a toda e
qualquer tentativa de uma tradução meramente racionalista, pretendemos valorizar os
saberes que ainda continuam escondidos. São conhecimentos enigmáticos, ricos em
complexidades, e que revelam não uma força cultural a partir da realidade dos bens
materiais de produção, mas também fruto do sentimento das realizações das paixões
humanas.
Outra característica importante a que precisamos ficar atentos, tratando-se de
uma pesquisa referente ao corpo, é o detalhe dos gestos corporais, os “esquemas
corporais” que cada manifestação cultural possui. O conjunto desses elementos
simboliza a sua prática, instituindo a estrutura de códigos corporais que fazem parte do
seu cotidiano.
6
Estamos em consonância ao enfoque dado por Sant’ Anna. “Território tanto biológico quanto simbólico,
processador de virtualidades infindáveis, campo de forças que não cessa de inquietar e confrontar, o
corpo talvez seja o mais belo traço da memória da vida. Verdadeiro arquivo vivo, inesgotável fonte de
desassossego e de prazeres, o corpo de um indivíduo pode revelar diversos traços de sua
subjetividade e de sua fisiologia, mas, ao mesmo tempo, escondê-la. Pesquisar seus segredos é
perceber o quanto é vão separar a obra da natureza daquela realizada pelos homens: na verdade um
corpo é sempre “biocultural”, tanto em seu nível genético quanto em sua expressão oral e gestual”.
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. É possível realizar uma história do corpo? SOARES, Carmem
(Org.).Corpo e História. Campinas, SP: Autores Associados. 2001. p. 3.
18
A tarefa de percorrer nas trilhas do passado em busca de vestígios não me
parece fácil; talvez seja necessário realizar uma cartografia do corpo
7
da capoeira na
temporalidade pesquisada.
O corpo físico-social na capoeira é composto por um rico repertório de
gestualidades chamadas de golpes, que representam um arcabouço de formas com os
quais o corpo realiza o movimento. Os golpes são dotados de sentidos e significados, e
cada um tem uma funcionalidade para os seus praticantes. A constituição desse
conjunto de elementos foi se conjeturando ao longo do tempo na prática da capoeira;
foram surgindo novos golpes, preservando outros e desaparecendo outros tantos.
Nesta prática cultural existe todo um ritual de incorporação de valores que são
transmitidos pelos mestres através da corporalidade que simboliza a dimensão estética
da arte capoeira “o que faz o corpo é uma simbolização sócio-histórica característica de
cada grupo”
8
Não se pretende enveredar na perspectiva que generaliza a dinâmica social e
que o consegue perceber as singularidades da realidade cultural, pois os sujeitos
históricos devem ser considerados apenas um “João ninguém”, o “pobre coitado”
excluído da sociedade brasileira. No entanto, mesmo sabendo das condições adversas
que sofreram e sofrem os excluídos, trataremos da complexidade da dominação cultural
a partir deste provérbio angolano: “Quem não te conhece, te acha um joão-ninguém;
7
A idéia de Cartografia se baseia nas explicações de Michel de Certau: Seria preciso analisar como a
história reage a essas produções de corpos. Elas se referem antes de tudo ao desejo que a história
tem de “dar corpo” a seu discurso e de fazer de sua linguagem um corpo, um quase-corpo. Na
realidade, o que é produzido a partir de rastros”, de fragmentos e de resquícios os arquivos e os
documentos são tipografias que confrontam, em um mesmo quadro, condutas típicas. Sob sua forma
de narrativa, o texto histórico encaixa numa seqüência como pérolas num fio uma série de gesto
que selecionou e que valoriza. Ele compõe, assim, de maneira mais ou menos alusiva, uma cartografia
de esquemas corporais maneiras de se comportar, de combater, de residir, de saudar, etc. Com
essas citações de corpos, ele não apresenta o corpo de uma sociedade (no sentido que utilizei acima),
mas o sistema de convenções que define esta própria sociedade. Substitui as regras (a “civilidade”) de
um corpo social pelo funcionamento social do corpo físico. Trabalho alquímico da história: ela
transforma o físico em social, ela se credita do primeiro para construir o modelo do segundo, ela produz
imagens de sociedade com pedaços”. CERTEAU, Michel. Entrevista realizada por Georges Vigarello,
tradução de Márcia Mansor D`Alessio. Revista do Programa de Estudos de Pós-graduandos em
História e do Departamento de História. São Paulo, n 23, p. 408-409, dez.2002.
8
Idem, p. 407
19
mas quem te conhece é que informa quem tu és. As pessoas não se avaliam pelas
aparências”
9
.
Queremos trabalhar no sentido da complementariedade que identifica o poder
hegemônico, o qual imprime e propõe valores de segregação e discriminação,
violentando o saber historicamente construído de um povo e, sobretudo, no sentido de
perceber o poder-potência das materialidades corporais daqueles que construíram e/ou
instituíram uma outra história.
Neste viés, correremos o risco de escrever a história na contramão
10
e na contra-
corrente dos mares do Atlântico, com os barcos de uma colonização que pode ser
pensada pelo avesso ao valorizar as riquezas culturais afro-brasileiras por meio da
capoeira, procurando compreender as artimanhas do corpo no processo descontínuo
de viver o cultural e consegui, ao longo dos tempos, veicular, guardar e (re)significar
conhecimentos baseados na luta pela sobrevivência de um povo. Sendo assim,
aprendemos com Benjamim que os locais da pesquisa tornam a realidade como algo
descontínuo e dissimulado, presente nas margens, ou seja, nas festas populares, na
tela do cinema, na arte, na fotografia e, sobretudo, na experiência dos velhos mestres.
Trata-se de “Histórias locais” enredadas em “projetos globais”. A diferença
colonial
11
é o local onde os saberes subalternos, que prefiro chamar de contra-
saberes
12
, encenam seus discursos como reação a perspectiva hegemônica de
9
ANTONECI, Maria Antonieta. Corpos sem fronteiras. Revista do Programa de Estudos de Pós-
graduandos em História e do Departamento de História, São Paulo, n. 23, p. 146, dez. 20002.
10
Estamos nos referindo ao conceito de História abordado por Benjamin. “Considera sua tarefa evocar a
história a contrapelo.” BENJAMIM, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaio sobre literatura e
história da cultura. 1994. p. 325.
11
Mignolo chama atenção para as tensões culturais entre as histórias locais e os projetos globais, esse
movimento, ele denomina como diferença cultural é o espaço onde as histórias locais que estão
inventando e implementando os projetos globais encontram aquelas histórias locais que os recebem; é
o espaço onde os projetos globais são forçados a adaptar-se, integrar-se ou onde são adotados,
rejeitados ou ignorados. A diferença colonial é, finalmente, o local ao mesmo tempo físico e imaginário
onde se atua a colonialidade do poder, no confronto de duas espécies de histórias locais visíveis em
diferentes espaços e tempos do planeta”. MIGNOLO, Walter D. Histórias Locais/projetos
globais:colonialidade, sabres subalternos e pensamento limiar. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003. p.
11.
12
O termo contra-saber utilizado por Gauthier remete ao entendimento que os saberes dos colonizados
que não foram aceito pelo colonizador tiveram força, instituindo outras formas políticas e culturais de
gerir os seus saberes. uma razão histórica: nas sociedades onde os produtores de bens materiais,
são excluídos da produção dos bens simbólicos, valorizados pela classe dominante, os saberes
instituídos como científicos foram definidos contra a cultura popular. Saber da razão, contra o saber do
corpo e dos cinco sentidos, saber da quantificação, contra a interrogação sobre o sentido das práticas
sociais, saber do distanciamento crítico contra emoção”. GAUTHIER, Jacques. Corpo, cultura, saber e
20
dominação. Neste espaço feroz, luta constante para inculcar saberes colonialistas
nos corpos dos colonizados e, do outro lado, movimentação de refluxo dos contra-
saberes produzidos pelos dominados. Os saberes de culturas opostas se tocam, fazem
alianças, encarnam-se uns nos outros, mas também brigam, se separam, repulsam-se.
O esforço é para ultrapassar a visão, que simplifica a dinâmica da diferença colonial
como apenas um processo histórico de miscigenação cultural, e também para perceber
as fronteiras visíveis e invisíveis dos choques culturais entre os povos.
Os corpos-capoeira, com suas “histórias locais” e sob uma perspectiva da
“colonialidade do poder”
13
, rebelam-se e colocam no curso da história seus
conhecimentos que se frutificam na expressão utilizada por Foucault como “insurreição
dos saberes subjugados”
14
. Ele se refere ao saber que foi desqualificado em detrimento
do saber acadêmico, disciplinar. A sua preocupação era chamar atenção para o direito
dos saberes locais, quase sempre considerados como ilegítimos, inconseqüentes e
descontínuos, contra uma perspectiva que organizava, filtrava e hierarquizava os
saberes, colocando-os como verdadeiros.
Para captar os contra-saberes na pesquisa, optamos por produzir dados de
múltiplas fontes, oral, fotográfica, fílmica e escrita. Dessa maneira, a pesquisa se
contra-sabrer na educação pluricultural. LUZ, Narcimária Correia do Patrocínio (Org). Pluralidade
Cultural e Educação. Salvador: SEC/BA, Coordenação de Educação Superior , 1996. p. 137
13
A colonialidade do poder, entendimento formalizado por segundo Mignolo coloca em discussão a força
que cada civilização teve de contar a sua história: “A colonialidade do poder é uma história que não
começa na Grécia, ou, se preferirem, tem dois inícios, um na Grécia e outro nas memórias menos
conhecidas de milhões de povos do Caribe e da Costa do Atlântico, assim como nas memórias
ligeiramente mais conhecidas (embora não tanto quanto as dos legados gregos) dos povos dos Andes
e da Mesoamérica. O momento prolongado do conflito entre povos, cujo cérebro, a pele foram
formados por diferentes memórias, sensibilidades e crenças entre 1492 e hoje, é a intercessão histórica
crucial onde se pode situar e deslindar a colonialidade do poder nas Américas”. MIGNOLO, Walter D.
Histórias Locais/projetos globais:colonialidade, sabres subalternos e pensamento limiar. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 2003. p. 40 – 41.
14
”Creio que se deveria compreender saberes subjugados como uma outra coisa, algo que de certa
forma é totalmente diferente, isto é, todo um sistema de conhecimento que foi desqualificado como
inadequado para as suas tarefas ou insuficientemente elaborado: saberes nativos, situados bem abaixo
na hierarquia, abaixo do nível exigido de cognição de cientificidade. Também creio que é através da
reemergência desses valores rebaixados (tais como os saberes desqualificados do pacientes do
paciente psiquiátrico, do doente, do feiticeiro embora paralelos e marginais em relação à medicina
ou do delinqüente etc) que envolvem o que eu agora chamaria de saber popular, embora estejam longe
de ser o conhecimento geral do bom senso, mas, pelo contrário, um saber particular, local, regional,
saber diferencial incapaz de unanimidade e que deve sua forças apenas à aspereza com a qual é
combatido por toda à sua volta que é através do reparecimento desse saber, ou desses saberes
locais populares, esses saberes desqualificados que a critica realiza a sua função”. FOUCAULT, apud
MIGNOLO, Walter D. Histórias Locais/projetos globais: colonialidade, sabres subalternos e
pensamento limiar. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.p. 44–45.
21
configura em intercruzamentos de várias abordagens metodológicas discutidas ao
longo dos capítulos da tese.
A opção por gingar dessa forma não tem a ver com a idéia de insuficiência das
fontes para mostrar o passado, mas de interação entre elas, descobrindo, sobretudo, as
singularidades que cada uma delas tem. Portelli faz uma observação interessante: Na
realidade, as fontes escritas e orais não são mutuamente excludentes. Elas têm em
comum características autônomas e funções especificas que somente uma ou outra
pode preencher (ou que um conjunto de fontes preenche melhor que a outra)
”15
. Na
verdade, a possibilidade de misturar fontes cujas características têm suas
especificidades, aflorou durante a pesquisa de campo em contato com a problemática.
No que tange à fonte oral, trilhamos com a perspectiva metodológica da História
Oral
16
. Vivenciamos a experiência da entrevista em que o depoente não é um simples
informante, mas sujeito da história e com muitas histórias para ser contadas e
reveladas, contudo, com certeza, não demos conta de todas elas neste trabalho.
A força do corpo-voz, quase sempre com muita vibração, emoção e intuição, se
evidenciou nas entrevistas com os Mestres, João Pequeno, Decânio, Gigante, Boca
Rica, Bigodinho, Bola Sete, Lua Rasta, Geni, Olavo, Itapuã, Xareu, Gildo e Saci.
Fizemos o esforço de considerar as falas dos Mestres como poéticas, políticas e
estéticas. Cada uma delas com arte de contar história, produzindo fabulosas narrativas.
Para termos uma idéia da rica experiência, as entrevistas com os mestres:
Gigante, Boca Rica e Bigodinho foram entrevistas mediadas ao som do berimbau; o
instrumento funcionava como dispositivo que ajudava os mestres a falar sobre suas
crenças e cantar sobre os episódios que marcaram suas vidas. Esse tipo de situação
15
PORTELLI, Alessandro. Forma e significado na História Oral. A pesquisa como experimento de
igualdade. Revista Projeto História, São Paulo, v. 14, p. 26, fev. 1997.
16
Freitas coloca que A história oral possibilita novas versões da história, ao dar voz a múltiplos e
diferentes narradores. Esse tipo de projeto propicia sobretudo fazer da história uma atividade mais
democrática a cargo da própria comunidade, que permite construir a história a partir das próprias
palavras daqueles que vivenciaram e participaram de um determinado período, mediante suas
referências e também seu imaginário”. (1998 p. 18 e 19 ).
Reforçando a idéia anterior Jouyard comenta: “A forca da história oral, todos sabemos, é der dar voz
àqueles que normalmente não a têm: os esquecidos, os excluídos ou, retomando a bela expressão de
um pioneiro da história oral, Nuno Revelli, os derrotados”. Que ela continue a fazê-lo amplamente,
mostrando que cada individuo é ator da história”. JOUTARD. Philippe. Desafios à História Oral do
século XXI. In: História oral: desafios para o século XXI.Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; Casa de
Osvaldo Cruz; CPDOC; Fundação Getulio Vargas. 2000. p. 33
22
evidenciada durante as entrevistas é própria dos produtores culturais, que fazem uso
desses artifícios importantes para configurar outras estéticas. Aquilo que Portelli se
reporta mostrando que a poesia é método assim: as formulas usadas por poetas orais
são um instrumento que desacelera o tempo e permiti-lhe compor ao vivo, enquanto
falam ou cantam”
17
.
São narrativas afloradas que ultrapassam a explicação de um determinado fato
ocorrido, colocando outras situações intangíveis. O devir na entrevista, o de repente
como no repente, o inesperado. Aquilo que Portelli observa. Mas o realmente
importante é não ser a memória apenas um depositário passivo de fatos, mas também
um processo ativo de criação de significações
18
.
Colocamos as falas dos Mestres no decorrer de todo o trabalho, pois elas foram
infiltradas a partir da dinâmica do assunto exposto.
No que pese à fonte fotográfica, Kossoy faz distinções entre “história da
fotografia” e história através da fotografia. A primeira possibilidade está relacionada
“ao estudo sistemático desse meio de comunicação e expressão em seu processo
histórico, a um gênero de história que flui entre a ciência e a arte
19
. A segunda
perspectiva enfoca a possibilidade de uso das fontes iconográficas e fotográficas do
passado, nos mais diferentes gêneros de história.
Embora existam diferenças entre as vertentes, ambas têm o documento
fotográfico enquanto instrumento possível de reconhecimento do passado. Mas em
virtude do enfoque dado à pesquisa, o segundo entendimento se conjectura com nossa
abordagem porque não é objetivo da pesquisa fazer a história da fotografia na capoeira.
Aliás, constitui um tema muito importante para futuras pesquisas.
Contudo, o propósito dessa investigação é utilizar a imagem fotográfica como um
meio de conhecimento pelo qual encontramos micro-paisagens do passado, vestígios
20
17
PORTELLI. Alessandro. O momento da minha vida”: funções do tempo na história oral. Muitas
memórias, outras histórias. São Paulo. Olho Dagua. p. 297.
18
PORTELLI, Alessandro. O que faz a História oral diferente. Revista Projeto História. São Paulo, v.14,
p. 33, fev. 1997.
19
KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Ateliê, 2001. p. 53.
20
Maria Elisa Borges esclarece que “para responder as questões que orientam nossas pesquisas
calcadas em vestígios do passado e, portanto, marcadas por uma margem relativamente grande de
conjectura e incertezas as imagens fotográficas devem ser vistas como documento que informam
sobre a cultura material de um determinado período histórico e de uma determinada cultura., e também
23
em que o historiador deve ficar atento ao cenário que a fotografia pode lhe oferecer.
Assim sendo, o documento-fotográfico pode ser utilizado como fonte de informação
para elucidar, “ilustrar”, subsidiar e enriquecer a compreensão de aspectos sutis que
muitas vezes não conseguimos traduzir em palavras e que revelam outros vestígios,
principalmente em se tratando dos corpos-capoeira.
Deve-se ficar atento à imagem fotográfica, pois ela abarca uma multiplicidade de
vestígios da realidade e diferentes significados selecionados pelo fotógrafo. Portanto,
além de oferecer um documento técnico-estético, a fotografia é política e ideológica. Ela
é um artefato que tem um conteúdo no qual se revela uma imagem, o “objeto-imagem”,
que é constituído de múltiplos significados, abarcando uma complexidade de
significação. É através deste artefato fotográfico “(que lhe dá corpo) e de sua expressão
(o registro visual nele contido), constitui uma fonte histórica”
21
.
A opção por acoplar a fotografia enquanto fonte de investigação do passado,
não se deu por uma escolha gratuita, mas sim pela própria dinâmica da pesquisa em
que, quase sempre, aparecia a imagem fotográfica para complementar o texto, seja nos
jornais, nos livros, nos arquivos, nas paredes das academias, e também por acreditar
que o uso da fotografia no trabalho ajuda a ampliar o número de leitores, a comunidade
capoeirista, estudantes e professores.
As fotografias presentes na tese são de variados fotógrafos, uns conhecidos,
outros no anonimato; fotógrafos como Píer Veger, Americano, Fernando Goldgaber.
Não nos dispusemos à comentar minuciosamente a perspectiva de cada fotógrafo, pois
existem diversos estudos sobre as concepções de cada um deles; restringimos-nos ao
uso da fotografia e à possível leitura dela como campo de significação cultural.
Ao incorporar a fotografia, tivemos o cuidado de buscar a compreensão da sua
significação
22
em um contexto cultural, para não tomar apenas as situações aparentes
como uma forma simbólica que atribui significados às representações e ao imaginário social”.
BORGES, Maria Elisa Linhares. História e Fotografias. Belo Horizonte: Autentica. 2003. p. 73.
21
KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Ateliê, 2001. p. 47.
22
Miriam Leite percebe que “na fotografia e na iconografia lidamos com a comunicação aparentemente
direta da imagem, para procurar em suas características sua significação que não se expressa
diretamente e que, em alguns casos, precisa ser construída pelos elementos de produção e/ou por sua
contextualização no momento da produção, no momento do arquivamento, ou no momento da leitura.
Acrescente-se que as imagens precisam ser traduzidas por palavras, tanto para a sua análise como
para sua comunicação o que acrescenta a polissemia da imagem as ambigüidades provocadas pela
alteração do código. LEITE, Miriam Moreira. Retratos de Família.São Paulo: EDUSP, 2001. p 15, 16.
24
na imagem confirmando determinado fato ou acontecimento de um contexto cultural.
Em algumas ocasiões, fizemos referências especificas às imagens fotográficas,
comentando, tentando explorar os significados, em outras não; elas aparecem como
simbiose do texto, mas, em ambos os casos, elas devem ser vistas como um texto
imagético.
Ao ter a fotografia como fonte possível para estudar o passado, é importante
considerá-la como um artefato que está a espera de um leitor
23
e não desejar que ela
se explique por si só. Ao ler as fotografias, contamos com a ajuda de escritos no verso
delas, no local de onde reproduzimos essas imagens (arquivos particulares, públicos,
jornais e livros), mas, sobretudo com a contribuição da comunidade de capoeirista que
muitas vezes lêem as fotografias trazendo outros elementos tangíveis que, às vezes
passam imperceptíveis.
A temática da capoeira tem sido objeto de discussão de diversos pesquisadores,
e boa parte deles é capoeirista, estreitando o abismo existente entre os produtores
culturais e aqueles que analisam as suas práticas, visão construída historicamente e
que delimitava o campo da cultura em duas categorias opostas: a cultura popular
considerada como uma cultura produzida pelo povo, cuja noção era restrita aos
costumes, aos folguedos populares e suas crenças, sendo marcada pelo discurso da
originalidade, da essencialidade, do primitivo etc, e a cultura erudita que evocava o
discurso de uma cultura elaborada, sofisticada e pertencente às elites. É claro que
ainda encontramos resquícios e tensões desta ambivalência construída no passado, no
entanto, com as novas mutações de paradigmas, têm se diluído as fronteiras entre o
que foi considerado popular e erudito.
No que tange às abordagens do campo das ciências humanas, existem
variedades de trabalhos que colocam problemáticas importantíssimas no sentido de
tentar compreender o universo da capoeira. Então, optamos em apenas apresentá-las
algumas delas, sem nenhum tipo de análise mais aprofundada, pois seria uma tarefa
especifica para uma tese de doutorado; no entanto, no decorrer da tese, referências
a várias deles. Essa tarefa foi possível graças ao Instituto Jair Moura que facilitou o
23
As fotografias são representações que aguardam um leitor que as decifre”. LEITE, Miriam Moreira.
Retratos de Família. São Paulo: EDUSP, 2001. p. 23.
25
acesso às dissertações e teses. No campo da historiografia, temos os seguintes
trabalhos:
Carlos Eugênio Líbano Soares (1998), na sua tese “A capoeira escrava e outras
tradições rebeldes no Rio de Janeiro” (1808-1850) apresentada ao programa de Pós-
graduação de Historia da Universidade de Campinas, aborda, de maneira densa a
capoeira na cidade do Rio de Janeiro na primeira metade do culo XIX, mostrando os
embates permanentes dos capoeiras contra a manutenção da ordem escravista. O
autor ressalta, também, o peso político que a capoeira teve nos conflitos dentro da
própria comunidade escrava, configurada entre as maltas, instituindo um outro poder
paralelo que ameaçava constantemente a ordem social vigente.
Antônio Liberac, na tese de doutoramento “Movimentos da cultura afro-brasileira:
a formação histórica da capoeira contemporânea” (1890-1950), busca perceber os
valores culturais e sociais da “tradição da capoeira” no cenário nacional, aprofundando
os aspectos de natureza simbólica. Este trabalho busca desmontar que a capoeira
contemporânea (angola e regional) é uma tradição inventada nas primeiras décadas do
século passado em um contexto específico de construção de identidades nacionais
24
Luiz Augusto Pinheiro Leal (2002), autor da dissertação “”Deixai a Política da
Capoeiragem Gritar”: Capoeiras e discursos de vadiagem no Pará republicano” (1888-
1906), adjetivando de “Capoeirólogos” os praticantes de capoeira preocupados em
pesquisar a temática da capoeira, tem como preocupação principal analisar os
discursos de repressão presentes nos documentos policiais, jurídicos, jornalísticos e
compreender como a capoeira “estava sendo caracterizada e combatida nos primeiros
anos do Pará republicano”
25
Na Bahia, especificamente, encontramos o trabalho de autoria do capoeirista Bel
- Josivaldo Pires de Oliveira (2004), ex-membro do grupo de Capoeira Angoleiro do
Sertão, atualmente coordenador do seu próprio grupo. A dissertação “Pelas Ruas da
Bahia’: Criminalidade e poder no universo dos capoeiras na Salvador Republicana”
24
PIRES, Antônio Liberac Cardoso Simões. Movimentos da cultura afro-brasileira: a formação
histórica da capoeira contemporânea (1890-1950).2001. f. 4.Tese (Doutorado em Historia)- Pós-
graduação História do Instituto de Filosofia e Ciência Humanas da UNICAMP, Campinas, 2001.
25
LEAL, Augusto Pinheiro.“Deixai a política da capoeiragem gritar”: capoeiras e discursos de
vadiagem no Pará republicano (1888-1906). 2002. f. 13 Dissertação (Mestrado em História)- Programa
de Pós-graduação História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da
Bahia. Salvador, 2002.
26
(1912-1937)
26
, consiste em compreender os aspectos do cotidiano dos capoeiras na
cidade do Salvador, entre 1912-1937, privilegiando as relações sociais dos capoeiras
no espaço público, bem como as estratégias de resistência utilizadas por eles para sua
sobrevivência.
Adriana Albert Dias (2004), capoeirista, participante do grupo FICA (Federação
Internacional de Capoeira Angola), na sua dissertação intitulada “A malandragem da
Mandinga; o cotidiano dos capoeiras em Salvador na República Velha (1910-1925)
27
”,
busca reconstruir o cotidiano dos capoeiras na cidade do Salvador, mostrando a força
da mandinga no jogo da capoeira presente nas práticas sociais malandras como forma
de sobrevivência. Ela procura entender as formas como os personagens capoeiristas
buscam o relacionamento com os agentes da ordem, mostra as fronteiras tênues entre
o mundo da ordem e da desordem.
Ana Paula Rezende Macedo, no seu trabalho “As poesias da dança da Zebra:
capoeira Angola e religiosidade”, discute os elementos da roda de capoeira enquanto
uma prática de ritual, valoriza os aspectos simbólicos constituintes dessa “tradição”
26
Este trabalho tem como objetivo investigar aspectos do cotidiano dos capoeiras na Cidade do
Salvador, entre 1912 e 1937. Eram esses protagonistas das ruas que viviam expostos às condições de
sobrevivência que as mesmas lhes ofereciam, portanto, estavam sujeitos a cometerem delitos das
formas mais variadas possíveis, desde as pequenas contendas que ocorriam nas ruas, até os grandes
conflitos envolvendo interesses políticos e relações de poder. Experimentavam os capoeiras, o
universo da criminalidade, experiências essas, marcadas por resistências explorando as várias
possibilidades de sobrevivência do ser capoeira na Salvador republicana. Considerados desordeiros,
capadócios e arruaceiros, perturbadores da ordem pública, foram também, agentes culturais oriundos
das camadas populares da sociedade baiana, em grande parte descendentes dos africanos que
reelaboraram na capital, culturas e tradições, dando forma ao seu universo que se consolidou a partir
da década de 1930. OLIVEIRA, Josivaldo Pires de. Pelas ruas da Bahia : criminalidade e poder no
universo dos capoeiras na Salvador Republicana (1912-1937). 2004. f. 6. Dissertação (Mestrado em
História)- Programa de Pós-graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2004.
27
“Este trabalho busca reconstituir o cotidiano dos capoeiras na cidade de Salvador durante a República
Velha com o objetivo de mostrar que a mandinga própria do jogo da capoeira estava presente ns
práticas sociais malandras desses indivíduos, no seu modo de vida e no seu jeito de ser.Para tanto
percorre o mundo da desordem,procurando mapear a geografia da capoeiragem na capital baiana e
entender seus múltiplos significados,buscando também descobrir quem eram os capoeiras daquela
época, seu comportamento nas ruas,em que trabalhavam,com quem,como e quando brigavam, de que
maneira se divertiam e quais eram suas redes de sociabilidade. Além disso,procura entender de que
forma nossos personagens se relacionavam com os agentes da ordem, mostrando que nem sempre
capoeiras e policiais estavam em campos opostos, mas que muitos capoeiras viviam entre a ordem e a
desordem e que esses dois mundos aparentemente opostos não estavam separados por fronteiras tão
rígidas”. DIAS, Adriana Albert. A malandragem da mandinga: o cotidiano dos capoeiras em Salvador
na República Velha (1910-1925). 2004. f. IX. Dissertação (Mestrado em História)- Programa de Pós-
graduação, em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da
Bahia. Salvador. 2004.
27
cultural e utiliza os cânticos como fonte para perceber as relações étnicas culturais da
musicalidade da capoeira com o samba de roda, as festas, a congada e o candomblé
de caboclo.
Na área das ciências sociais e da educação, encontramos os trabalhos de:
Júlio César de Souza Tavares (1984), um dos pioneiros, com a sua dissertação
“Dança de Guerra: Arquivo-arma, apresentada ao departamento de Sociologia da
Universidade de Brasília”. Embora Tavares afirme que seus estudos têm a finalidade de
fornecer pistas sobre as quais se pudessem pensar a constituição de caminho
alternativo à educação visando combiná-la ao lado lúdico de nossa cultura
28
, ele
inflama a idéia do corpo como potência de sabedoria capaz de documentar o dia-a-dia,
registrando gestos que, nas práticas populares, colocam o corpo no centro de toda
significação.
Outro pioneiro nos estudos acadêmicos na capoeira é Luiz Renato Vieira (1990),
mestre de capoeira, membro do grupo Beribazul, com o seu trabalho “Da Vadiação à
Capoeira Regional: uma interpretação da modernidade cultural no Brasil”, dissertação
defendida na Universidade de Brasília no departamento de Sociologia. Vieira procura,
através da história, perceber as estratégias utilizadas pelo Estado no processo de
apropriação das práticas culturais populares como mecanismo de legitimação das suas
aspirações ideológicas, principalmente na vigência do Estado Novo; mas, ao mesmo
tempo, ele se preocupa também em saber as estratégias construídas pela classe
popular para resistir à dominação, criando e recriando seus saberes e suas tradições.
Outra pioneira, a professora Letícia Vidor de Sousa Reis (1997), com o seu livro
‘O mundo de pernas para o ar: A capoeira no Brasil”, fruto da dissertação de mestrado
apresentada ao Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, no qual
procura verificar como os negros conquistaram a ampliação de seu espaço político na
complexa relação inter-étnicas no Brasil. Pautada numa concepção de esporte branco,
a autora analisa o processo marcialização da capoeira e o movimento de oposição que
consistia na concepção “negra e popular” de esporte, percebendo as disputas
existentes entre os grupos no sentido de querer afirmar uma determinada identidade.
28
TAVARES, Júlio César de Souza. Dança de guerra: arquivo-arma.1984. f. 5. Dissertação (Mestrado
em Sociologia)- Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, Brasília, DF, 1984.
28
Sinval Martins Farina (2002), no seu trabalho “AYLWUA: Corporiedade, capoeira,
e cultura negra nos ambientes da escola e da rua”, através das atividades corporais dos
meninos e das meninas, procurou identificar as características culturais negras.
Isabel Cristina de Oliveira Ferreira (2002), na sua pesquisa intitulada “O
renascimento de Fênix: o ressurgimento da capoeira no Rio de Janeiro (1930-1960)”,
enfoca o processo de institucionalização da capoeira no Brasil a partir da formação da
capoeira Angola e Regional na Bahia e no Rio de Janeiro e desvenda o ressurgimento
da capoeira no Rio de Janeiro antes de 1960.
Mestre Falcão (2004) como é conhecido no âmbito da capoeira, na sua tese “O
jogo da Capoeira em Jogo e a construção da práxis Capoeira”
29
, valorizou as
experiências feitas com a capoeira nos currículos de duas Universidades Brasileiras e
outras instituições educacionais formais e o-formais e criticou a própria realidade
investigada, com a finalidade de apresentar um diagnostico descritivo crítico da sua
realidade concreta, para subsidiar a formulação de possibilidades pedagógicas para a
formação humana
30
.
29
Esta pesquisa teve por objetivo principal criticar e propor elementos teóricos-metodológicos para o
trato com o conhecimento da capoeira no currículo de formação profissional a partir da analise da
realidade de experiências com esta manifestação cultural em espaços educacionais formais e não-
formais do Brasil e do Exterior.Esses elementos teóricos-metodológicos concebem a capoeira como
práxis qualificada pela noção de complexo temático e articulam os fundamentos da pesquisa-acão com
as possibilidades pedagógicas: experimentação, problematização, teorização e reconstrução coletiva
do conhecimento.Esta pesquisa integra a linha de Estudos e pesquisa em Educação Física,Esportes e
Lazer(LEPEL) da Faculdade de Educação,da Universidade Federal da Bahia,cujo campo de interesse
envolve problemáticas sobre formação de professores,pratica pedagógica,trato com o conhecimento e
políticas educacionais.Partimos de duas hipóteses que se articulam entre si.A primeira sustenta que o
processo de internacionalização da capoeira vem promovendo expressiva movimentação de seus
praticantes e contribuindo para a ressignificacão dos seus códigos e valores.A segunda sustenta que o
trato com o conhecimento da capoeira, no currículo de formação profissional, está submetido à lógica
de organização do processo de trabalho pedagógico própria da escola capitalista, que assegura a sua
reprodução através da formação de competências técnico-intrumentais e mentalidades conformadas.A
pesquisa dividiu-se em quatro etapas articuladas entre si.As experiências analisadas expressam e
muitas, freqüentemente,reproduzem,não mecanicamente,mas por mediações da pratica pedagógica,as
contradições sociais e a lógica destrutiva do capital evidenciando que,no trato com o conhecimento da
capoeira,o significado que os sujeitos apreendem de suas praticas,emocionalmente
compartilhadas,está vinculado à intensidade das interações e com a plenitude da experiência e,nessas
praticas intersecionam, inequivocamente, as dimensões subjetivas,ético-politicas,históricas,culturais e
econômicas da vida em sociedade.Com isso, aponta para o desafio de tratar o conhecimento da
capoeira numa perspectiva auto-determinada, autônoma,solidária,reflexiva e crítica, e contribuir para a
construção de um outro projeto histórico,para além do capital’. FALCÀO, José Luiz Cirqueira. O jogo
da capoeira em jogo e a construção da práxis capoeira. 2004. f. X Tese (Doutorado em Educação)-
Pós-graduação em Educação, Faculdade de Educação, UFBA, Salvador, 2004.
30
Idem, p.7
29
Pedro Abib (2004), aluno do mestre João Pequeno, compositor, cineasta e
sambista, desenvolveu sua pesquisa centrada na “Capoeira Angola: Cultura popular e o
jogo dos saberes na roda”
31
. Abib analisa as formas com as quais a cultura popular
produz um vasto repertório de saberes e conhecimentos que ainda são pouco
valorizados pela sociedade, considerando as categorias da memória, da oralidade, da
ritualidade, da ancestralidade e da temporalidade como possibilidades de transmissão
de saber.
A Mestra de capoeira Janja, uma das responsáveis pelo grupo de Capoeira
Nzinga, na sua tese “Iê, viva meu mestre: a capoeira angola da escola pastiniana como
práxis educativa”
32
, procura perceber os interesses dos jovens, das crianças e dos
31
“Esse trabalho propõe-se a investigar as formas com as quais a cultura popular articula todo um vasto
campo de conhecimentos e saberes, bem com as formas de transmissão desses saberes através de
algumas categorias, que elegemos como base para essa tarefa, quais sejam a memória, a oralidade, a
ancestralidade, a ritualidade e a temporalidade, na perspectiva daquilo que denominamos aqui de uma
lógica diferenciada que prevalece nesse universo, diferente daquela lógica que a racionalidade
ocidental moderna determina. Trazemos também à reflexão, a partir de algumas teorias emergentes no
campo das ciências sociais, a necessidade de constituição de uma nova racionalidade que seja capaz
de interpretar e validar os saberes ocultos e silenciados, presentes no universo da cultura popular,
como forma de ampliação das possibilidades de um diálogo frutífero entre os saberes provenientes das
várias tradições, presentes tanto no âmbito da academia quanto no da cultura popular, sem hierarquias
e discriminações. Para realizarmos tal tarefa, elegemos a capoeira angola, manifestação da cultura
afro-brasileira das mais significativas, como campo privilegiado de estudo, na tentativa de buscar os
seus sentidos e significados, esforçando-nos para constituir elementos de análise que dêem conta de
interpretar sua simbologia, ritualidade e ancestralidade, como parte de elementos da cosmogonia
africana, enquanto sistema religioso/simbólico que influencia consideravelmente essa manifestação.
Buscamos, ainda, analisar as experiências educacionais contidas nos processos envolvendo a
transmissão de saberes no universo da capoeira angola, e também como se articulam no âmbito da
cultura popular, esses processos educacionais o-formais. Essas experiências envolvendo os
“saberes populares” são, então, a partir de nossa análise, confrontadas com a perspectiva
desenvolvida pelos processos formais de educação existentes em nossa sociedade, sobre os quais
buscamos estabelecer ema crítica”. ABIB, Pedro Rodolpho Jungers. Capoeira Angola: cultura popular
e o jogo dos saberes na roda. 2004. f. III Tese (Doutorado em Educação)-Programa de Pós-graduação
de Educação da UNICAMP. Campinas. 2004.
32
“Este trabalho apresenta a capoeira Angola proposta pela escola pastiniana como uma práxis
pedagógica articulada a ancestralidade e que toma a ancestralidade, a oralidade e a comunidade como
paradigmas de pertencimento à dinâmica das tradições africanas no Brasil, dialogando
permanentemente com o entendimento sobre a resistência negra e sua permanência nos afazeres
educacionais destas matrizes, e apresentando-se sob a forma de comunidades culturais. Este trabalho
lida com uma realidade, marcada não apenas pelo ressurgimento, mas pelo crescimento do estilo
Capoeira Angola,tida como a capoeira tradicional,africana,através de novas gerações de mestres e
contramestres originários da linhagem pastiniana (Mestre Pastinha,1889-1981),e orientados por
ela,buscando apresentar os resultados das suas práticas como um rico material para se repensar o
lugar das tradições quando em constante entrosamento com os saberes produzidos nos sistemas
oficiais de ensino.Desta forma, busca encaminhar ao campo da Educação a proposta de ampliar as
bases de entendimento destas tradições fazendo-as migrar do lugar ingênuo e fossilizado da sua
folclorizacão, e também do seu entendimento meramente desportivo, para dialogar com professores,
educadores e movimentos sociais,outros entendimentos-filosóficos,espirituais,políticos ,etc.-Sobre os
30
adultos pela prática da capoeira, bem como os entendimentos desta prática no exterior
ao ser levada pelos brasileiros. Ele ressalta a importância da resistência negra, nos
afazeres educacionais a partir de uma pedagogia que valoriza a oralidade e a
ancestralidade.
Paula Cristina da Costa Silva, capoeirista aluna do Mestre Tule, na sua
dissertação de Mestrado, intitulada “A educação Física na roda de capoeira: entre a
tradição e globalização”
33
, questiona como os estudiosos da área de conhecimento em
saberes tradicionais africanos na formação do conhecimento e demais códigos civilizatórios brasileiros.
Aqui, apontados o lugar da identidade na compreensão sobre a importância da alteridade a partir de
um exemplo que transcende barreiras culturais e geográficas,sócio-econômicas,religiosas,etárias
e,mais recentemente,de gênero,como um enfoque pertinente à contemplação do corpo como espaço
sagrado onde é possível elaborar estruturas de autoconhecimento e de construção reflexiva da
sociedade mais ampla.Para isto, este trabalho recorreu à análise de materiais produzidos em algumas
organizações de Capoeira Angola pertencentes a uma mesma linhagem,embora em localidades
distintas,concluindo a existência de um conhecimento cujas bases de continuidade estão assentadas
na presença à escola pastiniana como aspecto de resistência cultural frente aos processos de
massificação verificados sobre a capoeira hegemônica,conhecida como Capoeira Regional”. ARAÚJO,
Rosângela Costa. Iê, viva meu mestre: a capoeira angola da escola pastiniana como práxis
educativa.2004. f. VII.Tese (Doutorado em Educação)- Pós-graduação em Educação da USP, São
Paulo,2004.
33
“Trata-se de um estudo bibliográfico que - abarcando um período que vai do século XIX até os dias de
hoje - procurou investigar as concepções através das quais a Capoeira, entendida como uma
manifestação da cultura corporal brasileira, vem sendo concebida pela Educação Física, área
acadêmica dentro da qual este trabalho ganhou forma. Para tanto, realizou-se a análise de obras
provenientes dos campos de conhecimento antropológico, histórico e sociológico; do senso comum,
presentes no interior do meio capoeirístico e originárias do ecletismo existente dentre os professores de
educação física. Esta análise propiciou uma investigação das inter-relações estabelecidas entre a
Capoeira e a prática educativa denominada educação física. Verificou-se a submissão da Capoeira, em
determinados momentos históricos, aos sentidos assumidos pela educação física na sua ão
educativa, buscando imprimir-lhe características próprias aos métodos utilizados em seu fazer
pedagógico. Tal fato pode ser atribuído principalmente ao caráter marginal assumido pela Capoeira,
que teve seu berço na escravidão negra no Brasil, e ao desejo das Forças Armadas e de intelectuais
ligados à Educação em domesticá-la segundo os padrões societários hegemônicos. Por outro lado,
também foi possível notar que a Capoeira assimilou os discursos e métodos provenientes da prática
educativa gerada pela educação física. Isso se refletiu na incorporação, na década de 1930, dos
valores inerentes à educação física, detectando nesta ação a possibilidade de seu reconhecimento
social e de sua liberalização. No entanto, estes valores, ao serem incorporados pelo meio capoeirístico,
foram por ele simultaneamente reconceituados, dando trato ao que se chamou de a reinvenção da
tradição da Capoeira. Constatou-se ainda que as inter-relações entre os objetos investigados nem
sempre se estabeleceram de forma unânime, tanto nos setores que compunham o universo da
educação física, quanto naqueles afetos ao meio capoeirístico. Mais do que a inexistência de
unanimidades, esse estudo, ao apontar as inter-relações entre os objetos em apreço no atual momento
histórico, analisa a ausência de elementos consensuais sobre a maneira de conceber a Capoeira no
universo das práticas corporais tidas por um segmento dos profissionais de educação física como de
sua exclusiva competência, situação essa categoricamente refutada por parte do meio capoeirístico. É
a análise deste debate, encetada por este trabalho, que permite ao final apreender o contexto do cotejo
entre os valores tradicionais e os impostos pelo mundo globalizado, hoje presentes na Capoeira sob os
olhares atentos da Educação Física, aqui agora ratificada na sua expressão de área acadêmica.”
SILVA, Paula Cristina da Costa. A Educação Física na roda de capoeira: entre a tradição e
31
Educação Física vêm se apropriando da prática social da capoeira, aprofundando
questões relacionadas à regulamentação da profissão de Educação Física e seus
desdobramentos no universo da capoeira.
Sergio Luiz De Sousa Vieira (2004), ex-presidente da Federação Brasileira de
Capoeira, na sua tese “A capoeira como patrimônio cultural” apresentada ao programa
de Pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, apresenta, como foco central, estudar os efeitos sobre a capoeira, resultante de
sua expansão. Este estudo começará por analisar os reflexos do processo civilizador
sobre a mesma, que acarretou mudanças de hábitos e de padrões de comportamento,
contribuindo para que a mesma deixasse de ser uma atividade cruenta, para se torna
um jogo de destreza corporal
34
.
O professor Hélio Bastos Carneiro Campos (2006), conhecido na capoeira como
Xáreu, ex-aluno do mestre Bimba, na sua tese de doutoramento intitulada “Capoeira
Regional: A escola do mestre Bimba”
35
, traz como foco central analisar a metodologia
criada pelo mestre Bimba para ensinar a luta regional baiana, mais tarde conhecida
globalização. Dissertação (Mestrado em Educação Física)-o Programa de Pós-Graduação em
Educação Física, Faculdade de Educação Física da UNICAMP.
34
VIERA, Sergio Luiz de Souza. Da capoeira: como patrimônio cultural. 2004.f. 13.Tese (Doutorado em
Sociologia)- Programa de pós-graduação em Ciências Sociais. PUC, São Paulo, 2004.
35
“O presente estudo teve como problema central a investigação na metodologia de ensino e da ação
pedagógica de Mestre Bimba para ensinar a Capoeira Regional e quais os desdobramentos na
formação educacional,cultural e filosófica na vida dos seus alunos. Esta pesquisa é de natureza
qualitativa participante e tem características de um estudo histórico,descritivo,biográfico e
antropológico.A população da amostra foi composta de 15 alunos de Mestre Bimba,com passagem
marcante desntro do Centro de Cultura Física Regional(CCFR),que na atualidade atuam ou não como
mestres ensinando a Capoeira Regional. O critério de inclusão do autor baseou-se no envolvimento e
contribuição dos sujeitos no processo de expansão da Capoeira Regional,por terem sido indivíduos
ativos na academia e fora dela e que tivessem no mínimo vinte anos de vivência, prática e estudos
contínuos na área da Capoeira. A outra amostragem foi composta de dezesseis mestres,
contramestres e professores de capoeira contemporâneos. O critério de inclusão usado pelo autor foi:
(1) não ter sido aluno de Mestre Bimba; (2) estar ministrando aulas de capoeira em escolas,
universidades, academias ou grupos; (3) ter publicação na área; e (4) estar ativo e participando
efetivamente dos movimentos capoeirísticos. Os principais resultados encontrados pelo autor foram: (1)
existem informações controversas sobre o comportamento de Mestre Bimba; (2) Mestre Bimba foi
entendido como um mito, um “rei negro”,um divisor de águas e um exemplo a ser seguido; (3) que os
alunos de Mestre Bimba participaram de alguma forma da construção da Capoeira Regional; (4) a
convivência com Bimba e a Capoeira Regional contribuíram de maneira impar na formacão educacional
e de filosofia de vida dos seus alunos; e (5) o projeto pedagógico de Mestre Bimba foi construído no
cotidiano do seu mister.”CAMPOS, Helio José Bastos Carneiro de. Capoeira Regional: a escola de
Mestre Bimba. 2004. f. VII.Tese (Doutorado em Educação)- Programa de Pós-graduação em
Educação, Faculdade de Educação, UFBA,. Salvador, 2004.
32
como capoeira regional, identificando os desdobramentos decorrentes da ação
pedagógica quanto à formação educacional, cultural e filosófica de vida de seus alunos.
Na psicologia, o trabalho de Francine Simões Perez, “O brincar e a capoeira:
um estudo sobre a construção da pessoa”, no qual a autora estuda o processo de
formação da pessoa inserida na prática da capoeira, identificando os aspectos
originados desse processo de formação.
Na área da música encontramos a dissertação de Ricardo Panfilio de Souza
(1997), “A música na capoeira: um estudo de caso”
36
. O autor analisa as cantigas da
capoeira, identifica o uso e as funções em relação com o ritual da roda de capoeira.
No campo da arte cênica, temos o trabalho de Evani Tavares Lima (2002),
“Capoeira Angola como treinamento para ator”
37
. Nele a autora mostra a importância da
36
A música na capoeira: um estudo de caso” faz uma abordagem de usos e funções de cantigas do
universo musical da Capoeira a partir de dados coletados no Grupo Cultural de Capoeira Angola do
Acupe, em Salvador, grupo este que trabalha basicamente com crianças. Este trabalho dividi-se em
três partes distintas e complementares: Parte 1 (aspectos gerais da Capoeira): apresenta informações
históricas sobre a Capoeira e seu desenvolvimento no Brasil,enfocando a pesquisa de campo no grupo
de Capoeira Angola do Acupe. Parte 2 (A música da Capoeira): destaca a presença da musica na
Capoeira e apresenta definições e usos da terminologia êmica referente ao repertório musical de
toques e cantigas e sua interligação com o jogo propriamente dito. Parte 3 (A educação musical na
capoeira): faz algumas observações sobre o processo educativo na Capoeira, principalmente a
educação musical,já indiretamente abordados nas partes 1 e 2.Como complementação do trabalho,
anexos com as transcrições de letras e cantigas,um glossário,ilustrações históricas do berimbau no
Brasil e da Capoeira são acrescentadas,bem como transcrições de entrevistas. Uma das contribuições
principais deste trabalho é a análise de origens, usos e funções das cantigas de Capoeira relacionadas
com o ritual do jogo da Capoeira. Ressalta-se também a importância educativa da Capoeira, com seus
aspectos filosóficos, sociais, artísticos e físicos. SOUSA, Ricardo Pamfilio. A música na capoeira: um
estudo de caso. 1997. f. VI. Dissertação (Mestrado em Música)-Programa pós-graduação em Música,
Escola de Música, UFBA, 1997.
37
“O objetivo desta pesquisa é a capoeira angola como pratica corporal do ator,em sua configuração
atual na cidade de Salvador,Bahia.A hipótese aqui apresentada é que a capoeira contém elementos
técnicos e simbólicos, úteis para o treinamento do ator. Objetiva-se investigar a capoeira angola, tanto
o manancial técnico,quanto simbólico,elementos que possam enriquecer o corpo expressivo do
ator.Esta proposta funde dois campos teóricos distintos:a capoeira e o teatro,tendo a Antropologia
Teatral,como elo unificador.A escola de Capoeira Angola Irmãos Gêmeos(ECAIG) foi tomada como
referencia para o estudo por constituir-se em referência na filosofia e pratica nos fundamentos da
capoeira angola. Caracteriza-se a pesquisa o tratamento dado aos elementos colhidos como fonte de
informação oral. Quanto aos procedimentos metodológicos,optou-se por uma abordagem qualitativa,de
caráter descritivo,hipotético-indutivo em que foram realizados levantamentos bibliográficos e
documentais;pesquisa de campo, envolvendo entrevistas e observações participante;e dois laboratórios
de treinamento a titulo de experimento. Para a aplicação destes treinamentos foi selecionado um
conjunto de elementos da capoeira, a partir de critérios como: exploração de equilíbrio, oposição e
possibilidades de dilatação. LIMA, Evani Tavares. Capoeira de Angola como treinamento de ator.
2002. f. 8. Dissertação ( Mestrado em Artes Cênicas)- Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas,
Faculdade de Artes Cênicas, UFBA,. Salvador, 2002.
33
prática da capoeira na formação do ator considerando o manancial simbólico e técnico
da capoeira Angola.
Outros trabalhos que fogem desse modelo clássico de s-graduação foram
importantíssimos para compreendermos melhor as aventuras do universo da capoeira.
Vale ressaltar as pesquisas de Frede Abreu nos livros “O barracão do Mestre
Waldemar”, “Bimba é bamba: a capoeira no ringue” e “Os capoeira na Bahia no século
XIX”; como também o livro “Capoeira Angola: ensaio etnográfico”, do etnólogo Waldeloir
Rego.
34
Capítulo 1
1.1 Cidade e Corpo: o entendimento sobre Cultura-Capoeira
“Bahia minha Bahia capital é Salvador, quem não conhece a capoeira não pode
dar seu valor...” Essa música geralmente entoada nas rodas de capoeira da Bahia,
reivindica uma qualidade que tem importância para os seus personagens (capoeiristas).
Exprime o capital cultural da capoeira, que não se materializa necessariamente no
dinheiro, mas na busca incessante dos mestres por querer valorizar e afirmar a cultura
do povo baiano.
Nesta caminhada em avenidas esburacadas, com poucas sinalizações e quase
sempre sinuosas, em se tratando de capoeira, pretendo, a intenção é, neste capítulo,
compreender o contexto histórico e cultural da formação da cidade do Salvador, mapear
os lugares onde ocorriam as rodas de capoeira na cidade identificando os territórios
enquanto locais de produção de saberes e por conseqüência os campos de visibilidade,
perceber as transformações no cotidiano da cidade com o advento do turismo e o seu
impacto na cultura dos capoeiras, bem como o processo de esportivização da mesma.
Salvador é uma cidade complexa e dissimulada. Ela não se apresenta e não se
revela de uma única maneira. Nesta cidade histórica chancelada pelo mito fundador
38
,
emanada
39
pelos inter-cruzamentos dos corpos-culturais (corpos-lusitanos, corpos-
negro
40
e corpos-índio
41
) e nessa movimentação histórica dos corpos, se produz um
38
Estou me referindo ao imaginário construído em relação ao “surgimento” do Brasil. A cidade da Bahia
com princípio originário frente à invasão Portuguesa.
39
Procedência de uma multiplicidade de seres e de coisas e desprendimento de substâncias voláteis do
corpo que as contém.
40
Estamos considerando corpo-negro de maneira singular, diverso e múltiplo, como processo histórico da
diáspora africana que vieram para o Brasil através de varias rotas, os Cabinda região ao nodertes de
Angola; os Benguela denominação provavelmente dada pelo tráfigo negreiros aos ovimbundos
provinientes do antigo reino de de Benguela, a sudeste de Angola; os Macuas e os Angicos de
Moçambique; os Minas da Costa de Guiné, os Jeje do Daomé, os Hauçás do norte da Nigéria, os
Yorúbá e Nagôs dos reinos de Oyó e de Ketu.
41
Corpo-índio também não é homogêneo, mas de vários grupos étnicos como os Tupis, Tupinambá e
muitos outros.
35
ambiente de conflito e consenso, de aliança e rebeldia, singular e plural da ”cultura
baiana”
42
.
Salvador, com sua vocação histórica, foi planejada em função de um projeto
político instituído
43
pelo colonizador europeu para assegurar sua visão de mundo
racionalista, imprimindo um processo civilizatório para o continente americano que
consistia, inicialmente, na exploração das riquezas naturais, na domesticação dos
corpos-índio através do cristianismo
44
e na exploração do corpo pela força do trabalho.
No entanto, os corpos-índio habitantes da terra Brasis, e os corpos-negro, do continente
africano e oriundos da diáspora
45
africana, colocaram também sua cosmovisão de
mundo, com outros projetos instituintes
46
, favorecendo outras histórias.
Este choque das entre-culturas se realçava na recusa de um único e monolítico
modo de produção e de vida cultural, na conspiração para recolocar a sua cultura e os
seus desejos dançáveis de manifestar suas crenças, na vontade de sobreviver às
brutas e violentas repressões sofridas.
Dessa maneira, a cultura baiana se funda e funde, nas lutas, não desejos
opostos, mas também de necessidades de alianças, de composição de saberes
múltiplos e devires diferentes. Nessa circunstância histórica e social, a cultura
42
Estou compartilhando com a análise desenvolvida por Antônio Risério. “E foi justamente na maturação
desses mais de cem anos insulares, de quase assombro ensinamento, que se desenvolve a trama
psicossocial de uma nova cultura, organicamente nascida, sobretudo, das experiências da gente lusa,
da gente banto e da gente iorubana, esta em boa parte vendida a Bahia pelo reis de Daomé. O que
hoje chamamos “cultura baiana” é, portanto, um complexo cultural datável. Complexo que é a
configuração plena de um processo que vem se descobrindo desde o século XIX, quando a Bahia, do
ponto de vista dos sucessos e das vicissitudes da economia nacional, ingressou num período de
declínio. Pois em meio ao mormaço econômico e ao crescente desprestígio político que práticas
culturais se articularam no sentido da individuação da Bahia no conjunto brasileiro de civilização”.
RISÉRIO, Antonio. Caynni: uma utopia do lugar. São Paulo: Perspectiva, 1993. p.158 .
43
O entendimento de instituído na análise institucional “são as relações de dominação, de poder, de
recalcamento e normatização que caracterizam a vida normal das organizações e que mudam somente
para reproduzir, conservar as mesmas dominações fundamentais”. GAUTHIER, Jacques; SANTOS,
Iraci. Enfermagem: análise institucional e sócio-poética. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1999. p. 21.
44
Para Walter Mignolo “O cristianismo tornou-se o primeiro projeto global do sistema colonial/moderno e,
conseqüentemente, a âncora do ocidentalismo e da colonialidade do poder que traçou as fronteiras
extremas da diferença colonial, reconvertidas e re-semantizadas nos fins do século 18 e no inicio do
19”. (2003. p. 46).
45
Estamos compartilhando do entendimento que a diáspora é um processo histórico de transito de um
povo com sua cultura para outro território. MIGNOLO, Walter D. Histórias Locais/projetos globais:
colonialidade, sabres subalternos e pensamento limiar. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.
46
O instituinte. está relacionado ao “momento revolucionário, inovador, criador, produtor de novas
normas, novas pautas, seja criando uma nova instituição, seja transformando uma instituição
existente, obstruindo as relações verticais de poder existente”. GAUTHIER, Jacques; SANTOS, Iraci.
Enfermagem: análise institucional e sócio-poética. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999. p. 21
36
dominante européia e as “culturas subalternas’ negra e indígena se misturam nascendo
uma cultura de ginga e manhas dos corpos-culturais.
A cidade-porto cidadela Salvador
47
”, considerada por Cid Teixeira “Capital do
Atlântico”, nos séculos XVI e XVII, tem um papel fundamental no sistema colonial-
moderno mundial, pois ela vai ser fluxo e refluxo de circulação dos corpos-multi-étnicos,
de bens materiais de consumo e de produção de riqueza para o colonizador. Nessa
direção, Salvador acaba sendo matriz produtora de uma nova cultura representada por
práticas corporais dos ‘bons costumes’, e, sobretudo, pelas “algazarras nas ruas”
48
realizadas pelos povos considerados “sem espíritos”. E a espiritualidade dos povos
colonizados, daqueles que operam com estética
49
e com formas diferentes propostas
pelos colonizadores, emergindo desta relação um contra-saber, o saber indígena que
emana das energias do sol, da lua, das plantas, dos animais..., o saber afro-brasileiro,
dos ventos sagrados (dos orixás), das suas energias e dos mitos referentes,
transmitidos oral e corporalmente, quase sempre através da experiência e da iniciação.
“Salvador nasce múltipla e desse modo evolui, secretando na alegria e na dor
sua unicidade contraditória. Salvador península, ela é mar e ela é terra”
50
. Cidade
litorânea banhada pelas águas quentes da Baia de Todos os Santos
51
e de todos os
orixás; do outro lado, às suas costas, o mar do Atlântico. “Entre o mar e o mato”
52
, a
primeira capital do império se forma constituindo uma nova cultura local que se nutre
de referência da terra e do mar como elementos geo-culturais.
47
BRANDÂO, Maria de Azevedo. Cidade contra Recôncavo. Revista da Bahia, Salvador, n. 28, p. 9,
1999.
48
ALBURQUEQUE, Walmira Ribeiro de. Algazarras nas ruas: comemorações da independência da
Bahia 1889-1923. Campinas: Editora UNICAMP. 1999.
49
Edgar Morim não define a estética como a qualidade própria das obras de artes, mas como um tipo de
relação humana muito mais ampla e fundamental. Cultura de massas no século XX: o espírito do
tempo – 1neurose. Rio de Janeiro: Florence Universitária, 1984. p. 78.
50
SANTOS, Milton. Aula Inaugural do Ano Letivo de 1999 da Universidade Federal da Bahia, p. 2
51
A Bahia de Todos os Santos corresponde a uma área “com uma superfície de aproximadamente 1.000
Km2 e uma orla de 200Km, ai está uma mediterrâneo de história ; e extensos manguezais enseadas e
lagamares, praias arenosas e rochosas, 35 ilhas. Idem, p. 9
52
Martim Lienhard traz na sua análise a condição desses espaços geográficos como referência
importante para cultura africana . “ Por acaso ou não, os “mesmos” espaços se constituíram também o
pano de fundo do cenário da escravidão no Brasil e no Caribe, fato que deve ter facilitado a
transferência da cosmologia Kongo para a América. Na África tanto o mar quanto o mato vêm a ser
“forças” simultaneamente ameaçadoras e promissoras. O mar alimenta os homens como também se
nutre dele. Da floresta surge o inimigo, mas é a mesma floresta que permite organizar a resistência
contra ele”. (1998, p. 19-20)
37
Na capoeira, esses elementos aparecem fortemente nos nticos: “Sai do mar,
sair do mar marinho”, “a canoa virou, a canoa virou marinheiro, a canoa virou
marinheiro no fundo do mar tem dinheiro”, “minha rainha sereia do mar não deixe o
barco virar, o deixe o barco virar, minha rainha seria do mar” “A onça morreu o mato
é meu, o mato é meu, é da capoeira” , ou então, na fala do Mestre João Pequeno:
capoeira aqui no Brasil é mato e o mato era onde eles iam treinar capoeira, os
negros que fugiam para o mato treinavam capoeira e até entravam em luta
com os capitães de mato. Capitão de mato era o vigia que olhava o mato e
procurava pegar os negros fugitivos e os negros se defendiam com a luta de
capoeira. Naturalmente isso é um raciocínio que a gente faz e eles chamarem
outros companheiros para irem treinar no mato, vamos treinar na capoeira, o
nome da luta ficou sendo este....
53
Natureza/cultura do mato e do mar que, na cosmovisão africana, o colocadas
como tributos aos seus ancestrais, saberes que tocam nas experiências do passado de
uma cultura do mato
54
, esconderijo onde se “podiaexpressar os desejos dançáveis do
corpo, as linhas de fugas onde os negros conseguiam reconstruir as lembranças da sua
terra.
Nas canções, relembram os acontecimentos de uma cultura portuária da
capoeira, pois as rodas de capoeira aconteciam nestes locais consagrados
historicamente, como: a Rampa do Mercado, o Mercado Modelo, o Porto de Salvador,
o areal do Porto, o Cais do Porto, a Feira do 7, o Cais do Carvão, e nas vizinhanças as
“zonas do mulherio[...]” “[....] palcos de rodas com a participação de capoeiristas
lendários, de conflitos entre capoeiristas e policiais e entre esses últimos e os sindicatos
das profissões ligadas às ocupações do porto”
55
. “Lugares de ganho” dos antigos
capoeiristas formam a geo-cultura das rodas de capoeira na cidade no final do século
XIX e no início do século XX.
Ainda sobre a cidade, ela se estrutura e se condiciona a partir do perfil de
civilidade, aos modos da cultura européia, sobrepondo e subjugando os corpos negros
53
SANTOS, João Pereira dos. Mestre João Pequeno: Uma Vida de Capoeira. São Paulo, 2000,
54
Martim Lienhard se referindo a cosmovisão tradicional dos Kongos e dos Mubundos vai considerar os
lugares onde residem os ancestrais. “O mato em particular, se conceitua como fonte de toda energia
acumulada na história coletiva. É nele que residem os nksiki ou mikixi, forças cujo controle permite
alcançar poder sobre os inimigos externos ou internos. (1998, p. 20).
55
ABREU, Frederico. Em tempo. COUTINHO, Daniel. O ABC da Capoeira Angola: os manuscritos da
capoeira angola. Brasília, DF: DEFER; CIDOCA, 1993. p. 117
38
e índios. A cidade vai se planificando seletivamente em lugares arquitetados para
segregar os corpos, os pobres e os ricos, os cultos e os ignorantes, os modernos e os
atrasados, o centro e a periferia. “A cidade se desenvolve pondo as pessoas nos seus
lugares – aliás essa é uma expressão bem baiana – nos seus lugares geográficos e nos
seus lugares sociais”
56
.
Embora as classes sociais encontrem-se visivelmente separadas, colocadas nos
devido lugares, as fronteiras desses locais são também tênues e móveis porque, com o
crescimento populacional da cidade, permitiram-se contatos e aproximações entre os
sujeitos, mesmo que seja de maneira escamoteada. Os lugares, como feiras, ambientes
de trabalho e festas, possibilitavam contatos e estabelecem relações societárias
dinâmicas e conflituosas, e a classe dominante, mesmo aparentemente não
reconhecendo o valor cultural dos “dominados”, acabou incorporando seus traços
fortíssimos nos seus hábitos de vida.
A cidade cultura/natureza é visível e invisível
57
ao mesmo tempo. A paisagem da
cidade se reflete no olhar, no imaginário que cada um tem da cidade, no cheiro da
comida de sua culinária e no ar que respiramos. Visivelmente, encontramos na área
antiga da cidade um conjunto arquitetônico tipicamente barroco considerado, hoje,
patrimônio histórico e cultural da humanidade e, em outras áreas, edificações modernas
que caracterizam as grandes metrópoles.
A sua invisibilidade está em uma atmosfera mística, meio que mágica, mas que
se torna visível principalmente nos corpos alegres, sensíveis, poéticos e nas emoções
que são evocadas nos becos, nas ruelas e nos bares pelos corpos dançantes do
samba. Às vezes, a invisibilidade da cidade está na impossibilidade do turista de
conhecer melhor a cidade, ficando iludido pelas campanhas publicitárias que vendem
como “Bahia, a terra da felicidade”
58
.
56
SANTOS, Milton. Aula inaugural do Ano Letivo de 1999 da Universidade Federal da Bahia, p. 6
57
O visível e o invisível são percepções humanas complementares e inseparáveis. A esse respeito
compartilho com Sonia Rangel. Sabe-se que visibilidade–invisibilidade é um biônimo inseparável na
dinâmica do conhecimento em sua ontologia e na natureza sempre limitada das percepções humanas.
Por mais precisos que sejam os instrumentos, por mais que sejam avançadas as teorias, a um legado
de saber é sempre acrescentável um legado maior de não saber. Nisso também reside a sempre
limitada competência humana de pensar, perguntar, escutar, criar e compreender e uma humilde que
não se confunde com a subserviência, mas é mediadora dessa interminável que é o desejo de saber”.
p. 50. Quem Faz Salvador.
58
Campanha publicitária utilizada pelo governo do estado para retratar o estado da Bahia.
39
A Cidade da Bahia, como chama Risério, esconde-revela, clara-escura, rápida-
lenta e favorece emergências históricas que vão eclodir e criar interferências culturais
da vadiação baiana desde o séc. XIX
59
. Com o “desenvolvimento” da cidade e o inter-
cruzamento cultural, a vadiação-capoeira vai se constituindo em uma rica e complexa
cultura dos capoeiras com elementos estéticos múltiplos e híbridos que, ao longo do
tempo, se articularam formando um “jeito singular” que favoreceu campos de
identificações materiais, imateriais e simbólicas, contínuos e provisórios.
