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FELIPE SOARES ROCHA
CELEBRAÇÃO MIDIÁTICA E CULTURA:
O 'olhar ilustrado' da Folha de S. Paulo sobre a São Paulo Fashion Week 2006
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de Pós Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo SP, 2007
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FELIPE SOARES ROCHA
CELEBRAÇÃO MIDIÁTICA E CULTURA:
O 'olhar ilustrado' da Folha de S. Paulo sobre a São Paulo Fashion Week 2006
Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa
de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São
Paulo, para obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Prof.: José Salvador Faro
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de Pós Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo SP, 2007
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FOLHA DE APROVAÇÃO
A dissertação “Celebração Midiática e Cultura: o ‘olhar ilustrado da Folha de S.
Paulo sobre a São Paulo Fashion Week 2006”, elaborada por Felipe Soares Rocha foi
defendida no dia 11 de Abril de 2007, tendo sido:
( ) Reprovada
( ) Aprovada mas deve incorporar nos exemplares definitivos modificações sugeridas pela
banca examinadora, até 60 (sessenta) dias a contar da data da defesa.
( ) Aprovada
( ) Aprovada com louvor
Banca Examinadora:
Prof. Dr. José Salvador Faro
Prof. Dr. Gino Giacomeni
Prof. Dr. Paulo Rogério Tarsitano
Área de concentração: Processos Comunicacionais
Linha de Pesquisa: Comunicação Especializada
Projeto Temático:
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“O que constitui e dá forma ao campo da
moda é a dinâmica que envolve o conjunto
das demandas vistas até o momento: são
valores, idéias, expectativas e juízos
de valor.” (BERGAMO, 1998)
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AGRADECIMENTOS
O processo de pesquisa implica, muitas das vezes, numa reviravolta na vida do
pesquisador. Assim aconteceu comigo. Para mim, os rumos da pesquisa, que pareciam tão
nítidos, transformaram-se numa caverna escura, onde cada passo tinha que ser calculado, para
não correr o risco de tropeçar e acabar por comprometer todo um ideal de estudo.
Infelizmente, os tropeços aconteceram. No primeiro deles, fui apoiado por dois gentis
professores, um com sua generosidade e outro com sua solidariedade em ser minha nova
bússola dentro da pesquisa a que propus. O primeiro deles, o professor Paulo Tarsitano,
inicialmente meu orientador na pós-graduação chegamos a conclusão que o enfoque que eu
gostaria de dar não caberia a sua linha de pesquisa, e que para um melhor aproveitamento do
meu trabalho, deveríamos procurar um novo direcionamento.
Em seguida, os meus sinceros agradecimentos são ao professor J. S. Faro, que,
percebendo a minha admiração por suas aulas e pelo seu modo de enxergar a comunicação,
aceitou de bom grado se tornar meu novo orientador no mestrado. Ao Faro também agradeço
por ter redirecionado meu foco a questões práticas da pesquisa científica, inclusive,
sugerindo-me um re-enquadramento do meu objeto de pesquisa. É inevitável também,
agradecer a todos os professores e amigos de curso que acabei por conquistar nestes últimos
dois anos.
Em especial, meu sentimento de gratidão, agora, é dirigido a amigos que conquistei
fora dos muros da universidade, mas que foram fundamentais para que eu continuasse a
pesquisar e a me dedicar ao mestrado, mesmo passando por dificuldades de ordens práticas,
nesta cidade que não me é de origem, mas na qual me sinto imensamente à vontade.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
01. www.folha.uol.com.br A história da Folha de S. Paulo ________________________ 41
02. www.folha.uol.com.br A história da Folha de S. Paulo ________________________ 42
03. www.folha.uol.com.br A história da Folha de S. Paulo ________________________ 42
04. www.spfw.uol.com.br SPFW Coleção Primavera-Verão. Jul./2002 _____________ 69
05. Folha de S. Paulo, Caderno Ilustrada. 13 Jul./2006 ____________________________ 80
06. Folha de S. Paulo, Caderno Ilustrada. 18 Jul./2006 _____________________________ 84
07. Folha de S. Paulo, Caderno Ilustrada. 17 Jul./2006 _____________________________ 94
08. Folha de S. Paulo, Caderno Ilustrada. 13 Jul./2006 ____________________________ 102
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ___________________________________________________________ 12
CAPÍTULO I A CULTURA E O JORNALISMO CULTURAL _________________ 24
1.1 Jornalismo Cultural _____________________________________________________ 24
1.2 O processo de regulação do Jornalismo Cultural ______________________________ 34
1.3 Particularidades do Jornalismo Cultural _____________________________________ 37
CAPÍTULO II O JORNALISMO DA FOLHA DE S. PAULO __________________ 40
2.1 Um pouco sobre a Folha de S. Paulo ________________________________________ 40
2.2 O novo projeto editorial __________________________________________________ 42
2.3 Particularidades da Folha _________________________________________________ 45
2.4 O caderno Ilustrada _____________________________________________________ 46
CAPÍTULO III MODA:
UM REFLEXO DAS RELAÇÕES SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS ____ 50
3.1 O momento atual da moda ________________________________________________ 50
3.2 A moda e a modernidade _________________________________________________ 51
8
3.3 O campo e seus padrões disformes _________________________________________ 56
3.4 Da expressão democrática aos valores condicionados ___________________________ 59
3.5 A luxúria e o poder no campo _____________________________________________ 61
3.6 Homem, masculinidade e moda ____________________________________________ 64
3.7 A espetacularização dos indivíduos no campo ________________________________ 65
3.8 São Paulo Fashion Week o maior evento de moda do Brasil ____________________ 66
CAPÍTULO IV O OLHAR ILUSTRADO DA FOLHA ________________________ 71
4.1 Diretrizes de análise _____________________________________________________ 71
4.2 Eros Quotidiano ________________________________________________________ 81
4.3 Juventude _____________________________________________________________ 84
4.4 'Outros' Valores Femininos _______________________________________________ 89
4.5 'Outros' Valores Masculinos ______________________________________________ 92
4.6 Os Olimpianos _________________________________________________________ 96
4.7 A Felicidade __________________________________________________________ 100
CONCLUSÃO ___________________________________________________________ 105
REFERÊNCIAS __________________________________________________________ 108
ANEXOS _______________________________________________________________ 112
9
RESUMO
Entender o campo da moda como um universo que reflete atitudes e sentimentos da vida
social do homem-comum se constitui a base desta pesquisa. Para compreender melhor de que
forma a moda aparece assim configurada, faz-se necessário desvendar os adornos com os
quais a mídia da cultura de massa trabalha neste campo. Com a proposta de enxergar como os
valores transformadores do campo estão atuantes na mídia, a partir de uma leitura
interpretativa, optamos por analisar o enfoque dado pelo caderno Ilustrada da Folha de S.
Paulo ao maior evento de moda do Brasil a São Paulo Fashion Week, na sua edição de julho
de 2006. Desta forma, apresentamos os aspectos da cultura de massa que estão diretamente
relacionados ao campo da moda e de que maneira estes aspectos foram enquadrados nos
textos da Folha, no processo de celebração do evento.
Palavras-Chave: jornalismo cultural; moda; celebração midiática.
10
ABSTRACT
To understand the fashion field as a universe that reflects attitudes and feelings of the social
life of the man-common one if constitutes the base of this research. To better understand of
that it forms the fashion it appears configured thus, becomes necessary to unmask the
adornments with which the media of the mass culture works in this field. With the proposal of
perceive as the transforming values of the field they are operating in the media, from a
interpretative reading, we opt to analyzing the approach given for the Ilustrada of the Folha de
S. Paulo to the biggest event of fashion of Brazil - the São Paulo Fashion Week, in its edition
of July of 2006. Of this form, we present the aspects of the culture of mass that directly are
related to the fashion field and how these aspects had been fit in the texts of the Folha, in the
process of celebration of the event.
Key words: Cultural Journalism; Fashion, media's celebration
11
RESUMEN
Compreender el campo de la moda como un univierso que reflecte las actitudes y los
sentimientos de la vida social del hobre-ordinario se constitui la base desta investigación. Para
mayor comprensión del manera cual la moda despunta, hace necesario desvendar los ornatos
com los quais la media del cultura de masa trabaja en este campo. Con el intuito de percibir
como los valores transformadores del campo reflejem en la media, a contar de una lectura
interpretativa, elergimos por examinar lo realce concedido por lo cuaderno Ilustrada del Folha
de S. Paulo ao mayor acontecimiento del moda del Brasil la São Paulo Fashion Week, en
suya edición de julio de 2006. Así, presentamos los aspectos de la cultura de masa que
relacionan-se al campo de la moda y com qual manera encuadran-se em los textos del Folha,
en lo processo de celebración de lo evento.
Palabras-Clave: periodismo cultural; moda; celebración mediatica.
12
INTRODUÇÃO
O homem da sociedade moderna tem na mídia, em especial no jornalismo, um pólo
onde se concentram os dispositivos capazes de promoverem grandes transformações sociais,
ampliando o acesso à informação, desconfigurando um sistema onde as formas de poder se
dão pela coerção. Dentro do jornalismo, o jornalismo cultural se caracteriza como uma porta
para o conhecimento de que existem forças que movem a produção cultural na sociedade.
Partam estas produções de anseios devidamente culturais, procurando renovar (ou
reforçar) certas tradições; partam de expectativas econômicas em torno de características
mercantis que cercam alguns produtos culturais, e que acabam por constituir o ritmo do
jornalismo cultural contemporâneo; ou tenham origem implícita na força criativa do
indivíduo, o jornalismo cultural expõe os valores das sociedades que se encontram atreladas a
um modelo de produção cultural da cultura de massa.
Sendo a cultura aqui compreendida além de um processo de valoração simbólica dos
ritos e hábitos dos indivíduos, mais sim como um campo de convergência de ideologias e de
diretrizes estabelecidas (conscientemente ou não) por um grupo afim, passamos a repensar o
papel do jornalismo cultural como não somente o expositor de 'eventos' e 'produtos' culturais,
mais como codificador da forma como a cultura se apresenta.
Desde o seu início, o jornalismo cultural apresentou um papel além da informação. A
idéia era conceber mecanismos de ampliação do conhecimento cultural das sociedades.
Entretanto, não se pode pensar que qualquer área esteja livre das transformações que
acontecem nos outros campos que se apresentam na vida social. O campo do jornalismo
sofreu grande impacto com a elevação da indústria cultural e com o novo estilo adotado pelas
grandes massas; precisou passar por reformulações ideológicas para continuar sustentável
economicamente.
13
A formação intelectual pretendida pelo jornalismo cultural foi reduzida para dar lugar
a exposição de coberturas de acontecimentos que se estendem a alguns dos campos
relacionados com o campo da cultura, como a pintura, o teatro, a arquitetura, o cinema, a
escultura, a literatura, a moda, a dança, etc. Este processo se deu continuamente e estende-se
até hoje, salvo algumas inciativas de mídias especializadas, menos dependentes de complexos
industriais midiáticos.
Entre estes campos que se encontram diretamente relacionados ao jornalismo cultural,
a moda figura como um campo controverso, tido por alguns como frivolidade do homem
comum e reconhecidos por outros como um universo repleto de manifestações sociais onde os
indivíduos expressam características particulares através da estética apresentada no corpo. A
segunda linha de pensamento nos parece mais condizente com o que podemos observar da
moda desde as civilizações mais antigas.
A moda tem suas características principais já apresentadas com as antigas civilizações
onde as peças e adornos do vestuário compunham o quadro de hierarquização e divisão de
classes nas sociedades. A cada um era referida a estética que representava seu poder e seus
limites. A visibilidade dos homens célebres das épocas se dava de forma esporádica,
caracterizada com um grande evento. Nestas ocasiões, a distinção era a norma adotada como
apresentação da hierarquia: aos soldados cabiam determinados trajes, aos nobres outros, assim
como aos sacerdotes e assim por diante.
Desta forma a moda conseguiu seguir até as sociedades modernas e assim como o
jornalismo, sofreu os impactos da produção em massa de seus produtos. Encaixando-se
perfeitamente com o modelo de produção adotada pela revolução industrial, a moda acelerou
seu ritmo de renovação da estética e de apresentação dos valores do homem-comum. À
medida que se reduziam os grandes centros produtores de uma alta costura, alargava-se a
produção em massa, uniformizando o vestuário das sociedades, principalmente as ocidentais.
A moda como fenômeno social é rica de conteúdo a ser analisado sob os mais diversos
aspectos: um olhar econômico, cultural, artístico, estético, poético, etc.. Aqui procuramos
analisar de que forma se relacionam o campo da moda e o campo do jornalismo cultural.
Nosso empenho foi encontrar os valores que são expostos pela moda e trabalhados pelo
jornalismo cultural, e que refletem diretamente na formação do homem-comum que está
14
concentrado dentro do seio da cultura de massa.
A nossa primeira intenção era a de encontrar na sociedade brasileira a principal vitrine
onde pudessem ser expostas as características do campo da moda. Assim, chegamos à São
Paulo Fashion Week. A semana de moda da cidade de São Paulo é reconhecida pelo seu
desempenho espetacular como um dos maiores eventos de moda do mundo e o principal da
América Latina. Encontramos na semana de moda paulista o ponto onde poderíamos analisar
as mais expressivas características que a moda possa ressaltar em um evento deste porte.
Com um surgimento meio precoce, a São Paulo Fashion Week era considerada por
muitos um evento onde se apresentavam cópias das criações desenvolvidas em outros países.
A partir do final dos anos de 1990, as concepções apresentadas durante a semana maturaram
uma estética particular brasileira, muitas vezes, baseada em expressões puramente regionais, o
que indica que o evento, atualmente, tem um alto valor representativo dos valores da
sociedade brasileira.
Depois da escolha da São Paulo Fashion Week, precisávamos delimitar dentro do
campo do jornalismo cultural algum aspecto ou veículo de comunicação no qual pudesse ser
observado o tratamento dado a cobertura de uma das edições da São Paulo Fashion Week.
Infelizmente, ao analisarmos o campo do jornalismo cultural dentro dos jornais impressos,
observamos que apenas uma pequena parcela é autônoma no seu conteúdo jornalístico, ou
seja, para os médios e pequenos grupos de mídia imprensa do jornalismo, na maioria das
vezes, cabe a reprodução de assuntos abordados pelos principais jornais do Brasil ou do
mundo. Como seria mais conveniente a escolha de um jornal paulista, já que o evento também
se passava em São Paulo, a princípio, restaram-nos duas opções: O Estado de São Paulo ou a
Folha de S. Paulo.
A nossa escolha se deu em torno da Folha de S. Paulo, primeiramente, porque ao
analisarmos a sua história, percebemos que a Folha é um jornal atípico, com traços
biográficos marcantes e que acabam por convergir com a dinâmica que acreditamos estar
presente no quadro das sociedades contemporâneas, refletindo fortemente características da
cultura de massa.
A Folha passou por diversas transformações no seu quadro administrativo para poder
se inserir como um dos principais grupos de mídia do país. Foram reformulações ideológicas,
15
administrativas, fusões comerciais, adesões a mercados pouco explorados, etc.. Estas
estratégias permitiram que a Folha alcançasse a categoria de um jornal popular, aceito pelas
grandes massas.
Encontramos na Folha de S. Paulo e na São Paulo Fashion Week a junção dos campos
do jornalismo cultural e da moda para que possamos compreender melhor o processo de
renovação de alguns valores do homem-comum na cultura de massa.
Questões de Pesquisa
Obviamente, ao nos lançarmos num processo de pesquisa, acabamos por formular
algumas preposições a respeito do objeto analisado. Entretanto, nesta pesquisa, privamo-nos
de lançar hipóteses, já que não encontramos bases sólidas para traçar argumentos que saíssem
em defesa de algumas opiniões prévias. Ao contrário, aqui levantamos uma série de
questionamentos, esperando que eles venham a ser respondidos ao longo da pesquisa. Estes
questionamentos são os seguintes:
a) Qual é o perfil das comunicações de moda expressas através do jornalismo cultural e
encontradas dentro de um jornal de circulação de massa.
b) Quais características de padrões sociais da moda aparecem retratadas na cobertura do
jornalismo impresso do caderno de cultura da Folha de S. Paulo?
Estes dois questionamentos irão nos ajudar a estabelecer as diretrizes da pesquisa,
afim de ampliarmos o nosso conhecimento em torno do campo da moda e as relações
estabelecidas com o campo do jornalismo, além do impacto desta parceria na vida do homem-
comum.
16
Metodologia e Procedimentos de Análise
Ao observamos a construção de uma pesquisa, percebemos o quão importante e
necessário se faz que as decisões tomadas e as diretrizes estabelecidas pelo pesquisador sejam
coerentes com a proposta defendida e transparentes ao ponto de creditarem todo o processo
o que não necessariamente quer dizer que o pesquisador deva se limitar a enquadrar sua
concepção em torno do assunto abordado em estruturas estanques de apresentação. O
processo de pesquisa deve permirtir uma certa flexibilização dos métodos pelos quais é
conduzida a compreensão do objeto por parte do investigador.
Nas ciências humanas, essa flexibilidade deve ser mais fortemente evidenciada em
ocasião de que o objeto estudado não pertence a um conjunto de fenômenos que siga uma
lógica uniforme, nem ao menos pode ser extraída uma única verdade em torno do
acontecimento gerado. Nas ciências que procuram enxergar o homem como um agente social
com capacidade renovadora através dos processos de integração dos grupos, os critérios
metodológicos estabelecidos ao mesmo tempo que podem permitir uma visão superficial do
assunto, em conseqüência da falta de ousadia intelectual do pesquisador podem levar
também, a banalização da pesquisa, caso não apresente uma estrutura metodológica e
conceitual que possa creditar os resultados alcançados.
Para Lúcia Santaella (2001, p. 185), a metodologia ajuda a compor a coluna dorsal de
toda pesquisa, além de servir como ponto de partida para a sustentação das hipóteses e ajuda a
"indicar a direção a ser seguida para que se possa resolver o problema de partida". Sendo
assim, encontramos na metodologia um meio de alcance de argumentos mentalmente
estabelecidos para a compreensão dos fenômenos sociais, a partir de modelos coesos,
transparentes, baseados na sistematização dos estudos.
A observação de Santaella nos dá margem à compreensão de que na opção
metodológica se define também a escolha conceitual da pesquisa. A partir da elaboração de
17
um quadro mental pelo qual são estabelecidas as fundações que permitem o erguimento de
uma sólida estratégia pela qual o pesquisador desenvolve sua defesa a fim de formar um
conjunto de justificativas que a qualifique.
Reconhecemos que a escolha pelo foco deste estudo ser a cobertura jornalística da
Folha de S. Paulo a respeito da São Paulo Fashion Week não partiu de nós, mas antes, foi uma
sugestão do professor José Salvador Faro, que, entendendo que apenas possuíamos a
concepção geral da pesquisa, necessitávamos de enquadramento objetivo que nos levasse a
apontamentos substanciais dentro do que tínhamos em mente. Faro apresentou alternativas de
enfoque para o estudo: poderíamos ter nos atido ao jornal Estado de S. Paulo ou algum
veículo de mídia televisiva, entre outras opções. Mas, em nossas conversas entendemos que a
Folha de S. Paulo, por se tratar de um dos maiores veículos da imprensa brasileira e por
dispor de uma grande representatividade junto à massa de leitores, estava caracterizada como
o espaço onde poderíamos encontrar indícios de um discurso jornalístico voltado a cultura de
massas e, portanto, encontraríamos também aspectos que viessem a contribuir com a
compreensão da forma com que eram estabelecidas as legitimações dos padrões da moda.
A semana de moda paulista de imediato provocou nosso interesse, pois, já tínhamos o
conhecimento de que além do importante evento que se configura dentro da moda brasileira e
também da mundial, reconhecíamos que a São Paulo Fashion Week representa o principal
espaço onde a cultura criadora da moda pode ser apresentada à grande massa da população,
através da cobertura midiática de todos os meios de comunicação fortemente atuantes no
evento. Por este aspecto se deu nossa recusa em analisarmos o evento a partir de uma
cobertura da imprensa especializada em moda, já que, além dos próprios mecanismos de
atuação do jornalismo estabelecido dentro do campo, enfrentaríamos o fato de que a imprensa
especializada de moda está presente na publicação de revistas de alcance limitado e com baixa
repercussão junto à sociedade em geral.
A escolha deste corpus de pesquisa, inicialmente, trouxe-nos receio, pois tínhamos as
questões da pesquisa em mente mas não sabíamos de que forma poderíamos encontrar
respostas que correspondessem fielmente ao que, ao nosso ver, caracteriza o campo da moda
e o da mídia. O que tínhamos é a certeza é de que a metodologia empregada deveria dar
margem ao estabelecimento de técnicas apropriadas a um objeto inserido dentro do universo
das ciências sociais.
18
Recorremos à Santaella (2001, p. 186), que diz que "a melhor pesquisa não é aquela
que mais se aproxima dos métodos das ciências naturais, mas sim aquela cujo método é o
mais adaptado ao seu objeto". Neste sentido, procuramos localizar estratégias metológicas que
pudessem clarificar nossa pesquisa. Uma das primeiras contribuições neste sentido foi a
observação em torno da tese de Eliane Corti Basso (2005), intitulada Revista Senhor:
modernidade e cultura na imprensa brasileira. Em sua tese, Basso procurou, através de uma
pesquisa qualitativa, estabelecer as características do jornalismo cultural praticado na criação
e desenvolvimento da Senhor. A tese encontrou na análise qualitativa de conteúdo a
alternativa para a compreensão dos aspectos culturais presentes no jornalismo da revista, a
partir de uma leitura interpretativa dos textos presentes em 57 edições.
A pesquisa desenvolvida por Basso nos trouxe a compreensão de que a metodologia
mais qualificada para responder as questões de nosso estudo teria que contemplar uma análise
interpretativa dos textos jornalísticos da Folha em referência à São Paulo Fashion Week.
Antes, procuramos redimensionar a pesquisa e focá-la, em especial, no caderno Ilustrada da
Folha de S. Paulo. A escolha do Ilustrada se deu em cima de sua peridiocidade ser diária,
podendo compreender completamente todo o período em que era realizado o evento. Além
disso, como poderemos observar mais a frente, a Folha de S. Paulo e, obviamente a Folha
Ilustrada, dispõe de uma história ímpar dentro do jornalismo brasileiro, fato que nos instigou a
prosseguir com a escolha.
Buscamos então definir parâmetros que permitissem o vislumbre de questões
dialéticas inerentes à pesquisa. Pois, entendemos que o resultado nasceria do confrontamento
das idéias desenvolvidas no decorrer do processo de pesquisa. Segundo Lakatos e Marconi
(2005), “para a dialética, as coisas não são analisadas na qualidade de objetos frios, mas em
movimento: nenhuma coisa está 'acabada', encontrando-se sempre em vias de se transformar,
desenvolver; o fim de um processo é sempre o começo de outro”. (p. 101) Este raciocínio foi
o que conduziu as formas metodológicas da pesquisa em torno da cobertura da Folha de S.
Paulo sobre a São Paulo Fashion Week.
Tomadas as decisões iniciais, tratamos de estruturar quais aspectos deveriam ser
abordados para compor o referencial teórico desta pesquisa. A nossa intenção foi formatar a
pesquisa em dois pólos de discussão que viriam a convergir no capítulo dedicado a análise
dos textos selecionados. Então, construímos a fundamentação teórica em cima da explanação
19
de dois campos: moda e jornalismo cultural. O debruçamento teórico sobre estes dois campos
nos permitiu contextualizar o objeto analisado, afim de tornar compreensível o que
encontraríamos para ser analisado nas edições do caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo.
Franz Victor Hugo (1996, p.15) cita que o método na pesquisa se constitui numa
elaboração, consciente e organizada, dos diferentes procedimentos que nos orientam para
realizar o ato reflexivo. Seguindo a orientação que tomamos como fundamental, procuramos
organizar esta pesquisa afim de explorarmos, primeiramente, o campo do jornalismo cultural
para que pudéssemos enquadrar o caderno Ilustrada (assim com a Folha de S. Paulo) em um
cenário atual apresentado pelos estudos referentes ao campo. Em seguida, o campo da moda
foi alvo de nossa atenção, pois pretendíamos descrever quais são as características inerentes
ao campo que são de fundamental importância para a compreensão de como estariam
dispostos os valores da cultura de massa em meio a cobertura da Folha de S. Paulo.
Por fim, dedicamos o último capítulo a realizar a análise do textos culturais
apresentados pelo jornalismo da Folha. No total, dentro do período no qual se realizou o
evento (12 a 19 de julho de 2006), foram extraídos os 27 textos que tratavam do maior evento
de moda da América Latina São Paulo Fashion Week. É interessante ressaltar que nenhum
dos dias no qual se realizou o evento, a Folha deixou de abordá-los em suas edições do
caderno Folha Ilustrada.
Precisávamos ainda esclarecer que características iríamos buscar nos textos da Folha
para que pudéssemos responder às nossas questões iniciais; além disso necessitávamos
estabelecer critérios de análise para que não perdêssemos o controle caindo em níveis de
pressuposições. Então, direcionamos nossa atenção para os estudos de Edgar Morin,
realizados na década de 1960 e publicados no livro Cultura de Massa do século XX, onde
Morin apresenta as características da cultura que acabou por se tornar predominante após a
Revolução Industrial, ocorrida no início do século XX.
A obra de Morin (2005) trata de descrever as transformações sofridas através do
advento da cultura de massa dentro das sociedades ocidentais, e revela os impactos diretos
causados na vida do homem-comum e de que forma isso poderia refletir na formação cultural
do indivíduo. Encontramos nos estudos de Morin os critérios que nos facilitariam na
20
compreensão do objeto e no alcance de respostas às questões de pesquisa.
Então, o último capítulo desta pesquisa, que dirige-se a análise dos textos jornalísticos,
está relacionado às observações sobre os aspectos destacados por Morin; e foi onde buscamos,
a partir de uma análise interpretativa dos textos, desvendar os mecanismos de renovação e
legitimação de valores e padrões dentro do campo da moda.
Quanto às técnicas, compreendemos que elas nos fornecem mecanismos de controle e
revisão do material a ser estudado. Além disso, contribuem na formação de um conteúdo
coeso e substancial que possa indicar um pensamento lógico à pesquisa. Seguindo o
raciocínio de Dencker e Da Viá (2001, p. 37), no qual as técnicas "referem-se aos
procedimentos concretos empregados pelo pesquisador para levantar os dados e as
informações necessárias para esclarecer o problema que está pesquisado", são descritos os
procedimentos considerados para a realização desta pesquisa:
Partindo do pressuposto que precisávamos fazer uso de técnicas que viessem a
elucidar o problema de pesquisa. Enxergamos na análise interpretativa do conteúdo a
alternativa para elucidar as questões levantadas. Somente, a partir da aproximação de uma
técnica que permitisse uma exploração maior do objeto, conseguiríamos desenvolver
observações pertinentes ao que queríamos elucidar.
A análise se deu aqui sobre o prisma qualitativo, que, assim como caracteriza
Laurence Bardin (1977, p. 115) "é mais maleável e mais adaptável, a índices não previstos".
O que, ainda segundo Bardin, seria extremamente funcional em corpus de pesquisa reduzidos,
como é o nosso caso. Por esta possibilidade, a análise interpretativa dos textos da Folha,
configurada no último capítulo desta pesquisa, reflete não só uma necessidade metodológica
de compreensão dos fenômenos sociais ligados ao objeto, mas também uma defesa aos
métodos que permitam uma maior flexibilidade e disposição para o posicionamento
intelectual do pesquisador.
Apesar da conclusão a que Bardin chegou sobre a análise qualitativa de conteúdo, o
seu intento está caracterizar a análise de conteúdo quantitativa como melhor forma de
apreensão do objeto. Ressaltamos que, para esta análise, não iremos realizar esta análise
quantitativa, pois entendemos que a qualitativa responde melhor ao que pretendemos
investigar.
21
Corpus da Pesquisa
Procuramos limitar o corpus de nossa análise, inicialmente, a cobertura realizada pelo
jornal Folha de S. Paulo, referentes a edição de julho de 2006 da São Paulo Fashion Week.
Uma delimitação maior se fez necessária por entendermos que a semana de moda paulista
sendo tratada pelos jornalistas culturais da Folha poderia apresentar uma reflexão maior a
respeito do maior evento de moda do Brasil.
Através de uma observação que realizamos sobre a cobertura anterior realizada pela
Folha, iríamos ampliar o período de divulgação dos textos a serem analisados. Entretanto,
após a realização do evento de julho, observados os exemplares da Folha que antecediam e
sucediam o período no qual aconteceu o evento, entendemos que, somente nos atendo aos oito
dias de realização da semana de moda de São Paulo, contemplaríamos material suficiente para
estabelecermos uma análise consistente em torno do objeto.
Portanto, selecionamos os textos que compreendiam aos dias 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18
e 19 de julho. No total, foram 27 textos a compor a análise. A autoria dos textos varia entre
jornalistas da Folha, colaboradores especiais, editores de moda do jornal e colunistas especiais
do Grupo Folha.
Técnicas utilizadas
De início, como foi citado anteriormente, nossa preocupação está em mostrar o
contexto social no qual está inserido o objeto. Para tanto, realizamos uma pesquisa
bibliográfica a fim de descrevermos o campo do jornalismo, e em capítulo seguinte expormos
observações acerca da Folha de S. Paulo, para em seguida, detalharmos o campo da moda e
suas características particulares que vêm a influenciar diretamente no entendimento da
cobertura realizada pela Folha em torno da semana de moda paulista.
No que tange a análise dos textos em si, procuramos analisar os textos
individualmente, mas com a preocupação de encontrarmos elementos comum que pudessem
pertencer aos devidos critérios de análise. Tínhamos como ponto de partida para o
estabelecimento destes critérios os estudos de Morin. Entretanto, havia categorias que não
eram apresentadas pelo autor, e, outras das quais ele tratava, não permitiriam a verificação de
nenhum aspecto dentro dos textos analisados.
22
Então, chegamos ao seguinte quadro de análise: os textos seriam avaliados partir da
presença de aspectos que tratassem de explanar questões referentes à formação do eros e o
sentido de sensualidade presentes na cultura de massa; à conceituação e redimensionamento
do sentido de juventude e suas implicações na vida do homem-comum; em seguida, às
características que representassem uma transformação nos valores femininos a partir da
cultura criadora do campo da moda, e que viessem a repercutir em ambiente social mais
complexo; também, a formação de ídolos, representantes máximos da cultura de massa; e, a
questões ligadas a forma com que aparece configurado o sentimento de felicidade comumente
adotado nas sociedades cuja cultura de massa se faz fortemente presente. Os aspectos que não
foram tratados por Morin (2005) diretamente, mas que se faziam necessários ser avaliados se
relacionam a transformação dos valores masculinos e a modificação do conceito de
masculinidade, formando características ímpares aos homens da cultura de massa.
Obviamente, nem todos os textos conseguiam explorar todas estas categorias de
estudo, mas conseguimos coletar material suficiente para que pudéssemos estabelecer relações
com as contextualizações realizadas em capítulos ulteriores e prosseguirmos com a análise
pretendida.
23
“Para que o jornalismo cultural conquiste
maior autonomia e credibilidade,
distanciando-se da mera propaganda, é
necessário que todos os setores envolvidos
[...] adquiram uma mentalidade mais
profissional e menos predatória”. (COUTO,
2002)
24
CAPÍTULO I
A CULTURA E O JORNALISMO CULTURAL
1.1 Jornalismo Cultural
Segundo Daniel Piza (2003, p. 11), o jornalismo cultural nasce na Inglaterra, com a
proposta de codificar os estudos e temas tratados nos graus mais intelectuais da sociedade
européia (universidades, bibliotecas, gabinetes), para torná-los comuns à vida de todos,
passíveis de serem discutidos e analisados nos redutos do homem comum (cafés, clubes,
assembléias). Nesta época, a Inglaterra, juntamente com a França, dividia espaço para as
grandes manifestações culturais do Ocidente. O fato do jornalismo cultural ter tomado forma
mais definida na Europa, em especial na Inglaterra, implicou na difusão desse jornalismo,
primeiramente, nos maiores centros europeus, e em seguida, para a principal colônia inglesa:
os Estados Unidos da América.
Historicamente, o jornalismo cultural começou transitando entre as reflexões mais
herméticas acerca da filosofia, com o intuito de elevar o potencial intelectual das sociedades
oitocentistas, procurando difundir a chamada cultura erudita. Os jornais que circulavam na
Europa do século XVIII traziam análises e opiniões de pensadores influentes na sociedade,
com um grande papel de agente transformador da opinião pública burguesa. Apesar de existir
um alto grau de analfabetismo (ou até mesmo pessoas que não tinham o hábito da leitura ou a
compreensão do que estava lendo), o grande espaço onde as mensagens eram socializadas,
eram os locais de reunião pública, como cafés, clubes, restaurantes, etc.. Neste espaço, os
grupos de discussão se formavam afim de avaliar a opinião dos críticos sobre determinados
assuntos tratados pelo jornalismo cultural inglês. Em pleno século XVIII, Londres era um
25
ponto de encontro de artistas, intelectuais, políticos e pensadores renomados da cultura
ocidental.
A distinção que foi dada para este perfil de jornalismo somente foi configurada um
pouco mais tarde. Entretanto, para Coelho (1996), não haveria necessidade da classificação
'jornalismo cultural'. O jornalismo, segundo este autor, já seria por si só uma expressão atual
da cultura. No entanto, as concepções que compreendem o termo cultura são mais amplas e
distintas. Se reduzíssemos o jornalismo como fenômeno cultural, desconsideraríamos o
caráter de renovador das relações sociais a partir da observação e divulgação das relações
sociais estabelecidas. O jornalismo é então um produto elaborado culturalmente, mas que
amplia seu papel quando assume a postura de catalizador das informações dispersas em
ambiente social, para transformá-la num conjunto palpável de conhecimento com a proposta
de uma análise aprofundada a respeito dos acontecimentos cotidianos.
