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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM SOCIOLOGIA
CURSO DE MESTRADO EM SOCIOLOGIA
AS REPRESENTAÇÕES DA POBREZA SOB A ÓTICA DOS “POBRES” DO
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
Maria de Fátima Pereira
Dissertação apresentada ao curso de
Mestrado em Sociologia da
Universidade Federal do Ceará como
requisito para obtenção do grau de
MESTRE EM SOCIOLOGIA.
Orientador: Profa. Dra. Alba Maria Pinho de Carvalho
Fortaleza-Ceará
2007
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MARIA DE FATIMA PEREIRA
AS REPRESENTAÇÕES DA POBREZA SOB A ÓTICA DOS “POBRES” DO
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Sociologia da Universidade Federal do
Ceará como requisito para obtenção do grau de MESTRE EM SOCIOLOGIA.
Aprovada em ______/_________/________
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________________
Profa. Dra. Alba Maria Pinho de Carvalho
Universidade Federal do Ceará
___________________________________________
Profa. Dra. Peregrina Fátima Capelo Cavalcante
Universidade Federal do Ceará
___________________________________________
Prof. Dr. João Bosco Feitosa dos Santos
Universidade Federal do Ceará
___________________________________________
Profa. Dra. Ângela de Alencar Araripe Pinheiro
Universidade Federal do Ceará
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DEDICATÓRIA:
Aos meus pais,
João Pereira e Maria Gregório
Pela educação que me proporcionaram;
A minha irmã, que amo
Aos meus irmãos, que amo
A minha família por tudo que somos e vivemos;
4
AGRADECIMENTOS
A Alba Carvalho, minha orientadora, pelos momentos de orientação, por partilhar de
modo tão intenso sua sabedoria com seus orientandos;
Carinhosamente, aos professores, Yrles Mayorga, Estevão Arcanjo, Lúcia Morales e João
Arruda por tudo de bom que plantaram em mim;
A todos que fazem o IRT, com quem tenho partilhado o dia-a-dia
As minhas lindas amigas: Lucinha e Conceição
Aos meus amigos artistas da vida e do palco também;
Ao Marcos Costa...
Ao Cláudio Perebo...
A FUNCAP e a CAPES pelo fomento à minha busca pelo conhecimento;
Enfim, ao universo pela dádiva da vida,
E a todas as pessoas que ainda cultivam sonhos e tem a capacidade de ter sorrisos nos
lábios ao dizer um bom dia ao cruzar com alguém.
5
RESUMO
A presente pesquisa tem como objetivo o estudo das representações da pobreza para os
considerados pobres inseridos no Programa Bolsa Família. O foco do trabalho é adentrar
nas representações que o “pobre”, a partir de suas vivências sociais, faz da sua condição de
pobreza, tendo em vista o contexto de transformações sociais que, cada vez mais, tem
levado milhares de indivíduos à condição de “refugo” social. Diante dessa realidade, a
condição de “pobre” se configura numa condição socialmente reconhecida e encarnada em
várias representações relacionadas ao “ser pobre”. Tais questões são o fio condutor desta
pesquisa, como também nos instigaram a dimensionar as formas de representações da
pobreza, como elas refletem nas vivências do “pobre”, na maneira como tais pobres se
apresentam a um programa voltado aos pobres, no modo de interagir com as diversas
situações e enfim nos espaços por eles ocupados a partir do lugar social que a sociedade do
capital lhes reserva.
Palavras Chaves: Representações da pobreza, Pobreza, Programa Bolsa Família.
6
ABSTRACTS
The present research has as objective the study of the poor considered representations of the
poverty for inserted in the Program the Stock market Family. The focus of the work is to in
the representations that the “poor person”, from its social experiences, makes of its
condition of poverty, in view of the context of social transformations that, each time more,
has taken thousand of individuals to “the social rubbish” condition. Ahead of this reality,
the condition of “poor person” if configures in a recognized and socially incarnate
condition in some representations related to the “poor being”. Such questions are the
conducting wire of this research, in had as well as instigated them to the forms of
representations of the poverty, as they reflect in the experiences of the “poor person”, in the
way as such poor persons if they present to a come back program the poor persons, in the
way to interact at last with the diverse situations and in the spaces for busy them from the
social place that the society of the capital them reserve.
Key-words: Representations of the poverty, poverty, Program Stock markets Family.
7
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO: Balizamentos/referências e demarcações fundantes
8
1.1_ A pobreza na contemporaneidade: re-significações de uma questão histórica
8
1.2_ A pobreza no Brasil contemporâneo: configurações peculiares no cenário da
vida social
13
1.3_ Representação do “ser pobre” pelos sujeitos que vivenciam a experiência de
pobreza: demarcações do objeto
20
1.4_ Percurso Metodológico
26
1.4.1_ Caminhos trilhados
26
1.4.2_ A dinâmica expositiva da dissertação
30
Capítulo 2 – POBREZA NA SOCIEDADE DO CAPITAL: CONSTRUINDO
VIAS ANALÍTICAS
32
2.1_ Ser pobre: lugares possíveis no contexto na sociedade do capital
32
2.2_ Processos globalizantes: a constituição do ser pobre em meio as fronteiras e
transformações econômicas
35
2.3_ O enfrentamento da pobreza na sociedade do capital: a categoria pobreza nas
formulações do Banco Mundial
42
Capítulo 3 – RE-SIGNIFICAÇÕES DA CONCEPÇÃO DE POBREZA: O
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (PBF)
49
3.1_Bolsa Família: tentativa de novo olhar no tratamento da pobreza
49
3.2_ Re-significações da pobreza: políticas de transferência de renda como o “alívio
da pobreza”
55
3.3_ Condicionalidades: superação da condição de pobreza à condição de cidadãos
59
Capítulo 4 – O “SER POBRE” NO UNIVERSO DAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS
64
4.1_ Representações sociais: uma leitura possível da pobreza
64
4.2_ As representações da pobreza construídas no discurso e na prática social
71
4.2.1_ Pobreza como falta, ausência, carência e insuficiência de renda
73
4.2.1.1_ Pobreza como demanda de assistência
77
4.2.2_ Pobreza como privação de capacidades
79
4.2.3_ Pobreza como exclusão social
82
4.2.4_ Pobreza enquanto vulnerabilidade social
91
Capítulo 5 – AS REPRESENTAÇÕES DA POBREZA NA PRÁTICA SOCIAL
99
5.1_ Inserção no campo de pesquisa: o cenário da teatralização da pobreza
99
5.2_ Recadastramento: da representação à realidade do “ser pobre”
106
5.3_ Recadastramento: demarcação de espaços simbólicos
112
5.3.1_ A fila de espera e a sala de apresentação
113
5.4_ A pobreza na concepção dos pobres: o outro como espelho
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS
126
BIBLIOGRAFIA
131
8
1. INTRODUÇÃO: Balizamentos/referências e demarcações fundantes
1.1. A pobreza na contemporaneidade: re-significações de uma questão histórica
Os espaços sociais, no limiar do século XXI, revelam um cenário sócio-político-
cultural de ofensiva do capital nos circuitos das suas redefinições, com distintos ciclos de
ajustes, que vem implicando em custos sociais para a população, sobretudo para a maioria
trabalhadora. Logo, os circuitos contemporâneos do capital entram em contradição com a
exigência histórica de superação da condição de miserabilidade e pobreza por parte dos
sujeitos que sofrem as conseqüências diretas da gica excludente da civilização do capital.
É um confronto entre a dinâmica excludente do capital e a luta emancipatória que vem se
efetuando em diferentes espaços, com distintos formatos. É nesse duplo movimento,
contraditório, que a pobreza se redefine, afirmando-se como marca do nosso tempo, em
meio a formas de resistência e lutas emancipatórias.
Assim, a questão da pobreza, hoje, apresenta-se sem fronteiras, nem
temporalidade. De fato a pobreza simplesmente persiste, redefine-se descartando seres
humanos. José de Souza Martins (2002), ao retratar novos estudos sobre a pobreza, acredita
que “a novidade da chamada exclusão social é a sua velhice renovada”. (MARTINS,
2002, p. 14). Ou seja, a pobreza que constitui uma questão histórica, assume novas
dimensões, constituindo o foco das problemáticas sociais contemporâneas. É um percurso
de redefinições em que a pobreza adquire novos sentidos e re-significações.
Então, quais seriam as singularidades e simbologias do ser “pobre” no Brasil
Contemporâneo? De imediato, ocorre-nos como uma primeira aproximação, a título de
hipótese: a pobreza, hoje, amplia-se, rompendo fronteiras sociais entre grupos, atingindo
segmentos antes tidos como integrados socialmente. É uma pobreza que se articula com a
vulnerabilidade do trabalho, ou seja, ser pobre implica em uma inserção precária excludente
no mundo do trabalho sem conseguir garantir condições efetivas de inclusão na vida social.
Nesse seu percurso contemporâneo, a pobreza, hoje, penaliza crescente
contingente da população trabalhadora, em todas as faixas etárias, atingindo, de modo
peculiar, os jovens, que se vêem privados do acesso ao trabalho, em uma sociedade do
consumismo, enveredando por caminhos marginais: criminalidade, exploração sexual,
9
gravidez na adolescência, constituição precoce de famílias, estas cada vez mais destituídas
de condições de vidas “decentes”.
Ao longo das décadas e, mesmo séculos, pensadores sociais desenvolvem estudos
no sentido de desvendar as diversas facetas assumidas pela pobreza. Neste sentido, um dos
maiores enigmas postos aos pesquisadores sociais, nas últimas décadas, é compreender o
abismo da desigualdade social. Isso porque, convivemos com o aparente paradoxo de uma
sociedade “que se diz moderna” (TELLES, 2001), ao mesmo tempo em que encarna uma
sociabilidade da pobreza, visível aos nossos olhos cotidianamente e que massifica, mesmo,
milhares de pessoas na condição de miseráveis.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em seu olhar analítico, adentra no
ambiente da vida contemporânea, buscando decifrar fatos e fenômenos extremamente
preocupantes. O autor refere-se a uma “produção de refugo humano”, ou seja, a seres
humanos refugados que são um produto inevitável da modernização e um acompanhante
inseparável da modernidade. Diz mais, “é um efeito colateral da construção da ordem e do
progresso econômico”. (BAUMAN, 2005, p. 12).
Na ótica de Bauman, atrelada à produção desse refugo, vem também a remoção
desse “lixo humano”. Tanto a produção como a remoção de refugos humanos pesam no
contexto da moderna e consumista cultura da individualização. Nessa cultura moderna, o
que predomina nas relações sociais é a “marca do descarte eminente” (BAUMAN, 2005,
p. 15). Todos nós estaríamos inseridos em uma sociedade que descarta qualquer coisa ou
alguém que não lhe for mais útil, inclusive a própria vida humana.
Para o entendimento do processo de constituição do “refugo do capital’ ou da
população sobrante, dois eixos são fundamentais. O primeiro eixo analítico seria considerar
as estruturas do sistema do capital vigente, decorrentes da busca desenfreada pelo dinheiro,
sob a égide da mercantilização na economia da mundialização capital. Com efeito, esta
economia passa por profundas e amplas transformações na sua forma de funcionamento e,
cada vez mais, torna crescente a parcela da população mundial descartável aos seus
interesses. Uma dessas transformações revela-se na“crise do trabalho”: milhares de
trabalhadores e trabalhadoras são impedidos de vender sua força de trabalho, não podendo
ser sequer uma reserva de mão-de-obra, passando a constituir os “desnecessários” ou os
“descartáveis” da sociedade do capital.
10
Ao mesmo tempo em que estão na condição de inutilidade na sociedade do capital,
é forçoso reconhecer que “o refugo”, “os descartáveis” estão no interior da vida social.
Inegavelmente, são seres humanos concretos e viventes, que, de múltiplas maneiras, lutam
por sua sobrevivência. Sua inserção, através das políticas de combate à pobreza, é uma
dessas vias de sobrevivência dos descartáveis do capital.
Nessa dimensão social que lhes é imposta, a de lutar de diferentes formas pela
inserção social, os “descartáveis” re-significam as suas ações, valores, padrões, a partir do
lugar social em que vivem. É justamente esse o segundo eixo analítico, para o
entendimento do processo de constituição do refugo humano. São as re-significações das
vivências sociais da maioria dos refugados ou dos pobres que se efetivam no plano do
simbólico, das representações. Então, questionamo-nos: quais as especificidades simbólicas
e culturais dessa nova sociabilidade vivenciada pelos pobres na sua busca de inserção
social? Como eles se pensam e se representam na condição de pobres? E, mais
especificamente: como os pobres, integrantes de programas de distribuição de renda no
caso de nosso estudo, do Programa Bolsa Família vêem-se, percebem-se, representam-se
nessa condição de pobreza “oficialmente” reconhecida?
Nessa linha de raciocínio, aventuramo-nos a uma hipótese: os programas de
distribuição de renda, oficialmente destinados aos pobres e, como tal, encarnando uma
concepção do “ser pobre”, constituem-se em espaços socais de produção de representações
da pobreza. Em outras palavras, para enquadrar-se bem no “tipo ideal do pobre” do Bolsa
Família , os que vivenciam a pobreza passam a teatralizar o ser pobre” como condição de
ser selecionado e/ou permanecer no programa. Logo, o “beneficiário” face ao poder
institucional declara-se pobre, mas, em outros cenários, nega esta condição do “ser pobre”
sempre tomando como referência critérios de comparação com vizinhos e conhecidos.
Para adentrar com mais propriedade nesse universo complexo da pobreza no atual
momento da vida social brasileira, é preciso compreender os mecanismos sócio-políticos e
culturais hoje em curso, os quais estão levando a uma ampliação dos pobres, que se vêem
sem alternativas e saídas, no sentido de afirmar sua identidade pelo trabalho.
Inegavelmente, a pobreza no Brasil cresce e complexifica-se na condição de
“refugo humano”, de população sobrante. Cabe, tentar configurar o contexto que se gesta
dessa complexificação da pobreza.
11
Assim, consideramos, especificamente, a sociedade brasileira sob a ótica das
mudanças advindas com o novo modelo de redefinições da sociedade do capital. Para tanto,
faz-se necessário reconhecer que, durante os anos 90 do séc. XX foi consolidado o modelo
de ajuste à nova ordem do capital, definido pelos países considerados hegemônicos,
principalmente, os Estados Unidos, para os países periféricos da América Latina.
Para viabilizar o extraordinário movimento do capital nos “países periféricos”,
esse modelo estabelece regras para abertura de fronteiras, visando à circulação do capital
estrangeiro, em detrimento de definições nacionais, implicando no agravamento da questão
social. Os países, classificados como periféricos, precisariam participar do ajuste à ordem
do capital mundializado para se manter inseridos no cenário político internacional. O fato a
considerar é que, ao mesmo tempo em que se abrem às fronteiras para a “liberdade” do
capital, também se abrem às fronteiras para suas conseqüências mais perversas, como o
agravamento das problemáticas sociais, as quais atingem sobremodo a população
trabalhadora..
Assim, o chamado “ajuste estrutural” é uma política imposta por uma agenda de
interesses dos países hegemônicos que deixa marcas profundas nas decisões e
direcionamentos políticos dos países “vulneráveis”. Na lógica do capital, esse ajuste tem
um caráter seletivo e excludente, gerador de novos mecanismos de desigualdades sociais.
No caso do Brasil, na ótica de Carvalho (1999), a sua inserção, a partir dos anos
90, no “novo cenário da ordem do capital”, através do que é designado como “ajuste
brasileiro”, é um marco decisivo para compreender o cenário de miséria e pobreza
predominante no país. O fato é que estamos diante de uma questão estrutural no sistema
contemporâneo do capital que vulnerabiliza o trabalho como mecanismo gerador de
pobreza.
Araújo (1996) acredita que a dimensão da categoria do “novo pobre” está
diretamente ligada à categoria do trabalhador desempregado. Nas palavras da autora,
o novo pobre é aquele que até a bem pouco tempo ainda permanecia, bem ou mal,
inserido no marcado de trabalho, ou pertencia a um grupo familiar capaz de mantê-
lo integrado no sistema social, mesmo sem emprego. À medida em que os postos
de trabalho escasseiam, os fundos de reserva das famílias se extinguem e o Estado
se retira, um contingente cada vez maior de pessoas desvinculadas do processo
produtivo dá o tom do que hoje se tem como ‘novo’. (ARAÚJO, 1996, p. 85)
12
Observamos que a inserção social através do trabalho é algo decisivo na
configuração da pobreza. O acesso ao trabalho parece afirma-se como uma das possíveis
formas de inserção social dos “pobres”. Na própria representação do pobre sobre sua
situação, percebemos que ele destaca, com relativa segurança, a questão de ter ou não um
trabalho como critério de pobreza. No entanto, faltam postos de trabalho na dinâmica da
vida social brasileira. Na realidade, o que se tem é um processo de extinção dos postos de
trabalho e alta concorrência para ocupar os que sobram, não havendo chance de retorno dos
excluídos vistos como desnecessários ou descartáveis ao mercado de trabalho formal.
Para o sobrante, para o “refugo humano”, não lugar no mercado de trabalho que lhe
garanta uma efetiva inserção como trabalhador e trabalhadora.
Esse cenário nos faz delimitar indagações que instigam vias de estudo no âmbito
das ciências sociais: para onde tem se deslocado socialmente esses indivíduos
desnecessários? Que espaços sociais têm ocupado? Que papéis sociais e formas de
resistências têm assumido socialmente? Quais os novos espaços de inserção social buscado
por eles? Como esses indivíduos convivem com a sua “desimportância” no mundo social?
Como esses pobres se vêem e se percebem no universo de vida social? Como elaboram, no
seu imaginário, sua condição de sobrante?
Tais questões abrem vias de investigação, dando margem a distintos objetos. Dentre
essas questões, considerando o contexto das peculiaridades da vida social brasileira,
interessa-nos investigar as representações que os pobres fazem de sua pobreza,
especificamente, os considerados pobres inseridos no programa Bolsa Família.
O percurso histórico brasileiro tem mostrado uma problemática da pobreza que se
retrata e se “re-significa” sob diversos ângulos: nos milhares de indivíduos no cenário das
ruas, na esmola dada, nas condições precárias de moradia, no desempregado e,
principalmente no aumento do número de pessoas que buscam se inserir em programas
voltados ao “pobre”. Apenas no Bolsa Família são mais de 11,1 milhões de famílias
(Ministério de Desenvolvimento Social, 2007).
Neste sentido, as questões relacionadas às re-significações da pobreza, no contexto
da vida social do Brasil contemporâneo, são emergentes e pulsantes. Por isso, merecem ser
apreendidas, visto que novas formas precárias de vivências dos “pobres” surgem e se
13
reconstituem a todo o momento, na confluência com o dilema da pobreza que persiste como
grande desafio a enfrentar.
1.2_ A pobreza no Brasil Contemporâneo: configurações peculiares no cenário da vida
social
A sociedade brasileira, segundo Telles (2001), é constituída por um dualismo. De
um lado, uma sociedade que se quer moderna, civilizada, de outro uma sociedade que
convive com a realidade da violência e iniqüidade. É nesse intermédio, que se constitui a
especificidade da pobreza contemporânea no Brasil, que traz consigo o “descompasso”
entre as promessas da modernidade e a realidade vivenciada no cenário contemporâneo. Em
verdade, “vivemos em sociedades a braços com problemas modernos precisamente os
decorrentes de não realização prática dos valores da liberdade, da igualdade e da
solidariedade para os quais não dispomos de soluções modernas” (SANTOS, 2006, p. 27).
A marca da modernidade, adquirida na década de oitenta, para essa autora, deixou
para trás um velho Brasil patriarcal, que, em alguma medida, fez-se moderno, no sentido de
uma sociedade que se industrializou, urbanizou, gerou novas classes sociais e teve novos
padrões de mobilização social e conflitos. No entanto, a persistência da pobreza reativa
velhos dualismos nas imagens de um atraso, atando o país às raízes de seu passado.
(TELLES, 2001, p. 80)
Mais do que isso, a face contemporânea da pobreza se apresenta no
empobrecimento dos trabalhadores integrados nos centros dinâmicos da economia do país,
pela deteriorização salarial, pela degradação dos serviços públicos o que afeta a qualidade
de vida nas cidades.
Em verdade, a tão propalada modernidade trouxe, através dos conflitos e lutas
sociais, a evidência do sistema de desigualdades. Foi, dessa maneira, que na argumentação
da já referida autora, a questão social é configurada, nos anos 80, como cerne dos discursos
no Brasil, ganhando dimensão institucional. Agregadas a isso, vieram novas formas
associativas de organização e de representação coletiva, que significaram novos
mecanismos de negociação e gerenciamento de conflitos.
14
Outra característica pulsante da pobreza contemporânea, resgatada por Telles, é o
fato dela ser “enigmática” face a uma sociedade que não consegue, diante de todos os
conflitos e da redemocratização dos anos 80, transformar os direitos sociais em realidade
efetiva capaz de diminuir o grau de desigualdade social.
Um dos questionamentos fundamentais para essa autora é entendermos como uma
sociedade, diante de significativos avanços democráticos, tecnológicos e econômicos, não
consegue avançar no sentido da diminuição da desigualdade social.
No entanto, o que temos registrado na história é o fato de que o crescimento
econômico e tecnológico não necessariamente significou o alcance de padrões de igualdade
no tocante às condições sociais para a maioria da população. Nem mesmo os avanços na
produção de conhecimento - que tem como objeto de estudo a desigualdade social e a
pobreza contribuíram de maneira significativa, para enfrentar esta grave dimensão da
questão social.
Na concepção de Carvalho (2003), a articulação de antigas problemáticas sociais
geradoras de pobreza somadas às novas problemáticas ocasionadas, principalmente, pela
crise do trabalho, a partir da substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto
consubstancia mecanismos que geram essa nova configuração da pobreza contemporânea.
O fato do Brasil ter se submetido a exigências de um ajuste estrutural em sua
agenda política, acarretou uma espécie de despreocupação com as singularidades das
questões sociais internas. A inserção brasileira nesse modelo de ajuste estrutural ocorreu de
maneira subordinada, fragmentada e com alto risco. Esse movimento evidenciou um caráter
seletivo e excludente, gerador de novos mecanismos de desigualdade social que se
expressam na “complexificação da questão social, diante do Brasil se fazendo”
(CARVALHO, 2003, p. 135).
Alba Carvalho (2003) em suas produções dos anos 2000 vem, de forma recorrente,
enfatizando que esse ciclo de ajuste brasileiro vem se efetivando numa confluência
contraditória com o processo de democratização deflagrado no final dos anos 70 e em
curso. A pesquisadora sustenta que a chave analítica para compreender o Brasil
Contemporâneo é ter presente o tecido contraditório da vida brasileira na confluência dos
processos de democratização e de ajuste à nova ordem do capital.
15
Assim, a questão social brasileira contemporânea está imersa num cenário
contraditório entre dois projetos: de um lado o projeto político democratizante, através das
pressões dos movimentos sociais e os ganhos alcançados e, de outro, o projeto de ajuste ao
capital mundializado. (CARVALHO, 2006, p. 8).
Cabe aqui lembrarmos Boaventura de Sousa Santos (1997), quando nos fala da
influência desses modelos políticos de países economicamente hegemônicos às nações
consideradas periféricas. A reprodução social desses modelos hegemônicos prioriza
diretrizes que comprometem a possibilidade de uma sociedade mais justa e igualitária.
O autor faz uma crítica, inclusive, à produção de conhecimento no âmbito das
pesquisas científicas, que, em muitos casos, estariam direcionados pela necessidade de
informações voltada aos processos do capital globalizado. Argumenta Boaventura (1997)
que, o fato dos cientistas sociais se submeterem a esse tipo de produção ciêntífica, tem
implicado na afirmação de uma ciência arrogante que se fecha entre seus muros
desconhecendo experiências vivenciadas nos contextos singulares de cada sociedade.
Numa prerrogativa de uma ciência arrogante e indolente (SANTOS, 1997), os
países desenvolvidos vendem aos demais seu modelo de modernidade e desenvolvimento
como o ideal. É dessa forma que as ações políticas, nos países emergentes, passam a ter
parâmetros de comparação com o modelo desses países.
Adentrando nessa lógica, perguntamo-nos até que ponto os modelos políticos
institucionais de discussão da pobreza no Brasil estão relacionados à reprodução de
modelos mundializados de interpretação da realidade? Como se a construção do “ser
pobre” nessa dimensão do conhecimento diante das especificidades de distintas realidades
sociais, sobremodo nos países periféricos? Neste caso específico, interessa-nos configurar
as representações do “ser pobre” nesta sociedade brasileira, profundamente fraturada, que
impõe a um significativo contingente de pessoas viverem no fio da navalha do capital entre
mecanismos de exclusão e formas de precárias e perversas de inclusão. (CARVALHO;
GUERRA, 2006).
Voltando aos argumentos de Telles (2001) ela entende que a pobreza
contemporânea decorre dos impasses do crescimento econômico dos países considerados da
periferia capitalista. Porém, no caso do Brasil, além disso, focaliza o caráter de uma
16
tradição conservadora e autoritária como especificidade da persistência da pobreza na
sociedade brasileira.
Dito de outra maneira, o problema de pobreza, enraizado na gica econômica,
especifica-se nos jogos políticos que excluem, priorizam privilégios de uma elite em
detrimento da exclusão de uma maioria. Acredita Telles (2001), que o Brasil fez sua
entrada na modernidade capitalista no interior de uma concepção patriarcal de mando de
autoridade. É considerando esse amálgama sócio-potítico-cultural que a autora refere-se ao
“enigma da pobreza brasileira”:
Tema do debate público e alvo privilegiado do discurso político... a
pobreza acompanha a história brasileira, compondo o elenco dos
problemas e dilemas de um país que fez e ainda faz do progresso um
projeto nacional. É isso propriamente que especifica o enigma da pobreza
brasileira. Pois espanta que essa pobreza persistente, conhecida, registrada
e alvo do discurso político, não tenha sido suficiente para construir uma
opinião pública crítica capaz de mobilizar vontades políticas na defesa de
padrões mínimos de vida para que este país mereça ser chamado de
civilizado. (TELLES, 2001, p. 18)
O fato é que, independentemente de seus resquícios históricos culturais, o Brasil
como outros países periféricos, não encontra formas de enfrentar as desigualdades que,
hoje, configuram um fenômeno mundial e estrutural, mesmo em países considerados
desenvolvidos, como os Estados Unidos, aonde o número de pobreza vem dando indícios
de expansão. Neste país, após quatro anos de aumentos consecutivos, o número de pobres
se encontra em 37 milhões de indivíduos, o que corresponde a 12,6% da população
americana. (O POVO, 2006)
Os levantamentos estatísticos sobre a pobreza configuram um desafio analítico:
compreender como se constituem os critérios institucionais e sociais que legitimam e
reconhecem a condição social de “ser pobre” a partir das metodologias consubstanciadas
nos dados estabelecidos. E, nessa direção, um dilema específico é resgatar como os
considerados pobres se reconhecem nesta identidade.
O economista Amartya Sen (2000) entende que a discussão contemporânea de
pobreza deve levar em consideração outros parâmetros que não somente os ligados à
condição de subsistência material em si. Para o autor, a pobreza deve ser vista como a
17
“privação de capacidades” básicas, em vez de ser vista a partir apenas do nível de renda,
como critério tradicional de representação da pobreza.
Essa proposição é importante para o entendimento de que a discussão
contemporânea de pobreza ou da representação do “ser pobre”, deve incrementar outros
critérios, que fogem apenas às justificativas unicamente voltadas ao aumento de renda.
Hoje, as condições de pobreza se situam entre outras necessidades que incluem fatores do
“mínimo vital” (CÂNDIDO, 1964), o que significa entender, antes de tudo, os processos
de sociabilidade, sentidos e significados de como o indivíduo pensa seu papel no interior
do mundo social.
Sen (2000) questiona o fato de vermos a pobreza classificada apenas através da
renda. Apesar de reconhecer que ela é um instrumento de geração de capacidades muito
importante, sustenta não ser a renda o único. Uma grande contribuição do autor é ampliar o
debate dos critérios de classificação dos considerados pobres - utilizados por grandes
instituições financiadoras mundiais do combate à pobreza - para critérios com aspectos
mais singulares sobre a realidade e as condições sociais do indivíduo.
O pensamento do autor pressupõe que todos os indivíduos detêm capacidades de
desenvolvimento que podem ser barradas ou não, dependendo do que seu contexto social
lhes proporcionar.
A expansão das liberdades individuais, para ele, é o que terá conseqüência direta
nos processos de desenvolvimento, ou seja, o desenvolvimento depende da expansão de
liberdade dos indivíduos. A liberdade das pessoas está diretamente ligada ao
reconhecimento dos valores sociais e costumes prevalecentes no meio social do indivíduo.
São esses valores, que podem influenciar as liberdades que as pessoas desfrutam e que elas
prezam. Ao mesmo tempo, o exercício da liberdade, que é mediado por valores, também é
influenciado por discussões públicas e interações sociais, que são, por sua vez,
influenciadas pelas liberdades de participação. (SEN, 2000, p. 23-24).
Quando se fala em um processo que promova liberdades básicas para se obter o
desenvolvimento pleno das capacidades humanas, penso ser primordial considerar a
compreensão da representação social que nos liga ao mundo. E esse reconhecimento social
deve ser entendido, em todas as suas dimensões e não apenas restrito à identidade social
como desqualificação social, como ocorre na maioria dos casos dos considerados pobres.
18
Para Sarti (2005), as ciências sociais, diante de suas diversas imagens dos pobres,
trabalham a partir de uma identificação por contraste, fazendo dos pobres um outro.
Nesse sentido, os trabalhos científicos, muitas vezes, dizem mais de que fala, do quede
quem se fala, num mecanismo que a autora chama de projetivo.
O processo de construção social da identificação da pobreza se dá através de uma
abordagem que reproduz todo o caráter da representação negativa dos pobres no meio
social, sempre baseado no pressuposto da falta, ou seja, falta de consciência, falta de
noções de direitos de cidadania. (SARTI, 2005, p. 36)
Daí a importância de estudos que vislumbrem esses espaços constituintes das
representações sociais dos pobres e tentem compreender seus significados sociais. Isto é,
abrir espaço para pensar que representações de pobreza os pobres mobilizam para pensar-
se na concepção do pobre. Pensar também o que estas representações revelam da complexa
experiência do ser pobre hoje. O que os “pobres” pensam sobre seu papel no mundo?
Como vêem, pensam e entendem a si mesmos na condição de pobres? Como lidam com
essa identidade do “ser pobre”.
Nos parâmetros modernos de intervenções junto aos indivíduos em situação de
pobreza, temos as políticas de assistência e/ou transferência de renda, como, por exemplo,
o Programa Bolsa Família. Para Telles (2001), muitos desses programas de transferência
de renda seriam o não-lugar, um lugar reservado “onde pobreza vira carência, a justiça se
transforma em caridade e os direitos, em ajuda a que os indivíduos têm acesso não por sua
condição de cidadania, mas pela prova de que dela está excluído”. (TELLES, 2001, p.
26).
Percebemos que a relação entre tais programas e as representações do “ ser
pobre” passa pelo viés de afirmação da própria pobreza. A situação de pobreza é
legitimada e simbolizada como moeda de troca entre Estado e os considerados pobres. Ou
seja, é uma representação social legitimada institucionalmente, que atesta a moeda de troca
dos “pobres”: a sua condição de pobreza.
Nesse sentido, temos um ciclo de reprodução da condição de pobreza. É uma
situação em que a pobreza precisa ser evidenciada para existir um elo político entre os
considerados pobres, o Estado e outras instituições. Desaparecem os sujeitos enquanto
19
cidadãos ativos e despertam sujeitos dependentes regularmente da ação de assistência
institucional.
Assim, é priorizado o mérito da necessidade (SPOSATI, 1988). Dessa maneira, o
grau de carência que o sujeito ou as famílias consideradas pobres comprovarem é o que
indicará que tipos de tutela terão.
Nos últimos anos, determinadas formulações dos programas de combate à pobreza
enfatizam, no seu discurso, a perspectiva da capacitação dos pobres para que eles adquiram
qualificação e autonomia para se inserir economicamente através do mercado de trabalho.
É essa uma proposta que parece não se ter encarnado na prática.
Num estudo feito por Ugá (2004), sobre a categoria pobreza nas formulações do
Banco Mundial, ela observa que, desde os anos de 1980, o BIRD que atua como um dos
formuladores de recomendações políticas para os países de periferia para o combate à
pobreza – busca a elevação dos indivíduos situados na linha de pobreza, através da
capacitação do capital humano, porém numa potencialização voltada ao mercado.
A autora faz uma crítica às políticas do BIRD, argumentando que a política
desenvolvida por essa instituição não trata das conseqüências negativas decorrentes das
políticas de ajuste, fugindo, assim, de propor soluções estruturais e tornando-se, dessa
forma, numa estratégia pontual no combate à pobreza.
Na sua gica de argumentos seriam consideradas estratégias de combate à
pobreza pelo Banco Mundial:
1. Políticas que estimulem a criação de novas oportunidades econômicas para que
os pobres possam obter rendimentos. Nesse caso, o aumento da renda levaria o
indivíduo a ultrapassar a fronteira da pobreza;
2. Prestação de serviços sociais como educação e saúde aos pobres pela via do
governo. O BIRD acredita na íntima relação entre prestação de serviços sociais
e a diminuição da pobreza, o que significaria promoção de políticas focalizadas
de aumento de capital humano dos indivíduos.
A preocupação com o capital humano e desenvolvimento de capacidades dos
indivíduos dá-se no sentido de que a educação tornaria os indivíduos mais competitivos
para o mercado de trabalho. Nessa ótica, o principal bem dos pobres seria o tempo para
20
trabalhar e aqueles que não dispõem desse capital são incapazes para atuar no mercado de
trabalho. (UGÁ, 2004, p. 06).