A cultura dos capoeiras é formada por experiências históricas; é fruto das
movimentações e interconexões corpos-culturais. Estamos ressaltando a experiência,
enquanto dimensão humana originária e constituinte que entra na composição de um
corpo, não como experiência objetiva adquirida pelo sujeito em contato com o objeto,
ou como, experiência subjetiva a partir de impressões pessoais e nem mesmo da
experimentação cientifica, mas na potência do ato de fazer que é constituinte e
originário.
Dessa forma, a experiência implica na singularidade do despertar, do criar e do
fazer; é o lugar da interdeterminação do que ainda não é, em termo, definitivo. Na
verdade, a cultura dos capoeiras é um conjunto múltiplo, polifônico e polirritímico de
fluxos de sentidos, de matérias e de expressões que interagem permanentemente,
carregando em si a potência da diferença, do enigma, do silêncio, do inventivo e da
irrupção que incorporar o contraditório, o conflito e lutas as intensas de poder que
vamos denominar de duplagem cultural
60
.
A palavra duplagem cultural é a tentativa de reconhecer o duplo significado
presente nas relações políticas de poder, considerando não o poder-potência que
cada corpo-cultura produz, mas também a sua colagem, a sua junção das entre-
culturas
61
. Para introduzir o entendimento da palavra duplagem cultural, temos que
considerar os aspectos que diferenciam as culturas num campo intenso e nada
59
Ver ABREU, Frede. Capoeiras Bahia, século XIX: imaginário e documentação. Salvador: Instituto Jair
Moura, 2005
60
A palavra duplagem utilizamos recentemente no capítulo 3 A Valorização das Culturas Dominadas e
de Resistência e seus Efeitos Científicos e Filosóficos - as “Duplagens Culturais” do livro Prática da
Pesquisa nas Ciencias Humans e Sociais.
61
Entre-culturas significa os contatos entre as culturas diferentes.
40
amistoso, de luta, de conflito, e também, mesmo que provisoriamente compreender um
certo movimento de colagem ou alianças entre elas.
A teoria da duplagem cultural que será evidenciada no decorrer deste trabalho
pode me permitir o caminhar nos terrenos conflitantes e cada vez mais fluidos no
campo de visibilidade da cultura-capoeira, é importante frisar que a duplagem considera
a significância das entre-culturas, suas capacidades de operarem com lógicas distintas
umas das outras constituindo um campo de disputa fértil e feroz.
A respeito do entendimento de cultura e, mais especificamente da cultura dos
capoeiras, não se deve imaginar a cultura como algo fechado, intacto e enclausurado,
como se fosse um sistema que se alimentasse por si mesmo e se repetisse como
idêntico sucessivamente. Essa vertente é construída historicamente, pelo ocidente
colonialista sobre os povos dominados e é útil para ocultar os problemas de dominação
material (escravidão, hegemonia, tecnológica); seria a visão do que se chama
“culturalismo”.
Uma outra vertente de compreensão da cultura e que discute e abarca a
capoeira é a abordagem folclorista que Carlos Eugênio considerou como pioneira, os
trabalhos de Manoel Querino e Francisco Augusto da Costa, E os trabalhos de Edson
Carneiro e Luís Câmara Cascudo como estágios mais elevados dessas abordagens”
62
.
A abordagem dos textos folclóricos demonstra um amplo conhecimento empírico sobre
a produção cultural e suas expressões: os rituais, as festas, os artesanatos e os
costumes que retratam o cotidiano cultural do povo e suas manifestações. Nestor
Canclini, baseado nas análises de Renato Ortiz em relação ao Brasil, revela que:
os estudos folclóricos brasileiros devem muito a objetivos o pouco científicos
como os de fixar o terreno da nacionalidade em que se funda o negro, o branco
e o índio; dar aos intelectuais que se dedicam à cultura popular um recurso
simbólico através do qual possam tomar consciência e expressar a situação
periférica de seu país, e possibilitar a esses intelectuais afirmar-se
profissionalmente frente ao sistema moderno de produção cultural,
63
.
62
Ver SOARES, Carlos Eugênio Líbano.. A negredada instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro. Divisão de editoração, 1994. p. 12,13 e 14.
63
CLACLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas. São Paulo: EDUSP, 2003. p. 211.
41
Não podemos negar a contribuição que os folcloristas apresentaram nos seus
trabalhos, deixando-nos vasto material empírico. No entanto, devemos ficar atentos
para não tomá-lo ingenuamente, sem contextualizá-lo com as relações políticas da
época e que estejam subjacentes. Assim, as noções de “identidade nacional”
apresentam o objetivo de afirmar a identidade cultural do país através de determinadas
manifestações culturais no intuito de alimentar o espírito da brasilidade.
Os discursos elaborados da capoeira como prática “genuinamente brasileira”, “a
ginástica brasileira”
64
ou “o esporte brasileiro”, serviam para reforçar a construção de
uma identidade nacional patriota usada para o “reconhecimento” da cultura brasileira
nos moldes da eugenia e da eficiência
65
.
Na tentativa de superar as concepções da capoeira como atividade
eminentemente culturalista, folclórica e esportiva, consideramos a cultura,
especificamente a dos capoeiras, como processo de elaboração de fazeres, como
potência coletiva de um grupo ou uma comunidade sem fronteiras fixas, como criação e
recriação de costumes e valores originários e, como devir, constituinte de produção
material e espiritual. Existe um vazio, um mistério, que torna possível um movimento de
abertura para o estranho favorece processos ou ciclos de “tradução cultural”,
composição, integração do mesmo. A cultura dos capoeiras como processo incessante
de divergência e híbrida de novos fluxos descontín
uos de composição da singularidade.
A cultura pode ser compreendida como um conjunto de mediações simbólicas
(língua, leis, regras, mitos, etc.) entre sujeito e mundo e que tem por elementos
fundadores “o céu (ideais, horizonte de ação), a terra (espaço, território), o movimento
64
Idéia desenvolvida por Aníbal Burlamaqui, cujo objetivo era disciplinar as práticas corporais na
capoeira com regras, o seu lendário trabalho Gymnastica Nacional (Capoeiragem) Methodisada e
Regrada, de 1928, mas em 1944, com a publicação da monografia vencedora do concurso da área de
Educação Física, promovido pela Divisão de Educação Física, do Departamento Nacional de
Educação, do Ministério da Educação e Saúde, a obra de Inezil Penna Marinho, intitulada Subsídios
para o estudo da metodologia do treinamento da capoeiragem é proposta a prática da Capoeira
enquanto método ginástico brasileiro.
65
De acordo com Paula Cristina “Nesse contexto, a Capoeira passa a ser apontada como uma solução
na busca de um método ginástico nacional ou mesmo um Esporte de procedência tupiniquim. Porém,
para inseri-la de maneira ideal no sistema, ela não poderia ser aquela praticada pelas camadas mais
baixas da sociedade, vinculada às raças “inferiores”, como a negra, desafiando a ordem pública e
exercendo pressões políticas diante do aparato governamental e policial. Ela tinha que ser modificada,
regrada, metodizada, higienizada, elitizada... e assim alguns estudiosos deram início ao que podemos
chamar disciplinaliização da capoeira”. SILVA, Paula Cristina da Costa. A Educação Física na roda de
capoeira: entre a tradição e globalização. Dissertação (Mestrado em Educação Física) Programa
de Pós-Graduação em Educação Física, Faculdade de Educação Física da UNICAMP.
42
(trabalho, dinâmica de ação e transformação), investidos de modo diferente, segundo a
particularidade dos modos como cada formação ética ou humana aborda a
complexidade do real
66
”.
Caminhando nesta perspectiva, a cultura dos capoeiristas pode ser
compreendida como o modo pelo qual o sujeito mobiliza as diferenças culturais para
tocar no real, sendo um jogo de disputa, uma metáfora que se constitui no apreender o
singular. Ela abarca o conjunto dos processos sociais de significação, produção,
circulação e consumo da vida social, materializando-se em repertórios de níveis e
classificações diversas com os quais s, definitivamente, entramos em contatos;
existem fluxos de intensidades vividos pelo sujeito com vários vetores de múltiplas
forças. A cultura é um vazio positivo, uma idéia de unidade, mas idéia forte o bastante
para levar à invenção tanto de representação de identidade quanto de alteridade. Na
prática, o que experimentamos de uma cultura é a variedade de repertório, onde se
embatem simbolizações, hábitos e enunciados
67
”.
A cultura dos capoeiras é uma criação continuada dos sujeitos, mestre e
aprendiz, dos seus locutores que se reconhecem e são reconhecidos por outros como
“autorizados” a se referir a certos núcleos identificatórios
68
, a certas marcas
significantes, semânticas e semióticas. Isso chama nossa atenção para os fenômenos
de hibridação. ou “ciclos de Hibridação
69
que acontecem nas assim chamadas,
culturas. Por exemplo: quando os mestres da capoeira Angola falam das suas raízes
africanas, mais diretamente da “origem” da capoeira africana, eles falam de um lugar
o Brasil contemporâneo que perdeu parcialmente algumas dessas raízes, mas onde
estão sendo criadas novas formas de representações da cultura africana; dessa
66
SODRÉ, Muniz. Claros e escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. Petropolis. RJ: Vozes, 1999. p
46.
67
Idem, p. 47.
68
Núcleos identificatórios está próximo ao que Kathryn Woodward considerar o “circuito da cultura” e
identidade e representação. “A representação inclui as práticas de significação e os sistemas
simbólicos por meios dos quais os significados são produzidos. É por meio dos significados produzidos
pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somo.” (200, p. 17)
69
É importante considerar que Canclini revela que os processos de hibridação não se dão pela simples
fusão de culturas diferentes, mas no bojo das tensões e nos desdobramentos dos conflitos gerados
pelos movimentos globalizadores, ou seja, em um revanche contínuo de forças heterogêneas. Ele
define por hibridação “processos socíoculturais nos quais as estruturas ou práticas discretas, que
existem de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas. Cabe
esclarecer que as estruturas chamadas discretas foram resultado de hibridação, razão pela qual não
podem ser consideradas como fontes puras” 2003. (fl. XIX).
43
maneira, eles falam também de um ponto de vista que não é da historicidade,
consolidado na academia, e sim da ancestralidade
70
, conhecido pelos capoeiristas e
adeptos das religiões afro-brasileiras.
Desse modo, eles falam, com todo o direito de falar de um outro lugar, onde os
conhecimentos acontecem através de dispositivos diferentes. A ancestralidade a que
nos referimos elabora os conceitos e os discursos com lógica diferente de uma
perspectiva mais racional e não deve ser entendida como uma identidade essencialista
da capoeira, como se existisse um conjunto cristalino, puro e autêntico (“porque é
essência da capoeira”). Aquilo sobre o qual Alburquerque afirma que: A identidade
nasceria da atitude de enrola-se sobre si mesmo, de envolver-se consigo mesmo e
expulsar o estranho, o diferente como intrusão, o escavar a si mesmo. A identidade
nega o exterior, hostiliza, tem medo dele”
71
, mas justamente ocorre de maneira
contrária; a ancestralidade interfere como processos de intensidade que favorece a
coexistência com a diferença, os contatos, as trocas, o movimento do devir, a abertura
para o “outro”,sobretudo, pela mudança de sentido.
Historicamente, o imaginário colonialista caracteriza a cultura do africanos como
inferior e menospreza seus saberes; considerar a ancestralidade como poder-potência
é reconhecer a diferença com que os mestres antigos conseguem ainda expressar e
viver sua cultura. É a força daqueles que conseguem falar pelo segredo, pelo silêncio e
pelo enigma.
Assim, iremos situar a cultura dos capoeiras como processo que se conjetura,
forma campo de significações e no qual são estabelecidos múltiplos contatos entre os
sujeitos. Os contatos ou “ciclos de hibridação” deste universo simbólico dos capoeiras
permanecem em constante fluxo e refluxo para afirmar suas “identidades-
singularidades” e dar continuidade aos seus saberes ancestrais re-significados nos
“Brasis”.
Ao instalar formas cíclicas de viver a cultura, os afro-descendentes, através das
rodas, materializaram resistências contra a opressão em constantes e sutis processos
70
Ver CASTRO, Luís Vitor Júnior. Capoeira Angola: olhares e toques cruzados entre historicidade e
Ancestralidade . Revista Brasileira de Ciência do Esporte. Campinas, v. 25, n. 2, p. 143, 2004.
71
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. Fragmentos do discurso cultural:por uma análise crítica do
discurso sobre cultura no Brasil. MARCHIORI, Gisele (Org.). Teoria e políticas da cultura: visões
multidisciplinares. Salvador: EDUFBA, 2007. p. 21.
44
de rebeldia que foram, muitas vezes, imperceptíveis ao olhar colonialista e, atualmente,
bastante visível ao olhar pós-colonialista.
Cabe ressaltar que estamos tocando no processo de hibridação cultural de uma
manifestação “popular” da cultura brasileira; não estamos nos referindo à mistura racial,
mas às movimentações históricas que nas quais as novas e as antigas diásporas
ocorrem intensificadas pelo projeto de globalização. O sentido da tradução cultura
72
,
termo utilizado por Hal e que nos ajuda a perceber o fenômeno cultual como campo
intenso de disputas, cujas dissonâncias culturais vão sendo explicitadas conforme as
relações políticas de poder dos seus personagens.
A tradução cultural não se resume apenas a um elemento, mas ao conjunto de
significância cultural incorporado e transmudado historicamente no Brasil e que está
presente nas práticas culturais dos capoeiristas. Alguns historiadores que vêm
desenvolvendo pesquisa neste campo investem na possibilidade da “invenção da
tradição”
73
da capoeira nos períodos relacionados às fortes mudanças de suas práticas
nas décadas de 1930 e 1940, com a passagem da prática da capoeira do espaço
público (a rua) para os locais fechados (a formação dos centros e das academias).
Tomamos como pressuposto as abordagens de Hal a respeito do processo de
tradução cultural, tendo em vista a dinâmica pela qual a cultura vai se modificando com
72
“Um termo que tem sido utilizado para caracterizar as culturas cada vez mais mistas e diaspóricas
dessas comunidades é hibridismo”. Contudo, seu sentido tem sido comumente mal-interpretado.
Hibridismo não é uma referência à composição racial mista de uma população. É realmente outro termo
para a lógica cultural da tradução. Essa lógica se torna cada vez mais evidente nas diásporas
multiculturais e em outras comunidades minoritárias e mistas do mundo pós-colonial. Antigas e novas
diásporas governadas por essa posição ambivalente, do tipo dentro/fora, podem ser encontradas em
toda parte. Ela define a lógica cultural composta e irregular pela qual a chamada “modernidade”
ocidental tem afetado o resto do mundo desde o início do projeto globalizante da Europa. O hibridismo
não se confere a indivíduos híbridos, que podem ser contrastados entre os “tradicionais” e “modernos”
como sujeitos plenamente formados. Trata-se de um processo de tradução cultural, agnóstico uma vez
que nunca se completa, mas que permanece em sua indecibilidade (Hall, 2003, p. 74). Que o é
decidido, resolvido ou averiguado. Mais adiante, Hall, citando Bahbah, afirma que as variantes entre a
“tradição” e a “tradução” não devem ser vistas como algo celebrativo. O hibridismo significa: Momento
ambíguo e ansioso de ... transição, que acompanha nervosamente qualquer modo de transformação
social, sem a promessa de um fechamento celebrativo ou transcendência das condições complexas e
até conflituosas que acompanham o processo ... {ele}insistir em exibir ... as dissonâncias a serem
atravessadas apesar das relações de proximidade, as disjunções de poder ou posição a serem
contestadas, os valores éticos e estéticos a serem “traduzidos”, mas que não transcenderão incólumes
o processo de transferência. “O hibridismo marca o lugar dessa incomensurabilidade” (Hall, 2003, p.
76).
73
Idéia desenvolvida pelo historiador HOBSBAWN, Eric. A invenção das tradições. Rrio de Janeiro.
Paz e Terra. 1997
45
a intensificação da modernidade, dos processos de “globalização cultural”, e por
considerar que as relações culturais se constituem dialeticamente entre forças políticas
e ideológicas. Estamos pensando na história como movimento de descontinuidade;
nesta dinâmica, a cultura dos capoeiras cria novas estéticas éticas com a passagem
da rua para outros locais, mas a partir de elementos anteriores.
Raymond Williams considera essa dinâmica dos processos de tradução cultural
como dominante, emergente
74
e residual
75
, ou seja, mesmo com essa transformação
brusca da capoeira em virtude da mudança de espaço, da rua para o recinto fechado,
os corpos-capoeira conseguiram dar “continuidade” a alguns traços (gestualidade
corporal, músicas, enredos e outros) que tornam o passado presente nas suas formas
singulares de re-elaboração das suas manifestações populares.
Retomando a expressão de duplagem cultural e baseados nas pesquisas de
abordagem sociopoética
76
desenvolvidas por Jacques Gauthier, que considera: o corpo
como fonte de conhecimento e os conceitos que as “culturas dominas” e/ou de
resistência produzem como causadores dos efeitos da diferença cultural, mas também
inspirados na filosofia de Gilles Deleuze e lix Guattari, consideraremos o duplo
agenciamento, de conteúdo e de expressão. agenciamento maquínico de corpos,
ações e paixões, mistura de corpos reagindo uns sobre os outros”
77
, e o agenciamento
74
Raymond Williams ao analisar a cultura em movimento de inter-relações dinâmicas desenvolve os
conceitos de dominante, residual e emergente. “Por “emergente” entendo, primeiro, que novos
significados e valores, novas práticas, novas relações e tipos de relação estão continuamente criada.”
Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro. ZAHAR, 19--. p. 126.
75
. “O residual, por definição, foi efetivamente formado no passado, mas ainda está ativo no processo
cultural não como elemento do passado, mas como elemento efetivo do presente. Assim, certas
experiências, significados e valores que não se podem expressar, ou verificar substancialmente em
termos da cultura dominante, ainda são vividos e praticados à base do resíduo cultural bem como
social – de uma instituição ou formação social e cultural anterior”.p.125.
76
Abordagem teórica metodológica de pesquisação criada por Jacques Gauthier. “A sociopoética foi
gerada numa entrecruzilhada, quando se encontraram a pedagogia do Oprimido, a análise institucional,
a escuta mito-poética e a educação simbólica.”GAUTHIER, Jacques Zanidê. SOCIOPOÉTICA
:encontro entre arte, ciência e democracia na pesquisa em ciências humanas e sociais - enfermagem e
educação. Rio de Janeiro: Ed. Escola Anna Nery/UFRJ, 1999. p.12.
77
O agenciamento maquínico está relacionado aos corpos que se atraem, repulsam-se, alteram-se,
fazem alianças, combinam-se em aliagens, expandem-se, penetram-se, excluem-se. Esses corpos
podem ser corpos, partes ou grupos de corpos humanos, e seres naturais, ferramentas, máquinas,
energias que se compõem ou transformam segundo regras, em tempos e lugares instituídos. Assim é a
roda de capoeira numa organização comunitária pobre e carente; outra coisa é uma roda nas festas, e
outra são as “roda” dos shows folclóricos. O importante é que existem, nessa máquina física”, poços
de captura que atraem as energias em pontos instituídos, repetitivos, reprodutores do mesmo,
devoradores; e existem, forças contrárias, linhas de fugas desejantes, criadoras de jogos não previstos
46
coletivo de enunciação
78
, de atos e enunciados, transformações incorporais atribuindo-
se aos corpos”
79
.
Vê-se facilmente a importância desse agenciamento complexo de enunciados
até mesmo na constituição da subjetividade e daquilo que é chamado de cultura.
Existem poços, rios, trilhas, avenidas, terras, ventos, fronteiras, fluxos, toda uma
geografia na qual as palavras se juntam, comem, pegam, apagam, superpõem,
parasitam, traem, espalham, escondem. Aqui, também, o relevante é a existência de
pontos de territorialização que atraem vários discursos no mesmo campo semântico,
fazem ecoar uns nos outros, conectando-os, ou, então, supercodificando, numa forma
geral dominante, conteúdos diversos.
É por um processo de supercodificação que se produz o que Gramsci chamava
de “cultura hegemônica”. Mas existem também pontas de desterritorialização,
expressões de desejos instituintes, palavras que não podem ser capturadas pela ordem
instituída. O que a linguagem política chama de “culturas de resistência” são conjuntos
de linhas que convergem em direção a um território, ou até criam um território novo,
cuja ordem semiótica é heterogênea em relação à ordem instituída, e não é capturada.
Os pólos de captura interligados geram o que é chamado de cultura “dominante” ou
hegemônica, enquanto agenciamentos discursivos heterogêneos, parcialmente
capturados por esses significados dominantes, produzem o que é chamado de cultura
“dominada” ou de resistência.
A dominação hegemônica é uma imposição de formas, às quais é dada uma
coesão territorializada e um recalcamento dos modos de organização simbólica; modos
não dominantes, mas alheios. Assim o “tu”, “você”, que chama toda forma, está, no
que nem sempre vêm por vontade própria das pessoas, mas perpassam o conjunto de corpos e afetos.
Uma forma de desordem criadora, de caos na organização.
78
O agenciamento coletivo de enunciação é composto das múltiplas falas e discursos possíveis e que
produzem a subjetividade (essa não é individual, e sim coletiva, conectando signos diversos). As
enunciações não representam os conteúdos (os corpos e afetos), por possuírem forma e coerência
próprias, e sim por poderem antecipar, tirar, cortar, juntar diferentemente… esses conteúdos. Temos os
exemplos da “cultura dos capoeiras” que gera uma espécie de “cultura familiar” que não se forma pelos
laços sangüíneos, mas por outros tipos de laços (afetividade, desejo e paixão) e que vão se
constituindo em uma outra relação de parentesco, afiando muitas vezes um discurso homogeneizado
“pela preservação dos valores culturais da capoeira, pela mistificação dos icones da capoeira (homem-
deus), pela luta incessante da originalidade e pureza” ..., mas, também de heterogeneidade de
discursos dentro da ‘própria “família capoeira” com os “desvios”, as mudanças e o diferente.
79
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, Rio de janeiro: Ed. 34,
1995. v. 2, p. 29.
47
caso, silenciado. Relacionando isso com a rizomática, pode-se dizer que
agenciamentos maquínicos de corpos característicos da escravidão e neo-escravidão
(ausência de concretização de direitos básicos do trabalhador salário, saúde,
educação presença de formas de dominação patrimonial, racismo, discriminação,
exclusão, hegemonia tecnológica…) e agenciamentos coletivos de enunciação racistas
contra os negros e os pobres apagam a palavra e os corpos dos dominados. Ficções,
narrativas e outros dispositivos são criados pelas instituições, mídia, igrejas, escolas…
e contribuem para esse apagamento, ou pelo menos para a submissão. O Brasil
nasceu de um genocídio e manteve-se em um contínuo processo de genocídio cultural.
Mas, frente a essa tendência à intolerância em não considerar as diferenças
culturais, frações do povo mantêm sua potência de responder, criando narrativas
alheias, com lógica não assimilável pelo poder hegemônico
80
. Isso está particularmente
visível e audível nas formas através das quais se tecem, nos rituais afro-descendentes,
os relacionamentos entre gerações, ou seja, entre o presente e a ancestralidade. O
desejo ancestral de continuidade da espécie humana resiste, e nos sujeitos de hoje
ecoam as vozes fundadoras e preservadoras do grupo. Podemos chamar isso de
relação grupal, perceptível no fato de que “o indivíduo sente pluralmente. No grupo ou
em sua cultura, pode-se ter a percepção de estruturas globais, experimentar sensações
de totalidade, pois, sendo ele a forma que dá substrato à tensão luz/trevas, é uma fonte
permanente de excitações
81
. Diante do racismo como controle onipresente, da vida
sensível do corpo e de suas superfícies sensórias por estar interligado, o africano e o
Índio, que suportaram a acumulação primitiva do capital colonialista, simbolizam o povo,
particularmente ao expor esteticamente seu corpo.
Tanto o índio como o negro, lutando para serem fies aos seus apalavramentos
“originários”, e afirmados novamente nos seus rituais, vivem na abertura a mundos
virtuais a outros planos de existência que abrem a leitura do presente para a
80
Estamos nos referindo ao processo de dominação social ao qual Martim Barbero dá a seguinte
compreensão, “como um processo no qual uma classe hegemoniza, na medida em que representa
interesses que também reconhecem de alguma maneira como seus as classes subalternas. E “na
medida” significa aqui não há hegemonia, mas que ela se faz e desfaz, se refaz permanentemente num
“processo vivido”, feito não de força mas também de sentido, de apropriação do sentido pelo poder,
de sedução e de cumplicidade”. MARTIM-BARBERO. Jesús. Dos meios às mediações:
comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2003. p. 116.
81
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, Rio de janeiro. Ed. 34,
1995. v. 2, p. 141.
48
possibilidade de novas narrativas. Assim, é coerente dizer que não se produzem, no
território do ritual (ou da capoeira), contra-identidades, e sim desidentificações do negro
colonialmente produzido como negro, sendo abolida a identidade num processo de
estranhamento e corporalmente são mostradas as possibilidades de transformação.
Isso é resistência, pois educa para a transformação, aqui e agora, a partir da
ancestralidade e de leituras sempre re-abertas da história.
O duplo agenciamento, o maquínico dos corpos e o coletivo de enunciação
formam a complexidade do que podemos correlacionar com a cultura dos capoeiras, a
sujeição dos corpos estigmatizados pelo poder com seus dispositivos operantes para
vigiar, controlar e punir e por outro lado, as fugas com outros enunciados de desejos
opostos gritando nos seus corpos.
Corpos-capoeira que aprenderam a disfarçar a luta em brincadeira e a
brincadeira em luta. O desejo de contar sua história através do corpo que dança em
aparente luta e brincadeira. Sendo assim, criaram novos modelos estéticos para serem
visto pelo colonizador.
1. 2 O corpo-capoeira no “quintal de Nagô”: as crônicas de Antonio Viana
Antonio Viana (1883-1953), considerado o “cronista da cidade”, em uma das
suas crônicas, “Valentes a Unhas”, descreve os episódios entre ganhadores e
carroceiros, os valentes-capoeiras e a polícia na região próxima ao Cais do Ouro,
Mercado do Ouro, Rampa do Mercado e adjacência. Viana retrata a sagacidade dos
capoeiras tinham para lidar com os “qui pró quo”.
O interessante perceber que Antonio Viana foca na descrição do corpo e
podemos considerar o mesmo como um dispositivo visível que chamou atenção do
cronista: “... estavam a postos os trabalhadores na faina de conduzir à cabeça, dentro
outros, pesados fardos de charques escadas acima, músculos retesados, suarentos,
49
atléticos e joviais. Valia vê-lo de dorso desnudado, lustrosos, braços erguidos em arco a
sustentar os volumes na corrida constante do oficio”
82
.
O corpo-capoeira era o suporte do oficio desses trabalhadores que enfrentavam
uma longa jornada de trabalho. As atividades diárias exigiam dos corpos-trabalhadores
um esforço físico considerável. Mark considerou esse tipo de relação como condição
originária do trabalho, porque, sem o corpo do estivador, do carroceiro e do trapicheiro,
não trabalho, ou seja, o corpo é a condição essencial para que sejam colocadas as
relações de exploração na força do trabalho. Sem o corpo do trabalhador não existe
trabalho. “Corpo de labuta”
83
, como denominou Frede Abreu, e que reflete a
incorporação das práticas diárias do trabalhador nos seus corpos-capoeira.
Na fotografia abaixo de Pierre Werger podemos associar a descrição feita por
Antonio Viana com o corpo dos trabalhadores da estiva:
O trabalho da estiva
84
82
VIANA, Antonio. Casos e coisas da Bahia. Salvador: Fundação cultural do Estado da Bahia, 1984. p.
134.
83
ABREU, Frederico José. Capoeiras: Bahia, século XIX. Salvador: Instituto Jair Moura, 2005.
84
AMADO, Jorge; DAMM, Flávio; Carybé. Bahia boa terra Bahia. Fotografes de Pierre Verger. Rio de
Janeiro: Agencia Jornalística Image, 1967. p.110
50
Embora a foto revele território diferente e temporalidade distinta, pois a imagem
fotográfica utilizada é mais recente em relação às crônicas de Antonio Viana, ela serve
de instrumento para identificarmos as experiências do estivador carregando “saco de
cacau
85
”. O corpo produto e produtor dos bens materiais realizava as atividades mais
duras, como carregar e descarregar as carroças, embarcações e etc.
Na imagem fotográfica, ressaltam-se no corpo o desenvolvimento da
musculatura intercostais, os braços estendidos carregando o peso do saco, o corpo
realizando um complexo jogo de equilíbrio e de sustentação do peso. Esse tipo de
trabalho marca o corpo com uma outra “anatomia política”
86
, capaz de suportar a
domestificação do corpo-capoeira explorado, subjugado e maltratado nas relações
políticas de trabalho, mas, ao mesmo tempo, desenvolve habilidades imprescindíveis
para lidar com a rebeldia do corpo na sua arte de bater com os pés, aquilo que Mestre
Pastinha dizia “quando as pernas fazem miserê”. São essas situações vividas no
cotidiano que vão contribuir para o desenvolvimento das capacidades físicas que
ajudavam no manuseio do corpo não para enfrentar as longas jornadas de trabalho,
mas também para disputar os “espaços de ganho”. As aparências dos corpos fortes de
vigor físico foram bastante evidenciadas nas imagens de Debret e Rugendas.
Na mesma crônica, Viana descrever o corpo dos “antigos”
Se os visem velhinhos, agachados nos calcanhares, a catar no solo, à procura
de qualquer coisa. Sem óculos. Com a dentadura perfeita. Completa. O miolo
certo... As articulações dóceis, como na época em que unhavam o corpo para
escaparem ao assalto contrário às garras da policia!... quem os não quererá
imitar na capacidade física... É questão de exercício. Sem armas. Sem juizes.
Sem assistência torcedora. Experimentem. Venham daí, autênticos valentes à
unha... Valentes deveras!
87
85
Referência do índice do livro.
86
Termo utilizado por Foucault para designar a “mecânica do poder” no desenvolvimento das técnicas
disciplinares do corpo para obtenção da disciplina, no entanto, estou me referindo para essa
terminologia, a dupla possibilidade que pode ter “anatomia política do corpo”. FOUCAULT, Michel.
Vigiar e punir: nascimento das prisões. Petrópolis, Vozes, 1987.
87
VIANA, Antonio. Casos e coisas da Bahia. Salvador: Fundação cultural do Estado da Bahia, 1984. p.
135
51
(Ganhadores da Bahia
88
)
Os “valentes à unha”, com os seus corpos de “articulações dóceis”, sabiam lidar
com as forças repressivas da policia, conseguiam temporariamente lidar com o território
controlado pela vigília constante da força policial, enfrentando a bruta competição entre
eles na disputa pelo território e pelo seu ganha pão; eles também conseguiam ao
mesmo tempo estabelecer laços societários importantes para a permanência de suas
atividades, instituindo outras formas de convivência com respeito e tolerância.
As duplagens culturais estavam justamente na capacidade de aprender a lidar
com as imposições sociais da época, utilizando os molejos do corpo para se defender
dos atritos, brigas e confusões, mas também das estratégias criadas para brincar na
hora de folga, a rampa do mercado pertence aos capoeiristas afigura-se-lhe palco
imenso onde suas pernas se agitam na “vadiagem”, a pulsar a capoeira, ao som
monótono e doloroso do berimbau
89
, ou seja “nos momentos de ”folgas”, na hora do
almoço, na espera de um serviço para outro, no entre-tempo da maré, após descarregar
as embarcações e carregar novamente, a prática da capoeira entra em cena como
forma de “passatempo” e de ser visto também.
88
Credito da imagem - Acervo Schomburg Center for Research in Black culture, Nova York, Estados
Unidos da América. Fotografia retirada do livro. SAMPAIO, Consuelo Novais. 50 anos de urbanização:
Salvador da Bahia no século XIX. Rio de Janeiro: Versal. 2005, p. 94.
89
TAVARES, Cláudio Tuiuti. Capoeira mata um!. Cláudio revista o Cruzeiro. O Cruzeiro. 10 de jan. 1948.
52
A arte do corpo de não bater somente com os pés, mas também com a cabeça, é
relatada por Viana da seguinte maneira:
O saldado lhe ia ao encalço. Estabelecia-se a ciranda. Corre aqui. Passa para
li. Ameaça. Oferece. Escapa. Enfrenta de treita. Para enganar, numa porfia
exaustiva. Eis que o sargento mais sagaz põe a mão à camisa do reminante.
Este, lesto, quebra o corpo e deixa farrapos nos dedos do detentor. O facão
rebrilhava sobre a sua cabeça. O capoeirista finge não o ver. Prepara a
cabeçada à boca do estômago do policial. Manda-o aos ares com descida
obrigatória às águas. Sem facão. Sem nada. Acode o companheiro de farda.
Nova cabeçada. Mais um homem ao mar, quantos venham, seguem o mesmo
destino. Desarmados. Desmoralizados...
90
A astúcia do corpo-capoeira que finge não ver o facão enganando o sargento
mais ágil, demonstra a sagacidade do corpo na arte do disfarçar, seu lado frio e
calculista para aplicar-lhe o golpe fatal. Cabecear para derrubar revela a sabedoria
corporal de defender-se daquela situação constrangedora, a habilidade do corpo-
capoeira de camuflar, deixar a força policial pensar que consegue dominá-lo para
depois responder. A tática de lutar implica no saber complexo do corpo-capoeira de
enfrentar o perigo, “o bote da cobra” certeiro. O próprio Antonio Viana faz referência,
em uma outra crônica, aos golpes utilizados pelos capoeiristas destacando o perigo da
cabeçada.
Na crônica os “Valentes de ontem”, Viana, ao se recordar da sua infância, nos
tempos em que os homens usavam todos os “recursos maleáveis de todo o corpo”,
comenta que os capoeiristas e brigões eram verdadeiros acrobatas, usando o corpo
para lidar com as contendas:
Era a cabeça, eram os pés, eram as mãos, era todo o corpo, deslocando-se a
vontade, nas imposições do momento, que vibrava e tomava parte da peleja
incendida ( ), quase sempre por uma concepção bárbara do brio individual. Vi
individuo lutarem encaniçadamente, e caírem exaustos, ensangüentados e
ferozes, por uma simples dúvida de qual o mais valente
91
90
Idem. p. 134
91
VIANNA, Antonio. Quintal de Nagô e outras crônicas. Salvador: Universidade Federal da Bahia.
1979. p. 8
53
Como na peleja não nada de permanente, a todo momento o corpo
enfrentava as diversas situações de desafios e provocações e tinha que lidar com o
intempestivo das pessoas presentes. O status da valentia garantia o poder de ser
respeitado pela sua força, sua coragem e sua sagacidade, mesmo que,
provisoriamente, até o próximo desafio. Sendo assim, a prática da capoeira vai se
constituindo como elemento imprescindível nas labutas diárias dos negros
trabalhadores que lutam pela sobrevivência.
Diante dos ricos relatos das crônicas de Antonio Viana, podemos relacionar,
novamente as duplagens culturais que colocam em cena o enfrentamento através do
combativo e, ao mesmo tempo, o divertimento. A colagem, a junção de luta-jogo era
característica fundamental e necessária para que o corpo-capoeira conseguisse, ao
longo do tempo, resistir às mais perversas formas de repressão e de controle presentes
na exploração dos corpos-negro. Combater (lutar, disputar) para sobreviver e brincar
para “distrair” tornam-se elementos constitutivos e originários para que a arte de bater e
brincar com todo corpo fosse um dispositivo de fuga aos agenciamentos maquínico e
coletivo de enunciação à força do trabalho escravo e não escravo, de ganho.
(Carroceiros na labuta diária
92
)
92
Fotografia retirada do livro. SAMPAIO, Consuelo Novais. 50 anos de urbanização: Salvador da Bahia
no século XIX. Rio de Janeiro: Versal. 2005,
54
Os corpos-negro produziam a riqueza econômica para o sistema colonial e pós-
colonial. Nos momentos de “fuga” do trabalho, eles conseguiam, através dos jogos, das
lutas, das disputas, das atividades musicais, desenvolver outras inteligibilidades que
permitiam a cooperação e a improvisação, o que possibilitou continuidade de uma
produção imaterial e material de bens culturais africanos importantes para a
constituição da capoeira baiana.
Importante considerar que, mesmo num ambiente hostil de disputa constante, os
corpos-capoeira tinham seus dispositivos pedagógicos para possibilitar a continuidade
de seus saberes; conheciam o processo pelo qual se constituía a transmissão do
conhecimento, as sutilezas pedagógicas que estavam no olhar, no observar, no jeito do
corpo. Neste sentido, podemos considerar uma dessa formas na explicação dada por
Frede Abreu sobre a oitiva:
sobre a oitiva: era na roda, sem a interrupção do seu curso, que se dava
iniciação, com o mestre pegando nas mãos do aluno para dar uma volta com
ele. Diferentemente de hoje em dia, quando é mais freqüente se iniciar o
aprendizado através de series repetitivas de golpes e movimentos,
antigamente o lance inicial poderia surgir de uma situação inesperada, própria
do jogo: um balão boca-de-calça, por exemplo. A partir dele se desdobrava
outras situações inerente ao jogo que o aprendiz vivenciava orientado pelos
“toques’ do mestre”
93
.
Para compreendermos os “toques dos mestres” com suas sutilezas pedagógicas,
é importante considerar dois elementos fortes e incisivos nas manifestações oriundas
da diáspora africana. O primeiro está relacionado com a força da cultura oral presente
neste universo simbólico da capoeira, aquilo que Antonio Bahia chamou de enunciado
verbal ao se referir à comunicação do professor com os alunos em uma determinada
atividade, e aqui é recolocar como enunciado oral, tem a ver com a força da oralidade
na transmissão do conhecimento, nos toques dos mestres, nas suas histórias, nos seus
contos, nos seus discursos, nos conselhos dados, nas explicações de como as coisas
funcionam, ou seja, toda potência do corpo-voz reverberando nos corpos dos
aprendizes.
93
ABREU, Frede. O barracão do mestre Waldemar. Salvador: Zarabatana, 2003. p. 20.
55
O outro enunciado, traduzido por Bahia como “enunciado motor”, é aquele pelo
qual o corpo consegue comunicar para os outros corpos seus saberes com seus
gestos, com seus molejos, com seus movimentos; o corpo em movimento falando para
o outro seus conhecimentos. Esse segundo enunciado ficará mais evidenciado no III
capítulo, quando analisarmos a metamorfose do corpo no jogo da capoeira.
Por fim, os corpos-capoeira enfrentavam um ambiente hostil da rua no mundo do
trabalho, o espaço público disputado no braço, mas existiam também os momentos das
brincadeiras que possibilitavam as trocas dos jogos de corpo a vadiação. A astúcia
corporal dos capoeiras, visível ao olhar atento do cronista e com a passagem, dessas
práticas da rua para o recinto fechado vai se ampliar os campos de visibilidades da
capoeira baiana.
1.3 A Geografia das rodas de Capoeira na cidade
Nos anos 40 com a mudança do cenário social das rodas de capoeira na cidade
de Salvador, emergiu lugares com intensas relações de poderes, cujas situações se
constituíam através de alianças, entre os produtores culturais, oriundos da classe
subalternas com os novos aprendizes da classe média e da elite da sociedade. Mas, a
parti dos anos 60 com o advento da indústria do turismo e do processo de
esportivização, a capoeira, além de mudar a sua fisionomia, vai surgir novos campos de
visibilidade.
No entanto, é importante considerar que mesmo com as forças hegemônicas de
poder, as práticas corporais da capoeira, tanto Angola como Regional, instituíram
também outras linhas de fuga. A realização das rodas estava entrecruzada com os mais
diversos significados.
56
As rodas ocorriam em lugares distintos, com características diferenciadas. O
lugar
94
da roda era estabelecido em função de inúmeros fatores: nas festas populares
de largos; nas domingueiras; nas “academias” de capoeira, nos bairros mais afastados
do centro e nos mais diversos eventos ocorridos na cidade.
O local da roda representava o momento de conflito e cooperação entre os
participantes, sendo este o lugar onde as práticas corporais refletiam as experiências
históricas que cada mestre trazia. Portanto, a partir do estudo do lugar das rodas,
podemos entender a dinâmica dos conflitos culturais e a movimentação da capoeira
entre os estilos Angola, Regional e a terceira via, seus discursos e suas práticas. O
lugar das rodas de capoeira acaba sendo um local dinâmico e feroz onde as culturas,
dominada -resistência, conseguiram (re)significar e re-criar práticas e produzir seus
conhecimentos. “É o lugar onde atua uma pluralidade incoerente (e muitas vezes
contraditória) de suas determinações relacionais
95
”.
Considera-se a roda de capoeira um dispositivo de pesquisa que permite a
transferência ou tradução dos problemas formulados; trata-se do lugar percorrido por
acelerações e desacelerações, por encontros e desencontros, onde os conceitos
culturais são criados, reformulados, destruídos e organizados em redes de
solidariedade da roda.
Assim, a roda é um ritornelo, um campo energético circular, infinito, marcador de
“identidade” com suas respectivas representações simbólicas; mas sabemos também
que esses investimentos territoriais nunca se realizam completa e definitivamente, pois
a abertura para o estranho e para o outro, a exterioridade, pertence ao próprio processo
de se criar novas identidades do sujeito capoeirista.
Neste sentido, a forma circular em espiral da roda que desterritorializa, inventa
linhas de fuga, pega o estranho e o internaliza ou se projeta para fora. Assim, são
interligados o acerto e a interpelação na cultura oral, ou melhor, na potência oral de se
produzir conhecimentos. Essas interpelações acontecem por duas vias, ao manter
94
O Lugar é o quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens
precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas,
responsáveis, através de ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e
da criatividade. SANTOS. Milton. A natureza do espaço: tecnica e tempo: razão e emoção. São Paulo:
HUCTEC, 1997. p . 258.
95
CERTAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis RJ: VOZES, 1994. p. 38
57
sempre, na busca do consenso, a disjunção das linhas percorridas por cada um, ou
seja, faz-se a síntese de maneira disjuntiva e não conjuntiva, sendo preservada a
heterogeneidade.
Os dois agenciamentos, corporais e incorporais, de corpos e de enunciados, “as
duplagens”, interferem um no outro. As expressões modificam os corpos e as paixões,
enquanto esses geram formas novas de expressão. Assim, torna-se a roda uma
agência “de troca de experiências gestuais dançáveis ou “espirituais”, ou ainda uma
“micropolítica do desejo”, com potentes efeitos na transformação da realidade, criando
os confetos práticos, ou melhor, confetos abstratos que, precisamente por serem
geralmente supercontextualizados, afetam diretamente os contextos de inserção das
práticas sociais, os agenciamentos maquínicos de corpos.
Na roda, os corpos são transformados e induzem transformações nos seus
ambientes. Além disso, criam um corpo coletivo desterritorializado, que anda, nada e
voa entre os contextos, entre os tempos e espaços onde temos nossas plurais reservas
de marcas e signos, que tecem, tal a aranha ou abelha rainha das paixões e razões, o
corpo-capoeirano.
Para retratar a roda de capoeira nos múltiplos lugares, contamos com
informações diversas. O contexto cultural em que a roda se configurava repercutia na
sua produção material e imaterial; sendo assim, não para arquitetar um modelo
rigoroso e rígido dessas rodas, mas sim suas nuanças, suas marcas históricas
reconhecidas como os lugares de encontro para a tão simplesmente vadiação, cheia de
especificidades e flexibilidades.
1.4 A roda de capoeira nas festas populares e nas domingueiras
Nas festas populares, os capoeiristas estava sempre dando o ar da sua
graça
96
”. O calendário das festividades aparece de forma acentuada no período
correspondente ao verão, de acordo com os manuscritos de Daniel Coutinho
96
REGO, Waldeloir. Capoeira Angola: ensaio sócio – etnográfico. Salvador BA: Itapuâ, 1968. p. 37.
58
(1909/1977), o Mestre Noronha que nos deixou um rico e inspirador material com suas
memórias da capoeira. Através desse manuscrito, podemos dar os primeiros passos
para localizar a presença da capoeira nas festas populares da cidade do Salvador; para
isso, também contamos com as informações de Waldeloir Rego e com o depoimento
oral.
A festa não é o tempo livre e nem o tempo disponível em oposição ao mundo do
trabalho; o tempo da festa é a linha de fuga em que ocorre a produção de uma
determinada cultura que, historicamente, utilizou-se desses dispositivos para mostrar
sua arte de fazer: dançar, comer, namorar, jogar, beber e até mesmo brigar. Em
conseqüência, às vezes, a festa se torna, para uma determinada visão de mundo,
como: o ópio do povo, alienação, o pecado pelo o não trabalho (“quem trabalha deus
ajuda”) e “coisas de vagabundo”.
Para outra visão de mundo, é o momento de ligação do presente com o passado,
de sociabilidade entre os sujeitos, de continuidade das tradições, de resistência à
produção capitalista na exploração do trabalho “o direito à bagunça” de conexões
entre o profano e o religioso, e, sobretudo as realizações experimentais das paixões
humanas. Sendo assim, podemos considerar a festa como momento que não
interrompe a cotidianidade e nem mesmo a sua oposição, é antes, aquilo que renova
seu sentido, como a continuidade o desgastasse e periodicamente a festa viesse
recarregá-lo novamente no sentido de pertencimento à comunidade
97
”.
Abib se refere às “festa de largo” como espaços privilegiados para os capoeiras:
As festas populares, as chamadas festas de largo”, eram um dos espaços
privilegiados onde a capoeira baiana se mostrava e se desenvolvia. Eram os
momentos em que os grandes capoeiristas da época exibiam seus dotes e sua
destreza, e também, não raro, onde aconteciam confusões, brigas, desordem e
perseguições por parte da policia. Mas, sem dúvida, as festas de largo foram
espaços importantes de desenvolvimento e de popularização da capoeira
baiana,”
98
97
MARTIM-BARBERO. Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ, 2003. p.142
98
ABIB, Pedro Rodolpho Jungers. Capeira Angola: cultura popular e o jogo dos sabres na roda. 2004. f.
103. Tese (Doutorado em Educação)- Programa de Educação da UNICAMP, Campina. SP, 2004.
59
Na continuidade desse entendimento, a festa não era o momento todo
harmonioso e exclusivamente de alegria e de diversão. Não são esses aspectos que
definem as festas populares, mas as contradições sociais de um povo pobre que,
mesmo em condições adversas, empreende uma outra produção material e simbólica
da cultura e luta para que seus saberes e seus desejos sejam reverenciados. As
duplagens culturais aparecem novamente reconhecendo as diferenças culturais e o
dinamismo com que estas festas populares são organicamente vividas: de dor e de
alegria, prazer e angústia, do riso e do choro, mostrar e esconder. Então vamos a elas.
Ao falarmos em seguida das danças, das brincadeiras e das batucadas não se
deve pensar em um único samba de roda, mas nos diversos lugares onde as pessoas
se concentravam, de barraca em barraca, de beco em beco, de gole em gole de
cachaça. Ocorria uma dinâmica nômade dos participantes ao interagir nos diversos
locais. Para tanto, vamos acompanhar as pegadas e os cacos valiosos da história
deixados pelo Mestre Noronha:
A primeira festa do cachimbo. Eu mestre Noronha sempre fui procurado para
botar capoeira neste grande festa tradicional que antigamente hera na feira do
lugar muito perigoso que era nesta de S. Nicodemos agora foi transferida para
o cais do porto ....” “Conhecida como festa do cachimbo ande comparicia
mutos mest capoeristas com suas gingas de corpo e valentia com suas bouca
de calcas largas chapeu cab bento de 3 – prova que era a lei do bamba. Porem
todos mi respeitava grossa a deus-xangou.
99
A festa de São Nicodemos ou do cachimbo era realizada no s de novembro e
abria o ciclo dos festejos baianos. A festa realizava-se no cais do porto, local
frequentadíssimo pelos capoeiristas-estivadores, capoeirista-carroceiro, capoeirista–
trapicheiro, enfim, trabalhadores. Dessa maneira, a presença deles neste festejo ocorria
“naturalmente” pela configuração geográfica do local.
99
COUTINHO, Daniel. O ABC da Capoeira Angola: os manuscrito do Mestre Noronha. Brasília DF.
CIDOCA/DF. 1993. p. 3.
60
(Tocadores de samba
100
)
No trecho acima, temos vários aspectos que não se restringem ao local da roda,
mas à indumentária que os agentes culturais usavam antigamente, como um chapéu
“cab bento de 3 prova” que corresponde à forma de usar o chapéu. A roda era o local
onde se instituía uma outra lei com códigos próprios, ou seja, uma outra ordem “que era
a lei dos Bambas” e não das instituições do Estado. Através do relato de Noronha, pode
considera o corpo enquanto território de linguagem e expressão da ginga e da valentia;
o corpo capaz de produzir enunciados coletivos diferentes daqueles que estamos
acostumados a ter como referência de beleza e de bons costumes.
A segunda festa referendada pelo Mestre Noronha é a festa da Conceição da
Praia que, no calendário, corresponde ao dia 8 de dezembro, embora a festa seja
precedida de novena que começa no dia 1 de dezembro. Nossa Senhora da Conceição
da Praia e a protetora dos pescadores, e a movimentação da festa ocorre com a
100
Fotografia de GAUTHEROT, Marcel. Bahia: Rio São Francisco, Recôncavo e Salvador . Rio de
Janeiro. Nova Fronteira. 1995, p. 166
61
procissão pelas ruas daquela localidade, com as barracas vendendo comida típica da
terra e bebidas. No turno da manhã, acontece o ritual religioso e, em seguida, o
momento profano com as batucadas, muito samba e capoeira.
(Imagem da Festa da Conceição da Praia
101
)
Através da imagem fotográfica percebe-se a presença maciça da população
baiana, tanto durante a procissão, como em seguida nos momentos das batucadas.
Todo o perímetro, correspondente à rampa do Mercado Modelo a a Igreja da
Conceição da Praia é tomado por uma multidão de pessoas que participam dos
festejos. “Na rampa do cais chegam os saveiros e os saveiristas de corpos atléticos,
roupa branca, sapatos novos e chapéus de palha. Durante o ano eles trouxeram peixes
e frutas e agora vieram buscar proteção para enfrentar o mar”
102
(grifo meu). Os
participantes dos festejos vinham das diversas regiões do Estado, pois o fluxo comercial
da cidade do Salvador com as outras cidades do recôncavo baiano, naquela época,
gerava um mercado comercial intenso. A relação estabelecida entre trabalho e
festividade se constituía pela dinâmica da reciprocidade, por uma certa devoção e que
deveria ser reverenciada em forma de agradecimento.
101
Credito da fotografia COSTA, Welson Americano. Cidade do Salvador: terra do meu coração.
Salvador: Tipografia Beneditina, 1953. p. 135, 137. .
102
FÉLIX, Anísio. Bahia, pra começo de conversa. Prefeitura Municipal de Salvador. Salvador: 1982. p.
11
62
(Baiana de Acarajé na festa da Conceição da Praia
103
)
Noronha traz os nomes de vários mestres da capoeira e considera a festa da
Conceição como a festa da padroeira dos capoeiristas:
“[...] roda de capoeira ande aparecia os grandes mestres da Bahia afamados
Noronha Livino Maré Candido Pequeno Lucio Peqeno Percilio Euticio das
Mahiadas Ozeas Ança Preta Juvenal Engraxate Agé do pau da Bandeira
Guerado Chapeleiro Chico 3 Pedaços Piroca do Peixe Filriano Bigode
de Ceida Antonio Galindeu Antonio Boca de Porço Algimiro Olho de
Pombo Gueraldo de Abelha, Este grandes mestre que com sua jinga de
corpo atrahia todois pesoal da festa da padroeira nossa.
104
Dentre vários aspectos importantes, serão considerados dois apenas. O primeiro
diz respeito aos nomes dos mestres com seus respectivos apelidos, que é uma prática
social à qual se podem atribuir vários significados, desde a brincadeira de criança em
colocar apelido, cuja intenção era de ridicularizar o outro, até um certo tipo de relação
social na qual o apelido representa semelhanças física com bicho, personalidade, tipo
do trabalho, maneira de jogar, fama conquistada por motivos diversos.
103
Credito da fotografia COSTA, Welson Americano. Cidade do Salvador: terra do meu coração.
Salvador: Tipografia Beneditina, 1953. p. 141
104
Idem , p. 4
63
Também é muito corriqueiro, no sistema carcerário, as pessoas serem
identificadas por um apelido, como uma forma de construção de uma outra identidade.
Os estigmas criados a partir dos apelidos que muitas vezes reforça estereótipos
pejorativos. Assim os processos de identificação dos capoeiras, considerados
valentões, vagabundos, desordeiros e capadócios, surgiu a partir das condições sociais
de um povo sem direito às condições básicas de vida e que foi determinado por uma
ordem vigente para caracterizar aqueles que não seguiam os “bons costumes’. Alguns
desses Mestres citados foram sujeitos da pesquisa realizada por Adriana e Josilvaldo
Pires que buscaram compreender o cotidiano dos capoeiras na capital baiana,
investigando as relações de poder no espaço público “assim como as estratégias de
resistências aos mecanismos de repressão, sobrevivendo como uma prática social
105
”.
O segundo aspecto, que toca diretamente a problemática do trabalho, está
relacionado com a potência do corpo no seu gingado para atrair não os capoeiristas,
mas também o publico presente à festividade. O corpo é o elemento de comunicação,
de sedução e de encantamento das imagens formadas para quem assiste à roda, é o
desejo de seduzir o público para que ele perceba os saberes culturais que os
capoeiristas produzem na sua arte de fazer. Através da roda de capoeira e de samba
potencializa a vontade de quem quer ser visto.
105
OLIVEIRA, Josivaldo Pires. Pelas ruas da Bahia: criminalidade e poder no universo dos capoeiras na
Salvador republicana (1912-1937). 2004. f. 11. Dissertação (Mestrado em História)- Universidade
Federal da Bahia, Salvador, BA, 2004.
64
(Roda de Samba na Festa da Conceição da Praia
106
)
Na festividade “o choro é de berimbaus, pandeiros, reco-reco, agogôs e
atabaques. As negras mais velhas ostentam os seus balanandãns”, pano da costa,
saias rendadas e se misturam com os gringos nas barracas ou nas rodas de samba
para o samba de roda. Capoeira pode matar um
107
,”. O estrangeiro (o gringo) o
participante-espectador do samba de roda e da capoeira levava não só a simples
curiosidade em contemplar as danças e as brincadeiras, mas a sua própria satisfação
de se divertir como parte integrante da festa.
O acolhimento pelos produtores culturais “os de dentro“, pelos os “de fora”
perpassam por reposições históricas que podem representar inúmeros interesses que
vão desde a vontade de mostrar a sua cultura, como elemento importante da sua
história até os benefícios em conseguir um trocado a mais.
A festa de Santa Bárbara, da qual os capoeiristas participavam, conforme o
Mestre Noronha, é outra festa importante na tradição festiva da cidade. É realizada no
Mercado de Santa Bárbara, na Baixa do Sapateiro, no dia 4 de dezembro, iniciando-se
com uma missa na Igreja do Rosário dos Pretos, no Largo do Pelourinho. Após a missa,
106
Credito da fotografia COSTA, Welson Americano. Cidade do Salvador: terra do meu coração.
Salvador: Tipografia Beneditina, 1953. p.143
107
FÉLIX, Anísio. Bahia, pra começo de conversa. Prefeitura Municipal de Salvador. Salvador, 1982. p.
11.
65
os fiéis saem pelas ruas em procissão pelas ruas do Terreiro de Jesus, Praça da Sé,
descem a Ladeira da Praça e pára no quartel do Corpo de Bombeiro de quem a Santa é
Padroeira.
No dia 5, a festividade continua no mercado de Santa Bárbara com muito samba
e capoeira, terminando, no dia seguinte, com o tradicional caruru de 50 mil quiabos,
pois no candomblé a santa é reverenciada por Iansã, deusa do raios e do trovão, cujas
cores das veste são vermelha e branco, ao som do de atabaque, pandeiros,
berimbaus. Capoeira era joga pra valer. São desta época os capoeiristas Pedro Porreta,
Pedro Piroca, Chico Três Pedaços e Brocoló, além de outros temidos valentes que nem
mesmo com a presença da policia se intimidavam
108
. Os personagens citados por Félix
são figuras conhecidas pela historiografia da capoeira baiana.
O local da roda no “...mercado da tradicional baixa dos Sapateiros para disputar
ceu gope de alta tracão de sua defeiza para o público dar o seu valor como
capoeirista
109
”, Mestre Noronha mostra a disputa com um golpe de alto impacto para o
público presente dar valor, ou seja, a peleja entre os corpos, um cobrando um golpe do
outro. Com isso, fica evidente que o público gostava de ver um tipo de jogo que o se
restringe apenas à brincadeira ou apresentações, mas o desafio constante de quem
está jogando com a intenção de pegar, desequilibrar, derrubar o seu oponente.
Mestre Noranha começa a se referir ao espectador, capaz de perceber, no
jogo da capoeira, aquele corpo-capoeira que por um instante conseguiu desequilibrar o
seu oponente. A valorização do corpo-capoeira pelo seu êxito dada pelo espectador,
revelando a importância do público naquele momento, ou seja, o era um simples
observador, mas um avaliador que se manifestava com semblantes assustados, rostos
risonhos, caretas, pequenos comentários e outras gesticulações. Então, o olhar do
público tinha um valor significativo para o jogador, portanto, ele se preocupava em não
cair com a “bunda no chão”, pois, como fala Mestre João Pequeno a pior situação para
o capoeirista é cair com a bunda no chão
Em seguida, Mestre Noronha, nos seus manuscritos, considera a festa de Santa
Luzia, comemorada no dia 13 de dezembro. Essa festa também é precedida de novena,
108
Idem. p. 8
109
COUTINHO, Daniel. O ABC da Capoeira Angola: os manuscrito do Mestre Noronha. Brasília DF.
CIDOCA/DF, 1993. p. 4.
66
e a realização da festa ocorre no largo da Igreja do Pilar. Para os fiéis, a principal
atração é uma fonte milagrosa na igreja do Pilar, onde os fiéis banham os olhos e,
através da fé, busca-se a cura de doença ou a proteção de enfermidades. Noronha
escreve o seguinte: “somo convidados pella commicão do festeijo para bota a
tradicional Capoeira Angola...
110
A comissão de festejo geralmente é organizada pelos
moradores do bairro, os devotos da Santa, a instituição pública e a comunidade. O
convite revela o reconhecimento que é dado aos capoeiristas na festa, uma certa
importância deles na festividade, enquanto personagens históricos nas tradições
populares da Bahia.
Outra festa famosa e rica de intensas relações sócio-culturais do povo baiano é a
festa do Rio Vermelho, conhecida como festa da rainha do mar, Yemanjá, realizada no
dia 2 de fevereiro, no largo de Santana, junto à igreja de Nossa Senhora de Santana,
na casa de peso dos pescadores onde são recebidas as oferendas para serem
ofertadas à rainha das águas, Yemanjá, Nas ruas do bairro, as barracas ficam repletas
de gente comendo, bebendo e dançando. Pela tarde, as embarcações seguem em
procissão para colocar os presentes. Noronha descreve “... Rio Vermelho Lucaia 2 de
fevereiro capoeira candrobé e muito pai de santo e mãe de santo e...” “... de muito
saveiro para levar o presente da mâe dauga, no alto mar...”
111
O mestre evoca elementos que compõem a festa de Yemanjá. Percebemos que
ele traz referências fortíssimas ao candomblé enquanto instituição religiosa que tem
importante contribuição na realização das festas, referindo-se também a um certo de
alinhamento da capoeira com o candomblé e o samba, mostrando a força da
espiritualidade nas práticas culturais e como elas vão interagindo umas nas outras. No
entanto, isso não quer dizer que a capoeira tem os mesmos aspectos do candomblé,
mas ligação que os sujeitos históricos estabelecem ao interagir com essas duas
organizações.
110
Idem, p. 5
111
Idem.
67
(O capoeirista plantando bananeira e o outro marcando o dinheiro com o pé
112
)
A fotografia acima compõe o cenário de outras fotografias presentes no livro
Bahia Boa Terra Bahia na parte referente à festa do Rio Vermelho. A fotografia congela
o momento em que o corpo-capoeira, plantando bananeira, se prepara para pegar com
a boca o dinheiro em cima do lenço e também o seu oponente-parceiro, com o pé,
marcando o território.
Esse tipo de jogo, o mestre João Pequeno denominou como pega laranja no
chão tico-tico”, que consiste num tipo de jogo em que os jogadores têm o objetivo de
pegar o dinheiro com a boca e, ao mesmo tempo, impedir que o opoente-parceiro o
pegue. Para o mestre Gigante é difícil apanhar o dinheiro na boca, o outro que ta
jogando, ele não deixa, e não deixa você apanhar, aquele jogo que você botar o ,
quando você vai com a boca pra apanhar o dinheiro, bota o pra apanhar o dinheiro,
é aquele protocolo pra você apanhar o dinheiro
113
.
A performance do corpo-capoeira em jogo é impressionante; ele deve ficar atento
não para evitar que o outro jogador pegue o dinheiro, mas também para a própria
112
Fotografia de Piere Veger, retirado do livro de AMADO, Jorge. DAMM, Flávio. CARYBÉ. Bahia, boa
terra Bahia. Rio de Janeiro: Agencia jornalística IMAGE, 198-. p. 47
113
ASSIS, Francisco de. Mestre Gigante. Entrevista realizada na sua residência Av. Cardeal da Silva
enfrente a Universidade Católica do Salvador na Federação, Salvador, BA, 31 de agosto de 2005.
68
complexidade do jogo de atacar e se defender. O dinheiro, geralmente colocado pelo
público, deve ser conquistado pela sua capacidade tática e técnica no jogo, mesmo que
seja uma aparente simulação. A brincadeira e o jogo dramático de atacar e defender e
pegar o dinheiro com a boca institui uma outra dinâmica cultural que estabelece fortes
laços entre os que observam o jogo com os que jogam.
(Jogadores disputando o dinheiro no jogo “pega laranja no chão tico-tico”
114
)
Embora o capoeirista use todo o seu repertório motor para obter êxito, a boca,
cavidade situada na cabeça, delimitada externamente pelos lábios e intimamente pela
faringe que a faz abertura inicial do tubo digestivo, nesse tipo de jogo, tem significado
importante; ela é um dispositivo cultural que, além de incrementar as dificuldades do
jogo, representa as estratégias utilizadas pelos capoeiristas de criar novos artifícios
para chamar atenção do público, funciona de mais um atrativo para, entre tantos.
Mestre Gigante explicou que o dinheiro servia para “tomar tangerina”:
114
Fotografia de Piere Veger, retirado do livro de AMADO, Jorge. DAMM, Flávio. CARYBÉ. Bahia, boa
terra Bahia. Rio de Janeiro: Agencia jornalística IMAGE, 198-. p. 47
69
era nas festas de largo, fulano, um dia de domingo. Você tem berimbau?
Tenho. Você tem pandeiro? Tenho. Vamos pra porta do armazém do fulano de
tal, assim, assim, e assim? Vamos. Era isso. Ai estava todo mundo sem nada,
coitadinho, e querendo todo mundo tomar refrigerante, entendeu? Ai ia pra
porta da venda, e formava uma roda, e jogava um dinheiro pra apanhar com a
boca, e hoje não se fazia mais isso. Então, aquele dinheiro, é pra ser dividido
com todos, quem jogava e quem não jogava, e ai, eles tomavam uma
pingazinha, coisa ai e tal
115
.
Se os “bons costumes” consideram o dinheiro como uma coisa suja, e que as
pessoas têm que lavar a mão após o manuseio, no jogo em que é entoado um
determinado toque no berimbau, que Mestre Gigante tocou para gente durante a
entrevista, bem como entoou a letra: “pega laranja no chão tico-tico, se meu amor for se
embora, eu não fico”, pegar o dinheiro com a boca é um ato de sagacidade, de
esperteza e de elogios do público.
Seguindo as pistas deixadas pelo o Mestre, a partir de suas lembranças e não a
ordem do calendário “oficial”, passamos para a festa do Senhor do Bonfim. Noronha
cita a festa do Senhor do Bonfim, padroeiro da Bahia e que corresponde, no
candomblé, a Oxalá, como a maior tradição da Bahia. Essa festa, ou a Lavagem do
Bonfim, consta de um cortejo que sai da porta da Igreja da Conceição da Praia e vai até
a Sagrada Colina, com a participação popular.
Na região embaixo da colina, após a lavagem da escadaria da igreja, a festa
continua e vai até o domingo. Noronha descreve vários tipos de manifestações
populares presentes na festa do Bonfim: ... ternos de reis ranxos bunba meu boi e
outras divercão –batu san de meia travesa caminzão barravento são as 3
catigoria de samba na roda de Bamba)....”
116
Na tradicional festa do Bonfim, as
manifestações populares de todos os gêneros participam do cortejo que é regado com
muita dança, comida e bebida. Muitos vão a ou nas carroças enfeitadas e após o
ritual do cortejo e da lavagem da escadaria da igreja do Bonfim,“os pobres iam para os
botequins volantes, o samba, a capoeira, o ar livre das praças. Os ricos, para os salões
ou construções abarracadas atrás da igreja jantar e ouvir modinhas”
117
.
115
ASSIS, Francisco de. Mestre Gigante. Entrevista realizada na sua residência Av. Cardeal da Silva
enfrente a Universidade Católica do Salvador na Federação, Salvador, BA, 31 de agosto de 2005.
116
Idem, p. 6.
