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ONTIFÍCIA
U
NIVERSIDADE
C
ATÓLICA DE
S
ÃO
P
AULO
PUC-SP
Andressa Maria Villar Ramos
As Sensibilidades Coletivas nas Ações Políticas:
A dimensão afetiva no movimento pela Anistia (1975-1980)
DOUTORADO
EM
HISTÓRIA
SOCIAL
SÃO
PAULO
2008
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P
ONTIFÍCIA
U
NIVERSIDADE
C
ATÓLICA DE
S
ÃO
P
AULO
PUC-SP
Andressa Maria Villar Ramos
As Sensibilidades Coletivas nas Ações Políticas:
A dimensão afetiva no movimento pela Anistia (1975-1980)
DOUTORADO
EM
HISTÓRIA
SOCIAL
Tese apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do
título de Doutor em História Social pela
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor
Maurício Broinizi Pereira.
SÃO
PAULO
2008
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Banca Examinadora:
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
Agradecimentos:
A todos que participaram do longo caminho do meu aprendizado.
Agradeço aos meus pais, por terem sempre me motivado a estudar, e a
enfrentar com otimismo o futuro. Obrigada por sempre torcerem por mim.
Ao meu companheiro Filipe, pelo seu amor. Sem a sua cumplicidade e carinho,
a produção desta tese teria sido mais difícil.
Aos meus queridos Caroline e Breno, Wilson e Luciana, por vocês existirem na
minha vida, pela nossa alegre e tranqüila convivência, pela energia positiva e pelo
carinho de sempre.
Ao amigo Flávio Trovão, pela extensa paciência com minhas crises, pela
excelente leitura, e principalmente pelo seu apoio que me conforta e me deixa mais
forte para superar meus desafios.
À amiga Márcia Ludmila Cunha, pela companhia, pelo estímulo, pelo apoio
sempre presente e por sempre estar disposta a me ajudar em qualquer situação.
Às amigas Dora Alcântara, Daniella Broering e Raquel Sebastiani por fazerem
parte da minha vida com uma amizade infinita e incondicional tantos anos. Mesmo
à distância sempre fizeram chegar, de diversas formas, seu incentivo e carinhoso
cuidado.
À amiga Fabrícia Sá pelas conversas, pelos conselhos e pela amizade.
Aos amigos Fernando Naufall, Gudryan Fernandes, Otávio Zucon e Alberto
Schneider pelas conversas e pela amizade compartilhada todo esse tempo.
Ao Maurício Broinizi que, com tanta competência, vem me conduzindo aos
caminhos da pesquisa.
À Capes, que com sua bolsa de estudos, viabilizou a pesquisa para a
realização deste trabalho.
S
UMÁRIO
Resumo _______________________________________________________ 6
Abstract _______________________________________________________ 7
Introdução
“A sabedoria é uma cirurgia das paixões?” ou
A exclusão dos afetos em nome do pensamento racional
________________________________ 8
Capítulo I
“Não há mais dias indiferentes” ou
A destruição continuada do político ___________________________________________________________________
37
Capítulo II
II.a. “Se parecia ao menos possível, não seria uma obrigação tentar?” ou
A
paixão como pulsão dos movimentos pela Anistia
___________________________________116
II.b. “O marco da virada” ou
A restituição da atividade política ao domínio público
_________________________________164
II.c. “Eles estavam falando da nossa faixa” ou
A política de popularização
dos CBA
__________________________________________ 180
II.d. “O desterro da alma” ou
A luta pela Anistia no exterior
______________________________________________ 230
Capítulo III
“Uma lei contraditória, impopular e excludente” ou
A luta no Congresso, a luta pela memória
_______________________________________269
Considerações Finais ___________________________________________323
Fontes Pesquisadas______________________________________________327
Referências Bibliográficas _________________________________________339
6
Resumo
Nesta Tese de doutoramento buscarei reconstituir uma parte da história do
movimento que lutou no Brasil, pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita durante a
ditadura militar, - principalmente, a partir do Comitê Brasileiro de Anistia -, e o
significado desta luta.
Privilegiaremos os personagens que sofreram perdas definitivas, os quais
ainda não completaram seu trabalho de luto e reclamam reparação histórica; os
exilados, os presos políticos, e as famílias dos mortos e desaparecidos.
A prática política desses personagens explicita intensamente emoções
individuais e coletivas, e tentamos compreender a formação, a forma de ação e os
resultados dessas paixões e também dos ódios. É nesse sentido que usaremos os
referenciais teóricos oferecidos por Pierre Ansart, para entender as paixões e os
ódios na política, de acordo com a corrente da Nova História Política Francesa,
vinculando, ao mesmo tempo, o conceito de política de Hannah Arendt: qual seja, o
princípio republicano que problematiza as questões da esfera pública, da ação e da
cidadania.
Palavras-chave: Anistia; ditadura militar; paixão política
7
Abstract
In this doctoral thesis I will reconstitute a part of the history of the movement
that fought in Brazil, for the ample amnesty, general and unrestricted during the
military dictatorship. Mainly, from the Brazilian committee of amnesty, and the
importance of this fight.
Giving emphasis on the personalities that had suffered permanent losses,
those who have not had the chance of a burial, and complain about recognition in
history, the exiled, the political prisoners, the families of the dead and missing.
The practice of politics of these personalities show intensive individual and
collective emotions, we try to understand the formation, the way of action and the
results of the passions and also the anger. It is in this sense that we are going to use
the theory given by Pierre Ansart as reference, to understand the passion and anger
in politics, in accordance with the new French politic history thought line, tied at the
same time with the concept of Hannah Arendt politic: whatever the republican’s
principle that brings up public and citizenship matters.
Key words: Amnesty, military dictatorship, politic passion.
8
I
NTRODUÇÃO
9
“A
SABEDORIA É UMA CIRURGIA DAS PAIXÕES
”?
A exclusão dos afetos em nome do pensamento racional
Durante a produção da Dissertação do Mestrado,
1
como também da pesquisa
das fontes e da produção do texto desta Tese de Doutoramento, uma questão
sempre surgia no final de páginas e páginas escritas, lidas e pesquisadas: e os
homens e mulheres – homens e mulheres reais –, de sonhos e de dor, como
viveram esses momentos? A partir dessa inquietação, e buscando um referencial
teórico/bibliográfico que auxiliasse a esse novo projeto, percebemos que nos últimos
vinte anos revitalizaram-se as possibilidades interpretativas dos historiadores com as
várias contribuições no campo epistemológico, que vieram na esteira das correntes
chamadas ‘pós-estruturalistas’, reacendendo e incorporando elementos
contemporâneos às discussões propostas por Nietzsche, Bergson e Freud,
2
por
exemplo. Nesse sentido, os campos de pesquisa e análise dos historiadores foram
alargados e em alguns momentos já não reconhecemos as fronteiras entre as
diversas áreas de conhecimento que compõem as ciências humanas, ou mesmo as
fronteiras entre as chamadas “histórias” social e cultural. Nessa ebulição do
pensamento contemporâneo, em que tantas coisas nos são dadas a repensar e a
rever, entre várias possibilidades, a história política ressurgiu nos debates da
academia. Repensada e revisada, nos chama a analisar as memórias dos fatos, das
violências e das perseguições, insistindo na percepção dos sentimentos tanto
individuais quanto coletivos. Convida-nos agora a nos arriscar para além de nossas
1
RAMOS, Andressa Maria Villar. A Liberdade permitida. Contradições, limites e conquistas do movimento pela
Anistia: 1975-1980. São Paulo, 2002. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
2
SEIXAS, Jacy Alves de. “Os campos (in)elásticos da memória”. In SEIXAS, J. A., BRESCIANI, M. S. &
BREPOHL, M. (org.). Razão e paixão na política. Brasília/DF: Editora Universidade de Brasília, 2002, p. 66.
10
seguras “moradas do saber”. Então, com ferramentas tomadas da filosofia, da
psicologia e da sociologia esta nova história política é uma resposta à angústia
estruturalista do homem na história. Apoiamos-nos em Pierre Ansart:
“A dificuldade é redobrada quando se trata não somente de
analisar os ódios, mas de compreender e explicar aquilo que
precisamente não é dito, não é proclamado; aquilo que é negado e
que se constitui, entretanto, como um móbil das atitudes, concepções
e percepções sociais. O objeto esquiva-se; é preciso formular a
hipótese de sua importância e reconstituir o invisível que, se não é
totalmente inconsciente, ao menos em parte é não consciente. É
preciso formular a hipótese do papel do inconsciente na política,
hipótese audaciosa em seu princípio e em suas realizações. [...]
Situamo-nos aqui nas fronteiras do conhecível, nos limites dos
conhecimentos seguros; o estudo e a consideração dos
ressentimentos nos conduzem necessariamente a estas zonas
confusas e, em parte, incertas”.
3
Buscou-se então, neste trabalho, pensar, rever, evidenciar o papel de homens
e mulheres comuns homens e mulheres em seu cotidiano , envoltos em suas
dúvidas, como personagens centrais da história. Alguns, muitas vezes, pegados de
surpresa pelas circunstâncias da história, de sua história e da história de milhares de
outros homens e mulheres, mas todos com aquela incorrigível vocação à resistência
contra a opressão e a injustiça social que verificaremos na luta pela Anistia contra a
ditadura ao longo deste trabalho.
Motivada, então, por esta chamada ‘renovaçãono campo da história política
é que busquei, nesta tese, analisar como a dimensão afetiva sob a repressão da
ditadura foi transformada em ação, ou mais, foi geradora de ações políticas para a
3
ANSART, Pierre. História e Memória dos Ressentimentos. In BRESCIANI, Maria Stela (Org). Memória e
(Res)Sentimento: Indagações Sobre Uma Questão Sensível. Campinas/SP: Ed. Unicamp, 2001, pp. 15-36.
11
criação de grupos que lutaram pela Anistia: “o primeiro motor de uma ação é sempre
o objeto de uma pulsão.”
4
A existência desses grupos foi possível por que se substituiu o
“individualismo” por um “certo espírito de grupo”,
5
e a partir da existência deste
“espírito de grupo” que se tornou possível uma luta que superasse as diferenças e
objetivasse um horizonte comum: a conquista da Anistia e o fim da ditadura militar. A
formação desses grupos no Brasil entre 1974 e 1978, e como seus personagens
vivenciaram esse processo de luta contra a ditadura são questões que buscamos
desenvolver. Entendemos que manifestações de raiva, revolta, medo, solidariedade,
ressentimento, desprezo, paixão, desejo, são fortes indicadores do tipo de relação
que se estabeleceu entre o nosso objeto e o poder instituído contra o qual lutaram.
Valeremos-nos, para esta tese, do conceito de política de Hannah Arendt: o
princípio republicano que articula esfera pública, ação e cidadania. Para Arendt a
raison d’être da política é a liberdade, que é vivida basicamente na ação. Longe de
construir direito natural e inalienável, ela é produto do artifício humano. Seu locus é
a esfera pública, o espaço exclusivo do exercício da cidadania definida por ela
como o direito de ter direitos. O que define o espaço público para a autora é que ele
só pode ser construído pela ação e pelo discurso, não sendo de forma alguma dado,
determinado ou instituído.
Buscarei reconstituir uma parte da história que muitos querem esquecer, ou
pior, banalizar, e que envolve a homens e mulheres que lutaram contra a opressão,
sofreram perdas definitivas, ainda não completaram seu trabalho de luto e reclamam
reparação histórica. Esta tese também trata da história desta luta e da memória
deste luto, história esta dramaticamente contemporânea vinculada às vicissitudes do
4
Idem, p. 11.
5
ARENDT, Hannah. Du mensonge à la violence. Paris/France: Calmann-Lévy, 1972, p. 13.
12
tortuoso processo de construção de cidadania no Brasil. Trata-se enfim de um
passado que não está morto, que nem sequer é passado
6
e não deve ser
desprezado nem neutralizado por um presente que se quer perene e absoluto.
A prática política desses personagens explicita intensamente emoções
individuais e coletivas, assim buscamos compreender a criação, a experiência e os
resultados dessas paixões e desses ódios que combinavam a unanimidade dos
sentimentos e, até, se sobrepunham à diversidade dos interesses e das
consciências, conjugando-se ambas as dimensões na base de um dado elemento
aglutinador: a presença de um adversário, de uma ameaça, ou de uma efetiva
agressão às condições de vida de uma dada coletividade. O adversário, os atos
institucionais que feriam as liberdades políticas, o estado de exceção que governava
o período, enfim, a ditadura militar que ameaçava e agredia a vida de milhares de
pessoas, exilando, cassando direitos políticos, aposentando, desaparecendo,
prendendo, torturando e mesmo matando.
Sabemos que perceber a dimensão afetiva da vida política constitui um grande
desafio, assim concordamos com Pierre Ansart quando fala que: “L’explication et la
compréhension des émotions, des sentiments, des passions politiques, constituent
une difficulté permanente pour les sciences sociales, l’histoire, et, plus encore, pour
les sciences politiques [...]”.
7
Com a instrumentalização da política e a expulsão da
sensibilidade do domínio público e, portanto, político, temos consciência de que não
é uma proposta simples, e ainda que seja um domínio de difícil conhecimento, sua
importância é fundamental para “dar conta da experiência concreta dos agentes da
6
A frase é de William Faulkner e aparece em A fábula. Vi a citação em ARENDT, H. Entre o passado e o
presente. São Paulo: Perspectiva, 1997, p. 23.
7
ANSART, Pierre. Connaissance des passions politiques. Platon, Machiavel, Tocqueville. Les Cahiers de
Psychologie politique. 01. Paris/France: AFPP, Janvier 2002. Trad. nossa: “A explicação e a compreensão de
emoções, sentimentos, das paixões políticas, constituem uma dificuldade permanente por estudos sociais,
história, e, ainda, para ciências políticas”.
13
história tais como eles a vivenciam ou a sofrem”.
8
O desafio de analisar essas
subjetividades, acreditamos que se coloca a partir da vitória de um pensamento
cartesiano que fundamentava-se na razão e desautorizava a existência pelo
menos no espaço público de sentimentos que serão vistos como fraquezas
humanas: para o ódio, a raiva, a dor, etc., não espaço além do privado, da casa.
Aspectos da ciência positivista que, segundo Pierre Ansart, buscava eliminar as
experiências cotidianas das suas observações para somente dar lugar àquilo que
poderia ser traduzida racionalmente dentro da “realidade” política.
9
O conceito de política de Hannah Arendt que articula espaço público, ação e
cidadania, proporcionou um excelente referencial teórico. O que define o espaço
público para a autora é que ele pode ser criado pela ação e pelo discurso, não
sendo de forma alguma dado, determinado ou instituído. É também o espaço público
que preserva a ação do esquecimento. Segundo Arendt, liberdade e ação se
apresentam como noções inseparáveis. A ação em conjunto funda a comunidade
política e garante a realidade do mundo e a existência humana: "Somente com
palavras e atos nos inserimos no mundo humano”.
10
É este o espaço da visibilidade
ou da aparência e, como tal, se constitui enquanto reinvenção permanente, o que
compreende a construção de mecanismos de contra poder. É este igualmente o
espaço da história, da construção do mundo humano do mundo comum. Para a
autora é o dissenso não o consenso que funda a política. Segundo André
Duarte, "o nós de Hannah Arendt é plural e dissonante”.
11
Este entendimento está na
8
BRESCIANI, Maria Stella & ANSART, Pierre. “Apresentação”. In SEIXAS, Jacy A., BRESCIANI, Maria Stella &
BREPOHL, Marion (org.). Razão e paixão na política. Brasília/DF: Editora Universidade de Brasília, 2002, p. 07.
9
Ibidem.
10
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 1997, p. 189.
11
DUARTE, André. O pensamento à sombra da ruptura. Política e filosofia em Hannah Arendt. São Paulo: Paz e
Terra, 2000, p. 230-231. V., tb.; RANCIÉRE, Jacques. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Editora
34, 1996.
14
base da sua própria concepção de poder, cujo exercício seria a organização da
capacidade de ação:
“É o poder que mantém a existência da esfera pública, o
espaço potencial da aparência entre homens que agem e falam. [...]
O único fator material indispensável para a geração do poder é a
convivência entre os homens. [...] O que mantém unidas as pessoas
depois que passa o momento fugaz da ação (aquilo que hoje
chamamos de organização) e o que elas, por sua vez, mantêm vivo
ao permanecerem unidas é o poder. [...] Sua única limitação é a
existência de outras pessoas, limitação que não é acidental, pois o
poder humano corresponde, antes de mais nada, à condição humana
da pluralidade”.
12
Assim, o exercício do poder é instituinte e se refere diretamente à constituição
da esfera blica. Trata-se de manifestação do desejo de um mundo que
transcenda a contingência das instituições”,
13
o qual contém, por definição,
demarcação radical em relação ao espaço e ao poder instituídos. É no exercício da
cidadania – no direito de ter direitos –
14
que se realiza a prerrogativa de participação
nas vicissitudes do mundo, o que transforma os indivíduos em cidadãos. Neste
caráter instituinte do político, na ênfase dada às sensibilidades, ao dissenso, à
articulação memória, à história e à cidadania foram encontradas as ferramentas das
quais nos utilizaremos ao longo do desenvolvimento da presente tese.
15
Retomando a noção arendtiana de política, que tem como base o poder como
consenso, e que está intimamente relacionada com o seu conceito de esfera pública:
um espaço onde os participantes resgatam a ação política e procuram construir algo
12
ARENDT. Hannah. Op. Cit., pp. 212/213.
13
LEFORT. Claude. "Hannah Arendt e a questão do político". In Pensando o político. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, p. 69.
14
ARENDT, Hannah. "O declínio do Estado-nação e o fim dos direitos humanos". In Origens do totalitarismo.
São Paulo: Companhia das Letras, 1989, pp. 300-336.
15
Devo avisar, no entanto, que me tornei tributária de Hannah Arendt não como seguidora ou especialista, mas
como simples “usurpadora de saberes”. O repertório conceitual arendtiano é por mim apropriado mais ou menos
livremente, como instrumento de análise, assim como algumas categorias desenvolvidas pela autora na sua
elaboração sobre a questão do totalitarismo.
15
que também contemple as futuras gerações, buscando garantir uma maior
pluralidade de concepções. Então, indagamos: mas seria o consenso estruturado e
construído apenas através de regras, argumentação e racionalidade? Ora, partindo
do princípio que o consenso nasce da compreensão do outro, ou seja, de uma
comunicação entre subjetividades – mais do que palavras –, na esfera pública
compartilham-se emoções. Dessa forma, o estudo do espaço da política envolve
uma maior atenção às afetividades na esfera pública, além de uma reflexão
cuidadosa a respeito da racionalidade.
Uma questão fundamental é que uma conciliação entre razão e afetividade
não foi contemplada em nenhum momento no projeto moderno. A partir da teoria
crítica, Boaventura Santos
16
demonstrou que o projeto da modernidade foi
constituído por dois pilares: a regulação (constituída pelos princípios do Estado, do
mercado e da comunidade) e a emancipação (constituído por três lógicas racionais:
a racionalidade estético-expressiva da arte e da literatura, a racionalidade moral e
prática da ética e do direito e a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da
técnica). A falha fundamental deste projeto foi uma dificuldade de equilibrar estes
pilares, pois a história demonstrou que houve uma transformação incessante de
energias emancipatórias em regulatórias.
Por outro lado, a construção da ética emancipatória foi comprometida pela
primazia da razão em detrimento da afetividade. O caminho para a liberdade e a
independência humanas foi todo traçado a partir da racionalidade da ciência e da
técnica, ou atribuído à razão da ética e do direito. Para a afetividade restaram a arte
16
SANTOS, Boaventura. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. Porto/Portugal: Edições
Afrontamento, 1994.
16
e a literatura, reforçando a idéia de que esta não tem espaço no domínio das demais
racionalidades.
17
No entanto, quando um paradigma se cristaliza, ele se transforma em fonte de
poder e tende a se constituir como um símbolo de competência que legitima um
conjunto de verdades totalizantes. Estabelece-se então o “desencantamento do
mundo”,
18
expressão que condensa aquilo que conhecemos como a modernidade.
Esse desencantamento sofreu pequenas interrupções, no correr dos últimos
séculos, com a emergência periódica dos “irracionalismos”: o romantismo
exacerbado, o niilismo, o nazi-fascismo. Todavia, permaneceu intacta a confiança
moderna na racionalidade.
“A modernidade é um sistema de representações que
interpreta a realidade física e humana com os conceitos postos pela
mecânica clássica e pela metafísica da distinção substancial entre a
extensão e o pensamento. Ainda que, hoje, aquela metafísica e,
sobretudo aquela mecânica tenha perdido a soberania, que a idéia de
unidade do saber tenha desaparecido, que as chamadas ciências da
cultura tenham marcado sua autonomia face às ciências da natureza,
que as interrogações sobre o sentido da história e o imaginário social e
político tenham determinado fronteiras diferenciadoras daquilo que um
filósofo designou como ordem física, vital e humana, ainda assim,
permanece o traço fundante da modernidade, qual seja, a admissão de
que a realidade não encerra mistérios, que está prometida ao sujeito do
conhecimento como inteligibilidade plena e ao sujeito da cnica como
operacionalidade plena, vitória da razão contra o emocional que não
cessa de rondá-la e ameaçá-la”.
19
17
Podemos ir mais longe à existência deste pensamento dualista: Gérard Lebrun localizava a exclusão das
paixões do pensamento racional nos filósofos estóicos, que partiam da idéia de que é impossível viver uma
paixão sem ser completamente dominado por ela, e o que se melhor pode fazer é enfraquecer e extirpar
qualquer forma de paixão que comprometa o pensamento racional. LEBRUN, Gérard. O Conceito de Paixão. In
CARDOSO, Sérgio, et alii. Os Sentidos da Paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, 12ª reimpressão,
2002. Pierre Ansart analisa na obra de Confúcio onde o homem sábio se caracteriza precisamente pelo domínio
de si, sendo os comportamentos apaixonados próprios de homens inferiores, o que Confúcio chama de “gente de
baixa condição”, os seres vulgares que não são donos de si mesmos. ANSART, Pierre. Confucio: La ritualizacion
de las pasiones. In ANSART, P. Los Clinicos de Las Pasiones Politicas. Buenos Aires/Argentina, Nueva Vision,
1997, pp.13-40.
18
Inspirados na máxima weberiana: HORKHEIMER, M. & ADORNO, T. A dialética do esclarecimento. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
19
CHAUÍ, Marilena. Laços do Desejo. In NOVAES, Adauto. (org.). O Desejo. São Paulo: Companhia das Letras,
p. 19. No artigo “Laços do Desejo”, Marilena Chauí pretendeu demonstrar a rede conceitual do que passaríamos
a entender por modernidade e, se ela colocou o desejo como paradigmático dessa mutação é porque acredita
que, com ele, vemos a passagem de um pensamento que começava nas coisas e terminava em nós, a um
17
Em um texto denominado “Dilemas do Racional e do Irracional”, do Prof. Dr.
João E. P. Bastos Lupi, em que questiona se existem racionalidades alternativas ou
se apenas um único e universal modo racional de pensar, chegamos à seguinte
conclusão:
“O conceito amplo de racionalidade aceitaria não só a
evolutividade da razão, mas sua composição com o irracional sem
deixar de ser racionalidade; aceitaria que só dispomos de racionalidade
limitada. Não não racionalidade total, como não total
irracionalidade... Teríamos que aceitar que a constante de incerteza e
de irracionalidade é irremovível em todo o processo de raciocínio, e
que a redução dos processos válidos de raciocínio a fórmulas do tipo
logístico é uma simplificação da racionalidade; se ela for formada como
a representação formal completa dessa racionalidade apenas
apresenta uma imagem deturpada daquilo que se quer representar.
“Aliás, em toda esta argumentação um atraso passageiro
incômodo: ao aceitarmos a nossa racionalidade e a nossa lógica (em
sentido amplo) como válida universalmente, estamos considerando que
ela é padrão das demais formas de pensar, e neste caso de
justificarmos essa aceitação, ou não; se justificamos caímos num
fundamentalismo recorrente e interminável; se não justificamos
ascendemos a uma crença que para os padrões da nossa
racionalidade seria irracional.
20
Podemos aceitar então o domínio da razão? Mas qual razão? Podemos ainda
buscar explicações no texto “Do texto à ação”, de Paul Ricoeur, onde ele tenta
construir por etapas um conceito de razão prática que satisfaça a exigência de
chamar-se razão, mas que conserve características irredutíveis à racionalidade
técnico-científica. Inicialmente, Ricoeur se ocupa do plano da teoria contemporânea
da ação à qual se encontra as noções de razão de agir e de raciocínio prático.
pensamento que começava em nós e, através de nós, chegava até as coisas. Em outras palavras, para a autora,
a interiorização do desejo deixando de ser força cósmica, organizadora do mundo, para fazer-se consciência do
apetite humano, expõe o surgimento daquilo que, mais tarde, viria a chamar-se subjetividade. Assim, penso que
essa época que valoriza a subjetividade e a afetividade mas que ainda não a compreende –, precisa analisar
mais se o desejo é amor intelectual e se a razão pode iniciar seu curso no interior do desejo.
20
LUPI, J.E.P.B. Dilemas do racional e do irracional. Florianópolis/SC: UFSC, s.d., pré-print, p. 6.
18
Ricoeur argumenta que o desejo, além do seu caráter de desejabilidade como força,
se deixa tratar como uma razão de agir, colocando-se, implicitamente, no plano da
racionalidade e da discursividade. Essa dupla face do desejo está na origem da
oposição entre o que se pode explicar (a causa), e o que se pode compreender (o
motivo, a razão). Mas esta oposição é, para Ricoeur, puramente abstrata. Para ele,
a realidade apresenta a combinação dos dois casos extremos no meio propriamente
humano da motivação. Para Ricoeur, a idéia de que a razão é por si mesma prática
quer dizer que comanda enquanto razão, sem ter em conta o desejo. Para ele, essa
conclusão é inadmissível. Diz Ricoeur: “O fenômeno humano situar-se-ia no entre-
dois, entre uma causalidade que pede para ser explicada e não para ser
compreendida e uma motivação que releva uma compreensão puramente racional.”
21
O ser humano é muito mais que conhecimento; o amor e a emoção, por exemplo,
não são categorias científicas.
Edgar Morin, em “Amor, Poesia, Sabedoria”, diz que a idéia de se poder
definir o gênero homo atribuindo-lhe a qualidade de sapiens, ou seja, de um ser
racional e sábio, é sem dúvida uma idéia pouco racional e sábia.
“Ser homo implica ser igualmente demens: em manifestar uma
afetividade extrema, compulsiva, com paixões, cóleras, gritos,
mudanças brutais de humor; em carregar consigo uma fonte
permanente de delírio; em crer na virtude de sacrifícios sanguinolentos,
e dar corpo, existência e poder a deuses e mitos de sua imaginação.
no ser humano, um foco permanente de UBRIS, a desmesura dos
gregos. A loucura humana é fonte de ódio, crueldade, barbárie,
cegueira. Mas sem as desordens da afetividade e as irrupções do
imaginário, e sem a loucura do impossível, o haveria élan, criação,
invenção, amor, poesia. O ser humano é um animal insuficiente, o
apenas na razão, mas é também dotado de desrazão”.
22
21
RICOUER, Paul. Do texto à ação. Porto/Portugal, Rés Editora, 1989, p. 173.
22
MORIN, E. Amor, poesia, sabedoria. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, p. 7.
19
Não então explicações puramente racionais. Entendemos que nosso
objeto situa-se nesse “entre-dois”. Ainda que houvesse discursos e ações racionais
para o alcance dos objetivos, uma dimensão que é afetiva, e que incorpora os
desejos individuais e coletivos, desejos de situações que foram suprimidas pela
ditadura e formam relações específicas dos grupos de resistência contra a ditadura.
A dimensão afetiva desses grupos que lutaram pela Anistia foi expressa de
diversas formas. O Brasil vivia uma ditadura militar, e não eram permitidas
manifestações contra o governo, o que fez com que os espaços públicos fossem
esvaziados e o debate político oposicionista, que buscava por opções políticas,
sociais e econômicas diferentes das que estavam em vigor, fosse praticamente
calado.
Analisando o pensamento de Hannah Arendt procuramos estabelecer
princípios para o funcionamento da esfera blica, e percebemos que este
funcionamento depende da criação de procedimentos que possibilitem a
participação do maior número de interessados no debate das questões públicas e o
exercício da argumentação, de forma a garantir que o consenso seja construído a
partir de bases racionais.
23
Hannah Arendt afirma que o poder não é apenas a
capacidade de dispor da vontade dos governados, ainda que esta tenha sido a
experiência concreta nas organizações políticas do ponto de vista histórico. Na visão
de Arendt, o poder é legítimo se resulta de um consenso e não da violência. A
partir desta noção de poder, a autora tenta resgatar o político como o elemento
central da condição humana e como pressuposto da liberdade.
24
23
Ver LEFORT, Claude. Pensando o político: ensaios sobre democracia, revolução e liberdade. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1991; e TELLES, V. Espaço público e espaço privado na constituição do social: notas sobre o
pensamento de Hannah Arendt. In São Paulo: Revista de Sociologia da USP/FFLCH - Tempo Social, v. 2, n. 1,
1990, pp. 23-48.
24
Ver ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Anti-semitismo, imperialismo, totalitarismo. o Paulo:
Companhia das Letras, 1989, reimpressão, 2004; e ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro:
Forense, 1997.
20
Para qualificar o poder como um produto do consenso, Arendt considera a
ação (práxis) e o discurso (lexis) como atividades políticas da mesma espécie,
demonstrando que a ação política deriva do uso das palavras. Na sua visão, a
coerção e a violência não constituem manifestações de poder, mas atitudes de um
estado pré-político onde as diferenças não são solucionadas através do diálogo.
O consenso ao qual se refere Arendt resulta de uma ação humana solidária
que ocorre no espaço público onde a identidade individual e dos grupos é
assegurada; um ambiente que, portanto, possibilita aos indivíduos compartilharem
suas subjetividades. Esta é a esfera pública: um espaço de livre manifestação de
idéias, onde as pessoas se encontram, são vistas e ouvidas, ou seja, um espaço
que não se remete a um domínio privado (vida particular, privada), mas público (vida
coletiva, social, de intercâmbio).
Esta visão de Arendt deriva de sua análise da experiência totalitária na
Alemanha. Para a filósofa, os horrores nazistas foram possíveis porque os homens
tinham sido privados da comunicação e do senso de realidade que ela produz, do
mundo comum que possibilita o reconhecimento da existência dos outros. Se
pensarmos nesta interpretação durante o período analisado em nossa tese o da
ditadura militar –, podemos pensar que essa privação de comunicação foi
literalmente forçada em alguns momentos através da ideologia política do governo
ditatorial que invadiu todos os setores da sociedade o político, o econômico, o
social e mesmo o setor educacional.
Vivia-se sob comunicação precária e direcionada, onde mesmo o
teoricamente “livre” era vigiado e controlado característica dessa ditadura, que
contava com um amplo sistema de informações e de censuras, além de uma
21
acirrada propaganda anticomunista que conquistou parcelas da sociedade civil,
principalmente durante o período do chamado “milagre brasileiro”. As propagandas
ao estilo “Brasil, Ame-o ou deixe-o” ou “Ninguém segura este país” enalteciam um
nacionalismo que pregava e, para muitos convencia o fato de que o Brasil era “o
país que vai prá frente”.
Irônica, a fotografia de Luis Humberto Martins Pereira é uma crítica contundente sobre a situação política do país.
A imagem de um civil que se curva, subserviente, para prestar reverência ao
presidente Emílio Garrastazu Médici no Natal de 1973, enquanto na fila dois
militares aguardam a vez, é muito emblemática dos anos de chumbo da ditadura
militar. Na busca pela supremacia e pela legitimidade de seu discurso, os militares
se utilizaram de distintos meios de persuasão, meios estes que tinham a finalidade
de impor sua concepção de mundo e política. Na medida em que um indivíduo
percebe o mundo enquanto uma imagem construída, a significação das
denominações comporta grande parte de sua visão, por isso as imagens criadas
pela ditadura militar para seduzir a sociedade civil com suas promessas de ordem e
progresso são compreendidas nessa tese de doutoramento enquanto uma
constituinte do poder. Assim, se um grupo social significativo, os militares nesse
22
caso, consegue disseminar a idéia do comunista/subversivo/rebelde enquanto ser
social perigoso e que deve ser eliminado. Desta forma, a visão de mundo de parte
da sociedade civil atingida é modificada em favor destas significações lingüísticas.
“Em meio à luta para a imposição da visão legítima [...], os agentes detêm um poder
proporcional a seu capital simbólico, ou seja, ao reconhecimento que recebem de
um grupo”,
25
o que gera a autoridade simbólica. Assim, com a conquista da
autoridade no grupo, o indivíduo passa a seguir um discurso institucionalizado e a
falar pelo grupo, encarnando-o.
A busca por legitimidade, entretanto, passa primeiramente pelo
convencimento, pela aceitação ou pela simpatia do indivíduo pela visão de mundo
proposta pela ideologia ou governo. Assim, as formas de persuasão e de angariação
de adeptos estão intimamente relacionadas com a promoção dos sentimentos e das
paixões no âmbito público. É nesse sentido que, além de estarmos nos apropriando
dos referenciais teóricos oferecidos por Hannah Arendt, entendemos que, dentro da
vinculação à nova corrente de história política, também aproximamo-nos da linha
defendida e empregada por Pierre Ansart.
O papel destes sentimentos na política e a forma como o promovidos têm
sido constantemente debatidos na Nova História Política Francesa e têm ganhado
cada vez mais espaço também na academia brasileira.
26
No mesmo sentido, o
pensar sobre o lugar das paixões públicas no mundo contemporâneo abre novos
campos de pesquisa às Ciências Humanas. Tais reflexões, decorrentes da Nova
História Política que assoma na década de 1970, visam ao mesmo tempo tanto o
entendimento da sociedade quanto o desmanche dos discursos institucionais,
25
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Lingüísticas. São Paulo: Edusp, 1996, p. 82.
26
Ver: BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia. Memória e (Res)Sentimento: Indagações sobre uma Questão
Sensível. Campinas/SP: Unicamp, 2004. BRESCIANI, Stella, BREPOHL, Marion e SEIXAS, Jacy. Razão e
Paixão na Política. Brasília/DF: UNB, 2002.
23
fugindo do meramente conceitual na busca da compreensão do relacionamento
íntimo que existe entre a instituição, seu discurso, suas práticas e o indivíduo. Ansart
pauta sua obra na análise das paixões públicas e nessa relação intimista que a
política assume com o indivíduo, especialmente em ocasiões extremas. Ao fazê-lo, o
pesquisador depara-se com a realidade translúcida de se analisar o imaginário da
sociedade em questão. O imaginário, então, se apresenta como um conjunto de
redes simbólicas que incutem na sociedade os valores e as significações das
instituições que a formam, como o Estado, a Igreja, as ideologias, etc..
Seguindo a linha de pensamento de Ansart, a massificação da cultura, o
consumismo, a propaganda política de massas e a relação do (ir)racional e da
paixão com o político são os principais agentes de reflexão para os novos
historiadores políticos. Em especial este último aspecto, pois se verifica desde o fim
da Segunda Guerra Mundial o surgimento de um sentimento de “mal-estar”
ocasionado pela natureza dos regimes do Ocidente. Nestas sociedades movidas,
sobretudo, pelo desejo, a insatisfação decorrente das derrotas, fracassos e
incapacidades acaba gerando frustrações que os indivíduos internalizam. A
definição de Pierre Bourdieu se aplica a todo e qualquer tipo de poder que se utilize
do simbólico e das representações como fundamentação, e podemos estendê-la,
especialmente, ao poder político. Nele, o trânsito simbólico e a busca pela
legitimidade dos discursos constituintes de sua arena é fluida e constante, além de
conflituosa.
27
“O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação,
de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e,
deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico
que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou
27
Em sistemas que proporcionam esta luta de ideologias, que cerceia o diálogo e a oposição, em favor da
ideologia dominante.
24
econômica), graças ao efeito específico de mobilização, se exerce se for
reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário.”
28
Diferentemente das comunidades tradicionais que limitavam as aspirações
aos limites dos objetos acessíveis a cada categoria social, que aprisionavam os
desejos em um conjunto de tabus, nossas sociedades pluralistas e de consumo
mostram-se mais aptas a desenvolver o indefinido do desejo e a acentuar a
intensidade das insatisfações. No interior de tal contradição, os limites e os
fracassos tendem a ser experimentados como rejeições, agressões e injustiças.
29
Toda esta dinâmica acaba gerando, entre outros resultados, a individualização em
relação ao coletivo. Obviamente, esta retração do indivíduo tem reflexos na vida
pública, quais sejam, a constituição de um grupo pequeno de relacionamentos, o
distanciamento no trato com os demais cidadãos e o desapego pela política. Isso
torna ainda mais instigante uma análise de períodos nos quais a paixão blica é
aflorada, pois nestes momentos encontramos boa parte das razões pelas quais o
contexto atual assim se impõe.
A busca pelas particularidades das afetividades públicas, assim como suas
causas e reflexos, baseia-se principalmente na sua relação com o poder e com a
representação que a sociedade tem de si mesma. Neste sentido, “três conjuntos de
relações parecem particularmente em jogo nesta afetividade coletiva e individual: as
relações com o poder e as normas impostas, as relações internas e externas com o
grupo de pertença, os modelos de identidade”.
30
Trata-se aqui de relações que se
28
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, p.14.
29
ANSART, Pierre. Mal-estar ou fim dos amores políticos? In História & Perspectivas, Uberlândia/MG, vls. 25 e
26, jul./dez. 2001 – jan./jul.2002, p. 59.
30
ANSART, Pierre. La Gestion des Passions Politiques. Lausanne/Suisse: L’Age d´Homme, 1983, p. 15. Trad
nossa: “trois ensembles de relations pareissent particulièrement em jeu dans cette affectivité collective et
individuelle: les rapports au pouvoir et aux normes imposées, les rapports internes et externes au groupe
d’appartenance, les modèles d’identité.”
25
estabelecem no âmbito público da sociedade, espaço este que tem na política sua
condição natural. É através da condição política do homem que ele se expressa no
espaço público, colocando seu discurso a conhecer e a influenciar os indivíduos de
seu convívio ou na formatação de uma ação. Sendo o homem, como expressa a
visão aristotélica, um animal político por natureza, é natural que dele se espere
diferentes ações e posicionamentos. É neste cenário que as relações do ser com o
grupo de pertença moldam sua visão de mundo, acendem seus sentimentos e
caracterizam sua identidade. A história política nos moldes propostos por Ansart,
assim, não trata apenas de discursos e de instituições, mas de seus reflexos na
constituição do indivíduo e das massas, formando uma teia dinâmica de relações
que configura o político. Esta caracterização do objeto político poderá ser
acompanhada ainda no decorrer desta tese.
O sentimento causado pela recepção de uma imagem, pela incitação de uma
ideologia ou pela voz de ordem de um político são questões de ordem passional,
mas de suma relevância nos estudos do objeto político. Neste sentido, analisamos
nosso objeto, voltando nossos olhos para as questões levantadas pelas indagações
da Nova História Política Francesa, especialmente pela corrente representada por
Pierre Ansart. Em sua obra, Ansart defende o estudo das afetividades políticas,
argumentando que existe um vácuo a ser preenchido nos estudos das Ciências
Sociais no campo da Política, e este vácuo é referente aos sentimentos
31
que, ainda
que percebidos pelos analistas, são pouco estudados. Estas novas reflexões vêm na
esteira da idéia do repensar a política que surge na França do pós-guerra, e com
mais força em meados da década de 1970, após a marginalização do estudo do
31
Ansart localiza quatro predecessores dos estudos das paixões públicas na história, mas reitera que pouco se
produziu, mesmo com estas grandes contribuições. São eles Platão, em sua “República”, Machiavel com “O
Príncipe”, Tocqueville e sua “Democracia na América” e Marx, no “Dezoito Brumário”. Faz ainda referências a
Durkheim e especialmente a Weber e suas idéias acerca das dominações carismáticas e emotivas. ANSART,
Pierre. Em defesa de uma Ciência Social das Paixões Políticas. In Revista História Questões & Debates.
Curitiba/PR, n. 33, Ed. UFPR, 2001, p. 145-162.
26
campo político pela historiografia, na primeira metade do século XX. Produto,
principalmente, do rompimento com os métodos positivistas e da Escola Metódica,
esta distância foi provocada pelo surgimento da Escola dos Annales e sua visão
inovadora, que “despreza o acontecimento e insiste na longa duração; deriva a sua
atenção da vida política para a atividade econômica, a organização social e a
psicologia coletiva”.
32
Assim, a temática política parte essencial dos estudos
positivistas e metódicos passa a ser preterida em favor do social, do econômico e
da interdisciplinaridade nos círculos historiográficos dominantes. A política tem, a
partir de então, seu lugar principal de estudos nas Ciências Sociais, em especial nas
leituras de Durkheim, Marx e Weber. Mesmo os círculos historiográficos marxistas,
que crescem vertiginosamente nas décadas de 1960 e 1970, relegam-na ao
segundo plano, vislumbrando um panorama essencialmente econômico/social nas
suas interpretações.
O interesse pelos acontecimentos que se sucederam nas décadas de 1930 e
1940 eleva o campo político novamente ao primeiro plano dos debates. Com o
surgimento do Fascismo e do Nazismo, a consolidação do Socialismo e o conflito
mundial que envolveu Estados democráticos e totalitários, novos horizontes de
pesquisa e de reflexão se abriram aos historiadores. A Nova História Política surge,
então, na década de 1960, buscando preencher essa lacuna que se fazia presente
no campo das pesquisas em História. Nasce com vistas, entre outros, ao
entendimento da dinâmica que se processa nas sociedades e em seus imaginários,
o que leva os indivíduos a assumirem discursos políticos como filosofias de vida, a
lutarem por ideais construídos e a transpassar a racionalidade em favor da paixão
política. O ressurgimento da temática do político na análise historiográfica de
32
BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervé. As Escolas Históricas. Dom Quixote: Lisboa/Portugal, s.d.
27
maneira alguma se compara ao historicismo alemão do século XIX, quando as
instituições e o Estado-Nação eram os principais objetos de análise. Essa visão
oitocentista e “institucionalizada” da História proporcionou o surgimento de
identidades e de heróis nacionais, bem como legitimou poderes. A Nova História
Política, ao contrário, busca desmontar os discursos institucionais e averiguar os
mecanismos de que estes se utilizam para persuadir o seu público-alvo, bem como
situá-los nos imaginários a que pertencem e analisar a sociedade em que foram
construídos, desconstruindo a memória oficial em favor de uma contramemória.
Podemos entender esta contramemória da história, através do pensamento
de Walter Benjamim:
“Escrever a história dos vencidos exige a aquisição de uma
memória que não consta nos livros da história oficial [...], fazer
emergir as esperanças não realizadas (no) passado e inscrever em
nosso presente seu apelo por um futuro diferente [...]. O esforço [...]
é não deixar essa memória escapar, mas zelar pela sua
conservação, contribuir na reapropriação desse fragmento de
história esquecido pela historiografia dominante”.
33
São várias, então, as formas de se escrever história. Nessa tese, tomaremos
a política como “um lugar de gestão do social e do econômico”,
34
uma instância que
interage com o econômico e o social em igualdade, sendo tanto determinada por
estes, quanto determinante para sua direção. Dentro deste novo pensamento, faz-se
necessária a busca da “compreensão da formação e evolução das racionalidades
políticas, ou seja, dos sistemas de representações que comandam a maneira pela
qual uma época, um país ou grupos sociais conduzem sua ação (e) encaram seu
33
Trecho citado por COIMBRA, Cecília Maria B. “Gênero, Militância, Tortura”. Estados Gerais da Psicanálise:
Segundo Encontro Mundial, Rio de Janeiro, 2003, p. 2.
34
RÉMOND, René (org.). Por uma História Política. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p. 10.
28
futuro”.
35
Neste sentido, também tentaremos usar métodos que visam abandonar o
estudo do institucional como paradigma dominante em favor de uma história social
do poder. Daí a importância atribuída aos sentimentos na formação das vontades
coletivas, o aspecto subjetivo destas mesmas vontades, o poder e a política como
fenômenos integrantes das mentalidades coletivas, as interfaces entre a religião e a
política, a tensão sempre presente entre o racional e o irracional.
36
Em suas considerações, Ansart destaca os principais cuidados e
considerações que devem nortear o historiador ao tratar das paixões públicas,
esboçando uma metodologia a ser seguida pelos profissionais que se aventuram a
fazê-lo. Os pontos principais desta reflexão destacam a contextualização do
momento histórico no qual a paixão política está sendo motivada e o caráter coletivo
das mesmas, levando-se em consideração todas as peculiaridades que esta
coletividade pode carregar consigo. Justifico aqui a produção do Capítulo I que
retoma a formulação de um discurso voltado para a construção da brasilidade
excludente, exclusão esta que será cada vez mais visível e sentida pela sociedade
civil brasileira, principalmente no momento do governo ditatorial.
37
A questão da coletividade e das especificidades que ela pode trazer reflete-se
claramente na condução dos movimentos originados das paixões políticas. Isso
porque nem todos os membros de um grupo experimentam, com a mesma
intensidade, os sentimentos públicos. É preciso distinguir o lugar e o papel dos
grupos militantes, seus líderes efetivos ou simbólicos, seus dizeres e seus fazeres.
Eventualmente, deve-se analisar o papel excepcional de um ator individual”.
38
É no
Capítulo II que vamos nos aprofundar nesses atores sociais, analisando-os em ação
35
ROSANVALLON, Pierre. Por uma História Conceitual do Político. In Revista Brasileira de História, São Paulo,
v. 15, n. 30, 1995, p. 16.
36
BREPOHL DE MAGALHÃES, Marion. Nova História Política. Mímeo., p. 4.
37
V. nota 33. P. 18.
38
Idem, p. 155.
29
na luta pela Anistia, em seus muitos grupos: familiares de presos políticos, os presos
políticos, os exilados, os banidos, entre outros órgãos que também participaram
desta luta.
Devemos ainda levar em conta que os sentimentos e as paixões públicas o
determinantes nas mudanças políticas e sociais. O historiador das paixões políticas
estuda, na grande parte das obras destinadas a este recorte histórico, a relação
entre ideologia e ação militante, o que não é muito diferente no nosso caso.
Retomando nosso tema central, qual seja a dimensão afetiva nos movimentos de
luta pela Anistia, faz-se mister analisarmos a estruturação do poder dos militares
durante a ditadura, os principais grupos organizados, a mudança na percepção dos
grupos que lutaram contra a opressão dando origem em meados da década de 1970
aos movimentos pela Anistia.
Neste sentido, a obra de Ansart volta a nos orientar, demonstrando a
importância de se pensar o sentimento público na constituição de dada sociedade. É
preciso atentar para o fato de que tanto a conformação quanto o deslumbramento
são frutos de emoções sentidas em relação às ações a favor ou contra a ditadura
militar. O medo, a euforia, o ódio e o amor que o discurso, as imagens e as
propagandas veiculadas pelos militares causavam eram seus alicerces; é através
deles que todo o poder instituído se apresentava a sociedade civil brasileira e
angariava seu apoio, ou fazia aumentar os grupos de resistência.
39
A passagem do estado abstrato para uma quase existência física, dando
nome e forma a estas idéias, como coloca Ansart, multiplica o papel social da
linguagem utilizada ao dar sentido a fatores anteriormente incompreendidos. Forma-
se, com a ativação da palavra seja falada ou escrita uma rede de reações no
39
ANSART, Pierre. Ideologias, Conflitos e Poder. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1978, p. 212.
30
indivíduo que permite a manipulação dos conceitos em discursos políticos e
ideológicos. Trata-se de um processo natural, de reconhecimento do som expresso
enquanto a síntese de um conceito que denota o sentimento de pertença a esse
milagre brasileiro ou a sua repulsa. No mesmo sentido, dar uma representação a
estes conceitos contribui para a continuidade dos sentimentos que eles evocam.
Mais uma vez, a questão da manipulação nos remete ao afloramento de sentimentos
públicos. A instauração e propagação do discurso militar, seja ela em que nível for
ou que público-alvo atinja, trabalha com termos dicotômicos; com o amor e o ódio, a
entrega e a negação, a simpatia e o antagonismo. A relação que se estabelece entre
estes sentimentos, aparentemente contraditória, muitas vezes é marcada pela
fidelidade total à idéia ou ao personagem público que a encarna. Desta maneira, a
união entre dois elementos por vezes distintos acaba se sustentando no ódio comum
que nutrem por um terceiro elemento, fazendo valer a máxima popular que prega
que “o inimigo de meu inimigo é meu amigo”. Reconhecendo alguma idéia ou
alguém como possíveis aliados, abre-se a possibilidade também de suscitar
sentimentos de afeição em relação a eles.
40
Elaboramos essa tese com três capítulos, onde o Capítulo I tenta uma
recuperação ainda que tímida do "material histórico de longa duração”,
41
que serviu
de base para a ofensiva da ditadura militar no sentido da destruição continuada da
esfera pública, eixo principal da cultura repressiva então criada com a instauração
da ditadura através do golpe. É contra esta situação de fechamento institucional
abrupto que os movimentos de resistência vão operar, e então, no Capítulo II
teremos quatro momentos: a primeira parte analisando a paixão enquanto formadora
dos grupos que lutaram pela Anistia – onde privilegiaremos, principalmente, as
40
BREPOHL DE MAGALHÃES, Marion. Nova História Política. Mímeo.
41
O termo é
de Carlos Fico. FICO, Carlos. Reinventando
o
otimismo. Rio de Janeiro, FGV Editora, 1997, p. 15.
31
repressões sofridas pela sociedade civil, a sensibilidade coletiva dentro das
prisões e entre os perseguidos, os exilados, os cassados e os presos e, depois de
formados, suas formas de luta e suas ações. Na segunda, na terceira e na quarta
parte do Capítulo II, respectivamente: a luta pela Anistia se destacando na mídia e
ganhando espaço dentro do Brasil; o movimento pela Anistia tentando se
“popularizar”, ou seja, colocando-se ao lado de lutas populares, como o movimento
operário, contra a carestia, pelas greves; e, finalmente, a luta pela Anistia no
exterior. No decorrer do Capítulo II, percebemos uma nova discussão que entra na
agenda do movimento pela Anistia: os Direitos Humanos. Assim, analisaremos de
que forma o eixo discursivo dos movimentos pela Anistia se deslocou, cada vez mais
direcionado para a busca pela democracia, a partir do estabelecimento de princípios
de uma fala própria dos direitos humanos. As fontes analisadas constituem-se
basicamente de jornais e revistas da época, fichas, panfletos, cartas, manifestos,
depoimentos e imagens que estão presentes, principalmente nos seguintes
arquivos: Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, Arquivo do DEOPS
Arquivo do Estado de São Paulo, Arquivo Edgard Leuenroth do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas da UNICAMP, Arquivo da Fundação Perseu Abramo, Arquivo
do Estado do Paraná, do Arquivo Público Mineiro e do Arquivo Ana Lagoa, do
Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de o Carlos. Esses
documentos expressam esta dimensão afetiva que pretendemos mostrar do
movimento pela Anistia, acreditando que a história se compõe também através de
suas angústias, ódios e paixões, e que esses sentimentos deram ao movimento pela
Anistia uma dinâmica própria.
Podemos pensar que a luta pela Anistia também foi um movimento de união
pela união dessas pessoas que estavam sendo prejudicadas pela ditadura e que
32
encontravam em seus pares, alguém para compartilhar e que compreendesse sua
fala. Podemos analisar o movimento pela Anistia como resultado de pensamentos e
desejos individuais e/ou coletivos, mas planejados sob um mesmo e específico
valor, a política vivenciada por cada indivíduo ou cada grupo, que superou as
diferenças entre seus atores. E onde situar então os discursos apaixonados, as
ações corajosas e tantas imagens, falas, textos que refletem o envolvimento afetivo
dos atores com o movimento e mais que revelam desejos, vontades,
esperanças, sentimentos? Segundo Hannah Arendt,
42
uma das características da
condição humana é o desejo/vontade, então esses desejos e essas vontades
expressas na luta do movimento pela Anistia, existem como resultado de que? De
desejo de liberdade? De justiça? Para Pierre Ansart, se os desejos o universais e
se caracterizam a condição humana, eles vestem as formas e suas várias
orientações, de acordo com a estrutura das organizações do Estado.
43
Então se
houve falta de justiça e liberdade, esses valores podem ser considerados
aglutinadores da luta pela Anistia?
Todas as atrocidades denunciadas com violência possuem certa unidade
afetiva de ódio e revolta. Para Pierre Ansart, essas manifestações também induzem
a uma dialética de “ameaças e medos, favorável à escalada das agressividades”.
44
Se não significam ameaças reais de perigo, pelo menos durante a ditadura eram
usadas como desculpa para o endurecimento: mais cassações, exílios, prisões,
torturas, mortes.
Os valores que possibilitaram a especificidade da luta pela Anistia que, juntos,
podem ser contraditórios e ambígüos, pertencem à variadas heranças, e são –
42
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
43
ANSART, Pierre. Connaissance des passions politiques. Platon, Machiavel, Tocqueville. Les Cahiers de
Psychologie politique, n. 00, Janvier 2002.
44
Ibidem.
33
porque saídas de grupos de convivência (com ligações interpessoais que
estabelecem a relação do indivíduo para o coletivo), interiorizados, vividos e postos
em jogo na forma de afetividades. A afetividade política não pode ser apreendida
como algo somente de indivíduos. Ela resulta do contato pessoal com os fenômenos
sociais. Assim, ela reveste de sensibilidade os valores coletivos, contribui com a
formação e a evolução da orientação ética (fundada em noções de bem e mal).
Estas orientações permitem que os indivíduos e/ou grupos definam seus objetivos e
estratégias, e os compartilhem.
O que os unia? O inexorável processo de democratização, sim, mas também
os fatos do passado e do presente: o vínculo social era também garantido pelos
sentimentos individuais e coletivos de busca pela liberdade, pela justiça, além do
sentimento de solidariedade: tanto as pessoas presas, cassadas, exiladas quanto
seus familiares, viviam os sentimentos similares que os levavam à busca da luta pela
Anistia. Neste sentido, podemos concordar com Hannah Arendt, pensando que a
vontade de liberdade, de justiça, foi o “motor da ação” ou, como diria Kant e a autora
o subscreve, “o poder de começar espontaneamente uma série de coisas”,
45
então
para delinear como funciona essa aptidão para “mudar o mundo”, a autora
questiona: “Que experiências fizeram com que os homens se tornassem conscientes
do fato de que eram capazes de formar desejos?”.
46
Essa questão a encaminhou
para uma genealogia das teorias da vontade, mas, para nossa tese de
doutoramento, tal questão sugere pensar nas experiências que esses personagens
vivenciaram e que os impulsionram à ação: a formar grupos que lutassem pela
Anistia.
45
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 14.
46
ARENDT. Op. Cit., p. 63.
34
Assim, no processo de formação do movimento pela Anistia entendemos que
um dos “motores da ação” para a reunião dessas pessoas foi o conjunto de
afetividades compartilhadas e sentidas, que deram vida a este movimento. A
ditadura e seus atos institucionais acompanhados das práticas de horrores geraram
o ódio em alguns grupos que durante todo o período ditatorial enxergaram diversas
alternativas de resistência e luta. A chamada “esquerda revolucionária”, por
exemplo, entendeu como alternativa única e viável a luta armada. Uma reação de
ódio àquilo percebido como injustiça. Para Pierre Ansart, essa reação “não é mais a
de uma massa confusa, mas a de um grupo que se organiza”.
47
A esquerda
revolucionária chegou a ter momentos fulgurantes, mas, isolados, foram cedo
massacrados. A opção pela guerrilha urbana e rural é bem diferente da opção pela
via democrática, de negociação vivenciada pelo movimento pela Anistia. O discurso
democrático estava posto, principalmente depois da crise enfrentada pela esquerda
de maneira geral e, principalmente, depois do massacre do último foco guerrilheiro
(Guerrilha do Araguaia).
48
Entendemos que essa crise enfrentada pela esquerda,
neste momento, teve basicamente dois principais motivos: a dura repressão que
sofreu e o não envolvimento popular em suas manifestações. Segundo Fernando
Casadei Sales:
47
ANSART, Pierre. Hannah Arendt: a obscuridade dos ódios públicos. In Brepohl de Magalhães, Marion, et alii. A
banalização da violência: a atualidade do pensamento de Hannah Arendt. Rio de Janeiro: Relume-Dumará,
2004, p. 28.
48
Na região do Araguaia, na fronteira do Pará, Maranhão e Goiás, reunindo algumas dezenas de guerrilheiros na
tentativa mais consistente da esquerda revolucionária. Conhecida como A Guerrilha do Araguaia, este conflito
ocorreu no início dos anos 70. Desde o natal de 1967, e principalmente depois de 1970, começaram a chegar ao
sul do Pará militantes e dirigentes do Partido Comunista do Brasil (Ângelo Arroyo, Maurício Grabois, Elza
Monnerat, João Carlos Hass Sobrinho, Osvaldo Orlando Costa, etc.) para, segundo os processos que depois
seriam peças na Justiça Militar, “organizar os camponeses visando incorporá-los no processo de transformação
social brasileira”. Passaram a viver como moradores da região, fazendo treinamentos e preparando-se para a
luta armada. Através de pequenos grupos se pretendia formar “o embrião de um exército popular, ponto de
partida para a tomada do poder pela luta armada”. Organizada pelo PC do B, esta foi a última e mais duradoura
tentativa de insurreição armada contra a ditadura militar. O Exército se instalou no local em abril de 1972 e
realizou três campanhas militares para reprimir o movimento, mobilizando mais de 20 mil homens, na maior
operação das Forças Armadas no Brasil desde a Segunda Guerra Mundial. Os militares foram acusados de
torturar e executar guerrilheiros e trabalhadores rurais. Sobreviveram sete guerrilheiros. Ver: Carelli, Palmério;
Buarque, Sérgio; Dória, Vincent e Sautchuk, Jaime. A Guerrilha do Araguaia. Editora Alfa-ômega, 1978.
35
“Tudo seria extremamente fácil se houvesse apoio popular. […]
Quando o movimento é fraco, sem base popular, complica tudo. Se
você está com apoio da massa, pode até ter um policial no comitê
central que ele não segura o movimento. Chega junto ao poder,
como chegaram os bolcheviques na Rússia”.
49
Porém, a esquerda brasileira, além de estar sendo controlada pelo aparato
repressivo, não contou com apoio popular. Eram grupos revolucionários isolados
lutando diretamente contra a força militar. Com este distanciamento dos grupos
guerrilheiros de suas supostas “massas populares”
50
uma verdadeira crise de
identidade nasce na esquerda revolucionária. Nesse mesmo momento as táticas
revolucionárias e a teoria marxista também estavam sendo pressionadas
internacionalmente, e a esquerda procurava por novos valores e concepções. Os
teóricos de Marx observaram que nenhuma das sociedades socialistas se
comportava como Marx achava que iriam se comportar, sendo assim, esta crise
abalou o movimento revolucionário internacionalmente.
O que podemos perceber é que o envolvimento político, por que, como
vimos, existe uma preocupação com o movimento ser bem fundamentado,
racionalizado, caminhando por meios legais, mas também extravasa afetividades.
Manifestações de rancor, ódios e desejos, por exemplo, o evidenciadas em vários
documentos, e constituíram a forma de luta e ação deste movimento.
“Ao mesmo tempo em que o movimento foi político ele tinha o
envolvimento pessoal de quem estava naquela luta, porque, quando você se
dedica a uma causa, voestará pessoalmente implicada, mas quando você
se dedica a uma causa porque você está pessoalmente implicada, a sua
49
Revista IstoÉ, 22 de agosto de 1979, p. 21.
50
SADER, Eder. “Matrizes Discursivas. In Quando novos personagens entraram em cena. Experiências e lutas
dos trabalhadores na Grande São Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, pp. 167-178.
36
dedicação é mais determinada, concentrada, você reúne toda a sua energia
emocional e passa dia e noite a só pensar naquilo”.
51
Como colocado anteriormente, percebemos nessa declaração de Maria
Auxiliadora Almeida Cunha Arantes, e também nas demais fontes analisadas ao
longo desta tese, que o movimento pela Anistia foi uma luta carregada de
afetividades. Buscando resgatar e analisar os ódios, as angústias, os sofrimentos e
as paixões deste movimento, e respondendo às questões levantadas durante a
elaboração dessas questões, que realizamos esta tese de doutoramento. Trata-se
da chegada à esfera pública e política de um novo aspecto: a dimensão afetiva.
Como se percebe, os grupos que lutaram pela Anistia, não consistiram apenas de
pretenso racionalismo político e jurídico, que o afetivo permeia fortemente todas
as instâncias sociais principalmente a política –, e por acreditarmos que a cada
ação política corresponda uma paixão, conferindo vida e movimento ao que sem ela
não passaria de uma estrutura inerte.
51
Maria Auxiliadora Almeida Cunha Arantes, em depoimento à autora em 08/09/1999.
37
CAPÍTULO I
38
“N
ÃO HÁ MAIS DIAS INDIFERENTES
A destruição continuada do político
Entendemos em Hannah Arendt que a história do mundo moderno
é
a história
da dissolução do espaço público, ou, em suas próprias palavras, “do surgimento da
era moderna e do concomitante declínio da esfera pública”.
52
Por isso, segundo a
filósofa, esta sociedade foi capaz de gerar o fenômeno totalitário, como nos indica
Claude Lefort:
"O totalitarismo, segundo lemos em Hannah Arendt nasce de
uma sociedade despolitizada em que a indiferença em relação aos
assuntos públicos, a atomização, o individualismo, o
desencadeamento da competição não mais encontram limites.
Hannah Arendt o receia escrever, embora reconheça, por outro
lado, que o individualismo burguês criou um obstáculo ao
açambarcamento do poder por um homem forte: 'Nesse sentido, a
filosofia política da burguesia sempre foi totalitária'; a filosofia política
sempre acreditara em uma identidade da política, do econômico
e
da
sociedade, no bojo da qual
as
instituições políticas seriam apenas
uma fachada para os interesses privados”.
53
Baseados em Arendt, e pensando na história da República brasileira,
podemos afirmar que esta
tem sido a história da dissolução do espaço blico.
Precisamos para isso recuar no tempo, indo além um pouco do período republicano,
até a formulação de um discurso orgânico voltado para o que Henrique Samet
chama de construção da brasilidade excludente, ou seja, uma ideologia baseada no
pressuposto de que “Estado
e
nação precisam de povo, mas não obrigatoriamente
52
ARENDT, Hannah. A condição Humana. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 60.
53
LEFORT, Claude. "Hannah Arendt e a questão do político". In Pensando o político Ensaios sobre democracia,
revolução e liberdade, p. 72. V., tb.: TELLES, Vera da Silva. "Espaço público e espaço privado na construção do
social: notas sobre o pensamento de Hannah Arendt". Revista de Sociologia da USP/FFLCH - Tempo social. São
Paulo: v. 2, n. 1, 1° semestre de 1990, p. 28.
39
de cidadãos”. A exclusão estrutural, assim como a opressão econômica e o
exercício da violência institucional explícita, seria a própria razão de ser da
nacionalidade brasileira uma nacionalidade
sem
cidadania –,
54
tecida em nome
da conservação dos interesses das oligarquias e das elites dominantes.
A construção de uma nacionalidade sem cidadania avança ainda mais com o
começo da República, como nos sugere José Murilo de Carvalho: um
deslocamento de ênfase do substantivo Estado para o adjetivo Nacional –,
55
porém
continua no centro a noção de excludência. Os alicerces ideológicos anteriores
presentes no período colonial
56
são aqui repetidos e ampliados, e devidamente
adequados durante a República à nova conjuntura de transição da ordem
escravocrata para a ordem burguesa. Como foi necessário o redimensionamento do
papel do Estado como agente de controle social”
57
- visando garantir a acumulação
capitalista, os fundadores do Estado e da nação republicanos estabelecem de
maneira satisfatória o princípio, elaborado, da negação da inclusão das massas
populares à sociedade brasileira. O máximo que se pode permitir era sua existência
tutelada, sempre articulada com a repressão violenta. A partir daí, o monopólio da
violência e do exercício da repressão, que antes estava descentralizado nas
autoridades das casas grandes e latifúndios, agora cabe ao Estado Nacional.
É ainda José Murilo de Carvalho que afirma:
54
SAMET, H. “Construção da Brasilidade Excludente”. In Revista DOPS: A Lógica da Desconfiança. Rio de
Janeiro: v. 1, 20 out. 1993, pp. 46-57.
55
CARVALHO, José Murilo de. Pontos e bordados. Belo Horizonte/MG: Editora UFMG, 1998, pp. 448-455. V.,
tb., do mesmo autor, A formação das almas. O imaginário da República no Brasil. o Paulo: Companhia das
Letras, 1990, pp. 24-31.
56
Entendemos que o Brasil contemporâneo é um possível resultado de uma herança do escravismo que se
manifesta de forma evidente na desigualdade intransponível, e na dominação absoluta, ambas estruturais
geradas por uma economia ligada desde o século XVI ao capitalismo europeu e, ao mesmo tempo, assentada
sobre o trabalho escravo. Ver mais em PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo:
Brasiliense, 1976.; BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.; D'INCAO,
Maria Ângela (org.). História e ideal. São Paulo: Brasiliense, 1989.; HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
57
CARPI, Lúcia e CAMPOS, Jéssica Moura. "Polícia, ciência e 'higiene social”. In Revista DOPS: A Lógica da
Desconfiança. Rio de Janeiro: v. 1, 20 out. 1993, p. 29.
40
A
relação da República com a Cidade fez, em nosso caso,
agravar o divórcio entre as duas e a Cidadania. Primeiro, por ter a
República neutralizado politicamente a Cidade, impedindo que se
autogovernasse e reprimindo a mobilização política da população
urbana.
A
seguir quando a República, uma vez consolidada, quis
fazer da cidade-capital o exemplo de seu poder e de sua pompa,
o
símbolo, perante
a
Europa, de seus foros de civilização
e
progresso
(bem como de sua confiabilidade como pagadora de dívidas). A
castração política da cidade e
sua transformação em vitrina, esta
última efetivada nas reformas de Rodrigues Alves e na grande
exposição nacional de 1908, inviabilizaram a incorporação do povo
na vida política e cultural. Porque o povo não se enquadrava nos
padrões europeus nem pelo comportamento político, nem pela
cultura, nem pela maneira de morar, nem pela cara. [...] Na
República que não era, a
Cidade não tinha cidadãos".
58
Então, ao invés de se formar como espaço da diversidade e cidadania, a
cidade constituiu-se como lugar de exclusão: ela tem como exemplo confesso a
"ordenação reguladora" das paisagens urbanas de Haussmann na Paris da segunda
metade do século XIX, baseado
em
medidas preventivas de segregação
e
limitação
das massas trabalhadoras, projeto visto como exemplo de "redesenvolvimento
urbano" dos tempos modernos.
59
Neste esquema de ordenação política da República Brasileira, a construção
da brasilidade excludente torna-se visível e mesmo legível:
60
a idéia segregacionista
dos urbanistas e da modernização cria padrões espaciais sempre fundamentados na
exclusão, cujo objetivo principal é resguardar as elites contra as multidões, que
precisam manter-se o mais distante possível. A cidade, entendida como
representação da nação, precisaria cada vez mais revelar o aspecto dos donos: ruas
58
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997, p. 162.
59
CHOAY, Françoise. "EI reino de lo urbano y La muerte de La ciudad". In Visiones urbanas. Europa 1870-1993.
La ciudad del artista, la ciudad del arquitecto. Barcelona y Madrid, Centre de Cultura Contemporània de
Barcelona y Electa, 1994, p. 24.
60
Ver LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. o Paulo: Martins Fontes, 1982, pp.13-15. O autor mostra que a
cidade não pode ser considerada algo em si, mas "objeto da percepção de seus habitantes". Para ele, "a cidade
é potencialmente símbolo poderoso de uma sociedade complexa", o que vem fielmente refletido na sua "imagem
visual".
41
e praças começam a ser vistas como áreas de risco”, a grande escola do mal”
61
.
Conseqüentemente, alvos de regulação e normatização constantes. É nessa
conjuntura de criminalização dos espaços públicos que surge o conceito de classes
perigosas:
"Somatório de vícios privados, violações individuais e coletivas
da lei e subversão política e, portanto, a necessidade de impor
autoritariamente aos estratos inferiores das classes populares, vistos
como carentes ou destituídos de controles sociais naturais, a
disciplina social que contrabalançaria as tendências criminosas e
subversivas da população urbana".
62
A partir desse conceito se cria, então, mais um conjunto de representações
que igualmente realiza a constituição de concepções e percepções, às quais se
revelarão o estáveis quanto à idéia de povo inercial: as classes perigosas são as
eternas classes indesejáveis, sempre repelidas e formadas por indivíduos vistos
como subversivos, marginais e desclassificados de todos os tipos. A noção de
periculosidade dá-se, assim, sobre os excluídos históricos o conjunto dos inimigos
da ordem que não são tolerados na versão positivista da brasilidade excludente:
Ordem e Progresso, a constituição de uma ditadura republicana “progresso e
ditadura, o progresso pela ditadura, pela ação do Estado”.
63
neste momento,
percebe-se a elaboração da perversa ação de estereotipar e estigmatizar as classes
populares e os movimentos sociais, de maneira geral, enquanto suspeitos
permanentes.
O que percebemos é que o resultado ideológico dessa idéia de periculosidade
é a noção de nocividade potencial, que não se manifesta, mas que é capaz de se
61
COIMBRA, Cecília. “Gênero, Militância, Tortura”. Op. Cit., pp. 93-97.
62
PAIXÃO, Antônio Luis. "A distribuição da segurança pública e a organização policial”. Revista OAB, Rio de
Janeiro: n. 22, jul/1985, p. 171. Apud SAMET, Henrique. Op. Cit., p. 50. V., tb., PAIXÃO, Antônio Luis. "Crimes e
criminosos em Belo Horizonte, 1932-1978". In PINHEIRO, Paulo Sérgio. Crime, violência e poder. São Paulo:
Brasiliense, 1983, pp. 11-44.
63
CARVALHO, José Murilo de. Op. Cit., A formação das almas, p. 27.
42
revelar ou de se desenvolver quando às circunstâncias sejam favoráveis ou se atinja
o momento próprio para isso. Portanto, as tendências criminosas e subversivas da
população das cidades precisam ser reprimidas ainda na sua potencialidade, antes
de se concretizarem. Novamente percebemos a necessidade histórica da violência
em favor da constituição da ordem, incumbência civilizadora que passa a ser
consolidada na criação minuciosa de um aparelho repressivo policial e político,
inspirado igualmente na violência da tradição escravocrata e no cientificismo da
época.
64
Deveria garantir-se a maior eficácia possível na luta à ameaça maior
daquele período - as massas populares. Estes conjuntos de representações
articulam, em seus discursos, ao mesmo tempo “contaminação, nocividade e
subversão”,
65
resultado do vocabulário organicista aceito pelos higienistas,
66
onde o
determinante racista foi levado aqui às últimas conseqüências. Mas isso reflete o
problema nunca resolvido da inclusão da massa de ex-escravos, sob a forma de
ameaças constantes, e que funda o centro dessa política.
67
Entendemos então que foi o higienismo brasileiro que instituiu a idéia de
periferia geográfica, demográfica e social, assim como a
necessidade da criação de
fronteiras preventivas com o intuito de impedir a propagação da degradação moral
das classes perigosas, separando as zonas ‘civilizadas’ das zonas ‘incivilizadas’. O
que vemos nesta gica é que não é o mal que deve ser erradicado, mas quem o
pratica. Seu desdobramento é visto por Henrique Samet como o próprio “cerne da
construção da brasilidade excludente”: a possibilidade da criação de conceitos que
64
COIMBRA, Cecília. Op. Cit., pp. 79-84.
65
SAMET, Henrique. Op. Cit., p. 49. O autor se refere explicitamente a Afrânio Peixoto, José Duarte e Jimenez
de Ásua.
66
COIMBRA, Cecília. Op. Cit., pp. 88/89; CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. Op. Cit., pp.
24/25. Ver, tb., SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 41.
67
FICO, Carlos. Reinventando o Otimismo. Op. Cit., p. 31.
43
compreendam a existência de um inimigo que precisa ser eliminado.
68
Sendo assim, a existência da violência bruta como medida de limpeza social
e o tratamento dessa questão como ‘caso de polícia’
69
é o resultado imediato deste
pensamento. Paulo Sérgio Pinheiro explica o constante “regime de exceção
republicano”, que vê como idênticas classes perigosas e classes torturáveis:
"O pânico em relação às manifestações populares e o terror
como procedimento usual do aparelho policial para o
enquadramento das populações urbanas e rurais obrigaram o
governo a desenvolver novas modalidades de controle das
multidões.
A
prisão policial, sem processo e
por tempo
indeterminado, agravada pela aplicação sistemática da tortura,
tornou-se corriqueira. [..] Enfim, durante toda a república no Brasil,
as práticas repressivas dos aparelhos de Estado foram
caracterizadas por um alto nível de ilegalidade, independente da
existência ou não de garantias institucionais. Os pobres, os
miseráveis e os indigentes, que sempre constituíram a maioria da
população, nunca deixaram de viver sob um regime de exceção
e
de
terror, que
se
manteve
em
todas
as
formas de regime político,
constitucionais ou autoritárias. Essas classes torturáveis, na
expressão de Graham Greene, sempre foram submetidas a uma
maior ilegalidade do que aquela normalmente presente na aplicação
da lei ou das práticas policiais. [...] Nenhuma das chamadas
transições democráticas, seja depois da ditadura do Estado Novo,
seja depois dos diversos governos militares entre
1965
e
1985,
afetou substancialmente esse regime de exceção".
70
O movimento oscilatório da criação da brasilidade assinalado por José Murilo
de Carvalho a ênfase oscilante entre o substantivo Estado e o adjetivo Nacional
parece ter sido solucionado, durante os anos 30, principalmente com a ditadura do
Estado Novo (1937-1945). Para Maria Helena Capelato, a função do Estado é mais
68
SAMET, Henrique. Op. Cit., pp. 48-51.
69
Famosa xima de Washington Luís, cujos efeitos ainda se fazem presentes na formulação das atuais
"políticas de segurança pública”.
70
PINHEIRO, Paulo rgio. "Estado e terror". In NOVAES, Adauto (org.). Ética. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997, pp. 200/201. V., tb., do mesmo autor: Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil 1922-
1935. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, pp. 87/88.
44
uma vez reestruturada, agora sob a hegemonia do ideário “anti-democrático, anti-
revolucionário e anti-Iiberal”,
71
fortalecida sobretudo por Oliveira Viana.
72
Temos aqui, então, a necessidade de um Estado forte administrado por um
líder imbuído da missão histórica de
criar a nova identidade nacional, fundamentada
na integração nacional e no enquadramento das massas, vistas a partir do calor da
ascensão do movimento operário nas décadas anteriores inspirados pela Revolução
Russa de 1917 e pela criação do Partido Comunista Brasileiro, em 1922, como mais
perigosas ainda. É o que Luiz Werneck Vianna
73
chama de “autonomização do
Estado”: quando se percebe o Estado como único caminho para
a
construção
nacional, onde Estado e Nação tornam-se irredutíveis, sendo que o Estado é a
representação superior da Nação.
A noção elaborada de cultura política tem, então, caráter desmobilizador:
nela, é praticamente oficializada a nacionalidade sem cidadania. Os conceitos de
política e cultura passam por um processo de distorção e esvaziamento: a esfera
pública é proibida e o espaço social é despolitizado. Ainda segundo Maria Helena
Capelato, “a política era compreendida como força disciplinadora, coordenadora, e
organizadora das forças sociais; as manifestações culturais poderiam ocorrer sob
a tutela da ordem”.
74
O Estado é considerado sujeito exclusivo da história, e esta sua capacidade é
levada às últimas conseqüências. Discursos que articulam uma nação coesa e
integrada; nacionalismo e ufanismo exacerbados; assim como o enaltecimento do
trabalho a partir da criação do “operário-padrão” – tudo isto impulsionado pela
doutrina da cooperação de classes formam a base ideológica deste processo.
71
CAPELATO, Maria Helena Rolim. "Estado novo: novas histórias". In FREITAS, Marcos Cezar de (org.).
Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998, pp. 183-213.
72
MEDEIROS, Jarbas. Ideologia autoritária no Brasil. Rio de Janeiro: FGV Editora, 1978, p. 160. V., tb., VIANNA,
Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Rio de Janeiro: Record, 1947, sobretudo as pp. 135-178.
73
VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, pp.119/120.
74
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Op. Cit., p. 209.
45
Carlos Fico mostra que são essas matrizes ideológicas do
Estado Novo e que
serão
re-significadas
pela ditadura militar,
75
o
que será explorado mais adiante.
Essa reestruturação da matriz política do Estado insere-se perfeitamente na
excludência e na denegação da cidadania, sempre existentes. A partir destas
noções, a autora Eliane Dutra nos mostra uma “disposição totalitária” no Brasil dos
anos 30 que deixou conseqüências permanentes nas formas de pensar a política
brasileira.
76
Não é por acaso que o
primeiro partido nacional de massas, que operou
legalmente no país de 1932 a 1938, seja um partido de doutrina abertamente
fascista, a Ação Integralista Brasileira de Plínio Salgado.
77
Cabe destacar que essa
“disposição totalitária” citada por Eliane Dutra não está reduzida ao campo
simbólico, mas se afirma em instrumentos concretos de coerção, como a montagem
de aparelho repressivo adequado a uma extrema repressão policial e política uma
eficiente máquina de propaganda do regime –, através da monopolização estatal dos
meios de comunicação, da instrumentalização da educação pública e da regulação
da vida cultural. Florestan Fernandes afirma que desde a década de 1930, “[...] as
classes e estratos de classe burgueses desenvolveram uma solidariedade de
classes que deixou de ser democrática, ou mesmo autoritária, para tornar-se
abertamente totalitária e contra-revolucionária, em suma, o fermento de uma
ditadura de classe preventiva”, que se concretizaria com o golpe de 1964.
78
É
interessante notar que Hannah Arendt - ao falar de formas totalitárias e ditatoriais de
governo, diferencia os dois, pois entende que
75
FICO, Carlos. Op. Cit., p. 34.
76
DUTRA, Eliane. O ardil totalitário: o imaginário político no Brasil dos anos 30. Belo Horizonte/MG: Editora
UFMG, 1997, pp. 24-28.
77
TRINDADE, Hélgio. "O radicalismo militar em 64 e a nova tentação fascista". In SOARES, Gláucio Ary Dillon e
D'ARAÚJO, Maria Celina (org.). 21 anos de regime militar. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1994, p.
123.
78
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1975, pp.
316/317.
46
“a dominação total se estende a todas as esferas da vida, e
não apenas à política. A sociedade totalitária, em oposição ao
governo totalitário, é na verdade monolítica; todas as manifestações
públicas, culturais, artísticas e eruditas, e todas as organizações, os
serviços sociais e de bem-estar, até os esportes e o entretenimento,
são ‘coordenados’. Não cargo nem emprego de relevância pública,
das agências de propaganda ao judiciário, da representação no palco
ao jornalismo esportivo, do ensino primário e secundário às
universidades e sociedades acadêmicas, em que uma aceitação
inequívoca dos princípios regentes não seja exigida”.
79
Identificamos a partir dessa citação de Hannah Arendt, alguns traços
totalitários que existiram na ditadura brasileira traços estes mais ou menos
acentuados -, e produto da construção dessa cultura repressiva que trabalhamos a
agora. E é esta construção que vai atingir a forma decisiva na ditadura militar (1964-
1985), trazendo novas experiências para a sociedade brasileira: conflitos
extremamente sangrentos e traumatizantes para aqueles que lutaram contra a
ditadura imposta e, conseqüentemente para seus familiares.
A ditadura militar iniciada em 1964 foi deflagrada contra o governo legalmente
constituído de João Goulart, com total falta de reação do governo e dos grupos que
lhe davam apoio. Não se conseguiu articular os militares legalistas, “a fraqueza das
forças legalistas e a inexistência de reação consistente ao golpe foi
surpreendente”.
80
João Goulart, em busca de segurança, viajou no dia 1º de abril do
Rio de Janeiro para Brasília e, em seguida, para Porto Alegre, onde Leonel Brizola
então governador do Rio Grande do Sul tentava organizar a resistência com apoio
de oficiais legalistas, a exemplo do que ocorrera em 1961. Apesar da insistência de
79
ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 96.
80
D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon & CASTRO, Celso (org.). Visões do golpe: a memória
militar de 1964. Rio de Janeiro: EDIOURO, 2004, p. 16.
47
Brizola, Jango desistiu de um confronto militar com os golpistas e seguiu para o
exílio no Uruguai, de onde só retornaria ao Brasil para ser sepultado, em 1976.
81
Antes mesmo de Jango deixar o país, o presidente do Senado, Auro de
Moura Andrade, havia declarado vaga a presidência da República. O presidente
da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a presidência -
conforme previsto na Constituição de 1946 e como ocorrera em 1961, após a
renúncia de Jânio Quadros. No entanto, o poder de fato estava nas mãos dos
militares. No dia 2 de abril, foi organizado o autodenominado "Comando Supremo da
Revolução", composto por três membros: o brigadeiro Francisco de Assis Correia de
Melo (Aeronáutica), o vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e o general
Arthur da Costa e Silva, representante do Exército e homem-forte do triunvirato. A
junta militar em questão permaneceria no poder por duas semanas.
O “Comando Supremo” baixou um "Ato Institucional" – uma invenção do
governo militar que o estava prevista na Constituição de 1946 e nem possuía
fundamentação jurídica. Seu objetivo era justificar os atos de exceção que se
seguiram. Ao longo do s de abril de 1964 foram abertos, às centenas, Inquéritos
Policiais-Militares (IPM’s). Chefiados em sua maioria por coronéis, esses inquéritos
tinham o objetivo de apurar atividades consideradas subversivas. Desta forma,
milhares de pessoas foram violadas em seus direitos: parlamentares tiveram seus
mandatos cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos suspensos e
funcionários públicos civis e militares foram demitidos ou aposentados. Entre os
cassados, encontravam-se personagens que ocuparam posições de destaque na
81
Ver mais sobre o golpe militar em: DREIFUSS, Renè Armand. 1964: a conquista do Estado Ação política,
poder e golpe de classe. Petrópolis/RJ: Vozes, 1981; GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002; OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de, et alii. As Forças Armadas no Brasil. Rio de Janeiro:
Espaço e Tempo, 1987; SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Sessenta e quatro – Anatomia da crise. São Paulo:
Vértice, 1986; ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (l964-l985). Petrópolis/RJ: Vozes,
l985.
48
vida política nacional, como João Goulart, Jânio Quadros, Miguel Arraes, Leonel
Brizola e Luís Carlos Prestes.
O regime militar no Brasil também antecipou a ocorrência de golpes similares
em outros países da América Latina. Ainda que, nos primeiros anos, os militares
propagassem o caráter transitório da “revolução”, visando apenas o
“restabelecimento da ordemcomprometida, do ponto de vista dos golpistas, pela
conjuntura sócio-econômica deflagrada a partir do Governo João Goulart, a ditadura
brasileira acabou estendendo-se ao longo de vinte e um anos.
É importante lembrar que o fato de tentarmos compreender e analisar
algumas das atitudes da ditadura militar que levaram à ocorrência de várias
violações aos direitos e à dignidade humana, se pauta na fala da filósofa Hannah
Arendt: “reconciliando-nos com um mundo em que tais coisas são definitivamente
possíveis”.
82
Ela se refere à análise do totalitarismo e, da mesma forma, entendemos
o governo autoritário dos militares com seus assassinatos, torturas e
desaparecimentos - como um mal que parte da sociedade brasileira foi obrigada a
viver e que ainda hoje sente seus reflexos.
No entanto, o golpe militar foi saudado por importantes setores da sociedade
brasileira à época. Grande parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários
rurais, da Igreja Católica, vários governadores de estados importantes (como Carlos
Lacerda, da Guanabara; Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Ademar de Barros, de
São Paulo), além de amplos setores de classe média pediram e estimularam por
uma intervenção militar, como forma de pôr fim à ameaça de “esquerdização do
governo” e em uma tentativa de controlar a crise econômica. Como registrou o então
tenente-coronel Leônidas Pires Gonçalves: “[...] a sociedade brasileira nos levou, foi
82
ARENDT, Hannah. A dignidade na política: ensaios e conferências. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993, p.
39.
49
uma das responsáveis pela Revolução de 64, e hoje em dia a mídia não se cansa de
nos jogar na cara que nós somos torturadores, que somos matadores [...]”.
83
O golpe também foi recebido com alívio pelo governo norte-americano,
satisfeito em ver que o Brasil não seguia o mesmo caminho de Cuba, onde a
guerrilha liderada por Fidel Castro havia conseguido tomar o poder. Os Estados
Unidos acompanharam de perto a conspiração e o desenrolar dos acontecimentos,
principalmente através de seu embaixador no Brasil, Lincoln Gordon, e de seu adido
militar, Vernon Walters, e que haviam recebido ordens - através da secreta
"Operação Brother Sam” -,
84
a dar apoio logístico aos militares golpistas, caso estes
enfrentassem uma longa resistência por parte de forças leais a Jango.
Os militares envolvidos no golpe justificaram a ação, afirmando que o objetivo
era restaurar a disciplina e a hierarquia nas Forças Armadas, bem como deter a
"ameaça comunista" que, segundo eles, pairava sobre o Brasil. No entanto, também
perceberemos em algumas falas dos militares
85
que, somente após a vitória do
golpe militar contra João Goulart, foi-se pensar um ‘ideário’, “vinculado ao
tenentismo da década de 20 e tributário da índole democrática (leia-se
anticomunista) da sociedade brasileira”.
86
Mas uma idéia fundamental para os
golpistas era que a principal ameaça à ordem capitalista e à segurança do país não
viria de fora, através de uma guerra tradicional contra exércitos estrangeiros. Mas,
sim, de dentro do próprio país, através de brasileiros que atuariam como "inimigos
83
D'ARAUJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon, & CASTRO, Celso. Visões do golpe: A memória militar
sobre 1964. Rio de Janeiro: EDIOURO, 1994, pp. 14/15.
84
A “Operação Brother Sam” foi desencadeada pelo governo dos Estados Unidos, sob a ordem de apoiar os
golpistas de 1964 caso houvesse algum imprevisto ou reação por parte dos militares que apoiavam Jango,
consistindo de toda a força militar da Frota do Caribe, liderada por um porta-aviões da classe Forrestal da
Marinha dos Estados Unidos e outro de menor porte, além de todas as belonaves de apoio requeridas a uma
invasão rápida do Brasil pelas forças armadas americanas. Ver: Os anos de chumbo: a memória militar sobre a
repressão. Introdução e organização [de] Maria Celina D'Araujo, Gláucio Ary Dillon Soares & Celso Castro. Rio
de Janeiro: EDIOURO, 1994; PARKER, Phyllis. O Papel dos Estados Unidos da América no Golpe de Estado de
31 de Março. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1977; CÔRREA, Marcos Sá. 1964 Visto e Comentado
pela Casa Branca, Porto Alegre/RS: L&PM, 1977.
85
São várias as entrevistas elaboradas por Maria Celina D’Araújo, Gláucio Ary Dillon Soares & Celso Castro.
86
D'ARAUJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon, & CASTRO, Celso. Visões do golpe: A memória militar
sobre 1964. Rio de Janeiro: EDIOURO, 1994, p. 18.
50
internos" – expressão usada na época, ou, como vimos anteriormente, ‘classes
perigosas e/ou classes torturáveis’, mais perigosas ainda sob a possibilidade de
influência do ideário comunista. Esses "inimigos internos", então, procurariam
implantar o comunismo no país pela via revolucionária, através da "subversão" da
ordem existente daí serem chamados pelos militares de "subversivos". Exemplos
internacionais existiam, como as guerras revolucionárias ocorridas na Ásia, na África
e principalmente em Cuba, e serviam para reforçar esses temores. Essa visão
ideológica do mundo formava a base da chamada Doutrina de Segurança Nacional
(DSN) e das teorias de "guerra anti-subversiva" ou "anti-revolucionária", ensinadas
nas escolas superiores das Forças Armadas.