Assim, nos relatórios de 2000-2001, o Banco Mundial passa a abordar a
concepção de Amartya Sen sobre o “desenvolvimento como liberdade”, considerando que,
para redução da pobreza, é necessário ampliar a expansão das capacidades humanas.
Ugá (2004) analisa que o projeto do Banco Mundial requer um Estado caridoso,
que tem deveres com os pobres, porém com um diferencial: o Estado só estaria presente
em um primeiro momento, no sentido de aumentar a capacidade dos pobres e, em um
segundo momento, ele se retiraria, deixando o indivíduo capaz de constituir seu processo
de autonomia.
Nessa discussão, é importante indagar de que processo de autonomia dos pobres
se fala, uma vez que, a cada dia o acúmulo de “refugados” pelo mundo do trabalho
aumenta e as chances de uma inserção por meio do trabalho formal são muito remotas.
Entendemos que a discussão sobre os “refugados” da sociedade e os processos
constituição da pobreza, presente no cenário da vida brasileira, é resultante das oscilações e
das peculiaridades envoltas no contexto de mudanças no sistema econômico e dos ajustes
do capital vigente.
Dessa forma, cada vez mais, nos discursos contemporâneos, o debate sobre a
pobreza aponta para urgência do entendimento da condição da pobreza a partir de uma
dimensão ampliada, considerando-se o indivíduo imerso numa rede de interações existente
e nos laços sociais vivenciados. Assim, faz-se necessário adentrarmos nos processos que
constituem as representações que os pobres fazem de sua pobreza e de si.
1.3_ Representação do “ser pobre” pelos sujeitos que vivenciam a experiência de pobreza:
demarcações do objeto
Definimos como objeto de investigação as representações sobre a pobreza, sob a
ótica dos que vivem a experiência da pobreza. De fato, incidimos nosso olhar nas
representações dos pobres sobre esta sua condição de “ser pobre”, buscando resgatar como
estes se vêem e se percebem neste lugar social do pobre. Em nossa perspectiva, trata-se de
21
um tema relevante diante do contexto de transformações geradoras de mecanismos de
pobreza, presentes no modelo de sociedade vigente.
Um dos caminhos para tentar compreender as representações da pobreza e os
pobres é o de romper com a idéia, muito difundida no senso comum, de que todos os
indivíduos em situação de pobreza são passivos diante de sua condição. Partimos do
pressuposto da existência de uma sociabilidade da pobreza, fundada em estratégias de
sobrevivência dos indivíduos, de diferentes teores e em todas as dimensões da vida.
No contexto da pobreza, marcado por necessidades e emergências, representar-se
como pobre é uma estratégia para garantir a sua inserção em programas de distribuição de
renda destinados aos pobres. Essa questão se apresenta como uma das dimensões
fundamentais relacionada ao objeto de estudo aqui proposto. É sob essa perspectiva que
trabalhamos as representações da pobreza e/ou do “ser pobre” nesta dissertação.
Compartilhamos da tese de Paugam, que sustenta ser necessário estudar a pobreza
como uma “condição social reconhecida”, sendo os pobres transformados em um conjunto
de indivíduos, cujo status” social é definido, na maioria das vezes, por instituições
especializadas em ação social dirigida aos pobres”. (PAUGAM, 2003, p. 55) (grifos do
autor).
A inserção dos indivíduos que encarnam o “ser pobre” nos programas de combate à
pobreza tem um rebatimento na constituição de singularidades dos usuários destes
programas. De fato, tal inserção tem um imenso impacto no imaginário dos pobres. Dessa
forma, estes programas delimitam um marco a ser considerado para o entendimento da
pobreza e do “ser pobre” numa sociedade de seres humanos “descartáveis”.
Em outras palavras, a existência de uma representação do “ser pobre”, delineada
pelos programas de combate à pobreza, como um tipo ideal, traz implicações diretas nas
representações cotidianas dos indivíduos inseridos nesses programas, uma vez que, para
serem selecionados e/ou permanecerem nos referidos programas, eles têm que evidenciar
que se encaixam nessa tipologia institucional, seja através de seus discursos, seja através do
seu corpo e suas posturas ou através de documentos comprobatórios de pobreza
1
.
1
A pesquisa de campo que desenvolvemos no 1º. Semestre de 2007 é enriquecedora para compreensão de como a autoclassificação
entre ser ou não ser pobre, vem se redefinindo em função dos programas de distribuição de renda. E uma situação que vivenciamos, de
forma recorrente, é emblemática no tocante a esta representação da pobreza. Ao conversamos com os “beneficiários” do Bolsa Família na
fila de espera, muitos fazem questão de declarar que não são pobres, argumentando com a comparação entre a sua situação e a situação de
precariedade de vizinhos; no entanto, na hora do contato com a equipe de recadastramento, essas mesmas pessoas fazem questão de
declarar sua pobreza, de teatralizá-la como mecanismo para garantir sua permanência no programa.
22
No interior dessa discussão da tipologia institucional e da busca dos pobres de nela
inserir-se, delineamos o eixo da nossa pesquisa: entender como os considerados pobres se
pensam, como se percebem, e como se representam a partir de representação que fazem
sobre a sua condição da pobreza. A pesquisa de campo teve como recorte os “pobres”
inseridos no programa Bolsa Família, no intuito de compreender, em que medida, tal
inserção é definidora de uma “condição social reconhecida” dos pobres e da pobreza.
Diante do contexto contemporâneo de exclusões e formas precárias de inclusão,
gestadas no âmbito da sociabilidade do capital, os meios de sobrevivência dos considerados
pobres se apresentam de maneira escassa. Assim, programas como o Bolsa Família,
representam uma forma de inserção econômica, social e cultural dos usuários, constituindo-
se como “porta de entrada” para garantir padrões de sobrevivência e, indiscutivelmente, a
representação de sua própria pobreza passa a ser condição necessária para seu ingresso em
tais programas.
Por isso, o estudo de um programa voltado aos pobres como o Bolsa Família é
uma via importante de análise para adentrar nas redefinições de pobreza em nosso tempo,
desvendando as suas especificidades que apontam dilemas e desafios.
Então, em coerência com o nosso eixo de estudo, perguntamo-nos: como os pobres
concebem e representam sua pobreza nos espaços dos programas de transferência de renda?
Essa questão se constituiu o nosso desafio investigativo, na perspectiva de apropriarmos-
nos das representações sociais da pobreza compreendendo suas re-significações no atual
contexto dos programas sociais. A pedra de toque é analisar como o “ser pobre” é
representado pelos próprios sujeitos que vivenciam a experiência da pobreza, em uma
circunstância específica em que a afirmação da pobreza, dentro dos parâmetros oficiais, é
critério para seleção e permanência no programa.
O número de pessoas consideradas pobres, a partir de determinados padrões, é um
fato concreto. No caso do Brasil, o índice de miséria indicado por dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios 2004 (PNAD-IBGE) apontava que, do total de
brasileiros, 25,8% estavam abaixo da “linha de pobreza”, ou seja, ganham menos de R$
115,00 por mês. A pobreza atinge, conforme Fundação Getúlio Vargas (FGV), o número de
42 milhões de pessoas.
23
Mais recentemente, os institutos de pesquisa apontaram que, a partir do ano 2002,
houve uma queda no número de pobres no país. Os últimos levantamentos mostram que a
pobreza, que antes atingia 28,2% dos brasileiros em 2003, caiu para 22,77% em 2005.
Entre as justificativas para queda da pobreza apontadas pela FGV está a elevação da
concessão de “benefícios” sociais, como os repassados pelo Bolsa Família aliados ao
crescimento do emprego e renda e ao aumento de gastos previdenciários e reajustes do
salário mínimo. (O POVO, 23.09.2006).
É a partir dessa configuração da situação de pobreza de milhares de pessoas que
entendemos fazer-se necessário a contribuição das ciências sociais, no sentido de desvendar
o complexo universo da pobreza, incluindo-se as representações da pobreza a partir do
discurso dos pobres. Esse é o conhecimento que procuramos produzir ao longo desta nossa
dissertação. Nosso intuito é exercer o pensar relacional (Bourdieu, 1998) para adentrar nas
re-siginificações das representações da pobreza dimensionadas pelo olhar dos sujeitos que
vivenciam, de formas peculiares, a experiência da pobreza. E assim, o nosso intuito é
contribuir para definir de que pobreza estamos falando cotidianamente em nossos discursos
ou, mais especificamente, configurar as representações sociais que estamos a movimentar
quando falamos em pobreza.
Privilegiamos, neste estudo, olhar para a pobreza, partindo dos indivíduos que
vivenciam esta realidade e recorrem aos programas sociais como forma de obter assistência
e garantir um nível de renda. Este fato pode ser bem observado nos “pobres” atendidos pelo
Programa Bolsa Família, campo empírico de nossa pesquisa. Em nossa concepção, esse
olhar é revelador de elementos identitários dos socialmente considerados pobres.
A tentativa de tomar o Programa Bolsa Família como fenômeno empírico foi
analisar as representações da pobreza constituídas pelos próprios pobres, diante das equipes
do programa, procurando dimensionar como, naquele momento, dava-se a representação do
“ser pobre”, ou seja, como eles se viam, como se percebiam a partir do lugar social que lhes
era dado a ocupar naquela cena.
Assim, podemos delimitar duas demarcações, tendo por referência o ingresso das
pessoas em situação de pobreza no referido programa: a primeira voltada para compreender
as representações da pobreza na ótica dos próprios pobres: de que maneira eles percebem
sua inserção social e a partir de que elementos eles definem e representam sua própria
24
pobreza. A segunda demarcação é dirigida a analisar o peso da concepção oficial de
pobreza consubstanciada no Bolsa Família e no imaginário dos usuários.Questionamo-nos
sobre quais implicações desses elementos institucionais trazem para a auto-percepção do
pobre e como este pobre se representa após ser oficialmente reconhecidos sob o critério da
apresentação de sua pobreza.
Acrescentamos ainda outras questões: os processos de representação da pobreza,
para esses sujeitos, sofrem re-significações no momento em que o “status” face ao
programa muda, ou seja, as representações se alteram em relação ao pobre assistido e o não
assistido pelos programas de combate à pobreza? Quais implicações simbólicas decorrem
dessa forma de inclusão?
A inserção de um núcleo familiar no programa Bolsa Família põe os sujeitos em
contato com a situação de conviverem com a assistência social, ou melhor, de serem
“usuários” de um programa institucional que tem visibilidade pública como uma atuação do
Estado voltada aos pobres. Resgatamos, neste trabalho, a categorização de Serge Paugam
de desqualificação social para se referir à lógica da designação e da rotulagem das pessoas
assistidas por instituições públicas e seus efeitos sobre a identidade dessas pessoas.
(PAUGAM, 2003). A desqualificação social está relacionada a uma condição socialmente
adquirida que impede essas pessoas de suprirem seu nimo vital, tendo que buscar a
assistência institucional.
Essa referência empírica do autor francês ajudou-nos a dialogar com a realidade
vista em campo no decorrer da pesquisa. Enquanto os considerados “pobres”, nos relatos de
Paugam
2
, apresentam sentimentos de inferioridade e de constrangimento por serem
assistidos, os “pobres”, que acompanhamos, apresentam representações diferenciadas frente
ao poder institucional, no momento do re-cadastramento. Percebemos que não
constrangimento,desses últimos usuários, em se representar como pobres; pelo contrário,
trata-se de um jogo melindroso e astucioso que tem como recompensa, conseguir a vaga no
programa. De fato, o processo de representações dos sujeitos para conseguir o Bolsa
Família, dá-se não em um sentido de diferenciação e inferioridade, mas de homogeneização
2
A pesquisa de Serge Paugam foi realizada com usuários de Programas de Assistência Social na França.
Neste sentido, vale ressaltar uma diferença primordial na análise do autor em relação a presente pesquisa. A
análise do autor pressupõe a existência de um Estado de Bem-Estar Social, enquanto que, no Brasil, o modelo
de Estado é mais aproximado de um Estado minimizado no social, onde o direito à assistência social, apesar
de configurada como Lei, ainda se encontra bem inferior a demanda de indivíduos que buscam a assistência.
25
por parte dos sujeitos no momento de apresentar-se como pobres, mesmo os que não o são,
inclusive, em muitos casos, ocultam os indícios das classe sociais a que pertencem.
A partir desse exemplo, vemos a tentativa dos sujeitos de apropriar-se e enquadrar-
se na definição de pobreza, tal qual é exigida como critério para o ingresso no requerido
programa. Então, para tais sujeitos, a desqualificação social passa por outras situações, que
não a de fazer parte de assistência governamental.
Durante todo o percurso investigativo o adentrar nas representações dos
considerados pobres, constitui-se num elemento norteador para compreender como tais
indivíduos representam o seu processo de “desqualificação social”.
Não nos cabe, nesta reflexão, nenhum discurso de teor valorativo de posturas, nem
uma análise de discurso apenas. O nosso propósito foi construir um olhar analítico voltado
às representações da pobreza no contexto de uma sociedade, onde é senso comum ouvirmos
diversos adjetivos associados à pobreza. A representação da pobreza aparece dessa forma,
através de elementos identitários, que são utilizados como critério de inserção e
classificação dos indivíduos.
Consideramos que um estudo sobre a pobreza deve agregar perspectivas culturais
e simbólicas juntamente com a análise estrutural, pois os processos que constituem as
representações dos considerados pobres envolvem também representações sócio-político-
culturais dos indivíduos.
Nesse sentido, estão em pauta as diversas formas de representação dos pobres que
são apoderadas socialmente, seja pelo olhar institucional, seja pelo olhar do “pobre”, seja
pelo olhar acadêmico, enfim, por uma diversidade de olhares. Estas diversidades de
representações estão presentes nas práticas sociais cotidianas dos indivíduos considerados
“pobres”, na sua relação com o mundo social.
Neste trabalho dissertativo, fundado num processo de investigação, os recortes
definidores do objeto assim se definem:
Compreender com se constituem as representações da pobreza, a partir dos
indivíduos em condição de pobreza, “os pobres” inseridos no Programa Bolsa
Família;
Refletir sobre as representações que fazem os considerados pobres do “ser
pobre” e da pobreza, ou seja, como eles se vêem, se pensam e se percebem;
26
Investigar tipos de representações da pobreza recorrentes constituídas nesse
processo nos diferentes olhares sobre a pobreza.
Dessa forma, a tentativa deste presente trabalho foi dimensionar as representações
do “ser pobre”, a partir da situação de pobreza de milhares de indivíduos que fazem vir à
tona a emergência das questões relacionadas à pobreza e aos “pobres”.
1.4_Percursos metodológicos
1.4.1_ Caminhos trilhados
O percurso metodológico adotado na presente pesquisa foi trilhado em meio a
constantes descobertas e desafios. A começar pelo objeto de estudo que, durante todo o
processo, sofreu diversos ajustes e redirecionamentos.
Num primeiro momento, o foco da pesquisa estava centrado nas representações da
pobreza e na concepção dos programas de combate à pobreza. Desse modo, a pesquisa
estava limitada ao discurso institucional sobre a pobreza.
Durante os encontros de orientação fomos amadurecendo idéias e ampliando
olhares. Percebemos que na discussão sobre pobreza fazia-se necessário inserirmos
elementos que considerassem a prática e os modos de pensar dos principais atores sociais
envolvidos nesse processo, ou seja, os próprios pobres. O caminho dessas reflexões nos
levaram, então, a um novo direcionamento para nosso objeto de estudo.
Dessa forma, tivemos que rever alguns instrumentos metodológicos. A primeira
providencia foi delimitar um campo empírico. Um espaço que permitisse uma aproximação
da figura do “ser pobre”, no sentido de adentrar no universo simbólico das falas, dos
corpos, das representações demandadas das práticas sociais vivenciadas por tais indivíduos.
Diante de tal objetivo, vimos no Programa Bolsa Família o espaço adequado para
observação empírica, por se tratar de um programa em que a identidade do “ser pobre”
constitui-se na porta de entrada, como também por ser o programa de maior abrangência
nacional, atualmente, de atendimentos aos considerados pobres.
27
No interior do Bolsa Família se configuram alguns momentos importantes de
abordagem aos pobres. Dentre eles, delimitamos o período de recadastramento para
desenvolvermos nosso trabalho de campo.
O período de recadastramento é o momento em que os considerados “pobres” ou
“usuários” do Bolsa Família se apresentam às equipes do programa, com o objetivo de se
inserir ou continuar no programa. Podemos defini-lo também como um instrumento de
controle e acompanhamento das famílias, exercido pela instituição de fomento, no caso, o
Governo Federal.
Esse período é caracterizado por uma espécie de “apresentação” de teor inquisitório,
onde vai estar em pauta o merecimento do usuário continuar ou não inserido no programa.
É neste mesmo momento, que o programa recebe milhares de novos candidatos que buscam
uma inserção no programa.
Por esses motivos, consideramos o período de recadastramento do Bolsa Família um
espaço estratégico para observar as diversas representações da pobreza. Um momento de
encontro entre instituição e “pobres”, em que ambos estão construindo e partilhando
representações sobre um tema comum aos dois: a pobreza.
Diante disso, chegamos à delimitação final do objeto: o estudo das representações
da pobreza na ótica dos considerados pobres, inseridos no Programa Bolsa Família, em que
tivemos como questões direcionadoras: que representações fazem os considerados pobres
de sua própria pobreza, como eles se percebem e se vêem enquanto sujeitos detentores de
uma identidade social do “ser pobre”.
Adentrar o campo de pesquisa não foi uma área fácil. O re-cadastrasmento era um
espaço de seleção de pessoas pelo mérito da necessidade. Por se tratar de um ambiente
onde as representações da pobreza eram baseadas na representação do ser pobre carente,
que necessita de assistência, havia um grande receio das pessoas presentes em dar algum
tipo de depoimento antes de entrarem na sala para se apresentarem à equipe do programa.
Nesse sentido, todo estranho que se aproximasse com perguntas direcionadas à
condição social das pessoas que aguardavam para se cadastrar era considerado suspeito e
potencial inviabilizador da sua entrada ou permanência no programa.
O espaço físico onde ocorria o recadastramento era limitado. Por isso, não havia
espaços em que pudéssemos realizar uma abordagem mais aproximada dos usuários. Nesse
28
sentido, tivemos que desenvolver a pesquisa meio a um cenário de imensas filas, rodas de
conversas sobre assuntos diversos, gritos e barulhos de crianças a correr, pedidos de ordem,
idas e vindas de pessoas. Enfim, estávamos imersos num ambiente transbordado de
representações e simbologias, onde as pessoas e suas práticas se confundiam.
Considerando a realidade presenciada em campo, num esforço metodológico de
análise, dividimos o recadastramento em dois espaços que consideramos primordiais, os
quais são a fila de espera e a sala de apresentação. A partir dessa delimitação espacial,
passamos a interagir com os atores sociais presentes nesta contextualização.
As abordagens se deram através de entrevistas no local do recadastramento, na
maioria das vezes, realizadas na própria fila e também através da observação no
acompanhamento das apresentações feitas pelos considerados pobres à equipe do programa
na sala de apresentação.
Num primeiro momento, pensávamos a pesquisa de campo composta pela
abordagem, através de entrevistas no local de recadastramento e, logo após, para dar
continuidade à entrevista, por uma visita domiciliar. Porém, das nossas tentativas de
conseguir ampliar a pesquisa para visitas domiciliares apenas uma obteve êxito. Fato que
atribuímos ao processo de vigilância e controle constante que se estabelecia entre os
usuários. Havia uma tensão em torno da possibilidade de conseguir estar ou não no
programa. Neste sentido, as visitas domiciliares eram concebidas como um “risco”.
Foram realizadas 15 entrevistas, todas realizadas na fila de espera. As entrevistas
tinham como foco estabelecer um diálogo como os indivíduos considerados pobres, para
que pudéssemos apreender elementos que constituíssem simbologias e pensamentos sobre a
condição social do “ser pobre”.
Vale ressaltar que o ambiente onde realizamos tais entrevistas era um ambiente de
vigilância, que em determinados momentos inviabilizada um contato mais aprofundado
com os entrevistados.
Já na sala de apresentação, nosso instrumento foi a observação sobre o cenário onde
se construía a cena de apresentação dos indivíduos. Nosso foco estava centrado na
apresentação dos considerados pobres e, em como as representações da pobreza
constituídas pelo indivíduo se apresentavam naquele momento.
29
Por outro lado, estávamos atentos ao conjunto de fatores que se agregavam em torno
da cena de apresentação dos considerados pobres. Nesse sentido, nosso olhar também
estava voltado para as posturas, os objetos, as pessoas, os corpos e como todos esses
elementos acrescentavam no momento da apresentação.
O exercício de observação durante a apresentação à equipe não demandou nenhum
tipo de interação com as pessoas. Apenas observávamos como eram desenvolvidos os
trabalhos dos recadastradores em interação com os usuários.
Assim, metodologicamente demarcamos dois campos importantes de observação
durante a pesquisa: por um lado, a auto-representação do pobre sobre sua pobreza a partir
das delimitações de seus espaços sociais e, por outro, o olhar institucional, suas
representações e seu olhar sobre as representações do outro.
Além da pesquisa de campo, desenvolvemos constante pesquisa documental sobre o
programa Bolsa Família, como também leituras que nos levassem a entender as re-
configurações da condição de pobreza e como elas vêm se constituindo durante os anos.
Nesse sentido, também trouxemos uma abordagem história, considerando os
diversos momentos em que as representações da pobreza foram se delineando e como ainda
são vistas ou como serviram de base para surgimento de outras representações.
Durante esse trajeto delineador de recortes metodológicos, consideramos essencial a
contribuição recebida no processo da qualificação do projeto de pesquisa. O momento em
que decidimos olhar para a pobreza, através dos contornos teóricos das representações
sociais, foi um fato que se colocou como um desafio, uma vez que, essa foi a primeira
oportunidade em que trabalhamos com tal perspectiva.
As referências teóricas adquiridas com as disciplinas regularmente estudadas e,
principalmente, o processo de orientação, fez com que nosso olhar se ampliasse para uma
dimensão metodológica mais ampla e rica. Entendemos que o ofício do pesquisador é um
caminho que requer rigor e amadurecimento, por isso, temos clareza que ainda há um longo
caminho de aprendizagem que nos espera em outros momentos acadêmicos.
30
1.4.2__Dinâmica expositiva da dissertação
A apresentação deste trabalho está disposta em cinco capítulos, além do texto
introdutório e das considerações finais. Através do desenvolvimento dos capítulos,
construímos a dinâmica expositiva no sentido de tentar conduzir o leitor aos principais
argumentos que ao longo do tempo têm conduzido as discussões em torno do estudo das
representações sociais sobre a pobreza.
No capítulo introdutório, temos uma apresentação do objeto, onde buscamos
contextualizá-lo numa dimensão histórica-política. Nesse sentido, mostramos que a pobreza
se afirma nos séc. XIX e XXI como uma das maiores problemáticas sociais e que continua
a desafiar pensadores sociais que trabalham com esta temática.
Prosseguindo o argumento apontamos a questão da pobreza como fenômeno
mundial no segundo capítulo. Essa discussão é importante para compreender que
singularidades são postas à condição da pobreza nestas últimas décadas.
Para isso, contextualizamos a percepção da pobreza na sociedade contemporânea.
Tentamos mostrar os lugares que são constituídos e direcionados aos pobres nesse modelo
social. Argumentamos, partindo de um entendimento que a pobreza é uma problemática
articulada globalmente e está inserida em processos de dimensões estruturais e, ao mesmo
tempo, as conseqüências desses processos globalizantes são re-significados localmente nas
vivências e constituições simbólicas nas práticas dos indivíduos.
No terceiro capítulo, relatamos sobre o Programa Bolsa Família., onde
apresentamos um cenário, através das proposições do referido programa, de como a
pobreza é tratada localmente e, conseqüentemente que representações se constituem a partir
dessa intervenção social na busca de minimizar a condição de pobreza dos indivíduos e que
instrumentos e critérios são pensados nesta intervenção.
Após situarmos e contextualizarmos nosso objeto de estudo, no quarto capítulo,
partimos para discutir os elementos observados aentão, através da dimensão teórica das
representações sociais. Nessa parte do trabalho, tivemos como objetivo construir
instrumentos de análise, que permitissem uma compreensão das singularidades observadas
em campo. Nesse sentido, apresentaremos quatro tipos mais recorrentes de representações
31
sobre a pobreza e, que puderam ser observados nas diversas formas de representações da
pobreza identificadas durante a pesquisa empírica.
A constituição do argumento sobre as quatro representações considerou a dimensão
históricas em que elas surgiram, como também, o processo de re-significação dos seus
elementos fundantes, ocorridos no transcorrer das intensas transformações sociais.
Partindo dos instrumentos de análise constituídos, através das representações da
pobreza, apresentamos os resultados da pesquisa empírica no último capítulo. O quinto
capítulo é o espaço onde discutiremos os dados obtidos através de entrevistas e sessões de
observações no período de recadastramento do Programa Bolsa Família realizado num
posto de recadastramento num bairro da periferia de Fortaleza.
O esforço nesse capítulo se deu no sentido de retratar ao leitor os pontos chaves
encontrados em campo para trabalhar nosso objeto de estudo, ou seja, as diversas
representações dos atores pesquisados sobre a sua condição de pobreza enquanto “pobres”
que participam de um processo de inserção num programa de transferência de renda.
Nesse sentido, tentamos trazer depoimentos e cenas que consideramos essenciais
para retratar ao leitor o universo pesquisado e as situações vivenciadas em campo, mesmo
sabendo que isso não se trata de tarefa fácil.
E concluindo, finalizamos com o texto de considerações finais pontuando algumas
questões gerais observadas durante todo o percurso da pesquisa. Optamos por não
resguardar as considerações de teor analíticas conclusivas apenas para esta parte do texto.
Em todos os capítulos fizemos o exercício de trabalhar conjuntamente a exposição de
conteúdo e as observações que considerávamos importantes naquele momento. Assim,
consideramos que as “considerações finais” se encontram diluídas por todos os demais
capítulos.
Assim, a parte que fecha o trabalho são conclusões referenciadas no esforço
analítico da autora sobre o tema trabalhado, como também são considerações acerca da
vivência de pesquisadora, suas implicações, desafios e, principalmente, o registro da
sensação de que a pesquisa científica é um campo inesgotável e, quando pensamos que
estamos finalizando algo, estamos, na realidade, apenas começando.
32
Capítulo 2
POBREZA NA SOCIEDADE DO CAPITAL: CONSTRUINDO VIAS ANALÍTICAS
2.1_ Ser pobre: Lugares possíveis no contexto da sociedade do capital
Pretendemos nesse tópico discutir os espaços ocupados pela pobreza e pelos
pobres no contexto da sociedade do capital, tento em vista que um dos argumentos
recorrentes para se explicar a pobreza, encontra-se nos ajustes econômicos do capital como
um dos processos geradores de desigualdades sociais e de pobreza.
O objetivo é buscar instrumentos para pensar os processos estruturais que acirram
o abismo das desigualdades e como a inserção social está atrelada a uma inserção obtida
através da lógica de uma sociabilidade da sociedade do capital, restando, para os que não se
enquadram às suas regras, formas de vidas estigmatizadas e marginalizadas, como o “ser
pobre”. Estigmatizadas, entenda-se aqui como referência a “um atributo profundamente
depreciativo que se estabelece numa linguagem de relações sociais entre os indivíduos”.
(GOFFMAN, 1988, p. 13).
É na concretude das relações sociais que podemos perceber como se institui a
estigmatização da figura dos pobres em seu teor depreciativo. Geralmente tratado como “o
outro”, o pobre é diferenciado por representar tudo que o progresso da sociedade do capital
rejeita, o refugo. Usando os termos de Vera Telles (2001) são “as figuras do atraso” que
concretamente se postam aos olhos de todos.
Mas afinal, o que é “ser pobre” para sociedade do capital? Essa pergunta implica
diversas percepções, mas podemos pensar que uma das representações do pobre, na lógica
do capital, é a da “incapacidade”. Ou seja, os indivíduos, considerados pobres, são visto
como pessoas que não conseguem prover sua própria subsistência e, assim, não conseguem
se enquadrar no conceito de inserção social, seja a inserção no mercado de trabalho, no
mercado consumista, no mercado da moda etc.
Na sociedade do capital, as relações sociais são pautadas em princípios e
necessidades postos por grandes centros de produção e de consumo, o indivíduo tem que se
33
apresentar, quase sempre, como um potencial consumidor, com renda para disponibilizar o
consumo.
Porém, entendemos que a gica da convivência social, nem sempre esteve
pautada apenas nas relações impostas pela supremacia das relações mercadológicas, mas
por outros meios de inserção social do indivíduo, como os laços de solidariedade social,
familiar e vicinais.
O modelo de mercado que conhecemos hoje foi um modelo surgido no séc. XVIII,
o qual segundo Polanyi (apud SCHWARTZMAN, 2004, p. 48), era um modelo de mercado
que trazia algo de novo. O autor observa que a pobreza e a miséria, surgidas na época, não
eram decorrentes da industrialização em si, mas da destituição da velha ordem social
trazida pela introdução sem controle de uma nova economia de mercado.
(SCHWARTZMAN, 2004, p. 48,).
Antes desse modelo de mercado, a economia não se apresentava separada da
política, da religião, da convivência social. As atividades econômicas eram engastadas nas
instituições sociais que são instrumentos que dão ao indivíduo sua identidade social e
condição de sobrevivência pessoal.
Além disso, Polanyi observou na expansão da economia de mercado dois
correlatos não-econômicos: um social e outro político. O político, que foi a tentativa de
estabelecer uma nova ordem internacional pelos princípios do liberalismo e o social, que
foi a destituição dos estilos de vida tradicionais da organização social, sem ter havido uma
completa substituição de tais perdas pelos mecanismos de mercado.
Podemos acrescentar aos argumentos do autor, que hoje, mais do que nunca, o
modelo da economia de mercado se encontra inteiramente ligado às delimitações da vida
social dos indivíduos. Porém, acreditamos que algo de peculiar na contemporaneidade,
que é o fato da economia de mercado conduzir e instituir as prioridades e sentidos das ações
sociais.
Assim, a esfera econômica não se apresenta mais como uma necessidade ligada às
demais esferas da vida social, num sentido horizontal, mas sim no topo de uma
verticalidade suprema. A sociabilidade, mediada através da inserção econômica, apresenta-
se no topo da pirâmide, vendida como a forma mais viável de mobilidade social e
sobrevivência social entre os indivíduos.
34
Essa é uma realidade presenciada junto ao processo de inserção pensado pelo
Programa Bolsa Família. A renda distribuída é direcionada à inserção econômica das
famílias, a qual ocorre através do consumo. Ao serem indagados sobre o destino da renda
recebida através do programa, à maioria diz utilizar os recursos para consumo imediato. A
renda recebida volta ao mercado através da compra da alimentação e material escolar. Em
alguns casos, os recursos retornam, inclusive para o Estado, pois os usuários afirmam
também pagar contas de serviço público como água e energia elétrica.
Logo, temos que estar atentos aos processos decorrentes da prometida busca da
inserção social pela economia de mercado, como ela constrói sentidos às relações sociais e
à sua indiscutível influência nos processos de sociabilidade dos indivíduos considerados
pobres e/ou descartáveis, uma vez que, estes já são denominados de “pobres”, pelo fato de
não estarem totalmente inclusos dentro dos padrões mínimos de subsistência regulados
pelos valores da sociedade do capital. Em outras palavras, até que ponto a pobreza está
relacionada às relações estabelecidas pela sociedade do capital? Como se a constituição
da identidade social do “ser pobre” e suas representações no interior das relações pautadas
na sociabilidade da lógica do capital de um mundo globalizado?
Nesse cenário, não podemos tratar a problemática da “complexificação da questão
social” (CARVALHO, 2003, p. 135), geradora de pobreza e de exclusão social de maneira
isolada. O debate sobre os mecanismos de exclusão, através do conceito de “exclusão
social” feito de maneira isolada, conforme Martins (2003), não dá conta de encontrar
identidades ou diagnósticos dos processos do sistema capitalista. Pois, a forma que é
concebido o conceito de exclusão social hoje, apenas centrado, na pobreza e miséria,
apenas apresenta a ponta de “iceberg” do toda uma problematização.
O autor observa que a exclusão é um sintoma grave de uma transformação social
que vem rapidamente fazendo de todos os seres humanos seres descartáveis, reduzidos à
condição de coisa, forma extrema de vivência da alienação e da coisificação da pessoa.
(MARTINS, 2003, p. 20).
Nesses termos, “a exclusão moderna é um problema social porque abrange a
todos: a uns porque os priva do básico para viver com dignidade, como cidadãos; a outros
porque lhes impõe o terror da incerteza quanto ao próprio destino e ao destino dos filhos,
dos próximos. Conclui o autor que, “a verdadeira exclusão está na desumanização
35
própria da sociedade contemporânea, que ou nos torna planfetários na mentalidade ou nos
torna indiferentes em relação aos seus indícios visíveis... (MARTINS, 2003, p. 21).
Entendemos que o olhar sociológico sobre o tema da pobreza não pode se
restringir a um único foco, mas que seja um olhar que vislumbre os processos sociais
decorrentes desse “novo” modelo social. A historicidade da pobreza mostra que se
constituíram diversas representações a partir de um lugar social possível aos pobres.
Lugares estes, permeados por relações familiares, vicinais e onde os indivíduos re-
significam suas relações com o mundo, com suas simbologias e valores, enfim, utilizam o
capital social de que dispõem para continuar existindo.
