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SANDRA GUEDES
ORÍGENES LESSA E A
PROPAGANDA BRASILEIRA
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo, 2007.
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SANDRA GUEDES
ORÍGENES LESSA E A
PROPAGANDA BRASILEIRA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Comunicação Social da
Universidade Metodista de São Paulo - UMESP,
como exigência parcial para a obtenção do grau
de Mestre.
Orientador: Prof: Dr. José Marques de Melo
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo, 2007.
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Aos meus pais, que deram
a mim o tempo que possuíam,
além da paciência e do carinho que
dedicaram aos meus filhos
enquanto eu pesquisava.
Ao Edemir Evilásio Silva, cúmplice
nos pensamentos e nas atitudes.
Um especial agradecimento a Jane Maria Mozaner,
ao Marcelo Lopes e a Sabrina Leme Burato,
do Instituto Orígenes Lessa,
em Lençóis Paulistas.
A minha amiga Roseane Arcanjo Pinheiro,
parceira desta trajetória.
A minha irmã Soraia Guedes,
pelo apoio e pela força.
Ao meu professor Dr. José Marques de Melo,
cujos olhares sobre a minha pesquisa
iluminaram minha trajetória.
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FOLHA DE APROVAÇÃO
A dissertação de mestrado sob o título “Orígenes Lessa e a Propaganda
Brasileira”, elaborada por Sandra Guedes foi defendida e aprovada em 04 de Maio
de 2007, perante a banca examinadora composta por Prof. Dr. José Marques de Melo, Prof.
Dr. Adolpho Queiroz e Prof. Dr. Oswando Moraes.
Assinatura do orientador: ______________________________________________________
Nome do orientador: Prof. Dr. José Marques de Melo
Data: São Bernardo do campo, 04 de Maio de 2007.
Visto do Coordenador do Programa de Pós-Graduação: ______________________________
Área de concentração: Processos Comunicacionais
Linha de Pesquisa: Comunicação Massiva
Projeto temático: Midiologia Brasileira, Cenários e Personagens
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RESUMO
A trajetória de vida do publicitário, jornalista, contista, novelista, romancista e ensaísta
Orígenes Lessa é rica em experiência profissional e conhecimento intelectual na propaganda e
na literatura. O objetivo central deste trabalho foi o de resgatar seu itinerário na propaganda,
seus valores, as técnicas de publicidade por ele utilizadas, bem como suas contribuições para
a evolução da propaganda brasileira. O publicitário, detentor também de ampla produção
literária, foi o primeiro presidente da APP Associação dos Profissionais de Propaganda.
Trabalhou em uma das primeiras agências de publicidade do Brasil, a Eclética. Começou a
atuar em 1928 na multinacional General Motors, depois em agências estrangeiras, como a
J.W. Thompson, e em meios de comunicação nacionais, consolidando uma carreira de 57 anos
dedicados à publicidade. Adotamos o método de pesquisa histórica buscando os vínculos
entre a trajetória pessoal e profissional de Orígenes Lessa e o desenvolvimento da
publicidade. Privilegiamos o período das décadas de 20 e 30, época de ativa militância do
publicitário na área. Destacamos sua percepção do trabalho do redator publicitário, seus
valores, principais trabalhos e as repercussões dos mesmos na sociedade brasileira.
Palavras-chave: Midiologia Comparada. Comunicação Massiva. Pensamento
Publicitário Brasileiro, Propaganda no Brasil, Biografia.
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ABSTRACT
The path of life of the advertiser, journalist, story writer, novelist and essayist Orígenes Lessa
is rich in professional experience and intellectual knowledge in the propaganda and literature.
The main objective of this work was to rescue his itinerary in the propaganda, his values, the
publicity techniques used by him, as well as his contributions for the evolution of the
Brazilian propaganda. The advertiser, holder also of a wide literary production, he was the
first president of APP - Association of Professionals of Propaganda. He worked in one of the
first agencies of advertising of Brazil, the Ecletica”. He began to act in 1928 in the
multinational General Motors, later in foreign agencies, like J.W. Thompson, and in national
means of communication, consolidating a 57 year-career dedicated to the advertising. We
adopted the method of historical research looking for the bonds between Orígenes Lessa's
personal and professional path and the development of the advertising. We privileged the
period of the decades of 20 and 30, time of active militancy of the advertising in the area. We
detached his perception of the work of the advertising editor, his values, main works and the
repercussions of the same ones in the Brazilian society.
Word-key: Compared Midiology, Mass Communication, Brazilian Advertising
Thought, Propaganda in Brazil, Biography.
7
RESUMEN
El camino de vida del publicitario, periodista, cuentista, novelista y ensayista Orígenes Lessa
es rico en la experiencia, profesional y conocimiento intelectual en la propaganda y en la
literatura. El objetivo principal de este trabajo fue lo de rescatar su camino en la propaganda,
sus valores, las técnicas de publicidad por él utilizadas, así como sus contribuciones para la
evolución de la propaganda brasileña. El publicitario, poseedor también de producción
literaria amplia, fue el primer presidente de APP - la Asociación de los Profesionales de
Propaganda. Trabajó en una de las primeras agencias de publicidad de Brasil, el “Eclética”.
Empezó a actuar en 1928 en la multinacional General Motors, después actuó en agencias
extranjeras, como J.W. Thompson, y en los medios de comunicación, consolidando una
carrera del 57años dedicados a la publicidad. Adoptamos el método de investigación histórica
que busca los vínculos entre el camino personal y profesional de Orígenes Lessa y el
desarrollo de la publicidad. Privilegiamos el período de las décadas de 20 y 30, época de
activa militância de la publicidad en la área. Destacamos su percepción del trabajo del editor
de publicitario, sus valores, trabajos principales y las repercusiones de los mismos en la
sociedad brasileña.
Palabra-importante: La biografía, Comunicación Masiva, la Propaganda Política, la
Publicidad Brasileña, El pensamiento, la Propaganda en Brasil.
8
SUMÁRIO
Introdução ...................................................................................................................... 10
Capitulo I : Orígenes Lessa vida e obra
1. Vivência familiar ..................................................................................................... 14
2. Formação e influências ............................................................................................ 15
2.1. Situação social e econômica do Brasil nas décadas de 1920 e 1930 .............. 16
2.2.Formação e experiência profissional ................................................................ 19
3. O redator e a publicidade ....................................................................................... 20
4. O escritor e a sua obra ........................................................................................... 22
5. Profissionalismo e liderança ................................................................................... 24
Capitulo II : Propaganda, teoria e técnica segundo Orígenes Lessa
1. O que era propaganda para Orígenes Lessa ............................................................ 26
2. As técnicas do anúncio ............................................................................................ 28
O Anúncio ............................................................................................................... 28
As técnicas do anúncio utilizadas por Orígenes Lessa ........................................... 30
3. “São Paulo de 1868: retrato de uma cidade através de anúncios de jornal” ........... 32
Os anunciantes ......................................................................................................... 33
Curiosidades e técnicas de anúncios em 1868 ........................................................ 35
Custos da população urbana em 1868 .................................................................... 36
Capítulo III : Técnicas de vendas
1. O papel da venda pessoal para o mix de comunicação de marketing
visão contemporânea .......................................................................................... 40
2. O Vendedor ............................................................................................................ 40
Outras características do bom vendedor ................................................................. 46
O feitio moral do vendedor ..................................................................................... 47
Como obter candidatos ........................................................................................... 47
O estudo prévio do pretendente .............................................................................. 48
A entrevista ............................................................................................................. 48
Preparando as vendas futuras ................................................................................. 50
Capítulo IV : Propaganda Eleitoral
1. A opinião pública e a publicidade ......................................................................... 51
1.1. A existência duvidosa da opinião pública ...................................................... 54
2. Propaganda eleitoral e a propaganda política ........................................................ 56
3. Propaganda Eleitoral: observações sobre a campanha política na eleição
para governador de São Paulo em 1954 ............................................................... 60
3.1. Perfil dos candidatos ..................................................................................... 61
3.2. As campanhas ............................................................................................... 62
Capítulo V : O Bate Papo na Revista Publicidade & Negócios
1. O início do século XX e o nascimento das revistas ............................................... 69
2. Revista Publicidade & Negócios ............................................................................ 71
3. Bate-papo com Orígenes Lessa .............................................................................. 73
Considerações Finais ................................................................................................... 78
Referências bibliográficas .......................................................................................... 81
Glossário ...................................................................................................................... 84
Anexos .......................................................................................................................... 85
9
Orígenes Lessa
10
INTRODUÇÃO
Contar a história de Orígenes Lessa e a propaganda brasileira é trazer à luz as técnicas
de propaganda que os pioneiros utilizaram e que são utilizadas até hoje, mesmo num cenário
onde a tecnologia está presente. Sua carreira se confunde com a história da propaganda no
Brasil. As parcerias que se constituíram, seus trabalhos e sua postura profissional foram
importantes e transcendem o seu tempo. A beleza de seus contos nos impulsiona a levantar
questões a respeito do trabalho do publicitário, do quanto a linguagem utilizada para atingir
determinados públicos deve ser trabalhada com cuidado.
Lessa foi um dos pioneiros da propaganda no Brasil. Seu perfil intelectualizado é
claramente percebido através deste trabalho. Seus valores e técnicas reforçam também a
hipótese de que as atividades do publicitário, desde o seu início, eram dinâmicas e exigiam
conhecimento do processo de comunicação, tanto para atuação em agências estrangeiras
quanto nacionais. Isso porque era preciso atender as necessidades das empresas em franco
desenvolvimento.
Orígenes Lessa possuía domínio e conhecimento do que se refere aos recursos técnicos
da redação publicitária e da comunicação. Atuou como profissional de propaganda num
período em que as grandes agências internacionais, que fizeram escola no país, estavam se
estabelecendo.
O presente estudo teve como objetivo geral recuperar a história de Orígenes Lessa e
sua contribuição para a propaganda brasileira. Como objetivos específicos pretendemos
recuperar a trajetória do publicitário Orígenes Lessa a partir da sua vivência familiar, sua
formação e influências e resgatar os acontecimentos que marcam a história da propaganda
brasileira, além de identificar as técnicas de propaganda que foram discutidas e utilizadas por
Orígenes Lessa, principalmente nas publicações Propaganda Eleitoral, e O Vendedor”,
reconhecendo o que era para ele a publicidade e a propaganda, bem como seus valores; por
fim, pretendemos contribuir para estudos e pesquisas sobre a história da propaganda
brasileira.
A propaganda e a publicidade são atividades de grande importância econômica e
social. São elas que mantêm, financeiramente, as mídias. Atualmente, são os grandes grupos
de comunicação que dominam o cenário global, vendendo consumidores aos seus
anunciantes, possibilitando a realização de compras, via televisão, não só da mercadoria mas
também de estilos de vida, através da aquisição de um ou outro produto cuja propaganda
11
tenha chamado a atenção do espectador desatento com grandes e caras produções
publicitárias. A propaganda se desenvolveu à medida que se expandia a indústria e o
comércio, enfim, a economia mundial.
O estudo pretende, ainda, constituir, a partir da sua característica histórica, um quadro
de referências que possam ser úteis à identificação e à construção de hipóteses para estudos
posteriores.
O problema foi abordado qualitativamente pelo fato de ser uma pesquisa histórica que
tem como um dos principais aspectos um intenso trabalho bibliográfico-documental, exigindo
grande paciência por parte do pesquisador. Segundo Richardson (1985, p.39), estudos que
empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de determinado
problema, além de analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar
processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de
determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das
particularidades do comportamento dos indivíduos. Richardson afirma, ainda, que há
situações que implicam estudos de conotação qualitativa, como é o caso das observações que
são usadas como indicadores do funcionamento de estruturas sociais.
Este estudo passou por etapas fundamentais, que inicialmente resgataram a história de
Orígenes Lessa - vida e obra, através das suas biografias já publicadas pela Academia
Brasileira de Letras e pelo Instituto Orígenes Lessa - no município de Lençóis Paulistas,
interior de São Paulo. O intenso levantamento bibliográfico-documental de sua trajetória
profissional e de sua produção publicitária além de registros fotográficos, foram fundamentais
para se conhecer, profundamente, o percurso histórico de Lessa.
Tivemos como fontes para levantamento documental a Biblioteca Orígenes Lessa, na
mesma cidade do Instituto - para onde foram doados seus livros, a APP Associação dos
Profissionais de Propaganda, da qual Lessa foi o primeiro presidente, a Biblioteca Mario de
Andrade e o Instituto Cultural da Escola Superior de Propaganda e Marketing, ambos na
cidade de São Paulo. As maiores dificuldades para a realização desta pesquisa dizem respeito
ao Instituto Cultural da Escola Superior de Propaganda e Marketing cujo acesso não é
facilmente permitido, não porque se trate de um valioso acervo histórico que exige muito
cuidado, mas porque o pesquisador não pertence à instituição.
A última etapa consistiu na análise das publicações contidas em Propaganda
Eleitoral”, e emO Vendedor”, onde se discutem valores e técnicas utilizadas nas
importantes agências de propaganda do Brasil, além de uma análise do artigo escrito em 1953,
sob o título: São Paulo de 1868 o retrato de uma cidade através dos anúncios de jornal”.
12
Procedendo-se , também, a um estudo sobre as crônicas publicadas na revista PN
Publicidade & Negócios.
A presente dissertação foi dividida em cinco capítulos. No primeiro, Orígenes Lessa
vida e obra, teve-se por objetivo conhecer Orígenes Lessa, desde sua família até suas
atividades profissionais, procurando-se identificar as influências que sofreu, conhecendo-se,
para tanto, seu percurso como publicitário e que o levou a se tornar o primeiro presidente da
Associação dos Profissionais de Propaganda (APP) de outubro de 1933 a agosto de 1938.
Os meados da década de 20 e os primeiros anos de 1930 foram muito importantes para
a publicidade brasileira. Nesse período, muitas agências multinacionais vieram se estabelecer
no Brasil. Além do mais, o país vivenciava um período de dificuldades com a revolução
comandada por Getúlio Vargas. (1990, p.308)
Orígenes Lessa foi reconhecido autor da literatura brasileira, imortal da Academia
Brasileira de Letras. Não seria possível falar sobre ele e não lembrar de suas principais obras
literárias. Exerceu liderança entre os profissionais de sua área e era respeitado pelo seu
talento. Merece o nosso reconhecimento e o resgate de sua trajetória.
Este capítulo é importante, também, na medida em que os acontecimentos que
marcaram a época e, conseqüentemente, o início da publicidade e da propaganda no Brasil
estarão sendo resgatados.
No segundo capítulo discorremos sobre as teorias e técnicas aplicadas à propaganda
por Orígenes Lessa durante sua vida profissional. Vimos quais eram seus fundamentos e o
que representava para ele a propaganda brasileira. Discutimos, ainda, sobre como Lessa
elaborava os anúncio dos seus clientes e, para isso, verificamos quais eram as variáveis
consideradas para a criação da peça publicitária. Encerramos o capítulo com o artigo “São
Paulo de 1868: retrato de uma cidade através de anúncios de jornal, publicado em 1953.
No terceiro capítulo, “Técnicas de Vendas”, discutimos o papel da venda pessoal para
o mix de comunicação, numa visão contemporânea; comparamos as técnicas de vendas
utilizadas e orientadas por Lessa, em 1939, com as técnicas orientadas atualmente pelos
principais profissionais de promoção de vendas. Fechamos o capítulo com o livro “O
vendedor”, publicado em 1939.
No quarto capítulo falamos sobre a Propaganda Eleitoral. Discutimos a opinião
pública e a publicidade, as dúvidas que recaem sobre a existência da opinião pública e as
diferenças entre propaganda eleitoral e propaganda política. Por fim, discorremos sobre o
artigo Propaganda Eleitoral: observações sobre a campanha política na eleição para
governador de São Paulo em 1954”, publicado por Lessa em 1955.
13
No quinto e último capítulo, O Bate Papo na Revista Publicidade & Negócios,
resgatamos o início do século XX e o nascimento das revistas no Brasil. Destacamos o papel
da revista PN - Publicidade & Negócios, especializada em propaganda desde a década de
1940, a qual discutia, também, política, economia, oportunidades e o mercado brasileiro, com
o objetivo de melhorar o diálogo entre o publicitário e o anunciante, ou melhor, os homens de
negócio.
Para a revista PN, Orígenes Lessa foi um grande parceiro: escreveu mais de 70
crônicas que eram publicadas na seção “Bate Papo”. Seus textos eram bem humorados e
colocavam em pauta a propaganda e suas técnicas, além de darem dicas importantes, falarem
sobre o cotidiano, a política e o profissional, deixando clara a sua postura ética.
Esperamos que com esta dissertação possamos contribuir para o desenvolvimento do
profissional da propaganda resgatando, através da história, a experiência, os valores e as
técnicas, genuinamente brasileiras, aplicadas por um dos pioneiros da propaganda brasileira,
as quais ainda podem ser praticadas nos dias de hoje. Tenha uma boa leitura!
14
Capítulo I
ORÍGENES LESSA VIDA E OBRA
1. Vivência familiar
“O menino Orígenes Lessa
acreditava que se estivesse escondido em baixo da
cama não seria atingido pela fúria do
‘Senhor Deus’, caso alguma coisa errada fizesse”.
(LOUZEIRO, 2003, p151)
Orígenes Ebenezer Themudo Lessa: este foi o nome que recebeu de seus pais, Vicente
Themudo Rego Lessa, historiador, jornalista e pastor protestante, e Henriqueta Pinheiro
Themudo Lessa. Nasceu em Lençóis Paulistas, interior de São Paulo, no início do século XX,
em 12 de julho de 1903. Aos três anos, junto com a família, foi morar em São Luís do
Maranhão, onde seu pai deveria desenvolver suas atividades missionárias da Igreja
Presbiteriana Independente. (ABL, 2005)
Vicente, natural de Pernambuco, dedicou-se, durante toda a vida, a sua crença e ao
ensino. Era professor de grego na escola Liceu Maranhense e dava aulas particulares de inglês
e francês.
A beleza do Maranhão envolveu o menino Orígenes, tanto que um dos seus romances
mais conhecidos foi intitulado como “A rua do Sol”. Nele estão à disposição do leitor as
brincadeiras e as experiências da infância do autor.
A escola primária em que Lessa estudou ficava distante da rua do Sol, onde moravam.
Para que pudesse chegar ao Curso de Aplicação Nossa Senhora dos Remédios seu pai
contratou um cocheiro que o levava e trazia.
Nessa escola deram-lhe o apelido de “come santo” e, por isso, chegou a ser agredido
algumas vezes durante o intervalo das aulas, mas seguia a orientação do pai para que não
reagisse. Era chamado pelo apelido cada vez que um católico se convertia ao protestantismo,
ocasião em que os pastores se reuniam na casa do novo fiel e, munidos de um bastão,
quebravam as imagens e os santuários. (LOUZEIRO, p.154)
Aos sete anos, Orígenes sofre com seu pai, a morte de dona Henriqueta. Vicente pede,
então, ao Conselho de Ministros Evangélicos, sua transferência para Recife, onde continuou
sua pregação. Orígenes passa a estudar no Ginásio Pernambucano. (LOUZEIRO, p.155)
15
Três anos mais tarde seu pai vai para São Paulo como vice-diretor do Colégio
Evangélico, onde Orígenes dá continuidade a sua formação, terminando o ginásio numa
escola do Estado. (LOUZEIRO, p.155)
Teve uma infância humilde. Os livros foram para ele a grande paixão. Criado sob
dogmas religiosos, Orígenes ajudava seu pai nos trabalhos da igreja. Com isso, transformou a
Bíblia no seu livro de cabeceira, mas, não seguiu a vocação do pai.
Foi casado por quatro anos com sua prima Elsie Pinheiro Themudo, cronista de “O
Globo”. Deste relacionamento tiveram um filho, Ivan Lessa, jornalista e escritor.
Durante o IV Centenário da cidade do Rio de Janeiro, em 1965, Lessa conhece Maria
Eduarda de Almeida Viana, dona de um belo sorriso, que viera de Portugal a trabalho. Foi
esposa e a grande parceira de todos os momentos da vida.
Lessa teve como vocação a propaganda e a literatura. Consagrou-nos com a sua arte, e
gostava de dizer que era um “escrevedor e não escritor. (2003, p.14)
2. Formação e influências
Orígenes Lessa acompanhou, durante sua infância e adolescência, a jornada do pai
como missionário. Reconhecia a dedicação e a seriedade com que ele tratava aqueles que
acreditavam precisar mais da ajuda do Senhor Deus. Este sentimento foi exposto claramente
num discurso que pronunciou em comemoração ao centenário da Igreja Presbiteriana
Independente, em 13 de dezembro de 1980:
...meu pai deixou todos os seus planos de vida para se
dedicar a uma tarefa exclusiva: levar aos outros a
mensagem que era o seu motivo de alegria. Viera para o
Sul (Friburgo, RJ), fizera seus estudos, tornara-se pastor
pastor, mais que qualquer outra coisa era, realmente,
sua vocação. ...” (LESSA, In: LOUZEIRO, 2002)
Além dos textos bíblicos, que foram suas primeiras leituras, leu “A Noite do Castelo”,
de Antônio Feliciano de Castilho, “O Moço Loiro”, de Joaquim Manoel de Macedo, “Flores
Silvestres”, de Bittencourt Sampaio, e “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes, um de seus
autores preferidos. Gostava das histórias de Sherlock Holmes e, durante o ginásio, leu autores
que o levaram a questionar a palavra de Deus, como o anarquista Alekseievitch Kropotkin,
com o livro “A Conquista do Pão”.
16
Largou a igreja aos dezesseis anos, quando teve a primeira e ingênua crise espiritual,
mas, aos dezenove, abatido pela segunda crise e buscando renovação de problemas que não
sabia como resolver, foi estudar Teologia no seminário protestante, lá permanecendo por dois
anos. (LESSA, 2003, p.17)
Foi para o Rio de Janeiro e enfrentou dificuldades financeiras, o que representou para
ele um dos períodos mais difíceis de sua vida. Nessa época dava aulas particulares de Inglês.