87
Os militares que assumiram o poder em 1964 acreditavam que o regime
democrático que vigorara no Brasil desde o fim da Segunda Guerra Mundial havia se
mostrado incapaz de deter a "ameaça comunista". no início da ditadura ficou
evidente uma característica que permaneceria durante todo o regime militar: o
empenho em preservar a unidade por parte dos militares no poder, apesar da
existência de conflitos internos nem sempre bem resolvidos. O medo de uma "volta
ao passado" (isto é, à realidade política pré-golpe) ou de uma ruptura no interior das
Forças Armadas estaria presente durante os 21 anos em que a instituição militar
permaneceu no controle do poder político no Brasil. Mesmo que em muitos
momentos não tenham sido coesos internamente, os militares demonstraram um
considerável grau de união sempre que perceberam alguma ameaça "externa" à sua
"revolução", vinda da oposição política.
Desde o início havia uma nítida diferenciação entre grupos militares que
clamavam por medidas mais radicais contra a "subversão" e apoiavam uma
87
Para outras informações, ver: BEIGUELMAN, Paula. O Pingo de Azeite: A Instauração da Ditadura. São Paulo:
Perspectiva, 1994; e ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil. Petrópolis/RJ: Vozes, 1984.
51
permanência no poder por um longo período, e aqueles que se filiavam à tradição de
intervenções militares "moderadoras" na política como havia acontecido, por
exemplo, em 1930, 1945 e 1954 – seguidas de um rápido retorno do poder aos civis.
Os mais radicais aglutinaram-se em torno do general Costa e Silva; os outros, do
general Humberto de Alencar Castello Branco. No entanto, importante aqui é
perceber que, ainda que essa divisão existisse, ela não ameaçava a unidade dos
militares no poder, que todos concordavam com a visão da guerra interna contra
os “subversivos”. A diferença que notamos na prática política de cada um dos
presidentes-generais é que o general Castello Branco e o general Ernesto Geisel
(considerados pelos militares como liberais, e não radicais como os generais Costa
e Silva e Médici) eram menos tolerantes em relação à insubordinação hierárquica.
Nesse contexto, os organismos de repressão não poderiam por em risco a
governabilidade dos ditadores-generais. Basta lembrar-nos, como exemplo do
referido acima, da demissão do general Ednardo D’Ávila Melo em 1976, após a
morte do metalúrgico Manuel Fiel Filho.
Não podemos deixar de pensar que num governo de intervenção militar
como foi o caso da ditadura militar brasileira , exaltam-se as paixões do coração e
da audácia: de um lado, a ambição e o desejo de dominação (característicos de
indivíduos preparados para vivenciar guerras); de outro, a coragem e a energia da
resistência. Neste tipo de domínio, sem dúvida haverá uma tensão social marcada
pela cólera e pela força, muito mais do que pela astúcia e persuasão, tornando-se,
dessa forma, um governo de paixões violentas.
A análise dessas paixões outrora expulsa das teorias em nome de uma
racionalidade, vem na esteira das contribuições dos últimos vinte anos das correntes
chamadas ‘pós-estruturalistas’, renovando as possibilidades interpretativas dos
52
historiadores.
88
Assim, na obsessão moderna pelo esclarecimento, ao expulsar da
teoria as paixões, a diferença e a relatividade, a racionalidade promoveu a
desumanização do conhecimento e do saber. É necessário, então, para o presente
trabalho especialmente, o que o sociólogo francês Michel Maffesoli chamou de um
redimensionamento teórico:
podemos entender bem uma época sentindo seus odores. Os
humores sociais e instintivos são mais eloqüentes a seu respeito do que
muitos tratados eruditos. Neles exprimem-se os afetos, as paixões, as
crenças que a permeiam. É assim que se manifestam os sonhos mais
desvairados com que ela joga ou dos quais vem a ser joguete”.
89
Com o golpe militar, os presidentes-generais tentaram cristalizar um
paradigma, que se transformasse em fonte de poder e que se constituísse como um
símbolo de competência, legitimando um conjunto de verdades totalizantes.
Estabelecer-se-ia, então, um “desencantamento do mundo”,
90
uma espécie de
ditadura do conhecimento onde se suprime a relatividade e se desautorizam as
paixões. No entanto, o que vamos evidenciar em nosso trabalho é que o movimento
pela Anistia organizou-se na contramão desse processo.
Ao longo dos séculos, a lógica da competência migrou para todas as esferas
da vida moderna. Gradativamente, a opressão exercida pelas instituições passou a
se reproduzir nas relações sociais. As práticas coercitivas invadiram os micro-
espaços e a sensibilidade dos indivíduos ficaram sujeita às mutilações. Neste
contexto, a esfera do privado e da intimidade tornou-se o espaço plausível para as
manifestações da sensibilidade humana. Isto vem afirmando a promoção do
88
Ver Introdução.
89
MAFFESOLI, Michel. A parte do diabo. Resumo da subversão pós-moderna. Rio de Janeiro: Record, 2004, p.
17.
90
Inspirados na máxima weberiana: O destino de nosso tempo, que se caracteriza pela racionalização, pela
intelectualização e, sobretudo, pelo ‘desencantamento do mundo’ levou os homens a banirem da vida pública os
valores supremos e mais sublimes" (Max Weber em A ciência como vocação). HORKHEIMER, Max & ADORNO,
Theodor. A dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
53
individualismo, pois neste espaço a sensibilidade se restringe ao campo do interesse
pessoal em detrimento do bem coletivo e da percepção subjetiva da existência do
outro. Dessa forma, ao invés de resguardar a dimensão sensível dos seres
humanos, a fuga para o mundo privado auxilia na banalização da violência e do
autoritarismo social.
A explicação de alguns riscos conceituais conscientemente assumidos no
presente trabalho, existentes na forma como foram utilizados determinados
instrumentos e categorias de análise, sobretudo àquelas inspiradas pelas leituras de
Hannah Arendt, torna-se necessária. Tais riscos se dirigem para as idéias
associadas à palavra totalitário (a) que, nessa tese, nunca é usada enquanto
substantivo, mas sim, como adjetivo. É necessário elucidar que não nos referimos a
um regime totalitário ou a um totalitarismo brasileiro, mas, sim, das disposições
totalitárias,
91
ou das soluções totalitárias
92
que se constituem no processo de longa
duração de construção da brasilidade excludente, e que foram retomadas e
realizadas durante a ditadura militar. No mais, o termo em questão totalitarismo
tem reconhecidamente muitas leituras, sendo mesmo bastante controverso, como
demonstra a crítica do livro de Hannah Arendt, Origens do totalitarismo. Algumas
leituras nos mostraram que quase unanimidade entre os intérpretes de Hannah
Arendt no que diz respeito aos problemas de caráter metodológico e historiográfico
desta obra.
93
A autora afirma que o fim último do totalitarismo "não é a
transformação do mundo exterior ou a transmutação da sociedade, mas a
transformação da própria natureza humana”; os campos de concentração seriam “os
91
Ver obras acima citadas de Eliane Dutra.
92
Hannah Arendt se refere às soluções totalitáriasque podem muito bem sobreviver à queda dos regimes
totalitários sob a forma de forte tentação que surgirá sempre que pareça impossível aliviar a miséria política,
social ou econômica de um modo digno do homem”. ARENDT, H. Origens do totalitarismo. Op. Cit., p. 511.
93
Esta problematização foi levantada a partir dos seguintes textos: HOBSBAWM, Eric. Hannah Arendt on
Revolution. In Revolutionairies. London/England: Quartet Books, 1973, pp. 201-208; DUARTE, André. "Hannah
Arendt e o evento totalitário como cristalização histórica". In AGUIAR, Odilio Alves, et aIii. (org.) Origens do
totalitarismo 50 anos depois. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001, pp. 61-70.
54
modelos sociais perfeitos da dominação total”. Trata-se de “destruição continuada
94
do político e, simultaneamente, do espaço público e privado, o que resulta na
transformação das pessoas em seres isolados, “literalmente desinteressados” e, no
limite, supérfluos: tripla destruição total do indivíduo, da pluralidade e do mundo
comum. Segundo a autora, somente os regimes da Rússia de 1929 e da Alemanha
de 1933 poderiam ser classificados como totalitários; até a Itália de Mussolini - que
criou o termo - ficaria de fora da tipificação.
95
Entretanto, em relação ao conceito de autoritarismo e de autoritário usado
tanto como substantivo quanto adjetivo –, consideramos sua utilização igualmente
ambígua e imprecisa. Juan Linz foi o primeiro a propor uma teoria do autoritarismo a
partir da análise da evolução do franquismo, em tentativa de superar a dicotomia
totalitarismo e fascismo. Ao examinar o caso brasileiro, o autor não fala nem de um
regime autoritário, mas de uma situação autoritária.
96
Esta concepção fez escola:
Thomas Skidmore, por exemplo, chega a falar em Estado de direito a partir de 1974
no Brasil.
97
É Fernando Henrique Cardoso quem vai sistematizar a versão da teoria
do autoritarismo que se tornou hegemônica: nela é denunciada a existência de uma
parcela da burguesia de Estado responsável pelos males do regime, o que acaba
disfarçando o caráter de classe da ditadura e absolvendo a participação do capital
nacional e internacional no bloco do poder: o espaço ficava acessível para a ampla
aliança de interesses dominantes, heterogêneos e contraditórios, que vai articular o
interminável processo de transição conservadora “pelo alto”.
98
Esta linha de análise
94
Termo de Hannah Arendt que inspirou o título deste capítulo.
95
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Principalmente em “O domínio total”, pp. 448-451. As citações
entre aspas se encontram às pp. 510 e 489, respectivamente.
96
LINZ, Juan. “Regimes autoritários”. LINZ, Juan; O’DONNEL, Guillermo; HOBSBAWM, Eric & DE JONG,
Rudolf. In O Estado Autoritário e Movimentos Populares. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979 (Coleção Estudos
Latino-americanos).
97
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castello a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
98
Sobre a teoria do autoritarismo, ver: LlNZ, Juan. "The futur of an authoritarian situation or the institutionalization
of authoritarian regime: the case of Brazil”. In STEPAN, Alfred (org.). Authoritarian Brazil origins, policies, and
future. New Haven/USA: Yale University Press, 1973, pp. 233-254; CARDOSO, Fernando Henrique. "O regime
55
ignora os verdadeiros atores do golpe de 64 e passa, de certa forma, ao largo do
“processo pelo qual os intelectuais orgânicos de interesses econômicos
multinacionais e associados formaram um complexo político-militar, o IPES/lBAD,
cujo objetivo era agir contra o governo de João Goulart e contra o alinhamento de
forças sociais que apoiavam a sua administração", processo este tão bem analisado
por René Dreifuss.
99
Florestan Fernandes considera que o uso abusivo destes termos autoritário e
autoritarismo é fruto de "formidável perplexidade ideológica", que leva a um
verdadeiro "caos terminológico":
“Tanto autoritarismo pode designar uma 'variação normal' (no
sentido de ditadura técnica, em defesa da democracia), como pode
se confundir com uma compulsão ou disposição 'universal' de
exacerbação da autoridade (de uma pessoa ou de um grupo; dentro
da democracia ou fora dela). O que permite aplicar o termo
autoritarismo em conexão com qualquer regime, em substituição ao
conceito mais preciso de ditadura [...]”.
100
O autor se refere a Zbigniew Brzezinski e Carl Friedrich
101
que atribuem
caráter técnico e instrumental para a defesa da democracia às ditaduras de Franco e
Salazar, e também a Juan Linz, que instituiu o termo na caracterização do
franquismo, adotando-o como equivalente a uma democracia forte ou a uma
político brasileiro”. Estudos CEBRAP 2. São Paulo: Edições CEBRAP, 1972, pp. 83-118; CARDOSO, Fernando
Henrique. "Desenvolvimento associado-dependente e teoria democrática”. In STEPAN, Alfred. Democratizando o
Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, pp. 443-481; SKIDMORE, Thomas E. "A lenta via brasileira para a
democratização". In STEPAN, Alfred (org.). Op. Cit., pp. 27-81; TRINDADE, Hélgio. Op. Cit, pp. 113-141;
WEFFORT, Francisco C. “Incertezas da transição na América Latina”. In Revista Lua Nova. São Paulo:
março/89, n. 16, pp. 5-45; MOISÉS, José Álvaro. “Dilemas da consolidação democrática no Brasil". In Revista
Lua Nova. São Paulo: março/89, n. 16, pp.47-86; CRUZ, Sebastião C. Velasco & MARTlNS, Carlos Estevão. "De
Castelo a Figueiredo: uma incursão na pré-história da abertura”. In SORJ, Bernardo & ALMEIDA, Maria Hermínia
Tavares de (orgs). Sociedade e política no Brasil Pós-64. São Paulo: Brasiliense, 1983, pp. 13-61.
99
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado Ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis/RJ:
Vozes, 1981, sobretudo o capítulo V (a citação está na p. 161).
100
FERNANDES, Florestan. Apontamentos sobre a Teoria do autoritarismo. São Paulo: Hucitec, 1979, pp.5/6.
V., tb., SADER, Emir. O poder, cadê o poder? São Paulo: Boitempo, 1997, pp.101-106; e SADER, Emir.
''Totalitarismo e autoritarismo: teoria e ideologia". In MARTINEZ , Paulo Henrique (org.). Florestan ou o sentido
das coisas. São Paulo: Boitempo, 1998.
101
FRIEDRICH, Carl J. e BRZEZINSKI, Zbigniew K. Totalitarian Dictatorship and Autocracy. Cambridge/USA:
Harward University Press, 1956.
56
ditadura branda. Segundo Fernandes, este tipo de abordagem teria permitido
dissimulação, atenuação ou ocultação de "muitas manipulações repressivas da
'autoridade' [...] através de operações semânticas”.
102
No entanto, se adotássemos esta prática de não chamar as coisas pelo
próprio nome, a elaboração desta tese seria dificultada. Se todo o cuidado é pouco
no tratamento destas questões e o referencial arendtiano que estou empregando -,
apesar dos problemas apontados, tem a grande vantagem de manter a reflexão no
registro do político. É a própria autora que alerta para a desgraça da política do
século XX”, o risco de alastramento do bacilo totalitário”: até mesmo nos sistemas
que se pretendem liberais. Ela considera o totalitarismo não enquanto incidente
superado, mas enquanto virtualidade permanente, ao revelar a banalidade do mal
totalitário que ronda o século XX,
103
a partir do perigoso precedente aberto pelo
nazismo na história do mundo: “Se um princípio de tamanha envergadura chega ao
mundo, é quase impossível limitá-lo”.
104
Parece viável, portanto, o entendimento da
categoria totalitário(a) como instrumento de análise que transcende o acontecimento
específico europeu e esclarece a perspectiva de compreensão dos grandes dramas
do nosso tempo.
105
Nesse contexto, o Estado de Segurança Nacional implantado com o golpe de
1964, cuja estrutura ideológica é a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), vai provir
o arremate do processo de longa duração abordado no início deste capítulo e
102
FERNANDES, Florestan. Op. Cit. Ibidem.
103
CHÂTELET, François; DUHAMEL, Olivier & PISIER-KOUCHNER, Evelyne. História das idéias políticas. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1982, p. 358.
104
SONTHEIMER, Kurt ("Prefácio"). In ARENDT, Hannah. O que é política? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1999, pp. 7-13. V., tb., Arendt, H. Origens do totalitarismo. Op. Cit., p. 332.
105
É esta a proposta analítica do livro Origens do totalitarismo 50 anos depois. AGUIAR, Odilio Alves, et alii
(org.). Op. Cit., p. 7. Ver também: GERTZ, René E. “Estado Novo: um inventário historiográfico.” In SILVA, José
Luiz Werneck da (org.). O feixe e o prisma. Uma revisão do Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1991, pp. 111-131. O foco deste livro é a questão do autoritarismo no contexto do Estado Novo, mas a noção de
totalitarismo é problematizada também enquanto instrumento de análise.
57
concretizar a tarefa de consolidar no Brasil a nacionalidade sem cidadania. Nas
palavras de Maria Hermínia Tavares de Almeida:
“[...] desmoronava a primeira experiência democrática que o país
vinha construindo aos trancos e barrancos ao longo de dezoito anos. O
golpe iria também mudar radicalmente a vida daqueles brasileiros que não
viam motivos para comemorar a derrubada de um governo civil eleito, o
qual, bem ou mal, tentava implantar reformas em benefício do povo. Eles
acabaram se opondo de distintas maneiras ao regime militar apoiado pelos
setores mais conservadores da sociedade”.
106
E Francisco de Oliveira, radicalizando:
"O golpe de 1964 tem todas as características, de forma
extremamente forte, de uma total anulação do dissenso, do
desentendimento, da política. Como, aliás, qualquer ditadura. A busca do
consenso imposto - que em termos gramscianos pode parecer uma
contradição - mostrava que a política elaborada pelas classes dominadas
havia abalado até as raízes o consenso ‘policia’. [...] O golpe de Estado de
1964 e toda sua duração não foram senão o esforço desesperado de anular
a construção política que as classes dominadas haviam realizado no Brasil,
pelo menos desde os anos 30. Tortura, morte, exílio, cassação de direitos,
tudo era como uma sinistra repetição da apropriação dos corpos e de seu
silenciamento, do seu vilipendiamento, da saga gilbertiana”.
107
A Doutrina de Segurança Nacional (DSN) se baseia no desmonte sistemático
do espaço público - portanto, da esfera política - e dispõe de componentes
essenciais que atualizam as disposições totalitárias, apontadas explicitamente por
Eliane Dutra e Florestan Fernandes. Ela não se limita à Lei de Segurança Nacional
(LSN), que é apenas um de seus instrumentos jurídicos, como o são também os
atos institucionais, os decretos-leis, os decretos secretos. Trata-se de um projeto
geral para a sociedade compreendendo, portanto, todos os aspectos da vida coletiva
e todas as decisões políticas do país. Seus princípios, sintetizados por Golbery do
106
ALMEIDA, M. Hermínia Tavares de. E WEIS, Luis. "Carro-zero e pau-de-arara: o cotidiano da oposição de
classe média ao regime militar". In: SCHWARCS, Lilia Moritz (org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, v.4, p. 323.
107
OLIVEIRA, Francisco. "Privatização do público, destituição da fala e anulação da política: o totalitarismo
neoliberal", In OLIVEIRA, Francisco; PAOLI, Maria Célia. Os sentidos da Democracia. Petrópolis, Vozes, 1999.
pp. 63/64.
58
Couto e Silva, principal ideólogo da ditadura militar, são os seguintes: o Ocidente
como ideal; a ciência como instrumento de ação; o cristianismo como paradigma
ético.
108
A tomada do poder pelos militares, então, se apresentava como uma
conseqüência das diretrizes traçadas pela ESG (Escola Superior de Guerra). Criada
em 1948, a ESG possuía o objetivo de estudar e desenvolver teorias para a garantia
da segurança nacional e teve responsabilidade não pela articulação das
estratégias do golpe,
109
como também pela posterior manutenção dos militares no
poder. Sob esta estrutura estatal caracterizada pelo importante papel da ESG,
alicerçou-se um regime “burocrático-autoritário”, entendido como uma espécie de
reação, por parte de setores altamente burocratizados – no caso as Forças Armadas
-, ao surgimento de qualquer movimento politicamente contrário à ditadura. Tal
regime era marcado pela impossibilidade de exercício da cidadania ativa e
passiva,
110
a exclusão econômica das classes populares, o avanço do sistema
capitalista, periférico e dependente, bem como pela despolitização dos assuntos
sociais, os quais passariam a serem tratados apenas como questões técnicas.
111
Foi dentro deste regime que a ESG elaborou, a partir de 1964, sob o
comando do General Golbery, a Doutrina de Segurança Nacional e
108
Sobre o pensamento do Golbery ver principalmente: SILVA, Golbery do Couto e. Geopolítica do Brasil. Edição
Atual: 3ª, Livraria José Olympio Editora, 1983; SILVA, Golbery do Couto e. O Brasil e a Defesa do Ocidente.
Editora Hora Presente, 1971; e SILVA, Golbery do Couto e. Conjuntura política nacional: o Poder executivo e
geopolítico do Brasil. Rio de Janeiro; J.Olympio, 1981.3 ed.
109
Além da ESG, o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos
sociais) tiveram um papel importante na articulação do golpe militar. Compostos por intelectuais pertencentes à
burguesia, empresários e tecnocratas, o IPES/IBAD traduzia a forma através da qual a “elite orgânica” refinava
seus argumentos, apurava seus objetivos e reagia contra as crescentes tendências esquerdistas e os
movimentos sociais. Conforme DREIFUSS, René A. 1964: A conquista do Estado, ação política, poder e golpe
de classe. Rio de Janeiro: Vozes, 1981.
110
Entende-se por cidadania ativa a capacidade e o direito ao voto e por cidadania passiva, a possibilidade e a
capacidade de ser votado. Sobre isso ver MOARES, Alexandre de. Direito Constitucional. o Paulo: Atlas,
2002.
111
O´Donnell e Shimitter fazem uma interessante comparação entre os regimes burocrático-autoritários
instalados em alguns países da América Latina, especificando as diferenças entre os casos do Brasil, da
Argentina e do Chile. Sobre isso, ver: O'DONNELL, Guilhermo; SCHIMITTER, Philippe. Transições do Regime
Autoritário: América Latina. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988.
59
Desenvolvimento, respaldo para a “teoria da guerra”, da “revolução e da subversão
interna”, como nos explica Joseph Comblin:
“A Doutrina de Segurança Nacional é uma extraordinária
simplificação do homem e dos problemas humanos. [...] Em primeiro
lugar, suprime a diferença entre a violência e a não-violência, isto é,
entre os meios de pressão não violentos e os meios de pressão
violentos. A segurança é a força do Estado aplicada a seus
adversários: qualquer força, violenta ou não. Quem busca a
segurança não questiona os meios [...] Em segundo lugar, a
segurança nacional desfaz a distinção entre a política externa e a
política interna. O inimigo, o mesmo inimigo, está ao mesmo tempo
dentro e fora do país; o problema, portanto, é o mesmo.
Dependendo das circunstâncias, os mesmos meios podem ser
empregados tanto para os inimigos externos quanto para os
internos. Desaparece a diferença entre polícia e exército: seus
problemas são os mesmos [...] Em terceiro lugar, a segurança
nacional apaga a distinção entre violência preventiva e violência
repressiva [...]. A segurança nacional não comporta nenhum limite
[...]”.
112
Assim, o respeito aos objetivos nacionais relacionados na Doutrina consistia
em uma diretriz fundamental para o regime militar, que a Segurança Nacional não
comportava limites. Então, pouco importava os meios que seriam empregados para
defendê-los. Numa menção a Maquiavel, a finalidade última - a segurança nacional
- justificava a ação. Dessa forma, a idéia de “inimigo interno”, conseqüência do “novo
profissionalismo da segurança interna e do desenvolvimento”,
113
passava a nortear a
ação dos militares. As atenções tradicionalmente voltadas para as ameaças
externas foram canalizadas para dentro do próprio Estado, como justificativa das
tantas violações aos direitos humanos, identificadas naquele período. Afinal, se a
Doutrina de Segurança Nacional (DSN) preconizava a necessidade de combate ao
inimigo e se este correspondia à figura geral do opositor ao regime, a criação de
112
COMBLIN, Pe. Joseph. A ideologia da Segurança Nacional. O poder militar na América Latina. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 17.
113
Sobre isso, ver STEPAN, Alfred. Os militares: da abertura à Nova República. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1986.
60
uma eficiente rede de informações e de um concreto aparato repressivo funcionava
como conditio sine qua non para a continuidade da ditadura. Assim, a perseguição
àqueles que se contrapunham à ordem estabelecida aparecia como um pressuposto
necessário – e legitimado – para a manutenção do status quo.
Vemos então que, a partir do combate ao comunismo internacional em nome
da democracia, adota-se o conceito de “guerra de subversão interna”,
compreendendo “guerra insurrecional” e “guerra revolucionária”, e a noção de
“fronteiras ideológicas” em oposição à “fronteiras territoriais”. É, assim, instituída a
categoria de “inimigos internos”, cuja contenção e eliminação se tornam a razão de
ser do Estado de Segurança Nacional.
114
A DSN sofreu influência direta das Forças Armadas dos Estados Unidos no
contexto da guerra fria, a partir da estreita vinculação de oficiais da FEB com oficiais
americanos. Sua elaboração e difusão são de responsabilidade da Escola Superior
de Guerra (ESG), fundada em 1949 e que, a partir de 1964, passa a ser o grande
distribuidor de quadros para a ditadura. Uma de suas características fundamentais é
a organicidade entre empresários e militares. Também são subprodutos da ESG o
Serviço Nacional de Informações (SNI), criado em 1964, além de um curso de
informações que durou de 1965 a 1972, e boa parte da legislação da ditadura
militar.
115
Cria-se, assim, um eficiente arcabouço legal, concretizado nos Atos
Institucionais, bem como na montagem do SNI, responsável pelo levantamento de
processos e nomes de pessoas que pudessem colocar em risco a continuidade da
ditadura, que logo subordinaria todos os outros órgãos de repressão, como os
114
Ver MANUAL BÁSICO DE ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (Estado-Maior das Forças Armadas - ESG,
Departamento de Estudos, 1977-1978).
115
Sobre esta ntese da Doutrina de Segurança Nacional ver: ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto
'Brasil: Nunca Mais'. O regime militar, Tomo I p. 53-57; COMBLlN, Joseph. A ideologia de Segurança Nacional.
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978; SILVA, Golbery do Couto e. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro,
José Olympio, 1967; DREYFUSS, René e DULCI, Otávio Soares. "As Forças Armadas e a política". In: SORJ,
Bernardo e ALMEIDA, M. Hermínia Tavares de (org.), op. cit, p. 91.
61
centros de informações das Forças Armadas, a Polícia Federal e as polícias
estaduais. Para Marion Brepohl, essa é a fundamental diferença dos aparatos
repressivos preexistentes, em que as unidades de força militares ou policiais
guardavam autonomia de ação entre si, e onde durante a ditadura “pretendeu-se
consolidar uma estrutura única e coesa como uma rede inextricável, cujas ações
eram coordenadas a partir de um núcleo central, o Serviço Nacional de Informações
– SNI”.
116
Nos primeiros dias após o golpe, uma violenta repressão atingiu os setores
politicamente mais mobilizados à esquerda no espectro político como, por exemplo,
o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a União Nacional dos Estudantes
(UNE), as Ligas Camponesas e os grupos católicos como a Juventude Universitária
Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). Como resultado, alguns milhares de pessoas
foram presos de modo irregular, e a ocorrência de casos de tortura foi comum.
A definição da nação como sujeito da história é um dos principais traços
totalitários, re-significados pela Doutrina de Segurança Nacional. A nação, universal
abstrato representado pela ‘revolução vitoriosa, é sujeito exclusivo e sujeito
absoluto. Esta representação opera um sistema de inversões político-ideológico,
como analisa Marilena Chauí:
porque se governa que se é representante. Este aspecto é
fundamental para que compreendamos porque a tortura foi
institucionalizada. Em outras palavras: governar transforma alguns em
representantes que é preciso saber o que representam. Representam o
governo o qual, representando-se a si mesmo, identifica-se com a vontade
geral, isto é, com a nação sob o signo da Segurança Nacional. Uma vez
que representam a Segurança Nacional, os membros do governo
consideram-se providos do direito e do dever de defendê-Ia e, nessa
defesa, institucionalizam a tortura. Em outros termos, recuperam do terror e
116
MAGALHAES, Marionilde Dias Brepohl de. A lógica da suspeição: sobre os aparelhos repressivos à época da
ditadura militar no Brasil. Rev. bras. Hist., São Paulo, v. 17, n. 34, 1997. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01881997000200011&lng=en&nrm=iso. Acesso em
16/Mar/2008. Neste artigo, a autora apresenta a figura do informante, destacando aquele que colaborou
espontaneamente com a polícia política no Brasil na época da ditadura militar.
62
da monarquia absoluta o direito de vida e morte sobre toda a sociedade. É
essa inversão fantástica que designei como impossibilidade da política”.
117
Os preâmbulos dos dois primeiros atos institucionais editados, reafirmados no
Ato Institucional - 5, sintetizam a perfeição este sistema de inversões:
"A Revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte.
A Revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma.
Ela destituiu o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo
governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte.
Ela edita normas jurídicas, sem que nisto seja limitada pela normalidade
anterior à sua vitória. Os chefes da Revolução vitoriosa [...] representam o
povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o povo é o
único titular. Fica bem claro que a Revolução não procura legitimar-se
através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional a sua
legitimação".
(AI - 1, de 9 de abril de 1964)
"Não se disse que a revolução foi, mas que é e continuará".
(AI-2, de 27 de outubro de 1965)
...Considerando que o Governo da República, responsável pela
execução daqueles objetivos e pela ordem e segurança internas, não
não pode permitir que pessoas ou grupos anti-revolucionários contra ela
trabalhem, tramem ou ajam, sob pena de estar faltando a compromissos
que assumiu com o povo brasileiro, bem como porque o Poder
Revolucionário, ao editar o AI-2, afirmou, categoricamente, que ‘não se
disse que a revolução foi, mas que é e continuará’, e, portanto, o processo
revolucionário em desenvolvimento não pode ser detido; considerando que
esse mesmo poder revolucionário, exercido pelo Presidente da República,
ao convocar o Congresso Nacional para discutir, votar e promulgar a nova
Constituição, estabeleceu que esta, além de representar ‘a
institucionalização dos ideais e princípios da Revolução’, deveria ‘assegurar
a continuidade da obra revolucionária’ (AI-4), de 7 de dezembro de 1966)”.
(AI – 5, de 13 de dezembro de 1968)
118
117
CHAUÍ, Marilena. "A tortura como impossibilidade da política" In: BRANCA, Eloisa (org.). I Seminário do
Grupo Tortura Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1987, p.32. V. tb. o prefácio da autora in: DECCA, Edgar de. 1930
o silêncio dos vencidos. São Paulo, Brasiliense, 1984, pp. 11-26.
118
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto 'Brasil: Nunca Mais' p.21-33. V. tb.: OLIVEIRA, Eliézer Rizzo. De
Geisel a CoIlor: Forças Armadas, transição e democracia. Campinas: Papirus, 1994, p. 33 e.50-52; e CRUZ,
Sebastião Velasco e Martins, op. cit., p. 30
63
Os atos institucionais constituem a representação mais evidente da radical
distorção da noção de legalidade a que Marilena Chauí se refere. São eles figuras
jurídicas anômalas de competência exclusiva do presidente da república, que
passam a representar a nova constitucionalidade do Estado a partir do golpe de 64.
São em número de dezessete, tendo sido editados de abril/1964 a outubro/1969. O
AI-1 (Ato Institucional nº. 1) foi publicado no Diário Oficial em 09 de abril de 1964 e
estipulava, em seu artigo 2º, sua vigência até 31 de janeiro de 1966. O AI-1 deixava
evidente a preponderância do Poder Executivo sobre os demais. Vale lembrar, para
tanto, que ele instituía a figura legislativa do “decurso do prazo”, determinando que,
caso o governo propusesse uma lei em caráter de urgência, teria o Congresso
Nacional apenas 30 dias para recusá-la ou então a mesma estaria automaticamente
aprovada (art. 4º). Além disso, tratava de suspender por seis meses as garantias
legais de vitaliciedade e estabilidade, o que permitia ao Estado demitir, aposentar e
colocar em disponibilidade todos os funcionários públicos, civis e militares, que, de
acordo com seus critérios, poderiam configurar algum tipo de perigo ao regime
militar (artigo 7°). Ainda, autorizava a cassação de mandatos legislativos federais,
estaduais e municipais, a suspensão de direitos políticos de cidadãos por 10 anos e
determinava a instauração de IPM’s (Inquéritos Policiais Militares) visando apurar
crimes políticos (artigo 8º). Seja ressaltado, aliás, que o AI–1 instituía Comissões de
Investigação com o propósito de coletar dados e informações para embasar os
IPM’s. Tais comissões, regulamentadas pelo Decreto n.º 53.897, de 27 de abril de
1964, eram implantadas em órgãos governamentais, ministérios, empresas e
universidades ligadas ao Governo Federal. Uma vez concluídos, os inquéritos eram
encaminhados ao chefe de departamento que, na seqüência, proferia decisão
quanto ao envolvimento do acusado e a pena que deveria cumprir. O Projeto Brasil
64
Nunca Mais
119
aponta que, como conseqüência do primeiro ato institucional
decretado durante o governo militar, cerca de dois mil funcionários blicos foram
demitidos ou aposentados, e que 386 pessoas tiveram seus mandatos cassados ou
seus direitos políticos suspensos por 10 anos. Também 421 oficiais das Forças
Armadas passaram compulsoriamente para a reserva, e cerca de 10 mil pessoas
foram expurgadas dos sindicatos, dentre outras conseqüências.
Em 17 de outubro de 1965, foi publicado o AI-2 (Ato Institucional nº 2).
Traduzindo uma resposta à vitória da oposição em estados como Minas Gerais,
Guanabara, Paraná, Santa Catarina, Pará e Maranhão, dentre outros, o AI-2 - em
seu próprio preâmbulo, deixava clara a intenção de que o governo militar
prosseguisse.
“A revolução está viva e não retrocede. Tem promovido
reformas e vai continuar a empreendê-las, insistindo patrioticamente
em seus propósitos de recuperação econômica, financeira, política e
moral do Brasil. Para isto precisa de tranqüilidade. Agitadores de
vários matizes e elementos da situação eliminada teimam, entretanto,
em se valer do fato de haver ela reduzido a curto tempo o seu
período de indispensável restrição a certas garantias constitucionais,
e ameaçam e desafiam a própria ordem revolucionária,
precisamente no momento em que esta, atenta aos problemas
administrativos, procura colocar o povo na prática e na disciplina do
exercício democrático [...] Não se pode desconstituir a revolução,
implantada para restabelecer a paz, promover o bem-estar do povo e
preservar a honra nacional”.
120
Neste ato, que teria vigência apenas até 15 de março de 1967 (artigo 33),
instituiu-se medidas que mais uma vez fortaleciam o Executivo, determinando
procedimentos prioritários para a apreciação de projetos de lei que tivessem a
iniciativa deste poder. Além disso, instituía o quorum de maioria simples para a
apresentação de emendas e promovia algumas mudanças no Judiciário,
119
BRASIL NUNCA MAIS: Um relato para a história. Prefácio de Dom Paulo Evaristo Arns. Vozes, 1984.
120
CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton. op. cit., p. 287.
65
especialmente quanto à composição de juizes dos tribunais superiores, e às regras
de organização judiciária. Porém, a principal característica do AI-2 foi a que
extinguia com os partidos políticos, instituindo o sistema bipartidário - formado pela
ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e pelo MDB (Movimento Democrático
Brasileiro), posteriormente regulamentado pelo Estatuto dos Partidos Políticos, de
1966. Três meses após a instituição do AI-2, foi publicado o AI-3 (Ato Institucional nº
3), que determinava a realização de eleições indiretas para governador, sob o
argumento de que era imprescindível que se estendesse aos Governadores e Vice-
Governadores de cada Estado o processo instituído para a eleição do Presidente e
do Vice-Presidente da República.
Vemos então que o AI - 1 e o AI-2, depois incorporados à Constituição de
1967, instituem o Estado de Segurança Nacional e institucionalizam a teoria do
inimigo interno, desenvolvida pela Doutrina de Segurança Nacional.
Notamos que os atos institucionais conferiam forma e conteúdo legal ao
regime militar, ainda dito transitório. Contudo, logo em fins do primeiro governo
(Castello Branco), a promulgação da Constituição de 1967 começou a dar sinais de
que o caráter provisório da ditadura iria além, com características permanentes. Com
efeito, ao incorporar o teor dos atos institucionais na Constituição,
121
o regime militar
não apenas dava sinais de permanência, como também passava a atribuir um status
constitucional às medidas antes tidas como excepcionais.
Cabe ressaltar que, muito embora a Constituição de 1967 tivesse legitimado a
existência dos atos institucionais, de forma contraditória previa o respeito às
121
Conforme consta do artigo 173 da Constituição de 1967: “... Ficam aprovados e excluídos de apreciação
judicial os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução de 31 de março de 1964, assim como: I - pelo
Governo federal, com base nos Atos Institucionais nº 1, de 9 de abril de 1964; nº 2, de 27 de outubro de 1965; nº
3, de 5 de fevereiro de 1966; e 4, de 6 de dezembro de 1966, e nos Atos Complementares dos mesmos Atos
Institucionais”. Idem, p. 280.
66
instituições democráticas.
122
Segundo Maria Helena Moreira Alves, essa dicotomia
gerou uma crise institucional, na medida em que
“[...] os elementos democráticos da Constituição davam à
oposição alguma margem de manobra, graças à qual podia invocar
os mais altos objetivos democráticos e exigir maior participação
popular nas decisões do governo. O clima de liberalização que se
seguiu à promulgação da Constituição, em março de 1967, também
permitiria que os sindicatos se reorganizassem e protestassem contra
o declínio dos salários e das condições de vida provocado pelas
medidas econômicas do governo. Por outro lado, os setores
preocupados com a busca da segurança absoluta e com a
manutenção da segurança interna considerariam tais protestos como
evidência de infiltração comunista. Aplicaram, assim, as outras partes
da Constituição aquelas que garantiam a segurança nacional e a
defesa de um modelo específico de desenvolvimento [...]”.
123
Isso tudo somado à contradição presente entre o discurso do governo e sua
prática deu ainda mais força às organizações de resistência à ditadura, que
analisaremos no capítulo seguinte. Esse período, marcado pela proliferação de
movimentos de resistência à ditadura militar, propiciou que o Estado reagisse de
forma intensa. Foi durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici (1968-
1971) que identificamos as mais duras medidas, justificativas de tantas
perseguições, mortes, torturas e prisões. O ápice do endurecimento do regime
122
Conforme consta no artigo 150 da Constituição de 1967:
“... §6º - Por motivo de crença religiosa, ou de convicção filosófica ou política, ninguém será privado de qualquer
dos seus direitos, salvo se a invocar para eximir-se de obrigação legal imposta a todos, caso em que a lei poderá
determinar a perda dos direitos incompatíveis com a escusa de consciência (...)
§8º - É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem
sujeição à censura, salvo quanto a espetáculos de diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei,
pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos
independe de licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da ordem
ou de preconceitos de raça ou de classe.
§9º - São invioláveis a correspondência e o sigilo das comunicações telegráficas e telefônicas.
§10 - A casa é o asilo inviolável do indivíduo. Ninguém pode penetrar nela, à noite, sem consentimento do
morador, a não ser em caso de crime ou desastre, nem durante o dia, fora dos casos e na forma que a lei
estabelecer.
§11 - Não haverá pena de morte, de prisão, perpétua, de banimento, nem de confisco. Quanto à pena de morte,
fica ressalvada a legislação militar aplicável em caso de guerra externa (...)
§12 - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente (...)
§14 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário (...)
§20 - Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação
em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares não cabe
habeas corpus. (Idem, pp. 126-127)
123
MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984, p.111.
67
consistiu na publicação do AI-5 (Ato Institucional nº 5), datado de 13 de dezembro de
1968, que, além de continuar concentrando os poderes no Executivo, instituiu uma
série de medidas diretamente contrárias aos direitos individuais mais elementares. A
suspensão da garantia constitucional do habeas corpus
124
para casos de crimes
políticos ou contra a segurança nacional, à ordem econômica e social, e à economia
popular, bem como a proibição de que o Judiciário apreciasse tais atos,
demonstravam o autoritarismo e a repressão que a ditadura passava no final dos
anos 60. O AI-5 ainda permitia ao Presidente da República decretar, a qualquer
momento, o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das
Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou não, bem
como a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na
Constituição (artigos e 3º). Eis aqui o marco que Moreira Alves
125
considera como
o fim da primeira fase de institucionalização do regime militar, característica da
construção de toda uma estrutura legal.
O AI-5 é, sem dúvida, o mais arbitrário dentre os Atos Institucionais,
outorgando ao presidente da república poder absoluto sobre a Federação e os
outros dois poderes, extinguindo sumariamente direitos civis e políticos. Institui o
terrorismo de Estado, garante a impunidade deste e de seus agentes, sendo o único
a não ter prazo para acabar. Foi extinto em dezembro de 1978, embora boa parte de
seus dispositivos tenha sido incorporada, sob a forma de salvaguardas políticas, à
constituição e à nova Lei de Segurança Nacional.
124
O habeas corpus é uma garantia individual ao direito de locomoção, consubstanciada em uma ordem dada
pelo Juiz ou Tribunal ao coator, fazendo cessar a ameaça ou coação à liberdade de locomoção em sentido
amplo o direito do indivíduo de ir, vir, ficar” MORAES, Alexandre de. op. cit., p. 133. A importância do habeas
corpus é tanta que esta garantia sequer pode ser suprimida de nosso ordenamento jurídico atual por configurar-
se uma “cláusula pétrea”. Trata-se de mecanismo jurídico passível de ser impetrado por qualquer cidadão,
independente da contratação de advogado, tendo como fundamento um ato coator proveniente de uma
autoridade (abuso de poder) ou de um particular (ato ilegal).
125
MOREIRA ALVES, Maria Helena, op. cit.
68
De acordo com Irene Cardoso, o sentido da preocupação com a legalidade e
a legitimidade a partir do golpe de 64, que acabou gerando uma febre por legislar, é
“[...] o da criação de uma aparência de normalidade para a
vida social e política que impedisse o reconhecimento do regime a
partir da perspectiva da excepcionalidade e do arbítrio. [Este
mecanismo] incorpora um traço dos regimes totalitários: [...] uma
aparência de normalidade deve ser mantida para que a sua eficácia
se realize. Tudo deve aparecer como verossímil, mesmo que a
verossimilhança seja construída a partir de um simulacro".
126
A autora continua, baseada em Marcelo Viñar: “O que caracteriza a ditadura,
além de sua violência assassina, é a vocação de se apropriar deste absoluto da Lei
e nela se encarnar.” E prossegue com suas próprias palavras:
“O fundo de arbítrio (o 'poder constituinte revolucionário)
transfigurado em lei (os atos institucionais, os decretos-lei, a
Constituição), na forma do simulacro, produz a eficácia do regime no
qual tudo deve ser verossímil (o Legislativo em funcionamento, a
realização das eleições, a vigência da representação popular etc).
Através da simulação, do disfarce, da falsificação constrói-se a
'impostura da lei totalitária' - o arbítrio - que, no entanto, não pode ser
assim reconhecido, por parecer ter a força da lei, embora seja
efetivamente sustentado pela violência e, no limite, pelo terror".
127
Como aponta Carlos Fico, vemos uma ditadura que não se assume enquanto
tal, mas que é percebida principalmente na sua propaganda, formada por elementos
atribuídos ao conjunto da sociedade. Não são nomeados nem os inimigos, nem o
público-alvo, o que cria falsa aparência de despolitização. O esquema é ancorado na
combinação da imagem do Brasil grande com as imagens do amor, da esperança,
do otimismo, da ausência de conflitos e da conciliação - isto tudo numa conjuntura
de repressão e censura. Segundo Carlos Fico, a consistência dessa propaganda é
126
Ver nota seguinte.
127
CARDOSO, Irene. "O arbítrio transformado em lei e a tortura política". In: FREIRE, Alípio et alli. (org).
Tiradentes, um presídio da ditadura. São Paulo, Scipione Cultural, 1997, p.471-483. As citações estão às p. 473,
474 e 475.
69
devida à apropriação de vasto material histórico de longa duração, constituído,
sobretudo pelas matrizes ideológicas do Estado Novo: exuberância natural,
democracia racial, congraçamento social, integração nacional, alegria,
camaradagem e festividade do povo brasileiro. A Assessoria Especial de Relações
Públicas (AERP), criada pelo Decreto 62.119, de 15 de janeiro de 1968, coordena
esta operação articulada pelos militares no esforço de construção de uma "teoria de
Brasil" baseada na autolegitimação e no auto-reconhecimento.
128
Reflete-se no discurso essa dissimulação, que propõe uma nova ordem e até
um novo tempo sem se colocar como alternativa à democracia - mas como
alternativa de democracia. Ele vem articulado com a implementação do projeto de
modernização conservadora e acelerada do capitalismo no Brasil
129
, baseado na
"compulsão no sentido de aprofundar a estruturação monopolística da economia":
aceleração das taxas de acumulação, do processo de concentração da renda e da
exploração da mais valia, e cuja contrapartida é a "aceleração da desigualdade"
130
com o conseqüente aumento exponencial da miséria e da opressão, tornado
possível através da enorme repressão contra os trabalhadores. Aqui segundo as
palavras de Francisco de Oliveira:
“[...] a expansão capitalista da economia brasileira aprofundou
no pós-anos 64 a exclusão que era uma característica que vinha
se firmando sobre as outras e, mais que isso, tornou a exclusão um
elemento vital de seu dinamismo”.
131
128
V. FICO, Carlos. Reinventando o otimismo, p. 19-20 e 124-129.
129
V. SADER. Eder. Um rumor de botas - a militarização do Estado na América Latina. São Paulo, Polis, 1982, p.
179. E ainda: REIS FILHO, Daniel Aarão. "1968, o curto ano de todos os desejos". In: GARCIA. Marco Aurélio e
VIEIRA, Maria Alice (org.). 1968 Brasil, França e Alemanha São Paulo, Fundação Perseu Abramo. 1999, p. 62-
63 (p. 61-71); e PALMEIRA, Wladimir. "Os valores de 1968". In: GARCIA, M. A e VIEIRA. M. (org.). op. cit p. 117-
118.
130
OLIVEIRA, Francisco. A economia da dependência imperfeita. Rio de Janeiro, Graal, 1977, p. 122-131.
131
OLIVEIRA, Francisco. "A economia brasileira: critica à razão dualista". 10: Estudos CEBRAP 2. São Paulo:
Edições CEBRAP, 1972 p. 81.
70
O autor também considera que o pós-64, ao invés de se aproximar de uma
revolução burguesa como querem alguns, deve ser visto mais como uma contra-
revolução e é que está “... sua semelhança mais pronunciada com o fascismo,
que no fundo é uma combinação de expansão econômica e repressão”.
132
Assim, a
brasilidade excludente, na esteira do arrocho salarial e da acumulação sem divisão,
é transformada em “modernização excludente”.
133
Desta forma, a combinação de uma busca compulsiva pela legitimação a
partir de uma legalidade que é pura ficção e pelos êxitos no campo econômico -
produziu efeitos duradouros na nossa cultura política: se a ditadura não consegue se
nomear, também não conseguirão nomeá-la a mídia e a chamada intelligentsia. Daí
deriva todo o caos terminológico gerado pela hegemônica teoria do autoritarismo
que falava Florestan Fernandes: nele prosperam os termos como regime autoritário,
movimento militar, regime militar, regime burocrático-militar, movimento cívico-militar,
regime burocrático-autoritário, em detrimento da palavra ditadura, mais adequada - e
cuidadosamente evitada -, ou só usada, ainda hoje, com moderação.
Baseado na dissimulação, este tipo de poder está relacionado com uma
estratégia de neutralização das tensões sociais, de supressão do dissenso político e
de apropriação da história e do próprio tempo, contida na idéia fixa da perenização
da ‘revolução’ e do ‘poder revolucionário’, como nos preâmbulos dos atos
institucionais citados. Na concepção do Estado de Segurança Nacional e,
conseqüentemente, da Doutrina de Segurança Nacional, não pode haver conflitos
nem ação; sem que esta tenha, como parte fundante, o terror. Institui-se assim,
definitivamente, o conceito de inimigo interno e a necessidade de sua eliminação. Na
132
Id ibid. p. 71. Chico de Oliveira polariza explicitamente com Fernando Henrique Cardoso, que analisa as
"conseqüências revolucionárias" do golpe de 64 no plano econômico. V. na mesma publicação: CARDOSO,
Fernando Henrique. "O regime político brasileiro", p.83-118.
133
O termo é de Ermiria Maricato. V. MARICATO, Ermiria. Metrópole na periferia do capitalismo. São Paulo,
Hucitec, 1996.
71
nova versão da brasilidade excludente, os opositores do regime são vistos como os
principais inimigos da nação. A sociedade passa a ser dividida entre amigos e
inimigos, militares e civis, democratas e comunistas, bons brasileiros e maus
brasileiros, cidadãos responsáveis e ''minorias trêfegas ou transviadas":
134
que são
blocos ou facções que substituem os atores e as classes sociais. Divide-se a nação,
então, entre os que “amam o Brasil” e àqueles que devem “deixá-lo”. Assim, os
amigos, os militares, os democratas, etc., são os detentores da virtude, depositários
exclusivos dos destinos da nação; e os inimigos, comunistas, maus brasileiros, etc.,
são identificados com a crise, a decadência, a corrupção, a subversão, a anarquia e
a demagogia novamente, os inimigos da ordem. São pessoas que devem ser
reprimidas em nome da restauração da paz e da unidade necessárias ao
desenvolvimento econômico e social, ou seja, a segurança nacional ou da
construção da ordem.
Deste ponto de vista, toda a população acaba sendo virtual e potencialmente
suspeita, passível de ser controlada, reprimida e eliminada, que são considerados
inimigos todos àqueles que fazem algum tipo de oposição ao regime. Vemos isso
claramente na fala do general Breno Borges Fortes, comandante do Estado Maior do
Exército, na 10º Conferência dos Exércitos Americanos em Caracas, na Venezuela:
“O inimigo é indefinido, usa mimetismo, se adapta a qualquer
ambiente e usa todos os meios, lícitos e ilícitos, para lograr seus
objetivos. Ele se disfarça de sacerdote ou de professor, de aluno ou
de camponês, de vigilante defensor da democracia ou de intelectual
avançado, de piedoso ou de extremado protestante; vai ao campo e
às escolas, às fábricas e às igrejas, à cátedra e à magistratura;
usará, se necessário, o uniforme ou o traje civil; enfim,
desempenhará qualquer papel que considerar conveniente para
enganar, mentir e conquistar a boa-fé dos povos ocidentais. Dai
porque a preocupação dos Exércitos em termos de segurança do
continente deve consistir na manutenção da segurança interna frente
ao inimigo principal; este inimigo, para o Brasil, continua sendo a
134
Ver excerto do discurso do general Ernesto Geisel, citado às páginas 100/101 deste capítulo.
72
subversão provocada e alimentada pelo movimento comunista
internacional”.
135
Então, para eliminar tal inimigo é criado um enorme aparelho repressivo que,
acoplado à comunidade de informações, compõe, como diz Maria Celina D'Araújo,
“... um bem articulado plano que procurou não controlar a oposição armada mas
também controlar e direcionar toda a sociedade”.
136
Temos, então, o aparelho repressivo da ditadura militar estruturado em três
grandes sistemas:
137
o SISNI
138
(Sistema Nacional de Informações), o SISSEGIN
(Sistema de Segurança Interna) e a CGI
139
(Comissão Geral de Investigações). O
SISNI, fundado em 1970, é formado pelo Serviço Nacional de Informações (SNI,
criado em maio de 1964), pelos Sistemas Setoriais de Informações dos Ministérios
Civis, Sistemas Setoriais de Informações dos Ministérios Militares, Subsistema de
Informações Estratégicas Militares (SUSIEM) e por outros órgãos setoriais.
Seu órgão central, o SNI criado em 13 de junho de 1964 –, tem como papel
fundamental à produção e coordenação das atividades de informações em todo o
território nacional e no exterior, sobretudo nos países do Cone Sul da América
Latina, o que configura a montagem de uma rede internacional da repressão, com
destaque para a Operação Condor’ e para a forte presença oficial dos Estados
Unidos. Idealizado pelo general Golbery do Couto e Silva como um órgão cuja
função seria a coleta e a avaliação de informações, além da promoção da segurança
135
Transcrita no Jornal da Tarde, São Paulo, 10/set/1973, in: ARQUIDIOCESE DE O PAULO. Projeto "Brasil:
Nunca Mais", op. cit., p. 60.
136
D'ARAÚJO, M. Celina et al. (org). Os anos de chumbo A memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 1994, p. 18.
137
Sobre a montagem do aparelho repressivo ver: ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca
Mais", op. cit, p. 70-75 e, sobretudo, FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da ditadura militar:
espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 71, 111, 149 et passim V. tb: BICUDO, Hélio. Meu
depoimento sobre o Esquadrão da Morte. São Paulo, Comissão de Justiça e Paz, 1976; D'ARAÚJO, M. Celina et
aI. (org), op. cit p.14-31; e GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1987, p. 215-234.
138
Ver em http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=204934, acesso em 25 de agosto de
2007.
139
Ver em http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=196096, acesso em 25 de agosto de
2007.
73
interna - a exemplo do FBI (Federal Bureau of Investigation) ou da KGB (Serviço
Secreto Soviético) -, o SNI contava com uma equipe qualificada,
140
cujo chefe
possuía status de ministro e respondia diretamente ao Presidente da República.
Tratava-se de uma estrutura
141
dotada de alto grau de autonomia - embora
subordinada ao Poder Executivo -, que nasceu fazendo em segredo tudo aquilo que
a Presidência precisava que fosse bem feito”,
142
de modo a viabilizar a coleta de
dados e a irrestrita e ilimitada perseguição a ativistas políticos, sempre sob silêncio.
Ainda que o SNI tenha sido idealizado como um órgão responsável pela coleta de
informações, na prática, passou a desempenhar uma função verdadeiramente
militar, especialmente como resposta aos movimentos políticos contrários ao regime.
Alfred Stepan
143
afirma que nenhum país na América Latina teve um sistema tão
bem elaborado e tão complexo que demonstrasse uma circularidade de informação,
assim como o brasileiro. Explicando a mudança funcional do SNI, Stepan esclarece:
“A idéia inicial do General Golbery era criar um organismo civil militar,
no qual generais da ativa estivessem em minoria. No documento original,
nenhum oficial dentro do SNI deveria ser da ativa. Em 1964, nenhum dos seis
maiores expoentes do SNI era general na ativa; um deles apenas, Golbery, era
um general aposentado. Entretanto, no final de 1968, enquanto a guerrilha teve
início e a linha dura triunfava, o SNI tornava-se militarizado. O SNI começou
140
A preocupação com a formação dos profissionais a serviço do SNI era tão clara que seus membros deveriam
freqüentar um curso de informações oferecido pela ESG. Embora não exista uma precisão quanto ao número de
funcionários que serviram ao SNI, a estimativa é que tenha tido cerca de 3.000. Sobre isso, ver depoimentos
coletados em D’ARAÚJO. Maria Celina; SOARES, Glaucio Ary Dillon; CASTRO, Celso. Os anos de chumbo: a
memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.
141
A estrutura do SNI pode ser identificada pelo Decreto n° 4341/64:
“...Art O Serviço Nacional de Informações tem por finalidade superintender e coordenar, em todo o território
nacional, as atividades de informação e contra informação, em particular as que interessem à Segurança
Nacional.
Art 3º Ao Serviço Nacional de Informações incumbe especialmente:
a) assessorar o Presidente da República na orientação e coordenação das atividades de informação e contra-
informação afetas aos Ministérios, serviços estatais, autônomos e entidades paraestatais;
b) estabelecer e assegurar, tendo em vista a complementação do sistema nacional de informação e contra-
informação, os necessários entendimentos e ligações com os Governos de Estados, com entidades privadas e,
quando for o caso, com as administrações municipais;
c) proceder, no mais alto nível, a coleta, avaliação e integração das informações, em proveito das decisões do
Presidente da República e dos estudos e recomendações do Conselho de Segurança Nacional, assim como das
atividades de planejamento a cargo da Secretaria-Geral desse Conselho;
d) promover, no âmbito governamental, a difusão adequada das informações e das estimativas decorrentes.”
Documento disponível em: < http://www.senado.gov.br/legbras >
. Acesso em: 11/12/03.
142
GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhias das Letras, 2002, p. 157.
143
STEPAN, Alfred. Os militares: da abertura à Nova República. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.
74
como uma agência de perseguição, coordenação, avaliação de inteligência,
mas sem um amplo e independente corpo operacional. O novo profissionalismo
de segurança interna e desenvolvimento nacional no Brasil produziu um
Sistema Nacional de Inteligência que formalmente monopolizava mais funções
que qualquer outra polícia do mundo.”
144
No entanto, o sistema repressor por excelência é o SISSEGIN. Organizado
por decretos secretos do Conselho de Segurança Nacional aprovados pelo
Presidente da República, ele articula organicamente a Polícia Federal, os DOPS
estaduais, os centros de inteligência de cada uma das três armas: Cie (Exército),
Cenimar (Marinha) e Cisa (Aeronáutica) e, ainda, o Estado Maior das Forças
Armadas (EMFA).
Tanto o CIE, quanto o CISA e o CENIMAR tinham funcionalidades
parecidas.
145
Sobre o CIE, falam D’Araújo, Soares e Castro:
“O CIE, agindo com autonomia frente aos demais órgãos de
informação existentes e com quadros próprios propiciaria uma informação
rápida ao ministro, seu cliente preferencial, e permitiria, em decorrência,
rapidez na decisão e na execução da mesma. Tratava-se, portanto de uma
inovação dentro da corporação que implicou muitas vezes ignorar a cadeia de
comando preexistente. Por outro lado, e isso é o mais importante, possibilitou
que nos anos duros da repressão a instituição como um todo não fosse
diretamente envolvida com os tipos de decisão e de ação a serem
empreendidos [...]”.
146
Em meados de 2007, uma série de matérias foi publicada no Correio
Braziliense, assinadas pelo jornalista por Claudio Dantas Sequeira, que obteve
acesso exclusivo (através do jornal) ao arquivo secreto do Centro de Informações do
144
STEPAN, Alfred. Rethinking military politics. Brazil and the Southern Cone. New Jersey: Princeton University,
1988, pp. 17-18. Tradução livre do trecho: “General Golbery’s initial idea had been to create a civil-military organ
in which active-duty military were in the minority. In the original statute no official in the SNI had to be drawn from
the active dutymilitary. In 1964 none of the top six figures was an active-duty general; one, Golbery, was a retired
general. However, by late 1968, as a guerrilla conflict began and the hard line triumphed, the SNI became
militarized (...) The SNI began as an agency for gathering, coordinating, and evaluating of intelligence, but without
a large, independent field operating staff (...) The new professionalism of internal security and national
development in Brazil eventually produced a National Intelligence System that in formal terms monopolized more
functions than any other major polity in the world …”
145
Sobre cada um desses órgãos, ver D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Glaucio Ary Dillon; CASTRO, Celso,
op. cit.
146
D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Glaucio Ary Dillon; CASTRO, Celso, op. cit., p. 15.
75
Exterior (Ciex). Segundo ele, um acervo com mais de 20 mil páginas de informes
produzidos ao longo de 19 anos, onde ficou por quatro meses analisando os
documentos. para reafirmar o alcance que o sistema de repressão brasileiro
alcançou, lançamos mão de seus comentários:
“(Com) seu grau de confiabilidade e nível de distribuição,
pode-se concluir que nunca houve refúgio seguro aos brasileiros
contrários ao golpe de 64. Banidos ou exilados, eles foram
monitorados a cada passo, conversa, transação ou viagem no
exterior. A malha de agentes e informantes operada pelo Itamaraty
se estendeu para além da América Latina, alcançando o Velho
Continente, a antiga União Soviética e o norte da África”.
147
Na verdade, a autonomia destes órgãos permitia, em casos de denúncias de
prisões arbitrárias e torturas, seu comprometimento particular, o que, portanto,
livrava o Exército, a Marinha e a Aeronáutica de eventuais desgastes enquanto
instituições. Relaciona-se com grupos paramilitares e para-policiais clandestinos e
semiclandestinos, especialmente o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), o
Movimento Anticomunista (MAC) e o Esquadrão da Morte (Scuderie Le Cocq). A
criação da Operação Bandeirantes (OBAN) em 1969, em São Paulo, pelo Governo
Abreu Sodré associado a grandes grupos empresariais e com a finalidade de
combater a guerrilha urbana –, serviu de referência para a implantação dos
Destacamentos de Operações e Informações e Centros de Operações e Defesa
Interna (DOI-CODl’s), em janeiro de 1970, formados por integrantes das Três Forças
e especializados em operações de captura.
O general Adyr Fiúza de Castro, um dos criadores do CIE, ex-chefe do CODI
(Centro de Operações e Defesa Interna), resume os motivos da existência de toda
esta rede de informações:
147
Correio Braziliense. Editoria de Política. Título da matéria: O serviço secreto do Itamaraty”. Data:
22/07/2007. Autor: Cláudio Dantas Sequeira,Segredo de Estado.
76
“[...] Nós verificamos que se estava organizando a luta armada
por esses diferentes grupos. Através de nossos infiltrados, dos
nossos informantes, e pela escuta telefônica, nós sabíamos que eles
estavam tramando coisas realmente violentas, cujo início foi o
seqüestro do embaixador (dos EUA) [...] Era preciso haver um órgão
que fizesse uma avaliação nacional, porque a ALN e todas as
organizações existiam em âmbito nacional, escolhiam o local e o
momento para atuar, independente de fronteiras estaduais ou
jurisdição [...] Então, nós tivemos que fazer com que os crimes contra
a segurança nacional fossem julgados por um órgão nacional,
federal, que eram as Auditorias Militares e o Supremo Tribunal Militar.
[...] E era necessário que estes órgãos tivessem autonomia para
atuar em todo o território nacional [...] Foram criados, então, o CIE e
o Destacamento de Operações de Informações (DOI), que tinham
total independência e autonomia no âmbito daquela área militar. Foi
por isso que foram criados e que o Exército se envolveu. Porque era
uma luta nacional, e não podia ficar limitada às esferas estaduais
[...]”.
148
Desta forma parece claro que, num primeiro momento, a preocupação militar
foi centralizada na montagem de uma estrutura física, ideológica e legal, e
responsável por uma articulada rede de informações e perseguições que
possibilitaram as tantas atrocidades cometidas pelos militares. Além disso, o
Decreto-Iei 667 de 2 de julho de 1969 regulamenta às polícias militares de todo o
país, submetendo-as diretamente ao Estado Maior do Exército através da Inspetoria
Geral da Polícia Militar e transformando-as, assim, em prolongamentos dos CODl’s.
Vale lembrar que a Polícia Civil havia se direcionado para a repressão política.
Constituía-se, assim, a forma final do aparelho repressivo da ditadura militar, cuja
estrutura básica permanece ainda montada.
Concebido como tentativa de concretização do discurso pretensamente
legitimador dos militares, o Sistema CGI vinculava subversão, corrupção e
comunismo. Criado em dezembro de 1968, logo depois do AI-5, no âmbito do
148
D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Glaucio Ary Dillon; CASTRO, Celso, op. cit., pp. 41-42.
77
Ministério da Justiça, tinha como objetivo principal combater a corrupção; foi extinto
no final do Governo Geisel (1978). Este aparelho repressivo constitui nas palavras
de Jacob Gorender uma "estrutura policial-burocrático-totalitária”.
149
Está completo
então o governo instaurado pela ditadura militar, compreendidos no binômio
violência e terror, mas que traduz na prática o slogan oficial 'Desenvolvimento e
Segurança', título da revista da ADESG e lema do Governo Médici (1969-1974)
150
. A
disposição totalitária a que nos referimos anteriormente se materializa, então, em
dispositivos muito bem articulados: militarização dos julgamentos por crimes contra a
Lei de Segurança Nacional, estabelecida pelo AI-2 (out/1965) e incorporada à
Constituição de 1967; militarização do combate direto às esquerdas, o que
determina a montagem de formidável aparelho repressivo e a transformação da luta
contra a subversão em operação de guerra interna, responsabilidade prioritária das
Forças Armadas; instituição do terrorismo de Estado a partir do AI-5;
151
adoção da
tortura como método de governo.
152
A mais genuína representação do Estado de Segurança Nacional, a
institucionalização da tortura -, leva ao paroxismo o projeto de supressão da esfera
pública através da destruição da subjetividade, da inviabilidade da ação e da
fabricação do silêncio - ou da “impossibilidade da política”, como vemos em livro de
Sebastião Velasco e Cruz e Carlos Estêvão Martins:
"Sob a capa da ordem, protegida da curiosidade pública pelos
rigores da censura, mas onipresente, lavrava a guerra suja contra os
grupos de esquerda que haviam optado pela luta armada; estava a
tortura erigida, então, em uma prática institucional a qual se
repudiava publicamente mas se aceitava de fato em nome dos
149
GORENDER, Jacob. Prefácio. In: FICO, Carlos. Como eles agiam. Os Subterrâneos da Ditadura Militar:
Espionagem e Polícia Política. São Paulo: Record, 2000, p.10.
150
V. DREIFUSS, René Armand e DULCI, Otávio Soares. "As Forças Armadas e a política". In: SORJ, Bernardo
e ALMEIDA, M. Herminia Tavares, op. cit., p.91.
151
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo. De Geisel a CoIlor: Forças Armadas, transição e democracia. Campinas: Papirus,
1994, p. 33.
152
V, GORENDER, Jacob. op. cit p. 226-234.
78
imperativos maiores da Razão de Estado; multiplicavam-se os
assassinatos (morte 'por atropelamento', 'em combate', 'em tentativa
de fuga', na linguagem torta dos comunicados oficiais), bem como os
seqüestros, que atingiam igualmente os militantes da referida
esquerda e figuras de oposição legal ou semilegal; desenvolvia-se
um exercício sistemático de intimidação que recorria a métodos
policiais (detenção, interrogatório, seguidos de ameaças, na
ausência de qualquer acusação específica), administrativos
(exigência de atestados de bons antecedentes políticos para a
obtenção de documentos, para acesso a cargos públicos etc),
econômicos (pressões sobre o empregador para que demitisse o
funcionário com 'ficha suja’) e se estendia, no plano simbólico, ao
terrorismo branco de oficiais paranóicos que enchiam as ginas dos
mais importantes jornais do país com proclamações fantásticas onde
a 'liberdade sexual', o consumo de drogas e as opiniões políticas
menos ortodoxas se fundiam como facetas da estratégia bolchevista
para destruir a família, a harmonia social e a paz política. Subjacente
à ordem, imperava o medo”.
153
Utilizando-se também do medo causado pela possibilidade de ser torturado, a
prática da tortura também existia no sentido de intimidar aqueles que não estavam
“preparados”:
“O medo é o grande auxiliar do interrogatório. Os ingleses, por
exemplo, recomendam que se interrogue o prisioneiro despido
porque, segundo eles, uma das defesas do homem e da mulher é a
roupa, e tirando a sua roupa, fica-se muito agoniado, num estado de
depressão muito grande.
Depois (de um interrogatório) grande parte abandona suas
atividades e retorna à boa vida de pequeno burguês. [...] Os frios,
evidentemente que não. Esses eram muito estruturados, muito
rancorosos, e pensavam na volta, no troco. Quando liberados,
retornavam ao grupo terrorista”.
154
A esquerda armada - que opta pela guerrilha rural e urbana - começa a se
organizar formando uma corrente de opinião em vários segmentos da esquerda, que
trabalhou a perspectiva de criar uma vanguarda revolucionária que rompesse com o
153
CRUZ, Sebastião C. Velasco e MARTINS, Carlos Estêvão. "De Castelo a Figueiredo: Uma incursão na pré-
história da abertura". In: SORJ, Bernardo e ALMEIDA, M. Hermínía Tavares, op. cit., p. 43.
154
Adyr Fiúza de Castro. In: D'ARAÚJO, Maria Celina et all. Os anos de chumbo. Rio de Janeiro: Relume-
Dumará, 1994, pp. 64-66. Citado em MAGALHAES, Marionilde Dias Brepohl de. “A lógica da suspeição: sobre os
aparelhos repressivos à época da ditadura militar no Brasil”. Rev. bras. Hist., São Paulo, v. 17, n. 34, 1997 .
79
imobilismo de partidos como o PCB, por exemplo, e criasse uma resistência armada
à ditadura:
“Decretado o Ato Institucional nº 5, fecharam-se todas as
vias políticas legais. Dia a dia, a repressão política demonstrava o
quanto era impossível concretizar eficazmente, dentro da legalidade,
qualquer iniciativa de protesto, por mais tímido que fosse. Nem
mesmo a oposição mais servil era consentida. Como forma de
sobrevivência política, restou para os militantes de esquerda, cada
vez mais acuados, a resistência armada aos desmandos e
arbitrariedades”.
155
Desta forma, esses atores sociais inspirados em grande parte pelo triunfo da
revolução cubana e pela derrota do imperialismo americano no Vietnã, organizaram-
se contra a ordem ditatorial e irromperam naquele período diversas organizações
guerrilheiras: a AP (Ação Popular), oriunda do cristianismo de origem católica,
posteriormente convertida ao maoísmo, a ALN (Aliança Libertadora Nacional), MR-8
(Movimento Revolucionário 8 de Outubro) e VPR (Vanguarda Popular
Revolucionária) dentre outras que enfatizaram a necessidade da ação revolucionária
imediata. A paixão política presente aqui induziu a comportamentos excepcionais: a
energia da violência e seu valor designavam, neste momento, os estados afetivos
ligados às insatisfações e aos sofrimentos. O entusiasmo - tanto neste primeiro
momento, de combate direto e armado contra a ditadura, quanto no nosso objeto de
maior análise, o movimento pela Anistia -, é indispensável para o cumprimento da
ação comum: na verdade é esta intensa afetividade que exalta a missão histórica e
que a torna possível de tentar. Em contrapartida, “a luta revolucionária desperta
necessariamente temores e ódios da classe que se ameaçada, à esperança dos
revolucionários responde o ódio dos governantes essas pulsões de ódio são nítidas
155
Id. Ibid.
80
geradoras de ódio e violência”.
156
Mas esse entusiasmo, essa coragem de agir são
necessárias para qualquer ação política, entusiasmo este que Karl Marx chamou de
“energia revolucionária”, ainda que nem sempre a paixão política corresponda
necessariamente a uma prática política e, menos ainda, a uma verdadehistórica:
algumas vezes se cristaliza uma paixão sem corresponder a uma realidade política
efetiva; outras vezes surge uma verdade’, mas sem suscitar as emoções que se
esperavam dela. Marx adverte sobre isso quando analisa os conflitos políticos de
1849-1850: “Paixões sem verdades, verdades sem paixões”.
157
As organizações armadas apresentavam divergências entre si, sobretudo
acerca do caráter da revolução brasileira e em relação às formas de luta mais
adequadas para se chegar ao poder: via guerrilheira, nos moldes cubanos ou a
perspectiva revolucionária de inspiração maoísta, ainda que originariamente fossem
de inspiração marxista. . Aqui se nos apresenta a seguinte questão: De que maneira
as teorias sociais, políticas e econômicas, uma vez admitidas, transformam-se
inevitavelmente em paixões e ações políticas? A busca por esses ideais sociais,
políticos e econômicos; ou mesmo a “milhares de pessoas que ousaram pensar e
sonhar um mundo mais bonito”,
158
acabou por se transformar numa verdadeira força
impulsora, fundamental para a ação e geradora de energia e coesão (ainda que
provisórias) para esses atores sociais.
As organizações armadas também apresentavam aspectos em comum, como
a prioridade da ação armada contra o suposto imobilismo e a interpretação de que a
economia brasileira vivia um processo de estagnação que seria resolvido com a
156
ANSART, P. Los Clinicos de Las Pasiones Politicas. Buenos Aires, Nueva Vision, 1997. Pg. 159.
157
MARX, Karl. O 18 Brumário. RJ: Paz e Terra, 1977. Pg. 42.
158
GONÇALVES, Francisco Luiz Salles. “A correção política é o ópio dos intelectuais”. In FREIRE, Alípio;
ALMADA, Isaías, & PONCE, J. A. de Granville (org.). Tiradentes, um presídio da ditadura: memórias de presos
políticos. São Paulo: Scipione, 1997, p. 94.
81
implantação de um governo popular ou socialista, e que possibilitaria a retomada do
desenvolvimento do país.
Assim, a vanguarda revolucionária decidida a agir com armas na mão –,
optou pela guerrilha a partir do campo, local estrategicamente apropriado por
apresentar maiores dificuldades de acesso aos órgãos repressivos. Porém, para
iniciar a guerrilha rural, era preciso conseguir armamentos e dinheiro. Dessa forma,
vários grupos empreenderam ações urbanas (assaltos à banco, roubo de armas em
guarnições e quartéis militares etc.). Com o aperfeiçoamento do aparelho repressivo
pela ditadura militar, foram efetuadas prisões de militantes, seguidas por torturas
físicas e psicológicas, e algumas organizações resolveram promover seqüestros de
diplomatas. O primeiro deles foi o do embaixador norte-americano Charles Burke
Elbrick, em 1969, pela Dissidência da Guanabara (MR-8), com a finalidade de forçar
a libertação de presos políticos e divulgar a luta armada. Em 1970, foram realizados
com êxito outros três seqüestros: em março, com a ajuda de dois outros grupos
menores, a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) seqüestrou o cônsul japonês;
em junho, foi a vez do embaixador da Alemanha Ocidental, que a VPR e a ALN
trocaram por 40 presos políticos. E, finalmente em dezembro, a VPR capturou o
embaixador suíço e conseguiu libertar 70 prisioneiros, após cerca de 40 dias de
tensas negociações, com o veto da ditadura a vários nomes da lista inicialmente
apresentada por estes grupos. O desgaste dessa ação, juntamente à fraqueza
orgânica do que restava da esquerda armada então destroçada pela repressão
–, colocou um ponto final nos seqüestros.
Apesar de uma outra ou outra operação guerrilheira bem sucedida os
militares, em geral, desmantelaram as organizações assassinando e torturando
quem fizesse parte das manifestações de oposição ao regime. A ditadura militar
82
também reagiria assim diante das pequenas bases que foram esboçadas em regiões
agrícolas. Em relação à guerrilha rural, apenas o PC do B conseguiu de fato lançar
uma guerrilha na região do Araguaia (Sul do Pará), no período de 1967 até 1972.
Sobre esse momento, o relato da ex-guerrilheira Luzia Reis:
“Uma semana depois [da chegada dela] chega o
companheiro Maurício Grabois, comandante geral, e o João Carlos
Haas Sobrinho, o Juca, médico, mas que era também do comando.
Vieram mostrar que ali, naquela vida, não poderíamos perder o
objetivo que era construir uma sociedade mais justa e um governo
democrático popular, que devíamos nos preparar. Então, nós líamos
os livros, ouvíamos todos os dias a Rádio Tirana (da Albânia), que
eu te digo sinceramente não sei como é que a rádio chegava até lá,
com notícias atualizadas. Nesse período fazíamos treinamento
simples, quase nada. Nossas armas eram espingarda 20 e revólver
38, um ou outro rifle, que quem tinha era chefe de grupo. Eles
tinham marcado um treinamento de 15 dias em outra região, com
outro grupo e que o Osvaldão - do destacamento “B”, que havia
treinado na Tchecoslováquia e na China - ia nos dar umas aulas
teóricas e práticas de tiro ao alvo e de camuflagem, emboscadas. O
fato é que ainda estávamos em preparação. Ainda ia levar alguns
anos, cinco, dez anos... Não era para ser de imediato, mas a área foi
descoberta e fomos atacados”.
159
159
Jornal O Povo - entrevista Luzia “Em memória dos companheiros desaparecidos”. 28 de março de 2005.
83
Nas imagens acima vemos que, no jornal A Classe Operária, do PC do B,
em fevereiro de 1978 ainda existiam ‘anúncios’ para os leitores ouvirem a “Rádio
Tirana”,
160
que também era ouvida pelos presos políticos do presídio Tiradentes:
“PC do B, Ação Popular e alguns companheiros da Ala
Vermelha se dedicavam diuturnamente a escutar a Rádio Tirana da
Albânia e a reproduzir o seu discurso por todos os cantos. Numa das
celas da cela 6 escreveram, em letras bem grandes: A crítica e a
autocrítica são o pão nosso de cada dia
161
’”
Outras tentativas de resistência armada no campo já haviam ocorrido no
Brasil, organizadas por outras correntes políticas como as do Vale do Ribeira e em
Caparaó.
Porém, em relação à guerrilha do Araguaia que durou três anos, as demais
duraram pouco tempo. Jovens de diferentes formações, operários, camponeses,
enfermeiras, médicos e, principalmente estudante universitários, compuseram uma
sangrenta luta que culminou com a derrota dos guerrilheiros, quase todo em
combate.
A participação das mulheres foi extremamente importante na luta armada.
Quando buscamos através da memória quem seriam essas mulheres, nos
160
Em plena repressão militar, na época da ditadura, a imprensa brasileira sofria permanente intervenção da
Censura Federal que chegava a instalar gabinetes dentro das emissoras de Rádio e TV no Brasil. Em São Paulo
havia escritórios com vários aparelhos de rádio e TV para serem monitorados, 24 horas por dia. Nessa época,
as Rádios Paz e Progresso, Havana e, principalmente, a Rádio Tirana, descreviam o terrorismo militar, atos de
genocídios do governo nos mais distantes rincões do Brasil que a imprensa sabia, mas o povo não poderia
saber. Recorria-se então às Ondas Curtas das emissoras de países distantes para se ficar sabendo do que vinha
ocorrendo em nosso próprio quintal. Em 1962, quando o Partido Comunista do Brasil foi reorganizado, A Classe
Operária voltou a circular legalmente, tendo como diretor o deputado constituinte de 1946, Maurício Grabois, e
como redator-chefe, Pedro Pomar. Em março de 1964 foi impresso legalmente o último número do jornal.
Militares golpistas tomaram o poder no país, invadiram, depredaram e interditaram sua redação - empastelada;
prenderam, torturaram e mataram comunistas e democratas. Mas, em 1º de maio de 1965, o jornal ressurgiu, em
condições de estrita clandestinidade, impresso com várias feições gráficas, de acordo com as possibilidades dos
vários estados da federação que o reproduziam. Publicou propagandas revolucionárias, denunciando o caráter
fascista do golpe de 1964, conclamando pela derrubada da ditadura e divulgando as lutas do povo contra o
poder militar, com destaque para a Guerrilha do Araguaia, no início dos anos 70. Em 1976, passou a ser editado
no exterior, depois de um ataque criminoso de forças governamentais contra um aparelho comunista no bairro da
Lapa, em São Paulo. Seus artigos eram divulgados pela Rádio Tirana, da Albânia Socialista, e reproduzidos das
mais variadas maneiras no Brasil. Imagens fotografadas digitalmente no Arquivo Público de Estado de São
Paulo [pasta 83, OS 1008 – SOI].
161
FREIRE, Alípio [et alli] Op. Cit., Pg. 160.
84
remetemos a artistas, intelectuais e estudantes, porém, ao fazer uma leitura mais
apurada do período, percebemos que mulheres de várias classes sociais tiveram
participação no movimento (operárias, donas de casa, mães e avós, etc.). Elas
desempenharam funções as mais variadas como costureiras, motoristas, locatárias
de imóveis (para transformá-los em aparelhos), acolhimento de clandestinos, e ainda
atuações em seqüestros, apropriações, pichações, dentre outras atividades.
No documentário produzido e dirigido por Lúcia Murat Que bom te ver viva
(1980), temos o depoimento de algumas mulheres que participaram da luta armada
e foram torturadas. É importante salientarmos que na grande maioria dos
depoimentos essas mulheres evidenciam, como benesse, a questão da
maternidade. Ou seja, como foi importante para algumas terem filhos, seja no
cárcere ou depois de serem libertadas, como no depoimento de Criméia Almeida
(ex-guerrilheira da região do Araguaia), no qual coloca como o nascimento do filho
foi extremamente importante, simbolizando que enquanto um companheiro tombava,
um outro surgia, bem à vista dos opressores.
Ainda com relação ao perfil da esquerda armada, um tema que resgata um
pouco de sua dimensão ética e moral é o justiçamento a execução capital como
ato de justiça revolucionária.
A violência revolucionária o poderia ser um fim em si mesma. Não poderia
ser absoluta e incondicionada. Os revolucionários praticavam a violência não
somente dentro de certas condições políticas, mas também conforme os princípios
de um código de ética que visava preservá-los da ‘corrupção moral’. Assim,
justiçavam-se a inimigos e justiçavam-se também a companheiros acusados de
traição. Houve justiçamentos por suposição de intenção, por delação efetiva e por
85
traição. Muitos dirigentes, como o próprio Lamarca, condenavam o justiçamento,
mas o enxergavam como necessário para a preservação moral dos militantes.
A tortura tem sido temática bastante discutida no período posterior à ditadura.
É comum encontrarmos na imprensa reportagens que tratam do tema. Destacamos
que dentro dos órgãos repressores, além da figura do torturador, a presença de
médicos era uma constante, pois não seria interessante executar um preso político,
por seu valor como informante e também como um exemplo a ser mostrado aos
possíveis futuros ‘terroristas’. Dentre as diversas formas de tortura praticadas,
destacamos:
Pau de arara;
Pimentinha(caixa geradora de eletricidade com baixa voltagem e alta
amperagem);
Afogamentos de diversas maneiras;
Cadeira do dragão (cadeira onde se esticavam as pernas do
torturado, além de submetê-lo a choques);
“Geladeira” (que consistia em manter o torturado nu, ou seminu, em
ambiente de baixíssima temperatura);
Tortura com insetos e animais, onde o torturado era deixado em
cubículos na companhia de ratos, cobras e lagartixas; ou eram
introduzidos insetos ou animais em diversas partes do corpo do
torturado, principalmente em seu ânus e/ou vagina;
Palmatória;
Enforcamento e estiramento do corpo;
Torturas sexuais;
86
“Churrasquinho”, que consistia em acender álcool sob o corpo ou
aplicar papel retorcido no ânus da vítima, presa no pau de arara, e
incendiá-lo.
Ressaltamos que vários anos após o término da ditadura militar, no
documentário: “Que Bom te ver viva”, onde várias presas políticas narram o pavor ao
ver insetos, como baratas, ou animais como ratos e lagartixas, e reconhecidos por
elas como muito utilizados nas sessões de torturas a que foram submetidas. As
mulheres eram torturadas com a mesma crueldade dispensada aos homens, e
mesmo às que estavam grávidas. Os torturadores, normalmente, tinham
conhecimento da gravidez e, ainda assim, continuavam as sessões de tortura. No
livro Brasil: Nunca Mais,
162
vários depoimentos relatando os procedimentos da
tortura e suas conseqüências ulteriores, como no caso de Frei Tito, que se matou
quatro anos após sua prisão livre e vivendo na França –, em decorrência das
seqüelas psicológicas e emocionais causadas pelo período de tortura a que foi
submetido.
A bancária Inês Etiene Romeu, à época com 29 anos, denunciou:
“[...) A qualquer hora do dia ou da noite sofria agressões
físicas e morais. “Márcio” invadia minha cela para “examinar” meu
ânus e verificar se “camarão” havia praticado sodomia comigo. Este
mesmo “Márcio obrigou-me a segurar seu pênis, enquanto se
contorcia obscenamente. Durante este período fui estuprada duas
vezes por “camarão” e era obrigada a limpar a cozinha
completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidade, os mais
grosseiros”
163
.
162
Projeto Brasil: Nunca Mais Um relato para a História. Arquidiocese de São Paulo. Petrópolis/RJ: Editora
Vozes, 2000.
163
Ibid., pg. 47.
87
O Código Penal Brasileiro considera o estupro como crime hediondo, ou seja,
inafiançável, porém foi ferramenta extremamente utilizada pelos órgãos repressores
visando obter informações junto às presas e presos políticos. No livro Mulheres que
foram à luta armada, consta o depoimento de Áurea Moretti que, segundo o autor,
ainda treme de ódio ao relembrar determinadas cenas:
“Os soldados vinham na grade e gritavam: ‘Boneca terrorista’.
Diziam que iam jogar dados para saber qual seria o primeiro da fila.
Uma noite, desmaiada de cansaço e de pau de arara, eu dormi na
cela. De repente, no escuro, um tropel na escada, uma gritalhada
dentro do quartel. Já acordei com eles invadindo, arrebentando,
xingando, um dando chute, outro me amarrando com a corda. Me
levaram escada acima. Era a Operação Bandeirantes que tinha
chegado no pedaço. E tinha uns caras passando a mão no meu
corpo, dizendo que iam casar comigo. Um deles virou meu noivo.
‘Não, você não, quem vai casar com ela sou eu’. Me agarrou.
Era uma cena louca, um corredor cheio de soldados dos
dois lados, eu passando com aquele bando. O cara agarrado em
mim falou ‘eu vou casar com elae de repente eles começaram a
cantarolar a marcha nupcial [...] e eu passando de noiva do
torturador para ser estuprada na sala de torturas, em cima. É todo
um terrorismo. Ele me agarrando, ele e os outros, avançando,
passando a mão, pegando mesmo. Nos seios, nas coxas, tudo pra
eu acreditar que em cima seria o estupro [...]. Essa coisa de
ameaça sexual era permanente e pra mim isso não tem
perdão.
164
A idéia de que o perdão, ou a reconciliação é viável através da compreensão
também não nos é revelada nestes depoimentos. A compreensão dos atos
abomináveis da ditadura, ou mesmo a sua tentativa, só colocariam para esses
presos políticos, exilados e torturados, bem como a seus familiares, a “reconciliação
com um mundo em que tais coisas são definitivamente possíveis”.
165
Abominável
164
CARVALHO, Luiz Maklouf. Mulheres que foram à luta armada. São Paulo: Globo, 1998 pg.94.
165
ARENDT, Hannah. A dignidade da política: ensaios e conferências. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993, p.
39.
88
também foi à transformação praticada dos jovens recrutas em torturadores pela
Polícia do Exército (PE), como vemos em alguns depoimentos:
“Eu acabara de ser preso em nome da segurança nacional. Fui
levado da minha casa, em Pinheiros, até as dependências do REC-
MEC, do exército na rua Abílio Soares. Ali fui torturado como todos
que eram presos na época. Houve um fato, em particular, que me
chamou a atenção em meio àquela selvageria e que me marcou para o
resto da vida. Recrutas, recém incorporados à PE (polícia do exército),
cujo quartel era também na mesma rua Abílio Soares, foram chamados
para assistir a minha tortura. Estavam ainda sem as fardas, com trajes
civis. É curioso perceber, inclusive, como esse fato foi ganhando
importância para mim, com o correr dos anos. Por que os meus filhos
cresceram e eu passei a pensar no episódio sob a ótica dos filhos, da
educação dos filhos. O que é que o exército pode fazer com nossos
filhos!... Eu estava dependurado no pau-de-arara, de cabeça para
baixo... Via tudo numa outra perspectiva... Tinha a visão invertida da
porta do “cassino” dos sargentos... Eu via aqueles meninos assistindo
àquilo ali, apavorados... Aí, um sargento nordestino que estava me
torturando chama um dos meninos, que tenta se fazer de
desentendido... Mas o sargento insiste, com voz de comando: “Você
de gola olímpica”... O rapaz vem todo tímido e o sargento manda ele
rodar a manivela da maquininha de choques elétricos... O recruta não
consegue e é xingado de bunda-mole... “Vamos seu bunda-mole, roda
isso com mais força.”... Até que o menino, ainda tenso, consegue
virar a manivela... Então você educa o seu filho dentro de determinados
princípios... É um negócio terrível isso, porra... Os militares
transformarem o seu filho num torturador... O rapaz deve ter ficado sem
dormir por causa daquilo... Mas com a repetição e a lavagem cerebral a
que é submetido, acaba se acostumando... Torna-se um torturador... É
para isso que o seu filho vai servir à nação? Isso tem que ser
denunciado, as pessoas tem que saber que essas coisas aconteceram
em 1969 e nos anos seguintes, e que podem muito bem se repetir...
Um menino de 17, 18 anos, que acaba de ser recrutado... Isso é um
crime inominável... Qual general que pode justificar isso?
166
Podemos responder essa pergunta final de Granville baseando-nos na análise
do mal no pensamento moderno, de Susan Neimam
167
: são atos absolutamente
daninhos que não deixam espaço para justificativa ou explicação. “O fato de o
166
PONCE, J. A. de Granville. “Política, repressão e ideologia.” In FREIRE, Alípio; ALMADA; Isaías; e PONCE, J.
A. de Granville (orgs). Tiradentes, um presídio da ditadura: memórias de presos políticos. SP: Scipione, 1997, pg.
18.
167
NEIMAN, Susan. O mal no pensamento moderno: uma história alternativa da filosofia. RJ: Difel, 2003,
pg. 15.
89
mundo não conter justiça, nem significado ameaça nossa capacidade tanto de agir
no mundo quanto de entendê-lo. A exigência de que o mundo seja inteligível é uma
exigência da razão prática e teórica, o fundamento do pensamento que se espera
que a filosofia forneça.
168
Mulheres religiosas também sofreram violência sexual. Áurea Moretti foi presa
em Ribeirão Preto, São Paulo, juntamente com madre Maurina. No depoimento de
Áurea sobre o estupro da religiosa, observamos:
“Eu tenho evidências, mas não tenho provas. Ela nunca me
falou claramente. Quem dizia isso eram eles. Tinha um militar de
Pirassununga, um louro de olho azul que tirava a gente da cela à noite
e ficava torturando. Uma madrugada ele foi buscá-la. Ela sozinha. Ele
bebia, talvez se drogasse, ficava com o comportamento todo alterado e
levou ela. Uma noite ela voltou chorando, dizendo que ele trancou a
sala com ela e que um soldado que ia à missa era amigo dela veio,
abriu a porta. E ficou ali, atrapalhando. Ficou entrando e saindo, e esse
capitão xingando ele. Numa outra noite aconteceu a mesma coisa. Na
volta pra cela ela só chorava, não falava nada”
169
.
