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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-graduação – Mestrado em Educação
ADOLESCÊNCIA(S) – APROPRIAÇÃO E USOS DE
ESPAÇOS/TEMPOS ESCOLARES EXTERNOS AOS ESPAÇOS/TEMPOS
DE SALA DE AULA:
um estudo de caso em uma escola pública da Rede Municipal de
Contagem-MG
Andréa Pinheiro Tomaz de Carvalho
Belo Horizonte
2008
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1
Andréa Pinheiro Tomaz de Carvalho
ADOLESCÊNCIA(S) – APROPRIAÇÃO E USOS DE ESPAÇOS/TEMPOS
ESCOLARES EXTERNOS AOS ESPAÇOS/TEMPOS DE SALA DE AULA:
um estudo de caso em uma escola pública da Rede Municipal de Contagem-
MG
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação Mestrado em Educação da
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Dra. Sandra de Fátima Pereira
Tosta
Belo Horizonte
2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Carvalho, Andréa Pinheiro Tomaz de
C331a Adolescência(s) – apropriação e usos de espaços/tempos escolares externos
aos espaços/tempos de sala de aula: um estudo de caso em uma escola pública
da Rede Municipal de Contagem-MG / Andréa Pinheiro Tomaz de Carvalho.
Belo Horizonte, 2008.
210f. : il.
Orientadora: Sandra de Fátima Pereira Tosta
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Educação.
1. Adolescência. 2. Adolescentes – Aspectos culturais. 3. Escolas públicas –
Contagem (MG). 4. Adolescentes - Educação. 5. Espaço e tempo. I. Tosta,
Sandra de Fátima Pereira. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.
CDU: 374.3
Andréa Pinheiro Tomaz de Carvalho
ADOLESCÊNCIA(S) – APROPRIAÇÃO E USOS DE ESPAÇOS/TEMPOS
ESCOLARES EXTERNOS AOS ESPAÇOS/TEMPOS DE SALA DE AULA:
um estudo de caso em uma escola pública da Rede Municipal de Contagem-
MG
Dissertação apresentada ao Programa de s-Graduação em Educação
e aprovada em 31 de março de 2008, pela banca examinadora constituída por:
_______________________________________________________
Profa. Dra. Sandra de Fátima Pereira Tosta (Orientadora) – PUC Minas
_______________________________________________________
Profa. Dra. Maria Inez Salgado – PUC Minas
_______________________________________________________
Profa. Dra. Regina Reyes Novaes - UFRJ
A meus pais,
Por tudo...
A minha filha Júlia e meu marido Clésio pelo
amor e união...
AGRADECIMENTOS
A princípio quero agradecer àqueles que são os maiores responsáveis
pela minha formação como pessoa e como educadora: José Tomaz (com
saudades) e Isa, meus pais. Agradeço-lhes pelo apoio dado durante todo o
caminho percorrido até chegar ao mestrado. Ao meu pai, pelas lições de vida.
À minha mãe, grande educadora, pelo exemplo.
Ao meu marido Clésio, pelo amor e paciência, por estar ao meu lado
antes e durante o mestrado e com quem quero estar para sempre.
À minha filha Júlia que soube compreender meus caminhos, meus
momentos de ausência e até mesmo dar sugestões com seu jeitinho doce e
meigo de ser. Obrigada pelo seu sorriso que recebo a cada dia.
Mas tenho ainda muito a agradecer...
À minha querida orientadora Sandra por acreditar em mim, por me
apoiar com sua firmeza, por suas indagações, por seus incentivos, pelo
exemplo, pelo estágio docência.
Aos adolescentes com os quais trabalhei, que me desafiaram a
conhecê-los.
Aos adolescentes da Escola Galáxia, que me permitiram entrar em seus
pedaços para fazer esta pesquisa de forma tão agradável.
Á diretora da Escola Galáxia pela acolhida, pelo apoio e pela liberdade
de trabalho.
À vice-diretora, às pedagogas, aos professores e funcionários da Escola
Galáxia pela acolhida.
À minha diretora Fátima e aos vice-diretores Luciano e Magno, da
Escola Municipal Maria Silva Lucas, pelo apoio incondicional para que eu
pudesse percorrer este caminho.
Aos meus parceiros de trabalho Carolina e Daniel, pelas substituições
nos momentos necessários. Ao Daniel, ainda, pela contribuição para um maior
entendimento do grupo “Emo”, pela colaboração na construção do abstract.
Aos professores do 3º ciclo da Escola Municipal Maria Silva Lucas.
Aos meus antigos “chefinhos” companheiros de trabalho: Maria José,
José Maria, Elisa, Emilene, Cristiane e Renato pelo apoio e estímulo pessoal,
no início desta caminhada.
Aos meus irmãos: Beatriz, Adriana, Rosane, Rogério e Rodrigo pelas
valiosas contribuições. Em especial à Adriana pelos momentos de dedicação.
Às colegas de mestrado, parceiras de caminhada, Amanda e Cláudia,
pelas trocas e reflexões.
Aos professores do Mestrado em Educação da PUC, pelos
conhecimentos adquiridos, em especial, ao professor Dr. Carlos Roberto Jamil
Cury, pelas contribuições sobre direito, legislação e educação.
À professora Doutora Anna Maria Salgueiro Caldeira, pelo estímulo dado
durante a qualificação do projeto.
À Renata e Valéria pela atenção e competência.
Aos participantes da banca examinadora pelas críticas que construtivas
e pelo incentivo ao trabalho.
A Deus, pela luz...
A todos aqueles que não mencionei o nome, mas que sabem que, de
alguma forma, através de uma palavra ou um gesto, me deram a mão ao longo
da travessia.
Enfim, à CAPES que, através da concessão da bolsa de estudos,
contribuiu para a realização deste sonho.
PROCURA DA POESIA
[...]
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
Há clima e frescura na superfície intacta.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros.Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
Com o poder da palavra e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema.
Aceita-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no
espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
E te pergunta, sem interesse pela resposta,
Pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
[...]
Carlos Drummond de Andrade
RESUMO
Esta dissertação trata de uma investigação junto a diversos adolescentes,
observando, registrando e descrevendo seus estilos culturais, com o objetivo
de analisar como estes diferentes sujeitos se apropriam e significam os
espaços/tempos que ocupam na escola externos aos espaços/tempos da sala
de aula. Os sujeitos dessa pesquisa são adolescentes, alunos regularmente
matriculados e freqüentando uma escola da Rede Municipal de Contagem,
Minas Gerais, onde permaneci durante o mês de fevereiro a novembro de
2007, num total aproximado de 100 horas de pesquisa em campo. A pesquisa
fundamentou-se nos estudos sócio-antropológicos e suas contribuições à
investigação educacional, tendo como referencias principais as discussões
sobre a(s) cultura(s), a(s) adolescência(s), e a escola para adolescentes. Outro
eixo teórico de análise foi o acesso dos adolescentes à escola pública, a partir
da legislação referente à educação e à adolescência, enfocando a proposta de
implantação dos ciclos de formação humana em Contagem. A metodologia
utilizada foi de abordagem qualitativa, - um Estudo de caso conjugado com o
uso de questionários, entrevistas e observação direta no campo. Os principais
resultados indicam que os adolescentes (res)significam, ao seu modo e a partir
das interações com a escola, com os funcionários e com os outros
adolescentes, principalmente, os espaços/tempos escolares atribuindo-lhes
diferentes apropriações e usos. A pesquisa também permite afirmar que a
construção de uma escola para adolescentes requer que estes alunos sejam
vistos também nos espaços/tempos exteriores à sala de aula.
Palavras-chave: adolescência, adolescência e escola, cultura, espaços e
tempos, apropriação e uso.
ABSTRACT
This dissertation is an investigation with several teenagers, observing, recording
and describing their cultural styles, in order to examine how these different
subjects appropriate and give meaning to time and space they occupy in school
outside classroom’s space/time. The subjects of this research are teenagers,
students regularly enrolled and attending the Contagem’s Public Municipal
Network of Education, Minas Gerais, Brazil, where I remained during the month
of February through November of 2007, a total of approximately 100 hours of
field research. This research grounds on the socio-anthropological studies and
their contributions to educational research, with the main references the
discussions about culture(s), adolescence(s), and the school for adolescents.
Another axis of theoretical analysis was the access of adolescents to public
schools, from the legislation covering education and adolescence, focusing on
the proposed deployment in Contagem’s educational system of the human’s
graduation cycle. The methodology used was a qualitative approach, - a case
study in conjunction with the use of questionnaires, interviews and direct
observation in field. The main results indicate that adolescents give meanings,
by their ways, and from interactions with the school, officials and, especially,
other teenagers, to school’s space/time, giving them different appropriations
and uses. The research also allows saying that the construction of a school for
teenagers requires that these students must be seen also in space/time outside
the classroom.
Keywords: adolescence, adolescence and school, culture, space and time,
ownership and use.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 A Galáxia 57
FIGURA 2 Mobilização da comunidade 63
FIGURA 3 Construção da Escola 64
FIGURA 4 Construção do ginásio 64
FIGURA 5 Inauguração 64
FIGURA 6 A escola Galáxia construída 65
FIGURA 7 O muro da escola 69
FIGURA 8 Pátio externo visto da entrada 70
FIGURA 9 Placa indicativa 71
FIGURA 10 Espaço dos banheiros e bebedouros 71
FIGURA 11 Bancos 72
FIGURA 12 Bancos mais afastados e paredes do ginásio 72
FIGURA 13 Escada em espiral 73
FIGURA 14 Buracos feitos no ginásio 73
FIGURA 15 Pátio de cima - porta de acesso ao hall 74
FIGURA 16 Mural do hall 74
FIGURA 17 Janelas 75
FIGURA 18 Jardins 75
FIGURA 19 Salinha 76
FIGURA 20 Prédio do 1º ciclo 76
FIGURA 21 Espaço de brincar 77
FIGURA 22 Espaço externo lateral 77
FIGURA 23 Biblioteca 78
FIGURA 24 Aliança de compromisso 108
FIGURA 25 Estilos adolescentes 112
FIGURA 26 Estilos adolescentes (boné pendurado na mochila, calça jeans
rasgada) 112
FIGURA 27 Estilo moicano 113
FIGURA 28 O muro da escola (grafitagem) 127
FIGURA 29 O portão 2 – Venda de merenda 129
FIGURA 30 Guarita 132
FIGURA 31 Pátio durante o recreio 133
FIGURA 32 Pátio lateral - A árvore dos Emos 135
FIGURA 33 Pichação na árvore dos Emos 135
FIGURA 34 O novo estacionamento 136
FIGURA 35 A nova praça 136
FIGURA 36 Lucas lendo a placa do Jardim 137
FIGURA 37 Zoação no ginásio 138
FIGURA 38 Muro do ginásio 139
FIGURA 39 Pichação no banco do ginásio 139
FIGURA 40 Bandeira da paz/mendigo 141
FIGURA 41 Deitados no ginásio 141
FIGURA 42 A escada em espiral após o sinal do recreio 143
FIGURA 43 Lucas esperando para subir 143
FIGURA 44 Banheiro Feminino 146
FIGURA 45 Meninas no banheiro 147
FIGURA 46 Pichação no banheiro feminino 148
FIGURA 47 Pichação RBD 149
FIGURA 48 Pichação no banheiro feminino – recado 149
FIGURA 49 Banheiro Feminino grafitado 1 150
FIGURA 50 Banheiro Feminino grafitado 2 151
FIGURA 51 Banheiro Masculino 151
FIGURA 52 Banheiro Masculino- grafitagem 152
FIGURA 53 Banco da Amizade 153
FIGURA 54 Bancos do descanso (eu e os adolescentes) 155
FIGURA 55 Júnior no “banco do descanso” 155
FIGURA 56 Antes do escorpião 157
FIGURA 57 Hall 159
FIGURA 58 Mural – campeões do xadrez (Layla – 4º lugar) 160
FIGURA 59 Mural 160
FIGURA 60 A turma na janela 163
FIGURA 61 Pulando a janela 164
FIGURA 62 Troféus de 2006 168
FIGURA 63 Palestra 173
FIGURA 64 Estacionamento 174
FIGURA 65: Antigo estacionamento 174
FIGURA 66: Vôlei no recreio 184
FIGURA 67: Pedaço do portão onde compram merenda 185
FIGURA 68 Representação dos espaços por onde os 12 adolescentes circulam
195
FIGURA 69 Apropriação dos espaços pelos 12 adolescentes 196
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 Fases de formação humana 81
GRÁFICO 2 Renda Familiar 82
GRÁFICO 3 Lazer no Final de Semana 83
GRÁFICO 4 Etnia/raça 83
GRÁFICO 5 Aparelhos eletrônicos 114
GRÁFICO 6 Humilhação sofrida na escola 119
LISTA DE ABREVIAÇÕES
AIDS- Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
CAIC- Centro de Atenção Integral a Criança e ao Adolescente
CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CFH- Ciclo de Formação Humana
CEFET- Centro Federal de Educação
CIAC - Centro Integrado de Assistência à Criança
CIEP - Centro Integrado de Educação Pública
CIEP- Centro Integrado de Educação Pública
DST- Doenças Sexualmente Transmissíveis
ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente
FUNDEB- Fundos da Educação Básica
FUNDEF- Fundos do Ensino Fundamental
FUNEC- Fundação de Ensino de Contagem
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP- Instituto Nacional de Estatística e Pesquisa
LDB- Lei de Diretrizes e Bases
MEC- Ministério da Educação e Cultura
MUNIC- Informações Básicas Municipais
OMS- Organização Mundial de Saúde
ONG- Organização não Governamental
Org.- Organizador
PNAD- Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e aos Adolescentes
PUC- Pontifícia Universidade Católica
SEDUC- Secretaria de Educação e Cultura
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO – trilhando caminhos..........................................................18
1.1 Encontrando com adolescentes - A busca do refinamento teórico e
metodológico da pesquisa.............................................................................18
1.2 Construindo o objeto de pesquisa..........................................................21
1.3 Chegando à Galáxia – A escolha da escola............................................22
1.4 O percurso metodológico ........................................................................23
1.5 Plano de trabalho – A composição do texto...........................................24
2 ADOLESCÊNCIA(S) .................................................................................27
2.1 Adolescentes na Contemporaneidade....................................................27
2.2 Tecendo Relações – Construindo Identidades ......................................33
2.3 O Corpo Adolescente e seus Significados.............................................36
3 ESCOLA E ADOLESCÊNCIA(S)..............................................................41
3.1 O Acesso dos Adolescentes à Escola Pública.......................................41
3.1.1. As Leis Educacionais e os Adolescentes................................................43
3.1.2. Os Ciclos de Formação Humana em Contagem.....................................47
3.2. A Escola como Espaço de Diferença Cultural.......................................51
4 EXPLORANDO A Galáxia........................................................................57
4.1. Desvelando o Campo – Um Estudo de Caso........................................57
4.2. Realizando o Estranhamento..................................................................59
4.3. Aspectos Históricos da Escola Galáxia.................................................61
4.4. Os Espaços da Escola Galáxia...............................................................69
5 OS ADOLESCENTES DO 3º CICLO DA Escola Galáxia........................80
5.1. Os Adolescentes da Escola Galáxia ......................................................80
5.2. Os Sujeitos da Pesquisa – 12 Estrelas da Galáxia................................84
5.2.1.Conhecendo as doze estrelas da Galáxia ...............................................85
5.3. O que os Adolescentes dizem sobre o espaço/ tempo da e para a
Adolescência.................................................................................................105
6. A Relação dos Adolescentes com os Espaços/tempos Escolares...122
6.1. Adolescentes ressignificando espaços escolares .............................126
6.1.1. O muro da escola..................................................................................127
6.1.2 Os portões da escola.............................................................................128
6.1.3.A Guarita................................................................................................132
6.1.4. O Pátio..................................................................................................133
6.1.5. Espaço gramado ao lado do ginásio.....................................................134
6.1.6. Os Jardins.............................................................................................136
6.1.7. O Ginásio..............................................................................................138
6.1.8. A Escada em espiral.............................................................................142
6.1.9. A Quadra de cima.................................................................................144
6.1.10. O Pátio coberto...................................................................................144
6.1.11. Os Banheiros ......................................................................................145
6.1.12. Os Bancos ..........................................................................................153
6.1.13. O Pátio de cima ..................................................................................158
6.1.14. O Hall de entrada................................................................................158
6.1.15. Os Corredores ....................................................................................161
6.1.16. As Salas de aula.................................................................................162
6.1.17. A Sala do grêmio ................................................................................167
6.1.18. A Salinha de baixo..............................................................................168
6.1.19. Cantina................................................................................................169
6.1.20. O Auditório..........................................................................................171
6.1.21. O Estacionamento ..............................................................................174
6.1.22. Biblioteca ............................................................................................175
6.2. Os adolescentes ressignificando Tempos Escolares Fora de Sala de
Aula................................................................................................................178
6.2.1. Entrada .................................................................................................179
6.2.2. Período de aula.....................................................................................180
6.2.3. Recreio..................................................................................................183
6.2.4. Saída 187
6.2.5. Dia de dispensa quinzenal....................................................................187
7. A Teia de Relações CONSTRUIDA com e nos Espaços e Tempos
Escolares.......................................................................................................189
7.1. Como os diferentes sujeitos se relacionam nos espaços/tempos escolares
externos aos espaços/tempos de aula?..........................................................190
7.2. Como os diferentes sujeitos se relacionam com o espaço escolar externo
aos espaços/ tempos de aula? .......................................................................194
CONCLUSÕES – a chegada como ponto de partida..................................199
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................204
18
1 INTRODUÇÃO – TRILHANDO CAMINHOS
1.1 Encontrando com adolescentes - A busca do refinamento teórico e
metodológico da pesquisa
Desde a infância, minha caminhada seguiu a trilha da educação. Tendo
uma mãe professora alfabetizadora e tendo estudado em um Colégio onde
realizavam um trabalho de orientação educacional que eu considerava
encantador, desde a adolescência sabia: queria ser pedagoga! Iniciei minha
carreira profissional em 1993, e, desde então, trabalhei com diversas faixas
etárias, em diferentes níveis de ensino (Educação Infantil, Ensino Fundamental,
Médio e Pós-médio), lidando com uma diversidade de sujeitos. Esta
experiência múltipla me fez compreender que os sujeitos, nas diferentes etapas
de suas vidas, possuem demandas específicas e a escola deveria dar conta
delas. De todas as fases trabalhadas a que mais me desafiou foi a
adolescência. Quando parti de uma experiência com educação infantil para o
trabalho como pedagoga de a 8ª séries percebi duas realidades distintas.
Para trabalhar com crianças eu precisei conhecê-las e elaborar atividades a
partir dos desejos e necessidades desta fase da vida. No entanto, estava
lidando agora com sujeitos com outras necessidades e interesses e, do mesmo
modo, precisava conhecê-los para trabalhar com eles.
Confesso que no primeiro dia em que entrei nas salas de aula para
apresentar-me aos alunos, um ficava dentro e o outro fora. Quem seriam
estes sujeitos? Como trabalharia com eles? Que linguagem deveria usar? Não
cantaria mais músicas infantis, das quais tenho um repertório imenso, nem
brincaria? Dei um passo à frente e os encarei. Afinal, havia passado em um
concurso público e era ali que permaneceria por algum tempo. Aos poucos
percebi que estar com eles não era tão medonho assim. A minha própria
experiência como adolescente e a minha formação me ajudaram a lidar com
alunos desta faixa etária. Comecei a gostar de trabalhar com eles. A alegria, a
paixão, o humor oscilante e a afetividade dos sujeitos adolescentes me
19
despertaram a necessidade de penetrar em seus mundos para melhor
compreender suas necessidades e expectativas.
Em minha prática com esses alunos ficou evidente que profissionais
que se recusam a trabalhar com eles, outros têm medo da possibilidade de
violência e agressão. Quantos profissionais, entre pedagogos
1
, professores de
artes e outros, que quando podem optar por turmas de crianças ou
adolescentes, costumam decidir pelas primeiras. Outro exemplo é que, para
ingressar no mestrado, precisei fazer uma troca de turno e não consegui.
Dentro da minha própria escola e de outras fiz tentativas de permuta mal
sucedidas porque pedagogas que atuavam com crianças preferiram não
trabalhar com adolescentes. Resolvi a questão de outra maneira; mas o fato é
que esta e outras situações me levaram a formular algumas perguntas: Por que
estes sujeitos são temidos por muitos? Por que tantos profissionais se recusam
a trabalhar com eles?
Os comentários vindos de profissionais com os quais convivia e da
própria sociedade sobre os adolescentes, muitas vezes, por falta de
conhecimento real de quem são estes sujeitos, se mostravam, em geral,
pejorativos. É comum ouvir frases como: “esses adolescentes pensam em
namoro (ou sexo)”, “são violentos”, “são desinteressados”, “brigam o tempo
todo”, entre outras. Tudo isso me incomodava e me desafiava a desnaturalizar
estas concepções, pois sentia-me e sinto-me mais ainda responsável por esses
adolescentes. Acredito que não podemos temê-los. Nossa função como
educadores é contribuir para a formação deste sujeito em sua realidade,
concretude e diversidade.
Acreditava que as mudanças sociais que geraram o grande acesso de
sujeitos, antes excluídos do processo educacional, contribuíram para a
insegurança dos profissionais que trabalham com adolescentes. Teriam que
lidar com um outro tipo de sujeito dentro da escola.
É fato, também, que esta fase é a que mais preocupa a sociedade como
um todo. Ao que tudo indica, não houve, ao longo da história, tanta
preocupação com a adolescência e a juventude como na contemporaneidade,
1
Empregarei ao longo do texto o gênero masculino: adolescente, jovens, estudante, professor, educador
para designar os gêneros masculino e feminino, sem conotação discriminatória.
20
seja pelo incômodo social com que são vistos, seja por um tipo de
supervalorização destes sujeitos como sujeitos de direito e de consumo. De
qualquer forma, estamos no auge do debate sobre esta etapa do ciclo da vida,
haja vista os inúmeros estudos e publicações que têm enfocado a adolescência
e juventude em seus vários aspectos. E não só a academia e o Estado, com as
políticas públicas, têm se ocupado desses sujeitos, mas também a indústria
cultural em seus vários setores: TV, cinema, rádio, música, literatura, internet,
dentre outros
2
.
Considerando que trabalho com adolescentes na escola pública, mais
complexo se torna este quadro. São sujeitos de direitos como todos e, no
entanto, suas oportunidades de lazer, consumo, estudos, são restritas. São
adolescentes de camadas populares que carregam o estigma de marginais, o
que creio ser um preconceito inadmissível para quem educa alunos em
qualquer faixa etária. Fatores como a violência, as drogas, brigas de gangues,
entre outros, rondam as trajetórias destes sujeitos. Considero que isto não é
uma condição posta, mas, sim, obstáculos que o criados em seu meio
social.
Vale lembrar que esse quadro de violência, inclusive, não se restringe à
adolescência nas camadas populares. A violência e o consumo de drogas
atingem a todos, e os resultados desse quadro já são bastante visíveis.
Assim, o ingresso no mestrado foi motivado pelo desafio de conhecer a
adolescência nos espaços/tempos escolares, sem confinar estes
espaços/tempos na sala de aula, mas nas interações que ocorrem em seu
exterior.
2
Refiro à publicações sobre adolescência e juventude e vários deles estão referenciados nesse texto; a
instalação dos observatórios de juventude; as mídias impressas e televisionadas voltadas para esse
segmento; o festival de cinema de Tiradentes(MG), cujo tema em 2008 foi relacionado à juventude; além
da vasta bibliografia.
21
1.2 Construindo o objeto de pesquisa
Cheguei ao mestrado cheia de expectativas. Queria estudar a linguagem
oral e corporal, a cultura adolescente, como estes aprendem, enfim, muitas
idéias se misturavam, mas tinha uma certeza: meus sujeitos seriam
adolescentes. Aos poucos, fui adquirindo, através dos estudos, maior
maturidade e assim lapidando meu objeto.
Comecei então a fazer diversas leituras, uma delas a do filósofo Merleau
Ponty e estava certa de que precisava ver além do que se e ter uma
“percepção atenta” (Merleau-Ponty, 2006). O que desejava era vê-los por
diferentes ângulos e mostrar, através da pesquisa, sujeitos que se mostram e
se escondem no horizonte do espaço escolar.
Concluí então que, através do corpo presente, o adolescente se
apropriava dos espaços escolares. Assim, fui percebendo que o meu problema
estaria mais ligado à forma como os adolescentes, por meio de seus corpos, se
apropriam dos espaços escolares e como se interagem com este e neste
espaço. Que significados atribuem a estes? Durante a pesquisa percebi que o
espaço não está sozinho. Ele caminha junto com o tempo, que o uso deste
depende do tempo em que é usado.
No entanto, queria investigá-los como adolescentes no espaço escolar,
sem o estigma homogeneizante de “aluno”. Assim, optei por investigar os
espaços/tempos externos à sala de aula, por considerar estes pouco vistos
pelos profissionais da escola e, assim, pouco vigiados. Desta forma, os
adolescentes nestes espaços/tempos poderiam mostrar-se mais livremente e,
assim, demonstrar como são, o que fazem, como fazem. Mesmo porque, meu
foco não era o aluno e sim os adolescentes dentro do espaço escolar.
Foi assim que meu objeto de pesquisa foi sendo gradativamente
construído. Amparada nos ensinamentos de Bourdieu (1989) fui tentando
cercá-lo, com o cuidado de não generalizar, mas pensá-lo particularmente.
Para isto precisei escolher cuidadosamente a metodologia e seus recursos e
negociar com uma escola onde pudesse realizar a pesquisa.
22
1.3 Chegando à Galáxia – A escolha da escola
Tendo trabalhado na Secretaria de Educação de Contagem, conhecia
muitas escolas pertencentes a este município. Não gostaria de investigar uma
escola que conhecia, pois queria chegar a um campo inexplorado. Porém,
precisava ter liberdade para circular pelos diversos espaços. Então, procurei
uma escola onde eu tivesse a indicação de uma direção aberta, que me
deixasse percorrer os espaços da instituição. Cheguei a conversar em duas
escolas até que um dia, em um momento informal, encontrei com uma diretora
e ela me contou um pouco sobre os projetos desenvolvidos com adolescentes
em sua escola fora do turno das aulas. Foi então que optei pela escola Galáxia.
Os projetos em si não foram abordados sistematicamente em minha pesquisa,
que queria explorar os espaços/tempos dentro do turno das aulas, mas fora
de sala de aula.
Antes de iniciar as observações em campo expus meu projeto e seus
objetivos para a direção, depois para a pedagoga que atuava com ciclo, em
seguida expus em reunião com os professores e assistente escolar
3
que
atuavam com 3º ciclo e, enfim, aos alunos.
Embora a diretora não se importasse com a identificação da escola,
preferi escolher um nome fictício, pensando nos significados que esta teve para
mim. Acredito então ser o nome Galáxia expressivo para representá-la, pois a
escola tem um espaço muito amplo e eu tinha a idéia fixa de explorar o
desconhecido. Então, nada melhor que explorar a Galáxia. Segundo a Grande
Enciclopédia Barsa (2005), Galáxia é:
Um sistema astral composto de numerosos e variados corpos
celestes, sobretudo estrelas e planetas, com matéria gasosa
dispersa, animado por um movimento harmonioso. As galáxias
constituem os conjuntos mais complexos do universo conhecido (p.
490, v.6)
Investigava um espaço/tempo complexo e pouco conhecido, o
espaço/tempo externo à sala de aula. Nesse espaço uma diversidade de
3
Até o ano de 2006, este profissional era designado em Contagem como disciplinário escolar. Sua função
é contribuir para a manutenção da disciplina na escola.
23
estrelas e planetas com características diversas formavam um espaço/tempo
próprio daquele sistema escolar.
Assim, cheguei com minha lente: meus olhos, ouvidos, lápis, caderno,
máquina fotográfica e MP3 para desvendar os movimentos dos corpos
adolescentes nos espaços da Galáxia.
1.4 O percurso metodológico
Segundo Goldenberg (2004), a metodologia do trabalho científico é a
organização, o planejamento do caminho a ser percorrido. tinha lapidado
meu objeto de pesquisa, portanto, cheguei ao campo amparada pelas teorias já
estudadas e com o olhar preparado, mas incerto. havia aprofundado nos
estudos sobre adolescência, sobre as leis educacionais que impulsionaram o
grande acesso dos adolescentes aos anos finais do Ensino Fundamental,
sobre adolescência e corpo e sobre espaços escolares. Mas, o que veria no
campo? Como seria recebida pelos sujeitos adolescentes? Diferente do meu
primeiro contato de trabalho, desta vez meus dois pés estavam dentro da
escola, com o desejo de descobrir tudo o que pudesse no curto espaço de
tempo de aproximadamente seis meses.
Tinha à minha frente um grande campo: um espaço imenso
movimentado pelos adolescentes num período de tempo subdividido em horas
ou minutos. “Estrelas”, “planetas” e outros corpos estavam diante de mim... Eu
conhecia algo parecido, mas com o olhar de profissional que impõe limites, que
educa, que forma. Como seria estar ali, no meio deles, sem cobrar que
cumprissem as regras escolares? Isto me parecia estranho, ao mesmo tempo
prazeroso. Não precisava ser uma figura disciplinadora.
Assim, realizei um estudo de caso sobre e com os adolescentes no
espaço. Ou melhor, desvendando como os adolescentes do ciclo de uma
escola pública do Município de Contagem/Minas Gerais se apropriam de
espaços/tempos externos aos espaços/tempos de aula.
A princípio e durante todo o processo realizei uma observação
participante: olhando, escutando, anotando, conversando, perguntando e
respondendo perguntas... Aos poucos fui identificando sujeitos diferentes neste
24
espaço e através desta observação cheguei perto de 12 estudantes que,
olhando desatentamente, são apenas alunos adolescentes. Mas, ao focar a
lente, passam a ser estrelas com características e brilhos próprios: umas com
brilho mais intenso, outras menos, umas maiores, outras menores, enfim, com
marcas que, para mim, foram muito importantes, como veremos adiante.
Chegando até estas estrelas comecei as entrevistas e minhas
observações se direcionaram mais a elas. Como interagem com este
espaço/tempo e neste espaço/tempo? Elas se relacionam? Como? Como
vêem este espaço/tempo escolar? Como vêem o espaço/tempo da
adolescência, já que são dimensões interconectadas?
Mas, ao observá-los mais de perto, não poderia deixar de ver que, perto
deles, outros adolescentes queriam me dizer sobre esta fase, sobre a escola,
sobre suas vidas. Assim, para caracterizar os adolescentes do ciclo (6ª, 7ª e
8ª séries) da Escola Galáxia, apliquei um questionário sócio, econômico e
cultural buscando dados sobre eles. Que pessoas ocupavam aqueles
espaços/tempos que eu pesquisava? De que adolescentes estou falando?
Caracterizar somente os 12 sujeitos me traria uma visão reduzida. Assim,
ampliando o foco, responderam ao questionário 194 adolescentes presentes na
Escola Galáxia, no dia 13 de novembro de 2007.
Paralelamente realizei uma pesquisa documental, analisando fotos,
registros do diário e da secretaria, projeto político pedagógico e outros registros
da escola. Fiz, então, a partir destes e das conversas com funcionários, a
caracterização da Escola Galáxia.
Assim, realizei uma pesquisa qualitativa, um estudo de caso cujo
percurso me levou aos poucos a focar a lente no que realmente queria: como
os adolescentes se apropriam dos espaços/tempos escolares externos à aula e
como se interagem neste e com este?
1.5 Plano de trabalho – A composição do texto
O ingresso no mestrado, e anteriormente a isto, sabia que a pesquisa
científica deve estar amparada em teorias para que haja um deslocamento do
senso comum ao conhecimento científico.
25
Segundo Bourdieu (1989):
A ruptura (com o senso comum)
4
é, com efeito, uma conversão do
olhar e pode-se dizer do ensino da pesquisa em sociologia que ele
deve em primeiro lugar “dar novos olhos” como dizem por vezes os
filósofos iniciáticos. Trata-se de produzir, senão “um homem novo”,
pelo menos, “um novo olhar”, um olhar sociológico. (p. 49)
Para romper com o senso comum precisei rodear alguns aspectos
teóricos para chegar ao conhecimento pretendido. Diversos teóricos foram
estudados, até que fizesse opções pelas idéias aqui mencionadas. Conforme
dito por Brandão (2002), existe uma grande dificuldade nas pesquisas no
campo da educação em delimitar fronteiras entre as áreas de conhecimento.
Assim, embora tenha recorrido a sociólogos, historiadores, filósofos e outros,
optei por realizar uma pesquisa com a perspectiva antropológica cujo foco
seria: adolescentes diferentes apropriando-se (significando ou ressignificando)
espaços/tempos escolares. Questões sobre diferença e cultura permearam
esta pesquisa.
Inicialmente, fez-se necessário compreender a adolescência e os
aspectos desta fase da vida. O resultado é que no capítulo 1 discuto o conceito
de adolescência, diferenciando-o do conceito de juventude e delimitando uma
faixa etária para investigação: 12 a 18 anos. Divido o capítulo em três partes:
“Adolescentes na contemporaneidade”, buscando compreender como a
adolescência foi definida e que aspectos a influenciam hoje. Depois, busco
discutir sobre como as relações influenciam na formação da identidade no
subtítulo denominado “Tecendo relações - construindo identidades” e aqui
minhas referências são diversos autores que tratam da adolescência. Como
não poderia deixar de considerar “O corpo adolescente e seus significados”,
este é o terceiro subtítulo enfocando o corpo como elemento de conformação
identitária destes sujeitos.
No capitulo 2 discuto sobre como adolescentes diferentes do que
habitualmente freqüentavam a escola pública chegaram à esta, sobre as leis
que influenciaram este acesso e sobre a escola em ciclos que se forma em
Contagem desde 1998, considerando a importância da escola ter como foco as
4
Parênteses acrescentados pela pesquisadora.
26
diferentes fases da vida. Para pensar na escola atual foi preciso, ainda, discutir
sobre cultura, diferença cultural e escola. Amparada na antropologia, esta
abordagem pretende englobar os aspectos relevantes que cercam os
adolescentes na escola atual, para posteriormente discutir como eles se
relacionam com e no espaço escolar.
No capítulo 3 chego à Galáxia e assim falo sobre a metodologia utilizada
e sobre o estranhamento no campo, sobre os aspectos históricos da escola e
descrevo os espaços observados nesta escola.
No capítulo 4, enfim, chego às estrelas. Quem são os 12 adolescentes
sujeitos da pesquisa? E ainda, como os adolescentes do ciclo da Escola
Galáxia vêem o espaço/tempo da adolescência. Aqui é necessário fazer uma
observação: ainda que tenha chegado aos adolescentes da escola Galáxia no
capítulo 4, eles sempre estiveram presentes desde os primeiros momentos da
minha escrita e das reflexões propiciadas pela pesquisa. Aqui falo
especificamente do contexto onde estou inserida e da visão destes
adolescentes, neste espaço e tempo.
No capítulo 5 chego à chave do problema: como estes 12 adolescentes
e seus pares significam os espaços e os tempos da escola Galáxia, criando
pedaços” de convivência, segundo a teoria do antropólogo Magnani.
A partir do conhecimento dos significados que dão aos espaços, faço, no
capítulo 6, as reflexões sobre como, então, apropriando-se destes
espaços/tempos escolares externos aos espaços/tempos de sala de aula, os
adolescentes se relacionam com estes e nestes.
Finalmente, faço as minhas conclusões, que considero serem apenas o
início de um aprofundamento do conhecimento científico sobre adolescência e
escola. É a chegada como ponto de partida.
27
2 ADOLESCÊNCIA(S)
Considerando que a pesquisa refere-se aos adolescentes do ciclo de
uma escola da Rede Municipal de Contagem, faço neste capítulo uma
discussão teórica sobre a adolescência de hoje, englobando aspectos que
levam a formação identitária como o corpo e as relações.
2.1 Adolescentes na Contemporaneidade
Que vai ser quando crescer? Vicem perguntando em redor. Que é
ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou
a gente principia a ser quando cresce? É terrível, ser? Dói? É
bom? É triste? Ser: pronunciado o depressa, e cabem tantas
coisas? Repito: ser, ser, ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou
obrigado a? Posso escolher? Não para entender. Não vou ser.
Não quero ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser. Esquecer.
Carlos Drummond de Andrade
A adolescência no mundo contemporâneo tornou-se uma questão que
preocupa a sociedade. Pois, nesse contexto, emerge um novo tipo de
adolescente, que aparece diferente a cada dia. Esta fase, tida como um estágio
de passagem para a vida adulta, torna-se cada vez mais incerta, indefinida.
Mas, será que a adolescência pode ser explicada simplesmente como um
período de transição? O que significa a adolescência e ser adolescente? Esta
fase difere da juventude? Em quais aspectos?
Para tentar responder a estas indagações, é preciso refletir sobre a
construção cultural da adolescência como marca dos sujeitos que a vivem.
Embora a construção da adolescência seja histórica, vou me ater aqui ao
tempo presente, para refletir sobre o adolescente na contemporaneidade.
Em meados do século XX, marcado pela surpreendente evolução
tecnológica, explosão da cultura de massa e onda de consumismo, a
adolescência adquiriu maior visibilidade. Tornou-se uma questão social
relevante, dada a presença dos adolescentes como atores sociais visados de
inúmeros modos: desde o seu envolvimento com a violência dentro ou fora da
escola, sua condição de consumidor e pelo fato de revelar suas diferenças a
partir de estilos próprios de ser e viver. Diferenças essas que marcam
28
fortemente as gerações, parecendo afastar cada vez mais e em menores
intervalos de tempo pais de filhos, professores de alunos.
Para mostrar o quanto a adolescência vem mudando em curtos espaços
de tempo, Maria Rita Khel
5
, citada em Tosta (2005), considera que na década
de 1920-1930, no Brasil, com 20 anos as pessoas eram consideradas adultas.
na atualidade, com esta mesma idade, estão em plena juventude, o que
sinaliza para a mobilidade e imprecisão de conceitos como esses. Além disso,
percebemos que ser jovem e permanecer jovem é desejo de muitos. Com a
ajuda de tecnologias, as pessoas buscam ficar cada vez mais jovens. Porém,
indefinições quanto aos termos juventude e adolescência persistem e, em
geral, o primeiro muitas vezes é usado de forma positiva, enquanto o segundo
carrega um significado mais pejorativo. E uma primeira indagação que se
coloca é saber se estes termos são diferentes, se complementam ou se são
sinônimos. Entender esta questão é importante para compreendermos quem
são estes sujeitos presentes nas escolas e na sociedade. Estes termos, em
geral, ainda são muito utilizados como sinônimos
6
. Opto, porém, por tentar
discriminá-los, com o objetivo de trabalhar com as especificidades da
adolescência.
No Brasil, a partir dos anos 80, a adolescência esteve e continua aos
dias atuais no cerne do debate público. A mobilização em torno dos direitos da
infância e da adolescência tidas como fases do ciclo da vida que exigem
cuidados e proteção especiais, resultou na elaboração e promulgação da lei
8069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
7
. A partir da publicação
deste Estatuto, legalmente, o adolescente passou a ser sujeito de direitos, fato
que impulsionou a criação de políticas públicas para esta faixa populacional.
Os estudos do Grupo Técnico Cidadania dos Adolescentes
8
, que contou
com a participação da ONG Ação Educativa
9
, tornaram-se fundamentais para a
5
Em NOVAES, Regina e VANNUCHI, Paulo (Orgs.). Juventude e sociedade trabalho, educação,
cultura e participação. São Paulo: Fund. Perseu Abramo, Inst. Cidadania, 2004.
6
Ao longo desta dissertação, devido ao uso indiscriminado dos termos adolescência e juventude, poderei
citar alguns autores com o termo jovem, portanto, quero identificá-los como adolescentes.
7
O ECA, em seu art 2º, define a faixa etária da seguinte forma: Considera-se criança, para os efeitos
desta Lei, a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.
Parágrafo único Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas
entre 18 e 21 anos de idade.”
8
Grupo criado pela UNICEF com o objetivo de subsidiar a elaboração de propostas de políticas públicas
para jovens e adolescentes de baixa renda
29
busca da caracterização desta ou destas fases do ciclo da vida. Após diversos
estudos, o grupo explicou a juventude como etapa da vida que comporta a
adolescência, mas vai além dos 18 anos legalmente delimitado pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente.
Freitas (2005) e o Grupo Técnico Cidadania dos Adolescentes constatou
que, devido à limitação etária de 18 anos, as políticas públicas para além desta
faixa etária ficaram esquecidas. A faixa superior a 18 anos foi considerada
como juventude pelo grupo: período ainda diferenciado da fase adulta, tendo
demandas específicas. Porém, projetos dirigidos a esta faixa da população
exigem ações que vão além da garantia do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Para este grupo, a dimensão de desenvolvimento e preparação, as
noções de experimentação e inserção na vida social são mais acentuadas
pelos jovens, estando estes mais próximos da vida dos adultos, “onde a
inserção em diversas esferas da vida social toma um relevo maior, embora
vivenciada de um modo singular”(ABRAMO, 2005, p. 31). Estes fatores
constituem as principais marcas que diferenciam a juventude e a adolescência.
Fatores com relação à preocupação de constituir família e com relação à
maior necessidade de sustentar-se financeiramente são apontados pelo grupo
como característica dos jovens com idade superior a 15 anos, embora
apareçam na sua fase inicial, a adolescência.
Para efeito de lei, torna-se imprescindível definir uma faixa etária, tanto
que no Estatuto da Criança e do Adolescente se considera até 12 anos de
idade criança, e adolescente entre 12 e 18 anos. a Organização Mundial de
Saúde(OMS) situa o adolescente entre os 10 e 20 anos, com base nas
modificações físicas e psíquicas presentes em meninos e meninas desta faixa
etária.
A categoria etária para a definição dos termos adolescência e juventude
varia não entre os diversos países, como também dentro do nosso próprio
país, como as diferenças entre o ECA e o OMS citados anteriormente. No
9
A ONG “Ação Educativa” produziu o material “Juventude e Adolescência no Brasil” a partir da
participação no Grupo Técnico Cidadania dos Adolescentes criado pela UNICEF.
30
entanto, uma tendência nas pesquisas a considerar a juventude segundo o
IBGE
10
, entre 15 e 24 anos.
Considerando as questões sociais e subjetivas, a faixa etária não pode
ser rigidamente determinada, mas torna-se essencial ter uma referência,
quando se fala sobre os adolescentes. Assim, baseando-me no Estatuto da
Criança e do Adolescente
11
, no trabalho realizado pelo grupo mencionado
anteriormente, e na situação escolar,a qual esta pesquisa se destina,
distinguirei, ao longo desta dissertação, a adolescência da juventude,
enfocando a fase escolar designada por ciclo da adolescência, conforme
especificado pelas redes blicas de Belo Horizonte e Contagem. O ciclo -
ciclo da adolescência - compreende a faixa etária entre 12 e 15 anos,
englobando a antiga 6ª, e ries do Ensino Fundamental de 8 anos
12
.
Portanto, os sujeitos estudantes deste ciclo serão considerados nesta pesquisa
adolescentes. Dentre eles, pretendo definir como foco de trabalho os
estudantes do município de Contagem, pertencentes ao ciclo de Formação
Humana
13
e, portanto, na fase da adolescência, reconhecendo-os em suas
diferenças econômicas, culturais, sociais e subjetivas. Consciente das
incertezas e imprecisões que cercam esta fase da vida, passo a considerá-la
no contexto atual sem me prender à origem de classe.
É interessante destacar que, durante a pesquisa, ao aplicar os
questionários com os estudantes, perguntei “Você se considera adolescente?
A maioria dos adolescentes, um total de 83%, respondeu afirmativamente, mas
sete alunos, todos com 12 anos, afirmaram ser crianças. Uma das garotas, a
qual chamo de Fernanda, acreditava não ser adolescente porque gostava de
brincar na rua, de boneca, não gostava de sair e não pensava em namorar.