Consideramos que a discussão sobre a representação da pobreza não pode estar
dissociada da discussão sobre o lugar dos “pobres” na sociedade do capital. Esse foco é
imprescindível para entender as delimitações sociais do ser pobre, os fatores estruturais da
causa da pobreza inserida nesse processo, como: a extinção dos postos de trabalho e os
ajuste econômicos dos países e suas conseqüências diretas nas configurações socais, nas
representações simbólicas e culturais que os considerados pobres têm de si mesmos.
2.2_ Processos globalizantes: a constituição do ser pobre em meio às fronteiras e
transformações econômicas
É notório que, quase sempre, a construção da definição de pobreza está atrelada
aos processos significativos das mudanças que ocorrem em determinados momentos
históricos. Nesse sentido, o contexto cio-político-econômico é determinante para
construir representações sobre a categoria de ser pobre ou da condição de pobreza deles.
Desde a Idade Média, quando a Igreja conduzia e matinha as regras do modelo de
interações socais, já se desenhava e retratava a definição do ser pobre a partir das condições
objetivas da realidade naquele momento. O pobre da Idade Média, numa representação de
forte influência clérica, era aquele indivíduo que trazia consigo a humildade, a pureza de
espírito e a sua pobreza era considerada uma condição terrena que daria a certeza de
salvação divina.
Avançando nessa linha temporal para o momento presente, temos que essa
concepção passou por diversas representações em outros contextos históricos e foi
36
profundamente repensada, principalmente com a constituição do Estado Laico. A partir
desse momento, os processos políticos e econômicos passam a ser o olhar que legitima o
que significa ser pobre em meio ao contexto social.
Algumas ideologias e discursos sobre a condição de pobreza emergiram no séc.
XX e séc. XXI, meio a grandes processos de transformações sócio-econômica e políticas.
Várias foram as metamorfoses sociais, porém aqui queremos nos centrar nas mudanças que
agravaram o quadro de pobreza iniciado nos anos setenta e que se afirma no início dos anos
80 e 90.
Esse período demarcou os conhecidos processos de abertura de fronteiras
econômicas entre nações, o denominado pensamento neoliberal, ou seja, as novas re-
signifições das interações de processos econômicos entre nações, vigentes através dos
ditames da mundialização do capital
3
, que trouxe consigo os novos desenhos do sistema
capitalista, suas transformações no trato das ações voltadas à sociedade, especificamente, às
questões sociais.
Várias denominações também podem ser dadas a este processo. A globalização é
um dos termos mais usuais quando se fala em causas da pobreza. Por isso, faz-se
necessário, tentarmos dimensionar o que há por trás desse conceito, ou melhor, discutir suas
implicações metodológicas de análise da condição de pobreza dos indivíduos.
Para isso recorremos às reflexões de Bauman (1999), com o objetivo de entender o
que representa e significa “globalização” no contexto social, na constituição de identidades,
especificamente as identidades dos “pobres” ou “refugos”. E, observar também, as
segregações espaciais, que estão ligadas ao processo de agravamento das desigualdades
sociais e suas representações nos espaços locais e globais.
A partir de uma crítica ao uso do termo globalização, o autor faz uma
contextualização da “globalização” e suas conseqüências, como algo que se contextualiza
mundialmente em formatos diferenciados.
Esse recorte se faz importante para entendermos que os processos geradores da
condição de pobreza dos indivíduos constituem-se inseridos num conjunto de crenças e
3
Termo do Economista Francês François Chesnais e utilizado por Carvalho (2002), por entender que é uma
expressão de maior aproximação para enfatizar o momento de internacionalização do capitalismo, ora em
curso.
37
valores de ações do chamado mundo globalizado. Assim, não se encontram desconexos de
um contexto de dimensão mundial que apontam para um agravamento das questões sociais.
De maneira provocativa, Bauman (1999) diz que o termo globalização passou,
num processo rápido, a ser uma palavra da moda, que traz consigo possibilidades de abrir
senhas para desvendar os mistérios presentes e futuros. É um termo que pode ser lido como
o que devemos fazer se quisermos ser felizes ou para muitos a causa da nossa infelicidade.
E mais, traz uma idéia de unidade para todos, em que a globalização é o destino
irremediável do mundo, um processo irreversível. Além de acreditar que todos estamos
globalizados, ou seja, que todos estamos afetados nesses processos da mesma maneira.
É nesse ponto que o autor vai nos ajudar a refletir sobre a maneira como se
processam as diferenças socais no contexto da globalização. Os processos globalizantes não
têm a unidade de efeitos que se supõe comumente. Nesse caso, o uso do tempo e do espaço
é diferenciado e diferenciador.
Em sua concepção, a globalização tanto é um processo que divide como une. Ao
lado das dimensões planetárias como negócios, finanças, comércio, fluxo de informação,
coloca-se um movimento que constitui um processo localizado de fixação de espaço
(BAUMAN, 1999, p. 8). São estes dois movimentos que diferenciam as condições
existenciais das populações inteiras e segmentos sociais de cada população.
É parte integrante desse processo uma progressiva segregação espacial de
separação e exclusão. O autor cita como exemplos, o que ele vai chamar de tendências
neotribais e fundamentalistas que refletem e formulam a experiência das “pessoas na ponta
receptora da globalização”.
Ou seja, longe de ser um termo totalizante e unificador, as definições e
conseqüências geradas por este modelo de relações, serão sentidas nos espaços locais,
enquanto definidores de ações sociais entre o indivíduo e seu meio.
Tal observação leva-nos a refletir sobre o próprio uso de macroconceitos como
“globalização” enquanto qualificadores de ações sociais. Num primeiro momento é como
estivéssemos falando de algo exterior aos indivíduos, tal como Durkheim pensava a
supremacia da sociedade sobre o indivíduo. Porém, todo processo social, seja na dimensão
econômica, política ou cultural é vivenciado, constituído pelos e entre os indivíduos.
38
Dessa forma, ao considerarmos as grandes transformações sócio-econômicas
trazidas pela “globalização” ou “mundialização do capital”, pensamos também como esse
processo é recebido e representado na dimensão do indivíduo. Parafraseando Bauman pelas
pessoas na ponta receptora, e porque não, pelos considerados “pobres” do Bolsa Família.
Em uma das entrevistadas realizadas em campo, uma usuária do programa Bolsa
Família expressou, de maneira enfática, suas reflexões sobre sua condição de pobreza: O
dinheiro é a mola do mundo, sem dinheiro não somos nada. (Usuária do Bolsa Família).
Tendo esse depoimento como um exemplo, observamos como os processos
macros são significados e representados pelos indivíduos numa dimensão local, numa
percepção de saída da sua realidade.
No caso, uma senhora considerada “pobre”, que buscava uma vaga no Programa
Bolsa Família tem uma representação do que para ela é necessário para estar inserida
socialmente e, ao mesmo tempo, isso indica o fato pelo qual a sociedade não a considera
inserida, ou seja, sua representação da pobreza enquanto carência material.
Essa é uma das formas como os processos macroeconômicos e políticos chegam
aos indivíduos e como eles os sentem. A senhora representou em sua fala quais os valores
exigidos a ela para que ela se sinta “alguém” no mundo, o que ela relaciona à renda, ou
melhor, à sua capacidade de acúmulo de bens, como o dinheiro. São as representações
sociais que chegam na ponta.
Assim, quando falamos nas grandes transformações sócio-econômicas trazidas
pela “globalização” ou “mundialização do capital” temos que pensar como esse processo se
dá na dimensão do indivíduo e, como estas questões são representadas em seu cotidiano.
A importância da desconstrução dos macroconceitos, de teor totalizantes, vem no
sentido de compreender como na sociologia do cotidiano os indivíduos estão representando
e vivenciando as conseqüências dos processos gerais da sociedade. Lembrando os
argumentos de Max Weber, que considera ser a sociedade composta por indivíduos que
conferem sentido às suas ações e estas ações estão articuladas numa teia de significados e
valores que se constituem a partir da própria realidade.
No contexto dessa construção de sentidos, podemos observar também a influência
de fatores externos, que muitas vezes se estabelecem acompanhada de uma relação de
poder. É o caso que podemos considerar nessa relação do local-global.
39
Bauman (1999) se refere aos movimentos localizados falando numa dimensão
territorial do termo e fazendo contraponto ao termo globalização como conseqüências e,
ao mesmo tempo, interferindo na constituição de outros na dimensão global. E, Nessa
relação proposta pela globalização, o global aparece como os centros de produção de
significados e valor que são hoje extraterritoriais e emancipados de restrições locais
(BAUMAN, 1999, p. 9).
A fala da senhora entrevistada acima não ecoa sozinha. Ela está sintonizada a um
eco global, de diversos dialetos e culturas, que hoje reproduzem valores de relações sociais
cada vez mais á sombra da relação mercadológica de consumo.
Outro exemplo dessa força do poder global é a relação de poder estabelecida
através da série de restrições conhecidas como Ajuste Estrutural vivenciadas pelos países
considerados em desenvolvimento. São proposições de ações adotadas por representações
dos centros, dos pilares, ou melhor, dos considerados países do Primeiro Mundo.
Na afirmação de Chossudovsky (1999), através desses programas denominados de
Ajuste Estrutural e Estabilização Macroeconômica se tem a causa do que ele vai chamar de
processo de globalização da pobreza que vem se efetivando desde o começo dos anos 80.
Numa dimensão local, esse pacote de ajustes estruturais tem contribuído para
desestabilizar moedas nacionais e arruinar as economias dos países em desenvolvimento
(CHOSSUDOVSKY, 1999). Esses seriam fatores que estariam desequilibrando a realidade
interna desses países, culminado com o agravamento das condições sociais de igualdade.
Observamos que as referências de ideal de desenvolvimento são os dos países
denominados de primeiro mundo. Eles são o modelo de desenvolvimento econômico de
sucesso. Essas influências vão além, ultrapassam a esfera econômica, passando a ser
modelos de comportamentos, de valores e ações. A centralidade da globalização está no
global em detrimento do local.
Simbolicamente, para Bauman a idéia de local-global, remete também ao próximo-
longe. Estas oposições trazem significados que desvendam um novo aspecto da interação
social, ou seja, traz uma nova percepção sobre os novos trânsitos, a mobilidade entre
fronteiras entre cultura e nações.
Assim, o perto ou próximo é o usual, familiar e a obviedade, algo ou alguém que
se vê, com que se lida e interage diariamente. Enquanto o longe, é o espaço onde se
40
penetra apenas ocasionalmente ou nunca, no qual as coisas que acontecem não podem ser
previstas. É está além do alcance, deslocado... (BAUMAN, 1999, p. 20).
É essa polaridade, que traz nas interações sociais uma das principais marcas da
globalização que é a dimensão de um mundo fugidio e incerto. A subjetividade dos
indivíduos na sua relação com o mundo anda entre a incerteza e a certeza, a autoconfiança e
a hesitação. Esses são os pilares em que se estabelecem as relações sociais no contexto da
globalização.
Citando Bauman:
É esta desconfortável percepção das cosias fugindo ao controle é que foi
articulada num conceito atualmente na moda: Globalização. (BAUMAN,
1999, p. 20)(grifo meu).
Na abordagem do autor, as idéias transmitidas pela idéia globalização trazem um
caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais. É a partir
dessa dimensão simbólica dos indivíduos e de suas relações sociais, que autor denomina o
que hoje se chama de globalização.
Diante do nível de desigualdades sociais, geradas através de um contexto de
incertezas sobre a própria condição de sobrevivência, é que, para o autor, a sociedade vai se
distanciando do ideal de construir um mundo melhor e diferente, de tornar semelhante às
condições de vida de todos, em todas as partes do mundo oferecendo melhores
oportunidades. Objetivos estes, relacionados aos pensadores dos ideais do mundo moderno,
trazidos através do termo Universalização. Isso ficou para trás com a globalização, pois a
globalização não busca essa unidade, ela une e separa ao mesmo tempo.
E assim, conclui Bauman (1999) que uma das conseqüências fundamentais da
nova liberdade global de movimento é que está cada vez mais difícil, talvez até mesmo
impossível, reunir questões sociais numa efetiva ação coletiva. (BAUMAN, 1999, p. 77).
Carvalho e Guerra (2007) preferem denominar de Mundialização do Capital o
momento dessas intensas transformações a que determinados autores chamam de
globalização.
Carvalho (1995) justifica o uso do referido termo, afirmando que essa
denominação, Mundialização do Capital utilizada pelo autor François Chenais, expressa
41
melhor essa nova etapa de internacionalização do capitalismo ora em curso, pois
globalização é um termo eivado de ideologia com um caráter apologético, que padece de
uma falta de nitidez conceitual circunscrevendo um mito do nosso tempo. (CARVALHO,
1995, p. 41).
Uma das principais marcas analisada por Carvalho e Guerra (2006) no processo de
mundialização do capital é a contradição que se define no sistema do capital, concretizada
na crescente presença de populações supérflua para o capital, processo decorrente da
substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto.
A vulnerabilidade do trabalho é um dos fatores principais das causas de pobreza
que se afirma no contexto da globalização. Essa contradição é algo que podemos relacionar
aos processos sociais vigentes como a afirmação do processo de desigualdades sociais,
pobreza e exclusão. Este, para Carvalho (2006), trata-se de um momento peculiar na
civilização do capital, um novo momento do sistema capitalista em que o capital se alicerça
na ciência e na tecnologia, gestando imenso poder de dominação sistêmico. Nas palavras da
autora:
Essas novas formas de dominação social vem à tona nos processos de
reestruturação produtiva, na financeirização da economia, no padrão
oligopolizado do aparelho produtivo em termos das grandes corporações,
na intensificação da produtividade, através das forças produtivas
cibernético-informacionais. (CARVALHO, 2006, p. 3)
As formas concretas de dominação social, enquanto conseqüência desse processo
de mundialização do capital, seriam a vulnerabilidade do trabalho, concretizadas no
desemprego formal e em outras múltiplas formas de precarização do trabalho, assim se
daria a formação da população sobrante do capital, os descartáveis do capital, pois uma
incapacidade deste modelo de sociedade de incorporar o mero considerável da força de
trabalho.
É esse segmento, os que não conseguem retornar ao mercado de trabalho, que não
encontra mais espaço nessa dinâmica da sociedade do capital, os quais Bauman vai
denominar de “refugo do capital”, ou seja, uma população descartável não serve à
utilização do capital e torna-se um ônus para a mesma.
42
Mais uma vez, temos a representação da condição de pobreza na sociedade
contemporânea associada à incapacidade do indivíduo diante de uma crise, o que
vulnerabiliza a sua inserção no mercado de trabalho.
Pudemos observar que atrás dessas categorias de análises, tanto globalização ou
mundialização do capital, estão elementos fundantes que articulam a definição da condição
de pobreza dos indivíduos: aspectos de direcionamentos sócio-econômicos-políticos,
partilhados mundialmente nas agendas entre nações, que são atrelados a uma gica de
mercado excludente para os segmentos sociais que não lhes são usáveis. Como
conseqüência, temos a representação do pobre que se constrói a partir da figura do
incapacitado, inútil e perfeitamente dispensável a esse processo.
2.3_ O enfrentamento da pobreza na sociedade do capital: a categoria pobreza nas
formulações do Banco Mundial
Organismos internacionais têm assumido um papel de visibilidade enquanto
financiadores de combate à pobreza no Brasil e no Mundo. Ugá (2004) observa que, a partir
dos anos 90, ocorre uma centralidade do conceito “pobreza” devido à sua grande utilização
em relatórios desses organismos governamentais em documentos de formulações e
avaliação de políticas públicas.
Dessa forma, hoje, organismos como Banco Mundial, Fundo Monetário
Internacional, dentre outros, têm grande poder de definição das estratégias de combate à
pobreza e, com isso, são referências nas representações institucionais sobre o conceito de
pobreza.
A base operacional e financeira das ações para lidar com a pobreza do Banco
Mundial se através do Fundo Social, pelo qual, o Banco administra a estratégia de ação,
desenha programas concretos e avalia os resultados. Geralmente, a ação de inserção social
do pobre se através de capacitações voltadas à inserção no mercado de trabalho ou de
consumo. Então, para esses organismos, a sua intervenção via tais políticas “não deve se
converter em prática ou poder político, mas numa pratica de empresariamento, em que as
agências competem entre si de forma a incorporar os pobres ao mercado e não ao
Estado.” (IVO, 2003, p. 11).
43
Vale ressaltar, que essas instituições são partes estruturantes no processo
considerado mundialização do capital. Elas são uma espécie de representação do capital,
presentes em países considerados pobres, onde “vendem” sua assistência e suas estratégias
de combate à pobreza, de acordo com suas concepções do que venha a ser as causas de
pobreza e como acreditam que os considerados pobres devem se portar dentro do contexto
sócio-econômico.
No caso da América Latina, o Banco Mundial e o FMI passaram a ter um espaço
de inferências nas ações contra a pobreza, a partir da constituição e afirmação da ideologia
neoliberal nos países considerados em desenvolvimento, a qual teve início após a crise em
torno do sonho do desenvolvimentismo dos anos 70.
A hipótese de Ugá (2004) é que a abordagem dessas instituições sobre pobreza,
tem uma identidade própria que pode ser percebida a partir dos relatórios anuais de
acompanhamento dos avanços da pobreza nos países financiados em suas políticas de
combate à pobreza.
A mesma autora considera que as políticas de combate à pobreza têm sido
apresentadas como um alerta para os efeitos sociais negativos da globalização neoliberal e,
para os países em desenvolvimento, uma solução para os custos sociais decorrentes do
ajuste percebidos nesses países. Porém, em sua concepção, tais políticas são um elemento
próprio de uma teoria presente nos documentos do Banco Mundial (...) elas formam um
conjunto de políticas sociais voltadas exclusivamente para a compensação, cujo alvo, a
pobreza, é conceitualmente construído e faz parte de um modelo de sociedade específico.
(UGÁ, 2004, p. 60-61).
Nesse modelo conceitual, a capacidade de empregabilidade do indivíduo é
primordial e vai especificar os pobres nos relatórios. Assim, o mundo do trabalho estaria
formado por dois tipos de indivíduos: o competitivo, ou seja, aquele capaz de atuar
livremente no mercado, pois detém competitividade para conseguir o emprego; e o
indivíduo incapaz, ou aquele que não tem empregabilidade, nem é competitivo, pois não
pôde (ou não quis) investir em seu próprio capital humano.
Nas propostas direcionadas aos pobres pelo referido Banco podemos encontrar a
definição de pobre como o indivíduo incapaz que não consegue ou o garante o seu
44
emprego nem sua subsistência. E, nas suas recomendações, é desse pobre que o Estado
deve cuidar.
Autores consideram que nos relatórios de 1990 a 2001 a percepção sobre pobreza
tem se modificado e os conceitos utilizados para qualificar a problemática também. Em
1990, o ser pobre tinha como sua principal potencialidade o tempo disponível para
trabalhar. Assim, a educação seria o foco para tornar o indivíduo mais competitivo e,
conseqüentemente, aumentar a empregabilidade. As promoções de políticas eram
focalizadas no conceito de capital humano, este, por sua vez, centrado na educação e saúde.
Nessa compreensão, a saída para o pobre estaria em integrá-lo ao mercado. O
indivíduo seria integrado, desde que tivesse capital humano adequado. Aqueles que não
tivessem este capital seriam incapazes de atuar no mercado e configurariam a definição de
pobres que o Estado compensaria com suas políticas focalizadas e com iniciativas visando
aumentar o capital humano.
O relatório de 2000/2001 traz uma análise das experiências dos anos 90. Enquanto
nos anos 90 priorizava-se a renda como fator indicador de pobreza, o relatório de 2001
passou a considerar a pobreza um fenômeno multifacetado, sendo este decorrente de várias
privações produzidas por processos econômicos, políticos e socais que se relacionam entre
si. Assim, além da análise da renda, a pobreza passa a ser considerada como ausências de
capacidades, acompanhada da vulnerabilidade do indivíduo e de sua exposição ao risco.
(UGÁ, 2004, p. 59).
Esse pensamento é baseado na perspectiva do Amartya Sen, que entende o
desenvolvimento a partir de um cenário onde os indivíduos consigam desenvolver suas
capacidades sem restrições. Só assim se teria a plenitude da liberdade humana.
Em nossa concepção, a representação do pobre continuou sendo a mesma, a do
incapaz, porém, nessa nova versão, a abordagem se volta a produzir capacidades ampliadas
para que se justifique o direito da liberdade de escolha desse indivíduo sobre seu destino
social.
Esse olhar vem fortalecer as pretensões de uma sociedade de forte teor
individualista, pelos quais o indivíduo é responsável pela sua “desgraça” social. Mas, vale
ressaltar, que o livre arbítrio pregado nesse modelo de sociedade, nem sempre é o que
parece ser.
45
Esse discurso do indivíduo responsável por si próprio é prontamente reproduzido
tanto no senso comum, como na teoria. Dentre as diversas representações do “ser pobre” há
uma imagem do pobre como quem não lutou o suficiente para ter uma vida melhor.
Inclusive, uma das grandes críticas ao Programa Bolsa Família, considerado
programa voltado aos pobres, é a de ser um programa assistencialista que não estrutura as
famílias ou indivíduos a se responsabilizarem por si e por superarem a sua condição de
pobreza.
Dentre as novas perspectivas trazidas pelas inferências de agências internacionais
e suas estratégias de enfrentamento da pobreza, considera-se os pobres como sujeitos
potencialmente mobilizadores, dizem Duhau e Schteingart (apud IVO, 2003).
Isso significa ver os pobres como sujeitos potenciais de mobilizar ações de
superação de sua própria pobreza. Aqui entra o aspecto trabalhado nos últimos relatórios do
Banco Mundial sobre a superação da pobreza com foco no desenvolvimento da capacidade
dos indivíduos. Isso significa também, a ênfase no desenvolvimento de capacidades pré-
existentes dos próprios pobres no provimento da sua condição social.
Ivo (2003) visualiza lados positivos e negativos nessa forma de tratamento
dispensado ao pobre. Ou seja, a autora pensa que mobilizar o potencial dos pobres, nos
ternos da política neoliberal, implica aproveitar a capacidade existente nas comunidades,
canalizando-a para resolver, a um tempo, os problemas materiais da pobreza, da
participação e da integração social através de sua inserção no mercado. É nessa perspectiva,
da organização dos pobres na promoção de suas demandas e atendimento das suas
necessidades básicas que se podem tirar questões positivas e negativas.
Negativas quando entende a pobreza como fenômeno localizado e residual, que é
incompatível com progresso da sociedade industrial, avançando assim em políticas
repressivas ou de gestão da miséria e assistência.
Por outro lado, a autora aponta como lado positivo a oportunidade de reconverter
os potenciais combativos e de resistência dos pobres em ativos e assim, tentar resolver sua
própria condição de vulnerabilidade social. Ou seja, as políticas propostas pelo pensamento
neoliberal são ações que consideram um potencial preexistente da população, como terra,
casa, etc. Esses instrumentos são apropriados e reforçados de forma a integrar essa
46
população pobre ao mercado e assim, ter-se a possibilidade de ultrapassar a condição de
pobreza.
Porém há uma ressalva, esse processo são estratégias voltadas para os pobres
viáveis ou o que a autora vai denominar de “bons pobres”, que são aqueles que aparecem
ao sistema como capazes de se transformarem em cidadãos-consumidores se integrando à
sociedade de mercado e consumo. (IVO, 2003). O que não é o caso da maioria do público
atendido pelo Bolsa Família.
Essa perspectiva atual do pensamento neoliberal, de investimento nas capacidades
humanas, vem centrada na definição de vulnerabilidade social trazida pelo Banco Mundial.
Sob esse ponto de vista, a vulnerabilidade não pode ser definida apenas pela dimensão da
carência, mas implica também a força da resistência como capacidade de responder aos
efeitos negativos produzidos pela consolidação de pobreza através das ações afirmativas.
A consideração do pobre enquanto sujeito mobilizador de potencialidades envolve
o que as agências internacionais chamam de ativos sociais, ou seja, elementos econômicos
e culturais que podem e devem ser identificados e mobilizados na hora de se buscar
soluções para a pobreza junto aos pobres.
São especificados como ativos sociais dos pobres para as agências:
1- As atividades de trabalho, assalariadas ou autônomas que desenvolvem;
2- O capital humano em termos de habilidades e estudos;
3- Os asseis (ativos) produtivos, como casa, oficinas, etc;
4- A estrutura de relações familiares;
5- As redes comunitárias com capacidades de produzir soluções coletivas;
Não é à toa que ultimamente temos visto surgir várias iniciativas vindas de órgãos
estatais ou de iniciativas privadas voltadas à formação de grupos de mútua ajuda, em que os
indivíduos são percebidos em suas potencialidades e reunidos e financiados em torno de um
meio de produção para gerar lucro para si, como estratégia da superação de sua pobreza.
Os projetos sociais têm desenvolvido essa perspectiva, tanto para grupos como
para indivíduos. Os critérios de adesão são formação de grupos e auto-gestão deles. Os
pobres como responsáveis pelo seu sucesso ou fracasso.
47
Estes “ativos sociais” dos pobres considerados condições de participação dos
pobres nos programas sociais, aparecem para Ivo (2003) como os aspectos dinâmicos da
abordagem da pobreza, enquanto as questões estruturais da pobreza não aparecem.
Outro aspecto a ser abordado com relação ao enfrentamento da pobreza proposto
pelas agências internacionais é a discussão sobre a governabilidade em relação aos
programas.
Ugá reflete que a posição das agências de buscar uma superação do pobre a partir
de políticas de participação, nem sempre é confortável para gestores e autoridades
políticas.A ação de participação dos pobres como próprios superadores de sua pobreza
significa um risco de perda de autonomia e de autoridade e por outro lado, podem abalar
bases estruturais de dominação e reprodução de políticos conservadores que mantiveram,
em algum momento, os pobres, na condição de sua clientela.
Na prática observada em campo, essa autonomia dos pobres para superar sua
pobreza ainda é uma pretensão a ser alcançada. Nem mesmo a autonomia dos que estão
inseridos em programadas socais, ao se desligar deles, ocorre de fato, sendo essa uma
preocupação observada nas próprias agências financiadoras.
Diante de todo o contexto exposto temos que, primeiro, as agências internacionais
são atualmente, as grandes responsáveis por investimentos em países com elevado número
de pobres, por financiamentos de programa voltados aos pobres, inclusive o PBF. São
também direcionadores políticos externos, que “propõem” ou seria melhor, condicionam
suas estratégias de ações a estes países.
É assim que temos constituído o modelo de abordagem e definição de pobre e da
pobreza que lhe for conveniente. Atualmente, defendida como superação da privação de
oportunidades, liberdades e capacidades, a pobreza, se apresenta nas representações
institucionais adequadas a esse conceito, porém numa realidade que não afirma a mesma
coisa.
A lógica, não é diferente da observada, no caso dos pobres do Bolsa Família. Estes
são inseridos enquanto pobre, porém o objetivo de sua passagem pelo programa é que eles
saiam como pobres cidadãos, com fortalecimentos de suas capacidades e com condição de
auto-sustentabilidade.
48
Nesse sentido, Alba Carvalho (2006) trata de uma contradição ou, em suas
palavras, de uma “paradoxo” diante dessa realidade de inserção desses sujeitos. No
enfrentamento das desigualdades no Brasil temos nos últimos vinte anos, uma tensão na
confluência entre o ajuste estrutural e o processo de democratização.
Ivo (2003), em seu texto sobre as políticas de combate à pobreza na América
Latina, também observa essa tensão no contexto dos anos noventa. O enfrentamento da
pobreza através de políticas de focalização proposta por agências internacionais, para a
autora, traz um paradoxo localizado na inversão entre o regime político democrático,
recentemente conquistado, que tende “incluir” politicamente e ampliar a cidadania e, de
outro lado, a dinâmica de uma economia, historicamente responsável por produzir altas
taxas de desigualdades, a massa de excluídos atualmente exposta e negar, assim, a
cidadania inscrita em regras e direitos sociais conquistados.
É nesse jogo de tensão social que se constituem a identidade do ser pobre num
amplo leque de discussões tecnocratas e políticas. A construção do que venha a ser pobre e
pobreza se insere de maneira taxativa para representar um segmento da população, que
muitas vezes fica a reboque de conceitos outros, sem que suas percepções sejam
observadas.
Nesse sentido, parece-nos que o delineamento do pobre por parte das agências
internacionais parece ser um critério político de sobrevivência econômico-social delas
próprias e não da superação da pobreza, pois os pobres nas entrelinhas dos conceitos são
vistos como “potenciais” a serem transformados no formato “ideal” para usufruto dessas
agências e não para realidade sócio-cultural dos pobres atendidos.
49
Capítulo 3
RE-SIGNIFICAÇÕES DA CONCEPÇÃO DE POBREZA: O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA (PBF)
3.1_ Bolsa Família: tentativa de novo olhar no tratamento da pobreza
O Programa Bolsa Família (PBF) é considerado hoje, no cenário político brasileiro,
o programa de transferência de renda de maior alcance às famílias consideradas pobres que
estão distribuídas em todo território nacional. O Programa atende o número de 11.46.468
milhões de famílias localizadas na maioria dos municípios brasileiros.(Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome-MSD, 2007).
O PBF foi criado em outubro de 2003 e unifica os programas considerados não
institucionais de transferência de renda a então vigentes como, Bolsa Escola, Bolsa
Alimentação, Auxílio Gás e Cartão Alimentação.
Oficialmente, o Programa Bolsa Família é definido como programa de transferência
de renda direta com condicionalidades, o qual beneficia famílias pobres e extremamente
pobres e tem como foco central a superação da fome e da pobreza. (Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2007).
Como um programa especificamente voltado aos pobres, tem como principal código
de acesso a apresentação e a comprovação da condição de pobreza, exigências dos critérios
estabelecidos. Dessa forma, a inserção no programa é definida pelo grau de pobreza
percebida na fase de efetivação do cadastramento para o programa.
Atualmente, quando se fala em pobreza uma associação direta com o Programa
Bolsa Família. Assim, estar no PBF se configura como indício de pobreza. Conforme
último levantamento do Ministério de Desenvolvimento Social, realizado em agosto de
2007, o alcance do programa às 11 milhões de famílias, significa 45,8 milhões de
“beneficiários”, resultando numa transferência de renda de R$ 9 bilhões anuais. (O POVO,
2007).
Nesse sentido, podemos considerá-lo como o maior programa voltado ao combate à
pobreza em execução no Brasil. Pelo alcance aos onze milhões de famílias e,
50
principalmente, por interferir diretamente nos processos de sociabilidade na dinâmica social
de milhares de indivíduos, o que culmina por inferir nas concepções do “ser pobre” e da
“pobreza”.
Ser um “usuário” do Bolsa Família constitui-se, hoje, numa identidade social,
principalmente entre os considerados pobres. O fato do programa ter um repasse de renda
fixa às famílias, faz com que as famílias inseridas no programa desfrutem de certo status
social diante daquelas que ainda não conseguiram estar no programa ou aquelas que têm
outras fonte de renda para sobreviver. Assim, a representação sobre pobreza está no cerne
da contextualização do PBF por ele representar todos esses fatores e dividir opiniões sobre
a sua metodologia de execução e sua maneira de tratamento à pobreza.
O critério utilizado como identificação da pobreza no Bolsa Família é a renda per
capita. Assim é estabelecida a fronteira que diferencia o “ser pobre” para o programa. Os
critérios afunilam os que apresentam maior situação de pobreza dos que são interpretados
pelos critérios, como “menos piores”.
São identificadas e classificadas como famílias pobres aquelas com renda mensal
por pessoas de R$ 60,01 a R$ 120,00 e, extremamente pobres, as famílias com renda
mensal de até R$ 60,00 por pessoa. (Ministério Desenvolvimento Social, 2006).
Podemos observar um diferencial de abordagem do PBF em relação aos demais
programas, qual seja o fato de eleger a família como cerne de observação da condição de
pobreza. O que pode ser entendido como uma tentativa de superar o processo de
fragmentação de políticas direcionadas especificamente aos membros da família como por
exemplo, programas voltados à criança, aos adolescente, aos idosos etc. (Cohn, 2004, p. 9).
O olhar do programa ao trabalhar a pobreza a partir da família resulta na associação
com outros programas denominados programas complementares. Tais programas procuram
inserir todos os membros das famílias visando constituir as “portas de saídas” ou a
autonomia das famílias em relação ao programa.
O PBF identifica os seguintes pontos como primordiais para superação da pobreza:
1- Transferência direta de renda à família, como meio de “alívio imediato da
pobreza”;
2- Trabalhar com noção de direitos básicos em áreas como Saúde, Educação;
51
3- Trabalhar com programas complementares para que as famílias superem sua
condição de vulnerabilidade. Dentre as ações dos programas complementares está
geração de trabalho e renda, da alfabetização de adultos, do fornecimento de registro
civil e demais documentos.
A intersetorialidade é uma das características do Bolsa Família. As ações
demandadas entre diversas instituições públicas. Além do MDS, participam da execução do
programa o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde. Estes dois têm o papel de
fiscalizar as condicionalidades estabelecidas no programa, como veremos mais a frente.
Para entendermos melhor o sentido e a dimensão social da conceitualização da
pobreza proposta pelo Bolsa Família junto ao seu público atendido, faremos uma
contextualização da concepção de pobreza em outros programas anteriores ao Bolsa
Família, que culminaram na proposta do Bolsa Família tal qual ela se apresenta agora.
O Programa Bolsa Família está inserido no Programa Fome Zero que é o programa
chave da atual gestão do presidente Luís Inácio Lula da Silva. Ao ser eleito para seu
primeiro mandato, Luís Inácio tomou como bandeira o discurso do combate à fome no país,
como maneira de reduzir os efeitos da desigualdade social.