117
GAUTHEROT, Marcel. Bahia: Rio São Francisco, Recôncavo e Salvador. Fotografia de Marcel
Gautherot.; introdução e notas de Lêlia Coelho Frota. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 38
70
A presença da capoeira nos festejos ao Senhor do Bonfim é significativa, pois
existe o clamor popular muito forte de reverenciar Oxalá deus da criação do universo
e das coisas.
A fotografia abaixo ilumina elementos importantes que devem ser considerados.
Além dos instrumentos conhecidos que compõem a roda de capoeira, ai aparece um
sujeito segurando uma garrafa como se estivesse utilizando um agogô; crianças,
capoeiristas e espectador compõem o cenário da roda. Para o fotografo “Também
dansas mui ligeiras, Sambas, cocos e capoeiras, São dansadas com fevor, Pelo negro
satisfeito, cheio de manha e de jeito, Em honra do Salvador!
118
(Jogo da Capoeira em frente da igreja do Bonfim
119
)
118
Credito da fotografia COSTA, Welson Americano. Cidade do Salvador: terra do meu coração.
Salvador: Tipografia Beneditina, 1953. p. 181, 183.
119
Credito da fotografia COSTA, Welson Americano. Cidade do Salvador: terra do meu coração.
Salvador: Tipografia Beneditina, 1953. p. 181
71
A imagem acima flagra o momento em que um capoeirista projeta o seu
oponente-parceiro por cima dele, lembrando os movimentos denominados pelo Mestre
Bimba como cintura desprezada. o sabemos ao certo se os capoeiristas presentes
na fotografia são alunos do Mestre Bimba; O importante é ressaltar a utilização dos
movimentos de projeções durante os jogos nos festejos populares, ou seja, não
somente demonstrados nas festas e nos exames de formatura do Mestre Bimba, mas
também nas ruas durante as festas de largos, nas domingueiras. Aliás, no vídeo-
documentário de Alceu Myenarde, aparece o mestre João Pequeno realizando esse
tipo de movimento.
Outra característica que devemos observar nesse movimento específico, além da
visibilidade dos jogadores por realizarem movimentos considerados complexos
chamando atenção do público, é a cumplicidade entre os jogadores, porque, para
aquele que segura o seu oponente-parceiro e projeta-o por cima, a realização desse
tipo de movimento é possível com o impulso dado pelo projetado; portanto, ao
contrario de que muitos pensam, nos considerados movimentos de “agarrões”
(projeções), mais especificamente na cintura desprezada, quase sempre, existe uma
certa cumplicidade de quem projeta o corpo do outro com o que se “deixa” ser
projetado. Realizar esse tipo de movimento chama atenção de quem está assistindo à
roda, são movimentos que requerem do capoeirista certa habilidade motora.
Logo após a festa do Bonfim, na madrugado do domingo para a segunda-feira,
acontece a festa da Ribeira, conhecida como segunda-feira gorda da Ribeira, de caráter
totalmente profano, considerada uma prévia do carnaval da Bahia.
Waldeloir Rego se refere à presença da capoeira nas festas populares de
Salvador e faz a seguinte consideração:
Em tudo era notada a presença do capoeira, mui especialmente nas festas populares,
onde ate hoje comparecem, embora totalmente diferentes de outrora. Em toda festa
de largo, profana religiosa ou profano-religiosa, o capoeirista estava sempre dando o
ar da sua graça. Suas festas mais preferidas eram as de Santa Bárbara no mercado
do mesmo nome, na Baixa dos Sapateiros, festa da Conceição da Praia, cujo local de
preferência era a Rampa do Mercado e adjacências; festa da Boa Viagem, festa do
Bonfim, festa da Ribeira, festa da Barra, tão famosa e hoje totalmente extinta; do Rio
Vermelho, Carnaval e muitas outras.
Não havia turisticamente organizada. Os capoeiras com alguns outros companheiros
e discípulos rumavam para o local da festa, com seus instrumentos musicais, inclusive
72
arma para o momento oportuno e lá, com amigos que encontravam, faziam a roda e
brincavam o tempo que queriam.
120
Rego comenta sobre uma época em que as festas não estavam turisticamente
organizadas; no entanto, mesmo com o processo evolutivo de interferência do poder
público nas festas populares, encontramos, nos dias atuais, movimentos de grupos,
associações e academias de capoeira que colocam suas rodas de capoeira sem
nenhum tipo de autorização prévia dos órgãos responsáveis pela organização da festa.
Parece-nos que é importante considerar os acontecimentos nas festas como
situações intensas de prazer, de vitalidade e satisfação do povo baiano que faz das
festas populares territórios de continuidade, valorização e recriação da cultura baiana.
Portanto, estamos de acordo com Risério ao tratar da natureza festiva da vida baiana:
nunca se deixou conter dentro dos limites das festas oficiais, patrocinadas pelo
poder laico ou religioso. Na verdade, as festas oficiais é que primaram sempre
por uma espécie de transbordamento, com a massa da população prolongando a
celebração em que ela podia se entregar, sem maiores inibições aos jogos do
prazer. Prazer de falar, de cantar, de dançar, de se embriagar, se abraçar, se
tocar
121
.
Não nada mais contestador aos ditos bons costumes de se apresentar, de
falar, de cumprimentar e de ser que as bagunças vivenciadas pelas práticas corporais
na festividade, com o corpo da roda de samba e de capoeira manifestando contra-
poderes e colocando outro sistema e enunciados, cuja microfísica do desejo se no
afloramento da sensualidade, da “esculhambação” e da espontaneidade.
As rodas de capoeira, nas festas populares, eram prolongamentos das
experiências durante as domingueiras, pois não ocorrera uma interrupção dessas
práticas. Elas vão sendo constantemente re-atualizadas em outros territórios com
nuanças diferentes. Os capoeiristas organizavam a brincadeira em lugares diferentes
da cidade: na Rampa do Mercado, no Cais do Porto, no Terreiro de Jesus, Praça da Sé,
na feira e nos bairros mais afastados do centro da cidade. Rego, ao se reportar ao
tempo da capoeira que acontecia nas ruas e nos logradouros, diz: “antigamente havia
capoeira, onde havia uma quitanda ou uma venda de cachaça, com um largo bem em
120
REGO, Waldeloir. Capoeira Angola: ensaio sócio – etnográfico. Salvador BA: Itapuâ, 1968. p. 37.
121
RISÉRIO, Antônio. Uma história da cidade da Bahia. Rio de Janeiro . VERSAL, 2004. p.172
73
frente, propício ao jogo. Ai, aos domingos, feriados e dias santos, ou após o trabalho
se reuniam os capoeiristas mais famosos para tagarelarem, beberem e jogarem
capoeira.
122
O cenário descrito por Rego nos remete a lugares onde os trabalhadores se
reuniam para descontrair após o trabalho ou até mesmo durante o tempo do trabalho.
As quitandas, os botecos e os bares eram pontos de sociabilidade que os capoeiristas
possuíam para usufruir de práticas que transformavam a sua condição de explorado em
sujeito produtor de cultura, mesmo que eles não tivessem essa consciência. Para
ampliar as nossas análises, Abreu comenta o seguinte:
Naquele tempo (hoje ainda), nos bairros populares, a quitanda, o botequim, a
venda, a bodega, esses botecos, pela rotina de suas funcionalidades, se
constituíam para a comunidade dos bairros em pontos de animação da
sociabilidade. Principalmente nos fins de semana, de forma especial aos
domingos, quando se dava, em razão de folga, maior convergência de
fregueses...’ Para os fins de semana, os donos dos botecos preparavam um
cardápio reforçado (sarapatel, mocotó, feijoada, rabada, moqueca, dobradinha,
etc..)e, por ser do seu interesse, deixavam o samba, serestas e capoeira
acontecer no ambiente, pagando com bebidas seus praticantes
123
.
No domingo e nos feriados, o samba, a capoeira, a dança, o brincar e disputar o
mulherio são os afazeres que intensificam as práticas de lazer nos bairros mais
afastados. Dependendo da comunicação (“boca pequena
124
”) da forma de avisar os
camaradas, esses encontros aglutinavam uma quantidade significativa de pessoas a
fim de se divertir, estratégia sábia de promover a diversão, tendo direito a beber
cachaça com pouco dinheiro, com custo baixo.
122
REGO, Waldeloir. Capoeira Angola: ensaio sócio – etnográfico. Salvador BA: Itapuâ, 1968. p. 35-36
123
ABREU, Frederico José de. Entrevista realizada no Instituto Mauá, Centro Histórico de Salvador,
Salvador, BA 25 março de
124
Tipo de gíria popular que se refere a falar de alguém, ou de convidar alguém para uma festa.
74
1.5 Os centros de capoeira: espaço de sociabilidade e produção cultural
Na passagem do espaço da rua para as academias, mudam-se as formas de
organização da capoeira: surgem “novos” processos educativos de transmissão dos
saberes capoeirísticos, criam-se os estatutos e regulamentos das academias. Enfim,
como diria Foucault, nota-se a “vontade de saber” tendo em vista a acumulação de
produções que tentam compreender a capoeira, seja como elemento da cultura popular
pelos folcloristas, seja pelo movimento da educação física através das práticas de
ginástica. É evidente que este processo não ocorre de uma vez, de um único jato,
mas em fluxos que vão se expandindo com a modernização da cidade.
Baseados nas informações, organizamos um quadro para termos uma idéia
das academias ou centros que surgiram em conseqüência desse processo histórico na
prática da capoeira.
Nome da academia ou
centro: - Nome do
mestre responsável:
Local: Horário de
funcionamento:
Fonte
Centro de cultura Física
Regional Luta Regional
Baiana. Mestre Bimba
No engenho velho de Brotas. O nome
da academia era “ Clube União em
Apuros”
Roça do Lobo, rua do bananal, n 4
Tororó..”
No entanto, os lugares que ficaram
mais conhecidos foram: No Nordeste
da Amarilina numa rua denominada
Sitio Caroano e no Pelourinho no
Marcial de cima.
Itapoam, p. 17
Itapoan, p. 21
Centro Esportivo de
Capoeira Angola –Mestre
Bimba
“No largo do Pelourinho, 19”
atualmente local do restaurante do
SENAC
“às Terças, Quintas,
Sextas-feiras às 19
horas e aos domingos
as 15 horas. A sede da
academia do Mestre
Pastinha é um salão
amplo de um casarão
antigo...”
Waldeloir Rego,
1958, p. 287
Academia Baiana de
Capoeira Angola - Mestre
Gato José Gabriel Góes,
“... rua christiami Ottami, antigo
Mirante do Calabar”
1968, p. 288.
“rua da Palmeiras, 7 engenho velho
da Federação
Terças e quintas, das
20 às 22 horas e aos
domingos das 9 às 12
horas
Domingo de 16 às 18
horas
Waldeloir Rego,
Revista
VIVERBAHIA,
13, 1973
Academia de Capoeira
Angola São Jorge dos
Irmãos Unidos – Mestre
Caiçara Antonio da
Conceição Morais
“... rua coronel Tupi Caldas, 84,
liberdade
Grupo de Capoeira do
Bário de Pernanbués
Rua Tomaz Gonzaga, s/n
Pernambuéis
Não obstante Ter
sede em recinto
75
Mestre Arnol Conceição fechado, suas
exibições são aos
domingos, no terreiro
em frente, ao ar livre.”
1968, p. 288
O Centro de
Representação da
Capoeira Regional
Mestre Augusto de São
Pedro
Rua Fernão de Magalhães, 71,
chame-chame / Quinta da Barra
“Exibições às Terças e
quintas das 19 às 22
horas e aos domingos
das 15 às 18 horas.”
1968, p. 288
A capoeira de São
Gonçalo Mestre
Bigodinho Francisco de
Assis
Rua Rodrigues Ferreira, 226,
Federação.
Waldeloir Rego
Calendário da
Capoeira.
Escola Nossa Senhora
de Santana/ Curso de
Capoeira Regional
Rua Guiri-Guiri, 85, bairro Cosme
de Farias 1968, p. 289
Centro Esportivo de
Capoeira Angola Dois de
Julho Mestre Cobrinha
Verde Rafael Alves
França
“Alto da Santa Cruz (casa Brito) s/n
no Nordeste da Amaralina” 1968, p.
289
“Terças, quintas e
sextas às 20 horas e
aos Domingos às 8:30
horas.”
Waldeloir Rego
Calendário da
Capoeira.
Centro de Instrução
SENAVOX/ capoeira
Carlos Sena
Avenida 7 de setembro, 2, Edifico
Sulacap, sala 207.
Academia de Capoeira
Cinco Estrela –Mestre
Bobó Milton Santos
No dique do Tororó, na localidade
do dique pequeno
Calendário da
Capoeira.
“Fundou o I Centro de
Capoeira Angola do
Estado da Bahia...”
Com Livino fundou
também, o Centro de
Capoeira Angola
Conceição da Praia”
Mestre Noronha - Daniel
Coutinho
Ladeira da Pedra, Gengibirra na
Liberdade
Calendário da
Capoeira
Barracão do Mestre
Waldemar da Pero Vaz-
Waldemar Rodrigues da
Paixão.
Quadro 1 – Localização das Academias de Capoeira em Salvador, Ba
Os centos funcionavam como verdadeiras escolas de capoeira, locais onde as
práticas discursivas anunciavam: a continuidade dos valores tradicionais da capoeira de
antigamente, lutava pelo o reconhecimento do poder público perante a sociedade e
cada escola criava novas formas de organização e de incorporação dos processos
hierárquicos nas práticas ritualísticas do jogo da capoeira.
As academias e/ou centros exerciam um importante papel social, seja na
geração de um “novo” trabalho (emprego e renda), seja na ampliação de novos adeptos
oriundos da classe média e alta da sociedade baiana bem como a expansão da
capoeira para outros locais da cidade.
76
Essa “nova” elaboração da capoeira que vai potencializar o processo de
exportação da capoeira baiana para os outros estados e para os outros países. Isso
não quer dizer que, nos outros estados, não houvesse capoeira; no entanto, é oportuno
afirmar como a capoeira baiana consegue projetar-se e difundir essa prática para o
Brasil e para o mundo.
Dessa maneira, essas primeiras formas de organização da capoeira vão
possibilitar aos novos capoeiristas caminhos e pistas para a sua popularização na
Bahia, no Brasil e no Mundo. Nesse dinamismo, a capoeira, por um lado, se expande
criando novas divisas e conquista financeira, mas, por outro lado, o seu crescimento
acaba atropelando as práticas antigas e os próprios ícones da cultura que são os
velhos mestres.
Os centros de capoeira cada vez mais eram visitados e ao mesmo tempo em que
eram convidados para realizar demonstrações nas praças públicas, nos diversos
eventos, nas festas populares, e, às vezes, em outros Estados e em outros paises. Com
toda esse efervescência aumenta o mero de praticantes motivados pelo “destaque”
que a capoeira vinha se projetando.
1.6 A cidade do Salvador: O turismo e a capoeira
A partir da década 60, o espaço urbano da cidade do Salvador vai sofrer
modificações na sua estrutura topográfica com o surgimento de novas avenidas. “A
seguir vieram a Avenida Heitor Dias, San Martim e a segunda pista da Centenário, tudo
realizado entre 1960 e 1964. Em 1965, era a vez do Vale do Canela, um dos sistemas
viários mais úteis da cidade, desafogando sobretudo o tráfego..... “ “É porém, a partir de
1967 que a cidade assume verdadeiramente uma nova feição topográfica com as
construções das avenidas Vasco da Gama, Vale de Nazaré, Vale do Bonocô, Antônio
Carlos Magalhães, Magalhães Neto, Paralela e em execução, a Avenida Vale dos
Barris”
125
. A cidade ganhava novos fluxos de circulação da população, do comércio e da
125
Viverbahia. Revista da BAHIATURSA , ano 2, n. 21, 1975.
77
moradia. Essa nova geografia urbana se materializa nos corpos
126
dos seus habitantes
pela força do processo de urbanização da cidade no meados do século passado.
Dessa maneira, o impacto dessa “nova” estruturação do espaço favoreceu o
surgimento de novos lugares de troca e de consumo, cujo crescimento se consolida nos
diversos setores econômicos da construção civil (arquitetura), da indústria do
entretenimento (prática de lazer) e do comércio (circulação de bens de consumo), e
também, como diria Félix Guattari, em agenciamentos de enunciação que desencadeia
outras modalidades de espacialização e de corporiedade
127
. Para ele, todas as
construções são quinas enunciadoras que produzem subjetivação nos corpos indo
além de estruturas visíveis e funcionais, pois elas são máquinas de produção dos
sentidos coletivo e individual. Neste sentido, as edificações da cidade de Salvador que
têm a presença da arquitetura barroca (as igrejas, as fortalezas, os casarões e os
conventos) e moderna produzem agenciamentos enunciativos que revelam memórias
do passado escravocrata e do presente crescimento desordenado da cidade, com as
ocupações de terrenos, afastando-se do “centro” comercial que, na época, correspondia
à região do comércio e a valorização de determinadas áreas em virtude da especulação
imobiliária.
Na esteira desse crescimento urbano, de capital e de produção de novas
subjetividades, na cidade do Salvador, a população na década de 60 é de 630.000.00
mil habitantes e está concentrada apenas em 30% da área territorial do município. Na
época, as carroças ainda dividiam o espaço do centro de salvador com bondes,
automóveis e gentes. Por exemplo, na região do Mercado do Ouro havia um
estacionamento de carroças onde os carroceiros comiam e permaneciam à espera de
fregueses. Em 1967 vendem-se 60 carros por semana; em 1968, esse número dobra e
em 1969, são mais 200 carros novos circulando pelas ruas da cidade. na década de
70, a população da cidade atinge 1.000.000.00 de habitantes.
126
Richard Sennett ao estabelecer a relação entre a constituição da cidade e seu impacto no corpo,
mediante o curso civilizatório ocidental procura entender como a cidade tem sido um locus de poder,
cujos os espaços se tornaram- coerentes e completos à imagem do próprio homem. Mas também foi
nelas que essas imagens se estilhaçaram fator de intensificação da complexidade social e que se
apresentam umas às outras como estranhas, estranhezas sustentam a resistência a dominação”
(2003, p.24)
127
GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Sãs Paulo: Ed. 34, 1992. p. 153.
78
No decorrer dos anos 60, mesmo com a construção do Centro Industrial de
Aratu, a primeira tentativa de uma política industrial do Nordeste fora do campo
petrolífero, a cidade não adquiriu uma afeição industrial. É claro que a cidade vai sofrer
influências com as iniciativas industriais; no entanto, é a partir da construção do Pólo
Petroquímico de Camaçari, implementado na fronteira da cidade numa região
denominada de grande Salvador”, por volta 1978, que a capital vai servir de local de
habitação para os trabalhadores do Pólo.
Sendo assim, concatenamos com as análises de Antônio Risério que considera a
Cidade da Bahia uma metrópole “extraindustrial
128
”, Para ele, “Salvador é, hoje, uma
cidade centrada na economia do Lazer
129
. Na sua compreensão, essa economia se
sustenta e se organiza em três vertentes entrelaçadas: a “economia do turismo”,
responsável pela dinâmica de atrair turista para a cidade na esperança de renda e
emprego; a “economia do simbólico”, relacionada à produção e à comercialização da
cultura, seus produtos, seus artefatos e outros; a “economia do lúdico”, diretamente
ligada à festa e à diversão. As três forças capitais da cidade estão conectadas umas às
outras, articulando-se mutuamente, de forma heterogênea; são “agenciamentos
coletivos de enunciação” que funcionam para consolidar a idéia de “terra da festa”,
presente na campanha publicitária da cidade.
No período entre as décadas de 60 e 70 do século passado, o turismo na cidade
de Salvador vai ocupar um espaço de destaque nas políticas públicas tanto em nível
estadual como municipal A organização do turismo na cidade ocorreu a partir de um
conjunto de medidas, cuja intenção era fomentar e atender à demanda turística
nacional e internacionalmente da cidade.
A indústria do turismo, com toda sua pujança, vai interferir no cotidiano da cidade
e nos corpos dos seus habitantes, provocando um re-ordenamento dos espaços
públicos e privados, centro e periferia. “Esse momento é muito importante porque marca
uma mudança funcional da cidade do Salvador, tanto pelo fato que ela assume novas
atividades, como pelo fato de que ela se torna um grande centro turístico”
130
. Milton
128
RISÉRIO, Antônio. Uma história da cidade da Bahia. Rio de Janeiro: VERSAL, 2004. p. 580.
129
Idem.
130
SANTOS, Milton. Salvador: centro e centralidade na cidade contemporânea. GOMES, Marco Aurelio
A. de Filgueiras (Org.) Pelo Pelô: história, cultura e cidade. Salvador: Ed. UFBA, 1995. p. 16.
79
Santos explica que o turismo vai ter um papel preponderante na relação entre centro e
periferia e vice-versa
porque ao lado dos habitantes que têm uma lógica de consumo do centro ligada
ao seu poder aquisitivo e sua capacidade de mobilização, vêm os turistas, que
são homens de lugar nenhum, dispostos a estar em toda a parte e que começam
a repovoar, a recolonizar; e refuncionalizar e a revalorizar, com sua presença e o
seu discurso o velho centro
131
(Plenário do II Simpósio nacional de Turismo
132
)
Neste período, ocorreram diversas iniciativas promovidas pelos órgãos públicos
que tinham como objetivo a estruturação do turismo na cidade visando ao
fortalecimento do mesmo. Desse modo, foi implementado um conjunto de ações no
intuito de articular e viabilizar o projeto de crescimento do turismo na cidade: Criação da
“empresa Hotéis e Turismo da Bahia S/A (BAHIATURSA) sucedida em 28/08/68, pela
Empresa de Turismo da Bahia S/A BAHIATURSA através de lei 2.863, a qual hoje
realiza a política estadual de turismo, iniciativa essa de tanta evidência nos destino da
131
Idem.
132
Fotografia retirada COVELLO, Arnóbio. Filosofia do turismo. Salvador: Gráfica Trio, 1982. p. 69
80
atividade referida”
133
, entidade criada no governo de Antonio Lomanto nior e que é
responsável por gerenciar o turismo no Estado, assumindo definitivamente a
organização do mesmo; a criação em julho de 1974 da Superintendência do Turismo da
Cidade do Salvador SUTURSA, oriunda do departamento municipal de turismo, cuja
função era a mesma da BAHIATURSA, só que em nível municipal; realização do
primeiro censo estadual de turismo e do segundo Simpósio Nacional de Turismo,
iniciativa da associação interparlarmentar de turismo; criação do Departamento de
Folclore e festas populares; construção dos considerados principais hotéis da cidade (
OTHOM PALACE HOTEL Salvador Praia Hotel 1965, Meridiam 1975, Quatro Rodas e
outros); implementação de novas linhas áreas com a realização do primeiro vôo da
linha Salvador Lisboa pela TAP; aumento na quantidade de transporte rodoviário
para o interior e também para outros estados; fomento a viagens para o exterior e
eventos na cidade, cujo objetivo era divulgar a cultura baiana. “E, em 1975, a cidade da
Bahia recebia uma safra de 540 mil turistas brasileiros, em quase sua totalidade.
Nos termos da anedota baiana, deixamos de ser a cidade das 363 igrejas, para ser a
cidade dos 385 hotéis
134
.
A Bahia é caricaturada como Terra Hospitaleira”; promovida pelas campanhas
publicitárias e ostentada pelo povo baiano sob o estigma de receber o turista de “braços
abertos”. Isso caba sendo uma marca corporal que tem implicações seríssimas no
nosso modo de agir e nos “controles das emoções dos corpos”, pois muitas vezes
acabamos de instituir, forçosamente, uma certa fisionomia historicamente inserida do
povo baiano, como aquele sujeito bom, que está sempre sorrindo, é gentil, agradável,
amável e cordial com os turistas.
133
COVELLO, Arnóbio. Filosofia do turismo. Salvador: Gráfica Trio, 1982. p. 73
134
RISÉRIO, Antônio. Uma história da cidade da Bahia. Rio de Janeiro: VERSAL, 2004. p. 581
81
(Apresentação do show folclórico na inauguração
do primeiro vôo da linha Lisboa – Salvador da TAP
135
)
O turismo passou a ser uma atividade estratégica e de ponta no crescimento
econômico da cidade e, consequentemente, do Estado. A demanda crescia e a cidade
tentava se ajustar aos padrões internacionais, muito embora vendendo os produtos
culturais da terra, “a culinária é por si uma das maiores aliadas para o bom êxito do
turismo e o seu reconhecimento consiste em uma das provas dos visitantes no desejo
de adaptar-se ao país”
136
, o artesanato, o patrimônio arquitetônico, a beleza natural das
praias, as danças e os jogos considerados como folclore, “o que importa é que estas
exibições não sejam sofisticadas e sim que sejam demonstrações autênticas da vida
popular. O FOLCLORE local deve ser respeitado na sua integridade, preservando a
riqueza do costumes que acabaram por criar num ritmo de descobertas fascinante,
revelando tão grande patrimônio”
137
.
135
COVELLO, Arnóbio. Filosofia do turismo. Salvador: Gráfica Trio, 1982. p. 147
136
COVELLO, Arnóbio. Filosofia do turismo. Salvador: Gráfica Trio, 1982. p. 107-108.
137
Idem., p. 108.
82
(Mãe Menininha e um grupo de baianas no Clube Baiano de Tênis recepcionando componentes da
caravana que veio para inauguração de sede do Turing Club Brasil em julho de 1964
138
)
Embora o discurso reforçasse a idéia de valorização e respeito às práticas
culturais, essas manifestações eram apresentadas como alegorias folclóricas para o
público turístico. Os símbolos da religiosidade afro-brasileira ficavam expostos a
simples encenações, as danças eram coreografadas, a partir dos ritmos do candomblé
e com o passar do tempo ficaram conhecidas como “dança dos orixás”. Os eventos
turísticos eram realizados nos clubes e nos restaurantes. Os terreiros de candomblé
eram reservados para celebração dos orixás de acordo com o seu calendário e com o
devido respeito às entidades.
Para termos uma idéia do fluxo de entrada de turista no Brasil pelo Estado da
Bahia, vejamos o quadro 2.
Ano Números de passageiros Índice 1975 = 100
1975 1.774 100
1976 1.896 107
1977 3.192 180
1978 3.369 190
1979 4.923 278
Fonte – EMBRATUR
139
.
138
COVELLO, Arnóbio. Filosofia do Turismo. Salvador: Gráfica Trio, 1982. p.108
139
COVELLO, Arnóbio. Filosofia do Turismo. Salvador: Gráfica Trio, 1982. p. 276
83
Podemos constatar o crescente número de passageiros estrangeiros que
entravam no país pelo Estado da Bahia como indícios de que o setor já vinha, há algum
tempo, organizando-se para conquistar essa fatia do mercado internacional no território
nacional. Observa-se que, de 1975 a 1979, houve um acréscimo de 178%. Sendo
assim, os órgãos gestores do turismo vão utilizar todo um arsenal de campanha
publicitária para divulgar as “belezas naturais e culturais” da Bahia e, ao mesmo tempo,
a consolidar um imaginário construído do povo baiano e de sua cultura como exótica,
erótica e festiva.
Para termos uma idéia do impulso econômico do turismo no estado da Bahia,
“em 1993, a Bahia recebeu 2.400.000 turistas, que geraram uma receita de 450 milhões
de dólares; apenas para o verão de 2004, estão sendo esperados 1.500,000 turistas
com arrecadação prevista de 254 milhões de dólares e impacto no PIB baiano na
ordem de 500 milhões de dólares
140
”. As cifras do crescimento de arrecadação
financeira do Estado através da indústria do turismo são frutos plantados a partir dos
anos 60, mas que ainda estão em grande fase de expansão, haja visto que o Brasil
ocupa a “modestíssima 47ª posição
141
” no ranking internacional de “países turísticos”
Esse impulso do turismo na cidade vai interferir diretamente na cultura do
capoeira, pois ela participou ativamente das atividades caricaturadas do espetáculo
(shows folclóricos) turístico construído a partir de um determinado modelo de
apresentação, cujas características são diferentes daquelas praticadas anteriormente.
Com isso, essa cultura sofre mudanças na sua forma de representação simbólica,
transfiguram-se seus códigos ritualísticos e, conseqüentemente, ocorre uma
modificação da gestualidade corporal do jogo como veremos mais adiante. No entanto,
esse processo não ocorreu de uma única maneira e a reboque de poder hegemônico
exclusivamente; cada mestre ou grupo tinha suas próprias formas de estabelecer as
interfaces com a indústria do turismo e entre eles próprios, uns mais e outros menos,
cada um produzindo suas intensificações com os agenciamentos coletivos de
enunciativos.
140
GOMES. Marco Aurelio de Filgueiras; FERNANDES, Ana. Pelourinho: turismo, identidade e consumo
cultural. GOMES. Marco Aurelio de Filgueiras (Org.). Pelo Pelô: história, cultura e cidade. Salvador:
Editora da UFBA, 1995. p. 59..
141
Idem.
84
Surgiam alternativas não de um trabalho assalariado, tradicional e de carteira
assinada, mas de ganhar um trocado com as apresentações, sempre noticiadas na
revista ViverBahia como podemos observar no quadro seguinte:
13, 1 de
novembro de 1973,
p 19
“Folclore: Um cheiro nê? Ritmo de povo gente da Terra nova e velha e reflexo de
luz em gostas de suor e sobre pés., “chapéu de couro”, “negativa”, capoeira.
Facão corte facão, pau quebra pau , maculelê dança africana, e puxa, força,
força, força puxada de rede olha o samba de caboclo, o candomblé e “o Inácio, O
Inácio mulê parida não come” samba de roda no CENTRO FOLCLÓRICO DA
BAHIA, pc. Castro Alves, s?nª - atrás do cine Guarany, diariamente exceto
Segunda feira às 21:00 horas. Pague CR$ 10,00. Shows.
ACADEMIA DE CAPOEIRA DO MESTRE GATO
Rua das Palmeiras, 7 Engenho Velho da Federação. Domingo de 16:00 às
18:00. Preço do ingresso Cr$15:00. Apresentações de capoeira e maculelê.
Shows folcloricos também em boites. Ondina, Moenda ,,,,,”
Janeiro de 1974, p.
14
Capoeira e Folclore
Centro Folclórico da Bahia. Praça Castro Alves, s/n centro atrás do Cine
Guarany, horário: diariamente das 21:00 às 22:30 h. exceto as Segundas. Preço
do ingresso: Cr$5.00. Apresentações do conjuntos folclóricos ijexá e Santa
Bárbara Filhos de Alecrim; com. Capoeira, maculelê, dança africana, puxada de
rede, samba de caboclo e samba de roda.
TEATRO CASTRO ALVES –
Campo Grande – Praça 2 de3 julho – horário sempre as 21:00 h.
Preço do ingresso: Cr$ 20,00 e Cr$10,00 (estudantes). (...) AFONJÁ show
folclórico (...); OXUM, show folclórico (...) VIVA BAHIA, show folclórico.
CENTRO DE CAPOEIRA REGIONAL MESTRE BIMBA
Rua Franscisco Muniz Barreto, 1 –Centro
Horário: de Segunda a Sexta a partir das 18:00 h. Apresentações de capoeira.
ACADEMIA DE CAPOEIRA DO MESTRE GATO
Rua Marques de Leão, 57 – Barra
Horário: Domingo das 13:00 às 19:00 h (apresentações de capoeira) e das
19:00 às 20:00 h (apresentações de maculelê)
Ano II, 18 1975,
p. 13
“Capoeira luta ou dança? ver no CENTRO FOLCLORICO. Praça Castro
Alves, s/nª, atrás do Cine Guarany, ao lado do cacique. Diariamente exceto às
Segunda, às 21:00, por Cr$10,00 você ainda assisti a puxada de rede, o samba
de roda e de caboclo, e o candomblé. Já no Teatro Castro Alves, diversos grupos
folclóricos deverão se apresentar para os turistas que permaneceram na cidade
depois do carnaval. Datas ainda não foram definidas
Ano II, 24
setembro de 1975,
p. 13
Centro Folclórico. Todos os dias exceto aos domingos, tem espetáculo folclórico
às 21 horas, no Centro Folclórico da praça Castro Alves, s/n, na Cidade Alta. Os
conjuntos folclóricos Ijexá e Santa Bárbara Filhos de Alecrim cumpre um vasto
programa que consta de capoeira, maculelê, dança africana, puxada de rede,
samba de caboclo e samba de roda. O ingresso custa Cr$ 10,00
Quadro 3 – Anúncios das apresentações de capoeira na revista Viverbahia
A revista bimensal Viverbahia, publicada pela BAHIATURSA na década 70,
abordava os diversos aspectos da cultura baiana, trazia matéria e entrevista com os
intelectuais, falava da beleza natural da cidade e servia também de guia, pois informava
sobre a programação cultural da cidade, cinema, restaurante, teatro, locais dos shows
folclóricos e outros eventos. Tinha informações precisas sobre locais das
apresentações, horários, valor do ingresso, o tipo de espetáculo. Encontramos também,
85
nos números seguintes da revista, vários anúncios contendo quase as mesmas
informações.
No quadro acima, percebem-se os grupos ou academias que tinham um canal de
divulgação dos seus trabalhos para a clientela turística. Esta “nova” modalidade de
promover as apresentações de capoeira se, por um lado possibilitou o aumento da
renda financeira, foi um outro “ganha-pâo” e divulgou a capoeira enquanto símbolo do
folclore da cultura baiana para o Brasil e para o exterior evidenciando uma pseudo
valorização da identidade do seu povo, por outro lado, ela perdeu, e muito, as suas
formas anteriores de manifestar, processo este que por forças das exigências de um
mercado consumista, criam evoluções que a descaracterizam, como acontecem com as
evoluções provocadas por sua relação com o turismo
142
”.
Acúrsio Esteves (2004) considerou esse processo como descaracterização da
capoeira em função das transformações das formas anteriores de realização do seu
jogo: a combinação de movimentos ou criação de coreografias, haja visto que, ao se
agachar no do berimbau, não existia combinação de jogo; a emergência de
movimentos acrobáticos mais próximos da ginástica olímpica e inclusão de outras
parafernálias. Todos esses aspectos, nas suas análises são, relevantes para
entendermos as transmutações na estética e ética da capoeira; no entanto, devemos
ter o cuidado para não colocarmos, de forma unívoca e generalizante, uma espécie de
modelagem exclusiva da indústria cultural do turismo sobre a prática da capoeira como
fator exclusivamente homogêneo.
A participação dos mestres junto à efervescência do turismo se dá a partir de
múltiplos entraves, disputas e interesses, pois o envolvimento deles se constitui,
singularmente na engrenagem do sistema” para atender aos interesses de mercados
deste “novo” setor e eles também não aceitavam, passivamente, as transformações da
capoeira em espetáculo para “turista ver”. Contudo, além da capoeira como shows de
espetáculo para o “turista ver”, em outros lugares da cidade não deixaram de existir as
rodas de capoeira que não estavam reproduzindo o modelo das apresentações, mas
cujos os participantes tinham apenas o objetivo de vivenciar a sua cultura.
142
ESTEVES, Acúrsio Pereira. A capoeira da indústria do entretenimento: corpo, acrobacia e
espetáculo para “Turista Ver”. Salvador. Ba, 2003.
86
Frede Abreu, baseado nos manuscrito de Daniel Coutinho, coloca-se
criticamente em relação ao impacto do turismo na capoeira. “O turismo desorientou o
rumo da capoeira na Bahia. Um mercado contendo “encantamento” (prestígios.
exibição, viagens, dinheiro...) passou a ser disputado através de uma acirrada
concorrência entre: mestres X mestres; mestres X empresários; mestres X folcloristas;
folcloristas X empresários
143
A complexidade com que as relações de poderes
144
se instalam não se limita
exclusivamente ao poder do Estado sujeitando os capoeiristas, mas também às micro-
relações entre os capoeiristas disputando os espaços que eles adquiriram, na época e
consideravam como legítimos para garantir uma certa hegemonia.
Não se trata de negar, de maneira nenhuma, que a indústria do turismo, através
do aparato do Estado, não inflamou as regras do convívio social na capoeira. Trata-se
de incorporar a situação às alternativas de como os sujeitos históricos lidaram com esse
“novo” fenômeno, revelando suas alianças e suas fugas, suas “perdas” na
transmutação dos seus códigos e seus “ganhos” ao querer dar visibilidade à capoeira
para ser “aceita” nos espaços da sociedade, suas glórias nas apresentações para o
público turístico, para as autoridades representantes do poder e seus desafetos
posteriormente pelo não reconhecimento da sua arte.
As multiplicidades de vetores permearam o cenário cultural da capoeira na
época; portanto, o contato e as trocas da cultura dos capoeiras com as novas formas de
agenciamentos interferiram na sua produção material, estética e simbólica, e favoreceu
movimentos do duplo agenciamento e enunciado culturais oscilando entre resistir à
“tentação“ de um certo “prestígio” ou infiltrar-se na nova “onda” de shows.
Apesar disso, podemos considerar esse contato uma estratégia de negociação
da cultura afro-brasileira no sentido de ocupar os espaços colocados pelos dominantes;
143
ABREU, Frederico. O ABC da capoeira: os manuscritos do Mestre Noronha / Daniel Coutinho.
Brasília, DF: CIDOCA/DF, 1993. p 113.
144
Foucault, ao analisar a dinâmica do poder, comenta: “Parece-me que se deve compreender o poder,
primeiro, como a multiplicidade de correlações de forças imanentes ao domínio onde se exercem e
constitutivas de sua organização; o jogo que, através de luta e afrontamentos incessantes as
transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram nas outras, formando
cadeias ou sistema ou ao contrário, as desvantagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as
estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos
aparelhos estatais. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber.São Paulo:
GRAAD, 2005. p. 88.
87
no entanto, não se pode homogeneizar todas essas relações como iguais, neutras e
amistosas. Precisamos reconhecer as diferenças que cada agente cultural (os mestres)
estabeleceram com este setor, compreendendo a duplagem cultural nas posições de
negociar e resistir.
Foucault estabelece a relação com o duplo condicionamento; ele comenta que
nenhuma estratégia de imposição poderá proporcionar efeitos globais a não ser
apoiada em relações precisas e tênues
145
”, relações específicas estabelecidas entre os
grupos e os gestores do turismo, mas, ao mesmo tempo com uma certa “liberdade” e
espontaneidade na criação dos seus espetáculos. Deve-se pensar em duplo
condicionamento de uma estratégia, através da especificidade das táticas, pelo
invólucro estratégico que as faz funcionar
146
”. Os dispositivos usados para assegurar
uma determinada política foram possíveis graças às interferências dos “organizadores”
do turismo que não tinham nenhuma preocupação com a continuidade dos repertórios
ritualísticos da capoeira.
Os gestores opinavam na produção estética do espetáculo. Waldeloir Rego, ao
registrar determinados episódios no que diz respeito às transformações ocorridas na
capoeira, critica ferozmente a instituição pública com suas ações administrativas. Para
ele, em vez da prefeitura viabilizar um espaço determinado para apresentações, deveria
possibilitar a presença do turista nos centros das práticas de capoeira, pois ele
considerava que garantiria uma certa “autenticidade” ás apresentações, preservando as
suas “tradições”.
Mas o agente negativo no processo de decadência da capoeira, sociológica e
etnogràficamente falando, foi um órgão municipal de turismo. Detentor de ajuda
financeira, material e promocional, corrompeu o mais que pôde. Embora o referido
órgão tenha por normas a preservação de nossas tradições, os titulares que por ele
tem passado, por absoluta ignorância e incompetência, fazem justamente o contrário,
direta ou indiretamente. Lembro-me bem de presenciar um deles interferir na
indumentária das academias e seus respectivos acatarem pacatamente, e infeliz que
não procedesse assim – estaria banido da vida pública para sempre[...]
147
145
Idem, p. 95.
146
Idem, p. 95
147
REGO, Waldeloir. Capoeira Angola: ensaio sócio – etnográfico. Salvador: Itapuâ, 1968. p. 361.
88
As considerações de Waldeloir revelam a interferência do poder público nos
modos de produção das apresentações e a aceitação dos agentes culturais em relação
às modificações na sua indumentária; no entanto, não podemos generalizar, porque
nem todas as academias usavam as mesmas indumentárias nem eram contempladas
com os “benefícios” oferecidos pelos órgãos de governo.
Contudo, apesar das implicações que a indústria do turismo impunha aos
produtores culturais (os mestres e seus alunos) criando estrutura de coesão e controle
nas formas de representações, os fazeres da roda de capoeira não ocorriam
homogeneamente nem havia aceitação de toda essa efervescência do espetáculo, pois,
o que se percebe são linhas de fugas contribuindo para uma multiplicidade de
experiências em lidar com essa nova estética de produção.
Havia grupos que intercambiavam entre realizar uma apresentação para os
turistas e desenvolver trabalhos diferentes em outros locais da cidade com a capoeira
antiga; outros assumiam publicamente que a capoeira estava em processo de
transformação e que, portanto, era o momento de mudanças nos seus rituais; outros
articulavam as apresentações no próprio “ritual da roda”. Também foram montados
grupos folclóricos específicos (Viva Bahia e Olodum mais tarde conhecido por
OLODUMARÊ) para apresentar a capoeira evidenciando a dramatização, o espetáculo.
Não se trata de fazer julgamento de valores dos que eram mais “autênticos”, e
dos menos autênticos numa visão essencialista da identidade na produção da “cultura
popular”; o problema é mais complexo. Busca-se saber como todo este cenário se
articulou criando consenso e conflitos, e como o corpo era representado e utilizado
nessas produções. Caso contrário, estariam fazendo uma história que consegue
garantir os “certos contra os errados”.
Talvez, o importante seja descobrir as fugas que esses produtores colocaram,
mesmo com toda essa violência simbólica arquitetada com dispositivo fixo e flexível na
capoeira. A idéia é de pensar a experiência dos Mestres como modo de alcançar o que
interrompe na história com as massas e as técnicas. Não se pode entender o que se
passa culturalmente com as massas sem considerar a sua experiência”
148
.
148
Martim Barbero se referido a Benjamim sobre seu entendimento de tratar a história a partir da
experiência. MARTIM-BARBERO. Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e
hegemonia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2003. p. 84.
89
Das múltiplas experiências ocorridas na história, abordaremos aquelas que foram
pouco tratadas no campo da historiografia e aquelas que foram pesquisadas, mas
considerando a especificidade do foco do estudo. A narrativa das experiências foi
construída no desenvolvimento da pesquisa, nos encontros com os personagens e nos
toques sutis das falas dos colegas.
1.7 “Lê, lê, lê, ô, ô, ô, a turma de Bimba chegou”: o sitio Caroano
(Mestre Bimba aplicando a meia-lua em Vermelho 27)
São inúmeras as publicações sobre a obra e história de vida do Mestre Bimba.
Trabalhos de doutoramento “Capoeira Regional: A escola do mestre Bimba” de Hélio
Bastos Carneiro Campos; livros publicados: “Capoeira a luta regional baiana” de Jair
Moura; “A saga do mestre Bimba” de Raimundo César Alves de Almeida; “Bimba é
Bamba: a capoeira no ringue” de Frederico José de Abreu; “Mestre Bimba: Corpo de
Mandinga” de Muniz Sodré e tantos outros.
Os discursos sobre a obra do Mestre Bimba são diversos, significativos e
polêmicos. Não há intenção, aqui, de retomar elementos conhecidos na memória escrita
90
da capoeira; a preocupação é trazer à tona a imagem do Bimba enquanto agente social
na comunidade do Nordeste de Amaralina onde ocorriam as apresentações de
capoeira, ora como momento ritualístico da capoeira criada pelo mestre, ora como
espetáculo para o público em geral.
Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba (1899-1974), apelido que recebeu
após o nascimento em virtude de uma aposta feita entre sua mãe e a parteira. A
parteira tinha dito, antes do parto, que seria menino, então ela brincou mostrando, olhe
a Bimba dele. Daí por diante, ficou batizado com Bimba. Os primeiros passos na
capoeira se deram por intermédio de um africano Betinho, capitão da Companhia
Baiana de Navegação e trabalhou como estivador.
Mestre Bimba, descontente com a capoeira praticada na época, cria um sistema
de práticas corporais baseado na antiga capoeira e no batuque, luta que aprendeu com
seu pai. Inicialmente foi chamada de luta regional baiana, pois ele queria revigorar o
aspecto da luta e do combate na capoeira, mas, com o passar do tempo e com os
próprios processos de transformação, passou a ser chamada de Capoeira Regional
Baiana.
É importante considera a figura Mestre do Bimba como a do Mestre Pastinha
como uma instituição de ensino. Os percussores da passagem de uma prática criminal
para os estabelecimentos de ensino (os centros de capoeira). O Mestre Bimba é o
pioneiro e logo em seguida vem o Mestre Pastinha. Vale à pena destacar que o Mestre,
inicialmente consegue o apoio das diversas classes sociais e com o passar do tempo, o
Mestre juntamente com os seus alunos organizam toda a concepção filosófica e técnica
da Capoeira Regional.
91
(Mestre Bimba ensinado a ginga ao seu aluno Acordeon
149
)
A Capoeira Regional, nos anos sessenta, se encontrava organizada e
ocorriam vários rituais de passagens criados pelo Mestre Bimba cujos alunos
vivenciavam. Mestre Xarêu destacou os seguintes: o exame de admissão
150
, o
ensinamento da ginga pelas as mãos (ver a fotografia acima), o padrinho que ensina a
seqüência de ensino
151
ao mais novo, a hora de cair no aço
152
(entrar na roda) e o
149
Credito da fotografia Mestre Acordeon, retirada da sua pagina na Internet.
150
Segundo Mestre Xarêu “Mestre Bimba costumava fazer exames de admissão que constava do
deslocamento para trás que, nós chamamos na Educação Física de ponte e da queda de rim para
lado, para outro e bater os calcanhares naquela posição de queda de rim, a cocorinha e o aú,
basicamente, eram as principais formas de Mestre Bimba avaliar a gente. Ele nunca se explicou e
nunca a gente perguntou por que ele fazia exatamente aqueles exercícios, mas ele simplesmente
fazia. CAMPOS, Helio José Bastos Carneiro. Mestre Xaréu. Entrevista realizada na Universidade
Católica do Salvador em Pituaçu, Salvador, BA, 12 de junho de 2007..
151
Na mesma entrevista Mestre Xareu explicou que: “Mestre Bimba escalava uma pessoa, um aluno, ou
seja, convida um aluno mais antigo para que esse aluno ensinasse ao aluno mais novo; a esse
calouro, como ele gostava de chamar, a seqüência. Esse aluno ensinava ao calouro, etc., não tinha
um tempo estipulado, acho que ia muito pela habilidade motora das pessoas, do desprendimento de
cada um, do interesse de cada um e pela afinidade, inclusive por essa pessoa que estava ensinando
a gente, um sistema com padrinho bastante interessante a respeito disso, dentro do processo de
ensino-aprendizagem.” de mestre Bimba. Entrevista realizada na Universidade Católica do Salvador
em Pituaçu, Salvador, BA, 12 de junho de 2007
152
De acordo com o Mestre Nenel, filho do Mestre Bimba, “depois que o aluno aprendia a seqüência,
que era uma seqüência só, dividida em oito parte, então, meu pai chama, chamava alguém, o mais
velho, aluno formado pra batizar ele, pra cair no aço, então não era festa, não era nada, era um dia
de aula comum’ Entrevista concedida pelo mestre Nenel, na fundação Mestre Bimba. 5/02/2008.
92
esquenta banho
153
. Todos esses dispositivos pedagógicos utilizados por Mestre Bimba
davam a Capoeira Regional uma fisionomia própria, intensificando o processo de
institucionalização da mesma e são frutos das experiências ocorridas no Terreiro de
Jesus, na Rua da Laranjeira, nº 1, antigo Maciel de Cima.
(“Mestre Bimba, Itapoan, Canhão e Medicina. Rua sitio Caroano, na porta da academia do Mestre”
154
)
Mas é na comunidade da antiga Chapada, no Nordeste da Amaralina, que o
Mestre Bimba fazia as ações sociais na comunidade. Bairro de pessoas humildes, cuja
153
Para o Mestre Saci “o que era o esquenta-banho? No momento depois da aula, só havia um banheiro,
a torneira era fininha, vinham 40 alunos para tomar banho e o mestre dizia: “fica esquentando o
banho que um vai saindo e outro vai entrando”. Esse negócio de ficar esquentando o banho a receber o
nome de esquenta-banho, era no esquenta-banho que a madeira deitava, você aprendia a atacar,
defender, trocar pau. Os grandes capoeiristas que estavam ali... os jovens ficavam até com medo de
entrar, mas havia os mais ousados que tinham vontade de aprender, caiam pra dentro, tomavam
galopante, rasteira, cabeçada e se agarravam, iam pro chão e embolavam e o mestre ficava radiante
porque ele gostava de ver aquilo, que era uma coisa dura, mas sincera. Ninguém batia no outro na
“crocodilagem”, querendo machucar, etc. queria mostrar sua superioridade através da técnica, pela
força bruta ninguém procurava vencer, porque senão eu seria todos os dias derrotado, eu tinha 55 kg
naquela época, tinha Ailton Brabo, por exemplo, com 90Kg., Filhote de Onça com 110, 120Kg,
Acordeon com 70Kg. Então, era o mais leve. Por isso, a técnica prevalecia diante da força bruta, foi
sempre uma técnica da academia do Mestre Bimba. JESUS, Josevaldo Lima de. Mestre Saci.
Entrevista realizada na Universidade Católica do Salvador, Salvador, BA, 13 de dezembro de 2007.
154
ALMEIDA, Raimundo Cesar Alves. A saga do Mestre Bimba. Salvador: Ginga Associação de
Capoeira, 1994, p. 176
93
presença do poder público quase não existia, o Mestre agia como espécie de zelador,
as pessoas se dirigiam ao Mestre para solucionar os problemas ocorridos na
comunidade, as brigas e as confusões.
Mestre Nenel comentou que meu pai até injeção dava”. O espírito de liderança
do Mestre colocava-o numa posição de conciliador das atividades diárias entre os
moradores do bairro. Aliás, em virtude da inoperância do Estado ao longo tempo, a
região composta pelo Vale das Pedrinhas, Nordeste de Amaralina e Santa Cruz, é
considerada atualmente, como um local de conflito em virtude do alto índice de
violência.
O sitio Caruano, a casa da festa para a capoeira, além da sua residência, era
local onde se realizavam as diversas atividades culturais. Nesse espaço ocorriam as
apresentações festivas como o espetáculo para os turistas, os treinamentos de
aperfeiçoamentos para os alunos mais velhos, a cerimônia de batizado, o curso de
especialização, a feijoada, entre outras. Mestre Nenel, filho do Mestre, relatou sobre as
atividades realizadas pelo Mestre no sitio, onde a participação da comunidade era
intensa, pois a área funcionava como alternativa de lazer, devido os eventos realizados
por Bimba que acendia a fogueira no São João e os festejos se arrastavam até o São
Pedro:
A gente faz um evento, ainda até hoje no Nordeste que chama a fogueira de
Bimba, porque era coisa que meu pai fazia, essa coisa de animação do Barreo
ele liderava de alguma forma, ele participava. Toda época 28 pra 29 de junho,
ele acendia a fogueira o Pedro e como ele era violeiro, sempre armava o
samba de chula, pandeiro e viola, e animava todo mundo, os vizinhos invadiam
em casa no terreiro da frente ali. Então, o samba corria. Então tinha muita
coisa ligada a cultura não só da capoeira, as pessoas participavam que na
maioria dos casos não eram nem as tijubinas dele que participavam, são
pessoas vizinhos, pessoas que passavam lá na rua
155
Além do lado simbólico dos festejos juninos de São João e São Pedro, cuja
tradição é marcada por ricas trocas de solidariedade, pois geralmente nas casas
sempre canjica, laranja, amendoim cozido, bolos, milho assado e licores, é costume as
pessoas passarem casa em casa para cumprimentar os vizinhos. A fogueira é o local
155
MACHADO, Manoel Nascimento Mestre Nenel, Entrevista realizada na Fundação Mestre Bimba no
Pelourinho, 5 de janeiro de /2008
94
onde as pessoas se reúnem para festejar, as crianças brincam com os fogos, há
danças e as longas prosas.
Essas ações de não intervir nos problemas diários, mas também de organizar
os eventos festivos mostra, além do envolvimento do Mestre com os problemas da
comunidade o seu compromisso de querer melhorar a qualidade de vida das pessoas
desse local. É evidente que a liderança de Bimba é fruto também da sua trajetória; ele
já tinha o status de campeão, aquele que chegou a cumprimentar Getulio Vargas
exibindo a capoeira; no entanto, através das ações sócio-educativas na comunidade,
Mestre Bimba extrapola o universo da capoeira e é, até hoje lembrado pelos antigos
moradores como uma pessoa indispensável.
Com a realização dos eventos de capoeira aumentava o fluxo de pessoas
circulando no bairro, os moradores se sentiam prestigiados com a presença de outras
pessoas, muitas vezes de classe social mais alta. Por isso, no decorrer da entrevista
Mestre Nenel sempre privilegiou os aspectos referentes à atuação de Bimba na
comunidade, comentando que “os capoeiristas não têm idéia da importância de Bimba
para a comunidade”.
Uma das atividades que proporcionava a presença de turista na comunidade,
sem dúvida alguma, era a apresentação dos shows folclóricos, tanto que, na época,
havia os contratos firmados entre as empresas de turismo com o Mestre Bimba e seus
alunos.
Nessas apresentações, não podemos destacar apenas a composição estética do
espetáculo. Embora a motivação fosse a capoeira, ocorria a exibição de maculelê, do
samba de roda, muito bem trabalhado por Mãe Alice (ver o filme Dança de Guerra) e as
pastoras de Mestre Bimba que ficavam responsável pela dança do candomblé.
Os seus alunos, nas entrevistas, destacaram a forma pela qual o Mestre Bimba
coordenava as apresentações, ou seja, a sua capacidade de improvisação e de
envolver o público nas suas explicações. Era uma verdadeira apoteose, uma festa,
Mestre Bimba era um showman e ele dominava o palco como se fosse um Silvio
95
Santos, qualquer um desses apresentadores que fizeram “mil” cursos , mas o Mestre
Bimba fazia aquilo naturalmente
156
.
(Apresentação no Clube português - Mestre Bimba em pé no centro da foto, tocando berimbau Brás e
Amadeus tocando pandeiro no canto direito da foto informações de Nalvinha, filha do mestre
157
)
O domínio do palco era um recurso necessário para o desenvolvimento de uma
atividade que se beneficiava economicamente com a presença do turista. Mestre Bimba
tinha experiência em lidar com as apresentações, pois, desde a década de 50, o
mestre era convidado para apresentar a capoeira nos mais diversos recintos. A
segurança na condução do espetáculo facilitava o entendimento do público. A
comunicação com o público facilitava a compreensão do espetáculo e era mais um
dispositivo performático usado. Mestre Xaréu destacou a capacidade do mestre ao
interagir com o público:
Vale a pena, talvez, destacar aí que Mestre Bimba era um grande comunicador,
ele se comunicava de tal forma nessas apresentações que ele mantinha um
ambiente muito alegre e cordial. Porque ele era capaz de fazer uma piada,
156
JESUS, Josevaldo Lima de. Mestre Saci. Entrevista realizada na Universidade Católica do Salvador,
Salvador, BA, 13 de dezembro de 2007..
157
Crédito da imagem, arquivo municipal do Salvador, Gregório de Matos.
96
como eu vi muitas vezes, para grupos de alemães, por exemplo, grupos de
franceses e que ninguém estava entendendo nada de português e ele contava
a piada e todo o mundo gostava, dava risada, etc., ao mesmo tempo em que
ele mantinha certa distância ele criava um ambiente próximo a ele. Isso é uma
coisa fantástica se a gente pensa de uma pessoa que não tem algo
estudado
158
.
A astúcia do Mestre Bimba está presente durante o espetáculo ao se comunicar
com a platéia sem dominar e nem falar o idioma do público presente; apenas através da
mímica e de frases curtas o Mestre envolvia os espectadores. Aprendeu lidar com o
público estrangeiro que com suas câmeras fotográficas e de filmagem registravam a
exuberância dos espetáculos.
No sitio Caroano foi o local onde Mestre Bimba possibilitou a experimentação
dos novos aparatos estéticos, ritualísticos e culturais da Capoeira Regional, como: a
festa de formatura
159
, o curso de especialização
160
, a famosa feijoada e os shows
folclóricos. Se, por um lado, o sítio se constituía enquanto espaço de aprendizado para
os capoeiristas, por outro lado, os moradores se beneficiavam pelo o aumento do fluxo
de pessoas naquela região.
Procuramos caminhar com as dicas dadas pelo Mestre Nenel, mostrar a ação do
Mestre frente à comunidade, um outro lado da história que ficou escondido até mesmo
pelos seus alunos que revigoram, na sua memória, os efeitos mais técnicos e
ritualísticos da capoeira.
158
CAMPOS, Helio José Bastos Carneiro. Mestre Xaréu. Entrevista realizada na Universidade Católica
do Salvador em Pituaçu, Salvador, BA, 12 de junho de 2007.
159
Mestre Itapoan esclarece que “para forma-se em Capoeira Regional, o aluno cursava nunca menos
que seis meses. Bimba achava que com seis meses, um aluno considerado normal, com três aula por
semana estaria pronto para se formar. Dizia sempre que depois que o aluno se formava é que ia
começar aprender a verdadeira capoeira: “Se ele se julgar o bom apenas com a Formatura está
perdido”. O exame para a formatura era feito em quatro domingos seguidos no Nordeste da Amaralina,
Academia do Mestre. Os alunos a serem examinados eram escolhidos por ele. Durante estes quatro
dias. Os alunos tinham que fazer tudo aquilo que ele pedisse em termos de capoeira”. ALMEIDA,
Raimundo Cesar Alves. A saga do Mestre Bimba. Salvador: Ginga Associação de Capoeira, 1994.
p..67.
160
Mestre Itapoan explicar que o “Mestre ministrava o Curso de Especialização para alunos formados
por ele. Este curso era secreto, podiam participar das aulas os alunos Formados, matriculados para
o mesmo. Tinha a duração de três meses, sendo dois na Academia (no Maciel) e um nas matas da
Chapa do Rio Vermelho, onde aconteciam as “emboscadas” armadas pelo o Mestre para seus alunos.
Uma verdadeira guerra, verdadeiro treinamento de guerrilha. Bimba colocava quatro a cinco alunos
para pegar um de emboscada. O aluno que estivesse sozinho, tinha que lutar até quando pudesse e
depois correr, saber correr, correr para o lado certo. ALMEIDA, Raimundo Cesar Alves. A saga do
Mestre Bimba. Salvador: Ginga Associação de Capoeira, 1994. p. 73.
97
No imaginário social dos capoeiras, a emblemática figura do Mestre Bimba foi
construída pelas práticas discursivas. Havias aqueles que o reverenciavam por ter
inovado a capoeira, conseguido aumentar o número de adeptos (independentemente
da classe social) e por ocupar os espaços institucionais; outros consideravam o Mestre
como o responsável pela descaracterização da capoeira, como aliado ao poder
dominante.
Mestre Bimba disponibilizou as ferramentas necessárias para projetar a capoeira
no Brasil, se por um lado a capoeira ocupou novos espaços no cenário social, divulgada
em revistas e jornais, por outro; o desdobramento desse crescimento foi avassalador,
pois, com o passar do tempo, a Luta Regional Baiana tinha se transformado em muitas
outras coisas, diferente daquilo que o Mestre achava.
1.7 O Centro Esportivo de Capoeira Angola: “Meu corpo é minha arte” - Mestre
Pastinha
98
(Mestre Pastinha aplicando uma meia lua de frente em seu aluno)
161
Vicente Ferreira Pastinha (1889-1981), despertou para a capoeira após o convite
de um africano, que ele mesmo narra no filme;
A minha vida de criança foi um pouquinho amarga, encontrei um rival, um
menino que era rival meu, então, nós entravamos em luta, eu apanhava, levava
a pior e na gamela de uma casa tinha um africano apreciando a minha luta,
então, quando eu acaba de brigar .... meu filho vem cá, “você não pode brigar
com aquele menino, aquele menino é mais ativo que você, você quer brigar
com o menino na raça mas não pode, o tempo que você vai pra casa empinar a
arraia, você vem aqui pra nós causuar. Então aceitei o convite do velho ai
chegava na capoeira ..... ginga pra qui, ginga pra lá, e cai, levanta, quando ele
viu que eu estava em condições pra corresponder o menino você pode
brigar com o menino”. Quando eu vinha a mãe dele via ....... gritava Honorato e
vem seu camarada, o menino pufe, dentro de casa o menino pulava na rua
parecendo satanás, ele ai tornou a insistir , passou a mão, eu sair de baixo, ele
tornou a passar a mão mim, sai debaixo. “Ah você ta vivo em”, ai insistiu a
terceira vez, ai eu rebati a mão dele ..... recebeu caiu, a mãe dele “vez se você
vai panhar’ vai ver apanhar agora
162
161
Fotografia retirada da Revista O Cruzeiro. As velhas ruas de Salvador vivem o “ballet”da capoeira
arte do Mestre Pastinha. 4/05/1983
162
Trecho da fala do Mestre Pastinha no filme Mestre Pastinha: uma vida pela capoeira
99
A dificuldade enfrentada por ele de ficar apanhando do seu rival desperta o gosto
pela arte da capoeira. Mestre Pastinha passa um período aprendendo a “arte marítima’,
(esgrima, floreio e carabina) e foi músico dentre outras atividades. Ao retomar o contato
com os antigos capoeiristas da época, foi convencido a assumir definitivamente o
processo de continuidade da Capoeira Angola. A “nata dos capoeiristas” que
freqüentavam o Gengibirra delegou a responsabilidade ao Mestre Pastinha. Amozinho,
o mestre responsável pelo gerenciamento da capoeira na época e Teotônio de Maré
que era muito amigo seu, convencem Pastinha a organizar a Capoeira Angola.
Então, Mestre Pastinha vai criar O Centro Esportivo de Capoeira Angola que era
a continuidade do Centro Capoeira Angola Conceição da Praia. O novo centro
funcionou no largo do Pelourinho, número 19 e primava pela formação de novos
capoeiristas e por um “novo” ordenamento da prática cultural da capoeira. O propósito
era aglutinar os capoeiras ao centro, servindo de pólo cultural da capoeira baiana, cujo
intuito era a valorização da Capoeira Angola perante a sociedade, que, naquela época,
elaborava a imagem do capoeirista atrelada a uma prática considerada coisa de
vagabundo, malandro e desocupado.
Contudo, o que nos interessa saber é a dinâmica da escola, os contatos culturais
de uma prática cultural, re-elaborada pelo Mestre Pastinha que tem significativos
espíritos de ritualidade, em virtude da passagem da rua para os espaços fechados com
a demanda do público turístico. Para tanto, vamos nos ater ao desenvolvimento das
experiências realizadas na reabertura da academia, no número 51, primeiro andar,
onde atualmente funciona a Fundação de Capoeira do Mestre Bimba.
Um episódio importante a ser destacado foi a perda do espaço do casarão 19 na
Praça do Pelourinho, o que muitos dos seus alunos consideraram um golpe. A
promessa era de reformar o local e, depois, retornassem as atividades da Capoeira do
Mestre Pastinha, mas, em virtude de outras necessidades que os administradores da
indústria do turismo colocavam como prioridade, o espaço foi cedido ao restaurante do
SESC-SENAC, onde são servidos no seu restaurante 1.200 refeições diariamente num
cardápio de “40” pratos e onde é realizado encantadores shows artísticos para os
visitantes da Boa Terra
163
163
COVELLO, Arnóbio. Filosofia do turismo. Salvador: Gráfica Trio, 1982. p.112.
100
O centro de Capoeira que contribuiu para o processo de revitalização do Centro
Histórico de Salvador não teve prestígio político suficiente para permanecer naquele
local, pois a academia, como as demais daquela localidade, era espaço de referências
para a população baiana (trabalhadores, estudantes, pesquisadores, artistas e outros) e
não se resumia apenas à atividade do turismo.
(“Reunião realizada no Touring Club do Brasil (Salvador) com a finalidade de promover uma ação junto
aos poderes públicos para doação de uma casa ao Mestre Pastinha.Participaram da mesma da esquerda
para a direita Vasconcelos Maia, Carybé, José Berbert de Castro (A Tarde), o autor, Mestre Pastinha,
Carlos Alberto Torres (Diário de Noticiais), Jorge Amado e um assessor do autor, no T.C.B (1965)”
164
)
A retirada da academia do Mestre Pastinha do antigo casarão, na praça do
Pelourinho, número 19, é um processo traumático, de muitas promessas e expectativas.
O envolvimento de intelectuais em defesa do Mestre Pastinha foi de suma importância
para a reativação do Centro, pois eles se aliaram a causa, tendo em vista o
reconhecimento que eles tinham pelo Mestre em virtude da sua relevância histórica e
social na constituição da cultura baiana. Num tom de muita admiração Jorge Amado,
fala, mas nós não devemos pensar Pastinha com Tristeza, devemos pensar Pastinha
com alegria, porque ele representou alegria, ele representou a forca do povo, a
coragem, a luta, a invencibilidade do povo
165
.
164
COVELLO, Arnóbio. Filosofia do turismo. Salvador. Gráfica Trio, 1982. p.117
165
Depoimento de Jorge Amado no filme Mestre Pastinha: uma vida pela capoeira. Antonio Carlos
Muricy. 1999
101
Mesmo com as dificuldades econômicas e estruturais, mantiveram-se as
atividades que vinham sendo realizadas, as aulas, as rodas e as apresentações para o
público em geral. Eram mantidos os ensinamentos, os princípios filosóficos da capoeira
Angola sobre a qual ele mesmo escrevia: Angola, capoeira mãe, mandinga de escravo
em ânsia de liberdade, seu principio não tem método, seu fim é inconcebível ao mais
sábio capoeirista”
166
e eram revigorados pela força da transmissão oral.
