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aponta também para a compatibilidade do enfoque tomista da formação dos
esquemas perceptivos com o esquematismo genêtico de Piaget
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.
O seguinte texto de Fabro é um resumo da teoria tomista da cogitativa:
...na psicologia tomista é pela função da ‘cogitativa’ que se realiza a síntese
sensorial; ela recolhe, funda e organiza os dados da experiência atual e passada e
pode julgar de todos os sensíveis e, em particular, daqueles per accidens, para os
quais não são totalmente suficientes os sentidos externos, nem tampouco o sentido
comum (De veritate, q. I, art. 11). Em poucas palavras, a função da cogitativa
constitui o ápice do conhecimento infrarracional do homem; ela suministra ao
intelecto os esquemas, por dizer assim mais atualizados sobre as condições de fato
da realidade (phantasmata), dos quais o intelecto abstrai o universal e pelos quais
quod quaedam animalia non participant nisi parum. Experimentum enim est ex collatione plurium
singularium in memoria receptorum. Huiusmodi autem collatio est homini propria, et pertinet ad
vim cogitativam, quae ratio particularis dicitur: quae est collativa intentionum individualium, sicut
ratio universalis intentionum universalium”.
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A descrição fenomenológica do desenvolvimento da inteligência (a história dos esquemas para
Piaget), segundo Fabro, “substituirá, ao menos nos traços essenciais, a descrição fenomenológica
que o Aristotelismo clássico não podia dar” (Fabro, 1978, p. 262). Nessa história dos esquemas, a
categoria chave é a da assimilação-adaptação. “Vista desde fora, a assimilação cognoscitiva se
revela como uma adaptação; considerada em seu interior e em seus resultados, a assimilação tem
objetos próprios e leis próprias: os objetos e as leis do pensamento considerados em um estádio
que precede à maduração” (Fabro, 1978, p. 262). Para o estudo do desenvolvimento da mente no
concreto (Piaget), e que Fabro chama de epigenismo (ou realismo) moderado, “as coisas têm lugar
como se a atividade biológica se continuasse na sensorial, a sensorial na assimilativa e a
assimilativa na inteligência segundo uma real interdependência” (Fabro, 1978, p. 262). A
intencionalidade, face aos processos espontâneos, é “uma forma de adaptação de grau superior
pela consciência explícita que implica a diferença e subordinação dos valores (fins e meios): este é
o passo decisivo para a conquista dos objetos” (Fabro, 1978, p. 264). Fabro acolhe o pensamento
de Piaget como crítica ao Associacionismo e à Gestalttheorie: “Ao Associacionismo se deve
objetar que o que regula a experiência atual não é a experiência passada, simplesmente repetida,
senão um “esquema” da mesma, uma estrutura: nisto tem razão a Gestalttheorie. Mas à
Gestalttheorie devemos dizer que os esquemas não tem uma estrutura própria independente da
atividade assimiladora que os fez surgir” (Fabro, 1978, p. 265). Fabro reconhece nos princípios
gerais de assimilação-acomodação dos esquemas uma coincidência com a natureza e funções da
cogitativa tomista, mas mantendo a cautela diante do que ele chama “intemperanças empiristas” de
Piaget (Fabro, 1978, p. 265). Somente à maneira de indicação, inserimos um trecho de Ricoeur
sobre a importância dos esquemas interpretativos no âmbito do trabalho do historiador: “A
história, da maneira como chega do historiador, conserva, analisa e conecta somente os eventos
importantes. Diferentemente da subjetividade do físico, a subjetividade do historiador intervém
aqui de uma maneira original à maneira de uma disposição de esquemas interpretativos. A
qualidade do interrogador torna-se assim essencial para a própria seleção do material dos
documentos interrogados. Ou, em outras palavras, o julgamento de importância, ao se desfazer do
acessório, cria continuidade: aquilo que realmente aconteceu é desconectado e arrancado pela sua
insignificância; a narrativa é conectadada e significativa por causa da sua continuidade. De modo
que a racionalidade da história depende desse juízo de importância –um juízo que carece, porém,
de um critério seguro” (Tradução livre do autor). Texto original em inglês: “History, as it comes
through the historian, retains, analyses, and connects only the important events. Unlike the
phycist’s subjectivity, the historian’s subjectivity intervenes here in an original way as a set of
interpretative schemata. The quality of the interrogator therefore becomes essential to the very
selection of the documents interrogated. Or, in other words, the judgment of importance, by
getting rid or the accessory, creates continuity: that which actually took place is disconnected and
torn by insignificance; the narrative is connected and meaningful because of its continuity. Thus
rationality of history depends upon this judgement of importance – a judgement which lacks,
however, a sure criterion” (Ricoeur, 2007, p. 26).
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