Além disso, o entendimento de cultura requer uma conceituação mais ampla que
preveja a adaptação às mutações sociais contínuas dentro do processo civilizacional dos
indivíduos. Guy Debord (1997, p. 119) define cultura como “a esfera geral do conhecimento e
das representações do vivido, na sociedade histórica dividida em classes; o que equivale dizer
que ela é o poder de generalização que existe à parte como divisão do trabalho intelectual e
trabalho intelectual da divisão”. Debord ainda sugere que, a partir do seu fortalecimento e
independência conquistados nas sociedades pós-modernas, a cultura se encontra numa
situação 'constrangedora': no processo de legitimação, a cultura necessita do confrontamento
com o vivido e experimentado pelo homem-comum; entretanto, o ritmo acelerado e a
profusão de informações não permitem a construção de um modelo de reflexão em torno das
manifestações culturais latentes.
Neste instante, o jornalismo se faz presente de forma a balizar os conteúdos culturais
desenvolvidos. Por meio da crítica jornalística, são tecidas formas de avaliação das
manifestações culturais que acontecem em ambiente público e que, de alguma forma, acabam
por repercutir no ambiente social de grupos de indivíduos. O jornalismo se configura como
um retrato dos acontecimentos ordinários ou não, que permeiam a vida do homem-comum.
No caso do jornalismo cultural, inicialmente, o conteúdo analisado não representava
manifestação ordinária, mas, ao contrário, os acontecimentos e manifestações culturais da
chamada alta cultura que eram tratados pela crítica da época.
26
Retomando as conceituações que alcançam o termo cultura, temos: Stuart Hall (2003,
p. 134) procurando apresentar as concepções as quais chegou Raymond Williams em seus
estudos, diz que cultura “não consiste mais na soma de o 'melhor que foi pensado e dito',
considerado como ápices de uma civilização plenamente realizada”, e continua sua
explicação, dizendo que cultura é “apenas uma forma especial de processo social geral: o dar
e tomar significados e o lento desenvolvimento dos significados comuns; isto é, uma cultura
comum: a 'cultura', neste sentido especial, 'é ordinária'”.
A mudança na compreensão do sentido de cultura possibilitou a expansão do
jornalismo cultural e a abertura para novos centros de atividades culturais. O jornalismo
cultural passou a abordar os temas com uma carga menor de preconceitos. As observações do
jornalista cultural recebeu o caráter mais subjetivo do jornalista, e, de certa forma, as pressões
que o campo exerce sobre a atividade jornalística.
Hoje, o termo cultura pode ser encarado como um corpo complexo de valores com os
quais o indivíduo lida no seu cotidiano, seja conscientemente ou não, afim de estabelecer
relacionamentos e posturas de socialização dentro dos campos nos quais ele transita. Desta
forma, cada indivíduo age de maneira particular aos conteúdos culturais, mas compartilha
com o grupo que está inserido do mesmo repertório de valores, crenças e hábitos que ajudam
a formar a personalidade coletiva do grupo.
Esta personalidade coletiva acaba por ser lapidada também pelas forças externas aos
grupos que advém de transformações no seio da política, economia, na instituição da família,
ou de quaisquer outros campos que afetem diretamente a sociedade de forma global. Por meio
de transformações ocorridas em diversos campos da sociedade, a importância e caracterização
das manifestações culturais reassumiram um papel fundamental na vida do homem-comum.
Isto se deveu, em grande parte, as revoluções tecnológicas pelas quais a humanidade vem
passando deste o final do século XVIII e que de forma espontânea acabou por gerar novas
formas de socialização e de apresentação de anseios pessoais dos indivíduos,
redimensionando os modelos de manifestações culturais.
Procuremos compreender o que Kellner (2001, p. 29) tenta nos expor ao conceber que
“à medida que a importância do trabalho declina, o lazer e a cultura ocupam cada vez mais o
foco da vida cotidiana e assumem um lugar significativo”. E este lugar de destaque acaba por
27
impulsionar projetos de sociedades voltadas para o consumo de bens simbólicos, destinadas a
absorção de material cultural em constante produção. Já que a produção de valores é uma
constante, o trabalho apenas é absorvido como mais um formador do capital cultural humano.
A partir da Revolução Industrial e da Segunda Guerra Mundial, assistimos uma
reconfiguração populacional em todo o globo, em especial no Ocidente. As migrações
coletivas e a concentração de um grande grupo de pessoas próximas aos centros urbanos dos
países causou uma transformação no quadro cultural das sociedades do século XX. O
ambiente possibilitou a ampliação do jornalismo como instituição e também fez com que
fossem revistas as características de urbanização das grandes cidades, com a abertura de
centros culturais, teatros, clubes, cinemas, etc..
Para Edgar Morin (2005, p. 14-5), “uma cultura orienta, desenvolve, domestica certas
virtualidades humanas, mas inibe ou proíbe outras [...] há, de um lado, uma 'cultura' que
define, em relação à natureza, as qualidades propriamente humanas do ser biológico chamado
homem, e, de outro lado, culturas particulares segundo as épocas e as sociedades”. Morin
(2005, p. 15) toma como base o conceito de que “uma cultura constitui um corpo complexo de
normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam
os instintos, orientam as emoções”.
Bosi (1992, p. 309) adere à esta concepção, acrescentando que esse corpo complexo
que é a cultura é uma “herança de valores e objetos compartilhada por um grupo humano
relativamente coeso”. Neste sentido, o autor dá margem para que possamos refletir a respeito
da pluralidade de culturas. Seguindo o raciocínio, Bosi desenvolve um arcabouço analítico a
partir de quatro campos dominantes da cultura: cultura universitária; cultura criadora extra-
universitária; indústria cultural e cultura popular.
Estes quatro conceitos expostos por Alfredo Bosi remetem diretamente a concepções
mais amplas tratadas pelo autor: 'cultura criadora' e 'cultura de massa'. Segundo Bosi (1992, p.
309), compreenderia à cultura criadora das expressões de autores que lidam com cinema,
literatura, teatro, enfim, com expressões culturais das mais diversas, mas que se encontram
fora do círculo universitário de intelectuais e dentro das chamadas sete artes. Já a cultura de
massa está intrinsecamente relacionada ao sistema produtivo e mercantil do consumo, mas
que em algum momento pode (e assim o faz) compreender áreas inicialmente relacionadas à
28
cultura criadora.
Como conceitos, estas duas formas de cultura podem caminhar paralelamente no
entendimento de aspectos vitais à compreensão de manifestações sociais. Entretanto, como
sugere Bourdieu (Miceli, 2003, p. 70), há necessidade de se compreender as relações entre os
fenômenos sociais como dialéticas, construtoras de um contexto especial. E isto também se dá
com as relações estabelecidas dentro do campo do jornalismo, em especial o jornalismo
cultural.
No campo do jornalismo cultural ocorre o confrontamento de aspectos mais
subjetivos, entre a cultura criadora e o jornalismo. Entretanto, alguns aspectos não são
relativizados na análise desenvolvida no campo do jornalismo, um deles é a coerência
conceitual das criações que é validada a partir do momento que as criações passam a refletir
algum aspecto da sociedade carente de observação analítica. Neste espaço de legitimação, o
jornalismo realiza o papel de um dos agentes que contribuem para a continuidade da produção
no âmbito da cultura criadora.
O jornalismo, como carreira acadêmica, submete-se a construção de um modelo
profissional adaptado às leis de mercado e às convenções adotadas pelos grandes grupos de
mídia. Estas convenções acabam por definir os limites do campo do jornalismo em ambiente
social. As relações que são estabelecidas internamente no campo, supõem superioridade no
momento em que os jornalistas necessitam se dirigirem a outros campos de atuação dos
indivíduos, como é o caso do campo da cultura.
“Na economia, as sedutoras formas culturais modelam a demanda dos consumidores,
produzem necessidades e moldam um eu-mercadoria com valores consumistas [...]
Em nossas interações sociais, as imagens produzidas para a massa orientam nossa
apresentação do eu na vida diária, nossa maneira de nos relacionar com os outros e a
criação de nossos valores e objetivos sociais”. (KELLNER, 2001, p. 29)
Transitando da cultura universitária, adaptando-se à indústria cultural, com o intuito de
converter as informações em produto assimilável pela cultura popular, o jornalismo se reduz
de pretensões no campo criador da cultura. Em verdade, não é o campo do jornalismo que se
reduz, mas as prioridades colocadas são outras. É no momento em que o jornalismo passa a
executar o papel de espelho sócio-cultural que as forças que dirigem o campo jornalístico
exercem maior pressão.
29
No caso do jornalismo cultural, as ligações estabelecidas são mais fortes no espaço da
cultura criadora, já que os produtos desenvolvidos neste espaço são fonte de observação e
análise contínua do jornalismo. E, mesmo a cultura criadora do campo da cultura está
submetida às conveniências exigidas no macro do campo. Essas conveniências, de algumas
forma, acabam por alcançar o jornalismo cultural de forma a limitar suas incursões pelos mais
diversos produtos culturais. Há momentos em que o campo da cultura é forçado (por questões
de sobrevivência dos artistas ou dos produtos) a direcionar seus esforços para a apresentação
de novos conteúdos culturais, mesmo que a princípio não tenham sido legitimados dentro do
próprio campo. Isto acontece frequentemente, em especial, com os aspectos culturais
relacionados diretamente à cultura de massa.
É nessa cultura que se encontra a matriz geradora de popularidade e de compreensão
para o grande público. A TV e, mais recentemente a Internet, configuram-se no palco das
manifestações culturais intrinsecamente adotadas pela cultura de massa. Isto implica dizer
que, dentro dos limites destes meios existem forças particulares que direcionam a produção de
conteúdos culturais. No Brasil, estes conteúdos culturais são diretamente dependentes da
avaliação do mercado e do Estado. No caso da imprensa escrita, alguns segmentos da
imprensa cultural encontram-se à margem das estratégias mercantis, entretanto, não de todo
esquecidos.
De certa forma, o campo jornalístico trabalha em parceria com as forças legitimadoras
da cultura. No momento em que o jornalismo cultural adota uma conduta de propagador dos
conteúdos culturais, em detrimento da análise destes conteúdos, cria-se uma forte parceria
entre o campo e os mecanismos econômicos ou políticos que desejam promover a
representatividade dos conteúdos expostos. “O campo jornalístico impõe sobre os diferentes
campos de produção cultural um conjunto de efeitos que estão ligados, em sua forma e sua
eficácia, à sua estrutura própria, isto é, à distribuição dos diferentes jornais e jornalistas
segundo sua autonomia com relação às forças externas, as do mercado dos leitores e as do
mercado dos anunciantes”. (BOURDIEU, 1997, p. 102) Esta autonomia, como já foi citado,
depende em maior ou menor grau com decisões tomadas subjetivamente pelo jornalista
cultural. O peso do jornalista cultural qualifica o grau de legitimidade das produções
desenvolvidas pela cultura criadora do campo.
Sendo assim, ainda é possível ao jornalismo cultural tornar-se o espaço para a
30
retomada intelectual do campo, sendo que, o percurso para alcançar tal objetivo deve ser em
sentido contrário ao que lhe deu origem. Se, no início, o jornalismo cultural nasceu com a
proposta de trazer à tona os conhecimentos exotéricos das academias e bibliotecas, para torná-
los compreendidos pela sociedade; hoje, está nas mãos do jornalismo cultural, em especial do
jornalista cultural, explorar as manifestações e ideologias ou falta delas da cultura popular
e levá-las à reflexão para que possam ser compreendidos os mecanismos de convivência
presentes nas sociedades atuais.
Isto implica dizer que o jornalista cultural deve ter a habilidade de adentrar o campo
da cultura popular e observar seu conteúdo a partir de uma óptica contestadora, que procura
enxergar as causas dos fenômenos observados e prever a quais contextos sociais as
manifestações do âmbito da cultura podem levar. Essa autonomia analítica está diretamente
relacionada com o grau de independência que o jornalista cultural dispõe, para se posicionar
como um intelectual capaz de conferir análises substanciais a partir do olhar de quem está
diretamente envolvido com a realidade social. Neste aspecto, Bourdieu expõe a seguinte
colocação:
Quanto ao grau de autonomia de um jornalista particular, depende em primeiro
lugar do grau de concentração da imprensa (que reduzindo o número de
empregadores potenciais, aumenta a insegurança do emprego); em seguida, da
posição de seu jornal no espaço dos jornais, isto é, mais ou menos perto do pólo
'intelectual' ou do pólo 'comercial'; depois, de sua posição no jornal ou órgão de
imprensa efetivo, free-lancer etc.), que determina as diferentes garantias estatutárias
(ligadas sobretudo à notoriedade) de que ele dispõe e também seu salário (fator de
menor vulnerabilidade às formas suaves de relações públicas e de menor
dependência com relação aos trabalhos de sustento ou mercenários através dos quais
se exerce a influência dos patrocinadores); e, enfim, de sua capacidade de produção
autônoma da informação (sendo certos jornalistas, como os vulgarizadores
científicos ou os jornalistas econômicos, particularmente dependentes)”
(BOURDIEU, 1997, p. 103)
Piza (2003) considera que o jornalismo cultural ainda não tem conseguido expor seu
“senso crítico” e “olhar para as induções simbólicas e morais que o cidadão recebe”. (p. 45)
Isto se deve, em parte, à falta de critérios para avaliar as produções culturais emergentes; e
esta falta de critérios também é devida à tendência em tornar profissionalizante e técnica a
carreira jornalista, presente, principalmente, nas instituições privadas de ensino. À medida em
que foi burocratizado o ofício jornalístico, os rigores para o ingresso de novos jornalistas no
campo passam por etapas normativas da formação intelectual do profissional.
A universidade sistematiza o estudo do jornalismo, por meio das técnicas, afim de
31
formar um corpo coeso de profissionais comprometidos em revelar os fatos do cotidiano, a
partir de uma postura libertadora dos indivíduos da ignorância informacional coletiva. A
formalização da carreira jornalística também promove a adoção de teorias e técnicas mais ou
menos padronizadas nas faculdades de comunicação. A pressão exercida pelo mercado na
formação de profissionais cada vez mais jovens, instiga a uma formação intelectual mediana e
também à construção de um repertório jornalístico uniforme aos jovens recém formados.
Neste sentido, o jornalista lida timidamente com a notícia nos primeiros estágios de atuação
no campo. A descoberta das limitações somente surgem com o decorrer das experiências com
o trato das informações e o posicionamento de suas observações dentro do órgão de imprensa
no qual o jornalista está atuando.
A base conceitual da atividade jornalística está na compreensão dos fatos e na
formulação da notícia, para, a partir daí, explorar os objetos de análise afim de desenvolver
uma postura reflexiva dentro do campo do jornalismo. Souza (2003, p. 12) qualifica a célula
da informação jornalística as notícias como sendo fruto “do sistema cultural em que são
produzidas, que condiciona quer as perspectivas que se têm de mundo, quer a significação que
se atribui a esse mesmo mundo”.
O pensamento colocado por Souza dá margem à compreensão de que qualquer
informação jornalística está permeada de conteúdos culturais, o que não significa dizer que o
jornalismo é jornalismo cultural por evidência. Ao jornalismo cultural cabe, além de expor
informações cunhadas no cerne da cultura mundana, permitir e promover debates reflexivos e
analíticos em torno das manifestações ocorridas culturalmente. Se tentássemos observar um
atentado criminoso fato comum nas páginas de jornalismo policial certamente
procuraríamos enquadrá-lo em um contexto social mais amplo, baseado em aspectos culturais
que proporcionaram um ambiente propício ao acontecimento. O crime está enraizado em
deficiências sócio-culturais, mas neste tipo de trabalho jornalístico, estas deficiências
assumem papel secundário no processo de comunicação. A manifestação social observada é o
crime, independentemente de está inserido num contexto cultural mais complexo.
Mônica Nunes (2003), em sua tese intitulada Cultura também é notícia, traz a
distinção feita por José Ramos Tinhorão entre jornalismo e jornalismo cultural. Para
Tinhorão, o jornalismo cultural é a parte da curiosidade humana “no campo das criações ou
atividades ligadas à produção de valores artísticos, espirituais ou da inteligência humana em
32
geral”, e ainda, esta área do jornalismo “incluiria a divulgação das novidades no campo das
produções da inteligência por todos os meios de transmissão: o cinema, a televisão, os
computadores, os jornais, as revistas etc.”. (TINHORÃO apud NUNES, 2003, p. 14) A
concepção revelada por Nunes encontra na realidade jornalística sua face empírica.
Ao refletirmos sobre a realidade do jornalismo cultural, inevitavelmente,
enxergaremos duas características quase que uniformes para as instituições de imprensa
brasileiras, a existência de um grupo de jornalistas intelectuais que direcionam suas atenções
para acontecimentos específicos no seio da cultura; e também, a participação de um
jornalismo voltado meramente a divulgação de conteúdos culturais, em geral, aos que
compreendem os desejos de observação da grande massa de espectadores.
Em meio a estas concepções, o Heron Vargas (2005) ressalta que a dúvida que persiste
está em como “avaliarmos a produção jornalística da área cultural, levando em conta sua
característica de produto no sistema capitalista e a manutenção de determinado nível de
qualidade que, obviamente, não encontramos nas mercadorias, muito mais estandardizadas e
voltadas à mera finalidade hedonista do consumo”. (p. 20)
Certamente, não podemos minimizar a atividade do jornalismo cultural, nem mesmo
conferirmos descréditos aos jornalistas. Entretanto, o foco deve ser estabelecido antes mesmo
da formação deste agente no campo. O sistema educacional do jornalismo deveria contemplar
formas de qualificar o jornalista a estabelecer formas de imunização das pressões exercidas
dentro do campo. Talvez, uma das alternativas seria aumentar os esforços na formação
intelectual do jornalista em detrimento da técnica, que pode ser compreendida em período
mais curto de aprendizagem.
Um dos pontos nos quais devemos focar nossas atenções para que possamos avaliar a
qualidade do que é produzido em torno do jornalismo cultural, é a necessidade de que seja
definido o papel que cabe ao campo desempenhar. Resgatar as funções primeiras as quais
estava sujeito o jornalismo cultural em seu surgimento é pouco provável que ocorra, visto que
os contextos intelectual, mercantil e social atuais não permitem explorações neste sentido. O
que nos parece mais plausível é centrar o jornalismo cultural na concepção crítica e reflexiva
dos conteúdos jornalísticos que dizem respeito às manifestações culturais, sejam elas da
33
grande massa ou das academias ou das belas artes.
Basso (2005, p. 46) coloca que o jornalismo cultural “realiza a difusão e análise crítica
das culturas formatando um fórum público de manifestação do pensamento. A temática
transborda a análise e a divulgação dos produtos da chamada cultura ilustrada [...] e abrange a
cultura popular, o comportamento social formas de ser e se portar, e as ciências sociais,
ajustadas ao campo da produção jornalística”. Isto significa dizer que o jornalismo cultural
transita nas mais diversas camadas sociais onde se encontram os indivíduos e, podemos ir
além, reconhecendo que existem camadas de legitimação distintas do conteúdo jornalístico.
Encarando desta forma, compreendemos que a legitimação concedida ao jornalismo cultural é
relativa ao seu alcance como notícia e ao processo de absorção e análise estabelecido pelo
homem-comum ou pelos pares do campo.
A medida que se amplia a área de alcance do jornalismo cultural, ampliam-se também
os campos com os quais são estabelecidas suas relações, requalificando a dimensão dos
jornalistas e os limites de suas análises. Otávio Frias Filho (2000) ressalta algumas
explicações para justificar o redimensionamento do jornalismo cultural. Para Frias Filho, uma
das principais mudanças que tiveram grande impacto no campo foi o fato de que outras tantas
áreas começaram a fazer parte do cenário cultural, ampliando o leque das sete artes e, muitas
das vezes, segmentando modalidades já conhecidas e tratadas de maneira geral.
Neste aspecto, em parte, o campo do jornalismo cultural somente teve a ganhar com a
ampliação do foco e o direcionamento dos estudos para outras áreas que emergiram ricas de
sentido nas últimas transformações sociais como a Moda, a Dança e outras manifestações. De
outro lado, o acréscimo de tantas áreas fez crescer o número de “entendidos” no assunto:
agentes dos campos que passaram a ser observados, mas que trabalhavam pelo talento, pelo
dom e pelo aperfeiçoamento obtido nas performances, mas que, não necessariamente,
possuíam um olhar analítico sobre a área, nem ao menos um referencial cultural que
permitisse servir como balizador entre as diferentes formas de apresentação. O problema é
que há um grande número de profissionais deste tipo inseridos nas editorias de cultura dos
principais jornais brasileiros, o que, em parte, justifica a decaída da crítica jornalistica em
torno dos materiais desenvolvidos.
Frias Filho (2000) levanta outras questões importantes a serem ressaltadas aqui: a
34
primeira delas é que a ampliação do leque de profissionais que interagem no campo do
jornalismo cultural reflete a não existência de uma linguagem comum dentro do campo.
Segundo o autor, “atualmente, a própria ausência de critérios impede que se adote uma
posição programática nesta ou naquela direção”. O autor considera que no campo, as
formações diversas e pensamentos, muitas vezes, divergentes, acabam por tornar a ideologia
do jornalismo cultural eclética e relativista, enfraquecendo o peso de suas análises. A
subjetividade acaba por comprometer a concepção geral da análise, o que, em maior ou menor
grau, indica uma degradação do jornalismo cultural.
Mais um ponto levantado é o de que o público se torna, cada vez mais, heterogêneo,
transitando entre “o público culto, capaz de dominar repertórios tradicionais, e a grande massa
de consumidores de entretenimento”. (FRIAS FILHO, 2000) De fato, isto acontece, mas não
deveria se tornar um entrave dentro do campo. À medida que se diferencia o público,
multiplica-se o número de conteúdos culturais que acabam sendo gerados para a satisfação
deste público. Ao jornalismo cultural, por sua vez, cabe absorver em seu seio as diversas
formas de manifestações e procurar elementos comuns que as expliquem e as legitimem (ou
não) como populares. Além disso, aí se estabelece o desafio do jornalismo cultural atual, fazer
com que o público consumidor de entretenimento adquira condições de formar uma
consciência crítica em torno dos produtos culturais estabelecidos.
E por último, para o autor, a crítica feita no campo do jornalismo cultural passou a ser
considerada um serviço, com o jornalista (crítico) indicando tendências, recomendando
programações ou referenciando de maneira superficial os conteúdos culturais. Isto reflete as
sensações provocadas pela expansão da cultura de massa, que implica ao jornalismo uma
aceleração na produção de conteúdo informativo, além da absorção imediata da informação.
Além disso, Otávio Frias Filho considera que houve um declínio quanto a qualidade dos
conteúdos culturais produzidos, se considerarmos o avanço quantitativo no campo e a
multiplicação de iniciativa ligadas à área da cultura. Significa dizer que a pluralidade não
necessariamente amplia o valor das manifestações culturais presentes, isto porque esta
ampliação não se deu de forma equilibrada, mas sim através de saltos, onde não foi possível
controlar a contaminação de valores pouco elaborados mas que estão presentes na vida do
homem-comum.
35
1.2 O processo de regulação no campo do jornalismo cultural
Depois de tantas afirmações contrárias as formas como se configura atualmente o
jornalismo cultural, é importante que possamos compreender de que forma são estabelecidos
os processos de regulação deste jornalismo no cenário sócio-cultural contemporâneo.
Estabelecemos aqui uma relação entre o campo do jornalismo cultural e os princípios
reguladores da sociedade atual apresentados por Boaventura Souza Santos (1999, p. 77), para
que possamos indicar quais os motivos que forçam o jornalismo cultural a se comportar com
características de produção massificada.
Para Santos, a regulação é estabelecida por mecanismos criados pelo Estado, pelo
mercado e pelos pares caracterizados no campo. Ou seja, são três as forças reguladoras para
qualquer campo de manifestação social: o Estado e sua maior ou menor pressão exercida
sobre a produção intelectual, artística, política ou filosófica; o mercado, grande impulsionador
das produção contínua através dos esforços praticados pelos indivíduos; e, em terceiro, mas
não em menor grau, o conjunto de parceiros que compartilham de alguma característica
dentro do campo.
Quanto ao quadro que compõe os parceiros do campo, além de constatarmos os
parceiros surgidos dos campos onde o jornalista cultural realiza suas incursões para
desenvolver sua análise (música, dança, teatro, moda, etc.), encontramos no próprio campo do
jornalismo uma chave reguladora das produções do jornalista cultural outros jornalistas. As
condições aqui estabelecidas partem do reconhecimento do jornalista cultural junto a seus
colegas jornalistas, que acabam por tornar-se balizadores da competência do profissional em
questão.
No campo jornalístico, as indústrias de mídia estão necessariamente relacionadas a
estruturas formalizadas pelo Estado e pelo mercado. Através das sanções estabelecidas pelo
relacionamento dos grandes grupos de mídia e os que compõem a indústria do entretenimento,
muitas vezes, são conduzidos os materiais jornalísticos que refletem sobre temas ligados aos
produtos culturais apresentados. Esta é uma das maneiras das faces onde encontramos
barreiras ao desenvolvimento de um jornalismo cultural autônomo e com representativa
postura crítica.
Desta forma, os confrontos mercadológicos a que são alvo os grupos de mídia,
36
convertem o jornalismo em fonte de informação instantânea, muitas das vezes, sem um
debruçamento intelectual maior por parte do jornalista. Neste sentido, a cultura é apresentada
sob a forma de conteúdo jornalístico pouco trabalhado, voltado mais à divulgação
(celebração) do que à apreciação de um olhar crítico.
“A concorrência econômica entre as emissoras ou jornais pelos leitores e pelos
ouvintes, ou, como se diz, pelas fatias de mercado realiza-se concretamente sob a
forma de uma concorrência entre os jornalistas, concorrência que tem seus desafios
próprios, específicos, o furo, a informação exclusiva, a reputação na profissão etc., e
que não se vive nem se pensa como uma luta puramente econômica por ganhos
financeiros, enquanto permanece sujeita às restrições ligadas à posição do órgão de
imprensa considerado nas relações de força econômicas e simbólicas”.
(BOURDIEU, 1997, p. 58)
Segundo Kellner (p. 27), a cultura apresentada pela mídia é “uma força dominante de
socialização: suas imagens e celebridades substituem a família, a escola e a Igreja como
árbitros de gosto, valor e pensamento, produzindo novos modelos de identificação e imagens
vibrantes de estilo, moda e comportamento”. Assim sendo, parece-nos pouco provável que o
jornalismo cultural não acabe sendo afetado pelas exigências inerentes à cultura da mídia
conforme descrição de Kellner. A partir disso, observamos que força que pode ser gerada a
partir da qualidade do jornalismo cultural desenvolvido com fins de enriquecer a consciência
crítica da sociedade.
Assim sendo, o jornalismo cultural deveria ser convertido no filtro analítico das
disposições apresentadas pela cultura em todos os graus. O objeto de análise não pode ter
força maior do que a mão do observador que é a entidade capaz de enquadrá-lo em contextos
tais que permitam o desenrolar de pensamentos críticos sob o objeto. Portanto, a autonomia
do jornalista cultural deveria ser preservada em detrimento de quaisquer forças que se
imponham ao processo de transmissão da notícia ou de formação da crítica jornalística.
Munidos de uma bagagem relativamente superficial das manifestações culturais mais
importantes dentro dos processos que permitiram a construção de uma sociedade pós-
moderna, os homens-comuns se colocam na base da recepção da cultura de massa. Desta
forma, o campo jornalístico não surpreende ao conceder ao seu público-leitor (consumidor de
sentidos) o concentrado de informações, também superficiais, que são acolhidas pela
curiosidade momentânea do indivíduo. O estágio de refinamento analítico desejado pelo
37
grande público é alcançado de forma satisfatória com a mera exibição das manifestações
culturais, sem o devido acompanhamento crítico e desvendamento ideológico que fazem parte
do processo criativo de qualquer produto cultural.
“Assim, o reforço da influência de um campo jornalístico, ele próprio cada vez mais
sujeito à dominação direta ou indireta da lógica comercial, tende a ameaçar a
autonomia dos diferentes campos de produção cultural, reforçando, no interior de
cada um deles os agentes ou as empresas que estão mais propensos a ceder à
sedução dos lucros 'externos' porque são menos ricos em capital específico
(científico, literário etc.) e estão menos seguros dos lucros específicos que o campo
lhes garante imediatamente ou em prazo mais ou menos longo”. (BOURDIEU,
1997, p.110)
Bourdieu (1997) coloca em evidência um círculo vicioso de manifestação de poder
mercantil, validado pelo Estado e assimilado pelo homem-comum, que acaba influenciando o
campo jornalístico. Obviamente o cenário não é tão caótico, caso contrário não haveria espaço
para explorações jornalísticas dentro do campo da cultura que garantem o mínimo de
autonomia intelectual e mercantil em relação aos grandes grupos. Assim sendo, cabe-nos
provocar o debate acerca dos rumos e dos enfoques adotados pelo jornalismo cultural
contemporâneo, lembrando a importância de as análises partirem do mundo experimentado
para o campo das idéias.
1.3 Particularidades do Jornalismo Cultural
Voltemos aqui a salientar alguns aspectos importantes que estão presentes no campo
do jornalismo cultural. O primeiro deles é o reconhecimento do jornalismo cultural além das
fronteiras da notícia e das relações estabelecidas no mercado. Neste aspecto, compreendemos
que o jornalismo cultural eclode como centro de discussão e análise de conteúdos sociais mais
complexos, que não estão enquadrados apenas em uma esfera de produção, seja ela
propriamente jornalística ou mercadológica. Isso é corroborado pelo professor José Salvador
Faro (2006, p. 158) quando diz que o jornalismo cultural,
“para além de sua dimensão informativa e mercadológica, é também uma instância
de categorias valorativas e históricas, negociadas entre os vários sujeitos que a
produzem. A resenha, a crítica teatral, a crítica literária, a avaliação filmográfica
estão permanentemente formulando um olhar que extrapola o âmbito específico do
fato motivador da pauta e do texto e se estende sobre a própria tensão decorrente da
avaliação jornalística ou da avaliação produzida para a sua inserção no produto (o
suplemento, a seção, a revista especializada)”.
38
O dimensionamento do jornalismo cultural além das notícias representa que nele se
estabelece uma zona de empreendimento intelectual que sobrepuja os demais campos com
que são validadas as suas relações. Por este fato, não significa compreender o jornalismo
cultural tem maior ou menor papel que outras atividades que se relacionam com a cultura
criadora. Mas, fica subentendido a particularidade do campo como espaço de formulação
crítica e ideológica dentro da cultura midiática.
Outro ponto destacado por Faro é que forma a constituição do jornalismo cultural “um
território de práticas jornalísticas que tanto reiteram os signos, valores e procedimentos da
cultura de massa quanto discursos que revelam tensões contra-hegemônicas características de
conjunturas históricas específicas”. (p. 149) Através da observação de Faro, podemos
reafirmar o que já dissemos antes no decorrer deste capítulo: a ampliação do campo do
jornalismo cultural, com o agregamento de outras áreas de atenção (além das chamadas sete
artes), além do desenvolvimento de um contexto histórico particular do século XX,
contribuíram para a ampliação do jornalismo cultural como área de análise e validação de
conteúdos culturais produzidos em maior ou menor escala.
Resta-nos ressaltar que o campo do jornalismo cultural é o espaço onde é possível que
se forme a consciência crítica da sociedade contemporânea. Com a redução cada vez mais
significativa do analfabetismo e o surgimento de uma geração de indivíduos que nasceram
envolvidos num globo de informação generalizada, junto à Internet, poderemos, dentro em
breve, observar o jornalismo cultural voltado ao refinamento do pensamento coletivo e ao
aprofundamento da análise no processo de absorção de conteúdos culturais.
39
“[...] o campo jornalístico está
permanentemente sujeito à prova dos
vereditos do mercado, através da sanção,
direta, da clientela ou, indireta, do
índice de audiência [...]”. (BOURDIEU,
1997, p. 106)
40
CAPÍTULO II
O JORNALISMO DA FOLHA DE S. PAULO
2.1 Um pouco sobre a Folha de S. Paulo
A história da Folha de S. Paulo indica uma especial trajetória de um dos maiores
grupos de mídia do Brasil. Depois de diversas mudanças no seu quadro administrativo e nos
seus enfoques editoriais, o jornal se tornou um dos principais veículos de comunicação de
massa da imprensa brasileira, influenciando com o seu estilo grande parte da imprensa que se
formou no Brasil nos últimos 40 anos.
O jornal Folha de S. Paulo nasceu em 1960 a partir da fusão de três jornais
importantes da capital paulista do século XX Folha da Noite, Folha da Manhã e Folha da
Tarde. Nestes 46 anos, a Folha assumiu uma posição privilegiada dentro da imprensa
brasileira, caracterizando-se como representante de um dos mais complexos grupos de mídia
da imprensa nacional.
A história da Folha começa em 1921, com o desenvolvimento do jornal Folha da
Noite. Elaborado, inicialmente, pelos sócios Pedro Cunha e Olival Costa, O Folha da Noite
surge com a proposta de defender interesses locais, focando principalmente na denúncia e na
cobrança por melhorias na estrutura dos serviços públicos. Logo no início da trajetória do
41
Folha da Noite (em 1925), foi criado o jornal matutino Folha da Manhã, que deu início ao
processo de ampliação do Grupo Folha.
Dez anos depois, o jornal é vendido ao cafeicultor Octaviano Alves Lima. Nessa
época, assume-se uma postura de defesa dos interesses agrícolas e desenvolvem-se
campanhas voltadas à saúde pública. Esse também foi um período no qual o jornal se lançou
em franca campanha oposicionista ao Estado Novo, defendendo também o liberalismo.
A partir de 1945, o Folha da Noite adota uma postura de imparcialidade como política
redacional. Nessa época, o jornal que era voltado para classe média paulista, foca-se na defesa
do ensino público de qualidade, promovendo uma grande pressão sobre os governantes
paulistas. Um pouco mais tarde, em 1949, surge o Folha da Tarde jornal que seguia a
mesma orientação redacional dos dois primeiros.