No documentário Que bom te ver viva”, temos o depoimento de Rosalina,
onde se torna explícito que o que se encontrava em jogo era a desestruturação do
indivíduo, uma espécie de punição pela rebeldia de ir contra a autoridade dos
militares, e não a informação em si.
No depoimento de Rosalina, observa-se que:
“a tortura é uma coisa que é feia, que é pouco épica, que não é
heróica As pessoas têm medo de se aproximar, têm medo de pegar
essa bandeira, então essa bandeira ficou com as famílias, ficou com os
torturados, que ficam de certa forma meio isolados, meio que com jeito
de bruxa, de caça às bruxas, daqueles caçadores nazistas e a gente
fica querendo se identificar com isso e é uma luta manter a denúncia”.
168
Ibid. p. 19.
169
PONCE, J. A. de Granville. “Política, repressão e ideologia”. Op. Cit., p. 97.
90
A relação com os torturadores é narrada por Rosalina de maneira muito
objetiva, no sentido de demonstrar o grau de impunidade, da impotência vivida no
período. Ela cita um momento em que pediu ao torturador que a matasse, pois
não agüentava mais e este lhe disse que não a mataria, que tinha como objetivo a
torturar o quanto quisesse e somente a mataria se assim o desejasse: o poder
exercido pelo governo. O que percebemos com essas declarações é que a violência
foi justificada pela ditadura, que se viviam “em tempos de guerra”. No caso da luta
armada no Brasil observamos que mesmo o Código Penal classificando o estupro
como crime hediondo, com a imposição do Ato Institucional 5, o governo estava
amparado para cometer todas as atrocidades possíveis em nome da manutenção da
ordem.
Para a abordagem da questão da tortura durante a ditadura militar,
utilizaremos o conceito adotado na Convenção das Nações Unidas contra tortura, na
Assembléia Geral em 10 de dezembro de 1984:
“(...) o termo "tortura" designa qualquer acto pelo qual dores ou
sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos
intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira
pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou
terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de Ter cometido; de
intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer
motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais
dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou
outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação,
ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará
como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência
unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais
sanções ou delas decorram.
170
Hélio Pellegrino destaca o processo de dilaceração da condição de
humanidade perpetrado pela tortura:
170
Biblioteca Virtual dos Direitos Humanos - USP. In:
http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Onu/Prisioneiros/texto/texto_3.html acesso em 18/03/2007.
91
“[Ela] destrói a totalidade constituída por corpo e mente, ao
mesmo tempo em que joga o corpo contra nós, sob forma de um
adversário do qual não podemos fugir, a não ser pela morte. A
tortura transforma nosso corpo aquilo que temos de mais íntimo
em nosso torturador, aliado aos miseráveis que nos torturam. Esta é
a monstruosa subversão pretendida pela tortura. Ela nos racha ao
meio e, no centro desta esquizofrenia, produzida em dor e sangue,
crava a sua bandeira de desintegração, terror e discórdia
171
”.
E Irene Cardoso arremata, na mesma linha:
“... a tortura cria o espaço do absoluto arbítrio e tem sua
eficácia de funcionamento na criação deste espaço. Constrói uma
relação dual, torturador-torturado num tempo e num espaço não
localizáveis pela vítima que, via de regra encapuzada e submetida
anteriormente a privações de toda ordem, inclusive a da localização
temporal, não pode ver a figura do torturador como um agente legal.
Este não pode ser visto como um funcionário da lei, porque
não está submetido, na situação de tortura a nenhum tipo de lei, a
nenhum tipo de regra
172
”.
O Projeto ”Brasil: Nunca Mais”, já citado, reproduz, em três volumes (Tomo V,
volumes 1, 2 e 3 - As torturas), a totalidade dos processos contra presos políticos na
instância do STM - Superior Tribunal Militar (1964-1978) com os depoimentos das
1843 pessoas
173
(2847 páginas) que fizeram em juízo a denúncia das violências que
sofreram e chega à seguinte conclusão:
“...a leitura dos relatos das vítimas serve como refutação dos
argumentos geralmente usados no sentido de fazer crer que as
violências nos organismos de repressão policial-política eram
171
PELLEGRINO, Hélio. “A tortura política”. In: A burrice do demônio. RJ, Rocco, 1988, p.19 - 20.
172
CARDOSO, Irene. “O arbítrio transformado em lei e a tortura política”. In: FREIRE, Alípio et al. (org),
Tiradentes, um presídio da ditadura. São Paulo, Scipione Cultural, 1997, p. 478.
173
Nos doze volumes do Projeto “Brasil: Nunca Mais”, coordenado pela Arquidiocese de São Paulo, resultado
de uma pesquisa realizada em todos os processos constantes no Supremo Tribunal Militar, no período de abril
de 1964 a maio de 1979, levantou-se que 1.843 pessoas presas no período de 1964 a 1979 denunciaram
torturas, mortes e desaparecimentos de opositores políticos. Chegou-se ainda, aos seguintes números de
pessoas que foram denunciadas pela Justiça Militar: de 1964 a1968, foram 2.735 pessoas; de 1969 até 1974,
4.748 pessoas e de 1975 até 1979, 244 pessoas. Isto perfaz o total de 7.727 pessoas que foram denunciadas.
Daí, calcula-se que o número de presos - pois muitos não foram denunciados e nem sequer prestaram
depoimentos em Auditorias Militares - seja o triplo, chegando a quase 30.000 pessoas. Ver também: COIMBRA,
Cecília Maria Bouças. Discursos sobre Segurança blica e Produção de Subjetividade: Violência urbana e
alguns de seus efeitos. Trabalho de Pós-Doutorado, NEV/USP, 1998.
92
excessos de uns poucos. Na verdade os relatos trazem consigo a
convicção inabalável que a aplicação da tortura havia sido
deliberadamente determinada e adotada, fazendo parte essencial do
aparelho de repressão montado pelo Regime Militar. Decorre dos
testemunhos a certeza de que o uso da tortura contra opositores
políticos é parte integrante dos regimes calcados na Doutrina de
Segurança Nacional
174
”.
Quanto a isto, o “Manual Confidencial de Interrogatório”, produzido em 1971,
pelo Centro de Informações do Exército (Cie), sob a responsabilidade do gabinete
central do Ministério do Exército, o deixa margem para dúvidas. Sobre ele, nos
fala Marion Brepohl:
“Quanto ao Manual do Interrogatório, instruía sobre como
obter a confissão dos presos políticos por meio da coerção física e
ou psicológica. Era um documento mais restrito, que circulava
apenas entre os estratos intermediários ou superiores da hierarquia
repressiva.
(...) embora estes manuais pareçam se constituir, numa
primeira leitura, em um conjunto de instruções sobre o procedimento
a ser adotado nos interrogatórios como deve ser preparada a sala
de interrogatório, a preparação do preso, o que perguntar, como
reduzir as defesas internas do interrogado, como ganhar a sua
confiança, como avaliar o grau de veracidade do testemunho,
quando e como intimidar o prisioneiro etc., numa leitura mais
aprofundada, podemos apreender-lhe um outro sentido. Se
objetivamente os manuais são redigidos para orientar o interrogador
de forma a que ele conduza o processo até que o prisioneiro forneça
as informações desejadas, por outro lado, ele é, ao mesmo tempo,
um trabalho ideológico que prepara o próprio interrogador.”
175
Não podemos deixar de trazer aqui para tal discussão, Pierre Ansart que nos
fala dos “momentos extremos de energia apaixonada” que vemos, no decorrer deste
texto, principalmente nos atores da resistência, que vão arriscar suas vidas nas
ações políticas que praticam. Por outro lado, temos essa figura de negação de
174
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”. As torturas, Tomo V, v. 1, 1985, p.17, grifo
original.
175
MAGALHÃES, Marionilde Dias Brepohl de. “Documento: Manual do interrogatório.” História: Questões &
Debates, Curitiba, n. 40, p. 201-240, 2004. Editora UFPR. O Manual está reproduzido na citada Revista.
93
qualquer sensibilidade e emoção, treinado para ter esse distanciamento, como nos
mostra esse trecho do manual de interrogatório:
“Apresentamos a seguir, muito genericamente, os quatro
principais tipos de aproximação. O interrogador experimentado pode
avaliar qual tipo de aproximação utilizará e, até, jogar uma contra a
outra. Essas quatro forma de aproximação são:
a) Aproximação insensível, mecânica e fria. Esta requer que o
interrogador mantenha seu questionário numa voz monótona, fria,
dura e com grande regularidade. Deve mostrar-se implacável e rude,
como uma máquina, e não demonstrar nenhuma emoção.
176
Mais adiante podemos ler o seguinte:
“Qualidades do interrogador
1) Todo interrogatório é um confronto entre seres humanos,
desencadeado fora das regras que, usualmente, dirigem as relações
humanas. A resistência do indivíduo tem que ser quebrada e o
interrogador precisa dominá-lo.
2) Isso requer grande vigor mental e físico, objetividade e
completa frieza por parte do interrogador. Nem todos estão mental,
moral ou fisicamente aptos para a tarefa e, por isso, os
interrogadores devem ser selecionados com extremo cuidado. Um
violento ou sadista é tão pouco adequado quanto um sentimentalista
ou um fraco.
3) A qualidade mais importante que um interrogador deve
possuir é a persistência. (...)
4) Outra qualidade, quase tão importante quanto à anterior, é a
frieza. O interrogador não deve envolver-se emocionalmente com o
prisioneiro. Deve ser capaz de simular emoções, tais como nojo,
piedade e desgosto, mas nunca, realmente, senti-las.
177
”.
Este ser desumanizado, treinado, incorpora a dicotomia ordem-desordem,
onde ele, claro, representaria a ordem, a segurança, tem o domínio de si, e controla
seus impulsos pelo menos perante seus superiores. É o homem-máquina criado
pela ditadura, como vemos neste depoimento de Davi dos Santos Araújo, o Capitão
176
MAGALHÃES, Marionilde Dias Brepohl de. “Documento: Manual do interrogatório.” História: Questões &
Debates, Curitiba, n. 40, p. 201-240, 2004. Editora UFPR. Pg 215.
177
Id Ibid, pg 218. V. tb. a matéria: Técnica de interrogatório de Hélio Zolini no jornal Hoje em dia, 22/8/1999, p.
19. Reportagem especial ‘Manual do Exército admite tortura O documento, de 1971, contém um detalhado
roteiro com as principais técnicas de interrogatório de presos políticos’ de Sandra Carvalho, Zero Hora, Porto
Alegre, terça-feira, 22 de maio de 1995, p. 4-5.
94
Lisboa, ao ser indagado sobre qual a situação atual dos torturadores do regime, diz
que os mesmos são “um bando de infelizes”. Eis um trecho da entrevista, onde a
sua explicação para tal infelicidade:
“(...) Praga de terrorista deve ser muito pior do que praga de
bandido comum. É muito estranho. Se você pegar a ficha de um por
um, profissionalmente, nunca foram nada, como eu. Os do Exército
nunca chegaram ao generalato. Nem um único. O Ustra fez todos os
cursos do Exército em primeiro lugar. O Ustra nasceu para ser
general da ativa. Fez tudo direitinho, tudo certinho. Um homem
íntegro, limpo. Na antevéspera – olhao destino desse homem – na
antevéspera de ser promovido a general-de-brigada acontecem duas
desgraças na vida dele. A primeira foi aquela solenidade em
Montevidéu, onde a deputada federal Bete Mendes, dedo em riste, o
apontou como torturador. Ele foi recolhido para Brasília. Na mesma
antevéspera, o Ustra fez o que nunca tinha feito na vida. Veste uma
camisa da UDR, sai na rua e é fotografado pelo serviço reservado. Ele
se aposenta. Azar! Azar! O Ustra não tem um metro quadrado, de
terra, não é fazendeiro, não tem sítio, chácara, nada. A troco de que
Deus permitiu que ele enfiasse aquela camiseta da UDR e fosse
pro comício da UDR, e aparece um filho da puta que diz: ‘Pô,
aquele não é fazendeiro, nem peão de fazenda, aquele é o
Comandante do DOI-CODI’ s vamos promover esse homem a
general? Não! De todos nós ele era o único que seria promovido a
general. E não foi por causa da acusação da Bete Mendes. Está
um outro, o APARECIDO LAERTE CALANDRA (NA: delegado de
polícia civil de São Paulo, incluído na lista dos torturadores com o
nome de ‘Capitão Ubirajara’), um homem que só trabalha, não tem um
ato de corrupção
178
”.
Vemos nesse depoimento que não existe arrependimento por parte do
torturador. As únicas lamentações estão relacionadas à questão econômica e à
colocação profissional destes homens. Ainda que possamos pensar que os
guerrilheiros não foram “mais militantes” do que alguém que optou por criticar o
regime fazendo uso da arte, por exemplo, foram pessoas que acreditaram numa
dada perspectiva de contestação ao golpe militar, conscientes do preço que
poderiam ter de pagar, e esta consciência, porém, de forma e maneira alguma serve
como atenuante ou de justificativa para as atrocidades do aparelho repressor.
178
CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. Cit., pg. 315.
95
Por outro lado, esse ser humano desumanizado, é presa de um desejo mais
extremo: o desejo de poder, principalmete, do poder absoluto sobre o outro. A partir
da existência deste ser humano sem sensibilidade, configura-se o quadro que
Hannah Arendt chamou de Mal Absoluto, entendido como negativa absoluta da vida
pública: como os campos de concentração e de extermínio, as câmaras de tortura
podem ser vistas como “laboratórios especiais para o teste do domínio total”, “onde
tudo é possível”
179
. Hannah Arendt faz a discussão no horizonte do político. Para
ela, “...o mal político consiste na destruição da pluralidade que pode ser
compreendida como espaço comum constituído por seres ao mesmo tempo
singulares e semelhantes e onde cada um tem o seu lugar a ocupar”
180
.
É a partir deste registro que entendo o conceito arendtiano de banalidade do
mal e a ele recorro aqui. Trata-se da reconhecida categoria desenvolvida por
Hannah Arendt no seu livro sobre o julgamento do criminoso de guerra nazista Adolf
Eichmann, em Jerusalém, em 1961. Eichmann, um dos maiores responsáveis pela
implementação da solução final nazista, era um homem qualquer, protótipo do
homem de massas. A autora não constatou nele sinal algum de patologia,
perversidade especial ou fanatismo: o que o caracterizava era ausência absoluta de
pensamento e imaginação e total superficialidade. Este conceito cruza
insistentemente com o conceito kantiano de mal radical. De acordo com Nádia
Souki, a banalidade do mal é a versão contemporânea do mal radical: “O conceito
de banalidade do mal, iluminado pelo de mal radical, possibilita a Hannah Arendt
179
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo, p. 9. V. tb.: LAUNEY, Michelle-Irène B. “Le totalitarisme
arendtien: fecondité et paradoxes”. In: CALOZ-TSCHOPP, M. C. Hannah Arendt et la banalité du mal comme
mal politique, p. 68-72; e GOTTHHOLD, Brigitte. “Les phénomènes du mal et la relacionalité dela politique chez
Hannah Arendt”. In: CALOZ-TSCHOPP, M. C. op. cit., p. 49-57.
180
MOLOMB’EBEBE, Munsya. “Pour résister au mal radical”. In: CALOZ-Tschopp, M. C. , op. cit., p. 175.
96
fazer uma releitura política de Kant, pois o mal radical é a própria destruição do
político”.
181
Para Kant, a propensão do ser humano para o mal não exclui a sua
disposição original para o bem: bem e mal coexistem no contexto da liberdade de
escolha. Segundo Souki existe a possibilidade dessa questão extrapolar o plano
individual, atingir grupos e terminar no Estado, o que imprime dimensão política à
noção kantiana. É nessa dimensão que o pensamento sobre a banalidade do mal
de Hannah Arendt parece convergir para o mal radical kantiano sem que, contudo,
ela tenha se dado conta disso”.
182
Arendt trabalha na obra Origens do totalitarismo com as duas noções de
mal absoluto e de mal radical.
183
O mal não é ontológico, essencial ou inato, não é
transcendente nem imanente ele não é natureza e não é metafísica e tampouco
é individual ou privado. É, ao contrário, político e histórico por ser produzido pelos
homens e só se manifestar quando e onde houver espaço institucional para ele. Não
se trata, portanto, de necessidade, mas de escolha política. Daí a sua capacidade de
propagação, que levam à banalização da violência e ao descrédito do senso comum
ou, para usar o termo técnico, ao vazio de pensamento, onde a banalidade do mal
se aloja.
A banalidade do mal acontece, para André Duarte, “quando os piores crimes
políticos tornam-se rotina institucionalizada”,
184
o que remete à questão da tortura
181
Ver próxima nota.
182
Para esta relação ver: SOUKI, Nádia. Hannah Arendt e a banalidade do mal. Belo Horizonte/MG: Editora da
UFMG, 1998, pp. 99-108 (Coleção Humanitas); as citações se encontram às páginas 105 e 102,
respectivamente, nessa ordem. V. tb. : D’ALLONES, Myriam Renault. “Hannah Arendet et la question du mal
politique”. In CALOZ-TSCHOPP, M. C. Op.Cit., pp.19-22.
183
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Op. Cit., pp. 439-511, sobretudo as páginas 494 e 510/511 (a
citação está na página 511).
184
DUARTE, André. Op. Cit., p. 343.
97
no Brasil – com certeza uma das formas do mal absoluto –, a qual pode ser
considerada a instituição central da ditadura militar.
185
Representa a impossibilidade total do exercício da política, como vimos
anteriormente. Além de obter informações e massacrar os opositores do regime, a
tortura acaba subjugando toda a sociedade enquanto dispositivo social que cumpre
a função de produzir a “inércia do terror”
186
: mais do que fazer falar, ela conduz ao
silêncio, força a passividade, impõe conivência e cumplicidade, destrói a
individualidade.
Esta estratégia radical de supressão da política
187
determina a desertificação
social caracterizada pelo fechamento dos espaços públicos de mobilização e
convivência social cujo efeito, de acordo com Vera Telles, é “...apagar os sinais de
reconhecimento popular e esvaziar o sentido da ação coletiva como forma de
participação na vida social (...) despolitizando a sociedade e desfigurando a política
como coisa pública
188
.
Repressão generalizada, tortura institucionalizada, prisões clandestinas,
assassinatos e desaparecimentos políticos, censura prévia, aniquilamento dos
canais de expressão e manifestação, militarização da guerra contra a subversão -
uma parte da sociedade civil simplesmente vai se perder neste quadro. Implementa-
se a demolição dos espaços e instâncias tradicionais de militância política e
sociabilização
189
: liquidação dos sindicatos e dos movimentos de trabalhadores
rurais e urbanos; dissolução dos partidos políticos e das agremiações culturais;
185
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castello a Tancredo. São Paulo: Paz e Terra, 2000, pp. 260/261.
186
IBARRA, Carlos Figueiroa, op. cit., p.8.
187
OLIVEIRA, Francisco. “Privatização do público, destituição da fala e anulação da política: o totalitarismo
neoliberal”. In: OLIVEIRA, Francisco e PAOLI, M. Célia (orgs.), op. cit , p.63 -65.
188
TELLES, Vera. “A experiência do autoritarismo e práticas instituintes.” Dissertação de mestrado, USP, 1984,
p. 20-21. Apud SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. São Paulo, Paz e Terra, 1991, p.
115.
189
TELLES, Vera. “Anos 70: experiências, práticas e espaços políticos”. In: KOVARICK, Lúcio (org.). As lutas
sociais e a cidade. São Paulo, Paz e Terra, 1988, p. 254 (p. 247-283). V. tb. CARDOSO, Irene. “Há uma herança
de 1968 no Brasil?”. In: GARCIA, M.ª e VIEIRA, M.ª (org.), op. cit., p.135-142.
98
proscrição das entidades estudantis; descaracterização do Legislativo e militarização
do Judiciário e desqualificação de ambos - paralelas à hipertrofia do Executivo;
controle draconiano de fábricas, escolas e universidades; interdição das
manifestações de rua; eliminação das oposições de esquerda, armadas ou não.
Maria Paula Nascimento Araújo salienta que o golpe militar determina, de forma
violenta e traumática, a retirada da cena política de toda uma geração anterior a ele,
destruindo “...não apenas esquemas, sonhos e partidos: cortou carreiras políticas e
interrompeu projetos de vida
190
.
O conseqüente enclausuramento dos indivíduos na esfera privada alimenta
uma cultura da desconfiança e do medo - marca registrada da fase ditatorial da
nacionalidade sem cidadania - que passa a ser a principal forma de controle,
sustentada pela repressão tentacular, por rígida censura e intensa propaganda
oficial.
Esta política de desertificação social começa a mostrar sinais de esgotamento
- mas ainda com boa reserva de fôlego - a partir de meados da década de 1970, sob
a égide dos dois últimos generais-presidentes, Ernesto Geisel (1974-1979) e João
Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1985). As eleições de 1974 de caráter
claramente plebiscitário podem ser consideradas o ponto de inflexão a partir do
qual as contradições do regime se manifestarão com mais força. A insatisfação da
sociedade, demonstrada de forma inequívoca pela vitória da oposição - para
surpresa do próprio MDB, que se mostra assustado e vacilante, sem conseguir
capitalizar o próprio desempenho e disputar a hegemonia política com o regime -
pode ser atribuída a três ou quatro ordens de motivações
191
:
190
ARAÚJO, M. Paula Nascimento Araújo. A utopia fragmentada. As novas esquerdas no Brasil e no mundo na
década de 1970. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 84.
191
Esta análise de conjuntura é baseada sobretudo em: CRUZ, Sebastião C. Velasco e MARTINS, Carlos
Estêvão, op. cit., p. 46-71; OLIVEIRA, Eliézer Rizzo. “Condicionantes militares da distensão política”, p. 23-66; e
99
deslegitimação da repressão aos olhos das classes médias - cujos
filhos perdem a imunidade e se tornam os principais alvos do aparelho
repressivo, sobretudo a partir de 1968 - reforçada pela configuração
de situação de ausência de inimigos plausíveis com o afastamento da
ameaça concreta do comunismo, a derrocada da guerrilha e a
dizimação da oposição não-institucional, armada ou não;
multiplicação no país e no exterior de denúncias dos crimes da ditadura
militar (a situação dos presos políticos, exilados e banidos; a questão
da tortura e dos assassinatos e desaparecimentos) e conseqüente
aumento da pressão nacional e internacional no sentido da apuração e
punição dos responsáveis
192
;
quebra da aura de austeridade e eficácia no combate à corrupção com
a publicização de escândalos no primeiro escalão, envolvendo
diretamente o próprio presidente Geisel (caso Lutfalla
193
);
o fim do chamado milagre brasileiro na economia e a conseqüente
agudização de sua essência perversa inflação galopante e recessão,
opressão econômica, arrocho salarial, crescimento exponencial da
dívida externa, aumento brutal dos níveis de miserabilidade.
A conjuntura que se abre, então, é marcada pelo despertar dos setores
médios
194
- como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984, sobretudo p.
203 et passim.
192
Além de reiteradas denúncias de organismos como a Anistia Internacional (ver: relatórios anuais 76-77 e 77 -
78); o Tribunal Russel e a Liga pelos Direitos dos Povos; a matéria de capa da ‘insuspeita’ revista Time August
16, 1976 “TORTURE as state policy” (p. 9 a e b, 10) coloca o Brasil como um dos grandes violadores dos direitos
humanos, com destaque para a invenção brasileira tornada produto de exportação, o pau-de-arara (“parrot’s
perch”). Diz a matéria da revista americana à p. 9: “... last year alone there were more than 40 violating states.
From Chile, Brasil, Argentine, Uruguay and Paraguay to Guinea, Uganda, Spain, Iran and the Soviet Union,
torture has become a common instrument of state policy practiced against almost anyone ruling cliques see as a
threat to their power.”
193
O Caso Luftalla, a grosso modo, foi um esquema de irregularidades na concessão de empréstimos ao grupo
Lutfalla, pelo BNDE, tendo como principal nome o então senador Paulo Maluf, o escândalo foi manchete em
setembro de 1979, mas já em 1981 um inquérito sobre o caso Lutfalla, iniciado pela Polícia Federal, foi obstruído
no Ministério da Justiça. Folha de S Paulo, 16 de abril de 1981.
100
de Imprensa (ABI) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
além da insurgência da ala progressista da hierarquia da Igreja Católica, que tem
representação significativa na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Nesta fase ainda não há mobilizações de massa, à exceção do movimento estudantil
que reinicia as greves a partir de 1975 e começa a romper os limites universitários
dos campi.
Neste ano é desencadeada também a campanha pela Anistia com o
lançamento do “Manifesto da Mulher Brasileira pelo Movimento Feminino pela
Anistia” (MFPA), organizado primeiro em São Paulo sob o comando de Terezinha
Zerbini.
De lá, se irradiando por todo o país, foram constituídos núcleos em Minas
Gerais, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Sergipe, Ceará, Paraíba, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. Cabe, às mulheres, portanto, o pioneirismo na luta
pela Anistia; mais uma vez são elas que jogam o papel de vanguarda na história.
Neste processo Helena Greco e Terezinha Zerbini, cada uma a seu modo, tornam-
se referências nacionais e internacionais obrigatórias. O MFPA acumula forças e
abre espaço para a constituição dos Comitês Brasileiros de Anistia.
Num primeiro momento são as mães, irmãs, companheiras e filhas dos
atingidos que se aglutinam em torno de um objetivo comum a busca dos familiares
desaparecidos ou a defesa dos familiares presos. Se, como dissemos anteriormente,
a relação entre o movimento pela Anistia e a ditadura se a partir das
manifestações de raiva, revolta, medo, solidariedade, ressentimento, desprezo,
paixão e desejo, não é por acaso que o movimento pela Anistia tem como mola
propulsora a ação de mães, irmãs e companheiras. Trata-se de uma pulsão contra a
194
STARLING, Sandra, op. cit., p.56.
101
morte, contra a extinção, um instinto pela sobrevivência e das idéias pelas quais
lutam.
195
Mas logo a luta pela Anistia vai se ampliar, politizar e envolver os mais
diversos setores da sociedade, como será visto no próximo capítulo.
Uma nova conjuntura se abre em 1977-1978, agora com a retomada das
manifestações de massa das classes médias e das camadas populares, o
verdadeiro despertar da sociedade civil para a maioria dos estudiosos do período. É
o tempo das grandes greves dos metalúrgicos do ABCD paulista, que acabam
contagiando outras categorias (professores, construção civil, dicos, funcionários
públicos, bancários, petroleiros, carreteiros). A mobilização estudantil se faz
definitivamente extra muros, em torno da recriação da União Nacional dos
Estudantes (UNE) e das Uniões Estaduais dos Estudantes (UEEs) – as entidades de
base (Centros de Estudo, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais de
Estudantes) foram reconstruídos ainda durante os chamados anos de chumbo, na
primeira metade da década de 1970. Rearticula-se o movimento popular em torno da
luta contra a carestia. As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e as comissões
pastorais populares potencializam ainda mais o peso político da Igreja Católica, que
passa a ser considerada por muitos “o único partido nacional de massas” existente
no país
196
.
É neste contexto que a luta pela Anistia ganha as ruas, a partir das
mobilizações impulsionadas pela criação dos Comitês Brasileiros de Anistia - CBA
(1978) Brasil adentro e afora. Os CBA’s tinham uma ação política com um fim
específico, e que busca retomar o espaço público do debate e a visibilidade:
“A primeira ação do CBA de São Paulo se deu por causa da
prisão dos militantes da Convergência Socialista. Fomos para o pátio
da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Na mesa,
195
V. ANSART, Pierre. La Gestion des Passions Politiques. Lausanne: L’Age d´Homme, 1983. p. 61.
196
STARLING, Sandra, op. cit., p. 67.
102
estávamos eu e a Veroca Paiva, filha do Rubens Paiva, o Marcelo
Barbieri, (...), e o Arnaldo Jardim (...). Estávamos ali dirigindo o ato
com um bruta medo, quando tivemos a informação de que a
Faculdade estava cercada pela tropa de choque. Pedi calma. A
Veroca ficou tomando conta do ato e eu fui com mais algumas
pessoas falar com o Coronel Braga, que era comandante da PM e
que avisou: ‘Vai tudo em cana! E explicou: ‘Isso aqui é o resto de
comunista que tem em o Paulo’. Argumentamos que era um ato
pela Anistia. Mas ele disse: ‘-Que Anistia? É tudo subversivo.
Acabamos fazendo uma negociação: terminaríamos o ato e todo
mundo sairia com a mão na cabeça, mas ninguém seria preso (...).
O segundo passo foi um ato aberto que fizemos do lado externo da
Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Se tivesse polícia, a
gente entraria correndo. Depois, uma terceira ousadia: nossa
primeira passeata, do Largo São Francisco até a Praça da Sé, em
1978. As pessoas começaram a jogar papel picado. A estava
proibida desde maio de 1970 (...), fizemos um pequeno comício e
ninguém foi preso.
197
Mas ao mesmo tempo em que negociavam e buscavam um diálogo com a
ditadura, os CBA’s se afirmavam criando novas normas de discussão. Rompiam com
uma política que estava no poder e inauguravam argumentos que não faziam parte
da discussão. É a idéia da política pela lógica do dissenso de Jacques Rancière
198
.
No texto “O Desentendimento”, este autor interpreta o funcionamento da
comunicação política. Sua teoria é um contraponto às teorias do consenso, como a
de Habermas, por exemplo. Para Habermas, a razão teria uma natureza
comunicativa cuja finalidade seria um acordo consenso - dos interesses em
processo na sociedade. Rancière entende a política como o palco no qual “sujeitos
em dissenso” que podem ser os excluídos do consenso - elaborariam estratégias
para a realização de interesses variados ou discordantes. A idéia de
desentendimento, portanto, recusa o modelo idealizado de uma comunidade voltada
para o consenso.
197
Entrevista de Luis Eduardo Greenhalgh à Revista Adusp. Outubro de 1999, pg. 80.
198
RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Editora 34, 1996.
103
Rancière define a política como o surgimento de um elemento que até então
não fazia parte do conjunto daqueles que confrontavam seus interesses dentro de
uma ordem consensual. Diz o autor: “A atividade política é a que desloca um corpo
do lugar; ela faz ver o que não cabia ser visto, faz ouvir um discurso ali onde só tinha
lugar o barulho, faz ouvir como discurso o que só era ouvido como barulho.
199
A luta
pela Anistia inaugurou uma nova fala nessa política institucionalizada. Foi um novo
discurso, mostrou o que não “cabia”.
A repressão agora é levada a mudar de tática para assegurar sua
perpetuação voltando a utilizar as instalações do aparelho de Estado e
incrementando a sua articulação com grupos para-policiais e paramilitares. No
período imediatamente anterior, quando foi criada a figura dos desaparecidos
políticos, eram usadas prioritariamente instalações clandestinas “devidamente
equipadas e adaptadas para toda sorte de torturas”
200
, onde os presos políticos
eram mantidos e interrogados depois de terem sido seqüestrados. Existiam
dezenas em funcionamento no Brasil, sobretudo entre 1969 e 1975. Dos 246 centros
de tortura ativos durante toda a ditadura militar, o “Projeto BNM” conseguiu
identificar apenas sete destes aparelhos do sistema repressivo, e chamados Casas
da Morte.
A repressão muda também de alvo na tentativa de justificar sua existência:
com a extinção definitiva da esquerda armada, os órgãos repressivos se voltam mais
uma vez para o Partido Comunista Brasileiro (PCB); para o que sobrou do Partido
Comunista do Brasil (PCdoB) depois da investida contra a guerrilha do Araguaia
(1972-1974), onde foram mortos 69 guerrilheiros; e daí para organizações menores,
em 1977, como o Movimento de Emancipação do Proletariado (que não era
199
Ibid, pg 42.
200
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: nunca mais”. A tortura. Tomo V, v. 1, p. 16.
104
militarista). No entanto, o giro é dado, sobretudo, em direção ao reemergente
movimento organizado da sociedade civil. Entidades legais, órgãos da chamada
imprensa alternativa e até as bancas de revistas que vendiam tais publicações ditas
alternativas tornam-se objeto prioritário do aparelho repressivo do Estado e das
organizações terroristas intimamente vinculadas a ele, como o Comando de Caça
aos Comunistas (CCC), o Movimento Anti Comunista (MAC), o Grupo AntiComunista
(GAC), o Comando Delta, a Falange Pátria Nova, a Aliança Anticomunista
Brasileira
201
entre outros.
De 1977 a 1981, ocorrem cerca de cem atentados praticados pela direita em
todo o país, contemplados com a mais completa impunidade: não houve apuração
das responsabilidades ou qualquer tipo de punição, poucos foram os inquéritos
abertos e absolutamente nenhum deles prosperou. A cidade de Belo Horizonte foi
palco de trinta e seis atentados mais de 1/3 do número total estimado –, e o
movimento pela Anistia foi alvo de meia dúzia deles,
202
além de intimidações
diversas (bilhetes, cartas, divulgação de documentos apócrifos, telefonemas
obscenos, ameaças, violações de correspondência, provocações de todos os
gêneros).
Os episódios da OAB-RJ (agosto de 1980) e do Riocentro (em 30 de abril de
1981) têm maior repercussão porque, no primeiro caso, a secretária que recebeu a
carta-bomba, D. Lydda Monteiro da Silva, morreu em conseqüência da explosão; e,
201
V. síntese do histórico destes organismos em: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra operigo
vermelho’: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas, USP, SP, 2000, p.194-201 (“Organizações terroristas”).
202
Dois documentos fazem o relato minucioso e circunstanciado desses atentados: o dossiê “A quem interessa o
terror”, elaborado por diversas entidades e personalidades que os sofreram (MFPA-MG; Em Tempo; De fato;
DCE-UFMG; Dr. Geraldo Magela de Almeida. D. Helena Greco; Grupo de Padres pelos Direitos Humanos; Igreja
São Francisco das Chagas), e editado pela Editora Aparte de Belo Horizonte/MG, em Set./1978 e também
publicado pelo Jornal Em Tempo, n. 31, 2 a 8 de outubro de 1978, p. 4, sob a manchete: “Governo nega
solidariedade às vítimas do terror”. O segundo documento é o Relatório das atividades da CPI criada na
Assembléia Legislativa de Minas Gerais, com o objetivo de apurar denúncias de omissão e desinteresse do
governo na elucidação e punição dos atentados terroristas praticados contra pessoas e entidades no estado de
Minas Gerais, elaborado pela oposição (PP e PMDB), sob o título de: “Denúncia à nação”, Out./1980, mimeo.
105
no caso do segundo, revela-se de forma insofismável o comprometimento do
Exército e do próprio aparelho de Estado com este tipo de prática. O flagrante foi
toscamente descaracterizado a bomba explodiu no estacionamento do Riocentro
(durante um show comemorativo ao “Primeiro de Maio” Dia do Trabalho)
literalmente entre as mãos dos terroristas que a levavam, ninguém menos do que
dois militares do DOI-CODI do Rio de Janeiro: o capitão do Exército Wilson
Machado, e o sargento Guilherme Pereira do Rosário, ferindo a um e matando o
outro, respectivamente. O inquérito foi aberto, mas sumariamente esvaziado e
concluído. Segundo Jacob Gorender:
“A ofensiva policial antipecebista se efetuou em estilo de
desafio à orientação distensiva do Presidente Geisel, preocupado em
ajustar a ditadura militar à correlação de forças políticas em processo
de mudança. Os assassinatos provocativos de Vladimir Herzog e de
Manoel Fiel Filho, no DOI/CODI de São Paulo, firmaram o Presidente
na decisão excepcional de demitir, em princípios de 76, o general
Ednardo D’Ávila Mello do comando do II Exército. Em seu lugar, o
general Dilermando Gomes Monteiro agiu conforme a recomendação
presidencial. Não mais ocorreram incidentes de revoltar a opinião
pública. Nem por isso, o DOI/CODI de São Paulo se absteve de
matar três indefesos dirigentes do PC do B e de torturar os
sobreviventes da reunião da Lapa [1976]”. (...) no governo
Figueiredo, o alvo se transferiu para entidades da oposição legal,
atingidas por explosões de bombas, com mortos e feridos. A
escalada do terrorismo de direita, ativo nos porões dos órgãos
repressivos, culminou às vésperas do 1º de maio de 1981, no falhado
atentado ao festival do Riocentro. Ficou uma reverberação de pavor e
escândalo”.
203
Assim, também o terrorismo de Estado continuou ativo: além de Vladimir
Herzog, Manoel Fiel Filho e dos três dirigentes do PC do B aos quais Gorender se
refere , 12 militantes foram mortos pela repressão entre 1975 e 1980 e houve nove
203
GORENDER, Jacob, op. cit., p. 233. Sobre o caso Riocentro, ver os depoimentos colhidos por Gláucio Ary
Dillon Soares, Maria Celina D’Araújo e Celso Castro, onde os generais José Luís Coelho Netto e Enio dos
Santos Pinheiro, por exemplo, militares vinculados organicamente a ditadura militar e ao seu aparelho
repressivo, reconhecem a responsabilidade oficial na questão em: SOARES, Ary Dillon et al. A memória sobre a
abertura. A volta aos quartéis. RJ: Relume Dumará, 1995, p. 203-204 e p. 246-248.
106
desaparecimentos políticos (incluindo dois argentinos). Entre os mortos estão três
metalúrgicos (Benedito Gonçalves, Guido Leão e Santo Dias da Silva) e um operário
da construção civil (Orocílio Martins Gonçalves), por participarem de mobilizações
grevistas; além de dois líderes sindicais rurais em áreas de conflito de terra
(Raimundo Ferreira Lima e Wilson de Souza Pinheiro). Destaca-se ainda o caso
pouco conhecido de Pedro Jerônimo de Souza, também militante do Partido
Comunista Brasileiro, morto no DOI-CODI de Fortaleza um mês antes de Herzog
(em 17 de setembro de 1975), em idênticas circunstâncias suicídio por
enforcamento com a própria toalha de rosto.
204
E mais: no final de 1978, os uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Dias
foram seqüestrados em Porto Alegre por policiais brasileiros em operação conjunta
com a repressão uruguaia. A denúncia deste caso constitui uma das principais
campanhas dos CBA’s, como será visto adiante.
O Governo Geisel vai enfrentar as duas conjunturas apontadas o despertar
das classes médias (1974-77) e a retomada do movimento operário e popular (1977-
78), somadas ao fator complicador representado pelos dilemas da repressão, com a
combinação de quatro tipos de procedimento:
ofensiva no sentido de regulação do aparelho repressivo, na tentativa
de garantir sua previsibilidade e refrear a tendência à autonomização –
as medidas concretas se limitam à divisão da sua competência com o
poder Judiciário e a Procuradoria Geral da República; o objetivo não é
a desativação, mas o controle. Se, de um lado, são tomadas medidas
204
GRUPO TORTURA NUNCA MAIS Rio de Janeiro e Pernambuco, INSTITUTO DE ESTUDOS DA
VIOLÊNCIA DO ESTADO e COMISSÃO DE FAMILIARES DE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS.
Dossiê de mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964. Pernambuco: CEPE/Governo de Estado de
Pernambuco, 1995, pp.211-230; MIRANDA, Nilmário & TIBÚRCIO, Carlos. Dos filhos deste solo. Mortos e
desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a responsabilidade do Estado. São Paulo: Editora Fundação
Perseu Abramo/Boitempo, 1999, pp.591-625. [Voltaremos à questão dos mortos e desaparecidos mais adiante]
107
até então inéditas como a exoneração do comandante do II Exército,
Ednardo Dávila Melo em Janeiro/1976 e motivada pelas mortes de
Wladimir Herzog e de Manoel Fiel Filho nas dependências do DOI –, e
a demissão do ministro do Exército, Sílvio Frota em Outubro/1977
(substituído pelo general Fernando Belfort Bethlem),
205
de outro se
detecta incremento do aparelho repressivo, sobretudo da comunidade
de informações, neste mesmo período;
206
contenção de toda e qualquer demonstração de radicalização da
oposição institucional, mantida dentro de espaço político rigidamente
delimitado, o que fica claro com as cassações em 1977-78 de Marcos
Tito, Alencar Furtado, Nadir Rossetti, Amaury Müller, Lysâneas Maciel,
entre outros, uma verdadeira operação de saneamento do legislativo;
207
todo o rigor em relação à oposição não-institucional o movimento
estudantil e o movimento dos trabalhadores são os mais atingidos: a
tentativa de realização do III Encontro Nacional de Estudantes em Belo
Horizonte/MG (Jun./1977) e a sua realização clandestina na PUC/SP
em 1978 são ferozmente reprimidas; o Decreto-lei 1.632, editado em
1978 se superpõe à Lei de Segurança Nacional proibindo as greves
nos setores essenciais, incluindo aí os bancários;
205
Esta demissão foi motivada por disputas em torno da sucessão, tendo Sílvio Frota se colocado
prematuramente como candidato à presidência à revelia de Geisel, para quem tal indisciplina era considerada
absolutamente inadmissível e intolerável.
206
O ápice da expansão e fortalecimento do SNI que passa a ser considerado como “uma quarta força
armada” - se sob a chefia do general Octávio Medeiros, no Governo Figueiredo. ANTUNES, Priscila &
BRANDÃO, Carlos. SNI & ABIN. Uma leitura da atuação dos serviços secretos brasileiros ao longo do século XX.
Rio de Janeiro: FGV Editora, 2002, pp. 62/63. V. tb.: STARLING, Sandra. Op. Cit., p. 137. E, principalmente:
SOARES, Gláucio Ary Dillon; D’ARAÚJO, Maria Celina, & CASTRO, Celso. (org.). A memória militar sobre a
abertura. Op. Cit., p. 11.
207
Ao todo foram 15 os cassados. A lista completa se encontra em: SILVA, Hélio. Os presidentes. Ernesto
Geisel: a abertura política, 1974-79. São Paulo: Grupo de Comunicação Três, 1983, pp. 90-93. V. tb.: SOARES,
G.; D’ARAÚJO, M.C., & CASTRO, C. Op. Cit., pp. 294-320.
108
tentativa de aproximação e cooptação de setores da sociedade civil,
aqueles considerados dialogáveis
208
e formadores de opinião como
OAB, ABI, CNBB, SBPC.
A ditadura procura se institucionalizar através de proposta de correção de rota
com o projeto de distensão, e de uma “abertura lenta, gradual e segura”, cujo núcleo
é o assim chamado ‘generoso consenso’ proposto pelo general Geisel. Seus
discursos constituem síntese perfeita desta estratégia de normalização na tentativa
de consolidação do regime. O trecho a seguir, pronunciado na sua primeira reunião
ministerial (19/03/1974), mostra-se particularmente expressivo. É quando ele
anuncia a que veio:
“[...] Quanto ao setor político interno, envidaremos sinceros
esforços para o gradual, mas seguro, aperfeiçoamento democrático,
ampliando o diálogo honesto e mutuamente respeitoso e estimulando
maior participação das elites responsáveis e do povo em geral, para
a criação de um clima salutar de consenso básico e a
institucionalização acabada dos princípios da Revolução de 64. Os
instrumentos excepcionais de que o governo se acha armado para a
manutenção da atmosfera de segurança e de ordem, fundamental
para o próprio desenvolvimento econômico-social do país sem
pausas de estagnação nem, muito menos, retrocessos sempre
perigosos, almejo vê-los não tanto em exercício duradouro ou
freqüente, antes como potencial de ação repressiva ou de contenção
mais enérgica e, assim mesmo, a que se vejam superados pela
imaginação política criadora, capaz de instituir, quando for oportuno,
salvaguardas eficazes e remédios prontos e realmente eficientes
dentro do contexto constitucional. [...] [Isto] dependerá
necessariamente de que o espírito de contestação de minorias
trêfegas ou transviadas, perturbador da vida do país, irresponsável
ou demagógico, com apelo até às armas do embuste, da intriga ou da
violência, acabe por exaurir-se, ante repúdio geral, pelo
208
A expressão é de Fernando Henrique Cardoso. Cf. CARDOSO, F. H. “Os anos Figueiredo”. In Novos Estudos
CEBRAP, v.1, Dez./1981, p. 7.
109
reconhecimento pleno da realidade hoje incontestável que é a da
implantação definitiva de nossa doutrina revolucionária”.
209
Este “consenso sico” para a “institucionalização acabada dos princípios da
Revolução de 1964” tem, certamente, seus pressupostos também básicos,
sintetizados com precisão por Eliézer Rizzo Oliveira: “A ditadura, por natureza, não
convive com a negociação a não ser no interior de seus grupos de apoio”.
210
Trata-
se, portanto, de esquema de negociação interna – entre os blocos que participam do
poder cuja contrapartida é o reforço da criminalização daqueles que estão de fora,
da interdição do dissenso, da exclusão das oposições não consentidas ou não
domesticáveis. A centralidade deste projeto é o que hoje talvez possa ser chamado
de garantia de governabilidade, entendida naquele momento como necessidade de
substituir a violência explícita pela coerção legalizada tentativa de recomposição
de bases sociais deterioradas sem abrir mão do “potencial de ação repressiva”
acumulado, o que se daria através de medidas a serem incorporadas à Constituição.
O controle total das manifestações políticas com a limitação dos seus
espaços – parlamento e agremiações partidárias; e o “minucioso estabelecimento de
garantias para o exercício cotidiano do poder”
211
constituem as principais
preocupações a serem resolvidas. São os anos de “normalização defeituosa”,
marcados por um projeto de abertura política gerado em contexto de encolhimento
severo do espaço público e concebido para impedir a reconstituição e reocupação
do mesmo.
212
209
GEISEL, Ernesto. Discursos, v. 1 1974. Brasília/DF: Assessoria de Imprensa e Relações Públicas da
Presidência da República, 1975, pp.38/39.
210
OLIVEIRA, Eliézer, Rizzo. Op. Cit., p. 55. Nas páginas seguintes 55 a 63, o autor analisa o significado da
distensão também a partir da análise dos discursos de Geisel.
211
STARLING, Sandra. Op. Cit., p. 127.
212
CARDOSO, Irene. “Há uma herança de 1968 no Brasil?”. Op.Cit., p. 139.
110
A mencionada “imaginação política criadora” origem ao Pacote de Abril de
1977, que impõe o fechamento do Congresso Nacional por 15 dias (de a 15 de
abril) para a outorga de um conjunto de emendas constitucionais e Decretos-leis
como a Emenda Constitucional 7, que determina a reforma do Judiciário; e a
Emenda Constitucional 8 (14/04/1977), que introduz a eleição indireta para
governadores (antes esta era estabelecida por legislação ordinária, agora é
incorporada à Constituição), amplia para seis anos o mandato presidencial, muda o
número de deputados federais para dificultar o desempenho da oposição, cria a
figura do senador biônico, eleito indiretamente para consolidar a maioria no
Parlamento e no Colégio Eleitoral e evitar vetos às iniciativas do Executivo. O efeito
principal destas iniciativas é a garantia de fluidez na tramitação dos Decretos-leis e
das emendas constitucionais, o que permitiria ao governo prescindir da edição de
novos atos institucionais. Em outubro de 1978, a Emenda Constitucional 11 declara
extinta a autoridade presidencial para fechar o Congresso, cassar parlamentares ou
privar cidadãos dos seus direitos políticos, restabelece o habeas corpus para
pessoas detidas por motivos políticos, suspende a censura prévia aos meios de
comunicação, abole as penas de morte e prisão perpétua e restaura a
independência do Judiciário.
213
Em novembro é extinta a Comissão Geral de
Investigações e são revogados os banimentos políticos.
214
Ainda no mês de
novembro, no entanto, abre-se a temporada de implementação das tais
213
O AI-5 outorgou ao presidente a autoridade de fechar o Congresso e cassar mandatos e aboliu o habeas
corpus; a censura prévia foi estabelecida por Decreto-lei em 13/01/1969; e o AI-14 de 14/10/1969 instituiu a
pena de morte.
214
Os banidos são aqueles presos políticos que foram trocados por ocasião dos seqüestros dos diplomatas
estrangeiros. O ato de banimento foi criado pelo AI-13 de 05/0919//69. Em Nov./1978 havia 130 banidos do
território brasileiro: 15 trocados pelo embaixador americano em 09/09/1969 (Ato Complementar 64 de 5 de
setembro de 1969); cinco trocados pelo cônsul japonês em 14/03/1970 (Decreto 66.319 de 16 de março de
1970); 40 trocados pelo embaixador alemão em 15/06/1970 (Decreto 66.716 de 15 de junho de 1979); e 70
trocados pelo embaixador suíço em 13/01/1971 (Decreto 68.050 de 13 de janeiro de 1971). Destes, oito
retornaram ao país e foram mortos pela repressão; três morreram no exílio (dois casos de suicídio); dois
retornaram e integram a lista dos desaparecidos políticos; quatro retornaram em 1978-1979, antes da Anistia, e
respondem processos na Justiça Militar (tiveram seus banimentos revogados). Parte II. Informe da Comissão
Nacional de Exilados, s.d., mimeo.
111
salvaguardas eficazes, que tem seus melhores momentos na incorporação à
constituição do estado de sítio e das medidas de emergência e na nova Lei de
Segurança Nacional, aprovada por decurso de prazo a 27 de novembro e
promulgada a 17 de dezembro de 1978 como reação à conjuntura de rearticulação
da sociedade civil. Segundo Sandra Starling, trata-se de tentativa de
desmilitarização ou jurisdicização deste dispositivo, que emerge dos porões da
ditadura para se alçar às altas cortes.
215
A Nova Lei de Segurança Nacional Lei 6.620 em substituição ao Decreto-lei
898/69 – implementa na prática a institucionalização do AI-5 caracterizada nas
seguintes determinações: atribuição de poderes quase ilimitados ao ministro da
Justiça, cabendo a ele a censura, proibição e apreensão de todo e qualquer material
considerado nocivo à segurança nacional está institucionalizada a censura prévia
(art. 50); abrandamento das penas ximas, paralelo ao agravamento das penas
mínimas para garantir melhor aplicabilidade e maior alcance das punições;
tipificação de elenco maior de crimes como aqueles “contra a organização do
trabalho” e os “delitos de imprensa (art. 14) e da responsabilização criminal de
jovens de 16 anos (art. 4) prisão, portanto, para todos os opositores, não mais
apenas para os chamados terroristas; institucionalização da incomunicabilidade e
das prisões clandestinas na figura da “comunicação reservada ao juiz (art. 53);
criminalização de qualquer tipo de vinculação com entidades estrangeiras que
“exerçam atividades prejudiciais à segurança nacional” (art. 12); proibição de
“divulgar por qualquer meio de comunicação social notícia falsa, tendenciosa ou fato
verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a indispor ou tentar indispor o povo com
as autoridades constituídas” (art. 14). Não é difícil detectar o endereço certo destes
215
STARLING, Sandra. Op. Cit., p. 133.
112
dois últimos artigos: a imprensa, mas também as entidades que denunciam as
graves violações dos direitos humanos sob a ditadura militar. É o próprio Jornal do
Brasil, de 15/10/1978 que comenta:
“Este artigo (art. 12), como está, permite que, caso um juiz
considere prejudicial à segurança nacional a ação da Anistia
Internacional, aqueles que com ela tiverem ligação recebam penas
de um a cinco anos [...]”
216
A nova Lei de Segurança Nacional vai levantar vozes de indignação em todos
os setores de oposição instituídos ou instituintes, liberais ou de esquerda e até
em alguns da situação.
217
Ela vai, apesar disso, conseguir cumprir o destino de
sustentar institucionalmente a chamada “distensão lenta, gradual e segura”, o que
na visão da ditadura seria um aperfeiçoamento democrático em andamento,
garantindo o esquema que proporciona ao general Geisel dispositivos legais,
burocráticos e militares de tal ordem que ele passa a se qualificar como aquele que
mais concentrou poder em suas mãos entre todos os generais-presidentes do
período da ditadura militar.
218
Como prevê a exposição de motivos assinada por
Armando Falcão – ministro da Justiça dotado, então, de superpoderes – e pelo chefe
da Casa Militar, general Moraes Rego, o objetivo da nova lei seria a composição “[...]
de novo quadro da segurança nacional” [...] “sem descuido do governo em assegurar
que o regime de liberdade diuturnamente construído não sirva de instrumento à sua
destruição, nem impeça a defesa eficaz das instituições” (item 4).
219
216
Jornal do Brasil, 15/10/1978, p. 4.
217
Os principais jornais da grande imprensa e da imprensa alternativa o um painel razoável do clima geral de
insatisfação. Podemos citar: Nova lei de insegurança (Em Tempo, 23 a 29 de novembro de 1978); Artigos
comentados da Nova Lei(Jornal do Brasil, 15 de novembro de 1978, p. 4); A Lei de insegurança nacional
(Correio Braziliense, 21 a 24 de novembro de 1978); Advogado diz que nova Lei agravará as penas mínimas
(O Globo, 24 de novembro de 1978); “Advogados criticam íntegra do projeto (Folha de S. Paulo, 1º de
novembro de 1978); “Prazo termina, a LSN passa e o MDB se justifica(O Estado de S. Paulo, 28 de novembro
de 1978); “Com democracia, não” (Editorial – Folha de S. Paulo, 29 de novembro de 1978).
218
LAMOUNIER, Boíivar. “O ‘Brasil autoritário’ revisitado: o impacto das eleições sobre a abertura”. In STEPAN,
Alfred (org.). Democratizando o Brasil. Op. Cit., p. 126.
219
Movimento Feminino pela Anistia-MG. Lei de Segurança Nacional. Comentários/Depoimentos, Dez./1978.
113
O AI-5 vai ser abolido logo depois, no final de dezembro de 1978. Afinal de
contas, com as salvaguardas eficazes agora incorporadas à constitucionalidade do
Estado, um dispositivo reconhecidamente excepcional, portanto transitório, não é
necessário: criou-se a constitucionalização da exceção e a internalização da
repressão e da truculência na cultura política nacional.
220
Geisel, grande
centralizador político, prepara cuidadosamente e garante o controle de sua própria
sucessão: em março de 1979, o general João Baptista Figueiredo, ministro-chefe do
SNI, assume a Presidência da República para mandato de seis anos, imbuído da
missão de levar em frente o projeto político tecido sob a chancela da normalização
defeituosa. Fernando Henrique Cardoso fez curiosa descrição deste último general-
presidente, espécie de síntese de todos os outros:
“O novo governo emergia trazendo um sinal de paz para os
donos do poder, sob os escombros da resistência de alguns setores
militares e sob o fogo de uma oposição unificada e derrotada.
Figueiredo era tanto Médici como Geisel e nesta medida, era também
Castello e, mais ainda, ao chamar Delfim para o gabinete, era ainda
tudo o que fora o milagre, de Costa e Silva a Médici”.
221
Continuarão intocados o modelo econômico a modernização excludente
cuja consolidação é tributária exatamente do AI-5 e, sobretudo, a essência mesma
do regime a Doutrina de Segurança Nacional e seus corolários imediatos, a
estrutura do aparelho repressivo e a tortura institucionalizada. O principal ideólogo
da Doutrina de Segurança Nacional, Golbery do Couto e Silva, é também o principal
articulador do projeto de distensão política e, a seguir, do projeto de anistia parcial
220
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”. As leis repressivas, Tomo IV, p. 8.
221
CARDOSO, Fernando Henrique. “Os anos Figueiredo”. In CEBRAP Novos estudos, v. 1. Dez./1981, p. 5
(ver também as páginas 3-11).
114
do governo. Tudo isto foi engendrado, portanto, nas entranhas mesmo do regime,
como diz Eliézer Rizzo Oliveira.
222
E é o próprio Geisel quem defende, sem meias palavras, em entrevista
concedida a Maria Celina D’Araújo e Celso Castro:
“Acho que a tortura, em certos casos, torna-se necessária para
obter confissões [...] Não justifico a tortura, mas reconheço que
circunstâncias em que o indivíduo é impelido a praticar a tortura para
obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior”.
223
Estas questões autorizam a desmistificação da indefectível tipologia
convencional, àquela que estabelece oposição mecânica entre dois blocos
inconciliáveis militares duros X militares moderados. A empiria e a bibliografia
consultada levam, ao contrário, a uma problematização desta clivagem e ao
entendimento do projeto de distensão-abertura lenta, gradual e segura como o
desenlace de permanente processo de acomodação entre setores que, com certeza,
têm suas nuances, mas o divergem em questões de fundo: não
questionamento de nada que se refere ao arcabouço ideológico do regime traduzido,
como vimos, no binômio desenvolvimento e segurança, ou aos elementos que
constituem o terror. As divergências, que existem, giram em torno apenas de sua
aplicação ou da posologia desejável; a polarização é acentuada nas conjunturas de
disputa pelo aparelho de governo. É em tom de perplexidade que Maria Celina
D’Araújo corrobora esta avaliação ao analisar a documentação do acervo pessoal de
Geisel doada, em 1998, ao CPDoc da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro:
222
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo. Op. Cit., p. 32.
223
D’ARAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso (org.). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, p.
225.
115
“Tendo em vista este histórico de politização, era de se
esperar que, durante o governo Geisel, a pasta da Justiça se
convertesse em espaço especialmente relevante para o processo de
abertura, sendo tal governo o que mais se destacou pelo esforço de
‘transição’ do regime autoritário para um de ‘normalidade institucional
para usar o arcabouço conceitual do próprio Geisel em suas
memórias. No entanto, quando se examinam os documentos relativos
ao Ministério da Justiça que integram o arquivo do ex-presidente, a
impressão que fica é bem diferente. Segundo estes registros, as
medidas de endurecimento do regime teriam prevalecido sobre
àquelas que preconizavam a democratização. [...] Conhecido pela
liderança do processo de abertura política, a imagem do governo
Geisel que sai desses papéis é a que enfatiza o controle político, a
repressão à esquerda e à oposição, e a censura à imprensa. O
ministério ali retratado situa-se mais como espaço de ação da ‘linha
dura’ do que como a esfera que comandou a mudança. Dito de outra
forma, espelha mais o lado duro da ação do governo, pois
efetivamente o governo Geisel usou os poderes excepcionais da
ditadura, fechou o Congresso, cassou mandatos e comandou
operações violentas contra os comunistas”.
224
Por outro lado, a dialética vai relativizar a eficácia de projeto aparentemente
tão bem planejado. Como vimos, os movimentos sociais voltam a fazer política
atropelando a iniciativa da ditadura, sabotando e subvertendo a lógica do ‘generoso
consenso’ e escancarando os limites impostos. A sociedade começa a dar sinais de
crescente capacidade de organização e de luta, e passa a reocupar o espaço
urbano resgatando a Cidade enquanto locus de exercício da cidadania, passando da
resistência à iniciativa política. Greves operárias, rearticulação do movimento
popular, ascensão do movimento estudantil: tudo isto reforça e aumenta a
visibilidade da luta pela Anistia. É exatamente no cruzamento do despertar da
sociedade civil e na negação do projeto de institucionalização da ditadura militar que
o movimento pela Anistia vai operar. É este o quadro que será abordado a seguir.
224
D’ARAÚJO, Maria Celina. “Ministério da Justiça, o lado duro da transição”. In CASTRO, Celso e D’ARAÚJO,
Maria Celina (org.). Dossiê Geisel. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2002, pp. 22/23. V. tb.: SCARLECIO, Márcio. “A
têmpera e a espada”. In Acervo – Revista do Arquivo Nacional, v. II, n. 1. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, Jan.-
Dez./1998.
116
II CAPÍTULO
117
II.a.
-
“S
E PARECIA AO MENOS POSSÍVEL
,
NÃO SERIA
UMA OBRIGAÇÃO TENTAR
A paixão como pulsão na formação dos movimentos pela
Anistia
Neste capítulo retomaremos o conceito de paixão e sua relação na ação
política que levou atores sociais a lutarem nos movimentos pela Anistia. Quais
sejam, os mecanismos de solidariedade nos seus cotidianos, a exclusão da idéia de
“vítimas” dos presos políticos, e a idéia, sempre presente, da resistência com
dignidade.
A partir do momento que buscamos evidenciar a ação política dos grupos que
lutaram pela Anistia, sob a luz de suas paixões, torna-se necessário delimitarmos o
conceito de paixão que estamos usando. São vários os autores que se debruçam
sobre este conceito na História. Partindo da contribuição da filosofia, encontramos
em Kant e Hegel importantes reflexões para uma história das idéias sobre as
paixões. Derivado de Kant, na Crítica do Juízo
225
, a paixão exclui o domínio de si,
impede ou torna impossível que a vontade se determine à base de princípios: a
paixão impede os princípios morais. A emoção é precipitada e irreflexiva, mas a
paixão, de forma mais radical e perigosa depois de desencadeada, atua
refletidamente para conseguir seus objetivos.
Hegel
226
, no entanto, dizia que nada grande foi realizado, nem pode sê-lo,
sem paixão, ou sem paixões violentas. Assim, paixão é a totalidade do espírito
prático enquanto se coloca singularmente em uma das muitas determinações
limitadas que contrastam entre si. Com isso, nos remete a uma outra perspectiva,
225
Citado em “Para uma história das paixões”, Maria Emilia Monteiro Porto, in:
http://www.cafefilosofico.ufrn.br/emilia1.htm, consultado dia 27 de novembro de 2007.
226
Ibid.
118
que seria a de uma história do influxo das paixões sobre a sociedade ou paixão
como o motor da História. É neste sentido que teríamos o fundamento para as
paixões políticas expressas nas revoluções sociais, ou nas grandes doutrinas
políticas. Nietzsche
227
se une a Hegel nesse sentido, pois exaltou a paixão,
entendendo como um sintoma de debilidade o medo aos sentidos, aos desejos e às
paixões. Via na paixão dominante a forma suprema da saúde porque nela a
coordenação dos sistemas internos e seu trabalho a serviço de um mesmo fim são
realizados de melhor maneira.
A partir da filosofia com Kant e Hegel, a paixão veio a se colocar como
problema. No século XX, com as rupturas intelectuais historiográficas que
ocorreram, foram possíveis novas elaborações metodológicas da disciplina
História
228
, legitimando a irrupção da paixão como portador de novas
problematizações históricas e, portanto, como objeto discursivo, onde acreditamos
que nos inserimos.
A partir dessas novas problematizações também temos uma nova proposta
de definição da temporalidade da luta pela Anistia procurando escapar da armadilha
imposta pela periodização oficial que se quer definitiva - aquela cujos marcos,
“vindos do alto, seriam a distensão (Geisel), a abertura (Figueiredo) e a transição
(Tancredo/Sarney)
229
”, sendo que esta se qualifica a priori, antes de qualquer
evidência empírica, como de caráter necessária e automaticamente democrático
230
.
Segundo Edgar de Decca, “periodizar a história representa um momento importante
227
Ibid
228
V. Introdução.
229
CHAUÍ, Marilena. “Prefácio”. In SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. São Paulo,
Paz e Terra, 1991, p.15.
230
Luciano Martins considera que chamar de democrática uma transição ainda em processo, cujo fim não se
pode adivinhar, configura mero exercício de wishfull thinking. Citado por: WEFFORT, Francisco. “Incertezas da
transição na América Latina”. In Dilemas da Consolidação da Democracia. MOISÉS, José Álvaro e
ALBUQUERQUE, J.A. Guilhon. (Org.) Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra. pp. 69-116.
119
do exercício do poder”
231
caracterizado pela atribuição de estatuto de memória
histórica a determinados paradigmas, discursos e práticas - aqueles do vencedor -
ungindo, assim, o sujeito definitivo da história e delimitando o lugar exclusivo dela. A
periodização oficial eleva a ditadura a marco único, proporcionando-lhe a garantia da
direção política do acontecimento e do seu legado, o controle da memória histórica e
a supressão de outros projetos diferentes e/ou opostos ao seu
232
. Na chave da
periodização oficial, o espaço instituído é designado como o lugar exclusivo da
história - a política é confinada na esfera institucional montada, como vimos, a partir
da simulação, ou, reiterando as palavras de Irene Cardoso, do “arbítrio transfigurado
em lei”
233
.
Não vou fabricar aqui nova periodização, mas sugerir outra temporalidade,
cuja fisionomia reflita “o repertório específico das formas de ação” em foco
234
e seja
fiel ao princípio da novidade e ao conceito de política de Hannah Arendt, que
iluminam toda a minha reflexão: para a autora, “a raison d’être da política é a
liberdade e seu domínio de experiência é a ação”
235
.
Reforçando essa perspectiva, Hannah Arendt considera que "a idéia de
liberdade é idêntica a iniciar". A palavra agir vem do termo latino agere, o qual
significa pôr em movimento, desencadear um processo. Como espaço da liberdade,
a política é centrada no "milagre" da ação, ou seja, na liberdade como capacidade
de iniciar algo de novo, um novo início, um reinício. Não se trata de uma liberdade
231
DE DECCA, Edgar. 1930 O silêncio dos vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1981, p.76. A periodização oficial
eleva a ditadura a marco único, proporcionando-lhe a garantia da direção política do acontecimento e do seu
legado, o controle da memória histórica e a supressão de outros projetos diferentes e/ou opostos ao seu.
232
V. tb. CHAUÍ, Marilena. “História a contrapelo”. In DE DECCA, Edgar. 1930 O silêncio dos vencidos. pp. 16/17
e 20/21.
233
CARDOSO, Irene. “O arbítrio transformado em lei e a tortura política”, p. 475
234
WIEVIORKA, Michel. “O novo paradigma da violência”. Tempo social, v. 9, número 1, 1997, p. 5.
235
no ensaio “O que é liberdade?” esta afirmação aparece três vezes consecutiva. In: ARENDT, Hannah.
Entre o passado e o futuro, p. 192, 197 e 203. V. tb. “Será que a política ainda faz sentido?”. In: A dignidade da
política. Rio de Janeiro: XX, 1993.
120
de escolher entre coisas dadas de antemão, mas da liberdade de querer que algo
seja de determinada maneira. Como diz Hannah Arendt,
"se o sentido da política é a liberdade, então isso significa que
nós, nesse espaço, e em nenhum outro, temos de fato o direito de
ter a expectativa de milagres. Não porque acreditemos
(religiosamente) em milagres, mas porque os homens, enquanto
puderem agir, são aptos a realizar o improvável e o imprevisível, e
realizam-no continuamente, quer saibam disso ou não”
236
.
Liberdade aqui, longe de constituir um dos direitos naturais e inalienáveis, é
produto da ação humana, logo, construção histórica. Compreende a capacidade de
começar de novo, a viabilidade do imprevisível e do improvável e, no limite (já que a
situação é de extremos), “o direito de ter a expectativa de milagres”, possível no
terreno da política porque corresponde à própria capacidade de ação
237
. Seu locus é
a esfera pública, espaço por excelência do exercício da cidadania: liberdade é
atribuição exclusiva não do ser humano em geral, ou do indivíduo em particular, mas
do sujeito de direitos - do sujeito em atos - ou não é. A ação em conjunto funda a
comunidade política e garante a realidade do mundo e a existência humana. O
direito de ser reconhecido como sujeito de direitos pode se dar no espaço do
público e do político – este, um dos elementos principais do pensamento arendtiano.
Durante a ditadura militar encontramos nas fontes essa capacidade de
começar de novo, de ter coragem de desencadear um processo:
“Diante do espetáculo da afluência mal distribuída do
capitalista, da alienação consumista que a acompanhava, da
arrogância imperialista ao redor de um planeta congelado na guerra
fria, da gélida petrificação da burocracia stalinista e da multiplicidade
de focos de revolta, parecendo aproximar movimentos
anticolonialistas, guerrilhas anticapitalistas, e lutas de unificação
nacional, tal necessidade parecia tão evidente que se tornava difícil
não pensar se uma vanguarda bem disposta e estruturada não
236
Arendt, Hannah. A Dignidade da Política. Rio de Janeiro. Relume-Dumará, 1993, pág. 122.
237
V. “A imprevisibilidade e o poder de prometer”. In: ARENDT, Hannah. A condição humana, p. 255-259.
121
poderia fazer a História, tomar o destino nas mãos e transformar o
mundo. Se parecia ao menos possível, não seria uma obrigação
tentar? Se a liberdade era a consciência da necessidade, não agir
não seria uma opção pela escravidão, por uma vida alienada e sem
sentido?”
238
Esse trecho me parece sintetizador, na prática do nosso objeto, das idéias
acima expostas de Hannah Arendt. Se a concepção de cidadania de Arendt -
sintetizada na fórmula direito de ter direitos
239
- confere densidade e movimento à
sua noção de política e está fundamentada em dois eixos estreitamente
entrelaçados: a idéia de pertencimento e a necessidade de construção do espaço
público. Então, é exatamente essa idéia de pertencimento, de compromisso com a
história, o tomar a história nas mãos para construir o espaço público, e de ter o
direito de construir este espaço público, que é apreendido da fonte citada.
Percebemos que este espaço resulta diretamente da ação em conjunto, da
‘comparticipação em palavras e atos’. A ação, portanto, não apenas mantém a mais
íntima relação com o lado público do mundo, comum a todos nós, mas é a única
atividade que o constitui
240
. Assim, o direito de ter direitos é exercido pelo “indivíduo
que age e fala junto com outros indivíduos” e pode se realizar na “pura
efetividade da ação”, entendida sempre como capacidade de intervenção no mundo
comum e de transformação da realidade, não podendo, definitivamente, ser alienada
ou delegada. Adoto como referencial este caráter intrinsecamente instituinte do
político, tão forte em Hannah Arendt, para estabelecer a temporalidade própria da
luta pela Anistia, a partir das seguintes idéias:
238
GONÇALVES, Francisco Luiz Salles. “A correção política é o ópio dos intelectuais.” P. 94. In: FREIRE, Alípio;
ALMADA; Isaías; e PONCE, J. A. de Granville (orgs). Tiradentes, um presídio da ditadura: memórias de presos
políticos. SP: Scipione, 1997.
239
ARENDT, Hannah. “O declínio do Estado-nação e o fim dos direitos humanos”. In: Origens do totalitarismo, p.
330.
240
ARENDT, Hannah. A condição humana, p. 210.
122
- A iniciativa política está com a sociedade civil organizada, não com o
Estado, e esta iniciativa tem a paixão como pulsão; ou para usar Pierre Ansart, o
ódio a um inimigo comum.
- Os sujeitos ou os atores principais são as entidades de Anistia, os exilados e
os presos políticos - tomam consciência do que impulso ao ao agir do sujeito na
história. Sujeito este que aparece na sua capacidade de mudar a situação anterior,
inventando uma nova maneira de ser e de agir na situação, inaugurando o novo
241
.
Assim, descartam-se, ao mesmo tempo, a idéia do sujeito reduzido à própria razão e
a idéia de um sujeito despersonalizado que sacrifica a si mesmo em nome de uma
ordem impessoal da natureza ou da história. O homem é visto como ator da história.
O que caracteriza o homem é sua capacidade de agir sobre o meio ambiente que o
cerca.
- O locus desta iniciativa, o lugar da ação e do discurso ou, melhor ainda, o
lugar privilegiado da história, é a esfera instituinte no marco da recuperação da
praça pública enquanto espaço político.
São estes os referenciais que proponho como perspectiva, em contraposição
ao espaço instituído ou à esfera do institucional. Neste quadro, também o passado
recente torna-se objeto de disputa acirrada: são memórias concorrentes e
excludentes que se digladiam - a memória das lutas busca reverter a apropriação
indébita da memória histórica pelo poder constituído e desconstruir a memória
oficial, a memória militar.
A singularidade a ser destacada refere-se às dificuldades existentes na
produção de práticas capazes de empreender esta memorização a construção de
uma contramemória - e de constituição de um espaço público de contrapoder em um
241
BADIOU, Alain. Para uma nova teoria do sujeito. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002, p. 107.
123
momento marcado pela tentativa de estabilização da ditadura. Isto se no
movimento do contrapelo, como desafio à ordem estabelecida ou, conforme foi
dito, no cruzamento e na negação dialética do consenso imposto. Segundo
elaboração do próprio movimento:
Hoje não é possível manter expresso o exagero das penas de
morte e da prisão perpétua, as cassações vitalícias, a imprensa
calada. Ao regime impõe-se a necessidade de reconquistar bases de
apoio e permanecer tal qual foi instaurado, e reformular-se para
continuar.
Assim é que estão postas as ‘reformas’ políticas que vêm
apenas perpetuar a exceção e o arbítrio, ordenadas ainda sob a
orientação ideológica da Doutrina de Segurança Nacional.
Os movimentos pela Anistia entendem claramente que não se
trata de reformar o poder judiciário, a legislação eleitoral, a LSN.
Impõe-se a supressão do aparato repressivo, a desativação dos
centros de tortura, oficiais, clandestinos ou militares. Impõe-se a
responsabilização dos que, investidos da autoridade conferida pelo
poder de polícia, têm praticado torturas e assassinatos; impõe-se
acabar com a impunidade dos órgãos para-militares.”
242
Os Comitês Brasileiros de Anistia se apresentam, assim, como um movimento
legal cujo objetivo declarado é o enfrentamento direto da ditadura no seu arcabouço
ideológico, a Doutrina de Segurança Nacional. Eles começam a se articular em 1977
e entram em cena em 1978. Serão aqui analisados, principalmente a partir da fala
de seus atores políticos, da documentação dos Congressos, o perfil organizativo, o
conteúdo programático, o elenco de tarefas do movimento e as suas formas de
ação. A data do surgimento dos CBA’s pode ser estabelecida em fevereiro de 1978.
O Comitê Brasileiro de Anistia do Rio de Janeiro, lançado oficialmente em de
fevereiro de 1978, foi o primeiro a ser criado, seguido de perto pelo Comitê Goiano
de Anistia e o Comitê Brasileiro de Anistia-Ba, (abril/1978); em maio vieram São
Paulo, Londrina e Rio Grande do Norte; em junho foi a vez de Santos, São Carlos e
242
CONGRESSO NACIONAL PELA ANISTIA. Resoluções Proposições políticas gerais. São Paulo, nov. 1978,
p.8.
124
Brasília
243
. A partir daí, o processo se precipita: na 1ª Reunião Conjunta dos
Movimentos de Anistia do Brasil (Brasília, 5 e 6 /agosto/1978) se apresentam 14
entidades e 11 estados: os CBA’s do RJ, SP, DF, Ba, MS, Feira de Santana-Ba, Go,
RS (Comissão Provisória), a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos /
núcleo Anistia e os MFPAs de SP, Ba, Pe, MG, RJ; 173 no Encontro Nacional de
Movimentos pela Anistia de Salvador (7 a 9/setembro/1978), além dos mesmos,
comparecem o Comitê Norterriograndense de Anistia, o Comitê Londrinense pela
Anistia e Direitos Humanos/Seção CBA, o Movimento Matogrossense pela Anistia e
Direitos Humanos e os MFPA’s de oito estados (SP, Ba, MG, Ce, Pb, RS, Se e
Pe)
244
.
Em 11 de maio de 1978, O Estado de São Paulo noticiava: “No Largo
cercado, o ato pela Anistia”. Tratava-se de uma atividade do CBA – SP, cujos
objetivos foram “anunciados ontem para mais de 4 mil pessoas reunidas em ato
público no pátio da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.” Lembrando
deste Ato, Zilah Abramo nos conta que as dificuldades era muitas para se fazer
qualquer manifestação:
“Agíamos na base do avanço e do recuo. A primeira vez que a gente
fez um mini comício, no Largo de São Francisco foi uma façanha, e eu lembro
até que o Luis Eduardo Greenhalgh se entusiasmou e falou: ‘hoje
conquistamos essa praça, e de praça em praça chegaremos lá!
245
’”
Na mesma página, O Estado de São Paulo ainda reportava uma
manifestação pela Anistia em Campinas, com mil estudantes da PUC e da Unicamp;
um debate no Centro Acadêmico de Medicina da USP e uma missa celebrada em
243
Fonte: Maria Quitéria Boletim do MFPA, São Paulo Ano II, número 3, julho/1978.
244
ENCONTRO NACIONAL DE MOVIMENTOS PELA ANISTIA, Informe. Salvador, 9 de setembro de 1978,
mimeo.
245
ABRAMO, Zilah. Depoimento a Andressa M Villar Ramos. São Paulo, 30-08-2000.
125
Apucarana (PR) em homenagem a um estudante assassinado pela repressão. O
movimento já fazia barulho e incomodava a ditadura.
O I Congresso Nacional pela Anistia começa a ser gestado na 30ª Reunião
Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada em São Paulo
em julho de 1978, quando os principais movimentos de Anistia existentes no país se
sentam pela primeira vez para unificar programas e articular ações conjuntas. São
frutos desta iniciativa a Reunião Conjunta dos Movimentos de Anistia do Brasil
(Brasília, agosto/1978)
246
e o Encontro Nacional dos Movimentos de Anistia
(Salvador, setembro/1978)
247
. Neste é constituída a Comissão Organizadora do
Congresso Nacional pela Anistia (CBA’s do Rio, SP, Pa e Ba; MFPA’s de SP e Pe; e
a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos), que inicia a sua
preparação. O Congresso é idealizado para responder à demanda colocada pelo
“impulso tomado pela luta em 1978 com a rápida difusão do movimento em todo o
território nacional
248
”, devendo se configurar “como forma superior de congregar,
nacionalmente, todos os que se dispõem a lutar pela Anistia em nosso país”
249
. Sua
convocação é feita pela Carta de Salvador, que estabelece o seguinte:
“A conquista da Anistia depende, fundamentalmente, da
transformação de sua luta em movimento de massas, que a amplie
para todas as regiões e grupos sociais. É esse compromisso-meta
que, solenemente, os movimentos pela Anistia assumem perante a
Nação, certos de que, sem odiar e sem esquecer, mas
decididamente, inapelavelmente, o povo brasileiro está retomando os
passos interrompidos que o levarão a virar a página da exceção em
que vive, para construir a sua força e o seu futuro. [...] Esta reunião
246
1ª REUNIÃO CONJUNTA DOS MOVIMENTOS DE ANISTIA DO BRASIL. Resoluções, Brasília, 5/6 de
agosto/1978, mimeo. E tb: Jornal do Brasil, 5 de agosto de 1978, “Comitês de anistia têm encontro”.
247
REUNIÃO NACIONAL DAS ENDIDADES COMPROMETIDAS COM A ANISTIA AMPLA, GERAL E
IRRESTRITA. Relatório. Salvador-Ba, 7 a 9 de setembro de 1978, mimeo; Jornal do Brasil, 9 de setembro de
1978, “Encontro de Salvador diz não à proposta de anistia limitada”.
248
3º ENCONTRO NACIONAL DOS MOVIMENTOS DE ANISTIA, Avaliação político-organizativa Estratégias de
popularização Documento base. Rio de Janeiro, 15 a 17/6/79, p.12, mimeo.
249
ENCONTRO NACIONAL DE MOVIMENTOS PELA ANISTIA. Salvador, 9 de setembro de 1978, mimeo.
Informe geral.
126
decidiu, também, a realização doCongresso Nacional pela Anistia.
Será efetuado de 2 a 5 de novembro próximo em São Paulo
250
”.
Embora leiamos neste documento que o movimento pela Anistia tem como
compromisso a transformação de sua luta em movimento de massas, que a amplie
para todas as regiões e grupos sociais”, e que o movimento pela Anistia se
dispusesse a “congregar todos os que se dispõem a lutar pela Anistia em nosso
país”, não podemos deixar de perceber que houve falas que não se alinharam ao
movimento pela Anistia, sendo deixadas de fora, e nesse momento, vemos uma de
suas contradições. Encontramos no decorrer da produção desta tese discursos que
passavam a ser dissonantes mesmo dos discursos oposicionistas da ditadura.
Pensamos em duas situações vivenciadas durante a luta pela Anistia. Uma foi o
discurso que não foi incorporado por nenhum dos grupos que lutou de forma
oficializada pela Anistia, incluindo os CBA’s. Pessoas que não aderiram à luta por
não concordarem com a sua direção. Falando de sua atuação, Maria Amélia de
Almeida Teles nos conta que:
“Eu discutia com os presos políticos, onde havia um setor
significativo que era contrário a esta bandeira. Não aceitavam a
Anistia mesmo sendo qualificada como Ampla, Geral e Irrestrita.
Eles achavam que a Anistia era pedir perdão e eles não aceitavam a
idéia. Afinal eles não tinham cometido crimes. Era o Estado que
havia cometido crime contra o povo brasileiro. Eu argumentava que
a Anistia significava um passo fundamental para a democracia.
Assim poderíamos conquistar liberdades políticas, etc. Mas minha
conversa não entusiasmava muito esses presos. Minhas idéias eram
muito conciliadoras.
251
Ou ainda:
250
ENCONTRO NACIONAL DE MOVIMENTOS PELA ANISTIA. Carta de Salvador, Salvador, 9/set/1978,
mimeo.
251
ABRAMO, Zilah e MAUÉS, Flamarion Maués (orgs). Pela democracia, contra o arbítrio: A oposição
democrática, do golpe de 1964 à campanha das Diretas Já. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.
Pg. 215. Maria Amélia é ex-presa política, integrante da União de Mulheres de SP. Atualmente é Coordenadora
do Projeto Promotoras Legais Populares e coordenadora do Centro de Orientação e Formação de Mulheres.
127
“Eu não sou Anistiado. Tenho direito a ser, mas não quis. Eu
não tenho do que ser perdoado. A luta daquele movimento não era a
minha. A democracia que eles queriam não me satisfazia.
252
Percebemos então que é uma parcela de excluídos ou auto-excluídos dentro
dos sem-parcela. E o barulho aqui, nem sempre passa disso, que a
documentação sobre essas pessoas é muito escassa, e nos arquivos pesquisados
encontramos apenas poucas declarações como esta da Maria Amélia A. Teles, e
como o depoimento do Sr. Juarez. Mas achamos importante assinalar a existência
das vozes destes atores sociais.
O segundo segmento ao qual me referi é o de uma fala que foi uníssona à
ditadura e que passou a repudiá-la e a participar com grande influência da luta pela
Anistia. Lembro aqui da conversão do senador Teotônio Vilela. Ele tinha sido
designado pelo governo para defender seu projeto de Anistia junto à comissão
mista, e realmente, no início não concordava com uma Anistia Ampla, Geral e
Irrestrita por que “Anistia é via de mão dupla, e eu não vou defender Anistia para
terrorista
253
”, mas acabou defendendo o projeto da oposição. Luis Eduardo
Grenhalgh nos conta:
“Quando a gente foi falar com ele, nas primeiras vezes, ele
dizia que a Anistia Ampla, Geral e Irrestrita era impossível, que tinha
que ir passo a passo redemocratizando o Brasil, e que ele próprio
não aceitava a Anistia para os crimes de sangue. E nós falamos:
Senador, o senhor é o presidente desta comissão, é tarefa sua
visitar os presos políticos, os comitês de Anistia vão estabelecer, se
o senhor quiser, essas visitas. E ele quis. E a primeira visita que ele
fez foi (...) no presídio Barro Branco em o Paulo, para ver os
presos políticos. Quando ele saiu de de dentro, uma jornalista da
Rede Globo, Marilena Chiarelli, perguntou a ele: ‘Como foi a sua
visita Senador, aos terroristas?’ E ele respondeu: ‘Não encontrei
nenhum terrorista dentro, encontrei jovens idealistas que
arriscaram sua vida para o bem do Brasil’, e a mulher pegou o
252
NEPOMUCENO, Juarez. Depoimento a Andressa M Villar Ramos. São Paulo, 29-03-2004.
253
GREENHALGH, Luis Eduardo. Depoimento à Rita Freire. Revista Adusp, outubro de 1999 pg, 80.
128
microfone, parou, voltou e fez uma segunda pergunta a ele:
‘Senador, o senhor os convidaria, essas pessoas, para se
hospedarem na sua casa? E ele disse: ‘Convidaria à todos e à cada
um para se hospedar em minha casa, convite que não faço à muitos
dos ministros do atual governo’
254
.
É o dissenso dentro da política instituída. A voz deste senador dentro do
governo, que lutou pela Anistia ao lado dos grupos de oposição, foi uma conquista
para o movimento, ainda que tenha acontecido apenas em 1979.
A participação de Madre Cristina
255
também teve grande importância para o
movimento pela Anistia. Ativa e solidária, Madre Cristina buscava notícias de presos
e desaparecidos e conseguia advogados para defendê-los; abrigava perseguidos
políticos no Instituto Sedes Sapientiae, que também se tornou endereço de
encontros pela Anistia em São Paulo. O Instituto Sedes Sapientiae abrigou a
primeira e restrita reunião do grupo de pessoas que iria fundar o Comitê Brasileiro
de Anistia de São Paulo, em maio de 1978, e, em novembro do mesmo ano, as
várias reuniões preparatórias e as reuniões de trabalho do Congresso Nacional
pela Anistia, realizado nos dias 2, 3, 4 e 5 de novembro daquele ano
256
.
Cartaz de convocação para realização do I Congresso Nacional pela Anistia -SP
254
GREENHALGH, Luís Eduardo. Discurso proferido em 23/08/99, por ocasião do Ato público em homenagem
aos 20 anos da Anistia, no auditório do TUCA, PUC-SP.
255
Madre Cristina foi fundadora do Instituto Sedes Sapientiae em São Paulo e por muito tempo diretora dele;
psicóloga, religiosa
da Congregação de Nossa Senhora - Cônegas de Sto. Agostinho, educadora e ativista
política.
256
ARANTES, Maria Auxiliadora Almeida Cunha. Depoimento a Andressa M Villar Ramos. São Paulo, 08-09-
1999.
129
A sessão de abertura do I Congresso Nacional pela Anistia foi realizada no
Tuca (Pontifícia Universidade Católica - São Paulo), exatamente dois meses após a
PUC ter sido invadida pelo coronel Erasmo Dias. A data foi especialmente escolhida.
Era o aniversário da morte de Carlos Mariguela. Luis Eduardo Greenhalgh recorda
que:
“Pela primeira vez, em público, chamamos os nomes dos
nossos companheiros desaparecidos. Inventei de todo mundo dizer
‘presente’ a cada nome. E foi uma emoção. Quem participou nunca
vai esquecer. Carlos Marighela: presente! Lamarca: presente! E a
cada um dos guerrilheiros: presente, presente, presente! Tinha
família de desaparecido que falou pela primeira vez. Teve
depoimento de mãe com o filho morto havia dez anos. E com filho
exilado não sei onde. De militante que foi torturada e disse que ainda
tinha delírio persecutório. As pessoas verbalizavam pela primeira
vez, naquele ato público, o que tinham passado. O Congresso
unificou a luta pela Anistia”.
257
Na memória de Ana Maria Müller, o I Congresso pela Anistia foi “grandioso e
comovente desde a abertura. Foi inesquecível: o encontro, reencontro, tudo muito
intenso e ali nos dávamos conta de como tinha crescido o movimento no último
ano”.
258
Foi nas salas de aula do Instituto Sedes Sapientiae que se reuniram os
familiares de militantes presos, de desaparecidos e mortos que, ainda temerosos,
relatavam nas comissões as inacreditáveis histórias de violência ainda inéditas para
os brasileiros em geral e mesmo para os presentes ao I Congresso. Dali se tiraram
as resoluções relativas aos atingidos políticos: aos presos e ex-presos, aos
desaparecidos que se esperava encontrar, aos mortos, aos banidos e exilados, aos
257
GREENHALGH, Luis Eduardo. Depoimento à Rita Freire. Revista Adusp, outubro de 1999 pp. 80-81.
258
ABRAMO, Zilah e MAUÉS, Flamarion Maués (orgs). Pela democracia, contra o arbítrio: A oposição
democrática, do golpe de 1964 à campanha das Diretas Já. Op. Cit.
130
cassados pelos atos administrativos, aos demitidos e aposentados das instituições
científicas e universitárias.
Essas resoluções, elaboradas após os três dias de trabalhos, foram
apresentadas ao público na sessão de encerramento ocorrida no Teatro Ruth
Escobar, na Rua dos Ingleses, no dia 5 de novembro de 1978.
O I Congresso Nacional pela Anistia contou com a presença de cerca de mil
pessoas
259
e nele estavam representados todos os CBA’s nomeados e ainda os
de Minas Gerais, Baixada Santista, Osasco e Sorocaba e os MFPA’s do RJ, SP,
MG, RS, e Florianópolis
260
. Naquele momento são listadas 21 entidades de Anistia
no Brasil
261
. Compareceram, ainda, boa parte dos setores democráticos organizados
no país e importante delegação estrangeira. O evento teve boa repercussão na
mídia escrita. Os jornais da chamada “grande imprensa” divulgavam na íntegra as
resoluções do Congresso, a lista atualizada dos mortos e desaparecidos (253, até
então), a composição das mesas e síntese razoável das discussões mais
importantes.
