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Corpo-vetor: dispositivo de texturas poéticas
Daniela de Oliveira Mattos
Rio de Janeiro
2007
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Daniela de Oliveira Mattos
Corpo -vetor: dispositivo de texturas poéticas
Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais
da Escola de Belas Artes da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro (PPGAV-EBA/UFRJ) para
obtenção do Título de Mestre em
Linguagens Visuais
Orientadora: Professora Doutora Glória Ferreira
Rio de Janeiro
2007
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Letras e Artes
Pós Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes
Mestrado em Linguagens Visuais
Orientadora:
__________________________________________________
Banca Examinadora:
___________________________________________________
___________________________________________________
Rio de Janeiro
2007
Resumo
O uso da noção de tecer para estruturar o texto como um tecido de trama-
conceitual é um dos fios condutores desta dissertação. A investigação do
uso do corpo pelo artista; de seu gesto para a configuração de um trabalho
de arte; e ainda, a exploração e apropriação deste corpo enquanto suporte
material e subjetivo para este trabalho; são algumas das questões que
analiso ao longo do texto. A significação do termo “vetor” aplicada
conceitualmente à premissa básica que estabelece um circuito de artes
visuais (artista, espectador, obra), se desdobra em um campo de vetores
poéticos” que da origem ao que é proposto como um conceito ou
dispositivo poético, que nomeio como Corpo-vetor. Esse conceito se define
como um conceito-obra, que entrecruza toda a dissertação, passando
principalmente por questões referentes ao uso do corpo e do sujeito
enquanto espaço, tanto através da análise de algumas obras que se
inserem na produção artística das cadas de 1960 e 1970 (época em que
se deu o surgimento de trabalhos efêmeros nas artes visuais), quanto pela
discussão de minha própria produção artística. Considerei a questão circuito
de arte como espaço de atuação do artista, explorando a escrita de artista
como um locus de desdobra da obra visual deste. Analiso ainda a desdobra
desses que o considerados trabalhos efêmeros, tais como a performance,
para outras linguagens como a fotografia, o filme ou o vídeo. Por fim, coloco
a questão da abordagem da História da Arte, como estória da arte, através
da criação de zonas de indeterminação e fabulação e de uma leitura o
linear e afetiva da mesma.
Palavras-chave: corpo, circuito de arte, escrita de artista, performance,
linguagens efêmeras, apropriação, fabulação
Abstract
This work has as one of the main conducting wires the use of weaving to
structure the text, as a fabric of conceptual tread. The investigation of the
body use, of the gesture from a configuration of an art work and the
exploration and appropriation of this body as a material and subjective
support to this work by the artist is one of the questions that I analyze
throughout the dissertation. The meaning of the word ‘vector’ conceptually
applied to the basic premise which establish a visual arts circuit (artist,
spectator, work) unfolds in a poetical vectors field’ . This will lead to an
object suggested as poetical concept or gadget, which I name as Vector
body. This concept is defined as a work-concept and cross the entire
dissertation. It goes through questions mainly related to the use of the body
and of the subject as a space, not only by the analyzes of some works
produced in the sixties and seventies (time when the ephemeral works
appeared in the visual arts) but also by the discussion of my own art
production. I considered art circuit as the place acted by the artist,
exploring the artist writing as a locus to unfold his visual work. I also
analyze the works that are considered ephemerals as performances,
photographs, film and video. Finally, I use the concept of Art history as art
stories throughout the creation of the indeterminate zone and fabulation
and from a non linear and affective reading.
Key-words: body, art circuit, artist writing, performance, ephemeral
language, appropriate, fabulation
Agradecimentos
Gostaria de agradecer primeiramente a meu querido companheiro Ricardo, meu
inestimável e amado parceiro e incentivador;
A meus pais, Eliane e Luiz Carlos, pelo apoio com suas palavras de
encorajamento, carinho e amizade;
À minha orientadora Glória Ferreira, a quem admiro profundamente, pela
oportunidade de ter sido sua orientanda e pela atenção durante minha pesquisa;
Ao CNPq pelo subsídio financeiro que tornou viável a dedicação para a realização
dessa pesquisa;
Às Professoras Tania Rivera e Regina Melim, por aceitarem o convite para
compor a banca examinadora e por indicarem materiais de pesquisa preciosos
para este trabalho;
À amiga Cecília Cotrim por ter indicado importantes leituras que muito ajudaram
em meu ingresso no mestrado;
Aos amigos, colegas de turma, de trabalho e de vida (Alexandre , Alia
Sampaio, Analu Cunha, Ângelo Venosa, Beatriz Lemos, Cezar Bartholomeu,
Cristina Salgado, Enrico Rocha, Gustavo Speridião, Izabela Pucú, Isabel Lofgren,
Isabel Portella, Janaína Garcia, Jo Modé, Lívia Flores, Mara Pereira, Tato
Teixeira...) pelo afeto, pelas discussões produtivas e pela felicidade de
compartilhar bons momentos;
À toda minha família, (em especial meu iro Adriano pelo suporte hardware”
sempre disponível, e à minha prima Tssa, pela ajuda com a tradução).
Dedico essa dissertação
A meus pais Eliane e Luiz
Carlos, pelo afeto,
atenção e apoio;
A Ricardo, pela rica troca
diária sempre tecida com
amor e companheirismo.
Assim, a contribuição fundamental de um artista verdadeiramente concreto
consiste em criar mais do que a forma ou a estrutura um conceito ou
método pela qual a forma será realizável independentemente dele. A
exemplo de uma solução matemática, uma tal composição é bela por seu
próprio método.
George Maciunas
Sumário
Introdução...........................................................................................................1
1) Tecendo o corpo-vetor.....................................................................................8
1.1) Primeiros nós da trama........................................................................................8
1.2) Conformação corpo-vetorial: “vetor_a”, “vetor_e” evetor_o”...................................9
1.3) Gestos do artista (ou vetor_a) no ‘corpo-suporte’...................................................12
1.4) ‘Re-(a)propriação’: apropriar o próprio ou “eu como outro(s)”..................................14
1.5) Apropriação e deslizamento do corpo-vetor na reta suporte_ HA (História da Arte)......17
2) Sujeito [artista] como espaço.........................................................................30
2.1) O espaço desenhado pelo corpo-vetor.............................................................30
2.1.1) O espaço da escrita de artista................................................................30
2.1.2) Corpo-vetor: interação entre escrita de artista e produção visual................31
2.1.3) Arte Conceitual e Arte Experimental – A externalidade da linguagem
como herança de campos heterogêneos...........................................................34
2.2) Do aparecimento do sujeito-artista [sujeito deslizante]..................................36
2.2.1) Sujeito biográfico/Sujeito-artista: sair de si/cair em si...............................36
2.2.2) Espectador: sujeito ao diálogo com a obra...............................................38
2.2.3) A prática do artista como espaço em transformação..................................39
2.3) Sujeito-artista: agente no corpo-vetor.............................................................44
2.3.1) Produção do ‘espaço entre’ ou espaço de atuação do artista.......................44
2.3.2) Instauração do diálogo como proposição.................................................46
3) O corpo-vetor e o(s) Fluxo(us): “História da Arte” como “estória da arte..... 49
3.1) Duchamp: a efemeridade do corpo como “traço”.............................................49
3.1.1) Kosuth / Kaprow: discursos de matriz Duchampiana.................................52
3.2) Fluxus (ou Neo-Dadá): a produção de
‘outros circuitos’ e algumas ressonâncias...............................................................54
3.2.1) Outros fluxos: modos de fazer, modos de entender...................................60
3.2.2) Ainda (e brevemente) sobre os “traços” deixados nas imagens...................62
3.3) Zonas de Indeterminação e Fabulação – construções do Corpo-vetor:
‘estória da arte’ a partir da ‘História da Arte’..........................................................64
Conclusão........................................................................................................................... 67
Anexos................................................................................................................................ 76
Bibliografia...........................................................................................................................92
1
Introdução
O tecer, ato imbricado à minha poética, aparece em meus trabalhos
de modo recorrente em performances, fotografias, vídeos e objetos; e
ainda, na trama conceitual que se desdobra nos processos de elaboração e
realização desses trabalhos. A ação designada pelo verbo tecer será o fio
condutor com o qual me proponho a fiar a noção de corpo-vetor na
presente dissertação. O termo corpo-vetor designa um conceito’, formulado
e desenvolvido no alinhavar de meu próprio trabalho com alguns outros
conceitos coletados na obra de artistas e teóricos (advindas de campos
teóricos como a filosofia e a psicanálise) que me são referenciais, com os
quais procuro me colocar em constante ‘diálogo poético’. Para tramar esse
conceito, compondo meu objeto de pesquisa abordarei, portanto, algumas
questões referentes à investigação da ‘ação do corpo’ (a partir de obras de
alguns artistas ligados à arte experimental, bem como de alguns de meus
trabalhos artísticos), pensando-o em sua medida relacional, arquivo ativo
de suas experiências presentes direta ou indiretamente na prodão dos
artistas escolhidos; bem como às ligadas a ‘vetor’, por via de significações
científicas provenientes da matemática, física e biologia. Essas noções,
apresentadas de modo um tanto literal nessa introdução, serão
desenvolvidas como influências para esse “dispositivo poético” que é o
corpo-vetor, no primeiro capítulo dessa dissertação.
A relação entre corpo e vetor, que será aqui apresentada, não deixa
de passar por alguns conteúdos científicos aprendidos nos tempos de escola
e faculdade: a matemática (e como parte dela a geometria descritiva,
2
integrante na formação do artista na Academia), a sica e a biologia. A
função dos conceitos científicos na construção do corpo-vetor não é a
mesma daquela que foi então apresentada. Esses conceitos, diferentemente
dos tempos dos estudos de formão acadêmica, ganham neste ‘corpo
textual’ outra espessura e densidade, tornando-se poéticos. O apropriar que
realizo, passa então pelas vias, a saber: a propriamente científica, visto que
o que está colocado no presente texto foi retirado de livros especializados,
bem como da explicação de conhecedores do assunto’
1
; da memória do
aprendizado desses conhecimentos; e principalmente, da tentativa de
reconfigurar esses conceitos tornando-os parte do processo de construção
poética desse texto, que funciona como parte indissociável de minha
produção artística.
A criação de um conceito que funciona aqui enquanto dispositivo
poético a que me proponho não busca mimetizar um processo filosófico a
que este pode se referir. (...) O conceito pertence à filosofia e a ela
pertence”
2
, escrevem Deleuze e Guattari, que nos dizem também: “(...) das
frases ou de um equivalente, a filosofia tira conceitos (que não se
confundem com idéias gerais ou abstratas), enquanto a ciência tira
prospectos (proposições que não se confundem com juízos), e a arte tira
perceptos e afectos (que tamm não se confundem com percepções ou
sentimentos)”
3
. O conceito que aqui proponho tecer, formular, criar, é
constituído em sua totalidade de perceptos (“independem do estado
1
Os conceitos aqui apresentados foram esclarecidos à autora pelo Economista Luiz Carlos de Almeida
Mattos e pela Matemática Tatiana Roque.
2
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia, São Paulo, Editora 34, 1992, p.35-47.
3
Idem Ibidem.
3
daqueles que o experimentam”
4
), afectos (“transbordam a força daqueles
que o atravessados por eles”
5
), zonas de indeterminação e fabulação.
Portanto parto desses que são, para Deleuze e Guattari, constituintes e
características da arte, para constituir um conceito-obra. Nesse sentido ele
é mais ‘obra’ do que conceito’, pois não se dissocia de minha produção
poética enquanto artista, apesar de também se referir à pluralidade dos
sujeitos” e a uma relação com o estado de coisas ou de corpos, bem como
às condições desta relação”
6
, aspectos relacionados por Deleuze e Guattari
à definição de conceito na Filosofia. Permito-me aqui, ao me apropriar de
definições do campo da Filosofia, atuar como uma “intrus[a] em outros
campos”, ou mesmo uma inventor[a] de trajetórias”
7
e conexões para
esses conceitos, prospectos, perceptos e afectos. A questão relativa à
construção de um conceito-obra será retomada no segundo capítulo dessa
dissertação, a partir de uma aproximação com algumas proposições
colocadas pela arte conceitual.
Na matemática, mais especificamente na geometria, o vetor é um
segmento inscrito em uma reta qualquer (que é, por definição, infinita):
“O segmento de reta é um conjunto de pontos infinitos que tem
como extremos os pontos A e B. Seu suporte é uma reta qualquer,
também infinita. Um segmento que possua por extremos os pontos A
e B, por exemplo, e que pertença a uma reta orientada, pode ser
considerado como associado ao sentido da reta. Se esta reta está
orientada de A para B, poderemos chamar ao segmento orientado AB
vetor de origem A e extremo B, cuja notação é
8
.
4
Idem Ibidem., p.213
5
Idem Ibidem.
6
Idem Ibidem., pp.35-47.
7
BOURRIAUD, Nicolas. “O que é um artista (hoje)?” In Revista Arte&Ensaios n.10, Rio de Janeiro,
2003, p.77.
8
Carvalho, B. de A. Desenho Geométrico, Rio de Janeiro, Ao Livrocnico, 1973, p.16.
4
Para a física, a definição de vetor, ou grandeza vetorial, quantifica:
“(...) grandezas que se definem por três componentes: módulo,
direção e sentido. Elas representam graficamente, através de um
segmento de reta, o deslocamento de um ponto (A) a outro ponto (B)
qualquer. O módulo do vetor é seu comprimento, a direção é o que
está representado entre (A) e (B) e o sentido se define pela seta
colocada na extremidade do segmento de reta (de A para B ou de B
para A) (...)
9
.
Na biologia, no que tange à infectologia, o vetor é definido como:
“(...) todo ser vivo capaz de transmitir de forma ativa (estando ele
mesmo infectado) ou passiva um agente infeccioso (...), gene que
pode ser adicionado, de tal forma que a célula passa a apresentar as
características contidas no gene adicionado e transmiti-las para as
gerações subseqüentes”
10
.
Ao tratar a ciência como uma possível combinação entre sua
significação literal e sua potência ficcional, construo o corpo-vetor como
uma ‘quimera’, alinhavando os fragmentos recortados da realidade da
ciência’ a outras realidades: a de meu próprio trabalho de arte, aos
trabalhos dos artistas que tomo em como referência.
“(...) Smithson: (...)o há razão alguma para que a ciência
tenha qualquer tipo de prioridade.
Heizer: Teorias científicas, no que me diz respeito, poderiam
muito bem ser mágica. (...) Vocês a vêem como ficção?
Smithson: Sim.
Heizer: Acho que se temos algum objetivo em mente é o de suplantar
a ciência. (...)
11
9
In: Física I - Medidas e Grandezas Físicas e Teoria de Erros: http://educar.sc.usp.br/fisica/vetores.html
www.fisica-potierj.pro.br/poligrafos/grandezas_fisicas.htm / http://hermes.ucs.br/ccet/defq/mlandreazza
10
Houaiss, Antônio e Villar, Mauro Salles. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva,
2001, p.2854.
11
FERREIRA, Gloria e COTRIM, Cecília (orgs). “Discussões com Heizer, Oppenheim, Smithson” In:
Escritos de Artistas Anos 60/70, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2006, p.275-289.
5
A valorização do processo, que vem ganhando status de obra desde
os anos 60, torna-se a partir disso o próprio trabalho artístico, sem
necessariamente resultar em algo materializado, um objeto de arte’. Essas
são algumas questões que abordo no primeiro capítulo, partindo ainda da
operação Duchampiana em relação ao episódio da fonte como algo que
anuncia uma apropriação ou um gesto de tornar próprio ou apropriado
que chamo de ‘re-(a)propriação’ algo que é pertinente ao campo da
arte. Como efeito desse gesto e analisando alguns trabalhos de artistas
como Bruce Nauman, Vito Acconci, Lygia Clark e Marina Abramovic, que
propõem obras que se materializam no corpo do próprio artista (e em sua
relação com o espectador), desenvolvo ainda no primeiro capítulo a
noção de que esse corpo é também o trabalho em si.
No segundo capítulo dessa dissertação, enfoco a noção de sujeito-
artista enquanto espaço enunciado pelo corpo-vetor através da escrita de
artista e seu desdobramento na ordem da visualidade. Esses aspectos serão
ainda analisados a partir de questões propostas pela arte conceitual e pela
arte experimental, investigando de que modo as mesmas tangenciam minha
pesquisa poética e minha própria experiência como artista, através das
‘memórias do corpo’ do artista (que, como qualquer outro indivíduo,
registra em seu corpo aquilo que vivencia) e de que modo elas podem se
inscrever na esfera textual. O corpo aqui se coloca como propulsor da obra
através da ação de seu sujeito-artista e do espaço derivado de seu gesto,
corpo este que é movido por sua quina desejante”
12
, guardando em
12
DELEUZE, Gilles. O Anti-Édipo - Capitalismo e Esquizofrenia, Lisboa, Assírio e Alvim, 2004, p.7-9.
6
cada poro vestígios do vivido, ligando-se a outros corpos-máquina’,
flanando no espaço poético, subjetivo e real.
No terceiro capítulo, desenvolvo questões que se colocam ainda a
partir de alguns aspectos da produção Duchampianacomo traço ou indício
de uma ação (analisando sua Rrose lavy) e de parte da prodão do
grupo Fluxus, como um dos momentos onde o artista se conscientiza de sua
potência enquanto produtor de ‘outros espaços’ de atuação, através da
realização antiartística” e de distribuição de sua obra, tratando também
resumidamente das ressonâncias na produção atual, passando por minha
atuação. Apresento, ainda, algumas questões acerca dos traços deixados na
imagem tanto em foto como em deo – a partir da produção de trabalhos
que acontecem em um tempo e lugar dissociados de sua assimilação pelo
espectador. Partindo de associações entre o espaço da atuação do artista
(seja em minha produção ou ainda na obra e no discurso de alguns artistas
experimentais), da ação desse conceito-obra ou dispositivo poético aqui
introduzido por via da filosofia e de alguns conceitos científicos, bem como
da própria História da Arte (estes dois últimos tratados como um híbrido
entre sua medida literal/documental e fictícia/fabular), é que, na estância
textual, se forma o corpo-vetor. Fechando esse capítulo, proponho que se
leia essa abordagem da História da Arte como ‘estória’, uma apropriação
que se forma também como ‘zona de indeterminação e de fabulação’,
presentes na estruturação vetorial e poética apresentada na dissertação
como um ‘espaço aberto ao outro’.
