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• Katia: - Como é que eles reagem quando você fala isso?
Sandra
: - É estranho, porque na verdade a assistência técnica da Emater
historicamente foi no sentido de ridicularizar inclusive o que eles
[assentados] sabem. O técnico é que dá as receitas. Então, às vezes, a gente
começa a falar sobre isso e eles “não Sandra, mas você que é a técnica, você
é que sabe, você que tem dizer pra nós como é que tem que fazer, nós não
sabemos nada, nós somos aqui do interior, não sabemo nada”. Daí você tem
que pegá e tentar desconstruir isso. Mas não é fácil. Não é em um dia que
você faz isso. Então, por exemplo, a gente faz esse debate, mas um belo dia:
- “e daí, Dona Mariana, como é que foi lá a questão da camomila, como é
que a senhora plantou?”
- “Ah você mandou eu faze de um jeito e eu fiz”
- daí eu falei “A Sandra mandou? Como é essa história da Sandra mandar?
- “Não, você falou na reunião e eu achei que tava certo, daí eu fiz”
- Daí eu falei “Ah tá, então quer dizer que a senhora achou que tava
coerente, então a senhora fez, então não foi a Sandra que mandou”
É muito difícil pra desconstruir isso, muito difícil mesmo. Às vezes eles te
fazem pergunta assim “você que estudou, como que é isso?”. Então às vezes
eles te desafiam, às vezes eles se subjugam.
• Katia: - Então esse construir coletivamente é difícil pra eles entenderem?
Sandra
: - É, e é difícil pra gente também porque, por exemplo, a gente estuda
muito Paulo Freire desde a universidade. Então, teoricamente, os princípios a
gente sabe e domina. Mas, e aplicar isso? É muito difícil. Daí a gente chega
à conclusão que é a arte de fazer as perguntas certas, [...] de você ir trilhando
o caminho até você fazê a pessoa falar, a pessoa começar a contribuir. Aí
você começar a dialogar com a pessoa, porque às vezes você tenta dialogar
mas só você fala.
• Katia: - Então você morou até os 12 anos numa área que pode ser
considerada rural, mas você foi para a cidade, fez faculdade e, de repente,
você está aqui em contato com os assentados. Você tem dificuldade em se
comunicar com eles?
Sandra
: - Sim, muito. Como eu falei, teoricamente a gente domina. O Paulo
Freire diz que a gente tem que se comunicar com um palavreado que seja
entendível, adequado, que tenha significado pra eles. Só que é praticamente
idiomas diferentes entendeu? Daí nesse um ano e meio que eu tô aqui você
vai pescando o jeitão de falar, e eu não sei se eu to equivocada. Mas às vezes
eu falo bem coloquial mesmo: “ah porque o ‘barde’ [balde] não sei o que”.
Não sei se eu tô correta, mas vez ou outra você dá um deslize. [...] Então é
um permanente auto policiamento, mas acontece falha de comunicação.
• Pois é o seguinte: a gente não tem condições de dar uma assistência técnica
individualizada por família então o queé que a gente faz, a gente faz isso
que nem o Projeto Colméia: uma reunião de divulgação do projeto, aí quais
são as pessoas interessadas em apicultura? Aí reúne as pessoas da apicultura
aí vai explicar como é que vai funcionar, aí marca um curso de capacitação
praquele grupo coletivo, daí marca um dia de campo pra falar sobre captura
de enxame, transferência de enxame, o local do apiário etc e tal , aí faz um
dia de campo no coletivão né e daí mesma coisa pras plantas medicinais,
então a gente ta fazendo as visitas não seriam visitas individuais, mas
seriam visitas aos locais de produção de mudas do coletivo, foi no caso ali
do Clóvis, então no Clóvis então cada assentamento, cada comunidade tem
uma família como a do Clóvis que vai ta cuidando do viveiro mas o trabalho
do viveiro das plantas medicinais vai ser no coletivo.