O Programa Fome Zero chega a agenda política baseado em diversos estudos
científicos que concebem a pobreza como falta de subsistência mínima de sobrevivência.
São pesquisas em que a pobreza é representada como vulnerabilidade à fome.
Uma delas foi a pesquisa vinculada em 1999 feita pelo Instituto Cidadania que
estimou 9,3 milhões de famílias e 44 milhões de pessoas muito pobres com a renda familiar
per capita abaixo de um dólar por dia (BELIK,SILVA,TAKAGI, 2001). Estes autores
defendem que os dados científicos são unânimes ao mostrar que o problema da fome no
país está intimamente ligado à falta de renda para se alimentar adequadamente e é,
exatamente, a falta de renda que é traduzida em pobreza.
Dessa forma, o programa Fome Zero que abriga o PBF tem como foco a erradicação
da pobreza, a segurança alimentar e o combate à fome no Brasil. Assim, a construção da
categoria pobreza no âmbito das políticas públicas se dá através das necessidades básicas e
da emergência de assistência aos pobres. Em outras palavras, a construção da representação
pobreza e do ser pobre está diretamente associada ao pressuposto da falta, à vulnerabilidade
social e à assistência.
52
Oficialmente, quando se tem a pobreza relacionada diretamente às necessidades
nutricionais, significa um estado de indincia ou de pobreza extrema. Os indigentes
representam um subconjunto dos pobres. Nesse grupo estão aqueles cuja renda é inferior a
necessária para atender pelo menos às necessidades nutricionais. (ROCHA, 2005).
As representações da pobreza, concebida como o combate à fome nas políticas
públicas, são divididas em três momentos na historia brasileira (BELIK,SILVA,TAKAGI,
2001). Até os anos 30, os problemas de abastecimento estavam associados à oferta de
alimentos para o grande número de pessoas que cresciam nas grandes metrópoles. Até o
final dos anos 80, a fome passa a ser um problema de intermediação. Por isso, as políticas
se voltaram para regulação de preços e controle de oferta. Nos anos 90, a expectativa passa
a ser relacionada ao crescimento econômico como meio de emancipação e cidadania para
os pobres.
Apesar das variações, a representação da pobreza como falta de alimentação
permanece. É, nesse sentido, que continuam a se desenvolver experiências voltadas aos
considerados pobres a partir desse foco. Muito embora, os programas tenham agregado
outras concepções na maneira de abordagem junto aos pobres como a inserção do debate
sobre a cidadania como direito aos pobres.
No período entre 1992 e 1994, o Brasil, é marcado pela luta contra a fome, tendo
como destaque a atuação do sociólogo Betinho, que liderou a campanha intitulada Ação da
Cidadania Contra à Fome, a Miséria e Pela Vida. Esse foi um processo de sensibilização e
propagação da questão da fome em meio a sociedade.
A campanha ficou conhecida, no senso comum, como a Campanha do Betinho.
Durante esse período houve uma efervescência de mobilizações da sociedade civil na
discussão em torno do tema da pobreza e dos pobres retratados como fome e miséria.
Com intuito de minimizar a fome dos “pobres” várias campanhas lideradas por
redes de televisão e artistas também surgiram com o objetivo de angariar alimentos a serem
distribuídos entre os pobres. Algumas das campanhas eram vinculadas em datas que
simbolicamente resgatavam o sentido cristão de partilha e solidariedade, como o caso da
campanha Natal Sem Fome.
53
O pobre, dessa forma, vem simbolicamente representar a figura de um cristo
crucificado pela sua condição de miséria, pelo contexto da total desvalia com que vive, pela
inviabilidade social que lhe foi destinada.
Doar alimentos parece ser uma forma de estar sinalizando que “cumpri a minha
parte, faço parte dessa história e socialmente estou sendo cobrado a intervir nela, então
irei”. Há, dessa forma, um apelo coletivo de responsabilização do eu pela pobreza do outro.
Ao mesmo tempo, a solidariedade e partilha coletivas com os pobres não deixa de ser um
ato político, que pretende sinalizar ao poder público a ocupação de um espaço teoricamente
destinado ao Estado.
Os autores (BELIK; SILVA; TAKAGI, 2001) avaliam que o movimento da Ação da
Cidadania contra à Fome, a Miséria e pela Vida resultou na criação da primeira política
nacional de segurança alimentar na gestão do então presidente, Itamar Franco, em 1993,
que foi o Conselho Nacional de Segurança Alimentar CONSEA. O CONSEA era
constituído pelo Estado e Sociedade Civil e tinha como objetivo coordenar a implantação
do plano nacional de Combate à Fome e a miséria em princípios de solidariedade, parceria
e descentralização (BELIK; SILVA; TAKAGI, 2001, p.124).
Logo mais tarde, dois anos após, o CONSEA foi extinto para criação do Conselho
Comunidade Solidária. Este novo conselho trazia a proposta de um “novo” formato de
políticas voltadas aos pobres baseado na fragmentação das diversas políticas públicas.
Podemos citar como exemplo, a extinção do INAN em 1997, que depois foi sendo aos
poucos retomado através do chamado Incentivo ao Combate às Carências Materiais –
ICCN.
Essas transições e extinções vão agregando e fundindo programas e ações e
contribuindo para direcionar a extinção da assistência aos considerados pobres através da
distribuição de itens como alimentos e outros para chegar a um valor em dinheiro que
correspondesse ao custeio mínimo das necessidades básicas.
Assim, o então presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso (FHC) substituiu
gradativamente o ICCN por um programa de renda mínima, o Bolsa-Saúde, porém, a
permanência de distribuição de cestas básicas foi mantida.
Nesse contexto, em 1999, surgiu mais um programa chamado Programa
Comunidade Ativa (PCA) que tinha como foco a atuação em Municípios com baixo IDH.
54
Esse programa liderado pela primeira dama do país a antropóloga Ruth Cardoso envolveu,
inclusive, a comunidade acadêmica, visitando e realizando oficinas de formação e
capacitações às localidades consideradas com altos graus de pobreza.
Logo após, o PCA é incorporado pelo Programa Alvorada. Mais tarde, Fernando
Henrique elimina o Programa Nacional de Alimentação Escolar PRODEA, o que
finalizou com a distribuição de cestas básicas aos pobres. A proposta do Governo ao
desativar o PRODEA era, gradativamente, transferir as famílias para outros programas
sociais de transferência de renda como Bolsa Alimentação e o Bolsa-Escola, este criado a
partir de 2001.
Diante desse cenário, aos poucos, tem-se uma mudança de foco institucional de
tratamento aos pobres. Os programas considerados de teor assistencialista são substituídos
por programas de transferência de renda.
A construção institucional de atendimento aos “pobres” vai se constituindo, assim,
na ótica da assistência emergencial, do limite, do agora, da fome, do “aperreio”. No
contexto da Campanha contra a Fome e dos apelos públicos para o tratamento da pobreza
enquanto cidadania, os tons das políticas institucionais voltadas aos pobres apontam duas
perspectivas neste momento: 1) O esvaziamento das políticas universais sendo substituídas
por políticas compensatórias locais, focalizadas e geridas pelos municípios; 2) A tendência
de substituição de programa baseados na distribuição em bens em espécie(cestas básicas)
por valor em dinheiro. (LOBATO apud BELIK; SILVA; TAKAGI, 2001)
O Programa Bolsa Família, aparece como unificando esse contexto, apresenta-se
como proposta que unifica alguns aspectos de programas anteriores e consolida a
transferência de renda como método da relação institucional com os considerados pobres.
Essa mudança institucional de abordagem da pobreza marca a transição dos
programas voltados aos pobres baseados na distribuição de “bens em espécie” para outro
momento de concepção de assistência aos pobres que são os programas baseados na
transferência de renda.
O processo de representação da pobreza nas políticas públicas passa de uma pobreza
do mínimo vital, em que a distribuição de alimentação é tida como fator básico, para uma
relação baseada na capacidade dos considerados pobres autogerir sua pobreza, suas
necessidades básicas através dos recursos recebidos.
55
Temos então, que a compreensão das representações da pobreza, num contexto
atual, dá-se no âmbito do entendimento das relações estabelecidas nos programas de
transferência de renda como o Bolsa Família junto à população de baixa renda, o que eles
propõem e o que representam na dinâmica social dos pobres e na constituição das suas
representações sobre pobreza.
3.2_ Re-significações da pobreza: políticas de transferência de renda como o “alívio da
pobreza”
Nosso intuito ao dar um recorte às políticas de transferência de renda tem alguns
objetivos. Apesar de nosso foco da pesquisa não ser a pobreza em si, mas as representações
dos atores considerados pobres sobre a pobreza, entendemos que é primordial focarmos
alguns elementos que influenciam nesse processo de construção de tais representações.
Segundo Lima (2003, p. 31) as condições de vida, as práticas e as mediações
simbólicas com as quais os pobres pensam a pobreza levam à construção de referência de
mundo. E entender o que pressupõe, num contexto sócio-político, essa proposta de
erradicação ou minimização da condição de pobreza dos “pobres” através da transferência
de renda é essencial para entendermos como se constituem socialmente os elementos
simbólicos e representações da pobreza.
As políticas de transferência de renda percebem a pobreza a partir da avaliação da
renda dos indivíduos e/ou famílias e chegam ao cenário político como proposta de combate
à pobreza, o que se insere num processo global de novas transformações sociais sobre
políticas voltados aos pobres.
O público a que se destina a transferência de renda no Brasil vem de um contexto
de exclusão do mercado de trabalho formal, devido à conseqüência de uma nova face das
exigências mercadológicas de inserção. São indivíduos em que os membros da família são,
na maioria, desempregados e que buscam através de suas estratégias e “re-significações” da
existência social, a sua sobrevivência.
A transferência de renda entra no cenário de políticas socais institucionais no
Brasil com maior ênfase a partir dos anos 90, passando, assim, a contribuir para construção
social do conceito de pobreza. Amélia Cohn (2004) avalia que a ênfase dada à transferência
56
de renda nesse período deve-se à transição dos anos 80 para os anos 90, em que a
intervenção estatal passa a entender a questão da pobreza com uma diferença que aparece
no cenário como aumento da pobreza extrema e massificada.
Institucionalmente, os programas de transferência de renda são considerados um
método de “alívio imediato” à condição de pobreza dos indivíduos. Assim, o trato a
condição de pobreza do indivíduo se constitui como uma emergência pontual de aquisição
de renda para manutenção básica das necessidades para os indivíduos tidos como pobres. O
propósito de tais programas é a superação, ou melhor, a transição da condição emergencial
dos atendidos através dos programas denominados “portas de saídas”.
As práticas de ação social no Brasil inseridas num sistema de proteção social aos
indivíduos, ainda segundo a autora, são caracterizadas por dois traços fundamentais, um
sob o ponto de vista da gestão desses programas, e o outro sob o ponto de vista político.
Com relação à gestão, um contexto de ações segmentadas e setorializadas, em
que os programas sociais tornam-se competitivos entre si, sobrepondo-se, muitas vezes,
uma ação sobre outra. Sob ponto de vista político, existe o traço clientelista, que, para
autora, sempre favoreceu a reprodução de uma subordinação dos segmentos pobres à
vontade das elites, os quais, com freqüência, construíram sua dependência com relação ao
Estado, o que tornaria os pobres literalmente clientes do Estado.
Em seus escritos, Bauman identifica um segmento social que o mundo moderno
trata como redundantes. Essas pessoas seriam aquelas que estariam fadadas a serem
descartadas por não servir mais a lógica do mundo do capital. Assim, ser declarado
redundante significa ter sido dispensado pelo fato de ser descartável (BAUMAN, 2005, p.
20). Além de tudo, elas são consideradas um problema financeiro, pois precisam ser
alimentadas, calçadas e abrigadas.
Ser redundante pode significar estar desempregado, ou seja, não servir de mão-de-
obra para o mercado. Numa sociedade onde o trabalho tem se tornado status social, estar
desempregado faz parte do universo simbólico da pobreza e da inferioridade. Para Bauman
a noção de:
desemprego herdou sua carga semântica da autoconsciência de uma
sociedade que costumava classificar seus integrantes, antes de tudo, como
produtores, e que também acreditava no pleno emprego não apenas como
condição desejável e atingível, mas também como seu derradeiro destino.
57
Uma sociedade que, portanto, classificava o emprego como uma chave
para solução dos problemas ao mesmo tempo da identidade pessoal
socialmente aceitável, da posição social segura, da sobrevivência
individual e coletiva da ordem social e da reprodução sistêmica.
(BAUMAN, 2005, p. 19)
Para os “pobres” do Bolsa Família a renda transferida do referido programa,
algumas vezes, é a única de que dispõe para lidar com suas necessidades básicas. Em
muitos casos, os membros da família não têm renda fixa e, para sobreviver, são pedintes,
catadores de lixo ou fazem algum “bico”. Porém, é perceptível dentre os indivíduos
entrevistados a esperança e o desejo de obter um trabalho com renda fixa, ser assalariado.
Dessa forma, o trabalho ainda é visto como um meio de inserção social e de mostrar valores
morais para os pobres. Como diz uma das entrevistadas que no salário a única forma de
sair do estigma de ser pobre:
Eu acho que uma pessoa não vai ser pobre, não vai ser e nunca será, se
ganhar um salário digno que para manter sua família. Enquanto isso
existir (baixo salário), um salário micho para sustentar 4 ou 5 pessoa para
comer, não vai nunca (deixar de ser pobre), isso vai continuar, a pobreza
vai continuar (enfática), os pais de família sentem na pele a tristeza de não
poder manter sua família.(Usuária do PBF em Fortaleza).
Para as famílias, os recursos recebidos através de programas de transferência de
renda representam, como o próprio conceito da proposta da transferência de renda diz, um
grande “alívio de sua pobreza”, mesmo que seja por um curto espaço de tempo em que elas
estejam de alguma maneira inseridas em atividades proporcionada pelo fato de receberem a
renda.
Algumas revisões de literatura apontam a grande concentração de renda como
responsável pelos elevados índices da condição de pobreza no Brasil. Na visão dos autores
Barros, Henriques e Mendonça (2000), os elevados níveis de pobreza m como
determinante a estrutura de desigualdade social brasileira, que estaria focada na ausência de
distribuição de renda e oportunidades de inclusão social.
Além disso, eles acreditam que a condição de pobreza no Brasil não pode estar
associada apenas a escassez absoluta ou relativa de recursos, pois apesar do Brasil
apresentar contingente populacional abaixo da “linha de pobreza” ele não pode ser
58
considerado um país pobre e sim um país com elevado mero de pessoas consideradas
pobres.
Assim, os autores decompõem a pobreza brasileira em dois fatores: 1) A baixa
renda per capita brasileira e 2) Elevado grau de desigualdade na distribuição de recursos
existentes no Brasil. Para os referidos autores, a distribuição de renda adequada é uma saída
para se ter impacto relevante sobre a pobreza.
A desigualdade de renda brasileira se apresenta numa proporção de um nível
elevadíssimo. A renda apropriada pelo grupo 1% mais rico da população é igual à renda
apropriada pelo grupo 50% mais pobre. Isso significa que, se compararmos esses dados aos
obtidos no plano internacional, através de dados do IPEA, dos países pesquisados 95%
deles apresentam concentração de renda menor que o Brasil. Os especialistas apontam que
mantendo um passo acelerado de redução da desigualdade, seria necessário 20 anos para o
Brasil chegar a uma distribuição compatível com os países de mesmo nível de
desenvolvimento do Brasil. (IPEA, 2006, p. 9)
Sob esse ponto de vista, o crescimento econômico aparece como ponto chave,
porém apenas o desenvolvimento não basta. Ele deve vir acompanhado de meios de
transferência de renda para se ter algum impacto sobre a pobreza.
Ao distribuir renda para os pobres, eles poderão partilhar do consumo básico para
sua sobrevivência e, dessa forma, estarão “inseridos” no circuito de uma dinâmica
econômica que, numa sociedade do “dinheiro” e das trocas monetárias, para uma sociedade
do capital, pode representar a inserção social do indivíduo.
Ver o dinheiro, como uma moeda de inserção social é uma realidade sentida
também nos depoimentos dos considerados pobres, inclusive os do Bolsa Família que
chegam a medir sua dimensão de sujeito social e sua relação com o mundo a partir da
relação com o dinheiro:
... hoje quem manda a mola mestre do mundo é o dinheiro, você não vai a
canto nenhum, não resolve nada se não tiver dinheiro... (Usuária do PBF
em Fortaleza)
A partir da dimensão simbólica que o dinheiro exerce nas relações sociais como
meio de inserção ou não, a partir do poder de consumo, podemos perceber no depoimento
59
acima o quanto a inserção num programa de distribuição de renda pode ser fundamental
para constituir uma relação de pertença aos laços de sociabilidade.
Os programas de transferência de renda não são aceitos por todos os seguimentos
da sociedade. Alguns argumentam que ao Estado não cabe “sustentar” pessoas e sim
constituir um cenário favorável para que elas obtenham um emprego ou ocupação e, assim,
gerem renda e sejam merecedoras do que recebem.
Através das relações estabelecidas pelo Bolsa Família, podemos visualizar que
significado atribuem os considerados pobres ao Estado no momento em que este se
aproxima da realidade social desses sujeitos. O ato de estar transferindo renda às famílias é
reconhecido pelos inseridos no programa como motivo de gratidão é uma bondade do
governo”. Às vezes não se questiona nem o valor recebido, mas o ato de se estar dando
alguma coisa aos pobres:
... Ahhh!!!!! 75 a mais minha filha! (sobre o valor recebido no programa),
se fosse 1 (real) eu podia dizer que era lucro, imagine 75. (Usuária do
PBF em Fortaleza)
Dessa forma, para ser pobre no contexto de programas de transferência de renda,
como o Bolsa Família, faz-se necessário apresentar-se dentro dos critérios institucionais,
dentre eles se destacam as condicionalidades, como veremos a seguir. Assim, as relações
entre o PBF e os considerados pobres passam por critérios, por um contrato de deveres e
obrigações que são estabelecidos com os usuários ao serem inseridos no programa.
3.3_ Condicionalidades: superação da condição de pobreza à condição de cidadãos
Dentre os critérios estabelecidos pelo PBF, as condicionalidades merecem atenção
especial, pois elas retratam as condições estabelecidas pelo programa para que as famílias
permaneçam inseridas ou não. Ou seja, é uma espécie de contrato entre o usuário e o
programa para que ele seja acompanhado durante todo período em que estiver no programa,
60
através do cumprimento de regras concebidas pelo programa como essenciais para que as
famílias em situação de pobreza iniciem um processo de emancipação.
Diante dos novos formatos de programas voltados aos pobres, as
condicionalidades são um dado importante, porque interferem diretamente na relação e na
maneira como os dos indivíduos se apresentarem enquanto pobres.
No Bolsa Família, as condicionalidades estão diretamente relacionada às crianças,
aos adolescentes, às grávidas e às mães em estado de amamentação. Na olhar do programa,
são as condicionalidades que farão as famílias pobres inseridas experimentarem o exercício
de cidadania em seus direitos sociais, principalmente, os de saúde e educação:
As condicionalidades o compromissos que devem ser cumpridos pela
família para que possa receber o benefício. O objetivo das
condicionalidades é assegurar o acesso dos beneficiários às políticas
sociais básicas de saúde, educação e assistência social. E dessa forma
promover a melhoria da situação de vida da população beneficiária e
propiciar as condições mínimas necessárias para sua inclusão social
sustentável. (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E
COMBATE À FOME, 2006).
Através da condicionalidade é determinada uma regularidade com que membros
das famílias devem freqüentar os serviços médicos e a escola. Assim, o fato do programa
exigir que a família tenha gravidez segura e assistida, bem como todos os filhos na escola
fortalece indícios de que estas últimas gerações tenham condição de romper o ciclo da
pobreza, ou seja, as condicionalidades podem produzir uma ruptura com o ciclo de pobreza
entre as gerações das famílias assistidas pelo programa.
Dessa forma, as condicionalidades têm o objetivo de envolver todos os membros
da família em serviços que levem a melhoria da qualidade de vida dessas famílias. As
condicionalidades estabelecidas para os considerados “pobres” que estão no Bolsa Família
são as seguintes:
Na educação:
Matricular as crianças e adolescentes de 6 a 15 anos;
Garantir freqüência escolar de 85% da carga horária mensal do ano letivo;
61
Informações sempre que ocorrer mudança de escola, para que continue o
acompanhamento da freqüência escolar;
Na saúde:
Inscrever-se no pré-natal e comparecer às consultas, comprovando com o Cartão
da Gestante;
Participar de atividades educativas ofertadas pelas equipes de saúde sobre
aleitamento materno e promoção da alimentação saudável.
O ato de descumprimento das condicionalidades é entendido pelos gestores do
programa, como um alerta para a possibilidade da família estar vivendo uma “situação de
risco”. Nesse caso, é necessário conhecer as causas e corrigir a situação irregular que está
se pondo.
No caso de ocorrência e/ou descumprimento das condicionalidades, os recursos
recebidos pela família ficam sujeitos a “sanções”, que podem se dar de maneira gradativa.
Num possível primeiro descumprimento, a família receberá uma advertência, o que não
afeta ou altera o recebimento do benefício; se a ocorrência se repetir, os recursos serão
bloqueados por 30 dias, porém, com o recebimento da renda retida no mês seguinte; em
caso de reincidência, a família teos recursos suspensos por 60 dias. Chegando ao quinto
caso de descumprimento, a família poderá ter o “benefício” cancelado. Em todos os casos
de sanções, há um registro por escrito com notificações aos representantes legais da família.
Além das condicionalidades, existem outros meios de controle e seleção dos
usuários do Bolsa Família, como o Cadastro Único de Informações, o CadÚnico. Neste
cadastro estão todas as informações das pessoas usuárias do Bolsa Família. É através do
acesso as informações cadastradas no CadÙnico, que são selecionadas as famílias para
compor o Bolsa Família, ou seja, a chamada “elegibilidade” a partir do Cadastro Único.
62
Assim, a seleção do blico a ser atendido pelo Bolsa Família considera o
orçamento disponível e as metas de expansão do Programa em cada Município onde é
implantado. Em cada município, é elaborada uma estimativa do número de pobres, como
também uma meta de alcance de atendimento a esses pobres,
Resumidamente, abaixo está o quadro da elegibilidade e os recursos voltados aos
indivíduos/família em situação de pobreza que ingressam no Programa Bolsa Família:
Critério de Elegibilidade
Situação das
Famílias
Renda Mensal per
capita
Ocorrência de
crianças /
adolescentes 0-15
anos, gestantes e
nutrizes
Quantidade e Tipo
de Benefícios
Valores do Benefício
(R$)
1 Membro (1) Variável 15,00
2 Membros (2) Variável 30,00
Situação de Pobreza
De R$ 60,01 a
R$ 120,00
3 ou + Membros (3) Variável 45,00
Sem ocorrência Básico 50,00
1 Membro Básico + (1)
Variável
65,00
2 Membros Básico + (2)
Variável
80,00
Situação de
Extrema Pobreza
Até R$ 60,00
3 ou + Membros Básico + (3)
Variável
95,00
Fonte: MDS (www.mds.gov.br acessado em 16 de Março de 2007)
O enfoque dado a determinadas intervenções políticas junto a grupos considerados
vulneráveis socialmente traz uma concepção da política adotada por critérios e
condicionalidades articulada quase sempre a partir de uma visão da macropolítica, das
grandes estruturas e conceitos. Esse é um fator que faz com que as concepções técnicas dos
programas voltados aos pobres se distanciem, muitas vezes, das representações, das
construções sociais em que os indivíduos estão inseridos.
Baley (1971) em seu estudo sobre processos de reputação em “comunidades”,
atenta para a importância do conhecimento dos costumes e hábitos que integram os jogos
políticos constituídos a partir das vivências de um grupo social. Nessa perspectiva, a
sinalização de códigos que se constituem em espaços sociais, os jogos e as regras
63
estabelecidas na dinâmica social fazem parte do processo de representações em que os
indivíduos percebem o mundo.
Para Baley (1971), reconhecemos os espaços sociais a partir do conjunto comum
de categorias com as quais eles nomeiam o social e o mundo natural ao redor deles, assim
eles partilham coisas boas e coisas más. Esses aspectos constituem a pequena política”
estabelecida pelos indivíduos em seus universos social. É essa dimensão da “pequena
política” que muitas vezes não é considerada na hora de elaboração e planejamento de
políticas públicas.
Outra questão que se impõe é estarmos atentos para a relação entre indivíduos e
políticas sociais mediada por esses processos de condicionalidades e resultante dos critérios
exigidos no programa. Até que ponto as condicionalidades estabelecidas pelo programa
contribuem, de maneira efetiva dar aos indivíduos uma percepção de direitos e deveres da
cidadania.
Cohn (2004) concorda que as condicionalidades dos programas de transferência de
renda seriam o mecanismo que levaria as famílias a alcançar a condição de cidadãs. Assim,
as condicionalidades não devem ser entendidas como fatos Impositivo e Punitivo, mas
realmente como uma oportunidade de vincular políticas ao acesso de bens e serviços
essenciais de caráter universal como educação e saúde.
Através das condicionalidades, retrata-se o olho institucional do programa em
torno do indivíduo, constituindo um controle, que culmina na própria vigilância do
indivíduo com ele mesmo e com todos a sua volta.
64
Capítulo 4
O “SER POBRE” NO UNIVERSO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
4.1_ Representações sociais: uma leitura possível da pobreza
A proposta de uma aproximação metodológica a partir das representações sociais
tem como objetivo compreender a constituição das representações da pobreza pelos
considerados pobres, tendo como campo empírico o Programa Bolsa Família (PBF).
O espaço empírico foi fundamental para o encontro do presente objeto de pesquisa
com a observação através das Representações Sociais. Foi percebendo os meandros das
relações estabelecidas entre os considerados pobres e as equipes do Programa Bolsa
Família, que despertamos para a riqueza dos significados, dos corpos, das falas, dos
encontros e dos valores ali estabelecidos.
Nosso recorte analítico, sob a ótica da constituição das representações sociais se dá
numa tentativa de perceber que fatores, simbologias denominam e legitimam a “identidade
social” (GOFFMAN, 1985) do “pobre” e da pobreza de indivíduos inseridos no PBF. Em
nossa perspectiva, são esses processos de representação e identidades socais que atuam
sobre a realidade destes mesmos indivíduos na sua maneira de comunicação com o mundo.
Como afirma Therrien, “a construção do conhecimento a respeito dos discursos
que são formulados sobre a realidade que vivemos é resultante de um processo de esforço
de apreensão”. Dessa forma, atribuir, classificar, inferir são algumas das atividades que
realizamos para nos comunicar com o mundo e entre nós mesmos, criando sentidos para o
que sentimos, fazemos e pensamos.” (THERRIEN, 1998, p. 12)
Nesse sentido, consideramos como uma das mais recorrentes representações
sociais da pobreza, a sua associação ao pressuposto da falta, da carência material e da
ausência de direitos sociais. Sprandel (2004) postula, que esse processo faz parte de um
processo de “naturalização da pobreza” e está associado a uma noção de pobreza
tecnificada e globalizada.
Nesse sentido, Lima (2003) acrescenta em seus escritos que numa abordagem de
caráter naturalizador da pobreza, corremos o risco de enfatizar o conhecimento das
65
determinações socioeconômicas das condições de pobreza, em detrimento do conhecimento
dos próprios pobres.
Ocorre, que tanto a pobreza como os considerados pobres estão envoltos numa teia
social complexa de uma diversidade de fatores, assim sendo, nem sempre podemos
dissociar uma coisa da outra. Tal fato tem sido evidenciado durante séculos em que os
pobres e a pobreza são focos de uma problemática social. Porém, a abordagem de uma
perspectiva centrada apenas no aspecto material de determinação socioeconômica do
“pobre” ou da pobreza pode desconsiderar outros determinantes importantes à margem da
discussão.
Refirimo-nos, especificamente, ao processo cultural e simbólico das vivências e
experiências que vêm sendo acumuladas pelos sujeitos sociais que, historicamente, vêm
sendo denominados “pobres”. Quantas vezes nos perguntamos, mediados pelo teor
metodológico, que representação os pobres fazem da sua condição de pobreza? Que valores
se constroem a partir desta identidade? Afinal, o que é “ser pobre” na perspectiva de um
“pobre” que participa de um processo de inserção de um programa de transferência de
renda no Brasil?
É a partir desse encontro de perspectivas que as representações construídas nas
relações sociais cotidianas são pistas importantes, não apenas no sentido de buscar
respostas efetivas para causas e conseqüências da condição de pobreza, mas na direção de
um olhar possível de compreensão sobre o fato.
E é sob esse aspecto que abordaremos as representações sociais, como um dos
olhares possíveis para aproximação com o nosso objetivo que é entender quais processos de
representação da pobreza é constituídos pelos considerados pobres no âmbito do programa
Bolsa Família.
A noção de Representações Sociais a partir do ponto de vista de Jochelovitch é
entendida como estratégias desenvolvidas por atores sociais para enfrentar a diversidade
e a mobilidade de um mundo que embora pertença a todos, transcende a cada um
individualmente”. (JOVCHELOVITCH, 1995, p. 81).
A definição da autora traz elementos importantes para pensarmos que processos
sociais inserem os “pobres” socialmente, uma vez que outra recorrente representação da
pobreza dos dias atuais, que abordaremos aqui, se configura na pobreza entendida como
66
exclusão social, em que considera-se que a exclusão ocorre devido a combinação de
diversos fatores, como a falta de recursos materiais ou o fato de não poder manter-se num
perfil das exigências de um padrão social de referência socialmente legitimado.
O que presenciamos no recadastramento do Programa Bolsa Família foi uma
interação constante entre atores sociais: de um lado a instituição e, de outro, os “pobres”.
Estes, através de suas representações, demarcavam seu espaço social através da
oportunidade de estar num programa de distribuição de renda. Uma oportunidade que lhe
chegava, a nosso ver, de maneira curiosa, que é a obrigação de se provar como pobre
merecedor.
Nesse sentido, os considerados pobres vivenciam processos ativos de atuação
dentro de sua realidade. Parece-nos que, para os considerados pobres, há uma exincia
constante de representação da sua pobreza, como uma das formas possíveis de estarem
inseridos em políticas blicas. Como tal, são mediadores de sua própria existência a partir
de sua identidade.
No caso dos “pobres” do Bolsa família, esse processo de mediação junto ao
programa se não apenas por comprovações burocráticas e documentais de renda, mas
adentra outro universo, o universo do que Bourdieu vai chamar de economia dos bens
simbólicos.
Para o referido autor, “o universo econômico é feito de vários mundos
econômicos, dotados de racionalidades específicas, que supõem e exigem, ao mesmo
tempo, disposições razoáveis (mais que racionais), ajustadas às regularidades, inscritas em
cada um deles às razões práticas que o caracterizam”. (BOURDIEU, 1996, p. 158). (grifos
do autor).
Nesse sentido, o universo presenciado na pesquisa junto ao público do PBF é um
universo de negociações, como já dito, não no sentido das relações de trocas comerciais,
mas de atos simbólicos. Dentro dessa negociação, vale mais a ação simbólica do ato, que a
renda comprovada. Vale a indumentária que é apresentada, o alinhamento do penteado, o
saco plástico que substitui a bolsa, o chinelo trocado e colado várias vezes. Enfim, esses são
códigos que circundam esse universo e contemplam o cenário das representações do “ser
pobre”.
67
Esses aspectos podem ser observados como parte de estratégias ligadas a razões
práticas de ações dos sujeitos. E como tais, não deixam de ser formas de resistências
socialmente postas. Em nossa percepção, é através dessas ações que os considerados pobres
vem, ao passar do tempo, construindo saberes de como estar num mundo em que são
considerados um ônus social.
De fato, as representações sociais estão implicadas nessa realidade social. Elas
estão na vida cotidiana e na realidade social que entornam os sujeitos sociais, elas se
apresentam sobre diversas maneiras sejam nas palavras, nas práticas sociais e/ou nos
valores partilhados pelos grupos. (JODELET, 1991).
Ao mesmo tempo em que os grupos sociais adotam concepções diversas e
partilham em seu conjunto, as representações também representam um contraponto e
conflito diante de representações de outros grupos. Para Jodelet (1991, p. 4) esse
diversidade faz parte de uma espécie de guia para ações e as trocas simbólicas delineadas
nas relações sociais.
É dessa forma, que existe a diversidade de elementos que constitui as
representações sociais e que é organizada sob forma de um saber que diz alguma coisa
sobre o estado da realidade. A totalidade de significações em relação com a ação é que está
no centro da investigação científica das representações.
Assim, a função da investigação científica que tenha como objeto o estudo das
representações sociais seria descrevê-las, analisá-las, explicá-las em suas dimensões,
formas, processos e funcionamentos (JODELET, 1991, p. 5).
Essa relação conceitual entre a totalidade de significados no processo de
representações, no caso dos “pobres”, torna-se fundamental, pois esse conjunto de sentidos
e códigos sobre a pobreza, que muitas vezes está associada a um conceito legitimado
institucionalmente, demarcará o espaço da concretização da ação e da auto-representação
do pobre.
Nesse sentido, temos os diversos discursos, sejam eles de cunho teórico, político
ou da prática relacionados à pobreza, os quais culminam em representações socais e ações
dos sujeitos. Através desses discursos se adotam modelos de “pobres” apresentados à
sociedade.
68
Ainda mais, elas estão implicadas na realidade e refletem nas práticas cotidianas
dos pobres, interferindo nas relações sociais que eles estabelecem com o mundo. É esse
movimento de encontro de significados e ações que constrói a realidade a qual se
transfigura na constituição de representações sociais sobre o pobre e sobre a pobreza.