7
Abordo, portanto como objetos de pesquisa, minha produção visual,
além de obras de outros artistas que investigaram a ação/gesto do artista,
as reações do espectador e as possíveis relações que daí desdobram, sendo
esses alguns dos fios integrantes da linha que compõe a trama de vários
s do corpo-vetor. Esses artistas trataram de formas diversas, durante as
cadas de 1960 e 1970 em alguns casos ainda hoje
13
–, questões ligadas
a uma exploração radical do corpo, sua relação com o espectador e com o
circuito de arte, e ao uso do corpo como matéria integrante na configuração
do trabalho de arte.
13
Tanto Bruce Nauman quanto Marina Abramovic, ainda vivos, produzem e continuam suas pesquisas
iniciadas entre as décadas de 1960 e 1970.
8
1) Tecendo o corpo-vetor
1.1) Primeiros nós da trama
O tecer funciona como parte de uma ‘fabulação poética’ que se
estrutura a partir de dados escolhidos e coletados no real, no tempo da
experiência, que se faz também da intervenção na realidade de outro(s).
Nessas tramas atuam também sujeitos múltiplos’, desdobrados de um
mesmo eu”, que influenciam em grande parte a atuação desse que é seu
‘corpo-casa’. A partir da descoberta do inconsciente por Freud, esse ‘eu’
não é mais senhor em sua própria casa”
1
. Para o artista que faz de seu
corpo, matéria de seu trabalho, isso é um tanto mais claro: o sujeito-artista
(que age no corpo do próprio artista) o transforma em ‘outro’, em um
espaço de alteridade em si. Ainda assim o corpo é mesmo sob influência
de sua máquina-desejante”
2
–, nas formulações relativas à performance
bem como aos outros trabalhos que exploram o corpo como espo de
atuação, o condutor do processo artístico, de elaboração e realização do
trabalho de arte.
Tecer um texto, como em uma estrutura de crochê (figura 1)
3
, é um
modo de construir uma trama-conceito onde o fio, composto por um
emaranhado de ‘linhas’, é trabalhado repetidamente com variações de um
mesmo ponto, uma espécie de nó. Ao desfiar as ‘linhas’ que caracterizam os
procedimentos e processos envolvidos em meu modus operandi,
1
Publicado nas “Conferências Introdutórias de Sigmund Freud, entre 1916-1917”. Anotações de aula do
curso “Arte e Psicanálise”, ministrado pela Professora Dra. Tania Rivera no PPGAV-EBA, 2006.
2
VIDAL, Eduardo A. “Heterogeneidade Deleuze-Lacan” In Gilles Deleuze: Uma Vida Filosófica.
ALLIEZ, Eric (org), Editora 34, São Paulo, 2000, p.479-504. A máquina-desejante em Deleuze, segundo
Vidal, se relaciona ao Inconsciente em Freud.
3
As figuras citadas encontram-se no Anexo desta dissertação, conforme a numeração indicada.
9
constituindo a base de formação de meu fio’, bem como ao decompor as
‘linhas’ que provém de questões presentes na obra de artistas e teóricos
referenciais e caros à minha poética, constituo então uma espécie de ‘fio-
híbrido’, formado por ‘linhas’ de origens diversas. Esse ‘fio’ é híbrido por
apresentar-se como uma estrutura de formação heteronea, sendo
composto de linhas’ que o pertencem apenas ao campo da arte,
apropriadas de outros campos do saber. Linhas de diferentes espessuras
que a princípio podem ser incompatíveis formam, no corpo do fio, uma
estrutura densa que dará origem a um tecido de texturas variáveis. Por
outro lado, tramar linhas aparentemente próximas e adequadas entre si,
variando o tipo de estrutura na trama, pode implicar em variações infindas.
Essas questões são pertinentes também aos processos presentes em
meu trabalho visual, que aponto como uma de minhas ‘linhas’ de base na
formação do fio que origem ao ‘tecido’ conceitual do corpo-vetor. A ação
corporal em instâncias diversas: o próprio ‘tecer’ em minhas performances
pelo uso do croc (como no caso da série Dlogos” (2003-2005), que
tratarei com mais vagar no segundo capítulo), em trabalhos onde meu
corpo ‘o corpo da artista’ age por associação à câmera ou para ela, ou
mesmo na escrita, ao tecer o conceito de corpo-vetor.
1.2) Conformação corpo-vetorial: “vetor_a, vetor_e e “vetor_o
O espectador também pode se comportar como um vetor no processo
artístico. No caso de trabalhos onde a ação do espectador é parte integrante
do trabalho como é o caso de Lygia Clark, em especial em seus Objetos
10
Relacionais” (figura 2), realizados a partir de 1966 – o espectador ou
participador é um dos pontos que define o “segmento de reta orientado”,
que caracteriza o ‘deslocamento’ presente na poética do artista. Se aqui
Clark é a origem ‘A’ desse ‘vetor’, que se desloca em direção a um ponto ‘E
(ou espectador, também parte integrante do ‘vetor’) e que, em
contrapartida, se desloca em direção à origem ‘A’, esse vetor pode ser
representado pela notação . Ele, o espectador, comporta-se também
como um vetor, por trazer ao processo artístico seus próprios conteúdos e
articular os mesmos à sua ‘leitura’ da obra de arte. Desse modo, invertemos
a origem do vetor, que seentão o ponto E ou espectador, verificado na
notação: . Por fim, ele é um vetor ou transmissor, pois ao ter sido
‘inoculado’ (através da ão do artista) de questões sensíveis/inteligíveis
presentes na obra de arte, poderá retransmiti-las ou reagir às mesmas.
Conclui-se, nesse caso, que o corpo-vetor tem como origens possíveis o
artista (vetor_a) e o espectador, (vetor_e). Na maior parte da obra de Lygia
Clark é possível perceber que a ão desses ‘corpos’ complementam-se
mutuamente e formam um terceiro tipo de vetor, representado por , que
pode também ser chamado de vetor_o ou obra. A formação de significância
da obra, se forma desse encontro entre os vetores de origem a’ e e’, que
formam então o vetor_o. Com isso a obra tamm ganha características
vetoriais, pois é a partir dessa ‘soma’ direta ou indireta, entre esses agentes
do campo da arte, que a obra passa a também ser transmissora de
sentidos.
Esses ‘vetores poéticos’, que trato aqui, se localizam no corpo do
artista e sua ão ao configurar a obra; e no corpo do espectador, o outro a
11
quem o artista busca endereçar sua obra. Ambos articulam as conversas
pertinentes ao processo artístico e se completam vetorialmente: o artista ao
conduzir e transmitir significados por meio de sua produção poética; o
espectador se o considerarmos tanto um receptor quanto participador em
relação à obra de arte. A atuação do espectador se dá, portanto, ao ocupar,
no fora, o lugar do outro para onde o artista lança seu trabalho, e ainda, na
medida em que articula os conteúdos da obra com seus próprios,
formulando (ou recalcando) a partir daí um sentido. Ao ser inoculado pelo
vetor-obra, o espectador permite que nele ‘aportem’ outros saberes, sendo
revirado através de sua experiência com a obra. Com isso torna-se também
um vetor, infectado de questões, conduzindo sentidos que estão além dos
que o artista pretende a priori, que se percebem no contato entre a obra
e o mundo exterior”
4
. Por via dessas definições pode-se pensar então no
‘corpo do artista’ e no ‘corpo do espectador ou participador’ como vetor_a e
vetor_e, ainda que atuem’, desloquem-se em direções diversas ou tenham
papéis diferentes.
A troca de aspectos sensíveis/inteligíveis entre obra e espectador,
como uma reação mútua garantindo, portanto, uma satisfação ainda que
efêmera – com o “ato criador
5
, configura sentidos que estão am dos que
o artista pretende a priori, que só se percebem no contato entre a obra e o
mundo exterior, para então, a partir da soma de vetores’ (ou um ‘campo
poético-vetorial’), instaurar-se a ação do corpo-vetor.
4
DUCHAMP, Marcel. “O Ato Criador” in BATTCOCK, Gregory (org.) A Nova Arte, São Paulo,
Perpectiva, 2002, p. 74.
5
DUCHAMP, Marcel. Op. Cit., p.73
12
A ação do artista, seja para constituir um objeto artístico, seja para
encarná-lo no caso de uma performance –, indica um deslocamento entre
dois pontos’, uma espécie de comportamento ‘vetorial’, que se define por
seu módulo (os conteúdos aos quais ele aborda), percorre uma direção (que
varia a cada trabalho realizado) e um sentido (do artista ao mundo
exterior”, ou seja, o espectador, o circuito de arte ou outros circuitos o-
artísticos que podem ser de interesse do artista). Nesse momento, o artista
atua duplamente, por se tornar seu próprio suporte material. Com isso a
dicotomia ‘artista x obra tende ao grau zero e o artista presentifica, em
caráter efêmero, como foi colocado, o próprio objeto de arte’, operando
assim uma radicalização da ‘apropriação do que lhe é próprio’, uma
projeção de ‘Je em Moi
6
, eclipsando uma possível alteridade existente
nesses dois sujeitos.
1.3) Gestos do artista (ou vetor_a) no ‘corpo-suporte’
O gesto, o ato ou ação diferenciam-se sobremaneira.
“Complementares entre si, o ato suscita um objeto ou um resultado e o
gesto diz respeito aos efeitos”
7
. O sujeito age então no corpo, fugidiamente,
com o efeito de um gesto-sujeito, se configura de forma sempre singular,
momentaneamente, para se estranhar, efêmero, e esboçar novas escritas.”
8
Para falar desse “gesto-sujeito” ou “Hi-ato
9
com Duchamp, é paradigmático
o acontecimento em torno de sua “Fonte” (figura 3). Percebe-se aqui que
Duchamp faz do funcionamento institucional da arte seu ventríloquo:
6
Apropriando aqui a citação de Duchamp “um pequeno jogo entre eu e mim”. In: TOMKINS, Calvin.
Duchamp: uma biografia. São Paulo, Cosac&Naify, 2004, p.181.
7
RIVERA, Tania. “Gesto analítico, Ato criador - Duchamp com Lacan” In: Revista Pulsional, 2005.
8
Idem Ibidem.
9
Idem Ibidem.
13
silenciosamente passando de artista inscrito (como R.Mutt) a ri do mesmo
Salão, numa economia gestual, um cheque-mate não anunciado, faz da sua
a ‘voz do objeto’; “vê sendo visto”. Na “Fonte”, o suporte não é somente o
“ready-made”, é também esse deslocamento de posições a que o artista se
dispõe. Seu sujeito-gesto” aqui se confirma na instauração de ‘personas’
diversas, vetores que habitam o ‘campo poético-vetorial’ de um mesmo
trabalho e também de um mesmo artista.
A noção de ‘corpo-suportepode também ser relacionada com o papel
dos suportes tradicionais da arte. O corpo e o gesto que dele parte, o
percebidos muitas vezes como uma extensão do que é próprio/próximo ao
artista. Os conceitos entremeados a esse ‘corpo-suporte se relacionam a
questões consideradas emblemáticas e pertinentes ao campo das artes
visuais: tratam o espaço pictórico, o papel do artista, o circuito de arte.
Algumas linguagens, como a Pintura, na arte contemporânea o
re(des)articuladas, “reencarnam, migram de corpo”, tornando-se (...) um
rico acervo de conceitos, que passou a ser exercitado e expandido tamm
em outros materiais e processos.”
10
. o as linguagens artísticas, mas o
próprio corpo do artista é um local(re)apropriado: para uns, sítio onde o
público encontra o privado”, para outros, “centro das atenções e de auto-
conhecimento”
11
, questão que retomarei ainda neste capítulo. Esse
suporte/superfície, que passa do espaço da tela ao corpo do artista, é
campo do acontecimento que surge justamente na dobra formada pelo giro
realizado pelo artista: não importa mais que produto ou objeto material
10
MORAES, Angélica de. Pintura Reencarnada, Paço das Artes, São Paulo, 2005, p.18.
11
MATESCO, Viviane. “O Corpo na Arte Brasileira Contemporânea” In Metacorpos,Paço das Artes, São
Paulo, 2003, p.27-28.
14
restacomo resíduo de seu gesto e sim o espaço, ainda que efêmero, que
se cria no acontecimento mesmo do ato. Esse ato, gesto ou ação não se
inscreve em um lugar e sim em um corpo, que se torna a partir desse ato e
durante o mesmo, o próprio trabalho. Esse gesto silencioso’, indiferente,
imaterial, cria ainda sim um vulto, um corpo sem órgãos
12
, costurado pelo
seu ‘fora’ à exterioridade do mundo e ao outro a quem essa ação se
endereça.
Na formação da linha de valorização do gesto do artista, esses
suportes perdem gradativamente sua importância como objeto final ou
obra, seja pelo viés do Ready-Made Duchampiano, seja pela
heterogeneidade imposta com a ruptura de fronteiras entre as linguagens
artísticas, na transição entre modernidade e contemporaneidade. No caso
de Duchamp, a operação de transformar um objeto não-artístico’ em
‘artístico’ se sobrepõe à questão de qual é o objeto. Aqui o artista se
apodera não apenas do objeto em si, que poderia ser considerado naquele
contexto ‘impróprio’ artisticamente, mas de toda uma rede de relações,
sistematizações e legitimações pertinentes, logo próprias, ao circuito de arte
e ao próprio artista.
1.4) ‘Re-(a)propriação’: apropriar o próprio ou “eu como outro(s)”
O raciocínio de ‘apropriar o próprio’ que proporei como re-
(a)propriação’, em uma espécie de auto-investigação, tem se tornado,
12
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. “Como criar para si um corpo sem órgãos” In Mil Platôs -
capitalismo e esquizofrenia, São Paulo, Editora 34, 1997. Vol. 3, p.9-29.
15
desde os anos sessenta até a produção artística recente, tão comum quanto
o apropriar-se do que é impróprio, desconhecido e/ou exterior à arte e ao
artista. A lógica do artista, que investiga sua condição para aí operar,
tamm é um modo de distanciar-se de si, estrangeirar-se do que lhe é
inerente, criando com isso outros locais de ação e multiplicando-se em
outros ‘sujeitos’. Nesse processo o artista cria um ‘entre’, uma região
fronteiriça, algo que é e ao mesmo tempo não é ele mesmo. Essa
‘persona’ ou ‘duplo’ é uma derivação da condição mesma do artista
contemporâneo e se forma por seu desejo de dar exterioridade à sua
produção se lançando a outros papéis para além do ‘autor de obras’,
ocupando outros espaços que, apesar de não lhe serem estranhos, o
eram tradicionalmente parte de seu campo de atuação: a curadoria, a
crítica ou a venda de obras, questão que retomo com mais vagar no
segundo capítulo.
Ainda que o processo aqui descrito pareça em um primeiro momento
egocêntrico, o artista busca com isso justamente desassemelhar-se de si
próprio, colocar-se no lugar de ‘um outro’, mas ainda sim, em seu próprio
corpo. Aqui, o artista transforma seu corpo em um dispositivo de ação, um
campo de forças, conduz sua ação ao mesmo tempo em que a realiza.
Funde assim seu próprio corpo com o plano que configura o espaço de sua
ação, formado em ângulo reto esse espo um diedro da ação”
13
,
deslocando-se vetorialmente na medida em que age. Tentado a fundir-se
com sua própria projeção do que seria um outro de si’, se percebe sendo-
visto”, se descaracterizando ou mimetizando um outro para, em si, poder
13
Caillois, R. “Mimetismo e Psicastenia Legendária”, in Che Vuoi? Psicanálise e Cultura, Porto Alegre,
outono de 1986, ano 1, no. 0, p. 60. Sobre o ‘diedro da ação’, Callois descreve: “(...) diedro da ação cujo
plano horizontal é formado pelo solo e o plano vertical pelo homem mesmo que anda e que em
decorrência desse fato, forma o diedro consigo mesmo (...)”.
16
então ‘ver-se’. Nesse processo, o corpo sofre uma desnaturalizão ou um
afastamento de seu “eu (je)”, torna-se um sujeito-espaço’. Aqui o artista
tem a experiência real de que o “eu” é, como nos diz Rimbaud, “un autre”.
Perceber o ‘eu como outro(s)’ que se desloca(m) constante e
vetorialmente é uma das características que diagnostico como
determinantes no processo de desenvolvimento do “ILA - Instituto de
Legitimação do Artista” (figura 4), trabalho que desenvolvi em 2001. Nele
alguns ‘cursos’ eram oferecidos através de pequenos cartazes e filipetas,
ironizando questões latentes, mas não-declaradas’, do funcionamento do
circuito de arte carioca, pontuadas também por minha experiência como
artista iniciante. Esses impressos foram divulgados no período entre 2001 e
2003, em eventos, instituições e publicações ligadas às artes visuais, dentre
os quais destaco: o evento “Zona Franca” na Fundição Progresso, a fila de
visitantes da exposição Surrealismo” no Centro Cultural Banco do Brasil, a
Escola de Belas Artes da UFRJ, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, a
Funarte (por ocasião da exposição úcar Invertido”, em 2002) e ainda,
como anúncio na revista item.6”, laada em 2003. Aqui, me ‘re-
(a)proprio’ de aspectos ligados à minha condição enquanto artista e das
circunstâncias que a este fato estão implicadas, reconhecendo também no
fora e no outro as agruras que me são íntimas, agindo como uma intrusa
14
em meu próprio território. Reforço tamm a questão do espaço de ação’
levantado antes, como um fator preponderante para esse projeto, que é
criado o pela via da experiência pessoal da artista, mas principalmente
influenciado de modo inconteste pelas características do circuito artístico
14
BOURRIAUD, Op. cit., p.77.
17
local, pensando as especificidades desse ‘espaço’ ou circuito como algo
‘silenciosamente estabelecido’.