Completou o curso de Educação Física e foi instrutor de ginástica do Instituto de Educação
Física da Associação Cristã de Moços. Ingressou no jornalismo e teve seus primeiros artigos
publicados na seção “Tribuna Social Operária, do jornal “O Imparcial.
Entrou na Escola Dramática Municipal do Rio de Janeiro, que era dirigida por Coelho
Neto. Teve como professores João Ribeiro, Alberto de Oliveira e José Oiticica. Dizia que
jamais pensou em ser ator, o que mais queria era escrever para o teatro.
Como tradutor de inglês mudou-se para São Paulo para trabalhar em uma empresa
exportadora de café. Logo em seguida foi trabalhar, também como tradutor, no Departamento
de Propaganda da General Motors (1928). No mesmo período escrevia para o “Diário da
Noite” de São Paulo, onde publicou sua primeira coleção de contos.
Segundo Pedro Bloch, Orígenes foi o papa da publicidade. Foi um escritor
aperfeiçoado pela publicidade. Ela lhe deu a palavra precisa, a que melhor podia alcançar o
leitor, sem divagações. Dizia que: “...era só jogar o seu talento que tudo se vendia.” (2003,
p.24)
Pedro Bloch conta, ainda, que Orígenes dizia: - “o bom anúncio é o que vende. É o
fato diz o mestre. Você tem que vir de encontro a uma necessidade ou despertar uma
necessidade que ele nem sabia que tinha”. (2003, p.25)
2.1. Situação Econômica e Social do Brasil nas décadas de 1920 e 1930
O Brasil dos anos 20 estava entrando na modernidade, ao mesmo tempo em que em
algumas regiões do país o processo de industrialização, a urbanização, o crescimento do
proletariado e do empresariado começavam com movimentos acelerados, modificando valores
da cultura cotidiana e os padrões da comunicação social. Em outras regiões o
desenvolvimento era assimétrico. Os colonialistas, os latifundiários e os defensores do
sistema oligárquico insistiam em se manter no poder, preservando as tradições, sendo
intensamente rejeitados, acabando por se estabelecer, no país, uma crise política cujo desfecho
colocou um ponto final na condução da economia e da política brasileiras pela burguesia
17
cafeeira. Mesmo assim o Brasil continuou a ser um país predominantemente agrícola até
1930. Segundo o censo de 1920, havia 9,1 milhões de pessoas em atividade. Desse total,
69.7% se dedicavam à agricultura, 13.8% à indústria e 16.5% aos serviços que englobavam
atividades urbanas de baixa produtividade como, por exemplo, os serviços domésticos.
(FAUSTO, 2006, p. 281)
Nas primeiras décadas do século XX as cidades mais importantes eram, no Norte,
Belém e Manaus, no Nordeste, Salvador, Recife e Fortaleza, no Sul, Porto Alegre e Curitiba,
e no Centro-Oeste, apenas Cuiabá. Na região Sudeste, Rio de Janeiro (Capital da República)
e São Paulo. Estas duas cidades sofriam o impacto da expansão da economia cafeeira - que
representava 80% da nossa produção e 90% da exportação - e da incipiente industrialização.
Nelas residiam mais de 50% da população de todas as capitais dos estados. (VILELA e
SUZIGAN, 1973)
Os cafeicultores e industriais eram identificados como os principais beneficiários da
política do governo, pois havia uma estreita relação entre o café e a indústria. Procurando
proteger interesses comuns foi criado, em 1922, o Instituto de Defesa Permanente do Café,
órgão responsável pela organização do mercado produtor nacional. Pouco tempo depois
(1924) essa função ficou a cargo do estado de São Paulo, através do Instituto do Café de São
Paulo. A partir daí as associações de classe foram organizadas em cidades como São Paulo,
Porto Alegre e Juiz de Fora mas, o grande articulador dos interesses empresariais de todo o
país foi o Centro Industrial do Brasil (CIB), sediado no Rio de Janeiro, que conseguiu unir o
setor industrial e a classe operária, além de procurar limitar a intervenção do Estado na
questão social, a fim de evitar um excesso de ônus para os industriais e o cerceamento de sua
liberdade na condução das relações com o operariado.
Os principais ramos industriais foram o têxtil - com os tecidos de algodão, possuía um
grande número de operários e maior concentração de capital investido - seguido do setor de
alimentação, incluindo bebidas e o de vestuário. A carência estava na indústria de base -
cimento, ferro, aço, máquinas e equipamentos de cuja importação o país dependia. Na
tentativa de suprir essas deficiências o governo incentivou a implantação de duas empresas
importantes: a Siderúrgica Belgo-Mineira, em Minas Gerais, cuja produção teve início em
1924, e a Companhia de Cimento Portland, em São Paulo, com a produção iniciada em 1926.
A partir daí, e tomando como exemplo a experiência acumulada durante a Primeira Guerra,
pequenas oficinas de consertos foram se transformando em indústrias de máquinas e
equipamentos. (FAUSTO, 2006, p. 288).
18
O processo de industrialização pode ser observado em duas etapas. Na primeira, de
1921 a 1924, com a terceira valorização do café e os investimentos em maquinaria, ocorre a
modernização da indústria. De 1924 a 1929, com a queda na taxa de câmbio, torna-se mais
acessível a aquisição de produtos estrangeiros. Em função disso, o fluxo de importação é
retomado e, como conseqüência direta, a produção industrial passa por um processo de
desaceleração. No mesmo período foi registrado um afluxo de imigrantes, que pode ser
explicado pelo crescimento das migrações internas na Europa devido aos efeitos da crise de
1929 e pelo governo brasileiro, que impôs uma série de limitações justificadas pelo aumento
do desemprego nas cidades.
A crise de 1929 afetou a economia mundial entre 1929 e 1934, época em que os
Estados Unidos ocupavam uma posição hegemônica na economia do mundo capitalista, como
a maior potência industrial e financeira do planeta. A queda da Bolsa de Nova Iorque, com a
brusca e sucessiva queda dos preços das ações, gerou uma crise bancária e uma onda de
falências sem precedentes na história. Com isso, os EUA reduziram as importações, o que
gerou uma grande crise industrial e financeira e o crescimento do desemprego na Europa,
afetando também a América Latina, com conseqüências sobre a economia agroexportadora, o
que acabou por reduzir a exportação de matérias-primas.
As transformações impostas pela modernidade trouxeram preocupações em diversos
setores da sociedade brasileira. A classe política, militar, empresarial, os trabalhadores, os
profissionais liberais, os educadores, os artistas e os intelectuais, todos queriam discutir os
rumos da nação brasileira, a identidade e a política nacional. Queriam, enfim, saber como
deveria ser o Brasil moderno.
Os representantes da cultura modernista brasileira, procuraram discutir e compreender
o Brasil em relação ao que acontecia no mundo, procurando também responder questões de
identidade nacional através de um repensar da cultura, do resgate das tradições, costumes e
etnias que haviam permanecido praticamente ignorados pelas elites. Todo esse movimento
mostrou uma realidade profundamente contrastante entre si.
Este movimento começou nos anos de 1920 e se prolongou pelos anos de 1930. Teve,
em 1922, seu marco representativo, com a Semana de Arte Moderna de São Paulo, que fez
parte da agenda oficial comemorativa do Centenário da Independência, além da Exposição
Universal do Rio de Janeiro, e da proliferação de revistas e manifestos por todo o país.
Foi neste contexto econômico e social, carregado de mudanças emergentes, que a
propaganda brasileira deu seus primeiros passos. Até então, os anúncios veiculados nos
jornais diziam respeito a escravos, livros, imóveis e leilões e eram escritos pelos captadores e
19
agenciadores de anúncios, personagens importantes para o desenvolvimento da profissão os
quais, com a chegada das revistas, que traziam as novas tendências artísticas da pintura e da
arquitetura mundial, foram se profissionalizando e saindo dos departamentos internos das
empresas e indo para escritórios particulares bem localizados, os quais se transformaram em
agências. (RAMOS, 1990, p.4)
2.2. Formação e Experiência profissional
“... anunciar é uma decorrência natural da
necessidade de conquistar um mercado...”
( LESSA, APP, 1953, p.39)
Orígenes Lessa trabalhou em diversos veículos de comunicação. Uma de suas
primeiras experiências foi nos jornaizinhos escolares, aos 12 anos. Foi professor de educação
física e de inglês. Ao mesmo tempo, escrevia para O Diário da Noite de São Paulo (1929).
Como tradutor, trabalhou no Departamento de Propaganda da General Motors que,
segundo Lessa, foi a primeiras grande escola de propaganda do Brasil, além de ter sido uma
das empresas responsáveis por formar grandes profissionais ainda atuantes na publicidade.
(APP, 1953, p.37). Como redator, trabalhou na revista “A Cigarra”. Neste mesmo período
era diretor da Rádio Sociedade Record de São Paulo. (LOUZEIRO, 2003, p.34)
Alistou-se, voluntariamente, no primeiro batalhão, “Voluntários de Piratininga, e
teve participação ativa na Revolução Constitucionalista de 1932. No morro da Pedreira foi
preso pelo batalhão de Sergipe e conduzido para a Casa de Detenção do Rio de Janeiro, onde
permaneceu por três dias sendo, em seguida, levado para o Presídio de Ilha Grande.
Encarcerado, escreveu a reportagem “Não há de ser nada”, publicada pela Companhia
Editora Nacional, na qual descreve o que viu nas trincheiras. As recordações do presídio
foram contadas por Lessa no livro “Ilha Grande jornal de um prisioneiro de guerra.
(lpnet.com.br, 10.06.05)
Em visita a um antigo amigo da GM, Aldo Xavier da Silva que, junto com o Major
Carson, organizava a N.W.Ayer, agência de propaganda que estava vindo para o Brasil para
servir a Ford, Lessa foi convidado para trabalhar como redator. Raspou a barba de
revolucionário e, nessa agência, escreveu os primeiros anúncios para o Sabonete Gessy. Os
grandes anunciantes dessa época eram os americanos (a GM, a Ford, e a General Electric).
(APP, 1953, p.38)
20
A Ayer se transformou em Thompson e, como redator publicitário, Lessa passa a
compor uma das mais importantes agências de publicidade que, até os dias de hoje, mantém
com sucesso seus escritórios no Brasil.
Lessa era surpreendente. Com o pseudônimo de Álvaro Moreno foi colunista da
“Folha da Manhã”. Fazia também crítica teatral (1930/31) para o “Diário da Noite”, de São
Paulo. Falava que a dramaturgia brasileira estava mergulhada no formalismo. (LOUZEIRO,
2003, p.34)
“...nenhuma arte se encontra tão afogada pelos
convencionalismos e pelas fórmulas tradicionais
como a de Jayme Costa e Palmierim Silva...”
(LESSA, In: LOUZEIRO, 2003, p. 34)
Entre 1941 e 1942 dirigiu, também, a Revista Planalto, a qual tinha repercussão em
toda a América.
Em 1942 foi trabalhar em Nova York, no Coordinator of Inter-American Affairs,
como redator de programas da NBC irradiados para o Brasil. No ano seguinte já estava de
volta a sua terra natal, com uma extensa obra literária publicada. Lançou o livro “OK
América” com uma série de entrevistas e reportagens que realizou nos EUA.
Orígenes Lessa era um intelectual. Trabalhou por mais de 40 anos na publicidade.
Como escritor conquistou, em 1981, a cadeira nº 10 da Academia Brasileira de Letras.
Escreveu para crianças de 8 a 80 anos. Foi jornalista atuante, trabalhou no rádio e em jornais.
Sabia como falar, em linguagem simples, com qualquer pessoa, independentemente do seu
nível cultural ou econômico. Dava valor aos seres humildes e às coisas simples que a vida
proporcionava.
3. O redator e a publicidade
“Hoje a Propaganda, no Brasil, já devora bem poucos.
E faz muito mais. Faz nascer. Faz surgir, desperta,
incrementa, estimula vocações. E os que iriam ser e não
sabiam, de repente se viam sendo, bons de serem, eles,
bons de os lermos nós.” (LESSA, março de 1984)
...precisei escrever profissionalmente para sobreviver,...” (LESSA, 1984) Foi esse o
principal motivo que levou Orígenes Lessa à redação de uma agência de publicidade.
Segundo ele, o redator não existia, o que existia era o produto e o seu fabricante. De certa
21
maneira, sentia-se anulado mas, em compensação, o salário era dez vezes maior do que o
jornal pagava por duas crônicas diárias. (LESSA, 1984).
Lessa começa sua carreira como tradutor técnico da General Motors. Nessa função
contribuiu para que os virabrequins e as barras de direção começassem a fazer parte do dia-a-
dia do brasileiro. (APP, 1973). Pouco tempo depois ficou responsável pelos textos criativos
da divisão de publicidade da GM, que tinha uma equipe formada por 27 profissionais, dentre
eles Aldo Xavier da Silva, Charles Dulley, Francisco Teixeira Orlandi, Dieno Castanho, Jorge
Martins Rodrigues, Oscar Fernandes da Silva, João Barata e Henrique Beccherini.
(RAMOS,1990, p.5)
Como redator publicitário foi convidado pelo amigo Aldo Xavier da Silva para
trabalhar na americana recém chegada N.W. Ayer-Son (1931), que ficou conhecida como o
“navio escola” da propaganda brasileira. Nela escreveu os primeiros anúncios para o sabonete
Gessy. Conta Orígenes que, folheando uma revista americana, descobriram que o título da
campanha “Sua vida é um torneio quotidiano de beleza” era um plágio inconsciente de um
slogan da época, também de sabonete: ‘You are in a daily beauty contest...’ (BRANCO, 1990,
p.318).
Orígenes passa a trabalhar na J.Walter Thompson, a americana que “revolucionou
tudo, e que substituiu a Ayer-Son. Nessa época, publicitários e picaretas eram sinônimos.
Era a chamada “idade da pedra da publicidade, tempo em que tudo que se podia vender era
anunciado e cujos primeiros redatores, no Brasil, foram grandes escritores, como Olavo Bilac
e Casimiro de Abreu. (LESSA, 1953, p.38)
Segundo Orígenes, os anúncios mais elaborados eram sempre em versos,
principalmente de sete sílabas e uma das características era tentar fixar a mensagem pela
repetição, pelas facilidades mnemônicas e também pelo exagero, com afirmações gratuitas e
peremptórias. Como exemplo citou “o tônico mais completo do mundo”. (APP, 1953, p.39)
A diferença fundamental apontada por Lessa entre os anúncios dos anos de 1930 e dos
de 1950 era que os primeiros antes precisavam ser didáticos e lançavam produtos e hábitos
novos. A concorrência era pequena. Vendia-se menos o produto que a idéia. (APP, 1953, p.
40)
Lessa acreditava que a publicidade, em 1953, se comparada à de 1937, era menos
amadora, menos romântica e estava mais próxima de uma briga de foice. Dizia, ainda, que
faltava para o anunciante e para o publicitário dos anos 50 um pouco de autocrítica e senso de
ridículo e que o que eles precisavam não era respeitar a ética, era respeitar o público. (APP,
1953, p.41)
22
Segundo Pedro Bloch
1
, Orígenes Lessa foi um escritor aperfeiçoado pela publicidade.
Ela lhe deu a palavra precisa, a que melhor podia alcançar o leitor, sem divagações. Disse
ainda que homem de propaganda não se promovia: divertia-se com ela. (2003 p. 25)
4. O escritor e sua obra
“Contos se escrevem com palavras. Romances se escrevem com
palavras. Poemas se escrevem com palavras. Quem domina as
palavras, quem as apascenta, quem as guarda no fundo de si
mesmo para uso no momento necessário, pode estar preparado
para captar um pouco do mistério das coisas. Só dando o nome
a cada coisa pode alguém realizar uma obra.”
(Antonio Olinto, 2003)
Orígenes Lessa gostava de ler. Menino ainda, leu em apenas um ano mais de 200
volumes. Autores como Shakespeare, Platão, Voltaire, além do teórico anarquista
Alekseievitch Kropotkin, com o livro “A Conquista do Pão, o influenciaram e o levavam a
discutir e questionar a “palavra de Deus” com seu pai, o pastor protestante Vicente Themudo
Lessa. (LOUZEIRO, 2003, p.34).
Lessa foi um autor premiado. Seus romances foram muito bem recebidos pela crítica
em função do quanto eram capazes de se aproximar do leitor. Com o romance “O Feijão e o
Sonho(1939), ganhou o Prêmio António de Alcântara Machado, foram publicadas 15
edições dessa obra, com mais de 200.000 exemplares vendidos. O romance “Rua do Sol
(1955) que traz muito das suas experiências quando criança em São Luís do Maranhão onde
viveu até os nove anos, recebeu o Prêmio Carmen Dolores Barbosa. Com o romance “A
Noite sem homem” (1968) recebeu o Prêmio Fernando Chinaglia e com “O Evangelho de
Lázaro, o Prêmio Luíza Cláudia de Souza, do Pen Club do Brasil, em 1972. (ABL, 2005)
Além de romances, Lessa escrevia contos, alguns deles, reconhecidamente premiados.
Muitos foram traduzidos para o inglês, espanhol, romeno, tcheco, alemão, árabe, hebraico e,
por várias vezes, radiofonizados não só no Brasil, mas também na Polônia.
Nota:
1. Pedro Bloch é escritor, jornalista, médico, compositor e poeta. Nasceu na Ucrânia, em 17 de maio de 1914, e
chegou aos Brasil ainda criança. Amigo íntimo de Orígenes Lessa.
23
Dentre suas obras podemos citar ”O Escritor proibido” (1929) que foi muito bem
recebido por Medeiros e Albuquerque, João Ribeiro, Menotti Del Picchia e Sud Menucci,
Garçon, Garçonette, Garçonnière” (1930), que recebeu menção honrosa da Academia
Brasileira de Letras, “A cidade que o diabo esqueceu” (1931), “Passa três” (1935);
“Omelete em Bombaim” (1946) que foi traduzido para o romeno e para o polonês, “A
desintegração da morte” (1949), “Balbino Homem do Mar” (1960),Zona Sul” (1963),
Histórias Urbanas” (1963),Nove Mulheres (1968), que recebeu o Prêmio Fernando
Chinaglia,Beco da Fome (1972), “Um rosto perdido” (1975) e “Mulher nua na calçada”
(1984).
Lessa escreveu também para a literatura infanto-juvenil. Uma das primeiras obras foi
“O Sonho de Prequeté” (1934). Com muito sucesso, publicou, em 1970, dez volumes, um
dos quais, “Memórias de um Cabo de Vassoura, que teve vendagem superior a O Feijão e o
Sonho. Em 1972 lançou outros títulos, como “Seqüestro em Parada de Lucas”, “Memória
de um Fusca”, “Napoleão ataca outra vez”, “A escada de nuvens”, “Confissões de um vira-
lata” e “A Floresta Azul”. Após alguns anos publicou “O mundo é assim, Taubaté” (1976),
“É conversando que as coisas se entendem”(1978) e “Tempo quente na Floresta Azul”
(1982).
As reportagens “Não há de ser nada”, que descreve o que viu nas trincheiras, e, “Ilha
Grande jornal de um prisioneiro de guerra, com suas recordações do presídio durante a
Revolução Constitucionalista de 1932, o projetaram nos meios literários. (ABL, 2005).
Orígenes Lessa morou e trabalhou em Nova York durante o ano de 1942. De volta ao
Rio de Janeiro, em 1943, com uma extensa obra, publica as reportagens e entrevistas escritas
nos Estados Unidos no livro “OK América” (1943).
Em 1953 publica a reportagem “São Paulo de 1868 Retrato de uma cidade através
de anúncios de jornal” e, em 1956, “Oásis na Mata”. Escreveu, ainda, alguns ensaios.
Destacamos “Getúlio Vargas na Literatura de Cordel” (1973) e “Inácio da Catingueira e
Luís Gama, dois poetas negros contra o racismo dos mestiços” (1982).
Quando nos deparamos com o conjunto da obra de Orígenes Lessa, tiramos o chapéu
para o homem que nasceu para escrever. Podemos nos reportar ao que o acadêmico Antônio
Olinto, em conferência proferida na Academia Brasileira de Letras homenageando o
centenário de Orígenes Lessa em 2003, disse:
“... ele foi muito além do que pensamos, foi muito além do que ele
mesmo pudesse pensar. Ao longo de todo tempo que militou na
24
literatura, jamais cedeu ao lugar comum nem às facilidades
literárias, que existem. Manteve um compromisso maior com a
verdade. Daí, a rapidez de seus diálogos, que ferem onde mais se
pode ferir. O seu uso de palavrões é de uma absoluta propriedade:
com eles, vai direto ao coração da matéria”. (2003, p.12)
Escreveu para crianças, jovens e adultos. Queria escrever para o teatro e se preparou
para isso. Nas entrevistas que concedia, dizia: “...sempre fui um vadio, mas sempre quis ser
escritor... Se dizia escrevedor e não escritor. (2003, p.14)
Faleceu em 13 de julho de 1986 no Rio de Janeiro. Orígenes Lessa foi um homem
simples, bem humorado, que viveu seu sonho. Foi o que desejou ser um Escritor.
5. Profissionalismo e liderança
Quantos anos tem de propaganda um Orígenes Lessa? Que
fez ele? Quantos casos teve de estudar profundamente e quantas
vezes teve que refazer um mesmo trabalho? São 20 anos de redator.
É uma experiência que lhe dá uma sensibilidade à flor da pele,
espécie de radar que sincroniza com as preferências populares.
Lessa, em 80% dos casos, pode antecipar os resultados de uma
pesquisa. Ele sabe. Já enfrentou o problema antes. Dá-se até o
caso de planejar uma campanha entre duas baforadas de cigarro!
E bem planejada. Conscientemente. (PN Fatos & Comentários
Reportagem Genival Rabelo, p. 5 – 16 – R. J., 05 /05/1953)
Orígenes Lessa ocupava um posto de liderança junto aos profissionais de propaganda
desde o início de sua carreira. A facilidade para escrever e a rapidez com que elaborava os
textos para uma campanha eram uma de suas qualidades. Seu conhecimento e sua postura
profissional ética, levaram no à frente de várias empresas de comunicação. Em 1929 era
diretor da Rádio Sociedade Record de São Paulo. Foi eleito primeiro presidente da
Associação dos Profissionais de Propaganda, exercendo o cargo de 1933 a 1938. De 1941 a
1942 dirigiu a Revista Planalto e a Revista Propagada.