Assim, estamos adentrando numa outra função das representações sociais
apresentadas por JOCHELOVITCH (1995, p. 81). As Representações Sociais, além de
apontar uma determinada realidade social, surgem como processos de mediação social, e
elas vão além, elas próprias, tornam-se mediações sociais.
O Programa Bolsa Família, enquanto programa de transferência de renda voltado
aos considerados pobres, encontra-se nesse universo onde as representações da pobreza são
mediadoras da relação entre “pobres” e instituições.
Os modelos institucionais têm grande influência nas representações aceitas e
legitimadas socialmente. Assim sendo, o conceito de pobreza apresentada pelo PBF é forte
indutor da identidade da pobreza e/ou do ser pobre.
A constituição social de uma representação da pobreza é um dos fatores que está
incluso na inserção dos considerados pobres em programas como Bolsa Família, ocorrendo
de, na maioria dos casos, os indivíduos absorverem a representação institucional de pobreza
e não propriamente a sua representação sobre a pobreza.
Para se inserir no Bolsa Família, os sujeitos “devem” se apresentar conhecendo o
mínimo dos meios e critérios necessários para estarem no programa e serem candidatos a
uma vaga. Parece-nos que o consenso nessa relação é a mediação através desse processo de
representação do ser pobre e merecedor para o programa. Oficialmente, essa
representação se através de dados materiais, como comprovação da renda per capita da
família.
Quando o Bolsa Família exige, que para estar no programa o sujeito terá que ter
uma renda per capita de R$ 60,00 (sessenta reais) por mês ou que a família apresente uma
vulnerabilidade social comprovada, então, pressupõe-se que a equipe do programa demarca
um perfil de pobre. Esse código se transforma no ingresso ou do que poderíamos chamar de
“portas de entradas” do programa.
Assim, o processo de mediação social através da representação da pobreza junto
ao programa segue a lógica de uma adaptação a um tipo ideal de pobre, no sentido
69
weberiano, o qual é exigido dos “pobres”. Se formos retomar o contexto histórico como
parâmetro, temos que as políticas voltadas aos pobres sempre apresentaram o perfil do
pobre ideal, restando a tais sujeitos re-significarem as formas de suas representações
sociais enquanto pobres.
As re-significações de nossos papéis enquanto sujeitos sociais é um processo
contínuo. Segundo Jodelet (1991), todos temos a necessidade de saber como proceder no
mundo que nos cerca e, assim, ajustar-se, conduzir-se, identificá-lo e dominá-lo. Estes
aspectos em conjunto justificam a necessidade de fabricamos Representações Sociais,
Elas nos guiam na maneira de nomear e definir o conjunto de diferentes
aspectos da nossa realidade de todos os dias, na maneira de interpretá-los,
estatuir sobre eles e, dado o caso de fracasso, tomar uma posição a seu
respeito e a defender. (JODELET, 1991).
A autora trabalha com dois aspectos das representações sociais, um aspecto
compreendendo-as enquanto sistema de interpretações e outro enquanto fenômenos
cognitivos. Enquanto sistema de interpretação, elas regem nossa relação com o mundo e os
outros, orientam e organizam os comportamentos e as comunicações sociais. Enquanto
fenômenos cognitivos, elas engajam a pertença social dos indivíduos com as implicações
afetivas e normativas, com as interiorizações de experiências, de práticas, de modelos de
condutas e pensamento, socialmente inculcados ou transmitidos pela comunicação social,
a que são ligados. (JODELET, 1991, p. 5).
Assim, o processo de representação social está sempre relacionado a um conjunto
de elementos, ou seja, representar corresponde a um ato de pensamento pelo qual um
sujeito se relaciona com um objeto. Especificamente, para a autora esse objeto pode ser
uma pessoa, uma coisa, um evento material, físico ou social, uma idéia, uma teoria, pode
ser real ou imaginário.
A esse debate acrescentamos as contribuições de Erving Goffman (1985) tendo
como base analítica a metáfora teatral. Para Goffman, nossa interação com o mundo se
constitui de atuações constantes na interação com o outro. Estar diante do olhar do outro, é
estar sob uma tensão de representação e de avaliação de papéis. É nessa relação com a
alteridade que se afirma o papel social e os espaços de cada sujeito.
70
Trazendo para a realidade estudada no Bolsa Família, para “estar” e “ser”
considerado pobre pelo programa, faz-se necessário ser estabelecida uma relação de
representações da vida real. Representação aqui na perspectiva de Goffman, que considera
que nas relações estabelecidas no universo social temos vários papéis sociais. E, esses
papéis são representados à sua platéia conforme a especificidade da ação demandada.
Assim, a representação, através dessa metáfora teatral, é um método de observação de
ações de interação entre os sujeitos no meio social, a partir da maneira como eles se
apresentam em diversas situações comuns ao seu cotidiano.
Para o referido autor, na vida real, “o papel que um indivíduo desempenha é
talhado de acordo com os papéis pelos outros presentes e, ainda, esses outros também
constituem...” (GOFFMAN, 1985, p. 9).
A partir dessas compreensões, observamos, que o contexto dos pobres inseridos no
Bolsa Família é envolto por afirmações da pobreza, geralmente, representadas por fatores
socioeconômicos e aliadas a representação (GOFFMAN, 1985) dos sujeitos sociais
enquanto atores sociais, em que estas representações fazem parte do processo de mediação
social da própria realidade desses indivíduos.
Dessa forma, entendemos que a representação da pobreza constitui-se, hoje, num
processo de mediação social, que é requerido por situações nas relações sociais e por
diversos segmentos, como instituições, Estado, sociedade civil, os considerados pobres, etc.
Retomando Jovchelovitch (1995), a mediação social é uma das formas de atuação
das representações sociais e expressam o espaço do sujeito na sua relação com a
alteridade, lutando para interpretar, entender e construir o mundo. (JOVCHELOVITCH,
1995, p. 81).
Se o modo de relação que se impõe ao considerado pobre é a sua representação em
seu papel de pobre, então, provavelmente, esta representação fará parte da sua interação
com o outro, nesse caso, não apenas os considerados pobres, mas todos os indivíduos em
seus papéis enquanto atores sociais, em que a interação social lhe exija e seja viável.
São sob todos os aspectos expostos acima que entendemos que a discussão das
representações sociais sobre pobreza é considerada pistas importantes nas abordagens
científicas sobre o tema, pois as representações se inscrevem enquanto referenciais, seja no
universo simbólico ou quanto na própria ão dos indivíduos. É através dessas referências
71
que os diversos conceitos e representações acerca da condição de pobreza se re-significam
historicamente.
4.2_ As representações da pobreza construídas no discurso e na prática social
O objetivo, nesta segunda parte deste capítulo, é desenvolver um esforço reflexivo a
partir de um olhar crítico sobre discursos que circunscrevem a pobreza, delimitando as
representações do “ser pobre”. Como pesquisadora, temos clareza que esta delimitação de
diferentes representações sobre pobreza, é, antes de tudo, um esforço heurístico, no sentido
de instrumentalização para análise. A identificação destas representações possibilita-nos
referências para apreciar a prática social vivenciada no Bolsa Família em torno do “ser
pobre”.
Esse esforço heurístico de sistematizar uma análise sobre representações sociais
recorrentes, significa para Pinheiro (2006), adentrar num conjunto de significados sociais,
que, com maior relevância, são atribuídos a essas representações. E, ainda conforme a
referida autora, tomar as representações como via analítica requer adentrar o contexto
social no qual elas foram gestadas, pois é na tessitura das relações sociais, das trocas
sociais, mediadas ou não por instituições, que se constitui o pensamento social.
Assim, entendemos ser fundamental, em nosso objetivo, procurar compreender, ao
longo da história brasileira, especificamente a partir do período pós 30, os discursos sobre a
pobreza e suas encarnações por determinadas instituições: Nessa perspectiva, a nossa
pretensão é delimitar representações que se constituíram sobre a pobreza no interior da vida
brasileira.
Ao longo do séc. XX e no limiar do séc. XXI, diferentes são os atores sociais
envolvidos nessa discussão, as quais passaram a disseminar discursos, teorizações e
práticas. São Instituições sociais, como a Igreja; como o Estado através das Políticas
Públicas e como a Sociedade Civil via movimentos e iniciativas reivindicatórias, visando
amenização da pobreza.
Nessa direção, resgatamos pontos de vistas de autores, como também, discursos
institucionais, na tentativa de apreender diferentes perspectivas de pensar e tratar a pobreza.
72
Faz-se importante, dessa forma, estar vigilante às articulações e mediações entre o
que é geral e o que é específico no universo simbólico dessas representações. (PINHEIRO,
2006, p. 52).
Assim, a tessitura entre o geral e as especificidades é um exercício de compreensão
da realidade empírica, pois ambos se complementam. Podemos observar tal fato quando
ouvimos, recorrentemente, na fila de recadastramento do Programa Bolsa Família,
depoimentos como: Conheço um vizinho próximo da minha casa que não merece
receber bolsa família porque não é pobreou esse programa sendo muito bom para
os pobres né?”, “aquela sim, que passa as vezes na minha casa pedindo, é pobre”, “não,
eu não me considero pobre”.
Tais nomeações do “ser pobre” no sentido do merecer ou não estar no programa - a
que se referem os usuários do Bolsa Família - o uma associação de distintas construções
ideológicas sobre a pobreza que perpassam seu universo social. Assim, o “ser pobre” se
apresenta também enquanto categoria identitária, decorrente das representações sociais que
esses indivíduos têm sobre pobreza. Em diferentes situações e circunstâncias, tais
representações são movimentadas pelos próprios pobres, enquanto referência de
comportamentos e atitudes nos espaços sociais.
Quando, nas afirmações acima, os usuários do programa Bolsa Família delimitam
quem é pobre e quem o o é, eles falam a partir de um olhar, de uma série de critérios e
simbologias constituídos no meio social e que os guiam nessa caracterização do “ser
pobre”. Entendemos, dessa forma, que a pobreza é um construção social (SIMMEL apud
LAVINAS, 2003) a partir da realidade vivenciada pelos indivíduos.
Dessa forma, as representações da pobreza ou do “ser pobre estão conferindo
sentido aos laços de sociabilidade dos indivíduos na sua vida cotidiana, como também à sua
presença na esfera pública. Ao mesmo tempo, são fortes inferências da subjetividade desses
sujeitos sociais.
É fato que os processos sociais demandam continuidades e descontinuidades. Ao
longo de momentos históricos, os conceitos também se constituem, transmutando-se até a
contemporaneidade. No caso das representações sociais, conforme Araújo (2007), uma
demanda de valores, políticas e práticas sociais que fundam cada representação social
73
estudada. É com essa perspectiva que aqui apresentamos nosso recorte das principais
representações sobre a pobreza.
4.2.1_ Pobreza como falta, ausência, carência e insuficiência de renda
Essa é uma das mais tradicionais concepções sobre a pobreza, que se constitui ao
longo da historia brasileira. A representação da pobreza como falta tem seu núcleo central
no estado de ausência de elementos considerados essenciais para inserção na vida social,
dentro dos parâmetros legitimados socialmente.
Na perspectiva de Araújo (2007), o tratamento da pobreza através da falta remete à
ideologia da ausência:
com a naturalização da pobreza a partir do privilegiamento do econômico,
estabeleceu-se e desenvolveu-se no senso comum vulgar e científico uma
espécie de ideologia das ausências, que expressa a pobreza a partir da falta
de algum aspecto material e financeiro, denominada como carência ou
necessidade. (Idem, p.73).
Essa perspectiva leva a uma identificação social do pobre associada, na maioria das
vezes, a uma condição de constante estado de ausência: ausência de alimentação adequada,
de bens materiais, de cidadania etc. Sobressaindo dentre todas, temos a ausência de renda,
como uma das ausências mais caracterizadoras da condição de pobreza.
Rahnema (apud ARAÚJO, 2007) relata que, após a expansão da economia mercantil
e dos processos de urbanização que levaram ao empobrecimento massivo e,
consequentemente, à monetarização da sociedade, foi que os pobres passaram a ser
definidos como carentes daquilo que os ricos poderiam ter em termos de dinheiro e posse.
Se considerarmos as demarcações históricas, a pobreza nas sociedades ocidentais
está relacionada à ausência de elementos vistos como essenciais para a vida social, como as
consideradas necessidades básicas, incluindo, alimentação, trabalho, bens materiais etc.
Para entender melhor como se deu esse processo na sociedade brasileira, recorremos
às reflexões da autora Lena Lavinas (2003), que tem contribuição efetiva na compreensão
da trajetória da construção conceitual das condições sociais do ser “pobre” e da pobreza.
74
A autora faz um recorte temporal a partir do início da década de setenta quando a
questão social relacionada à pobreza estava pautada, num primeiro momento, no debate
sobre subsistência mínima e, em seguida, nas “necessidades básicas” dos pobres.
O entendimento da pobreza enquanto falta de subsistência mínima, especificamente
a alimentação, vem desde o início do século passado, porém, apresenta-se, ainda hoje, em
pauta. Em nossa pesquisa de campo, em quase todas as entrevistas realizadas com o público
atendido pelo Bolsa Família, a primeira associação da pobreza estava relacionada a “não ter
o que comer”. Dessa forma, parafraseando Lavinas (2003) a pobreza e a fome “se
confundem na identidade de quem é pobre”.
Até metade do século XIX, especificamente, na Inglaterra, a corrente nutricionista
apresentava uma hierarquia de prioridades e a subsistência mínima alimentar era o
parâmetro de ser pobre. Nesse sentido, ser pobre é todo aquele que não se beneficia de um
padrão de subsistência mínimo, em que se tem como base a quantidade de ingestão diária
de um requerimento calórico dado.
Nessa perspectiva, as necessidades humanas ficavam limitadas às necessidades de
sobrevivência física, como comer e vestir e, assim, desconsiderava-se a dimensão social
mais ampla. Em resposta, surgem novas discussões, que levam a novas categorizações em
que se passa a conceber a pobreza como fenômeno de caráter relativo.
Discutir a pobreza, a partir de então, significava considerar a estrutura social e
institucional vigente, como também às necessidades básicas estabelecidas num determinado
contexto social.
Essa ampliação de perspectiva faz com que a pobreza como falta de subsistência
mínima abra espaço para incorporar outros fatores determinantes. Fatores estes
relacionados às necessidades básicas para os pobres. No entanto, a grande questão era
responder a pergunta: o que se poderia chamar de necessidades básicas para os pobres?
À época, tais necessidades básicas foram absorvidas dentro dos critérios da
universalidade e objetividade das organizações internacionais envolvidas no combate à
pobreza. Dessa forma, as necessidades básicas eram entendidas como todo pré-requisito
de cunho universalista e indispensável à participação dos indivíduos no desenrolar da
própria existência” (LAVINAS, 2003, p. 31).
75
Dentre as necessidades sociais, duas são apontadas por Gough (apud LAVINAS,
2003) como prioritárias para estar sempre num padrão ótimo: a saúde e a autonomia. A
primeira, porque sem saúde não como assegurar uma participação social plena e
conseqüente. E a segunda porque, sem autonomia para agir, as escolhas sobre o que fazer e
como fazer, tornam-se escassas e impossibilitam atingir metas e objetivos ao longo da vida.
Sônia Rocha (2005) faz uma análise da transição da pobreza como subsistência
mínima para o debate da concepção de pobreza baseada nas necessidades básicas. A autora
acredita que as questões ligadas à sobrevivência física tenham sido aos poucos preteridas
desse debate, devido ao fato de que os estudos da pobreza se desenvolveram a partir da
problemática dos países ricos que, de certa maneira, já tinham superado problemáticas
como falta de alimentação.
Foi assim, que a abordagem da pobreza como falta, carência ou insuficiência de
renda se generalizou, passando a ser adotada mesmo em países pobres, onde, ainda hoje,
esses indicadores ainda são relevantes.
Com a discussão em torno da carência material, a insuficiência de renda passa a
aparecer como critério de identificação de pobreza. Na conjuntura atual, a pobreza como
ausência de renda ainda é o elemento chave de discurso e de práticas sociais, inclusive no
âmbito das políticas sociais.
Nessa concepção, a renda classifica os indivíduos entre pobres e não pobres,
chegando ao extremo da pobreza: a indigência. Um exemplo emblemático dessa concepção
é a linha de pobreza. Esta é uma metodologia implantada pelo Banco Mundial para
demarcar a separação entre pobres e os não pobres nas diversas partes do mundo e tem
como critério básico a renda auferida ao indivíduo.
A abordagem da linha pobreza faz parte, inclusive, dos diversos institutos que
desenvolvem pesquisas institucionais sobre pobreza no Brasil. Assim, a pobreza como
ausência de renda passou a incrementar metodologias de análise, através da sua
mensuração. Muitos institutos divulgam regulamente números que mostram as estatísticas
sobre a condição de pobreza do país e dos indivíduos.
Sonia Rocha (2005) defende que o uso da mensuração da pobreza é um instrumento
metodológico fundamental para operacionalização e sucesso de políticas sociais:
76
Nas economias modernas e monetizadas, onde parcela ponderável das
necessidades das pessoas é atendida através de trocas mercantis, é natural
que a noção de atendimento às necessidades seja operacionalizada de
forma indireta, via renda”. (ROCHA, 2005, p. 12).
Ainda segundo Rocha, o estabelecimento de um parâmetro de valor a ser usado
como linha de pobreza, a partir de preços e quantidades de um conjunto de itens
indispensáveis à sobrevivência reproduz a abordagem pioneira do autor Rowntree, em
1901, em seu estudo sobre pobreza na cidade de York, na Inglaterra, em que se definiam
patamares diferenciados de renda necessária (linhas de pobreza) conforme o tamanho e a
estrutura da unidade familiar.
É a partir dessas concepções, que a linha de pobreza passa a compor o cenário de
políticas e programas como método de identificação do pobre. A linha da pobreza é,
atualmente, o instrumento de mensuração da pobreza mais utilizado e tem como referência
a representação da pobreza enquanto carência material e insuficiência de renda.
Juntamente com a representação da pobreza enquanto falta e/ou carência material,
ratificados por instrumentos de mensuração da condição de pobreza, efetiva-se o debate do
combate à pobreza, que traz como uma das suas propostas de amenização da pobreza,
políticas e programas compensatórios.
Tais iniciativas teriam o objetivo de assegurar, através de transferência de renda e
outras ações como universalização dos serviços públicos, da educação e de assistência
social, os recursos considerados necessários a uma vida digna”, ou seja, elementos
considerados essenciais para o desenvolvimento pleno do indivíduo em seu meio social.
Nesse sentido, é estabelecido um mínimo, em que são considerados alguns aspectos
que não apenas a pobreza enquanto insuficiência de renda. De fato, delimita-se um padrão
médio de consumo da população como um todo. Assim, a discussão de um padrão médio
de necessidades e de consumo trabalha numa perspectiva de uma pobreza relativa aos
fatores de determinação social.
Assim, é demarcada uma linha média de consumo de determinada sociedade e, a
partir daí, o pobre é aquele que está situado abaixo do padrão médio de consumo. Outro
indicador surgido nessa discussão da pobreza enquanto um conceito relativo, é a
representação da pobreza enquanto falta de cidadania, tomando por base o acesso a direitos,
bem como acesso a serviços e bens públicos.
77
Geralmente, a mensuração da pobreza nessa abordagem se dá entre parâmetros
como alimentação e consumo médio. Porém, tais medidas são relativas às sociedades em
que elas estão inseridas: quanto mais rica a sociedade, mais o conceito relevante de
pobreza se distancia de atendimento às necessidades de sobrevivência. (ROCHA, 2005, p.
14).
Essa representação da pobreza como carência de renda ou como falta ao acesso a
itens no contexto da vida social, utiliza-se do argumento que a pobreza pode ser mensurada
e combatida. Rahnema (apud ARAÚJO, 2007) enfatiza que a concepção da pobreza
baseada na monetarização teria ocorrido após a expansão da economia mercantil, pois em
diferentes culturas, ao longo do tempo, o pobre nem sempre era pensado em oposição ao
considerado rico em termos monetários.
Assim, a representação da pobreza como ausência de renda está relacionada ao
contexto histórico de desenvolvimento dos valores construídos com a sociedade do capital.
Nesse modelo de sociedade, as relações sociais estabelecidas são pautadas pelo potencial de
consumo dos indivíduos e isso é fundamental para se designar socialmente se uma pessoa é
ou não pobre.
4.2.1.1_ Pobreza como demanda de assistência
4
O debate da pobreza entendida como ideologia das ausências (ARAÚJO, 2007) traz
uma série de questionamentos sobre os elementos e estratégias que seriam encontradas para
suprir as faltas e as necessidades vivenciadas pelos considerados pobres.
No interior desses processos delineadores das pobrezas como falta emergem outras
demarcações simbólicas como, por exemplo, a classificação do indivíduo como sendo
“capaz” ou “incapaz” de suprir a si próprio. Esta representação leva a outra circunstância,
que é justamente o “pobre” ser percebido, na sociedade, como aquele que necessita de
4
Durante o processo de pesquisa e de diálogo com os autores, muitas possibilidades de abordagem da
representações da pobreza surgiram. Porém, fizemos o exercício de delimitar algumas delas, consideradas
mais relevantes pela sua disseminação e encarnação em práticas. No caso, trazemos a pobreza como
assistência como um subitem, por entender que uma estreita relação ente a pobreza como ausência de
renda e pobreza vista como assistência. Temos clareza, que a construção desta representação fundada na
relação entre pobreza e assistência demanda uma discussão mais aprofundada, devido ao vasto campo de
estudo acerca do assunto. Pretendemos retomar esta investigação em nossas pesquisas, num período posterior.
78
assistência para conseguir suprir suas necessidades básicas, ou seja, o pobre é aquele que é
assistido.
Lavinas (2003) nos lembra o pensamento de Simmel, considerado o fundador da
sociologia da pobreza, no início dos séc. XX, o autor definia “o pobre” como “aquele que
necessita da assistência”:
Os pobres, enquanto categoria social, não são aqueles que sofrem déficits
ou privações específicas, mas os que recebem assistência ou deveriam
recebê-la, em conformidade com as regras sociais existentes. (SIMMEL
apud LAVINAS, 2003, p. 32).
O autor em pauta sustenta que é através das medidas de assistência que os pobres se
encontram integrados ao todo social. Porém, na leitura de Lavinas (2003), a assistência, de
que fala Simmel, está diretamente relacionada a uma relação que objetiva uma espécie de
controle e de equilíbrio social.
Em outras palavras, o interesse é manter o equilíbrio e coesão social, atuando em
prol do meio social como um todo e não apenas visando e focalizando a situação de
pobreza apresentada pelo indivíduo particularmente. Nesse caso, a pobreza como
necessidade de assistência é entendida como um mecanismos de proteção da sociedade em
benefício próprio, ou seja, para redução de riscos dos não-pobres frente aos pobres. Na
visão simmeliana a pobreza deve ser combatida em prol da prosperidade pública.
(LAVINAS, 2003, p. 33-34).
A relação de interdependência proposta por Simmel entre pobreza e assistência,
segundo Lavinas, traz implícita uma noção de direitos e deveres limitados, uma vez que não
uma busca pelo princípio da igualdade. A rigor, a busca se no sentido de assegurar
elos sociais. Isso ocorre devido à constatação de que sem tais elos, haveria ameaça de
ruptura social e, assim, colocaria em xeque a estrutura social existente.
É a partir desta representação que Lavinas acredita ter vigorado essa visão de
assegurar sempre o “mínimo” para o pobre. Este mínimo sofreria uma variação, conforme o
tipo de solidariedade e harmonias sociais presentes nas estruturas sociais.
Podemos acrescentar ao pensamento da autora que a representação da pobreza como
ausência e como assistência mínima está intrinsecamente articulado, pois um é critério de
79
complementaridade do outro. Ou seja, a pobreza como ausência deve ser suprida ou
assistida por um mínimo vital.
Assim, a representação do pobre como aquele que necessita de assistência estaria
vinculada a uma preocupação voltada para que, uma relação de dependência não fosse
quebrada e, dessa forma, o que está em jogo é a definição desse mínimo necessário à
manutenção dessa relação (pobres x não-pobres) em condições aceitáveis. (LAVINAS,
2003, p. 34).
4.2.2_ Pobreza como privação de capacidades
A representação da pobreza como privação de capacidade é uma abordagem que
tem repercussão no final dos anos 90 e início dos anos 2000, a partir da contribuição teórica
do economista Amartya Sen. A rigor, essa concepção passa a ser referência na elaboração
das políticas voltadas aos pobres financiadas por instituições internacionais, como o Banco
Mundial.
Na perspectiva do autor, vivemos num mundo de privações, destituição e opressão,
onde existem problemas novos convivendo com problemas antigos: persistência da
pobreza e das necessidades essenciais não satisfeitas; fomes coletivas e fome crônica muito
disseminadas; violação de liberdade política elementares e de liberdades formais básicas;
ampla negligência diante dos interesses e da condição de agente das mulheres; ameaças
cada vez mais graves ao nosso meio ambiente e à sustentabilidade de nossa vida econômica
e social. (SEN, 2000).
A superação desses problemas deve fazer parte das metas da proposta de
desenvolvimento. Uma das maneiras de superação dessas dificuldades, para o autor,
encontra-se nas diversas formas de liberdade. Ou seja, a condição de agente dos indivíduos
é central para lidar com as privações, porém esta condição é limitada pelas diversas formas
de privações de oportunidades e, consequentemente, de liberdade:
A condição de agente de cada um é inescapavelmente restrita e limitada
pelas oportunidades sociais, políticas e econômicas de que dispomos.
(SEN, 2000, p. 10).
80
As principais fontes de privação de liberdade apontadas pelo autor são: pobreza e
tirania; carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática; negligência
dos serviços públicos e intolerância ou interferência de Estados repressivos.
Nesse sentido, Sen, em suas argumentações, traz alguns exemplos pontuais sobre o
que considera ausência de liberdade, ou seja, as situações de privações, como geradora de
pobreza. No caso, a pobreza econômica estaria ligada à ausência de uma liberdade
substantiva, ou seja, a liberdade de participação política ou à oportunidade de receber
educação básica ou assistência médica.
A pobreza econômica nas palavras do autor: rouba das pessoas a liberdade de
saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a
oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso à água tratada ou
saneamento básico. (SEN, 2000, p. 18)
Outra forma de privação de liberdade é a carência de serviços públicos e
assistência social, a qual vai desde a ausência de programa epidemiológico, passando por
assistência médica, educação, até a necessidade da presença de instituições eficazes na
manutenção da ordem local.
E, finalmente, a violação da liberdade como privação, resultante da negação de
liberdades políticas e civis, a partir de regimes autoritários e de restrições que são impostas
à liberdade de participação do indivíduo na vida social.
No raciocínio do autor, a pobreza é exatamente a ausência desses diversos fatores.
As pessoas apenas conseguem realizar positivamente as coisas quando estão diante de
oportunidades econômicas, de liberdades políticas, de poderes sociais e de condições
habilitadoras, ou seja, boa saúde e educação básica.
Resumindo, teríamos cinco tipos de liberdade, consideradas numa perspectiva
instrumental: liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias
de transparência e segurança protetora.
A efetivação das liberdades listadas acima é a maneira que ajuda a promover a
capacidade geral de uma pessoa e, tais liberdades, associadas entre si, contribuem para
aumento da liberdade humana em geral.
81
Na abordagem da pobreza como privação de capacidade, observamos algumas
singularidades importantes. Primeiro, trata-se de uma discussão que tem como centro o
desenvolvimento econômico. Assim, discute-se a pobreza como condição a ser superada
diante de um cenário social, para que o desenvolvimento possa ter condições de efetivação
e, dessa forma, todos possam aproveitá-lo em plenitude.
É a partir de oportunidades sociais que levem o indivíduo a desenvolver
capacidades que se tem um fortalecimento da sua liberdade, a qual se concretiza na sua
participação nos processos sociais, culminando num mundo melhor e justo. Assim, um
discurso do desenvolvimento socialmente responsável.
Outra dimensão, sobre a qual podemos refletir a partir desta representação da
pobreza, é quanto ao processo de responsabilização, que fica muito mais centrado nas
escolhas feitas pelos indivíduos. Mesmo nas intervenções institucionais, no caso dos
programas voltados aos pobres deveres e critérios que o indivíduo se compromete a
acatar. O Estado aparece com instrumentais otimizadores e geradores de capacidades e o
pobre, através do desenvolvimento de suas capacidades, tenta sair de sua condição de
pobreza.
Ivo (2006), ao trabalhar as diversas concepções de enfrentamento da pobreza,
relata sobre a percepção dos pobres como “sujeitos potencialmente mobilizadores”. Isso
supõe entender que “a questão da pobreza envolve também o desenvolvimento de
capacidades pré-existentes dos próprios pobres” e que “as questões do desenvolvimento
supõem sujeitos participativos e engajados, ou seja, o desenvolvimento do senso cívico”.
(IVO, 2006, p. 9).
Nesse sentido, observamos que uma atribuição de responsabilidade direcionada
aos indivíduos pobres. A responsabilidade pela condição de pobreza dos indivíduos deixa
de ser coisa apenas de assistência, para ser também, assim, uma auto-responsabilidade.
Assim, no momento em que se constitui elementos e oportunidades visando o
aumento da capacidade do indivíduo, espera-se que haja uma sustentabilidade por parte do
indivíduo e que ele se transforme em capaz:
com oportunidade sociais adequadas, os indivíduos podem efetivamente
moldar seu próprio destino e ajudar uns aos outros. Não precisam ser
vistos sobretudo como beneficiários passivos de engenhosos programas de
desenvolvimento. Existe, de ato, uma sólida base racional para
82
reconhecermos o papel positivo da condição de agente livre e sustentável...
(SEN, 2000, p. 26).
Ainda enfatiza Sen:
Ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas de cuidar de si
mesmas e para influenciar o mundo, questões centrais para o processo de
desenvolvimento. (idem, p. 33).
Ivo (2006) classifica como mobilização social dos pobres, na perspectiva liberal,
essa tentativa de mobilização e organização dos pobres na promoção de suas demandas e
atendimento de suas necessidades através da mobilização das capacidades, visando resolver
alguns problemas ao mesmo tempo, tais como: problemas materiais da pobreza, da
participação e da integração social através da inserção no mercado.
Podemos observar, então, que, enquanto a proposta da superação da condição de
pobreza em torno dos anos 70 era pautada na construção de uma estrutura firme do Estado
através da proteção social para o indivíduo, no final dos anos 90, com todo processo
globalizante da economia, a responsabilidade se volta para a ação individual do sujeito
perante as oportunidades oferecidas pelo mercado ou pelos resultados do crescimento
econômico.
Essa atitude de responsabilização dos indivíduos pobres pela superação da
pobreza, segundo Ivo, é questionada por determinados autores, que pensam ser esta uma
concepção em que se facilita o descompromisso do Estado em termos de ampliação dos
direitos sociais e de sua responsabilidade redistributiva.
Concluímos, então, que a pobreza entendida como privação de capacidade, tem
seu núcleo central num indivíduo que não dispõe de elementos como renda, serviços
públicos, educação básica, participação em processos decisórios. Assim, ele, fragilizado,
vive uma situação de pobreza, que apenas será superada quando lhe for proporcionada a
oportunidade para se fortalecer em suas capacidades e sua liberdade de escolha.
4.2.3_ Pobreza como exclusão social
83
O conceito de exclusão social está no cerne do debate como uma das
conseqüências da pobreza e da desigualdade social. Dessa forma, consideramos importante
configurar representação da pobreza entendida enquanto exclusão social.
Nosso objetivo é adentrarmos na relação estabelecida entre pobreza e exclusão
social, observando que autores e debates vêm se constituindo em torno dessa temática e
quais elementos fazem da exclusão uma representação da pobreza. Vale, porém, demarcar
algumas diferenças conceituais que estão no âmbito dessa relação entre pobreza e exclusão
social.
Para Nascimento (1994), apesar de determinadas convergências, os conceitos de
pobreza, exclusão social e desigualdade social o distintos. Especificamente, os conceitos
de desigualdade e pobreza são diferentes entre si e, ambos, igualmente, diferem de exclusão
social.
Assim, em sua concepção, desigualdade “refere-se à distribuição diferenciada
numa escala das riquezas produzidas ou apropriadas por uma determinada sociedade entre
seus participantes”. Pobreza significa a situação em que se encontram membros de uma
determinada sociedade, despossuídos de recursos suficientes para viver dignamente ou que
não têm condições mínimas para suprir as suas necessidades básicas”. E, finalmente,
exclusão social estaria mais voltadas a questões de coesão social ou de ruptura de vínculo
social”. (NASCIMENTO, 1994, p. 30).
Sposati (1998) também demarca elementos conceituais que diferem exclusão e
pobreza. A pobreza define uma situação absoluta ou relativa, enquanto a exclusão contém
elementos éticos e culturais, ou seja, elementos de discriminação e estigmatização.
Nascimento (1994) apresenta dois entendimentos do conceito de exclusão.
Primeiro, define-o como “um processo social de não-reconhecimento do outro, de rejeição,
de intolerância ou ainda, uma representação que tem dificuldades de reconhecer no outro
direitos que lhes são próprios”. (NASCIMENTO, 1994, p. 31).
A outra acepção, tratada pelo autor, apresenta exclusão como “o não-
reconhecimento que se traduz numa exclusão de direitos”, citando, como exemplo, os
grupos sociais que não conseguem se integrar ao mundo do trabalho, por não possuírem
“condições mínimas” e, por isso, não estão inseridos socialmente.
84
Assim, em nossa concepção, aparece como elemento fundante da representação da
pobreza como exclusão social o não-pertencimento a determinados processos de
sociabilidade legitimados socialmente.
