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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
GIOVANA HENRICH
AIDS FEMININA: UM OLHAR NO ESPELHO
SEM MAQUIAGEM
Porto Alegre
2008
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1
GIOVANA HENRICH
AIDS FEMININA: UM OLHAR NO ESPELHO
SEM MAQUIAGEM
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Serviço Social, da Faculdade
de Serviço Social da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em Serviço
Social.
Orientador: Profº Dr. Francisco Arseli Kern.
Porto Alegre
2008
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2
GIOVANA HENRICH
AIDS FEMININA: UM OLHAR NO ESPELHO
SEM MAQUIAGEM
Essa dissertação foi submetida ao processo de
avaliação pela Banca Examinadora para
obtenção do título de:
Mestre em Serviço Social
E aprovada na sua versão final em 19 de março
de 2008 atendendo às normas da Legislação
vigente da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação
em Serviço Social.
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________________
Professor Doutor Francisco Arseli Kern
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
___________________________________________
Professora Doutora Sheila Kocourek
Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)
___________________________________________
Professora Doutora Patrícia Krieger Grossi
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
Porto Alegre,
Março de 2008.
3
Foto: “À velocidade dos teus pensamentos” de Pedro Moreira.
Dedico este trabalho a todas as mulheres que
fazem dos seus dias uma luta cotidiana contra
a Aids em prol de uma vida melhor...
4
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, quero agradecer ao apoio incondicional da
minha família para que mais esta etapa fosse alcançada de
forma vitoriosa. Aos meus pais, DÉLCIO e IRNA, que sempre
batalharam para que todos os dias eu me tornasse uma pessoa
melhor, inclusive através da produção de conhecimento. Ao
meu irmão, FELIPE, pelas “caronas” para a rodoviária e para
casa todas as semanas...Ao meu companheiro JULIANO que
soube ter paciência nos muitos dias (finais de semana inclusive)
nos quais não pude dar atenção que merecia. Da mesma forma a
IASMYN que, em muitos momentos não teve a minha
presença. Sem dúvida, o companheirismo de todos me mostrou
o quanto a família é um importante alicerce nessa caminhada.
AMO VOCÊS!!!!!
Ao meu querido orientador, DR. FRANCISCO ARSELI
KERN, por sempre acreditar em mim e me fazer perceber o
quanto eu poderia fazer a diferença através da construção deste
trabalho. Obrigada pelos “puxões de orelha” quando estes foram
necessários e saiba que te admiro muito como profissional e
pessoa que é, implicado num projeto societário onde prevalece
o respeito à diferença. A você, minha lealdade!
Aos PROFISSIONAIS da Secretaria Municipal de Saúde de
Carazinho que me permitiram a construção deste trabalho
mostrando o quanto a luta pelo direito a saúde ainda é um
desafio a ser enfrentado e que precisa da união de esforços para
ser efetivado.
Aos meus colegas da ULBRA-Carazinho, LU, FABI, TÂNIA,
TATI, PAULO, ÂNGELA, pelo apoio e compreensão nos
momentos em que nem sempre eu podia estar de corpo presente
nas mais diversas discussões durante o período de construção
deste trabalho. Tê-los como colegas é um privilégio!
À querida SHEILA KOCOUREK, exemplo de pessoa e
profissional a ser seguido. Obrigada pelas oportunidades! Se
hoje estou aqui, devo muito ao fato de você ter acreditado em
mim e por ter compartilhado a luta por um mundo melhor. Te
admiro muito!
5
Aos queridos amigos JU e MARCOS, JOSE e GI pelas
conversas sérias e pelos momentos de descontração também
necessários neste processo. Poder contar com verdadeiros
amigos é muito importante! Também quero agradecer a
VANESSA e DÉIO, JOANA e ANDRÉ, KATI e
MARQUINHOS, e a TAÍS por termos nos tornado grandes
amigos e companheiros e sem a presença de vocês, esta
construção teria sido mais difícil. Obrigada!
Um agradecimento muito especial a DOLORES, ao PAULO e
a MARINA por me receberem em seu “AP” facilitando as
minhas viagens a POA. Saibam que esse gesto tem um grande
significado para mim!
Aos PROFESSORES DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
da PUCRS pelos ensinamentos que proporcionaram o
amadurecimento profissional. Em especial, a Professora Dra.
MARIA ISABEL BARROS BELLINI (Belinha) que admiro
muito e levarei em meu coração para sempre. Foi um prazer
estar contigo neste curso pois contigo aprendi a importância do
ouvir. Valeu! Também, a Professora Dra. PATRÍCIA
KRIEGER GROSSI que, através de seus conhecimentos
encantou-me pela discussão acerca de gênero. Essa contribuição
foi fundamental para a construção deste trabalho. Obrigada!
Aos ALUNOS DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL da
ULBRA/Carazinho pelo interesse e apoio no processo de
construção desse trabalho. Contar com todos vocês
proporcionou acreditar ainda mais em nosso projeto ético-
político profissional. Saibam que todos estão em meu coração!
Agradeço a todos AMIGOS, COMPANHEIROS,
PARCEIROS, PROFISSIONAIS engajados na luta por uma
sociedade mais justa que, de uma maneira ou outra,
contribuíram para que este trabalho se concretizasse e se
tornasse a realização de um sonho. MUITO OBRIGADA!
6
Meu espelho
(Elisabete Dutra)
Olho,
Olho-me fixamente ao espelho
Olho e comovo-me,
comovo-me como a água corre
quando o chão é inclinado.
Olho e não me reconheço!
Não fosse o chão tão inclinado,
afogar-me-ia num poço de lágrimas
infinitas...
Intrigada,
continuo simplesmente a olhar...
Que sombra estranha aquela
com que me deparo!
E angustiada,
tento reconhecer a
figura que encaro.
Mas certamente,
já não sou quem eu era...
Nada e tudo mudou!
A não ser quem eu sou...
Afinal, o espelho
é um amigo silencioso que nunca mente.
7
RESUMO
A presente dissertação de mestrado se propõe a discutir o enfrentamento que o
universo feminino faz com relação a questão da Aids, principalmente no que se refere a
adesão ao tratamento anti-retroviral. Nesse sentido, aborda o assunto a partir de categorias
explicativas da realidade que são: Aids, mundo feminino, estigma, mortificação do eu,
identidade deteriorada e adesão ao tratamento de saúde. Entende-se que estas são categorias
importantes para uma primeira reflexão acerca da temática, levando-se em consideração que a
mesma, por mais que tenham ocorrido diversos avanços, ainda é permeada de preconceitos e
mitos que fundamentam o processo de exclusão social vivenciado pelas pessoas com
diagnóstico positivo para o vírus da Aids. A questão de gênero se torna delimitação
importante pois demonstra que, no contexto feminino do mundo da Aids, a exclusão é dupla:
primeiro, pelo gênero e segundo, pela doença. Assim, a presente discussão refere-se a um
contexto amplo de indicadores a serem analisados. Para a realização desta pesquisa embasou-
se no método dialético-crítico, especialmente em suas categorias principais que são
historicidade, contradição e totalidade. A natureza da pesquisa se constitui em qualitativa
objetivando compreender detalhadamente os significados da Aids no mundo feminino. Nesse
sentido, utilizou-se como instrumento de pesquisa, além do levantamento bibliográfico
necessário, a escuta sensível, a observação e a entrevista semi-estruturada realizada com os
sujeitos da pesquisa que foram oito mulheres, os quais possibilitaram desvendar o contexto no
qual estão inseridas e como vivenciam em seu cotidiano a presença da Aids. Para análise dos
dados, utilizou-se a análise de conteúdo no intuito de produzir novos conhecimentos acerca do
tema. Enquanto resultados desta pesquisa, concluiu-se que as políticas de saúde no contexto
da Aids são extremamente importantes, principalmente no combate ao preconceito, ao
isolamento e a relação ainda fortemente existente entre Aids e morte. Além disso, evidenciou-
se o quanto a questão da maternidade está envolvida no contexto da Aids, onde a discussão de
gênero é fortemente influenciada pelo papel de reprodução da mulher historicamente
construído. Outro resultado é a necessidade de uma análise da temática no contexto macro-
sócio-econômico, para a implementação de práticas cidadãs no trato a questão da Aids. Todos
esses elementos se constituem em indicadores importantes no processo de adesão a
tratamentos de saúde pelas mulheres.
Palavras-chave: Aids. Gênero. Exclusão Social. Adesão a tratamentos de saúde.
8
ABSTRACT
The present dissertation of master’s degree proposes a discussion about the confront
that the female universe does in relation to the Aids, mainly with reference to adhere to the
treatment anti-retroviral. In this sense, it approaches the subject from categories of
explanations of the reality, and they are: Aids, female world, stigma, death of the I,
deteriorated identity and adhesion to the health treatment. These are important categories to a
first reflection about the thematic, considering that the same , in spite of the several
advances, still it is permeated of prejudices and myths that base the process of social
exclusion experienced by people with positive diagnosis to the Aids virus. The gender subject
becomes important obstruction because it demonstrates that, in the feminine context of the
world of the Aids, the exclusion is double: first, for the gender and second, for the disease.
Like this, the present discussion refers to an ample context of indicators to be analyzed. The
accomplishment of this research it was based in the dialectics-critical method, especially in
your main categories that are historical context, contradiction and totality. This research is
qualitative to understand with details the Aids in the female word. In this sense, it was used as
research instrument, with the necessary bibliographic survey, the sensitive listening, the
observation and the semi-structured interview, carried out with the individuals of this research
that were eight women. They become possible to unmask the context in which they are
inserted and as they live in their daily the presence of the Aids. The facts were analysed using
the analysis of the content to produce new knowledge. Like result of this research it
concluded that the politics of health in the context of the Aids are extremely important,
mainly in the combat to the prejudice, to the isolation and the relationship still strongly
existent between Aids and death. Besides, it was evidenced as the subject of the maternity is
involved in the context of the Aids, where the gender discussion is influenced strongly by the
paper of the woman's reproduction historically built. Another result is the need of an analysis
of the thematic in the macro-partner-economical context, to implement citizen practices in the
treatment the subject of the Aids. These elements are important indicators in the process of
adhesion to health treatments for women.
