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Mariana Pasqual Marques
Construção do campo da educação
popular no Brasil:
história e repertórios
Mestrado em educação: História, Política, Sociedade
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo, 2008
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Mariana Pasqual Marques
Construção do campo da educação
popular no Brasil:
história e repertórios
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para
obtenção do título de MESTRE em
educão, sob a orientão do Prof.
Dr. Kazumi Munakata.
Pontifícia Universidade Católica De São Paulo
São Paulo, 2008
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Banca Examinadora
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
A nossa luta interna de libertação liga-se profundamente à cultura popular, que
assume no primeiro momento o sentido de desalienação da nossa cultura,
sobrepondo os valores culturais estranhos aos nossos valores criados e elaborados
aqui.
De Pés no Chão Também se Aprende a Ler, 1963.
Educação Popular é um conjunto de ferramentas que permitem aos grupos populares
refletirem sobre sua prática de luta, compreender sua dimensão de classe e buscar
os avanços organizativos necessários à nossa caminhada de libertação.
Algumas notas sobre Educação Popular e Formação, CPT, década de 1980.
Eu acho que é um outro momento em que coma a surgir a idéia que a educação
popular para poder fazer esse diálogo mais amplo tem que se tornar educação
cidadã. Sem deixar de ser educação popular, mas para poder ter esse diálogo mais
amplo, tanto com formas associativas com as quais ela não tinha tradição de
dialogar, quanto com os cidadãos que não estavam organizados em nada.
Pedro Pontual, coordenador geral do CEAAL, 2007.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
Para Maria, minha filha.
Saudação
Ave, Maria!
Ave, carne florescida em Jesus.
Ave, silêncio radioso
Urdidura de paciência
Onde Deus fez seu amor inteligível!
Adélia Prado, Bagagem, 2003.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
Agradecimento
O HOMEM; AS VIAGENS
O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.
Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte – ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte
(...) Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para ter ver?
o-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
do solar a colonizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
(estará equipado?)
a dificílima dangerossima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver
Carlos Drummond de Andrade, As Impurezas do Branco, 1973.
Aos meus pais, Armênio e Amélia, e as minhas irmãs e irmão, Débora, Marília e Vitor
sou muita grata pela paciente, generosa e alegre convivência.
Thomaz Ferreira Jensen, pela convivência amorosa e cotidiana. Também pela revio
do texto.
Kazumi Munakata, pela orientação.
Evelina Dagnino e Circe Maria Fernandes Bittencourt, sou grata pela leitura do
trabalho e pelas importantes contribuições no exame de qualificação.
Aos meus companheiros e companheiras, educadores populares, pelo aprendizado e
partilha utópica. Especialmente a Ailton Silva, Fabiana Ivo, Carla Dozzi, Suzy Bonfim,
Fernando Américo e Antonio Gouveia.
Aos moradores e moradoras do Jardim Jaqueline, Jardim Ângela e Capão Redondo
com quem convivi nos últimos anos sou grata pelo ensino da persistência.
Marcos Cezar de Freitas, pela leitura atenta e caminho dos Salmos.
Edin Abumanssur, amigo querido que esteve presente quando mais precisei.
Obrigada pela lembrança de haver “vales” e “pipas” no amanhã.
Maria Rosa, pelos “cuidados” durante a preparação do trabalho.
Maria Cecília e Christian Jensen, sou grata pelo encontro sereno e acolhedor.
Aos educadores e educadoras entrevistadas, pela narração de histórias o bonitas,
dedicadas e apaixonadas pela educação popular. Minha gratidão transformada em
admirão.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
Resumo
Esta pesquisa investigou a construção do campo da educação popular no
Brasil. Apoiados em Doimo (1995) definimos o campo como um conjunto de
significados, valores, símbolos e projetos políticos indicadores de uma
sociabilidade comum partilhada por grupos e atores políticos, neste caso
educadores (as) populares.
Para os fins desta pesquisa, a configuração do campo da educação popular
deu-se pelo estudo e delineamento de três diferentes repertórios construídos
ao longo dos últimos quarenta anos no Brasil. Por repertório da educação
popular entendemos a construção partilhada dos projetos históricos e de um
“saber fazer educativo” mais ou menos consensuado por educadores (as)
expressos por linguagens, valores, idéias e palavras-chave. Estes se
formaram e são acompanhados de um permanente conflito entre um
repertório mínimo, ou seja, o que unifica o campo, e as disputas no interior
desse mesmo campo que ampliam, diversificam, resignificam e permitem o
surgimento de repertórios divergentes.
O primeiro repertório abordado circunscreveu-se entre 1960 e 1964 vinculado
aos movimentos de cultura e educação popular. Distinguimos, portanto, as
experiências ou práticas de educação popular no âmbito de um campo
próprio surgido na primeira metade da década de 1960. Documentos
produzidos pelos movimentos e publicações sobre o tema subsidiaram o
desenho do repertório cujo centro é o debate sobre o nacionalismo ou a
“consciência nacional”.
O segundo repertório vigente entre as cadas de 1970 e 1980 é expressão
da relação orgânica entre educação popular, movimentos populares e
Comunidades Eclesiais de Base. Os valores e elementos figurados neste
repertório são explicados pelo próprio percurso de organização popular
ampliação dos instrumentos políticos das classes trabalhadoras. Dois
instrumentos políticos, desiguais por natureza, modificaram, de forma
determinante, o campo da educação popular: a fundação do Partido dos
Trabalhadores e o surgimento de centros de assessoria em educação popular.
Utilizamos, para a pesquisa, documentos e estudos pertinentes ao tema.
No inicio da década de 1990, marco de construção do repertório atual,
começaram a acontecer mudanças no campo da educação popular
denominadas de “refundação da educação popular”, um “movimento”
revisionista das práticas e concepções do repertório anterior. No último e
atual repertório pesquisado, construído a partir de entrevistas com
educadores (as) populares, documentos e estudos, indicamos haver uma
assimilação de elementos discursivos próximos ao tema da Terceira Via,
agora apropriado pelo campo da educação popular. Essa assimilação
acontece pela interseção de práticas das “ONGs militantes” com as fundações
empresariais e prefeituras locais, principalmente daquelas governadas pelo
PT.
Palavras-chave: educação popular; movimento e cultura popular; história
contemporânea do Brasil.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
Abstract
This research aimed at the building up of popular education in Brazil. Based
on Doimo (1995) we defined the field as a gathering of meanings, values,
symbols and political projects, all indicators of common socialization, shared
by groups and political agents, in this case, by popular educators.
The scope of this research considered the framing of popular education
through the study and defining of the three different approaches constructed
along the last 40 years in Brazil. By this we understand the shared building
up of historical projects and of an “educational know-how”, fairly agreed upon
by educators, expressed in language, values, ideas and key-words. These are
formed and are followed up by constant conflict between a minimum of
background storage, which unifies the field, and permanent struggles within
this field, which enhance, diversify, rename and allows for the blooming of
diverse discourse.
The first of these repertoires to be analyzed was limited within the 1960
1964 period, identified with the popular cultural and educational movements.
We therefore highlight popular educational experiences and practices
considered as part of an individual field, initiated in the first half of the 1960
decade. Documents produced by these movements and published material on
this theme, outlined the repertoire centered on the debate between
nationalism or “national consciousness”.
The second repertoire, throughout the 1970 1980 decade, is the organic
relationship between popular education, popular movements and Basic
Ecclesiastical Communities. Values and elements hereby mentioned are self
explained along proper path undertaken in the setting up of popular
organizations — the furthering of political instruments of the working classes.
Two political instruments, unequal by nature, significantly changed the field
of popular education: the founding of the Workers Party (PT) and the surging
of back up committees for popular education. Documents and studies related
to the theme were then used.
In the early 1990’s, landmark for the construction of present repertoire,
change started to take place in popular education, Known as “refounding of
popular education”, a revisionist movement” of previous practices and
concepts.
In the last and present researched repertoire, based on interviews with
popular educators, documents and papers, we point out an acceptance of
discursive elements identified with those of the Third Track, currently
appropriated by the popular education field. This takes place in the
acceptance of militant NGOs practices, along with local businesses and city
governments, namely of the Worker’s Party.
Keywords: Popular education; movement and popular culture; history
contemporary of Brazil.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
Sumário
Glossário de Siglas..........................................................................................1
Introdução....................................................................................................15
Metodologia..................................................................................................... 24
CAPÍTULO 1
Movimentos de Cultura e Educação Popular:
repertório dos anos 1960
Contexto histórico e forças políticas .............................................................30
O campo como território de atuação: região Nordeste e movimentos de cultura e
educação popular.............................................................................................39
CPC da União Nacional dos Estudantes (UNE): entre São Paulo e Rio de Janeiro.......43
Temas e questões: repertório mínimo e seus dissensos................................45
Cultura: construção e realização humana............................................................45
Cultura popular: povo, conscientização e nacionalismo .........................................48
Dualidade Brasileira e conscientização ................................................................53
Educação popular: a cultura em sua dimensão educativa ......................................55
Organizando a comunidade em pequenos grupos.................................................58
Projeto Político.................................................................................................59
Estado e movimentos de cultura e educação popular............................................62
Anexo 1 - Repertório mínimo e dissensos dos movimentos de Cultura e Educação
Popular...........................................................................................................65
CAPÍTULO 2
Movimentos de ação direta e educação popular:
Repertório dos anos 1970 e 1980
Contexto histórico e forças políticas .............................................................81
Breves notas sobre a formação do Partido dos Trabalhadores................................85
O povo em movimento aprende.....................................................................89
A pedagogia popular .....................................................................................96
A educação popular entre 1970 e 1980: repertório comum e dissensos........99
Educação popular: definições.............................................................................99
Autonomia: relação com centros de assessoria, partido e Estado ......................... 100
Sujeitos das práticas educativas populares: afinal quem é o popular?................... 111
Questões metodológicas ................................................................................. 113
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
Anexo 2 - Repertório mínimo e dissensos da educação popular: meados da década de
1970 e 1980.................................................................................................. 120
CAPÍTULO 3
Repertório atual da educação popular
Reordenamentos político-culturais nos anos 1990 .............................................. 136
Reformas do Estado brasileiro e ampliação da sociedade civil: rumo ao consenso
neoliberal...................................................................................................... 139
Alguns elementos do debate sobre a refundação da educação popular na América
Latina........................................................................................................... 144
Brasil: particularidades na construção do repertório da educação popular e
confluências................................................................................................ 149
Educação popular, ONGs e a sociedade civil ...................................................... 162
O conceito de público não-estatal na educação popular....................................... 172
A circulão do tema capital humano e a educação popular................................. 181
Considerações finais ................................................................................... 187
Anexo 3 - Trajetória dos educadores e educadoras entrevistadas ......................... 192
Anexo 4 Informações sobre os espaços ocupados pelos educadores (as)
entrevistados................................................................................................. 196
Referências bibliográficas................................................................................ 203
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
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Glossário de Siglas
ABERJE - Associação Brasileira de Comunicação Empresarial
ABONG - Associação Brasileira de Organizaçõeso-Governamentais
ALN - Aliaa Libertadora Nacional
ANAMPOS - Associação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais
ANTEAG - Associação Nacional Trabalhadores de Empresas de Autogeso e
Participação Acionária
AP - Ação Popular
APIMEC - Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do
Mercado de Capitais
CDHEP - Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Campo Limpo
CEAAL - Conselho Educação de Adultos para Arica Latina
CEBs - Comunidades Eclesiais de Base
CEDIC - Centro de Estudos, Documentação e Informação
CENDHEC - Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social
CGT - Confederação Geral dos Trabalhadores
CEDEC - Centro de Estudos da Cultura Contemporânea
CIMI - Conselho Indigenista Missionário
CIVES - Associação Brasileira de Empresários para a Cidadania
CEPIS - Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CPC – Centro Popular de Cultura
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CPV – Centro Pastoral Vergueiro
CUT - Central Única dos Trabalhadores
EQUIP - Escola de Formação Quilombo dos Palmares
ETAPAS - Equipe Técnica de Assessoria em Pesquisa e Ação Social
ETHOS - Instituto de Empresas e Responsabilidade Social
FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FIDES - Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social
FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FINEP – Financiadora Nacional de Estudos e Projetos
FMI - Fundo Monetário Internacional
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
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FMP - Frente Mobilização Popular
FONEP - Fórum Nacional de Educação Popular
FPN - Frente Parlamentar Nacional
GIFE - Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
GLBT - Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais
GTDN - Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
IBASE - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estastica
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
IEDI Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial
IL - Instituto Liberal
INCA - Instituto Cajamar
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros
ISER – Instituto de Estudos da Religião
JUC – Juventude Universitária Católica
LIBELU - Liberdade e Luta
LOPP - Lei Orgânica dos Partidos Políticos
MAB Movimento dos Atingidos por Barragens
MCP – Movimento de Cultura Popular
MCV - Movimento do Custo de Vida
MDF - Movimento Defesa dos Favelados
MEBMovimento Educação de Base
MEP - Movimento de Emancipação do Proletariado
MIRE - Mística e Revolução
MJMP – Movimento Juventude do Meio Popular
MOC - Movimento de Organização Comunitária
MOVA - Movimento de Alfabetização de Adultos
MR-8 - Movimento Revolucionário 8 de outubro
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MTC - Movimento de Transporte Coletivo
MTD – Movimento dos Trabalhadores (as) Desempregados
NOVA - Pesquisa, Assessoramento e Avaliação em Educação
NTC - Núcleo de Trabalhos Comunitários
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
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ONG - Organização Não-Governamental
OP - Orçamento Participativo
Oscip - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
OSs - Organizações Sociais
PCB - Partido Comunista Brasileiro
PCBR - Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
PDH - Pastoral dos Direitos Humanos
PIB - Produto Interno Bruto
PIEP - Projeto Integrado de Educação Popular
PJ - Pastoral da Juventude
PNBE - Pensamento Nacional das Bases Empresariais
PO - Pastoral Operária
Pólis - Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais
POLOP – Potica Operária
PSB - Partido Socialista Brasileiro
PSD - Partido Social Democrata
PT - Partido dos Trabalhadores
PTB - Partido Trabalhista Brasileiro
RECID - Rede de Educação Cidadã
SEC - Serviço de Extensão Comunitária
SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
UDN - União Democrática Nacional
UEE/SP - Uno Estadual dos Estudantes de São Paulo
ULC - Unificação das Lutas de Cortiço
UNE - União Nacional dos Estudantes
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
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Introdução
Eu os conheço a todos. Reconheço-os pelas pisadas e por elas sei de seus humores,
sentimentos, de suas urgências, preguiças, contentamento ou aflição. Sei de sua
grandeza e mesquinhez. Leio seus passos quando apenas roçam minhas lajes em
corridas alegres de pés pequenos ou quando me oprimem com o peso de vidas
inteiras. Foi seu tropel incessante que me despertou do meu sono de pedra. Só eu os
conheço a todos porque só eu estou sempre neles como eles estão em mim. Eles me
criaram e eu agora os crio.o os posso fazer como eu os quisera, sempre
formosos, felizes, generosos e livres, mas como mãe os crio, tais quais me vieram,
acolho-os. Sou seu chão. Vejo tudo e não os julgo, sei apenas que são humanos e
me comovem. Pela linguagem de seus pés, vou desenleando suas histórias uma a
uma. Creio ter compreendido que nisto consiste o serem humanos, em poderem ser
narrados, cada um deles, como uma história.
Maria Valéria Rezende, Vasto Mundo, 2007.
alguns anos trabalhei em uma Organização Não-Governamental (ONG)
localizada na cidade de São Paulo. Sua proximidade com os movimentos
urbanos, assim como seu discurso, prática e trajetória dos integrantes, lhe
valem a designação de militante - “ONG militante”
1
. Neste espaço
acompanhei discussões e encontros na área da educação popular percebendo
as leituras políticas, apostas e motivações que imprimiam sentido à práticas
formativas.
1
Reconhecendo que o termo Organização Não-Governamental comporta uma
diversidade de organizações, adoto a classificação empregada por Gohn (2005a) e
Coutinho (2004), contudo, incorporo um elemento de diferenciarão entre as ONGs
militantes e centros de educação popular: 1)ONGs militantes - se estruturaram nas
décadas de 1970 e 1980 como espaço de resistência e luta contra a ditadura civil-
militar. Durante a década de 1990 se legitimam como “esfera autônoma” em
relação aos movimentos populares (incluo neste item os centros de educação popular
que optaram por esse percurso); 2) centros de educação popular - também surgiram
nas cadas de 1970 e 1980, originários de um forte nculo com os movimentos
populares com ações e preocupações educativas. Seguem assessorando os
movimentos populares, razão de sua existência e permanência; 3) ONGs surgidas a
partir da década de 1990 este grupo é bastante heterogêneo abarcando temas
emergentes como os ambientais, étnicos, sexuais, etc; além de grupos e fundações
empresariais.
Esta classificação é bastante fluida e a partir da última metade da década de 1990,
as fronteiras estão dando lugar a espaços de interseção, inclusive entre as ONGs
militantes e fundações empresariais.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
16
A proximidade e participação em alguns movimentos populares
2
neste
mesmo período, me levaram a vivenciar inúmeros encontros, reflexões e
discussões em coletivos de formação. Aos poucos fui elaborando a percepção
de haver uma certa desconexão entre as vivências, ambas nomeadas pelo
termo “educação popular”
3
.
Aparentemente, essas diferenças se construíam nas leituras sobre a
conjuntura brasileira e nas conseqüentes apostas político-pedagógicas. Estas
últimas se desdobravam, por exemplo, em temas relevantes para os processo
formativos e em expressões que demarcavam o pertencimento a grupos e
projetos, balizando o sentido do “fazer pedagógico”. A pergunta sobre a real
existência e dimensão dessa desconexão motivou essa reflexão.
Durante este mesmo processo, a leitura de livros e documentos produzidos
no Brasil desde a década de 1960 por educadores populares e pesquisadores
da educação popular, foram me mostrando questões, referências, expressões
e debates que reapareciam e resignificavam-se nas práticas atuais. Mais do
que simples aparições, essas referências legitimavam as diferentes apostas e
práticas.
A leitura atenta desses documentos descortinou a “educação popular”
impossibilitando-me de pensá-la ausente de disputas, isto porque, apesar de
um campo específico, a educação popular possui profundo diálogo, talvez
simbiose, com as esquerdas brasileiras.
2 Adoto a definição de Paludo (2001). Conjunto social de setores das classes
trabalhadoras, cuja práxis se orienta pela necessidade e desejo de melhorar as
condições de produção e reprodução da própria existência e pela perspectiva, mais
ou menos consciente, de construção de novos ordenamentos sociais, econômicos,
políticos e culturais na disputa pela direção intelectual e moral da sociedade.
3 Brandão (2002, p.141-142) identifica quatro posturas distintas em relação à
existência, importância, permanência e atualidade da educação popular. Partilho da
quarta postura. “A educação popular possui uma história longa, mais fecunda, mais
polêmica e bastante mais diversificada. Os acontecimentos dos anos
sessenta/setenta constituem apenas o seu momento mais novel, por enquanto.
Este olhar quer ver e dizer o seguinte: a educação popular não foi uma experiência
única. Não algo realizado como um acontecimento situado e datado, caracterizado
por um esfoo de ampliação do sentido do trabalho pedagógico a novas dimensões
culturais, e a um vínculo entre a ação cultural e a prática política. E educação popular
foi e prossegue sendo a seqüência de idéias e de propostas de um estilo de educação
em que tais vínculos o re-estabelecidos em diferentes momentos da história, tendo
como foco de sua vocação um compromisso de ida-e-volta nas relações pedagógicas
de teor político realizado através de um trabalho cultural estendido a sujeitos das
classes populares compreendidos não como beneficiários tardios de um “serviço”,
mas como protagonistas emergentes de um processo”.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
17
Em vez de pensar a educação popular no Brasil em fases ou momentos,
gostaria de reconstruir parte desse percurso como um movimento de muitas
“idas” e “vindas”, de constantes apropriações e resignificações. Significa,
portanto, que o campo da educação popular suporta disputas e dissensos e
que, muitas vezes, esses são construídos a partir de elementos que em
momentos anteriores predominavam como consenso.
Podemos falar na exisncia da educação popular no Brasil como um campo,
conflituoso, produtor de significados e de projetos políticos? Como esse
campo respondeu e vem respondendo aos desafios brasileiros? Quem são os
sujeitos desse campo? Com quem dialogam? Em torno do quê?
Frente a essas questões optei por trilhar o caminho da reconstrução crítica do
campo da educação popular brasileiro
4
em busca de permanências, mas
também de rupturas, que explicitassem os projetos políticos e atributos
culturais, entendido como um certo “saber fazer” educativo, expressos nos
diferentes repertórios produzidos ao longo dos últimos quarenta anos.
Por campo entendemos a existência de uma sociabilidade comum, aflorada
pelo senso de pertença a um mesmo espaço compartilhado de relações
interpessoais e de atributos culturais, como signos de linguagem, códigos de
identificação, crenças religiosas e assim por diante. Também estou
presumindo certa disposição à participação que, alavancada por conexões
interativas entre determinados grupos e instituições, gera conjuntos
regulares de ações e fluxos reivindicativos contínuos (Doimo, 1995, p. 68).
A própria literatura sobre a educação popular do século XX se encarregou de
nomear as mais diferentes e distantes práticas educativas como popular. Não
por acaso as nomeações, em sua grande maioria, aconteceram a partir das
décadas de 1970 e 1980, momento em que a educação popular volta a se
projetar nacionalmente acompanhando a euforia pelos “movimentos
populares” e “movimentos urbanos
5
”.
4
Esta pesquisa não tem a pretensão de reconstruir a infinidade de práticas
pertencentes ao campo da educação popular. Indicaremos um percurso abrangente
de construção de repertórios vigentes ao longo dos últimos quarenta anos, que
acreditamos, indica as caractesticas marcantes de cada período estudado.
5
“Os movimentos sociais urbanos referem-se a uma nova forma de conflito, ligados
a organização coletiva do modo de vida. Eles são movimentos de resistência da
populão às condições de vida a que estão submetidas. O que caracteriza estes
movimentos o as contradições que eles carregam em seu bojo, contradições estas
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
18
O esforço de denominar significa, ele mesmo, a busca da delimitação do
campo. Um campo em construção que se volta para o passado em busca de
experiências e fatos históricos que componham, delimitem e afirmem sua
identidade. Identificou-se na história da América Latina uma espécie de
ancestralidade entendida como práxis politico-pedagógica associada às lutas
contra a opressão.
Nesse sentido é comum à associação entre a educação popular e escolas
anarquistas do século XIX (Pereira, 2000) e Brandão (2002), ou ainda, fixar
1920 como a “década fundadora” com a experiência de Sandino na Nicarágua
(Basualdo, 1997). Brandão (1986), em uma abordagem antropológica,
denomina de educação popular o saber produzido e circulado por
organizações societárias em que o trabalho produtivo não é socialmente
dividido e o poder comunitário está associado à vida social.
A educação popular também foi associada a práticas escolarizadas destinadas
às classes populares, bem como a luta destas pelo acesso a escola. Paiva
(1973) recua as experiências de educação popular para o período colonial
ligada à ação dos jesuítas. Sposito (1992) estuda a luta das camadas
populares, sobretudo de mulheres, pela expansão da escolarização no estado
de São Paulo.
Delimitamos o surgimento do campo da educação popular no Brasil na
década de 1960. Isto porque entre 1960 e 1964 uma parcela significativa da
esquerda brasileira, atuando em diferentes espaços, passou a construir e
utilizar a educação popular como ferramenta de organização das classes
trabalhadoras
6
. O termo movimentos de cultura e educação popular firmou-
se no território nacional designando e definindo um conjunto de práticas, e
porque não, de valores, que tornavam inteligíveis o pertencimento ao campo.
Neste trabalho distingo práticas ou experiências de educação popular do
surgimento de um campo próprio formado na primeira metade da cada de
que assumem múltiplas formas organizatórias, abarcando diversos tipos de
reivindicação e diversas respostas do aparelho estatal. A análise das contradições
urbanas torna-se fundamental para sua compreensão”. (Gohn, 1979, p. 9).
6
Utilizo o conceito de classes trabalhadoras no plural para enfatizar a diversidade no
interior da classe construída e expressa por diferentes visões de mundo. Reafirmo a
centralidade do conflito capital/ trabalho, mas considero a exploração econômica, a
dominação política, a discriminação de gênero, étnica e racial, elementos fundantes.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
19
1960, que se auto-intitula e se reconhece na construção compartilhada de um
sentido para história (projetos políticos), na escolha dos atores para os quais
as práticas devem ser destinadas (classes trabalhadoras) e num certo saber
fazer” educativo.
A construção do projeto político se num campo conflituoso de disputas por
significados e validação tanto no interior do campo, quanto em sua relação
com outros atores e projetos. Por esse motivo a construção do campo gesta
significados e linguagens que “normatizam” uma certa forma de agir e pensar
o caminho de construção do projeto.
No campo da educação popular, o pensar e agir como processo de construção
e reconstrução do projeto, será denominado por metodologia. A metodologia
não é, portanto, apenas o caminho pelo qual se chega a determinados
resultados. É sobretudo, um processo de construção de significados que
delimita o campo e cria um “saber fazer” mais ou menos consensuado entre
militantes e educadores.
Denominaremos a construção partilhada do projeto histórico e do saber
fazer expressos por linguagens e valores, de repertórios da educação
popular. Por isso, para cada repertório é possível identificar palavras-chaves
que comunicam no interior do próprio campo.
Este repertório formou-se e é acompanhado de um permanente conflito entre
o que podemos chamar de um repertório mínimo, ou seja, o que unifica o
campo; e as disputas no interior deste mesmo campo que além de ampliar e
diversificar os repertórios, também permitem o surgimento de repertórios
divergentes no interior do campo.
Cada momento histórico com suas possibilidades, desafios e contradições se
apresenta ao campo da educação popular, também pertencente e construtora
desse momento, como novo contexto repleto de conflitos e aberturas para
novos repertórios. Estes se compõem no incessante esforço de pensar os
desafios e elaborar respostas num quadro mais amplo das questões
nacionais.
Estas respostas, produtoras de novos significados, também são elaboradas
em diálogo com elementos intra-campo validadas ou excluídas em momentos
anteriores. Há, portanto, elementos na construção, destruição e ampliação
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
20
dos repertórios que dizem respeito a própria história do campo da educação
popular.
Educação popular: marcos históricos na construção do campo.
Procuramos balizar a construção do campo da educação popular no Brasil a
partir dos repertórios pesquisados, contextualizando-os em nossa história
recente. Foi no cruzamento entre essas duas fontes - repertórios da educação
popular e história do Brasil pertinente aos momentos pesquisados - que
estabelecemos uma periodização para o estudo
7
.
Pressupondo que as mudanças de repertório indicam uma movimentação no
campo em busca de respostas a novas conjunturas e desafios, nos
perguntamos quais as conjunturas que produziram alterações substanciais
nos repertórios. Uma segunda questão diz respeito aos mecanismos de
construção e atualização dos repertórios, isto é, como olhamos para o campo
num contínuo exercício de reatualização e ruptura?
Podemos falar de um repertório da educação popular entre 1960 e 1964
vinculado aos movimentos de cultura e educação popular, estes últimos
produzidos e organizados por movimentos, partidos e frentes atuantes no
período.
O repertório articula o debate sobre nacionalismo e conscientização e é
expressão de uma intensa mobilização em torno de um projeto nacional para
o Brasil enraizado na discussão sobre as reformas de base. A interpretação
do Brasil dual (moderno e atrasado), predominante em boa parte da
esquerda, acabou por influenciar a ação educativa do período. Seu centro de
gravitação é a região Nordeste, berço do Movimento de Cultura Popular,
Movimento Educação de Base, De Pés no chão Também se Aprende a Ler,
Sistema Paulo Freire, entre outros.
No repertório transparece um enorme desejo de autodeterminação nacional e
uma aposta, ainda que muitas vezes caricatural e parcial, nos trabalhadores
do campo e da cidade. Foi o início, com muitas contradições, da busca de
7
A periodização encontrada não tem nenhuma originalidade em relação aos estudos
sobre educação popular consultados. Ao contrario, corrobora a sua relação com os
diferentes contextos hisricos.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
21
uma pedagogia
8
coerente com o projeto político amplamente debatido entre
as esquerdas. A ambiidade entre o “ser sujeito” e estar incapaz” na
definição do popular e no papel atribuído às classes populares, permeia todo
repertório.
O golpe de 1964 transformou a maior parte dessas atividades. Muitas delas
possam estreitos vínculos com gestões municipais, como Recife e Natal. O
próprio governo federal de João Goulart, no momento que antecede o golpe,
organizava uma campanha nacional a partir da experiência de Angicos tendo
Paulo Freire como coordenador.
Também a partir de 1964 uma parte da esquerda brasileira, anteriormente
dedicada aos movimentos de cultura e educação popular, optou pela luta
armada subordinando os trabalhos de “organização e conscientização” à nova
estratégia potica.
Sabemos pelos depoimentos de muitos educadores e educadoras populares
que, mesmo sofrendo alterações profundas, as práticas permaneceram
ativas, não mais em uma disputa aberta por projetos políticos, mas como
resistências elaboradas no “subterrâneo” do dia-a-dia. Não ignoramos que
esta pesquisa apresenta uma lacuna entre 1964 e meados de 1970. Os
documentos encontrados pós-golpe de 1964, datam de 1977 em diante. Essa
busca exigiria uma exaustiva pesquisa oral descobrindo a especificidade
educativa das práticas populares organizadas durante este período que
corresponde à agudização da repressão do regime autoritário - do AI-5,
dezembro de 1967, ao assassinato de Wladimir Herzog em 1975.
A partir da segunda metade da década de 1970 e na década de 1980 o
campo volta a sofrer mudanças com a organização e aparecimento” dos
movimentos populares. Neste período a educação popular novamente adquire
projeções nacionais e os “movimentos urbanos” e Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs), serão os espaços prioritários para a prática educativa
9
.
8
“Em toda práctica educativa existe um saber implícito, no siempre tematizado, que
forma parte del acervo cultural de la sociedad y referida al “saber educar”; en la
medida em que esse saber se vuelve objeto de reflexión, hay pedagogia”. (Carrillo,
2004, p. 55).
9
Os movimentos e pastorais sociais atuantes no meio rural, como a CPT e o MST,
também tiveram um importante papel na afirmação da educação popular neste
período. Esta pesquisa tem maior ênfase nos movimentos urbanos porque a atuação
do peodo se concentrou nos centros urbanos. Um segundo ponto refere-se à
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
22
O período foi marcado pela ampliação da sociedade civil através da
organização de diferentes instrumentos políticos das classes trabalhadoras e
pela refuncionalização de antigos espaços vinculados as classes dominantes
como a Igreja no Brasil que já tendia ao trabalho popular no período anterior.
Esse processo desencadeou um “percurso” da organização popular distinto do
anterior: aparecimento de movimentos com alcance local; a articulação
destes em movimentos nacionais; o movimento operário dos “autênticos”; e
a fundão de um partido de massa (Partido dos Trabalhadores).
O repertório da segunda metade da cada de 1970 e da década de 1980
afirmou as classes trabalhadoras como sujeitos de seu processo político e
pedagógico. Palavras como autonomia, democracia de base, poder popular,
saber popular e troca de experiência nos informa um novo momento do
campo. Veremos como algumas dessas referências estiveram carregadas de
ambigüidade, como a idéia de autonomia e comunidade.
A principal matriz articuladora desse repertório foram as Comunidades
Eclesiais de Base, e a influência, nesse sentido convergente, da Pedagogia do
Oprimido de Paulo Freire publicada no Brasil em 1970.
Com o avançar da década de 1980 e da redemocratização da sociedade
brasileira, as relações entre Estado
10
e a sociedade civil
11
foram se alterando
e novos dilemas surgiram.
É possível fazer educação popular dentro da escola? Os movimentos
populares devem participar do PT? De que forma? Os centros de assessoria
12
documentação consultada, quase em sua maioria produzida por movimentos, centros
de educação popular e pastorais atuantes no meio urbano.
10
Defino Estado em sentido restrito “sociedade política”: aparelhos militares e
burocráticos de dominação e coerção (Estado-coerção). (Coutinho, 2003).
11
Defino a sociedade civil como aparelhos privados, local de construção da
hegemonia (direção política e construção de consenso) e esfera de mediação entre a
infra-estrutura econômica e a sociedade política. Na teoria do “Estado ampliado”
gramsciana a sociedade política ou o Estado-coerção e a sociedade civil, local de
produção do consenso para a dominação, estão situados na superestrutura embora
empenhem funções diferentes na organização e reprodução do poder. Nas sociedades
de tipo “ocidental” no qual a sociedade civil é forte e complexa devido ao alto grau de
socialização da política, o Estado tende a ser mais hegemônico-consensual, embora o
uso da coerção seja permanentemente utilizado. (Coutinho, 2003).
12
Juridicamente não distinção entre ONGs e centros de assessoria de educação
Popular. Toda organização da sociedade, sem fins lucrativos e nos termos da lei
constitui uma ONG. Neste trabalho defino ONG como as entidades surgidas nas
décadas de 1970 ou 1980 com forte nculo com os movimentos ou aquelas surgidas
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
23
devem se dissolver integrando os movimentos ou devem constituir uma
esfera própria? Devem os centros de assessoria e movimentos populares
participar de gestões municipais do Partido dos Trabalhadores?
Essas eram questões vivas para os diversos grupos que encontravam na
educação popular um importante referencial de formação e organização. O
debate em torno desses desafios foi compondo o repertório da década de
1980 e abrindo caminhos que adentraram os anos 1990.
A partir da cada de 1990 o campo voltou a sofrer alterações significativas
desembocando no chamado processo da “refundação da educação popular”.
Um “movimento” revisionista das práticas e concepções vigentes até fins da
década de 1980. Veremos como esse processo foi marcado por mudanças
bastante significativas no campo da educação popular trazidas,
principalmente, pelas experiências de educação e participação em prefeituras
petistas e por ONGs que se consolidaram como uma “esfera própria” em
relação ao movimentos populares.
Isso porque era um pouco a marca da educação popular num momento. A
grande novidade que o exercio de governo nos possibilitou foi justamente um
reconhecimento de uma diversidade maior de interlocutor.
Em um momento em Santo André eu cheguei a concluo, depois de escutar
muita gente, que talvez fosse melhor, em vez de se falar participação popular,
agente poderia falar em participação cidadã que eram um tipo de matriz
discursiva que era capaz de as pessoas se identificarem. (Pedro Pontual,
entrevista).
A refundação da educação popular está inscrita no que Dagnino (2004)
denominou de “confluência perversa”. O movimento de luta pela ampliação
dos direitos das classes trabalhadoras e de afirmação de um novo
ordenamento social encontrou um movimento oposto aprofundamento do
neoliberalismo no Brasil.
nas duas últimas décadas que se identificam e se legitimam como uma “esfera
própria”. Por centros de educação popular compreendo as entidades que não
reconhecem a legitimidade das ONGs como esferas independentes dos movimentos
populares, creditando a estes últimos o papel de sujeitos coletivos transformadores.
Essa distinção tem implicações práticas, por exemplo, na escolha em participar, ou
não, de conselhos setoriais como representantes da sociedade civil.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
24
O atual repertório da educação popular comporta elementos que estão na
interseção entre os dois movimentos acima citados. Significa que o campo
vem assimilando referencias do discurso neoliberal próximo ao da Terceira
Via.
Nessa nova conjuntura, novos repertórios surgiram. Suas possibilidades de
resistir e propor alternativas à hegemonia neoliberal trouxeram novos
impasses e conflitos para o campo da educação popular, acirrando disputas
em torno de projetos e significações.
Na busca por respostas houve uma redefinão do campo. Grupos promovem
novas leituras que deslegitimam significados e projetos que em momento
anteriores predominaram; outros buscam atualidade na permanência de
alguns elementos presentes em repertórios anteriores.
Definimos, portanto, como marco para formação dos repertórios atuais, a
década de 1990. Significa que muitas das questões colocadas para o
repertório anterior se desenrolaram e se afirmaram como caminho prioritário,
mesmo que interpretações e práticas dissidentes disputassem o campo.
Por sua própria história, o atual processo de construção do campo da
educação popular o é retilíneo ou consensual, pelo contrário, é marcado
por uma verdadeira “guerra de significados e legitimações” em torno de
projetos políticos, espaços e instituições de atuação; propostas político-
pedagógicas, e atores para as quais as práticas devem ser destinadas.
Metodologia
A investigação prioriza a análise hisrica da formação dos repertórios que
compõem o campo da educação popular no Brasil. Por repertórios
entendemos o projeto histórico e um certo “saber fazer educativo” expressos
por linguagens e valores partilhados pelos diversos agrupamentos políticos e
instituições atuantes no campo da educação popular.
A seleção e leitura da bibliografia sobre educação popular no Brasil nos
ajudaram a fazer uma primeira aproximação da história da educação popular
em nosso país, identificando também, certas “tendênciaspara os diferentes
períodos.
A primeira identificação nos remeteu ao período entre 1960 e 1964 como o
primeiro momento na história do Brasil em que a educação popular aparece
como “movimento” político-educativo organizado em âmbito nacional. Os
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
25
estudos bibliográficos sobre os diferentes movimentos de cultura e educação
popular indicavam convergências decisivas.
Tornou-se necessário recorrer a documentos produzidos por estes mesmos
movimentos com o intuito de conferir a existência de elementos comuns, ou
seja, um repertório mínimo que compunha o campo entre 1960 e 1964.
Selecionamos um conjunto de documentos produzidos pelos diferentes
movimentos políticos com caráter educativo, entre eles: Centro Popular de
Cultura da UNE (CPC) coordenação nacional; Movimento Educação de Base
(MEB); CPC de Belo Horizonte; Movimento de Cultura Popular (MCP);
Campanha de Pés no Chão Também se Aprende a Ler; Sistema Paulo Freire e
as resoluções do I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular que
se realizou em Recife de 15 a 23 de setembro de 1963.
Este corpo documental foi publicado por Osmar vero (2001) e está
organizado em seis partes: idéias geradoras; conceitos assumidos; sistema
Paulo Freire; Movimento de educação de base; esforços de união e
integração; e revisão dos anos 60, nos anos 60.
A fim de identificar elementos que compunham um repertório mínimo, mas
também possíveis dissensos, adotamos como critério para a análise dos
documentos a repetição de temas, questões e referências. Em seguida
verificamos como essas questões eram tratadas pelos movimentos.
Esse trabalho resultou na organização de nove quadros. Quadro I
Polarização ideológica na produção, circulação e consumo cultural; Quadro II
Cultura: construção e realização humana; Quadro III Conscientização;
Quadro IV Projeto político; Quadro V Nucleação como forma de
organização política; Quadro VI – Nacionalismo e cultura; Quadro VII –
Realidade como ponto de partida; Quadro VIII - Relação entre agentes e
classes populares; Quadro IX – Definição cultura popular (anexo 1).
Essas referências foram tomadas como elementos centrais e aprofundadas a
partir da tentativa de contextualizá-las no período histórico em que foram
gestadas.
A maior parte da bibliografia sobre educação popular no Brasil está
concentrada na década de 1980. A partir desse material percebemos que,
para o período entre meados da década de 1970 e 1980, as questões comuns
que informavam o campo da educação popular diferiam das delimitadas no
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
26
repertório anterior. Neste sentido nos perguntamos novamente que
elementos compunham esse novo momento repertório.
O CEDIC localizado da PUC/São Paulo foi o primeiro arquivo consultado.
Neste encontravam-se duas caixas rotuladas como educação popular. Os
documentos foram lidos e selecionados de acordo com os seguintes critérios:
data, documentos produzidos nas cadas de 1970 e 1980: documentos que
abordassem aspectos educativos em sua ampla dimensão (relatórios de
encontros, sistematização de experiências educativas, convites para cursos
de formação ou encontros, textos de reflexão sobre a educação popular,
dentre outros).
O segundo Centro de pesquisa consultado foi o Centro de Documentação
Pastoral Vergueiro (atual Centro Vergueiro), localizado no bairro da Bela
Vista, cidade de São Paulo. O CPV foi fundado em 1972 para documentar as
lutas do movimento popular e sindical e em 1982 se encarregava de cursos
formativos na área da educação popular, fazendo, portanto, parte da história
narrada.
No arquivo, dentre as muitas pastas com especificidades no interior do
campo educativo popular, como pesquisa-ação ou comunicação popular,
encontram-se 7 pastas rotuladas como educação popular. Cada pasta contém
uma quantidade grande de material.
A análise dos documentos buscou a identificação do repertório através de
temas, questões e referências recorrentes nos documentos e, novamente,
suas diferentes interpretações. Estes foram produzidos por diferentes grupos
de educadores populares, também em diferentes encontros e por fim, em
diferentes localidades do Brasil. Também encontramos documentos do Fórum
Nacional de Educação Popular (FONEP), organização nacional composta por
diferentes centros de educação popular e movimentos populares espalhados
pelo Brasil.
Este trabalho resultou na elaboração de 10 quadros. Quadro I - Relação
agentes e movimentos populares; Quadro II - Partir da prática: organizando
a luta e conteúdos; Quadro III – Educação popular: relação Estado e partidos
políticos; Quadro IV - Temas abordados nos encontros de formação; Quadro
V - Educação formal e educação popular, uma oposição?; Quadro VI - Troca
de experiência; Quadro VII - Definições educação popular; Quadro VIII -
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
27
Projeto político; Quadro IX - Atores políticos para quais as práticas são
destinadas e Quadro X - Memória e experiência dos trabalhadores: caminho
metodológico.(anexo 2).
Os documentos analisados entre meados da cada de 1970 e final de 1980
nos mostraram que mudanças significativas no reperrio começavam a
acontecer no fim da cada de 1980 e inicio da década de 1990. A literatura
sobre educação popular no Brasil indicava esse mesmo percurso sintetizado
na chamada “refundação da educação popular”.
Indicamos como momento de mudança do repertório vigente entre meados
da década de 1970 e 1980, o início dos anos 1990 e analisamos esse
movimento de transição a partir dos materiais sobre a “refundação da
educação popular” produzido pelo CEAAL e por outros autores, análise das
entrevistas semi-estruturadas com educadores e educadoras populares
atuantes em diferentes “espaços e outros textos escritos por movimentos
populares e educadores.
As entrevistas organizadas em dois eixos: reconstrução da trajetória como
educador (a) popular e práticas atuais, e horizonte de transformação
possíveis e desejáveis, têm como objetivo principal descobrir como os
entrevistados constróem suas práticas e interpretações sobre o campo da
educação popular a partir da década de 1990.
Utilizamos a técnica de entrevista semi-estruturada no qual “o pesquisador
organiza um conjunto de questões sobre o tema que está sendo estudado,
mas permite, e às vezes até incentiva, que o entrevistado fale livremente
sobre assuntos que vão surgindo como desdobramentos do tema principal
(Pádua, 2003, p.67). O roteiro proposto abordou as seguintes questões: a)
dados de identificação do entrevistado: nome, idade, sexo, instituição em que
atua, formação, data e local da entrevista; b) convite a falar da trajetória
como educador (a) popular; c) contar projeto/ trabalho que está
desenvolvendo atualmente; d) como o trabalho atual da sua instituição/
movimento se insere (representa) num projeto político mais amplo?
Foram selecionadas para a entrevista educares e educadoras participantes de
diferentes espaços. Rede de ONGs fundada em 1978 – Conselho Educação de
Adultos para América Latina (CEAAL); Centro de Assessoria em educação
popular criada em 1978 (CEPIS); movimento popular de massa (Movimento
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
28
dos Trabalhadores Desempregados); ONG fundada em 1984 – Instituto Pólis;
uma instituição que es ente uma ONG e um centro de assessoria Centro
Gaspar Garcia de Direitos Humanos; e a política blica de mobilização e
educação popular do governo federal de Luis Inácio Lula da Silva Rede de
Educação Cidadã (RECID).
* * *
O trabalho está organizado em cinco partes. Introdução, três capítulos e
considerações finais. No primeiro catulo o leitor encontrará uma análise
contextualizada do repertório da educação popular vigente entre 1960 a
1964, período correspondente à formação do repertório inicial do campo no
Brasil.
O segundo capítulo trata do repertório da educação popular iniciado em
meados de 1970 e segue a a década de 1980. A fim de buscar
permanências e rupturas na construção do campo da educação popular,
indicamos alterações significativas no fim do período. Estas se mostraram
como possibilidades abertas para o reperrio posterior.
Por fim, no terceiro e último capítulo, tratamos de alguns dos impasses atuais
do campo da educação popular no Brasil, utilizando estudos, documentos e
entrevistas a partir da década de 1990.
As considerações finais retomam as analises conclusivas feitas ao longo do
terceiro capítulo e aponta alterações significativas no campo da educação
popular brasileiro.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
29
CAPÍTULO 1
Movimentos de Cultura e Educação Popular:
repertório dos anos 1960
(...)
Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, freqüentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra
(de fora para dentro, cartilha muda),
para quem soletrá-la.
João Cabral de Melo Neto, A educação pela pedra, 1966.
Denominamos movimentos de cultura e educação popular os projetos ou
programas de educação não-formal, isto é, não inseridos no sistema regular
de ensino, presentes no Brasil entre 1960 e 1964. São características dos
movimentos educativos: a) o público destinatário é, em sua maioria, adultos
das classes trabalhadoras vivendo em condições de extrema pobreza no meio
urbano ou rural, com ênfase para este segundo; b) ampla participação de
organizações de esquerda no quadro de educadores; c) o centro do processo
de ensino-aprendizagem é alfabetização, agregando outras atividades
culturais; d) oposição político-pedagógica à educação de adultos desenvolvida
na América Latina no pós-Segunda Guerra Mundial sob orientação da
UNESCO, dentre elas, o desenvolvimento comunitário e extensão rural; e) os
educadores são, em sua maioria, estudantes universitários pertencentes às
classes médias.
Não foram estudados à exaustão o Movimento Educação de Base (MEB),
criado pela Igreja Católica através CNBB; Movimento Cultura Popular (MCP),
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
30
promovido pela prefeitura de Recife sob a administração de Miguel Arraes; o
Centro Popular de Cultura (CPC), ligado a UNE e a campanha potiguar De Pés
No Chão Também se Aprende a ler, implementada durante a gestão de
Djalma Maranhão. Nosso trabalho consistiu em, à luz do contexto histórico,
recuperar alguns dos elementos que compõe o repertório destes movimentos.
Contexto histórico e forças políticas
Estudos recentes (Ferreira; Reis, 2007 e Ferreira, 2001) vem recolocando a
participação das classes trabalhadoras entre 1946 e 1964 em novos termos -
a intensa e conturbada experiência democrática não teria sido protagonizada
por sujeitos completamente apáticos, controlados e subordinados ao Estado.
Contesta-se a imagem do camponês imerso em um mundo de relações
pessoais no qual a obediência e subserviência eram regras, conformando um
exército de mão de obra igualmente passivo nas cidades. Nesta leitura, as
lutas camponesas recentes, fins do século XIX e século XX, são tidas como
atos de insubordinação, revolta contra a ordem estabelecida ou busca de
novos ordenamentos sociais pautados pela solidariedade. É o caso de
Canudos na Bahia e do Contestado em Santa Catarina no início do século XX.
(Boneti, 2007).
Em segundo lugar, os estudos sobre os trabalhadores no meio urbano
13
indicam uma relevante organização de partidos políticos, frentes
parlamentares, campanhas, movimentos estudantis e grupos de cultura e
educação popular.
A agitação no Brasil durante esse período se inseri nas constantes
insubordinações do pós-segunda guerra mundial. A revolução cubana, as
lutas nacionalistas africanas, os partidos comunistas, enfim, a disputa por
projetos distintos estava mundialmente declarada.
Se o Brasil viveu reflexos desse movimento mais amplo, as particularidades
nacionais também abriram possibilidades para emergir um conjunto de
organizações no campo e na cidade.
13
Ver Nacionalismo e reformismo radical (1954-1964), organizado por Jorge Ferreira
e Daniel Aarão Reis (2007), segundo volume da colão As Esquerdas no Brasil. O
livro faz um interessante mapeamento das esquerdas atuantes no Brasil entre 1954 e
1964.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
31
Nesse sentindo, os argumentos construídos por Oliveira (2003) indicam que a
tendência do aumento da exploração dos trabalhadores no período produziu
uma contra-tendência de luta pela ampliação de direitos.
A exploração dos trabalhadores do campo e da cidade esteve associada ao
modelo de industrialização brasileiro que combinou relações não-capitalistas
de produção no campo e também na cidade, com as crescentes relações
capitalistas de produção.
No campo, local de maior atuação dos movimentos de cultura e educação
popular, a oferta elástica das terras e da o de obra manteve um padrão
“primitivo” de organização, preservando a estrutura fundiária brasileira que
abastecia a cidade de trabalhadores e de alimentos produzidos a baixo custo.
Por sua vez, a reprodução dos trabalhadores urbanos dependia do custo da
alimentação e da rede de serviços nas cidades não propriamente urbana.