É no início dos anos 80 que surge o debate da categoria excluído” ligada aos
pobres. A bibliografia aponta que uma das primeiras referências ao conceito de exclusão
vem de um panfleto contra a desigualdade, lançado na França, pelo escritor francês René
Lenoir, em 1974. (LAVINAS, 2003).
Para chegar à categoria dos excluídos, o autor observou que, mesmo entre os
considerados pobres, uma diversidade de tipos de pobres. Com isso, fez referência a um
tipo específico de pobre, que, embora interado ao sistema econômico e social, não se
aproximava dos resultados do crescimento e, assim, ficava totalmente alheio ao contexto da
prosperidade prometida pelo crescimento.
Nesse caso, dois aspectos são caracterizadores da categoria exclusão: 1)
Inadequação social que esrelacionada à inserção precária e instável que leva o pobre ao
sofrimento e ao isolamento, 2) O não-pertencimento, ou seja, o sentimento de não
pertencimento resultante de todos os fatores que tornam estes pobres “não-iguais” ou mais
vulneráveis que os próprios pobres.
Diferentemente da abordagem da mensuração ou da representação da pobreza
enquanto falta de renda, considera-se que a exclusão faz referência a aspectos subjetivos
por mobilizar sentimentos de rejeição, perda de identidade, falência dos laços
comunitários e sociais, resultando numa retração das redes de sociabilidade e
reciprocidade (LAVINAS, 2003, p. 37).
A representação da pobreza como exclusão estaria situada, assim, num processo de
acúmulo de desvantagens de maneira constante, tendo como conseqüências rupturas e
situações de desvalorização social.
Na visão de Lavinas, a mudança de foco deslocando a categoria pobreza para a
categoria exclusão, significa passar de patamares de carências para o enfoque
multidimensional. O objetivo, nesse caso, seria apreender o que transformou o risco
decorrente da vivência da instabilidade e precariedade num “estado fatal... em ruptura com
uma condição social normal”. (THOMAS apud LAVINAS, 2003, p. 38).
85
A categoria exclusão, igualmente à pobreza, é “uma categoria do campo da ação,
da intervenção e, sendo categoria identitária, visa designar e caracterizar o status social dos
indivíduos que se situam na parte inferior da hierarquia social”. (LAVINAS, 2003, p. 38).
Para Nascimento, a pobreza como exclusão, no âmbito da sociedade moderna,
constitui um problema emblemático, pois se opõe ao ideário dessa sociedade que é a
igualdade e, ao impedir o ingresso de indivíduos na esfera de igualdade, nega a existência
de uma lei única e, por outro lado, cria “um exterior inadmissível para a modernidade, que
sempre se pretendeu universal e universalizante”.(NASCIMENTO, 1994, p. 33).
Neste raciocínio, o autor chega a uma hipótese sobre a nova exclusão social:
A exclusão social, não como discriminação social, mas como expulsão do
espaço de iguais ou não-reconhecimento de direitos a outros,
considerando-os como não-semelhante é uma ameaça à modernidade.
(NASCIMENTO, 1994, p. 33).
Nesses termos, o autor agrega elementos e situações que estariam levando os
indivíduos pobres à situação de exclusão. Assim, esta “nova exclusão”, que se delineia,
teria uma dimensão multidimensional. E, posteriormente, o autor apresenta três dimensões
da representação da pobreza enquanto exclusão social, quais sejam: econômico, no sentido
da expulsão do mercado de trabalho; Social, através da ruptura de vínculos societários e a
cultural pela representação específica do não-reconhecimento ou negação de direitos.
É, justamente, na dimensão cultural apontada pelo autor que identificamos a
singularidade da representação do conceito de exclusão como pobreza. Os códigos culturais
indicam uma riqueza de simbologias e sentidos que se encontram imersos nas relações
sociais. Através da observação dos fatores culturais, podemos ter uma visão minuciosa das
práticas sociais do indivíduo e, consequentemente, de distintos aspectos que constituem a
sua subjetividade e se encontram presentes em seus laços de sociabilidade.
Dessa forma, questões importantes relacionadas à pobreza como exclusão podem
ser resgatas a partir do estudo dos aspectos culturais. Podemos tomar uma questão
primordial nesse debate: entender os diferentes processos da interação social que
proporcionam um sentimento de pertencimento ou de exclusão aos indivíduos considerados
pobres, como também, os elementos que circundam essas relações e os códigos de ações e
86
práticas que levam o indivíduo a desenvolver um sentimento de pertença ou de exclusão em
determinadas situações que fazem parte do seu cotidiano.
Nesse contexto, a situação de exclusão é percebida quando uma ruptura com os
laços de sociabilidade. Fato que extrapola a pobreza entendida apenas como uma falta ou
uma carência material. Por esses motivos, entendemos que o processo de exclusão social,
gerado a partir da condição de pobreza, perpassa por questões relacionadas à própria
condição da subjetividade e da existência do indivíduo.
Ao mesmo tempo em que a pobreza como exclusão é caracteriza por rupturas
sociais, ela também está relacionada à dificuldade que o indivíduo encontra de sentir-se
inserido e de recuperar elos sociais rompidos anteriormente. Diante dessa realidade, esses
indivíduos constituem múltiplas estratégias de sobrevivência que, para Nascimento (1994),
se constituem devido à impossibilidade que o indivíduo tem para recuperar os vínculos
perdidos.
É partindo dessa realidade em nosso entendimento que os indivíduos passam a
buscar meios e estratégias de inserção social como forma de amenização do seu não-
reconhecimento social.
Acreditamos que políticas e/ou programas voltadas aos pobres, como o Bolsa
Família, sejam uma das estratégias buscadas pelos indivíduos considerados pobres como
forma de sobrevivência e como forma de ter seu processo de não-reconhecimento
amenizado e, passando a vivenciar situações de sentimento de inclusão e reconhecimento
social.
No caso do Bolsa Família, a garantia de uma renda mensal às famílias, mesmo que
temporária, traz determinados rebatamentos nas formas de inserção e organização social
dos usuários do programa, funcionando assim, como um dos fatores que levam à
amenização do não-reconhecimento dos indivíduos considerados excluídos devido sua
condição de pobreza.
De certa forma, estar incluso no programa Bolsa Família, torna-se uma moeda
social que leva os indivíduos a vivenciarem situações e sentimentos de satisfação por voltar
a participar de determinados processos socais aos quais, até então, consideravam-se
“excluídos”.
87
Lembramos de um caso, registrado em campo, de uma senhora de
aproximadamente 60 anos que relatava o quanto o Bolsa Família “ajudava” e era
importante, pois sempre que o gás acabava, o “bodegueiro” lhe entregava o gás em sua
casa, porque ele sabia que receberia o dinheiro ao final do mês. Por essas “facilidades”, ela
tinha muito “medo de perder” ou “sair” do Bolsa Família.
Nesse exemplo, fica visível um processo de amenização do sentimento de não-
pertencimento vivenciado pela referida usuária do programa ao conseguir se integrar e
participar de um serviço de entrega em domicílio. Possibilidade tal, que teve como pano de
fundo uma negociação através da economia de bens simbólicos, ou seja, pela garantia dada
pela usuária de que receberia o “Bolsa Família”.
No programa Bolsa Família a possibilidade de pertencer a determinados contextos,
de tomar parte de determinadas vivências sociais viabiliza “novas” formas de inclusão.
Arriscamo-nos a dizer que estar no Bolsa Família constitui-se, em determinados momentos,
numa identidade social.
O referido exemplo também valida a afirmativa de que, na vida cotidiana, os
indivíduos, devido à sua condição de pobreza, experimentam rupturas e processos de
exclusão sociais pontuais, de vivências que, em suas representações, são signos definidores
de uma inserção social. São esses aspectos que trazem o sentimento dos indivíduos estarem
ou não experimentando situações de exclusão social ou de obter um reconhecimento social.
Numa linha teórica crítica sobre o uso do conceito de exclusão social para definir
processos de pobreza situa-se o autor José de Souza Martins. Sua postura é crítica, inclusive
quanto ao uso de exclusão enquanto categoria social. Martins argumenta que ela se trata de
uma categoria imprecisa que é utilizada para definir problemáticas da sociedade
contemporânea no “Terceiro Mundo”.
A exclusão, sob a perspectiva Martins, num primeiro momento era um tema e
depois passou a constituir a categoria social “excluído”. Em seu entendimento, quando o
sociólogo trabalha com categorias sociais, elas devem resguardar qualidades
sociologicamente identificáveis nas pessoas e nas relações sociais. E, além disso,
argumenta o autor que tais categorias devem constituir fundamentos singulares na relação
e engendrar um tipo de mentalidade historicamente essencial. (MARTINS, 1994, p. 25).
88
Em relação à categoria excluído, Martins sustenta que essas exigências não são
atendidas. Primeiro essa categoria não é verificável na vivência dos chamados excluídos.
Para ele, trata-se de mais uma forma de denominação que tenta encaixar a realidade dos
pobres, visto que o próprio conceito de pobre, trabalhador ou marginalizado não suprem a
realidade.
O autor considera uma categoria central em seus argumentos: a consciência
social. Para Martins, a consciência social se configura no conhecimento que a vítima das
situações sociais adversas tem da adversidade e de si mesma. (MARTINS, 2002, p. 26). O
que não ocorre no caso da categoria dos “excluídos”, pois:
A categoria exclusão é resultado de uma metamorfose nos conceitos que
procuravam explicar a ordenação social que resultou do desenvolvimento
capitalista. Mais do que uma definição precisa de problemas, ela expressa
uma incerteza e uma grande insegurança teórica na compreensão dos
problemas sociais da sociedade contemporânea. (MARTINS, 2002, p. 27).
Para o autor em pauta, a representação do excluído social, tal como é trabalhada,
originou-se durante o processo de contrato e igualdade jurídica estabelecido na sociedade
moderna, quando os trabalhadores assalariados se tornaram “livres” para negociar seu
contrato individual de trabalho. É a época em que a força de trabalho se torna mercadoria e
como mercadoria entra no processo de produção e, como tal, está sujeita às injunções do
mercado. O mercado, então, passa a ter poder de regulação sobre sua vida.
Diante das crises e ciclos da economia, então, o trabalhador passa a sofrer
exclusões cíclicas cada vez mais demoradas para seu retorno ao mercado de trabalho. Para
o autor, a categoria excluído se nutre politicamente dessa contradição mal compreendida e
mal resolvida (MARTINS, 2002, p. 30).
Um outro argumento de Martins é que operário é classe social, porém excluído
não o é. Excluído seria apenas um rótulo abstrato, que não corresponde a sujeito de destino,
ou seja, não possibilidade histórica nem destino histórico para as pessoas e para os
grupos sociais submetidos a essa rotulação.
O operário é portador da possibilidade histórica, porque ele personifica
contradição entre o caráter social da produção e a apropriação privada dos resultados de
produção. (idem, ibidem).
89
Martins justifica que a categoria excluído não se constitui numa classe social, a
partir da lógica da conceitualização de lumpen proletariado proposta na Teoria Marxista.
Assim, ele argumenta que, exatamente por não estar incluído, o excluído não pode ser
protagonista das transformações da sociedade, a eles o se aplica a teoria do
protagonismo histórico da classe operária, pois sua situação social é diversa...não
protagonizam nem realizam uma contradição no interior do processo produtivo...”
(MARTINS, 2002, p. 35). Para o autor, os excluídos são considerados descartáveis ao
capital e, esta situação, constitui-se no “extremo histórico da coisifcação da pessoa e de
sua alienação. (idem, p. 35).
Esse autor compreende também que o próprio conceito de exclusão, como algo
que demarca a saída de indivíduos dos processos sociais, tem um teor gido e estático de
tais processos. E, além disso, sustenta que a sociedade vem de processos contínuos de
estruturação e desestruturação. Dessa forma, uma sociedade cujo núcleo é a acumulação de
capital e a contrapartida é a privação social e cultural “tende a empurrar para fora, a
excluir, mas ao mesmo tempo o faz para incluir ainda que de forma degradada, ainda que
em condições sociais adversas. (MARTINS, 2002, p. 46) (grifos meus).
O autor não nega o movimento social de exclusão de indivíduos, porém não
concorda que a representação do excluído seja concebida como um movimento definitivo,
pois, em seu ponto de vista, o próprio sistema que o exclui encarrega-se de integrá-lo de
alguma forma, ou seja, exclusão implica formas precárias de inclusão.
Na concepção de Martins, o excluído é na melhor das hipóteses, a vivência
pessoal de um momento transitório, fugaz ou demorado, de exclusão-integração, de sair e
reentrar no processo de reprodução social. (MARTINS, 2002, p. 46) (grifos do autor).
Nessa definição de Martins, podemos observar que a pobreza como exclusão
constitui-se de mobilidades, com ciclos e situações consideradas de entradas e saídas em
processos sociais, podendo a demarcação de estar ou não excluído ter uma dimensão
pessoal e subjetiva.
Assim, a situação da pobreza enquanto exclusão se constrói a partir de um olhar
sobre o outro. Esse discurso constitui um ponto de referência, em que se agregam diversos
fatores que delimitam quando os indivíduos vão estar inseridos ou não, de acordo com o
90
contexto em que a exclusão estiver considerado. Então podemos nos perguntar: o que é
estar incluído? Ou então: incluído sob o ponto de vista de quem?
No pensamento de Sposati (1998), o conceito de exclusão social, no final do
século XX, assume mais o caráter de um conceito-denúncia, de uma ruptura existente da
noção da responsabilidade social e pública, que se constituiu pós 2ª. Guerra, como também
uma maneira de expressar a quebra da universalidade de cidadania conquistada no primeiro
mundo. Tal conceito é um confronto direto com a concepção de universalidade, direitos
sociais e cidadania proposto pela sociedade moderna. Nas palavras da autora exclusão é a
negação da cidadania (SPOSATI, 1998, p. 3).
Assim, fazemos uma leitura de que, a discussão sobre exclusão proposta pela
autora demarca uma concepção positiva sobre o uso do termo. A autora trata-o como leitura
de uma realidade de dada sociedade, o qual denuncia a sua condição real de existência
diante de um Estado que se diz de direito.
A partir do argumento de Sposati, entendemos que exclusão, apesar de geralmente
ser um debate direcionado aos pobres”, é um conceito de alcance abrangente e pode estar
relacionado a outras questões que não apenas à noção de pobreza. Dessa forma, outras
questões como gênero, raça dentre etc outros estão relacionadas à sentimentos de exclusão
social. Nesse sentido, ele diz respeito a um processo histórico que quer reivindicar a
igualdade, equidade e cidadania. (SPOSATI, 1998).
Esse conceito pode ser, nos termos da autora, territorializado a realidades distintas,
como o é no caso do Brasil, onde o tratamento da exclusão está diretamente ligado aos
segmentos sociais tidos como pobres, ou seja, o que podemos ler como uma das
representações mais recorrentes da pobreza.
Tanto Sposati (1998) como Nascimento (1994) demarcam alguns elementos que
fazem diferenciação entre a exclusão e a pobreza. A pobreza define uma situação absoluta
ou relativa, enquanto a exclusão, contém elementos éticos e culturais, ou seja, elementos de
discriminação e estigmatização:
ela estende a noção de capacidade aquisitiva relacionada à
pobreza a outras condições atitudinais, comportamentais que não
se referem tão à capacidade de o retenção de bens.
(SPOSATI, 1998, p. 3).
91
Diante do exposto, entendemos que o núcleo central, que constitui a representação
da pobreza como exclusão social está pautado na ruptura de laços de sociabilidade e/ou
culturais, culminado, assim, numa desagregação negativa para o indivíduo. A ruptura
desses de elos sociais, leva-o a experimentar sentimento de não-reconhecimento social e
não-pertença a determinados processos sociais.
4.2.4_ Pobreza enquanto vulnerabilidade social
A quarta representação da pobreza que abordaremos, é a pobreza entendida como
decorrente dos processos de vulnerabilidade social do indivíduo.
Sob o ponto de vista da pesquisa de Alves (apud ARAÚJO, 2007), o conceito
vulnerabilidade tem sua origem no Direito, através da advocacia internacional voltada aos
Direitos Humanos. Faziam parte da caracterização de seu público: os indivíduos
fragilizados, jurídico ou politicamente, na proteção ou garantia de seus direitos de
cidadania.
Considerando uma conjuntura mais recente Araújo (2007) localiza que o termo
vulnerabilidade social é empregado em documentos e discursos para definir a pobreza
como “situação de vulnerabilidade” e os pobres como “pessoas vulneráveis”.
A representação da pobreza como vulnerabilidade social está muito ligada à
abordagem das políticas de assistência social.
Em setembro de 2004, foi aprovada a Política Nacional de Assistência Social
PNAS, com o objetivo de implementar o Sistema Único de Assistência Social SUAS.
Dentre outros objetivos essa iniciativa visava sair do estereótipo da Assistência Social
como clientelismo, assistencialismo, caridade ou ações pontuais e passar a ser uma relação
de políticas públicas entre o Estado e a sociedade.
Nesse sentido, as políticas de assistência passariam a estabelecer a assistência ao
indivíduo como direito, como proteção social. Assim, na perspectiva proposta pelo PNAS
está a intervenção na condição de pobreza a partir do conhecimento da vulnerabilidade
social vivenciado pelos indivíduos, como vemos em um dos pontos da proposta, que é ter
92
Uma visão social de proteção, o que supõe conhecer os risos, as
vulnerabilidades sociais a que estão sujeitos, bem como os recursos com
que conta para enfrentar tais situações com menor dano pessoal e social
possível. Isso supõe conhecer os riscos e as possibilidades de enfrentá-los.
(BRASIL [MDS/PNAS], 2004).
Nesse caso, consideram-se como cidadãos e grupos que se encontram em situação
de vulnerabilidade e risco:
Famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade,
pertencimento e sociabilidade;
Ciclos de vida;
Identidades estigmatizadas em termo étnico, cultural e sexual;
Desvantagem pessoal resultante de deficiências;
Exclusão pela pobreza e/ou pelo acesso às demais políticas públicas;
Uso de substâncias psicoativas;
Diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e
indivíduos;
Estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem
representar risco pessoal e social.
Inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal.
Ainda segundo a PNAS (2004) a vulnerabilidade social pode decorrer da pobreza.
Da pobreza como privação, ou seja como ausência de renda, como precário ou nulo acesso
aos serviços público dentre outros; como também da fragilização de vínculos afetivos,
relacionais e de pertencimento social, que se referem à discriminação etárias, étnicas, de
gênero ou por deficiência dentre outros.
Como percebemos, a pobreza como vulnerabilidade social tem como núcleo
central a associação aos fatores de teor externos que estão em torno do indivíduo, que
podem ser caracterizados como sendo sociais e/ou subjetivos e que levem o indivíduo a um
processo de ruptura com a conduta esperada no seu meio social.
Como vimos, a caracterização da pobreza através das vulnerabilidades é algo bem
abrangente e relativo. Assim, as vulnerabilidades são os fatores que causam ou geram
maior fragilidade para os indivíduos na sua existência social e humana. Dessa forma, é um
93
conceito que deve ser constantemente contextualizo às realidades e transformações sociais
vivenciadas, considerando categorias como tempo e espaço.
Nesse sentido, afirma Araújo (2007) que a vulnerabilidade, no âmbito social, é
uma categoria ambígua e expressa distintos significados que devem ser contextualizados,
dependendo de cada situação em referência.
No caso do Bolsa Família, a vulnerabilidade está baseada na exposição do
indivíduo à falta de alimentação. O programa tem como foco principal a vulnerabilidade à
fome.
Porém, a mediação para mensurar esta vulnerabilidade é a renda. Ou melhor, a
renda vai apontar se a família apresenta possibilidade ou não de superar sua pobreza. Caso
não, ela será inserida no Bolsa Família, onde receberão renda, para aos poucos e apoiados
em outras políticas superarem o estado de vulnerabilidade.
Dentre as diversas formas de vulnerabilidades sociais a que mais tem sido
apontada socialmente como causa de pobreza é a não inserção no mundo do trabalho, ou
seja, o desemprego, a falta de postos de trabalho.
A esta configuração, Alba Carvalho, trata como as novas formas de “dominação
do capital” que implica na vulnerabilização do trabalho, ou seja, um desemprego estrutural
e as múltiplas forma de precarização do trabalho que se expressam, concretamente, na
ampliação do mercado informal precarizado, na destituição de direitos trabalhistas, na
negação do direito ao trabalho, com a produção de um amplo segmento de trabalhadores
sobrantes, descartáveis para o capital, os excluídos de um lugar socialmente reconhecido.
(CARVALHO, 2006, p. 2-3).
A discussão desses “novos” processos geradores de pobreza mediado pela
vulnerabilidade social dos indivíduos ao mercado de trabalho põe em pauta no debate
sociológico uma nova categoria de especificação da pobreza, que é o “novo pobre”.
Os autores que trabalham com esta perspectiva, pontuam alguns elementos como
fatores desencadeadores dessa escassez de postos de trabalho na atual dinâmica social. Uma
delas é que, o não-retorno de milhares de proletários ao mundo do trabalho estaria
associado à substituição do trabalho morto pelo trabalho vivo, ou seja, a revolução
tecnológica estaria desqualificando o trabalho humano e deixando milhares de seres
94
humanos à margem da inclusão produtiva. Estes seriam alguns dos fatores que estariam
formando um avolumado de pessoas sem chances de voltar ao mercado de trabalho.
Zygmunt Bauman (2005) avalia esse processo como um período em que as
exigências da modernidade estão produzindo os excessivos e redundantes, ou seja, o refugo
humano da sociedade do capital.Esta produção de seres humanos refugados é um produto
inevitável da modernização e um acompanhante inseparável da modernidade. O autor
considera que no auge da performance da modernização a maior parte da produção e
consumo humano passou a ser mediada pelo dinheiro e pelo mercado, assim, a
mercantilização, a monetarização passaram a ser os modos de subsistência humana.
No entanto, essa mesma busca pela modernização se esgotou, no ponto de vista do
autor. Pois, num primeiro momento, a modernização foi concretizada em muitas nações,
enquanto que em outras ainda permanecia apenas um projeto. Assim, poderia haver o fluxo
das pessoas em busca da “sobrevivência” onde a modernização ainda não apresentava seus
efeitos colaterais como processos de exclusão e desemprego em massa.
A partir do momento, que essa modernização ganha o globo, não mais espaços
de escoamento de indivíduos em busca de fugir da condição de pobreza, pois todas as
nações passam a sentir os efeitos colaterais da modernização nas suas esferas locais e,
assim, o acúmulo de problemáticas como os “redundantes” é inevitável,
A expansão global da forma de vida moderna liberou e pôs em movimento
quantidades enormes e crescentes de seres humanos destituídos de formas
e meios de sobrevivência – até então adequadas, no sentido tanto biológico
quanto social/cultural dessa noção. (BAUMAN, 2005, p. 14).
Este quadro de questões relevantes na constituição da pobreza enquanto
vulnerabilidade social, no contexto da sociedade produtiva também é abordada pelos
autores Paugam e Castel.
O autor francês Paugam (2003) afirma que, no final do século XX, não apenas a
França, mas outros paises ocidentais enfrentaram o que se está denominando da “nova
pobreza”. Para o autor, esse fenômeno remete a uma séria de evoluções simultâneas, que se
referem em particular à degradação do mercado de trabalho, com a multiplicação dos
empregos instáveis e o grande aumento do desemprego prolongado e ao enfraquecimento
95
dos vínculos sociais, resultando além de outros sintomas, no declínio da solidariedade de
classe e de proximidade. (PAUGAM, 2003, p. 31).
Nesse sentido, esses processos de rupturas são vistos pelo autor como fatores que
levam o indivíduo a um afastamento da vida social, inclusive por crises de identidade. E
outras vezes, a falta de perspectiva de emprego gera um sentimento de inutilidade, podendo
levar ao rompimento total com a sociedade.
No público pesquisado do Bolsa Família, a maioria dos entrevistados ainda vêem
no trabalho formal a alternativa para sair da condição de pobreza. A não inserção no
mercado de trabalho da maioria dos membros da família ou a precarização e os baixos
salários são as justificativas mais comuns para estarem em busca de ingressar no programa.
Ter um emprego ou um salário, para eles, se encontra na categoria do invisível,
no mundo dos sonhos a realizar, ou seja, na atual conjuntura ter um emprego formal é um
sonho para a realidade dos que compõem o Bolsa Família. Assim, na sociedade do capital
ter um trabalho não é mais considerado uma trajetória “comum” de inserção social dos
indivíduos pobres.
Por isso, a representação da pobreza enquanto vulnerabilidade ao trabalho, leva a
uma série de implicações simbólicas, que passam pela dignidade, pelo “vencer na vida”,
como também a esperança de ter um futuro melhor. Como podemos observar no
depoimento de uma usuária abaixo:
eu nunca fui egoísta, eu queria assim, ter um cantinho meu, ter salário,
um salariozinho meu! Pra dizer assim, eu tenho um salário pra receber,
meu. Só isso aí estaria ótimo. (Usuária do PBF em Fortaleza)
Acreditamos que devido a tais fatores Paugam (2003) não associa a pobreza
apenas à carência material, mas a uma condição ligada a um status social específico, que
tem caráter depreciativo e marca a identidade daqueles que vivenciam a pobreza e precisam
de assistência social.
Assim, poderíamos dizer que muito dos inseridos no Programa Bolsa Família
fazem parte dos “novos pobres” resultantes da pobreza como vulnerabilidade ao mercado
de trabalho. Conforme Paugam (2003) os “novos pobres” seria uma categoria instável,
96
flutuante, relativa e arbitrária cujo denominador comum é menos a falta de renda do que a
marca do fracasso social e da degradação moral.
Castel (1997), ao tratar desta nova questão social, fala sobre uma desmontagem do
sistema de proteções e garantias que foram vinculadas ao emprego e uma desestabilização,
primeiramente, da ordem do trabalho, que repercute como uma espécie de choque em
diferentes setores da vida social para além do mundo do trabalho propriamente dito.
Os fatores, para o autor, que geram vulnerabilidade social decorrem da exclusão
social que se afirma através dos processos de desfiliação social, o qual se refere à perda de
status, com a desvalorização do indivíduo, que se dá via institucional decorrente e é da crise
da sociedade salarial.
Assim, são vulnerabilidades primordiais a serem observadas, no argumento de
Castel, os processos de perda de emprego e a inadequação dos sistemas de proteção social,
por gerarem uma perda da identidade produtiva e social que isola o indivíduo ou o
desfilia”levando-o à ruptura dos laços de solidariedade. Nesse caso, a nova pobreza pode
ser explicitada no estado de inexistência social. (LAVINAS, 2003).
Apesar de todos apontamentos feitos pelos autores acima, da pobreza entendida
como processos que levam o indivíduo a vulnerabilidades sociais, observamos que existem
considerações históricas que precisam ser retomadas, em particular, no caso do Brasil.
Assim, voltando o foco para realidades de países da América Latina, Pastorini
(2004) afirma, em seu trabalho sobre a questão social, que a pobreza, nesta realidade, está
diretamente ligada às exigências e metamorfoses do sistema capitalista nos últimos anos.
Uma das perspectivas trazidas pelo autor para explicar as causas da pobreza como
vulnerabilidade configurada em pobreza é a da teoria da dependência. Em sua concepção, o
processo de desigualdades e pobreza nos países da América Latina deve ser considerada a
partir da contextualização política e da especificidade histórica da situação de
subdesenvolvimento na relação entre as sociedades periféricas e as centrais.
Dessa forma, os percursos de discussões sobre a pobreza vão ter um diferencial
nos países da América Latina. Pautada no raciocínio de Lícia Valladares (1991), Lavinas
(2003) contextualiza alguns elementos indissociáveis da compreensão da condição de
pobreza a partir dessa realidade.
97
Valladares (1991) divide em três grandes períodos a caracterização dos pobres e,
conseqüentemente, suas vulnerabilidades mais acentuadas em determinados contextos
históricos na América Latina.
O primeiro, consta da virada do século XIX para o séc. XX. Nesta fase, a
representação do pobre estava associada ao vadio, aos indivíduos que se recusavam a
trabalhar. Assim, o “caráter da inserção produtiva” dava nova forma da representação da
pobreza. Na época, as formas de inserção que não atendiam os ditames das relações
predominantes no sistema capitalista resultavam na exclusão dos indivíduos.
Por volta dos anos 50 e 60, a representação do pobre já ampliava no aparecimento
de indivíduos que ficavam à margem do sistema produtivo vigente, pois não atendiam ao
padrão esperado para mercado de trabalho. É o que Valladares (1991) entende como sendo
os pobres como classe marginal, ou, podemos dizer, a concepção da pobreza como
marginalidade.
Na referida situação, o mercado de trabalho marca a vulnerabilidade social, como
parâmetro indicador de pobreza. Estar inserido no mercado de trabalho, no caso, era estar
fora da marginalidade. Mesmo com a adesão ao mercado informal, por parte dos que não
conseguiam atender aos critérios e exigências do mercado formal, mesmo estando
“inseridos” no mundo do trabalho, ainda assim, essas pessoas eram taxadas de um atraso
ao sistema moderno econômico, por setores tradicionais. (VALLADARES, 1991).
Dessa forma, voltamos aos argumentos de Castel e Paugam quando concordam
que a questão da identificação de pobreza ou poderíamos incluir aqui que a representação
da pobreza, não está ligada apenas a aquisição de bens material, mas a uma concepção de
“estigma” e “status social”, de ruptura com modelo estabelecido.
Assim, algumas questões demarcam diferenças entre o processo de pobreza da
América Latina da realidade diferenciada de outros países.
As trajetórias vivenciadas pela Europa e pelos Estados Unidos, hoje, grandes
referência e financiadores de políticas voltadas aos pobres, conforme observa Lavinas
(2003), foi diferenciada das dos países Latinos Americanos. Diante das novas concepções
do mundo do trabalho, houve certa tentativa de equilíbrio da classe trabalhadora na
tentativa de manter melhores níveis de bem estar. Lavinas (2003) aponta o “compromisso
98
fordista” como um fator dessa tentativa de equilíbrio. E, em outros países, como a França se
desenhava a estrutura do Estado do Bem Estar.
Outra característica que marca essa singularidade pela autora é que apenas na
década de 70 a exclusão como forma de desfiliação do trabalho, o desemprego e o
crescimento dos “novos pobres” vai se tornando significativa nos países europeus, enquanto
na América Latina, esse padrão excludente é constitutivo em todas as suas fases e não
apenas por força da flexibilização e globalização dos mercados.
As mudanças no mundo de trabalho, marcam, assim, a terceira fase de
caracterização da pobreza em países da América Latina conforme Valladares (1991), a
transformação da representação do “pobre’ no“pobre trabalhador”.
Assim, a representação da pobreza como vulnerabilidade social ao trabalho passa a
compor o cenário de fatores que mais produzem pobreza no Brasil. Dessa forma, o pobre
torna-se o trabalhador pobre num quadro de re-significações da pobreza.
Um trabalhador, cuja renda não lhe permite estar dentro dos padrões considerados
mínimos de uma “vida digna”, em que o “status” do trabalhador leva a constantes
questionamentos. Nas palavras de Fassin (apud LAVINAS, 2003, p. 43), trata-se de um
vínculo inacabado na construção de uma identidade de classe e informal, em razão da
transição entre emprego formal e informal, da entrada e saída do mercado de trabalho.
Assim, entendemos que à pobreza como vulnerabilidade social, estão associadas,
quase sempre, situações de cunho social ou não, que envolvam os indivíduos, onde eles
estão expostos a riscos capazes de os levarem a rupturas sociais em qualquer âmbito de sua
sociabilidade.
Essa representação tem teor relacional a determinados contextos sócio-
econômicos, como também de valores e, requerem que os indivíduos sejam assistidos e
trabalhados em suas potencialidades para que superem essa condição.
99
Capítulo 5
AS REPRESENTAÇÕES DA POBREZA NA PRÁTICA SOCIAL
5.1_ Inserção no campo de pesquisa: o cenário da teatralização da pobreza
Uma cena marcante. O que era para ser mais um dia de rotina no percurso de volta
para casa, transformou-se num dado de pesquisa. Num trajeto rotineiro, deparei-me com
uma longa fila com cerca de cinqüenta pessoas, que se alinhavam lado a lado em frente a
um centro de atendimento a “pessoas carentes”, o Centro de Cidadania César Cals da
Prefeitura Municipal de Fortaleza, localizado no bairro Dom Lustosa.
O público era composto em sua maioria por mulheres, com rápida predominância
de senhoras entre 20 e 40 anos de idade, porém com presenças de jovens. Cadeiras plásticas
serviam de encosto e acomodavam algumas pessoas, outras sentavam na calçada.
Alojavam-se, como um indício que sua permanência fosse se dar ainda por um longo
período de tempo.
Alguns grupos se amontoavam em forma de círculo a conversar. Conversavam
sobre várias coisas. De tempos em tempos, ocupavam-se de olhar o movimento dos
transeuntes das ruas, que com o cair da noite, estariam desertas.
Tomada de uma curiosidade me aproximei de um grupo de mulheres e
indaguei: “Por favor, para que é mesmo essa fila?”. Então, uma jovem senhora, um pouco
séria e resignada, ocupando uma das cadeiras plásticas me respondeu com uma voz baixa:
“É para recadastrar o Bolsa Família”. Muito reservada, voltou o olhar para sua
companheira de fila e continuou a conversa interrompida. Talvez não quisesse divulgar
informações sobre o motivo de sua permanência ali, devido à alta concorrência que se
apresentava naquela fila. Esse era o mote inicial e um lugar para pensar meu objeto de
estudo as representações da pobreza, os sentidos e os significados do “ser pobre” na
linguagem e nas representações dos pobres.