Mestre Bola Sete, aluno do mestre que participou intensamente neste segundo
espaço, comentou que o Mestre nunca se furtou de ensinar a Capoeira Angola, mesmo
cego:
Pois é! São esses valores que Pastinha passa pra os alunos e passou muito pra
mim, durante 13 anos ali naquele banco sentado, ali no 14 ele me ensinou
muita coisa e ele me ensinava, então, ele passou a filosofia da capoeira, que eu
não tinha conhecimento, então ele começou a despertar mais minha malícia,
[...] [...] malícia se ensina, eu aprendi malicia com Pastinha, e ele me ensinou,
então como é que se ensina malícia? Contando um causo”, Pastinha contava
um caso que ali o elemento malícia foi primordial para a vitória do capoeirista,
então a partir daí você ia ouvindo aqueles causos. Então, se conhece malícia
também se ensina malícia [...]
167
.
A competência do Mestre Pastinha está também na arte de contar “histórias e
estórias da capoeiragem”
168
, os antigos episódios envolvendo os capoeiristas, os
causos vividos pelos os capoeiristas. Nessa sua arte, contar história, não representa
apenas o acontecimento em si, mas a potência na transmissão, na descoberta do
aprendiz em aprender a ouvir as falas maliciosas, nas quais o som forma as paisagens
vivas de mistérios, com ricas emoções de alegria, medo, curiosidade, espanto, entre
outras.
Justamente com as experiências pedagógicas transmitidas pelo Mestre, surgiram
novos modelos de se apresentar a capoeira. Ocorriam as apresentações gerenciadas
pelo o Mestre Pastinha, que era fiel aos ritos originário por ele e os espetáculos
coordenados por dois de seus alunos, Mestre Gildo do Alfinete e Roberto Satanás, que
166
Frase conhecida no âmbito da capoeira e que ficava escrita na parede da Academia de Mestre
Pastinha.
167
CRUZ, José Luiz Oliveira. Mestre Bola Sete. Entrevista realizada na sua academia no Forte da
Capoeira, largo de Santo Antonio Além do Carmo, Salvador, BA, 20 de dezembro de 2007
168
Ver o livro de CRUZ, José Luiz Oliveira. Histórias e estórias da capoeiragem. Salvador. Editora
BDA-BAHIA, 1996.
102
tinham total responsabilidade pela montagem, excussão e divulgação dos espetáculos.
Gildo justificou que a finalidade dos shows era para ajudar o Mestre Pastinha que se
encontrava com a saúde debilitada:
Era um shows para o Mestre Pastinha, porque o Mestre Pastinha na no
Centro Esportivo de Capoeira Angola, Mestre pastinha dava o livro para os
turistas assinar, o cara assinava e não dava nada, então pagava pra entrar, era
como no dia de hoje 5,00 ou !0,00 reais, então a gente vendia o engesso, a
gente só fazia no verão na época de turista, agente distribuía os panfletos lá pro
Mercado Modelo, tinha dia que tinha dois espetáculos, a renda de Pastinha, a
gente entregava o dinheiro a ele na casa dele
169
.
Se por um lado as exibições, mesmo que por algum momento , ajudavam o
Mestre financeiramente, por outro, o modelo das apresentações, como veremos
adiante, se afastavam das antigas práticas instituídas pelo o Mestre Pastinha enquanto
elemento norteador dos valores culturais da Capoeira Angola.
Para uma atividade cultural escassa de recursos financeiros, pois a contribuição
dos alunos não era suficiente para a manutenção do espaço e a própria sobrevivência
do Mestre. o público turístico passa a ser uma alternativa para angariar mais fundos.
Um outro fato relevante é que os outros centros já despontavam como referência
importante para as apresentações de capoeira e das alegorias da cultura baiana, como
vimos anteriormente com o Sitio Caruano e em seguida com o Belvederes da e
muitos outros.
169
Entrevista realizada com Gildo do Alfinete na sua residência no dia 14/02/2008
103
(Gildo do Alfinete de camisa e Roberto Satanás sem camisa apresentando o shows folclórico
170
)
Na fotografia, fica evidentes a presença do público com seu olhar atento à
demonstração dos movimentos e Mestre Pastinha se referia ao apresentar a sua arte,
“que vem, entre os turistas de toda parte envestigando a capoeira de olhos fito, e
afirmo que não há veu; por ser em ação de demonstração; é perigossimo e bem
imprecionante"
171
. É o alerta do Mestre para os curiosos de uma prática que, cada vez
mais se expandia, cuja visibilidade aumentava perante a sociedade e que, portanto, não
precisava se esconder.
Voltando à imagem fotográfica, ela foca os dois jogadores no centro, um sem
camisa e de pés descalço e o outro de camisa amarrada e de pés descalço, embora
nas apresentações houvesse uma mescla da indumentária tradicional usada como traje
de gala nos dias de apresentações, que era o amarelo e preto. as cores do glorioso
170
Fotografia do acervo de Luís Vitor Castro Júnior, conseguida no jornal A Tarde
171
DECANIO FILHO, Ângelo. A herança de Pastinha. Salvador, 1997. p. 68
104
Ypiranga, time do seu coração, com o uso de trajes mais coloridos. Com isso, ficar sem
camisa afastava sas apresentações os princípios formulados pelo o Mestre que era o
respeito a ritualidade da capoeira, como, por exemplo, jogar de camisa por dentro da
calça e calçado, dando um aspecto de seriedade.
No entanto, os gestores dessas apresentações tinham como referência outros
modelos de apresentações que, nesta época, eram comuns, no entanto, eles
dramatizavam também com diferentes elementos estéticos:
A gente falava sobre a capoeira desde o tempo da escravidão, fazia um shows
de maculelê, a perseguição que a policia e a sociedade dava a capoeira, a cena
do guarda era eu e Satanás, tinha uma cena de um o cara com a navalha, era
Baraúna, Meio Quilo e Satanás também. [...] [...] samba duro, [...] [...] agente
misturava também com o pessoal de Pastinha [...] [...] Tom Zé esse compositor,
foi aluno de Pastinha também, ele é o número 58, a gente fazia capoeira e
música e era Tom que apresentava, também pra o Mestre Pastinha. Sabia?
Moraes Moreira esse que você ver ai, ele tinha um grupo canto quatro, era a
capoeira e música para não cansar muito o público
172
.
A linguagem teatral formatava as apresentações porque existiam cenas pré-
determinadas dos personagens que garantiam a comunicação do enredo. A inclusão da
linguagem musical durante as apresentações, mesmo de vez e quando, dava um outro
panorama à dimensão estética do espetáculo, extrapolando o contexto da roda em si. A
ampliação desses novos elementos artísticos, além de evitar o “cansaço do público” era
mais um atrativo.
Ao lado das exibições teatrais de capoeira, ocorriam as apresentações
comandadas pelo o próprio Mestre Pastinha e Bola Sete frisou que “de forma nenhuma
nem pensar, descalço sem camisa de forma nenhuma”. Para o Mestre as
apresentações se pautavam no rigor do ritual da roda:
Normalmente as exibições, as demonstrações para o turista era dia de
domingo, então, a partir das três horas começavam a chegar e enchiam a casa,
geralmente enchia a casa da gente. E dona Nice ficava na porta cobrando os
ingressos e a sala enchia de gente, então, tinha, primeiro Pastinha se
pronunciava, fazia uma palestra ou quando não era ele que fazia a palestra era
Valdomiro Malvadeza que era o contramestre de bateria, então Valdomiro
também falava, às vezes, e depois da palestra do Mestre Pastinha, iniciava a
roda, iniciava a roda de capoeira e depois da roda de capoeira tinha um samba
172
COUTO, Gildo Lemos. Mestre Gildo do Alfinete. Entrevista realizada na sua residência, Salvador, BA,
13 de fevereiro de 2008..
105
de roda e viola, samba de Santo Amaro, e ele tinha um pessoal de Santo
Amaro todo domingo, pessoal de samba da velha guarda que fazia o samba
depois da capoeira. Então, ele tinha um cachezinho, tirava um dinheiro pra
pagar a eles e depois eles retornavam, então, todo domingo era isso
173
.
Neste contexto, a imagem do Mestre é enaltecida como sujeito que detém os
conhecimento da filosofia da capoeira, porque, além de explicar os significados da
Capoeira Angola, ele se preocupava em trazer à tona outros aspectos da cultura
baiana. A performance do Mestre prendia a atenção do público. O convite ao “pessoal
da velha guarda” para apresentar o samba de roda manifesta o reconhecimento do
Mestre pelas manifestações populares que eram realizadas nas práticas corriqueiras
das festas do recôncavo baiano.
O mestre procurava não se afastar dos valores culturais que a Capoeira Angola
vinha projetando enquanto prática cultural de resistência, fiel às tradições de matrizes
africanas re-elaboradas no Brasil, o Mestre teve o cuidado em apresentar a capoeira
para o público e mesmo com a ferocidade da indústria do turismo, ele não desfigurou os
modelos estéticos da Capoeira Angola.
É importante entender que, no primeiro momento do Centro Esportivo de
Capoeira Angola, toda a organização das apresentações eram de plena
responsabilidade do Mestre, mas, com o passar do tempo, devido aos problemas de
saúde, as responsabilidades ficaram a cargo de seus alunos.
Nas décadas de 40, 50 e 60, os dois Mestres, Bimba e Pastinha, que se doaram
para projetar a capoeira nos espaços institucionais da sociedade, eram as principais
referências; na década de 70, com as transformações do contexto social da época, os
dois enfrentam a velhice passando por muita dificuldade. Os dois personagens que
marcaram a história da Bahia, não foram reconhecidos no momento em que mais
precisavam.
Concluímos com duas falas do Mestre Pastinha que sintetizam a sua ação
enquanto educador e a preocupação com o desdobramento da arte-capoeira: Ninguém
pode mostrar tudo o que tem. As entregas e revelações têm de ser feitas aos poucos.
Isso serve na capoeira, na família, na vida. segredos que não podem ser revelados
173
CRUZ, José Luiz Oliveira. Mestre Bola Sete. Entrevista realizada na sua academia no Forte da
Capoeira, largo de Santo Antonio Além do Carmo, Salvador, BA, 20 de dezembro de 2007
106
a todas as pessoas. momentos que não podem ser divididos com ninguém
174
. A
outra passagem refere-se aos seus dois alunos, Mestre João Pequeno e João Grande:
Eles serão os grandes capoeiras do futuro e para isso trabalhei e lutei com
eles. Serão Mestres mesmos, não professores de improviso como existem por
ai e que servem para destruir nossa tradição que é tão bela. A este dois
rapazes ensinei tudo que sei, até mesmo o Pulo do Gato. Por isso tenho as
maiores esperanças em seu futuro. Capoeira, as lutas, a dança, o gingado é
toda a minha vida, é mais que amor, é minha razão de viver
175
.
1.8 O Mestre Canjiquinha no Belvederes da Sé
(Mestre Canjiquinha tocando berimbau com os seus alunos na roda de capoeira
176
)
174
Fala do Mestre Pastinha no livro de BOLA SETE, Mestre. A Capoeira Angola da Bahia. Pallas Rio de
Janeiro. 1997. p. 187.
175
Pastinha: estão abusando da capoeira. Diário de Noticias, Salvador, 3 out.1970.Caderno 2, p. 1.
176
Fotografia do Instituto Jair Moura
107
Washington Bruno da Silva, o Mestre Canjiquinha (1925-1994), nasceu na cidade
de Salvador, iniciou a capoeira por intermédio de Antonio Raimundo, o lendário Aberrê.
Sobre o seu primeiro contato com a arte da capoeira, Canjiquinha comenta:
encontrei homens na frente do banheiro, tinha uma quitanda. Eles ficavam ali bebendo
cachaça era do interesses do dono do banheiro. [...] [...] Então eu ficava olhando, ai
ele disse assim. Ô meu filho venha cá! Você quer aprender? Eu disse: quero. Ele
mandou me abaixar, quando me abaixei ai eu vi o pé. Eu pulei. Ai ele disse: Ô meu filho
a partir de hoje eu vou lhe treinar
177
.
O banheiro público em Brotas, no Matatu Pequeno, correspondia ao lugar onde
os capoeiristas se encontravam para jogar capoeira e entre um jogo e outro, saborear
um gole da cachaça. Neste local, Canjiquinha dá os seus primeiros pulos na capoeira, a
curiosidade do menino que ficava observando os mais velhos jogando estabelece o
processo iniciático na capoeira. Aberrê utiliza, como dispositivo, o passa o por cima
do corpo do menino e no mesmo momento Canjiquinha pula para se livrar de um
provável golpe deferido pelo Mestre. Esse tipo de relação vai se potencializando em
práticas educativas que são intensificadas nas trocas pedagógicas entre o aprendiz e o
mestre, ambos desejantes de novos desafios.
Além da atividade de Mestre de Capoeira, Canjiquinha foi sapateiro, entregador
de marmita, trabalhou como mecanógrafo (funcionário da prefeitura municipal de
Salvador). Teve contato com o futebol tornou-se goleiro do glorioso Esporte Clube
Ypiranga. Na música foi cantor de bolero e, pelo seu jeito divertido deve ter sido um
grande dançarino, aquele de riscar o salão.
Após essa breve biografia, passemos para o palco do Belvederes da Sé, onde
Canjiquinha conseguiu implementar todas as suas criações para a Capoeira. O espaço
geográfico do Belvederes da Sé, nos anos sessenta, era uma área de localização
privilegiada em frente à Baia de Todos os Santos, no centro da cidade, local
freqüentado pelos trabalhadores no final do expediente, estudantes, aposentados no
bate-papo diário, ambulantes que esperavam a visita dos turistas; enfim, todo o fluxo de
gente que utilizava aquela área para fazer compras, pois a rua Chile, que liga a Praça
da à Avenida Sete e à Carlos Gomes, apresenta, nesse período, um comércio com
177
SILVA, Washington Bruno da. Canjiquinha: alegria da capoeira
.
Salvador: A Rasteira,
1989. p. 9 , 10
.
108
muita vitalidade. Embora, essa excelente localização possibilitasse mais uma área de
passeio para os turistas e de lazer para os moradores, os jornais sempre denunciavam
o Belvedres da como local de abandono, em estado e cujos equipamentos públicos
não recebiam manutenção.
(A estrutura arquitetônica do espaço para as apresentações de capoeira no Belvederes da Sé
178
)
Mestre Geni, aluno do Mestre Canjiquinha que participou intensamente das
atividades do Belvederes, ao olhar as fotografias explicou, sobre a estrutura física do
local que ficava embaixo da Sutursa (Superintendência de Turismo do Salvador), aqui
tinha uma “entradazinha” que passava esse “corredozinho” e tinha um L que era as
arquibancadazinhas, tudo ficava aqui, era como se fosse um “ringuezinho” de madeira,
um quadrado de madeira [...] [...] essa parte daqui, era parte onde ficava os capoeiristas
sentados, tipo com um banquinho que a bateria era sentado”
179
.
178
Fotografia de Fernando Goldgaber. Capoeira. Salvador: Itapuã, 1969. .
179
Mestre Geni. Entrevista concedida, no Palácio do Esporte, na sala da Confederação Baiana de
Capoeira, no dia 13/de julho de/2006.
109
(O quadrado do centro e logo atrás o local da bateria
180
)
Nas imagens fotográficas percebem-se claramente o cercado de madeira no qual
os capoeiristas demonstravam suas habilidades, a arquibancada onde o público ficava
para assistir às apresentações e o lugar da bateria. A estrutura arquitetônica do espaço,
embora precária, permitia uma certa estruturação do local para colocar os participantes
em lugares definidos, diferentemente das rodas nas ruas onde ocorre uma circulação
mais livre das pessoas presentes no contexto da roda. Nessa fisionomia do espaço, a
modelagem do local melhora a estruturação cênica do espetáculo para as
apresentações de capoeira e dos shows folclóricos.
O barracão do Belvederes da Sé, ao contrário do Barracão do Mestre Waldermar
que tinha toda uma gestão de organização própria do mestre com os seus alunos, era
uma iniciativa organizada, controlada e fiscalizada pelo poder público, Frente à
administração da entidade estava, no primeiro momento, o senhor Vasconcelos Maia,
depois Erval Marques Pedreira que eram as pessoas responsáveis pela organização
sas atividades realizadas naquele local.
Através do convite de Guilherme Simões para trabalhar no Departamento de
Turismo da Prefeitura, Canjiquinha fala: Ai me levou para o Departamento de turismo
180
Fotografia de Fernando Goldgaber. Capoeira. Salvador: Itapuã, 1969.
110
da prefeitura para me apresentar, fazer shows e ficar como funcionário de lá. Então:
Vasconcelos Maia disse: Canjinquinha, você fica ensinando aqui. Daí eu abandonei a
academia do mestre Pastinha
181
”. Portanto, além das apresentações ocorriam também
as aulas de capoeira.
A pauta das apresentações era prenchiada com os espetáculos do Mestre
Canjiquinha todas as noites e, às vezes, ocorriam duas sessões, das 18:00 às 20:00 e
das 20:00 às 22:00, Com o passar do tempo e com a construção do centro folclórico, o
“espaço” passou a ser utilizado pelo Mestre Caiçara e Canjiquinha. A divisão dos dias
na utilização do espaço trouxe desavença e discórdia entre os mestres. Afloradas as
rivalidades Waldeloir faz o seguinte comentário a respeito:
O salão de exibições patrocinado pelo órgão oficial do turismo do município de
Salvador, de há muito tempo, vem sendo disputado pelos capoeiristas em
virtude de um único fato que é o sócio–econômico. O capoeira ou as academias
de capoeira se sentem promovidos em se exibirem diante de um presidente da
república, embaixadores, ministro de Estado, nobreza, clero e burguesia, que
pela Bahia passam, juntando a isso as vantagens econômicas que tiram não
do contrato que fazem com o referido órgão, para exibição e também do
dinheiro que se colocava no chão, para ser apanhado com a boca, durante o
jogo, em golpes espetaculares
182
. .
Diante do relato, é importante considerar, além do beneficio econômico como o
próprio Canjiquinha conta: “na praça quem ganhava mais dinheiro era eu. Naquele
tempo, de 1955 até 1970, quem andava com mais dinheiro no bolos era eu. Às vezes
eu enchia um saco la
183
”, o sentimento de se vangloriar por ter sido “escolhido” para
realizar tais apresentações para as autoridades presente na cidade, eles se sentiam
prestigiado, aumentando cada vez mais o acirramento e as vaidades entre os Mestres.
Os “disse me disse” eram muitos, as desavenças entre os Mestres eram
constantes, principalmente entre ele e Caiçara. Além das ofensas pessoais, às vezes,
descambava para o terreno da feitiçaria. As disputas pelos os espetáculos,
influenciavam a performance das apresentações, porque cada Mestre queria superar o
outro. Canjiquinha comenta as estratégias utilizadas para garantir um público maior nas
apresentações:
181
CANJIQUINHA. Washington Bruno da Silva. Alegria da capoeira. Salvador: A Rasteira, 1998. p. 59
182
REGO, Waldeloir. Capoeira Angola: ensaio sócio – etnográfico. Salvador: Itapuâ, 1968. p. 38, 39.
183
CANJIQUINHA. Washington Bruno da Silva. Alegria da capoeira. Salvador: A Rasteira, 1998. p. 34
111
Foi mais fácil eu ficar conhecido porque é o seguinte: um colega ajuda o outro.
Eu ajudava minhas colegas e elas me ajudavam.(...) Então esse pessoal
trabalhava na recepção do Departamento de turismo, onde eu me apresentava
e era funcionário. Elas viam meu trabalho como eu fazia. Então, quando o
turista chegava, elas diziam: Olha! Em tal lugar assim assim tem capoeira, tem
mestre Bimba, mestre Pastinha... Elas diziam: O melhor é o mestre Canjiquinha.
Não é porque ele é funcionário daqui não. Se você for amanhã e não gostar,
ele lhe devolve seu dinheiro. Quando chegava lá, ele via eu fazer coisas que
Deus duvida. Os jornalistas também ajudaram muito. Eu mesmo fiz o meu nome
Canjiquinha. Botei nas costas. E assim lá vai eu. Sofri muito. Era tanta crítica. O
jornal me botava lá em cima, daqui a pouco me botava lá em baixo
184
.
O traquejo de Canjiquinha em conquistar o público passava pelo bom
relacionamento que tinha com os funcionários da prefeitura, pelos anúncios nos guias
turísticos, pelas apresentações realizadas nas festas de largo, na praia e no passeio
público, pelas noticias dos jornais e pelo próprio slogan criado por ele a alegria da
capoeira
(Mestre Canjiquinha agachado com seu berimbau comandando a roda de capoeira na praia
185
)
184
Idem, p. 68.
185
Fotografia do Instituto Jair Moura
112
Canjiquinha vai descolar radicalmente tanto da Capoeira Angola do Mestre
Pastinha como da Capoeira Regional do Mestre Bimba. Ele cria sua própria prática
discursiva, que “a capoeira é uma só”, para ele, o jogador deve jogar conforme o ritmo
da música, ao tocar lento, o capoeirista deve jogar lento e ao tocar rápido ele deve jogar
rápido. Ao investir nesta idéia, ele cria uma certa independência no desenvolvimento do
seu trabalho, gozando de prestigio e fama na época.
Ele inventa vários mecanismos dentro da sua proposta de trabalho para se
diferenciar dos outros Mestres. Isso fica explicito quando Canjiquinha explica sobre a
criação do muzenza
186
e do samango
187
Se o mestre Bimba criou a regional eu achei por bem criar a muzenza, o
samango. Se toca diferente, se joga diferente. Isso passou na minha cabeça
assim: cheguei no candomblé e ouvi tocando: é muzenza, é muzenza. Toquei
no berimbau. em disse: como é que vou jogar isso? eu ficava treinando
sozinho no espelho. eu botava Manuel, o finado simpatia, Gerônimo
treinando os movimentos. Vi que aquilo prestava. É a muzenza. O samango.
Eu senti vontade de investir algum ritmo. Criei o samango. eu treinei dançar
de lado. O samango é muito violento, tem tesoura voadora, tem tudo. Na
época, os outros mestres bateram o mite. Os novos não. Os novos gostavam.
Inclusive, um aluno de Bimba fez isso em São Paulo. Os novos sempre
apoiavam, porque sentiram que aquilo prestava, deixando o carrancismo dos
velhos prá lá, eu coloquei o samba de angola na capoeira. porque eu saia em
escola de samba, em cordão. Daí, eu peguei o berimbau, comecei a tocar, aí
disse: este serve. Ai botei assim o toque samba de angola. Comecei a fazer
samba de angola e fazer capoeira sambando
188
.
O relato do Mestre Canjiquinha mostra as inúmeras incursões realizadas no
âmbito cultural da capoeira ao colocar novos elementos performáticos. Canjiquinha não
queria reproduzir fielmente as formulações anteriores da capoeira, embora ele utilizasse
vários desses elementos. No entanto, ele queria deixar sua marca, sua originalidade,
sua singularidade no universo da capoeira cada vez mais diverso.
Nas apresentações, Canjiquinha não mostrava somente a capoeira; ele
demonstrava um conjunto de manifestações populares que Mestre Geni descreve da
seguinte maneira:
186
“(1) Filho-de-santo em candomblés de nação angola, (2) Primeira dança pública dos recém-iniciados”
LOPES, Nei. Dicionário Banto do Brasil. Rio de Janeiro: Oficina Gráfica da Impressa da Cidade –
Centro Cultural José Bonifácio. p.185.
187
“(1) Preguiçoso e indolente, (2) Maltrapilho, (3) policial, tira” . Idem, p.229
188
CANJIQUINHA, Washington Bruno da Silva. Alegria da capoeira.
.
Salvador: A Rasteira,
1989.
,
p.
.
40-
41.
113
No começo somente Capoeira, apresentava capoeira. Depois então ele trouxe
um dos filhos de Popó pra ir e esse filho de Po ensinou Maculelê para gente,
a gente passou a ter capoeira e Maculelê, depois o próprio Canjiquinha
passou a nos ensinar puxada de rede. Do show dele passou a ter Capoeira,
Maculelê e Puxada de rede. E depois Djalma um que foi presidente do Gandhy
durante muitos anos. Djalma era cunhado de Canjiquinha, casado com a irmã
de Canjiquinha que é, é Mãe de Santo, passou a botar também a parte de
dança Africana que não é bem o Candomblé que você apresenta os Orixás,
cadê seus Orixás? Mais não é o Candomblé, e passou a ter isso. Então o show
de Canjiquinha, pelo menos assim, naquela época, foi o primeiro Mestre que
eu vi montar um show folclórico completo
189
.
Aos poucos, o Mestre reunia as diversas práticas culturais num único show. O
“mérito” do Mestre Canjiquinha estava em facilitar o acesso do público turístico assistir a
um espetáculo que procurava dramatizar as manifestações populares do povo baiano.
A performance no show deveria atender a uma certa fidedignidade aos cultos religiosos
africanos, às práticas trabalhistas da puxada de rede do Xaréu e ao maculelê. Não é a
toa que o Mestre vai convidar pessoas diretamente ligadas a essas manifestações para
aperfeiçoar cada vez mais as apresentações.
A perspicácia do Mestre Canjiquinha nos espetáculos não estava simplesmente
na incorporação desses elementos nas apresentações, pois me parece que era uma
tônica dos shows para–folclóricos, cuja a exibição se fazia nos palcos, tendo como
pioneiro o Grupo Vivabahia sob a coordenação da professora Emilia Biancardi. A
astúcia dele foi de incorporar ao espetáculo, “fleche” representando as situações vividas
na festa de largo, as brigas, confusões, aquilo que chamou de “festa de arromba”:
Ele também criou a Festa de Arromba porque ele dizia que naquele tempo,
porque festa de largo se brigava muito, e felizmente acabaram as brigas e tem
mais violência e violência por quê? Porque se usa muita arma, se tem muita
morte. Naquele tempo não tinha muita morte, mais tinha “pancadaria”. Não
somente nas rodas, depois, depois da roda... agora dentro da roda como hoje,
mais depois da roda tinha um desentendimento, o capoeirista tomando cerveja
brigava com outra pessoa. O capoeirista se dava bem, o capoeirista tinha fama
de “brigão” e gostava de mostrar que era “valentão” (...) (...) Então depois da
capoeira eu trabalhei aquelas brigas, essa festa, chamava festa de arromba
onde Canjiquinha botava uma turma de capoeirista de um lado, outra turma de
capoeirista do outro e simulava uma briga todo mundo brigava com todo
mundo, certo?! você tava... Era uma briga simulada que também ninguém
se machucava, mas por exemplo: Eu tava com você, e ia lhe dar um golpe e
daqui a pouco outro vinha por trás e me dava uma rasteira, outro me dava
uma Benção e eu caia lá, quando eu caia assim o outro vinha olhar o que é
189
Mestre Geni. Entrevista concedida, no Palácio do Esporte, na sala da Confederação Baiana de
Capoeira, 13 de julho de 2006.
114
que eu tinha quando eu levantava. Era mesmo uma festa que o pessoal
adorava e o turista aplaudia. Isso era a festa de arromba, foi uma coisa que ele
criou, certo?
190
A “festa de arromba” criada por Canjiquinha diferenciava-se das outras
apresentações que ocorriam na época, pois não fixava exclusivamente o elemento da
roda de capoeira. A arte de dramatizar era um recurso imprescindível para representar
mais fielmente as confusões nas festas de largo e nos bares. A teatralidade do grupo
estava em garantir não o lado alegre das festas populares, mas também o momento
mais tenso de conflito entre os participantes. O estereótipo do valentão valorizado nas
apresentações viabilizava a interdiscursividade daquele sujeito capoeirista capaz de
fazer e acontecer. Os seus alunos, além de capoeiristas-jogador assumem o papel de
capoeiristas-ator, responsável por representar um papel definido pela configuração da
peça.
Mestre Lua Rasta, ex-aluno se refere ao Mestre Canjiquinha como um grande
incentivador, participou também das apresentações juntamente com Geni, Vitor Careca,
Burro Inchado, Antônio Diabo, Manuel Santo Preto, Lucídio, Fumanxú e outros.
Acredita-se que esse lado performático e artístico da capoeira do Mestre Lua se deu e
muito devido ao contato com o Mestre. Sobre as apresentações Lua diz o seguinte:
tinha capoeira, tinha maculelê, tinha “samba de roda”, “puxada de rede”, as
invenções dele também de festa de arromba, samango, teatro doido que ele
fazia também e era isso. Imitava gringo, imitava travesti, então, era uma coisa
mais completa a nível da cultura popular, não era capoeira. Samba de roda,
não era batuque porque, na época a gente não sacava essa coisa de batuque
mas, tinha uma “festa de arromba” que ninguém era de ninguém, numa hora,
num momento talvez, [...] [...] O Canjiquinha fazia a “festa de arromba” que
botava num salão. Ele dizia que era uma festa de “largo”, que tinha que
aprender também quando tivesse uma confusão numa festa de “largo”, a gente
teria que se defender, porque numa festa de “largo” você não tem... ninguém é
de ninguém, cada um por sí....
191
O espetáculo propiciado por Canjiquinha, além de representar os elementos
estéticos da cultura baiana, o “teatro doido”, por exemplo, enfocava a representação do
que o Mestre tinha de serem os estrangeiros e os travestis, num tom humorístico, os
190
Mestre Geni. Entrevista concedida, no Palácio do Esporte, na sala da Confederação Baiana de
Capoeira, 13 de julho de 2006.
191
Mestre Lua. Entrevista realizada no seu Atelier Percussivo no Centro Histórico de Salvador, 4 de
outubro de 2004
115
atores-capoeira encenavam outras personagens diferentes daquelas instituídas
historicamente na capoeira do sujeito valentão, do mestre mandingueiro e do
capoeirista malandro. O esforço na interpretação do espetáculo exigia do mesmo
determinadas habilidades (impostação de voz, mímica e imitação do personagem) para
impressionar o público. Não bastava só saber jogar capoeira, mas era necessário
desenvolver outras habilidades, que ultrapassassem os movimentos técnicos da
capoeira.
Mestre Canjiquinha ficou conhecido no âmbito da capoeira como o Mestre que
fazia de tudo nas apresentações, e muitos não lhe dão o devido prestígio por achar que
ele fazia muitas inovações e não estava preocupado com a “preservação” dos valores
culturais da capoeira. Contudo, é importante frisar que Mestre Canjiquinha vai ser o
protagonista de um discurso, atualmente bastante utilizado por muitos professores e
mestres de capoeiras no mundo inteiro de que é “a capoeira é uma só”, “aqui jogamos
as duas, Angola e Regional”, “você aprende a jogar em cima e em baixo”. Assim, muitos
procuram tirar as vantagens e os benefícios que esse discurso tem.
O modelo de capoeira na concepção de shows folclóricos “vingou”, ainda está
presente nos dias atuais, pois existem grupos que assumem publicamente essa faceta
do espetáculo como alternativa financeira e como manutenção de uma tradição criada a
partir da década de sessenta; no entanto, atualmente são outras ramificações
profissionais, juntamente com a capoeira que os potencializam para abarcar uma outra
fatia do mercado internacional O modelo vigente é empresarial, cuja marca do Grupo
serve de “franchase” para ser consumida para todo o mundo.
1.10 A esportivização e a capoeira
A primeira iniciativa de sistematização do método de ginástica brasileira foi o
guia de Capoeira ou Ginástica Brasileira no ano de 1907, cujo autor assumia sob as
inicias de O D C. Seu seguidor foi Anibal Burlarmaqui, que retomou, em 1928, com seu
116
trabalho Ginástica Nacional (Capoeiragem) Metodizada e Regrada, a tentativa de fazer
da capoeira a ginástica nacional. Contudo, foi o professor Inezil Pena Marinho o grande
organizador, com sua obra Subsídios para o Estudo da Metodologia da Capoeira do
Treinamento da Capoeiragem, cujo objetivo era transformar a capoeira em uma prática
esportiva para afirmar um projeto de sociedade que utilizava os elementos da cultura
popular na constituição de uma identidade voltada para os mecanismos políticos do
nacionalismo através do patriotismo .
Um outro fenômeno hegemônico que vai se articular com a indústria do turismo
é a “esportivização” da capoeira. Inspirada no ideário político: “Brasil, ame-o ou deixe-
o”, o esporte foi utilizado para veicular um discurso capaz de conduzir a juventude a
não se envolver nos problemas políticos que o país enfrentava com a ditadura militar.
Nas primeiras décadas do século passado, mais aproximadamente a partir
1930, com o Estado Novo, o Brasil erguia-se em um ideário de modernização e
industrialização. Neste momento, havia a pretensão das elites brasileiras de formar um
“homem forte”, capaz de suportar o combate, a luta e evitar os vícios que deterioravam
a saúde do corpo. Dessa forma, a ginástica, o desporto e todas as práticas corporais
serviam como mecanismo de veiculação para tal ideologia.
Paralelos ao processo de importação dos métodos ginásticos oriundos dos
países europeus que circulavam nas instituições escolares, existiam iniciativas,
cujo objetivo era criar um método de ginástica genuinamente brasileiro.
Na cidade de Salvador, o fenômeno da esportivizaçao da capoeira vai tomar
fôlego nas décadas de 60 e 70, quando, tendo como protagonista o Mestre Carlos
Senna, começam as competições com a presença de agremiações exclusivamente do
âmbito da capoeira, mudam-se totalmente as formas de procedimentos, criam-se
regulamento, organizam-se campeonatos e constituem entidades responsáveis pelo
gerenciamento dessa “nova” modalidade esportiva, organizam-se campeonatos com
regras definidas na busca do padrão de um atleta, ao invés do capoeirista, e a medalha,
é a forma de premiação pelos resultados obtidos, Dessa forma, surge a veiculação de
um “novo” paradigma alicerçado na eficácia e no rendimento.
No capítulo II - Desportividade no seu art. - “A Confederação Brasileira de
Pugilismo, por si e por intermédio de seus Filiados, exige dos capoeiristas uma capoeira
117
limpa e cavalheira, com a observância irrestrita de todas as suas leis e regulamentos,
no sentido de evitar-se, com a máxima precaução, as lesões ocasionadas por infração
desses dispositivos legais
192
.” O gerenciamento da capoeira enquanto modalidade
desportiva, preocupava-se apenas com a competição em si. A exigência de uma
capoeira limpa e cavalheira retrata o sentimento de que os competidores deveriam agir
de acordo com o regulamento e o poderiam, em hipótese alguma, utilizar elementos
da capoeira que era praticada baseando-se nas antigas tradições.
Esse “novo modelo” da capoeira esportiva precisou modificar a sua estrutura
para concorrer no mercado com as outras lutas que vinham ganhando prestígio na
sociedade baiana e ocupando os espaços institucionais. Na tentativa de poder disputar
essa fatia do mercado, a capoeira incorporou à sua estética elementos como graduação
através das “fitas”, “cordas”, semelhante à utilização de faixa no Karatê e no Judô.
Mestre Itapoan comentou que Mestre Senna, idealizador da “capoeira estilizada”,
justificava o uso da fita como instrumento da graduação: “A fita verde era o grau
máximo da academia dele [...] ele dizia o seguinte, cordão era pra enrolar pão, corda é
de amarrar jegue, faixa é das outras lutas orientais e fita é único simbólico nobiliárquico,
porque no balé a classificação é de fita, no vela é fita azul” Para Senna, a opção pela
fita reportaria aos significados de uma prática social mais nobre, próxima às atividades
praticadas pela elite baiana. A iniciativa era de organizar a capoeira para que ela fosse
“bem vista”, servindo de referência para a juventude. Os jornais noticiavam
constantemente os eventos esportivos realizados pela SENAVOX:
Alcançou pleno êxito o I torneio de Capoeira realizado na sede do clube Baiano
de Tênis, sob os auspícios do Centro de Instrução SENAVOX e orientação do
professor Carlos Sena. O referido torneio que foi dividido em três partes fita,
peso e absoluto – teve como vencedor os jovens atletas”
193
Com êxito invulgar, foi realizado no mês de agosto passado na sede do clube
Baiano de Tênis no seu mês de aniversários o primeiro torneio interclube, sob
a orientação e responsabilidade do Centro de Instrução Senavox, o precursor
da capoeira como esporte. Assim sendo, a capoeira, depois de árduo trabalho
do jovem esportista Carlos Sena, a sua maioridade, estando atualmente a
merecer os maiores encômios de pessoas de todos os matizes
194
192
Confederação Brasileira de Pugilismo – Regulamento Técnico da Capoeira, p. 2.
193
PRIMEIRO Tornei de Capoeira. A Tarde, Salvador, 17 set. 1964.
194
I TORNEI Inter Clubes de Capoeira foi encerrado brilhantemente. Diário de Noticiais, Salvador 24
set. 1964.
118
Interessante perceber que, em 1964, no começo da ditadura militar, a capoeira
apresentava uma certa organização como modalidade esportiva com as devidas
categorias de fita, peso e absoluto, o que leva a crer que as primeiras iniciativas da
capoeira esporte em Salvador antecediam os anos de 1960. Outro aspecto importante a
ser ressaltado é em relação ao local do evento, o Clube Baiano de Tênis, que, na
época, tinha entre os seus associados, pessoas representantes da elite baiana.
A realização das competições no referido clube refletia a necessidade de dar
um determinado status social à capoeira. Se por um lado divulgava a capoeira como
instrumento de “aceitação social’ pela classe dominante por ser uma atividade boa para
a melhoria das capacidades físicas, espelhada no ideário esportivo, por outro lado, as
formas de jogo vão sendo modificadas, distanciando-se, cada vez mais, dos modelos
praticados pelos antigos Mestres e afastando-se, também, das pessoas simples e
moradoras, na sua grande maioria, dos bairro “periféricos’.
Teses o projetadas na tentativa de regulamentá-la como modalidade
esportiva. Os discursos valorizavam a idéia do corpo atleta, aquele que, a despeito de
tudo, consegue obter o sucesso da vitória e da glória, a ostentação dos títulos
recebidos com suas medalhas e troféus. O treinamento desportivo como paradigma
para melhoria do desempenho físico e a inserção, cada vez maior, dos elementos
ginástico na capoeira.
Se por um lado havia toda essa vontade de legitimá-la, por outro havia posições
contrárias que não aceitavam o modelo proposto, criticando veementemente essa
posição, mesmo com a participação de velhos mestres que, geralmente, eram
convidados para compor o cenário dos campeonatos, os congressos cnicos, as
bancas julgadoras e outras atividades; mas isso o significava dizer que eles estavam
de acordo com o que estava ocorrendo, pois “eles, depois condenavam o resultado de
tudo aquilo que eles avalizavam: capoeirista transformados em gladiadores; a roda em
ringue; o jogo em “combat” e outras coisas mais e más
195
.”
Essa injunção era a pressão das circunstâncias históricas que estavam sendo
inter-cambiadas entre os grupos que defendiam a capoeira como “esporte nacional”
195
ABREU, Frederico. O ABC da capoeira: os manuscritos do Mestre Noronha/ Daniel Coutinho.
Brasília, DF: CIDOCA/DF, 1993. p.114.
119
com suas formas e organização e que se nutria dos saberes dos velhos mestres afro-
descendentes para autenticar e chancelar seus eventos; no entanto, os antigos mestres
atribuíam outros significados ao acontecimento. Para eles, as formas praticadas pela
capoeira esporte não representavam o significado histórico que eles tinham com sua
arte.
Michel de Certau refaz a idéia de “sucesso” dos colonizadores em relação à
imposição cultural ao povo indígena “muitas vezes esses indígenas faziam das ações
rituais, representações ou leis que lhes eram impostas outras coisas que não aquelas
que o conquistador julgava obter por elas. Os indígenas as subvertiam, não rejeitando-a
diretamente ou modificando-a, mas pela maneira de usá-la para fins e em função de
referências estranhas ao sistema do qual não podiam fugir
196
.
Comparando-se esse fato a realidade da capoeira, a presença dos Mestres nos
eventos não significava que eles concordavam com o que vinha ocorrendo; os desejos
eram outros bem diferentes daqueles atribuídos pelos organizadores, até porque, nas
suas práticas diárias, nos seus barracões, nas suas academias e nos seus terreiros,
não se constituíam a vertente da capoeira esporte. Aprenderam a lidar com os
discursos dominantes da indústria do turismo e do fenômeno esportivo. Neste jogo de
disputa, a “cultura popular” vai sendo recontextualizada e reconceptualizada a todo
momento. Bom, se, por um lado, a capoeira esporte aumentava a visibilidade da
capoeira, por outro, ela não correspondia os anseios dos antigos Mestres.
196
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer.Petrópolis, RJ: VOZES, 1994. p.
120
Capítulo 2
2.1 O cinema como fonte histórica
O texto de Beatriz Sarlo, “A História contra o Esquecimento”
197
, traz o desafio e a
possibilidade de reconstituir o passado a partir do filme Shoah. Nele, ela mostra a
riqueza do filme Lanzman no processo de rememorar o extermínio dos Judeus no
campo de concentração, descreve o filme nos seus meticulosos detalhes e, ao mesmo
tempo, analisa a importância do mesmo no processo histórico como forma de evitar o
esquecimento das mazelas do holocausto. A astúcia de Sarlo em refletir sobre a
memória por intermédio do filme, nos inspirou inicialmente a realizar a presente tarefa.
Compartilho com o sentimento de Robert Rosenstone, quando menciona que,
para o historiador, ao se aproximar “do mundo do cinema é uma experiência que
suscita entusiasmos e desconforto
198.
Para ele, o entusiasmo está relacionado à
possibilidade de compartilhar com outras pessoas um projeto, fugindo da solidão de
uma biblioteca, “e à deliciosa idéia de imaginar os potenciais receptores de suas
investigações e análise”
199
. O desconforto está na desconfiança que o historiador lança
no que na tela. “Independentemente da honestidade ou da seriedade do diretor do
filme e do grau de profundidade de seu estudo”
200
, emerge a preocupação de alterar o
sentido do passado na tradução da imagem para o escrito. Se por um lado é delicioso
assistir inúmeras vezes aos filmes que se proponho analisar, descobrindo a cada
sessão coisas novas, por outro, existe o desconforto que gera a preocupação constante
em mudar os sentidos das coisas; contudo, parece que esse é um risco que todo
historiador tem que enfretar. Dessa maneira, baseados nas informações de Vanoye e
Goliot-Lété de que “a análise de filme geralmente dá lugar a uma produção escrita, mas
197
SARLO, Beatriz Paisagens imaginárias: itelectuais, arte e meio de comunicação. São Paulo, 1997. p
35
198
ROSENSTONE, Robert. Histórias em Imagens, história em palavras: reflexões sobre as possibilidades
de plasmar a história em imagens. O Olho da História. Revista de História Contemporânea, Salvador,
v. I, n. 5, p. 105, 1998.
199
Idem.
200
Idem.
121
pode também conduzir a uma produção mista”
201
;
,
tivemos o cuidado de produzir um
DVD com as imagens dos filmes analisados, no intuito de oferecer ao leitor outros
recursos tão importantes como a escrita, mas lembrando Cristiane Nova quando diz que
“toda tentativa de análise de um filme implica em uma redução do seu sentido em
conseqüência da impossibilidade de uma análise total e acabada (só alcançável como
hipótese). Todo o processo de transformação ( que se configura como uma abstração)
das imagens em linguagem escrita ou verbalizada leva sempre ao empobrecimento
relativo do seu significado.”
202.
. Sendo assim, fica o desafio, mesmo sabendo o limite
que o historiador encontra ao encarar essa tarefa a de revelar as outras circunstâncias
históricas que não ficam perceptíveis na imagem em movimento.
Tomar o filme
203
como “objeto” de analise é situá-lo num contexto histórico e, se
consideramos o cinema como arte, também existe a preocupação de entender o filme
numa história das formas fílmicas. Neste sentido, um filme jamais é isolado. Participa
de um movimento ou se vincula mais ou menos a uma tradição. Ainda é preciso ser
capaz de descobrir as figuras de conteúdos ou de expressão que permitem definir o
papel e o lugar da obra nesse movimento ou nessa tradição.”
204
.
Os historiadores, ao desenvolverem suas formas de abordagens teórico–
metodológicas para analisar os filmes enquanto documento histórico, preocuparam-se
em aprofundar o debate em torno do papel do historiador no trato dessas imagens. Ao
adentrar no contexto da relação cinema-história, emerge a questão de como deveria
proceder para compreender a complexidade e a especificidade com que a imagem em
movimento
205
se revela.
201
VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Canpinas,SP. Papirus.
1994. p. 9.
202
NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da História. O Olho da História. Revista de História
Contemporânea, Salvador, v.2, n. 3, p. 227, 1996.
203
Segundo Cristiane Nova Todo “filme histórico” é uma representação do passado e, portanto um
discurso sobre o mesmo e, como tal, está imbuído de subjetividade.” NOVA, Cristiane. O cinema e o
conhecimento da história. O Olho da História. Revista Contemporânea, Salvador, v. 2, n. 3, p. 227,
1996.
204
VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas, SP: Papirus.
1994. p. 24.
205
Para Deleuze a imagem-movimento é um complexo assim analisado “o domínio do cinema em seu
conjunto, é porque ele está construído na base da imagem-movimento. Por conseguinte está apto a
revelar um ou a criar um máximo de imagens diversas, e, sobretudo compô-las entre si através da
montagem” DELEUZE, Giles. Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34; 1990. p. 62.
122
Marc Ferro, considerado pioneiro neste campo de saber, argumenta que “partir
da imagem, das imagens. Não buscar nelas somente ilustração, confirmação ou o
desmentido do outro saber que é o da tradição escrita. Considerar as imagens como
tais, com o risco de apelar para outros saberes para melhor compreendê-las.”
206
Ferro
amplia os horizontes da investigação, não se limitando à leitura da imagem em si, mas
trazendo a possibilidade de diálogo com os outros campos de conhecimento que pode
permitir ao historiador descobrir outras aquisições muitas vezes escondidas no labirinto
da história.
Ferro toma o filme como imagem-objeto, mas não exclusivamente a
cinematografia. “Ele não vale somente por aquilo que testemunha, mas também pela
sua abordagem cio-histórica que autoriza. A análise não incide necessariamente
sobre a obra em sua totalidade: ela pode se apoiar sobre extratos, pesquisar “séries”,
compor conjuntos.”
207
Seguindo as pistas deixadas por Ferro, acreditamos que a
análise do documento-filme deve ir além do que a imagem apresenta, deve identificar
outros processos que ajudam a compreender melhor os significados históricos e sociais
daquela produção.
A busca do que está em volta do filme é o que Marc Ferro vai chamar do “não-
visível através do visível”
208
. Devemos ter a preocupação de não fecharmos as análises
nas imagens, mas no contexto amplo, para que possamos captar mais informações
a respeito do filme, independentemente do gênero a que o filme é pertence. O desafio
de perceber “o que está latente por trás do aparente”
209
é o exercício de observar os
detalhes que podem nos indicar o pulsante das relações societárias e suas respectivas
representações.
Eduardo Morentin, no artigo O cinema como fonte histórica na obra de Marc
Feero”, faz várias provocações sobre o entendimento da relação Cinema-História na
obra de Marc Ferro. Uma delas está relacionada à suposta dicotomia entre “aparente”-
“latente”, “visível”- “não-visível”: “afirmar a possibilidade de recuperar o “não visível”
através do visível é contraditório, que essa análise a obra cinematográfica como
206
FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 86
207
Idem, p. 87.
208
Idem, p. 88.
209
Idem, p. 88.
123
portadora de dois níveis de significados independentes perdendo de vista o caráter
polissêmico da imagem”
210.
Morentin investe na crítica ao trabalho de Marc Ferro,
comentando que este raciocínio tem sentido para aqueles que separam da obra, do
enredo, o seu conteúdo, “afirmamos que um filme pode abrigar leituras opostas acerca
de um determinado fato, fazendo desta tensão um dado intrínseco à sua própria
estrutura interna. A percepção desse movimento deriva do conhecimento especifico do
meio, o que nos permite encontrar os pontos de adesão ou rejeição existentes entre o
projeto ideológico-estético de um determinado grupo social e a sua transformação em
imagem”
211.
As informações presentes na obra do historiador Marc Ferro são divulgadas no
conjunto da historiografia produzida em torno da chamada “Nova História”, como ele
próprio comenta: “o historiador não poderia se apoiar em documentos dessa natureza.
Todos sabem que trabalhamos numa redoma de vidro: “Aqui estão minhas referências,
aqui estão minhas provas””
212
. Desbravar os territórios pouco habitados pela
historiografia da época deve ser levado em consideração, porque é a partir daí que
surgem os novos horizontes epistemológicos com novos desdobramentos da dinâmica
entre história e cinema.
Particularmente, não tivemos a mesma impressão de Morentin; acreditamos que
o uso e o efeito das palavras utilizadas por Marc Ferro, “o não-visível no visível”, “o
latente no aparente” e a “contra-história” são as formas encontradas para diferenciar
daquilo que, na época, se colocava como hegemônico no campo da historiografia. No
entanto, o olhar critico de Morentim serve para atualizarmos as concepções
metodológicas da relação cinema história, abrindo caminhos para novas abordagens
e revigorando outros olhares a respeito do tema.
No campo da historiografia, a noção de documento tem se ampliado cada vez
mais; a pintura, a fotografia, o cinema, etc têm ocupado os espaços acadêmicos nas
produções de dissertações e teses, eventos científicos e outros. Paralelo a esse
210
MORENTIN, Eduardo Victorio. O cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro. Revistas
História e questões & debates. Curitiba, ano 1, v. 1, p. 15, 1980.
211
Idem.
212
FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 83-84.
124
processo, o diálogo entre as áreas de conhecimentos tem possibilitado ampliar as
múltiplas maneiras de tratar um determinado “objeto de estudo”
Cristiane Nova considera o filme como documento primário “quando nele forem
analisados os aspectos concernentes à época em que foi produzido”
213
, e como
documento secundário “quando o enfoque é dado à sua representação”
214.
Particularmente, não faremos essa dicotomia entre documentos primários e
secundários, por considerar que essas duas vertentes se complementam em nossos
estudos e por entender que, a depender da concepção de História do pesquisador e o
valor que é dado a esse documento-filme, não é necessário colocarmos esse tipo de
classificação; no entanto, cabe entendê-los na sua diferença englobando as possíveis
leituras a serem realizadas.
Mais adiante, Cristiane Nova quando associa a divisão entre documentos
primários e secundários ao entendimento dado por Marc Ferro sobre as vias de leituras
da relação cinema-história afirma que “a primeira corresponde à leitura cinematográfica
do filme à luz do período em que foi produzido, e a segunda à leitura do filme enquanto
discurso sobre o passado, isto é, a história lida através do cinema e, em particular,
dos“filmes históricos””
215.
Em nosso caso, tomamos como documento os filmes
produzidos durante as décadas de 50 a 80 nos quais a capoeira está presente;
portanto, fixemos a leitura histórica do filme. Contudo, o propósito será também de
compreender o conjunto das representações que remetem direta ou indiretamente à
realidade social na qual o filme se insere, compartilhando com a “hipótese diretriz de
uma interpretação sócio-histórica, é de que um filme sempre “fala” do presente (ou
sempre “diz” algo do presente, do aqui e do agora de conteúdo de produção”
216
.
O filme não é produzido de uma única maneira, isolado e definitivo. “O filme
acabado não é produzido de um jato, e sim montado a partir de inúmeras imagens
isoladas e de seqüências de imagens entre as quais o montador exerce o seu direito de
213
NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da história. O Olho da História. Revista
Contemporânea, Salvador, v. 2, n. 3, p. 218, 1996.
214
Idem, p.219
215
Idem, p. 219
216
VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Canpinas, SP: Papirus.
1994. p. 55.
125
escolha”
217
. Ao ser idealizado e montado, ele opera com vários elementos significantes
que podem representar o contexto real de uma dada sociedade, mas também pode ser
sua recusa ocultando aspectos importantes dessa sociedade. Ao tê-lo no horizonte de
nossa pesquisa, precisamos verificar as situações históricas e os interesses políticos e
ideológicos com os quais ele é produzido.
Não existe neutralidade nem no conjunto das formas estéticas selecionadas pelo
diretor e pela sua equipe, nem tampouco na escolha do tema, da história e da narrativa
do filme. “Em um filme, qualquer que seja seu projeto (descrever, distrair, criticar,
denunciar, militar) a sociedade não é plenamente mostrada, é encenada. Em outras
palavras, o filme opera escolha, organiza elementos entre si, decupa no real e no
imaginário, constrói um mundo possível que mantém relações complexas com o mundo
real”
218
.
Sendo assim é que Vanoye e Goliot-lété, baseados na proposta de Pierre Sorlin
para proceder à análise do filme, colocam em evidências inúmeras possibilidades de
interpretação, das quais destacamos as seguintes:
Os sistemas de papéis ficcionais e de papéis sociais, os esquemas culturais
que identificam os lugares na sociedade...” “os tipos de lutas ou de desafios
escritos nos roteiros, os papeis ou os grupos sociais implicados nessas ações”
“a maneira como aparecem a organização social, as hierarquias, e as relações
sociais” “ a maneira de conceber o tempo (individual, histórico e social)’
219.
O conjunto destas variantes implica em múltiplos sentidos que tornam a atividade
de interpretar o filme um esforço gigantesco, cujo desafio consiste em articular a
multiplicidade de fatores históricos, culturais e geográficos. A complexidade nas
análises incide nas formas de conectar os fragmentos dos filmes que elegemos como
preponderantes, contextualizando-os com outros elementos importantes.
Cristiane Nova apresenta um quadro que serve de modelo para análise de filme
enquanto documento histórico. Inspirado na idéia desenvolvida por ela, criamos o nosso
próprio dispositivo de pesquisa que não deve ser visto como um esquema rígido,
217
BENJAMIM, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.
São Paulo; Brasiliense, 1994. p. 174.
218
VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Canpinas, SP: Papirus.
1994. p. 56.
219
SORLIM 1976 APUD VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica.
Campinas, SP: Papirus. 1994. p. 36-37.
126
acabado e definitivo.“Trata-se apenas de reunir, de forma ordenada algumas das
principais perguntas pertinentes a uma tentativa de leitura histórica do filme”
220
e que
revele também a nossa experiência ao nos defrontarmos com o filme-documento.
Após a definição do objeto e dos objetivos da pesquisa, passamos a selecionar
os filmes, que inicialmente achamos importantes para que pudéssemos alcançar os
objetivos propostos. No entanto, com o desenvolvimento da pesquisa, esta seleção foi
se ampliando, aumentando o número de títulos selecionados anteriormente em virtude
da ampliação do conteúdo e de outras indicações que ocorreram.
Em seguida, optamos pela análise individual de cada filme, considerando o que
Cristiane Nova chama de “análise critica externa do filme resgate da cronologia do
filme, biografia do cineasta equipe técnica de produção”
221,
,ou seja, trazer os dados
que estão em torno do filme, as criticas, os comentários e outros elementos. Depois,
adentramos no exercício do olhar, no sentido de perceber o “conteúdo-expressão”
222
no
filme em si, o “que está de forma explicita no filme, seja nos diálogos, na indumentária,
nos gestos, nos sons e outros”
223
, observando também os conteúdos e as expressões
contidas nas entrelinhas dos filmes, a mensagem do enredo que os produtores
transmitem ao espectador. Por fim, optamos pela descrição da cena como texto para, a
partir daí, interpretá-la.
Agrupamos em categorias os filmes utilizados para análise. Uma categoria é a
dos filmes que estamos considerando como documentários, mas que têm outras
especificidades, principalmente por retratar o universo simbólico social e cultural da
capoeira e dos capoeiristas; no caso, os filmes: Vadiação de Alexandre Robato e
Dança de Guerra de Jair Moura. São filmes nos quais o tema capoeira passa por toda
220
NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da história: o olho da história. Revista
Contemporânea, Salvador, v 2, n 3, p. 222, 1996.
221
Idem, p. 223
222
Segundo Vanoyte “O conteúdo e a expressão formam um todo. Apenas sua combinação, sua
associação intima é capaz de gerar a significação”. Ela reportando-se a definição dada por Marc
Venete sobre narrativa afirma: “o lugar de encontro e da associação sutil conteúdo-expressão é
evidentemente a narrativa, definida por Marc Vernete como “o enunciado em sua materialidade, o texto
narrativo que se encarrega da história a ser contada.” É a narrativa que permite que a história tome
forma, pois a história enquanto tal não existe. É uma espécie de magma amorfa. Contá-la com
palavras, oralmente ou por escrito, é colocá-la em narrativa.” VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ,
Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas, SP: Papirus, 1994. p 41-42
223
NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da história: o olho da história. Revista
Contemporânea, Salvador, v 2, n 3, p. 223, 1996.
127
produção. Nessa categoria dos filmes documentários, incorporamos também os filmes
que não só necessariamente perpassam o foco da capoeira em si, mas a cultura baiana
como um todo; os filmes Bahia Por Exemplo de Rex Schindler e Festas na Bahia de
Oxalá de Ronaldo Duarte.
A outra categoria diz respeito àquelas produções em que a capoeira aparece em
determinadas cenas, contudo a sua presença é perceptível, seja como símbolo da
cultura baiana instituindo um determinado discurso, seja através dos personagens, os
capoeiristas. Os filmes selecionados foram: Um Dia na Rampa de Luís Paulino dos
Santos, Barravento de Glauber Rocha, O Pagador de Promessa de Anselmo Duarte,
A Grande Feira de Roberto Pires, Tenda dos Milagres e Jubiabá de Nelson Pereira
da Costa.
2.2 Cinema, Capoeira e Corpo
Nos últimos anos, os considerados grupos minoritários: os remanescentes de
quilombolas, a população indígena, os trabalhadores da zona rural, os moradores da
periferia dos grandes centros urbanos e outros têm se utilizado de novos meios para
contar e registrar a sua história, criando um
discurso224
próprio”, na tentativa de afirmar a
sua “identidade”. Esses grupos, preocupados em querer exercer sua cidadania e
pressionar o poder hegemônico, têm se utilizado da produção de filmes e vídeos
documentários para informar à sociedade sobre a sua cultura de modo em geral, suas
formas de convivência e as suas reais necessidades sócio-históricas.
No caso mais especifico da capoeira, cada vez mais se produzem filmes cujo
propósito é registrar a memória dos antigos mestres, ícones da cultura dos capoeiras e
224
O discurso da minoria consiste na ação da emergência, está no ato do poder-potência dos “entre-
lugares” “antagonístico em constante jogo contraditório, reconhecendo e de uma certa maneira
afirmando o “status da cultura nacional e o povo contencioso e performativo da perplexidade dos
vivos em meios das representações pedagógicas da plenitude da vida. Agora não razão para crer
que tais marcas de diferença não possam inscrever uma “história” do povo ou tornar-se lugares de
reunião da solidariedade política. Contudo, não celebrarão a monumentalidade da memória historicista,
a totalidade da sociedade ou a homogeneidade da experiência cultural. O discurso da minoria revela na
ambivalência intransponível que estrutura o movimento equivoco do tempo histórico”. BHABHA, Homi
K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. p. 222.
128
a trajetória histórica da Capoeira na Bahia, no Brasil e no Mundo. Os filmes
documentários: Mestre Pastinha: Uma vida pela capoeira
225;
O Velho Capoeirista:
Mestre João Pequeno de Pastinha
226
; A capoeiragem in Bahia
227
, O pulo do
Gato
228
; Mestre Bimba: A capoeira Iluminada
229
, iê, Viva meu Mestre!
230
, e muitos
225
Poeta da capoeira, Vicente Ferreira Pastinha, o legendário Mestre Pastinha, também era conhecido
como “Guardião da Capoeira Angola” , pois no final dos anos 30 recebeu da Velha Guarda da Capoeira
da Bahia a missão de defender a Capoeira Angola Tradicional das mudanças introduzidas para
aumentar a sua eficiência “enquanto luta”. Graças a Pastinha e seus discípulos, a Capoeira Angola
Essa extraordinária arte afro-brasileira de luta e de dança , mandingueira e mortal, que figura de entre o
que de melhor e de mais fino se criou em nosso país esta é a vida a “novidade” na Capoeira atual: a
renovação da capoeira através do reencontro com suas origens e valores mais profundos. Fruto de
mais de cinco anos de trabalho, Pastinha: Uma Vida pela Capoeira, um filme do cineasta e capoeirista
Antônio Carlos Muricy, é um documentário de 16 mm filmado no Rio de Janeiro, Salvador e Nova
Iorque EUA. Ilustrado com fotos de David Zingg e de Pierre Veger que deu para este filme um de
seus últimos depoimentos e por desenhos e pinturas de Capoeira do próprio Pastinha, representa
uma rara oportunidade de se conhecer os fundamentos e a história da lendária Capoeira Angola e de
seus maiores Mestres. Pastinha!” Texto retirado da contra-capa do filme.
226
“João Pereira dos Santos, o Mestre João Pequeno, aos 82 anos de idade, é o mestre de capoeira
mais antigo em plena atividade. Herdeiro legitimo das tradições africanas, ele é ícone de nossa cultura
e símbolo da história de luta de um povo. Este documentário é mais que um registro, é uma
homenagem a um homem que representa um pouco de nossa memória.” Trechos retirados da contra-
capa do filme. A direção de Pedro Abib, assistente de direção Marcus Villa e edição de imagens
Vinicius Andrade. Salvador. BA. 1999
227
Capoeiragem na Bahia é o trigésimo terceiro documentário o qual é parte integrante do Projeto de
Mapeamento Cultural e Paisagístico da Bahia, desenvolvido pelo Instituto de Radiodifusão Educativa
da Bahia (IRDEB/BA), registros da capoeira (um tipi de dança luta muito popular na Bahia, trazida da
África com os escravos, manifestação a qual tem profundas raízes na cultura da Bahia, mas
profundamente nostrada pela TV local e cinema até este momento. Com direção, texto e edição de
José Humberto, o documentário enfoca um tema controvertido que é a história da origem da capoeira.
Uma superposição de características Americo Afro Ibérico, sua relação com o candomblé (religião
africana) e as tradiçoes de uma dança e luta que se tornou um simbolo do corpo que representa a
beleza do gingado baiano. Além disso enfoca-se as mudanças que ocorreram na tradição e o
surgimento de novos lideras. Capoeiragem na Bahia mostra raras imagens de duas grandes
personalidades da capoeira na Bahia, os Mestres Pastinha e Bimba, que foram retratados nos filmes
das décadas de 50 e 60, e foram adaptados para serem exibidos na TV pelo IRDEB; mais a fal do
Mestre Artur, da cidade de Nazaré das Farinhas; Nenéu, filho do mestre Bimba; Decâno; João
Pequeno: Moraes, César Itapoan; Gil do Alfinete, Januário, todos de Salvador e adjacências. Acordeon,
Cobra Mansa e Edna, todos da Bahia, vivem e ensinam capoeira no EUA; o escultor Mário Cravo Neto
e o Doutor, ex jogador de capoeira e vice-governador Otto Alencar, falam sobre os trintas anos de
preconceitos contra aqueles que jogavam capoeira, perseguidos por praticas capoeira durante o
império e a republica jogar ....... Texto em inglês traduzido por Maria do Carmo Lopes Castro.
228
O Pulo do Gato The Cat`s Leap Copyright 1998 all rights reserved by Mestre João Grande &
Mestre João Pequeno”. O filme é produzido por Jair Moura.
229
È um documentário dirigido por Luiz Fernando Goulart sobre o baiano Manuel dos Reis Machado,
Mestre Bimba, inspirado no livro Mestre Bimba Corpo de Mandinga, de Muniz Sodré, “conta essa
linda e comovente trajetória de vida e mostra a arte e o encantamento da capoeira que Bimba iluminou
e que hoje faz com que o Brasil seja admirado em todo o mundo”.
230
Eles tem entre 7 e 13 anos e ambicionaram ser mestres de capoeira Angola. Cantam, treinam e
brincam envolvidos por um universo de símbolos e pensamentos que sempre se remete à matriz
africana de capoeira. Por meios das reflexões desses pequenos angoleiros, nasce um precioso relato
sobre a história da Capoeira Angola, permeado por situações cotidianas que tangem questões como
racismo, gênero, identidade e ancestralidade. Este filme foi produzido inicialmente como complemento
129
outros servem de parâmetro para diagnosticarmos a expansão desse tipo de produção
e sua veiculação tanto no âmbito da capoeira como nos meios de comunicação para
atender à demanda histórica de querer valorizar a “cultura popular” como tema local,
vertente que transforma realidades locais em “folclore-mundo”, sendo consumidas
globalmente
231.
A utilização de imagem neste universo cultural é uma característica super
presente. Geralmente, a ornamentação das academias de capoeira é repleta de
fotografias e desenhos que retratam um pouco da memória daquele grupo de capoeira.
As exposições fotográficas e exibições de vídeos quase sempre constam na
programação dos eventos e, por fim, uma crescente comercialização de imagens
através das revistas especializadas em capoeira e vendidas nas bancas de jornais, pela
Internet e no exterior devido a expansão da capoeira em outros países onde as
pessoas comercializam essas imagens livremente.
Abrir um capitulo para analisar os filmes em que a capoeira aparece não é uma
tarefa muito simples. Exige de nós um certo aprofundamento teórico metodológico,
pois o historiador, ao problematizar suas fontes, precisa cuidadosamente compreender
os sentidos que cada gênero de fonte pode lhe oferecer.