Disse que muitas garotas que antes brincavam com ela estavam começando
a sair, ir para festas, namorar, mas ela não queria isto. Seu desejo era não
passar pela fase da adolescência.
10
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
11
O ECA dispõe sobre as ações educativas, de proteção ou punição destinadas a fase da infância e
adolescência.
12
Cito o Ensino Fundamental de 8 anos porque a partir de 2006 o Ensino Fundamental nacional passou a
ter duração de 9 anos, incluindo a obrigatoriedade do ensino a partir dos 6 anos de idade.
13
Posteriormente tratarei da concepção de Ciclo de Formação Humana em Contagem
31
Assim, considero essencial destacar a adolescência como construção
cultural. Portanto, ao propor ouvir os adolescentes, busquei compreendê-los
em sua(s) identidade(s) nos espaços escolares e identificar traços culturais
comuns entre estes sujeitos.
Um dos traços marcantes dos adolescentes pesquisados é a atração
pelo “ter”. O uso constante de celulares, aparelhos eletrônicos, os comentários
sobre corpo, cabelo, tênis e assessórios ouvidos durante as observações
confirmam que o adolescente contemporâneo é atraído pelo consumo, sendo
um cidadão consumidor. Conforme considera Tosta (2005), o adolescente
sente a necessidade de poder comprar, sair, enfim, fazer tudo o que é proposto
pela mídia e que lhe pareça prazeroso. Assim, o desejo de “ter” independe da
classe em que se está inserido e de seu poder econômico, pois a dimensão do
consumo passa pelo sistema simbólico. Para Tosta (2005),
[...] a mídia aproximou o universo de diferentes classes na sociedade,
tornando-os membros de um mesmo sistema simbólico. E nesse
contexto, o consumo passa a ser um tipo de condição para o
exercício da cidadania, é cidadão quem é consumidor [...]. (p.188)
O não acesso aos bens materiais é parcialmente resolvido pelo acesso
simbólico. Um exemplo disto é o consumo de produtos que imitam marcas
usadas pelas pessoas com maior poder aquisitivo. Dentro do espaço escolar,
pude ver diversos alunos usando tênis ou chuteiras falsificadas. Também pude
perceber uma outra forma de satisfação simbólica deste desejo de consumo: o
empréstimo. Os alunos trocam bonés, blusas de frio e aparelhos eletrônicos,
demonstrando a necessidade de usar objetos que muitas vezes não podem
comprar, ou por outro motivo, não possuem.
Outro aspecto importante nesse debate é aquele em que a marca
geracional é muito forte para se entender o adolescente de hoje, com relação a
gerações passadas. Exemplo disso é a diferença quanto à forma de lidar com a
tecnologia. Os adolescentes consideram a tecnologia como parte de sua vida.
No artigo intitulado “Alienígenas em sala de aula”, Green & Bigum (1995)
refletem sobre a relação entre gerações. Segundo os mesmos, as novas
gerações estão entrosadas com a velocidade e diversidade de imagens. Por
isto, jovens e crianças conseguem explorar tranqüilamente vários programas,
32
jogos, músicas e filmes ao mesmo tempo. Os adultos, vindos de uma outra
geração, convivem de forma diferente com as tecnologias. Esta diferença,
muitas vezes, faz com que estas gerações o se compreendam. O que é
natural para uns, não é para os outros. Fatores da contemporaneidade foram
considerados por eles para refletir sobre a existência de alienígenas em nossas
salas de aula. A relação entre estudantes e educadores, segundo os autores
citados, pode fazê-los ver uns aos outros como alienígenas, seres de planetas
diferentes, convivendo num mesmo espaço. Green & Bigum (1995) consideram
ainda que a escola precisa enxergar que a cultura da mídia influencia a
identidade dos sujeitos adolescentes. Portanto, a escola precisa urgentemente
comunicar-se com estes sujeitos para entendê-los, antes que vivamos em
pânico acreditando que possam nos “devorar”
14
a qualquer momento.
O que precisa ser enfatizado e investigado, entretanto, é que essa
grande mudança cultural e epistemológica envolve mudanças em
termos de tecnologia e pedagogia, portanto, novas compreensões da
relação entre tecnologias e pedagogias, escolarização e cultura da
mídia. Apenas agora estamos começando a registrar a importância
educacional e cultural da imagem como um novo princípio
organizacional para as relações sociais e as subjetividades. (GREEN
& BIGUM, 1995, p. 221)
Assim, a adolescência contemporânea precisa ser vista como uma
geração inserida neste contexto, e a escola, sendo um dos espaços de
convivência desses adolescentes, não pode desconsiderar a adolescência
como construção cultural. E, como tal, permeável às mudanças na própria
cultura.
Como conhecer estes adolescentes? Utilizando pré-conceitos, como
parece comum ocorrer? Ou mergulhando neste mundo, deixando que os
próprios adolescentes nos digam quem são eles, do que eles gostam, o que
sabem sobre a vida, o que estão aprendendo? Quais são as suas
expectativas? Enfim, precisamos deixá-los contar sobre seu mundo para que
deixemos de ser alienígenas ou vê-los como tal.
14
Faço uso deste termo no sentido de que o medo de trabalhar com adolescentes pode fazer com que a
ação dos profissionais envolvidos na escola seja engolida, consumida rapidamente, não restando o que
fazer pelos sujeitos pelos quais a educação se responsabiliza.
33
Se estes sujeitos, com uma multiplicidade de traços culturais, estão na
escola atual, torna-se imprescindível pensar sobre a escola enquanto espaço
que abriga a diversidade cultural.
2.2 Tecendo Relações – Construindo Identidades
As características físicas e biológicas da adolescência não mudaram
muito ao longo do tempo. A forma de lidar com estas mudanças é que varia de
acordo com o contexto sócio-histórico e cultural. A perda do corpo infantil e o
novo corpo que se desenvolve de forma rápida e desordenada influenciam na
identidade do adolescente.
De acordo com Balleiro (1999)
15
, o adolescente está em busca de sua
própria identidade, reavaliando identidades infantis e fazendo surgir dúvidas e
questionamentos, o que muitas vezes remete à imagem de contestador e
desafiante. Esta atitude contestadora do adolescente é uma forma de auto-
afirmação e busca de identidade. Os pais não são mais considerados seres
onipotentes como na infância. Surgem, então, outras referências de adultos,
muitas vezes de ídolos.
Os adolescentes buscam grupos de pares para conviver, organizando-se
em torno de certas características e/ou interesses comuns. A formação desses
grupos é base para a formação da identidade. Ao mesmo tempo em que o
grupo é um suporte, ele provoca ansiedade quanto à aceitação do adolescente
ou não em seu interior. Por isto, o adolescente faz tudo para ser aceito.
O espaço do grupo é fundamental para o fortalecimento da identidade
que vem se formando ao longo da vida do adolescente a partir do convívio
familiar, escolar, religioso e outros.
Desta maneira, a família, a escola, a mídia e o grupo são os principais
espaços de socialização, isto é, de aprendizagem de normas e valores.
Embora os valores e crenças da família tenham influenciado na formação da
identidade, é na adolescência que o sujeito reestrutura estes valores fazendo
projetos de vida a partir das relações e experiências vividas em outros grupos
(Balleiro, 1999).
15
Material produzido pela Fundação Odebrecht para o Governo do Estado de Minas Gerais.
34
Conforme analisado pela socióloga Marília Spósito (1996), a constituição
de grupos, na luta pela conquista de um mesmo espaço social, remete-nos a
perceber a questão da alteridade.
É preciso levar em conta esse movimento que constitui a identidade
em sua dupla dimensão: trata-se de se perceber semelhante aos
outros (ser reconhecido e reconhecer) e, ao mesmo tempo, afirmar a
diferença enquanto indivíduo ou grupo. Esta diferença,
paradoxalmente, pode ser afirmada e vivida como tal, ao supor
uma certa igualdade e uma certa reciprocidade. (p.99)
A partir desta afirmação, posso refletir um pouco mais sobre a
importância do outro” para o adolescente. Este “outro” assume um papel de
identificação, mas também de afirmação da diferença. Assim, o adolescente,
como qualquer outro indivíduo, forma sua identidade a partir de processos de
subjetivação. Este processo se dá através da relação com o outro ou com o
grupo. A partir dessas relações, as identidades são formadas. A construção
identitária, portanto, será sempre relacional e plural, dependerá da significação
de cada sujeito, não podendo desconsiderar as questões de etnia e gênero.
Os adolescentes formam suas identidades a partir das relações
estabelecidas, seja com seus pares, seja com o pai, a mãe, os ídolos, os
professores, personagens da mídia ou outros adultos de referência. A interação
dos grupos de acordo com sua simbologia faz com que os adolescentes e
jovens criem culturas próprias. A música, a dança, o olhar, o jeito de vestir,
tudo isto possibilita ao adolescente a interação com seus pares, significando os
modos como se relacionam nesses diversos espaços.
De acordo com Guacira Louro (2000), em nossa sociedade
identidades consideradas como modelos. Marcadas pela idéia evolucionista de
cultura
16
, esse padrão de identidade refere-se ao branco, heterossexual e
católico. Os outros seriam diferentes. Até hoje estamos impregnados dessas
representações preconceituosas e assim também estão os adolescentes.
Considerados culturalmente como onipotentes e desafiadores, os
adolescentes trazem em seus corpos marcas desta busca de padrão de beleza
branca, mas também trazem marcas que contrariam estas representações. Por
16
Retomarei esta idéia no capítulo posterior.
35
isto, num jogo de formação identitária, formam diferentes grupos que Louro
(2000) chama de tribos. Segundo esta autora, tribos são
grupos que procuram se apresentar de forma distinta dos demais e
unificadas por uma linguagem e aparência; Esses adolescentes e
jovens agregam a seus corpos marcas que funcionam como códigos
identitários que permitem reconhecer seu pertencimento a um
determinado grupo cultural. (p. 71)
Na Escola Galáxia, identifiquei nos espaços investigados alguns grupos
que se uniram por semelhanças identitárias. Esses grupos se unem por
afinidades de estilos, de preferências musicais, de posturas dentro de sala de
aula. Em alguns momentos, no espaço escolar, esses grupos se misturam,
conversam entre si, mas há uma separação nítida entre eles. Se dentro de sala
o padrão identitário pretendido pela escola são os “CDFs”, e assim os outros
são diferentes. No espaço escolar externo à sala de aula, para os
adolescentes, os “zoadores” são o padrão pretendido e os outros são os
diferentes.
Na tese de doutorado de Paulo Henrique de Queiroz Nogueira (2006)
encontrei a referência que se forma na escola sobre estes grupos. Para o autor
mencionado existe uma lógica na formação identitária discente, onde a partir
de suas interações o aluno se forma como sujeito. Ele define a partir dessas
interações conceitos como o de zoador
17
, bagunceiro e CDF
18
, dos quais me
apodero nesta dissertação.
Para Nogueira (2006) o CDF atende às regras escolares: estuda, faz
suas atividades, não bagunça. Portanto, socializa-se bem com a instituição
escolar, mas isto dificulta suas relações com os colegas. Ser bagunceiro
significa não respeitar as regras escolares e assim, atrapalha o andamento das
aulas, muitas vezes não sendo bem aceito também pelo grupo. o zoação,
que o autor considera uma “arte refinada” que exige uma aprendizagem com os
colegas, é mais sutil. O zoador consegue manter uma integração com as
regras escolares, apesar de divergir das mesmas. Burla com sutileza e
17
Nogueira(2006) traz em sua tese a definição de zoação relacionada ao barulho, mas também de acordo
com o regionalismo popular ao “rir de alguém”, ou divertir-se, ou “promover desordem”.(p.8)
18
Em nota de página, Nogueira(2006, p.190-191)), faz referência á Prata(1996, 50) para explicar que o
termo origina-se “do fato do aluno ficar sentado o dia inteiro estudando. Vai ficar com a bunda amassada
e um ‘cu-de-ferro’”
36
consegue relacionar-se bem com colegas e com a instituição, “fugindo” das
punições. Para Nogueira (2006), ser zoador está inerente ao ser jovem
19
.
Compreender e respeitar as construções e desconstruções próprias
desta fase, tratando os estudantes adolescentes como tal, é função da escola
e, creio, não pode ser de outro jeito. Conforme dito pelo sociólogo Miguel
Arroyo (2004), a escola precisa dar conta da adolescência que temos, não da
que queremos.
Torna-se necessário, então, refletir sobre este sujeito cio-cultural, com
significados culturais próprios, conhecendo e respeitando sua linguagem e
experiência para contribuir efetivamente para sua formação. Formação que
depende do contexto em que está inserido. Em se tratando de um contexto
social desfavorecido economicamente e limitado em termos de escolhas e bens
culturais, a escola torna-se um espaço importante para que estes sujeitos
vivenciem experiências sociais e culturais.
No entanto, o que percebo é que a cultura adolescente está sendo
deixada do lado de fora da sala de aula, mas batendo no portão da escola.
Tudo acontece como se escola e vida fora da escola fossem espaços opostos.
Seu modo de falar, de vestir e de escrever são substituídos em sala de aula por
jeitos corretos de sentar, pronunciar as palavras e responder às perguntas, de
acordo com a vontade do professor. Percebo, então, que o etnocentrismo da
instituição escolar faz com que os adultos acreditem que saibam o que os
adolescentes precisam. Assim, não lhes perguntam sobre que tipo de escola
desejam ou como seria uma escola para a adolescência. A própria instituição
formula regras, currículos, sem a participação daqueles que são ditos pelas
próprias instituições como atores ou sujeitos do processo educativo.
2.3 O Corpo Adolescente e seus Significados
Um corpo não é apenas um corpo. É também o seu entorno.
- Silvana Vilodre Goellner -
19
Este autor trata da identidade juvenil, referindo-se a alunos do ciclo da Rede Municipal de Belo
Horizonte.
37
Adolescência e corpo são conceitos interligados. A construção cultural
da adolescência está ligada ao seu desenvolvimento físico. O corpo
transforma, o corpo cresce, o corpo carrega características socialmente
aceitáveis ou não.
Nascemos com características corporais que são, a priori, definidas por
nossa herança genética mas, à medida que interagimos com o mundo, este
corpo vai sendo modificado. O corpo adolescente carrega uma história que se
constrói nas experiências vividas e nas relações sociais, sendo modificado pela
cultura. Portanto, sua linguagem adquire significados próprios de acordo com a
cultura em que se insere.
A formação identitária da adolescência é perpassada pela dimensão
corporal, onde a fase da adolescência torna-se mais visível. As mudanças
corporais nesta fase, tais como o tamanho do corpo, o estirão, o crescimento
de pêlos, o crescimento dos seios, a mudança de voz, entre outros fatores,
interferem diretamente na sua maneira de se ver e de ser visto pela sociedade,
ao mesmo tempo em que gera conflitos internos. Podemos compreender que
os aspectos biológicos são facilmente identificados durante esta fase, enquanto
as características socioculturais variam de acordo com o espaço vivido.
Denise Sant’Anna (2000), em seu artigo “Descobrir o corpo uma história
sem fim”, considera que apesar do corpo ser “à primeira vista o quede mais
concreto e natural no homem” (p.50), ele é influenciado pela história e pela
cultura desde a Antiguidade. A autora considera que no século XX o corpo foi
redescoberto, inicialmente
[...] pelo higienismo redentor e pelos combates contra a suposta
degenerescência das raças, a seguir pela proliferação das colônias
de lazer, pela expansão do cinema, do escotismo e da emergência
das férias pagas, depois pelas seduções da publicidade e da
televisão e, mais recentemente, pelos movimentos de liberação
sexual, pelos novos ritmos musicais, as diferentes tendências da
moda, a massificação da pornografia e, enfim, o advento da
biotecnologia. (p. 50)
Hoje, o corpo pode ser modificado a partir do avanço da ciência. As
plásticas, as tinturas de cabelo, os piercings, o corte de cabelo, tratamentos
estéticos, anabolizantes, cirurgias para retirar o aparelho genital masculino,
38
silicones, o formas de interferência no corpo “natural”. Portanto, as
modificações simbólicas como gestos, olhares, posturas e outras formas de
manifestações corporais podem dizer muito sobre suas identidades. O corpo é
linguagem. O corpo revela o ser.
De acordo com a teoria do filósofo Merleau Ponty (2006), o corpo
comunica com o mundo, percebemos o mundo a partir do corpo. É a partir dele
que o ser expressa, de diferentes formas, a cultura, os medos, as emoções, em
uma situação vivenciada.
Nessa perspectiva de entendimento do corpo é que me proponho a
refletir como os adolescentes se relacionam no espaço escolar, como estes
sujeitos expressam suas subjetividades, mostrando significados sobre si
mesmos. Estou certa de que, para conhecer realmente estes sujeitos, torna-se
essencial observar os seus corpos na escola, buscando nele mais uma
expressão que possa identificar o que a escola representa para estes sujeitos.
Que sinais podem ser identificados nas manifestações corporais de
adolescentes dentro do contexto escolar?
Lévi-Strauss (1976), antropólogo, demonstra em sua obra “As estruturas
elementares do parentesco” que, em diferentes sociedades, os seres humanos,
através das linguagens, buscam resolver problemas e organizar suas relações.
As linguagens são manifestadas pelo corpo de acordo com a cultura. Ele é
repleto de significados, portanto, tem muito a nos dizer.
O referido estudo nos mostra que corpo (o que haveria de mais natural
no ser humano) e cultura são indissociáveis. Portanto, entender o corpo é
entendê-lo nessa dupla dimensão de natureza e cultura.
Nessa perspectiva, pode-se dizer que os adolescentes encontram-se em
uma fase onde a relação com o corpo causa diversas sensações e
sentimentos. Ao longo da história percebemos que este conflito esteve
presente em diferentes gerações. De acordo com Foucault (1988), referindo-se
à questão da sexualidade, até o século XVII as coisas eram ditas. Falava-se
abertamente sobre assuntos relacionados ao corpo e às relações sexuais.
Gestos diretos, discursos sem vergonha, transgressões visíveis,
anatomias mostradas e facilmente misturadas, crianças astutas
39
vagando, sem incômodo nem escândalo, entre os risos dos adultos:
os corpos pavoneavam. (p.9)
Após este século, de acordo com o referido autor, com a dominação da
ordem burguesa e, portanto, do capitalismo, deu-se origem à idade da
repressão. O pudor, a censura, o controle do que se diz foi aos poucos
tomando conta da cultura da época. Surgiu o conceito de família burguesa,
aparecendo inclusive a idéia de privacidade com quartos separados. A
sexualidade foi encerrada, passando a ser confiscada pela família. As ações
sujas e vergonhosas da sexualidade só podiam e deveriam ser ditas nos
confessionários.
Com isto a questão do corpo foi, desde o século XVII, sendo pouco
discutida. Os debates até séculos recentes voltavam-se para a questão da
saúde. Somente na cada de 60, o corpo liberado foi privilegiado pela
sociedade, buscando a liberdade sexual, a liberdade de vestir ou não vestir
roupas como biquíni e calça jeans. No final do século XX e no século XXI a
maior preocupação é com a estética e a força. Para Sant’Anna (2000) a
interferência no corpo rompe as fronteiras entre natureza e cultura. Pregou-se a
vinculação da felicidade sexual com o corpo bonito. O culto ao corpo torna-se
uma marca da modernidade. A sexualidade volta a ser uma discussão
necessária na escola, na medida em que a adolescência estaria ligada ao
desenvolvimento sexual (puberdade) dos sujeitos. Este desenvolvimento
biopsíquico acontece independentemente da cultura. Assim, esta relação entre
corpo, natureza e cultura tornou-se essencial para a compreensão da relação
entre adolescência e corpo.
Assim, pretendo ter como foco o corpo adolescente como cultura, pois
percebo na escola o corpo sendo tratado somente nas aulas de Educação
Física ou em raras atividades de Educação Sexual. Esquece-se das diversas
manifestações do corpo adolescente em todos os momentos em que está
presente na escola, seja resistindo às normas, seja aceitando-as, como
analisado na pesquisa de McLaren (1991)
20
. O corpo adolescente não é
20
Falarei sobre esta pesquisa em outro capítulo.
40
sexualidade. É portador de significados e expressa suas percepções do mundo
escolar.
Estes adolescentes e seus corpos, ocupando e modificando o espaço
escolar, causam medo, terror, anseio, vontade de vencê-los, enfim uma
miscelânea de sentimentos naqueles que com eles convivem. Observar os
corpos adolescentes e como estes se apresentam nos espaços escolares
ajudará a desvelar estes monstros e, quiçá, criar uma outra compreensão para
a adolescência na escola. Mostrando as diferenças presentes, ou seja, as
diversas adolescências e suas formas de expressão.
41
3 ESCOLA E ADOLESCÊNCIA(S)
Neste capítulo faço uma discussão sobre como uma diversidade de
adolescentes chegou à escola pública atual. Como a bibliografia que trata
deste assunto especificamente não existe, faço um apanhado através das leis
educacionais até chegar ao direito dos diferentes sujeitos de freqüentarem a
escola pública.
3.1 O Acesso dos Adolescentes à Escola Pública
Através do estudo da história da educação no Brasil, podemos identificar
seu caráter seletivo. Ao longo do tempo, a escola excluiu a diferença. Negros,
pobres e pessoas com deficiência dificilmente poderiam ser vistos na escola
como hoje o são (Montoan, 2001). Assim, também posso considerar a entrada
dos adolescentes na escola como um fenômeno recente, levando em conta a
linha histórica escolar. E mais ainda, a entrada da diversidade de adolescentes
negros, pobres, com deficiência é ainda mais recente. Diante deste fato que
constato a partir de minha prática, faço neste capítulo um apanhado histórico
sobre o acesso destes à escola pública. Destaco, ainda, que pouca é a
bibliografia que considera este acesso. Assim, procuro em diversas fontes,
tecer este apanhado histórico para que possamos perceber este fenômeno que
hoje desafia os profissionais que devem lidar com esta diversidade.
Parafraseando Miguel Arroyo, as imagens da infância, adolescência e
juventude que antes tínhamos na escola se quebraram e não sabemos ainda
como lidar com essas outras imagens que estão se desenhando. As
identidades adolescentes que se formam na contemporaneidade estão cada
vez mais complexas e cada vez mais dentro da escola.
A escola
21
brasileira inicia-se com os jesuítas, que buscavam através da
educação a devoção e a disciplina. E, mesmo após a chegada da corte
portuguesa, quando houve uma grande transformação no país nos setores
econômico, social, político e cultural, não havia interesse em educar o povo. As
21
Afirmo a “escola” e não a “educação”, pois esta existia anteriormente á chegada dos portugueses.
42
escolas eram destinadas à alta nobreza para o ensino das línguas. (Paiva,
2003)
Aos pobres, órfãos e desamparados,
a ação educativa consistia em ensinar os ofícios às crianças e jovens
órfãos e desvalidos que eram encaminhados pelos juízes e pela
Santa Casa de Misericórdia aos arsenais militares e da Marinha onde
eram internados e postos a trabalhar como artífices, e depois de
algum tempo, ficavam livres para tomar qualquer decisão em relação
ao seu futuro. A educação formal que tendia ao apoio, estímulo e
valorização do aluno não fazia parte das atividades dos guardiões
das casas de doutrina que os recolhiam, nem dos seminários onde os
meninos pobres se adestravam somente nos ofícios. (REIS et all,
2005, p.8-9)
Até o final do século XIX, apesar do avanço industrial, da abolição da
escravatura e da imigração européia, não houve grandes esforços para
mudanças na área da educação. De acordo com Beisiegel (1974), foi a partir
de 1930 que se iniciou a reformulação da atuação do poder público do Brasil. A
educação pública passa a ser, então, considerada uma questão nacional. Foi a
partir desta época que a educação começou a ser considerada nas leis. Estas
por si sós não garantem as reformas ou mudanças, porém elas, muitas vezes,
são criadas a partir de demandas e movimentos da sociedade. Anísio Teixeira
(1994) já considerava na segunda metade do século XX que:
Toda a nossa educação, hoje, é uma educação por decreto, uma
educação que para valer, somente precisa ser “legal”, isto é, oficial”
ou oficializada”. É pela lei que a escola primária de três ou quatro
turnos é igual a escola primária completa, que o ginásio particular ou
público, sem professores nem condições para funcionar, é igual aos
melhores ginásios do país, que a escola superior improvisada, sem
prédica nem professores, é igual a algumas grandes e sérias escolas
superiores do país. (p. 97)
Considerando esta afirmação, acredito ser essencial abordar alguns
direitos expressos em leis da educação brasileira para compreender como os
adolescentes chegam, através delas, às escolas públicas.
43
3.1.1. As Leis Educacionais e os Adolescentes
No Brasil houve um movimento de ir-e-vir da obrigatoriedade do ensino
nas constituições vigentes. Conforme relatado por Cury (2003), com a
constituição de 1934, em um capítulo destinado à educação e cultura,
sobressai a obrigatoriedade do ensino, valendo apenas para os quatro
primeiros anos.
Segundo Anísio Teixeira (1968), a Constituição de 1946 considerou a
educação como direito de todos e o ensino primário obrigatório. No entanto, a
educação ulterior à primária é facultativa. “A pequena classe média passa a
buscar os ginásios e as escolas superiores e ao povo fica reservada a escola
primária ‘curta’, com quatro anos de estudo, no máximo, ministrados em
sucessivos turnos [...].” (p. 74). Segundo este autor, a classe média pressionou
a expansão das facilidades de educação secundária e superior, o movimento
integrado desta classe e das classes populares para garantir a educação
impulsionou a “expansão desmedida” e sem investimento das escolas
secundárias, “com professores improvisados” e instalações emprestadas
muitas vezes pelas escolas primárias.
Em 1950 havia, segundo Teixeira (1994), 3.682.558 de brasileiros em
idade de 12 a 14 anos. Destes, 1.751.109 eram alfabetizados. Isto nos mostra
que, há menos de 60 anos, pouco mais de 50% da população nesta faixa etária
era analfabeta. (p.51)
22
Além deste dado, em outro quadro apresentado pelo
autor, apenas 0,4 % dos alunos matriculados nas escolas brasileiras
freqüentavam a 5ª série. Série esta que deveria ser freqüentada por alunos
com 11 anos, caso não houvesse repetência. Embora este texto não mostre
dados além da 5ª série e nem com relação à faixa etária em cada rie, é
perceptível a ausência de acesso da maioria dos adolescentes a este nível
escolar.
A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi a
4.024/61. Fontoura (1968), fazendo uma análise desta lei, considerou que o
grande avanço desta foi a ampliação do ensino primário para 6 anos. A lei
determinava que as pessoas não podiam trabalhar antes de 14 anos. Com isto,
22
Distribuição por idade da População de menos de 15 anos e mais de 7 em 1950.
44
os alunos que não prosseguiam nos estudos ficavam, segundo Fontoura
(1968), “sujeitos a ‘vadiagem’, corrupção, mendicância, etc.” (p.143)
Dessa forma, é possível perceber que a educação para adolescentes
visava a manutenção destes na escola para serem disciplinados socialmente.
Refletindo sobre os artigos 33 e 34 da lei 4.024/61, citados em Fontoura
(1968), este objetivo torna-se claro.
Art. 33 – A educação de grau médio, em prosseguimento à ministrada
na escola primária, destina-se à formação do adolescente.
Art. 34 – O ensino médio será ministrado em dois ciclos, o ginasial e o
colegial, e abrangerá, entre outros, os cursos secundários, técnicos e
de formação de professores para o ensino primário e pré-primário.
Esta preocupação com os adolescentes expressa em lei, considerava a
adolescência como etapa problemática, conforme citado em Freitas (2005),
fase que ameaça a ordem social.
O Plano Nacional de Educação, elaborado pelo Conselho Federal de
Educação, aprovado em 1962, colocou como meta quantitativa 100% da
matrícula da educação escolar de sete a onze anos (até a 4ª série) e de 70%
da população de 12 a 14 anos (5ª e 6ª séries). (TEIXEIRA, 1994)
Em 1967, a Constituição estendeu para oito anos a obrigatoriedade e
gratuidade do ensino, mas retirou a vinculação de recursos existentes nas
constituições anteriormente citadas. Com essa condição, de acordo com Cury
(2003), o professor sofre as conseqüências: salários mais baixos, aumento da
jornada de trabalho e um perfil de alunos antes não incluídos na escola. Este
autor considera, ainda, que esta abertura ao acesso não garantiu o direito à
educação, que serão consubstanciados o direito de todos à educação e o
dever do Estado quando o houver crianças nem adolescentes fora da idade
adequada.
Foi neste contexto que iniciou a expansão do acesso à educação, e,
assim, um grande contingente de adolescentes começou a freqüentar a escola.
Porém, se considerarmos a repetência e a entrada tardia à escola pode-se
perceber que, até bem recentemente, havia muitos estudantes adolescentes
freqüentando turmas do início do Ensino Fundamental, a antiga escola
45
primária. Sobre isso, Anísio Teixeira (1972), constatava como um problema
as diferenças de idade na série primária, alertando sobre a desorganização
da escola primária. O autor citado considerava essencial para a qualidade
educacional a organização por idade devido às necessidades e interesses
próprios de cada fase.
A partir da década de 70, houve uma grande expansão de matrículas no
ensino primário, gerando crescimento rumo à universalização do ensino.
Tomando como base a escola pública, desde a cada citada existiu uma
maior preocupação com o ensino de à 8ª ries. A ampliação dos ginásios
favoreceu o acesso dos adolescentes à escola. Mas, analisando o quadro de
repetência, é possível perceber que os adolescentes que chegavam a estas
séries eram aqueles que conseguiam adaptar-se à escola, portanto,
selecionados.
Segundo os dados do Censo Demográfico de 1980, 33 % das crianças e
adolescentes brasileiros de 7 a 14 anos não freqüentavam a escola, o que
representa um montante de aproximadamente 7,6 milhões de crianças e
adolescentes fora desta. Em 1991, estes dados do Censo baixaram para cerca
de 5,7 milhões e, em 1996, houve uma redução significativa para 3,2 milhões
de crianças e adolescentes de 7 a 14 anos que o freqüentavam a escola.
Estes dados são relevantes para compreendermos que, de 1980 a 1996, o
crescimento da matrícula desta faixa etária representa aproximadamente 50%.
No entanto, a expansão do acesso à escola foi acompanhada por altas taxas
de evasão e repetência. Diante desse fato, a partir da década de 80, o foco da
preocupação educacional passou a ser a evasão e repetência, dentre outros
problemas. (Ferraro e Machado, 2002),
Se pensarmos que ainda na década de 90, seja devido à exclusão,
repetência ou à dificuldade de acesso ao Ensino Médio, era baixa a freqüência
de nossos adolescentes às etapas finais do Ensino Fundamental, o fenômeno
da entrada dos adolescentes nas escolas públicas torna-se ainda mais recente.
A Constituição de 1988 tornou, em seu texto, a educação um direito
público subjetivo e o Ensino Fundamental obrigatório deveria atender a todas
as crianças e adolescentes de 7 a 14 anos e aos acima de 15 que assim o
exigirem (CURY, 2003).
46
Esta carta impulsionou a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB 9394/96), que revogou as leis 4024/61, 5540/68,
5692/71 e 7044/82, após ser discutida durante oito anos no Congresso
Nacional.
A nova LDB abriu a possibilidade de novas formas de organização
escolar e deixou facultativo o desdobramento do Ensino Fundamental em ciclos
e a progressão continuada, sendo esta última possível inclusive nos regimes
seriados. Esta forma permite a organização do Ensino Fundamental por idades
(em ciclos). Assim, abre-se a possibilidade da reorganização de tempos,
espaços e conteúdos escolares, numa tentativa de acabar com a segmentação
de saberes que mantinha os alunos de idades avançadas nos primeiros anos
do Ensino Fundamental. Mas, independentemente de um sistema seriado ou
em ciclos, seja por rito, seja pela cobrança política da redução da evasão,
seja por garantia do respeito à faixa etária na educação em ciclos, aos poucos,
estudantes de camadas populares avançam no Ensino Fundamental,
alcançando a segunda etapa (5ª a 8ª série).
A LDB 9394/96 regulamentou a Ementa Constitucional que trata do
FUNDEF (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental). Este fundo
englobava a faixa etária de 7 a 14 anos, possibilitando a ampliação de
matrículas. Isto pode ser confirmado pelos dados do INEP: de 1991 a 2000 as
matrículas de a séries no Brasil cresceram de 9.820.003 para 15.506.442
(INEP/MEC, 2003 a, p. 17) e alcançou, em 2003, um total de 34.438.749
(INEP/MEC, 2003 b, p. 38)
Percebe-se, portanto, uma ampliação de mais de 100% do número de
matrículas de estudantes de 2000 a 2003 na segunda etapa do Ensino
Fundamental, evidenciando que um grande contingente de adolescentes está
chegando a esta etapa de Ensino. Foi pensando em como lidar com estes
alunos do Ensino Fundamental que a escola em Ciclos foi proposta.
Reorganizar os tempos e espaços para os sujeitos da aprendizagem, sejam
eles crianças, pré-adolescentes, adolescentes, jovens ou adultos tornou-se um
novo desafio para a educação pública brasileira.
47
3.1.2. Os Ciclos de Formação Humana em Contagem
A discussão acerca da necessidade de pensar a idade dos estudantes
não é recente. Anteriormente, afirmei que Anísio Teixeira já defendia essa
idéia. Ferreira (2004), em sua dissertação de mestrado intitulada “Inclusão
social, progressão continuada
23
e ciclos no Estado de São Paulo: implicações e
contradições” (1998-2002), refere-se a diversas experiências da escola em
ciclos no Brasil. Segundo o autor, em 1970, em Santa Catarina, ocorreu uma
experiência curta, que durou até meados de 1980: o “’Programa de Avanços
Progressivos” que institui oito anos de escolaridade contínua e obrigatória, que
excluía os critérios de aprovação ou reprovação. (p. 24)
O autor cita ainda outras experiências como o “Ciclo Básico de
Alfabetização”, em 1984 (Rede Estadual de Minas Gerais) e o “Bloco Único”
em 1984 (Rede Estadual do Rio de Janeiro). Não cabe aqui abordar estas
experiências, mas acredito ser importante pensar que a escola em Ciclos foi
criada a partir de diferentes tempos e experiências e, portanto, faz parte do
processo histórico da educação brasileira.
A “Escola Plural”, proposta lançada pela Rede Municipal de Belo
Horizonte ao final de 1994, é hoje uma experiência de referência para todo o
país. Esta proposta tem como princípio a concepção de educação como direito.
Com base neste princípio, considera que o ciclo é um processo, onde é
respeitado o direito de viver cada fase em seu próprio tempo/espaço, junto a
seus pares. (Soares, 2002)
Em Belo Horizonte, a “Escola Plural” foi implantada em 1995 para todas
as escolas da rede municipal. Em 1995, englobaria o 1º e o 2º ciclos. Em 1996
seria implantada no ciclo, considerando que estes profissionais teriam um
ano para se prepararem. (Soares, 2002). A experiência inovadora de Belo
Horizonte incentivou outros municípios, inclusive Contagem, a assumirem uma
política educacional voltada para os alunos como sujeitos.
Em Contagem
24
, a proposta inicialmente chamada de “Ciclo Dinâmico de
Formação Humana”, foi discutida pela Secretaria de Educação e Cultura de
23
A progressão continuada, segundo a LDB 9394/96, refere-se à possibilidade de passar o aluno de um
ano escolar para o outro independente das notas adquiridas.
24
Contagem faz parte da região metropolitana de Belo Horizonte.
48
Contagem e por pedagogos da rede. De acordo com o documento “Ciclo
Dinâmico de Formação Humana”, entregue às escolas da Rede Municipal em
2000, em 1997, a proposta foi construída a partir de estudos e reflexões de um
grupo de pedagogos e membros da SEDUC
25
. A partir de consulta às escolas
sobre a aceitação da proposta, “32 escolas manifestaram o desejo de
implantação imediata e 16 solicitaram um prazo maior para estudos e
reflexões” (Documento do Ciclo de Formação Humana, 2003). Diante disto,
considerou-se prudente a implantação do ciclo, porém de forma gradativa, para
que as escolas tivessem mais tempo para se prepararem. Assim, a partir de
1998, a Rede Municipal de Contagem iniciou de forma gradativa a implantação
dos ciclos. A cada ano uma turma era inserida nesta nova forma de
organização escolar. O Ensino Fundamental seria organizado em três ciclos,
de acordo com a faixa etária. O ciclo seria da infância (6 a 8 anos), o
ciclo, da pré-adolescência (9 a 11 anos) e o ciclo o da adolescência (12 a 14
anos), como em Belo Horizonte.
Durante esses anos, de acordo com as informações contidas no
documento, foram realizadas palestras, seminários e jornadas sobre ciclos,
além de formação constante com os pedagogos da Rede. Porém, muitos
destes eram voltados para os educadores que atuavam nos anos iniciais do
Ensino Fundamental. Em 2000, iniciou-se uma discussão com profissionais de
5ª a 8ª séries. O ciclo chegaria à 5ª série em 2002.
A partir de um seminário com representantes das escolas, em 2001, o
qual participei, algumas diretrizes foram traçadas. Dentre elas a equalização
das aulas. A partir de 2002, os professores de Geografia, História, Língua
Portuguesa, Matemática e Ciências teriam três aulas com cada turma,
enquanto os professores de Educação Física teriam duas aulas e os de Artes e
Ensino Religioso, uma aula. Todas estas aulas, que antes tinham a duração de
50 minutos, passariam para 60 minutos (Documento do Ciclo de Formação
Humana, 2003). No entanto, não foram dadas condições de modificar o
engessamento de disciplinas. Continuava sendo contado o número de aulas de
cada professor. Muitos destes tinham que completar sua carga horária em
outra escola, impedindo a formação de um coletivo dentro da escola. E as
25
Secretaria de Educação e Cultura
49
disciplinas continuavam sendo dadas cada uma em seu tempo. Não houve
mudança quanto ao número de profissionais para o ciclo, impossibilitando a
reorganização de tempos/aula. Somente ao final de 2006 as escolas puderam,
através da apresentação de um projeto, ter direito ao aumento do quantitativo
de professores na escola, ou seja, para cada duas turmas, três professores.
Havendo a possibilidade de desenvolver projetos diferenciados a partir do
aumento do número de professores. Fica nítido que a proposta se implantava
aos poucos, sem grandes inovações como a proposta de Belo Horizonte.
Em 2002, foi criada uma comissão para elaboração dos Referenciais
Curriculares do ciclo, considerando que este ciclo seria iniciado em 2003. O
grupo foi composto por doze representantes de escolas, seis representantes da
secretaria Municipal de Educação e Cultura e uma assessora da Rede
Municipal de Belo Horizonte. Este documento foi enviado às escolas, em
versão preliminar, para apreciação e complemento. Novamente coube ao grupo
de pedagogos, junto à direção, a função de apresentá-lo aos demais
educadores e discutir com eles as idéias colocadas. As escolas enviaram suas
contribuições e posteriormente foi lançado o caderno intitulado “Referenciais
para a construção da proposta curricular do 3º ciclo”.
A partir do histórico da implantação do “Ciclo de Formação Humana” em
Contagem, é possível perceber que, apesar de algumas palestras e seminários
pontuais, o grupo de professores não foi efetivamente envolvido no processo, e
a maior participação foi restrita aos pedagogos.
Com a implantação gradativa, em 2003, se deu o início do 3º ciclo.
Neste momento as escolas puderam optar pela implantação total do 3º ciclo, ou
seja, na 6ª, e séries, ou continuar ano a ano a implantação, ou seja, em
2003 a 6ª, em 2004 a 7ª e em 2005 a 8ª série.
Assim, os primeiros alunos, em Contagem, que fizeram parte desta
organização desde o ciclo, concluíram o Ensino Fundamental em 2005. Vale
lembrar que neste município a possibilidade de retenção ao final de cada
ciclo. Cabe à equipe de professores definir, ao final do ciclo, conforme a
avaliação, se o estudante necessita de um tempo maior para aprendizagem de
acordo com a proposta curricular pedagógica das escolas. Não me cabe, nesta
dissertação, avaliar a qualidade do ciclo nas Escolas Municipais de Contagem,
50
mas enfatizar que alunos adolescentes, num processo de redução (não
eliminação) da repetência escolar, chegaram recentemente ao ciclo, com
professores formados em cursos de licenciatura, específicos para cada área de
conhecimento. Uma diversidade de sujeitos, que até então eram retidos nas
séries iniciais do Ensino Fundamental, começou a chegar à etapa final do
Ensino Fundamental. E o período que se considerava ser para a preparação
dos profissionais para a chegada destes, passou. Acredito não poder
considerar que a política de Ciclos de Formação Humana foi realmente
implantada em Contagem, até o ano de 2007.
Embora tenha havido a discussão em torno do ciclo, a grande maioria
das escolas de Contagem com as quais tive contato utiliza ainda o termo série,
inclusive a Escola Galáxia. Durante a pesquisa de campo, ao apresentar minha
proposta de pesquisa aos professores do turno (turno em que pesquisei),
percebi que as salas de 3º ciclo são designadas 601, 602, 701, 702, 801, 802,
803, sendo sexta série, tima série e oitava série, respectivamente. Em
nenhum momento durante a pesquisa ouvi alguém designar como ano do ciclo
e não série, embora tenha visto em registros como diários e pautas de
reuniões. No dia em que fui até as salas me apresentar aos alunos, vi escrito
em um cartaz uma tentativa de estudantes escreverem seu ano/ciclo, conforme
relato abaixo:
Fui até as salas com a assistente escolar para me apresentar. Na
porta de uma sala vi escrito em um cartaz (com a letra muito bonita)
turma 502 ano do ciclo, enquanto deveria estar escrito ano
do 2º ciclo. Isto mostra a confusão ciclo/série. (Diário de Campo,
01/03/2007)
Fazendo uma reflexão acerca do fato, cabe pensar: Embora não
tencione, nesta pesquisa, concluir se a Escola Galáxia trabalha de acordo com
a filosofia do ciclo, a escolha da escola para realizar a pesquisa, conforme
relatado na introdução, foi em função da mesma trabalhar com projetos
voltados para a adolescência, faixa etária trabalhada na pesquisa. Afinal, se a
proposta em ciclos visa trabalhar a partir do sujeito e não do conteúdo, será
que os adolescentes da Escola Galáxia consideram esta uma escola para a
51
adolescência? E ainda, quem são estes sujeitos adolescentes presentes em
nossas escolas e na Escola Galáxia?
Acredito ser necessário compreender esta fase de formação
considerada no ciclo a partir da análise do que é ser adolescente para os
teóricos e também para os próprios sujeitos de minha pesquisa, estudantes do
ciclo da Escola Galáxia, para então construir uma escola para o ciclo da
adolescência
26
.
3.2. A Escola como Espaço de Diferença Cultural
Pensar na escola, e em especial na escola em ciclos, é pensar em uma
escola inclusiva, onde as diferenças presentes não sejam consideradas
desigualdades. Neste espaço encontram-se diferentes sujeitos, advindos de
diferentes famílias e diferentes culturas. Em vista, então desta multiplicidade
dentro de um mesmo espaço, como a diferença é vista pela escola? Sob o
olhar antropológico o que significa esta diferença? E o que fazer com ela?
De acordo com Laraia (2006), desde antes de Cristo existiu a tentativa
de explicar a diferença, mas a maneira etnocêntrica de ver o outro a partir da
comparação com sua própria sociedade prevalecia. A diferença, no entanto, é
o foco de investigação da antropologia, desde o início.
A partir das expedições da Europa Ocidental para a descoberta de
novas terras e novas riquezas, o homem europeu deparou-se com seres
humanos considerados por eles como primitivos. Homens que não evoluíram.
O primeiro conceito de cultura foi desenvolvido pelo antropólogo
britânico Edward Tylor, com base na idéia de evolução:
Cultura e civilização, tomadas em seu sentido etnológico mais vasto,
são um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a
arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou
hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade
(Tylor, 1871, p. 1, apud Cuche, 1999, p. 35)
26
Posteriormente voltarei à discussão sobre o que é ser adolescente hoje, porém sob a ótica dos alunos
da Escola Galáxia.