Em março de 1942 foi nomeado representante da Associação Brasileira de
Propaganda (ABP) nos Estados Unidos, onde tinha como principal função aproximar e
intensificar a amizade entre publicitários brasileiros e americanos, devendo, ainda,
institucionalizar o dia 04 de dezembro como o Dia da Propaganda também nos EUA,
transformando essa data em uma comemoração panamericana. (Anexo 1.5.a)
25
Na J.W.Thompson era o redator chefe. Na ausência do diretor assumia os principais
clientes da agência com autonomia e liderança. (Anexo 1.5.b) Possuía uma preocupação
constante com a atualização profissional, que se confirmava com os cursos e palestras que
organizava para os colegas de trabalho. (Anexo 1.5.c)
Orígenes Lessa era um homem de propaganda. Seu trabalho era dinâmico e sério, mas
possuía muito bom humor, o que é próprio da propaganda brasileira.
26
CAPITULO II:
PROPAGANDA, TEORIA E TÉCNICA SEGUNDO ORÍGENES LESSA
1. O que era propaganda para Orígenes Lessa
“Meu caso pessoal é com a propaganda”
(LESSA, Revista Propaganda, Mesa Redonda, XX)
Orígenes Lessa acreditava na propaganda como uma alavanca econômica para o país.
Foram as primeiras peças veiculadas, como cartazes, folhetos e anúncios nos jornais da
época, que colocaram lenha na fogueira da produção industrial brasileira, fazendo com que as
empresas produzissem a todo o vapor para atender a demanda, com isso, contratando mais
funcionários e dando-lhes condições econômicas e poder de compra.
Lessa via a propaganda como uma atividade que exigia trabalho de equipe e
conhecimento sobre os fatos que envolviam o produto ou o serviço que estava sendo ofertado.
Acreditava no respeito ao consumidor e na necessidade de se formar parcerias. Sabia que
qualquer mensagem veiculada por um meio de comunicação precisava, antes de tudo, de
honestidade e responsabilidade.
A propaganda, segundo Lessa, apesar de estar intimamente ligada às vendas, não tinha
a função de vender, mas sim a de preceder, acompanhar, estimular, apressar, facilitar e
multiplicar. Somente com ela poderia se vender em larga escala. O que ela faz é comprar e
não vender. A propaganda compra boa vontade, confiança, interesse, compradores. “Ela posta
no jornal, no ar, na rua, no cinema, nas vitrinas, ela está comprando...vendas”. Acreditava
na interligação entre propaganda e vendas, e dizia: “Assim como o bom vendedor pouco faz
sem propaganda, a melhor propaganda não faz coisa nenhuma, ou faz muito pouco, se não
há bons vendedores”. (LESSA, PN, ano XX, 07/12/1959, nº403)
Lessa não se entregou ao estilo estético da propaganda: era, antes de tudo, um
profissional ético em exercício. Utilizava linguagem brasileira, livre das influências
estrangeiras desfiguradoras. Sua obra, segundo RAMOS (Anexo 2.1.a) afirma, mostra que é
possível haver independência entre a literatura e a publicidade, porque “Orígenes Lessa era
um criador nato, que para ele o ato de criar resulte simples, natural, orgânico”.
Orígenes Lessa deixou, ao longo da sua vida profissional, exemplos que mostram a
necessidade de se comprometer com o trabalho e com o público de uma forma consciente e
27
responsável. Em discurso proferido como paraninfo da turma de 1960 da Escola de
Propaganda de São Paulo, Lessa relembrou as dificuldades pelas quais passou durante os
primeiros tempos da propaganda brasileira. Falou, também, dos novos tempos e das
oportunidades reais que cada profissional teria condições de conquistar através do
conhecimento e do profissionalismo, pois, os caminhos já haviam sido abertos, agora
precisavam ser aprimorados.
“Eu me sentia como um veterano sargentão feito e formado ao longo
do tempo e das batalhas, aprendendo, a poder de muitas e duras e adversas
experiências, o manejo das armas, os mistérios táticos, os segredos da arte,
enquanto os cadetes já chegavam conhecendo tudo, ou quase, faltando-lhes
apenas o trato direto com as surpresas do fogo. Eu também pertenço a uma
geração de sargentões, mas da propaganda. Lembro-me de que, vai para
muitos anos, me surpreendi numa trincheira revolucionária, nos idos de 32.
Entregaram-me um fuzil, que coloquei, marcialmente, no ombro errado. E na
hora, logo a seguir, em que me disseram que devia atirar tudo era feito
assim, naquele atropelo de homens e armas tive de perguntar a um
companheiro: mas como é que se maneja esta coisa? Na propaganda entrei
mais ou menos assim. Estreávamos quase todos assim, naquele tempo.
Colocados nas trincheiras por força das circunstâncias ou pelo gosto da luta,
mas tendo que aprender, no fragor da batalha, o mistério das armas e as
muitas manhas do inimigo... O tempo foi nosso mestre. A experiência nossa
escola. Cada novo dia era uma nova lição, cada hora nova uma nova
descoberta. Fomos ou somos uma geração de descobridores. Tudo para nós
foi descoberta, embora de terras já povoadas, conhecidas por outros. Nós
viemos descobrindo a pólvora ao logo do tempo. E foi esse, talvez, o grande
encanto da nossa geração de pioneiros. Enquanto em outros países, e
particularmente nos Estados Unidos, a propaganda já era uma profissão,
uma técnica avançadíssima e um grande negócio o Brasil se encontrava,
nesse campo, em plena idade da pedra. Propaganda, entre nós, quando muito
era a frase de estouro, a idéia brilhante, o tiro às cegas, a total inexperiência.
Existia, é claro. Existiu desde a primeira hora, mal houve algo a
vender e instrumentos onde conta-lo. Os primeiros jornais brasileiros já
traziam anúncios. E a instituição publicitária nasceu muito cedo. Há páginas
de Machado de Assis, como houvera em Balzac, onde qualquer homem de
publicidade dos nossos dias teria muito a aprender. E é interessante observar
que, quando começou a ser exigida pelo incipiente desenvolvimento
econômico do país, a propaganda arregimentou no Brasil muitos dos grandes
espíritos do tempo. (...)
A verdade é que apenas engatinhávamos, em matéria de propaganda,
quando aqui apareceu a primeira agência americana. E a verdade é que,
saindo do quase nada, em pouco tempo se formou no Brasil uma geração
admirável de profissionais, muitos dos quais ainda estão por aí, exercendo
grandes postos e carregando bandeira...
A lição que os mestres de fora traziam, um Harry Gordon, um major
I.D.Carson, um Robert Merrik e, mais tarde, tantos outros, a leitura de
revistas e livros, a procura inquieta e ansiosa dos métodos aplicados no
estrangeiro, a sua adaptação inteligente ao nosso meio e, sobretudo, o dia-a-
dia dos problemas, das experiências, dos fracassos e vitórias, num esforço
contínuo de superação, formaram esses precursores, que muito cedo
28
colocaram a propaganda brasileira num nível profissional que nada ficava a
dever ao de outros grandes países. Esses homens que se faziam no cotidiano
da experiência vivida viram crescer os horizontes da sua profissão. Viram
surgir o rádio, como veículo. Veriam depois a televisão e os outros veículos e
processos mais novos. E tiveram um fabuloso papel, num Brasil modesto que
ensaiava os seus passos de gigante. Sua missão era a um tempo vender e
educar. Formar novos hábitos. A minha geração, antes de vender um
aparelho de rádio, tinha que convencer o leitor da sua vantagem e
conveniência. Você sabe que o espaço está cheio de canções e palavras?
Perguntava um anúncio. E outro descobria: O rádio põe o mundo ao seu
alcance...”.(CASTELO BRANCO, 1990, p.309-310)
2. As Técnicas do Anúncio
2.1. O anúncio
Anunciar é uma decorrência natural
da necessidade de conquistar um mercado
(LESSA,1953, p.39)
A propaganda veiculada através dos anúncios chega ao Brasil no início do século XIX,
pouco depois da chegada do Príncipe Regente, que se instalou no Rio de Janeiro por
determinação da Corte Portuguesa. Em 10 de setembro de 1808 fundou-se o Jornal A Gazeta
do Rio de Janeiro, semanário que foi comandado pelo secretário dos Negócios Estrangeiros e
da Guerra.
Segundo BAHIA (1990, p.209), esse não era um jornal de notícias e idéias; ao
contrário, esse semanário atou na criação de hábitos e processos, assimilando estruturas
vigentes nos Estados Unidos e na Europa, tornando-se instrumento de instituições vitais do
jornalismo. As práticas desenvolvidas pela Gazeta, além da função industrial reservada às
suas oficinas e à produção gráfica, aperfeiçoaram sistemas permanentes na imprensa e na
propaganda. A partir da sua organização editorial e comercial, foram fixados preços para
distribuição avulsa de exemplares e assinaturas domiciliares, procedendo-se, também, à
distribuição regular do jornal. Abriu-se um balcão para publicidade, com tabela de preços para
veiculação. Nesse período foram registrados os primeiros anúncios, cujas inserções ainda
eram gratuitas. Neles eram oferecidos imóveis, livros, leilões, roupas, carruagens, sucatas,
oferta de negócios, escravos, serviços profissionais, cocheiro, professor, padre e outros.
29
Os anúncios foram capazes de demonstrar o começo do transporte urbano e de
fomentar a comercialização de negros e mestiços. Revelavam aspectos peculiares e
corriqueiros da vida social e cotidiana que marcaram o século XIX. (RAMOS, 1995, p.15)
Estão no prelo as interessantes obras seguintes: Memória
Histórica da Invasão dos Franceses em Portugal no Ano de 1807 e
Observações sobre o comércio Francês no Brasil.”
(http://www.plasmadesign.com.br/epb/1880.html)
“Quem quiser comprar uma morada de casas de sobrado
com frente para Santa Rita, fale com Ana Joaquina da Silva, que
mora nas mesmas casas, ou com o Capitão Francisco Pereira de
Mesquita, que tem ordem pra as vender.” (RAMOS, 1995, p.15).
“Quem quiser cobrir o lanço de 100$000 réis, que já se dá
pela Pescaria exclusiva da Alagoa denominada de Rodrigo de
Freitas, dirija-se à casa do Tesoureiro do Cofre de Pólvora”.
(RAMOS, 1995, p.15).
“Na cocheira da rua de Santa Tereza, há duas seges muito
asseadas, e com boas parelhas, as quais se alugam por cinco
patacas, até a distância da Praia de Botafogo ou São Cristóvão”.
(RAMOS, 1995, p.15).
De acordo com RAMOS (1995, p.15) a linguagem dos anúncios fazia ecoar os velhos
pregões e lembrava os vendedores ambulantes e o costume da matraca, quando queria chamar
a atenção. A venda se realizava de forma simples e direta. Os anúncios eram descritivos, e isto
pode ser lido, com mais clareza, nos anúncios de escravos, que diziam:
“Em 20 de agosto do ano próximo passado, fugiu um escravo
preto, por nome Mateus, com os sinais seguintes: rosto grande e
redondo; com dois talhos, um por cima da sobrancelha esquerda e
outro nas costas; olhos pequenos, estatura ordinária; mãos grandes,
dedos grossos e curtos, pés grandes e corpo grosso. Na loja de
fazenda de Antônio José Mendes Salgado de Azevedo Guimarães, na
rua da Quitanda nº 64, receberá quem o entregar, além das despesas
que tiver feito, 132$800 de alvíssaras” (RAMOS, 1995, p.16).
Anúncios como estes serviram aos senhores de escravos e permitiram a configuração
de retratos falados. Além dos fugidos, o comércio era fomentado por detalhes, como “é muito
fiel, vistosa e sadia”, “boa saúde”, “não têm vícios”. Estes foram veiculados durante todo o
período de escravidão no Brasil. (RAMOS, 1995, p.16)
Em 1821, com o jornal O Diário do Rio de Janeiro, os anúncios ganham mais espaços.
Em 1822 A Gazeta do Rio de Janeiro transforma-se em Diário do Governo e, mesmo com
uma nova roupagem, manteve a divulgação dos classificados. Em 1824, Pierre Plancher edita
o Almanaque dos Negociantes e O Espectador Brasileiro. Prospera tanto com estes pequenos
30
jornais que, três anos depois, 1827, inaugurara-se o Jornal do Comércio que contava, desde o
início, com 400 assinantes. (RAMOS, 1995, p.17).
Em sete de novembro de 1825, no Recife, começa a circular o jornal mais antigo da
América Latina: Diário de Pernambuco. Além das notícias, também se destinava às
transações comerciais. Este jornal já oferecia aos seus clientes potenciais postos para a
entrega de anúncios e para o cadastramento de novos assinantes. (RAMOS, 1995, p.17).
Segundo Orígenes Lessa (LESSA, 1953, p.5-10), "o comerciante não argumentava,
enumerava" e não havia preocupação com o texto; boa parte os anúncios não possuía título ou
dava, simplesmente, a menção dos produtos. Após o nome e descrição da mercadoria, os
chavões mais freqüentes eram: "Atenção, muita atenção, aviso." ou "Aviso! Aviso! Aviso!
Perfeição para casacas.". Também as quadrinhas eram usadas (pequenas frases em rima para
cativar a memória dos leitores), além de comunicados de grandes donos de estabelecimentos
comerciais, dirigindo-se ao público de forma respeitosa: "o seu humilde servo Antônio Jacinto
de Medeiros vem por essa comunicar...". É possível que o principal motivo, para isso, fosse o
fato de que o público era, em sua maioria, analfabeto ou semi-alfabetizado, e encontrava nas
rimas dos primeiros anúncios a ajuda mnemônica de que necessitava para melhor guardar
temas e anúncios.
Os primeiros redatores de anúncios free-lancers eram os poetas da época. Nomes
como o de Casemiro de Abreu, Olavo Bilac e Lopes Trovão, entre outros, elevaram o nível
dos anúncios que eram veiculados. Com graça, rimas, paródias e sátiras determinaram a
irreverência da propaganda brasileira desde o seu início.
2.2. As técnicas do anúncio utilizadas por Orígenes Lessa
“A função do anúncio, em suas múltiplas modalidades,
é simplesmente abrir caminho, abrir e encurtar, criar clima e
condições mais amplas para as vendas. É falar pelo vendedor,
como vendedor. Antecipar-lhe os argumentos. Universalizá-los
quanto possível. Diminuir-lhe a tarefa. Conduzir-lhe
compradores. E comandar, previamente, as reações do
comprador. (LESSA, PN, ano XX, 07/12/1959,nº403)
Orígenes Lessa trabalhou como “copy chief” na J.W. Thompson do Rio de Janeiro.
Em 1955, em entrevista concedida ao jornal Correio do Povo do Recife, explicou como os
anúncios eram preparados. Para Lessa, a redação de um anúncio era muito especial, pois
passava por várias discussões e exames entre os profissionais da agência até o produto final.
31
Lessa dizia que o tema é um caso particular de cada produto e não pode ser
generalizado, dependendo de uma série de variáveis, como o nível de conhecimento do
produto e de seus argumentos de venda, de sua posição no mercado e diante dos concorrentes,
do seu “appeal” para o público e das circunstâncias do momento. Enfim, o tema pode sair de
características marcantes do produto.
Partia do princípio de que a propaganda exigia um trabalho de equipe, começando
pelo contato, que tem a função de transmitir os desejos do cliente. Expor o título e o tema ao
layoutman e ainda discutir as idéias que poderão ser utilizadas também são importantes, mas
“amarrar” ou limitá-las à vontade do dono não é recomendado.
Para Lessa, o texto é o mais importante do anúncio; ele que fala, que argumenta, que
convence e que arrasta o leitor. O layout, a ilustração final e o display do anúncio visam
torná-lo atraente, chamando a atenção para a mensagem escrita. Explica, ainda, que o
conjunto texto e layout é fundamental para o êxito de qualquer anúncio ou campanha. Não
importa se o texto é curto, incisivo, longo ou ponderado. Depende, inicialmente, do espaço
disponível. Para ele não havia textos curtos ou longos, o que havia era o texto interessante ou
não. Só era longo o texto que não mais causava interesse mas, incisivo o texto deveria ser
sempre.
Quando o repórter do jornal “Correio do Povo, do Recife perguntou a Lessa como
um “slogan” era criado e se havia alguma técnica especial para isso, ele lhe respondeu que um
“slogan” era uma poesia, uma questão de sorte, de inspiração e, acima de tudo, de um agudo
senso de venda e de um apurado espírito de síntese. Algumas vezes um slogan saía de um
título bem bolado e, outras, do meio do texto de um anúncio.
Lessa gostava de falar com seus clientes, principalmente quando eram inteligentes.
Para ele, um candidato a redator deveria, além de saber escrever, aprender a vender. Passar
pela redação de um jornal antes de passar para a redação de anúncios era uma grande escola.
Teve oportunidade de trabalhar com grandes redatores. Segundo ele, se tivesse que citar os
nomes de todos, não saberia quando iria parar.
Além da sua experiência profissional, gostava de viajar, de correr o mundo. Conheceu
costumes e culturas de vários países pelos quais passou e que o impressionaram. Segundo o
repórter, “Lessa era um motor humano de uns 120 hp a 3700 rpm, que deveria gastar muito
óleo porque soltava muita fumaça.” (PN, 05.06.1955) (Anexo 2.2.b)
32
3. “São Paulo de 1868: retrato de uma cidade através de anúncios de jornal”
Naqueles tempos, o anunciante em geral enumerava
apenas os artigos à venda, deixando ao possível cliente o
direito de escolha. Alguns nem sequer pediam a preferência do
público: pediam a proteção.” (LESSA, 1953, p. 28)
Em março de 1953 Lessa publica o artigo “São Paulo de 1868: retrato de uma cidade
através de anúncios de jornal” (Anexo 2.3.c). Não pretendeu, com ele, substituir os métodos
tradicionais de investigação histórica ou sociológica, mas sabia que através do anúncio era
possível reconhecer a organização social da época, com seus atores e circunstâncias, mesmo
que se tratasse de retratos incompletos ou caricatos.
Segundo BAHIA (1990, p.210) anúncios são painéis inesgotáveis que exibem a
paisagem, a economia, as artes e as letras, as lutas políticas, a educação e a cultura, os hábitos
e costumes, as correntes de pensamento e ação, a vida em sociedade, os movimentos como as
idéias e o progresso, as influências internas e externas, o avanço tecnológico, as conquistas
científicas, as cidades, as modas, o triunfo e a derrota.
Para Lessa reconstruir, através do anúncio, uma etapa da vida de uma cidade que
julgava conhecer era uma aventura que teve início quando o acaso o presenteou com duas
coleções encadernadas: “O Ypiranga” e o “Diário de São Paulo”, do ano de 1868. Era como
se descobrir vivendo em outra época com as experiências adquiridas no futuro. Partiu da
suposição de que nada sabia sobre a população, os usos e costumes, a estrutura social, e as
condições de vida, bem como a topografia da cidade de São Paulo no ano de 1868.
A partir da leitura dos editoriais começou traçar o pano de fundo, o contexto histórico
da época. Reconheceu, através dos reflexos nos editoriais e comentários dos nossos jornalistas
que protestavam sem eco, que a opinião mundial sobre a Guerra contra o Paraguai estava
dividida diante dos fatos. Do lado brasileiro o conflito tinha um conteúdo geopolítico: lutava-
se por fronteiras e pela livre navegação dos rios. Do lado paraguaio, Francisco Solano Lopez
buscava crescer e, para isso, vinculou-se ao mercado externo, trouxe técnicos europeus com a
intenção de modernizar o país e, por conseqüência, controlar a navegação fluvial dos rios
Paraguai e Paraná, além de obter o livre trânsito através do porto de Buenos Aires. Essa
guerra, travada entre 1864 e 1870, era conhecida na América espanhola como a Guerra da
Tríplice Aliança, tratado assinado entre o Brasil, a Argentina e o Uruguai. Juntos, esses países
tinham um peso econômico e demográfico superior ao do Paraguai. Os resultados do
conflito não foram muito positivos. O Brasil saiu com uma dívida considerável para com a
Inglaterra. O Paraguai foi massacrado, perdendo metade da sua população. Parte dos seus
33
territórios passaram a pertencer ao Brasil e à Argentina. O processo de modernização, tão
esperado, ficou no passado e o Paraguai se transformou em um exportador de produtos de
pouca importância. (FAUSTO, 2006, p. 208-216).
A Guerra do Paraguai foi a maior do hemisfério sul e marcou a História
contemporânea da América Latina. Segundo Lessa (1953, p.4) as lutas políticas podiam ser
deliciosamente observadas através dos jornais.
Nas seções livres eram publicadas insinuações pessoais e acusações anônimas, críticas,
ameaças, explicações, vinganças e cobranças de dívidas, que vinham, claro, com data e
assinatura do credor.
“O Sr. Que me ficou devendo aquêle dinheirinho prometido
para 15 do mês passado, se não pagar até o fim deste mês, terá o seu
nome publicado neste jornal”.
Orígenes Lessa, com olhos de um redator, surpreendeu-se ao ler o primeiro anúncio e,
observando os demais, viu diante de si a ingenuidade e a simplicidade de uma cidade
provinciana. Num jornal de 4 páginas, com 30 x 60 centímetros, isto é, 7200cm² de espaço,
os anúncios eram tecnicamente pobres, e não eram necessários muitos floreios para que
fossem localizados. Não havia ilustração, preocupação com o texto nem, tampouco,
argumentação, o que havia eram listas de artigos diversos, por vezes até com preços
enumeradas. Os poucos anúncios que apresentavam textos eram os de remédios.