O non-sense contido no exagero de algo prosaico aparece também
em “Make Over” (figura 5), título de minha performance realizada em 2006,
na Galeria Skuc, em Ljubliana, Eslovênia e na Galeria Vermelho, em o
Paulo. Considero esse trabalho um comentário irônico sobre um ritual
feminino e sobre os limites entre arte e vida. A ‘persona’ que aqui
desempenho, uma mulher narcisista e um tanto exagerada, ao maquiar-se
sentada em frente a uma mesa e vendo seu reflexo em dois espelhos, não
se contém e ultrapassa os limites de onde passar o batom. A partir daí ela
se transforma gradativamente em uma espécie de palhaço” e, finalmente,
em uma quase “pomba-gira”. Essas fases são registradas por mim, durante
a ação, em fotografias formato Polaroid, e o sendo colocadas, uma a
uma, sobre a mesa em que a performance se realiza.
Esses desdobramentos disjuntivos’ característicos dos trabalhos
citados acima, poderiam se colocar em analogia com a proposição
duchampiana “um pequeno jogo entre o Je e o Moi
15
, enunciada na frase
citada de Rimbaud Je est un autre; um eu’ estilhaçado, talvez pelo ‘fogo
amigo’ da arte e da vida; um corpo-vetor formado por deslocamentos
(des)contínuos.
1.5) Apropriação e deslizamento do corpo-vetor na reta suporte_ HA
(História da Arte)
15
DUCHAMP, Marcel apud TOMKINS, Calvin., p.181
18
A ação designada pelo verbo ‘apropriar’ na arte contemporânea é
bastante familiar. Não faltam indícios de que mesmo antes do aparecimento
do Ready-made Duchampiano a ação de apoderar-se de algo e ‘torná-lo
próprio’, ou ‘apropriado’ aqui no sentido de adequado ao que se deseja,
é constante na História da Arte.
Tomar posse, nesse caso, designa que algo antes impróprio se torna
através do ato de apropriação próprio. Mas qual o sentido de apropriar-
se de algo se o objeto que se almeja apossar é próprio? Se no caso de
Duchamp a operação de transformar um objeto não-artístico’ em ‘arstico
se sobrepõe à questão de qual é o objeto, é notório que o artista se
apodera não apenas do objeto em si, que poderia ser considerado naquele
contexto ‘impróprio’ artisticamente, mas de toda uma rede de relações,
sistematizações e legitimações pertinentes, logo próprias, ao circuito de arte
e ao próprio artista.
Avançando na História da Arte em direção às cadas de 60 e 70,
algumas obras de artistas como Bruce Nauman, Vito Acconci, Lygia Clark e
Marina Abramovic, entre tantos outros, servem claramente como paradigma
ao que proponho. Em “Thighing (Blue)” (figura 6), filme 16 mm de 1967,
Nauman se utiliza de seu próprio corpo como um material de investigação
plástica, quase escultórica. ‘Molda-o’ como a um pedo de argila. O corpo,
no entanto, o é matéria inerte e passiva: ele não registra o gesto, que é
registrado, pom, por uma mera para qual a ão se direciona. Apesar
de o ‘manipular’ diretamente o suporte fílmico, Nauman registra emolda’
nele seu gesto. Esse modus operandi aponta para uma transformação na
forma de lidar tanto com os procedimentos artísticos quanto com a relação
entre o artista e seu corpo. Ao operar consigo como parte de seu trabalho,
19
Nauman toma o que já lhe é íntimo e realiza, a partir daí, uma
transformação: age no próprio corpo’, ‘apropriando-se’ dele e o torna um
‘corpo próprio’, dando (seu) corpo à (sua) obra’. Ainda em Nauman, é
possível perceber que há uma ‘re-(a)propriação da fatura escultórica,
própria da Arte e o menos do artista. “Thighing (Blue)” é um dos
trabalhos desenvolvidos por Nauman no período em que permaneceu em
seu ateliê, enfrentando dificuldades de início de carreira, período sobre o
qual comenta
16
:
“Eu não tinha uma estrutura de apoio para o meu trabalho na época
(...) Minha conclusão foi que eu era um artista e estava no estúdio;
portanto qualquer coisa que eu fizesse ali tinha que ser arte. (...)".
17
A realização dessas obras, definidas pelas mais diversas situações
vivenciadas por Nauman em seu ateliê, traz à tona uma outra questão: a
apropriação do espaço de trabalho do artista como elemento determinante
em sua poética, seja esse local de ordem pública ou privada seu ateliê,
sua casa, o espaço expositivo ou o espaço urbano. A especificidade do ateliê
como lugar onde eminentemente se configura a obra de arte, no caso de
Nauman, potencializou toda e qualquer ação realizada, e devidamente
registrada, pelo artista. Ele apropriou-se então da significação daquele
espaço para a poética de seus trabalhos, caracterizando como obras os
registros de suas ões. O vetor_a (artista) nesse caso se define por um
deslocamento do ‘lugar do artista’, marcado pela reconfiguração dos
16
Gostaria de deixar claro que nessa dissertação privilegio a palavra do artista acerca da obra em
detrimento daquela da crítica de arte. Acredito ser importante dialogar com ambos e, em muitos
momentos, me utilizo nesse texto também da palavra da crítica. Ainda assim, reafirmo que meu interesse
maior nessa dissertação é tentar “tecer” antes o que se estrutura no discurso do artista, tanto aquele que se
desenvolve em sua obra, imbricado na visualidade desta, como o que se estrutura a partir da mesma e de
aspectos pertinentes ao processo de sua realização.
17
TONE, Lílian e LEONZINI, Nessia (org). Circuito Fechado: Filmes e Vídeos de Bruce Nauman,
Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, 2005, p.11.
20
procedimentos tradicionais de criação artística. Aqui, o vetor de origem a se
desloca em sua reta suporte_ HA (História da Arte), ao questionar seu papel
no ciclo da criação artística.
Colocar o próprio corpo em situações limite, fazendo dele parte da
obra através de ações muitas vezes mórbidas e masoquistas, am de
pensar na ativação do espaço e na interação do artista com os espectadores
e sua implicação direta no trabalho de arte”
18
, são algumas das
características vinculadas à atuação de artistas que, assim como Nauman,
fizeram parte da chamada Body Art surgida na cada de 1970. A obra de
Vito Acconci é considerada como emblemática desse movimento’. Em
“Home Movies” (figura 7), de 1973, Acconci aparece sentado, de costas
para o espectador, enquanto mostra e comenta uma rie de slides sobre
praticamente toda a sua produção de performances’, realizadas desde
1970, como se estivesse fazendo uma apresentação ou palestra sobre sua
obra. Em um dado momento ele adota uma segunda posição, ainda
sentado, mas agora, com a cabeça voltada para o lado esquerdo, começa a
falar com um interlocutor invisível que supostamente estaria ao lado dele e
que lhe seria mais próximo; a partir desse momento Acconci se refere a
situações vividas em uma relação conjugal como se esse outro interlocutor
inexistente fosse sua parceira. Em uma terceira posição, Acconci se coloca
de frente para o espectador, de modo que as imagens dos slides se
projetem sobre seu próprio corpo, com uma velocidade maior do que a
usada na primeira posição’. Aqui ele adota outro tom de fala, se colocando
18
BOURDON, David. “An Eccentric Body of Art” In: BATTCOCK, Gregory e NICKAS, Robert
(editors) The Art of Performance – A Critical Anthology, E.P.DUTTON, INC., Nova York, 1984, p.194-
198.
21
um pouco como uma vítima; diz que provavelmente ninguém deve
conhecer aqueles trabalhos e que ele o deveria estar mostrando aquilo.
Em sua última posição, Acconci se coloca ainda de pé, desta vez de perfil, e
fala, com um tom de voz ameaçador, a um outro interlocutor invisível,
dizendo que o odeia, e gostaria de matá-lo. Essas quatro ‘situações’ o
repetidas, com exceção dos textos que o diferentes a cada vez, durante
os trinta minutos de duração do vídeo.
Acconci é definido em diversos textos sobre seu trabalho como um
‘artista conceitual de performance’. Egresso da poesia, tendo também
atuação reconhecida como crítico de arte, em 1969 início às suas
experiências como artista no campo das Artes Visuais.
Em “Home Movies” é possível perceber certa teatralidade implicada
em sua ação, ainda que na linguagem da Performance especialmente no
que tange às Artes Visuais haja uma tentativa de desconstrução das
características essenciais ao Teatro: “a performance rejeita todo o tipo de
ilusionismo, ela apresenta, não representa.
19
Talvez a noção de
teatralidade tenha mais sentido na obra de Acconci se a considerarmos
como um vetor de alteridade: em suas ‘ações’, bem como em seus escritos,
fica claro seu interesse em deslocar-se partindo de seu próprio corpo e,
nesse deslocamento, torná-lo subjetivamente e poeticamente múltiplo. Essa
qualidade de ‘apresentação’ caracterizada na prática performática prioriza o
aqui/agora, sendo esse um dado inacessível de ‘fora’ dela, de seu tempo
real. Contudo, uma reversão dessa característica através do uso que
Acconci faz da linguagem do vídeo nesse trabalho. Por via dessa mídia,
passa a ser possível ao espectador acessar ad infinitum essa
19
AUSLANDER, Philip. From Acting to Performance: Essays in Modernism and Postmodernism,
Routledge, Nova York, 1997.
22
“presentidade”
20
da performance: ela o mais se resume à presença física
em tempo real do ‘performer’ e do espectador para que o trabalho
aconteça.
Interessado pela fenomenologia de Merleau-Ponty, Acconci vai,
curiosamente, apropriar-se de algumas de suas questões e a partir daí se
referir à qualidade ‘fantasmática’ do corpo e sua presença no espaço:
“(...) Um corpo está aqui, mas enquanto está aqui
também está lá. Ele está em muitos lugares ao mesmo tempo,
fazendo sinais e deixando marcas (...) É como uma presença,
mas uma presença fantasmática. [ghostly presence].”
21
O termo ‘fantasmática’ é de uso freqüente no repertório conceitual de
Lygia Clark a partir das experiências com seus Objetos Relacionais”. o
por acaso, tanto ela quanto todo o grupo neoconcreto, em especial Ferreira
Gullar, têm a fenomenologia de Merleau-Ponty e o existencialismo como
influências teóricas diretas
22
. Por volta de uma cada antes do surgimento
da Body Art, a premissa da exploração e estreitamento da relação entre
artista e espectador este último sendo redefinido mais tarde como
‘participador’ surge no fim da cada de cinqüenta, mais especificamente
no ano de 1959, com a publicação de seu manifesto, o Movimento
Neoconcreto. Esse movimento, que tem entre seus expoentes a artista
Lygia Clark, diverge conceitualmente da Body Art no que diz respeito a uma
‘agressividade irônica’, fortemente presente na produção dos ‘body artistse
20
Termo de Michael Fried, que aparece no texto acima citado (original em inglês). Adoto a tradução de
Milton Machado publicada na Arte & Ensaios – Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais EBA – UFRJ, n.9, 2002, p.131-147.
21
Tradução minha de trecho publicado em POGGI, Christine. “Following Acconci / Targeting Vision”
In: JONES, Amelia e STEPHENSON, Andrew (editors). Performing the Body / Performing the Text,
Routledge, Nova York, 1999, p.257.
22
BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo – vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. São Paulo,
Cosac Naify, 1999, p.55-57.
23
que estava, logicamente, ligada ao contexto político-cultural da época. O
projeto neoconcreto nasce estruturalmente ligado à tradição construtiva e
suas ideologias, com suas leituras evolucionistas da história da arte e sua
crença na “arte como instrumento de construção da sociedade
23
.
Em uma fase posterior à sua produção vinculada ao neoconcretismo,
Lygia Clark realiza uma série de objetos’ onde a (inter)ação do espectador
é parte integrante e indissociável do trabalho. Nos Objetos Relacionais”,
realizados a partir de 1966, a presença do espectador ou ‘participador’ é um
dos pontos primordiais para configurar o ‘acontecimento da obra’. Em sua
trajetória, a produção de Clark esteve em constante deslocamento’ e
‘desmaterialização’. Esses aspectos, presentes em sua poética, podem ser
percebidos tanto na própria atuação da artista que se coloca em um lugar
entre terapeuta e artista, passando assim a tratar o participador’ por
“cliente”
24
e ainda ‘formando’, atras de sua cnica, outros ‘terapeutas
relacionais’ como o artista Lula Wanderley e sua esposa, a terapeuta Gina
Ferreira. A ‘desmaterialização’ formal de sua obra é claramente apontada
por Lygia, que assume uma auncia da qualidade de objeto ‘per se’,
dissociado do aspecto vivencial ou do objeto enquanto obra:
“Isso eu chamo de Objeto Relacional porque, na realidade, ele
só tem relação com o sujeito. De per si, ele não tem qualidade
nenhuma. (...) As pessoas é que o significado a cada um
deles e sentem a semântica também.”
25
23
Idem Ibidem.
24
Relato da artista em ‘Memória do Corpo’ vídeo de Mário Carneiro sobre Lygia Clark, realizado pela
RioArte, 1984.
25
Idem Ibidem.
24
Deste modo, Clark se apropria de aspectos que o ao mesmo tempo
pertinentes e estrangeiros ao campo da arte. Além de uma busca incessante
da familiar tentativa de aproximação entre arte e vida, Clark lida com a
questão da ‘desmaterialização’ do objeto artístico lançada pela Arte
Conceitual, e, ainda, transfere questões da Psicanálise para a Arte, tanto
quanto seu inverso. Esses intercâmbios não são estranhos à Arte, seja na
atuação artística, seja na crítica de arte. Essa relação vem se desenhando
há algum tempo e abrange desde os processos de produção de obras
inspiradas no automatismo psíquico adotados pelos Surrealistas ,
passando pela influência de Salvador Dalí nos escritos de Lacan
26
, até a
produção contemporânea da Crítica de Arte. Percebe-se também no
‘caminhar’ de Lygia Clark uma constante apropriação de questões
aparentemente ‘externas’ ou não pertencentes’ ao campo da Arte’ como
disciplina, mas que estão internamente presentes na trajetória da artista,
bem como na de outros artistas a partir da pós-modernidade, e portanto
são estruturalmente ‘próprias e pertinentes ao debate artístico. Deste
modo, a operação de apropriação que aqui se dá, aconteceria, mais
adequadamente falando, em termos de ‘propriação’.
Também reconhecida como uma ‘body artist’ ou ‘performance artist’,
Marina Abramovic realiza suas performances individualmente bem como em
parcerias, diretas ou indiretas, desde o início da década de setenta. Em
“Rythme 0” (figura 8), uma de suas performances individuais, de 1974,
Abramovic se coloca à disposição do público em uma exploração da
26
RIVERA, Tania. Arte e psicanálise, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2002, p.24.
25
“dinâmica da agressão passiva”
27
. A artista permaneceu diante de uma
mesa com setenta e dois objetos que “podiam ser utilizados pelo blico
sobre seu corpo da maneira como eles desejassem”
28
, conforme dizia o
texto disposto junto dos objetos no local onde Abramovic realizou a
performance. Imprevisivelmente, como reações dos espectadores, a artista
teve suas roupas rasgadas e seu corpo pintado, tendo que se sujeitar, a
mesmo, a ter um revolver apontado para sua cabeça. Os espectadores,
inquietos, obrigaram-na a finalizar seu trabalho, que durou cerca de seis
horas seguidas. Naquele momento, Abramovic considerou essa como sendo
a finalização de sua pesquisa sobre o corpo, que foi retomada mais tarde
com suas performances em parceria com seu companheiro, Ulay.
Como Clark, Abramovic necessita da ação direta do espectador
(vetor_e) para que sua obra se realize, ainda que, para essa segunda, isso
se dê de modo brutal e agressivo. Aqui, a ação do espectador que é
tamm de participador, se agrega ao ato criador”
29
do artista,
potencializando a obra através da soma vetorial entre vetor_a (artista) e
vetor_e (espectador). Essa soma de fluxos e de atos ou vetor_o é de
ordem destrutiva; tanto ela quanto o espectador se colocam em alternância
na posição de algoz e vítima, manipulador e manipulado, possibilitando que
nesse deslocamento algo de extremamente traumático para ambos
ocorresse. Abramovic se coloca aparentemente passiva à disposição do
espectador e, no entanto, o domina em sua possibilidade de interação,
oferecendo ao outro objetos que trazem em si um devir-violência.
27
WARR, Tracey e JONES, Amélia. The Artist´s Body, Londres, Phaidon, 2005, p. 124.
28
Idem Ibdem.
29
DUCHAMP, Marcel. Op. cit., p. 74.
26
Percebe-se com isso que Marina Abramovic também compartilha das
características relacionadas com a Body Art a partir dos anos setenta. Ela se
apropria em primeira instância das possíveis relações entre sujeito(s) e
objeto(s) e posteriormente da ão que decorre da instauração de situações
de limite sico e psíquico, apontados anteriormente como próprios à
produção contemporânea.
No vídeo “Devir” (figura 9), de 2002, espécie de memória de um
acontecimento, uma seqüência de fotos, posteriormente filmada em deo,
é o fio condutor do diálogo corporal de um casal, que tem seus olhos
vendados, durante o processo de descoberta do outro. Nessa ão, o casal,
impossibilitados de verem-se um ao outro, como que num estágio primeiro
da afetividade na relação amorosa, é forçado a descobrir-se por outros tipos
de contato que o o visual. O devir aqui é o vir a ser’ do casal. O que se
tornarão ao se verem vendo? A própria edição adotada, uma espécie de
passeio ligeiro pela imagem estática da fotografia, dá ao espectador a
impressão de se tratarem de flashes de memória. O ato do artista vetor_a
aqui é condutor da formalização da obra, configurando características
estruturais indicadas no registro e edição do vídeo para que o vetor_e de
algum modo seja atingido e então, nesse encontro, se forme o vetor_o.
Em “Procura(r)-se” (figura 10), de 2003, a ação registrada pela
câmera é realizada pela própria artista. Inicialmente pensado como uma
performance, posteriormente deu origem ao vídeo e também a um trabalho
de fotografia. Durante essa performance permaneço em 'silêncio forçado'
por horas seguidas, mas interagindo com quem está em volta. O vídeo é
27
realizado em 2004, a partir da manipulação de imagens de registros em
fotografia e vídeo (digital e analógico) da performance de mesmo nome
realizada em 2003. Nele fica aparente essa tentativa de interação, ainda
que a fala do corpo em ação’ estivesse parcialmente interditada. A
impossibilidade da palavra me fez buscar outros modos de diálogo, através
do olhar, da postura, ou do gesto: procura(r)-se nesses campos menos
formalizados da linguagem corporal. A curiosidade do outro é implicada na
performance os espectadores fazem comentários a que associam essa
‘imagem de interdição da linguagem falada’, ao me ver com a fita amarela
colando a boca: mulher fala demais”, “escrava Anastácia”, coitada, o
pode falar” é justamente o que à obra seu vetor_o: é aí, pela
intervenção do fora e do outro, que ele se forma.