52
Para este e para outros autores evolucionistas, todos os seres humanos
tinham cultura, mas existiam níveis de cultura, conforme a evolução. Assim,
seres humanos não evoluídos precisavam ser ensinados. O conceito definido
por Tylor prevaleceu, e talvez ainda prevaleça no senso comum, por muito
tempo. Conceitos de cultura e civilização eram tidos como iguais.
Essas idéias evolucionistas foram sendo refutadas aos poucos a partir
dos estudos de diversos antropólogos como Franz Boas, Malinowski, Claude
Lévi-Strauss, Geertz, entre outros. Citarei aqui de forma sucinta cada um
destes, que acredito terem contribuído muito para a discussão atual sobre
diferença cultural.
Franz Boas (1858-1942), oriundo de família judia, buscou com seus
estudos demonstrar que a diferença é proveniente da cultura e não da raça.
Este estudioso contribuiu para mostrar que o conceito de cultura deve ser
usado no plural, não no singular. Segundo Boas, cada sociedade tem seu
próprio sistema cultural. (CUCHE, 1999)
Malinowski pode ser considerado o pai da etnografia. Foi a partir de sua
inserção em uma aldeia das ilhas de Tobriand que este antropólogo mostrou
que é preciso mergulhar no campo junto aos nativos para entender sua cultura.
(MALINOWSKI, 1984) Este antropólogo descreveu com detalhes as
observações da organização cultural dos povos nativos que pesquisou.
Lévi-Strauss(1976), traz uma grande contribuição para a compreensão
da relação entre natureza e cultura. Para este autor, o ser humano é um ser
biológico e social, sendo que o sujeito constitui-se a partir desta integração. Por
isto, segundo o autor, não houve nenhuma resposta consistente que
conseguisse distinguir os termos natureza e cultura. De acordo com suas
pesquisas, não há um modelo de cultura universal de homem. As diferentes
sociedades, com diferentes regras, mostram que onde regra cultura. A
análise que o autor faz sobre a proibição do incesto em diferentes culturas nos
leva a refletir sobre a indissociabilidade entre os conceitos de natureza e
cultura. Por exemplo, a proibição do incesto apresenta reunidos os dois
caracteres: “é uma regra que, única entre todas as regras sociais, possui ao
mesmo tempo caráter de universalidade” (LÉVI-STRAUSS, 1976, p.47). Em
53
algumas sociedades a proibição do incesto é entre mãe e filhos, em outras
se estende a outros indivíduos da família.
Geertz, antropólogo norte-americano, não desconsiderando o caminho
percorrido pela antropologia, considera que era preciso construir um conceito
de cultura mais limitado e teoricamente poderoso. Enfim, trouxe uma definição
de cultura relacionada aos significados, sendo que cada cultura tem os seus
próprios.
[...] o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele
mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua
análise, portanto, não como uma ciência em busca de leis, mas como
uma ciência interpretativa, à procura do significado.(GEERTZ, 1989,
p. 4)
Os estudos da antropologia, embora sempre focados na diferença,
ampliam seu olhar não somente para a etnia, mas para o outro diferente pela
sua etnia, credo, costumes e outras características, sendo este estudado em
sociedades diferentes ou dentro de uma mesma sociedade. A cultura produzida
pelo próprio homem, em diferentes espaços sociais, precisa ser investigada
para o conhecimento do próprio homem. Pensar as diferenças culturais em
antropologia significaria então relativizar, entendendo o diferente como
diferente, não como inferior.
Se pensarmos na trajetória de luta pelo direito à diferença, veremos que
esta foi correlacionada com a desigualdade e o poder. Segundo o sociólogo
Antonio Flávio Pierucci (1999), desde a segunda metade dos anos 70 a
consciência da diferença não só física, mas também de gênero e cultural veio à
tona através dos movimentos sociais.
Para este autor os partidos de direita já levantavam a bandeira da
diferença. No entanto, as diferenças eram tidas como fora dos padrões
necessários à sociedade moderna, sendo ligada à desigualdade. A esquerda
política levantou, então, a bandeira do “direito à diferença” e do “respeito às
diferenças”. A partir do movimento feminista das décadas de 70 e 80, passou-
se a falar de diferença cultural entre homens e mulheres, portanto, a diferença
não é aqui considerada natural ou biológica como era privilegiado pelos
54
partidos de direita. A partir daí a luta pelo direito à diferença começou a ser
uma bandeira levantada por muitos brasileiros.
Mas Pierucci (1999) salienta que dentro dos próprios coletivos existem
diferenças. Por exemplo: uma mulher negra é diferente de uma mulher branca.
Assim, também se torna importante pensar nas adolescências. Um grupo de
alunos que se encontra na mesma fase do ciclo da vida possui diferenças.
Portanto, pensar na escola para a adolescência não é fechar um “pacotão”
como se todos os adolescentes tivessem as mesmas preferências, mas pensar
nas diferentes identidades que se formam dentro do contexto escolar.
Segundo Maia (2006), em sua dissertação de mestrado, “a diferença às
vezes discrimina, havendo necessidade de superação deste aspecto
discriminatório para que haja mudança na sociedade”. (p. 60) As contribuições
desta autora me fazem refletir sobre a importância de relativizar para não
deixar prevalecer o etnocentrismo na instituição. A instituição escolar,
acreditando que conhece os adolescentes e suas necessidades, toma como
referência um grupo de adolescentes e não as diferenças presentes entre eles.
Portanto, é preciso preocupar-se cuidadosamente com a diferença, definida por
mim, diante destas reflexões, como uma produção de identidade dentro de uma
diversidade cultural.
Considerando a cultura nos termos em que Geertz a define, é que me
proponho a pensar os adolescentes como sujeitos culturais, portadores de
múltiplas visões de mundo, de significados e de práticas sociais. Por isto
busquei, durante minha pesquisa, ouvir adolescentes, dentre os quais percebi
diferenças entre preferências musicais, posturas corporais, formas de falar,
para assim pensar nas culturas adolescentes dentro do espaço escolar.
Portanto, sujeitos diferentes.
Pois, neste lugar, os adolescentes constroem significados que se
assemelham, mas também que se distinguem. Convivendo em um mesmo
espaço, vão delineando a ele significados próprios a partir do uso que fazem
culturalmente destes espaços. O espaço escolar comporta diferentes culturas
trazidas da sociedade e reconstituídas dentro do contexto escolar, tomando
contornos próprios. Assim, as culturas adolescentes observadas dentro da
55
escola trazem traços culturais de um contexto mais amplo, formando teias de
significados.
Para Geertz, o que importa são os significados transmitidos através das
posturas, dos olhares, das linguagens, das interações, dos rituais. Assim,
observar estes significados ajuda a compreender as culturas produzidas sobre
os diferentes espaços escolares.
As propostas escolares estiveram durante muitos anos pautadas na
igualdade. Posso dizer assim que a escola por diversos anos e ainda hoje tem
uma visão pautada nas idéias evolucionistas. Lidar com a diferença é o grande
desafio da escola atual. Acredito assim, que pensar na escola em ciclos é,
sobretudo, pensar na diferença. Unem-se os alunos conforme sua fase de
desenvolvimento, embora ainda assim cada um viva esta fase de uma maneira.
A sala de aula ainda é um lugar onde busca-se a homogeneidade,
ensina-se os mesmos conteúdos para todos, os alunos sentam na mesma
posição, devem manter uma postura sentados na cadeira, olhar para o
professor, todos fazem os mesmos exercícios e são submetidos à mesma
avaliação. Na Escola Galáxia, observava a sala de aula pelo lado de fora, da
janela ou dos corredores e a situação encontrada foi geralmente a descrita
acima. Via alunos de bonés de cores diferentes sentados, olhando para frente.
Em raros momentos, quando estavam sozinhos, ou com professores que o
tinham o controle disciplinar, estes alunos ficavam em pé na sala.
O controle de corpos é um dos fatores que mostra que a busca ainda é
por eliminar a diferença. Remetendo-me novamente aos antropólogos,
teoricamente a escola em ciclos deve lidar com esta diferença de fases e
sujeitos e assim deve reorganizar seus tempos e espaços para atender a
diversidade. Mas esta flexibilização o costuma ser vista, e se a escola não
flexibiliza, como fazem os adolescentes para continuar sendo sujeitos em
escolas destinadas a alunos?
A Escola Galáxia é conhecida em Contagem por suas tentativas de fazer
a diferença. O grande diferencial desta escola que gerou sua escolha foi
inicialmente a presença de projetos específicos para adolescentes, destaco o
programa de esportes e o programa de Educação Afetivo sexual. Ambos
ocorrem extraturno. Ao conhecer a escola outro diferencial veio à tona: o seu
56
espaço, elemento essencial de minha pesquisa. Os aspectos citados serão
descritos posteriormente. Porém, cabe ressaltar aqui que, ao pensar na
concepção que acredito de escola como espaço de diferenças culturais, a
escolha da Escola Galáxia contribuiu para pensar espaços diferentes para
sujeitos diferentes, embora tenha, em seu cotidiano de aulas, os tempos e
espaços rígidos. Sala de aula é lugar de aula, o pátio de espaço e tempo de
recreio, não demonstrando flexibilização.
Observar, descrever e interpretar como os adolescentes usam seu
espaço/tempo pode ser uma forma de entender suas culturas e buscar uma
escola que atenda realmente à adolescência e com ela consiga dialogar.
57
4 EXPLORANDO A GALÁXIA
Figura 1: A Galáxia
Fonte: arquivo da autora
Neste capítulo faço a discussão sobre a metodologia utilizada, o
estranhamento no campo, os aspectos históricos da Escola Galáxia e a
descrição dos seus espaços. De que escola estou falando?
4.1. Desvelando o Campo – Um Estudo de Caso
Quando não se sabe aonde quer chegar, qualquer caminho serve.
- Lewis Carrol -
Como dito por Miriam Goldenberg (1999), antropóloga, autora do livro A
arte de pesquisar, a metodologia é um caminho possível para realizar a
pesquisa científica. Inserir-me no campo me pareceu o melhor caminho para
conhecer os adolescentes e suas interações no e com o espaço escolar. Em
especial, nos espaços externos à sala de aula, onde estão mais livres para
mostrar quem são
27
.
Para direcionar meu olhar, ouvir e sentir em busca de minhas respostas,
decidi me orientar pelo trabalho dos antropólogos. Embora não tenha a
pretensão de realizar um estudo etnográfico, busquei aprender com a
antropologia a fazer uma pesquisa que me permitisse interpretar como os
27
Este assunto será discutido no próximo capítulo
58
adolescentes significam ou ressignificam os espaços escolares e desta forma
poder “tirar grandes conclusões a partir de fatos pequenos, mas densamente
entrelaçados, [...]” (Geertz, 1989, p. 38).
Sou um ser humano, estudando seres humanos, que vivem uma fase
diferente da minha, em uma época diferente da que vivi. Isto me permitiu
constituí-los como nativos. Nativos porque era necessário o distanciamento
para fazer o estranhamento. Ou seja, entro através da pesquisa em um espaço
que é deles para descobrir quem são estes outros e como se organizam neste
espaço.
Com o intuito de pesquisar sociedades tribais como os Aypinayés
(Damatta), os javaneses (Geertz), os tobriandeses (Malinowski), dentre outros,
os antropólogos dialogavam com os nativos dentro de seu próprio território.
Pensando na antropologia atual, conforme dito anteriormente, e que o estudo
de sociedades não mais afastadas da nossa apesar das diferenças culturais
dentro da própria sociedade é um estudo antropológico, considero os
adolescentes nativos dentro do espaço da instituição escolar externo a sala de
aula, ou seja, um território que pertence a eles e não a mim.
Para entender os adolescentes foi preciso ir até eles, estar no meio
deles. Assim, observei os adolescentes em diferentes espaços escolares,
buscando desvelar os gestos, as posturas, as interações, a arquitetura escolar
e outros elementos que pudessem me mostrar os significados que eles
atribuem a estes espaços e as suas relações dentro dele.
Esta pesquisa é, portanto, de natureza qualitativa e confirma-se como
um estudo de caso sobre a apropriação e uso que os adolescentes fazem dos
espaços/tempos escolares externos à sala de aula. Segundo Goldenberg
(1999),
O estudo de caso reúne o maior número de informações detalhadas,
por meio de diferentes técnicas de pesquisa com o objetivo de
apreender a totalidade de uma situação e descrever a complexidade
de um caso concreto. (p.33)
Partindo deste conceito, busquei em minha pesquisa procedimentos
utilizados para coleta de informações que pudessem me dizer quem são os
adolescentes e como estes se relacionam com/nos espaços/tempos escolares.
59
Para isto, inicialmente e durante todo o processo, foram feitas observações
junto a estes sujeitos nos espaços/tempos externos à sala de aula. Após estas
observações, foram selecionados sujeitos que mostravam características
peculiares e foram realizadas entrevistas com os 12 adolescentes sujeitos da
pesquisa, para a compreensão mais profunda do que pensam sobre a escola e
seus espaços. Foram ainda aplicados 194 questionários que possibilitaram
uma visão geral dos estudantes da Escola Galáxia. Responderam a este 194
estudantes do ciclo, pertencentes às sete turmas do turno da manhã.
Também foram feitas análises documentais de arquivos, de fotos, do projeto
político pedagógico, da planta da escola e de outros com o objetivo de
conhecer a escola, sua história e seus espaços.
Esta metodologia possibilitou a exploração intensa do caso a ser
investigado.
O observador se coloca na vida da comunidade de modo a poder ver,
ao longo de um certo período de tempo, o que as pessoas
normalmente fazem enquanto realizam seu conjunto diário de
atividades.[...] Ele repara nos tipos de pessoas que interagem umas
com as outras, o conteúdo e as conseqüências da interação, e como
ela é discutida e avaliada pelos participantes e outros depois do
evento. (Becker, 1999, p.120)
Os instrumentos utilizados contribuíram para tentar ver pelo olhar do
outro, entender o “espaço/tempo” a partir do ponto de vista destes
adolescentes.
4.2. Realizando o Estranhamento
Realizei a pesquisa em campo no período de fevereiro a agosto do ano
de 2007, sendo que durante os meses de março e abril estive na escola
durante três vezes por semana no horário do turno da manhã. Nos outros
meses estive em campo durante duas vezes por semana. Após o mês de
agosto fui a campo esporadicamente até o mês de novembro.
As minhas primeiras experiências no campo foram de estranhamento. O
que veria? Como seria vista? Como reagiria diante das situações? Como
poderia ser aceita por um grupo no qual não estava inserida?
60
Mas logo meus estranhos nativos me deixaram à vontade. O que quero
dizer com isto?
No primeiro dia de observação, os alunos não sabiam quem eu era e
porque estava ali. Eu havia me apresentado aos professores e fiquei por ali,
andando, olhando sem dizer nada. Fiquei ali, estranha, alienígena. Durante o
recreio eu fui a única adulta presente. Fiquei preocupada, logo pensei: se
acontecer uma briga, como fazer? Via alguns alunos com brincadeiras
agressivas. Se estivesse na escola onde trabalho logo interferiria. Mas aqui
não, devo observar. Então alguns alunos que, pelo tamanho, logo identifiquei
que seriam do ciclo, me pediam ajuda diante dos conflitos quanto ao uso da
bola ou outros. E os adolescentes? Alguns me olhavam, outros pareciam nem
me ver. Ninguém falou comigo.
No segundo dia fui até as salas do 2º e ciclos para me apresentar.
Falei sobre a pesquisa e os procedimentos, entre eles a entrevista. Foi
interessante perceber como eu realmente havia sido notada pelos alunos do
ciclo e pouco notada pelos do 3º.
A partir daí comecei a ser abordada não mais para resolver conflitos,
mas para entenderem o que eu estava fazendo ali na escola. Os alunos
menores do 2º ciclo passaram a me tratar com carinho e alegria. Falavam meu
nome, cumprimentavam davam beijo, conversavam, alguns perguntavam se
entrevistaria adolescentes ou eles também. Um aluno me perguntou a partir
de que idade era adolescente e mostrou-se decepcionado por não ter ainda a
idade que seria englobada na minha pesquisa (12 a 18 anos).
Durante o primeiro mês do trabalho de campo por várias vezes fui
abordada por algum adolescente para saber sobre a pesquisa. Queriam saber
quem leria o meu caderno. Explicava que era um diário e por isso era um
registro pessoal, que minha intenção não era vigiá-los e sim conhecê-los.
Muitos deles me pediam para entrevistá-los ou me contavam um pouco sobre
si mesmo ou sobre a escola, quase sempre em conversas rápidas, ou melhor,
muito rápidas. Pude perceber que eles querem ser ouvidos, mostrar quem são,
quais são os seus desejos e o que pensam sobre a escola.
Diante de tanto desejo de serem ouvidos e da minha necessidade de
ouvi-los, o que antes pretendia era gravar entrevistas com oito deles, alterei
61
para 12, pois percebi uma diversidade de adolescentes e de contribuições
significativas que poderiam oferecer à pesquisa. Confesso que ainda foi difícil
selecionar os 12 diante de tantos deles querendo falar. Com o tempo fui
fazendo a seleção. As escolhas foram feitas a partir das observações das
diferenças entre eles, que me chamaram atenção pela timidez, pela
espontaneidade, pelos estilos musicais, pelas expressões corporais, pelas
interações, pelo uso de tecnologias, pela deficiência, enfim, por motivos
também diversos. Outros tantos queriam ser entrevistados. Alguns até mesmo
para sair de sala. Porém, estes tiveram a oportunidade de responder ao
questionário elaborado para todos os alunos do ciclo, com a finalidade de
caracterizar estes estudantes.
Entrar no meio deles significou uma vivência que me obrigou, conforme
dito por Damatta (1991, p. 144), “a entrar num processo profundamente
relativizador de todo o conjunto de crenças e valores” que me era familiar.
A princípio achei estranho, por exemplo, vê-los jogar papel no chão,
agredir um colega, matar aula, fazer hora para subir e não corrigi-los ou fazê-
los refletir sobre seus atos, mas tentar compreender por que fazem e como
fazem. Assim, aos poucos, fui gostando de estar no meio deles, sem a
obrigação de discipliná-los. E, ao perceberem que eu não representava,
naquele espaço, um adulto que vigiava, mas que participava, sentavam-se ao
meu lado, falavam, respondiam com tranqüilidade as minhas perguntas, enfim
me deixavam estar no meio deles.
Assim, conforme dito por Damatta (1991), consegui me sentir
familiarizada com uma cultura (ou culturas) diferente(s) da minha, verificando a
apropriação que os adolescentes fazem dos diferentes espaços/tempos
escolares externos à sala de aula e o que manifestam nestes espaços/tempos.
4.3. Aspectos Históricos da Escola Galáxia
Impulsionados pelas idéias de Anísio Teixeira começam a surgir na
década de 80 programas para a escola em tempo integral. Em 1983, no estado
do Rio de Janeiro surge o CIEP (Centro Integrado de Educação Pública) tendo
em um turno o ensino formal e o outro turno atividades extracurriculares. Em
62
1990-1992 o governo do então presidente Fernando Collor constrói pelo país
Centros Integrados de Atenção à Criança (CIACS). Posteriormente, no governo
Itamar Franco (entre 1992 e 1994), com o Programa Nacional de Atenção
Integral à Criança e aos Adolescentes (PNAD), os chamados CIACs o
transformados em CAICs (Centro de Atenção Integral à Criança e ao
Adolescente), considerando que havia uma mudança de filosofia ao trocar o
nome, trocaria o sentido, pois o que deveria ser integral não era o centro, mas
a atenção. (PONTES, 2002).
A proposta seria suprir as carências da comunidade a partir da
verificação de necessidades básicas da população. Seria um dever considerar
as crianças e os adolescentes como o centro das atenções.
O programa previa a construção de escolas com espaços diferenciados,
que atendessem de 800 a 1.200 alunos da Educação Infantil e Ensino
Fundamental. Teriam cozinha, refeitório, espaços voltados para a saúde e o
lazer, de forma a atender às necessidades das crianças e dos adolescentes.
Através deste programa, em 1992, foi construído o prédio do CAIC para
alojar a fundada Escola Galáxia. Esta escola, existente desde 1989, ainda
não possuía instalações físicas específicas. A comunidade do bairro onde se
situava esta escola reivindicava a construção de um prédio escolar, pois, desde
sua fundação no final de 1989 até a construção do prédio em 1992, ocupou
diversos espaços. De acordo como o Histórico traçado
Em 1990 estávamos numa escola de grau. Em 1991, cinco turmas
deslocavam-se de ônibus diariamente para assistirem aulas em outra
escola, percorrendo o trajeto de 15 Km. Em 1992, durante o primeiro
semestre, doze turmas assistiram aulas em lojas comerciais alugadas
e improvisadas e as restantes, no prédio da FUNEC Riacho. No dia
31 de julho o prédio foi inaugurado e nos transferimos.
Para a construção do prédio foi fundamental a mobilização da
comunidade. Chegamos a realizar reuniões com 400 pessoas.
Buscamos apoio da Igreja, das Associações comunitárias, dos
vereadores e, principalmente, dos pais de nossas crianças. Tínhamos
um colegiado composto por pais, alunos e funcionários com reuniões
sistemáticas para organizar estratégias de pressão ao poder público
bem como a participação nas reuniões com representantes da
Secretaria de Educação.
Inicialmente organizamos um abaixo assinado, exigindo a construção
do prédio com quase 4000 assinaturas. Entregamos ao prefeito, mas
não fomos atendidos. Sempre que fazíamos as reuniões com a
comunidade, um representante da Secretaria vinha e pedia novo
prazo, achava nossa reivindicação justa, mas não havia verba
63
disponível. Por isso, sempre se comprometia em se empenhar ao
máximo para atender-nos.
Como os prazos sempre eram renovados, resolvemos realizar ações
mais ousadas. Para isso, organizamos uma passeata pelas ruas do
bairro com pais, alunos e funcionários. Complementando esta
atividade fizemos um pronunciamento e protesto na Câmara dos
Vereadores. Pais, alunos e funcionários ocuparam as galerias para
demonstrarem nossa indignação.
O prédio a ser construído para nossa escola fazia parte de um novo
programa educacional do Governo Federal. Prédios semelhantes
seriam construídos em todo o país. Em nosso estado (Minas Gerais),
a construtora responsável ainda estava implantando seu canteiro de
obras. Recebemos um convite para visitarmos a construtora e
conhecer a planta dos prédios. Um ônibus enviado pela prefeitura
transportou os representantes da comunidade escolar. fomos
recebidos pelo prefeito e secretário de educação.
Com o início das obras para as instalações físicas, nossa
preocupação, ainda em 1992, passou a ser com a construção de uma
proposta pedagógica para uma escola de qualidade que contribuísse
para a emancipação humana desta comunidade. (Projeto Político
Pedagógico, 2001)
Figura 2: Mobilização da comunidade
Fonte: Arquivo da Escola
A escola foi construída em um amplo espaço territorial, tendo a estrutura
de um CAIC, conforme descrito anteriormente.
64
Figura 3: Construção da Escola
Fonte: Arquivo da Escola
Figura 4: Construção do ginásio
Fonte: Arquivo da Escola
A inauguração, em 1992, teve uma grande participação comunitária.
Figura 5: Inauguração
Fonte: Arquivo da Escola
65
Figura 6: A escola Galáxia construída
Fonte: Arquivo da escola
A partir daí a preocupação do grupo de trabalhadores era construir uma
proposta de acordo com a filosofia de atenção integral à criança e aos
adolescentes.
A partir de 1991/1992, foram realizados encontros quinzenais com um
grupo de professores em horário extraturno para estudo. Neste
projeto foram discutidos assuntos relacionados à organização da
ordem mundial, estruturação da sociedade brasileira, democratização
da escola, tendências pedagógicas, organização do trabalho na
escola, relação professor/aluno, metodologia, conteúdo, avaliação.
Este debate resultou na implantação de projetos como: direção
colegiada (92), quadro curricular de e séries (95), quadro
curricular de e séries (96), salas ambiente (96), grupo de
orientação sexual para adolescentes (98), grupo de educação
ambiental (99). (Projeto Político Pedagógico, 2002, f. 7).
A escola contou com assessoria externa para esta formação e produção
de sua proposta.
Em 1997, tendo a Secretaria de Educação do Município suspendido a
eleição direta, pautada na gestão democrática, a escola realizou sua eleição
com o voto de professores, funcionários e alunos. Após a apuração um grupo
da comunidade escolar fez uma audiência com o então prefeito Sr. Newton
66
Cardoso, com a associação de moradores do bairro, o conselho pedagógico
administrativo da escola (colegiado escolar), com os alunos, pais e
funcionários. Assim, desde 1991, a escola é dirigida por representantes eleitos
pela comunidade escolar.
Dirigir um CAIC significa mais que dirigir uma escola, pois a existência
de sub-programas fora do horário escolar requer uma movimentação na escola
diferente da convencional. A proposta dos CAICs visava a criação de
subprogramas que contariam com espaços físicos próprios e materiais
necessários. Seriam eles: I Proteção Especial à criança e à família, II
Promoção da saúde da criança e do adolescente, III Educação infantil, IV
Educação escolar, V Esportes, VI Cultura, VII Educação para o Trabalho, VIII
Alimentação, IX Suporte Tecnológico, X Gestão, XI Mobilização Comunitária
(PONTES, 2002).
Dentro da proposta pedagógica da instituição estão especificados cada
um destes sub-programas. A Escola Galáxia desenvolveu em 2007 os
seguintes programas (assim chamados pela escola): Esportes (Iniciação
esportiva universal, handebol, voleibol, futsal, basquete, xadrez), cultura
(teatro, dança de rua, grafite, fanfarra), iniciação para o trabalho (tapeçaria,
customização, hidroponia, bijuteria), Saúde (Projeto Beija Flor -Educação
afetivo sexual), Educação ambiental (reciclagem)
O programa de esportes foi criado em 1992. Os alunos que desejarem
se inscrevem em uma modalidade esportiva e participam das atividades nos
horários programados. A escola tem vários troféus recebidos em competições
entre escolas e até mesmo campeonatos externos de várias modalidades.
O programa de saúde para orientação sexual dos adolescentes surgiu a
partir de uma notícia recebida pela escola em agosto de 1997. Um professor
morreu e teve sua identidade gay revelada pelo jornal. A perplexidade e tristeza
dos funcionários e alunos fizeram surgir a demanda de debater o assunto.
Convidaram então uma psicóloga que apresentou à escola um trabalho de
educação afetivo sexual que foi logo iniciado na escola, com encontros
semanais extraturno para discussão de temas como “namoro, masturbação,
virgindade, homossexualidade, masturbação, DST-AIDS, orgasmo, métodos
67
anticoncepcionais e gravidez na adolescência” (Projeto Político pedagógico -
anexo, p. 11), entre outros.
O programa de educação ambiental visa
implementar frentes de trabalho que ultrapassem as salas de aula,
identificando os problemas do entorno escolar e da cidade, buscando
soluções para resolvê-los por meio de mudanças de valores e
atitudes. A partir daí entender e se posicionar diante das questões
ecológicas mais amplas. (Projeto político pedagógico, 2001, p. 12)
O programa de cultura realiza oficinas culturais como dança e teatro. No
entanto, a proposta pedagógica enfatiza que este programa permeia todos os
outros.
O desenvolvimento destes programas está ligado com a proposta da
necessidade de uma escola prazerosa e voltada para a formação humana.
Governo após governo, os CAICs buscam manter a garantia de recursos para
manutenção dos sub-programas, havendo uma Associação de dirigentes dos
CAICs , criada desde 1997 e mantida através dos encontros entre dirigentes
dos CAICs de Minas Gerais. (PONTES, 2002)
A idéia de gestão democrática permeia a proposta pedagógica da
escola. Nesta está clara a necessidade de ouvir as demandas da comunidade
escolar. Além das eleições diretas mantidas pela escola, o colegiado
escolar, criado em 1991, com a participação de pais, alunos e trabalhadores da
escola e o grêmio estudantil, criado em 1997.
O Grêmio estudantil tem eleição anual, com a seguinte composição:
presidente, vice-presidente, secretaria de educação, secretaria de
Esporte/lazer, secretaria de imprensa/divulgação, secretaria da fazenda,
secretaria de movimentos estudantis (Estatuto proposto ao Grêmio, 1998). Os
objetivos do grêmio seriam:
congregar o corpo discente da escola referida, defender os interesses
individuais e coletivos dos alunos, incentivar a cultura literária,
artística e desportiva dos seus membros, promover a cooperação
entre administradores, professores, funcionários e alunos, no trabalho
escolar, buscando seu aprimoramento, lutar pela democracia
permanente dentro e fora da escola, através do direito de participação
nos fóruns deliberativos adequados. (ESTATUTO PROPOSTO AO
GRÊMIO, 1998, f. 2)
68
No dia 21 de março de 2007 (quarta-feira), durante a pesquisa de
campo, vi uma movimentação diferente na escola, garotos e garotas desciam
as escadas, iam para trás do prédio e voltavam. Estava acontecendo a eleição
para o Grêmio Estudantil. Havia apenas uma chapa concorrente. Quando
retornei à escola no dia 27/03, vi afixado no mural o resultado da eleição do
grêmio. A “chapa 1” ganhou com 74% dos votos válidos. Total de votantes:
427, sendo 21 votos nulos, 90 brancos e 316 válidos.
Procurei saber da pedagoga quem eram os componentes do grêmio e
assim fui apresentada à Cristina
28
, presidente eleita. Eu a chamei para
conversar, ela me mostrou o estatuto que foi fornecido pela escola e me
explicou sobre a responsabilidade dos membros do grêmio.
A secretaria de educação trataria com professores e alunos. A secretaria
de meio ambiente da preservação da escola. A secretaria de esporte e lazer
dos programas de esportes (já tinham uma reclamação de que as aulas
estavam acontecendo muito tarde). A secretaria dos movimentos estudantis,
das passeatas e participações em movimentos, como o movimento para
exigência do passe livre para estudantes nos transportes coletivos. A secretaria
da fazenda cuidaria das arrecadações com venda de carteirinhas, festa junina,
etc. Criaram ainda uma outra secretaria do pré-escolar, que seria responsável
pela monitoria dos alunos menores.
Continuando minha conversa com a presidente eleita:
Fui até a sala do Grêmio. Um espaço pequeno, com uma mesa,
prateleiras e na parede grafitado “Grêmio”. O vice-presidente estava
lá. Os dois disseram que irão arrumar a sala, falaram que nos dois
anos anteriores não houve eleição para o Grêmio, porque da última
vez estavam usando a sala para namorar. Também não deixaram
nenhuma ata registrada, parece que não assumiram as suas funções.
Neste ano, segundo eles, a diretora incentivou a criação do grêmio,
mas não permitiu que tivesse muita campanha, foram logo para a
votação. Cristina achou alto o índice de rejeição e acredita que
devem trabalhar para provar o contrário. (Diário de Campo,
28/03/2007)
Durante o trabalho de campo, o vice-presidente do grêmio sempre
esteve presente na escola. Ele estudava no período da tarde e ficava na escola
28
Nome fictício. Todos os nomes dos adolescentes e funcionários da escola foram criados por eles ou
pela pesquisadora com o intuito de preservar a identidade destes sujeitos.
69
pela manhã. Ele distribuía as bolas utilizadas no recreio e pude perceber outros
movimentos que serão citados posteriormente. No entanto, a atuação do
grêmio ainda parecia tímida. Em meados de maio houve um conflito no grêmio,
onde diversos componentes se desligaram, inclusive Cristina. O vice passou a
ser então o presidente e me contou que faria uma seleção para a nova
composição. Em agosto já estava composto o novo Grêmio.
4.4. Os Espaços da Escola Galáxia
Se esta dissertação pretende dizer sobre os espaços escolares é preciso
inicialmente conhecê-los tal como são.
Convido aos leitores a caminhar comigo pela Escola Galáxia.
A rua onde fica a escola é movimentada e possui estabelecimentos
comerciais variados. Em frente duas padarias, uma loja de roupas, artigos
para festa, oficina mecânica, etc. Havia uma Lan House que foi fechada em
abril de 2007. O muro da escola é extenso e grafitado
29
.
Figura 7: O muro da escola
Fonte: Arquivo da autora
A escola possui quatro portões
30
, os quais vou numerar para facilitar a
especificação.
1 – Portão de estacionamento dos professores
29
Mais adiante diferenciarei a grafitagem da pichação(item 4.3.1.5 )
30
Numeração feita pela autora
70
2 – Portão de entrada dos alunos do 1º ciclo e educação infantil
3 Portão de entrada dos alunos do 2º, ciclos e demais pessoas
durante todo o horário. É neste portão que o vigia se posiciona.
4 – Portão constantemente fechado.
Este último portão fica no final do muro da escola e, até agosto, estava
constantemente fechado. Somente o vi sendo aberto quando precisaram
passar com um vaso de plantas muito pesado. Para facilitar, o vigia abriu o
portão e entraram com o carro pela rampa para carregarem o vaso com mais
facilidade.
Vamos entrar pelo portão 3, onde entram os adolescentes. Ali
observamos logo uma escada, passamos por uma guarita desativada e
deparamos à direita com um vasto espaço com alguns bancos que dão de
frente para a rua.
À frente temos um tio, jardins, um ginásio, bancos, uma escada em
espiral, um teatro de arena, uma mesa de ping-pong, outra escada que vai para
a quadra de cima. Compondo a paisagem, uma enorme pedreira nos fundos da
escola é acompanhada de conjuntos de prédios.
Figura 8: Pátio externo visto da entrada
Fonte: arquivo da autora
À esquerda fica o prédio que abriga as salas do e 3º ciclos e outras
dependências. Na parede há uma placa indicando outros espaços.
71
Figura 9: placa indicativa
Fonte: arquivo da autora
Então continuemos nossa caminhada seguindo o caminho dos
adolescentes.
Passamos por um pátio, que chamo de pátio coberto. Neste pátio à
esquerda ficam murais, bebedouros e banheiros (de um lado feminino, do outro
masculino). Uma porta de acesso ao interior do prédio está sempre trancada e
só é aberta pelos professores de educação física e pela assistente escolar.
Figura 10: Espaço dos banheiros e bebedouros
Fonte: arquivo da autora
À direita tem um ginásio grande, com telhado em forma triangular.
bancos colocados dos dois lados da entrada do ginásio, alguns mais próximos,
72
outros mais afastados. Em junho, as paredes do ginásio foram pintadas pelo
instrutor de grafite da escola
31
.
Figura 11: Bancos
Fonte: arquivo da autora
Figura 12: bancos mais afastados e paredes do ginásio
Fonte: arquivo da autora
Neste espaço fica uma escada em forma de espiral, na qual os alunos
sobem e descem para o recreio ou outras atividades.
31
Oficina realizada nos finais de semana.
73
Figura 13: escada em espiral
Fonte: arquivo da autora
Subiremos a escada em espiral que nos levará a um pequeno pátio, o
qual chamo de pátio de cima. De poderemos ver dentro do ginásio onde os
alunos do e anos do ciclo fazem educação física, mas esta visão é
possível graças aos buracos que foram feitos na fibra de vidro.
Figura 14: Buracos feitos no ginásio
Fonte: Arquivo da autora
Podemos então entrar por uma grande porta que acesso ao hall de
entrada. Neste hall bancos e murais. À frente dele outra escada com uma
placa que indica: “use a escada somente para subir”.
74
Figura 15: pátio de cima - porta de acesso ao hall
Fonte: arquivo da autora
Figura 16: mural do hall
Fonte: arquivo da autora
À direita, o corredor de acesso às salas do 3º ciclo. Ao todo são sete
salas de aula deste lado. No início do corredor, a sala das supervisoras,
pequena e adaptada. No fundo, a sala dos assistentes escolares (até 2005, em
Contagem este cargo denominava-se disciplinário escolar).
Muitas das salas de aula são grafitadas e também pichadas. As mesas
ficam dispostas enfileiradas uma atrás da outra, a mesa do professor na frente,
quadro grande, conforme conhecemos bem.
As janelas das salas são amplas. Do lado esquerdo elas dão vista para o
prédio do 1º ciclo. Do lado direito elas dão vista para o pátio.
75
Figura 17: janelas
Fonte: arquivo da autora
À esquerda o corredor leva a mais sete salas, somente uma ocupada
pelo 3º ciclo. No fundo, a sala do grêmio. Uma salinha pequena, com mesas,
cadeira e caixas com as bolas de todas as turmas
32
.
que a escada interna deve ser usada “somente para subir”, vamos
voltar, passar pela grande porta e descer a escada espiral.
Agora daremos a volta pelo prédio para entrar na sala atrás da porta que
fica fechada. Passaremos pelos jardins e pela sala da direção, cuja porta-janela
pode servir de entrada.
Na parede vemos placas solicitando o cuidado com os jardins. Estes são
cercados por pneus ou arames.
Figura 18: Jardins
Fonte: arquivo da autora
32
Cada turma tem bolas reservadas para usar no recreio
76
Chegando dentro do prédio uma salinha muito aconchegante, com sofás
grandes, que foram colocados no mês de abril, próximo à data Páscoa, plantas,
a escada interna e um espelho.
Figura 19: salinha
Fonte: arquivo da autora
Seguindo o corredor observamos à direita uma sala de deo, banheiros
dos funcionários, sala da direção, sala dos professores, sala da coordenação
dos programas, e um laboratório usado como sala de aula. Na metade do ano
a sala das pedagogas também foi transferida para este espaço.
Do outro lado do corredor, sairemos na cantina.
Saindo novamente pela salinha, iremos para o prédio destinado ao
ciclo e Educação Infantil. Os corredores e salas de aula têm paredes coloridas.
Figura 20: prédio do 1º ciclo
Fonte: arquivo da autora
77
um espaço de lazer especial para as crianças, com casinha,
escorregador, brinquedos, areia e piscina.
Figura 21: espaço de brincar
Fonte: arquivo da autora
Neste prédio ainda tem o auditório, a biblioteca e uma cozinha industrial
onde as crianças podem ter aula de culinária.
Para chegar à biblioteca, à secretaria, ao auditório e ao estacionamento,
passaremos por um espaço externo com árvores e jardins.
Figura 22: Espaço externo lateral
Fonte: arquivo da autora
A biblioteca é ampla, segundo informações da bibliotecária oferece
187,34 m2 de área, dividido em seis ambientes: uma sala de empréstimo, um
guarda volume, uma biblioteca infantil, dois banheiros, um espaço para leitura e
78
pesquisa. É neste espaço para leitura e pesquisa que os adolescentes
transitavam. neste espaço 10 mesas, com quatro cadeiras em cada uma. A
biblioteca contém um grande acervo, oferecendo mais de 16.000 exemplares.
A biblioteca infantil possui um espaço com livros infantis, mesas e cadeiras
pequenas, apropriado para crianças pequenas.
Figura 23: biblioteca
Fonte: arquivo da autora
Não me esquecendo de citar, nos fundos do prédio do e ciclos,
bem próximo à quadra de cima, há duas salas de artes com espelhos na
parede. A construção destas salas não se assemelha à estrutura do CAIC, pois
foi construída posteriormente.
Cansados de caminhar? Esta escola realmente tem um espaço muito
amplo e diverso.
Conforme dito anteriormente, os CAICs foram projetados para atender
de 800 a 1200 alunos, com possibilidades de espaço para atender em horário
integral crianças e adolescentes.
De acordo com os dados coletados na secretaria da escola, no dia
23/04/2007, a escola tinha, nesta data, 1.227 alunos matriculados, sendo
divididos em 23 turmas de manhã e 23 turmas à tarde, atendendo à Educação
Infantil (1º e 2º período) e todo o Ensino Fundamental.
Quanto ao ciclo, nesta data, estavam matriculados 385 alunos, sendo
203 matriculados no turno da manhã e os demais à tarde.
79
No ciclo da manhã (turno pesquisado) havia, nesta data, duas turmas
de ano (601,602) com 59 alunos, duas turmas de segundo ano (701,702)
com 59 alunos e três turmas de 3º ano (801, 802, 803) com 85 alunos.
Este foi o universo pesquisado, que mesmo tendo definido 12 sujeitos
entrevistados e observados mais profundamente, os adolescentes que
compunham o espaço escolar foram observados e a maioria deles, ou seja,
194, respondeu ao questionário.
80
5 OS ADOLESCENTES DO 3º CICLO DA ESCOLA GALÁXIA
Neste capítulo o objetivo é aprofundar em minha pesquisa de campo e
nas análises do objeto e do problema investigado. Inicialmente, busco, a partir
do questionário, caracterizar os estudantes desta escola. Estas definições
foram construídas a partir dos dados coletados nos questionários e também
nas conversas com os sujeitos da escola. Posteriormente defino quais o os
12 sujeitos adolescentes focados nesta pesquisa. E, depois o que estes 12
sujeitos e os outros adolescentes desta escola consideram ser adolescente.
5.1. Os Adolescentes da Escola Galáxia
Conforme dito anteriormente, a Escola Galáxia tem aproximadamente
203 estudantes do ciclo no turno da manhã. Destes alunos, 194
responderam ao questionário de sondagem sócio econômico e cultural.
Através do questionário aplicado foi possível fazer a caracterização dos
estudantes matriculados nesta escola no turno da manhã, com idade entre 11 e
19 anos. Sendo:
11 anos – 2 alunos
12 anos – 44 alunos
13 anos – 55 alunos
14 anos – 54 alunos
15 anos – 25 alunos
16 anos – 11 alunos
17 anos - 1 aluno
18 anos – 1 aluno
19 anos – 1 aluno
Portanto, a maioria dos alunos encontra-se na faixa etária de 12 a 15
anos. Considerando que pesquisas sobre a juventude abordam jovens a partir
de 15 anos, como, por exemplo, a pesquisa realizada pela fundação Abramo
“Perfil da Juventude Brasileira” (ABRAMO, 2005), acredito ser a faixa etária de
81
12 a 18 anos, conforme definido pelo ECA
33
, apropriada para designar a
adolescência, , fase que contempla o início da juventude.
No questionário esta análise se confirma, pois 83% dos 194 alunos que
o responderam consideraram que são adolescentes. E, aqueles que se
consideraram jovens tinham acima de 15 anos. Mas, ainda, muitos dos que
tinham mais de 15 anos ainda se consideravam adolescentes.
83%
criança
adolescente
jovem
não respondeu
Gráfico 1: Fases de formação humana
Fonte: Arquivo da Autora
Os adolescentes da Escola Galáxia, turno da manhã, em sua maioria,
moram em uma família com pai (ou padrasto) e mãe (ou madrasta), perfazendo
um total de 73% nesta situação. Moram apenas com a mãe 15%, o restante se
divide entre aqueles que moram só com o pai, com tios, avós ou outros.
Nestas famílias moram dentro da mesma casa, em sua maioria, de 3 a 6
pessoas, contando com o adolescente. A renda média familiar foi declarada em
geral, de R$ 700,00 a R$ 3.000,00. No entanto, é importante salientar que 81
adolescentes desconhecem a renda de sua família, como demonstra o gráfico
abaixo:
33
Estatuto da Criança e do Adolescente
82
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Até R$ 350,00
DE R$ 350,00
A R$700,00
DE R$ 700,00
A R$ 1500,00
DE R$
1500,00 A R$
3000,00
MAIS DE R$
3000,00
NÃO SEI
QUAL É A
RENDA DA
MINHA
FAMÍLIA
NÃO
RESPONDEU
Gráfico 2: Renda Familiar
Fonte: Arquivo da Autora
Durante os finais de semana as atividades mais freqüentes são: assistir
TV, ouvir música, encontrar com os amigos, ficar no computador e praticar
esportes. A prática de esportes constante deve-se muito ao fato de que no
bairro um ginásio poli esportivo cujo acesso é gratuito, e ainda ao fato do
bairro possuir praças e quadras. Segundo Brenner, Dayrell e Carrano (2005),
de acordo com a MUNIC
34
, em uma pesquisa feita pelo IBGE os estádios ou
ginásios esportivos (76%) são “equipamentos amplamente presentes nas
cidades brasileiras, revelando forte característica da cultura nacional
relacionada à prática esportiva e outras formas de lazer” (p. 179). O bairro
localiza-se em uma região onde passam muitos ônibus, o que facilita o acesso
aos shoppings, danceterias e outros locais para passeios.