Os jornais não publicavam clichês, mesmo assim o anúncio comercial dessa época foi
precursor do jornal ilustrado, segundo Lessa. Em algumas edições desse período apareceram
as primeiras tentativas de vinhetas estandardizadas. A mais comum era a mão apontando a
palavra “Aviso”, ou “Atenção”. Uma locomotiva e um carro de passageiros avisavam da
estrada de ferro. Eram essas ilustrações que retratavam o tempo.
3.1. Os anunciantes
Um dos primeiros anunciantes foi a Casa Leão, em cuja mensagem de vendas usava
uma gravura em madeira representando o rei da selva; um dos maiores anunciantes era a
Casa de A. L. Garraux, situada no chamado “bairro acadêmico” entre o largo São Francisco,
onde se alojava a Faculdade de Direito, e a Sé. Essa casa possuía a maior oferta de vendas de
livros da cidade e, representava o pólo “francês” de alto padrão estético e social da época.
Seus anúncios permanentes ocupavam 3 x 18 centímetros. Vendia, também, canivetes,
charuteiras, bengalas e vinhos. Outros anunciantes eram o Livreiro da Academia, no Largo da
34
Sé e a Loja de Vitor Augusto Monteiro Salgado, que vendia tecidos e costumava anunciar a
chegada de grandes sortimentos de fazendas, além de vinhos do Alto Douro, das imagens
recebidas do Pôrto e das famosas bichas hamburguesas que, com sua ação terapêutica,
“curavam quase tudo”. Era comum que esses anunciantes publicassem mais de um anúncio
por edição, com o objetivo de vender diferentes artigos.
Os remédios, como as indústrias farmacêuticas atuais, já eram fontes consideráveis de
renda para os jornais. Ocupavam, regularmente, 3 colunas de 22 centímetros de altura, o que
equivale a 66 cm² de espaço, mas o texto era pouco mais do que uma bula sendo, em São
Paulo publicados em espanhol. Esses anunciantes vinham da Europa, principalmente da
França e da Inglaterra. Um dos mais fortes era o das pílulas e do ungüento Halloway.
“Pildora y Ungüento Halloway... Estas pildoras son
universlamente consideradas como el remedio más eficaz que
se conoce en el mundo. La ciência de la medicina no há
producido, hasta aqui, remédio alguno que pueda compararse
com el maravilloso Ungüento Halloway...”. (“Diário de São
Paulo”, 1868)
Os anunciantes regulares eram: Grimault & Cie.; “Farmacêuticos de S.A.I., o Príncipe
Napoleão” (esta com 3 colunas por 22 centímetros de altura), Pílulas de Blancard aprovadas
pela Academia de Medicina de Paris, autorizadas pelo Conselho Médico de São Petersburgo,
e experimentadas nos hospitais de França, Bélgica, Irlanda, Turquia, etc.” e o Grande
Laboratório Homeopático do Dr. Cochrane & Pinho (66 cm de espaço). (LESSA, 1953, p.5)
Os hotéis (Hotel América e Hotel da Estação, em Jundiaí e Hotel do Passarinho, no
Largo do Rosário) eram os que mais produziam textos para os anúncios veiculados nos
jornais. Ressaltavam a excelente localização, os serviços especializados, os cardápios
variados e a procedência dos seus empregados, especialmente os trazidos da Corte. Chegavam
a demonstrar o requinte de uma época, compondo a propaganda em forma de versos, como
publicado no “Diário de São Paulo” em 11 de setembro de 1868:
“Querem doces, bons licores,
Boa cerveja e bom vinho?
Tudo isso hão de encontrar
No hotel do Passarinho.
Mil refrescos refrescantes,
Muito petisco bonzinho,
Rapé, charutos, cigarros
35
No hotel do Passarinho.
Pastéis, empadas pudins
E café muito quentinho;
Também chá pode encontrar-se
No hotel do Passarinho.
Avante, rapaziada!
Tudo é bom e baratinho
Bom serviço e muito asseio
No hotel do Passarinho.
(LESSA, 1953, p.6)
3.2. Curiosidades e técnicas de anúncios em 1868
Textos bem elaborados e argumentados ou versos raramente eram publicados, e só os
anunciantes freqüentes e de alto padrão social se davam a esse trabalho. Nos anúncios não
apareciam os nomes dos estabelecimentos comerciais, mas o nome do proprietário.
“Joaquim Eugênio Lima, com negócio de molhados
nesta cidade, subida da ladeira da Memória n.11 (Piques) faz
ciente seus fregueses...”
“V. A. M. Salgado, recentemente chegado do Rio de
Janeiro, trouxe o mais bonito sortimento de fazendas de bom
gosto que tem vindo a esta capital; a saber...”
(LESSA, 1953, p.9)
Normalmente não eram colocados títulos nos anúncios. Não havia sequer
preocupação com isso. O que freqüentemente iniciava os textos era: Atenção; Muita Atenção;
Aviso; Aviso! Aviso! Aviso!; Viva; Vende-se; Melancias do Rio; entre outros. Os títulos
faltavam, mas, as promessas assegurando perfeição, não. Observamos o anúncio da
Alfaiataria “Aos Quatro Cantos”, à rua Direita nº 46, em São Paulo:
“Perfeita para casacas.
Dita para sobrecasacas.
Dita para paletoes de qualquer feitio.
Dita para calças.
Dita para coletes...” (LESSA, 1953, p.10).
36
A regra geral estabelecia que, em primeiro lugar, colocava-se o nome da mercadoria e
do negociante e, esporadicamente, o nome do estabelecimento. Não havia preocupação com a
marca; a imagem explorada era a do proprietário do estabelecimento; sua reputação e suas
palavras eram as avalistas do negócio.
Os pequenos anunciantes, em alguns casos, apresentavam o produto: charutos, casas,
fazenda, fogões econômicos, guarda-chuvas ingleses, nova salsaparrilha de Bristol, peixes,
melancias. (LESSA, 1953, p.9).
3.3. Custos da população urbana em 1868
Através dos aspectos gráficos e da linguagem ingênua dos anúncios da época, Lessa
procurou descrever como vivia a população urbana de São Paulo em 1868. Era suficiente,
naquele tempo, indicar o nome do chefe da casa ou uma localização vaga, sem muitos
detalhes. Bastava, apenas, dizer: “no largo do Arouche”, “no largo do Rosário”, “no pátio da
Sé”, “à rua Direita”. A população vivia em chácaras amplas e bem edificadas. Como exemplo,
Lessa citou um anúncio publicado em 25 de maio de 1868 no “Diário de São Paulo”:
VENDE-SE
uma chácara no Arouche, em frente da rua que parte do tanque,
com casa de morada, bastantes cômodos, um puxado no pátio
para escravos, cocheira que acomoda doze animais, grande
plantação de capim, pasto separado todo cercado por valos, água
potável (uma das melhores da cidade), duas fontes para lavar,
etc., etc. Quem à pretender, dirija-se ao Sr. José Luís de França
Pinto, no Piques”.
Não foi possível saber quanto ganhava um chefe de família em 1868, mas foi possível,
através dos preços dos produtos anunciados, perceber que o custo de vida, em São Paulo, era
bastante alto para uma economia primitiva, baseada na lavoura e no trabalho escravo,
praticamente sem indústria e dependente da importação. O desequilíbrio entre preços e
produtos pode ser verificado a partir das observações apresentadas por Lessa (1953, p. 12-
18): o custo da assinatura do jornal “O Ypiranga” ou no “Diário de São Paulo” era de
12$000 por ano. Apesar do nome, o Diário não saía diariamente: era publicado às terças,
quintas e sábados. Uma publicação nas páginas de anúncios custava 100 réis a linha. Um
anúncio, como o exemplo que segue, custava entre 400 ou 500 réis, em média:
37
MELANCIAS DO RIO
Chegarão ao pátio da Sé, casa em que se vende peixe.
Na tentativa de reconstruir o padrão de vida da São Paulo de 1868, o autor nos
apresenta e nos chama a atenção para uma série de produtos e preços anunciados: o queijo do
reino custava 3$000 réis, o vinho do Porto variava entre 640, 720 e 800 réis, a botelha de
champanhe, 3$000; os calçados femininos, 8$000 - fabricação francesa, 9$000 os de pelica,
fabricação inglesa; a calça de linho custava 6$000 mas na liquidação era vendida por 3$500,
os chapéus de senhora de 8$000 a 10$000; uma caixa de Bordeaux contendo 12 garrafas,
valia 9$000, enquanto uma botica com 12 vidros de homeopatia custava 10$000
(medicamentos que, nos dias de hoje, são oferecidos a preços populares). Uma garrafa de leite
custava 200 réis e 60 quilos (quatro arrobas) de bacalhau, 15$000, aproximadamente 250 réis
o quilo.
Foi anunciado no “Diário de São Paulo” em de julho de 1868, um sobrado com
sete cômodos limpos e independentes por 60$000; o preço do bacalhau representava 15% do
valor do aluguel. Para chegar a uma conclusão sobre o custo de vida na época, Lessa (1953,
p.14), acompanhou as acusações impressas nas páginas do jornal onde um cavalheiro, sob o
pseudônimo de Múcio Scevola, acusava o coletor das rendas públicas da capital, sr. Gabriel
M. Cantinho, de lucrar com os impostos, às custas do povo. Com tais observações, concluiu
que o salário médio girava em torno de 3:200$000 por ano, o que equivalia a,
aproximadamente, 300$000 por mês. Baseado nos preços acima, concluiu que o cotidiano
dos paulistanos de 1868 não deveria ser fácil. Roupas, remédios, ou gêneros alimentícios
eram oferecidos à população a preços altos.
Não existia transporte coletivo nesse período; as pessoas andavam a cavalo. Ao
alcance de poucos estava o transporte ferroviário, que cobrava por uma passagem ida e volta,
de São Paulo a Santos 6$000 no vagão da terceira classe, 8$000 na segunda classe e, 9$000
para seguir viagem na primeira classe.
Os hotéis e restaurantes da cidade anunciavam a tabela de preços pelos jornais: o hotel
Brasil, situado à rua Direita, cobrava de um pensionista mensal 60$000, o mesmo valor
cobrado pelo aluguel de um sobrado com sete cômodos. O restaurante Parisiense que
funcionava conjugado ao hotel, publicava sua tabela de preços e comunicava, ainda, que
servia marmitas:
“Pensionistas mensais....................................60$000
Meios pensionistas com chá mensais...........40$000
38
Ditos ditos sem chá ditos.............................35$000
Passageiros, diária...................................... 2$500
Ceias por pessoa.......................................... 1$000
Almoço idem idem....................................... $800
Jantar idem idem........................................ 1$000
Mandão comedoria para fora”
Os hotéis ainda ofereciam aos seus hóspedes, como vantagens adicionais, em seus
anúncios, a cocheira ou a estrebaria e o pasto:
“Os srs. Viajantes encontrarão ali todas as vantagens,
não só quanto ao serviço, que é feito com regularidade por
empregados de toda a confiança, mas ainda estrebaria e pasto
para os seus animais”.(LESSA,1953, p.15)
O atento Lessa não perdera de vista sua dúvida: o custo por linha (100 réis), cobrado
para anunciar era barato ou caro? Essa questão ainda estava sem resposta, mesmo porque os
anunciantes e os redatores da época tinham, apenas, quatro páginas para publicar os anúncios.
O laconismo era uma das características dos pequenos anunciantes e a síntese, uma das
características dos redatores: colocava-se apenas o essencial da notícia.
“AMA DE LEITE
Precisa-se de uma. Nesta tipografia se dirá quem.”
(Diário de São Paulo, 25/04/1868)
Os mais caros produtos anunciados encontrados por Lessa, foram os caixões de
defuntos adultos, que variavam entre 16 e 400$000 réis, além da imagem do Senhor dos
Passos, que custava 120$000 e de São Sebastião, que valia 100$000 réis.
É fato que através da simplicidade expressa nos anúncios de jornais da época podemos
imaginar que as pessoas que viviam em São Paulo eram simples e de poucos luxos. Mas
havia, por outro lado, os barões e os fazendeiros, as primeiras grandes firmas comerciais,
como, por exemplo, a casa de Vitor Augusto Monteiro Salgado o precursor da “Sears”.
(1953, p.17)
Os comerciantes de escravos, que marcaram a nossa história com ações corruptoras e
dissolventes, certamente não vivenciavam um cotidiano simples nos idos de 1868. A
escravidão foi observada sob os vários ângulos através dos anúncios que ofereciam negros, de
idades que variavam entre 6 e 40 anos, de ambos os sexos, para quem os quisesse comprar ou
alugar, como instrumentos de trabalho ou como fonte de renda, a granel ou por unidade.
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Havia também, anúncios onde se traçava o retrato falado do escravo fugido, com todos os
sinais dos maus tratos que recebera no cativeiro, com oferta de gratificações generosas a quem
o encontrasse.
Ao mesmo tempo em que Lessa encontrou na sua aventura pelo tempo através das
páginas do “Diário de São Paulo” e de “O Ypiranga” o extremo realismo e imoralidade com
que foram tratados os negros, encontrou pessoas que lutavam em prosa e verso contra a
insensatez da escravidão. Além do mais, reconheceu uma cidade que amava Castro Alves e
Eugênia Câmara, uma São Paulo que repetia os anúncios das lojas de música e que ouvia as
canções de Carlos Gomes, uma cidade onde os doutores davam atendimento domiciliar sem
cobrar a mais por isso.
40
Capítulo III :
TÉCNICAS DE VENDAS
1. O papel da venda pessoal para o mix de comunicação de marketing:
- visão contemporânea
O desenvolvimento tecnológico, além de criar novos meios, permitiu que o processo
de comunicação evoluísse de tal forma que os relacionamentos entre emissores e receptores
tomassem novos rumos, isto é, ampliassem seus canais de transmissão de dados e informação.
Atualmente, a mesma informação é transmitida por canais diferentes e ao mesmo tempo,
atingindo pessoas de grupos sociais e etnias diversas.
Essa evolução, patrocinada pela tecnologia interferiu, sobremaneira, nas condições
sociais, culturais e econômicas regionais de modo contínuo. Estabelecer comunicação
efetiva no mercado atual não é uma tarefa fácil, mesmo porque comunicação efetiva é aquilo
que o receptor entendeu, e não o que o emissor pretendia dizer. (ZENONE, 2002, p.43)
Estamos diante de uma realidade onde a tecnologia avança e se aperfeiçoa e,
conseqüentemente, determina que o processo comunicacional assuma múltiplas linguagens
em diferentes mídias para atingir públicos específicos
.
O nível de conhecimento exigido das empresas a respeito dos seus públicos é um
dos fatores determinantes no conteúdo da mensagem, e mais, essas empresas deverão
saber por quais meios atingirão os clientes potenciais.
Por tudo isso, a implantação do mix de comunicação de marketing, composto por
ferramentas utilizadas em propaganda, promoção de vendas, relações públicas,
merchandising, marketing direto e venda pessoal, tudo aplicado para atingir objetivos
comuns, é fundamental.
Isso significa que o processo se desencadeará num conjunto de
ações interativas e interdependentes para atingir os objetivos determinados.
Podemos relacionar a utilização dessas ferramentas com um sistema, considerando
que ele está formado por u
m conjunto de elementos, os subsistemas, dinamicamente inter-
relacionados, formando uma rede de comunicações e relações em função da dependência
recíproca entre eles, desenvolvendo uma atividade ou função para atingir um ou mais
objetivos ou propósitos. (CHIAVENATO, 1987)
É importante não esquecermos de que o
41
mercado está, fundamentalmente, constituído por pessoas, com suas diferenças culturais e
econômicas.
Pode parecer difícil discutir o papel da venda pessoal para o mix de comunicação de
marketing no contexto atual, globalizado, mecanizado e tecnológico, mas, a comunicação de
pessoa para pessoa é capaz de oportunizar um relacionamento individualizado entre a
empresa, representada pelo vendedor, e o cliente. Segundo SHIMP (2002, p.32), o vendedor
tem como função informar, instruir e convencer potenciais clientes a comprar os produtos ou
serviços da empresa.
Uma das vantagens primordiais da venda pessoal reside na possibilidade do ajuste às
necessidades, desejos e motivações do cliente. Esse tipo de venda é mais utilizada quanto
maior a complexidade do produto. (PINHO, 2001, p.33).
A função da venda inclui o planejamento de apresentação de vendas, a apresentação
em si e o preenchimento de pedidos; a solução de problemas de embarque, de despacho e de
manuseio de pedidos, além do acompanhamento de produtos, principalmente nos casos
técnicos que englobam teste de um novo produto, treinamento do cliente e informações sobre
procedimentos de segurança. Inclui, ainda, o gerenciamento de informações através de bancos
de dados, com atualizações freqüentes, o atendimento de conta controle de estoque, o
abastecimento de prateleiras, a propaganda local, o display no ponto de venda, a participação
em conferências, reuniões, feiras, workshops, treinamentos e recrutamentos, de novos
profissionais, entretenimento com clientes e viagens. (SHIMP, 2002, p.499)
A venda pessoal apresenta, como principal desvantagem, o alto custo em relação às
outras ferramentas de marketing, pois os representantes de vendas interagem apenas com um
cliente de cada vez (SHIMP, 2002, p.496), enquanto todas as outras que compõem o mix de
comunicação de marketing levam a mensagem a mais de um cliente potencial ou a um grande
número de pessoas ao mesmo tempo.
A venda pessoal desenvolve uma atividade particularizada, personalizada. Prioriza o
relacionamento um a um, intensificando a diferenciação e a valorização do cliente pela
empresa, permitindo a realização da pós-venda e garantindo vendas futuras. Permite, ainda, a
criação de uma mensagem customizada, gera retorno imediato e melhora o suporte técnico do
produto ou serviço.
Dentro de todo um processo social e econômico globalizado, multicultural, onde o
atendimento assume características mecanizadas, baseado em padrões globais, distante das
características brasileiras, a venda pessoal humaniza a atividade mercadológica de venda. A
42
individualização valoriza a marca e aprofunda a lealdade e, conseqüentemente, reativa a
realização de compras futuras.
Enfim, a venda pessoal tem um papel primordial no mix de comunicação de marketing
porque representa um esforço para equilibrar eficácia e eficiência. (SHIMP, 2002, p.496) Além
do mais, tem sido definida como comunicação direta com uma audiência qualificada de
clientes, onde o vendedor é a fonte de transmissão e recepção da mensagem.(COBRA,1994,p.
21)
2. O vendedor
“... Os melhores literatos brasileiros, os mais bellos espíritos,
olham pra um único ponto de salvação: a propaganda. A
propaganda política a serviço de um governo, de uma doutrina, de
um partido; a propaganda comercial e industrial a serviço de tudo,
principalmente das creações vertiginosamente práticas dos norte-
americanos.
O nosso commercio, a nossa indústria, a nossa propaganda,
ainda são feitas, em geral, por pobres coitados.”
Raul de Polillo
No livro “O Vendedor”, publicado em 1939, Lessa mostrou que a venda pessoal já era
uma ferramenta de propaganda. Apresentou conceitos, técnicas e práticas da atividade de
vendas que até os dias atuais podem e são aplicadas. Começou definindo o vendedor como “o
braço direito de qualquer organização comercial”. Disse, ainda, que “o vendedor era o
intermediário entre o fabricante, ou o distribuidor, e o público. É ele quem vai introduzir no
mercado os produtos desta ou daquela origem tornando-os conhecidos, fazendo-os
populares, e, o que é mais importante, fazendo-os comprados, vendendo-os.” (1939, p.09)
Atualmente, a venda pessoal tem como papel aumentar o valor de uma empresa e o
valor de marcas individuais. Seus propósitos estão voltados a educar clientes, a gerar
utilização de produto, assistência de marketing, a fornecimento de serviços pós-venda e
suporte aos compradores. Comparada aos outros elementos de comunicação, é a única capaz
de desempenhar tais funções como resultado de interação pessoal. (SHIMP, 2002, p.496)
Segundo a filosofia moderna de venda, esta atividade deve ser orientada para o
parceiro - o sucesso da empresa está atrelado ao sucesso dos seus clientes. Além do mais, o
processo de venda deve ser construído sobre uma “base de confiança e acordo mútuo Isto
porque mais importante do que vender um produto é facilitar a compra, segundo a concepção
moderna da atividade de venda (SHIMP, 2002, p.497).
43
Orígenes Lessa definiu a venda pessoal como “a chave do êxito de qualquer
organização de vendas. (1939, p.09) Defendia a importância da parceria entre o vendedor e o
cliente e, também, que os interesses e necessidades do cliente deveriam ser tratados da mesma
forma que os do vendedor.
Lessa colocou, numa linguagem simples e acessível, orientações fundamentais para
demonstrar como a atividade deveria ser realizada. Discutiu aspectos importantes, como a
construção do processo de vendas, em que o vendedor deve estar preparado para apresentar o
produto, ou serviço, numa linguagem que o cliente entenda, devendo estar próximo e
oferecendo soluções para possíveis problemas.
Lessa discursou sobre como o vendedor deveria se apresentar; falou, inclusive, a
respeito do vestuário ideal, justificando a importância de uma aparência limpa, decente e
normal. Disse que o exagero distraia a atenção do freguês e que as atitudes do vendedor
deveriam ser pautadas pela simplicidade e a firmeza ao falar e expor o produto ou serviço.
A atitude do vendedor não será, pois, a de quem pede um
favor, nem a de quem vae abraçar um amigo. Será a de quem vae
propor um negocio. Ou melhor um bom negocio. Apresentar-se-á
com segurança, falará com convicção, mostrará que não está
interrompendo nem incomodando, está tratando de uma coisa útil,
vantajosa, que representará progresso para o comprador e que o
compensará do tempo empregado na palestra.” (LESSA,1939, p.20)
Uma das características atraentes da venda pessoal está na oportunidade para o
desenvolvimento de carreira e promoção. Segundo SHIMP (2002, p. 497), a experiência de
vendas ajuda uma pessoa a entender a empresa a partir de sua base, além de dar conhecimento
sobre clientes, comércio, concorrência e sua própria empresa.