Utilizando a metáfora teatral de Goffman, a sensação de observar aquela cena era
de estar diante de um palco da vida real, onde as cortinas se abriam e os atores aguardavam
100
para entrar em cena e viver seus papéis. Papeis historicamente encenados, papéis do “ser
pobre”. Um teatro que acompanha o universo social há séculos, o espetáculo da pobreza.
Com o passar dos tempos, os pobres foram adquirindo seu lugar de “problema
social” nas sociedades. Na sociedade contemporânea, ser pobre é estar fora, é estar
“excluído”, é ser indesejável.
As políticas e programas voltados aos “pobres” aparecem como uma resposta a
esse problema social. E como tais, definem e demarcam seu espaço conceitual na definição
e no tratamento dos pobres. Mais do que isso, elas têm um papel fundamental de ditar uma
linguagem específica de tratamento dos “pobres”, de estabelecer critérios, de exigir
posturas do público que é atendido por elas.
E, ao contrário do que muitos podem pensar, estar e se manter num programa
voltados aos pobres exige muito mais do que simplesmente atender a critérios tecno-
burocráticos de “ser pobre”. Requer um “trabalho”, um capital de conhecimento acumulado
de signos e exigências necessários para adentrar no universo do mérito da
necessidade”(SPOSATI, 1988) e, assim, provar-se enquanto pobre” merecedor. O mérito
da necessidade leva os indivíduos a diversas maneiras de afirmar mais ainda sua condição
de pobreza, através de uma exigência que se impõe, a qual estou me propondo chamar de
teatralização da própria condição de pobreza.
Teatralização não no sentido de estar atuando a partir de uma ficção, de
personagens imaginários. A Teatralização da condição de pobreza é demandada da própria
realidade vivenciada pelos considerados pobres, da sua forma possível de se apresentar ao
mundo.
O autor Erving Goffman, ao buscar a compreensão das interações sociais através
da metáfora teatral nos remete ao mundo das representações dos cenários e dos papéis
sociais encenados nessas interações. O autor abre as cortinas para percebermos o quanto
somos atores de nossa própria realidade nas diversas situações.
O espaço dos programas voltados aos pobres é um desses espaços em que a
pobreza se apresenta ou se representa. Quando as pessoas estão diante de um programa
voltado aos pobres, elas são levadas a se auto-afirmarem enquanto tal, como forma de
permanecerem ou adentrarem no universo do “benefício” concedido a quem tem o “mérito
da necessidade”.
101
O que acontece no Programa Bolsa Família (PBF), considerado um programa de
transferência de renda voltado aos pobres é um exemplo emblemático. Hoje, são cerca de
11 milhões de famílias consideradas pobres pelo referido programa. Tomando este
programa, podemos observar dois vieses importantes: 1) A concepção do PBF do que seja
a pobreza e 2) Qual o olhar dos considerados pobres, inseridos no programa, sobre pobreza,
como também que representações são delineadas nesse sentido.
A interseção e/ou as divergências desses olhares é interessante na medida em que
se configuram em espaços onde concepções de pobreza constroem-se, confrontam-se e
representam-se. É neste espaço de interseção que percebemos as relações de representação
e de persona, através das quais os indivíduos encenam o seu papel do “ser pobre” como
condição de ingresso nos programas voltados aos pobres.
Ser pobre é ser um personagem, é ter um papel social, práticas e posturas,
inclusive, fundamentando políticas institucionais. Uma vez inseridos em programas sociais,
os pobres continuam em seu papel, o de reafirmar sua condição de pobreza diante de
determinada platéia. A situação de pobreza de milhares de pessoas não parece ser distante
da metáfora teatral defendida por Goffman.
Em Goffman a representação teatral se define como a maneira que o indivíduo
apresenta, em situações comuns de trabalho, a si mesmo e a suas atividades às outras
pessoas, os meios pelos quais dirige e regula a impressão que formam a seu respeito e as
coisas que pode ou não fazer, enquanto realiza seu desempenho diante delas. (GOFFMAN,
1985, p. 9).
Estamos representando, o tempo todo, os papéis que nos são exigidos socialmente.
No teatro convencional, a representação significa se apoderar de uma realidade que não é
sua, mas que a arte lhe dá a concessão para encená-la de diversas maneiras. No cenário da
vida real, a representação se dá no contexto de sua realidade.
Na teoria de Goffman encontramos alguns elementos importantes a serem
destacados. Um deles é o Palco. O Palco das realidades sociais. É nele que ou somos o foco
ou estamos sendo platéias das situações. É nele onde as cenas acontecem, configuram-se.
No pensamento do autor, um dos cernes da metáfora teatral é perceber que o palco é o lugar
onde o ator se apresenta, porém sob máscaras de um personagem para personagens
projetados por outros atores (GOFFMAN, 1985, p. 9).
102
De maneira sucinta, Goffman traduz os elementos do teatro a elementos da vida
real, seguindo o raciocínio de que o papel que um indivíduo desempenha é constituído de
acordo com os papéis desempenhados pelos outros presentes nas cenas e são esses outros
que compõe a platéia para quem encenamos. Assim sendo, ao desempenhar meu papel, eu
estou contextualizado em alguma situação que me “exige” uma certa postura.
Essa espécie de interdependência nas expectativas e ações que temos diante do
outro, de ambas as partes, faz com que pensemos a situação dos pobres diante dos
programas como o PBF, onde o passaporte de ingresso é se mostrar pobre. Ou seja, os
critérios de pobreza do programa geram um processo de “como se apresentar como pobre
para estar no PBF” e assim vai se constituindo as representações e teatralização da pobreza.
Teatralização aqui entendida no sentido de Goffman.
Para Jodelet (1991) pode haver várias representações sobre um fato. Ela traz a
definição sobre representação como ‘forma de conhecimento socialmente elaborado e
partilhado, tendo um objetivo prático e concorrendo à construção de uma realidade
comum a um conjunto social. (JODELET, 1991, p. 5).
Na dinâmica social em que vivenciamos, a pobreza se representa em suas diversas
multifaces de maneira gritante, porém sempre contextualizada de conceitos e construções
próprias de sua época. A pobreza vai se re-significando diante e em nós. Talvez possamos
entender como se passa esse processo da constituição da pobreza no meio social da
sociedade moderna, quando Bauman (2005) relata sobre as relações socais na modernidade
líquida que se apresentam na iminência da descartabilidade humana, que avoluma milhares
de seres humanos descartáveis e desnecessários.
A expansão global da forma de vida moderna liberou e pôs em movimento
quantidades enormes e crescentes de seres humanos destituídos de formas
e meios de sobrevivência.... (BAUMAN, 2005, p. 14).
A essas pessoas destituídas de forma de sobrevivência Bauman chama de Refugo
Humano:
A produção de Refugo Humano, ou mais propriamente de seres humanos
refugados... é um produto inevitável da modernidade, e um acompanhante
inseparável da modernidade. É um inescapável efeito colateral da
construção da ordem e do progresso econômico. (BAUMAN, 2005, p. 12).
103
As imagens são jogadas a todo o momento aos nossos olhos: miséria, fome,
desespero, pedintes, esmolas, mortes. Não estaríamos diante de um espetáculo da pobreza,
contemplando cenários urbanos e/ou rurais, onde se afirmam personagens e cenas
constantemente visualizados em nosso cotidiano? Quem não participou ou foi platéia de
uma cena do “espetáculo” da pobreza?
Um dos diferenciais da pobreza hoje é o seu teor fluido. Ela não se restringe a
únicos espaços onde podemos encontrar “pobres”. A pobreza não é apresentada apenas nas
ruas, nas favelas, nos guetos. uma fluidez nas fronteiras, há disputa por espaços entre os
considerados pobres e não-pobres, inclusive na busca de ingressar em alguma política
social de assistência.
Assim, a pobreza, cada vez mais se torna critério de inserção em políticas sociais.
As situações vivenciadas pelos indivíduos considerados pobres para estarem e continuarem
num programa para os “pobres” é uma situação de afirmação de sua condição social.
A representação da pobreza vai se delineando assim uma forma institucionalizada
de representação configurando-se numa situação de estratégia de sobrevivência ou de
resistência por parte dos atendidos. Os critérios exigidos nessa representação fortalecem
uma identidade do “ser pobre” presentes no corpo, no cheiro, na fala, na indumentária do
“ser pobre” e fazem parte do cenário que precisa ser constituído diante das instituições para
se ter o merecimento de estar inserido em programas de assistência.
No caso do Programa Bolsa Família (PBF), considerado um programa para os
pobres com condicionalidades, a identidade da pobreza é fator fundamental para se manter
no programa.
Retomando Goffman, quando trabalha o conceito de identidade, ele pontua dois
tipos de identidades: a identidade social virtual, que seriam as percepções que temos de um
estranho logo que o vemos, são nossas expectativas normativas em relação ao outro e a
identidade social real, que é advinda das categorias e dos atributos que o indivíduo prova
possuir na realidade. (GOFFMAN, 1988, p. 12).
As duas categorias de identidades referidas acima são identidades que se
confrontam nas representações da pobreza no Bolsa Família. A identidade social virtual
detém o olhar inquisitório do outro sobre o eu durante o processo de recadastramento. a
104
identidade social real, é observada através da rie de atributos que socialmente lhes são
destinados aos considerados “pobres”. A novidade nesse processo é a busca é o fato de
pessoas, que no âmbito social, não são consideradas pobres, também buscarem obter a
identidade virtual da pobreza para estar no programa.
A condição de pobreza como identidade social é, diante das evidências
pesquisadas, o que mantém muitas famílias em alguns programas governamentais. Nesse
sentido, ser legitimado como pobre diante de equipes técnicas do Estado se constitui num
“trabalho” por parte dos candidatos. Existem critérios a serem atendidos, existe um olhar a
quem se deve apresentar, há prestação de contas a fazer. Como também, existe um crivo de
diversos olhares de controle e vigilância sobre os sujeitos para ser legitimado como “pobre”
do Bolsa Família. Ou seja, os indivíduos precisam fazer um percurso, nem sempre fácil,
como veremos nos depoimentos na parte seguinte do texto, até conseguir estar ou se
adequar aos critérios do programa.
O momento crucial de afirmação da condição de pobreza dos pobres no PBF
acontece durante o recadastramento no programa. O recadastramento é o momento em que
as pessoas se apresentam à equipe técnica do programa para uma avaliação, que tem como
objetivo saber se elas se mantém dentro dos critérios do programa para permanecer nele. É
também um momento de representação e comprovação da pobreza.
A conversa com a equipe de recadastramento é indicativo para o indivíduo receber
a classificação do mérito da necessidade e, assim, conseguir ingressar ou continuar no
programa.
Dessa forma, a maneira como os considerados “pobres” constroem suas
representações, suas personas no contexto de programas como Bolsa Família é uma
questão importante a ser problematizada na sociologia. A representação se refere a toda
atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença
contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre estes alguma
influência. (GOFFMAN, 1975, p. 29).
Nesse sentido, a representação dos atores sociais interagindo com sua dinâmica
social é um espelho da condição real vivida. Essa representação, em certos momentos, é
“exigida” pelo meio social, como também, pelo próprio sujeito que procura dar respostas e
sentido à sua realidade.
105
Entram em cena, nesse contexto, diversos meios de afirmação da situação social de
pobreza dos sujeitos, aspectos que fogem à identificação do “ser pobre” através da renda.
Existe um conjunto fatores no universo simbólico da diversidade, da multiplicidade de
formas em que o sujeito define sua condição social de pobreza ao interagir com o mundo.
Durante a pesquisa de campo, pude observar a multiplicidade de formas como os
indivíduos representavam sua pobreza no ato do recadastramento diante da equipe do PBF.
É fato que, nem sempre, aquelas famílias queriam estar se representando enquanto pobres
para estarem num programa de transferência de renda. Muitas, num ato de se diferenciar
entre seus iguais, não se qualificam enquanto pobres extremos. Talvez, essas famílias
guardem um desejo de serem elas mesmas, sem estigmas. Porém, elas têm que assumir
personagens e personas como ponte de mediação social para com o outro, aqui
representado pela institucionalidade do Bolsa Família.
Em conversa com uma jovem senhora, que se submetera ao recadastramento, ela
buscava avaliar, através de minha opinião, sobre sua atuação ao tentar sensibilizar ao
máximo a equipe de cadastradores. Relatou que havia dito que abrigava a irmã em sua casa
com todas as despesas, que a filha menor era doente e o marido estava desempregado,
porém estava insegura de conseguir a sua permanência no programa. Confessou que da sua
história, a irmã não morava com ela e a filha não era tão doente, o demais era verdade. Ao
mesmo tempo, ela orientava sua irmã de como deveria se apresentar diante da equipe ao
dar suas informações a partir da sua experiência com os recadastradores. Assim, diante do
outro o principal objetivo é a sensibilização do seu estado de pobreza.
O critério de observação e classificação utilizado pela equipe vai além dos
depoimentos sobre a situação financeira comprovados em notas e recibos. outros
indícios que são entendidos, nesse contexto de apresentação à equipe, como sinais de
pobreza. Assim, o signo do “ser pobre” pode estar representado numa indumentária, na
forma de usar o cabelo, no cheiro exalado do corpo e assim por diante. São simbologias
sociais que compõem o imaginário do que venha a ser um pobre.
Nem sempre esse imaginário comunga dos mesmos critérios. O que é apresentado
pelos considerados “pobres” como símbolo de pobreza, pode ser desconsiderado pela
equipe de cadastro. A preparação para se apresentar dentro dos critérios do programa,
ocorre bem antes de estar diante da equipe de recadastramento, ela ocorre na fila de espera.
106
Foi a partir do cenário exposto até agora que acompanhei o desenrolar das
representações da pobreza para os considerados pobres inseridos no programa Bolsa
Família e demarquei alguns espaços de análise. Primeiro, o recadastramento como período
da pesquisa em campo. Depois, a fila de espera e a sala de apresentação que se
configuraram como os espaços de fluxo de informações e interação com o objeto de estudo.
Assim, nosso esforço analítico, neste momento, está direcionado para entender
como as representações que os pobres fazem de sua pobreza se concretizam diante do
outro. Além disso, como o processo de teatralização e representação da pobreza, para estar
num programa de combate à pobreza, incide nas práticas e vivências pessoais dos
indivíduos, na sua maneira de se ver no mundo e enquanto ser social. E, finalmente, como
programas semelhantes ao Bolsa Família contribuem para afirmação de uma identidade da
pobreza.
5.2_ Recadastramento: da representação à prática do “ser pobre”
O recadastramento do Programa Bolsa Família, realizado entre e janeiro e
fevereiro de 2007, foi o cenário para a realização da presente pesquisa. O recadastramento
se configura num espaço imerso em simbologias, onde as interações sociais são mediadas
por processos de representações, controle e vigilância.
Constitui-se, assim, num instrumento de controle para suporte técnico e
organizacional do número de famílias, do perfil sócio-econômico e dos processos de
mudanças ocorridos no interior das famílias.
Oficialmente, esse período visa realizar o cadastramento sob dois focos: primeiro,
cadastrar as famílias pretendentes a possíveis inseridas do programa, como também
recadastramento daqueles inclusos e que ainda se encontram no perfil de continuarem
inseridas.
O recadastramento geralmente é realizado em postos de atendimento indicados
pela Prefeitura Municipal, que, localmente, detém a gestão do programa. Geralmente, o
atendimento ocorria nos Centros de Cidadania localizados em bairros estratégicos, na
periferia da cidade, como também em prédios administrativos da própria prefeitura.
107
Desde o início do Programa Bolsa Família até o momento atual, é notório um
processo de mudanças no recadastramento do público atendido pelo programa.
Num primeiro momento, o cadastramento acontecia nas escolas públicas, devido
muitas famílias serem remanejadas do extinto programa Bolsa Escola. O referido programa
tinha uma transversalidade de gestão entre o Governo Federal diretamente com as escolas.
Logo após esse período, as famílias eram cadastradas através de visitas
domiciliares. O deslocamento da abordagem aos “pobres” do espaço institucional como
escolas, para uma abordagem no espaço da casa, da rua, ou seja, do cotidiano desses
indivíduos, levou a equipe do programa a ter contato com outras dimensões da vida dos
considerados pobres.
Dessa forma, os recadastradores passam a ter contato direto com a realidade social
dos considerados pobres e suas diversas representações. Indícios que não se encontram no
entendimento da pobreza através de números cristalizados em estatísticas. Outras
considerações adentram nos processos de sociabilidade dos indivíduos e suas diversas
vivências. Como defende Lima (2003), a pobreza tem multifaces. E, também como afirma
Sarti (2004) os dados da carência material não são mais suficiente como critério de
definição do que é ser pobre.
Nesse sentido, a observação da realidade social através dos espaços de
sociabilidade do indivíduo traz reflexões que o contato burocrático e tecnificado de uma
sala de atendimento não contemplam.
A mudança de perspectiva do recadastramento não foi considerada um processo
fácil para as equipes do Bolsa Família. Notamos que começa a se delinear nesse
deslocamento algumas das representações da pobreza mais presentes nesse tipo de
abordagem, a pobreza entendida como perigosa e ameaçadora.
Geralmente atividades que propõem uma aproximação da pobreza ou dos pobres
são representadas como uma atividade de alto risco. Dessa forma, a abordagem de campo,
como visitas domiciliares, acompanhamentos, outras atividades similares e atendimentos a
famílias moradoras de bairros considerados pobres constituem-se num “trabalho perigoso”.
No caso, as atividades que são voltadas aos programas sociais, principalmente, os
programas que auferem algum recebimento de renda ou de outras assistências são tidas
como atividades mais propícias a riscos por parte das equipes.
108
Esse risco, no caso, está associado ao fato das equipes em campo lidarem
diretamente com a pobreza. A pobreza, nesse caso é entendida e representada como perigo
iminente como universo desconhecido: o outro. Nesse sentido, podemos acrescentar a
representação da pobreza como violência.
Por outro lado, é perceptível, nos depoimentos das experiências vivenciadas pelos
cadastradores durante a fase das visitas domiciliares, o contato com outros tipos de
representação da pobreza, como podemos observar nas fala de um componente da equipe
que teve a experiência de trabalhar em campo:
...tinha casa que nós entrávamos, não dava nem vontade de sair porque a
família era tão acolhedora, mas nós tínhamos que sair porque tínhamos
uma meta por dia. Mas, a família era tão acolhedora que não dava vontade
de sair. Não tinha nada pra oferecer, um copo de água barrenta mas eles
ofereciam. Outro com um pedaço de pão na mão, apenas um pedaço e
dizia minha filha pegue esse pedaço pra você eu não to com fome não, a
gente sabia que o único alimento que ele tinha. (Cadastrador do PBF em
Fortaleza)
É notório o misto de surpresa e encantamento da parte da cadastradora por
encontrar, em sua visita, uma representação da pobreza provavelmente oposta àquela que se
passa no seu imaginário. Em meio à sua atividade profissional de alto risco, ela tem contato
com uma pobreza que não é violenta. Uma pobreza que se encontra na esfera da paz. A
pobreza como virtude e bondades puras.
A representação da pobreza como pureza e bondade é uma das primeiras
representações acerca da condição de pobreza que era vista como signo de salvação eterna.
Ela tem suas raízes no pensamento da Idade Média, através do poder Clérigo.
Segundo relatos no texto de Gronemeyer (2000), os monarcas e senhores feudais
tinham costume de manter um grande número de mendigos em suas cortes, dando-lhe
dinheiro, comida e alojamento. Dessa forma, os ricos, através do ritual da “ajuda” estariam
redimindo seus pecados e buscando um lugar, também, no paraíso eterno.
No exemplo citado, a forma como os pobres se apresentaram à cadastradora
através de valores como humildade e acolhimento, partilhando do pouco que tinham, numa
atitude do “repartir o pão”, como dizem os mandamentos cristãos, imediatamente leva a
cadastradora a pensar a pobreza por contrastes (SARTI, 2005), ou seja, pelos opostos. A
109
cadastradora compara os valores encontrados nos pobre, com os valores que ela encontrou,
em residências, as quais ela classifica como ricas:
Tinham casas muito chiques, que oferecia as coisas, tinha casa muito
chique que num deixava você passar do portão, ao meio dia em ponto e a
gente trabalhava o dia todo. (Cadastradora do PBF em Fortaleza)
Podemos encontrar alguns elementos na contraposição feita pela cadastradora, na
maneira como ela diferenciou o tratamento de um pobre e de um rico.
A autora Gronemeyer (2000) nos lembra o ditado: “É mais fácil um camelo passar
no fundo de uma agulha, que um homem rico entrar no reino do céu”. Tal frase, que tem
um recorte religioso, a partir do pensamento da doutrina Cristã, e ajuda-nos a pensar os
processos de representações dos pobres e ricos. De um lado o rico, egoísta e avarento, que
dificilmente alcançará o reino e o perdão eterno. E, de outro, o pobre humilde e bondoso de
coração que pode ser infeliz nas suas necessidades materiais terrenas, mas guarda seu lugar
seguro no paraíso, como recompensa de sua pobreza terrena.
Além disso, um outro elemento significativo que se constitui no imaginário
social: a idéia de que o considerado pobre é aquele que sempre está na condição de receber,
ou seja, a pobreza como falta de, por isso, ela está pronta a receber e nunca a dar.
Geralmente, no senso comum, espera-se que a obrigação de dar é de quem tem mais.
No entanto, no contexto contemporâneo, tais representações são repensadas. Dessa
formas, tempos atrás, dentre as simbologias designadas ao rico estava o seu maior
pecado, a avareza. Assim, não era associado ao rico o ato de dar. Hoje, essa concepção se
re-significa e o ato de dar integra as concepções do Estado de Direito, um ato de
solidariedade e cidadania. Dessa forma, o ato de dar é mais que um ato de bondade. Dar é
ser cidadão.
No discurso atual, temos a responsabilidade social dos que tem muito em relação
aos que tem pouco. Procurar formas de dividir com o outro pode ainda trazer resquícios da
caridade medieval, porém adentra também no discurso do bom cidadão de um modelo
estabelecido de responsabilidade com o outro.
Nessas fronteiras sociais e simbólicas entre ricos e pobres podemos inserir o Bolsa
Família, que se constitui num programa que está na linha de dar ao pobre, mesmo que sob
110
contrato de condicionalidades e restrições. É um programa de divisão, que busca um
parâmetro de igualdade entre a concentração de renda existente dos mais ricos em relação
aos mais pobres.
Por tudo isso, deparar-se com um pobre que ofereça algo, pode causar admiração.
Outro dado, ainda em referência à situação analisada, é o fato do cadastrador estar ali,
simbolicamente, como alguém para “dar” e não para receber.
Tomando outra situação das “multifaces da pobreza” (LIMA, 2003), tratada na
fala dos cadastradores, temos a representação da pobreza como violência. Para a
coordenadora de trabalhos de equipe, o cadastramento com visitas domiciliares foi
interrompido devido ao aumento de casos de violência contra os recadastradores.
De primeiro nós éramos um grupo de 700 cadastradores. No começo era
de porta em porta. que s fomos assaltados... teve um primeiro
momento em março de 2003, que foram nas escolas. tinha que fazer o
recadastramento de todo mundo que tava recebendo...A meu ver, de porta
em porta seria melhor, mas o problema da pobreza é muito grande e a
maioria é favela. Na Aldeota não tem ninguém que receba naqueles
prédios. Então o assalto e a violência contra o cadastrador era muito
grande, saia com uma prancheta e uma caneta e só. Até assim eles
olhavam a bolsa da gente. Eu nunca fui roubada, mas porquê nós saíamos
em grupo. (Coordenadora de equipe do PBF).
As equipes trabalhavam com todo um aparato de segurança quando se destinavam
às visitas domiciliares. Eles se locomoviam em ônibus próprio da Prefeitura Municipal e, às
vezes, utilizavam a viatura policial. Ao chegar aos bairros de destino, seguiam em
comboios. Nas ruas, nunca estava um cadastrador apenas, costumeiramente eles faziam
visitas em duplas:
Assim, tinha uma viatura, três ônibus com quinze grupos dentro. Era de
cinco em cinco, iam cinco pra uma rua, enquanto um não terminava a
casa, não íamos pra outra rua. Ia dois pra uma casa, dessa forma a gente
(Ela e a companheira de dupla) nunca foi assaltado.” (Coordenadora de
equipe do PBF).
Entre os relatos existem inclusive alguns casos de agressões vivenciadas pelos
cadastradores:
111
Exemplo 1:
Uma menina no Palmeiras (Bairro da cidade de Fortaleza), a mulher
botou ela pra dentro de casa, com filho de peito (a mulher visitada) e
falou: sente aqui. Aí ela sentou, ai ela foi lá dentro e pegou uma faca: Bora
passa tudo que você tem na sua Bolsa. Disse assim, olhe se você não
botar meu nome aí eu lhe mato.
Exemplo 2:
E a outra (cadastradora), foi presa com 4 homens dentro de casa que eram
estupradores. Ela disse que não sabe como conseguiu sair, porque o
desespero foi tão grande, que a mulher mandou ela ir pra sala e as portas
estavam fechadas, só a janela estava aberta. Aí na hora, a mulher disse vou
na cozinha buscar uma aguazinha pra você ai foi o tempo que ela viu e
disse: vai ser agora! ela pulou pela janela e saiu gritando e deixou tudo
dentro da casa.
Como percebemos nos exemplos acima, a representação da pobreza enquanto
violência gera receio e medos. No exemplo 1, quando a senhora citada exigiu que a
cadastradora a “colocasse” no programa, parece-nos que essa é uma situação limite da real
representação da pobreza enquanto violência, que é a violência simbólica em que vivem
tais indivíduos.
Para Bauman (2005), uma das marcas da sociabilidade em tempos de globalização
é o sentimento de incerteza e insegurança, ou seja, a ameaça do descarte eminente. Assim,
o relato da situação acima aponta para as reflexões da teorização de Bauman, a qual relata
a sensação de insegurança e falta de perspectiva em que as pessoas que vivem em condição
de pobreza estão imersas. Ao mesmo tempo, pode ser um parâmetro de compreensão das
relações que estão se constituindo no interior dos programas de combate à pobreza.
O contexto da sociedade do capital tem mostrado a urgência de uma situação
social relacionada à pobreza que se impõe e que nos aparece como a ponta do iceberg nos
números de indivíduos vivendo em situação de pobreza ou no status de esperar ou pedir
“ajuda”.
Assim, para uma pessoa que vive em situação de pobreza se inserir nos programas
voltados aos pobres que possa viabilizar uma “ajuda”, é algo que se insere no campo da
emergência.
O discurso sobre a assistência e as formas de “ajuda” aos pobres recebe, na
sociedade atual, dimensão de situações de emergências para o combate a pobreza. Uma
112
situação que é bem diferente da relação alicerçada na Idade Média entre os nobres, clérigos
e pobres, que era baseada numa “ajuda” voluntária, num ganho posterior e infinito.
Foi no contexto da Revolução Industrial, que aos poucos a “ajuda” passou a entrar
nos moldes do modelo burguês. Aos poucos, a concepção de ajuda saiu do âmbito
ultramundano e se tornou eficiente e racional como o próprio trabalhado em série que
começara a surgir nas fábricas, requerendo para isso, formas burocráticas de organização.
(GRONEMEYER, 2000, p. 25).
Assim, os pobres que se apresentam ao cadastramento do PBF, não se apresentam
numa relação de pedir algo ou de pedir “ajuda”. Trata-se de uma re-significação
burocratizada da ajuda. Esse status sobrepôs a representação de ajuda voltada à pobreza
concebida na Idade Medieval. Em termos atuais, a ajuda se transforma numa
institucionalidade, através da proteção social dentro dos trâmites do Estado de Direito, onde
todos são iguais perante a lei ou pelo menos deveriam ser.
Os objetivos e as diversidades das situações do recadastramento mostram
como estas relações modernas de assistência voltadas aos considerados pobres vêm sendo
configuradas, constituindo mudanças significativas, que são apropriadas por todos os atores
envolvidos nesse processo.
Nesse sentido, alguns momentos de observação que ocorreram nos espaços de
recadastramento são importantes para entendermos os processos de representação da
pobreza existentes junto aos atores em seus respectivos papéis: o considerado pobre e a
instituição através da equipe do Bolsa Família.
5.3_ Representação da pobreza: demarcação de espaços simbólicos
Dois espaços dividem a demarcação simbólica de representação da pobreza no
prédio onde se realizava o recadastramento: a fila de espera e a sala de apresentação. Estes
são os lugares principais de interação entre as pessoas que aguardam o recadastramento.
A fila é o espaço de apropriação do público a ser atendido, ou seja, dos
considerados pobres. Ela representa um lugar de reconstituição e de partilhar com os
demais, o percurso transcorrido por cada um até chegar ao Bolsa Família. A unificação da
condição social, propiciada pela fila, permitiu-nos acompanhar as primeiras delineações dos
113
diálogos entre os “pobres” e seus iguais. Diálogo estes que geralmente giravam em torno
das trajetórias de vida e das dificuldades vivenciadas.
a sala de apresentação, representa o outro lugar. O espaço da instituição. É na
sala de apresentação que se estabelece a relação entre dois lados: o pobre e a instituição. É
o espaço que determina estar ou não, de ser ou não o pobre dentro do perfil que atende às
exigências do programa. E, assim, a sala de atendimento é o lugar onde a representação da
pobreza se concretiza em atos, estes algumas vezes, teatralizados (GOFFMAN, 1985) para
uma platéia de expectadores.
Em sua metáfora teatral sobre a vida cotidiana, Goffman relata que, dentre as
características da representação dos indivíduos diante de sua realidade, está a impressão
idealizada, ou seja, a impressão idealizada na representação é oferecida acentuando-se
certos fatos e ocultando-se outros; o ator mantém a coerência expressiva tomando mais
cuidado em prevenir-se contra os mínimos desacordos do que o público poderia imaginar
levando em conta o propósito manifesto da interação. (GOFFMAN, 1985, p. 65).
Acreditamos que o momento de apresentação do “pobre” à equipe do Bolsa
Família se caracteriza por esse momento de teatralização da própria pobreza, em que as
representações (da pobreza) se constituem em coações da interação que agem sobre o
indivíduo e transformam suas vidas em representações. (idem, p. 66).
5.3.1_ A fila de espera e a sala de apresentação
Consideramos que, ao longo dos tempos, as filas se constituíram em espaços
simbólicos demarcadores de hierarquia, ordem e respeito. Ao falar em filas, remetemos-nos
à disciplina dos quartéis, ao conjunto de um ritmo marcado pela cadência sincronizada.
Nas escolas, desde a infância, as crianças são disciplinadas a estar numa fila como
um aprendizado cívico de respeito e de comportamento polido. A fila demarca um espaço,
onde cada um tem seu lugar, e não se pode ultrapassá-lo aleatoriamente. Transgredir a
ordem de uma fila é uma falta social grave, podendo inclusive, ocasionar revolta e conflitos
entre os ocupantes dos respectivos lugares.
114
Porém, as filas, considerando uma demarcação de tempo mais recente,
representam uma situação social adversa à ordem social e m incorporado outras
simbologias, tais como: aumento da desigualdade social e de renda.
Poderíamos dizer que as representações sobre a fila hoje, principalmente, em
países considerados pobres, apresentam um universo contraditório. Ao mesmo tempo, que
ela ainda guarda consigo a simbologia de uma ordem, ela tem simbolizado o caos, o
descaso, um lugar onde não se deseja estar.
A fila é também uma realidade social das diversas situações de pobreza. Dentre
outras funções, as filas são demarcatórias dos espaços e lugares destinados ao atendimento
dos considerados pobres. Podemos observar tal fato nas filas constituídas em busca de
assistência do serviço público, como a Previdência Social, os Hospitais Públicos, os Postos
de Empregos etc.
Em tempos recentes, a fila tem se tornado inclusive virtual, ou seja, uma fila onde
o indivíduo não precisa estar presente fisicamente, onde o tempo ilimitado e a ordem são
ditados pelas máquinas. Nessas filas, pode-se esperar por anos. Assim, estar numa fila hoje
pode representar andar para “não sei onde”, pois nem sempre elas significam uma ponte de
chegada a algum lugar. Elas representam, às vezes, uma espera infinita.
No Bolsa Família, ela é um indicador social que retrata o contexto sócio-político
vigente. Representa milhares de indivíduos que se encontram em condição de pobreza, que
buscam um meio para se chegar ao “benefício” ou à “ajuda do governo”. É um
enfrentamento, uma das dificuldades a serem superadas para estar no programa, por isso,
ela também se constitui num espaço de tensão, controle, vigilância e esperança.
Nos primeiros dias de recadastramento, no local onde realizamos nosso trabalho
empírico, no centro de atendimento da prefeitura a comunidade, Centro de Cidadania César
Cals, as longas filas tinham início com 24 horas de antecedência do atendimento pela
equipe. As pessoas se alojavam do lado de fora do prédio e enfrentavam uma noite de
espera até o dia seguinte para garantir uma senha de atendimento.
O reflexo do número de pessoas em busca do programa pode ser percebido no
ritmo de trabalho do membro da equipe denotado abaixo:
Meu contrato é de oito da manha até quatro da tarde. No primeiro dia (de
recadastramento) saímos daqui sete horas da noite. E o povo chegando:
115
Não minha filha, da pra me atender? Eu ficando com pena, com pena,
saímos daqui sete horas da noite”. (Coordenadora de equipe do
recadastramento do PBF).
A quantidade de pessoas e a imensidão da fila era tão acima das expectativas que o
fato foi destaque em vários jornais de circulação local, onde o debate na oportunidade se
dava em torno da visibilidade do programa e o quanto estar inserido no programa é
significativo e interferia na vida desses indivíduos, diante da crise de geração de emprego e
renda que ora vivenciamos no país. Ficou evidenciado, assim, o crescimento do público que
busca atendimento e assistência dos programas voltados aos pobres.