34
“Informações Básicas Municipais” (MUNIC do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE
(2001)
83
0
20
40
60
80
100
120
140
a
s
si
st
ir
TV
o
u
vi
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m
ús
i
ca
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co
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l
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ca
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a
ou
d
or
m
ir
Gráfico 3: Lazer no Final de Semana
Fonte: Arquivo da Autora
Quanto à questão étnico-racial a maior parte dos adolescentes declarou-
se parda, perfazendo um total de 43%. Declararam-se negros 10%, e, ainda,
5% acrescentaram o item moreno. Assim, somados 58% dos alunos
denominam-se pardos, negros e morenos.
31%
10%
43%
6%
4%
5%
1%
BRANCA
NEGRA
PARDA
INDÍGENA
AMARELA
OUTRA/MORENA
O
RESPONDERAM
Gráfico 4: Etnia/raça
Fonte: Arquivo da Autora
84
Estes são grosso modo os adolescentes da Escola Galáxia. Deste
universo, a partir da observação participante, escolhi 12 sujeitos,
aproximadamente 6,2% deste universo, que pudessem contribuir para o meu
entendimento sobre suas relações com e nos espaços desta escola.
5.2. Os Sujeitos da Pesquisa – 12 Estrelas da Galáxia
Os sujeitos de minha investigação são 12 adolescentes do terceiro ciclo,
turno da manhã, selecionados a partir das observações de características que
considerei diferenciadas por suas posturas corporais, linguagens, preferências
musicais, estilos de roupa, formas de interagir no e com o espaço.
Não defini número equivalente de alunos por ano do ciclo, porque minha
preferência foi pelas características apresentadas no espaço externo. Assim,
inicialmente o sabia distinguir quem pertencia a qual turma. Não defini
também um número equivalente de meninos e meninas, embora tenha tido a
preocupação em definir um número aproximado. Durante a seleção, fui
observando que a maioria dos escolhidos pertencia a duas turmas. Achei isto
interessante, pois seria possível ouvir diferentes percepções de pessoas que
convivem em uma mesma sala de aula. Atribuiriam significados semelhantes
por pertencerem à mesma turma escolar?
Estes sujeitos são:
Nome
fictício
35
Idade Ano/ciclo Turma
Cristina 16 702
Fernanda 12 702
Ícaro 14 801
Jhonys 16 801
João 18 801
Juca 16 803
35
Os nomes foram definidos pelos próprios adolescentes, exceto os de João e Lucas, os quais me
pediram para escolher o nome.
85
Júnior 14 803
Lauret 15 803
Layla 13 702
Loreny 14 702
Lucas 12 601
Pedro 16 803
Para entender a relação dos adolescentes e entre eles, observei a
movimentação dos alunos de e ciclo da escola e, assim, pude entender
esses sujeitos. Portanto, os 203 adolescentes matriculados no 3º ciclo da
Escola Galáxia, no turno da manhã e os do ciclo compuseram o espaço
escolar, contribuindo para a observação e compreensão dos significados
presentes nesses espaços. Reafirmo, portanto, que, embora tenha direcionado
o foco para estes 12 sujeitos, utilizarei muitas falas de outros adolescentes,
sem, contudo, identificar seus verdadeiros nomes.
5.2.1.Conhecendo as doze estrelas da Galáxia
Falarei adiante sobre os 12 adolescentes, dos quais recolhi dados
através da observação, entrevistas, considerações de outros adolescentes,
diários escolares e falas de profissionais da escola. Considerando-os como
sujeitos diferentes por suas características físicas, sua etnia, gênero,
preferências e estilos diferenciados.
5.2.1.1. Cristina
Até abril ainda não tinha visto Cristina, quando um dia observei uma
movimentação diferente na escola. Vários alunos desciam as escadas e
caminhavam em direção à biblioteca, entre eles os alunos Lucas, Loreny e
Juca. Estava acontecendo uma eleição para a composição do Grêmio no dia
21 de março de 2007. Ao procurar saber quem eram os alunos que estavam
nesta chapa única candidata ao Grêmio, fui apresentada à Cristina, presidente.
Ela mostrou-se muito disposta a me atender. Conversou comigo, mostrou-me a
86
sala, o “Estatuto Proposto ao Grêmio” fornecido pela diretora e falou sobre o
que pretendem fazer neste mandato.
Cristina decidiu entrar para o Grêmio a partir da sugestão da diretora do
ano passado. Segundo Cristina, durante uma reunião com o colegiado escolar
para a decisão do calendário de reposição de paralisações e greve, a qual os
alunos puderam participar, ela e o então vice-presidente do grêmio
questionaram as datas da reposição, alegando que os alunos ficariam
prejudicados. A então diretora propôs que fizessem uma chapa para reativar o
grêmio, de forma que os alunos tivessem mais voz na escola. Segundo
Cristina, a atual diretora também deu muito apoio à formação do grêmio, que
há alguns anos estava desativado.
Cristina ficou ainda insegura, achando que seria muita responsabilidade.
Depois de conversar com seus pais, que a apoiaram acreditando que seria
uma forma de adquirir mais responsabilidade e, quem sabe, abrir outras portas
para o futuro, ela e o vice decidiram encarar esta responsabilidade e montaram
a chapa. No entanto, segundo Cristina, enfrentaram alguns obstáculos:
Cristina - Muitas vezes as pessoas te pegam entendeu? Igual quando
a gente estava fazendo campanha. Ai vinha aluno, até mesmo
funcionários da escola que não queriam o grêmio. Uma pessoa virou
pra gente e falou assimEsse grêmio é só pra encher o saco. Só para
encher a cabeça dos funcionários. Não vai dar certo. Tomara que não
pra frente!eu faleiMeu Deus! Agora que eu vou mesmo”. a
gente entrou com a cabeça. Aí, o vice-presidente falou: “tem certeza
que você vai dar conta porque você vai ter que conversar com mais
pessoas? Tem a mesa que você vai ter que estar conversando
diretamente, você mesmo com os professores, esse tipo de coisa”. Ai
eu falei: “quando eu não der conta eu te cutuco e você manda brasa.
Vice é pra isso! vai do meu lado, vai ter que me ajudar”. E
acaba que essa responsabilidade fica para ele porque ele é super
popular na escola e eu não. Eu sou mais na minha. Ninguém nem
me conhecia, agora que estão começando a me conhecer. Mas
assim, agora todo mundo cumprimenta, todo mundo conversa, até
mesmo os funcionários. Então pra ele é mais tranqüilo. Então eu falo
“vai fundo meu filho, todo mundo pra você!” Ai, ele vai e fala. Ele é
bem mais despojado que eu.
Eu - Mas então qual é a função que você assume? O que você faz no
grêmio?
Cristina Eu? É, agora eu vou ficar com a parte de organização da
escola porque nós tivemos uma reunião quarta-feira com a diretora
que eu não pude estar, mas me passaram tudo que foi dito, eu vou
na organização e junto com a Gisele também. Eu vou olhando
mais o lado dos alunos então vem mais aquela coisa de se eu
pegar muito no pé dos alunos. Eles o tentar achar ali um defeito
em mim. [...] Então a responsabilidade é a seguinte: você saber estar
87
no meio dos alunos e também dos professores para você sabendo
o que está fazendo para poder chamar atenção senão você não tem
muita força. E é muito grande a responsabilidade porque você está ali
mexendo com pessoas que você nem sabe quem é. Você o sabe o
caráter da pessoa. Você não sabe o que a pessoa faz, o que ela é...
(entrevista com Cristina, 27/04/2007)
Assim, Cristina assumiu o Grêmio. Parecia uma garota mais tímida.
Segundo ela, antes não conhecia quase ninguém na escola, agora todos a
conhecem a cumprimentam. Ela fala que alguns integrantes do Grêmio
entravam com essa idéia de “ser popular na escola”, mas estes não ficavam no
grupo, logo era feita uma votação entre os componentes para decidir se
ficavam ou se saíam.
Cristina mora com seus pais e sua irmã de 11 anos, com quem costuma
brigar muito. Diz que as duas têm até mesmo que estudar em horários
diferentes para não ficarem muito juntas em casa, pois é sinal de briga na
certa. Ela estuda de manhã e a irmã à tarde. Embora Cristina mostre ser uma
pessoa calma, mostrou que entra em alguns conflitos, não com a irmã, mas
também com professores e colegas.
Segundo seus relatos, já teve atrito sério com dois professores. Um
deles ela relata assim:
Cristina - Uma vez também eu briguei com o Carlos
36
, só que hoje em
dia eu adoro ele, mas eu tive que brigar com ele.
Eu - Por quê?
Cristina - Porque ele falou “traz seu caderno tal dia assim, assim” pra
mim, porque ele tava todo errado. Ai eu falei eu vou trazer ele todo
completo pra você. Ai ele falou “então tal dia você traz”, eu falei
“então beleza”. Ai ele deu aula antes, ele tava na outra sala e saiu
dando ocorrência pra todo mundo da minha sala, então eu parei.
“Você é doido, é louco meu filho, o que significa isso aqui?” (Cristina
falou gritando). Ele olhou assim pra mim “é ocorrência”. Eu ”Ah, é! E
você acha que eu vou levar isso pra minha casa? Você é errado!
Você é culpado! Porque você falou comigo pra mim trazer segunda-
feira. Quanta água não vai rolar até lá. Eu vou trazer, se eu não vier
alguém traz.” ele me levou na Sandra. “Olha, ela não trouxe
material, não fez atividade”. Eu “Ah, pera aí! Eu fiz isso tudo? Você é
louco? Eu te odeio!”
Eu - Você falou assim, xingando?
Cristina - “Eu não gosto de você Carlos! Eu tenho nojo da sua cara!
Aí a Sandra olhou assim para mim “calma, calma, calma”.
“Ele me irrita! vendo, todo mundo costuma me ver aí calma e acha
que eu sou retardada. Eu não! Que isso? Palhaçada!
Ai ela falou, “vai lá tomar uma água e volta calma.”
36
Nome criado por mim para preservar a identidade do professor
88
Ai eu desci e tomei minha água. Ai ela falou “agora leva isso aqui
pra baixo depois você volta”. Eu falei “então tá” e danei a chorar. “Mas
ele vai me dar ocorrência que não sei o quê”. Ela falou “calma eu vou
conversar com ele”. Ele tava vermelho, ele tava a azul de tanta
raiva. Ai ela conversou com ele, ele chegou perto de mim. “Desculpa,
eu esqueci que eu tinha combinado com você”. Ah é, vai me pedir
desculpa depois que me deu ocorrência?” “Não calma, eu anulei
sua ocorrência”. Ai eu: “perdão!”
Eu - Aí você acalmou? Anulou a ocorrência acalmou? O problema era
a ocorrência então? Aí você que pediu desculpa pra ele?
Cristina - É. (Entrevista com Cristina, 27/04/2007)
No início do mês de maio Cristina desistiu do Grêmio. Disse que ela e
mais sete componentes resolveram sair porque não agüentavam o vice-
presidente. Cristina não sabia se o Grêmio continuaria, pois, tem que ter um
mínimo de participantes. Achava que ficou prejudicada nas aulas por causa do
grêmio e poderia repetir o ano.
Em novembro, Cristina me disse que pretendia candidatar-se novamente
no próximo ano, desta vez com uma chapa formada por ela.
5.2.1.2. Fernanda
Fernanda conversava comigo quase todos os dias que estava na escola.
Ela e sua amiga inseparável Caroline.
Fernanda tem 12 anos e não se considera adolescente, nem quer ser
adolescente. Ela gosta de brincar de boneca, ouvir música dos Rebeldes (e
tem uma coleção de pôsteres, CDs, álbuns e outras coisas da banda), gosta de
ler e ficar na rua com Caroline, não pensa ainda em namorar.
Na escola considera-se uma aluna média. Faz as atividades, mas
conversa muito na sala de aula. Pelo registro do diário os professores também
demonstram considerá-la uma aluna mediana. “Tem certa dificuldade”, “ainda
não tem sido capaz de compreender os conteúdos”, “tem avançado”, são
frases usadas em seu relatório descritivo de desenvolvimento. Segundo a
garota, em seu boletim tem os conceitos A, B e C, nunca tirou um D ou E
37
.
Não gosta quando o grupo de “CDFs” de sua sala, assim chamado por
ela, chama a sua atenção. Deste grupo faz parte Layla.
37
Na escola os conceitos atribuídos são A, B, C , D e E.
89
Fernanda parece falar o que pensa com colegas e professores e fala
alto. De longe é possível ouvir sua voz.
Fernanda participa de alguns programas na escola: reciclagem e
customização. Contou-me que sabe bordar ponto cruz. Na customização
pintam panos de prato, calças e bolsas. Já fez curso de pintura na igreja
católica perto de sua casa.
Fernanda diz o se preocupar com o corpo, mas, em dois dias
diferentes, enquanto conversávamos, ela me disse que vai ficar baixinha e
gorda, porque a família dela é baixa e ela tem uma tia que embora o seja
gorda, tem “um bundão”.
5.2.1.3. Ícaro
Ícaro tem 14 anos, mora com seu pai, sua mãe e um irmão. Ele é um
sonhador. Em nossas diversas conversas, Ícaro demonstrou ter diversos
sonhos, alguns pelos quais ele luta, outros que, apesar de considerar utopia,
sonha. Sua fala mais freqüente é que tem vontade de ganhar um prêmio
“Oscar
38
”, mas considera-se tímido, quer ser cantor, mas não sabe cantar, quer
ganhar um prêmio Nobel de Ciências, e estuda muito. Ícaro pretende ser
famoso e ganhar muito dinheiro. E acha que pode conseguir isto através dos
estudos. Acredita que quem não estuda corre o risco de “ficar disputando um
salário de R$ 450,00” (entrevista com Ícaro, 04/06/2007), mas percebe também
que tem pessoas que, apesar de não estudarem, podem ganhar muito dinheiro.
Eu: Conta pra mim sobre seus sonhos, como você falou aquele dia...
Ícaro: Meus sonhos? Nossa, eu queria ganhar um Oscar! Eu sempre
quis ser ator, mas eu sou muito tímido. Eu também queria ser cantor,
queria ganhar um prêmio Nobel de ciências. Ganhar o Oscar!
Eu: Mas para ser melhor ator você faz alguma coisa, tipo teatro?
Ícaro: Não.
Eu: E de melhor cantor. Você canta?
Ícaro:Não, só no chuveiro.
Eu: E de ciências?
Ícaro:É, eu gosto muito de química, física e biologia.
Eu: Então é possível, né?
Ícaro:É, talvez.
Eu: Os outros também não são impossíveis.
38
Prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos da América.
(http://wikipedia.org/wiki/óscar)
90
Ícaro: É, mas é quase uma utopia. Um sonho que nunca vai chegar.
Eu acho.
Eu: Você acha que nunca vai realizar?
Ícaro: Não. Todo mundo tem um sonho, mas para a minha vida eu
não queria ser cantor nem ator. Mas eu tenho o sonho de ganhar.
que eu não queria ser cantor ou ator.
Eu: Você queria algum momento assim... Grande?
Ícaro:É algum momento, ser estrela. Deve ser legal demais!
Mas meu sonho mesmo, eu quero ser um administrador de empresas.
Eu: Você tem vontade de fazer administração?
Ícaro: Administração. Ou administração ou então direito...(entrevista
com Ícaro, 04/06/2007)
Ícaro participou do programa de Xadrez na escola e foi campeão em
Contagem. Hoje não participa mais porque faz um curso preparatório para as
provas do CEFET, COLTEC. Conseguiu uma bolsa de 65% de desconto a
partir de um processo de seleção. Tem muito desejo de fazer química no
CEFET e posteriormente estudar na UFMG, acredita que isto o ajudará a
conquistar seu sonho de ser rico e famoso.
Ícaro tem como preferência musical a ópera, mas nunca teve a
oportunidade de assistir a uma apresentação. Tem muito desejo de ir ao teatro
Belas Artes, mas nunca foi porque olhou diversas vezes o preço de ingresso
(segundo ele aproximadamente R$150,00), mas não foi possível pagar. Gosta
de museus, e diz que seus autores preferidos são: Pedro Bandeira e Érico
Veríssimo. A biblioteca é seu lugar preferido na escola. Costumava pegar dois
livros por semana, mas agora está lendo os livros para a prova do CEFET,
COLTEC. Citou estas como leituras realizadas, além de seus autores
preferidos, Harry Porter, O Senhor dos anéis, entre outros.
Considera-se “mais ou menos” adolescente, porque não gosta de sair,
acha que nesta fase se deve estudar para garantir um futuro melhor.
Eu: Você se considera um adolescente?
Ícaro: Mais ou menos porque todo mundo fala que eu pareço mais
assim meu espírito é de velho porque eu não gosto de festa, eu não
gosto de nada disso.
Eu prefiro ficar em casa, lendo, descansando. (entrevista com Ícaro,
04/06/2007)
Percebe-se assim que como o habitual é o adolescente sair, zoar,
namorar, fazer festas, etc. Ícaro acredita que por fugir a esta “regra social” o
é um adolescente. Ele é estudioso, gosta de ler, adora ópera, museu, teatro,
91
gosta de ficar em casa e pensa muito em seu futuro, afinal quer ganhar muito
dinheiro.
5.2.1.4. Johnys
Johnys é alegre, gosta de dançar, sair, fala alto e muitas vezes foi visto
com fones de ouvido, geralmente do MP4 emprestado por Lauret, ou de MP3
emprestado por outras colegas.
Nos espaços escolares vejo-o com um grupo de meninas, ou uma só.
Nos horários de aula, muitas vezes o via aqui embaixo sozinho, ouvindo
música, geralmente sentado no banquinho de frente para a rua. Isto quando
comparecia às aulas. Johnys estudava nesta escola no ano passado, mas está
repetindo o ano (2007). Ficou sem estudar no início do ano e acabou voltando
para esta mesma escola.
Ao conhecer melhor Johnys ele justificou que adora dormir, por isso
faltava muito. Não gosta de acordar cedo, mas agora sua mãe está cobrando
que ele não falte às aulas.
Eu - E os motivos das faltas?
Johnys - Hum... (pensa) Ah, de vez em quando é preguiça. É, a
maioria das vezes é preguiça. minha mãe fica reclamando,
reclamando, reclamando. quando chega no outro dia ela levanta,
eu olho pra cara dela assim, ai eu falo se eu não for ela vai
me encher o saco”.
Eu - Ai você vem por causa dela?
Johnys - Aí eu venho por causa dela.
Eu - Você vem mais por ela então do que por você?
Johnys - Não. Agora eu começando a vim mais por mim mesmo.
Agora até eu colocando o despertador para despertar, nem ela
entendeu. É só eu mesmo.[...] (entrevista, 05/06/2007)
Johnys tem 15 anos, mas, segundo o mesmo, gosta de conviver com
seus amigos mais velhos, com idades entre 25 e 32 anos. Sai muito, gosta de
dançar e se divertir em boates, shoppings e barzinhos.
Não gosta de estudar, embora acredite na importância dos estudos.
Johnys assume-se como homossexual, embora diga que sua mãe não
sabe. Comporta-se diferente diante dela acreditando que, assim, ela não vai
identificá-lo como homossexual. Usa cabelos estilo chanel, pintados com tom
92
vermelho, suas unhas são grandes e geralmente pintadas. Fisicamente é nítida
a sua opção sexual.
5.2.1.5. João
João tem 18 anos e está na Escola Galáxia desde a ou série, não
se lembra muito bem. Antes ele estudava em uma escola do bairro onde julga
que tinha muita indisciplina, muitas brigas. Quando estudava nessa escola
brigava muito e pichava. Hoje, considera-se mudado. João diz que era pichador
de rua, junto com seu irmão mais velho. Considerava a pichação um esporte,
uma vez que tinha que escalar paredes e muros, subir em lugares desafiantes.
Era uma aventura. Segundo seu relato, seu irmão hoje faz grafitagem e o
ensinou esta arte. Ele afirma nunca ter pichado a escola Galáxia, pois acha isto
uma falta de respeito.
Mas, afinal, o que é grafitagem e o que é pichação?
Lodi (2003) em sua dissertação de mestrado em Ciências Sociais, na
qual investigou
39
sobre um projeto de grafitagem realizado pela Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte, considera que a pichação tem cunho agressivo e
de afirmação de poder. Quanto mais o pichador se arrisca, mais é admirado
pelo grupo. Ao questionar esta atitude dos pichadores, o movimento Hip hop
40
incentiva a grafitagem. Os grafiteiros preocupam com a estética e a técnica.
Portanto, a diferença mais significativa entre pichação e grafitagem está na
intenção, sendo que a grafitagem tem mais estética, uma vez que pode ser
mais elaborada.
Vejo a pichação como realizada em locais proibidos e ela se assemelha
mais a rabiscos e escrita dos nomes em códigos. a grafitagem, considero a
arte desenhada ou escrita nas paredes com permissão da autoridade
competente. Vemos nesta uma maior presença de cores e técnicas.
João demonstra o que Lodi(2003) afirma em sua pesquisa, que muitos
gafiteiros são egressos da pichação.
39
A dissertação é intitulada: “A escrita nas ruas e o poder público no Projeto Guernica de Belo
Horizonte”,
40
A cultura hip hop surgiu nos Estados Unidos. É um movimento que incorpora o rap, o break, o grafite,
como expressões questionadoras das condições sociais vigentes e a discriminação racial. Para saber
mais consultar o livro de Dayrell, “A música entra em cena”, relacionada na bibliografia deste trabalho.
93
Ele gosta muito desta escola e não mudaria nada nela. João fica na
escola no período da manhã e da tarde. À tarde fica conversando com as
pessoas e também ajuda no Grêmio, o qual começou a fazer parte desde que
Cristina e outras sete pessoas se desligaram. Houve uma seleção, João
candidatou-se e foi aprovado, iniciando seu mandato em agosto de 2007. Seu
cargo é da “secretaria de educação”, que trata de assuntos relacionados a
professores e alunos. Sua função tem ligação direta com a pedagoga.
Na escola eu sempre via João conversar com diversas pessoas de faixa
etária diferente. É conhecido e respeitado pelos alunos do ciclo. Uma vez,
durante uma conversa com um funcionário da escola (vigia) sobre a minha
pesquisa, ele me disse que João mudou muito do ano passado para cá, pois
começou a ter responsabilidades com a escola. Durante as férias, a diretora
costumava pedi-lo para ajudar, nesse período João estava vindo muito à escola
para jogar futebol.
João freqüenta o programa de futsal na escola à noite, mas diz o ser
fominha por futebol como outros meninos.
No final do mês de maio, o Grêmio conseguiu junto à direção colocar
música durante o recreio. João comandava o som. Segundo o mesmo, ele
tentava diversificar os estilos para agradar a todos. Variou entre Hip hop, funk,
pagode e axé. Quando perguntei sobre a música sertaneja, ele disse que um
dia colocou. A música no recreio durou apenas duas semanas. João disse que
alguns professores reclamaram do uso do aparelho de som. A direção
prometeu que, assim que pudesse, compraria um som para ficar com o
Grêmio.
João gosta muito de música e dança. Diversas vezes, durante o trabalho
de campo, o vi conversar e dançar na frente de alguém. Um dia, enquanto
conversava com Fernanda, Caroline e Cristina,
João entrou na roda em que estávamos e começou a dançar
sensualmente. As meninas começaram a rir e ele não parava de
dançar. Elas riam e ele dançava, sem trocar uma palavra. (Diário
de Campo, 14/05/2007)
João diz ter um grupo de dança que foi formado por ele e um colega
desta escola no ano passado. No grupo há alguns alunos desta escola e outros
94
que não pertencem a ela. Eles ensaiam na casa de um colega e apresentam
em festas, mas ainda não ganham dinheiro pelas apresentações.
Pelos registros do diário de classe, os professores consideram que João
é freqüente, conhece as regras, mas tem dificuldade em cumpri-las (diário de
classe, 1º semestre de 2007). Durante o trabalho de campo, presenciei a
funcionária que ajuda na disciplina chamar João para a sala e ele responder
com brincadeiras. Ele a elogiava, brincava com ela e acabava arrancando
risos. Um dia ele gritou para esta funcionária, a quem chamarei de Rosana:
“Dona Rosana, eu te amo” e pulou na grade do pátio de cima, onde ela estava.
Deve ter escalado aproximadamente dois metros de altura. Subiu e a abraçou.
João mostrou-se assim. Conversava, brincava e zoava com diferentes
pessoas.
5.2.1.6. Juca
Quantas vezes eu vi Juca fora de sala de aula... Conversando, sentado
nos bancos, cumprimentando as meninas que passam. Juca é um cara legal!
Tem 16 anos e namora com uma garota que estuda em uma escola
estadual localizada na mesma rua da Escola Galáxia. Entre términos e voltas,
em 05 de junho fez pouco mais de um mês de namoro e ao mês de agosto
ainda não tinham terminado o namoro. Juca usa uma aliança prata para afirmar
seu compromisso com a garota. Durante o tempo de pesquisa, no convívio com
os adolescentes, duas garotas acabaram me confessando sua paixão por Juca,
dentre elas uma das cinco adolescentes entrevistadas. Ele jurava estar fiel à
namorada. E, embora tratasse as garotas com todo o carinho,
cumprimentando-as com beijos sedutores e abraços carinhosos, dizia que era
só amizade.
Juca diz que odeia estudar, não gosta de ler e gosta mesmo é de
futebol. Treina em um time fora da escola e sonha em ser jogador de futebol.
Aqui na escola não participa do programa de futsal e justifica: “por causa da
idade, não tendo turma, o. Tem mais é o fraldinha, mesmo. Esses
meninos menorzinhos, ai pra nós não tendo ainda não.“ (entrevista com
Juca, 05/06/2007) Tendo 16 anos, sua categoria seria juvenil. Mas, também
95
não costumava jogar bola todos os dias na escola porque não gostava de ficar
suado.
Acredita ter mudado seu comportamento e amadurecido muito. Antes
era brigador, agora já fica mais na dele. Este ano envolveu-se em uma briga na
escola com um colega. Quando Juca foi pedir sua bolinha de ping pong que
estava com o menino, este lhe deu um soco. Embora não tenha atingido Juca,
ele partiu para cima do garoto no meio do corredor da escola. Depois do
ocorrido foram os dois para a direção, que conversou com eles e pediu que
voltassem para a sala.
Juca considera-se brincalhão, extrovertido, mas diz que também tem
“seus dias como todo mundo”. Quando não está muito bom prefere ficar quieto,
não quer brincar nem conversar com ninguém. Ele mora com sua mãe e seu
irmão de 17 anos. Convivem bem, mas, às vezes, brigam. Seu irmão o ensina
a tocar violão.
No mês de outubro, Juca foi transferido novamente para o turno da
tarde. Segundo relatos de colegas de sua turma, Juca agrediu verbalmente e
fisicamente uma professora. Ele xingou palavrão e quando a professora
ordenou que se retirasse da sala ele deu-lhe um empurrão na porta para
passar. Juca não estava vindo à escola no período da tarde, parecendo ter
desistido de estudar.
5.2.1.7. Júnior
No meu primeiro dia de pesquisa vi um garoto que sentou-se no banco
sozinho. Comeu biscoito, foi ao banheiro e no banco permaneceu durante todo
o recreio com a mochila nas costas. Logo comecei a me perguntar: Quem é
esse adolescente? Por que está sozinho? Será tímido? Tem amigos? Como
este sujeito vê a adolescência?
Durante dias de observação este garoto seguia esta mesma rotina
durante o recreio. Até que depois de alguns dias observei que outro garoto
sentava com ele. Era assim que geralmente via Júnior durante o recreio.
Em maio sentei ao seu lado no banco e, finalmente, conversei com ele.
Perguntei se poderia entrevistá-lo. Pensou um pouco e respondeu que sim.
96
Quando fui entrevistá-lo, seu amigo logo o elogiou dizendo que estava
importante.
Júnior tem 14 anos e freqüenta a turma 803. Nasceu em uma cidade do
norte do Paraná e ainda permanece com algum sotaque regional, por exemplo:
“daí”. Ele tem uma irmã que está no ano do ciclo (3ª rie) com quem o
vejo sempre chegar e sair de os dadas, demonstrando um certo carinho e
cuidado com a mesma. Quando veio morar em Contagem com seus pais,
estudou um ano em outra escola e aos sete anos veio estudar na escola
Galáxia, mas no turno da tarde. Este ano passou para o turno da manhã.
Quando pergunto “Quem é o Júnior? Sua resposta é “sou quieto,
parado e eu acho isso muito ruim” (entrevista, 28/05/2007). Júnior acredita que
a vergonha o atrapalha. Acha legal que os meninos brinquem e divirtam-se.
Júnior gosta de ouvir música sertaneja.
Pretende ser piloto de avião e para isto vai tentar uma prova na para
ingressar na Escola de Aeronáutica no próximo ano. Mas não costuma ser
muito estudioso em casa.
5.2.1.8. Lauret
Por que Lauret me chamou a atenção?
Porque sempre a via na escola com aparelho celular ou um MP4
conversando alto pelo pátio. Quando não a via com o seu aparelho, via alguém
pelo pátio ou corredores com o mesmo. Lauret costumava emprestá-lo para
muitos adolescentes, também a vi diversas vezes pagando chup chup ou outro
lanche para alguém. Mas, afinal, quem é Lauret?
Como ela mesmo disse “Eu sou eu”. Lauret tem 15 anos e mora com a
sua avó e seu adesde pequena. A responsável legal por ela é a madrinha,
que o mora na mesma casa. Seus pais não vivem juntos. Sua mãe mora em
Portugal e seu pai nos Estados Unidos. Segundo Lauret, sua mãe sempre liga,
manda dinheiro, preocupa-se com ela, mas cinco anos não se vêem. Com
seu pai, nem conversa, raramente ele liga, mas ela não fala com ele. Ele
conversa com sua avó.
97
Lauret considera-se bastante comunicativa, conhece todo mundo e
conversa com todos. Ela está geralmente no grupo de zoadores, ri alto, brinca,
grita, canta.
Chegou à Escola Galáxia este ano. Lauret estudava em uma escola
particular famosa em Belo Horizonte. Segundo seu relato, considerava-se
ótima aluna, era elogiada, costumava ter seus trabalhos expostos nos murais.
A partir de uma conversa de sua madrinha com uma professora da Escola
Galáxia, a madrinha resolveu colocá-la em uma escola pública e considera esta
uma boa opção. Segundo Lauret, no início ela odiou a idéia, passou as rias
inteiras pensando nisso e disse para sua madrinha que ia contar para sua mãe.
Ela não sabe que Lauret veio estudar em uma escola pública. Logo no início do
ano letivo já começou a fazer amizades e com isso foi gostando da escola.
Eu - Você entrou este ano de 2007, em fevereiro?
Lauret - Ham ham.
Ai, tipo, eu conheço todo mundo. Eu sou da 803 e conheço todo
mundo, tipo o Paulo
41
da 802 ele fala que é meu irmão eu falo que
ele é meu irmão e assim, mesmo novata eu conheço todos os
professores, todo mundo me conhece eu tenho facilidade de
comunicação de fazer amizade assim muito rápido mesmo.
(entrevista com Lauret, 14/05/2007)
Lauret fez tantas amizades que acabou conversando demais e sua
madrinha foi chamada á escola quando tinha apenas três meses que ela
estudava aqui.
Lauret: Ai assim a minha madrinha vive falando que as companhias
levam um pouco, por exemplo, o dia que minha madrinha tava aqui a
Pedagoga
42
falou que não quer eu ande com o Willian nem com a
Aninha. Sabe que eu virei para a minha madrinha e falei a minha
cabeça quem faz sou eu se eu quiser estudar eu estudo
independente de quem eu converso que... (entrevista com Lauret,
14/05/2007)
Lauret gosta de sair, passear curtir a vida, mas disse que não bebe.
Funk, Hip hop, axé, pagode são suas preferências musicais. Em seu MP4,
como ela mesma disse, “tem uma mistureba aqui, cê num entendendo”
(diário de campo, 21/03/2007). Ela leva este aparelho para a escola todos os
41
Os nomes citados nesta dissertação são fictícios
42
Omiti o nome citado pela entrevistada
98
dias. Parece ser a única estudante que tem um MP4, mas, a todo momento, o
vejo com outro adolescente.
Ela é catequista em uma igreja Próxima de sua casa, costuma ir à missa
e acredita nos ensinamentos que prega.
5.2.1.9. Layla
Layla tem 13 anos. Mora em um apartamento com sua mãe e sua irmã
de 5 anos, pois seus pais são divorciados. Não lida muito bem com sua irmã,
pois a considera atrevida.
Layla é uma aluna considerada pelos professores como participativa,
com valores éticos e morais e um comportamento investigativo e analítico
(diário de classe, ficha descritiva do primeiro semestre de 2007). Por vários
colegas, é considerada CDF. Ela não se considera assim, apesar de acreditar
ser estudiosa “dentro das metas que a escola estabelece” (entrevista com
Layla, 04/06/2007)
Layla demonstra ter responsabilidade com os estudos e pensa muito no
futuro. pensou em ser fisioterapeuta, mas acredita que esta profissão não é
muito bem remunerada. Gosta de ler, estudar, praticar esportes. Participa de
diversos programas oferecidos pela escola em horário extraturno: Beija-flor
(Educação sexual), Basquete, Vôlei e Xadrez. ganhou diversos
campeonatos. Chegou a ser campeã mineira de xadrez. Em 2007, ficou em
lugar na olimpíada brasileira de xadrez.
Embora tenha ganho vários campeonatos, não está freqüentando
assiduamente o programa de xadrez, pois, considera que já sabe , por isso não
tem muito estímulo para vir e ficar jogando com quem ainda está aprendendo.
Prefere vir à escola para jogar vôlei, pois considera que este esporte alivia suas
tensões.
Layla - O lei assim, quando acumula raiva... Porque a gente briga
muito, eu e a minha irmã, eu e minha mãe, por causa da minha irmã.
a gente briga bastante. eu briguei com uma amiga minha eu
vou e desconto tudo no vôlei.
Eu- Você acha que o vôlei então tira esse peso das brigas?
99
Layla - No vôlei, eu esqueço tudo, eu não lembro de mais nada. Eu
não lembro de mais nada mesmo. Eu me sentindo a vontade. Eu
adoro o vôlei!
Eu – Você tinha vontade de jogar profissionalmente ou não?
Layla -Eu gostaria, mas não tem como porque eu não tenho altura.
Apesar de eu ser alta, o padrão é maior. (entrevista, 04/06/2007)
Gosta muito do basquete também, mas não considera que este possa
aliviar seus sentimentos de raiva ou tensão, pois não pode fazer falta e a bola é
batida no chão, não podendo colocar muita força. Tanto no vôlei como no
basquete ela demonstra que gostaria de seguir carreira profissional, mas se
esta chance surgisse em suas mãos, pois não vai correr atrás disto. Através
das conversas, percebe-se que Layla entende bem as regras dos jogos e tem
muita disciplina.
Quanto ao programa Beija-Flor, participa porque ouviu seus colegas
falando bem do programa. Considera que já entende muitas coisas sobre
sexualidade, pois tem um diálogo aberto com sua mãe, mas gosta do momento
oferecido pelo programa. Ela ainda não pretende namorar sério, pois acredita
que isto pode atrapalhar os estudos.
Eu via Layla sempre com o mesmo grupo de amigas, seja no recreio ou
em outros espaços da escola, inclusive nos programas que participa. Gosta de
sair com suas amigas e com sua e, vão ao shopping, ao cinema e à festas.
Agora sai mais com as colegas, não porque a mãe dela começou a permitir,
mas porque agora as colegas podem sair mais, e Layla gosta de sair na
companhia delas. Gosta também de conversar no Messenger ou por e-mail.
5.2.1.10. Loreny
Desde o primeiro dia de observação na escola via Loreny andando pelo
pátio, passava e sumia de minha vista em um piscar de olhos. Beija um, abraça
outro. Ela não para.
Vejo Loreny perto do portão de saída. Ela circula, conversa com
grupos diferentes, corre, joga um plástico de chup-chup no chão (sem
ver o que estava fazendo), pegou a bola, tentou fazer embaixadinha,
conversou com o garoto que estava com a bola e enfim subiu. Um
grupo continuou sentado no banco. (diário de campo, 06/03/2007)
100
Logo nos primeiros dias, Loreny me abordou perguntando o que eu fazia
ali.
Loreny sentou-se ao meu lado. Perguntou o que eu fazia. Expliquei.
No dia que passei nas salas ela não estava. Ela disse: “Eu odeio a
minha vida”. Contou que era filha adotiva. Sua mãe teve um filho com
cada homem. “E sua mãe adotiva?” Elas brigam muito. Disse a ela
que parecia uma garota muito feliz. Ela disse que com os colegas era
feliz, mas em casa... Perguntou-me “Por que você não escreve a
história da minha vida? Estou brincando”. Eu disse a ela: “Pode ser”.
Falei sobre as entrevistas e a convidei para participar. Ela topou e
disse que odeia a escola. O professor de educação física a chamou.
Ela explicou que estava conversando comigo. Fiquei pensando: como
pode uma garota linda, que conversa com todo mundo achar sua vida
triste? O que tem por trás desta alegria?
[...]
Continuo pensando em Loreny... (diário de campo, 06/03/2007)
Loreny mora com sua tia e o respectivo marido, eles são os seus
representantes legais. Ela foi adotada ainda pequena porque sua mãe não
tinha condições de criá-la. No ano anterior ela abandonou a escola, disse que
foi morar com sua mãe biológica. Este ano voltou para a escola e está
repetindo o 2º ano do 3º ciclo(7ª série) por motivo de infreqüência.
Loreny tem falas bastante contraditórias. Ao mesmo tempo em que
afirma participar do Programa de Educação Afetivo Sexual (Beija-Flor) e fala
positivamente deste, diz que não participa mais. Diz que adora futsal, mas
parou de fazer. Costuma fazer expressões de tristeza quando fala de sua
família.
Loreny sentou-se ao meu lado chupando pirulito. Disse que não fará
Educação Física porque sua perna está sangrando. Mostrou o
machucado já infeccionado. Disse que há duas semanas mais ou
menos caiu do cavalo em um hotel fazenda e este pisou em sua
perna. Não foi ao médico porque não gosta e como ela não quer sua
mãe adotiva não a leva. Insisti no risco da infecção. Ela disse que não
tem perigo (diário de campo, 08/03/2007)
Loreny disse que sua mãe não a bate porque está grande para
apanhar. Mas Loreny disse que prefere que ela bata do que quando
fica com a cara fechada. A expressão de Loreny foi de tristeza, não
sei se verdadeira. Disse que tem medo do seu amor esfriar.(diário de
campo, 27/04/2007)
101
Loreny costuma ser admirada pelos meninos da escola, mas pelas
meninas...
Na escola não percebo que Loreny tenha uma amiga, está sempre
trocando de companhia. Costuma fazer amizades e logo depois não conversar
mais com ela. Essas amizades duram dias ou, no máximo, semanas.
Em outubro, Loreny não estava mais na escola. Segundo relato de
alguns colegas ela estava com medo de apanhar da Cristina. Cristina me
contou que as duas estavam andando muito juntas, diz que Loreny até chegou
a dormir em sua casa e que seu pai gostou muito dela. No entanto, Cristina diz
que ela “pisou na bola”, fazendo fofocas e dando em cima de um cara que
Loreny sabia que ela estava interessada. As duas discutiram e Cristina
ameaçou bater em Loreny, chegou a pegá-la pelos cabelos na frente de todo
mundo. Depois disto Loreny não retornou à escola. A assistente escolar me
contou que Loreny pediu transferência e foi morar em Ibirité-MG, com sua mãe
biológica.
5.2.1.11. Lucas
Observava Lucas quase sempre sorrindo, geralmente andando sozinho
pelo pátio alegremente.
Lucas tem 12 anos e freqüenta o 1º ano do 3º ciclo. Entrou para a escola
este ano. Lucas mora com seu pai e sua mãe e não tem irmãos. Ele faz
natação, violão e tapeçaria. Demonstra ser um adolescente tranqüilo e alegre.
Sua família acompanha bem o desenvolvimento de Lucas na escola.
Quando perguntei se considerava ser adolescente, Lucas respondeu:
Lucas - Ah! Essa pergunta é difícil.
Eu - Você acha que você é criança, adolescente, jovem, adulto? O
que você acha que é?
Lucas - Ahnnn! Ainda chegando na fase, né? Mas eu acho que eu
sou adolescente.
Eu - Você tem quantos anos?
Lucas - 12
Eu- E o que é para você ser adolescente?
Lucas - Hummm!
Eu - O que você acha: Quando você olha para uma pessoa e diz, ele
é adolescente porque...
102
Lucas - Ah, que a pessoa adolescente tem todo o seu viver, suas
conversas, outro faz esporte que ela gosta. (entrevista com Lucas,
28/05/2007)
Lucas não pensa ainda em namorar, mas tem o desejo de um dia
namorar alguém e fica até vermelho quando toco neste assunto. Sua
preferência musical é axé, mas não costuma dançar aqui na escola.
Lucas gosta de ler. E considera que o que tem de mais legal, além de
sua coleção de motos, são os livros. Quando pergunto qual livro gosta mais,
ele não hesita: “Livro de poesia” (entrevista com Lucas, 28/05/2007). Em sua
casa ele possui livros, mas na biblioteca não livros que possa ler, pois não
há livros com as letras ampliadas.
Quando eu perguntei quem é o Lucas a primeira coisa que ele me diz é
“Bom, eu sou deficiente!” Afirma que sua deficiência é visual. Lucas tem uma
deficiência desde que nasceu, que além da visão, o faz ter movimentos
descoordenados. Em sala de aula ele usa uma carteira especial que, ao ser
inclinada, aproxima a sua visão do caderno.
Além da escola, Lucas freqüenta uma clínica onde faz aula de violão,
tapeçaria, tem acompanhamento pedagógico, psicológico, fisioterapêutico e
estimulação visual. Segundo seus relatos, é uma clínica para deficientes.
De acordo com a ficha descritiva do diário escolar, Lucas é freqüente,
respeita regras estabelecidas e emite opiniões. Apresenta dificuldade em
matemática e ciências. Em sua ficha não é citado como um aluno com
deficiência, relata-se que “Concluindo, o aluno alcançou os objetivos propostos
de acordo com as competências exigidas nesta fase, vale ressaltar que se trata
de um aluno da inclusão.” (diário de classe, 2007)
Mas, o que significa ser um “aluno da inclusão”? Seque uma escola
inclusiva não seria incluir a todos? Como é sentir-se adolescente no espaço
escolar sendo deficiente? Quais as percepções que este adolescente tem do
espaço escolar?
Maria Tereza Égles Montoan, pedagoga e doutora em psicologia, que
dedica seus estudos à questão da inclusão escolar considera que, em uma
escola inclusiva, todos os alunos, em suas diferenças, o respeitados.
(MONTOAN, 2001)
103
Portanto, observar Lucas andando sozinho pelos espaços escolares, me
faz indagar sobre como este sujeito adolescente se relaciona com e no espaço
escolar. As observações foram claras: Lucas sente-se mais incluído em sala de
aula e não incluído no horário de recreio.