Lessa colocou que o senso de oportunidade é vital. Perder oportunidades representa
um desastre, pois deixa-se de realizar um negócio, mas um desastre maior é aparecer
inoportunamente, porque conseguir-se, dessa forma, perder negócios futuros. (1939, p.21)
“Em primeiro logar, o vendedor deve estar em attitude
permanente de venda. Isto é, deve estar sempre em pé de guerra.”
(p. 22)
“...Não perder chances. Estar sempre disposto a vender ou
lançar as bases de uma venda, trabalhando para o presente e para
o futuro.”(p.25)
“O vendedor precisa esperar sempre o momento
psychologico para agir. Nunca atirar-se ás cegas, como um
44
desesperado, quando pretende não se vê em condições nem em
estado de espírito para o receber.” (p.26)
“... E deverá sempre justificar a sua visita como
correspondendo a uma necessidade delle, comprador.” (1939,p.27)
O desempenho eficaz do vendedor depende de certas atitudes e habilidades. É comum
julgar o vendedor pelo número de unidades vendidas, pelo valor das vendas e pela quantidade
de novas contas abertas, mas, a realidade é que não é um único fator capaz de explicar o
desempenho e a eficácia do profissional de vendas. O bom desempenho está vinculado às
situações nas quais as transações ocorrem. Especificamente, o desempenho do vendedor está
subordinado aos seus recursos próprios (conhecimento do produto, capacidade analítica, etc.),
a natureza da tarefa de compra do cliente (se é primeira compra ou uma decisão repetida), ao
relacionamento cliente-vendedor (poder relativo, nível de conflito), enfim, a interação entre
estes fatores. Além dessa visão geral, existem outras características que, hipoteticamente, são
determinantes do desempenho, são elas: habilidade, nível de experiência, nível motivacional,
percepção de papeis, características pessoais e adaptabilidade. (2002, p.501502)
A habilidade está ligada à capacidade de executar determinadas tarefas. A elas estão
inclusos os interesses, a inteligência e as características de personalidade. O nível de
experiência refere-se à proficiência adquirida como, por exemplo, saber preparar uma
apresentação de vendas, valer-se de experiências inter-pessoais e assenhorear-se de técnicas
conhecimento de características específicas do produto, bem como de seus benefícios. A
capacidade de fechar uma venda é um atributo significativo, pois indica o momento
apropriado para solicitar o pedido do cliente. (2002, p. 502)
Para Lessa, um bom vendedor tem, pelo menos, dez qualidades que contribuem para o
sucesso no trato com o público. São elas: inteligência, presença de espírito, sociabilidade,
persistência, afabilidade, paciência, conhecimento do artigo que se quer vender, convicção,
serenidade e interesse pelo pretendente.
A inteligência proporciona controle e direcionamento. O vendedor tem que ser um
para cada pretendente. Segundo Lessa, é preciso estudar antes cada candidato, a fim de
utilizar a argumentação e atitude mais conveniente.
A presença de espírito, a calma e o sangue frio são necessários para ouvir certos
cavalheiros. É preciso um espírito alerta, pronto e sagaz para responder com propriedade ou
para contornar o assunto sem irritar o cliente potencial. Com argumentos sérios e
conhecimento do produto é possível satisfazer o pretendente.
45
Ser sempre uma boa companhia. A sociabilidade é um dos requisitos importantes do
vendedor, que deve saber conversar, fazer amigos, inspirar confiança, identificar os pontos
fracos do pretendente e se colocar nas situações do momento, com a preocupação de mostrar
suas relações de amizade e de trabalho.
A persistência é importante, pois o vendedor precisa saber insistir. Só deverá se afastar
caso compreenda que o comprador não pode ou não precisa adquirir o artigo ou, ainda, se o
excesso de ocupações e preocupações, não permitirem ao comprador dispor da devida
atenção. É conveniente, neste caso, retirar-se e, numa próxima oportunidade, marcar
previamente uma entrevista. Lessa explicou que, geralmente, o primeiro impulso espontâneo é
a recusa do candidato (cliente potencial). Cabe ao vendedor mostrar a sua finalidade, não
esgotar seus argumentos na fala inicial, que precede ao “não me interessa”. (1939, p.40-41)
A afabilidade, segundo Lessa, deve ser natural e espontânea, nunca deve parecer
servilismo, muito menos humilhação. O vendedor deve comportar-se com educação e
nobreza, principalmente, quando o lucro depende da boa vontade de outros.
Um vendedor deve estar armado de paciência inesgotável para tratar com os clientes,
que raramente a têm. Não deve cometer excessos, tomar tempo exagerado, ou irritar a
paciência do próximo.
Conhecer o produto que vende é indispensável. Lessa dizia que o vendedor deve ser
um conhecedor de todos os aspectos que envolvem o produto que está representando. O
conhecimento amplo lhe dará condições de responder prontamente toda e qualquer dúvida
do cliente em relação ao manuseio do produto, suas vantagens sobre os demais concorrentes,
bem como os porquês da utilização de determinadas peças, além das especificações técnicas.
Argumenta, ainda, que ninguém está só no mercado. É preciso que o vendedor conheça com
segurança o seu artigo e o do concorrente, mas deve evitar fazer qualquer referência
depreciativa do competidor. Não é através de comentários dessa natureza que se demonstra a
superioridade de um produto sobre outro. (1939, p. 45-51)
Convicção outro adjetivo fundamental. Confiar no artigo que se vende. Apresentá-lo
como quem oferece uma coisa útil e superior. Em casos especiais, um dos melhores
argumentos é ter feito ou fazer uso pessoal do produto que representa. Sem essa convicção,
Lessa assegurou que não será possível convencer pessoa alguma.
O profissional de venda, de acordo com Lessa, deve construir uma reputação sólida de
serenidade e honestidade. Deverá criar o seu ‘good-will’, saber que o lucro de hoje, por maior
que seja não o manterá por toda a vida. Os comerciantes e os compradores estão sempre
46
atentos, com o intuito de não se arriscarem a realizar um negócio com quem não merece
confiança. Além do mais, não estão dispostos a serem mal servidos.
Bom vendedor é quem, além das suas boas qualidades
vende artigos egualmente qualificados, coisa boa”. (1939, p.59)
O interesse pelo pretendente não deve terminar com a venda. Lessa destacou a
importância do ‘post-venda’ , argumentando que “a venda realizada deve ser um laço novo a
uni-los em interesses communs”. (1939, p.60) Para isso, o vendedor deve voltar ao cliente,
após alguns dias, para saber o quanto está satisfeito com a compra e se houver irregularidades
ocasionais ou dificuldades operacionais.
O pós-venda é um trabalho contínuo. Deve ser feito por quem fez o negócio e
representa uma oportunidade de reforçar a confiança entre o comprador e o vendedor, o que
poderá levar à realização de compras futuras e à indicação de novos compradores. (1939, p.62)
2.1. Outras características do bom vendedor
Orígenes Lessa, além das qualidades já discutidas com muito bom humor, destacou
duas características que julgava fundamental no profissional de vendas: a memória e a
imaginação.
Recomendou que a memória devesse ser substituída por um fichário ou arquivo muito
bem organizado, contendo informações a respeito dos compradores potenciais e os resultados
e avaliações das entrevistas realizadas. Quanto a imaginação afirmava que esta proporciona os
recursos para vencer as dificuldades e assegurar o sucesso de qualquer vendedor.
A ficha do cliente, ou fichário, é um instrumento que dá ao vendedor a possibilidade
de fazer o planejamento de suas atividades. Dessa forma é possível identificar cada cliente e
suas condições específicas como, por exemplo, os horários de visitas e o potencial de compra.
Permite reconhecer as necessidades passadas pelo cliente, bem como, suas dificuldades
operacionais. (COBRA, 1994, p.166)
Segundo o prof. Adilson OLIVEIRA (2006), a capacidade de imaginar é uma das
características mais marcantes da inteligência humana. Utilizando essa capacidade o homem
consegue entender o mundo ao seu redor e, a partir dessa compreensão, superar limitações
físicas e vencer as distâncias.
47
2.2. O feitio moral do vendedor
“O vendedor não se deve esquecer de que elle proprio é,
sem malicia, um artigo á venda. Elle depende dos patrões e do
publico. Deve offerecer-lhes, na sua actividade e no seu valor, um
artigo tão bom como os outros. Ou ainda, melhor do que os
outros.”(LESSA, 1939,p,71)
O vendedor é o principal representante da companhia junto ao cliente. Sua imagem
está intimamente ligada à da empresa, na concepção do cliente. Atualmente os vendedores
fazem muito mais do que cumprir cotas de vendas: desempenham tarefas como a prospecção,
definição de alvo, comunicação, venda, serviço, coleta de informações e alocação de
produtos. (PINHO, 2001) A realização dessas tarefas exige dele profissionalismo.
Lessa mostrou que a profissionalização da atividade já era importante nos anos 30.
Para isso a personalidade do vendedor caracterizava-se pela firmeza, pela confiança e pelo
comprometimento com o cliente e com a empresa. Um vendedor bem sucedido deveria ter
como qualidades básicas a simpatia, a ambição, o entusiasmo, a vontade de ganhar dinheiro,
energia e honestidade.
Para Lessa, o aperfeiçoamento e a atualização do profissional de vendas deveriam ser
freqüentes; além do mais, o cuidado com a qualidade dos produtos que serão oferecidos é um
dos itens mais importantes, pois um produto ruim não vale tantos esforços.
2.3. Como obter candidatos
Lessa denomina como candidato o cliente potencial. Para obtê-lo é necessáriio fazer
amigos, ter conhecimentos e saber explorar todas as possibilidades do campo das suas
relações. As informações sociais e econômicas publicadas nos jornais devem ser analisadas,
cuidadosamente pelo vendedor. Todas as perspectivas de vendas devem ser observadas e, se
necessário, anotadas. A informação para o homem de venda, segundo Lessa, é um dos bens
mais preciosos. Por isso recomenda que o profissional fique de olho nos jornais, na
movimentação das fábricas, dos grandes estabelecimentos comerciais e nos acontecimentos
sociais. Desta maneira o vendedor não ficará de braços cruzados, “esperando que Deus
Nosso Senhor não se esqueça delle”. (1939, p. 78)
48
2.4. O estudo prévio do pretendente
Não basta saber o endereço do cliente potencial, o vendedor deve saber quem procurar,
com quem falar. Precisa conhecer também os produtos que interessam, as possibilidades e,
qual o temperamento do pretendente. Para tanto, são necessárias algumas informações que
esclareçam o sistema de trabalho do comprador, seus recursos e posições.
Lessa recomendou que o vendedor deveria saber, previamente, a respeito do
pretendente ou cliente potencial, os seguintes dados:
- a hora mais cômoda para procurá-lo;
- suas linhas de interesses e predileções;
- o seu grau de cultura;
- a sua maneira de receber qualquer espécie de vendedor.
Os objetivos de tais dados são propiciar o conhecimento do “terreno”, saber com quem
se está lidando e preparar convenientemente o que será discutido e demonstrado.
Recomendou, ainda, que mesmo munido de tantas informações o profissional de
venda esteja atento, disposto a novas observações, principalmente com relação ao ambiente de
trabalho do possível comprador (como está organizado, a estética e a decoração),
observando-se também, os funcionários (a maneira como desenvolvem o trabalho, o
relacionamento inter-pessoal de fluxos laterais e horizontais, crescentes e decrescentes).
Frente a frente com o cliente, sugere-se que se continue observando, atentamente, o
seu gabinete de trabalho: suas dimensões em relação aos outros departamentos, a organização
e a decoração do ambiente (desconfiando-se do seu equilíbrio, de sua mesa de trabalho -
ordem ou desordem demasiadas). Observações rigorosas são fundamentais, a maneira como
vai ser recebido, como são tratados os funcionários e colaboradores, toda e qualquer
informação apresenta algum indício.
2.5. A entrevista
Lessa julgava a entrevista o ponto capital no processo de vendas. É o encontro entre o
vendedor e o cliente, a apresentação do produto. Para isso recomendou que, previamente, o
profissional tivesse todas as informações pertinentes ao cliente potencial: o ramo de atividade,
suas predileções, recursos e os pontos fortes e fracos. Informações como estas ajudam o
vendedor, dando-lhe mais segurança principalmente, por conhecer o perfil do comprador.
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Lessa chamou a atenção para um dos primeiros cuidado, que é o de causar impressão
favorável através da habilidade e do conhecimento. Deve-se responder, prontamente, a
qualquer dúvida com simplicidade, não como quem faz um discurso. Deve-se usar
objetividade, concisão e não repetir muitas vezes os mesmos argumentos. As palavras devem
ser simples, bem definidas e curtas. O vendedor deve evitar generalizações e ser o mais
esclarecedor possível.
- As apresentações
O vendedor, dizia Lessa, deveria apresentar-se por si mesmo, assegurado pelos seus
valores profissionais e pessoais (inteligência, honestidade e aparência).
“... O vendedor e o seu artigo devem estar sempre nessas
condições: aquelle, de venderm, este de ser vendido, por si
mesmos, elo seu próprio valor.(LESSA, 1939, p. 92)
O apadrinhamento não é recomendado. É importante que o profissional conte com
seus próprios recursos. Não há dúvida de que uma carta de apresentação ajuda mas, com
certeza, não será responsável pelo fechamento da venda.
- O cartão de visitas
Algumas informações que devem estar contidas no cartão de visitas como, por
exemplo, telefone pessoal ou do escritório e endereço dependem do critério do profissional
de vendas e do estudo prévio do cliente potencial.
- Adaptabilidade
“....O vendedor deve ter sempre em mente que cada pretendente
seu e cada venda representa sempre um caso particular que deverá
estudar com o máximo interesse e ao qual tratará de dar a solução
mais adequada ao seu feitio.”(LESSA, 1939, p.95)
A adaptabilidade é a chave do sucesso, de acordo com as orientações de Lessa, o que
não significa que o vendedor tenha que alterar a apresentação do produto ou do serviço em
função do que cada cliente potencial tenha necessidade de ouvir, mesmo que para isso as reais
informações sejam modificadas.
50
Segundo SHIMP (2003, p.505), trata-se de reconhecer que as pessoas são diferentes
no que se refere à sociabilidade e ao potencial comunicativo, e que o vendedor precisa ajustar-
se para deixar o cliente em posição confortável.
Lessa mostrou que a linguagem do vendedor deve estar próxima da realidade do seu
cliente, não sendo necessário usar de mentiras, mas sim de potencial criativo.
2.6. Preparando as vendas futuras
Venda realizada deve ser, sistematicamente, a preparação para novas vendas. Para
LESSA (1939, p. 99), uma venda é conseqüência de outra: estão interligadas. Tudo depende
da capacidade dialética, dos atributos do vendedor e da sua boa reputação. A maneira como
ele desenvolve o trabalho, a atenção disponibilizada ao cliente e o produto representado são as
bases do êxito ou do fracasso profissional. É importante assegurar que o cliente esteja
satisfeito com a compra realizada.
A manifestação do cliente satisfeito ou não produz resultados significativos. Tais
resultados podem ser explicados pela experiência de quem já adquiriu e utiliza determinado
produto.
A satisfação do cliente indica prováveis aquisições de novos produtos, além da
indicação do vendedor a outros clientes potenciais. Para alcançar esses objetivos o vendedor
deve realizar a pós-venda através de visitas freqüentes, auxiliando na solução de problemas
que podem surgir.
Nos dias atuais o serviço de pós-venda é o que interessa. A filosofia moderna de
vendas estabelece que o vendedor precisa garantir um relacionamento satisfatório e de longo
prazo com o cliente. (SHIMP, 2003, p.497)
51
Capítulo IV :
Propaganda Eleitoral
Um dos princípios da boa propaganda é esquecer o
concorrente e vender o produto em si mesmo e por si mesmo,
pelas suas qualidades e pelos seus méritos, sem qualquer
alusão aos rivais”. (LESSA, 1954, p.10)
1. A opinião pública e a publicidade
O estudo da opinião pública é desenvolvido no meio da psicologia social e da ciência
política. As investigações nestes meios estão voltadas às origens e características dessa
expressão, implícita em todas as democracias. Mas este tema parece ser interdisciplinar na sua
essência, pois a discussão sobre a importância de se conhecer a opinião pública se dá na
redescoberta de lugares comuns entre os estudos sociológicos, históricos, políticos,
estatísticos (AUGRAS, 1970, p.11) e de comunicação.
Não pretendemos, aqui, tratar da história do “senso comum” nem tampouco, da
opinião geral em relação à opinião pública. Temos como objetivo compreender a relação
entre opinião pública e publicidade, bem como a sua importância na propaganda brasileira.
A palavra “opinião”, transcrita em português do termo latino “opinio”, significa um
julgamento incerto e incompleto. (BAVARESCO, 2001, p. 20) Partindo do conceito
etimológico, é necessário compreender quanto e como a opinião pública interfere na
publicidade e na propaganda, já que todo planejamento de campanha desenvolvido na área
tem como um dos seus objetivos atingir uma parcela do público-alvo determinado.
AUGRAS (1970, p.12) explica que a opinião pública está ligada a uma atividade
política. Cortejar a opinião para conduzir o povo no sentido desejado é uma prática conhecida
e aplicada desde o século V aC pelos demagogos, classe de homens políticos que conduziam
o povo de acordo com as determinações do governo ateniense. Nesse período a opinião já
estava atrelada aos seus líderes, que pertenciam a um grupo restrito da população formado por
indivíduos com certas categorias naturais (sexo, idade, etnia) ou sociais, cujo traço
identificador era o interesse comum. Em nenhum desses grupos as mulheres e os escravos
participavam. Esses homens tinham como função provocar reações do grupo, catalisá-las e
transmiti-las ao mesmo grupo, consequentemente, provocando novas reações em cadeia e
num sentido pré-estabelecido.
52
Considerada como uma alavanca nas mãos dos demagogos, a opinião pública aparece
como uma expressão genuína da vontade do povo e como um meio de manipulação desse
mesmo povo. O grupo que estava no poder era o único que conseguia fazer com que a sua voz
fosse ouvida. Jean Jacques Rousseau, apesar de ter sido um defensor da liberdade, dizia que
aquele que tomasse a tarefa de dar as leis a um povo deveria saber como dirigir as opiniões
que seriam geradas através delas.
O crescimento das cidades, fomentado pelo aparecimento das indústrias, pela
implantação de novas técnicas de produção e administração empresarial, pelas novas relações
comerciais e sociais, pela expansão das idéias e pela formação das classes trabalhadoras
fortaleceram o aparecimento dos líderes de opinião, que sempre se apoiaram nas conquistas e
derrotas para chegar aos seus públicos. Isso mostra que a opinião sempre esteve situada no
plano das emoções, ideologias e crenças o que, naturalmente, se opõe ao campo do
conhecimento. As respostas provocadas por informações carregadas de emoção, pelo
fanatismo ideológico e pelas crenças internalizadas como verdades absolutas são entraves que
limitam os estudos científicos.
O líder, durante o processo de industrialização e até mesmo nos dias atuais, tem um
papel fundamental entre o grupo que está no poder e os que estão sendo liderados. Ele é um
canal que transmite as informações numa linguagem reconhecidamente acessível. Capta as
respostas e realiza o feedback. O mesmo processo pode ser realizado entre grupos de acordo
com as diferentes características dos indivíduos que os formam, mantendo-os ligado a
estruturas distintas. O sr. X trabalha na indústria química, pertence ao sindicato da categoria e
joga tênis no clube nos fins de semana. Só neste exemplo podemos identificar que o sr. X se
relaciona com dois grupos de categorias diferenciadas, que podem exercer influências sobre
suas opiniões.
A opinião do indivíduo está ligada aos seus sistemas de crenças e ideologias. A
formação da opinião e as variáveis intervenientes que exercem influências sobre cada pessoa
estão presentes nos seus ambientes familiares os primeiros a introduzirem as relações no
nível interpessoal, estimulando ações e respostas, motivações e mecanismos de defesa. Os
ambientes sociais e profissionais constroem as atitudes em grupo. Daí percebe-se a existência
das opiniões individuais e coletivas que, somadas, levam a atitudes e ações baseadas num
conjunto de referências.
Os termos propaganda e publicidade, apesar do uso comum no que se refere aos
significados, possuem definições distintas. Em 1927, Lasswell definiu a propaganda como
técnica para influenciar as ações humanas pela manipulação de representações”. Em 1938,
53
Katz e Schank a definiram como “uma tentativa organizada de manipular as massas para
uma ação determinada, por meios indiretos”. E Newcomp (1959) definiu-a como tentativa
sistemática de influenciar atitudes através dos meios de comunicação de massa (AUGRAS,
1970, p.67).
A publicidade pode ser definida, segundo Karger (1973), “como uma fase do processo
de distribuição dos produtos e serviços que se ocupa de informar sobre a existência e
qualidade dos mesmos, de tal forma que estimule a sua compra”. Malanga (1977) considerou
a publicidade “o conjunto de técnicas utilizadas no sentido de promover o lucro de uma
atividade comercial conquistando, aumentando e mantendo clientes”. (apud PINHO, 2001,
p.173)
A propaganda está relacionada a um conjunto de técnicas cujo objetivo principal é o
de influenciar e persuadir as ações individuais e coletivas. A publicidade trabalha com um
conjunto de atividades específicas dirigidas à captação de consumidores. Auxilia as vendas de
um produto ou serviço e pode ser usada para alcançar outros propósitos estratégicos a longo e
curto prazo. (PINHO, 2001, p.173)
Sendo assim, tanto a propaganda quanto a publicidade usam ferramentas planejadas
que seduzem o público alvo e o levam a praticar determinadas ações. Para isso, além de se
conhecer as características classificatórias (sexo, faixa etária, grau de escolaridade, renda
média, etnia) deve-se considerar a opinião pública como expressão da vontade do povo ou,
pelo menos, de uma parcela representativa desta população. Isto esclarece a necessidade de
pesquisas freqüentes acerca da opinião pública sobre temas sociais, políticos, comerciais,
hábitos de consumo e lazer, entre outros. Nas campanhas de propaganda e publicidade a
opinião pública é utilizada para justificar as estratégias adotadas ou como argumento nos
discursos e debates políticos.