A produção industrial realizada no mercado interno tinha uma característica
duplamente concentracionista: criou-se um setor de ponta que dinamizou a
economia, como a industria automobilística, e concentrou a renda nas
camadas médias e altas, ao mesmo tempo em que aumentou o
empobrecimento dos trabalhadores.
Neste contexto, o debate em torno do padrão de desenvolvimento nacional
formou o pano de fundo sob o qual diferentes posições políticas constrram-
se. Para além do nacionalismo, sem dúvida o grande sentimento” da
primeira metade da década de 1960, alguns agrupamentos políticos
influenciados pela revolução Cubana iniciaram percursos de radicalização,
dentre estes as Ligas Camponesas.
Mas foi em 1961 com a renúncia de Jânio Quadros à presidência da República
e o impasse para a sua sucessão, que o debate em torno das questões
nacionais ganhou maior densidade.
Conservadores não viam com bons olhos a chegada de Goulart à presidência
do país, afinal era tido como sucessor de Getulio Vargas e com muita
proximidade ao movimento sindical. A luta pela legalidade, isto é, pela posse
de Goulart, organizada por nacionalistas e comunistas, sobretudo pelo PTB e
PCB, resultou em comícios, greves e manifestações. Em setembro de 1961,
300 mil trabalhadores portuários paralisaram o trabalho por cinco dias.
(Silva; Santana, 2007).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
32
Frente à crescente mobilização popular, a saída encontrada foi a instauração
do regime parlamentarista imposto ao congresso brasileiro por uma junta
militar, evitando que João Goulart, liderança petebista e vice-presidente,
assumisse o cargo.
Graças à mobilização popular pela realização do plebiscito, o ps retornou ao
sistema presidencialista em 1963. As pressões sobre João Goulart
aumentaram, sobretudo por setores nacionalistas e comunistas que
defendiam e impulsionavam as reformas de base. Os conflitos no campo e as
greves no meio urbano apontavam para a radicalização do projeto nacional e
para luta pela ampliação dos direitos políticos das classes trabalhadoras,
como direito de voto ao analfabeto, legalidade do PCB e extensão dos direitos
trabalhistas aos trabalhadores do campo. (Toledo, 1987).
Foi no intenso debate sobre seu conteúdo que as reformas de base foram
ganhando contorno e sentido. Debatia-se em universidades, partidos, Igrejas,
movimentos de cultura e educação popular e jornais como semanário Brasil
Urgente, animado pelo dominicano Frei Carlos Josaphat.
Eram reformas que traziam para o centro da discussão as estruturas arcaicas
socioeconômicas de um país que desejava ser “moderno”: a regulamentação
da propriedade rural, inclusive a disciplinação do arrendamento de terras e a
desapropriação por interesse social, além do estatuto do trabalhador rural.
Despontou no cenário nacional o debate sobre a exploração no campo e
explicitou-se a composição política da Câmara Federal formada
majoritariamente por proprietários rurais e conservadores filiados ao PSD e
UDN.
As ligas camponesas e os sindicatos rurais organizados pela Igreja e por
comunistas pressionaram pelas mudanças no campo. O PCB e o Partido
Operário Revolucionário (POR) deslocaram militantes para a região Nordeste
e a crescente organização dos trabalhadores rurais avolumou os conflitos pela
terra. (Neto, 2007).
A discussão sobre a regulamentação do capital estrangeiro e da exploração
do solo e do petróleo com monopólio estatal, também dividiram a sociedade
brasileira e o Congresso Nacional. Toledo (2004) define três orientações
políticas confrontando-se no debate sobre as reformas: “radical”;
“modernização conservadora” ou “nacional-reformista”; e “anti-reformismo”.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
33
As duas primeiras orientações aglutinaram-se na Frente Mobilização Popular
(FMP) representada pela Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), Ligas
Camponesas, Frente Parlamentar Nacional (FPN) e UNE, além de outras
correntes de esquerda.
Os movimentos de Cultura e Educação popular surgiram como diálogo e
resposta a essa conjuntura. Diferentes agrupamentos políticos situados entre
“radicais” e “nacional - reformistas”, possram em comum a aposta no
trabalho de educação e cultura como capaz de articular e construir consensos
em torno de proposta políticas. Podemos, portanto, falar em projetos
políticos-pedagógicos na medida em que esses movimentos articularam à
esfera pedagógica, entendida como educação política, a discussão de projeto
nacional mesmo que pouco refletido e sistematizado.
O intenso debate político e econômico em torno das reformas de base e do
modelo econômico encontrou seu correspondente no plano da cultura. Pela
primeira vez agrupamentos políticos que desejavam transformar a realidade
brasileira formaram umgrande movimento de intervenção cultural.
Na história brasileira é recorrente a associação entre o desejo de ser
moderno e a suposta incapacidade intelectual das classes trabalhadoras.
Essas supostamente retraíam a possibilidade de modernização num duplo
jogo representado pelo despreparo para as demandas democráticas e a má
qualificação profissional no meio urbano e rural. Wanderley (1984 e 1994),
Germano (1989) e Brandão (1983) apontam a supervalorização da educação
como instrumento de mudança social. Wanderley e Brandão denominam essa
concepção de culturalista; Germano caracteriza-a como culturalismo ou
otimismo pedagógico.
Nesse sentido, os movimentos de cultura e educação popular apresentaram
uma certa continuidade supervalorizando a educação como instrumento para
a mudança. O novo em relação a esse padrão interpretativo não estava dado
a priori pelos movimentos, mas se construiu no encontro entre os agentes
educativos e os trabalhadores. Como veremos, uma parte dos movimentos
de cultura e educação popular passou a considerar, ainda que de forma
ambígua e inicial, a cultura produzida pelas classes populares como
portadoras de potencialidades para a constrão do projeto nacional.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
34
Os movimentos também apresentaram uma certa continuidade com a
interpretação das classes trabalhadoras como atrasadas, desconhecedoras e
carentes da cultura moderna
14
. Se no campo da educação popular a ruptura
com essa interpretação aconteceu duas décadas adiante, elementos de
contestação estavam presentes nos anos 1960 - ainda que a relação entre
objetividade e subjetividade
15
fosse feita de forma bastante esquemática,
como atesta o modelo predominante no CPC em que a cultura elaborada
pelos trabalhadores era simples reflexo dos valores imperialistas, a percepção
dos trabalhadores sobre a realidade que os envolvia passou a ser
fundamental para alguns agrupamentos de esquerda.
Esse fato só foi possível pela emergência das classes trabalhadoras no
cenário nacional e o rompimento, ainda que parcial, de uma parcela da classe
média brasileira, em sua maioria jovens estudantes, com uma visão
predominante que excluía os trabalhadores da arena política.
Buscar compreender e criar uma cultura nacional que “sustentasse” a
independência econômica e política como meio e expressão de homens
conscientes e enraizados foi a grande obstinação dos movimentos. Esse foi o
sentido mais usual da expressão “autêntica”.
Movimentos de cultura e educação popular e grupos políticos.
Os movimentos de cultura e educação popular foram espaços que abrigaram
jovens militantes de diferentes agrupamentos políticos. Dentre as forças
políticas com relevância no Brasil dos anos 1960, exerceram influência sobre
os movimentos de cultura popular o PCB; a Ação Popular (AP); a UNE; o
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e as gestões municipais das
cidades de Recife e Natal, representantes de um certo nacionalismo-
antiimperialista.
14
A ciência/escolarização, a industrialização e a urbanização foram os três grandes
pilares que acompanharam o seu desenvolvimento e que caracterizaram o mundo
moderno e sua busca incessante de mais ordem, progresso e modernização. (Paludo,
2001, p. 22).
15
Adoto o conceito de subjetividade elaborado por Carrilo (2004, p.38). “La categoría
de subjetividad está estrechamente relacionada com los processos culturales de
construcción de sentido, de pertenencia e identificación colectiva, dado que involucra
un conjunto de normas, valores, creencias, lenguajens y formas de aprehender el
mundo, conscientes e inconscientes, sicas, intelectuales, afectivas y eróticas, desde
los cuales los sujeitos elaboran su experiencia existencial, su proprios sentidos de
vida”.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
35
É também importante assinalar que entre 1962 e 1964, criticas ao PCB
desaguaram num movimento de renovação da esquerda brasileira. A
Organização Revolucionária Marxista-Política Operária fundada em 1961, a AP
(1962) e as próprias Ligas Camponesas expressam essa ruptura.
Não é objetivo do trabalho analisar esses diferentes agrupamentos políticos,
iremos destacar apenas os posicionamentos sobre a estratégia política
defendida entre 1960 e 1964.
Segundo Silva e Santana (2007), o período que se abre entre 1954 e 1964,
foi de intensa participação do PCB no movimento sindical, articulando-se com
outras forças políticas como o PTB.
A tese sobre o Brasil dual defendida pelo PCB e divulgada em março de 1958
na Declaração sobre a política do Partido Comunista Brasileiro, reforçava a
revolução brasileira em duas etapas. A primeira delas consistia nas reformas
democráticas-burguesas nacionais. A segunda seria a passagem para o
comunismo. O apoio do partido à candidatura de Kubitschek e do Marechal
Henrique Lott em 1960, marcou um novo momento em que a defesa da via
insurrecional foi substituída pelas reformas e pela luta pela legalidade.
Os autores apontam, ainda, divergências em relação ao papel da burguesia
na revolução burguesa. Uma ala minoritária do partido denunciava o acordo
com a burguesia “entreguista” e propunha a aliança com os trabalhadores.
A instauração do comunismo a partir de duas etapas se traduziu no apoio à
reformas de base como forma de acelerar a consolidação do capitalismo no
Brasil. Dentre as reformas, a agrária apareceu como central uma vez que os
resquícios feudais presentes no campo brasileiro eram o grande entrave para
a revolução nacionalista na interpretação do PCB. Pressionando pelas
reformas de base, o PCB, a partir de 1962, estabeleceu uma relação bastante
conflituosa com Jango.
A Organização Revolucionária Marxista Política Operária fundada em 1961,
em contraposição ao PCB, defendia a tese da economia brasileira
completamente capitalista e da associação entre a burguesia nacional e o
imperialismo, rechaçando, portanto, o pacto entre a burguesia nacional e
trabalhadores e a revolução democrática burguesa como etapa antecessora
do socialismo. (Sales, 2007).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
36
A Ação Popular, organizada entre 1962 e 1963 a partir de uma dissidência da
JUC de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia também defendia uma revolução
socialista imediata e, diferente da vivida na União Soviética, um socialismo
democrático (Sales, 2007). A AP exerceu forte influência na UNE - entre 1962
e 1964 os seus presidentes pertenciam todos à AP. Os documentos sobre
cultura e educação popular produzidos durantes o período estudado,
registraram uma forte influência das concepções cristãs vindas da Juventude
Universitária Católica.
As Ligas Camponesas apareceram em 1955 no Engenho Galiia,
Pernambuco. Assim denominadas pela comparação com as antigas ligas
articuladas no Nordeste pelo PCB no período s 1945, as Ligas tiveram sua
base social formada por foreiros (Bastos, 1984). Os foreiros, assim
denominados por combinarem o pagamento do aluguel de terras com o
trabalho gratuito nas terras do proprietário, cresceram na franja da economia
algodoeiro-pecuário que acabou subordinando a sua própria forma de
reprodução à economia açucareira, incapaz de competir com a produção
Caribenha. A economia açucareira, como única forma de sobrevivência, ainda
que de forma marginal, passou a adotar formas não-capitalistas de
reprodução da força de trabalho, típicas da economia algodoeiro-pecuária
(Oliveira, 1987).
O foro, forma de pagamento da terra arrendada em dinheiro, era pago
através da produção de algodão, cultura industrial, e se combinava com
relações de trabalho não-assalariadas como o cambão - pagamento em forma
de trabalho gratuito nas terras do proprietário.
“Reforma agrária na lei ou na marra”: As Ligas foram radicalizando seu
projeto e suas formas de mobilização. A revolução cubana abriu um novo
caminho para os movimentos camponeses mostrando ser possível um
processo revolucionário fora dos moldes da revolução burguesa defendida
pelo PCB e numa economia parcamente industrializada. Neste caminho as
Ligas Camponesas organizaram um centro de treinamento militar em Goiás e
passaram a desenhar um instrumento político que aglutinasse movimento de
massa e um partido centralizado. (Grynszpan; Dezemone, 2007).
Diferentemente do PCB e das Ligas Camponesas, o ISEB, foi um órgão de
Estado criado por decreto. Com a missão de forjar uma ideologia do
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
37
desenvolvimento o Instituto foi se formando como espaço de reflexão, mas
também de intervenção política.
A partir de 1960, o ISEB sofreu uma radicalização com um grupo mais à
esquerda na direção, principalmente Álvaro Vieira Pinto e Nelson Werneck
Sodré. Segundo Toledo (2007) o Instituto se tornou um importante espaço
para a intelectualidade progressista unificando nacionalistas e socialistas.
Muitas das posições defendidas pelo PCB como a etapa democrático-
burguesa, a organização de uma frente ampla capaz de enfrentar a
contradição principal, nação e anti-nação, e o atraso do campo feudal como
empecilho para modernização, eram defendidas pelo ISEB de Álvaro Vieira
Pinto. Segundo o mesmo autor, o Partido Comunista e Vieira Pinto, também
concordavam na definição da classe que se tornaria hegemônica e conduziria
a frente ampla: os operários brasileiros.
O ISEB participou ativamente da campanha pela legalidade, pela restauração
do presidencialismo e pelas reformas de base. Em 1962 a criação do
“comando dos trabalhadores intelectuais” reuniu membros do Partido
Comunista, intelectuais do ISEB e integrantes do CPC da UNE.
Na configuração das forças políticas atuantes no Brasil entre 1960 e 1964
podemos afirmar que a partir de 1960, o PCB e o ISEB se tornam
importantes interlocutores, afinal lutaram lado a lado na campanha pela
legalidade, nas manifestações pela volta ao presidencialismo e pelas reformas
de base.
É difícil avaliar a influência de cada agrupamento político nos movimentos de
cultura e educação popular. Em sua maioria as experiências abrigaram
diferentes grupos organizados nacionalmente e, como vimos acima, com
leituras distintas sobre a realidade brasileira.
No caso da UNE sabemos que o PCB e os cristãos da JUC e AP participaram
ativamente dos Centros Populares de Cultura. Em CPC uma história de paixão
e consciência (Barcellos, 1994), é narrado o encontro entre Aldo Arantes,
membro da JUC que integraria a AP, e Vianinha, membro do PCB, na
fundação do CPC. Sabemos também que na Campanha de Pés no Chão
Também se Aprende a Ler, a AP e PCB estiveram presentes nas ações
compondo uma frente cristã-marxista (Góes, 1991).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
38
A AP atuou no MEB e teve uma participação decisiva na Campanha de Pés no
Chão Também se Aprende a Ler. Acompanhando a movimentação feita pela
AP, podemos observar uma certa inflexão à esquerda nesses dois
movimentos, AP e MEB, a partir de 1963
16
.
É também conhecida a influência do ISEB, sobretudo de Álvaro Vieira Pinto,
sobre a tese Educação e Atualidade Brasileira defendida por Paulo Freire em
1959. O educador pernambucano esteve à frente do MCP em Recife e da
experiência de alfabetização em Angicos, contribuiu com a Campanha de Pés
no Chão Também se Aprende a Ler e com os encontros nacionais de cultura e
educação popular, o primeiro realizado em 1963.
Apesar de não ser possível a associação entre, de um lado, CPC e marxismo,
e de outro, MEB, MCP e sistema Paulo Freire e a doutrina social da Igreja,
esta última através da Ação Católica Especializada e, a partir de 1962,
através da AP, é possível identificar a predominância de elementos
discursivos entre as duas correntes” marxismo e cristianismo - nos
diferentes movimentos.
O CPC se difere dos demais agrupamentos pela predominância de um
repertório partilhado pelo PCB. Segundo Motta (1986) a influência de
intelectuais marxistas como o sociólogo Carlos Estevam, primeiro presidente
do CPC, aproximou o movimento do marxismo-leninismo. Essa aproximação
produziu uma concepção de trabalho pedagógico que tinha como
preocupação central o papel da vanguarda na educação das classes
trabalhadoras.
Enquanto o MEB utiliza os termos “cultura primitiva” e “cultura ingênua”, e o
sistema Paulo Freire “conscncia ingênua” e “consciência critica”, o PCB opta
pela expressão “consciência alienada” e “consciência revolucionária”. As duas
primeiras encontraram fundamentação numa “pedagogia da comunicação”
16
É possível traçar paralelos entre a história do amadurecimento e radicalização
política da JUC (Souza, 1994) e do MEB (Fávero, 1984), principalmente nos últimos
anos que antecedem o golpe. “Neste período o compromisso político e a elaboração
teórica saem fora dos quadros de uma ideologia moderada ou, quando muito,
reformista e modernizante, e escapam aos poucos às categorias tradicionais de uma
reflexão teogica até eno pouco criadora. Tudo isso leva a tensões com alguns
bispos, tanto conservadores como modernizantes. É ao mesmo tempo o momento do
pontificado surpreendente de João XXIII, da preparação do Concílio Vaticano II.
(Souza, 1994, pp. 104-105).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
39
que indicava sinais para uma relação mais horizontal entre educadores e
educandos. Expressões como “tomada do poder” também aparecem nos
documentos produzidos pelo CPC.
O campo como território de atuação: região Nordeste e movimentos
de cultura e educação popular
Os movimentos de cultura e educação popular, excetuando o CPC, surgiram e
concentraram suas atividades na região Nordeste. Em 1963 no I encontro
nacional de cultura e educação popular, ficou clara a opção pelo trabalho com
camponeses em detrimento do “meio operário” e “estudantil”.
Essa escolha refletia a percepção de haver uma enorme desigualdade entre a
região Nordeste e o centro-sul do país. A análise do feudalismo brasileiro
colocava o campo, sobretudo a região Nordeste, como responsável pelo
atraso brasileiro. Como vimos, para uma significativa parcela da esquerda
brasileira, era preciso contribuir para a superação das relações pré-
capitalistas estendendo os direitos trabalhistas ao campo e impulsionando a
reforma agrária, aliada do imperialismo.
“Os camponeses não eram exatamente uma novidade nos discursos e
documentos produzidos pelos setores da esquerda. O que apresentava como
novo na conjuntura que se abria era que, em vez de continuarem a ser mais
uma retórica revolucionária, os camponeses se transformaram em objeto de
ações e investimentos concretos. Foi a partir da década de 1940, e sobretudo
dos anos 1950, que os grupos de esquerda passaram a deslocar quadros para a
atuação no campo”. (Grynszpan; Dezemone, 2007, p.217).
Independente das análises dualistas que opunham campo e cidade, colocando
o primeiro em evidência, a região Nordeste havia sofrido um enorme
empobrecimento durante a década de 1950. Segundo dados levantados pelo
GTDN coordenado pelo economista paraibano Celso Furtado, que deu origem
a SUDENE, entre 1948 e 1956 a participação da região na renda do país
havia decrescido de 15,5% para 13,4%. A renda per capita dos nordestinos
era igual a 32% da renda per capita do Centro-Sul em 1956 e em 1958 havia
se reduzido para 30%. (Fernandes; Terra, 1994, p.35).
Como dito acima, esse empobrecimento foi causado pelo modelo de
industrialização brasileiro concentrado na região centro-sul às custas da
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
40
desintegração social de regiões que se mostraram incapazes de reproduzir-se
segundo o novo modelo de acumulação.
A presença de relações não capitalistas das formas de trabalho no meio rural
foi condição para a industrialização brasileira, ao mesmo tempo foi também,
um dos elementos capaz de gerar o surgimento das Ligas Camponesas, por
exemplo.
Entre final da década de 1950 e inicio de 1960, importantes movimentações
políticas aconteciam na região. Em maio de 1950 o II Encontro dos Bispos
do Nordeste também indicou, por motivos obviamente diferentes do PCB, a
urgência de se trabalhar na região – a miséria se alastrava.
Neste contexto organizaram-se no estado de Pernambuco e no município de
Natal, Rio Grande do Norte, frentes políticas formada por uma coalização de
partidos de esquerda. No caso de Pernambuco, a Frente do Recife constitui-
se como uma aliança entre o PCB, PSB e PTB capaz de ganhar a prefeitura do
Recife em 1959 e o governo do estado em 1962 com as candidaturas de
Miguel Arraes.
Instituições historicamente comprometidas com os proprietários rurais como
Igreja, Universidades e administrações locais, sofreram mudanças
significativas e passaram a privilegiar o trabalho com camponeses e
assalariados rurais. A Faculdade Federal de Pernambuco criou em 1962 o
Serviço de Extensão Comunitária (SEC) para fortalecer o Movimento de
Cultura Popular. A proposta de uma universidade “orgânica” comprometida
com os problemas brasileiros havia sido defendida por Paulo Freire na tese
Educação e Atualidade Brasileira de 1959. (Freire, 2001).
A presença da Aliança para o Progresso também contribui para a redefinição
dos posicionamentos políticos na região. Em 1961 o governo de John
Kennedy reuniu-se em Bogotá com mais de vinte países americanos para
firmar um “plano de desenvolvimento para a América”. Este plano que tinha
como centro de intervenção o nordeste brasileiro, considerada a “maior
região subdesenvolvida da América Latina”, denominou-se Aliança para o
Progresso e sinalizava uma forte preocupação com a mobilização crescente
na região, sobretudo com as Ligas Camponesas. As revoluções Cuba e
Chinesa já haviam demonstrado a necessária atenção que a questão merecia.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
41
Todas as peças de propaganda construídas com o dinheiro da Aliança para o
Progresso deveriam ter fixado o símbolo com o aperto da mão americana,
com o punho de listas azuis, vermelha e branca, e a o brasileira de fundo
verde –amarelo. (Fernandes; Terra, 1994). Além do repasse de verbas
atrelado à subordinação política, a “aliança” incluía o deslocamento de
agentes do serviço secreto dos Estados Unidos para região, em especial
Recife. (Oliveira, 1987).
Com o próprio financiamento da Aliança para o Progresso, Paulo Freire e
alunos do projeto de extensão da Faculdade Federal de Pernambuco
experimentaram uma nova metodologia de alfabetização, que mais tarde
será conhecida como sistema Paulo Freire. Angicos, terra natal do governador
do Rio Grande do Norte, Aluísio Alves, foi o município escolhido para iniciar o
programa de alfabetização.
Freire e sua equipe estavam experimentando caminhos para a alfabetização
em Recife junto ao MCP e concordaram em desenvolver o trabalho no Rio
Grande do Norte desde que não houvesse intervenção da Aliança para o
Progresso. Um ano mais tarde o financiamento para a metodologia freireana
de alfabetização seria interrompido pelo seu caráter “subversivo”
17
.
Formou-se, portanto, no Nordeste brasileiro uma força política que se opunha
à burguesia industrial da região Centro-Sul. Djalma Maranhão, eleito prefeito
de Natal e Miguel Arraes, eleito para a prefeitura Recife e depois governador
do estado, são representantes dessa força com ampla expressão popular. O
Movimento de Cultura Popular e a Campanha de Pés no Chão Também se
Apreende a Ler são suas expressões no âmbito ideológico.
O MCP iniciou suas atividades em maio de 1960 com apoio da prefeitura
municipal durante a gestão de Miguel Arraes e foi a sua principal bandeira na
disputa pelo governo estadual.
17
A contradição entre financiamentos provenientes de organismos e governos
conservadores para entidades ou movimentos populares que lutam pela alteração da
ordem vigente acompanha a construção do campo da educação popular no Brasil.
Nos anos 1960 predominou o acesso a recursos públicos em âmbito municipal,
estadual ou nacional. Entre meados da década de 1970 e década de 1980, segundo
repertório abordado nesta pesquisa, predominou recursos provenientes de
instituições de financiamento internacionais, com destaque para instituições
religiosas. Atualmente os recursos internacionais estão diminuindo e os recursos
públicos aumentando para um grupo seleto de ONGs com atuação no campo da
educação popular.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
42
O objetivo principal era a conscientização dos trabalhadores através da
alfabetização e educação de base. Durante a campanha para prefeitura o
acesso à educação foi se configurando como a principal carência no
município. Eram 45 mil crianças dessassistidas (Souza, 1987). As associações
culturais eram o ponto de partida do movimento e foi num desses Centros,
de nome Dona Olegarinha, que Paulo Freire iniciou a sua metodologia de
alfabetização.
De s no chão também se aprende a ler iniciou-se em 23 de fevereiro de
1961 a partir da prefeitura municipal de Natal. Djalma Maranhão, liderança
que iniciou sua atuação no PCB, se candidatou pelo PTB para a primeira
eleição municipal de 1960. A campanha apoiava-se no discurso favorável à
reforma agrária e à luta antiimperialista e foi organizado a partir de comitês
nacionalistas instaurados em diversos bairros do município. Além da
promoção da candidatura, o comitê era espaço de discussão dos problemas
locais e nacionais.
Vencida a eleição, Djalma Maranhão organizou reuniões nos bairros
discutindo as prioridades locais. A educação era uma das principais demandas
populares. Com a falta de recursos organizou-se um projeto piloto no bairro
Rocas, construindo o primeiro acampamento escolar com madeira e telhado
de palha. No período diurno funcionava o ensino infantil e a noite estudavam
adultos alfabetizandos.
A partir de Rocas a Campanha de Pés no Chão Também se Aprende a Ler
espalho-se pelo município atingindo cerca de 17.000 alunos em março de
1964 (Góes, 1991). Além das escolinhas e acampamentos escolares,
organizaram-se bibliotecas veis; praças de cultura; teatro e festivais
populares; círculos de discussão entre pais e professores; um centro de
formação de professores e cooperativas populares em torno do tema De pés
no chão também se aprende uma profissão.
O Movimento de Educação de Base originou-se das experiências de educação
radiofônicas desenvolvidas nas arquidioceses de Aracaju e Natal. A CNBB
elaborou um projeto de educação em âmbito nacional que entrou em vigor
em 21 de março de 1961 mediante convênio com o governo federal. A Igreja
Católica desenvolveria cursos de alfabetização e educação de base através
das emissoras católicas nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte do país.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
43
O MEB se organizou a partir de experiências desenvolvidas na região
Nordeste e priorizou suas atividades nesta mesma região, sobretudo no
trabalho com sindicatos rurais, escolas radiofônicas e nas caravanas
populares. O Sistema Radiofônico era a unidade nuclear do MEB e um
conjunto de escolas radiofônicas locais compunha uma unidade estadual,
organizada por uma equipe com supervisão do Bispo. A organização local era
responsável pela recepção organizada dos programas, treinamento dos
monitores da própria comunidade, estudo de área e supervisão das escolas.
As caravanas eram atividades de animação das comunidades tendo nas suas
próprias formas de organização o início da prática formativo-organizativa. Em
1964 o MEB atingiu 14 Estados, chegando a controlar 25 emissoras e entre
1961-1965 concluíram o curso cerca de 380 mil alunos. (Wanderley, 1984).
Sua organização não era expressão das gestões municipais dos candidatos
alinhados com um certo nacionalismo antiimperialista, além disso, as tensões
no interior da Igreja entre leigos e religiosos, foram importantes na definição
de sua linha de ação.
CPC da União Nacional dos Estudantes (UNE): entre São Paulo e Rio
de Janeiro
Foi no ISEB, em uma palestra proferida pelo próprio Paulo Freire, que artistas
do teatro de Arena tomaram conhecimento da experiência recifense do MCP.
A partir daí elaboraram sua própria proposta político-pedagógica, o Centro
Popular de Cultura promovido pela União Nacional dos Estudantes (Kreutz,
1980).
O CPC, ao contrário dos demais movimentos de cultura e educação popular,
surgiu na região Sudeste. Aldo Arantes integrante da JUC eleito presidente da
UNE em 1961, incorporou à UNE volante um grupo de jovens integrantes do
CPC que buscava ampliar os debates nacionais no meio universitário através
de peças e encenações teatrais.
Um grupo de artistas, dentre eles Oduvaldo Viana Filho, integrante do teatro
de Arena de São Paulo, havia iniciado um debate sobre o papel do teatro na
conjuntura brasileira concluindo ser necessário “popularizá-lo”. Popularizar
significava incorporar operários e camponeses como produtores de cultura e
ter como público fundamental as classes populares no lugar dos
universitários.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
44
Em uma viagem para o Rio de Janeiro o grupo se dividiu e os que
permaneceram na cidade entraram em contato com a UNE iniciando a
experiência do CPC.
Aos poucos os CPCs foram se espalhando pelo Brasil a partir da UNE Volante,
caravana que percorreu o Brasil com 25 integrantes para discutir a reforma
universitária e outras questões nacionais. Os centros articulados a partir da
caravana UNE Volante eram autônomos na definição de suas linhas de
ações enquanto o CPC do Rio de Janeiro permanecia como centro articulador
em âmbito nacional.
Em Pernambuco onde nasceu e atuou o MCP, SEC, e o MEB, o CPC era quase
inexpressivo entre a juventude. Em contrapartida, uma interessante
experiência foi organizada na cidade de Santo André, região do ABC paulista.
Vinculado politicamente ao sindicato dos metalúrgicos de Santo André
dirigido pelo Partido Comunista Brasileiro, o CPC do município foi construído a
partir de uma base Operária. (Camacho, 1987). Os operários filiados ao
sindicato e ao PCB participaram ativamente do centro escrevendo e
encenando peças teatrais e organizando cursos de formação política que
renovaram os quadros do próprio partido.
Augusto Boal contribuiu com o CPC de Santo André organizando um
importante laboratório de construção coletiva do conhecimento baseado na
rotação de atividades. Experiências que mais tarde foram sistematizadas e
denominadas como Teatro do Oprimido.
O CPC, diferentemente dos movimentos de cultura e educação popular da
região Nordeste, não iniciou suas atividades a partir de círculos ou classes de
alfabetização. Em Santo André a atividade articuladora era o teatro e foi
apenas em abril de 1964, quando a polícia fechou o Centro, que estava se
preparando círculos de alfabetização já tendo o universo vocabular levantado.
Talvez a ênfase na alfabetização de jovens e adultos pelos movimentos de
cultura e educação popular nordestinos se deva aos elevados índices de
analfabetismo e baixa escolarização associada à proibição do voto analfabeto.
O voto de cabresto era uma realidade regional e os movimentos de cultura e
educação popular viam na alfabetização em massa a possibilidade de alterar
essa correlação de forças. O próprio Paulo Freire representava essa aposta
tornadablica em muitos momentos durante os anos 1960.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
45
No próximo item abordaremos o repertório dos movimentos de cultura e
educação popular. Como interpretaram o momento histórico vivido, com que
ferramentas? Podemos dizer que estes construíram um conjunto de ações
político-pedagógicas para intervir na realidade? Tentaremos responder essas
questões.
Temas e questões: repertório mínimo e seus dissensos
Cultura: construção e realização humana
Bezerra (1980) assumiu a distinção entre alfabetização, educação de base e
cultura popular. As duas primeiras teriam maior aproximão entre si, pois
vinculadas a transmissão do saber e a busca do progresso no Brasil e na
América Latina. No período estudado teriam se radicalizado transformando-
se em práticas contestatórias. Também nesse momento a alfabetização com
ampla experiência “prática” e pouca teorização teria ampliado seu universo
teórico.
A cultura popular seria articulada no meio acadêmico e assistiu a busca por
canais de concretização através de práticas com as camadas populares. A
cultura popular foi capaz de sistematizar um horizonte mais amplo e coerente
sobre questões nacionais influenciando o discurso das demais dimensões.
Ao contrário da autora, identificamos a distinção entre a alfabetização,
trabalho de base e cultura popular, apenas como práticas com ênfases
educativas distintas, realizadas, na maior parte dos casos, conjuntamente
pelos movimentos. Os documentos produzidos pelo MCP corroboram esta
afirmação relatando a realização dos círculos de alfabetização em núcleos
comunitários que, por sua vez, estavam inseridos nas atividades das praças
de cultura local de apresentação de peças de teatro, folguedos, etc. Esta
relação também é verificada no MEB e De Pés no Chão Também se Aprende a
Ler.
Por esse motivo os documentos escritos pelos diferentes movimentos,
trataram de questões referentes à alfabetização, ao trabalho de base e a
cultura popular.
Um segundo elemento é sobre a influência da cultura popular, dimensão
elaborada nos meios universitários, sob as demais dimensões. A cultura
popular elaborada pela CPC com traços mais “vanguardistas”, mais próxima
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
46
do PCB, difere-se da noção de “comunicação” presente em Paulo Freire e nos
demais movimentos de cultura e educação popular instalados no Nordeste
brasileiro. Voltaremos a essa questão mais abaixo, por hora é importante
assinalar que a noção de cultura popular que comunica” se sobrepôs à
defendida pelo CPC e no período que se abre em meados da década de 1970,
a pedagogia do oprimido será a grande referência no campo da educação
popular.
A cultura popular entendida como o trabalho com ou a partir de
manifestações culturais, isto é, em seu sentido restrito, esteve ligada à
cultura como dimensão da sociabilidade humana.
Os documentos redigidos pelos movimentos de cultura e educação popular
seguem, em sua grande maioria, um padrão de elaboração que se inicia com
a definição da cultura.
Para o MEB (...) Cultura é tudo que o homem acrescenta à natureza; tudo o que
não está inscrito no determinismo da natureza e que é incluído pela natureza
(...). O CPC de Belo Horizonte definia (...) o homem estando no mundo
estabelece relação com a natureza, compreendendo-a e desenvolve um trabalho
de transformação desse mundo. É nesse sentido que ele cria um outro mundo, o
mundo da cultura (...). Ainda para o sistema Paulo Freire (...) criando e
recriando, integrando-se às condições do seu contexto, respondendo a seus
desafios, auto-objetivando-se, discernindo, transcendendo, lança-se o homem
num domínio que lhe é exclusivo o da história e o da cultura (...). (ver anexo
1).
Essa recorrência, aparentemente banal, é expressão de um momento em que
a “figura” das classes populares é constrda ainda com muita ambigüidade
entre “ser sujeito” e “estar incapaz”. Inicia-se com a definição genérica de
cultura e ser humano para em seguida explicar e justificar o papel das
classes trabalhadoras no cenário nacional.
Este papel é político, mas a sua politicidade é construída a partir da cultura
popular a contribuição “original das classes trabalhadoras advinha
exatamente de sua “brasilidade”. Lembremos, estamos nos referindo a
década de 1960, com uma industrialização e urbanização ainda incipiente e
olhando, sobretudo, para o camponês. Por isso, nos documentos, a afirmação
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
47
do homem como sujeito construtor da história é sempre acompanhada do
termo popular.
O pressuposto para a organização dos movimentos de cultura e educação
popular é essa dimensão social e histórica à qual pertence a cultura. É
também na esfera cultural que mundo e consciência se encontram, abrindo
possibilidades para a transformação da realidade brasileira.
Brandão (1995) num balanço sobre os movimentos de cultura popular,
assinala uma importante questão. A década de 1960 foi o primeiro momento
na história brasileira em que jovens reivindicaram ser possível alterar uma
dimensão da sociabilidade humana, a cultura, através do trabalho
pedagógico.
A cultura, como universo social, aparece também como tema abordado nos
círculos de alfabetização a partir do sistema Paulo Freire. Assim, além de
pressuposto para organização dos movimentos, essa visão do homem e da
história torna-se conteúdo de discussão. Os próprios educandos teriam que
se ver como seres separados e interventores da natureza.
A não percepção da separação homem-natureza é tratada, pelos
movimentos, como consciência mágica da realidade, consciência ingênua ou
consciência alienada que precisa se construir em conscncia crítica.
(...) de sua posição inicial de intrasitivação da consciência (...) passou para um
novo estágio - o da transitivação ingênua (...) a inserção a que nos referimos
resultará na promoção da transitivação ingênua para a critica (...); (...) uma
porcentagem da população do meio rural brasileiro vivendo em estágio de
consciência primitiva e ingênua (...). (ver anexo 1).
Se, por um lado, a industrialização e a interpretação do dualismo brasileiro
18
,
empurrava para o campo o adjetivo de arcaico, adjetivando também homens
e mulheres, por outro, um certo “romantismo” buscava no campo a autêntica
cultura brasileira já destruída na cidade – fonte do nacionalismo brasileiro.
18
A interpretação dual da realidade brasileira aparece também em Paulo Freie
Educação e Atualidade Brasileira (2001), tese elaborada em 1958. A iia do Brasil
como uma sociedade em transito (sociedade fechada para sociedade aberta) que
demandava consciências também “transitivas” era a superação do arcaico pelo
moderno.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
48
A tensão está no desejo de imprimir a racionalidade urbana aos camponeses,
por exemplo, a separação entre homem e natureza
19
, designando as
“crendices como falta de racionalidade, ao mesmo tempo em que busca
nestas a autenticidade capaz de se contrapor ao imperialismo (o que vem de
fora).
Cultura popular: povo, conscientização e nacionalismo
Afirmar a cultura como construto social, local de encontro entre consciência
mundo, significou, como vimos, o esforço teórico-prático de jovens da classe
média para compreender e impulsionar a emergência das classes
trabalhadoras na política brasileira.
Esse percurso esteve cheio de ambigüidades e as diferentes definições de
cultura popular as deixam visíveis. Cultura popular ganhou três sentidos
prioritários: tudo aquilo que vinha do povo ou para o povo; expressão do
processo de conscientização e da consciência revolucionária, para este
último, o sentido é de anti-povo; e tudo aquilo que era genuinamente
nacional.
A cultura popular como destinada às classes populares é consenso entre os
movimentos de cultura e educação popular. O dissenso aparece em relação
ao lugar que essas ocupam na produção cultural, sobretudo o lugar da arte
produzida pelas classes populares.
Para o CPC (...) é necessário distinguir com clareza as características que
diferenciam a arte do povo da arte popular e, ambas, da arte praticada pelo
CPC, a que chamamos de arte popular revolucionária (...) a arte do povo é tão
desprovida de qualidade artística e de pretensões culturais que nunca vai além
de uma tentativa tosca e desajeitada de exprimir fatos triviais dados à
sensibilidade mais embotada (...).(ver anexo 1).
19
A resistência indígena na América Latina expressa pelos movimentos dos
Cocaleiros na Bolívia, Zapatistas no México, a Universidade Intercultural dos Povos e
Nacionalidades Indígenas no Equador, entre outros, vem pautando a necessidade de
se construir uma nova epistemologia que incorpore uma cosmovio distinta da
ocidental. Em 2006 ocorreu o encontro dos povos indígenas na Bolívia, Leher (2007,
p. 29) cita um trecho da carta convite: “El evento incluye um encontro de guías
espirituales y sábios indígenas, quienes reflexionaran sobre la agenda indígena
continental para orientar, desde la espiritualidad y sabiduría heredada de nuestro
mayores, el plan de acción que aspiramos definir entre todos. Em este sentido,
solicitamos incluir em la delegación a um sábio indígena o guia espititual”.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
49
Essa arte tosca e desajeitada” não refletia a verdadeira essência
revolucionária do povo. Pelo contrário, era expressão da alienação e
subordinação vivida pelas classes trabalhadoras ao longo da história
brasileira. No processo de “desalienação cultural” promovido pela educação
popular, as classes trabalhadoras elevariam as suas próprias manifestações
culturais.
(...) para nós tudo começa pela essência do povo e entendemos que esta
essência só pode ser vivenciada pelo artista quando ele se defronta a fundo com
o fato nu da posse de poder em que se encontra o povo enquanto massa de
governados pelos outros e para os outros (...).
Nas resoluções do I Encontro Nacional de Alfabetizão e Cultura Popular em
1963 (...) o trabalho mais conseqüente com o folclore seria o de uma pesquisa e
levantamento dos aspectos formais que nele ocorrem e de uma reelaboração
para novos conteúdos (...) para as formas não-estáticas de folclore
proporcionaamos inicialmente a aglutinação, associação e organização dos
cantadores e violeiros, e posteriormente a instrumentação necessária para que
eles próprios tornassem sua música atuante e participante (...).(Ver anexo 1).
A questão central está em equacionar a essência” revolucionária com o
embrutecimento popular, expresso pela arte do povo. O olhar a partir do
sudeste, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo, o admitia haver no
campo nada além do que um caminho obrigatório para chegar a patamares
mais elevados de cultura, esta sim nacional. O nacional é o revolucionário e
este é construído pela vanguarda. E é pela certeza de seu conteúdo que a
tensão se desloca para o campo da estética o “rebaixamento” da arte, para
ser compreendida pelo povo, gera ou não uma concepção igualmente pobre
desta arte? era necessário justificar a escolha política como uma não-
contradição no plano artístico, que a maior parte dos documentos
produzidos pelo CPC dava vida a um debate entre pares.
Em outros documentos do próprio CPC, é possível identificar à associação
entre o nacionalismo ou cultura popular e consciência revolucionária,
gestando um novo olhar, dúbio sem dúvida, sobre as manifestações culturais
criadas pelas classes populares que eram identificadas com o atraso e
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
50
alienação, mas também como manifestação da própria nacionalidade,
portanto, autêntica e popular.
No âmbito dos trabalhos de educação e cultura, essas leituras permitiram,
por exemplo, à associação do rock com o imperialismo, ao passo que as
manifestações brasileiras seriam revolucionárias e autênticas. (Ortiz, 1994,
p.76).
Os documentos elaborados pelo MCP revelam uma outra compreensão das
classes populares e conseqüentemente da própria arte por elas produzidas.
(...) nunca, porém, sem a convicção que sempre tivemos de que nas bases
populares e com elas poderíamos realizar algo de sério e autentico, para elas.
Daí jamais admitirmos que a democratização da cultura fosse a vulgarização ou,
por outro lado, a dação, ao povo, de algo que formulássemos nós mesmos em
nossa biblioteca e que a ele doássemos. Foram as nossas mais recentes
experiências, de mais de dois anos no Movimento de Cultura Popular do
Recife (...), (...) descobrimos que tanto é cultura o boneco de barro feito pelos
artistas, seus irmãos do povo, como cultura também é a obra de um grande
escultor (...).(Ver anexo 1).
O MCP, Sistema Paulo Freire e MEB reconheciam fases ou níveis de
consciência na qual não havia alienação total, mas consciências em
“transitivação”, para usar um termo de Paulo Freire. Os documentos
pesquisados também não permitem identificar uma essência revolucionária
das classes trabalhadoras, sobretudo porque não a procuravam, parcialmente
distanciados do PCB e dos demais partidos comunistas brasileiros.
Essa abordagem permitiu a valorização das manifestações culturais
produzidas pelas classes populares como integrantes da cultura brasileira
“autêntica”, ainda que essas fossem vistas sob o prisma do folclore. Para
esse grupo de movimentos de cultura e educação popular, a tensão central
foi a já indicada acima: superar o atraso, nunca visto como total, mas
identificar na cultura popular as bases para o nacionalismo. Aqui o
nacionalismo não é sinônimo da conscncia revolucionária, mas sobreposição
da cultura brasileira a cultura estrangeira.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
51
A dependência econômica, segundo os movimentos, havia gerado uma
dependência cultural que tornava os brasileiros inautênticos. A cultura
popular era o próprio processo de “desalienação” cultural.
(...) quando se fala em cultura popular acentua-se a necessidade de pôr a
cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses efetivos do país (...); (...) a
cultura popular é, em suma, a tomada de consciência da realidade brasileira
(...);(...) A nossa luta interna de libertação liga-se profundamente à cultura
popular, que assume no primeiro momento o sentido de desalienação da nossa
cultura, sobrepondo os valores culturais estranhos aos nossos valores outros
criados e elaborados aqui. Essa é a tarefa fundamental da cultura popular,
sobrepor a nossa cultura às culturas estrangeiras, sem perder de vistas,
evidentemente, permitindo um processo de aculturação em que haja a
predominância da cultura brasileira (...) De Pés no Chão Também se Aprende
a Ler; (...) a cultura brasileira deixa de ser autêntica e livre à medida que se
sucedem as imposições por parte de Portugal, França, Inglaterra, Estados
Unidos (...). No I encontro de alfabetização e cultura popular (...) o trabalho de
cultura popular é o trabalho de todos que desejam a desalienação da cultura e
conseqüentemente a emancipação nacional (...).(Ver anexo 1).
A cultura popular também foi definida como meio ou o próprio processo de
conscientização. Estar consciente, finalidade e meio dos movimentos de
cultura e educação popular, era compreender e intervir na realidade nacional.
(...) a cultura popular, essencialmente, diz respeito a uma forma
particulassima de consciência: a consciência política, a consciência que
imediatamente deságua na ação política. Ainda assim, não a ação política geral,
mas a ação política do povo. Ela é o conjunto teórico-prático que co-determina,
juntamente com a totalidade das condições materiais objetivas, o movimento
ascensional das massas em direção à conquista do poder na sociedade de
classes (...); (...) é, portanto, antes de mais nada, consciência revolucionária
(...) CPC da UNE;(...). É popular a cultura que leva o homem a assumir a sua
posição de sujeito da própria criação cultural e de operário consciente do
processo histórico em que se acha inserido (...).(Ver anexo 1).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
52
Em suma, como pano de fundo está a relação entre a emancipação nacional e
seus correspondentes no plano da cultura e da própria consciência e os
atores políticos que desejavam a emancipação. Esta relação se deu em torno
de questões como: em que bases culturais a mudança seria construída e
quais eram as possíveis relações entre a cultura produzida pelo povo e os
níveis de consciência necessários para mudanças efetivas?
Neste ponto reside a contradição central dos movimentos vivida em graus
variados nas diferentes organizações. As manifestações culturais construídas
e vivenciadas pelas classes trabalhadoras, sobretudo no meio rural, foram
valorizadas como expressões nacionais, base e caminho para a emancipação.
É o caso da Campanha de Pés no Chão Também se Aprende a Ler, que
organizou um acervo com peças, daas e sicas “populares”. Uma
segunda interpretação, por vezes presente no mesmo movimento, distinguia
a cultura do povo da cultura popular, esta última revolucionária e alicerce
para um projeto nacional.
Essa distinção pressupunha a cisão entre a forma e conteúdo e os
movimentos passaram a utilizar a forma (teatro de bonecos, autos teatrais)
para comunicar um conteúdo diferente, pois mais consciente da realidade
brasileira, daqueles temas e problemas representados nas manifestações
culturais criadas pelos trabalhadores rurais.
O ponto de encontro entre estas diferentes interpretações, expressas pelos
movimentos de cultura e educação popular é o nacionalismo traduzido em
ação política e expresso por diferentes termos como interesses efetivos do
país pela UNE; cultural autêntica e livre, ou melhor, popular e nacional pela
campanha De Pés no Chão. Para o CPC de Belo Horizonte formação de uma
autêntica e livre cultura nacional.
Nos acampamentos escolares construídos em Natal pela Campanha De pés
no Chão Também Se Aprende a Ler, uma placa fixada na fachada principal
recebia os educandos: Combater o analfabetismo é libertar o país.
A compreensão sobre o nacionalismo construída pelos movimentos de cultura
e educação popular padeceu da interpretação dual sobre o Brasil, produzindo,
igualmente, uma compreensão dualista sobre as classes populares, sobretudo
camponeses, e de suas expressões culturais.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
53
Dualidade Brasileira e conscientização
O binômio moderno e arcaico utilizado para interpretar o Brasil dos anos
1960 debitava o atraso nacional à formação histórico-ecônomica singular,
constituída polarmente em torno da oposição formal de um setor “atrasado” e
um setor “moderno”. (Oliveira, 2003, p. 32). Acrescentamos à formação
histórico-econômica a dimensão cultural.
Se o arcaico ou o feudal, presente em grande parte dos documentos
produzidos pelos movimentos de cultura e educação popular, era identificado
com o campo, impedimento da modernização, a cultura não autêntica
impedia as transformações no plano ideológico.
Os movimentos de cultura e educação popular, com as suas particularidades
identificadas acima, transpuseram, sem exceção, a análise das estruturas
para a esfera ideológica além de estruturas arcaicas, havia também
homens e mulheres arcaicos, empecilho para a modernização.
O dualismo das estruturas sociais encontrava seu correspondente na esfera
cultural. Esse dualismo foi traduzido pelos termos: falsa cultura popular e
verdadeira cultura popular ou cultura autêntica e cultura não autêntica.
A passagem de um pólo a outro, implicava transformações. Estas eram
entendidas pelos movimentos de cultura e educação popular como processo a
ser construído. Como desconstruir uma cultura inautêntica, alienada da
realidade nacional, e construir uma cultura autêntica? A resposta encontrada
foi a conscientização.
Para cada estrutura social haveria uma consciência correspondente, por isso
homens e mulheres conscientes seriam capazes de transformar as estruturas
sociais. Essa formulação, com mediações entre consciência-mundo, está em
Paulo Freire e se expressa na passagem entre a conscncia ingênua para
consciência critica. Para este autor, a passagem não é simples reflexo das
mudanças estruturais e exige um trabalho educativo, cultural, com rigor
metodológico.