5.2.1.12. Pedro
A identidade de Pedro é muito marcada pela sua escolha pelo estilo
“Emo”. Seu corpo fala sobre isto. Ele usa lápis preto nos olhos, seu cabelo tem
uma franja caída, tem um piercing no rosto, usa calça jeans com cinto preto,
tênis tipo “All Star” preto e unhas pintadas de preto. Pedro afirma que este
estilo de vestir originou-se do Punk. Assim, busquei no livro de Paul Friedland
(2004), “Rock and Roll Uma história Social”, alguma ligação com o Punk,
que, não encontrei uma publicação específica sobre o grupo Emo. No livro
citado, o autor utiliza como epígrafe do capítulo “Punk Rock”, uma descrição
feita em 1977 dos fãs do punk:
Suas roupas eram intencionalmente elaboradas para fazer o vestir
parecer tão repugnante quanto possível, aludindo a qualquer coisa
que causaria revolta imediata ao olhar... Cabelo cortado rente à
cabeça e tingido de qualquer cor desde que não parecesse natural e
colocado em forma de espetos com vaselina; narizes, orelhas, rostos,
lábios e outras extremidades furadas com vários alfinetes de fralda,
correntes e insígnias penduradas; camisas velhas e rasgadas,
arrematadas com gravatas finas desfiguradas com pichações
presumíveis de títulos de canções, perversões ou observações
críticas; pulseiras e coleira de couro preto crivadas de tachas
prateadas, às vezes trazendo correntes presas. (p. 351)
Pela descrição feita acima podemos ver semelhanças entre os estilos,
no entanto, os “emos” geralmente usam franjas esticadas e jogadas sobre os
olhos, enquanto os punks usam cabelo arrepiado. A partir dos estudos feitos
por Friedland (2004), é possível diferenciar ainda o punk dos “emos pelo estilo
mais agressivo caracterizado no primeiro grupo. Fazendo uma comparação,
enquanto os punks m um estilo mais agressivo, os “emos são emotivos e
gostam de rock romântico, sofrendo inclusive preconceitos sociais por isto.
Navegando pela internet é possível observar vários grupos que consideram os
“emos uns “chorões”, fazendo uma referência à homossexualidade.
104
A origem desta tribo está diretamente ligada à música, pois iniciou-se a
partir de bandas que no início dos anos 90 fez uma mistura da batida do punk
com letras melódicas e carregadas de sentimentos, é o hard core melódico
(www. Terra.com.br/jovem/2007/04/26).
Bem, voltando a Pedro, a escolha por ser “emo” veio desde o ano
passado, quando, estudando à tarde começou a andar com “emos”.
Eu - E porque este estilo então? O que significa isto?
Pedro - Olha desde o ano passado mesmo eu comecei a andar com
esse pessoal. Que é esse tal de “emo de hp”, de “emo core”. Eu não
vestia a caráter nada, não tinha vontade, mas depois que eu fui
conhecendo eu tive vontade porque igual todo mundo fala que emo é
revoltado com a vida que é de mal com a família que ... Mas não tem
nada a ver. Se você ver o fundamento do “Emo” não tem nada de
revolta é porque a pessoa tem que ter bom senso. Tem letra de
musica que fala muito desse negócio que acontecendo hoje. E os
outros falam que é pra escrachar a música “emo” eu não acho não.
Eu acho assim, que é uma coisa que vai abrir a visão dos brasileiros
por isso que tem tantos preconceitos. Falam que é isto que é aquilo,
mas a gente releva. (entrevista com Pedro, 05/06/2007)
Pedro demonstrou conhecimento daquilo que falava. Participa de
comunidade “emo” no orkut. Acredita que o principal da vida é não ter
preconceitos.
Eu - Mas você falou do fundamento. E qual é o fundamento? O que
significa ser “emo”?
Pedro - Olha o fundamento de ser “emo” é que você tem uma visão
mais ampla de tudo, você vai aprender esse tipo de coisa entendeu.
Porque tem estilo que é muito fechado naquele mundinho ali. Não.
Tem um tanto de porta aberta. Relacionamento aberto, entendeu?
Por isso que o povo tem preconceito.
Eu - Relacionamento aberto, como assim?
Pedro - De todo tipo sabe?
Eu - Por exemplo, namorado?
Pedro –É, eu tenho amiga que é “emo” também, a Suzy
43
. Acho que
você até conhece ela. Ela é bissexual. Ela fica com mulher e com
homem, entendeu? Assim, é uma coisa aberta.
Eu - Entendi, então para o “emo”...
Pedro - É uma coisa comum. Enquanto os outros ficam olhando com
aquela coisa assim: Oh, o que é isso!
Isso gera um preconceito entendeu?
Eu - E você já saiu com homem e com mulher?
Pedro - o. Eu namorei um ano com uma menina. (entrevista,
05/06/2007)
43
Nome fictício
105
Diz que sofreu muito preconceito por ser “emo”, tanto na rua, quanto
na escola, principalmente porque as pessoas costumam fazer a ligação entre
ser “emo” e ser homossexual.
Através de uma pesquisa pela internet sobre esta tribo, constatei que os
chamados “emos” têm entre 12 e 20 anos, e “se auto definem como
carinhosos, sensíveis, pessoas calmas que não gostam de briga e querem
apenas amar e serem amados” ( www. Terra.com.br/jovem/2007/04/26)
Pedro mora com sua mãe, seus pais são divorciados, mas mantém um
bom relacionamento com ele e entre si. Pedro encontra sempre com seu pai.
Sua mãe é professora de língua portuguesa em uma escola de Ensino Médio,
por isso cobra muito dele, principalmente a leitura. Segundo Pedro sua casa
parece uma biblioteca. Ele costuma ler pelo menos dois livros por mês, e tem a
coleção dos livros de Harry Porter.
Na escola, quando não está em aula, Pedro costuma ficar sentado ou
até mesmo deitado embaixo de uma árvore ou no banco próximo a ela, com
seu grupo de amigos. Geralmente estão juntos três garotos e duas garotas.
Outras duas vêm e voltam constantemente. Deste grupo um dos garotos não
se considera “emo” e não se veste como tal.
O grupo diz que sai junto e passeiam bastante. Pedro gosta de beber o
que chama de “tubão”, uma mistura de vodka com refrigerante.
Então Pedro mostrou-se assim: um garoto que se identifica com o grupo
“emo”, tem alguns amigos, mas parece muito ligado a estes, gosta de ficar na
dele para evitar os preconceitos, costuma dizer o que pensa sobre o mundo,
sobre a escola e sobre as pessoas sem medir as palavras.
5.3. O que os Adolescentes dizem sobre o espaço/ tempo da e para a
Adolescência
No primeiro capítulo, fiz considerações teóricas em torno do conceito de
adolescência, considerando esta fase, como o início da juventude e, acima de
tudo, uma construção cultural. Proponho aqui abordar como os adolescentes
da Escola Galáxia em a adolescência, pois para compreender sobre a
apropriação dos espaços e tempos escolares pelos adolescentes é preciso
106
dizer de que adolescentes estou falando. E, nada melhor do que os próprios
adolescentes apresentarem relatos sobre isto. Assim, tanto na entrevista com
os 12 sujeitos da pesquisa, como no questionário cio econômico cultural,
aplicado a 194 estudantes da escola Galáxia, pude identificar falas que dizem
como estes adolescentes, em seu meio, vêem a adolescência.
Inicialmente vale relembrar que, 83% dos alunos do ciclo consideram-
se adolescentes, até mesmo Fernanda, que respondeu ao questionário no mês
de novembro já se considerou como adolescente. Mas o que significa para eles
ser adolescente?
Na pesquisa “Para Casa” (TOSTA e MOREIRA, 2005) realizada com
adolescentes de 16 a 19 anos, foi detectado que para as adolescentes
entrevistadas parar de brincar significa o término da infância.
Nos questionários respondidos na Escola Galáxia, também foi bastante
comum encontrar a idéia de adolescência vinculada a uma fase de transição
entre a infância e a fase adulta. Esta noção vem acompanhada da idéia de
amadurecimento tanto no sentido físico quanto psicológico. No entanto, o que
me chamou mais atenção durante as entrevistas e foi confirmado nos
questionários é a vinculação de responsabilidade à adolescência. Se estamos
acostumados a ouvir o termo adolescência ligado a irresponsabilidade, os
adolescentes pesquisados me mostraram que para eles a idéia é outra. Neste
período crescem as responsabilidades com a casa, com os estudos, com o
futuro e com a responsabilidade por si mesmo, já que nesta fase podem
começar a saírem sozinhos.
Tosta e Moreira (2005), a partir da pesquisa com adolescentes,
consideram que:
A adolescência é representada por este grupo como um tempo de
mudanças, de sentimentos ambivalentes frente à vida, de
experimentar relacionamentos afetivos, tanto de amizade quanto de
namoro. Mas, é um tempo também de “responsabilidade” e de
“autonomia”. (p. 36)
Considerando os termos “ter responsabilidade”, “ter consciência”, “saber
o que é certo e o que é errado” e outros afins, 43 adolescentes (22,6%) que
responderam ao questionário, consideraram esta fase como de
107
responsabilidade. Entre os 12 sujeitos pesquisados foi possível também
identificar este conceito na maioria das entrevistas, as quais cito a seguir:
Cristina - Ser adolescente é ter saído da fase de criança e já tá
adquirindo uma idade mais avançada, uma responsabilidade maior.
ter cabeça para pensar, saber ponderar as coisas também. Saber
a hora certa de falar a hora certa de calar.
Eu - Os adolescentes são assim?
Cristina - Nem todos.
Eu - Por quê?
Cristina - Porque alguns como a gente vê, alguns têm aquela falta de
educação, não respeitam, não sabem a hora certa de fazer nada.
Mas a maioria das vezes a gente encontra pessoas que sabem o
que elas podem e o que devem fazer também. (entrevista com
Cristina, 27/04/2007)
Eu - Você se considera um adolescente?
Pedro - Às vezes sim, às vezes não.
Eu - Por quê?
Pedro - Porque eu acho que eu sou muito imaturo eu acho. Mas a
maioria das vezes sim.
Eu - Por quê?
Pedro - É porque tem vez que eu sou imaturo, tem vez que eu sou
maduro em certas situações. Entendeu? Por isto.
Eu Então, ser adolescente para você é ter uma maturidade maior,
ter responsabilidade?
Pedro - Eu acho
Eu - Que tipo de responsabilidade?
Pedro - Igual um exemplo, minha mãe trabalha, ela é professora. Ela
chega já quase meia noite. Por eu ser sozinho, não ter nenhum
irmão, eu acho que é uma responsabilidade você estar em casa o dia
inteiro sozinho assim.
Eu - E você ajuda em casa?
Pedro Ajudo, por isso eu acho que traz uma responsabilidade. Por
mais que eu não queira, é. (entrevista com Pedro, 05/06/2007)
Eu - O que você diria? Eu sou um adolescente porque...
Juca - Ah! Porque eu sou um... Ah, sei mais ou menos o que eu
faço e não faço. O que é errado e o que não é.
Eu – (entrevista com Juca, 05/06/2007)
Layla - Porque eu na idade. É assim, eu li. De 12 a 18 anos e
chega perto de 20, assim é adolescente. E ainda [...] ser responsável
pelos meus próprios atos. Eu penso, eu ajo.
Eu - E o que é pensar como adolescente?
Layla - Por exemplo, você não tem tantas responsabilidades. Quando
você vai fazer alguma coisa você não precisa pensar na sua filha, ou
diretamente nos seus pais, porque [...] como você é irresponsável, a
culpa vai cair mesmo é nos pais. Então você tem que pensar bastante
nisso.
Eu - Você fala da responsabilidade legal então?
Layla - É isso. Porque na família você já tem sim.
Eu - Já tem responsabilidade?
Layla - É.[...] Dentro de casa você já tem responsabilidades.
108
Eu – Como, por exemplo?
Layla - De cuidar de casa, alguma coisa assim. [...] Você tem a
obrigação de arrumar o quarto, lavar vasilha, arrumar almoço. Fora
isso, para casa. Isso é obrigação! (entrevista com Layla,
04/06/2007)
Eu - Você tem os pais que te dão muita atenção, né?
Lucas - É. Mas também eu ajudo muito eles.
Eu - Como?
Lucas - Às vezes minha mãe lavando alguma coisa, eu vou e
lavo vasilha. (entrevista com Lucas, 28/05/2007)
A noção de responsabilidade considerada pelos adolescentes é diferente
da noção de responsabilidade na juventude abordada por Freitas (2005) sobre
os estudos do Grupo Técnico Cidadania dos Adolescentes. Para este grupo a
responsabilidade está ligada ao trabalho, à sustentação da casa e da família.
Para os adolescentes a noção de responsabilidade deve-se ao fato de
ajudarem nas tarefas da casa, como arrumar o quarto, tomar conta do irmão
menor, ficar sozinho tomando conta da casa e outros afazeres domésticos.
Refere-se também à responsabilidade de sair sozinho e cuidar de si,
distinguindo o que é certo ou errado, ou seja, colocar em prática os valores
aprendidos no convívio familiar. Pensando que a adolescência é o início da
juventude, adquirir certas responsabilidades faz parte do processo de
desenvolvimento da autonomia. O sujeito se forma para as responsabilidades
futuras.
Figura 24: Aliança de compromisso
Fonte: arquivo da autora
109
De acordo com Corti e Souza (2004), os adolescentes/jovens
reivindicam o direito de serem ouvidos e considerados porque estão em
construção do processo de autonomia. Assim, têm o desejo de participar
ativamente das decisões. A pesquisa que realizei possibilitou confirmar esta
necessidade que os adolescentes têm de ser ouvidos. Primeiro porque muitos
sujeitos me pediam para participar da entrevista, depois, na aplicação do
questionário muitos vieram me dizer que foi muito legal respondê-lo e que
falaram o que pensavam. A escolha do nome fictício deu-lhes liberdade para se
expressarem. Os resultados apontaram a solicitação de que a escola escute o
que têm a dizer.
Ser adolescente é não ter liberdade de expressar e não ter
oportunidades de ser ouvido Rah -14 anos (questionário,
13/11/2007)
Os adolescentes são pessoas que precisam ser mais ouvidas.
Pessoas que não possuem liberdade Balão -14 anos (questionário,
13/11/2007)
Queria que todos soubessem entender a gente, pois eles nem deixam
a gente dar opiniões que querem criticar. Fafah22 14 anos
(questionário, 13/11/2007)
Vários adolescentes citaram que uma escola para eles deveria ter
professores compreensivos que entendessem a fase da adolescência e
permitisse que eles falassem.
Outras noções de adolescência estão mais ligadas às saídas com os
amigos, às paqueras, às “zoações” e à diversão. Um total de 45 adolescentes
relacionou ser adolescente a sair, curtir a vida, divertir, passear, encontrar com
amigos e termos afins. Fato este que aparece em entrevistas, como a de
Johnys, citada abaixo:
Eu - Você se considera um adolescente?
Johnys - Eu me considero. Eu, eu,... Eu me considero sim, porque eu
gosto muito de sair sabe? Então, minhas amizades quando eu saio,
minhas amizades são só pessoas de 32 anos, entendeu, são só
pessoas dessa idade. Então, como eu ando muito com essas
pessoas elas devem me achar muito evoluído para andar com elas.
Então elas conversam, desabafam comigo. Qualquer coisa que
acontecendo eu desabafo com elas. Então, como eu posso falar? É,
dão conselho. Até eu chego a dar conselho para elas. Então eu não
110
me acho assim, entendeu. Eu não me acho adolescente. Mas a
cabeça, eu acho que aqui na escola tem muita gente criança,
entendeu. Eu não sou desse tipo assim. Eu na rua sou muito
diferente. Eu não brinco igual eu brinco aqui não. Mas eu me
considero adolescente no corpo, mas na cabeça não. Eu me acho
bem evoluído.
Eu - Jovem, adulto?
Johnys - Não, não vou dizer que eu sou adulto, mas eu sou bem
evoluído. (entrevista com Johnys, 05/06/2007)
Mas, como devemos pensar em adolescências, é preciso considerar que
esta fase não é sinônimo de felicidade para todos. Alguns adolescentes
demonstram um sofrimento durante esta fase. Ao perguntar se ser
adolescentes tem mais coisas boas ou ruins, 20 adolescentes responderam
que mais coisas ruins. Os motivos parecem ser descritos nos conceitos de
adolescência elaborados por eles. Três pessoas citaram no questionário que
ser adolescente “é chato”.
É passar por fases difíceis, mas que com o tempo passam. É a fase
principal para determinar nossa atitude, quando adultos. (questionário
de Luiz Fernando – 14 anos, 13/11/2007)
É uma merda! Odeio ser adolescente afinal não sei porque eu vivo
essa vida é uma merda! (questionário de Daniel 15 anos,
13/11/2007)
Uma pessoa que passa por maiores dificuldades na vida.
(Questionário de Gustavo – 14 anos, 13/11/2007)
Existiu ainda, entre os adolescentes, uma confusão entre o ter respeito e
não ter respeito, demonstrando a oposição entre o conhecimento das regras e
o cumprimento das mesmas. Esta idéia é afirmada também nos relatórios dos
diários de classe da Escola Galáxia. Ao mesmo tempo em que afirmaram que
devem respeitar as pessoas, afirmaram que desrespeitam.
Esta fase caracteriza-se ainda pela presença dos estudos. Nove
pessoas fazem, em seu questionário, referência à adolescência como fase para
estudar. E 34 citam que estudam no final de semana. Isto parece pouco, no
ponto de vista quantitativo. Mas, juntando esta análise com as observações foi
possível perceber que embora grande parte dos adolescentes não considere o
estudo prazeroso, esta fala está presente em diversas conversas.
111
Eu não gosto muito de estudar realmente. Tô a procura de um lugar
para trabalhar, ficar independente, para não ficar dependendo da
minha mãe pra comprar os trem (entrevista com Johnys, 05/06/2007)
Eu - Sala de aula?
Juca - È um lugar pro cê estudar. Apesar de que, eu não gosto.
Eu - Você não gosta?
Juca - Não eu odeio.
Eu - Por quê?
Juca - Ah! Eu acho chato!
Eu - Mas, você estuda?
Juca – Claro, né?
Eu - Mas você estuda aonde? Quando?
Juca - Na sala de aula.
Eu - E em casa?
Juca - Em casa não. Em casa eu nem pego, só quando tem que fazer
trabalho, pesquisa, esses negócios... (entrevista com Juca,
05/06/2007)
Eu - E você estuda?
Layla - Estudo. A minha mãe é diretora, ela pega no meu pé!
(entrevista com Layla, 04/06/2007)
Eu - Você falou que a sala é lugar de estudar. E o pessoal estuda
muito na sala?
Pedro - Mais ou menos, porque tem um pessoal que é bem
bagunceiro, mas dá para levar.
Eu - Você não é bagunceiro não?
Pedro - Não. Eu converso, mas ao mesmo tempo em que eu
converso, eu paro. Entendeu? Tem vez que eu deixo de fazer as
atividades. (entrevista com Pedro, 05/06/2007)
Quando a minha mãe fica em casa ai eu estudo. (entrevista com
Júnior, 28/05/2007)
Pra mim adolescência é uma fase que você tem que estudar,
isso. Aí, quando você está se desenvolvendo bem, você pode se
divertir. Mas, nessa fase você tem que estudar porque as portas
também abrem nessa fase. Porque quem não estuda vai acabar
disputando com o próprio amigo um salário de R$450,00. Tem que
estudar muito... (entrevista com Ícaro, 04/06/2007)
A partir destes relatos podemos perceber que estudar depende da
presença de uma autoridade, seja a família ou o professor. Mas reconhecem a
importância dos estudos para conquistas futuras.
Apareceram, ainda, nos questionários e entrevistas, questões ligadas ao
corpo, à estética e, como não poderia deixar de citar, aos namoros e beijos na
boca. Nos questionários, 12 adolescentes citaram como característica desta
fase o namoro, ficar ou beijar na boca. Além destes, sete adolescentes citaram
as mudanças do corpo. A fala de Júnior ilustra bem esta idéia.
112
Eu – O que é ser adolescente?
Júnior - Uma fase. Um processo da vida.
Eu - E o que acontece nesse processo? Por que a gente olha pra
uma pessoa e diz que aquele ali é um adolescente?
Júnior – O modo dele se vestir, de ser.
Eu - E como o adolescente veste?
Júnior - Sei lá. Tipo roupa mais solta, na moda. (entrevista com
Júnior, 28/05/2007)
Os cabelos parecem ser o que mais os adolescentes se preocupam. Os
garotos costumam usar gel no cabelo para deixá-lo arrepiado, ou estilo
“moicano
44
”.
Figura 25: Estilos adolescentes
Fonte: arquivo da autora
Figura 26: Estilos adolescentes (boné pendurado na mochila,
calça jeans rasgada)
Fonte: arquivo da autora
44
Tipo de corte de cabelo no qual os cabelos ficam levantados, geralmente raspados dos lados. É uma
moda originária do Punk (http://wikipedia.org/wiki/moicano)
113
Figura 27: Estilo moicano
Fonte: arquivo da autora
As garotas que têm os cabelos cacheados, em geral, abusam das
escovas, pranchas e cabelos molhados. Muitas vezes descem durante as aulas
para molhar os cabelos, evitando assim, um maior volume dos cachos.
Duas garotas chegaram à frente de Fernanda e Caroline quando
conversávamos. Ficaram conversando sobre o cabelo e as unhas de
uma delas. Perguntei se ela molha o cabelo toda hora. Ela disse que
sim. Seus cabelos são compridos e cacheados. As unhas enormes
pintadas de preto. As garotas perguntaram se ela é dura. A resposta
é “Não”, mostrando uma unha quebrada. (diário de campo,
12/03/2007)
Em relação aos aparelhos eletrônicos, em diversos artigos e textos
sobre adolescência (ABRAMO, OUTEIRAL, BALLEIRO) são mencionados a
atração por novas tecnologias, isso também foi possível confirmar através do
questionário e das observações em campo, esta característica marcante entre
os diversos adolescentes da Escola Galáxia:
114
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
TV
outros
:
DVD
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celul
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p
o
n
deu
não t
em
Gráfico 5: Aparelhos eletrônicos
Fonte: arquivo da autora
A partir deste levantamento de dados podemos perceber que celular
(82,47%), TV (53,6%), computador (45,36%) e som (42,7%), são possuídos por
grande parte dos adolescentes. O uso de aparelhos eletrônicos é inerente aos
adolescentes. Apenas um adolescente afirmou não possuir nenhum aparelho e
três adolescentes não responderam a esta pergunta, ou seja, apenas 2,06%
não afirmaram terem os aparelhos eletrônicos citados.
O uso destes aparelhos na escola deu-se geralmente nos espaços
externos à sala de aula. Este uso também está diretamente ligado às relações
estabelecidas entre eles. É constante a troca de aparelhos de MP3, celular e a
divisão de fones para escutarem música juntos.
Para Freitas, na adolescência,
Ocorre um reconhecimento de si mesmo, observando-se e
identificando características próprias (identidade individual); este
processo traz consigo as identificações de gênero e papéis sexuais
associados. Além disso, busca-se o reconhecimento de si mesmo nos
outros que sejam significativos ou que se percebem com
características que se desejaria possuir e que estejam na mesma
etapa de vida. Isto constitui-se a identidade geracional. (2005, p.14)
Tomando por base esta idéia, foi possível observar no ambiente escolar
a identificação entre os grupos, onde as diferenças separam os sujeitos, mas
ao mesmo tempo liga-os, já que convivem em um mesmo espaço sem a
115
homogeneidade do período de aula. Enquanto em sala a definição de papéis é
a mesma para todos, ou seja, são alunos, que devem permanecer no estado
de estudante, conforme definido por McLaren(1991). Fora do horário de aula,
onde estão em estado de esquina de rua, as diferenças são mais perceptíveis.
Neste espaço cada sujeito age conforme seus próprios desejos, sem
desconsiderar as regras institucionais. Portanto, cada grupo, em seus
“pedaços” estabelece suas regras de convivência. Por exemplo, alguns alunos
ficavam um bom tempo buscando uma forma de zoar uns aos outros, numa
tentativa de afirmar-se perante o grupo. No entanto, embora a zoação seja
uma característica comum entre os adolescentes, como dito anteriormente,
referindo-me a Nogueira (2006), faz parte da identidade adolescente, mas era
um grupo pequeno que “dominava” este pedaço. Costumavam zoar com os
que passavam e muitas vezes os alunos que não zoavam eram vítimas de
suas brincadeiras. Essas brincadeiras às vezes acabavam sendo excessivas,
chegando a humilhar o outro adolescente. Presenciei isto diversas vezes, mas
citarei aqui apenas três exemplos observados.
Um deles diz respeito a um fator social de preconceito contra os
homossexuais. O fato de Johnys ser homossexual interferia na forma com que
era visto no ambiente escolar. Conforme considera Louro (1997)
A negação dos/as homossexuais no espaço legitimado da sala de
aula acaba por confiná-los à gozações e aos insultos dos recreios e
dos jogos, fazendo com que deste modo, jovens, gays e lésbicas
possam se reconhecer como desviantes, indesejados ou ridículos.
(p.68)
Estas “zoações” foram constantes por parte de várias garotas e garotos
com um outro aluno assumido como homossexual pertencente ao 2ºciclo e
também com Johnys, por parte dos garotos.
Estava no período de aula. Chegando ao pátio ouvi Johnys e os
“zoadores” trocando palavras em tom alto, pareciam chamar Johnys
de veado. Lauret mais três amigas estavam sentadas na escada. Eu
sentei em um banco mais afastado. Vi de longe B. a . segurar Johnys
pelos braços e jogá-lo no chão. Johnys gritou: Para!. Willian pegou-o
pelos pés e saiu arrastando Johnys pelo chão. B.a. soltou-o e com
isto ele bateu sua mão no chão com força.
Johnys subiu correndo as escadas dizendo que ia contar para
alguém. Lauret gritou “Ele foi mesmo!”
116
B.a . propôs ao grupo que subissem juntos e contassem à assistente
escolar, mas Willian sugeriu que esperassem. Depois de um tempo
foram para a cantina.
Johnys apareceu no pátio de cima, abriu uma mochila e jogou tudo
que estava dentro dela aqui embaixo, depois jogou-a também.
Lauret correu para chamar B.a. Alguns alunos que passavam mexiam
nas coisas. Willian gritou ”deixa isso ai”. Quando B.a chega fica
parado olhando, parecia pensar o que ia fazer. Lauret gritou para ele
pegar tudo antes que espalhasse. Ele pegou.
Johnys lá de cima gritou com raiva Nó, menino, vai ver comigo!”
Willian brincou com Johnys que ri. Por que a raiva foi de B.a?
Porque Johnys conhece bem Willian e muitas vezes, segundo seus
relatos, já se sentiu protegido por ele.
B.a juntou tudo e subiu, depois saiu pela janela e pulou a grade com
a blusa de frio de Johnys. Johnys chegou na janela gritando e dando
socos.
Johnys desceu e sentou no banco. B.a estava no outro banco.
Percebi que ambos estavam com uma expressão fechada. Johnys
ficou irritado durante todo o recreio, não com suas amigas, mas
quando um dos zoadores” passava perto. Vi João brincando que ia
lhe dar um beijinho se lhe desse um chup chup e Johnys xingou. [...]
Quando acabou o recreio Johnys esperou B.a subir e subiu sozinho.
Fiquei muito incomodada com a situação que vivenciei. (diário de
campo, 03/07/2007)
Durante todo este tempo nenhum adulto percebeu o fato, embora
tenham passado por ali. Parece que Johnys preferiu enfrentar o ocorrido do
seu jeito. Acredito que seja para afirmar que é capaz de resolver seus conflitos.
Outros adolescentes que fazem parte do grupo de “zoadores” acabavam sendo
mais zoados e não recorriam a ninguém, nem apelam, como fez Johnys. Foi o
caso de Sérgio que costumava ser chamado de narigudo, magrelo, mas,
embora eu visse a insatisfação em sua expressão, ele não fazia nada além de
tentar retrucar as “zoações”.
No dia 09/04/2007 o dia amanheceu chuvoso. Fiquei curiosa para saber
o que fariam os adolescentes em dias de chuva, que a maior parte do
espaço era descoberta. Quando bateu o sinal para o segundo horário a chuva
tinha parado, mas o pátio coberto estava alagado. A turma de Lauret, Júnior,
Juca e Pedro desceu, caminhou para a sala de artes e voltou. Parece que,
neste dia, a professora não compareceu, então voltaram e se sentaram no
banco próximo ao ginásio. Eu também estava lá.
Júnior, seu amigo e outros sentaram no banco à esquerda do ginásio.
À direita sentaram-se à minha volta Willian, Sérgio, Lauret e Aninha.
Juca ficou em pé.
Willian e Sérgio, como sempre, ficaram zoando um ao outro.
117
A poça d'água formada pela chuva servia de zoação para Willian.
Quem pisava, ele dizia que o sapato estava furado.
[...]
Ele levou a mochila para sala e voltou com fone de ouvido. Passou o
fone para mim dizendo “olha que música legal”. Não tinha música e o
fio era cortado e curto. fio e fone. Eu ri. As meninas não acharam
graça, disseram que esta era velha (não para mim).
Willian voltou com um rodo. Empurrou a água, depois disse que o
rodo era o Sérgio. Lauret e Aninha pegaram o rodo e começaram a
empurrar água nos outros dizendo que estavamlimpando. O grupo
do outro banco teve que sair de lá, mas não falou nada. Não
retrucavam, não comunicavam a ninguém, não apelavam, somente
saíam com a expressão de quem não estava gostando. Todos que
passavam levavam água. Menos eu. o jogavam em quem estava
perto de mim. (diário de campo, 09/04/2007)
Durante a entrevista perguntei ao Júnior o que ele achava das
brincadeiras dos colegas, pois nunca o via participar. Ele afirmou que achava
legal e que às vezes tinha vontade de participar, mas considera-se tímido.
Não somente ele, mas também Layla, Lucas e Ícaro demonstraram que
às vezes sentiam vontade de participar das “zoações”. Isto foi possível
perceber nas entrevistas e nas observações:
Eu - Você num gosta de bagunça, não?
(Fez que não)
Eu - Você gosta é de estudar?
Lucas - É. Eu não gosto de bagunça também não mas, (risos) tem
hora que eu saio do controle e fico igual eles. (entrevista com Lucas,
28/05/2007)
Lucas costumava zoar, não no pátio, mas dentro de sala de aula durante
o horário de recreio, onde ficava à vontade com dois ou três colegas.
Já Layla, que costumava cumprir as normas escolares, estando com seu
grupo costumava zoar e “se soltar”, como diz.
Eu - Você já fez bagunça? Já zoou alguma vez na escola?
Layla - Já.
Eu - E o que você acha disso? Desses momentos que você teve?
Layla Ah, tem horas que todo mundo tem que se soltar [...]. Se ficar
muito presa fica angustiada! Igual esse menino
45
ele se solta no
esporte. Ele chuta a bola longe e tal, com muita força. [...]. Ai ele
põe sua força, sua raiva no esporte. Mas, ele leva na esportiva. E o
pessoal que é mais enturmado e tal, tem uma hora que começa a
divertir.[...]
45
Refere-se a um colega de turma que ela considera que fica parado, não conversa com ninguém
dentro de sala.
118
Eu - Você se solta em qual momento? Fora da escola, dentro da
escola, no recreio?
Layla - Na hora que tá todo mundo à vontade?
Eu - Você percebe que seu grupo esta à vontade?
Layla – [...] Quando é uma pessoa que eu sempre estou conversando
ai eu fico à vontade. Converso com todo mundo, todo mundo
conversa comigo e tal. Às vezes não aceita uma brincadeira e tal,
mas ai cê conversa numa boa. Aí, por exemplo, eu saio para passear
ou alguma coisa assim, eu me solto. Mas, eu não vou chegando e
dançando, eu quero ver o local, que coisa tendo. Primeiro eu olho
tudo, depois eu vejo o que eu vou fazer. (entrevista com Layla
04/06/2007)
Assim, Layla demonstrou que ficava à vontade entre os amigos e assim
zoava com estes. Ou seja, ela sabia o momento para zoar sem ser
inconveniente, pois quando o outro não está “à vontade’, devia parar. Citou
também um colega, que se soltava através do esporte e em outros momentos
era tímido.
Outro exemplo é o relato de Ícaro, o qual não vi “se soltar” (na expressão
de Layla) em momento algum durante o período de pesquisa.
Eu - E o que você acha desses que você está chamando de
bagunceiros?
Ícaro Eu acho que, ao mesmo tempo em que deve ser ruim, para
eles deve ser legal. Eu fico me imaginando bagunceiro, fazendo
bagunça...
Eu - Você tinha vontade de um dia fazer bagunça para ver como é?
Ícaro - Ah! Tinha. que eu não vou fazer. (entrevista com Ícaro,
04/06/2007)
Ícaro demonstrou, através desta fala, o que foi analisado na pesquisa de
Nogueira (2006), que os alunos consideram a “zoação” como algo
intrinsecamente relacionado ao ser jovem, mesmo simbolicamente.
Lauret, que gostava de zoar e estar entre “zoadores” definiu a
adolescência como:
viver a vida intensamente, estudar, ser feliz, tempo de “zoação” e
responsabilidade – Lauret – 15 anos (questionário, 13/11/2007)
No entanto, estas “zoações” podem acabar gerando humilhações, o que
pude vivenciar diversas vezes no período de pesquisa, além dos exemplos
citados.
119
No questionário coloquei a seguinte pergunta: “Alguma vez você
sentiu humilhado(a) desrespeitado(a) ou discriminado por qualquer motivo que
fosse dentro da escola?” E a resposta foi registrada no gráfico abaixo:
18%
31%
13%
36%
2%
uma vez
algumas vezes
muitas vezes
nunca
não responderam
Gráfico 6: Humilhação sofrida na escola
Fonte: arquivo da autora
Através do gráfico percebemos que 36% dos alunos declararam nunca
terem sofrido humilhação ou preconceito dentro da Escola Galáxia, contra 18%
que declarou uma vez, 31% que declarou algumas vezes e 13% que declarou
muitas vezes. Somando então os três itens, foi possível perceber que 62% dos
alunos se sentiram humilhados e/ou sofreram preconceito na escola. Cabe
declarar que aqui não foram especificados se foi por parte dos colegas,
professores ou funcionários, mas é interessante perceber que estas atitudes
acontecem na escola e muitas vezes passam despercebidas.
Outra característica marcante dos adolescentes é o gosto pelo esporte.
Embora poucos tenham citado o esporte na pergunta específica sobre o que é
ser adolescente, aparece com força total em diversas outras perguntas,
principalmente naquela que diz respeito ao que consideram ser uma escola
para adolescentes. Para eles esta escola teria piscina, mais quadras, pista de
skate, quadra de areia, de peteca, esportes diversos danças, lutas marciais,
ping pong, sala de jogos, entre outros.
Como deixaria de relacionar a adolescência à música? A música estava
presente em diversas observações: nos fones de ouvido compartilhados, nos
aparelhos de MP3, celulares, nas danças e durante muitas conversas. A
pesquisa mostrou que embora o funk, o rap e o axé prevaleçam na preferência
geral da galerinha, a maioria gosta de variados estilos musicais.
120
Dos 194 adolescentes, 63 citaram o Hip hop ou o rap como preferência
musical. No entanto, muitos deixam claro o desconhecimento do movimento hip
hop, pois citam como preferência o Hip hop e o rap. Conforme confirmado na
pesquisa feita por Juarez Dayrell (2005) sobre o rap e o funk na socialização da
juventude, o Hip hop é um estilo que engloba quatro elementos: o rap (que é a
música em si), o break (a dança), o grafite (a expressão em forma de desenho)
e o Dj (aquele que “fazo som). Portanto parece que muitas vezes a moda do
Hip Hop os fazem dizer que gostam, sem contudo conhecer o movimento ou
compreender que o Hip Hop é o movimento e o rap é a música.
Vários adolescentes citaram como preferência o estilo “emo core”, ou
cantores e conjuntos que os “emos” fazem referência : Fresno, CPM22, Forfun,
NXZero, Simple Pan, Green Day. Alguns destes foram citados por Pedro
durante a entrevista.
Vinte adolescentes afirmaram gostar de estilos diversos ou ser eclético
(termo citado diversas vezes no questionário). Além destes vinte, vários outros
citaram uma mistura de estilos como, por exemplo: “hip hop, axé, sertanejo” ou
“rock, MPB e pagode”. A sica sertaneja foi citada por vinte e um
adolescentes e ainda outros citaram duplas como: Bruno e Marrone, Leonardo,
Milionário e José Rico, Daniel e Samuel, Victor e Leo. Foram citados estilos e
músicas de diferentes épocas como: Bob Marley, Pink Floyd, Nirvana, Capital
Inicial, Shakira e até o Roberto Carlos foi citado por um dos adolescentes.
As músicas evangélicas também foram bastante consideradas. Vinte e
um adolescentes escreveram músicas “evangélicas” ou “gospel” e, ainda outros
citaram cantores e conjuntos musicais como: “Diante do Trono”, Toque no
altar”, “Além do Louvor”, Bispo Marcelo Crivella”. Salientando ainda que seis
citaram hip hop gospel. Lembrando que deveriam dizer rap gospel, que não
é o movimento, mas a música.
Portanto, não como definir um estilo de música para a(s)
adolescência(s). É no mínimo displicente acreditar que ser adolescente é
gostar de rap e funk, embora estes estilos estejam atualmente em vigor.
Se a adolescência corresponde a “a construção social, histórica, cultural
e relacional, que através das diferentes épocas e processos históricos e sociais
vieram adquirindo denotações e delimitações diferentes” (FREITAS, 2005, p.
121
10), é preciso compreender que as falas dos adolescentes estão impregnadas
de definições transmitidas socialmente, mas também referem-se ao momento
vivido hoje. Portanto, procurar ouvi-los me permitiu conhecer a adolescência
por ela mesma, ou seja, pelos próprios adolescentes e não através do meu
olhar de adulto.
122
6. A RELAÇÃO DOS ADOLESCENTES COM OS ESPAÇOS/TEMPOS
ESCOLARES
Como é o lugar quando ninguém passa por ele? Existem as coisas
sem ser vistas?
- Carlos Drummond de Andrade -
Os estabelecimentos escolares foram criados com o intuito de
homogeneizar conhecimentos, comportamentos e identidades de educadores
46
e educandos.
No Brasil, conforme os estudos de Luciano Faria e Diana Vidal (2000),
Os prédios escolares construídos para o ensino seriado tinham, em
geral 4, 8 ou 10 salas de aula, em um ou dois pavimentos, com
nichos previstos para biblioteca escolar, museu escolar, sala de
professores e administração. Edificados simetricamente em torno de
um pátio central ofereciam espaços distintos para o ensino de
meninos e de meninas. (FILHO e VIDAL, 2000, p. 20)
A arquitetura da escola foi desenhada para separar os sujeitos. Os
corredores servem para chegar mais rapidamente ao destino do aluno: a sala
de aula, onde ele permaneceria por um tempo determinado para aprender. As
salas separadas por paredes, carteiras isoladas, alunos enfileirados, tudo uma
tentativa de impossibilitar relações, disciplinar os corpos.
Foucault (1997) considera que a distribuição dos espaços escolares
assemelha-se as fábricas, hospitais psiquiátricos e prisões, para o autor todas
estas instituições foram arquitetadas para educar corpos e mentes.
Varela e Uria (1992), tratando da maquinaria escolar, confirmam essa
idéia:
A invenção da carteira em frente ao banco supõe uma distância física
e simbólica entre os alunos e o grupo, e, portanto, uma vitória sobre a
indisciplina. Este artefato destinado ao isolamento, imobilidade
corporal, rigidez e máxima individualização permitirá a emergência de
técnicas complementares destinadas a multiplicar a submissão do
aluno. (p. 92)
46
Chamo de educadores não somente os professores (as), embora estes sejam os principais, mas
também os diretores(as), pedagogos (as), bibliotecários(as), auxiliares de serviço, enfim, todos os
envolvidos (ou que deveriam estar envolvidos) no processo educativo dentro dos estabelecimentos
escolares.
123
Outra homogeneização clara na trajetória escolar foi a denominação do
termo “aluno”. Aluno significa aquele sujeito “sem luz”, que precisava aprender
o que o mestre tinha para ensinar. A função de escola como instituição
disciplinadora e a identificação do aluno e não do sujeito permanecem
arraigadas nas relações escolares até a atualidade. A partir do olhar de quem
acompanha o cotidiano de várias escolas, é impressionante perceber como os
rituais, a organização dos espaços, a definição do tempo, as datas
comemorativas, costumam ser semelhantes nos mais diferentes espaços
sociais.
Mesmo em um espaço diferenciado como a estrutura do CAIC, a
distribuição é a mesma: salas de aula para o tempo de ensinar, pátio para o
tempo de recreio, quadra para o tempo de educação física, carteiras dispostas
em fila.
A intenção de unificar os alunos a partir da arquitetura, das normas, do
currículo, permanece até os dias atuais. No entanto, mesmo no espaço tão
fechado da sala de aula, onde a voz do professor costuma imperar, os sujeitos
adolescentes ainda conseguem interagir, seja através da bolinha de papel
jogada, da troca de olhares, do olhar pela janela, do conversar com quem está
do lado de fora, dos bilhetinhos ou do posicionamento do corpo na carteira.
Essa ressignificação é feita não somente na sala de aula, mas também
nas quadras, corredores, pátios e demais espaços. As relações acontecem de
diferentes formas e os sujeitos adolescentes fazem uso de suas diversas
linguagens para interagir e tecer suas identidades. A escola torna-se um lugar
privilegiado de encontro e nesta são manifestados rituais.
McLaren(1991), ao descrever em sua pesquisa sobre os rituais
escolares
47
em uma Escola católica de Toronto, conclui que os gestos dos
alunos durante as aulas e outros rituais demonstram a resistência à educação
proporcionada a eles e às regras impostas. Sua pesquisa foi realizada em uma
47
McLaren dispõe de diversas teorias para chegar à definição de rituais. Portanto, embora tente
esclarecer de forma sintética o que seria um ritual escolar, sugiro a leitura da obra completa. Os rituais
são as forças geradoras através das quais nós, enquanto atores sociais, julgamento nossos conflitos
institutivos com a cultura que nos cerca com símbolos públicos e privados, fornecendo a mise-en-scene,
ao mesmo tempo que eles são mecanismos articuladores do controle social que literalmente nos coloca
no lugar. O ritual se situa no mundo do movimento, ele ’tematizaseu meio através dos gestos corporais
significativos. (1991, p75)” O ritual é um processo simbólico em que estamos envolvidos ativa e
diariamente, mas não pode ser confundido com rotina ou hábito. .
124
escola considerada “barra pesada” e as descrições do pesquisador, apesar de
serem relativas a um espaço e contexto distintos (Canadá), trazem situações
cotidianas muito semelhantes ao contexto da escola pública brasileira.
McLaren(1991) define alguns estados interativos, através dos quais os
alunos assumem papéis de acordo com o espaço/tempo. O autor define quatro
estados de interação: estado de esquina de rua, estado de estudante, estado
de santidade, estado de casa. Destes, tomarei emprestado os dois primeiros
para a minha investigação.
O estado de estudante é visível quando reajustam seu comportamento
para desempenhar o papel de acordo com as normas da instituição. Ele é mais
formal, sendo os gestos, atitudes e hábitos mais definidos. Neste estado, a
emoção e a espontaneidade se minimizam ou praticamente desaparecem. De
acordo com McLaren(1991), a escola incentiva este estado a partir do sistema
de prêmio e punição institucional, pelo tempo e pelo espaço da escola.
O estado de esquina de rua apresenta-se no comportamento do
estudante nos espaços onde há mais liberdade, como na rua, no pátio da
escola, no parque, em loja de jogos... Neste estado prevalece a
espontaneidade, a alegria, o movimento livre corporal, a ludicidade, sem
demarcações de gestos precisos. Este estado é percebido em espaços onde
as relações não são mediadas por controles autoritários, assim eles
experimentam diferentes papéis. É importante salientar, como meu interesse é
pelo adolescente da contemporaneidade, onde o consumismo permeia a
maioria dos diálogos destes espaços. (MCLAREN, 1991)
A observação de McLaren(1991) nos permite perceber como as
instituições influenciam até mesmo na posição dos corpos dos adolescentes. E
como estes, mesmo sem que os adultos percebam, reelaboram a estrutura
escolar.