Os motivos que me levaram a adentrar neste universo fantástico das imagens
em movimento são diversos. O primeiro está relacionado ao próprio período histórico
que esta pesquisa abarca, as cadas de 50, 60, 70 e 80. Embora os vetores
hegemônicos queiram legitimar a capoeira enquanto uma prática desportiva e folclórica
para atender a pujança do turismo, ela aparece também em outro tipo de estética que
pode diferenciá-la das abordagens referidas acima, iluminando outros campos de
visibilidade, no caso, o cinema. O segundo motivo tem a ver com a nossa inquietação
da tese de Doutoramento de Rosângela Costa de Araújo (mestra Janja) Faculdade de Educação na
Universidade de São Paulo.” Trecho retirado da contra-capa do CDRom.
231
Estou em consonância com Claclini que ao tratar a relação da produção cultural com os novos fluxos
globalizantes diz que “Os processos globalizadores acentuam a interculturalidade moderna quando
criam mercados mundiais de bens materiais e de dinheiro, mensagens e migrantes. Os fluxos e as
interações que ocorrem nestes processos diminuíram fronteiras e alfândegas, assim como a autonomia
das tradições locais, propiciam mais formas de hibridação produtiva, comunicacional e nos estilos de
consumo do que no passado. As modalidades classificadas de fusão, derivadas de migrações,
intercâmbios comerciais e das políticas de integração educacional impulsionadas por Estados
nacionais, acrescentam-se as misturas geradas pelas as indústrias culturais CLACLINI, Nestor.
Culturas Híbridas: estratégias para sair e entrar na modernidade. São Paulo: EDUSP, 2003, folha
XXXI.
130
em saber quais os discursos produzidos nos filmes e quais as implicações da presença
dos capoeiristas neste contexto cinematográfico. O terceiro motivo consiste em
perceber nos filmes os molejos do corpo-capoeira. Por fim, objetivamos compreender
os significados que os produtores tinham da cultura dos capoeiras na época.
Nesse sentido, o propósito neste capitulo consiste em compreender as várias
representações simbólicas da capoeira presentes nos filmes: suas tramas e seus
discursos, identificando os significados a partir da enunciação
232
que os atores e os
personagens-capoeirista produzem na imagem em movimento e, ao mesmo tempo,
analisar a gestualidade corporal através dos movimentos, percebendo a plasticidade da
arte-capoeira na arte do Cinema.
2.3 Cinema Novo e a Cultura Popular
O entendimento sobre cinema novo se faz necessário em virtude da maioria dos
filmes selecionados para análise de estudo serem considerados produções do
movimento denominado Cinema Novo, fenômeno cultural, político e ideológico sobre o
qual Souza comenta que, “dois motivos, diretamente relacionados, foram
indispensáveis para os cinemanovistas na defesa da produção 1) a independência
ideológica 2) e a independência financeira”
233
. Pautado nesses pilares, o cinema novo
se constitui valorizando “a polaridade entre forças nacionalistas e progressistas versus
forças reacionárias e entreguistas. A primeira considerada símbolo do progresso e a
segunda, do atraso brasileiro”
234
.
A proposta era despertar na classe média o sentimento de indignação e
compaixão em função da exploração do sistema capitalista. Nas telas, os cineastas
procuravam representar o povo sofrido, pobre, vivendo em condições de miséria e uma
232
Vanoye e Goliot-lélé explicam a diferença entre enunciação e narração. “Enunciação é um termo mais
geral do que a narração, pois se aplica a qualquer tipo de enunciado. Ao contrario, a narração
interessa aos textos narrativos nos quais se confunde com a enunciação”. VANOYE, Francis, GOLIOT-
LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica.Campinas, SP: Papirus, 1994. p. 45.
233
SOUZA, Milandre Garcia. Cinema Novo: a cultura popular revisitada. Revistas História: questões &
debates. Curitiba, PR, ano 1, v. 1, p. 1,1980.
234
Idem. p. 142
131
elite fútil e insensível que não se preocupava com a situação do povo brasileiro. Então,
neste sentido, o fenômeno do cinema novo pode ser considerado como popular porque
se preocupou como assunto central, com os problemas do povo brasileiro, dando
ênfase aos setores marginalizados da sociedade, os favelados, os pescadores, os
feirantes e os nordestinos.
Dessa maneira, o movimento cinema novo surge da disposição dos novos
cineastas brasileiros de encontrar uma fisionomia nacional e socialmente engajada para
os seus filmes que estivessem preocupados com os temas emergentes da agenda
política e social do país.
Procuravam romper aquele universo limitado e cômico das chanchadas e dos
filmes de cangaço que predominavam na época e que, muitas vezes, eram
considerados como uma diversão medíocre e provinciana ainda que bastante popular.
Essa perspectiva espelha-se na produção cinematográfica do cinema Hollywoodiano,
enquanto as chanchadas correspondiam aos famosos filmes musicais e criavam vários
estereótipos que, quase sempre, colocavam o povo brasileiro, em situação de
inferioridade, pois esse modelo idealizava os tipos sociais como sujeitos ignorantes,
atrasados e cômicos.
O movimento do cinema novo participava do debate político que se travava no
cenário nacional no início da década de 60 privilegiando a posição ideológica de
reafirmar a identidade nacional através dos movimentos da cultura popular e, de acordo
com Souza, “a cultura popular nas telas foi, de modo geral, caracterizada como
sinônimo de alienação. Essa tendência pode ser percebida nos filmes: Cinco Vezes
Favelas, do CPC; Bahia de Todos os Santos, de Trigueirinho Neto; Barravento, de
Glauber Rocha; e A Grande Feira, de Roberto Pires. A convicção do povo em suas
crenças e costumes o impedia de tomar consciência da realidade em que vivia e,
consequentemente, de transformá-la.”
235
.
Se as marcas das narrativas cinematográficas do cinema novo pautavam-se na
visão da cultura popular como sinônimo da alienação e do atraso considerando as
relações ideológicas entre o povo e seus líderes, por outro lado, esses filmes deixaram
registrados uma belíssima estética da cultura popular e de como o povo lida com sua a
235
Idem, p. 143
132
arte de saber fazer em condições adversas. A fase inicial do cinema novo ficou
conhecida pela denominação dada por Glauber Rocha, como a “estética da fome”,
refletindo mais uma vez a miséria e a exploração resultante do subdesenvolvimento do
país.
Pedro Abib, no seu trabalho, ao analisar o debate em torno da cultura popular e
o romantismo na década de 60, focaliza as experiências ocorridas no CPC (Centro
Popular de Cultura), entidade vinculada à União Nacional dos Estudantes, em diálogo
com Renato Ortiz, ele mostra a perspectiva no qual era tratada a cultura popular e as
diretrizes dos intelectuais de vanguarda “que teria a tarefa de organizar e
“conscientizar” o povo com o objetivo de tomar o poder do Estado para criar um
“verdadeiro Estado nacional”, porque “Estado Popular”
236
, apostando na idéia de formar
um novo homem capaz de enfrentar as injustiças sociais.
Outro trabalho que trata mais especificamente da relação do cinema novo com a
cultura popular é o texto de Milandre Garcia de Souza que discute o debate travado
entre Carlos Estevam Martins, elaborador do manifesto do CPC, “por uma arte popular
revolucionária”, cujo propósito era organizar o pensamento disperso dos intelectuais,
artistas e estudantes sobre a noção de “arte do povo”, “arte popular” e “arte-popular-
revolucionária”, e as dissidências por parte dos cineastas Carlos Diegues, Ruy Guerra,
Leon Hirszman e Glauber Rocha que não concordavam e procuravam acenar com a
idéia de realizar uma produção artística sem limites rígidos de criação, muito embora
defendessem a posição de um cinema voltado para denunciar a realidade brasileira e a
conscientizar a sociedade brasileira.
Conforme Souza:
a implosão do “manifesto do CPC” pelo Cinema novo desempenhou a função
de (re)organizar as questões estéticas e ideológicas em torno da
nacionalização e popularização das artes brasileiras. É preciso considerar que
os cineastas iniciaram um debate em torno da arte e da cultura popular
necessário para revisitar o caráter sectário e dogmático acerca das
concepções”
237
236
ABIB, Pedro Rodolpho Jungers. Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda.
Campinas, SP:. Ed. UNICAMP; Salvador: Ed. EDUFBA, 2005. p. 61
237
SOUZA, Milandre Garcia. Cinema Novo: a cultura popular revisitada. Revistas História: questões &
debates. Curitiba,. PR, ano 1, v. 1, p. 136, 1980.
133
Portanto, ao contrário do que pensam, os intelectuais que discutiam as questões
sobre arte e cultura popular tinham posições diferentes, mesmo permanecendo, de
maneira geral, o mito da autenticidade nas práticas populares e a convicção de que o
povo não conseguia entender as relações políticas e ideológicas presentes nos filmes.
O fenômeno do cinema novo, que ficou conhecido internacionalmente por toda
sua preocupação em criar uma linguagem cinematográfica descolonizada,
comprometida com os problemas enfrentados pela maioria do povo brasileiro, não
conseguiu, de fato, atingir as camadas populares.
2.4 Capoeira e Cinema: As primeiras referências encontradas.
A primeira referência encontrada a respeito da temática Capoeira e Cinema foi
no livro do Waldeloir Rego, no capítulo intitulado “A capoeira no Cinema e nos Palcos
Teatrais”. De maneira resumida e enunciativa, Rego apresenta os filmes “Briga de Galo”
de Lázaro Torres, “Os Bandeirantes” de Marcel Camus, “O pagador de Promessade
Anselmo Duarte, “Barravento” de Glauber Rocha e “Senhor dos Navegantes” de
Tegrerinho Neto, como produções cinematográficas nas quais a capoeira tem sua
presença garantida. São mostradas, também, as principais premiações que os filmes
obtiveram, contudo não se faz nenhum tipo de análise desses filmes.
Com o desenvolvimento da pesquisa, percebemos a escassez de estudos que
tratam da relação entre a capoeira e o cinema. Dessa maneira, investimos na proposta
de procurar fragmentos ou cacos de escrito e imagem nos quais a capoeira, mesmo
que no relampejar deixa registrada a sua potência enunciativa.
As referências mais antigas aos filmes-documento encontramos na obra de João
Carlos Rodrigues (1998). Através da sua pesquisa, identificamos indícios relevantes da
filmografia brasileira em que a presença da capoeira é perceptível. Rodrigues analisa a
presença do negro no cinema brasileiro identificando os estereótipos construídos e
reproduzidos da mulata, do “crioulo doido”, do malandro e outros na cinematografia
134
Brasileira. Ele expõe sobre o racismo, em virtude dos papéis assumidos pelos negros
nos filmes nacionais e analisa, também, a participação de cineastas negros.
No apêndice 3, Rodrigues cita duas referências sobre filmes com imagens da
capoeira: “Dança baiana (1901) Dados desconhecidos, Dança de Capoeiras (1905)
Dados desconhecidos”
238
. Pela data do documento, deve ser uma espécie de
documentário que, na época, era muito realizado como forma de registrar o cotidiano,
mas, infelizmente, não tivemos acesso ao material, pois Rodrigues não faz nenhum tipo
de comentário, só a citação dessas imagens que pairam nos arquivos.
Outra referência que Rodrigues faz é ao filme Os capadócios da Cidade Nova”
de Antônio Leal
239
(1876-1946), realizado em 1908, que, segundo a propaganda, incluía
“seresteiros, capoeiras e malandros”. Depois da apresentação, Rodrigues diz que “é de
se supor que houvesse negros e mulatos nesses filmes, que infelizmente não chegaram
aos nossos dias”
240
. Nesse caso, ele próprio afirma que não teve oportunidade de
assistir.
As produções acima citadas podem possibilitar indícios importantes que vão
além da simples identificação da capoeira neste tipo de documento, revelando outros
aspectos relacionados à gestualidade corporal no jogo da capoeira, às representações
que os produtores tinham da capoeira e da cultura, à compreensão histórica do gênero
desta filmografia e às alusões feitas à capoeira. No entanto, tendo em vista os limites
da nossa investigação, ficamos restritos à apresentação dessas fontes que podem
servir de referência para as futuras pesquisas.
238
RODRIGUES, João Carlos. O negro brasileiro e o cinema. Rio de Janeiro: Globo; Fundação do
Cinema Brasileiro, 1988. p. 84
239
Antônio Leal (1876-1946) Começou como fotógrafo de imprensa (na revista O Malho), montou um
cinema (Palace) e uma produtora (Foto-Cinematográfica Brasileira). Dirigiu e fotografou mais de 50
filmes entre 1905 e 1910, sem se fixar num gênero específico. Registrou eventos políticos, sociais e
esportivos em cine-jornais, notabilizando-se, ainda, como produtor de comédias e adaptador de textos
famosos da literatura (A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, 1915) e do teatro (Rosa que se
Desfolha, de Gastão Tojeiro, 1917).
240
RODRIGUES, João Carlos. O negro brasileiro e o cinema. Rio de Janeiro: Globo; Fundação do
Cinema Brasileiro, 1988. p.22.
135
2.5 Vadiação
Vadiação, palavra utilizada no meio capoeirístico que serve como um convite
para jogar capoeira. No Centro Esportivo de Capoeira Angola - Academia do Mestre
João Pequeno de Pastinha, Vadiação era o nome dado às rodas realizadas aos
domingos e que serviam como local de encontro dos capoeiristas para realização da
sua prática, principalmente nos anos 80 com o movimento de revitalização da Capoeira
Angola através do Centro
241
, após a morte do Mestre Pastinha e nos cânticos “eu vim
aqui pra vadear, eu vim aqui pra vadear”, que exprimem a vontade de querer jogar e de
brincar
.
(Carybé, Crispim filho de Bimba, Mestre Bimba tocando berimbau e Alexandre Robato filmando
242
)
241
Ver CASTRO JÚNIOR, Luis Vitor. O Centro Esportivo de Capoeira Angola - Academia de João
Pequeno de Pastinha no processo de revitalização da capoeira angola no período de 1980-1990. In:
ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 17. 2004, o Paulo. Anais... São Paulo: ANPUH; IFCH
UNICAMP, 2004..
242
Foto retirada. CARYBÉ. Bruno Furrer (org.) Fundação Emílio Odebrecht. Salvador. 1999.
136
Alexandre Robatto Filho
243
(1908-1981) considerado um dos pioneiros na
cinematografia baiana, tinha como formação profissional cirurgião dentista, professor da
Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia até se aposentar em
1977. Robatto realizou inúmeras atividades: “produtor de disco fotográfico com músicas
coletadas sobre a nossa cultura popular”
244
, operador de rádio-amador desde os anos
30 e era também fascinado pela comunicação telegráfica em código Morse. Conviveu
de perto com o povo e os artistas baianos, contudo foi na cinematografia que ele se
destacou produzindo vários documentários de curta e média duração, dentre os quais:
Favelas 1933, Bacia e Barragens - 1937, Quinta exposição de Animais e Produções
de Derivado 1939, Entre o Mar e o Tendal - 1952/1953, Xáreu -1954, Vadiação -
1954 e muitos outros.
Robatto, considerado um “cineasta de domingo” em virtude da sua profissão,
produziu em quatro décadas uma filmografia sistemática centrada em documentários,
registrando os festejos, os eventos e as práticas populares. No início, eram os registros
de matéria histórica, sem muitos recursos técnicos, quase sempre feitos
artesanalmente, mas, com o passar do tempo, ele procurou “ïmprimir o gesto gerador, a
dosar com funcionalidade e expressão de elementos semióticos do cinema em
permanente evolução técnica
245
”.
Influenciado pela perspectiva estética da Escola Britânica teorizada por John
Grierson (1898-1977), que valorizava os aspectos da realidade, e pelo renomado
Flaherty “um explorador incansável de registro poético em comunidades longínquas,
inspirado que era na concepção romântica rousseauniana do “bom selvagem”,
anunciando ao mundo a mensagem saudável da perfeita e equilibrada união entre o
homem e a natureza
246
, Robatto busca incansavelmente registrar o deslumbrante
recanto tropical da bela Bahia aliado à cultura da baianidade com seus encantos
243
De acordo com Setaro e Umberto, Alexandre Robatto “nasceu na praia de Cantagalo, freguesia dos
Mares, na cidade do Salvador, a 4 de dezembro de 1908, tendo seu falecimento pouco depois de
completar setenta e três anos de idade em 30 de novembro de 1981. SETARO, André; UMBERTO ,
José. Alexandre Robatto Filho: pioneiro do cinema baiano. Salvador: Fundação Cultural do Estado da
Bahia, 19-. p. 22.
244
Idem, p 8.
245
Idem, p. 13
246
Idem, p. 20
137
‘genuínos” e construído historicamente pelo mito da autenticidade muito em voga no
Estado Novo, como o espírito de brasilidade.
Muitos dos filmes de Robatto eram obras encomendadas pelas empresas
“Suerdieck, Willaberger, Fratelli Vita, além de outros para o governo,”
247
cujo desejo era
flagrar o desenvolvimento e o progresso do Estado burguês, anunciando
automaticamente os discursos ideológicos da classe dominante com suas atividades
mercantilistas; todavia, deixou um importante patrimônio histórico que, mesmo
atendendo aos interesses dos projetos institucionais do governo e das empresas,
evidenciou uma contra-história
248
com a imagem em movimento da cultura do povo
baiano.
(Capoeiristas durante a filmagem, Zacarias e Mestre Traira no centro da foto
249
)
Para Alexandre Robatto, Vadiação “é um filme sobre capoeira, ele é ao meu
ver, um musical” (sic)”
250.
O filme é rodado em 1954, a partir da trilha sonora das
músicas de capoeira cantadas pelo Mestre Bimba, com 8 minutos de duração, tem uma
minuciosa marca de duração de um plano para outro, obedecendo ao ritmo da música.
Além da vontade de Robatto de considerar o filme um musical, ele passa a idéia de que
247
Idem, p. 14.
248
Conceito utilizado por Marc Ferro para percebemos o latente no aparente das imagens. .
249
Foto do acervo do Instituto Jair Moura
.
250
SETARO, André, UMBERTO, José. Alexandre Robatto Filho: pioneiro do cinema baiano. Salvador:
Fundação Cultural do Estado da Bahia, 19-. p. 25
138
a imagem em movimento se explica por si só, como se fosse a própria dança dos
capoeiristas responsável em transmitir a mensagem do filme, mesmo ele colocando, no
início, uma nota explicativa que esclarece o teor do mesmo. Para a produção desse
filme, ele contou com a colaboração de Carybè, Silvio Robatto, Manoel Ribeiro e Paulo
Jatobá.
Numa afirmação de desabafo sobre a divulgação de outras lutas em relação à
capoeira, Robatto comenta que o “cinema divulgou o box, industrializaram o jujtisun e a
capoeira perdeu todo o prestígio como arma secreta dos valentões”
251
. A indignação de
Robatto pelo não reconhecimento da capoeira é explícita, e talvez seja esse o motivo
pelo qual Robatto produziu o filme como forma de divulgar a capoeira, muito embora a
capoeira viesse, em outros momentos históricos disputando os espaços com
praticantes das mais diversas lutas no ringue como mostra Frede Abreu no seu trabalho
Bimba é Bamba: a capoeira no ringue
252
, uma pesquisa realizada em jornais entre 1935
a 1937, na qual ele mostra, além da presença dos capoeiristas no parque Odeon
disputando lutas, a ostentação do símbolo criado em torno do capoeirista como lutador.
Além de denunciar o desprestígio da capoeira, Robatto faz um comentário sobre
os dois estilos de Capoeira, dizendo o seguinte:
Mestre Bimba fundou no Terreiro uma escola onde diploma anualmente
doutores em pancadarias, com quadro de formatura e cerimonia de colação de
grau. Ensina uma Capoeira Regional, refinamento na formação de jovens
freqüentadores nas buates.Mas havia no Corta-Braço uma turma que não se
corrompera e estes homens salvaram a Capoeira Angola. Mestre Waldemar
o zeióte Traíra ágil e frio, Bugalho, Nagé e Caiçara tocando berimbaus e
pandeiros, cantando os corridos antigos, realizam o milagre da sobrevivência.
É a luta perseguida pela policia, evoluir na forma de uma estranha dança para
inspirar novos passos ao grande Massine, num fenômeno plástico que
encontrou em Carybé seu grande desenhista, num conjunto de som e
movimento que nós registramos em disco e em um celulóide o simplesmente
como eles fazem, como cantam, como eles a sentem, porque Capoeira é
apenas folga - é Vadiação
253
.
251
Idem, p. 77
252
ABREU, Frederico José de. “Bimba é Bamba”: a capoeira no ringue Salvador: Instituto Jair Moura.
1999.
253
SETARO, André; UMBERTO , José. Alexandre Robatto Filho: pioneiro do cinema baiano. Salvador:
Fundação Cultural do Estado da Bahia, 19-. p. 77
139
Robatto acentua a rivalidade em voga naquela época entre os praticantes da
Capoeira Regional, considerados “doutores em pancadaria”, e os “salvadores” das
“tradições” da Capoeira Angola. Se, por um lado, a Capoeira Regional afinava o
discurso como sendo a luta genuinamente brasileira e o método de ginástico brasileiro,
por outro lado, a Capoeira Angola reivindicava o mito da autenticidade africana, a
pureza das tradições e luta pela preservação “o milagre da sobrevivência” dos seus
rituais. O fato é que, embora haja as disparidades entre tendências diferentes e muitas
vezes opostas, Robatto coloca essas vertentes juntas no filme “Berimbaus e cantores
do Mestre Bimba jogadores do mestre Valdemar”
254,
mostrando uma certa
aproximação, contato, aliança, um tipo de consenso possível entre as correntes da
capoeira.
Considerando o letreiro inicial como uma narrativa
255
que nos ajuda a
compreender a mensagem do filme, ele evoca a seguinte descrição:
As levas africanas coagidas a trabalhar no Brasil no tempo da colônia
trouxeram de Angola uma luta ensaiada ao som dos cantos e instrumentos
primitivos chamados berimbaus.
A capoeira amplamente difundida principalmente na Bahia, constitui-se como
arma secreta entre os bambas e capadócios do tempo do império. A violência
dos golpes e quatro séculos de repressão policial fizeram-na evoluir na forma
de uma estranha dança disfarçando a luta em vadiação
256
.
As informações contidas no texto revelam a hipótese sobre a gênese da capoeira
e o processo de transformação da mesma ao longo do tempo, no Brasil Colônia, no
Império e na atualidade, enfocando uma visão do processo histórico de forma evolutiva.
Elas abrem caminhos para inúmeras questões que podem fazer emergir várias
problemáticas relacionadas à origem da capoeira, seja no contexto da tradição oral, ou
seja nas pesquisas históricas que ainda permeiam dúvidas e incertezas a respeito da
sua gênese, com discussões calorosas do processo de continuidade e/ou recriação de
tradições culturais da capoeira.
254
Letreiro do filme.
255
De acordo com Vanoye “Uma sinopse é uma narrativa, um roteiro, assim como um simples resumo.”
VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica.Canpinas, SP: Papirus,
1994. p 41
256
Idem.
140
Os estigmas e/ou estereótipos
257
construídos historicamente para retratar o
capoeirista ficam evidenciados no texto acima, entre os “Bambas” e os “capadócios”,
cujo significado está relacionado a uma determinada prática social, construída nas
práticas discursivas colonialistas e permanentemente atualizada no sistema pós-
colonial que coloca o negro numa condição de inferioridade, pois o discurso em torno
do capadócio atribuí-lhe os adjetivos trapaceiro, baderneiro, ignorante, charlatão e de
pouca inteligência. Os bambas, sob insígnia de poder e de comando daquele contexto,
eram vistos como deres, alegres, mulherengos, valentes e festivos, que tinham jeito
para tratar de assuntos e para viver ao belo prazer da vida. Nesta ambivalência vão se
constituindo os atributos dados aos capoeiristas que, conforme Homi Bhabha, “é a força
da ambivalência que ao estereótipo colonial sua validade: ela garante sua
repetibilidade em conjunturas históricas e discursivas mutantes, embasa suas
estratégias de individuação e marginalizado; produz aquele efeito de verdade
probalística”
258
. O efeito cultural dado ao capoeira, oriundo do poder colonial, deságua
na fronteira de poder e resistência, dominação e dependência e, a partir daí, que
podemos perceber os processos de identificação do sujeito e sua transgressão em
relação ao discurso colonial arquitetado historicamente.
257
Home Bhabha ao se referi ao discurso do colonialismo em relação ao estereotipo “é um modo de
representação paradoxal conota rigidez e ordem imutável como também desordem, degeneração e
repetição demoníaca. Do mesmo modo, o estereotipo, que é a sua principal estratégia discursiva, é
uma forma de conhecimento e identificação que vacila entre o que está sempre no “lugar” ,
conhecido e algo que deve ser ansiosamente repetido....” BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 1998. p.105.
258
Idem, p. 105 - 106
141
(Najé de chapéu jogando capoeira
259
)
O filme começa com dois capoeiristas tocando o berimbau e, no centro, um outro
tocando pandeiro. Logo de saída, aparecem dois capoeiristas (Najé e Bugalho), na arte
da mandinga, com movimentos lentos e suaves. Depois entra em cena outro capoeirista
de paletó e calça branca, com chapéu de palha estilo Panamá. O seu oponente-
parceiro está usando a calça dobrada até a canela, sem camisa, e com chapéu de
couro típico de vaqueiro. Através da indumentária dos jogadores, percebe-se que, na
roda de capoeira, coexistem vários tipos sociais; aquele trabalhador que estava na sua
“folga”, o outro que passava por ali no momento da roda (no filme todo arrumado de
paletó e calça social) e o público participando ativamente, com a presença de mulheres
e crianças sorrindo e se divertindo com o jogo da vadiação.
A representação do real no filme é visível, principalmente no que se refere ao
cenário. Robatto produz o filme num espaço fechado, no antigo cinema Guarani,
tentando reproduzir as rodas de capoeira que eram praticadas antigamente, após o
trabalho e/ou nas domingueiras, nas portas das quitandas, dos botecos e dos bares,
com o objetivo de mostrar o ambiente comum dos capoeiristas,
259
SETARO, André; UMBERTO, José. Alexandre Robatto Filho: pioneiro do cinema baiano. Salvador:
Fundação Cultural do Estado da Bahia, 19-. p.79
142
O tom do jogo perpassa pelas trocas de movimentos complexos de ataque e
defesa, investidas e negativas. Os golpes não são deferidos aleatoriamente, mas numa
relação de interessa entre os jogadores, jogo lento parecendo a prática corporal do
Taï-Chi-Chuan. Além da beleza estética dos movimentos, percebemos a significação do
respeito e da cadência durante o jogo, construída a partir da narrativa corporal. A
vadiação evidencia o jogo com o outro, um corpo que se complementa no outro,
aproximando-se da mensagem no qual Mestre João Pequeno diz que “pra jogar
capoeira, pra você mostrar que é bom não precisa se tocar, você deve ter seu corpo
freiado”.
“A disfarçada luta”, como se refere Robatto, se configura em um campo de
produção de saberes estéticos que se aprendem na oitiva, ou seja, no ato de observar,
sentir e viver o movimento.
(Traira vadiando com o seu parceiro Najé sentado ao centro
260
)
260
Foto do acervo Instituto Jair Moura
143
No jogo seguinte, no qual aparece Mestre Traíra
261
, embora permaneça a
mesma condição do jogo anterior, a velocidade dos movimentos é mais rápida,
quebrando com o paradigma que tenta explicar a capoeira Angola como um jogo lento e
simples demonstração. Os golpes aplicados sempre com objetividade demostram a
vulnerabilidade do outro, embora, no momento certo, a mudança de direção do golpe é
quase instantânea para o tocar no corpo do oponente-parceiro. Ocorre também a
antecipação perspectiva do jogador, capacidade desenvolvida por eles de prever,
antecipando o movimento. Às vezes, o corpo do capoeirista enuncia o movimento no
“três jeitos” do corpo, e o outro, ao perceber, coloca rapidamente um novo gesto.
no último jogo da negaça entre as Chamadas de Angola
262
e os movimentos
de projeção, a sagacidade impera, pois o tempo todo os corpos se juntam e se
separam, cada jogador mostrando para o outro os pontos de vulnerabilidade. Na arte
do engano dos corpos, a disputa demonstra a sutileza, a eficiência, a beleza e a malícia
dos corpos produzindo imagens, e a astúcia desses corpos está em constante devir.
261
“José Ramos do nascimento, Capoeira de fama na Bahia, marcou época e ganhou notabilidade impar
na arte das Resteiras e da Cabeçadas. No disco fotográfico produzido pela Editora Xauâ, intitulado
“Capoeira” hoje uma das raridades mais preciosas para os estudiosos e adeptos dessa Arte tem
presença marcante envolvendo a todos os ouvintes. Sobre a beleza do seu jogo assim se referiu Jorge
Amado. “Traíra, um caboclo seco e de pouca fala, feito de músculos, grande mestre de capoeira. Vê-lo
brincar é um verdadeira prazer estético. Parece um bailarino e Mestre Pastinha pode competir com
ele na beleza de movimentos, na agilidade, na rigidez dos golpes. Quando Traíra não se encontra na
escola de Waldemar, está ali por perto, na escola de Sete Molas, também na Liberdade”” Informações
retiradas do calendário da capoeira, confeccionado pelo Programa Nacional de Capoeira Projeto
Capoeira Arte e Oficio – Centro de Informação e Documentação sobre a capoeira
262
Chamada de Angola é o nome dado aos vários tipos de situações provocadas no jogo, no qual um
dos jogadores solicita a chamada com as mãos e seu parceiro com cuidado e atenção vai ao seu
encontro para realizar uma espécie de valsa para frente e para trás, isso não tem nenhuma implicação
na interrupção do jogo, pelo contrário, o envolvimento entre as partes no jogo de defases e muitas
entre-faces.
144
(Imagem final do filme, o ângulo vai se fechando pegando as costas dos tocadores
263
)
Os movimentos clássicos da Capoeira Angola que atualmente conhecemos
aparecem inúmeras vezes na imagem do filme, mas, neste último jogo, aparece na
cena o golpe de projeção, no qual o capoeirista projeta o parceiro por cima do seu
corpo. Temos duas possibilidades para tentar compreender o ocorrido; a primeira
consiste em apostar na hipótese, pois, na prática da Capoeira Angola, existiam também
os movimentos de projeção nos quais o Mestre Bimba, ao criar a Luta Regional Baiana,
colocou o nome “cintura desprezada”
264
, no entanto nas ultimas imagens encontradas
com a presença do Mestre pastinha é comum ver o seu aluno mestre João Pequeno
aplicar esses movimentos de projeção; a segunda é suspeitar que os jogadores em
cena eram os alunos do Mestre Bimba e que portanto revelam um tipo de gestualidade
corporal muito próxima dos movimentos da capoeira Angola.
263
Foto do acervo Instituto Jair Moura
264
De acordo com o Mestre Itapoan “o mestre Bimba introduziu os Movimentos de projeção na Capoeira.
Era voz corrente em seu tempo que o Capoeirista ao se agarrado estava perdido. Então o Mestre
ensinava para os seus alunos, que em situação como esta era “açoitar” o adversário para longe. [...]
Criou uma seqüência com alguns desses movimentos chamados de Cintura Desprezada e que seus
alunos tinham que praticar diariamente, antes da seqüência de ensino. ALMEIDA, Raimundo Cesár
Alves de. A saga do Mestre Bimba. Salvador: Ginga Associação de Capoeira, 1994. p. 91.
145
Independentemente das possibilidades colocadas, é importante considerar que,
embora houvesse uma certa rivalidade entre os estilos na época, e expostas nas
entrelinhas do texto de Robatto, a produção cultural ocorre em fluxos de comunicação,
de aproximações, de contatos e de trocas, que provocam redes de capturas e alianças,
mas também repulsa, quebra e dissonâncias; portanto, o outro lado da mesma moeda.
Vale a pena também ressaltar aqui a arte do corpo em contar a história através
da gestualidade, reativando as memórias afetivas e dolorosas da infância e/ou da
juventude que estão impregnadas nos músculos, nos tendões, na respiração e no
órgão, que o corpo é capaz de registrá-las e re-atualizá-las a cada instante que seja
necessário.
Dentre os vários gestos usados pelos jogadores, a ginga foi o movimento que
chamou a nossa atenção porque foi sempre encenada no balanceio do ritmo da música,
contida no saltito; o pé saltitando não fixa ao chão, ele equilibra o corpo no ritmo do
balanceio, mesmo num aparente desequilíbrio, como diz Decânio “o gingado é o
movimento fundamental... donde emanam todos do componentes do conjunto
harmonioso da capoeira!... está intimamente relacionado como ritmomelodia do
berimbau, o equilíbrio dinâmico do corpo...”
265
Sabedoria do corpo que dança na luta,
joga na dança e luta no jogo; portanto, o corpo cria situações expressivas, gerando
conhecimentos e fatos históricos que “tão simplesmente como eles fazem, como
cantam, como eles a sentem, porque Capoeira é apenas folga - é Vadiação”
266
265
DECANIO FILHO, Ângelo. A herança de mestre Bimba: lógica e filosofia africanas da capoeira.
Salvador,1996. p. 51
266
Texto de Robatto Filho. SETARO, André; UMBERTO, José. Alexandre Robatto Filho: pioneiro do
cinema baiano. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 19-. p. 77
146
2.6 Dança de Guerra
(O cineasta Jair Moura entre João Pequeno de costa e João Grande, na bateria
de roupa branca Noronha tocando pandeiro e o de paletó preto Totonho de Maré
267
)
O filme Dança de Guerra
268
do pesquisador, capoeirista e cineasta Jair Moura
269
procura retratar a capoeira como um símbolo da cultura afro-baiana ao valorizar os
ícones da capoeira desse Estado. A intenção dele é mostrar um outro perfil da
capoeira, tendo em vista a concepção hegemônica da época, na qual a capoeira
regional estava atrelada a dimensões do esporte e da luta. Ele quer romper com essa
visão generalizada da capoeira regional e dar ao filme um outro enfoque, o residual
270
,
trazendo à tona os elementos culturais afro-brasileiros.
267
Fotografia do acervo particular de Jair Moura
268
A ficha técnica do filme: texto de Sampaio Gerbasi; narração de William Mendonça; colaboração de
Cláudio; som direto Dijalme Correia; montagem Mario Murakami; fotografia Luiz Gonzaga; laboratório
de imagem Líder; som Tecnisom; produtor associado Agnaldo Azevedo e argumentação, produção e
direção Jair Moura.
269
Discípulo do mestre Bimba desde 1950, foi agraciado pelo mestre com o lenço branco símbolo
recebido pelos alunos mais experientes. Pesquisador foi um dos pioneiros na pesquisa referente a
capoeira, abrindo caminhos para outros pesquisadores. Escreveu o livro Arte e Capoieragem e tem
vários artigos publicados. Foi membro do Partido Comunista, participando dos movimentos políticos
contra a ditadura militar.
270
Raymond Williams ao analisar a cultura em movimento de inter-relações dinâmicas desenvolve os
conceitos de dominante, residual e emergente. “O residual, por definição, foi efetivamente formado no
passado, mas ainda está ativo no processo cultural não como elemento do passado, mas como
147
(“Os velhos batuqueiros, Bernardo de José de Cosme Tibúrcio José de Santana
em plena ação, no Engenho de Dentro, no município de Nazaré das Farinhas”
271
)
Como conseqüências, as imagens não se reduzem exclusivamente à dimensão
da roda de capoeira, mas a um emaranhado de relações políticas, culturais e sociais.
Misturam-se imagens: negros na prática do batuque
272
(com suas canções de
escravos); o negro com patuá na busca de proteção (embaixo de uma árvore fazendo
suas obrigações); a utilização de incenso para abrir o caminho; a roda de capoeira do
Mestre Bimba armada com a presença de Antonilo e Gigante no berimbau; a roda de
samba com as dançarinas contorcendo seus corpos; velhos mestres que comandam a
roda; o policial ao lado investiga o ambiente, na dúvida do que fazer, já que os
capoeiristas jogavam com punhal na mão e faziam “Dança de Guerra” como forma
desafiadora do poder local, e Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba
273
, tocando o
elemento efetivo do presente. Assim, certas experiências, significados e valores que não se podem
expressar, ou verificar substancialmente em termos da cultura dominante, ainda são vividos e
praticados à base do resíduo cultural bem como social de uma instituição ou formação social e
cultural anterior”. (p.125).
271
Os personagens acima aparecem na primeira parte do filme demonstrando a prática do batuque.
MOURA, Jair. Capoeira: a luta regional baiana. Cadernos de Cultura,Salvador, n. 1, p. 27, 1979.
272
“O “batuque”, deve ser definido como uma variante da capoeira, que, segundo alguns estudiosos, foi
gerada pelo mesmo. Era um jogo violento, acompanhado por forte instrumental de percussão”
MOURA, Jair. Capoeira: A luta regional baiana. Cadernos de Cultura, Salvador, n. 1, p. 25,1979.
273
“Manoel dos Reis Machado (1899-1974), baiano de nascimento, filho de Luís Candido Machado e sua
mãe Maria de Martinha do Bonfim, iniciou-se na capoeira em 1912 com Bentinho, um Capitão da Cia
de Navegação Baiana. Lutador por excelência, Mestre Bimba, na década de 30, cria a Capoeira
148
hino da Capoeira Regional. Enfim, aparecem múltiplas narrativas que exprimem vetores
diferentes das generalizações dominantes que a capoeira sofrera na época.
(João Pequeno com um punhal na mão e João Grande fitando-o com o jogo de corpo
274
)
Do filme priorizamos as imagens do jogo dos Mestres João Pequeno e João
Grande. A primeira, no Cais do Porto, na qual o cinegrafista filma de cima para baixo e
produz uma cena surpreendente, pois nos acostumamos a ver o jogo da capoeira em
posição frontal. Jair Moura faz também um revezamento de imagens no qual as cenas
alternam-se da visão frontal para a acima referida. Através do cinematográfico,
Regional como uma forma de “resgatar” as características de luta da Capoeira. Em 1932, funda a
primeira academia de capoeira do mundo, existente até hoje no Centro Histórico de Salvador. No
decorrer de sua mestria, teve como alunos pessoas influentes e de destaques da sociedade baiana
como o Dr, Antônio Carlos Magalhães, o Dr. Lomanto Júnior e o Dr. Decanio entre outros. Mestre
Bimba é considerados por muitos como o “Pai da capoeira moderna” que criou um método próprio
de ensino – e também como um grande responsável pela aceitação da capoeira como uma modalidade
de esporte, interrompendo o processo de repressao policial e amenizando a discriminação social
sofrida até então.” O nome Bimba apelido recebido desde recém nascido, pois a parteira brincou com
sua mãe “eu não disse que ele era menino, olhe a bimba dele aqui”, então ficou conhecido por Bimba.
Foi trapicheiro, estivador, carroceiro e carpinteiro. Recebeu o titulo pós-morte de Doutor Honores
Causa pela Universidade Federal da Bahia. Informações retiradas do calendário da capoeira,
confeccionado pelo Programa Nacional de Capoeira Projeto Capoeira Arte e Oficio Centro de
Informação e Documentação sobre a capoeira
274
Fotografia do acervo particular de Jair Moura
149
podemos desfrutar de imagens encantadas que talvez os nossos olhos
275
, em
condições normais, não conseguiriam captar.
A segunda cena corresponde ao jogo na Rampa do Mercado
276
Nela também
ocorre o jogo de ângulos para obter a imagem da roda, sendo que, desta vez, o
cinegrafista faz uma tomada muito interessante, na qual coloca a câmera bem distante
da cena, como se ela estivesse na parte de cima do Elevador Lacerda e, aos poucos,
vai aproximando-se até centrar o foco no jogo. Ao mesmo tempo, uma outra mera
posicionada ao lado do mar focaliza um panorama da roda como um todo. As imagens
são conectadas em seqüências, proporcionando um cenário espetacular, tanto do local
da roda como do panorama das lindas águas da Baia de Todos os Santos e do
patrimônio arquitetônico da cidade.
Essas multiplicidades de imagens possibilitam a compreensão das
performances
277
“motoras” dos Mestres João Pequeno e João Grande. A participação
deles não deve ser vista como um fato isolado, mas sim como parte integrante dos
desdobramentos culturais da capoeira na época, pois ainda estava presente a “velha
guarda” da capoeira baiana (Tibucinho, Totonho de Maré, Noronha, Bimba, Pastinha,
Waldemar, Trairá, Canjiquinha, Caiçara, Cobrinha Verde e muitos outros)
É importante frisar que eles têm um papel preponderante no filme, não sendo
apenas atores coadjuvantes; não só porque em boa parte do tempo em que dão
mostradas imagens do jogo nos quais eles atuam, aparece, de forma explícita, o
reconhecimento do cineasta pelo seu jogo; mas também pelo fato de Jair Moura querer
275
Benjamim a esse respeito vai dizer: “Não existe, durante a filmagem, um único ponto de observação
que nos permita excluir do nosso campo visual as câmeras, os aparelhos de iluminação, os assistentes
e outros objetos alheios. Essa exclusão somente seria possível se a pupila do observador coincidisse
com a objetiva do aparelho, que muitas vezes chega a tocar o corpo do intérprete. BENJAMIM, Walter.
Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense,
1994. p. 186.
276
A Rampa do Mercado, lugar histórico da cidade de Salvador, local de encontro da população que
vivia na linda Baia de Todos os Santos e no Recôncavo. No passado os mestres de saveiros,
carregadores, feirantes e pessoas comuns freqüentavam o lugar na interlocução entre o mundo do
trabalho e do lazer
277
Paul Zumthor ao trabalhar o entendimento de performance inspirado em pesquisadores norte-
americanos considera que: “está fortemente marcada por sua prática. Para eles, cujo o objeto de
estudo é uma manifestação cultural lúdica não importa de que ordem (canto, canção, rito, dança), a
performance é sempre constitutiva da forma. Se um fato observado em performance é, por motivos
práticos, transmitido, como objeto cientifico, por impressão ou conferencia, então de maneira indireta e
segunda a forma se quebra. ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção linguagem. São Paulo: EDUC.
2000. p. 34.
150
mostrar o jogo da capoeira voltado para as características africanas, como colocamos
anteriormente.
Sábias são as palavras do Mestre Pastinha, que João Pequeno revelou em
entrevista: “eu não sei se ele fez uma música, ou ele falava,“ na minha academia tem
dois meninos, todo os dois se chamam João, um é cobra mansa e o outro é gavião,
quando um anda pelos ares, o outro se enrosca pelo chão”
278
Mestre Pastinha produz “metáforas das condições humanas”
279
, nas quais os
sujeitos são comparados a animais: a cobra e o gavião - simbologias bem diferenciadas
- um réptil e uma ave, terra e ar. A cobra, com seu jogo rasteiro, espera o momento
certo para dar o bote mortal e o gavião, ave de rapina, voa alto e, com seu mergulho
certeiro, apossa-se da sua presa com suas garras. Natureza e cultura, nas quais a
dimensão africana está imbricada construindo significados e representações dos
movimentos corporais, montando “paisagens de corpo bicho”
280
É comovente ver esses dois “meninos” jogando capoeira com a agilidade de um
leopardo, a destreza de um macaco, a flexibilidade de uma rena e o vigor físico de um
touro fazendo piruetas. Impressionante é o grau performático
281
da dança-jogo-luta, na
qual eles conseguem imprimir uma narrativa corporal cujas características animais
278
SANTOS, João Pereira. Entrevista realizada com o Mestre João Pequeno. no Centro Esportivo de
Capoeira Angola – Academia de João Pequeno de Pastinha. Salvador, BA. 28/09/2004,
279
BOFF, Leornado. A águia e a galinha: metáforas da condição humana. Petrópolis, RJ. Vozes 1997.
280
Antonieta Antonaci nas suas pesquisas mostra a dinâmica da cultural-ancestral desse fenômeno
corpo-bicho, vamos considerar apenas duas situações, mas ela apresenta várias outras. A primeira que
chamou nossa atenção foi a simbologia do desenho de Lucas de Feira” exposto na rodoviária de feira
de Santana. “Representado como um ser híbrido: rabo de escorpião (que empreita e surpreende o
inimigo de tocaia, de improviso), corpos de serpentes (que sobrevivem em diferentes terrenos), cabeça
de arara ou papagaio (aves falantes, que memorizam e repetem palavras)”. Essas seriam as
características físicas, neste sentido, é importante entreter no sentido de suas analises ao comentar
“Lucas de Feira encarna imagem de africanos em desiguais e desmoralizantes em tentativas de
imposição de relações de submissão, reforçando perspectiva de continuo e reiterados confrontos na
luta contra as formas da escravidão, ontem e hoje, no Brasil, nas Américas, nas Áfricas.” Corpos
Negros (2004, p.13). A segunda situação foi a obra de arte em forma de escultura de Jabulani
Nhlengethwa no Museu do Ouro na cidade do Cabo na África do Sul, “que, em tronco de árvore
interiço, entalhou um corpo-a-corpo, homem branco e crocodilo, com realce para a cabeça, onde o
rosto humano e possuído pelo crocodilo, que domina pelo seu crânio enquanto o homem está se
enforcando”. ANTONACI, Antonieta Corpos sem Fronteiras. Projeto História: revista do Programa de
Estudos Pós-graduando em História e o Departamento de História da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, n. 25, p. 159-160, 1997.
281
Paul Zumthor vai relacionar a performance ao significado de competência. “A primeira vista, aparece
como savoir-faire. Na performance, eu diria que ela é o saber-ser. É um saber que implica e comanda
uma presença e uma conduta, um Dasien comportando coordenadas espaço-temporais e fisiopsíquicas
concretas, uma ordem de valores encarnada em um corpo vivo. ZUMTHOR, Paul. Performance,
recepção linguagem. São Paulo: EDUC. 2000, p. 35-36
151
simbolizam suas experiências gestuais ancoradas nas memórias do passado da
diáspora africana que são atualizadas em outros espaços e tempos.
Não se tem a pretensão de reduzir as simbologias corporais do sujeito a simples
sinestesia, relacionado-as às explicações naturalistas, mas, sim, visa-se à possibilidade
de interagirmos com a cosmovisão africana, favorecendo a emergência de
conhecimentos que se revelam na ancestralidade do corpo, no qual os ouvidos
guardam o som das marés, dos pássaros e do vento; os sons vêm das batidas dos
atabaques e manifestam-se na dança sagrada deixada pelos seus ancestrais: espíritos
da água, do fogo, da terra e do ar, antepassados estes que, até hoje, os visitam em
sonhos e transes.
Outra potência desta mesma situação corpo-bicho está na musicalidade da
capoeira, nas interferências entre os animais e o jeito que o corpo assume na situação
do jogo, como podemos perceber nas ladainhas e nos corridos: “Valha meu Deus,
senhor São Bento, buraco velho tem cobra dentro” “Eu vi a cotia com o coco no dente,
comendo farinha e tomando aguardente”. “Cobra coral, cobra coral seu veneno é
mortal”. Através dos corridos presentes nas músicas da capoeira se constituem os
signos com seus respectivos significados, cujas formas de linguagem e de expressão
fogem a toda e qualquer tentativa de uma tradução racionalista. Neste sentido, tais
performances são produzidas no afloramento da criatividade e da espontaneidade, bem
próximas às formas operantes da literatura de cordel de folhetos nordestinos, “onde
atores que vivenciavam injunções em letras, voz, imagem, conquistaram outras formas
e suportes materiais para transmitirem suas ancestrais tradições. Preservaram em seus
versos metrificados, memórias de histórias encantadas “do tempo em que o bicho
falava”, sentavam à mesa para comer, dançavam, casavam, assombravam e
intercruzavam reinos humanos e animais”
282
282
ANTONECCI, Antonieta. Corpos negros: desafiando verdades. São Paulo, 2002. p. 4. No prelo.
152
(João Grande plantando bananeira e João Pequeno se preparando para negativa ou aú
283
)
As imagens do filme revelam um jogo-dança-luta da cultura ancestral realizado
entre os corpos dos dois Joãos, instituindo um discurso no qual o corpo narra um
diálogo de perguntas e repostas. A situação é complexa; o corpo opera em situações
desafiadoras e precisa de reações instantâneas, os cinco sentidos entram em conexão
simultânea e o corpo passa a ser um suporte da ação intuitiva e da memória. Os
movimentos de lembrança espaço-temporal têm suas raízes na diáspora africana, no
saber-sabores ancestrais, mas também na criação de novos gestos e novas
representações, proporcionando um emaranhado de relações estético-gestuais.
Sendo assim, abrem-se as zonas escuras, turvas e nubladas para a colocação
das narrativas não mais silenciadas, nem na voz e nem no corpo, pelo poder
hegemônico. Agora, do jogo dos Joãos emerge um contra-saber
284
, explodem as fugas
que não aceitam os controles e as vigílias de um padrão uniforme e autoritário de
expressar o corpo.
Nos seus rituais (as rodas), baseados num diálogo respeitoso com os ancestrais
e com as energias da vida, eles falam aos dominantes e lutam para que seja aceita
283
Fotografia do acervo particular de Jair Moura
284
Estou me referindo a um saber que tem uma concepção contrária à visão meramente racionalista e
cartesiana que segue uma seqüência ordenada das partes para formar o todo. O contra-saber dá-se na
forma espiral. Colocar a citação de Jacques
153
uma potência enunciativa que, em lugar de desprezar o corpo como fez e faz a
civilização escravocrata cristã, o jogo dos Joãos abre caminhos para considerarmos o
corpo como um santuário coletivo e individual, soberano, pois o mesmo é sempre um
lugar plural, no qual se atualizam construções coletivas dançáveis.
Fica evidente, durante as cenas, o desdobramento da situação espaço–temporal:
o dentro e o fora, o em cima e o embaixo, o rápido e o lento, o próximo e o distante, o
fluido e o rígido, o ataque e a defesa. Quebra-se o estatuto dos paradigmas que
querem explicar a capoeira de maneira simplificada e uniformizante (quantidades de
golpes, decodificação das regras, dos rituais e outros).
(João pequeno na tesoura e João Grande na saída do Golpe
285
)
São momentos interessantes, nos quais os corpos se entrelaçam de tal forma,
que a “paisagem corpórea” configura um cenário de unidade e revela o borramento das
fronteiras corpóreas. Se a pele
286
é a membrana que separa o interior de um corpo do
285
Fotografia do acervo particular de Jair Moura
286
Natural e cultural ao mesmo tempo, a pele humana é muito mais do que uma barreira ou um simples
envelope capaz de reter e conter a vida orgânica. Para além de seu peso e das dimensões
significativas de sua superfície, a pele é uma interface que se oferece ao mundo como registro, enigma
e veículo de passagem. Por isso, ela se assemelha ao planeta, a epiderme da natureza, cujas dobras
se tornam montanhas e abrem um abismo, cavam sulcos em forma de rios e mares”. SANT’ANNA.
Denise Bernuzzi Entre a pele e a paisagem. Projeto História, Revista do programa de Estudos
Pós-graduação em História e do Departamento de História da PUC/SP, São Paulo, n.23, p.194
2001.
154
mundo exterior, fruto da relação híbrida entre o biológico e o cultural, nas cenas do
filme, a pele dos dois encontra-se de tal forma unida, que supomos esteja em “vácuo
zero”; ela está imersa nos intercorpos.
A pele, sofrendo a infiltração dos ritmos sonoros, imprime uma narrativa dos
corpos que é intercambiada pelos toques dos berimbaus, pela batida do pandeiro, do
atabaque e do agogô, além dos cantos de improviso, das ladainhas e dos corridos.
Uma narrativa efervescida pelo diálogo dos jogadores em jogo-dança-luta não é
decorrente das idéias que ordena e articula, mas, nela, o corpo dá o que pode e o que é
pedido dele. Daí, funda-se um novo discurso, no qual o corpo, com a ajuda dos seus
antepassados, desenha movimentos na paisagem da roda.
(João Pequeno se preparando para o aú e João Grande
na esquiva e se preparando para cabeçada
287
)
287
Fotografia do acervo particular de Jair Moura
155
O corpo brincante-dançarino-lutador atualiza a sua memória de arquivo
corporal
288
, realizando tais passagens Enigmas
289
corporais operam de maneira
sensível e espontânea, colocam a pele
290
no lugar de receber e devolver as sensações
táteis, sentir a dor ao toque de um golpe, (como o rabo-de-arraia aplicado por João
Pequeno em cima de João Grande), mas, ao mesmo tempo, desfruta dos sutis toques
da valsa de uma chamada de Angola.
Os movimentos da aparente luta estão no jogo constante de um com outro, de
entrar e sair de dentro do outro com suas artimanhas. Os mestres falam “não foi meu pé
que tocou no seu corpo, mas seu corpo que tocou no meu pé”. Invertendo o papel da
ação, o sujeito que desfere o golpe passa a ser tocado pelo outro. O golpe perde seu
poder de agressão e torna-se um encontro de corpos com sensações de dor e de
alegria; a dor de quem ficou no meio do caminho, e a alegria de quem conseguiu
mostrar o lado vulnerável do seu parceiro-oponente
Eles conseguem apresentar, no filme, o discurso do corpo contrapondo-se às
condutas sociais do sistema capitalista que impõem a competitividade exacerbada, a
intolerância e o completo desrespeito às diferenças culturais, em detrimento das
solidariedades societárias que, na concepção da roda ritual, revela-se como princípio
fundador da ancestralidade e de leituras sempre re-abertas da história.
O discurso do corpo deles faz lembrar a crônica de Rubens Alves que diferencia
o tênis do “frescobol”. Se o objetivo do tenista está em fazer o ponto através de uma
jogada fulminante, no “frescobol”, a situação é diferente; mesmo com a pancada forte
288
VIGARELLO, George. O corpo inscrito na história: Imagens de um “arquivo vivo”. Entrevista
concedida a Denise Bernuzi Sany’Anna em Projeto História, Revista do programa de Estudos Pós-
graduação em História e do Departamento de História da PUC/SP, São Paulo: EDUC, n. 21,p. 225-236,
nov. 2000.
289
Enigma: é o próprio ser humano. A base do que aparece sob o nome de “cultura”. Não se resolve, e
sim se problematiza. A ação histórica do sujeito é esse trabalho problematizador
290
Denise Bernuzzi. Considera que “Aceitar a densidade histórica das epidermes talvez seja uma
maneira de evitar sua claustrofobia. A aliança entre o visceral e o epidêmico não reduz a pele a um
envelope protetor, insensível aos dramas do interior do corpo e indiferente aos atropelos do que lhe
existe. Mas, a compreende como um cérebro periférico, não apenas porque secreta as substâncias
que os neurônios, mas por ser ela o teatro de tudo o que acontece no corpo e em suas relações com
outros corpos.” SANT’ANNA, Denise Bernuzzi Entre a pele e a paisagem. Projeto História, Revista do
programa de Estudos Pós-graduação em História e do Departamento de História da PUC/SP, São
Paulo,n.23 p.198, 2001.
156
da bola, os jogadores lutam para manter a bola em jogo. A performance dos Joãos
está próxima da postura ética de preservação e continuidade do jogo, visto que, apesar
dos desequilíbrios constantes, é preciso manter o parceiro no jogo.
Estamos realçando os aspectos em que os corpos dão significados às formas
estéticas
291
, projetando substâncias de movimentos inesperados que produzem
também formas. A epifania
292
é a “emergência de uma forma até então desconhecida”,
a beleza de ver um movimento de ataque e defesa, a surpresa e o improviso com que o
jogador até mesmo assusta o seu parceiro, “ele pensa que vou fazer uma coisa e faço
outra”. A epifania seria a realização de uma bela jogada que podemos exemplificar
através dos dribles desconcertantes de Garrincha, Djalma Santos e Pelé que,
necessariamente, não precisavam finalizar em um gol.
Abreu, a respeito do filme, destacou duas características importantes do jogo:
Quando eu olhei, a primeira coisa que me veio na cabeça, que parecia como
um parto, um paria o outro, tem uma coisa de atração, um sai o outro entra, um
entra e outro sai....” “a outra coisa é a disputa pelo espaço, disputa um centro,
ele quer um centro, o João Grande é um pouco mais periférico, ele sai mas ele
sai voltando para tirar o cara do centro, o João Pequeno ele tem o negocio do
braço, ele vai tirando com o braço. O grau de articulação é tão bem feito, tem a
impressão que ela liga, que tem anos e anos para chegar a esse negocio
293
Nesta descrição da performance dos corpos durante o jogo, emerge a
transitoriedade de fluxo e refluxo, entre ficar dentro do outro e o momento de dissipação
dos corpos, quando a “membrana” que envolve os dois também se separa. O duplo
aparece novamente; a disputa pela centralidade espacial vai se reestruturando a partir
do deslocamento dos corpos dos jogadores. A centralidade está nas trocas de
experiências entre eles; portanto, a territorialidade dos corpos é provisória, cheia de
mudanças num contínuo espaço desterritorializado. Nessas relações de viver o espaço-
291
Refere-se à receptividade sensorial e emocional de um grupo, ao controle do olhar, da vida sensível,
das superfícies sensoriais do corpo (Muniz Sodré). Capacidade de perceber sensações; sensibilidade.
Rubrica: estética: Capacidade de perceber o sentimento da beleza.
292
Muniz Sodré ao explicar o significado da epifania, baseado no critico literário alemão Gumbrecht,
aborda “a aparição súbita e transitória de algo que, ao mesmo tempo de sua aparição, tenha
substância e forma simultaneamente. Mas epifania significa, além disso, aparência como evento. O que
aparece “como um evento” bem pode ser surpreendente...” “Para ele, o evento dá-se na
descontinuidade e no inesperado, fazendo aparecer o que o estava antes”. Daí, a epifania, a
tensão resultante da relação entre um corpo (substância) e uma forma ajeitar a citação
293
ABREU, Frederico José de. Entrevista realizada no Instituto Mauá, Centro Histórico de Salvador,
Salvador, BA 27 de agosto de 2004
157
temporal, ocorre o deslizamento do percurso que faz passar imperceptivelmente de
uma posição enunciativa para outra.
No filme, João Pequeno, aos 51 anos, e João Grande, aos 35 anos, jogam
parecendo meninos e derrubam o pensamento que impõe o estereótipo do
envelhecimento precoce das pessoas.
As narrativas corporais deles têm a potência da forma e da substância, mas seus
corpos-vozes
294
também produzem saberes enigmáticos. Uma cultura oral baseada
num discurso rico em metáforas e silêncios fica evidente na seguinte transcrição: “A
capoeira é quem nem a terra, você colhe o que planta” (João Pequeno). “Eu sou fruta
madura, que cai do pé lentamente. Na queda, larga semente e procura uma terra fresca
para ser fruta novamente” (João Grande).
Filosofar não é uma atividade reservada a especialistas, pois encontra suas
raízes nas experiências culturais. Dessa maneira, percebemos nas falas dos Joãos a
utilização da terra como fonte de inspiração para a transmissão dos seus saberes com
seus respectivos sabores; terra que gera vida e fornece o elemento de continuidade em
ciclo de recriação e de energia que emana da natureza/cultura. Eles fornecem a
referência cultural da terra como instrumento (metáfora) de conhecimento em tributo à
cultura africana.
294
Antonieta Antonecci vai se referir ao termo “vozes do corpo” utilizado por Michel de Certeau.
ANTONACI, Antonieta Corpos sem Fronteiras. Projeto História, Revista do Programa de Estudos
Pós-graduando em História e o Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo, n. 25, p. 1997.
158
(João Pequeno no
295
)
O filme é rodado em 1968, mas é a partir dos anos 80, com o processo de
revigoramento da Capoeira Angola, que João Pequeno e João Grande assumem
definitivamente a responsabilidade de dar continuidade aos processos iniciatórios para
uma nova geração de capoeiristas; no entanto, a estratégia utilizada por eles foi por
meio da arte do jogo. O viés se deu pelo encantamento das imagens produzidas pelos
os corpos. As sutilezas dos toques e as vibrações sonoras das falas afetuosas atuaram
de modo mais Odara
296
possível.
Em vez de apresentar normas comportamentais (regras rígidas), eles preferiram
falar pelo corpo e influenciar através da poesia, da dança, da música, do samba, do
ofício e da arte. Jogando, foram educando mansamente os sentidos dos parceiros e
dos seus alunos. Enfim, instituíram formas diferentes para colocar uma outra história,
com novos desejos de ser contada. um dito popular que declara: “Deus não asa
à cobra”, mas a capoeira permite que esses paradoxos coexistam.
295
Fotografia do acervo particular de Jair Moura
296
Conceito estético afro-brasileiro que alia eficácia à beleza
.
159
2. 7 Bahia por exemplo
O documentário ”Bahia por Exemplo”
297
de Rex Schindler produzido em 1969 e
exibido em 1970 mostra o cenário paisagístico e a dinâmica cultural da cidade do
Salvador nessa época. A narração inicial se preocupa em contextualizar historicamente
a formação da cidade. O filme valoriza a participação dos artistas Carybé, Carlos
Bastos, Mestre Didi, Hansen, Mário Cravo e o escritor Jorge Amado; conta ainda com a
participação dos integrantes do movimento tropicalismo como Gal Costa, Dorival
Caymmi, Gilberto Gil e Caetano Veloso; na arte cinematográfica aparece Glauber
Rocha comentando a produção do cinema novo; nas práticas religiosas afro-brasileiras
enaltece a imagem da grande ialorixá Mãe Menininha. Enfim, o filme apresenta a
atmosfera da produção artística baiana, exibindo um panorama amplo, tanto das artes
produzidas nos ateliês e na universidade como pelos produtores populares.
297
A Ficha técnica: Gênero: Documentário, Tempo de Duração: 75min. Ano de Lançamento (Brasil):
1971. Distribuição: Servicine. Direção: Rex Schilinder. Roteiro: Rex Schilinder. Produção: Braga
Neto. Apresentação: Porto Feliz Filmes. Co-produção: Polígono Filmes. Música: Dorival Caymmi,
Camafeu Oxóssi, Ernesto Widmer, Fernando Cerqueira, Renato Fróes. Som: Walter Goulart.
Fotografia: Giorgio Atili e Alfonso Rodrigues. Edição: Roberto Pires Assistente de Montagem:
Raimundo Mendonça. Elenco: Gal Costa,Carlos Bastos,Carybé, Dorival Caymmi, Caetano Veloso,
Gilberto Gil, Genaro de Carvalho, Glauber Rocha, Jenner Augusto, Jorge Amado, Mário Cravo,
Hansen Bahia, Filhas de Oba, Olga do Alaketo, Mestre Didi, Grupo Maculelê, Madrigal da
Universidade da Bahia.
160
(Mãe Menininha entrevista a Arnóbio Covello, durante a filmagem do filme Bahia por Exemplo
298
)
Na abertura do filme, as vozes do madrigal da UFBA cantam várias sicas de
capoeira como pano de fundo da voz do narrador: “Salve a Bahia, Capital do Salvador,
quem não conhece a capoeira não é bom conhecedor, quem quiser pode aprender,
todo homem tem valor ....... meu coração falou, camaradinha. Salve a Bahia“ai, ai
Aider joga bonito que eu quero aprende” “segure esse negro, esse é um cão”,”cala boca
menino, nhem, nhem” tava na roda de samba quando a policia chegou...”
299
. O
diferencial está no mixe das músicas, geralmente cantadas pelos mestres para os
cantores líricos que dão outra expressão à musicalidade da capoeira.
No que pese à temática da capoeira, aparece na configuração de uma roda de
capoeira dentro do Forte de São Marcelo, no anel de cima, mas, antes disso, vale a
pena registrar a performance da dança do maculelê e, conforme Emília Biancardi como
tantas outras manifestações africanas, o macule caracterizava-se, sobretudo, como
um divertimento de escravos e seus descendentes, sobressaindo seu aspecto,
acentuado de dança dramática
300
.
A “dança dramática” no filme aparece diferentemente das apresentações
habituais nas quais os dançarinos e/ou capoeirista vestem um tipo de saia de corda
298
Fotografia retirada. COVELLO, Arnóbio. Filosofia do turismo. Salvador: Gráfica Trio, 1982. p 146
299
Ouvir na apresentação do DVD
300
FERREIRA, Emília Biancardi. Ôlelê Maculelê. Brasília, DF: Ed. Especial, 1989. p. 15
161
desfiada para representar um estilo mais tribal para configurar a condição do negro
“primitivo” e arcaico.
No entanto, no filme estão vestidos de branco, com exceção do mestre que está
de vermelho e um outro, de verde; os dançarinos aparecem vestidos de batas brancas
compridas e calcas listradas. Sobre a indumentária, Biancardi comenta sobre as
modificações ocorridas em virtude da demanda das apresentações de shows
folclóricos. A partir de 1962, os trajes passaram a experimentar uma enorme
variedade, segundo o grupo folclórico. Assim, alguns voltaram a utilizar o abadá, outros
introduziram a fibra de sisal, saias de palha-da-costa, tangas variadas[...] [...] Alguns
grupos mais ousados chegam mesmo a usar minitanga, cobrindo a parte da frente e
deixando os quadris totalmente despidos
301
. Para chamar atenção do público,
utilizavam diversos recursos no seu espetáculo; a pouca roupa dos dançarinos durante
as apresentações despertava a curiosidade e aflorava a sensualidade dos corpos
seminus.
A performance da dança do maculelê, no filme, é dramatizada na região do Vale
do Canela, na parte de cima em frente a Faculdade de Direito. A imagem potencializa o
ritmo de forma cadenciada. O mestre, em posição de destaque, batendo sua grima com
os seus alunos, mostra a singeleza do maculelê manhoso e sutil, nada de carreira.