Vale a pena enfatizar as diferenças significativas entre o CPC da UNE e os
demais movimentos de cultura e educação popular em relação ao processo
educativo propriamente dito, ou o esforço para a construção de consciência
autêntica. Vimos que o CPC da UNE a associou, na maior parte do tempo,
com a consciência revolucionária produzida por uma vanguarda urbana.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
54
para o MEB, o MCP e De Pés no Chão Também se Aprende a Ler, o primeiro
influenciado diretamente pela Igreja, os segundos pelo próprio Paulo Freire,
viram a conscientização como um transito a “inconsciência” não era oposto
da consciência revolucionária. Daí decorre a categoria comunicação.
A tabela IX indica que para os movimentos de cultura e educação popular,
excetuando o CPC, a categoria comunicação está no centro do processo de
ensino-aprendizagem. O ato educativo aparece como comunicação entre dois
sujeitos que desejam conhecer algo.
Para o sistema Paulo Freire sistematizado por Landim (...) o ato de conscientizar
exige uma comunicação entre dois sujeitos sobre coisas possíveis. Exige-
se então três termos: os dois que se comunicam e tomam consciência de
alguma coisa comunicada. Conscientizar é, pois, o ato pelo qual uma pessoa,
comunicando-se com outra pessoa, dá a ela consciência sobre alguma coisa a
qual ela intenciona enquanto sujeito (...) (anexo 1, grifo nosso).
Para o MEB (...) o conteúdo das aulas foi sendo progressivamente modificado
em função de um conhecimento mais completo da realidade local, da nova
perspectiva de educação de base e do desenvolvimento de uma pedagogia da
comunicação (...) embora tenhamos visto o camponês como uma pessoa
sujeito de sua cultura, na oposição que fazíamos entre eles e s, não poamos
deixar de nos ver como o pólo culturalmente mais preparado, mais consciente,
mais crítico (...) de inicio ela é uma atitude de bloqueio, suficiente para impedir
que, mesmo no contato direto, tissemos condições de “ver objetivamente.
(ver anexo 1, grifo nosso).
Para a Ação Popular (...) há valores essenciais que a cultura deve encarnar nas
situações históricas infinitamente variáveis (...) Uma determinada cultura é
autêntica quando permite a encarnação de tais valores e, portanto, a construção
de um mundo-para-o-homem (...) assim a cultura tem sentido e validez
enquanto processo de comunicação das consciências. O mundo cultural,
como mundo humanizado, sendo mundo-para-mim é mundo-para-o-outro (...)
(ver anexo 1, grifo nosso).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
55
A busca da comunicação como mediadora da conscientização é ausente na
prática educativa da UNE, enquanto o percurso dos demais movimentos
pendia para o que mais tarde viria a ser a pedagogia do oprimido
20
(...) a cultura popular significa, nesse sentido, uma doação de cima par
abaixo, uma transferência de valores culturais possuídos e cultivados em
setores privilegiados da sociedade. Dá-se, entretanto, e surge o outro lado do
problema, que essa cultura pode ser apreendida e desenvolvida pela massa
quando consegue incorporar, organicamente, ao modo de vida das massas (...)
CPC da UNE.(Ver anexo 1, grifo nosso).
É possível dizer que os movimentos de cultura e educação popular viveram
um “embate” entre uma concepção vanguardista de educação e uma segunda
tendência, que se consolidou como predominante no repertório das cadas
de 1970 e 1980.
As duas extremidades dessas tendências foram representadas pelo CPC da
UNE e pelo MEB. Esse último passou a defender a não-diretividade, isto é o
papel secundário do militante-educador nas práticas educativas, não porque
as classes populares soubessem de tudo, mas porque era o melhor caminho
para saber.
Educação popular: a cultura em sua dimensão educativa
A transformação da cultura o acontece espontaneamente, requer, ao
contrário, um rigoroso trabalho educativo. É nesse sentido que os
movimentos laaram-se ao campo pedagógico em busca de respostas que
qualificasse a intervenção política. A esfera política aparece como
essencialmente educadora. Por isso os movimentos estiveram preocupados
com instrumentos de organização; etapas do processo de ensino-
aprendizado; cnicas e dinâmicas de grupo; linguagens e recursos
audiovisuais.
20
“Não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: homens que em
comunhão, buscam saber mais” (Freire, 1975, p.95).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
56
Realidade como ponto de partida
No quadro VII Realidade como ponto de partida, identificamos a
preocupação com a realidade vivida nos locais de trabalho.
No I encontro de Alfabetização e Cultura Popular (...) é, porém, na análise do
meio, através da pesquisa social, de educação popular que um maior
conhecimento das condições sócio-econômicas é alcançado como importante
subsidio à ação do educador(...). Para a ão Popular, grupo político que
participou dos movimentos de cultura e educação popular (...) a cultura popular
utiliza instrumentos e métodos próprios de trabalho, instrumentos que se
estruturam e se definem a partir das necessidades da comunidade (...).
Ainda referente à realidade como ponto de partida no I encontro de Educação
e Cultura Popular
(...) deve-se adequar a linguagem a cada situação especifica, e mais ainda,
partir da linguagem local ou da classe social com quem se vai trabalhar (...).
Dessa forma, o trabalho com cultura e educação popular se desdobrava em
trabalho no meio estudantil, no meio operário e no meio rural. Como a maior
parte dos movimentos provinha da atuação no meio rural ou capitais pouco
industrializadas como Recife e Natal, nas regiões Norte e Nordeste do país,
sobretudo organizando sindicatos rurais e grupos de alfabetização, o trabalho
no meio operário era ainda incipiente em 1963, destacando São Paulo e Rio
de Janeiro.
O conhecimento da realidade local como ponto de partida dos processos
organizativos e pedagógicos, desencadeou a elaboração de pesquisas de
campo como recurso utilizado pelos movimentos. Conhecimento da realidade
socioeconômica, aspirações e composições dos grupos sociais e subsídio para
elaboração de um plano de ação, eram objetivos buscados pelas pesquisas de
campo.
No MEB a organização das comunidades dependia de um rigoroso estudo da
realidade.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
57
(...) Verificamos que, se o MEB pretende realizar promoções de povo, sua
atuação se faria sem grandes resultados, se desconhecêssemos com riqueza de
detalhes a realidade que se iria encontrar. Baseado nisso, passamos a enumerar
os aspectos a conhecer: antecedentes histórico-geográficos; aspectos
econômicos; aspectos políticos; aspectos sociais; e aspectos culturais (...).
Citamos também as palavras geradoras freireanas, método utilizado por
outros movimentos, no qual o ponto de partida para o processo de
alfabetização era o universo vocabular, portanto cultural, dos educandos.
Esse método utilizado por Paulo Freire no CPC Dona Olegarinha no Recife,
organizado a partir do MCP, também foi incorporado a Campanha De Pés no
Chão Também se Aprende a Ler.
Partir da realidade indicava, portanto, no caso especifico do Sistema Paulo
Freire um caminho metodológico - início do processo de conscientizão e
alfabetização e, para o MEB e CPC, significava planejamento para
intervenção.
Acompanhando o processo de construção de concepções político-
metodológicas norteadoras do trabalho, o quadro VIII relação entre agente
e classes populares, demonstra a busca de relações mais horizontais nas
práticas formativas.
Para o MEB de Goiás (...) da mesma forma, éramos ainda, em quase todas
as comunidades, vistos e entendidos como os responsáveis por ações de
que deveríamos ser assessores (...).Ou ainda no I encontro Nacional de
Educação e Alfabetização (...) necessidade de encontrar uma fórmula adequada
de expressão, que permita um uso comum de linguagem entre os grupos
promotores e os grupos a serem atingidos (...). (Ver anexo 1, grifo nosso).
A própria realidade como ponto de partida e a busca de relações mais
horizontais entre educadores e educandos apontou para uma substituição
parcial: aos poucos o trabalho para foi sendo substituídos pelo trabalho com.
Essa passagem, que aparece como fruto da reflexão sobre a prática, esteve
fortemente representada no I encontro de Cultura e Educação Popular em
1963.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
58
A defesa de relações mais horizontais nos processos educativos chocou-se,
em muitos momentos, com a discussão sobre a formulação das estratégias
políticas.
A utilização de cnicas não-diretivas pelo MEB, por exemplo, enfrentou o
debate sobre a necessidade da diretividade na condução política nos
trabalhos de base. A influência das técnicas não-diretivas foi fortemente
difundida pela Ação Católica Brasileira, especialmente pela Juventude
Operária Católica com forte presença no MEB
21
.
Na região Nordeste talvez a presença das Ligas Camponesas e dos
trabalhadores rurais organizados em sindicatos, interlocutores dos
movimentos como MEB, Sistema Paulo Freire e MCP, demonstrava uma maior
capacidade de auto-organização influindo na relação entre agentes
22
e
trabalhadores. No MEB, por exemplo, a preocupão em formar lideranças
das próprias comunidades e a reflexão sobre o papel dos agentes é bastante
presente.
Organizando a comunidade em pequenos grupos
Os diferentes movimentos também partilharam a criação de instrumentos
para a organização popular. Círculos de alfabetização promoviam o início da
organização da própria comunidade; encenação e criação de peças teatrais;
projeção de filmes em locais públicos; praças de cultura, cleos de
elaboração de cultura, onde se fazia uso dos diferentes instrumentos,
atendendo uma população mais restrita através de um trabalho continuado e
permanente; parques de cultura, organização de atividades esporádicas para
e com a comunidade; e a promoção de festas e festivais populares.
O elo entre os diferentes instrumentos criados pelos movimentos de cultura e
educação popular é a organização da comunidade em grupos denominados
21
Segundo Wanderley (1994 p.67). “A maior parte dos dirigentes se formaram numa
fase (1960-1964) de intensa discussão interna sobre a vida cristã de leigos e seu
engajamento no mundo secular, na qual um dos pontos de conflitos constantes com
a hierarquia girava em torno da queso de maior autonomia e liberdade de ação do
leigo, esses membros transpuseram essa temática para fora da Igreja defendendo
também a autonomia para todos os indivíduos”.
22
Neste caso, definimos como agentes homens e mulheres pertencentes, em sua
maioria, a classe média, que desempenham um serviço de mediação no processo
formativo-organizativo junto com as classes trabalhadoras.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
59
de diferentes formas pelos movimentos de cultura e educação popular. O
quadro V - nucleação como forma de organização política, identifica essas
diferentes denominações.
Para o Sistema Paulo Freire (...) o rculo de cultura (...) instituímos debate de
grupo, ora em busca do aclaramento de situações problemáticas, ora em busca
de ação mesma decorrente do aclaramento das situações (...). CPC de Belo
Horizonte (...) sentimos a necessidade de se estabelecer cleos populares pra
discussão dos problemas que dizem respeito ao povo (...). (Ver anexo 1).
Ainda para a Ação Popular (...) a criação de núcleos populares com a fuão
especifica de politização e organização do povo (...) No I encontro de
Alfabetização e Cultura Popular (...) praças de cultura se caracterizam como um
cleo de elaboração cultural crítica, a partir de convergência dos diferentes
instrumentos de cultura popular, atendendo então, a uma população mais
restrita e constante (...) e (...) os núcleos de alfabetizandos devem também
significar um inicio de organização das respectivas comunidades (...).(Ver anexo
1).
Nos documentos pesquisados não encontramos registros sobre o
funcionamento desses núcleos e possíveis relações com outros agrupamentos
e instrumentos políticos. Em Natal, a organizão de cleos como “comi
nacionalistas” de mobilização da campanha de Djalma Maranhão,
antecederam a Campanha de Pés no Chão Também se Aprende Ler e muitos
mantiveram-se atuantes no interior da Campanha. No caso do MEB, as
escolas radiofônicas de alfabetização e pós-alfabetização eram coordenadas
por moradores locais que haviam feito o “treinamento” para monitores. As
constatações que agentes externos, isto é integrantes do MEB que vinham
para auxiliar, ainda desempenhavam funções de destaque, aparece em
alguns documentos.
Projeto Político
Kreutz (1980) em sua tese sobre os movimentos de educação popular no
Brasil entre 1960 a 1964, identificou a deficncia de uma estratégia comum
entre os diversos movimentos capaz de potencializar a ação política. Bezerra
(1980) tamm menciona a falta de projeto político entre os movimentos
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
60
educacionais atuantes no Brasil entre 1960 a 1964. Wanderley (1984)
traçando o mesmo caminho argumenta ter havido entre os movimentos uma
aceleração ideológica que não encontrou correspondência entre as demais
estruturas, isso porque o havia uma teoria sistemática que partisse da
realidade.
Essa questão talvez seja a mais recorrente entre as análises elaboradas na
década de 1980 sobre a década de 1960, isto porque a discussão sobre a
estratégia política da esquerda brasileira ganhou força com a articulação e
criação PT. Será sobre o efeito da criação do PT que os movimentos políticos
educacionais serão re-visitados.
Para Wanderley (1984) a concepção de educação popular no MEB e no
sistema de alfabetização Paulo Freire se situou entre as classes sociais e a
idéia de comunidade. Góes (1991) também aponta como a contestação do
poder local e das estruturas de dominação estava presente na Campanha De
s no Chão Também se Aprende a Ler, mesmo que em muitos momentos as
classes sociais como categoria de análise não estivessem presentes nos
documentos e discursos de seus agentes.
Wanderley (1994) ao classificar as formas e orientações da educação popular
na América Latina, distinguiu três agrupamentos: a) educação popular com a
orientação de integração, buscando a obtenção da democracia formal através
da ampliação das oportunidades educacionais e submissão das classes
populares ao projeto de hegemonia das classes dominantes; b)educação
popular com orientação Nacional-Populista: as classes populares aliam-se às
classes dominantes modernizadoras em nome da industrialização e ampliação
da participação política. O denominador comum é a noção de nacionalismo;
c) educação popular com a orientação de libertação: a valorização do saber
popular é ponto de partida para a promoção e autonomia das classes
trabalhadoras. Estas experiências, segundo o autor, podem ter se iniciado
com uma perspectiva de integração, mas foram se radicalizando e chegando
à contestação da ordem capitalista e propondo alterações estruturais, além
de, em alguns poucos casos, formularem propostas de alteração do próprio
sistema.
Os autores que analisaram as diversas experiências de educação popular
entre 1960 e 1964 posicionam-se em classificá-las entre a segunda e terceira
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
61
orientação. Wanderley (1984) estuda o processo de radicalização do MEB
chegando a uma orientação libertadora. Germano (1989) também aponta o
percurso de mudança da Campanha de Pés no Chão Também se Aprende a
Ler, situando-a entre a segunda e a terceira orientação. Tendo contestado a
ordem capitalista, contudo a falta do referencial classista aprisionou-a ao
nacionalismo conciliatório. Manfredi (1978) e Paiva (2000) situam o sistema
Paulo Freire na orientação Nacional-Populista com uma conotação
nitidamente reformista.
A tabela IV projeto político, nos mostra uma diversidade de expressões
referentes às intencionalidades políticas dos movimentos de cultura e
educação popular. De fato, se situam entre “a tomada do poder” e as
“reformas de base”, não havendo, como afirmou Kreutz (1980), uma
estratégia potica comum aos movimentos
Para a União Nacional dos Estudantes (UNE) (...) Se não se parte daí não se é
nem revolucionário, nem popular, porque revolucionar a sociedade é passar o
poder ao povo. Para a Campanha de Pés no Chão (...) , portanto, um
entrelamento dialético entre cultura popular e libertação nacional
socialismo e luta antiimperialista. Ainda para o MEB (...) pretendem agir no
sentido de superação, pela sociedade, dos desníveis entre os diversos
grupos sociais que a compõem (...).(Ver anexo 1, grifo nosso).
CPC de Belo Horizonte (...) a perspectiva a longo prazo de ação de cultura
popular, sendo um movimento de libertação, se dirige em termos da tomada do
poder(...).Para o Sistema Paulo Freire (...) o de que se precisa urgentemente
(...) e de se fazerem as reformas básicas (...) de que resultem os
instrumentos beis com que façamos a nossa real emancipação interna e
externa(...). No I encontro de Alfabetização e Cultura Popular (...) esse
trabalho não devera ser eventual, mas obedecer a uma linha sistemática, a
partir de uma perspectiva global de educação visando a uma transformação
radical da estrutura vigente (...). (Ver anexo 1, grifo nosso).
afirmamos que os movimentos de cultura e educação popular tiveram
origens distintas, como uma proposta de educação da CNBB, políticas de
educação não-formal feita por administrações municipais nordestinas e uma
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
62
linha de ação do movimento estudantil. Entre 1960 e 1963, esfoos de
organização nacional foram feitos, principalmente no encontro nacional em
1963, mas o golpe de Estado interrompeu as experiências e a possibilidade
de articulá-las nacionalmente a partir de um projeto político melhor definido.
Neste sentido, é implorante assinalar a vida curta desses movimentos, em
média três anos de duração, e o percurso de radicalização política que todos
eles vivenciaram. No caso do CPC, assinalamos que a radicalização política
não correspondeu a uma radicalização da prática educativa.
Apesar de um projeto político pouco definido, é possível afirmar que os
movimentos de cultura e educação popular lutaram pela ampliação de
direitos para as classes trabalhadoras do campo e da cidade, resultando em
uma contra-tendência no padrão de industrialização nacional que tendia ao
empobrecimento desses.
Estado e movimentos de cultura e educação popular
Os movimentos de cultura e educação popular receberam verbas públicas
para organização e execução dos trabalhos. É o caso do MEB que em 1961
entrou em vigor a partir de um decreto que destinava dinheiro público
alocado no Ministério de Educação e Cultura. O programa seria executo pela
CNBB através das paróquias e episcopados das regiões Norte, Nordeste e
Centro-oeste. Também é o caso da Campanha De Pés no Chão Também Se
Aprende a Ler, recurso proveniente da prefeitura municipal de Natal durante
a gestão de Djalma Maranhão.
O sistema Paulo Freire, também teve suas atividades em Angicos custeadas
pelo dinheiro da Aliança para o Progresso através do estado do Rio Grande
Norte. O Movimento de Cultura Popular no estado de Pernambuco, centrado
no Recife e arredores, também recebeu verba pública da administração de
Miguel Arraes.
A reivindicação por verbas públicas para continuidade e expansão dos
movimentos de cultura e educação popular aparece no documento do I
encontro de Cultura e Educação Popular em 1963 e em documentos
produzidos pelos movimentos individualmente.
O MCP e a Campanha de Pés no Chão organizados por jovens engajados em
diferentes agrupamentos políticos com recursos públicos, tiveram suas linhas
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
63
definidas a partir de campanhas municipais e, durante todo o período,
mantiveram vínculos com as gestões municipais.
Isto se explica, em grande medida, não por uma política populista - como
bem demonstrou Francisco de Oliveira em Elegia para re(li)gião (1987), é
muito difícil, se definida pelos seus elementos essenciais
23
, atribuirmos ao
Nordeste Brasileiro uma política populista mas pela força política que
chegava aos governos municipais de Recife e Natal com a eleição de Miguel
Arraes e Djalma Maranhão.
Era um claro sinal da crise de hegemonia que o nordeste brasileiro
atravessava. Pela primeira vez, as classes trabalhadoras urbanas e rurais
começavam a emergir no contexto regional. As duas capitais Recife e Natal, e
no caso de Pernambuco, o governo estadual são representantes de uma força
nacionalista e antiimperialista com respaldo popular.
Nesse sentido, a relação com o Estado brasileiro longe de significar uma
subordinação, significou uma crise de hegemonia e a disputa aberta pela
direção intelectual e moral do Nordeste brasileiro. O MCP e a Campanha de
s no Chão Também se Aprende a Ler foi a tradução no plano ideológico
dessa disputa.
O MEB também foi financiado pelo governo Federal e os freqüentes
problemas com os recursos, traduzidos pela diferença dos valores previstos e
liberados, além dos atrasos, ao longo dos anos de 1961 e 1964, devem
apontar a falta de prioridade para manter os trabalhos funcionando pelo
Estado.
A assinatura inicial do convênio em 1961, ao contrário dos casos acima
citados, não expressou grandes embates no governo Federal. Ao contrário, o
programa seria executado pela Igreja que até o momento não demonstrava
grandes impulsos para ruptura, apesar da denúncia de padres e Bispos,
principalmente nordestinos, da miséria enfrentada pelos camponeses.
A partir de 1962 e 1963 o MEB se radicalizou. Para manter a linha de
trabalho, mesmo com verbas atrasadas e diminutas, foi preciso a intervenção
da Igreja. s-golpe de 1964, com a intervenção do Estado brasileiro, o
23
Hegemonia burguesa que se impôs sem romper abertamente com a oligarquia
agrária, proletariado urbano em expansão, ambigüidade do Estado em sua relação
com as classes dominantes e dominadas. (Oliveira, 1987, p. 95).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
64
trabalho do MEB se modificou perdendo a radicalidade florescida entre 1962 e
1964.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
65
Anexo 1
Repertório mínimo e
dissensos dos movimentos
de Cultura e Educação
Popular
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
66
Quadro I - polarização ideológica na produção, circulação e consumo cultural.
Organização/
movimento
Data
Documento
Página
Ação Popular 1963
(...) embora a cultura tenha uma
destinação universal, uma vez que as
obras culturais se criam numa perspectiva
antropológica, ela, enquanto polarizada
ideologicamente, serve, de fato aos
interesses de uma classe, de uma
determinada posição social. A esse tipo de
cultura, imediatamente se opõe uma
reivindicação da cultura popular (...).
AP/ Cultura
Popular
p. 23
UNE 1964
(...) considerando-se o âmbito total da
cultura, pode-se dizer que a cultura
popular é um pólo novo que surge
dentro do conjunto existente e estabelece
uma contradição antagônica (...).
A questão da
cultura
popular
Carlos
Estevam
p. 36
MEB
1963
(...) daí resulta que qualquer atitude
frente à cultura popular é
necessariamente situada no conflito
ideológico.
MEB/Cultura
popular: notas
para estudo
p. 79
CPC de Belo
Horizonte
1963
(...) o movimento de cultura popular
começa a surgir no Brasil, como
reivindicação, para se opor ao tipo de
cultura que serve apenas à classe
dominante (...).
O que é
cultura
popular
p. 85
MCP 1963
(...) um movimento de cultura popular só
surge quando o balanço das relações de
poder começa a ser favorável aos
setores populares da comunidade e
desfavorável aos seus setores da elite
(...).
MCP/ plano de
ação para
1963
p. 90
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
67
Organização/
movimento
Data
Discurso Documento Página
Ação Popular 1963
(...) Uma comunidade humana só se
faz sentir em razão da capacidade
que o homem tem, através do
conhecimento e ação, de
transformar o mundo natural em
mundo da cultura (...).
AP/ Cultura Popular
p. 15
UNE 1964
(...) A cultura entendida assim como
o mais amplo contexto do
comportamento humano (...).
A questão da
cultura popular
Carlos Estevam
p. 38
MEB
1963
(...) Cultura é tudo que o homem
acrescenta à natureza; tudo o que
não está inscrito no determinismo
da natureza e que aí é incluído pela
natureza (...).
MEB/Cultura
popular: notas para
estudo
p. 78
CPC de Belo
Horizonte
1963
(...) o homem estando no mundo
estabelece relação com a natureza,
compreendendo-a e desenvolve um
trabalho de transformação desse
mundo. É nesse sentido que ele cria
um outro mundo, o mundo da
cultura (...).
O que é cultura
popular
p. 83
Sistema Paulo
Freire
1963
(...) Criando e recriando,
integrando-se às condições do seu
contexto, respondendo a seus
desafios, auto-objetivando-se,
discernindo, transcendendo, lança-
se o homem num domínio que lhe é
exclusivo – o da história e o da
cultura (...).
Conscientização e
alfabetização: uma
nova vio do
processo
Paulo Freire
p. 101
Quadro II - cultura: construção e realização humana.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
68
Organização/
movimento
Data
Discurso Documento Página
Ação Popular 1963 (...) a cultura pode ser então
mediadora de dominação. Temos
a mediação da cultura
inautêntica (...) Mediadora de
comunicação. Neste caso a
cultura exerce uma mediação
autentica e adquire sua
caracterização essencial, como
histórica, social, pessoal e
universal (...).
AP/ Cultura Popular p. 19
UNE 1964 (...) só há cultura popular onde
se produz o processo que
transforma a consciência
alienada em consciência
revolucionária, ativamente
engajada na luta política (...).
A questão da cultura
popular
Carlos Estevam
p. 41
De pés no
chão também
se aprende a
ler
1963 (...) e finalmente a consciência
dessa dominação por parte do
povo brasileiro, o que se traduz
na eclosão dos movimentos de
cultura popular (...).
Cultura popular:
tentativa de
conceituação
p. 71
I Encontro
Nacional de
Alfabetização e
Cultura
Popular
1963
(...) uma das condições dessa
libertação é que o povo tenha
consciência da dominão
(...).
Resoluções do I
encontro nacional de
Alfabetização e Cultura
Popular - relatório da
comissão de estudos
sobre alfabetização.
p. 239
MCP 1963 (...) a demanda de uma
consciência popular adequada
ao real e possuída pelo projeto
de transformá-lo é característica
do movimento popular (...).
MCP/ plano de ação
para 1963
p. 90
Sistema Paulo
Freire
1963 (...) de sua posição inicial de
intransitivação da consciência
(...) passou para um novo
estágio - o da transitivação
ingênua (...) a inserção a que
nos referimos resultará na
promoção da transitivação
ingênua para a critica (...).
Conscientização e
alfabetização: uma
nova visão do processo
Paulo Freire
p. 108
MEB/ Goiás 1965 (...) uma porcentagem da
população do meio rural
brasileiro vivendo em estágio de
consciência primitiva e
ingênua (...).
Relatório do II
Encontro de Animação
Popular
p. 193
I Encontro
Nacional de
Alfabetização e
Cultura
Popular
1963
(...) é necessário que se desperte
no povo a consciência critica
que permite superar estas
distorções culturais e criar
formas autênticas de expressão
Resoluções do I
Encontro Nacional de
Alfabetização e Cultura
Popular - relatório da
comissão A: atuação
p. 214
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
69
dos movimentos de
cultura popular e
alfabetização nas
diferentes zonas,
regiões e grupos
sociais.
UNE 1963 (...) cultura popular é, em suma,
a tomada de consciência da
realidade brasileira (...) cultura
popular é, portanto, antes de
mais nada, consciência
revolucionária (...).
Cultura Popular
Ferreira Gullar
p. 49
UNE 1964 (...) a cultura popular, como
reforma cultural de caráter
revolucionário, não se confunde
como reformismo puro e simples
(...).
A questão da cultura
popular
Carlos Estevam
p. 34
Ação Popular 1963 (...) a cultura pode ser então
mediadora de dominação. Temos
a mediação da cultura
inautêntica (...) Mediadora de
comunicação. Neste caso a
cultura exerce uma mediação
autêntica e adquire sua
caracterização essencial, como
histórica, social, pessoal e
universal (...).
AP/ Cultura Popular p. 19
Ação Popular 1963 (...) é popular a cultura que
leva o homem a assumir a sua
posição de sujeito da própria
criação cultural e de operário
consciente do processo histórico
(...).
AP/ Cultura Popular p. 23
Quadro III - conscientização
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
70
Organização/
movimento
Data
Discurso Documento Página
UNE 1962
(...) Se não se parte daí não se
é nem revolucionário, nem
popular, porque revolucionar a
sociedade é passar o poder
ao povo.
CPC da UNE/ Manifesto
p. 50
De pés no chão
também se
aprende a ler
1963
(...) Há, portanto, um
entrelaçamento dialético entre
cultura popular e libertação
nacional – socialismo e luta
antiimperialista.
Cultura popular:
tentativa de
conceituação
p. 74
MEB
1963
(...) (movimentos de cultura
popular) pretendem agir no
sentido de superação, pela
sociedade, dos desníveis
entre os diversos grupos
sociais que a compõem (...).
MEB/ Cultura popular:
notas para estudo
p. 79
CPC de Belo
Horizonte
1963
(...) a perspectiva a longo
prazo de ação de cultura
popular, sendo um movimento
de libertação, se dirige em
termos da tomada do
poder(...).
O que é cultura popular
p. 87
Sistema Paulo
Freire
1963
(...) o de que se precisa
urgentemente (...) e de se
fazerem as reformas básicas
(...) de que resultem os
instrumentos hábeis com que
façamos a nossa real
emancipação interna e
externa(...).
Conscientização e
alfabetização: uma
nova visão do processo
Paulo Freire
p. 108
I Encontro
Nacional de
Alfabetização e
Cultura Popular
1963
(...) esse trabalho não devera
ser eventual, mas obedecer a
uma linha sistemática, a partir
de uma perspectiva global de
educação visando a uma
transformação radical da
estrutura vigente (...).
Resoluções do I
Encontro Nacional de
Alfabetização e Cultura
Popular - relatório da
comissão de estudos
sobre alfabetização.
p. 239
Quadro IV – projeto político
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
71
Organização/
movimento
Data
Discurso Documento Página
Sistema Paulo
Freire
1963
(...) o círculo de cultura (...)
instituímos debate de grupo,
ora em busca do aclaramento
de situações problemáticas, ora
em busca de ação mesma
decorrente do aclaramento das
situações (...).
Conscientização e
alfabetização: uma
nova visão do processo
Paulo Freire
p. 112
CPC de Belo
Horizonte
1963
(...) sentimos a necessidade de
se estabelecer cleos
populares pra discussão dos
problemas que dizem respeito
ao povo (...).
O que é cultura
popular
p. 88
Ação Popular 1963
(...) a criação de cleos
populares com a função
especifica de politização e
organização do povo (...).
AP/ Cultura Popular p. 26
MCP 1963
(...) criar, nas organizações
integrantes ao movimento
popular, núcleos de cultura
popular (...)
MCP/ plano de ação
para 1963
p. 94
MEB 1965
(...) animação popular é um
processo de estruturação da
comunidade, progressivamente
assumido por seus próprios
membros(...)
MEB/ Cultura popular:
notas para estudo
p.
I Encontro
Nacional de
Alfabetização e
Cultura Popular
1963
(...) praças de cultura se
caracterizam como um núcleo
de elaboração cultural crítica, a
partir de convergência dos
diferentes instrumentos de
cultura popular, atendendo
então, a uma população mais
restrita e constante (...).
Resoluções do I
Encontro Nacional de
Alfabetização e Cultura
Popular - relatório da
comissão B: Meios e
técnicas de cultura
popular
p. 234
I Encontro
Nacional de
Alfabetização e
Cultura Popular
1963
(...) os núcleos de
alfabetizandos devem
também significar um inicio de
organização das respectivas
comunidades (...).
Resoluções do I
Encontro Nacional de
Alfabetização e Cultura
Popular - relatório da
comissão de estudos
sobre alfabetização.
p. 230
Quadro V - nucleação como forma de organização política
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
72
Organização/
movimento
Data
Discurso Documento Página
UNE 1963
(...) quando se fala em
cultura popular acentua-se a
necessidade de pôr a cultura
a serviço do povo, isto é, dos
interesses efetivos do
país.
Cultura Popular
Ferreira Gullar
p. 49
De pés no chão
também se
aprende a ler
1963
(...) a tomada revolucionária
do poder não extingue a
cultura popular, ao contrário,
deixa aberto o caminho para
uma criação cultural
autêntica e livre, ou
melhor, popular e nacional
(...).
Cultura popular:
tentativa de conceituação
p. 71
CPC de Belo
Horizonte
1963
(...) e a cultura brasileira
deixa de ser autêntica e
livre à medida que se
sucedem as imposições por
parte de Portugal, França,
Inglaterra, Estados Unidos
(...).
(...) o movimento de cultura
popular apresenta-se como
um processo de elaboração e
formação de uma autêntica
e livre cultura nacional
(...)
O que é cultura popular p. 85
I Encontro
Nacional de
Alfabetização e
Cultura Popular
1963
(...) o trabalho de cultura
popular é o trabalho de todos
que desejam a desalienação
da cultura e
conseqüentemente a
emancipação nacional (...).
Resoluções do I Encontro
Nacional de Alfabetização
e Cultura Popular -
relatório da comissão A:
atuação dos movimentos
de cultura popular e
alfabetização nas
diferentes zonas, regiões
e grupos sociais.
p. 213
I Encontro
Nacional de
Alfabetização e
Cultura Popular
1963
(...) o movimento de
alfabetizão surge como
uma das frentes da luta que
o povo brasileiro trava em
busca de sua libertação (...).
Resoluções do I Encontro
Nacional de Alfabetização
e Cultura Popular -
relatório da comissão de
estudos sobre
alfabetização.
p. 238
Quadro VI – nacionalismo e cultura
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
73
Organização/
movimento
Data
Discurso Documento Página
I Encontro
Nacional de
Alfabetização e
Cultura Popular
1963
(...) deve-se adequar a
linguagem a cada situação
especifica, e mais ainda,
partir da linguagem local ou
da classe social com quem
se vai trabalhar (...).
Resoluções do I Encontro
Nacional de Alfabetização
e Cultura Popular -
relatório da comissão A:
atuação dos movimentos
de cultura popular e
alfabetização nas
diferentes zonas, regiões
e grupos sociais.
P. 212
I Encontro
Nacional de
Alfabetização e
Cultura Popular
1963
(...) é, porém, na análise do
meio, através da pesquisa
social, de educação popular
que um maior conhecimento
das condições sócio-
econômicas é alcançado
como importante subsidio à
ação do educador(...).
Resoluções do I encontro
nacional de Alfabetização
e Cultura Popular -
relatório da comissão B:
Meios e técnicas de
cultura popular
p. 232
Ação Popular 1963
(...) a cultura popular utiliza
instrumentos e métodos
próprios de trabalho,
instrumentos que se
estruturam e se definem a
partir das necessidades da
comunidade (...).
AP/ Cultura Popular p. 24
MCP 1963
(...) como decorrência,
superamos o professor pelo
coordenador de debates. O
aluno, pelo participante no
grupo. A aula, pelo diálogo.
Os programas por situações
existenciais, capaz de
desafiando os grupos, levá-
los, pelo debate as mesmas,
a posições mais críticas.
(...).
Conscientização e
alfabetização: uma nova
visão do processo
Paulo Freire
p.115
Quadro VII – realidade como ponto de partida
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
74
Organização/
movimento
Data
Discurso Documento Página
I Encontro
Nacional de
Alfabetização e
Cultura Popular
1963
(...) necessidade de encontrar uma
fórmula adequada de expressão, que
permita um uso comum de
linguagem entre os grupos
promotores e os grupos a serem
atingidos (...).
Resoluções do I
Encontro
Nacional de
Alfabetização e
Cultura Popular
p. 212
UNE 1964
(...) De um lado precisamos infundir
no povo uma cultura que ele não tem
e que lhe faz falta, mas a qual ele
não consegue chegar sozinho, pois
ela é produzida e cultivada fora do
povo. De outro lado, não podemos
entregar ao povo essa nova cultura
sem que primeiro nós próprios nos
apossemos da velha cultura do povo
(...).
A questão da
cultura popular
Carlos Estevam
p. 41
MCP 1963
(...) Procedimentos internos: criar as
condições necessárias ao fluxo e
refluxo democrático entre escalões
dirigentes e as bases (...).
(...) Procedimentos internos: criar as
condições necessárias ao fluxo e
refluxo horizontal que impeçam a
formação de quistos verticalmente
organizados (...).
MCP/ plano de
ação para 1963
p. 95
MEB/ Goiás 1965
(...) da mesma forma, éramos ainda,
em quase todas as comunidades,
vistos e entendidos como os
responsáveis por ações de que
deveríamos ser assessores (...).
Relatório do II
Encontro de
Animação
Popular
p. 193
Quadro VIII - relação entre gentes e classes populares
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
75
Organização/
movimento
Data
Discurso Documento Página
CPC
1963
(...) quando se fala em cultura
popular acentua-se a necessidade de
pôr a cultura a serviço do povo, isto
é, dos interesses efetivos do país
(...).
(...) a cultura popular é, em suma, a
tomada de consciência da realidade
brasileira (...) a cultura popular é,
portanto, antes de mais nada,
consciência revolucionária (...)
Cultura Popular
Ferreira Gullar
p. 212
CPC
1963
(...) a cultura popular,
essencialmente, diz respeito a uma
forma particularíssima de
consciência: a consciência política, a
consciência que imediatamente
deságua na ação política. Ainda
assim, não a ação política geral, mas
a ação política do povo. Ela é o
conjunto teórico-prático que co-
determina, juntamente com a
totalidade das condições materiais
objetivas, o movimento ascensional
das massas em direção à conquista
do poder na sociedade de classes
(...).
A questão da
cultura popular
Carlos Estevam
p. 39
CPC (...) é necessário distinguir com
clareza as características que
diferenciam a arte do povo da arte
popular e, ambas, da arte praticada
pelo CPC, a que chamamos de arte
popular revolucionária (...)
a arte do povo é tão desprovida de
qualidade artística e de pretensões
culturais que nunca vai além de uma
tentativa tosca e desajeitada de
exprimir fatos triviais dados à
sensibilidade mais embotada(...).
CPC da UNE
Manifesto
p. 65
Ação Popular 1963
(...) é popular a cultura quando é
comunicável ao povo, isto é, quando
as suas significações, valores, idéias,
obras são destinadas efetivamente
ao povo e respondem às suas
exigências de realização humana em
determinada época. (...). É popular a
cultura que leva o homem a assumir
a sua posição de sujeito da própria
criação cultural e de operário
consciente do processo histórico em
que se acha inserido (...).
AP/ Cultura
Popular
p. 23
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
76
De Pés no chão
Também se
Aprende a Ler
1963
(...) a nossa luta interna de
libertação liga-se profundamente à
cultura popular, que assume no
primeiro momento o sentido de
desalienação da nossa cultura,
sobrepondo os valores culturais
estranhos aos nossos valores outros
criados e elaborados aqui (...).
Cultura popular:
tentativas de
conceituação
p. 74
MCP 1963
(...) nunca, porém, sem a convicção
que sempre tivemos de que só nas
bases populares e com elas
poderíamos realizar algo de sério e
autentico, para elas. Daí jamais
admitirmos que a democratização da
cultura fosse a vulgarização ou, por
outro lado, a adoção, ao povo, de
algo que formulássemos nós
mesmos em nossa biblioteca e que a
ele doássemos. Foram as nossas
mais recentes experiências, de há
mais de dois anos no Movimento de
Cultura Popular do Recife (...)
(...) descobrimos que tanto é cultura
o boneco de barro feito pelos artistas
seus irmãos do povo, como cultura
também é a obra de um grande
escultor
Conscientização e
alfabetizão:
uma nova visão
do processo
Paulo Freire
p.111-
117
Quadro IX – definições cultura popular
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
77
CAPÍTULO 2
Movimentos de ação direta e educão popular:
Repertório dos anos 1970 e 1980
(...)
Tantos pisam este chão que ele talvez
um dia se humanize. E malaxado,
embebido da fluida substância de nossos segredos,
quem sabe a flor que aí se elabora, calria, sangüínea?
Ah, não viver para contemplá-la! Contudo,
não é longo mentar uma flor, e permitido
correr por cima do estreito rio presente,
construir de bruma nosso arco-íris.
Nossos donos temporais ainda não devassaram
o claro estoque de manhãs
que cada um traz no sangue, no vento (...).
Carlos Drummond de Andrade, Meditação no Banco, 1951.
Em abril de 1964 com o golpe de Estado que instaurou a ditadura no Brasil, a
maior parte das entidades e movimentos envolvidos com a educação e
cultura popular tiveram seus trabalhos interrompidos.
A Campanha de Pés no Chão Também se Aprende a Ler foi encerrada.
Documentos foram apreendidos, educadores e militantes identificados e
presos, dentre eles Miguel Arraes.
O CPC de Santo André foi invadido e seus papéis queimados. A sede da UNE
no Rio de Janeiro foi incendiada. A prisão e banimento de Paulo Freire e o fim
das atividades de alfabetização ligadas ao Serviço de Extensão Cultural da
Universidade Federal de Pernambuco e ao MCP, estabeleceram um corte nas
experiências de 1961 a 1964.
O regime de exceção abriu um novo cenário para os movimentos de esquerda
e, a partir de 1965, estes agrupamentos começaram a discutir novas formas
de combate à ditadura. A resistência armada se colocou como opção para
grupos anteriormente dedicados à educação popular. A Ação Popular passou
do cristianismo ao marxismo-leninismo por intermédio do maoísmo (Ridenti,
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
78
2007); a Aliança Libertadora Nacional (ALN), dissidência do PCB, e a POLOP,
entre outras organizações, formaram uma “Nova Esquerda” (Sales, 2007, p.
67) cujas características eram a crítica ao PCB, responsabilizado pela derrota
de 1964, a luta armada como único caminho para a revolução brasileira, e a
reivindicação de novos modelos de organização revolucionários, como Cuba e
China.
Como vimos no capítulo primeiro, a educação popular experimentada entre
1960 e 1964 viveu, fruto do encontro entre educadores populares e
trabalhadores rurais, a tensão entre a valorização dos trabalhadores como
sujeitos de sua própria história e cultura, e o modelo com viés na reprodução
que Aranha (2002) denominou ideologia dominante e consciência popular.
A nova conjuntura, sua interpretação e intervenção penderam para a
valorização do segundo modelo, isto porque muitas organizações passaram a
agir na clandestinidade e os trabalhos de cultura e educação popular, como
organização do movimento de massa, ficaram subordinados à luta armada. A
luta armada como caminho para a revolução exigiu a reorganização de uma
parte da esquerda em pequenos agrupamentos e o trabalho de
conscientização como práxis pedagógica não tinha centralidade nas
organizações.
O predomínio da coerção em detrimento da construção do consenso pelo
Estado de exceção brasileiro, não significou a ausência de práticas educativas
para adultos das classes trabalhadoras, a exemplo do Mobral. O que se
processou foi o banimento de parcelas da esquerda brasileira dos espaços
não centrais, isto é, fora do “núcleo duro do Estado ocupados no período
anterior, mas que, como vimos no capítulo primeiro, gestaram práticas
contra-tendências à acumulação com predomínio do capital industrial.
Apesar do desmantelamento das organizações da esquerda, como partidos,
centros comunitários, e alguns sindicatos, práticas educativas populares
permanecerem ativas, sobretudo por grupos que não optaram pela luta
armada, mas é difícil precisar sua extensão e intensidade pós-golpe a
meados da década de 1970. Os documentos encontrados nessa pesquisa
datam de 1977 em diante, coincidindo com o início das articulações mais
amplas dos movimentos de bairro.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
79
Seria importante compreender as modificações do repertório entre 1965 e
1975, não apenas para grupos que não optaram pela via armada, mas
também as possibilidades e concepções de práticas no campo da educação
popular desencadeadas por estas organizações.
Ridenti (2007), por exemplo, abre pistas na pesquisa sobre o período maoísta
da AP. Jovens militantes influenciados pela revolução cultural chinesa
vivenciaram a chamada “integração na produção” ou “movimento de
proletarização” entre 1968 e 1969. Depoimentos de ex-militantes da AP
flutuam entre a crítica total e a crítica parcial enfatizando elementos de
aprendizagem nestas vivências
24
.A inserção no meio popular por educadores
das classes médias como pressuposto para aprofundar práticas educativas
ocorreu também durante toda década de 1970 e 1980 vinculada às CEBs.
O fato é que foi apenas em meados da cada de 1970 que a educação
popular voltou a se projetar nacionalmente como a principal e mais eficaz
metodologia para organização popular. O Brasil havia mudado. O entusiasmo
pelas reformas e base e pela organização popular através da cultura havia
sido abafado. O nacional cantado por diferentes posicionamentos políticos,
sobretudo na sua versão mais radical, viu-se submerso pela avalanche da
ditadura civil-militar.
As críticas ao nacional-desenvolvimentismo começavam a aparecer com Ianni
(1965), Weffort (1965) e Oliveira (2003)
25
, destacando o atrelamento das
classes trabalhadoras ao Estado e a incapacidade da esquerda, sobretudo do
PCB, de forjar um projeto nacional autônomo. Estas análises somadas ao
processo de redemocratização influenciaram o novo repertório da educação
popular.
No lugar de nacionalismo, imperialismo e consciência autêntica, agora as
palavras-chaves eram: autonomia, poder popular, democracia direta e de
base, troca de experiência e movimento popular.
Estávamos diante de um novo momento da educação popular brasileira
caracterizado pela sua organicidade com o movimento popular. Falar em
24
Aldo Arantes, por exemplo, atuou como contador em uma pequena cooperativa de
lavradores em Alagoas.
25
A primeira publicação do ensaio Crítica à razão dualista data de 1972.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
80
educação popular nesses anos é falar em movimentos reivindicativos de ação
direta referenciados num campo ético-político que se define como popular.
Doimo (1995) apresenta como movimentos de ação direta aqueles regidos
pela lógica consensual-solidarística que geram mobilização e recursos para a
ação. Ao contrário da lógica racional-competitiva que, em última instância,
busca a eficácia decisória e é pautada por regras universais, o movimento de
ação direta organiza-se a partir de critérios internos de representação. Estes
apresentam uma dupla-face contraditória: integrativo-corporativa, que tende
a integrar-se pelo acesso a bens e serviços que reivindicam; e a face
expressivo-disruptiva que rechaça a integração e reforça as fronteiras do
campo.
Aceitamos a definição da autora por considerar regras “universaisaquelas
institucionalmente definidas e, portanto, hegemônicas em um determinado
momento histórico. Não compreendemos, portanto, a lógica consensual-
solidarística como uma lógica “provinciana fadada ao desaparecimento
que não se enquadra nas regras universais de representação. Tendemos a
ver o problema como disputa de duasgicas distintas que buscam impor-se.
São exemplos dos movimentos populares de meados das décadas de 1970 e
1980, o Movimento do Custo de Vida (MCV), Movimento Defesa dos
Favelados (MDF), Movimento Contra-enchente, Movimento de Transporte
Coletivo (MTC) e Movimento de Moradia. As CEBs também aparecem na
medida em que transitam pelos mesmos referenciais impulsionando
movimentos e lutas por acesso a bens coletivos, ao mesmo tempo em que
alimentam essas referências com valores representativos da Teologia da
Libertação.
Por volta de 1978 os movimentos permaneceram quase isolados nos bairros,
com pouca articulação nacional. O Movimento do Custo de Vida, que teve seu
pico mobilizador em 1978, sinalizou uma nova etapa para a organização das
esquerdas demonstrando ser possível e necessário articulações mais amplas.
Neste mesmo ano explodiram as greves do ABC, marco da reorganização do
operariado brasileiro. As greves, dirigidas pelos chamados “sindicalistas
autênticos e, em menor medida, pela “oposição sindical”
26
, foram suportadas
26
A característica principal desses agrupamentos políticos foi a busca de autonomia
em relação ao aparato trabalhista do Estado. Os “sindicalistas autênticos” além da
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
81
pelos movimentos populares de bairros e CEBs que arrecadaram alimentos e
dinheiro para o fundo de greve.
As manifestações contra a ditadura foram ganhando densidade e em 1979
conquistou-se a anistia. Muitos militantes começaram a retornar ao Brasil ao
mesmo tempo em que os movimentos locais iniciaram processos de
organização nacional. Entre outros, o Movimento de Luta Contra o
Desemprego estava organizado nacionalmente em 1984 e o Movimento de
Saúde inicia a década de 1980 com o mesmo percurso.
Os centros de assessoria de educação popular surgiram nesse contexto como
espos organizados para prestar suporte educativo aos movimentos
populares. Citamos, por exemplo, o CEPIS criado em 1978, o cleo de
Educação Popular 13 de maio e o CEDI, formalizado em 1974.
No inicio da década de 1980 um novo elemento tornou o campo da educação
popular ainda mais complexo: a fundação do PT por intelectuais, movimentos
populares, CEBs e movimento operário
27
.
Este capítulo aborda o repertório da educação popular presente no Brasil
entre meados das cadas de 1970 e 1980 enfatizando as mudanças
ocorridas no decorrer do período.
Contexto histórico e forças políticas
Quando o campo da educação popular voltou a se projetar nacionalmente,
mudanças decisivas estavam se consolidando no país industrialização,
urbanização e adensamento nos grandes centros urbanos combinados com a
pauperização dos trabalhadores.
A disputa colocada para o início da década de 1960 crescer com capital
estrangeiro e de forma subordinada ou elaborar um novo modelo de
desenvolvimento autônomo e voltado para o mercado interno havia se
“resolvidocom a imposição do primeiro modelo pelo golpe civil-militar de
organização dos trabalhadores nas pprias fábricas consideravam estratégico a
disputa via eleição pelos sindicatos existentes. A “oposição sindical” defendia a
organização dos comis de fábrica como base para os novos sindicatos
desconsiderando a disputa pelos sindicatos “pelegos”.
27
Não ignoramos a importância dos intelectuais na formão do Partido dos
Trabalhadores. Contudo, assim como Couto (1995), não os consideramos como um
grupo potico com experiências e discursos comuns.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
82
1964
28
. Saes (2001) e Oliveira (2003) indicam a crescente monopolização da
economia brasileira durante o período pelo capital bancário e industrial,
nacional e estrangeiro.