262
A cobertura feita pelo alternativo Movimento, em ampla matéria de
quatro páginas, revela o clima que predominou nos trabalhos:
“Foi a manifestação mais emocionante dos últimos tempos.
Em alguns momentos, foi possível localizar dezenas de pessoas
chorando na platéia; e quando o operário Ubiraci Dantas de Oliveira
aos prantos lembrou ’o que fizeram com Manoel Fiel Filho e com
Vladimir Herzog’, até alguns jornalistas encarregados de cobrir a
cerimônia choraram. A sessão de abertura do I Congresso Nacional
pela Anistia, no Teatro da Universidade Católica de São Paulo,
259
Fonte: Folha de S. Paulo, 6 de novembro de 1978, p.5.
260
Fonte: Informes e Resoluções dos três eventos mencionados.
261
Folha de S Paulo, “Congresso sobre anistia organiza atuação nacional”, 18 de novembro de 1978.
262
Jornal do Brasil, 4 de novembro de 1978, “Anistia homenageia Lamarca e Marighela”; Jornal da Tarde, 4 de
novembro de 1978, “ANISTIA Muita gente e muita emoção no primeiro dia do Congresso”; Folha de S Paulo, 5
de novembro de 1978, “Encontro de anistia divulga lista com novos desaparecidos”; Folha de S Paulo, 6 de
novembro de 1978, “UM MANIFESTO À NAÇÃO. Após quatro dias de debates, termina Congresso pela Anistia”;
O Estado de S Paulo, 6 de novembro de 1978, “As decisões do Congresso pela Anistia”; Jornal do Brasil, 6 de
novembro de 1978, “Congresso da anistia recomenda a volta dos exilados”; Última Hora, 4 e 5 de novembro de
1978, “Congresso exige anistia geral”.
131
desenrolou-se quase toda nesse tom das 21 às 24 horas da última
sexta-feira, com a presença de 1500 pessoas entusiasmadas.
263
É importante notar como desde o começo o movimento pela Anistia carregava
uma forte carga de sentimentos, e aqui, o sofrimento em comum que uniu esses
grupos foi o vínculo que uniu esses homens e mulheres, com as suas formas de
sentir e experimentar, de sofrer, de estarem juntos nas angústias, ódios, e tudo o
mais que sofriam. Partiram para a organização de movimentos que lutassem pela
Anistia, agiram e reagiram, cada um com a sua sensibilidade específica, e um
sentimento em relação ao companheiro de luta e ao inimigo em comum. dor,
ódio, ressentimento, paixão e desejo. Essas afetividades são componentes
fundamentais desta luta. O ódio, por exemplo, de uma restrição criada por um
governo ditatorial, de ver um amigo ou parente preso, o ressentimento causado por
isso, o medo, reproduzem-se e manifestam-se em várias situações. Concordamos
com Pierre Ansart: “as paixões são verdadeiras forças, dinâmicas, criadoras de
múltiplas ações e destruições
264
uma verdadeira dialética das paixões: as
hostilidades se reforçam mutuamente e conduzem, no caso do nosso objeto, à uma
luta contra o poder instituído. Diz Ansart: “se no povo um desejo demasiado de
liberdade é porque na elite um desejo demasiado de mandar.
265
Nos grupos que
lutaram pela Anistia encontramos a reunião de descontentes com um governo
ditatorial que compartilharam suas emoções num espaço próprio criado (ou
retomado) por eles para a expressão de falas e elaboração de ações vigorosas e
apaixonadas, contemplou por isso, a dimensão racional e afetiva num só objetivo:
263
Movimento, 6 a 12 de novembro de 1978, “Em emocionante sessão, Congresso abre nova etapa de luta:
ANISTIA PARA TODO O POVO”, p. 12-16.
264
ANSART, Pierre. Los Clinicos de Las Pasiones Políticas. Buenos Aires, Nueva Vision, 1997, pg 96. Tradução
livre.
265
Ibid, pg. 100.
132
“(...) ainda ali na primavera de 1974 nossa perspectiva
limitava-se à denúncia da tortura, à denúncia da repressão
econômica, à apresentação dos índices de acidente de trabalho,
enfim, a apresentação do quadro geral de uma ditadura militar de
direita. Faltava uma palavra que sintetizasse todas as aspirações da
luta, num determinado momento, uma palavra que fosse aquilo que
as pessoas chamam, de forma empolada, o centro tático. Aquilo
para onde iam convergir os pedidos e o apoio internacionais.
Não conheço em todo o período de militância na denúncia da
ditadura brasileira no Exterior nenhuma palavra de ordem que tenha
nos unido tanto quanto a Anistia. (...)”
266
Para Fernando Gabeira a palavra Anistia foi aglutinadora de uma luta que foi
principalmente contra a ditadura e suas arbitrariedades. Ele, mesmo fora do país, se
articulou na luta pela Anistia num CBA com sede em Estocolmo, com várias outras
pessoas que compartilharam suas afetividades no exílio, suas dores e
ressentimentos. Um motor para a ação. Gabeira prossegue:
“Anistia é a união. Unir os brasileiros é um passo na luta
contra a ditadura que desde 64 não busca outra coisa a não ser a
nossa separação, seja pela morte, seja pela cadeia, seja pelo exílio
ou mesmo pela desconfiança, o medo, a delação.”
267
O Em Tempo traz a cobertura de três páginas, que reproduz os documentos
aprovados no Congresso, publica lista e fotos dos mortos e desaparecidos e
destaque para a questão da popularização da luta pela Anistia
268
.
As emissoras de rádio e televisão, no entanto, são proibidas de transmitir
qualquer coisa sobre o Congresso através do breve comunicado do Departamento
de Censura da Polícia Federal: “De ordem superior ficam as emissoras de rádio e
266
GABEIRA, Fernando N. Carta sobre a anistia; A entrevista no Pasquim; Conversação sobre 1968. RJ:
Codecri, 1979, pp. 10/11.
267
Ibid, pg 19.
268
Em Tempo, 13 a 19 de novembro de 1978, “Anistia: afinal a lista dos 253 mortos e desaparecidos”(chamada
de capa), “ANISTIA: RUMO AOS TRABALHADORES”, “NOSSOS MORTOS E DESAPARECIDOS: 253”, “LEI?
DE SEGURANÇA? NACIONAL?”, p. 5-7.
133
televisão proibidas de divulgarem notícias ou comentários referentes ao I Congresso
Nacional pela Anistia”
269
.
O Congresso tem como objetivos declarados “elementos fundamentais do
eixo político” a transformação do movimento pela Anistia em luta de massas
portanto, a sua popularização a denúncia permanente das violações dos direitos
humanos e a inserção mais efetiva na luta pelas liberdades democráticas,
270
além, é
claro, do repúdio a “qualquer forma de Anistia parcial” e a toda proposta de Anistia
“que o seja ampla, geral e irrestrita”. É iniciado então, de forma mais sistemática,
o levantamento das listas e do maior número possível de informações sobre os
mortos e desaparecidos políticos. É este um dos princípios cruciais do movimento
pela Anistia, questão que o regime jamais poderia responder. São as seguintes as
Lutas Imediatas aprovadas com status de Jornadas Nacionais
271
:
mobilização de repúdio à nova Lei de Segurança Nacional;
luta pelo esclarecimento das mortes e desaparecimentos
políticos;
levantamento da situação dos exilados;
defesa dos presos políticos (cerca de 200 naquele momento);
campanha pela libertação dos brasileiros Flávia Schilling (presa
no Uruguai), Flávio Koutzi e Jorge Basso, (presos na Argentina).
Pouco depois da fundação dos CBA’s, Ana Maria Müller
272
nos conta do que
foi para ela um dos momentos mais marcantes durante a luta pela Anistia
269
Jornal do Brasil, 4 de novembro de 1978, “Nota da censura”.
270
Encontro e Congresso Nacional de Anistia Salvador, Comissão Organizadora Documento 02, sem data.
271
Constatação a partir dos Relatórios das duas primeiras reuniões da Comissão Executiva Nacional (Belo
Horizonte, 18 e 19/nov/1978 e Belém do Pará, 27 e 28/jan/1979).
272
Ana Maria Müller, advogada de familiares de mortos e desaparecidos políticos, uma das fundadoras do CBA-
RJ.
134
“A primeira greve de fome nacional dos presos políticos,
desencadeada no primeiro semestre de 1978, reivindicando a
quebra do isolamento dos presos de Itamaracá/PE: Carlos Alberto e
Rholine. O CBA-RJ participou ativamente das negociações e, no
meio do movimento, meu companheiro e eu fomos até Pernambuco
e, lá, soubemos da vitória do movimento grevista. Os familiares nos
solicitaram que fossemos até o presídio na condição de advogados,
para dar a notícia, pois temiam que os presos fossem saber da
decisão favorável no dia marcado para a visita dos parentes. Como
ainda faltavam alguns dias para essa data, temiam que eles
continuassem com a greve e, em conseqüência o estado de saúde
deles se agravasse. Arthur Müller e eu fomos até o presídio
acompanhados pelas esposas de dois dos presos. O presídio fica no
meio da Ilha e o silêncio naquele lugar é quase absoluto. O princípio
da visita foi tenso porque os presos não tinham noção de quem nós
éramos e mantinham-se reservados e distantes (as esposas não
puderam entrar). Começamos a citar nomes de presos do Rio e
vimos que reagiam bem. Em seguida, dei um abraço no Assis -
preso que visitava naquele momento - e sussurrei no ouvido dele:
"vocês foram vitoriosos na greve, quebrou-se a incomunicabilidade".
Naquele momento Assis gritou: “companheiros, vitória!”. E de todas
as celas vieram os mais diferentes ruídos e batidas, formando um
único e enlouquecido som, próprio das manifestações vitoriosas.”
273
Essa greve de fome foi iniciada no presídio de Itamaracá-PE pela quebra do
isolamento dos companheiros Rholine Sonde Cavalcante e Carlos Alberto Soares,
condenados à prisão perpétua. Tornou-se nacional porque seguiram-se greves de
fome de apoio e solidariedade aos companheiros de Itamaracá, da parte dos presos
políticos dos seguintes presídios: Frei Caneca-Rio no Rio de Janeiro; Bangu –
Feminino também no Rio de Janeiro; Barro Branco em São Paulo; Lemos de Brito
em Salvador; Linhares em Juiz de Fora. Um total de 6 Estados, perfazendo o total
de 84 grevistas. A greve de fome dos presos de Itamaracá durou 27 dias,
terminando a 10 de maio, quando também terminaram as demais greves de
solidariedade.
273
ABRAMO, Zilah e MAUÉS, Flamarion Maués (orgs). Pela democracia, contra o arbítrio: A oposição
democrática, do golpe de 1964 à campanha das Diretas Já. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006,
p. 219.
135
O que distingue o movimento pela Anistia são as idéias, os interesses, as
afetividades, as lembranças e esperanças. Esses atores sociais trabalharam em
conjunto e combateram em conjunto, como no caso da Flávia Schilling, por exemplo.
Arquivo da Fundação Perseu Abramo
Flávia Schilling foi presa em Montevidéu em 1972, aos dezenove anos de
idade, baleada, barbaramente torturada e condenada a 15 anos de prisão com
trabalho forçado. O mais insólito da história é que pela sua hospedagem nos
cárceres uruguaios foi estabelecida diária de 17 pesos: sua dívida em 1979 era de
quinze mil dólares (Cr$ 300.000,00). A campanha de denúncia encaminhada pelo
movimento - que se tornapermanente, uma vez que Flávia será libertada em
abril de 1980 - tem também, portanto, caráter financeiro para a arrecadação deste
montante. Flávio Koutzi e Jorge Basso estavam presos na Argentina desde 1975,
em condições semelhantes às de Flávia
274
.
Logo depois do Congresso, o movimento pela Anistia assume ainda
campanha intensiva e extensiva de denúncia do seqüestro do casal uruguaio Lilian
Celiberti e Universindo Dias e seus dois filhos em Porto Alegre, a 12 de novembro
de 1978 (portanto, na semana seguinte ao Congresso, não sendo, por isto, listada
274
Folha de S Paulo, 3 de dezembro de 1978, ‘FLÁVIA SCHILLING Uma ‘hóspede ‘do governo uruguaio”(matéria
de capa), pp. 3-5.
136
entre as Lutas Imediatas relacionadas acima). A chamada Operação Seqüestro dos
Uruguaios
275
foi arquitetada pela Companhia de Contra Informações do Exército
Uruguaio articulada com o aparelho repressivo brasileiro. O caso pode ser assim
resumido: oficiais militares uruguaios planejaram o seqüestro, atravessaram a
fronteira e vieram a consumá-lo em território brasileiro; o posto da Polícia Federal do
Chauí serviu de apoio logístico para a operação; coube ao DOPS, sob o comando
João Augusto Rosa e do delegado Pedro Carlos Seelig
276
e participação de Orandir
Portassi Lucas (O Didi Pedalada, torturador conhecido) a execução do seqüestro em
Porto Alegre. Houve, portanto, comprometimento direto das polícias federal e
estadual. Este nível de esclarecimento do caso acontece, no entanto, em 1980,
com o depoimento do ex-soldado Garcia Riva, testemunha direta e co-autor do
seqüestro. Lilian e Universindo continuavam à época presos no Uruguai e os
movimentos pela Anistia mantinham ativa a campanha pela sua libertação e retorno
ao Brasil
277
. A campanha pelos brasileiros presos no Uruguai e na Argentina e a
denúncia do seqüestro de Lilian Celiberti e Universindo Dias imprimem caráter
275
Essa Operação de Seqüestro dos Uruguaios era parte da Operação Condor, uma aliança político-militar
criada para reprimir a resistência aos regimes ditatoriais instalados nos seis países do Cone Sul (Brasil,
Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia). Em dezembro de 2007, a justiça italiana que investiga o caso do
desaparecimento de 25 argentinos e uruguaios de ascendência italiana na América do Sul entre as décadas de
1970 e 1980, pediu a prisão de 140 pessoas suspeitas de envolvimento na Operação Condor, incluindo 11
brasileiros, 61 argentinos, 32 uruguaios, 22 chilenos e cidadãos de outros países. Os brasileiros: Carlos Alberto
Ponzi - ex-chefe do SNI em Porto Alegre, Agnello de Araújo Britto - ex-superintendente da Polícia Federal no Rio
de Janeiro, Antônio Bandeira - ex-comandante do Exército, Henrique Domingues - ex-comandante do Estado
Maior do 3º Exército, Luís Macksen de Castro Rodrigues - ex-superintendente da Polícia Federal no Rio Grande
do Sul, João Leivas Job - ex-secretário de Segurança no Rio Grande do Sul, Átila Rohrsetzer - ex-diretor da
Divisão Central de Informações, Marco Aurélio da Silva Reis - ex-diretor do Dops no Rio Grande do Sul, Octávio
de Medeiros - ex-ministro do Serviço Nacional de Informações, Euclydes de Oliveira Figueiredo Filho - ex-diretor
e comandante da Escola Superior de Guerra e irmão do ex-presidente Figueiredo (este também estava na lista,
mas foi retirado quando faleceu, assim como outros nomes), e Edmundo Murgel - ex-secretário de Segurança no
Rio de Janeiro. BBCBrasil.com 26 de dezembro, 2007.
276
Torturador, podemos dizer que é a versão gaúcha do rgio Paranhos Fleury. Na Revista "Veja", em 25 de
julho de 1979, estampava a notícia do prêmio arbitrariamente distribuído:
"Agraciado: com a Ordem do Mérito Militar, a mais alta condecoração concedida pelo Exército -- no grau de
cavaleiro - o advogado Oswaldo de Lia Pires, defensor desde março dos policiais Pedro Carlos Seelig e Orandir
Portassi Lucas, o "Didi Pedalada", envolvidos no seqüestro dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo
Rodrigues; segundo comunicação feita pelo General António Bandeira, Comandante do III Exército, segundo a
qual a honraria será entregue dia 25 de agosto, DIA DO SOLDADO; o policial Pedro Carlos Seelig, que em 1973
recebeu a medalha de pacificador, também será agraciado com a Ordem do Mérito Militar; dia 14; em Porto
Alegre."
277
Histórico elaborado pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Porto Alegre, 20 de junho de 1980,
mimeo; documento do CBA-RS/Executiva regional, Porto Alegre, 25 de junho de 1980, mimeo.
137
internacionalista à luta, revelando a existência de um pacto da repressão firmado
pelas ditaduras em vigor no Cone Sul da América Latina:
“Pelo fim da repressão em todos os países” - é a palavra de ordem
adotada então pelos CBA’s.
A estrutura organizativa do Congresso Nacional pela Anistia demonstra com
clareza o caráter, as formas de luta e de ação do movimento. Constituem-se as
seguintes comissões de trabalho: atingidos; familiares de presos e ex-presos
políticos; familiares de mortos e desaparecidos políticos; familiares de exilados e
banidos; aposentados e cassados; instituições científicas; advogados; artistas;
estudantes; jornalistas; mulheres; negros; operários; parlamentares e candidatos;
professores; profissionais liberais; profissionais de saúde.
Participam das discussões, além dos movimentos de Anistia, artistas e
jornalistas (Ruth Escobar, Cláudio Abramo, Mario Pedrosa, Mario Schoemberg,
Sebastião Nery); 19 parlamentares e candidatos, entre eles Ulisses Guimarães
(presidente do MDB), Franco Montoro (senador), Eduardo Suplicy (candidato a
deputado estadual) e Fernando Henrique Cardoso (candidato a senador); 6
cassados e aposentados, incluindo dois generais, 10 ex-presos políticos; 30
movimentos e entidades diversos; 23 associações profissionais e sindicatos; 4
oposições sindicais; 63 entidades estudantis; 125 familiares e amigos de mortos e
desaparecidos políticos; 26 familiares de banidos de Minas Gerais, num total de
mais de mil pessoas inscritas no Congresso
278
. Foram apresentadas 79 moções e
46 teses, duas delas elaboradas pelos coletivos dos presos políticos do Rio de
278
Jornal Última hora, 6-11-78; O Estado de S Paulo, 6-11-78, “As decisões do congresso pela Anistia”; Folha de
S Paulo, 6 de novembro de 1978, “Um manifesto à nação”; jornal Movimento 6 a 12/11/78, “Anistia para todo o
povo”; a cobertura mais completa é a do jornal Em Tempo, 37, 13 a 19 de novembro de 1978, p. 5-8 ‘Anistia:
rumo aos trabalhadores’.
138
Janeiro e Pernambuco
279
. Foi aprovada a organização de uma Frente Parlamentar
pela Anistia e a constituição de um Conselho Consultivo, na tentativa de garantir
interlocução qualificada com as entidades representativas organizadas
nacionalmente, aliadas do movimento pela Anistia:
“Analisou-se também o papel do Conselho Consultivo votado
pelo Congresso a ser formado inicialmente com as entidades
nacionais que participaram de sua realização; OAB, ABI, CNBB,
Comissão de Justiça e Paz, SBPC, IAB, Associação Nacional dos
Cientistas Sociais, MDB e Pró-UNE. É necessário enfatizar a
participação destas entidades respeitando o seu atual estágio de
comprometimento na luta pela Anistia, entendendo que o ponto de
partida para o trabalho de engajamento deve ser o caminho das
questões concretas. Observou-se que no momento o Conselho
Consultivo ainda não é uma realidade, sendo uma das tarefas
principais da Comissão Executiva Nacional tornar viável sua
concretização através da abertura de um diálogo permanente com
estas entidades”.
280
A intenção dos CBA’s era também de unir essas entidades representativas,
como percebemos nesta fala de Luis Eduardo Greenhalgh:
“Em São Paulo, em janeiro ou fevereiro de 1975, algumas
mulheres lideradas pela Therezinha Zerbini fundaram, com a ajuda
da Madre Cristina, o Movimento Feminino pela Anistia. Mas eram
pessoas, quando eu achava que o certo seria engajarmos entidades.
No Rio de Janeiro, a Eni Moreira, advogada que trabalhava com o
Sobral Pinto, também começou a articular um Comitê Brasileiro pela
Anistia, do qual depois, ela seria presidente. Era mais amplo, não
com a participação de mulheres, mas ainda eram pessoas.
Conversei bastante com Madre Cristina, e aqui em São Paulo,
começamos a assumir a perspectiva de um CBA com entidades
representativas. Então, vieram o Sindicato dos Metalúrgicos de SP,
(...) a Comissão de Justiça e Paz, a Comissão Arquidiocesana, a
Adusp (...). Vieram o Instituto dos Arquitetos do Brasil, a Associação
Brasileira de Imprensa, o Sindicato dos Jornalistas e entidades do
movimento estudantil (...). Eu representava os advogados de presos
políticos, os outros eram representantes dos familiares de presos,
outros dos médicos contra a tortura.”
281
279
Idem, pp. 69-81, 99-102; 144-146.
280
Relatório da Reunião da Comissão Executiva Nacional, Belo Horizonte, 18 e 19 de novembro de 1978,
mimeo.
281
GREENHALGH, Luis Eduardo. Depoimento à Rita Freire. Revista Adusp, outubro de 1999 pp, 79/80.
139
A articulação destes setores, no entanto, apesar de real, apresentará
dificuldades o tempo todo. É o movimento que avalia:
“Considerou-se necessária uma reflexão quanto à não
participação direta nos trabalhos [do Congresso] por parte das
entidades nacionais, exceção apenas quanto ao engajamento do
representante da ABI. Essa atuação vem se refletir no não
comprometimento destas entidades na constituição de uma
coordenação nacional da luta pela Anistia. No que se refere às
entidades profissionais de vel regional, trabalhadas na fase
convocatória, quando se acentuava o caráter representativo que o
Congresso deveria encerrar, não se criou meios de destacar sua
atuação, deixando que se diluíssem no meio dos inscritos
individualmente”.
282
Alguns meses depois deste diagnóstico, o Documento Base para o
Encontro Nacional pela Anistia (Rio de Janeiro, 15 a 17/junho/1979) acrescenta três
fatores complicadores: precariedade e falta de organicidade das entidades
representativas da sociedade civil cujas lideranças não conseguem mobilizar suas
bases para lutas de caráter mais amplo e político; capitulação de alguns setores da
oposição frente ao acirramento do confronto com o projeto de Anistia da ditadura,
lentidão dos próprios CBA’s na implementação da linha de popularização
283
.
Ainda assim, quanto às oposições, ao movimento popular, ao movimento
operário e aos setores democráticos organizados no país, não seria exagero afirmar
que o I Congresso Nacional pela Anistia consegue mobilizar a quase totalidade
deles. A mesa de abertura, presidida por Luiz Eduardo Greenhalgh (Comissão
Executiva do Congresso) e secretariada por Margarida Naves Fernandes
(Movimento Feminino pela Anistia - SP) e Manoel Alexandre Cunha (Sociedade de
Defesa dos Direitos Humanos-Pa), confirma esta constatação: Eduardo Seabra
282
Relatório da 1ª reunião da Comissão Executiva Nacional, p.2
283
Encontro Nacional pela Anistia Avaliação política organizativa Estratégias de popularização Rio de Janeiro,
15 a 17 de junho de 1989, pp.7-9.
140
Fagundes pela OAB, Pe. Virgílio Uchoa pela CNBB, José Carlos Dias
(representando D. Paulo Evaristo Arns) pela Comissão de Justiça e Paz, Paulo
Massoca e Marcelo Barbieri pela Comissão Pró UNE, Alípio Viana Freire pela ABI,
Carolina Bori pela SBPC, Edgar Graeff pelo IAB, Rejane Cavalcante como familiar
de preso político (Pernambuco), Ubiracy Dantas de Oliveira pela Oposição Sindical
dos Metalúrgicos de São Paulo, Maria Augusta Capistrano como familiar de
desaparecido político e Lysaneas Maciel, ex-deputado cassado.
Assim como os CBA’s, o MFPA agia dentro do espaço da política, mas tinha
outro discurso político. Participava de encontros, reuniões, palestras, muitas vezes,
nas próprias instituições colaboradoras da ditadura, como vemos nesse documento:
“(...) Anistia vem do grego Amnistya, quer dizer esquecimento.
É o processo de se passar uma esponja e apagar o passado.
Os gregos na sua sabedoria, sabiam muito bem que passadas
as divergências entre irmãos se fazia imperiosa a Anistia, pois a
Pátria é indivisível, e nosso trabalho é para a união nacional.
O universo da Anistia é Jurídico, mas a sua consecução é
através do político. E a tica obrigatoriamente é política e a arma
legítima é a pressão.
Nós vivemos num país dividido econômica, política e
socialmente. A união da Nação se faz imperiosa e a Anistia é o
primeiro passo. (...)
Hoje, falar de Anistia se fala de camarote, mas o começo foi
muito duro, pois tínhamos que conquistar o espaço político. Espaço
político em uma ditadura ninguém tem - se conquista. (...)”
284
A fala da Therezinha Zerbini nos revela muitas características sobre o seu
grupo. Ainda que no início, houvesse uma tentativa de agrupar mais setores no
MFPA
285
, em 1979, a fala oficial e aceita deste grupo é a de suas líderes, e entre
elas, a Therezinha Zerbini, advogada, esposa do general Euryale de Jesus Zerbini,
284
ZERBINI, Therezinha. Anistia: Semente de Liberdade. SP: Composto e impresso nas Escolas Profissionais
Salesianas, 1979, p. 251.
285
Como por exemplo, um grupo de mulheres de Londrina-PR, engajadas nas lutas feministas em torno do jornal
Brasil Mulher, que o MFPA apoiou no início, mas rompeu logo em seguida, fundando seu próprio jornal, o Maria
Quitéria. Zerbini: “Ainda fiquei dentro dessa sociedade e marchamos juntas por algum tempo (...) mas depois
queriam fazer um jornal feminista, (...) sem nenhum vínculo com o nosso movimento.” Ibid. p. 24.
141
cassado pela ditadura. Uma das principais diferenças entre o MFPA e os CBA’s foi
quanto às pessoas que cometeram os chamados “crimes de sangue”. Os CBA’s
entendiam que a Anistia devia alcançá-los. O MFPA não apoiou esse alcance no
início de sua formação, em 1978 é que esse movimento aderiu à bandeira da
Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. Na sua formação, o que vemos nas fontes é que
defenderam uma Anistia Ampla e Geral. Qual a diferença? Anistia Ampla porque
sua amplitude beneficiara a todos os envolvidos num determinado episódio; onde a
Limitada, abrangeria apenas alguns envolvidos em tal episódio. Geral porque
deveria alcançar os punidos por envolvimento em todos os episódios ocorridos num
determinado período histórico; e a Parcial envolveria apenas alguns episódios. E
finalmente, quanto às suas conseqüências, os grupos que lutaram pela Anistia
buscavam a Anistia Irrestrita, que não impõe condições ou limites à concessão dos
benefícios, sendo que na Anistia Restrita limites para os seus efeitos. Assim, o
MFPA nasceu excluindo o que a lei também deixou de fora: os condenados por
crime de “terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal”. Só três anos mais tarde
incorporou esses excluídos em sua luta.
No início da citação vimos a noção de Anistia como esquecimento. Esse foi o
grupo que entendeu que era necessário “passar uma esponja e apagar o passado”.
O discurso oficial do CBA não entendia a Anistia como esquecimento. O porquê
desta diferença nos leva a várias questões, entre elas, a questão própria da
memória. Para Susan Sontag no seu livro Diante da dor dos outros, “Para
reconciliar-se é necessário que a memória seja imperfeita e limitada
286
.” Diferença
que sugere um importante debate sobre a memória desses atores sociais, que será
explorado mais adiante.
286
SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. Companhia das letras: 2003, p. 93
142
O MFPA colocou a luta pela Anistia no “universo jurídico” e político. As formas
de ação deste movimento aconteceram, como Zerbini nos fala em seu texto,
“através de pressão”. Essa pressão foi exercida através de artigos em diversos
jornais entre 1975 e 1979
287
. São discursos, palestras, cartas e conferências
buscando voz dentro da ditadura, por meios legais.
Os CBA’s e o MFPA agiram dentro da legalidade. Primeiramente com o
MFPA a questão da Anistia alcançou significativa repercussão. Além de ter sido um
movimento feminino
288
, o MFPA foi a primeira forma organizada de luta pela Anistia,
onde se pretendia a “pacificação da família brasileira, que seria indispensável
preliminar à recomposição do pacto social”
289
. Aproveitando a proclamação pela
ONU em 1975 do Ano Internacional da Mulher, cujas palavras de ordem eram:
“Igualdade, Desenvolvimento e Paz”, Therezinha nos contou que a bandeira da
Anistia foi levantada junto com a da Paz - “Afinal, quem seria contra a Paz?”
290
Os CBA’s aglutinaram em torno de si, além das mulheres do MFPA, amplos
setores, como vimos entre os presentes do I Congresso em 1978. Essa
aglutinação dos CBA’s nos mostra que a luta pela Anistia teve a característica de ser
plural, de transitar em vários ambientes. Sempre existiu a possibilidade de reunir
líderes partidários, líderes sindicais, igrejas, entidades as mais diversas, líderes de
movimentos sociais, etc. Essa diversidade de personagens havia se encontrado,
até então, na luta pela Anistia.
287
Conferências em locais como a Associação Brasileira de Imprensa (1975); Câmaras Municipais (Porto Alegre
e São Paulo em 1975; São Paulo em 1977, Goiânia em 1978; e Campinas em 1979); Câmara dos deputados em
Florianópolis em 1977; no Museu de Arte de São Paulo em 1976; e na Assembléia Legislativa de São Paulo em
1976.
288
Neste ano, com forte influência do crescente movimento feminista na Europa no início dos anos 70, nasce o
movimento feminista no Brasil. No entanto, o MFPA não foi um movimento feminista, ao contrário, usava a
imagem da mulher para legitimar a luta pela anistia e nesse sentido - o uso da imagem da mulher - poderia ser
considerado até como de inspiração machista. KUCINSKI, 1982, p. 79.
289
UNGER, Edyla Mangabeira. “Manifesto impresso do MFPA”. Julho de 1979. In Documentário organizado do
Pres. da Comissão Mista do Congresso, p. 403.
290
ZERBINI, Therezinha. Depoimento a Andressa M Villar Ramos. São Paulo, 25-09-2001.
143
A perspectiva de popularização da luta pela Anistia, que se tornará prioritária
no ano seguinte, ao longo do processo de radicalização do movimento, é
sistematizada neste congresso, embora tenha ainda longo caminho a percorrer daí
para frente. A representação do movimento propriamente operário e popular no
evento é ainda pequena, se limitando ao Movimento Contra a Carestia, ao
Movimento Negro Unificado e à Oposição Metalúrgica de São Paulo. Não
comissão de trabalho específica dos movimentos populares; sua participação,
assim, fica diluída, apesar da presença do Movimento Contra a Carestia, um dos
mais importantes em atividade no país.
Além disso, a proposta de composição do Conselho Consultivo aprovada
prevê somente a participação dos chamados setores médios (OAB, ABI, CNBB, IAB,
SBPC, Associação Nacional dos Cientistas, MDB e Pró-Une). Isto se deve, talvez,
ao fato de que as preocupações principais de então fossem a busca da unificação
organizativa dos CBA’s e a garantia da unidade política no aprofundamento da
concepção de luta pela Anistia.
É preciso, entretanto, destacar a presença de importante delegação de
metalúrgicos do ABCD paulista, em greve naquele momento, e sua participação
ativa nos trabalhos do Congresso. Entre as Resoluções da Comissão de Trabalho
de Operários está a seguinte definição:
“A luta pela Anistia tem um conteúdo político determinado pela
colocação dessa luta na perspectiva dos trabalhadores. É uma luta
contra a repressão que se manifesta através dos órgãos repressivos
e de leis que visam impossibilitar a organização e a luta da classe
trabalhadora. A luta pela Anistia é uma luta política que também visa
o fim do regime”
291
.
291
Resoluções Congresso Nacional pela Anistia, Comissão de trabalho dos operários. p.49.
144
A Comissão de Trabalho dos Negros, por sua vez, se destaca ao dar ênfase
à denúncia da violência policial e institucional generalizada, atendo-se nas suas
Resoluções a este tema, com base em tese apresentada pela Comissão Executiva
Nacional do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial: luta contra a
discriminação racial, contra a violência policial cotidiana sobre o povo, contra as
péssimas condições carcerárias a que estão submetidos os presos comuns
292
. O
documento final do congresso incorpora todas estas questões
293
.
Se unanimidade quanto à necessidade de popularização, é ainda
incipiente o entendimento do que ela seria e como alcançá-la. Os CBA’s a assumem
como um compromisso a ser combinado com os princípios, digamos, clássicos do
movimento, o que se apresenta como as duas faces da Anistia. Tal concepção é
assim firmada no documento final do Congresso:
“A combinação da luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita
com as reivindicações mais sentidas pelos setores que combatem a
opressão os trabalhadores, nas fábricas; o povo pobre, no campo,
nos bairros e nas favelas; as categorias profissionais em suas
associações; setores parlamentares e religiosos deve ser travada
para fazer crescer o movimento como um todo orgânico. [...]
[...] A luta pela Anistia tem duas faces: uma que defende os
que até o momento têm sido atingidos pela repressão e pelo arbítrio;
outra que visa a defesa e a garantia dos que hoje estão lutando.
[...]”
294
No Programa Mínimo de Ação aprovado, a questão da popularização está
contemplada, sobretudo na explicitação da perspectiva de coletivizar a bandeira e no
enfoque dado à luta pela revogação da Lei de Segurança Nacional e pelas
liberdades democráticas:
292
Idem, p.48.
293
Resoluções Congresso Nacional pela Anistia, Carta do Congresso Nacional pela Anistia, São Paulo, 5 de
novembro de 1978, Compromisso com a Anistia, As denúncias, p. 7, mimeo; Anistia Órgão oficial do Comitê
Brasileiro pela Anistia, compromisso com a Anistia, Rio de Janeiro, n. 2, nov./dez./1978, p. 4.
294
Resoluções Congresso Nacional pela Anistia, Carta do Congresso Nacional pela Anistia, São Paulo, 5 de
novembro de 1978, Compromisso com a Anistia, Proposições políticas gerais, p. 8, mimeo.
145
“Fim radical e absoluto das torturas. [...] Denunciar à execração
pública os torturadores e lutar pela responsabilização judicial
dos agentes de repressão e do sistema a que eles servem,
fazendo que essa luta seja assumida não apenas
individualmente, mas coletivamente pelos movimentos de Anistia
e pelas entidades profissionais a que se acham vinculadas as
vítimas.
Liberação dos presos políticos e volta dos cassados,
aposentados, banidos, exilados e perseguidos políticos.[...]
Elucidação da situação dos desaparecidos e dos mortos. [...]
Lutar pelo esclarecimento das circunstâncias em que ocorreram
as mortes e desaparecimentos.
Fim do tratamento arbitrário e desumano contra os presos
políticos. [...]
Revogação da Lei de Segurança Nacional e fim da repressão e
das normas punitivas contra a atividade política.
Apoio às lutas pelas liberdades democráticas. Apoiar as lutas
dos sindicatos operários, dos sindicatos e organizações
profissionais de assalariados e trabalhadores em geral contra a
exploração econômica e a dominação política a que estão
submetidos, pela liberdade e pela autonomia sindicais, pelo
direito à livre organização nos locais de trabalho, pelo direito à
reunião, associação, manifestação e grave. Apoiar as lutas
contra todas as formas de censura e cerceamento de Imprensa,
ao Teatro, ao Cinema, à Música, às expressões artísticas, à
146
produção e à divulgação da Cultura e da Ciência, em defesa da
ampla liberdade de informar e de ser informado, de manifestar o
pensamento, as opiniões e as reivindicações, de adquirir e de
utilizar o conhecimento. Apoiar a luta dos estudantes por
melhores condições de ensino, pelo direito de se manifestarem e
pela liberdade de criarem e conduzirem as suas entidades
representativas. Apoiar as lutas de todo o povo por melhores
condições de alimentação, de habitação, transporte, educação e
saúde. Apoiar a atuação dos partidos e dos parlamentares que
endossem essas mesmas lutas. E denunciar e repudiar todas
as tentativas de impedir, distorcer, obstruir, descaracterizar e
sufocar as lutas pela Anistia e dos setores, organismos e
entidades que se identifiquem com os princípios e objetivos aqui
proclamados.
295
Assim, o discurso pelas liberdades democráticas ganha espaço e sua busca
passa a caracterizar o movimento pela Anistia, que teoricamente, a democracia
tem como um dos objetivos e um dos resultados o de substituir as violências pela
tolerância, o enfrentamento por fruto dos ódios pelo confronto de opiniões, construir
espaços de diálogos e reflexão, tendo como efeito liberar as expressões e superar
os ódios através do reconhecimento das pessoas e de seus direitos. O diálogo
democrático teria como conseqüência permitir a expressão das hostilidades e,
portanto, sua transformação em reivindicações racionalizadas e o seu abrandamento
pela tomada de consciência das oposições de interesses. Trata-se aqui, sem dúvida,
295
Resoluções Congresso Nacional pela Anistia, Carta do Congresso Nacional pela Anistia, São Paulo, 5 de
novembro de 1978, Compromisso com a Anistia, Programa mínimo de ação, pp. 9/10.
147
de um ideal, de um conjunto de valores a serem perseguidos, e estes os foram,
visivelmente pelo movimento pela Anistia.
Essa dimensão afetiva do movimento pela Anistia é compreendida aqui como
uma dimensão explicativa indispensável e esta luta política. Pensamos que os
sentimentos compartilhados da hostilidade sofridas são fundamentais para a
cumplicidade, solidariedade e identificação dentro deste grupo. Explica-nos Pierre
Ansart:
“o ódio recalcado e depois manifestado cria uma
solidariedade afetiva que, extrapolando as rivalidades internas,
permite a reconstituição de uma coesão, de uma forte identificação
de cada um com o seu grupo.”
296
Assim vemos em declarações, como o de Isabel Maria de Carvalho que o
ódio - ou dez anos depois, o ressentimento - é experimentado individualmente, mas
que esses sentimentos são compartilhados, por exemplo, nos grupos que lutaram
pela Anistia. Isabel Maria de Carvalho teve um filho desaparecido, o Virgílio Gomes
da Silva
297
, ou companheiro Jonas, como era conhecido. Virgílio Gomes da Silva foi
preso em 28 de setembro de 1969, na Avenida o João. Foi o primeiro
“desaparecido” pela ditadura. Preso pela equipe do capitão Benone Albernaz, foi
levado à OBAN sobrevivendo por 12 horas às torturas, não mais que isso. Morreu no
dia 30, mas sua morte o foi reconhecida pela OBAN. Sua mãe, dez anos depois
declara: “Mataram ele. Virgílio desaparecido. Isso pra polícia que quer tapar o sol
com a peneira.
298
Essa morte teve seu laudo encontrado em 25 de junho de
296
ANSART, Pierre. “História e memória dos ressentimentos”, p. 22. In: BRESCIANI, Stella & NAXARA, Márcia
(org.). Memória e (res)sentimento: indagações sobre uma questão sensível. Campinas/SP. Editora da Unicamp,
2001.
297
Virgílio Gomes da Silva, codinome Jonas, comandou o seqüestro do embaixador dos EUA Charles Burke
Elbrick, em 4 de setembro de 1969. Ele foi assassinado na sede da Oban (Operação Bandeirantes), em São
Paulo em 30 de setembro de 1969.
298
IstoÉ, 29/08/1979. pg.7
148
2004
299
. Mas em 1979, a mãe, Isabel, não tinha esperança, não poderia ter
certeza da morte do filho, segundo ela “as fases alternadas de esperança, de
desalento, de tristeza, sugaram as suas emoções.”
300
O discurso então articulado reflete a mesma preocupação com as liberdades
democráticas. O conteúdo da Carta do Congresso - Compromisso com a Anistia -
revela as duas faces da Anistia:
“A Anistia pela qual lutamos deve ser Ampla - para todas as
manifestações de apoio ao regime; Geral - para todas as vítimas da
repressão; e Irrestrita - sem discriminações ou restrições. Não
aceitamos a Anistia parcial e repudiamos a Anistia recíproca.
Exigimos o fim radical e absoluto das torturas e dos aparatos
repressores, e a responsabilização judicial dos agentes da repressão
e do regime a que eles servem. A exploração econômica de todo o
povo brasileiro, e mais particularmente, dos operários, dos
trabalhadores assalariados e do homem do campo tem, a garanti-la,
a dominação política, que se exprime na repressão policial. Contra
esta exploração, essa dominação e essa repressão, os operários, os
trabalhadores assalariados, os homens do campo e setores da
sociedade civil têm se erguido, timidamente, a princípio, e mais
energicamente nos últimos tempos. O crescimento das lutas contra a
exploração e a dominação acabou por colocar em cena a luta pela
Anistia, que cada vez mais se amplia e que cada vez mais se mostra
indispensável para a libertação econômica, social, cultural e política
de todo povo brasileiro”.
301
O I Congresso Nacional pela Anistia representa momento importante também
do processo de internacionalização da luta. A esta altura havia cerca de 10 mil
302
exilados brasileiros o êxodo começa logo cedo, em 1964, ano do golpe - e 130
banidos espalhados pelo mundo. Também eles trataram de se organizar em comitês
para denunciar a situação de barbárie instituída pela ditadura militar brasileira e
angariar o apoio das entidades de direitos humanos dos países que os acolheram.
299
Folha de S. Paulo - 25/06/2004: “Primeiro desaparecido foi morto sob tortura
300
IstoÉ, 29/08/1979. p. 7
301
Resoluções Congresso Nacional pela Anistia, p. 5/6.
302
O movimento, assim como a Comissão de Justiça e Paz, trabalha com este número, mas a quantidade exata
á imponderável. Cálculos menos conservadores chegam a contabilizar 20 mil. Não se pode esquecer que as
restrições estendem-se também aos familiares. V. Caderno especial ANISTIA, São Paulo, Edições S.A, Abril/78,
p. 38; e ANISTIA, número especial do De fato, Belo Horizonte abril/78, p. 2.
149
Assim, se foi constituída uma internacional da repressão pelas ditaduras sangrentas
que se instalaram no Cone Sul da América Latina nos anos 1960 e 70, constitui-se
também uma internacional da resistência formada pelos comitês de exilados, pelos
CBA’s que atuam no Brasil e pelos movimentos internacionais de direitos humanos.
Por motivos óbvios e certamente alheios à vontade deles os exilados e
banidos não comparecem fisicamente no Congresso, mas se fizeram representar
pelas delegações dos diversos países de acolha e pelas moções, mensagens e
documentos enviados. O quadro é impressionante, registra-se a presença de
comitês para a Anistia no Brasil ativos em praticamente toda a Europa:
Comitê Pró Anistia Geral no Brasil-Portugal,
Comitê Brasileiro de Estocolmo-Suécia,
Grupo de Brasileiros pela Anistia em Roma-Itália,
Comitê Unitário para Anistia da Escandinávia,
Comitê Amsterdã-Brasil,
Comitê de Berlim e Colônia-Alemanha,
Comitê Belga pela no Brasil,
Comitê Brasileiro para Anistia-Dinamarca,
Comitê Brasileiro para Anistia- Paris/França,
Comitê Brasileiro para Anistia-Noruega,
Federação de Grupos Brasileiros na Suécia (Estocolmo,
Gotemburgo, Lund, Upsala, Malmende, Unrea).
É notável a representatividade em quantidade e qualidade das delegações
estrangeiras presentes: Comitê Brasil Anistia, núcleo do Comitê França-América
Latina; Liga Suíça dos Direitos Humanos, Comissão para o Terceiro Mundo da Igreja
Católica de Genebra e Comissão América Latina da Associação Que Fazer;
150
Associação Suíça para a Anistia Geral aos Presos Políticos no Brasil, Secretariado
Internacional de Juristas pela Anistia no Uruguai. Além destas, que compareceram
ao Congresso, aquelas que mandaram moções e telegramas completam a listagem:
Movimento Internacional de Juristas Católicos e Ordem dos Advogados
de Paris;
Coletividade Terceiro Mundo de Versailles;
Liga Internacional de Mulheres pela Paz e Liberdade Seção
Francesa;
Centro de Informações para o Desenvolvimento dos povos de Rennes;
Comitê de Solidariedade ao Povo Brasileiro-Genebra,
Comitê de Defesa dos Presos Políticos do Chile-Genebra,
Centro de Informação e Solidariedade ao Paraguai-Genebra,
Comitê de Apoio ao Povo Chileno-Genebra,
Casa Latino Americana/CASLA-Genebra,
Associação de Solidariedade ao Povo Brasileiro-Lausanne, Casa
Argentina-Lausanne, Grupo de Mulheres/América Latina-Lausanne;
Sindicato Nacional de Ensino Superior da França;
Associação de Auxílio
Médicos e Pessoal de Saúde em França;
Associação Suíça Para um Desenvolvimento Solidário;
Comitê América Latina- Evreux, França;
Seção Alemã da Anistia Internacional;
Cimade - Serviço Ecumênico de Solidariedade-Paris
303
.
303
Congresso Nacional pela Anistia Resoluções, pp.99-101.
151
Até a realização do II Congresso Nacional pela Anistia (nov/1979)
304
,
podemos dizer que o ritmo das atividades é intenso. Foram nove reuniões realizadas
nas cidades de: Belo Horizonte (18 e 19/nov/1978), Belém do Pará (27 e
28/jan/1979), Brasília (3 e 4/março/1979) Campo Grande (5 e 6/maio/1979);
Salvador (29 e 30/maio/1979), Brasília (22/agosto/1979) de novo, Belo Horizonte de
novo (8 e 9/set/1979), São Paulo (6 e 7 de outubro/1979) e Salvador outra vez (2, 3,
e 4/novembro/1979 reunião ampliada)
305
. Estas reuniões o compreendidas e
tratadas pelo movimento da seguinte maneira:
“Considerando-se que a Comissão Executiva deve buscar o
fortalecimento das entidades da Anistia, avaliou-se a importância de
extrair o maior rendimento político possível a cada uma das reuniões
que venham a se realizar. Neste sentido, elas devem assumir o
caráter de fato político que favoreça o crescimento de entidades mais
novas e o surgimento de outras. A escolha do local para cada reunião
deve, pois, levar em conta a necessidade de privilegiar as entidades
em processo de formação e também as regiões que por algum dado
novo da conjuntura exijam uma concentração maior de nossa
atuação.”
306
Ao longo de 1979, a CEN prepara e convoca cinco eventos nacionais: o 3º e o
Encontros de Movimentos pela Anistia, respectivamente no Rio de (15 a
17/junho/1979) e em São Paulo (7 a 8/julho/1979)
307
; o Encontro Nacional de
Atingidos, no Rio (11 e 12 /agosto/1979)
308
; e ainda o II Congresso Nacional pela
Anistia, em Salvador (15 a 18/nov./1979), além de coordenar no Brasil os trabalhos
de preparação da Conferência Internacional pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita e
pelas Liberdades Democráticas realizada em Roma, em junho/julho de 1979.
304
A partir do II Congresso vai haver mudança na estrutura organizativa do movimento, reflexo das novas
demandas a serem enfrentadas e das novas contradições surgidas, o que será visto na última parte da tese.
305
Fonte: Relatórios e Informes das nove reuniões mencionadas.
306
Relatório da 1ª reunião da Comissão Executiva Nacional, Belo Horizonte, 18 e 19 de novembro de 1978, p. 3.
307
O 1º e o 2º Encontros deram-se antes da constituição da CEN, em Brasília (agosto/1978) e Salvador
(setembro/1978).
308
Relatório do I Encontro Nacional dos Atingidos, 11 e 12 de agosto de 1979.
152
Por ocasião do Encontro (junho/1979) são contabilizadas 45 entidades de
Anistia no país
309
, todas devidamente providas de estatuto, regimento e sede, e
organicamente vinculadas à CEN; a maioria delas dotada de veículo de divulgação
com periodicidade regular (boletins ou jornais no formato tablóide ou duplo ofício).
Pela representatividade do Encontro podemos avaliar a importância deste tipo de
evento: mais de 500 pessoas presentes, representação de 37 entidades de Anistia
(24 CBA’s, 3 Sociedades de Defesa dos Direitos Humanos, 9 MFPA’s) e 46
entidades diversas (sindicatos, partidos, movimento estudantil, movimentos culturais,
associações de moradores)
310
. Além das campanhas aprovadas e das denúncias
veiculadas nos encontros, eles constituem em si fatos políticos de grande
repercussão, momento privilegiado para dar visibilidade à luta, reverberar as
denúncias e incrementar as formas de atuação, principalmente com os Atos
Públicos. Nas ruas, Maria Auxiliadora Almeida Cunha Arantes nos contou em seu
depoimento, que a segurança nesses atos existia porque os advogados dos CBA’s
iam aos órgãos de segurança, como o DOPS, comunicar que haveria determinada
manifestação e que seria pacífica. Mesmo assim, os órgãos de segurança
mantinham sempre presente uns soldados que vigiavam o desenrolar das
manifestações do CBA
311
.
Para garantir organicidade ao conjunto dos movimentos a CEN vai procurar
adotar critério de regionalização a partir, sobretudo da proximidade geográfica, tendo
sido feita a seguinte divisão em blocos, cada um articulado por uma das entidades -
membros da direção:
309
Regimento Interno do Encontro Nacional dos Movimentos pela Anistia, Rio de Janeiro, 15 a 17 de junho de
1979.
310
Relatório do 3º Encontro Nacional dos Movimentos de Anistia. Rio de Janeiro, 15 a 17 de Junho de 1979.
311
ARANTES, Maria Auxiliadora Almeida Cunha. Depoimento à Andressa M. Villar Ramos em 08-09-1999.
153
Regional norte: CBA-Pa, Acre, Amazonas, Maranhão, Piauí, Ceará e
territórios e Mato Grosso do Norte;
Regional nordeste: CBA-Ba, Rio Grande do Norte, Pernambuco,
Paraíba, Alagoas e Sergipe;
Regional centro-oeste: MFPA-MG, Goiás e Distrito Federal e Mato
grosso do Sul (depois foi integrado o CBA-MG);
Regional leste: CBA-Rio e Espírito Santo;
Regional sul: CBA-SP e MFPA-SP, Santa Catarina, Paraná e Rio
Grande do Sul.
312
Na verdade esta regionalização, apesar de constituir boa tentativa de
aperfeiçoamento da estrutura organizativa, não vai funcionar direito, com exceção da
Regional Nordeste, como fica claro na seguinte autocrítica do movimento:
“A articulação entre os Movimentos de Anistia de diferentes
estados foi deficiente. As comunicações mais intensas, ainda que
deixando a desejar foram entre os movimentos da CEN; os
movimentos do Nordeste, que realizaram três encontros regionais,
e CBA-SP com os CBA’s do interior do estado; provavelmente (sic)
as seções do MFPA”.
313
A integração da Secretaria Nacional de Exilados (constituída na Reunião
de Movimentos de Anistia em Brasília) à CEN e a criação da Coordenação Nacional
de Mortos e Desaparecidos (Comitê Paraense de Anistia, CBA-RJ, MFPA-Pe,
MFPA-RS)
314
completam a estrutura nacional.
Quanto à organização interna dos CBA’s espalhados pelo Brasil, tanto nas
capitais como no interior, em geral ela é leve, compatível com a necessidade de
312
Relatório da 1ª reunião da Comissão Executiva Nacional, p.3.
313
Avaliação política organizativa Estratégias de popularização Documento base 3º Encontro Nacional dos
Movimentos de Anistia (autoria do CBA-Ba), RJ 15 a 17/6/79, p.13; Relatório do Encontro Regional dos
Movimentos Pró Anistia – Nordeste, Maceió, Alagoas 24 e 25 de março de 1979.
314
Relatório da 2ª Reunião da Comissão Executiva Nacional, Belém do Pará, 27 e 28/janeiro/1979, p.8
154
agilidade e ampliação da luta firmada no I Congresso Nacional. Os CBA’s se
mantêm exclusivamente através das contribuições de seus membros e de
campanhas organizadas para levantamento de fundos, que por sua vez são
trabalhadas para constituir fatos políticos e aumentar a visibilidade da luta. Além dos
tradicionais livros de ouro, cartazes, rifas, adesivos, jornais e boletins, são
organizados pedágios para venda de bônus, feiras para venda de artesanato dos
presos políticos, leilões com obras de artistas apoiadores do movimento e shows de
MPB em favor da Anistia. Precisaram sempre do apoio de amigos e conhecidos que
se identificaram com o movimento pela Anistia para produzir o material que
distribuíam. Zilah Abramo nos conta como era organizada a produção e a
distribuição do material, e a divulgação das manifestações:
“A organização do CBA era muito pequena e era muito
primária, ela funcionou a custa de um grupo de militantes que
praticamente vivia em torno daquilo. Os textos eram escritos, em
geral, a 3, 4 mãos, e depois juntávamos tudo. Aí tinham pessoas que
datilografavam, depois eram mimeografados. A divulgação era toda
através de filipetas. Mas era tudo muito primário. A gente usava o
mimeógrafo do CAOC, Centro Acadêmico da Oswaldo Cruz, da
Faculdade de Medicina, e a gente distribuía em 4 ou 5 locais de
concentração. A gente pegava um monte de filipetas e ia na hora do
almoço na Faculdade de Saúde Pública, em frente ao HC, onde tem
um lugar que se chama Praça da Tristeza.”
315
A participação dos estudantes de medicina teve grande importância, não só
com o empréstimo do mimeógrafo, mas também tratando dos presos políticos. Maria
Auxiliadora Almeida Cunha Arantes nos conta que o Núcleo dos Médicos foi muito
forte, havia vários integrantes. Fazia parte nesta ocasião, a Zilah Abramo vinculada
315
ABRAMO, Zilah. Depoimento a Andressa M Villar Ramos. São Paulo, 30-08-2000.
155
à área de saúde. (...) Era um núcleo muito importante porque os médicos davam
também assistência aos presos políticos.
316
O Sindicato dos Jornalistas também foi usado para confeccionar as filipetas
para distribuição.
317
Os recursos utilizados para tais confecções eram levantados,
normalmente, com a venda de doações (obras de arte, calendários, etc) de
simpatizantes do movimento. O artista Otávio Roth chegou a confeccionar um
calendário do ano de 1979, para ser vendido (e segundo Maria Auxiliadora Almeida
Cunha Arantes
318
, foi vendido em grande quantidade) como forma de arrecadar
fundos para o movimento pela Anistia.
316
ARANTES, Maria Auxiliadora Almeida Cunha. Depoimento a Andressa M Villar Ramos. São Paulo, 08-09-
1999.
317
Ibid.
318
Ibid.
156
Calen
dário – Otávio Roth – Arquivo da Fundação Perseu Abramo
Mas outros artistas também se mobilizaram, enviaram seu protesto para o
Congresso e visitaram presos. Grande parte da divulgação também ficou por conta
desses artistas que participaram do movimento, como a Ruth Escobar através do
seu teatro –; como nos lembra Luis Eduardo Greenhalgh: “a Ruth Escobar abria o
Teatro para fazermos reuniões”
319
, inclusive o encerramento do Congresso de
Anistia foi
320
. Maria Auxiliadora da Cunha Arantes
321
nos conta que o
envolvimento dos artistas servia para dar muita visibilidade ao movimento pela
Anistia, e que ela encontrou várias vezes, - além da Ruth Escobar que também
colaborava com o material de propaganda do CBA-SP -, a Eva Wilma e o Carlos
Zara, a Bruna Lombardi e o Carlos Alberto Ricceli, que também tinham parentes
presos; e o Elias Andreatto, e o Gianfrancesco Guarnieri, que também estiveram
“muito envolvidos com a luta de Anistia e fizeram um trabalho importante entre os
artistas, junto também ao Sindicato dos Artistas”
322
.
Exemplo expressivo do envolvimento dos artistas com a causa é o show
promovido pelo CBA-BA a 7 de fevereiro de 1979 no Teatro Vila Velha com 6 horas
319
GREENHALGH, op. cit., p. 80.
320
ARANTES, Maria Auxiliadora Almeida Cunha. Depoimento a Andressa M Villar Ramos. São Paulo, 08-09-
1999.
321
Idem.
322
Idem
157
de duração, presença de mais de 1000 pessoas e participação de 20 artistas, entre
eles Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Luís Melodia, Fagner, Pepeu Gomes e
Baby Consuelo. O objetivo é o levantamento de fundos para o custeio da revisão de
processos de presos políticos recolhidos à Penitenciária Lemos de Brito: Paulo
Pontes da Silva, Paulino Vieira, Aluízio Valério da Silva e Theodomiro Romeiro dos
Santos. O show tem cobertura de primeira página (página inteira) do Caderno B do
Jornal do Brasil de 9 de fevereiro de 1979, com, a seguinte manchete: “Espetáculo
musical em favor da Anistia UM GESTO POLÍTICO, SEM DISCURSO.”
323
Outro momento eminentemente político da arrecadação de fundos, que teve
repercussão nacional, é o ato organizado pelo MFPA e CBA-MG, a 5 de janeiro de
1979, em plena Praça 7, centro de Belo Horizonte, para a campanha de resgate de
Flávia Schilling dos cárceres uruguaios. O ato foi reprimido violentamente com
bombas de gás lacrimogêneo, cassetetes e 8 prisões de estudantes e professores,
membros do movimento. A “violência à mineira”, como diz a chamada da página do
Última Hora, recebe manchete deste diário paulista e reportagem de página inteira,
incluindo a publicação na íntegra da nota de protesto assinada pelas entidades
mineiras e manifestações de repúdio dos mais diversos setores da sociedade.
324
Com a estrutura e a infra-estrutura do movimento montadas, é desencadeado
processo efetivo de interiorização da luta, acompanhado de significativo aumento do
número de filiados e militantes, nas capitais e no interior. Até abril de 1979
constituem-se os seguintes núcleos:
323
Jornal do Brasil, Caderno B, 9 de fevereiro de 1979, p.1. Segundo informe do CBA-Ba a renda foi de Cr$
52000,00. Relatório do Encontro Regional dos Movimentos Pró Anistia Nordeste, Maceió -Al, 24 e
25/março/1979, p. 6, mimeo.
324
Última Hora, 8 de janeiro de 1979, ‘EM MINAS, ‘QUEM FEZ A BADERNA FOI A POLÍCIA’”, página
(manchete e foto) e p. 11 (página inteira), “VIOLÊNCIA À MINEIRA”; Estado de Minas, 6 de janeiro de 1979,
“Polícia acaba com manifestação em BH”; Jornal do Brasil , 7 de janeiro de 1979, “DOPS -MG dissolve a bomba
manifestação pela anistia”, “Presidente da OAB-MG é proibido pelo DOPS de visitar estudantes presos”; Diário
de Minas, 6 de janeiro de 1979, “Estudantes na Praça 7 (chamada de capa), “Campanha por Flávia acaba com
bombas na Praça Sete”; O Estado de São Paulo, 6 de janeiro de 1979, “Presos e feridos na campanha em favor
de Flávia”; Folha de S Paulo, 7 de janeiro de 1979, “CBA surpreso com repressão à campanha”. E ainda:
“Bombas contra a anistia”, nota oficial do CBA e MFPA-MG, 7 de janeiro de 1979, mimeo.
158
Minas Gerais: CBA’s de Montes Claros, Juiz de Fora, Divinópolis e
Itaúna;
Ceará: Crateús (MFPA);
Paraíba: CBA de Campina Grande;
São Paulo: CBA’s de Bauru, Campinas, Jacareí, Jundiaí, Limeira, Mogi
das Cruzes, Piracicaba, Ribeirão Preto, Santos, São Carlos (em
junho/1979 foi formado o Comitê Regional pela Anistia para congregar
os movimentos desta região),
325
São José dos Campos, Sorocaba,
Osasco, CBA-ABC;
Bahia: CBA-Feira de Santana;
Paraná: CBA-Londrina.
Rio Grande do Sul: CBA de Passo Fundo.
326
O Relatório da reunião da Comissão Executiva Nacional (Belém do Pará,
janeiro/1979) registra que particularmente no Pará e no Mato Grosso do Sul a
proposta de interiorização se mostra acertada, tendo conseguido aglutinar a maior
parte dos movimentos de oposição à ditadura; não são nomeadas, no entanto, as
cidades onde os novos núcleos foram criados. Também em São Paulo a
interiorização se mostra bastante consistente pelo grande número de núcleos
constituídos e pela sua organicidade com o CBA da capital.
327
Assim, a partir do I Congresso Nacional pela Anistia, com a constituição da
Comissão Executiva Nacional/CEN, os CBA’s são alçados a primeiro e único
movimento legal de frente efetivamente organizado em âmbito nacional cujo
programa de ação é o combate direto e aberto à ditadura militar. Erradicação da
325
Manifesto do Comitê Regional pela Anistia, São Carlos, 18/junho/1979.
326
Levantamento a partir dos Informes e dos Relatórios da CEN disponíveis.
327
Endereços dos CBA’s do Interior do Estado de S Paulo, Informe, CBA-SP, 30/abril/1979, 8 p., mimeo.
159
tortura; esclarecimento das circunstâncias em que ocorreram as mortes e os
desaparecimentos políticos; responsabilização do Estado e dos agentes da
repressão; desmantelamento do parelho repressivo; luta pelas liberdades
democráticas; articulação dos demais setores de oposição com destaque para o
movimento operário e popular: ao romper na prática a capa de invisibilidade e
silenciamento imposta pela ditadura e, criar a sua própria estratégia de visibilidade,
os CBA’s não o fizeram em nome de projeto corporativista, localizado ou molecular,
não se tratava de reivindicações específicas encaminhadas por determinada
categoria profissional ou determinado segmento social – o que se buscava, ao
contrário, era a organização de um movimento disposto e apto a atingir a ditadura no
seu próprio âmago. Para colocar a discussão na chave arendtiana da dialética
liberdade/necessidade
328
, podemos dizer que o princípio inspirador da luta pela
Anistia é a liberdade blica e o seu ato realizador, o combate à opressão, que se
manifesta, sobretudo, na luta contra a repressão. Trata-se de movimento político no
sentido forte do termo e é que se encontra a sua peculiaridade em relação aos
chamados novos movimentos sociais ou novos sujeitos emergentes, com os quais
procura se articular. O movimento pela Anistia tem em comum com eles a novidade
do caráter instituinte: o esforço de todos se dirige para a construção de um espaço
político, autônomo e independente, não a partir dos poderes e dos canais instituídos,
mas apesar deles e, sobretudo, contra eles. O desafio colocado é a viabilidade de
manutenção da capacidade de resistência à repressão e às investidas no sentido da
sua diluição, esvaziamento e/ou absorção pelo Estado
329
. Assim, o momento em que
328
ARENDT, Hannah. Da revolução, pp. 47-91; e Entre o passado e o futuro, pp. 97-103. V. tb.: AMIEL, Anne.
Hannah Arendt, política e acontecimento. Lisboa, Instituto Piaget, 1996, pp. 97-103.
329
CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência. SP: Brasiliense, 1986, p.11. Para a questão dos novos
movimentos sociais, v. ainda: CARDOSO, Irene. “Há uma herança de 1968 no Brasil?” In: GARCIA, Marco
Aurélio e VIEIRA, M. Alice. 1968 Brasil França Alemanha. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1998,
pp. 135-142; HIRATA, Helena. Movimento operário sob a ditadura militar (1964-1979)”. In: LÖWY, Michel (org.).
Movimento operário brasileiro. Belo Horizonte: Editora Veja, 1980, p. 82-110; PAOLI, Maria Célia e SADER,
160
se unem é inscrito no espaço dos sentimentos cotidianos, dos desejos e das
solidariedades, fruto da vontade coletiva deste grupo, orientados pelas semelhanças
do seu presente/passado que garantem o vínculo social essencial e constitui o
coração do movimento pela Anistia: a solidariedade, que tem significação especial
quando se sofre junto, se espera junto, se alegrar junto.
Os novos movimentos sociais orientam a sua dinâmica para as relações do
dia a dia, segundo a nova concepção de política associada ao cotidiano privado a
partir do encaminhamento de reivindicações relativas à qualidade de vida e à
reprodução da força de trabalho: são lutas de caráter comunitário em torno de
bandeiras como moradia, transporte, creches, custo de vida, organização de
associações de moradores, as quais representam a reconfiguração das iniciativas
populares a partir do fechamento dos espaços convencionais de militância política.
Seus atores constituem-se como sujeitos coletivos de direitos em defesa de
melhores condições de vida e trabalho.
Aí, portanto, a centralidade está no que Hannah Arendt chama de questão
social: o seu princípio inspirador é a felicidade do povo e o ato realizador, o combate
à exploração e à pobreza. Trata-se de tentativa de politização da vida privada com a
construção do social (não do político) como o lugar da ação, caracterizada por forte
presença da Igreja Católica através das Comunidades Eclesiais de Base. Esta
tendência marca também o novo sindicalismo, tão fundamental para o agravamento
Eder. “Sobre classes populares no pensamento sociológico”. In: CARDOSO, Rute. A aventura antropológica. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1986; SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1988; SADER, Emir. Movimentos sociais na transição democrática. São Paulo: Cortez, 1987;
TELLES, Vera. “Anos 70: experiências, práticas e espaços políticos”. In: KOWARICK, Lúcio. As lutas sociais e a
cidade. São Paulo: Paz e Terra, 1988, p.135-142; RESTREPO, Luís Alberto. “A relação entre a sociedade civil e
o Estado: elementos para uma fundamentação teórica do papel dos movimentos sociais na América Latina”,
Tempo social Usp, semestre 1990, p. 61-100; ALVAREZ, Sonia E., DANIGNO, Evelina e ESCOBAR, Arturo.
“O cultural e o político nos movimentos sociais latino-americanos”. In: ALVAREZ, Sonia E., DANIGNO, Evelina e
ESCOBAR, Arturo. (orgs). Cultura e política nos movimentos sociais latino-americanos. Belo horizonte: Editora
UFMG, pp. 15-57. A presente discussão é baseada principalmente em Vera Telles e Eder Sader.
161
do processo de desgaste do regime e para a reconstituição da esfera pública,
principalmente com o ciclo grevista de 1978-1980.
O que se pode perceber é que a universalidade, a radicalidade e, sobretudo,
a peculiaridade do movimento pela Anistia estão determinadas pela construção do
político não do social como o lugar da ação. Neste caso, a dimensão do político
é qualificada pelo investimento na construção de um espaço público de contrapoder
a partir do enfrentamento direto à ditadura militar. Os CBA’s se empenham em
manter a luta no terreno do político ao não limitar a questão à exigência da
libertação dos presos políticos, da volta dos exilados e banidos e da reintegração
dos cassados e dos clandestinos. O seu discurso não tem aquele vício de origem
inerente ao discurso reivindicatório apontado por Renato Janine Ribeiro:
“... o de instituir um poder ao qual se pede, ao qual se reclama
ao qual, por vezes até mesmo se exige mas que, em todos os
casos, devido a esse diálogo que com ele se instaura, é
implicitamente reconhecido como interlocutor legítimo e, pior ainda,
legitimado na posição em que está como interlocutor, isto é, na de
detentor do poder”.
330
É este o limite que condiciona a dificuldade das lutas reivindicatórias, mesmo
as instituintes, se manterem enquanto tal, tornando-as vulneráveis, por um lado, aos
riscos de efemeridade, isolamento, pulverização e esgotamento interno e, por outro,
às tentativas acirradas de enquadramento e esvaziamento por parte do poder
instituído. Ao brandir bandeiras como “Pelo fim da tortura” e “Pelo desmantelamento
do aparelho repressivo” ou ainda “Pelas liberdades democráticas” e “Em defesa dos
direitos humanos”, os CBA’s enfrentam o poder instituído, o qual não é encarado
como interlocutor, mas como inimigo a ser combatido, o ódio à este inimigo comum
torna-se forte aglutinador deste movimento. Ainda Ansart:
330
RIBEIRO, Renato Janine. “Os direitos do homem poderão ameaçar a democracia?” USP, 1998, mimeo.
162
“Os ressentimentos, os sentimentos compartilhados de
hostilidade, são um fator eminente de cumplicidade e solidariedade
no interior de um grupo, e suas expressões, as manifestações (as
“explosões de sentimento” como diz Nietzsche) podem ser
gratificantes.”
331
E mesmo o “ódio recalcado e depois manifestado”, que segundo Ansart cria
uma solidariedade afetiva que extrapola as rivalidades internas e permite a
reconstituição de uma coesão, de uma forte identificação de cada um com o seu
grupo. É isto que os torna invulneráveis àquelas tentativas de enquadramento -
apesar de não serem imunes aos riscos de isolamento e esgotamento interno - e os
qualifica como referência de luta direta contra a ditadura. Eles se constituem
enquanto movimento político per se: no seu caso, a politização não é mera
possibilidade ou eventualidade, mas conditio sine qua non - a luta pela Anistia é uma
luta política.
A atuação dos CBA’s constitui transgressão às regras do jogo da ditadura e
estabelece o dissenso na definição de Jacques Rancière, dissenso que veio para
“perturbar a ordem da polícia”
332
e resgatar o registro da política, entendida como
ruptura, o contrário de consenso. No confronto direto com a ditadura militar, a
motivação profunda do movimento pela Anistia é a garantia do direito universal à
liberdade e a criação das condições para o exercício da cidadania, portanto, a
reconstrução do espaço público, procedimento radical de desalienação. O que está
em jogo é a própria recuperação da possibilidade da política enquanto tal. Além
disso, ao ser colocada a exigência de esclarecimento circunstanciado das mortes e
desaparecimentos políticos e da responsabilização do Estado e punição dos
331
ANSART, P, op. cit., p. 22.
332
RANCIÈRE, Jacques. “O dissenso”. In: NOVAES, Adauto. A crise da razão. o Paulo, Companhia das
Letras, 1996, p. 372. Neste ensaio Rancière aprofunda a noção de dissenso como elemento fundador da
democracia, em oposição a consenso, identificado com a noção de polícia, que seria a negação da política. V,
tb.: RANCIERE, J. O desentendimento. São Paulo: Editora 34, 1996.
163
torturadores a reparação histórica e o ressarcimento devidos a toda a sociedade -
o caráter político é magnificado e vemos aqui também surgir um outro tipo de
sentimento, que Ansart vai nos explicar:
“o ódio recalcado dos dominantes quando se encontram em
face da revolta daqueles que consideram inferiores. Ressentimento
reforçado pelo desejo de reencontrar a autoridade perdida. (...) Este
ódio (...) insere-se na prática dos dominantes de conter as
manifestações de seu ódio e desejos de vingança”
.
333
Desloca-se agora, o embate para o registro da disputa pela apropriação da
memória. O resgate da memória é o eixo principal em torno do qual se articula a luta
pela Anistia, representado na polarização Anistia parcial e recíproca X Anistia Ampla
Geral e Irrestrita. Assim, a capacidade singular do movimento pela Anistia é dada
por, primeiro: a elaboração de um contradiscurso a partir da luta contra o terror
instituído pela ditadura militar; e segundo: a construção de uma contramemória a
partir desta luta, realizados por um projeto político-organizativo que contempla com
exclusividade a interlocução com a sociedade civil e o confronto direto com o
Estado. Estes núcleos determinam a incompatibilidade com qualquer processo de
institucionalização e classificam o movimento como indomesticável, para repetir o
termo de Lefort
334
. Só os CBA’s têm como princípio de ação um programa de
conteúdo eminentemente estrutural e político cujo eixo principal é o resgate da
memória a partir da perspectiva daqueles que sofreram a opressão do regime e a
combateram. É deste sentimento que aparecerá uma matriz discursiva própria,
centrada em uma nova gramática, a dos direitos humanos.
333
ANSART, Pierre. “História e memória dos ressentimentos.” Pg 19. In: BRESCIANI, Stella & NAXARA, Márcia
(org.). Memória e (res)sentimento: indagações sobre uma questão sensível. Campinas. Editora da Unicamp,
2001.
334
LEFORT, Claude. A invenção democrática, p. 26.
164
II.b. “O
MARCO DA VIRADA
A restituição da atividade política ao domínio público
“Os mais entusiastas eram mesmo os estudantes e alguns
advogados. Os primeiros viam nesta bandeira uma possibilidade de
retomar, nas ruas, o movimento estudantil, que estava bastante
acuado. Houve momentos em que os estudantes tomaram a
iniciativa de fazer a defesa da Anistia na USP e os familiares de
presos políticos foram desautorizados pelos próprios presos políticos
de se manifestarem de maneira favorável à essa bandeira. Talvez os
anos de 1975 a 1977 tenham sido os mais difíceis para convencer
aqueles que deveriam ser os mais beneficiados com a conquista da
Anistia.”
335
Ainda que o movimento pela Anistia tivesse que superar inúmeras
dificuldades para se fazer aceitar, até mesmo entre seus pares, como podemos ler
nesse depoimento da Maria Amélia de Almeida Teles, o que notamos anteriormente
foi que a partir do destaque promovido I Congresso Nacional pela Anistia (São
Paulo, novembro/1978), o movimento ganha as ruas, definitivamente e, força a
entrada do tema na agenda do governo, bem como, pauta na mídia.
Aí tem início o aprofundamento de processo que vai acabar revelando e
colocando à prova os limites e contradições do projeto do regime - a chamada
distensão/abertura lenta, gradual e segura. Na lógica do consenso básico articulado
pelo general Geisel, a Anistia não é considerada
336
e, se mencionada, é para ser
imediatamente descartada e/ou contestada. Sobretudo ao longo de 1977-78, quando
foram criados os pacotes de reformas, se permitiria, no máximo, uma possível
335
ABRAMO, Zilah e MAUÉS, Flamarion Maués (orgs). Pela democracia, contra o arbítrio: A oposição
democrática, do golpe de 1964 à campanha das Diretas Já. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.
Pg. 215.
336
Jornal do Brasil, 31/1/78, “Petrônio diz que anistia não fará parte das reformas”; O Estado de S Paulo, 16 de
fevereiro de 1978, “Para o governo anistia é arriscada e temerária” (Antônio Carbone); O Estado de S Paulo, 22
de fevereiro de 1978, “Governo nega que haja estudo sobre a anistia”, p.14; O Estado de S Paulo, 25de fevereiro
de 1978, “Governo rejeita Constituinte e anistia”, p.4; Jornal do Brasil , 23 de fevereiro de 1978 , “Anistia mas
para o futuro” (Coluna do Castelo), p. 2.
165
“revisão de punições caso a caso”, que teria que vir cercada das maiores
precauções, bem ajustada àquela perspectiva de agregar os setores cooptáveis ou
dialogáveis, os únicos que seriam contemplados por eventual aplicação do
dispositivo. Não é por acaso que a discussão vai girar em torno apenas de duas
alternativas: a alteração da Lei das Inelegibilidades, sob a forma da possibilidade de
revogação do Artigo 185 da Constituição,
337
buscando meios que garantissem
restauração mais completa dos direitos daqueles que teriam cumprido os dez
anos de punição estipulados pela legislação de exceção (cassação de mandatos
e/ou suspensão de direitos políticos); e a perspectiva de encaminhamento de listas
de punidos considerados em condições de ter seus processos revisados
338
pelo
governo federal a algum tribunal superior. Ainda assim, estas duas hipóteses
passam a ser discutidas de forma mais ostensiva a partir de 1978, momento em que
a luta pela Anistia ganha amplitude, praticamente no dia seguinte ao ato de
lançamento do primeiro Comitê Brasileiro de Anistia, seção Rio de Janeiro
(14/fevereiro). Este conta com a presença de cerca de quinhentas pessoas e tem
como convidado especial o general Pery Bevilacqua, antigo comandante do II
Exército, chefe do Estado Maior das Forças Armadas até 1965, nomeado para o
Superior Tribunal Militar e aposentado pelo AI-5 em 1968, que se pronuncia: “A
Anistia política deverá ser ampla, geral e irrestrita, para que produza todos os
337
A Lei das Inelegibilidades faz parte de conjunto de dispositivos que regulamentam o artigo 185 da
Constituição, aquele que tornou perpétuas as cassações de mandatos e as punições com base no AI -5,
complemento do artigo 181, que exclui da apreciação judicial as punições aplicadas pela ditadura com base nos
atos institucionais. Ela reforça a cassação permanente e a estende aos cônjuges dos cassados. A Lei Orgânica
dos partidos veda a filiação partidária dos atingidos pelos atos institucionais. ainda a Lei Complementar
15, que estabelece impedimentos aos punidos com base nos atos institucionais 1, 2, 5, 10 e 13, no Decreto-lei
477 e ainda para aqueles que foram destituídos de mandatos por decisão das assembléias legislativas. O artigo
147 da Constituição veda o alistamento eleitoral dos que “estiveram privados, temporária ou parcialmente, de
seus direitos políticos”; e o artigo 150 torna inelegíveis os inalistáveis. V: O Estado de S Paulo, 15 de fevereiro de
1978, “Revisão de punições vai limitar-se ao artigo 185” (Vilas Boas Correia); O Estado de S Paulo, 25 de
fevereiro de 1978, ‘”Governo rejeita Constituinte e anistia” (Antônio Carbone); O Estado de S Paulo, 19 de
fevereiro de 1978, “Reformas já têm linhas básicas”.
338
Jornal do Brasil, 10 de janeiro de 1978, “Magalhães prefere revisão em Corte”; Jornal do Brasil, 26 de
dezembro de 1977, “Krieger prega revisão de cassados”; O Estado de S Paulo, 24 de dezembro de 1977,
“Lembo defende criação de um conselho para rever punições.
166
benefícios de que é capaz. (...) A Anistia virá viabilizar a redenção democrática”. O
general embasa toda a sua argumentação na necessidade de reparação da punição
aplicada em 1969, também com base no AI-5, ao capitão aviador Sérgio Ribeiro
Miranda de Carvalho, o Sérgio Macaco, membro e fundador do Parasar, o qual, nas
palavras do general, “impediu que sua unidade, destinada a fins humanitários, fosse
transformada em esquadrão da morte política.”
339
O general Pery Bevilacqua está se
referindo ao caso Parasar, um dos atentados mais maquiavélicos planejado por
militares da direita brasileira. O Parasar é grupo de elite da Aeronáutica, com
militares altamente treinados para salvamento em locais de difícil acesso, na selva
ou no mar, mas durante a ditadura, foi usado para “desaparecer” com inimigos do
governo, que eram jogados em em alto-mar por aviões do Parasar. Com o auxílio do
Parasar, em 1968, o brigadeiro João Paulo Burnier, chefe do gabinete do ministro da
Aeronáutica, Mário de Souza Mello, planejou explodir o gasômetro no Rio de
Janeiro. A ação provocaria a morte de milhares de pessoas. Além da explosão de
gasômetros, ocorreria a destruição de instalações de força e luz, causando pânico
na população que atribuiria o atentado aos comunistas. Segundo o brigadeiro
Burnier, "o atentado seria necessário para 'salvar o Brasil do comunismo', instigando
o ódio da população contra os 'subversivos', que levariam a culpa pelas mortes".
340
O Plano não deu certo porque o capitão-aviador, Sérgio Miranda de Carvalho,
ameaçou denunciá-lo, caso Burnier prosseguisse com os outros oficiais. O capitão
Sérgio foi afastado da Aeronáutica, em 1969, e ainda acusado de "louco". A verdade
veio a blico em 1978, com o depoimento do brigadeiro Eduardo Gomes, em
defesa do capitão Sérgio. Soube-se ainda que estava incluído no plano a morte de
339
Jornal do Brasil, 14 de fevereiro de 1978, “General faz lançamento público de Comitê para Anistia”, p. 8; Folha
de S Paulo, 15 de fevereiro de 1978, “O general Pery Bevilacqua lança no Rio o Comitê Brasileiro pela Anistia
‘Anistia virá viabilizar a redenção democrática’”; O Estado de S Paulo, 15 de fevereiro de 1978, “Pery pede
anistia ampla e critica AI-5”; Jornal do Brasil, 15/2/78, “Pery Bevilacqua pede anistia ampla, geral e irrestrita”, p.4.
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas, pp. 151/152.
340
CHIAVENATO, Júlio José. O golpe de 64 e a ditadura militar. São Paulo: Moderna, 2005. 1994, p.124
167
personalidades político-militares, entre eles, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros,
Carlos Lacerda e Dom Hélder Câmara. A execução aconteceria no momento em que
as agitações estudantis estavam mais intensas e perturbavam a ordem pública.
341
Ainda no ato de lançamento do CBA-RJ, o general Pery Bevilacqua defende a
reciprocidade, mas, ao fazê-lo, reconhece, sem meias palavras, a realidade da
prática de torturas e os assassinatos perpetrados pelo regime:
“Para haver equidade a Anistia deverá abranger todos os
crimes políticos praticados por pessoas de ambos os lados. Assim,
os torturadores de presos políticos, por exemplo, deverão ser
abrangidos pela Anistia, mesmo que as conseqüências do seu
procedimento criminoso tenham sido a morte de suas
vítimas.(...)".
342
Evidentemente declarações como estas, partindo de oficial da mais alta
patente do Exército, ainda que cassado, provocam enorme constrangimento nas
Forças Armadas e ampla cobertura da imprensa. O fato político criado pelo CBA-RJ
cumpre bem o papel de potencializar a repercussão e a visibilidade da luta pela
Anistia. Resta ao governo buscar retomar o controle da situação. Escreve Vilas Boas
Correia:
“O governo não conta apenas em abafar o impulso crescente
da campanha pela Anistia, mas em receber o apoio significativo de
algumas centenas de cassados com a iniciativa que virá no embrulho
do projeto alternativo de reformas políticas do senador Petrônio
Portella de propor a revogação do artigo 185. (...) Ora, o debate em
favor da Anistia e que vem ganhando terreno pela própria evidência
da insustentabilidade de situações, como a dos fulminados por
castigos inexpiáveis, esbarra na inviabilidade evidente de uma
341
Somente em 1978 o caso PARASAR se tornou público. Encontramos alguns recortes no Arquivo Ana Lagôa
sobre este tema, de 1985. No dia 12 de março de 1978 o capitão Sérgio Ribeiro de Carvalho, no jornal O Estado
de S. Paulo, explicou as funções do PARASAR. Em 1985 começam a ser revelados os detalhes da sangrenta
campanha de terror planejada por militares. A revista Fatos, de 01 de julho de 1985, publicou uma reportagem
especial sobre o capitão Sérgio do PARASAR, destacando-o como o homem que evitou o banho de sangue. A
revista Veja, de 26 de junho de 1985, publicou também uma reportagem sobre o capitão Sérgio, e detalhes sobre
os envolvidos no caso. Entre os recortes, pode ser encontrado na Folha de S. Paulo, de 06 de fevereiro de 1978,
a íntegra do capítulo "PARASAR", do livro escrito pelo general Pery Beviláqua.
342
O Estado de S Paulo, 15/2/78.
168
medida inspirada na generosidade, mas que perdoe a todos e agora.
(...) Desde o primeiro instante ficou evidente que, para bloquear a
Anistia ampla e irrestrita, era preciso encontrar um canal paralelo que
aliviasse a pressão, acudindo à necessidade de reparo das injustiças
mais chocantes.”
343
As discussões nos meios institucionais e militares acontecem nesse contexto
de resistência geral. São típicas as colocações do brigadeiro Délio Jardim de Matos,
ministro do Superior Tribunal Militar, no início de 1978:
“[As punições foram] necessárias para a época, como a de
1968, quando o país se viu sacudido por uma onda muito grande de
violência e agitação. (...) é o momento de se criar um mecanismo
legal para estudar a revisão das punições, que devem ser analisadas
caso a caso. (...) Para o bem do Brasil, o processo de revisão não
pode ser acompanhado de pressões revanchistas. (...) A Anistia não
serve porque ela beneficiaria os terroristas, os que assaltam bancos,
que não são presos políticos, mas criminosos comuns.”
344
O discurso do então governador de Minas Gerais, Aureliano Chaves, é ainda
mais radical:
“Anistia geral no quadro em que vivemos é impossível. Uma
Anistia parcial é possível e podemos evoluir para ela. (...). Não
podemos conciliar com quem não quer conciliar. Não podemos
conciliar com o terrorismo. Espero que haja desarmamento geral dos
espíritos, tanto de quem está com o poder, quanto de quem foi
atingido. Espero que estes não queiram o revanchismo. (...) Não é
fácil a posição de equilíbrio. E o equilíbrio estável é que é o mais
importante”.
345
Essa entrevista foi concedida em dezembro de 1977, às vésperas de ser
anunciado como candidato a vice-presidente pela chapa oficial, do general
Figueiredo, mas é o próprio general João Batista Figueiredo, ministro-chefe do SNI,
343
O Estado de S Paulo, 16/2/78, “Revisão de punições vai limitar-se ao artigo 185”. Villas Boas Corrêa, então
analista político e colunista do Estadão.
344
Jornal Movimento, 1º de janeiro de 1978.
345
Jornal do Brasil, 23 de dezembro de 1978.
169
em matéria publicada logo após sua indicação como candidato oficial à sucessão do
general Geisel na presidência da República, que reforça:
“Anistia é esquecimento. E não é possível esquecer os crimes
dos que assaltaram bancos, assassinaram e sequestraram. Estes
são crimes comuns. E não cabe a alegação de que a motivação foi
política. Esses crimes, não é possível esquecer. O alegado motivo
político não justifica nada. Muito ladrão rouba porque está passando
fome - e no entanto paga por isto. (...) Não se deve confundir Anistia
com revisão. No processo de definição das reformas, é possível que
se chegue à revisão das punições. Então, se poderia buscar
fórmulas para verificar se realmente houve injustiça e corrigir os
casos em que a injustiça for constatada. Mas um problema: na
revisão também se pode cometer injustiça...”
346
No entanto, a aversão da ditadura em relação à Anistia se manifesta
precocemente, em sintomática medida de caráter preventivo, na Constituição de
1969 (Emenda Constitucional nº. 1, que modifica a Constituição de 1967) cujo artigo
57 (item VI) determina que a sua proposição passaria a ser privativa do presidente
da República, destituindo o legislativo de mais uma das prerrogativas que lhe cabia
tradicional, legitima e historicamente
347
; o artigo 43 (item VIII) institui a sanção
presidencial para a lei de Anistia. Ainda em 1969, a Junta Militar baixou a única
“desAnistia” da história do país: o Decreto-lei 864 torna sem efeito a Anistia
concedida oito anos antes (Decreto-legislativo de 15 de dezembro de 1961) - que
beneficiava todas as pessoas alcançadas pelos decretos de Anistia posteriores a
1934 -, negando direito a reversão ao serviço, aposentadoria, inatividade
remunerada, vencimentos, proventos ou salários atrasados a todos aqueles que
perderam cargos, postos ou patentes, além de declarar prejudicados os processos
ainda não julgados
348
.
346
Revista Veja, 11 de janeiro, 1978.
347
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo. De Geisel a Collor: Forças Armadas, transição e democracia. pp. 52 e 65.
348
Além dos militares da Junta, esta desanistia recebeu as assinaturas de Gama e Silva, Magalhães Pinto,
Delfim Neto, Ivo Arzua, Mário Andreazza, Tarso Dutra, Jarbas Passarinho e Costa Cavalcanti. V. Jornal do
170
Mas a conjuntura era bem diferente desta que se abre em 1978-79: agora se
trata de debate de proporções públicas sustentado por amplo movimento político de
enfrentamento direto à ditadura militar, constituído legalmente e organizado
nacionalmente. Na avaliação de Maria Hermínia Tavares de Almeida e Luiz Weis, o
movimento pela Anistia representa “o marco da virada, ao restituir a atividade
política ao domínio público”.
349
Thomas Skidmore descreve a intensa atuação dos “entusiastas da Anistia”:
“Esta era uma questão para a qual a oposição conseguira
mobilizar considerável apoio. Os entusiastas da Anistia apareciam
onde quer que houvesse uma multidão. Nos campos de futebol suas
bandeiras com a inscrição Anistia Ampla Geral e Irrestrita eram
desfraldadas onde as câmaras de TV pudessem focalizá-las.
Esposas, mães, filhas e irmãs se destacavam de modo especial pelo
seu ativismo, o que tornava mais difícil o descrédito do movimento
por parte da linha dura militar. O Cardeal Arns chamou mais tarde a
luta pela Anistia ‘a nossa maior batalha’”.