As pesquisas de opinião pública exigem a aplicação rigorosa dos métodos de coleta de
dados, que não se resumem à mensuração de questões com variáveis dicotômicas ou com
alternativas fechadas e pré-estabelecidas que possam omitir uma resposta possível. São
necessários estudos sistemáticos que incluem a análise do contexto social, político e
econômico do período em que a pesquisa está sendo desenvolvida, a seleção e classificação
dos sujeitos da amostra, não apenas no se refere a sua representatividade. Também não se
pode pressupor que uma opinião está ao alcance de todos. São relevantes os treinamentos dos
entrevistadores dentro de uma postura ética frente aos respondentes. O tratamento dos dados
coletados não é simplesmente uma análise estatística sumária das perguntas propostas, mas
análises comparativas entre os ocorrentes já verificados. Ao se propor a investigar um tema o
54
pesquisador deve, em primeiro lugar, checar as ocorrências e os estudos já realizados
anteriormente como referencial, eliminando, assim, as possíveis contradições e erros
metodológicos. Algumas pesquisas de opinião pública não ultrapassam o nível de sondagem
mal elaborada, fornecendo respostas pouco fundamentadas no contexto em que estão
inseridas. São realizadas com o objetivo de legitimar uma política e reforçar posturas
ideológicas que justificam as campanhas políticas e eleitorais. Os indicadores apresentados
como resultados não podem ser usados como informações, porque mostram distorções da
realidade.
As pesquisas de opinião captam muito bem a estrutura das opiniões num dado
momento e em situação de equilíbrio, o que não acontece em situações de crises. As
campanhas de propaganda política ou eleitoral, que no período das batalhas pelos cargos
pretendidos usam os resultados das pesquisas de opinião como uma simples soma de opiniões
individuais, transmitem ao público alvo como verdades estabelecidas, sem fundamentar as
opiniões reais e, a partir daí, conduzem as atitudes do público potencial.
1.1. A existência duvidosa da opinião pública
Da mesma forma que alguns autores defendem a existência da opinião pública e
apontam a sua utilização como instrumento de manipulação e direcionamento das ações dos
indivíduos, Pierre BOURDIEU (1985, p.137) afirmou que a opinião pública não existe
baseando-se, para tanto, em três postulados. O primeiro se fundamenta na suposição de que a
produção de uma opinião está ao alcance de todas as pessoas. Não há como considerar
verdadeira esta suposição, pois, expressar uma opinião requer conhecimento sobre a
problemática em discussão, além da capacidade de constituir uma questão. Requer, também,
nível de instrução que proveja capacidade de entendimento das categorias adequadas, grau de
percepção e posicionamento diante do fato. O segundo parte da suposição de que todas as
opiniões são equivalentes, mas um problema não é interpretado da mesma maneira por
pessoas que vivenciam situações distintas. Deve-se partir do contexto em que o respondente
está inserido, do sistema de valores implícitos desde a infância -ethos de classe e da
bagagem cultural que carrega. O terceiro e último postulado implícito tem como hipótese que
se fizermos as mesmas perguntas para todo mundo, chegaríamos a um consenso sobre o
problema investigado. Isto pode não ser real, pois uma análise, mesmo em níveis
quantitativos, não se limitaria à somatória das freqüências de cada variável: tomemos por
exemplo as respostas dicotômicas. Além disso, se desconsideramos ou ignoramos a não
55
resposta, que em certos casos apresentam freqüências representativas sobre a amostra
teremos, com essa somatória, uma informação que de forma alguma pode ser descartada como
variável interveniente.
Os três postulados, mesmo dentro de um rigor metodológico, implicam em outras
distorções que ocorrem tanto na coleta quanto na análise de dados, o que leva a uma série de
criticas em relação às técnicas utilizadas nas sondagens de opinião, principalmente em função
da sua aplicação e desenvolvimento. Questiona-se sobre a representatividade da amostra,
sobre as distorções ao se formularem as questões de um formulário de dados estruturado,
sobre o mesmo questionamento com formulações diferentes (um tipo de “pegadinha” para os
respondentes menos atentos), a indução a respostas e a omissão a respostas intervenientes.
Esses questionamentos transgridem o preceito elementar da construção de um questionário,
limitando as possíveis variáveis de respostas e gerando dúvidas em relação aos resultados que
defendem a existência de determinada opinião pública.
As sondagens de opinião normalmente são utilizadas como um instrumento de ação
política, o que reforça a hipótese de que ocorre manipulação dos resultados. Além do mais, a
problemática abordada no estudo resulta de condições que estão subordinadas a uma demanda
gerada por situações pré-determinadas, o que acaba por exercer um controle sobre o
significado das respostas e sobre a significação dada no caso da publicação dos resultados.
Isso porque a problemática em questão pode ser fabricada.
A critica feita por Bourdieu (1985, p.146) sobre as pesquisas está fundamentada na
definição da opinião que se realiza implícitamente nas sondagens. Não foi abordada sua
opinião sobre a opinião, mas sim, a opinião expressa a partir da realização de
questionamentos sobre as pessoas que produzem pesquisas de opinião. Elas pedem que outras
dêem opiniões ou tomem posições sobre as opiniões formuladas, sem que na realidade
estejam em situação de crise. Trata-se do momento em que as opiniões, bem como as ações,
estariam de alguma forma, sob pressão ou fora da normalidade.
Bourdieu (1985, p.146-151) diz que a pesquisa de opinião estaria mais próxima da
realidade se as regras da objetividade fossem completamente transgredidas e se fossem dadas
às pessoas os meios de situar-se como elas realmente se situam na prática real, isto é, em
relação a opiniões já formuladas. Explica ainda que, a “opinião pública não existe” da forma
que lhe atribuem os que têm interesse em afirmar sua existência.
As propagandas nos períodos de embates eleitorais usam, indevidamente, os resultados
das pesquisas de opinião pública. De maneira tendenciosa fazem distorções de dados e
informações, reforçando apenas os dados que apontam percentuais favoráveis,
56
desconsiderando ou omitindo as regiões onde os trabalhos de campo foram realizados, o
número de respondentes e as categorias de análise determinadas, entre outras variáveis que
qualificam os relatórios de pesquisa.
A propaganda política aplica mecanismos psicológicos de formação da opinião pública
tais como a identificação (introjeção e projeção), a rejeição, as representações coletivas, os
mitos e os estereótipos. Trabalha a partir da percepção empobrecida da realidade, reforçando
preconceitos. Enfim, a propaganda explora aspectos emocionais, ignora o princípio da
realidade, somente vigorando o do prazer-desprazer (AUGRAS, 1970, p.70).
É dentro desta realidade que as campanhas eleitorais são desenvolvidas. Os resultados
de uma investigação científica são utilizados sem se levar em consideração o rigor
metodológico, que deve ser independente dos valores próprios, de crenças científicas, e de
interesses financeiros ou ideológicos.
2. Propaganda eleitoral e a propaganda política
A propaganda eleitoral tem como objetivo conquistar votos para determinado
candidato a um cargo eletivo através de ações que envolvam os meios e a mensagem, e são
utilizadas nos períodos eleitorais. (PINHO, 2001, p.133) Utiliza como ferramentas de
comunicação panfletos, cartazes, calendários com foto e número do candidato (santinhos),
brindes e camisetas, entre outras, e aplica as leis e as técnicas da propaganda política.
A propaganda política difere da eleitoral, pois tem como propósito difundir ideologias
políticas, programas e filosofias partidárias. As campanhas são desenvolvidas por períodos
mais longos. Tanto a eleitoral quanto a política utilizam ações de comunicação com o objetivo
de formar e direcionar a opinião pública.
PINHO (2001, p.145) apresentou quatro tipos básicos de propaganda política:
propaganda de doutrinação, expansão e recrutamento, de agitação, de interação e de
subversão. Na doutrinação, expansão e recrutamento o objetivo final é o poder. Para tanto,
procura-se conquistar a opinião pública com a difusão de ideologias e de programas. Na
propaganda de agitação os planejadores da campanha procuram conhecer e vivenciar os
problemas e frustrações vividas por determinadas comunidades, explorando o
descontentamento e as reivindicações sociais. Na interação o objetivo é criar uma unidade
ideológica, modelar as opiniões, atitudes e comportamentos da população. A propaganda de
subversão não traz idéias positivas, nem tampouco apresenta ideologia ou doutrina: é uma
57
técnica destrutiva que será aplicada de acordo com as condições psicológicas de determinada
população.
Além dos tipos básicos, a propaganda política segue leis e técnicas que partem do
estudo da história recente. São elas: Lei da Simplificação e do Inimigo Único, de Ampliação e
Desfiguração, de Orquestração, de Transfusão, de Unanimidade e de Contágio.
A Lei da Simplificação e do Inimigo Único determina que, ao simplificar os
argumentos em alguns pontos, será possível defini-los mais claramente, o que facilita o
entendimento dos objetivos. É conveniente, ainda, concentrar sobre uma única pessoa as
expectativas geradas pela campanha, vinculando a proposta ao personagem, e a sua
personalidade e conduta política, reforçando pontos positivos. Individualizar o adversário
também é um modo de simplificar, de apontar um único inimigo, reduzindo a luta política às
rivalidades pessoais, e substituindo, assim, o confronto de ideologias e programas. A
utilização do símbolo, no caso desta lei, é uma das formas mais sintéticas de expressar uma
idéia. A suástica, a foice e o martelo, o trevo e a estrela, são exemplos de símbolos que
carregam, em si, conceitos, ideologias e história.
A Lei da Ampliação e Desfiguração consiste em colocar em evidência informações
que sejam favoráveis aos objetivos estabelecidos, de acordo com o público alvo. Adolph
Hitler dizia que toda propaganda deve estabelecer seu nível intelectual segundo a
capacidade de compreensão dos mais obtusos dentre aqueles aos quais se dirige. Seu nível
intelectual será, portanto, tanto mais baixo quanto maior a massa de homens que se procura
convencer”. (apud PINHO, 2001, p. 148) No que se refere à desfiguração, são destacadas
citações, comentários, até mesmo gestos do contexto real e são utilizadas isoladamente ou em
outro contexto, valorizando-se os aspectos negativos.
O desenvolvimento de uma campanha de propaganda exige, basicamente, que se tenha
um tema, e que estejam definidos e reconhecidos os públicos, bem como as regiões em que
estão concentrados, além do conhecimento da linguagem e dos meios mais adequados para
que a comunicação se estabeleça. A partir daí pode ser aplicada Lei de Orquestração, que
consiste na repetição do tema através dos meios selecionados, de maneiras variadas atingindo
os diferentes públicos. SANT´ANNA (2002, p. 60) diz que numa grande campanha de
propaganda o êxito se dá quando o tema é ampliado em ecos indefinidos ou quando se atinge
o fenômeno da ressonância, cujo tema é transmitido e ampliado pelos seus diversos
promotores e transmissores, com ritmo e constância.
58
Na orquestração, duas ações são fundamentais. São elas: acompanhar o
desenvolvimento da campanha e observar os progressos obtidos através da argumentação
entre os diferentes públicos.
Não é possível desenvolver a campanha de um produto, ou até mesmo de um serviço,
partindo-se de absolutamente nada. Reconhecer onde, como, quando e porque produto e
público estão estabelecidos são informações indispensáveis. Crenças, dogmas, mitos,
preconceitos, costumes e cultura predominante são substratos preexistentes e precisam ser
conhecidos para que uma campanha atinja seus objetivos. Além do mais, o público alvo deve
identificar-se com o tema e, conseqüentemente, com o produto. Daí ocorre a Lei de
Transfusão, onde conceitos, convicções e sentimentos ligam produto e público potencial.
As pesquisas mostram que existe uma diversidade de opiniões a respeito de um
mesmo assunto ou tema. As opiniões individuais, normalmente, são pressionadas pelos
grupos aos quais pertencemos. A Lei da Unanimidade e de Contágio, quando aplicada,
procura direcionar a opinião a ponto de criar a ilusão de unanimidade. Possuir a mesma
opinião de um grupo de pessoas esclarecidas ou bem sucedidas parece atraente. Neste caso a
unanimidade tem caráter conformista. A propaganda utiliza ferramentas que reforçam a
unanimidade, usam sentimentos como o amor e a amizade, as reuniões familiares, os desejos
de felicidade, sexo, e conquistas, os quais contagiam o público. Comícios, shows, grandes
manifestações artísticas em prol de uma campanha, são recursos constantemente colocados
em prática. Símbolos, bandeiras e músicas carregam valores capazes de transformar multidões
formadas por diversas opiniões individuais num único ser.
Quando observamos as batalhas políticas é possível identificar as leis e técnicas
discutidas aqui. Da mesma forma verificamos que respostas são dadas às ações de
propaganda. Estas são denominadas contrapropaganda. Seu objetivo é o de anular os efeitos
persuasivos de determinada campanha. (PINHO, 2001, p.150) A contrapropaganda atua sobre
as contradições de idéias em relação à realidade dos fatos, sobre a desmoralização das ações,
das idéias e da personalidade do oponente.
A contrapropaganda segue regras específicas que combatem as propostas apresentadas
pelo adversário. As regras identificadas são: assinalar os temas do adversário, atacar os pontos
fracos, jamais atacar frontalmente a propaganda adversária quando for poderosa, atacar e
desconsiderar o adversário, colocar a propaganda do adversário em contradição com os fatos,
ridicularizar o adversário e fazer predominar o seu “clima de força”. (apud PINHO, 2001, p.
150)
59
Quando se assinala os temas do adversário, são separados os elementos que dão
legitimidade ao que está sendo discutido, reduzindo-se tudo a um conteúdo lógico. Atacar os
pontos fracos é uma regra de combate utilizada pelos estrategistas em situação de guerra. Os
pontos fortes do adversário devem ser observados e jamais podem ser atacados frontalmente.
Devem ser conduzidos a conclusões diferentes das que se pretendia chegar. Atacar uma
pessoa é mais fácil do que argumentar racionalmente, baseando-se em fatos reais. Desta forma
o adversário tem sua capacidade, habilidades e conduta moral diminuídas para desenvolver as
atividades pertinentes ao cargo.
Pleitear um cargo público coloca o candidato numa condição de observação, por parte
do público, do que ele fala e faz. Qualquer testemunho ou imagem, seja ela fotográfica ou
filme, são suficientes para causar dúvidas sobre sua argumentação, tornando contraditória a
propaganda do candidato. Ironizar ou rir de uma proposta defendida ou de declarações dadas
ridicularizam o adversário, mesmo quando o que foi colocado tem fundamentos plausíveis.
Tira-se vantagens da ignorância da maioria. A linguagem utilizada é capaz de demonstrar
clareza e entendimento dos fatos. Os símbolos carregam em si valores agregados. Tanto a
linguagem quanto os símbolos reforçam e fazem predominar o seu “clima de força”. Isso
pode ser confirmado quando se relaciona um nome com determinada atitude censurável ou,
ainda, a presença de bandeiras em comícios.
É importante citar, também, a diferença entre marketing político e marketing eleitoral,
pois quando se planeja e aplica um mix de comunicação, principalmente em períodos
eleitorais, são utilizadas ferramentas de jornalismo, de relações públicas, de promoção de
vendas e de propaganda e publicidade com o intuito de divulgar a mensagem para os diversos
públicos.
Marketing político consiste na aplicação das técnicas de propaganda,
de jornalismo e de marketing comercial para a manutenção ou conquista do poder político.
Tem como objetivo facilitar e justificar a adesão dos indivíduos ao grupo que está no controle
do Estado.
No marketing eleitoral as técnicas de marketing, propaganda e comunicação são
aplicadas em um momento específico da existência social (eleições). Seu objetivo é criar a
diferença entre os políticos.
A propaganda política é um instrumento poderoso nas mãos dos homens, e terá maior
força quanto maior a ignorância do povo. Ela influencia as atitudes, modifica as crenças,
interfere na conduta das pessoas. Seus efeitos seriam menores se a educação básica tivesse
seus pilares reforçados e pudesse contar com participação ativa e conjunta das famílias, da
60
sociedade e dos governos. Com certeza teríamos mais pessoas com capacidade de produzir
opiniões individuais.
3. Propaganda Eleitoral: observações sobre a campanha política na eleição
para governador de São Paulo em 1954
Orígenes Lessa publicou, em 1955, suas observações sobre a campanha política na
eleição para governador de São Paulo do ano anterior. Nesse trabalho fez comparações entre
as propagandas eleitorais dos candidatos ao pleito. Mostrou, ainda, que o processo eleitoral
brasileiro sempre admitiu a interferência daqueles que detêm maior poder econômico nas
discussões sobre os rumos políticos que deveriam ser tomados. A intervenção na política
acontece de forma natural, desde a escolha do candidato que atenda as expectativas dos
eleitores até as discussões das plataformas de governo que serão propostas e que atendam os
grupos empresariais determinados, e do financiamento das campanhas eleitorais, o que está
relacionado com a capacidade e as chances de ganhar a eleição e, consequentemente, de gerar
lucros maiores no futuro.
Lessa demonstrou que as campanhas foram algumas das mais curiosas batalhas
eleitorais do nosso país, e que as diretrizes propostas pelos candidatos foram discutidas nos
jornais superficialmente. O que mais se viu foram os golpes baixos e as centenas de milhões
de cruzeiros gastos, sem planejamento, pelos salvadores do povo. A propaganda que cada
candidato veiculou mostrava como seria horrível para o povo paulista se não escolhessem o
candidato certo. A arbitrariedade cometida pelo escolhido como representante político, sem
dúvida alguma, teria o eleitor paulista como principal responsável.
Quatro pretensos salvadores do povo se candidataram: Vladimir de Toledo Piza,
lançado oficialmente pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Ademar Pereira de Barros,
que contou com o apoio dos comunistas e fundou o Partido Social Progressista (PSP),
Francisco Prestes Maia, apoiado pelo governador Lucas Nogueira Garcez, pela UDN e pelos
NOTA 1: A legislação da República de 1946 não era exigente em relação à filiação partidária. Não eram
necessários documentos legais que comprovassem o vínculo de um cidadão a um determinado partido. Para
concorrer a uma eleição o partido (ou coligação) precisava apenas registrar sua lista de candidatos quinze dias
antes do pleito. Nas situações em que havia coligação, não havia indicação do partido ao qual cada candidato
estava vinculado. Nestes casos, a estatística eleitoral trazia apenas a lista dos partidos que disputaram a eleição
(em outros, nem isso) e um rol de candidatos inscritos.
61
partidos Social Democrático (PSD), Republicano (PR) e de Representação Popular (PRP) e
Jânio da Silva Quadros, o candidato sem partido¹, o moralizador que usava como símbolo
uma vassoura para limpar o governo.
Esses “abnegados” que disputavam o posto sacrificante dos Campos Elisios
apresentaram suas campanhas através dos jornais, e mereceram o olhar crítico de Orígenes
Lessa.
3.1. Perfil dos candidatos
Ademar Pereira de BARROS já havia começado seu percurso político no Partido da
Representação Popular (PRP), tendo sido interventor, em São Paulo, durante o Estado Novo e
nomeado prefeito da capital paulista de maio de 1938 a novembro de 1945. Apoiado pelos
comunistas montou o Partido Social Progressista (PSP), onde ele era a razão maior. Tinha
como objetivo captar votos de uma grande massa eleitoral. Não possuía nenhum programa de
governo constituído ideologicamente, o qual tivesse alguma consistência. Toda mensagem
divulgada passava a imagem do administrador capacitado. A ausência de moralidade política
era uma de suas características. Foi a partir de Ademar que a expressão “rouba mas faz” se
transformou em elogio. (FAUSTO, 2006, p. 404). Foi governador de São Paulo em 1947.
Francisco PRESTES MAIA, engenheiro civil, arquiteto e político, nasceu em
Amparo, São Paulo, em 1896 e faleceu em 1965, na capital paulista. Foi considerado um dos
maiores urbanistas de São Paulo (VIVABRAZIL.COM, 2007). Foi nomeado engenheiro da
Secretaria de Viação e Obras Públicas logo no início de suas atividades profissionais, quando
trabalhava num escritório de construções e negócios imobiliários. Lecionou durante 10 anos
na Escola Politécnica. Elaborou planos de urbanismo para Campos do Jordão, Santos,
Campinas e Recife. Ocupou, por longo tempo, o cargo efetivo de diretor de Obras Públicas.
(WIKIPEDIA.ORG.,2007)
Jânio da Silva QUADROS, político e advogado, nasceu em Campo Grande, Mato
Grosso, em 1917 e faleceu na cidade de São Paulo em 1992. Foi vereador em 1947, deputado
estadual em 1950, prefeito em 1953 e, governador de São Paulo em 1954 e deputado federal
em 1958. (FAUSTO, 2006, p. 631) Sua carreira política foi meteórica. Costumava visitar
bairros pobres e se apresentava aos possíveis eleitores sempre mal vestido e despenteado.
Encampava as reivindicações populares, assinava manifestos e ainda escrevia artigos para
jornais. Enquanto vereador apresentou um projeto que isentava os jornalistas do pagamento
do imposto predial. Para os servidores municipais conseguiu o abono de Natal. Sua oratória
62
tinha um estilo particular e facilmente identificável. Assumiu a prefeitura de São Paulo aos
36 anos. Promoveu demissões em massa de funcionários em nome da moralidade, fazia
visitas surpresa a repartições públicas em busca de irregularidades, institucionalizou o envio
de memorandos e dos famosos "bilhetinhos", proibiu a circulação de carros oficiais com a
regulamentação que não permitia o uso fora do horário de serviço, recuperou ônibus e bondes
da Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) e nomeou o professor Carlos
Alberto de Carvalho Pinto para a administração das finanças municipais, conseguindo
equilibrar o orçamento da prefeitura. (CPDOC/FGV, 2003)
Wladimir de Toledo PIZA, médico e político, nasceu em Serra Negra São Paulo, em
1905 e faleceu em 1999. Participou da Revolução de 1932. Em seguida ingressou na política
através do Partido Republicano Paulista (PRP). Foi eleito deputado estadual em 1950 e lançou
as bases da política cambial adotada mais tarde pelo Governo Brasileiro. Eleito vice-prefeito
em 1955, assumiu o cargo de prefeito da Capital no dia 13 de abril de 1956, onde permaneceu
até 1957. Toledo Piza, por decreto executivo, criou referências funcionais para o ensino
municipal (1956).