O crescimento da economia brasileira e a ampliação do emprego formal,
embora os salários dos trabalhadores permanecessem sempre a baixo do
nível de crescimento da produtividade, sofreu sua primeira crise em 1973,
acentuando-se na década de 1980.
Desde meados da década de 1970 e, principalmente, nos primeiros anos da
década de 1980, a economia brasileira entrara em declínio. Das taxas espantosas
de crescimento verificadas nos anos de chumbo da ditadura (11%, 12% e até
13,6% ao ano entre 1968 e 1974) passamos à depressão econômica (com queda
do Produto Interno Bruto (PIB) em 1,6% em 1981 e 3,2% em 1983). Dos baixos
índices de inflão (20%, 15% ou até 5,5% ao ano, nos primeiros anos da década
de 1970) fomos à explosão inflacionária (quase 100% ao ano em 1981 e 1982, e
200% em 1983). A estagnão econômica combinou-se com a inflação elevada.
(Rodrigues, 2003, p.12).
As décadas de 1970 e 1980 também registraram uma inversão na
distribuição demográfica brasileira. Ao longo dos anos 1970, 52.084.984
pessoas viviam no meio urbano enquanto 41.070.85 permaneciam no
campo. Os dados se aprofundam na década de 1980 80.436.409 pessoas
morando em cidades em contraposição a 38.566.297
29
no meio rural.
O deslocamento campo-cidade de um grande contingente de trabalhadores
(as) acompanhou o ordenamento de cidades excludentes onde o alto valor
dos imóveis os impedia de acessar serviços e bens coletivos. Cortiços nas
regiões centrais e loteamentos clandestinos nas regiões periféricas, áreas
marcadas pela ausência do Estado, se constituíram nas únicas alternativa
possíveis.
28
Em 1983, em resposta à grave crise econômica e a decisão do governo de manter
os compromissos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) a custa da contenção
dos salários, o PMDB apresenta uma proposta elaborada pelo economista Celso
Furtado. O Projeto Emergência retomava questões no plano político-econômico,
como: convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte; diretas para
presidente; moratória do Brasil junto aos credores; rompimento com o FMI; aumento
do salário médio real; e reforma fiscal. (Rodrigues, 2003).
29
Disponível no sítio www.ibge.gov.br. Acessado em março de 2008.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
83
A partir de meados da década de 1970 inúmeros movimentos com alcance
local começaram a despontar no cenário nacional. Organizados a partir dos
bairros, suas pautas reivindicativas giravam em torno de equipamentos e
serviços coletivos públicos, além da posse e ocupação de terras. Saneamento
básico, direito à creche, transporte e moradia se transformavam em
bandeiras de luta.
Para Kowarick (2000) a crise econômica da década de 1980 e a abertura
política são os marcos para analisar os conflitos nas regiões metropolitanas.
O mesmo autor enfatiza, contudo, a existência de mediações entre fatores
estruturais e fatores subjetivos que transformam uma necessidade em
carência, e esta em objeto de reivindicação.
Estudos sobre os movimentos populares (Kowarick, 2000; Ammann, 1991;
Gohn, 1991; Sader, 1995), indicam a consciência da exclusão como elo de
ligação entre os diversos movimentos. Doimo (1995) avançou demonstrando
a existência de um campo ético-político vivido e construído a partir dessas
organizações cuja matriz articuladora foram as CEBs.
Dizemos matriz articuladora pois a sua predominância fez-se em disputa com
outros agrupamentos políticos da esquerda organizada que, mesmo atuando
na ilegalidade, construíram intervenções junto aos movimentos.
O Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) iniciou em 1972 a revisão
da prática armada e lançou-se ao enraizamento popular, prioritariamente
operário. Segundo Sader (1995) a AP e a POLOP também trilharam o
percurso da autocrítica adotando a ligação com os movimentos de massa,
sobretudo no meio operário não influenciado pela Igreja.
As CEBs foram contemporâneas da Teologia da Libertação, estabelecendo
com essas uma relação de circularidade. A Teologia da Libertação, surgida
nas cadas de 1960 e 1970
30
, se alimentou do pensamento renovador e
socializante nascido na Europa, sobretudo na França, entre 1930 e 1960. Não
alimentou-se, mas o radicalizou, pois sua reformulação aconteceu a partir
da miséria e desafios latino-americanos. (Bosi, 2007).
No Brasil, em sintonia com o Concílio Vaticano II (1962-1965) convocado
pelo papa João XXIII, a JUC e o MEB experimentaram, desde inicio da década
30
O livro Teologia da Libertação de Gustavo Gutierrez é de 1970. No Brasil o
dominicano Frei Carlos Josaphat publicou o livro Evangelho e Revolução Social em
1962
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
84
de 1960, novas formas de viver o cristianismo engajado e contextualizado
historicamente. Mas foi em 1968, na segunda Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano em Medellín, que a Teologia da Libertação
viveu um momento decisivo na América Latina. Este encontro selou a opção
preferencial pelos pobres e o engajamento social e político como caminho
para a libertação do “povo de Deus”.
Nas disputas inter-Igreja, a Teologia da Libertação, enquanto prática popular
e educativa e elaboração teológica, foi tomando corpo durante as décadas de
1960, 1970 e 1980 e sua expressão organizativa mais consistente foram as
CEBs. Esse fato não nos permite reduzir a Teologia da Libertação à ação das
CEBS
A Teologia da Libertação tenha nascido apenas da prática das comunidades, mas
que, encontrando-se com estas, marcou sua diferença em relação ao caráter
ainda bastante especulativo dos teólogos europeus progressistas (Bosi, 2007, p.
96).
Definidas como escolas para educar os explorados na defesa de seus direitos
humanos e para vivenciar e cultivar uma ecumênica e comunitária, essas
surgiram no Nordeste brasileiro na década de 1960. Neste primeiro período
foram organizadas prioritariamente no meio rural e, na década de 1980,
eram mais de 80 mil espalhadas pelo Brasil. (Della Cava, 1986, p.13).
A ditadura civil-militar provocou o encolhimento dos espaços políticos e, ao
mesmo tempo, a Igreja se abriu para o engajamento político partindo das
dificuldades e do universo simbólico dos trabalhadores (as). Insistimos nesse
ponto, pois a configuração do campo-ético político ancorado na pedagogia
popular que dava sentido ao campo articulado pelas CEBs, se prolongou
durante toda a década de 1980, mesmo com a fundação do PT e a volta à
legalidade dos partidos comunistas em 1985.
Muitos dos movimentos de bairro, como o Movimento por Creches na cidade
de São Paulo estudado por Gohn (1983), absorveram a estrutura das CEBs
utilizando as paróquias para encontros e reuniões. A luta por creche ganhou
articulação municipal a partir de 1981 e foi organizada por três vertentes: (1)
clube de mães, formados majoritariamente por mulheres, com organização e
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
85
direção próprias e guiadas pela luta contra a injustiça no lugar do
assistencialismo (Sader, 1995, p. 202) com forte influência da Igreja; (2)
MCV (1974-1978) que se transformou em Movimento Contra a Carestia em
1978, também com forte influência da Igreja Católica apesar da participação
de outros segmentos como o PCB; (3) mulheres que voltavam para o Brasil
após a anistia e iniciavam a articulação do movimento feminista. Foi em 1979
no I encontro da Mulher Paulista que a luta por creches unificou os
movimentos.
Como demonstrou Ammann (1991) os movimentos de bairro na região
Centro-Oeste do Brasil começaram a se organizar a partir de 1979, período
da abertura política, e viveram seu pico mobilizador entre 1983 e 1985.
Nessa região as CEBs, organizadas no período que antecede a abertura, com
raras exceções, prepararam os movimentos de bairro.
Breves notas sobre a formação do Partido dos Trabalhadores
É importante tecermos algumas notas sobre a formação do PT, pois, como
veremos, a sua relação com os movimentos populares e CEBs, espaço
prioritário da educação popular, se tornou uma questão polêmica e recorrente
no repertório da educação popular a partir de 1980. Essa relação recolocou o
tema da institucionalidade, entendida como participação nos diferentes
espos e esferas do Estado, ainda que num primeiro momento a disputa
institucional não fosse central para o partido
31
.
A reordenação do sistema partidário brasileiro de 1979 transformou o MDB
em PMDB e o Arena em PDS, únicos partidos até então legais, e permitiu a
fundação de novos partidos desde de que conformados à LOPP.
A fundação de um partido que representasse os interesses das classes
trabalhadoras vinha sendo discutida no movimento operário, sobretudo, pelos
“sindicalistas autênticos” e posteriormente pelo movimento popular, Igreja, e
diversos agrupamentos da esquerda organizada. Em fevereiro de 1980, após
a mobilização pró-PT ao longo de 1979, fundou-se o Partido dos
Trabalhadores.
31
Apesar do PT ter sido fundado como instrumento das classes trabalhadoras para
intervir na política institucional, nos primeiros anos as eleições e geses
administrativas eram tidas como “tática”, isto é, subordinada à construção do
socialismo. Essa leitura tende a mudar em 1988 a partir das experiências municipais.
Ver Couto (1995).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
86
O movimento operário concentrado nas regiões Sul e Sudeste do país formou
o mais importante agrupamento do partido. O movimento se originou e
fortaleceu na oposição ao regime militar e ao atrelamento do sindicato ao
Estado, por isso seu discurso e prática apresentaram fortes elementos
participacionistas e extra-estatal (Couto, 1995). O metalúrgico Luis Inácio
Lula da Silva foi o principal expoente desse grupo.
Um segundo grupo presente na formação do partido, foram os movimentos
populares e CEBs. Apesar da relação orgânica entre ambos, como
demonstrado acima, o sobrepomos os dois agrupamentos. As CEBs
possam um forte componente transcendente e uma proposta de vivência
da “fé libertadora” a partir do engajamento social, elemento nem sempre
considerado e vivido conscientemente entre os movimentos populares
reivindicativos. Neste momento consideramos os dois agrupamentos juntos
por considerar que partilhavam em comum visões de mundo importantes: a
participação, a democracia interna e direta, a partilha do poder e um
componente extra-estatal.
Por fim, os agrupamentos da esquerda organizada. Bastante variados e em
grande número, ingressaram no PT desde a sua fundação a o início dos
anos 1980. Podemos citar a Convergência Socialista, a Democracia Socialista,
a Libelu e o MEP, todas trotskistas. O Partido PCRB, dissidência do PCB, e a
Ação Popular Marxista-Leninista também se inseriram no PT.
Estes agrupamentos exercerem papéis diferenciados ao longo dos anos 1980,
inclusive pelas análises sobre o papel tático ou estragico do Partido dos
Trabalhadores. Segundo Couto (1995) eles foram, de modo geral,
responsáveis por um “leninismo difuso” no interior do partido e pela
confirmação, presente em menor medida no movimento popular e sindical,
de um ethos revolucionário.
Como demonstrou Morrosi (2000, p.39-40) a formação do PT resultou da
união de diferentes sujeitos políticos e concepções partidárias com consensos
em pontos fundamentais: o Partido seria de massas; enraizado no
movimento popular e operário (diferenciando-se da idéia de “corrente de
transmissão”); democrático internamente, tendo todas as forças políticas
direito de manifestar suas posições e; o conjunto da militância poderia e
deveria interferir nas definições programáticas.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
87
O encontro entre os diferentes grupos com experiências organizativas e
concepções ideológicas distintas tornou inevitável o debate e disputa entre
duas concepções distintas de partido. Essa disputa, significativa nos primeiros
anos de sua formação, também se estendeu ao campo da educação popular.
A primeira, denominada de “autonomista” (do movimento em relação ao
partido) entendia o PT como representante das aspirações dos movimentos
populares. A segunda concepção compreendia o partido como “direção
política”. Ainda entre aqueles que afirmavam o partido dirigente, houve
discordância sobre a organização interna centralizada ou descentralizada.
Vale lembrar que nesse momento os movimentos populares e sindicais se
articulavam criando seus próprios organismos unificados para potencializar,
centralizar e fortalecer as lutas nacionais. A Associação Nacional dos
Movimentos Populares e Sindicais (ANAMPOS) foi fundada em 1980 e, além
de defender a autonomia dos movimentos frente ao partido, passou a
denunciar a abertura política como reacomodação das elites e a defender a
luta contra “governo e patrões”
32
.
Seguindo o padrão nacional de vínculos orgânicos entre a organização dos
movimentos populares, CEBs e a constituição de núcleos do PT, foi nas zonas
sul e leste da cidade de São Paulo, locais de maior incidência dos movimentos
populares e concentração de indústrias e, no caso da zona sul também da
“Oposição sindical”, que os cleos se estruturam com mais força. Em 1982
eram quarenta e nove núcleos na zona sul contra sete na região central
33
.
Ana Gusmão, educadora popular que na época atuava em um bairro popular
de Recife, comenta essa relação em entrevista para esta pesquisa:
“A vertente para discutir o processo político de nação era muito em cima do PT,
dos núcleos de base do PT. Qual era o projeto para sociedade que a gente queria
32
Com a articulação do PT as disputas partirias no interior da ANAMPOS se
agravaram. A polarização PT versus PMDB e PCB resultou na crião da Confederação
Nacional das Associações de Moradores articulada pelo segundo grupo.
33
Apesar da grande adesão das CEBs ao partido, os postos de direção foram
majoritariamente ocupados por sindicalistas. Na Comissão Nacional Provisória
formado em 1980, 60% dos postos foram ocupados por sindicalistas, ficando os
outros 40% para parlamentares, intelectuais e movimentos populares (apud Couto,
1995, p 58).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
88
construir. Essa discussão mais macro do projeto de sociedade vinha muito
dentro do projeto desses espaços da construção do Partido dos Trabalhadores.
Na medida que iam nascendo novas lideranças populares elas iam se engajando
nesses núcleos do PT, onde a gente tinha formação política sobre essas lutas
cotidianas. Era mais a luta pela mobilização em si, a luta pelo direito à luta, pela
questão da constituinte. Tinha muito abaixo-assinado na área da saúde, da
educação, criança e adolescente e mulheres. Várias temáticas por conta da
elaboração da constituição de 1988 que se desdobravam no cotidiano, nas lutas
cotidianas como uma reflexão”. (Ana Gusmão, entrevista).
Estudando as experiências dos núcleos de base do PT na cidade de São Paulo
entre 1979 e meados da década de 1980, quando estes passam a ter um
papel secundário na organização partidária, e praticamente desaparecendo
na década de 1990, Morrosi (2000) apontou o fluxo ente intelectuais e
participantes de agrupamentos das esquerdas organizadas que se integraram
ao PT e participantes dos movimentos populares e CEBs que nunca haviam
atuado em partidos.
Ao mesmo tempo em que esse deslocamento permitiu a entrada do discurso
da educação popular no PT – encontramos referências à educação popular no
I Encontro de Educação do Partido em 1984 trouxe novas questões para o
campo da educação popular.
Num primeiro momento o campo da educação popular, concentrado nos
movimentos populares e CEBs, viveu a tensão entre participar ou o do
partido enfatizando os riscos de perda da autonomia e do ethos
participacionista (democracia interna e direta, partilha do poder, poder
popular) e, em menor medida, revolucionário (construção do socialismo). Em
um segundo momento, resolvida essa tensão com a adesão ao partido,
produziu-se um consenso predominante que deslocou o campo da educação
popular para a participação em espaços institucionais, sobretudo para
gestões municipais controladas pelo PT e para os conselhos previstos na
Constituição de 1988.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
89
O povo em movimento
34
aprende.
Para Doimo (1995) a educação popular, a comunicação popular e a pesquisa
participante contribuíram para a formação do ethos dos movimentos
populares organizados no Brasil a partir da década de 1970. Neste trabalho a
educação popular é entendida como categoria mais ampla e engloba a
pesquisa participante
35
.
Partindo da afirmação de Doimo proponho a reflexão contrária: Por que e em
que medida o movimento popular brasileiro das décadas de 1970 e 1980 se
mostrou rtil para o campo da educação popular? Que elementos extra-
campo foram necessários para dar suporte à renovação das práticas que
aconteciam nos movimentos populares?
O período da redemocratização trouxe consigo novas possibilidades de
organização para classes trabalhadoras e, à medida que mudaram as
condições sociais e as lutas pela transformação, mudaram também as leituras
dos educadores sobre as classes populares. Nova conjuntura, nova leitura
novas propostas pedagógicas.
A vinculação orgânica entre educação popular e movimentos populares
refletiu o ascenso do movimento de massa e a crescente confiança popular e
no popular em exercer a direção intelectual e moral da sociedade brasileira.
Se entre 1960 e 1964 as classes trabalhadoras haviam participado das
mobilizações, no campo da educação popular elas ainda precisavam ser
tuteladas por intelectuais, estudantes e dirigentes partidários. A imagem
construída sobre o trabalhador entre os anos de 1960 e 1964, discutida no
capítulo primeiro, contrasta com a imagem do “povo em movimento”.
34
São Paulo: o povo em movimento é o título de um estudo feito pelo CEBRAP
organizado por Paul Singer e Vinicius Caldeira Brant e publicado em 1981.
35
A pesquisa como ferramenta para conhecer a realidade vivida pelos trabalhadores
(as) começou a ser experimentada ainda na década de 1960 principalmente no MEB
e nas experiências de alfabetização ligadas ao sistema Paulo Freire. Enquanto a
primeira apenas tateava a pesquisa como forma de aproximar o educador da
realidade do educando, a segunda, inseria a pesquisa no próprio processo do
ensino-aprendizagem como ponto de partida da prática educativa.
A partir da década de 1970 a pesquisa participante ou pesquisação é percebida como
constitutiva da educação popular (círculo de investigação), momento que antecede
os círculos de cultura.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
90
O diálogo com outras áreas de conhecimento: elementos extra-
campo.
A renovação do repertório da educação popular, que teve como pressuposto a
reorganização do olhar das e sobre as classes populares, não seria possível
sem o diálogo com outras áreas de pesquisa. Citamos, por exemplo, as
produções sobre os movimentos urbanos ao longo dos anos 1970 e 1980
(Kowarick, 2000). Se na década de 1970 as análises sobre os movimentos
urbanos enfatizavam os condicionantes macroestruturais, enxergando os
movimentos como reflexo da exploração capitalista, na década de 1980
iniciam as críticas à associação, sem mediações, entre as contradições
urbanas e movimentos populares. A categoria da “experiência” aparece como
central para compreender os movimentos urbanos. Ainda na década de 1980
os movimentos sociais apareciam como homogêneos e posicionados de
“costas para o Estado”.
A influência de Gramsci no Brasil também confluiu para o novo repertório da
educação popular. Aliás, se textos do autor italiano foram publicados no
Brasil em 1968, Coutinho (2003) explica porque apenas em meados da
década de 1970 os livros começaram a ser lidos e debatidos. O inicio do
processo da redemocratização com um pequeno afrouxamento após a vitória
do MDB nas eleições parlamentares em 1974, somado à reavaliação das
práticas armadas, reacendeu o debate sobre os rumos das esquerdas no
Brasil.
A caracterização da sociedade brasileira a partir do conceito gramsciano de
“ocidente”, sociedade capitalista com uma complexa e fortalecida sociedade
civil, exigiria uma estratégia para a transição ao socialismo diversa das
experiências Russa ou Chinesa. A questão da hegemonia, outro conceito de
Gramsci, relativo à construção do consenso, demandava das classes
populares a conversão em “classe nacional” a partir da elaboração de um
projeto nacional, síntese das reivindicações dos trabalhadores. Para ser
classe dominante os trabalhadores precisariam ser classe dirigente, ou seja,
obter o consenso da sociedade
Para Coutinho (2003) Gramsci fez o movimento de conservação-superação de
pontos tratados por Marx e Lênin. Mantendo a determinação das relações
sociais de produção (infraestrutura), o autor italiano dedicou boa parte de
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
91
sua obra a questões da superestrutura, como o conceito de Estado ampliado,
sociedade civil, sociedade política, hegemonia, etc.
É nesse ponto que reside a centralidade da educação e da cultura no
processo de transição para a “sociedade regulada” ou socialista. Como
veremos mais adiante, o reperrio da educação popular oscilou entre a idéia
da tomada do poder e da construção do socialismo como processo, com
acentuada tendência a essa segunda interpretação.
As novas abordagens sobre cultura popular, em contraposição às defendidas
entre 1960 e 1961 (falsa ou verdadeira cultura), também trouxeram um
elemento novo para a reorganização do repertório da educação popular.
Em 1977 realizou-se durante três dias na cidade de São Paulo um simpósio
organizado pelo Instituto de Estudos Especiais/PUC e CEDEC, intitulado A
cultura do Povo. Estiveram presentes diversos intelectuais que se
destacariam nas novas pesquisas sobre a cultura popular, dentre eles,
Marilena Chaui, Ocvio Ianni, Ecléa Bosi, Francisco Weffort e Celso Rui
Beisegel.
Na publicação dos textos-base debatidos durante o encontro (Valle; Queiroz,
1984), coube a José J. Queiroz e Edênio Valle, a apresentação.
As classes populares se firmam no desempenho de um papel novo em nossa
vida cio-ecomica, política e cultural, despontando como autoras
privilegiadas do processo de mudança em curso. À fase “folclorista” dos
estudos sobre as manifestações de origem dita popular está sucedendo um
novo e fecundo período de confronto orgânico entre o analista cientifico e a
realidade questionante da prática cultural do povo (Valle & Queiroz, 1984, p.9,
grifo nosso).
Chaui em texto intitulado Cultura do povo e autoritarismo das elites escrito e
debatido neste mesmo encontro, se encarregou de traçar as devidas
distiões entre “cultura do povo” e “cultura popular”.
Em contrapartida, seria interessante indagar porque “cultura do povo” em lugar
de “cultura popular”. Acredito que a escolha da primeira expressão visa a nos
desvencilhar da ambigüidade presente no termo “popular”. Considerar uma
cultura como sendo do povo permite assinalar que ela não pertence
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
92
simplesmente ao povo, mas que é produzida por ele. (...). Assim quando “do
povo” desliza para o “popular” o adjetivo tende a deslizar para um outro que
encobre efetivamente a contradição e a luta: o adjetivo “nacional”. (1984, pp.
121-122)
A substituição do termo “cultura popular” por “cultura do povo” é expressão
de uma forte euforia dos atores políticos e intelectuais em relação à
organização das classes trabalhadoras. À imagem do povo construindo a sua
própria história associada aos termos autonomia e democracia de base,
opunha-se o vanguardismo e o nacionalismo dos anos 1960.
No simpósio, dos cinco textos-base para debate, cada um correspondendo a
um subtema, apenas um foi dedicado à queso da cultura e educação
popular apresentado por Celso Rui Beisegel, o texto nem sequer esbarrou
nos movimentos de cultura e educação popular, apenas referenciado no
encontro por Luis Eduardo Wanderley e Pedro Benjamim Garcia.
Para surpresa de quem se acostumou a ver o substantivo cultura associado
aos termos popular e educação, a cultura do povo se desvencilhava, de uma
vez por todas, de seu “didatismo político”.
O texto de Francisco Weffort, Nordestinos em São Paulo: notas para um
estudo sobre a cultura nacional e a cultura popular, e o texto de Ecléa Bosi
Problemas ligados à cultura das classes populares, demarcaram uma nova
abordagem acadêmica sobre a “cultura popular”. Agora entendida como visão
de mundo ou construção de significados que dá sentidos a existência das
classes populares.
O cotidiano, como local de morada, trabalho ou convivência passa a ser
valorizado como lócus de produção de sentidos e discursos, matéria-prima
para os estudiosos da cultura. Bosi, no texto citado, discorreu sobre as
moradias populares móveis no interior da casa, jardins e retratos
pendurados na parede. O olhar atento do pesquisador que deseja adentrar no
universo de significações do popular.
Os termos cultura autêntica” ou cultura revolucionária” perderam o sentido
na medida em que a cultura passa a não mais ser compreendida como
carência. As polarizações, tão freqüentes entre 1960 a 1964, configuraram-se
por um lo positivo compreendido pela cultura autêntica, nacional ou
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
93
revolucionária e seu contraponto a cultura que carregava em si a
incompletude ou ausência.
Durante a década de 1970 e 1980 encontramos um novo adjetivo associado a
cultura do povo: resistência. A cultura passa a ser compreendida como
possíveis elementos de resisncia e afirmação das classes trabalhadoras
frente ao cotidiano opressor. Este sentido está presente nos textos de Bosi,
Weffort, Macedo e Ianni.
A cultura “alienada” passa a ser então a cultura de massa produzida pela
dia que cria e cultiva os valores do capital. Trata-se uma nova discussão
em relação ao período anterior: a assimilação a-crítica pelas classes
trabalhadoras dos valores produzidos pelas elites brasileiras, defendida
durante os anos 1960 pelo CPC, encontrou mediações. Agora as classes
trabalhadoras, como sujeitos ativos, não consumiam passivamente símbolos
e significações, mas aceitavam e re-significavam certos símbolos e valores e
rejeitavam outros em função de seus próprios universos de significações e
interesses. Portanto, encontramos nas classes populares elementos de
alienação e elementos de resistência.
Se a incorporação de um conjunto de valores que representam uma reafirmação
do poder do capital (sendo a indústria cultural um entre rios mecanismos) é
um requisito para a reprodução da ordem capitalista, isso não significa que as
classes prolerias deixem de produzir e manipular conjuntos culturais que
expressem uma rejeição da situação a que estão sujeitos, a medida em que não
conseguem visualizar possibilidades concretas de mobilidade social (Macedo, p.
39).
As críticas elaboradas durante a década de 1980 sobre os movimentos de
cultura e educação popular dos anos 1960, mantêm sua centralidade no
vanguardismo expresso pelo CPC da UNE. Ortiz (1994)
36
e Chaui (1983)
tecem considerações sobre a relação de exterioridade entre os intelectuais e
as classes trabalhadoras. O primeiro, tendo como referencial o marxismo
gramsciano, aponta uma inversão no papel das vanguardas nos Centos
Populares de Cultura: enquanto para Gramsci o intelectual orgânico é
36
A primeira edição do livro é de 1985.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
94
expressão das massas e sua relação é sempre de baixo para cima, no CPC a
relação é cima para baixo, pois cabe ao intelectual levar a cultura ou a
verdade para as massas.
Marilena Chaui inicia a análise sobre o manifesto CPC redigido por Carlos
Estevam, indicando os atores para os quais o manifesto se dirigia:
intelectuais e artistas que ainda não se engajaram na “arte revolucionária”.
Em seguida a autora elenca um conjunto de antíteses vivenciadas pelo
movimento: como lidar com a “superioridade da arte alienada”, ou seja,
como explicar que a arte alienada fosse esteticamente superior; o impasse
entre a massa que deveria se conscientizar e suas manifestações culturais
rebaixadas à superstição.
A produção dos discursos que buscam compreender a recente história
brasileira, imprimindo sentido para o presente e o futuro, também aparecem
na década de 1970 fora do espaço acadêmico. Telles (1986), a partir de
depoimentos de sindicalistas, lideranças de bairro, padres e cristãos
progressistas atuantes na década de 1970, demonstra como os termos
autonomia e democracia de base são tecidos por uma diversidade de atores
que negam as experiências anteriores a 1964, buscando novas formas de
atuação.
O repertório da educação popular produzido durantes a década de 1980, no
interior dos movimentos populares ou em diálogo, no caso dos centros de
educação popular, valorizaram a experiência como um “saber fazer” que
contém e produz conhecimento. A idéia da troca de saberes, central nesse
novo momento da educação popular, juntou-se à leitura das classes
trabalhadoras, mas também dos educadores, como portadores de uma visão
de mundo carregada de alienação e resisncia, de reprodução e criação. O
resultado foi a compreensão das classes trabalhadoras como sujeitos
construtores de conhecimento portadores de algo valioso que podia ser
trocado, ao mesmo tempo em que “humanizou” o educador.
Essa leitura sobre os movimentos populares e o papel desempenhado por
trabalhadores e trabalhadoras na produção do conhecimento e na direção de
suas organizações acompanhou a movimentação política das classes
trabalhadoras.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
95
Ao contrário dos anos que antecederam o golpe, em que os movimentos de
cultura e educação popular foram organizados por entidades e agrupamentos
políticos com expressão nacional e programas políticos mais ou menos
definidos, nos anos 1970 a ilegalidade das organizações de esquerda,
incluindo partidos políticos, e a capilaridade da Igreja em paróquias e bairros
fez nascer uma série de movimentos localizados. Somente a partir de 1978
iniciaram as articulações nacionais culminando na construção do PT em 1980.
Aqui vale uma pequena pausa com o intuito de reiterar esse percurso de
articulações. Segundo Frei Betto (2006, p. 54).
Fui chamado a São Paulo por um trio recém-chegado do exílio: FHC (Fernando
Henrique Cardoso), Plínio de Arruda Sampaio e Almino Afonso. O encontro
sucedeu no apartamento duplex de um jornalista. Traziam uma proposta
“iluminada”: fundar um Partido Socialista. o o socialismo dos soviéticos, nem
dos chineses e cubanos. Nada de Marx ou Lênin. Socialismo à sombra da social -
democracia européia, com pluralismo partidário e venerável respeito à riqueza
acumulada pelas elites. Vinham eles com a fôrma, eu entraria com o recheio: o
povo.
(...) três ou quatro meses depois nos reunimos para a segunda rodada. E toma
vinho chileno! Ficamos no círculo vicioso. FHC interrogava as razões da minha
recusa. Mera intuição política, respondi, fundada no que via acontecer Brasil
afora. Algo novo emergiria das bases. A militância popular haveria de criar sua
própria ferramenta política (...) Do movimento social irrompido na década de
1970 (luta contra a carestia, oposição sindicais, etc) brotaria em breve um
partido de baixo para cima. Plínio de Arruda Sampaio deu-me razão
posteriormente.
Essa construção “de baixo para cima não significou a ausência de
instituições como a Igreja e centros de educação popular que obviamente
tinham quadros pertencentes à classe dia. Não se trata de reiterar a
imagem tão analisada e criticada do povo se auto-organizando sem
nenhuma interferência externa “autônomamente”. (Cardoso, 2004). A
questão a ser apontada é que a trajetória político-organizativa de pequenos
núcleos a partir dos bairros e regiões, em sua maioria lutando por demandas
específicas, elevando-se à articulações regionais e nacionais, e estas
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
96
articuladas por um novo partido (PT), permitiu a construção de uma
metodologia educativa refletida e vivida a partir desse percurso.
Nesse contexto de intensa participação e valorização do popular, não faziam
sentido elementos e significados que valorizavam o movimento inverso do
campo: o discurso da vanguarda ou a imagem das classes trabalhadoras
como ignorantes absolutos.
Na medida em que a discussão sobre direção política avançava nos
movimentos populares, o campo da educação popular se colocava a tarefa de
repensar, afinal, quem eram os sujeitos que podiam conhecer. Ou ainda, qual
seria a relação entre as agências de mediação e os movimentos populares.
Diferentemente do repertório anterior, o vigente nas décadas de 1970 e 1980
tocou na questão central do poder se as classes populares podem e devem
participar da construção de instrumentos e projetos políticos, podem elas,
também, serem agentes de seu processo educativo. O termo “poder popular”
registrado e reiterado em grande parte dos documentos analisados também
condensa essa questão.
A pedagogia popular
Se fizéssemos o exercício de leitura da tese de Paulo Freire escrita em 1958
Educação e Atualidade Brasileira, e a comparássemos com os quadros que
compõem o repertório da educação popular entre 1960 e 1964, veríamos que
uma enorme coincidência. A explicação mais provável é a centralidade da
tese na construção do repertório. o pela data de publicação, o que não
garante a sua difusão entre os movimentos, mas, sobretudo, pelo papel que
Paulo Freire desempenhou como educador-militante nos movimentos de
cultura e educação popular no período.
Como vimos no primeiro capítulo, Freire esteve à frente do MCP, auxiliou a
Campanha de Pés no Chão Também se Aprende a Ler, e incentivou a própria
UNE na organização do CPC. Contudo, a difusão das idéias de Paulo Freire se
consolidou definitivamente entre 1963 e 1964 quando ele e a equipe do
serviço de extensão comunitária da Universidade Federal de Pernambuco
realizaram cursos de formação de monitores nas capitais de quase todos os
estados brasileiros. Foi o início da Campanha Nacional de Alfabetização que
previa a abertura de 20.000 círculos de cultura. O golpe civil-militar
interrompeu a ação, prevista para 1964.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
97
nesse momento o grupo que trabalhava com Freire no SEC passou a
denominar a práxis freireana de “Sistema Paulo Freire” pressupondo que as
experiências educativas não se restringiam à alfabetização de adultos e
começavam a dar corpo a princípios políticos-pedagógicos.
A idéia da comunicação”, recorrentemente utilizada por todos os
movimentos, excetuando o CPC, é central no pensamento freireano deste
momento, e guarda profundo vínculo com o que mais tarde se tornou central
em sua obra: o diálogo. Segundo Lima (1981, p. 63) a comunicação como
categoria central no pensamento de Freire apareceu “primeiramente como
todo de sua teoria educacional e mais tarde em sua epistemologia e nas
implicações políticas de seu pensamento”. Nesse primeiro momento a
categoria vincula-se à visão da natureza humana
37
, também explicitada por
todos os movimentos de cultura e educação popular.
As duas primeiras obras publicadas por Paulo Freire no exílio, ao qual foi
submetido em 1964, Educação como Prática para a Liberdade e Pedagogia do
Oprimido, foram amplamente lidas e debatidas no Brasil.
A Pedagogia do Oprimido é sua práxis pedagógica sistematizada em
princípios políticos-pedagógicos e o diálogo, elemento central de sua obra,
não é apenas a relação horizontal entre A e B como condição para o encontro
presente no repertório anterior, mas o elemento que afirma a dialética como
movimento do processo ensino-aprendizagem. Afirma também o papel ativo
do educador na medida em que só existe o diálogo problematizador quando a
visão de mundo do educando (tese) é problematizada pela visão de mundo
do educador (antítese) produzindo uma terceira leitura (síntese) que supere
as visões de mundo iniciais. Partir da realidade do outro (educando),
problematizá-la e aprofundá-la teoricamente para retornar à realidade e
modificá-la é o percurso educativo freireano.
O contexto era favorável a esta ampla difusão. O Brasil vivia em plena
ditadura e a desarticulação da luta armada por volta de 1970 levou a revisão
das práticas da esquerda brasileira, ampliando a influência de Gramsci.
37
Relações Homem-Mundo: postura crítica, pluralidade e transcendência. Contato
Animal-Mundo: ausência da postura critica, singularidade, imanência. (Freire, apud
Osmar Fávero, 2001).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
98
Além disso, na movimentação intra-campo era uma clara continuidade e
afirmação de elementos presentes no repertório anterior, sobretudo aqueles
construídos pelo MEB, MCP e pelo próprio “Sistema Paulo Freire”. Ao mesmo
tempo em que se rejeitavam práticas e valores introduzidos no campo da
educação popular pelo CPC da UNE.
Os pontos de convergência entre os princípios que “animavam” a Teologia da
Libertação, vivificada nas CEBs, e a Pedagogia do Oprimido também eram
inúmeros e, na prática, a Pedagogia do Oprimido se converteu, em grande
medida, na referência pedagógica da Teologia da Libertação.
Streck (2005) propõe algumas aproximações entre a Teologia da Libertação e
a Pedagogia do Oprimido, a começar pela publicação do livro de Freire em
1970 e a Teologia da Libertação de Gustavo Gutiérrez em 1970. Ambas
nascem e representam uma conjuntura de busca por teorias a partir da
história e desafios da América Latina. Destaca, ainda, como possíveis
convergências, o respeito pelo ser humano; a denúncia e o anúncio; o
oprimido como silenciado que deve reconquistar sua voz; e a historicidade do
ato do conhecimento e da leitura bíblica.
No livro A educação popular nas comunidades eclesiais de Base (Queiroz,
1985), sistematização de um seminário organizado pelo Instituto de Estudos
Especiais da PUC/SP na primeira metade da década de 1980, no qual
participaram as comunidades de todas as Regiões Episcopais de São Paulo e
o próprio Paulo Freire, apontou-se e debateram-se questões enfrentadas no
cotidiano dos trabalhos de base.
A oposição à idéia de uma vanguarda política completamente apartada das
massas e a afirmação das CEBs como sua alternativa pedagógica, deram o
“tom” do encontro. Dentro dessa perspectiva um militante poderia se
afirmar como educador (a) na medida em que estivesse disposto a apreender
– seu papel é auxiliar a comunidade no seu próprio processo de libertação, na
descoberta de sua própria pedagogia.
Partir da escuta da comunidade e respeitar o seu saber são princípios
também reiterados no encontro. O diálogo como o único caminho para a
construção de uma pedagogia popular, e esta recolocando, de forma crítica, a
questão do poder e do saber. Todos (as) deveriam ter direito à voz e voto,
priorizando-se a construção do consenso. A pesquisa participante também
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
99
aparece como ponto importante na educação popular das CEBs e Gramsci é a
principal referência teórica para a sua construção.
Paiva (2000) também aponta aproximações entre Freire e o método
pedagógico de leitura Bíblica de Carlos Mesters, muito usado nas
Comunidades Eclesiais de Base, ainda que de forma simplista, porque a
autora corrobora uma interpretação de Paulo Freire mais como todo do
que metodologia
38
(...) Percebe-se que Mesters em suas ações pedagógicas tem as mesmas
preocupações do educador Paulo Freire. Eles têm a mesma postura em relação
aos componentes essenciais da educação: a importância do lugar onde se passa
a aprendizagem, a interação educando-educador, a metodologia participativa e
dinâmica e sobre a origem dos conteúdos assimilados. (Paiva, 2000 p.169).
A educação popular entre 1970 e 1980: repertório comum e
dissensos.
Educação popular: definições
No quadro VII definições de educação popular, é possível identificar a
associação entre educação e organização popular. O espaço prioritário para
as práticas são os movimentos populares, lugar da elaboração e conquista de
um projeto anticapitalista. Desencadear práticas de organização popular é
ampliar o nível organizativo dos movimentos.
(...) a educação popular tem uma contribuição fundamental: propiciar ao
trabalhador um conhecimento-instrumento, que lhe permita expressar suas
necessidades e interesses reais, assim como lhe dar condições para agir em
busca de uma sociedade alternativa (...); (...) educação Popular é um
conjunto de ferramentas que permitem os grupos populares refletirem
sobre sua prática de luta, compreender sua dimensão de classe e buscar
38
Adoto a conceituação de Pedro Pontual sintetizada por Maria Esther Basualdo
(1997) “A metodologia seria o aspecto universal, fundante da educação, a forma de
concretizar uma teoria do conhecimento no ato educativo. Como tal, não poderia ter
um formato fixo, mas apenas uma forma maleável, de acordo com as necessidades e
condições concretas. O Método seria, então, a adequação da metodologia a uma
atividade concreta da educação, sendo, portanto, diferente, de acordo com a
realidade dos participantes e, finalmente, as técnicas são os recursos didáticos, as
dinâmicas, os instrumentos utilizados para auxiliar na atividade educativa”.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
100
os avanços organizativos necessários à nossa caminhada de libertação
(...); (...) educação popular deve ser entendida como conscientização,
mobilização e organização do povo a partir do próprio processo de luta
popular (...); (...) a educação popular deve ter como um dos seus objetivos a
organização popular, como básico para o processo de transformação social
(...); (...) educação Popular surge da realidade do povo, é uma prática
politico-histórica, se desenvolve a partir e para organização popular e é
um processo integral e permanente (...). (Ver anexo 2, grifo nosso).
A educação popular também é definida como processo de conscientização
(...) contribuição à emergência de uma consciência explicita de classe (...)
necessária para compreender sua dimensão de classe e buscar os avanços
organizativos necessários à nossa caminhada de libertação (...). (Ver anexo 2).
Neste momento, dois pontos centraram a definição de educação popular: 1)
construção de conhecimentos o qualquer conhecimento, mas aquele que
amplie a compreensão e sentimento de pertença às classes trabalhadoras; 2)
fortalecimento dos instrumentos populares o conhecimento produzido deve
fortalecer os movimentos, auxiliando em seus processos organizativos.
Autonomia: relação com centros de assessoria, partido e Estado
A discussão sobre autonomia tem como pano de fundo uma questão
prioritária: quem deve e por que caminho conduzir os processos políticos,
mas também pedagógicos de transformação que se explicitavam as
assimetrias de poder reproduzidas nas práticas formativas. Esta pergunta
permeou a relação entre centros de assessoria e movimentos populares, a
relação entre o PT e movimentos populares e a relação entre a educação
popular e o Estado.
A questão da autonomia apareceu com pelo menos três sentidos distintos,
mas complementares. Doimo (1995) definiu a dupla face dos movimentos
como integrativo-corporativo e expressivo-disruptiva explicitando o
movimento de recusa e aproximação do Estado em suas diferentes esferas e
níveis. A “autonomia” se construiu como elemento extra-estatal no sentido de
recusa da tutela e subordinação.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
101
Um segundo sentido para a autonomia se construiu na crítica ao período
populista. Isto é, na desconfiança em relação ao Estado, mas também na
desconfiança em relação a lideranças “que não sabem partilhar o poder”. Em
1984 o FONEP realizou um encontro no qual o populismo caracterizou-se em
oposição à partilha do poder (...) ter presente a questão do PODER, no
sentido de ajudar a criar o poder socializado (comissões, grupos,
assembléias...) e o reforçar as lideranças individuais ( populismos, mitos)
(...)”. (ver anexo 2).
Por fim, a autonomia também apareceu referida a capacidade dos
movimentos populares e de suas lideranças formarem convicções e
avaliações próprias.
Partindo do pressuposto que a idéia do povo em movimento não significou a
ausências de organizações de esquerda e, sobretudo da Igreja, a discussão
sobre autonomia comporta uma dimensão conflitiva entre organizações e
instituições. Neste sentido, a Igreja fortaleceu o discurso da autonomia sem
problematizar, na maior parte dos casos, os interesses políticos da própria
instituição, desenhando uma falsa imagem que diluía a sua direção no
processo de organização das classes trabalhadoras.
O mesmo não aconteceu com o surgimento do PT. A relação entre partido e
movimentos populares foi motivo de um amplo debate no campo da
educação popular. a relação entre os movimentos populares e centros de
assessorias de educação popular foi desde o início problematizada e o
consenso construído era o apoio dos centros aos movimentos fortalecendo os
segundos como direção política.
Centros de assessoria ou agentes e classes populares
Os centros de educação popular surgiram no Brasil em meados da cada de
1970 e da década de 1980 como “apoio” aos movimentos populares,
principalmente urbanos.
Avaliava-se ser necessário potencializar os movimentos e lideranças
populares a partir de processos formativos (educação popular) para que estes
se tornassem hegemônicos no cenário nacional. Este processo exigiria um
acompanhamento sistemático e aprofundado junto aos movimentos,
sobretudo na formulação de suas estratégias políticas e na própria estrutura
organizativa.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
102
Para o CEPIS, fundado em 1977 por um pequeno grupo de educadores com
formação diversificada e, em sua maioria, com alguma identificação com a
Teologia da Libertação,
A existência do Centro com caráter estritamente organizativo de formação se
justificava, pois, a formação oferecida pelas instâncias da Igreja era insuficiente,
na medida em que as reflexões que exigiam articulação entre as queses
político-sociais globais com as questões do cotidiano não eram de domínio da
maioria dos quadros da Igreja Católica. (entrevista apud Souza, 2000, p. 30).
A avaliação de que as práticas formativas no campo da educação popular
desenvolvida pelos próprios movimentos ou pela Igreja, principal instituição
de formação popular massiva até o momento, eram insuficientes para a
elaboração de um projeto mais amplo, motivaram a abertura dos centros de
assessoria em educação popular.
Aos poucos estes foram se transformando nos principais espaços ou apoio de
formação para o movimento popular e sindical. Entre 1977 e 1980, momento
de formação inicial do CEPIS, as atividades prioririas foram:
Acompanhamento a grupos de base; assessoria aos movimentos populares e
sindicais, criação de recursos pedagógicos (cartilhas, cartazes, etc);
acompanhamento do grupo de estudos de agentes pastorais no Sedes; e a
articulação de seminários para agentes de base (documento CEPIS apud Souza,
2000, p. 32).
A preocupação com a formação das classes trabalhadoras e, ao mesmo
tempo, a aposta nos movimentos como instrumentos para mudança,
delimitava os papéis que movimentos e centros desempenhariam na
construção do socialismo.
(...) devemos sempre nos lembrar de que a tarefa como Centro, deve ter como
referência a organização popular e sempre buscar contribuir para o
fortalecimento da direção política do próprio movimento. Qualquer que
seja o vel de organização do grupo popular é preciso trabalharmos sempre no
sentido de fortalecer as organizações populares e não os Centros (...).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
103
(...) é papel do educador criar condições objetivas pelas quais a base se
eduque, favorecendo e estimulando os pequenos instrumentos da própria base e
suas formas de expressão popular (...); (...) no terceiro encontro buscamos
trabalhar a ponto de avançar além da simples troca de experiências. Uma
questão levantava: como servir melhor aos movimentos populares (...).
(...) educadores não devem se confundir com o movimento popular,
substituindo-os (...); (...) fazer com que o movimento popular independa de
s, se torne autônomo e se aproprie dos diversos instrumentos de seu avanço
constitui-se em tarefa fundamental (...); (...) o poder popular acontece quando
soubermos abdicar do nosso poder, o usando a Instituição como
instrumento de exercício de poder nosso sobre o movimento popular (...); (...)
os Centros de educação popular o parte do movimento popular de nossos
paises, mas não ocupam o mesmo espaço, nem cumprem, as mesmas
tarefas ou funções das organizações populares (...).(Ver anexo 2, grifo
nosso).
Nota-se que nos documentos encontrados, a “voz que fala” sobre a relação
dos centros de assessoria e movimentos populares é dos assessores. Igreja e
centros de educação popular produziram documentos, relatórios e boletins no
campo da educação popular durantes as cadas de 1970 e 1980. Doimo
(1995) demonstra que, no decorrer da década de 1980, houve um aumento
de documentos produzidos pelos centros e o processo inverso, de diminuição,
para a Igreja.
Um segundo ponto é a idéia dos centros a serviço dos movimentos. O “estar
a serviço” indicava uma aposta política no movimento popular e sindical
combinado com princípios que norteavam o campo da educação popular: as
classes trabalhadoras como sujeitos de seu próprio processo; o saber popular
como ponto de partida das práticas educativas; a escuta e o diálogo, etc.
Esta posição não colocava os centros como observadores passivos frente as
questões e escolhas dos movimentos, muito menos definia uma ausência de
análise da conjuntura brasileira. É a partir dessa análise que os centros
nasceram, justificaram e definiram prioridades em suas agendas. O CEPIS,
centro citado acima, priorizou nos seus primeiros anos de atuação, o
movimento operário por considerá-lo estratégico.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
104
Esta questão é fundamental para compreender as mudaas ocorridas com a
maior parte dos centros ao longo da cada de 1990. Esta década criou um
certo consenso de que os centros de assessorias se tornaram deslocados no
tempo” por dois motivos prioritários primeiro, porque representam uma
postura “reivindicativa” que correspondia aos desafios da cada de 1980,
em contraposição a uma nova postura “propositiva” assumida pelas ONGs. O
segundo argumento é a construção de uma nova esfera, ou como nos diz um
dos entrevistados, um novo campo das ONGs”, diferente e autônomo dos
movimentos. Retomaremos essa questão no próximo capítulo.
Partido dos Trabalhadores e movimentos popular: e agora educação popular?
A fundão do PT trouxe uma nova questão para o campo da educação
popular, até então circunscrito ao movimento popular e operário, com ênfase
no primeiro, e aos centros de assessorias que, como vimos, se colocavam
como apoio aos movimentos, delimitando seu papel.
O discurso sobre a autonomia legitimava a posição daqueles que viam no
partido a cooptação dos movimentos. Esta era uma posição difundida
principalmente nas CEBs e movimentos de bairro organizados em pequenos
núcleos que prezavam a participação de todos, o direito à voz, à escuta e à
solidariedade como princípios fundamentais.
Esta posição representava um estreitamento da política na medida em que se
mostrava refratária a articulações políticas mais amplas em nome da
“autonomia”. O local da virtude era dos movimentos populares
(comunidades), em contraponto a esfera da disputa (partidos políticos). A
passagem abaixo transcrita de um documento de 1984, intitulado Educação
Popular e Prática Política: notas para um debate, é bastante expressiva desse
ponto. Nota-se, inclusive, a não diferenciação entre partido, Estado e
empresas privadas.
(...) foi mais ou menos unânime a constatação de que Instituições e Partidos
estão preocupados em ocupar espaços para controlar os diversos
movimentos e práticas sociais desenvolvidas pelos setores populares.
Quando os partidos políticos e as instituições assumem o controle das práticas
sociais surge uma dependência dos setores populares em relação ao mesmo
(...); (...) Ângela critica aos partidos políticos oficiais e ilegais: manobra e
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
105
tentativa de cooptação (...);(...) esses movimentos indicam não formas de
intervenção social, de reivindicação e de participação em decisões concernentes
a um coletivo, mas revelam, sobretudo o desejo (necessidades?) de práticas
autônomas e diferenciadas, sem tutela de organismos partidários, estatais ou
empresariais (...). (Ver anexo 2, grifo nosso).