350
E Danielle Forget contextualiza:
“A abertura instiga a capacidade de mobilização de diferentes
setores, como a Igreja, no sentido de reivindicações econômicas e
sociais, os movimentos estudantis e lutas sindicais. Começam a afluir
palavras de ordem na tentativa de nortear as tentativas de
agrupamentos a favor do retorno à vida constitucional (volta ao
‘Estado de Direito’ dos advogados, ou a favor de uma Assembléia
Constituinte, reivindicações defendidas pelo MDB e pela Frente
Nacional de Redemocratização). Mas nenhuma reivindicação recebe
apoio popular comparável à campanha em prol da Anistia, cuja ampla
adesão das massas era mesmo inesperada. Evidentemente entraram
em jogo, no caso, as aterradoras denúncias públicas de casos de
sevícias cometidas pelos algozes do regime contra seus
insurgentes.”
351
Brasil, 24 de junho de 1978, Caderno, “Junta Militar baixou em 69, a única desanistia do país”; V. tb. matéria
intitulada “A história das nossas anistias” em Anistia Caderno Especial. São Paulo: Edição S.A., abril/1978, pp. 4-
7, onde é feita exaustiva cronologia das anistias ocorridas na história do Brasil, de 1654 a 1963 (sessenta e uma,
ao todo).
349
ALMEIDA, M. Hermínia Tavares de e Weis, Luiz. “Carro-zero e pau-de-arara: o cotidiano da oposição de
classe média ao regime militar” In: SCHWARCZ, Lilia Moritz. História da vida privada no Brasil. v. 4. São Paulo:
Companhia da Letras, 1998, pp. 336-337. Foi essa frase que inspirou o título deste subcapítulo.
350
SKIDMORE, Thomas., Op. Cit., p. 425
351
FORGET, Danielle. Conquistas e resistências do poder. São Paulo: EDUSP, 1991, p. 133. Este é o único livro
da bibliografia consultada bastante usada na dissertação de mestrado - que trata especificamente da luta
171
Esse apoio que o movimento pela Anistia vai receber, pressiona a ditadura, e
percebemos que esta vais mudando seu discurso e ampliando seus limites, como
nos mostra Luis Eduardo Greenhalgh:
“Quando fundamos o CBA em São Paulo, o general Golbery
do Couto e Silva deu uma entrevista ‘Não adianta vir com essa
história de Anistia. A revolução não foi, ela é e continuará a ser.’ No
final do ano, em 1978, o Golbery deu outra entrevista dizendo:
‘Anistia não, mas nós podemos fazer uma revisão caso a caso
daqueles que não pegaram em armas ou tiveram bom
comportamento carcerário’. Nós respondemos exigindo Anistia
Ampla, Geral e Irrestrita. Mais para frente, ele disse que daria um
indulto para os presos de bom comportamento. Dissemos ‘não’,
queremos Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. Depois do Congresso da
Anistia, Golbery disse que o governo estava disposto a dar uma
Anistia parcial. Dissemos ‘não’, teria que ser Anistia Ampla, Geral e
Irrestrita.”
352
Em novembro de 1978, com o I Congresso pela Anistia acontecendo, o Jornal
do Brasil publica o seguinte editorial:
“A partir da realização, em São Paulo, do Congresso Nacional
pela Anistia, o movimento que se estruturou como sustentáculo de
uma idéia universal entra num plano de atuação em que se acentua a
sua nova responsabilidade política. Antes de qualquer outra
consideração, pela circunstância mesma de um momento nacional
em que se amplia a participação política aberta pelas medidas com
que o governo demonstra vontade de abrir o regime. Depois de 10
anos de restrita presença, o movimento em favor da Anistia
consegue simpatias amplas na sociedade brasileira, que reconhece a
necessidade de apagar-se a sombra divisora entre brasileiros. Para
constituir-se com uma atuação dinâmica, a bandeira do perdão teria
de ser sustentada com o sentido generalizado para todos os
comportamentos políticos que confrontaram o regime. Não há,
porém, uma recíproca obrigação de admiti-lo na moldura exclusivista
do sentido pleno e irrestrito. (...) A idéia de Anistia plena e irrestrita,
além de utópica significaria uma alteração de peso dos valores
políticos em vigor.
353
pela anistia. Ele será de grande valia para o capítulo em curso. A partir da análise de discursos e de acordo com
os pressupostos teóricos de Mikhail Bakhtin, a autora canadense faz instigante estudo da transição política no
Brasil levando em conta também as vozes da oposição e é que o movimento pela anistia tem papel de
destaque.
352
GREENHALGH, op. cit., p. 81.
353
Jornal do Brasil, “Caminho natural”, 4 de novembro de 1978.
172
Este trecho é representativo da posição adotada pela chamada grande
imprensa, a qual, como lembra Bernardo Kucinski, se torna “o principal mecanismo
de articulação política do governo Geisel
354
” e, na seqüência, do governo Figueiredo.
O liberalismo que é manifestado revela a introjeção do consenso proposto pelo
regime: se o JB de um lado, saúda o movimento pela Anistia, ao mesmo tempo, o
chama à responsabilidade a partir de algo que se tornará cada vez mais presente
uma atitude de sensatez, equilíbrio, moderação e bom senso - e, na mesma linha,
faz o elogio do projeto de abertura.
Basicamente é também esta a posição dos outros grandes jornais e revistas
de âmbito nacional, respeitadas as características mais ou menos conservadoras de
cada um deles. Entre os mais conservadores, O Globo é o único a se declarar
radicalmente contra a idéia de todo e qualquer tipo de Anistia, em nome da defesa
incondicional da legitimidade da “revolução vitoriosa”:
A Anistia, total ou parcial, é inaplicável em face da própria
natureza das punições. Sendo revolucionárias, e dentro do contexto
de que toda revolução vitoriosa gera seu próprio direito, elas não
correspondem a erros ou crimes equivalentes; podem ter, inclusive,
razões exclusivamente revolucionárias. (...) No conjunto das
reformas políticas, a injustiça pode ser facilmente corrigida. A
correção, obviamente, não servirá a quem é alvo de processo
criminal, como preceitua lei existente. Nem protegerá, se for o
caso, quem se insurgir uma segunda vez contra o regime”.
355
A Folha de S Paulo, tem linha liberal mais firme:
“... o candidato [general Figueiredo] avançou quilômetros ao
dizer uma das coisas mais sensatas dos últimos anos: ‘Se não
procurarmos saber porque outros grupos estão procedendo de
maneira diferente da nossa e entendendo as coisas de maneira
354
KUCINSKI, Bernardo. “A primeira vítima: a autocensura durante o regime militar”. In: CARNEIRO, M. Luisa
Tucci. Minorias silenciadas. São Paulo: EDUSP, 2001, p. 546.
355
O Globo, Editorial, 31 de janeiro de 1978.
173
diferente da nossa, não podemos chegar a bom porto’. Essa frase,
que poderíamos chamar, sem medo de truísmos de lapidar, até que
poderia ser atribuída ao senador Magalhães Pinto e nunca a um
homem que, apesar de tudo, ainda não conseguiu foros de muita
abertura política. Na verdade, sendo egresso do SNI, sua origem
funcional pende mais para o sistema de repressão montado após 64,
do que propriamente da distensão almejada. Mas nada disso invalida
a profundidade de sua frase que, esperamos, não tenha sido o
somente uma frase de efeito. Assim, a Anistia não pode ser deixada
para entrar em discussão quando o país afinal for democratizado. (...)
Ela é parte integrante de qualquer volta à legalidade”.
356
A Folha vai procurar manter, o tempo todo, esta atitude de questionamento.
Não defende, no entanto, em momento algum, a bandeira da Anistia Ampla Geral e
Irrestrita. Prefere se colocar como espécie de “consciência crítica” do processo em
busca permanente do discurso consensual, o que pode ser notado no seguinte
editorial, de julho de 1979, posterior à apresentação do projeto do governo ao
Congresso nacional (junho/1979):
Pressões estão sendo feitas para que a Oposição parlamentar
vote contra o projeto de Anistia do governo. Pressões de quem não
compreende o processo político em sua complexidade e nuanças.
Para tais grupos de pressão, a política pinta-se em preto e branco,
primariamente. O dever de votar o projeto do governo, sempre um
progresso, não exclui o direito de apresentar substitutivo ou
emendas. (..) A Oposição pode e deve votar a Anistia, naturalmente
acompanhada de uma declaração de voto. Para isto existe a
declaração de voto do líder, que poderá, mesmo que objetando
quanto à amplitude da medida, engrandecer a política da Anistia
contra as forças adversas ao gesto do governo.
357
A revista Veja de de março de 1978 apresenta a Anistia como reportagem
especial cuja chamada de capa - “Anistia, como rever as punições? - estabelece
confusão aparentemente proposital entre Anistia e revisão. Ao tema é dedicado
espaço de treze páginas (pp. 34-47), que tem como gancho o lançamento do CBA-
RJ, na semana anterior. O título e o lead da matéria são dubitativos: A ANISTIA EM
356
Folha de S Paulo, 19/1/78.
357
Folha de S Paulo, 11/7/1979.
174
JULGAMENTO A revogação das punições revolucionárias ou a revisão de
injustiças cometidas desde 1964 é hoje a face mais evidente do debate político no
Brasil”. Na sua Carta ao leitor, o diretor de redação (José Roberto Guzzo) reforça a
confusão estabelecida e busca também, com certa arrogância, manter o ponto de
equilíbrio. A posição da revista é de empatia com o regime; a questão é banalizada e
o movimento é de novo chamado às falas:
No robusto contencioso político acumulado pelo movimento
de março de 1964, e que agora se submetido a exame no quadro
das reformas institucionais, a revisão das punições - ou Anistia, como
se diz de modo mais generalizador - ganhou nas últimas semanas
um lugar de destaque. Não se trata, é certo, do problema principal do
país, nem do mais urgente. É igualmente certo, no entanto, que ele
se inclui entre a meia dúzia de questões básicas a serem geridas no
futuro mais próximo da vida política brasileira. Muito se agradeceria,
portanto, que o tema fosse tratado com um mínimo de competência e
lucidez dos dois lados da cerca - entre os que pedem e entre os que,
no poder, meditam sobre quando dar e como dar. (...) É
particularmente fútil, assim, falar no ‘imperativo’ da Anistia, ou exigi-la
de maneira ‘incondicional’ - imperativo não é, e cobrar algo sem
condições equivale a reivindicar uma capitulação política do governo,
quando o problema, aqui, é simplesmente outro.”
358
A IstoÉ de 1º de março de 1978 tem na capa a chamada “ANISTIA E
REVANCHISMO”. O título da reportagem de quatro páginas (p. 11-15) no interior da
revista é ainda mais explícito “A Anistia e os riscos do revanchismo”. Apesar de
flagrantemente motivada pelo lançamento do CBA-RJ, a matéria se refere
implicitamente ao movimento de Anistia, sem nomeá-lo, preferindo destacar o
posicionamento dos setores dialogáveis como MDB, CNBB, OAB e, obviamente, “as
razões do governo” no tratamento do assunto. Como fica claro no seguinte trecho:
Casos como o do capitão Sérgio [Ribeiro Miranda de
Carvalho], evidentemente, escapam à política de absorção dos
exilados, mas também se incluem nos planos mais gerais, ainda
358
Veja, 495, 1º de março de 1978.
175
apenas esboçados, de busca de uma solução dos atos
revolucionários hoje vistos como injustos. É da natureza das
revoluções cometerem tais atos, assim como é natural que se venha
tentar sua correção, quando os tempos mudam, e começam a ser
procurados modelos políticos de legalidade. Assim, parece
irreversível que o governo brasileiro, em busca de reformas políticas
e do fim do arbítrio, enfrente o problema com todas as suas
conseqüências, inclusive e principalmente o revanchismo”.
359
A partir desses trechos selecionados, percebe-se a construção da lógica do
equilíbrio, do bom senso, da unanimidade, da conciliação - enfim, do consenso
instituído. A chamada imprensa alternativa ou imprensa nanica valioso e valoroso
aliado do movimento pela Anistia, de quem se torna praticamente porta-voz -
constitui o oposto neste processo, o dissonante nestas falas. Trata-se ao mesmo
tempo de fenômeno jornalístico de combate ao adesismo e subserviência dos
grandes jornais e fenômeno político
360
empenhado na constituição de espaço
público de resistência e exercício da política, precisamente quando este espaço é
objeto de destruição continuada por parte do regime. Tribuna da Imprensa, Pasquim,
Nós Mulheres, Brasil Mulher, Opinião, Movimento, Coojornal, Versus, Em Tempo,
Resistência e De Fato, cada um, a seu modo, colocam suas páginas a serviço da
luta pela Anistia. Por causa disto, estes jornais tornam-se alvo constante da
repressão, tanto clandestina (sobretudo atentados à bomba), quanto oficial
361
.
Muitas vezes têm edições inteiras apreendidas, como é o caso dos números 17 e 54
do semanário Em Tempo, que publicaram os inéditos listões dos 233 e 442
359
IstoÉ, de março de 1978, “A anistia e os riscos do revanchismo”, p. 11, matéria assinada por André
Gustavo Stumpf e José Carlos Bardawil.
360
ARAÚJO, M. Paula Nascimento. A utopia fragmentada. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2000, pp.
22-23. Neste livro a autora faz levantamento detalhado dos principais jornais da imprensa alternativa, sobretudo
no capítulo 1 “Política, esquerda e imprensa alternativa no Brasil dos anos 1970”, pp. 12-33. V.tb.: KUCINSKI,
Bernardo. Jornalistas e revolucionário: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Scritta, 1991.
361
Bernardo Kucinsky e Maria Aparecida de Aquino, ao analisarem a censura durante a ditadura militar, que é
generalizada, mostram como ela recai com maior rigor sobre a imprensa alternativa. KUCINSKY, Bernardo. “A
primeira vítima: a autocensura durante o regime militar” e AQUINO, Maria Aparecida. ”Mortos sem sepultura”. In:
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Minorias silenciadas. São Paulo: Fapesp, 2002, pp. 533-552 e 513-532.
176
torturadores denunciados por presos políticos e exilados, o que será retomado ainda
neste capítulo.
É grande a preocupação do regime em relação à imprensa alternativa, como
demonstra o documento do Centro de Informações do Exército datado de setembro
de 1978, publicado pelo O Estado de S Paulo em abril de 1979
362
, o qual propõe a
intensificação do combate à imprensa alternativa ou nanica. Esta passaria a ser
feita, sobretudo através de pressões econômicas e de caráter burocrático e
administrativo, cujo efeito seria mais rápido, direto e positivo sobre qualquer órgão
do que as ações judiciais que, devido às características de nossa legislação têm
chances de excessiva procrastinação”. Entre as medidas sugeridas para compensar
o fim da censura prévia estão a reformulação da Lei de Imprensa adequando-a a
contenção mais ágil e eficaz da atividade nefasta da imprensa nanica contestatória
e a instituição do rito sumário para julgamento dos crimes de imprensa.
Não resta dúvida que a entrada em cena dos CBA’s e, sobretudo, a
realização do I Congresso Nacional pela Anistia (novembro/1978) representam uma
mudança que marca, de um lado, o incremento da dinâmica do movimento a partir
do importante saldo político e organizativo conquistado na luta; e, de outro, como
resultado desta dinâmica, o deslizamento paulatino do foco das atenções da mídia e
do sistema, nesta ordem, para a abordagem explícita da questão da Anistia em
detrimento da insistência na alternativa capenga e indefinida das “revisões caso a
caso”. O I Congresso Nacional pela Anistia é momento de demonstração de força
de onde o movimento sai fortalecido, unificado, nacionalmente organizado, dotado
de discurso homogêneo articulado em torno de questões postas sob a marca do
362
“O Estado de S Paulo, “Um plano contra a imprensa ‘alternativa’”, 18 de abril de 1979, p. 14. A matéria,
assinada por Evandro Paranaguá, traz o documento do Cie na íntegra, de onde foram extraídos os trechos
citados.
177
dissenso, em luta aberta contra o consenso hegemônico. Para tais questões
decididamente a ditadura não teria respostas.
Danielle Forget identifica as peculiaridades do processo:
“Por intermédio do Movimento pela Anistia, a oposição
consegue superar as divergências internas entre os diversos grupos
que a compõem, concentrando-se com toda a força na conquista de
um novo espaço político. As investidas do comitê vão além de um
simples debate sobre o conteúdo legislativo eventual de uma Anistia:
seus membros investigam e denunciam as condições de vida dos
presos políticos e lançam campanhas de defesa de direitos humanos
baseadas nos casos de tortura.
363
Ainda segundo a autora, o movimento vai conseguir articular um discurso
propositivo sonoro, coerente, homogêneo e convincente, “além de altamente
produtivo do ponto de vista lingüístico”. A bandeira da Anistia Ampla Geral e Irrestrita
contém em si dupla crítica radical, ao governo e ao regime
364
. De fato, para reiterar
algo que foi dito aqui, esta palavra de ordem atinge o núcleo duro do sistema a
própria Doutrina de Segurança Nacional - ao exigir: responsabilização e punição do
Estado e seus algozes; esclarecimento circunstanciado dos casos de tortura, mortes
e desaparecimentos; fim das leis de exceção e do aparelho repressivo; erradicação
de todas as formas de opressão. Para Forget, o grande fator complicador neste
quadro diz respeito ao “aspecto dialógico”
365
, logo, situando as duas partes em
confronto: de um lado, a ditadura, que ao longo de 1979, empreende mudança
discursiva importante ao ser obrigada a reconhecer a existência de um adversário,
ainda que continue se recusando a nomeá-lo (desta forma, mantém ativa a tática
sistemática de desgaste e desqualificação de um projeto que é oposto ao seu, sem
poder, contudo, ignorá-lo ou simular sua inexistência); de outro lado, os CBA’s por
363
FORGET, Danielle, op. cit., p. 134.
364
Idem, pp. 148/149.
365
Idem, pp. 151-159.
178
sua vez, terão que enfrentar o dilema de estabelecer mediação capaz de lidar com
eventuais negociações no espaço institucional sem perda de substância crítica,
evitando escorregar para o terreno do meramente reivindicatório, mantendo ilesa a
autonomia do movimento e, sobretudo, o seu caráter instituinte e a sua dimensão
eminentemente política.
É Danielle Forget que conclui:
É no nível implícito que o discurso dominante apresenta
indícios do discurso da oposição, apesar da resistência contra o fato:
a descrição que o governo dá a seu projeto de Anistia é então
traduzida nos termos utilizados pela oposição (‘será ampla, mas não
será irrestrita’). A oposição conquista o papel de interlocutora no nível
implícito. A ‘dependência’ do discurso do governo é comprovada e
demonstra a obrigação por parte do governo de admitir a participação
de atores políticos de fora de sua esfera; ele não se encontra mais
em posição de assumir o controle exclusivo da palavra, como
testemunha a força do discurso de resistência, que acaba impondo
sua própria formulação e conquistando espaço político cada vez
maior por meio da circulação do discurso”.
366
O que percebemos é que se trata de disputa acirrada pela iniciativa política,
e quem abraçou essa iniciativa primeiro foi o movimento pela Anistia. É ele que vai
impor, primeiramente, o seu referencial político, a partir do qual a ditadura vai
procurar articular a sua proposta e o seu discurso, e para isto, ela vai ter que ganhar
tempo. Neste caso, caberia talvez discordância em relação a certo aspecto da
análise de Forget: o discurso da oposição, nesse momento, é de ofensiva, mais do
que de resistência - a princípio, é a ela que vai pertencer a iniciativa política do
processo.
Este é o problema a ser administrado pelo general João Batista Figueiredo
em março de 1979, quando assume o governo para cumprir seu mandato de seis
366
Idem, pp. 158/159.
179
anos, empossado por Geisel para dar seqüência ao projeto de abertura política e
consolidar o grande repertório de recursos de controle e coerção herdados do
período anterior. Assim, apesar da resistência da ditadura militar contra o tema, a
combatividade do movimento pela Anistia determina a sua inserção definitiva na
agenda do governo. A luta ganha visibilidade e conquista espaço privilegiado na
chamada grande imprensa, sobretudo a escrita; a imprensa alternativa intensifica e
potencializa ainda mais a campanha, repercutindo ao máximo o discurso e as ações
do movimento.
180
II.c. – “E
LES ESTAVAM FALANDO DA NOSSA FAIXA
A política de popularização dos CBA’s
A popularização da luta pela Anistia coloca-se também como questão de
princípio para os CBA’s. A sua implementação apresenta, no entanto, dificuldades
que serão enfrentadas com certa perplexidade e muita ansiedade ao longo de todo o
percurso do movimento daí em diante. Na Carta do Congresso Nacional pela Anistia
lemos que surge uma
“nova diretriz então firmada, voltada para a popularização da
luta e a defesa intransigente ‘dos que hoje estão lutando’, com
ênfase no movimento operário e popular, principal alvo da ditadura
nesta conjuntura de retomada das greves e dos organismos de
base.”
367
Quanto ao apoio imediato, de “curto prazo”
368
ao movimento operário e
popular, problema algum é colocado, ele vem instantâneo e incondicional, com
especial atenção para a defesa dos metalúrgicos do ABC paulista, cujos sindicatos
se encontram sob intervenção: o movimento se lança em campanha nacional contra
esta intervenção, pelo direito de greve e pela liberdade sindical, que inclui
participação no Fundo Nacional de Greve, contato com outras entidades para
ampliação do apoio e manifestações públicas.
369
367
Carta do Congresso Nacional pela Anistia, São Paulo, 5 de novembro de 1978, Em tempo, 37, 13 a 19 de
novembro de 1978, p.4.
368
Relatório da 4ª Reunião da Comissão Executiva Nacional, Campo Grande-MS, 5 e 6 de maio de 1979, p.2.
369
Idem ibidem. O movimento operário veio à tona, com novo ímpeto e novas feições. Esse movimento sindical
ressurgiu adotando formas independentes do Estado, a partir muitas vezes da vivência no interior das empresas
onde os trabalhadores organizaram e ampliaram as comissões de fábrica. A grande concentração de
trabalhadores em um pequeno número de empresas e a concentração geográfica no ABC paulista foram fatores
materiais importantes para a organização do novo movimento operário. Por exemplo, em 1978 existiam em São
Bernardo em torno de 125 mil operários na indústria mecânico-metalúrgica, com forte predominância da indústria
automobilística; deste total, 67,2% se concentravam em empresas com mais de mil operários. Em 1976, na
capital de São Paulo, existiam no mesmo ramo industrial 421 mil operários, mas apenas 20,8% se concentravam
em empresas com mais de mil operários. Ver: VIANNA. Luiz Werneck. A esquerda e os quinze anos da
transição. Revista Insight/ Inteligência, ano III, nº 10, Rio de Janeiro, maio a junho de 2000, pp. 46-54.
181
As dificuldades se apresentam no que se refere às questões consideradas de
“médio prazo”
370
- a concepção e estratégia de popularização. Levantamento feito na
Reunião da Comissão Executiva Nacional (Campo Grande-MS, maio de 1979)
das afirmações e indagações mais recorrentes sobre o assunto no interior do
movimento revela o teor da discussão, que de maneira geral considera que “boa
parte das organizações populares está no nível de lutas reivindicatórias e é difícil
fazê-las assumir bandeiras mais explicitamente políticas”; ou, a “Anistia deve ser
vista como luta pelos direitos humanos e contra a repressão, inclusive ao nível
cotidiano. A população precisaria perceber a função política da repressão policial”, e
principalmente, que “deve-se manter a especificidade da luta, mas ter consciência
de que o crescimento da luta pela Anistia depende do crescimento do movimento
popular.”
371
Os diversos núcleos então passam a mobilizar energia e esforços na
tentativa de superar estas limitações e franquear o caminho para a tão esperada
popularização.
A política de popularização dos CBA’s obtém respostas significativas dos
trabalhadores organizados e do movimento popular que, apesar de localizadas,
demonstram o alcance da luta: o Trabalho Conjunto de Salvador – consistente
articulação que agrega a totalidade do movimento de bairros da cidade estreita
cada vez mais suas relações com o CBA-BA, constituindo bem sucedida tentativa de
ligar a luta pela Anistia às lutas cotidianas populares
372
; no Rio de Janeiro, é criado
junto ao CBA, o Conselho Coordenador de Entidades na Luta pela Anistia. O
Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, realizado em Brasília, em abril de
1979, aprova moção pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita e reverencia seus mortos,
370
Idem ibidem.
371
Idem ibidem
372
Avaliação político organizativa Estratégias de popularização, Documento base, III Encontro Nacional dos
Movimentos de Anistia, p. 9 e 11.
182
desaparecidos, presos e exilados após leitura de lista de vinte dirigentes sindicais
atingidos pela repressão, encaminhada à Confederação de Trabalhadores da
Agricultura (CONTAG) pelo CBA-RJ
373
.
Também em abril, uma Convenção realizada pelos metalúrgicos de Niterói
para preparação do 10º Congresso Nacional de Metalúrgicos aprova tese referente à
Anistia Ampla Geral e Irrestrita. O 10º Congresso Nacional de Metalúrgicos,
realizado em Poços de Caldas em junho de 1979, termina reivindicando Anistia
Ampla Geral e Irrestrita com a leitura da carta do metalúrgico David Gongora Junior,
condenado a nove anos de prisão, cumprindo pena no Presídio Político do Barro
Branco (São Paulo)
374
.
O Encontro Nacional de Dirigentes Sindicais, realizado em Niterói (Gragoatá)
em agosto de 1979, inclui no item “Reivindicações profissionais e políticas” de sua
Carta de Princípios a “luta ampla pelo fim da ditadura e pelas liberdades
democráticas, com ênfase na defesa da Anistia ampla e irrestrita”
375
, além de
aprovar moções de repúdio ao projeto de Anistia do governo e de solidariedade aos
presos políticos naquele momento em greve de fome
376
.
A Carta de Gragoatá
377
revela identidade política em relação aos princípios do
movimento pela Anistia e destaca uma questão que se mostrará insolúvel – a grande
373
Anistia, órgão oficial do CBA-RJ, n. 5, maio/junho/1979, p. 7.
374
Jornal do Brasil, 10-6-79, “Congresso de metalúrgicos chega ao fim com defesa de anistia ampla e irrestrita”.
375
Documentos do Encontro Nacional de Dirigentes Sindicais, Encarte Especial do Brasil Democrático, Rio de
Janeiro, agosto/1979, p. 7.
376
Idem ibidem, p.8.
377
A “Carta de Gragoatá” pedia ao Congresso Nacional que refletisse sobre a necessidade de uma anistia geral,
ampla e irrestrita, que libertasse os presos políticos e restituísse às suas ocupações todo e qualquer brasileiro
afastado por motivos políticos, que desmantelasse os aparelhos de repressão e que revogasse as medidas de
exceção. O documento dizia que a luta pela conquista da democracia era inseparável da resolução dos
problemas sindicais. O direito de greve e a estabilidade no emprego deveriam ser convertidos em princípios
constitucionais aprovados em uma Assembléia Nacional Constituinte livremente eleita e soberana. Segundo o
documento, a abertura política acenada pelo governo, procurava reduzir os trabalhadores à condição de meros
espectadores do entendimento entre as elites para modelar as transformações políticas segundo seus
interesses. Uma central única dos trabalhadores deveria coordenar o processo de luta pelo fortalecimento dos
sindicatos por meio da sindicalização e da organização nos locais de trabalho. A “Carta de Gragoatátambém
disse que, pressionado pelo povo, o governo foi forçado a enviar ao Congresso Nacional um projeto de anistia
que, embora parcial e restrito, era resultado do avanço das forças democráticas e populares. Mas denunciava
183
massa de trabalhadores reprimidos brutalmente pela ditadura na luta contra o
capital:
“(...) Pressionado pelo povo brasileiro, o governo é forçado a
recuar, enviando ao Congresso Nacional um projeto de Anistia.
Embora parcial e restrito, o projeto é resultado do avanço das forças
democráticas e populares e devolve a cidadania política a milhares
de brasileiros. Mais uma vez, porém, a ação governamental
descrimina social e politicamente, colocando à margem dos
benefícios da Anistia muitos milhares de trabalhadores afastados de
seus empregos pela brutal repressão que se abateu, nos últimos
quinze anos sobre a classe operária. Comprometidos com a luta por
Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, que liberte todos os presos políticos
e restitua às suas ocupações todos os brasileiros dela afastados por
motivos políticos, esperam os representantes dos trabalhadores da
cidade e do campo que o Congresso Nacional saiba refletir na
discussão e votação do projeto do governo o desejo do conjunto da
sociedade: desmantelamento dos aparelhos de repressão, revogação
das leis e medidas de exceção, em suma, a abolição do regime de
exceção em todos os planos”.
378
Ainda no que se refere ao alcance da popularização, merece destaque o
Encontro dos Trabalhadores pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita, convocado pelo
CBA-ABCD paulista, Sindicato dos Têxteis do ABCD e Mauá e Sindicato da
Construção Civil e Mobiliária de São Bernardo, realizado no dia 12 de agosto de
1979, no Paço Municipal de São Bernardo, dentro das comemorações de 426º
aniversário da cidade. Conta com a presença de cerca de 900 pessoas, segundo O
São Paulo
379
, e de personalidades como o senador Teotônio Vilela; o presidente do
Sindicato de São Bernardo e Diadema, o Lula, que acabara de visitar os presos
políticos da penitenciária Frei Caneca-Rio em greve de fome contra o projeto de
Anistia parcial do governo (5/agosto); o banido retornado, ex-dirigente sindical de
Osasco, José Ibrahim; e o prefeito de São Bernardo, Tito Costa.
que aquela ação governamental discriminava social e politicamente milhares de trabalhadores afastados de seus
empregos pela brutal repressão da ditadura militar, que ficaram à margem dos benefícios da anistia.
378
Carta de Gragoatá, Documentos do Encontro Nacional dos Dirigentes Sindicais, Encarte Especial do Brasil
Democrático. RJ, agosto de 1979.
379
O São Paulo, de 17 a 23 de agosto de 1979, p. 5, “Encontro questiona a anistia”.
184
Os chamados setores médios também comparecem à chamada do
movimento pela Anistia: é durante a 30ª Reunião da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência /SBPC (São Paulo, julho/1978) que começa efetivamente a
articulação dos movimentos de Anistia cujo resultado será a realização do I
Congresso Nacional pela Anistia (nov./1978); a 31ª Reunião da SBPC (Fortaleza,
julho/1979) aprova quatro moções pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita,
encaminhadas pela Associação dos Docentes da UFRJ, pelos professores
universitários gaúchos punidos, pelos participantes do simpósio sobre teoria
lingüística e pelo presidente da entidade (José Reis)
380
; na mesma ocasião, o
Conselho Superior do Instituto dos Arquitetos do Brasil reafirma “com redobrada
veemência, sua posição de luta por uma Anistia Ampla Geral e Irrestrita, como
passo efetivo e indispensável ao estabelecimento do Estado de direito e da ordem
democrática”
381
; ainda na SPBC a UNE divulga documento reiterando o repúdio ao
projeto de Anistia parcial e intelectuais como Mário Schenberg, Aloísio Pimenta,
Darci Ribeiro, Leite Lopes, Florestan Fernandes, Luís Hildebrando, entre outros,
publicam declaração de apoio absoluto à causa.
382
No XXXI Congresso da UNE realizado em Salvador em 30 de maio de 1979,
o movimento pela Anistia tem amplo espaço, com participação ativa dos CBA’s – um
total de dezoito núcleos - como principal entidade de apoio, representados na seção
de abertura pelo núcleo da Bahia e, no encerramento, pelo núcleo do Ceará
383
.
Cabe destaque para o histórico Encontro das Oposições de São Bernardo-SP e a
380
SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA, MOCÕES APROVADAS PELA Assembléia
Geral da SBPC, Fortaleza, 18 de julho de 1979. Publicadas em: CONGRESS O NACIONAL COMISSÃO MISTA
SOBRE ANISTIA. Anistia Documentário organizado por determinação do Presidente da Comissão Mista do
Congresso Senador Teotônio Vilela, v. II. Brasília-DF, 1982, pp. 461-468.
381
Anistia, órgão oficial do CBA-RJ, 6, julho/79, p. 8; O Estado de S Paulo, 12 de agosto de 1979, “Anistia é
questão de honra para a SBPC”.
382
Idem.
383
Relatório da 5ª Reunião da Comissão Executiva Nacional dos Movimentos de Anistia do Brasil, Salvador, 29 e
30/5/79, p.1, mimeo. Manifesto de Apoio ao Congresso de reconstrução da UNE, mimeo.
185
sua versão gaúcha, o Encontro de Vila Betânia (Porto Alegre), em julho de 1979,
articulação de trabalhadores, sindicalistas, parlamentares autênticos e intelectuais
enfim, o que havia de mais representativo nos quadros da oposição e das esquerdas
no país -, onde são discutidos o caminho das oposições e os problemas da
rearticulação partidária. Ambos incorporam a Anistia Ampla Geral e Irrestrita no seu
documento programático
384
.
Assim, ao escolher o movimento operário e popular e os setores médios
combativos como parceiros principais e aliados preferenciais, o movimento pela
Anistia reafirma a sua vocação instituinte sua interlocução é sempre com a
sociedade, não com o Estado – e, ao mesmo tempo, reconhece suas limitações para
efetivá-lo, as quais precisavam ser trabalhadas. Decide-se, então, que o tema seria
um dos eixos do Encontro Nacional dos Movimentos de Anistia a ser realizado no
Rio de Janeiro em junho de 1979.
As primeiras reuniões da Comissão Executiva Nacional (CEN), logo após o I
Congresso Nacional pela Anistia, destacam três pontos a serem priorizados nesta
fase decisiva de afirmação da luta: o trabalho da Secretaria Nacional de Exilados,
pressionada agora pelas novas demandas colocadas a partir do desencadeamento
do processo das voltas com o fim do AI-5 e a queda dos banimentos, a questão dos
mortos e desaparecidos políticos, esta considerada prioridade por representar um
enorme problema para a ditadura, que não teria como enfrentá-la e, muito menos,
absorvê-la; e a pressão sobre o parlamento para se concretizar o projeto de Anistia
Ampla Geral e Irrestrita. São listadas as seguintes tarefas imediatas: fortalecimento
da campanha nacional “para a recuperação da memória dos mortos e desaparecidos
pela repressão desde 64”
385
, lançada no início de janeiro, em cumprimento às
384
Em Tempo, 74, 26 de julho a 1º de agosto de 1979, p. 12.
385
Folha de S Paulo, 10/1/79, “CBA lança campanha por mortos e desaparecidos”.
186
determinações do I Congresso Nacional pela Anistia; intensificação da preparação
de listas cuidadosamente detalhadas, circunstanciadas e documentadas com
ênfase na guerrilha do Araguaia; e articulação da frente parlamentar pela Anistia.
Um episódio em que o movimento pela Anistia ganha destaque é a famosa
faixa que foi aberta dentro do Estádio do Morumbi, num jogo entre Corinthians e
Santos. Em fevereiro de 1979, Antonio Carlos Fon e Carlos MacDowell, ambos do
CBA-SP, conseguiram chamar a atenção para a causa da Anistia, abrindo uma
faixa, onde se lia: Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, Segundo Antônio Carlos Fon:
“Quando a polícia começou a subir os degraus da arquibancada, os
torcedores da Gaviões da Fiel deram-se os braços e fecharam o caminho. Os
soldados da Polícia Militar ainda tentaram forçar a passagem mas, nas fileiras
de trás, milhares de outros corinthianos, braços dados, formando uma massa
compacta, começaram a gritar, ameaçando descer as escadarias do estádio
do Morumbi. O comando do policiamento deve ter avaliado a situação e dado
uma contra-ordem, porque os PMs recuaram, desistindo de chegar até nós. -
"Eles estavam falando da nossa faixa"- rádio de pilha colado no ouvido, boné
e camiseta do Corinthians e um sorriso nos lábios, o torcedor a meu lado
informava a reação no estádio. Eu jamais o vira antes e nem o encontrei
depois, mas nunca o pronome possessivo na primeira pessoa do plural me
pareceu tão saboroso. (...) O fato dele a chamar de "nossa" tinha, para mim,
pelo menos, um significado que ultrapassava em muito aquela fugaz
solidariedade que se estabelece nos campos de futebol entre torcedores do
mesmo time: a bandeira era minha e da torcida do Corinthians.
386
386
FON, Antônio Carlos. Depoimento ao especial pelos 20 anos da Anistia da Fundação Perseu Abramo. Antônio
Carlos Fon é jornalista, familiar de preso político; participante do CBA-SP.
187
Foto publicada no jornal Movimento, da semana do dia 19 ao dia 25/02/79. Arquivo Fundação Perseu Abramo
A foto da faixa foi capa nos principais jornais, e ainda segundo Antônio Carlos
Fon, o único inconveniente foi que Carlos MacDowell foi preso, mas solto logo que
terminou o jogo. Eles tinham pedido ao advogado Luis Eduardo Grenhalgh para ficar
de plantão, caso eles fossem presos, mostrando mais uma vez que a Anistia ainda
era assunto proibido em tempos de repressão, e que manifestações a seu favor,
assim como muitas outras manifestações democráticas, não eram tão bem aceitas.
Como parte dos encaminhamentos da Reunião da Comissão Executiva
Nacional (Belém do Pará, janeiro de 1979), esta se reúne em Brasília (3ª Reunião da
CEN), nos dias 3 e 4 de março de 1979, com o objetivo de estreitar o contato com os
parlamentares e agilizar a construção de tal frente. No dia 5, o movimento vai ao
Congresso Nacional - à frente de caravana de cem pessoas representativas de
vários estados
387
- munido de três documentos que serão lidos no plenário da
Câmara Federal, passando, portanto, a fazer parte dos anais da Casa. São eles: a
Carta Aberta da Comissão Executiva Nacional;
388
o Dossiê dos Mortos e
Desaparecidos; e contundente conjunto de documentos elaborados pelos presos
387
Em Tempo, n. 54, de 8 a 14 de março de 1979, p, 3, “Anistia abre caminho no Congresso Nacional João
Cunha critica proposta parcial de Figueiredo”.
388
Anistia, órgão oficial do CBA-RJ, mero 3, janeiro/fevereiro/1979, p.8. A Carta Aberta foi também publicada
no Em Tempo número 54, 8 a 14 de março de 1979, p.3.
188
políticos do presídio Barro Branco/SP contendo o posicionamento pela Anistia Ampla
Geral e Irrestrita acompanhado de denúncias de torturas e assassinatos políticos e
lista dos agentes que as aplicaram.
389
Estes documentos são protocolados também no Palácio do Planalto,
juntamente com memorandum exigindo a apuração dos casos, o esclarecimento do
paradeiro dos desaparecidos políticos e a devida atribuição das responsabilidades.
Neste momento, o MDB assume coletiva e publicamente a proposta da frente
parlamentar como tática de luta e reafirma a bandeira da Anistia Ampla Geral e
Irrestrita e a denúncia do engodo da Anistia parcial como pontos programáticos. A
Carta Aberta da CEN encaminhada ao Congresso é síntese fiel do repertório de
argumentos consolidado no I Congresso Nacional pela Anistia, sempre na chave da
combinação das duas faces da luta, da reafirmação do enfrentamento aos
fundamentos do regime, da autonomia do movimento e do entendimento do espaço
instituinte como locus privilegiado da ação política
390
:
“No momento em que o Congresso Nacional inicia mais um
período legislativo, nós, atingidos pelo regime de exceção e
representantes de movimentos pela Anistia, dirigimo-nos ao
Congresso Nacional e a cada um dos senhores Senadores e
Deputados Federais, para trazer-lhes o reclamo do amplo movimento
popular que se constituiu em todos os quadrantes do país, a exigir
Anistia, entendida como parte integrante e indissociável da luta pelas
liberdades democráticas liberdades de expressão, de palavra, de
manifestação, de associação e reunião, de atuação sindical, de greve,
de atuação política e de organização partidária. [...]
389
Trata-se de documentos elaborados em 1975 e 1977 por 35 detentos do Presídio da Justiça Militar de São
Paulo (Barro Branco), incursos na Lei de Segurança Nacional, onde constam o relato detalhado da situação dos
prisioneiros políticos no Brasil, das torturas sofridas e uma lista com os nomes e locais de atuação de 233
torturadores. Este material foi também encaminhado anteriormente ao Conselho Federal da OAB e
posteriormente ao seu presidente e à Comissão Mista sobre Anistia do Congresso. Em março de 1978 o jornal
De Fato publica pela primeira vez o documento de 1977 e, em junho, o Em Tempo publica a lista dos 233
torturadores, documento de 1975. V: Brasília: CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA.
Anistia. V. II. 1982 p.498-530; De Fato, n. 21, março/1978, p.17-25, “A AGONIA DOS PRESOS POLÍTICOS”
(chamada de capa); Em Tempo, número 17, 26/6 a 2/7/1978, “PRESOS DENUNCIAM 233 TORTURADORES -
O listão completo dos policiais e militares acusados” (chamada de capa); e Anistia chega a Brasília, órgão
informativo do CBA-MG março/79, p.1; CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia,
volume II, p.530.
390
Proposta do CBA-RJ à Comissão Executiva Nacional dos Movimentos pela Anistia, fevereiro/1979.
189
Os movimentos que lutam por ANISTIA AMPLA GERAL E
IRRESTRITA são claros: querem-na para todos os que se opuseram
ao regime militar e foram por ele perseguidos, não importando as
formas de luta através das quais expressaram sua oposição. A
Anistia pela qual lutamos contrapõe-se aos projetos do regime de um
simulacro de Anistia, que excluiria os setores da oposição que
recorreram à luta armada. [...]
Nesse sentido, reafirmamos o nosso entendimento de que a
Anistia pela qual lutamos virá como uma conquista do movimento
popular e democrático, e nunca como resultado de artimanhas do
poder que excluam a manifestação soberana da vontade popular. Tal
entendimento não se contrapõe, no entanto, ao reconhecimento da
necessidade política de imediata extensão da luta pela ANISTIA
AMPLA GERAL E IRRESTRITA ao terreno parlamentar, como uma
via possível para a materialização da conquista.[...]
391
Neste documento é cobrada dos parlamentares a constituição de Comissão
Parlamentar de Inquérito para apurar os atentados aos direitos humanos e, em
especial, proceder à elucidação da situação dos mortos e desaparecidos e da
prática de torturas. Exige-se também a aprovação de emenda constitucional
proposta pelo MDB (senador Nelson Carneiro e deputado Ulisses Guimarães)
determinando a reabilitação do instituto da Anistia com a devolução ao poder
legislativo da iniciativa de proposição da matéria ou, nas palavras de Ulisses
Guimarães: “...se o circuito da concessão da Anistia não começar e acabar no
Parlamento, não é Anistia, pode ser outra coisa, que não sei o que é.[...] Como está
na Carta outorgada não pode ser. O Executivo não pode ser juiz, pois é parte, senão
réu.
392
Este projeto de emenda, no qual é embutida a proposta de Anistia Ampla,
Geral e Irrestrita,
393
é rejeitado no Congresso por comissão mista de senadores e
deputados no dia 18 de abril de 1979, enquanto os CBA’s de todo o Brasil
comemoram em amplas manifestações o Dia Nacional da Anistia – aniversário de 34
391
Anistia, Órgão Oficial do CBA-RJ, 3, janeiro/ fevereiro/1979, “Carta Aberta, Brasília, 5 de março de 1979”.
392
Jornal do Brasil, 30 de janeiro de 1979, p. 3.
393
Veja, 28 de março, 1979, “ANISTIA Pouco em comum: as intenções do governo e a emenda do MDB”.
190
anos da última Anistia, concedida no fim da ditadura de Vargas.
394
Assim, a iniciativa
da proposição da medida fica mesmo definitivamente nas mãos do executivo. A
estréia da CEN no Congresso Nacional tem simbologia expressiva: marca o início de
processo de invasão do espaço institucional pelo instituinte, o que é feito a partir de
conteúdo eminentemente político. As questões colocadas em pauta manifestas
nos três documentos encaminhados - não têm minimamente caráter reivindicatório.
Trata-se de questões de princípio, logo, são inegociáveis. O movimento tem clareza
disso e quer mostrar a que veio, como é exposto também no editorial do Órgão
Informativo do CBA-SP, março/79:
“Com esta mobilização em Brasília, s do CBA-SP,
desenvolvemos uma das fases da luta pela Anistia, colocando-a mais
efetivamente no parlamento. Acreditamos que a luta não é lá,
como sugeriu o senador Jarbas Passarinho, mas também lá. (...)
Sabendo das limitações do parlamento, sabendo que democracia se
pratica com nossa verdadeira participação em todos os momentos,
percebemos que a conquista da Anistia se dará aqui fora, nas ruas,
nas praças. assim a conquistaremos e para garanti-la, é
necessário que o povo brasileiro, cada vez mais, se conscientize da
necessidade da desativação de todo aparato repressivo (DOPS,
DPPS, DOI, CODI, etc.) que tem durante todos estes anos tentado
calar a boca de fome do povo brasileiro.
395
A colocação mais efetiva da luta pela Anistia no parlamento, no entanto,
mostra-se o tempo todo contraditória e problemática. A Reunião da Comissão
Executiva Nacional (Campo Grande-MS, maio/1979), já constata certo esvaziamento
da proposição: a inviabilidade de incluir arenistas; a realização até aquele momento
apenas de contatos isolados, portanto insuficientes, com a oposição; e a
conseqüente ausência de relação mais consistente e sistemática com os
394
Estado de São Paulo, 19/4/1979, “ANISTIA Proposta do MDB foi mesmo rejeitada”.
395
Órgão Informativo do CBA-MG, março/79, p.1.
191
parlamentares
396
. Os compromissos assumidos pelo MDB com o movimento vão
logo se mostrar mais formais do que reais, o que não chega a surpreender uma vez
que o caráter “extraordinariamente moderado”
397
do partido é conhecido. Uma
pesquisa feita pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro / IUPERJ
entre 12 e 18 de março de 1979, ouvindo 416 parlamentares (deixaram de participar
71 dos 487 deputados e senadores) registra que a Anistia Ampla Geral e Irrestrita
não é rejeitada pela maioria absoluta do Congresso (cerca de 2/3), como por 1/3
da bancada do MDB, que aprovaria somente a medida limitada aos crimes políticos
em que não tenha ocorrido violência, posição praticamente unânime na Arena
(95.6%).
398
Este quadro mostra tendência, confirmada simultaneamente à
radicalização do processo, que aponta para a desmistificação de mais uma tipologia
convencional então instituída, aquela que classifica os parlamentares do MDB de
acordo com a qualidade de sua postura diante da ditadura militar: os autênticos
fariam o verdadeiro e efetivo enfrentamento político, com demarcação clara em
relação aos moderados, que constituiriam a oposição consentida, adesista e
legitimadora do sistema. A polarização em torno da CPI dos Direitos Humanos,
proposta original do autêntico Lisâneas Maciel (MDB-RJ) em 1975,
399
recuperada
396
Relatório da 4ª Reunião da Comissão Executiva Nacional, Campo Grande-MS, 5 e 6 de maio de 1979.
397
SKIDMORE, Thomas. “A lenta via brasileira para a democratização”. In: STEPAN, Alfred (org.).
Democratizando o Brasil, p.70.
398
Esta pesquisa foi realizada pelos sociólogos Cézar Guimarães, Olavo Brasil de Lima Júnior, Luiz Henrique
Nunes Bahia e a estudante Sílvia Gershman com o objetivo de traçar o perfil do Congresso brasileiro eleito em
1978. Além da anistia, abordou as seguintes questões: censura, Lei de Segurança Nacional, legislação sindical,
fim do AI-5. Seus resultados confirmam o que foi anteriormente visto em pesquisa nacional do Instituto Gallup
também em abril/1979. Fonte: Jornal do Brasil, 23/4/79, p. 4.
399
Ao requerer a CPI dos Direitos Humanos no princípio da nova legislatura que se abria em 1975, em dois dias
apenas Lisâneas Maciel obtêm a assinatura de 138 parlamentares do seu partido, 35 além daquelas necessárias
para a sua instalação. A resposta do governo vem na forma da truculência habitual do ministro da Justiça,
Armando Falcão, que manda investigar pretensas ligações entre o articulador da CPI e o Partido Comunista
Brasileiro; simultaneamente, a Polícia Federal forja um flagrante de apreensão de material subversivo
comprometendo o deputado e o líder do governo na Câmara, deputado José Bonifácio de Andrada (ARENA-MG)
se encarrega de transmitir ao Congresso Nacional a acusação de que 22 deputados eleitos pelo MDB teriam o
apoio do PCB. Com isto, 103 dos deputados signatários da CPI retiram suas assinaturas e não querem mais
ouvir falar do assunto. Lisâneas Maciel, membro ativo do Conselho Mundial de Igrejas, acaba cassado em 1976,
mas continua firme na luta pela anistia ampla, geral e irrestrita. CABRAL, Reinaldo e LAPA, Ronaldo (org.).
Desaparecidos políticos, p. 256-257 e p. 38 (Apelo ao MDB de 30 de janeiro de 1975, assinado por 14 familiares
desaparecidos políticos).
192
pelo autêntico Airton Soares (MDB-SP) em 1979, ilustra bem a relativização dessa,
na medida em que provoca dissensões graves dentro da ala autêntica, como reporta
matéria do Em Tempo, de março/1979:
“(...) Que a ala moderada do partido tipo Tancredo Neves
fosse contra a CPI não é surpresa alguma. O que surpreende é que
até no bloco dos autênticos surgiu uma ala contra a formação de uma
CPI sobre os Direitos Humanos, pela qual os autênticos batalham
desde 71 na palavra de Lisâneas Maciel. Na época em que mais se
praticavam torturas e assassinatos políticos no país, quem bloqueou
a criação da CPI foi a própria direção moderada do partido. Coisa
que também não surpreende. Agora, entretanto, não há consenso
nem nos autênticos. Aqueles que estão contra acusam Airton de criar
argumentos para o regime reprimir mais ainda, de cutucar a onça
com a vara curta. Pelo outro lado, Airton começou a desconfiar (...)
de que o medo tinha atingido até os que sempre se posicionaram
pela defesa intransigente dos direitos humanos.”
400
A defesa da CPI dos Direitos Humanos é assumida pelos CBA’s como
campanha de “alta prioridade”.
401
A Comissão Executiva Nacional recomenda sejam
intensificados em todos os núcleos o levantamento de subsídios e o
encaminhamento de denúncias aos parlamentares, com destaque para a questão
dos mortos e desaparecidos. O movimento pela Anistia aumenta a pressão sobre o
parlamento, passando a fazer marcação cerrada sobre o MDB para exigir
posicionamento inequívoco a favor da CPI.
402
O partido, depois de muitos rodeios,
acaba votando a favor do projeto e é derrotado pela Arena: a CPI dos Direitos
Humanos se inviabiliza graças à base de apoio do regime e ao procedimento
hesitante da maioria da oposição.
Os CBA’s investem ainda em outra frente no espaço institucional, o Conselho
de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana/CDDPH, organismo vinculado ao
400
Em Tempo, 55, 15 a 21 de março de 1979, “MDB se enrola com a CPI da tortura”, p, 3; Jornal do Brasil , 7 de
março de 1979, “MDB no Senado adia para hoje definição de CPAs sobre tortura e corrupção”.
401
Relatório da 4ª Reunião da Comissão Executiva Nacional dos Movimentos de Anistia do Brasil, p. 3.
402
Relatório da 2ª Reunião da Comissão Nacional de Levantamentos de Mortos e Desaparecidos, São Paulo, 29
de abril de 1979, p.1, mimeo.
193
Ministério da Justiça, procurando fortalecer a atuação no seu interior de aliados
como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa, a
partir do entendimento da necessidade de ocupação do que poderia vir a se
constituir em mais um fórum de denúncias. Por outro lado, o Conselho é duramente
criticado por sua composição majoritariamente governamental e pelo caráter sigiloso
das reuniões. Em todo caso, a OAB é devidamente abastecida de farto material
sobre os mortos e desaparecidos e denúncias de torturas encaminhadas pelos
presos políticos; a sua participação no CDDPH é respaldada e subsidiada pelo
movimento
403
. Também nesse caso, o MDB se isola, decidindo pelo boicote a esta
instância
404
.
No bojo da luta pela CPI dos Direitos humanos, é potencializada a campanha
pelos mortos e desaparecidos definida no Congresso Nacional pela Anistia, com a
intensificação das manifestações públicas e o incremento da Secretaria Nacional de
Levantamentos dos Mortos e Desaparecidos, cuja Comissão de Pesquisa tem como
tarefas principais o aprofundamento do levantamento de dados - com atenção
especial à questão do Araguaia
405
- e a finalização do “livro dos desaparecidos”
406
.
Este é finalmente publicado em junho de 1979 pelas Edições Opção em
conjunto com o CBA-RJ com o título Desaparecidos políticos Prisões, seqüestros e
assassinatos, organizado por Reinaldo Cabral e Ronaldo Lapa
407
. Tem importância
403
Idem.
404
Jornal do Brasil, 3/5/79, “Conselho dos Direitos terá presença da ABI, OAB e ABE”, “MDB confirma ausência”;
Folha de S. Paulo, 20 de abril de 1979, “Participação no CDDPH debatida por emedebistas”; Jornal do Brasil ,
10/5/1979, “Ausência grave” (Editorial; Folha de S. Paulo, 10 de julho de 1979, “CDDPH realiza novo encontro e
MDB não vai”, p.5.
405
Relatório da 2ª Reunião da Comissão Nacional de Levantamentos de Mortos e Desaparecidos, São Paulo, 29
de abril de 1979; Relatório da Reunião da Comissão Executiva Nacional dos Movimentos de Anistia do Brasil,
Salvador, 29 e 30 de maio de 1979, p.3, mimeo.
406
Idem ibidem, p. 2.
407
CABRAL, Reinaldo e LAPA, Ronaldo (org.). Desaparecidos políticos Prisões seqüestros e assassinatos. Rio
de Janeiro: Edições Opção e Comitê Brasileiro pela Anistia / CBA-RJ, 1979. O livro traz relato circunstanciado de
53 casos de desaparecimentos e as seguintes listagens: casos “a espera de novas denúncias” (5); “outros casos”
(7); mortos e desaparecidos na guerrilha do Araguaia (45); mortos pela repressão (179). Traz ainda reportagens
e depoimentos sobre a questão dos desaparecidos (Hélio Silva, Barbosa Lima Sobrinho, Sobral Pinto, D. Paulo
Evaristo Arns; documentos encaminhados ao governo pelo CBA e por familiares de mortos e desaparecidos;
194
histórica por constituir o primeiro exemplar do gênero, reivindicando explicitamente o
resgate da memória histórica, sempre combinado com a denúncia política. Nas
palavras dos editores:
Um trabalho de tal ordem não poderia deixar, por razões
óbvias, de contar com a participação de um grande número de
colaboradores, todos eles convencidos de que, dentro dos limites que
sempre existirão enquanto perdurar o autoritarismo estatal, o
caminho para o ajuste de contas popular com a ditadura militar, cedo
ou tarde, exige a coleta de documentação, informações e um imenso
esforço de divulgação dos crimes cometidos pelos representantes do
capital internacional no poder. (...) Os casos de desaparecimentos
políticos aqui abordados constituem um levantamento jornalístico
ainda incompleto. Porque a lista de presos desaparecidos veiculada
pelo comitê Brasileiro pela Anistia já alcançava em junho 78 pessoas.
Por desaparecidos adotamos o conceito tirado no Congresso
Nacional pela Anistia, realizado em novembro de 1978, em São
Paulo: militantes políticos cuja prisão, seqüestro ou morte não foram
reconhecidos pelo governo.
(...) Óbvio: a motivação desse levantamento é essencialmente
política. Desde algum tempo, e especialmente hoje, as ameaças,
perseguições, prisões ilegais, torturas, assassinatos e os
desaparecimentos misteriosos deixaram de ser apenas do domínio
da repressão, do seu governo e do seu regime. A luta mais geral das
oposições ainda não tomou em suas mãos, como reivindicações
suas, a elucidação, o esclarecimento, a responsabilização de tais
crimes políticos e comuns. Mas isto não está longe de acontecer.”
408
A campanha nacional de denúncia das mortes e desaparecimentos políticos é
lançada pelo CBA-SP com a participação de cerca de 30 familiares, no dia 9 de
janeiro de 1979
409
, em entrevista coletiva, onde o reafirmados os três objetivos
definidos pelo movimento sobre a questão:
“Exigir esclarecimento ao governo sobre os
desaparecimentos; exigir que sejam apuradas as responsabilidades
de tais desaparecimentos e mortes; encetar uma campanha
descrição dos órgãos de repressão e informação da ditadura; depoimento sobre a guerrilha do Araguaia (José
Genuíno Neto); e fotos dos desaparecidos políticos.
408
CABRAL, Reinaldo e LAPA, Ronaldo. “A perspectiva da luta”. In Desaparecidos políticos..., p. 15-16.
409
Folha de S Paulo”, 10 de janeiro de 1979, ”CBA lança campanha por mortos e desaparecidos;” Folha de S
Paulo, 13/1/79, “Culto pelos desaparecidos reuniu 500”; Jornal do Brasil, 10-1-79, “Comi da Anistia abre
campanha nacional para achar 28 desaparecidos”.
195
específica pelos mortos do Araguaia, para saber onde estão os
corpos e a relação de nomes dos mortos.”
410
É divulgado o mais completo dossiê dos mortos e desaparecidos formulado
até então, lançado em primeira mão no Congresso Nacional pela Anistia
(Novembro/1978), o mesmo levado à Brasília em março de 1979.
O semanário Em Tempo e a Folha de S Paulo publicam na íntegra, ainda em
novembro de 1978, a lista onde 253 nomes de presos políticos são ordenados pelo
ano em que ocorreram suas mortes ou desaparecimentos. O dossiê de janeiro de
1979, bem mais circunstanciado, separa as categorias mortos e desaparecidos
políticos, e começa a recuperar a história de cada um deles
411
. Constituem seu
ponto de partida os 47 casos publicados pela revista IstoÉ outro momento
importante em que a questão dos desaparecidos políticos ganha maior visibilidade.
O gancho da reportagem é o julgamento em São Paulo de 63 acusados de tentativa
de reorganização do Partido Comunista Brasileiro, nos dias 19 e 20 de setembro de
1978, todos absolvidos por unanimidade. Neste momento, o Conselho de Sentença
indefere pedido de abertura de inquérito encaminhado pela defesa para apurar o
desaparecimento de oito acusados, alegando inexistência de evidências de qualquer
delito referente a ausência deles. A partir daí, a revista divulga um Dossiê da
Repressão que denuncia “a rotina da tortura e da morte”, a prática da máquina de
repressão montada em 1969 com destaque para as três siglas que compõem o
“universo do medo”, OBAN, Deops e DOI-CODI - e a maratona das famílias em
busca dos seus entes queridos. É ainda divulgada lista dos 47 desaparecidos
410
“A questão dos desaparecidos”, Comitê Brasileiro pela Anistia, seção do Rio de Janeiro, maio de 1979. In:
CABRAL, Reinaldo e LAPA, Ronaldo, op. cit. p. 21
411
Em Tempo, 37, de 13 a 19 de novembro de 1978, ”Nossos mortos e desaparecidos: 253”, p. 6; Folha de S
Paulo, 5 de novembro de 1978, “Encontro de anistia divulga lista com novos desaparecidos”; Em Tempo, 46, 11
196
fornecida pelo CBA-SP, com fotos de 25 deles. Esta matéria chamada de capa da
revista – é a primeira do gênero na grande imprensa
412
.
O elemento mais importante produzido pelo movimento pela Anistia, que se
torna referência para todas as listas posteriores, é o Dossiê dos mortos e
desaparecidos, documento do Comitê Brasileiro pela Anistia secção do Rio
Grande do Sul, elaborado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos
e editado pela Assembléia Legislativa daquele estado em 1984. Este contém
descrição circunstanciada de 192 assassinatos de presos políticos a partir de 1964;
7 mortes em função da repressão; 6 mortes no exílio; 134 desaparecimentos no
Brasil; e 10 no exterior. Estes números estão superados: documento-base da
Comissão Especial criada no âmbito do Ministério da Justiça em função da lei
9.140/95, - que determina o pagamento de indenizações aos familiares de mortos e
desaparecidos políticos-, elaborado pelos Grupos Tortura Nunca Mais / RJ e Pe e
pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, editado pelo governo de
Pernambuco em 1995 sob o título Dossiê de mortos e desaparecidos políticos a
partir de 1964, conta de 212 mortos e 152 desaparecidos. A referida Comissão
Especial havia elencado 422 casos até 1999; destes, 366 já foram apreciados,
sendo que 280 foram aprovados e 86, rejeitados; o número de desaparecidos
políticos passa para 160. A lista permanece em aberto, uma vez que as
possibilidades de pesquisa continuam restritas, o que será tratado no último capítulo
desta tese
413
.
412
IstoÉ, 27/09/1978, “Dossiê da repressão DESAPARECIDOS?”, pp. 24-34.
413
COMITÊ BRASILEIRO PELA ANISTIA SECÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL. Dossiê dos mortos e
desaparecidos. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 1984; GRUPO TORTURA
NUNCA MAIS - RJ E PE, COMISSÃO DE FAMILIARES DE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS et alii.
Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964. RECIFE: Companhia Editora de Pernambuco,
1995. E ainda: TELES, Janaína. Mortos e desaparecidos políticos: reparação ou impunidade? São Paulo:
Humanitas - FFLCH/USP, 2001, pp. 162/163; o site www.desaparecidospoliticos.org.br; ARQUIDIOCESE DE
SÃO PAULO. Projeto “Brasil: nunca mais” Tomo V, v.4 Os mortos, 1985; e TIBÚRCIO, Carlos e MIRANDA ,
Nilmário. Dos filhos deste solo. São Paulo: Boitempo, 1999, pp. 643-650. E ainda: Folha de S Paulo, 24 de
197
No dia 12 de janeiro de 1979, ainda na semana de lançamento da campanha
nacional pelos mortos e desaparecidos, o CBA/SP realiza culto ecumênico na
Catedral da Sé, sob a coordenação de D. Paulo Evaristo Arns
414
, que tem a seguinte
convocação:
“Ao se iniciar o novo ano, vemos renascer as esperanças de
que a honra e a memória de nossos entes queridos possam ser
restauradas, quando a verdade e a justiça triunfarem sobre a negra
mentira de um passado sombrio. Esta é a nossa luta.”
O principal veículo da campanha é um cartaz com 28 fotografias, a metade da
lista de desaparecidos, amplamente distribuído nacional e internacionalmente:
Arquivo Fundação Perseu Abramo. Texto: Eles foram presos, seqüestrados e torturados. Eles foram pais de família.
Encontram-se desaparecidos e talvez mortos. Qualquer informação procure o Comitê Brasileiro pela Anistia mais próximo.
setembro de 2002, p. A5, “Desaparecidos: Comissão Especial diz que governo poderia ter dado acesso 15
anos Polícia Federal vai liberar arquivos do regime militar”.
414
Folha de S Paulo, 13-1-79, “Culto pelos desaparecidos reuniu 500”.
198
O dia 28 de março de 1978, organizado nacionalmente pela Comissão Pró-
Une, pode ser considerado espécie de pré-estréia desta campanha pelos mortos e
desaparecidos definida no I Congresso Nacional pela Anistia, de novembro do
mesmo ano. As manifestações do Dia Nacional de Protesto mobilizam cinco mil
pessoas na Faculdade de Medicina da USP e cerca de duas mil na PUC-RJ
415
.
Elas marcam os 10 anos da morte do estudante Edson Luís de Lima Souto,
assassinado pela repressão no tristemente célebre episódio do restaurante
estudantil Calabouço - estopim das grandes agitações de 1968, que culminam na
Passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro. Pela primeira vez, em se tratando de
atividades públicas de âmbito nacional em local aberto, a questão central é a
denúncia das mortes e desaparecimentos políticos e a Anistia é tema de todos os
debates
416
.
Estes acontecem nas principais universidades do país e conseguem articular
amplos setores da oposição. Em São Paulo é também homenageado de maneira
especial o estudante da USP Alexandre Vanucchi Leme, morto sob tortura a 17 de
março de 1973; seus pais e outros familiares de mortos e desaparecidos têm
presença de destaque nas manifestações
417
. A primeira “relação parcial” de mortos e
desaparecidos políticos, totalizando 106 mortos e 39 desaparecidos, divulgada pelo
CBA-RJ nesta ocasião, é publicada na íntegra pelos jornais O Estado de S Paulo,
Folha de S Paulo e Jornal do Brasil
418
.
415
O Estado de S Paulo, 29 de março de 1978, “Em São Paulo, protestos sem incidentes”, p. 20.
416
O Estado de S Paulo, 29 de março de 1979, “Anistia, tema de todos os debates”, p.20.
417
O Estado de S Paulo, 29 de março de 1979, ”A denúncia da mãe de Vanucchi”, p. 20.
418
O Estado de S Paulo, 29 de março de 1978, “Comitê da Anistia divulga sua lista de desaparecidos”, p.19.
Este número do Estadão faz ampla cobertura do Dia Nacional de Protesto, dedicando a ele o espaço de três
páginas (pp.19-21); Folha de S Paulo, 10 de janeiro de 1979, “CBA lança campanha por mortos e
desaparecidos”; Jornal do Brasil, 29/3/78, p.16, “Estudantes reverenciam colega com apelos pela anistia”,
“Relação dos mortos na repressão”, “Belo Horizonte tem passeatas”, “Protesto em São Paulo reúne cinco mil na
USP”.
199
Com a força da campanha nacional a partir de janeiro de 1979, aceleram-se
iniciativas de abertura de processos contra a União para responsabilização jurídica
pelas mortes e desaparecimentos e exigência sobre a identificação e o destino dos
corpos às autoridades
419
.
Com certeza esta medida é reflete a histórica sentença de 27 de outubro de
1978 que deu ganho de causa apesar da versão oficial de suicídio por
enforcamento que determinou o arquivamento sumário do inquérito policial, ainda
em 1975 - à ação declaratória movida por Clarice Herzog, viúva de Wladimir Herzog,
e os filhos menores do casal, Ivo e André, responsabilizando a União pela prisão
arbitrária, torturas e morte do jornalista
420
.
Depois do I Congresso Nacional pela Anistia, a principal iniciativa nesta linha,
pelo seu ineditismo e por enfrentar matéria considerada tabu pelas Forças Armadas,
é a intervenção judicial do general João Batista Figueiredo obtida em junho de 1979
por doze familiares de guerrilheiros do Araguaia, sob a responsabilidade dos
advogados Luís Eduardo Greenhalgh e Francisca Abgail Barretos Paranhos, ambos
membros da CEN e da Comissão Nacional de Levantamentos de Mortos e
Desaparecidos
421
.
Em outubro de 1980, os CBA’s organizam a primeira expedição de familiares
à região da guerrilha do Araguaia, para a coleta de depoimentos e busca de indícios
dos locais onde os corpos dos guerrilheiros foram enterrados. A ação judicial contra
419
Em Tempo, número 46, de 11 a 17 de janeiro de 1979, “Famílias de perseguidos políticos e comitê de anistia
acusam: REGIME MILITAR MATOU E ‘SUMIU’ 151 PRESOS”; Jornal do Brasil, “Mãe de jornalista”[Luiz Eduardo
Merlino] culpa Oban por torturas e morte do filho”.
420
A sentença é de Márcio José de Moraes, juiz paulista de 32 anos. Na ação oficiaram os advogados Heleno
Fragoso – combatente histórico pelos direitos humanos, grande aliado do movimento pela anistia Marco
Antônio Rodrigues Barbosa, Carlos Eduardo Cardoso, Samuel Mac Dowel de Figueiredo e Sérgio Bermudes.
Cabe a este último a concepção da ação declaratória medida cível, não criminal única maneira de romper o
cerco interposto ao poder judiciário pela ditadura militar. Ver a íntegra do processo movido por Clarice, Ivo e
André Herzog contra a União em: Caso Herzog, a sentença. Rio de Janeiro: Salamandra, 1978. V. tb.: Em
Tempo, n. 36, 6 a 12/ dezembro/1978, p.3, “Toda força na luta pela anistia – Exemplo Herzog”.
421
Relatório da Reunião da Comissão Nacional de Levantamentos de Mortos e Desaparecidos, pp. 2/3;
Relatório da Reunião da Comissão Executiva Nacional dos Movimentos de Anistia do Brasil, p. 3; Anistia,
órgão oficial Do CBA-RJ, número 6, julho/79, p. 5; peça de Interpelação Judicial assinada pelos advogados Luís
Eduardo Greenhalgh e Francisca Abgail Barretos Paranhos Brasília, 25 de junho de 1979, xerografada.
200
a União também de iniciativa dos familiares dos guerrilheiros do Araguaia e dos
CBA’s, iniciada em 1982, não teve ainda o mérito julgado. Em junho de 1995, uma
vez esgotados todos os recursos e constatada a inviabilidade de tratamento da
questão no Brasil, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos e o Grupo
Tortura Nunca Mais-RJ, através do Human Rights Watch Americas e do Centro pela
Justiça e o Direito Internacional/Cejil enviaram petição à Corte Interamericana de
Direitos Humanos / CIDH da OEA, onde o processo dos guerrilheiros desaparecidos
no Araguaia continua tramitando
422
.
Esta preocupação dos CBA’s encaminhada depois pelos seus herdeiros
políticos, os Grupos Tortura Nunca Mais e a Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos - em relação à guerrilha do Araguaia demonstra o objetivo de
reverter o exemplo mais gritante de construção do inexistencialismo
423
praticado
pela ditadura militar. A guerrilha do Araguaia, organizada pelo Partido Comunista do
Brasil (PCdoB), é o único caso de guerrilha rural levado a cabo em toda a história da
luta armada do período. Os guerrilheiros se instalam no Pará, na região do Bico do
Papagaio, a partir de 1966. A guerrilha permanece ativa por dois anos, de 1972 a
1974, a ser definitivamente massacrada pelo desproporcional dispositivo militar
montado para tal fim: três campanhas envolvendo cerca de vinte mil militares das
três forças, profissionais especializados, agentes infiltrados e o que havia de mais
moderno em termos de armamento e logística contra três destacamentos
constituídos de pouco mais de 70 combatentes mal equipados e mal armados que
se mostram, no entanto, muito bem preparados - dos quais apenas três
sobreviveram.
422
COMISSÃO DE CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO RIO GRANDE
DO SUL. Relatório azul 2000/2001, p.388; TELES, Janaína, op. cit., p. 174.
423
O termo é de Marcel Gauchet, recuperado por Vidal-Naquet. V.: VIDAL-NAQUET, Pierre. Os assassinos da
memória. Campinas-SP: Papirus, 1987, p.16.
201
O governo Médici decide, então, extirpar da história não apenas a memória,
mas o próprio acontecimento, transformando-o em desacontecimento. Como diz
Jacob Gorender “o governo Médici decidiu ocultá-lo na treva cósmica”
424
. A
imprensa, amordaçada pela censura, nada registra
425
; o Congresso se cala; as
Forças Armadas até hoje oficialmente mantêm silêncio sobre sua participação no
episódio e empregam todos os meios para ocultá-lo.
A guerrilha não devia produzir nem mesmo efeitos judiciais, o processo dos
sobreviventes não faz qualquer alusão ao fato - não houve guerrilha, tampouco
guerrilheiros, portanto o pode haver réus. Todos os guerrilheiros mortos, embora
tenham sido reconhecidos pela União em 1995,
426
continuam ainda hoje na condição
de desaparecidos políticos, uma vez que seus corpos permanecem em locais
ignorados. Até o final de 1976, inexplicavelmente o próprio PCdoB escondia dos
militantes o fim da guerrilha e, ao revelá-lo em setembro daquele ano, não denuncia
o massacre, preferindo falar de uma espécie de recuo tático “sob a forma de
dispersão temporária dos combatentes”.
427
Somente a partir de 1978 são retomados
os esforços no sentido de resgatar a guerrilha do Araguaia para a história,
empreendidos pela imprensa alternativa, seguida pela grande imprensa.
428
Assim,
424
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas, p. 210. V. todo o capítulo 29 “A guerrilha abafada”, pp. 207-213. O
próprio Médici, no entanto, faz alusão à guerrilha em mensagem enviada ao Congresso nacional de março de
1975 no capítulo dedicado ao combate à subversão. Coojornal, julho de 1978, p.22, “Operação Araguaia”.
425
Exceto os únicos furos de O Estado de S Paulo (24/setembro/1972) e do Jornal da Tarde (25 de setembro de
1972) com amplas notícias sobre a segunda campanha do Exército. GORENDER, Jacob. op. cit., p. 211;
Coojornal, julho de 1978, p.22.
426
Em 1995, o Estado assume a responsabilidade em relação aos guerrilheiros ao incluí-los, em número de 58,
entre os 136 casos de desaparecidos políticos reconhecidos pelo anexo da Lei 9 140/95, que determina o
pagamento de indenizações aos familiares.
427
GORENDER, Jacob, op.cit., p. 212.
428
V. sobre a Guerrilha do Araguaia: DORIA, Palmério et alii. A guerrilha do Araguaia História imediata 1. São
Paulo: Alfa-Omega, 1978. Trata-se de reportagem de jornalismo investigativo, a primeira publicação com relato
abrangente documentado sobre o acontecimento; MOURÃO, Mônica. Memórias Clandestinas: a imprensa e os
cearenses desaparecidos na Guerrilha do Araguaia. Fortaleza: Edições LEO, Laboratório de Estudos da
Oralidade. UFC/UECE, 2005. A autora priviliegia a discussão entre memória e oralidade, resgata histórias de
vida dos cearenses que participaram da Guerrilha e traz à tona a realidade da ausência por que passam as
famílias dos desaparecidos situação de quatro dos sete cearenses que participaram da Guerrilha. E ainda:
Coojornal, julho de 1978. “Operação Araguaia”; Em Tempo, 60, 25/4 a 1/maio/1979; Movimento, 5 a 11/3/1979;
Jornal da Tarde, 13/1/1979 (Caderno Especial).
202
sobretudo a partir de 1979, os CBA’s a colocam como prioridade na luta pelos
mortos e desaparecidos políticos.
Em março de 1992, o Jornal do Brasil publica série de reportagens divulgando
relatórios confidenciais sobre a guerrilha do Araguaia produzidos pelo Exército, de
1972 a 1976. O principal deles, de 34 páginas, foi elaborado pelo Centro de
Informações do Exército (CIE) em 9 de novembro de 1972, assinado pelo então
tenente - coronel Arnaldo Bastos de Carvalho Braga, chefe da agência do DF do Cie
(Centro de Inteligência do Exército), e enviado a Orlando Geisel, ministro do Exército
no governo Médici. O relatório descreve a segunda campanha militar contra a
guerrilha, chamada Operação Axixá; dele constam nomes, descrição física e locais
onde foram mortos alguns guerrilheiros. Neste conjunto de documentos, o Exército
fala em 92 mortos, quando o PCdoB reivindicava 65. Apesar da repercussão destas
notícias e do grande número de evidências que este material contém, não se avança
quase nada no que diz respeito ao paradeiro dos desaparecidos do Araguaia,
mesmo com os esforços sobre-humanos realizados quase três décadas pelos
CBA’s primeiro, e depois pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos
Políticos, pelos Grupos Tortura Nunca Mais e, a partir de 1996, pela Comissão
Especial sobre Mortos e Desaparecidos criada em função da lei 9140/95.
Até agora, apenas duas ossadas foram exumadas do Cemitério de Xambioá,
em 1991, por familiares do guerrilheiro dico João Carlos Haas Sobrinho: apenas
uma delas foi identificada, em 1996, a da guerrilheira Maria Lucia Petit da Silva
429
. O
mais grave é que, conforme denúncia, de julho de 2001, de equipe integrada por
quatro procuradores da República, funcionários da Procuradoria da República de
Marabá, Santarém e Belém e representantes da Comissão de Familares, ainda hoje
429
Jornal do Brasil, 22/3/ 1992, “Um mistério chega ao fim”; Jornal do Brasil, 23 de março de 1992, “Exército
atacou Igreja após vencer luta no Araguaia”; Jornal do Brasil, 24/4/92, “Família de Grabois quer que Exército
devolva corpo”; Jornal do Brasil, 5/4/1992, “Exército tinha agente dentro do PcdoB”.
203
o Exército monitora a região através do seu Serviço de Inteligência, mantendo
escritório em Marabá para vigiar a população, proibindo-a de fornecer qualquer tipo
de informação sobre a guerrilha. Esta denúncia deu origem a três inquéritos civis
públicos, abertos pelo Ministério Público Federal de São Paulo, Pará e Distrito
Federal e a uma série de reportagens intitulada Inteligência Militar, assinadas por
Josias de Souza, publicadas pela Folha de São Paulo de 2 de agosto a 6 de
setembro de 2001
430
. Em março de 2004 foi enviado um grupo, pela Secretaria
Especial dos Direitos Humanos, a Xambioá (487 km de Palmas/TO), em busca de
ossadas de guerrilheiros do Araguaia na região, mas nenhuma ossada foi localizada
durante o trabalho dos peritos em uma área que foi usada como base militar das
Forças Armadas na época da guerrilha.
Embora o Exército afirme constantemente que não possui arquivos sobre a
Guerrilha do Araguaia, no Estado de S Paulo de 21 de março de 2008, sai uma
matéria afirmando que existem documentos sim, sobre tal guerrilha, em poder de
oficiais. Esses documentos mostram pessoas tidas como desaparecidas (Antônio de
Pádua Costa, o Piauí, Dinalva Teixeira, a Dina, Áurea Valadão, e os irmãos Elmo
Corrêa, o Lourival, e Maria Célia Corrêa, a Rosinha) foram capturados vivos. Matéria
com o título “Processo do Exército derruba versão oficial sobre guerrilha”
431
.
430
Folha de S Paulo, “Exército admite ‘arranhar direitos civis’, 2 de agosto de 2001, p. A 6; Folha de S Paulo,
“MST Vai pedir reabertura do caso Carajás”,4 de agosto de 2001, p. A 10; Folha de S Paulo, 5 de agosto de
2001, “Espiões do Exército vigiam até o governo”; , p. A 10; Folha de S Paulo, 5 de agosto de 2001, “Exército
monta rede de informantes” (manchete); Folha de S Paulo, 6 de agosto de 2001, “Ministro do STM condena
arquivo secreto do Exército”, p. A 4; Folha de S Paulo, 8 de agosto de 2001, “Eventuais abusos serão apurados,
diz Exército”(1ª página), “Exército diz que vai apurar transgressões”, p. A 6; Folha de S Paulo , 12 de agosto de
2001, “Em fita, soldado conta como foi torturado por seus comandantes”, p. A 13; Folha de S Paulo, 17 de agosto
de 2001, “Arapongas omitem origem de seus gastos”; Folha de S Paulo, 18 de agosto de 2001, “Apreensão gera
crise entre Exército e PF”, p. A 10; Folha de S Paulo, 19 de agosto de 2001, “Exército planejou ‘cemitério’ na
selva”, p. A 14-A 15; Folha de S Paulo, 20 de agosto de 2001, “Constituição favorece excessos de militares”, p. A
4, “Exército fere lei ao manter papéis secretos”, p. A 10; Folha de S Paulo, 28 de agosto de 2001, “Exército
espiona como no regime militar, p. A 6, “TRF manda devolver papéis do Exército”, p. A 7; Folha de S Paulo , 6
de setembro de 2001, “Militares vão auxiliar buscas no Araguaia”, p. A 10; Folha de S Paulo, 2 de setembro de
2001, “Exército se embrulha nos seus próprios papéis secretos”, p. A 14.
431
Um processo administrativo de rotina, aberto por José Vargas Jiménez, derruba a versão de que o Exército
não tem em seus arquivos documentos secretos sobre as operações contra a guerrilha do Araguaia. Uma série
de telegramas e ofícios comprovam também a prisão, o interrogatório e a tortura de militantes do PCdoB que
foram capturados vivos e, depois, dados como “desaparecidos”. Estado de S Paulo de 21 de março de 2008.
204
Além da ofensiva na questão da guerrilha do Araguaia, o movimento pela
Anistia investe igualmente na localização de cemitérios clandestinos nos grandes
centros, onde poderiam estar depositados restos mortais dos desaparecidos
políticos. Em junho de 1979, são descobertas no Cemitério D. Bosco, em Perus -
São Paulo, as ossadas de Luiz Eurico Tejera Lisboa, da Ação Libertadora Nacional /
ALN, preso em São Paulo em setembro de 1972 e desaparecido desde então, e de
Dênis Antônio Casemiro, da Vanguarda Popular Revolucionária/VPR, preso e morto
pela equipe do delegado Fleury, também em São Paulo, em abril de 1971. São os
primeiros casos de elucidação de desaparecimentos políticos, resultado de
investigações da Comissão de Familiares do CBA-RS, juntamente com o CBA-SP. O
episódio é particularmente significativo pelo fato de ter sido confirmado e revelado
em 21 de agosto e denunciado no Congresso Nacional no dia seguinte, no momento
mesmo da votação do projeto de Anistia parcial. O movimento consegue ainda
desmascarar as versões oficiais para as mortes – a farsa de suicídio no caso de Luís
Eurico e de tentativa de fuga, no de Dênis Casemiro
432
.
Em 1980, os CBA’s encontram indícios dos restos mortais dos presos
políticos, militantes do Movimento de Libertação Polular/MOLIPO, Maria Augusta
Thomaz e Márcio Beck Machado na Fazenda Rio Doce, em Goiás, onde foram
mortos e enterrados em abril de 1973. As ossadas, no entanto, não foram
resgatadas, pois o túmulo havia sido violado dias antes por agentes da Polícia
432
Jornal do Brasil, 22/8/79, “Desaparecidos aparecem mortos”, p. 4; Folha de S Paulo, 23/8/79, “Localizados
corpos de 2 desaparecidos”; IstoÉ, n. 140, 29 de agosto de 1979, “ANISTIA A derrota do governo Aqui está
enterrado um desaparecido” (matéria de capa). E ainda: Dossiê dos mortos e desaparecidos, documento do
Comitê brasileiro pela Anistia - secção do Rio Grande do Sul, 1984, p. 96 e 109; COMISSÃO DE FAMILIARES
DE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS, INSTITUTO DE ESTUDO DA VIOLÊNCIA DO ESTADI-IEVE,
GRUPO TORTURA NUNCA MAIS-RJ E PE. Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964.
Recife-Pe: CEPR e Governo do Estado de Pernambuco, 1995, p. 335-341; MIRANDA, Nilmário e Tibúrcio,
Carlos. Dos filhos deste solo, pp. 85-88; e TELES, Janaína. Mortos e desaparecidos políticos: reparação ou
impunidade? , pp. 161/162.
205
Federal, que deixaram nas covas abertas apenas pequenos ossos e alguns
dentes
433
.
Assim, é revelada a existência de valas clandestinas, o que tem
desdobramentos até hoje, com a perspectiva de novas pistas para a elucidação dos
desaparecimentos políticos. A edição de nº 140 da revista IstoÉ, de 29 de agosto de
1979, tem estampada na capa a foto da cova do Cemitério de Perus onde foi
enterrado Luís Eurico Tejera Lisboa com a seguinte chamada: “ANISTIA A derrota
do governo. Aqui está enterrado um desaparecido.
434
O Cemitério D. Bosco foi construído pela Prefeitura de São Paulo, em 1971,
na administração Paulo Salim Maluf, passando logo a receber cadáveres não
identificados de indigentes e vítimas da repressão política e dos esquadrões da
morte. No tardio dia 4 de setembro de 1990, lá foi aberta vala clandestina com 1.049
ossadas, apontada pelo repórter Caco Barcellos. Pela primeira vez constitui-se
comissão oficial pata tratar do assunto: por iniciativa da então prefeita petista Luiza
Erundina é criada a Comissão Especial de Investigação das Ossadas de Perus,
integrada por representantes da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos
Políticos. Até agora, entre as 1.049 ossadas, foram identificados cinco presos
políticos: Dênis Casemiro, Frederico Eduardo Mayr, Helber Jo Gomes Goulart,
Antônio Carlos Bicalho Lana e Sônia Maria de Moraes Angel Jones.
Desde a abertura da vala clandestina com as ossadas exumadas do
Cemitério Dom Bosco de Perus, as famílias tentam identificar seus mortos. Mas
apenas em 2005 uma das famílias de desaparecidos, a de Flávio Molina teve a
confirmação da identificação. Um laboratório particular, o Genomic, em São Paulo,
433
COMISSÃO DE FAMILIARES DE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS, INSTITUTO DE ESTUDO DA
VIOLÊNCIA DO ESTADO - IEVE, GRUPO TORTURA NUNCA MAIS-RJ E PE. Dossiê dos mortos e
desaparecidos políticos a partir de 1964, p. 344 e 346; MIRANDA, Nilmário e TIBÚRCIO, Carlos. Dos filhos deste
solo, p. 158.
434
IstoÉ n. 140, 29 de agosto de 1979, “Aqui está enterrado um desaparecido”.
206
emitiu laudo conclusivo em apenas 20 dias, coisa que órgãos públicos não fizeram
em anos
435
. Quase um ano depois, a ossada de Luis José da Cunha também foi
identificada. Em junho de 2006, o laudo do Instituto Genomic, da ossada de Luis
José da Cunha, foi encaminhado à Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos
da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, depois de ter sido encontrada 16
anos, no Cemitério São João Dom Bosco, de Perus.
436
A Comissão de Perus estendeu os trabalhos a todos os cemitérios da capital
e cidades vizinhas: no Cemitério de Campo Grande (São Paulo) foi identificada a
ossada de Emanuel Bezerra dos Santos e no Cemitério de Vila Formosa comprovou
- se terem sido enterrados os desaparecidos José Maria Ferreira Araújo, Antônio dos
Três Reis Oliveira e Alceri Maria Gomes da Silva, mas seus restos mortais não
foram localizados. No local em que se encontrava a vala comum de Perus foi
erguido memorial de autoria de Ricardo Othake, inaugurado em 26 de agosto de
1993. Outras valas clandestinas foram localizadas e abertas, sem a possibilidade de
identificação das ossadas: em setembro de 1991, o Grupo Tortura Nunca Mais - RJ
encontrou 2.100 ossadas 14 de presos políticos - no Cemitério Ricardo de
Albuquerque. No Cemitério de Santo Amaro de Recife estão os despojos dos 6
mortos na Chacina da Chácara São Bento, perpetrada em 1973 pelo delegado
Fleury, guiado pelo agente policial infiltrado Cabo Anselmo. Em agosto de 2001, a
partir de dados da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, foi
descoberta outra vala clandestina na cidade de Nova Aurora, no oeste do Paraná,
onde devem estar enterrados mais seis desaparecidos políticos
437
.
435
O Estado de S Paulo, 02/09/05.
436
O Estado de S Paulo, 28/06/2006.
437
Relatório da Comissão Especial 261/90, a Comissão de Acompanhamento das Investigações sobre o Caso
das Ossadas Humanas Encontradas em Cemitérios da Capital. Assinado por Ivan Akselrud de Seixas, São
Paulo, dezembro de 1992. E tb.: COMISSÃO DE CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS DA ASSMBLÉIA
LEGISLATIVA DO RIO GRANDE DO SUL. Relatório Azul 2000/2001. “Anos de chumbo”, p.369-380; TELES,
Janaína, op. cit., p. 163 -170.
207
É exatamente a questão dos mortos e desaparecidos que representa o
impasse crucial intrínseco à luta pela Anistia: na concepção do movimento, a
condição fundamental para a efetivação dos epítetos ampla, geral e irrestrita
passaria necessariamente pela sua solução definitiva o que, ainda hoje, se coloca
como possibilidade para de remota -, ou seja, o esclarecimento circunstanciado
das mortes e desaparecimentos, a devolução dos corpos às famílias, a atribuição
das responsabilidades, a devida punição dos torturadores e assassinos de presos
políticos e o desmantelamento do aparelho repressivo que os executou. Somente
desta forma os mortos e desaparecidos seriam contemplados, ressarcidos e
resgatados para a história - é este, segundo os CBA’s, o combate a ser travado.
Para conseguir o resgate da memória e o ressarcimento histórico, seria
necessário, como afirma Bernardo Kucinsky, vasculhar o “submundo da
repressão”
438
, o que a dimensão das dificuldades e dos obstáculos a serem
enfrentados pelo movimento. Este expressa assim o sentido da luta:
“A questão dos assassinatos e dos desaparecimentos tem de
ser examinada no quadro desse terrorismo de Estado. Como aspecto
essencial da ação coercitiva do Estado deve-se registrar o fato de
que aquilo que aqui chamamos de terror de Estado caracterizou-se
pela institucionalização do correspondente aparato repressivo. As
torturas, as mortes e os desaparecimentos não são produto de
excessos incontroláveis de agentes isolados da repressão. O regime
organizou-se para tal. Recrutou e adestrou agentes, criou
repartições, destinou verbas, imaginou aparelhos e instrumentos,
fiscalizou a perfeita execução dos serviços, premiou seus mais
eficientes executores, obstruiu a limitada ação da precária justiça que
tentou por vezes opor - se ao arbítrio. (...) Esta é a luta dos
movimentos de Anistia, que prosseguirá até a realização de seus
objetivos sem que se possa esquecer que ‘pessoalmente, os mortos
e desaparecidos não podem ser beneficiados pela Anistia. Apenas
sua honra e sua memória podem ser recuperadas pela medida, com
o reconhecimento de que esses companheiros foram assassinados
por fazerem oposição ao regime de arbítrio. Além disso, suas famílias
438
Em Tempo, número 46,11 a 17 de janeiro de 1979, p.5., “Golbery e o governo na parede”. O jornalista
Bernardo Kucinsky tem a irmã e o cunhado, Ana Rosa Kucinsky e Wilson Silva, na lista dos desaparecidos.