Como fotografia, Procura(r)-se foi realizado em 2005, a partir de um
‘still’ do vídeo repetido na mesma impressão por ts vezes seguidas, o
que ao espectador uma impressão de movimento, am de trazer ao
trabalho uma referência quase cinemática'. Em 2006, durante a exposição
“Incorpo(R)ações” (realizada no Espo Bananeiras, Rio de Janeiro),
apresentei pela primeira vez em uma mesma exposição as três partes
constitutivas dele: a performance, o vídeo e a fotografia.
Como em Nauman o corpo do artista aqui é manipulado por si
mesmo, o de modo estrutural e morfológico, mas tamm na
manipulação de imagens geradas como decorrência de desdobra dos vários
estágios do trabalho (uma performance, que se transforma em deo, que
se transforma em foto). Também convergindo com Clark, o trabalho só se
no confronto com o outro, o sujeito-participador, que ao reagir à minha
28
ação me faz repensar meu próprio corpo e de que maneira atuo com e a
partir dele questões que são também exploradas por Acconci e
Abramovic.
Talvez o que mova o artista seja justamente essa possibilidade de
não ser ninguém e ser muitos, visto que émuito abrangente”
30
. Um ‘corpo’
que “ao capturar energias difusas ou fluxos de informação os articula como
formas complexas”
31
. Por não ter corpo’ definido, conjugando
paradoxalmente ausência e presença, transfere incessantemente o que
lhe é próprio para suas cercanias e confirma sua condição de eterno
estrangeiro em seu próprio território.
O tecer, no crochê, marca o processo de construção de uma estrutura
configurada de s, que ao se encadearem de modos diversos compõe
formações e padrões diferentes. Partindo de um mesmo tipo de ponto
forma-se lentamente um tecido, que pode variar estruturalmente (sendo
frouxo ou firme) de acordo com os seguintes fatores: a tensão aplicada no
fio; a forma como se segura a agulha; a espessura do fio e/ou da agulha; e,
principalmente, o que se pretende alcançar como resultante desse processo,
ainda que essa resultante seja simplesmente o próprio processo. Essa
trama se forma por meio de um emaranhado primeiro que é o fio, formado
a partir de uma conjunção de linhas. Faço uso, portanto, desse fio composto
de linhas de origens diversas, que denomino fio-híbrido, para tecer uma
estrutura que teum desenho muito particular, através de uma ‘específica
empunhadura e pressão da mão sobre a agulha’, por carregarem, além de
30
MACHADO, Milton. “Este corpo é todo poros”, In: Homem muito abrangente, Rio de Janeiro, Galeria
do Lago, 2006. Folder de exposição.
31
Idem Ibidem..
29
minha própria experiência, refencias outras de pares escolhidos por
afinidade poética.
A escrita também é tecedura. A linha da caligrafia, desenho formador
primeiro do texto, é também um emaranhado de letras e sentidos. Ao
formular um conceito-obra, proponho ir além do real sentido das palavras
aqui escritas, busco com elas a fabulação, a invenção de novos sentidos
para que o texto seja parte da obra. O fio se conforma através das
questões que abordei aqui, o tecido começa a ser lentamente formado com
esse fio-híbrido formado de linhas, palavras, conceitos, perceptos e afectos.
2) Sujeito [artista] como espaço
2.1) O espaço desenhado pelo corpo-vetor
2.1.1) O espaço da escrita de artista
Uma vez que nenhuma forma é superior a outra, o artista pode usar
qualquer forma, desde uma expressão por meio de palavras (escritas
ou faladas) até igualmente a realidade física”
47
A escrita usada nesse texto se desenha por meio de um fio-híbrido
formado por emaranhado de linhas de origens diversas, como foi
apontado no primeiro capítulo. Ainda que os referentes dessa pesquisa
sejam provenientes de campos do saber diversos, a trama tecida pelo
corpo-vetor desenvolve-se a partir do fio discursivo da escrita de artista.
Diferente de uma formulação puramente teórica, o que proponho aqui como
‘texto de artista’ se estrutura de modo a desdobrar relações dialógicas
possíveis, que confluam com os interesses e indagações presentes em
minha produção visual
48
.
Ao escrever uma dissertação, o artista tem a possibilidade de
elaborar seu repertório poético no campo textual, resignificando-o,
atualizando-o, através de questões que estão presentes de algum modo
em sua obra, mas que muitas vezes o o diretamente enunciadas. Ao
processo de construção de uma dissertação (ou mesmo na pesquisa
individual do artista, dissociada de sua produção acadêmica), subsiste uma
busca de pares: nele o artista cria conexões tanto com a obra de outros
47
LEWITT, Sol. “Sentenças sobre Arte Conceitual”, In: FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecília, (Orgs.)
Escritos de Artistas: anos 60 e 70. Jorge Zahar Editor, 2006. p.206
48
Percebo que essa é uma tendência das ‘dissertações’ e ‘teses’ defendidas no curso de Linguagens
Visuais do PPGAV-EBA, e cito como exemplos as dissertações dos artistas Alexandre Sá e Ricardo
Maurício, publicadas (em versão resumida) em Arte & Ensaios - Revista do Programa de Pós-Graduação
em Artes Visuais EBA – UFRJ, n.13, 2006, p.22-26 e p.40-45.
artistas de gerações anteriores, ou mesmo seus contemporâneos
quanto com aspectos teóricos que lhe sejam próximos. Ainda assim, é
partindo de seu próprio trabalho que o artista encontra questões
apontadas, fios soltos de sua poética, através dos quais ele pode tecer um
diálogo, seja com o leitor de seu texto, seja com os artistas e autores que
se tornam durante sua pesquisa, seus interlocutores.
2.1.2) Corpo-vetor: interação entre escrita de artista e
produção visual
O corpo-vetor é, além de uma formulação conceitual, um dispositivo
que me permite desenhar, tecer textualmente o campo de forças
engendrado na proposição das obras aqui abordadas tanto minhas como
dos artistas que me servem de objeto dessa pesquisa ao mesmo tempo
em que opera uma interseção entre meu trabalho visual (levando em
consideração, minha atuação no campo da performance, do vídeo e da
fotografia, esta última como algo contíguo ou desdobrado de trabalhos com
performance e deo) e textual (desde obras onde exploro a questão do
texto até essa dissertação, que pode ser considerada tamm como uma
extensão de minha prática). Esse conceito, enquanto dispositivo, se
assemelha a uma agulha de crochê: pode tecer e costurar, através dessa
escrita, aspectos presentes em meu trabalho e algumas questões que
compartilho com os interlocutores que escolhi.
Ainda que a enunciação do conceito de corpo-vetor esteja sendo
formulada junto do processo da realização dessa dissertação, sua existência
é anterior à sua construção textual, como algo latente. Os agentes deste
‘tecido vetorial’ caracterizam-se por posições demarcadas no processo de
estruturação e apresentação da obra, campo de vetores formado pela ação
do vetor-artista, do vetor-obra, do vetor-espectador. Essa trama se realiza
tamm no contato do leitor com este texto, que poderá a partir d
perceber os mecanismos de funcionamento desses vetores. Enquanto
dispositivo, o corpo-vetor tem como potência a ordem textual, sua estrutura
é a de um corpo dialógico’. Ele produz através de sua ação, movimento
constante, fluxo que se coloca parcialmente como Um lance de dados
[que] jamais abolirá o acaso”
49
do real. Para que esse campo vetorial possa
se definir e inscrever seu espaço nesse texto, ele precisa misturar-se à
“máquina-desejante”
50
do outro e funcionar, portanto, como um
“dispositivo-ferramenta”
51
.
Esse corpo ou trama textual que configura o presente texto se
estrutura com base no ‘fio’ formado de ‘linhas’-referentes de campos não-
artísticos, trazendo para ele conceitos e terminologias de campos diversos,
não apenas pertinentes à Arte, mas que ao serem apropriados por uma
artista, tornam-se linhas formadoras de um fio-híbrido e poético, conforme
destaco no primeiro capítulo. Esse tecido-textual é, portanto, de natureza
heterogênea: seu corpo-quimera’ mistura elementos que em seus campos
‘próprios’ talvez não pudessem ser associáveis. Este texto, porém, pertence
ao campo do discurso artístico, sua constituição se , citando Mário
Pedrosa, pelo exercício experimental de liberdade” poética, construído pela
49
original em francês “Un coup de dés jamais n´abolira le hasard”. MALLARMÉ, Stéphane. Citado por
CALVINO, Ítalo. “Exatidão”. In: CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o pximo milênio: lições
americanas, Companhia das Letras, 1990, p.84.
50
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O Anti-Édipo - Capitalismo e Esquizofrenia, Lisboa, Assírio e
Alvim, 2004, p.7-9.
51
Idem Ibdem.
‘intrusa-artista’ que se apropria de termos de campos não artísticos. Essa
possibilidade de apropriar, tornar próprias ao trabalho artístico questões de
campos não-visuais’, fazem parte da constituição da arte moderna e
consequentemente da arte contemporânea – como um “território híbrido”
52
.
“(...) a arte moderna é fundada, exatamente, a
partir da possibilidade do encontro de objetos que se
pretendem pura e completamente visíveis com um campo
enunciativo que, adequadamente, posiciona-se junto
destes objetos, atravessando-os.
53
O intercâmbio entre campo visual e discursivo, entre arte e crítica
que marca profundamente a modernidade, aparece também, ainda que de
modo redefinido, na arte contemporânea. Se de um lado a arte conceitual,
apresentada nos anos 1960, por Joseph Kosuth, defende que no próprio
trabalho está dada a camada conceitual tradicionalmente construída pela
Crítica trazendo para o artista a responsabilidade de mediação no contato
entre obra de arte e espectador, a arte experimental propõe que estruturas
antes dicotômicas como arte e vida se relacionem de modo mais direto, de
forma que a experiência vivencial do artista seja elemento fundamental em
sua produção, bem como a subjetividade do espectador que com isso
passa a ser participador seja uma ferramenta para sua aproximação com
a obra.
nessa dissertação um entrelaçamento das características visuais e
textuais que vai sendo tecida por essa ‘agulha vetorial’ que é o corpo-vetor.
Existe nessa construção textual tanto “uma apresentação da intenção do
52
BASBAUM, Ricardo. Além da Pureza Visual. Editora Zouk, Porto Alegre, 2007, p.26.
53
Idem Ibdem, p.26.
artista”
54
, que problematiza sua produção visual por via de uma formulação
teórica, bem como uma abordagem das obras aqui analisadas enquanto
‘definições da arte’, características que Kosuth aponta como pertinentes à
arte conceitual em seu célebre texto “A arte depois da filosofia”. No
entanto, além da criação de uma obra que é também conceito ou
“tautologia”
55
, conforme a proposição conceitual, o corpo-vetor é um
‘conceito que tamm é obra’, sendo contíguo a ela. O ‘conceito-obra’ difere
da obra-conceito’: se algo de textual engendrado em um trabalho de
arte, este que é, na descrição de Kosuth, uma definição da arte”
56
,
tamm no conceito ou em uma constrão conceitual algo de visual, que
apesar de não se apresentar materialmente, reside ali.
2.1.3) Arte Conceitual e Arte Experimental A externalidade
da linguagem como herança de campos heterogêneos
Segundo Guy Brett, uma idéia global, signo compartilhado ou
metáfora material que emergiu na arte dos anos sessenta, de modo
independente, em diversas partes do mundo foi a ‘membrana
permeável’”
57
. Analisando a obra de artistas como Lygia Clark, lio
Oiticica, Lygia Pape, Yves Klein, Lucio Fontana, David Medalla, Piero
Manzoni, entre outros, Brett aponta que o potencial de ‘contaminação’ entre
arte e vida na obra desses artistas possibilitou, de modos diversos, uma
“reflexão e uma mudança de pensamento acerca de problemas sicos e
comuns à arte como um todo: a relação entre sujeito e objeto, eu e o outro,
54
KOSUTH, Joseph. “A arte depois da filosofia”, In: FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecília, (Orgs.)
Escritos de Artistas: anos 60 e 70. Jorge Zahar Editor, 2006. p.220
55
Idem Ibdem.
56
Idem Ibdem.
57
BRETT, Guy. “Life Strategies: Overview and Selection”, In: SCHIMMEL, Paul, (Org.) Out of Actions:
Between Performance and the Object. Thames and Hudson, 1998, p.198
artista e espectador”. Pensar o processo criativo como membrana
permeável’ possibilita ao artista apropriar-se de questões externas à arte,
mas que por ‘tocarem sua pele’ são ‘absorvidas’ e integradas à sua pesquisa
por algum tipo de convergência, seja por afinidade ou paridade de
significação.
Ainda que os discursos da arte experimental e da arte conceitual
pareçam tão distintos nos termos aqui colocados podem ser vistos quase
como antagônicos: rigor cartesiano conceitual x liberdade de contaminação
experimental ambos manifestam em sua análise, de modo geral, um
descontentamento com a simplificação característica da arte formalista, ou
ainda, usando os termos de Kosuth, morfológica”. Se de um lado o
“experimentalismo acarreta códigos inéditos, marcados pela diversidade de
temas, técnicas e matérias (...)”
58
, pode-se dizer que ambos, tanto o
conceitualismo como o experimentalismo, trazem “consigo a interrogação
sobre o conceito de arte que se na própria externalidade da
linguagem”
59
. Se a princípio os aspectos relativos a ambos o se tocam
diretamente, já que enquanto um prima pelo uso da formulação artística
como enunciado próprio e estrutural da arte ‘trabalho como definição de
arte o outro propõe que as divergências entre especificidade da
linguagem e apreensão da experiência de vida se integrem ‘membrana
permeável’ [e maleável] –, seja no corpo do artista ou no corpo da obra;
seria possível dizer com isso, portanto, que ambos se “estruturam pelo
fora”, interrogando-se de modos diversos acerca de quais refencias
58
FERREIRA, Glória. “Apresentação”, In: FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecília, (Orgs.) Escritos de
Artistas: anos 60 e 70. Jorge Zahar Editor, 2006. p.18
59
Idem Ibdem
formariam o “tecido conjuntivo” que “liga e sustentação a rias
estruturas do corpo [da obra]”
60
, que se reveste com algo que é, para Paul
Valéry, “o mais profundo”: a “pele” [da arte].
O artista contemporâneo visa integrar os aspectos visuais e textuais
presentes em seu trabalho, que funciona desta forma como uma membrana
permeável, permitindo que estes dois campos, ainda que heterogêneos,
sejam agregados, costurados em sua produção ptica. Menos do que
produzir História da Arte, o artista deseja esboçá-la, contá-la em sua
própria grafia sem o peso de uma rigidez historiográfica talvez para
perceber a partir de quando e de que maneira esta História da Arte passa a
ser vs da sua prática.
2.2) Do aparecimento do sujeito-artista [sujeito deslizante]
2.2.1) Sujeito biográfico/Sujeito-artista: sair de si/cair em si
A questão do sujeito na arte, ou melhor dizendo, o papel do sujeito
na criação, foi e ainda é algo amplamente debatido. Deste modo coloca-
se em questão o lugar da autoria, problema que é primordialmente
localizado na construção literária, por Roland Barthes. Barthes em seu texto
“A morte do autor” de 1968, destaca que “a escritura é esse neutro, esse
composto, esse oblíquo pelo qual foge nosso sujeito, o branco-e-preto em
que vem se perder toda a identidade, a começar pela do corpo que
60
HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro Salles. Op. cit., p.2683.
escreve”
61
, assim como Foucault, que em “O que é um autor?”, de 1969,
nos diz: “Na escrita não se trata da amarração de um sujeito em uma
linguagem; trata-se da abertura de um espaço onde o sujeito que escreve
não para de desaparecer”
62
.
No processo de construção e realização da obra de arte, em se
tratando da produção em artes visuais, um sujeito que talvez o se
“neutralize” ou desapareça” na linguagem, mas que se transforma com
ela: o sujeito biográfico’. Esse sujeito-biográfico o se ausenta, ao
contrário, ele reafirma sua capacidade de contaminar e ser contaminado
(visto que é permeável), permitindo que se produza a partir do gesto do
artista ao constituir a obra, o lugar do sujeito-artista. O sujeito-artista,
desliza, modula-se conforme sua proposição, mas também não desaparece
por completo. aqui umsair de si’ que é ‘cair em si’, um ‘re-apropriar-se’
ao deslocar-se de si mesmo através da ativação do sujeito-artista, que
‘sujeita-se artista’ no momento de sua ação.
“O corpo, na verdade, designa duas coisas interligadas: a primeira é
a coexistência, a segunda é ser/estar-fora-de-si.
A coexistência é a existência contanto que o comece por um
sujeito (que então encontraria ou reconheceria outros), mas pela
pluralidade de sujeitos, pluralidade que pertence ao ser-sujeito (como
gosto de dizer: o singular é plural).”
63
O desenho do sujeito-artista é deslizante, modula-se de acordo com a
demanda que sua obra lhe impõe e pelo processo de combinação com
outros sujeitos, em seu embate com a obra e com o espectador. Nesse
61
BARTHES, Roland. “A morte do autor” In: O Rumor da Língua. Editora Martins Fontes, São Paulo,
2004, p.57
62
FOUCAULT, Michel. “O que é um autor?” In: BARROS da MOTTA, Manuel (Org.) Michel Foucault
– Estética: literatura e pintura, música e cinema. Ed. Forense Universitária, 2001, p.268
63
Jean-Luc Nancy entrevistado por Chantal Pontbriand. “Jean-Luc Nancy / Chantal Pontbriand, uma
conversa”. In Revista Arte&Ensaios n.8, Rio de Janeiro, 2001, p.148
sentido, a obra de arte também pode funcionar como sujeito (sujeito-obra),
constituído justamente na troca efetivada no encontro entre sujeito-artista
e sujeito-espectador, capaz de afetar a ambos e passível de ser reinventada
a cada nova ‘leitura’ que se faz dela.