O elo entre o Estado, partido e empresas privadas é a “tutela”, sempre posta
como possibilidade, sobre os movimentos populares. Esta definição dos
lugares legítimos se fez acompanhada de uma adjetivação da política
“autônoma” ou “cooptativa”, e associou a educação popular à primeira. Por
esse motivo, a interpretação predominante no Brasil a partir de meados da
década de 1990, da sociedade civil como um pólo de virtudes versus o Estado
autoritário pôde encontrar eco no campo da educação popular.
Os documentos também revelam posições a favor da participação no PT. O
argumento principal era o haver incompatibilidade entre os movimentos e
o partido, ambos espaços de exercício do poder das classes trabalhadoras.
(...) politizar o movimento: discussão política, política -partidária e mesmo
incentivar a organização partidária (...); (...) Waldir educar é levar ao
exercício do poder. Educação é política partidária. Não há problemas em
termos várias centrais e partidos (...). (Ver anexo 2, grifo nosso).
Aos poucos, militantes dos movimentos populares e CEBs foram se
integrando ao partido, sem contudo ocupar muitos cargos de direção. Estes
foram prioritariamente ocupados por sindicalistas vindos do grupo dos
“autênticos”. (Couto, 1995).
Esta relação continuou sendo problematiza ao longo da década de 1980 em
encontros de formação, como podemos ver nos temas abordados na escola
de formação do setor pastoral de Ermelino Matarazzo Leste II em 1985 e
no III FONEP
(...) hisria da organização político partidária no Brasil chegando ao debate
atual (1985) com os candidatos para a prefeitura de São Paulo (...);(...) debate
e questionamento referentes ao confronto do Poder de Estado X Poder Popular e
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
106
a Educação (...); (...) relões da Educação Popular com partidos, Igrejas e
instituições (...).(Ver anexo 2).
Nesta disputa intra-campo da educação popular, predominou a tendência que
reconhecia o PT como instrumento político com a manutenção do discurso da
autonomia dos movimentos. O percurso de “entrada” da educação popular no
PT incluiu a valorização da disputa institucional e da participação nas gestões
municipais. Muitos dos entrevistados nesta pesquisa declaram o PT como sua
grande referência para as práticas de educação popular na década de 1980.
A síntese dessa posição foi a participação de Paulo Freire na Secretaria
Municipal de Educação de São Paulo na gestão de Luiza Erundina, eleita pelo
PT em 1988. Significa que, por meio do PT, a educação popular adentrou em
dois universos até então desvalorizados nesse repertório: o partido político e,
mais tarde, o Estado.
É importante assinalar que a tendência para fins da década de 1990 e início
de 2000 será o afastamento do PT como referência de projeto político para
uma boa parte dos educadores. Contraditoriamente, não significou o
afastamento desses educadores das gestões municipais petistas, atuando em
ONGs como prestadores de serviços ou assumindo cargos, prioritariamente,
nas áreas de participação popular e educação.
Estado e educação popular
(...) o problema da consciência da população. o se consegue entender lutas
que não levam a confronto com o Estado. (...) A queso do poder não se da
de modo permanente. Na medida que a população consegue uma creche, uma
bica d’água, ela está realizando confrontos, exercitando o poder (...). (Ver anexo
2, grifo nosso).
Esta passagem retirada de um documento da FONEP nos põe duas questões.
A primeira é o caráter formativo, ou de exercício de poder, que o embate com
o Estado gera para as classes trabalhadoras. O segundo é a compreensão de
Estado como impermeável às classes populares.
Se o Estado aparece como impermvel às classes populares, o elemento
extra-estatal presente nos documentos consultados não deve ser confundido
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
107
com o anti-estatismo. Provavelmente, no início da década de 1970, a
presença da ditadura civil-militar gerou um sentimento antiestado que se
prolongou até o início da década de 1980.
Ao longo desta década esse sentido foi sendo substituído por uma
compreensão do extra-estatal como sociedade civil, definitivamente
consolidada na cada de 1990. O fato de muitas ONGs nos anos 1990
apresentarem sua maior contribuição na esfera dos valores, como
solidariedade e criticidade, em oposição ao Estado, pode muito bem
encontrar antecedentes no elemento extra-estatal vigente no repertório a
fins da década de 1980.
Segundo Silva (2003, p. 36), menos do que um princípio, a postura
antiestado foi um dado conjuntural, pois a maior parte dos movimentos
populares assumiram a participação institucional logo na mudança do regime.
E se de fato esse elemento se consolidou como um dado conjuntural, o
significa que não ocorreram disputas em torno da compreensão da relação
entre o Estado e os espaços da educação popular. Como assinalou o CEPIS
em 1985
(...) os Centros devem ser independentes em relão ao Estado ou estruturas de
poder dominante e reforçar o caráter de classe da sua intervenção educativa
junto às organizações populares (...); (...) a nova conjuntura política que se
abre a partir deste ano, com o governo da chamada “Nova República” (...) O
possível crescimento de uma proposta reformista, na relação do Estado com os
movimentos populares e na condução de alguns programas de educação
popular, vai exigir progressivamente dos Centros que se colocam numa outra
perspectiva, a ênfase no caráter de classe (...). (Ver anexo 2).
Um outro episódio que explicitou as diferentes compreensões sobre essa
relação foi o debate sobre o papel dos cleos de base na cidade de São
Paulo por ocasião das eleições de 1988. Luiza Erundina e Plínio de Arruda
Sampaio disputaram as prévias do PT para a escolha do candidato do Partido
às eleições para o executivo municipal. Um dos pontos centrais do debate era
o papel dos núcleos de base no Partido e sua relação com a proposta de
governo do PT, especialmente com os canais institucionais de participação
previstos pela Constituição de 1988.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
108
Grupos no interior do Partido defendiam a organização dos núcleos como
insncias de exercício do poder popular autônomos em relação ao partido e
à gestão municipal. Um segundo grupo, vencedor do debate, entendia que os
espos institucionais deveriam ser os espaços prioritários de participação.
(Couto, 1995).
O que estava em jogo era a aposta na democratização a partir do exercício
popular dentro de canais abertos no Estado, ou através da construção de um
duplo poder e conquista do Estado.
Com a chegada do PT a importantes prefeituras em 1988, como São Paulo e
Porto Alegre, e a progressiva “autonomização” dos centros de assessorias de
educação popular em relação aos movimentos populares como tendência
predominante na passagem da década de 1980 para 1990, militantes e
educadores passaram a atuar no interior do Estado.
Ainda em meados da cada de 1980, os centros deveriam resolver junto
com as organizações populares e dentro de uma estratégia global a sua
atuação no Estado.
(...) é no contexto desta estratégia política global que devemos decidir junto
com as organizações populares sobre a oportunidade e a eficácia de
respondermos à solicitação de assessoria que tenham origem no Estado (...).
(Ver anexo 2).
Nos anos 1990 os centros de educação popular, rebatizados por ONGs, terão
como foco central de seus trabalhos educativos a assessoria, sobretudo
“técnica” a governos locais petistas na área da chamada participação popular.
E como veremos no próximo capítulo, as experiências educativas a partir do
Estado redefiniram o repertório da educação popular.
Educação popular e educação formal: uma oposição?
Nos documentos consultados as primeiras referências sobre a possibilidade
de se “fazer educação popular” no sistema formal datam de 1980 em diante.
Essas referências sinalizavam a ruptura com uma interpretação predominante
no campo da educação popular que a associava aos espaços informais,
entendidos prioritariamente como não estatais.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
109
(...) cada vez mais as classes trabalhadoras compreendem que o Sistema de
Educação é um instrumento de dominação e alienação do povo brasileiro
(...);(...) a educação popular se da fora do quadro formal e oficial da
formação formal: a escola, a universidades (...). (Ver anexo 2, grifo nosso).
À realidade do Estado ditatorial pós-1964, somou-se a influência das teses
crítico-reprodutivistas no Brasil, cuja maior expressão foi Althusser. Nesta, a
escola aparece como um dos mais eficientes aparelhos ideológicos de
reprodução e legitimação da ordem burguesa. Não haveria espaços ou
contradições no interior da escola capazes de fomentar experiências a partir
dos interesses das classes trabalhadoras.
Em grande medida, essa leitura foi se alterando na luta dos próprios
movimentos de bairro. Dentre os equipamentos públicos reivindicados, a
escola e a creche sempre ocuparam lugar de destaque.
(...) são experiências e movimentos que cresceram no bojo das lutas populares
por melhores condições de vida e pelo restabelecimento da democracia. Hoje
constituem uma ampla ação educacional que se contrapõe ao sistema oficial e
que se vem aproximando da unidade em torno de um programa comum de luta
por uma política educacional ajustada aos interesses dos trabalhadores (...).
(Ver anexo 2).
Movimentos por educação foram surgindo por toda parte. Na cidade de São
Paulo podemos citar o movimento de educação da Zona Leste iniciado a
partir de uma reunião de mães da região contra a taxa abusiva cobrada pelas
Associações de Pais e Mestres (Pontual, 1996). A taxa se tornou um fator de
exclusão ou de dificuldade de acesso de seus filhos ao sistema formal de
ensino. Aos poucos o movimento passou a discutir a oferta insuficiente de
vagas e a qualidade da educação ofertada pelo Estado – escolas eram
necessárias, mas os trabalhadores e trabalhadores começaram a opinar na
própria organização das escolas, adequando-as aos “interesses dos
trabalhadores”.
(...) para esta reunião cada comunidade, grupo...Trará propostas concretas,
reivindicações de sua vila ou bairro sobre estes 6 temas: escola EMEI;
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
110
escolas de 1 grau; escolas de supletivo; escolas de 2 grau; escolas supletivos de
2 grau e faculdade pública do trabalhador na região Leste (...). (ver anexo 2,
grifo nosso).
O debate sobre a relação entre educação popular e educação formal
permaneceu vivo durante toda cada de 1980. Era uma questão bastante
polêmica, pois dissociava, pela primeira vez, os processos formativos da
construção e fortalecimento de instrumentos políticos (partido, sindicatos e
movimentos populares).
Apesar das lutas enfrentadas pelas classes trabalhadoras pela inclusão de
seus filhos no sistema formal de ensino durante a primeira metade do século
XX, durante as décadas de 1970 e 1980 as referências sobre a educação
popular priorizaram as escolas anarquistas e comunistas do século XIX.
Colocava-se, pois, um elemento que não apenas o pertencia ao repertório,
mas que o alterava em uma questão central na relação com a organização
popular e com os instrumentos políticos.
No Encontro de Educação Popular da América Latina e Caribe em junho de
1986 a questão aparece como ponto crítico que necessitava ser aprofundado.
“Lista de pontos críticos para continuar a reflexão: possibilidade de
desenvolver as metodologias de educação popular na educação formal” (ver
anexo 1).
Os defensores da “escola pública popular” mantiveram o tom
participacionista, defendido como condição para existência de uma escola à
serviço das classes trabalhadoras.
Uma escola pública popular deverá ter uma gestão democrática: a co-gestão
hoje, para se chegar amanhã uma verdadeira autogestão. Onde hoje é possível:
a autogestão. Essa proposta supõe a criação de conselhos populares,
democraticamente eleitos e com caráter deliberativo, em todos os veis
(municipal, estadual e nacional), cuja principal tarefa não é fiscalizar o
cumprimento da lei, como ocorre hoje com os Conselhos de Educação, mas
promover a educação popular através de planos de educação com caráter
popular, uma educação descentralizada, crítica e criativa. Ao Estado (em todos
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
111
os níveis) caberia garantir a execução desses planos através de recursos
controlados pela base. (Gadotti, 1994)
39
.
Aqui estão presentes dois elementos que se afirmarão na década de 1990: a
participação em conselhos mistos compostos por agentes governamentais e
pela sociedade civil e a luta pela democratização do Estado concretizada em
políticasblicas.
Sujeitos das práticas educativas populares: afinal quem é o popular?
Diferentemente do período anterior, em que os sujeitos das práticas
educativas apareciam organizados em três grandes blocos camponeses,
trabalhadores urbanos e estudantes durante as décadas de 1970 e 1980
dois movimentos paralelos redefiniram o popular enquanto sujeitos do campo
da educação popular.
Por um lado, a classe trabalhadora realmente se diversificou com a
emergência de sujeitos até então excluídos da política brasileira. A luta pela
afirmação das mulheres e de seus direitos é bastante ilustrativa desse
momento despontaram organizações prioritariamente de mulheres como
cubes de mães, movimento por creche ou ainda a formação do Movimento de
Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio Grande do Sul em 1989, este último
articulando o debate entre classe e gênero (Paludo, 2001).
Também em 1978 criou-se o Movimento Negro Unificado cuja base teórica
inicial foi a relação de raça e classe (Paludo, 2001) e nos centros urbanos
surgiram o MDF, MTC, Movimento por Moradia, entre outros.
No campo, além do MST que iniciou sua articulação em 1981, também se
organizou o Movimento dos Atingindo por Barragens (MAB) em 1988.
Ainda no interior da Igreja progressista, as pastorais sociais também foram
organizadas como expressão e reconhecimento dessa diversidade. Pastoral
Afro, Pastoral do Menor, Pastoral da Mulher, Pastoral Indígena, Pastoral da
Terra e Pastoral do Povo da Rua.
Por outro lado, os movimentos passaram a incorporar um referencial que
levava em conta a cultura e as especificidades nos processos de formação e
organização popular. Não é a toa que a subjetividade, o cuidado e a
39
A primeira versão do artigo é de 1989.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
112
animação popular, passaram a fazer parte do cotidiano dos movimentos,
ainda que, prioritariamente, circunscritas a momentos e sujeitos específicos
como a stica e as mulheres. São inúmeros os folhetos de cantos e
animação produzidos durante o período.
A Campanha das Diretas Já (1984) foi um momento em que essa diversidade
se “mostrou” nacionalmente. Um episódio em que a oposição institucional em
maioria no Senado e na Câmara
40
, e a organização popular que tomava as
ruas, gritaram seus descontentamentos com a crise econômica e política.
Como demonstrou Rodrigues (2003) a preparação do ato na praça da em
25 de janeiro de 1984 contou com uma ampla rede de articulação envolvendo
estudantes organizados na UEE/SP, diretórios zonais do PT, associações de
moradores de bairro, CEBs e sindicatos. Dia 17 de abril, uma caravana de
mulheres vindas do país inteiro, posicionou-se em frente ao Congresso
Nacional para exigir Diretas Já. O registro fotográfico é emocionante
41
.
Apesar dessa diversidade, expressa por Frei Betto em um documento de
1978 reproduzido abaixo, os diferentes agrupamentos eram denominados
genericamente de movimentos populares, diferenciando-os do movimento
sindical. (ver quadro X atores políticos para quais as práticas são
destinadas).
(...) operários, lavradores e camponeses pobres (parceiros, arrendatários,
pequenos proprierios, posseiros e assalariados rurais, como peões de fazenda,
vaqueiros e ias-frias), como também domésticas, lavadeiras e demais
subempregados (...) enfim, o que se considera como base da sociedade (...)
(ver anexo 2).
Neste caso penso que a denominação abrangente não ignorava as diferenças,
mas, pelo contrário, apontava um horizonte de mudança compartilhado.
Esse horizonte tinha que ver com um projeto mais ou menos definido como
40
Em 1982, na bancado do Senado o PDS somou 235 deputados, contra 244 dos
partidos de oposição: 200 do PMDB, 23 do PDT, 13 do PTB e 8 do PT. Em 1983 dos
479 deputados eleitos, 222 exerciam o primeiro mandato. Destes, 96 eram do PDS e
126 da oposição: 98 do PMDB, 13 do PDT, 8 do PTB e 7 do PT . (Rodruigues, 2003,
pp.17-18).
41
Ver (Rodrigues, 2003, P.87).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
113
socialista, pós-capitalista, revolução popular, apontado no quadro VIII.
Também com elementos e significados partilhados como as músicas, a
stica e os espaços de troca de experiência.
Sampaio (2002) analisando o processo constituinte no Brasil, indica uma
certa dificuldade de organizar ações conjuntas entre os diferentes
movimentos para coleta de assinaturas de temas mais gerais e abrangentes.
A maior parte dos movimentos estiveram empenhados em tema específicos
que diziam respeito ao seu espaço” ou “tema” de atuação. Veremos que
essa dificuldade se agudiza na década de 1990.
Por fim, é importante afirmar que a valorização da subjetividade e a abertura
de espaços para vivenciá-la, provavelmente contribuiu para mudanças na
organização interna dos movimentos. É importante destacar que “antecipar o
projeto utópico” e reconstruir a história das lutas populares são
características da “mística” hoje presente nos movimentos populares.
Ao longo dos anos 1990 os movimentos e centros que apostam na luta de
massas, ou ainda, aqueles vinculados aos trabalhos “mais na ponta”,
preservaram a mística como elemento importante. os espaços
institucionais de participação não a cultivaram, provavelmente porque são
espos mais pragmáticos no sentido de negociar o possível
42
.
Queses metodológicas
Partir da realidade: organizando lutas e conteúdos
Partir da realidade dos grupos e movimentos populares que o educador
assessorava era um consenso no repertório da educação popular das décadas
de 1970 e 1980. Adotada pelos círculos bíblicos de Carlos Mesters, pelo
todo ver-julgar-agir muito difundido entre a Pastoral Operária, pela
Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire e pela chamada metodologia dialética
com clara inspiração marxista
(...) o ponto de partida para elaboração de qualquer programa de treinamento
ou encontros deve ser o momento da prática de luta do grupo a quem se
destina e suas necessidades concretas (...); (...) o que julgamos importante no
42
Um interessante comentário sobre a questão pode ser visto em João Pedro Stedile
(2006, pp.183-184).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
114
método? Partir da realidade: o que de organização. Problemas sentidos (...);
(...) como sujeito da história, o trabalhador deve retomar sua palavra, a
partir de sua prática de luta (que é a realidade a partir da qual ele fala e na
qual ele compreende o mundo) (...) Neste sentido, os elementos de sua visão
teórica deverão ser colhidos a partir da arqueologia da prática. (...) (ver anexo
2, grifo nosso).
O partir da realidade abrigou alguns significados com implicações no trabalho
e na vida dos educadores. Em primeiro lugar referia-se ao conhecimento das
condições de vida às quais as classes trabalhadoras estavam submetidas. Em
uma cartilha sobre o “método destinado àqueles que desejassem implantar
um trabalho de base em suas comunidades
(...) devemos conhecer a realidade onde vivemos ou onde trabalhamos. Se
conhecemos a realidade de uma forma errada, a ação será errada e o trabalho
não alcança os objetivos desejados. (...) (ver anexo 2).
Durante este período muitos educadores e educadoras populares optaram
pela moradia em bairros das periferias. Frei Betto, educador vinculado às
CEBs, mudou-se para um bairro periférico da cidade de Vitória,
permanecendo até 1978 quando se muda para cidade de São Paulo atraído
pelo movimento operário do ABC paulista. Três dos entrevistados, Inácio, Ana
Guso e Luis Kohara, também optaram por viver em bairros carentes. O
primeiro na Zona Sul de São Paulo; a segunda, em Brasília Teimosa na
cidade de Recife; e o último mudou-se para o centro da cidade de São Paulo
ainda em 1975 para viver e trabalhar com moradores de rua.
Partir da realidade também passou a ser entendida por uma abordagem que
Paulo Freire sinalizou no livro Pedagogia do Oprimido. Realidade concreta é a
situação à qual as classes trabalhadoras estão submetidas, mas também a
compreensão, a percepção que dela têm os trabalhadores.
(...) o educador recria a teoria a partir da prática, redimensionando os seus
conceitos a partir das exigências da realidade concreta em que vivem os
trabalhadores e o real estagio de sua consciência de classe (...). (Ver anexo 2)
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
115
Esta foi uma novidade no repertório se comparado ao construído pelos
movimentos de cultura e educação popular atuantes entre 1960 e 1964.
Como demonstramos anteriormente, nesse primeiro período se ensaiaram
aproximações “desse partir da realidade” com dois sentidos prioritários:
conhecimento da área de atuação e levantamento das palavras geradoras por
Paulo Freire e sua equipe.
Ao nosso ver, neste período os sentidos acima indicados estiveram limitados
pela interpretação ambígua que educadores faziam sobre as classes
trabalhadoras e sua cultura, no sentido amplo, como ausência. Esta
ambigüidade foi superada nas décadas de 1970 e 1980 pela compreensão da
cultura como conjunto de valores, normas e significados que sentidos à
vida. Poderia e deveria, portanto, considerar essas leituras e significados nos
processos educativos.
Emergia uma nova concepção epistemológica no sentido utilizado por
Gebara (1997, p. 28), ou seja, “entregar às pessoas comuns certa posse’ de
seu saber e refletir sobre sua capacidade cognitiva (...) a questão
epistemológica é prática em primeiro lugar e se relaciona com a atuação
cotidiana nos meios populares”.
Afirmar que as classes populares possuem conhecimentos construídos em
suas vivências cotidianas, para em seguida, descortinar os seus mecanismos
de construção juntos com elas, passou a ser o centro desse novo repertório.
(...) como se desenvolve o pensamento/ linguagem do povo? Esta é em ntese
nossa indagação (...); (...) tornar presente o passado de cada um, a lembrança
saudosa, que faz brotar a fala, a história, o “causo” (...); (...) uma coisa é
conceber a participação popular como um recurso pedagógico para obter a
adesão dos grupos populares a um projeto pré-estabelecido dos agentes. Outra
coisa é o reconhecimento de que a superação dos problemas socais implica
necessariamente na participação do saber e da prática das camadas populares;
e neste caso, coloca-se para os agentes , uma exigência básica: a exigência de
permanentemente inserirem seu trabalho na dinâmica atual deste saber e desta
prática (...) (ver anexo 1).
(...) uma teoria centrada fundamentalmente na experiência dos trabalhadores,
em sua memória histórica e nas perspectivas concretas de superação das atuais
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
116
estruturas de dominação da sociedade (...);(...) essas lutas devem ser
vinculadas ao passado de lutas dos trabalhadores, a fim de que os educandos
tomem posse de sua memória histórica (...);(...) a proposta do GETEC
resumes-se em pesquisar e explicitar e divulgar esses modos próprios de
organizar o pensamento e a ação das classes subalternas. Ao mesmo tempo em
que coloca toda a sua infra-estrutura a serviço dessas organizações (...);(...) a
metodologia a ser adotada se fundamenta numa linha dialética, que possibilite
ao grupo ou população analisar sua situação hoje (problemas emergentes),
através da reconstituição de sua história, tentando confrontar a vincia de
cada um de modo a encontrarem estímulos para fortalecer sua meta (...) (ver
anexo 1. grifo nosso).
Esse método tornou-se válido para organizar a seqüência dos processos
formativos. Os próprios centros de educação popular passaram a definir seus
temas de formação a partir da prática pedagógica como educadores.
(...) a equipe do NOVA reservou a última semana de cada mês para a realização
de sessões de estudo em comum (...) a origem dos temas de estudo foi a
prática educativa com as camadas populares discutida e analisadas nas
assessorias e seminários (...). (Ver anexo 1)
Metodologia dialética e sistematização das práticas: em busca da produção
de novas teorias.
Vimos que a justificava de abertura dos centros de educação popular foi, em
grande medida, a necessidade de organizar práticas formativas mais amplas
que superassem uma leitura da realidade fragmentada e localista.
Essa perceão acontecia exatamente no momento em que nasciam no
Brasil, mas também na América Latina, espaços e instrumentos de unificação
das lutas, com o PT (1980), a CUT (1983) e o CEAAL (1980) para articulação
de centros referenciados na educação popular.
Vimos também que a nova interpretação sobre as classes populares como
sujeitos políticos, construída a partir da crítica ao populismo e ao
vanguardismo, gestou uma nova epistemologia que compreendia as classes
populares como sujeitos cognoscentes a partir de suas experiências
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
117
cotidianas e que esse conhecimento era imprescindível para a organização
popular.
O próximo passo foi adotar uma metodologia dialética que partisse da
realidade, a problematizasse e a aprofundasse, para, a partir daí, voltar à
prática.
(...) o educador recria a teoria a partir da prática, redimensionando os seus
conceitos a partir das exigências da realidade concreta em que vivem os
trabalhadores e o real estagio de sua consciência de classe (...); (...) pudemos
perceber também a possibilidade e a importância de um esforço conjunto de
reflexão e sistematização teórica da EP a partir da experiência(...). (Ver
anexo 1).
Apesar da grande influência de Paulo Freire durante esse período, a sua
contribuição nem sempre foi interpretada como um conjunto de princípios
políticos-pedagógicos ancorados em uma concepção dialética. Apontamos as
comparações entre o método dos círculos bíblicos de Frei Carlos Mesters, ou
ainda a suposta equivalência entre o ver-julgar-agir das CEBs e a
metodologia freireana
43
.
Como afirmou um dos entrevistados para esta pesquisa, Pedro Pontual, a
concepção dialética da educação popular sistematizada pelo ALFORJA
impactou muitos educadores (as) populares brasileiros. Fortemente
respaldando pelo materialismo marxista o caminho proposto era partir da
realidade, aprofundar suas causas e seu movimento interno para, então,
voltar a realidade com uma visão mais rica e totalizadora “guia” para
intervenção. Reproduzo um trecho do texto redigido por Oscar Jara em 1985
El processo de abstracción, lo que nos permite es penetrar em las raíces de la
realidad concreta, descubrir su movimento interno, sus causas y sua leyes,
43
Segundo Teixeira (2006, pp.37-39), a discussão sobre o método é fundamental
para a Teologia da Libertação. Segundo o autor, o teólogo Clodovis Boff preocupado
com o rigor metodológico das reflexões teológicas latino-americanas, construiu a
idéia de mediações. O ver” é o primeiro passo da metodologia e exige o recurso da
medião socioanatica (MAS) para conhecer a realidade social – as ciências do social
ajudarão na compreensão da realidade sobre a qual teologiza. O segundo passo é o
“julgar”, momento propriamente teológico que utiliza à mediação hermenêutica (MH)
“a fé é o óculos par ver o mundo”. Por fim, o último momento da metodologia é o
“agir”, ou seja, a mediação prática (MP) é a tradução concreta do que se viu e julgou.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
118
“invisibles” a la percepción directa. De esta forma ubicamos la realidad concreta
e inmediata em su relación com el conjunto de la realidad social e histórica. Así
podremos volver nuevamente a la superfície de los hechos concretos para actuar
sobre ellos com uma visión s rica y compleja que nos permita intervenir
lúcidamente em su transformación” (Jara, 1994).
Podemos afirmar que ainda na década de 1980 o principal espaço de debate
e prática da concepção dialética da educação popular no Brasil foi o INCA.
Citado por quatro dos cinco entrevistados que atuam em São Paulo, o Centro
foi fundado em 1986 por lideranças do PT, movimentos populares e
movimento sindical cutista, além de intelectuais de esquerda.
Expressa na carta de princípios, a proposta inicial era de uma escola orgânica
das classes trabalhadoras de elaboração e formação superior, por isso
identificada por muitos como universidade do trabalhador, com o intuito de
compreender a realidade brasileira e conduzi-la ao socialismo tendo a classe
trabalhadora como agente principal do processo (Fonseca, 1996).
Segundo a mesma autora, apesar de diferentes compreensões sobre
formação, metodologia e conteúdo representadas por educadores e militantes
com experiência educativas e filiações políticas distintas (apesar da grande
maioria integrar o PT), a concepção dialética da educação popular era
hegemônica. Era um contra ponto a uma outra matriz, também marxista, que
valorizava a vanguarda operária e compreendia a formação como reprodução
da teoria marxista.
Ainda entre aqueles (as) que defendiam uma concepção dialética, também
existiam diferenças significativas, principalmente expressas por uma certa
dificuldade em compreendê-la como teoria geral do conhecimento que
encontrava na dialética materialista substrato teórico-metodológico da práxis
educativa.
Essa dificuldade gerou uma segunda, também colocada como desafio inicial
para educadores e militantes envolvidos com o Instituto: compreender
novamente o Brasil implicava reconstruir teorias a partir dos problemas
colocados na prática social. A sistematização necessária para a produção de
novas teorias enfrentou, entretanto, muitos obstáculos, por isso, pouco se
efetivando.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
119
Provavelmente, durante a década de 1980, a metodologia dialética não se
enraizou com muita efetividade nos movimentos populares. Nos documentos
consultados para o trabalho apenas Frei Betto e uma carta referente ao II
Encontro Latino Americano e Caribenho de Educação Popular no qual Pedro
Pontual participou, apontavam a sistematização como desafio fundamental.
Fonseca (1996) também apontou a dificuldade de trabalhar a metodologia
dialética como conteúdo nos encontros de formação de formadores ofertados
pelo Inca, afirmando que esta, por vezes, foi reduzida a simples todo com
passos estanques.
O enraizamento da metodologia dialética nos anos 1980 esbarrou numa
imagem presente neste momento, mesmo que não predominante, do
trabalhador como portador de um conhecimento que se bastava em si
mesmo (imagem invertida do repertório anterior, entre 1960 e 1964). Uma
segunda dificuldade era a afirmação dos papéis distintos entre o educador e o
educando (dirigente base), nem sempre vista com bons olhos durante a
década de 1970 e 1980, pois havia uma tensão entre a ascensão do
movimento de massas, o papel que as classes trabalhadoras
desempenhavam nesse processo e a necessidade de formação de militantes.
Ainda sobre o INCA é preciso dizer que as discordâncias no campo político-
pedagógico levaram a rupturas e apostas distintas no campo da educação
popular. O Núcleo 13 de Maio, centro de educação popular ainda bastante
ativo no Brasil, surgiu nesse processo avaliando que o INCA era
hegemonizado pelo “grupo da articulação” do PT e da CUT. Ranulfo, educador
do CEPIS, fundador do INCA e monitor em 1988, também afirmou em sua
entrevista que em determinado momento houve um certo “descolamento”
entre as práticas de formação e organização popular. “Formamos quem e
para que? Da onde vinham e para onde iam aqueles militantes” ?.
A “refundação da educação” popular na década de 1990, isto é, a revisão dos
pressupostos que acompanharam o campo da educação popular entre as
décadas de 1970 e 1980, traz em suas constatações as dificuldades e limites
de efetivamente sistematizar as práticas educativas
44
.
44
Fonseca (1996); Conclusiones del Seminário Taller sobre Educación Popular en
América Latina y el Caribe (1994); Schmelkes (1994); Sirvent (1994).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
120
Anexo 2
Repertório mínimo e
dissensos da educação
popular: meados da década
de 1970 e 1980
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
121
Documento Data Discurso Acervo
Relatório anual das
atividades do NOVA
Período outubro
1976/setembro 1977
1977 (...) uma coisa é conceber a participação popular
como um recurso pedagógico para obter a adesão
dos grupos populares a um projeto pré-
estabelecido dos agentes. Outra coisa é o
reconhecimento de que a superação dos
problemas socais implica necessariamente na
participação do saber e da prática das
camadas populares; e neste caso, coloca-se
para os agentes, uma exigência básica: a
exigência de permanentemente inserirem
seu trabalho na dinâmica atual deste saber e
desta prática (...)
CEDIC
A educação no meio
popular
Frei Betto
1978 (...) é papel do educador criar condições
objetivas pelas quais a base se eduque,
favorecendo e estimulando os pequenos
instrumentos da própria base e suas formas de
expressão popular (...)
CPV
Texto de discussão para as
“Jornadas Internacionais
por uma sociedade
superando as dominações
1978 (...) porque então a incapacidade de ir mais
longe? Não seria uma das razões a percepção
limitada que tem os animadores, daquilo que
estas tentativas podem representar dentro do
processo global? (...)
CPV
Método de Educação
Popular: este método
destina-se àqueles que
desejam implantar um
trabalho de base em suas
comunidades
Década
de 1980
(...) para se fazer um bom trabalho com a base é
necessário:
a) ajudar a comunidade a dizer seus objetivos
b) ajudar a comunidade a dizer seus problemas
c) ajudar a comunidade a analisar e justificar
seus objetivos
d) ajudar a comunidade a escolher seu
programa de ação (...)
CEDIC
Boletim Intercentros 1982 (...) no terceiro encontro buscamos trabalhar a
ponto de avançar além da simples troca de
experiências. Uma questão levantava: como
servir melhor aos movimentos populares (...)
CPV
Relatório grupo Movimento
Popular e Prática Política
FONEP
1984 (...) os movimentos populares, de outro lado,
ainda não conseguiram (apesar do avanço
enorme) romper com seus limites, lançando-se na
cena política como sujeito capaz de gerar contra-
políticas e se constituir como poder popular (...)
(...) educadores não devem se confundir com
o movimento popular, substituindo-os. O
respeito à autonomia com relação ao Estado e aos
partidos é fundamental (...)
CPC
Relatório grupo Política e
Educação Popular – FONEP
1984 (...) fazer com que o movimento popular
independa de nós, se torne autônomo e se
aproprie dos diversos instrumentos de seu avanço
CPV
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
122
constitui-se em tarefa fundamental (...)
(...) o poder popular acontece quando
soubermos abdicar do nosso poder, não
usando a Instituição como instrumento de
exercício de poder nosso sobre o movimento
popular (...)
Organização de bairro e
organização sindical
FONEP
1984 (...) Ser ativador do processo. Saber intervir
sem impor, como garantir que todos possam
intervir. Realmente ouvir, tentar entender cada
qual e construir a partir disso (...)
CEDIC
Documento n 1: Algumas
reflexões sobre o papel e
atuação dos Centros de
Assessoria, Pesquisa e
Educação Popular na
conjuntura brasileira
CEPIS
1985 (...) devemos sempre nos lembrar de que a
tarefa como Centro, deve ter como referência a
organização popular e sempre buscar contribuir
para o fortalecimento da direção política do
próprio movimento. Qualquer que seja o nível
de organização do grupo popular é preciso
trabalharmos sempre no sentido de fortalecer as
organizações populares e não os Centros
(...).
CPV
Relatório do II encontro de
Educação Popular da
América Latina e Caribe.
1986
(...) os Centros de Educação Popular
contribuem no processo de construção do
movimento popular, condicionado sua prática
aos estágios de desenvolvimento desse
movimento (...).
(...) os Centros de educação popular são
parte do movimento popular de nossos
paises, mas não ocupam o mesmo espaço,
nem cumprem as mesmas tarefas ou funções das
organizações populares (...).
CEDIC
III Fórum Nacional de
Educação Popular
Mobilização e poder
desafios à educação
popular
1986 (...) sugestões/ Propostas: Aprofundar a
discussão sobre o papel das assessorias
junto aos Movimentos Sociais (...)
CPV
Circular 02/86 da
comissão organizadora do
III FONEP
1986 (...) anteriormente, a presença maciça nos
FONEPs era de entidades de assessorias e
universidades. Percebemos agora a tendência a
ampliar para maior número de militantes dos
movimentos populares. Grupos de base cada
vez mais tornam-se protagonistas da sua
caminhada e história (...)
CPV
Quadro I – relação agentes e movimentos populares
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
123
Documento Data Discurso Acervo
Relatório anual das
atividades do NOVA
Período outubro 1976 a
setembro 1977.
1977 (...) a equipe do NOVA reservou a última semana de
cada mês para a realização de sessões de estudo
em comum (...) a origem dos temas de estudo
foi a prática educativa com as camadas populares
discutida e analisadas nas assessorias e seminários
(...)
CEDIC
Texto de discussão para
as Jornadas
Internacionais por uma
sociedade superando as
dominações
1978 (...) uma das condições para lutar contra a
dominação dentro de um processo educativo é
compreender a realidade em seu movimento
global, suas grandes tendências e discernir os
objetivos prioritários a serem atingidos (...).
CPV
A educação no meio
popular
Frei Betto
1978 (...) o educador recria a teoria a partir da
prática, redimensionando os seus conceitos a partir
das exigências da realidade concreta em que
vivem os trabalhadores e o real estágio de sua
consciência de classe (...)
CPV
Encontro Nacional da
CPT
Metodologia em
Educação Popular
Década
de 1980
(...) o ponto de partida para elaboração de
qualquer programa de treinamento ou encontros
deve ser o momento da prática de luta do grupo
a quem se destina e suas necessidades concretas
(...)
CEDIC
Organização de bairro e
organização sindical
FONEP
1984 (...) o que julgamos importante no método? Partir
da realidade: o que há de organização. Problemas
são sentidos (...)
CEDIC
Carta referente ao II
encontro Latino
Americano e Caribenho
de Educação Popular
1986 (...) pudemos perceber também a possibilidade e a
importância de um esforço conjunto de reflexão e
sistematização teórica da EP a partir da
experiência (...)
CEDIC
Método de Educação
Popular
Década
de 1980
(...) devemos conhecer a realidade onde vivemos
ou onde trabalhamos. Se conhecemos a realidade de
uma forma errada, a ação será errada e o trabalho
não alcança os objetivos desejados. (...)
CEDIC
Curso de formação de
monitores políticos
Fundação Wilson
Pinheiro
Década
de 1980
(...) como sujeito da história, o trabalhador deve
retomar sua palavra, a partir de sua prática de
luta (que é a realidade a partir da qual ele fala e na
qual ele compreende o mundo) (...) Neste sentido,
os elementos de sua visão teórica deverão ser
colhidos a partir da arqueologia da prática. (...)
CEDIC
Quadro II – partir da prática: organizando a luta e conteúdo
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
124
Documento Data Discurso Acervo
Grupo de trabalho:
organização de bairro e
organização sindical –
FONEP
1984
(...) politizar o movimento: discussão política, política
-partidária e mesmo incentivar a organização
partidária (...) (...) ter presente a questão do
PODER, no sentido de ajudar a criar o poder
socializado (comissões, grupos, assembléias...) e não
reforçar as lideranças individuais ( populismos,
mitos) (...)
CPV
Relatório grupo Movimento
Popular e Prática Política -
FONEP
1984
(...) Waldir educar é levar ao exercício do poder.
Educação é política partidária. Não
problemas em termos várias centrais e partidos
(...)
(...) Ângela critica aos partidos políticos oficiais e
ilegais: manobra e tentativa de cooptação (...)
CPV
Relatório grupo Política e
Educação Popular
FONEP
1984
(...) foi mais ou menos unânime a constatação de
que Instituições e Partidos estão preocupados em
ocupar espaços para controlar os diversos
movimentos e práticas sociais desenvolvidas
pelos setores populares. Quando os partidos
políticos e as instituições assumem o controle das
práticas sociais surge uma dependência dos setores
populares em relação ao mesmo (...)
CPV
Relatório grupo Política e
Educação Popular – FONEP
1984
(...) o problema da consciência da população. Não se
consegue entender lutas que não levam a confronto
com o Estado. (...) A questão do poder não se da de
modo permanente. Na medida que a população
consegue uma creche, uma bica d’água, ela está
realizando confrontos, exercitando o poder (...)
CPV
Educação Popular e prática
política
(notas para um debate)
1984
(...) esses movimentos indicam não formas de
intervenção social, de reivindicação e de participação
em decisões concernentes a um coletivo, mas
revelam, sobretudo o desejo (necessidades?) de
práticas autônomas e diferenciadas, sem tutela
de organismos partidários, estatais ou
empresariais (...)
CPV
Documento n 1: Algumas
reflexões sobre o papel e
atuação dos Centros de
Assessoria, Pesquisa e
Educação Popular na
conjuntura brasileira”.
CEPIS
1985
(...) os Centros devem ser independentes em
relação ao Estado ou estruturas de poder
dominante e reforçar o caráter de classe da sua
intervenção educativa junto às organizações
populares (...).(...) a nova conjuntura política que se
abre a partir deste ano, com o governo da chamada
“Nova República” (...) O possível crescimento de uma
proposta reformista, na relação do Estado com os
movimentos populares e na condução de alguns
programas de educação popular, vai exigir
progressivamente dos Centros que se colocam numa
outra perspectiva, a ênfase no caráter de classe (...).
(...) é no contexto desta estratégia política global que
devemos decidir junto com as organizações
populares sobre a oportunidade e a eficácia de
CPV
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
125
respondermos à solicitação de assessoria que
tenham origem no Estado (...)
Boletim Intercentros
1982
(...) um dos objetivos do Centro Pastoral Vergueiro,
tem sido o de atuar no sentido de colaborar no
reforço à autonomia dos movimentos, no estrito
respeito à sua direção (...)
CPV
Grupo de trabalho
organização de bairro e
organização sindical
FONEP
1984
(...) Proposta política clara: garantir a autonomia de
cada organização; procurar articular todos os
movimentos ao redor de interesses coletivos do local
de moradia ou do trabalho (...).
CPV
Síntese da discussão do
grupo 1
FONEP
1984
(...) afirmação da autonomia do movimento (com
relação aos partidos e Estados) (...) educadores
devem estimular o movimento para que ele próprio
realize sua independência, autonomia e democracia
interna (...).
CPV
Documento n° 3
Equipe de alfabetização e
comunicação
CEPIS
1985
(...) reafirma também a importância do trabalho de
linguagem como uma das ferramentas no sentido
de consolidar a autonomia das organizações
populares na construção do poder popular (...).
CPV
Quadro III – educação popular: relação Estado e partidos políticos
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
126
Documento Data Discurso Acervo
Seminário de educação e
classes trabalhador -
Programas para estudos e
debates.
1977
(...) a primeira reunião da plenária abordasse a
questão da Educação e Cultura Popular, como
tema geral introdutório. E que se dedicassem dois
dias de estudo para a queso geral dos
delineamentos para uma Política Educacional
CPV
Curso de Comunicação e
Expressão para
Trabalhadores
Nova Piratininga
1981
(...) desenvolver no trabalhador sua capacidade
de comunicação e expressão nos vários
aspectos de sua vida cotidiana, estimular e
capacitar para a interveão no movimento,
adequando métodos e técnicas de comunicação
e expressão à vivência fabril e no movimento
(...)
CPV
Boletim Intercentros 1982
(...) Centros e grupos começam a se articular de
1978 a 1981. Nesse período, realizamos três
Encontros Nacionais de Centros e grupos de
Documentação e Comunicação Popular. Os objetivos
foram: contato e cooperação entre os grupos;
socialização de experiências; racionalização
dos trabalhos; permuta de material; troca de
avaliações; realização de trabalhos conjuntos
(...)
CPV
FONEP - entidades de
assessoria e universidades
1984
(...) Temática: 1 dia: educação popular e prática
política; 2 dia: metodologia da educação popular;
3 universidade de educação popular (...)
CPV
Escola de Formação do
setor Pastoral de Ermelino
Matarazzo - Leste II
1985
(...) história da organização político partidária
no Brasil chegando ao debate atual (1985) com os
candidatos para a prefeitura de São Paulo (...)
CPV
Circular 3/85 da comissão
organizadora do II FONEP
1985
(...) Política e Movimento Popular (conjuntura –
comunicação/ troca de experiências e perspectivas
da educação/ movimento popular) (...).
CPV
III Fórum Nacional de
Educação Popular
Mobilização e poder
desafios à educação
popular
1986
(...) debate e questionamento referentes ao
confronto do Poder de Estado X Poder Popular
e a Educação (...).
(...) relações da Educação Popular com
partidos, Igrejas e instituições (...).
(...) assembléia Nacional Constituinte e política
economia da Nova República (...)
CPV
III Fórum Nacional de
Educação Popular
1987
(...) o núcleo temático foi educação formal e
educação popular (...)
CPV
Reconstrução – Educação
Assessoria e Pesquisa
convida para o lançamento
do curso de leitura e
interpretação de textos
1989
(...) apropriação do saber pelos trabalhadores:
desenvolver algumas habilidades técnicas
fundamentais para uma compreensão e visão
crítica de mundo (...)
CPV
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
127
para trabalhadores
Associação Difusora de
Treinamento e Projetos
Pedagógicos - carta convite
ao VI encontro
Interestadual de Práticas
em Educação Popular
1989
(...) desafios da EP face às novas formas de luta (...)
(...) contribuições da EP num processo de mudança
da sociedade (...)
(...) práticas e possibilidades reais de se construir
uma pedagogia de mudança através da educação
popular
CPV
Educação Popular e prática
política (notas para um
debate)
1984
(...) elas tem um referencial histórico concreto no
nosso continente: as experiências dos povos
cubanos, nicaragüense e salvadorenho -
experiências nas quais a Educação Popular vem
sendo desenvolvida como instrumento de construção
e solidificação de um poder popular (...).
CPV
Quadro IV – temas abordados nos encontros de formação
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
128
Documento Data Discurso Acervo
Por uma política
democrática e popular
na educação
Seminário de
educação e classes
trabalhadoras
1979 (...) cada vez mais as classes trabalhadoras
compreendem que o Sistema de Educação é um
instrumento de dominação e alienação do povo
brasileiro (...)
(...) somente a democratização das relações sociais e
educacionais poderá criar condições para as mudanças
necessárias à educação brasileira. Somente a ampla
participação popular, em todos os níveis de decisão e
direção da política educacional e cultural brasileira
poderá produzir mudanças significativas no interesse do
povo brasileiro (...).
CPV
Seminário de
educação e classes
trabalhadoras
(histórico)
1979 (...) são experiências e movimentos que cresceram no
bojo das lutas populares por melhores condições de
vida e pelo restabelecimento da democracia. Hoje
constituem uma ampla ação educacional que se
contrapõe ao sistema oficial e que se vem
aproximando da unidade em torno de um programa
comum de luta por uma política educacional ajustada
aos interesses dos trabalhadores (...)
CPV
Seminário de
educação e classes
trabalhador
(histórico)
1979 (...) não é neste universo oficial ou acadêmico que
os interesses dos trabalhadores são colocados no
centro do debate e levados em conta na formulação de
projetos. Sendo assim, ficou evidente a necessidade de
manter vivo o debate sobre a questão educacional no
espaço social e político liderado pelas forças
populares(..)
CPV
I Encontro de
Educadores do Partido
dos Trabalhadores
(PT: relatório dos
grupos)
1984 (...) este texto de abertura do Encontro tem como seu
ponto de partida as reivindicações que apareceram
com maior freqüência nas lutas dos educadores
brasileiros da pré-escola ao 3° grau (...) do
ensino formal à educação popular (...)
CEDI
Reunião de Educação
Movimentos de
Educação da região
de São Miguel - leste
II
1985 (...) para esta reunião cada comunidade, grupo...Trará
propostas concretas, reivindicações de sua vila ou
bairro sobre estes 6 temas: escola EMEI; escolas de
1 grau; escolas de supletivo; escolas de 2 grau; escolas
supletivos de 2 grau e faculdade pública do trabalhador
na região Leste (...)
CPV
Relatório do II
Encontro de Educação
Popular da América
Latina e Caribe
24 a 26
de
junho
de
1986
(...) lista de pontos críticos para continuar a reflexão:
- possibilidade de desenvolver as metodologias de
educação popular na educação formal (...)
CEDIC
Educação Popular
Frei Cristóvão Pereira
1987 (...) a educação popular se da fora do quadro
formal e oficial da formação formal: a escola, a
universidades (...)
CPV
Reunião do
Movimento de
Educação Zona Leste
1989 (...) vamos conhecer o conselho de nossa escola e
participar de suas reuniões (...)
CPV
Quadro V – educação formal e educação popular, uma oposição?
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
129
Documento Data Discurso Acervo
Seminário de educação e
classes trabalhador
(histórico)
1979
(...) seu objetivo imediato foi o de realizar uma troca
de experiência em educação popular infantil e fazer
uma síntese do que elas têm em comum (...)
CPV
Boletim Intercentros 1982
(...) o CPV e o CEDI- RJ ficaram de amadurecer a
idéia de um BOLETIM que fosse um instrumento de
comunicação, uma troca efetiva de experiências e
avaliações (...)
CPV
Versão provisória do
relatório sobre a reunião
preparatória ao Encontro
de Educação Popular
FONEP
1984
Chegou-se a conclusão de que não seria oportuno
tentar promover de modo institucionalizado a
articulação nacional de entidades de Educação
Popular (...), entretanto, ficou clara a importância de
se criar um espaço em que os grupos de Educação
Popular não institucionalizados, junto com assessorias
e universidades comprometidas com Educação
Popular, pudessem aprofundar a discussão sobre as
próprias práticas (...)
CPV
Grupo de trabalho:
organização de bairro e
organização sindical
FONEP
1984
(...) Proposta política clara: garantir a autonomia de
cada organização; procurar articular todos os
movimentos ao redor de interesses coletivos do
local de moradia ou do trabalho (...)
CPV
Documento n 1 -
Algumas reflexões sobre o
papel e atuação dos
Centros de Assessoria,
Pesquisa e Educação
Popular na conjuntura
brasileira
CEPIS
1985
(...) favorecer espaços para uma melhor articulação
das organizações populares criando mecanismos de
intercambio base-base (...)
CPV
Circular 02/86 Da
comissão organizadora do
III FONEP
1986
(...) o objetivo do FONEP, a partir de intercâmbios
de experiências, caminha mais para uma
sistematização dos processos educativos que se dão
nas lutas dos movimentos populares (...)