Ambos desapareceram em abril de 1974.
208
ainda precisam de Anistia para suas angústias, sofrimentos e
incertezas. Precisam de Anistia para que outros não passem pelo
que passaram tantos companheiros’ (Carta da Comissão de Trabalho
sobre Mortos e Desaparecidos Congresso Nacional pela
Anistia).”
439
Além disso, não se pode perder de vista que as execuções extra-judiciais, a
maioria sob tortura, – o caso dos mortos e desaparecidos – substituem e dispensam
na prática a pena de morte por sentença nos tribunais, reintroduzida para os
chamados crimes políticos pelo AI-14
440
(setembro/69) e regulamentada pelo
decreto-lei 898/69 (Lei de Segurança Nacional). Esta seria de consecução muito
mais complicada, sobretudo devido às inevitáveis pressões internacionais que
adviriam. É o próprio ministro do Exército do governo Médici, general Orlando
Geisel, criador dos DOI’s (Destacamentos de Operações de Informações), que
emite, em 1971, ordem expressa de execução de todos os banidos que retornassem
ao Brasil e também daqueles que voltassem do treinamento de guerrilha em
Cuba.
441
Tal sentença de morte acaba extrapolando estas categorias e atingindo
muitos considerados definitivamente irrecuperáveis ou inconvenientes para o
sistema. Segundo Elio Gaspari:
“A sentença de morte contra os banidos autodocumenta-se.
Entre 1971 e 1973 foram capturados dez. Nenhum sobreviveu. (...)
Entre 1966 e 1970 foram capturados 36 ‘cubanos”. Dezoito
continuaram vivos, e oito morreram. Entre 1971 e 1973 foram
capturados pelo menos 32. Nesse período, descontando-se o Cabo
Anselmo, que se tornou policial, um quadro da ALN, que negociou a
sua libertação, dois outros, cujo paradeiro não se conhece, e uma
jovem, que teria abandonado a militância, um ‘cubano’ sobreviveu
439
“A questão dos desaparecidos”, Comitê Brasileiro pela Anistia-Seção do Rio de Janeiro, maio/1979. In:
CABRAL, Reinaldo e LAPA, Ronaldo. Desaparecidos políticos, p.22.
440
O AI-14 foi baixado pela junta militar e demais ministros de Estado Augusto Hamann Rademaker, Aurélio de
Lyra Tavares e Márcio de Souza e Mello, Luís Antônio da Gama e Silva, José de Magalhães Pinto, Antônio
Delfim Netto, Mário David Andreazza, Ivo Arzua Pereira, Tarso Dutra, Jarbas G. Passarinho, Leonel Miranda,
Edmundo de Macedo Soares, Antônio Dias Leite Júnior, Hélio Beltrão, José Costa Cavalcanti, Carlos F. de S
Marinha, em 10 de Setembro de 1969. Basicamente este ato institucional estabelecia a modificação do artigo
150 da constituição, com a aplicação da pena de morte nos casos de guerra externa, psicológica adversa,
revolucionária ou subversiva.
441
GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 378.
209
ao porão. (...) Finalmente, passou-se a matar todo aquele que não
convinha deixar vivo. (...) Os mortos de Petrópolis eram esquartejados
e enterrados nas cercanias. Quantas pessoas morreram na rua Artur
Barbosa não se sabe. Durante 96 dias de cativeiro, Inês Etienne
Romeu listou pelo menos cinco.”
442
O general Milton Tavares de Souza, chefe do CIE e fiel seguidor de Orlando
Geisel, é o principal oficial responsável pela prática do extermínio, cuja base de
operacionalização é constituída pelos aparelhos clandestinos da repressão
443
. Seu
protótipo é a Casa de Petrópolis
444
, da qual somente Inês Etienne Romeu
445
escapou com vida para contar a história. Além das mortes sob tortura, há também as
execuções sumárias: os assassinatos de Lamarca no sertão da Bahia (1969), de
Marighela em São Paulo (1971) e dos três dirigentes do PCdoB na chamada chacina
da Lapa também na capital paulista (1976) são três exemplos notáveis.
A pena de morte judicial, no entanto, não deixa de ser cogitada pelos tribunais
militares. Dois processos em 1971, na Bahia e em São Paulo, resultam em quatro
condenações à pena máxima, todas elas depois comutadas em prisão perpétua: em
março, Theodomiro Romeiro dos Santos, aos 18 anos; em novembro, Ariston
Lucena, Diógenes Sobrasa de Souza e Gilberto Faria Lima (à revelia).
446
Em agosto de 1978, uma tentativa tardia do procurador militar Mário Mattos
Cortez, pede a condenação de Jesus Paredes Soto (preso desde 1974) e Sônia
Eliana Lafoz (exilada desde 1971) - ambos envolvidos processo do sequestro do
embaixador alemão - ao Conselho de Sentença da Auditoria do Exército do Rio
de Janeiro. Os dois são condenados a vinte anos de prisão.
447
Além deles, dois
442
Idem ibidem, p. 383-384
443
Idem ibidem, p.379.
444
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: nunca mais. Petrópolis: Vozes, 1985, p.239-246. V. tb: Veja, 18 de
novembro de 1992, p. 20-32, “Eles matavam e esquartejavam”, entrevista de Marival Chaves do Canto, ex-
sargento do DOI-Codi a Expedito Filho.
445
Dirigente da VAR-Palmares, uma das seqüestradoras do embaixador suíço (dezembro/1970).
446
GORENDER, Jacob, op. cit., p. 228.
447
Em Tempo, n. 23, 7/13 de agosto de 1978, “Pena de morte em novo julgamento”.
210
outros presos políticos do Rio de Janeiro o indiciados em processo de pena de
morte: Hélio da Silva e Carlos Alberto Sales e escapam da condenação. Eles
cumpriam pena de respectivamente 52 e 46 anos de prisão
448
. Na concepção do
movimento pela Anistia, a pena de morte significa o seguinte:
“Mais importante, no entanto, que a origem espúria da pena de
morte são as suas nefastas finalidades. Destinou-se a oficializar e
institucionalizar o terror de Estado, buscando respaldar a eliminação
física dos opositores do regime, forma extrema de repressão pela
violência, que coroava o absurdo elenco de ‘crimese o draconiano
arsenal de penas arroladas pela Lei de Segurança Nacional.”
449
A punição dos responsáveis pelos crimes da ditadura constitui o corolário
principal da questão dos mortos e desaparecidos políticos. A denúncia dos
torturadores é aprofundada a partir da divulgação das mencionadas listas feitas
por presos políticos e exilados, publicadas em junho de 1978 e março de 1979 pelo
semanário Em Tempo e encaminhadas amplamente pelos CBA’s, inclusive as
chamadas autoridades competentes. A denúncia do envolvimento de profissionais
da saúde com a tortura e os assassinatos políticos é capítulo fundamental desta luta.
Trabalho pioneiro do cleo dos Profissionais de Saúde pela Anistia CBA/SP, no
segundo semestre de 1979, busca aprofundar o entendimento da “instituição da
tortura”: como ela se processa, quais são os seus agentes, a quem ela interessa e
sobre quem ela se abate. Trata-se de estudo de 26 laudas que, a partir da
contextualização do objeto, analisa o processo de institucionalização da tortura no
Brasil; a organização da repressão e o suporte financeiro da tortura; a formação do
torturador; os métodos, funcionamento e eficácia da tortura; a atuação do
profissional de saúde frente à questão. O trabalho traz ainda avaliação de dados
448
EDIÇÃO S. A. Anistia, abril/1978, p.30.
449
Nota de repúdio à pena de morte e de solidariedade a Carlos Alberto Sales e Hélio da Silva por ocasião de
seu julgamento, CBA-RJ, sem data, mimeo.
211
obtidos a partir de questionários respondidos por 41 pessoas que haviam sido
torturadas, a respeito de material e métodos, época da tortura, número e duração
das sessões, partes do corpo atingidas, objetivos das torturas, seqüelas, tipo de
atendimento recebido depois das torturas. É feito o seguinte diagnóstico: “O regime
de repressão, instaurado no país a partir de 1964, teve a colaboração direta e
indireta de muitos profissionais de saúde, ou seja, enfermeiros e médicos que
‘recuperavam’ torturados para que estes pudessem ser submetidos a novas sessões
de tortura; psicólogos que participavam no planejamento das estratégias das
torturas; médicos que forneciam laudos falsos, acobertando sinais evidentes de
torturas, ou ocultando a causa mortis real. (...) Ex-presos políticos de São Paulo e
Rio de Janeiro relataram terem sido atendidos, nos intervalos das sessões de
tortura, por médicos que, após rápido exame clínico e controle de sinais vitais,
autorizaram o prosseguimento das torturas, atribuindo os sintomas apresentados
pelos ‘pacientes’ a exacerbamento de aspectos emocionais sem comprometimento
somático importante. Diversos depoimentos foram recebidos, denunciando a
participação de profissionais de saúde, principalmente médicos e enfermeiros, nas
sessões de tortura, sem que, contudo, pudéssemos identificá-los. em Belo
Horizonte (Minas Gerais), um médico, professor da Universidade Federal de Minas
Gerais, Jean Paul, foi identificado e está sendo acusado de participação direta na
tortura de presos políticos.”
450
O caso Jean Paul Nicola Seerberger Kinsch, então professor de Morfologia
do Instituto de Ciências Biológicas / ICB da Universidade Federal de Minas Gerais,
representa uma das principais batalhas travadas pelo CBA e MFPA -MG. A questão
vem à tona a 18 de abril de 1979, Dia Nacional da Anistia, quando, em debate no
450
Núcleo dos Profissionais de Saúde pela Anistia – CBA São Paulo. Estudo sobre a tortura no Brasil, sem data,
mimeo, p.15.
212
auditório da Faculdade de Direito da UFMG, perante mais de mil pessoas,
451
ex-
presos políticos denunciam o dico luxemburguês como aquele que acompanhara
as torturas sofridas por eles nas prisões, principalmente no DOPS-MG, orientando
os torturadores sobre o limite da capacidade de resistência de cada um para evitar
que morressem sem contar o que sabiam. Segundo o testemunho de Maria Dalce
Ricas, ex-presa política, estudante da UFMG:
“O médico Jean Paul, que acompanhava as torturas, certa vez
recomendou repouso para mim, porque o excesso de choques que
eu tinha recebido tinha prejudicado uma das minhas pernas. Mas,
enquanto eu mantinha a perna esticada na cama, eles me davam
choques nos braços, e ainda me insultavam, quando eu repuxava a
perna, por causa dos choques. E, cinicamente, me lembravam que o
médico tinha recomendado repouso da perna.
452
A partir dessa denúncia, o CBA e MFPA-MG, juntamente com o deputado
Milton Lima (MDB), encaminham representação ao Conselho Regional de Medicina
solicitando a apuração dos fatos e as providências cabíveis. Ao mesmo tempo, o
Diretório Acadêmico do ICB-UFMG inicia campanha exigindo do reitor Celso
Pinheiro de Vasconcelos a exclusão de Jean Paul dos quadros da universidade.
453
Segundo a direção do DA-ICB, a prática acadêmica deste senhor tem características
bastante peculiares:
“- Além de arbitrário, repressor e terrorista, é também
catedrático em torturas. Certa vez, Jean Paul, irritado com a pergunta
de um aluno sobre os efeitos da tortura na articulação das pernas
passou a dar uma aula empolgada sobre torturas, descendo aos
mínimos e requintados detalhes. Como a gente ficasse assustada, e
a sala estivesse trancada a chave, o professor pensou que iria haver
451
Última Hora, 20 de abril de 1979, “A triste memória dos horrores da repressão”, p. 18; A Gazeta, São Paulo,
23 de abril de 1979, “Médico torturador poderá ter o diploma cassado”; Folha de S Paulo, 23 de abril de 1979,
“Deputado representa contra médico de MG”; A gazeta, 23 de abril de 1979, “Médico torturador poderá ter o
diploma cassado”.
452
Idem ibidem
453
Idem ibidem
213
reação e tirou um revolver do coldre, colocou-o em cima da mesa e
continuou a aula de torturas.
454
Ao final do processo, Jean Paul é afastado das salas de aula do ICB, mas
continua vinculado à UFMG e conserva o seu registro do CRM.
455
Apesar de constituir apenas meia vitória, portanto também meia derrota, o
caso tem ampla repercussão e abre precedente substancial em matéria de denúncia
e responsabilização dos profissionais de saúde comprometidos com o aparelho
repressivo. O Núcleo dos Médicos pelos Direitos Humanos do CBA-MG tem papel
de destaque neste episódio, avançando propostas para erradicar este tipo de
prática:
“Nós somos um grupo de médicos contra a tortura e
especialmente dispostos a combater, intransigentemente, a
participação de médicos em torturas, Desejamos sensibilizar a
categoria médica e a opinião pública para os problemas acima
levantados. Pretendemos:
1- Propor que o Código de Ética Médica inclua a obrigação do
médico, em defesa de seu paciente, denunciar os casos de violência
policial à autoridade judiciária (...), o médico deverá encaminhar a
denúncia também, ao Conselho Regional de Medicina;
2- Propor que o CRM-MG adote oficialmente uma posição
contra a participação de médicos em torturas, como sugere a
Associação Médica Mundial. Divulgar amplamente a Declaração de
Tóquio e documentos semelhantes, de entidades médicas;
3- Estudar e divulgar a literatura científica médica sobre os
métodos de tortura e suas ameaças físicas e psicológicas.”
456
De fato, com a aprovação da Declaração de Tóquio pelo Conselho da
Associação Médica Mundial, em março de 1975 e a sua adoção pela 29ª Assembléia
Médica Mundial, em outubro do mesmo ano, estas denúncias passam a contar com
importante suporte internacional. São estabelecidas oito normas que proíbem os
454
Idem ibidem.
455
Até hoje, ele continua impune: está clinicando tranquilamente em Belo Horizonte, tendo seu nome na lista dos
conveniados da UNIMED.
456
Núcleo de Médicos pelos Direitos Humanos ligado ao CBA-MG, sem data, mimeo.
214
médicos de toda e qualquer colaboração, conivência, omissão ou envolvimento com
a tortura. A primeira delas sintetiza o conteúdo do documento:
1 - O médico não deve favorecer, ser conivente com ou
participar da prática de tortura, ou de outras formas de procedimento
cruéis, desumanos ou degradantes, em quaisquer situações,
inclusive conflito armado ou guerra civil, seja qual for a infração pela
qual a vítima submetida a tais procedimentos seja suspeita, acusada
ou culpada, e sejam quais forem as crenças ou motivos da
mesma.”
457
No Brasil, a Declaração de Tóquio será incorporada pelo Conselho Federal
de Medicina ao Código de Ética Médica em 1988
458
, mas, em 1978, o Conselho
Regional de Medicina de São Paulo emite resolução determinando o seu
cumprimento naquele estado.
459
Este avanço das normas internacionais é resultado de campanha sistemática
pela abolição da tortura desenvolvida pela Anistia Internacional em todo o planeta, a
partir de 1973. Em setembro/outubro de 1979, dois outros grandes encontros de
profissionais da saúde voltam a debater o assunto: o primeiro em Genebra-Suíça
promovido pela própria Anistia Internacional; o segundo, em Lion-França, o 11º
Congresso da Academia Internacional de Medicina Legal e Medicina Social, dedica
um dia inteiro à discussão da questão da tortura, com destaque para o caso de Frei
Tito de Alencar, cujo suicídio naquele país, em novembro de 1974, é conseqüência
direta das torturas por ele sofridas no Deops-SP, sob o comando de Sérgio
Paranhos Fleury.
460
457
Declaração de Tóquio Normas para os médicos a respeito de tortura e outros procedimentos cruéis,
desumanos ou degradantes, relacionados com prisões. Tóquio, outubro de 1975.
458
Resolução CFM n, 1 246/88, cap. IV ‘Direitos Humanos.’ Art. 46-55.
459
Conselho Regional de Medicina dO Estado de S Paulo, Resolução n. 17/78. Em Tempo, n. 43, 21 a
27/dezembro/1978, p. 12, “Doze médicos envolvidos com tortura”.
460
Movimento, 10 a 16/9/1979, “Os profissionais do terror”, p.6-8; “Ele lutou contra a opressão, texto escrito pelo
psiquiatra de Frei Tito, Dr. Rolland, assistente-chefe de clínica, Serviço de Urgência Médica e Psiquiátrica,
Hospital Edouard Herriot, Lion, sem data, mimeo.
215
O Núcleo dos Profissionais de Saúde pela Anistia CBA / SP, por sua vez,
ainda no Estudo sobre a tortura no Brasil, aponta o comprometimento dos seguintes
médicos com a prática de tortura: Isaac Abramovich e Orlando Brandão (atestado de
óbito de Alexandre Vanucchi Leme), Marcos de Almeida, Harry Shibata (atestado de
óbito de Wladimir Herzog), Armando Cager Rodrigues, Paulo de Queiroz Rocha,
Arnaldo Siqueira e Dr. Trindade. Além desses, são denunciados publicamente no
Encontro dos Profissionais de Saúde pela Anistia de São Paulo, de agosto de 1979,
Arildo de Toledo Vianna, Frederico L. Oppe, José Carlos Penteado, Eliseu Caldas
Correia.
461
O jornal Em Tempo divulga, em dezembro de 1978, que os quatro primeiros,
juntamente com outros oito colegas, são denunciados ao Conselho Regional de
Medicina SP, conforme encaminhamento de mesa-redonda organizada pelos
profissionais de saúde do CBA-SP para discutir o tema: “Profissionais de Saúde:
ética e tortura”.
462
Tais processos, no entanto, não o mencionados no estudo
citado, que é posterior. é destacado o caso exemplar de Alexandre Vanucchi
Leme, assassinado pela repressão em 1973, cujos familiares entram com processo
contra os médicos Isaac Abramovich e Orlando Brandão no Conselho Regional de
Medicina de São Paulo, a 23 de agosto de 1979: Tais dicos deram como causa
mortis lesões traumáticas crâneo-encefálicas em conseqüência de atropelamento,
ao tentar fugir. Não referência, no exame necroscópico, a quaisquer ferimentos,
constatados no cadáver, que se pudesse atribuir a torturas sofridas. E mais: ao
461
Quase todos incluídos da lista da Pesquisa BNM: “Relação alfabética dos elementos que atuaram como
médicos legistas (06) e declarantes de óbitos (07)”. In: Arquidiocese de Sã o Paulo. Projeto “Brasil: Nunca Mais”.
Os funcionários, tomo II, V. 3, 1985, p. 121, p.121-130. V. tb.: COIMBRA, Cecília. Os guardiães da ordem,
sobretudo capítulos II, item III (“O analisador Amilcar Lobo”) e VII (“Um adendo às práticas psicanalíticas: a
família e a subversão”), p. 99-106 e 194-206.
462
Em Tempo, 21 a 27 de dezembro de 1979, “DOZE MÉDICOS ENVOLVIDOS COM TORTURA são acusados
de acobertar violência contra presos políticos e podem perder o registro profissional do Conselho Regional de
Medicina de São Paulo” (chamada de capa), p.12; Folha de S Paulo , 17 de dezembro de 1978, “Profissionais
preocupados com médicos na repressão”.
216
quesito quarto (que pergunta se a morte foi produzida por meio de veneno, fogo,
explosivo, asfixia ou tortura, ou por outro meio insidioso ou cruel) responderam
negativamente. Entretanto, segundo depoimentos de companheiros de prisão,
Alexandre morreu em sua cela, vítima de torturas a que foi submetido, e
apresentava sinais evidentes de maus tratos.”
463
Além deste, na época mais dois processos tramitam no CRM-SP, ambos
contra Harry Shibata: o primeiro encaminhado em 1976 pelo ex-preso político e ex-
deputado Marco Antônio Coelho, que teve o laudo pericial falseado pelo médico,
omitindo os sinais evidentes das torturas sofridas; o segundo de iniciativa do próprio
CRM, por ter forjado o laudo de Wladimir Herzog.
464
Há, no entanto, um fator complicador que vigora ainda hoje inviabilizando a
punição dos médicos - torturadores: a impunidade dos profissionais de saúde das
Forças Armadas grande parte dos envolvidos - está garantida por decreto que os
mantém infensos à ação disciplinadora dos conselhos regionais, submetendo-os
exclusivamente à força singular a que pertencem.
O estudo do Núcleo de Profissionais de Saúde do CBA-SP aponta também as
principais multinacionais e alguns empresários, militares e intelectuais brasileiros
que contribuíam material e financeiramente com os centros de tortura: Henning
Albert Boiselen (ex-diretor da Vetra); Paulo Henrique Sawaia Filho (ex-assessor de
Delfim Neto quando este era ministro da Fazenda); Hélio Viana (comandante
reformado da Marinha); Robert Lentz Passing (jornalista); Álvaro Galvão (coronel
reformado do Exército); Lenildo Tabosa Pessoas (do Jornal da Tarde); João Carlos
di Genio (proprietário dos Cursos Objetivo); e a TFP (Tradição, Família e
Propriedade). Como se vê, o movimento pela Anistia assume sem vacilar a terrível
463
Núcleo dos Profissionais de Saúde pela Anistia – CBA São Paulo, “Estudo sobre a tortura no Brasil”, p.15.
464
Movimento, 10 a 16/6/79, p. 8.
217
tarefa de “vasculhar o submundo da repressão”. O Encontro Nacional dos
Movimentos de Anistia é realizado no Rio de Janeiro (Colégio Bennett) nos dias 15,
16 e 17 de junho de 1979, em meio a este processo de radicalização da luta,
aprofundamento das discussões e das denúncias e expectativa quanto à
configuração definitiva do projeto de Anistia do governo, que só será apresentado ao
Congresso no final do mês. O Encontro vai refletir - na composição e no nível das
discussões travadas - o grande salto qualitativo e quantitativo dado pelo movimento
depois do I Congresso Nacional pela Anistia (novembro/1978). Desde então, o
número de entidades passou de 21 para 45 espalhadas por todo o Brasil
465
. Destas,
39 comparecem ao Encontro, que conta ainda com a presença de cerca de dois mil
participantes e 43 entidades diversas, assim distribuídas: 10 entidades estudantis; 8
sindicatos de categorias dos chamados setores dios; 6 do movimento popular; 6
partidos e tendências políticas; 5 entidades culturais ou científicas; 2 sindicatos
operários; 2 entidades feministas; e 4 entidades nacionais (UNE , IAB, ABI e
MDB).
466
As quinze moções aprovadas revelam o universo de preocupações dos
presentes naquele momento: cinco são voltadas para as questões regulamentares
dos movimentos de Anistia (pela imediata libertação dos presos políticos, apoio ao
MDB por ter votado a favor da CPI dos Direitos Humanos, repúdio ao atestado
ideológico, pela libertação de Flávia Schilling); destaca-se uma que denuncia as
violências sofridas pelos presos comuns e presta solidariedade “a estes
companheiros”; quatro manifestam apoio e solidariedade ao povo nicaraguense, à
Frente Sandinista de Libertação Nacional e aos povos do Cone Sul submetidos a
ditaduras militares; e duas são de apoio às greves em curso, dos professores da
465
Avaliação política organizativa Estratégias de popularização, Documento Base, CBA-Ba, III Encontro
Nacional dos Movimentos de Anistia, Rio de Janeiro, 15 a 17-o6-79, p.2.
466
Relatório do 3º Encontro Nacional dos Movimentos de Anistia.
218
rede oficial de ensino de Pernambuco e Minas Gerais.
467
O Encontro reflete
igualmente o processo de imbricação das duas faces da Anistia, característica
principal da dinâmica e do discurso do movimento ao longo de 1979, com ênfase no
quase obsedante cuidado em relação à popularização da luta. Tudo isto é
demonstrado na organização do temário, que é o seguinte:
a - Avaliação político-organizacional dos movimentos pela Anistia
b - Estratégia da Anistia e lutas populares
b.1. Modos de vinculação com organizações e lutas populares
b.2. Liberdade de organização (liberdade sindical, liberdade de
organização partidária e liberdade de associação)
b.3. Anistia parcial e projeto de Anistia Ampla
b.4.Defesa dos atingidos.
c- Conferência Internacional pela Anistia.
468
À primeira vista nota-se no item b da pauta proposta (“Estratégia da Anistia e
lutas populares”) o objetivo explícito de instituir a consubstancialidade das duas
faces da Anistia a partir da referência na popularização: o princípio histórico do
movimento, a “defesa dos atingidos” (b.4) e a discussão conjunturalmente, o projeto
de Anistia (b.3) aparecem como sub-ítens daquele tema principal. O desenrolar do
Encontro, no entanto, acaba impondo outra dinâmica: o projeto de Anistia mobiliza e
polariza tanto, que não vai sobrar tempo para a discussão em plenária dos outros
pontos de pauta, bem desenvolvidos nas comissões de trabalho em número de
467
Idem ibidem.
468
Regimento Interno do Encontro dos Movimentos pela Anistia.
219
cinco, uma para cada um dos temas propostos (os itens b, b.1 e b.2 são
englobados) -, mas apenas relatados na sessão final.
469
Destaca-se o importante espaço concedido à discussão da questão
organizativa (item a), o que indica que há acúmulo quatro anos de existência de
movimentos específicos de Anistia e quase um ano de articulação nacional - e
amadurecimento suficientes para abrir processo de avaliação interna. A comissão
encarregada deste tema tem caráter diferente das demais: é a única da qual
podem participar militantes dos movimentos de Anistia.
470
A primeira observação a ser feita é que a abordagem é lúcida, sem
ufanismos ou triunfalismos - o movimento demonstra ter capacidade de crítica e
autocrítica. Por tratar-se de discussão interna as questões são abordadas mais
abertamente: o relatório da Comissão de Avaliação Político-organizativa do
Encontro Nacional de Movimentos pela Anistia e o Documento Base elaborado pelo
CBA-Ba registram a situação real do movimento, a imagem que ele tem de si
mesmo e as tensões internas surgidas com o aprofundamento da luta.
No balanço feito, os CBA’s capitalizam os avanços: no plano local, a
ampliação do trabalho de frente com outros setores de oposição ao regime; no plano
regional, a consistente experiência de regionalização consolidada no nordeste, o que
garante maior visibilidade e participação nacionais dos movimentos daquela região;
no plano nacional, a proliferação dos movimentos específicos de Anistia, o
importante processo de interiorização, e, sobretudo, a criação da Comissão
Executiva Nacional (CEN), que qualifica o movimento de Anistia como o único
movimento de frente organizado nacionalmente, aprofundando o alcance da luta e a
469
Relatório do 3º Encontro Nacional dos Movimentos de Anistia, Rio de Janeiro, 15 a 17 de junho de 1979.
470
Regimento Interno dos Movimentos pela Anistia; Relatório da Comissão de Avaliação Política-organizativa
dos Movimentos pela Anistia; Avaliação Político-organizativa Estratégia de popularização Documento-base,
CBA-Ba, Rio de Janeiro, 15 a 17 de junho de 1979, mimeo.
220
sua organicidade política. A comissão avalia, no entanto, que as debilidades
estruturais apresentadas pela CEN têm levado os CBA’s a certa “defensividade”
471
considerada prejudicial, que o momento é, mais do que nunca, de afirmação da
ofensiva política: o sentimento generalizado de que, a partir do contra-ataque da
ditadura ao acenar com um projeto de Anistia de sua lavra, o movimento tem perdido
terreno e espaço na mídia, sendo imperativo, portanto, recuperá-los.
472
São as seguintes as limitações constatadas: articulação e organicidade
deficientes num quadro de duplicação do número de entidades de Anistia; inércia
dos núcleos de base, que se mostram incapazes de acionar politicamente a direção;
indefinição paralisadora do caráter da CEN, o que prejudica a estratégia de atuação
nacional; incapacidade de resposta coordenada às iniciativas da ditadura militar, em
tempo hábil e com a radicalidade necessária; unidade política precária e superficial –
urgência de criação de canais que a otimizem e garantam representatividade.
473
Avalia-se também que, apesar do crescimento inegável dos CBA’s, da sua
contribuição significativa na perspectiva de unificação do movimento popular contra
a ditadura e dos avanços no encaminhamento das lutas específicas, há sérias
dificuldades no que diz respeito à consolidação e capitalização das conquistas e,
sobretudo, à penetração junto aos setores populares.
474
Esta inquietação vai
transversalizar os debates do Encontro. São, contudo, genéricas as colocações
da comissão encarregada do tema “Estratégia da Anistia e lutas populares” (itens b,
B.1 e b,2), que assim o define: “A popularização da luta pela Anistia significa a
471
Relatório da Comissão de Avaliação Político-organizativa dos Movimentos pela Anistia, p.1-3.
472
“Seguir na luta pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita”. 3º Encontro Nacional pela Anistia, Iná Meirelles, membro
do CBA-Niterói, tese individual, p.2, mimeo.
473
Idem ibidem, p.2.
474
“Anistia parcial X Anistia Ampla Geral e Irrestrita, contribuição individual de Marilita G. de C. Braga, membro
do CBA-RJ, p.1.
221
transformação da luta pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita a todos os presos e
perseguidos políticos numa luta popular de toda a sociedade brasileira”.
475
Procura-se aprofundar os principais aspectos compreendidos na questão: a
fixação do seu alcance político; o estabelecimento adequado dos diversos níveis de
relacionamento entre os movimentos de Anistia e o movimento popular - suas
reivindicações e lutas específicas; a clareza das palavras de ordem, dos eixos
políticos e das campanhas unificadas em cada momento; e a utilização combinada
dos diferentes veículos e métodos de propaganda. Na discussão sobre o alcance
político fica ainda mais explícito o entendimento da luta pela Anistia como luta pela
defesa do espaço público e do exercício da política pelo direito à ação e ao
discurso:
“A luta pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita se confunde com a
luta pela conquista da liberdade política de expressão e organização
popular, porque os atingidos pela repressão política o foram, na
medida em que se mobilizaram em lutas populares. (...) Essa ameaça
[contra o movimento popular] somente será eliminada com o fim de
todas as leis e todos os aparelhos institucionais e repressivos que
sustentam o sistema ditatorial. Os movimentos de Anistia devem
marcar a defesa intransigente do direito à livre reunião, livre
organização associativa, sindical e partidária, pelo direito de greve,
contra as violações dos direitos humanos e a repressão policial, em
defesa das lutas dos trabalhadores do campo pela posse da terra,
fortalecendo, assim os seus vínculos com as entidades de massa.
(...)
476
Outra grande preocupação que se manifesta no Encontro, e se tornará
recorrente na trajetória posterior do movimento, é a necessidade de superar a
defasagem existente entre a estrutura organizativa e o saldo político acumulado na
luta: o movimento aponta a perspectiva de criação de uma entidade nacional,
discussão que é postergada para a instância superior (o próximo Congresso a ser
475
“A popularização da luta pela anistia”, 3º Encontro Nacional de Movimentos de Anistia, p.1.
476
Idem ibidem.
222
realizado no final do ano) a favor da decisão imediata pela manutenção, adequação
e ampliação da CEN, com
477
nova proposta de regionalização e a organização de
uma Secretaria Executiva incumbida da centralização de correspondência e
informações e publicação de jornal ou periódico nacional.
Se, de um lado, são reconhecidos os problemas advindos de uma estrutura
organizativa mais frouxa, considera-se temerário o projeto de articulação de direção
nacional mais amarrada, com estrutura mais pesada, o que poderia levar a
processo de burocratização, institucionalização e a aparelhamento,
comprometendo de vez a unidade política, o caráter de frente, a operacionalidade e
a dimensão instituinte construídos com tanto afinco. Ao fazer estas discussões de
caráter eminentemente internista, os CBA’s não perdem de vista a articulação dos
dois eixos da luta pela Anistia popularização + bandeiras históricas. O movimento
demonstra ter clareza de que a aprovação da Anistia parcial funcionará como ponto
de inflexão da luta, determinando o seu aprofundamento ou o seu esvaziamento. A
estratégia a ser adotada é discutida a partir do seguinte enunciado:
“Os movimentos pela Anistia participantes da Comissão
concordam que o momento é de ofensiva na luta pela Anistia Ampla,
Geral e Irrestrita. Esta ofensiva deve ter como base a denúncia das
limitações do projeto de Anistia parcial, o caráter odioso de suas
discriminações. Cumpre, no entanto, evitar o risco de nos isolarmos,
ampliando a luta pela Anistia, assumindo firmemente a defesa de
todos os excluídos e a questão da sobrevivência dos órgãos de
repressão, da LSN, da situação dos mortos e desaparecidos. Deve-
se desmascarar o sentido do projeto da ditadura militar. O caminho
sugerido foi o do aprofundamento da luta pela Anistia ampla geral e
irrestrita, combinada com as bandeiras das demais lutas populares
por melhores condições de vida e trabalho e por sua liberdade de
organização: sindical, associativa, partidária. (...) Além disso, os
movimentos pela Anistia concordam que a Anistia parcial muda de
forma substancial a nossa luta. Portanto, concorda-se na existência
de dois momentos distintos da luta, um até a aprovação do projeto do
regime e outro a partir dessa aprovação”.
478
477
Idem ibidem, p.5.
478
Id. ibid., p.3; Relatório do 3º Encontro Nacional dos Movimentos de Anistia, p.2 e 3.
223
É antecipado, assim, o resultado da votação do projeto do governo, que
ocorrerá dois meses depois (22 de agosto) A estratégia imediata traçada é a
seguinte:
479
ampliar a luta através da retomada da ofensiva e da radicalização; e
colá-la ao movimento popular, único meio de debelar o risco de isolamento. É este o
referencial para ampla campanha nacional, com material unificado, cujo eixo é a
denúncia do “caráter odioso“ da Anistia parcial. A sua mobilização - que deve ser
permanente no período entre a divulgação do projeto de Anistia parcial e a sua
votação no Congresso - se dará em torno de quatro questões: liberdade para todos
os presos políticos, volta de todos os exilados, reintegração dos trabalhadores
demitidos por motivos políticos e esclarecimento da situação dos mortos e
desaparecidos.
Quanto ao discurso a ser adotado, vai haver atenção especial para o
esclarecimento do que foi a luta armada e a rejeição de termos como terroristas e
crimes de sangue para designar os guerrilheiros e suas ações, remetendo-os para a
denúncia dos crimes da ditadura militar e do terrorismo de Estado. Diz o Manifesto à
Nação aprovado no Encontro, principal peça de divulgação da campanha pela
Anistia Ampla Geral e Irrestrita:
“(...) Anuncia-se que a Anistia do governo excluirá opositores
do regime. Um regime que processou, condenou, exilou, baniu,
cassou, demitiu, perseguiu, torturou e matou, não tem legitimidade
para excluir quem quer que seja. A oposição contra a ditadura
implantada em 1964, quaisquer que tenham sido as formas de luta,
não pode ser considerada crime, mas sim, o direito de todo o povo na
defesa de seus interesses, por melhores condições de vida e por
liberdades políticas. 55 presos ainda estão nos cárceres, 122
opositores estão desaparecidos, 200 mortos em decorrência de
torturas e dos choques com as forças repressivas. São 4877
cassados. 10000 exilados.
479
id. ibid., p.3.
224
Crime de sangue quem cometeu foi a própria ditadura.
Torturando e matando.
Crime contra a humanidade é submeter o povo ao violento
arrocho salarial e retirar-lhe todos os canais de participação. (...)”
480
E no documento “Subsídios para discussão sobre quem são os terroristas no
Brasil”, do CBA-MG:
“Para se entender porque lutamos pela ANISTIA AMPLA
GERAL E IRRESTRITA implica em Ter uma concepção correta do
que é o terrorismo e a quem interessa. Terrorismo político é a
agressão deliberada a uma população civil não combatente,
desarmada, com o objetivo de lhe arrancar pelo medo, colaboração
ou neutralidade. Procura o pavor indiscriminado, onde a agressão ao
não combatente deixa de ser um risco indesejado para ser o alvo em
mira. Nesse sentido historicamente o uso do terror como instrumento
político alcança escala máxima por parte dos poderes constituídos.
(...) No Brasil, terroristas têm sido pessoas e/ou organizações
que através da violência física ou psicológica tentam intimidar e
coagis aqueles que procuram transformar a realidade no sentido de
uma sociedade onde realmente predominam as liberdades
democráticas. Terroristas o os que jogam bombas em jornais da
imprensa independente, nas entidades estudantis, na ABI, OAB,
MFPA, nas igrejas, seqüestram bispos e militantes políticos.(...) Mais
ainda, estas mãos que seqüestram e jogam bombas são as que
torturam.”
481
A intensificação da luta se dará em três frentes: a popularização da bandeira
e a participação dos movimentos pela Anistia nas lutas populares; o estreitamento
das relações com os parlamentares a partir do fornecimento de subsídios e
monitoramento; e o aprofundamento das discussões jurídicas das teses sobre
Anistia, objetivando atuação unitária dos advogados dos presos políticos para
agilizar sua libertação. Como forma de mobilização ficam marcados o dia 27 de
junho como Dia Nacional de Luta, a caravana a Brasília no dia da votação, composta
pelo conjunto dos setores envolvidos na luta pela Anistia, um encontro nacional
480
Manifesto à Nação, Rio de Janeiro, 17 de junho de 1979, seguem as assinaturas das 37 entidades
específicas de anistia e das três entidades nacionais presentes no 3º Encontro.
481
“Subsídios para discussão sobre quem são os terroristas no Brasil”, CBA-MG, sem data.
225
extraordinário a ser realizado em São Paulo no primeiro fim de semana posterior à
divulgação do projeto do governo e um Encontro Nacional dos Atingidos a ser
realizado em agosto. São listadas ainda as tarefas de “médio prazo”, previstas para
depois da aprovação da Anistia parcial, todas elas determinadas pelo entendimento
de que a luta pela Anistia está ligada à luta pelo fim da ditadura militar e pelas
liberdades democráticas:
482
convocação de um Congresso Nacional pela Anistia
Ampla Geral e Irrestrita para o final de 1979; intensificação da campanha pelos
excluídos da Anistia do regime presos, exilados, mortos e desaparecidos;
intensificação da campanha contra a legislação de exceção e pelo desmantelamento
do aparelho repressivo, com ênfase na responsabilização jurídica dos torturadores;
incremento da vinculação da luta pela Anistia às demais lutas populares. A grande
divergência que surge na discussão das “tarefas de médio prazo” é a introdução da
Assembléia Constituinte como medida que “garantiria o princípio básico de qualquer
Anistia, que é o princípio de lutar”, proposta defendida, sobretudo por setores do
Movimento Feminino pela Anistia, refutada com veemência a partir da seguinte
argumentação:
É absurdo colocar a Constituinte para garantir a Anistia. A
necessidade é ampliar a luta pela Anistia, vinculando-a às lutas dos
trabalhadores, visando estabelecer a hegemonia dos trabalhadores
na luta pelo fim da ditadura militar. A Constituinte é errada, pois, na
atual correlação de forças, ela é uma saída fácil para a própria
ditadura.”
483
A polêmica não é resolvida no encontro: recomenda-se que a discussão seja
encaminhada mais amplamente nas bases para posterior tomada de posição no
próximo Congresso Nacional pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita. Parece, no
entanto, prevalecer a tendência à rejeição de propostas que tenham o parlamento -
482
Id. ibid., p. 4-5.
483
Id. ibd., p. 5.
226
o espaço instituído - como locus privilegiado de atuação. A principal discussão do
Encontro Nacional dos Movimentos de Anistia é o item b.3 do temário proposto:
“Anistia parcial e projeto de lei”.
484
Decide-se que o anteprojeto de decreto legislativo
de Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, elaborado por um grupo de juristas e militares
cassados do Rio de Janeiro e apresentado pelo CBA deste estado, seria
incorporado pelo movimento como contraproposta de caráter substitutivo ao projeto
da ditadura militar. Os CBA’s devem se mobilizar para conferir àquela peça o caráter
de documento unitário da oposição, discutindo-o em todas as instâncias, com as
mais diversas entidades, transformando-o em instrumento de mobilização popular
permanente e de organização efetiva do Conselho Consultivo de Entidades
485
e da
Frente Parlamentar pela Anistia. A carreira do anteprojeto no legislativo será
examinada no decorrer desta tese. O anteprojeto
486
é considerado adequado pelos
CBA’s porque, além de encerrar a denúncia do “caráter odioso e discriminatório” da
Anistia parcial, não se esgota com a aprovação desta, que, segundo eles,
contempla a bandeira permanente da luta pela Anistia. Ele pressupõe emenda à
Constituição em vigor visando a restauração da iniciativa privativa do parlamento na
proposição da matéria (supressão do item VII do artigo 43 e do item VI, do artigo 57)
e a exclusão dos dispositivos constitucionais que garantem e mantêm as punições
com base nos atos institucionais (supressão dos artigos 181, 182 e 185). Trata-se de
documento tecnicamente enxuto e objetivo, que traduz realmente os itens expostos
na sua justificativa:
484
Relatório do 3º Encontro Nacional dos Movimentos de Anistia, p. 1-3.
485
Proposta do I Congresso Nacional pela Anistia (São Paulo, novembro /1979) de articulação das entidades
nacionais – CNBB, OAB, ABI, SBPC, ANCS, MDB, UNE, Comissão de Justiça e Paz, IAB – que não chegou a se
consolidar de forma permanente.
486
GRUPO DE MILITARES CASSADOS. Anteprojeto de Decreto Legislativo para Anistia Ampla Geral e
Irrestrita. Anistia, órgão oficial do CBA-RJ, número 5, maio/junho/1979, p.4-5, “Projeto de anistia ampla, geral e
irrestrita”. Este anteprojeto e sua justificativa foram adaptados e incorporado in totum pelo substitutivo (Emenda
n. 1) assinado pelo autêntico Marcos Freire (MDB-Pe) e encaminhado à Comissão Mista sobre Anistia do
Congresso Nacional em 2 de agosto de 1979. CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA.
Anistia Documentário organizado por determinação do Presidente da Comissão Mista do Congresso Senador
Teotônio Vilela, v. 1. Brasília-Df, 1982, p. 53-57.
227
1. “Procura deixar visível que a Anistia abrangerá todos os
atingidos pelas sanções políticas aplicadas a partir de 31 de março
de 1964, fossem os atos, pensamentos ou fatos, anteriores ou
posteriores a esta data, circunstância que não se encontra
suficientemente clara em outras iniciativas já divulgadas.
2. A reintegração e as reparações operar-se-ão de modo a
colocar o civil e o militar na situação em que estariam se não
houvesse a sanção política que lhes cortou a trajetória ou carreira
normal.
3. Esforça-se por evitar definições imprecisas ou normas
sibilinas que possam ensejar polêmicas ou obstáculos à completa
reposição do Anistiado em estágio idêntico ao dos colegas que não
sofreram lesões.
4. Eliminando as regulamentações que, em leis anteriores
concessivas de Anistia, acabaram por desfazer efeitos outorgados
pelo Parlamento, o presente anteprojeto á autoaplicável. A
regulamentação vem embutida no próprio texto. Não haverá ensejo
para resistência e oposições lesivas ao espírito da Anistia Ampla,
Geral e Irrestrita como a deseja o povo brasileiro.
487
É curioso, no entanto, perceber que a Anistia que aparece na letra do
anteprojeto – sem dúvida ampla, geral e irrestrita – tem caráter eminentemente
administrativo. Se, de um lado, suprime a aberrante categoria da reciprocidade, de
outro, não toca na questão dos desaparecidos políticos e a alusão aos mortos, no
parágrafo do artigo 4º, é igualmente de cunho burocrático, não havendo qualquer
referência à necessidade de elucidação destes casos:
“Parágrafo 6º
Em caso de morte do Anistiado, ficam assegurados aos
herdeiros e beneficiários todos os direitos que competiam ao de cujus
até a data do falecimento, com as conseqüentes alterações nos
valores da pensão, montepio e demais benefícios.”
488
No mesmo registro, alguns trechos da justificativa elaborada pelos autores
batem de frente com os princípios essenciais do movimento pela Anistia - o princípio
487
Id. ibid
488
Idem ibidem.
228
do dissenso, o resgate da memória e o ressarcimento histórico ao expor
argumentos na linha do consenso, da conciliação e até do esquecimento:
“(...) Num momento destes, ato de sabedoria será eliminar
ressentimentos, cicatrizar feridas, apagar agravos e hostilidades,
reparar erros e excessos, extinguir paixões e repor cada injustiçado
no convívio social, como se o período de lutas internas do povo
brasileiro não houvesse existido. Assim, todas as sanções impostas
por pensamentos ou ações políticas devem desaparecer de maneira
a não deixar vestígio ou resíduo de qualquer espécie. Sem essa
retomada de posições e atitudes não poderá surgir uma atmosfera de
congregação de esforços destinados a solucionar as mais candentes
questões nacionais em que todos acabam vítimas governantes e
governados. Isto tornou-se consenso geral. (...) A Anistia, entretanto,
deverá atender a todos, para que ninguém possa alimentar pretextos
propícios a cultivar animosidades, revanchismos e sentimentos
divisionistas na luta pela eliminação dos males sociais no País, males
que exigem um ato pacífico, mas profundo, franco e sem
preconceitos. (...) A presente emenda insere-se numa visualização
ampla, dentro dos melhores sentimentos brasileiros e do mais alto
espírito blico, procurando retratar a aspiração da concórdia e de
nova etapa da história”.
489
Ao que parece, ao assumir tal anteprojetoque tem como objetivo principal
representar proposta unitária do conjunto do movimento democrático e popular
490
-
os CBA’s relevam taticamente a sua justificativa, talvez em nome da unidade e da
necessidade de garantir a política de frente com setores liberais enormemente
moderados, senão confessamente reacionários, sobretudo dentro do MDB, único
interlocutor capaz de “abrir a primeira porta”, garantindo “...a imediata extensão da
luta pela ANISTIA AMPLA GERAL E IRRESTRITA ao terreno parlamentar, como
uma via possível para a materialização dessa conquista”.
491
Em todo o caso, - é necessária a observação - na prática e no discurso, o
movimento mantém a linha original de ofensiva política, não perdendo nada em
489
Justificação do Anteprojeto de Anistia Ampla Geral e Irrestrita.
490
Documento Base para a Comissão “Anistia Parcial e projeto de anistia”, 3º Encontro Nacional dos Movimentos
de Anistia, p.1.
491
Carta aberta ao Congresso Nacional, Anistia, órgão oficial do CBA -RJ, número 3, janeiro/fevereiro/79, p. 8.
229
termos de substância crítica, combatividade e radicalidade e mantendo ativo o
princípio da articulação das duas faces da luta. Ao apresentar o anteprojeto em
questão, o CBA-RJ faz as devidas demarcações em relação ao arrazoado transcrito
acima, propondo a seguinte justificativa política, aprovada no Encontro Nacional
dos Movimentos de Anistia:
Nós sabemos que, por si só, uma lei de Anistia não garantirá
a liberdade política, mas ela é a primeira porta. A plena liberdade
política seconquistada com o fim de toda a legislação repressiva,
em especial a Lei de Segurança Nacional. Quando o aparelho
repressivo (os DOI-CODI, CENIMAR, CISA e outros mais), criado
para reprimir, prender, torturar, fazer desaparecer e assassinar
opositores do regime não mais continue de pé. Quando deixarem de
ser impunes aqueles que cometeram toda a sorte de atentados aos
direitos humanos. Os crimes de tortura prática generalizada
posterior ao golpe militar de 1964 os desaparecimentos e
assassinatos de cidadãos terão que ser esclarecidos e não voltarem
mais a se repetir. (...)
É por isso que a Anistia Ampla, Geral e Irrestrita que este
projeto procura expressar poderá atender aos reclamos do povo,
restaurando todos os direitos que foram usurpados pela ditadura. E,
mais do que isso, esta Anistia, como pretendemos, não deve ser um
simples perdão ou esquecimento. Nem deve ser uma abertura para
todo o povo, permitindo que este passe a ser o agente da História,
tomando seu destino nas próprias mãos.”
492
Assim, os CBA’s saem do Encontro Nacional dos Movimentos de Anistia
munidos de anteprojeto próprio e cronograma fechado para deslanchar ampla
Campanha Nacional pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita, na perspectiva de
retomada da ofensiva política. O próximo lance, no entanto, se dará em solo
estrangeiro, mais precisamente em Roma, com a realização da Conferência
Internacional pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita e pelas Liberdades Democráticas
no Brasil, nos dias 28 e 29 de junho e de julho de 1979, que remete à discussão
da importância do papel dos exilados nesta história.
492
Relatório do Encontro Nacional dos Movimentos de Anistia, Anexo 2, “Justificativa política do projeto de
anistia ampla, geral e irrestrita”.
230
II.
D
.
“D
ESTERRO DA ALMA
A luta pela Anistia no exterior
O exílio tem papel fundamental no processo de destruição continuada do
espaço blico levado a cabo pelos militares. O contingente de homens, mulheres e
até crianças - das mais diversas origens sociais e de todas as idades do qual a
sociedade brasileira se privada a partir do golpe de 1964, agrava de maneira
significativa a desertificação social então em curso: é a produção do mais desolado
vazio de militância política. Como define muito bem Denise Rollemberg:
“O exílio nos anos 1960 e 1970 foi uma tentativa de afastar e
eliminar as gerações que contestavam, a partir de um projeto, a
ordem política e/ou econômica identificada à ditadura militar. O slogan
do governo Médici, “Brasil, ame-o ou deixe-o”, é emblemático. É
preciso, portanto, compreendê-lo na mesma lógica da prisão política,
dos assassinatos, da imposição à clandestinidade; como mais um
esforço dos militares para controlar a liberdade de expressão e a
manifestação intelectual; de destruição de toda criação contestatória e
de uma determinada experiência política. O exílio, em sentido mais
amplo, seria, ao mesmo tempo, a emigração política, a cadeia e a
clandestinidade vivida por muitos no Brasil.”
493
Pode-se afirmar que trata-se de mais um dispositivo – e dos mais eficientes –
a revelar a disposição totalitária do sistema, flagrante na criação e institucionalização
da condição de apátrida através de dois expedientes: o AI-13 de 5 de setembro de
1969, que estipula o banimento de pessoas do território nacional; e a categórica e
negação de emissão ou renovação de passaportes ao conjunto dos exilados, o que
configura usurpação generalizada da identidade e da nacionalidade de milhares de
brasileiros e brasileiras expulsos por sentença como é o caso dos banidos - ou
493
ROLLEMBERG, Denise. Exílio Entre raízes e radares, p. 47-48. Nesse livro a autora faz levantamento
exaustivo da história do exílio brasileiro de 1964 a 1974 a partir dos relatos de vida e da produção - “escrita ou
não”- dos próprios exilados e de extensa documentação. V. tb.: MACHADO, Cristina Pinheiro. Os exilados. São
Paulo: Alfa-Omega, 1979.
231
empurrados para fora do país os exilados. Tal procedimento é exclusividade da
diplomacia a serviço da ditadura militar brasileira, sem precedentes mesmo nas
outras ditaduras do Cone Sul. É Fernando Gabeira que testemunha:
“O governo brasileiro é o único na América Latina que nega
passaporte para os seus adversários que estão no exílio, para
escândalo dos generais bolivianos, uruguaios e argentinos, para
escândalo inclusive do Pinochet. Mas é verdade, tanto que o Idibal
Piveta, um dos nossos advogados aí de São Paulo, entrou com um
pedido de 109 pessoas pedindo documento. [...] Conceder passaporte
par a as pessoas que estão no exílio seria ampliar sua mobilidade e
com isto facilitar o que chamam de campanha contra o Brasil, nesse
jeito bem empulhador deles que é o de identificar a ditadura militar
com o Brasil. Mesmo paradas, dez mil pessoas são uma chaga contra
qualquer governo ditatorial e a verdade é que a falta de passaporte
acabou sendo uma campanha a mais, campanha que emociona os
europeus, sobretudo porque negam passaporte também às crianças e
em muitos casos negam até o registro de brasileiros que vão
nascendo aqui e ali, pois sem amor entre nós, como diz a música,
ninguém agüenta este rojão”.
494
De fato, como conduta de rotina, as embaixadas se recusam até a registrar
filhos de exilados brasileiros nascidos no exterior e a conceder passaportes para as
crianças.
495
Na lógica da Doutrina de Segurança Nacional, os exilados e banidos -
mais ainda que os presos políticos, pois estes ao menos são objeto de
enquadramento jurídico - constituem o verdadeiro protótipo do inimigo interno. Os
termos de Hannah Arendt parecem adequados aqui: o exílio serviria para “diminuir a
carga de indésirables do país”.
496
Serviria também para eliminar a experiência e a
memória deles da história nacional.
494
GABEIRA, Fernando. “Carta sobre a Anistia, Estocolmo, novembro de 1978”. In GABEIRA, Fernando. Carta
sobre a Anistia, a entrevista do Pasquim, conversação sobre 1968. Rio de Janeiro: CODECRI, 1979, p.8 e 16/17.
V. tb.: Jornal do Brasil, 19 de fevereiro de 1978, “Advogado no Rio leva à OAB documento que mostra como os
passaportes são negados”, p. 4; Jornal do Brasil, 21/2/78, “Advogado critica nota de Ministro”, p. 4.
495
Informe de Antônio, Iara e Marina Soligo, Krinpen aan den Ussel, Holand, 23 de outubro de 1978; Movimento,
16 a 22/7/79, “Exilado pede passaporte”. Secretaria Nacional de Exilados. Cartilha do Exilado Brasileiro.
Impresso para o Comitato Brasiliano per l’amnistia in Brasile pela Liga Internacional pelos Direitos e Libertação
dos Povos/Fundação Lelio Basso, pp. 5 e 8; Carta do Comité Pro Anistia Geral no Brasil de Lisboa à Comissão
Executiva Nacional, Lisboa, 22 de fevereiro de 1979.
496
ARENDT, Hannah, Origens do totalitarismo. p. 317.
232
Se, de um lado, é preciso convir que no Brasil o exílio não chega a ser
fenômeno de massa como no Chile
497
e no Uruguai, de outro, é também verdade
que é este o maior e mais longo deles na nossa história quinze anos na melhor
das hipóteses, se a promulgação da Lei de Anistia (1979) for adotada como data-
limite. Segundo dados da Comissão de Justiça e Paz, existem dez mil exilados
brasileiros durante a ditadura militar;
498
para o Alto Comissariado para Refugiados
da ONU, são cinco mil brasileiros no exílio destes, 1800 pediram asilo em
embaixadas estrangeiras; os CBA’s trabalham com os dados da primeira. Segundo
Almino Affonso:
“(...) em nenhuma época fora mais amplo o espectro do
exilado: o político, o operário, o camponês, o oficial superior, o
sargento, o cientista, o poeta, o cantor, o estudante. E como um fato
insólito, sem registro na crônica do passado, a presença da mulher
militante. Eram brasileiros, enfim, de todos os rincões, os acentos
mais diversos; e de todas as idades: desde os que, em minoria,
sentiam as primeiras sombras do ocaso, aos homens na plenitude
da força, às centenas de moços em ondas sucessivas, às crianças
que, a despeito de tudo, continuavam crianças...”
499
O governo, por sua, vez nega a existência de exilados brasileiros. Segundo
nota emitida em fevereiro de 1978 pelo ministro da Justiça, Armando Falcão,
somente os banidos estariam impedidos de voltar ao país:
“A propósito da afirmação recentemente difundida de que dez
mil brasileiros estariam residindo no exterior em condições
impróprias e arbitrariamente impedidos de retornar ao país, o
governo julga necessário esclarecer: é absolutamente falso que dez
mil brasileiros estejam exilados. Verdadeiro é que apenas 128
497
ROLLEMBERG, Denise, op. cit., pp. 109.
498
Jornal do Brasil, 8 de fevereiro de 1978, “Dallari lança campanha por 10 mil exilados”; Jornal do Brasil, 23 de
fevereiro de 1978, Dallari lembra que muitos cientistas exilados foram contratados por socialistas”; Jornal do
Brasil, 21 de fevereiro de 1978, “CNBB recebe Comissão de Justiça”, p.4; Estado de Minas, 21 de fevereiro de
1978, “Justiça e Paz analisa nota de Falcão”; Anistia (caderno Especial), Edição S.A., abril 1978, “OS EXILADOS
A Comissão de Justiça e Paz de São Paulo calcula que 10 mil brasileiros, contando os familiares, vivem hoje no
exterior por motivos políticos”.
499
Folha de S Paulo, 6/9/79, “O exílio na Própria Terra” (Almino Affonso). Almino Affonso: deputado federal
cassado e exilado, ex-ministro do Trabalho de João Goulart.
233
brasileiros estão impedidos de regressar ao território nacional em
virtude do banimento. Tais pessoas deixaram o país por exigência de
seqüestradores após atos de terrorismo político e em troca da
libertação de embaixadores de países amigos. (...) Não na
realidade ‘exilados brasileiros’. Mas, sim, brasileiros que se
expatriaram por julgar ser isto de sua melhor conveniência. Muitas
dessas pessoas deixaram o país para subtrair -se a processo contra
elas instaurado, ou para escapar a prisão decretada ou, ainda para
eximir-se do cumprimento de penas que lhes haviam sido
impostas pelos tribunais competentes. Qualquer destas pessoas
pode regressar ao país, quando quiser, e aqui se defender, se for o
caso, na forma da lei. As repartições consulares brasileiras, por
solicitação dos interessados, vêm concedendo invariavelmente
‘títulos de nacionalidade’, válidos para viagem de regresso ao Brasil,
o que tem ocorrido com crescente freqüência.”
500
O exílio constitui forma radical de exclusão política. De novo lançando mão de
categorias arendtianas, ele deveria significar a perda total de referências políticas e
do direito de pertencer a algum tipo de comunidade organizada, a privação do
espaço da ação e do discurso e, consequentemente, a negação da possibilidade de
luta pela liberdade.
501
A privação do discurso deve ser entendida também na sua dimensão literal, já
que envolve a perda da própria língua materna, um dos mais poderosos fatores de
identidade e pertencimento. Nas palavras de Herberth Daniel: Exílio. O medo de
perder a língua, confundir-se na palavra, confundir as nascentes do próprio tempo.
Desterro da alma: uma geografia?”
502
500
O Estado de S Paulo, 18 de fevereiro de 1978, “Falcão nega existência de exilados” (1ª página), “Governo diz
que não há brasileiros exilados” (p. 10); Folha de S Paulo, 21 de fevereiro de 1978, “Governo esgotou o tema de
exilados”, p.6; Jornal do Brasil, 18 de fevereiro de 1978, “Sem documentos(Editorial); Jornal do Brasil, 19 de
fevereiro de 1978, “Planalto decidiu questão que permite retorno de exilados”, p. 4; Jornal do Brasil , 21 de
fevereiro de 1978, “Assessora de Falcão condena quem saiu em turismo e se diz apátrida”, p. 4; Estado de
Minas, 18 de fevereiro de 1978, “FALCÃO: SÓ HÁ 128 BANIDOS BRASILEIROS EXILADOS” (manchete),
“Governo desmente a existência de 10 mil exilados brasileiros”.
501
ARENDT, Hannah, Origens do totalitarismo, p. 330.
502
DANIEL, Herbert. Passagem para o próximo sonho. Petrópolis-RJ: Vozes, 1982, p. 145. Herbert Daniel pode
ser considerado, junto com Theodomiro Romeiro dos Santos, o último exilado em Paris. Não foi contemplado
pela anistia, sequer por algum indulto: sua última pena prescreveu em maio de 1981, mas pode retornar no
final do ano. Foi este trecho que inspirou o título deste subcapítulo. V. tb.: ROLLEMBERG, Denise. “Exílio:
refazendo identidades”. In História oral, número 2, junho de 1999, p. 45.
234
Os exilados, no entanto, souberam desconstruir este quadro de desolação ao
transformar a dor, o desenraizamento, o medo, o sentimento de derrota e desalento
em capacidade de luta. Eles não se querem vítimas: são combatentes.
503
Pela sua atuação, em trajetória cheia de contradições e percalços, o exílio
acaba se tornando espaço de denúncia da ditadura e locus privilegiado de ação
política de grande eficácia, como testemunha mais uma vez Almino Affonso:
“Os [exilados] que chegam, desde as lideranças mais
renomadas aos cidadãos menos conhecidos, todos trazem ao peito
a medalha da Resistência. O exílio não foi, meramente, o abrigo
contra a brutalidade da repressão. Da militância de exilados partiu a
denúncia contra as torturas e os assassinatos, levantando a opinião
pública internacional contra a ditadura, justo quando ela, em triunfo,
espojava-se no chamado ‘milagre econômico’. Por todos os meios
ao alcance (editando seus próprios jornais, publicando livros,
fazendo conferências, batendo às portas da ONU, logrando a
instalação do Tribunal Bertrand Russel 2º), os exilados não deram
tréguas ao regime.”
504
De fato, os exilados, ou, mais precisamente os banidos logo, a esquerda
armada são os primeiros a denunciar em todos os lugares possíveis os crimes da
ditadura militar brasileira. Ainda no final dos anos 60 e início dos anos 70, as trocas
de prisioneiros políticos por diplomatas seqüestrados por comandos guerrilheiros -
verdadeiros golpes de mestre, na avaliação de Jacob Gorender
505
- inauguram em
grande estilo e com muito estardalhaço o que virá a ser o eixo principal da luta dos
exilados brasileiros: a denúncia das torturas, mortes e desaparecimentos políticos -
o terrorismo de Estado em vigor no país. As atrocidades do regime são expostas, ao
vivo e em cores, mobilizando a mais ampla cobertura da mídia internacional, como
503
ROLLEMBERG, Denise. Entre raízes e radares, p. 39-40.
504
Folha de S Paulo, 6/9/1979, O Exílio na Própria Terra” (Almino Affonso). V. tb. ROLLEMBERG, Denise, op.
cit., sobretudo cap.8 “Desmascarando a ditadura: eu acuso!, p. 229-259.
505
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas, p. 168.
235
testemunha Apolônio de Carvalho, um dos quarenta trocados pelo embaixador
alemão, em junho de 1970:
“...às 11 horas, meia-noite, com o aeroporto aberto e seus
grandes salões de recepção, com a imprensa, com a rádio, não
da Argélia, mas dos países vizinhos, do continente europeu.
Ingleses, franceses, italianos, alemães, holandeses e
escandinavos... E, naturalmente, uma verdadeira festa, com a
chegada dos elementos que acabavam de ser trocados pelo
embaixador alemão. De um lado, o lado chocante para o europeu, o
desrespeito a uma figura diplomática.(...) Do outro lado, uma
curiosidade imensa em ver aquela massa de jovens, com moças,
inclusive Vera Sílvia numa cadeira de rodas. E o desejo muito
grande em saber que país era esse, que gente era essa e que luta
era essa que aparecia na Argélia num momento desses.”
506
A reação da ditadura vem instantânea e violenta, logo depois do primeiro
seqüestro (setembro/1969). É Jacob Gorender que relata:
O seqüestro do embaixador dos Estados Unidos foi a
primeira operação do gênero no mundo, na história da guerrilha
urbana. Mas houve o preço a pagar da intensificação da repressão
ditatorial. Para os presos libertados, a Junta Militar criou a pena de
banimento. No dia 19 de setembro o Ato Institucional 14 estabeleceu
as penas de morte e de prisão perpétua em tempo de paz,
destoantes da tradição jurídica brasileira. No dia 28, o Decreto -lei
898 pôs em vigor nova lei de segurança nacional, para a qual o
adjetivo draconiano chega a ser ameno. Afastada a corrente
palaciana favorável ao abrandamento do regime, a Junta promulgou,
a 17 de outubro, a Emenda Constitucional 1. Implicitamente, a
Emenda revogou a Constituição de 1967 e impôs nova Constituição,
cujo descarado discricionarismo se adequava à situação real de
completo fechamento da ditadura.”
507
Com os seqüestros, a guerrilha urbana revela os porões da ditadura para o
Brasil e para o mundo, mostrando ao mesmo tempo a face solidária e libertária da
506
ROLLEMBERG, Denise, op. cit., p. 95. V. tb.: CARVALHO, Apolônio. Vale a pena sonhar. RJ: Rocco, 1997,
pp. 209-212. Apolônio de Carvalho é fundador e militante histórico, primeiro do PCB, depois do PCBR, Apolônio
de Carvalho lutou contra a ditadura Vargas, tendo sido preso e expulso do Exército em 1935; em 1938, participou
das Brigadas Internacionais, lutando na Guerra Civil Espanhola contra o franquismo; em 42, lutou contra o
nazismo, como membro da Resistência Francesa; nas décadas de 60 e 70 combateu a ditadura militar brasileira,
foi preso, torturado e banido em junho/1970. Regressa ao Brasil em 1979 e em 1981 é um dos fundadores do
PT. Continua militando até hoje, do alto dos seus 90 anos.
507
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas, p.168-169.
236
sua luta: o objetivo é denunciar a repressão, reafirmar o direito de combater a
opressão e, sobretudo, salvar vidas de companheiros em situação de risco nos
cárceres políticos. Parece legítimo afirmar que, apesar da postura ideológica dos
seus protagonistas, - a questão da democracia decididamente não faz parte do
ethos da luta armada ou dos seus “pressupostos fundadores”
508
-, trata-se na prática
da primeira ação radical de defesa dos direitos humanos na história da luta contra a
ditadura no Brasil. É claro que o discurso então articulado pelos guerrilheiros está
muito distante da gramática dos direitos humanos a ser forjada anos mais tarde na
luta pela Anistia. O célebre Manifesto da Ação Libertadora Nacional e do MR-8
509
divulgado em rede nacional de rádio e televisão no desenlace do seqüestro do
embaixador americano, mostra-se impregnado do vocabulário próprio do foquismo, e
é, eloqüente e eficaz no seu caráter de denúncia e nas suas exigências:
“[...] A vida e a morte do Sr. Embaixador estão nas mãos da
ditadura. Se ela atender a duas exigências, o Sr. Elbrick será
libertado. Caso contrário, seremos obrigados a cumprir a justiça
revolucionária. Nossas duas exigências são:
a) A libertação de 15 prisioneiros políticos. São 15
revolucionários entre milhares que sofrem torturas nas prisões-
quartéis de todo o país, que são espancados, seviciados, e que
amargam as humilhações impostas pelos militares. Não estamos
exigindo o impossível. Não estamos exigindo a restituição da vida de
inúmeros combatentes assassinados nas prisões. Esses não serão
libertados, é lógico. Serão vingados, um dia. Exigimos apenas a
libertação desses 15 homens, líderes da luta contra a ditadura. Cada
um deles vale cem embaixadores, do ponto de vista do povo. Mas
um embaixador dos Estados Unidos também vale muito, do ponto de
vista da ditadura e da exploração.
b) A publicação e leitura desta mensagem, na íntegra, nos
principais jornais, rádios e televisões de todo o país. [...]
Finalmente, queremos advertir aqueles que torturam,
espancam e matam nossos companheiros: não vamos aceitar a
continuação dessa prática odiosa. Estamos dando o último aviso.
508
REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução faltou ao encontro. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 182.
509
Na verdade, foi da Dissidência da Guanabara, que partiu a iniciativa do seqüestro. A Dissidência assume o
nome de Movimento Revolucionário 8 de Outubro em homenagem aos companheiros da Dissidência de Niterói,
o MR-8 original, cujo desmantelamento havia sido anunciado pela repressão às vésperas do seqüestro.
GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas, p. 167.
237
Quem prosseguir torturando, espancando e matando ponha as
barbas de molho. Agora é olho por olho, dente por dente.”
510
Esta esquerda vai se metamorfoseando
511
no exílio ao longo da década de
1970, metamorfose que é multifacetada: às vivências, experiências, aventuras e
agruras do exílio e ao cosmopolitismo forçado que daí advém o apátrida é
fatalmente cidadão do mundo somam-se a derrocada definitiva da guerrilha no
Brasil e o inevitável, embora sempre travado, ainda não coletiva e formalmente
formulado, processo de autocrítica da luta armada.
512
É a esquerda temperada por este processo, pela convivência com o
republicanismo radical e libertário do Chile de Allende e pelo contato direto com o
legado de maio de 1968 na Europa, que se dispõe a enfrentar a questão da
democracia
513
e assume, agora sim, conscientemente, a defesa intransigente dos
direitos humanos e, na seqüência, da Anistia. Nesta mudança de foco, exercita outro
tipo de prática política e elabora outro tipo de discurso. Esta palavra de ordem
ontologicamente pacifista, universal por definição e internacionalista por vocação,
ajuda a rearticular um coletivo dilacerado pela derrota trágica de seu projeto e
atomizado pelas divisões históricas da esquerda brasileira. Promove também maior
interatividade entre os exilados e as esquerdas, os setores progressistas, as
entidades de direitos humanos e os militantes dos países que os acolheram.
514
Como aponta Denise Rollemberg:
510
Fonte REIS FILHO, Daniel Aarão et al. Versões e ficções: o seqüestro da história. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 1997, pp. 229/230.
511
É Denise Rollemberg que emprega a categoria metamorfose. ROLLEMBERG, Denise. Entre raízes e radares,
p. 35.
512
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas, sobretudo capítulo 28 “Estertores da esquerda armada e embriões
da autocrítica”. V. tb.: ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. A utopia fragmentada, p. 98.
513
LOPES, Rosalba. Luzes à esquerda: partidos e organizações marxistas brasileiras e a democracia.
Dissertação de mestrado, DCP-UFMG, 2001, p.88-90.
514
ROLLEMBERG, Denise, op. cit., p. 57 e 229-259. Bons indicadores da consistência dessa interatividade são a
representatividade das delegações estrangeiras no Congresso Nacional pela Anistia (v. cap.? desta tese) e a
própria realização da Conferência de Roma.
238
“O tipo de militância foi mudando, em um processo de
crescente valorização da defesa dos direitos humanos. As
associações de exilados se difundiram, mobilizando campanhas de
denúncia da ditadura. Houve um deslocamento de interesse de
países como Cuba e Chile para a Europa ocidental. A revolução em
evidência na primeira fase, aos poucos, cedeu lugar à temática da
democracia. Paris tornou-se a capital do exílio. Entretanto, a
revolução não estava completamente excluída de cena. Revista e
redefinida a partir da experiência no Brasil e na América Latina,
reavivou-se com os movimentos de libertação nacional dos países
africanos e com a Revolução dos Cravos em Portugal.”
515
A constituição do Tribunal Bertand Russel II “para a repressão no Brasil, Chile
e América Latina”, de abril de 1974 a janeiro de 1976 - sob a responsabilidade do
senador Lelio Basso - pode ser considerada o ponto chave desta nova fase da luta
contra a ditadura desde o exílio, iluminada pela questão dos direitos humanos. O
Tribunal se realiza em três seções - Roma, março/1974; Bruxelas, janeiro/1975; e,
de novo, Roma, janeiro/1976 como desdobramento do Tribunal Russel I, instalado
em Londres, em novembro de 1966 para o julgamento dos crimes dos Estados
Unidos no Vietnã, presidido por Jean Paul Sartre, com a participação de Basso
como relator.
Além do Brasil e do Chile, o Tribunal Russel II abrange Uruguai, Bolívia,
Argentina, Colômbia, Guatemala, Haiti, Nicarágua, Paraguai, Porto Rico e República
Dominicana. O Brasil, no entanto, ocupa lugar de destaque por dois motivos: foi de
um grupo de exilados brasileiros no Chile que partiu a idéia encaminhada a Lélio
Basso ainda em 1972 e posta em prática em 1974;
516
e, o que é essencial, a
ditadura brasileira é apresentada ao mundo não apenas como mais uma das
515
Idem, p. 57.
516
Discurso de Linda Bimbi, secretária geral da Liga Internacional para os Direitos e Libertação dos Povos,
Conferência Internacional pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, Roma, 29 de junho de 1979, p.2.
239
ditaduras do Cone Sul, mas como referencial e pólo difusor para toda a América
Latina de modelo que adota a tortura como política de Estado.
517
Esta prioridade e excelência da ditadura militar brasileira em termos de know-
how relativo à repressão política, legítimo “produto nacional de exportação” é
confirmada com orgulho pelo SISSEGIN (Sistema de Segurança Interna), em
documento secreto de 1974, divulgado por Carlos Fico, em livro de 2001:
Para todos os brasileiros que tiveram oportunidade de manter
contato com os oficiais de informação do exército argentino, chileno e
uruguaio, é reconfortante ouvir o testemunho desses oficiais que, ao
estudarem o nosso SISSEGIN, sentem que estamos certos e ficam
admirados de ser ele uma criação inteiramente nossa. O Chile e o
Uruguai adotaram em seus países um sistema semelhante ao nosso,
adaptados às leis e às peculiaridades existentes em cada um, deles.
Os resultados da contra-subversão e do contra-terrorismo são
evidentes nesses dois países. A Argentina continua a combater a
subversão e o terrorismo através de suas forças policiais e não tem
tido os êxitos esperados. Em que pese todas as medidas sócio-
econômicas, aliadas a outras de caráter liberal que a nação irmã vem
adotando.”
518
É a seguinte a avaliação da Fundação Lelio Basso sobre a importância do
Tribunal Russel II:
“[Ele] constituyó un laboratorio colectivo de análisis y de
reflexiones políticas. De la denuncia respaldada por una
documentación rigurosa de las violaciones sistemáticas de los
derechos humanos se dedujo el nexo entre la tortura elevada a la
categoría de instrumento de gobierno y las situaciones socio-
económicas subyacentes, poniendo de manifiesto los mecanismos
de dominación del sistema imperialista sobre los pueblos de América
Latina. Tomó cuerpo l a convicción de que tal sistema, tomando al
hombre como medio y al beneficio como fin, persigue una lógica que
conduce al sometimiento de pueblos enteros según el deseo de las
sociedades transnacionales. A la luz de estos criterios, la batalla por
los derechos humanos se purificado de los elementos
517
Discurso de Lida Bimbi... p. 5; Discorso Inaugurale del Presidente Lelio Basso alla Prima Sessione del
Tribunale Russel II Roma, marzo 1974. In Verso un Tribunale dei Popoli. Bologna, 24 giugno 1979, Fondationne
Internacionale Lelio Basso, p.32.
518
Sistema de Segurança Interna. SISSEGIN. Documento classificado como “secreto”. [1974?]. Capítulo 1, fl. 1.
Cf. FICO, Carlos. Como eles agiam - os Subterraneos da Ditadura Militar - Espionagem e Polícia Política. São
Paulo: Record, 2001, p. 135.
240
tradicionales de esse idealismo abstracto que reivindica para el
hombre la libertad y la dignidad independientemente de las
condiciones materiales y históricas que las hacen possibles.”
519
A noção de justiça e autoridade e a radicalidade da concepção de direitos
humanos que estão na base da proposta são as características que fazem a
diferença do Tribunal Russel II, o qual é desprovido de todo e qualquer poder ou
investidura do Estado ou dos organismos internacionais oficiais:
520
sua legitimidade
não emana do poder instituído, mas da defesa de valores universais, patrimônio
coletivamente construído pelos povos; os direitos humanos entendidos como direitos
dos povos, estão em processo de permanente construção consciente e coletiva e,
bem na linha arendtiana, são direitos historicizados e conquistados, não dados e
naturais
521
; as violações deles são compreendidas como crimes contra a
humanidade.
Linda Bimbi esclarece:
A obra do Tribunal Russel não é geralmente conhecida em
todos os seus aspectos. Não se tratou somente de denunciar, de
provocar reações na opinião pública e nas consciências; procurou-
se também influir sobre o Ordenamento Jurídico Internacional. As
sentenças emitidas não provocaram um juízo exclusivamente moral,
mas também jurídico. Primeiramente, segundo a cláusula Martens do
Tratado de Haia, para o direito internacional é criminoso tudo o que é
condenado pela consciência moral dos povos. Neste espírito, a
batalha do Tribunal Russel não foi somente política, mas também
jurídica; o caso do Brasil propôs a estudiosos do mundo inteiro novos
problemas de direito, que estão hoje confluindo no emergente direito
dos povos. [...] Das três sentenças (Roma 1974, Bruxelas 1975,
Roma 1976) apareceu claro que o Tribunal se encontrara diante de
regimes cientificamente estudados, que tinham atrás de si não um
velho aventurismo militar mas um centro organizativo de rara
eficiência e que tal centro se movia em função d e precisos
interesses econômicos. [...] O Brasil teve um papel importante na
519
Fundación Internacional Lelio Basso. Por el derecho y la liberación de los pueblos. Roma: Grafica Giorgetti,
novembre/1983, p.7.
520
MATARASSO, Leo. “Breve contribution a l’histoire du Tribunal Russel sur les crimes de guerre au Vietnam”. In
Verso um Tribunale dei Popoli. Bologna, 24 giugno 1979, Fondationne Internacionale Lelio Basso, p.16.
521
Lelio Basso, entrevista a La società, Bolonia, n. 19, diciembre 1978.
241
elaboração destes novos critérios de direito: os seus prófugos que
tinham constituído em Santiago do Chile um Comitê de denúncia da
repressão, se dirigiram a Lelio Basso em 1972 p ara que se
empenhasse em fazer renascer o Tribunal Russell para dar juízo
sobre a repressão no Brasil. Logo depois o Tribunal se estendeu a
toda América Latina e assim os acontecimentos históricos do povo
brasileiro tornaram-se simbólicos para todo o continente.”
522
O Tribunal vem a ser grande escola para os exilados brasileiros em matéria
de direitos humanos. Constitui também importante iniciativa de construção da
contramemória ao divulgar para o mundo os crimes praticados pelas ditaduras
latino-americanas e um pouco da história da resistência contra elas. A cobertura da
imprensa é enorme: fala-se em cerca de 10 emissoras de televisão e 180 jornalistas
dos mais diversos países.
523
Seus subprodutos mais importantes todos de iniciativa da Liga Internacional
pelos Direitos e Libertação dos Povos, leia-se Lelio Basso - são a proclamação da
Declaração Universal dos Direitos dos Povos (Argel, 4 de julho de 1976), a
constituição em Bolonha de um Tribunal Permanente dos Povos (23 de junho de
1979) e a própria Conferência de Roma pela Anistia no Brasil (junho/julho de
1979).
524
Depois dessa iniciação, portanto na perspectiva da luta aberta pelos
direitos humanos,
525
os exilados brasileiros se organizam em Comitês de Anistia por
todo o continente europeu: eles representam, afinal, o maior e mais importante
contingente diretamente interessado na medida e, como tal, devem investir o melhor
de suas energias para alcançá-la. A eles não interessa mais voltar clandestinamente
522
Discurso de Linda Bimbi, secretária-geral da Liga Internacional para os Direitos e Libertação dos Povos,
Conferência Internacional pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, Roma, 29 de junho de 1979, pp. 2-5; Discorso
Inaugurale del Presidente Lelio Basso alla Prima Sessione del Tribunale Russel II Roma, marzo 1974. In Verso
un Tribunale dei Popoli. Bologna, 24 giugno 1979, Fondationne Internacionale Lelio Basso, p.32.
523
ROLLEMBERG, Denise. Exílio Entre raízes e radares, p. 235.
524
Discurso de Linda Bimbi, p.5; International Leaguefor the Rights na Liberation of Peoples. Past activities and
programme. Rome; ITER, 1979, pp.12-16.
525
ROLLEMBERG, Denise. Entre raízes e radares, p. 246.
242
para o Brasil agora querem entrar pela porta da frente e recuperar legal e
integralmente os direitos que lhes foram usurpados.
526
É a luta pela Anistia que vai se constituir, então, como centro tático, ponto de
convergência da mobilização unificada dos exilados. Como fala mais uma vez
Fernando Gabeira:
“Não conheço em todo o período de militância na denúncia da
ditadura brasileira no exterior nenhuma palavra de ordem que tenha
nos unido tanto quanto a Anistia. De repente, e pela primeira vez,
sentávamos todos juntos: democratas liberais, cristãos, pessoas com
tendências socialistas e mesmo comunistas. Isto porque achamos
que o Partido Comunista tinha um importante papel a desempenhar
na luta pela democracia e na luta pela Anistia e que de forma
nenhuma deveríamos alijar do esforço comum uma força política que
era favorável à democracia no Brasil. Não sei se vocês perceberam
o alcance do que achamos. Nós achamos muito mais do que uma
palavra de ordem. Achávamos um modo de convivência, de ação
comum, enfim a maturidade política que em certos momentos faltou
na nossa história, com aquelas discussões intermináveis e
incompreensíveis que acabavam espantando todo mundo. (...)
Durante todo esse período fomos de alguma maneira seguindo os
rumos do Brasil, acompanhando o movimento no interior do país e
nos inspirando nele. Mesmo porque ficaria difícil convencer os
estrangeiros a nos ajudarem na luta pela Anistia se não houvesse
alguma coisa de importante aí. Pois é: a opinião pública internacional
é um peso enorme, mas não decide sozinha. O Congresso que se
realizou em São Paulo foi um marco importante, pois colocou frente
a frente as personalidades internacionais que se dedicam à
solidariedade com membros do movimento pela Anistia no interior do
país. Sem intermediários, diretamente, puderam trocar suas
experiências.”
527
Por ocasião da Conferência Internacional pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita
e pelas Liberdades Democráticas no Brasil a Conferência de Roma em junho-
julho/1979, estão constituídos 30 Comitês de Anistia no exterior, criados a partir de
1975, dirigidos por exilados brasileiros e, em alguns casos, também por
526
Idem, p.247.
527
GABEIRA, Fernando, op. cit., pp. 11-13.
243
personalidades locais:
528
Itália, Estocolmo-Suécia, Gotemburgo-Suécia, Lund-
Suécia, Malmo-Suécia, Ulm-Suécia, Upsala-Suécia, Noruega, Dinamarca,
Amsterdam-Holanda, Rotterdam-Holanda, Genebra-Suíça, Lausanne-Suíça,
Londres- Inglaterra, Paris-França, Berlim-RFA, Berlim-RDA, Colônia-RFA, Lisboa-
Portugal, Coimbra-Portugal, Funchal-Madeira, lgica, União Soviética, Hungria,
Argélia, Polônia, Nova York-EUA, Costa Rica, Ontario-Canada e México.
529
Atuam conjuntamente com estes comitês organismos de defesa de direitos
humanos e, de maneira mais orgânica, aqueles voltados especificamente para o
Brasil como o Comitê de Solidariedade com o Povo Brasileiro (Suíça), o Comitê de
Solidariedade França-Brasil (antigo Comitê de Defesa dos Presos Políticos
Brasileiros), a Associação pela Anistia Geral dos Prisioneiros Políticos no Brasil
(Suíça) e o Comitê Pró Amnistia Geral no Brasil / CAB (Portugal) quatro dos mais
atuantes. Estas entidades falam praticamente a mesma linguagem.
O Comitê de Solidariedade França-Brasil tem como finalidade:
“...Desenvolver na França uma ampla corrente de amizade e
solidariedade com o povo brasileiro com as seguintes bases: apoio a
todas as vítimas da repressão; difusão de informação sobre o
sistema de subjugação do povo brasileiro e sobre as diferentes
formas de oposição que se manifestam contra este sistema;
denúncia da cumplicidade do governo francês e da participação dos
trustes capitalistas franceses na exploração do povo brasileiro”.
530
Na mesma linha gramatical, o Comitê Pro Amnistia Geral no Brasil de Lisboa-
Portugal:
528
Informe de criação do Comitê Brasil pela Anistia, Paris-França, Paris, setembro de 1975.
529
Apelo à Nação, Roma, julho/1979, mimeo; Comunicado sobre a Conferência de Roma pela Anistia Ampla,
Geral e Irrestrita e pelas Liberdades Democráticas, Bruxelas, 6 de junho de 1979,p.3, mimeo; Anistia, órgão
oficial do CBA-RJ -n. 5- maio/junho/79, p.8, “Conferência Internacional pela Anistia”; Amnistia generale per um
Brasile libero e democrático. A cura della Rete Radié Resch di Solidarietà com il Terzo Mondo. Roma:
Tipolitografia ITER, p.30.
530
Bulletin du Comitê France-Brésil, maio de 1975, n.0, p. 2. Apud ROLLEMBERG, Denise, op. cit., p.245.
244
“As relações entre Portugal e o Brasil não podem restringir-se
ao quadro oficial, diplomático, acadêmico. Não podem andar ao
sabor das circunstâncias de tempo e fortuna; o podem ressentir-
se de dificuldades conjunturais. O passado comum, este falar na
língua de Camões e Rui Barbosa, e na língua de Machado de Assis,
de Eça de Queiroz, dá-nos mais do que condições de convivência
íntima dá-nos a consciência de uma comunidade que constitui
cimento de real fraternidade. (...) Quando hoje tomamos posição na
denúncia e condenação da repressão no Brasil, quando exigimos
uma ampla amnistia para os combatentes brasileiros da Liberdade,
quando exigimos que na nossa terra eles encontrem uma segunda
pátria, - estamos apenas a continuar o nosso próprio combate contra
o tentacular fascismo...”
531
Um dos mais destacados CBA’s da Europa é o Comité Pro Amnistia Geral no
Brasil/CAB, que é dirigido exclusivamente por personalidades portuguesas, mas tem
estrutura mista, envolvendo também brasileiros
532
; são criados núcleos em Lisboa,
Coimbra e no Funchal-Madeira. O CAB parece ter dinâmica muito semelhante
àquela dos CBA’s do interior.
533
A qualidade e quantidade de informações
veiculadas pelo seu jornal AMNISTIA cuja tiragem é de cinco mil exemplares
lançado em abril de 1976 sob a responsabilidade de Fernando Piteira Santos, Vasco
da Gama Fernandes e Frei Bento Domingues, é surpreendente: suas páginas
fornecem amplo painel das ações da ditadura militar brasileira e da luta política em
curso. A quantidade de boletins, panfletos, notas oficiais e convocatórias emitidos
revelam o ativismo da entidade e o envolvimento dos mais diversos setores da
sociedade, além de significativa penetração na imprensa.
534
A operosidade do
Comité Pro Amnistia no Brasil de Portugal talvez se explique pelo fato de que o país,
afinal, ainda está vivendo naquele momento um pouco do clima da Revolução dos
Cravos (abril/1974) que deu fim a uma ditadura que durara 48 anos: o ethos
531
AMNISTIA, Órgão do Comitê Pró Amnistia Geral no Brasil n.0 abril 1976, p.1.
532
Comité Português Pro Amnistia Gerla no Brasil, Assembléia Geral Resoluções, Lisboa, janeiro de 1976.
533
Relatório de Atividades elaborado por ocasião do aniversário do CAB, Lisboa, 25 de abril de 1977, ano
da Restauração da Democracia em Portugal. V. tb.: Anistia, publicação especial da Edição S.A., abril/1978, p. 44.
534
Exemplares do n. 0 (abril /1976) ao n. 6 (outubro/1977), de Amnistia.
245
antifascista adjetivo usual nos textos da entidade está muito presente na
sociedade. Além disso, a língua comum, uma parte da história compartilhada e a
importante colônia portuguesa existente no Brasil aproximam os dois países; e
Portugal, por sua vez, a partir de 1974 acolhe bom número de exilados brasileiros. É
o Comitê Pro Amnistia Geral no Brasil de Lisboa que empreende iniciativa pioneira
no sentido de articular os diversos CBA’s e representações de exilados brasileiros
espalhados pela Europa. Uma delas é a Semana de Solidariedade com o Povo
Brasileiro realizada na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa de 13 a 19
de abril de 1977 para marcar os “treze anos de ditadura e treze anos de resistência”
no Brasil. Trata-se de grande evento
535
que combina debates políticos e sessões
culturais, com o objetivo de denunciar publicamente os crimes da ditadura e a
divulgação da cultura brasileira.
É também o CAB que publica pela primeira vez, em livro de 1976
536
,
importantíssimo documento elaborado em fevereiro de 1974 numa reunião do
Comitê de Solidariedade aos Revolucionários Brasileiros, “que se reúne anualmente
em algum ponto do território nacional com a participação de diversos setores do
povo brasileiro, vindos de todas as partes do país”.
537
O documento é dedicado ao
Tribunal Bertrand Russel em reconhecimento à atuação do mesmo na luta contra a
ditadura no Brasil e contra todas as formas de opressão no planeta.