Estes jornais continuam a atuar até que, em primeiro de janeiro de 1960, são
agrupados os três títulos para ser criada a Folha de S. Paulo. Já nos primeiros anos, o Grupo
Folha passa por uma grande mudança administrativa, devido a grave crise financeira na qual
se encontrava; foi quando os empresários Octávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho
assumiram o controle acionário do Grupo.
“Preocupados inicialmente com a reestruturação econômica, tecnológica e comercial
do diário, só a partir dos anos de 1970 a nova diretoria definia uma linha de atuação, visando
pressionar no sentido da 'distensão' e 'abertura' do regime militar e lançando-se a seguir em
campanha pela Assembléia Nacional Constituinte e pelas eleições diretas em todos os níveis”.
Exemplar do Folha da
Manhã, primeiro jornal do
Grupo Folha.
42
(NUNES, 2003, p. 20-1) Na verdade, os primeiros anos da nova diretoria foram dedicados a
uma revitalização interna do Grupo, que precisava direcionar suas estratégias comerciais para
sair da crise na qual se encontrava.
O lançamento do Banco de Dados de São Paulo (1973), que agrupava fotos, textos e
arquivos do Grupo, preparou a Folha para que, já na década de 1980, fosse alcançada a
liderança em relação a circulação diária de jornais dentro do país.
A década de 1980 marca um período de grandes mudanças e conquistas no jornal.
A Folha de S. Paulo entrou nesta década como o jornal de maior circulação
nacional, com o lema: 'um jornal a serviço do Brasil', seguido de três estrelas (que
aparecem sob o logotipo da primeira página) simbolizando os três jornais que deram
origem à Folha de S. Paulo. Tinha como propósito implantar um Projeto Editorial
sólido e inovador, que correspondesse aos novos tempos e aos dilemas que se
configuravam nos horizontes do jornalismo. Buscava consolidar-se como empresa e
sustentar o crescimento do jornal”. (NUNES, 2003, p. 21)
2.2 O novo projeto editorial
A década de 1980 é marcante para a Folha também com o lançamento de seu novo
projeto editorial que previa “além de um jornalismo crítico, apartidário, moderno e pluralista,
implantar um jornalismo de serviço e adoção de novas técnicas visuais”. (Folha On Line,
2006) Este projeto editorial é o mesmo que vem sendo aperfeiçoado nos últimos anos e que
permitiu à Folha uma expansão significativa dentro do campo jornalístico.
Em busca de obter “informações exclusivas e produtos com altos níveis de
excelência”, a Folha se uniu à Editora Abril para dar início a informatização do Banco de
Dados. Este processo de informatização também chegou às redações do jornal que, em 1983,
tornou-se a primeira redação totalmente informatizada da América do Sul.
Redação do Grupo
Folha
43
Em 1990, a Folha lançou suas cinco edições regionais Folha Sudeste, Folha ABCD,
Folha Nordeste, Folha Norte e Folha Vale. Já em 1991, a Folha amplia o número de cadernos
com o lançamento de Brasil, Mundo, Dinheiro, Cotidiano, Esporte e o relançamento do
Ilustrada (caderno que já existia desde 1958).
Octávio Frias de Oliveira assume o controle total do grupo, em 1992. Um ano depois,
amplia a circulação paga aos domingos, entre os jornais brasileiros, para mais de 700 mil
exemplares.
Desde então, o Grupo Folha continuou a crescer:
Em 1994, a Folha foi o primeiro jornal brasileiro a ter um banco de imagens. Ainda
em 1994, a Agência Folha comercializa seus serviços noticiosos 24 horas por dia. E
encontrando um filão comercial, o jornal passa a vincular a distribuição de fascículos à sua
circulação, chegando a atingir a marca inédita de mais de 1 milhão de exemplares vendidos
num só dia. “A estratégia mercadológica que prevaleceu, no entanto, foi agregar produtos de
valor cultural (atlas, enciclopédias, dicionários, vídeos etc.) congruentes com a natureza do
produto jornalístico”. (FOLHA, 2001, p. 12-3)
Em 1996, o Grupo Folha, por meio do Universo Online, alia-se ao Grupo Abril,
através do Brasil Online, para criar o UOL (Universo Online S. A.), que em pouco tempo se
tornaria o maior provedor de internet brasileiro. No ano seguinte, é revisado o projeto
editorial da Folha, objetivando um “jornalismo mais interpretativo, complexo, desestatizado e
humano”. (Folha On Line, 2006) Neste ano, o jornal alcançou o selo ISO 9002 de qualidade
de produção.
Em 1998, a Folha passa a publicar um suplemento em português da revista Time. Mais
uma mudança administrativa ocorre na Folha, onde são trocados os superintendentes das áreas
financeira, de marketing, de recursos humanos e jurídica; além de se dar o desligamento do
diretor-superintendente Pedro Pincirolli Junior.
O ano de 1999 é marcado pelo lançamento do jornal Agora, em substituição ao Folha
da Tarde, voltando-se à “família do trabalhador paulistano”. (Folha On Line, 2006) Além
disso, a Folha passa a publicar, semanalmente, conteúdo compilado de artigos e reportagens
do Financial Times.
44
Em 2000, o design da Folha recebe seis prêmios internacionais e é lançado o serviço
FolhaWap, que disponibilizava notícias e conteúdos jornalísticos via telefone móvel,
ampliando a sua colocação no mercado online. A partir deste ano, a Folha passa a publicar
também informações do jornal americano The New York Times, semanalmente.
Atualmente, a estrutura da Folha está disposta da seguinte forma
1
:
Agência Folha: É o órgão responsável por distribuir e produzir material jornalístico do
Grupo Folha; comanda as sucursais e correspondentes, com exceção das unidades do
Rio de Janeiro, Brasília e exterior; também comercializa o material jornalístico do
Grupo, ficando com a incumbência dos serviços de telerreportagem.
Agora São Paulo: É um dos jornais pertencentes ao Grupo Folha. Começou a circular
em 1999, substituindo o jornal Folha da Tarde.
Banco de Dados de São Paulo: É a empresa do Grupo responsável por administrar o
acervo de textos e fotos, com registros a partir de 1921, data em que foi fundada a
Folha. Todo o acervo é digital e inclui também uma biblioteca com algumas obras de
referência e periódicos.
Datafolha: Instituto de pesquisas pertencente ao Grupo Folha. O Datafolha realiza
pesquisas eleitorais, de opinião e de mercado, além de levantamentos estatísticos.
Empresa Folha da Manhã: Responsável pela edição da Folha de S. Paulo.
Folha Online: Jornal online do Grupo, com acesso aberto ao público e alguns serviços
restritos aos assinantes do jornal Folha de S. Paulo ou do UOL.
Notícias Populares: Jornal que foi assumido pelo Grupo Folha em 1965; circulou entre
os anos de 1963 e 2001.
Plural Editora e Gráfica: Empresa do setor gráfico do Grupo em parceria com capital
externo.
1
Todas as informações descritas foram extraídas do Manual da Redação: Folha de S. Paulo, 2001.
45
Publifolha: Responsável pela publicação e divulgação de materiais relacionados a
turismo, saúde, negócios, artes e literatura, entre outros do varejo editorial. Também
desenvolve conteúdo para materiais promocionais do Grupo Folha.
Universo Online: Provedor de acesso e conteúdo online, fundado pelo Grupo Folha e o
Grupo Abril, com conteúdo desenvolvido pelos grupos e outros parceiros.
Transfolha: Empresa responsável pela distribuição dos materiais produzidos pelo
Grupo Folha, inclusive os jornais.
2.3 Particularidades da Folha
O crescimento alcançado pela Folha se deve a um processo de estruturação
empresarial que sempre esteve a nortear a concepção do seu jornalismo inicialmente voltado
a interesses de grupos locais preocupados com questões ligadas à administração da cidade;
depois, voltando-se à tentativa de legitimar posições políticas e defender concepções
ideológicas. Estas diretrizes possibilitaram que a Folha passasse por diferentes experiências
quanto ao seu regime redacional, implicando, antes de tudo, que o Grupo encarasse os jornais
desenvolvidos como produtos elaborados a partir de uma perspectiva ideológica, mas que
mantivessem uma visão de empreendimento mercadológico.
Hoje, a Folha de S. Paulo assume claramente que as pressões do mercado impõem
características de um jornalismo diferenciado, que possibilite um retorno comercial
fundamental para a sobrevivência dos grandes grupos de mídia. Para a Folha, o perigo está em
tornar este jornalismo limitado aos anseios do consumidor de padrão mediano; referenciando-
se às pressões encaradas pelos grandes grupos de mídia: “[...] sendo sua lógica a do mercado,
voltada para o atendimento de demandas que remunerem, o risco parece ser menos o de
manipulações conspiratórias contra o público do que o de uma atitude, crescente nos meios de
comunicação em geral, que se limita a espelhar as expectativas de um consumidor
estatisticamente médio”. (Folha, 2001, p. 11)
46
O Grupo Folha, definitivamente, aparece como uma empresa imersa dentro das
lógicas mercantis, por uma questão de sobrevivência, e também por sua característica de
empreendedor de mídia. Inevitavelmente, esta concepção também é estendida aos seus
“produtos” que, mesmo (como assim é caracterizada a Folha de S. Paulo) seguindo a
disposição de uma mídia crítica, moderna, pluralista e apartidária, são estudados de forma a
preencher uma lacuna de posicionamento de mercado do Grupo.
Assim sendo, a Folha sai em defesa de uma re-elaboração da crítica jornalística
contemporânea. Para a Folha, a crítica deve ser encarada pelo jornalismo de forma a “refiná-la
e torná-la mais aguda num ambiente que não é mais dicotômico, no qual o debate técnico
substitui, em boa medida, o debate ideológico”. (FOLHA, 2001, p. 17) Isto indica, ao menos
teoricamente, que o desejo da Folha está em ser reconhecida por seu perfeito enquadramento
às demandas contemporâneas sem perder a preocupação em desenvolver um jornalismo
voltado para suprir as carências da sociedade, como indica este trecho do seu Manual da
Redação:
A necessidade de adaptação nacional à dinâmica externa, imperativo aguçado na
época que atravessamos, atualiza os problemas tradicionais de uma sociedade em
que a divisão entre um setor integrado e um setor excluído nada tem de novo.
Espelhar essa contradição e contribuir para que ela seja transposta, pela integração
de seus termos na sociedade de mercado e na democracia política, é provavelmente a
principal tarefa do jornalismo hoje, até porque de seu sucesso depende a amplitude e
mesmo a sobrevivência de um espaço público em reformulação”. (FOLHA, 2001, p.
18)
As implicações de um jornalismo com o perfil da Folha são as mais diversas, mas uma
que sobressalta é o forte impacto de suas estratégias no alcance do grande público.
Nacionalmente lida, a Folha conseguiu expandir seu alcance a partir de inovações no
marketing jornalístico e também no direcionamento de conteúdo voltado ao consumidor
mediano.
2.4 O caderno Ilustrada
Desde o lançamento do Folha da Noite, já figuravam assuntos relacionados à cultura
na abordagem de informações que circulavam em torno do teatro, da dança, da música, do
cinema, dos grandes eventos e espetáculos, etc. A proposta era de apresentar os conteúdos
47
culturais sob a forma de reportagens ou notícias que tratassem de localizar os eventos
culturais como fruto da produção intelectual-artista da época.
No caso do Folha da Noite, eram abordados assuntos internacionais, dispostos numa
coluna diferenciada, chamada “No mundo da Arte”. Esta coluna era dedicada a grandes
artistas, produtores e diretores internacionais do cinema, da música, do teatro, enfim, das
artes. Mesmo sendo fixa, ainda não havia se destinado um espaço específico para a coluna,
que por vezes podia aparecer nas primeiras páginas do jornal, e em outro dia, comporia o
fechamento da edição.
Nunes (2003, p. 25) chama a atenção para duas características importantes na
construção do modelo de jornalismo cultural da Folha e que já estava presente no Folha da
Noite: a primeira delas é que já havia dado início “a publicação de artigos sobre crítica de arte
publicados de forma esporádica, com assinatura de Oliveira e Souza”, e a segunda é que o
Folha da Noite “já demonstrava uma divisão, mesmo que tímida, em separar seu espaço em
editorias e também com coluna fixa, como, por exemplo, a coluna de 'Figurinos' de Nini Ruas,
todas as quintas-feiras”.
A partir da criação do Folha da Manhã, os temas tratados eram distinguidos em
colunas específicas: em alguns casos, somente voltada ao teatro, em outros, somente a música
e assim por diante. O jornal também cedia espaço para uma análise de conteúdo cultural
internacional, publicada em outros idiomas, que compunha a coluna 'Chronica Extrangeira'.
O terceiro jornal que ajudou a formar a tríade idealizadora da Folha de S. Paulo (o
Folha da Tarde) não apresentava uma grande dedicação aos temas culturais em comparação
com os dois anteriores. Geralmente, os temas tratados estavam resumidos a assuntos de
grande repercussão nas artes plásticas e na literatura.
Somente em 1958 é que nasce o Folha Ilustrada, que é o caderno cultural que figurava
nos três jornais. Isto se deu antes mesmo do surgimento da Folha de S. Paulo. O conjunto de
assuntos se tornou mais extenso, com reportagens relacionadas a turismo, ciência,
comportamento, rádio e televisão, música, vida dos artistas, política exterior, literatura,
passatempos e astrologia, entre outros.
O Ilustrada passou por diversos processos de aperfeiçoamento, até chegar a década de
48
1970 com um maior requinte na produção gráfica, a partir da aquisição de novos
equipamentos feita pelo Grupo Folha. Na década de 1980, o modelo de jornalismo cultural
adotado se apresenta mais definido isso acontece a partir do momento em que alguns temas
que figuravam à área cultural ganharam cadernos específicos para serem explorados, como
por exemplo turismo e ciência.
O olhar da Folha sobre cultura já passa a ser mais frio e as manifestações e exibições
culturais acaba por se configurar como um mercado, onde alguns 'produtos' merecem apenas a
divulgação, e outros, em menor número, são tratados sob uma perspectiva crítica em torno da
produção cultural e artística elaborada.
A partir daí, a atenção da Folha está voltada para o 'furo' jornalístico cultural, com a
intensão de divulgar em primeira mão cobertura de acontecimentos, promoção de eventos
culturais, ou até mesmo divulgar o que ninguém conhecia da intimidade dos artistas e dos
envolvidos no ambiente de produção cultural em todo o mundo.
No ano de 1992, o jornal Folha de S. Paulo lança o caderno Mais!, também dedicado à
cultura, só que com o diferencial de ser de circulação semanal. A intensão da Folha foi
desenvolver mais um espaço onde os temas culturais possam estar presentes em diferentes
níveis de discussão. Hoje, circulam o Mais! e o Ilustrada, compondo a editoria de cultura do
Folha de S. Paulo.
49
“No universo da pressa, dizem, o vínculo
humano é substituído pela rapidez; a
qualidade de vida, pela eficiência; a
fruição livre de normas e de cobranças, pelo
frenesi”. (LIPOVETSKY, 2004, p. 80)
50
CAPÍTULO III
Moda: um reflexo das relações sociais contemporâneas
3.1 O momento atual da moda
O pensamento de Gilles Lipovetsky (2004) descrito na epígrafe deste capítulo
representa bem o momento atual da sociedade moderna, com o relógio social exigindo mais
do relógio biológico, a dinâmica do mundo muda e o homem luta consigo mesmo num estado
de superação constante, onde o que importa é a competência demonstrada. E o indivíduo sem
tempo para si e sem tempo para o outro vive nos intervalos das atividades cotidianas.
O campo da moda, submetido à dinâmica do mundo moderno, adquire nova forma,
calcifica sua relação com o poder imagético conquistado pelas formas; altera as percepções do
eu
2
e do outro; mistura satisfações e desconfortos; sujeita o homem ao mundo do visual.
A raça humana nunca assistiu a tamanha força da imagem. O cinema, a televisão, o
jornal, enfim, as mídias visuais trabalham com a estética de maneira violenta e fascinante,
despem o homem-comum de valores, na construção de novos modelos, fazendo com que ele
2
O eu, aqui, é entendido como expressão mais íntima do homem valores construídos e elaborados a
partir da socialização dos indivíduos.
51
se depare com imposições sociais que o orientam a um destino ligeiro de sentidos e repleto de
experiências.
Para Lipovetsky (2004, p. 26), vivemos "numa sociedade liberal, caracterizada pelo
movimento, pela fluidez, pela flexibilidade; indiferente como nunca antes se foi aos grandes
princípios estruturantes da modernidade, que precisaram adaptar-se ao ritmo hipermoderno
para não desaparecer".
A sociedade do consumo absorve o arsenal de sentidos para minimizar as expressões
do indivíduo no ambiente social, onde manifestações sociais de nada repercutem se não forem
acompanhadas de uma dose de loucura e violência únicas linguagens capazes de irromper o
sistema, fazendo-o questionar os valores vigentes.
Assim, a moda aparece numa arena de lutas nada poéticas, onde as armas são o corpo
e a mente voltados a se adaptarem ao que é focado pelo sistema. A moda explora o corpo no
seu íntimo, extrai dele todo e qualquer sentido que lhe pareça oportuno. E nesse fermento para
o espetáculo, a moda transita no centro dos fenômenos estéticos do século XXI, renascendo,
no novo século, para ser a responsável pela expressão do homem-comum, a expressão nascida
do íntimo e exposta no corpo o instrumento da intimidade.
"A moda proliferou com exuberância febril e desmedida, quando o crepúsculo da
modernidade cedeu horizonte para a emergência da pós-modernidade que encontrou na moda
a matriz efêmera de sua identidade mutante". (SANTAELLA, 2004, p. 116)
3.2 A moda e a modernidade
Os padrões culturais, econômicos e sociais mudam. Isto é fato. Mas, na sociedade
atual, o ritmo é acelerado, perceptível, porém, inalcançável. Cabe-nos refletir sobre qual o
papel de alguns elementos culturais dentro desse processo de dinâmica social que ocorre nas
sociedades do século XXI.
O objetivo deste capítulo é que o leitor, agora, coloque à sua frente a lente da moda,
passando a observar os fenômenos sócio-culturais a partir desse espelho, que, por vezes, perde
52
o que há de translúcido, mas que permanece sempre um ligeiro reflexo das manifestações
sociais, políticas, econômicas, culturais e estéticas das épocas. Como nos adverte Santaella
(2004), raros são os campos em que é permitido visualizar tão bem essas facetas em nossas
sociedades contemporâneas. "Poucos fenômenos exibem, tanto quanto a moda, o
entrelaçamento indissolúvel das esferas do econômico, social, cultural, organizacional,
técnico e estético". (SANTAELLA, 2004, p. 115)
O que Santaella quer dizer é que, embora a moda esteja ligada ao fascínio pelo belo, o
luxo, o glamour, esse campo se revela como uma zona de manifestação visual de atributos
“além-estéticos” intrínsecos nas sociedades. Esses atributos “além-estéticos” incluem
expressões politicamente fundamentadas, adotadas pelos indivíduos, e que fazem parte de
uma postura visual, no ambiente em que estão localizados. A postura adotada gera a
identificação
3
, a diferenciação
4
e a auto-afirmação
5
.
Para Roland Barthes (1979), a moda seria a não-moda. A moda viveria da sua auto
negação e a expurgação de alguns valores, em benefício de outros, constituiria sua dinâmica.
A negação dos valores provoca uma espécie de retro alimentação de sentidos (nada mais
coerente e condizente com o discurso das sociedades capitalistas modernas). A moda seria,
por si só, auto-suficiente na elaboração de sentidos. "[...] a Moda é um todo normativo, uma
lei sem grau, fazer variar a Moda é sair dela; mudar um enunciado de Moda [...] é passar,
correlativamente, da Moda ao fora de moda". (BARTHES, 1979, p. 21-2)
Tudo seria muito simples, se não fosse a moda o primeiro campo a preconizar os
aspectos morais e culturais latentes nas sociedades, fazendo isso de uma maneira
particularmente frenética e espetacular que acaba refletindo com extrema eficácia os sintomas
sociais que permeiam o cenário da pós-modernidade. Uma sociedade efêmera de valores se
apresenta numa moda efêmera de sentidos, isso porque, "uma variação no vestuário é
acompanhada, fatalmente, duma variação do mundo, e, reciprocamente". (BARTHES, 1979,
p. 20)
Lipovetsky (1989) vincula o surgimento da moda a um sistema complexo de fatores
3
Identificação é aqui entendida como um processo de reconhecimento de pares.
4
Por diferenciação, tem-se o processo de formação de sociedades heterogêneas.
5
Auto-afirmação pode ser lida como uma maneira de o indivíduo reconhecer para si e seus pares um leque de
características e sentidos que lhes são próprios.
53
que permitiram que a linguagem da efemeridade fosse manifesta no vestir. Para Lipovetsky, o
campo da moda está intrinsecamente relacionado a um modo de vida capitalista moderno, no
qual os valores hedonistas são exacerbados. A conceituação de um homo frivolus (1989, p.
62), surgido na metamorfose das formas ocasionada pela moda, parece ser um dos pontos a
merecer maiores questionamentos.
Temos a impressão que, mais do que dar origem a qualquer tipo de conduta social, a
moda reflete e expõe valores que estão prestes a emergir no ambiente social. Então, o homo
frivolus não seria um fruto do campo da moda, mas, nesse, ele encontraria espaço para se
desenvolver e atingir um nível de espetacularização ainda não presenciado. Fica claro que, no
ambiente da moda, o indivíduo comum consegue expor (de maneira limitada) seu
descontentamento com as formas e os modelos que vigoram. Ele rompe com os valores de
maneira tão simples e natural, como se os pequenos anseios manifestos na moda fossem
descartáveis em busca de algo maior. É a procura do belo e do puro das formas que são
alimento da moda. A perfeição inatingível, porém, sempre desejada, faz do homem-comum
um mutante social, o qual leva consigo uma carga de valores e predileções que nunca se
esgota, numa renovação constante das formas e dos gêneros idolatrados.
"Na sociedade do espetáculo, a hipervalorização da aparência física do
corpo é fruto de sua excessiva exposição no espaço público. Os modelos para essa
aparência são dados pela exacerbação de imagens de top models, pop stars, atores e
atrizes hollywoodianas e da TV. Essas imagens funcionam como miragens de um
ideal corporal a ser atingido. É a força desse ideal que estimula o investimento
disciplinar necessário a reconstrução do corpo a qual implica musculação,
cosmetologia, dietas. Uma vez que as imagens das mídias hipertrofiam a perfeição,
através do uso de artifícios das mais diversas ordens, o ideal almejado se prova
sempre inalcançável". (SANTAELLA, 2004, p. 60)
Se a moda for apenas entendida como um pólo de manifestação efêmera, onde o que
vestir é mais importante do que o por quê vestir, ela surge, sim, dos modos de produção
capitalista de sentidos nas sociedades modernas. Entretanto, se a moda for encarada como
manifestação, onde os dizeres se traduzem na estética visual, ela nasce nos primórdios
civilizacionais, quando as peças de vestuário deixam de fazer parte de um quadro de
funcionalidade material e surgem como elementos de um sistema lingüístico cultural.
Para Barthes (1979, p. 11), o que dá sentido aos códigos "não é a repetição e sim a
diferença". É nesse sentido que as peças de vestuário compõem o quadro lingüístico da moda.
As roupas formam e transformam a linguagem efêmera da moda, fazendo com que a
54
exploração do visual seja uma constante a movimentar a dinâmica do campo.
Todavia, o caráter mais importante da moda não é o da efemeridade, do glamour, ou
do luxo. A moda emerge como um campo rico para análises quando ela é tida como um
esboço comportamental das sociedades, quando é encarada como um ambiente onde os
indivíduos manifestam valores, criam e recriam sentidos pela face da estética. Para Santaella
(2004, p. 121), a socialização dos corpos dos indivíduos se dá pelas roupas, e é no jogo das
aparências que o ser social manifesta seu eu em relação ao seu meio ambiente. Por meio dessa
encenação discursiva que a moda propicia, o indivíduo age e reage socialmente, tendo, na
roupa, uma espécie de armadura, como as que identificavam os antigos guerreiros aos seus
reinos e protegia do perigo exterior. Na moda, os reinos são múltiplos, mas limitadores.
É importante reconhecer que a moda está ligada a um ambiente altamente inconstante
de formas, de valores, de crenças e de motivações, porém, é imprescindível compreender que
essa é apenas uma das facetas que a moda se apresentou ao longo da história. Hoje, é
concebível perceber moda como frivolidade estética porque a espetacularização do vestir
dissolveu todo e qualquer caráter singular das aparências. O novo já é velho ao nascer, já é
visto antes de ser mostrado.
"É inegável que, ao celebrar o sempre novo e os gozos do aqui-agora, a civilização
consumista opera continuamente para enfraquecer a memória coletiva, acelerando o declínio
da continuidade e da repetição ancestral [...] Celebrando até o menor objeto do passado,
invocando as obrigações da memória, remobilizando as tradições religiosas, a
hipermodernidade não é estruturada por um presente absoluto; ela o é por um presente
paradoxal, um presente que não pára de exumar e 'redescobrir' o passado". (LIPOVETSKY,
2004, p. 85)
A vida útil da moda, nas sociedades antigas, era prolongada, sustentada pela lentidão
com que a informação visual era propagada entre os povos. A perda lenta dos valores
estéticos representa o quão difícil era transgredir qualquer ordem social e moralmente
estabelecida, sem passar por processos transformadores nos campos políticos, religiosos e
econômicos.
Para Thompson (1998, p. 36-41), as mídias são as grandes responsáveis por essa
transformação do sentido de tempo e espaço. Elas deslocam os indivíduos do seu habitat
natural e o projetam para um ambiente virtualmente concebido, que aos poucos se incorpora
55
ao real, numa miscelânea de expressões culturais jamais vista. Os indivíduos perdem a
compreensão do tempo e do local e são conduzidos a uma nova adequação, a novos meios de
identificação e de sentimento de pertença na sociedade. "Ao alterar a compreensão do lugar e
do passado, o desenvolvimento dos meios de comunicação modificou o sentido de
pertencimento dos indivíduos - isto é, a compreensão dos grupos e das comunidades a que
eles sentem pertencer". (THOMPSON, 1998, p. 39) A moda atua como uma das formas do
indivíduo de compreender o em torno e lançar mão de meios de reconhecimento
(identificação) aos grupos e tribos já formados.
Embora o vestuário se trate da mais valiosa forma de expressão da linguagem da
moda, esse campo reage, antes de tudo, ao prazer, ao conforto, ao gozo do indivíduo. Segundo
Baudrillard (1995), as roupas, como objetos de consumo, funcionam de forma a simular o
mundo real, e esses objetos simulacros alternam o sentido de felicidade, a felicidade que
recusa o real para supervalorizar o simbólico. "O indivíduo reorganiza o trabalho, o lazer, a
família, as relações, de modo involutivo, aquém do mundo e da história, num sistema coerente
fundado no segredo o privado, na liberdade formal do indivíduo, na apropriação protectora do
ambiente e no desconhecimento". (BAUDRILLARD, 1995, p. 25)
Por todos os centros onde a moda conseguiu se firmar, ela provoca uma dinâmica
social estabelecida na reencarnação visual da sociedade, permitindo uma re-elaboração do
indivíduo a partir de um ponto nulo de manifestação estética. Como diz Santaella (2004), a
moda somente existe por que dispõe da característica da fênix que se renova, destruindo-se
para poder nascer mais forte e imponente; é, definitivamente um campo imperioso.
"Como espetáculo, sociabilidade duplicada que se enleva esteticamente
consigo própria, jogo de mudança pela mudança, a moda, submetida, por sua própria
natureza, à lei da novidade, como fênix do novo, atinge um ponto em que a novidade
perde seu poder informativo, o novo se torna redundante e cansativo. Quando isso
acontece, é preciso lançar mão de estratégias incisivas. Entre elas, o sensacional do
vestuário, sensacional das imagens da moda, sensacional dos espetáculos da moda,
sensacional dos conceitos de moda, sensacional nas vivências da moda".
(SANTAELLA, 2004, 119)
Fazendo uma breve relação com o sistema de consumo descrito por Baudrillard (1995,
p. 17), a moda procura imitar a desordem, para melhor seduzir, e, em si mesma, reordena o
todo, num jogo de manipulação visual capaz de promover a perfeição volátil da estética.
56
Antes que o indivíduo possa perceber, ele já faz parte da características que o campo
da moda engloba, isto porque, a moda não é somente o fashion, a manifestação do
espetacular. A moda é, também, a visibilidade do mundano, do corriqueiro e do anônimo. O
homem-comum reafirma ou nega a moda espetacularizada. "Ela é espontaneamente
contagiosa, enquanto o cálculo econômico isola as pessoas uma das outras. Ela, que
desinveste os signos de todo o valor e de todo afeto, torna-se uma paixão - a paixão do
artificial". (BAUDRILLARD apud SANTAELLA, 2004, p. 118)
Seria demasiadamente simplista dizer que esse campo se resume a um sistema que tem
incubado em si diversos subcampos de atuação, cada um com uma lógica particular, onde os
referenciais são distintos, mas interdependentes, e onde os campos se limitam por meio da
linguagem estética de afirmação de uma identidade individual.
3.3 O campo e seus padrões disformes
Ao analisar como a moda se apresenta na vida das pessoas, percebemos que os padrões
estético-corporais produzidos pelo campo têm uma força imperiosa no ambiente coletivo. O
indivíduo midiatizado do século XXI respira os ares da moda em qualquer parte da sociedade.
E o corpo, numa sociedade repleta de códigos da moda, configura-se na vitrine do espírito,
um instrumento de manifesto político e cultural. O indivíduo tem, em si mesmo, elementos
constitutivos de um manifesto particular que é explorada por meio do corpo.
"No quadro de uma religião fundada na plena humanidade do Salvador, o mundo
criado poderá ser louvado por sua beleza; a originalidade e o encanto do parecer poderão
ganhar uma legitimidade; o traje poderá desenhar e amplificar as belezas do corpo. A moda só
pode enraizar-se no Ocidente, ali mesmo onde a religião do Cristo desenvolveu-se. Não existe
aí fenômeno fortuito: um elo íntimo, ainda que paradoxal, une o homo frivolus e o homo
religiosus do caso específico cristão". (LIPOVETSKY, 1989, p. 68)
As sociedades atuais, repletas dos traços da modernidade, valorizam as formas como
atributo da essência. A forma apresenta, por si só, uma face análoga ao real sentido interior. O
corpo-vitrine é instrumento de sedução e de felicidade, onde podem ser expressos os anseios e
carências de cada ser humano. A moda, com seu mecanismo e dinâmica próprios, move os
corpos em direção à juventude, à estética narcisista, à felicidade interior conquistada, ou ao
menos almejada, pelo domínio das formas exteriores. "A moda tem ligação com o prazer de
57
ver, mas também com o prazer de ser visto, de exibir-se ao olhar do outro". (LIPOVETSKY,
1989, p. 39)
Do andrógeno ao vamp, o campo da moda apresenta os modelos a serem perseguidos,
num ritmo frenético, mesmo sem uma real explicação para tal escolha. O fundo que move as
engrenagens da moda é a ousadia, a fuga do real, a busca pelo novo que nunca chega.
Para Baudrillard, “o mito da felicidade é aquele que recolhe e encarna, nas sociedades
modernas, o mito da igualdade”. (1995, p. 47) Neste sentido, compreende-se que a moda,
mesmo buscando marcar-se pela distinção, objetiva promover a igualdade coletiva na
profusão de formas individuais, tendo o potencial de abdicar de um corpo homogêneo de
estética, em busca de uma liberdade de expressão vestimental.
Encontra-se um ponto de contradição no campo: a moda apresenta valores libertários
em busca da felicidade do indivíduo, mas constrói padrões estéticos bem delimitados e com
alto teor de rigidez. O corpo, na moda, funciona como uma massa moldável que toma a forma
desejada pelo impulso criativo do sistema. A cada moldagem, a moda se renova, hora
incluindo, hora excluindo do seu seio toda e qualquer forma corpórea que fuja do padrão
estabelecido, apresentando sua face limitadora das expressões individuais na sociedade. A
liberdade que a moda promove é relativa ao tempo, ao espaço e à sociedade que lhe é alvo.
O sistema da moda promove uma angústia coletiva nas sociedades movidas às formas.
Neste modelo, o indivíduo espera do outro e projeta para si o ideal de corpo do campo, da
forma da moda. O homem-comum tem a porta para um mundo diferente, um mundo onde
tudo parece mais puro, mais belo, mais jovem, por meio da moda que canaliza o homem ao
céu da modernidade. E, a mesma porta que promove a transição dos mundos, atua como uma
barreira, um filtro para aqueles que não se adequam aos requisitos do campo.
"A moda não nasceu da exclusiva dinâmica social, nem mesmo do impulso dos valores
profanos; exigiu, mais profundamente, um esquema religioso único, o da Encarnação, que
conduziu, diferentemente das outras religiões, ao investimento neste mundo, à dignificação da
esfera terrestre, das aparências e das formas singulares". (LIPOVETSKY, 1989, p. 68)
Segundo Santaella (2004, p. 117), moda está diretamente ligada à sedução frívola, à
estética sedutora. Para nós, a sedução que a moda provoca não parece ser fruto de um sistema
58
capitalista; antes, é fruto de um sistema coercitivo, onde a estética é apenas uma das formas
de apresentação de poder. A sedução não deve ser encarada sob o lado erótico, mas, um olhar
atento possibilita enxergarmos sedução como uma estratégia política adotada pelos indivíduos
no seu habitat natural.
Já o sistema capitalista promove a sobrevida da moda, perpetua sua essência, ao
compor um quadro propício à efemeridade constitutiva do campo. As altas linhas de produção
de mercadorias possibilitaram a expansão dos produtos da moda, ao mesmo tempo que
contribuíram para a homogeneização da estética. O Ocidente e o Oriente começam a caminhar
a um padrão universal de vestimenta.