CPC
Quadro VI – troca de experiência
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
130
Documento Data Discurso Acervo
Texto de discussão para
as “Jornadas
Internacionais por uma
sociedade superando as
dominações”
1978 (...) a educação deve ser um dos meio através dos
quais o homem redescobre seu verdadeiro lugar na
natureza e sua verdadeira responsabilidade
dentro do conjunto do processo social, não
como individuo isolado, mas como pessoa membro
de um corpo que a ultrapassa e a condiciona (...)
CPV
A educação no meio
popular
Frei Betto
1978 (...) considero educação popular todo esforço que
se situa na linha da conscientização entendida
como contribuição à emergência de uma
consciência explicita de classe e na linha da
libertação entendida como busca de um projeto
social alternativo que englobe tanto o regime
quanto o sistema derivados das relações
capitalistas de produção. Este esforço é popular na
medida em que se centra na parcela da população
que sobrevive, basicamente, da venda ou do
emprego de sua força física de trabalho (...)
CPV
Universidade e Educação
Popular pontos de
discussão
Década
de 1980
(...) três níveis de Educação Popular na América
Latina
1.1. a educação patrocinada pelo Estado no
sentido de difundir a educação burguesa a
todos os setores, de natureza não-negadora-do-
capitalismo, mas que pode fornecer as bases para
a critica desta formação econômico-social e
conduzir a lutas negadoras do mesmo em dadas
condições especificas (...)
1.2. patrocinada basicamente por grupos e
instituições não governamentais, no sentido
de negar o capitalismo e criar condões e os
meios de sua mudança, para a construção do
socialismo.
1.3. a educação popular patrocinada pelo Estado
nos paises que saíram do capitalismo e
buscam consolidar outra alternativa, na linha do
socialismo (Cuba e Nicarágua)
CPV
Encontro Nacional da CPT
Metodologia em
Educação Popular -
Algumas notas sobre:
Educação Popular e
Formação de Lideranças
Década
de 1980
(...) educação Popular é um conjunto de
ferramentas que permitem os grupos populares
refletirem sobre sua prática de luta,
compreender sua dimensão de classe e buscar
os avanços organizativos necessários à nossa
caminhada de libertação (...)
CEDIC
Boletim Intercentros
Encontro Latino
Americano de educação
popular: para uma
definição de educação
popular
1982 (...) a educação popular nasce e se exprime numa
sociedade regida por um antagonismo de classe
irreconciliável, entre a classe possuidora dos
meios de produção e as classes que somente
possuem sua força de trabalho para subsistir (...)
CPV
Síntese da discussão do 1984 (...) educação popular deve ser entendida como CPV
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
131
grupo 1 – FONEP conscientização, mobilização e organização
do povo a partir do próprio processo de luta
popular (...)
Grupo de trabalho:
metodologia da educação
popular e organização
popular
FONEP
1984 (...) a educação popular deve como um dos seus
objetivos a organização popular, como básico
para o processo de transformação social (...).
CPV
Educação Popular e
prática política
(notas para um debate)
1984 (...) O desafio - tarefa especifica da Educação
Popular é articular e unificar o educativo dos
setores populares, como um instrumento de
construção do poder popular. Do local,
passando pelo regional, ao nacional.
CPV
CEPIS – Documento n° 3
Equipe de alfabetização e
comunicação
1985 (...) a educação popular tem uma contribuição
fundamental: propiciar ao trabalhador um
conhecimento-instrumento, que lhe permita
expressar suas necessidades e interesses
reais, assim como lhe dar condições para agir em
busca de uma sociedade alternativa (...)
CPV
Relatório do II Encontro
de Educação Popular da
América Latina e do
Caribe
24 a 26
de junho
de 1986
(...) educação Popular surge da realidade do povo,
é uma prática politico-histórica, se desenvolve a
partir e para organização popular e é um
processo integral e permanente (...)
CEDIC
Educação popular
Frei Cristóvão Pereira
1987 (...) educação Popular é um processo que busca
criar condições para que o povo descubra seu
potencial revolucionário que ele tem dentro
de si e que é preciso.
CPV
Quadro VII – definições de educação popular
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
132
Documento Data Discurso Acervo
Texto de discussão para as
“Jornadas Internacionais
por uma sociedade
superando as dominações
1978 (...) as bases de uma teoria de educação
política das massas que tenha uma meta clara:
o socialismo, mas que não se aprisione nem de
modelos nem de doutrinas (...)
CPV
A educação no meio
popular
Frei Betto
1978 (...) a busca de um projeto alternativo, pós-
capitalista (...)
CPV
Seminário de educação das
classes trabalhadoras –
documento de Salvador:
Debate sobre a educação
popular infantil
1978 (...) o caminho que pode oferecer contribuições
decisivas é o de uma ação educacional que
assegure a hegemonia do ponto de vista das
classes trabalhadoras(...)
CPV
I encontro de educadores
do Partido dos
Trabalhadores - PT:
relatório dos grupos
1984 (...) a política de educação do Partido deve
repensar a educação na estrutura de classes
que a realidade apresenta, buscando construir
uma teoria e uma prática coerente e conseqüente
com as propostas políticas do Partido, isto é,
voltada para a apropriação do conhecimento
pelos trabalhadores como um dos
instrumentos de luta para a conquista do
poder (...).
CEDIC
Síntese da discussão do
grupo 1
FONEP
1984 (...) Ponto Comum condenação ao regime
autoritário e ao capitalismo. necessidade de
transformação da sociedade (...) Divergências
a) para uns, o povo indicará caminhos para sua
libertação, b) para outros, a transformação será
com a construção do socialismo (...)
CPV
Relatório Movimento
Popular e Prática Política -
FONEP
1984 (...) não devemos trabalhar com sentido
filantrópico. Devemos unir o campo popular na
luta contra o capitalismo (...)
CPV
Educação Popular e prática
política (notas para um
debate)
1984 (...) acumulação de força no sentido de um
poder alternativo ao sistema de poder
dominante (...)
CPV
CEPIS Documento n 1 -
“Algumas reflexões sobre o
papel e atuação dos
Centros de Assessoria,
Pesquisa e Educação
Popular na conjuntura
brasileira”.
1985 (...) isto porque na medida em que nos
comprometemos com o projeto histórico das
classes populares de construção do socialismo
e de realização de uma revolução popular
CPV
Relatório do II encontro de
Educação Popular da
América Latina e Caribe
24 a
26 de
junho
de
1986
(...) a educação Popular é uma prática que
encontra seu sentido político ao promover as
classes populares a se constituírem em
protagonistas da transformação social; que
procura fazer com que sejamos protagonistas
tanto dos processos que nos levam à tomada do
poder assim como dos ricos e exigentes processos
que então se iniciam e que vão materializando a
construção do socialismo na América Latina (...)
CEDIC
Quadro VIII – projeto político
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
133
Documento Data Discurso Acervo
Relatório anual das
atividades do NOVA . Período
outubro 1976/setembro
1977.
1977 (...) pastorais de diocese e paróquias e
Movimento de Organização Comunitária
(...)
CEDIC
A educação no meio popular
Autoria Frei Betto
1978 (...) operários, lavradores e camponeses
pobres (parceiros, arrendatários, pequenos
proprietários, posseiros e assalariados rurais,
como peões de fazenda, vaqueiros e bóias-
frias), como também domésticas, lavadeiras
e demais subempregados (...) enfim, o que se
considera como base da sociedade (...)
CPV
Texto de discussão para as
“Jornadas Internacionais por
uma sociedade superando as
dominações”
1978 (...) lutar contra a dominação é por um lado
optar por trabalhar com aqueles que são
suas primeiras vitimas: as categorias
exploradas da sociedade, em primeiro lugar, os
trabalhadores urbanos e rurais (...)
CPV
Nova Piratininga - Curso de
Comunicação e Expressão
para Trabalhadores
1981 (...) militantes das comissões e grupos de
fábricas organizados dentro da categoria dos
metalúrgicos, oposição sindical, sindicatos
cutistas e qualquer militante interessado(...)
CPV
Encontro Nacional da CPT –
metodologia em Educação
Popular - Algumas notas
sobre: Educação Popular e
Formação de Lideranças
Década
de 1980
(...) conjunturalmente esta tarefa de formação
de lideranças se faz cada vez mais urgente e
necessária (...) hoje abrem-se e criam-se novos
“espaços” os movimentos populares, movimento
sindical e os partidos políticos (...)
CEDIC
Relatório grupo Política e
Educação Popular - FONEP
1984 (...) classificação dos grupos (participantes)
segundo o tipo de ação: educação política (9);
comunicação popular (8); organização popular
(7); organização do bairro (4); pastorais
(4); educação formal (3); saúde (2); formação
sindical (2); CEBs (1)
CPV
CEPIS – Documento n 1 -
Algumas reflexões sobre o
papel e atuação dos Centros
de Assessoria, Pesquisa e
Educação Popular na
conjuntura brasileira
1985 (...) organizações populares (...) respeitando
os diferentes níveis de pessoa a serem
atingidas: Militantes mais avançados, lideranças
intermediarias e grupos de base. Setor do
movimento a que devemos priorizar: pastoral
popular, movimento popular, movimento
sindical (...)
CPV
Carta referente ao II
encontro Latino Americano e
Caribenho de Educação
Popular
1986 (...) sabemos que nós que estamos envolvidos
diretamente na prática junto aos movimentos
e organizações populares (...)
CEDIC
Associação Difusora de
Treinamento e Projetos
Pedagógicos - carta convite
ao VI encontro Interestadual
de Práticas em Educação
Popular
1989 (...) educadores de instituições de apoio ao
Movimento Popular (...)
CPV
Quadro IX – atores políticos para quais as práticas são destinadas
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
134
Documento Data Discurso Acervo
Texto de discussão para
as “Jornadas
Internacionais por uma
sociedade superando as
dominações”
1978
(...) uma teoria centrada fundamentalmente na
experiência dos trabalhadores, em sua memória
histórica e nas perspectivas concretas de superação das
atuais estruturas de dominação da sociedade (...)
CPV
A educação no meio
popular
Frei Betto
1978
(...) essas lutas devem ser vinculadas ao passado de
lutas dos trabalhadores, a fim de que os educandos
tomem posse de sua memória histórica (...).
CPV
Boletim Intercentros 1982
(...) a proposta do GETEC resumes-se em
pesquisar e explicitar e divulgar esses modos
próprios de organizar o pensamento e aão das
classes subalternas. Ao mesmo tempo em que coloca
toda a sua infra-estrutura a serviço dessas organizações
(...)
CPV
Grupo de trabalho
metodologia da
educação popular e
organização popular
FONEP
1984
(...) a metodologia a ser adotada se fundamenta numa
linha dialética, que possibilite ao grupo ou população
analisar sua situação hoje (problemas emergentes),
através da reconstituão de sua história, tentando
confrontar a vivência de cada um de modo a
encontrarem estímulos para fortalecer sua meta (...)
CPV
Documento n° 3
Equipe de alfabetização
e comunicação
CEPIS
1985
(...) como se desenvolve o pensamento/
linguagem do povo? Esta é em síntese nossa
indagação (...)
(...) tornar presente o passado de cada um, a
lembrança saudosa, que faz brotar a fala, a história, o
“causo (...)
CPV
Educação: formando a
nova mulher e o novo
homem
Marcos Arruda
1988
(...) só vai haver uma nova mulher e um novo homem
se nós começamos a construí-los desde já, na nossa
vida de cada dia, no lugar onde agente vive, ama, sofre
e trabalha, é explorada, luta e sobrevive (...)
CPV
Quadro X – memória e experiência dos trabalhadores: caminho metodológico
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
135
CAPÍTULO 3
Repertório atual da educão popular
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.
Manuel Bandeira, Poema do Beco, 1986.
O capítulo sobre o repertório atual da educação popular não objetiva fazer um
mapeamento das práticas atuais. Não esgota as possibilidades de amplitude do
próprio campo, de sua criação e das questões que daí decorrem. Gostaríamos de
identificar e contextualizar na história da construção dos repertórios da
educação popular, algumas questões centrais que atravessam o campo
atualmente no Brasil. Que questões são essas? Como surgiram? Quais os atores
que as sustentam e que divergências e convergências existem entre eles?
Na narrativa da construção do campo feita até aqui, enfatizei o caminho de
ampliação dos espaços identificados como pertencentes à educação popular.
Essa ampliação aconteceu com inúmeras tensões e oposições sempre gerando
uma leitura predominante que se sobrepõe à demais interpretações. Este é o
modos de configuração do campo da educação popular no Brasil.
Como suporte principal para o delineamento do repertório atual optei por
entrevistas com educadores que atuam em diferentes espaços
45
: Movimento de
massa (MTD), centro de assessoria de educação popular (CEPIS e Centro Gaspar
Garcia de Direitos Humanos), ONG (Instituto Polis), uma política pública do
governo federal (RECID) e uma rede de educação popular (CEAAL)
46
.
45
A entrevista foi dirigida a educadores e educadoras populares. A ênfase em suas
trajetórias e práticas atuais não nos permite identificar as suas opiniões como
representantes das instituições em que estes (as) atuam. É possível afirmar que os
espaços de atuação, eles mesmos uma opção, contribuem na formação da vio de
mundo desses educadores através da definição do horizonte político, das práticas
concretas, definição de atores aliados, etc.
46
Ver anexo 3 trajetória dos educadores (as) entrevistados e anexo 4 informações
sobre os espaços ocupados pelos educadores e educadoras entrevistadas.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
136
Reconhecemos que o tema educação popular e educação-formal é relevante
para o campo da educação popular, contudo, optamos por centrar nossa
pesquisa na educação não-formal.
As entrevistas se completam com outros materiais como publicações sobre
educação popular no Brasil e na América Latina, principalmente a revista La
Piragua do CEAAL. Também procuramos utilizar pesquisas ou estudos de caso
nessa mesma área, cadernos, publicações e textos redigidos por grupos políticos
e educadores populares.
Uma segunda questão é o recorte temporal que delimita o repertório atual.
Entendemos que a partir da década de 1990 começaram a ocorrer mudanças
substantivas no campo da educação popular no Brasil e na América Latina. No
continente latino-americana o CEAAL, rede composta por mais de 195 ONGs
47
,
foi a principal formuladora e divulgadora do que se convencionou chamar de
“refundação da educação popular”. Um “movimento” revisionista dos princípios e
práticas que nortearam o campo até o final da década de 1980. Os
acontecimentos históricos citados pelo movimento revisionista em âmbito latino-
americano como causa da inflexão da educação popular, ganham textura própria
na trajetória nacional de construção do campo.
Reordenamentos político-culturais nos anos 1990
A partir da década de 1970 e 1980 como resultado da organização de diversos
instrumentos políticos das classes trabalhadoras sindicatos, CEBs, centros de
assessoria, pastorais sociais, movimentos populares urbanos e rurais e partidos
políticos aconteceu no Brasil a ampliação da sociedade civil, que tornou-se
também mais complexa. Vimos como esta ampliação esteve ligada à luta pela
afirmação de direitos e ao discurso da autonomia como em relação ao Estado de
exceção instalado no Brasil a partir de 1964 e ao controle estatal sobre os
trabalhadores que antecede o golpe, oriundo do primeiro governo Vargas.
Segundo Coutinho (2003) e Neves (2005) o que há de particular na formação de
campos de força entre setores diferenciados da sociedade brasileira,
47
Disponível no sítio www.ceaal.org.br. Acessado em 22 de maio de 2008.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
137
especialmente pós década de 1970, é um equilíbrio entre a coerção e direção na
estruturação do poder. A socialização da política, mesmo que parcial,
correspondeu à ampliação da visão de mundo e de um projeto contra-
hegemônico das classes trabalhadoras na disputa pela direção da sociedade
brasileira.
Gramsci (2001) indicou que no início do século XX, na Europa, a maior
socialização da política vinculada ao processo de industrialização gerou uma
contradição re-definidora das relações de poder: o trabalho produzido
socialmente e a sua apropriação privada e a socialização da política e a
apropriação do poder por um pequeno grupo.
“Sob esse conjunto de determinações, a sociedade civil, que até então era primitiva
e gelatinosa, isto é, pouco organizada politicamente, politiza-se, ou seja, os vários
grupos que a compõem passam, organicamente, de forma mais efetiva, a defender
seus múltiplos interesses e seus projetos de sociabilidade, interferindo, assim, mais
diretamente nas decisões do Estado. A mesma sociedade civil, de espaço primordial
de interação humana no trabalho e no cotidiano, passa a se construir também em
cus de organização da vontade coletiva. Os ltiplos sujeitos políticos coletivos
começam, progressivamente, a se organizar em aparelhos privados de hegemonia
civil, na tentativa de obter do conjunto da sociedade o consentimento passivo e/ou
ativo para seus projetos antagônicos de sociabilidade, e a exigir do Estado a criação
e/ou amplião de direitos, alargando os limites estreitos da democracia liberal dos
anos de capitalismo concorrencial”. (Neves, 2005, p. 23).
No Brasil pós 1970, podemos dizer que ampliação dos aparelhos privados das
classes trabalhadoras representou uma nova vontade coletiva em oposição ao
projeto das classes dominante detentoras do poder estatal. Como dito no
capítulo anterior, se é verdade que a crise do início dos anos 1980 explicou, em
partes, a crescente organização das classes trabalhadoras, também apontamos
a construção de um campo ético-politico que deu sentido e auxiliou a construção
de um novo consenso “desde de baixo”. A educação popular foi fundamental
nessa nova ordenação porque organizou os elementos, transformando-os em
princípios e diretrizes para ação.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
138
A partir da década de 1990, sobretudo a partir do primeiro mandato de
Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), a reforma do Estado brasileiro que
consolidou a hegemonia neoliberal no Brasil com predominância do capital
financeiro
48
, fez-se acompanhada da construção de um novo consenso em
contra posição ao campo ético-politico construído pelas classes trabalhadoras ao
longo das décadas de 1970 e 1980.
O lugar de construção e disseminação desse consenso foi, em grande medida, a
sociedade civil que se constituiu com o desmonte do Estado brasileiro, formada
por institutos empresariais, OSCIPS e Organizações Sociais.
A idéia central é que o repertório da educação popular construído no período
anterior, como elementos um de projeto contra-hegemônico (a própria noção de
popular, direito, participação) confluiu com o projeto neoliberal no Brasil
implementado durante a década de 1990. Convergências, ainda que parciais,
foram possíveis a partir de elementos carregados de ambigüidades presentes no
repertório anterior (como a idéia de autonomia e de comunidade) que,
dissociados de um projeto político mais amplo, puderam ser facilmente re-
significados.
Os educadores e educadoras populares entrevistadas apontaram o PT como a
grande referência de projeto político para suas práticas ao longo dos anos 1980.
Em contraposição, nenhum deles (as) indicou o PT como referência atual.
Veremos que as relações destes educadores (as) e de suas organizações e
entidades com esse Partido ganha diferentes conformações ao longo dos anos
1990, sem que nenhuma delas passe pela defesa programática e, ou do
instrumento político.
Esta “confluência perversa (Dagnino, 2004) se concretiza no campo da
educação popular pela inversão de ganhos dos repertórios anteriores, pois ao
mesmo tempo em que reduz a sua capacidade de contra-posição, cria a
aparência de alargamento causando uma verdadeira crise de inteligibildade no
campo da educação popular.
48
Ver O ornitorrinco de Francisco de Oliveira (2003) e Democracia e capitalismo no
Brasil: balanço e perspectivas de Décio Saes (2001).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
139
Reformas do Estado brasileiro e ampliação da sociedade civil: rumo ao
consenso neoliberal
Após a derrota de 1989 de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da república
com um programa político síntese das aspirações do candidato e valores
constrdos pela rede movimentalista ao longo dos anos 1970 e 1980, iniciou-se
no Brasil um programa de “ajustes estruturais” do Estado - a implementação do
“Consenso de Washington” por Fernando Collor de Mello.
As políticas de “ajustes estruturais” previstas no consenso e impostas aos países
latinos-americanos, tiveram (e têm) em comum a combinação entre a
estabilização monetária, a liberalização do comércio e do mercado interno e as
reformas institucionais. O Estado nimo defendido, deve exercer um papel
residual na economia, cabendo ao setor privado a condução da dinâmica
econômica. Neste sentido, o Estado deve regular a concorrência privada,
diminuindo e focalizando os gastos nas áreas sociais e garantindo uma política
de combate à inflação através de uma âncora cambial, o dólar. (Pochmann,
2001).
Mas foi no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995 – 1998), que
as estratégias de reforma do Estado foram melhor sistematizadas e viabilizadas.
Bresser Pereira, então ministro da Administração e Reforma do Estado,
coordenou o Plano diretor da reforma do aparelho de Estado.
Estas aconteceram em um contexto no qual a burocracia, o tamanho e o caráter
interventor dos Estados nacionais seguiam sendo responsabilizados pela crise
mundial. Contudo, as políticas “neoliberais radicais” passam a ser criticadas pelo
excessivo contingente de miseráveis, pela devastação ambiental e pelos
impactos das crises externas sobre as economias nacionais “neoliberalizadas”.
Participação, diálogo e comunidade: uma sociedade civil ativa
Uma Terceira Via, entre a social-democracia clássica ou “velha esquerda”
responsável pelo Estado de proteção social (Welfare State) e o neoliberalismo
clássico de Reagan nos EUA e Thatcher na Inglaterra, passou a se apresentar
como uma alternativa viável em escala mundial.
Para Giddens (2001), sociólogo inglês e intelectual da terceira via, o socialismo
morreu com a queda do muro de Berlim, mas “a idéia de que o capitalismo pode
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
140
ser humanizado mediante uma administração econômica socialista confere ao
socialismo toda a vantagem que ele possui(Giddens, p.13). A crítica à social-
democracia ou à “velha esquerda” é exatamente o domínio da sociedade civil
pelo Estado que teria criado cidadãos passivos “protegidos do berço ao túmulo”.
Além disso, o Welfare State não é uma teoria globalizante o que a torna pouco
preparada para lidar com as questões ambientais, freqüentemente ressaltada
pela Terceira Via. O Estado é elitista e corporativista porque formado por um
pequeno grupo.
O neoliberalismo, por sua vez, vive uma tensão entre o fundamentalismo do
mercado e o conservadorismo. A defesa da família tradicional, da homofobia,
entre outros valores neoliberais, entram em choque com o dinamismo do
mercado “que solapa as estruturas tradicionais de autoridade e fratura as
comunidades locais” (Giddens, p. 25). “Ademais, ele negligencia a base social
dos próprios mercados, que depende daquelas formas comunais que o
fundamentalismo do mercado descarta com indiferença”.
Para a Terceira Via “a reforma do Estado e do governo deveria ser um princípio
orientador básico um processo de aprofundamento e ampliação da
democracia, pois o governo pode agir em parceria com instituições da sociedade
civil para fomentar a renovação da comunidade”.(grifo nosso).
O princípio do Estado democrático se abre como possibilidade com o fim do
mundo bipolar, isto porque os Estados não mais teriam inimigos bem definidos -
“Estado sem inimigos”, podendo redefinir a relações com suas populações que
deixam de ser vistas como base de apoio. Um segundo fator que remodela a
sociedade civil é o declínio da tradição e dos costumes causado pela
globalização. Estes dois fatores criaram uma “demanda pela autonomia
individual e a emergência de uma cidadania mais reflexiva”.
A “cidadania mais reflexiva é causa e conseqüência de uma cidadania ativa
capaz de reordenar a coesão social por meio de posturas dialógicas, flexíveis e
harmônicas.
Nessa linha, a noção de comunidade deveria orientar a busca da coesão social, isto
é, deveria tornar-se um instrumento para resgatar as formas perdidas de
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
141
solidariedade entre as classes sociais e renovar os los entre os diversos grupos
até atingir o conjunto da sociedade. (Lima; Martins, 2007, p. 53).
A sociedade civil emerge como lugar da solidariedade, do voluntariado e do
empreendedorismo social, uma esfera separada do Estado e do mercado. O
estímulo a uma sociedade civil ativa, diferente da social-democracia e do
neoliberalismo, asseguraria um modelo de inclusão. Neste cenário, “uma das
principais funções do governo é precisamente conciliar as reivindicações
divergentes de grupos de interesse especial” (Giddens, 2001, p. 63).
O voluntário é representado por um “individualismo com valor moral radical”
influenciado pela globalização e pela destruição da tradição e dos costumes. O
“novo individualismo segue de mãos dadas com pressões para maior
democratização” e é capaz de gerar solidariedade. Como a solidariedade não
pode ser construída e assegurada pelo Estado, como bem demonstrou o Welfare
State, nem a tradição pode garanti-la, é preciso uma forma de vida mais ativa
do que as gerações passadas foram capazes de organizar.
Incorporando a essência do individualismo sistematizado por Hayek, a Terceira Via
amplia-o, por acreditar que o individuo pode ser capaz, e vem demonstrando isso,
de ampliar seus interesses, passando a se ocupar com um número maior de
questões ou mesmo questões mais complexas, ainda que sem ser capaz de
envolver no rol de suas preocupações as demandas da sociedade inteira. (Lima;
Martins, 2007, p. 53).
Para a Terceira Via, a pobreza ou o desemprego é fruto da incapacidade
individual e deve ser revertida com a inserção destes na sociedade civil ativa por
meio da incorporação dos valores universais. A “aquisição” destes valores pode
se dar no mercado através do desempenho de cada individuo para aumentar seu
capital humano, assim como o respaldo da própria “comunidade” contribui com
o “capital social”, uma espécie de “cola socialvista como fator de aumento da
produtividade. As sociedades estariam passando por uma transição e os
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
142
indivíduos se tornando mais ativos e reflexivos, mais capazes de fazer escolhas
– a “política da vida diz respeito as decisões de vida”( Giddens, 2001, p.54).
Esses elementos ordenadores de uma nova visão de mundo passaram a ser
referência no Brasil a partir de meados da década de 1990 e a sua consolidação
exigiu reformas no aparelho estatal. Essas reformas estimularam a “sociedade
civil ativa” garantindo-lhe legitimidade institucional
49
, ao mesmo tempo em que
reduziu o Estado brasileiro na sua capacidade, limitada, de garantir direitos
assegurados na Constituição de 1988.
E não é preciso lembrar que o campo da educação popular esteve diretamente
envolvido nos “plenarinhos organizando moradores nos bairros, discutindo e
coletando assinaturas para as emendas populares.
Eu integrei o plenarinho pela constituinte e foi toda aquela mobilização para aprovar
as emendas na constituição. Emendas que significavam avanço na constituição de
políticas públicas. Algumas delas previam a participação popular na construção dos
mecanismos de participação na constituinte, foi um processo bastante intenso de
aprendizado, um processo de discussão e educação ao mesmo tempo. A
gente ia à comunidade fazer discussão sobre a importância de coletar assinaturas.
Fizemos um processo muito rico de discussão do processo constituinte, envolvendo
as comunidades. (Inácio da Silva, entrevista, grifo nosso)
O Plano diretor da reforma do aparelho de Estado previu a privatização, a
terceirização e publicização. Por privatização entendeu-se a transferência para a
iniciativa privada do patrimônio estatal transformando-o em uma instituição de
mercado; terceirização é a transferência para o setor privado de serviços até
então realizados pelo Estado; e por fim, a publicização foi definida como
transferência para o setor publico não-estatal dos serviços sociais e científicos.
(Peroni; Adrião, 2005).
49
“Assim é que, ao analisar as reformas regulatórias impostas às organizações da
sociedade civil, é imprescindível alertar para questões como a legitimidade das leis; o
consenso passivo em torno das iias e costumes induzidos por novas leis e a percepção
de que a lei é uma face do poder estatal que, pela força, impõe como forma geral de
ação um determinado tipo de ação desejado pelo bloco histórico no poder”. (Algebaile,
2005, p. 194).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
143
A Medida Provisória n° 1.591 de 1997 e a lei n° 9.637 de 1998 foram as
primeiras medidas a regulamentar uma nova relação entre Estado e sociedade
civil. Segundo Algebaile (2005) esta lei previu a possibilidade de terceirizar
algumas agências de governo e ampliou as possibilidades de financiamento das
OSs, como a gestão de certos patrimônios públicos.
“Pode-se formular uma definição operacional das organizações sociais nos termos
seguintes: organizações sociais o pessoas jurídicas de direito privado, sem fins
lucrativos, voltados para as atividades de relevante valor social, que independam de
concessão ou permissão do poder público, criadas por iniciativas de particulares
segundo modelo previsto em lei, reconhecidas, fiscalizadas e fomentadas pelo
Estado (Modesto, 1998, p.17)”.
No workshop Terceiro Setor: Agenda para a Reforma Legal, organizado na
Faculdade Getúlio Vargas em 1998, Modesto (1998) apresenta as OSCs como
“parceiras” do Estado no cumprimento das metas ou base finalista das reformas.
O objetivo econômico é a diminuição do déficit público, ampliação da poupança e
concentração de recursos em áreas indispensáveis. O objetivo social é aumentar
a eficiência dos serviços sociais a um custo menor, ampliando o serviço aos mais
carentes. O objetivo político é ampliar a participação cidadã na esfera
pública.
Ainda em 1998 foi regulamentada a Lei do Trabalho Voluntário que, por
autorizar o ressarcimento de despesas gastas pelo voluntário, sem especificá-
las, instituiu um tipo especifico de relação trabalhista precarizada” (Algebaile,
2005, p. 197).
Em 1999 foi promulgado o Marco Legal do Terceiro Setor que legisla sobre as
organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP). A OSCIP, ao
contrário das entidades “filantrópicas”, está autorizada a remunerar os seus
diretores e estabelecer “termos de parcerias” com o Poder Público. O
reconhecimento de uma ONG como OSCIP depende da declaração de Utilidade
Pública Federal pelo Ministério da Justiça reconhecendo sua missão de “servir à
coletividade”. Atualmente existem no Brasil 4.646 OSCIPS, das quais 1.416
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
144
estão no estado de São Paulo, 2.326 na região Sudeste e 915 na região Sul do
país. A região Nordeste, somando os nove estados, conta com 700 OSCIPS
50
.
No próximo item abordaremos o “movimento” de refundação da educação
popular e os elementos de confluência entre este e os princípios da terceira via.
Refiro-me a elementos, pois considero que a revisão em andamento comporta
elementos bastante significativos para o campo da educação popular no sentido
de ampliar o debate e preencher lacunas dos repertórios anteriores. Como a
maior atenção para o debate especifico na área de educação, a valorização das
dimensões afetivas e corporais, ou ainda, o debate sobre os diferentes princípios
ou lógicas de organização do pensamento, do simbólico, nos processos
educativos.
Em seguida, debatermos as particularidades brasileiras na formação do
repertório da educação popular a partir de 1990.
Alguns elementos do debate sobre a refundação da educação
popular na América Latina
O “movimento” de refundação da educação popular iniciou-se na assembléia
geral do CEAAL em Santiago do Chile em 1990 e ganhou maior expressão no
encontro de Havana em 1994, quando o debate foi colocado “oficialmente” na
agenda do CEAAL.
A partir de 1994 alguns números da revista La Piragua foram dedicados ao
debate, e em 2000 na assembléia realizada no Panamá, iniciou-se um grande
esforço de sistematização publicado em 2004 (La Piragua, 2004).
O “movimento” de refundação da educação popular, assim denominado pelo
esforço de re-olhar as práticas e princípios norteadores entre 1970 e 1980, não
é homogêneo. Convivem diferentes interpretações e abordagens, sendo
possível, contudo, identificar questões e apontamentos recorrentes.
Uma primeira questão diz respeito aos sujeitos que promovem essa reflexão.
Não são poucos os educadores que apontam a refundação como um movimento
circunscrito a um grupo de intelectuais sem ressonância nos encontros
intermediários ou entre os educadores que fazem trabalhos na “ponta.
50
Disponível no sítio www.mj.gov.br. Acessado em 23 de maio de 2008.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
145
Corragio (2000) em um estudo sobre o papel das ONGs latino-americanas na
iniciativa da “Educação para todos”, nos chama a atenção para uma possível
convergência entre as propostas que partem da “cúpula” dos organismos
internacionais sobre o IDH e a educação para todos, e a “cúpula” da educação
popular responsável pela refundação da educação popular.
A expressão “cúpula da educação popular” é completamente estranha ao
repertório anterior, e as reações e observações sobre a legitimidade desse
processo parecem esbarrar nesta questão. Primeiro porque ela recoloca, talvez
de forma mais realista, as relações entre os educadores que tiveram acesso ao
mundo escolar e aqueles que não tiveram, quase na sua totalidade sujeitos das
classes trabalhadoras. Em segundo lugar, porque recoloca algo acordado
durante a década de 1980 – a relação entre prática e teoria, ou a sistematização
como processo de produção do conhecimento
La lógica que yo encontro es que algunos intelectuales de la Educación Popular, que
tuvieron o tienen nexos con práticas de la Educacn Popular, pero a la vez acesso a
los debates contemporáneos de la política, la filosofía y las cienciais sociales,
derivan consecuencias de estos cambios para la Educación Popular. Ha sido una
refundamentación más apoyada an la atracción que ejercen nuevos autores, nuevas
teoas y sugerentes análisis de la realidad mundial, y pouco en las práticas y
reflexiones propias de los educadores populares. (Carrillo, 2000, p.22).
Mas é preciso um outro elemento para compreender o debate sobre os sujeitos
da refundação e seu significado na construção do campo da educação popular: o
papel das ONGs. Participam do CEAAL 195 ONGs atuantes na América Latina e
Caribe, o que significa afirmar que o processo de refundação é ordenado por
ONGs.
Esta afirmação aponta para uma problemática muito discutida no campo da
educação popular que é a relação entre os movimentos populares e ONGs. Isto
porque foi desfeito um outro consenso predominante no período anterior, que
colocava as ONGs em uma posição de apoio aos movimentos populares. Surgiu
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
146
um campo de interlocução próprio um dos entrevistados desta pesquisa o
denominou de “campo das ONGs”.
Resulta interesante señalar que, en la mayoría de los casos, cuando se habla de los
sujetos de la EP se refiere a “los otros”: los pobres, los sectores populares, los
movimientos populares, los gobiernos locales o “los nuevos actores (jóvenes,
mujeres, niños); pero casi no se habla del lugar institucional y social s frecuente
por parte de los partícipes de los debates: las ONGs de educación popular. Estas
son, en sentido estricto, quienes integran el CEAAL, son las que promueven, apoyan
y acompañan las acciones de EP, son las que promueven y agencian el debate sobre
la EP. (Carrillo, 2004, P. 22).
Posto o lugar da onde se forma e espraia o discurso da refundação da educação
popular, assinalo que um dos pressupostos é a crise do socialismo como
horizonte político.
A queda do muro de Berlim e a derrota da Frente Sandinista nas eleições em
1990 na Nicarágua são apontadas como dois importantes acontecimentos. Não
foram poucos os educadores e educadoras populares partícipes do esforço de
reconstrução da Nicarágua no final da década de 1970 e ao longo de 1980, e
sem dúvida, a relação com o Brasil era muito direta, isto porque a experiência
ensaiada por Paulo Freire em 1964 foi umas das referências para a Cruzada
Nacional de Alfabetização desenvolvida pela Nicarágua no processo
revolucionário.
A revolução Sandinista, citada como um evento marcante para uma boa parte
dos educadores entrevistados, alimentou no Brasil um sentimento de latinidade
presente no repertório da educação popular anterior (1960 a 1964) pela
revolução Cubana e pelas lutas contra as ditaduras latino-americanas ao longo
dos anos 1970 e 1980.
Em 1989 foi uma loucura, a eleição da Luiza Erundina no final de 1988, depois a
disputa da eleição presidencial em 1989. Na disputa Lula e Collor, Fernando Collor
venceu. A derrota da frente sandinista da Nicarágua também foi um sofrimento
muito grande. Eu sofri muito mais com a derrota da Frente Sandinista do que com a
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
147
derrota do Lula, porque a última foi uma derrota quase vitoriosa. (Inácio,
entrevista).
Foi lá, no começo dos anos 1980, a crião do CEAAL - Conselho de Educação da
América Latina - foi criado no bojo desses encontros de muitos educadores na
Nicarágua e teve Paulo Freire como seu primeiro presidente. O CEAAL propões a
articulação de uma rede de centros e de instituições que tivesse o referencial da
educação popular. (Pedro, entrevista).
(Sobre a escolha para o nome do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos).
Acabou sendo Gaspar Garcia também para dar a idéia da América Latina, era um
momento forte de discutir toda transformação da América Latina. O Gaspar Garcia
tinha morrido na Nicarágua. Achávamos que tínhamos que estar ligado a todo
processo da América Latina, não só do centro da cidade de São Paulo. (Luis Kohara,
entrevista).
Um dos elementos em jogo na refundação da educação popular é a idéia da
tomada do poder como o único caminho para a mudança, e os documentos do
CEAAL são unânimes em afirmar o encerramento do ciclo revolucionário na
América Latina e no mundo, substituíndo-o pelo pressuposto da democratização
do Estado pela via institucional.
Apesar do consenso predominante sobre o processo de democratização da
América Latina com uma dupla via – democratização da sociedade civil e
democratização dos Estados nacionais, educadores também apontam os limites
dos processos de abertura política dos países latinos-americanos e colocam em
questão a efetividade dos espaços e mecanismos de participação institucionais.
Apesar das muitas maneiras de compreender a especificidade da educação
popular, enfatizando sua dimensão pedagógica, política ou como movimento
cultural (Carrillo, 2004), é consensual a análise que associa o horizonte
socialista, como finalidade política, à um conjunto de práticas e discursos
datados historicamente.
Um grupo significativo de educadores também tem apontado a supervalorização
da dimensão política que subordinou a dimensão pedagógica da educação
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
148
popular reduzindo-a a “ferramenta de organização”. Em grande medida, isto
teria acontecido porque se olhou a realidade a partir das categorias macro-
estruturais e o micro, local de maior atuação da educação popular, foi visto
como mero reflexo da primeira. Uma das conseqüências foi à leitura
demasiadamente homogenizadora dos trabalhos e realidades em que os
educadores atuavam (Conclusão do seminário Taller sobre Educación Popular em
América Latina y el Caribe, 1994).
Esta leitura seria incompatível com a idéia da diversidade. Os processos culturais
ao invés de partirem das diferentes construções simbólicas e identitárias as
negaram e as destruíram. É neste contexto que se firma, no debate sobre a
refundação da educação popular, o “diálogo entre saberes” como a possibilidade
de diálogo entre diferentes princípios ou lógicas de organização do pensamento,
do simbólico. O caso mais emblemático é a questão indígena, mas o debate se
estende à questão de gênero, por exemplo.
Para grande parte dos textos sobre a refundação da educação popular, o
repertório das cadas de 1970 e 1980 reduziu os sujeitos da educação popular
a aspectos econômicos-políticos “paradigma da conscientização”. Em
contraposição, o movimento” de revisão da educação popular propôs o olhar
integral sobre o ser humano, incorporando a dimensão da afetividade, o
emocional, a corporeidade e o simbólico.
Os educadores que olham a educação popular com ênfase na prática cultural,
tem respondido aos desafios da refundação com o discurso da crise civilizatória
e construção de um novo paradigma, no qual as organizações da sociedade civil
teriam o papel de dinamizar um novo “projeto civilizatório”
Justamente lo que entró en crisis fue un tipo de civilización y civilidad cuyas
coordenadas eran el etnocentrismo, la Idea de una cultura occidental y cristiana con
pretensiones de universalidad, la dominación patriarcal, la concepción
adultocéntrica, la marginación o eliminación de la diferencia y la diversidad, la
violencia revolucionaria como ajuste último de las diferencias de clase, la idea de el
sujeto histórico y la pretensión de la posesión de la verdad por un sector o clase
social (Secretária General CEAAL, 2000, p.11).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
149
Há um consenso entre os textos sobre a refundação da educação popular de que
o neoliberalismo construiu um pensamento único e que para além da dominação
econômica, existe uma dominação cultural, sobre o qual deve incidir a educação
popular. O esgotamento dos referenciais anteriores está justamente na sua
incapacidade de se contrapor ao modelo neoliberal.
Outras duas referências atuais que aparecem em alguns textos é o conceito de
capital humano e o de público não-estatal. Veremos como estes foram
incorporados no campo da educação popular brasileiro.
Brasil: particularidades na construção do repertório da educação
popular e confluências
Apontaremos as particularidades brasileiras do processo de construção do
repertório da educação popular a partir da cada de 1990. Essas
particularidades serão abordadas pela contextualização histórica da construção
do próprio campo da educação popular no Brasil, tratada nos capítulos
primeiro e segundo deste trabalho.
Alguns impasses atuais do campo no Brasil
Gostaria de iniciar o debate sobre os impasses atuais enfrentados na construção
do repertório da educação popular no Brasil, narrando três episódio que
vivenciei ao longo de 2007 e 2008. Os dois primeiros aconteceram na cidade de
São Paulo, o último em Goiânia.
Zona Leste da cidade de São Paulo, Vila Industrial. Em uma associação
comunitária aconteceu o encontro Educação Popular e Teologia da Libertação:
desafios atuais. Militantes das Zonas Sul e Leste da cidade de São Paulo e
integrantes de um movimento de juventude estiveram presentes. Frei Betto
assessorou o encontro. Apesar do interessante debate, os participantes não
conseguiram apontar caminhos para superação das dificuldades apontadas: falta
de participação, ausência de jovens; etc. Ainda assim, a stica de
encerramento celebrada em uma pequena e pobre igreja foi capaz de criar um
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
150
clima de esperança. Cantou-se “utopia”
51
e “Pai Nosso dos Mártires”
52
, dois
grandes símbolos das CEBs dos anos 1980.
O segundo encontro aconteceu em maio de 2008 em uma ONG localizada no
centro da cidade de São Paulo. Para uma “platéia” de quase cem pessoas
atraídas pelo tema Paulo Freire e o mundo da escola, os educadores convidados
reconstruíram o percurso da “escolarização popular”. Insatisfeitos e
desanimados com a conjuntura atual, muito pouco se falou sobre o futuro.
Último episódio. O encontro nacional da Assembléia Popular: mutirão para um
novo Brasil
53
aconteceu em Goiânia com a participação e militantes de diferentes
organizações políticas e regiões do Brasil. Preocupados em construir unidade
política entre os diferentes agrupamentos e entidades com práticas político-
pedagógicas e horizontes políticos muito diferenciados, o debate sobre um
projeto popular para o Brasil apareceu reiteradamente no encontro. A
constatação, a partir das práticas e realidades vividas pelos participantes,
apontou a necessidade de “enraizar” a Assembléia Popular, isto é, reorganizar o
trabalho de base e ampliar o debate sobre o projeto popular para o Brasil. Por
que caminho? Quais os princípios político-pedagógicos norteadores?
51
Quando o dia da paz renascer
Quando o Sol da esperança brilhar
Eu vou cantar
Quando o povo nas ruas sorrir
E a roseira de novo florir
Eu vou cantar
Quando as cercas cairem no chão
Quando as mesas se encherem de pão
Eu vou cantar (...)
52
(...) Perdoa-nos quando por medo ficamos calados diante da morte,
Perdoa e destrói os reinos em que a corrupção é mais forte.
Protege-nos da crueldade, do esquadrão da morte, dos prevalecidos
Pai nosso revolucionário, parceiro dos pobres, Deus dos oprimidos
Pai nosso, revolucionário, parceiro dos pobres, Deus dos oprimidos
O, o, o, o, O, o, o, o
Pai nosso, dos pobres marginalizados
Pai nosso, dos mártires, dos torturados
52
Disponível no sítio www.assembleiapopular.com.br. Acessado em 23 de maio de 2008.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
151
Os episódios narrados exemplificam os muitos organizados atualmente em nosso
país. Para além da constatação de que a educação popular continua viva e
atuante, as narrativas apontam a complexidade e busca que o campo enfrenta
atualmente. Como disse um militante do Movimento dos Sem Terra “vivemos
uma crise de sentido” (Stedile, 2006), ou ainda, segundo Leonardo Boff (2006)
“um rebaixamento das utopias”.
Mais do que a idéia, o sentimento de “crise” ou de “perda” é vivenciado pelos
educadores e educadoras populares entrevistados para esta pesquisa,
narradores entusiastas da década de 1980.
Acompanhávamos as plenárias dos movimentos, mas no suporte, e a partir daí a
gente criava momentos de conversa com a coordenação. Fazíamos reuniões para
ajudá-los a preparar as plenárias, porque muitas delas eram lideranças novas.
Sugiram centenas e dezenas de movimentos. Tinha uma época, eu lembro que a
gente acompanhou 15 movimentos diretamente, era uma loucura, trabalhava de
noite e de dia, sábado e domingo, era uma loucura, uma energia. Era uma coisa
impressionante a capacidade de trabalho que a gente tinha, talvez hoje eu não
teria, mas na época era muito bom. (Inácio Silva, entrevista).
Em 1979 a AUF, mudou o quadro de funcionários e fechou. Antes de fechar já havia
um grupo que estava muito animado e fazia reunião em prédios abandonados, ali
na Consolação, chamados de mocó. Fizemos muito trabalho de grupo (...) Eno
nesse processo de educação na década de 1990, nós também fomos nos perdendo,
sem saber qual era o nosso papel. Quando começa a discutir a questão do espaço
institucional, parecia que educação popular era muito mais exercitar as pessoas
para participar. (Luis Kohara, entrevista).
No grupo que era da educação, a gente discutia o método ver, julgar e agir, essa
era a referência. Vamos ver a realidade, então tinham todas as músicas da Igreja
que ajudava a gente. Meu companheiro tocava violão, aqueles versinhos, então a
música ajudava. Fazia o teatro, o padre era super comprometido, todo mundo
participava da associação de moradores e era aquela coisa: a vida era engajada.
(Ana Guso, entrevista).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
152
Ao nosso ver, esse sentimento experimentado por muitos educadores, reflete
um momento do campo em que a desagregação e renovação convivem de forma
ainda bastante conflituosa, impossibilitando uma construção que crie novamente
um patamar nimo de compreensão e pertença ao campo. Podemos afirmar
que o campo da educação popular no Brasil vive uma crise de inteligibilidade
que dificulta a partilha de sentido entre diferentes grupos. Apontaremos alguns
desses elementos.
Teologia da libertação: presença desfigurada
Todos os entrevistados (as) citaram a Teologia da Libertação como referência
fundamental para a sua prática nas décadas de 1970 e 1980. Assim como todos
os entrevistados contribuíram para a organização das CEBs atuando diretamente
nos núcleos de base ou assessorando pastorais sociais e encontros intereclesiais.
A Teologia da Libertação continua ativa e segue buscando novas referências
teóricas como a ecologia ou a teologia ecofemista. Sabemos também que as
CEBs continuam existindo em muitos bairros, paróquias e nos encontros inter-
eclesiais
54
. Apesar disso, nenhum dos entrevistados, com exceção de uma jovem
que participa do MIRE, fez qualquer menção a Teologia da Libertação como
referência atual para o campo da educação popular e para sua própria prática.
54
O Encontro das Comunidades Eclesiais de Base da América Latina e Caribe teve
início no dia de julho de 2008. Abordando o lema CEBs: esperança para um mundo
novo em marcha, reuniu cerca de 160 pessoas. Disponível no sítio www.cnbb.org.br.
Acessado em 15 de junho de 2008.
“Na Rede de Comunidades Santa Cruz, aconteceu um grande encontro, o 25º
INTERECLESIAL ARQUIDIOCESANO DE CEBs nos dias 20 e 21 de outubro de 2007.
Acolhidos pela juventude, chegaram pessoas das comunidades dos Vicariatos de Guaíba,
Canoas, Gravataí e Porto Alegre. Eram 136 leigas e leigos adultos, 189 crianças e
jovens, 7 padres, 23 religiosas e religiosos, o Bispo Dom Alessandro e 80 homens e
mulheres membros das equipes de serviço. Cada comunidade estava refletindo sobre
o tema ESPIRITUALIDADE BÍBLICA E ECOLOGIA HUMANA”. Disponível no sítio
www.vicariatodecanoas.com.br. Acessado em 15 de junho de 2008
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
153
Afirmamos que a integração das diferentes experiências que conformaram uma
rede movimentalista se deu pela construção de um campo ético-politico cuja
matriz integradora foram a CEBs. Apesar da perda do referencial da Teologia da
Libertação e da desagregação da rede movimentalista (Doimo, 1995), grupos
continuam utilizando símbolos e músicas, incompreensíveis sem a referências
que lhe deu (dá) suporte.
A observação feita por Luis Kohara em sua entrevista é bastante reveladora.
“Muitas músicas que foram feitas e que até hoje a gente canta O lá vai povo
da rua, Justiça séria. Todas nasceram do povo que estava trabalhando ali”. (Luis
Kohara, entrevista, grifo nosso).
