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No tocante a democracia, cabe trazer à colação parte de uma entrevista concedida por
José Saramago, escritor português, onde questiona a ilusão do mundo democrático da seguinte
forma:
O que é o funcionamento das instituições democráticas, isso chega até onde?
Chega até a capacidade do Cidadão de eleger um governo. Se não está
satisfeito com este governo, nas eleições seguintes pode tirar este e por
outro, que isso traz mudanças sim. Mas mudar de governo não significa
mudar o poder, e este é o drama da democracia. Para dar um exemplo muito
simples, nós sabemos que vivemos hoje voltados para o mercado de
trabalho. Mas vivemos hoje em uma situação de emprego precário,
misticamente designada de mobilidade social.
Minha pergunta é: dá para acreditar, para usar uma expressão mais brasileira,
que algum governo no mundo se sentou para deliberar, e algum ministro teve
a idéia, de acabar com a idéia do pleno emprego, e passar para o emprego
precário? É completamente impossível. Eu não acredito que nenhum
governo tomou essa decisão. No entanto, o emprego precário existe no
mundo inteiro, ninguém tem segurança no emprego, pode acontecer que hoje
uma pessoa tenha o seu. Esta é hoje a realidade do mercado de trabalho.
Portanto, da onde veio esta necessidade de transformar a idéia do pleno
emprego naquilo que é hoje o emprego precário?
Evidentemente, veio de cima, quero dizer, veio do poder econômico, a quem
não convém existir segurança no trabalho, a quem não convém continuar
com suas fábricas instaladas em países com exigência quanto ao horário de
trabalho e a salários altos. Vão colocar suas fábricas nas Filipinas ou na
Indonésia, onde essas exigências não existem, onde não há sindicatos, e as
pessoas trabalham 10 ou 12 horas por dia. Portanto, se é assim, chegamos a
uma situação preocupante. Os governos que elegemos, no fundo, são
correias de transmissão das decisões e das necessidades do poder
econômico, e os governos não só funcionam como correias de
transmissão, mas também como os agentes que preparam as leis, como
as que levam ao emprego precário.
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(grifo nosso)
Segundo o autor acima, as leis que os governos elaboram proporcionam o
aparecimento do emprego precário, em detrimento do pleno emprego, contrariando a política
de Estado da busca pelo pleno emprego. Essa atitude embora não seja desejada a princípio,
acaba sendo necessária, pois o governo cede às exigências dos detentores do capital, buscando
mais a finalidade econômica do que a social. Nesse ínterim, vale trazer a baila as palavras de
Ricardo Antunes:
Os capitais passaram, então, a exigir a flexibilização dos direitos do trabalho,
forçando os governos nacionais a ajustarem-se à fase da acumulação
flexível. Flexibilizar a legislação social do trabalho significa não ser possível
nenhuma ilusão sobre isso, aumentar ainda mais os mecanismos de extração
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SARAMAGO, José. Que democracia é esta? Disponível em: http//agenciacartamaior.uol.com.br/reportagens.
Acesso em: 05/09/04.