Embora pareça arbitrário, o sistema da moda somente atua dessa forma onde encontra
terreno fértil para ser difundido, quebrando barreiras culturais onde as fissuras já existiam. "A
promoção da individualidade mundana, o superinvestimento na ordem das aparências, o
refinamento e a estetização das formas que distinguem a moda enraízam-se em um feixe de
fatores culturais próprios do Ocidente". (LIPOVETSKY, 1989, p. 61)
Enfim, no sistema da moda, o corpo sobressalta aos olhos num jogo de sedução de
sentidos, onde o que importa é destacar-se sendo igual ao grupo tarefa difícil para o homem-
comum que adota posturas iconizadas pela sociedade, numa mistura de medo de se anular
como indivíduo e desejo de pertencer socialmente ao todo. O macro do campo, aliado à mídia,
age sob o homem-comum na sua forma mais suscetível, o eu; este é instigado a projetar-se e
equiparar-se ao modelo vigente, ou, então, é convidado a ser um outro, no extra campo,
marginalizado, por hora, mas com a promessa do futuro destaque por vir, sempre preste a
adentrar no mundo das fantasias e da sedução, no mundo da moda.
Longe de querer parecer autoritário ou ditador, o campo da moda diz promover a
integração do indivíduo na sociedade. Porém, o ingresso é imposto de forma violenta. O
indivíduo é condicionado a anular-se e a tomar para si uma postura do homem universal,
aquele que se adapta ao meio para não ser excluído socialmente. O espaço da sociedade, na
moda, transforma-se numa arena holográfica, montada e desmontada a cada instante, e
decorada com o que antes estava escondido, destinando-o ao deslumbre, e, posteriormente,
mais uma vez, devolvendo-o ao esquecimento. Nesse ciclo, a moda nasce e renasce nos
sentidos, no triunfo da estética sedutora, prevista à trama dos conflitos, à desordem, em busca
59
constante de conferir uma nova ordem e de uma fruição de felicidade programada.
Nesse meio, surgem os corpos anoréxicos ou disformes da moda, que nada mais são
do que sintomas de um eu fragilizado, do suicídio social nas formas do indivíduo. É a doença
das formas que toma conta do homem-comum, a negação da identidade humana, em busca da
perfeição doentia da estética. O indivíduo doente das formas da moda concentra no corpo a
expressão de anseios pessoais, ao mesmo tempo em que apresenta ao sistema a falência do
modelo estético apregoado.
Mulher ou homem, anoréxico ou fanático por músculos, o homem-comum enfrenta o
medo da exclusão das formas e vê no seu corpo o instrumento de ingresso no sistema. O
indivíduo doente perde o controle da dosagem de interação que pode se dar entre o mundo
glorioso das formas e o mundo real. A felicidade é sustentada no corpo e no seu design. "[...]
nas mídias, aquilo que dá suporte às ilusões do eu são, sobretudo, as imagens do corpo, o
corpo reificado, fetichizado, modelizado como ideal a ser atingido em consonância com o
cumprimento da promessa de uma felicidade sem máculas". (SANTAELLA, 2004, p. 126)
Para a mulher, é mais difícil lidar com essas imposições. Na sociedade moderna, a
mulher-objeto eclode como símbolo de independência mal dosada cristaliza, ainda mais, o
domínio masculino, num jogo desigual, na competição da essência com os homens e na das
formas com o lado feminino. A mulher assume posturas tradicionalmente masculinas, sem ter
que deixar de ser mulher, mãe e, essencialmente, feminina. O complexo midiático da
sociedade moderna faz da mulher um ser surreal, plasticamente perfeito; coloca na mira dos
anseios femininos a profissão perfeita, a família imaculada e a realização pessoal no corpo
modelo. Na moda, a mulher é fonte e alvo, modelo e rival.
E, em busca de uma auto-identidade corpórea, tanto o homem quanto a mulher têm do
extremo doentio à fuga do sistema, o que compreende adotar uma postura de marginalização
no campo, que para não parecer excludente, admite interferências estéticas outras, dizendo
que nisso há a promoção da diversidade e da democracia visual da moda. O campo sobrevive
aceitando as formas que o negam, ou implodiria pelo seu olhar estético centrado em si
mesmo.
"A mulher moderna é convidada a escolher e a concorrer, a ser <<exigente>>. Tudo
isto à margem de uma sociedade em que as respectivas funções sociais, econômicas e sexuais
60
se encontram relativamente mescladas". (BAUDRILLARD, 1995, p. 99)
3.4 Da expressão democrática aos valores condicionados
Quando mencionamos qual o papel da moda, se democrático ou manipulador,
trabalhamos com dois vieses, que aqui servirão como categorias de análise, desenvolvidos por
Boaventura Sousa de Santos (1999, p. 77) o pilar da regulação e o pilar da emancipação.
Esses dois extremos atuarão substanciando futuras discussões. Primeiramente, ao
relacionarmos o campo da moda com essas duas categorias façamos uso de suas
características: quanto à regulação, Boaventura defende que ela é estabelecida por meio de
alguma fonte de poder, seja ele político, econômico ou social.
Fazer alusão à moda sem mencionar estruturas de poder é, no mínimo, uma falta
grave. O campo da moda é movido por um sistema coercitivo nas esferas econômica, social e,
em alguns casos, nas esferas político-religiosas. A indústria da moda movimenta milhões de
dólares em todo o mundo; é uma cadeia extremamente poderosa e dinâmica, onde cada
escolha equivocada pode representar prejuízos incalculáveis. "O princípio democrático acha-
se então transferido de uma igualdade real, das capacidades, responsabilidades e
possibilidades sociais, da felicidade (no sentido pleno da palavra) para a igualdade diante do
objeto e outros signos evidentes do êxito social e da felicidade". (BAUDRILLARD, 1995, p.
48)
Socialmente, o campo tende a moldar a estética coletiva e a reduzir a cultura visual das
sociedades modernas, tendo no impulso estético da moda o princípio limitador na imposição
dos padrões referenciados. Em alguns países, a coerção do sistema é exercida por meios
político-religiosos, o que beira ao retorno da Idade Média, no pior tipo de censura estética
possível; em sociedades assim, o paraíso (profano) que o sistema da moda oferece concorre
com a felicidade celestial advinda do sagrado.
Se formos descrever o lado democrático da estética, é preciso referenciar Boaventura
(1999, p. 77), que menciona que a emancipação do indivíduo está ligada diretamente a uma
61
postura racional de viver em sociedade; e quanto à estética, nela se encontra um nível de
racionalidade, a estético-expressiva, que condensa as idéias de identidade e de comunhão,
necessárias à compreensão e contemplação da estética. Ou seja, se relacionarmos as
considerações de Boaventura à moda, ela somente adquire um perfil democrático quando é,
antes de ser adotada, analisada, e quando seus valores são mentalmente processados para,
posteriormente, serem difundidos. Somente, neste sentido, o indivíduo toma parte do sistema
e consegue expressar uma comunicação visual particular, do contrário, o homem-comum
apenas reflete os valores difundidos pela mídia atual.
A moda transita entre estes dois pólos de liberdade: a liberdade mínima, regulada pelo
campo e sustentada pelos sistemas político-econômicos atuais; e a liberdade plena, onde o
indivíduo traduz, nas formas, a carga de valores que lhe é interior.
Certamente, Gilles Lipovetsky não concorda com esse ponto de vista:
“Não é verdade, portanto, que a moda corresponde a essa nova dominação ‘tirânica’
do coletivo, denunciada de todos os lados; muito mais exatamente, ela traduz a emergência da
autonomia dos homens no mundo das aparências; é um signo inaugural da emancipação da
individualidade estética, a abertura do direito à personalização, ainda que ela esteja
evidentemente submetida aos decretos cambiantes do conjunto coletivo” (1989, p. 48).
Como se pode observar, Lipovetsky tem uma visão otimista do sistema da moda.
Entretanto, o potencial democrático do campo não pode ser confundido com sua real atuação.
Seria altamente benéfico, social e culturalmente falando, que a moda conseguisse penetrar na
vida das pessoas de maneira a emancipá-las esteticamente e a desatrelá-las das imposições
visuais que são apresentadas na sociedade. De fato, isto não acontece. A moda obedece a um
sistema de poder no qual ela se apresenta como manifestação estética, repleta de expressões,
porém, obedientes à lei do campo. A sociedade tem na moda um potencial de comunicação
visual extraordinário, pujante de significados, mas imperiosamente freado pelo sistema.
Seguindo o pensamento de Baudrillard (1995), a moda, hoje, é impeditiva da expressão do
desejo do indivíduo. Ela esbarra no não uso de uma racionalidade estética que permita
resgatar no indivíduo uma liberdade plena de expressão.
Todas essas frustrações do campo empobrecem a moda do século XXI como forma de
expressão. E a sociedade tem, na mídia moderna, uma das grandes responsáveis pela
manutenção desse controle, seguindo e impulsionando o ritmo frenético da moda e,
conseqüentemente, da própria. A mídia ajuda a moda no ciclo de renovação e morte dos
62
sentidos; empurra-a ao fim para resgatá-la sob uma nova roupagem. Estabelece-se, entre a
moda e a mídia, um vínculo de dois campos fascinados pela novidade.
3.5 A luxúria e o poder no campo
O sistema da moda se relaciona extremamente desenvolto com o modelo de consumo
capitalista moderno, que reverencia o luxo, a riqueza e o poder na sociedade. Como sempre
esteve ligado ao supérfluo, ao exagero e ao luxo, no campo, impera a estética glamourosa,
com requintes de sofisticação e modernização.
Entretanto, numa sociedade onde a vida se transforma em encenação e dramatização, a
moda vira um espetáculo de si mesma. “Toda a vida nas sociedades nas quais reinam as
modernas condições de produção se apresenta com uma imensa acumulação de espetáculos.
Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação” (DEBORD, 1997, p. 13).
Guy Debord inicia assim, com essa afirmação contundente, “A sociedade do espetáculo”.
Uma análise do campo da moda mostra que Debord realmente tem razão cada ida ao
shopping, cada renovação do guarda-roupa, cada ida ao salão de beleza, enfim, cada evento de
moda revela os bastidores do espetáculo que se tornou a vida no campo. Vestir à moda,
cheirar à moda, andar à moda, toda ação do indivíduo se transformou numa interpretação de
atores sociais que compõem a sociedade da moda.
A exploração desses valores modernos advém de séculos de privações tecnológicas
que permitissem ao homem ter conforto e praticidade na vida. A sociedade do século XX foi
particularmente privilegiada com o maior avanço científico e tecnológico que se tem notícias.
Isto possibilitou o surgimento de um modelo de produção e de consumo em massa, que teve
na moda um dos pólos de maior sucesso comercial. A cadeia da moda cresceu e, tudo indica,
crescerá ainda mais, nos próximos anos novos tecidos, novos modelos, novas cores o
campo da moda coloca os indivíduos frente a um novo mundo de poder, de glórias e de luxo.
Numa sociedade onde o progresso é abundância e a abundância faz o exercício da
63
democracia (BAUDRILLARD, 1995, p. 49), a moda se encaixa perfeitamente,
redimensionando os valores dos bens materiais, do corpo e do sonho. Para o campo, os bens
materiais são como uma ferramenta e uma espécie de recurso utilizado no re-direcionamento e
na renovação das comunicações de moda. As peças de vestuário e os bens de luxo atingem,
simbolicamente, à toda sociedade, mas apenas uma parcela tem poder de compra para usufruir
do bem, enquanto a outra parcela recorre a modelagens de produtores que comercializam a
preços mais acessíveis, ou, até mesmo, à falsificações.
Este é um ponto onde cabe observar um redimensionamento do poder que a moda
confere aos indivíduos: os códigos da moda atingem a todos, no ambiente social, porém, aos
homens-comuns, insatisfeitos por não poderem adentrar no sistema pela via legal de
comercialização, vêem na mercadoria falsificada uma forma de burlar as aparências e
conseguirem fazer parte do todo. A aceitação do produto pirata é provocada pela imposição
estética de valores que o campo promove é o preço a ser pago pelas grifes que almejam
notoriedade no campo.
O século XX foi marcante quanto à exploração visual do corpo e a exagerada
glorificação das formas. Nesse período, assistiu-se a uma mudança brusca na visibilidade das
formas do corpo, enfim, na visibilidade da vida humana. O homem do século XX viveu, e
ainda no século XXI vive, num palco, onde tudo é observado e analisado por todos. A vida do
homem-comum ficou exposta de tal maneira que a lógica do tempo e do espaço tiveram que
ser repensadas (THOMPSON, 1998, p. 109-134). A comunicação midiática, principalmente
das mídias de massa, hipervaloriza o belo e o jovem. A força da moda é potencialmente
desenvolvida quando aliada ao poder da mídia moderna.
Hoje, ainda não é possível prever quais mudanças as mídias digitais poderão provocar
no sistema da moda e na formulação de seus padrões. Por enquanto, o campo se alimenta da
massificação proporcionada pela televisão e o cinema, principalmente. Para a moda, essas são
duas ferramentas importantíssimas na manutenção de uma estética efêmera e homogênea.
Mais um aspecto que se pôde observar, nesse fim de século XX, foi a caída da alta
costura, em todas as partes do mundo. Com a industrialização no campo, principalmente nos
Estados Unidos, a França, berço da alta costura da moda, viu seu império ruir diante da
produção em massa realizada na América.
64
Se por um lado observamos o declínio de um padrão de luxo e riqueza, por outro,
vemos nascer grifes poderosas no mercado, que, materialmente não têm produtos tão
superiores aos das concorrentes, mas conseguiram, de alguma maneira, construir um capital
simbólico capaz de erguê-las sob as demais grifes, conquistando notoriedade no campo. Até o
luxo se re-molda aos padrões do sistema o que antes era tomado como modelo marginal,
hoje, é consumido gloriosamente, como mercadoria glamourosa, sinônimo de luxo e de poder.
3.6 Homem, masculinidade e moda
Sempre que se fala sobre moda, relacionamos, quase que automaticamente, ao
universo feminino. Entretanto, o campo da moda vem crescendo extremamente no segmento
masculino. Industrialmente, a moda masculina se torna, cada vez mais, um setor promissor
eventos voltados para homens são cada vez mais comuns.
Mas há um aspecto da moda masculina mais importante de ser ressaltado: se por um
lado, a moda impõe alguns padrões aos homens, também, a própria moda ajudou o homem a
se libertar dos atributos machistas que acompanharam o sexo masculino, durante séculos. A
exploração do homem na moda fez mudar o sentido de masculinidade, o homem não mais
precisa ser rude, frio ou bruto, para ser reconhecida a sua masculinidade. Ao contrário, as
mulheres do século XXI valorizam mais o homem vaidoso, requintado, que possui o charme e
a sedução da moda.
A moda caminhou junto com as revoluções e reformas sociais que ocorreram nos
últimos séculos, e conseguiu refletir as mudanças pelas quais passou o universo masculino
depois da luta pelos direitos da mulher. O homem moderno mudou, adotando uma postura
mais sensível, menos dominadora e mais acolhedora, na sociedade. O homem sofreu
tamanhas mudanças, que, em pleno início do século XXI, vemos surgir um novo perfil de
masculinidade o homem metrossexual.
65
O homem metrossexual é o indivíduo que se adaptou às exigências estéticas da
modernidade. É o homem que vai ao salão de beleza, que recorre a esteticistas, que enfrenta
mesas cirúrgicas em busca da plástica perfeita. Ainda há um pouco de preconceitos quanto a
essa nova postura masculina, mas antes de ser uma postura adotada individualmente, nos
parece que tudo leva o homem a uma reformulação estética e comportamental nas relações de
trabalho, no ambiente de conquistas amorosas, na auto-afirmação diante dos outros homens.
O homem se aproximou às aves que, nos machos, as demonstrações de poder, força e
conquista estão na mais bela exibição ao grupo.
Os novos ídolos midiáticos servem de modelo para uma geração de homens desejosos
de mudanças e propícios a aceitarem tal reformulação. As televisões e o cinema constroem
uma atmosfera de poder e de sedução em torno dessa nova identidade do ser masculino. A
sedução das formas da moda encanta os olhos do homem, da mesma forma que os da mulher
moderna.
O eu masculino, antes acostumado a seduzir o outro feminino, agora, passa pelo crivo
de uma disputa entre o eu e o outro masculinos. A conquista da mulher vem, posteriormente,
após uma auto-afirmação no universo do homem.
Dizem que mulheres se vestem para outras mulheres observarem, e não para os
homens. Parece-nos que os homens, agora, estão adotando uma postura semelhante com os
outros homens. O que acontece é que eles utilizam outros recursos materiais nesse jogo de
exibição. O homem usa os carros potentes, os tênis da moda, os celulares de alta tecnologia
a intenção é a mesma, auto-afirmar-se no campo, só que os instrumentos são outros.
Antes de afirmarmos que o indivíduo masculino se tornou afeminado, ou que se
caminha para uma androginia comportamental dos indivíduos, diremos que nasce um novo
homem, mais preparado para lidar com neuroses coletivas machistas, e mais carregado de
valores femininos que não rebaixam a condição de masculinidade no ambiente moderno.
Lipovetsky (2004, p. 120) diz que não acredita que uma sociedade não consiga
traduzir simbolicamente a diferença sexual. Ele certamente está com a razão. Por mais que os
indivíduos masculinos e femininos compartilhem de valores iguais, existem diferenças vitais
entre os sexos, e o corpo é uma delas. O corpo masculino e o feminino possuem apelos
estéticos diferentes. Para a mulher, o embate se dá entre pudor e sedução; para o homem,
66
entre força e auto-afirmação. É uma luta diária mantida pelos meios de comunicação e
ambientada no campo da moda.
3.7 A espetacularização dos indivíduos no campo
A moda virou um grande ambiente de espetáculos. O surgimento de homens e nomes
célebres faz da moda um campo altamente disputado, onde as conquistas são árduas e por
vezes momentâneas. O que mais pode nos deixar intrigados é compreender como, no
ambiente efêmero da moda, conseguem emergir celebridades que perduram por anos e, às
vezes, por décadas, no cenário estético-comportamental das sociedades.
A moda vive de fazer um grande espetáculo. Junto com as mídias modernas, o campo
promove uma celebração das formas, dos gostos, dos luxos. O homem-comum se vê
fascinado no ambiente da moda. Fazendo uma analogia ao que Pierre Bourdieu (1997, p. 17)
citou sobre televisão, a moda também se tornou uma espécie de espelho de Narciso, um
espaço de exibição narcísea.
O homem-comum, numa sociedade repleta de significados de moda, tem no outro-
célebre um referencial de postura e comportamentos que acabam por representar, num
ambiente global, o comportamento coletivo da sociedade. Na moda, o homem se localiza
como indivíduo ativo no processo de construção de uma linguagem coletiva.
Nessa exploração da estética e no jogo de espetacularização, o homem comum se
anula individualmente para dar lugar ao referenciado pelo sistema, para se prostrar diante do
homem-vedete (ou mulher-vedete), aquele que conseguiu, no sistema, sobressair-se em algum
aspecto. “As vedetes existem para representar tipos variados de estilos de vida e de estilos de
compreensão da sociedade, livres para agir globalmente” (DEBORD, 1997, p. 40).
A moda joga com a espetacularização para fazer destacar os padrões que o sistema
deseja difundir, há uma troca mútua de interesses entre quem promove o espetáculo e o
campo. Neste sentido, a moda é criada e recriada.
67
3.8 São Paulo Fashion Week o maior evento de moda do Brasil
No campo da moda, existem certos eventos que se configuram como vitrine de
tendências estéticas que podem ser adotadas pelas sociedades. No Brasil, um desses eventos é
a semana de moda paulista, mais conhecida como São Paulo Fashion Week. São Paulo, como
a grande metrópole da América Latina, é palco de apresentações das criações de moda de
estilistas brasileiros, com abertura para convidados internacionais.
Isto implica na criação de uma aura especial para a moda brasileira, que, além de
influenciar diretamente a sociedade no Brasil, acaba por referenciar a cultura latina junto aos
outros grandes centros mundiais. A formação desta aura qualifica o campo da moda no Brasil
como um dos mais expressivos como espaço de reflexão das manifestações sociais ligadas ao
universo da estética, das artes e das formas.
O maior evento de moda do Brasil, em termos de espetacularização e de
movimentação de capital, nasceu em julho de 1996, com a intensão inicial de apresentar uma
alternativa para a cultura criadora de moda brasileira, que tinha espaço limitado no círculo
internacional da moda, e pouco prestígio junto aos grandes referenciais externos do campo.
De início, com o nome de Morumbi Fashion Brasil, para somente em 2001 passar a se chamar
São Paulo Fashion Week. Desde o começo de sua trajetória, a semana de moda paulista
ganhou a característica de aliar arte à moda. Inicialmente, reunindo 21 marcas, os
organizadores do evento procuraram alinhá-lo ao calendário internacional da moda,
apresentando as criações das grifes mais importantes do país.
Os idealizadores da São Paulo Fashion Week perceberam de imediato que a ligação do
evento deveria ser estabelecida com a cultura criadora de moda, voltada às artes e
reformulações estéticas das sociedades. Caso contrário, se no evento fossem priorizadas as
questões mercantis, certamente a moda brasileira não conseguiria fugir do estigma de
reprodutora das criações desenvolvidas no exterior.
Atualmente, na semana de moda paulista, são apresentadas diversas categorias de
moda, desde a moda praia até grifes que representam a alta costura do país. São duas edições
por ano a primeira, em janeiro, que prevê as tendências de moda para o outono/inverno; a
segunda acontece em julho, com apresentações do que as marcas intencionam para a próxima
estação (primavera/verão).
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A divisão do evento obedece ao calendário internacional. Sob este ponto instalam-se
críticas e defesas calorosas à adoção do calendário internacional. É que, além da divisão
estabelecida, as edições acontecem igualmente nos dois hemisférios do planeta, ou seja, a
edição outono-inverno brasileira, por exemplo, tem início no mesmo período em que se dá a
coleção outono-inverno francesa; sendo que, no Brasil, as coleções são adiantadas seis meses
em relação às estações.
Os que defendem esta postura, insistem que isso facilita o processo de adaptação e
formulação do vestuário por parte do mercado e da indústria têxtil, contribuindo para que as
peças de vestuário possam ser utilizadas de fato na estação pelos indivíduos, além de facilitar
no processo de visibilidade da moda brasileira no exterior. Os críticos argumentam que seis
meses representa uma defasagem muito grande em relação à cultura criadora de moda, e que
este fato acaba por possibilitar a renovação das criações internacionais, estratégia que poderia
ser bem utilizada pela moda brasileira. Dentro da São Paulo Fashion Week, estas divergências
já acarretaram na ausência de grifes renomadas, como é o caso da MOfficer, de Carlos Miele,
que não concorda com a estratégia assumida pelos organizadores do evento.
A São Paulo Fashion Week já foi criada como um grande evento, movimentando mais
de meio milhão de reais em sua primeira edição. Hoje, são quase 6 milhões de reais
envolvidos a cada edição deste evento de moda que se tornou um dos mais importantes do
mundo e o maior da América Latina. Junto às semanas de moda de Madri, Milão, Nova
Iorque e Paris, a São Paulo Fashion Week contribui para a definição das tendências mundiais
da estética no campo da moda.
Para a cidade de São Paulo, a importância está além dos dias em que acontecem o
evento: além do capital movimentado pelo turismo nos dias da São Paulo Fashion Week, a
preparação do evento provoca a geração de centenas de empregos. Outro fato marcante é a
divulgação expressiva da cidade de São Paulo como grande centro de produção cultural do
Ocidente junto às mídias internacionais.
Além dos negócios movimentados durante o evento, parcerias são estabelecidas entre
grandes marcas, e a presença da imprensa internacional contribuindo para a repercussão dos
desfiles no exterior, já possibilitou que grandes marcas pudessem abrir filiais em outros
centros comerciais de moda, ampliando o destaque para as criações desenvolvidas no Brasil.
69
A estética da moda brasileira se populariza cada vez mais em outros países do Ocidente, e,
principalmente, nas criações relacionadas à moda praia há uma forte expressividade de marcas
brasileiras.
Para a indústria têxtil do Brasil, a São Paulo Fashion Week representa uma importante
oportunidade para alavancar os negócios internamente ou possibilitando crescer o ramo das
exportações, com o lançamento de novos tecidos e com a retomada de materiais clássicos
como o jeans, por exemplo. Eventos como a semana de moda de São Paulo são fundamentais
para que as empresas de produção têxtil do Ocidente consigam alternativas para poderem
competir com a produção da indústria chinesa, que concorre com uma diferença significativa
nos custos de fabricação.
Atualmente, participam da São Paulo Fashion Week 46 marcas, e o evento
contabilizou em suas últimas edições, uma média de 100 mil expectadores. Entretanto, nestes
46 desfiles, existem estilistas que desenvolvem criações para mais de uma marca. Desde o seu
surgimento em 1996, na semana de moda paulista foram realizados mais de 500 desfiles.
A semana de moda paulista é o cenário ideal para a moda brasileira expor suas
características e representações sociais, com o lançamento de novos perfis de estética
corporal, redefinições de tendências e também, servindo como arena das manifestações dos
criadores envolvidos com o campo da moda. Nestes dez anos de existência, o evento já foi
palco de campanhas de combate à AIDS e ao câncer, além de defesa à reciclagem, entre
outros tantos temas sociais.
70
A São Paulo Fashion Week não só representa um espaço para a abordagem de temas
sociais, como também se configura num ambiente onde podem ser expressados os anseios
ligados diretamente a concepção de uma estética representativa dos valores sociais mais
interiorizados. E neste ambiente onde se encontra essa possibilidade, notamos que a moda
brasileira vai recebendo cada vez mais
repercussão interna e externamente,
legitimando cada vez mais o papel do campo
dentro da sociedade brasileira.
Campanha realizada na edição
primavera-verão da SPW de 2002.
71
[...] somos também uma espécie de alto-
falante para a vida brasileira. A moda
não é algo que se esgota nela mesma
(BORGES in NETO e WHITEMAN, 2006).
CAPÍTULO IV
O OLHAR ILUSTRADO DA FOLHA
4.1 Diretrizes da Análise
Ao escolhermos a Folha de S. Paulo como o objeto de estudo, partindo da análise da
uma cobertura jornalística de um tema cultural (moda), pretendíamos identificar, dentro de
uma mídia impressa de massa, aspectos que pudessem denotar imposições culturais
relacionadas aos sentimentos e inclinações do campo da moda. Desta maneira, optamos por
72
avaliar a cobertura que foi dada ao maior evento de moda do Brasil a São Paulo Fashion
Week.
Nestes oito dias nos quais se passaram o evento de 12 a 19 de julho de 2006, o
caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo explorou os temas relacionados aos desfiles do
Fashion Week, tratando de avaliar as produções de moda desenvolvidas durante a semana.
Foram 27 textos referindo-se aos desfiles, aos envolvidos (modelos, estilistas, empresários,
grifes etc.) e às propostas do evento.
Procuramos nos ater aos textos selecionados por acharmos que nos textos jornalísticos,
principalmente, nos de jornalismo cultural, são inerentes deixas simbólicas altamente
representativas para a compreensão de um contexto social. Enxergamos que as fotografias,
especialmente no campo da moda, refletem com grande expressão a leitura dos jornalistas
envolvidos no processo de elaboração da notícia. Entretanto, nesta análise, as fotografias não
aparecem como análise, e sim, como suporte ilustrativo das observações realizadas.
A análise aqui realizada tem como fundamento as observações feitas por Edgar Morin
(2005) sobre as transformações sociais e culturais sofridas nos últimos 80 anos, a partir da
difusão da cultura de massa. Grandes transformações sócio-culturais ocorreram a partir da
revolução industrial, em foco mais específico, no Ocidente. Os cenários contemporâneos das
sociedades ocidentais estão diretamente relacionados com o impacto que a cultura de massa
provocou em todas as zonas de produção humana tecnológica, cultural, religiosa etc..
Morin é muito claro ao dizer que a cultura de massa fornece
“[…] à vida privada as imagens e os modelos que dão forma a suas
aspirações. Algumas dessas aspirações não podem se satisfazer nas grandes cidades
civilizadas, burocratizadas; nesse caso, a cultura resgata uma evasão por procuração
em direção a um universo onde reinam a aventura, o movimento, a ação sem freio, a
liberdade, não a liberdade no sentido político do termo, mas a liberdade no sentido
individual, afetivo, íntimo, da realização das necessidades ou instintos inibidos ou
proibidos”. (MORIN, 2005, p. 90)
Neste sentido, a São Paulo Fashion Week surge como vitrine cultural do campo da
moda brasileiro, propagando características dos perfis e modelos desejados, suscitando a
novos modelos ou à sustentação de velhos. Assim, a semana de moda paulista se configura
num grande palco de manifestações culturais que acarretam em rápidas transformações
73
sociais, em curto e em médio prazo, mas que conjugado a maior ou menor intensidade na
visibilidade proporcionada pela mídia, é capaz, com efeito cumulativo em longo prazo,
ocasionar significativas mudanças dos padrões de estética corporal e comportamental
desejados pelo homem-comum. De forma concreta, unem-se no evento as principais mentes
que ditam a moda no Brasil (Alexandre Herchcovitch, Amir Slama, Pedro Lourenço, Ronaldo
Fraga, Fause Haten, Ricardo Almeida, entre outros), a fim de apresentarem suas aspirações
para o visual do cidadão comum.
A intenção desta análise é verificar, dentro da cobertura da São Paulo Fashion Week,
realizada pelo caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo, elementos que denotem as
transformações sociais provocadas pela cultura de massa dentro da construção de conteúdo
cultural contemporâneo. Obviamente, é a moda em todo o seu composto de formação estética
difundido pela mídia que acaba por criar e recriar os modelos que são acolhidos na sociedade
no caso específico da sociedade brasileira, grande peso têm as novelas para a composição
do visual do homem-comum, mas no campo da moda existem certos pólos que concentram a
difusão das informações visuais, como é o caso de eventos culturais do porte da semana de
moda de São Paulo.
No Brasil, não existem revistas de criações de moda que sejam de interesse da grande
massa de leitores. As revistas especializadas, que acabam exercendo influência nos criadores
brasileiros, são importadas. Sendo assim, a São Paulo Fashion Week aparece como um espaço
de visibilidade das criações e tendências desejadas pelas grifes mais representativas
(comercialmente e imageticamente).
Neste aspecto, Segundo Debord (1997, p. 47), “o que o espetáculo oferece como
perpétuo é fundado na mudança, e deve mudar com sua base. O espetáculo é absolutamente
dogmático e, ao mesmo tempo, não pode chegar a nenhum dogma sólido. Para ele, nada pára;
este é o seu estado natural e, no entanto, o mais contrário a sua propensão”.
No cenário da cultura de moda brasileira, não há nada mais espetacular do que a São
Paulo Fashion Week que, na segunda edição do ano de 2006, trouxe 48 coleções (idéias de
moda) com uma única proposta, tornar modelo as suas criações; como disse Debord, oferecer
o perpétuo.
Esta análise é desenvolvida a partir das observações realizadas por Edgar Morin
74
(2005), com o que ele chama de mitologia moderna, na qual são exploradas as características
da produção cultural de massa. Morin entende que o avanço da cultura de massa provoca
grandes transformações nas relações sociais, a partir dos modelos e dos valores que passam a
ser difundidos. Em plena década de 1960, Morin procurou compreender como, no cinema, a
cultura de massa apresentava suas características na formação de um novo modelo de
sociedade, mais violento, mais sexualizado, onde se cultuavam novos ídolos
(cinematográficos).
Portanto, tentamos localizar, nos textos da Folha, narrativas que indiquem de que
forma foram apresentadas as criações de moda na semana paulista e qual o olhar da Folha
sobre a produção cultural realizada. Por compreendermos que nem todas as questões
levantadas por Morin estavam presentes na cobertura da Folha, optamos por não lidar com os
seguintes temas: amor, violência, heroísmo, simpatia e happy end; além disso, adicionamos
um tema que se fez constante dentro dos textos, e que em não foi explorado por Morin os
valores masculinos. Este tema não estava contido em sua análise, certamente porque na
década de 1960, as transformações pelas quais passavam os homens eram tratadas num plano
secundário, sem grandes impactos nas formas de relacionamento, já que, em comparação com
o universo feminino, eram vistas como discussões menores. Portanto, nesta análise, estão
presentes as seguintes temáticas: a felicidade, o eros, a juventude, os valores femininos, os
valores masculinos, o olimpo da moda (onde discutimos as questões relacionadas a celebração
de ídolos dentro do campo).
Para Edgar Morin (2005), “e é porque a cultura de massa se torna o grande fornecedor
dos mitos condutores do lazer, da felicidade, do amor, que nós podemos compreender o
movimento que a impulsiona, não só do real para o imaginário, mas também do imaginário
para o real. Ela não é só evasão, ela é ao mesmo tempo, e contraditoriamente, integração”. (p.
90) Com os apontamentos feitos a partir da observação do autor, procuramos enxergar na
cobertura realizada pela Folha uma importante vitrine de manifestação cultural que implica na
demonstração de valores atuais presentes na moda e, consequentemente, na cultura de massa
brasileira.
Faz-se importante salientarmos que não temos como prioridade aqui realizar uma
75
análise do papel do jornalismo cultural desempenhado pela Folha de S. Paulo na semana de
moda paulista, nem ao menos promover discussões em torno deste assunto. A questão vital a
ser observada é de que forma são apresentados os valores da cultura de massa dentro do olhar
cultural da Folha. Procuramos lançar uma análise interpretativa dos textos publicados no
período do evento, e, a partir daí, estabelecer conexões com os escritos de Morin, para que
possamos chegar à respostas referentes aos valores e propostas da cultura de massa dentro do
campo da moda.