No caderno de música “Cantar a cidadania” organizado pela Rede de Educação
Cidadã, além da música popular brasileira encontramos referências musicais das
CEBs dos anos 1980, como versos de Dom Pedro Casaldáliga. O mesmo
programa editou outra cartilha em 2005 com sugestões de encontros para os
educadores estaduais responsáveis pelo trabalho de formação junto a grupos
populares. Um Brasil diferente está em suas mãos (2005) está repleta de
elementos que nos remetem, imediatamente, para o repertório anterior. O
primeiro momento do primeiro encontro um Brasil diferente está em nossas
mãos se a gente sair do isolamento é denominado “esquentando o coração” e a
sugestão de música para animação é Foi Deus quem fez você”. Após a
apresentação do objetivo e tema do encontro, segundo momento, recomendou-
se iniciar o terceiro momento denominado “nosso co, nossa vida”.
O repertório atual da educação popular, aparentemente, vive uma desconexão
entre o simbólico (música, letras, elementos para mística como alimentos,
jarros; etc.) e o campo que lhe deu suporte (rede movimentalista e CEBS). Esta
desconexão pode indicar a dificuldade de reorganização do campo e a formação
de uma nova simbologia (linguagem), partilhada entre educadores, capaz de
expressar os novos ordenamentos do campo.
Partido dos Trabalhadores: esvaziamento e permanência
Outro elemento é a relação da educação popular com o PT. Todos os
entrevistados, excetuando a entrevistada com 30 anos de idade, participaram
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
154
diretamente ou indiretamente da construção de núcleos de base dos PT e
citaram o partido como uma grande referência para as suas práticas na cada
de 1980.
Miracatu e Vale do Ribeira foi um primeiro momento de vincular o trabalho no meio
popular com um projeto político maior que estava em transformação. Na época,
encarnado pelo PT. (Inácio da Silva, entrevista)
Eu tive a oportunidade de viver isso. Morei quatro anos nesse bairro e a gente
atuava. Era muita luta cotidiana de como trazer os problemas e organização, agora
isso dentro do processo de formação mesmo, na primeira sexta-feira do mês era
reunião do grupo do núcleo de base do PT, mas cada reunião que a gente ia tinha
todo um processo formativo (...). A vertente pra discutir o processo político de
nação era muito em cima do PT, dos núcleos de base do PT. Qual era o projeto para
sociedade que a gente queria construir? Essa discussão mais macro do projeto de
sociedade vinha muito dentro do projeto desses espaços da construção do Partido
dos Trabalhadores. (Ana Gusmão, entrevista).
Nenhum dos educadores entrevistados citou o PT como referência para a sua
prática atual. Ainda assim, a maior parte das instituições e movimentos em que
os entrevistados atuam possuem algum vínculo com o Partido, mesmo que
muito conflituoso. A Rede de Educação Cidadã é um programa do governo
federal organizado por Frei Betto e viabilizado pela sua relação histórica com o
PT. O Instituto Pólis se consolidou como ONG que presta assessoria
principalmente para prefeituras do chamado Campo Democrático Popular”,
originalmente formado por PT, PCdoB e PSB, e atualmente abraçando partidos
de centro (PMDB) e de direita (PTB, PR, PP).
Essa relação também fica explicita na entrevista com uma militante do MTD
Agora vou falar do Rio Grande do Sul que eu tenho mais base. O movimento nasce
dentro de um governo “democrático e popular”. A primeira conquista foi no acordo,
mesmo tendo luta, a gente fez muita luta: ocupamos terra e fomos despejados pela
polícia municipal e estadual. Tivemos todos os enfrentamentos, mas na hora do
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
155
assentamento, ele foi uma conquista da luta, mas ao mesmo tempo com um
governo que também acreditava na luta. Dialogava. Tanto que quando o Olívio
Dutra saiu, nós ficamos totalmente congelados e não avançou em nenhuma política.
(Lourdes Santin, entrevista).
Luis Kohara, educador do Centro Gaspar Garcia, que atuou na Secretária de
Habitação na gestão Marta Suplicy na cidade de São Paulo, também relata a
relação do PT com a sua prática.
As lideranças começaram a ganhar visibilidade e quase todas começaram a formar
vínculos, diretos ou indiretos, com parlamentares do PT. Em 1997 quando o
movimento tinha nascido, ganhado força, tinha expressão, até com algumas ações
comuns, começa um tensionamento. Não em função de um projeto ideológico, mas
de representação de assessoria. Eu me lembro que as vezes tinham duas lideranças
num mesmo gabinete apoiando na campanha. começa a entrar outros valores,
porque você tinha que representar força. Muitas das capacitações que foram
recebendo já foi neste contexto. (Luis Kohara, entrevista).
O PT não é mais citado pelos educadores como referência atual de um projeto
global para o Brasil e, portanto, como instrumento que deve ser fortalecido. Mas
os educadores e suas instituições mantêm relações pontuais com o partido
através da venda de serviços para gestões municipais com ênfase em projetos
que articulam o “técnico” e o “participacionismo”, ou ainda, na atuação direta
em gestões municipais petistas para implementar políticas de educação e
participação popular. Em outros casos, adentram nos espaços abertos no Estado
pelos governos estaduais e federais petistas, com o intuito de acumular força
para um projeto que nega o próprio partido.
Em síntese, a ausência do PT como referência atual para o campo da educação
popular pelos educadores (as) entrevistados, traduz o esvaziamento do PT como
“partido dirigente”. Esse esvaziamento, entretanto, não é acompanhado pela
ruptura de relações. Pelo contrário, é aberto um leque de relações de natureza
bastante distintas que flutuam entre a aposta de democratização do Estado,
principalmente em âmbito local (não passa necessariamente pelo fortalecimento
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
156
do PT), até ticas de acumulação de força que valorizam a organização do
movimento de massa e a afirmação do poder popular que, em última instância,
levaa perda de poder do PT.
Parece que a referência e a aposta política em partidos políticos diminuiu
significativamente entre os educadores e educadoras entrevistadas. Para
poucos, esse processo é visto como perda.
Nos anos 1990 eu acho também que perdemos essa conotação da luta mais
ampla, de alguma forma, nos anos 1980 a gente já começa a entender um pouco
mais os espaços de atuação, da construção do Partidos dos Trabalhadores. Apesar
da gente ter aquelas lutas cotidianas pela água, pelo calçamento; etc que formava
novas lideranças, esse espaço do núcleo do partido era o espaço para a gente
discutir análise da conjuntura, do projeto de sociedade, projeto de país. (Ana
Gusmão, entrevista, grifo nosso).
A grande maioria dos textos sobre a refundação da educação popular não faz
nenhuma menção aos partidos políticos, concentrando a atenção na relação
entre movimentos populares e ONGs. No início dos anos 1980 boa parte dos
documentos pesquisados discutiram a relação entre centros de assessoria,
movimentos populares e partidos políticos, sobretudo o PT.
Ao nosso ver, são duas as questões que explicam a ausência dos partidos
políticos no novo repertório da educação popular. Primeiro, a concentração da
prática e teoria da educação popular nas e pelas ONGs, e a defesa de uma
esfera pública não-estatal promotora do bem comum” incompatível, inclusive
do ponto de vista jurídico
55
, com a política partidária. Como a “política” foi
reduzida aos partidos políticos e ao curto período das campanhas eleitorais, a
sociedade civil pode e deve aparecer como uma esfera apolítica. Em segundo
lugar, a crítica a qualquer prática ou teoria que tenha pretensão “totalizante”.
Essa segunda questão aparece com muitas facetas no debate atual sobre a
educação popular.
55
As OSCIPS devem declarar que seus diretores não o militantes e não possuem
envolvimento com partidos poticos.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
157
Por exemplo, na critica e substituição da metodologia dialética predominante
durante a década de 1980 com forte inspiração marxista, por uma leitura
particularista que busca uma metodologia para cada “publico alvo” (metodologia
de trabalho com mulheres; metodologia de trabalho com indígenas; metodologia
de trabalho com homens; metodologia de trabalho com homossexuais; etc).
A metodologia dialética tal como foi formulada nos anos 1980 defendia a
possibilidade e a necessidade de uma teoria global da educação popular como
orientadora e expressão das mais distintas práticas educativas latino-americanas
De esta manera, uma teoria de la educación popular desde el interior de la história
latinoamericana supone un esfuezo que va mucho s allá de realizar una mera
“definicn” de conceptos e de mucho más allá de realizar una mera “definición” de
conceptos e de encontrar una formulácion que gane aceptación entre la mayoría,
significa llevar a cabo un processo de encuentro y confrontación de las experiencias
que se dan en distintos contextos nacionales y regionales, acomo de los vances
teóricos surgidos en dichos contextos. De este modo podremos ubicar puntos de
coincidencia que nos señalen perspectivas y orientaciones comunes, y que estarán
basados en los elementos unitarios de nuestro processo histórico latinoamericano,
pero tomando en cuenta las formas particulares que éste ha tenido en cada país
(Jara, 1995, pp. 91-92).
Unidade na diversidade: uma prática de difícil alcance
A pesquisa indica que não é possível separar os educadores populares e seus
espaços de atuação entre aqueles que valorizam a diferença e a diversidade, e
aqueles que não a fazem. Sem dúvida “a batalha pelo direito de narrar a própria
identidade e resguardar um espaço próprio de existência” (Costa, 1998, p. 9),
foi um dos consensos aprofundados ao longo dos anos 1990 indicando um olhar
mais realista e generoso sobre o Brasil.
Como diz Lourdes, militante-educadora do MTD “estamos num momento em que
temos que valorizar todas as experiências porque é desta gama de experiências,
e entre todas elas, é que vamos construir a síntese. Não dada. Ela não pode
ser uma cópia. Então é exatamente este o projeto que a gente e nisso
estamos enfrentando tensões”. (Lourdes Santin, entrevista).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
158
O programa político-pedagógico da Rede de Educação Cidadã construído e
aprovado por trezentos educadores de todo o Brasil e publicado em 2007 ilustra
essa posição com desdobramentos nas diretrizes para práticas educativas
56
.
A segunda característica de um projeto popular para o Brasil é o compromisso com
as diferenças e diversidades culturais, religiosas, pluriétnicas, sexuais, de gênero,
enquanto construção e fortalecimento de novas relações humanas. Não se trata
apenas de tolerar e respeitar as diversidades, mas, de compreendê-las como
necessárias em um processo de libertação e, portanto, vivenciá-las e garantir que
existam (Rede de Educação Cidadã, projeto político pedagico, 2007, p.10).
Um outro exemplo é o texto “Construção de um projeto nacional” redigido em
março de 2006 por Paulo Maldos, assessor do CIMI. O texto é fruto do encontro
Assembléia Popular: Mutirão por um Novo Brasil realizado em Brasília de 25 a
28 de outubro de 2005. Organizado pela 4ª Semana Social Brasileira, da CNBB,
e pela Rede Jubileu Sul/ Brasil, estiveram no encontro oito mil pessoas de
diversos movimentos e pastorais.
No texto o projeto nacional está organizado em 5 eixos: soberania nacional;
projeto de desenvolvimento e papel do Estado; democracia e participação
popular; papel dos movimentos sociais; e política de igualdade na diversidade.
Necessitamos avançar na nossa capacidade de pensar e construir o Brasil como
uma unidade de biomas e áreas sócio-culturais diferentes. Trata-se de uma unidade
que pode ser construída a partir de cada bioma, da iniciativa da cidadania dos
povos de cada uma dessas regiões, reconhecida, assumida e apoiada por todo o
país.
Precisamos nos constituir como um país que reconheça, valorize e construa
caminhos culturais e de desenvolvimento econômico e social caractesticos de suas
regiões com biomas e ecossistemas diferenciados.
56
Ver princípio do Programa político-pedagógico Partir da realidade concreta
enquanto compromisso com a diversidade” (Rede de Educação Cidadã, projeto político
pedagógico, 2007, p.19).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
159
Para construirmos o verdadeiro Brasil que queremos, precisamos respeitar e
valorizar cada conjunto de vida desses biomas, os povos que os habitam e a cultura
própria de cada uma dessas populações, e enriquecer-nos, como Nação, por meio
de relações democráticas entre eles. (Maldos, 2006).
Ao nosso ver, a crítica sustentada na refundação da educação popular em
âmbito Latino-americano, de que o repertório anterior teria negado as
especificidades locais, a diversidade de sujeitos e as visões de mundo não
ocidentais, é bastante questionável. Enxergamos no Brasil um percurso de
constante aprofundamento dessas questões, iniciado anos 1960, passando pela
década de 1970 e 1980 e chegando ao repertório atual com reflexões bastante
significativas em torno das discussões sobre gênero, juventude; etc. As falas
que seguem se referem às práticas de educação popular na década de 1980.
A gente via que tinha um preconceito em relão a essas pessoas, moradores de
rua. O primeiro passo foi trabalhar a leitura que a gente tinha dessa população e
nesse processo tinha Paulo Freire, toda questão da Teologia da Libertação,
Leonardo Boff estava em alta. Tinha toda questão da América Latina, a Nicarágua
Sandinista, El Salvador. Eno, estava colocado que qualquer revolução tinha
que passar também pelos mais pobres: aquele que todo mundo considerava
“maloqueiro”, e ele próprio assim se via, pôde ser sujeito. (Luis Kohara, entrevista,
grifo nosso).
Isso era referência para gente, a metodologia, um pouco dos grupos de jovens, dos
grupos que agente ia, era um pouco isso, agora eles o com muita música, com
muita dança, com muita pintura. A parte de expressão artística, pelo menos na
região Nordeste, era muito forte. De como através do teatro, mamulengo. Tinha
grupos, o grupo de jovens tinha o grupo mamulengo. (Ana Gusmão,
entrevista, grifo nosso).
Era um período muito interessante. O grupo de jovem era um núcleo que tinha em
torno de 20, 30 pessoas, onde a gente se encontrava todos os domingos pelo
menos 2 horas por dia, todos os domingos, das 4 às 6 a gente refletia sobre nossas
vidas, a nossa realidade, sobre a Teologia da Libertação, ver julgar e agir. A gente
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
160
sempre analisava a realidade, primeiro a gente partilhava a vida, depois tinha um
momento de trocar sobre nosso cotidiano mesmo. (Sandra Procópio, entrevista,
grifo nosso).
Na prática atual dos educadores entrevistados, as questões postas pelo
repertório anterior continuam vigentes
E o que desencadeou melhor no Rio Grande do Sul foi, então, não o jovem do
MTD. Construímos lá o que se chamou: Levante da Juventude, que é um grupo de
jovens do MTD, jovens que não tinham ligação com nenhum movimento e que
queriam ter uma militância, como estudantes que não tinham nenhum coletivo.
Também têm jovens da Via Campesina que estão fazendo esta experiência de
formação com a juventude. (Lurdes Santin, grifo nosso).
Eu achava que a mulher não deveria se reunir sozinha para debater. Tinha que
debater nos cleos, mas depois desta experiência fui dizendo que não é assim.
o é assim a palavra final é dos homens. Ou nós íamos pra porrada ou não
perdíamos, porque os homens sempre defendiam os homens. E o que é uma
experiência significativa que tivemos no assentamento, por necessidade. (Lurdes
Santin, grifo nosso).
A questão é que o compromisso com as diferenças e diversidades culturais é um
dos elementos num jogo muito complexo na reorganização dos referenciais para
o campo da educação popular no Brasil. Para uma parte dos educadores esse
elemento deve estar combinado com outros tantos, como o exercício do poder
popular; democracia direta e participativa; soberania; internacionalismo;
controle popular dos meios de comunicação; etc.
Alguns movimentos que se situam como herdeiros da educação popular no país,
tem explicitado essa relação. Silva (2004), estudando práticas educativas para
jovens e adultos em um assentamento do MST em Itapeva, sudoeste de São
Paulo, sublinhou o vínculo existente entre a proposta de educação do
movimento tratada na Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
161
realizada em julho de 1998
57
e a discussão de um projeto popular para o
Brasil
58
, à época sintetizada por César Benjamim no livro A opção brasileira.
Citamos ainda, dois educadores entrevistados que atuam em diferentes espaços,
reconhecem a questão da diferença e da diversidade como fundamental, mas
defendem e constróem rumos diferentes para a educação popular. Nesse caso a
diferença está na designação do popular como “sujeitos”. O primeiro educador
fez o percurso de reconhecer as ONGs como espaço e esfera de participação
autônoma em relação aos movimentos, participar de gestões municipais petistas
e redefinir o educando para além das classes trabalhadoras. O segundo atua em
um centro de educação popular, não reconhece a legitimidade das ONGs como
autônomas e segue afirmando o popular como sujeito e projeto. Vejamos.
Por exemplo, um setor atingido fortemente por todas essas mudanças que a gente
teve nos anos 90 das políticas neoliberais é a juventude. Foi fortemente atingida
por um lado, pelos processos de exclusão, mas por um outro lado, através dos seus
processos de resistência ela criou novas formas de organização, novas linguagens e
novos discursos que agente precisa conhecer. O que é o movimento hip hop? Quais
o essas várias formas de resistência juvenil que foram se criando. (Pedro Pontual,
entrevista).
A luta pela libertação reúne diversas dimensões da realidade, construída pela
tensão entre o poder e a dominação sobre a alteridade, isto é, sobre a outra
também pessoa humana. Por isso, falar de luta de classe é falar também sobre
relações sociais de gênero e etnia. (CEPIS, 2007, p.36).
Era um momento que, por exemplo, a gente começa discutir essa questão de como
que se faz educação popular em larga escala, você tem que dialogar com um
conjunto de cidadãos de uma cidade que não é feito com os setores populares,
que não é feito das organizações populares. No Conselho Municipal de
57
Neste mesmo ano ocorreu o primeiro Encontro Nacional de Educadoras e Educadores
de Jovens e Adultos. O encontro aconteceu em Pernambuco e homenageou Paulo Freire
no primeiro aniversário de sua morte
58
Este projeto estava pautado em cinco compromissos: soberania, solidariedade,
desenvolvimento, sustentabilidade e democracia ampliada.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
162
Orçamento de Santo André tinha representantes dos mais variados segmentos,
tinha dos segmentos populares, mas tinha também de pequenos e médios
empresários, de profissionais liberais, etc.
Como é que se construía um discurso de participação, de educação, que pudesse
ser tratado também com esses setores, como enfim, que eles pudessem se
envolver nesse processo. (Pedro Pontual, entrevista).
O CEPIS nasceu e se definiu como assessoria junto a legítimos processos de luta e
organização da classe oprimida (...) Assessoria porque não pretende ser
representação direta, nem competir com os movimentos, que o sua razão de
existência. Junto a, para significar a cumplicidade, que é mais que uma assessoria
técnica e pontual. Legítimo processo de luta, porque olha toda organização como
uma ferramenta. Da classe oprimida e dos setores sociais que sofrem
distintas formas de dominação ou opressão, para deixar claro o sujeito e o
rumo da luta (CEPIS, 2007, p.19).
Confluências entre o discurso da Terceira Via e o repertório atual
no Brasil
Vimos como a reforma do Estado brasileiro promovida a partir de meados de
1990, além de promover a abertura da economia brasileira para o capital
financeiro, ampliou a construção de um novo consenso pautado por uma visão
de mundo próxima ao da Terceira Via.
Vimos também que o campo da educação popular no Brasil enfrenta uma crise
de inteligibilidade causada pela desorganização do repertório anterior e pela
busca de novas referências. Veremos algumas confluências entre o discurso
neoliberal da Terceira Via e o repertório que está sendo construído no Brasil.
Educação popular, ONGs e a sociedade civil
Em meados da década de 1970, surgiram inúmeros movimentos no campo e na
cidade e neste mesmo período, uma série de centros de assessoria de educação
popular foram sendo fundados para auxiliar os processos formativos dos
movimentos populares.
Em 1984 alguns centros de apoio aos movimentos populares começaram a se
reunir no Rio de Janeiro como um fórum informal e, em 1986, aconteceu o
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
163
primeiro encontro nacional com a participação de cerca de 30 centros de apoio.
Teixeira (2003) identifica esses encontros como antecessores da constituição
formal da ABONG em 1991.
O Projeto de atividades, elaborado pelo Conselho Diretor da ABONG, em janeiro de
1992, aponta alguns fatores que impulsionaram a formação de uma associação
nacional. Nesta auto-avaliação sobre as motivações para a formação da ABONG,
destaca-se que: i) em 1987, com o restabelecimento da democracia formal, as
ONGs o chamadas a ser um ator social, “como sujeitos autônomos no processo
de mudança da sociedade brasileira”; ii) a articulação em redes latino-americanas
também contribui para a necessidade de um espaço unificado das ONGs. (Teixeira,
2003, pp. 25-26).
O texto da ABONG escrito em 1992 não se refere a uma articulação de centros
de assessorias, termo utilizado em 1986. A passagem dos centros de
assessorias para ONGs aconteceu no inicio da década de 1990 e, sem dúvida, o
principal ator coletivo indutor da mudança no Brasil foi a própria ABONG.
Atualmente a ABONG é formada por cerca de 270 ONGs, destas, 109 estão na
região Sudeste e 101 na região Nordeste, as duas regiões de maior
concentração no país. Do total das 270 ONGs filiadas, 93 declararam atuar na
área de educação e mais de 130 na organização popular, sendo que várias ONGs
se repetem nos dois campos.
59
.
Pesquisa realizada em 2002 pelo IBGE, em parceria com o IPEA, ABONG e o
GIFE, confirmou a existência de 275.895 ONGs no país. Destas, 4% foram
fundadas antes de 1970; 22,46% durante a década de 1980; e 50% entre 1991
e 2000. No período de 1996 a 2000, o mero passou de 107 mil para 276 mil
ONGs correspondendo a um aumento de 157 %
60
.
Destas, 44% estão na região Sudeste e 22% localizam-se no Nordeste
brasileiro. 6% do total das ONGs pesquisadas dizem atuar na área de educação
e 16% na área de desenvolvimento e defesa de direitos. Em 2002 as ONGs
59
Disponível no sítio www.abong.org.br. Acessado em 17 de junho de 2008
60
Disponível no sítio http://www.ibge.gov.br . Acessado em 17 de junho de 2008
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
164
empregavam no Brasil cerca de 1,5 milhões de trabalhadores assalariados, três
vezes mais que o número de servidores públicos federais ativos nesse mesmo
período remunerados, dos quais apenas 52% eram formalmente assalariados.
A pesquisa indica que a fundação das ONGs teve um pequeno pico durante a
década de 1980 (88% em relação à década de 1970) e acelerou
acentuadamente na década de 1990 (124%), sobretudo no segundo semestre
desta década (157% de 1996 a 2002), período correspondente às reformas
institucionais do aparelho estatal, à divulgação do termo ONG no Brasil na ECO-
92 e à valorização das ONGs pelos Organismos Internacionais que formulam
políticas para os paises devedores a economia dos paises .
Para além da simples mudança de nomenclatura, no caso dos centos de
educação popular, houve um deslocamento da idéia de que os movimentos
populares deveriam protagonizar as mudanças e que os centros lhe dariam
suporte e auxílio na produção de informações, cursos de formação e elaboração
das estratégias. A partir da década de 1990, a autonomia não mais aparece
como necessidade política dos movimentos populares em relação aos centros,
mas como busca dos próprios centros em relação aos movimentos populares.
Um dos requisitos para filiação na ABONG é ser autônoma frente ao Estado, às
igrejas, aos partidos políticos e aos movimentos sociais
61
(grifo nosso).
Diferentemente da forma como o CEDI, que era na assessoria do movimento social,
o movimento social é que tinha uma estratégia de visibilidade, de aparecer.
Naquele momento as ONGs tinham o papel de assessoria, de produzir informações.
Mas o ISA tem a perspectiva de ter cara pública, de dar visibilidade; de disputar na
sociedade as idéias que defendemos. Diferentemente daquela época, aquela época
era a liderança indígena que ia falar, era a liderança do movimento social que falava
e não as ONGs. Hoje, o ISA vai para mídia, hoje o ISA vai defender sua proposta.
Hoje, o ISA elabora proposta. Tem uma cara pública maior. E busca o apoio da
sociedade para aquilo que defende. (Dirigente do ISA, apud Coutinho, 2004).
61
Disponível no sítio www.abong.org.br. Acessado em 22 de maio de 2008.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
165
Essa inversão do sentido construído no repertório anterior alterou as práticas no
interior do campo da educação popular. Por exemplo, os esforços da FONEP
representado na circular de organização do III encontro em 1986, para que os
movimentos populares ampliassem a representação substituindo os centros de
assessorias ou os assessores, deixa de ter sentido.
(...) anteriormente, a presença maciça nos FONEPs era de entidades de assessorias
e universidades. Percebemos agora a tendência a ampliar para maior número de
militantes dos movimentos populares. Grupos de base cada vez mais tornam-se
protagonistas da sua caminhada e história (...) (ver anexo 2)
Também houve nesse percurso uma mudaa nos critérios da representação. As
ONGs construíram sua própria representatividade legitimada por um novo
critério a competência cnica diferenciando-se da idéia de representação
política vigente na educação popular durante a cada de 1980 no sentido de
um conjunto da população com interesses específicos que debate em plenária,
núcleos ou encontros e escolhe seus representantes (democracia de base).
Na década de 1990 e, de forma mais acentuada na década de 2000, as ONGs
ocuparam espaços nos conselhos e fóruns como representantes da sociedade
civil. Como indicado anteriormente, 64,36% das ONGs que integram a ABONG
participam de algum Conselho (ABONG, 2006). A própria ABONG participa do
Conselho Nacional das Cidades, do Conselho de Transparência Pública e
Combate à Corrupção e do Conselho Nacional da Promoção da Igualdade
Racial
62
. Uma outra mudança significativa foi a prestação de serviços dessas
ONGs a prefeituras do “campo democrático popular” desde 1989.
O Fórum Nacional de Participação Popular das administrações municipais,
primeira articulação de gestões municipais, sobretudo petistas, que passou a
pensar e organizar a participação e educação popular via governo, foi uma
articulação coordenada por ONGs formada em 1990.
62
Disponível no sítio www.abong.org.br. Acessado em 22 de maio de 2008.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
166
Na região sudeste o fórum foi organizado pela FASE, IBASE, INCA e Instituto
Polis. As três ONGs podem ser classificadas como “militantes” ou “cidadãs”.
Nasceram em oposição à ditadura civil-militar ainda durantes os anos 1980 e
com forte vínculo com os movimentos populares. O INCA foi uma “escola de
formação superior” para os movimentos populares.
A coordenação do fórum de administrações municipais por ONGs indica a relação
bastante próxima entre estas, o PT e governos locais. Indica tamm o papel
central que estas organizações passaram a exercer no âmbito na elaboração e
execução de políticas públicas, sobretudo nas áreas da participação e educação
popular. Gohn (2003, p. 60) aborda esse movimento no Brasil.
Após 1982 tivemos um período de grande expansão de ONGs no Brasil. Ele coincide
com uma fase da vida nacional em que dois elementos se destacam: de um lado, a
reordenação das forças político-sociais em blocos partidários, em luta pelo acesso
ao poder (nas Câmaras e Assembléias Legislativas e demais cargos executivos); e
de outro, o discurso e a prática efetiva por parte do governo central, em termos de
políticas de desestatização.
Os dois elementos assinalados anteriormente demarcam as ONGs. O primeiro, de
caráter mais político, criará espaço institucional às ONGs à medida que grupos de
esquerda, nas suas diferentes matrizes, ascendem ao poder. As ONGs passarão a
ser pontos básicos de suporte técnico-político às novas administrações.
Essas inversões não aconteceram sem disputas no interior do campo da
educação popular. Não foram poucos os documentos encontrados nessa
pesquisa que debateram o futuro dos centros: afinal, se os objetivos (fortalecer
os movimentos populares) se consolidassem, os centro teriam cumprido o seu
papel? Muitos disseram que sim, e para estes os centros se dissolveriam dentro
dos movimentos como instâncias de formão; outros, apontavam a autonomia
das ONGs em resposta às escolas e esferas de formação dos próprios
movimentos, como a CUT, o PT, o MST, entre outros.
O fato é que a segunda posição saiu vitoriosa e o Brasil acompanhou o percurso
internacional, principalmente europeu e estadunidense, de abertura e ampliação
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
167
do número de ONGs. Segundo (Canpagnac, 2006) no Reino Unido 39% da
população está envolvida em atividades ligadas a ONGs, movimentando 4% do
PIB; na Alemanha as ONGs movimentam mais de 2% do PIB e empregam mais
que o setor agrícola; nos Estado Unidos, o setor emprega 9% da população e é
responsável por 6% do PIB.
Esse caminho não só “separou” os centros de assessoria das ONGs, como
indicou a prevalência do segundo. Primeiro, porque se é verdade que uma boa
parte dos movimentos populares com expressão nacional criou as suas próprias
esferas e escolas de formação, os centros de educação popular mantiveram um
papel importante na formação e articulação de novos movimentos durante a
década de 1990 os dois educadores entrevistados que atuam em centros de
educação popular jogaram um papel fundamental na formação do MAB, no caso
do CEPIS, e no MLC na região central de São Paulo, no caso do Centro Gaspar
Garcia de Direitos Humanos. Em segundo lugar, continuam afirmando que aos
centros e ONGs cabe o papel de auxiliar os movimentos populares, razão de sua
existência. Em terceiro lugar, uma boa parte dos centros de educação popular,
afirmam a estratégia política de organizar movimentos de massa (os dois
educadores entrevistados para essa pesquisa que atuam em centros de
educação popular, enfatizaram este opção política).
Pelo vínculo cada vez maior das ONGs com o Estado, seja através da própria
representação nos conselhos federais, estaduais e municipais, ou ainda, através
de assessorias, principalmente a governos petistas, muitos dos educadores com
atuação nessas esferas, afirmaram haver uma diferenciação entre instituições
propositivas e as reivindicativas.
Aqueles movimentos que souberam se reciclar, interpretar as mudanças, as
transformações, por exemplo, vieram entender que precisavam disputar políticas
públicas, e não adiantava só fazer luta reivindicativa na política pública, tinham que
construir espaços de interlocução com o Estado, esses movimentos continuam
tendo existência real hoje, têm mais força do que aqueles movimentos que não
conseguiram fazer essa reciclagem, que apostavam apenas na mobilização, no
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
168
confronto, na resistência. Esses elementos de alguma maneira traduzem os
Centros. (entrevista apud, Ozani, 2000, p. 161).
Esta distinção, entre aqueles que propõem e os que reivindicam, ao nosso ver,
não é válida para explicar as práticas nos diferentes espaços envolvidos com a
educação popular. O que está por trás desta aparente polarização é a afirmação
de que os espaços legítimos de interlocução com o Estado são os conquistados
na Constituição de 1988 e reconhecidos pelos governos. Esta posição é
defendida por aqueles que fizeram a opção política de atuar nos espaços
institucionais de participação, seja através da representação ou da educação
para a “sociedade civil” e os “agentes governamentais”. Em contrapartida,
alguns movimentos populares e centros de assessorias que não enxergam a
possibilidade de construir mudanças estruturais no Brasil via espaços
institucionais, dialogam com o Estado, principalmente, através da pressão
popular e por isso a mobilização de massa é decisiva.
No cenário atual é possível identificar os movimentos populares e ONGs que
atuam nos/ou para fortalecer os espaços institucionais de representação e
aqueles que não o fazem, apesar de muitos terem uma dupla atuação. É mais
difícil, contudo, identificar os movimentos que tem caráter propositivo e aqueles
que reivindicam, embora possamos afirmar que a maior parte das ONGs o
tem centrado suas atividades em ações diretas.
Por exemplo, o MST atualmente não ocupa nenhum conselho federal e, apesar
disso, tem propostas formuladas para a reforma agrária brasileira, para crédito
agrícola e para educação no campo, entre outros temas. A Assembléia Popular:
mutirão por um novo Brasil, também não tem atuação em espaços institucionais
de representação e elaborou um documento síntese de debates em diversos
estados com propostas por eixos temáticos para o Brasil. Ambos fazem ação
direta como forma de pressão e diálogo com o Estado.
Ou seja, os “vencedores” construíram uma imagem, reiteradamente repetida ao
longo da década de 1990 e 2000, que associou a ação direta à reivindicação e os
espaços institucionais de participação à proposição. Esta associação
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
169
desqualificava a ação direta na medida que a situa no repertório anterior “não
conseguiram se reciclar”.
É preciso dizer que a participação em conselhos e orçamento participativo
também trouxe uma nova demanda de formação a partir de temas e
especificações técnicas até então ausentes nos espaços de educação popular.
Basta olhar o quadro sobre os temas tratados por alguns encontros durante a
década de 1970 e 1980 (ver anexo 2), ou os cursos de formação do INCA
relatos por Fonseca (1996).
Percebemos que esse processo também qualifica. A gente percebe que agente não
sabe negociar, a gente faz muito treinamento de como negociar. Como numa
reunião o técnico explicou e a gente não entendeu. Nós fizemos curso do pessoal da
“reconstrução da luta popular”, tudo numa perspectiva da negociação. Então vamos
estudar a questão da moradia. Eu não consegui falar, então vamos estudar como se
fala. Formação para falar em público. O campo da discussão vai ganhando outra
dimensão. (Luis Kohara, entrevista).
Quando começa a discutir a questão do espaço, parecia que educação popular era
muito mais exercitar as pessoas para participar. Fazer reunião falada, deixar de ser
“reivindicatório e ser propositivo”. Quando os movimento estavam articulados
(anos 1990), a educação popular era qualificar para participação nos órgãos
públicos, atuar, negociar. Ficou um buraco muito grande depois de 1992, toda a
animação da gestão Erundina quando abaixa e não tem nada. Mesmo os
educadores que tinham uma clareza muito grande de educação popular saíram para
fazer outras coisas e os novos vinham com outra estória. (Luis Kohara,
entrevista).
Apesar de consideramos os espaços institucionais de participação como espaços
legítimos com possibilidades concretas de ganhos e embates de interesses
distintos, mesmo que limitados, sobretudo nas esferas locais, também
afirmamos que essa imagem construída contribui para reduzir o espaço da
política ao já instituído.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
170
Por fim, gostaria de assinalar que das 25 ONGs que compõem o CEAAL Brasil,
18 integram também a ABONG
63
. Apesar de concordar com Gohn (1994),
Teixeira (2003) e Coutinho (2004) sobre a grande diversidade que o termo
ONGs comporta e as muitas formas de organização e relação com os espaços
institucionais de participação e movimentos populares, é possível afirmar que a
agenda política da ABONG difere das agendas organizadas por articulações de
movimentos populares com amplitude nacional
64
. Por exemplo, em junho de
2008 a ABONG indica em seu sitio na “sessão agenda política” as seguintes
atividades: Conferência Nacional de Gays, sbicas, Bissexuais, Travestis e
Transexuais (GLBT); I Fórum de Mídia Livre; encontro preparatório da sociedade
civil para a Conferência Regional de avaliação da Declaração e do Programa de
ão da Conferência de Durban; e II Semiluso - seminário Luso-Brasileiro sobre
Agricultura Familiar e Desertificação. O calendário político da Assembléia
Popular: mutirão por um novo Brasil, in
dica para o mesmo s às seguintes atividades: - Jornada de luta contra a
MINUSTAH (data do início da ação da Minustah no Haiti); plenária da Assembléia
Popular e Grito dos/as Excluídos/as Manaus; Jornada Nacional de luta da Via
Campesina contra o modelo econômico focando as transnacionais, transgênicos
e barragens; dia nacional do migrante; fórum da Tríplice Fronteira Foz do
Iguaçu e Plenária da Assembléia Popular – MT.
A última questão que nos parece pertinente é sugerida por uma pesquisa
encerrada em 2007 e divulgada em 2008 pela ABONG ONGs da ABONG e o
acesso aos recursos públicos. Parece estar ocorrendo no Brasil uma
63
Vereda Centro de Estudos em Educação; Rede Brasileira de Educação em Direitos
Humanos; Pesquisa e Assessoria em Educação (NOVA); Movimento de Organização
Comunitária; Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais; Instituto
Ecoar para a Cidadania; Instituto Ecoar para a Cidadania; Escola de Formação Quilombo
Dos Palmares; Equipe Técnica de Assessoria, Pesquisa e Ação Social; ESPLAR - Centro
de Pesquisa e Assessoria; Centro de Estudos e Pesquisas "Josué de Castro"; Centro de
Educação e Cultura Popular (CECUP); Centro de Assessoria Multiprofissional (CAMP);
Centro de Ação Cultural (CENTRAC); Centro de Ação Comunitária; Associação de
Estudos, Orientação e Assistência Rural; Ação Educativa: Assessoria, Pesquisa e
Informação; Ação Comuniria do Brasil / Rio de Janeiro.
64
Ver respectivamente os sítios www.abong.org.br e www.assembleiapopular.com.br.
Acessados em 18 de junho de 2008
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
171
concentração de recursos em poucas e grandes ONGs, assim como o aumento
do volume de recursos públicos e a diminuição dos recursos provenientes das
instituições internacionais.
A forma prioriria de captação, procurada pelas organizações, depois da
cooperação, tem sido os recursos públicos, em especial seu acesso sob o formato
de convênio. Assim, o volume de recursos repassados é bastante significativo e
sinaliza como, crescentemente, as organizações da ABONG têm recorrido aos
recursos públicos nacionais, fonte incomum nos anos de 1980 e 1990. (fonte:
pesquisa ABONG).
Dentre as 56 ONGs que receberam recursos públicos, 17,8% realizaram apenas
uma parceria com o governo federal, enquanto 1,8% realizou vinte e uma
parcerias com o governo federal. Em valores:
verificamos que 20 organizações receberam mais do que um milhão de reais ao
longo dos anos pesquisados (1999 - 2006), acessando um total de R$
149.183.046,41, ou seja 91,8% do total arrecado pelas outras 36 organizações que
responderam à entrevista. (fonte: pesquisa ABONG).
Diante dessa constatação, é pertinente nos perguntarmos em que medida o
“campo das ONGs” segue o padrão de concentração do capital no Brasil e se
esta tendência reforça a idéia de uma cúpula de ONGs, dentre elas, as que
atuam no campo da educação popular, aprofundando os hiatos surgidos entre
ONGs e os centros de assessoria e estas e os movimentos populares, ao mesmo
tempo em que as deslocam para espaços de interseção com as fundações
empresariais.
Veremos no próximo item que um conceito partilhado entre a atual
reconfiguração do campo da educação popular e as fundações empresariais é o
de publico não-estatal.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
172
O conceito de público não-estatal na educação popular
O conceito do público não-estatal parece ter entrado na educação popular via
educadores que atuavam em ONGs ou em gestões municipais petistas.
Sobre a experiência do MOVA durante a gestão Luiza Erundina, Pedro Pontual
justifica a sua opção, ressaltando a contribuição de Tarso Genro na explicitação
do conceito a partir das experiências de participação na gestão petista de Porto
Alegre.
Gostaria de introduzir o conceito de esfera pública não estatal para expressar a
direção mais estratégica para a qual estão orientadas as práticas participativas que
visam assegurar o controle social sobre as ações do Estado e, em última análise,
uma nova relação do Estado com a sociedade. (Pontual, 1996, p.29).
A formulação de novas referências a partir das experiências desencadeadas
pelas administrações petistas trouxe um novo repertório. Essa estratégia estava
carregada de um discurso próprio (público não-estatal, ONGs, pluralidade) e
impôs uma nova disputa ao campo da educação popular na medida em que
propôs uma redefinição do “popular” como finalidade e sujeitos.
Em 1990 começou a ser organizado o já citado Fórum, concomitantemente
começaram a acontecer trocas de experiências e debate sobre o tema no INCA,
até então dedicado, exclusivamente, à formação do movimento popular, sindical
e político partidário.
No seminário realizado em 1996 pelo Fórum Nacional de Participação Popular na
cidade do Recife, um texto muito interessante do professor José Arlindo Soares
(1996) traça a história da construção das ferramentas e espaços de participação
popular na definição das prioridades de governos.
O primeiro ciclo se iniciou em 1982 e se encerrou em 1985 na eleição para
prefeitos das capitais. Foi representante de uma força liberal-democrática que se
opunha ao autoritarismo e desejava construir novas formas de mediação
política. A classe média insatisfeita também jogou um papel importante nesse
momento.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
173
O segundo ciclo se abriu nas eleições de 1988 com o aumento do número de
prefeitos do PT eleitos e a defesa dos conselhos deliberativos. A participação
passou a ser induzida com as plenárias de definição do orçamento participativo,
com a organização de conselhos setoriais e mudanças nas leis orgânicas
municipais para regulamentar a participação popular.
O terceiro e último ciclo consolidou o orçamento participativo, assimilou
teoricamente o conceito de público o-estatal e criou diversos mecanismos de
parceria com a iniciativa privada e ONGs.
É importante afirmar que a defesa do público não-estatal no campo da educação
popular não é um fenômeno brasileiro. Alguns educadores populares
65
tem
defendido está perspectiva na revista La Piragua do CEAAL, com produção e
circulação em âmbito continental.
Ele é sempre visto como complemento e causa da democratização dos Estados
nacionais autoritários, isto é, plublicização do Estado. O segundo componente é
o da participação, elemento central na educação popular. A publicização do
público é resultado e, ao mesmo tempo, exige a participação. Esta, por sua vez,
demanda uma nova concepção de educação. Pedro Pontual a designou de
pedagogia da participação.
De todo esse processo de construção da parceria, emerge, portanto, a necessidade
de uma pedagogia democrática para a construção de novas relações entre Estado e
Sociedade Civil (...) No entanto esta criação de espaços e canais de parceria e
participação da sociedade não é suficiente para criar uma nova qualidade de
intervenção dos atores envolvidos. É preciso criar também novos valores, atitudes,
comportamentos e instrumentos de conhecimento e ação para dar um sentindo
coerente às ações dos movimentos e daqueles que dentro do aparelho do Estado
lutam para reformá-lo na direção da sua democratização (Pontual, 1996, pp. 240-
241).
A luta pelo direito à participação no Estado brasileiro, autoritário e bastante
impermeável aos interesses dos trabalhadores, antecedeu a reforma neoliberal
65
Ver, por exemplo, Secretária General, 2000 e Rivas, 2000.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
174
dos anos 1990. Ela aparece, ainda que de forma ambígua, ao longo da década
de 1970 e 1980 e é reconhecida como direito na Constituição de 1988. Por
outro lado, os mecanismos de parcerias públicas-privadas e a defesa de uma
esfera pública não-estatal não podem ser vistos apenas como um impulso
“participacionista” e de defesa “democratizante organizado por prefeituras
petistas comprometidas e pressionadas pelos movimentos populares. O terceiro
ciclo acima descrito, não por um acaso, se consolidou exatamente nos anos
1990.
Apoiados em Dagnino (2004), percebemos o encontro de dois “fluxos” distintos
o primeiro, organizado pelas classes trabalhadoras, busca expandir e criar
novos direitos; o segundo, busca a redão do Estado, o fim das políticas
universalizantes, a privatização de setores estratégicos, a perda da soberania
nacional e uma participação tutelada nos interrogamos como e por que se
encontram.
Uma primeira resposta esbarra em elementos construídos e valorizados pelo
repertório anterior, que pelas suas próprias ambigüidades, puderam ser re-
significados e novamente assimilados pelo campo. É importante assinalar que a
resignificação, no caso do público não-estatal, o acontece “fora do campo”.
Foi conduzido por “ONGs militantesque passaram a construir suas práticas de
educação popular em espaços de interseção com governos locais e fundações
empresariais.
Um desses elementos é a compreensão de sociedade civil. A idéia bastante
generalizada que a contribuição da sociedade civil se daria, sobretudo, no campo
dos valores (solidariedade, participação popular, criticismo) em oposição ao
mercado (esfera egoísta) e o Estado (esfera da burocracia e do autoritarismo)
defendida pela terceira via, encontrou na história da construção do campo da
educação popular terreno fértil.
Afinal, toda a discussão sobre autonomia, mobilizadora do campo durante a
década de 1970 e 1980, se construiu a partir do discurso de um campo ético-
político enraizado no “popular”. A solidariedade, a participação, a democracia de
base e a participação comunitária, foram valores constitutivos desse campo e a
autonomia, como a negação da subordinação ao Estado, também esteve
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
175
carregada de um certo “virtuosismo”. O s movimentos populares e eles o
Estado, os partidos políticos e as empresas privadas.
A idéia de uma sociedade civil apartado do Estado e do mercado, a-politica e
promotora do “bem comum” público não-estatal consolidou-se no Brasil no
segundo mandato de FHC (199-2002) e permanece como consenso nos dois
mandatos do presidente Lula (2003-hoje). O próprio formato de
institucionalização de uma parcela da sociedade civil que deseja acessar
recursos públicos faz parte desse jogo, o reconhecimento de uma ONG como
OSCIP exige, dentre outras coisas, uma declaração de todos os diretores
afirmando que não são militantes e não têm interesses políticos-partidários
(Bueno; Kassar, 2005, p.126).
Por outro lado, o discurso da responsabilidade social por fundações empresariais
e algumas OSCIPS, muito próximo ao discurso da Terceira Via, tem encontrado
eco nas “ONGs militantes” e governos locais. Mais do que confluência de
discurso, no campo da educação popular estão se construindo práticas
confluentes, por exemplo, o Movimento Nossa São Paulo lançado nesta mesma
cidade em 2007.
O caso do Movimento Nossa São Paulo
Martins (2005) em um artigo bastante interessante sobre a história de
construção das organizações da sociedade civil da burguesia industrial brasileira,
principalmente a partir da década de 1970 e 1980, indica um percurso de
ampliação do diálogo para além da própria classe em busca da direção política e
intelectual da sociedade brasileira.
Segundo o autor, na década de 1980 uma parcela da burguesia brasileira
representante do capital industrial e financeiro fundou o Instituto Liberal (IL)
vinculado a uma rede internacional de difusão e adequação nacional ao
pensamento neoliberal.
Em 1989, alguns setores da indústria nacional fundaram o Instituto de Estudos
para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) com a finalidade de produzir estudos e
articulações políticas em defesa da industria nacional no desenvolvimento da
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
176
economia brasileira num contexto de crescente financeirização e abertura da
economia nacional.
Em 1987 uma fração não-monopolista da indústria ligada à Fiesp fundou o PNBE
na cidade de São Paulo. O PNBE fez a disputa com a FIESP pela direção política
dos industriais brasileiros. Oded Grajew e Ricardo Young, futuros fundadores da
Oscip São Paulo Sustentável, ocuparam a direção do PNBE.
Um dos traços mais marcantes na trajetória do PNBE, e que provavelmente mais
tenha contribuído para mudar a postura política dos empresários da indústria, foi a
concepção de ação política voltada para o conjunto da sociedade (...) foi se
firmando uma nova concepção política muito próxima do postulado da Terceira Via
de que no mundo atual há espaços para as saídas negociadas (Martins, 2005,
p. 142).
Em 1990, o mesmo grupo político que dirigia o PNBE decidiu fundar uma
associação que estabeleceria vínculos e ões para além do sistema sindical
patronal, a CIVES – Associação Brasileira de Empresários para a Cidadania – que
passou a manter um diálogo bastante intenso com o PT. Em 1997
representantes da CUT, da Foa Sindical, do PT e empresariado brasileiro,
fizeram uma viagem organizada por Oded Grajew para Israel com o intuito de
conhecer o “pacto social que reduziu a inflação neste país”.
em meados da década de 1990, com a maior abertura da economia brasileira
e a prevalência do capital estrangeiro, surgem novas organizações empresariais
representantes de um acomodamento subordinado dos setores nacionais no
rearranjo do poder. O Instituto Ethos
66
, fundado em 1998, novamente
66
“O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social é uma organização não-
governamental criada com a missão de mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a
gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na
construção de uma sociedade sustentável e justa. Seus 1391 associadas empresas
de diferentes setores e portes têm faturamento anual correspondente a
aproximadamente 35% do PIB brasileiro e empregam cerca de 2 milhões de pessoas,
tendo como caractestica principal o interesse em estabelecer padrões éticos de
relacionamento com funcionários, clientes, fornecedores, comunidade, acionistas, poder
público e com o meio ambiente”. Disponível no sítio www.ethos.org.br, grifos nosso.
Acessado em 15 de junho de 2008.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
177
coordenado por Oded Grajew, cumprirá um papel importante neste novo
cenário.
Após verem cumprido o papel formal do PNBE e de posse do acúmulo de
experiências adquiridas, em especial na Fundação Abrinq de Defesa dos Direitos da
criança e do Adolescente, as principais lideranças políticas e intelectuais desse
movimento alteram a sua linha de intervenção para assegurar sua mais ampla
penetração em todo tecido social. (Martins, 2005, p. 163).
Em janeiro de 2007, na cidade de São Paulo, um grupo de empresários fundou a
OSCIP Instituto São Paulo Sustentável
67
.Eleito presidente, Guilherme Pereira
Leitão é um dos principais acionistas da Natura, empresa de cosméticos
brasileira; Ricardo Young Silva, eleito secretário, é coordenador nacional do
PNBE, conselheiro da fundação Ronald Mac Donald e presidente do Instituto
Ethos de Empresas e Responsabilidade Social; o diretor, cargo remunerado e
figura de referência é Oded Grajew, também fundador do PNBE, da Fundação
Abrinq, do Instituto Ethos, membro do conselho consultivo do Global Compact e
ex-assessor especial (2003) do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva
para a mobilização empresarial. Por fim, o conselho fiscal é ocupado por
Joaquim Manhães Moreira, advogado especializado em direito empresarial, sócio
do escritório Manhães Moreira Advogados e Associados e autor do livro A ética
Empresarial no Brasil
68
; por Wander Rodrigues Telles, sócio da Price Waterhouse
Coopers
69
e Vilma Paramezza, advogada que trabalha com gestão de edifícios
empresariais é síndica do Conjunto Nacional
70
.