Key-words: Aids. Gender. Social exclusion. Adhesion to health treatments.
9
LISTA DE SIGLAS
AIDS – Acquired Immuno Deficiency Syndrome
ARVs – Anti-retrovirais
AZT – Azidotimidina
CAPS – Centro de Atenção Psicosocial
CAPSi – Centro de Atenção Psicosocial para a Infância e Juventude
CD4 – Co-receptor de Células Protetoras
DST – Doença Sexualmente Transmissível
DSTs – Doenças Sexualmente Transmissíveis
EUA – Estados Unidos da América
FDA – Food Drug Administration
GAPA-BA – Grupo de Apoio à Prevenção à Aids da Bahia
GRID – Gay Related Immuno Deficiency (Deficiência Imunológica Relacionada aos Gays)
HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana
HTLV – 3 – Vírus da Leucemia de Células Humanas
LAV – Vírus associado a Linfadenopatia
OMS – Organização Mundial de Saúde
ONGs – Organizações Não-Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
PACS – Programa dos Agentes Comunitários de Saúde
PAISA – Programa de Atenção Integral à Saúde do Adulto
PAISI – Programa de Atenção Integral ao Idoso
PAISM – Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher
PN – Política Nacional
PSF – Programa de Saúde da Família
PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
RS – Rio Grande do Sul
SAE – Serviço de Atendimento Especializado
SIDA – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.
SP – São Paulo
SUS – Sistema Único de Saúde
UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................
12
1 APRESENTAÇÃO DO ESTUDO: UM OLHAR PARA A AIDS.......................... 15
1.1 A importância do estudo.........................................................................................
1.2 Descrição propositiva..............................................................................................
15
23
2 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA AIDS: AS MARCAS DE UMA EPIDEMIA... 27
2.1 Aids: o dualismo vida x morte............................................................................... 27
2.2 O debate da Aids no mundo feminino................................................................... 37
2.2.1 Estigma............................................................................................................... 39
2.2.2 Mortificação do Eu............................................................................................. 42
2.2.3 Identidade deteriorada....................................................................................... 46
2.2.4 Adesão ou não aos tratamentos: uma decisão responsável............................... 50
2.3 A Aids na Saúde Pública.......................................................................................
59
3 BASE METODOLÓGICA: O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO DOS
REFLEXOS DO ESPELHO..........................................................................................
67
3.1 Método................................................................................................................... 67
3.1.1 Categorias do Método......................................................................................... 71
3.2 A Natureza da Pesquisa ........................................................................................ 75
3.3 Instrumentos de Coleta de dados........................................................................... 79
3.4 Análise de Conteúdo..............................................................................................
83
4 O OLHAR NO ESPELHO SEM MAQUIAGEM: CONHECENDO O MUNDO
REAL DA AIDS..............................................................................................................
89
4.1 “Escondi tudo de todo mundo”.............................................................................. 89
4.2 “Eu quero que ele tenha um pouco de mim”......................................................... 93
4.3 “Ainda tem muita pessoa que tem preconceito quanto a isso”.............................. 97
4.4 “Meu medo é... sei lá! Morrer agora e deixar meus filhos”................................... 102
4.5 “Primeiro me desesperei! Quase fiquei louca!”..................................................... 107
4.6 “A hora que Deus quiser que eu vá, Ele vai me levar”.......................................... 110
4.7 “Eu tendo o amor da minha família....o resto não importa”.................................. 119
4.8 “ Pensei,...agora acabou tudo”...............................................................................
123
5 A AIDS NO MUNDO FEMININO: REFLEXOS DE UM
ESPELHO.......................................................................................................................
129
5.1 Processo de categorização..................................................................................... 129
5.2 O preconceito como gerador do isolamento e da exclusão.................................... 130
5.3 A questão do gênero e a relação com a Aids..........................................................
5.4 Sentimentos que expressam o impacto de uma epidemia.......................................
5.5 A maternidade em foco...........................................................................................
133
140
147
11
5.6 O contexto macro sócio-econômico........................................................................
5.7 Política de saúde no contexto da Aids: prevenção, tratamento e promoção da
vida.................................................................................................................................
156
164
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................
175
REFERÊNCIAS..............................................................................................................
180
APÊNDICES....................................................................................................................
ANEXOS..........................................................................................................................
190
193
12
INTRODUÇÃO
Esse estudo versa sobre a temática da Aids no universo feminino, e tem como objetivo
analisar quais os condicionantes para a adesão aos tratamentos de saúde por este público-alvo,
especificamente. Para isso, busca-se contextualizar quais são os fatores relacionados a essa
temática, a partir da perspectiva de uma sociedade dividida em classes, onde as diferenças
sociais sobressaem à lógica do direito. Nesse sentido, procura-se contribuir com a criação de
estratégias que fortaleçam a aderência aos tratamentos de saúde, entendendo esses espaços
como formas de garantir direitos e não de destacar dessemelhanças.
A necessidade de pesquisar e entender o contexto da Aids, está embasada na clareza de
que as pessoas que convivem com a realidade do vírus HIV ainda sofrem com o preconceito e
a discriminação, que estão aliados à doença. Dessa forma, observa-se que são necessários
movimentos comprometidos com a construção de novas perspectivas para essas pessoas,
pautadas na cidadania, no direito e na igualdade. Reconhecem-se os diversos avanços
referentes ao tratamento com anti-retrovirais, os quais muito contribuem com o aumento da
qualidade de vida desses sujeitos.
Destaca-se que a presente temática, bem como sua delimitação no que se refere ao
público-alvo, merece ênfase pois observa-se a pouca produção de conhecimento sobre a
mesma. Percorrendo os catálogos da Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS), por exemplo, visualiza-se a pouca produção sobre a Aids no público
feminino, e junto ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social desta mesma
universidade, a produção nesta área quase inexiste. Assim, verifica-se que novas construções
teóricas quanto a esse tema são possibilidades de enfrentamento dessa realidade.
Porém, verifica-se que o grande relacionado à Aids ainda está na forma como as
pessoas, com diagnóstico positivo para o vírus, são tratadas por toda a sociedade. No que diz
respeito à delimitação de gênero, entende-se que esse aspecto torna-se mais uma dificuldade
quando avaliado o papel assumido pela mulher num contexto social, político e econômico.
Nesse meio, a mulher com Aids vive um processo de dupla exclusão. Assim, a problemática
13
apresentada na dinâmica desse trabalho configura-se no processo de adesão a tratamentos de
saúde pelas mulheres, e os fatores que influenciam nessa evolução. Desse modo, como
fundamento dessa discussão, leva-se em consideração a historicidade, a totalidade e a
contradição da temática em questão.
Quanto à estrutura do trabalho, o mesmo está dividido em cinco capítulos. O capítulo
um, tenciona apresentar o estudo realizado enfocando sua importância, bem como
descrevendo a proposta que sustentou a pesquisa em sua totalidade. Entende-se que a
segurança acerca dos motivos que levam um pesquisador a optar por um, ou outro caminho,
torna-se elemento chave para a construção de um trabalho que potencialize e fortaleça os
sujeitos da pesquisa, objetivo deste trabalho.
No capítulo dois apresentam-se as categorias explicativas da realidade com suas
respectivas análises, demonstrando as primeiras conceituações teóricas que estruturaram essa
pesquisa. Sendo assim, tornam-se elementos de análise discussões como: o estigma, o
dualismo entre vida e morte no contexto da Aids, o debate acerca da adesão, ou não adesão,
aos tratamentos de saúde, entre outros pontos, que significam o início das reflexões realizadas
nesse processo.
O terceiro capítulo configura-se na base metodológica na qual apresenta-se o método
dialético-crítico como alicerce dessa discussão. Realiza-se uma análise acerca do método
demonstrando a importância de categorias como a contradição, a historicidade e a totalidade,
para a análise da Aids, entendendo-a como uma construção histórica relacionada a um
contexto macro. Além disso, nesse capítulo destaca-se a pesquisa qualitativa como norte de
construção desse trabalho e, também, a utilização da entrevista semi-estruturada como
instrumento principal para a realização dessa pesquisa. Quanto à análise de conteúdo, essa
também será discutida nesse capítulo, de forma a contextualizar com se construiu esse
movimento.
No quarto capítulo, apresentam-se as descrições de cada uma das entrevistas
realizadas. Esse capítulo foi construído com o intuito de levar o leitor para dentro da realidade
apresentada por cada uma das entrevistadas, apresentando a riqueza de cada entrevista, bem
como o detalhamento de cada informação coletada. Compreende-se que o ato de descrever
cada entrevista tornou-se um aliado no processo de análise, pois permitiu ao pesquisador
visualizar indicadores de extrema relevância para avaliação do contexto das mulheres que
fizerem parte desse estudo.
O último capítulo, mas não menos importante, é destinado à análise dos dados
coletados. Num primeiro momento desse capítulo, descreve-se como aconteceu o processo de
14
categorização que permitiu a formatação das categorias empíricas ou categorias finais.
Novamente visualiza-se a importância dessa descrição, como forma de “limpar” o processo,
devido à amplitude dos dados coletados, e ainda a não possibilidade de realizar uma análise
aprofundada de todos os elementos que aparecerem durante a coleta. Assim, a categorização
torna-se um instrumento no qual o pesquisador vislumbra as categorias que mais respondem
ao seu objetivo, e ao seu problema de pesquisa, permitindo que esse não fuja do foco de
análise proposto.