De qualquer forma, é preciso adiantar que a Folha, na cobertura dos oito dias de São
Paulo Fashion Week, apresentou uma postura questionadora em relação a concepção geral do
evento, deixando antever um certo desconforto com o conteúdo de moda produzido pelos
estilistas. Isso se fez presente em diversos textos. No primeiro deles, Evento começa com
clima de paz e amor, a Folha, já analisando desfiles que aconteceram no primeiro dia do
evento, sugere que a semana de moda paulista inicia com certa pobreza quanto a criação e
inovação da moda. Para Alcino Neto e Vivian Whiteman (2006), o primeiro desfile do ano foi
bem realizado, mas sem a preocupação de causar uma renovação no quadro criativo da moda:
“Tudo bem feito, mas sem emoção renovada. No detalhe e no conjunto faltou uma idéia forte
e pessoal, uma aposta, um risco”. E tudo que a moda e a mídia exigem é o risco, a iniciativa
da ruptura de padrões estabelecidos para que possam surgir novos objetos de observação, de
atração de leitores e consumidores. Neste ponto, para a Folha, a São Paulo Fashion Week
deixou a desejar em parte de seus desfiles. Continuando a crítica feita aos desfiles realizados
no primeiro dia, Neto e Whiteman, acreditam que o desfile realizado pela estilista Raquel
Davidowicz foi inaquedado para a proposta da moda, “[...] arrastado e repetitivo, foi
profundamente soporífero. O que, na concepção da marca, deveria ser uma coleção com
pegada punk, virou uma sucessão de looks bem-intencionados, mas sem invenção e sem
personalidade”.
A Folha não poupa comentários desentusiasmados para outros desfiles. No caso da
estilista Patrícia Vieira, para a Folha, a principal característica de suas criações foi a falta de
inovação, que é um aspecto que desagrada em cheio todos os envolvidos dentro dos campos
do jornalismo e da moda: “a coleção de Patrícia Vieira não trouxe surpresas na modelagem,
com os looks predominantes de saias rodadas com cinturas altas e marcadas”. Em Verão custa
a se impor na semana de moda, a Folha observa que a moda brasileira ainda não é forte na
concepção de modelos originais na criação, sobretudo no que se refere às figuras femininas
76
que tem intensão de ressaltar. Para a Folha, “percebe-se que falta a boa parte dos criadores
pesquisas de formas menos preguiçosas, idéias mais emocionantes para a estação e uma
concepção mais pessoal a respeito da imagem feminina que desejam impor”.
O descontentamento da Folha não esteve ligado somente as criações de moda, mas
sobretudo a concepção geral do evento. A Folha destacou as falhas na organização que
acabaram por causar tumultos devido ao cenário de insegurança pública que foi estabelecido
nos primeiros dias da São Paulo Fashion Week, na capital paulista. Alguns desfiles estavam
programados para acontecerem em ambientes externos, em áreas públicas, como foi o caso da
marca Ellus, que pretendeu apresentar-se no Parque do Ibirapuera. Entretanto, houve atrasos
no início do desfile, o que acarretou numa série de desconfortos que não passaram
despercebidos pela Folha, no texto de Contardo Calligaris, Crises de pânico e vaias coletivas:
“centenas de pessoas ficaram, por um bom tempo, amassadas ou enfiadas em corredores de
barreiras que evocavam a espera do gado antes do momento fatal. Houve brigas de malucos
exasperados (com intervenção dos seguranças), uma crise de pânico e vaias coletivas,
invocando as 'Organizações Tabajara'”.
Analisando os textos em geral, a Folha transitou entre uma neutralidade técnica do
jornalismo, procurando apresentar os serviços oferecidos pelo jornalismo cultural de um
veículo de grande massa, e a discussão de novos modelos criativos no campo da moda. No
primeiro caso, alguns textos foram exclusivamente dedicados a mostrar o quadro
organizacional do evento, destacando-se alguns desfiles.
A cobrança pelos novos modelos criativos para o evento foi uma constante. Ao se
referir à entrada de mais uma das coleções que foram apresentadas, Nina Horta, colunista da
Folha, como a refletir uma nítida expressão de tédio, diz: “Já sei, daqui a minutos entrarão os
meninos-meninas, Tadzios de olhares vagos, seduzindo sem serem seduzidos, catatônicos”.
Assim se tornou frequente uma das principais reivindicações da Folha em seus textos: a
novidade. A ausência de inovações possibilitou que a Folha fizesse deste aspecto um dos mais
importantes a serem ressaltados em sua avaliação do evento.
Sustentando a sua cobrança feérica por novidade, o jornalismo da Folha destaca
alguns pontos positivos do evento. Em primeiro lugar, ao referir-se aos idealizadores da São
77
Paulo Fashion Week, a Folha apresenta com satisfação dois longos textos (São Paulo quer
redescobrir a África e AFRO Pop) dedicados a mostrar o quanto foi benvinda a escolha do
tema África para a idealização do evento. Mesmo ressaltando que nem todas as criações
estavam envolvidas nesta temática, a Folha reconheceu como inovadora a proposta da
organização do evento em gerar um ambiente favorável à divulgação da cultura afro e
também elogiou ao perceber que o evento pode trazer à tona a discussão em torno da
negritude dentro da sociedade brasileira e também no campo da moda: “Esse movimento de
reaproximação com o continente não é inédito, mas aparece agora com novo foco: a
prioridade não é listar elementos de heranças tribais, mas descobrir a cara mais pop da África
contemporânea”
6
.
Para a Folha, outro ponto forte a destacar é a abertura da moda brasileira para a
criatividade estrangeira, o que acontece pela primeira vez dentro da semana de moda paulista.
A entrada de dois portugueses dentro do quadro de criadores de moda no Brasil, fez com que
a Folha atentasse para o fato de que cada vez mais a São Paulo Fashion Week cresce em
produção e em receptividade no exterior, tornando-se grande ponto de referência para alguns
centros menores produtores de moda.
É preciso salientar que a semana de moda passou por diversas etapas de legitimação
no que tange aos seus enunciados de moda: primeiramente a entrada de dois estilistas
estrangeiros ao maior evento de moda da América Latina significa que existe, em algum grau,
o reconhecimento por parte de estilistas internacionais da competência da moda brasileira, e
que esta competência pode servir como ponto de partida para mercados menores, como é o
caso de alguns países da Europa.
Além de passar pelo crivo de outros estilistas, esta edição da São Paulo Fashion Week,
ao sair as ruas da capital paulista, foi avaliada pelo público consumidor final da marcas (não
necessariamente consumidor das comunicações de moda). Isto significa que a abertura do
campo foi maior do que a imaginada não se tratou apenas de uma exibição pública para
públicos específicos. Foi possível o alcance de um público que não está diretamente ligado ao
campo, mas que forma a grande massa legitimadora dos padrões estabelecidos pela moda.
Em Fashionistas descobrem o parque da Luz durante desfile, a expressão de novidade das
pessoas que andavam pelo parque e pararam para observar é nítida: “os modelos podiam
6
Em SPFW quer redescobrir a África, por Alcino Leite Neto e Vivian Whiteman, 2006.
78
passar mais perto, né?”, ou, “Já acabou? Desfile de moda é sempre rápido assim?”. Esta
interação com o público marginal do campo da moda engrandece o ambiente e torna cada vez
mais legítimas as criações desenvolvidas no campo.
Mas, continuando com as observações da Folha, no quarto dia do evento, os jornalistas
já demonstravam certa impaciência em receber as criações apresentadas. Tudo parecia refletir
a falta de criatividade e inovação, com repetições de idéias anteriores. Em Verão custa se
impor na semana de moda, a Folha reivindica a atenção de todos para a preocupação com
novos modelos, novas idéias e diferentes formas de interpretação da moda. Nesse texto, o tom
da Folha foi o seguinte: “está custando a engrenar o verão-2007 da SPFW. Exceto por
algumas coleções excepcionais, os estilistas têm encontrado dificuldades variadas de firmar
imagens fortes para a próxima estação. Três dias já se passaram, e pouca novidade se impôs”.
Ao jornalismo cultural, especialmente no que tange à moda, 'três dias' é uma
eternidade para pouco aproveitamento criativo. Como se fossem máquinas geradoras de arte e
cultura, os criadores da moda deveriam estar preparados para uma gama de inovações e
transformações de valores. A pressão exercida pela mídia é totalmente condizente com as
características do campo da moda. Neste campo, a mídia da cultura de massa, principalmente
a especializada, sente-se à vontade em questionar estratégias ou desempenhos que possam
parecer, de longe, repetitivos.
O entusiasmo da Folha se apresentou mais efusivamente já nos últimos dias do evento,
com os desfiles de Ronaldo Fraga, Alexandre Herchcovitch e Karlla Girotto, ou então quando
começaram a ser definidas as particularidades relacionadas a moda masculina (que merece
uma atenção maior de nossa parte, conforme aparece na sequência do capítulo). Em relação
aos desfiles dos estilistas, a Folha demonstrou intenso apreço pela criatividade de Ronaldo
Fraga:
“O deslumbrante desfile de Ronaldo fraga ontem à noite lançou às alturas a
SPFW, imersa até então num marasmo aterrador, apesar de algumas ótimas coleções
aqui e ali. A princípio, tudo levava a pensar que o mineiro Fraga faria outra imersão
regionalista. Quando as modelos começaram a entrar na passarela, porém, tudo
revelou uma charmosa modernidade e uma força de criação e design meticuloso,
poético e apaixonado que deram a certeza que a moda brasileira realmente existia”.
(FOLHA, 2006)
Ao que parece, se a cobrança pelo novo não vem diretamente da força que a
concorrência impõe ao campo da moda, o jornalismo e a mídia de massa tomam a frente em
79
sentido de não deixar que a produção cultural se esvazie, porque neste caso, todos saem
perdendo. Neste espaço, ocorre uma nítida invasão do campo do jornalismo no campo da
moda, ao estabelecer-se um ciclo de contínuas transformações dos padrões adotados pela
moda, para, em seguida serem inseridos dentro do campo do jornalismo, a ponto de formar
uma força criativa dentro do campo. A cobrança não é feita somente pelos pares do campo,
mais também por parceiros (extra-campo) que ajudam no processo de legitimação dos
conteúdos.
Bourdieu (1997) reforça esta afirmativa ao dizer que “inscrita na estrutura e nos
mecanismos do campo, a concorrência pela prioridade atrai e favorece os agentes dotados de
disposições profissionais que tendem a colocar toda a prática jornalística sob o signo da
velocidade (ou da precipitação) e da renovação permanente”. (p. 107) Sendo assim, este tipo
de imposição por informação nova e contínua é gerado de fontes diversas dentro da cultura de
massa. No caso desta edição da São Paulo Fashion Week, a matriz geradora do processo de
renovação das comunicações de massa está inserida no campo do jornalismo, em evidência no
jornalismo cultural. A Folha, dentre outros veículos, buscou encontrar na semana de moda
paulista um espaço de contínua criação e de geração de idéias e padrões novos sejam estes
padrões relacionados à estética das peças de vestuário, aos corpos das modelos e dos modelos,
ou então aos referenciais de postura e de valores a serem seguidos pelo homem-comum e que
de alguma maneira pudessem ser tratados dentro do evento.
Reconhecendo a receita para o sucesso (midiático) da produção de moda, diz a Folha
que: “[...] combinar comércio com alguma arte é o segredo da moda”. De forma a legitimar
que as produções culturais passam pelo crivo do mercado para poderem ser manifestas em
outros campos, a semana de moda paulista pôde ser encarada como um ambiente onde além
do espaço para a realização de arte e moda, cabe o aprimoramento das relações de mercado
estabelecidas em eventos deste porte, a exemplo do que acontece em outros grandes centros
de moda do mundo.
Neste tipo de evento, não cabe a produção voltada apenas à arte e cultura, ou até
mesmo à moda em si. As pressões mercantis vão além do impulso criativo. O novo é vital
para ser celebrado na moda e cortejado pelo mercado. Antes que se possa fazer uma
apreciação artística das produções, é necessário um enquadramento comercial das idéias. Esse
também foi um ponto, que para a Folha, ajudou a definir parte das adoções feitas pelos
80
criadores na concepção mental de suas peças, como foi o caso de em tão larga escala aparecer
a cor preta como predominante no verão. Em Cor preta domina o verão 2007, a Folha traz a
seguinte citação de Aissa Basile, consultora da Associação Brasileira da Indústria Têxtil: “o
preto é o quente do verão por uma razão muito simples: os estilistas estão pensando nos
negócios. O preto e branco são cores mais fáceis de vender do que as estampas e as cores”.
Talvez forçada pelas informações que foram acrescentadas às comunicações de moda
(desfiles) do quadro social urbano em que ocorria a São Paulo Fashion Week. A Folha
procurou contextualizar a semana de moda paulista com fatos ocorridos na cidade de São
Paulo. Um dos temas recorrentes em sua cobertura, foi o cenário de violência urbana pelo
qual passou a capital paulista, coincidentemente, nos dias em que foram realizados os desfiles.
Em meio a um cenário social conturbado: no dia anterior ao evento, em julho de 2006,
a capital paulista sofreu com uma série de atentados da facção criminosa do Primeiro
Comando da Capital (PCC); como não poderia ficar indiferente a este acontecimento, a
semana de moda paulista dá início aos desfiles trazendo mensagens ligadas à paz e à
harmonia. Na edição do caderno Ilustrada do dia seguinte, a Folha traz o texto: Evento
começa com clima de paz e amor. Neste texto, o editor de moda Alcino Leite Neto e a
repórter Vivian Whiteman expõem a iniciativa do estilista Ricardo Almeida em abrir o
primeiro desfile do evento ao som de Imagine de John Lennon, evocando que a cidade de São
Paulo retome a vida normal após a série de ataques criminosos.
81
A situação urbana da capital paulista ainda é citada em outros textos para demonstrar o
impacto que acontecimentos externos puderam provocar dentro do evento, causando,
inclusive, mudanças nos locais de apresentação de alguns dos estilistas, conforme foi citado
anteriormente. Em Medo de ataques afeta semana de moda, Camila Yahn e Nina Lemos
narram as alterações que foram feitas em razão de expor pessoas em apresentações nos locais
abertos, anteriormente definidos como palcos na composição do evento.
Em meio a encontros e desencontros de opiniões, a Folha desenvolveu o seu olhar
sobre a segunda edição da semana de moda paulista, a partir de projeções de um órgão
administrativo-midiático da cultura de massa. E é esse olhar que queremos desvendar, para
que possamos compreender de que forma um jornalismo deste estilo pode interferir na vida do
homem-comum.
Para podermos dar início a uma análise com enfoques mais específicos quanto aos
itens levantados através da cobertura da Folha, é necessário retomarmos o quadro analítico
baseado nas transformações descritas por Edgar Morin, em livro intitulado Cultura de massa
do século XX o espírito do tempo. Iremos tratar primeiro de compreender de que maneira
foram expostas as questões ligadas à sensualidade, ao prazer, ao eros na moda.
Imagem do desfile de abertura desta
edição da SPFW, no desfile de Ricardo
Almeida, que retoma a estética
hippie-pacifista em suas criações.
82
4.2 Eros Quotidiano
Para Morin (2005, p. 119), “é no fluxo da cultura de massa que se desfecha o
erotismo”. Evidentemente, não há como visualizar moda sem enxergar que uma das forças
que a impulsiona é a busca por formas de sedução e erotização das pessoas, especialmente da
mulher. No contexto da moda se inserem inúmeras expectativas quanto a reformulações
estéticas, e podemos dizer que uma das mais visualizadas é a que corresponde as questões do
eros humano.
No campo da moda, procura-se agregar às peças de vestuário uma força sedutora e que
manifeste, através da imagem, o papel assumido pelo eros, que pode variar de uma intensa
expressão do instinto sedutor humano, até uma reformulação estética baseada no refinamento
da sensualidade, com formas mais sutis de sedução. Assim sendo, é inevitável deixar de
analisar de que forma aparece a concepção do eros, em especial o feminino
7
, projetado na
semana de moda de São Paulo.
Ao que parece, estamos em pleno momento de retomada de valores antigos da moda.
A ruptura com o padrão sedutor das grandes vedetes americanas aparece como elemento forte
na concepção de um novo perfil de sensualidade feminina. Percebemos que esta edição da São
Paulo Fashion Week trouxe à tona uma discussão a respeito dos limites entre o sensual e o
vulgar na exploração do corpo através da moda. A semana de moda paulista se configurou
num espaço onde foram retomados os tradicionais modelos estéticos para que fosse possível
ser redesenhado o modelo de sensualidade desejado nos dias atuais. Amir Slama, um dos
estilistas renomados do evento, em entrevista a Folha (2006), disse que “estamos vendo um
novo conceito de sensualidade”. Neste novo conceito são passíveis de ingresso as formas mais
finas e delicadas que ressaltem uma sensualidade feminina livre dos perfis sexuais
excessivamente vulgarizados pela mídia de massa.
A Folha de S. Paulo buscou tratar das idealizações sobre sensualidade, deixando com
que os próprios criadores falassem. Ronaldo Fraga, um dos principais estilistas do evento, em
Para designers, supersexy é brega, de Camila Yahn, disse que “o conceito do sexy foi
barateado e precisa ser reformulado. Está ficando brega o muito decotado e o siliconado. Hoje
7
As questões relacionadas à sensualidade masculina não são aqui abordadas, por não aparecerem com
intensidade nos textos da Folha estudados. Entretanto, mais à frente, iremos explorar de que forma são
apresentados os valores que ajudam a compor o universo masculino no seio da cultura de massa.
83
em dia não dá para saber o que é roupa de garota de programa e o que é roupa de patricinha.
Prefiro trabalhar com a sugestão do corpo”. O que Fraga procurou descrever parece um
sentimento comum dentro do campo da moda. Essa reversão de valores dentro dos padrões de
sensualidade foi objeto de análise, na cobertura da Folha, em diversas situações.
A Folha, ainda no texto de Camila Yahn, apresentou a fala da estilista Rita Comparato
de forma a corroborar o que já havia sido descrito. Em tom mais ostensivo, a estilista diz que,
“este sexy de puta rameira cansou, porque foi muito explorado. Tudo ficou igual demais.
Agora até elas vão querer se disfarçar de elegantes”. Esta mudança brusca de pensamento
pode ser comprovada em dois trechos da Folha. O primeiro deles, descrito em Neon Mania
(2006) é em referência a edição anterior do evento: “na última edição da São Paulo Fashion
Week, eles montaram um cabaré na passarela e fizeram as modelos arrancarem as roupas
como num show de striptease”. Ao falar desta edição, em Para designers, supersexy é brega:
“os estilistas fugiram das roupas ultra-sexies como o diabo foge da cruz. E estão em luta
aberta contra o império das gostosonas [...]”.
Desta forma, a Folha tomou uma postura cautelosa na defesa da reformulação do
modelo de sedução apresentado nesta edição da São Paulo Fashion Week. Antes essa defesa
se deu por representar uma ruptura no que já estava se tornando exaustivo para a grande
mídia. Em seus textos, não pareceu clara a intensão de que os valores ligados a exploração do
corpo no campo da moda devessem ser reformulados afim de chegarmos a uma estética
menos vulgarizada. Em diversas ocasiões, os jornalistas procuraram ressaltar esta
transformação nas formas relacionadas ao eros. Foi assim em Menos sexy e mais confortável,
quando a Folha define que “este não será um verão sexy. Será mais sério e preocupado com o
conforto”; ou ainda quando ressalta o que disse Waldemar Iódice, ao se referir a estética
sedutora feminina: “as mulheres estão se preservando mais e mostrando menos. A
sensualidade hoje em dia esta muito mais na atitude, no gesto”.
Neste contexto surgiram algumas propostas de criação que desviaram do que foi tido
como conveniente para esta edição. Alguns estilistas reiteraram o modelo de sensualidade
baseado na exploração do corpo e das formas das roupas que o expusesse mais. Para a Folha,
estes que insistiram na condição de uma moda erotizada ganharam destaque, como foi o caso
de Bercsek, que “criou um conjunto de peças em que alternou a leveza da lingerie e o peso de
tachinhas coloridas na decoração de peças de alfaiateria, flertando ironicamente com o kitsch
84
e com certas imagens de vulgaridade”.
Ressaltando alguns pontos e encarando outros como desatualizados e fora de contexto,
a Folha contribui para o processo de legitimação de uma nova estética sedutora, desejada por
boa parte dos criadores de moda. Entretanto, como já dissemos, o que levou a Folha a criar
essa aura de valor sobre os desfiles foi, antes de tudo, a ruptura com o que estava em voga na
moda, o que contribuiu para que os valores que revivem uma estética do passado possam ser
caracterizadas como atuais, adequadas ao novo contexto.
Por destoarem de toda a concepção criadora do evento, os estilistas que insistiram em
enaltecer a imagem da sensualidade vulgarizada, foram conferidos pela Folha como
descontextualizados e, de certa maneira, inadequados às tendências. Esta postura da Folha, dá
margem a compreensão de que o campo do jornalismo exerce sobre o campo da moda uma
pressão maior do que se imagina. Na validação do seus propósitos o campo da moda passa
pelo crivo da mídia especializada, e com a mesma intensidade que a mídia na cultura de
massa pode contribuir para erguer um padrão, pode também fazer imergir valores que não
tinham uma base sólida dentro do seio cultural do homem-comum.
De qualquer forma, estavam presentes na cobertura da Folha algumas manifestações
de um eros exagerado, ressaltado no corpo e num teatro sedutor. Isto pode ser notado quando
observamos a descrição feita pela Folha de um dos desfiles “enquanto elas atravessavam o
espaço, um vento safado levantava os vestidos vaporosos, num momento Marilyn Monroe
tropical”. Analisando o que já vimos até então, percebemos que as concepções de eros
parecem transitar entre o exagerado e o comportado, mas com grandes inclinações a se
configurarem numa estética mais recatada, ou pelo menos, menos libidinosa, como fica claro
nos trechos: “[...] São mulheres com corpos normais, mulher com corpo de mulher [...] O
Brasil é um país sensual e alegre. Por que temos que assumir uma estética parecida com a
belga num país tão lindo e colorido?
8
”.
8
Em Cavalera terá 15 peladonas no desfile de encerramento, por Camila Yahn, 2006.
85
No campo da moda, o belo está diretamente relacionado com o que se convenciona
como sedutor. Ao serem referidas as belezas e as tendências que agradaram, tem-se na Folha
(2006): “[...] figuras ambíguas que podem ser duras e austeras ou delicadas e sedutoras” ou
modelos do tipo que “[...] tem encantado o mundo da moda com sua beleza enigmática, ao
mesmo tempo delicada e muito forte”. A polarização entre o que é forte, sedutor, erótico e o
que é delicado, recatado e sutil foi o grande foco de atenção da Folha na cobertura destes oito
dias de desfile. Sem se propor a uma análise mais profunda, a Folha buscou apresentar o
convencional e o excêntrico ressaltando o que lhe pareceu mais passível de ser encarado como
uma estética renovada.
Na moda e na mídia, alguns fatores são demasiadamente exaltados para que possam
configurar referências de um mundo fantástico, onde as experiências vividas no corpo e pelo
corpo ajudam a conduzir a um ambiente pleno de realizações. Em meio a tudo isto, para a
Folha (2006) o corpo adequado ao eros contemporâneo tem “a silhueta, de arquitetura
requintada” oscilando entre os padrões aristocráticos e a natural feminilidade da mulher dos
anos de 1950.
4.3 Juventude
Para Edgar Morin, na cultura de massa não há espaço para o envelhecimento. O
período do belo se amplia, estendendo seu alcance até os 50 ou 60 anos, em alguns casos, mas
o referencial de beleza continua sendo a plástica juvenil, da pele perfeita, do músculo rígido.
A juventude é sinônimo de atividade, aventura e passionalidade. Segundo Morin (2005, p.
152), “o galã continua sempre galã”. Cronologicamente, envelhecemos; entretanto, chegamos
Imagem que reflete a concepção de um
perfil sedutor exagerado, com corpos
seminus, no desfile da grife Cavalera.
86
a 50 ou 60 anos com corpos que permanecem “viris e belos, musculosos, bronzeados”.
Assim sendo, a forma como nos apresentamos diante do outro tente a refletir em todos
os aspectos do corpo, em especial no sentido de jovialidade. A moda pode resgatar uma
estética visual jovial a um corpo nem tão jovial. Mesmo que a estética adotada possa parecer
fora de contexto ou descabida, no campo da moda podemos entender que se a juventude não
pode ser alcançada diretamente pelo corpo, pode ser representativa como atitude, entretanto,
sempre manifesta no visual.
“O novo modelo é o homem em busca de sua auto-realização, através do amor, do
bem-estar, da vida privada. É o homem e a mulher que não querem envelhecer, que querem
ficar sempre jovens para sempre se amarem e sempre desfrutarem do presente”. (MORIN,
2005, p. 152)
Nina Lemos, uma das colunistas da Folha, em Truques na passarela criam imagem da
mulher perfeita, ressalta o alto grau de importância que é dado pelas mídias de massa a esse
caráter juvenil nas produções de moda, e o quanto se luta para combater quaisquer
características que possam denotar um desvio do padrão de jovialidade adotado. “Durante os
desfiles de verão, modelos passeiam perfeitas de biquínis e maiôs. Para quem vê as moças na
passarela, até parece que elas não têm celulites e estrias que acometem qualquer mulher [...] O
que existe nos desfiles de moda praia são truques de iluminação e maquiagem para esconder
'imperfeições'”. A Folha reflete que sobre o corpo se enquadram estratégias de renovação da
estética e de perpetuação da beleza, e através dele, as modelos podem parecer seres perfeitos
capazes de encobrir os impactos que o tempo provoca. Isso significa reconhecer que o padrão
corporal implantado pela mídia da cultura de massa ultrapassa os limites da naturalidade
humana, sendo que, para alcançá-lo é necessário a agregação de materiais que torne o corpo
do homem-comum plasticamente aceitável.
Lúcia Santaella (2004), em seu livro intitulado Corpo e comunicação”, descreve
nitidamente o que corresponde a um corpo jovial que responde aos anseios da cultura de
massa: “[...] seus corpos são tão perfeitos que parecem cobertos de verniz, de uma película
transparente que vitrifica o corpo, um corpo sem poros, sem exsudação, nem excreção,
funcionalizado como um revestimento de celofane, exibindo a imortal juventude da
simulação”. (p. 129)
87
Este corpo é relembrado pela Folha, quando Camila Yahn, ao descrever a perfeição
das formas da moda, em Tops da moda apóiam cotas para negros, reitera o coro da Folha na
exaltação da modelagem almejada: “A baiana Rojane, 19, é o corpo da estação
perfeitamente torneado e rígido, mantido graças a frequentes sessões de ginástica”. O 'corpo
da estação' tem a plástica jovial, a forma da mulher esportista. Parece difícil entender como
estes padrões possam ser legitimados numa sociedade multi-étnica como é a brasileira, mas,
enfim, tornam-se padrões ressaltados pela moda e aprovados pela mídia. Isso nos faz refletir
sobre a forma com que a mídia cria relações entre o belo, o sucesso e a juventude.
Compreendendo estes aspectos poderíamos encontrar o denominador comum que leva os
indivíduos a criarem impressões de desconforto dentro de uma sociedade cujos valores estão
diretamente ligados a estética do corpo.
Neste aspecto, a Folha admite que o reconhecimento de ídolos juvenis contribui para a
adoção dos modelos apresentados na São Paulo Fashion Week. E não é só isso, as referências
estabelecidas entre estes ídolos e as marcas que participam do evento formam uma aura de
legitimidade sobre as criações desenvolvidas. Em Neon Mania, Alcino Neto e Vivian
Whiteman, ao falar do desfile realizado pela grife Neon, constatam que “todas querem vestir
Neon, do mundo indie ao planeta Caras, de Luíza Lovefoxxx (do grupo Cansei de Ser Sexy) a
Wanessa Camargo”.
De fato, toda a postura adotada pela Folha compreende a um jornalismo menos
tradicional, voltado as inovações tecnológicas e sociais, inserido dentro da cultura de massa, e
muitas vezes, representando-a. Com esta característica, é compreensível que a cobertura
realizada pelo caderno Ilustrada viesse a reiterar a proposta de enquadramento da vida do
homem-comum ao ritmo e forma convenientes a este tipo de cultura.
E na cultura de massa, tudo que foge à estética juvenil parece perder o sentido. Morin
(2005) acrescenta que: “a velhice está desvalorizada. A idade adulta se rejuvenesce. A
juventude, por seu lado, não é mais, propriamente falando, a juventude: é a adolescência”, e
“a adolescência enquanto tal não aparece senão no momento em que o rito social da iniciação
perde sua virtude operadora, perece ou desaparece”. (p. 153) E esta é a circunstância onde a
moda aparece para agregar conteúdo a forma, revelando e absorvendo valores onde se faz
necessária a integração do indivíduo em grupos sociais.
88
O sucesso desta inserção depende em alto grau do nível de reconhecimento de
pertença ao grupo. E este nível é ampliado se levarmos em consideração que a juventude é
fase onde são planejados os sonhos de independência material e emocional de cada individuo.
Se na moda, os jovens encontrarem a forma de independência emocional, através de uma
estética que valorize suas formas e, também, a independência material tendo como referência
outros jovens, forma-se uma corrente de legitimação dos padrões. Neste caso específico, a
Folha fez uso da imagem bem sucedida de uma das modelos que participaram da semana de
moda paulista:
“Os olhares da São Paulo Fashion Week vão todos para a modelo Flávia Oliveira.
Esta garota de Londrina tem encantado o mundo da moda com sua beleza
enigmática, ao mesmo tempo delicada e muito forte.
Aos 22 anos, Flávia é uma das tops mais requisitadas da nova geração, já tem
reconhecimento internacional e chega a ganhar mais de 10 mil euros por desfile nas
temporadas internacionais [...]
9
”.
Nesta edição da semana de moda paulista, fica nítido o uso de recursos artificiais para
que se possa alcançar o modelo da estética perfeita através das formas juvenis. E isto
representa um problema no que tange à adoção dos padrões, já que, mesmo sendo alcançado o
efeito visual almejado, o indivíduo que se propõe a refletir sobre o reconhecimento da
mensagem passada percebe que nem as próprias modelos conseguem (sem artifícios) integrar
o grupo dos esteticamente perfeitos.
Mesmo assim, o pensamento de que a estética juvenil é a que mais condiz com o
universo feliz da moda parece ser coletivo entre os que transitam na cultura criadora da moda,
conforme a Folha descreve no texto de Nina Lemos, Truques na passarela criam imagem da
mulher perfeita, ao apresentar as técnicas utilizadas pelos produtores no campo da moda:
em dia de desfile de biquíni, peço que as modelos tomem sol ou façam um
bronzeamento. Celulite aparece menos em quem não está bronzeado. Mas, se ela não
está, temos produtos autobronzeadores, usados no corpo das modelos. Algumas,
quando entram na passarela, passam também sprays, como os de cabelo, nas
nádegas. Isso parte delas, que assim ficam com a sensação de que tudo está mais
duro”. (2006)
Desta forma, “a adolescência é o fermento vivo da cultura de massa”, já que o lema
forte desta cultura é que todos sejam belos, amorosos e jovens. (MORIN, 2005, p. 157) Tudo
9
Em De Londrina,Flávia Oliveira se prepara para conquistar o mundo, por Camila Yahn, 2006.
89
converge para um modelo de estética renovada, nas roupas, nos cenários, nas cores, nas
maquiagens e, também, nos manequins. Pode existir a pluralidade das formas, embora restrita;
entretanto, há um elemento em comum na moda: o novo. É deste novo que a moda se
alimenta e fornece substância a ser trabalhada no campo do jornalismo. A Folha lida com o
novo de forma a expressar o impulso criativo da moda.
Cada modelo pode ter suas características, e em alguns casos, isto os torna especial.
Em 15 minutos para entender os homens, Nina Horta se surpreende ao encontrar as diversas
características do modelo masculino da moda: “[...] imaginem, cada modelo tem sua cara, tem
um que é a Angelina Jolie em homem, tem um filho de banqueiro, um ariano, um mulato
dengoso [...] outro forte como a morte, outro delgado como um bambu loiro”. Mas a diferença
do grupo não pode ser muito grande, há um ponto de concentração onde se espera que os
focos se encontrem: a força da novidade. “A cultura de massa tende a integrar os temas
dissonantes da adolescência em suas harmonias padronizadas. Tende a instituir um Olimpo
dos menores de vinte anos”. (MORIN, 2005, p. 156) O que Morin descreve é apresentado
pela Folha como ordinário no campo da moda. Juventude, beleza e riqueza são pontos
fundamentais dentro do campo, e que aparecem com grande força dentro da exaltadora visão
do jornalismo da cultura de massa, como é o caso da Folha de S. Paulo.
E como que a reposicionar este olimpo diariamente, a mídia na cultura de massa trata
de expor os rostos e os corpos do momento, enfim, nas sociedades permeadas pela cultura de
massa, coube a mídia, em especial ao jornalismo, o papel de legitimadora ou transformadora
dos modelos adotados. Desta maneira, a Folha se torna agente na calcificação da estética
juvenil no campo da moda e como referencial de beleza.
O jornalismo da Ilustrada, voltado à cultura, faz dos elementos que compõem a
estética juvenil da moda objetos de desejo cultural, implicando em torná-los fontes de
representatividade para inserção de indivíduos em determinadas camadas da sociedade. Neste
ponto, o jornalismo se rende ao apelo da moda e consegue servir de porta voz das suas
aspirações. Antes disso, é no campo da moda que são tecidos os modelos e características que
podem tornar os indivíduos seres mais dependentes de uma reformulação estética e
comportamental em contínua mutação.
90
4.4 'Outros' Valores Femininos
Por tudo que procuramos descrever em capítulo especial onde tratamos do campo da
moda, compreendemos que não há zona de maior repercussão das influências da moda do que
o universo feminino. Trabalhando com isso de forma surpreendente, o campo cria tendências,
valoriza e desvaloriza as formas, e no que tange as mulheres, implanta um sistema de coerção
comportamental e estética, implicando em grandes transformações nas maneiras com que as
mulheres buscam se posicionar na sociedade atual.
Nesta edição da semana de moda de São Paulo, a Folha de S. Paulo se apresenta
propensa à uma aparente mudança nos valores femininos, antes tratados com certo exagero no
que diz respeito aos aspectos eróticos das formas, hoje, encontrando o equilíbrio e
modificando o perfil feminino desejado. Não raramente, encontramos, na cobertura realizada
pela Folha Ilustrada, referências a um perfil de postura feminina que encontra, através das
formas, o equilíbrio comportamental no processo de socialização dos indivíduos.