67
ver ata de fundação no tio www.nossasaopaulo.org.br. Acessado em 15 de junho de
2008.
68
“O autor desvenda muitos aspectos da ética das empresas e apresenta conceitos e
temas de reflexão aplicáveis aos relacionamentos dessas organizações com seus
clientes, fornecedores, concorrentes, empregados, autoridades e a sociedade em geral
(apresentação do livro consultado em 15 de junho de 2008 no sítio Submarino de
compras pela Internet)
69
“Price waterhouse Coopers é uma das maiores firmas de serviços profissionais do
mundo, com mais de 120.000 colaboradores em 139 países. Presta serviços de
auditoria, assessoria tributária e societária e consultoria em gestão empresarial, com
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
178
Em maio de 2007, quatro meses após a fundação da OSCIP, esse grupo lançou
um movimento na cidade de São Paulo - Movimento Nossa São Paulo - a OSCIP
que não é mencionada nos documentos é citada no sitio como secretária
operativa, construindo a imagem de uma rede “que o tem presidente nem
diretoria”.
Em torno de 400 organizações da sociedade civil integram o movimento, que é
absolutamente apartidário e inter-religioso, não tem presidente nem diretoria,
se constituiu e se expande na forma de rede.
Hoje contamos com o apoio de lideranças comunitárias, entidades da sociedade
civil, empresas e cidadãos - todos interessados em participar do processo de
construção de uma nova São Paulo” (www.nossasaopaulo.org.br, grifo nosso).
foco em segmentos ecomicos específicos, em quatro áreas: sustentabilidade
empresarial, gestão de riscos corporativos, reestruturações organizacionais, fusões,
aquisições e recuperação de empresas e melhoria de processos e de desempenho,
incluindo terceirização de funções contábeis e fiscais, entre outras. No Brasilo mais de
2.200 profissionais atuando em 13 escritórios nas regiões Nordeste, Centro-Oeste,
Sudeste e Sul. Utilizamos nossa rede global de profissionais, experiência e conhecimento
em diversos setores para agregar credibilidade e criar valor aos nossos clientes”.
Disponível no sítio www.pwc.com.br. Acessado em 22 de junho de 2008.
70
Vilma Parramezza explica as ações de responsabilidade social promovidas pelo
Conjunto Nacional. “Temos vários projetos dos quais nos orgulhamos: Vocal Nacional
(grupo com 20 integrantes entre funcionários do Conjunto, das empresas deste edifício e
de outros); Brincando de Aprender (cujo objetivo é fortalecer o processo de
conscientização ecológica e social com os filhos dos funcionários que têm entre 5 e 12
anos) e Corpo-mente. Neste em especial, as atividades tiveram icio com um programa
anti-stress, que consistiu na realização de palestras e projeção de vídeos sobre o
assunto. Dentro da idéia original, o CCN encarregou-se de ir fornecendo a estrutura
necessária à realização das atividades que despertavam maior interesse aos
funcionários. Além das palestras anti-stress, o programa possui uma série de atividades,
como Yoga (comunidade), Dominó e corrida (funcionários), Futebol (campeonatos com a
comunidade), Alfabetização (em parceria com o Rotary Club São Paulo). Além disso,
o Natal Nacional, com a iniciativa pioneira de criar uma decoração tipicamente nacional
(desde dezembro de 1999). Ao invés de renas, neves e Papai Noel, o Conjunto Nacional
opta por uma temática brasileira. As peças decorativas são confeccionadas a partir de
componentes separados do lixo gerado pelo próprio condomínio, que é um dos maiores
pontos de arrecadação de recicláveis do Brasil. O lixo é transformado em arte pelas
mãos habilidosas de artistas profissionais e moradores de comunidades carentes”.
Disponível no sítio www.revistainfra.com.br, grifo nosso. Acessado em 22 de junho de
2008.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
179
No mesmo ano do lançamento do movimento, Oded Grajew
71
“diretor-
liderança”, organizou uma nova viagem para Bogotá com o intuito de conhecer
as experiências que diminuíram os índices de criminalidade da cidade. No jato
da Natura embarcaram empresários, integrantes do movimento de catadores e
de outros movimentos e organizações populares.
O Movimento Nossa São Paulo foi lançado em maio de 2007 a partir da percepção
de que a atividade política no Brasil, as instituições públicas e a democracia estão
com a credibilidade abalada perante a população. Constatamos que é necessário
promover iniciativas que possam recuperar para a sociedade os valores do
desenvolvimento sustentável, da ética e da democracia participativa.
O Movimento pretende construir uma força política, social e econômica capaz
de comprometer a sociedade e sucessivos governos com uma agenda e um
conjunto de metas a fim de oferecer melhor qualidade de vida para todos os
habitantes da cidade. Nosso propósito é transformar São Paulo em uma cidade
segura, saudável, bonita, solidária e realmente democrática”.
72
O movimento Nossa São Paulo esorganizado por grupos de trabalho, dentre
eles, o eixo educação cidaé coordenado por uma importante ONG na área da
educação popular – a Ação Educativa. Esta nasceu do ISER, centro de assessoria
aos movimentos populares fundado na década de 1970. Dentre os participantes
também encontramos o Centro Direitos Humanos e Educação Popular, Fórum
Paulista de Participação Popular, instituto Polis, instituto Paulo Freire, entre
outros
73
.
Entre 15 e 18 de maio de 2008 aconteceu o primeiro Fórum Nossa São Paulo no
qual participaram mais de 750 pessoas. No campo específico da educação, o
relatório do GT educação “propostas para uma cidade justa e solidária” é uma
71
Dos sete membros fundadores da Oscip Instituto São Paulo Sustentável, cinco já
integravam o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.
72
Dispovel no sítio www.nossasaopaulo.org.br, grifo nosso. Acessado em 25 de junho
de 2008.
73
Ver sítio www.nossasaopaulo.org.br. Acessado em 25 de julho de 2008.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
180
lista extensa de propostas na área da educação para cidade de São Paulo,
incluindo três propostas específicas para o campo da educação popular
74
.
Por fim, o IBASE também parece ilustrar esse trajeto. Betinho, militante da JUC
na primeira metade da década de 1960, integrou o CPC da UNE e em seguida
passou a atuar na AP, foi exilado, em 1979 voltou ao Brasil e em 1981 fundou o
IBASE.
O IBASE foi uma referencial muito importante para os movimentos populares ao
longo dos anos 1980. Na cada de 1990 Betinho foi um dos grandes
entusiastas da idéia do público não-estatal e em 1997 organizou, de forma
inédita no Brasil, o Prêmio Balanço Social com o intuito de premiar as empresas
responsáveis socialmente. Desde de 2001 o IBASE divide a promoção do prêmio
com o Instituto Ethos, Associação Brasileira de Comunicação Empresarial
(ABERJE), Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado
de Capitais (APIMEC) e o Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social
(FIDES).
Hoje o IBASE tem uma linha programática denominada “Responsabilidade Social
e ética empresarial” e, sem dúvida, está entre as ONGs brasileiras com maior
número de financiadores
75
, dentre os quais destacam-se fundos de pensão.
Esta linha programática se caracteriza pela busca de ética, práticas responsáveis e
transparência, tanto no meio empresarial como nas organizações da sociedade
civil, visando contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade cada vez mais
justa e sustentável. Seu objetivo é consolidar uma cultura de organizações e
instituições democráticas, a partir de práticas concretas de transparência,
74
“Conhecer, apoiar e valorizar as práticas de educação popular e estimular a
participação das universidades nas mesmas, pois tanto o conhecimento acadêmico
quanto o conhecimento popular tem contribuições para oferecer a educação”; “modificar
o perfil dos programas de alfabetização (MOVA, Brasil Alfabetizado), radicalizando sua
função de educação popular; Criar Centros de Educação e Cultura Popular, com salas
para cursos, bibliotecas e telecentros. (Propostas GT de educação. Disponível no sítio
www.nossasaopaulo.org.br. Acessado em 5 de agosto de 2008).
75
Dentre eles, está a Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social, Fundo de
Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, Ministério do Trabalho e do Emprego,
Fundação Ford, Ancia Católica para o Desenvolvimento, Comi Católico contra a
Fome e pelo Desenvolvimento e Finep. Disponível no sítio www.ibase.com.br. Acessado
em 22 de junho de 2008.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
181
prestação de contas, valorização da diversidade e atuação a serviço das pessoas
e da vida no planeta
76
.
A circulação do tema capital humano e a educação popular
Na leitura do material sobre a refundação da educação popular, causa absoluta
estranheza a utilização que alguns autores fazem de termos tradicionalmente
associados à teoria econômica, como “recursos endógenos” para designar a
sensibilidade, a afetividade ou a imaginação, ou ainda, “os produtos tangíveis e
participativos”. (Azmitia, 2000). Após a crítica a um certo economicismo
marxista que marcou a educação popular durantes as cadas de 1970 e 1980,
a economia e a educação popular voltam a dialogar a partir do conceito de
capital humano. Este aparece em textos produzidos por intelectuais para a
revista La Piragua e é tratada com maior atenção por Corragio (2000).
Segundo Pires (2005), a teoria do capital humano foi construída no final dos
anos 1950 e início da cada seguinte para explicar o crescimento econômico
excedente, não mensurável pelas variáveis tradicionais como PIB ou renda
monetária. A educação passou a ser uma nova variável para explicá-lo.
No inicio da década de 1970, a Unesco publicou uma coletânea de textos sobre o
investimento em educação e desenvolvimento econômico, tendo ocorrido
inúmeros debates sobre o assunto. Nos anos 1990 a teoria do capital humano
voltou a aparecer nos documentos dos Organismos Internacionais e escritos da
Terceira Via.
Para esta teoria de cunho liberal intervencionista, a educação, além de uma
atividade de consumo que oferece satisfação ao consumidor, é também um
investimento, diferente dos demais porque o capital humano, como um fator
produtivo, é intransferível, isto é, acompanha o proprietário que o obtém - “o
individuo passa a ser o lócus de ampliação da produtividade”. (Pires 2005. P
25).
Assim como o proprietário que detém os capitais produtivos ou estoques de
produção, como propriedade ou maquinário, os trabalhadores detêm o capital
76
Disponível no sítio www.ibase.com.br. Acessado em 28 de junho de 2008.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
182
humano que o valoriza como força de trabalho na mediada que este pode auferir
ganhos individuais no mercado de trabalho. É desejável que os trabalhadores se
vejam como investidores de seu próprio capital humano, buscando
“oportunidades de investimento” no mercado privado ou nas ações
governamentais.
Pires (2005) argumenta que a concepção liberal intervencionista motivadora das
primeiras reflexões sobre o capital humano nas décadas de 1960 e 1970 m
perdendo espaço para uma concepção mais próxima da Terceira Via. Com o
avanço tecnológico a educação passa a ser uma mercadoria cara e de alto
retorno
Como mercadoria a educação realiza-se melhor através do sistema de preços e não
através do sistema político, do sistema eleitoral, do Estado de bem-estar social. Daí
a política educacional ter que se tornara a negação da própria política, a afirmação
do mercado, a negação do juízo de valor como seu definidor, a afirmação das
razões técnico-ecomicas como seus cririos definidores. É a esta altura que a
teoria do capital humano entra em cena com muito mais força do que quando foi
formulada, nos idos dos anos 1950-1960 (Pires, 2005, p. 56).
Nesta, as correções dos veis educacionais, baixos quando regulados
exclusivamente pelo mercado, devem encontrar novos espaços para se
recompor. A “sociedade civil ativa” ou a “comunidadedefendida pela Terceira
Via parece encontrar espaço nessa nova formulação, sobretudo através das
ONGs que oferecem serviços educativos pelo mecanismo de publicização e
terceirização. Dessa maneira, um novo conceito capital social soma-se ao
capital humano. Recomendado pelo Banco Mundial
A cooperação voluntária é mais fácil numa comunidade que tenha herdado um
bom estoque de capital social sob a forma de regras de reciprocidade e sistemas de
participação cívica.
Aqui o capital social diz respeito a caractesticas da organização social, como
confiança, normas e sistemas que contribuam para aumentar a eficiência da
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
183
sociedade, facilitando ões coordenadas (...) o capital social facilita a cooperação
espontânea (Putnam, 1993, apud, Pires, 2005, grifo nosso).
A introdução de referências do mercado e da economia liberal passam a ser
incorporadas no discurso da educação popular sempre acompanhados de
palavras chaves que marcaram o repertório anterior: a participação, o diálogo, o
social. O pequeno trecho abaixo se refere a “ONGs orientadas para a promoção
do desenvolvimento popular”
Trata-se, sobretudo, de “não dar o peixe, mas ensinar a pescá-lo”, ou de
contribuir para isso, mediante recursos técnicos e financeiros, gerando um capital
organizativo, humano e material que deverá auto-sustentar-se uma vez
concluída a intervenção do promotor (Corragio, 2000, grifo da autora).
Talvez uma noção importante nessa resignificação seja a idéia de comunidade. A
argumentação construída por Anthony Giddens de que o neoliberalismo “fratura
as comunidades locais” e “negligencia as bases sociais do mercado que depende
das formas comunais” e que o Estado de proteção social também havia retraído
a organização comunitária na medida em que controla os indivíduos, solapando
a sua autonomia, foi capaz de ecoar no repertório atual da educação popular.
Tradicionalmente o lugar de atuação da educação popular no Brasil é o “local”, a
“base”, o “cotidiano”, a “comunidade”. O que de fato é curioso é que a educação
popular nasceu nos anos 1960 (primeiro repertório abordado nesta pesquisa)
em contraposição à educação de adultos praticada no Brasil até aquele
momento, sendo a “educação comunitária” uma de suas modalidades.
Brandão (1994) aborda esse movimento de afirmação e contraposição de lógicas
e propostas distintas na afirmação da educação popular no Brasil
Educação de adultos = qualificação de força de trabalho subalterno; formação
cívica do cidadão popular; integração do individuo em uma ordem social a ser
preservada; Educação da comunidade = formação de quadros subalternos ativos
em projetos e processos de mudança qualitativas da vida social em nível
comunitário; preparação crítica e criativa de sujeitos subalternos na vida social e
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
184
política de uma sociedade a ser democraticamente desenvolvida no interior de um
sistema de relações de bens, trabalho e poder não alterado substancialmente; e
Educação popular = participação de uma educação libertadora nos movimentos
sociais de orientação popular e nos movimentos populares de libertação;
conscientização; etc; do militante popular constituído como sujeito e classe de
condução de transformações sociais de alteração estrutural do sistema vigente
(Brandão, 1994, pp. 42-43, grifo nosso).
O repertório atual da educação popular no Brasil parece estar mais próximo da
“educação comunitária” do que da educação popular tal qual foi definida nos
anos 1980.
Por fim, o popular está sendo redefinido em relação aos sujeitos das práticas
educativas. O repertório atual, não sem resistências, expressa em alguns textos
do próprio CEAAL, considera que suas práticas não devem ser destinadas
exclusivamente às classes trabalhadoras. Esta é uma mudança significativa em
relação aos repertórios anteriores
Era um momento que, por exemplo, a gente começa discutir essa questão de como
que se faz educação popular em larga escala, você tem que dialogar com um
conjunto de cidadãos de uma cidade que não é feito com os setores populares
que não é só feito das organizações populares. No conselho municipal de orçamento
de Santo André tinha representantes dos mais variados seguimentos, tinha dos
seguimentos populares, mas tinha também de pequenos e médios empresários,
de profissionais liberais; etc. (Pedro Pontual, entrevista, grifos nossos).
Uma segunda movimentação no campo é a defesa da participação de indivíduos
que não estão organizados em nenhum movimento, grupo ou entidade, e que
pela primeira vez no campo da educação popular no Brasil, a educação popular
não se coloca a tarefa de organizá-los, aceitando a sua participação individual.
Este também é um divisor de águas entre os educadores e espaços que
praticam a educação popular atualmente no Brasil verificada nas três citações a
seguir. As duas primeiras expressam posicionamentos diferentes se comparadas
à terceira citação.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
185
Opção pela nucleação. Porque os núcleos o espaços de construção de sentido de
pertença há um coletivo. Eu acho isso muito forte, a gente está fazendo essa
análise de que a gente está vivendo uma época de total descrença na ação
coletiva, na ação política, é necessário reconstruir classes e vínculos, uma
necessidade gritante fosse o espaço que fosse e esses núcleos vão se
configurando das mais diversas maneiras. (Carla Dozzi, entrevista, grifo nosso).
Primeiro, nós trabalhamos com movimentos organizados para que eles
tenham uma estratégia de caráter nacional e de preferência internacional (Ranulfo
Peloso, entrevista, grifo nosso).
Mas eu acho que a experiência mais importante, não sei se a mais importante, mas
a mais nova que Santo André me possibilitou, aqui em São Paulo ( Erundina)
tinha me possibilitado em parte, mas Santo André mais profundamente, foi a
interlocução com o cidadão que não está organizado em nada, que não está
em movimento social, que não está organizado em pastorais, que não está
organizado em nada e que quer discutir uma melhoria na sua qualidade de
vida (Pedro Pontual, entrevista, grifo nosso).
Essas alterações na definição do popular, também parecem ter relação com as
experiências de educação popular em governos locais. No seminário nacional do
Fórum Nacional de Participação Popular nas Administrações Municipais em 1996,
um texto sobre os espaços de participação institucional em governos locais
redigido pelo Centro Josué de Castro, Etapas, CENDHEC e FASE Nordeste,
quatro “ONGs históricas” da região Nordeste, relatou o orçamento participativo
na cidade de Recife.
O orçamento participativo dessa cidade incorporou, num segundo momento, “o
que chamamos de cidadão comum, aquele que o está organizado em nada”
(Fórum Regional Nordeste, 1996, p. 29).
Na mesma publicação, um segundo texto redigido por Celso Daniel, ex-prefeito
pelo PT, parece ir ao encontro do depoimento de um dos educadores
entrevistados já citado
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
186
O tema da governança, termo que tem sido também utilizado internacionalmente
de forma crescente, inclusive pelo Banco Mundial, tem como referência fundamental
a idéia de que as decisões importantes para a vida coletiva de uma localidade não
o apenas do governo, mas de um conjunto de atores sociais, tanto da iniciativa
privada como da comunidade: empresários, sindicalistas, movimentos populares,
universidades e formadores de opinião (Daniel, 1996, p. 21).
Como indicado a cima, a idéia de comunidade parece fortalecer a fluidez na
definição do popular enquanto sujeito e interesses políticos, respaldados pelo
“pacto social” defendido pelas teses da Terceira Via, agora incorporada pelo
campo da educação popular.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
187
Considerações finais
O campo da educação popular passou por mudanças significativas nos últimos
quarenta anos, sendo possível identificar três grandes repertórios ao longo
desse período. O primeiro, vigente entre 1960 e 1964, se construiu no debate
sobre o nacionalismo, a consciência nacional e o papel das classes trabalhadoras
e da cultura e educação popular. Foi no impulso de construir a “consciência
nacional” que os movimentos de cultura e educação popular se lançaram ao
campo pedagógico. Nesse período debateram-se duas compreensões distintas
sobre o trabalho educativo com as classes trabalhadoras: uma concepção mais
vanguardista do CPC da UNE e uma segunda posição bastante influenciada pelas
primeiras experiências de Paulo Freire e grupos de estudantes orientados por
um “cristianismo engajado”. Esse último “grupo” “vencedor do embate”
iniciou uma aposta na idéia decomunicação das consciências” dando passos em
direção ao que mais tarde, no segundo repertório, foi retomado como pedagogia
popular. Nos referimos aos vencedores, pois os documentos consultados
demonstram a prevalência dessa concepção em detrimento daquela defendida
pelo CPC; em um segundo sentido, também podemos falar em vencedores post
factum, coroados pela leitura de que o grande responsável pelo “insucesso” da
esquerda teria sido o PCB e suas estratégias e táticas e pela crítica ao
marxismo-leninismo empreendida na década de 1980.
O segundo repertório iniciado em meados da década de 1970 estendeu-se até
final da década de 1980 e teve como centro articulador uma rede
movimentalista sustentada por um campo ético-politico formado em torno das
CEBs e movimentos populares. As alterações significativas desse repertório em
relação ao anterior foram causa e conseqüência do surgimento de inúmeros
instrumentos políticos das classes trabalhadoras em âmbito local, regional e
nacional. Esse “percurso de organização popular” construiu uma pedagogia de
valorização do popular como sujeito e como projeto político. Também permitiu o
aparecimento de espaços específicos da educação com o objetivo de dar suporte
aos movimentos populares – são os chamados centos de educação popular.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
188
A fundação do PT no final desse período trouxe o início de redefinições que se
firmaram, em definitivo, nos anos 1990. A “entrada” da educação popular para o
PT não esteve ausente de embates políticos, principalmente porque neste
período uma parte significativa do campo o compreendia como uma oposição
entre “nós” (movimentos populares = solidários, justos) e “eles” (partidos =
cooptativos). Através do PT a educação popular passou a realizar novamente
práticas de educação e participação popular desde o Estado.
A compreensão do terceiro repertório existente no Brasil tem como centro dois
processos distintos, mas entrelaçados a resignificação dos centros de
educação popular, agora denominador por ONGs tendo como diferença fundante
a emergência de instituições autônomas dos movimentos populares, uma
“esfera própria”; e práticas de participação e educação popular em prefeituras
petistas.
Essas duas movimentações ganham fôlego na segunda metade da década de
1990, período de aprofundamento do receituário neoliberal no Brasil. O
desmonte do Estado brasileiro na sua capacidade de garantia de direitos
conquistados e articulados também pelo repertório anterior, foi acompanhado
pela ampliação da hegemonia capitalista articulada por temas e discursos
próximos aos da Terceira Via.
O repertório atual da educação popular prioritariamente protagonizado por
ONGs, passa a incorporar elementos desse discurso levando a um deslocamento
que o aproxima das fundações empresariais e o distancia, em grande medida,
das agendas políticas e formas de lutas dos movimentos com discursos e
práticas mais radicalizados.
Existe hoje um campo de interseção entre algumas “ONGs militantes” e as
fundações empresarias que partilham interesses econômicos na busca por
recursos provenientes do Estado e na regulamentação das parceiras público-
privadas. A defesa do conceito do “público não-estatalparece estar no centro
deste debate.
Para além dos interesses econômicos, esse espaço de confluência se define pela
incorporação de temas e discursos próximos aos da Terceira Via que vêm
resignificando, em ritmo e intensidade acelerada, elementos centrais do campo
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
189
da educação popular, como a idéia de comunidade, Estado, sociedade civil,
solidariedade, entre outros.
Na movimentação intra-campo esse processo é explicado por uma aparente
continuidade discursiva entre os segundo e terceiro repertórios estudados. O
resultado é a assimilação de conceitos e expressões tradicionalmente ligadas ao
mercado acompanhadas de adjetivos “humanizadores” (solidariedade, ética,
comunidade).
Nos dois primeiros repertórios analisados (1960-1964 e meados de 1970-1980),
cada qual com suas especificidades, o campo da educação popular esteve
envolto pela problemática nacional buscando debater e elaborar um projeto
nacional. Em contra posição, os elementos e eventos indicados pelo repertório
atual como redefinidores do campo são quase todos de caráter global:
neoliberalismo, globalização, “cidadania planetária”. Carrilo (2004), analisando
os documentos produzidos por diversos autores latino-americanos sobre a
“refundação da educação popular”, observa a ausência de análises nacionais nas
interpretações sobre as mudanças e desafios atuais. Esta afirmação é também
válida para o campo da educação popular brasileiro.
Esta pesquisa também apontou uma mudança significativa na definição do
popular. No primeiro repertório o conceito esteve vinculado a interpretação dual
do Brasil, colocado em termos como falso ou verdadeiro. No segundo repertório,
a influência de Gramsci recolocou a questão em termos de hegemonia. O
repertório atual admite como sujeitos das práticas educativas a não
exclusividade das classes trabalhadoras e, como vimos, vem assimilando
elementos próximos ao discurso liberal da Terceira Via. Nesse sentido, o popular
não pode mais ser compreendido como sujeito (classes trabalhadoras),
tampouco como luta pela direção intelectual e moral da sociedade brasileira.
Esses são deslocamentos que colocam o campo de “ponta cabeça”.
Por esses dois elementos, distintivos do campo da educação popular até meados
de 1990, talvez possamos afirmar que o campo da educação popular esteja
vivendo um momento de inflexão em que o popular tende a desaparecer da
própria nomenclatura. Em Os Caminhos Cruzados da Educação Popular, Brandão
(1994) indicou a sucessão de “modelos” educativos até a chegada da educação
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
190
popular a educação permanente negou mais do que afirmou a educação de
adultos e a negação de ambas definiu a educação popular.
Os termos “educação cidadã” ou “educação inclusiva” podem significar mais um
momento de transição em que o termo “educação popular”, carregado de
significados históricos, deixa de ter sentido. em 1996 a ABONG realizou uma
pesquisa entre seus associados. Perguntou-se a palavra chave que definia suas
atividades: 14,7% elegeram como atividade prioritária “educação para
cidadania”; 14,7% “educação popular”, e 3% “educação política”, entre outros.
Dentre as cinco principais atividades realizadas pelas ONGs associadas à
ABONG, educação para cidadania apareceu em terceiro lugar (49,5%), enquanto
a educação popular ocupava o quinto lugar (39,6%) (Landim; Cotrim, 1996).
Podemos também nos perguntar em que medida a substituição do
acompanhamento dos movimentos populares por projetos com caráter mais
pontuais (como lógica predominante das ONGs) e a aceitação da participação do
“cidadão comum”, o organizado em nenhum grupo político, sem se colocar o
desafio da organização coletiva, introduzido a partir das práticas em gestões
petistas, interfere nas possibilidades de mudança e amadurecimento político do
próprio campo.
O Educador popular inserido em grupos, redes e instituições passa a debater e
negociar com pessoas, cidadão comum” ou grupos que são organizados
temporariamente, na maior parte dos casos sem coesão ou projetos políticos
definidos. Amplia, portanto, a capacidade de pautar a sua agenda política sem
grandes redefinições ou negociações.
Por sua vez, os movimentos populares com uma postura mais crítica ou os
centros de educação popular que, como vimos, defendem uma trajetória distinta
para o campo, construíram os seus espaços de interlocução com outros centros
e movimentos populares. Significa que os embates ideológicos no campo da
educação popular não m acontecido com freqüência, reduzidos a um “diálogo
entre iguais”. O resultado é a construção de fronteiras no interior do próprio
campo, que acabou por delimitar os espaços transitáveis, reduzindo a
publicização e o enfrentamento de projetos políticos-culturais distintos e em
muitos casos antagônicos.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
191
Nesta “crise de sentido” o espaço público é reduzido à idéia de pluralidade e
direito à voz – todos têm direito de falar, debater – ao mesmo tempo em que se
processa um esvaziamento da política reduzindo a amplitude do debate à
“pequena política”. Apesar do debate atual, bastante intenso, sobre aspectos
estritamente pedagógicos com interessantes repercussões, o campo da
educação popular está perdendo a sua capacidade de construir agendas políticas
e práticas que se contraponham à hegemonia capitalista.
Os educadores e educadoras populares que o partilham da leitura hoje
hegemônica no campo da educação popular, seguem construindo práticas
educativas em seus espaços de atuação, principalmente nos movimentos
populares e centros de assessoria. Contudo, também vivem uma crise de
sentido que dificulta repensar o campo. Em muitos momentos, fazem uma
defesa “intransigente” do repertório que estudamos no segundo capítulo deste
trabalho, buscando com isso se contrapor ao avanço neoliberal no Brasil.
Por outro lado, o campo da educação popular também tem dado sinais de muita
vitalidade e busca, e novas práticas vêm surgido, possibilitando também novas
construções teóricas para o campo.
As alterações nos repertórios da educação popular ao longo do período estudado
indicam que os atores políticos desse campo buscam interpretar e responder, no
âmbito teórico, mas também prático, a desafios mais amplos no conjunto das
problemáticas que tocam o país. Em segundo lugar, as alterações são respostas
a uma disputa no interior do próprio campo que pressupõe leituras divergentes
de grupos e sujeitos políticos sobre as diferentes conjunturas.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
192
Anexo 3
Trajetória dos educadores e
educadoras entrevistadas
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
193
Trajetórias
Nome Pedro Pontual
Inácio da Silva Carla Dozzi Sandra
Procópio
Ana Gusmão Lourdes
Santin
Ranulfo Peloso
da Silva
Luis Kohara
Idade 54 anos 45 anos 31 anos 37 anos 45 anos 39 anos 64 anos 54 anos
Nascimento SP SP SP MT PE RG PA SP
Primeira
metade da
década 1970
*Curso de
psicologia
PUC/SP.
*Núcleo de
psicologia na
comunidade:
alfabetização
jovens e adultos
e organização
comunitária.
Favela no Rio
Bonito, SP.
*Curso de
teologia em
Recife (escola
Dom Helder)
*MJMP
*Alfabetização e
trabalho com
prostitutas,
Recife
*Trabalho com
camponeses na
Zona da Mata de
PE
*Cursou
engenharia
*Trabalho com
população de rua
na Associação
Auxilio Fraterno
Segunda
metade da
década 1970
*Estágio na
Renove: atuação
em escolas, MP e
pastorais.
*Fundação
CEPIS em 1977,
inicio articulação
do CEAAL a
partir da
revolução
Sandinista.
*Curso de
filosofia em
Curitiba
*Curitiba
descoberta da
Teologia da
Libertação e
Trabalho
Pastoral na
periferia da
cidade
*Trabalho com
camponeses:
organização
sindical e
comunitária
*Organização
de núcleos de
base do PT em
Santarém.
*Uma série de
exercícios com a
população de rua
Primeira
metade da
década 1980
*CEPIS:Trabalho
com movimento
popular, operário
e CEBs
*Noviciado em
São Paulo em
1982
*Trabalho com
comunidades
rurais no Vale o
Ribeira e
núcleos de base
do PT
*Trabalho com
CEBs na Cidade
Dutra, periferia
de SP
*Curso de
pedagogia na
cidade de Recife
*Sindicato dos
professores das
escolas
particulares de
PE, ligação com
a CUT
*Trabalho com
camponeses:
organização
sindicaL,
comunitária e
partidária
*Participou da
função da
Comissão CPT
em 1985
* Se muda para
o centro de SP
organização do
povo da rua e
primeiros
trabalhos com
catadores
*Primeiros
encontros
massivos com
população de rua
Segunda
metade da
década de
1980
*Desligou-se do
CEPIS e
permaneceu
atuando no INCA
*Teologia –
Congregação
Verbo Divino.
*Organização da
*Participação no
grupo de jovens
vinculado as
CEBs
*Trabalho com
população da rua
*EJA – municipal
Recife em
*Ingressou junto
com o pai na
luta contra a
ditadura de
*Mudança SP em
1985: Jardim
Miriam e
Americanópolis
*trabalho com
crianças
moradoras de
rua, centro de
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
194
*Gestão
municipal da
prefeita Luiza
Erundina (PT) na
cidade de SP
secretária de
educação e PIEP
(1989)
comunidade de
teologia no meio
popular
*CEBs e
movimento de
moradia no
Jardim Comercial
e Jardim São
Bento, SP
*Participou da
Revolução
Sandinista -
1985 e 1986
*organizou
plenarinhos para
constituinte EM
1987
*Militância
partidária (PT) e
movimentos
urbanos
*PDH de
Itapecerica da
Serra
*Comunidade
com outro dois
padres e morou
num cortiço na
periferia da ZS
de São Paulo.
*Organização da
candidatura De
um vereador do
PT vinculado a
Igreja
*Coordenadora
da PJ Dourados,
Mato Grosso do
Sul
1986/1987
*Muda-se para o
bairro de Brasília
Teimosa,
periferia de
Recife para
desenvolver um
trabalho popular.
*Organização
das CEBs e
núcleos de base
do PT
*Movimentos
urbanos
*Organização
grupos de
mulheres e
jovens
Stroessner no
PY, país onde
residia com sua
família
*Mudou-se para
Foz do Iguaçu:
grupo de jovens
migrantes
trabalhadores da
ITAIPUB
*Entrada para
congregação e
curso de teologia
*CEBs e
movimentos de
periferia
*Movimento de
Mulheres
Camponesas
com atuação na
cidade em Porto
Alegre
*Organização de
movimentos de
base junto com a
Igreja e núcleos
do PT
*CUT estadual-
departamento
agrário
*Participou da
fundação do
INCA e foi
monitor em
1988
*Criação do Frei
Tito para
formação
popular, região
do Jabaquara,
SP
*Assessor do
vereador João
Carlos Alves do
PT
SP
*Pastoral do
povo da rua
(Pari- Catedral)
*Participou da
fundação do
Centro Gaspar
Garcia de
Direitos
Humanos
(Pastoral, grupo
PT e outros)
Primeira
metade da
década de
1990
*Trabalho na
FASE –
sistematização
OP e assessoria
aos movimentos
de moradia
*Permaneceu
vinculado ao
INCA como
formador e
membro da
Diretoria
*Assessor
legislativo do
deputado
estadual do PT
José Zico entre
1990 e 1996.
*PDH se
transforma em
CDHEP (ONG)
*Envolvimento
na criação do
pró-central e
movimentos
populares
(moradia) pelo
CDHEP.
*Participou do
curso de
educadores do
Instituto
Cajamar e
integrou uma
equipe de
monitores
*Participação no
grupo de jovens
vinculada a
Igreja
*Participação na
Pastoral do
Menor da praça
da Sé
*Curso de
filosofia em
Campo Grande
*Pastoral da
Juventude
nacional.
Mudou-se para
Brasília.
*Mudança para
outro bairro
popular em João
Pessoa
*Organização de
lutas locais e
grupos de jovens
*Movimento de
Mulheres
Camponesas
com atuação na
cidade em Porto
Alegre
*Atuação na PO
– início da
organização de
desempregados
*Integrou a
equipe do CEPIS
*Participou da
fundação da ULC
*Organização de
cooperativa de
catadores
*Centro Gaspar
Garcia
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
195
Segunda
metade da
década 1990
*Secretário de
participação
popular na
gestão municipal
do prefeito Celso
Daniel (PT) em
Santo André,
entre 1997 e
2002.
*Criação da
REPOL – Rede de
Educação
Popular e Poder
Local no âmbito
da CEAAL
Secretária
Nacional de
Movimentos
Populares do PT
em 1996
*Secretário de
Participação
Cidadã na gestão
municipal da
prefeita Maria
Inês (PT) em
Ribeirão Pires
entre 1997 e
2000
*Manteve
ligação com
CDHEP
*Psicologia na
PUC/SP
*Estágio no NTC
*Trabalho com
moradores
adultos de rua
*grupo
rururbano do
MST
*Trabalho com
catadores:
cooperativas
*Projeto
diagnóstico
participativo
projeto de
urbanização de
favelas em
Santo And
*grupo de
mulheres
moradoras de
favela
*Ingressa no
MST: coletivo de
educação
*Mudou-se para
um
acampamento na
região fronteiriça
com Paraguai –
combate ao
trabalho escravo
infantil
*Trabalho com
população
indígena em
Mato Grosso do
Sul
*Organização
para participação
em conselhos e
participar das
políticas públicas
* Cursos de
formação na
EQUIP
*Participação
Consulta Popular
na região
metropolitana de
Porto Alegre
*Organização de
desempregado
na cidade
Equipe do CEPIS *Racha do ULC
*Crise Centro
Gaspar e balanço
em 1997 e 1999
*Organização de
cooperativa de
catadores,
moradia e
cortiço
Década 2000 *Presidência do
CEAAL em 2000
(Prática Atual)
*Instituto Polis
em 2002 (Prática
Atual)
*Secretário de
gabinete da
vereadora Lucila
Pizzani (PT)
**Atuação no
CDHEP (prática
atual)
*ONG Instituto
Polis em 2005
(Prática atual)
*Integra o MIRE
(prática atual)
*Trabalho na
ANTEAG
*Rede de
Educação
Cidadã (prática
atual)
*Equipe de
educadores:
educação para o
campo em Mato
Grosso do Sul
*Rede de
Educação
Cidadã (Prática
atual)
*Rede de
Educação
Cidadã (prática
atual)
*Em 2000
integra
definitivamente
o MTD (Prática
atual)
*Muda-se para
um
acampamento do
MTD
*Curso de
pedagogia da
alternância na
escola do MST
entre 2003 e
2007
*Equipe do
CEPIS (prática
atual)
*Participou da
gestão Marta
Suplicy (PT)
*Centro Gaspar
Garcia de
Direitos
Humanos
(Prática atual)
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
196
Anexo 4
Informações sobre os espaços
ocupados pelos educadores e
educadoras entrevistadas.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
197
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
“Em 1984, agentes das Pastorais Sociais da Região e militantes populares
começaram a se reunir com o objetivo de fortalecer os trabalhos existentes
na área central, com base na educação popular e na defesa dos direitos. Essa
iniciativa culminou na fundação, em 1988, do Centro Gaspar Garcia de Direitos
Humanos, cujo nome foi escolhido em homenagem ao padre Gaspar Garcia
Laviana.
Nossos primeiros trabalhos centraram-se na defesa dos moradores de cortiços
contra aluguéis abusivos e despejos violentos e também na criação de um
espaço de convivência para a população em situação de rua e catadores de
materiais recicláveis. Comprometido com as lutas por moradia e trabalho digno
no centro da cidade, o Centro Gaspar Garcia apóia a formação de movimentos
organizados de moradores de cortiço e catadores, desde as décadas de 80 e 90.
Nos últimos anos, com as pressões populares, ocorreram alguns avanços nas
políticas públicas visando a melhoria das condições de vida da população de
baixa renda do Centro da cidade. Paralelamente, houve mobilização de setores
contrários à permanência dessa população na região Central.
Nesse contexto, o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos tem trabalhado
para o fortalecimento a luta popular e a defesa dos direitos.
Para enfrentar os atuais desafios, nos organizamos em três núcleos de trabalho:
Programa Moradores de Cortiços, Programa de Catadores de Materiais
Recicláveis e Pessoas em Situação de Rua, e Núcleo de Educação, Informação e
Documentação (NEIDOC)”
77
.
Escola da Cidadania, Instituto Pólis
“A Escola da Cidadania é uma iniciativa do Instituto Pólis que tem como objetivo
contribuir para o fortalecimento dos movimentos sociais, fóruns e conselhos, em
sua capacidade de participação e controle social de políticas públicas voltadas
para a universalização dos direitos. A Escola da Cidadania também tem como
proposta contribuir para a democratização da gestão pública e a construção de
77
Disponível em sítio www.gaspargarcia.org.br. Acessado em 25 de julho de 2008.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
198
uma cultura democrática, participativa e de paz. A concepção metodológica que
norteia a Escola resgata os princípios e práticas da educação popular.
A Escola da Cidadania está organizada em quatro projetos principais:
Formação de Lideranças: Qualificar lideranças para a conquista e defesa de
direitos, o fortalecimento da autonomia dos movimentos e organizações da
sociedade civil local e para a democratização de políticas públicas; Formação de
Educadores: Construir e contribuir para qualificar uma Rede de Educadores da
Cidadania que sejam multiplicadores de atividades educativas; Gestão pública
Participativa: Qualificar atores do Estado e da sociedade civil para a
implementação e avaliação crítica de políticas públicas participativas na prática
da universalização de direitos; Diálogos do Nosso Tempo - Promover debates de
temas desafiadores da atualidade que apontem para a construção de uma
cultura democrática, participativa e de paz”
78
.
Consejo de educación de adultos de América latina (CEALL)
“El CEAAL es un Consejo, un Foro y una Plataforma Latinoamericana que tiene
como Misión: Fortalecer las capacidades y la formación integral de los
educadores y educadoras populares, para que puedan incidir en la acción de
personas, grupos y movimientos sociales, en los diversos ámbitos de su
quehacer educativo, en la promoción de procesos socio-culturales liberadores y
en la elaboración de agendas y políticas públicas en favor de la transformación
democrática de nuestras sociedades y la conquista de la paz y los derechos
humanos.
Somos una Asociación de 195 organizaciones civiles, constituida en 1982, con
presencia en 21 países de América Latina y Caribe. Nuestros afiliados
desarrollan acciones educativas en múltiples campos del desarrollo social y con
múltiples sujetos sociales. Formamos parte de lo que podría identificarse como
la corriente de Educación Popular en América Latina y uno de los polos
dinámicos de la sociedad civil en América Latina. Conformamos una serie de
experiencias, capacidades y potencialidades que expresan una riqueza activa en
78
Disponível no sítio www.polis.org.br. Acessado em 25 de julho de 2008.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
199
cada país, que podría ser fortalecida en una dinámica de aportes
latinoamericanos.
En la VI Asamblea General del CEAAL (Recife, agosto 2004) se priorizaron seis
ejes o líneas de trabajo para los siguientes cuatro años: Eje 1. La Contribución
del CEAAL y de la Educación Popular a la Construcción de Paradigmas de
Emancipación; Eje 2. Las Prácticas de la Educación Popular en la Acción de los
Movimientos Sociales; Eje 3. Educación Popular e Incidencia sobre Políticas
Educativas; Eje 4. Educación Popular y Superación de Toda Forma de
Discriminación; Eje 5. Educación Popular, Democracia Participativa y Nueva
Relación Gobierno Sociedad; Eje 6. Fortalecimiento Institucional 2005
2008”
79
.
Centro de Educação Popular Sedes Sapientae (CEPIS)
“Nascido em 1978, durante a ditadura militar, o CEPIS tornou-se um espaço de
resisncia contra o arbítrio e em defesa dos direitos humanos e representa uma
forma de concretizar o compromisso do Instituto Sedes Sapientae com as
classes populares para uma sociedade sem a marca da dominação.
O CEPIS é um centro de assessoria político-pedagógico, no campo da educação
popular, que atua junto aos oprimidos que se dispõem a um processo de luta e
organização visando romper com o sistema capitalista e resgatar a perspectiva
humanista.
O CEPIS se orienta pela convicção de que os protagonistas capazes de romper
com o sistema de exclusão e dominação são os trabalhadores/as do campo e
da cidade numa perspectiva de classe, gênero e raça/etnia e incorporando as
várias dimensões do humano.
A tarefa especifica do CEPIS é a formação da militância, enquanto esforço de
tradução, reconstrução e produção coletiva do conhecimento, contribuindo na
qualificação e na articulação de suas práticas atuando sobre a realidade, com a
intenção de transformá-la.
79
Disponível em sítio www.ceaal.org. Consultado em 2 de agosto de 2008.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
200
Suas diferentes atividades formativas são feitas a partir do conhecimento,
acompanhamento e compromisso com os movimentos populares e realizadas,
basicamente, de duas formas: respostas às demandas dos movimentos e
entidades populares e propostas de trabalhos conjuntos, parcerias, articulações,
projetos, assessorias ao setor popular”
80
.
Rede de Educação Cidadã
“A Rede de Educação Cidadã é uma articulação de diversos atores sociais,
entidades e movimentos populares do Brasil que assume solidariamente a
missão de realizar um processo sistemático de sensibilização, mobilização e
educação popular da população brasileira, principalmente das famílias em
condições de vulnerabilidade social, promovendo o diálogo e a participação ativa
na superação da miséria, afirmando um projeto popular, democrático e soberano
de nação.
Nasce a partir de uma esfera de governo, vinculada ao Gabinete de Mobilização
Social da Presidência da República. Em 2003 foi criado, junto à Presidência da
Republica, o Gabinete de Mobilização Social e Educação Cidadã, na época
coordenado por Frei Betto e Oded Grajew.
Frei Betto organizou uma equipe de educadores, todos vindos de movimentos
populares ou pastorais sociais. Eram cinco pessoas, atuando com recursos
provenientes de doações e projetos de entidades financiadoras internacionais, e
começaram a organizar aquilo que dentro da estrutura do Programa Fome Zero,
foi denominado Talher
81
, com o intuito de promover mobilização social e
educação cidadã em torno e a partir deste programa de governo. Em meados de
2004, a equipe se tornou uma equipe de governo e foi ampliada para 10
educadores de diferentes regiões do país. Em outubro de 2004 foi assinado,
80
Disponível no sítio www.sedes.org.br. Acessado em 2 de agosto de 2008.
75
O Talher era composto pelo COPO (conselho operativo do Programa Fome), pelo
PRATO (Programa de ação todos pelo Fome Zero) e pelo SAL (Agentes de segurança
alimentar). Estas eram as esferas organizativas da mobilização da sociedade civil para a
implementação do Programa Fome Zero.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
201
junto ao Ministério do Desenvolvimento Social o primeiro convênio
82
para a
realização desse trabalho.
Em 2005 houve a elaboração do Programa de Formação de Educadores (as)
Populares e nucleação de famílias”, cujo objetivo era desenvolver, junto a essas
famílias, um processo sistemático de formação e organização envolvendo as
seguintes etapas: integração, estudo da realidade, aprofundamento do
conhecimento e o início de organização das famílias em núcleos de ação popular.
A proposta, feita pela própria Rede foi realizar trabalhos de base através da
nucleação de famílias. Até então, falava-se muito em educação cidadã, um
termo que tornava mais aceitável o programa, para não criar rumores nos
setores mais conservadores do governo. Mas, desde o início, o referencial foi a
prática da educação popular.
Em 2006, a realização de um processo participativo de sistematização das
experiências desenvolvidas pela Rede, explicitou juntamente com sua imensa
diversidade e complexidade, a necessidade de retomada e aprofundamento da
metodologia freireana, à luz das práticas e experiências desenvolvidas.
Em 2007 construiu-se o Projeto Político Pedagógico da Rede de Educação
Cidadã”. (Dozzi, 2008).
Movimento Trabalhadores (as) Desempregados
“Desde agosto de 1999 amaio do ano de 2000, foram articuladas diversas
estratégias para organizar uma ação coletiva de desempregados na grande
região de Porto Alegre. O primeiro passo para definir as linhas de atuação da
mesma, se baseou nos resultados de uma pesquisa com mais de mil
participantes, cuja pergunta central era: "Como você pretende superar o
desemprego?" Diante das respostas, em geral pessimistas, o entrevistador, fazia
uma outra pergunta: "Você estaria disposto a se engajar num movimento de
trabalhadores desempregados e buscar uma solução coletiva?"
82
Por não possuir orçamento condizente com a demanda para o desenvolvimento de um
trabalho deste porte, este Gabinete manteve este trabalho de 2004 à 2007, através de
convênios com o MDS e, portanto, submetido à exigência de uma entidade privada para
gestão do mesmo. Em 2008, o convênio passou a ser firmado com a Secretaria Especial
de Direitos Humanos.
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
202
A partir dos resultados da pesquisa realizada pelos próprios desempregados foi
constrdo um cadastro, com mais de trezentas famílias, que viviam em Porto
Alegre, e no interior do Rio Grande do Sul, dispostas a participar de um
movimento social, com vistas a uma nova forma de viver em sociedade.
O perfil dos cadastrados previa o aceite de famílias (não pessoas sozinhas),
dispostas a viver em comunidade e a construir um projeto de vida em comum,
pautado na colaboração, disciplina e aderência a regras que seriam construídas
coletivamente. O número de interessados crescia na medida em que
representantes de comunidades aderiam à proposta, a divulgavam e
convenciam outras pessoas a participar.
A meta básica da ação coletiva se centrava na conquista de trabalho e moradia,
através da multiplicação de núcleos de desempregados, que se acampariam em
terras próximas a regiões urbanizadas da Grande Porto Alegre e arredores, e
passariam a pleitear o assentamento nas mesmas. O objetivo destes
procedimentos consistia em mobilizar a opinião pública para o quadro de
desemprego na atual conjuntura, e adquirir representatividade junto aos órgãos
legais competentes.
O projeto de Frentes Comunitárias de Trabalho (FCT) o seria abandonado,
pelo contrário, ganharia reforço pela pressão do grupo e marcaria a identidade
de trabalhadores urbanos desempregados, pois sua reivindicação não era
apenas por terra, mas pelo direito ao trabalho. Nessa direção, a categoria
trabalho não implicava necessariamente a concepção de venda da mão-de-obra,
mas o exercício de atividades que possibilitassem o bem viver dos cidadãos.
Em vinte e dois de maio de 2000, nascia o Movimento dos Trabalhadores
Desempregados (MTD), demonstrando que o verbo se tornara ato, exatamente
nove meses após o término da Subcomissão de Desemprego; o tempo
necessário para o MTD amadurecer as suas idéias e ganhar vida”. (Goulart,
2003).
Construção do Campo da Educação Popular no Brasil: história e repertório
203
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