Em uma segunda parte desse capítulo, apresentam-se as categorias empíricas
juntamente com sua análise. Destacam-se como categorias finais: a política de saúde no
contexto da Aids; a maternidade em foco; o preconceito como gerador do isolamento e da
exclusão; os sentimentos que expressam os impactos de uma epidemia; a questão de gênero
na relação com a Aids e o contexto macro sócio-econômico.
Espera-se que esse trabalho possa conduzir a novas reflexões sobre a problemática da
Aids na contemporaneidade, entendendo que a mesma merece a produção de conhecimentos
que articulem, cada vez mais, estratégias em prol da igualdade, da justiça social e da
cidadania para todos, sem discriminação. Indubitavelmente, esse é o compromisso assumido
na realização desse trabalho.
15
1 APRESENTAÇÃO DO ESTUDO: UM OLHAR PARA A AIDS
O presente capítulo objetiva comprovar a importância do trabalho, abordando aspectos
que justificam a escolha da temática e das delimitações realizadas. Nesse sentido, se
demonstrado onde se buscou chegar com a pesquisa, levando em consideração a realidade de
cada participante como elemento central de discussão. Assim, entende-se que esse capítulo
início a toda a discussão apresentando os pontos que contribuíram para a construção do texto
como um todo.
1.1 A importância do estudo
Acredita-se que é necessário, neste momento, esclarecer o porquê da escolha do tema
de pesquisa. A questão da adesão, ou não adesão, a tratamentos, por mulheres portadoras do
vírus HIV, mobilizou estudos a partir de um acompanhamento específico realizado no
trabalho como Assistente Social. Ou seja, esta proposta de pesquisa nasce de questionamentos
que surgiram sobre um campo de intervenção, no qual, através de alguns instrumentos, pôde-
se aproximar da realidade dos usuários dos serviços destinados à demanda da Aids
1
.
Assim sendo, considera-se importante apresentar aqui, um breve relato sobre a
situação que levou a pensar a realidade da Aids. Os questionamentos e inquietações sobre o
assunto sempre existiram, mas aumentaram a partir do momento em que se iniciou um
atendimento direcionado a Alice
2
, de 18 anos, portadora do vírus HIV, mãe de um bebê
recém-nascido, também portador do vírus. Os dois deveriam ser submetidos a tratamento para
o controle da Aids, no ano de 2003. A situação foi conhecida através de uma ordem judicial
(ofício)
3
, a qual apenas solicitava que iniciasse um acompanhamento a esta família com o
intuito de saber se ambos, mãe e filho, estariam recebendo os medicamentos necessários e o
leite para o bebê. Ressalta-se que o ofício não especificava para quê era a medicação, ou qual
a doença de ambos. Assim, percebeu-se a necessidade de buscar informações sobre a situação.
Não obtendo êxito nos contatos realizados com a Secretaria de Saúde, o Conselho Tutelar e
1
A presente temática de pesquisa vem sendo estudada desde o curso de especialização em: “Campo Social:
Práticas/Saberes”, pela Universidade de Cruz Alta, oportunidade essa na qual elaborou-se a monografia de
especialização intitulada: “A adesão a tratamentos por portadores de Aids”, orientada pela proDra. nica de
la Fare.
2
Nome fictício para a preservação da identidade da mesma.
3
Os diversos órgãos de justiça (promotoria pública e juizados) quando necessitam do trabalho de algum setor
público do município encaminham a este, ofícios, ordenando que uma ou outra atividade seja realizada. No
trabalho enquanto Assistente Social, isso ocorre quando a justiça acredita na necessidade de alguém receber
algum tipo de acompanhamento.
16
outros estabelecimentos do município, começou-se a intervenção na realidade específica, até
porque, existia prazo estipulado para emitir uma resposta à solicitação recebida, proveniente
da justiça da infância e da adolescência. (HENRICH, 2004)
Iniciou-se o acompanhamento através da realização de uma visita domiciliar
4
. Nesta,
percebeu-se um grande mal-estar da usuária ao ser abordada. Ela não conseguia conversar e
parecia temer qualquer coisa que fosse dita. Ao ser questionada sobre qual a medicação que
ela e o bebê teriam recebido ou não, respondeu que ao sair do hospital onde seu filho nasceu,
havia recebido todo o coquetel
5
para o tratamento da Aids. Em relação ao filho, aguardava
alguns resultados de exames para saber quais os remédios que seriam necessários para seu
tratamento. Assim, obteve-se a informação de que mãe e filho tiveram os resultados dos
exames de sorologia para HIV positivos.
Ao longo do acompanhamento, sempre recebendo novas ordens judiciais referentes ao
caso, conseguiu-se criar uma relação de confiança com a família e percebeu-se o quanto a
situação era dolorosa para todos. Não apenas em relação aos sintomas apresentados ao ingerir
a medicação, mas, principalmente, em relação aos questionamentos feitos a respeito da vida
da família após o diagnóstico da doença; falta de privacidade; a forma como os profissionais
invadiram sua vida através de um conjunto de indicações sobre como viver, sem levar em
conta aquilo que era e o que a família queria. Desde o início, Alice não realizou o tratamento
com medicações. Apenas realizava o acompanhamento de seu filho.
Diante dos apontamentos relatados, surgiu um maior interesse pela temática, pois foi
possível perceber que não se trata apenas de um tema atual e conflitante, mas que é necessária
a discussão de alguns pré-conceitos estabelecidos. A epidemia da Aids, iniciada na década de
1980 do século XX, conduziu a uma reflexão sobre as maneiras e formas de assistência à
saúde da população em geral, mas especialmente aos portadores de DST/HIV/Aids
6
. Isso
ocorreu devido às deficiências apresentadas pelo sistema de saúde utilizado por estas pessoas.
Observa-se que esta deficiência diz respeito às questões de falta de recursos, às
4
Instrumento de trabalho do Serviço Social, no qual objetiva-se o conhecimento da realidade onde os usuários
em questão, estão inseridos.
5
Termo que nomeia o conjunto de medicamentos que são fornecidos para o portador do vírus da Aids realizar
seu tratamento. Esses medicamentos devem ser utilizados em conformidade com esquemas de tratamento
padronizados para garantir sua eficácia e evitar desenvolvimento de resistência.(RENAME, 2000)
6
O conceito de Aids pode ser adquirido “a partir de sua própria denominação: Síndrome conjunto de sinais ou
sintomas que se desenvolvem ao mesmo tempo, indicando a existência de uma doença; Imuno refere-se ao
sistema imunológico, encarregado de defender o corpo humano contra doenças; Deficiência significa que o
sistema imunológico não está em perfeitas condições de defender o organismo contra infecções; Adquirida – esta
síndrome decorrente da deficiência do sistema imunológico não é hereditária; foi contraída pelo indivíduo
através do contato com um vírus que provoca a destruição de sua defesa interna” (GUERPELLI apud
FIGUEIREDO, 2005, p.144) Já o HIV é “o agente viral causador da Aids”.(FIGUEIREDO, 2005, p. 146)
17
particularidades da doença, a complexidade envolvida nas decisões e tratamentos terapêuticos
e em especial ao estigma social que envolve a questão. Esses fatores caracterizam a realidade
das pessoas portadoras do vírus da Aids como uma realidade desafiadora, no que se refere ao
debate sobre a temática no contexto atual vinculada ao conjunto de desigualdades
sociais que compõem a questão social
7
.
Neste sentido, atualmente, o governo vem pensando em estratégias de enfrentamento a
essa expressão da questão social e, desta forma, trabalha com a seguinte missão:
A missão do Programa Nacional de DST e Aids (PN-DST/AIDS) é reduzir a
incidência do HIV/AIDS e melhorar a qualidade de vida das pessoas vivendo com
HIV/AIDS. Para isso, foram definidas diretrizes de melhoria da qualidade dos
serviços públicos oferecidos às pessoas portadoras de Aids e outras DST; de redução
da transmissão vertical do HIV e da sífilis; de aumento da cobertura do diagnóstico e
do tratamento das DST e da infecção pelo HIV; de aumento da cobertura das ações de
prevenção em mulheres e populações com maior vulnerabilidade; da redução do
estigma e da discriminação; e da melhoria da gestão e da sustentabilidade. (BRASIL,
POLÍTICA DE SAÚDE E SEGURIDADE, [2005]).
Para aumentar a efetividade das ações, busca-se implementar também a produção e a
disseminação de informações oportunas e de qualidade, a fim de subsidiar os níveis de
decisão sobre a importância da realização dos cuidados e tratamentos necessários. Desse
modo, o programa nacional de DST e Aids do governo visa abordar questões como: o
conhecimento da prevalência do HIV, da sífilis e outras DST (população geral e populações
específicas); a consolidação de um sistema de monitoramento de indicadores do Programa
Nacional, a implantação de uma rede de vigilância de eventos clínicos e reações adversas; a
implementação do sistema de controle de exames laboratoriais (CD4 e Carga Viral); o
aprimoramento da vigilância biológica e comportamental; a criação de sistema de gestão e a
divulgação dos resultados das pesquisas, entre outros aspectos. (BRASIL, POLÍTICA DE
SAÚDE E SEGURIDADE, [2005]).
Dessa forma, a política governamental responsável pelo atendimento à demanda da
Aids, sente-se pressionada a buscar avanços no que diz respeito ao sistema de saúde que
atende à população infectada com o vírus da Aids, e junto a isto, direcionar respostas aos
7
A questão social pode ser discutida em diversas perspectivas. A definição de Robert Castel (1998; p. 30) afirma
que é através da questão social que “uma sociedade experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco
de sua fratura. É um desafio que interroga, põe em questão a capacidade de uma sociedade (o que em termos
políticos, se chama uma nação) para existir como um conjunto ligado por relações de interdependência”. A partir
da perspectiva marxista, a questão social vem ligada à sociedade de classe. Como afirma Iamamoto e Carvalho
(1982; p. 77): “a questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe
operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte
do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e
a burguesia”.