Retomando a fala de Waldemar Iódice, em texto da Folha (2006), já apresentada ao
citarmos as transformações sentidas no conceito de sensualidade: “As mulheres estão se
preservando mais e mostrando menos. A sensualidade hoje em dia está muito mais na atitude,
no gesto. A mulher de hoje quer ser feminina, sem correr o risco de ficar vulgar”. Podemos ir
além e dizer que não somente o sentido de sensualidade passa por uma transformação, mas
antes disso, processa-se uma reorganização nos valores femininos, que acabam por serem
manifestados através da estética da moda e validados com a presença do jornalismo ao
difundir o conjunto destas transformações.
É perceptível o apreço da Folha em mostrar o quão saturado está o campo da moda e o
universo feminino com as demonstrações, comerciais ou não, de mulheres fatais ou
independentes ao extremo, inclusive independentes de serem mulheres. Em Para designers,
supersexy é brega, a Folha traz a referência da estilista italiana Miuccia, em desfile realizado
seis meses antes, dizendo: “Nós, mulheres, devemos nos voltar para o lado mais racional e
forte. Temos que parar de tentar atrair todo mundo. Nós devemos estudar”. Dentro desta
óptica, a Folha procurou resgatar valores que acabaram sendo encarados como inaceitáveis à
cultura de massa: a retomada do conforto em detrimento da sensualidade, a reformulação no
padrão corporal femininos, a polarização entre os dois perfis de feminilidade existentes no
91
campo da moda (o recatado e o vulgar).
A jornalista Camila Yahn, em Menos sexy e mais confortável, retrata o que a Folha
analisou já nos primeiros dias da São Paulo Fashion Week: “Aos poucos começam a aparecer
as tendências que devem definir a imagem da mulher no verão 2007. Este não será um verão
sexy. Será mais sério e preocupado com o conforto”. Esta foi a tônica que se seguiu nos dias
seguintes da semana de moda paulista e que a Folha procurou apresentar de forma a promover
a reelaboração dos sentimentos da sociedade em relação ao universo feminino. Para a Folha,
fica claro de início uma conversão dos valores femininos, o que parece agradar, de modo
geral, a quem estava interessado numa ruptura com alguns padrões que já se esgotavam.
Em seus textos, a Folha reativa o pensamento de uma transformação dos valores
femininos, demonstrando sua insatisfação com o desenfreado olhar sensualizado da moda. A
Folha reafirma seu olhar sobre o universo feminino ao colocar em evidência depoimentos
contrários a exploração do eros da mulher, e valorizando uma estética reformulada. Isto
acontece, por exemplo, em Comportadas e heroínas definem moda do verão 2007, onde a
polarização das personalidades femininas aparece nítida, a partir da observação de Neto e
Whiteman, editor e repórter de moda da Folha, respectivamente:
“De um lado estão as heroínas, mulheres fortes, que podem tomar a forma de
guerreiras, soldados e jagunços. Na outra vertente, surgem comportadas: discretas e
dotadas de delicadeza sem afetação, assumem ares intelectuais, com toques de uma
feminilidade contida. As heroínas são mais focadas no corpo. Usam armaduras,
cinturões e couraças para garantir o seu espaço. As comportadas assumem uma certa
fragilidade, sem cair em apelos fáceis do romantismo frufru e da sensualidade
escrachada”. (2006)
Ou ainda, quando retratam duas das alternativas de imagem feminina presentes nessa
edição da São Paulo Fashion Week: “As jagunças do designer usam camisas amplas e
bermudas largas, que camuflam as formas femininas. Escondem os seios e emprestam nas
estampas a força dos animais sertanejos. Quando elas assumem sua outra porção, com
silhuetas superfemininas, transformam-se em garotas intelectuais”. Isso significa ultrapassar
a fronteira da estética e fazer das roupas alicerces para um movimento de reestruturação do
conceito de mulher na sociedade atual.
Em observação ao que a Folha retrata, a mulher da moda é duplamente estereotipada;
entre a austeridade e a delicadeza, os valores femininos ganham perfis opostos, mais
especialmente, contraditórios. Se de um lado a mulher optar pelo resgate de valores
92
femininos, deixa à margem os impulsos de realização e atividade aos quais estão relacionadas
às características mais masculinas, ligadas às conquistas em todos os aspectos.
O que a Folha conseguiu perceber e apresentar desta edição da São Paulo Fashion
Week condiz com o cenário contemporâneo descrito por Lipovetsky (2004, p. 81):
“Coabitam duas tendências: a que acelera os ritmos tende à desencarnação dos
prazeres; a outra, ao contrário, leva a estetização dos gozos, à felicidade dos
sentidos, à busca da qualidade no agora. De um lado, um tempo comprimido,
'eficiente', abstrato; de outro, um tempo de foco no qualitativo, nas volúpias
corporais, na sensualização do instante. Assim é que a sociedade ultra moderna se
apresenta como uma cultura desunificada e paradoxal. Um acasalamento de
contrários que só faz intensificar dois importantes princípios, ambos constitutivos da
modernidade técnica e democrática: a conquista da eficiência e o ideal da felicidade
terrena”.
Neste sentido, a vertente escolhida pela Folha ao analisar as criações da São Paulo
Fashion Week vão de encontro ao que Morin (2005, p. 141) considera como primordial
quando se fala em mulheres na cultura de massa:
A mulher modelo desenvolvida pela cultura de massa tem a aparência da boneca
do amor. As publicidades, os conselhos estão orientados de modo bastante preciso
para os caracteres sexuais secundários (cabelos, peitos, boca, olhos), para os
atributos erógenos (roupas de baixo, vestidos, enfeites), para um ideal de beleza
delgado, esbelto quadris, ancas, pernas. A boca perpetuamente sangrenta, o rosto
pintado seguindo um ritual são um convite permanente a esse delírio sagrado de
amor que embota, evidentemente, a multiplicidade quotidiana do estímulo”.
Ou estamos vendo uma ressalva, em especial desta edição da semana de moda de São
Paulo, ou começamos a assistir uma transformação dos valores femininos na cultura de
massa, justamente por parte dos criadores e geradores dessa cultura. Na São Paulo Fashion
Week de julho de 2006, a acentuada defesa por grande parte dos estilistas, em depoimentos
dados a Folha, reflete a necessidade de uma mudança concreta nos perfis atribuídos como
sensuais e, também, uma reorganização das criações ao desenvolverem um novo sentido de
sensualidade: aquele que “traduz uma certa inocência peculiar às mulheres”, postura adotada
pela estilista portuguesa Anabela Baldaque, em Moda portuguesa quer conquistar o Brasil
(2006).
Seguindo as afirmativas de Morin (2005), “o modelo da mulher moderna opera o
sincretismo entre três imperativos: seduzir, amar, viver confortavelmente”. (p. 145) Na Folha,
a concepção reconfigurada do universo feminino surge claramente em alguns trechos onde é
descrita a nova roupagem desse universo. São mulheres chamadas de “mulher-homem com
93
terninhos curtos e largos, que esquece a vaidade para tornar-se mais forte” e que carregam em
si “uma imagem feminina mais livre de clichês de delicadeza, uma beleza sem fricotes”
10
.
Talvez, o que pudemos observar aqui, é que, fazendo parte de iniciativas de mudança
dos valores femininos, poderemos assistir uma revolução conceitual do posicionamento da
mulher na sociedade, entretanto, isto irá depender de fatores primordiais como, por exemplo,
a legitimação destes valores no campo da moda. Se levarmos em consideração o que
Bourdieu (1997, p. 39) atribui como elemento vital na aceitação de objetos dentro da cultura
de massa, compreenderemos que existem certos padrões que são colocados aos indivíduos
porque também são impostos aos criadores, e são impostos pela própria concorrência no
campo da criação. Isto quer dizer que a iniciativa da reestruturação dos valores femininos por
parte dos estilistas é louvável. Entretanto resta saber se este movimento terá continuidade
dentro do campo da moda, ou tratou-se apenas de um aspecto circunstancial desta edição.
Mas, algo que parece nítido é que no campo da moda há espaços para a construção de
valores femininos tais, que correspondam aos anseios internos, desde que possam ser
legitimados no próprio campo. A cobertura realizada pelo caderno Ilustrada da Folha de S.
Paulo serviu para evidenciar que o jornalismo cultural pode representar um dos campos onde
encontraremos legitimação de uma estética renovada, com valores sociais re-equilibrados.
4.5 'Outros' Valores Masculinos
Há aqui o ponto de maior ajustamento ao que Edgar Morin cita sobre as mudanças nos
valores masculinos provocados pela cultura de massa. Para Morin, os valores devidamente
masculinos estão ligados à virilidade, à força, à coragem, enfim, a tudo que serve de projeção
para o ser humano. Entretanto, ele vê na cultura de massa uma efeminização dos valores.
Morin (2005, 145) indica que “o homem se efemina: fica mais sentimental, mais terno, mais
fraco”.
No universo da moda, as mulheres são exaltadas em detrimento dos homens.
Entretanto, na cobertura jornalística realizada pela Folha de S. Paulo ficou evidente que a
edição da São Paulo Fashion Week de julho de 2006 trouxe grandes transformações no olhar
10
Em Fraga emociona com sertão, texto de Alcino Leite Neto e Vivian Whiteman.
94
da moda sobre o homem. Este olhar foi um dos pontos mais explorados nos textos da Folha.
As coleções desenvolvidas para os homens trouxeram à tona a reformulação que a cultura de
massa provoca nos valores de masculinidade. Segundo a Folha, os desfiles masculinos foram
mais representativos nesta edição do evento, justamente por apresentarem de imediato uma
nova configuração da moda masculina, o que no caso dos desfiles femininos demandou mais
tempo. Em Desfiles de Herchcovitch e V.ROM definem imagem, a Folha (2006) chegou a
conclusão de que “a imagem masculina do próximo verão ganhou contornos muito mais
nítidos na SPFW que a feminina. De um lado, aparece o boêmio-chique [...] Do outro, surge
uma imagem miscigenada [...]”.
A cobertura da Folha procurou evidenciar aspectos do universo masculino que
correspondem a um modelo de homem pós-moderno, inserido em um contexto menos
agressivo, ao menos fisicamente. O homem do século XXI também ganhou para si a estética
como um dos campos de manifestação de poder, e o corpo passa a ser utilizado como
ferramenta de conquista, em todos os ramos (financeiro, amoroso, social etc.). Isto implica
dizer que passamos a assistir a criação de mais um ambiente onde o exercício do poder se
torna constante, embora, as circunstâncias impostas pelo campo da moda exijam uma espécie
de dependência visual e comportamental para os homens que desejam assumir uma postura
diferenciada pelos pares.
Para os colunistas da Folha de S. Paulo, o homem capaz de compreender e se adaptar
ao novo cenário consegue explorar mais facilmente o seu potencial de modernidade e de
desligamento de preconceitos machistas: “O homem atual sabe expressar o seu bem-estar com
roupas mais soltas sem deixar de ser masculino”. De fato, não se perde a masculinidade; o que
acontece é uma reconfiguração do seu sentido, onde a satisfação do eu masculino está
diretamente ligada ao consumo de valores que estão manifestos nas peças de vestuário. Estas
peças proporcionam ao homem uma apresentação prévia de sua personalidade e de seus
anseios. A Folha entende que o homens-comuns, inevitavelmente, acabarão por lançar mão de
sua liberdade para aderir ao campo da moda, adotando a postura do homem moderno, de
maneira a satisfazer suas necessidades básicas de conquistas e bem-estar junto ao grupo.
O desenrolar desta adequação do homem ao campo da moda pode se apresentar como
uma dependência visual em grau tão alto quanto acontece com o universo feminino. Esta
adoção, entretanto, deverá ser mais paulatina para os homens, já que, além de padrões
95
estéticos diferenciados, há limitações fora do campo da moda, que reduzem a absorção dos
valores propostos em eventos de moda como a São Paulo Fashion Week: as relações
estabelecidas entre o grupo de amigos, as formalidades convenientes as relações de trabalho,
etc.. Tudo isto, acaba por interferir no processo de legitimação da mensagem explorada pela
mídia da cultura de massa.
A inserção de perfis femininos às características da moda masculina, por vezes,
aparece com exagero, na cobertura da Folha: “meninos trajando as criações da designer
seguravam grandes balões infláveis brancos, 'vestidos' com peças da coleção feminina
11
”.
Entretanto, a Folha deixa uma nítida impressão de que a cultura de massa admira o novo
homem, e que em alguns casos já foi encontrado o equilíbrio que eleva o potencial da cultura
criadora (transformadora) da moda: “[...] a moda masculina está mostrando um novo homem,
que fica confortável com valores até então atribuídos apenas às mulheres”
12
.
A moda já parece precipitar a nova conceituação dos ideais de masculinidade e
feminilidade: “à medida que se reduzem as grandes divisões entre o masculino e o feminino,
afirma-se a necessidade imperiosa de que se constitua algo como um universo da diferença
sexual [...] a era da igualdade não leva a confluência dos sexos, à indiferenciação andrógina
dos papéis do masculino e do feminino”. (LIPOVETSKY, 2004, p. 120) Como bem lembra
Lipovetsky, não é o fato de se diminuírem as diferenças entre os universos masculino e
11
Em Fraga emociona com sertão, por Alcino Leite Neto e Vivian Whiteman, 2006.
12
Em Moda masculina inova mais no verão, por Eva Joory, 2006.
Imagem divulgada pela Folha, a
respeito do desfile de Karlla
Girotto, onde mesclam-se as
criações femininas e masculinas.
96
feminino que implicará numa igualdade de valores entre ambos. Antes, vivenciamos um
processo de equilíbrio entre os dois universos, onde os valores apresentados pela moda e
difundidos pela mídia da cultura de massa passa por filtros dentro do processo de legitimação
das mensagens.
Evidentemente, o homem que aparece na Folha é um ser trabalhado pela indústria da
moda e aperfeiçoado pela mídia. Portanto, há um certo refinamento do eu masculino que
provavelmente é bem mais difícil de ser alcançado, assim como o é para as mulheres também.
Mas é importante ressaltar o quanto de carga de valores desprovidos de preconceitos
relacionados ao universo masculino passa a ser colocado em destaque na cobertura da
Ilustrada. E isso é percebido pelos próprios jornalistas de moda, como é o caso do crítico Lula
Rodrigues, que, em Moda masculina inova mais no verão, reflete sobre o homem no campo
da moda dizendo que: “Ele está mais disposto a aceitar novas propostas. Isso estimula os
estilista a criar”. E enquanto houver espaço para a criação, assistiremos a constantes saltos na
apresentação da personalidade masculina contemporânea.
Entretanto, gostaríamos de apresentar um olhar externo, que possibilite uma análise
mais fria, a respeito das criações desenvolvidas para o evento. Ao se referir as relações
mercantis que são estabelecidas dentro do campo da moda, a Folha apresenta uma visão mais
ponderada, reconhecendo que há limites na postura criadora dentro do campo, e que estas
limitações são impostas pela forma com que o mercado masculino aceita as comunicações de
moda que foram expostas nos desfiles. O jornalista britânico Colin McDowell, em
depoimento à Folha diz que “o problema é que a maioria dos homens ignora as tendências,
porque o que vende são as roupas tradicionais”. Como foi citado anteriormente, existem os
filtros que acabam por contra balancear o que é passível (legítimo) ou não de absorção na
esfera da vida comum dos indivíduos.
“Pode-se facilmente compreender por que, numa sociedade em que os padrões de
consumo, por motivos outros, estão mudando rapidamente, os indivíduos
precisariam constantemente ajustar seus hábitos de consumo com o fim de transmitir
os sinais corretos com relação a seu status social. Isso não deve ser visto como uma
resposta 'defensiva' aos esforços de alguma outra pessoa para 'passar à frente' nas
camadas de status, tanto quanto uma manobra 'corretiva'. Ou seja, a pessoa poderia
fazer a avaliação errada do status de um indivíduo, se ele continuasse a usar roupas
fora de moda ou a dirigir um modelo antigo de carro. O ingrediente dinâmico aqui,
porém, não é a competição ou emulação por status, ou mesmo a imitação, mas o
fenômeno da própria moda, e isso somente porque este se acha tão estreitamente
identificado com a emulação de status, que o modelo veblenesco parece justificar a
mudança”. (CAMPBELL, p. 85)
97
Assim sendo, a observação feita por McDowell à Folha indica que o universo
masculino ainda não legitimou as criações no campo da moda voltada aos homens. Esta
ilegitimidade pode existir por forças externas ao campo ou até mesmo por um distanciamento
que ainda persiste entre a cultura da moda e o universo masculino. O que fica claro é que a
moda parece pressionar os homens a atitudes mais imediatas, já que, aliada à mídia, o campo
da moda se torna um espaço onde são selecionados os perfis de indivíduos capazes de serem
enquadrados no contexto da pós-modernidade.
Assim, o que é comercialmente aceitável tem um peso muito grande na cultura de
massa. Provavelmente, o maior. Mas no campo da moda existem duas opções: ou se trabalha
com o novo e se tenta fazer vender este novo, ou se padece com o velho (tradicional) e se
anula a grande característica do campo: a busca pelo inédito. De alguma forma, a moda
encontra alternativas para vencer as barreiras impostas às criações masculinas, e mesmo os
homens, absorvem para si o que lhes parece conveniente do campo, o que lhes possam trazer
conforto, prazer ou felicidade.
Nos pontos elencados pela Folha, indica-se que no campo da moda estabelecem-se
vínculos cada vez mais fortes com o universo masculino. E, dificilmente, encontrando o
espaço para se enraizar, a moda abandonaria em prol de um retorno mercantil imediato.
Parece ser mais óbvio, que se os valores masculinos ressaltados pela Folha não implicarem
numa mudança em curto prazo nas adoções feitas pelo homem urbano, a moda continuará
reforçando suas mensagens de transformação dentro do universo masculino.
4.6 Os Olimpianos
“O olimpismo de uns nasce do imaginário, isto é, de papéis encarnados nos filmes [...]
o de outros nasce de sua função sagrada [...] de seus trabalhos heróicos [...] ou eróticos”.
(MORIN, 2005, p. 105) Com esta afirmativa, queremos expor que dentro do jornalismo
cultural iremos encontrar uma forma de desenvolvimento da celebração midiática e a
construção de um Olimpo, onde os ídolos da cultura de massa são sacralizados das mais
diversas formas, o que não garantem que serão imortalizados. Obviamente, refletindo sobre as
características do campo da moda em associação com o que é apresentado pela mídia da
cultura de massa, dificilmente a perpetuação acontece.
98
Nesta edição da São Paulo Fashion Week, a Folha de S. Paulo optou por levar ao
Olimpo os criadores de moda. Os estilistas tiveram seu papel sacralizado como os grandes
desenvolvedores de um perfil inovador de moda. Assim, a Folha inverteu as imagens: os
estilistas que, normalmente, definem os rostos e corpos da moda, passaram a ser produto
integrante da celebração que envolve a São Paulo Fashion Week. Isto pode implicar na
concessão de autonomia criativa à grande parte dos estilistas. O que de um lado pode ser
encarado de forma positiva, já que faz aproximar a moda das artes e leva a uma pluralidade
conceitual sobre o campo; por outro, gera uma espécie de aura que torna os estilistas
intocáveis às críticas sobre o trabalho desenvolvido, empobrecendo, de certa forma, o sentido
da cultura criativa da moda, que passa a ser mais subjetiva do que nunca, minimizando seu
papel de espelho das relações sociais estabelecidas.
Para a Folha, apesar de destacarem-se alguns artistas e modelos, coube aos criadores
das grifes, representarem o foco das atenções como pessoas célebres. Os estilistas ficaram em
evidência em todos os textos desenvolvidos no caderno Ilustrada, seja como idealizadores de
moda, ou como fontes de referências e opinião dentro do campo. Há uma forte tendência no
jornalismo da Folha em recorrer aos estilistas para afirmarem suas posições. Esta constância
pode indicar que o jornalismo cultural da Folha necessita do reforço retórico dos envolvidos
para que suas opiniões possam ser validadas no campo do jornalismo. Isto se configura, ao
mesmo tempo, numa estratégia mercadológica para que seja estabelecida uma ligação mais
forte entre as opiniões jornalísticas e o desejo do campo da moda.
Nesse caso, o uso da imagem de alguns estilistas podem engrandecer não somente os
textos da Folha, como também, a importância dada à semana de moda paulista. Um dos
principais estilistas do evento e que foi frequentemente citado por seu trabalho significativo
junto à cultura criadora da moda é Alexandre Herchcovitch, que para a Folha (2006)
“apresentou um emocionante desfile”, contribuindo na definição da imagem masculina e
também possibilitando “um dia feliz para a São Paulo Fashion Week”. Em alguns casos, a
Folha opta por demonstrar a evolução pelas quais passam os estilistas ao longo de suas
apresentações. É o que acontece com a estilista Danielle Jensen, que, segundo a Folha,
“mostrou o seu desfile mais bonito e bem-acabado”.
A bem da verdade, houve espaço até para mostrar uma certa diplomacia da moda
brasileira ao ter como “convidados especiais” da São Paulo Fashion Week Miguel Vieira e
99
Anabela Baldaque, dois estilistas portugueses, admiradores da moda brasileira
13
. A abertura
do Olimpo, ao mesmo tempo em que representa uma cessão de lugar a outras influências
culturais, ajuda a legitimar o próprio corpo de criação do evento, trazendo a moda
internacional como sujeito que reconhece dentro do campo a importância da semana de moda
de São Paulo.
Reinaldo e Pedro Lourenço são citados por Camila Yahn, em “De Londrina, Flávia
Oliveira se prepara para conquistar o mundo, ao demonstrar o quanto a modelo Flávia
Oliveira vem se destacando, inclusive fazendo parte de desfiles dos dois estilistas, que servem
como parâmetro do sucesso profissional da modelo. Neste sentido, a Folha trabalha muito
bem ao criar relações entre as figuras célebres e as que estão a emergir como celebridade. O
uso da imagem dos estilistas não só representa uma forma de nomear o sucesso do evento,
mas também é uma estratégia na composição da crítica do jornalismo da Folha, ou seja, a
divisão de responsabilidade entre o bom e o ruim, o certo e o errado, o moderno e o
tradicional é dividida entre que possui poder dentro do campo da moda; no caso específico da
semana de moda paulista, o poder transita, antes de tudo, sobre a cultura criadora nas pessoas
dos estilistas.
Continuando a formar o Olimpo da moda, a Folha destaca Pedro Lourenço, de apenas
16 anos, pelo seu elevado potencial criativo, reiterando que o estilista é uma das grandes
promessas da moda brasileira para os próximos anos. Para Alcino Leite Neto e Vivian
Whiteman, jornalistas da Folha, o estilista foi criador de “um exuberante desfile de despedida
da SPFW” e “é um dos principais talentos da moda brasileira”. Essa atribuição de valor ao
estilista é corroborada quando a Folha ressalta que Pedro Lourenço irá se afastar um dos
grandes eventos para que possa estudar artes plásticas no principal centro de moda do mundo,
Paris.
O fato de os jornalistas da Folha Ilustrada conferirem celebração aos criadores pelo
potencial apresentado, destoa do que é cena comum na cultura de massa: uma forte valoração
de atributos temporários, por vezes superficiais, e que não necessariamente tem algo
relacionado com o fruto de um trabalho nascido no campo das idéias. Isso pode significar, que
no campo do jornalismo cultural de um veículo de massa, como é o caso da Folha de S. Paulo,
ainda são encontrados resquícios de uma crítica apurada, mesmo que limitada pelas
13
Em Moda portuguesa quer conquistar o Brasil, por Eva Joory, 2006.
100
imposições mercadológicas que compõe o quadro de atuação do jornal.
Como já foi dito, um dos recursos aproveitados pela Folha de S. Paulo é utilizar o
capital simbólico de moda que alguns destes olimpianos dispõem, para que possam
referenciar posturas defendidas pelo jornalismo que tratou do evento. Assim, estilistas como
Amir Slama, Clô Orozco e Mário Queiroz aparecem em um grau diferente perante os outros
estilistas, em SPFW quer redescobrir a África, ao serem consultados sobre aspectos
discriminatórios aos negros dentro e fora do campo da moda. A Folha os coloca como porta-
vozes capazes de avaliar em que grau civilizacional encontra-se a moda brasileira. Isto quer
dizer que, mesmo o Olimpo sendo formado no campo do jornalismo, os níveis de celebração
são intrínsecos ao campo da moda, onde cada estilista é personalidade criativa individualizada
e capaz de ser apresentada em espaços e situações diferentes dos demais.
Outros estilistas, como Glória Coelho, Ricardo Almeida, Raquel Davidowicz, Patrícia
Vieira, Fause Haten, Juliana Imai, Isabela Capeto, Carlos Tufvesson e Maxime Peremulter
juntam-se ao Olimpo para que sejam descritas as programações culturais de destaque do
evento. Ao jornalismo cultural da Folha também coube realizar os 'serviços' aos quais estão
atrelados em suas sessões: dentro da cobertura da São Paulo Fashion Week, o caderno
Ilustrada também apresentou a agenda de desfiles dos dias, ressaltando os mais importantes e
os criadores e marcas envolvidos.
É bem possível, talvez inevitável, que numa futura cobertura da Folha, este Olimpo
seja desfeito como num passe de mágica, restando somente aqueles “deuses” que
conseguirem se legitimar, como criadores de estilo, dentro campo da moda e da mídia. De
qualquer forma, todos estes que se tornaram célebres, durante os dias do evento, assim
estiveram por terem uma postura que se enquadra aos padrões que a mídia convencionou
como passíveis de exaltação ou de contestação. No ambiente da cultura de massa, a
característica de célebre não é somente concedida aos que conseguem de maneira positiva
apresentar seu trabalho; há espaço também para hipervalorização do erro e das
desvirtualizações do indivíduo. O que é claro é que todo o processo é extremamente
passional, repleto de exageros de exibição de imagem e de extrapolação no sentido de
liberdade individual.
101
4.7 A Felicidade
Um dos sentimentos mais importantes, trabalhado na cultura de massa, é a felicidade
que as coisas, os atos ou as pessoas podem proporcionar. A cultura de massa trabalha com a
felicidade de forma a criar um ideal romântico e lúdico que permeie as suas produções. Para
Baudrillard (1995), “a quotidianidade [...] seria insuportável sem o simulacro do mundo”. (p.
25) Sendo assim, cabe-nos avaliar de que forma os sentimentos de satisfação e realização de
conquistas aparece retratado na cobertura da Folha de S. Paulo.
A Folha de S. Paulo, em seu caderno Ilustrada, trabalhou para formar o cenário deste
simulacro de felicidade, de maneira a ressaltar os aspectos positivos de alguns momentos do
evento, como em “Fraga emociona com sertão: “quando as modelos começaram a entrar na
passarela, porém, tudo revelou uma charmosa modernidade e uma força de criação e design
meticuloso, poético e apaixonado que deram a certeza que a moda brasileira realmente
existia”. Percebemos que faz parte da contextualização da moda um cenário onde as fantasias
possam ser concebidas de forma a exagerar na dosagem dos mais interiores ao indivíduo: se
romântico, é poético ao extremo, com um romantismo utópico; se selvagem, deixa-se levar
pela sensualidade exacerbada nas formas e nas ocasiões. No caso da São Paulo Fashion Week
não se deu de forma contrária: os tipos delicados eram totalmente opostos aos fanáticos por
ação. Isso tudo se passando num cenário ambientado a compor a mensagem na qual
enquadrava a opção de felicidade apresentada.
Na cultura de massa, a felicidade geralmente é fruto de fontes exteriores ao indivíduo
(se realiza no plano individual, porém depende fundamentalmente das relações sociais
estabelecidas nos grupos ou no ambiente do consumo). E estas fontes exteriores podem tomar
a forma de cenário onde se manifestam e são realizados os sonhos mais íntimos de cada ser.
No campo da moda, tudo é exterior ao indivíduo. Neste ponto, surge uma adequação de
sentidos que tornam a moda um ambiente de exaltação da felicidade almejada pelo homem-
comum. E o jornalismo, com seu papel de 'retratista' e impulsionador dos grandes
movimentos sociais, direciona seus esforços em apresentar de forma mágica todos os recursos
utilizados pelo campo da moda na concepção de um universo pleno de gozo.
102
No corpo também se coloca um foco para a realização pessoal, criado a partir da
aceitação de modelos outros que acabam por fugir de uma ditadura da magreza pelo menos
temporariamente. Vez ou outra, são criadas opções de interiorização de novos grupos de
indivíduos ao que se denomina como padrão estético da moda. Em Estilista tenta soltar
vestidos no céu de São Paulo, Nina Lemos apresenta a iniciativa da estilista Karlla Girotto em
trazer a reflexão sobre diferentes perfis corporais, que não têm espaço junto ao campo da
moda. A estilista disse que “mulheres normais, que usam manequim que vai do 44 ao 50, são
pesadas, mas podem voar. Essas mulheres têm a leveza de serem reais”. Com esse discurso, a
Folha aproxima do valor de felicidade com a realidade vivida, quebrando a barreira até então
intransponível das formas corporais da moda. Segundo a Folha (2006), “a idéia é subverter a
numeração das roupas e assim servir mulheres que fujam do padrão magro”.
Neste sentido, à colocação de Santaella (2004, p. 121) ao dizer que as roupas são
instrumentos de socialização dos corpos, adicionemos que a socialização provocada com esta
nova ordem que foi apresenta no discurso da Folha pode elevar o potencial de felicidade dos
indivíduos no campo. Na posição tomada pela Folha, encontramos uma chave que pode abrir
o universo da moda para os indivíduos que se encontram à margem do campo, e que, por
meio de uma reorganização do sentido de felicidade exposto pelo jornalismo, poderiam
compor o cenário eclético da moda.
A felicidade concentrada nas formas do corpo tem um componente que é vital para a
sua curta sobrevivência. Chega um ponto no qual não existem mais recursos à disposição dos
indivíduos para alcançarem os modelos que levam a esta felicidade, já que a reformulação
estético-corporal também é limitada. No campo da moda, ainda cabe o recurso da renovação
estética apoiada pela mídia. Entretanto, ao se perder o sentido de temporalidade que devem
ser sustentados os padrões, corre-se o risco da “deslegitimação” destes modelos.
No olhar da Folha sobre a São Paulo Fashion Week, a concepção de felicidade é
transferida para um cenário romântico, onde cabem os sonhos e um conto de fadas com final
feliz: “a moda é mesmo o reino da fantasia [...] Na passarela que simulava um bosque [...]
desfilou seus rapazes com colares hippies e chinelos, ternos impecáveis
14
”. Tudo surge muito
poético, habitado por impressões paradisíacas de indivíduos. Essa visão transforma até o
sentido do real, numa satisfação de perpetuação ilusória: “as e os modelos, depois de desfilar,
14
Em Evento começa com clima de paz e amor, por Alcino Leite Neto e Vivian Whiteman, 2006.
103
continuavam passeando pelo bosque: a visão foi feérica. No conjunto, até os homens (um
pouco grotescos) pareciam bonitos
15
”. A felicidade, através do jornalismo da Folha, foi
estendida além das fronteiras que compunham o evento de moda. A Folha eternizou a
sensação de beleza e perfeição pretendida na São Paulo Fashion Week.
No campo da moda, tudo pode ser belo, mas as ilusões não podem ser mal dosadas ao
ponto de que possam ser vistas como inalcançáveis. O jornalismo cultural, em especial na
Folha de S. Paulo, mas em diversos veículos, ao retratar o ambiente da moda, parece perder
um pouco o sentido do que é atingível pelo homem-comum e tenta realizar o vislumbre de um
ambiente mágico, utópico sem necessitar de uma análise concentrada para que isso possa ser
reconhecido.
Demonstrando um cenário de felicidade, que varia do “hedonismo do bem-estar, do
conforto, de um lado, e de outro lado, fruições do standing [...] e do prestígio”, como é
caracterizado por Edgar Morin (2005, p. 127), a Folha destaca que, na São Paulo Fashion
Week, é possível alcançar a “terra da Bela Adormecida”
16
. O cenário que propicia essa
sensação não está somente desenvolvido na passarela, mas em toda configuração do desfile,
“[...] cada cadeira tem uma margarida, paz e amor”
17
.
Para Morin (2005, p. 127), “a felicidade moderna implica, em todos os casos, a adesão
a aderência à realidade fenomenal, ao mundo empírico da vida vivida”. Chamando para
15
Em Crise de pânico e vaias coletivas, por Contardo Calligardis, 2006.
16
Em Evento começa com clima de paz e amor, por Alcino Leite Neto e Vivian Whiteman, 2006.
17
Em 15 minutos para entender os homens, por Nina Horta, 2006.
Cenário romântico idealizado
pelo estilista Ricardo Almeida,
no primeiro dia de desfile da
SPFW 2006.
104
viver esta vida, a Folha investe numa felicidade de alcance empírico “com aquela roupa
você é você [...]
18
”. É neste ponto que a Folha tenta unir o mundo imaginário das realizações
mais sublimes do indivíduo com a realidade empírica. A roupa se transforma em um objeto
que remete diretamente à felicidade, às conquistas desejadas, ao perfil sonhado, à fuga da
realidade vivenciada. Chegamos ao ponto onde a felicidade se realiza para o indivíduo mas
com a dependência de um objeto de consumo, condutor das suas realizações.
Há de se ressaltar que para haver o cumprimento desta felicidade existem padrões
reguladores e limitadores ao campo da moda, estes padrões podem ser administrados pelos
criadores do campo, pelo mercado, pela mídia, ou, em última estância, pelo homem-comum.
E mesmo exaltados pela mídia, legitimados no mercado, cabe, ao final de tudo, ao indivíduo a
decisão de pertencer ou não a esse contexto idealizado da moda. Inevitavelmente, ele vai estar
relacionado ao campo, seja como um marginal, por opção ou por exclusão, ou como um
integrado às regras. Porém, sempre é estabelecida uma ligação entre o homem-comum e a
estética da sociedade na qual ele está inserido.