Utilizam-se duas formações: o círculo com o Mestre no meio batendo com sua grima e
depois a formação de duas colunas. A respeito da dinâmica performática da dança, a
ethomusicologa Emilia Biancardi comenta que “a dança era simples, com volteios leves,
além de discreto levantar da plantar dos pés. Depois de percorrer toda a roda, o Mestre
escolhia seu parceiro mais adestrado para uma espécie de duelo com as grimas
302
.
A batida entre os jogadores, no filme, ilumina a pelejada dos dançarinos,
demonstrando suas habilidades na arte de bater com pau. A força empregada na batida
da grima, a face do rosto sombrio, o jeito de corpo, a presença do facão na mão do
Mestre e a disputa coreografada anunciam o perigo, aflorando a expectativa de
acontecer alguma coisa errada no momento da dramatização, de alguém se machucar
em virtude de uma batida errada.
301
Idem, p. 26
302
Idem, p. 19
162
A imagem da roda de capoeira fica na incumbência do grupo folclórico OLODUM,
sob a coordenação do Mestre Acordeom que todo tom da narrativa, explicando a
origem da capoeira: a capoeira tem sua origem em controvérsias, [...], [...] nós
preferimos essa hipótese em que os negros africanos utilizavam sua movimentação,
imitava gestos de animais selvagens, suas danças guerreiras, seus rituais religiosos,
vindo para o Brasil a capoeira se transformou
303
.
O OLODUM (o dono da festa) era um grupo folclórico de capoeira organizado por
jovens rapazes em 1966. O grupo surgiu de uma reunião em Brotas, na casa de
Ubirajara Almeida (Acordeom), predominava no grupo alunos do Mestre Bimba. “A
maioria dos participantes tem pouco mais de vinte anos: Benjamim Muniz, estudante do
4 ano de administração, coordenador geral do Grupo; Onias Carmadelli, estudante do 3
ano de Belas Artes, diretor artístico; Ednaldo Carneiro, 2 ano de agrimensor, supervisor
técnico; Eng. Civil Augusto Muniz, 1 secretário; Fernando Palos, estudante de dança,
diretor de patrimônio
304
. Além dos cargos oficiais, o grupo contava com a participação
de Ubirajara de Almeida (Acordeom), Saci, Cascavel, Camisa Rocha, Itapuã, Gugu,
Beijoca, Paulo Jaracusu e muitos outros.
O grupo foi premiado em festivais internacionais como em Quito, no I festival
Latino-Americano de Folclore, quando recebe o ““Rumihahui de Oro’, uma placa
folheada a ouro com a figura de um chefe índio em alto relevo
305
”. Na Argentina,
participou do III festival Latino-americano e muitos outros e, na Bahia, faz
apresentações nos teatros Castro Alves e Vila Velha.
Percebe-se o grau de organização do grupo enquanto entidade que chega a
representar o Brasil em eventos internacionais, como também a conquista do grupo em
poder intervir frente às instituições, às embaixadas, ao Itamarati e a outros órgãos
públicos. Através dos shows folclóricos, o grupo Olodum mostrava a capoeira com toda
a sua irreverência.
Na imagem do filme, a roda é composta com a presença de Mãe Zefa que bate
palmas abençoando os capoeiristas; no berimbau, Onias, no atabaque, o finado Gugu,
303
Narrativa apresentada por Acordeom no filme
304
OLodum, Silé com novos prêmios para a Bahia. A Tarde, Salvador, 9 jan. 1969. Caderno Suplemento.
305
Olodum chegou com mais um Troféu: Luanda Silé, mais jávai voltar. Texto de Cidelia Argolo. Jornal
da Bahia. Salvador,
163
o jogo matreiro do menino Vigu e a agilidade do Mestre Saci e tantos outros. Os
movimentos realizados são oriundos da estética gestual da “capoeira regional”, os
jogadores dramatizam golpes de luta, fazem encenação de derrubar o outro com a
cabeçada, com as mãos e com os pés. O aspecto de um jogo solto, descontraído de
guarda aberta sobressaí, com realce para o entrar e sair dos jogadores, atacando e
defendendo-se com variações de movimentos em cima e embaixo.
Embora os jogadores estejam exibindo sua destreza para uma produção
cinematográfica, a movimentação corporal do jogo e a aplicação dos golpes são
diferentes da capoeira atual que usa ainda os mesmos golpes. Parece que a
gestualidade dos alunos de Bimba, neste período, ainda apresentava uma desenvoltura
de jogar próximo do seu oponente, com movimentos harmoniosos, mesmo na aparente
tensão da luta. Ë importante salientar que as formas estéticas dramatizadas no filme
refletem os modelos transmutados para as exibições dos shows folclóricos.
O processo de transformação da plasticidade corporal da Capoeira Regional vai
se acentuar com o afastamento, por parte dos novos professores, do uso do método de
ensino criado por Bimba que primava pela execução de movimentos básicos da
capoeira criados por ele.
As vestimentas usadas pelos os capoeiristas no filme expressam os novos
modelos de se vestir nas apresentações; geralmente usam calcas coloridas, sem
camisa, e com uma faixa na cintura. Nesse aspecto, cada grupo criava sua própria
vestimenta com novos adereços, pois os grupos folclóricos estavam profissionalizados
e existia toda uma organização na montagem do espetáculo que ia do figurino até a
produção do palco em si. Não bastava se vestir com a indumentária das escolas de
capoeira; era preciso incrementar, inovar, para que os espetáculos tivessem um outro
modelo totalmente diferente dos praticados nas escolas de capoeira.
A exibição dos novos aparatos técnicos se conjecturava com outros elementos
plásticos diferentes daqueles aprendidos com o Mestre, principalmente no que tange
aos aspectos ritualísticos da roda de capoeira.
O filme é cogitado para ser exibido na Pensilvânia na “semana da Bahia’, Todos
sabem que o povo americano é o maior turista do mundo e com a boa vontade que os
habitantes da Pensilvânia têm com a Bahia, seu Estado irmão, é realmente um achado
164
a lembrança de levar uma cópia narrada em inglês
306
”. O propósito do diretor, contudo,
não era exibir seu filme para as feiras de turismo que existia na época. O filme
realmente contribui para a constituição de um imaginário da cultura baiana, o do povo
alegre, exótico e rico em práticas culturais, mas também apresenta a mordenização da
metrópoles enquanto lugar de desenvolvimento cultural das artes produzidas na
universidade e nos ateliês
2. 8 Festas na Bahia de Oxalá
O filme documentário “Festas na Bahia de Oxalá” de Ronaldo Duarte produzido
em 1969 para o cinema em 35 mm, conta com o texto e a narração de Jorge Amado. O
diretor enaltece a dinâmica cultural das festas populares da cidade do Salvador, a fé do
povo de santos nos cultos religiosos de matizes africanas, a presença dos veleiros no
mar, as barracas enfeitadas vendendo sua iguarias, o samba-de-roda e a roda de
capoeira. O documentário apresenta cincos festas populares da Bahia “Senhor dos
Navegantes, Reis (Lapinha), Bonfim, Ribeira e Yemanjá (Rio Vermelho), das quais
apenas a da Ribeira está praticamente extinta, as demais ainda mantém suas tradições,
embora tenham perdido parte de suas características e incorporando outras
307
306
CASTRO, José Berbet de. “Bahia por Exemplo” vai para Pensilvânia. A Tarde. Salvador, 17 jun. 1970.
307
Texto extraído da contra capa.
165
(Cavaleiro no cortejo rumo a colina sagrada da igreja do Bonfim,
participando do cortejo com o seu berimbau ao lado
308
)
As cenas mostram todo o entusiasmo do povo baiano durante esses festejos, o
lado sagrado representado pela devoção aos santos e aos ritos de passagens (as
procissões), bem como o lado profano das brincadeiras e das danças.
A cena na qual aparece o jogo de capoeira é rápida e revela a gestualidade da
capoeira Angola. Os corpos-brincantes jogam o na parte superior da colina sagrada da
igreja do Bonfim, transmitindo um momento de descontração e ludicidade na roda de
samba e de capoeira. O público está atento aos movimentos; da “chamada de
Angolas”, do jogo rasteiro, e a presença do lenço no chão denuncia o jogo “pega laranja
no chão tico-tico” (ver no primeiro capítulo).
Os corpos irradiam alegria e desenvoltura na arte de se divertir. Estão vestidos
com roupas das mais diversas cores revelando a não filiação de uma determinada
escola ou centro de capoeira. A presença de três berimbaus, dois “berra-boi”
309
, um
308
Fotografia de GAUTHEROT, Marcel. Bahia: Rio São Francisco, Recôncavo e Salvador . Rio de
Janeiro. Nova Fronteira. 1995, p. 225
309
Tipo de berimbau muito importante na roda de capoeira Angola, responsável pela organização da
roda, tem um som mais grave, também é conhecido como Gunga.
166
“médio”
310
, pandeiros e outros, mostra a não preocupação dos gestores da roda com a
exigência de rituais pré-estabelecidos na capoeira.
Corpos-negros, com sua artimanha, revelam as manhas nas danças e nas lutas
durante a diversão, simbolizando os ícones da capoeira e do samba de roda como
elementos importantíssimos nas festas populares. Embora não consignarmos identificar
os capoeiristas no filme como mestres ou alunos renomados na memória da capoeira,
os personagens que aparecem mostram brilhantemente a estética do jogo da capoeira.
Provavelmente jogadores-capoeira que ficaram no anonimato da história cultural da
capoeira.
O filme com ricas cenas das festas populares baiana evidencia a fé do povo na
realização dos festejos. A narrativa cinematográfica consegue envolver as mais belas
situações ocorridas nos eventos populares, a movimentação dos corpos durante as
procissões e o cortejo. O samba, a capoeira e outras manifestações culturais são
alegorias que marcam o momento lúdico do festejo.
2. 9 Um dia na rampa
O filme de Luiz Paulino retrata as relações de trabalho durante um dia na rampa
do Mercado Modelo, local que, na época tinha um importante papel no abastecimento
da cidade, visto que as mercadorias comercializadas eram oriundas do recôncavo
baiano e das pequenas ilhas que formam a Baia de Todos os Santos.
A sinopse do filme presente no letreiro traz a seguinte narrativa: “rampa do
mercado modelo, porto de saveiros que navegam a baia de todos os santos, os homem
vêm todas as manhã do mar à terra e retornam com a noite para as águas que dizem
ser da rainha yemanjá, esse filme é realizado graças á cooperação de todos os
trabalhadores.”
310
É um outro tipo de berimbau usado nas rodas que tem a função de interlocução entre o berimbau
Gunga (grande) e a viola (berimbau, cuja cabaça é a menor)
167
O filme serviu de base para Luiz Paulino elaborar o projeto inicial de Barravento,
do qual trataremos mais adiante. A questão central enfoca o cotidiano dos
trabalhadores e sua crença nas forças divinas, no caso específico Yemanja´
311
.
Contudo, as imagens do filme ressaltam realmente os costumes das práticas cotidianas
realizadas pelos trabalhadores (mestres de saveiros, carregadores, feirantes e outros)
que traziam suas mercadorias (milho, farinha, animais, frutas, verduras e outros
utensílios) para serem vendidas na feira.
É um filme de curta duração sem presença de narrador; é quase um musical.
Podemos considerar também como documentário, no qual não existe diálogo oral entre
os personagens, mas uma brilhante trilha sonora requintada, na qual a presença do
berimbau é marcante, tanto na apresentação do filme, quando aparece uma pessoa
tocando berimbau, como no transcorrer da película onde os acordes do berimbau
marcam o contexto da cena.
Luiz Paulino se preocupou em mostrar as atividades realizadas pelo trabalhador
na sua labuta diária na Rampa do Mercado, os corpos-negros explorados pelo sistema
capitalista e que, na sua astúcia de realizar o seu ofício, oferecem várias formas de
domínio gestual para realizar aquelas atividades: os equilibristas do saco de farinha e
dos balaios sobre a cabeça que ultrapassam os obstáculos ao passar entre os barcos e
andar no meio da multidão, o trabalho coletivo ritmado de passar um para o outro os
utensílios, a velocidade e agilidade dos corpos em descarregar os produtos para serem
comercializados e a avidez dos mesmos nas transações comerciais.
O “corpo de labuta”
312
, como chama Frederico Abreu ao se referir às estratégias
criadas pelos negros como “rito de amaciamento do peso”
313
, que são formas
combinatórias entre música, dança e esforço físico. Para ele, essas formas rítmicas
dançantes e do vigor físico têm uma relação com a capoeira porque ”a música e a
dança (ginga) não se integram aos movimentos simplesmente como elemento de
311
Nos cultos religiosos africanos, Yemanjá é considerada deusa dos mares e do oceano, a rainha do
mar protetora dos pescadores
312
Ver ABREU, Frederico José de. Capoeiras Bahia, século XIX: imaginário e documentação. Salvador:
Instituto Jair Moura, 2005. p. 92
313
Idem, p. 94
168
animação. São indispensáveis para realização, pelo que se deduz de sentenças como
estas ditas pelos capoeiristas: “sem ginga não há capoeira””
314
As imagens revelam também as atividades de lazer, as práticas corriqueiras
realizadas por esses trabalhadores após o trabalho: sua forma de comer com as mãos,
na polpa do barco, sentados quase em posição de cócoras, a virada a seco de um copo
de cachaça, o jogo da capoeira e o deleite do namoro nos porões das embarcações.
São momentos de recuperar as energias usadas na força produtiva do trabalho,
relações societárias imbricada em práticas culturais, historicamente estabelecida entre
trabalho e lazer.
A presença da capoeira no filme é evidenciada numa roda de capoeira, onde
dois jogadores, que não conseguimos identificar como capoeiristas conhecidos da
literatura, bailam exclusivamente ao som do berimbau. O jogo é um misto dos
movimentos da Capoeira Regional e da Capoeira Angola, num tom sorridente e
brincante dos jogadores. Com a chamada de Capoeira Angola, movimentos soltos
das pernas, enganos dos braços e o jogo mostra-se harmonioso e tranqüilo. Os golpes
são deferidos de forma solta.
Os jogadores, um usa camisa, chapéu de couro tipo sertanejo e tem os pés
descalços; o outro usa apenas calça e sem camisa. Eles representam a capoeira
enquanto momento de diversão, instituindo territorialidade do não trabalho, ou então
desterretorilizaçao do trabalho. A fuga, se assim podemos considerar, produz uma outra
potência que toma corpo em outras formas de saber corporal
315
, às vezes imperceptível
ou então não reconhecida historicamente pelo poder do Estado e pelas elites dirigentes.
Dessa maneira, os corpos-capoeiras presentes no filme enunciam um jeito de enfrentar
o árduo trabalho (quase sempre debaixo do sol escaldante em se tratando de uma
região nordestina), cujas formas políticas implicam na resignificação do próprio trabalho
em fazer do ofício sua arte.
314
Idem, p. 96.
315
Idéia desenvolvida por Júlio César Tavares que traz “a possibilidade de constituição de uma
enunciação em práticas discursivas, que se serve dos movimentos e ações corporais para estruturação
do seu repertório. Este repertório é o resultante das articulações dos signos que são elaborados nas
vivências cotidianas ou nelas intercambiados.” TAVARES, Júlio César de Souza. Dança de guerra:
arquivo-arma. 1984. Dissertação (Mestrado em Sociologia)- Departamento de Sociologia da UNB,
Brasília, DF,. 1984, p.
169
Se o propósito do diretor era mostrar os corpos-trabalhadores-populares, com
suas práticas culturais de lazer e seus ofícios locais como forma de exploração do
trabalho, fazendo uma leitura apriorística da realidade cujo entendimento reverenciava
a alienação, depositaria nos corpos dos trabalhadores. Ao nosso ver, nas próprias
imagens do filme, as relações de exploração do trabalho se dão a partir de uma
compreensão mais complexa, de interesses e de conflitos políticos, econômicos e
culturais antagônicos e, ao mesmo tempo confluentes. Isso não significa dizer que são
vítimas de um processo histórico colonial, mas, sim, produtores e portadores de outras
histórias, com outras formas políticas de se colocarem, reivindicarem e lutarem pelos
seus direitos e, desse modo, ao ser colocado o entendimento sobre a alienação
naquelas circunstâncias históricas, o excluídas outras formas políticas e estéticas de
ir de encontro ao poder dominante.
As habilidades dos corpos relacionados ao ofício criam um campo de significado
cultural muito rico; os marinheiros são considerados mestres de saveiros, sabedores da
arte da navegação e da fabricação de embarcações
316
; os carregadores, artesões na
arte do malabarismo com os utensílios, corpos-brincantes no jogo da dama e da
capoeira que revelam os truques arquitetados pelo corpo na disputa com o outro. Enfim,
uma complexa trama política que ouvimos num tom alto e forte enquanto é entoada
pelo primeiro ao ultimo Iê
317
.na roda da cultura dos capoeiras.
2.10 Barravento
316
Atualmente, o Estado da Bahia é considerado um dos mais importantes lugares na arte de fabricação
de barcos de madeiras, tais como: réplicas antigas de caravelas, navios escolas para o aprendizado na
área marítima e escunas, embarcações utilizadas na flotilha da indústria do turismo. Em Valênça,
próximo ao |Morro de São Paulo estão localizadoa os melhores estaleiros e os renomeados mestres
que realizam a arte de fabricar embarcações.
317
Tipo de som ou grito utilizado pelos capoeiristas no começo da ladainha e ao término da roda
também.
170
No corrido das canções de capoeira a estrofe é entoada “valha meus Deus
Senhor São Bento, buraco velho tem cobra dentro, valha meus Deus Senhor São Bento
eu vou jogar meu Barravento”
318
. Primeiramente o pedido de proteção ao Senhor Deus;
em seguida, a ação de jogo considerado mais duro, o jogo de dentro.
O filme Barravento
319
de Glauber Rocha (1938-1981) é uma produção baiana
premiada no famoso festival KarLovy na Tchecoslováquia. Realizado numa aldeia de
pescadores na praia de “Buraquinho”, localizada atualmente no município de Lauro de
Freitas.
Glauber, no início das filmagens, era apenas o diretor executivo do filme. Luís
Paulino dos Santos era o diretor responsável, que tinha escrito o roteiro; no entanto,
devido ao atrito entre Paulino e os financiadores do projeto, foi substituído por Glauber,
que tentou fazer de Barravento uma obra pessoal, mas não obteve êxito; o resultado da
filmagem caminhava demais na perspectiva do neo-realismo Italiano
320
. Essa vertente
se preocupava em retratar as características próximas à realidade social da época.
318
Corrido cantado nas rodas de capoeira (domínio público)
319
A Ficha Técnica do filme, Título Original: Barravento, Gênero: Aventura, Tempo de Duração: 80 min,
Ano de Lançamento (Brasil): 1961, Estúdio: Iglu Filmes, Distribuição: Horus Filmes, Direção: Glauber
Rocha, Roteiro: Lauber Rocha e Telles de Magalhães, Produção: Rex Schindler e Braga Neto, Música:
Washington Bruno (Canjiquinha) e Batatinha, Fotografia: Tony Rabatony, Edição: Nelson Pereira dos
Santos O elenco formado por: Antônio Pitanga (Firmino); Luiza Maranhão (Cota); Lucy Carvalho
(Naína), Aldo Teixeira (Arun), Lídio Cirillo dos Santos (Mestre), Rosalvo Plínio, Alair Liguori, Antonio
Carlos dos Santos, Dona Zezé, Flora Vasconcelos, Jota Luna, Hélio Moreno Lima, Francisco dos
Santos Brito, Dona Hilda, Adinora, Arnon, Sabá, Hélio de Oliveira (orientação de candomblés
320
Vanoye, ao apresentar as tendências ou concepções que marcaram o cinema ao longo do tempo,
comenta que o neo-realismo italiano, surgido na Europa pós-guerra trata-se de testemunhar, de
mostrar o mundo contemporâneo em sua verdade. A intriga importa menos que a descrição da
sociedade (subdesenvolvimento econômico, desemprego, problema nos campos, condição dos velhos,
das mulheres, das crianças). O neo-realismo vincula-se com o documentário (gênero que não cessou
de evoluir, das primeiras tomadas com os irmãos Lumiére aos documentários engajados de Lacumbe,
171
Outro mecanismo é a utilização de atores não profissionais, pessoas que não
estão necessariamente envolvidas na profissão de ator, mas que podem representar
um papel específico até mesmo aparecendo em partes para dar maior “autenticidade”
ao filme e privilegiando também as narrativas mais frouxas, menos ligadas
organicamente, menos dramatizadas, comportando momentos de vazios, lacunas,
questões não resolvidas, finais às vezes abertos ou ambíguos”
321
.
Glauber não gostou muito das filmagens pois estava fascinado pelas idéias
estéticas do Soviético Eisenstein
322
, que pregava um cinema épico e intelectual, bem
distante e aoposto à idéia inicial de Paulino. Após a conclusão da filmagem, Glauber
ficou decepcionado, chegou a abandonar o projeto, e o material filmado ficou arquivado.
Nelson Pereira dos Santos, que decidiu cuidar da montagem final do filme, concluindo-o
quase um ano depois em 1961.
Barravento pode ser considerado quase um documentário sobre a cultura
popular baiana, mostrando , através da vida de pescadores a arte de fazer no oficio da
pesca (a puxada de rede), o samba de roda nos momentos de festejos, os cultos
religiosos africanos na sua força de estabelecer relações de convívio societárias e a
capoeira no seu duplo aspecto de brincadeira-ludicidade e luta-valentia.
O filme coloca o candomblé, as práticas mágicas de origem africana como um
símbolo brasileiro da alienação que estaria interrompendo o progresso do país; por isso
criticava a macumba no sentido de sujeitar os corpos. A aldeia dos pescadores
representava um local atrasado de vivências cotidianas místicas, onde a comunidade
Carnê ou Vigo, nos anos de 1920, passando pelos os britânicos): filmagens externas com cenário
naturais, recusa dos efeitos visuais ou de efeito de montagem, imagens pouco contratadas, recurso e
atores não profissionais(operários, camponeses, pescadores, etc), temas sociais, integras frouxas, sem
ações espetaculares. VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica.
Canpinas, SP: Papirus. 1994. p. 34-35
321
Idem, p. 35
322
Vanoye ao se referir a perspectiva do cinema soviético que se colocava contrariamente à produção
Hollywoodiana, levanta duas funções dos filmes, a partir dos filmes realizados por Pudovkin e
Eisenstein. “um função de “tornar patético”, que tende de acompanhar os acontecimentos e os conflitos
segundo procedimento como cortes rápidos, efeito de aceleração, câmera lenta, utilização do primeiro
plano e do close up, ângulos de tomadas acentuadas, iluminações fortemente contratadas ou
estilizadas; uma função de argumentação, que tende a exprimir idéias, valores, segundo procedimento
como a montagem paralela (que permitem comparar os grevistas fuzilados a animais abatidos, a
torrente de operários sublevagados à do rio quando derretimento do gelo ver A greve de Eisenstein”.
VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Canpinas, SP: Papirus,
1994. p 29-30.
172
não dispunha de uma consciência crítica em relação às questões econômicas, políticas
e ideológicas do Brasil.
Se, por um lado, o filme retrata a ineficiência dos valores populares para
enfrentar a modernidade, por outro lado, o “tiro sai pela culatra”, porque o requinte
sonoro e visual com que é filmado enaltece a cultura, dando um tratamento poético e
fascinante às práticas ritualísticas afro-brasileiras, enunciando um outro micro-desejo do
poder. É impossível ver o filme sem uma certa dualidade, talvez até em razão das
contradições aparentes no filme, de um discurso nem sempre claro e coerente, mas
esteticamente apaixonante.
A narrativa presente no letreiro do filme apresenta a seguinte descrição:
No litoral da Bahia vivem os negros pescadores de “Xareu”, cujos antepassados
vieram escravos da África. Permanecem até o hoje os cultos aos Deuses
Africanos e todo este povo é dominado por um misticismo trágico e fatalista.
Aceitam a miséria, o analfabetismo e a exploração com a passividade daqueles
que esperam o reino divino.
Yemanjá” é a rainha das águas, “a velha mãe de Irecê”, senhora do mar que ama,
guarda e castiga os pescadores. Barravento é o momento de violência, quando as
coisas de terra e mar se transformam, quando no amor, na vida e no meio social
ocorrem súbitas mudanças.
Todos os personagem apresentados neste filme não têm relação com pessoas
vivas ou mortas e isto será apenas mera coincidência os fatos, contudo existem.
Daí percebe-se a narrativa que o filme evoca;. a culpabilidade das tradições
mística-religiosas no desenvolvimento da comunidade e que o “povo”, a despeito de
suas crenças são condenados a viver na miséria e no analfabestimos. Dessa maneira,
Glauber investe numa perspectiva histórica reduzida da complexidade social vigente,
porque não consegue reconhecer a importância dessas práticas num processo
revolucionário. Para Glauber, Barravento é uma obra de inspiração revolucionária: "Fiz
um filme contra candomblés, misticismos e, num plano de maior dimensão, contra a
permanência de mitos numa época que exige lucidez, consciência, crítica e ação
objetiva"
323
.
Nota-se a preocupação de Glauber de marcar sua posição pragmática em
relação ao povo e suas crenças; no entanto, o que se tem de mais revolucionário no
filme são as imagens de um povo que, mesmo em condições adversas, consegue
323
Diário de Notícias, 1962,
173
brincar, beber, batucar, dançar, brigar e festejar, instituindo fluxo e refluxo de viver a
vida, bem diferente daquele determinismo histórico de civilidade ancorado nas matizes
do europocentrismo
324
.
(A personagem Cota e Aruã na jangada. No enredo do filme,
o feitiço de Aruã vai se quebrar após deitasse com Cota)
A trama do enredo do filme se no amor entre Naina (a única branca numa
colônia de pescadores negros) e Aruã (o protegido pelo Mestre e por Yemanjá). Firmino
é o personagem filho da comunidade que goza o status de ter convivido na cidade e
retornado à aldeia para convencer os pescadores dos seus direitos enquanto
trabalhadores, portanto, ele é exu. Os modos viventes entre os dois mundos, é o
protagonista da perda dos poderes de Aruã em virtude de se deitar nos braços da negra
Cota, perdendo sua sacralidade e sendo reduzido à condição de homem. Firmino é
capaz de qualquer coisa para conseguir seus objetivos e a maneira da conquista é,
geralmente, truculenta e agressiva.
O traço marcante da capoeira vem por intermédio de Washington Bruno da Silva
- Mestre Canjiquinha (1925-1994)
325
, que compõem parte da trilha sonora do filme. A
324
Estou me referido aos paramentos ideológicos, políticos e culturais hegemônicos na sociedade
brasileira a partir do processo histórico da colonização que institui a valorização da cultura européia em
detrimento da subjugação da cultura indígena e africana. A força da civilidade do mundo europeu como
centro das relações mundiais.
325
“Nasceu em Salvador, filho de D. Amália Maria da Conceição. Aprendeu Capoeira com Antônio
Raimundo o legendário Aberrê. Iniciou-se na Capoeira em 1935, na Baixa do Tubo, no Matatu
Pequeno, ‘no banheiro do finado Otaviano” (um banheiro público). Filho de lavadeira, Mestre
Canjiquinha foi sapateiro, entregador de marmita , mecanógrafo, dentre outras atividades foi também
jogador de futebol (goleiro) do Ypiranga Esporte Clube, além de cantor de bolero nas noites
174
performance de Canjiquinha é admirável logo na sua primeira aparição, tocando numa
caixa de madeira o samba de roda; em seguida, no remelexo do corpo, é convidado
para entrar na roda. O samba é duro; é o samba de pé. De repente, Firmino, sambando
com Cota, sai do centro da roda para pegar Naina e a resposta é sintomática; Aruã
empurra Firmino e a confusão está armada. Firmino é seguro por Canjiquinha e, ao
apartar a briga, monta-se logo a roda de capoeira, ocorrendo a passagem do momento
lúdico e descontraído para a braveza e valentia de se resolver na luta dos pés.
A roda está armada, e Canjiquinha sai para jogar. Começam no movimento
circular de dar “volta ao mundo’
326
e, em seguida, a chamada de Angola; os corpos em
jogo entram e saem um do outro com movimento rápidos de aú, esquivas, rabo-de-
arraia e meia-lua. No decorrer do jogo, prevalece o domínio do Mestre Canjiquinha
sobre Firmino, encaixando várias rasteiras e, no fundo musical, cantava-se “siri botou,
gameleira no chão, siri botou, gameleira no chão”
327
, enaltecendo o significado que
“burro bravo amansasse na roda”, um tipo de conduta educacional que mostra a
fragilidade e os limites do outro jogador.
Assim sendo, o papel do personagem assumido por Canjiquinha no filme é do
mestre da capoeira na aldeia e que, por isso, tem a responsabilidade e a competência
de dosar a valentia de Firmino. Esse tipo de conduta representa o poder-saber do corpo
na prática discursiva do corpo em jogo-movimento, o qual se aprende na ação do jogo-
dança-luta. Não foi preciso Canjiquinha chamar atenção de Firmino; na própria luta ele
vai amassando lentamente a braveza de Firmino.
soteropolitanas. Participou também do filmes “O Pagador de Promessa”, Operação Tumulto”,
“Capitães de Areia”, Barra Vento”, “Senhor dos Navegantes” e A Moça Daquela Hora”, além de foto
novela com Silvio César e Leni Lyra. Fundou o conjunto Folclórico Aberrê, tendo sido Mestre de
Antônio Diabo, Paulo dos Anjos, Burro Inchado, Madame Geny, Victor Careca, Robertão e Brasília,
dentre outros nomes da Capoeira atual.” Informações retiradas do calendário da capoeira,
confeccionado pelo Programa Nacional de Capoeira Projeto Capoeira Arte e Oficio Centro de
Informação e Documentação sobre a capoeira
326
Movimentos realizados pelos capoeiristas no sentido anti-horário. Atribuem-se vários significados ao
movimento: momento em que os capoeiristas estão ligados, pensando nas possíveis formas de superar
os obstáculos encontrados na roda, serve para acalmar os jogadores e como colocar mestre Decanio,
“a situaçoes que se sucedem num contínuo circular... ...como a física moderna .... dá lugar ao princípio
da incerteza.” DECANIO FILHO, Ângelo. A herança de mestre Bimba: lógica e filosofia africanas da
capoeira. Salvador: Produção independente, 1996. p. 144.
327
Corrido cantando nas rodas de capoeira. Verso de domínio público.
175
(Aruã – Aldo Teixeira Firmino – Antonio Sampaio
328
)
A segunda cena na qual a capoeira é representada se desenrola a partir da
discussão entre Firmino e Aruã. Firmino delata Aruã por ter quebrado o pacto de
castidade ao se deitar com Cota, perdendo, portanto, a aura de Santo protegido. A luta
é dançada e coreografada, os golpes da capoeira são deferidos rapidamente ritmados
pelo som do berimbau com os toques de São Bento Grande e vários repiques.
A luta é dramatizada pelos os atores enunciando o vigor físico e a disputa da
prova dos noves”
329
. No final, Aruã é derrubado por Firmino que diz: “eu vou deixar
você vivo pra tomar o povo, é Aruã que vocês tem que seguir, o mestre não, o mestre é
um escravo ê ê ê” Aruã é relegado a simples mortal ao perder a aura de Santo
protegido e, por conseqüência, acaba sendo derrotado na luta também. O desfecho
está na mutação de um Aruã preso no misticismo para um homem livre e corajoso,
dono do seu destino.
(O duelo final entre Firmino e Aruã
330
)
328
Crédito da fotografia BERNARDET, Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema: ensaio sobre o
cinema brasileiro. São Paulo. Companhia das Letras, 2007,p.130
329
Termo utilizado para verificar a comprovação do fato, e/ou a veracidade do mesmo.
330
Crédito da fotografia CARVALHO, Maria do Socorro Silva. A nova onda baiana: cinema da Bahia
1958/1962. Salvador. EDUFBA, 2002, p 128.
176
Sobre a cena que flagra a disputa entre Firmino e Aruã, Antonio Pitanga
(Firmino) nos relatou que o “Aruã não era capoeirista, tivemos que enfeitar, ensaiar para
a cena, como eu tinha mais prática de capoeira, eu fui ensinando ele”
331
. A cena
representa o duelo final e, como não poderia ser diferente, a capoeira aparece como
uma prática social da aldeia dos pescadores que, no momento da luta, vai se utilizar
desses elementos corporais para decidir na força a sua honra ou até mesmo a sua
verdade.
No que se refere ao significado da capoeira nesta segunda situação, além das
suas características plásticas na dramatização dos corpos como sinônimo de destreza,
agilidade e sagacidade corporal, a capoeira opera como aporte da cultura, fazendo
parte das atividades cotidianas do vilarejo, porque a performance da luta entre Firmino
e Aruã é mediada pelos golpes da capoeira (chapa de costa, aú, bênção, meia lua,
armada e meia lua de costa).
Dessa maneira, a luta se potencializa como mecanismo integrante de formação
para o convívio social nem sempre harmonioso, mas também serve como elemento
estruturante nas relações políticas estabelecidas no filme. Repare que, nesta ultima
empreitada de Aruã com Firmino, ninguém se mete para apartar; os dois ficam sozinhos
até o final para ver quem tem ‘farinha no saco’
332
.
Esta cena do filme representa o momento de caos, pois as referências
depositadas em Aruã não existem mais; a derrota na luta confirma a perda dos poderes
denotados a Aruã. A luta com os golpes da capoeira ilumina o sentido do poder da luta
na constituição de uma certa sociedade, pois ele estabelece significados históricos e
culturais. Isso é notado, claramente nos países considerados orientais, onde as artes
marciais representam um capital cultural relevante na afirmação da sua “identidade”.
Aliás, essa é uma queixa constante dos mestres de Capoeira o quanto a
incorporação da prática nos espaços institucionais de educação bem como a presença
dos mesmos na conduta do trabalho.
A capoeira, no filme Barravento, é parte de um contexto cultural da colônia dos
pescadores que são considerados como incapazes e ignorantes, no olhar do cineasta,
331
SAMPAIO, Antonio Pitanga. Entrevista realizada no Centro de Convenções da Bahia, durante o
evento da Diáspora Africana, Salvador, BA, 14 de julho 2006.
332
Maneira de falar que considera como valor a competência de um determinado saber.
177
cuja perspectiva estava baseada na idéia do progresso e do desenvolvimento. No
entanto, ao assistirmos ao filme, várias vezes, percebemos as ricas relações societárias
de educação e cooperação.
O Mestre líder dos pescadores defendia um projeto de convívio social que se
baseava na organização comunitária, pois, mesmo explorado pelo dono da rede, ele
tinha um determinado “controle” sobre os pescadores e os membros da comunidade,
muito parecido com as formas de controles que os Mestres de capoeira exercem com
seus alunos. na perspectiva de Firmino, a emancipação dos membros da aldeia
estava na interrupção das condutas sociais. Percebe-se, no papel assumido por
Firmino, que os meios não justificam os fins, pois, ele vai utilizar os diversos
mecanismos de agenciamento para derrubar o líder e suas idéias.
2.11 A Grande Feira
O filme dirigido por Roberto Pires é uma produção baiana de 1961; sua história
do filme enfoca a mudança da antiga feira de Água de Meninos para a área da enseada
de São Joaquim, onde está localizada atualmente. O enredo envolve várias
personagens: Chico Diabo, um ladrão valentão que aterroriza a área e tenta incendiar o
local onde se armazenava a gasolina, mas é preso pela multidão e entregue à polícia;
Maria, uma prostituta que também gerencia todos os pequenos roubos da quadrilha de
Chico e assume o papel de heroína por ter salvo a feira da destruição; o marinheiro
178
Sueco interpreta o papel de galã (seduz Maria e a esposa de um importante advogado
da alta sociedade); e muitos outros.
(Fotografia do filme na qual aparece a Rampa do Mercado nas mediações do
Elevador Lacerda se dirigindo à enseada de Águas de Meninos
333
))
A trama se configura em inúmeras relações políticas e amorosas entre as
personagens, mas o filme expõe os trabalhadores da feira como incapazes de defender
seus interesses, pois não conseguiam agir de forma coletiva na tentativa do bem
comum que era a manutenção dos feirantes naquele local; o filme mostra a fragilidade
dos feirantes pela incapacidade de organizar-se politicamente. Aborda também a luta
dos trabalhadores feirantes pelo seu local de trabalho em virtude da pretensa
desapropriação do lugar pelos “tubarões”, representados pela empresa petrolífera Shell,
cujo capital estrangeiro quer esmagar os feirantes.
333
Crédito da fotografia CARVALHO, Maria do Socorro Silva. A nova onda baiana: cinema da Bahia
1958/1962. Salvador. EDUFBA, 2002, p 1.v
179
(O cordelista chamando atenção do povo para a remoção da
Feira de Água de Meninos para a ensaiada de São Joaquim)
Durante o filme, não imagens que retratem o ritual da roda de capoeira,
entretanto o papel de Valentão ostentado por Chico e por Maria, a mulher que exerce
poder e prestígio no território pela sua exímia capacidade no manuseio da navalha, fez
com que olhássemos esses personagens mais especificamente para sua ação criminal.
Na cena em que Chico Diabo rouba uma joalheira, ele é abordado por um policial
que, ao suspeitar do crime, interroga-o . Chico justifica sua presença na área dizendo
que fora visitar a sua irmã que estava grávida e convida o policial para ver, mas, no
caminho, o policial quer saber o que tem no saco. Então Chico, ao virar-se, desfere
uma navalhada no pescoço do guarda (toma lá seu ......), cortando a sua garganta.
Em relação ao uso da navalha pelos os capoeiristas, Liberac afirma que “Os
capoeiras ainda utilizavam armas variadas como facas, paus, pedras, revólveres e,
sendo a principal arma, a navalha”
334
. Mais adiante, Liberac, baseados nas informações
contidas nos manuscritos do mestre Noronha, comenta o seguinte: “A navalha era
referida com freqüência no universo dos capoeiras e pudemos encontrar diversos
processos por lesões corporais (artigo 303) registrando o uso dessa arma. É uma das
334
PIRES, Antônio Liberac Cardoso Simões. A capoeira na Bahia de Todos os Santos: um estudo
sobre a cultura e classes trabalhadoras (1890-1937). Tocantins: GRAFSET, 2004. p. 18.
180
características marcantes nas praticas cotidianas dos capoeiras e elemento indicador
da cultura da capoeiragem em todo o Brasil”
335
Talvez não fosse o propósito do diretor do filme associar a figura de Chico Diabo
à imagem de um capoeirista; no entanto, podemos relacioná-lo às práticas cotidianas
dos capoeiras conforme descreve Liberac no seu trabalho, tendo em vista o papel
assumido de valentão e “dono do pedaço”. De acordo com a personificação dele, no
filme, enquanto suposto capoeirista, podemos considerá-lo de forma implícita como
conhecedor das manhas no jogo da navalha, mas no final do filme, essa característica
aparece de maneira explícita, quando Chico, ao confrontar-se na luta com Sueco, aplica
uma rasteira, mostrando-se pelo menos conhecedor da capoeira.
O papel de desordeiro assumido por Chico Diabo confere a ele o poder na
territorialidade do espaço e nos agenciamentos instituídos com os outros membros
daquela comunidade, haja vista que Chico era considerado um “herói”, aquele que
poderia resolver o problema da feira e não tinha ninguém para o deter, pois ele sempre
estava envolvido em conflitos com os policiais, e aqueles que se metessem com ele
estavam com os dias contados. Tanto é que Chico, ao saber que foi denunciado para
os policiais por Zazar (dono do cabaré) resolve afogá-lo na maré, matando-o. No
entanto, no final do filme, Chico Diabo é linchado pelos próprios feirantes, perde o
prestígio e fica na condição de derrotado; suas ações são julgadas pelo povo que o
entrega à polícia.
335
Idem, p. 46
181
(Sueco dominando Maria quando ele toma dela a navalha
336
)
A outra cena em que aparece o uso da navalha é com Maria da Feira. É a
desforra que Sueco quer tirar em função da navalhada desferida por Maria, na feira,
logo no início do filme. Ricardo, o receptador das mercadorias roubadas por Chico,
sabendo que o gringo tinha tomado uma navalhada de Maria, entrega o serviço,
dizendo o local onde Maria trabalhava, o cabaré do Zazar.
Ao chegar no cabaré, Sueco chama Maria em tom bem alto para acertar as
contas. Maria não se intimida e desafia Sueco para ver se ele é macho mesmo E retira
a navalha debaixo do espartilho; Sueco, numa manobra ágil e rápida, tira seu chapéu
de marinheiro e consegue dominar Maria tomando a navalha da mão dela.
Em seguida, Sueco diz “você não morre porque é mulher boa, mas corta o
vestido de Maria de cima a baixo, ridicularizando-a na frente de todos. Sueco, ao
perceber que o público não parava de rir e debochar de Maria, pega a toalha da mesa,
cobre seu corpo e carrega-a para o seu quarto Daí, ocorre a mudança brusca da
situação: do conflito da briga para a relação de carinho e amor. É a dupla derrota de
Maria; a primeira, a perda do status de mulher valentona, linha de frente da quadrilha
de Chico Diabo e a segunda ser seduzida e conquistada por um forasteiro. No entanto,
336
BERNARDET, Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema: ensaio sobre o cinema brasileiro. São
Paulo. Companhia das Letras, 2007,p.129
182
mais adiante, Maria personifica a imagem de heroina que deu sua vida para salvar a
feira da destruição, pois, com sua coragem, ela pega a bomba colocada por Chico nos
tanques, tenta jogá-la no mar, mas acaba, morta pelo estopim da bomba.
Josilvaldo, 2005, ao enveredar no seu trabalho sobre as “Mulheres de
virada”: o feminismo no universo dos capoeiras’, mostra a bravura e valentia das
mulheres em disputar os espaços da rua em virtude das suas necessidades de realizar
suas atividades de sobrevivência econômica. Josilvaldo comenta que: “Sendo elas
capoeiras ou não, o que as fontes indicam é que essas mulheres disputavam seus
espaços sociais a golpes de navalha, cacetadas e pontapés contra quem lhes
representasse uma ameaça.”
337
.
Portanto, o papel assumido por Maria no filme é muito semelhante às
experiências históricas relatadas por Oliveira. O nosso desafio, aqui, foi de relacionar as
atitudes representadas por Chico Diabo e Maria com as práticas cotidianas da cultura
dos capoeiras na rua. É impressionante as similaridades entre os fatos ocorridos no
passado, no contexto cultural dos capoeiristas, e o drama encenado no filme que coloca
esses personagens como símbolos representantes do povo pobre que vive na
marginalidade em condições precárias.
(O momento em que Chico Diabo é preso pelos próprios feirantes
338
)
337
OLIVEIRA, Josilvado Pires de. No tempo dos valentes: o capoeiras na Cidade da Bahia. Salvador:
Quarteto, 2005. p. 75
338
Crédito da fotografia CARVALHO, Maria do Socorro Silva. A nova onda baiana: cinema da Bahia
1958/1962. Salvador. EDUFBA, 2002, p 134
183
O sentimento revelado no final do filme consiste na máxima de que “o crime não
compensa”, os ‘heróis”são destituídos, Chico acaba preso pela polícia e Maria, morta.
Os problemas da feira continuam os mesmos do início do filme, mas com a utópica
esperança do sindicato, prometendo lutar pela permanência dos trabalhadores na feira
de Água de Meninos, embora os “tubarões” continuem aterrorizando os trabalhadores.
Afinal de conta, o filme quer mostrar a fragilidade do povo em lidar com a exploração
exercida pela classe dominante.
2.12 O Pagador de Promessa
Baseado no texto teatral de Dias Gomes, o Pagador de Promessa
339
foi dirigido
por Anselmo Duarte, produzido pela “Vera Cruz”. No dia 23 de maio de 1962, o filme
recebia a Palma de Ouro no Festival de Cannes, a indicação ao Oscar de melhor filme
estrangeiro dada pela primeira vez a um filme brasileiro e mais cinco prêmios
internacionais. A sinopse do filme contém o seguinte teor:
339
A Ficha Técnica: Título Original: O Pagador de Promessas. Gênero: Drama. Tempo de Duração: 95
minutos. Ano de Lançamento (Brasil): 1962. Estúdio: Cinedistri / Produções Francisco de Castro
Distribuição: Lionex Films Inc. / Embrafilme. Direção: Anselmo Duarte. Roteiro: Anselmo Duarte,
baseado em peça teatral de Dias Gomes Produção: Francisco de Castro e Oswaldo Massaini, Música:
Gabriel Migliori Direção de Fotografia: H.E. Fowle Direção de Arte: José Teixeira de Araújo, Edição:
Carlos Coimbra. O Elenco formado por Leonardo Villar (Zé do Burro), Glória Menezes (Rosa), Dionísio
Azevedo (Padre Olavo), Norma Bengell (Marli), Geraldo Del Rey (Bonitão), Roberto Ferreira
(Dedé),Othom Bastos (Repórter), Maria Conceição (Tia), João Desordi (Detetive) Antono Pitanga
(Coca), Milton Gaúcho (guarda), Irenio Simões (secretário do jornal), Enock Torres (delegado de
polícia), Maria Conceição (Minha tia-Mãe de Santo), Walter da Silveira (bispo), Napoleão Lopes Filho
(bispo), Velvedo Diniz (sacristão), Cecília Rabelo (beata), Jurema Penna (beata), Alair Liguori (beata),
Mestre Gigante e Mestre Canjiquinha e sua Academia de Capoeira de Salvador da Bahia.
184
Esta é uma história que tem sua origem no sincretismo religioso, tão própria de
nossa gente. Zé do burro (Leornado Vilar), um caboclo simples, fez duas
promessas para salvar o seu burro de estimação, ferido por um raio. Uma
dessa promessa era para Santa Barbara (Iansã no ritual afro). Levaria uma
cruz até a sua igreja em Salvador. Foi o que fez. Todavia depois de peregrinar
por mais de 40 quilômetros, esbarrou na intransigência do padre Olavo
(Dionísio Azevedo), que não permitiam que ele cumprisse o que haveria
prometido a Santa Barbara (ou Iansã). Começa, então, a série de
acontecimentos que movimenta a história. Seus integrantes: agitação popular,
cafajeste, jornalistas inescrupulosos, políticos corruptos, aproveitadores
340
.
A partir do enredo do filme, podemos considerá-lo um drama, no qual aparecem
expostas as viscosidades secretas do sincretismo religioso, no sentido de retratar o
semblante da alma do povo brasileiro. A intolerância religiosa é representada pelo
catolicismo, pois o padre não aceitava a promessa de um trabalhador rural que
prometeu a Santa Barbara e/ou Iansã
341
levar uma cruz nas costas até a igreja em
Salvador devido à cura do seu burro. O filme enfoca o confronto vivido por do Burro
ao enfrentar o peso do arbítrio e do poder da Igreja.
O filme quer destacar a ingenuidade do povo e, ao mesmo tempo, a devoção aos
cultos religiosos afro-brasileiros. De um lado, o poder autoritário constituído pela igreja
católica e pela polícia, do outro, o peregrino (um suposto Messias) que tenta, através da
sua determinação, pagar a promessa, tendo a compaixão do povo. A cidade se volta
para o fato e os seus vários segmentos participam da trama.
Os jornalistas defendem a bandeira da liberdade de expressão, o político pensa
na chance de conseguir votos; a mãe de santo aparece como defensora e
representante do candomblé, a polícia os como criminosos e arruaceiros; o
cordelista quer imortalizar sua história com a venda do cordel; o dono do bar espalha
gentileza em virtude do aumento da freguesia. Enfim, cada segmento começa a usufruir
e associar o personagem Zé do Burro a determinado símbolo (representante da reforma
agrária, comunista, revolucionário, o novo Messias e o impostor), servindo de
instrumento de projeção dos pequenos grupos sociais. A mistificação de do Burro
em mártir é construída ao longo de todo o filme.
340
O Pagador de Promessa . ISTO É Cinema Brasileiro. Cinearte Produções Cinematográfica Ltda.
Serviço de gravação no executado no laboratório Videolar Multimidia, Ltda, VHS, São Paulo. SP.
341
“Orixá feminino dito Oiá nos candomblés ortodoxos nagôs; é uma das três mulheres do orixá Xangô e
a encarnação das tempestades, raios e ventos. Dicionário Houass.
185
(A chega de Zé do Burro a escadaria da Igreja após a viagem)
A maior parte do filme passa na área atualmente conhecida como Centro
Histórico da Cidade do Salvador, mais especificamente na escadaria da Igreja do
Santíssimo Sacramento que, em virtude do filme, ficou conhecida como igreja e
escadaria de Santa Barbara.
Na ficha técnica referências ao Mestre Canjiquinha e seus capoeiristas, mas
teve também a participação de Francisco de Assis
342
, o Mestre Gigante ou Bigodinho,
que, ao entrevistá-lo, nos falou da presença dos capoeiristas que estavam no filme,
destacando os seguintes: “Canjiquinha, Caiçara, Vadinho, Miranda, Arnor, um bocado
de Angoleiros Vadinho era do sapateado”
343
, me atreveria dizer também Burro Inchado.
A primeira cena em que a capoeira aparece quando o ator que faz papel de
capoeirista (Antônio Pitanga) Mestre coca-capoeira ao ler o jornal, diz: “novo Cristo,
prega a revolução, Santo ou Demônio, leva sete légua carregando uma cruz pela
342
É conhecido na roda de capoeira Angola como Bigodinho, na Roda de capoeira Regional como
Gigante e pelos menos mais antigos como Pequenininho. Iniciou-se na capoeira no jardim suspenso na
Barra, com Mestre Cobrinha Verde e depois foi aluno do mestre Pastinha. “Mudou de partido” quando
foi a academia do mestre Bimba . parceiro de menino Gordo (muitas vezes confundido com ele por ser
muito parecido) começou a ensinar no seminário Central, passando depois para sua Academia
“Capoeira São Gonçalo”, com sede à rua Rodrigues Ferreira 226, na Federação. Freqüentador assíduo
das rodas no lar das Pombas (aos domingos) e na Barra, no Jardim Baiano, Mestre Bigodinho tem no
rol de sua criação o toque de berimbau chamado “Cinco Salomão” , que como ele diz para “jogo
miudinho, embaixo, jogo miudinho no chão, embaixo”. Além de Ter participado do filme “os
Cangaceiros” e ser um exímio contador de “causo”. Mestre Gigante, como um bom e apaixonado
seresteiro, não rejeita um bom violão para cantar e relembrar aventuras do passado.” Informações
retiradas do calendário da capoeira, confeccionado pelo Programa Nacional de Capoeira Projeto
Capoeira Arte e Oficio – Centro de Informação e Documentação sobre a capoeira.
343
ASSIS, Francisco de. Mestre Gigante. Entrevista realizada na sua residência Av. Cardeal da Silva
enfrente a Universidade Católica do Salvador na Federação, Salvador, BA, 31 de agosto de 2005.
186
reforma agrária”, e aproveita a oportunidade para chamar a turma, “pessoal vem cá,
vamos ajudar um camarada na escadaria de Santa Barbara”. Canjiquinha logo
pergunta, “e a capoeira?”. A resposta é imediata, “logo mais, lá mesmo.” Aqui já
denuncia um certo envolvimento dos capoeiras com os assuntos políticos, fato muito
recorrente em tempos passados
344
.
Ao saber que a cidade está envolvida com um novo episódio, logo de cara, o
ator-capoeirista toma partido pelo camarada, no caso do Burro, que representa a
resistência contra a intolerância, e, portanto, num ato de solidariedade, os capoeiristas
saem em defesa do novo Santo. Outro aspecto interessante que flagramos através das
imagens foi o local onde eles estavam jogando, no cais do porto, ou seja, o local no
qual a cultura dos capoeiras se desenvolvia dentro do espaço urbano.
(Zé do Burro tentando entrar na Igreja com a Cruz e ao lado o Mestre
Coca-capoeira com os seus capoeiristas)
Na cena seguinte, já na escadaria da igreja, a roda é montada com quatro
berimbaus e dois pandeiros. Canjiquinha aparece jogando com o mestre coca-capoeira
(Antônio Pitanga), um jogo rápido, bonito e dinâmico, cuja plasticidade dos movimentos
forma a paisagem dos corpos fluentes em jogo, com rasteira e cabeçada entrando.
344
Ver os trabalhos de
OLIVEIRA, Josilvado Pires de. No tempo dos valentes: o capoeiras na Cidade
da Bahia. Salvador: Quarteto, 2005 e PIRES, Antônio Liberac Cardoso Simões. A capoeira na Bahia
de Todos os Santos: um estudo sobre a cultura e classes trabalhadoras (1890-19370. Tocantins:
GRAFSET, 2004.
187
A cena do jogo revela um estado meio mágico entre os jogadores; eles estão
totalmente integrados ao ritmo da música. Com o desenrolar do jogo, Canjiquinha
derruba Antônio Pitanga com um chute lateral (martelo) que pegou de cheio na sua
cabeça; no entanto, o lado festivo e lúdico prevalece até o momento. Antonio Pitanga
em relação à cena nos falou que “você joga capoeira pra valer, não tem brincadeira, a
verdadeira capoeira quando você vai jogar não tem armação [...][...] você tem os
contragolpes, você tem a saída. Então quando no final, por exemplo, ele um martelo
e pega em mim mesmo”
345
. A saga do Mestre Canjinquinha está no domínio do
repertório dramático do jogo, e isso não evita a aplicação de um golpe mais incisivo.
A estética do jogo reflete as idéias do próprio Canjiquinha que afirma, “não existe
capoeira regional e nem angola. Existe capoeira [...] Agora, a capoeira é de acordo
com o toque, se vo está numa festa: se toca bolero você dança bolero: se tocar
samba vo dança samba: tocando maneiro você dança maneiro: tocando apresado
você apressa.”
346
. A defesa da tese de que a capoeira é uma só, na hibridaçao entre os
dois estilos de capoeira, vai oportunizar a Canjiquinha, na década de 60, enveredar por
outro caminho que não se na forte disputa da oposição entre a Capoeira Angola -
Mestre Pastinha e a Capoeira Regional - Mestre Bimba. Ao investir nesta idéia, ele cria
uma certa independência no desenvolvimento do seu trabalho, gozando de prestígio e
fama.
(O momento do samba de roda em que Vadinho dá um shows de sapateado)
345
SAMPAIO, Antonio Pitanga. Entrevista realizada no Centro de Convenções da Bahia, durante o
evento da Diáspora Africana, Salvador, BA, 14 de julho 2006.
346
CANJIQUINHA. Washington Bruno da. Silva. Alegria da capoeira. Salvador: A Rasteira, 1989. p.21.
188
Na continuidade da cena, as performances dos corpos aparecem com o
sambista de quem mestre Gigante falou, “Vadinho era o sapateado”, pois bem a
elegância de Vadinho no estilo da dança faz do seu corpo-dançante um malabares
inusitado. Desafiando a lei da gravidade com gestos fascinantes, ele espetaculariza a
dança envolvendo a similaridade dos passos da capoeira com o frevo, traduzindo, na
estética da dança, o suposto nascimento da dança do frevo pelo viés da Capoeira
347
.
Em seguida, a baiana de acarajé, uma senhora que tem samba no pé, está no
centro da roda remexendo o seu quadril e, com seu olhar matreiro, finge olhar para um
lado e aplica uma rasteira no seu parceiro. A cena parece tão “real”, que a queda do
rapaz é com o rosto no chão. É impressionante a performance dos corpos de Vadinho e
da Baiana; eles conseguem chamar atenção na cena pela agilidade, destreza e
flexibilidade, pois o corpo acaba sendo o palco da criação, da fala e do pensamento O
corpo cria situações expressivas quando dança, gesticula, imita e representa, gerando
fatos e conhecimentos. Ele fala traduzindo toda uma história de vida através de sons e
do próprio gesto, comunicando seus desejos e suas emoções. O corpo pensa
348
porque
ele sabe dizer, através da energia, coisas estranhas ao seu próprio domínio.
347
Waldemar de Oliveira levanta a hipótese da origem do frevo, a partir dos passos dos frevos. “As
raízes do frevo e do passo são muito superficiais. Um botânico diria: fasciculadas. o são as do
maracatu, que mergulham na escravidão. Nem como as dos caboclinhos, que vêm dos tempos dos
colonizadores, sabe-se lá. Nem negro, nem índio, nem banco luso, espanhol ou holandês. Se se
tivesse de despistar a filiação genealógica, avós e país apareciam bem mestiços. Mulatos. Foi a
capoeira do Recife, o ancestral do passo. E o frevo, êsse surgiu de uma mistura heterogênea, cujos
ingredientes têm menos interesse do que a criação coletiva que deles nasceu. Talvez fosse até
melhor tomar por empréstimos ao vocabulário “combinação” em vez de ‘mistura” . porque o frevo
constitui, na verdade, um terceiro corpo, nada parecido com os que lhe deram vida. OLIVEIRA,
Waldermar. Frevo, capoeira e passo. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1985. p.12
348
Jacques Gauthier ao sistematizar a perspectiva teórica-metodológica da sociopoética, aposta na
hipótese de que “O corpo pensa. Mas como sabem Afro-brasileiros, Índios e Orientais, é somente na
comunidade que ele pensa realmente, em interação com as energias da natureza e com os outros.
Assim, ele nunca é separado do espírito. a) A emoção pensa. Quando dizemos isso, apontamos
para o lado global da emoção, que prende a gente como no riso e no bocejo. Ela unifica e integra o
mundo presente. Melhor: ela cria uma intensidade chamada de “aqui e agora”, ao atrair lembranças e
projetos que não atingiam o limiar da consciência. Assim, se a emoção é o lado mais primitivo do
pensamento, como um embrião, ela é, também, a energia (o poço de água viva, com suas várias
camadas, da água preta e adormecida que se encontra na profundidade até as ondas diáfanas da
superfície), a raiz vital de todo pensamento. Assim, a idéia mais abstrata, o conceito mais
distanciado, a teoria mais crítica, sempre existem sob dois aspectos: uma emoção, no lado físico,
corporal, do nosso modo de estar no mundo, e uma imagem dinâmica no lado mental. Pode-se
pensar que os nossos pensamentos são históricos, coletivos, ao pertencerem a indivíduos maiores
(classes) ou menores (desejos) que o indivíduo biológico. A água-emoção fluidifica o pensamento
como forma. GAUTHIER, Jacques. Sociopoética: encontro entre arte, ciência e democracia na
189
Outros elementos significativos e que produzem significados relevantes no filme
é a musicalidade da capoeira através da sonoridade dos toques dos instrumentos e das
canções. Na continuidade da cena acima descrita, aparecem Canjiquinha, Antônio
Pitanga e todo o grupo de capoeira cantando a seguinte música, “quebra Gereba,
quebra, se não quebra tudo hoje, quebra, amanhã nada quebra”
349
.
O casamento da cena com a música é fantástico, pois o padre se encontra na
torre da igreja, perto dos sinos, angustiado com a festança do povo na escadaria. A
música cantada podemos associar à vontade do povo de querer quebrar com a
intolerância do poder instituído; através dela, os personagens reivindicam que se abra a
porta da igreja para que do Burro cumpra sua promessa naquele momento, porque
“amanhã nada quebra”, e isso, no universo da capoeira, se compreende no aqui e
agora de um jogo mais viril no qual os jogadores mostram toda sua sagacidade, o
instante ímpar de tomar decisões.
Em seguida, só com os toques dos berimbaus e dos pandeiros, o padre entra em
desespero e começa a bater o sino com um pedaço de vergalhão, pois não agüentava
mais o barulho estridente da batucada, cuja sonoridade já tinha ocupado todos os locais
da igreja, pressionado-o, para que seja aceita a vontade de do Burro. Aqui estão
evidenciadas outras formas políticas de reivindicar os seus interesses, diferentes das
formas praticadas pelas organizações civis que geralmente tem uma proposta
sistematizada e organizada; são outros dispositivos utilizados pelos personagens que
consistem na força da espontaneidade e no afloramento da criatividade.
pesquisa em ciências humanas e sociais enfermagem e educação. Rio de Janeiro: Escola Ana Nery,
1999. p. 13.
349
Música cantada nas rodas de capoeira de domínio público
.
190
(Zé do Burro com sua Cruz e povo ao redor batucando)
O momento decisivo no desfecho do filme e da capoeira é quando a polícia
chega abordando Zé do Burro, pedindo seu documento, e ele é igual a muitos retirantes
brasileiros que, ao chegar nos grandes centros urbanos, quase sempre, não portam
nenhum tipo de documento (carteira de identidade). Aliás, a sua identificação estava em
outros fatores que os representantes do poder não reconheciam ou não queriam
aceitar.
191
(Zé do Burro justificando os motivos da promessa)
O delegado, insuflado pelo agente, “convida-o” para a delegacia. do Burro,
cansado de tentar convencer o padre e o delegado da sua promessa diz, “só me levam
daqui morto, juro por Santa Barbara”. Neste momento de tensão, o representante da
capoeira, Antônio Pitanga sai em defesa de Zé, falando “aqui vocês não vão prender
ninguém”.
O suspense dessa cena envolve de um lado do Burro com os capoeiristas e,
do outro, a força policial, todos em posição de guarda para o confronto. está de
costas para o padre e porta uma faca, mas perde sua arma ao receber na mão um tapa
deferido pelo padre. Está formado o tumulto; a pancadaria é geral; muita bênção
350
, vôo
de morcego
351
, martelo
352
e outros golpes. A briga acaba depois dos tiros recebidos
por Zé. A respeito dessa cena, Mestre Gigante relatou o seguinte:
350
Golpe da capoeira que Mestre Santana descreve da seguinte maneira; “Para este golpe, traga a
perna direita que se encontra atrás e leve-a á frente com o joelho na altura do peito do adversário.
Neste golpe a planta do é que causará o impacto no peito do adversário”. SANTANA, Mestre.
Iniciação à capoeira. São Paulo: Groud, 1985. p. 51
351
Outro golpe da capoeira que de acordo com a descrição de Larmatine consistem em: “Neste
movimento, o lutador pula em cima do adversário com os braços e pernas encolhidas. Em pleno ar, e
havendo distancia suficiente, o capoeira empurra violentamente braços e pernas em direção do
192
Teve um briga lá, policia que não era polícia, mas era pra fazer uma cena
amiga, não como se fosse briga de largo, na hora H, pau quebrou comigo no
berimbau, eu ia ficar lá, ele falou, minha gente não é assim não, eu quero
uma cena amiga, teve gente que foi parar no pronto-socorro, teve ambulância,
que na hora que eles se desentenderam e par, briga na escada, briga em
escada, não pode ....... teve gente que caiu, coitado!. Anselmo Duarte, minha
gente, corta, corta, corta, que dizer para, parou, parou todo mundo, não é
assim não minha gente, eu o vim aqui para você matar um ou outros não,
era para ser uma cena normal, no inicio, logo teve muitos machucados
353
.
Neste depoimento, fica evidente a incorporação das personagens na cena,
principalmente os atores-capoeira, com o objetivo de mostrar uma certa autenticidade
ao fato. Isso demonstra o envolvimento deles na produção das imagens, o seu
entusiasmo e a sua vitalidade em representar um arquétipo, cujo significo se traduz em
estar “na linha de frente”. Imaginemos o grau de exigibilidade deles, mesmo na
performance da cena, até chegar ao ponto de ter pessoas machucadas.
Assim sendo, os capoeiristas, nesta cena, assumem o papel de defensores do
pobre oprimido, aquele que, a despeito de tudo está “na linha de frente” para combater
e enfrentar as injustiças sociais. Eles mostram sua valentia de não ter medo e de estar
pronto para o pior, afinal de contas, são eles que fazem a insurreição contra o poder
punitivo e repressivo da força policial.
seu oponente. Os pés procuram atingi-lo nas pernas e, as mãos, derrubá-lo. COSTA, Lamartine
Pereira da. Capoeira sem mestre. Rio de Janeiro. Ediouro. Ano. p. 68.
352
Outro golpe de capoeira que Nestor Capoeira descreve assim: “Golpe rápido e explosivo. O martelo
é dado com o peito do pé. Repare os movimentos de braços que ajudam a dar mais explosão ao
golpe. O vai e volta rápido, violento e controlado”. CAPOEIRA, Nestor. O pequeno manual do
jogador de capoeira. Rio de Janeiro: GROUND, 1988. p. 70
353
ASSIS, Francisco de. Mestre Gigante. Entrevista realizada na sua residência Av. Cardeal da Silva
enfrente a Universidade Católica do Salvador na Federação, Salvador, BA, 31 de agosto de 2005.
193
(Zé do Burro estirado no chão após o conflito entre os policiais e os capoeiristas)
Após a tentativa do padre em querer encomendar o corpo, os policiais batem em
retirada, os capoeiristas colocam o corpo de do Burro em cima da cruz e, ao som
melancólico dos berimbaus, adentram a igreja. Embora houvesse a morte de do
Burro, os capoeiristas saem vitoriosos, pois são os responsáveis pela expulsão dos
polícias e cumprem a promessa ao levar a cruz para dentro da igreja.
2. 13 Tenda dos Milagres
194
O filme produzido em 1976 é baseado na obra de Jorge Amado. Em linhas
gerais, o filme apresenta os conflitos referentes às questões étnica-raciais e a
discriminação dos valores culturais do povo baiano, no caso o candomblé, em relação
ao modelo idealizado pela elite baiana dos bons modos civilizados europeus na Bahia
do início do século passado. O filme retrata a obra do personagem Pedro Arcanjo
considerado o Oju obá (“sou olhos de xangô, para tudo ver e para tudo contar”), o bedel
da faculdade que luta intensamente para valorizar e afirmar os valores culturais de
origem africana. Ao mesmo tempo, o filme enaltece os ícones populares dos cultos
religiosos africanos com a participação de grandes ialorixás e babalorixás.