18
desafios dessa realidade. Neste processo de construção de respostas, fica constatada que ações
isoladas tornam-se ineficazes na solução destes problemas.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, no Brasil ocorrem cerca de 10 milhões de
DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis) por ano. As principais causas e agravos são: a
infecção pelo HIV, que é o vírus causador da Aids; e a sífilis, doença que se não for tratada no
início pode agravar-se e ser transmitida da mãe para o bebê. Destaca-se a tentativa de
promover o acesso ao tratamento gratuito para todas as pessoas que comprovadamente são
acometidas por alguma DST, inclusive pelo HIV/Aids e a sífilis; e também o intuito de
contribuir para que o paciente portador do HIV, em uso de terapia ARV, melhore sua adesão
ao tratamento a partir de acompanhamento médico periódico. (BRASIL, POLÍTICA DE
SAÚDE E SEGURIDADE, [2005]).
Entende-se que este é um dos aspectos importantes até mesmo para pensar a questão
das mulheres infectadas pelo HIV, pois se trata de pensar a prevenção e as relações de gênero
construídas. Além da relutância masculina em aceitar o uso de preservativo, existem outros
fatores decisivos para a disseminação da epidemia entre as mulheres. O primeiro está ligado à
anatomia feminina, a qual favorece a invasão do rus via sexual. A questão econômica
também desfavorece o público feminino, pois as mulheres são mais pobres e têm menos poder
aquisitivo do que os homens, implicando na relação que se vincula também ao fato de que a
Aids se alastra com mais velocidade nas classes sociais menos favorecidas. A falta de
escolaridade e a dependência econômica colocam a mulher em desvantagem na hora de
negociar com o parceiro o uso do preservativo. (VARELLA, [2005]).
Outro fator importante está relacionado com aspectos culturais, como por exemplo, o
entendimento de que mulheres casadas, com um único parceiro sexual de toda sua vida, não
teriam possibilidade de contrair o vírus da Aids. Nos primeiros anos da epidemia, os conceitos
de ''grupo de risco'' e de ''promiscuidade'', aceitos para caracterizar aqueles com maior
probabilidade de contrair a doença, contribuíram decisivamente para a falsa sensação de
segurança das mulheres em relação ao HIV. Quem não estivesse na promiscuidade imaginava
estar imune à infecção. (VARELLA, [2005]).
Sendo assim, a execução de uma política nacional de promoção à saúde necessita ter
como principais características o delineamento de ações que favoreçam a diversificação e a
ampliação da oferta de serviços de assistência e de prevenção. Ações que promovam a
participação e o controle social, a mobilização de instâncias executoras, legislativas e
jurídicas, a mobilização da opinião pública e do público em geral, o que não se visualiza hoje.
Observa-se uma grande fragilidade dos governos de instância federal, estadual e municipal em
19
implementar ações que realmente favoreçam portadores de doenças sexualmente
transmissíveis, principalmente a Aids, em adotar qualquer tipo de tratamento e/ou
acompanhamento de saúde, tornando ainda mais grave a situação da Aids.
Definir políticas públicas de saúde, para a promoção de mudanças capazes de
manterem-se estáveis nos diferentes níveis envolvidos, requer: mudanças individuais de
comportamento que estão diretamente vinculadas a estratégias globais de diminuição de riscos
individuais e nos grupos de pares; a mudança de crenças e normas sociais; as ações de
informação e prevenção destinadas à população em geral, com vistas na participação
comunitária, e à diversificação e ampliação da oferta de serviços assistenciais e de insumos de
prevenção. (BRASIL, POLÍTICA DE SAÚDE E SEGURIDADE, [2005]).
Entende-se que todas estas necessidades são reais e pertinentes ao se considerar a
questão social nesta discussão e que, portanto, pensar a Aids significa pensar o coletivo, a
participação, o contexto social. É trabalhar com valores, princípios, objetivos de vida, o que
não parece estar claro nos planejamentos governamentais que acabam por enfocar apenas a
necessidade de recursos, serviços formais que em nenhum momento falam de sentimentos e
subjetividade envolvidos na discussão.
Desse modo, a questão dos serviços de saúde destinados ao atendimento de pessoas
com o vírus da Aids, que estas dependem dos serviços governamentais para realizarem seu
tratamento de saúde, torna-se relevante. Observa-se que, conforme o Manual de Controle das
Doenças Sexualmente Transmissíveis DST (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a, p. 05),
inicialmente, os serviços de atendimento a portadores do vírus da Aids foram adequados às
formas de assistência, reordenando e reorganizando os serviços que já existiam, pensando
principalmente em racionalizar o uso de recursos proporcionando a eficiência do atendimento,
bem como a introdução de novas formas de atenção.
Visando a satisfação do objetivo de combater e prevenir a Aids no Brasil,
desenvolveu-se o Programa de “Integração da Assistência Adequada aos portadores de
DST/HIV/AIDS”, pelo Ministério da Saúde, na metade da década de 1980 do século XX.
Nesse programa, além dos serviços públicos, assistência domiciliar e hospitais como
referência para estes atendimentos, criou-se o SAE Serviço de Atendimento Especializado.
(BRASIL, POLÍTICA DE SAÚDE E SEGURIDADE, [2005]).
Inicialmente, o SAE consiste em “uma unidade assistencial de caráter ambulatorial,
que fixa o paciente portador do HIV/AIDS a uma equipe que o acompanhará ao longo de sua
enfermidade”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a, p.06). Assim, a implantação do SAE dá-se
em unidades públicas pré-existentes, integradas à rede de saúde, subordinadas às Secretarias
20
de Estado ou dos municípios. Dentro dessa lógica de regionalização, bem como de
hierarquização, os atendimentos devem ocorrer inclusive para os pacientes que necessitam de
cuidado de maior complexidade.
Contudo, entende-se que estes serviços prestam além do atendimento médico com
resolutividade diagnóstica, assistência farmacêutica, acompanhamento e atendimento psico-
social ao paciente e seus familiares. Então, existe a necessidade da formação de uma equipe
multidisciplinar composta por médicos, psicólogos, enfermeiros, farmacêuticos, odontólogos,
assistentes sociais, entre outros. Além disso, o serviço deve contar com laboratórios locais ou
regionais que assegurem a execução dos exames. (MINISTÉRIO DA SAÚDE – 1999b, p.17).
O SAE, além dos atendimentos diretos à população, deve constituir-se em referência
para multiplicação de conhecimentos em DST/Aids, sobretudo enfatizando a importância da
rede básica de saúde no que diz respeito a esta problemática.
Dentro das atividades voltadas ao atendimento da demanda do serviço, destacam-se, e
são consideradas pelos responsáveis como de fundamental importância, a distribuição de
medicamentos gratuitamente para os portadores do rus, as consultas sistemáticas para os
mesmos por profissionais específicos da área médica, acesso a diversos exames, tanto no
laboratório municipal quanto da região, também de forma gratuita, e o aconselhamento
psicológico prestado no momento em que o paciente fica sabendo que é portador do HIV.
Diante disso, observa-se que o maior objetivo do SAE torna-se a promoção da
melhoria da qualidade de vida dos pacientes portadores da Aids. Para que isto ocorra, é
imprescindível além de atividades como consultas, aconselhamentos, exames e
medicamentos, a visualização do indivíduo como um todo, singular, complexo e único.
Assim, a população, que necessita do atendimento, é única em suas formações, culturas e
entendimentos. Portanto, tornam-se uns diferentes dos outros.
Os serviços de atendimento às pessoas portadoras do vírus da Aids, além de
precisarem dispor de recursos científicos para o atendimento, devem dar conta das expressões
da questão social, que decorrem pelo fato das pessoas estarem envolvidas com o
enfrentamento da Aids. Isso porque fazem parte de um grupo considerado de risco por muitas
pessoas, sejam elas da sociedade civil ou até mesmo os próprios profissionais que se dizem
aptos a atender esta demanda específica. .
Pensando especialmente no público feminino deste trabalho, percebe-se a importância
da quantificação de casos
8
para a visualização da gravidade desta epidemia. Na década de
8
Com relação aos números da Aids, ver o ítem 2.1 Aids: o dualismo vida x morte”, onde aprofundou-se esta
questão.
21
1980 do século XX, início da epidemia, calculava-se uma mulher com Aids para cada 40
homens infectados. Hoje, essa proporção está em praticamente um por um. Além disso, as
mulheres que vem aumentando estes números não são mulheres que antes eram consideradas
como parte de grupos de risco, tais como “garotas de programa”, mas são mulheres que
jamais imaginariam serem contaminadas: donas-de-casa, mães que jamais desconfiariam de
seu marido e que adquirem a doença dentro de suas casas. (VARELLA, [2005]).
Outro aspecto relevante é o aumento da doença em cidades interioranas, onde os
tratamentos serviços são de difícil acesso e, além disso, são lugares onde predomina o
preconceito e a não aceitação de questões como a Aids. Portanto, entende-se a mudança da
face da Aids em nossa sociedade, o que justifica a escolha por mulheres do interior do Rio
Grande do Sul para coleta dos dados, neste estudo.
Dessa forma, pensar na problemática apresentada acima é buscar desmistificar
diferenças, principalmente, no que se refere ao vírus que assume o lugar do sujeito. Essas
pessoas podem e devem ser tratadas de forma igual a qualquer outra pessoa. E, além disso,
pensar nesta problemática é buscar entender porque a Aids é vista como sinônimo de morte.
Assim, esta dissertação busca contribuir com subsídios que auxiliem os profissionais
que trabalham com esta demanda específica, no sentido de diminuir lacunas entre
trabalhadores da saúde e pacientes, e especialmente em buscar, pelo menos em parte,
modificar a rotulação dos portadores do vírus da Aids, como se seu único destino fosse a
morte. Além disso, compreende-se que a temática abordada neste trabalho é de fundamental
importância para a pesquisa científica, a fim de provocar novas discussões e debates a respeito
do tema e do que está relacionado ao mesmo.