“Se o pensamento é estético, a obra de arte é sujeito.
Sujeito de arte como obra é uma construção social – ao
mesmo tempo prática e teórica – que remete agora a um
processo de experimentação, e essa experimentação é
estética.”
64
2.2.2) Espectador: sujeito ao diálogo com a obra
Assim como o artista (vetor_a) se ‘desloca subjetivamente no
processo de realização de seu trabalho, o espectador (vetor_e) pode
tamm deslocar-se, reelaborar-se a partir de sua experiência com a obra,
de modo direto (conforme a proposição neoconcreta) ou indireto (que não
se deve confundir com a passividade contemplativa). Se o espectador é
efetivamente afetado por essa vivência, se esse encontro se dá, se
estabelece através desse contato, uma espécie de ‘diálogo afetivo’ ou ‘soma
vetorial’. Tal diálogo, proporcionado ao interlocutor da obra durante uma
visita à exposição pode ser colocado do seguinte modo: o indivíduo entra
enquanto públicoe sai ‘espectador’, transformado pela experiência, tocado
pela obra de arte e tocando-a”
65
. Para que tal relação se configure é
necessário que esse indivíduo potencial ‘sujeito-espectador’ esteja
aberto ativamente a essa experiência ou ainda ‘seja’ capturado pela obra
enquanto vetor (no sentido do vetor enquanto ‘agente infeccioso’, capaz de
64
LUZ, Rogério. “O objeto de Arte como Sujeito: Reflexão e Fazer Artístico” In: Encontro do
Mestrado em História da Arte, Museu Nacional de Belas-Artes, Dezembro de 1998.
65
BASBAUM, Ricardo. “O artista como curador” In Panorama da Arte Brasileira (catálogo), Museu de
Arte Moderna de São Paulo, 2001, p.37
transformar as características de quem é “infectado”), para que algo
decorrente dessa vivência seja trazido para o corpo mesmo que
indiretamente –, sendo ativado atras de sua reação a essa ‘inoculação
poética’.
2.2.3) A prática do artista como espaço em transformação
“(...) Ao cravar um olhar clínico sobre a História da Arte, ao
realizar suas cirurgias artísticas, Duchamp o fazia sobre o
próprio corpo, sobre a própria condição de artista. Cindia-se
serenamente a si mesmo, dandy da dor. Ao Object Trouvé
só pode corresponder o artista trouvé, mais ainda, o sujeito
trouvé este que todos nós somos nas especificações,
hierarquias e diferenciações do mundo moderno e sua
Razão Volátil”.
66
O desejo do artista em relação a uma transformação de sua prática,
poderia também indicar uma vontade de ampliação do espectro de sua
atuação ou do modo pelo qual essa atuação se dava a então, colocando
aqui dois fatores como pontos que poderiam esboçar um indício desse
desejo: a operação duchampiana em torno do episódio da Fonte”,
levantado no primeiro capítulo e o que Allan Kaprow enunciou em seu texto
“O Legado de Jackson Pollock”.
67
Diferente da postura adotada por Duchamp, que se utilizou da
possibilidade de um deslizamento de posições de forma indireta, a partir da
qual desvela criticamente o funcionamento do circuito de arte e das
66
BRITO, Ronaldo. Experiência Flutuante. Rio de Janeiro, Espaço Arte Brasileira Rio de Janeiro,
Espaço Arte Brasileira Contemporânea/ FUNARTE, 1980, p.6
67
Tradução de Cecília Cotrim (publicada na revista “O Percevejo”, n.7, Revista de Teatro, Crítica e
Estética da UNI-RIO, 1999, pp.124-131) do texto “The Legacy of Jackson Pollock” de Allan Kaprow,
originalmente publicado em 1958, na revista Art News 57 n.6.
relações aí imbricadas – mas profundamente influenciado por ele –, o
artista contemporâneo mostra, ao continuar cada vez mais ativando
deslocamentos de posições, que seu desejo de lidar com a dimensão
institucional da arte com mais proximidade e menos submissão, não está
apenas vinculado com uma formulação crítica (ustica) da mesma, estando
alerta de que seu papel é também o de transformar ativamente algumas
estâncias relativas à sua atividade.
Tal fato poderia se relacionar à necessidade do artista em deslocar-se
de posições no circuito de arte, passando a desdobrar sua atividade e ao
mesmo tempo reformulando-a. Não por uma necessidade de suprir
demandas do circuito, bem como por uma questão de sobrevivência, fez-se
premente “o tnsito do artista através de funções que ultrapassem a sua
posição como simples produtor de obras de arte”
68
, cada vez mais levado a
posicionar-se em outros papéis frente ao sistema vigente, seja como
professor, curador, ou galerista
69
, para deste modo, situar-se inicialmente
a partir de um não-aniquilamento quase uma afirmação, talvez dos
parâmetros de seu próprio fazer”
70
.
Levando em consideração que abordo aqui um tipo de produção
artística que valoriza a presença do corpo do artista na obra corpo este
constituído de referências e vincias individuais , durante sua ação ele se
transforma em uma espécie de lugar para que esse sujeito-artista
68
BASBAUM, Ricardo. Op. Cit., p.35
69
Cito como exemplos no âmbito do Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, a atuação de artistas
que estendem suas práticas no campo da pesquisa e do ensino universitário, como Carlos Zílio a partir da
década de 80, e ainda na década de 90, na organização de iniciativas e espaços de exposição e discussão
como foi o caso do Agora em 1999, organizado por Eduardo Coimbra, Raul Mourão e Ricardo Basbaum,
o Capacete Entretenimentos em 1998, organizado por Helmut Batista, bem como a criação da galeria A
gentil Carioca, em 2003.
70
BASBAUM, Ricardo. Op. Cit., p.34
desenvolva seu gesto. A valorização desse gesto enquanto parte
indissociável da obra algo extensivo à mesma e diretamente
comprometido com ela, ou seja, uma comissura
71
se sedimenta a partir da
arte experimental dos anos 1960.
A mitificação em torno do método de Jackson Pollock ao realizar suas
pinturas, por conta da divulgação das fotografias e do filme em que o
artista aparece fazendo suas pinturas ‘all-over’, no final dos anos cinqüenta,
tiveram uma profunda “influência em certos artistas da performance, e até
mesmo em artistas dos anos 90, os quais exploraram a questão da persona
e da auto-imagem como um assunto significante e apropriado”, fazendo
com que “a persona do artista tomasse uma dimensão maior do que a de
seus trabalhos”
72
.
o a persona, eu diria, mas especialmente a incorporação da
ação ou gesto que essa persona desenvolve para constituir sua produção
poética, a partir de uma outra maneira de se posicionar em relação ao fazer
artístico, influenciado pelas vivências cotidianas do artista. Essas são
questões enunciadas por Kaprow em seu texto O Legado de Jackson
Pollock”:
“(...) Pollock, assim como o vejo, deixou-nos no momento em que
devíamos começar a refletir sobre o espaço e os objetos de nossa
vida cotidiana (...) três batidas na porta, um rabisco, um suspiro ou
uma voz monótona, uma luz cegante em staccato, um chapéu-coco
tudo se torna material para essa nova arte concreta. (...) as
71
O termocomissura” é utilizado por Kristine Stiles em seu texto “Uncorrupted Joy: International Art
Actions”, publicado no catálogo Out of Actions organizado por Paul Schimmel, Op. cit., pp.227-329, para
se referir a trabalhos que conjugam ação e objeto, sendo esse objeto uma parte indissociável ou extensiva
da ação que o origina. Sua significação, está ligada a superfície de contato entre dois órgãos ou entre duas
ou mais porções orgânicas (pálpebras, lábios, válvulas cardíacas) separáveis ou não. (retirado de Houaiss,
Antônio e Villar, Mauro Salles. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001,
p.2854).
72
SCHIMMEL, Paul “Leap into the void: Performance and the Object”, In: SCHIMMEL, Paul (Org.)
Out of Actions: Between Performance and the Object. Thames and Hudson, 1998, p.21
pessoas ficarão encantadas ou horrorizadas, os críticos irão
confundir-se ou divertir-se, mas esses serão, estou certo, os
alquimistas dos anos 60. (...)”
73
É através dessa mudaa de postura do artista, tratando o fazer
como uma comissura da obra e que segundo Kaprow é parte de um legado
deixado por Pollock, que se formulará toda a arte experimental, tendo como
‘fonte geradora’ o Untitled Event” no Black Mountain College, na Carolina
do Norte, em 1952, organizado por John Cage. Nesse evento, uma espécie
de proto-happening, buscou-se explorar a integração de linguagens como o
teatro, a poesia, a pintura e a música “para formar uma sexta linguagem”
74
,
ainda não nomeada, onde Cage aplicou sua pesquisa sobre acaso e
indeterminação’, influência de seus estudos acerca da filosofia Zen.
Além da apropriação do gesto desse sujeito-artista’, que instaura, no
movimento vetorial de sua ação, o campo de forças no qual a obra começa
a se conformar, surge também a valorização da ação do outro, o sujeito-
espectador. O próprio Kaprow coloca essa “interação” como algo condicional
para a realização de seu 18 Happenings in 6 parts”, ocorrido em 1959, em
Nova York, pela necessidade de dar mais responsabilidade ao
espectador”
75
, cunhando ‘Happening’ a essa linguagem onde a interação
entre artista e espectador era indissociável, sendo posteriormente
“rebatizada” com diversos outros nomes ao longo de sua história: body art,
evento, ação, dé-collage, performance.
73
KAPROW, Allan. Op cit., p. 131
74
GLUSBERG, Jorge. A Arte da Performance. Ed. Perspectiva, 1987, p.25
75
Idem Ibdem, p.34
Tal exploração da ão corporal culmina na produção experimental
dos anos 1960 e 1970, como no caso das ações de Bruce Nauman no
espaço de seu ateliê, aproveitando-se de quaisquer atividades por ele
realizadas naquele espaço como trabalhos de arte, onde a questão
processual do ‘fazer artístico’ passa a ser literalmente incorporada não
enquanto parte integrante do trabalho, passando a ser ela mesma o próprio
trabalho. Assim como Nauman, Marina Abramovic, Vito Acconci, Lygia Clark
e o Grupo Fluxus, são alguns dos artistas e grupos de artistas que se
incluem no surgimento da arte experimental e que lidam diretamente com
aspectos relacionados à ação do corpo na obra, dedicando suas pesquisas
de modos diversos a uma investigação da potência subjetiva em sua
produção, visto que o ação corporal dissociada da subjetividade de
quem a produz.
O que de comum em relação a essas produções, além da
incorporação do gesto como um dado em comissura” com a obra? Nelas,
ainda que ação e objeto de arte estejam diretamente ligados, sendo parte
de uma mesma estrutura, é no contato com o que existe como ‘registro’
deles seja fotográfico ou videográfico, que se tratam de obras
produzidas nas décadas de 1960 e 1970 que podemos (re)acessá-las
76
.
Ainda que esse acesso o ocorra em “tempo real”, pois não se durante
da apresentação das obras, ele se apresenta como um caminho possível de
leitura dessas obras. É importante tamm colocar que uma diferença
estrutural entre o que é “registro” de uma ação ou performance e o que é
uma ão pensada para realizar-se para’ o vídeo ou para a foto,
76
Com a intenção de reativar alguns dos principais e seminais trabalhos de performance dos anos 1960 e
1970, a artista Marina Abramovic os reapresentou em 2005, no Guggenheim Museum em Nova York,
“Marina Abramovic: Seven Easy Pieces”. Com a permissão dos artistas, Abramovic realizou
performances de Bruce Nauman, Vito Acconci, Valie Export, Gina Pane e Joseph Beuys, além de dois
trabalhos de sua própria autoria.
explorando-os enquanto linguagem. Esta questão será retomada com mais
profundidade no capítulo seguinte.
2.3) Sujeito-artista: agente no corpo-vetor
2.3.1) Produção do ‘espaço entre’ ou espaço de atuação do
artista
As obras dos artistas que abordei no primeiro capítulo dessa
dissertação partem de modos variados, de uma experncia que se dá a
partir do gesto do artista enquanto integrante material de seu trabalho, que
é endereçado ao outro, o espectador.
Seja com Duchamp em seu deslocamento silencioso de posões
durante o episódio em torno de sua “fonte (ou ainda, em sua
caracterização como Rrose Sélavy); Bruce Nauman investigando ações do
artista enquanto obra’ em seu ateliê; Vito Acconci com seu desdobramento
de espaços múltiplos a partir da fala do artista; Lygia Clark com seus
‘objetos relacionais’ que ganham sentido no contato com o outro; ou
Marina Abramovic se colocando totalmente à disposição para ser
manipulada pelo espectador em Rythme 0”; o que se coloca em questão é
a transformação dos modos de atuação do artista pela valorização cada vez
maior da presença de seu corpo como integrante da obra, sua possibilidade
de deslocamento no circuito assumindo outros pais no mesmo e
ganhando com isso outros contornos possíveis a partir da própria prática
artística, a qual se reconfigura por sua própria demanda sendo indissociável
de uma reflexão acerca da História ou do circuito de arte.
Para tanto, o artista produz espaços de deslocamento através da
ação do sujeito-artista que, ao agir a partir do corpo do artista, atravessa-o
e atinge o outro (espectador) e o espo fora (circuito de arte): “ele
mesmo, como sujeito, podendo aparecer de forma efêmera, fugaz, como
efeito de um ato que se dá entre ele e o outro”
77
.
Se o sujeito-artista desloca-se e move-se, tornando o corpo do artista
dispositivo para sua ptica, seu corpo-vetor, é o sujeito-artista quem
define a direção e o sentido que esse vetor irá tomar, e ainda definir, quem
(ou o quê) será ‘inoculadopoeticamente através de sua ação. Esse sujeito-
artista age diretamente a partir desse corpo-vetor, potencializando as
questões que permeiam seu trabalho, afetando-o e sendo afetado por ele.
uma construção de alteridade a partir de trabalhos em que o corpo do
artista se coloca materialmente presente na realização e apresentação: o
artista produz um ‘espaço em si’ que será usado para localizar sua ação
corporal, ele se torna um ‘outro em si’, produz-se “enquanto objeto” de sua
ação, ou ainda faz com que reapareça outro’, para realizar seu trabalho
nesse ‘entre’. Ainda segundo Tania Rivera:
Trata-se de uma operação em que o sujeito se constrói
justamente ao se desprender de sua imagem – não para encontrar
“outra coisa” que não uma imagem, mas para se ver alternadamente
como eu e como outro na imagem, num constante “trans-parecer”
que não se deixa estancar nem num aparecimento, nem num
desaparecimento definitivo.
78
O artista tece aqui um outro em seu (im)próprio corpo, ele se
‘destitui de si’ e por isso mesmo ‘cai em si’ pois que esse outro que trans-
parece”, o integra e é também constitutivo dele, ainda que seja provocado
“como efeito de um ato” entre sujeito-artista e sujeito-espectador, sendo
77
RIVERA, Tânia. “O Retorno do Sujeito - Ensaio sobre a Performance e o Corpo na Arte
Contemporânea”, apresentado em mesa-redonda na Exposição Jardim das Delícias, no Museu da
república, Rio de Janeiro, em 12 de dezembro de 2006.
78
RIVERA, Tânia. Guimarães Rosa e a Psicanálise; ensaios sobre imagem e escrita. Jorge Zahar Editor,
2005, p.22
parte da trama que é tecida pelo artista para realizar sua obra: se tornar
esse ‘outro em si’, pela ação de seu ‘sujeito’, para realizar aí seu gesto.
Essa somatização” do espectador seria uma apropriação da
quina-desejante, que constitui o espectador, pela quina-desejante do
artista, usando termos de Deleuze e Guattari. Essa expectativa o é
menos que uma vontade de troca entre os afetos do artista e do
espectador, uma transmissão mútua da potência desses afetos, no
momento em que o espectador se disponibiliza a ser movido pelo gesto do
artista e, em resposta, mobiliza-se em direção a ele: (vetor_e). Nessa
associação, um diálogo que se funda com o movimento conjunto do
artista e do espectador, campo de formação do vetor (vetor_a) (figura
11).
Ocorre, com isso, um acionamento dos sujeitos (sujeito-artista,
sujeito-obra, sujeito-espectador) envolvidos nessa ação: não é apenas o
sujeito-artista que ativa sua obra, ela implica um refazer-se constante a
partir da ação do outro, que age justamente nesse campo invisível de forças
que se configura durante a apresentação da obra.
2.3.2) Instauração do diálogo como proposição
Esses acionamentos de sujeitos, formando associações ‘poético-
vetoriais’ deflagrando no encontro do artista (vetor_a ou ) e do
espectador (vetor_e ou ) algo que conforma a obra, é o que exploro em
duas de minhas performances das quais tratarei agora.
Na série “Diálogos” o desfazer, o deixar-se perder, está
profundamente localizado como índice poético. Nessa série, desenvolvida
desde 2003, o fio se torna dispositivo para o corpo, que desenha e desfaz
rastros de encontros vividos entre artista e espectador. No primeiro
trabalho realizado para esta série, intitulado “Diálogos 1a” (figura 12),
várias flores de crochê, amarradas em meu corpo, são dadas aos
espectadores que cruzam o mesmo trajeto realizado por mim durante a
performance. As flores o são arrematadas, portanto se desfazem durante
o afastamento do participador, visto que continuo o trajeto logo após a
entrega da flor. Os fios permanecem amarrados em meu corpo, formando
uma espécie de prolongamento, prótese, que é também registro de
memória do encontro com o outro.
A questão que se coloca é de que o encontro seja carregado como
“memória fabular” pelo participador, e, ainda, que esse encontro, que se
desfez na realidade, se refaça e se reative na memória desse participador.
Esse deslocamento ou movimento deslizante que parte da origem A
(artista) em direção a E (espectador) do vetor , impulsiona o outro ou
participador, para que ele se desloque e perceba que o que se a ver é
tamm o que se perde.