Os resultados da pesquisa que são publicados em um livro vão de encontro as
teses defendidas pela cátedra da faculdade, em especial, a do professor Dr. Nilo
Argolo, que defendia a supremacia da raça branca como superior. Com isso, vai ocorrer
todo um conflito entre o povo tributário das manifestações populares, tendo como
representante Pedro Arcanjo; e os intelectuais da faculdade e das instituições de poder
com o uso da força como forma de repressão a essas manifestações.
(Pedro Arcanjo ao lado do seu filho que no
filme assume o papel de Tadeu canhoto)
A constituição do filme se em dupla temporalidade; o momento vivido pelo
ator Hugo Carvana, cuja personagem representa o papel de poeta e funcionário de um
grande jornal quee resolve fazer um filme sobre a vida de Pedro Arcanjo em virtude da
pesquisa desenvolvida por ele, tendo em vista a chegada de um renomado professor
pesquisador americano que veio à Bahia para conhecer a terra onde viveu Pedro
195
Arcanjo, fato que mobiliza toda a impressa bem como os intelectuais que procuram
investigar a vida do Oju obá. O outro momento do filme se refere ao tempo histórico
vivido por Pedro Arcanjo no inicio do século passado, no qual ocorriam as perseguições
das instituições do estado às tradições culturais dos negros baianos.
No filme, identificamos três momentos em que a capoeira deixa a sua marca
registrada, além da referencia feita a Pedro Arcanjo como capoeirista, no resumo do
mesmo: Um mulato capoeirista, tocador de violão e pai de crianças de mães variadas,
contesta idéias racistas de acadêmicos. Depois da morte, ele e mitificado pela
sociedade de consumo”.
(Imagem revela os capoeiristas jogando na festa do Senhor do Bonfim
354
)
A fotografia aparece na primeira parte do filme, no momento da apresentação
dos personagens e ilustra a presença dos capoeiristas em uma festa de largo na cidade
do Salvador, quando todos de branco enunciam a galantia do capoeirista. O uso desse
traje mais alinhado mostra a vontade, por parte dos capoeiristas, de querer dar uma
outra conotação à capoeira diferente daquela em que o capoeirista era visto como
vagabundo, sujo e maltrapilho. Andar “na beca”, às vezes de cartola e bengala
contribuía para afirmar as novas práticas discursivas para a capoeira enquanto arte e
cultura nobre.
354
Fotografia de Welson Americano da Costa. Cidade do Salvador: tema do meu coração. Salvador:
Tipografia Beneditina, 1953. p 179
196
Embora a maioria dos grupos ou centros de capoeira, na atualidade, assumam a
cor branca como a cor “oficial” da capoeira, até o início das primeiras cadas do
século passado, o traje branco era usado nas datas comemorativas da cidade, e essa
utilização refletia o imaginário social que buscava consolidar o pensamento liberal do
início do século XX ao pregar a assepsia social, cuja concepção subjacente afirmava
uma política de higienização do corpo limpo e saudável.
Isso fica bem em evidência nas imagens do filme “memória em película: a vinda
de Getúlio Vargas à Bahia”, no qual a participação da população nos eventos da cidade
trajando roupas brancas é uma marca significante nas imagens do filme. Contudo,
existe também uma simbologia marcante nas vestimentas da cor branca dos
participantes dos cultos religiosos afro-brasileiros; a cor branca como sinônimo de paz
e de purificação.
A elegância dos capoeiristas na fotografia mostra uma habilidade gestual de
jogar que permitia ao capoeirista vadiar sem se sujar. O mestre João Pequeno fala que
antigamente pra jogar capoeira, você sujava as palmas das mãos, as plantas dos
pés e a ponta da gravata”
355
. A galantia dos capoeiristas estava na arte de vadear com
as calças engomadas, paletó e chapéu na cabeça, sem se sujar e sem deixar o chapéu
cair da cabeça. Uma dimensão estética do vestir e do jogar que se constitui não
exclusivamente no momento da roda, mas pelos mais diversos lugares da festa por
onde esses capoeiristas passavam com suas brincadeiras, com seu “três jeitos” de
sentar, de cortejar a dama e de dançar.
O diretor, sempre fiel à obra de Jorge Amado, valoriza esse simples detalhe
como uma atitude importante nas relações sócio-cultural do povo, porque ali se
encontravam os diversos saberes, mas os aristocratas acadêmicos não reconheciam
essas manifestações como arte e nem como cultura.
355
SANTOS, João Pereira. Mestre João Pequeno. Entrevista realizada na sua academia no largo de
Santo Antonio Além do Carmo, Salvador, BA, no dia 12 de junho de 1989.
197
(Mestre Pastinha
356
)
O segundo momento ilumina a figura ilustre do Mestre Pastinha que aparece de
relance, de maneira tímida no momento do filme em que Pendo Arcanjo sai em busca
de dados para sua pesquisa e coleta depoimentos das pessoas simples. Na hora da
cena, o tom da narrativa é dado pelo historiador Cid Teixeira que, ao ser entrevistado
por Pedro Arcanjo, comenta as formas sutis de discriminação do negro:
o processo de criação e improvisação dos versos são sempre pejorativos em
relação ao negro, os versos você sabe como é, a tum bá, a tum gerê negro
nagô vai tumba do bangue, a tum, ba, ba a tum gere, negro nagô tem catinga
de gambá, sempre a preocupação pejorativa um dia, no dia que houver a
consciência da mulatizaçao da cidade, as pessoas vão aceitar melhor essas
coisas
357
Não nessa passagem, mas também em outras partes do filme, a idéia da
miscigenação é remetida como elemento preponderante para enfrentar as práticas
discursivas racistas. Essa questão vai repercutir em boa parte da obra de Jorge Amado
que versa sobre a defesa de uma “cultura brasileira”, no caso uma “cultura baiana”
miscigenada, formada no espírito da brasilidade sob a égide da Nova República.
Se, por um lado, existia o enfrentamento referente às concepções racistas e
eugenistas, por outro, a mulatizaçao ou o discurso da “democracia racial” não vai dar
356
Fotografia do arquivo da fundação Gregório de Matos
357
Trecho da fala de Cid Teixeira
198
conta de complexidade étnico-racial frente ao racismo, muitas vezes servindo de
amenizador dos conflitos sociais que separam “negros e “brancos”.
No decorrer do filme, vai tomando força a narrativa sobre as perseguições
policiais aos terreiros de candomblé, a interrupção dos cultos religiosos, o assassinato
ao pai de santo, a destruição dos terreiros com queimadas das palhoças. Neste
momento, o personagem chefe da policia, Pedrito, assume o papel de proibir qualquer
tipo de expressão da cultura afro-brasileira. Ele, em uma das suas falas diz; “Quem
quiser bater candomblé que para áfrica, a Bahia é terra de branco”. O lendário
Pedrito vai sempre lembrado na memória dos finados mestres Eziquiel e Canjiquinha
como o perseguidor da capoeira.
No filme, o Pedrito, ao ser entrevistado pelos jornalistas, comenta o seguinte:
o negro já tem tendência para o crime, já estar provado pelos melhores
autores. Vocês entrevistaram o professor Nilo Argolo e o professor Fonte,
duas glorias da ciência brasileira? Pois bem, conforme eu ia dizendo a ciência
moderna comprova que candomblé, roda de samba e capoeira são escola
de criminalidade. Aqui está um exemplo: este homem hoje um policial
exemplar ante de me conhecer era marginal de Ogum. Depois que
abandonou o candomblé ganhou outro nome que diz tudo de alma Grande.
Enfim quem proclama esta guerra contra essas práticas anti-sociais não eu,
mas a ciência
358
. (grifo meu)
Pedro Azevedo Gordilho ficou conhecido no imaginário popular baiano como um
dos mais temidos e violentos “chefe da polícia” a perseguir o candomblé. Lohning no
seu trabalho “Acabe com este santo, Pedrito vem ai”, procura desmistificar o mito
Pedrito a partir da repressão policial da época. Pedrito, de certa forma, cuidou da
ordem da cidade, iniciando campanhas contra o baixo meretrício, acabando com os
valentões e desordeiros, porém, na verdade, empregou métodos muito violentos.
359
Pedrito assume o papel de perseguido; ele é porta voz de um pensamento
demasiadamente evolucionista em moda na Europa e que vai tomar força no filme na
figura dos professores Nilo Argolo e Pontes. O “chefe de policia” é referendado pelas
teorias cientificas da época.
358
Trecho da fala do personagem Pedrito
359
LOHNING, Ângela.“Acabe com este santo, Pedrito vem ai...” Mito e realidade da perseguição policial
ao candomblé baiano 1920 e 1940. Revista da USP, São Paulo, p. 199, dez.-fev. 1995/1996.
199
O desfecho da participação de Pedrito no filme acontece com uma
desmoralização. Ao invadir o candomblé, o seu escudeiro, de Alma Grande, quando
entra no terreiro para prender o pai de santo e todos os presentes, incorpora o orixá
Ogum, fazendo dele, o guerreiro, lutador que, ao invés de defender o delegado, coloca
para correr toda a comitiva.
No seu epílogo, o filme evidencia a interminável luta do Mestre Arcanjo contra as
relações de racismo. Ele é “derrotado” da história, mas que não foi vencido, pois o Oju
Oba, depois de ser expulso da faculdade e preso, passa por dificuldades financeiras,
mas não abandona suas convicções políticas; contínua participando dos movimentos
populares. No final do filme, a figura do Mestre Achanjo é martirizada após a sua morte
no “castelo” das mulheres da vida.
2.14 Jubiabá
200
O filme Jubiabá
360
é uma adaptação da obra de Jorge Amado, editado em 1985,
Jubiabá traz à tona a trajetória de vida de Antonio Balduino (Charles Baiano), menino
negro que vivia em bairro pobre. Após a morte da sua mãe, sua tia entregou-o a uma
família rica que ficou na incumbência da sua criação.
Ë “Adorado” pelo patrão até o dia em que este fica sabendo da paixão de Baldo
pela sua filha Lindinalva. Espaçando e humilhado, foge e se torna líder dos pivetes da
cidade, com o passar do tempo, é descoberto por um agenciador, Luide, em virtude da
sua força explosiva nos braços transformando-se em lutador.
Após sua decadência nos ringues, viaja para trabalhar na zona rural onde se
envolve em confusões devido às injustiças sociais. Retornando para a cidade, volta a
trabalhar no circo representando a figura do negro primitivo. Por fim, Baldo se envolve
com os trabalhadores da estiva engajados nos movimentos políticos e luta pelos os
direitos da classe trabalhadora.
Sodré atribui aos traços do personagem de Jorge Amado a personificação do
Mestre Bimba; o lado Balduino, representa o negro inferiorizado, sempre sensível às
duras realidades, seja ela das crianças nas ruas, dos trabalhadores, e o lado Jubiabá,
aquele que conhece os saberes do candomblé, pertencente ao universo místico da
religiosidade baiana. No filme esses traços são marcas simbólicas que constituem a
formação educacional do personagem Balduino, o menino pobre que cresceu em
contato com a roda de samba, de capoeira do candomblé e, por outro lado, marcado
pelo poder da intolerância étnico-racial.
Em linhas gerais, a narrativa do filme apresenta a intolerância racial, os conflitos
sociais gerado por uma sociedade discriminatória que coloca o negro em condição de
360
Roteiro e direção: Nelson Pereira dos Santos. Diretor assistente: Ney Sant’ Anna. Direção de
produção: Tininho Fonseca, Roberto Petti, Chico Drumond, Walter Schi1ke, José Oliosi. Assistentes de
direção: Luelane Loyola Correa, Tide Guimarães. Fotografia: José Medeiros. Diretor de arte: Juarez
Paraíso. Cenografia: Marco Antônio Borges e Ana Nery de Oliveira. Montagem: Yvon Lemiere, Yves
Charoy, Catherine Gabrieli dis, Sylvie Lhermenier, Alain Fresnot. Criação e produção musical: Gilberto Gil
e Serginho. Elenco: Grande Otelo, Antônio José Santana, Luís Santos de Santana, Charles Baiano,
Tatiana Issa, Fran çoise Goussard, Romeu Evaristo, Betty Faria, Raymond Pellegrin, Zezé Motta, Henri
Raillard, Julien Guiomar, Ruth de Souza, Jofre Soares, Al exandre Marzo, Mário Gusmão, Lívia Ma-
chado, Carlos Alberto Santana, Manfredo Bahia, Wilson Man-fredo Bahia, Wilson Mello, Elaine Ruas, Ed
ney Santana, Yuma-ra Rodrigues, Eliana Pittman, Oscar da Penha, Leonel Nunes, Jurema Penna, Márcia
Sant’Anna.
201
inferioridade. O amor platônico entre Baldo e Lindinalva marca o drama vivido por
ambos no filme, a impossibilidade da união entre um negro pobre e uma branca rica.
A capoeira aparece claramente representada na roda de rua formada pelos
meninos que utilizam o espaço da rua para trabalhar e brincar ao mesmo tempo; é a
infância roubada daqueles que, no filme, são considerados “pivetes”, “vagabundos” e
outros, aliás, tema marcante em outros livros de Jorge Amado, como Capelães de
Areia. O contexto da cena mostra os meninos subindo a ladeira, brincando de briga
(confusão), um perturbando o outro, em seguida, forma-se uma roda de capoeira para o
público presente.
A representação da roda evidência os meninos demonstrando suas habilidades e
usando movimentos mais soltos como macaco, bananeira e mortal. Durante o
andamento da roda, Baldo e seu companheiro saem para pedir dinheiro que é repartido
por todos. Logo em seguida, aparece novamente, no mesmo local, a mesma
configuração da roda.
O filme mostra justamente a saga de Baldo, o menino negro e pobre que
aprende a lidar com as injustiças étnicas e sociais. Na rua aprender a se organizar em
pequenos bandos, a usar o seu corpo como instrumento de trabalho, a correr e se
esconder da polícia, a bater e apanhar; enfim, aprende a conviver com as mais diversas
situações de enfrentamento, exigindo dele todo um repertório de habilidades motoras e
intelectuais.
Outra cena que vale a pena registrar é a confusão de Baldo com o Soldado
Osório do décimo nono batalhão, em virtude do envolvimento de Baldo com sua
pretendente que freqüentava o terreiro de candomblé e as trezenas de Santo Antônio.
Após a missa, na saída da igreja, o praça se aproxima chamando atenção da
pretendente noiva. Antes do policial atacar, Baldo defere uma bênção, em seguida o
guarda se levanta do chão pega uma faca e diz “eu te capo, negro”. Baldo, com uma
armada (giratório), derruba novamente o policial e a luta é finalizada com um soco de
Baldo no guarda e com a chegada da policia. Neste momento, Luide esconde Baldo
para não se pego pela polícia, marcando um encontro no bar “Lanterna dos Afagados”
Por causa desse episodio, Baldo é convidado para participar de uma luta no
ringue, transformando-se em pugilista. Logo na primeira luta, Baldo é desclassificado
202
em virtude de utilizar golpe da capoeira, a bênção (chute frontal na Capoeira Regional),
no seu adversário. Depois do acordo firmado entre os representantes dos lutadores,
Baldo perde a luta, mas é dada uma nova oportunidade. Na revanche, Baldo sai
vitorioso e começa sua carreira de sucesso dentro dos ringues.
(Baldoino no canto do ringue após a bênção aplicada)
A visibilidade das glórias de Baldo nos ringues lembra, e muito, as experiências
do Mestre Bimba enquanto lutador que desafiava os seus adversários. Balbo é
aclamado por todos, consegue prestígio e respeito. A decadência de Baldo se dá,
quando sabe, através dos jornais, que a sua eterna amada Lindinalva estava de
casamento marcado; Baldo se entrega à farra e a bebedeira. Para o blico, a derrota
de Baldo na sua última luta é fruto de um acordo firmado entre ele e o empresário do
seu adversário, e ele acaba sendo ovacionado pela platéia de “negro sujo”, aquele que
não honrou a sua cor e a sua cultura.
Além do uso dos golpes de capoeira por Baldo (Charles Baiano), ele personifica
a idéia marcante no âmbito simbólico da capoeira de lutar a favor dos injustiçados e dos
desprotegidos, imaginário construído ao longo da história para identificar o contexto
social do povo negro.
O filme termina com as cenas se alternando, Balduiino discursando no sindicato
e no candomblé do pai Jubiabá, o seu grande conselheiro desde menino. Um Balduino
dono si, consciente das relações políticas, trabalhistas e étnico-raciais; no sindicado, a
favor da greve, conseguindo a aprovação de todos na plenária; no candomblé
decepcionado, acreditando que através da organização e da união do povo ocorrerá
a transformação da sociedade. Por fim, Grande Otelo, Pai Jubiabá em reposta, fala: Os
203
ricos secaram os olhos da bondade, mas eles podem, a hora que quiser, podem secar
os olhos da ruindade”.
2. 15 A Capoeira vai ao Cinema
Os corpos-capoeira pertencentes à movimentação da cultura popular baiana
deixam seus traços nas imagens dos filmes que registram suas experiências, na sua
dupla existência, como corpos de sentidos que percebem, interagem e ressoam uns
sobre os outros, mas também como produtores de história.
Os filmes Vadiação (1954) e Dança de Guerra (1968) asseguram o
reconhecimento pela arte de fazer dos corpos-capoeira, como diz Michel de Certeau
(1994), intensificando as singularidades de uma experiência cada vez mais atômica e
plural. As simbologias construídas historicamente, que procuram configurar a roda-ritual
numa redoma de vidro intocável, são freqüentemente, (re)significadas nas imagens dos
filmes; roda de capoeira com vários berimbaus, jogadores sem camisas, de pés
descalços e muitos outras possibilidades, que quebram com a idéia de códigos
ritualísticos bem definidos.
Singularidades foram as potências encontradas nas imagens dos filmes sobre o
jogo-dança-luta dos Bambas, com seus corpos expressando o desejo,
independentemente daquilo que os símbolos representam, ou seja, considerando a
complexidade da rede onde esses seres estão inseridos. Daí a emergência, nos
próprios corpos, das “artes de fazer”, das enunciações que criam o aqui e agora, a
cultura, os devires, o sentido e o significado que dão à sua arte.
O desejo ignora as fronteiras entre as formas de fazer a roda-ritual calcada na
reivindicação da tradição e a roda-encenação, no evento da modernidade. Ele possui
um alto poder de traçar linhas de fuga complexas, impossíveis de serem classificadas.
Nestas fugas, os corpos-capoeira praticam cuidadosamente uma sabedoria dos entre-
lugares
361
, naquilo que os capoeiristas chamam de “pulo do gato”, no salto de e de
361
O termo entre-lugar colocado neste contexto tem a ver com o percurso entre as duplas possibilidades
204
cá, da fronteira que o inclui e diferencia as formas e os modelos de praticar a capoeira;
neste constante jogo consensual e conflituoso, perde-se e ganha-se, contém-se e
expulsa-se.
A zona fronteiriça percorre os vários significados na tradução cultural, cujas
temporalidades são contracenadas no presente-passado ao mesmo tempo, que,
conforme Bhabha. “Essa arte não apenas retoma o passado como causa social ou
precedente estético; ela renova o passado refigurando-o como um “entre-lugar” .O
passado-presente torna-se parte da necessidade e não da nostalgia de viver”
362
.
No que se refere aos filmes que tiveram repercussão entre o grande público
nacional e internacional, a capoeira é marcada pelas experiências do Mestre
Canjiquinha com seus capoeiristas. Eles ocupam o cenário da filmografia brasileira nos
dois grandes filmes, o Pagador de Promessa e Barravento, o que lhes proporciona
prestigio e reconhecimento.
Se, no início dos anos 50, as figuras emblemáticas do Mestre Bimba e Pastinha
circulavam como duas grandes referências no universo simbólico da capoeira,
Canjiquinha vai escrever também a sua história, enveredando por outro caminho com
um discurso bem diferente daquele enunciado pelos os Mestres Bimba e Pastinha.
Além de investir na junção entre os estilos de capoeira como comentamos
anteriormente ao analisarmos o filme Pagador de Promessa, ele consegue uma certa
independência na sua proposta de trabalho.
Elogiado pelos mais novos e criticado pelos mais velhos, Canjiquinha escreve
seu discurso na História da Capoeira com outras cores, toques, sons e gestos, cuja
que a tradição têm, de contenção reivindicando o passado e a constante atualização das práticas
culturas na modernidade, e segundo a explicação de Bhabha. “A representação da diferença não
deve ser lida apressadamente, como reflexo de traços culturais ou étnicos preestabelecido, inscrito
na lapide fixa da tradição. A articulação social da diferença, da perspectiva da minoria, é uma
negociação complexa, em andamento, que procura conferir autoridade aos hibridismos culturais que
emergem em momentos de transformação histórica. O “direito” de se expressar a partir da periferia
do poder e do privilégio autorizados não depende da persistência da tradição; ele é alimentado pelo
poder da tradição de se reinscrever através das condições de contingência e contraditoriedade que
presidem sobre as vidas dos que estão “na minoria”. O reconhecimento que a tradição outorga é uma
forma parcial de identificação. Esse processo afasta qualquer acesso imediato e uma identidade
original ou a uma tradição ‘recebida’. Os embates de fronteira acerca da diferença cultural têm tanta
possibilidade de serem consensuais quanto conflituosas; podem confundir nossas definições de
tradição e modernidade. BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG. 1998,
p.20-21.
362
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG. 1998, p.27
205
denotação quebra com autenticidades puras, fixas e rígidas, e faz da prática da
capoeira um jeito diferente, sem que haja uma norma prévia que estabeleça o certo ou
errado, o novo ou velho; assim, o Mestre obtém o seu quinhão no todo da capoeira:
“Hoje tenho três casas, agradeço à capoeira e aos filmes que trabalhei”
363
.
As relações políticas e os desejos heterogêneos entre os Mestres não cessam a
emergência de novos conhecimentos e de produzir novos conflitos, novas contradições,
novos paradoxos, daí a emersão de novas margens no próprio núcleo cultural da
capoeira.
Durante as análises de cada filme, aparece uma nova significação, pois, numa
perspectiva que privilegia a abordagem intercultural, o diferente não é apenas diferente
pelo conteúdo da sua fala ou da sua visão, mas também pela sua posição, pelo seu
espaço-tempo de pensar e falar, pela forma e pelo processo próprio que ele percorre no
seu fazer-saber.
Embora não tenha vingado a idéia de uma capoeira cujos elementos
performáticos sejam os acima descritos pelo Mestre Canjiquinha, ela é constantemente
atualizada no presente com um novo “design” capoeira contemporânea, cujo discurso
revitaliza a idéia colocada pelo Mestre Canjiquinha: “capoeira é uma só”
363
Idem, p. 18
206
Capítulo 3
3 A ARTE-CAPOEIRA E AS POSSÍVEIS LEITURAS DO CORPO-CAPOEIRA NAS
IMAGENS DO “CAPETA CARYBÉ”
(Alexandrina e sua cidade, óleo, tela 110 x 80 cm. 1944
364
)
O desafio neste capitulo consiste em compreender como a arte-capoeira é
retratada na arte plástica de Carybé, analisando a gestualidade do corpo bem como a
metamorfose que o corpo sofre na ação contínua do jogo/dança/luta. Fizemos um
esforço de analisar os discursos que consideram a capoeira como um fenômeno
artístico. Para tanto, utilizamos as gravuras de Carybé, no intuito de compreender as
memórias gestuais do corpo-capoeira que revelam o saber corporal “arquivado no
corpo
365
, uma memória que expressa as micro-políticas de desejo dos afro-
364
. FURRER, Bruno (Org.). CARYBÉ : Salvador: Fundação Emílio Odebrecht, 1999. p.117
365
Vigarello desenvolve a idéia do corpo enquanto arquivo e ao mesmo tempo chama atenção ao
cuidado que devemos ter, pois “o corpo revela e esconde, ele exprime e age e, quando exprime, não
significa, forçosamente, que ele age” (2000. p. 230) Denise Bernuzzi Sant’Anna. Projeto História,
Revista do programa de Estudos de Pós-Graduação em História e do Departamento de
História da PUC/SP, São Paulo, n.21, p. 225-236, 2000.
207
descendentes que encontraram outros dispositivos para colocar seus saberes, seus
sonhos, suas artes e seus desejos em virtude da opressão sofrida.
Analisar o gesto capturado nos desenhos de Carybé traduz o esforço de
considerar a gestualidade como uma “narrativa dramática”, aquilo que Gumbrecht
considerou como “experiência estética” (a contemplação da beleza atlética como
veremos adiante). A possibilidade de compreender os gestos, com seu efeito de
congelamento da ação, torna o pathos associados a esses movimentos dramáticos
ainda mais visível e memorável. São como significantes materiais que aparecem estar
permeados por significados específicos, e assim se transformam e cuja materialidade
extrapola a função de meramente carregar um significado
366
Outra pista que temos, dada por George Vigarello faz uma distinção importante
entre “a análise técnica do gesto, que não é a mesma coisa que análise expressiva do
gesto, o que permite dizer que não uma única ciência do corpo e aqueles que
estudam se situam sempre em diversos terrenos
367
”. Entre os múltiplos enfoques, no
que tange às abordagens para se estudar a gestualidade do corpo, optamos por
compreender as metamorfoses do corpo a partir da expressão gestual. Para tanto,
utilizamos a linguagem plástica da arte de Carybé, que deve ser compreendida
enquanto texto que tem um significado
368
de referência imagética, e não como uma
simples ilustração do texto.
O que nos motivou a utilizar os desenhos de Carybé foi a força que essas
imagens têm no âmbito cultural da capoeira, aumentando o campo de visibilidade da
capoeira baiana, pois estas quase sempre presentes nas paredes das academias, nas
camisetas dos eventos de capoeira, nos diversos livros, tornando-se uma espécie de
símbolo que ajuda a representar a capoeira através da imagem.
366
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Elogio da beleza atlética: São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.
62.
367
VIGARELLO, George. O corpo inscrito na história: Imagens de umarquivo vivo”. Entrevista concedida
a Denise Bernuzzi Sant’Anna em Projeto História, Revista do programa de Estudos de Pós-
Graduação em História e do Departamento de História da PUC/SP, São Paulo: n. 21, p. 225-236,
nov. 2000.
368
Milton Almeida, no prefácio do livro de SOARES, Carmem Lucia. Imagens da Educação no corpo,
comenta que:. “os significados das imagens são também os significados de como elas se mostram.
E as imagens tornam-se signos. Então se ler uma imagem. Uma imagem é um texto.” SOARES,
Carmem Lúcia. Imagens da Educação no Corpo: estudo a partir da ginástica Francesa no século
XIX. Campinas. SP, Autores Associados, 2002
208
Neste sentido, cada imagem não é uma fonte nova e original, como se fosse uma
grande descoberta de um documento até então nunca visto; pelo contrário, o que nos
levou para ela foi a sua potência de comunicar e representar algo do passado, mas que
toma força no contemporâneo, nas alegorias criadas pelas mais variadas organizações
de capoeira nos mais variados territórios e tempos.
Por intermédio dos desenhos, das pinturas e das ilustrações, identificamos uma
vasta produção artística de Carybé produzida no período a que se refere este estudo,
entre 1955 à 1990, no qual Carybé simbolizava o cenário cultural baiano. Além da
leitura do texto colocamos à disposição do leitor a oportunidade de contemplar não
as imagens analisadas, mas boa parte dos trabalhos que traduzem a temática da
capoeira no conjunto da obra de Carybé e que estar dispersa em todo o texto: Capoeira
(Tempera de ovo) Salvador 1951; Capoeira (estudos em crayon); Painel “As três raças”
para o Banco Português (óleo s. cimento) São Paulo 1958; Urucungo (Óleo s. tela 21x
27 cm) 1964; Vadiação (óleo s. tela) 1965 e muitos outros.
Nesta época, Carybé produzia intensamente outras narrativas imagéticas do
cotidiano popular baiano. Neste encaminhamento, a capoeira conquistava outros
campos de visibilidade que não se restringia às experiências dos centros de formação
de capoeiristas, como vimos no primeiro capitulo, mas como no cinema, a arte plástica,
foi mais um instrumento importante para ampliar os campos de visibilidade da capoeira
baiana, no Brasil e no mundo.
209
(Urucungo – óleo s. tela 21 x 27 cm. 1964
369
)
A constituição da imagem visual pelo artista implica inúmeras situações: desejo,
tendência histórica, sensibilidade, descoberta do novo e outros. Maria Lúcia Kem
discorre densamente sobre a imagem manual ao longo de cada período da história, as
formas, as concepções de pensamento do que estava subjacente na pintura, desde a
antigüidade, passando pela interpretação filosófica sobre a imagem e considerando o
pensamento metafísico de Platão, as noções colocadas por Aristóteles achegar aos
séculos XIX e XX, que nos interessam especificamente.
Para ela, os artistas procuraram criar novos mecanismos de produzir a pintura,
pois “deixou de ser concebida como mera imitação da realidade para se tornar a
realidade concebida ou a realidade criada. A meta não era a narrativa de um fato
histórico ou literário, mas a constituição de um fato pictórico, isto é, a criação da pintura
pura. Os pintores baniram de suas obras a representação de todo tipo de ilusionismo,
em prol da busca da verdade
370
.
369
Urucungo é nome dado ao berimbau no idioma Yourubá. FURRER,Bruno (Org.) CARYBÉ.Salvador:
Fundação Emílio Odebrecht, 1999. p.255
370
KEM, Maria Lúcia Bastos Imagem manual: pintura e conhecimento. FABRIS, Annaterea; KEM, Maria
Lúcia Bastos (Org.). Imagem e conhecimento. São Paulo: EDUSP, 2008. p. 27.
210
Na modernidade, os artistas intensificam a pesquisa como instrumento
importante na sua reflexão e na fundamentação de suas práticas pictóricas. Assim, os
artistas travam o diálogo com os mestres do passado e questionam os mecanismos
utilizados pela pintura, produzindo o texto como suporte à sua criação artística. No caso
de Carybé, ele publicou o livro intitulado “As Setes portas da Bahia”, no qual, além das
gravuras utilizadas neste capitulo, ele discorre a respeito da capoeira, realçando vários
aspectos imprescindíveis à sua criação e chega a afirmar “que chegou na Bahia no bojo
de pau dos veleiros do século XVI, com os primeiros capoeiristas, negros de Angola,
guerreiros talvez, jogadores dessa luta singular em que se usam os pés e a
cabeça
371
.
É importante considerar que as imagens são confeccionadas pelas mãos dos
artistas. Elas traduzem o domínio óculo motor e cnico dos materiais empregados,
mas, sobretudo, o seu arcabouço cultural, a sua imaginação e a sua visão de mundo.
Para Klem: Na modernidade, a liberdade individual permitiu que a mão dos artista
agisse livremente como parte do seu corpo, que se movimentasse e se encarnasse na
obra, pois a sua imagem enquanto sujeito criador também se plasma na imagem
pictórica”
372
.
O processo criativo da pintura traduz tanto os traços da realidade como a sua
própria obscuridade. Sendo assim, a imagem refletida através dos desenhos de Carybé
se constitui como um conhecimento que agrega o inteligível e o sensível da realidade
dos corpos-capoeira em movimento, como também a sua sombra, aquilo que não
conseguimos capturar completamente. Aliás, ao contemplarmos e analisarmos essas
imagens, percebemos o constante movimentar-se desses corpos na roda de capoeira,
a dialética do corpo no jogo de capoeira que possibilita o visível e o invisível, o claro e o
escuro, o denso e o fino, o alto e o baixo.
No caso da obra de arte de Carybé Silva comenta que “um elemento principal na
pintura de Carybé é o movimento, o ritmo, a surpresa, que ele quer que conviva com
uma exigência do seu espírito: a do nada deixado por fazer, a do nada ambíguo, pouco
371
CARYBÉ. As setes portas da Bahia: textos e desenhos de Carybé. Rio de Janeiro: Record, 1976. p.
41.
372
KEM, Maria Lúcia Bastos. Imagem manual: pintura e conhecimento. FABRIS, Annaterea; KEM, Maria
Lúcia Bastos (Org.). Imagem e conhecimento. São Paulo: EDUSP, 2008. p. 28
211
reconhecível, da definição e do pormenor, como a unir a serenidade da obra clássica à
multiplicidade de sugestões e o descompromisso do esboço”
373
.
Para os historiadores da arte que enfrentam a árdua tarefa de compreender as
imagens e as representações delas na tentativa de achar respostas para as questões
colocadas, sempre fica um sentimento para o qual essas respostas não são definitivas
e sim, provisórias e que podem suscitar outras compressões. Neste sentido, temos aqui
uma tentativa de assinalar as possíveis interpretações, entre as incalculáveis
possibilidades existentes, para se compreender a obra de arte de Carybé.
Hector Julio Pareide Berna (1911-1997) mais conhecido como Carybé
374
,
artista plástico, em cuja obra retratou os símbolos da cultura baiana. Para os biógrafos,
Carybé não se enquadrava em nenhuma tendência pré–estabelecida. Carybé estava
aberto a todas as idéias e inovações. No entanto, resistia aos modismos, ao sucesso
fácil e a aderir qualquer corrente estrangeira, insistindo na busca da própria
identidade”
375
.
Gostava de retratar o povo na rua, personagens desconhecidas e conhecidas,
flagrando o corpo inteiro do povo pobre de bens materiais de consumo, mas ricos em
capital cultural. “Carybé não gosta de um quadro de uma figura só. Quando aparece
373
SILVA, José Cláudio da. Artes de Caybé. FURRER, Bruno (Org.). CARYBÉ. Salvador: Fundação
Emílio Odebrecht, 1999. p. 144
374
Nasceu na Argentina, mas ainda bebê foi para a Itália. Antes de vir para a Bahia, morou na cidade do
Rio de Janeiro. Enfeitiçou-se pela cidade de Salvador, onde morou no largo de Santana, no bairro do
Rio Vermelho. Memorial - 1911- Nasce em 07 de fevereiro em Lúnus, na província de Buenos Aires;
1919 Após um período na Itália, sua família muda-se para o Rio de Janeiro;1927/29 Cursa a
Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro; 1929/39 Volta para a Argentina e trabalha em
diversos jornais, sendo que o último deles, “Prégon”, o envia para Salvador; 1940 Ilustra o livro
Macunaíma, de Mário de Andrade; 1943- Primeira exposição individual na Galeria Nordiska; 1949 – É
chamado por Carlos Lacerda para trabalhar na Tribuna da Imprensa; 1950 – Através de uma carta de
recomendação emitida por Rubem Braga, Carybé é contratado para fazer murais em Salvador.
Muda-se para a Bahia; 1951 Primeira Bienal Internacional de São Paulo; 1952 - Exposição
individual no MAM/BA. Faz o desenho, figuração e ainda é diretor artístico do filme O Cangaceiro, de
Lima Barreto; 1956 Participa da 28ª Bienal de Veneza; 1957 naturaliza-se brasileiro; 1959 Faz
painéis para o Aeroporto Kennedy em Nova York; 1963 Recebe o título de cidadão da cidade de
Salvador; 1966 Lança os livros Olha o Boi e Bahia, boa terra Bahia, este último com Jorge Amado;
1970 Participa da exposição 12 artistas contemporâneos brasileiros, na Universidade de Liverpool;
1971- Exposição individual no MAM/RJ; 1973 Sala especial na 12ª Bienal Internacional de São
Paulo; 1981 Publica, após 30 anos de pesquisas, a Iconografia dos Deuses Africanos no
Candomblé da Bahia, pela Editora Raízes; 1989 Exposição individual no MASP; 1996 É
homenageado com o curta-metragem Capeta Carybé, baseado no livro homônimo de Jorge Amado;
1997 – Morre no dia 2 de outubro, em Salvador.
375
BESOUCHET, Lídia. Artes de Caybé. FURRER Bruno (Org.). CARYBÉ. Salvador: Fundação Emílio
Odebrecht, 1999. p. 33
212
num desenho ou pintura, é tirada da multidão, subtendida esta, mesmo quando o
cenário vazio”
376
.
(Vadiação Doing Nothing, óleo e tela 60x85 cm. 1965
377
)
Carybé valorizava o popular enquanto potência humana; a vida comum das
pessoas nas ruas, nos botecos e nas feiras. Pessoas e lugares compõem um cenário
nada permanente, pois são paisagens que proporcionam contextos culturais ricos em
relações políticas reveladora de suas tramas sociais; no entanto não faz da sua arte um
panfleto político que Besouchete ao se referir as controvérsias intimas em relação as
questões políticas, comenta: “viver sem negar a questão social da pobreza, mas
escapar definitivamente aos partidarismos políticos que dividem ainda mais os homens,
em vez de agrupá-los”
378
.
376
SILVA, José Cláudio da. Artes de Caybé. FURRER Bruno (Org.). CARYBÉ. Salvador: Fundação
Emílio Odebrecht, 1999. p. 150.
377
Vadiação corresponde ao nome dado a brincadeira de capoeira. FURRER, Bruno (Org.). CARYBÉ.
Salvador: Fundação Emílio Odebrecht, 1999. p. 367.
378
BESOUCHET, dia. Artes de Caybé. FURRER, Bruno (Org.). CARYBÉ. Salvador: Fundação Emílio
Odebrecht, 1999. p. 41.
213
No âmbito da capoeira, freqüentou as diversas rodas dos diversos centros de
capoeira e pintou o cenário onde ocorriam as famosas rodas do barracão do Mestre
Waldermar, no bairro da Liberdade, na Avenida Peixe, no Corta-braço.
(Terreiro de Waldermar, guache, 64 x 94 cm. 1964
379
)
Através da imagem, percebe-se o difícil acesso ao terreiro de Waldemar; no
entanto isso não inibiu a presença de vários intelectuais, turistas e o público em geral
ao local. O centro cultural de arte pintado por Carybé tinha as próprias feições da sua
arte e que, ao nosso ver, inspirou-o profundamente, enquanto artista como veremos
adiante.
Observe que Carybé explora a arquitetura local do barracão sem perder de vista
o foco da roda. O barracão não era um simples palco de rodas de capoeira, mas, como
Abreu ressalta. “pelo poder de realização demonstrando ao constituir e liderar um
centro e arte e entretenimento, capaz de movimentar provisoriamente a vida local, com
uma atividade apreciada pela comunidade e que, embora fosse situada num bairro
periférico, projetou sua importância para além dos seus limites geográficos
380
O artista Carybé circulava pela cidade e através da sua arte, evidenciava o
contexto geo-político do local, revelando a experiência da cultura enquanto paixão
humana. As cenas das telas se aliam aos corpos-culturais do povo baiano, de homens
379
FURRER, Bruno (Org.). CARYBÉ. Salvador: Fundação Emílio Odebrecht, 1999. p.259
380
ABREU, Frede. O barracão do Mestre Waldemar. Salvador: Zrabata, 2003. p. 40
214
e mulheres de lugares comuns. Ao contemplar a arte de Carybé pode se acrescenta a
idéia de que ”a arte pode criar lugares de vertigem. Vertigens sutis, mas também
aquelas do transtorno, da perturbação, da perfuração dos estados da alma
381
.
Ele passava para a tela o testemunho de uma cultura rica em detalhes, como
observamos anteriormente, e da qual ele fez questão de se aproximar, inicialmente
como observador, curioso que contempla os movimentos da capoeira e nas danças dos
orixás para em seguida revelar nos desenhos as simbologias corporais.
Conheceu um leque de capoeiristas renomados, tais como: Manoel dos Reis
Machado, Vicente Ferreira Pastinha, Valdemar da Liberdade, Trairá, Gato, Cobra Coral,
Samuel Querino de Deus e muitos outros. Freqüentou também o Centro Esportivo de
Capoeira Angola e chegou a se matricular no Centro de Cultura Física Regional Baiana.
(Carybé tocando pandeiro na academia do Mestre Pastinha
382
)
O capeta Carybé, assim chamado no filme, conhecia os molejos e as artimanhas
do corpo na capoeira, compreendia as metáforas utilizadas pelos antigos mestres e
sabia dos incontornáveis mistérios que perpassavam pela capoeira. Tocador de
381
TESSLER, Elida. Claviculário: palavras-chave e outros segredos. FONSECA, Tânia Mara Galli,
ENGELMAN, Selda (Org.) Corpo, Arte e Clinica. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. p.162.
382
FURRER, Bruno (Org). CARYBÉ. Salvador: Fundação Emílio Odebrecht, 1999. p 169.
215
pandeiro e de berimbau, mergulhou na arte de fazer a cultura baiana singular.
Reconhecia as diferenças entre os centros de capoeira e percebia as diferenças
estéticas entre os estilos de capoeira Angola e Regional. As imagens analisadas
adiante ilumina a gestualidade da prática da Capoeira Angola que Abreu afirma “Carybé
comentou para a gente que os desenhos representavam os movimentos da Capoeira
Angola”.
(Carybé sentado ao lado de Mãe Senhora no terreiro Axé Opô Ofonjá)
Silva chama atenção para um aspecto importante, Carybé detestava, no
candomblé quem precisasse de explicações. Nos quadros, em lugar dessas
explicações, é como se as tirasse, transformando a cena em enigma, para que o
espectador receba o fato plástico livre da interferência da lógica
383
. Evidencia do
aprendizado com as Ialorixás e os Mestres de Capoeira como fonte inspiradora da sua
arte.
A imagem aparece como enigma que é a própria sombra dependente da luz, a
possibilidade de descobrir aquilo que não se sabe, que é diferente daquilo que se
esconde; constitui-se a força de comunicar sem as palavras. Portanto é aquilo que não
se explica, mas que está posto, presente de maneira intensa nas falas dos baluartes da
capoeira ao se reportar a capoeira, como falava o Mestre Caiçara: “capoeira é
383
SILVA, José Cláudio da. Artes de Caybé. FURRER, Bruno (Org.). CARYBÉ. Salvador: Fundação
Emílio Odebrecht, 1999. p.
216
capoeira”, ou então em uma das memoráveis passagens do Mestre pastinha.
Capoeira é mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu principio não tem método
e seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista”.
O “Capeta Carybé”
384
nos candomblés, na capoeira do corte-braço, exatinhas,
as figuras desenhadas ou pintadas por Carybé: o cego Mouzinho, que tocava com o
violão nas costas, o capoeirista Onça preta, o carroceiro Príncipe Negro, inúmeras filas-
de-santo, baianas de tabuleiros”
385
No Candomblé, participou das atividades do terreiro
Axé Opô Ofonjá e “recebeu o título de Obá de Xan
386
; foi filho de mãe Senhora
(Maria Bibiana do Espírito Santo) e as yaòs
387
ajoelham-se aos seus pés e lhe pedem a
bênção”
388
.
Angelo Decânio falou: “Carybe é um gênio, um traço dele vale mais do que mil
palavras da gente. Você o movimento no traço que ele dá, então aquilo é uma obra
genial”. A sutileza de Carybé em potencializar o traço na expressividade do movimento
favorece outros elementos inimagináveis para quem contempla a sua obra.
Dessa maneira, podemos considerar a obra artística de Carybé como memória
imortal do axé da Bahia, mas Rubem Braga investe a ordem: Carybé não se inspirou
na Bahia, parece que a Bahia que se inspirou em Carybé. De repente, a gente um
negro de camiseta branca ou uma baiana de saia rodada ou um sobradinho de telhado
escuro “imitando” os desenhos de Carybé
389
. Ele é o artista que pinta a cultura baiana,
do mesmo modo que o baiano, ao se ver projetado na tela, se “pinta”. Assim, ocorre a
troca, a interação entre artista e povo, a permuta, o consentimento e a própria
384
“Filme do cineasta baiano Agnaldo “Siri”Azevedo, é uma homenagem a Hector Julio Pareide Bernabô
ou simplesmente Carybé. Este filme, inspirado no texto homônimo de Jorge Amado, mostra a
grande integração da vida e da obra de Carybé com a cidade de Salvador Os atores Harildo Dada,
narrando Jorge Amado, e Nelson Dantas, narrando Carybé, dialogam durante o filme, memorizando o
encontro de Carybé com a Bahia, quando ele veio à “procura de Lindinalva”, personagem de Jorge
Amado no romance Jubiabá. Aqui este artista fez de tudo: telas, esculturas, ilustrações para livros,
sempre com motivos essencialmente baianos. Capeta Carybé. IRDEB Instituto de Radio e difusão
do Estado da Bahia, duração 22 minutos, Salvador, Bahia.
385
SILVA, José Cláudio da. Artes de Caybé. FURRER, Bruno (Org.). CARYBÉ. Salvador: Fundação
Emílio Odebrecht, 1999. p. 149.
386
Orixás –“Deus do fogo e do trovão. Diz a tradição que foi rei de Oyà, cidade da Nigéria. Elemento
fogo, símbolo – machado duplo (axé), colar – branco e vermelho”. (1995, p. 25
387
Filho de Santo, segundo grau na hierarquia, pode ou não “receber” santo
388
Trecho retirado do vídeo documentário o Capeta Carybé.
389
SILVA APUD BRAGA. SILVA, José Cláudio da. Artes de Caybé. FURRER, Bruno (Org.). CARYBÉ.
Salvador: Fundação Emílio Odebrecht, 1999. p. 149.
217
sobrevivência e o reconhecimento da sua arte pelo povo, desabrochando em mil
surpresas todos os instantes.
A íntima ligação com a cultura baiana está refletida nos seus trabalhos, através
dos quais ele exerce a função de contar e registrar o cotidiano do povo simples da
cidade do Salvador, iluminando os símbolos culturais da terra, seduzindo o olhar do
observador das fabulosas narrativas. “A pintura de Carybé, se não é engajada no
sentido restrito, é do povo que se ocupa, é este que conta, não como miseráveis mas
como donos tanto do espaço nos quadro como do chão onde pisam
390
(Capoeira vinil 55x40 1981 e Roda de Capoeira vinil 55x 40cm 1981
391
)
Ele é um artista complexo que apresenta uma perspectiva híbrida entre a cultura
do cotidiano popular da cidade e os símbolos universais. O seu trabalho privilegia o
gráfico utilizando as linhas, as formas, os volumes e o espaço, como possibilidades de
produzir incríveis narrativas dos corpos enredados na materialização da produção
cultural.
390
SILVA, José Cláudio da. Artes de Caybé. FURRER, Bruno (Org.). CARYBÉ. Salvador: Fundação
Emílio Odebrecht, 1999. p. 156.
391
FURRER, Bruno (Org.). CARYBÉ. Salvador: Fundação Emílio Odebrecht, 1999. p. 378.
218
A espacialidade dos seus desenhos projeta a imagem do recobrimento, a
coexistência, o jogo de claro e escuro, denso e fluido, o engendramento das curvaturas
do corpo e as mudanças contínuas de planos corporais. A imagem de espaços sem
ponto fixo evidencia o prolongamento dos corpos em movimento contínuo com novas
formas e favorece a iluminação constante de novas massas e matérias. Conexão entre
os ricos, sem começo e fim, ganha corpo no “bolo”, no emaranhado, na dúvida, na
incerteza, no enigma, insistindo na produção imagética do deslizamento das imagens
que reflete uma nova geografia de paisagens-passagem.
Peixoto (1993) comenta que as passagens são o caminho do futuro das
imagens
392
. Elas servem para introduzir espaços e tempos diferentes e com múltiplas
possibilidades. Para ele, a paisagem contemporânea é um vasto lugar de
passagem
393
. Então, reforçando a idéia do cruzamento de várias linguagens visuais
artísticas com a arquitetura da cidade, é que se constituirá a paisagem da imagem
contemporânea.
Como colocamos anteriormente, a sedução pelos desenhos de Carybé está na
força do aqui e agora; por isso milhares, de corpos-capoeira não cessam de reproduzir,
reinventar e transformar essas imagens. Essa vitalidade, os capoeiras representam ao
reutilizar essas gravuras dando novas formas e novos significados na
contemporaneidade e favorecendo o trânsito que nem é passado e nem é presente,
mas entre uma coisa e outra, constituem novos territórios de produção e contemplação
dessas imagens.
392
PEIXOTO, Nelson Brissac. Passagem da imagem: pintura, fotografia, cinema, arquitetura. PARENTE,
André (Org.). Imagem máquina: a era das tecnologia do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. p. 237.
393
Idem.
219
(Painel para o salão de embarque do Aeroporto Internacional 2 de Julho.
Salvador, óleo s. tela. 2,8 x 5m 1944)
394
As “paisagens–passagem” o caminhos que contracenam no contemporâneo,
traços do passado intensificado no presente, e os desenhos de Carybé funcionam como
dispositivo no qual estão guardadas as formas do corpo-capoeira produzir a sua arte de
dobrar-se e desdobrar-se, de inversão corporal e de circularidade dos movimentos
corporais.
A tradição filosófica da “fenomenologia da percepção” do filosofo francês
Merleau-Ponty faz várias alusões às atividades dos pintores, chegando a afirmar que
“meu ponto de vista: uma filosofia como uma obra de arte; um objeto que pode suscitar
mais pensamentos que os que neles estão contidos”
395
, Para o filósofo francês, não
existe um distanciamento entre aquilo que se olha e o mundo que é visto. A visão capta
a imagem das paisagens e das coisas e, ao mesmo tempo, o mundo não se apresenta
para visão de forma inerte.Podemos considerar o “toque do olhar” como a relação
intensiva entre o olho que toca nos desenhos e os desenhos que nos olham
anunciando diversos campos de significações.
394
FURRER, Bruno (Org.). CARYBÉ. Salvador: Fundação Emílio Odebrecht, 1999. p. 399.
395
MERLEAU-PONTY apud CARMO. Merleau-Ponty: uma introdução. São Paulo. EDUC, 2002. p. 53
220
Além disso, o que os olhos conseguem ver não se limita apenas às coisas
presentes na superfície dos desenhos, pois existem coisas não vistas ou amesmo
não visíveis. Da intensificação do visível/invisível que resultam ser dois aspectos de
uma mesma realidade. O invisível vai desde o que está escondido mas que pode ser
visto, a a sombra, a profundidade, a luminosidade ofuscante, e os reflexos
396
. O
visível aqui é uma profundidade, um campo denso de interação entre o visível tangível
e o invisível vidente.
O apalpar do olhar é uma qualidade produtora de significação do entrelaçamento
das coisas no mundo, saltando de uma relação, na qual não o sujeito participa da
ação transformando o “objeto”, para aquela em que o sujeito, ao agir, ver e contemplar
o “objeto” transforma-se a si mesmo. A sensação de quem observar a imagem dos
desenhos de Carybé é que, ao mesmo tempo em que para ela se olha, ela também
toca no olhar do observador, fortalecendo uma relação de reciprocidade entre os corpos
viventes e os corpos matérias.
3. 2 OS DISCURSOS DA CAPOEIRA COMO ARTE
Na fala dos antigos mestres aparece, com freqüência, a vontade e a necessidade
de afirmar a capoeira como uma arte com suas múltiplas linguagens: dança, jogo, luta,
artesanato, música, literatura, percussão, teatro e outras. Segundo Mestre Pastinha “[...]
somos bailarino, um homem que vive a arte da capoeira é como artista sincero,
somos do trabalho de todas as profisções”, “[...] o que tenho em meu corpo, é
minha arte"
397
, Mestre João Pequeno fala: “a capoeira é uma natureza, ta no sangue e
no espírito, a natureza ninguém pode destacar ela porque é, assim é a capoeira,
porque a capoeira hoje é arte, a capoeira em primeiro lugar é cultura, a capoeira é
arte [...]”
398
. Mestre Boca Rica diz: capoeira é uma arte que devemos preservare
396
CARMO, Paulo Sérgio. Merleau-Ponty: uma introdução. São Paulo: EDUC, 2002. p. 65
397
DECANIO, Ângelo. A herança de Pastinha: a metafísica da capoeira. Salvador, 1996
398
SANTOS, João Pereira. Mestre João Pequeno. Entrevista realizada na sua academia no largo Santo
Antonio Além do Carmo no dia 12 de junho de 1989
221
Jânio Martins dos Santos conhecido no universo da capoeira como Mestre Curió, afirma
que “a capoeira foi criada como dança, como movimento de defesa. Nunca encarei a
capoeira como atividade marginal, mas como uma forma de arte. O capoeirista é o
artista do nosso povo, do povo negro. E o artista negro ainda sofre uma opressão
silenciosa em Salvador”
399
.
Nas falas encarnadas dos Mestres, mais do que o objeto representado nas obras
de arte em si, a arte para eles reside na experiência, portanto no fazer do homem
simples que sabe cantar, jogar, dançar, dissimular e lutar pelo desejo de materializar
sua arte, ou seja, a criação de um espaço estético e ético, no caso a roda de capoeira
para colocação dos seus conceitos que adiante correlacionaremos com a força do
enredo.
Ao considerarmos o capoeirista como artista que se utiliza das diversas
linguagens artísticas para revelar a sua produção, temos inicialmente que entender a
força da capoeira em conseguir aglutinar os diversos gêneros da arte num determinado
eixo cultural, cujas intensidades são múltiplas e infinitas, possibilitando as nuanças
artísticas; no entanto, para considerarmos a capoeira como arte, temos que ir além das
linguagens de fazer arte em si para identificarmos o seu lado singular que difere de
outras manifestações artísticas, mas diante disso, vamos identificar os discursos, os
apelos e as associações que são feitas da capoeira como arte.
A tentativa de fazer um paralelo da capoeira como instrumento artístico não é
exclusivamente do capital cultural da narrativa oral. No artigo de Eunice Catunda sobre
o Barracão do Mestre Waldemar reproduzido no livro de Frede Abreu
400
, ela faz várias
incursões da capoeira como arte. A primeira delas se refere a todos os artistas:
que não acredita no fato de que o povo é o eterno criador, que dele nos
pode vir a força e a verdadeira possibilidade de expressão artística, deveria
assistir uma capoeira baiana. Ali a força criadora se evidencia, vigorosa, livre
399
Revista Viva Salvador. Salvador, cultura e participação popular. Salvador,Fundação Gregário de
Mattos. Salvador.p. 47, mar.-abr. 2005.
400
Abreu numa nota de roda-pé faz a seguinte consideração a respeito do artigo: “A reprodução desse
artigo de Eunice Catunda foi feita com base numa cópia xerocada do mesmo que me foi presenteado
pelo poeta Heitor Brasileiro, também capoeirista. A sofrível qualidade da cópia não permite a leitura
de algumas palavras, falhas registradas, dessa forma [...] Na cópia constava esta referência:
Fundamentos: agosto de 1951 a novembro de 1952. “Fundamentos” era uma revista paulista e o
artigo deve ter sido publicado num dos números correspondentes ao período mencionado”. ABREU,
Frede. O barracão do Mestre Waldemar. Salvador: Zarabata, 2003. p. 62.
222
de preconceitos mesquinhos do academicismo, tendo como lei primordial e
soberana a própria vida que se expressa em gestos, música, em poesia. Ali se
exprime a vida magnífica e bela, em nada prejudicada pela capacidade limitada
dos instrumentos musicais primitivos, aos quais se adapta se por ele
diminuída
401
.
O tom da leitura de Catunda sobre a capoeira baiana no desenrolar do artigo
sempre traz a critica ao academicismo, à cultura elabora pela elite, enaltecendo os
aspectos positivos da cultura popular, o modo de produção cultural, as formas estéticas
e éticas encontradas “pelo povo rude e inculto” para expressar suas crenças e seus
sentimentos. Neste período, se delineavam claramente as diferenças entre as estéticas
da cultura erudita e as estéticas da cultura popular; as fronteiras eram demarcadas
pelos os mais variados discursos e pelas as mais perversas relações de poder. Alguns
intelectuais, como Jorge Amado, Manoel Querino, Carybé, Odorico Tavares e muitos
outros haviam se posicionando sobre a importância e a tentativa de afirmação que
apresentam as produções populares de matizes africanas para constituição civilizatória
da sociedade baiana.
Mais adiante no texto, ela chega a afirmar que a capoeira tem o senso de
realização criativa, própria essência da arte, se revela no tríplice aspecto da capoeira,
que é uma fusão de três artes: música, poesia e coreografia”
402
. Para ela, a capoeira é
fusionada pelas as três linguagens artísticas formando um conjunto. Cada dimensão
estética dessa ou cada platô desse se comunica com o outro. Embora cada platô
estético tenha sua própria temperatura, sua própria linguagem, sua própria viscosidade,
sua própria densidade e sua própria singularidade, na capoeira eles se entrelaçam
formando um outro composto.
A autora investe na figura do mestre cuja responsabilidade está em mediar e
articular todas as circunstâncias colocadas; ela apresenta o mestre como “autoridade
máxima” da roda. Supervisiona o conjunto todo, determinando a música, o andamento,
tirando os cantos, ou indicando a pessoa que o faça. É também ele que determina o
tempo de duração de cada dança, de relógio em punho
403
.
401
CATUDA apud ABREU, Frede. O barracão do Mestre Waldemar. Salvador: Zarabata, 2003. p. 62.
402
Idem.
403
Idem, p. 63
223
O status do mestre é ressaltado no texto como um sujeito capaz de zelar pela
organização da roda com sua competência para gerenciar todos os elementos
disponíveis durante a roda, de afinar o conjunto dos instrumentos, harmonizar o som
dos instrumentos com os mais variados significados que cada canção traz em si e a
própria circunstância dos jogadores na sua forma de dançar. “Essa autoridade do
Mestre é uma das causas mais admiráveis e comoventes que tenho visto. O respeito a
ele demonstrado pela coletividade, o carinho com que o cercam, fariam inveja a muito
regente de música erudita
404
.
O devir maestro-mestre exige dele o domínio de todo um repertório que perpassa
pela percussão na orquestração do ritmo, a composição da bateria no qual cada
instrumento tem uma função própria, e o devir-poeta, o cantador-puxador que tem o
cuidado de cantar as canções reconhecidas pela coletividade, encaixando o canto certo
conforme o jogo, mas, sobretudo, sua astúcia de improvisar criando novas rimas em
função dos acontecimentos da roda.
No desenrolar do texto, a autora sempre explora a idéia de que a dança da
capoeira, na Bahia, é o que jamais deixou de ser a verdadeira arte”. Acredito que
Catunda se apóia não só na observação, mas também na oralidade dos Mestres, pois é
explicita a explicação da capoeira-dança.
O ponto crucial é quando a autora faz uma analogia da capoeira com o balé, a
qual Abreu argumenta brilhantemente “comparar a capoeira com o balé – considerado –
pela mentalidade artística dominante na época, como primor de arte talvez fosse uma
maneira de chamar mais atenção para o refinamento dos gestos do jogo da capoeira,
muitas vezes visto como grotesco, rude, brutal, por se tratar de lances de luta, julgada
como cultura inferior, inútil”
405
. O refinamento do gesto está no detalhe de um golpe
aplicado, o molejo do corpo, a entrada inesperada de uma perna ou de um braço, o
deslocamento do olhar, o contragolpe e no lance “controlado” que Mestre João
Pequeno nos ensinou: pra você mostrar que bom, não precisa machucar o seu
404
Idem
405
ABREU, Frede. O barracão do Mestre Waldemar. Salvador: Zarabata, 2003. p. 45.
224
adversário, o capoeirista deve ter seu corpo manejado, seu corpo freiado. Não precisa
tocar no adversário, quem ta de parte ver, que você não derrubou porque não quis
406
”.
A articulista apresenta engajamento político ao considerar a capoeira como uma
prática social, cujo valor capital é ser uma produção artística tão importante quanto a
arte erudita, no caso, o balé, com o reforço quando Abreu chama atenção foi um balé
definido com expressões tão forte e másculas, como se fosse necessário fazer isso,
para negar qualquer sentido de afetação da masculinidade dos capoeiras, pois também,
de acordo com preconceito da ocasião, balé era coisa de mulher
407
.
A riqueza dos artifícios utilizados pela autora revela outras leituras possíveis a
serem feitas do universo simbólico da capoeira na época. A ânsia da autora para tentar
afirmar e legitimar a capoeira como um fenômeno artístico se justificava em virtude dos
descompassos culturais da época no qual a prática da capoeira não era,
historicamente, vista como arte, mas como “coisa de negro”, insurgindo-se, porém,
procurava se colocar como uma prática cultural importante do patrimônio histórico afro-
brasileiro.
Muniz Sodré, estudioso do assunto, investe também na idéia da capoeira como
arte, “capoeira não é uma disciplina esportiva, e sim uma arte mandingueira do corpo
em suma, um jogo em que passado, presente e futuro podem pôr-se juntos num
movimento ou num repente”
408
. A arte mandingueira do corpo seria a capacidade que o
corpo-capoeira tem de criar, improvisar e re-significar as multiplicidades de
gestualidades necessárias para produzir sentidos indeterminados. O rito da roda de
capoeira institui as interações temporais, nas quais o acontecimento é contracenado na
fusão passado, presente e futuro.
Sodré potencializa a importância do rito, “entendido como um conjunto de
procedimentos cosmogônicos do grupo, o corpo encontra um outro tipo de totalidade,
na qual se produz algo como uma sinergia (interação coletiva das energias ou dos
sentidos individuais), e ele se torna ao mesmo tempo sujeito e objeto, objeto, no sentido
406
SANTOS, João Pereira. Mestre João Pequeno. Entrevista realizada na sua academia no largo Santo
Antonio Além do Carmo no dia 12 de junho de 1989
407
Idem.
408
SODRÈ, Muniz. Mestre Bimba: corpo de mandinga. Rio de Janeiro: Mannati, 2002. p. 87
225
de entrega ao domínio do ritmo e da liturgia coletiva”
409
. A ritualidade possibilita uma
certa organização estrutural da roda através do conjunto de regras instituídas
historicamente, mas que são constantemente flexibilizadas. O favorecimento desse
campo energético é possível graças às intensificações desejantes de um grupo. O
corpo se transforma em dispositivo conectivo aos sons dos instrumentos, aos cânticos e
à força energética dos seus ancestrais.
Muniz Sodré aposta na idéia de que, no jogo da ”capoeira, tudo se passa sem
esquemas nem planos preconcebidos. É o corpo soberano, solto em seu movimento,
entregue ao seu próprio ritmo, que encontra instintivamente o seu caminho. Senhor do
seu corpo, o capoeirista improvisa sempre e, como o artista, cria”
410
. A soberania do
corpo-capoeira é fruto das suas experiências históricas, das contínuas práticas
corporais que aprende a lidar como a arte de criar as artimanhas dos movimentos
corporais, improvisando gestos de ataque e defesa. Ele cria sua própria arte de
mandingar, uma arte do corpo que seduz o parceiro-oponente enganando-o, e cuja
tônica da tapeação revela o saber camuflar, o saber driblar e o saber esperar para dar o
bote.
Ao contrário da visão hegemônica propagada pelos os meios de comunicação de
luta presente nas modalidades esportivas cuja característica da vitória é simbolicamente
presenteada com a medalha de campeão, na capoeira, a arte do corpo-malícia o
sentido cultural, que não é o sentido estático, já fixado, como se a capoeira tivesse uma
quantidade de golpes definidos, mas num sentido que sobrevoa os acontecimentos na
espera de sua fixação, que envolve um conjunto de situações, que faz com que as
possibilidades gestuais na capoeira ocorram na multiplicidade das coisas como falava
Mestre Pastinha, “a capoeira tem nove golpes, vezes noves, vezes noves
Como veremos adiante, a arte da capoeira está na metamorfose do corpo, nas
dobradiças e nos curvamerntos que os corpos-capoeira realizam produzindo paisagens-
passagem. Na capoeira, uma ação corporal reflete em outra ação, favorecendo a
acumulação infinita de movimentos, acrescentando sempre mais paisagem-passagem.
A roda de capoeira passa a ser o local de articulação das mais diversas linguagens
409
Idem, p. 86
410
Idem, p. 22
226
artísticas, funcionando como caminho no qual o corpo-capoeira escoa e veste as
multiplicidades de formas e posturas.
Dessa maneira, essa espacialidade da roda funciona por recobrimento de
matérias que são verdadeiras obras de arte que alguns preferem chamar de artesanato,
o berimbau, o atabaque, o pandeiro e outros, por coexistência de um grupo de pessoas
que interagem entre si, os jogadores com o público e vice-versa, a charanga com os
jogadores, e por circunvizinhanças que misturam as diversas linguagens artísticas.
A roda é um dispositivo dinâmico e seletivo, mas não como uma síntese de todos
os suportes da arte, todas as formas e escalas, mas da emergência das multiplicidades
de articulações que os corpos-capoeira intensificam a partir da experiência vivida,
daquilo que é mais singular. Aquilo que os mestres falam que a capoeira não é
dança, o é luta, não é jogo, não é música” ou então, “para ser um bom
capoeirista, você tem que jogar, cantar bem, saber fazer berimbau e falar da arte da
capoeira”, ou seja, não é uma coisa nem outra e sim as duas coisas juntas
multiplicando-se. Portanto, a arte capoeira existe como uma trama de diversas
referências, que constantemente se articula e é desarticulada não sendo
necessariamente localizada como uma forma homogênea.
Assim, a roda de capoeira é o espaço de produção de saberes, esperando a
significação que os corpos-capoeira fazem dela; ela consegue ser múltipla no interior de
um espaço. Nesse sentido, a questão da força da “cultura popular” não está na
essência da capoeira que reside na autenticidade e na beleza das coisas, colocando-a
em um estado de pureza e estagnação da “tradição”, pelo contrario, está na sua
renovação, na sua representatividade e na sua capacidade de expressar o modo de
viver dos subalternos.
Portanto, a questão que se coloca não é a de pensar a ancestralidade como um
discurso essencialista, como se ela fosse capaz de responder tudo, dando respostas a
todas as nuanças e a todos os acontecimentos na capoeira.