Outra pesquisa a ser mencionada é a de Letícia Freitas (2004), feita em
uma escola católica de Montes Claros (MG). A autora investigou em sua
dissertação de mestrado o uso que os adolescentes e jovens fazem do
uniforme escolar, criado como forma de homogeneizar os alunos. No entanto, o
uniforme, roupa institucionalizada, é também ressignificado pelos adolescentes
e jovens, que fazem uso de acessórios (correntes, tênis, colares, pulseiras,
125
etc.) para modificar o padrão estabelecido. Assim, estes sujeitos colocam esta
roupa no seu estilo, destacando sua identidade.
A autora, através de sua pesquisa de campo, descreve a estrutura física
da escola mostrando como a formalidade e a racionalidade deste
estabelecimento buscam delimitar espaços, tempos e comportamentos. Freitas
(2004) destaca o estudo de Cita Melo (1949) sobre a arquitetura das cidades,
em que a autora analisa como as praças e locais de encontro são visíveis,
facilitando o controle dos jovens. Com a escola não é diferente. A arquitetura
propicia a vigilância e o controle, fazendo desta instituição uma máquina de
ensinar, mas também de punir e recompensar (FOUCAULT, 1997). Mas, os
adolescentes e jovens apropriam-se de espaços de difícil controle para
socializarem livremente, ou quiçá para infringir as regras sociais e escolares.
Ao descrever os espaços da escola, Freitas (2004) coloca:
O espaço do pátio, seja para o recreio, ou transgressão é
independente da informação formal da escola, essa é restrita à sala
de aula e aos eventos permitidos dentro e fora da sala de aula. A
independência dos conteúdos ministrados, da postura metodológica
dos professores permite o confronto de visões de mundo, estilos e
culturas. (p. 178)
Assim, Freitas (2004) explicita como os espaços são controlados. A sala
de aula, espaço mais fechado, torna mais fácil o controle disciplinar. Onde não
existe este controle tão rigoroso é possível enxergar a interculturalidade, onde
as identidades e as formas de pensar se misturam num processo de
hibridização
48
, conforme expresso por Canclini (2006).
Magnani (1984), antropólogo, a partir de sua pesquisa sobre a chegada
do circo na cidade, identifica que existem espaços que estão entre o público e
o privado, espaço de socialização sica e estável. Estes espaços são
designados de “Pedaços”. Fazendo uma ligação desta teoria com a de
McLaren (1991), anteriormente mencionada, também é possível identificar
espaços na escola entre o público e o privado, onde existem ou não regras que
determinam certos comportamentos e posturas corporais. Os “pedaços” da
48
Canclini define hibridação como os ”processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas,
que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas.” (2006,
p.XIX)
126
escola são para mim, tempos e espaços de encontro entre os adolescentes,
onde estes podem explicitar o “estado de esquina de rua”, onde, os
adolescentes recriam, burlam ou ignoram as regras escolares, criando as suas
próprias regras de convivência e representando significados a partir delas.
Ao analisar os adolescentes nos espaços escolares, pude perceber que
o espaço externo à sala de aula é um grande “pedaço” dividido em muitos
“pedaços”. Nos espaços externos os adolescentes não tinham, em geral, um
adulto vigiando, embora tenha uma funcionária denominada “agente escolar”
cuja função é olhar a disciplina na escola, e outra funcionária, afastada por
laudo médico que assumia a função de ajudar esta assistente escolar.
Raramente as via no pátio da escola ou em outros espaços externos. Portanto,
minha investigação deu-se, em geral, em espaços não vigiados.
6.1. Adolescentes ressignificando espaços escolares
Ao descrever os espaços escolares no capítulo anterior, mostrei-os
como espaços vazios. Neste capítulo está o foco de minha pesquisa.
Especifico cada um destes espaços e como eles, os adolescentes, através de
suas interações, os ressignificam a partir do seu olhar adolescente.
Os espaços escolares por mim observados durante a pesquisa foram os
pedaços ocupados pelos diversos adolescentes estudantes da Escola
Galáxia. Explicitando melhor, considero alguns desses espaços como
“pedaços” de acordo com a definição de Magnani (1984)
São dois os elementos básicos constitutivos do “pedaço”: um
componente de ordem espacial, a que corresponde uma determinada
rede de relações sociais. Alguns pontos de referência delimitam seu
núcleo: o telefone blico, a padaria, alguns bares e casa de
comércio, o ponto do búzio, o terreiro e o templo, o campo de futebol
e algum salão de baile. (MAGNANI, 1994, p. 137)
Como Magnani(1984), defini ao longo das observações estes pontos de
referência nos espaços escolares onde os encontros aconteciam, e, assim, fui
delineando os significados destes espaços para os diversos adolescentes ali
presentes.
127
É importante ressaltar que faço aqui uma diferenciação entre espaços e
lugares, de acordo com a visão de Certeau(1994). Para o referido autor:
Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem
elementos nas relações de coexistência. se acha, portanto,
excluída a possibilidade, para duas coisas, de ocuparem o mesmo
lugar. (1994, p. 201)
O espaço é um cruzamento de móveis. É de certo modo animado
pelo conjunto dos movimentos que aí se desdobram. (1994, p. 202)
Assim, apropriar-se de espaços é significar lugares com sua existência e
suas relações, sendo que o tempo permeia estes espaços. Os espaços são
considerados como pedaços a partir das relações.
Então, caminharemos novamente pelos espaços, desta vez,
acompanhados dos 12 sujeitos de minha pesquisa e daqueles outros
adolescentes que contribuíram para a minha compreensão. Estes espaços
agora não serão mais lugares vazios, mas significados pela presença de
sujeitos adolescentes.
6.1.1. O muro da escola
Esse muro foi grafitado por estudantes da Escola Galáxia.
Figura 28: O muro da escola (grafitagem)
Fonte: Arquivo da escola
Bem, neste muro grafitado, durante o período da entrada, muitos alunos
ficam encostados, conversando, rindo. Porém, é usado por um curto espaço de
128
tempo. Também nele acontecem durante a saída, beijos calorosos e trocas de
carícias entre casais que se formam na escola.
6.1.2 Os portões da escola
Conforme dito anteriormente, são quatro os portões da Escola Galáxia.
Cada qual com um uso diferente.
6.1.2.1. Portão do Estacionamento dos professores
Serve quase exclusivamente para a entrada de carros dos professores.
Inclusive, a maioria deles, tem a chave deste portão. Este não pode ser
considerado um pedaço, pois não há presença de adolescentes.
6.1.2.2. Portão de Entrada dos alunos do 1º ciclo e Educação
Infantil
Por este portão, um pouco afastado do prédio onde os adolescentes
estudam, entram e saem os alunos do ciclo. Mas, para os adolescentes,
este portão tem um significado diferente de entrada ou saída. Durante o
recreio, uma senhora aproxima o seu carrinho do portão e vende: pimentinha,
biscoito, bala, pirulito, chup chup, salgadinhos tipo “chips” e outros alimentos.
Assim, a partir da venda do lanche cria-se um “pedaço” adolescente.
Estes produtos são passados não pela grade, que tem uma tela para
evitar a passagem de merenda, mas por cima do portão. Todos os dias este
portão fica lotado de adolescentes que compram os produtos da senhora por
eles chamada de Dona Maria.
Um dia, quando saía da escola, conversei com esta senhora. Ao ser
abordada por mim ela preocupou-se, pois o tem a autorização da escola
para vender seus produtos. Depois de explicar os motivos que me levaram até
ali, ela, ainda receosa, me contou que vende em média 40 salgadinhos (tipo
chips) e uma quantidade ainda maior de chup chups. Não sei se a informação
foi exata, ou se, preocupada, omitiu alguma informação. No entanto, são
129
muitos alunos que compram merenda lá. Chup chup então, estando frio ou
calor, os adolescentes compram.
Figura 29: O portão 2 – Venda de merenda
Fonte: Arquivo da autora
Criou-se também, neste local, um espaço para pedir ao colega para
comprar merenda para ele. Ouvi diversas vezes “empresta dez centavos”,
“quinze centavos”, “vinte centavos”. Nem eu escapei de ser abordada para
pedir dinheiro. Dos sujeitos pesquisados, dois chegaram a me pedir
diretamente. Eu, enquanto pesquisadora, apenas brincava que estava dura.
João e Lauret chegaram a me pedir, sendo eles sujeitos de minha pesquisa
confesso ter me sentido menos à vontade para dizer não, mas costumava me
esquivar com brincadeiras. Lauret disse que nenhum professor dinheiro
para eles, sempre dizem que não tem, mas para ela “é claro que eles m pelo
menos cinqüenta centavos” (diário de campo, 04/06/2007).
Juca explica bem este “pedaço”:
Eu - E a merenda no portão, você pega?
Juca - Pego. É bom lá, né? Porque eu não gosto de comprar no
colégio aqui não. Sempre que a gente vai a dona Maria recebe
fiado... Agora aqui também não deixa, a gente vai e compra da
Dona Maria mesmo, né? Lá é melhor!
Eu - Vocês têm mania de dividir merenda, né?
Juca É, eu divido com quem divide comigo. Quem é da minha
sala. Eu, Marcos, Rogério, os meninos lá. tem aquele negócio: Ah!
Pega lá a meia. Aí vem o outro: a meadinha, a meadinha...
Eu - Chama meadinha? Quando vai pedir merenda para o colega fala
meadinha e ele já sabe o que é?
Juca É, nós vai pedir, divide com todo mundo. Brinca bastante,
assim, né? (entrevista com Juca, 05/06/2007)
130
Portanto, dividir a merenda, ou pedir a merenda é um gesto constante no
espaço escolar, divide-se com quem é amigo ou ainda, com aquele que
demonstra poder. Quando pede, não negam porque tem receio de negar.
6.1.2.3.Portão de Entrada
Chamo-o de portão de entrada, porque os alunos do 2º e 3º ciclos
entram por aqui, e, ainda, as demais pessoas durante todo o horário. É neste
portão que o vigia se posiciona.
A entrada é realizada entre 7h e 7h e 10 min. A assistente escolar quase
todos os dias fica recebendo a carteirinha, com o portão semi fechado. Os
alunos entram formando uma fila. Outros ficam fora esperando a fila acabar.
Os professores que chegam passam na frente para entrar. Em alguns dias a
assistente escolar barra os alunos que estão sem uniforme, ou de boné, outros
dias não. Estes alunos não voltam para a casa, mas são advertidos e entram.
Fiquei na porta da escola. Uma fila de alunos vai entrando, um de
cada vez. Todos devem entregar a carteirinha. O portão fica aberto a
conta para passar uma pessoa (se for mais gorda não dá). (diário de
campo, 09/04/2007)
Na entrada os adolescentes conversavam. A assistente escolar
estava no portão olhava os uniformes e aqueles que o
estivessem vestidos com ele, eram barrados. Alunos com boné, mas
uniformizados, entravam normalmente. Depois todos entraram. (diário
de campo, 13/03/2007)
Em uma entrevista, Ícaro deixa claro o que observei sobre este portão:
Eu - E os portões da escola?
Ícaro - Eu acho um absurdo! Eles colocam uma mesinha, com uma
gretinha para aquele povo todo passar. Eu acho um absurdo!
Eu - Isso você fala naquela entrada?
Ícaro É. Eu só passo pelo outro porque não gosto dessa confusão.
Eu - Você prefere fugir de confusão?
Ícaro - É, eu fujo de confusão. Xô! (entrevista com Ícaro, 04/06/2007)
Por este portão também alguns alunos pegam lanche. Não como no
outro, mas como tem uma padaria do outro lado da rua, eles chegam perto do
131
portão, gritam e a funcionária da padaria vem atendê-los. Ali, fazem os seus
pedidos: coxinha, sanduíche, refrigerante, e outros alimentos.
Como o portão foi fechado por uma tela, o lanche é passado através de
um buraco feito no muro, quase no chão. Este buraco, segundo informações
dos próprios adolescentes e funcionários, foi feito por adolescentes com esse
objetivo: permitir a passagem do lanche.
6.1.2.4.Portão fechado
Assim como no portão de entrada, nesse portão também se passa
merenda de uma outra padaria em frente à escola. As padarias pertencem a
quarteirões diferentes. É muito raro ver alguém pedindo lanche por este portão,
no entanto, algumas vezes isso acontece. Um dia presenciei três adolescentes
comprando sanduíche e salgado por este portão. Sentaram-se em um dos
bancos para comer. Logo em seguida eles voltaram ao portão, pareciam
reclamar que o sanduíche estava estragado. A funcionária cheirou o sanduíche
e o levou de volta.
De acordo com os funcionários da escola esses portões foram fechados
com a tela porque não controle da escola da qualidade da merenda
comprada pelos alunos.
A maioria dos adolescentes entrevistados concorda que não devem
comprar, mas compram. Ícaro, que geralmente cumpre as regras escolares,
foge a este preceito quando compra merenda no portão.
Eu - E essas merendas compradas no portão? Você compra?
Ícaro – Ham ham!
Eu - O que você acha disso?
Ícaro – Ah! Faz mal, só que é gostoso. (risos)
Eu - Mas tem merenda aqui. Vende merenda aqui e todo mundo vai
para lá. Por quê?
Ícaro – Ah! Porque todo mundo gosta de salgadinho, coxinha...
Eu – É por causa do tipo de merenda então?
Ícaro - É. (entrevista com Ícaro, 04/06/2007)
Observei Júnior, durante o recreio, comprar lanche com a senhora, no
entanto, ao ser questionado sobre isso durante a entrevista, não assumiu que
132
comprava. Por qual motivo ele mentiu? Acredito que porque sabia que estava
burlando uma regra.
Portanto, comprar merenda por este portão é comum entre os
adolescentes da escola, mesmo aqueles que merendam na cantina. Chup-
chup, pirulito, chicletes e salgadinhos tipo chips são as preferências dos
adolescentes.
E ainda, este pedaço do portão, criado através da compra de merenda, é
um espaço para se encontrar, conversar, pedir lanche, enfim, interagir.
6.1.3.A Guarita
Esta guarita é pouco utilizada pelos adolescentes. Os alunos do ciclo
têm o costume de ficar dentro dela, brincando e conversando. Quanto aos
alunos do ciclo, somente passam por lá, às vezes falam com alguém que
está dentro, zoam ou dão tapas na cabeça. João, algumas vezes, foi visto
passando por lá para mexer com os alunos do 2º ciclo.
Figura 30: Guarita
Fonte: Arquivo da autora
No dia 13 de março, observei ainda um aluno, durante o período de aula,
de mãos dadas com uma garota que não estuda no período da manhã e não
estava de uniforme. Chegou a rolar um beijo, mas logo foram para trás do
prédio, no estacionamento dos professores, onde é pouco vigiado e ficaram
namorando lá por algum tempo.
133
Embora por lá transitem alunos do 3º ciclo, não considero este um
“pedaço” dos adolescentes.
6.1.4. O Pátio
A escola tem um amplo espaço o qual chamo de pátio. É um espaço
livre que tem de um lado as salas de aula, com as janelas voltadas para ele.
Entrando na escola do lado direito fica o espaço gramado e o ginásio, onde o
ciclo (7ª e 8ª séries fazem Educação física). À esquerda há jardins, cercados
com arame cuidados pelos alunos do programa de meio ambiente (alunos do
e ciclos). Em frente, um espaço que chamo de pátio coberto, onde
encontramos quatro bancos encostados no ginásio, ainda uma área onde
ficam murais, bebedouros e banheiros (de um lado o feminino, do outro o
masculino). Este pátio é coberto por uma laje pré-moldada. Chamo a parte de
cima desta laje de pátio de cima. Mais ao fundo a quadra coberta onde os
alunos do 2º ciclo e do 1º ano do 3º ciclo (6ª série) fazem educação física.
Figura 31: Pátio durante o recreio
Fonte: arquivo da autora
Como é um espaço muito amplo, irei subdividi-lo e especificar cada um
deles como um espaço diferenciado.
134
6.1.5. Espaço gramado ao lado do ginásio
Este espaço ficou durante os meses de março, abril e maio ocupado por
um monte de mato que foi retirado pelo pessoal da limpeza quando veio
capinar a escola. o vejo muitos adolescentes por ali, a não ser nos bancos
que existem nesse espaço e que ficam de frente para a rua. Afirmo ser de
frente porque raramente vi alguém sentar ali de costas para a rua. Durante as
entrevistas, foi possível confirmar esta hipótese:
Eu - Você senta sempre olhando para a rua?
Johnys – É.
Eu - Às vezes você senta ali sozinho, igual hoje.
Johnys É, eu gosto de sentar e ficar pensando na vida. Igual, eu fui
numa festa e aconteceu uns probleminhas nessa festa. Ai eu tava
pensando. Pensando porque eu fiz isso? Porque eu não fiz? Ai
uns arrependimentos de vez em quando.
Eu - Quando você senta sozinho é um lugar para pensar?
Johnys - É. (entrevista com Johnys, 05/06/2007)
Eu - E aquele espaço do lado da quadra?
Layla - Lá a terceira série fica bastante lá, porque eles vão jogar bola,
jogar queimada... Raramente. Mas, normalmente quando a gente
tem prova, fica por lá mesmo. (entrevista com Layla, 04/06/2007)
Esses bancos, portanto, servem para estudar, conversar, desabafar e
até mesmo fugir um pouco do ambiente da escola, olhando o movimento da
rua.
Neste espaço há também uma árvore onde está pichado “emo core”. É o
lugar onde geralmente vejo os emos” e seus amigos sentados, no chão ou no
banco embaixo dela.
Eu - Aquela pichação na árvore, você sabe quem fez?
Pedro - Do “emo”? Sei, fui eu. (riu)
Eu – Por que você fez ali?
Pedro - Para marcar porque, igual esse é o último ano, né? Então a
gente foi marcando tudo, né? Igual o banco, então a gente foi
marcando em todo lugar.
Eu - E aquela árvore é, eu posso dizer que, ali é o seu lugar?
Pedro Sim, porque a gente fica ali. Antes era uma outra, mas tem
que é muito... Nem pra conversar direito porque a dona da
biblioteca xinga, então a gente foi para lá desde o comecinho.
Eu - Então vocês marcaram o espaço de vocês?
Pedro - É. (entrevista com Pedro, 05/06/2007)
135
Figura 32: Pátio lateral - A árvore dos Emos
Fonte: arquivo da autora
Figura 33: Pichação na árvore dos Emos
Fonte: arquivo da autora
Segundo informações do atual presidente do Grêmio, no próximo ano
este espaço seria transformado em estacionamento para os professores. O
atual estacionamento será destinado ao ciclo. Mas logo em setembro de
2007 este projeto foi executado. Confesso que, apesar deste ser um espaço
pouco utilizado, acreditava que a escola fosse perder muito. Mas, ao observar
a preocupação da escola em deixar uma pequena parte deste espaço para os
alunos, percebi que foi uma obra interessante. Justamente no lugar onde fica a
árvore dos “emos”, será construída uma praça, com novos bancos e jardins.
136
Figura 34: O novo estacionamento
Fonte: Arquivo da autora
Figura 35: A nova praça
Fonte: Arquivo da autora
Posso considerar esse espaço da árvore é o “pedaço dos emos”. Na foto
acima, nos fundos, encontra-se este grupo.
6.1.6. Os Jardins
Os jardins são bem cuidados, pelos participantes do programa de
educação ambiental. Pela escola, há placas que pedem a sua preservação.
137
Figura 36: Lucas lendo a placa do Jardim
Fonte: arquivo da autora
Porém, não percebi nenhum vínculo dos adolescentes com este “cuidar”.
Pelo contrário, após o recreio estes jardins ficam cheios de papéis de bala,
sacos plásticos, palito de pirulito e outros lixos jogados pelos alunos. Também
são jogados papéis pelas janelas da sala.
Willian desceu e veio ver minhas anotações. [...]
Ele pulou o arame do jardim, pegou um papel e jogou na janela, mas
não conseguiu acertar dentro da sala. Saiu do jardim e subiu dizendo
que tinha que voltar para a sala. (diário de campo, 27/03/2007)
Um dia, conversava com Fernanda e Caroline no pátio de cima e,
enquanto conversávamos, elas jogaram no jardim embaixo pedaços de
cebolinha retirados do pão com carne servido na merenda. Também jogaram
saquinho de chup chup. Perguntei a elas se percebiam o que faziam. Elas
riram e disseram que todo mundo jogava. E, realmente, grande parte dos
adolescentes e das crianças jogavam lixo nos jardins, muitas vezes sem
perceber.
No jardim (cercado com arame) papéis de bala, chup chup, palito
do pirulito, um mbolo da Volkswagem
49
, uma garrafinha de plástico,
uma bola de papel... o resisto! Vou até e pego a bola de papel
para ver o que esescrito. Em um deles: “Te adoro, Te amo”, do
outro lado Priscila. No outro bolo de papel, tinha matéria de ciências.
(diário de campo, 08/03/2007)
49
Este símbolo fica pregado na parte dianteira do carro.
138
Os adolescentes jogavam diversas coisas nos jardins sem ao menos
pensar no que faziam. O pedido de conservação que constava nas placas, não
vinha acompanhado de um trabalho de reflexão.
6.1.7. O Ginásio
Durante o horário de aula o ginásio era usado para as aulas de
Educação Física. Percebi, durante a pesquisa, que este espaço não poderia
ser considerado externo à sala de aula quando houvesse educação física, pois
sendo este fechado, torna-se uma sala de aula, onde as regras parecem ser as
mesmas. A fala de um aluno confirmou a minha hipótese sobre a sala de aula
de educação física. Sem querer ele chamou o colega para a sala. O colega riu
dizendo que era aula de educação física e ele afirmou: mas é sala de aula.
Nos dias em que não tem esta aula, o ginásio serve de esconderijo para
quem mata aula, para quem namora, para pichar, para zoar. Ele é um espaço
bastante fechado. Na foto abaixo, enquanto dançavam, um colega chegou por
trás e desceu a calça de um deles.
Figura 37: “Zoação” no ginásio
Fonte: arquivo da autora
De acordo com uma professora, antes este ginásio era cercado por
grades, mas como fazia muito barulho nas salas de aula, colocaram tijolos.
Assim, este ginásio ficou muito fechado, sendo um lugar pouco visto
139
internamente. No segundo semestre os muros externos do ginásio foram
grafitados.
Figura 38: muro do ginásio
Fonte: arquivo da autora
As pichações encontradas dentro do ginásio são datadas desde 2001.
pichações nos telhados e nas arquibancadas, geralmente feitas com
corretivo. Estas pichações são muito voltadas para paqueras ou mesmo para
afirmação de identidade, pois colocam em geral o nome e a turma, mostrando
quem não há preocupação em serem descobertos.
Figura 39: Pichação no banco do ginásio
Fonte: arquivo da autora
Pedro afirmou que a escola não questiona, nem faz ninguém limpar,
porque muitos já picharam e teriam que punir muitos alunos da escola.
140
Pedro [...] porque eu acho que mais suja a escola não tem jeito de
ficar, a quadra tá toda rabiscada, uma assinatura a mais uma a
menos não faz diferença. Ai eu fui lá e pichei.
Nossa! Aquela quadra é imunda né? É corretivo para tudo o que é
lado, então uma a mais uma a menos... (entrevista com Pedro,
05/06/07)
Neste ginásio também acontecem as festas e apresentações da escola.
Pude presenciar, por exemplo, a festa de Páscoa. Nesta comemoração,
participaram apenas os alunos da educação infantil, do 1º ciclo, do 2º ciclo e de
uma turma de final de ciclo, a turma 802. Na reunião onde foi decidido quem
seria o professor referência de cada turma, as turmas consideradas mais
difíceis foram as últimas a serem escolhidas. Por considerarem esta turma,
802, indisciplinada, nenhum professor manifestava a vontade de ser referência.
A diretora então combinou com a assistente escolar que ambas assumiriam
esta turma. Resolveram então, no mês de abril, pedir para os alunos desta
turma fazerem uma apresentação de páscoa.
Presenciei o ensaio feito no mesmo dia da apresentação. A pedagoga
deu-lhes um texto que seria lido por um grupo de alunas, enquanto os colegas
representariam as falas do texto, caminhando pela quadra. Durante o ensaio
uma colega pedia silêncio para ensaiarem.
Acompanhei esta turma durante toda a manhã. Dentro do ginásio
tentavam ensaiar a apresentação. Quatro alunas ficaram
responsáveis pela leitura. Os demais alunos representavam” o texto,
caminhando até uma mesa com o símbolo da páscoa. Os
adolescentes trocaram de símbolos diversas vezes. Nenhuma menina
queria colocar a flor no rosto. Segundo elas para o pagar mico”.
Por fim uma garota que estava no palco resolveu voltar para ser a
flor, mas não a colocaria no rosto, a levaria nas mãos.
Quanto aos garotos, nenhum queria a espada. Marcos aceitou, mas
brincou com ela o tempo todo: matou” colegas, benzeu as pessoas
(inclusive eu), gritava carregando a espada e correndo.
Uma garota do palco tentava o tempo todo controlar a disciplina para
o ensaio. Pedia aos colegas que ficassem sentados na ordem certa.
Para mim não havia indisciplina e quanto mais ela demorava, mais
desestimulava os atores. No ensaio, recriavam os adereços. A
bandeira da paz virou coberta de mendigo, o lenço árabe virou capa.
[...]
A turma 802 voltou para a quadra. Às 10 h os menores começaram a
chegar. Às 10h 30 min o evento começou. Os adolescentes neste
tempo ficaram esperando, conversando. A apresentação foi pida. A
maioria deles nem olhou para o público. Pareciam querer ficar livres.
A acústica estava péssima. Missão cumprida. Soltaram com alegria
141
bolinhas de sabão nos menores. Pulavam, gritavam. Marcos subiu
nas costas de Marcelo e os dois saíram juntos correndo pela quadra.
Os corpos agora relaxados, deitavam nas arquibancadas, muitas
vezes nos ombros uns dos outros.
Alguns alunos menores fizeram as apresentações. Os adolescentes
mal olhavam, mas também não incomodavam. Ficaram na deles,
comportando bem.
Começou a partilha do pão. A diretora, madrinha da turma (às vezes
chamada de dindinha), distribuiu pão aos adolescentes. Alguns
receberam, outros recusaram. Ela insistiu. Uns aceitavam, outros não.
Depois distribuiu a palha italiana. Todos queriam. Depois o
refrigerante. Ajudei a distribuir os copos. No final o ginásio estava
cheio de copos espalhados por alunos de todas as idades. Ajudei
recolhendo as canecas da escola que estavam no chão. (diário de
campo, 13/04/2007)
Figura 40: Bandeira da paz/mendigo
Fonte: arquivo da autora
Figura 41: Deitados no ginásio
Fonte: arquivo da autora
142
João, que é da turma 801, ao final do evento, reclamou com um
professor porque só a turma 802 tinha participado da comemoração. Acreditava
que deveria descer uma turma de cada vez. Durante a manhã inteira o vi
indignado com esta situação.
Outros eventos foram realizados dentro do ginásio. Por exemplo, em
setembro ocorreram as olimpíadas.
Este pedaço é apropriado de diferentes maneiras, mas principalmente,
para jogar bola.
No questionário ocorreu uma falha de minha parte que acabou sendo
bem interessante. Eu me esqueci de colocar o item quadra como espaço
externo, que o considerava espaço/tempo de aula. Mesmo assim, no item
outro, 27 alunos a citaram como espaço preferido na escola.
Mas dois sujeitos de pesquisa, Ícaro e Fernanda, afirmaram não gostar
do ginásio. Ambos porque o gostam de educação física. Inclusive enquanto
os outros queriam ser retirados para entrevista durante as outras aulas Ícaro
me pediu para chamar-lhe durante a Educação Física.
Portanto, este é um pedaço em um espaço determinado, mas que
modifica o seu significado conforme o tempo em que é ocupado:
- Durante as aulas de educação física.
- No recreio: jogar bola, zoar, namorar, pichar e fazer coisas fora das
regras escolares.
- Durante os eventos.
- Durante os tempos sem aula: para jogar bola ou se esconder.
6.1.8. A Escada em espiral
Esta escada, muitas vezes, virava escorregador para os alunos do
ciclo, poucos adolescentes a usavam desta forma. Mas, constantemente,
desciam fazendo barulho em seus degraus pré-moldados.
Um garoto desceu a escada pulando, batendo os pés com força e
disse sozinho “quebrei a escada”, olhou para mim e continuou o seu
caminho.(diário de campo, 26/02/2007)
143
Para os sujeitos desta pesquisa, em sua maioria, a escada era uma
escada, mas para alguns ela representa perigo, tumulto.
Figura 42: A escada em espiral após o sinal do recreio
Fonte: arquivo da autora
Para Lucas, que tem dificuldades motoras, esta escada representa
perigo.
Eu - Se você pudesse você mudava alguma coisa na escola?
Lucas- A escada ali do pátio. Aquela que é assim...
Eu – Por quê?
Lucas - Porque aquela escada é muito coisa (fez um rede moinho
com a mão).
Eu - Tipo um caracol?
Lucas Então, ali é muito fácil de alguém machucar. (entrevista com
Lucas, 28/05/2007)
Figura 43: Lucas esperando para subir
Fonte: arquivo da autora
144
Embora os alunos transitassem por ela, para os adolescentes significava
um lugar de passagem.
6.1.9. A Quadra de cima
Na quadra de cima o ciclo e o ano do ciclo fazem Educação
Física. Enquanto Lucas fazia as atividades, eu o observava. Costumava ver o
professor ajudando os alunos a fazerem alongamentos antes de entrarem na
quadra. E assim via Lucas que, mesmo com dificuldade, mostrava empenho
para alongar-se. Também o via jogando basquete junto com o estagiário de
inclusão
50
. Este estagiário raramente ficava com Lucas, pois na escola um
outro caso de aluno com deficiência no final do 2º ciclo que demanda o
constante acompanhamento do mesmo. Porém, durante as aulas de educação
física, ele costumava acompanhar Lucas.
Durante o recreio, esta quadra é ocupada pelos alunos dos anos iniciais
do ciclo, portanto, os alunos do ciclo raramente sobem para a quadra.
Somente nos dias em que é realizada a reunião quinzenal de professores,
quando os alunos são dispensados mais cedo, esta quadra é usada por
aproximadamente seis adolescentes que jogam futebol.
Assim, no espaço/tempo em que não aula na escola, esta quadra
torna-se para os adolescentes um espaço para jogar bola.
Vale lembrar que no fundo desta quadra há uma pedreira usada para
matar aula, fumar e namorar conforme explicitado nos questionários.
6.1.10. O Pátio coberto
O pátio coberto era composto por murais que eram renovados em um
prazo de aproximadamente um mês. Nestes murais ficavam as informações
sobre os programas desenvolvidos na escola. Nele pregava-se o jornalzinho do
Beija-Flor, ou as informações referentes aos programas desenvolvidos na
escola, mas vi poucos adolescentes lendo as informações. Geralmente,
50
Assim são chamados os estagiários contratados pela prefeitura para permanecer nas escolas onde têm
alunos com deficiência que necessitam de um maior acompanhamento. Nesta escola, o estagiário é um
estudante de filosofia que geralmente, está acompanhando um aluno do 2º ciclo.
145
quando eu estava lendo o mural, algum adolescente vinha curioso, mas não
ficava por muito tempo.
Este espaço coberto também foi palco da música no recreio, que durou
apenas duas semanas. Realizada pelo Grêmio e comandada por João. Nesta
época, João ficava sentado em uma mesa colocada especialmente para apoiar
o som. Em volta, fazendo um círculo ficavam os alunos do 3º ciclo e do 2º ciclo,
assistindo os poucos corajosos que se arriscavam a dançar. Em volta, os
comentários sobre quem dançava eram diversos, principalmente relacionados
ao corpo. Observavam a gordura de algumas meninas, o mau jeito de outras, o
cabelo, a barriga.
Ainda ficam no pátio coberto, os bebedouros, que servem para beber
água, mas também para brincar. Muitos adolescentes jogam água uns nos
outros, mas não permanecem por ali. Durante as aulas muitos adolescentes
transitam por ali, mas bebem água e seguem outro destino.
6.1.11. Os Banheiros
Precisarei dividir o banheiro das meninas e dos meninos por terem
significados diferentes. Mas antes de dividi-lo vale ressaltar que este é
considerado o pior espaço da escola, sendo citado por 81 alunos, ou seja
41,75% dos adolescentes. Consideram os banheiros sujos, fedorentos,
nojentos, rabiscados e pichados.
146
6.1.11.1.O banheiro feminino
Figura 44: Banheiro Feminino
Fonte: Arquivo da autora
Lugar de comunicação: esta foi minha visão sobre o banheiro feminino.
Nele os adolescentes, não as meninas, se comunicavam. Percebi
esta comunicação em três aspectos: comunicação com o próprio corpo,
comunicação oral, com uma ou mais colegas, e comunicação através das
pichações.
Os adolescentes se comunicavam com seu próprio corpo através do
espelho. Diversas vezes durante o dia meninas entraram no banheiro apenas
para se olhar. Citações como esta são constantes em meu diário de campo:
7h 45 min – uma garota desce com crachá – bebe água, vai ao
banheiro e volta rapidamente, volta às 7h 46 min. olhou no
espelho. (diário de campo, 13/03/2007)
147
Figura 45: Meninas no banheiro
Fonte: arquivo da autora
Os meninos algumas vezes também entravam neste banheiro para se
olharem. Segundo o depoimento de alguns, os meninos também precisavam
de espelho e, no seu banheiro, não tinha. Isto parece bem lógico, uma vez que
os garotos hoje se preocupam muito com o cabelo e com a aparência. Pela
escola circulavam diferentes tipos de cabelo, com estilos parecidos. Os estilos
que predominam eram: o moicano e o arrepiado com gel, quando não faziam
uso do boné.
Quando as últimas meninas subiram a escada, três garotos entraram
no banheiro feminino. Um olhou para mim e disse “só vou olhar meu
cabelo”, justificando. Os três saíram logo e ele repetiu fui olhar
meu cabelo”. E subiram a escada. Estavam com gel no cabelo.
Geralmente, onde não tinha boné, tinha gel. (diário de campo,
09/04/2007)
O banheiro feminino era, no início do ano, bastante pichado. As
pichações costumavam ser forma de comunicação, onde deixavam gravado
nas paredes suas paixões, ódios, preferências musicais e recados. Interagiam
através da pichação no banheiro. Talvez o lugar menos vigiado da escola.
148
Figura 46: pichação no banheiro feminino
Fonte: arquivo da autora
Vou citar aqui algumas pichações que comprovam esta hipótese:
“RBD o pior do mundo todo”
“RBD é o melhor por isso eu tenho todos os CDs...”
“RBD. A melhor banda mexicana”
“eu amo rebelde”
“RBD o melhor do universo
‘Só o Miguel que é gostoso
“RBD é a melhor e se você não gosta o problema é seu.”
“Eu amo Black Eye peas geral”
‘100% Black Eye peas o melhor” (diário de campo, 26/02/2007)
Figura 47: Pichação RBD
Fonte: arquivo da autora
Algumas pichações referentes ao grupo Rebeldes (RBD) foram feitas por
Fernanda e sua amiga Caroline.
149
Nas paredes estavam reveladas também as opiniões sobre o programa
de TV “Big Brother”: “Estamos com vc Alemão(diário de campo, 21/03/2007).
Encontrei, ainda, diversas revelações de brigas:
Fui ao banheiro feminino. Novas pichações que datavam 2007. Um
grupo de meninas entre elas Loreny (que me pediu um pente),
Fernanda e Caroline. Caroline me mostrou uma pichação feita por
ela. Estava escrito “Eu odeio a Caroline 602 ass..........” Ela
respondeu: Eu sei bem. É você sua desgraçada, você esferrada
puta rara”.
Alguns recados para Loreny “toma vergonha na sua cara horrorosa
Loreny, sua ridícula vai dá o cu... eu vou te pegar”
Ela disse que o procurou saber quem foi, nem respondeu. (diário
de campo, 21/03/2007)
Como esta, tinham várias outras pichações em que uma xingava e a
outra retrucava, sem, contudo, gerar agressão física.
Figura 48: Pichação no banheiro feminino
Fonte: arquivo da autora
Layla também me contou que um dia tinha uma pichação com o nome
dela, não xingando, mas para culpá-la pelo ato como se tivesse escrito. Ela
disse que sabia quem fez, mas quando foi tirar satisfação com a pessoa, esta
não confessou. Layla então apagou a pichação.
Eu - Você já rabiscou?
Layla - Não, nunca rabisquei.
Eu - Já rabiscaram com o seu nome?
Layla - Já, uma menina da minha sala.
Eu - Foi um recado pra você? Ou pra te culpar?
150
Layla – Fui pra me culpar. Mas eu fui lá e apaguei.
Eu - Você apagou antes que alguém visse?
Layla – Não, tinham visto, mas não fui eu, eu fui lá apagar. O que é
que tem? Como eu não sou de rabiscar... Eu sou até meio neurótica
em relação à limpeza. Ai, todo mundo sabe que eu não faria uma
coisa dessas.
Eu - Ai você tirou e acabou o assunto. Você sabe quem fez isso?
Layla – (Risos) Sei.
Eu - Você conversou com ela?
Layla - Não eu falei, que ela não assumiu. pra perceber que foi
ela. (entrevista com Layla, 04/06/2007)
ainda a comunicação oral. Muitas garotas entram juntas no banheiro
para trocarem confidências. Falavam de paqueras e namoros, criticavam
colegas, conversavam sobre música e corpo.
Para as meninas da pesquisa o banheiro era feio e sujo.
Cristina - Horrível, péssimo!
Eu - Por quê?
Cristina - Nó, é uma carniça que ninguém agüenta. Eles lavam
assim uma vez de manhã e uma vez à tarde. À tarde eles lavam
antes dos alunos entrarem. Principalmente o banheiro das meninas é
horrível, todo pichado, no é um nojo. (risos) (entrevista com Cristina,
27/04/2007)
Assim, como Cristina, Lauret, Layla, Loreny e Fernanda, citaram que o
banheiro é sujo ou nojento. Em junho, o banheiro feminino foi grafitado pelos
participantes da oficina de grafite.
Figura 49: Banheiro Feminino grafitado visto de frente
Fonte: Arquivo da autora
151
Figura 50: Banheiro Feminino grafitado – as portas
Fonte: Arquivo da autora
Em geral, as opiniões foram favoráveis à pintura do banheiro. Desde
então não vi pichações até o mês de setembro. Depois surgiram algumas,
poucas.
6.1.11.2.O banheiro masculino
O banheiro masculino estava grafitado e menos pichado que o feminino,
embora também tivesse pichações. As escritas neste espaço não
apresentavam um diálogo, mas um registro, um poder demonstrado pelo
desafio de escrever em locais “proibidos”.
Figura 51: Banheiro Masculino
Fonte: Arquivo da autora
152
Figura 52: Banheiro Masculino- grafitagem
Fonte: Arquivo da autora
A grande reclamação feita pelos garotos era a falta de espelho. Esta
reclamação era conhecida pela direção da escola, que disse ter este projeto
em mente. Afinal, a preocupação com o corpo não se reduz ao gênero
feminino.
Este espaço também é um lugar proibido para as mulheres, o que gerou
diversas brincadeiras que as conduziram até . Uma delas foi entre Lauret e
sua turma:
Willian escondeu a mochila de Lauret no banheiro masculino. Depois
de muito tempo ela sentiu falta de sua mochila. Lauret me perguntou
onde ele a escondeu. Não contei. Ela disse que iria dar dois bombons
para Willian se ele devolvesse. Aninha correu para pegar a mochila
no banheiro e ganhar os bombons. Willian correu para fechar aninha
dentro do banheiro. Não deu tempo. Willian, Aninha e Lauret
entraram no banheiro. Ouço risos e gritos. Sérgio lá de fora disse
para Willian jogar a mochila pela janela. Lauret saiu do banheiro com
a sua mochila. (diário de campo, 09/04/2007)
Este banheiro, portanto, era um espaço masculino, proibido para
meninas, e representava poder nas pichações e nas brincadeiras de atrair
meninas para lá.
Assim, percebe-se a diferença de significados entre os banheiros
feminino e masculino.
153
6.1.12. Os Bancos
Durante as observações conclui que havia um significado diferente para
cada banco. bancos por todo o espaço escolar: próximo à biblioteca, de
frente para a rua e neste tio coberto. Ainda neste pátio bancos colocados
próximos à porta do ginásio e um pouco mais afastados. aqui diferenças
quanto ao uso de cada um destes bancos.
No questionário os bancos da escola foram os que obtiveram a maior
votação da galerinha como espaço preferido. Sendo que 78 alunos marcaram a
opção “bancos próximos à quadra” e 45 “outros bancos da escola”. Juntos
somam 63% da preferência dos adolescentes.
Os bancos que estavam mais próximos à porta do ginásio eram
constantemente ocupados, mas a maioria dos alunos que sentava ali brincava,
ouvia sica, sentava um no colo do outro, enfim zoava. Até que descobri que
desde o ano passado estes bancos são chamados pelos adolescentes de
“Banquinho da Amizade”. Esta denominação era conhecida pelos diferentes
adolescentes.
Sentar nele parece significar querer zoar.
Figura 53: Banco da Amizade
Fonte: Arquivo da autora
Os bancos mais afastados eram usados mais para tomar sol,
descansar ou conversar tranqüilamente. Layla, durante a entrevista, explicou
claramente estes significados já percebidos durante a observação:
154
Eu - Então vamos pensar nos bancos? Fala pra mim primeiro
daqueles bancos que ficam perto da quadra.
Layla - (risos) Você já ouviu essa história?
Eu - O quê?
Layla - Eles estavam colocando nomes nos bancos. Os bancos aqui...
Tem a quadra, né? Os bancos das laterais são os “Bancos do
Descanso”.
Eu - Os mais afastados?
Layla - É. Ai os bancos daqui de baixo, deixa eu lembrar, da zoeira, é
um banco pra diversão mesmo.
Eu - Eu já ouvi falar que é o “Banco da Amizade”.
Layla - E o “Banco da Amizade” é o que a gente às vezes fica. Do
lado esquerdo da quadra.
Eu - Esses bancos servem para quê?
Layla – Não, eles servem... É brincadeira. Porque a menina falou “Ah,
vou colocar nome no banco” e colocou os nomes nos bancos. E aí.
Eu - E esses bancos servem pra isso? Brincadeira.
Layla - O do descanso serve pra descansar. Ali a gente senta pra
tomar sol. Ai a gente vai lá, deita, fica viajando... E o outro, o da
brincadeira, tem um buraco lá nele. Ai o povo que tá na quadra mexe,
na maioria das vezes que a gente senta começa a brincadeira. Na
verdade é tudo a mesma coisa. (entrevista com Layla, 04/06/2007)
Interessante foi que um dia observei Layla e suas amigas sentadas no
chamado “Banco da Amizade”.
Riem, brincam, sentam no colo umas das outras. Em uma cadeira
sentaram três garotas, uma no colo da outra. Um garoto chegou por
trás e levantou a cadeira. As meninas pularam e a cadeira foi jogada.
Um funcionário pegou a cadeira, levando-a embora. (diário de campo,
23/04/2007)
As imitações de relação sexual também são constantes neste banco.
João costuma brincar muito desta forma.
nos bancos mais afastados, não havia muita “zoação”. Quando o
tempo estava frio, muitos gostavam de usá-los para se esquentar. Algumas
vezes observei Fernanda trocando figurinhas do grupo Rebeldes por ali.
155
Figura 54: Bancos do descanso (eu com os adolescentes)
Fonte: Arquivo da autora
Júnior costumava sentar-se neles, sozinho ou com seus amigos.
Figura 55: Júnior no “banco do descanso”
Fonte: Arquivo da autora
Eu também sentava muito nestes bancos. Deles conseguia ter uma
ampla visão do espaço, inclusive dos “bancos da amizade”, sem, contudo,
estar colada na situação. Assim, acredito que podia vê-los zoar em seu meio.