Em “Acconci(ente)” (figura 13), performance realizada no Museu
Histórico de Santa Catarina em Floriapolis e na exposição “Jardim das
Delícias”, no Museu da Reblica, trata-se justamente da criação de uma
relação mediada entre obra, espectador e referente. Utilizo como parte do
trabalho o vídeo “Home Movies”, realizado em 1973 por Vito Acconci, obra
citada tamm no primeiro capítulo desta dissertação. O vídeo é exibido em
uma pequena tela plana que é vestida em meu corpo, na altura do coração.
Sentada em uma mesa, transcrevo a fala do artista neste vídeo, que é
traduzida por mim como parte da ação, sendo manuscrita em um caderno
de caligrafia. Durante a performance, vou introduzindo tamm o que
acontece em meu entorno: se alguém se aproxima, se afasta, se fala
comigo, se algum ruído durante a ação, entremeando nessa escrita a
tradução do texto que Acconci fala no vídeo. A obra ocorre partir dessa
junção de fragmentos de duas temporalidades: a do tempo da performance
e a do tempo do vídeo, criando uma ficção que se forma nessa escrita-
costura.
A ão do sujeito-artista propõe sempre uma espécie de costura, que
parte desse ‘espaço entre’, ou esse lugar de realização da obra em seu
próprio corpo (outro em si), e do desejo de capturar o olhar do Outro
(espectador). Esse acontecimento, virtualmente apreensível” ao
espectador, depende tanto da capacidade da obra enquanto dispositivo
dessa captura quanto da disponibilidade do espectador de ser afetado por
ela e a partir de então ser um dos pontos de formação do corpo-vetor, que
se revela esse espaço difuso de “experiência flutuante”
79
.
79
BRITO, Ronaldo. Op Cit., p.7
49
3) O corpo-vetor e o(s) Fluxo(us): “História da Arte” como
“estória da arte”
3.1) Duchamp: a efemeridade do corpo como “traço”
Se a partir da arte experimental a vida se transforma em material de
trabalho, “do chapéu coco à voz monótona” citando Allan Kaprow
78
é na
transposição desses acontecimentos para a ordem da linguagem, que a vida
passa realmente a ser arte. Em casos onde a linguagem adotada pelo
artista é um “jogo de corpo”, seu trabalho também se desdobra pelo
registro que se faz dele, seja pela fotografia, filme, deo, texto, ou mesmo
pelo ‘relato’ ou formulação textual acerca deste trabalho
79
. Visto isso, é
sempre pela externalidade da linguagem (ou da imagem feita a partir
dela)”
80
que a obra comunica algo, ainda que a materialidade dessa
linguagem tenha como característica ser efêmera ou “desmaterializada”
81
.
com Duchamp, a utilização da fotografia como instrumento de
registro de um ato se coloca em questão, registros estes realizados por seu
78
Cf. nota 67, capítulo 2
79
Esse ‘relato’ a que me refiro, diz respeito a textos, escritos ou livros e cadernos de artista. Sobre isso,
Glória Ferreira coloca em seu texto “Apresentação” In: FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecília, (Orgs.)
Escritos de Artistas: anos 60 e 70. Jorge Zahar Editor, 2006. p.10, que “a reflexão teórica, em suas
diversas formas, torna-se, a partir dos anos 60, um novo instrumento interdependente à gênese da obra,
estabelecendo outra complexidade entre a produção artística, a crítica e a teoria e a história da arte.”
Ainda sobre isso, em “Contextos”. In: Incorporações: agenciamento do corpo no espaço relacional
(Texto retirado da tese de doutorado da autora defendida em 2003), 2004, p.5, Regina Melim aponta os
livros e cadernos de artista, como uma prática cada vez mais constante nos anos 60 e 70, as dando
ênfase ao caráter processual das obras”. Coloco ainda como questão, algo que também está ligada à
ordem do relato e que não é “contígua” à obra, mas certamente a recobre com uma outra camada de
sentido, mas diz respeito ao relato produzido por entrevistas concedidas pelo artista, ainda que essas
entrevistas sejam posteriores à produção da obra.
80
Cf. nota 58, capítulo 2
81
Refiro-me ao conceito de “desmaterialização” da obra de arte a partir da produção conceitual
desenvolvida pela critica americana Lucy Lippard. In: LIPPARD, Lucy. Six Years: The dematerialization
of the art object from 1966 to 1972, Berkeley, 1973. É importante salientar que embora os objetos de arte
produzidos por artistas ligados ao “conceitualismo” tenham, ao longo do período indicado por Lippard,
perdido sua “materialidade”, como uma forma de desestabilizar o sistema de arte, os ‘resíduos’ (fotos,
panfletos, etc.) dessa produção efêmera foram assimilados pelo circuito de arte assim como a arte
“materializada” criticada por esses artistas.
50
amigo, o artista e fotógrafo Man Ray. A lógica Duchampiana tira “proveito
de uma concepção da arte baseada essencialmente na gica do ato, da
experiência, do sujeito, da situação, da implicação referencial, que é a
própria lógica que a fotografia faz emergir”
82
. A fotografia como registro,
nesse caso, deixa transparecer apenas uma “marca, sinal, sintoma, como
traço físico de um estar-aí, (ou de um ter-estado-aí): uma impressão que
não extrai seu sentido de si mesma, mas antes da relação existencial e
muitas vezes opaca que a une ao que a provocou”
83
, vista desse modo a
fotografia é sempre relacional, ela costura’ duas temporalidades: aquela do
momento em que foi produzida àquela do momento em que é apresentada.
Muito antes da ‘permeabilidade entre arte e vidaproposta pela arte
experimental e da desmaterializaçãodecorrente da arte conceitual, citadas
no capítulo anterior mas de certo modo prenunciando-as –, Duchamp
desvencilha-se do que ele chamava ‘arte retiniana’, “propondo o ready-
made como antídoto a esta”
84
. Desse modo, sua produção atravessa
movimentos estilísticos e consegue, com gestos econômicos e altamente
calculados, revelar com precio aspectos relativos ao circuito de arte de
sua época. Com a proposição do “ready-made (ou mesmo encarnando
Rose Sélavy” (figura 14), na foto tirada por Man Ray) Duchamp é quem
primordialmente percebe a possibilidade de investigação acerca do campo
da arte e da atuação do artista comofontes” a serem questionadas,
problematizando-os a partir de sua prática, conforme foi colocado no
primeiro capítulo dessa dissertação. Duchamp nos mostra que o artista
82
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios, Papirus Editora, 2003, p.254
83
Idem Ibdem., p.257
84
DUCHAMP, Marcel apud TOMKINS, Calvin., p.181
51
deve deslocar-se da posição de autor, ser sempre outro: não apenas o que
inscreve sua obra (a fonte) em um salão, mas o que se apercebe do jogo do
sistema sob o qual essa obra” é julgada. Os traços ou tramas deixados
por Duchamp são fios que se estenderam longamente, continuam ainda
hoje tão atuais quanto proposições de artistas que o sucederam.
A linguagem pela qual seu trabalho ganha exterioridade se revela de
modos variados: no caso do episódio relativo à célebre “Fonte”, o que o
recoloca até nossos dias, não é apenas o registro fotográfico do objeto em
questão e sim o que existe como relato ou registro textual do mesmo: A
história da recusa da Fonte e o falatório que se seguiu entraram na história
principalmente por causa do relato de Beatrice Wood, testemunha ocular do
fato”
85
.
O que se apresenta enquanto produto da ão de Duchamp se
inscreve também como obra por que configurou, junto ao objeto em
questão, uma relação de contigüidade ou comissura, usando o termo de
Kristine Stiles – com o gesto que o instaura.
Sobre sua caracterização como Rrose Selavy, Duchamp nos diz (com
seu humor irônico característico):
“Desejava, com efeito, trocar de identidade e a primeira idéia
que me veio foi adotar um nome judeu. Eu era católico e já
seria uma mudança passar de uma religião a outra! Não
encontrei um nome judeu que me agradasse, ou que me
tentasse e de repente tive uma idéia: por que não trocar de
sexo? (...)”
86
.
85
Idem Ibdem., p.205. Beatrice Wood era uma amiga de Duchamp que acompanhou os desdobramentos
relativos à Fonte e sua “supressão” (usando o termo de Duchamp) no Salão da Sociedade dos Artistas
Independentes.
86
CABANNE, Pierre. Marcel Duchamp: Engenheiro do Tempo Perdido. São Paulo, Editora Perspectiva,
2001, p.110.
52
O jogo que Duchamp apresenta passa, nesse caso, pelo corpo do
artista que transformado por efeito de seu ato , é fotografado por Man
Ray como Rrose”. Não por acaso o artista tamm intitulou Rrose Sélavy
o manequim feminino exposto na Exposição Internacional do Surrealismo,
no qual colocou suas roupas, fato sobre o qual ele comenta a Pierre
Cabanne: “na galeria Wildenstein, em 1938, cada um de s tinha seu
manequim; eu tinha meu manequim de mulher ao qual dei minhas roupas;
era a própria Rrose Sélavy”
87
. Além das já citadas, Duchamp produziu
diversas outras’ Rroses”, desde àquela que desdobrou a partir de seu
próprio corpo (registrada na foto de Man Ray) bem como a toda sorte de
produções duchampianas, visuais e verbais, até 1941, quando
silenciosamente [Rrose] saiu de cena”
88
.
A fotografia de Man Ray revela ao espectador um efêmero registro do
“sujeito trouvé
89
Duchampiano: qual é o espaço entre seu corpo travestido,
o manequim vestido com suas roupas e os objetos Rrose”? Para arriscar
uma resposta a essa questão uso, mais uma vez, as palavras do artista:
“(...) Então, se você quiser, minha arte seria a de viver; cada segundo,
cada respiração é uma obra que não está inscrita em nenhum lugar, que
não é visual nem cerebral. É uma espécie de euforia constante.”
90
3.1.1) Kosuth / Kaprow: discursos de matriz Duchampiana
A partir dessa breve leitura acerca de duas das obras de Duchamp
(“Fonte” e Rrose Selavy) partindo principalmente do relato do artista
acerca das mesmas, seria possível situar a presença de características que
87
Idem Ibdem, p.112.
88
DUBOIS, Philippe. Op cit., p.257
89
BRITO, Ronaldo. Op Cit., p.6
90
DUBOIS, Philippe. Op Cit., p.125
53
marcam da modernidade à contemporaneidade na arte (a hibridação
crescente entre conceito e visualidade), sendo possível ainda apontar
características que influenciaram as correntes artísticas citadas no segundo
capítulo: a arte conceitual e a arte experimental. Talvez seja possível
referir-se à operação Duchampiana (o episódio da “Fonte” e sua recusa no
Salão da Sociedade dos Independentes) por via das ximas de Kosuth:
“trabalho como definição de arte” e “arte como tautologia”.
A “Fonte”, enquanto obra, se formula como tal para além do objeto
urinol”, conforme foi dito. O que constituiu o trabalho conjuga tanto o
objeto e o acontecimento, como o relato acerca dos mesmos, fazendo com
que a obra tenha se estabelecido como uma operação múltipla. Como
registro textual espécie de alise dos motivos que impulsionaram
“R.Mutt” a efetivar seu ato , publicou-se um artigo na revista “The Blind
Man” (editada por Duchamp junto a Beatrice Wood e Henri-Pierre Roché
tamm em 1917, por ocasião da abertura do Salão dos independentes),
intitulado O caso Richard Mutt”
91
. Neste artigo, os editores defendem que o
artista, atras da inscrição do urinol no referido Salão, situou-o de modo
que seu significado utilitário desaparecesse sob um título e um ponto de
vista novos criou um novo pensamento para o objeto”
92
. Certamente é
sob a influência desse novo pensamento” para o objeto, que passa longe
do “retiniano” e do “morfológico”, que Kosuth constata:
“A função da arte, como questão, foi proposta pela
primeira vez por Marcel Duchamp. (...) Essa mudança - de
“aparência” para “concepção” – foi o começo da arte
91
Segundo Calvin Tomkins, biógrafo de Duchamp, o artista afirmou que o texto foi escrito junto aos
editores da revista “The Blind Man”.
92
DUCHAMP, Marcel apud TOMKINS, Calvin., p.209
54
“moderna” e o começo da arte “conceitual”. Toda a arte
(depois de Duchamp) é conceitual (...).
93
A operação Duchampiana não é menos familiar à proposição de
Kaprow acerca da arte experimental, quando Kaprow afirma: “tudo se
tornará [e realmente se tornou] material para essa nova arte concreta”
94
.
Tal afirmação conflui conceitualmente com o discurso de Duchamp acerca
da Fonte, conforme colocou no texto O caso R.Mutt”: “Se ele [R. Mutt] fez
ou não com suas próprias mãos a fonte, isso não tem importância. Ele
ESCOLHEU-a. Ele pegou um objeto comum do dia-a-dia (...)”.
Bem mais tarde, em 1966, quando Duchamp responde à pergunta de Pierre
Cabanne, se ele [Duchamp] o teria mesmo interesse em ter uma cultura
artística, freqüentar galerias e museus, o artista responde: o posso ter
prazer em iniciar uma educação artística, no sentido antigo da palavra!”
95
e
dispara em seqüência, em outra resposta sobre sua obra, que cada
pequeno acontecimento da vida seja uma obra, ainda que não inscrita”.
3.2) Fluxus (ou Neo-Da): a produção de ‘outros circuitos’ e
algumas ressonâncias
Parece que Pollock tentou fazê-lo – pintura em vidro. Apareceu
num filme. Admitiu-se o fracasso. Essa não era a forma de proceder.
Não se trata de fazer de novo o que Duchamp já fez. Precisamos por
isso, hoje, ao menos ser capazes de ver o que está além – como se
estivéssemos dentro, olhando para fora. O que é mais chato que
93
Cf. nota 58, capítulo 2
94
Cf. nota 73, capítulo 2
95
CABANNE, Pierre. Op Cit., p.125
55
Marcel Duchamp? Eu lhes pergunto. (Tenho livros sobre sua obra,
mas nunca me dei ao trabalho de lê-los.) Ocupados como abelhas
com nada a fazer. Ele exige que saibamos que ser um artista não é
brinquedo de criança: é equivalente em dificuldade – certamente – a
jogar xadrez. Além do mais, uma obra de nossa arte não é só nossa,
mas pertence também ao opositor, que está lá até o final.
Anarquia?
96
Fluxus é, reconhecidamente, uma das mais ricas e interessantes
iniciativas de artistas surgida, sendo o mais complexo e largamente
subestimado movimento artístico (ou não-movimento, como eles mesmos
se denominavam) da primeira metade dos anos sessenta, desenvolvendo
um paralelo, bem como freqüente oposição, ao Pop e ao Minimalismo nos
Estados Unidos”
97
. Tamm chamado de Neo-Dadá por George Maciunas,
um de seus fundadores e mais representativos artistas, é possível encontrar
tanto em sua atuação quanto em seu direcionamento ideológico,
pensamentos comuns não só (mas em especial) com o movimento
Dadaísta, mas tamm com o Futurismo italiano. Se as propostas dos
artistas ligados às vanguardas históricas” defendiam a derrubada da
“tradição” na arte, surgindo como provocação à estabilidade do
pensamento racional, como rompimento do método, da idéia mesma de
disciplina”
98
, os fluxistas desejavam derrubar a chamada “arte erudita” ou,
em outras palavras, abandonar a arte como categoria de conhecimento,
que estuda a natureza da existência mesma da arte”
99
, conforme o “Fluxus
Manifesto” de George Maciunas, de 1963. Ainda assim, a produção Fluxista
96
CAGE, John. “26 proposições sobre Duchamp” In: De segunda a um ano – Novas conferências e
escritos de John Cage. Editora Hucitec, São Paulo, 1985. p.71
97
BOIS, Yve-Alain, H. D. BUCHLOH, Benjamim, FOSTER, Hal, KRAUSS, Rosalind. “1962a” In: Art
since 1900, Londres, Thames and Hudson, 2004. p. 456
98
CANONGIA, Ligia. O legado dos anos 60 e 70, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2005, p. 23
99
LUSSAC, Olivier. Happening & Fluxus: Polyexpressivité et pratique concrète des arts. Paris,
L´Harmattan, 2004, p.20.
56
apontou caminhos através dos quais o artista abre, a partir de sua
produção, seu próprio espaço de atuação: seja através da organização de
publicações, eventos e múltiplos de artistas, fundando uma espécie de auto-
gestão. O desejo dos ‘fluxistas’ ao realizar múltiplos de preços acessíveis,
ou ainda, propor trabalhos que eram performances a serem realizadas pelo
próprio espectador, sem que esse tivesse que ter qualquer tipo de
conhecimento específico de arte para realizá-lo
100
, era o de democratizar a
arte” e colocá-la em diálogo com a realidade de um mundo que nos anos
60, era atravessado por fatores que transformaram profundamente as
cadas seguintes, de maio de 1968 aos regimes totalitários da América
Latina, da guerra do Vietnã à descoberta da pílula anticoncepcional,
conforme aponta Ligia Canongia:
“E a arte acompanhou de perto as insurreições do momento,
implantando mudanças definitivas no universo estético (...) a ruptura dos
suportes tradicionais, a exploração do aleatório e a crítica do sistema oficial
da arte, a valorização de situações instáveis e a alteração do “lugar” da
obra de arte, assim como a inserção da comunicação de massa e do
cotidiano foram algumas das transformações substanciais deixadas pelos
anos 60.”
101
Definir o que é Fluxus” e enumerar seus participantes é das mais
árduas tarefas (figura 15). A origem de seu nome, que “supõe a idéia de
fluxo, de mutação e de inter-relação entre as artes”
102
, permite diferentes
aproximões a partir de inúmeras entradas. Cada ‘artista fluxus’ abre um
100
Sobre isso, Arthur Danto destaca em seu texto “O Mundo como Armazém: Fluxus e Filosofia”
(Catálogo “O que é Fluxus? O que não é? O Porque, Centro Cultural Banco do Brasil, p.28) a obsevação
de Maciunas reconhecendo Georges Brecht por ter estendido a idéia do ready-made ao domínio da ação:
“(...) uma ação “ready-made” deveria, igualmente, ser o tipo de ação que pudesse ser executada de
maneira simples e fácil por qualquer pessoa, a qualquer hora”. Danto exemplifica essa questão com o
trabalho “Lighting Piece”, 1955 de Yoko Ono: “Acenda um fósforo e observe enquanto ele se apaga”.
