3) O corpo-vetor e o(s) Fluxo(us): “História da Arte” como
“estória da arte”
3.1) Duchamp: a efemeridade do corpo como “traço”
Se a partir da arte experimental a vida se transforma em material de
trabalho, “do chapéu coco à voz monótona” – citando Allan Kaprow
78
– é na
transposição desses acontecimentos para a ordem da linguagem, que a vida
passa realmente a ser arte. Em casos onde a linguagem adotada pelo
artista é um “jogo de corpo”, seu trabalho também se desdobra pelo
registro que se faz dele, seja pela fotografia, filme, vídeo, texto, ou mesmo
pelo ‘relato’ ou formulação textual acerca deste trabalho
79
. Visto isso, é
sempre pela “externalidade da linguagem (ou da imagem feita a partir
dela)”
80
que a obra comunica algo, ainda que a materialidade dessa
linguagem tenha como característica ser efêmera ou “desmaterializada”
81
.
Já com Duchamp, a utilização da fotografia como instrumento de
registro de um ato se coloca em questão, registros estes realizados por seu
78
Cf. nota 67, capítulo 2
79
Esse ‘relato’ a que me refiro, diz respeito a textos, escritos ou livros e cadernos de artista. Sobre isso,
Glória Ferreira coloca em seu texto “Apresentação” In: FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecília, (Orgs.)
Escritos de Artistas: anos 60 e 70. Jorge Zahar Editor, 2006. p.10, que “a reflexão teórica, em suas
diversas formas, torna-se, a partir dos anos 60, um novo instrumento interdependente à gênese da obra,
estabelecendo outra complexidade entre a produção artística, a crítica e a teoria e a história da arte.”
Ainda sobre isso, em “Contextos”. In: Incorporações: agenciamento do corpo no espaço relacional
(Texto retirado da tese de doutorado da autora defendida em 2003), 2004, p.5, Regina Melim aponta os
“livros e cadernos de artista, como uma prática cada vez mais constante nos anos 60 e 70, as dando
ênfase ao caráter processual das obras”. Coloco ainda como questão, algo que também está ligada à
ordem do relato e que não é “contígua” à obra, mas certamente a recobre com uma outra camada de
sentido, mas diz respeito ao relato produzido por entrevistas concedidas pelo artista, ainda que essas
entrevistas sejam posteriores à produção da obra.
80
Cf. nota 58, capítulo 2
81
Refiro-me ao conceito de “desmaterialização” da obra de arte a partir da produção conceitual
desenvolvida pela critica americana Lucy Lippard. In: LIPPARD, Lucy. Six Years: The dematerialization
of the art object from 1966 to 1972, Berkeley, 1973. É importante salientar que embora os objetos de arte
produzidos por artistas ligados ao “conceitualismo” tenham, ao longo do período indicado por Lippard,
perdido sua “materialidade”, como uma forma de desestabilizar o sistema de arte, os ‘resíduos’ (fotos,
panfletos, etc.) dessa produção efêmera foram assimilados pelo circuito de arte assim como a arte
“materializada” criticada por esses artistas.