3.2. As campanhas
3.2.1. Ademar Pereira de Barros
A campanha de Ademar de Barros apresentava-o como vítima do “sindicato da
calúnia”, o grande conspirador contra São Paulo. Ademar era o líder do maior partido político
do estado e ainda exercia influência sobre um grande número de prefeitos do interior. Teve
sua campanha enfraquecida com o lançamento da candidatura de Prestes Maia.
Era um político difícil de defender pois foi acusado de ladrão, de peculatário e de
criador da famosa “caixinha” mantida pelos cassinos e banqueiros do bicho. As acusações
eram muitas e vinham de longe.
A “caixinha” ou o “caixa dois”, que são os recursos recebidos, não contabilizados e
não divulgados pelos partidos, já era uma prática utilizada na política mesmo antes de
Ademar. Não divulgar os financiadores das campanhas assegura os interesses dos grupos
econômicos que interferem nos planos de governo. Essa prática, também é utilizada por
algumas empresas brasileiras e, a justificativa mais comum para tal recurso são os altos
impostos cobrados pela União.
63
A principal falha apontada por Lessa durante a campanha publicitária de Ademar de
Barros foi que as acusações contra ele não foram esmagadas, seus adversários não foram
combatidos frontalmente. Fizeram uso da afirmação Ademar realiza”, onde os fins
justificariam os meios. Não souberam ou não conseguiram pulverizar as denúncias que se
levantaram de todos os lados contra Ademar, limitando-se a infantilidades, como o uso trevo:
Ademar dá sorte...”, o mesmo símbolo utilizado, posteriormente, pelo empresário e político,
então candidato a prefeitura da cidade de São Paulo em 1992, Paulo Salim Maluf.
Segundo LESSA (1955, p.4), nenhuma propaganda veiculada em favor de Ademar
conseguiu destruir, com fatos, sua fama de ladrão. Os anúncios eram eleitoralistas e diziam:
“Ademar faz mesmo!”, “Todos os dias você passa por uma realização de Ademar!”. Com a
intenção de contornar os erros cometidos, exploraram largamente, “a simples capacidade de
realizar”. Apresentaram um São Paulo dinâmico, no tempo de Ademar, contra um São Paulo
sem realizações, no governo de Garcez.
Para responder aos ataques de Ademar, Garcez publicou pequenos anúncios nos
principais jornais e repetia-os várias vezes na mesma edição. No rádio, os “spots” da série
“Parou” que diziam: “parou a onda de nomeações de ‘cupinchas’ para importantes cargos
que sòmente técnicos podiam ocupar...”, “Parou a ‘caixinha’ compradora de almas...”,
“Parou a exploração de pobres e infelizes mulheres que ocupavam os alcouces...etc.” e
encerrava dizendo: “Parou de uma vez, no governo decente de Garcez. Foi isso que em São
Paulo Parou!”.
O que foi publicado posteriormente às respostas de Garcez, pelos propagandistas de
Ademar, de acordo com LESSA (1955, p.5) não dava para saber se foi ou não uma tentativa
de defesa. Usaram-se argumentos inconsistentes e confusos, passou-se por cima das acusações
e remeteu-se a responsabilidade ao ‘sindicato da calúnia’. Os anúncios diziam: “Alerta! Seja
qual for a notícia que espalharem, não acreditem”, “Não acredite! Eles podem inventar
tudo! Ainda mesmo que digam que Ademar morreu... VOTE NELE!”. Alguns acrescentavam:
“Os ‘cartolas’, desesperados e já vencidos, querem impedir a vitória de Ademar a qualquer
custo”.
No jornal “Folha da Manhã”, de 29 de setembro de 1954, Lessa encontrou um curioso
e pequeno anúncio que dizia: “A mentira é contra Ademar? Não acredite!”. O responsável
pelo anúncio não assinou; com certeza o leitor foi chamado a pensar que havia mesmo
mentira contra os outros candidatos com a ajuda de Ademar.
Sem alternativas possíveis, os propagandistas de Ademar o confundiram com o destino
de São Paulo e apelaram para promessas de um futuro melhor. Ao invés de esclarecerem o
64
que Ademar faria como governador de São Paulo, desenvolveram uma campanha que
vislumbrava a presidência da Republica, deixando claro que o governo paulista não passava
de um degrau para um posto maior. Utilizaram, para isso, um anúncio que dizia: “São Paulo
vai agora ou fica sempre de fora”. Apresentavam dois caminhos: “Votar com o Sindicato da
Calúnia, com os cartolas, com os mentirosos, com os reacionários traiçoeiros, e prepotentes
inimigos de São Paulo e do povo. Ou votar em Ademar de Barros, o maior líder vivo do
Brasil. Eleja-o governador agora, para que São Paulo conquiste em 1955 a Presidência da
República.” (1955, p.6)
Com este novo rumo tomado pela campanha ademarista, passaram a utilizar o slogan:
Com Ademar ou contra São Paulo que, segundo Lessa, não tinha muita força de convicção.
A peça mais grotesca foi uma resposta que Ademar pretendeu dar a Jânio. Publicou-se
uma foto onde Barros, bastante gordo e sério, aparece de mãos dadas e olhos nos olhos com
sua esposa, sorridente, seguido do texto: “Dois corações a serviço do Povo...”. A intenção,
segundo Lessa, era mostrar que ele também estava em dia com as exigências da nossa
legislação antidivorcista, que perdoa todos os erros conjugais.
A campanha de Ademar de Barros, na opinião de Orígenes Lessa, valeu-se de
pequenos recursos que o colocavam como vítima da situação. Usavam-se resultados de
pesquisa de opinião pública que asseguravam sua vitória. Entremeando os anúncios dos
jornais, veiculava-se um slogan ‘acafajestado’: Fé em Deus e pé na tábua!”. Para um
candidato na situação em que se encontrava Barros, fizeram muito pouco.
3.2.2. Francisco Prestes Maia
Prestes Maia era um bom produto. Tinha fama de incorruptível e de que não precisava
roubar para realizar. Sua campanha focalizava menos as qualidades do seu candidato que os
defeitos dos seus adversários. Baseado nos resultados, Lessa apontou o foco da propaganda
como o maior erro cometido pelos propagandistas de Maia. Colocou, ainda, que “um dos
princípios da boa propaganda é esquecer o concorrente e vender o produto em si mesmo e
por si mesmo, pelas suas qualidades e pelos seus méritos, sem qualquer alusão aos rivais”.
(LESSA, 1954, p.10)
Enquanto Ademar sonhava com a futura presidência, Prestes Maia se aproveitou do
erro cometido pela propaganda do adversário e entrou na batalha dizendo: “Prestes Maia o
único candidato a governador por quatro anos e também o único que se apresenta com um
programa capaz de solucionar os problemas do povo. E o seu passado de realizações etc ...”.
65
Fazer o planejamento da campanha de Prestes Maia era um prato cheio para qualquer
publicitário. Ele era um ex-prefeito sem manchas no seu currículo, um realizador inegável e
não era demagogo. Mas errou-se profundamente, pois uma das fases da campanha foi
dedicada à luta Ademar-Garcez; outra foi a longa série de anúncios “São Paulo parou!” e A
negociata parou”. Era importante mostrar Prestes Maia e não Garcez, que era apenas aliado e
não candidato.
Outro erro catastrófico foi “a mão do finado. Resolveram explorar o cadáver de
Getúlio Vargas e, publicaram em todos os jornais uma afirmação de Lucas Nogueira Garcez
dizendo: “Declaro, sob minha palavra de honra, que o candidato da preferência de Getúlio
Vargas era Prestes Maia”. Gastaram muito dinheiro mas provocaram sorrisos nos seus
adversários pois, apoiar uma história pelo testemunho do amigo morto é uma grande
ingenuidade.
LESSA (1955, p.13) faz uma análise sobre essa peça e mostra as conveniências deste
“golpe”, dizendo: “os partidários de Prestes Maia eram teoricamente antigetulista, ou, pelo
menos, rezariam muito pouco pela cartilha de Getúlio. Que adiantaria para eles a
informação? Aparentemente nada. Talvez, em alguns casos, fosse até inconveniente. Mas a
declaração iria impressionar ademaristas e janistas. Para os ademaristas, que por definição
não acreditariam na palavra de Garcez, tido por eles como traidor, não seria esse
testemunho o que os iria bandear para o ex-prefeito. Os fanáticos do prefeito em férias, a
vociferar nas praças públicas e tomar injeções de grande efeito teatral, iriam abandona-lo
por isso? Parece que não. Mas os getulistas? Se ficaram impressionados e foram movidos
pela declaração, não pesaram muito no resultado geral. O golpe se desnudou pelo seu
próprio oportunismo.”
Erro maior, segundo Lessa, foram as pequenas previsões eleitorais publicadas sem
nenhuma documentação, sem indicação de fontes fidedignas, com aparência de tapeação,
estranho para um candidato honesto:
“PREVISÕES ELEITORAIS
Cada 1.000 votos
Prestes Maia ................... 355
Ademar ........................... 335
Jânio ............................... 310
Prestes Maia já ganhou!”
66
Eram poucos os que acreditavam na vitória de Prestes Maia. Ele era o candidato das
elites, além do mais, apresentar resultados de pesquisa sem assinatura comprometeu,
sobremaneira, sua reputação.
Completamente perdidos, esqueceram que num passado próximo haviam chamado o
adversário Jânio de mentiroso e publicaram os anúncios da série Janista amigo que,
segundo Lessa, deve ter divertido enormemente os partidários do prefeito do vidrinho de
caspa, que convidava os janistas a derrotar Ademar votando em Prestes Maia:
Janista amigo! Sem ódio e sem remorsos falemos com
lealdade: Jânio terá boa votação na capital, mas perderá no
interior. Jânio não tem organização partidária no interior...
Quem em Jânio votar estará ajudando Ademar...
Outro anúncio da mesma série usava um tom harmonioso e chamava a atenção dos
janistas dizendo:
Você já meditou? Prestes Maia governador, Jânio
Quadros prefeito. Derrotado Ademar...” “dois
administradores honestos dirigindo São Paulo...”
Lessa explica que com esse anúncio os propagandistas de Prestes Maia pretendiam
roubar o eleitorado de Jânio, mas esqueceram do quanto o haviam classificado como
mentiroso.
A abundante e agressiva campanha de Prestes Maia mostrou seu acirrado espírito de
competição, fazendo surgir os famosos “compare os três”. Os anúncios eram idealizados e
hábeis. Lessa classificou-os como um convite ao julgamento do eleitor. O objetivo desses
anúncios era fazer com que o eleitor raciocinasse sem que ele, Prestes Maia, aparentemente,
tomasse partido, pontificando em qualquer terreno. Além do mais, levavam a assinatura de
Campanha de Esclarecimento Eleitoral”. As peças, no entanto, perderam sua força quando
começaram a ser publicados anúncios com o testemunho de pessoas consideradas influentes
dizendo: “Comparei os três e me decidi pelo Governador Prestes Maia”.
Os ataques pessoais não pararam por aí. A partir da denúncia dos Chevrolets²,
começou-se a veicular os anúncios “Compare os dois” onde Ademar havia desaparecido.
Sobre o espaço em que estaria sua fotografia vinha escrito: “Censurado, às voltas com a
Justiça”. (Anexo 4.3.a)
NOTA 2: O caso dos Chevrolets refere se à denúncia de corrupção e da polêmica compra de carros,
supostamente doados a afiliados de parentes durante o governo de Ademar de Barros.
67
Para Lessa a campanha que, inicialmente, apresentava-se como “apartidária” foi
agressiva e, mesmo que as denúncias fossem verdadeiras, não acreditava que o caminho
tomado fosse a melhor orientação. A respeito de Jânio Quadros foram veiculados anúncios
que diziam: Mentiu aos seus correligionários...Mentiu ao povo...Pretende continuar a
mentir...”. A respeito de Ademar de Barros: “Chevrolet. Chevrolet. Chevrolet. Caixinha.
Caixinha. Caixinha. Trampolim. Trampolim. Trampolim”. Explica ainda que, ao invés
de irritar, ferir ou agredir o adversário, melhor seria focalizar o candidato diretamente, sem
acirrar os ânimos.
Mesmo que digam que em política vale tudo, ou que tudo se faz, Lessa coloca que
uma campanha técnica de propaganda deve orientar-se pela própria ética da propaganda,
que tem seus princípios firmados numa longa experiência”. E a orientação correta seria:
vender o artigo Prestes Maia sem cogitar de ferir os outros artigos”.
3.2.3. Jânio da Silva Quadros
Jânio Quadros entrou em cena com propaganda de praça pública. Lessa (1954, p.8)
julgou o material impresso utilizado na campanha como inexpressivo e sem maior interesse,
classificando-a como ingênua e primária. A ausência de uma organização partidária era um
dos seus pontos negativos. A seu favor, explorou novamente o lema "O tostão contra o
milhão", utilizado durante as eleições municipais de 1953, que concorreu e venceu ressaltando
a desproporção dos recursos mobilizados em seu apoio em relação aos que foram utilizados
pelas máquinas políticas mais poderosas do estado.
Jânio confiava no seu magnetismo pessoal, nas suas qualidades de comediante e
demagogo excepcional, na ‘mise-en-scène’ dos seus comícios. Publicava repetidas vezes um
anúncio que dizia: “Compre os jornais. Leia a propaganda eleitoral. Jânio, Porfírio e Auro
não usam a mentira como arma política”.
Jânio, Porfírio e Auro apelaram para as previsões às vésperas da eleição. Recorreram a
Chacarian Sana-Khan, vidente armênio residente no país desde os anos 20 e publicaram
largamente: Sana Khan prevê a estrondosa vitória de Jânio! (leia “Manchete”, etc.)”.
Segundo LESSA (1954, p. 8) o já ganhou” estava dando azar e representava um erro
psicológico, porque desarmava os próprios companheiros. E mais, a despreocupação era um
convite à inércia. Melhor seria manter em alerta seus fãs para os riscos de uma candidatura.
Ninguém deveria cruzar os braços, acreditando numa vitória fácil.
68
A campanha de Jânio apelava para a moralidade, para o conservadorismo. As peças
mais grotescas que publicou, junto com Porfírio e Auro, foram algumas fotos de álbum de
família que ocupavam cinco ou seis colunas, onde estavam acompanhados de suas respectivas
esposas e filhos, com a frase: “Nós somos casados perante Deus e perante a lei!”. (Anexo
4.3.b), como se as condições civis os tornassem hábeis suficientes para administrar um
Estado. Além do mais, ser casado perante a lei não representa virtude alguma.
3.2.4. Wladimir de Toledo Piza
Sua campanha era inexpressiva, mas soube aproveitar muito bem a campanha da
comparação, e num anúncio (Anexo 4.3.c) veiculado em dois de outubro de 1954 publicou o
seguinte:
COMPARE OS TRÊS
JÂNIO: - Gastou milhões em sua campanha eleitoral. Todos os dias as
rádios irradiam seus comícios e os jornais os noticiam, além da farta
publicidade sobre sua candidatura.
Seus adversários fazem-lhe graves acusações.
Quem financia sua custosa campanha?
Ele disse: Tenho somente 20 contos no Banco!
ELEITOR: - Se ele for eleito...
ADEMAR: - Gastou milhões em matérias pagas nos jornais, rádio e TV.
Possui estações de rádio e jornais. Sua vida pública é severamente
condenada.
Seus adversários fazem-lhe graves acusações.
Onde buscou dinheiro para financiar sua custosa campanha?
Ele disse: Macacada! Pé na tábua e fé em Deus!
ELEITOR: - Você é macaco? Pense... Se ele for eleito...
PRESTES MAIA: Gastou milhões em sua campanha eleitoral. Gasta todos
os dias, nos jornais e nas rádios, uma fortuna fabulosa em publicidade.
Seus adversários fazem-lhe severas restrições.
Onde foi buscar tanto dinheiro para financiar sua custosa campanha?
Ele disse: Sou um homem pobre: não tenho dinheiro...
ELEITOR: - Se ele for eleito...
ELES SÃO IGUAIS
Por isso vote contra os três
VOTE PARA GOVERNADOR EM WLADEMIR PIZA
69
Capítulo V :
O Bate Papo na Revista Publicidade & Negócios
O grande móvel é a vaidade. O grande guia é a vaidade. O grande
vendedor é a vaidade. O grande comprador é a vaidade. Pela vaidade e
por vaidade se vende. Por vaidade se compra. E até por vaidade se paga...
Que a vaidade, quase sempre, nos obriga a comprar a prestações. E mais
que qualquer endossante, a garantia do vendedor está nessa tão caluniada,
tão fecunda vaidade...”
(LESSA, PN, 1959, ano XIX, nº 370)
1. O início do século XX no Brasil e o nascimento das revistas
O Brasil, a partir da última década do século XIX até 1930, seguido dos Estados
Unidos, Argentina e Canadá, foi um dos países do continente americano que mais recebeu
imigrantes europeus e asiáticos, que para cá vinham em busca de trabalho e melhores
condições de vida. Cerca de 3,8 milhões de estrangeiros entraram no país entre 1887 e 1930.
(FAUSTO, 2006, p.275) O destino da maioria dos imigrantes eram as fazendas de café e de
algodão. No entanto, a urbanização dos grandes centros começava a ser uma nova opção para
muitos trabalhadores rurais que pretendiam sair das atividades agrícolas provocando, assim, o
afluxo de imigrantes espontâneos. A cidade oferecia oportunidades para o comércio de rua,
para profissionais liberais, para o artesanato, para as pequenas fábricas de fundo de quintal e
para os serviços domésticos. A possibilidade de empregar-se nas fábricas nascentes também
existia.
São Paulo, entre 1890 e 1900, em franco crescimento, passou de 64.934 para 239.820
habitantes. Já era a quinta cidade brasileira, estava somente abaixo do Rio de Janeiro, de
Salvador, de Recife e de Belém. A capital paulista representava um dos maiores centros
distribuidores de produtos importados, tendo o porto de Santos como principal porta de
entrada. Os negócios com o café criaram as bases da industrialização, num processo sem
volta. Isso pode ser afirmado porque, em primeiro lugar, promoveu-se a imigração e os
empregados urbanos vinculados ao café, criaram um mercado para produtos manufaturados,
em segundo, promoveu-se o investimento em estradas de ferro e, em terceiro, desenvolveu-se
o comércio de exportação e importação, além de se desenvolver um sistema de distribuição de
produtos manufaturados. (FAUSTO, 2006, p.281-289)
70
A revista, neste cenário, foi capaz de traduzir os anseios do país, foi porta voz da
industrialização e da opulência cafeeira de São Paulo. Com o novo veículo, a propaganda foi
se profissionalizando para atender a demanda de um processo civilizatório veloz. A
organização e a atividade regular começaram a determinar padrões para os meios e a exigir
uma postura dos profissionais que estavam envolvidos com o negócio. Como exemplo,
Ricardo Ramos citou os agenciadores de anúncios, cuja atividade já era bem antiga (RAMOS,
1990. p.4), os quais saíram dos departamentos internos e foram para as ruas, passando a
manter contato direto com os clientes potenciais.
Algumas revistas, no início do século XX, já circulavam com programações de
anúncios em posições fixas, e eram classificadas como avançadas para a época. Eram elas:
Revista da Semana, um suplemento do Jornal do Brasil, que se destacou por introduzir e
popularizar a fotografia na imprensa brasileira a partir da cobertura dos festejos do IV
Centenário do Descobrimento do Brasil, O Malho, cuja tiragem atingiu a casa dos 40 mil
exemplares e cujo departamento comercial foi o pioneiro na aplicação do CPM - custo por
milheiro de exemplares (CIVITA, 1990, p. 217), além de A Careta, Fon-Fon, a Ilustração
Brasileira, Vida Paulista, Arara, Cri-Cri. Tinham como anunciantes Au Bom Marche,
Maison de Coiffeur, Parc Royal, Chevrolet, pneus Dunlop, filmes Kodak, Underwood
máquinas de escrever, e a Colgate-Palmolive. (RAMOS, 1990, p.3)
A refinada Art Nouveaux, modelo estético francês que influenciou a arte e a cultura
européia com seu estilo ornamental, acrescentou o elemento hedonista ao objeto,
apresentando curvas longas e sensíveis, semelhantes ao caule do lírio, às antenas dos insetos e
ao filamento das flores, que surgiam dos cantos e cobriam assimetricamente todas as
superfícies disponíveis. Esse estilo influenciou o processo criativo publicitário, num período
industrial em que uma das preocupações estava em justificar a valorização dos produtos.
Ajudou, também, no envolvimento entre veículo, cliente e público. (Anexo 5.1.a)
As revistas, em pouco tempo, conquistaram os leitores com uma relação
absolutamente pessoal. Os grandes magazines ofereciam artigos variados e diferentes toda
semana a um público amplo e diversificado. O mercado foi se ampliando e, com a chegada da
televisão, novas oportunidades teriam que ser oferecidas aos anunciantes. Com isso, surgem
as revistas específicas. A segmentação fechou o foco sobre o público alvo determinado,
reduzindo o custo do anúncio e elevando a qualidade editorial com artigos produzidos por
especialistas que, atendendo a exigência do leitor, começam a discutir com maior
profundidade os temas propostos.
71
Os jornais desempenharam, no decorrer da história, um papel mais político. Já as
revistas, quando surgiram, estavam voltadas para a ciência e para a cultura contribuindo,
dessa forma, para a independência intelectual numa sociedade em amplo desenvolvimento.
Além das novidades impressas nas suas páginas, o enfoque estava na crônica social, na charge
e no soneto.
A propaganda, desde 1940, já possuía sua revista específica. A PN - Publicidade &
Negócios, produzida por pioneiros da propaganda no país, discutia assuntos de interesse do
profissional da comunicação e do anunciante, com a apresentação de artigos sobre o mercado
nacional e os caminhos da economia e da política brasileira.