Quando eu sentava no “banquinho da amizade”, os adolescentes costumavam
me rodear. Willian adorava sentar ao meu lado com seu grupo e ficar zoando a
mim, às pessoas que passavam e ao próprio grupo. Parecia gostar que eu
presenciasse. Eu ria muito de suas “zoações”. Um dia ele e seu amigo fizeram
um “duelo de zoação” neste banco. Referiam-se ao corpo um do outro ou ao
modo de vestir e faziam todos rirem. Procurei registrar em meu diário algumas
destas cenas.
156
8h 35 min Alguns alunos começaram a descer. Sérgio e Willian
sentaram à minha volta no banco e começaram uma disputa. Um
chamava o outro de feio. Willian falava que o nariz de Sérgio é
grande, mostrando como ele vai ao banheiro: desvia da pilastra e
entra de lado. Disse que fazia xixi fora do vaso, porque o nariz não o
deixava alcançar o vaso.
Sérgio estava usando um band aid no rosto, Willian disse que era o
nariz nascendo. Falava que andava de chinelo porque não tinha
dinheiro para comprar pão. E que seu irmão era travesti.
Perguntou a Aninha quem era mais bonito. Ela disse que os dois
eram bonitos, mas que o nariz do Sérgio ia até o ginásio.
Por mais que Sérgio tentasse não conseguia ser pior que Willian.
Ele repetia que Willian era careca, pançudo. Willian revidava que as
meninas gostavam de pegar. Sérgio disse que ele estava “fudido”
quando ficasse velho: gordo e careca.
Falavam e olhavam para mim.
Sérgio falava do bigode de Willian. Ele disse que pelo menos já tinha
um time de futebol de cada lado (11 de cada lado) e Sérgio não tinha
nada.
Ah! Disse também que Sérgio tinha que dizer que amava para
conseguir uma menina. Ele o, as meninas vinham até ele. Sérgio
sentou ao lado de Willian e brincou: “Vou ficar do seu lado então
para as meninas chegarem. Cadê elas?”
Aninha, com Willian deitado em seu colo perguntou: E esse
embaixo?”, pegando em uma minúscula barbicha. “É o goleiro?” “Não,
é o reserva”.
Foi impossível não rir. Willian era muito engraçado e parecia o se
preocupar quando o zoavam, mas via na expressão de Sérgio uma
tentativa de disfarçar a ofensa.
[...]
Willian chamou Aninha e Sérgio para comprar chup chup e seguiram
para o portão. (diário de campo, 03/04/2007)
Em um dos bancos mais afastados também, onde conversava Lauret e
um grupo, eu cheguei. Aninha me pediu para ver as fotos na minha quina
digital, enquanto ela olhava as fotos, um episódio aconteceu com Lauret:
O EPISÓDIO DO ESCORPIÃO
Eu estava com um grupo (Lauret, Aninha, Stela e mais duas) no
banco. De repente, Stela gritou. Não escutei o quê. Lauret levantou
imediatamente. Aninha, que segurava minha máquina olhando as
fotos, levantou também. Cadê?” “Na sua calça”. Quando vi um
escorpião pequenininho na calça de Lauret. Tentei tirá-lo com meu
caderno. “Entrou dentro da calça!”, Stela gritou. Lauret pisou forte e
ele caiu. Aninha pisou, esmagando-o completamente, não sobrou um
pedacinho para contar história. O assunto continuou por um tempo.
Durante todo o recreio elas ficaram tensas.
Após o recreio, quando todos subiram, desceu um grupo: Lauret,
Stela, Pedro e Suzy. Foram até a vice-diretora, conversaram com ela.
Quando saíram fui até eles. Tinham contado a ela, mas estavam
indignados porque, segundo Pedro eles “não vão fazer nada”. Lauret
disse que estava com medo. Disse: “E se eu morresse?” Stela contou
157
que um garoto que ela conhece já foi picado cinco vezes. Contei a
eles que um garoto tinha dito que viu escorpião na palha. Perguntei
se moravam aqui perto e se já tinha aparecido escorpião no bairro.
Pedro me disse que na casa dele sim. Disseram também que na
pedra atrás da escola tem muito escorpião.
Rosana chegou. Contaram a ela. Ela ouviu. Disse que deviam ter
guardado o escorpião. Eu contei a ela que a reação de Aninha foi
imediata, matou-o logo. Rosana pediu que fossem para a sala. Daqui
de baixo, vi Lauret chegar em sala. (diário de campo, 16/04/2007)
Figura 56: antes do escorpião
Fonte: arquivo da autora
Lauret ficou indignada por não terem dado a devida atenção ao fato.
Para ela, que estava tensa e com medo, os funcionários da escola não deram
importância ao que aconteceu.
Os bancos foram colocados neste espaço, segundo a diretora, para que
os estudantes tivessem um local para sentar e conversar. No entanto, a
significação de como fazem isto é muito interessante. Esses bancos foram para
mim os “pedaços” mais interessantes da escola.
Foram tantas situações vivenciadas nesses bancos que é impossível
citá-las aqui. No entanto, estas situações registraram bem os significados
destes pedaços: nos “bancos da amizade”, é preciso zoar; nos “bancos do
descanso”, conversar, brincar, sentar sozinho.
Os bancos de frente para a rua foram considerados no item sobre o
espaço gramado ao lado do ginásio.
158
6.1.13. O Pátio de cima
Este pátio era por onde saíam os alunos para ir ao pátio externo. É uma
laje pré-moldada. Neste pátio podemos ver o ginásio, mas não seria possível
vê-lo por dentro se não fossem os buracos feitos pelos próprios alunos. Ele foi
pouco utilizado pelos adolescentes. Que permaneciam nele por curtos
períodos, geralmente conversando.
6.1.14. O Hall de entrada
Embora eu chame este local de Hall, quando usei este nome para falar
com os adolescentes eles não entenderam. Na fala deles, este lugar confundia-
se um pouco com o corredor, mas, de acordo com minhas observações eles se
apropriavam destes dois espaços de forma um pouco distinta.
Neste hall ficavam os murais. Constantemente eram expostos trabalhos
feitos pelos alunos, não só nos murais, mas também nas paredes.
Um mural feito de feltro ficou, durante alguns meses, sem ser utilizado.
Este mural era pichado com giz desde o ano passado. Com nomes e turmas de
alunos que não conheço e também algum aluno expôs nele o seu ódio por uma
professora. Até que no dia 28 de março, eu conversava com a diretora neste
espaço. Havia vários cartazes colados na parede. Ela foi organizá-los e
comentou que, apesar de ter um mural daquele tamanho, os professores não o
usavam. Após esta data o mural começou a ser utilizado para transmitir
recados, ou expor trabalhos.
159
Figura 57: hall
Fonte: arquivo da autora
No dia 16 de maio havia no mural um jornal feito pelos alunos da turma
702. Neste foram desenvolvidas as manchetes:
Novidades da escola
Dicas ecológicas
Dicas para uma vida melhor
Conheça o dia-a-dia de uma diretora
Receita diferente para o seu dia-a-dia
Entrevista com Antônio Fagundes (retirada de uma revista)
Belo Horizonte e Ouro Preto (retirado da Internet)
Pesquisa esportiva
Entrevista com a professora de educação física de 1ª a 4ª série
O surgimento da poesia
Acorda Pascoal (com piadas) (diário de campo, 16/05/2007)
A parte da “Pesquisa Esportiva” foi desenvolvida por Layla, que fez uma
pesquisa com dez meninos e dez meninas sobre a prática do esporte na
escola. Em geral, os textos do jornal foram produzidos pelos próprios alunos.
O nome de Layla apareceu ainda no mural quando ficou em lugar no
campeonato de xadrez em Poços de Caldas, e quando ficou em 1º lugar
(coletivo) e 3ºlugar(individual) nos jogos estudantis de Minas Gerais(JEMG).
160
Figura 58: Mural – campeões do xadrez (Layla – 4º lugar)
Fonte: arquivo da autora
Os murais eram constantemente trocados. Um dia havia desenhos do
espaço externo da escola, feitos por alunos do segundo ciclo. A pedreira e os
prédios apareciam em todos os desenhos.
Figura 59: Mural
Fonte: arquivo da autora
Nos bancos deste hall, alunos que aguardavam a pedagoga
costumavam ficar sentados, já que a sala da mesma era, no primeiro semestre,
localizada neste hall.
Estes bancos também eram utilizados para alguns alunos estudarem.
Geralmente, eles sentavam ali para estudar em dia de prova. Ou quando um
determinado professor propunha que algum aluno fosse estudar antes de sua
prova. Este professor costumava fazer isto.
161
Também era comum ver estudantes de turmas diferentes se
encontrarem para conversar rapidamente.
A garota que chegou atrasada e a de cabelo vermelho entravam
juntas no hall e sentaram-se para conversar. A de cabelo vermelho
tinha nas mãos um crachá de autorização. Após algum tempo de
conversa foi cada uma para uma lado do corredor, pois elas são de
turmas diferentes. (diário de campo, 26/02/2007)
Este era um local de encontro de adolescentes de diferentes turmas e
também um local de comunicação entre a escola e os alunos. Neste espaço
eles se abraçavam, se beijavam, conversavam no celular, trocavam aparelhos
de MP3...
6.1.15. Os Corredores
Quanto aos corredores, referindo-me em especial aos do lado direito,
onde ficavam as salas do ciclo, em geral, foi um local de passagem. Apesar
de quê, nestas passagens, encontros aconteciam.
Eu - E o corredor, que você acha? É lugar de quê?
Lucas - De andar. (entrevista com Lucas, 28/05/2007)
Eu - Juca, e o que significa o corredor?
Juca - Lugar que a gente encontra todo mundo. Fora o recreio.
(entrevista com Juca, 05/06/2007)
Durante as entrevistas, alguns adolescentes referiram-se à correria que
acontecia no corredor.
Johnys - Aqui, se você me pergunta o que significa, o corredor é uma
passagem pra lá e pra cá. Mas para alguns é correria. Pra mim
também, eu não vou falar que o é porque é. Eu corro aqui, né.
Você me viu correndo aqui agora. Então é isso.
Eu - E esse lugarzinho aqui, esse hall?
Johnys - Correria. (entrevista com Johnys, 05/06/2007)
Eu - E os outros espaços da escola, por exemplo, o corredor?
Ícaro - O corredor? Ah! Eu acho... Eu não gosto não, fica uma
bagunça. Credo! Quando eu estudava em uma outra escola era uma
coisa horrorosa. Eles faziam corredor da morte. Todo mundo
começava a bater na gente. (entrevista com Ícaro, 04/06/2007)
162
Este é ainda um espaço que despertava curiosidades. Quando estavam
dentro de sala com professor, costumavam dar um jeitinho de olhar. Durante as
mudanças de horário ou quando não tinha professor em sala, as espiadinhas
eram constantes.
Eu - E os outros espaços, por exemplo, o corredor?
Layla. Corredor? É mais passagem, né? Mas, como eu não fico muito
no corredor, eu fico mais quando acaba o horário, a gente vai para o
corredor, se está acontecendo alguma coisa, mas mais é
passagem mesmo. (entrevista com Layla, 04/06/2007)
O corredor era um espaço de comunicação entre as salas de aula e o
espaço externo. Quando batia o sinal ele se movimentava. Este não era um
espaço onde adolescentes costumavam ficar parados, no entanto, na rápida
passagem por ele aconteciam conversas, trocas de aparelhos eletrônicos,
conversas ao celular, abraços, beijos, tapas e socos de brincadeira...
6.1.16. As Salas de aula
Embora este não seja o foco de minha pesquisa, que me propus a
observar os adolescentes nos outros espaços escolares, não como deixar
de descrever o significado desta para os adolescentes e como este espaço
transforma seu significado para alguns quando não está no tempo de aula.
Mesmo não observando dentro de sala de aula, no período de aula,
corroboro com a idéia de Souto (1998, p. 74) que faz uma análise da sala de
aula cuja disposição do espaço é uma estratégia de controle e fator
estruturante do ensino, da disciplina e da formação e grupos por proximidade
espacial. Apesar deste controle das interações os adolescentes interagiam
entre si e com o espaço externo.
A sala de aula foi observada por mim pelo lado de fora, através,
principalmente das grandes janelas que possuíam. Através destas janelas os
alunos se comunicavam com o espaço externo e com quem nele se
encontrava. Cito abaixo alguns dos vários exemplos que confirmam a
comunicação com o espaço externo e com aqueles que nele estão.
163
Um aluno de dentro da sala de aula gritou: “Ô fêssora, como eu faço
para mudar de sala?” Não sei se foi comigo, mas fingi que não era. O
aluno na escada riu e repetiu ao colega o que o outro disse,
completando: “Eu só vou entrar no 2º horário.”. (diário de campo
26/02/2007)
Enquanto conversava com uma garota aqui embaixo, um garoto da
sala da janela gritou pedindo a ela que lhe mandasse um beijo.
Repetiu várias vezes, como ela não entendia, eu resolvi traduzir. Lu,
então, mandou-lhe um beijo e ele fingiu ter desmaiado.(diário de
campo 01/03/2007)
7h20min - Todos em sala, inclusive na sala-ginásio. Um aluno desceu
com crachá, parou na porta do ginásio e ficou olhando para um
bom tempo. Depois conversou com um garoto que chegou até a porta
e subiu. Uma garota debruçada na janela falou com ele. Os dois
conversaram por algum tempo. Ele conversou com outros dentro da
sala e continuava conversando com a garota. O crachá dele caiu
embaixo, a garota gritou para um garoto que ia passando e este o
jogou de volta. Agora eram quatro conversando com ela. Na sala
parecia não haver professor. Os alunos estavam em conversando.
Ele ficou sentado na grade e a cada momento chegava um grupo.
(diário de campo, 08/03/2007)
Willian costumava ficar mexendo com os outros da janela de sua sala
de aula. Mexia também com quem estava na sala ao lado (802),
tirando o corpo para fora e entrando com o rosto dentro da outra sala
(diário de campo, 03/04/2007)
Willian olhava da janela. Pedi para tirar uma foto. Logo a turma juntou
na janela, inclusive Lauret, fazendo pose, mas um professor em
sala. (16/04/2007)
Figura 60: a turma na janela
Fonte: arquivo da autora
164
Figura 61: pulando a janela
Fonte: arquivo da autora
Da janela observava também alguns fatos ocorridos dentro de sala de
aula, com ou sem professor. Portanto, foi através dela que conheci um pouco
sobre a sala de aula no período de aula. Via o uso de aparelhos eletrônicos,
bonés, via beijos, abraços e brincadeiras próprios dos adolescentes.
Duas garotas subiram, abriram a porta e entraram na sala em frente à
escada. Havia uma turma conversando em círculo, sentados em cima
da mesa. Olharam para mim e continuaram. (diário de campo,
08/03/2007)
A turma da janela estava em pé. Um aluno colocou o apagador do
lado de fora, depois voltou com ele. Ouvi o professor dizer. “Oh,
brincadeira! Parece criança!” (diário de campo, 08/03/2007)
Sentando mais próxima à sala da janela podia ouvir os adolescentes
conversando. Vejo um garoto de boné andando pela sala. O tempo
todo eles conversavam. Mas acho que tem professor, pois eles
permaneciam sentados. (diário de campo, 12/03/2007)
Daqui vejo a vice-diretora conversando com a última turma do
corredor. Ela me perguntou se tem uma bolsinha caída aqui embaixo.
“Não”. Parece que ela estava tentando encontrá-la. Depois fiquei
sabendo que sumiu a bolsinha de alguém desta turma 702. (diário de
campo, 08/03/2007)
Uma garota saiu com a cabeça e metade do corpo para fora da, fala
no celular e volta. O professor estava em sala. (diário de campo,
09/04/2007)
165
Pude observar também a fuga de alguns através do olhar. Por exemplo,
Júnior, que costumava olhar para fora como se tivesse saído de sala. No
entanto, tenho certeza que este o incomodava os professores, pois
permanecia quieto, com os pensamentos lá fora.
Vejo Júnior pela janela, parecia não conversar, mas às vezes olhava
para fora pela janela.(diário de campo, 13/03/2007)
As janelas também serviam para avisar aos que estavam do lado de fora
a hora de voltarem para sala.
A turma de Loreny (última sala do corredor) conversava alto. Loreny
chegou na janela e gritou “ou, cês vão tomar suspensão”. Os três
garotos que estavam aqui embaixo subiram e foram recebidos por
outro aluno que parecia ir chamá-los. Entraram pelo hall dizendo “a
gente estava aqui embaixo”, parecendo justificar-se perante o colega.
(diário de campo, 12/03/2007)
Duas garotas com crachá sentaram ao meu lado, perguntaram se eu
estava vendo mais coisas boas ou ruins. Novamente disse que não
estava ali para julgar, mas para conhecer. Uma perguntou se eu via
os meninos matando aula. O professor de Ensino religioso, da janela,
as chamou. (diário de campo, 08/04/2007)
tem três garotos matando aula. Willian da janela avisa que vem
alguém. Eles correram para dentro da quadra. Não vinha ninguém.
(diário de campo, 09/04/2007)
Portanto, esta forma de comunicação com o externo, conforme podemos
perceber nos diversos exemplos relatados, permitia que os adolescentes
saíssem de sala de aula através das grandes janelas do prédio. Um episódio
interessante ocorreu um dia em que funcionários da zoonoses
51
vieram buscar
uma cachorra, que, até o mês de março, todos os dias estava na escola,
geralmente, deitada embaixo dos bancos próximos ao ginásio. rios
adolescentes chegaram à janela da turma 801(única sala que fica ao lado
esquerdo do corredor), inclusive de outras turmas, como Lauret. Todos,
defendendo a cachorrinha.
51
Uso o termo zoonoses para designar o departamento da prefeitura que cuida da prevenção de doenças
causadas por animais.
166
A DEFESA DA CACHORRA
Dois funcionários da equipe de prevenção de zoonoses pegaram a
cachorra que estava todos os dias dentro da escola. A cachorra preta
costumava ficar embaixo dos bancos. brinquei até que era minha
companheira. Ainda hoje entrei e comentei com o porteiro.
Enquanto um funcionário ficava com o cachorro na coleira, o outro
entrou no prédio. O garoto de piercing na língua e boné (Willian) que
estava conversando comigo contou para o moço que essa cachorra
era muito mansa. Willian me disse que no ano passado eles o
pintaram de azul por causa do cruzeiro. As meninas sentadas no
banco também insistiram que ele era manso. Da janela da sala da
turma 801, os alunos gritavam: “Tadinho!” Pediam para não fazer isto
com ele. Vieram até a janela alunos de outras salas, uma delas
Lauret. O funcionário da zoonoses perguntou a Willian se a cachorra
havia mordido alguém. Um garoto disse da sala ”o doidinho
52
que
mordeu a cachorra”. Uma garota do banco disse é mais fácil
alguém morder ela do que ela morder alguém”. Todos faziam a
defesa da cachorra.
Um funcionário falou (rindo) que ela ia para a guilhotina fazendo o
sinal com as mãos como se estivesse cortando. Os alunos gritavam.
O funcionário, que costuma brincar sempre com os alunos, disse que
ela seria levada para Betim. A vice-diretora chegou e explicou que ele
poderia causar doenças. Enfim, levaram a cachorrinha. Brinquei com
as meninas no banco: “Foi-se embora minha companheira de banco”.
Lauret cantou da sala: “Volta, vem viver outra vez ao meu lado...”
(diário de campo, 12/03/2007)
Outro foco interessante foi a sala de aula durante o recreio. Este espaço,
neste tempo determinado é usado para extravasar. Na sala de Fernanda,
alguns alunos costumam ficar por lá, muitas vezes imitando os professores.
Durante o recreio dei uma volta nas salas de aula. A maioria estava
vazia. Na sala 601 Lucas assustou quando eu abri a porta. Estava lá,
alegre como sempre! Parecia curtir mais o recreio ali do que no pátio.
Estavam na sala: ele, uma garota e um garoto chutando uma bolinha
de papel. Arrastaram as carteiras e ficaram brincando.
Na sala 702 as carteiras estavam arrastadas para trás. Segundo
Fernanda, Caroline, mais uma menina e dois meninos, foi Loreny que
deixou a sala daquele jeito e terá que arrumá-la quando voltar. Ela
arrastou as carteiras para dançar e deixou-as assim.
Fernanda e um colega imitaram os professores para eu ver. O que
ficou mais marcante nas imitações foram as posturas corporais e a
forma de chamarem atenção dos alunos.
De acordo com a imitação, uma professora conta sobre seus filhos
que estavam na faculdade. Contava que ia à academia malhar, que
escovava os cabelos, não fazia comida em casa, trabalhava em outra
rede e ganhava o dobro para trabalhar durante quatro horas e que os
meninos de lá são mais pobres, mas respeitavam.
Imitaram também um professor que tirava os alunos para pensarem
quando estavam aprontando, mas quando este aluno saia, ele ria e
dizia “eu adoro isso”.
52
Alguns adolescentes chamam de Doidinho um aluno com deficiência que estuda no final do 2º ciclo
167
Fiquei com eles durante o resto do tempo de recreio. Falaram do salto
de uma ex-professora, imitaram-na batendo o pagador no quadro com
toda força, e o garoto chutou a lixeira como ela fazia, porém, o lixo
espalhou pela sala. O garoto que espalhou o lixo não juntou,
Caroline, então, colocou o lixo de volta na lixeira “para o levarem
ferro”.
Foi uma algazarra! Fizeram muito barulho, soltaram risos e ninguém
escutou nada. Aqui na sala não é um lugar vigiado durante o recreio.
(diário de campo, 21/05/07)
A sala de aula pode, portanto, ter diferentes significados dependendo
dos tempos que esta é utilizada. Nos questionários foi possível perceber que
este espaço é tido por 57 alunos (29,4%) como um dos espaços preferidos da
escola, sendo que dois deles fizeram questão de completar “sem aula”. No item
que dizia respeito ao pior espaço da escola, consideraram a sala de aula
apenas 23 alunos, ou seja, 11,9%.
A sala de aula para a maioria era um lugar de estudo. Lugar onde as
regras escolares imperam.
Eu - Então beleza, vamos pensar na escola agora. Qual é o sentido
da sala de aula para você?
Pedro - Pra mim significa amizade que eu tenho amizade com todo
mundo da sala, lugar de ter atenção, sala de aula é o lugar que
estuda né. Por mais que às vezes a gente fica meio loprado dentro de
sala de aula a gente tem que estudar por mais que não queira. A
minha sala eu acho legal né, bem interessante. (entrevista com
Pedro, 05/06/2007)
Lugar de aprender. A gente não pode fazer muita bagunça. [...] Se o
professor não é educado quase todo mundo o gosta da aula.
(entrevista com Júnior, 28/05/2007)
Percebe-se nas falas desses e de outros adolescentes que a sala de
aula é o “espaço para aprender”, no entanto, não deixam de considerar que
muitos fazem bagunça, ou zoam em sala de aula.
6.1.17. A Sala do grêmio
A sala do Grêmio, após a eleição, teve as paredes pintadas. Colocaram
mais prateleiras e comportava diferentes materiais. O atual presidente, que
estudava no turno da tarde, vinha à escola quase todos os dias, era
responsável pelo empréstimo do material esportivo, anotava o nome e
168
entregava a bola de cada turma. Alguns minutos antes de bater o sinal para o
recreio era possível ver o movimento de alunos que iam até a sala do Grêmio e
voltavam com uma bola.
Nesta sala também realizei algumas das entrevistas com a autorização
do presidente.
6.1.18. A Salinha de baixo
Este espaço era vazio. Tinha apenas o quadro de exposição dos troféus
dos alunos, até que, em abril, foram colocados sofás brancos, plantas e
espelho.
Figura 62: Troféus de 2006
Fonte: arquivo da autora
Geralmente, os alunos que estavam doentes ficavam sentados nesta
salinha.
Este espaço era muito aconchegante e alguns adolescentes gostavam
de sentar ali durante o recreio e ficar conversando. Ícaro às vezes ficava ali
com seu amigo.
No espelho que tinha nesta sala era difícil ter alguém que não olhasse,
professores, alunos, funcionários e até eu. Quase todos passavam e
arrumavam o cabelo, ou, pelo menos conferiam o visual. Um dia este espelho
apareceu pichado, logo no outro dia a pichação foi apagada pelas funcionárias
da limpeza.
169
6.1.19. Cantina
A cantina da escola tem mesas grandes. A merenda é terceirizada. A
Prefeitura de Contagem, desde 2006, contratou uma empresa para fornecer a
merenda às escolas do município. Esta merenda era feita na própria escola,
como antes, mas administrada por uma empresa particular.
Todos os dias a merenda era servida para todos os alunos que queiram.
No entanto, muitos deles olhavam primeiro qual era a merenda para depois
decidirem se comiam ou não. Diariamente merendavam em média 40
estudantes do ciclo. Este número foi definido por mim a partir de diversos
dias de observação dos alunos que merendavam. Durante os dias de
observação foram servidas merendas como: arroz com frango, polenta com
carne de soja. Um dia em que foi servido espaguete este número subiu um
pouco. Mas, nos dias em que a merenda era pão com molho, quase todos os
adolescentes lanchavam. Nos dois dias que serviram cachorro quente havia
até fila para a entrada da cantina.
Os adolescentes, no dia em que era servido o sanduíche, lotavam a
cantina, e vários repetem até mais de duas vezes. Trocavam entre si bonés,
blusa de frio, prendiam ou soltavam o cabelo, tudo para conseguir lanchar outra
vez sem ser visto pelas funcionárias.
Hoje, na cantina, deu até fila. O lanche era suco e pão, tipo cachorro
quente, mas com carne e soja. Não tive como contar quantos vieram.
Olhando por alto nos primeiros minutos passaram aproximadamente
40 alunos, depois mais e mais... (diário de bordo 16/05/2007)
Mas, quando a merenda era outra, eles podiam repetir com
tranqüilidade.
Eu - Então me conta aqui da cantina. O que você acha? Você gosta
da comida daqui?
(ficou pensando)
Eu - Você come quantas vezes?
Lucas – Uma.
Eu - Você não repete?
Lucas - Não (riu)
Eu - E o dia que é pão?
Lucas Ah! Os meninos ficam repetindo, né? Mas, a cantineira o
deixa.
170
Aqui não tem esse negócio porque senão não para todo mundo. É
muita gente. Na hora que eu pus a mulher tava falando “quem
comeu não vai comer mais” porque elas estavam fazendo outra
comida.
Eu - Era macarrão hoje?
Lucas – É.
Eu - Estava gostoso?
Lucas – Estava (entrevista com Lucas, 28/05/2007)
Muitas vezes, neste espaço, aconteciam guerras de arroz ou outro
alimento, mas logo a assistente escolar é chamada para resolver a situação.
Fernanda costumava merendar todos os dias e ainda compra merenda
no portão. Ia até a cantina com Caroline e merendavam rapidamente.
Lucas merenda quase todos os dias. Sentava-se quase sempre de
frente para a parede, sozinho em uma mesa. Muitas vezes repetia e passava
uns bons minutos do recreio neste espaço.
João primeiro perguntava o que tinha, para depois comer ou não.
via Lauret neste espaço nos dias em que o lanche era cachorro
quente. Ela costumava comprar merenda no portão todos os dias.
Ícaro sempre estava por lá, mas nem sempre merendava, ia até lá
acompanhando o seu amigo. Muitos adolescentes faziam isso, sentavam em
grupo na cantina, enquanto um ou alguns merendavam, os outros faziam
companhia.
Um dia, eu estava na porta da cantina e estava um rato morto na
porta. A porta é do outro lado da cozinha, portanto, acredito que possa ter
vindo de fora e não de dentro. Achei que ia dar gritaria, ou qualquer outro
tumulto, mas isso não ocorreu.
Uma garota e um garoto descobriram um rato morto no chão da
cantina, próximo à porta e chamam aos poucos os colegas para
verem.
O garoto saiu da cantina e voltou equilibrando a vassoura, jogou o
rato para fora e voltou.
Cristina pergunta à colega “Você vai comer isso? Tinha um rato
morto!” A colega pensa, mas volta a comer. Cristina não comeu e
disse que estava com fome. Ela estava com um celular na mão.
A todo o momento vem alguém ver o rato. Uma garota grita.
João entra na cantina e pergunta se o lanche é da hora. (diário de
campo, 14/05/2007)
No questionário, 30 alunos consideraram este o melhor espaço da
escola, mas, a percepção da maioria dos adolescentes sobre a cantina é ruim.
171
Para eles o lanche servido não é bom. Pelo menos, nem todos os dias.
Gostariam que servissem sanduíche ou salgados.
6.1.20. O Auditório
O auditório era um espaço utilizado para palestras. Tive a oportunidade
de assistir a dois eventos junto aos adolescentes neste espaço: “Palestra sobre
abuso sexual” e “III encontro de adolescentes”, os quais descreverei abaixo.
Palestra sobre abuso sexual.
Esta palestra foi um acordo com o grupo “Sentinela
53
”. Os estudantes da
7ª e 8ª foram convocados a participar. Durante o evento, alguns conversavam e
foram chamados à atenção pela professora ou pela diretora. Durante a palestra
alguns ficaram lendo os folhetos, outros conversam baixo. Os corpos não
paravam. A maioria mexia constantemente na cadeira, cruzavam as pernas
para um lado e para o outro, arrumavam a meia, o tênis, a cadeira. Raramente
olhavam para a palestrante, embora parecessem, em geral, interessados.
Um celular tocou: a garota saiu correndo para atendê-lo. Depois
voltou e sentou com o celular na mão.
Mexiam no braço, ventilavam com o folder, balançavam os pés. Os
que estavam na frente pareciam mais concentrados.
Layla e Cristina escutavam com atenção. Fernanda e Caroline
também embora às vezes conversassem. Os garotos pareciam mais
agitados. [...]
Quando a palestrante falou sobre a clonagem de fotos no orkut, ou
seja, utilizam as fotos de garotas como se estas se oferecessem para
programas, houve um reboliço. Quando ela falou que estupro só
acontecia com mulher pela conjunção carnal entre nis e vagina as
risadas foram gerais. [...]
Um garoto estava deitado no colo de Loreny. A diretora e a
professora pediram à Loreny para sentar-se próximo a elas. Ela vai e
encostou a cabeça na diretora, buscando aconchego em seu ombro.
[...]
Chegou a outra turma. Agora 801, 802, 803. Chegaram gritando,
brincando. Eu entreguei os folhetos. Quem entrava me pedia
chamando-me de tia. [...]
Rodrigo, com os pés na cadeira do garoto da frente ia e vinha, disse:
“é abuso sexual”. [...]
53
Programa da Prefeitura que trabalha com crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.
172
Como na outra turma, conversam uns com os outros, olhavam os
folhetos.
Um garoto gritou: cala a boca!
Willian me mandou um beijo.
A palestrante pediu para alguém ler o folheto. Um indica o outro até
que Lauret leu.
[...]
Esta turma demonstrou também que as garotas estavam mais
interessadas.
Um garoto do ciclo que tinha 14 anos, estava na porta-janela,
em pé, meio escondido ouvindo a palestra.
João saiu pela porta janela rodando uma bola de basquete. Outro
garoto o viu e saiu também.
Contei 14 garotos usando bonés de cores variadas.
[...]
Embora as brincadeiras às vezes excedessem, percebi esta turma
mais interessada que a primeira. Parece que as “zoações” são
usadas como disfarce para a falta de espontaneidade diante do
assunto. (diário de campo, 16/05/2007)
O “III encontro de Adolescentes”
Este evento foi programado pela equipe do programa Beija-Flor. A
inscrição foi espontânea. Os alunos que participariam deste encontro ficariam
na escola durante todo o dia. Pela manhã foram organizadas palestras e à
tarde mini cursos. Os adolescentes chegaram à escola e foram tomar café da
manhã na cantina. Depois, seguiram para o auditório onde foi feito o
credenciamento. Antes do início da palestra um aluno começou a picar a
borracha dada no credenciamento e jogá-la nos outros. Depois de um tempo
uma coordenadora do programa viu e chamou-lhes a atenção. Mas logo a
brincadeira começou novamente. A coordenadora solicitou que guardassem os
bonés, depois voltou atrás, dizendo que se não atrapalhasse poderiam ficar
com estes. A palestra de abertura foi Adolescência e relações familiares”.
Durante a palestra, as brincadeiras foram constantes. Dos 12 sujeitos que
acompanhei estavam neste evento somente Loreny e Layla.
173
Figura 63: Palestra
Fonte: Arquivo da autora
Após a palestra os grupos foram separados por idade. Eu fiquei junto ao
grupo das garotas citadas acima. Loreny mostrava-se dispersa e participativa
ao mesmo tempo. Gostava de falar, mas não parava quieta. Foi ao banheiro e
voltou. Mudou de lugar duas vezes. Durante a dinâmica a condutora perguntou
quem não tinha auto-estima elevada e Loreny manifestou-se, levantando a mão
e gritando “Eu”.
Durante à tarde Layla ficou em um grupo sobre Mídia e não achou
graça. Loreny ficou em um grupo sobre relação sexual e até demonstrou como
colocar uma camisinha.
Layla mostrava-se concentrada e participativa.
Através destes eventos, a escola demonstrou uma preocupação em
oferecer palestras para este grupo etário, no entanto, nem todos
demonstravam interesse. Aproveitavam o momento para zoar ou utilizavam a
“zoação” como recurso para fugir da seriedade do momento. As conversas
excessivas e as movimentações dos corpos demonstravam que, embora o
assunto seja relacionado com o tempo vivido pelos adolescentes, a maioria não
conseguia concentrar-se.
174
6.1.21. O Estacionamento
O estacionamento dos professores, por ser bastante afastado do prédio
dos adolescentes e, principalmente, da sala da assistente escolar, tornou-se
um lugar para se esconder. Lá alguns alunos matavam aula ou namoravam.
Figura 64: Estacionamento
Fonte: Arquivo da autora
A partir de setembro este espaço, que já não possuía mais os carros dos
professores e funcionários, durante o recreio, foi ocupado por alguns
adolescentes que ali ficavam em grupos.
Figura 65: Antigo estacionamento
Fonte: Arquivo da autora
175
6.1.22. Biblioteca
Poucos adolescentes utilizavam o espaço da biblioteca. Pude presenciar
apenas um professor que trabalhava com o 1º ano do 3º ciclo levar turmas para
este espaço.
Durante o recreio alguns alunos pegavam livros. Costumava ver por ali:
Fernanda, Ícaro, Loreny e Layla.
Fernanda e sua amiga Caroline olhavam diversos livros até escolher um.
Comentavam, riam, discutiam, até cada uma pegar o seu.
Ícaro e Layla costumavam ir, cada um com seus amigos, e escolherem
livros de forma mais tranqüila, embora a freqüência de Layla tenha reduzido,
fato este confirmado pela bibliotecária da escola.
Uma vez vi Cristina e outra vez Júnior na biblioteca no horário do
recreio.
Não vi nenhum dia: João, Lucas, Juca, Lauret, Pedro e Johnys.
As percepções sobre este espaço foram todas relacionadas à leitura.
Nenhum dos entrevistados fez referência a algum dia que usaram a biblioteca
levados por algum professor. Aqueles entrevistados que a utilizavam o faziam
porque gostavam de ler, ou porque precisavam realizar algum trabalho. E,
ainda, mesmo aqueles que diziam gostar de ler, às vezes não a freqüentavam.
Iniciarei pelos significados daqueles que a freqüentavam:
Eu - E a biblioteca, você usa?
Layla – Uso.
Eu - Você costuma pegar livros lá?
Layla - Pego.
Eu - Quantos por semana?
Layla - Por semana? Dois.
Eu - Você lê os dois por semana?
Layla - Às vezes fica um pela metade ai eu vou lá e renovo.
Eu - Você gosta de ler então?
Layla - Gosto. (entrevista com Layla, 04/06/2007)
Eu - Você vai muito à biblioteca?
Ícaro - Eu vou.
Eu - Você pega livro?
Ícaro - Pego.
Eu - De quanto em quanto tempo?
176
Ícaro - Ano passado eu pegava toda semana, que agora num
dando tempo porque eu estou fazendo o curso e quase não tenho
tempo para ler.
[...]
Eu - Deixe-me ver se esqueci alguma coisa (olho o roteiro). Qual é o
lugar da escola que você mais gosta?
Ícaro - É a biblioteca.
Eu - Lá é o seu lugar?
Ícaro – É, lá é o meu lugar.
Eu - Qual livro você está lendo atualmente?
Ícaro – “Um certo capitão Rodrigo”, que vai cair na prova do COLTEC.
(entrevista com Ícaro, 04/06/2007)
Eu - E dos outros espaços da escola, qual você gosta?
Fernanda - Eu gosto da biblioteca. Todo dia eu vou lá.
Eu - Você vai lá todos os dias?
Fernanda – Ham ham
Eu - Você pega livro de quanto em quanto tempo?
Fernanda - Ah! Eu, tipo assim, eu pego um livro hoje se eu terminar
de ler até amanhã eu entrego. Eu fico com livro as vezes três dias.
(entrevista com Fernanda, 09/05/2007)
Portanto, para eles a biblioteca era um espaço onde podiam ter acesso
aos livros. Consideravam a leitura prazerosa e, assim, este espaço tornava-se
agradável e importante.
Para outros, embora afirmassem gostar de ler, consideravam que a
biblioteca não os atendia. Pedro achava que o havia livros que gostasse na
biblioteca e Lucas considerava que a biblioteca não o atendia em sua
deficiência, pois lá não havia livros adaptados com letras grandes.
Eu – Biblioteca?
Pedro Ah! É muito difícil eu ir . quando é caso extremo de
trabalho que eu vou. Só quando algum professor pede.
Eu - Mas você disse que gosta de ler.
Pedro Gosto, mas os livros que me interessam, não têm. Eu acho a
biblioteca da escola muito desfalcada.
Eu - E qual te interessa?
Pedro Olha, eu gosto de livro de suspense, eu acho muito
interessante história verídica... Eu gosto muito de história verídica,
entendeu, eu acho muito interessante e ali é bem desfalcado do tipo
de livro que eu gosto de ler.
Eu - Você costuma ler?
Pedro - Costumo.
Eu - Quantos livros você deve ler assim por semana, por mês...
Pedro Ah! Eu costumo ler dois por mês. Eu tenho todos do Harry
Porter. Assim que eu gosto de ler.
Eu – Então, você lê?
Pedro – Sim, eu leio bastante.
Eu – Poesia, você gosta?
Pedro - Depende da poesia. Igual tem livro de Machado de Assis.
Então eu acho os livros dele bem interessantes.
177
Eu - Sua mãe tem muitos livros lá?
Pedro Nó, tem. Lá em casa é igual uma biblioteca. Às vezes ela me
obriga mesmo. Eu tenho que ler pelo menos um por semana.
Eu – (Dei uma risada) Você tem uma mãe para pegar bem no seu pé,
né?
Pedro – (risos) É. (entrevista com Pedro, 05/06/2007)
Eu - E na biblioteca, você vai muito?
Lucas - Eu vou só que agora eu num vou pegar muito livro não
porque aquela letrinha...
Eu - Por causa do tamanho da letra? Na biblioteca não tem livro
então que tenha um tamanho de letra maior que você possa
enxergar?
Lucas - É que aí já começa tudo.
Eu - Não tem nenhum livro adaptado?
Lucas – Não.
Eu - E se você pedisse para a escola? Quando você gostar de um
livro é só pedir para tirarem uma cópia ampliada.
Lucas É, mas vai demorar. Até ampliar as gravuras porque são
muitas gravuras. Aí vai demorar.
Eu - Na sua casa têm livros com letra ampliada?
Lucas - Tem.
Eu - Sua mãe e seu pai compram com letra grande para você?
Lucas – É.
Eu - E aqui na escola não tem livro. Mas, e se tivesse, você ia querer
pegar?
Lucas - É. (entrevista com Lucas, 28/05/2007)
Outros não gostavam de ler e por isto acabavam não freqüentando este
espaço.
Eu - E ai, a biblioteca?
Johnys Biblioteca? Eu não vou muito à biblioteca não. Eu fui
muito, muito à biblioteca, mas hoje em dia eu não vou muito não.
Eu - Você vai quando?
Johnys - Ou quando tem trabalho, quando eu tipo assim sai um livro
assim, como é que eu posso dizer... Sai um filme igual vai sair um
filme do Harry Porter no cinema. Ai na biblioteca tem o livro. Eu
pego e leio. Dou uma olhadinha e vejo se me interessa.
Eu - Você gosta de ler?
Johnys - Olha, eu leio muito filme de magia assim...Eu acho muito
legal esse tipo de coisa assim de dragão... (entrevista com Johnys,
05/06/2007)
Eu - E biblioteca?
Juca - É raro quando eu vou.
Eu - E quando você vai?
Juca - Quase nunca. Duas ou três vezes no ano.
Eu - E quando você vai lá, é por quê?
Juca - Quando eu vou lá? Só quando marca trabalho com o pessoal e
não dá pra ir na casa, esses negócios.
Eu - E você lê?
Juca - Não. Só revistinha em quadrinho.
Eu - Na sua casa ou aqui?
Juca - Na minha casa.
Eu - E outro tipo de leitura, você não tem hábito de ler?
178
Juca - Não, porque pega um livro, geralmente eu começo a ler,
ai leio um tiquinho e paro. Umas duas horas no máximo, vai
pegar no outro dia, não vou, vou lembrar pouca coisa assim. Ai eu
começo a ler daquela parte, aí eu não vou entender nada.
Eu - Então é porque quando você tem dificuldade de entender e
desanima?
Juca - É. Eu pego ali, se eu não ler tudo eu não animo não.
Eu - Mas você não anima ler nem sobre futebol? Jornal?
Juca - É, futebol é bom. (entrevista com Juca, 05/06/2007)
O livro preferido dos adolescentes era Harry Porter. Na biblioteca havia
toda a coleção. A demanda de empréstimo foi tanta que, devido às
reclamações de pais pertencentes à igreja evangélica que não queriam que
seus filhos lessem estes livros, a bibliotecária guardou a coleção no armário e
os empréstimos ficam mais restritos.
entre os 12 sujeitos aqueles que gostavam de ler e freqüentavam a
biblioteca, aqueles que diziam gostar de ler, mas não a freqüentavam, e
aqueles que não gostavam de ler e por isto não a freqüentavam.
Portanto, para este era um pedaço para aqueles que gostavam de ler e
de freqüentar espaços para a leitura.
6.2. Os adolescentes ressignificando Tempos Escolares Fora de Sala de
Aula
Juarez Dayrell (1999), a partir da teoria de McLaren, identificou, em sua
pesquisa sobre a escola como espaço sócio-cultural, alguns rituais escolares
como: entrada, o recreio, a saída, a aula, entre outros. Considera que estes
são momentos de encontro, mas que se concretizam de forma diferente.
Considerando esta idéia é que aqui discuto sobre os espaços/tempos, ou quem
sabe os espaços de tempo dos adolescentes.
Os tempos da escola são tão delimitados quanto os espaços. A aula, no
turno da manhã, iniciava às 7h e terminava às 11h 30 min. Exceto em dias de
dispensa quinzenal, em que a aula terminava às 9h 30min e no restante do
horário acontecia a reunião de professores. Esta reunião, geralmente
quinzenal, acontece em todas as escolas da Rede Municipal de Contagem.
Os tempos aula na Escola Galáxia tinha a duração de uma hora, exceto
às quintas-feiras, que os alunos tinham aulas de 50 min, sendo que, neste dia
179
eles tinham cinco horários de aula. Neste quinto horário, segundo os alunos,
eram realizadas aulas de projeto.
Às 9h era batido o sinal para o recreio que durava até às 9h e 20 min.
Nos intervalos de aula não havia um espaço de tempo. Os professores
trocavam de sala e iniciavam a sua aula. Considerarei, então, cinco tempos
escolares fora de sala de aula, vivenciados na Escola Galáxia: entrada, período
de aula, recreio, saída e dia de dispensa quinzenal
54
.
6.2.1. Entrada
A entrada na Escola Galáxia, no período da manhã, iniciava-se
aproximadamente às 6h 50 min e durava até, aproximadamente, às 7h 15min.