101
CANONGIA, Ligia. Op Cit., p. 62
102
LUSSAC, Olivier. Op cit., p.14
57
panorama diverso e intenso do que foi a atuação do grupo, mostrando
distintas nuances de sua produção. Muitos dos mais proeminentes artistas
dos anos sessenta estiveram ligados ao grupo. Segundo Dick Higgins, (um
dos ‘fluxistas fundadores’) “essas pessoas estavam espalhadas pelo mundo
inteiro”: Ay-O, Allan Kaprow, Ben Vautier, Carolee Schneemann, George
Brecht, Jonh Cage, La Monte Young, Nam June Paik, Shigeko Kubota, Yoko
Ono, entre muitos outros.
Vários artistas que freqüentavam o curso de composição
experimental de John Cage na School of Social Research integraram o grupo
Fluxus, sendo Cage (que chegou a integrar o grupo) e Duchamp referências
fundamentais. Influenciados pelos estudos com Cage, desenvolveram as
noções de “música de ação” ou “musica de acontecimento”, feitas com sons
cotidianos ou anti-artísticos”, conforme Wolf Vostell afirma em seu texto
intitulado “Fluxus”, publicado por motivo da participação do grupo na 1.
Bienal de São Paulo: a pretensão de que tudo possa ser música é a proeza
do Fluxus”. Também segundo Vostell destaca, o conceito de Happening era
algo importante para os fluxistas: “O Fluxus expandiu-se amplamente nos
primórdios dos anos 1960, apesar de, historicamente, situar-se após o
Happening. Penso também que sem o Happening o Fluxus o teria
ocorrido. (...)”. Ao longo de sua atuação, organizaram festivais, concertos e
performances em diversos espaços que iam da galeria gerida pelos fluxistas
como foi o caso da galeria AG, fundada por Almus Salcius e George
Maciunas – até o espaço urbano.
58
Ao localizar aqui, de modo resumido, a atuação do Fluxus, meu
interesse é tecer algumas considerações que acredito serem amplamente
pertinentes e próximas à minha produção, bem como de um modo mais
amplo, da minha geração de artistas. Os fluxistas desdobraram diversas
questões apontadas por Duchamp via Cage –, mas logicamente
acrescentando outras tantas, por influência do momento histórico em que
viviam e o que isso implicou em sua produção. Tal influência exercida pelo
Fluxus nos movimentos que surgiram contemporaneamente ou
posteriormente ao grupo é apontada por Olivier Lussac:
“o que caracteriza realmente os anos sessenta, o mundo novo
do consumo, é uma abordagem crítica da sociedade. Enraizada nos
movimentos das vanguardas históricas, futurismo, construtivismo
russo, dadaísmo,... se prolonga nas práticas do fim dos anos
sessenta, na Land Art, na arte processual ou anti-forma, arte
conceitual ou minimal e passa principalmente pelo Fluxus.”
103
É claramente perceptível que o movimento instaurado pelo Fluxus é
tamm matriz para a aproximação ou um ‘eclipsar’ da arte e vida que
continua a acontecer na cada de setenta. Mais ainda, as atuações
fluxistas abriram caminho para que o potencial de produção dos artistas
fosse direcionado para criar outros circuitos de atuação: o uso do espo
urbano e dos materiais cotidianos, a criação de lojas, galerias e publicões.
Tais ações eram efetivadas por uma divergência ideológica com o circuito
instaurado naquele período, conforme aponta Dick Higgins:
Temos de encontrar os modos de dizer o que tem que
ser dito à luz de nossos novos meios de nos comunicarmos.
Para isso vamos precisar de novas plataformas, organizações,
103
LUSSAC, Olivier. Op Cit., p.18
59
critérios, fontes de informação. Resta muita coisa ainda para
fazermos, talvez mais do que nunca. Mas agora temos que dar
os primeiros passos.”
104
Essas ressonâncias se fizeram sentir não apenas na produção que
emergiu na cada seguinte, mas se desdobraram até os dias de hoje,
reformuladas na prodão atual, onde cada vez mais os artistas produzem
publicações
105
, espaços de exposição ou eventos seja em seus próprios
ateliês ou casas pequenos centros culturais ou mesmo através de
parcerias com instituições que se mostram flexíveis e disponíveis a abrigar
esse tipo de iniciativas
106
. Isso se deve a uma crescente reformulação das
posições que artistas e gestores culturais e instituições vêm sofrendo no
circuito de arte. Se o artista desempenha papéis que o além da produção
na esfera da visualidade ou da produção de obras, se desdobrando e
ampliando o espectro de sua atuação, também as instituições encontram-se
obrigadas a se reestruturar.
Os caminhos indicados pelas iniciativas dos anos 1960 e 1970 o
as efetivadas pelo Fluxus, mas tamm por uma rie de outros artistas
104
HIGGINS, Dick. “Declarações sobre a intermídia”. In: FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecília,
(Orgs.) Escritos de Artistas: anos 60 e 70. Jorge Zahar Editor, 2006. p.141
105
Cito como exemplos de publicações de artistas, no Brasil com enfoque no Rio de Janeiro, o jornal
‘Planeta Capacete’, organizado por Helmut Batista de 2000-2004; a revista ‘O Ralador’, organizada por
Roosivelt Pinheiro e Guga Ferraz, desde 2002 e a revista ‘Nós Contemporâneos’, organizada por Edson
Barrus, desde 2002.
106
Cito como exemplos de espaços e eventos geridos por artistas no Brasil com enfoque no Rio de
Janeiro, o ‘Espaço Experimental Rés do Chão’ que funcionou na casa do artista Edson Barrus, de 2002 a
2005; o ‘Espaço Bananeiras’, gerenciado pelo artista Leonardo Videla desde 2001, que abrigou diversas
mostras organizadas por artistas, como a mostra ‘Incorpo(R)ações’ em 2006, da qual fui co-curadora
junto a Alexandre Sá e Beatriz Lemos.
Ainda como exemplo de colaborações entre instituições culturais e artistas (a partir da minha experiência
e produção), cito a “A_mostra Grátis”, mostra de vídeos apresentada mensalmente entre 2002 e 2004 na
área externa do ‘Espaço Cultural Sérgio Porto’ apresentando a produção de artistas jovens junto à
produção de artistas com uma produção já solidificada; e ainda a exposição “Jardim das Delícias”, um
pequeno recorte da produção de performance no Brasil, com enfoque na produção carioca recente de
performances ao vivo, realizada na ‘Galeria do Lago’, setor que apresenta mostras de arte contemporânea
no Museu da República, da qual fui co-curadora junto a Isabel Portella e Alexandre Sá.
60
–, foram gradativamente redefinindo a ‘cena’ artística vigente e se tornando
parte do sistema “institucionalizado”. A partir dos anos 1970 um crescente
número de iniciativas de artistas’ (chamadas independentes ou
alternativas
107
) foram efetivadas para que se mostrasse, e ainda, para que
fosse posvel se absorver a produção realizada que estava surgindo
naquele momento , em linguagens como a performance, a vídeoarte bem
como toda a sorte de trabalhos ‘intermídia’: (...) Os espaços alternativos
se tornaram um teatro do experimental e efêmero: vídeo, performance,
música, gigantescas instalações interdia, trabalhos site-specific que eram
quase-arquiteturas.”
108
.
Em convergência com alguns preceitos fluxistas, que indicaram a
possibilidade de afirmar sua produção e gerir diretamente sua circulação, os
artistas que se propõe realizar eventos, curadorias e exposições como
extensões de sua produção poética hoje, não se colocam em posições
rigidamente contrárias às instituições culturais (conforme a postura adotada
pelas vanguardas e seguida em certa medida por alguns artistas fluxus, fato
que se modificou e se tornou flexível de acordo com a atuação do grupo),
apesar de ainda manterem uma visão crítica acerca das mesmas.
3.2.1) Outros fluxos: modos de fazer, modos de entender
È importante deixar claro que essa mudança de postura do artista,
bem como a transformação que ocorreu na lógica institucional não se deu
107
“O Museu, com sua ‘mentalidade blockbuster’ ainda intacta, agora [a partir do final dos anos 80]
começa a ver os espaços alternativos como uma espécie de oportunidade comercial, na forma de algo
como um parque temático.” Tradução minha de trecho retirado de “1976 – The institutional structure of
art” FOSTER, Hal et all. “1976 – The institutional structure of art” In: Art since 1900. Thames and
Hudson, 2004, p. 577
108
Idem Ibdem., p.576
61
simplesmente graças à atuação de um grupo definido de artistas em um
local específico geograficamente
109
. Essa questão tem diversas outras
nuances, deflagradas por movimentos e formulações artísticas que o
serão aqui tocadas. Não trato aqui de traçar cronologias a partir da obra dos
artistas abordados nesse texto “atémeu trabalho. O interesse na produção
realizada nos anos 1960 e 1970, nesta dissertação, é investigar a partir
de alguns fragmentos dela indícios dessas que o linguagens que foram
inventadas e exploradas naquele momento (com as particularidades de
cada artista) e com as quais eu lido ainda hoje, guardadas as devidas
proporções, em meu trabalho. Acredito, portanto ser importante investigá-
las, para descobrir o que trouxeram como questão, para entendê-las, e
talvez de algum modo reelaborá-las, que a análise destas questões está
aqui, nesta dissertação, permeada pelo contexto atual, ao qual minha
produção pertence. Voltar o olhar para essa prodão que me antecede
talvez me possibilite como Cage propôs ser [capaz] de ver o que está
além como se [estivesse] dentro, olhando para fora”
110
.
Diferente do período que essas duas cadas abrangem momento
no qual se ‘inventava’ a possibilidade de se realizar um trabalho onde a
corporalidade do artista e do público estivessem implicadas e o acesso a
equipamentos eletrônicos era extremamente difícil muitos artistas hoje já
começam suas pesquisas a partir da performance ou do vídeo, estas que
surgiram como linguagens pouco mais de trinta anos. Explorar essas
109
No contexto brasileiro, da “arte ambiental” (que Hélio Oiticica identificou com o conceito de
“antiarte” em seu texto “Situações da Vanguarda no Brasil: Propostas 66”), à atuação do Grupo Rex que
segundo os próprios “realizaram em 61 o 6º. Acontecimento, que pode ser considerado o primeiro
Happening do Brasil” conforme o grupo destaca no texto “Aviso:Rex Kuput”, ambos publicados em
FERREIRA, Glória (org.). Crítica de Arte no Brasil: Temáticas Contemporâneas, Funarte, Rio de
Janeiro, 2006.
110
CAGE, John. Op. cit., p.71
62
linguagens trinta anos era sinônimo de ruptura, hoje elas são também
consideradas ‘categorias artísticas’.
Proponho, portanto, analisar essas obras a partir de uma ‘leitura
poética’ das mesmas, deslizar nessa “reta suporte” da história da arte a
partir do corpo-vetor, para que seja possível reformular suas questões e
entender de que modo elas podem ser acessadas no momento atual, sendo
este um dos objetivos desse desdobramento textual de minha prática.
3.2.2) Ainda (e brevemente) sobre os “traços deixados nas
imagens
É evidente que a fotografia pode intervir em tais
práticas como simples meio de arquivagem, de suporte
de registro documentário do trabalho do artista in situ, ainda
mais por que esse trabalho se efetua na maioria das vezes
num lugar (e às vezes num tempo) único, isolado, cortado de
tudo e mais ou menos inacessível, em suma, um local e
trabalho que sem a fotografia permaneceriam quase
desconhecidos, letra morta para todo o público.”
111
Apesar da citação se referir à obras de Land Art, Philippe Dubois
afirma também que: “quanto ao campo da arte corporal (Body Art) e arte
do acontecimento (Happening e Performance), poderíamos nelas perceber
exatamente o mesmo percurso e as mesmas apostas fotográficas que as
descritas a propósito da arte ambiental.”
112
Sobre o acesso restrito a esses
trabalhos, o autor aponta que os mesmos, em sua maioria, chegaram a
s pela memória fotográfica que faz as imagens-traços circularem e
111
DUBOIS, Philippe. Op. Cit., p.283
112
Idem Ibdem., p. 289
63
multiplicarem-se”
113
. Portanto, é possível encontrar, a partir dessa
afirmação de Dubois alguma confluência entre os Land-artists, e os artistas
da Body Art e da Performance, visto que ambos produzem em diferentes
medidas, situ-ações’ onde o trabalho não é posto em um lugar, ele é esse
lugar”
114
, conforme a frase de Michael Heizer.
De Duchamp aos Fluxistas, de Nauman a Acconci, as imagens que
registram, ou mesmo que conformam a obra, se dão como traço ou indício
de uma presença material (no tempo da ação) que se tornou auncia (no
tempo da recepção), mais que, ainda assim, permanece inscrita nessas
imagens. O acesso que temos acerca de grande parte dos trabalhos
experimentais realizados nos anos 60 e 70, se efetiva pelas imagens em
fotografia, filme ou vídeo e ainda pelo relato acerca dos mesmos, como já
foi dito. A visualidade dessas obras se faz sempre desdobrada, em camadas
contíguas que o passam apenas pelo contato com essa imagem, que
algo se perde no momento da ação e o se apresenta no momento do
acesso ao ‘resíduo visual’ que registra a ação.
No caso das obras de Bruce Nauman e Vito Acconci, analisadas no
primeiro capítulo, essa questão se coloca de outro modo, há algo que
diferencia esse acesso: as obras Thighing (Blue)”, de 1967 e Home
Movies”, de 1973 foram produzidas a partir de ações que se deram
diretamente para a mera. Esse procedimento vai instaurar imagens que
estendidas como imagens eletrônicas tornavam-se ampliações do ato do
artista”
115
. Essas extensões chegam então ao espectador, que pode aces-
113
Idem Ibdem., p.285
114
HEIZER, Michael apud FERREIRA, Gloria e COTRIM, Cecília (orgs). Op. Cit., p.275
115
MELIM, Regina. “Trajetórias”, Op. cit, p.3
64
las com a ‘integridade da intenção’ do artista, visto que a ação está ali
completa e funciona como dispositivo poético para a produção destes. Deste
modo, o vídeo ou filme não é resíduo da ação, nem está contígua a ela
enquanto obra, pois foi feita para acontecer diretamente enquanto vídeo e,
portanto, é a ‘própria obra’
116
. Diferentemente desses exemplos, no caso
das obras de Lygia Clark e Marina Abramovic, Objetos relacionais” e
“Rythme 0”, acerca das quais também comentei no primeiro capítulo, os
registros sejam eles fotografias ou vídeos acerca das mesmas –, serão
sempre um resíduo ou traço da ação, mas que proporciona ao espectador a
possibilidade de acessar, ainda que parcialmente, a ação (ou relação) que
se deu em um espaço de tempo e lugar específicos
117
. Isso também
ocorreria no caso de ões Fluxistas: as imagens de Shigeko Kubota
performando sua “Vagine Painting”, de 1965, durante o “Perpetual Fluxus
Festival” (figura 16) para citar um exemplo na vasta produção do grupo
apenas remontam à sua ação, oferecendo como possibilidade a quem
acessa essa imagem, projetar, ‘imaginar’ (a partir do traço ou indício que
ela é), o que foi aquela ação, podendo fazer dela um ponto no qual se pode
amarrar um dos ‘fios’ que iniciam a trama da “leitura” daquele trabalho.
3.3) Zonas de Indeterminação e Fabulação construções do Corpo-
vetor: ‘estória da arte’ a partir da ‘História da Arte’
116
Rosalind Krauss aponta em seu texto “Video: The Aestetic of Narcissism”, publicado no primeiro
número da revista October, que Bruce Nauman e Vito Acconci “usam o vídeo como “possibilidade de
duplicação da performance”.
117
No caso de Lygia e seus “objetos relacionais”, essa ‘ação específica’ a qual me refiro, que poderia de
alguma maneira ser acessada pelos registros em vídeo e fotografia, é àquela que se deu entre a própria
artista e o “participador” (ou cliente como ela passou a chamar) da ‘sessão’ que Lygia realizava com esses
objetos.
65
O tipo de abordagem da História da Arte que faço aqui é um desvio
da noção linear de história. Ao partir de uma análise de alguns trabalhos
experimentais e traçar analogias entre essas obras e a minha produção (e,
mais genericamente, alguns aspectos pertinentes ao modus operandi de
minha geração, como apontei neste capítulo), crio modos de entender tanto
no que consiste meu trabalho, mas fazendo-o como uma elaboração de
questões que estão do lado de fora dele, que embora distantes
cronologicamente, se fazem próximas a partir da construção textual, que é
um dos espaços em que podemos construir proximidades. Esses fios, que
não se entrelaçam diretamente, às vezes se desconectam na cronologia,
mas desenham caminhos, lançam possibilidades e traçam cartografias
possíveis entre minha produção e àquela dos quais escolhi como pares.
Essa História da Arte ‘(a)propriada’ que talvez possa tamm ser
chamada de ‘estória da arte é uma trama dialógica formada a partir de
uma leitura particular, um tecido em processo: as obras escolhidas ou a fala
desses artistas a partir de sua produção, (ou mesmo acerca da própria
História da arte) foi o que me interessou deixar em primeiro plano, não
desconsiderando é claro, conforme já foi colocado, o discurso dos críticos e
historiadores acerca dos assuntos aqui abordados. Essa abordagem foi feita
para que, a partir dela, se criasse um desenho” de algo que seria como um
breviário de meu corpo-arquivo” de artista, que se estabelece pela via da
identificação ou da paridade poética, camadas que se formam com o olhar e
tempo (sempre fragmentados); pelo contato (des)contínuo; costura de
heterogêneos com linha híbrida; que parecem estar próximas de como se
caracteriza a contemporaneidade: esse período que, se tem algo de próprio,
66
“(...) é ser um “amontoado” de teorias coexistindo em tensão, ora
convergentes, ora divergentes. Essa é a História desse Outro Novo.”
118
o pretendo, ao de enfatizar ao discurso do artista, defender que
um domínio da linguagem situado na palavra deste, mas certamente nela
se revelam fatores pelos quais o artista é atravessado ao produzir seu
trabalho, dos quais ele enquanto vetor_a (vetor artista) é portador’ e,
portanto, passará à obra pela relação aritmética entre o que permanece
inexpresso embora intencionado, e o que é expresso não-
intencionalmente”
119
, passando ainda ao espectador “sob a forma de uma
osmose estética”
120
.