É importante destacar também a relevância acadêmica, a científica e profissional do
aprofundamento deste tema, considerando-se o que significa em termos de produção de
conhecimento. Quanto à relevância social, falar de Aids, partindo do pressuposto do grande
número de infectados no mundo, é falar de toda a humanidade, pois como afirma Kern (2005;
p.15):
A Aids passou a representar, sem sombra de dúvida, um elemento constituinte para a
condução da sociedade rumo às direções que a mesma toma em meio aos processos
sociais. Assim, na medida em que ela aparece na vida das pessoas, a mesma chega
trazendo consigo um conjunto de elementos que contribuem para a fragilização da
vida.
Portanto, todos quando se deparam com esta situação, criam obstáculos, fogem da
questão e não param para refletir sobre qual o sentido que tudo isso assume e esquecem-se que
22
gestos, atitudes discriminatórias e posicionamentos infundados, revelam um mundo perverso
para aqueles que sofrem com a Aids.
Para refletir sobre a relevância profissional do tema, ainda utilizando-se do autor citado
anteriormente, cabe ressaltar que numa perspectiva de ação, faz-se necessário muito
conhecimento que contribua para o fortalecimento dos sujeitos, não bastando o domínio do
conhecimento interventivo, mas compreendendo o sujeito dentro de sua história pensando a
construção de relações que este materializa.
E como conseqüência, o tema torna-se notável na perspectiva científica e acadêmica,
pois se percebe a necessidade de construir novos conhecimentos acerca do tema, buscando
apresentar propostas inovadoras sobre esta discussão, visando a construção de estratégias de
enfrentamento aos problemas causados pela Aids.
No que se refere a escolha do local onde a pesquisa foi feita, a mesma aconteceu na
região do município de Carazinho
9
que se justifica por ser uma região de fortes traços das
etnias alemã e italiana, o que configura uma realidade de tradições, valores morais e éticos
conservadores, essenciais na discussão da temática. O município emancipou-se em 1931 e
atualmente conta com 59.857 mil habitantes. Sua economia é voltada para a agricultura, com
ênfase no plantio de soja, milho, trigo e aveia. Além das atividades importantes como pecuária
de corte e de leite. (WIENER, MARASCA, [2007])
Em relação à política de saúde do município, o mesmo conta com uma rede de serviços
com PSF (Programa de saúde da família), PACS (Programa de agentes comunitários de
saúde), CAPS (Centro de atenção psicosocial), CAPSi (Centro de atenção psicosocial para a
infância e juventude); SAE (Serviço de atendimento especializado), entre outros. Quanto ao
SAE, este é destinado ao atendimento de pessoas com diagnóstico positivo para o vírus da
Aids. Salienta-se que, Carazinho hoje é centro de atendimento em saúde, para pessoas
portadoras do vírus da Aids, de diversas localidades de seu entorno geográfico, como por
exemplo, Não-Me-Toque, Almirante Tamandaré do Sul, Marau, entre outros. (WIENER,
MARASCA, [2007]) Esses encaminham seus usuários com diagnóstico positivo para o vírus
da Aids para atendimento em Carazinho, pois não possuem estrutura suficiente para prestar
atendimento integral aos mesmos. Segundo Richardson (1999; p. 95) a escolha de um local
adequado para a realização da pesquisa é aspecto fundamental e determinante na realização da
9
Salienta-se que a partir da prática como Assistente Social na área da saúde pública, no município em questão,
houve aproximação da realidade da Aids, o que produziu o interesse em construir uma análise crítica sobre este
tema atual e conflitante. Além disso, o trabalho já realizado na Secretaria de Saúde de Carazinho, foi um
elemento facilitador para o acesso aos dados necessários para a construção da pesquisa.
23
mesma, principalmente quanto a capacidade de ter acesso às informações a partir dos
entrevistados.
Enfim, deseja-se nessa dissertação demonstrar a importância desse estudo em construir
elementos que contribuam na compreensão e análise científica da representação da adesão, ou
não adesão, por mulheres soropositivas ao tratamento anti-retroviral HIV/Aids. Entendendo-se
que esta questão precisa de análise para o aumento da aderência deste público ao serviço de
saúde. Para a compreensão mais detalhada dos objetivos que conduziram a construção deste
trabalho, na seqüência apresenta-se a proposta de pesquisa, na qual são contemplados aspectos
como a temática, a delimitação do tema, o problema de pesquisa e as questões norteadoras do
processo realizado.
1.2 Descrição propositiva
Entende-se que a proposta da pesquisa bem delimitada é elemento fundamental para a
construção de um trabalho final de uma pesquisa, como neste caso, a dissertação. Assim,
observa-se que a temática, a delimitação do tema, a formulação do problema e as questões
norteadoras da pesquisa, contribuem para a construção de objetivos claros, construindo um
caminho que deve ser percorrido para a construção e alcance de resultados importantes, os
quais posteriormente serão identificados e analisados.
A pesquisa realizada teve como temática “O processo de adesão ao tratamento anti-
retroviral por mulheres portadoras do vírus da Aids”. Enquanto delimitação do tema construiu-
se: “O processo de adesão ao tratamento anti-retroviral em mulheres portadoras do vírus
HIV/Aids na região do município de Carazinho, no período de janeiro de 2006 a dezembro de
2007”. Ressalta-se a importância dessa delimitação para a construção do trabalho pois permitiu
ao pesquisador a compreensão de população alvo, tempo e espaço onde aconteceria a pesquisa,
possibilitando o detalhamento dessas questões ao longo do processo.
Com relação a formulação do problema, esse foi construído a partir da perspectiva de
que o sujeito portador de resultado positivo para o vírus, quando adere ao tratamento anti-
retroviral, sabe que esse caminho é longo e doloroso e que o tratamento produz além do mal-
estar físico, inquietações emocionais e psicológicas. Portanto, falar sobre a adesão a
tratamentos anti-retrovirais, principalmente quando não é aceito pelo paciente, é uma
perspectiva de abordagem que leva em conta ações, pensamentos, relações sociais construídas
pelo sujeito. E, nesse processo, verifica-se que não apenas gestos e atitudes observáveis estão
presentes, mas um todo comportamental complexo que necessita ser analisado, inclusive o
24
entendimento dos sujeitos sobre a relação entre vida e morte. Em função disso, o problema de
pesquisa foi assim formulado:
Como acontece o processo de adesão ao tratamento e a medicação anti-retroviral por
mulheres portadoras do vírus HIV/Aids atendidas no município de Carazinho e seu entorno
geográfico?
Dessa forma, percebeu-se o problema proposto a partir de três pontos: a questão da
mulher, o que leva a mesma a realizar ou não o tratamento de saúde e o estigma que permeia
este fenômeno.
Sabe-se do aumento gradativo do número de mulheres infectadas pelo vírus da Aids
também no interior do Brasil. A Aids por ainda não possuir cura torna-se uma das doenças
mais temidas por todos. As mulheres não estavam nos grupos de risco formatados no início da
epidemia, apenas as consideradas promíscuas faziam parte destes grupos.
O grupo inicialmente mais atingido pela epidemia na década de 1980 do século XX era
formado por homossexuais, hemofílicos e usuários de drogas injetáveis. Na segunda metade da
década de 1980 e na primeira metade da cada de 1990, do mesmo século, a Aids
disseminou-se entre as mulheres. (VARELLA, [2005]).
Esse fato está vinculado a fatores culturais, econômicos, sociais, entre outros. Nesse
sentido, observa-se o entendimento acerca da Aids como um processo, com raízes históricas,
extremante conservadoras, e com características contemporâneas de uma epidemia ainda sem
cura. Assim, a mesma torna-se uma expressão da questão social, que deve ser tratada como tal
no espaço das diversas políticas sociais, apontando-se por exemplo: saúde, educação,
assistência social, e demais políticas.
Diante dessa discussão, compreende-se que, quando se questiona o porquê de uma
mulher soropositiva realizar ou não um tratamento de saúde, isso significa pensar o que faz
parte de seu mundo social e que a faz decidir por uma ou outra escolha. Percebe-se que são
muitos os aspectos condutores a uma ou outra direção, e destacam-se: a questão da informação
ou ausência desta; as relações construídas e fortalecidas em suas trajetórias de vida,
essencialmente no momento da infecção pelo vírus; os aspectos ditos culturais, tais como a
sabedoria popular, que incluem também a religião e o entendimento de que Aids significa
morte.
Além disso, o estigma envolto nessa discussão é muito forte. Kern (2004) afirma que
não se possui poder de julgar o que é mais doloroso: se a morte social ou a morte física de um
indivíduo com diagnóstico positivo para a HIV. Pois, sabe-se que todo preconceito e estigma
existentes diante da doença projetam marcas na vida das pessoas. Marcas essas que dizem
25
respeito a sua cidadania, indo contra o que está instituído e constroem novos modos de vida.
Isso fica evidente nas políticas sociais, no que concerne à cidadania e a compreensão da
própria existência. E como afirma o autor citado anteriormente, essa é a chamada morte social
visto que é produzida socialmente, porque não está isolada do contexto de relações que
compõem a sociedade.
Sendo a Aids caracterizada, muitas vezes, pela morte física e pela morte social, está
concretizada por esse estigma, envolvendo uma gama de relações constituídas pelo que
significa ter a doença, ou pelo que é ser diferente. Goffman (1989) escreve que os indivíduos
quando chegam a outros buscam informações sobre estes, e da mesma forma trazem o que são
e o que possuem, desde economicamente, o que pensam, suas atitudes, entre outras. Pensar
isso para uma pessoa soropositiva implica em buscar o que foi, e não o que é, o que se teve, e
não o que se tem, pois a sociedade não aceita e discrimina o portador do vírus da Aids. Na
situação das mulheres, isso fica ainda mais forte justamente pela submissão presente ao
masculino, e por ser mulher, ela torna-se ainda mais marcada.
