E este outro:
Há números decádicos com trilhões de algarismos e há verdades referentes a
eles. Porém, ninguém pode representar-se realmente tais números, nem levar a
cabo realmente as adições, multiplicações, etc, referentes a eles. A evidência
é, neste caso, psicologicamente impossível e, entretanto, falando idealmente, é
com toda certeza uma vivência psíquica possível.
178
Não há possibilidade real, efetiva, concreta da intuição de um tal número, assim
como não há da intuição da teoria acerca de funções infinitamente complicadas, posto que
“semelhante intuição seria um contínuo infinito da intuição”. De modo análogo, para dar
exemplos de impossibilidades reais em domínios distintos do matemático, podemos citar a
impossibilidade da intuição da totalidade dos objetos que podem ser intencionados, ou
impossibilidade de se alcançar a linguagem logicamente perfeita que contivesse em si as
expressões unívocas e rigorosamente determinadas para todas as significações possíveis, entre
outros
179
.
Contudo, as impossibilidades reais de efetivação indicadas acima, na medida em
que não apontam para contradições e absurdos, não são impossibilidades lógicas. Isso
178
Idem, §50, orig. p.185, tr. esp. p.159.
179
Esse tema não é muito explorado pelas Investigações Lógicas. Além disso, é demasiado complexo e
relativamente marginal ao nosso tema central, de modo que não nos concentraremos aqui sobre ele. Vale
observar, porém, que ele não deve ser confundido com as análises acerca da possibilidade real de objetos ideais
enquanto visados significativamente, ou acerca da “realidade de uma significação” (Realität einer Bedeutung).
Uma significação, ou em geral, um objeto ideal considerado significativamente, é passível de possuir “realidade”
quando é possível um ato cuja essência possua a matéria que lhe apreenda enquanto tal. Apenas isso. Portanto,
dizer que o objeto ideal existe tem o mesmo sentido ideal que o termo “existe” (es gibt) possui na matemática
(Cf. VIª Investigação, §30, orig. pp.102-3, tr. esp. p.671, tr. bras. p.79). Mas a possibilidade das significações no
sentido estrito, tematizado nos §§30 e 31 da VIª Investigação, que é, de resto, a possibilidade no sentido lógico
propriamente, é dada pela possibilidade de sua visualização num ato intuitivo correspondente, isto é, numa
possível unidade de conhecimento. Neste sentido é que se pode afirmar: “há significações impossíveis” (es gibt
unmögliche Bedeutungen) (VIª Investigação, §30, orig. p.104, tr. esp. p.673, tr. bras. p.81). Nesse último caso,
elas são impossíveis do ponto de vista do conhecimento, ou da unidade de coincidência entre o significado e o
intuído; não podem ser visualizadas, por exemplo, o quadrado redondo, a necessidade contingente, etc. Contudo,
elas são, isto é, constituem objetos intencionais de atos próprios que a elas se dirigem significativamente, e isto
aponta para a sua possibilidade definida nos quadros da gramática lógica pura, conforme a IVª Investigação –
possibilidade como congruência formal ou de unificabilidade de categorias de significação num todo
significativo, por oposição ao conceito de possibilidade lógica numa unidade cognitiva de preenchimento. Como
exemplo de uma não-unificabilidade lógica-gramatical de significações, podemos citar qualquer proposição sem-
sentido, tal como “azul mediante para é quando alguns alemão”. Para uma suma dos sentidos possíveis de
possibilidade (Möglichkeit) e unificabilidade (Vereinbarkeit), cf. VIª Investigação, §31, orig. pp.105-7, tr. esp.
p.673-4, tr. bras. pp.81-2.
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