Toda obra também possui suas zonas de indeterminação lacunas,
pontos indiscerníveis, espaços o-enunciáveis. Talvez sejam também estes
pontos que possibilitam que se formem outros campo de vetores’, abrindo
lugares para que se instaurem possíveis corpos-vetor e com isso outras
estórias e histórias da arte o contadas , através de uma fabulação ou
textura poética conjunta, que como tal só se completa no diálogo com o
fora, através do olhar do outro, seja o leitor dessa dissertação ou o
espectador que se deixar afetar ou contaminar” que aqui ela tem a
“potência transmissiva” de ‘vetor’ - pela obra.
118
BRITO, Ronaldo. “O Moderno e o Contemporâneo (O Novo e o Outro Novo)” In: BASBAUM,
Ricardo (org.). Arte Contemporânea Brasileira: texturas, dicções, ficções, estratégias Rio de Janeiro,
Contra Capa, 2001.
119
DUCHAMP, Marcel. Op Cit., p.73
120
Idem Ibdem.
67
Conclusão
A construção dessa dissertação se estrutura com base em ts
questões principais, que estão imbricadas no texto como um todo: o corpo
do artista e do espectador (considerando posteriormente também o corpo
do leitor deste texto); a escrita de artista como espaço de desdobramento
ou extensão de sua produção visual; e o circuito de arte, no qual o artista
vem se deslocando de posições de modo cada vez mais intensivo e sob
aspectos diversos. Tais questões são relacionadas em diferentes medidas a
cada capítulo, onde se desenvolvem entrelaçamentos possíveis para
enunciá-las.
Como ponto de partida para a realização da dissertação foi propus a
formulação do conceito de corpo-vetor. Sua conformação se deu, em
princípio, na inter-relação entre aspectos referentes à investigação da “ação
do corpo” nas obras pesquisadas e de formulações científicas acerca do
termo “vetor”, conforme apresentadas na introdução. Esse corpo em ação”
a que me refiro, o diz respeito somente ao uso do corpo do artista para a
configuração de sua obra (seja material ou subjetivamente), mas considera
tamm a ação do espectador ou participador (aquele a quem o artista
endereça sua obra), e ainda, do leitor desse texto (considerando que sua
ação também se articula com o texto). Enfatizei na significação de “vetor
sua capacidade de sugerir ou representar deslocamentos (definições da
matemática e da sica), transmitir e inocular (definição da biologia)
formando, a partir disto, algo que funciona ao longo dos ts capítulos como
um dispositivo poético, espécie de ferramenta (como uma agulha de crochê
68
que entrelaça as questões que foram colocadas no texto). As noções
científicas foram reconfiguradas para serem utilizadas na construção do
corpo-vetor e apesar de serem inicialmente tomadas também em sua
medida literal, serviram ao texto transfiguradas pela ordem poética e
fabular, como pequenas ficções que tem em si, traços do real.
Apontei, no primeiro capítulo, que a escrita concebida no texto se fez
tamm através do processo de tecer, por estar intimamente ligada ao
modus operandi estabelecido em minha produção visual. Deste modo, o
texto estruturou-se como uma trama-conceitual, trama esta que foi
constituída através de um fio-híbrido, ou seja, a junção de conteúdos de
toda ordem presentes na pesquisa, da filosofia à história da arte, da crítica
de arte ao relato do artista, agregando-os como um tecido de espaço liso”,
conforme conceituado por Deleuze e Guattari
120
. Indico, com isso, no
segundo capítulo, que o conceito-obra de corpo-vetor conforme enunciado
no texto desta dissertação se apresenta como algo indissociável de meu
trabalho artístico. Esse locus da dissertação o serve apenas para que se
analisem questões pertinentes a uma visada da produção histórica da arte,
mas para que seja, ao mesmo tempo, espaço para estender (e entender)
minha prática artística. Foram abordadas, também no segundo capítulo,
questões advindas da arte conceitual e da arte experimental como
movimentos de caráter heterogêneo que contrapõem “rigor cartesiano”,
associado à arte conceitual e liberdade de contaminação” vinculada à arte
experimental. Entretanto, ambos manifestam o desejo de investigar o
120
Sobre o espaço liso, nos dizem Deleuze e Guattari: “No espaço liso, portanto, a linha é um vetor, uma
direção e não uma dimensão ou uma determinação métrica. É um espaço construído graças às operações
locais com mudanças de direção.” DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. “O liso e o estriado” In: Mil
Platôs - capitalismo e esquizofrenia, São Paulo, Editora 34, 1997. Vol. 5, p.185.
69
conceito de arte que se na própria externalidade da linguagem”
121
, e a
partir disso, esboçou escritas na superfície profunda” da pele da arte,
reescritas, “re-tecidas” e retesas pelo artista contemporâneo.
Partindo da premissa básica de formação de um circuito de
apresentação da obra – ou seja, a tríade composta por artista, obra e
espectador foi adotada como definição que esses seriam os vetores
agentes para o aprofundamento da formulação de corpo-vetor: vetor_a,
vetor_o e vetor_e. Esses vetores estariam (segundo foi desenvolvido no
primeiro capítulo e recolocado nos capítulos seguintes), em permanente
interação, formando com isso um campo de forças vetorial ou espaço de
corpo-vetor, percebidos de modos diferentes a cada proposição artística
analisada.
Foram citadas como exemplos, obras de Lygia Clark (“Objetos
Relacionais”, desenvolvidos a partir de 1961) e de Marina Abramovic
(“Rythme 0”, de 1974). Ainda que de modos muito diferentes, quase
antagônicos, ambas colocam o outro ou espectador, que chamo vetor_e
como parte integrante da ão que configura os trabalhos. Clark,
interessada pela fantasmática do corpo”, ativa essa investigação a partir
dos “Objetos Relacionais” e a relação destes com o “espectador”. Essa
pesquisa levou a artista a se manter em um espaço fronteiriço entre arte e
terapia, passando a utilizar seus objetos no campo terapêutico,
desenvolvendo sessões” a partir dos mesmos. Abramovic coloca o outro
em um espaço que pende entre algoz e vítima. Oferecendo-se para ser
manipulada com objetos tais como uma tesoura e uma arma de fogo a
121
Cf. nota 58, capítulo 2
70
qual que chega a ser apontada para sua cabeça, momento onde foi
obrigada a finalizar sua performance a artista se coloca em posição de
vítima, sujeita a ação do outro, mas é ela mesma quem ao outro a
possibilidade de “intervir”, ainda que com violência, em seu corpo.
Em ambos os casos a obra se efetiva através da interação entre
vetor_a e vetor_e: a obra se faz pelo encontro ou “soma” entre esses
vetores. O vetor_o aqui, é produzido no momento de converncia, de
inter-ação entre vetor_a e vetor_e. Conclui-se, no entanto, talvez por
tratarem de linguagens diferentes, visto que a obra de Lygia o se
inscreve na esfera da performance, que os Objetos Relacionais”
independem de sua presea sica. Apesar de não terem nada de per si’,
segundo a própria artista, esses objetos podem ainda hoje ser
‘experimentados’. Abramovic por sua vez, uma das artistas mais
representativas da performance, propõe que seus trabalhos, especialmente
os da cada de 70, deveriam ser refeitos pelos espectadores, para que
cada um tenha sua própria experiência dos mesmos
122
. Seguindo essa
premissa, a artista realizou no Gugenheim Museum, uma mostra intitulada
“Seven Easy Pieces”, refazendo sete trabalhos extremamente
representativos da Body Art, de autoria de artistas como Bruce Nauman,
Vito Acconci, Valie Export, Gina Pane, Joseph Beuys, e ainda dois outros
trabalhos de sua autoria. Desta forma, Abramovic recoloca uma questão
acerca de performances em que o corpo do artista é parte integrante das
mesmas: a presença do corpo do autor é necessária? Seria possível
“reacessar” essas obras através de outros corpos, ainda que o corpo do
autor seja, nesses casos, um corpo-suporte?
122
DENEGRI, Dobrila. “Conversation with Marina Abramovic” In: Catálogo “Marina Abramovic –
Perfoming Body” Milano Edizioni, Charta, 1998.
71
A partir da relação entre os vetores indicados na análise das obras
pesquisadas, foi realizada uma espécie de “aplicação” da noção de vetores.
Definiu-se com isso, o campo vetorial no qual se formariam espaços de
corpo-vetor. Outra questão levantada na dissertação, ainda no primeiro
capítulo, se colocou a partir das obras onde o artista age duplamente, sendo
propositor e suporte da obra. Neste caso o uso de seu corpo pelo próprio
artista, se apresentando enquanto ‘matéria presenteno trabalho, faz deste
mesmo um corpo-suporte. Aqui, o corpo se coloca praticamente como um
suporte tradicional da arte: disponível para a ação ou gesto do artista, é
explorado de modo semelhante ao que se nos procedimentos artísticos
tradicionais, tais como a fatura escultórica ou o próprio circuito de arte.
Contudo, essa relação se dá de forma contundente e muitas vezes irônica.
Como exemplos dessa transfiguração acerca dos ‘procedimentos
artísticos’ foram citadas as obras “Thighing (Blue)”, de Bruce Nauman, de
1967, ação realizada diretamente para o suporte fílmico na qual o artista
manipula o próprio corpo, como se estivesse moldando um pedaço de
argila. Neste trabalho, o ‘fazer artístico’ proveniente de categorias
tradicionais da arte como a escultura, o reapropriados, sendo utilizados
no próprio corpo dos artistas. Estas ações serão ainda estendidas para
outras linguagens como o filme, o vídeo e a fotografia. A manipulação do
próprio corpo também aparece na obra de Vito Acconci, em seu vídeo
intitulado “Home Movies” de 1973. Nesta obra Acconci desdobra-se ao
instaurar espaços de “presença fantasmática”, conforme o próprio artista se
refere à sua prática. Partindo da apresentação de slides de suas obras
anteriores, realizadas desde 1970, assume quatro posições corporais,
desenvolvendo um tipo de discurso diferente para cada uma das mesmas ao
72
se dirigir a interlocutores ausentes. A obra de Acconci, bastante
representativa da Body Art, aponta não para uma manipulação corpórea
do artista enquanto suporte, mas do próprio sujeito enquanto espaço de
ação (questão aprofundada no segundo capítulo). Isso foi indicado,
portanto, como uma apropriação do que é próprio’ do artista ou re-
(a)propriação, seja dos procedimentos tradicionais redefinidos, seja de seu
próprio espaço subjetivo em deslocamento como parte da configuração da
obra.
As questões relativas ao corpo-vetor aplicadas ao acontecimento da
obra tamm o analisadas a partir de alguns trabalhos visuais de minha
autoria. A performance Make Over” de 2006, um comentário irônico acerca
de um ritual feminino, se desdobra através de registros em fotografias
polaroid que, realizadas como parte da ão, mostram as fases através das
quais o trabalho se efetua. Indicou-se a partir desse trabalho, além do
‘corpo da artista ser seu corpo-suporte, efetivando também uma re-
(a)propriação, um espaço de corpo-vetor em deslocamentos
(des)contínuos, próximo à dicotomia proposta como um “pequeno jogo
entre o ‘je’ e ‘moi’”
123
por Duchamp, aqui um espaço de sujeito se coloca
a partir da obra como espaço de ação.
Ao longo dos três capítulos da dissertação, estiveram ainda citados os
seguintes trabalhos: o Instituto de Legitimação do Artista” de 2001,
divulgado atras de cartazes, filipetas e anúncios, ironizando questões
latentes, mas ‘não-declaradas’, do funcionamento do circuito de arte
carioca, pontuadas também por minha experiência como artista iniciante; a
123
Cf. nota 14, capítulo 1
73
performance/vídeo/fotografia “Procura(r)-se” de 2003, onde a situação de
silêncio forçado torna-se condição para (des)organizar a relação com o
espectador; o deo “Devir” de 2002, realizado a partir do diálogo corporal
de um casal, que tem seus olhos vendados, durante o processo de
descoberta do outro; a performance “Dlogos 1a” de 2003, performance
onde o fio se torna dispositivo para o corpo, que desenha e desfaz rastros
dos encontros com o espectador; “Acconci(ente)” de 2006, performance
onde a mediação entre as temporalidades do vídeo de Vito Acconci, e do
espectador o conflitadas através da escrita utilizada na performance,
criando uma ficção; bem como minha atuação em curadorias e organização
de exposições citadas no terceiro capítulo, entrelaçada com a análise de
algumas propostas de artistas que atuaram a partir do circuito de arte.
As obras de minha autoria aqui citadas partem, de um modo geral,
de uma ambigüidade subjetiva: diferente do “desaparecimento do sujeito”
proposto por Foucault ou da “perda da identidade do corpo” ambos tratando
da questão do autor (que foi primordialmente localizado na construção
literária) há sempre um “transparecer”
124
entre sujeito-artista (aquele que
se apresenta a partir da espessura da linguagem) e sujeito-biográfico
(aquele que se representa mas [quase] nunca se percebe”
125
), conforme
foi apontado no segundo capítulo dessa dissertação. Acredito ser a partir
dessa interação, desse “transparecimento”, que o artista abre lugar para
que se realize uma obra em artes visuais.
Tratando a questão do circuito de arte, foi analisada a operação
Duchampiana relacionada a seu mais famoso ready-made, a Fonte, ou
124
Cf. nota 78, capítulo 2
125
Caillois, R. “Mimetismo e Psicastenia Legendária”, in Che Vuoi? Psicanálise e Cultura, Porto Alegre,
outono de 1986, ano 1, no. 0, p. 60. Frase de Callois sobre o “diedro da representação”, que junto ao
diedro da ação, formaria o “fenômeno complexo” da percepção do espaço: “indissociavelmente
percebido e representado (...) um duplo diedro a todo momento mudando de grandeza e de situação”.
74
conforme o texto a esse respeito publicado por Duchamp na revista “The
Blind Man”, da qual Duchamp era um dos editores, “O Caso R.Mutt”. O
desdobramento de posições que Duchamp exerce ao realizar essa operação
revela, ainda que silenciosamente, toda uma rede de relações,
sistematizações e legitimações relativas a esse circuito. É ainda Duchamp
que indica primordialmente com a criação de Rrose Sélavy”, (analisada no
terceiro capítulo), a possibilidade de se utilizar a fotografia como
permanência ou traço” de uma ação, conforme enuncia Philippe Dubois,
bem como desdobra, contigüidade ou “comissura” como indica Kristine
Stiles acerca do que se produz enquanto objeto derivado do gesto do
artista. Esse espaço de “traço”
126
funciona tanto como registro quanto como
“ampliação do ato do artista”
127
, e ainda, como possibilidade de reacessar
esse ato, através de seus resíduos visuais’. Nesse sentido propus ainda
uma breve investigação do grupo Fluxus enquanto artistas que assimilaram
a possibilidade de instaurar uma circulação de sua produção em eventos e
festivais, através do conceito de intermídia e pela hibridação de linguagens,
indicando assim, a abertura de outros espaços para a atuação do artista.
Ainda no terceiro capítulo, foi proposto que a História da Arte possa
ser tamm entendida e construída também enquanto estória da arte, como
um modo de (des/re)organizá-la, a partir de um desvio da linearidade
pertinente a ela, fazendo com que o artista possa se relacionar de um modo
mais direto com a produção já assimilada e legitimada.
Esse tecido em processo, um amontoado de teorias coexistindo em
tensão”
128
arremata-se por sua impossibilidade de fechamento e por sua
126
Cf. nota 83, capítulo 3
127
Cf. nota 114, capítulo 3
128
Cf. nota 117, capítulo 3
75
necessidade de abertura e continuidade, como algo que revelou o início de
sua tecedura, a partir da qual está estruturada essa dissertação,
configurando um começo. Espero que esse dispositivo poético funcione para
o leitor que com ele interagir, a partir de seu espaço de vetor_e, que
nessa dissertação foi estruturado um conceito-obra, e seu leitor é também
um leitor-espectador.
Parafraseando Lygia Clark, bem como o avesso de sua frase, termino
por indicar a construção desse conceito-obra tanto como um “itinerário
interior fora de mim”
129
, quanto como um itinerário [exterior dentro] de
mim”, ou ainda, um “itinerário em fluxo”, constituído por suas tramas bem
como por suas zonas de indeterminação e fabulação.
129
Originalmente publicada em Clark, Lygia. Do Ato (1965). In Catálogo da Exposição Lygia Clark.
Barcelona/Rio de Janeiro et al.: Fundació Tapies e Paço Imperial, 1997/1999, p. 164., esta citação foi
extraída do texto “O Retorno do Sujeito – Ensaio sobre a Performance e o Corpo na Arte
Contemporânea” de Tania Rivera.
76
Figura 1
Detalhe do processo de tecedura no crochê
77
Figura 2
Lygia Clark, Objetos Relacionais, 1966
78
Figura 3
Marcel Duchamp, Fonte, 1917
79
Figura 4
Daniela Mattos, ILA (Instituto de Legitimação do Artista), 2001/2003
80
Figura 5
Daniela Mattos, Make Over, 2006, performance/instalação
81
Figura 6
Bruce Nauman, Thighing (Blue), 1967, still de filme
82
Figura 7
Vito Acconci, Home Movies, 1973, still de vídeo
83
Figura 8
Marina Abramovic, Rythym 0, 1974, performance
84
Figura 9
Daniela Mattos, Devir, 2002, vídeo
(fotografias utilizadas para a realização de vídeo)
85
Figura 10
Daniela Mattos, Procura(r)-se, 2005,
Impressão fotográfica de still de vídeo, 40 x 90 cm
86
Figura 11
Gráfico do espaço da soma entre Vetor-artista, Vetor- espectador, e Vetor-obra
(Vetor-artista = , Vetor-espectador = , Vetor-obra = ).
87
Figura 12
Daniela Mattos, Diálogos 1a (Série Diálogos), 2003
88
Figura 13
Daniela Mattos, Acconci(ente), 2006, performance
89
Figura 14
Marcel Duchamp, Rrose Sélavy, 1920
fotografado por Man Ray
90
Figura 14
Dick Higgins, Fluxus Chart, 1978
91
Figura 16
Shigeko Kubota ,“Vagine Painting”, 1965, performance realizada durante o
“Perpetual Fluxus Festival”
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