Entre objetivos da pesquisa teve-se como geral: Conhecer o processo de adesão ao
tratamento de saúde com anti-retrovirais por mulheres com HIV/Aids, no intuito de contribuir
com subsídios que fomentem estratégias para a ampliação da adesão aos tratamentos.
os objetivos específicos configuraram-se em: conhecer as características culturais,
sociais, religiosas, econômicas, que influenciam no processo de adesão ou não ao tratamento
por mulheres soropositivas; compreender o sentido de vida que se estabelece entre a mulher e
seu mundo relacional quando existe a sorologia; analisar as relações construídas que se
configuram no gênero feminino com o enfrentamento que é feito após o acontecimento da
Aids na vida da mulher; analisar as trajetórias das mulheres participantes do estudo quanto às
possíveis representações da Aids, inclusive as que se constituem com significados de vida e de
morte.
Diante dessa discussão e do problema exposto, foram construídas algumas questões
norteadoras que, num primeiro momento, fomentaram a necessidade da análise da sorologia no
mundo atual.
Salienta-se que, para a realização da pesquisa, utilizou-se questões norteadoras, pois se
entende que essas surgem a partir dos objetivos do trabalho e estão relacionadas aos problemas
do mesmo e que, portanto direcionaram a investigação do tema proposto. (MARTINELLI,
1994).
Percebe-se que as especificidades culturais, sociais, religiosas, econômicas, incidem na
opção por aderir ou não aos tratamentos. Assim, o entendimento popular de pacientes,
26
familiares destes e sociedade em geral, acerca da doença, constituem-se em significados
importantes no processo de tratamento da Aids e, por isso, são examinados neste trabalho.
Sabe-se que a Aids produz nas pessoas, de forma geral, grandes modificações em seu
modo de viver, pensar e agir. Visualizar isso no público feminino portador do vírus HIV,
significa entender de que forma estas mulheres constroem suas relações com o mundo a partir
da existência da sorologia em suas vidas, como elas encaram e fortalecem-se a partir disso.
Isso significa refletir sobre as marcas que a Aids formata na vida dessas mulheres, a partir da
convivência com a doença.
Além disso, o rótulo de que a Aids constitui-se em sinônimo de morte é forte influência
no processo de aderência a tratamentos de saúde por mulheres com HIV/Aids. Aceitar o
processo de morte e as angústias ligadas a ela, ao realizar o tratamento de saúde, significa
enxergar, através de sintomas físicos e emocionais, uma realidade que para muitos é
insuportável e lembra o conceito de morte em diversos sentidos: físico, psicológico, social,
entre outros. (GOFFMAN, 1989).
Assim sendo, ao esmiuçar relações construídas, marcas configuradas, a morte presente
na vida destas mulheres, as especificidades e particularidades de cada uma delas; entende-se
que essa dissertação busca demonstrar a portadora do vírus HIV como sujeito de sua história e
que, por conseguinte deve ser ouvido, contextualizado como sujeito histórico e articulador de
seu processo de tratamento. Diante do exposto, questões norteadoras de todo o processo
realizado constituíram-se em:
1. Qual a influência das especificidades culturais, sociais, religiosas e econômicas na
opção por aderir ou não ao tratamento anti-retroviral, pelas mulheres soropositivas?
2. Qual a relação construída entre a mulher e seu mundo social quando da existência da
sorologia no que se refere ao sentido da vida?
3. Quais as marcas que foram impressas na trajetória das mulheres, no percurso da
convivência com o vírus da Aids?
4. Em que sentido o rótulo de que a Aids constitui-se em sinônimo de vida ou morte
influencia no processo de aderência a tratamentos de saúde por mulheres soropositivas?
Realça-se que esse caminho foi importante para todo o processo de construção desse
trabalho. Sem a clareza do que se quer, ou então, de quais as concepções que darão norte para
a pesquisa, torna-se difícil o alcance de objetivos ou de algo que contribua para o público alvo.
Partindo desse princípio, o próximo item abordará as categorias explicativas da realidade que
permitiram um primeiro embasamento teórico, antes da coleta de dados junto com as mulheres
com diagnóstico positivo para o vírus da Aids.
27
2 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA AIDS: AS MARCAS DE UMA EPIDEMIA
Para abordar um assunto tão polêmico quanto a Aids e as questões que permeiam esse
tópico verifica-se como fundamental demonstrar as categorias explicativas da realidade eleitas
para a construção da pesquisa. Com esse propósito, entende-se que as categorias a serem
trabalhadas abaixo dizem respeito a um primeiro olhar sobre a temática da pesquisa, logo,
servem como ponto inicial para a construção teórica.
Sabe-se ainda que a Aids sugere a discussão do que vai além do mundo material. Faz
parte de um debate permeado de significados e simbolismos os quais dizem respeito a um todo
subjetivo e emocional que condicionam as relações construídas a partir da existência da
doença. Assim, serão destacadas categorias explicativas sobre o tema para um primeiro
entendimento acerca do problema apresentado que são: Aids, mundo feminino, estigma,
mortificação do eu, identidade deteriorada e adesão ao tratamento de saúde.
2.1 Aids: o dualismo vida x morte
Desde a identificação do HIV, mais de 60 milhões de pessoas já foram infectadas no
mundo. De acordo com o Programa das Nações Unidas para a Aids, o número total de adultos
e crianças vivendo com o HIV/Aids atingiu a cifra de 40 milhões em 2001, dos quais 90%
vivem em países em desenvolvimento. Do total de atingidos, 37,1 milhões eram adultos e 18,
5 milhões, mulheres. (BRASIL, AIDS EM NÚMEROS, [2005]).
A região mais atingida no planeta é a África Subsaariana. Estima-se em 28,5 milhões o
número de infectados pelo vírus naquela região no ano de 2001, o que determina uma redução
da expectativa de vida de 62 para 47 anos de vida. Os fatores envolvidos nesta realidade da
disseminação da epidemia da Aids são diversos e complexos, vão desde o comportamento
sexual, número de parceiros, a fatores demográficos como a intensa mobilidade populacional,
migrações, o sexo comercial, entre outros.(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a)
Os estados brasileiros com maior incidência de pessoas infectadas pela doença,
conforme o programa das Nações Unidas para a AIDS são: São Paulo, Rio de Janeiro, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. Com relação a isso, o Brasil possui programas e serviços
organizados dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) para o combate da Aids. Esses
programas visam, conforme o Ministério da Saúde (1999a) a redução da mortalidade pela
doença, bem como a prevenção e o aumento significativo da sobrevida dos infectados.
28
Conforme o Ministério da Saúde (1999a), no Brasil, a Aids foi identificada pela
primeira vez em 1982, sendo que a incidência de infecção pelo HIV e Aids continua a
aumentar os índices alarmantes em todo o mundo. Essa doença apresenta-se como emergente
e configura-se como epidêmica.
Dados mais recentes acerca dos números da Aids no Brasil, mostram que foram
notificados cerca de 371 mil casos da enfermidade. Esse número representa as notificações
feitas desde a identificação do primeiro caso de Aids na década de 80, até junho de 2005. No
total de casos de Aids, mais de 80% concentram-se nas Regiões Sudeste e Sul. (BRASIL,
AIDS EM NÚMEROS, [2005]).
Em 2004, uma pesquisa de abrangência nacional estimou que no Brasil cerca de 593
mil pessoas, entre 15 a 49 anos de idade, vivem com HIV e Aids. Desse número, cerca de 208
mil são mulheres e 385 mil são homens. A via de transmissão heterossexual constitui a mais
importante característica da dinâmica da epidemia, com expressão relevante em todas as
regiões. Houve incremento importante dessa forma de transmissão: de 6,6 % em 1988, para
39,2%, em 1998. Essa característica tem contribuído de modo decisivo para o aumento de
casos em mulheres. Os valores da razão de sexo passaram de 24:1, em 1985, para 6:1 em
1990, situando-se em 2:1, desde 1997. Entre as mulheres, 57% são donas de casa, em todos os
níveis de escolaridade, na faixa etária de 20 a 39 anos.(BRASIL, AIDS EM NÚMEROS,
[2005]).
No Rio Grande do Sul (RS), observa-se a tendência de estabilização da distribuição
proporcional no que se refere à questão de gênero: em torno de 42% dos casos são de
mulheres infectadas e 58% de casos são de homens infectados pelo HIV. Por faixa etária,
verifica-se uma diferença importante na distribuição pela questão de gênero. Nas faixas-
etárias mais jovens 14/19 e 20/29 anos de idade o número de mulheres entre os casos é
praticamente o dobro do que de homens. Nas faixas etárias seguintes, inverte-se a situação:
dos 30/39 e 40/49 anos de idade, a proporção de homens infectados é maior. Nas faixas
etárias com mais de 50 anos de idade, a distribuição iguala-se entre homens e mulheres.
(AVALIAÇÃO DA EPIDEMIA DE AIDS NO RIO GRANDE DO SUL, outubro de 2007)
Quanto à forma de contaminação, nesse mesmo estado, a proporção de transmissão
heterossexual chega em torno de 81%, seguida de uma proporção de 8,5% de usuárias de
drogas injetáveis. Um dado importante relacionado ao modo de contágio, refere-se a questão
da categoria escolaridade. A maioria das pessoas com Aids registradas no RS, nestes últimos
dez anos, declara ter apenas o Ensino Fundamental, variando entre completo e incompleto.