538
Trata-se de
descrição exaustiva dos órgãos do aparelho repressivo a partir dos seguintes
535
É ampla a cobertura da imprensa portuguesa: O Diário de Lisboa, 30/3/77, “Pro-Amnistia divulga semana de
solidariedade”; O diário de notícias, 31/3/77, In http://www.fmsoares.pt/PowerWeb/Dll/pwrwbext.dll/ consulta em
27/01/2008; “Semana de solidariedade com o povo brasileiro”; O Lisboa, 14/4/77, “Colóquio abre semana de
solidariedade com Brasil”; Extra, 15/4/77, “Semana de solidariedade com o povo brasileiro”; A Luta, 18/4/77,
“Semana de solidariedade; O Diário, 14/4/77, “Principiou a Semana de Solidariedade com o Povo Brasileiro”; O
Diário, “Semana de Solidariedade Missionário descreve experiência no sertão brasileiro”; A Capital, 19/4/77,
“Comício marca encerramento da semana de solidariedade com o povo brasileiro”; A Luta, 11/4/77, “A repressão
no Brasil em exposição de gravuras”; A Capital, 19/4/77, “Comício marca encerramento da semana de
solidariedade com o povo brasileiro”.
536
VENTURA, Maria Isabel Pinto (ed.). Dos presos políticos brasileiros Acerca da repressão fascista no Brasil.
Lisboa: Edições Maria da Fonte/Comitê Pro Anistia Geral no Brasil, 1976.
537
Apresentação do Relatório da Reunião do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil. In
VENTURA, Maria Isabel Pinto (ed.). Dos presos políticos brasileiros Acerca da repressão fascista no Brasil, p.15.
538
Idem, p. 15.
246
tópicos: esquema geral da repressão; Centro de Operações de Defesa Interna
CODI; instrumentos e métodos de tortura; mandantes de tortura, presos políticos
mortos e desaparecidos; torturadores e informantes. Os autores montam lista
inédita, pormenorizada e circunstanciada, de 442 torturadores e 24 métodos de
tortura aplicados pela repressão política no Brasil. Descrevem ainda a relação desta
com o empresariado nacional e multinacional. A segunda parte do livro contém
documento igualmente importante de outubro de 1975, com estrutura e teor
semelhantes ao anterior, assumido pelos 35 presos políticos recolhidos no Presídio
da Justiça Militar Federal de São Paulo (Barro Branco), contendo lista de 233
torturadores e relato minucioso de duas dezenas de modalidades de tortura - o
mesmo encaminhado pela Comissão Executiva Nacional ao legislativo e à
presidência da república em março de 1979.
539
Tão logo estes documentos vêm a
público, os CBA’s do exterior vão tratar de divulgá-los amplamente: eles começam a
correr mundo a partir do dia seguinte à sua publicação em Portugal. Aí, o documento
dos presos políticos vai ganhar a primeira página do semanário Expresso do dia 7
de fevereiro de 1976, antes mesmo do livro, que é do mês seguinte.
540
Aqui no
Brasil, contudo, eles passam a ser mais amplamente conhecidos em junho de
1978 e março de 1979, quando o Em Tempo tem a iniciativa de publicá-los nas
históricas edições de número 17 e 54, que obviamente foram apreendidas e
destruídas.
541
É o próprio semanário que coloca o que o levou a fazê-lo e as
conseqüências drásticas que advieram:
“Em junho do ano passado este semanário publicou o primeiro
listão de torturadores, com 23 nomes, elaborado em 1975 por 35
539
O Projeto “Brasil: Nunca Mais” da Arquidiocese de São Paulo atualiza todos estes dados e publica, em 1985,
a lista mais completa até hoje está e no seu Tomo II, v.3 Os funcionários.
540
Carta assinada por Marcelo Rebelo de Souza, diretor do Comité Francisco Pinto Balsemão, redator do
Expresso, agradecendo a publicação do documento. Lisboa, 19 de fevereiro de 1976.
541
Em Tempo, n. 17, de 26/6 a 2/7/1978 (lista dos 233), p. 3 -6 e n. 54, de 7/5 a 14/5/1979 (lista dos 442).
247
presos políticos que cumpriam pena em São Paulo. A única resposta
do poder foi a conivência e o acobertamento de três atentados de
grupos pára-militares de extrema-direita auto-intitulados GAC, MAC
e CCC. Nossa sucursal de Curitiba foi invadida e depredada,
recebendo nas paredes a inscrição pichada com spray: ‘Ala dos
233’. Pouco depois a mesma violência voltou a ocorrer em Belo
Horizonte, onde as inscrições anunciavam: ‘Vou e volto. A volta será
pior.’ E foi mesmo. Da vez seguinte, o terrorismo fascistóide deixou
uma bomba, dessas prá ninguém botar defeito, que pulverizou uma
máquina de escrever, arrebentou mesa e móveis, estilhaçou os
vidros de um carro estacionado a cinco metros de distância. [...]
...voltamos a divulgar novo listão [...] por acreditar que a luta por
liberdades democráticas em nosso país não pode prescindir da
exigência da desarticulação, do desmantelamento de todo o
aparelho, de toda máquina legal e clandestina, montada para
reprimir, torturar e em muitos casos matar os que fizeram oposição
ao regime nestes últimos 15 anos.”
542
Todos os Comitês de Anistia na Europa têm programas e princípios políticos
semelhantes, de resto os mesmos defendidos pelos CBA’s do interior do Brasil.
Além de constituírem canal de exercício direto da política enquanto tal e espaço
unitário de organização e mobilização de uma esquerda ainda fragmentada, estas
entidades funcionam como fator de articulação da ação e amplificação da
ressonância do discurso então adotado. Funcionam, sobretudo, como preservação
da memória de toda uma geração que a ditadura militar queria excluída
politicamente e eliminada, senão física, historicamente. E dessa quebra entre
gerações ocasionada pelo exílio, – a exclusão de personagens importantes da nossa
história da convivência das seguintes gerações, por um lado –, e por outro, a forjada
história oficial que vai se ouvir a partir de então , com a total proibição de se falar e
escrever sobre a histórioa imediatamente anterior , derivou uma memória
construída pelo instituído, que terá na luta pela Anistia, ação insistente de
descontrução desta e construção de uma memória de contrapoder.
542
Em Tempo, n. 54, p.5. “Dos 233 os 442”.
248
Preservação da memória de uma geração de militantes é este o papel da
densa imprensa criada então pelos exilados: Denise Rollemberg reconstitui cerca de
50 títulos os mais variados, incluindo desde órgãos oficiais de partidos, organizações
e tendências políticas até publicações artísticas e culturais voltadas para a
divulgação de trabalhos de exilados e presos políticos brasileiros.
543
Iniciativa importante voltada para o esforço consciente de preservação da
memória, talvez a primeira do gênero, é o projeto editorial do livro Memórias do exílio
Brasil 1964-1974
544
, patrocinado pelo Conselho Mundial de Igrejas. Seu conselho
editor é composto por Paulo Freire, Abdias do Nascimento e Nelson Werneck Sodré;
Pedro Celso U. Cavalcanti, Rubem Cesar Fernandes e Jovelino Ramos compõem o
comitê de redação. Trata-se de proposta de reconstituição do exílio em amplo
painel, como parte da história da militância política brasileira das décadas de 1960 e
1970, a partir dos depoimentos elaborados pelos próprios atores, respeitando a
heterogeneidade e diversidade inerentes a este tipo de experiência e a subjetividade
e individualidade de cada um dos depoentes. Este projeto tem como objetivos
declarados:
“Reunir memórias, documentos biográficos e reflexões de
brasileiros que passaram pelo exílio durante os anos 1964-1974;
expressar as mudanças de mentalidade propiciadas pelo exílio;
reduzir a dispersão de experiências acumuladas e que arriscam
serem perdidas; produzir documentos de valor histórico; incorporar a
experiência desta geração no exílio como parte positiva da cultura
do país.”
545
543
ROLLEMBERG, Denise. “A imprensa no exílio”. In: CARNEIRO, M. Luisa Tucci (org.). Minorias silenciadas, p.
451.
544
O livro foi publicado no Brasil pela Editora Livraria Livramento em 1978 em dois volumes.
545
Projeto editorial de Memórias do exílio Brasil 1964-1974, World Council of Churches, Genève-Suisse, 1975.
249
Outra iniciativa na chave do resgate da memória é o livro A esquerda armada
no Brasil 1967/1971
546
, Prêmio Testemunho 1973 da Casa de las Américas, de
Cuba. O livro relata em tom ufanista a experiência da luta armada no Brasil vista
como um conjunto de ações heróicas praticadas contra o inimigo poderoso, livro
importante na tentativa de reconstituição de uma parte da história da esquerda
brasileira e, sobretudo, de certa concepção de luta política.
A imprensa que está no exílio tem leitura própria do caráter de dupla face da
Anistia. Os CBA’s do exterior combinam o repúdio aos crimes cometidos pela
ditadura com a denúncia das insuportáveis desigualdades e iniqüidades sociais
geradas pelo modelo econômico em vigor no Brasil dos militares: repressão política
e opressão econômica são consideradas duas faces da mesma moeda; o milagre
econômico é visto como mais uma ilusão criada pela ditadura.
547
Também os
exilados querem a luta pela Anistia, mais ampla e popular possível, calejados que
estão pelo isolamento inerente ao vanguardismo do projeto que abraçavam ainda há
pouco - a luta armada direta, o foco guerrilheiro considerado agora equivocado e
que, pior, fora derrotado. O movimento pela Anistia no exterior tem consciência de
que para a causa ter visibilidade é necessária a constante criação de fatos políticos:
a inserção na mídia européia acontece efetivamente por ocasião de grandes
eventos como a realização do Tribunal Russel II, a repercussão do I Congresso
Nacional pela Anistia (São Paulo, novembro/1979), a troca de visitas entre o general
Geisel (1977) e o presidente francês Giscard d’Estaing (1978), a visita de rio
Soares, primeiro-ministro de Portugal, ao Brasil (1976); a Conferência de Roma, a
aprovação da lei de Anistia no Brasil. Essas oportunidades são sempre aproveitadas
politicamente o máximo possível, assim como as freqüentes campanhas de luta
546
CASO, Antônio. A esquerda armada no Brasil 1967/1971. Lisboa: Moraes Editores, 1976.
547
ROLLEMBERG, Denise, “A imprensa no exílio”, p.459.
250
organizadas pelos comitês do exterior. Na ocasião da visita de Geisel à França e à
Inglaterra, em abril/maio de 1976, a Associação Nacional dos Juristas Democráticos
divulga relatório de autoria do Dr. Jean-Louis Weil, advogado junto à Cour d’Appel
de Paris, contendo minuciosa e contundente análise da legislação e do aparelho
repressivo da ditadura militar. Aponta o texto, entre suas conclusões:
“Todo regime, toda ditadura procura legitimar-se e dar-se uma
aparência de legalidade aos olhos da opinião pública internacional e
da história. Mas rapidamente o próprio termo legalidade, sendo
antinômico, torna necessário renunciar às suas próprias leis e se
instala um ciclo sem fim que faz alternar, ao sabor dos
acontecimentos e da oportunidade política, a violência direta e brutal,
com a vontade aparente de uma normalização das instituições, não
passando de uma fachada provisória de violência institucional que,
esta, se mantém permanente”.
Jean-Louis Weil lança então, publicamente, duas perguntas ao general
Geisel, repercutidas pela imprensa e pelos comitês de Anistia em toda a Europa:
- “Porque se mantém a legislação e o Estado de exceção?
- ‘Porque continua o silêncio face à campanha pela Anistia
que, desde 1975, tanto no interior do país quanto no exterior, se
esforça por arrancar a amnistia geral para os presos políticos e o
regresso de todos os banidos e exilados?”
548
É intensamente rejeitada a viagem do general, pelos setores progressistas, as
esquerdas, os movimentos de direitos humanos na Europa. Dias antes da sua
chegada em Paris é divulgado comunicado conjunto assinado pelos: PSF, PCF,
Radicais de Esquerda, Frente Progressista (gaulista), CGT, CFGT, Federação de
Educação Nacional, Associação Francesa dos Juristas Democráticos, Movimento
Internacional de Juristas Católicos e CIMADE/Serviço Ecumênico de Solidariedade,
exigindo o cancelamento da visita do ditador. No Conselho de Paris, os
548
Jornal Expresso, Lisboa, 30/4/76.
251
representantes do PSF e PCF se recusam a recebê-lo. O Comitê Brasil pela
Anistia/CBA-Paris realiza comício e encaminha ao governo brasileiro carta de
protesto contra os crimes da ditadura, exigindo Anistia geral e irrestrita,
acompanhada de cindo mil assinaturas de personalidades como: os dois prêmios
Nobel, Francis Jacob e Alfred Kestle; os escritores Jean Paul Sartre, Simone de
Beauvoir, Julio Cortazar, Gabriel Garcia Marques; os cineastas Alain Resnais, Jean
Luc Godard, Louis Trintignant, Marie-Rose Nat; Monsenhor Riobe, bispo de
Orleans.
549
Na Inglaterra acontecem manifestações semelhantes; O Estado de São
Paulo publica lamentável entrevista concedida na ocasião à BBC de Londres pelo
embaixador Roberto Campos, quando, ao ser firmemente interrogado sobre torturas
e repressão no Brasil, responde com boa dose de cinismo: “As profundas
transformações sociais levadas a cabo no Brasil exigiram uma dose pequena de
violência, se comparada com outros países, que sequer executaram reformas tão
amplas”.
550
A vinda de Mário Soares ao Brasil em dezembro de 1976 primeira visita
oficial do governo português ao país depois da Revolução dos Cravos –, vai ser
motivo de manifestações de protesto contra a iniciativa do primeiro-ministro,
coordenadas pelo CAB / Comité Pro Amnistia Geral no Brasil de Portugal. Esta visita
se em momento particularmente difícil: ela praticamente coincide com o episódio
conhecido como o ‘massacre da Lapa’, ocorrido no dia 16 de dezembro, no qual
foram mortos três dirigentes do PCdoB por equipe do DOI-CODI do II Exército em
investida contra um aparelho do partido naquele bairro de São Paulo. São eles
Pedro Pomar, Angelo Arroyo e João Batista Drumond; outros doze foram presos e
549
Amnistia, Órgão do Comité Pro Amnistia Geral no Brasil, n. 1, Lisboa, maio de 1976.
550
O Estado de S Paulo, 4 de maio de 1976.
252
mantidos incomunicáveis. Pouco mais de dois meses antes, D. Adriano Hipólito,
bispo de Nova Iguaçu, havia sido seqüestrado e torturado pelo chamado braço
clandestino da repressão e, pouco depois, o padre João Bosco Burnier é friamente
assassinado pela polícia ao visitar a cadeia pública de Ribeirão Bonito, MS,
juntamente com D. Pedro Casádáliga. A opinião pública de Portugal estava
mobilizada em torno da repressão aos religiosos.
551
Além disso, desde a sua
fundação, o CAB desenvolve intensa campanha pelo repatriamento de dois cidadãos
portugueses presos no Brasil, Alípio de Freitas e José Duarte. Diz a nota do Comité,
reforçada pelas Comissões Estudantis de Apoio à Luta do Povo Brasileiro.
552
“Efetuou-se ontem a partida de Mário Soares para o Brasil.
Esta viagem não pode nos deixar indiferentes, uma vez que vem no
seguimento da política de aproximação que os dois governos
pretendem reatar desde o 25 de abril. (...) Atualmente milhares de
antifascistas sofrem as mais cruéis torturas nas celas da polícia
política brasileira. (...) Entre eles encontram-se Alípio de Freitas e
José Duarte cumprindo longas penas de prisão. (...) Até ao presente
momento a embaixada portuguesa no Brasil nada fez para a
libertação dos presos políticos portugueses. A libertação e
repatriamento destes corajosos portugueses deve constituir objetivo
premente para o governo na luta pela liberdade de todos os
antifascistas presos pela ditadura brasileira.”
553
A denúncia do assassinato dos três dirigentes do PCdoB no massacre da
Lapa tem repercussão não só em Portugal, mas em toda a Europa, se tornando uma
das principais campanhas da luta pela Anistia no exterior. Missão do Movimento
Internacional de Juristas Católicos, constituída pelos franceses Louis Joinet e S.
Petitti vem ao Brasil em fevereiro de 1977 para investigar o caso, chegando às
seguintes conclusões: a tortura continua a ser regularmente empregada contra
presos políticos no Brasil e o aparato que a sustenta se mantém intacto; os três
551
Diário de Notícias, 15/10/76, “Soares Não pode esquecer vítimas da ditadura”.
552
Comissões Estudantis de Apoio à Luta do Povo Brasileiro, “Apoiemos a luta do povo Brasileiro contra a
ditadura militar”, Lisboa, 14/12/76, mimeo.
553
“Viva a justa luta do povo brasileiro”, Amnistia Órgão do Comité Pro Amnistia Geral do Brasil , n. 3, dez. 1976.
253
dirigentes do PCdoB mortos em dezembro foram pura e simplesmente
assassinados, não havendo indício algum de troca de tiros ou resistência ao cerco
policial; a versão oficial do atropelamento de João Batista Drumond tampouco se
sustenta; todos os outros militantes presos na ocasião foram barbaramente
torturados. A missão é impedida de ver Aldo Arantes, provavelmente por ordem de
Sérgio Paranhos Fleury; Petitti é detido no aeroporto ao embarcar, tem confiscados
todos os papéis que havia reunido, além de seus documentos pessoais e a quase
totalidade dos seus pertences.
554
De volta à Europa, a missão desencadeia ampla campanha internacional de
envio de telegramas de protesto ao general Geisel, ao ministro da Justiça Armando
Falcão, ao comandante do II Exército Dilermando Gomes Monteiro, ao governador
de São Paulo Egídio Martins e às embaixadas brasileiras.
555
Manifestações de
repúdio à ditadura brasileira multiplicam-se na Europa. Três dirigentes da UNE
exilados– Jo Luís Moreira Guedes (1966-67), Luís Travassos (1967-68) e Jean
Marc van der Weid (1968-69) veiculam comunicado denunciando o massacre e
destacando a situação de Aldo Arantes, também ex-presidente da entidade na
gestão 1961-62. Diz a nota:
“Os sucessivos governos militares tentaram aniquilar o
movimento estudantil e a UNE que seguiam uma linha de oposição
firme ao regime. A lista das atrocidades cometidas contra os
sucessores de Aldo é longa. Dos 4 presidentes e 18 vice-presidentes
entre 1966 e 1973, 7 forma assassinados, 9 foram presos dos
quais 6 barbaramente torturados e 5 foram obrigados a refugiar-se
no estrangeiro. Podem-se juntar a esta lista centenas de nomes de
camaradas assassinados, milhares de outros torturados, presos,
exilados. Esta sinistra história de atrocidades demonstra claramente
o perigo que corre entre as mãos dos torturadores do regime. No
mesmo momento em que ele era preso, um outro dirigente
estudantil, João Batista Drumond era assassinado, assim como um
antigo deputado do PcdoB Pedro Pomar e um dirigente dos
554
Amnistia Órgão do Comité Pro Amnistia Geral no Brasil, n. 4, p. 2.
555
ROLLEMBERG, Denise. Exílio Entre raízes e radares, p. 257.
254
metalúrgicos de São Paulo Ângelo Arroyo metralhados pela
polícia do II Exército.”
556
Em Paris, entidades como o Comitê Brasil pela Anistia, a Anistia
Internacional, a CIMADE e a Justiça e Paz coordenam uma série de atividades e
divulgam alentado dossiê “Nova repressão no Brasil” - com denúncia do massacre
e o levantamento da situação dos presos e dos mortos e desaparecidos. O Le
Monde publica, em 25 de dezembro, nota de denúncia assinada por dezesseis
entidades de defesa dos direitos humanos.
557
Em Portugal, a Assembléia da
República chega a aprovar por unanimidade voto de protesto e pesar apresentado
pelo Partido Socialista, nos seguintes termos:
“A Assembléia da República, ao tomar conhecimento do
assassinato de três antifascistas brasileiros, Pedro Pomar, Ângelo
Arroyo e João Batista Drumond, na noite de 15 para 16 de dezembro
de 1976, e da prisão de outros doze, dos quais se conhece apenas a
identidade de seis, temendo pelo perigo que correm as suas vidas e
interpretando o sentimento do povo português, protesta contra esses
assassinatos e reclama a libertação de todos os presos políticos,
nomeadamente daqueles que correm, neste momento, o perigo da
tortura e o risco de morte.”
558
As denúncias veiculadas no exterior – chamadas pelo sistema de “campanhas
de difamação do Brasil e da Revolução de 64” - são sempre motivo de grande
constrangimento para a ditadura militar
559
que procura esvaziá-las a partir do
habitual diversionismo montado pela comunidade de segurança e pela comunidade
de informações. Segundo esta, tais denúncias o forjadas por esquema
esquerdista ilegítimo que dispõe de invejável esquema promocional na imprensa
556
José Luís Moreira Guedes, Luís Travassos, Jean Marc van der Weid, Comunicado de dirigentes da União
Nacional dos Estudantes do Brasil refugiados na Europa.
557
ROLLEMBERG, Denise, op. cit., p. 257.
558
Diário de notícias, Lisboa, 19/1/77, “Evocado o levantamento de 18 de Janeiro de 1934”; Comitê Pro Amnistia
Geral no Brasil, “Moção de congratulação com a Assembléia Nacional por sua unânime condenação aos crimes
políticos perpetrados no Brasil”, sem data.
559
FICO, Carlos, op. cit., p.197-204. V. tb.: FICO, Carlos. Reinventando o otimismo, pp. 46/47.
255
nacional e internacional criado por ardilosos inimigos do Brasil cheios de
revanchismo, como fica claro no seguinte trecho extraído de documento confidencial
do Serviço Nacional de Informações: “... os jornalistas comprometidos com as
esquerdas, deturpando fatos e utilizando-se de meias verdades, procuraram
sistematicamente incompatibilizar o governo com a opinião pública e denegrir a
Revolução de Março de 1964”.
560
O Tribunal Bertrand Russel II é objeto de um Relatório Especial de
Informações assinado pelo chefe do Cie.
561
Este documento considera o Tribunal
uma das principais iniciativas do “movimento comunista internacional” na linha das
“campanhas difamatórias”. A comunidade de segurança vai tentar neutralizá-lo em
articulação com entidades como a Sociedade Teuto-Brasileira, sediada em Bonn, a
ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), a AIR
(Associação Interamericana de Radiodifusão), a CAL (Confederação Anticomunista
Latino-Americana) e a SEPES (Sociedade de Estudos Políticos, Econômicos e
Sociais).
562
Todo este procedimento demonstra a preocupação compulsiva dos
militares com a preservação da própria imagem, sempre confundida por eles com a
“imagem do Brasil no exterior”.
Dois textos são apresentados, um pelo CBA-Paris, o outro pelo CBA de Lund-
Malmö/Suécia na Conferência de Roma
563
. Ambos rejeitam a Anistia parcial do
governo, defendem a Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, denunciam os crimes da
ditadura militar e exigem a punição dos responsáveis e o desmantelamento do
aparelho repressivo. O segundo, no entanto, é longo, escrito um tom acima, tem
caráter mais panfletário, destaca a importância da “classe revolucionária que
560
Serviço Nacional de Informações Agência Central, Apreciação especial n. 01/19/78. Data: 02 jan 78. Assunto:
opinião pública/retrospectivo de 1977 e perspectivas para 1978. Origem: AC/SNI. Difusão: CH/SNI. Cf.
D’ARAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso (org.). Dossiê Geisel. Rio de Janeiro: FGV, 2002, pp. 236-243.
561
FICO, Carlos, op. cit., p. 203.
562
Idem.
563
Jornal do Brasil, 28/de junho de 1979, “Conferência de Roma reúne cem brasileiros no exílio”.
256
conduzirá o processo de libertação nacional”, fala de socialismo e propõe a
assembléia constituinte.
564
O primeiro é mais curto, e se atém às questões, digamos
assim, regulamentares da luta pela Anistia e direitos humanos – é este o texto
escolhido para levar a posição dos exilados à Conferência.
565
Tanto quanto o conteúdo dos debates na Conferência de Roma, que a
qualifica como espaço político privilegiado é a composição das suas plenárias e
mesas, sobretudo do ponto de vista qualitativo: participam dos trabalhos cerca de
300 pessoas, entre elas pelo menos cem exilados
566
. A mesa redonda da noite de
29 de junho “Conjuntura política no Brasil” conta com componentes importantes,
são todos combatentes históricos da luta contra a ditadura, revolucionários
igualmente históricos de diferentes e divergentes tendências políticas, amostragem
altamente representativa do calibre daqueles que são considerados pelos militares
os inimigos principais a serem eliminados: Apolônio de Carvalho (banido, direção do
PCBR), Diógenes de Arruda Câmara (banido, ex-deputado por São Paulo à
constituinte em 46, direção do PcdoB, líder camponês em Pernambuco), Hércules
Correa (ex-deputado carioca, direção do PCB), Manoel da Conceição (um dos
poucos trabalhadores do campo exilados, liderança sindical rural do Maranhão),
Francisco Julião (ex-deputado, fundador e direção das Ligas Camponesas no
nordeste), Márcio Moreira Alves (ex-deputado carioca, estopim da crise do AI-5,
primeiro cassado pela medida).
567
Além destes, entre as personalidades brasileiras
no exílio listadas no programa da Conferência
568
estão Gregório Bezerra
569
(banido,
564
“Anistia e repressão política”, Documento aprovado pela Assembléia Geral de brasileiros exilados residentes
na região Lund-Malmo, Suécia, Lund, 24 de junho de 1979.
565
Carta dos Exilados, Roma, 28 de junho de 1979.
566
Jornal do Brasil. 28/6/78, “Conferência de Roma reúne cem brasileiros no exílio”.
567
Folha de S Paulo, 1º de julho de 1979, “As críticas dos punidos”.
568
Conferenza Internazionale per l’Amnistia e le Libertà Democratiche en Brasile, Roma, 28/29/30/ giugno 1979.
569
Participou do levante da Aliança Nacional Libertadora de 1935. Foi preso no dia do golpe de 1964, aos 70
anos: “figura querida de herói revolucionário, seu espancamento quase mortal pelo coronel Darcy Villocq Viana,
transmitido por televisão no dia de abril de 1964, provocou tremenda impressão no Recife e em todo o país.”
Foi trocado pelo embaixador americano em setembro/1969. GORENDER, Jacob. Combate nas trevas, p. 168.
257
deputado constituinte em 46, líder comunista de Pernambuco) e João Amazonas
(direção do PCdoB). estão, portanto, três dos oito brasileiros considerados
definitivamente indesejáveis pela ditadura militar, formalmente impedidos através
de ordem expressa do Itamarati às embaixadas - de obter passaporte ou título de
nacionalidade e proibidos de entrar em território nacional mesmo depois da extinção
por decreto da figura do banimento, em 29 de dezembro de 1978: rcio Moreira
Alves, Francisco Julião e Gregório Bezerra.
570
Encontra-se ainda na plenária
representação importante da geração de 1968: pelo menos três ex-presidentes da
UNE - José Luís Moreira Guedes, Luís Travassos e Jean Marc van der Weid além
de Wladimir Palmeira,
571
grande liderança das mobilizações estudantis. É a primeira,
e provavelmente última vez, que um coletivo com estes integrantes se reúne para
discutir e fazer política abertamente interpares ou, como diria Hannah Arendt, para
comparticipar em palavras e atos. É também isto que, a meu ver, imprime caráter o
inédito ao evento. A Conferência Internacional pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita e
pelas Liberdades Democráticas no Brasil, assim, se desincumbe a contento da
tarefa assumida pelos seus organizadores - “pressionar moral e politicamente a
ditadura militar” -, firmando em alto e bom som posição unitária inequívoca contra o
projeto de Anistia parcial no momento mesmo em que este dava entrada no
Congresso nacional. O encerramento é fulgurante, marcado pela aprovação por
aclamação do documento final e, sobretudo, por aplausos de 5 minutos após a
leitura de mensagem telegráfica, procedente de Manágua, de solidariedade à luta do
povo brasileiro pela Anistia e pela democracia, assinada pela Frente Sandinista de
570
Os outros cinco são: Luiz Carlos Prestes, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Paulo Freire e Paulo Schilling. Jornal
do Brasil, 28/6/79, “O breve regresso dos oito indesejados”; Jornal do Brasil, 3/de janeiro de 1979, “Banidos
podem voltar mas não ficam livres das penas”.
571
O primeiro é exilado, os outros três, banidos: Luís Travassos e Wladimir Palmeira foram trocados pelo
embaixador americano em 1969 e Jean Marc pelo embaixador suíço, em 1971.
258
Libertação Nacional
572
, com a revolução sandinista em pleno curso: a tomada de
Manágua acontece no mês seguinte, em julho de 1979.
O que é deixado um pouco a desejar na Conferência é o equacionamento da
situação imediata dos exilados e banidos. Como foi visto, o houve espaço para o
tema nas sessões ordinárias ou nas comissões de trabalho. A delegação dos CBA’s
do interior e representantes dos exilados tratam, então, de organizar reunião
paralela para discutir o assunto, realizada no dia 30 de junho na sede da Liga, onde
basicamente discute-se o seguinte: quanto ao aspecto político a importância de
uma volta coletiva organizada e a necessidade de intensificar a pressão sobre as
embaixadas brasileiras para viabilizá-la; quanto aos aspectos práticos a
necessidade de manter uma estrutura organizativa Europa Brasil para cuidar dos
pontos operacionais e garantir condições de asilo.
573
Trata-se de questão fundamental no movimento pela Anistia: o retorno de
todos os exilados é um dos três eixos que articulam o centro da mobilização, uma
das raison d'etre da luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. Os outros dois eixos
são a libertação de todos os presos políticos e o esclarecimento circunstanciado
sobre os mortos e desaparecidos políticos acompanhados da punição dos
torturadores, o fim da legislação de exceção e o desmantelamento do aparelho
repressivo. Todos os presentes na Conferência têm clareza disso e, sobretudo,
constituem parte diretamente interessada mais ainda os exilados, que os
representantes dos CBA’s do interior. Os comitês que atuam na Europa mostram-se
cautelosos em relação à volta dos exilados ao país antes da promulgação da lei de
572
Jornal do Brasil, de julho de 1979, “Sandinistas pedem anistia ampla no Brasil”. O JB também publica na
íntegra as Resoluções da Conferência.
573
Reunião dos movimentos de anistia do Brasil aqui representados com todos os companheiros exilados,
Roma, 30 de junho de 1979.
259
Anistia. A Carta de Paris, representativa de consenso firmado por onze CBA’s em
reunião de agosto de 1978, estabelece que:
Os comitês e grupos de solidariedade, compostos em grande
maioria pelos refugiados políticos, decidiram coordenar sua ações e
tomar a palavra coletivamente uma vez que consideram legítimo que
se ouça a voz de algumas das pessoas mais diretamente
interessadas na Anistia. (...) A ação coordenada na luta pelos
passaportes, pela legalização de nossas crianças, pela denúncia da
violência policial no Brasil e apenas um passo no longo caminho que
os comitês de solidariedade começam a trilhar juntos. Com isto
pretendem responder de uma forma mais direta aos esforços no
interior do Brasil, certos de que nunca se esteve o próximo dos
objetivos da Anistia, mas que também, paradoxalmente, nunca um
momento político colocou tantas responsabilidades diante do
movimento, pois a grande lição dos povos é que a Anistia não se
ganha, Anistia se conquista através da unidade e da luta.”
574
A nota do CBA de Paris e o comunicado do CAB de Portugal ao I Congresso
Nacional pela Anistia, também representativos deste consenso, desmentem as
especulações da imprensa brasileira sobre uma possível volta em massa
575
e
afirmam que esta ocorrerá com a Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, considerando
temerárias sem descartá-las as iniciativas individuais por causa da ausência de
condições políticas favoráveis. Essa perspectiva acaba coincidindo com aquela dos
CBA’s do interior, principalmente a partir do Congresso de Roma, na iminência de
aprovação do projeto do governo.
576
574
Carta de Paris, Paris, agosto de 1978, assinada pelos comitês de Paris, Colônia-RFA, Suécia, Genebra,
Portugal, Itália, Argélia, Berlim Ocidental, Bélgica, Holanda, Dinamarca.
575
CAB/ Comitê Pro Amnistia Geral no Brasil. Moção de apoio do Comitê Pro Amnistia Geral no Brasil-Lisboa,
[ao Congresso Nacional pela Anistia] Lisboa, 18 de outubro de 1978. Até o jornal Em Tempo, na sua edição n.
20, 17 a 23 de junho de 1978, abre manchete sensacionalista anunciando a volta em massa dos exilados no mês
seguinte, sem dar seqüência ou conseqüência à matéria. Apenas na sua edição de n. 33, de 6 a 22 de outubro
de 1978, ele volta ao assunto, já veiculando a situação real dos exilados e o seu posicionamento sobre o retorno
ao Brasil, em matéria assinada por Nilton Santos, gaúcho exilado na França, membro do CBA-Paris.
576
Carta de Paris, Comitê Brésil pour l’Amnistie, Paris, agosto de 1978; CBA-RJ, Informe de Eny Moreira e
Iramaia Benjamin sobre a posição dos exilados no exterior, setembro/ 1978; carta de saudação ao I Congresso
Nacional pela Anistia assinada pelo CAB, Lisboa,18 de outubro de 1978. V. tb.: Tribuna da Imprensa,
14 de agosto de 1978, “Comitê pela anistia alerta aos punidos sobre os riscos da volta”; Folha de S Paulo, 31 de
agosto de 1979, “Volta dos exilados ainda não é maciça”; Folha de S Paulo, 22 de julho de 1979, “Os exilados
anônimos, nos depoimentos sobre a anistia, a proposta de retorno coletivo”.
260
A seguinte dificuldade é percebida pelo movimento: se a questão é
eminentemente coletiva e política, ela possui forte componente de caráter individual,
envolvendo escolhas de ordem particular, que dizem respeito também à esfera do
privado. O retorno significa resgate da possibilidade de lutar pela liberdade, mas
compreende também as vicissitudes da vida privada, as urgências da sobrevivência
material. O dilema envolve, portanto, a difícil dialética liberdade/necessidade logo,
a antinomia blico/privado - e vai se revelar como o grande fator complicador a ser
enfrentado pelos CBA’s. O quadro fica mais complexo com a conjuntura que se abre
em janeiro de 1979 marcada pelo fim do AI-5 e a queda do banimento.
577
O lado perverso desta medida é logo revelado: os 117 banidos que
permanecem no exterior deixam de -lo e tornam-se exilados, integrando-se ao
conjunto dos dez mil deles espalhados pelo mundo, continuando na condição de
apátridas como todos os outros.
Eles são classificados nas embaixadas em três categorias, para efeito da
emissão de passaportes ou títulos de nacionalidade espécie de salvo - conduto
com validade de 24 horas, válido exclusivamente para o desembarque no Brasil: a
primeira é composta por aqueles brasileiros definitivamente; a segunda é a faixa
vermelha, exilados cujo credenciamento é, no mínimo, problemático e depende de
estudos do SNI; e a terceira é a faixa cor-de-rosa que designa aqueles que, pelo
menos em princípio, teriam a documentação expedida sem maiores transtornos.
578
A partir da rigorosa triagem embutida nesta classificação, pode-se inferir
que se trata, na verdade, de uma prévia para a grande discussão da Anistia parcial:
577
O AI-5 foi revogado a 31 de dezembro de 1978; o banimento caiu por decreto, ainda com base no AI -5 a 29
de dezembro de 1978. Folha de S Paulo, 30 de dezembro de 1978, “Geisel revoga todos os banimentos”, p. 6;
Jornal do Brasil, 31 de dezembro de 1978, “Regime de AI-5 acaba à meia-noite de hoje” (manchete).
578
Jornal do Brasil, 4 de janeiro de 1979, “Exilados são divididos em grupo para obter documentos”; Última Hora,
4 e 5 de novembro de 1978, “As novas canções do exílio”; Movimento, 8 a 14 de janeiro de 1979, “Os ensaios da
anistia parcial”; O Globo, 4 de janeiro de 1979, “Ludwig desmente a negativa de passaportes”; Movimento, 5 a 11
de fevereiro de 1979, “Alguns exilados famosos”; Jornal do Brasil, 28 de junho de 1979, “O breve regresso dos
oito indesejados”; Jornal do Btasil, 3 de janeiro de 1979, “Banidos podem voltar mas não ficam livres das penas”.
261
o governo quer garantir o controle absoluto da situação compete exclusivamente a
ele determinar quem pode e quem não pode entrar. O que está na base da questão
é de novo a exclusão daqueles que participaram de ações armadas ou, no jargão
dos militares, aqueles que “cometeram crimes de sangue os mesmos a serem
excluídos do projeto de Anistia parcial. É com este entendimento que o Encontro
Nacional dos Movimentos de Anistia conclui:
“Tal exclusão não é acidental. O regime militar não pode
admitir como legítima uma oposição que se concretiza em formas de
luta violentas. Isto equivaleria a reconhecer que tais atos se
justificaram face a um regime que adotou e adota a violência, a
repressão e a tortura como formas institucionalizadas de atuação. Na
realidade, os excluídos do projeto do governo, não o são por suas
ações em si mesmas, mas sim por questões ligadas à própria
estrutura do regime.”
579
A situação dos banidos continua complicadíssima: todos aqueles que
voltarem serão presos e julgados, aqueles que não voltarem serão julgados à
revelia, depois de citados judicialmente. Todas as ações penais e condenações
existentes contra eles o reabertas por determinação do procurador geral da
Justiça Militar, Milton Menezes da Costa Filho. Suas penas, que haviam sido
suspensas no ato de banimento, passam a vigorar e o tempo transcorrido não vale
para fins de prescrição ou para qualquer outro efeito processual. em fevereiro de
1979, a Circunscrição Judiciária Militar divulgou lista de 70 banidos que tiveram
processo reaberto em São Paulo.
580
Informe da Comissão dos Exilados do CBA-RJ,
de março de 1979, a partir da análise de 22 casos de exilados e banidos que
retornaram entre outubro de 1978 e fevereiro de 1979, afirma que a ditadura reprime
579
3º Encontro Nacional dos Movimentos de Anistia, Documento-base sobre a questão dos exilados, MFPA-MG,
junho de 1979.
580
Jornal do Brasil, 13 de fevereiro de 1979, “São Paulo processa 70 dos 128 banidos do território nacional”, p.
7-8. E ainda: O Globo, 18 de março de 1979, “Juiz reabre processo contra onze ex-banidos”; Folha de S Paulo,
18 de maio de 1979, “Ex-banidos declarados como revéis”; Folha de S Paulo, 20 de junho de 1979, “Dois ex-
banidos são condenados”; Folha de S Paulo, 23 de junho de 1979, “Condenados 8 ex-banidos na Auditoria”;
Folha de S Paulo, 10 de agosto de 1979, “Dois ex-banidos são condenados”.
262
de forma diferenciada aqueles que têm processo, em gradação que vai desde a
mais brutal tortura é o caso de Ricardo Zarattini, que voltou clandestinamente no
primeiro semestre de 1978 até interrogatórios massacrantes seguidos ou não de
prisão. Todos, no entanto, passam de uma forma ou de outra, pelas mãos da
repressão. Apesar de tudo isto, a partir, sobretudo de janeiro de 1979, o desejo de
retornar ao país torna-se irresistível para os exilados:
"O exílio nos compele, estranhamente, a pensar sobre ele,
mas é terrível de experenciar. Ele é uma fratura incurável entre um
ser humano e um lugar natal. Entre o eu e seu verdadeiro lar: sua
tristeza essencial jamais pode ser superada. E, embora seja verdade
que a literatura e a história contém episódios heróicos, românticos,
gloriosos e até triunfais da vida de um exilado, eles o são mais do
que esforços para superar a dor mutiladora da separação. As
realizações do exílio são permanentemente minadas pela perda de
algo deixado para trás, para sempre."
581
Os ressentimentos gerados pelo exílio são bem mais do que um conjunto de
valores. Como adverte Ansart, pensado como ferramenta analítica, o ressentimento
faz parte de um sistema teórico que procura compreender as forças de oposição
presentes nos diversos tipos de relações interiorizados nos indivíduos e em seus
grupos: a dominação, a subordinação e a insubordinação que acompanham as
revoltas políticas e sociais, aquelas que fazem história e memória. O ressentimento
causado pelo exílio especificamente, uniu os exilados e banidos na banderia pela
Anistia, um impulso à transformação da realidade vivida. Exemplifico esta afirmação
com a fala de Fernando Gabeira, no dia de sua volta do exílio, quando diz:
“Foi muito emocionante aquela chegada. De repente, toda a
minha vida desfilou através dos rostos envelhecidos; companheiros
de trabalho, os de luta armada, os de cadeia e os de exílio; os
primeiros filhos dos amigos e os últimos, nascidos pouco tempo
581
NEGRI, Toni. Exílio – seguido de Valor e Afeto. São Paulo: Iluminuras, 2001, p. 15.
263
olhando assustados para aquele homem sendo carregado pela
multidão.[...].
Fora tão curta aquela chegada. Nos últimos anos, eu a
imaginava em vários ângulos. Mas tudo aconteceu de uma forma tão
diferente da fantasia! mesmo a roupa do corpo era a mesma que
imaginei. [...]. Francisco Nélson tinha razão no botequim do porto,
quando imaginava a volta como num filme. que era um filme
montado sem nenhuma preocupação cronológica. As coisas
aconteciam como acontecem na memória: aos saltos [...].
Meu passado estava quase todo no aeroporto. Mas e o meu
futuro? Qual seria o futuro[...]”?
582
Gabeira, em seu relato dá bem a dimensão do que é ficar fora do país e longe
dos seus durante um longo tempo. Ser exilado é, guardadas as proporções, o ser
nem daqui nem de lá, isto é, não ser de lugar nenhum. A representação do exílio
pode ser feita, então, por duas palavras: nostalgia ou esperança.
Os CBA’s buscam redobrar os esforços para garantir pelo menos a segurança
dos retornados no momento do desembarque, mas acabam atropelados pelos
acontecimentos. Os próprios exilados não têm como prever a volta com
antecedência: o salvo-conduto é obtido no próprio dia do embarque e, se munidos
de passaporte da ONU, a passagem é fornecida em cima da hora. Não se pode
perder de vista que são todos apátridas, portanto sans papiers: apenas uma minoria
ínfima consegue papéis brasileiros antes de embarcar, embora todos tivessem
direito a eles, uma vez que ninguém - nem mesmo os banidos - perdera legalmente
a nacionalidade brasileira.
583
A Secretaria Nacional de Exilados (SNE) se desdobra
como pode para garantir um mínimo de coordenação e controle da situação. As três
Comissões de Exilados (Rio, São Paulo e Minas) que a compõem, no entanto, se
desarticulam um pouco e acumulam certo desgaste ao longo deste processo.
584
582
GABEIRA, Fernando N. Carta sobre a anistia; A entrevista no Pasquim; Conversação sobre 1968. RJ:
Codecri, 1979, pp. 31/32.
583
Relatório da Comissão de Exilados do CBA-RJ sobre os problemas quanto ao retorno dos exilados,
fevereiro/1979.
584
Relatório da Secretaria Nacional de Exilados-MG/MFPA-MG, 7 de dezembro de 1979, assinado por Ângela
Pezzuti.
264
Nesse período também começam as jornadas dos CBA’s nos aeroportos e
rodoviárias do país, cujo ápice se dará depois da promulgação da lei de Anistia
parcial, em agosto de 1979. Estes lugares de trânsitoquase não-lugares – tornam-
se então importantes espaços de luta. Os retornados são recebidos com alarde
pelos movimentos de Anistia que garantem amplas comissões de recepção e a
devida mobilização da imprensa, condições imprescindíveis para a garantia da
integridade física dos companheiros exilados e clandestinos também estes
começam a emergir do terrível exílio na própria terra a que foram submetidos. Estas
jornadas representam notável exercício de contramemória: cada retorno de famosos
ou anônimos, mesmo quando individual e descoordenado, significa avanço no
processo de recuperação das lembranças de uma história de terror, de uma história
de luta, de uma história de vida. Representam também reencontro. O depoimento de
Apolônio de Carvalho é expressivo:
“A chegada ao Galeão é um dia de festa. Componentes ativos
do movimento de Anistia e militantes de esquerda vêm receber, com
saudade e entusiasmo, os combatentes de ontem condenados ao
banimento e ao exílio forçado. É um abraço amplo, sobretudo dos
que conhecera sob a noite sem estrelas da vida clandestina. E dos
que se somavam, neste intervalo, à resistência à ditadura militar. Na
ruidosa massa de amigos e de militantes que nos esperavam,
cruzam-se as bandeiras e os cartazes. Um desses, entretanto,
parecia a todos estranho: SEJA BEM-VINDO, “SEU’ IVO”, dizia ele.
Um Ivo que nenhum companheiro presente conseguiu identificar, e
que não fazia parte da lista dos exilados daquele dia. A explicação,
no entanto, era simples. A família Zótico Reis, de Niterói, comunistas
devotados, tinha me acolhido, depois do golpe de 64. [...] Durante
todo esse período, conheceram-me apenas por meu nome de
guerra: Ivo. Com meus cabelos brancos, virei “seu Ivo. Selamos
uma profunda e sincera amizade. Ela se expressaria mais uma vez,
na surpresa com que iriam marcar meu desembarque. A maneira de
fazer-se reconhecer fora aquela: uma evocação e uma mensagem
de amizade. Ela fundia, na diversidade das épocas, a fraternidade
comunista e a ternura familiar. (Seu Ivo, penhorado, agradece).”
585
585
CARVALHO, Apolônio. Vale a pena sonhar. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1997, p. 221.
265
Os CBA’s vão enfrentar o tempo todo dificuldades com a imprensa que, ao
tratar do assunto quem são os exilados, qual a sua luta - desliza sistematicamente
para postura no mínimo questionável quanto à luta armada. Uma das frentes da luta
pela Anistia é exatamente o debate blico e aberto sobre o tema: a resistência
armada é uma opção política e deve ser tratada como tal, não importa se
considerada equivocada ou não; guerrilha é diferente de terrorismo; os exilados,
banidos, presos políticos, mortos e desaparecidos são guerrilheiros, alguns deles
nem pegaram em armas; terrorista é a ditadura militar que institucionalizou a tortura,
adotando-a como método de governo, promoveu o obscurantismo cultural, instituiu a
pena de morte, criou a figura do banido e do desaparecido político e montou
gigantesco aparelho repressivo com o objetivo explícito de eliminar a oposição.
Quando se torna mais presente e premente a possibilidade de volta dos exilados o
debate fica mais acirrado. Exemplo gritante é a publicação no Jornal do Brasil, do
dia 14 de janeiro de 1979, em Caderno Especial de seis páginas, de informações
sobre os exilados provenientes diretamente dos arquivos da repressão cujas fichas
são cuidadosamente compiladas. OS BANIDOS ESTÃO CHEGANDO é este o
título do caderno. A matéria reproduz a versão oficial e o jargão policial-militar sem o
menor escrúpulo, como se fosse a verdade, e o faz sem conceder os devidos
créditos. O JB torna-se, assim, veículo de campanha de difamação desencadeada
pelo aparelho repressivo, como diz Carmela Pezzuti em sua carta ao jornal. Também
os CBA’s emitem críticas e notas de protesto.
586
Outro tipo de procedimento da mídia, menos truculento e ostensivo, mais
jeitoso, mas igualmente questionável, tem desdobramentos a hoje. Trata-se da
defesa veemente do direito de criticar, o que é correto e elogiável é até mesmo
586
Folha de S Paulo, 18/1/79, “CBA protesta contra matéria sobre banidos”.
266
questão de princípio. Na verdade, no entanto, o que se defende é o direito de criticar
sem ser criticado, ou seja, a mídia pode e deve criticar as esquerdas e as oposições,
mas se estas encaram a polêmica e refutam as colocações estão fazendo
patrulhamento ideológico. O neologismo, que é dessa época, foi cunhado para
designar esta insidiosa distorção que está na base da nossa moderna cultura de
criminalização do dissenso e parece ter vindo para ficar. o se pode perder de
vista que a imprensa é importante fator de sustentação do projeto de distensão/
abertura lenta, gradual e segura e as esquerdas seu alvo predileto constituem a
própria representação do dissenso que não pode ser tolerado. Caso típico desta
postura é a revista IstoÉ nº 151, de 14 de novembro de 1979. Sua chamada de capa
“PODE-SE CRITICAR OS EXILADOS?”
587
, matéria de Sílvio Lancellotti, verdadeiro
libelo desta inversão, segue a fala dominante: desqualificar os exilados, retratando-
os como dinossauros ou doidivanas e banalizando as suas formas de luta; e, ao
mesmo tempo, fazer o auto-elogio, alardeando que esta é a única abordagem lúcida
e inteligente possível. Meses antes, na mesma IstoÉ, Cláudio Abramo faz o
contraponto desta linha com muita ênfase e certa falta de paciência, em artigo
intitulado “Ben Bella, os exilados e os outros”:
“E não posso calar-me diante dessa imbecilidade criada pelos
oportunistas, e a que se deu o nome de patrulha ideológica, que
mascara apenas o dúplice sentimentos de alguns defroquês ante a
natural e indignada reação de gente que foi perseguida, punida,
cassada, caluniada, censurada, calada e sufocada durante muito
tempo e que, quando pode, vinga-se. Creio que quem quiser aderir a
quem quer que seja deve fazê-lo, mas o culpe ninguém por dizer
que aderiu. (...) Quem controla os jornais nesse país? Quem controla
a maioria das revistas? Quem controla a televisão, domina o rádio,
empregos? É por acaso a esquerda? Foi ela, por acaso, que
construiu a ideologia dominante, que orientou a construção dessa
sociedade tão injusta que me engulhos? Quem faz isto? São por
587
IstoÉ, 14 de novembro de 1979, p.4-7.
267
acaso as patrulhas ideológicas? Quem inventou essa expressão? A
quem interessa ter inventado essa expressão?”
588
Esta polêmica está na gênese da construção do que Daniel Aarão Reis Filho
chama de memória de conciliação, que tem feito bela carreira ao longo da
interminável transição controlada ainda em curso. O exemplo mais acabado é
Fernando Gabeira, ele próprio ex-combatente, e seu incontornável O que é isso,
companheiro?, onde a resistência armada dos anos 1960 e 1970 é concebida como
um conjunto de ações generosas mas tresloucadas, no limite da irresponsabilidade.
Daniel Aarão Reis explica:
Com o recuo da ditadura militar, e a abertura lenta gradual e
segura, vastos segmentos da sociedade queriam recuperar a história
agitada dos anos 60, mas na paz, na concórdia, sem revanchismos
estéreis, como aconselham os militares e os homens de bom senso.
No contexto da Anistia recíproca, não seria possível avivar a memória
sem despertar os demônios do ressentimento e das cobranças? Seria
como recordar esquecendo, esquecendo a dor. Não é para isto que
temos o recurso do humor?
589
O que está em jogo, mais uma vez é a disputa pela memória histórica:
memória de luta em oposição à memória de conciliação. A questão da luta armada
constitui um dos pivôs desta disputa. Ela ficará em evidência no episódio da greve
de fome nacional dos presos políticos brasileiros pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita
em junho/julho de 1979, que será vista a seguir.
588
IstoÉ, 2/5/1979, p. 27.
589
REIS FILHO, Daniel Aarão. “Um passado imprevisível, a construção da memória da esquerda nos anos 60”.
In: REIS FILHO, Daniel Aarão et allii. Versões e ficções: o seqüestro da história, p.35-36.
268
III CAPÍTULO
269
III.
A
.
“U
MA LEI CONTRADITÓRIA
,
IMPOPULAR E
EXCLUDENTE
A luta no Congresso, a luta pela memória
Em junho de 1979 foi formada uma Comissão Mista para elaboração de um
projeto de lei para a Anistia. Essa Comissão foi presidida pelo Senador Teotônio
Vilela, ex-arenista, convocado pelo MDB.
Durante a tramitação no Congresso
Nacional do projeto de Anistia parcial do governo, a discussão que coloca em pólos
opostos memória e esquecimento, manifestou-se claramente. Enquanto o governo
procura ganhar tempo e desorganizar a oposição, o movimento pela Anistia tenta
reverter o tempo disponibilizado a seu favor, retomando a ofensiva e ampliando o
espaço político através da sua capacidade de ação e da eficácia e fluidez de seu
discurso. A dinâmica movimento/memória - acaba revelando de maneira exemplar
os limites da chamada abertura/distensão lenta, gradual e segura a partir das
contradições do projeto oficial e do poder legislativo sob a ditadura militar.
Entenderemos que a iniciativa do projeto de lei foi resultado das pressões exercidas
pelo movimento da Anistia para que esta bandeira entrasse na agenda do governo.
Uma vez que a elaboração do projeto de Anistia era certa, a opção encontrada pela
ditadura para mascarar os seus arbítrios, se precaver contra os atos de
revanchismo, e beneficiar também os que torturaram e mataram em nome da
segurança interna, foi elaborar uma lei restrita e de ‘mão dupla’.
A combatividade e operosidade dos CBA’s e seus aliados obrigam o sistema
a reconhecer a sua presença, mas, como foi visto anteriormente, não o levam a
admiti-los como interlocutores. Todo e qualquer tipo de negociação continua
interditado não se pode perder de vista que a criminalização do dissenso constitui
270
elemento fundamental da política de normalização do regime, então em andamento,
cujo pressuposto principal é a construção da “neutralização moral de um passado
que de certo modo ainda era presente
590
.
Trata-se de manter o controle absoluto do processo nas mãos daqueles que
se pretendem donos da história, os mesmos que detêm o poder de outorgar a
Anistia, como determina a lógica do generoso consenso. O governo fecha questão
em torno de um discurso e um projeto cuja incapacidade para o diálogo é evidente.
Lanço mão, mais uma vez, das análises de Danielle Forget:
“No caso da Anistia, os discursos do governo evidenciarão o
primeiro aspecto, a saber, que a Anistia é um favor, um dom a ele
pertencente. Ora, um dom concedido projeta uma imagem da
relação entre os participantes: subentende uma posição de
autoridade da parte daquele que o outorga. O locutor se coloca na
posição daquele que faculta, permite e autoriza a Anistia. Por
conseguinte, ele é imediatamente associado à idéia de
generosidade, que, julgado pelas convenções, concede a Anistia
de bom grado. O papel atribuído a si mesmo pelo locutor comporta
conseqüências para o destinatário, colocado do ponto de vista
discursivo na posição daquele que deve favor ao locutor em troco da
graça recebida. Pode-se também constatar o empenho que
caracteriza, em termos discursivos, a relação entre os participantes
dos atos a conceder e receber”
591
.
O projeto oficial, articulado nessa linha da generosidade e da concessão vem
devidamente excludente como era esperado. Ele é encaminhado ao Congresso com
muito alarde no dia 27 de junho de 1979, em cerimônia transmitida por rede nacional
de rádio e televisão, com a presença de todos os ministros e governadores da arena
e de sua bancada na Câmara Federal e no Senado e com o devido boicote do
MDB.
590
O termo é de Irene Cardoso: CARDOSO, Irene. “Memória de 68: terror e interdição do passado”. Tempo
Social Revista de Sociologia da USP, v. 2., n. 2, 2º semestre, 1990, p. 103.
591
Idem ibidem, p. 138.
271
A estratégia do governo, baseada na equação
conciliação/compromisso/concessão
592
, começa logo a se mostrar impotente ao ser
afrontada pelo movimento pela Anistia. Como destaca Forget, em outro trecho:
“Os discursos se distinguem no vel dialógico: se a oposição
faz referências explícitas ao governo, o mesmo não ocorre com este
último. Reconhecemos a ausência de dialogismo explícito em
posição de desigualdade, do papel de dominação que assume o
governo ao se mostrar o articulador do projeto, ao negar a presença
da oposição e ainda todas as críticas emitidas por esta última. Tal
configuração do discurso testemunha as contradições do governo,
que se manifestarão durante o período de transição: o governo
admite a participação de atores políticos, mas não lhes concede um
espaço real, mesmo em termos discursivos. Não se pode confundir
expressão com participação. A participação é recusada à oposição
na elaboração do projeto de Anistia. (...) Apesar de tudo, o governo,
em seu discurso, não consegue manter ao longo do debate a
distância pretendida com o discurso da oposição. Uma oposição
unida a uma posição discursiva bem característica confronta o
governo. (...) Ela rejeita o projeto do governo associando-o à
negativa de seu ideal e, de maneira mais eficaz ainda, recusando-
lhe a denominação ‘Anistia’. Apesar da tentativa de o governo
apresentar o aspecto positivo da Anistia, o emprego de formas
restritivas traem os limites impostos à formulação do projeto.”
593
Os pontos apontados por Forget o tão radicais que caracterizam até
mesmo a relação entre o executivo e os próprios pares, no caso os parlamentares
da ARENA, sua base de sustentação no debilitado, descaracterizado e domado
Congresso Nacional. Também a eles é negada qualquer perspectiva de iniciativa
política qualquer desejo de autonomia. se apresentam questões importantes: o
próprio dispositivo parlamentar da ditadura é alvo do mais rígido controle, o que
descaracteriza o espaço em questão. É o que diz a seguinte análise de O Estado de
S Paulo:
Enquanto o MDB pôde pelo menos deixar clara sua
insatisfação [quanto ao projeto de Anistia enviado pelo governo ao
592
FORGET, Danielle. Conquistas e resistências do poder, p. 138-139.
593
Id. ibid ., p. 158.
272
Congresso] não apenas por o se tratar de uma Anistia ampla,
mas por não ter tido a oportunidade de conhecer o projeto com
antecedência -, a Arena, onde muitos julgavam que a
democratização prometida pelo presidente Figueiredo iria permitir
que os políticos começassem a participar do processo, foi mais uma
vez obrigada a ‘engolir em silêncio’. Se a oposição teve meios de
fixar sua linha de conduta, negando o convite para comparecer à
solenidade do Palácio do Planalto, o partido do governo foi obrigado,
mais uma vez, a aplaudir uma medida na qual não teve a menor
participação. Por isso, principalmente nas alas mais liberais da
Arena, a sensação era muito mais de desânimo do que de euforia.
Enquanto os arenistas responsabilizam o ministro Petrônio Portella,
‘que não estaria fazendo qualquer esforço para ativar o diálogo do
governo com os políticos e consegue cada dia ficar pior com todo
mundo’, segundo um parlamentar fluminense, os oposicionistas
reúnem seu diretório para estudar como se comportar diante das
novas medidas políticas que o governo promete e que, certamente,
também serão adotadas à revelia de todos. (...) A indicação, por
exemplo, de um ‘duro’, como o deputado Ernani Satyro, para relator
da comissão mista que dará parecer sobre o projeto da Anistia, é
sintoma claro de que nenhuma tentativa de ampliação ou maior
liberalização da Anistia será tolerada.”
594
Assim, o caráter monológico do discurso oficial se realiza no projeto de Anistia
parcial, que expõe os vícios intrínsecos ao jogo parlamentar nos quadros do
generoso consenso e a falsa representação do simulacro de legalidade, a
embalagem cuidadosamente tecida pelo regime na busca de autopreservação. A
deficiência do poder legislativo é revelada pela Comissão Mista do Congresso
Nacional incumbida do estudo e parecer sobre o Projeto de Lei n. 14 de 1979-CN,
enviado pelo executivo ao legislativo em 27 de junho, que “concede Anistia e
outras providências,e na votação em plenário. Instaurada em 28 de junho de 1979,
a Comissão Mista tentou de diversas maneiras ampliar o conteúdo do projeto de lei
do governo. Foram apresentadas à Comissão Mista sobre a Anistia 306 emendas ao
projeto do governo, e graças às mobilizações algumas emendas foram acolhidas.
Não se consegue, no entanto, conter a mencionada invasão do espaço institucional
594
O Estado de S Paulo, 28 de junho de 1979, “Decisão é apenas da cúpula governamental” matéria da sucursal
do Rio, assinada por um certo C. L., p. 3.
273
pelo movimento instituinte, que vai se mostrar irreversível. O que se nas atas das
oito reuniões da Comissão Mista (realizadas entre os dias 2 e 16 de agosto de
1979)
595
e das três sessões conjuntas para discussão e aprovação da matéria em
plenário (21 e 22 de agosto de 1979)
596
leva à seguinte conclusão: por mais
paradoxal que possa parecer, durante a tramitação do projeto de Anistia faz-se
política no Congresso Nacional, apesar dele mesmo e de seu ambiente inóspito.
Estas atas, bem como toda a documentação recebida pela Comissão Mista e todo o
material produzido durante os trabalhos, estão transcritas literal e integralmente em
dois volumes (1.304 páginas) organizados por determinação do seu presidente, o
senador Teotônio Vilela. A obra foi publicada em 1982 pelo Congresso Nacional sob
o título Anistia. Trata-se de mais uma peça fundamental para a construção da
contramemória, registro do que aconteceu no parlamento no período de discussão e
votação do projeto de Anistia. Nas suas ginas é possível visualizar o
tensionamento instituinte/instituído que marca o processo. As palavras de Teotônio
Vilela no Prefácio à Anistia - do alto da autoridade e legitimidade conferidas pela sua
decisiva atuação na luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita - expressam bem este
tensionamento e também a coexistência das duas polaridades do termo Anistia
memória / esquecimento:
“Este livro vale pelo que representa como testemunho do
esforço democrático empreendido por todas as forças que
convergiram entusiasticamente para a planície da Anistia. Se é
verdade que essa planície se resumiu a muito pouco do espaço
requerido pelas correntes de pensamento amplo, geral e irrestrito,
nem por isso a campanha da Anistia perde de substância política e
humanística. Com o selo da liberdade, foi o mais belo movimento
que se estruturou no país depois da instalação do arbítrio,
principalmente pela espontânea congregação de entidades civis e
parcelas descomprometidas da sociedade aberta no firme
compromisso de erguer os direitos da pessoa humana acima de
595
CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, v. I, p. 441-746.
596
CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, v. II p. 7-241.
274
desentendimentos e guerras, e firmar um pacto de esquecimento
capaz de gerar uma nova solidariedade pelo futuro. (...) Infelizmente
a Anistia não teve o alcance por s desejado. Tem o mérito de ter
desencadeado uma campanha em que ao menos a opinião pública
ficou sabendo de muitas verdades encobertas pela grossa
propaganda dirigida contra todos quantos se posicionaram pela
condenação ao movimento de março de 64. Muitas versões
tenebrosas foram desmascaradas e a memória de muitos
restaurada.”
597
O trecho de Teotônio Vilela, não deixa de mostrar o envolvimento dele próprio
com a luta pela Anistia “foi o mais belo movimento que se estruturou no país
depois da instalação do arbítrio”. Foi uma voz arenista que se voltou a favor da
Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. A greve de fome dos presos políticos e o
protagonismo dos Comitês Brasileiros de Anistia constituem fatores decisivos de
politização do jogo parlamentar: a presença física do movimento pela Anistia no
Congresso Nacional a partir do início de agosto, através da Comissão Executiva
Nacional/CEN, é respaldada pelas manifestações que garantem a mobilização
permanente no espaço que é o seu verdadeiro elemento, as ruas e as praças. Nos
dias 1º e 2 de agosto realiza-se reunião da Comissão Executiva Nacional em Brasília
e encontro com a bancada do MDB.
598
A representação dos CBA’s se mantém na sombra da Comissão Mista,
acompanhando todas as reuniões e deixando nas paredes a sua assinatura coisa
até então inédita naquele espaço -, o cartaz com a inscrição: “Não queremos
liberdade pela metade - ANISTIA AMPLA GERAL E IRRESTRITA!
599
597
CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, v. I, p. 11.
598
Jornal do Brasil, 2 de agosto de 1979, “Movimentos estão de plantão”; “Baianos realizam um ato público”,
“Gaúchos fazem manifestação”; Folha de S Paulo, 3 de agosto de 1979, “Comitês criticam Passarinho”, p. 5.
599
Folha de S Paulo, 2/8/79, “Tendência à rejeição no MDB”; Jornal do Brasil , 8/8/79, “Comissão Mista da
anistia visita presos. Jornal do Brasil , 3/8/79, “Movimentos dividem MDB”.
275
Arquivo da Fundação Perseu Abramo
Com o movimento pela Anistia dentro do parlamento - mesmo que os
resultados tenham sido relativos devido à dimensão dos obstáculos estruturais e
conjunturais - esta dinâmica qualifica um espaço desfigurado, concebido para ser
exclusivamente locus de legitimação institucional do regime a partir de lamentável
jogo de cartas marcadas, cuja tarefa essência seria a aprovação automática do
projeto do governo - sem qualquer questionamento, discussão ou retoques. Este
esquema é confrontado pelo MDB a partir da instalação da Comissão, no dia 2 de
agosto. A aprovação aclamada das visitas oficiais aos presos políticos em greve de
fome logo na primeira reunião, e o conteúdo dos relatórios das subcomissões que as
realizaram, constituem significativos exemplos desta situação.
Na segunda reunião (3/agosto), o senador Nelson Carneiro (MDB/RJ) propõe
a convocação de entidades representativas como o Conselho de Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana, a Associação Brasileira de Imprensa, a Ordem dos Advogados
do Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, “com a finalidade de que
possam trazer as suas contribuições, suas críticas, ou os seus aplausos aos
diversos dispositivos da lei.”
600
Se, por um lado, pode-se detectar a moderação
600
CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, v. I, p. 468, Ata da 2ª Reunião,
realizada em 3 de agosto de 1979.
276
inerente a esta proposta, uma vez que são elencadas apenas as entidades mais
toleráveis à institucionalidade, aquelas consideradas dialogáveis, por outro, o seu
princípio revela vontade política permeável aos movimentos sociais, sensibilidade a
suas solicitações, e disposição de manter o canal de abertura do espaço
parlamentar à sociedade civil organizada, principal ator do projeto em pauta. Como
reconhece o deputado João Gilberto / MDB, integrante da Comissão, referindo-se
também à luta política empreendida pelos setores mais combativos, inclusive os
movimentos de Anistia:
“O senador Nelson Carneiro quer, através da sua proposta,
exatamente consultar ainda mais e, adiante, na consulta, as forças
representativas, de uma forma ou de outra, da nação. Não basta
apenas o poder do Estado, seja de o próprio executivo, o legislativo
ou o judiciário, mas, neste assunto nós devemos estender o mais
amplo possível o sistema de consultas, para que a nação fale e fale
espontaneamente, não fale apenas pela sua representação
parlamentar, mas fale por todos os seus segmentos, por aquelas
entidades que a própria nação tem consagrado nesse tipo de luta.
Quem tem falado em Anistia? Quem tem lutado pela Anistia? Quem
ousava falar em Anistia, quando muitos que integram hoje esta
Comissão Mista, ou fazem discursos em louvor da Anistia em suas
tribunas, quando muitos desses faziam discursos contra a Anistia?
Quem defendia? Era a OAB, entidades religiosas, não a CNBB,
mas das outras religiões, eram entidades estudantis, entidades de
trabalhadores, representação da imprensa, especialmente a ABI, e
eram os movimentos que se organizaram especificamente para a
luta da Anistia. Então (...) devemos ouvir o mais profundamente
possível aquele setores, aqueles segmentos, aqueles organismos
que brotaram espontaneamente na luta pela Anistia na sociedade
nacional.”
601
O reacionarismo intransponível dos deputados e senadores da ARENA acaba
valorizando ainda mais, por contraste, a atuação da oposição. A principal
característica da atuação da ARENA, ao contrário, é a recusa sistemática de discutir
politicamente o que quer que seja - e a participar de qualquer reunião que extrapole
601
Idem ibidem, p. 477 (pronunciamento do deputado João Gilberto), Anexo à Ata da Reunião, realizada no
dia 3 de agosto.
277
regimentalmente o seu desígnio de homologar o projeto oficial. Para isto, usa, tanto
o recurso de tudo remeter a questões formais, tentando estancar o debate através
de manobras regimentais, quanto da pura e simples ausência deliberada. Sentindo-
se prejudicados pela hesitação inicial que permitiu a aprovação das visitas aos
presos políticos e com isto a ameaçadora invasão do parlamento pelo movimento
e pela memória instituintes os arenistas buscam na seqüência esvaziar,
desqualificar e hostilizar ostensivamente a própria Comissão Mista, deixando claro
que não a consideram instância legítima para qualquer deliberação que contrariasse
o que havia sido determinado em instância superior, ou seja, a própria presidência
da República.
Os parlamentares da ARENA, regidos pelo Ernani Satyro (relator do projeto) e
o pelo senador biônico Murilo Badaró (vice-presidente da Comissão), e são
instruídos diretamente pelo responsável pela formatação final do projeto do governo,
o ministro da Justiça, senador Petrônio Portella, de cujo gabinete o traçadas as
linhas de atuação na Comissão e em plenário. Tal monitoramento é feito como se
fosse procedimento normal, conforme notícia da Folha de S Paulo:
“As emendas a serem aceitas pela ARENA ao projeto
governamental de Anistia serão definidas em reunião, na próxima
terça feira, convocada pelo ministro da Justiça, Petrônio Portella,
com os líderes da maioria no Senado, Jarbas Passarinho; na
Câmara, Nelson Marchesan; o presidente do partido, José Sarney; e
o relator do projeto na Comissão Mista do Congresso, Ernani
Satyro.”
602
Mas o MDB se coloca diante dessa situação, denunciando com veemência na
reunião final da Comissão Mista pelo senador Pedro Simon (MDB-RS):
602
Folha de S Paulo, 11/8/79, “A ARENA selecionará as emendas à anistia”; Jornal do Brasil, 16 de agosto de
1979, “Petrônio encontra arenistas”.
278
“...Pelo contrário, toda a nação sabe e a imprensa noticiou
que o relator, que os líderes da ARENA, no gabinete do ministro da
Justiça, estudaram emenda por emenda e decidiram lá, sr.
Presidente, no poder executivo, o que podia ser votado aqui. (...)
Nenhuma da emendas um ilustre deputado ou senador arenista
achou necessário que pelo menos nos anais do Congresso figurasse
a argumentação pela qual rejeitavam. Rejeitavam pelo argumento da
maioria. E pelo argumento da maioria recusaram-se sequer a
debater com a oposição as causas pelas quais rejeitaram. É que as
causas são tão evidentes, a lógica é tão precisa de que eles
estavam cumprindo tarefa, cumprindo missão que, na verdade, não
havia razão nem lógica pela qual argumentar. (...) as emendas que
foram aprovadas foram aquelas que o sr. Relator trouxe quando
apresentou o seu relatório. Emendas que, todos nós sabemos, foi
após a reunião com o ministro. Daqui do debate não saiu nada. Isto
a história vai registrar.”
603
Assim, todas as propostas no sentido da ampliação, e ainda de ocupação do
espaço político, como a abertura à opinião das entidades representativas,
604
a
apreciação dos relatórios das visitas aos presídios,
605
a tentativa de ouvir o ministro
da Justiça, Petrônio Portella, autor do projeto oficial,
606
ou as reiteradas iniciativas da
oposição no sentido de criar clima de efetiva discussão, são derrubadas de maneira
sumária pelo boicote aberto ou pela folgada maioria numérica do partido do governo:
13 parlamentares contra 9 do MDB, sendo que destes apenas 8 votam, que a
presidência da Comissão (Teotônio Vilela) está impedida de fazê-lo. Para a ARENA,
aquele decididamente o haveria de ser lugar de se fazer política e sim de impor o
consenso, não importa através de que meios. Este fica evidente nos termos do
substitutivo do relator Ernani Satyro
607
aprovado na Comissão Mista, reprodução fiel
do projeto original do executivo. As poucas diferenças de conteúdo, todas elas
603
Ata da reunião, 16 de agosto de 1979. CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA.
Anistia, v.1, Brasília, 1982, p. 741-742. V. tb.: Jornal do Brasil, 5 de agosto de 1979, “Arena não quer ouvir
entidades”, p. 8.
604
Atas das e reuniões, 3 e 7 de agosto de 1979. CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE
ANISTIA. Anistia, v.1, Brasília, 1982, p. 467-518.
605
Atas das e reuniões, 9 e 14 de agosto de 1979. CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE
ANISTIA. Anistia, v.1, Brasília, 1982, p. 521- 556.
606
Ata da reunião, 14 de agosto de 1979. CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA.
Anistia, v.1, Brasília, 1982, p. 555.
607
CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, v.I, Brasília, 1982, p. 335-410.
279
autorizadas ou impostas por Petrônio Portella,
608
realizam a façanha de conseguir
piorá-lo, exceção feita à data-limite de abrangência que é ampliada de 28 de
dezembro de 1978 para 27 de junho de 1979. Duas delas se destacam: a inclusão
dos políticos que cometeram crimes eleitorais (art. 1º, caput),
609
que torna ainda
mais inaceitável a exclusão dos presos políticos; e o recurso esdrúxulo da
declaração de ausência a ser concedida aos familiares que conseguirem provar que
têm parentes desaparecidos (art. 6º).
610
Assim, o substitutivo do relator incorpora de
maneria geral, não o espírito, mas a própria letra do projeto do governo cujo
princípio se mantém ileso, acolhendo parcialmente apenas emendas inócuas de
redação, 67 de um total de 305.
611
O resultado de todas as votações é o habitual 13
a 8,
612
sempre a favor da ARENA, garantindo a rejeição de todas as emendas que
poderiam afetar ou mesmo, passar muito próximo do disposto no projeto de lei
enviado ao Congresso Nacional pelo presidente da República. Mesmo assim, a
dialética instituído/instituinte segue seu curso e nela tem papel de destaque a
consistente e contundente documentação recolhida, recebida e examinada pela
Comissão Mista certamente contra a vontade da ARENA -, passando, portanto, a
fazer parte dos anais da mesma e do Congresso, qualificando-o, desta forma,
também como depositário da contramemória construída pelo movimento pela
Anistia.
Outro exemplo da importância da relação instituinte/instituído implementada é
o estabelecimento de interlocução qualificada entre o movimento e o MDB - com
608
Folha de S Paulo, 23 de agosto de 1979, “As principais alterações”; Jornal do Brasil, “Congresso anistia os
crimes eleitorais”, p. 3.
609
Emenda 27, do deputado Ossian Araripe (ARENA/CE); emenda 238 de Hugo Napoleão (ARENA/PI); emenda
86 de Jorge Ferraz MDB/MG); e emenda 33, de Cunha Lima (MDB/PB): CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO
MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, v.I, Brasília, 1982, pp. 27-233.
610
Incorporação de parte da emenda 270, de Djalma Marinho: CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA
SOBRE ANISTIA. Anistia, v.I, Brasília, 1982, pp. 313 e 397.
611
V. índices das emendas oferecidas perante a Comissão Mista do Congresso Nacional: CONGRESSO
NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, v.I, Brasília, 1982, pp. 37-49.
612
Ata da 8ª reunião da Comissão Mista, realizada em 16 de agosto de 1979: CONGRESSO NACIONAL
COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, v.II, Brasília, 1982, pp. 655-746.
280
especial atenção para os presos políticos em greve de fome - abrindo espaço de
intervenção efetiva na construção do substitutivo a ser apresentado pela oposição e
na montagem da estratégia de plenário.
613
Assim é concretizada, finalmente, a
almejada Frente Parlamentar pela Anistia, deliberação do I Congresso Nacional pela
Anistia (São Paulo, novembro/1978).
O anteprojeto de decreto legislativo aprovado no Encontro Nacional dos
Movimentos de Anistia (Rio de Janeiro, junho/1979) é adaptado e apresentado à
Comissão Mista pelo autêntico Marcos Freire (senador pelo MDB-PE) a 2 de agosto
de 1979 através da Emenda 1 (substitutivo). As discussões, no entanto, evoluem,
e o MDB, de comum acordo com os CBA’s, os presos políticos e outras entidades
representativas, fecha questão em torno da Emenda nº 7 (substitutivo), de 9 de
agosto de 1979, assinada pelos deputados Ulisses Guimarães (presidente do
partido) e Freitas Nobre (líder da minoria na Câmara) e pelo senador Paulo Brossard
(líder da minoria no Senado).
614
O substitutivo do MDB passa a ser, então, o
instrumento unitário de luta de todos os setores mobilizados em torno da bandeira
da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. Dalmo Dallari, jurista da Comissão de Justiça e
Paz e João Paulo Sepúlveda Pertence, presidente da OAB, participam diretamente
da sua redação. Seus princípios fundamentais são os seguintes:
615
Anistia Ampla, Geral e Irrestrita;
rejeição da reciprocidade (art. 1º, par. 2º);
613
Folha de S Paulo, 2 de agosto de 1979, “Tendência à rejeição do MDB” e “Presos verão substitutivo”; Folha
de S Paulo, 5 de agosto de 1979, p. 7, “Projeto do MDB exclui torturadores da anistia” e “Presos políticos de São
Paulo podem fazer greve”.
614
CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, v I, p. 53-57 (Emenda n.1) e p. 71-
74 (Emenda n. 7).
615
Emenda n. 7, de 9 de agosto de 1979: CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA.
Anistia, v I, p.71-74. E tb.: Jornal do Brasil, 5 de agosto de 1979, “Projeto do MDB exclui torturadores da anistia”
e “Substitutivo do MDB não deixa ninguém nas prisões”. P.8; Jornal do Brasil, 10 de agosto de 1979, “Prazo para
emendar anistia termina hoje”, p. 2.
281
reintegração dos servidores civis e militares, com todos os direitos
garantidos (art, 2º);
aposentadoria integral em caso de invalidez definitiva (art. 3º, par.
Único) e pensão concedida aos dependentes em caso de morte (art.
4º);
readmissão dos magistrados punidos, mesmo o havendo vagas (art.
5º);
permissão das providências cabíveis nos termos da legislação penal
contra os servidores Anistiados que tenham praticado atos de
improbidade (art. 7º);
inclusão dos trabalhadores destituídos de cargos de direção sindical
(art. 9º) e reintegração dos empregados de empresas privadas
dispensados com base em atos institucionais ou complementares, por
participação em greve ou por qualquer outro motivo de ordem política
(art. 8º);
matrícula de todos os estudantes punidos com base no decreto-lei 477,
de 26 de fevereiro de 1969, e outros atos institucionais ou
complementares (art. 10, par. 1º);
proibição da utilização de informações do aparelho repressivo sobre o
Anistiado para impedir o exercício de qualquer um de seus direitos (art.
13)
garantia de emissão de passaporte para todos os brasileiros e do
registro civil de seus filhos nascidos no exterior (art. 14);
282
instauração de inquérito para apurar as circunstâncias dos
desaparecimentos políticos, mediante representação dos familiares
(art. 15);
concessão de declaração de morte presumida para os familiares dos
desaparecidos políticos (art. 16).
Entendemos que este substitutivo representa o avanço possível naquele
momento, levando em conta o fato de que foi assumido como “decisão unânime das
bancadas do Movimento Democrático Brasileiro no Senado e na Câmara dos
Deputados”,
616
frente política abrangente, cuja média pode ser caracterizada como
enormemente moderada, ou como foi dito aqui, abertamente reacionária. Mesmo
assim, trata-se de avanço significativo, inclusive em relação à primeira proposta
encaminhada pelos CBA’s (que deu origem à Emenda 1, de Marcos Freire). O
princípio desta a denúncia da “Anistia parcial, limitada, discriminatória e odiosa”
617
do governo é mantido no substitutivo do MDB, que incorpora também todas as
suas determinações e procura igualmente embutir a regulamentação no próprio texto
para que não haja subterfúgios ou protelações na aplicação da medida.
Sobre a questão dos mortos e desaparecidos políticos, esta é precariamente
contemplada: fala-se apenas vagamente de esclarecimento das circunstâncias dos
desaparecimentos políticos, mas não das mortes ocorridas; menciona-se a
declaração de morte presumida, recurso que parece insuficiente e questionável, não
muito distante da declaração de ausência do substitutivo da ARENA. quanto à
questão da tortura, esta é abordada de maneira bastante breve no par. do art. 1º.
616
Emenda n. 7, de 9 de agosto de 1979: CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA.
Anistia, v I, p.74.
617
Documento do 4º Encontro Nacional dos Movimentos pela Anistia “Anistia Ampla Geral e Irrestrita:
reafirmação do compromisso nacional”, São Paulo, 7 de julho de 1979, mimeo.
283
Este rejeita a figura da reciprocidade, sem, contudo, apontar quaisquer
desdobramentos, como a necessidade de apuração, responsabilização ou, pelo
menos, nomeação dos torturadores e assassinos de presos políticos: “Excetuam-se
dos benefícios da Anistia os atos de sevícia ou de tortura, de que tenha ou não
resultado morte, praticados contra presos políticos”.
618
No final, foi o substitutivo de Ernani Satyro que se tornou o substitutivo da
Comissão Mista, sendo aprovado por esta no dia 16 de agosto com o infalível placar
de 13 votos a 8, para a ARENA. Apenas duas mudanças dignas de nota são
registradas: a data-limite de abrangência é mais uma vez ampliada, passando de
27/6/79 para 15/8/79
619
e é concedida permissão aos políticos Anistiados para
ocuparem cargos partidários,
620
o que havia sido “esquecido” pelo relator.
621
É a
seguinte a declaração de voto contrário do MDB, lida pelo senador mineiro Itamar
Franco:
“...[como] defensores históricos da Anistia Ampla, Geral e
Irrestrita, lamentamos o substitutivo apresentado pelo partido do
governo, por suas notórias deficiências, incorreções e
incongruências. À luta da Oposição por uma Anistia absoluta,
somaram-se valiosas vozes de instituições respeitáveis, como a
OAB, a ABI e a CNBB, sem falar nas incontáveis entidades de
caráter popular e a nação está a exigir a pacificação da família
brasileira. A conjugação dessas forças pela mais ampla Anistia
obrigou o governo a enviar o projeto, embora o fizesse com
evidentes injustiças. Lamentavelmente, a maioria mostrou-se
insensível ao aperfeiçoamento do projeto. O parecer desconhece os
anseios do nosso povo, demonstrado até mesmo por emendas que
desprezou de parlamentares da própria ARENA. Seu substitutivo,
entretanto, encontra na clemência ao mapismo a sua grande
contribuição. A fraude dos poderosos teve acolhida, enquanto os
618
Emenda n. 7, de 9 de agosto de 1979: CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA.
Anistia, v I, pp. 69-74.
619
Proposta do senador Nelson Carneiro (MDB-RJ) Ata da reunião da Comissão Mista, realizada em 16 de
agosto de 1979: CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, volume I, p. 604.
620
Emenda n. 292, do senador Tancredo Neves (MDB-MG): CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA
SOBRE ANISTIA. Anistia, v I, p. 326.
621
Ata da 8ª reunião da Comissão Mista, realizada em 16 de agosto de 1979: CONGRESSO NACIONAL
COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, v I, p. 670. E tb.: Folha de S Paulo, 17 de agosto de 1979,
“Comissão mista aprova substitutivo arenista”.
284
presos políticos, em greve de fome, continuam como reféns. Excluir
da Anistia pessoas por terem sido condenadas é desconhecer a sua
natureza e a sua finalidade.”
622
É perceptível o fato de que se consiga chamar pelo nome apenas as “valiosas
vozes de instituições respeitáveis” deixando-se de fazê-lo no caso das “incontáveis
entidades de caráter popular”. Tal procedimento constitui padrão no discurso do
MDB durante as reuniões da Comissão Mista. Pode-se perceber certa dificuldade
em incorporar o movimento pela Anistia, apesar do imenso investimento neste
sentido por parte de alguns dos principais quadros da oposição. Este trecho revela
ainda tendência ao auto-elogio ao reivindicar para o partido o pioneirismo e a
prioridade na luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, o que não corresponde à
realidade. Quanto ao incontornável apelo à “pacificação da família brasileira”,
portanto, à conciliação e à unidade, não o que comentar, uma vez que fica claro
que esse discurso é parte essencial do repertório do MDB. A tática concebida
inicialmente pelo MDB propõe destaque para o substitutivo do partido para marcar
posição, uma vez que não haveria possibilidade aritmética de aprovação devido,
sobretudo à muralha intransponível levantada pelos 22 senadores biônicos, garantia
decisiva de vitória da ARENA; e, em seguida, destaque para a emenda do deputado
Djalma Marinho (Arena-RN), presidente da Comissão de Justiça da Câmara. Esta
emenda, de número 53, que na prática derrubaria as exceções da Anistia oficial,
teria alguma possibilidade de sucesso a partir da adesão de eventuais dissidentes
do partido do governo.
623
Ela estabelece o seguinte:
622
Ata da 8ª reunião da Comissão Mista, realizada em 16 de agosto de 1979: CONGRESSO NACIONAL
COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, v I, p. 672; Folha de S Paulo, 17 de agosto de 1979, “Comissão
mista aprova substitutivo arenista”.
623
V.: “Uma discussão sobre tática parlamentar com o Dr. Waldir Pires, ex-consultor geral da República no
governo João Goulart” e “Ulysses Guimarães, presidente do MDB, visita os presos políticos do Rio de Janeiro
(23º dia da greve de fome)”. In: VIANA, Gylney e CIPRIANO, Perly. Fome de liberdade, p. 159-160 e 163-164.
285
“Substitua- se os parágrafos 1º e 2º do artigo 1º por:
Parágrafo único. Consideram-se conexos aos crimes políticos,
para os efeitos da presente Anistia, além dos atos preparatórios e
complementares de crime político, os crimes de qualquer natureza
praticados por motivação política”.
624
De início, o movimento pela Anistia oferece resistência a este expediente por
não acreditar na viabilidade de sua aprovação e questionar o seu mérito,
considerando-o “forma enviesada” de estender a Anistia a todos, como dizem os
presos políticos da penitenciária Frei Caneca-Rio. Também é deles a síntese da
tática “mais radical” pensada pelo movimento:
“... que a ARENA e o regime aprovassem o projeto oficial,
sem os votos do MDB. E que o MDB trabalhasse em defesa de um
projeto substitutivo próprio, mais condizente com o ideário do partido
de oposição e condizente com os anseios populares. Porque não se
tratava apenas de suprimir o parágrafo 2 do artigo 1º, mas também
incorporar uma série de outras emendas parlamentares e
reivindicações populares, que não foram incorporadas ao projeto
oficial.
625
O que se considera mais mais importante, neste momento, é o investimento
do MDB nas mobilizações extraparlamentares em curso do que em negociações
internas de eficácia e conteúdo duvidosos. O maior problema da emenda em
questão, no entanto, é a confirmação da figura da reciprocidade, o que é destacado
com orgulho pelo seu próprio autor:
“[A emenda é] a única que efetivamente propunha uma Anistia
irrestrita. (...) O projeto da oposição não Anistiava os torturadores. O
projeto do governo não Anistiava parte dos terroristas. Era como se
cada lado protegesse a sua violência. Só minha emenda Anistiava
todos. E assim apagava o fato, o delito e a dolorosa história de anos
recentes.”
626
624
CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, volume I, p. 115.
625
VIANA, Gilney e CIPRIANO, Perly, op. cit ., p. 159.
626
IstoÉ, 29 de agosto de 1979, “O girondino Djalma” (Carlos Alberto Sardenberg), p. 11.
286
Prossegue:
“Tenho a Anistia como uma proposta de pacificação. É
iniciativa de inspiração política para fins políticos. O esquecimento
dos fatos, a amnésia coletiva, em relação ao passado, é da sua
essência e natureza. Perdoa-se a história. Não se perdoam os
homens. Apagam-se da memória coletiva os traços do conflito, os
marcos do radicalismo. A Anistia não importa em julgamento. A
abrangência é inerente ao conceito e a discriminação estranha aos
elementos que a constituem”.
627
O deputado faz questão de mostrar claramente o tom de conciliação da sua
proposta cujo valor, segundo ele, é a fabricação da amnésia coletiva (sic)! Se os
CBA’s e os presos políticos têm plena convicção da necessidade de repúdio à
Anistia parcial no plano parlamentar pelo voto,
628
o mesmo não se pode dizer do
MDB, que tem sérias vidas a respeito. Por pura cumplicidade ou por realismo
político muitos rejeitam a idéia de votar contra o projeto oficial em plenário. É
comum, por exemplo, o conjunto de argumentações a seguir, do autêntico Marcelo
Cerqueira, deputado federal pelo Rio de Janeiro e advogado de presos políticos. Ao
ser questionado se o MDB deve votar favoravelmente no projeto de Anistia do
governo, ele responde:
“Acho que deve. Se o governo mandar um projeto diminuindo
de um ano a pena de um companheiro, eu votaria a favor. Creio que
mesmo a Anistia parcial deve ser entendida como uma vitória,
também parcial, das forças democráticas. (...) Rejeitar a Anistia,
mesmo parcial, seria imaginar que quanto piores as leis, melhor para
a luta popular. Seria imaginar que o retorno do habeas corpus, por
exemplo, foi uma mera concessão do regime e que este instrumento
não vale na luta democrática. É considerar, sobretudo que esta
vitória parcial é dádiva generosa do regime, e não o resultado da luta
de todo o povo brasileiro na conquista de democracia e da justiça
social. A Anistia, tal como se apresenta, é uma vitória nossa. A
627
Estado de Minas, 21 de agosto de 1979, p. 2, “Pacificação”.