As incursões aqui feitas pelo campo da moda na cultura de massa reativam discussões
acerca dos padrões que são enaltecidos pela mídia. A Folha percebe na São Paulo Fashion
Week uma tendência a reversão de valores modernos. As transformações no conceito de
sensualidade refletem um anseio que estava sendo curtido em alguns setores da sociedade, e
que, talvez, através da moda possa ser expresso de forma a causar uma mudança significativa
nas produções de moda brasileiras, em especial, nas que têm alcance direto a mídia televisiva
de massa.
Um novo modo de pensar os valores sensuais da estética proporciona diretamente uma
reformulação nos aspectos relacionados à vida do homem-comum (mulher ou homem). À
medida que se altera a estética, redescobrem-se novas formas de socialização e de
posicionamento da sexualidade. Provavelmente, estas mudanças não vão ser sentidas em curto
prazo, e ainda dependem de uma série de fatores que compõem o processo de legitimação do
que foi defendido na São Paulo Fashion Week e abordado pela Folha.
Além dos aspectos relacionados à sensualidade, os valores femininos sofrem um
grande impacto com esta reformulação da estética de moda. A mulher-objeto se desconstrói
18
idem.
105
em benefício de uma funcionalidade do vestuário, baseado no conforto e num modelo de
feminilidade comportada. A mulher apresentada pelo caderno Ilustrada da Folha reflete a
imagem de um equilíbrio comportamental, antes exagerado no apelo sexual, procurando
romper com valores tradicionais da sociedade.
O sentido de masculinidade também é alterado, com a reordenação dos valores
masculinos. Neste aspecto, parece que o universo do homem começou a sentir as grandes
transformações da moda somente nas últimas décadas, e ainda caminha para um modelo
equilibrado. Entretanto, o impacto que a cultura de massa provoca na vida do homem aparece
de forma incisiva da moda, principalmente, a partir da modelagem juvenil. O que garante que
serão formadas gerações baseadas numa nova concepção de estética masculina.
Essa nova geração é a que sente o grande impacto das comunicações de moda atuais.
Os mecanismos que possibilitam a identificação com os padrões revelados pela moda estão
inseridos na cultura juvenil. São os jovens que conseguem sentir mais expressivamente o
reflexo cultural de qualquer reformulação estética que seja apresentada em eventos de moda e
difundida pela imprensa na cultura de massa.
Ao apresentar no vestuário um instrumento de socialização, o campo da moda
transfere para o homem-comum a possibilidade de inserção em grupos cujas características
culturais estejam diretamente relacionadas ao modo como a imagem do corpo é apresentada.
Assim, a moda transfere o sentido de bem-estar e de felicidade para um cenário construído,
entre outras coisas, por objetos de consumo. No caso desta edição da São Paulo Fashion
Week, a Folha apresentou um modelo de felicidade baseada na livre fruição da imaginação,
manifesta na roupa e ambientada em contextos lúdicos e românticos. Em especial, esta
idealização pareceu ser mais projetiva do que identificativa, levando-se em consideração o
contexto social pelo qual passava a cidade de São Paulo na ocasião do desfile, e que foi
rebatido em diversos desfiles conforme foi apresentado pela Folha.
106
CONCLUSÃO
Ao conduzirmos nossa pesquisa para a área do jornalismo cultural, pudemos nos
deparar com um momento especial para o campo. Vindo de um jornalismo com uma análise
mais apurada de conteúdos culturais mais rebuscados, o jornalismo cultural passou por
grandes transformações no processo de adaptação do jornalismo aos meios de produção de
massa desenvolvidos nas sociedades do século XX. Em especial, o jornalismo cultural sofreu
o impacto das alterações no campo da cultura atreladas a revolução industrial, que possibilitou
o surgimento de conteúdos culturais massivamente difundidos.
O papel do jornalismo cultural que até então era o de codificar os conhecimentos da
cultura erudita para o público mediano, procurando alargar o leque do conhecimento cultural
da sociedade, passou a ser o de expositor de eventos e produtos culturais que surtissem
atração para a grande massa. Salvo algumas excessões, assim aparecem as editorias de
jornalismo cultural da imprensa brasileira.
Debruçando-nos sobre esta questão, enxergamos no jornalismo cultural o potencial
para reverter este quadro, buscando a retomada do jornalismo crítico, agora, com uma
proposta diferente: se de início o jornalismo cultural refletia em torno das manifestações da
'alta cultura', hoje, cabe a si a análise de manifestações entranhadas na cultura de massa que
mereçam especial atenção deste campo para que se possam identificar elementos constitutivos
das sociedades atuais.
Neste ponto, encontramos a convergência entre o campo da moda e o do jornalismo,
ambos atuando como retratadores dos valores sociais contemporâneos. A moda,
reorganizando-se nos sentidos e nos valores mais diversos, repercute diretamente na vida do
homem-comum, provocando grandes transformações nas expressões dos indivíduos em
sociedade. Alterando os valores de masculinidade, feminilidade e sexualidade, a moda se
apresenta como o campo que mais representa o perfil da cultura de massa: altamente exigente
das aparências, num ritmo acelerado de absorção dos valores e com a sua reformulação
constante para que o 'novo' seja o grande propulsor das produções realizadas.
107
Ao escolhermos o São Paulo Fashion Fashion Week como o objeto de estudo desta
pesquisa, deparamo-nos com a descoberta de que um evento de moda deste porte é muito
mais carregado de informação e de valores sócio-culturais do que poderíamos imaginar.
Descobrimos que à São Paulo Fashion Week cabe sintetizar o pensamento da criatividade da
moda brasileira, tendo a possibilidade de constituir o quadro estético que irá ser utilizado nos
próximos meses do ano. Além disso, a disposição para criar um quadro inovador e particular
da estética brasileira aparece como uma das buscas do evento que a cada ano ganha mais
espaço junto à imprensa nacional e internacional.
Neste sentido, o jornalismo cultural praticado pela Folha de S. Paulo, em especial no
seu caderno cultural Folha Ilustrada, serviu como o outro ponto onde podemos enxergar o
quanto a moda contribui para a formação e a renovação dos valores sociais na vida do
homem-comum. Em diversas ocasiões, a Folha se apresentou como expectadora de uma
reformulação no conteúdo estético da moda que direcionava a propagação de novas
concepções acerca dos valores de nossas sociedades.
Contudo, fazia-se necessário que pudéssemos compreender a informação cultural que
foi passada pela São Paulo Fashion Week e divulgada pela Folha de S. Paulo a partir de
pontos de análise previamente estabelecidos. Assim, os apontamentos feitos por Edgar Morin
acerca das características da cultura de massa se fizeram presentes em nossa análise para que
pudéssemos evidenciar os valores que acabam sendo formado através da relação estabelecida
entre o campo da moda e o campo do jornalismo.
Morin, já na década de 1960, enxergava que a cultura de massa transformava o sentido
dos valores mais comuns dos indivíduos, causando grande impacto social. O que fizemos foi
transpor alguns de seus enfoques para o que conseguimos visualizar dentro da cobertura da
São Paulo Fashion Week feito pela Folha de S. Paulo. Tomamos a liberdade de
transformarmos em categorias de análise alguns pontos ressaltados por Morin, como por
exemplo o sentido de felicidade, as transformações nos valores de masculinidade e
feminilidade, a força da estética juvenil, entre outros.
Assim, na cobertura realizada pela Folha pudemos perceber que diversas
reformulações irão atingir os universos masculino e feminino em breves tempos. Percebemos
ainda, que no campo da moda cabe espaço para o surgimento de celebridades no campo da
108
criação, e que apesar de frívolo, o campo consegue perpetuar quem se mantem no seu
discurso. Ainda, pudemos avaliar que a felicidade está diretamente relacionada a satisfação
corporal, que, em muitos casos, se dá através da adoção de uma estética juvenil. Todos estes
valores reforçam a nossa sensação de que a moda é muito mais do que um ambiente onde
estão presentes a luxúria e o glamour, a moda é uma expressão da cultura das sociedades.
Para nós, encontrarmos relações entre o que Morin analisou em meados do século
passado e os valores atuais da sociedade brasileira não foi grande surpresa. Acreditamos que a
principal contribuição desta pesquisa acontece em torno do descobrimento dos elementos que
estão configurados na mudança destes valores observados por Morin.
A cada época, cabe uma análise particular, compreendendo que existem fundamentos
próprios para a construção dos valores sociais que permeiam a vida do homem-comum.
Acreditamos que conseguimos extrair da análise feita a partir da Folha de S. Paulo, elementos
(trans) formadores da estética, da cultura e das formas de relacionamento do indivíduo em
sociedade.
A moda e o jornalismo se configuraram como dois ambientes que acompanham as
mais diversas transformações sociais, aptos para servirem como retratos culturais das
sociedades.
109
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111
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Disponível em: http://vejinha.abril.com.br/especiais/20anos_folha.shtml
113
ANEXO 1
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 2006
AFRO pop
São Paulo Fashion Week começa hoje e busca inspiração na cultura africana do
passado e do presente
Alcino Leite Neto Editor de Moda
Vivian Whiteman Da reportagem local
A São Paulo Fashion Week, que começa hoje e segue até a próxima terça, ganhou
uma imprevista tonalidade política. Ao eleger a cultura africana como tema do evento, a
semana de moda jogou luz, para o mundo fashion, sobre a questão racial no Brasil,
justamente no momento em que o país discute a adoção de cotas para negros nas
universidades públicas.
O empresário Paulo Borges, organizador da São Paulo Fashion Week, diz que
ainda não tem opinião formada sobre o assunto, mas acredita que, "se [as cotas] são
algo que abrem possibilidades para as pessoas, elas só podem ser válidas".
Como todo o país, os estilistas também se dividem sobre o tema. Modelos negros,
por sua vez, defendem as cotas. Para a top Emanuela de Paula, o projeto "é um bom
incentivo na luta contra o preconceito".
Durante sete dias, serão apresentadas 48 coleções de 45 grifes, que prometem
um verão de imagem forte, cores vivas e comprimentos reduzidos. No embalo da África,
as misturas de estilos e culturas estão em alta. Na política fashion, a miscigenação é
hype.
114
ANEXO 2
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 2006
SPFW quer redescobrir a África
Evento ganha tom político ao festejar a cultura africana no momento em que o
Brasil debate cotas para negros
Da redação
Da reportagem local
Em busca de sua identidade -muito discutida mas de contornos ainda pouco
definidos-, a moda brasileira foi procurar na África as pistas sobre suas raízes e o seu
futuro. Esse movimento de reaproximação com o continente não é inédito, mas aparece
agora com novo foco: a prioridade não é listar elementos de heranças tribais, mas
descobrir a cara mais pop da África contemporânea.
"Vivemos um momento de trocas culturais, e os africanos interessam a todos com
a sua riqueza cultural, sua vibração e energia criativa", afirma o empresário Paulo
Borges, organizador da São Paulo Fashion Week, que nesta edição terá a cultura da
África como tema.
A inspiração africana do evento não determina o estilo das 48 coleções que serão
mostradas de hoje até terça, mas alguns estilistas decidiram abordar a África nos
desfiles.
"O conhecimento que temos de nossas raízes é muito superficial. Estamos
passando por um momento de revisão", diz o estilista Mario Queiroz. Ele apresentará
uma coleção com referências aos trajes cerimoniais africanos e à moda de Salvador dos
anos 40. "Além dessa grande tendência que é olhar para a África, acredito que esta será
a primeira estação em que os modelos negros realmente terão grande destaque", aposta.
Para estilistas da SPFW, embora a moda não tenha participação primordial na luta
contra preconceitos, ela começa a refletir uma nova atitude em relação aos negros. "A
melhor e mais nova atitude em relação a este problema está vindo dos jovens. A geração
globalizada está assimilando a riqueza da miscigenação de uma forma muito positiva",
analisa a designer Clô Orozco, da Huis Clos. "A moda sempre tratou a relação de Brasil e
África de forma decorativa. Isso deve mudar", diz o estilista Ronaldo Fraga.
Moda e política
O destaque dado à África e à cultura negra na SPFW ganhou um imprevisto rumo
político na última semana, com as discussões a respeito da criação de cotas para afro-
descendentes nas universidades.
Como no Congresso, os fashionistas também estão divididos a respeito. "Sou a
favor, mas não só na universidade. Tem que começar na pré-escola, onde se inicia o
Apartheid", diz Ronaldo Fraga. "Defendo os aspectos positivos das cotas, mas só isso não
resolve a situação. Precisamos de um trabalho de base na educação", afirma Mario
Queiroz.
Já Clô Orozco e Amir Slama -que transferiu o desfile da Rosa Chá para Nova York
e participa apenas com a Sais, sua segunda linha- são contra as cotas, que, para eles,
podem aumentar o preconceito. "Deveria ser levado em conta o grau de pobreza e não o
elemento racial", afirma Slama, que já foi professor de história.
Paulo Borges ainda não tem uma posição pessoal sobre as cotas, mas comemora
o fato de seu evento abrir certo espaço para discussões sociais. "Não é nossa intenção
fazer política, mas somos também uma espécie de alto-falante para a vida brasileira. A
moda não é algo que se esgota nela mesma."
115
O quente do verão
Polêmicas à parte, na passarela o clima será de muito calor e muita cor. Os
vestidos são destaque, e os comprimentos anunciam um verão ultraquente. "O desejo
pelos curtos vem com força total", adianta Clô.
Já os biquínis, como se viu no Fashion Rio, crescem um pouco. "O conforto vem
tomando o lugar dos modismos. As peças de banho estão ficando maiores", diz Amir
Slama. Para o estilista, a cara da praia está mudando. "Estamos vendo um novo conceito
de sensualidade." (Alcino Leite Neto e Vivian Whiteman)
116
ANEXO 3
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 2006
Tops da moda apóiam cotas para negros
Camila Yahn Colaboração para a Folha
Chegou a vez das tops Emanuela de Paula, Rojane Fradique e Carmelita, três das
mais belas modelos negras do país. Destaques no Fashion Rio, em junho, elas prometem
repetir o sucesso na SPFW.
A baiana Rojane, 19, é o corpo da estação -perfeitamente torneado e rígido,
mantido graças a freqüentes sessões de ginástica. Engajada, ela reclama do fato de as
modelos negras só aparecerem nas passarelas no verão. "É como se o inverno dos
negros não existisse. Espero que isso mude", diz.
Carmelita e Emanuela não vêem essa exclusão como preconceito, mas, sim, como
adequação ao perfil da estação. "Nós combinamos com o verão mesmo", afirma
Emanuela, de Cabo de Santo Agostinho (perto de Recife) e candidata a musa do verão
2007. "Imagine uma branquela de biquíni!", brinca. Recentemente, ela fotografou as
campanhas da M.A.C e Gap Body.
Carmelita, 21, vem de Itabira (MG). Quando perdeu os pais, aos dois anos, foi
adotada por um tio. Foi criada no interior e chegou em São Paulo há pouco mais de um
ano.
Com histórias diferentes, as três têm um dilema em comum: tentam, a duras
penas, concluir seus estudos. Emanuela terminou o 3º ano colegial via internet, de Nova
York, onde vive atualmente. Rojane ainda faz o 2º ano. Em casa mesmo.
Todas as três são a favor de cotas para negros no ensino e no mercado de
trabalho."Está na hora de mexer na história do racismo. Este projeto deve trazer mais
oportunidades aos negros", afirma Carmelita. Rojane concorda: "Quem é contra não está
querendo que a gente se desenvolva. De tão discriminados, os negros ficam com receio
de se apresentar numa empresa ou faculdade", diz. Para Emanuela, o projeto das cotas
"é um bom incentivo na luta contra o preconceito".
Claro que elas estão orgulhosas com a escolha da África como tema da SPFW. "Os
negros poderão ser mais valorizados. Antes era só loiro, loiro, loiro", diz Carmelita. "Os
modelos negros vão bombar nesta edição", dispara Emanuela.
117
ANEXO 4
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 2006
Neon Mania
Alcino Leite Neto Editor de moda
Vivian Whiteman Da reportagem local
Na última edição da São Paulo Fashion Week, eles montaram um cabaré na
passarela e fizeram as modelos arrancarem as roupas como num show de striptease.
Não era simples exibicionismo. O cabaré de Dudu Bertholini e Rita Comparato, da grife
Neon, tinha algo de brechtiano. Com muito humor, expunha as fantasias voyeurísticas da
moda e o jogo entre comércio e sedução.
Eles são assim: inventivos, debochados, independentes, com um pé no luxo e
outro no underground. Suas roupas megaestampadas, com modelagens aéreas, liberam
as fantasias femininas, fazendo cada mulher se sentir num paraíso muito tropical e muito
livre.
A grife está virando mania entre as brasileiras descoladas. Os pontos-de-venda da
marca no país passaram, nos últimos 12 meses, de 20 para 35. Todas querem vestir
Neon, do mundo indie ao planeta Caras, de Luíza Lovefoxxx (do grupo Cansei de Ser
Sexy) a Wanessa Camargo.
"O boom veio depois do verão de 2005, quando passamos a usar seda e
modelagens mais femininas", diz Dudu, que adora se vestir com as próprias roupas que
cria.
Antes, as malhas predominavam. E as batas, cangas e pareôs não davam espaço
para os modelos curtinhos e sensuais que as brasileiras gostam e que eles resistiram
tanto a criar. "Agora, o Conselho Jedi das Mulheres Lindas e Charmosas está sendo
dominado pelo Império das Gostosonas", brinca Rita. Os looks com estamparias
exuberantes continuam a marca registrada -são 70% das vendas no Brasil e 100% no
exterior.
Dudu, 26, e Rita, 26, se conheceram na Faculdade Santa Marcelina, em 1998. Não
se separaram mais. Rita se formou, virou uma craque em modelagem. "A modelagem é
uma ciência", ela diz, sobre este trabalho difícil de dar forma concreta às fantasias do
estilista. Dudu largou a escola e foi ser stylist e produtor.
Em 2002, foram convidados para fazer um editorial para a revista "Freeze" e
resolveram criar os próprios maiôs.
O nome da grife veio logo em seguida -e por pouco ela não foi batizada de Batom.
Logo depois, fizeram o primeiro desfile, na casa de Dudu. "A Carol Trentini ia da cozinha
para o quarto, enquanto minha mãe servia docinhos para os convidados", ele recorda. "É
o meu desfile predileto, o menos comercial", diz Rita.
Em seu desfile no último dia da SPFW, os estilistas prometem outra "apresentação
cênica surpreendente", para mostrarem um caleidoscópio de imagens femininas muito
quentes, inspiradas em africanas, baianas, ciganas, piratas e espanholas. "Nossa moda é
anti-romântica. Queremos associar elegância com inteligência e alegria de viver", diz
Dudu. "A vida é muito dura para termos que vestir coisas chatas", sentencia Rita.
118
ANEXO 5
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 13 de julho de 2006
Evento começa com clima de paz e amor
Em dia de ataques do PCC, SPFW traz desfile evocando John Lennon, com a
presença do prefeito de SP, Gilberto Kassab
Estilista Alexandre Herchcovitch mostrou a melhor coleção do dia; já a carioca
Patricia Viera acerta nos trabalhos em couro
Alcino Leite Neto Editor de Moda
Vivian Whiteman Da reportagem local
A moda é mesmo o reino da fantasia. Na manhã de ontem, enquanto a cidade de
São Paulo vivia uma nova onda de ataques da facção criminosa PCC, o estilista Ricardo
Almeida abria a temporada verão-2007 da São Paulo Fashion Week ao som de
"Imagine", canção de John Lennon que prega muita paz e muito amor.
Na primeira fila, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, acompanhava o desfile,
enquanto o coro ao vivo, acompanhado por um tecladinho gospel, cantava em inglês,
caprichando no tom celestial: "Imagine todas as pessoas vivendo em paz". Do lado de
fora da Bienal, o clima estava mais para um rap dos Racionais.
Na passarela, que simulava um bosque, Ricardo Almeida desfilou seus rapazes
com colares hippies e chinelos, ternos impecáveis, calças com formas sequinhas e as
cores claras das cartelas dos verões passados. Tudo bem feito, mas sem emoção
renovada. No detalhe e no conjunto faltou uma idéia forte e pessoal, uma aposta, um
risco.
E, se Ricardo Almeida brincou de país das maravilhas, a Uma, da estilista Raquel
Davidowicz, se jogou com tudo na terra da Bela Adormecida. O desfile da grife, arrastado
e repetitivo, foi profundamente soporífero. O que, na concepção da marca, deveria ser
uma coleção com pegada punk, virou uma sucessão de looks bem-intencionados, mas
sem invenção e sem personalidade.
Giletes
Alexandre Herchcovitch fez um dos desfiles mais vibrantes de toda a história de
sua grife. Partindo de referências africanas, o estilista mostrou um streetwear de grande
sofisticação, com um excelente trabalho de estamparia. Xadrezes, listras e florais se
misturavam com incríveis efeitos óticos. O padrão criado com desenhos de giletes é
surpreendente e, em algumas peças, foi construído sobre os tecidos com um meticuloso
trabalho de aplicação de miçangas.
A coleção de Patricia Viera não trouxe surpresas na modelagem, com os looks
predominantes de saias rodadas com cinturas altas e marcadas. Mas as interessantes
peças que ela consegue realizar com o couro continuam a emocionar e são o ponto alto
de seu criação -um dos destaques foi o couro que simulava jeans.
A Sais, de Amir Slama, apresentou simpáticas estampas de notinhas musicais e
florais ultracoloridos. A modelagem variou entre os biquínis tipo sunguinha e fofas tangas
com amarrações. É uma coleção que deve cair facilmente no gosto da clientela jovem da
marca.
119
ANEXO 6
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 13 de julho de 2006
Truques na passarela criam imagem da mulher perfeita
Nina Lemos Colunista da Folha
Durante os desfiles de verão, modelos passeiam perfeitas de biquínis e maiôs.
Para quem vê as moças na passarela, até parece que elas não têm celulites e estrias que
acometem qualquer mulher. Mas modelo também é gente. O que existe nos desfiles de
moda praia são truques de iluminação e maquiagem para esconder "imperfeições".
"A luz é tudo e faz muita diferença", conta a top Gianne Albertoni nos bastidores
da Sais, para quem desfilou de maiô. "Algumas vezes já me achei horrível, porque tem
luz que acaba com qualquer mulher e faz aparecer celulite até onde não tem." Gianne
tem seus próprios truques. "Sempre passo hidratante para que a luz reflita melhor no
corpo", diz.
"Celulite faz parte da mulher, e claro que em um desfile de moda praia você tenta
esconder todas as marcas", diz o stylist Paulo Martinez, responsável pelos desfiles de
Fause Haten e de Patricia Viera. Os truques de Martinez incluem corretivo para o corpo e
um jogo especial de iluminação.
"Uso uma contraluz da cor âmbar e uma luz clara que vai direto para a passarela.
Essa claridade reflete no corpo das modelos e surte um efeito de Photoshop [programa
de computador usado para tratamento de imagens]", diz. Para que a "limpeza" seja
perfeita, Martinez explica que a passarela deve ser clara, de preferência branca. "Ela
funciona como um espelho que reflete a luz."
O editor de moda Giovanni Frasson, responsável pelo desfile da Sais, também tem
seus truques. "Tento fazer com que a luz do desfile seja parecida com a do fim de tarde
de outono. Aquela luz em que todo mundo fica mais bonito, e as marcas não aparecem."
No desfile da Sais, a passarela era de madeira clara. Para ele, a luz é o mais importante,
mas um bom bronzeado também ajuda.
"Em dia de desfile de biquíni, peço que as modelos tomem sol ou façam um
bronzeamento. Celulite aparece menos em quem não está bronzeado. Mas, se ela não
está, temos produtos autobronzeadores, usados no corpo das modelos." Algumas,
quando entram na passarela, passam também sprays, como os de cabelo, nas nádegas.
"Isso parte delas, que assim ficam com a sensação de que tudo está mais duro", explica
Roque Castro, coordenador de cabelo e maquiagem do desfile da Sais.
120
ANEXO 7
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 13 de julho de 2006
15 minutos para entender os homens
Nina Horta Colunista da Folha
Tenho 15 minutos para entender tudo, observar a roupa de Ricardo Almeida, eu
que não diferencio um blazer de um jaquetão.
Numa tela o Arduíno Colassanti, que já foi o homem mais lindo, talvez também o
mais elegante, fala do tempo e do mar e tem no rosto as manchas que o sol e o tempo
tatuaram. Acho bonito um homem velho bonito, e um coral canta John Lennon, e cada
cadeira tem uma margarida, paz e amor ("imagine all the people sharing the world") e
espero uma trip para os 70. Voltarão as calças bocas-de-sino, e o símbolo hippie, e as
cores psicodélicas, e a bolsa masculina? Arre!
Já sei, daqui a minutos entrarão os meninos-meninas, Tadzios de olhares vagos,
seduzindo sem serem seduzidos, catatônicos. Não, bobagem, já me disseram que
Ricardo Almeida veste o presidente Lula, serão modelos atarracados e de olheiras
profundas. Veste o "puder", como diria Sarney.
Esqueçam, já estão pisando as folhas secas, atenção, muita atenção. Ora, errei
("you may say I"m a dreamer!"), imaginem, cada modelo tem sua cara, tem um que é a
Angelina Jolie em homem, tem um filho de banqueiro, um ariano, um mulato dengoso
("a brotherhood of man"), outro forte como a morte, outro delgado como um bambu
loiro.
A ordem é olhar a roupa, calça baixa, sandália. Não, deixa que as entendidas
descrevam. Para mim fica a imagem de um bom gosto nada gritante, nada colorido
demais nem bizarro. Só bonito, limpo, cheiroso, alegre, risonho, funcional, normal. Quem
se importa com o número de botões do terno, se ele cai às mil maravilhas? Até pode
flertar com o chique, mas quem precisa mostrar que é poderoso e rico através das
roupas? ("What do they care?").
Agora começa a fazer sentido, desde o Arduíno na praia, e todas estas roupas que
se ajustam àquele homem, àquele homem único, o Ricardo Almeida não inventou nada,
ele somente deixa ser. Livre, espontâneo, um pouquinho sexy. Tudo bem, o quanto baste
("nothing you can do, but you can learn to be you, in time"). É isto. Com aquela roupa
você é você, e "all you need is love".
121
ANEXO 8
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 13 de julho de 2006
Desfile da Ellus é interditado
O Contru interditou o pit de fotógrafos e parte das arquibancadas do desfile da
Ellus, onde ficariam os convidados. Boa parte das pessoas teve que sentar no chão do
Bosque dos Eucaliptos, próximo ao lago do parque Ibirapuera, o que provocou revolta
nos fashionistas. Vários deles desistiram do desfile, que estava marcado para as 21h15 e
atrasou mais de uma hora. Oito carrinhos apenas estavam à disposição para levar quase
mil convidados do prédio da Bienal para o bosque. A maioria teve que ir a pé. A
assessoria priorizou, nos carrinhos, a imprensa internacional e os patrocinadores.
(Camila Yahn e Nina Lemos)
Carol Trentini nas alturas
Quem quiser ter a modelo gaúcha Carol Trentini em sua passarela terá que
desembolsar um cachê que gira em torno de R$ 10 mil a R$ 20 mil. Para fechar
exclusividade com a Zoomp, sua agência fez uma negociação à parte.
Uma conta foi feita de quantos desfiles Trentini deixaria de fazer para saber o quanto
perderia. Normalmente, a modelo pega em torno de 30 desfiles por cada temporada. É
só fazer as contas. Carol também é a estrela das campanhas da Zoomp e da Rosa Chá,
ambas fotografadas pelo também gaúcho Jacques Dequeker. (Camila Yahn)
Dasluzetes
Ocupando lugares na fila A do desfile de Ricardo Almeida, Eliana Tranchesi e suas
dasluzetes aproveitaram os flashes para divulgar o estilo Daslu e usavam uma
camisetinha preta com o logo da loja. Também na primeira fila estava Supla, que vestia
um terno roxo exclusivo de Ricardo Almeida. (Camila Yahn)
Moda sem medo
O medo causado pelos ataques do PCC não abalou os fashionistas. Muitas pessoas
ignoravam os ataques. "Ataque de quê?", perguntava a estilista carioca Layana Thomás,
junto com a amiga Nina Becker. "Passei a noite trabalhando, não sei o que acontece no
mundo", afirmou Nina.
122
ANEXO 9
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2006
Medo de ataques afeta semana de moda
Desfiles marcados fora do Ibirapuera sofrem mudança de última hora e serão
realizados no local oficial do evento
Para organização da SPFW, alterações se deve a vários fatores, inclusive
mudança de rotina na cidade; à tarde, local estava semivazio
Camila Yahn Colaboradora da Folha
Nina Lemos - Colunista da Folha
Alguns desfiles da São Paulo Fashion Week que aconteceriam fora do prédio da
Bienal (parque Ibirapuera) foram mudados de lugar e serão realizados no espaço oficial
do evento.
As apresentações de Reinaldo Lourenço (hoje) e Glória Coelho (domingo) deixam
de ocorrer no showroom do futuro shopping Cidade Jardim e no shopping Iguatemi,
respectivamente, e vão para o Ibirapuera.
Em parte, as mudanças ocorreram para evitar problemas com órgãos municipais -
que ontem tentaram impedir o desfile da Ellus no Bosque dos Eucaliptos, no Ibirapuera.
Mas as trocas se devem ao receio da organização do evento de não ter assegurada a
proteção de tantas pessoas nos locais anteriormente previstos, num momento em que
São Paulo vem sofrendo ataques do crime.
Segundo a organização da SPFW, as alterações se devem "a um conjunto de
circunstâncias, sobretudo a mudança na rotina da cidade e ao fato de os órgãos
municipais estarem fazendo vigilância intensa sobre os chamados eventos transitórios,
como os desfiles fora do espaço oficial".
Ontem à tarde, o prédio da Bienal, normalmente lotado na semana de moda,
estava semivazio. À noite, quando os ônibus voltaram a circular, o público e o burburinho
também retornaram aos corredores e lounges.
A paralisação de cerca de 80% dos ônibus da cidade fez com que funcionários não
fossem trabalhar no evento. "Muitos não conseguiram vir hoje", diz um segurança, que
pediu para não ser identificado.
O estilista Carlos Tufvesson contou que teve menos público do que esperava.
"Muitos amigos do Rio me telefonaram, dizendo que não viriam porque estavam com
medo."
Quem foi ontem à SPFW driblou seu sentimento de pânico. "Liguei para vários
amigos pedindo opinião para saber se vinha ou não", diz o cabeleireiro Marco Antonio Di
Biaggi. Depois de ir aos desfiles, ele planejava "se trancar em casa". "Só vim porque
minha filha desfilou", afirma a bióloga Eliana Bittar, mãe da top Marcele Bittar. "Passei o
dia trancada em casa por causa dos ataques."
A imprensa internacional presente no evento parece menos assustada. "Acabei de
voltar de Israel e nada me aconteceu. Temos que continuar com nossas vidas", diz a
americana Renata Espinosa, do site "Fashion Wire Daily".
123
ANEXO 10
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2006
Peixes inspiram Pedro Lourenço
Alcino Leite Neto Editor de moda
Vivian Whiteman Da reportagem local
O estilista Pedro Lourenço fez ontem um exuberante desfile de despedida da
SPFW. A inspiração veio de uma pesquisa sobre peixes miméticos -capazes de mudar de
cor e de formato para afastar os predadores ou atrair as presas. A idéia resume o espírito
da coleção e, de certa forma, a imagem feminina criada pelo designer nos seus dois anos
de desfiles na SPFW: figuras ambíguas que podem ser duras e austeras ou delicadas e
sedutoras.
Pedro abriu o desfile com uma boa seqüência de looks curtíssimos, com capuzes e
vestes que lembravam as malhas de metal usadas por soldados na Idade Média. As golas
e decotes apareceram adornados com escamas transparentes. As mulheres-peixe do
estilista ganharam leveza, com seus corsets sensuais e pantalonas fluidas, e revelaram
sua porção sereia com vestidos em laranja vibrante e framboesa.
A silhueta, de arquitetura requintada, oscilou entre os rigores formais
aristocráticos, que vêm da última coleção de inverno do estilista, e a feminilidade da Dior
nos anos 50. Pedro, 16, vai se afastar do circuito para estudar artes plásticas em Paris, e
é um dos principais talentos da moda brasileira.
Na seqüência do segundo dia de desfiles da temporada verão-2007 da SPFW,
Alexandre Herchcovitch apresentou sua coleção para a Cori, inspirada nos anos 20. As
franjinhas do charleston apareceram em simpáticos macaquinhos ou camufladas em
minivestidos de seda. Os pontos altos foram os looks em jacquard brocado com estampa
digital e as peças com estampas bordadas em canutilhos.
Com a apresentadora Angélica na passarela, Carlos Tufvesson fez seu retorno à
SPFW. Apostando em uma cartela de cores de beges, brancos e pretos, o estilista
apresentou vestidos vaporosos, bem ao gosto duvidoso de suas clientela famosa, com
muitas estrelas globais.
124
ANEXO 11
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2006
Crises de pânico e vaias coletivas
Contardo Calligaris Colunista da Folha
O desfile da Ellus aconteceu entre as árvores do Bosque dos Eucaliptos, com a
fonte do Ibirapuera como pano de fundo. E com uma hora de atraso.
Centenas de pessoas ficaram, por um bom tempo, amassadas ou enfiadas em corredores
de barreiras que evocavam a espera do gado antes do momento fatal. Houve brigas de
malucos exasperados (com intervenção dos seguranças), uma crise de pânico e vaias
coletivas, invocando as "Organizações Tabajara".
Quando o desfile começou, alguns tinham ânimo só para debochar: as primeiras
luzes foram recebidas por um "Haaa!" zombador. A causa da Ellus parecia perdida.
Mas o desfile nos ganhou, aos poucos. As roupas eram leves, pareciam panos drapeados
e enrolados ao redor dos corpos, como saris curtos e esvoaçantes. A mistura de
estampas e tramados de cores vivas e padrões diferentes evocava uma diversidade livre,
não apenas das roupas.