Os artigos e os anúncios publicados em revistas possuem credibilidade junto ao
público alvo, vida longa, podendo ser lidos ou vistos várias vezes, onde quer que o leitor
esteja. Permite qualidade de impressão tanto com relação ao papel quanto à aplicação de cores
e à quadricromia. Desde as primeiras revistas publicadas no Brasil as relações entre os
anunciantes e seus públicos, em função das características próprias do veículo, são estreitas.
Além do mais, as várias linhas editoriais atendem todos os tipos de públicos e gostos.
Segundo a Associação Nacional de Editores de Revista (ANER), no Brasil são
publicados 2.150 títulos todo mês, para um público de, aproximadamente, 34 milhões de
leitores. Outro dado importante é que, por ano, são impressos 401 milhões de exemplares.
Atualmente, o meio revista recebeu investimentos na ordem de R$3.698.602,00, de acordo
com estudos realizados durante o período de de janeiro a 31 de dezembro de 2006, e
publicado em 06 de março deste ano no Almanaque IBOPE.
2. Revista Publicidade & Negócios
A Revista “Publicidade” nasceu como uma revista técnica em publicidade em 1940.
Media 32 cm de altura por 23,5 cm de largura, com cerca de 4 a 5 milímetros de espessura e
com, aproximadamente, 55 páginas. Nessa primeira fase a propaganda era uma palavra
mágica. A revista cumpriu seu papel, acompanhando a evolução da propaganda no Brasil e no
mundo e valorizou o publicitário diante de si mesmo. Em 1947 começa a segunda fase da
revista, PN Publicidade & Negócios”, que refletia um conceito mais extenso e mais
compreensivo da atividade publicitária, e que procurou revelar o homem de propaganda aos
homens de negócios do país. Nessa nova fase o número de páginas variava entre 60 e 90.
Algumas edições chegaram a ter 164 páginas.
72
Foi um período muito importante. Durante, praticamente, 14 anos a revista “PN” se
propôs a discutir a propaganda e suas técnicas, as relações públicas, a promoção de vendas, a
administração empresarial, e deu dicas profissionais. Foram discutidos, também, temas como
política nacional, petróleo brasileiro e negócios imobiliários. Veiculou muitas propagadas de
eletrodomésticos, como a geladeira. Os carros eram anunciados em todos os números, além
das tabelas, que comparavam as marcas dos veículos e os preços, mostrando, em detalhes, as
inovações tecnológicas da indústria automobilística. Criou premiações, lançou o primeiro
anuário de publicidade, imprensa e rádio, lançou o dicionário de propagada, os livros de Caio
Domingues que discutiam os elementos da propaganda. Lançou, também, o livro de Rabello,
sobre as primeiras agências no Brasil e foi responsável pela realização do I Congresso de
Propaganda.
A PN” era uma revista de informação. Seu objetivo, segundo Genival Rabello
(BRANCO, MARTENSEN, REIS, 1990, p.65), era melhorar o diálogo entre o publicitário e o
anunciante. Rabello produzia, semanalmente, artigos que discutiam a conjuntura nacional.
Manoel Maria de Vasconcellos, um dos fundadores das práticas e do pensamento
mercadológico no Brasil, foi capaz de ensinar marketing com poesia e humor. Seus artigos já
chamavam a atenção para a responsabilidade social, mostravam preocupação com o
desperdício dos recursos naturais e com a exploração descontrolada da natureza. Falavam,
também, sobre a necessidade do exercício genuíno das relações públicas e da postura ética na
propaganda.
Rabello e Vasconcellos eram os proprietários e diretores da revista. Apresentavam, em
suas páginas, qualidade e coerência editorial. Tinham como colaboradores importantes
profissionais do mercado, como o publicitário e escritor Orígenes Lessa, na seção Bate Papo,
Ney Peixoto do Vale, discutindo Relações Públicas e seus requisitos essenciais, além do
código de ética do profissional e a assessoria, a motivação, suas técnicas de pesquisa e a
imprensa brasileira.
O compromisso da revista com seus públicos e parceiros era, constantemente,
reafirmado através da publicação de pesquisas que apresentavam dados sobre o perfil dos
leitores, sobre a opinião dos leitores em relação aos artigos e seções que eram veiculadas.
Pesquisas de opinião sobre temas nacionais eram publicadas sempre com o comentário de
profissionais especializados no assunto. A seção “Carta” abria espaço para as manifestações
dos leitores.
A terceira fase da revista, que começa em 1961, apresenta-se com um novo
significado:Política & Negócios”. Segundo VASCONCELLOS (1961, PN, p.1), o motivo
73
que levou a essa mudança de rumo foi a ampliação do seu campo, em que a segunda parte do
seu título passou a dominá-la por completo. A “PN” era reconhecida no Brasil inteiro, do Rio
Grande do Sul ao Amapá, do Rio Grande do Norte ao território do Acre, fazendo com que as
iniciais fossem mantidas tradicionalmente.
O novo rumo tomado pela revista “PN” era justificado, também, pela maneira como os
negócios eram conduzidos. A política interferia, e ainda interfere, nas decisões econômicas e
é dela que dependem em grande parte as ações empresariais. A criação de uma seção política
foi confiada a um dos competentes jornalistas do país, Hermano Nobre Alves, na época, editor
do “Jornal do Brasil”. A página de política internacional continuava a ser escrita por Newton
Carlos. A seção “Pessoas & Coisas” tornou-se mais geral e mais humana, como seu título
pedia. Essa foi confiada a Maurício Rabello que escrevia, também, a subseção “Flagrantes”;
que se desdobrava em Gente”, Fatos” e “Aqui & Ali”. A PN” publicava notícias em
primeira mão, destacadas em corpo maior sob o título de “Caixa Alta”. Esse título teve
inspiração gráfica e foi criado antes que a expressão “caixa alta” significasse os indivíduos
de fortuna que fazem o “café society”.
A Política & Negócios” tinha, ainda, na sua abertura, uma seção chamada
Tendências”, onde eram apresentadas informações e dados que marcariam os rumos dos
negócios e as mudanças de conjuntura. Essa seção seguia o comentário editorial sob o título
de “Política Econômica”, acompanhado da página “Verso & Reverso”, confiada a Geraldo
Mendes Barros. Não havia, até então, nenhuma revista semanal no país que possuísse tão
grande número de informações, o que explica sua expansão cada vez maior entre os homens
de negócios.
3. Bate-Papo com Orígenes Lessa
Orígenes Lessa colaborava com a revista PN - Publicidade & Negócios, desde 1957,
escrevendo crônicas para a Seção “Bate Papo” (Anexo 5.3.b). Colocava em pauta não só as
questões sobre a propaganda brasileira, mas discuti as técnicas por ele aplicadas, revelando
seus valores éticos e a postura de um profissional comprometido com o seu público; como
também escrevia sobre temas do nosso cotidiano, sobre as injustiças que eram cometidas
contra os cidadãos comuns, mostrou sua indignação diante das atitudes dos políticos que se
valiam do posto ocupado para determinar o que era permitido ou não fazer.
74
Orígenes Lessa, com muito bom humor, fez críticas sociais e políticas, homenageou
escritores, amigos e profissionais de reconhecido talento.
Lessa, de 1957 a 1960, escreveu mais de setenta crônicas para a “PN’. Deste total,
selecionamos sete crônicas. Como critério de escolha, levamos em consideração os temas
relacionados, exclusivamente, à propaganda e à publicidade.
A primeira que nos chamou atenção foi publicada em 10 de outubro de 1957, com o
título “Variações sobre o comprador satisfeito”. A crônica, muito bem humorada, narra a
história de um jovem publicitário que não conseguiu convencer o seu cliente sobre a
importância da propaganda. O cliente rebatia, demonstrando desinteresse, alegando que “a
verdadeira propaganda, a mais eficiente, é a produzida espontaneamente pelo comprador
satisfeito...”. Tão incisivas foram as afirmações do cliente que causaram dúvidas, e várias
questões foram colocadas. A primeira indagava se o cliente tinha ou não razão. Não há
dúvida de que o comprador é a peça vital da propaganda, mas até que ponto um comprador
satisfeito funciona? Segundo Lessa, há vários tipos de comprador satisfeito: o extrovertido, o
camelô em potencial e o entusiasmado por tudo que lhe pertence. Existem, também, aqueles
que não ajudam em coisa alguma. O primeiro tipo é o “comprador despojado”. Há, também, o
ressentido que gastou o seu dinheiro e o que comprou porque não havia outro remédio. Esse
indivíduo olhará sempre o produto como um quase inimigo. Existe, ainda, o comprador
egoísta, que não quer que outros tenham a mesma satisfação que ele. Mas, o pior deles,
segundo o autor, é o “comprador descontente”. (Anexo 5.3.c)
O ano de 1958 foi o ano em que Lessa mais contribuiu para a “PN. A crônica “A
seleção é a chave”, publicada em seis de março, discutiu a honestidade na propaganda como
uma questão de inteligência. A honestidade é o primeiro item salientado no Artigo I do
Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária.
Como exemplo, expôs que o turismo no Rio de Janeiro, para quem vinha de fora era
um caso perigoso e questionava o que poderia oferecer para o turista nessa cidade. O autor
coloca que a seleção do anúncio poderia surgir do próprio tema das mensagens de venda e
das atrações focalizadas. A força de venda está em oferecer o produto ao consumidor correto
e no momento certo. Para isso, deve-se adotar como critério a escolha dos clientes e, em
seguida, oferecer o produto com argumentos de venda reais.
Além de discutir os pontos fundamentais para uma propaganda turística habilidosa,
Lessa chamou a nossa atenção para a grave discussão em torno da criminalidade que assolava
o Rio de Janeiro, já naquela época. (Anexo 5.3.d)
75
“O velho Tigre” (Anexo 5.3.e), publicada em 17 de abril, além de homenagear Bastos
Tigre, engenheiro, romancista e um dos pioneiros nos meios publicitários, representou uma
das fases mais curiosas da propaganda brasileira. Os anúncios eram escritos em versos:
Para o peitoral infantil: “No vidro é remédio, no
corpo é saúde...”
Para um restaurante famoso da cidade: “Quem
tem boca vai a Roma...”
Para a Bayer: “Se é Bayer, é bom...”
Para um tônico da mesma companhia: “Fortifica quem
o toma, quem o toma forte fica...”
Nesta crônica, Lessa fala sobre a ferocidade do mercado e da diferença principal entre
os anúncios criados por Tigre e os do ano de 1958:
“Os anunciantes preferiam falar à inteligência e não ao
bolso dos possíveis clientes.” (Lessa,PN, 1958.)
Em Propaganda do crime” (PN, 1958 p.44), Lessa faz duras críticas ao meio
impresso, ao rádio e a televisão, dizendo que ao falarem na força e na influência que exercem
sobre as massas, no fundo estão mentindo. Argumenta que tais meios falam na força apenas,
pela necessidade de convencer o anunciante ou a empresa a lhes darem vantagens financeiras,
através da negociação do espaço ou do tempo para a sua própria manutenção. Ou, ainda, as
atitudes desta natureza, que faltam com a verdade, se caracterizam como irresponsabilidade a
toda prova.
Mas a realidade que o autor destaca é a exploração dos meios sobre os temas
sensacionalistas, que glorificam e endeusam o crime e seus produtos. Com a repetição da
notícia, qualquer crime vira um romance, mesmo que o desfecho leve a condenação dos
culpados.
A publicidade, nestes casos, é o fraco de qualquer cidadão. A repercussão, na
imprensa falada ou escrita, das ações de um criminoso brutal, segundo Lessa, é dez vezes
maior do que a das brilhantes descobertas de César Lattes em dez anos. (Anexo 5.3.f)
Na crônica Demos um crédito ao leitor (Anexo 5.3.g), Lessa fala aos profissionais
de propaganda sobre o exagero, a afirmação falsa que, ao invés de ajudar, prejudica.
Afirmações gratuitas e irresponsáveis não passam credibilidade. O mais importante é não
pressupor que o leitor de anúncios é burro. Diz ainda queo leitor não é um empregado da
agência ou do anunciante que sairá correndo para comprar o produto, sem discutir e sem
76
raciocinar, numa dócil obediência aos seu imperativos: Exija! Beba! Coma!”. (PN,
26/06/1958, p.47)
Lessa, através da crônica “Convite à análise” (PN, 1958, nº350, p.21), compara as
atitudes opostas que caracterizam o brasileiro e o americano diante do anúncio. Disse que para
o americano, se o produto é anunciado é porque é bom. Para o brasileiro, se é anunciado é
porque não é grande coisa. O autor explica que este contraponto acontece porque é o mercado
americano quem policia a propaganda, retraindo o anunciante, que se limita a dizer o que não
é arriscado. Além do mais, a propaganda representa investimentos de outros capitais.
No Brasil, segundo Lessa, a propaganda do tipo camelô ainda era uma prática que fora
deixada de lado recentemente. Afirmações gratuitas, promessas de milagres e soluções
imediatas, foram tão largamente utilizadas que era comum encontrarmos anúncios que
diziam: “Não é reclame, é verdade...” ou “Não é anúncio, é fato...”.
Lessa discute, também, nessa crônica (Anexo 5.3.h), nos idos de 1958 que, no Brasil e
nos EUA a propaganda ainda precisa de uma atitude mais crítica por parte dos compradores e
do público. “E é justamente o espírito crítico do leitor ou do comprador que é preciso
desenvolver e cultivar”.
As campanhas de dignificação profissional da propaganda, no Brasil contribuíram para
que o brasileiro, tão desconfiado, passasse a acreditar em demasia na publicidade,
abandonando o ceticismo e a irreverência.
“E é tão grave esta credulidade que a ninguém interessa
mais do que à própria propaganda, como profissão e como
alavanca de vendas, ensinar o público e analisá-la, a olhá-la
com olhos mais argutos, a criticar, a discernir, a só aceitar
quando há reais razões para aceitar. Do contrário ela afundará
novamente num descrédito difícil de consertar”. (LESSA, 1958,
PN, nº 350, p. 21)
Na crônica Propaganda e vendas (Anexo 5.3.i) o autor fala sobre a função do
anúncio, sobre a finalidade da propaganda e a sua relação com as atividades de venda.
Afirma que é incorreto, mas que é comum dizer que a propaganda vende. Lessa explica que a
função da propaganda e a do anúncio estão bem delimitadas. A propaganda deve preceder,
acompanhar, estimular, apressar, facilitar e multiplicar, enquanto o anúncio deve abrir
caminhos, criar clima e condições mais amplas para as vendas.
Lessa colocou em pauta a discussão sobre quem, na realidade, vende. Para ele, quem
vende é o anunciante, através de sua organização, de seus vendedores e revendedores, mas
77
sem dúvida venderá melhor e com mais facilidade se utilizar a propaganda. Disse que o ato de
vender tem seus donos, seus especialistas, seu ritual, suas durezas. E a propaganda não vende,
compra. Comprar é sua real finalidade, porque propaganda é emprego de capital, é dinheiro
reembolsado. O dinheiro compra, a propaganda compra.
“A propaganda compra. Boa vontade. Confiança.
Interesse. Compra... compradores. Posta no jornal, no ar, na
rua, no cinema, nas vitrinas, ela está comprando... vendas”.
(LESSA, PN, 07/12/1959)
Vender significa, apenas, entregar um artigo mediante um pagamento, e não fazer
pagamento em troca de qualquer coisa. Lessa explica que a propaganda, quando é boa,
compra o máximo pelo mínimo; compra, pelo menor preço, cada comprador conquistado.
Se a campanha for cara, significa que cada comprador, custou muito por unidade.
Lessa encerra o bate papo dizendo que o “x” do problema está na compra e na venda,
na inter-relação de propaganda e vendas e explica que “um bom vendedor pouco faz sem
propaganda, a melhor propaganda não faz coisa nenhuma, ou faz muito pouco, se não há
bons vendedores”.
78
Considerações finais:
Na era da velocidade, milhões de dados se transformam em informações, as quais
milhões de pessoas irão captar e processar desencadeando diversas ações individuais e
coletivas. As ações ocorridas no presente já foram anunciadas no passado. A história é a
grande depositária das ações. É quem adverte sobre o presente e sobre o futuro.
Miguel de Cervantes qualificou a história como a “mãe da verdade”. Através da
história compreendemos a nossa verdade individual e, em alguns casos, os caminhos que
resolvemos tomar diante dos fatos. Encontramos aqueles com quem nos identificamos e quais
são os exemplos que norteiam nossas ações.
Ao retroceder na história da propaganda brasileira, muitos personagens que
construíram o nosso passado foram revistos. Alguns eram velhos conhecidos, outros foram
sendo descobertos através das suas contribuições.
Orígenes Lessa era um velho conhecido da literatura. Suas histórias, em linguagem
simples, fizeram parte da formação acadêmica de milhões de brasileiros. Ao encontrá-lo como
um dos pioneiros da nossa propaganda, vimo-nos diante de um profissional com a capacidade
de executar múltiplas habilidades e de trabalhar em equipe, formando parcerias promissoras.
Possuía
conhecimento das realidades vividas em vários países pelos quais passou. Isto
lhe dava condições de avaliar outros modelos de vida além do nosso.
Ao reencontrarmos Orígenes Lessa na propaganda pudemos conhecer os desafios
que foram enfrentados por ele em sua profissão. Conhecemos as estratégias adotadas nos
planejamentos de comunicação, o que precisava ser estabelecido e o tipo de linguagem
mais recomendada, para a criação de novos hábitos e para a apresentação de novas
formas de negociação.
Percebemos que a comunicação mercadológica nas décadas de 1920 e 1930
também deveria ser multidisciplinar e multifacetada, deveria integrar ações num processo
encadeado entre emissor, canais e seus diferentes públicos receptores.
Encontrar o publicitário Orígenes Lessa é reconhecer que,
mesmo com tantas
mudanças no mercado e tantas inovações tecnológicas além de toda a complexidade da vida
moderna, seus valores e técnicas não perderam a atualidade.
Lessa discutiu a atividade do profissional de venda ponto-a-ponto, do vestuário aos
pós-venda, com exemplos corriqueiros intrínsecos à profissão. Mostrou preocupação com o
79
se fazer entender e o respeito mútuo, características importantes e que podem ser referência
para a prática da atividade de venda pessoal e da promoção de vendas nos dias atuais.
Ao retratar a batalha eleitoral que se travou na cidade de São Paulo em 1954, onde
tiros foram dados a esmo, mostrou que as centenas de milhões de cruzeiros que foram gastos
poderiam ter seguido um destino melhor. Vimos, através do texto analítico de Lessa, que
poucos sabiam dizer o que pretendiam, além do posto e das vantagens resultantes. Os
desconhecidos se apresentavam como protetores e amigos do povo, protetores dos
oprimidos”. Usaram e abusaram de pessoas famosas ou com algum prestígio para legitimar
suas campanhas sem objetivos que valessem a pena atingir.
No século passado, o publicitário Orígenes Lessa gritava pela ética, dizia que ela
deveria estar acima dos desejos eleitoreiros, político ou de grupos econômicos. Apontou as
falhas dos profissionais de propaganda, os quais não poderiam ter sido cometidas.
O que vimos do ontem para o hoje nos deixa conscientes de que poucas coisas
mudaram. Hoje temos mais acesso a informações, verdadeiras ou falsas. Além dos recursos
impressos, radiofônicos, e audiovisuais, temos também, a manipulação dos dados e das
imagens; temos a internet em tempo real e uma pluralidade de opiniões, mas poucas são as
pessoas com tempo, acesso e discernimento da realidade política em que estamos inseridos.
Nas crônicas de Orígenes Lessa, publicadas no meio do século passado, a propaganda
foi colocada em pauta. Suas narrativas chamam a atenção para pontos fundamentais no que
ser refere às questões éticas, técnicas e práticas. Tais questões causam ainda, dúvidas e
polêmicas nas salas de aula das academias e na nossa realidade tecnológica, onde cada nova
maneira de comunicar um produto ou serviço reabre velhas discussões sobre velhos temas.
O cuidado com a linguagem e a simplicidade das palavras, aproximando o leitor, o
tema e o autor, são as principais características do trabalho de Lessa.
Em entrevista concedida à Associação Paulista de Propaganda, nos idos de 1953,
Orígenes Lessa enviou uma mensagem ao estudante de ontem que vale para o de hoje, 2007, e
para o profissional de amanhã: “Que eles se aperfeiçoem tecnicamente, sim... Que eles
tornem profissionais fabulosos da comunicação, claro... Eu troquei a minha barba, há 40
anos, por um prato de lentilhas. Que é que eu posso dizer aos de agora? Que não comam
lentilhas nem caviar? Hoje, nem sequer a barba atrapalha...” (DEPOIMENTOS, APP
1953, p.42)
80
Enfim, temos, hoje, com maior facilidade e rapidez, as ferramentas necessárias, além
dos exemplos e de tudo que nos conta a história, para nos transformarmos em profissionais
comprometidos com a realidade do nosso país.
Orígenes Lessa travou discussões que continuam atuais. E que não podem ser
esquecidas. Seus valores, suas técnicas, seu olhar diante da profissão que exerceu por mais de
40 anos, se aplicados hoje, nesta realidade globalizada e de hegemonia liberal, teriam tanto
sucesso quanto obtiveram no século passado.
81
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_codigo_de_auto_regulamentacao_publicitaria.doc - março de 2007
84
Glossário:
MTR - Movimento Trabalhista Renovador PAN - Partido dos Aposentados da Nação
PCB - Partido Comunista Brasileiro PDC - Partido Democrata Cristão
PL - Partido Liberal POT - Partido Orientador Trabalhista
PPS - Partido Popular Sindicalista PR - Partido Republicano
PRB - Partido Ruralista Brasileiro PRD - Partido Republicano Democrático
PRP - Partido da Representação Popular PRProg - Partido Republicano Progressista
PRT - Partido Reformador Trabalhista PSB - Partido Socialista Brasileiro
PSD - Partido Social Democrático PSP - Partido Social Progressista
PST - Partido Social Trabalhista PTB - Partido Trabalhista Brasileiro
PTN - Partido Trabalhista Nacional UDN - União Democrática Nacional
85
Anexo 2.2.b
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
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Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
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