29
Com relação à questão da interiorização da Aids no RS, verifica-se um aumento
significativo de casos em municípios do interior. Porém, não se pode mencionar o termo
ruralização, que os casos concentram-se em centros urbanos, principalmente na capital e
região metropolitana do estado, bem como locais com características de risco: regiões da
fronteira e do litoral. (AVALIAÇÃO DA EPIDEMIA DE AIDS NO RIO GRANDE DO
SUL, outubro de 2007)
Existem dados importantes a serem salientados no que diz respeito à perspectiva de
análise das mulheres infectadas pelo vírus HIV. Apesar da dificuldade em dados mais
recentes e quantitativos sobre esse ponto, pode-se observar, por exemplo, a questão das
mulheres negras:
O HIV/AIDS traz riscos adicionais para a população afrodescendente, em especial
para as mulheres negras. Negros e negras estão mais sujeitos à violência estrutural
presente nas comunidades pobres e remanescentes de quilombos. Faltam moradias
dignas, equipamentos sociais, saneamento básico, empregos, e perspectivas de
crescimento tanto pessoal quanto socioeconômico. (REDE FEMINISTA DE
SAÚDE, UNIFEM, 2003, p. 21)
Assim, percebe-se que a dívida histórica do Brasil com a população negra está
diretamente ligada a questão da Aids, 45% das brasileiras negras está na base da pirâmide
socioeconômica. Esse dado é importante para analisar, por exemplo, as taxas de mortalidade
materna entre mulheres negras, que está associada à falta de acesso ao pré-natal e ao parto
com assistência adequada. (REDE FEMINISTA DE SAÚDE, UNIFEM, 2003).
as mulheres indígenas, que em 2000 representavam menos de 1 % da população
feminina brasileira, em geral, economicamente empobrecidas, e em situação de
vulnerabilidade, têm seus direitos amplamente ignorados. E quando são pensadas as políticas
públicas para este segmento, ignoram-se suas especificidades para essa população, as ações
voltadas para a questão do HIV/Aids tem sido formatadas principalmente para a capacitação
de agentes e professores indígenas que busquem a prevenção, principalmente da Aids.
A realidade das mulheres lésbicas quanto à infecção do HIV/Aids é caracterizada pela
incidência de poucos casos. Contudo, pelo fato do grande preconceito existente quanto ao
sexo entre mulheres, os casos de Aids nessa população podem estar relacionados à falta de
conhecimento sobre as formas de risco e prevenção da Aids. Uma pesquisa da ONU notificou
que 98% dos casos de contaminação entre mulheres que fazem sexo com mulheres decorrem
do uso de drogas injetáveis. (REDE FEMINISTA DE SAÚDE, UNIFEM, 2003)
30
Destaca-se que outros públicos-alvos como as profissionais do sexo e mesmo, as
trabalhadoras rurais, necessitam de uma abordagem direta quanto à prevenção do HIV/Aids,
destacando como ação eficaz o acesso indiscriminado ao preservativo
10
.
No que se refere aos tratamentos, estes são combinados de anti-retrovirais (ARVs)
para HIV/Aids, capazes de suprimir a carga viral plasmática e aumentar a contagem de
células CD4 no organismo. Além disso, os ARVs estão associados com a resolução de
doenças oportunistas estabelecidas e também com a prevenção de novas infecções.
Mesmo sabendo que os benefícios substanciais dos ARVs são maiores que seus riscos,
é realidade que os tratamentos prolongados enfrentam problemas relacionados à adesão e à
toxicidade, também em relação à questão física dos usuários. Os ARVs podem apresentar
efeitos adversos em curto, médio ou longo prazo, que variam de acordo com cada
medicamento, cada classe de drogas ou cada organismo do paciente. (INFECTOLOGIA
HOJE - BOLETIM DE ATUALIZAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE
INFECTOLOGIA, 2005).
A ciência médica ensina que são comuns os efeitos colaterais, leves e transitórios,
como náuseas e diarréias. Também podem ocorrer fadiga e cefaléia, ou pesadelos. Alguns
efeitos são mais sérios como a anemia e a neuropatia periférica. Existem ainda efeitos mais
graves como, por exemplo, a osteoporose e alteração na distribuição de gorduras no corpo.
Diante disso, a necessidade de conhecer bem os efeitos adversos é uma estratégia eficaz não
para os infectologistas, mas também para todos os profissionais de saúde, médicos ou não,
que assistem a pacientes HIV-positivos, tornando instrumento de otimização a aderência e
potencialização à eficácia do tratamento. Os profissionais devem saber distinguir os efeitos
do tratamento.
Assim, a informação aos pacientes tanto quanto ao tratamento, como ao diagnóstico
precoce dos sintomas dos anti-retrovirais, deve ser constante: antes e durante o tratamento,
incentivando a comunicação e o diálogo entre profissional e paciente.
Diante da significativa expressão que a epidemia da Aids construiu em nossa realidade,
observa-se a necessidade de reflexões profundas acerca desse assunto. Destacam-se fatores
importantes como o grande número de infectados pela doença, as questões de gênero,
orientação sexual e formas de contaminação, que tornam a Aids uma das doenças mais temidas
no mundo atual, e conforme exposto, torna-se uma expressão da questão social que clama
10
Destaca-se a dificuldade em dados numéricos acerca destes segmentos infectados pela Aids. Encontram-se
dados mais antigos referentes a esta questão. Além disso, salienta-se que os meros, em geral, demonstram a
realidade da população em situação de fragilidade econômica, dificultando a reflexão acerca de outras realidades
que não sejam caracterizadas por esse tipo de vulnerabilidade.
31
por intervenções efetivas que promovam resultados de cunho social. Portanto, falar de Aids, é
falar do coletivo, é falar de saúde, cultura e sentimentos.
Percebe-se o grande estigma que se formou em torno da doença, o que a deixa ainda
mais perversa quando é vista a partir dos preconceitos, esquecimento dos sujeitos, da história,
do protagonismo social por eles construído e de alguma forma, concretizado. Protagonismo
esse relacionado às questões de família, identidade, trabalho, entre outros.
Conforme Kern (2005, p.39) a Aids enquanto incidente acaba por alterar a vida,
levando o sujeito à dupla condenação: a de morte física e social.
A definição da AIDS como doença letal foi interiorizada de maneira profunda e
contribuiu para exacerbar temores relacionados à morte já latentes no imaginário
ocidental notadamente expressos nas atitudes de mascaramento, do silêncio, do
esquivamento, da excitação do tema. Da reação ao medo, deriva a reação ao medo do
contágio e o exagerado medo de contágio tem desencadeado reações de pânico
desproporcionais à possibilidade concreta de transmissão. (PAULILO, 1999, p.13,
apud KERN, 2005, p. 39).
Ao se pensar a problemática de uma doença como a Aids, em nossa realidade, é
imprescindível tratar da relação que os indivíduos com o rus HIV fazem com a questão da
morte. Como aponta Seffner e Leal (1995, p. 391):
O indivíduo soro positivo encontra-se numa situação de “morte anunciada” ou, como
diz a música de Cazuza, “eu vi a cara da morte, e ela estava viva”. Qualquer um de nós
sabe que a morte existe e que um dia vamos morrer. Entretanto, a partir de um
resultado positivo no exame anti-HIV, o indivíduo passa a conviver com essa
percepção muito mais próxima e presente, e a essa situação estamos designando de
“morte anunciada”.
A partir disso, compreende-se que o portador do vírus da Aids, no momento em que
sabe dessa situação, depara-se com a morte. Não apenas com a morte física, mas também
emocional e como ainda afirma Seffner e Leal (1995, p. 391), a “morte civil, entendida aqui
como redução dos direitos de cidadania do indivíduo”. Ou seja, este indivíduo é rotulado e
sofre com o desemprego ou demissão, se for empregado, discriminação e preconceito; e além
de tudo, poderá ser isolado por muitos que o rodeiam.
A doença reforça na vida da pessoa a idéia de limite, fazendo com que o sujeito negocie
consigo mesmo acerca do que continua fazendo e o que deve deixar de fazer. Isso significa a
perpetuação da equação AIDS = MORTE (SEFFNER; LEAL, 1995, p. 400). Assim, a pessoa
deixa de realizar determinadas atividades, e busca por sinais da doença no corpo, entre outras
questões que identificam a existência da Aids.
32
Entre esses caminhos, percebe-se a existência da morte anunciada fazendo com que o
doente, limite seus contatos sociais, restrinja sua participação em determinados lugares e,
acima de tudo, aceite o preconceito e a vergonha. Portanto, nota-se que a vida de uma pessoa
portadora do vírus da Aids torna-se marcada. O indivíduo fica classificado como aidético e
denominado como tal, tanto pela população em geral como, muitas vezes, pelos profissionais
que trabalham com essa demanda.
Com relação à questão do paciente soropositivo aderir ao acompanhamento de saúde,
surgem inquietações até mesmo dos próprios enfermos e das pessoas que acompanham essa
realidade, pois se das conseqüências desses tratamentos, tanto com referência aos sintomas
físicos quanto psicológicos.
também, ocasiões em que a luta pela sobrevivência pode gerar valores de vida
bastante preciosos: por exemplo, quando uma pessoa com uma doença grave é
levada, na luta pela sobrevivência, a se defrontar com a morte e, a partir daí, a
reavaliar a própria vida. (NETO, 1996, p.57).
Isto é, a pessoa portadora do vírus da Aids, com certeza, vai questionar sobre a
diferença entre vida e sobrevivência. Neto (1996, p. 56) ainda afirma que “a sobrevivência
descreve um empobrecimento da vida; quando meramente sobrevivemos, isso quer dizer que
estamos vivendo de forma precária, incipiente”. Assim, entende-se que quando a decisão
por não tratar a doença, isto está totalmente ligado ao entendimento de que se tratar é
sobreviver e não viver.