As e os modelos, depois de desfilar, continuavam passeando pelo bosque: a visão
final foi feérica. No conjunto, até os homens (um pouco grotescos) pareciam bonitos. O
grupo deambulava pelo Ibirapuera como uma versão luminosa das turmas mais escuras
que habitam o parque à noite. E isso na São Paulo sitiada destes dias, lembrada pelas
luzes do trânsito, na distância.
125
ANEXO 12
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 15 de julho de 2006
Verão custa a se impor na semana de moda
Alcino Leite Neto Editor de moda
Vivian Whiteman Da reportagem local
Está custando a engrenar o verão-2007 da SPFW. Exceto por algumas coleções
excepcionais, os estilistas têm encontrado dificuldades variadas para firmar imagens
fortes para a próxima estação. Três dias já se passaram, e pouca novidade se impôs. É o
caso de perguntar se o inverno, afinal, não inspira mais os criadores em São Paulo do
que o verão.
Até o momento, boa parte dos criadores resolveu se firmar em terreno seguro,
sem correr riscos. Todos sabem que o conservadorismo do consumidor brasileiro, sem
falar nas suas limitações de gosto e de dinheiro, impõe restrições às ousadias na criação.
Uma semana de moda, porém, deveria ser a vanguarda do estilo no país -combinar o
comércio com alguma arte é o segredo da moda. Ou será que os estilistas se
conformarão em ficar em segundo plano na produção da imagem de moda no país,
deixando à TV, com suas roupinhas, o papel de ditadora do gosto brasileiro?
Percebe-se que falta a boa parte dos criadores pesquisas de formas menos
preguiçosas, idéias mais emocionantes para a estação e uma concepção mais pessoal a
respeito da imagem feminina que desejam impor. Cores e estampas enfadonhas,
modelagens tímidas, iconografias previsíveis, tudo isso tem injetado muita monotonia
neste início da SPFW.
É preciso falar também das direções de arte dos desfiles, cada vez mais inclinadas
ao kitsch. É certo que o kitsch exerce um fascínio enorme na moda brasileira, mas não se
pode aproximar dele, hoje, sem humor e olhar crítico.
126
ANEXO 13
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2006
Fashionistas descobrem o parque da Luz durante desfile
Nina Lemos - Colunista da Folha
"Andei meio quarteirão para chegar até aqui. Vim correndo. Morri de medo."
Assim a estilista Daniela Gorlov, 37, definiu seu passeio até o parque da Luz, na região
central de São Paulo, onde aconteceu o desfile da grife V.ROM, na manhã de ontem,
dentro do calendário da São Paulo Fashion Week. A apresentação foi realizada em volta
de um coreto antigo, onde uma banda tocava marchinhas de Carnaval.
Gorlov, assim como algumas pessoas da platéia do desfile, não conhecia o parque,
apesar de ser paulistana. "A gente já passou aqui perto quando foi a um casamento na
Estação da Luz, lembra?", diz Julia Dienkhuerken, 25, advogada, para a mãe, a advogada
Tania, moradora do Morumbi, que afirmou nunca ter visto o parque da Luz. Nem de
longe. "Nunca tinha olhado, não venho muito para essa região."
A designer gráfica Olímpía Novaes, 45, também não tinha curiosidade sobre o
parque, um dos mais antigos da cidade. "Nunca tinha reparado nele. Eu sabia que aqui
perto, na Pinacoteca do Estado, tinha um restaurante legal", afirma, indiferente à
importância histórica do parque e da Estação da Luz. Olímpia também temia que o local
pudesse ser violento. "Jamais viria aqui se não fosse em um dia de evento como esse.
Pode ser perigoso."
Os freqüentadores do parque, que aproveitaram para ver o desfile de longe -um
cercadinho "protegia" a área do desfile e dos convidados- não acham que o local seja
perigoso. "Aqui é um lugar maravilhoso, bem policiado, tranqüilo e ótimo para trazer as
crianças", diz Cecília de Souza, 80, que vai ao parque da Luz todos os dias há pelo
menos 40 anos.
As marchinhas de Carnaval tocadas no coreto fizeram com que Cecília lembrasse
de uma época em que o local era mais animado. "Deviam fazer mais shows aqui", ela
diz, sem se importar por não conseguir ver o desfile direito.
Contrastes
O fato de os modelos não desfilarem perto dos sem-convite frustrou quem veio de
longe só para ver um desfile de moda pela primeira vez. "Os modelos podiam passar
mais perto, né?", reclama Milena Remédio de Lima, 28, que saiu de São Miguel Paulista
(zona leste) só para ver o show da V.ROM. Ao seu lado, a engenheira Vera Martins, 35,
perguntava: "Já acabou? Desfile de moda é sempre rápido assim?". "Calma, agora vão
entrar as mulheres", tentava acalmar o metalúrgico Marcos Fernando, 31. A V.ROM é
uma grife de moda masculina.
Os convidados do desfile foram embora rapidamente. "Já percebi que São Paulo é
uma cidade de muitos contrastes. Existem os muito pobres, os ricos, os feios, os muito
bonitos", observava o jornalista venezuelano Mario Aranaga.
127
ANEXO 14
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2006
Desfiles de Herchcovitch e V.ROM definem imagem
Alcino Leite Neto Editor de moda
Vivian Whiteman - Da reportagem local
Com o desfile de Maxime Peremulter, ocorrido anteontem, e as apresentações da
V.ROM e de Alexandre Herchcovitch, ontem, a imagem masculina do próximo verão
ganhou contornos muito mais nítidos na SPFW que a feminina. De um lado, aparece o
boêmio-chique, que aposta numa mistura esperta de elementos esportivos e toques
nostálgicos da elegância tropical, como o terno de linho e o chapéu de palha. Do outro,
surge uma imagem miscigenada, que promove o encontro das tribos da rua com uma
rica salada étnica.
Alexandre Herchcovitch apresentou um emocionante desfile, direto e com edição
de looks muito precisa. Seus meninos têm pegada reggae e misturam referências
africanas, elementos rastafári e símbolos judaicos com naturalidade. A coexistência,
desejo que vai além da moda, é o fundamento. Na prática, o conceito se transforma em
incríveis macacões que valem por dois: olhados de longe parecem uma combinação de
camisetas com calças ou bermudas, sempre com cores e estampas diferentes.
Além disso, o estilista trabalhou também aspectos de uma alfaiataria
despretensiosa e voltada para o conforto, com ótimos blazers, calças mais amplas e
camisas tipo bata. A V.ROM exibiu cambraias em ótimas bermudas cargo, às vezes
combinadas com paletós, e também em camisas soltas ou em batas. Referências
militares ajudavam a estruturar os looks, muito confortáveis.
Foi um dia feliz para a São Paulo Fashion Week. Também as grifes Maria Bonita e
Huis Clos fizeram coleções fortes. As duas apresentações, de formas diferentes,
sugeriram uma imagem feminina mais livre de clichês de delicadeza, uma beleza sem
fricotes. Danielle Jensen, da Maria Bonita, deu sequência à pesquisa de formas, de
efeitos de transparência e de geometria iniciada no inverno passado e mostrou o seu
desfile mais bonito e bem-acabado.
Clô Orozco, da Huis Clos, continua seu romance com o moulage, mas nesta
coleção submetida a estruturas elegantes. As dobras são cada vez mais sutis e precisas e
as alças ganham lugar de destaque no suporte das formas. A paleta de cores foi um
espetáculo à parte, bancando tons difíceis e até masculinos, como o cáqui.
128
ANEXO 15
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2006
Moda portuguesa quer conquistar o Brasil
Eva Joory Colaboração para a Folha
Chegou a vez de Portugal apresentar a sua moda no Brasil. A novidade foi
divulgada pelo escritório Art&Moda, que vai lançar novas marcas de roupas masculinas
em lojas do país. Na São Paulo Fashion Week, pela primeira vez, dois estilistas
portugueses, Miguel Vieira e Anabela Baldaque, participam do evento, como convidados
especiais. Ele desfila hoje. Ela, amanhã.
Os dois admiram a moda brasileira. "A moda aqui tem uma naturalidade incrível.
Os estilistas são criativos de forma não óbvia", diz Anabela. Miguel concorda: "A moda
brasileira é muito atual, mas não identifico uma moda especificamente daqui. Vivemos
em um mundo globalizado, há um intercâmbio de tudo o que acontece no mundo".
Anabela faz moda para mulheres. Miguel, com mais de 20 anos de carreira, tem linhas
masculina, feminina, jeanswear, jóias, acessórios e objetos de casa e decoração. A
estilista portuguesa diz que a coleção que irá mostrar na SPFW "traduz uma certa
inocência peculiar às mulheres".
Miguel descreve o seu estilo: "Faço uma moda minimalista, que prima pelo
acabamento e os tecidos nobres. O importante é ter qualidade". Na semana de moda, o
estilista vai mostrar uma coleção inspirada na África do Sul dos anos 50. Filho de mãe
brasileira, Miguel diz que seu sonho é se aposentar no Brasil.
O desafio de ambos é agradar aos compradores e público brasileiros. "Portugal
tem uma tradição têxtil muito forte. Queremos abrir novos mercados para nosso país",
diz Anabela. A loja Clube Chocolate está entre os possíveis compradores das coleções de
ambos.
129
ANEXO 16
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2006
De Londrina, Flávia Oliveira se prepara para conquistar o mundo
Camila Yahn - Colaboração para a Folha
Os olhares da São Paulo Fashion Week vão todos para a modelo Flávia Oliveira.
Esta garota de Londrina tem encantado o mundo da moda com sua beleza enigmática, ao
mesmo tempo delicada e muito forte.
Aos 22 anos, Flávia é uma das tops mais requisitadas da nova geração, já tem
reconhecimento internacional e chega a ganhar mais de 10 mil euros por desfile nas
temporadas internacionais. Nesta São Paulo Fashion Week, ela já apareceu nas
passarelas de Alexandre Herchcovitch, Reinaldo e Pedro Lourenço e Osklen.
O burburinho em torno da top começou quando ela foi contratada para um desfile
da Yves Saint Laurent, em Paris, no ano passado. Foi seu primeiro desfile. Logo em
seguida, vieram fotos para a "Vogue" italiana e campanhas para Salvatore Ferragamo e
Blumarine.
Flávia voltou ao Brasil "formada" pelos profissionais mais fortes do mercado: os
estilistas Karl Lagerfeld ("tem cara de bravo, mas é um fofo", diz ela), Stefano Pilatti, da
YSL ("o homem mais cheiroso do mundo"), Francisco Costa, da Calvin Klein ("divertido e
sempre muito gentil") e John Galliano, da Dior.
Foi com Galliano que Flávia viveu uma de suas histórias mais engraçadas. Durante
uma prova para os desfiles de alta-costura, ela estava nua, aguardando a roupa que
usaria. Para ficar mais à vontade, um produtor disse que ela poderia se isolar numa
salinha. "Quando entro, totalmente nua, dou de cara com o Galliano. Ele apenas me
disse: "Bonjour!". E eu, morrendo de vergonha, fiquei peladona na frente dele", conta.
Depois de São Paulo, ela viaja para Nova York, onde fotografa um editorial de 12
páginas para a revista "Harper's Bazaar", uma das principais do mundo.
130
ANEXO 17
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 17 de julho de 2006
Fraga emociona com sertão
Glória Coelho mostra a melhor coleção do dia, num mix de aristocracia e rock
Karlla Girotto troca modelos por balões em desfile-performance no parque
Ibirapuera, fazendo as roupas flutuarem no ar
Alcino Leite Neto Editor de moda
Vivian Whiteman Da reportagem local
O deslumbrante desfile de Ronaldo Fraga ontem à noite lançou às alturas a SPFW,
imersa até então num marasmo aterrador, apesar de algumas ótimas coleções aqui e ali.
A princípio, tudo levava a pensar que o mineiro Fraga faria outra imersão regionalista.
Quando as modelos começaram a entrar na passarela, porém, tudo revelou uma
charmosa modernidade e uma força de criação e design -meticuloso, poético e
apaixonado- que deram a certeza que a moda brasileira realmente existia.
Inspiradas em Guimarães Rosa, as estampas capturam criaturas e paisagens do
sertão. Bois e cobras passeiam sobre cores terrosas, corujas espreitam luares em azul-
marinho e gaiolas de madeira surgem vazias, evocando a imagem do pássaro liberto.
Livres também são as formas, que apareceram nos lindos vestidos soltos em algodão e
cambraia, com recortes nos decotes e janelas nas costas. A alfaiataria cria uma Diadorim
atual, a mulher-homem com terninhos curtos e largos, que esquece a vaidade para
tornar-se mais forte.
Conhecida por suas apresentações performáticas, a estilista Karlla Girotto tirou os
fashionistas do prédio da Bienal e fez seu desfile-instalação num dos jardins do
Ibirapuera. Meninos trajando as criações da designer seguravam grandes balões infláveis
brancos, "vestidos" com as peças da coleção feminina. Karlla diz que a idéia foi criticar a
ditadura da magreza nas passarelas.
Glória Coelho mostrou boas séries de looks, entre o aristocrático e o rocker,
armados por crinolinas revestidos com barrados e aplicações. Destacaram-se os ótimos
casacos e casaquinhos desmontáveis, com golas, mangas e barras destacáveis, que
pareciam peças diferentes de acordo com o ângulo de visão.
131
ANEXO 18
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 17 de julho de 2006
Estilista tenta soltar vestidos no céu de São Paulo
Nina Lemos Colunista da Folha
A estilista Karlla Girotto queria que os vestidos mostrados ontem em sua coleção,
exibidos pendurados em balões durante uma performance no Ibirapuera, saíssem voando
pela cidade.
Ela não pôde levar o plano à frente porque foi proibida pela Infraero. Sim, um
vestido voador poderia derrubar um avião. A idéia do "vôo", de acordo com a estilista, é
mostrar que mulheres normais, que usam manequim que vai do 44 ao 50, são pesadas,
mas podem voar. "Essas mulheres têm a leveza de serem reais", afirma.
A coleção lançada ontem por Karlla numa escada do parque, em apresentação
aberta ao público, chama "de verdade". A idéia é subverter a numeração das roupas e
assim servir mulheres que fujam do padrão magro. O PP é o número 44; o P, o 46; o M,
o 48. Com o G, ela quer vestir mulheres que usem o tamanho 50. "Não teria como usar
modelos para mostrar essa coleção, pois quis fazer roupas justamente para mulheres
que não se alinham com o padrão da moda." Uma top, em geral, veste 34, no máximo
36.
Mas por que não usar modelos que fujam dos padrões? "Eu fui para outro
território estético. E é muito difícil trabalhar isso dentro do sistema da moda. As pessoas
sempre esperam ver modelos magras e altas, porque as roupas ficam mais perfeitas
nelas", diz.
Alexandre Herchcovitch também quebrou o padrão dos modelos em sua coleção
masculina. Dos 20 rapazes que desfilaram, apenas seis eram modelos. "Queria garotos
com dreadlocks [tipo de trança rastafári]. Tínhamos todas as etnias e manequins que iam
do 36 ao 42." Os modelos foram encontrados na rua ou em agências de atores.
132
ANEXO 19
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 17 de julho de 2006
Um desfile nostálgico na São Paulo psicótica
Marçal Aquino Especial para a Folha
Teve o clima nostálgico dos antigos carnavais o desfile da V.ROM na manhã de
anteontem, entre as árvores do parque da Luz. No coreto desse espaço magnífico (que a
maioria dos paulistanos desconhece), uma típica bandinha evocou marchinhas
carnavalescas imortais como trilha sonora. Sempre tive curiosidade por desfiles. Coleções
de roupas podem ser artefatos narrativos complexos, já que contam histórias, criam
personagens, buscam efeitos que vão do humor ao drama. Eu me interesso por tudo que
é narrativo. E, claro, tem as mulheres, não vejo por que negar. Desafortunadamente,
acompanhei o desfile de uma grife masculina. Se para mim não foi fácil, também não foi
mole para os modelos. Alguns deles desfilaram descalços e sofreram com as pedrinhas
do parque da Luz. Mantido a distância, o povão parecia meio perplexo com o que via
tanto na passarela improvisada quanto na platéia de convidados. Não me lembro de ter
visto antes tribos humanas diferentes se olhando com tamanha curiosidade e assombro.
No encerramento do desfile, quando os músicos atacaram de "Cidade Maravilhosa", em
homenagem ao malandro carioca, a nostalgia foi inevitável. Estava no rosto de quem
deixava em silêncio o acolhimento bucólico do parque para mergulhar de volta numa São
Paulo conflagrada. Uma cidade à beira da psicose. É, deu saudade de outros carnavais,
dos bons tempos em que até a malandragem era inocente.
133
ANEXO 20
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 17 de julho de 2006
Cor preta domina verão 2007
Eva Joory Colaboração para a Folha
Quem está acostumado a investir em um verão multicor, deve se preparar: a cor
da próxima estação é o preto. Assim ditam as passarelas da SPFW. Looks em preto têm
dominado boa parte das coleções da semana de moda.
Para Tufi Duek, da Forum, apostar no preto no verão é uma vontade "coletiva". "O
preto não deveria sair de moda, nem mesmo no verão", diz. Associado à elegância mais
formal, o preto agora adquire novos ares, como na coleção de Reinaldo Lourenço, que o
mesclou com pink. "O preto é uma tônica, é ele quem faz a cor vibrar", afirma.
"Ninguém mais agüenta ver estampas, estava na hora de renovar", diz Oskar Metsavath,
da Osklen. Para ele o preto e o branco respiram, são mais leves: "Combinados são
exuberantes". Misturar preto e branco, como tem ocorrido com freqüência na semana de
moda, é uma atitude "cool", na opinião da empresária e crítica de moda Costanza
Pascolato. "Esse mix sempre existiu na Europa. São cores que se completam", diz.
Para a consultora de moda da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil),
Aissa Basile, o preto é o quente do verão por uma razão muito simples: "Os estilistas
estão pensando nos negócios". "O preto e branco são cores mais fáceis de vender do que
as estampas e as cores."
134
ANEXO 21
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 17 de julho de 2006
Menos sexy e mais confortável
Camila Yahn Colaboração para a Folha
Aos poucos começam a aparecer as tendências que devem definir a imagem da
mulher no verão 2007. Este não será uma verão sexy. Será mais sério e preocupado com
o conforto. Os vestidos estão fluidos e leves, sem muitos exageros. Conheça algumas
tendências:
Inverno no verão: De olho na exportação, as marcas estão apostando num verão
global, em vez de trabalhar com uma temperatura tropical. O resultado são calças e mais
calças, vestidos mais longos e muitos paletozinhos e jaquetas. Será que os compradores
internacionais têm interesse em comprar roupas brasileiras com filtro europeu?
Cores: Ironicamente, é o preto a cor dominante deste verão (leia ao lado).
Estampas: De biquínis a vestidos, as listras de zebra têm aparecido com
freqüência nas passarelas. Reinaldo Lourenço foi um dos que mais apostou no estilo.
Comprimento: logo acima do joelho, especialmente nos vestidos.
Hit da estação: O macaquinho está nas principais coleções, como Triton e Cori, e é uma
das peças mais desejáveis do verão.
Plataforma: é o sapato da hora. Visto nos desfiles de Herchcovitch, Reinaldo e
Pedro Lourenço e Triton, ela vem com design sofisticado.
135
ANEXO 22
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 18 de julho de 2006
Comportadas e heroínas definem moda do verão 2007
São Paulo Fashion Week termina hoje e deixa duas imagens de mulher, como
nas coleções de Isabela Capeto e Raia de Goeye
De um lado, garotas fortes, na forma de jagunças, guerreiras ou soldados; de
outro, moças frágeis e com ares intelectuais
Alcino Leite Neto Editor de Moda
Vivian Whiteman Da reportagem local
Na reta final da São Paulo Fashion Week, que termina amanhã, começam a ser
definidas as novas imagens do verão 2007. Da salada de referências, emergem dois
fundamentos básicos, que criam correspondências entre si e misturam-se dentro da
mesma coleção ou até no mesmo look. De um lado estão as heroínas: mulheres fortes,
que podem tomar a forma de guerreiras, soldados e jagunços. Na outra vertente, surgem
as comportadas: discretas e dotadas de delicadeza sem afetação, assumem ares
intelectuais, com toques de uma feminilidade contida.
As heroínas são mais focadas no corpo. Usam armaduras, cinturões e couraças
para garantir o seu espaço. As comportadas assumem uma certa fragilidade, sem cair
em apelos fáceis do romantismo frufru e da sensualidade escrachada.
Para as heroínas, as peças-chave são as estruturadas. Os coletes aparentemente
pesados são destaque -como o de Juliana Imai no desfile da Raia de Goeye, grife que
mostrou uma coleção correta, mas sem grandes idéias de modelagem.
Completam o guarda-roupa as referências militares -como os ponchos, casacos e
quepes de Herchcovitch-, os elementos que revestem a área do colo -como os tops da
Forum, emoldurando e reforçando os seios-, e as citações medievais -como os capuzes
guerreiros de Pedro Lourenço e as malhas metálicas da Maria Bonita.
Para as comportadas, vestidos soltos e mais curtos, com comprimentos logo
acima do joelho. Os looks mostrados ontem por Isabela Capeto caem como uma luva
para esta mulher. A designer não ousou nas formas nem renovou suas referências
artesanais, mas criou boas peças, como os vestidos com detalhes nas alças, os
macaquinhos e os shorts.
A comportada também apareceu nos vestidos com dobras estratégicas e na figura
inteligente da mulher Huis Clos, nos looks longos e frescos da Osklen, nas
neoaristocratas de Gloria Coelho, nas garotas-bombom de Reinaldo Lourenço e nas
imagens retrôs e divertidas da Zigfreda.
Nas passarelas, os dois fundamentos apareceram lado a lado dentro de diversas
coleções, mas tiveram diálogo especial no sertão moderno de Ronaldo Fraga, inspirado
em Guimarães Rosa e na dualidade sexual do personagem Diadorim.
As jagunças do designer usam camisas amplas e bermudas largas, que camuflam as
formas femininas. Escondem os seios e emprestam nas estampas a força dos animais
sertanejos. Quando elas assumem sua outra porção, com silhuetas superfemininas,
transformam-se em garotas intelectuais.
A ambigüidade da imagem feminina neste verão ganhou sua síntese no vestido-
pavão do belo desfile de Lino Villaventura: o estilista recorre às penas coloridas do
macho vaidoso para dar força à sua mulher.
136
ANEXO 23
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 18 de julho de 2006
Ser ou não ser importante na semana de moda de SP
Nina Lemos Colunista da Folha
O mundo da moda é um lugar esquisito. Para começar, existem as filas. Se você é
importante, senta na fila A. Se você é um pouquinho importante, vai para a B. E se você
não tem importância nenhuma, vai parar no fundão (as filas D, E, F, G, H), onde não
enxerga nada.
Se você está na primeira fila, quer saber quem são aquelas pessoas sendo
fotografadas. "Por que tem fotógrafos ali?", você pergunta. "Não é nada, é só a Mariana
do "Big Brother'", responde sua amiga. Sim, se você aparece na TV, você é importante e
vai sentar na fila.
Quem é importante almoça separado de quem não é. Os VIPs vão ao Café de la
Musique, onde um filé de linguado custa R$ 58. Os importantes "nível médio" se regalam
no bufê do restaurante do MAM, que custa R$ 30. Se você não é nem um pouco VIP nem
tem dinheiro, vai a um quilo chamado Green, no parque Ibirapuera, onde se come um
bom prato por R$ 8.
Quem não aparece na TV, mas é da imprensa internacional (um grupo enigmático
que senta nas primeiras fileiras) também é importante. "Eles tratam a gente muito bem.
Consigo ver os desfiles, o que é essencial", diz a italiana Daniela Liconti, da revista
"Collezione". Ela é tão VIP que está hospedada, com outros 70 estrangeiros, no hotel
Renaissance.
Mas existe outro grupo enigmático: os integrantes de Imprensa Brasil. Isso
significa que eles não são de São Paulo nem do Rio. A Imprensa Brasil senta no fundão.
"Muitos estilistas não falam com a gente", reclama Jamil Moreira Castro, do "Correio da
Bahia".
Tudo muda se você estiver usando uma roupa exótica. Aí, acham que você é
estrangeira. "Las tarjetas, por favore", diz um segurança. Você acabou de virar gringa!
137
ANEXO 24
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 18 de julho de 2006
Cavalera terá 15 peladonas no desfile de encerramento
Camila Yahn Colaboração para a Folha
Menores de 18 anos serão barrados no desfile da Cavalera, que encerra, nesta
noite, a temporada verão-2007 da São Paulo Fashion Week. Tudo por conta da
"cenografia", que inclui 15 mulheres nuas. A Cavalera é do deputado estadual Alberto
Turco Loco (PSDB-SP).
As garotas foram contratadas através de uma agência de modelos, mas estão
longe do padrão de magreza imposto pela moda. "São mulheres com corpos normais,
mulher com corpo de mulher", diz Ricardo Gonzales, diretor de marketing da Cavalera.
"O Brasil é um país sensual e alegre. Por que temos que assumir uma estética parecida
com a belga num país tão lindo e colorido?", pergunta.
Antes disso, os fashionistas migram para o autódromo de Interlagos, onde
acontece o desfile masculino da Cavalera, na área da pole position. Como aconteceu na
última temporada, no Museu do Ipiranga, passantes poderão acompanhar a
apresentação da grife, que vai liberar uma arquibancada de 600 lugares para o público.
138
ANEXO 25
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 2006
Neon faz show com Marilyns tropicais
Modelos da grife paulistana desfilaram sobre saída de ar, deixando o vento
levantar os vestidos superestampados
Cavalera apresentou sua coleção masculina no autódromo de Interlagos, ao
som do grupo Secos e Molhados
Alcino Leite Neto Editor de moda
Vivian Whiteman Da reportagem local
Já que asfalto é praia de paulista, a Cavalera levou os fashionistas à pista do
autódromo de Interlagos para mostrar sua coleção de verão masculina, no último dia da
São Paulo Fashion Week. Embalados por clássicos da banda Secos e Molhados, um
batalhão de 53 meninos caminhou sob o sol na longa "passarela" a céu aberto da pista
de carros.
Deixando para trás os excessos de coleções passadas, o time de designers da
Cavalera apostou num streetwear bem brasileiro e de espírito relax. Os destaques foram
os microshorts, os moletons confortáveis e os macacões jeans, que imitavam os usados
por pilotos.
A Cavalera abriu o último dia da SPFW, e também fechou a semana de moda, com
o desfile feminino, que contou na passarela com beldades seminuas fingindo tomar sol
em montinhos de areia. A coleção, porém, foi menos feliz que a masculina. Reverberando
idéias do inverno passado, quando fez um de seus melhores desfiles, a Cavalera repetiu
idéias e modelagens. Os balonês e os volumes em camadas de babados e as mangas
longas deixaram tudo pesado demais para o verão, roubando o frescor da coleção. Os
melhores looks surgem quando as formas são mais leves, como no delicado macaquinho
com efeito patchwork floral.
No último dia, a São Paulo Fashion Week recuperou o humor e a sensualidade que
estavam faltando ao evento -graças, sobretudo, ao delicioso desfile da Neon. A grife de
Dudu Bertholini e Rita Comparato levou as modelos para passearem sobre um palco todo
branco com saída de ar. Enquanto elas atravessavam o espaço, um vento safado
levantava os vestidos vaporosos, num momento Marilyn Monroe tropical.
As estampas, mais uma vez, foram destaque: pavões, grafismos étnicos e ícones
da cidade de São Paulo enfeitavam as modelagens apuradas da dupla de designers. A
moda praia, com tops amarrados atrás do pescoço e elegantes maiôs com cavas
altíssimas, serve de exemplo para outras grifes de que é possível ter uma identidade
forte mesmo na areia.
O estilista paranaense Jefferson Kulig fez uma reviravolta em seu estilo -para
melhor. Reduziu o excesso de exibicionismo artístico que o levava em geral para um
território fora da moda e concentrou sua criatividade nas próprias roupas. Apresentou
uma coleção em que dosou com desenvoltura a invenção estética das formas, o trabalho
com os materiais e a praticabilidade das peças.
Não todas, claro, mas uma boa parte delas, como as calças skinny, os colants
estampados e mesmo as blusinhas transparentes desconstruídas. Os vestidos com
relevos de cordas feitas de tururi, uma fibra amazônica, chamaram a atenção. A ousada
saia balonê em xadrez, que lembrava a recente coleção punk do inglês Alexander
McQueen, também.
A paulistana Fábia Bercsek mostrou uma das coleções mais francamente sexies da
São Paulo Fashion Week, nesta temporada em que predominaram as silhuetas recatadas
e o questionamento do "estilo gostosona" (leia a respeito à esquerda). Bercsek criou um
conjunto de peças em que alternou a leveza da lingerie e o peso de tachinhas coloridas
139
na decoração de peças de alfaiataria, flertando ironicamente com o kitsch e com certas
imagens de vulgaridade.
140
ANEXO 26
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 2006
Moda masculina inova mais no verão
Eva Joory Colaroração para a Folha
A sensação de que as coleções de moda masculina causaram mais impacto nesta
SPFW se espalhou nos últimos dias. Uma ousadia nunca vista tomou conta dos desfiles -
num mix de formas, cores, estampas e silhuetas.
O jornalista e crítico de moda Lula Rodrigues acredita que o homem está mais
aberto a novidades. "Ele está mais disposto a aceitar novas propostas. Isso estimula os
estilistas a criar."
Para a professora Mariana Rocha, comentarista do UOL, a moda masculina está
mostrando um novo homem, que fica confortável com valores até então atribuídos
apenas às mulheres. "O homem atual sabe expressar o seu bem-estar com roupas mais
soltas sem deixar de ser masculino", diz.
O jornalista britânico Colin McDowell, do "Sunday Times", considera que todas as
semanas de moda masculinas têm novas idéias. "O problema é que a maioria dos
homens ignora as tendências, porque o que vende são as roupas tradicionais."
Para a jornalista Doris Bicudo, do site Glamurama, tudo o que foi mostrado à
mulher na SPFW ela já tem no guarda-roupa. "A moda masculina trouxe imagens fortes e
propostas novas como o terno de dois botões. O verão favorece mais o homem", diz.
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ANEXO 27
Folha Ilustrada São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 2006
Para designers, supersexy é brega
Camila Yahn Colaboração para a Folha
A crer nas coleções da São Paulo Fashion Week, o próximo verão será, no mínimo,
recatado -apesar dos desfiles da Neon e de Fábia Bercseck. Os estilistas fugiram das
roupas ultra-sexies como o diabo foge da cruz. E estão em luta aberta contra o império
das gostosonas, como diz a designer Rita Comparato, da Neon, com blusas cavadas,
barriguinhas à mostra e bumbuns salientes.
Para o estilista mineiro Ronaldo Fraga, o conceito do sexy foi barateado e precisa
ser reformulado. "Está ficando brega o muito decotado e o siliconado", diz. "Hoje em dia
não dá para saber o que é roupa de garota de programa e o que é roupa de patricinha.
Prefiro trabalhar com a sugestão do corpo." Rita concorda e dispara: "Esse sexy de puta
rameira cansou, porque foi muito explorado. Tudo ficou igual demais. Agora até elas vão
querer se disfarçar de elegantes!".
Então agora é brega ser sexy? Para o estilista Waldemar Iódice, o desejo pelo
sexy continua, mas de uma nova maneira, mais elegante. "As mulheres estão se
preservando mais e mostrando menos. A sensualidade hoje em dia está muito mais na
atitude, no gesto. A mulher de hoje quer ser feminina, sem correr o risco de ficar
vulgar."
Ronaldo Fraga lembra o desfile de outono-inverno 2006 da Prada, em que a
estilista Miuccia fez as modelos entrarem com livros na passarela. "Nós, mulheres,
devemos nos voltar para o lado mais racional e forte. Temos que parar de tentar atrair
todo mundo. Nós devemos estudar", disse na época a estilista italiana.
"Esta apresentação abriu espaço para uma discussão sobre novas formas de
sensualidade e elegância", diz Ronaldo. Ele mesmo jogou livros para a platéia ao final de
seu desfile.
Essa tendência se aplica também à moda praia. A semana mostrou biquínis e
maiôs menos ousados, maiores e mais largos, como nos desfiles da Poko Pano, Sais e
Movimento.
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ANEXO 28
Equipe da Folha presente na cobertura
Alcino Leite Neto: editor de moda da Folha. Foi editor da Ilustrada, do Mais!, de
Cadernos Especiais e das edições de domingo do jornal. Trabalhou como
correspondente em Paris, entre os anos de 2001 e 2003, para a Folha de S. Paulo.
É também editor da revista cultural eletrônica “Trópico”, veiculado no UOL.
Nina Lemos: jornalista, escreve o fanzine “02 Neurônio”, que em 1999 foi
transformado em livro. A partir daí, tornou-se colunista da Folha de S. Paulo. Em
2003, participou do projeto televisivo “Telefone sem fio”, no GNT. É co-autora de
mais três livros.
Eva Joory: jornalista de moda, já trabalhou para a revista Vogue e, atualmente, é
uma das colaboradoras do Ilustrada da Folha.
Nina Horta: escritora e empresária do ramo culinário. Formada em Filosofia e
Educação pela USP, escreve semanalmente sobre gastronomia no caderno
Ilustrada da Folha, fazendo estudos culturais a partir da gastronomia dos povos. É
também autora de dois livros.
Marçal Aquino: jornalista, passou a dedicar-se a literatura e já publicou mais de
uma dezena de títulos. Atualmente, é um dos colaboradores do Ilustrada.
Contardo Calligaris: escritor e psicanalista, doutor em psicologia clínica e ensaísta.
Ensinou estudos culturais na New School de Nova York e antropologia na
Universidade da Califórnia. Atualmente, assina uma coluna no caderno Ilustrada
da Folha.
Camila Yahn: atriz, começou no teatro aos 14 nos. Participou do grupo
Ornitorrinco, e em seguida foi estudar em Londres. Trabalhou como agente de
artistas de música eletrônica. Atualmente, escreve para o caderno Ilustrada da
Folha.
Vivian Whiteman: jornalista, já trabalhou para o jornal Diário do Grande ABC e,
atualmente, é repórter do caderno Ilustrada.
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