Longe de negar a força da ancestralidade que está presente no decorrer do
texto, encaramo-la como uma lógica diferente para a produção e veiculação dos
saberes. Ao pensamos na ancestralidade, enquanto movimento complexo, ela não
pode ser plenamente capturada nos moldes de um conhecimento racionalista com sua
227
forma de ordenar o conhecimento, busca estruturar as coisas de maneira
compartimentada, estática, engavetada, pronta e acabada. A força da ancestralidade
está na produção dos afetos que potencializa as experiências sutis do corpo no qual os
níveis de expressões são constituídos de múltiplas forças materiais, espirituais,
estéticas e políticas.
É, portanto, a roda-ritual, “ritornelo”
411
, como Luz se refere à roda ritual, à roda
de samba e à roda de capoeira, “A roda, todavia, inclui a passagem, a mudança, o
momento da transformação, a passagem entre esse mundo e o além e vice-versa o
contrário. A passagem dos seres viventes em espíritos ancestrais, a vida e a morte.
Como vimos em relação à musica e à dança, esse tempo de mudança está expresso na
representação estética, pela síncopa”
412
. No contexto acima descrito afloram o campo
da passagem, a impressão que causa sobre os sentidos dos corpos, sua substância,
sua aderência, sua transformação, sua densidade e sua viscosidade. Os corpos-
capoeira são os centros de vibrações que povoam outros corpos, mas também são
habitados por outros espíritos.
Sendo assim, temos ainda outro desafio ao conceber que a capoeira é a arte do
corpo na produção de saberes, precisamos descobrir que tipo de saber corporal é esse
e como ele é realizado.
José Gil apresenta o entendimento sobre “consciência do corpo” que preferimos
chamar de saber corporal, como aquilo que os corpos-capoeira aprendem com a
experiência, os conhecimentos motores adquiridos que tornam o corpo soberano de
suas movimentações gestuais, os corpos–memórias de um passado colonial e de um
presente pós-colonial.
Gil propõe uma transformação na concepção fenomenológica que define a
consciência do corpo como intencionalidade, ponto de partida de toda a teoria da
411
Deleuze e Guattari (1997, p.132), definem o ritornelo como o conjunto sonoro das matérias de
expressão que traça um território .
412
LUZ, Aurélio Marco. AGADÁ: dinâmica da civilização africano-brasileira. Salvador: EDUFBA, 1995. p.
615
228
constituição
413
. Ele uma outra conceituação para intencionalidade, a parte de trás
da consciência, por assim dizer, a que se chamará a consciência do corpo
414
A inquietação provocada por ele é considerar a consciência como elemento
paradoxal: sempre em estreita imbricação com o corpo. Ela atravessa os estados de
maior intimidade, mistura, osmose, mesmo com o corpo; mas pode também dele afasta-
se ao ponto de parecer entrar em ruptura, separa-se, abandoná-lo como se tratasse de
um elemento estrangeiro
415
. Portanto, a “consciência” teria dois lados extremos que
podem se manifestar diferentemente; mas, embora haja essa dupla possibilidade da
relação consciência do corpo e corpo consciência, de aproximação e distanciamento
parecendo pontos estanques, ele traz à tona uma ligação residual entre ambas, que
faz com que a consciência se reconheça como pertencente àquele corpo, e não a
outro
416
. Neste caso, ele apresenta dois tipos de consciência, uma consciência clara,
intencional, plena, vigil e a outra, turva, nublada e escura; mas ambas interagem no
corpo.
Essa consciência turva, nublada que outros preferem chamar de inconsciência,
pode estar relacionada ao que Ângelo Decânio chama de estado de consciência
modificado ou transe capoeirano”: O capoeirista deixa então de perceber a si mesmo
como individualidade consciente, funciona ao ambiente em que se desenvolve o jogo
de capoeira. Passa a agir como parte integrante do quadro ambiental em
desenvolvimento. Agindo como se conhecesse ou apercebesse simultaneamente
passado, presente e futuro, ocorre e ocorrerá a seguir e seu ajustamento natural,
insensível e instantaneamente ao processo atual
417
.
O estado de consciência modificada acontece a partir da força da roda, através
da música, sob influência do ritmo. O corpo se transporta para a estabilização mais
profunda das pessoas, no sentido da complementação dos jogadores em interação, O
corpo-capoeira produz efeito nas manifestações motoras, chegando a um estágio de
integração intensiva entre os participantes, não sendo mais o “eu” e nem o “outro”, e
413
GIL, José Nuno. Abrir o corpo. FONSECA, Tânia Mara Galli; ENGELMAN, Selda (Org.). Corpo, Arte e
Clinica. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. p. 14.
414
Idem
415
Idem
416
Idem
417
DECANIO FILHO, Ângelo. Entrevista realizada na sua residência, Salvador, BA, 15 de agosto de 1999
229
sim o “nós”. No jogo-dança-luta imana a energia imaterial, fruto da concepção africana
ancestral, realizando ligações profundas com o praticante e todo esse campo de
energia vital que os capoeiristas chamam de “Axé”, interessa-nos, porém, descobrir
agora que tipo de saber o corpo-capoeira em jogo-dança-luta revela.
Outra referência que Gil faz é a respeito do coreógrafo americano Steve Paxton,
inventor da técnica “Contato-Improvisação”, “que a consciência do corpo (intencional)
está cheias de “buracos”... porque esses movimentos são demasiadamente rápidos
para que a consciência clara os capte”
418
. Como no domínio da dança, o corpo na
capoeira age rapidamente para dar respostas às situações colocadas no jogo, uma
espécie de consciência do corpo imperceptível a ele mesmo.
Nesse sentido, o envolvimento naquela atividade faz do corpo um local de
produção e transmissão de saber. Produção porque ele aprende a lidar com as
situações diversas, a enfrentar as dificuldades encontradas na roda, procurando
desvendar os enigmas do jogo-dança-luta, e transmissão porque todas as respostas
dadas o socializadas pelo grupo, cujo envolvimento faz do corpo transmissor de
saberes corporais.
De acordo com Denise Sant`Anna, ao se reportar às pelejas dos cordelistas, o
improviso é, em ultima análise a arte de contar história conhecida deixando-a a tocar no
devir. Improvisar é, assim, um modo literal de não mais sobreviver para viver
419
. .A
trama dos corpos-capoeira, em situação de jogo-luta-dança não, cessa de improvisar,
colocando sempre novos desafios para o seu opoente-parceiro, iluminando novos
saberes do corpo e escondendo outros saberes. Neste contexto, que é mais vivencial
do que explicativo, o corpo-capoeira está sempre improvisando, sempre têm a
necessidade de colocar o outro num ponto cego, numa espécie de lugar do qual ele
tem as chaves das saídas.
É claro que um saber corporal tão sutil não se constrói de uma hora para outra.
O processo é longo; por isso, os antigos Mestres falam que o tempo se faz mestre,
não diploma que comprou”. É necessário que o corpo experimente inúmeras vezes os
418
GIL, José Nuno. Abrir o corpo. FONSECA, Tânia Mara Galli; ENGELMAN, Selda (Org.). Corpo, Arte e
Clinica. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. p.17.
419
SANT`ANNA, Denise Bernunzi. Vertigens do corpo e da clinica. FONSECA, Tânia Mara Galli;
ENGELMAN, Selda (Org.). Corpo, Arte e Clinica. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. p 32.
230
movimentos; é preciso deixar fluir para que ele possa abrir o corpo
420
para o outro e
consequentemente, para o mundo da roda cantada assim ”a volta que o mundo deu, a
volta que o mundo dá, camaradinho”.
Retomando o mundo da roda como metáfora da vida, nele estão presentes não
as forças acumulativas de aglutinar os corpos, mas também as forças disjuntivas de
separação para fazer outras ligações. Na roda, o contraste, o contraditório convivem
lado a lado: o caos e a organização, a materialidade e a espiritualidade, o consciente e
o “inconsciente”, o denso e o fluido, o devagar e o rápido, o que os capoeirista cantam
oi sim, sim, sim, oi não, não, não”, nas voltas dadas
Figura - 1
420
Termo utilizado por Gil que significa “construir o espaço paradoxal, o empírico, do em-redor do
corpo próprio. Espaço paradoxal que constitui toda a textura da consciência do corpo-consciência: um
espaço-à-espera de conecta-se com outros corpos, que se abrem, por sua vez formando ou não cadeias
sem fim... ...Abrir o corpo é cria a zona em que o corpo, visto do exterior do interior, entra em contágio
com o mundo”. GIL, José Nuno. Abrir o corpo. FONSECA, Tânia Mara Galli; ENGELMAN, Selda (Org.).
Corpo, Arte e Clinica. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. p.26-27.
231
A roda é a força de traçar “enredo” , termo utilizado por Denise Sant`Anna, e não
se restringe à trama literária, mas “a transmissão criadora de acontecimentos
coletivos”
421
. A potência do enredo, para ela, se dá justamente nas “passagens entre os
corpos, a sua transmissão que também implicam a sua reinvenção”. Na roda de
capoeira, o construtor de enredo são os corpos-capoeira que facilitam as passagens, o
trânsito entre os corpos, contando suas histórias para outros e ouvindo, ao mesmo
tempo, outras histórias. Ele continua sendo “tão conhecido quanto estranhos; um corpo-
caminho de idas e voltas; no lugar de passar por todos os lados, este corpo torna-se,
ele mesmo passagem para outros corpos e para muitas histórias
422
O território da roda nunca se realiza completa e definitivamente, pois a abertura
para o estranho e para o outro, a exterioridade, pertence ao próprio processo de se
criar singularidades. Assim, os corpos-capoeira são fluxos de ligações para as mais
diversas experiências coletivas do mundo. A singularidade do enredo coloca os
acontecimentos como único, portanto, cada roda tem suas tramas, seus efeitos, seus
segredos e suas aberturas.
Os antigos mestres construtores de enredos conseguem, através dos seus
corpos-capoeira, recontar, a cada dia, as histórias do passado, bem como a criação de
novas histórias, mas sempre com novos sabores; portanto o insigne não é a raiz da
capoeira procurando perdidamente a sua essência, mas de uma trama cultural
altamente enredada.
Caminhando em sintonia com Sant”Anna, para quem o enredo é feito
coletivamente, depende das visões alheias e das disputas das pessoas diferentes. Por
isso, quem narra um enredo não se interessa muito em lutar muito por sua autoria. A
luta é travada no momento da transmissão”
423
A força da transmissão pode ser
exemplificada pela lembrança de um fato ocorrido com o Mestre João Pequeno, uma
crítica feita ao mestre que ele ensinava o feijão com arroz, rabo-de-araia e
negativa”.
421
SANT`ANNA, Denise Bernunzi. Vertigens do corpo e da clinica. FONSECA, Tânia Mara Galli;
ENGELMAN, Selda (Org.). Corpo, Arte e Clinica. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. p. 35.
422
Idem, p. 38
423
Idem. p.
232
No entanto, a questão de fundo não está no feijão com arroz”; caso contrário,
ficaríamos no plano superficial das coisas. O importante é saber se o gosto deste “feijão
com arroz”, quase sempre temperado de malícias e manhas, fica gostoso ao paladar de
quem desgostou do prazer de jogar com o Mestre João Pequeno ou não, num jogo
fechado, duro, rente com o chão e com o outro. Aquele jogo que o parceiro-adversário
não tem moleza fica apavorado querendo a todo custo descobrir o segredo do jogo.
A astúcia do mestre está na sua arte de transmitir que evoca duas possibilidades
conectadas uma à outra; uma relacionada à preservação da história na continuidade da
gestualidade corporal dos golpes da capoeira, o que o mestre chama de treino (as
aulas), no qual o aluno aprende os golpes em si através de diversas atividades, e a
outra consiste em deixar que o aprendiz encontre os utensílios necessários para
temperar o seu “feijão com arroz”. Deixar aqui não tem a ver com fazer livremente ou
espontaneidade; deixar significa favorecer a passagem para viver as experiências que
se pode adquirir em contato com o outro na roda, aprendendo com o diferente, o
estranho, o anômalo, ou seja, deixar tocar no devir e deixar representa, fluir, respeitar o
tempo pedagógico de que cada um necessita para aprender.
Ironia da história ou não, muitos seduzidos pelo mercado internacional da
capoeira, atualmente, oferecem curso de “mandinga e malícia” da Capoeira Angola no
exterior, como se esses vetores pudessem ser apreendidos de maneira simples e fugaz
fora da roda. O importante; para esse sábio educador o Mestre João pequeno tendo em
vista a sua trajetória, é abrir os caminhos necessários para que os novos aprendam
com ele e com os outros. Aliás, sua academia, nas décadas de 80 e 90 foi alvo de
critica por ele permitir a presença de outros seguimentos da capoeira diferentes
daqueles prescritos do que seria Angoleiro. João Pequeno teimosamente se coloca
como mediador das diversidades culturais da capoeira.
Outra complexidade que está sempre presente nesta dinâmica cultural refere-se
à contemplação daquele que passa e a roda de capoeira, aquele que fica
hipnotizado pelo jogo-dança-luta como se estivesse contemplando uma obra de arte. É
o olhar curioso vagando na paisagem dos corpos-capoeira, olhares que fazem múltiplas
leituras e interpretações, sensibilizados pela estética imagética.
233
Gumbrecht, no seu trabalho sobre o “elogio a beleza atlética” considera esse tipo
de situação como uma experiência estética que o expectador vive em relação à
performance atlética. Ele traz vários elementos para pensarmos essas experiências da
performance atlética como potência que cont’rm o sublime, a epifânia, o corpo, a aura,
etc. Inspirado em Kant, vai argumentar da seguinte maneira:
Com freqüência temos a impressão, quando assistimos a esportes, de que
uma jogada ou um movimento bonito são atitudes naturais do atleta que os
produziu. Devemos, então, chamar de obra de arte um saque potente num jogo
de tênis? Kant diria que isso é ir longe demais. Obras de arte, na opinião dele,
são produzidas com a intenção de se tornar objetos duradouros que sejam
reconhecidos como obra de arte. A maioria dos atletas não tem essa intenção
quando atua, embora possamos passar por uma experiência estética quando
assistimos à performance. Como confirmou uma vez um amigo querido e
eminente historiador da arte, a arrancada de Jessé Owens no trecho final do
revezamento dos quatrocentos metros rasos na Olimpíada de 1936, do modo
que como está captada e preservada no filme de Leni Riefenstahl, é tão bela
quanto as melhores esculturas de Michelangelo. Mas isso não quer dizer que
os movimentos do corpo de Owens fossem e ainda sejam, para os
expectadores do filme uma obra de arte. Dar aos movimentos de Owes um
lugar em nossos museus de arte imaginária simplesmente mumificaria sua
graça, roubando-lhe o estranho frescor que o filme de Riefenstahl preservou
e essa é a razão pela qual proponho manter o conceito de obra de arte
afastado do desempenho atlético como candidato q experiência estética
424
.
O autor nos coloca numa “sinuca de bico”, pois, ao longo do texto procuramos
compreender a capoeira como um fenômeno artístico, seja pela narrativa oral, seja pelo
modo da sua produção, o enredo, ou ainda pelos os discursos dos intelectuais.
Viajamos na hipótese da capoeira como arte, porque, ao contrário do fenômeno
esportivo que o atleta “não tem essa intenção quando atua”, os mestres se reconhecem
como artesões, guardiões e artistas das práticas populares.
A compreensão da capoeira como arte não passa pela mumificação dos ritos de
passagem no intuito de empalharmos, congelando essas práticas para “salvo
guardarmos” em museus e bibliotecas, longe da lógica própria da arte do fazer,
sabemos também a importância dessas novas iniciativas tecnológicas de digitalização
(filmes CD e DVD-R) como estratégia de uma pretensa proposta de “preservar a
memória” na tentativa de garantir a perpetuação das práticas populares.
424
GUMBRECHT. Hans Ulrich. Elogio a beleza atlética. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 41.
234
Pensamos a estética da arte-capoeira na produção de novos sentidos para os
seus personagens e para aqueles que a contemplam e no fortalecimento dos centros
de capoeira que servem de museu vivo, participativo e interativo para os visitantes. É
nessa perspectiva que estamos encarando a capoeira-arte, como possibilidade de
invenção do novo a partir do pré-existente, como modo de produção de saberes, como
potência de criatividade que a cada instante se renova.
Percorremos pela hipótese de que tanto os gestos que refletem a imagem
corporal nas gravuras de Carycomo toda produção material e imaterial da roda de
capoeira emana a noção que Deleuze e Guattari considerou como um composto de
perceptos e afectos que valem por si mesmo. Os perceptos não são percepções, são
pacotes de sensações e relações que sobrevivem àqueles que os vivenciam. Os
afectos não são sentimentos, são devires que transbordam aquele que passa por eles
(tornando-se outro)
425
.
Podemos exemplificar, através da experiência do Mestre Olavo, o mestre-artesão
que fabrica todos os tipos de instrumentos para atender ao consumo do mercado
turístico e do exterior. Geralmente os turistas levam o berimbau como lembrança da
Bahia e da demanda de exportação do berimbau para os E.U.A, Europa, Japão, Israel e
outros lugares. No entanto, queremos tocar no devir-artesão dele,pois não pode ser
qualquer berimbau para tocar na roda de capoeira, o berimbau deve ter acordes fortes
e vibrações sonoras para tocar os principais toques reconhecidos na capoeira, ou seja,
não pode ser qualquer berimbau. Ele mesmo nos conta que: tenho um berimbau de
mais de vinte anos, todo remendado de durapox, mas que, tem um som fantástico, na
roda de capoeira o berimbau tem que estar afiado
426
.
As figuras emblemáticas dos Mestres Olavo, Boca Rica, Bigodinho, João
Pequeno e Gigante, como outros mestres no devir-maestro, promovem sensações
intempestivas para os participantes da roda com seu jeito singular de afinar o
instrumento, de tocar, de rimar, de quebrar o canto, de entoar outro ritmo e de
orquestrar a bateria da roda possibilitando devires que passam por todos e transbordam
em percepto e afecto.
425
DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. p. 171
426
Mestre Olavo em conversa no Festival de Capoeira da Escola no ICEIA
235
Na arte de cantar os acontecimentos se transformam em música, Mestre João
nos narrar o seguinte episódio:
om, essa música foi um acontecimento que aconteceu comigo no dia
08/04/1991, um carro me pegou, me pegou mas aconteceu que foi o carro que
quebrou. Então eu fiz essa música: Iê, foi no dia 08 de abril de 1991, que o
carro me pegou, eu com 73 anos de idade, o meu corpo era mais forte, foi o
carro que quebrou, eu não peguei o número do carro, mas fiquei com o
retrovisor, Camaradinha; É o retrovisor, É o retrovisor, Do carro que me pegou,
É o retrovisor, É o retrovisor; O meu corpo era mais forte, foi o carro que
quebrou
427
.
A música na capoeira é como uma poesia da vida real que tece acontecimentos
diários nas chulas, corridos e nas quadras da capoeira, verificamos a poesia sonora
428
que, geralmente, tem um significado implícito e sempre está acompanhada dos
instrumentos e sons ambientais
429
. Estamos considerando as canções da capoeira
como uma pratica enunciativa, dialógica, polissêmica e polirítmica, oriunda sempre, de
entre-lugares.
Outro exemplo dessa relação intensa do fato ocorrido com a arte de cantar na
capoeira está no relato de Mestre Gigante, assim apelidado devido à baixa estatura,
quando contou que, certa vez, ao ser apresentado, o público começou a vaiar devido à
sua altura, no mesmo instante com sua potência criativa, o mestre entoa: você
cresceu, problema seu, eu não cresci é problema meu, meu pai era pequeno, minha
mãe também, não me critique que eu não critico ninguém; eu sou pequeno, meu
427
SANTOS, João Pereira. Mestre João Pequeno. Entrevista realizada na sua academia no largo de
Santo Antonio Além do Carmo, Salvador, BA, no dia 12 de junho de 1989.
428
“A poesia sonora se apresenta como um novo modo de pensar a poesia como a arte da vocalidade,
não domada pela linguagem comunicativa e letrada, e sim libertada num espaço da a-
comunicabilidade (não anticomunicabilidade), através da criação de uma língua (um racional código
aberto) que não carrega significado, mas somente sua própria presença no mundo. Essa presença
do indivíduo corporalmente vivo, repensado a partir de sua relação física e sensorial com o ambiente
em que vive, reposto no centro das vivências estética e cotidiana, num momento em que ambas se
fundem. O redimensionamento do corpo como meio produtor dessa poesia e seus significados na
cultura”. MENEZES, Philadelpho. Da poesia fonética à poesia sonora. In: MENEZES, Philadelpho
(Org.). Poesia sonora: poéticas experimentais da voz no século XX. São Paulo: EDUC,1992. p. 10.
429
A música fonética pode ser facilmente concebida como um âmbito particular da poesia sonora. É
poesia sonora toda forma acústica da linguagem que seja independente da gramática ou do
significado. Ela pode ser acompanhada ou não, acusticamente, de um texto significante, de música
instrumental ou de efeitos ambientais. ROBSON, Ernest. O conceito de música fonética. In:
MENEZES, Philadelpho (Org.). Poesia sonora: poéticas experimentais da voz no século XX. São
Paulo: EDUC, 1992. p. 85.
236
berimbau é grande, na roda de capoeira toco são bento grande; ganhei a luta com
lobisomem, o homem pequeno também é homem
430
.
A música se funde formando a arte da multiplicidade sonora, formatando a
“poesia musicada”; desta forma, o capoeirista faz de sua música uma potência-poética
vivida e re-atualizada por todos aqueles que estão no enredo e compõe a roda lócus de
produção de afecto e percepto, no qual o devir-compositor batucando criam novos
poemas com novos ritmos.
Para os filósofos Deleuze e Guattari, a arte consegue arrancar o percepto das
percepções e o afecto das afecções. Os afectos são precisamente estes devires não
humanos do homem, como os perceptos (entre eles a cidade) são as paisagens não
humanas da natureza
431
. São os diversos devires que se instalam no acontecimento
da roda, o devir-maestro, o devir-jogador, que é enunciado na simbologia corpo-bicho
ressoante na fala do Mestre Pastinha: “na minha academia tenho dois meninos, todos
dois se chamam João, um é tal de cobra mansa, o outro voa alto parecendo Gavião”
432
,
exemplificando o devir-cobra e devir-gavião do corpo-bicho atribuído à plasticidade
corporal no jogo de cada João.
Na arte da roda de capoeira as imagens-passagem iluminam um amplo
composto que não se resume aos gestos dos corpos; nela formam-se blocos de
perceptos e de afectos que ligam a gestualidade, o canto, a percussão, os participantes
e o público pela força do enredo. Os compostos de sensações vão se multiplicando,
intensificando a “vibração”
433
, o “enlace”
434
ou “corpo-a-corpo” e o “recuo”
435
.
430
ASSIS, Francisco de. Mestre Gigante. Entrevista realizada na sua residência Av. Cardeal da Silva
enfrente a Universidade Católica do Salvador na Federação, Salvador, BA, 31 de agosto de 2005
Entrevista com Mestre Bigodinho ou Gigante
431
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é filosofia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. p. 220.
432
SANTOS, João Pereira. Mestre João Pequeno. Entrevista realizada na sua academia no largo de
Santo Antonio Além do Carmo, Salvador, BA, no dia 12 de junho de 1989.
433
Para Deleuze a vibração “caracteriza a sensação simples (mas ela já é durável ou composta, porque
ela sobe ou desce, implica uma diferença de nível constitutiva, segue uma corda invisível mais
nervosa que celebral)” DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é filosofia. Rio de Janeiro: Ed. 34,
1992. p.218
434
O enalce ou corpo-a-corpo (quando duas sensações ressoam uma na outra esposando-se tão
estreitamente, num corpo-a-corpo que é puramente energético)”Idem
435
“a divisão, a distensão (quando duas sensações se separam, ao contrário, se distanciam, mas para só
serem reunidas pela luz, o ar ou o vazio que se inscrevem entre elas, ou nelas, como uma cunha, ao
mesmo tempo tão densa e tão leve, que se entende em todos os sentidos, à medida que a distancia
cresce, e forma um bloco que não tem necessidade de qualquer base)”Idem.
237
Pela criação das imagens-paisagem que os corpos-capoeira em movimento
formam e que podemos situar a capoeira como arte, não por aqueles (os mestres)
que atribuem significados históricos a capoeira presente nas suas falas, como vimos no
inicio do capítulo, mas, sobretudo pela força de criação dos afectos e perceptos que o
público pode desfrutar saboreando as imagens-passagem do corpo-capoeira.
Sábios Mestres, que criaram novas estratégias para serem vistos, conseguiram
institui, com os seus corpos uma outra narrativa que seduzisse o olhar do espectador
devido a sua performance sublime, dotada de enunciados cômicos e trágicos, fazendo
desse contexto uma irrupção comunicativa de situações dramáticas pela presença do
enredo nada pronto e nem definitivo. A peleja dos corpos em jogo revela um conjunto
de “gestos dramáticos”
436
, que, além de iluminar singularmente a disputa no qual os
jogadores têm a chance da “vitória” ou da “derrota”, cria novas situações motoras que
formam afectos e perceptos.
3.3 O PODER-POTÊNCIA DO CORPO-CAPOEIRA NOS DESENHOS DO MESTRE
CARYBÉ
Mestres de capoeiras, ao sair para o mundo da roda, se agacham e fazem
oração, pedindo licença e proteção aos seus ancestrais. Seus corpos, nessa posição
de cócoras bem grupados, envolvem-se no mesmo estado citado por Michel Serres
ao falar do corpo de um alpinista que “se protege dentro de um útero arcaico,
invisível, elástico, confiável, cujo contorno variável contém e protege todo o seu
corpo, que repousa no interior das agarras e dos apoios que velam por eles e por
sua cabeça”
437
436
GUMBRECHT. Hans Ulrich. Elogio a beleza atlética. São Paulo: Companhia das Letras. 2007.
437
SERRES, Michel. Variações sobre o corpo. Rio de Janeiro: Bertrand, 2004. p. 23
238
Figura – 2 Figura – 3
Na imagem acima, os corpos-capoeira, ao pé do berimbau, curvam-se para
entrar no campo de imanência
438
, produzindo ressonâncias históricas, fruto do enredo
da roda. Corpos agachados fazem orações, pedem proteção para entrar no mundo da
roda que estamos considerando como uma micro-física do desejo, dispositivos criados
pelos corpos-capoeira para colocarem os saberes ancorados nos seus corpos.
Abertas as portas da roda, o corpo começa a re-configurar novos gestos, sendo
que, desta vez, ele vai ficando de cabeça para baixo, as mãos e a cabeça no chão ou
às vezes, as mãos. As mãos assumem o papel dos pés no equilibrar-se; elas são o
aporte do corpo com a terra; são mãos que sustentam todo o corpo coordenando os
movimentos. Os pés, por sua vez, estão à procura de um outro corpo, mas o seu
oponente-parceiro foge para não ser tocado, ao mesmo tempo em que procura o outro
para tocá-lo.
438
Imanência (plano de imanência), fundo não-conceitual, caos sem fim, direções absolutas de natureza
fractal, intuições onde constroem-se os conceitos filosóficos. Em Deleuze e Guattari, ele distingue-se
do plano de consistência de criação contextualizada e intertextual dos conceitos filosóficos, delimitação
e intensificação. Não esquecer que o plano de imanência significa pensar o não pensado,
problematizar de maneira nova a vida. A filosofia é isso. No plano de consistência, os conceitos criados
insistem (o conceito diz o evento, e não a essência nem a coisa).
239
Figura - 4 Figura - 5
Como se pode ver nas imagens acima, investidos no mundo da roda, os corpos
brincam de ficar de cabeça para baixo. Esses movimentos complexos desafiam a lei da
gravidade e o seu parceiro-oponente porque não ficam de cabeça por acaso,
geralmente esse tipo de situação se constitui na dinâmica do jogo que cada corpo-
capoeira encontra para provocar ou sair de determinadas situações. Equilibrar o corpo
com uma das mãos ou as duas mãos é uma tarefa que requer do capoeirista muito
controle da toda sua musculatura.
Reparem as imagens nas quais, além de ficar de cabeça para baixo eles estão
de costa para o seu oponente-parceiro. Na imagem 5, percebe-se que os pés do que
está plantando bananeira servem de ataque e o outro ao mesmo tempo em que ataca
com o pé, entre nas mãos do seu oponente, ele se protege com a mão da investida dos
pés. Na figura 4, o corpo está rente ao chão, no movimento conhecido na capoeira
como negativa, bem próximo ao outro que planta bananeira com uma mão só. Veja que
as pernas estão próximas e a mão que suscita varias interpretações.
240
Observa-se a potência da leveza do corpo que organiza todo o seu repertório
motor em outras coordenadas e em outros vetores do espaço-temporal; o ficar rente ao
outro na peleja dos corpos, o desafio do corpo plantando bananeira, enquanto, na
musicalidade da capoeira é entoada da seguinte maneira: o facão bateu embaixo a
bananeira caiu, cai, cai bananeira, a bananeira caiu”. O caule, no caso as mãos e os
braços, sustenta o corpo-bananeira que foge para não ser cortado pelo facão das
pernas do seu oponente.
A descrever as transformações do corpo em situação de escalagem; Serres
(2004) diz que o corpo investido transmite a sensação de desafio do corpo curvado em
contato com a rocha; o dorso em forma de caracol revela sua fortaleza e, ao ficar
pendurado, uma sensação de abrigo. Na capoeira, inverter o corpo é uma duplagem,
pois esse corpo não só correr o risco de um ataque-surpresa do seu parceiro na
procura constante para achá-lo, mas também revela uma alegria de poder fazer
movimentos que desafiam as leis da gravidade e mostrar para o outro a sua habilidade
em manejar o corpo; esse simples gesto implica na possibilidade de contrapor a ordem
dos modos costumeiros de uma sociedade que impõe padrões de corpo arqueado
sempre para o alto à procura da salvação.
Na capoeira, o corpo-singular é sempre um lugar plural, no qual atualizam-se
construções coletivas dançáveis. Nos seus rituais (as rodas) baseados num diálogo
respeitoso com os ancestrais e as energias da vida, os capoeirista falam aos
dominantes, lutando para que seja aceita uma potência enunciativa do corpo investido
que, em lugar de desprezar o corpo como fez e faz a civilização escravizadora cristã,
considera o mesmo como um santuário coletivo e individual, soberano, no qual se
manifestam os gestos corporais, expressando toda uma história do corpo negro que
clama e seduz para colocar nas entrelinhas da história seus saberes.
Michel Serres, ao se referir à inversão corporal que o corpo sofre ao descer das
montanhas rochosas, fala de uma aprendizagem enterrada nas profundezas da
evolução animal: “ainda somos moluscos univalves, ostras, mariscos, mexilhões,
caramujos e caracóis agarrados ao rochedo. Nossos olhos, boca, plexo solar, seios e
ventre e sexo, em conjunto com as nádegas compactas e uma nuca rígida, um muro
241
denso e curvo contra e dentro do qual cedem nossa fraqueza
439
No caso da capoeira,
o saber corporal é influenciado por uma cosmovisão que considera os animais, os
vegetais e a natureza como parte integrante da sua vida.
Pode-se ressaltar, também, a opinião de Almir das Areias de que os movimentos
utilizados na capoeira foram inspirados nos animais. Para ele, tanto a gestualidade
como os nomes dados aos golpes da capoeira são referências à mata, aos canaviais
que o negro escravo se utilizou como fonte inspiradora da sua invenção:
das marradas, quem sabe, pode ter surgido a mortal cabeçada; dos coices
dos cavalos, bois e outros animais, pode ter surgido a chapa ou esporão; da
forma de ataque da arraia, do tetú ou do jacare, que girando com o corpo
tentam atingir o adversário com a cauda, pode ter surgido o rabo-de-arraia ou a
meia-lua-de-compasso;dos pulos e botes de animais podem ter surgido os
saltos de capoeira, como o salto do macaco, o pulo do gato e o aú
440
Nessa hipótese de Almir das Areias e decorrente das associações entre os
movimentos dos animais com os nomes dados aos golpes de capoeira, acredito que
podemos ir além do sentido relacional e penetrar na forma e na substância encontrada
pelo negro para falar dos seus saberes e, ao mesmo tempo, para não dizer nada, o
silêncio. Aliás, o silêncio é uma arma poderosa para os animais caçar a sua presa.
No caso dos corpos-capoeira, os silêncios que gritam latentemente, transpirados
no corpo, no toque de um olhar, na fisionomia do rosto, num jeito novo que o corpo dá,
na postura corporal, ou seja, o silêncio enquanto narrativa de um corpo que
historicamente foi silenciado, mas é capaz de revelar outros traços culturais
significativos da cosmovisão africana.
A sabedoria do corpo, como podemos observar nas figuras 4 e 5, expressa
gestos que compõem a imagem da arte do corpo de dobrar na posição invertida, tanto
para o plexo dorsal, exposto, na figura 5, como no plexo ventral, na figura 4. Essas
duas características de inversão e de dobra do corpo são híbridas, são características
significativas na simbologia dos gestos corporais na capoeira. Carybé desenha a linha
do corpo no jogo, na intensidade do movimento, nos incalculáveis vetores sinestésicos,
no que ganha força, no emaranhado das coisas; por isso o enigmático na imagem.
439
SERRES, Michel. Variações sobre o corpo. Rio de Janeiro: Bertrand, 2004. p. 23
440
AREIAS, Almir das. O que é capoeira. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 16.
242
O corpo invertido é abordado pela historiadora Letícia Vidor Reis no seu livro “O
mundo de pernas para o ar: A capoeira no Brasil” não pela representação artística, mas
pela análise da roda de capoeira enquanto uma metáfora do espaço social. A autora
valoriza a inversão corporal que resulta em ficar de cabeça para baixo e em virar as
costas ao seu oponente, "a entrada na roda se sempre através de uma inversão:
seja a do alto pelo baixo (mais comum) seja a combinação do alto pelo baixo e da
frente pela costa. Quer dizer, entrar-se no mundo literalmente de cabeça para baixo (...)
ao entrar na roda de cabeça para baixo, ao inverter o alto pelo baixo, estaria
subvertendo a ordem da hierarquia dominante, e conseqüentemente a ordem social
441
”.
Letícia articula a noção da inversão corporal com o trabalho de Mikael Baktim; o uso
das brincadeiras pelas as camadas populares na Idade Média para contestar a rodem
vigente.
A essa idéia podemos acrescentar não a saída para o mundo da roda, mas
também durante todo o tempo de jogo ao realizar um
442
, plantar bananeira
443
, queda
de rins
444
e outros movimentos complexos.
Figura – 6 Figura - 7
441
Colocar Citação Letícia
442
Movimento circular em que o corpo fica provisoriamente de cabeça para baixo.
443
Movimento de cabeça para baixo no qual o equilíbrio do corpo é realizado pelas mãos.
444
Posição de equilíbrio em que as mãos e a cabeça encontram-se no chão e os pés para o alto.
243
A dobradiça do corpo ou a arte de dobrar o corpo na capoeira não significa
simplesmente estender e distender; grupar e escapar, contrair e dilatar, mas a sua força
de envolver, seduzir, evoluir e desenvolver enunciados capazes de organizar novas
formas de transmissão de saberes.
O espetáculo da arte de dobrar o corpo está sempre na plasticidade corporal em
si, ou seja, o gesto, o conteúdo em si e a sua expressão, os desenhos formados nas
imagens-passagem. A perspicácia do corpo-capoeira evidencia-se no dobrar-se e
desdobrar-se para o seu oponente-parceiro e para os demais presentes na roda. Se o
origami é uma arte tradicional japonesa de dobrar pedaços de papel em formas
representativas de animais, objetos, flores etc, a capoeira é a arte do corpo de dobrar-
se e desdobrar-se para diversas direções e para diversos planos, intensificando as
paisagens-passagem que conseguem, assim, comunicar e traduzir suas experiências
de vida, assim como os conhecimentos e o caos que elas envolvem.
A dobra do corpo é um efeito que produz gestos mais quebrados, uma certa
interrupção da linha do corpo na trajetória do movimento para uma outra direção, as
vezes, a mudança brusca de uma parte do corpo, o pé, a cabeça, o tronco, a perna, os
braços; enfim, o que se modifica na gestualidade do corpo, quebrando a linha do círculo
ou até mesmo a trajetória do golpe aplicado ou defendido.
A multiplicidade de dobra e desdobra que encontramos nas gravuras de Carybé
não limita o movimento na flexão e extensão, mas traz sempre a visibilidade da
circularidade, o entorno, o rodeio das formas arredondadas que o corpo assume. As
morfologias dos corpos dão ênfase às formas arredondadas, côncavas e convexas, nas
quais o corpo manifesta a sensação de movimentos circulares e fluidos, traços de
curvas com que o corpo se complementa com o outro, revelando um sentido de jogar
com o outro mesmo na “quebra do outro”, ou seja, na colocação de problemas para o
outro. Muitos Mestres fazem um paralelo do jogo de xadrez com a capoeira, afirmando
que cada movimento de ataque e defesa tem que ser pensado mesmo que
rapidamente, porque qualquer descuido pode culminar na perda do equilíbrio do corpo,
na queda, no cair sentado de bunda no chão.
Neste sentido, a circularidade dos golpes, na imagem, expressa um sentido de
complemento, de continuidade rítmica, mas também de interrupção, de quebra, de
244
obstáculo. A característica do círculo está presente em boa parte dos golpes da
capoeira que têm uma geometria circular: rabo-de-arraia, meia-lua de frente e de costa,
queixada, armada, aú, etc, e também a própria constituição da roda favorece a essas
formas circulares.
Figura – 8 Figura - 9
As imagens dos desenhos de Carybé despertam para uma nova situação da
metamorfose do corpo. Percebe-se que um corpo vira as costas para o outro, o seu
campo visual não está simplesmente direcionado ao corpo do seu companheiro para
agir; dessa maneira, o corpo mergulha no turbilhão do sensível. Existe um
conhecimento fundado na experiência do sensível, “se trata de uma acumulação de
conhecimentos que são da ordem da sensação e que, por motivos quaisquer, não
afloram no nível da racionalidade, mas constituem um fundo de saber sobre o qual o
resto se constrói
445
O corpo opera em situações desafiadoras e precisa de reações
instantâneas. Os cinco sentidos entram em conexão simultânea, e o corpo passa a ser
um suporte da ação intuitiva e da memória.
O jogo dos olhares, Jair Moura denominou de “olhar traiçoeiro”,“vendo o que
queria e procurando não fixar diretamente”
446
. São habilidades perceptíveis que, nos
445
ZUMTHIOR, Paul. Performance recepção leitura. São Paulo: EDUC, 2000. p. 91
446
MOURA, Jair. Capoeira: a luta regional baiana. Cadernos de Cultura, Salvador, n. 1, p. 9, 1979.
245
desenhos, induzem o espectador a perceber esse tipo de situação que, na capoeira, é
concebida como um “olhar manhoso”, um “olhar mandingueiro”, matreiro, aquele olhar
que possibilitará ao capoeirista perceber o gesto do parceiro antecipando a jogada para
enganá-lo.
Os entre-toques da visão e da sua percepção intensificam o dinamismo durante
a arte-capoeira, pois ocorre o processo de entrelaçamento entre o visível, aquilo que
ele consegue ver e o invisível, aquilo que ele consegue perceber. O campo visual não
se restringe ao que é visto e essa capacidade possibilita ao corpo-capoeira uma
ampliação dos dispositivos imprescindíveis para um melhor êxito. Virar a costa para o
seu parceiro-oponente, como observamos na gravura, não significa a perda do seu
campo visual, mas a ampliação da visão, fazendo com que todo o seu corpo consiga
perceber o próximo e o distante. Virar as consta em ultima análise, significa atrair a sua
presa para colocar o golpe certeiro.
É no detalhe do olhar e de ser visto que o capoeira “envolve-ganha” o outro. Jair
Moura comenta que durante as negaças, o capoeirista devia se preocupar apenas em
acompanhar o movimento dos olhos do seu oponente. Pelo olhar, conhece o local
visado pelo agressor, pois o mesmo, antes de dar o golpe, marcava com a vista o ponto
vulnerável a ser atingido
447
. Percebe-se a importância do olhar na roda de capoeira, o
corpo-capoeira aumenta a sua capacidade não de observação periférica, porque é
preciso ficar atento ao ataque surpresa de qualquer parte do corpo do seu parceiro-
oponente, mas também de observação global, para perceber todas as imagens que
compõem a roda.
Carmo, ao se referir a Merleau-Ponty, afirma: a filosofia do olhar parte da visão
em seu sentido literal, para alargar o horizonte de visibilidade, fazendo do contato com
o mundo sensível o fundamento da verdade. Não se trata mais do 'pensamento de ver',
mas da reversibilidade de ver/ser visto, em que o enigma da visão se faz no meio das
coisas, 'lá onde o visível se põe a ver' ... tais verdades têm como ancoradouro o próprio
corpo.
448
447
MOURA, Jair. Capoeira: a luta regional baiana. Cadernos de Cultura, Salvador, n. 1, p. 12, 1979.
448
CARMO, Paulo Sérgio. Merleau-Ponty: uma introdução. São Paulo: EDUC, 2002. p. 63.
246
Dessa maneira, o corpo, na sua totalidade, passa a ver não apenas pelos olhos,
mas por todo o seu corpo; o capoeirista, ao ficar de costas para o adversário-parceiro,
passa a perceber as sensações através do seu corpo inteiro. Muitas vezes, o seu olhar
está direcionado para um outro local da roda, que não é necessariamente o seu
oponente-parceiro, no entanto ele enxerga por meio da sua visão corporal; o
desenvolvimento da percepção, que vai além do olhar, as vibrações sonoras, os vultos
(passou no vazio) oriundos dos movimentos ríspidos e rápidos.
Figura – 10 Figura - 11
Os corpos estão rente a rente, um parindo o outro, um em “cima do outro”, um
marcando o outro, um desafiando o outro, um passando pelo outro, linhas curvas dos
corpos que se entrelaçam. Nas figuras 10 e 11 os tocadores estão atentos à execução
de gestos complexos. Repare na figura 11; a cabeça entrando na região do abdôme do
outro, executa a gloriosa cabeçada reverenciada pelos antigos Mestres e cantada “é
cabeceio camarada”. A cabeçada considerada um golpe perigosíssimo na arte da
vadiação que além de desequilibrar o seu oponente, constitui-se mais um vetor de
ataque do corpo.
A figura 10 lembra o golpe da tesoura geralmente realizado na capoeira Angola,
mas, no desenho, ilumina um capoeirista passando por baixo do outro. Atualmente, os
247
corpos-capoeira, ao realizar este movimento, as pernas passam primeiro para depois
passar todo o corpo. Percebe-se, na imagem, que o golpe aplicado não é uma tesoura,
mas um tipo de situação que Carybé retratar talvez pela situação emergencial de jogo.
Mas a questão central o está no movimento em si e sim nos desdobramentos dos
movimentos realizados por eles, o corpo uno se multiplicando em outros corpos, se
transformando, se juntando, se quebrando, se encontrando e se afastando.
O corpo múltiplo e grávido de outros corpos vai facilitando as passagens entre o
“estranho”, o “anômalo”
449
, os diferentes. Diz respeito aos corpos institucionalmente
enredados na dinâmica cultural e produz multiplicidade de campo de imanência, criando
um espaço-tempo circular diferente para re-interpretar, re-unir, as experiências. Nessa
qualidade de viver o próprio corpo em uma esfera de hibridação do tempo e do espaço
na coletividade, em situações de temporalidades manhosas, os corpos, além de se
misturarem, interpenetram-se, possibilitando as passagens. Aquilo que Sant’Anna
comenta:
Quando aumenta a sede de encontrar companheiros é preciso insistir: há
grande diferença entre um corpo que ressoa unicamente para ele mesmo e um
corpo que serve como passagem de forças, sem a preocupação de convergi-
las unicamente para si. Há, em suma, uma imensa distância entre corpos que
somente passam por todos os lugares e aqueles que, realizando ou o tais
viagens, se tornam eles mesmos passagens
450
.
Trata-se dos corpos que realizam os encontros na roda de capoeira, cuja
participação envolve todos; os que assistem, os que tocam, os que simplesmente
passam pelo local. Enfim, todos assumem atribuições estéticas que lhes possibilitam as
situações de passagem. Existe uma dimensão qualitativa de viver momentos lúdicos e
agnósticos, proporcionados pelo espírito grupal.
No entanto, para que isso ocorra, existe um certo “empenho do corpo” na
performance do poético como se refere Paul Zhomtor, pois traz à tona o conhecimento
“antepredicativo” descrito por Merleau-Ponty. “A socialização do corpo tem limites, para
além dos quais se estende uma zona de individuação altamente impenetrável. É nessa
zona mesmo que se situa o conhecimento “antepredicativo””
451
.
449
Estou me referindo ao diferente, anormal e irregular.
450
SANT’ANNA, Denise Bernuzz. Corpos de passagens: ensaio sobre a subjetividade contemporânea.
São Paulo. Estação Liberdade, 2001. p. 107.
451
Idem, p. 93
248
Não se sabe ao certo se esta zona é impenetrável. Acredita-se que ela seja
fluida ao fluxo descontínuo entre a socialização e a individuação. É certo que, na
capoeira, existe a busca incessante da antecipação preceptiva da jogada, a
necessidade que o corpo-capoeira tem de intuir para antecipar a jogada, deslocando o
seu oponente-parceiro para uma outra posição.
A percepção de movimentos imperceptíveis está na astúcia de trabalhar com
uma outra inteligibilidade que leva o corpo-capoeira a operar com uma
hipersensibilidade capaz de captar as sensações do oponente-parceiro. A
complexidade gestual representada nos desenhos nos leva à curiosidade de saber as
formas operantes e/ou antepredicativo do corpo durante a roda. Muniz Sodré vai evocar
que o corpo na tradição africana:
Tem lógica própria, irredutível à lógica racionalista da cabeça. Implica em uma
forma de conhecimento direto, intuitivo sobre o mundo, mais da ordem do
adivinhar do que propriamente do saber. O corpo conhece, portanto, de modo
próprio, antecipado, adivinhado, intuindo. O “micropensamento” corporal vive
mais de objetos externos e de ritualizações do que de mundo interno. Por isso
é que o corpo na capoeira, assim como na dimensão sagrada e lúdica das
culturas tradicionais, define-se em termos grupais (mais do que termos
individuais), ou melhor, ritualísticos. Na tradição africana, ele é considerado um
microcosmo do espaço amplo (o cosmo, a região, a aldeia, a casa), tanto físico
como mítico, o que faz da conquista simbólica do espaço uma espécie de
'tomada de posse da pessoa'. Seja nas formas religiosas, seja nas formas
lúdicas, o corpo integra-se ao simbolismo coletivo na forma de gesto, posturas,
direções do olhar, mas também de signos e inflexões microcorporais que
apontam para outras formas perceptivas. Por esse modo, um traço
considerado fundamental na capoeira, como a malícia, pode ser reencontrado
em práticas vigentes em outros países, mas nascidas de uma análoga situação
colonial da escravidão negra
452
Nas rodas-rituais onde os corpos mostram-se aos outros, instituindo um local de
produção grupal no qual as forças físicas são constituídas por campo energético e
revigoram as celebrações dançáveis dos povos tributários à cultura africana, o corpo-
capoeira consegue conhecer de modo próprio, antecipando, intuindo, adivinhando. As
formas operantes de viver, as sensações do corpo acontecem do instituído código
ritualístico que, através da música, transporta a pessoa para outros campos das
sensações humanas sob influência do ritmo e o corpo efetua movimentos dançáveis. É
452
SODRÈ, Muniz. Mestre Bimba: corpo de mandinga. Rio de Janeiro: Mannati, 2002. p. 85.
249
no jogo que se manifesta uma energia imaterial que emana da ancestralidade africana,
com ligações profundas com o praticante; é uma força vital denominada de “Axé”, ou
seja, “força vital”, “energia física e espiritual”, cuja fonte está materializada na
comunidade do terreiro.
Podemos considerar a participação em rituais (jogos e brincadeiras) como uma
fuga, mas não somente de uma realidade opressiva e sim pela necessidade criar
novos territórios, no sentido da criação de linhas de fuga ou desejos que escapam dos
territórios instituídos historicamente pelo poder hegemônico. A vontade e a necessidade
de colocar novos territórios virtuais para que seja contada uma outra história que
tentamos traduzir em forma de palavras, com novos desejos e com estratégias
diferentes de produzir e transmitir conhecimento.
Não se trata de fazer um tipo de defesa política desses agentes culturais,
afirmando que essa forma é melhor do que outros processos educativos, mas se trata
na verdade, de reconhecer que esta prática social temida, controlada, vigiada e punida
em determinado período da história, consegue entrar na modernidade, presente nas
instituições de ensino, militar e prisional, cuja emergência cultural se espalha para toda
parte do mundo globalizado com práticas discursivas cada vez mais complexas.
Sabe-se que os corpos dos artistas-capoeira são marcados pelos saberes-sabor
da natureza, da cultura material e dos incorporais, e também marcados pelo açoite da
opressão sofrida e por outros meios de se fazer adestrar, disciplinar e amansar
“simbolicamente” os corpos. Nos tempos atuais, os açoites são outros, mas a dor é a
mesma dor da humilhação, da intolerância e da indiferença. São os seus “ventos” que
transportam os afetos produtores das transgressões de corpos rebeldes que se
recusam a ser, novamente, ignorados ou considerados como “infame”.
Corpos dos lutadores-dançarinos da capoeira, corpos de velhos homens (os
mestres). Os velhos mestres falam e mostram pelo corpo as formas de resistência à
aculturação durante muito tempo proibidas e perseguidas. Assim, fala-se do lugar do
silêncio
453
dos “derrotados” que não foram vencidos, e que, pela cultura, brincam,
cantam, tocam, lutam e dançam.
453
Segundo Muniz Sodré: “Na tradição africana, o silêncio não é um simples ato deliberado, a decisão
voluntária de uma subjetividade ilhada, mas uma espécie de pudor ontológico de um tipo de sujeito
que, ciente da insuficiência da fala ou dos limites da comunicação discursiva, dá lugar a outra
250
Sendo assim, vale a pena retomar a noção de ancestralidade como um devir.
Considerar a cosmovisão do corpo sagrado, união entre a Terra, o Ar, a Água e o Fogo,
entre o corporal e o incorporal, como se fosse a revelação de um segredo murmurando,
no corpo, a vitória dos africanos deportados. O espaço sagrado da roda, ao mesmo
tempo, suspende a história na presença dos corpos e pressupõe uma conscientização
prévia dos efeitos da colonização nos corpos, efeitos cantados, portanto apresentados.
a presença-de-esquecimento, criadora de cultura, pois, frente à invasão cultural, a
dança é esquecimento da disciplina dobrada nos corpos, ao liberar as potências
criadoras e reflexivas, ela reconstrói e atualiza o pensamento.
Por fim, os corpos-capoeira dos velhos mestres refletidos nos desenhos de
Carybé mostram outro alinhamento corporal diferente daqueles instituídos no final do
século XIX pelas instituições (a escola, a prisão e outras) com seus dispositivos de
fabricar corpos perfilados e eretos através da ginástica e de outros aparelhos.
Observamos um corpo projetado de forma desalinhada, cuja visibilidade aparenta o
desmantelamento de estruturas rígidas com o borramento de imagem dos corpos
entrelaçados em movimentos dobrados, curvados, arredondados e de cabeça para
baixo. O desalinhamento corporal representa uma outra potência enunciativa que foge
dos padrões estereotipados da tirania de beleza do corpo.
Nas imagens-passagem de Caryrepare que os corpos atraem-se, repulsam-
se, alteram-se, fazem alianças, combinam-se em aliagens, expandem-se, penetram-se,
excluem-se. Encontram-se nos corpos, os mares do Atlântico de uma escravidão
perversa e que corremos o risco de contar pelo avesso; trilhas das matas sagradas do
povo indígena onde os africanos constituíam as comunidades quilombolas, ventos e
vozes murmurando nos corpos o segredo, fronteiras étnicas flexíveis que permitem
trazer para o centro da roda as diferenças culturais nada amistosas.
Enfim, toda uma geografia desalinhada dos corpos que se juntam, comem,
pegam, apagam, superpõem, parasitam, traem, espalham, escondem e que traz à tona
um paradigma estético-ético capaz de incorporar o diferente, o estranho, a zombaria, a
realidade, a do corpo. Silêncio não se define pela falta de algo, mas por outra realidade, situada
antes e depois da palavra. É uma realidade que engendra a si mesma e apresenta-se à consciência
ética na Ark como virtude fundamental”. SODRÉ, Muniz. Claros e escuros: identidade, povo e
mídia no Brasil. Petrópolis. RJ: Vozes, 1999. p 185
251
improvisação, o segredo, a “porrada”, e o enigma como traços fundamentais da sua
constituição. Neste jogo de dentro e de fora da arte-capoeira, a questão da resistência
está sempre colocada no centro das interferências culturais.
Figura - 12
Carybé nos chama para a “chamada de Angola”
454
, ou seja, para pensarmos no
singular, pois cada Mestre criou suas próprias formas de fazer a sua arte-capoeira,
criou suas artimanhas, seus segredos, seus mitos e seus gestos; foi assim com Bimba,
Pastinha, Canjiquinha, Caiçara e muitos outros. A pretensa identidade cultural da
capoeira vai ser o que se tem de mais provisório, fragmentado e único dentro de uma
pluralidade cultural da capoeira.
É por trás de toda essa arte do corpo que tentamos entender uma outra história
rica de múltiplos significados, uma história escondida, mas que nunca desapareceu.
454
Movimento utilizado nas rodas de Capoeira Angola em virtude da complexidade do jogo, é utilizada
como mias uma estratégia de enganar, driblar e envolver o adversário
252
Esteve presente nos séculos, XVIII, XIX e toma força na segunda metade do século XX
com as transformações sociais e culturais, principalmente com a passagem da prática
da capoeira do espaço público para o privado e com a mudança dos estereótipos de
marginais, desordeiros para agentes culturais nos tempos modernos.
As “falas”, os enunciados dos corpos-capoeira presentes nos desenhos de
Carybé, se assim podemos considerá-las, compartilham-se em processos polifônicos,
polirítmicos, polifórmicos e dialógicos, Essa polifonia inter-cultural presente nas
tradições populares, constitui um conjunto de saberes, no qual, apostamos na força do
corpo como referência de construção do saber tão importante quanto as referências
teóricas, míticas, e científicas.
É como diz uma música de capoeira: Ô meu Deus o qui eu faço / Para viver
nesse mundo / Se ando limpo malandro / Se ando sujo malandro / Ô qui mundo
velho grande / Ô qui mundo inganadô / Eu digi desta maneira / Foi mamãe que me
ensinou / Se não ligo covarde / Se mato assassino / Se não falo calado / Se
falo falador / Se não como mesquinho / Se como guloso/ Ô que mundo velho/
Ô que mundo enganador.
253
O Iê ê ê final
A história e o devir o duplas que se auto-geram; a presença atenta à
experiência, no momento preciso do acontecimento. Para Deleuze; o que a história
capta do acontecimento é sua efetuação em estados de coisa, mas o acontecimento
em seu devir escapa à história
455
”. O acontecimento é onde se estabelecem a história e
o devir. A ação da história está justamente em recolher a efetuação, os vários tipos de
condicionamentos do acontecimento; já o devir compreende-se como a possibilidade de
remontar o acontecimento, passando por ele em um tempo e percebendo as
singularidades.
O acontecimento é marcado por múltiplas vozes: pelas as vozes do poder; seja
por coesão direta, pela dominação cultural ou colonização dos espíritos; pelas as vozes
do saber, formatadas a partir de um imaginário pós-colonizador da busca incessantes
das técnicas-científicas e econômicas; mas, sobretudo, pelas vozes silenciadas da sua
auto-referência que se desvia das formas de controle e coloca outras polirritmias
culturais que se expressam nos corpos.
Numa árdua tarefa, esforçamo-nos numa tentativa de trabalhar as fontes de
maneira interdisciplinar, as fontes orais, imagéticas e escritas, considerando cada
gênero de fonte como se fosse uma potência, ou seja, um platô que se liga um ao
outro, ressoando entre elas; complementam-se, mas também se interpelam e se
contradizem. Consideramos as entre-fontes como se fosse um jogo de capoeira
misturando-se, intercambiando-se, mas disputando e lutando entre elas também.
Não sabemos ao certo se obtivemos êxito, contudo foi a força da pesquisa de
campo: os arquivos, as entrevistas e os seminários nos eventos que nos levaram a
enfrentar a presente tarefa a de escrever uma parte da história da capoeira baiana, cuja
fisionomia está na passagem de práticas corporais ritualísticas para algo mais
caricaturado os espetáculos folclóricos e cinematográficos.
Foram ricos momentos de aprendizagens, nos quais alguns Mestres preferiram
falar através da melodia do berimbau, criando novos dispositivos de pesquisa, cuja
455
DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro. Ed. 34. 1992, p 210
254
estética do cantar foi transformada em narrativas históricas; outros preferiram falar pelo
corpo, jogando capoeira durante as visitas às escolas de capoeira, e outros falaram dos
anseios, da admiração e do convívio com o seu mestre.
Os diversos campos de visibilidade da capoeira permitiram a passagem de uma
arte baseada nos princípios ritualísticos de “tradições” para novas formas operantes de
viver a capoeira. Essa situação criou novos territórios de trânsito, de vaivém e de
passagens indeterminadas, daqueles que queriam mostrar a sua arte-cultura-capoeira
para aqueles que, além de contemplar, passaram também a consumir esses novos
processos educacionais de trabalhar o corpo. Sendo assim, os sujeitos, com suas
respectivas culturas, se articulam por diversos desejos, formandos novos territórios de
trocas culturais, quase sempre ambivalentes, disciplinares, comunitárias, familiares e,
sobretudo, trans-culturais.
Os holofotes dos campos de visibilidade da capoeira baiana iluminaram a história
do corpo-negro, evidenciou os saberes ancestrais e potencializou a arte do corpo na
luta e na dança, mas sombreou ou desfocou, também, a presença das mulheres e de
outras circunstâncias históricas que não conseguimos detectar.
No que tange aos aspectos identitários, percebemos a presença de um discurso
de uma identidade coletiva que se pautava na preservação dos valores tradicionais da
Capoeira, pela valorização dos antigos Mestres de Capoeira e pelo o respeito aos
rituais, historicamente concebidos por este universo cultural; entretanto, na arte do
fazer, encontramos formas singulares de conteúdo e de expressão da arte-capoeira.
É evidente que cada Mestre, Bimba, Pastinha e Canjiquinha, com seus
discursos, procuraram marcar seu território cuja identidade se delineava pela a
diferença; portanto, as experiências dos Centros de Capoeiras, com suas formas
políticas, educacionais e culturais, se constituíram, de maneira bem singulares, a partir
da criação coletiva entre mestre, aprendiz e público, marcando, assim, a
heterogeneidade constitutiva da própria roda de capoeira enquanto lugar de narrativa
corporal.
As singularidades afirmam-se na condição de que o outro continua existindo,
elas são a abertura para estabelecer a relação, a coexistência. Mesmo que entre os
Mestres houvesse rixas e desavenças, cada trabalho desenvolvido por um deles se
255
projetava também no outro. Portanto, este é campo intenso dos jogos culturais que
permitem os encontros e os desencontros, as micro redes de poderes que vão sendo
traçadas pelos desejos muitas vezes opostos, mas, sobretudo, os dervires minoritários
criados para reverenciar os saberes ancestrais.
No cinema, por exemplo, eles conseguiram acoplar, através do jogo de
capoeira, outras narrativas dramáticas àquelas pensadas pelos os diretores do filme, ou
seja, extrapola a noção fincada pelo diretor criando outros enunciados, fáceis de serem
percebidos pela comunidade dos capoeiristas. Não chega a ser uma contra-narrativa,
mas uma narrativa do entorno que transborda a mensagem factual do filme.
É impressionante perceber o valor histórico dessas películas no âmbito da
capoeira. Os dois primeiros filmes analisados, Vadiação e Dança de Guerra, servem de
dispositivo pedagógico até hoje para visualizar a capoeira de antigamente, as formas de
jogo, o jeito de corpo, as roupas usadas, o cenário, enfim todo o arsenal estético que
faz o expectador ficar com o olhar curioso querendo descobrir novas sutilezas corporais
desses atores-capoeira.
Outro aspecto importante que deve se ressaltado é a similaridade da concepção
cinematográfica do cinema novo com a própria lógica do jogo da capoeira, o de nada
definitivo, o campo aberto para novas interpretações, a tempestividade, a similaridade
dos temas discutidos, as oscilações de planos e tomadas; enfim toda uma estética de
filmar que se intercambia com a arte-capoeira, uma espécie de arte dentro da arte.
A arte de Carybé, além de ser mais um campo de visibilidade da capoeira
baiana, foi um caminho que nos levou a outras impressões do corpo-capoeira, a uma
dimensão criadora de gestos e movimentos, levando o corpo-capoeira a inventar
coordenadas mutantes, de qualidades estéticas inéditas nem sempre vistas. É um
paradigma ético-estético com implicações políticas, porque tem responsabilidades pela
a criação e transmissão aos mais novos aprendizes através da potência do enredo que
vai além dais coisas pré-estabelecidas. Esse paradigma estético-ético abre novos
caminhos de manifestação da arte, cuja dimensão estética quebra os padrões
elaborados historicamente.
Os conceitos re-criados na tese são originário da inspiração do sábio Mestre
João Pequeno, da orientadora Denise Sant`Anna e do filósofo Jacques Gauthier.
256
Deleuze o diferencia o sábio do filósofo, mas a forma pela o qual cada um opera na
fabricação dos conceitos, não haveria somente diferença de grau, como numa escala,
entre o filósofo e o sábio: o velho sábio vindo do Oriente pensa talvez por Figura,
enquanto o filósofo inventa e pensa o conceito
456
”.
Portanto, os conceitos esparramando na tese são frutos dos contatos entre o
sujeito pesquisador e capoeirista com o Mestre João Pequeno, na sua arte de inventar
paisagens-corporais, e com os filósofos Jacques Gauthier e Denise Sant`Anna na sua
arte de fabricar conceitos: as duplagens culturais, corpos de passagem e a potência do
enredo.
Enfim, se a “filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceito”, a
capoeira é a arte formar paisagens-passagem do corpo na força do enredo da roda de
capoeira.
456
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que é filosofia. Tradução Bento Prado e Alberto Muñoz. Rio
de Janeiro. Ed. 34. 1992, p. 10
257
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258
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durante o evento da Diáspora Africana, Salvador, BA, 14 de julho 2006.
SANTOS, João Pereira. Mestre João Pequeno. Entrevista realizada na sua academia
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Carybé, Paulo Jatobá, Manoel Ribeiro e Silvio Robatto.
Dança de Guerra. Salvador, 1968, cm–documentário, dr:Jair Moura, produtor: Agnaldo
Azevedo, laboratório de imagem: Líder
Bahia Por Exemplo. Salvador, 1971, lm-documentário. d,r: Rex Schilinder, produtor
executivo Braga Neto, f: Giorgi Atilli e Alonso Rodrigues. Polígono Filmes;
Festa na Bahia Oxalá. Salvador, 1969, cm-documentário dr: Ronaldo Duarte. F: Lauro
Escorvel, texto e narração de Jorge Amado;
Um dia na rampa. Salvador, 1960, cm, dr: Luiz Paulino, a: Orlando Alcovia Rêgo e Luiz
Ludwig, f: Valdemar Lima, Marinaldo da Costa Nunes e David da Costa Nunes. Produtor
Responsável Primo Carbonari
A Grande feira. Salvador, 1961, lm. d,r: Roberto Pires, a: Rex Schindler, f: Hélio Silva, p:
Produtores Rex Schindler e Braga Neto. Realização Iglu Filmes;
Barravento, Salvador, 1961, lm-aventura, dr: Glauber Rocha. A: Luís Paulino dos
Santos, r: José Telles de Magalhães, f: Toni Rabatoni, mt: Nelson pereira da Costa, p:
Braga neto, Rex Schindler e Roberto Pires, estúdio: Iglu Filmes, Distribuição: Horus
Filmes;
259
O Pagador de Promessas. Salvador, 1962, Lm-drama, dr: Anselmo Duarte. Estúdio:
Cinedistri / Produção: Francisco de Castro. Distribuição: Lionex Films Inc. / Embrafilme.
baseado em peça teatral de Dias Gomes.
Tenda dos Milagres. Salvador, 1976, lm-drama, dr: Nelson Pereira da Costa, dr
executivo: Bey Sant`Anna, i: Rino Marcone, texto baseado na obra de Jorge Amado,
Regina Filmes;
Jubiabá. Salvador, 1985, lm-drama, dr: Nelson Pereira da Costa, dr de produção: Ney
Sant’ Anna, i: Marco Antônio Borges e Ana Nery de Oliveira, texto baseado na obra de
Jorge Amado. Co- produção: EMBRAFILME, produção: Regina Filmes.
3 Revista Vivierbahia - Instituo Jair Moura
Revista Viverbahia, Salvador, n. 13, p. 19, nov. 1973;
Revista Viverbahia, Salvador, n, 18, p.15, mar, 1975;
Revista Viverbahia, Salvador, n, 23, p. agos.1975
Revista Viverbahia, Salvador, n, 24, set, 1975
Revista Viverbahia, Salvador, 47, jul/set. 1979
4 Jornais
PASTINHA: estão abusando da capoeira. Diário de Noticias, Salvador, 3 out.1970, 2
caderno, p. 11
I TORNEI Inter – Clubes de Capoeira foi encerrado brilhantemente. Diário de Noticiais,
Salvador, 24 set.1964.
PRIMEIRO Tornei de Capoeira, A Tarde, Salvador, 17 set. 1964
260
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