Os adolescentes começavam a chegar à escola aproximadamente às
6h 50 min. Neste momento costumavam ficar conversando em grupos, sendo
que alguns encostavam no muro, outros no ponto de ônibus do outro lado da
rua. Alguns chegavam com cara de sono. A maioria chegava a pé, poucos de
ônibus(um deles Lauret) e outros poucos de carro(Lucas é um deles) e raros
chegavam de especial.
O portão era aberto às sete horas e a assistente escolar ficava
posicionada no portão recebendo as carteirinhas até 7h 10 min. Conforme
relatado no item referente ao espaço do portão, os alunos entravam em fila.
Dos adolescentes pesquisados, alguns entravam rapidamente: Júnior
(geralmente de os dadas com sua irmã mais nova), Ícaro, Layla, Fernanda.
Outros costumavam ficar fora conversando até o horário limite, mas nem
sempre conversavam entre si. É o caso de Lauret, Juca, Pedro e Johnys.
Lucas entrava assim que era deixado por sua mãe, que o trazia de carro
todos os dias.
João, às vezes, demorava mais, mas, geralmente, entrava pelo portão
no horário em que a maioria dos colegas entrava. Loreny também.
Depois que passavam pelo portão, costumavam ir rapidamente para
sala: Júnior, Ícaro, Layla, Fernanda e Lucas. Os outros eram geralmente vistos
54
Não estudo aqui os projetos desenvolvidos extra-turno porque meu foco seria a análise dentro do
tempo especificado de 7h às 11h 30 min. Estudar os projetos renderia um outro trabalho sobre os tempos
fora do horário escolar.
180
nos bancos. Enquanto dona Rosana (que ajudava a assistente escolar a olhar
os alunos) não chamava, o iam para sala. Dona Rosana sempre chamava
com carinho e eles costumavam atendê-la sem maiores resistências, mas se
ela virava as costas, voltavam para os bancos.
6.2.2. Período de aula
Abordo aqui o período de aula fora da sala de aula. Ou seja, o que
fazem os adolescentes no período de aula, quando não estão em aula?
Fazem muitas coisas...
Para descrever este período iniciarei pelo primeiro horário de aula.
Considerei a entrada aàs 7h 15 min porque vários alunos aeste horário
ainda estão entrando. Após este horário a escola ficava extremamente
silenciosa. Eu, que observava os alunos fora de sala de aula, muitas vezes
ficava com tédio, esperando aproximadamente 30 min até que algum
adolescente saísse de sala.
7h 35 min – Tudo tranqüilo. Fiquei lendo os cartazes do hall.
7h 30 min - O professor saiu para fumar.
Desde ontem vi colado o resultado do Grêmio no mural. [...]
Que tédio! Escuto vozes vindas das salas de aula. É um barulho
chato, misturado. Escuto a voz da professora da sala em frente ao
hall, mas não é nítido. Nem quero entender o que ela diz. Quero
meus adolescentes!
Gosto mais de ficar lá em baixo.
Bato o pé, ponho a mão na boca, passo a mão pelo rosto.
Vem uma garota do ciclo e me cumprimenta. Passa um menino
ciclo. Ela vai para sala, depois volta correndo.
Toda hora olho para a pichação no quadro de feltro [...]
7h 48 min – Passa um garoto. Pergunto de que turma ele é, na
esperança de ser do ciclo. Ele é pequeno, usa boné e é da turma
502.
Esfrego as mãos. Já li todos os cartazes (aproximadamente 15)
7h 50 min – Tempo... Que tempo é esse?
Será que os adolescentes também estão nas salas irritados como eu?
Eu posso sair, mas não quero. Acho que eles querem sair, mas não
podem...
Pra que tanto espaço se devem ficar aprisionados?
Lu sai de sala. Nem olha para mim. Fiquei olhando até que pudesse
cumprimentá-la. Dei tchau. Ela sorriu e me deu tchau também. Estava
procurando por Sandra (eu a vi perguntar para Rosana). Seguiu
Rosana para um lado e para o outro.
7h 53 min Caroline passa: “Ei, Andréa!” Perguntei: “Chegou tarde?”
“Não, estava na Educação Física.” Logo depois passa Layla. Depois
um grupo, inclusive Fernanda. “Ei, Andréa”.
181
Depois Tatá. Eu disse: “Ei, Tatá”. Ela sorriu, me cumprimentando. A
turma 702 está voltando da Educação Física.
Oba! Adolescentes começam a passar. Cumprimentam, olham o meu
caderno. Adolescência é isso: movimento!
Bate o sinal ensurdecedor, bem em cima da minha cabeça. (diário de
campo, 28/03/2007)
Quando digo nesta citação que prefiro ficar embaixo, é porque lá vejo
os alunos que estão na educação física e vejo também os que chegaram
atrasados e ficavam por . O movimento era um pouco maior do que no andar
de cima, mas também não era muito, durante os primeiros horários.
A partir segundo horário as saídas de sala eram mais constantes. A
maioria dos alunos descia com um crachá em mãos. Este crachá ficava com o
professor e era entregue aos alunos quando autorizava a sua saída de sala.
Participei da reunião de professores em que foi reforçado o uso deste crachá. A
diretora citou que muitos alunos não gostavam de usá-los no pescoço, mas que
iria providenciar uns crachás bonitos para eles. Realmente, nenhum
adolescente o colocava no pescoço, desciam com o mesmo enrolado na mão,
ou balançando.
Ter este crachá em os significava, para os adolescentes, um poder
para estar ali sem levar ocorrência ou sem ser advertido oralmente por
ninguém. As raríssimas vezes que vi algum adulto abordar quem estava do
lado de fora, quando mostravam o crachá, mesmo tendo demorado para subir,
ficavam imunes a qualquer repreensão.
Então, contando o tempo no espaço de baixo, onde se localizam os
banheiros e bebedouros, os alunos que bebem água, ou vão ao banheiro,
gastam aproximadamente de 1 a 2 minutos para subir de volta as escadas. E,
quase sempre, faziam as duas coisas. Mas aqueles que aproveitavam o tempo
para fazer outras coisas, gastavam em média 5 minutos. O impressionante é
que em 5 minutos conseguiam interagir com diversos espaços e pessoas...
Costumava sempre ter alguém nos chamados “Bancos da Amizade”.
Como estes bancos não eram vistos no pátio de cima, o esconderijo ficava
ótimo. Conversavam, escutavam música dividindo o fone, iam até o ginásio e
observavam a turma que fazia Educação Física, brincavam, zoavam e
conversavam comigo...
182
Uma garota desceu as escadas com crachá, me abraçou desejando
“Feliz dia das mulheres”. Retribui e perguntei qual era a sua turma
602. Como ela é pequena, queria confirmar se era do ciclo. (diário
de campo, 08/03/2007)
7h 49 min - O garoto de boné da sala da janela (Rodrigo) desceu com
crachá, bebeu água, e foi até o banco, ou melhor, até a porta do
ginásio. O garoto de boné e aparelho foi até ele e conversou.
Uma garota (Lauret) saiu do ginásio, bebeu água e voltou.
7h52 min o garoto de boné da sala da janela subiu. (diário de campo,
13/03/2007)
Juca desceu, conversou com os garotos no banco e disse: “É
trazer um remedinho”. Ele pediu ao professor de português para
tomar remédio e desceu às 8h 49 min. Às 8h 55 min ele brincou “vou
ali tomar meu remedinho”, bebeu água e subiu dizendo “daqui a
pouco nós tromba de novo”. (diário de campo, 21/03/2007)
O que não faltava eram desculpas para descer no período de aula.
Diziam aos professores que precisavam tomar remédio, conversar com a
diretora ou com a pedagoga, ir ao banheiro, beber água... Geralmente para
descer um pouquinho e encontrar com outros adolescentes e fazer o que
gostavam e não podiam fazer em sala de aula, ou para dar uma aliviada das
aulas como diz Juca:
Eu - E em sala de aula, você desce para ir ao banheiro ou beber
água? Você sai muito de sala?
Juca - Ah! Depende da aula: Matemática, História... Eu acho que só.
E geografia, uma vez ou outra.
Eu – E, por quê?
Juca – Ah, é mais pra dar uma aliviada, sair da sala.
Eu - Pra dar uma aliviada?
Juca - É, pra ir lá fora tomar um ar, beber água.
Eu - E você fala o quê?
Juca - O fêsso, deixa eu ir lá beber uma aguinha?
Ai a gente fica lá no pátio... (entrevista com Juca, 05/06/2007)
Juca aponta então que eles selecionam as aulas em que vão sair. Ou
porque cansam da aula ou porque o professor permite.
Em dias de falta de professor, as turmas costumavam descer e ficar
conversando nos bancos.
Sérgio desceu com crachá e sentou-se ao meu lado. Disse que
estava muito gripado. Lu chega. Ela pergunta se ela já tem uma
183
resposta. Parece que é caso de namoro ou pelo menos paquera. Ela
não responde e senta, outras colegas sentam também. Johnys chega
pedindo um MP3 emprestado. Uma garota empresta. Riem dele
porque não soube ligar. Ele, ao mesmo tempo em que pede ajuda,
xinga quem ajuda.
Ele canta um inglês inventado e algumas meninas dançam. Fazem
gestos sensuais. Lu e uma colega encenam Clips.[...] Ficam ao meu
lado durante todo o horário. (diário de campo, 25/04/2007)
Durante este tempo, os pedaços mais freqüentados eram os bancos, o
ginásio e o espaço gramado.
Após o recreio este tempo de aula ficava mais agitado aqui fora. Mais
alunos saíam de sala, mais alunos matavam aula, mais alunos passavam mal.
Os “bancos da amizade ficavam mais ocupados e as “zoações” eram
constantes. Portanto, ficou claro que a tranqüilidade do início do horário
matinal, após o recreio, transformava-se em maior agitação dentro e fora de
sala de aula.
6.2.3. Recreio
O recreio era o tempo onde os pedaços ficam mais definidos. Também
era o tempo onde o “estado de esquina de rua” sobressaía. Neste tempo de
recreio a assistente escolar e a funcionária Rosana ficariam observando os
alunos. No entanto, na maior parte do tempo, eu era a única adulta presente
neste espaço/tempo.
Os alunos do 2º e ciclo faziam o recreio no mesmo espaço. Porém,
pude perceber a divisão quase total destas duas fases chamadas pelos
documentos do ciclo de formação humana de Contagem de “pré-adolescência”
e “adolescência”. Grande parte dos alunos do ciclo ficava na quadra de
cima, no teatro de arena, subindo do telhado do ginásio ou espalhados pelo
pátio mais próximo à cantina. Os adolescentes se espalham, alguns em grupos
bem definidos, outros variando.
Um grupo de adolescentes costumava rebater bola durante o recreio em
frente à cantina ou em frente à sala da direção. Entre eles Layla. Cada turma
tinha a sua bola e no início do ano, até a eleição do grêmio, parecia que
somente esta turma ainda tinha a bola conservada do ano passado. Mas
184
Cristina, Loreny e Fernanda, que também pertencem à esta turma, não
jogavam vôlei.
Figura 66: Vôlei no recreio
Fonte: arquivo da autora
A quadra de cima ficava reservada para os alunos do ciclo. O ginásio
ficava reservado para os alunos do ciclo. Segundo informação da Fernanda,
cada dia uma turma tinha o direito de usar a quadra. Mas eles acabavam se
misturando para jogar futebol. Geralmente esta quadra era ocupada por
meninos.
Nos bancos próximos à entrada do ginásio(“bancos da amizade”),
ficavam sempre grupos de adolescentes, geralmente os mesmos.
Nos bancos mais afastados, à esquerda às vezes havia alunos do 2º
ciclo. Como eu costumava ficar sentada lá, sempre um ou outro vinha
conversar comigo.
Fernanda costumava sentar ao meu lado sempre que me via neste
banco. Ali também aconteciam muitas trocas de folhas de fichário ou de
figurinhas.
No banco à direita, quase sempre sentavam os adolescentes. Vale
lembrar que nestes bancos batia muito sol neste horário, portanto, nem sempre
via alguém por lá.
Espalhados por todo o espaço, os adolescentes caminhavam,
conversavam.
185
Loreny era vista em todos os espaços, cada hora conversando com
alguém diferente.
Pedro ficava quase sempre debaixo da árvore com seus amigos, ou em
frente à biblioteca, também embaixo de uma árvore.
Ali em frente à biblioteca, ficava o portão por onde passava uma grande
quantidade de merenda, ficavam por um tempo muitos adolescentes, que
permaneciam na rampa conversando.
Figura 67: Pedaço do portão onde compram merenda
Fonte: Arquivo da autora
Para alguns este tempo era ótimo, para outros, nem tanto. Alguns
gostavam do pátio, outros ficavam nas salas de aula, na biblioteca ou na
salinha de baixo, ou seja, em espaços internos do prédio escolar.
Eu - E o pátio?
Ícaro - Ah! Sei lá, eu não fico lá. Eu fico no banquinho ou na
biblioteca.
Eu - Qual banquinho?
Ícaro - Nesse aqui de baixo.
Eu - Mas esse sofá só veio para cá em abril.
Ícaro - É. Antes eu só ficava na biblioteca. Tem vez também que eu
fico ali em cima na porta da sala. Também eu fico, onde tem ali perto
do portão.
Eu - Então você não gosta deste espaço do pátio?
Ícaro - Eu não. Fico muito tumultuado. Muito barulho. (entrevista com
Ícaro, 04/06/2007)
Eu - Vamos para o recreio, o que significa?
186
Juca - Além de ser um momento para você brincar, divertir, conversar
e tal. Dar uma aliviada das aulas também, que é muito bom.
(entrevista com Juca, 05/06/2007)
Quando a música acontecia no recreio, durante aproximadamente duas
semanas o clima mudou um pouco.
A dança no recreio
Formou-se uma espécie de roda na parte coberta do pátio, próximo
ao bebedouro e ao banheiro. Este é o momento onde presenciei uma
maior aproximação entre os alunos do início do ciclo e os do
ciclo, tendo uma grande mistura de idades. O pátio central se
esvaziou, as quadras não. Os corpos ficaram presos e soltos ao
mesmo tempo. Poucos dançaram timidamente, raros dançaram com
vontade e a maioria ficou olhando. Às vezes davam uma
mexidinha no corpo, imitando a coreografia ou simplesmente
mexendo os quadris. O funk parecia empolgar mais a galera. O grupo
de Layla dançava de longe, não na roda.
Os adolescentes pareciam ficar mais agitados, posso escutar os
gritos que são mais fortes. (diário de campo, 30/05/2007)
A Escola Galáxia procurou, através do Grêmio, atender à reivindicação
dos alunos, para que o recreio, horário onde estão mais livres, tivesse mais a
“cara” deles. Que neste tempo pudessem ouvir música e dançar. Mas, ao terem
este consentimento, eram poucos os que dançavam, mas vários curtiam a
música através dos ouvidos e do olhar. O interesse pelo momento era nítido.
No entanto, outra questão foi posta: axé e funk agradavam a maioria, mas não
a todos. Para agradar a todos João afirmou que a cada dia colocava estilos
diferentes. Outro fato também é, como não estavam acostumados com isto, ou
seja, a música no recreio era uma novidade, muitas vezes não se soltavam, ou
se agitavam muito. Como a música no recreio durou muito pouco, não foi
possível perceber se ocorreria uma mudança no comportamento destes
sujeitos, acredito que soltariam mais seus corpos para dançar e passariam a
agitar menos. Mas, isto é só uma hipótese.
187
6.2.4. Saída
Concordando com Dayrell (1999):
um clima diferente entre o encontro no início das aulas, o da hora
da saída, quando as relações tornam-se mais fugazes, com mais
avisos, recados, combinações. Em cada um destes momentos,
predomina um tipo de relação, com comportamento e atitudes
próprios, regras e sanções. (p. 149)
Neste momento as relações são mais agitadas que na entrada, embora
estes tempos acontecessem em um mesmo espaço. Os grupos voltavam a se
encontrar. Alguns adolescentes demoravam mais para ir embora, outros iam
rapidamente. Era também neste momento que as brigas aconteciam. Embora
não tenha presenciado nenhuma delas, pelos relatos de diversos adolescentes,
parece que, durante o primeiro semestre, ocorreram três brigas na porta da
escola.
6.2.5. Dia de dispensa quinzenal
Nestes dias, poucos alunos permaneciam na escola.
Em véspera de campeonato, alguns alunos costumavam treinar, mesmo
sem professor, como foi o caso de Layla e seu grupo do basquete.
Lauret costumava ficar na escola. Ela afirmou que gostava de ficar na
escola, não para estudar.
No ginásio um adolescente jogava basquete.
Quatro garotos foram jogar bola na quadra de cima.
Todos pareciam mais livres que no recreio. Os corpos estavam soltos
e o espaço era todo deles.
[...]
No ginásio agora havia dois garotos jogando basquete.
Willian e Sérgio ainda estavam na escola. Perguntei a Willian porque
não foi embora “Não tem nada para fazer em casa”. Correu e deu um
chute em Sérgio. Os dois caminharam juntos para a sala da direção.
Lauret, Rodrigo e Aninha estavam sentados na escada da quadra de
cima. Perguntei o que fazia com que eles ficassem na escola mesmo
sendo dispensados.
Lauret disse que não tinha nada além de serviço em casa. Nem falou
para sua avó que iria sair mais cedo.
Aninha também disse que tinha serviço em casa, mas de qualquer
jeito, quando chegar lá, terá que fazê-lo.
188
Rodrigo não tinha nada para fazer em casa, nem serviço.
Lauret disse, mascando chicletes, que se pudesse ficaria na escola o
dia inteiro, não para estudar.
Mexeram com um menino do ciclo que rebolava. Lauret cantou:
“desce, desce...” Aqui de baixo as vejo mexendo. Chamam Willian.
Aninha chama Sérgio: ”Ô narigudo”. Chamaram Rosana “Ô tia”.
(diário de campo, 02/04/2007)
Um dia, Lucas ficou na escola durante este período. Esqueceu de avisar
para a sua mãe que sairia mais cedo. Fui até a assistente escolar com ele para
que ela pudesse ligar para sua mãe. Embora ela tenha ligado, ele ainda
permaneceu na escola por muito tempo. Fiquei durante alguns minutos
conversando com ele no portão.
Os adolescentes permaneciam na escola esse tempo para jogar futebol,
vôlei ou basquete, para conversar ou porque não queriam chegar em casa. O
estado de esquina de rua era bastante visível neste tempo.
189
7. A TEIA DE RELAÇÕES CONSTRUIDA COM E NOS ESPAÇOS E
TEMPOS ESCOLARES
Nem o espaço, nem o tempo escolares são dimensões neutras do
ensino, simples esquemas formais ou estruturas vazias da educação.
- Agustín Escolano -
Chego aqui à principal reflexão feita nesta pesquisa. No capítulo
anterior, busquei os significados de cada espaço para os adolescentes da
Escola Galáxia. Foi possível perceber que os adolescentes, convivendo no
mesmo espaço/tempo acabaram criando e recriando significados semelhantes
para os espaços comuns. E, ainda, nestes espaços constituem os pedaços e
formam suas identidades enquanto sujeitos desta fase da vida.
Conforme analisado por Michel de Certeau (1996), ao pesquisar o uso e
apropriação que os moradores faziam do bairro, ao conviverem em um mesmo
território os sujeitos criam digos e regras de linguagem e comportamento
tácitos.
Da mesma forma foi possível fazer esta análise na Escola Galáxia.
Existem as regras institucionais de uso do tempo e espaço da escola dentro e
fora de sala de aula. Porém, ao se apropriarem dos espaços, os adolescentes
vão tecendo tacitamente normas de convivência próprias onde a diversidade de
sujeitos que convivem no mesmo espaço acabam significando-os e também
criando limites imaginários entre eles. A circulação dos adolescentes, em
especial no tempo do recreio permite perceber as relações entre estas
diversidades de sujeitos.
Ao apropriar-se destes espaços/tempos os adolescentes deixam
transparecer suas relações com a escola e com seus pares de idade. Portanto,
esta teia de significados me permitiu fazer duas análises que se interligam:
Como os 12 sujeitos diferentes se relacionam nos espaços/tempos
escolares externos aos espaços/tempos de aula?
Como os 12 sujeitos diferentes se relacionam com os espaços escolares
externos ao espaços/tempos de sala de aula?
190
7.1. Como os diferentes sujeitos se relacionam nos
espaços/tempos escolares externos aos espaços/tempos de aula?
Embora haja coincidência quanto ao pertencimento de alguns alunos à
mesma turma escolar, isto o significa necessariamente uma relação de
afinidade. Foi possível perceber uma teia de relações construída entre os 12
sujeitos adolescentes que divido aqui em categorias: relação de afinidade
(média ou efetiva), relação de conflito, não há relação ou conhecem, mas não
convivem entre si. Há ainda algumas relações não identificadas por mim.
1-
Relação de afinidade média
1
Relação de afinidade
2
Relação de conflito
3
Não há relação
4
Conhece, mas não convive com ele(a)
Não identificado
Sujeitos
da
pesquisa
Cristina
Fernanda
Ícaro
Johnys
João
Juca
Júnior
Lauret
Layla
Loreny
Lucas
Pedro
Cristina 4 3 4 4 3 3 4 4 1/2 3 4
Fernanda
4 4 4 4 4 4 4 4 2 4 4
Ícaro 3 3 2 2 3 3 2 3 2
Jhonys 4 3 2 4 1- 3 1 3 1/4 3 1-
João 4 3 2 4 1
Juca 3 2 4 1 1 2
Júnior 3 3 4 4 4 4 4 1- 4 3 1-
Lauret 1 3 3 1 1 1 1 3 2 1 1
Layla 4 4 4 2
Loreny 1/2 4 1/4 1 2 2 4
Lucas 3 3 3 3 3 3 3 4 3 3 3
Pedro 3 3 2 4 1- 2 1 1- 3 4 3
191
1 Relação de afinidade
Considero aqui as relações existentes entre os sujeitos que são amigos.
Percebo, portanto, que as afinidades dizem respeito às identidades.
Dos sujeitos pesquisados Lauret é a que mais demonstrou ter relações
de afinidade com os outros. Conforme relatado anteriormente seu aparelho
MP4 costuma ser um fio que une muitas de suas relações. Seu jeito alegre e
expansivo faz com que todos saibam quem ela é. Observava muitos que
passavam e a cumprimentavam. Conforme dito pela própria Lauret:
Converso com todo mundo eu sou uma pessoa muito alegre [...]Eu
sou de conversar com todo mundo, eu me abro muito rápido. [...] Eu
sou novata, ai em menos de três meses de aula eu conversei tanto na
escola minha madrinha veio até na escola assim pra saber porque
eu estava conversando demais [...]. Pra quem é novato eu já conheço
a escola inteira assim, sabe? (entrevista com Lauret, 14/05/2007)
João também convive com todos. Costumava conversar com um, depois
com outro. Desde o início do ano demonstrou ter afinidade com uma
diversidade de alunos na escola e costumava também proteger os “indefesos”.
Um dia que quase teve uma briga na hora do recreio, foi João que não permitiu
que uma garota batesse em outra, levou-a até a sala de aula sob sua proteção.
O EPISÓDIO DA QUASE BRIGA
Uma garota loira (a quem chamo de Flávia), de olhos claros, cabelos
compridos e cacheados, um andar meio “jogado” veio me pedir ajuda
porque uma menina queria bater nela. João passou e a
cumprimentou (mãos dadas e soco na mão). Enquanto estava comigo
a outra chegou, xingou, falou que ia bater nela e saiu, mas não
chegou perto. Ela ficou se protegendo ao meu lado. Como de
costume não havia adultos no pátio. Fiquei apertada: Intervir ou não?
Caminhei com ela para encontrar a assistente escolar. Não a chamei
para ir comigo, mas ela não saia do meu lado. Não encontramos
ninguém.
A outra garota veio novamente, xingando. Logo juntaram quatro
pessoas em volta. A menina não se aproximou, provavelmente por
Flávia estar ao meu lado. Ouvi João(que é alto e forte) dizer a um
garoto para não tissar” a briga. E ofereceu-lhe proteção. Subiu com
ela. Dali a pouco a outra garota desceu acompanhada de uma
colega. Parecia procurar alguém. E dizia: “Ela vai ver, eu não vou
deixar assim não”. (..) Não aconteceu briga na saída. (diário de
campo, 16/04/2007)
192
As relações de afinidade dão-se a partir de identificações dos sujeitos...
João e Lauret se identificam com diversos adolescentes pela facilidade
de comunicação, pela “zoação” e por elementos que os tornam admirados,
como por exemplo, o MP4 de Lauret e a força de João.
A afinidade de Loreny dá-se com os garotos pela sua beleza e
espontaneidade com que relaciona com eles.
Inversamente, Juca tem afinidade com as garotas pela espontaneidade,
cuidado e carinho, porém, identifica-se ainda com os “zoadores”, sejam garotos
ou garotas.
Ícaro, Layla, Júnior, Fernanda, Pedro e Cristina se ligam à poucas
pessoas, grupos que se formam a partir de preferências por exemplo: aos
estudos, o estilo musical (“emos”, Rebeldes), a situação econômica e outros
fatores.
Johnys se identifica com garotas. Sua identidade feminina seu jeito
despojado criam a afinidade por garotas e o afasta dos garotos pelo
preconceito sofrido por ser homossexual.
Lucas não possui afinidade com os sujeitos pesquisados dentro do
espaço escolar por pertencer a uma turma diferente, mas também o tem
afinidade com outros adolescentes nos espaços/tempos externos à aula,
mesmo sendo de sua turma.
As relações de afinidade estabelecidas estão relacionadas à identidade
e como esta se afirma na diferença, muitas vezes no espaço escolar a não
aceitação da diferença.
2 Relação de conflito
Presenciei raras relações de conflito entre alunos da escola. Em geral,
os dias transcorreram sem brigas nem discussões na Escola Galáxia, no turno
da manhã.
As relações de conflito aconteceram na escola entre alguns dos sujeitos
pesquisados. Loreny foi quem esteve na maioria das vezes em situação de
conflito. Dentre as garotas pesquisadas, todas apresentaram certa antipatia a
Loreny, mesmo sem conviver diretamente com ela.
193
Um dia Lauret perguntou-lhe: “você quer uma foto minha, porque não
pára de me olhar?” Loreny desconversou e saiu de perto, mas confessou
que tinha medo de Lauret.
Cristina também já discutiu com Loreny, chegando até a puxar seu
cabelo, conforme relato anterior.
Fernanda e Layla, que pertencem à mesma sala que Loreny, afirmaram
não gostar muito dela.
Para as meninas Loreny é falsa e muito em cima dos garotos da
escola. Loreny diz que não entende porque as pessoas não gostam dela.
Entre os garotos, embora não tenha presenciado nenhum conflito direto,
fica claro que Juca é o menos aceito. Pedro diz que Juca tem preconceito pelo
fato de ser “emo”.
Ícaro também é antipatizado pelo fato de não gostar de conviver com
outros grupos, mas grande parte dos sujeitos nem o conhece.
Johnys também sofre preconceitos por ser homossexual, mas convive
com vários sujeitos, embora tenha afinidade somente com meninas.
Ao mesmo tempo em que João tenta apaziguar os conflitos, entra neles.
Por exemplo: Um dia em sua sala de aula um garoto provocou outro e depois
partiu para a briga. João foi separar, mas usando uma cadeira e acabou
piorando a situação. No outro dia presenciei a diretora conversando com ele
sobre outras formas de resolver o conflito e lembrando-o de sua mudança
positiva até o momento.
Alguns, como Layla, Júnior e Ícaro, para evitar conflitos com os
“zoadores”, evitam a convivência com estes, fechando-se em grupos de
amigos.
3 Não há relação
Dentre os pesquisados os que apresentam ter menos relação são Ícaro
e Lucas. Ícaro não demonstrou fazer questão desta convivência, seus projetos
de vida são bem diferentes dos outros.
Lucas também não tem relação direta com nenhum dos sujeitos
pesquisados. Ele não faz parte da mesma sala de aula de nenhum deles e,
194
embora muitos saibam quem ele é nunca conversaram com ele. Somente
Lauret o conhece e conversa com ele, mas no ambiente escolar esta relação
não foi presenciada.
Existem sujeitos que não se conhecem. Fernanda tem uma visão de
toda na escola e demonstrava saber quem era cada um dos sujeitos
pesquisados, mas não convivia diretamente com quase nenhum, mesmo com
Layla, Cristina e Loreny que são de sua turma. E somente essas conhecem
Fernanda.
4 Os sujeitos se conhecem, mas não convivem
Às vezes, mesmo sendo da mesma turma, não foi possível perceber
uma relação entre estes sujeitos, nem durante as observações, nem nas falas
dos próprios adolescentes. Existem aqueles que nem sabem quem é o outro
sujeito pesquisado ou que sabe quem é, mas não tem contato direto. Esta foi a
situação mais observada entre os sujeitos. Isto é observável entre pessoas da
mesma turma que não convivem entre si.
7.2. Como os diferentes sujeitos se relacionam com o espaço
escolar externo aos espaços/ tempos de aula?
Esta teia de relações se estabelece não entre sujeitos, mas destes
com o espaço. Para mostrar a utilização dos espaços pelos adolescentes, farei
uma representação onde possa demonstrar os espaços e assim, onde percebi
o maior uso feito por cada um dos 12 adolescentes.
O retângulo maior representa o espaço escolar destinado aos
adolescentes e os retângulos dentro deste, os pedaços dos adolescentes. Nos
retângulos externos especifico os sujeitos que apropriam de cada um destes
pedaços, lembrando que, embora apropriem do mesmo espaço não significa
que relacionem entre si. Podem apropriar-se deles em tempos diferentes. Os
retângulos internos representam diferentes espaços, sendo que os de cor azul
são espaços externos; os de cor amarela, espaços internos; e os de cor rosa,
espaços intermediários.
195
Figura 68: Representação dos espaços por onde os 12 adolescentes circulam
Fonte: Arquivo da autora
Assim, pode-se perceber que havia adolescentes que se apropriavam de
todos os espaços, o que não significava que se relacionassem com vários
adolescentes, às vezes circular poderia significar isolar-se. Outros elegiam
lugares isolados dentro ou fora do prédio para apropriar-se. E, ainda outros se
apropriavam de espaços centrais.
Faço na representação abaixo a relação com espaços mais amplos. O
retângulo maior representa, como acima, os espaços destinados aos
pátio
biblioteca Salas de aula
ginásio
árvore
salinha estaciona
mento
Bancos
Bancos
Bancos Bancos
cantina
Bancos
para a
rua
Layla
Fernanda
Ìcaro
Loreny
Ícaro
Fernada
Lucas
Fernanda
Lucas
Pedro
Johnys
Juca
João
Lauret
João
Johnys
Júnior
Layla
Fernanda
Lauret
Layla
Lucas
João
Cristina
Johnys
Portão da
merenda
Pedro
TODOS,
exceto
Lucas
196
adolescentes. Os retângulos internos significam: espaços externos ao prédio
mais centrais, espaços internos do prédio escolar e espaços determinados no
espaço externo ao prédio escolar. Os nomes indicam como cada um dos 12
sujeitos apropria-se destes espaços. Os retângulos externos são explicativos.
Figura 69: Apropriação dos espaços pelos 12 adolescentes
Fonte: Arquivo da autora
A partir desta análise foi possível identificar os pedaçosapropriados
pelos adolescentes da Escola Galáxia. E eles se identificam com estes
espaços de acordo com sua subjetividade e suas relações.
Lucas, por exemplo, isolava-se tanto nos espaços externos quanto
internos, mas foi no espaço interno que encontrou a convivência com outros
adolescentes que ficavam em sala de aula, fora do horário de aula.
Pedro se isolava no espaço externo, ocupando o espaço perto da árvore
ou próximo ao estacionamento, junto com seu grupo, onde nem todos
afirmavam ser “emos”, mas gostavam do estilo.
João
Cristina Fernanda
Loreny
Ìcaro
Lucas
Júnior
Pedro
Lucas
Apropriam-se dos
espaços mais
centrais.
Apropriam-se
de espaços
externos,
isolando-se.
Apropriam-se de
espaços internos,
isolando
-
se
Lauret
Layla
Johnys
Juca
Apropriam-se
de diferentes
espaços,
circulando.
197
Júnior também isolava-se com seus amigos no espaço externo do
prédio. Costumava comprar a merenda no portão e sentar-se nos bancos mais
afastados. Quando estes estão ocupados por outras pessoas, eles sentavam
em bancos um pouco mais afastados, ou nas grades que cercam um jardim.
Ícaro comprava sua merenda no portão e depois isolava-se ou na
biblioteca, ou na salinha. Era muito raro vê-lo no pátio, a não ser de passagem
para a biblioteca.
Layla, embora ficasse no mesmo espaço de Lauret, Johnys e Juca não
convivia com estes. Ela estava sempre com o mesmo grupo de amigas e
costumava jogar vôlei ou conversar.
Johnys, geralmente com fones no ouvido, circulava mais pelos espaços
centrais, dançando, cantando ou conversando nos bancos.
Lauret costumava ficar nos bancos próximos à quadra, quando estavam
zoando, ou nos bancos um pouco mais afastados quando estavam
conversando. Diversas vezes ela ficava ouvindo música.
Juca também ficava nos espaços mais centrais. Mas, embora ficasse
muito com os ditos “zoadores”, não costumava falar alto, nem ficar zoando os
outros. Às vezes entrava para o ginásio e jogava futebol. Outras vezes
circulava e cumprimentava com abraços e beijos algumas garotas que
passavam.
Loreny circulava rapidamente entre todos os espaços, mas não tinha
vínculo com nenhum deles ou com um grupo de amigos, costumava passar
pelos espaços cumprimentando os garotos e sendo cumprimentada por eles.
João circulava também, por todos os espaços, zoando, cumprimentando
ou conversando com os outros. Quando sentava nos bancos ou próximo a eles
costumava zoar ou brincar com os outros.
Cristina circulava por todos os espaços, mas andando e conversando
tranqüilamente com suas amigas, às vezes falando no celular, ou ouvindo
música.
Fernanda também circulava por todos os espaços, sabia de muita coisa
que estava acontecendo ao seu redor, mas estava sempre acompanhada de
sua amiga Caroline e não costumava conversar com outras pessoas.
198
Vemos então que os adolescentes criavam estes pedaços escolares,
junto com seu grupo de convivência.
Vale lembrar que havia espaços que, embora acessíveis, não eram
apropriados pelos adolescentes em geral. Alguns destes espaços, sendo
ocupados por estudantes do ciclo permitiam uma divisão simbólica entre as
fases da vida. Era o caso, por exemplo, da quadra de cima e da guarita,
espaços usados geralmente por estes estudantes.
Outros espaços eram apropriados e compartilhados pelos sujeitos do
ciclo que nele transitavam, destacando aqui os 12 adolescentes pesquisados.
Estes espaços escolares, que o públicos, acabavam sendo particularizados
pela presença dos estudantes. Como analisado por Certeau(1996), o blico e
o particular são interdependentes. Se os pedaços são interpretados por
Magnani(1984), como espaços entre o público e o privado, com normas
próprias construídas pelos sujeitos que nele convivem, podemos perceber que
o macro pedaço da escola, formado pelo espaço externo à sala de aula
abordado nesta pesquisa é formado por micro pedaços apropriados pelos
adolescentes.
Assim, formou-se no ambiente escolar externo ao espaço/tempo da sala
de aula um bricolage entre as diversidades culturais dos sujeitos adolescentes.
Lidar com espaços e tempos externos à sala de aula permitiu compreender
esta adolescência no espaço/tempo atual. Esta frase tão repetida no meio
educacional, principalmente referenciando à escola em ciclos: “Reorganizar
tempos e espaços” necessita ser analisada. Reorganizar para quê? Para
quem? Como?
A pesquisa proporcionou enxergar a apropriação que os adolescentes
fazem dos espaços e tempos escolares externos à sala de aula estipulados
pela escola sem a prévia consulta aos ditos sujeitos da aprendizagem. Assim,
em quê esta pesquisa pode contribuir para o entendimento do espaço/tempo
da adolescência? Que adolescência está presente na escola pública atual?
Entender que adolescência é esta, ou que adolescências são estas, poderá
contribuir para redimensionar os espaços e tempos escolares para estes
sujeitos.
199
CONCLUSÕES – A CHEGADA COMO PONTO DE PARTIDA
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem
Da partida...
A hora do encontro
É também, despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida...
(Milton Nascimento/ Fernando Brant)
Para mim, esta caminhada não termina por aqui. Estar na Escola
Galáxia e conviver com os adolescentes aguçou meu desejo de pesquisar mais
e mais... Muitas novas perguntas surgiram, portanto tratarei aqui de algumas
reflexões feitas nesta expedição à Galáxia e de algumas inquietações que
ainda permanecem.
O primeiro ponto é definir que o termo adolescência deve ser tratado no
plural, considerando as diferenças culturais entre os sujeitos que se encontram
nesta fase do ciclo da vida.
Com a ampliação do acesso ao ensino público e a redução da
repetência hoje, a escola lida com adolescentes antes excluídos do processo.
Uma gama de sujeitos diferentes: brancos, negros, indígenas, heterossexuais,
homossexuais, bissexuais, com deficiência ou não, com diferentes situações
financeiras, estudiosos, que não gostam de estudar, leitores, não leitores,
católicos, evangélicos, espíritas, que gostam de música sertaneja, rock, funk,
axé... Enfim, sujeitos adolescentes com suas diferenças biológicas e culturais
55
estão na escola e é com eles que nós, educadores, devemos trabalhar. É
também deles que a academia deve tratar em suas aulas e pesquisas. Formar
profissionais que saibam lidar com esta faixa etária e suas diferenças implica
em desenvolver pesquisas que tratem deste assunto.
Assim, esta pesquisa sobre a apropriação e usos que os adolescentes
fazem dos espaços/ tempos escolares externos aos espaços/ tempos de sala
55
Vale lembrar que estes termos estão interligados já que um influencia no outro
200
de aula, pretendeu mostrar como os adolescentes significam os espaços
poucos vistos por s, adultos na escola, e como eles se relacionam entre si e
nestes espaços. Compreender as adolescências requer mais que conhecer tais
sujeitos como alunos, é preciso conhecê-los como construtores de suas
culturas.
Para este conhecimento fez-se necessário diferenciar adolescências e
juventudes como fases que se completam, mas cada uma tem suas
especificidades. Assim faço aqui nesta conclusão algumas reflexões sobre o
espaço/ tempo das adolescências e a relação destas com os espaços/ tempos
escolares. Reflexões estas que especifico a seguir em tópicos que foram
embasados nas conversas, observações, entrevistas e questionários efetivados
na Escola Galáxia com adolescentes do ciclo, dentro da faixa etária de 12 a
18 anos.
A idade não delimita claramente a etapa da adolescência por sofrer
influências do meio cultural, social e econômico. No entanto, podemos
considerar que sujeitos entre 12 a 18 anos, em sua maioria, estão na fase da
adolescência.
Ser adolescente não é necessariamente gostar de “zoar”, mas a
“zoação” rodeia estes sujeitos, fazendo parte, mesmo simbolicamente, da
identidade destes sujeitos.
O uso de tecnologias está impregnado na adolescência. Ter novas
tecnologias significa ter maior status perante o grupo, e o desejo de ter é
parcialmente compensado através do empréstimo.
Nos espaços/ tempos fora dos espaços/ tempos de aula os
adolescentes criam regras próprias de convivência.
Os espaços tempos escolares são significados ou ressignificados
pelos adolescentes. Sendo que sujeitos diferentes dão significados
semelhantes aos tempos/ espaços quando convivem nestes.
A presença de um adulto disciplinador (funcionários, professores)
não impede que os adolescentes convivam entre si de acordo com as regras
tacitamente criadas por eles.
201
Os adolescentes encontram formas de burlar as regras escolares
sem serem punidos pelas autoridades.
A comunicação entre os adolescentes se em todos os espaços,
seja através das pichações, das conversas nos corredores, nos bancos, no
espelho, enquanto bebem água ou vão ao banheiro. Comunicar é preciso, o
tempo todo.
Estar em turmas diferentes não elimina a comunicação durante o
período de aula, isto torna-se possível através das janelas ou corredores.
Os espaços/tempos definidos pela escola, onde são delimitados
espaços e tempos para desenvolver atividades específicas, não são
rigorosamente seguidos por todos os adolescentes.
Os adolescentes costumam burlar as regras para satisfazerem
necessidades pessoais e o necessariamente para agredir. Isto demonstra
uma resistência às regras escolares.
Aqueles funcionários que os tratam com carinho e respeito são mais
respeitados.
Alunos que não gostam de estudar, não estudam.
A escola e os professores não olham para os espaços/ tempos
externos aos espaços/ tempos de aula.
Os próprios sujeitos, dentro do espaço escolar externo à sala de
aula, se organizam por idades, afinidades, identificações.
Ser adolescente significa ter mais responsabilidades. Para estes
sujeitos, nesta fase começam a ter mais responsabilidades com a casa, os
irmãos e consigo mesmo, que terão que fazer uso dos valores oferecidos
pela família e pela sociedade. Assim, do ponto de vista destes sujeitos não
podemos designar para esta fase o termo irresponsabilidade.
Em um mesmo espaço os adolescentes se posicionam e se
relacionam de forma diferente. Uns utilizam todo o espaço, outros escolhem
espaços para se isolarem sozinhos ou em grupos, dentro ou fora do prédio, uns
conversam com várias pessoas, outros se restringem a seu grupo ou falam
pouco.
202
Os adolescentes conseguem aproveitar um período de tempo
reduzido, interagindo rapidamente, conforme o seu desejo. Conseguem fazer
muito em um curto espaço de tempo.
O espaço escolar da Escola Galáxia, amplo, bem cuidado, com
diversos jardins e árvores, propicia maior tranqüilidade, uma vez que os
diferentes grupos podem ocupar diferentes pedaços e assim, conflitos são
evitados e a disciplina é favorecida, mesmo sem a presença de um adulto
disciplinador.
Se a escola em ciclos, proposta adotada em Contagem/ MG,
pretende reorganizar seus espaços/ tempos visando oferecer uma educação
escolar para os sujeitos de acordo com a fase da vida, ela precisa escutar
como esses sujeitos lidam o espaço/ tempo da adolescência e os espaços/
tempos escolares. É preciso ver através de seu olhar e deixar de lado a visão
etnocêntrica de que nós educadores sabemos do que os alunos precisam. Dar
voz aos adolescentes é um bom início para começar a reorganizar os espaços
e tempos.
É preciso relativizar, deixar de ver como naturais atitudes de alguns
grupos de adolescentes. Afinal, dentro da mesma fase, sujeitos vivem de forma
diferente.
Adolescências... Este é o termo apropriado para designar esta fase tão
plural vivida na contemporaneidade. Fecharei então esta dissertação utilizando
a fala de uma adolescente nos anos 80, eu mesma. Quando adolescente, com
14 anos, escrevi um texto que, apesar de falar sobre ser jovem, ainda hoje
considero designar a adolescência:
Ser Jovem
Juventude é aventura e medo.
Viver vivendo. Sorrir, simplesmente sorrindo...
Ter medo de amar, de envelhecer, medo de não saber ser jovem.
Juventude é sonhar...
Ter mil objetivos e querer conquistar todos de uma só vez.
Ser jovem é olhar-se no espelho e ver em si defeitos e qualidades.
Juventude é saber dizer não e sim. Mais não do que sim. Talvez por
vontade de se rebelar, virar o mundo de cabeça para baixo, no desejo
de ver o mundo diferente, cada vez mais seu.
Ser jovem é abraçar o mundo com garra e coragem, esquentando-o
no seu ritmo, na sua música.
Ser jovem é apaixonar-se, chorar, sofrer, xingar...
203
É aprender cada vez mais a ser adulto, ser criança, ser feliz.
Ser jovem é ser sonho, ser vida!
(Andréa Pinheiro Tomaz, 1989 - 14 anos)
204
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