628
V.: Documento do Encontro Nacional dos Movimentos pela Anistia “Anistia Ampla Geral e Irrestrita:
reafirmação do compromisso nacional”, SP, 7 de julho de 1979; Relatório do I Encontro Nacional de atingidos,
RJ, 11 e 12 de gosto de 1979. E ainda: Movimento, 2 a 7/7/79, p. 8, posicionamento de José Genuíno Netto, ex-
preso político, membro do CBA-SP: “O MDB deve votar favoravelmente ao projeto de anistia parcial
encaminhado pelo governo ao Congresso?”.
287
unidade das forças democráticas de oposição irá conseguir, em
curto prazo, a Anistia absoluta.”
629
Durante o s de agosto, o MDB e o movimento pela Anistia acabam
convergindo para três posições, num primeiro momento, assumidas por ambas as
partes:
rejeição em plenário do substitutivo do relator, acompanhada de
declaração de voto, abrindo a perspectiva de aprovação posterior da
Anistia Ampla, Geral e Irrestrita;
afirmação pelo voto do substitutivo do MDB;
aprovação da emenda Djalma Marinho, que passa a ser aceita até
mesmo pelos presos políticos, uma vez que o substitutivo do MDB
seria fatalmente derrotado.
630
Cabe ressaltar, no entanto, que a absorção da emenda é consenso, mas não
é unanimidade no movimento: pelo menos o CBA de São Paulo se mantém
resistênte a ela por conta da questão da reciprocidade.
631
No entanto, a ARENA tem maioria no Congresso – são 231 deputados
arenistas contra 189 do MDB e 41 senadores contra 26 que é potencializada pelo
imbatível recurso extra dos 22 biônicos, cujo peso no Senado contornaria qualquer
acidente de percurso, resolvendo eventuais imprevistos de deputados arenistas na
votação na Câmara.
632
A carreira ascendente da emenda Djalma Marinho, contudo,
é tida como o novo grande complicador a ser neutralizado. Se, num primeiro
momento, o governo se considera garantido pela invencibilidade do seu dispositivo
629
Movimento, 2 a 7 de julho de 1979, p. 8
630
VIANA, Gilney e CIPRIANO, Perly, op. cit., p. 208; Estado de Minas, “MDB votará contra a anistia restrita”;
Folha de S Paulo, 23 de agosto de 1979, “Até o final, presos mantinham esperança”; O Estado de S Paulo, 22 de
agosto de 1979, “Arena decide fechar questão”, p. 4.
631
Estado de Minas, 22 de agosto de 1979, “Caravanas levam cartazes”, p.2.
632
O Globo, 22 de agosto de 1979, “Governo confia na maioria do Senado”; O Estado de S Paulo, 22 de agosto
de 1979, p. 4, “Arena decide fechar questão”.
288
parlamentar, a seguir passa a fechar o cerco e a questão: a sua própria base de
apoio se torna objeto de rígido controle, o que agrava o acirramento dos ânimos e a
polarização em torno da matéria. Esta atinge o ápice no dia da votação do projeto -
22 de agosto de 1979 acontecimento que reflete com nitidez o tensionamento
instituído/instituinte e as contradições do legislativo nos quadros da ditadura militar.
Em 21 de agosto de 1979, às vésperas do projeto de Anistia ser assinado, o
deputado Edson Khair do MDB do Rio inaugurava a sessão repudiando o projeto de
lei do governo:
“Hoje, inicia-se nesta casa a discussão do chamado projeto
de Anistia, uma flagrante injustiça ao termo Anistia. O governo
parece querer inovar em matéria de direito próprio (...) ao pretender
impor a este Congresso, que é o Congresso da aceitação, das
imposições, que é o Congresso que aceitou os ‘biônicos’, que é o
Congresso que tem aceitado todas as limitações (...). O governo
tenta impor uma Anistia singular (...) que inova na história da
humanidade e inova entre aspas, porque é uma Anistia que não
concederá liberdade a presos políticos.
633
Ainda às vésperas da decisão, questões da maior gravidade reforçam o clima
de radicalização, como a greve de fome da penitenciária Frei Caneca-Rio. Iniciada
em 22 de julho, atinge sua fase crítica - torna-se real e até mesmo iminente a
probabilidade de desenlace fatal. A partir do dia 10 de agosto, por determinação do
senador Teotônio Vilela, a Comissão Mista passa a emitir boletins médicos diários
sobre o estado de saúde dos presos políticos, o que configura espécie de contagem
regressiva em direção ao limite de resistência dos detentos.
634
633
VILELA, Teotônio (org.). ANISTIA... p. 15
634
Jornal do Brasil, 10 de agosto de 1979, “Comissão Mista fará boletim diário”, p. 2; CONGRESSO NACIONAL
COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, v. I, Anexo à ata da reunião da Comissão Mista, realizada em
16 de agosto. P. 657-660.
289
Teotônio sobe à tribuna do senado no dia 17 de agosto para denunciar a
gravidade dessa greve, que faziam os presos políticos havia quase um mês.
635
Esta
greve de fome foi denominada como a Greve de Fome Nacional dos Presos
Políticos de repúdio ao projeto governamental de Anistia Parcial e de apoio às lutas
pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. Iniciada em 22 de julho, pelos presos políticos
da penitenciária Frei Caneca-Rio, foi seguida pelos presos políticos dos seguintes
presídios: Itamaracá-RE, Fortaleza-CE; Natal-RN; Penitenciária Feminina de São
Paulo (Elza Monerat), Barro Branco-SP e Lemos de Brito-Salvador-BA. Interrompida
apenas no dia em que foi votada a lei, ainda que a lei de Anistia decretada não
tivesse sido a esperada.
Os 14 presos políticos do RJ posam no pátio do presídio: Paulo Roberto Jabur, Gilney Amorim, Carlos Alberto Sales, Jesus
Parede Soto, Jorge Santos Odria, Jorge Raimundo Junior, Antonio Pereira Matos e Perly Cipriano. Sentados: Paulo Henrique
de Oliveira, Alex Polari de Alverga, Nelson Rodrigues, Manoel Henrique Ferreira, José Roberto Gonçalves de Rezende e Hélio
da Silva.
Foto extraída do livro Fome de Liberdade - Relato dos Presos Políticos, de Gilney Viana e Perly Cipriano.
Esta greve de fome repercutiu no Brasil inteiro, inclusive no exterior, como
vemos no Comunicado para imprensa da Associação Belga de Juristas Democratas,
Association Belge des Juristes Démocrates
Communiqué de Presse
635
VILELA, Teotônio. Discurso no Senado Federal (17/08/1979), Diário do Congresso Nacional, 18/08/1979.
290
Persmededeling
Bruxelles, le 9 août 1979
.....La grève de faim entamée au Brésil par un certain nombre de
prisonniers est un signe de la volonté de lutte des démocrates de ce
pays pour s’opposer à ce que la mesure d’amnistie soit déjà remise
en cause.
Notre association, dans cet esprit, vous adresse un solennel appel
pour que début septembre soit promulguée une mesure d’amnistie
générale et sans restriction, seule attitude qui permettrait de croire
qu’il soit mis fin au climat de repression qui a caactérisé le Brésil ces
dernières années.
Bureau National A .B.J.D.
636
Da mesma maneira, este telegrama escrito para autoridades brasileiras, nos
mostra mais uma vez como órgãos internacionais pressionavam a ditadura
internacionalmente, sugerindo uma Anistia Ampla Geral e Irrestrita:
Telegrammes envoyés a:
-Président de la Republique
-Ministtre de la Justice
-Président du STM et du STF
-Chambre du Sénat
-Chambre Fédérale des Députés (Brasília)
-Chambre des Députés des États de Rio et São Paulo
Nous avons appris qu’un certain nombre de prisonniers politiques
dans des prisons de votre pays sont en grève de faim depuis le 23
juillet 1979, pour obtenir du Gouvernemenet une amnistie large,
générale et sans restrictions.
Nous voulons ici, au nom des droits humanitaires, vous demander de
faire approuver une loi damnistie qui ouvre complètement les portes
des prisons à ceux qui ont été condamnés par les tribunaux
d’exception, comprenant également les travailleurs licenciés par le
lois du travail et les étudiants pénalisés par la loi d’exception nº 477.
Nous voulons également exprimer notre préoccupation concernant la
santé des grévistes et demander une action résolue de votre part,
visant à satisfaire leus revendications.
-Confederação Mundial do Trabalho (CMT)
-Déclaration de Berne-Genève
-Association Que Faire?
- Ligue Suisse des Droits de l’Homme
-Comité de Solidarité avec le Peuple Brésilien (CSPB)
-Association pour l’Amnistie générale des prisonniers politiques au
Brésil
636
RAMOS, Andressa Maria Villar. A Liberdade permitida. Contradições, limites e conquistas do movimento pela
Anistia: 1975-1980. São Paulo, 2002. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), p. 115.
291
-Comission Tiers-Monde Église Catholique-Genève (COTMEC)
-Associação de Solidariedade com o Povo Brasileiro – Lausanne
Além disso, também tiveram grupos de artistas, estudantes e sindicalistas que
visitaram os presos em greve de fome, em sinal de solidariedade com a luta deles
pela Anistia. Encontramos um Despacho do Juiz Auditor Nelson de Silva Machado
Guimarães, de 2ª Auditoria da Justiça Militar, indeferindo a petição feita por
parlamentares para levantamento da interdição de visitas aos presos políticos do
Barro Branco, São Paulo:
292
Arquivo da Fundação Perseu Abramo
293
O que este documento nos mostra, é que, para a ditadura, as pessoas
interessadas em solidarizar-se com os presos, estavam sendo “iludidos” pelos
CBA’s, e que, segundo o juiz autor do despacho, estavam “confundindo a opinião
pública” e “pregando a subversão”, que, o que para os CBA’s eram os presos
políticos, para o juiz Nelson de Silva Machado Guimarães eram “subversivos”,
“agentes do terrorismo preparados pelo governo de Fidel Castro e mandados para o
Brasil para promover a guerrilha”. Segundo o general Gustavo Moraes Rego Reis
“no exército, o tabu com o comunismo foi tão grande que comprometeu o próprio
uso do termo ‘camarada’, associado aos comunistas. (...) A certa altura não nos
referíamos mais aos colegas como camarada, tal a força ideológica desta
palavra.”
637
O último apelo de Teotônio ao Congresso foi no dia 22 de agosto, na tribuna
do Senado, para que o aceitassem a “mesquinhez” do projeto oficial: “Peço ao
Congresso Nacional que promova a rebelião das consciências, antes que venha
rebelião das massas”.
638
No entanto, o apelo ameaçador de Teotônio foi em vão.
No dia da votação do projeto eles completariam o tempo recorde de 32 dias
sem comer. Chega a circular o boato da morte de Nelson Rodrigues Filho, um dos
presos políticos da penitenciária Frei Caneca-Rio. O governo não se deixa
impressionar, o que fica claro nas declarações do porta-voz Said Farhat, ministro da
Comunicação Social:
“Se houver uma morte, todos nós vamos lamentar. Mas desde
os tempos da campanha eleitoral o presidente Figueiredo deixou
muito claro seu pensamento: os terroristas não seriam Anistiados.
(...) No plano pessoal, lastima-se ver um grupo de pessoas se
debilitando dia a dia. Mas, no plano institucional, nada há a fazer”
639
637
CASTRO, D’ARAÚJO & SOARES. A volta aos quartéis: a memória militar sobre a abertura. Rio de Janeiro:
Relume-dumará, 1995, p. 101.
638
VILELA, Teotônio. “Discurso no Senado federal” (22/08/1979), Diário do Congresso Nacional, 23/08/1979.
639
Jornal da Tarde, 22 de agosto de 1979, “Farhat e a greve de fome: nada há a fazer” p. 6.
294
Ainda em agosto, uma série de eventos expõe os problemas da Anistia do
governo, do estilo “a mão que afaga é a mesma que apedreja”, como diria Augusto
dos Anjos. A exclusão dos guerrilheiros condenados - dramaticamente alardeada
pela greve de fome em curso, pela fuga de Theodomiro Romeiro dos Santos, o
preso político “menos anistiável” segundo o sistema,
640
e pela condenação
extemporânea dos ex-banidos, em plena reta final da tramitação de uma medida que
se pretendia generosa e magnânima demonstra, mais uma vez, o caráter
discriminatório do projeto oficial e sua ineficácia intrínseca determinada pela vigência
da Lei de Segurança Nacional: no dia 9 de agosto, os ex-banidos Edmauro Gopfert e
José Araújo de Nóbrega, da Vanguarda Popular Revolucionária, o condenados a
12 anos de prisão com base na Lei de Segurança Nacional
641
; em 19 de agosto,
Theodomiro Romeiro dos Santos foge da penitenciária Lemos de Brito, em Salvador,
onde cumpria pena oito anos e oito meses. Trata-se do primeiro condenado à
morte pela ditadura militar e ele o foi aos 18 anos, portanto, quando era
juridicamente menor. Tal sentença foi comutada em prisão perpétua, ainda no
governo Médici e depois reduzida para 30 anos. Depois da fuga, as informações
sobre o destino de Theodomiro são desencontradas: ele reaparece no dia 30 de
outubro na Nunciatura Apostólica, em Brasília, onde, asilado, aguardava salvo-
conduto para poder sair do país
642
; no dia 21 de agosto, menos de um s após a
morte do operário da construção civil Orocílio Martins Gonçalves, em Belo Horizonte,
cometida pela Polícia Militar, é assassinado a golpes de cassetete pela mesma
polícia mineira, em Divinópolis-MG, o operário metalúrgico Benedito Gonçalves,
640
Folha de S Paulo, 22 de agosto de 1979, “Para o Planalto, o ‘menos anistiável”, p. 6.
641
Jornal do Brasil, 10 de agosto de 1979, “Ex-banidos são condenados”, p. 2.
642
O Globo, 21 de agosto de 1979, “Polícia não sabe o dia em que Theodomiro fugiu”, “Mulher não acredita em
fuga”; “Rapaz parecido viajou na Varig”, “Itamaraty ignora presença em Lisboa”; Folha de S Paulo, 22 de agosto
de 1979, “Autoridades calam sobre fuga de Theodomiro”, “Para o Planalto, o menos anistiável”, p. 6; Folha de S
Paulo, 30 de agosto de 1979, “Baiano garante que Theodomiro fugiu”; Folha de S Paulo, 27 de setembro de
1979, “Regularizar a situação é a meta de Theodomiro”, “Ação de policiais na Europa provoca temor”; Folha de S
Paulo, 31 de outubro de 1979, “Theodomiro pede asilo Núncio Apostólico acolhe ex-preso político em Brasília”.
295
quando realizava piquete de greve em frente à Companhia Siderúrgica Paim; em
setembro é morto Guido Leão, também operário metalúrgico grevista, em frente à
Fiat Automóveis de Betim; no mês seguinte é a vez do metalúrgico paulista Santo
Dias. Ainda em julho-agosto, em Belo Horizonte, 12 lideranças sindicais ligadas aos
movimentos grevistas são presas. No Brasil há mais de cem mil trabalhadores em
greve nos estados de Minas Gerais, Bahia, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do
Sul, Goiás e no Distrito Federal, envolvendo operários da construção civil,
metalúrgicos, petroleiros, professores, carreteiros. Em Minas e na Bahia as
passeatas são proibidas e violentamente reprimidas
643
; também em 21 de agosto,
são localizados pelos CBA’s os corpos dos desaparecidos políticos Dênis Antônio
Casemiro e Luís Eurico Tejera Lisboa no Cemitério de Perus, onde foram enterrados
como indigentes no início da década de 1970.
Fica claro que, com a ampliação da lista dos mortos pela repressão e as
prisões em Belo Horizonte, a incompatibilidade entre Anistia, Lei de Greve e
manutenção do aparelho repressivo são incompatíveis. Este, se adapta ao mudar de
alvo e alarga o seu raio de ação com a introdução de uma categoria diferente, os
“novos punidos”, trabalhadores engajados na luta por melhores condições de vida e
trabalho. A inédita revelação da prova material dos crimes da ditadura os restos
mortais dos dois desaparecidos políticos a desmascara e desmoraliza de maneira
inequívoca, no momento mesmo em que buscava dar a questão dos
643
Correio Brasiliense, 22 de agosto de 1979, “À parte na Câmara”, p.4; Diário da Tarde, 22 de agosto de 1979,
“Repúdio às prisões reúne mil pessoas na São José”; Estado de Minas, 22 de agosto de 1979, “Governo proíbe
passeatas em logradouros públicos”, página; Folha de S Paulo, 22 de agosto de 1979, “PM dispersa o ato
público em Minas”, p. 5; O São Paulo, de 17 a 23 de agosto de 1979, “Polícia prende e arrebenta trabalhadores”,
p. 5. Sobre as mortes dos trabalhadores grevistas, v. tb.: COMISSÃO DE FAMILIARES DE MORTOS E
DESAPARECIDOS POLÍTICOS, INSTITUTO DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA DO ESTADO E GRUPOS
TORTURA NUNCA MAIS – RJ E PE. Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964, p. 225/226;
e Em Tempo, n. 75, 2 a 8 de agosto de 1979, “Belo Horizonte, uma praça de guerra. Eis a ‘abertura’ para os
trabalhadores: ditadura mata operário”, p. 6-7.
296
desaparecimentos por encerrada, esvaziando burocraticamente o seu conteúdo
político através da ilegítima declaração de ausência, previsto no projeto em votação.
A repercussão internacional é também importante. No dia 9 de julho, ainda
antes da greve de fome dos presos políticos, o chanceler Saraiva Guerreiro entrega
a Figueiredo um clipping internacional contendo a reprodução de cinqüenta artigos
sobre o envio do projeto de Anistia ao Congresso veiculados pelos maiores jornais
do ocidente como The New York Times, Miami Herald, Herald Tribune, Montreal
Star, L’Humanité, os italianos Avanti e Il Messagiero, a maioria dos jornais
portugueses e boa parte dos jornais sulamericanos. Apesar das diferenças
importantes de linha editorial e de filiação política, quase todos apontam, com maior,
ou menor radicalidade, a estreiteza da iniciativa do governo brasileiro e a
necessidade de ampliação da medida.
Assim desencadeia-se a grande batalha da Anistia é assim que a mídia se
refere à luta travada no Congresso Nacional e nas ruas e praças das principais
cidades do país no dia da decisão da lei de Anistia no Congresso Nacional. A
primeira página do Jornal da Tarde de 22 de agosto de 1979, vespertino do grupo O
Estado de S Paulo, representa bem a linha da cobertura dada ao evento pela grande
imprensa:
“CENAS DA BATALHA DA ANISTIA / Cena um: tumulto no
Congresso. Anízio de Souza quer brigar com Iranildo Pereira, do
MDB. / Cena dois: polícia reprime ato público na Bahia. Vários atos
foram realizados no país. / Cena três: a tentativa de um acordo entre
adversários. Ulysses com Sarney. / Cena quatro: o comício na
rampa do Congresso. Uma bomba explodiu aqui, jogada pela polícia.
/ (tudo sobre a Anistia, que será votada hoje, nas páginas 5, 6 e
7.)”
644
644
Jornal da Tarde, 22 de agosto de 1979. Número 4200. Ano 14.
297
Este enfoque é confirmado no título da matéria da revista IstoÉ, de 29/8/1979,
assinada por Armando Rolemberg e Ricardo Pereira: “A BATALHA NO
CONGRESSO. O governo ganhou nos votos. Mas não no placar moral.”
645
O mesmo
tom bélico é mantido nas manchetes, títulos e leads dos principais veículos do país.
As manifestações realizadas pelo Brasil e a transformação do Congresso
Nacional no principal teatro de operações desta batalha ocupam, portanto, a
centralidade da cobertura jornalística no “dia D” da luta pela Anistia na esfera
parlamentar. As caravanas a Brasília articuladas pelos CBA’s, provenientes de todos
os cantos do país, são um sucesso: avaliações conservadoras dão conta de mil
pessoas o tempo todo presentes nas galerias durante as votações
646
e três mil no
ato público do dia 21 em frente ao Congresso Nacional, bem como milhares de
pessoas mobilizadas por todo o país.
647
Além dos diversos cleos estaduais do
Comitê Brasileiro de Anistia, de representações de sindicalistas, parlamentares e
militares cassados e de importante e agitada delegação de familiares de presos,
mortos e desaparecidos políticos cerca de 300 segundo as matérias
mencionadas comparecem as seguintes entidades: Associação Brasileira de
Imprensa, Associação dos Documentaristas – seção DF, Associação dos Jornalistas
de Economia de Brasília, Associação Profissional dos Arquitetos do DF, Associação
Profissional dos Economistas do DF, Associação dos Sociólogos do DF, Centro
Brasil Democrático/CEBRADE, Comitê pela Libertação dos Presos Políticos do
Itamaracá, Diretório Central de Estudantes da UNB, Instituto dos Arquitetos do
645
IstoÉ, 29 de agosto de 1979, n. 140, p. 9.
646
Folha de S Paulo, 22 de agosto de 1979, “Mil pessoas nas galerias, ouvindo os parlamentares”. O Globo, 23
de agosto de 1979, “O ato”, “Galerias repletas também realizaram manifestações”; Correio Brasiliense, 22 de
agosto de1979, “Bomba e tumultos nas manifestações de rua”, p. 4; O São Paulo, de 17 a 23 de agosto de 1979,
“Movimentos mostram como deve ser a anistia”, p. 5; IstoÉ, 22/8/1979, “Manifestação pela anistia, no Rio: a
maior desde 1968”, legenda da foto estampada à p. 17.
647
Jornal da Tarde, 22 de agosto de 1979, “Tumulto em Brasília, violência em Salvador”, p.6.
298
Brasil, Movimento de Defesa da Amazônia, Sindicato dos Médicos de Brasília,
Sindicato dos Engenheiros de Brasília e União Nacional dos Estudantes.
648
Tanto quanto o espaço político, o movimento pela Anistia tem que disputar o
próprio espaço físico palmo a palmo. Como última tentativa de mantê-lo longe do
Congresso e obstar a pressão popular, o governo lança mão de recurso um tanto
desesperado: na madrugada de 22 de agosto, 800 soldados à paisana das polícias
do Exército e da Aeronáutica ocupam as galerias, que têm 1.200 lugares. Tão logo o
presidente da casa inaugurou a sessão, o deputado José Costa do MDB de Alagoas
inicia:
“Nós do Movimento Democrático Brasileiro, temos
informações de que às cinco horas da manhã de hoje, militares,
recrutas à paisana se postaram defronte ao prédio do Congresso,
com o objetivo de ocupar as galerias e impedir o livre acesso do
povo ao processo de votação do projeto de Anistia, a realizar-se na
manhã de hoje, nesta casa.
649
O deputado Tidei de Lima do MDB-SP, dá o seguinte testemunho:
“Tive o cuidado de chegar ao congresso nacional às 07 e 15
minutos e encontrei as galerias tomadas. (...) Colhi junto à
segurança da Câmara que 10 minutos para às 7 horas, quando aqui
chegaram os funcionários da câmara dos Deputados, a quem está
encarregado o serviço de segurança da Casa, eles encontraram
mais de 700 soldados da Polícia da Aeronáutica. Os quais aqui
estão, não estão aqui na sua condições de civis. Observa-se
claramente que uma verdadeira operação militar de ocupação
desta casa”.
650
648
Folha de S Paulo, 22 de agosto de 1979, “Atentado a bomba na rampa do Congresso”, p. 5; O Globo, 22 de
agosto de 1979, “O ato”; O Estado de Minas, 21 de agosto de 1979, “Anistia começa a ser votada hoje, mas
decisão só amanhã”, p.2.
649
VILELA, Teotônio (org.). ANISTIA... p. 129.
650
Ibid, p. 131.
299
Mesmo dentro do Congresso a repressão agia, fazendo com que também a
votação do projeto de lei da Anistia fosse tumultuado e sofresse censuras e
repreensões mesmo no dia da sua votação. Mostrando mais uma vez, as ações
arbitrárias do governo militar. Os militantes da anistia, que não se deixam intimidar,
vencem a disputa das torcidas, expulsando literalmente no grito os militares: por
volta das 14hs, estes batem em retirada enquanto aqueles assumem os seus
postos. Antes, porém, é encaminhado abaixo-assinado de protesto ao presidente do
Congresso, Luís Vianna Filho, responsabilizando-o por qualquer ato de violência que
viesse a ser praticado pelos militares. Não faltam lances hilariantes como na hora do
rancho, quando os soldados, em fila para receber a ração de sanduíche de
mortadela e iogurte de côco, são postos a circular por ordem do oficial encarregado
para não serem flagrados pela imprensa, e a antológica declaração do biônico
mineiro Murilo Badaró – um dos duros da tropa de choque da Arena, vice-presidente
da Comissão Mista – na tentativa de justificar a situação: “Militar também é povo”.
651
Mas, de outro lado, também houve pressão, cerca de 1000 partidários da
Anistia Ampla, Geral e Irrestrita ocuparam as galerias do Congresso
652
, e vaiavam
ou aplaudiam conforme o que se dizia no plenário, ao mesmo tempo em que
jogavam fotos de mortos, torturados e desaparecidos. O que se ouvia das galerias
eram frases como: “A luta continua. Um povo unidos jamais será vencido. Ou ficar a
pátria livre ou morrer pelo Brasil”, juntamente com o Hino Nacional e vaias em coro
de “assassino”, principalmente dedicadas ao deputado paulista Erasmo Dias. Foi
mais um ato de repúdio no desenrolar do processo de votação no Congresso,
demonstrando claramente o descontentamento dos grupos que lutaram pela Anistia,
e dos partidários da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, com o projeto do governo. A
651
Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1979, “Nas galerias, a disputa das torcidas”, p.4; Folha de S Paulo, 23 de
agosto de 1979, “Presença de soldados leva a protesto”; IstoÉ, 29/9/1979, “Príncipe Danilo”, p. 10.
652
Revista Veja - 29 de agosto de 1979.
300
partir da conquista das galerias pelos militantes, o clima da anistia contagia
definitivamente o Congresso Nacional. O movimento de crescimento do instituinte
sobre o instituído não é detido nem mesmo pela previsível decisão a favor do projeto
de anistia parcial, antecipada pela imprensa na manhã de 22 de agosto, dia da
votação: a ordem emitida pelo Palácio do Planalto é a votação do substitutivo Ernani
Satyro tal qual ele chegou ao Congresso Nacional, caso contrário, haveria veto total
do presidente.
A segurança reforçada composta por 247 homens constitui outro problema
para os manifestantes que, o tempo todo vigiados de perto, têm cartazes, faixas e
material de divulgação apreendidos e são submetidos a constantes revistas.
653
E há
ainda as reações rotineiras do terrorismo de direita: bombas na rampa do Congresso
por ocasião da manifestação pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita (dia 21 de agosto)
e as citadas provocações do tal “Comitê Brasileiro das Vítimas do Terrorismo”
que, juntamente com certo “Comitê das Viúvas”, espalha panfletos apócrifos por
toda a capital federal; um dos alvos declarados de suas agressões é o senador
Teotônio Vilela.
654
Embora não tenha conseguido mudar a correlação de forças a seu favor, o
movimento pela anistia imprime sua marca de maneira decisiva: a vitória do governo
garantida, sobretudo pelas rígidas normas regimentais e pelo complicadíssimo
ritual de votação é sofrida, conseguida a duras penas, nada tendo de honrosa e,
muito menos de tranquila, apesar do pesadíssimo arsenal parlamentar, militar (e até
paramilitar) e jurídico à sua disposição. Os simpatizantes arenistas da emenda
Djalma Marinho são marcados homem a homem e acabam devidamente
653
Folha de S Paulo, 23 de agosto de 1979, “Mil pessoas nas galerias, ouvindo os parlamentares”; “Presença de
soldados leva a protesto”.
654
Jornal de Tarde, 22 de agosto de 1979, Panfletos em Brasília: ‘Nós, viúvas das vítimas do terror...”, p. 6;
Jornal do Brasil, 22/ de agosto de 1979, “Os panfletos do outro lado”, p. 4.
301
enquadrados pelo líder governista na Câmara, deputado Nelson Marchesan (Arena-
RS). Este, embora não pudesse fazê-lo formalmente, já que a medida não havia sido
devidamente registrada junto ao Tribunal Superior Eleitoral, fecha questão
simbolicamente a título de “chamamento à responsabilidade coletiva” lançando
mão do dispositivo regimental que determina a perda de mandato para os
parlamentares que desrespeitassem as diretrizes partidárias.
655
Mesmo assim, o resultado da votação é apertado e acaba surpreendendo a
todos, revelando, do lado do governo, inequívoca, embora relativa, perda de controle
e, do lado da oposição, vacilação e muita confusão política:
em votação preliminar, a preferência para o substitutivo do MDB é
derrotada por 209 a 194, contando com os votos de 12 arenistas
dissidentes;
a emenda Djalma Marinho recebe 201 votos a favor e 206 contra,
sendo derrotada, portanto, por apenas 5 votos desta vez são 14 os
dissidentes arenistas;
a meia-anistia recebe a aprovação em bloco, pela votação dos líderes
dos dois partidos, com a discordância silenciosa de 12
656
dos 26
senadores e a declaração de voto contrário de 29 dos 189 deputados
do MDB. As manifestações da oposição contra o substitutivo Ernani
Satyro não puderam ser formalizadas, pois os líderes na Câmara e no
655
Correio Braziliense, 22 de agosto de 1979, “ANISTIA TESTA FIDELIDADE DA ARENA HOJE”, Liderança da
Arena fecha questão”, p. 4.
656
São eles Teotônio Vilela (Al), Roberto Saturnino (RJ), Henrique Santilo (GO), Itamar Franco (MG), Gilvan
Rocha (SE), Jaison Barreto (SC), Cunha Lima (PB), Agenor Maria (RN), Humberto Lucena (PB), Franco Montoro
(SP), Evandro Carreira (AM) e Orestes Quércia (SP). Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1979, “Votação dividiu
bancada emedebista”.
302
Senado, Freitas Nobre e Paulo Brossard, aprovaram simbolicamente a
matéria – não houve votação nominal.
657
Esta atitude da liderança divide a bancada emedebista, provocando profunda
indignação entre autênticos e moderados encarnada exemplarmente pelo senador
Teotônio Vilela, que logo anuncia a volta às ruas da luta pela Anistia
658
.
Assim, a lei 6683 de 28 de agosto de 1979 - a lei de anistia parcial - é a
representação positivada da estratégia do esquecimento e da produção do
silenciamento. Ela reflete exemplarmente a lógica interna de sua matriz – a Doutrina
de Segurança Nacional – sobretudo através de três dos seus dispositivos, expressos
nos dois primeiros parágrafos do art. e no art. respectivamente, todos eles
voltados para o ocultamento da verdade e a interdição da memória: a pretensa e mal
chamada reciprocidade atribuída à inclusão dos ditos crimes conexos; a exclusão
dos guerrilheiros, os terroristas no jargão dos militares; e a declaração de ausência a
ser concedida aos familiares dos desaparecidos políticos.
A reciprocidade constitui balão de ensaio que acaba se tornando senso
comum. Seu subproduto mais importante é a cultura da impunidade, cuja essência é
a garantia da não punição àqueles que perpetraram torturas, assassinatos e
desaparecimentos durante a ditadura militar. Seu corolário é a sobrevivência com
saúde da instituição tortura aliás, até hoje. A Anistia - parcial e condicional para os
opositores do regime é total e prévia para os torturadores, assassinos e agentes
da repressão antes mesmo de qualquer julgamento, apesar da evidente aberração
657
CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE ANISTIA. Anistia, v. II, “Ata da 163ª sessão conjunta,
realizada em 22 de agosto de 1979 (aprovação da matéria)”, p. 123-236. E tb.: O Globo, 23/8/79, “Congresso
Nacional aprova a lei de anistia”; Jornal do Brasil, 23de agosto de 1979, “Congresso aprova anistia e MDB diz
que luta continua”; Folha de S Paulo, 23 de agosto de 1979, “MDB vota a favor, mas com ressalva”; Estado de
Minas, 23 de agosto de 1979, “Anistia é aprovada e vai a Figueiredo”, “Anistia é aprovada com votos das
lideranças”, p. 2.
658
Movimento, 6 a 10 de dezembro de 1979 “O Congresso tem obrigação de aceitar pressões democráticas
(entrevista com o senador Teotônio Vilela)”, p.7/8; Folha de S Paulo, 24 de agosto de 1979, “Governo avalia
pressão que Vilela quer que continue”; Folha de S Paulo, 6 de setembro de 1979, “Vilela anuncia volta da luta
por anistia às ruas”
303
histórica e jurídica contida. lio Bicudo desconstrói a viabilidade de uma lei que
“contempla ao mesmo tempo as vítimas do poder e seus algozes”:
“O entendimento da chamada lei de duas vias sedimentou-se
durante os últimos anos de regime militar e nada tem a ver com o
que possa se entender válido em hermenêutica jurídica. A lei em
questão especifica claramente aqueles que se beneficiam de seus
termos e ali não se faz menção, em nenhum momento, àqueles que,
em nome do regime militar, torturaram e mataram. É certo que o
diploma legal estende seus efeitos àqueles que cometeram crimes
conexos: os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes
políticos ou praticados por motivação política. Não existe conexidade
de crimes que atingem bens jurídicos diferentes. No caso não se
pode encontrar aliás, é justamente o contrário que acontece
equivalência de causas entre o ato daquele que afronta o sistema
político prevalente e o daquele que o reprime: um quer mudanças e
atua em consequência; o outro quer manter o status quo. Nos crimes
conexos, um é pressuposto do outro.”
659
A exclusão dos guerrilheiros reitera a cristalização do conceito-chave inimigos
internos e a necessidade de sua eliminação. É este o maior paradoxo da lei
aprovada: os presos políticos condenados estão excluídos e aqueles que praticaram
as mesmas ações, mas não foram julgados são anistiados. É a anistia encarcerada
como a caracteriza o jornalista Elio Gaspari, à época colunista da revista Veja. Sua
análise, a partir da lógica interna do sistema, tem plausibilidade:
“A astúcia do projeto está em sua capacidade de anistiar
revéis e fugitivos sem abrir as celas. Anistiando-se os autores de
crimes de sangue que conseguiram ficar soltos, ratifica-se uma
situação concreta. Negando-se a anistia aos que estão presos, dá-
se a impressão de que esses crimes não mereceram a anistia e,
com isso, contentam-se militares. Esse é o caminho da astúcia e do
realismo. No entanto, o fato de a providência ser realista não quer
dizer que o governo tenha tomado o caminho correto. Num
raciocínio difundido entre os defensores da restrição, acredita-se que
659
BICUDO, Hélio. “Lei da anistia e crimes conexos In TELES, Janaína (org.). Mortos e desaparecidos políticos:
reparação ou impunidade?, pp. 85-88. Para esta discussão ver tb., na mesma obra: DALLARI, Dalmo de Abreu.
“Crimes sem anistia”, pp. 31-34; COMPARATO, Fábio Konder. “Ética política e honra militar”, pp. 35-38; DIAS,
José Carlos. “Os desaparecidos”, pp. 69-72”.
304
a anistia não deve ser ampla porque semelhante medida é típica dos
movimentos vencedores. Como os terroristas são perdedores, que
se dêem por felizes se o Natal lhes trouxer o indulto. Além de um
erro formal, pois a anistia típica dos vencedores é a irrestrita (que
lhes devolve funções) e não a ampla (que apenas solta e esquece),
essa noção de vencedor poderoso e perdedor impotente carrega um
risco e, muitas vezes, uma maldição: a História.”
660
A declaração de ausência é tentativa de resolver assepticamente e por
decreto a questão dos desaparecidos políticos, categoria também fabricada pelos
militares, a qual designa aqueles que foram assassinados, geralmente sob tortura,
cujas mortes não foram assumidas pelo Estado. Suas famílias, no lugar do direito
ancestral de enterrar os entes queridos, teriam que se contentar com a presunção
de suas mortes através do recurso ao atestado de ausência se e somente se
conseguissem provar o desaparecimento, o que configura agravante perverso,
considerado absolutamente inaceitável pelos CBA’s: a inversão do ônus da prova
que deveria caber ao Estado para as vítimas. A exiguidade da anistia de agosto
é igualmente flagrante nos seus aspectos administrativos. Afinal de contas é esta
dimensão – administrativa e burocrática – que constitui a essência da lei 6683/79.
661
Edição especial do Coojornal de agosto de 1978 trabalha com o número de
4682 cidadãos brasileiros cassados, apurado pela pesquisadora Beth Costa, assim
distribuídos: 280 cassados pelo Comando Supremo da Revolução; 2927, por
Castello Branco; 631 por Costa e Silva; 205 pela Junta Militar; 603, por Médici e 36,
por Geisel. Tese defendida pelo professor Marcos Figueiredo no Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro / IUPERJ “Legitimidade e coação no
660
GASPARI, Elio. “A anistia encarcerada”. Veja, 15 de agosto, 1979, p. 130.
661
Para esta discussão ver: MARTINS, Roberto. “A maior de todas as anistias”. Movimento 26/3 a abr. 1979,
p. 10; DALLARI, Dalmo. “Anistia e restauração de direitos”, Folha de S Paulo, 10 de junho de 1979, p.10-11;
DALLARI, Dalmo. “O começo da anistia”, Folha de S Paulo, de julho de 1979; DALLARI, Dalmo. “Anistia:
malfeita, mas lei”. Folha de S Paulo, 9 de setembro de 1979. “Carta dos pesquisadores e professores
universitário punidos, São Paulo, 24 de julho de 1979. CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA SOBRE
ANISTIA. Anistia , v.II, p. 549-550. V. tb.: GIANNOTTI, José Arthur. “O soco e a mão estendida”. Folha de S
Paulo, 1º de julho de 1979 (Tendências / Debates); AFFONSO, Almino. “Ampla, Geral, Irrestrita”. Folha de S
Paulo, 4 de agosto de 1979 ( Tendências / Debates).
305
Brasil pós-64”- chega ao número de 4841 punidos.
662
Lista divulgada pelo Palácio do
Planalto supera estas cifras: são 5343 pessoas punidas pelos atos institucionais.
Entre os setores mais visados, quase 1/3 é composto por militares (1354), dos quais,
31 generais, 14 almirantes e 10 brigadeiros, além de 33 policiais militares.
663
Estes
se somam a mais de 300 professores, cerca de 500 parlamentares eleitos pelo voto
popular; 50 chefes de executivo, governadores e prefeitos; e 3 ex-presidentes, Jânio,
Jango e Juscelino.
Por tudo isso, de acordo com os CBAs, a anistia aprovada não é uma anistia
real. É a seguinte a sua posição:
“A opinião pública brasileira e os movimentos de anistia
repudiam um projeto que exclui da anistia a maioria dos atingidos e
perseguidos políticos. Projeto que pretende humilhar aqueles que
apresenta como beneficiários. Projeto que não restaura o direito à
indenização, salários e vantagens de milhares de trabalhadores,
muitos deles estáveis, que foram demitidos por motivo político; dos
líderes sindicais excluídos por intervenções arbitrárias da direção
das lutas dos trabalhadores, dos estudantes, professores e
funcionários excluídos das universidades pela legislação repressiva.
Militares e servidores públicos punidos, sem defesa e sem processo,
com base em atos institucionais e complementares, devem
submeter-se ao julgamento de comissões administrativas, que serão
novos tribunais de exceção. Como os ‘tribunais’ secretos da
ditadura, também as comissões previstas pelo governo poderão
condenar sem motivo, recusando o retorno ou a reversão dos
servidores que o seja do ‘interesse’ do governo. Humilhação
aumentada por estabelecer que a reintegração, feita ao bel prazer
do regime e através de mini-tribunais de burocratas se dará no
mesmo posto, enquanto que todos os seus colegas de turma ou
posto terão tido promoções por antiguidade.”
664
Ao rejeitá-la categoricamente e insistir na continuidade da luta pela Anistia
Ampla Geral e Irrestrita, os CBA’s aprofundam o movimento de memorização
baseado na evocação voluntária e sistemática da memória do terror - e da luta
662
Coojornal Especial, agosto de 1978, “De Prestes a Alencar Furtado: 4 682 cassados”, p. 28-31. V. tb.: Jornal
do Brasil, 24 de junho de 1979, “ANISTIA!” “Anistia sai agora mas decisão foi tomada há três anos”.
663
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”, tomo III Perfil dos atingidos, pp. 137-167.
664
MARTINS, Roberto. “A maior de todas as anistias”. Movimento 26/3 a 1º/4/79, p. 10
306
contra ele e buscam desconstruir a usurpação metódica da história e da verdade
promovidas pela ditadura. É este o núcleo que determina a continuidade da luta cujo
eixo principal é o binômio direito à memória / exigência de verdade. Este eixo
articula os três nós da lei de anistia parcial, suas grandes contradições: a
reciprocidade leia-se impunidade , a questão dos mortos e desaparecidos e a
instituição tortura:
“Os movimentos de anistia não podem aceitar o projeto de
anistia discriminatória, condicionada e humilhante do governo. Não
podem aceitar a exclusão daqueles que pegaram em armas contra o
regime, na tentativa de estabelecer uma sociedade livre e justa, de
acordo com seus ideais, e responder à violência, ao arbítrio e ao
terror desencadeado especialmente após a decretação do AI -5,
contra lavradores e operários, estudantes e intelectuais,
parlamentares e religiosos, enfim personalidades, entidades,
sindicatos e partidos representativos do povo brasileiro. (...) ... a
ação dos que pegaram em armas o atingiu a população, isto é,
não se constituiu para os mais competentes juristas em terrorismo.
Terrorismo, verdadeiro crime contra a humanidade, tem sido
cometido pelos agentes de órgãos de repressão militar e policial
contra a população brasileira. Exemplo disso é a tortura, o
assassinato e o ‘desaparecimento’ de presos políticos. Esses são
crimes que não podem ser anistiados. Desta forma, a tentativa de
anistiar os torturadores, a partir da interpretação que se tem dado à
redação propositalmente confusa do projeto governamental
configura o outro lado do seu odiento projeto: enquanto mantém nos
cárceres a maioria dos presos políticos, tenta absolver previamente
os seus carrascos. (...) Projeto arbitrário que mantém pessoas
acusadas dos mesmos atos pelos quais o governo pretende anistiar
outros. Os condenados por terem apelado para a luta armada
continuam presos. Os que foram processados(...) mas ainda não
foram condenados, são anistiados.”
665
Maria Auxiliadora Almeida Cunha Arantes nos mostra um pouco como foi a
atuação do CBA-SP depois da Declaração da lei:
“Depois da declaração da lei, ainda havia tarefas para nós
continuarmos cumprindo, que era garantir a volta dos exilados e
recebe-los, apoiar os cassados, continuar na luta pelo
665
Documento do 4º Encontro Nacional dos Movimentos pela Anistia “Anistia Ampla Geral e Irrestrita:
reafirmação do compromisso nacional”, São Paulo, 7 de julho de 1979, mimeo.
307
esclarecimento dos desaparecidos, etc. Então o CBA continuou até
80, 81, por aí. Vários dirigentes do CBA saíram para fundar os
partidos políticos, e também dar uma sustentação à essas novas
lutas que estavam surgindo. Aqui em SP, as pessoas foram saindo e
no final ficaram 4 pessoas, o Luis Eduardo, a Suzana Lisboa, (...) e
eu, que ficamos fazendo reuniões e discutindo, caso por caso. Mas a
luta de Anistia foi uma campanha, terminado o seu objetivo
terminaria a campanha. A posteriori continuaram o Grupo de
Familiares de Mortos e Desaparecidos que continua ahoje porque
muitos casos não foram esclarecidos, e buscam punição,
indenização, e formou-se o Grupo Tortura Nunca Mais que
também uma continuidade à luta também com esse foco, de
esclarecimento, punição e indenização, porque o crime de tortura
não prescreve, ele não é um crime anistiável.”
666
Nas lutas travadas no Congresso durante a tramitação do projeto e,
sobretudo, na grande batalha do dia 22 de agosto, o movimento pela anistia faz mais
uma vez avançar o horizonte do possível levando às máximas consequências as
possibilidades do exercício da política enquanto tal em espaço refratário a esta
prática, essencialmente comprometido com o poder instituído. Com a aprovação da
anistia de agosto, a perspectiva de continuidade da luta se dará exclusivamente em
seu próprio campo, o espaço instituinte, e no terreno do político.
A lei 6683/79 constitui, certamente, importante ponto na luta pela Anistia. Por
um lado, é verdade que, apesar da vitória na votação do projeto no Congresso
Nacional, o governo sai moralmente e mesmo politicamente - derrotado. Como diz
a revista IstoÉ:
O fato é que essa Anistia, anunciada com as fanfarras da
conciliação e da mão estendida, foi aos poucos perdendo o charme
na medida em que se verificava que, por ser restrita, deixava de fora
os autores de crimes de morte e atentados condenados pela Justiça
Militar. Mais ainda. Subrepticiamente Anistiava por antecipação os
que praticaram torturas, os autores dos tais crimes ‘conexos’. Batida
pelos ventos das críticas partidas de toda parte, a bandeira da
Anistia rapidamente perdeu a cor. Ao chegar ao Congresso, era um
pano desbotado, uma bandeira rota. Assim, se o governo saiu da
666
ARANTES, Maria Auxiliadora Almeida Cunha. Depoimento...
308
votação na última quarta-feira alardeando vitória, não dúvida de
que o que obteve foi uma espécie de despojo de guerra sem muito
valor. E de uma guerra de onde saiu enfraquecido, pelo menos na
esfera político-parlamentar.”
667
Matéria do Jornal do Brasil de 23 de agosto de 1979 revela nítido tom de
desgosto nas colocações dos principais dirigentes arenistas, os líderes da maioria
na Câmara e no Senado, deputado Nelson Marchesan (Arena-RS) e senador Jarbas
Passarinho (Arena-Pa), e os presidentes do Senado e do partido, senadores Luís
Vianna Filho (Arena-Ce) e José Sarney (Arena-Ma), que se apressam em fazer o
balanço de suas forças a partir do impacto provocado pela poderosa pressão
popular sofrida pelo sistema. Torna-se vital a necessidade de inventariar os políticos
confiáveis e os o-confiáveis, aqueles que mantêm e aqueles que não mantêm
fidelidade absoluta para com o Palácio do Planalto. Segundo o JB:
“...com a fisionomia entristecida, o senador José Sarney
afirmava que o Congresso perdera sua postura de poder diante do
comportamento das galerias e dos próprios parlamentares, em face
da constante agitação, o que considerou um desrespeito à
instituição.
‘- Lamento sinceramente que se tenham verificado
discrepâncias na bancada da Arena em relação à orientação fixada
pelo partido a respeito da Anistia’, disse o presidente da Arena.
O senador Jarbas Passarinho, num misto de desalento e
alívio, uma vez que a rejeição da emenda do sr. Djalma Marinho
evitou que ele expusesse a sua bancada no Senado a um novo
teste, disse:
‘- Ninguém duvida do prestígio do Sr. Djalma Marinho e, por
isso mesmo, tivemos dificuldade em rejeitar a sua emenda.’”
668
Soam muito pouco convincentes as palavras do ministro das Comunicações,
Said Farhat, ao afirmar que o presidente demonstrou que a sua mão estendida em
conciliação foi aceita pelo Congresso Nacional, tentando relativizar as dificuldades
enfrentadas por conta da interposição da emenda Djalma Marinho:
667
IstoÉ, 29 de agosto de 1979, “A batalha do Congresso”, Armando Rolemberg e Ricardo Pereira, p. 9.
668
Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1979, “Figueiredo acha que sua mão foi aceita”.
309
“... o importante é que a emenda foi rejeitada. As votações
valem pelo resultado final. Um voto de maioria é apenas aquilo que a
Constituição exige. A Constituição não exige, nesse caso, nenhuma
maioria qualificada.
669
Os militares, por sua vez, se esforçam em desqualificar e minimizar a
dimensão das mobilizações pró-Anistia que sacudiram o país de ponta a ponta,
como o general Gentil Marcondes Filho, comandante do I Exército:
“Precisamos nos lembrar que o Brasil tem 110 milhões de
habitantes e diante desse número o pronunciamento de 2 mil, 5 mil,
10 mil pessoas não tem significação alguma”.
670
De fato, além de ter sido obrigado a enfrentar problemas até então
inconcebíveis no seu próprio campo, o regime perde terreno para a iniciativa política
e o contradiscurso articulados pelo movimento pela Anistia: o dissenso e a ruptura,
assim, predominam sobre o consenso e a conciliação - no placar moral, é
incontrastável a vitória do instituinte sobre o instituído. Além disso, as três grandes
entidades nacionais de perfil liberal, consideradas dialogáveis, insistentemente
assediadas pelo regime na busca do generoso consenso Ordem dos Advogados
do Brasil, Associação Brasileira de Imprensa e alguns setores da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil se alinharam à luta pela Anistia Ampla, Geral e
Irrestrita e, portanto, rejeitam, com mais ou menos contundência, o caráter restrito da
lei de Anistia aprovada. A CNBB pede correção urgente das injustiças e a OAB
manifesta sua disposição de lutar pela ampliação da medida, deslocando-a para a
esfera do Judiciário. Declara o seu presidente, Eduardo Seabra Fagundes:
669
Idem ibidem.
670
Jornal do Brasil, 24de agosto de 1979, “General garante abertura política mas lembra que leis exigem
obediência”; Folha de S Paulo, 24 de setembro de 1979, ”Somos apenas executores diz general”.
310
“... que o Executivo e o Legislativo não deram à Anistia a
amplitude necessária, chegou a vez do Poder Judiciário se
posicionar”.
671
A mobilização da sociedade pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita consegue,
assim, impor ao regime o desgaste de ter que arcar com o peso da responsabilidade
de uma lei contraditória, impopular e excludente, sem condições imediatas de
capitalizar eventuais bônus e seguir a dinâmica do consenso imposto e do ufanismo
e auto-enaltecimento habituais. Em meio a tanta rejeição, o anúncio oficial da
sanção da lei de Anistia é feito sem alarde, quase melancolicamente, numa
“solenidade que ninguém viu”
672
pelo Said Farhat, que se dirige sozinho à sala de
imprensa para explicar aos jornalistas as razões do veto parcial ao caput do artigo 1º
e desmentir a possibilidade de apresentação pelo governo “no momento”(sic) de
novo projeto de Anistia para corrigir a parte vetada.
673
As fotos estampadas nos
jornais citados são insignificantes e mostram um presidente da República sério e
inexpressivo percebe-se que não clima para pompa e circunstância com
mobilização de ministros, governadores e da bancada da Arena, cadeia nacional de
rádio e televisão, retórica grandiloqüente, enfim, para o tom emocional e triunfalista
que marcou o envio do projeto de lei n. 14 ao Congresso Nacional, exatos dois
meses antes.
674
Aquele 28 de agosto decididamente não seria a reedição do dia
mais feliz da vida do general Figueiredo. Mal a Anistia de agosto é promulgada, suas
contradições começam a se manifestar, intensificando-se ao longo do segundo
671
Jornal do Brasil, 1º de junho de 1979, “OAB insiste na anistia ampla e irrestrita”, p. 2; Folha de S Paulo, 25 de
julho de 1979, “OAB condena a’odiosa discriminação’ da anistia”; Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1979, “OAB
vai lutar pela ampliação da anistia”, ”CNBB pede correção urgente”; Folha de S Paulo, 5 de setembro de 1979,
“OAB tentará tornar anistia mais ampla através da Justiça”. uma série de artigos do presidente da ABI,
Barbosa Lima Sobrinho, no Jornal do Brasil; um dos mais expressivos intitula-se “Jesus Cristo e a anistia”: Jornal
do Brasil , 30 de setembro de 1979.
672
Movimento, 3 a 9/9/79, “A sanção da lei: não houve lágrimas, nem as de crocodilo” (Roberto Martins), p.4.
673
Jornal do Brasil, 29 de agosto de 1979, “Figueiredo sanciona a lei da anistia com o n. 6683”, p. 4; O Estado de
S Paulo, 30 de setembro de 1979, “Farhat nega nova anistia agora”, p. 5.
674
Movimento, 3 a 9 de setembro de 1979, “A sanção da lei: não houve lágrimas, nem as de crocodilo” Roberto
Martins, p. 4; Folha de S Paulo, 28 de junho de 1979, “A anistia segundo Figueiredo Embora restrito, perdão
atinge 5 mil”, p. 4.
311
semestre de 1979. As questões de caráter estrutural são aquelas que dão a medida
da insolubilidade dessas contradições e da complexidade da situação: a vigência da
Lei de Segurança Nacional, o recurso sempre disponível das salvaguardas eficazes
e a manutenção do gigantesco aparelho repressivo, ainda intacto, em
funcionamento.
A truculência do governo é agravada através da nova estratégia da repressão:
atentados de grupos parapoliciais e pára-militares, assim como ações clandestinas
dos próprios órgãos de segurança, ganham intensidade, amplitude e sistematicidade
assustadoras, tendo como alvo principal aqueles que compõem o universo do
movimento pela anistia. Parece tornar-se mais ostensivo o monitoramento pela
polícia de militantes e ex-presos políticos. Várias provocações se sucedem,
conforme denúncia dos CBA’s: no dia da promulgação da anistia, em o Paulo a
polícia cerca a casa do ex-preso político José Monteiro; no Rio, metalúrgicos em
campanha salarial são detidos ao distribuir panfletos em porta de fábrica; em Belo
Horizonte e Porto Alegre, são espalhadas ameaças anônimas dizendo que “Leonel
Brizola pisará no território brasileiro, mas por poucos momentos, pois aqui não ficará
vivo”; na capital mineira também se agravam os atentados a bomba; em
Pernambuco, latifundiários no papel de agentes provocadores, articulam tentativa de
tumultuar a já anunciada chegada de Miguel Arraes àquele estado.
675
Mesmo assim, é em clima de festa, de luta, mas também de luto e de muita
apreensão que, a partir do início do s de setembro, dois vereadores gaúchos
reassumem os seus mandatos; pouco mais de duas dúzias de presos políticos são
libertados, nem todos através da lei de anistia; algumas centenas de militantes
675
Folha de S Paulo, 24 de agosto de 1979, “Comitê avisa aos exilados que ainda podem ser detidos”;
Movimento, 3 a 9/9/79, “As duas faces da anistia” (Roberto Martins), p.3; Folha de São Paulo, 29 de agosto de
1979, “Greenhalgh: a ameaça continua”; Folha de S Paulo, 30 de agosto de 1979, “Piveta denuncia novas
ameaças”, p. 5; Folha de S Paulo, 14 de setembro de 1979, “Duas denúncias contra manobra ultradireitista em
Pernambuco”.
312
emergem da clandestinidade a que muitos foram submetidos por mais de dez anos;
e alguns milhares de exilados retornam ao país depois de igualmente longo exílio.
Os vereadores do MDB/RS Glênio Peres e Marcos Klassman, cassados pelo AI -5,
em fevereiro de 1977, por denunciarem da tribuna a existência da prática de torturas
no Brasil, reassumem em 29 de setembro, na Câmara Municipal de Porto Alegre.
676
Em todo o país, são eles os dois únicos parlamentares punidos cujos mandatos
ainda estavam em vigor. Ao reassumirem, a bancada do MDB naquela casa
recupera a maioria de 2/3 que havia perdido. Sua posse é garantida pelo presidente
da Câmara, o emedebista Cleon Guatimozin, respaldado pela sua bancada, apesar
da pressão contrária dos secretários de estado da Justiça e da Segurança e da
Superintendência da Polícia Federal de Porto Alegre. A polícia é acionada por estes
e transforma o centro daquela capital em verdadeira praça de guerra. O governo
intervém através do ministro da Justiça, Petrônio Portella, do deputado Ernani Satyro
(Arena-PB), relator do substitutivo da lei de anistia, e do líder da Arena no Senado,
Jarbas Passarinho. Os dois primeiros consideram o gesto do MDB gaúcho “um ato
de violência”, ao que o último acrescenta que é também “insensato e provocador”
exatamente “neste momento em que se concede a anistia” (sic).
677
É Dalmo Dallari quem adverte
678
: se o episódio da simples posse de dois
vereadores gaúchos anistiados é capaz de promover tanto alvoroço, que tipo de
comoção não poderia vir a ser provocada pela iminente reintegração daqueles
nomeadamente considerados os inimigos principais do regime, os exilados, os
676
Movimento, 7/2/77, Dois dias depois da posse A cassação do vereador Glênio Perez”, p. 3; Movimento,
21/2/77, “Os documentos da crise: o único discurso de Klassman, a nota da Executiva Nacional do MDB, a nota
do MDB gaúcho, cassações anteriores no Rio Grande do Sul”, p. 4.
677
Jornal do Brasil, 24 de agosto de 1979, “Cassados reclamam mandatos”; Jornal do Brasil, 29 de agosto de
1979, “Vereadores cassados reassumem os seus mandatos”, p.4; Folha de S Paulo, 30 de agosto de 1979, “No
sul, anistiados são reintegrados na Câmara ‘Foi um ato de violência’”, p. 6; O Estado de S Paulo, 30 de agosto
de 1979, “Peres e Klassman reassumem no sul”; Jornal do Brasil, 31/8/79, “Gaúchos preferem não punir”, p.4;
Jornal do Brasil, 1º de setembro de 1979.
678
Folha de S Paulo, 9 de setembro de 1979, “Anistia: malfeita, mas lei” (Dalmo Dallari).
313
banidos e os presos políticos? A situação mais delicada é a destes últimos, os
grandes penalizados pela anistia. Por motivos óbvios é sobre eles que recai todo o
peso do caráter excludente da medida (para os que estão fora) e da morosidade de
sua aplicação (para os que estão dentro): o que está em jogo aqui é a própria
liberdade física, a permanência ou não nos cárceres. Não se pode perder de vista
que muitos estão tirando cadeia há quase uma década; assim sendo, qualquer
protelação, de um dia que fosse, seria insuportável. Existem, então, 51 presos
políticos no Brasil e apenas pequena parte deles se contemplada pela medida.
Aos excluídos restam a perspectiva da liberdade condicional e a possibilidade da
redução das penas prevista na nova Lei de Segurança Nacional (lei 6620/78),
679
o
que implica briga jurídica e trâmites mais lentos e complicados. Tanto a aplicação da
lei 6683/79 quanto a adequação das penas devem ser examinados pelas auditorias
das 11 circunscrições militares do país. No caso da lei de anistia, os processos são
submetidos também ao Superior Tribunal Militar ou ao Supremo Tribunal Federal,
dependendo da instância onde foi impetrado o recurso que os mantém em
andamento. O STM e o STF, ao deferirem a medida para os processos de sua
competência, enviam telex ao auditor, responsável pela ação penal em primeira
instância, e a este cabe a expedição do alvará de soltura para o anistiado que
estiver preso.
680
Se a questão dos presos políticos é a mais delicada, é a volta dos
exilados, sem dúvida, que constitui o acontecimento de maior impacto do pós-
anistia. Até o final de 1979, estará reintegrado à vida política nacional o maior
contingente de inimigos do sistema, milhares de brasileiros e brasileiras expulsos ou
empurrados para fora do país, que tiveram a nacionalidade usurpada e se tornaram
679
O Globo, 20/5/79, “STM distribui tabela para adequação de penas à LSN”, p. 22.
680
Folha de S Paulo, 24 de agosto de 1979, “Comissão do S TM estuda medidas para a aplicação”; Folha de S
Paulo, 30 de agosto de 1979, “A MOROSA APLICAÇÃO DA ANISTIA DE FIGUEIREDO Como será a aplicação”,
p. 5.
314
apátridas nos últimos quinze anos. São segmentos terrivelmente indigestos para o
regime, considerados da mais alta periculosidade para a segurança da nação. Para
repetir algo que foi dito, nada menos que os melhores quadros que a esquerda
brasileira jamais conseguiu produzir, além de políticos da velha guarda de grande
inserção nacional, e, por isso mesmo, igualmente ameaçadores apesar de nada
terem de revolucionários. Fazem parte desse contingente explosivo lideranças
representativas dos trabalhadores da cidade e do campo e do movimento estudantil;
dirigentes comunistas históricos; notáveis ou anônimos combatentes da resistência,
armada ou não; intelectuais de renome; guerrilheiros e sequestradores de
diplomatas; e aqueles que foram trocados pelos diplomatas sequestrados.
Entre os primeiros a retornar, estão sete dos oito inimigos jurados da ditadura
militar, aqueles indesejáveis incluídos na sua lista negra, os quais ela queria
definitiva e perpetuamente proscritos, a saber: Paulo Freire, Leonel Brizola, Miguel
Arraes, Márcio Moreira Alves, Gregório Bezerra, Luís Carlos Prestes, Francisco
Julião. A sua entrada triunfal em território nacional, praticamente de uma vez e
com muito alarde, constitui síntese expressiva da real dimensão do significado
político de todo o lastro lançado ao mar pela ditadura militar, além de compor quadro
emblemático da conjuntura pós-anistia de agosto e revelar futuras implicações
para o bem e para o mal - já intuídas pelos CBAs, a serem enfrentadas pelo
movimento.
É frenética a movimentação e intensa a expectativa tanto de amigos quanto
de inimigos - em torno da chegada desses exilados, da qual farei um breve relato:
Paulo Freire: o educador do Terceiro Mundo, aposentado pela Universidade
Federal de Pernambuco, em outubro de 1964, com base no AI-1, desembarca em
Viracopos, Campinas, no dia 7 de agosto de 1979. Volta como personalidade
315
internacional: é um dos maiores especialistas em educação do planeta por conta do
revolucionário método de alfabetização que leva o s eu nome, cuja excelência foi
comprovada empiricamente pelo mundo afora, sobretudo em países africanos então
em processo de descolonização como a Guiné-Bissau, Cabo verde, São Tomé e
Angola. Incluído na lista dos indesejáveis, teve sistematicamente o passaporte
negado pelas autoridades brasileiras, vindo a obtê-lo através de mandado de
segurança, de junho de 1979. Com o passaporte na mão, Paulo Freire não espera a
aprovação da lei de anistia, regressando depois de 15 anos de exílio. Antes de sair
do Brasil em 1964, ficou preso durante setenta dias e respondeu a um IPM, depois
arquivado, que o classificou de “perigoso subversivo” e “ignorante absoluto” (sic);
681
Miguel Arraes: seu regresso em 15 de setembro, depois de exílio de 14 anos
na Argélia, é, com certeza, um dos maiores eventos entre tantos que se referem ao
tema do retorno. Último governador eleito de Pernambuco (1962), deposto e preso
em de abril de 1964, número 4 da primeira lista de cassados pelo AI-1, ele volta
iteralmente nos braços do povo: são duas mil pessoas a esperá-lo no Galeão, em
grande manifestação que se desdobra em comícios relâmpagos e mini-passeatas
espalhados por todas as dependências do aeroporto; a passagem por Crato-Ce,
para visitar a e, levanta a cidade de cem mil habitantes; o ato público de
recepção no dia 16 em Recife reúne cerca de 50 mil manifestantes, embora haja
quem fale em 100 mil. Junto com Arraes, desembarca no Galeão Márcio Moreira
Alves, o estopim da crise do AI-5, primeiro cassado através deste dispositivo, e
xilado desde dezembro de 1968. A bandeira da Anistia Ampla Geral e Irrestrita é
devidamente desfraldada nesta ocasião - o tanto, contudo, quanto àquelas
relativas à política partidária e institucional cuja centralidade é impostapela
681
Folha de S Paulo, 19 de junho de 1979, “Paulo Freire pede visto para voltar”; Folha de S Paulo, 21 de junho
de 1979, “Paulo Freire terá o seu passaporte”; Jornal do Brasil , 7 de agosto de 1979, “Educador volta depois de
14 anos de exílio, premiado pela UNESCO”.
316
articulação emedebista responsável pela aproximação de Arraes com o partido e
pela infra-estrutura e apoio logístico necessários ao bom andamento da recepção ao
ex-governador;
682
Leonel Brizola: o outrora polêmico governador do Rio Grande do Sul, o
número 10 da primeira lista de cassados pelo AI-1, retorna ao país no dia 6 de
setembro de 1979. Ele fora condenado à revelia em sete dos dezesseis processos a
que for submetido, somando 42 anos de prisão; das sete condenações, cinco
haviam sido anuladas antes da lei de anistia. Em agosto de 1979, restavam ainda
duas delas: uma de nove anos de reclusão (auditoria de Curitiba), com recurso
impetrado junto ao STM, e outra de onze anos, imposta pela auditoria de Juiz de
Fora-MG. O estilo controverso, marca registrada do perfil político de Brizola, acaba
impedindo que o seu regresso tenha a repercussão bombástica esperada. A decisão
de entrar por Foz do Iguaçu e centralizar a recepção na longínqua São Borja-RS,
adiando ao máximo a passagem por Porto Alegre, cancelando comícios previamente
marcados nas principais cidades do Rio Grande do Sul e evitando os grandes
centros, denota conduta deliberadamente diversionista e desmobilizadora: a coisa
fica restrita a algumas dezenas de parlamentares e de petebistas históricos e a
algumas centenas de trabalhistas, delegações vindas de todos os municípios
gaúchos, além de comitivas de dez estados do país e pequena representação do
movimento pela anistia. Não se tem notícia de presença significativa de
trabalhadores, nem mesmo de lideranças sindicais gaúchas. No aeroporto de o
Borja cerca de quatro mil pessoas o esperam contra a expectativa de trinta mil; o
público do comício é estimado em mil manifestantes. O caráter do evento é
682
Folha de S Paulo, 12 de setembro de 1979, “Volta de Arraes mobiliza Recife”; Estado de Minas, 14 de
setembro de 1979, “Arraes chega Domingo, Recife prepara comício”; República, 14 de setembro de 1979, “Olha
como Crato te espera, Arraes” (Ricardo Kotscho); Estado de S Paulo, 16 de setembro de 1979, “Arraes volta e
pede unidade da oposição”, “No aeroporto, uma minipasseata”, “Márcio: exilados não pretendem lideranças”.
317
eminentemente político-partidário, bem no estilo exclusivista do velho trabalhismo,
com direito a discursos diante dos túmulos de Getúlio Vargas e João Goulart. O tom
simultaneamente conciliador (em relação ao governo) e sectário (em relação às
oposições não trabalhistas) da retórica de Brizola reforça o efeito anti-climax de sua
chegada, o que certamente é constatado com algum alívio pelo Palácio do
Planalto;
683
Gregório Bezerra: Voltou no dia 30 de setembro, o membro do comitê central
do Partido Comunista Brasileiro e liderança histórica do movimento camponês no
nordeste. Participou do levante comunista de 1935 no Brasil, quando foi preso.
Anistiado em 1945, foi deputado constituinte pelo PCB em 1946. Preso em de
abril de 1964 e condenado a 10 anos de prisão, aos setenta anos, é humilhado
publicamente ao ser amarrado, brutalmente espancado e arrastado pelas ruas de
Recife. Finalmente é banido em 1969, trocado pelo embaixador americano. Bezerra,
juntamente com outros três membros do comitê central do Partidão (Luís Tenório de
Lima, Lindolfo Silva e Hércules Correa) é recebido primeiro no aeroporto do Galeão,
no Rio, por cerca de 500 pessoas e, em seguida, em Congonhas, São Paulo, por
mais de duas mil. Além do movimento pela anistia, encontram-se presentes
importantes delegações de sindicalistas (metalúrgicos, médicos, motoristas,
petroleiros, petroquímicos), estudantes, intelectuais e artistas. Os CBA’s tem
presença de destaque mas fala-se sobretudo da legalização do PCB, a principal
palavra de ordem entoada pelos manifestantes;
684
683
Folha de S Paulo, 30 de agosto de 1979, “Brizola entrará no Brasil por São Borja, mesmo”; Folha de S Paulo,
4 de setembro de 1979, “Brizola entra por Foz do Iguaçu, na Quinta-feira”; Folha de S Paulo, 5 de setembro de
1979, “Volta de Brizola não agita S. Borja”.
684
Folha de S Paulo, 30 de setembro de 1979, “Manifestações no Galeão”, “Duas mil pessoas em Congonhas na
recepção aos que voltaram do exílio”; Jornal do Brasil, 30 de setembro de 1979, “Bezerra chega pregando união
das oposições”, “Gregório pede apoio a democratas”, “Dirigentes comunistas pregam unidade da oposição”, “Ato
público no sindicato”, “Recepção de duas mil pessoas em São Paulo”.
318
Luís Carlos Prestes: Seu regresso ao país, aos 81 anos de idade, acontece
no dia 20 de outubro de 1979, depois de oito anos de exílio em Moscou e de viver
como clandestino no país de 1947 a 1971, é, talvez, aquele que contém a mais
densa carga de simbologia. Para a ditadura militar, o eterno secretário-geral do
Partido Comunista Brasileiro é representação quase arquetípica do inimigo interno a
serviço do movimento comunista internacional. Trata-se do punido número 1, cabeça
de chapa da primeira relação de personalidades atingidas pelo AI-1. Condenado a
14 anos de prisão pela Auditoria de São Paulo, é mais um dos casos raros de
político brasileiro contemplado por duas leis de anistia: a primeira, de 1945, o
alcançou quando cumpria pena de 48 anos de prisão, a que fora condenado como
um dos líderes do levante comunista de 1935. Ele é recebido em grande estilo no
Galeão por toda a direção do PCB, inclusive os sete membros do comitê central e
sua filha, Anita Leocádia, também recém-chegados do exílio;
685
pelo amigo e
correligionário Oscar Niemeyer; pelo não menos lendário advogado liberal e católico
Sobral Pinto; pelo historiador comunista Nelson Werneck Sodré; e por uma pequena
multidão de cerca de cinco mil pessoas segundo os jornais consultados e pelo
menos dez mil, segundo outras fontes.
686
No seu primeiro pronunciamento público
no Brasil depois de três décadas, Prestes não se atém aos particularismos da
questão partidária. Ao contrário, depois de prometer “continuar a luta pela anistia
ampla, geral e irrestrita” ele conclui generosamente: “Venho como simples cidadão,
685
José Sales, Gregório Bezerra, Hércules Correa, Giocondo Dias, Almir de Oliveira Neves, Lindolfo Silva e Luís
Tenório de Lima. Jornal do Brasil, 21 de outubro de 1979, “Comitê Central do PCB tem 18 membros e sete
voltaram do exílio”.
686
SOARES, Gláucio Ary Dillon, D’ARAÚJO, Maria Celina & CASTRO, Celso. A memória militar sobre a
abertura A volta aos quartéis. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995, p.310. Folha de S Paulo, 10 de setembro
de 1979, “PCB desmente lista, mas confirma volta”; Folha de S Paulo, 21 de outubro de 1979, “Prestes, à
chegada, pede anistia ampla”, “45 e 79, as duas voltas de Prestes” (Alberto Dines). E ainda: Folha de S Paulo, 5
de julho de 1979, “Para Prestes, a volta será mais fácil que a fugaFolha de S Paulo, 20 de outubro de 1979,
“Prestes encerra hoje exílio de oito anos”.
319
mas comunista. Minha primeira homenagem é para os que tombaram em defesa das
liberdades democráticas no Brasil”.
687
Francisco Julião: Desembarcou no dia 26 de outubro de 1979, no Galeão,
depois de 15 anos de exílio no México, é o grande líder das Ligas Camponesas do
Brasil. Ele é devidamente recebido por representantes das entidades de anistia e da
UNE, alguns sindicalistas, muitos deputados, todo o staff do PTB do Rio de Janeiro
e parte de sua direção nacional. Julião logo anuncia a sua adesão ao Partido
Trabalhista Brasileiro. A sua recepção assume evidente caráter de ato político do
partido em formação. Seu discurso se volta quase exclusivamente, portanto, para os
meandros da rearticulação partidária e a propaganda da causa recém abraçada. A
questão da anistia, no entanto não é negligenciada. Ele declara ao chegar: “Eu acho
que a anistia não está completa, a anistia necessita contar com mais apoio do povo
para que tiremos da cadeia e resgatemos do exílio os demais companheiros que são
tão brasileiros como a gente”
688
O que podemos constatar disso tudo é que, independente do tipo de postura
política ou do conteúdo do discurso assumidos pelos retornados, aqui é a porção
vitória que domina a porção derrota contidas na anistia parcial. A visibilidade do
movimento é ampliada ao transformar cada chegada em rum político especial que
leva às máximas consequências a bandeira da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita,
mesmo que algumas vezes esta o tenha ocupado exatamente a centralidade do
evento. Os aeroportos - sobretudo o Galeão, principal porta de entrada do país - se
transmudam, então, em “show-rooms da anistia, pontos de encontro entre os que se
687
Idem
688
Estado de Minas, 27 de outubro de 1979, “Julião Regressa e anuncia que lutará no trabalhismo”. E tb.: Folha
de S Paulo, 24 de outubro de 1979, “Petebistas preparam a recepção a Julião”; Folha de S Paulo,27 de outubro
de 1979, “Julião volta do exílio e prega a união do Povo”.
320
foram e os que ficaram”, nas palavras de Alberto Dines,
689
tornando-se, portanto,
eloquentes espaços de construção da contramemória de toda uma geração de
contestadores da ordem estabelecida que a ditadura queria eliminar do país e da
história. As mobilizações nos aeroportos tornam-se permanentes: do dia seguinte à
promulgação da Lei 6683/79 até o II Congresso Nacional pela Anistia (Salvador,
novembro/79) são ininterruptas as levas de exilados que chegam, nem todos tão
famosos, mas muitos tão malditos para o sistema e todos tão bem vindos para os
entusiastas da anistia quanto estes notáveis cuja volta acaba de ser relatada. Entre
setembro e outubro, são raros os dias em que não há nos jornais notícias do
desembarque de alguns deles. Entre elas destacam-se os vôos charter da ONU
coordenados pelo CBA de Paris, primeiras voltas coordenadas, que trazem
personalidades como Manoel da Conceição Santos (líder sindical dos trabalhadores
rurais do Maranhão) e Diógenes de Arruda Câmara (comunista histórico, dirigente
do PcdoB); a volta de todos os membros do comitê central do PCB; o retorno das
grandes lideranças estudantis de 1968, os ex-presidentes da UNE, Jo Luís
Guedes, Jean Marc Van der Weid, e Luís Travassos, o ex-presidente da UEE-SP,
José Dirceu, e o ex-presidente da União Metropolitana de Estudantes -RJ, Wladimir
Palmeira; o regresso de comunistas históricos como Apolônio de Carvalho e João
Amazonas; o desembarque conjunto de lideranças sindicais; e ainda a volta do
irmão do Henfil, José Herberth de Souza, o Betinho e de emergentes recém-
descobertos pela mídia como os banidos Fernando Gabeira e Alfredo Sirkis. É
expressivo o testemunho de Denise Rollemberg na abertura de seu livro Exílio entre
raízes e radares:
689
Folha de S Paulo, 21 de outubro de 1979, “45 e 79, as duas voltas de Prestes”.
321
“Em fins de 1979, tinha eu dezesseis anos e morava num
subúrbio carioca. O cotidiano girava em torno da escola e da família,
tipicamente de classe média, daquelas que jamais se envolveram
em política. [...] Fora desse mundo estreito, a primeira lembrança
que registro da época são as recepções nos aeroportos a pessoas
que vinham não sabia eu de onde e eram aguardadas por grupos
emocionados e animados, que levantavam faixas, disputavam
abraços, riam e choravam ao mesmo tempo. Era uma onda. Atrás
de uns, vinham outros e mais outros. Quem eram aquelas pessoas?
De onde chegavam? Porque eram recebidas assim? Ali estava uma
história desconhecida. Ou que a minha geração desconhecia. [...] O
sentimento da geração mais nova em relação aos que voltavam do
exílio é simbólico. O país, neste momento, viveu uma espécie de
esquizofrenia. As trajetórias dos que ficaram no país nos anos 1970
e dos que partiram para o exílio eram muito diferentes. Com a volta,
os caminhos se cruzavam. Partes de uma história encontravam-
se, encaravam-se. Diante de nós, o passado, vindo de longe, de
muito tempo, escondido, banido. Diante deles, um país que vivera
tantos anos numa ditadura”.
690
Neste depoimento, conseguimos visualizar a tensão compreendida na
dialética memória/esquecimento, que o movimento pela anistia levou às máximas
conseqüências, sendo exatamente uma parte da sua essência: pela primeira vez, no
Brasil, um movimento social assume aberta e explicitamente como bandeira de luta
a construção de uma contramemória e um contradiscurso referenciados na
evocação voluntária do passado enquanto resgate da memória do terror a partir da
perspectiva daqueles que não apenas sofreram, mas, sobretudo, combateram a sua
opressão. Tal procedimento engloba também o resgate da memória da luta contra o
terror e dos projetos e possibilidades de futuro nela contidos e vencidos. O governo
ditatorial fez de tudo para se “esquecer o inesquecível” percebemos a presença
deste princípio no material histórico de longa duração que engendrou a construção
da nossa problemática ‘nacionalidade sem cidadania’ - a brasilidade excludente - e a
cultura repressiva que a sustenta. Constituem suas características: a fabricação do
esquecimento; a compulsão da unidade, da indivisibilidade e do consenso; a
690
ROLLEMBERG, Denise. Exílio entre raízes e radares. Op. Cit., pp. 15/16.
322
tentativa de apropriação indébita da história pelo Estado; e, a dissolução da memória
coletiva na memória institucional. Trata-se de ofensiva no sentido da “espoliação das
lembranças”, apontada por Ecléa Bosi como um dos mais cruéis exercícios da
opressão”.
691
Esta atinge de maneira mais drástica a população mais jovem como
bem colocou Denise Rollemberg no trecho de seu livro acima citado –, é toda uma
geração que se privada do acúmulo de experiências dos mais velhos. Tal
processo constitui poderoso obstáculo para a possibilidade de intervenção na
realidade, portanto, para a construção da cidadania. Dar combate à memória do
vencedor é condição imprescindível para que o discurso, a prática e a memória da
luta sejam elevados à condição de história.
691
BOSI, Ecléa. Lembranças de velhos. São Paulo: T.A. Queiroz Editor/Edusp, 1987, p. 383.
323
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
No jornal Movimento de 04 de julho de 1979 o repórter Flávio Andrade
comenta:
"o projeto de Anistia anunciado quarta-feira pelo regime é
ainda mais parcial do que se esperava. Todos os condenados por
práticas de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal estão
excluídos - e não apenas os que praticaram 'crimes de sangue'. Não
reintegração de funções para os Anistiados a não ser em alguns
casos especiais e sujeitos a uma série de requisitos. Enfim,
Figueiredo estende sua mão enquanto, na outra, guarda bem forte,
intocável, todo o aparelho repressivo da ditadura".
em 1980 e 1981, vemos que alguns artigos procuraram mostrar os efeitos
do retorno dos exilados. No Coojornal de setembro de 1980, em uma reportagem de
Lúcio Azevedo, são mostradas as dificuldades dos Anistiados em se adaptarem no
Brasil,
"Pobres, inadaptados, repelidos pelos vizinhos, com
dificuldades para viver e trabalhar, os Anistiados ainda não se
sentem em casa depois de um ano no Brasil. Vivem uma espécie de
quarentena, e muitos enfrentam vetos políticos nos locais onde
procuram emprego".
Como se não bastasse o perdão absoluto dado aos torturadores e militares,
em artigos de 1985 e 1986, encontram-se pequenas notas que denunciam
privilégios, como indenização, promoção e reintegração, que os militares Anistiados
receberam. Se no capítulo III chamei a lei Anistia do governo de contraditória,
impopular e excludente, arrisco aqui a enxergá-la também como geradora de
ressentimentos, uma vez que foi uma lei injusta, de duas mãos. No entanto, como
adverte Ansart, o ressentimento não é um conjunto de valores, é algo mais do
324
que isso. Pensado como ferramenta analítica, o ressentimento faz parte de um
sistema teórico que procura compreender as forças de oposição presentes nos
diversos tipos de relações interiorizados nos indivíduos e em seus grupos: a
dominação, a subordinação e a insubordinação que acompanham as revoltas
políticas e sociais, aquelas que fazem história e memória. O ressentimento, desse
modo, é tratado como um impulso à transformação das realidades. Toca uma
questão sensível para a compreensão das relações entre os afetos e o político, entre
a sociedade e o Estado.
O que notamos é que os contornos da dimensão trágica da luta pela anistia
vão ficando mais nítidos no processo de consolidação da hegemonia política a partir
do esquecimento, da amnésia –, e acabam por revelar que ao longo dessa história
mais um tesouro está se perdendo e aqui recorro a Hannah Arendt: “não a mercê
das circunstâncias históricas e da adversidade da realidade, mas por nenhuma
tradição ter previsto seu aparecimento ou sua realidade, por nenhum testamento o
ter legado ao futuro” ele está se perdendo pela ação do esquecimento, por “um
lapso de memória que acometeu o apenas os herdeiros como, de certa forma, as
testemunhas”.
Seus componentes são muito semelhantes àqueles do tesouro perdido pelo
poeta René Char ao fazer a passagem de volta da memorável experiência de
republicanismo radical da Resistência Francesa para a “opacidade triste de uma vida
particular voltada apenas para si mesma”, como foi descrito pela autora no belo
prefácio de Entre o passado e o futuro.
O que está em risco nos dois casos é o próprio espírito de contestação, que
pode ser identificado com a capacidade de utopia a qual, por sua vez, tem a mesma
marca do espírito revolucionário mencionado por Arendt na passagem: “Obviamente,
325
o que se perdeu, através dessa incapacidade do pensamento e da lembrança foi o
espírito revolucionário.” Trata-se da virtude republicana que leva à criação do
espaço público onde a política pode ser praticada, ou onde “a liberdade possa
aparecer”. A luta pela anistia, à sua maneira, foi motivada por estes atributos, que
estão contidos na sua própria herança, cuja essência é a instauração da
contramemória e do contradiscurso que compõem a Anistia. Não está em questão a
solidez desta herança, mas a transformação da vivência em experiência e de ambas
em conhecimento compartilhado pela sociedade, articulação que pode ser feita
pela memória.
Em outras palavras, a herança existe, o testamento é que não foi
devidamente lavrado, travando a transmissão do magnífico legado em questão.
Ainda assim, este será devidamente apropriado por aqueles grupos que, a partir da
segunda metade da década de 1980, se constituem em seus legítimos herdeiros
políticos, o Tortura Nunca Mais e a Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos. São eles que passam a ocupar o enorme vazio político
deixado pela saída de cena do movimento que se constituíra como a grande
referência de luta contra a ditadura, como foi visto ao longo desta tese, o único a ter
como princípio o enfrentamento direto do terror de Estado e o combate a seu
arcabouço ideológico, a Doutrina de Segurança Nacional.
A Comissão de Familiares e o Tortura Nunca Mais incorporam de maneira
total, os princípios da luta pela anistia e a sua prática eminentemente instituinte,
marcada pela interlocução com a sociedade civil e o confronto com o Estado, assim
como pelo combate à tortura e à violência policial institucionalizada, cujo alvo
principal passa a ser os ‘excluídos históricos’, as ‘classes torturáveis’ de sempre.
Trata-se de movimento de militantes que se organizam voluntária e conscientemente
326
para enfrentar o poder constituído e travar o ‘bom combate’ contra a opressão, algo
muito diferente da gestalt das chamadas ONGs, organismos quase pára-estatais tão
em voga nestes tempos de neoliberalismo triunfante.
327
FONTES PESQUISADAS
Arquivo da Cúria Metropolitana
Jornal O São Paulo
“Movimentos mostram como deve ser a anistia”, p. 5, - 17 a 23 de agosto de 1979,
“Não há mal que sempre dure” – 13-19/01/79
“Polícia prende e arrebenta trabalhadores”, p. 5. - 17 a 23 de agosto de 1979, Sobre as mortes dos
trabalhadores grevistas
Anistia e direitos humanos – 20-26/01/79
Na História do Brasil, 10 anos de repressão à Igreja – 20-26/01/79
O que o povo deseja para 79 – 06-12/01/79
Seminarista torturado pela PM do Pará – 13-19/01/79
Projeto “Brasil: Nunca Mais”
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: nunca mais. Petrópolis: Vozes, 1985.
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”, 12 v., 1985.
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”. As leis repressivas, tomo IV, 1985.
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”. Os funcionários, tomo II, v. 3, 1985.
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”. O regime militar, Tomo I, 1985.
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”. A tortura, tomo V, v. 1, 1985.
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”. A tortura, tomo V, v. 2, 1985.
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”. As torturas, tomo V, v.3, 1985.
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto “Brasil: Nunca Mais”. Os mortos, tomo V, v. 4, 1985.
Arquivo do Estado de São Paulo - DEOPS
Fichas:
Amnesty Internacional – Relação Nominal de Médicos Brasileiros Detidos 20/03/78 (pasta: 50-E-33-2060)
Análise do “Em Tempo” 10/03/78(pasta: 50-E-33-2060)
Análise do “Em Tempo” de n.º 3 02/03/78(pasta: 50-E-33-2060)
Pedido de busca de José Barbosa 24/02/78(pasta: 50-E-33-2060)
Declarações que presta Sérgio Paulo Schon dec. n.º 367/78 – DFP-SP 22/09/78(pasta: 50-E-33-2060)
Declaração de Luiz Rodolfo de Barros Correia Viveiros de Castro 11/08/78(pasta: 50-E-33-2060)
Almino Afonso 14/06/78 (pasta: 50-E-33-2060)
Manifestação na Igreja Matriz de São Miguel Paulista 30/04/78(pasta: 50-E-33-2060)
Fernando Paulo Nagle Gabeira 12/04/78(pasta: 50-E-33-2060)
Vigília Cívica 02/08/78 (pasta: 50-Z-627-923)
Ato público de fundação do CBA-SP 12/05/78 (pasta: 50-Z-627-923)
Incitamento a greve 30/04/79 (pasta: 20-C-44-2354)
Ana de Cerqueira César Corbisier Mateus (pasta: 50-D-26-6131)
Movimento estudantil 20/08/79 (pasta: 20-C-44-4405)
Subversão 07/08/79 (pasta: 20-C-44-4405)
Missa de 7º dia de Orocílio M. Gonçalvez (pasta: 20-C-44-4405).
Repúdio ao projeto de Anistia Parcial 06/08/79 (pasta: 20-C-44-4405)
Movimento sindical 07/08/79 (pasta: 20-C-44-4405)
Subversão 06/08/79 (pasta: 20-C-44-4405)
Circulares e Telex:
Recrudescimento de atos de violência 28/10/77(pasta: 50-E-33-2060)
Telex para Romeu Tuma 07/08/79 (pasta: 20-C-44-4405)
Jornais e Revistas:
“A GUERRILHA DO ARAGUAIA”. Jornal da Tarde, 13 jan. 1979, Caderno Especial. (pasta: 20-C-44-4405)
“Os banidos estão chegando”. Jornal do Brasil, Rio de janeiro, 14 jan. 1979, Caderno Especial, 6 pp.
328
A Capital, 19/4/77, “Comício marca encerramento da semana de solidariedade com o povo brasileiro”.
(pasta: 20-C-44-2354)
A Gazeta, 23 de abril de 1979, “Médico torturador poderá ter o diploma cassado”. (pasta: 20-C-44-2354)
A Gazeta, São Paulo, 23 de abril de 1979, “Médico torturador poderá ter o diploma cassado” (pasta: 20-C-
44-2354)
A Luta, 11/4/77, “A repressão no Brasil em exposição de gravuras” (pasta: 20-C-44-2354)
A Luta, 18/4/77, “Semana de solidariedade”. (pasta: 20-C-44-2354)
AFFONSO, Almino. Folha de S Paulo, 4 de agosto de 1979 “Ampla, Geral, Irrestrita”. (Tendências /
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(pasta: 50-
E-33-2060)
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33-2060)
Correio Braziliense, 22 de agosto de 1979, “ANISTIA TESTA FIDELIDADE DA ARENA HOJE”, Liderança
da Arena fecha questão”, p. 4. (pasta: 50-E-33-2060)
DALLARI, Dalmo. “Anistia e restauração de direitos”, Folha de S Paulo, 10 de junho de 1979, p.10-11
(pasta: 50-E-33-2060)
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DALLARI, Dalmo. “O começo da anistia”, Folha de S Paulo, 1º de julho de 1979; (pasta: 50-E-33-2060)
De Fato Número Especial. ANISTIA, Belo Horizonte abril/78, 24 pp. (pasta: 50-E-33-2060)
De Fato, ano II, n. 24, junho de 1978, “O LISTÃO DOS TORTURADORES MINEIROS General Medeiros,
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