O espaço de entrevistas da nossa pesquisa se deu através da abordagem na fila do
PBF. O lugar era propício para falar sobre pobreza, afinal, era uma fila que detinha como
critério máximo para seus integrantes considerar-se pobre e se provar enquanto pobre.
Os entrevistados nos recebiam com vigilância constante, o processo de
aproximação não se deu de maneira fácil. Procuravam responder o essencial e não se
alongar muito. As pessoas, em torno do entrevistado, ficavam restritas a observar atentas,
raras vezes algumas entravam no diálogo.
O recadastramento é um momento de tensão constante para os pobres. Uma tensão
que pode ser percebida nos olhares, nas conversas e nos corpos e pode se justificada por ser
a oportunidade de continuar garantindo uma renda à família por determinado período, ou,
às vezes, é a renda que acrescenta ao salário existente.
Alguém estranho que se aproximasse da fila, para fazer perguntas ou saber algo
sobre eles, era tido como suspeito, uma vez que, poderia ser um fiscal do programa
querendo descobrir algo de sua vida e, quem sabe, inclusive, retirá-lo do programa.
Mas, ao mesmo tempo, a fila era um espaço onde as pessoas se encontravam em
constante interação. Geralmente, socializavam as suas trajetórias de como chegaram até o
programa, as dificuldades enfrentadas e partilhavam os casos enfrentados por outras
pessoas conhecidas também.
Um processo de solidariedade e de troca de informações também constitui o
espaço entre eles. Assim, se alguém que chegasse junto à fila e não detivesse informações
de funcionamento sobre o recadastramento, de pronto, era informado pelas pessoas ali
presentes. De vez em quanto, alguém se aproximava para perguntar com quem poderia
pegar a senha de atendimento e obtinha a resposta: Não tem mais senha. Tem que chegar
116
aqui de madrugada, respondia alguém lançando um olhar aliviado por ter garantido seu
lugar na fila.
Na fila, todos se reconhecem como iguais pelo fato de estarem almejando algo
comum: estar no programa Porém, fila não é o espaço de se auto-representar enquanto
pobre, assim, não se debate sobre o meu merecimento de estar no programa, mas o
merecimento do outro.
Basicamente, a representação sobre o merecimento de estar ou não no programa é
associada a quem detém patrimônios materiais e “boa condição de vida”, como: alguém que
tem uma “boa casa” ou é “comerciante” ou “tem carro”. Essas pessoas são identificadas
diretamente a pessoas próximas como vizinhos que dentre eles detém melhores ou piores
condições de vida. A pobreza entre os diálogos é entendida como falta e vulnerabilidade
social.
A referência negativa da identificação do mais pobre ou menos pobre entre iguais,
foi estudada por Lima (2003). Ela observou que no conjunto das práticas que enfeixam a
sua vida social (dos pobres) são as formas de sociabilidade produzidas no universo
relacional com a vizinhança com os amigos e no espaço local, que amalgamam identidades
sociais, constituídas na mediação com referências familiares e de inserção no mundo do
trabalho. (idem, p. 299).
Assim, a referência para identificar quem merece ou não estar no programa, na
avaliação dos “pobres” é baseada na sua própria condição de pobreza, na simbologia das
diversas representações que eles constituem do que seja a pobreza, como no exemplo, a
pobreza como falta: a falta de um teto, a falta de alimentação etc.
Para estar no Bolsa Família o critério é a renda como definidor da pobreza. Porém,
para os usuários do programa ir se cadastrar no PBF não quer dizer apenas portar uma série
de documentos que comprovem sua renda. Torna-se necessário mais. É um trabalho que
demanda esforço e empenho.
Em nossa percepção, dois mecanismos identificados pelos considerados pobres
do Bolsa Família, que fazem parte das dificuldades para estarem no programa. Um é o
enfrentamento das longas filas e outro é o número de deslocamento necessário, entre as
diversas instituições até chegar à fila e ao local correto de cadastramento.
117
Durante toda pesquisa, várias foram as pessoas que tiveram que se deslocar até
outro posto de atendimento ou que tiveram que retornar diversas vezes por não ter
documentação correta ou porque ali não era o local correto para o atendimento. Em todos
os casos presenciados, sempre havia protestos das pessoas. Muitas vezes, eram senhores e
senhoras idosos que alegavam cansaço e falta de recursos para o deslocamento. Porém,
diante dos critérios de tecnificação da comprovação da pobreza, havia a obrigação que a
regra fosse seguida. Vejamos o depoimento de uma das entrevistadas ao ser indagada sobre
as dificuldades de estar no programa:
Tive e muito (dificuldades), eu corri muito para poder conseguir, mas
graças a Deus consegui. Primeiro, tive que faltar ao trabalho né? Faltei
quase duas semanas pra poder ir atrás do Bolsa Família. Eu fui para meu
posto de saúde que era mais próximo, cheguei lá me disseram que não era
lá, tive que ir para os colégios, que era nos colégios, fiz a minha ficha
de inscrição lá, de fui novamente pro posto, do posto me encaminharam
pra Regional, da Regional tive que voltar novamente pro posto novamente
e foi quase duas semanas assim nesse... pra poder conseguir né? Tinha o
que era de documento dos meninos tudo, tinha que ajeitar, pesar
(crianças), ir no colégio confirmar.(Usuária do PBF em Fortaleza).
Assim, a idéia de que estar num programa voltado ao pobre como o Bolsa Família
é um caminho fácil é equivocada quando se trata do ponto de vista dos “pobres”. Há, para
eles, o oposto, uma representação simbólica de luta e enfrentamento constante para garantir
o seu lugar.
Dessa forma, a fila se constitui no período em que uma preparação para entrar
na fila de apresentação. E, geralmente, se aproveita para debater sobre o assunto e se
inteirar das possibilidades de ser considerado pobre ou não dependendo da identificação do
outro.
A sala de apresentação é o local onde os usuários ou candidatos se apresentavam
às equipes. Ali ocorria a concretização da representação dos considerados pobres em suas
conversas e atos simbólicos. O objetivo é apresentar a pobreza e demonstrar que é um
pobre merecedor, ou melhor, convencer os recadastradores de que está no perfil da
representação do pobre ideal para o Bolsa Família.
Nesse ponto, nossa análise tem o objetivo de observar como as diversas
representações da pobreza trabalhadas no capítulo anterior são concretizadas e
118
representadas nas interações sociais, em que a identidade da pobreza torna-se
representações mediadoras dos processos.
Na sala, a interação social estava pautada em dois princípios: os “pobres”
representarem seu papel enquanto pobres usando todo aparato simbólico para provar sua
“necessidade” ou sua pobreza. De outro lado, o cadastrador, enquanto seu papel de
representante institucional para ser vigilante da verdade e não se deixar levar pelas “falsas
aparências”.
O trabalho de receber os usuários cabia a uma equipe de cadastradores, que era
composta em sua maioria por pessoas com grau de instrução de nível médio ou primeiro
grau completo. A única pessoa que detinha nível superior era a coordenadora da equipe,
que era formada em letras/inglês. Segundo depoimento da coordenadora de equipe, a
seleção desse quadro de cadastradores é feita em muitos casos, através de indicações
pessoais de parentesco ou amizade.
O ambiente no interior da sala de apresentação era bem dividido. Era composto de
birôs enfileirados, onde os recadastradores ficavam lado a lado a entrevistar os usuários. A
entrevista era guiada por um formulário com questões objetivas como: renda, número de
membros da família, se a moradia deles recebia serviços públicos como coleta de lixo e
esgoto, quanto pagavam com despesas como contas de água e luz. O formulário possuía um
padrão e tinha timbre da Caixa Econômica Federal.
Porém, o processo de representação entre pobre e programa não ficava apenas na
representação da pobreza como falta de renda, ou seja, pobreza material. Ia além, construía-
se um cenário para encenar a pobreza, ou seja, a sala de apresentação era um espaço de
teatralização da pobreza.
Vários são os casos citados pela coordenadora dos trabalhos sobre pessoas que
participam desse cenário, os personagens têm que se provar enquanto pobres. Em outras
palavras, são situações em que percebemos o quanto as pessoas fazem para provar sua
pobreza:
você sabe quem vem mal arrumado pra cá, você sabe. ... outro dia chegou
uma mulher toda mal arrumada aqui, mas a mulher era tão cheirosa, tão
bem tratada , que você sabe até pelo cheiro da pessoa, a mulher tão bem
tratada, mas contou uma pobreza, contou uma pobreza,!!!.
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Teve uma mulher que ela era aposentada ela era professora aposentada e
o marido dela tava fazendo UFC , ela disse: meu marido ganha R$ 350,00
reais. Tem quantos filhos? 4. Nenhum trabalha? Não e minha filha mais
velha tem dois filhos dentro de casa. E o pai dos meninos não pensão
não? não ele é pobre. Eu disse: pois minha senhora bota na justiça.
E como a senhora passa com 350,00 reais . Não porque eu trabalhei num
“sei onde”.
Vale ressaltar que nesse diálogo a cadastradora apresenta uma técnica de um
diálogo inquisidor que, na maioria das vezes, se o entrevistado não estiver num processo de
representação da sua realidade tal como ela é, ele pode cair em contradição em suas
afirmações. A descoberta de uma condição que não estava sendo “verdadeira” classifica o
cadastrador como “muito bom” de entrevista, pois ele detém a técnica de desvendar alguma
representação mistificadora
. Vejamos como finalizou o caso acima:
Ela ganhava R$ 1.050,00, o marido dela ganhava R$ 375,00 como agente
de saúde, fora uma aposentadoria que ele tinha trabalhado para o governo,
naquele tempo não tinha concursos , ele ganhava R$700,00 reais. A filha
trabalhava numa loja e tinha um armarinho dela, o marido dela morava
numa casa vizinha e trabalhava na Fábrica Fortaleza, e eu comecei a
descobrir. Eu disse: não mas eu não vou colocar nada disso aqui não
senhora eu vou é aumentar pra Senhora Ela disse pra mim que não tinha o
segundo grau e, ela era formada em pedagogia. Tu acredita? Tem coisas
assim muito engraçada.
A coordenadora conta outro caso em que conseguiu desvendar o depoimento da
pessoa que se apresentava à equipe:
Chegou uma mulher aqui, engraçada, assim pra quem tá de fora. Ela tinha
quatro filhos, morava num vão, ela era sucateira. Como ela era pura
fumaça, eu nunca pergunto se a pessoa usa gás, eu disse: a senhora usa
gás? Ela disse: não, é na lenha. Ai eu disse: é um vão e um banheiro? ela
disse: o só um vão. Só um quarto. A gente imagina logo como era a casa
dessa mulher, porque ela tinha um filho que era louco. A casa cheia de
tijolo com papelão em baixo, um filho louco que ela disse que ele queima
as redes, queimava tudo, queima a roupa do pessoal. Ela disse que, às
vezes, amarra ele. Ai essa mãe (pausa) quando você fala, você ver que a
mulher não tá mentindo, você ver que ela ta dizendo: “minha filha faça
logo, porque eu deixei meu bichinho com outro que não tem paciência”.
Que veio nas carreiras pra voltar nas carreiras e a irmã dela que cuidava do
filho dela era doente mental também.
Para Goffman, um processo de interação significa a influência recíproca dos
indivíduos sobre as ações uns dos outros, quando em presença física imediata. Nesse
120
processo o desempenho, que são as atividades de um determinado participante em dada
ocasião, que sirvam para influenciar, de algum modo, qualquer um dos participantes.
Nesse sentido, entendemos que na sala de apresentação ocorre uma concretização
da representação da pobreza através da interação entre os considerados pobres e o Bolsa
Família. A principal representação da pobreza que se efetiva nesta interação acontece na
pobreza entendida enquanto falta, principalmente, faltas materiais como renda, casa,
comida, saúde etc.
Assim, todos os processos e circunstâncias refletidos acima, integram um cenário
da teatralização da pobreza e de suas diversas representações. Representação aqui
entendida a partir de Goffman: Representação é toda atividade de um indivíduo que se
passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular
de observadores e que tem sobre estes alguma influência. (GOFFMAN, 1985, p. 29).
O período de recadastramento do Bolsa Família constitui-se, dessa forma, em um
dentre os diversos cenários onde podemos ver como a pobreza se representa nas interações
sociais, a partir da vida real e da realidade cotidiana dos indivíduos considerados “pobres”.
5.4 _A pobreza na concepção dos pobres: o outro como espelho
Sarti (2005) argumenta que nos estudos das ciências sociais, particularmente, nas
ciências sociais brasileira, costuma-se perceber o pobre como o outro numa identificação
por contrastes. O fato de fazer do pobre o outro leva a se falar mais de quem está falando
do que falar de quem se fala, ou seja, dos próprios pobres.
Concordamos com a autora quando ela argumenta que, junto com esse olhar do
pobre como o outro, vem à representação da pobreza sempre baseada na falta, na carência,
como relatamos no capítulo anterior.
Nesse sentido, as questões acerca da pobreza devem também estar direcionadas
para entender qual o olhar dos pobres e de sua pobreza, que referências trazem os
considerados pobres a partir de sua realidade.
Diante do universo pesquisado, identificamos que o olhar sobre a pobreza como o
outro, apontado por Sarti (2005) não é uma perspectiva apenas de uma abordagem
científica. Em nossa pesquisa nas diversas entrevistas, observamos que há dois movimentos
121
importantes na representação da pobreza para o considerado pobre: 1- A identidade da
pobreza e suas representações se constituem a partir do olhar sobre o outro 2- uma
variação na afirmação da identidade de “ser pobre”, ou seja, dependendo da situação
vivenciada, os indivíduos se diziam pobre ou não.
Sarti (2005) ressalta, de maneira muito apropriada, que as fronteiras sociais
sempre existem em relação ao outro. É dessa forma que se dá o caráter dinâmico das
identidades sociais, definidas a partir das relações a que os indivíduos estão expostos. Em
resumo, as identidades sociais são, por definição, identidades em movimento, definidas e
redefinidas por contrastes.
É sob este campo de análise que se encontram as representações sociais que os
pobres pesquisados têm de sua pobreza. Representações baseadas na observação da
condição de pobreza do outro:
“...
me considero uma pessoa pobre, mas nem tanto né? Tem
gente que é pior do que a gente”. (Usuária do PBF em Fortaleza).
A identidade enquanto “pobres” se constitui através de um processo de
diferenciação entre os iguais. Existe uma hierarquização da pobreza entre os considerados
“pobres”, em que eles consideram como instrumentos de diferenciação fatores materiais e
morais.
É perceptível, que os discursos sobre identificação da pobreza nos usuários do
PBF está associado à representação da pobreza como falta. Usa-se, costumeiramente, a
expressão pior que eu”, como observamos no depoimento acima como categoria de
hierarquização dos níveis de pobreza entre os “pobres”.
Esta categoria se refere a condição de pobreza de alguém que se encontra num
nível hierárquico abaixo da pessoa que fala. Ser pior que eu”, significa que falta algo no
outro, que o eu dispõe. Geralmente está associado à representação da pobreza material e/ou
da falta: falta de alimento, moradia e de renda, como também da pobreza como
vulnerabilidade, como, por exemplo, pessoas que pedem esmolas e moradores de rua.
Os considerados pobres do Bolsa Família usam de referências próximas para
comparar seu nível de pobreza. Geralmente, trata-se de um vizinho ou de uma personagem
que faça parte de seu cotidiano. Assim, é o caso do depoimento da senhora acima, que se
autoclassifica como “nem tanto pobre”, situando-se numa hierarquização da pobreza, em
122
nível superior a quem ela acredita ser “pior” que ela. Os vizinhos são quase sempre o alvo
de referência da pobreza, ou melhor, de quem é “pior do que eu”.
Dentre os atos que simbolizam a pobreza, o ato de pedir esmolas é entendido e
classificado pelos entrevistados como um dos níveis máximo de pobreza. Nas situações em
que os entrevistados exemplificavam alguém em situação de pobreza extrema, as pessoas
que pedem esmolas de porta em porta são apontadas como as mais necessitadas e mais
pobres.
O mendigo - considerado aqui como aquele que pratica ato de mendicância - a
partir do estudo de Sarti (2005) é uma categoria que diferencia os moradores pobres e os
contrasta entre si. É uma categoria utilizada pelos pobres para constantemente se afirmarem
diferentes, ou seja, como trabalhadores, homens de bem. Assim, deparamo-nos com outra
representação atribuída ao pobre, pelo próprio pobre: pobre é aquele que precisa pedir para
sobreviver, ou seja, pobre é aquele que necessita de assistência.
Como percebemos, uma pluralidade de referenciais que delimitam as
representações da pobreza e, consequentemente a identidade social do pobre nas
representações que fazem de sua pobreza.
Existe uma variação de afirmação da representação do “ser pobre”, dependendo da
situação vivenciada ao se apresentar para o programa Bolsa Família. Essas situações levam
em consideração para quem está se apresentando, a quem está se falando e a
contextualização onde a interação social está acontecendo. A identidade da pobreza pode se
dar inclusive, num trânsito rápido, por uma questão momentânea.
Os dois momentos do recadastramento, em que os indivíduos trabalham sua auto-
representação enquanto pobres, a fila e a sala de apresentação, são exemplos de como essas
identidades e representações da pobreza se movimentam. Quando as pessoas se
encontravam na fila, várias não se identificavam enquanto pobres:
“Eu não sou pobre. Eu
tenho uma casa, recebo a pensão do meu marido pros meus filhos. (Usuário do PBF em Fortaleza).
Porém, na sala de apresentação essa identidade se transmutava e a autodefinição
enquanto pobre aparecia sob diversas simbologias: em atos, falas, indumentárias, papéis,
sacolas plásticas, etc. Na sala de apresentação, a pobreza tinha que aflorar e se afirmar. A
representação tinha que convencer que a sua pobreza era verdadeira e merecedora de estar
no Bolsa Família.
123
Geralmente, a apresentação se constitui de longas narrativas sobre a condição de
pobreza em que viviam ou se encontravam. As cenas eram compostas de um ritual, dos
corpos e atos simbólicos para respaldar o que se falava, como podemos observar na
descrição da cena de apresentação abaixo documentada no diário de campo:
A senhora atendida tinha em torno de 40 anos, com uma aparência de que
vivia numa pobreza extrema. Ao falar, tinha que segurar com os dentes
inferiores sua prótese dentária da parte superior, que era solta na boca, isso
a fazia falar com dificuldade. Talvez, naquele momento, esse fato fosse
uma evidência a seu favor. Porém, isso não a tornava mais tímida na sua
tentativa de convencer e representar aos cadastradores sua pobreza.
Apresentou ao cadastrador todos os papéis requeridos como: contas de
água, energia elétrica, registros de nascimentos,etc. Além de todos os
papéis possível, ela puxou da bolsa uma caixa de medicamento chamado
“Somalium”, um remédio que detinha tarja preta na sua embalagem,
símbolo que representa uma vendagem sob estrita prescrição dica, pois
são medicamentos de alto teor psicotrópicos. Em seus relatos fez questão
de mensurar a distância que iria percorrer para voltar a até sua
residência. Também contou a história do seu marido, um vigilante que foi
assassinado há quatro anos atrás.
Para Goffman (1985), a execução de algumas práticas leva à algumas exigências
abstratas nas relações de socialização, que passam a ser requeridas durante a execução de
outras práticas. Para o autor, esse é um dos modos pelos quais uma representação é
socializada, moldada e modificada para se ajustar à compreensão e às expectativas da
sociedade em que é apresentada. (GOFFMAN, 1985, p. 40). Consideramos que as
maneiras como o “pobre” se apresentava à equipe do programa é uma tentativa de se
mostrar adequado ao perfil exigido pelo programa.
É a partir das exigências desse processo de socialização da representação
idealizada, que o autor considera que os atores têm a oferecer a seus observadores uma
impressão que é idealizada de várias maneiras diferentes, assim, a representação apresenta
uma concepção idealizadas da situação.
As apresentações que acompanhamos dos usuários ao Bolsa Família se constituem
numa situação idealizada da pobreza para ambas as partes desde o momento em que os
usuários têm que atuar como pobres. Assim, o objetivo deles é maximizar suas
possibilidades de se provar enquanto pobre, para aumentar suas chances de ingresso no
programa, como tivemos a oportunidade de ver nos diversos elementos que a senhora do
relato acima utilizou para sensibilizar e para se provar merecedora do “benefício”.
124
Numa perspectiva semelhante, Goffman relata casos que chama da exibição da
pobreza”, ocorridos no contexto conhecido como a Grande Depressão que culminou em
contextos social de crise nos Estados Unidos décadas atrás. Segundo o autor, as famílias
enfatizavam sua pobreza para receberem a visita dos denominados de agentes do bem-estar.
Em exemplo apresentado em suas referências bibliográficas, o autor aponta uma
cena que demarca semelhanças com as formas de apresentação dos considerados pobres, no
contexto em que se tem que exibir a condição de pobreza, momentos em que a sua
identidade está em jogo. A seguir, está um caso documentado em uma das visitas das
agentes de bem-estar às famílias pobres nos Estados Unidos,
O fato de não parecer italiana permitiu-lhe ouvir conversas em italiano,
que indicavam a atitude dos clientes com relação ao auxílio. Por exemplo,
quando sentada na sala conversando com a dona da casa, esta chamava um
filho para vir ver a pesquisadora, mas avisava a criança para calçar
primeiro seus sapatos velhos. Ou então ouvia a mãe ou o pai dizer a
alguém nos fundos da casa que guardasse o vinho a comida antes que ela
entrasse”. (GOFFMAN, 1985, p. 45).
No exemplo de Goffman relacionado à pobreza, ele enfatiza o quanto o aspecto
idealizado dessa representação é importante para que o autor da cena seja bem sucedido
para que sejam levados a cabo os estereótipos extremos dos observadores sobre a pobreza
infeliz.
Nesse sentido, quando o indivíduo se apresenta diante dos outros, seu
desempenho tenderá a incorporar a exemplificar os valores oficialmente reconhecidos pela
sociedade. (GOFFMAN, 1985, p. 41). Então, se para estar no Bolsa Família o passaporte é
apresentar-se como pobre, esse será o ponto de partida dos indivíduos.
Isso pode justificar a representação de desempenhos idealizados observados no
exemplo da cena aqui descrita, em que a usuária do Bolsa Família trouxe todos os
elementos possíveis do cenário de pobreza da sua vida, como: receitas, caixa de
medicamentos e a história de assassinato de seu marido. A pobreza, que antes no Bolsa
Família era representada no cenário da casa, das visitas domiciliares, hoje se desloca deste
cenário tendo que acompanhar o “pobre” até a sala de apresentação.
125
Concluímos, então, que a representação da pobreza para o considerado pobre é
constituída a partir das diferenciações entre os iguais e se moldam numa teatralização da
pobreza, que sofre variações, dependendo da interação social em que se encontrem.
Dessa forma, o que pauta a representação do “ser pobre” é o outro, um espaço de
iguais onde existe o outro, ou seja, o outro é tido como espelho. Constitui-se, assim, uma
categoria classificadora: ser ou estar pior ou melhor que eu. Nesse sentido, trata-se de uma
representação da pobreza que está diretamente ligada ao processo de construção de
elementos identitários do que se considera pobre a partir das vivências e realidades sociais
experimentadas. Os elementos identitários que fazem parte do processo de representação do
“ser pobre” junto ao Programa Bolsa Família se re-significam constantemente e estão longe
de se apresentar de maneira estática. Afirmam-se, sim, em formatos fluidos, próteses e
voláteis.
126
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como recorte o estudo das representações da pobreza,
visando analisar como estas representações se constituem sob a ótica dos considerados
“pobres”, adentrando no universo das representações dos que vivenciam a pobreza e que
estão inseridos em programas de transferência de renda.
O esforço nesta parte final da dissertação será de apresentar algumas conclusões
importantes, considerando todo o percurso de pesquisa realizado. Consideramos, nesse
sentido, tipos de representações e elementos identitários que são associados aos “pobres” e
que resultam numa condição social reconhecida da pobreza, legitimada em ações de
programas sociais voltados aos pobres.
Os elementos que constroem a representação da pobreza para os “pobres” partem
da realidade social e das dificuldades enfrentadas por eles face à sua condição de “pobre”.
A pobreza para os “pobres” usuários do Bolsa Família encontra-se pautada no discurso das
“necessidades básicas” de subsistência humana para esses sujeitos. Tais necessidades
referem-se à alimentação e renda.
Assim, a representação da pobreza para os “pobres” atendidos pelo Bolsa Família
é baseada na pobreza como falta, carência e insuficiência de renda. Nos diversos momentos
e observações empíricas, verificamos que as faltas estão associadas à impossibilidade de
obter elementos, que para os “pobres” fazem parte de seu “mínimo vital”. Numa
aproximação com o discurso dos usuários, podemos dizer que pobreza para os “pobres” é
não ter o que comer. Essa é a tipificação da situação extrema de pobreza para os indivíduos
considerados pobres.
A pobreza entendida como falta de alimentação aparece como uma das
representações mais recorrentes. A percepção da falta apresenta-se numa espécie de núcleo
duro; como critério demarcador dos demais tipos de representação.
De fato, a representação da pobreza entendida como falta é construída no interior
dos processos de sociabilidade em que o “pobre” se percebe como alguém destituído de
uma condição social nima. Nesse sentido, a realidade e a prática dos “pobres” se
representam através da decodificação dos códigos assimilados pelos indivíduos diante das
possibilidades sociais que lhes são postas.
127
Entendemos que a concepção da pobreza que se apresenta no imaginário dos
“pobres” atendidos pelo Bolsa Família é resultante de processos e acúmulos históricos do
que se define como papel do “ser pobre”, inclusive, pelas políticas públicas voltadas aos
pobres. São encarnações de experiências vivenciadas nos diversos espaços onde os
indivíduos constituíram suas representações cotidianas da pobreza e que demarca uma
pobreza reproduzida e pensada nos ditames de modelos legitimados socialmente.
No entanto, o “ser pobrenão se representa ao universo social passivo diante do
que lhe resguarda seu papel histórico constituído socialmente ao longo do tempo. Os
“considerados pobres” são indivíduos, que reconhecem e agem sobre as situações sociais
que vivenciam e, dessa forma, são sujeitos sociais de ações que inferem no universo social
em que estão inseridos.
As estratégias de inserção dos pobres é uma das maneiras que eles encontram de
interagirem com o mundo, diante das situações adversas de inserções precárias que lhes
resta. Dessa forma, a condição de pobreza pode ser entendia, no universo do pobre, como
meio de resistência efetivada através de sua própria representação em momentos em que ela
possa contribuir para amenização da situação de pobreza. Representar-se como “pobre”,
muitas das vezes, é uma forma de resistência.
Tal fato pode ser percebido através das maneiras da representação do “ser pobre”
diante das equipes do Bolsa Família. A apresentação do “ser pobre” ao referido é um
momento de possibilidades concreta de minimização da situação de pobreza através da
mediação da representação do “ser pobre”.
O ato de apresentar-se ao Bolsa Família se constitui em um momento de
observações e interações constantes. Dessa forma o processo de controle e vigilância dos
indivíduos “pobres” sobre si e sobre o contexto da cena de apresentação é primordial. A
representação do “ser pobre” diante do programa ocorre de maneira racional e controlada.
O processo racional, a que me refiro, é a maneira com que os indivíduos concretizam suas
representações diante do outro, usando de ações ponderadas e articuladas. Controle,
entendido aqui, como tipo de conhecimento de uma situação real.
Dito em outras palavras, o vestir-se de elementos identitários do “ser pobre” no
caso da apresentação ao Bolsa Família requer certo domínio sobre a situação, tal qual como
128
ela se impõe. Observamos, assim, um processo de controle e de manipulação” da
representação da pobreza entre usuário e instituição.
No Bolsa Família, o período de recadastramento, que significa o momento oficial
de apresentação em que os considerados pobres se apresentam ao programa. É o período de
concretização das representações sobre a pobreza em “porta de entrada”, configurando-se
numa teatralização da pobreza, em que os pobres devem convencer, através dos signos da
pobreza, como pobre “merecedor” de estar no programa. Dessa forma, vão se constituindo
os espaços que legitimam uma condição social reconhecida (PAUGAM, 2003) e
legitimada da representação da pobreza e do ser pobre diante do outro.
Essa condição de reconhecimento da condição social do “ser pobre”, da pobreza
para o Bolsa Família resgata outras representações, a pobreza como “vulnerabilidade
social” ou pobreza como “necessidade de assistência”. Estas duas representações da
pobreza é que levam o indivíduo a experimentar processos de desqualificação social.
Nos discursos dos entrevistados, quando se falava de pobreza, quase sempre, os
exemplos se reportavam à situação de pobreza de outra pessoa, que se encontrava num
contexto de desqualificação social por não ter o “mínimo necessário” para sua manutenção.
Geralmente, os “pobres” se referiam através da categoria “pior que eu”.
A categoria pior que eudesigna a pessoa que, numa hierarquia, é considerada
mais pobre do que quem fala. Ser pior que eu” significa: alimentar-se menos vezes que
eu, não ter casa para morar como eu, não ter algum ganho como eu, ter que pedir esmolas
para sobreviver.
Nesse caso, existe entre os pobres do Bolsa Família o outro como referência. O
outro funciona como espelho. A minha pobreza é baseada na pobreza do outro. Essa é uma
das evidências mais presentes que persistiu durante todo o processo investigativo. Essa
lógica de constituição de referências permite uma mobilidade dos elementos identitários de
pobreza. Em determinados momentos, dependendo da referência adotada, os entrevistados
se designavam pobres ou não. Dessa forma, observamos que nem sempre os pobres se
definem como pobres.
Durante a pesquisa verificamos que, quando alguém cuja legitimidade social não a
concebe como pobre, apoderar-se de elementos identitários do “ser pobre” na tentativa de
129
ingressar no programa é um fator determinante gerador de conflitos e indignação entre os
considerados pobres.
No capítulo anterior relatamos alguns casos de pessoas, incluindo de uma
professora formada em pedagogia, que se transvertiam como pobres para receber o Bolsa
Família, fato que causou profunda indignação na re-cadastradora que registrou o caso.
Esta situação nos leva a pensar as representações da pobreza como instrumento de
mediação social nas interações de sociabilidade dos indivíduos. Podendo, inclusive, em
determinados momentos, o reconhecimento como “pobre” ter uma dimensão positiva,
dependendo do objetivo pretendido nas interações sociais.
No caso dos programas voltados aos pobres, como o Bolsa Família, apresentar-se e
se provar enquanto pobre constitui uma exigência do programa. Na cena de apresentação ao
Bolsa Família, o usuário tem que se apresentar como “pobre” merecedor. Mesmo que, após
sair da sala de apresentação o indivíduo passe a não mais se considerar enquanto tal.
Nesse sentido, considerando o contexto contemporâneo, a relação social que
delimita os processos da representação da pobreza se encontra numa realidade onde os
critérios institucionais enquadram os “pobres” em tipos ideais de pobres. Desse modo, a
constatação da pobreza entendida como carência material pelo programa não condiz com as
formas dos pobres se representarem. As representações do “ser pobre” adentram contextos
e situações vivenciadas pelos indivíduos pobres, ou seja, quando falamos de pobreza, temos
que perguntar: pobreza de que? Para quem? Em relação a quê?
Assim temos que o conjunto das representações que os pobres fazem de si são
constituídas a partir das vivências sociais experimentadas nas interações que acontecem
com o universo social que os cercam. A partir dos laços sociais selados numa dimensão do
espaço local, ou seja, no bairro onde moram, na família e, principalmente, entre seus
vizinhos e outras pessoas que fazem parte de seu ciclo social. Nesse caso, temos que a
referência de pobreza dos pobres é buscada entre eles mesmos, entre seus iguais.
Dessa forma, as relações sociais surgidas com a efetivação do Programa Bolsa
Família retratam bem os conceitos do ser pobre” no Brasil do séc. XXI. Uma pobreza que
ainda traz marcas e formas das mais primárias, como a fome e falta de alimentação,
agregadas às novas re-significações da pobreza, constituídas no cenário da sociedade
moderna e que levam pessoas consideradas melhores que eu e piores que eu se
130
colocarem na mesma fila em busca de um “benefício”, que em momento anterior de uma
história recente, apenas era disputado por entre iguais, ou seja, ente os próprios pobres.
Outra consideração a se fazer é que espaços de assistência como o auferido pelo
Bolsa Família proporcionam aos considerados “pobres” mecanismos singulares de
reconhecimento social. Tal reconhecimento social pode ocorrer pelas mais diversas formas,
como diferenciação entre quem “recebe o bolsa família” e quem “não recebe o bolsa
família”. Diante das interações na dimensão do bairro, o tratamento dispensado a essas duas
classificações são diferenciadas. As minuciosidades desse processo geradores de
“reconhecimento social” presentes nos pobres atendidos pelo Bolsa Família, certamente,
daria margem a outro estudo, porém devido ao tempo não podemos aprofundá-lo nesta
pesquisa.
Concluímos, então, que as representações que os pobres fazem sobre si e de sua
condição de pobreza estão imersas em simbologias, que remetem ao contexto de seu
universo social e práticas sociais partilhados. Remetem, também, a uma forma de
comunicação que os “pobres” têm de se apresentar e, às vezes, de mediar processos de
inclusão que trazem o sentimento de reconhecimento e de pertencimento social que lhes são
negados em muitos processos. Assim, a representação social da pobreza que os
considerados pobres trazem é significada através das ações e práticas de sua existência
social, como ele é visto e percebido enquanto sujeito social e, principalmente, na interação
com o outro.
131
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