É importante salientar que esta discussão de que Aids é sinônimo de morte, está
relacionada com a forma como o portador do vírus, em tratamento, é visto, o que
possivelmente fará o mesmo desistir do acompanhamento médico. Segundo Kubber-Ross
(1969, p. 190), focalizar o paciente como um ser humano é um desafio, pois a morte é
encarada como um fator maligno. E com o avanço das ciências, mais teme-se e nega-se a
morte. O mesmo autor ainda destaca que:
Os doentes são raramente consultados sobre os seus desejos, e são internados em
hospitais cada vez mais sofisticados...tecnicamente, recebem aparelhos, transfusões,
picadas, intromissões de tubos e cateteres e exames muito invasivos. uma
preocupação com órgãos, pulsações, secreções e não com a pessoa. (KUBBER-
ROSS 1969, p.191).
Portanto, fica claro que o indivíduo portador do vírus da Aids torna-se manipulável,
profissionais mexem e decidem o que deve ser feito com ele. Caponi (1998, p. 63) discute esta
questão:
33
Interassa-nos problematizar a lógica interna da compaixão piedosa, pois ela instaura
uma modalidade peculiar de exercício do poder que se estrutura a partir do binômio
servir-obedecer, multiplicando assim a existência de relações dissimétricas, entre
quem assiste e quem é assistido.
Dessa maneira, verifica-se que o portador do rus HIV é visto em sua condição de
doente, de frágil e de impotente. Trata-se de um jogo de poder, em que ao mesmo tempo em
que se promete auxílio e assistência, multiplicam-se a submissão e a coerção do paciente.
“Esse clima gera o aparecimento das chamadas idéias de coerção, sobretudo porque na
infecção por HIV existem padrões de conduta [...] que boa parte considera imorais e até
mesmo criminosos”. (ALMEIDA; MUÑOZ, 1997, p. 49).
Perante isso, o profissional que acompanha a pessoa com HIV, necessita assumir uma
postura de respeito às vontades do paciente, mesmo quando esse não aceita o tratamento. Isto
significa o respeito, especialmente à autonomia humana e aos valores que esse considera
importantes, inclusive seus valores religiosos. (SOUZA; MORAES, 1998, p.89). Por isso esses
valores não podem ser desconsiderados. Encará-los como alguém que tem vontade e força
pode ser um passo para o entendimento entre profissional e o usuário do serviço, pois pode
torná-lo mais seguro quanto a sua realidade.
Conforme relatório de atividades do II Foro sobre Aids realizado em Havana Cuba,
em 2003, não se pode falar hoje de atendimento integral, visto a existência das deficiências e
carências, inclusive na área de recursos humanos especializados. Reconhecem-se as diferentes
estratégias para espalhar o tratamento buscando lentamente o impacto nos países em que os
serviços são implementados. Porém, é importante apontar que qualidade, atenção, e
participação das pessoas com HIV/Aids, melhoram a adesão aos tratamentos. (BRASIL,
POLÍTICA DE SAÚDE E SEGURIDADE, [2005]).
A legislação dos direitos humanos não garante os seus cumprimentos. Existe uma
grande distância com a realidade. No campo da prevenção do HIV/Aids os modelos de
prevenção são fenômenos mutantes. A Aids é um tema de fragilização que está ligado com a
pobreza, gêneros, minorias sexuais, estigma, discriminação e influência religiosa.
Quanto políticas públicas, percebe-se que em poucos países isto é abordado como tema
prioritário, demonstrando a dificuldade da construção de estratégias em vários setores que
formulem respostas ao problema da Aids. Especificamente no Brasil, esta temática será
aprofundada mais adiante.
34
Conforme o mesmo relatório, a diversidade cultural também acompanha as dificuldades
de acesso universal aos tratamentos, pensando também no que se refere a não possibilidade de
adquirir medicamentos, por exemplo, em função dos altos preços.
Porém, aponta-se que uma das principais dificuldades em estabelecer serviços efetivos
é que estes envolvem práticas muito mais íntimas, carregadas de simbolismos particulares que
são definidas socialmente e culturalmente. Na realidade, o que se encontra nesses serviços é a
presença do distanciamento do profissional da saúde em relação ao paciente. São
considerados de indispensável importância os aparatos tecnológicos, em vez das relações
interpessoais, o que acaba provocando o sofrimento humano no sentido de que se desqualifica
a pessoa e qualifica-se a doença. Donini (2003, p. 12) aborda esta questão quando afirma que:
Este movimento de oposição diz inicialmente da repulsa às regras de
comportamento pelas quais a doença faz com que profissionais de saúde passem a
ditar maneiras de se comportar social e emocionalmente no sentido de um ganho
maior de vida para os pacientes.
Outro aspecto que se subentende envolvido em toda esta discussão, diz respeito à
afirmação de que um paciente soropositivo é considerado na sociedade, como “de risco”. A
Organização Mundial de Saúde OMS considera como risco a “probabilidade de ocorrência
de um resultado desfavorável, de um dano ou de um fenômeno indesejado”. (OMS apud
DONINI, 2003, p. 40).
Conforme essas definições observa-se a implantação de um sistema que diz orientar a
vida, mas ao mesmo tempo, instaura novas práticas de hábitos da mesma, partindo dos fatores
negativos, repletos de intervenções chamadas de preventivas, no entanto, objetivam evitar as
situações de risco, eliminar esses riscos e porque não dizer, essas pessoas. Isto diz respeito à
questão da discriminação, à promiscuidade, ao preconceito. Kovács (1992, p. 189) analisa esta
situação mostrando como isto estava presente na Idade Média e constitui-se ainda em força
negativa para os pacientes, até a atualidade:
Foi feita uma analogia da Aids com as epidemias da Idade Média, como a peste,
ligadas à crença em uma punição divina. A Aids durante um tempo foi chamada de
peste gay, porque se acreditava que ela atingia homossexuais promíscuos,
portanto merecedores de punição pela sua vida devassa. Hoje os fatos desmentem
as premissas que fundamentavam essa posição, mas elas ainda convivem no íntimo
da sociedade. Ainda hoje vêem-se atitudes que combatem os doentes e não a
doença. No caso da Aids a vergonha, a degeneração física e psíquica e o problema
social do estigma podem ser piores do que a morte.
35
Assim, os pacientes soros-positivos são condenados à morte, pois se trata de uma
doença fatal. O portador do HIV carrega o diagnóstico de uma doença que é fatal, mesmo que
em muitas vezes, não apresente nenhum tipo de sintoma, mas convive com esta sentença: de
morte. A sociedade condena essas pessoas através da rotulação, da discriminação, da
violência às quais os pacientes são submetidos.
A Aids, até os dias atuais, é considerada como sinônimo de morte por ser uma doença
que ainda não tem cura. Entretanto, entende-se que isso define todo e qualquer tratamento
indicado para estas pessoas, o que torna os mesmos ainda mais dolorosos. A forma como isso
muitas vezes é reforçado torna os sujeitos ainda mais frágeis diante de sua realidade.
Assim, os indivíduos são preparados para a morte, pois a doença, e os profissionais
que tratam dela, enfatizam a todo o momento as restrições que a mesma impõe para o
paciente, e esse aprende a negociar com estes limites. Então, pensa-se que no momento em
que o usuário está condenado a depender de serviços de saúde como é o caso dos
soropositivos, esse está sujeito a uma morte violenta.
Diante da realidade visualizada sobre a vida das pessoas que estão condenadas pelo
preconceito em função do HIV, questionam-se as formas como os pacientes são abordados
para a realização de algum tratamento médico. Nesse sentido, observa-se a busca por centros
médicos cada vez mais especializados, bem como a solução através da transformação de
espaços públicos em espaços de alta tecnologia. Contudo, percebe-se que, quanto mais
sofisticados forem esses espaços, o trato com as pessoas tornar-se-á cada vez mais
preconceituoso, pois aumentam o controle, a invasão de privacidade e, conseqüentemente,
afetam e dissipam ainda mais a idéia de fim, a idéia de não haver outra possibilidade a não ser
a morte.
Parte-se do pressuposto de que muitas vezes os serviços de saúde, ao buscarem o
combate à doença, acabam combatendo a pessoa, o indivíduo, o ser humano, através de seus
conhecimentos científicos, assim construindo apenas um destino para o paciente: a morte.
No triângulo formado pela vida, pela doença e pela morte, é a morte que ocupa o
vértice superior. “É do alto da morte que se pode ver e analisar as dependências
orgânicas e as seqüências patológicas”. Se a “morte de Deus” torna possível o
aparecimento do homem como objeto e sujeito dos saberes da modernidade, como
será explicitado em As palavras e as coisas, o que ensina o Nascimento da Clínica
é que a vida do homem se manifesta primeiramente a partir do homem morto, do
cadáver, da localização da morte no corpo do homem. (MACHADO, 2001, p.56-
57).
36
Portanto, entende-se que a medicina em si nasceu devido aos questionamentos que a
morte produzia. E, ao longo de sua evolução, as relações entre vida e morte, por exemplo,
tornaram-se ainda mais fortes devido às estratégias de desenvolvimento da medicina que
muitos profissionais utilizavam, tendo em sua base, o estudo clínico do corpo, da patologia,
da doença. Assim, o homem torna-se objeto de estudo de diversos profissionais da área.
Ariès (1977, p. 321) também relata uma idéia interessante sobre a questão da morte
quando diz que no início do século XX, os profissionais de saúde tinham dificuldade em
proteger os pacientes nos quartos dos hospitais contra as simpatias, curiosidades indiscretas e
demais formas de participação das pessoas nas situações de doenças. Com o passar do tempo,
isso ficou mais forte, acentuando as preocupações de higiene e moralidade, por exemplo,
afastando todo e qualquer tipo de participação dos familiares e conhecidos dos pacientes em
seus tratamentos. Com certeza, isso vem acrescentar no que se observa seguidamente nos
processos terapêuticos por que passam os pacientes: os mesmos necessitam abrir mão de tudo
o que faziam, de tudo o que usavam e acabam isolando-se do mundo que construíram, das
coisas que conquistaram em função de uma doença, e conseqüentemente, percebem a
presença da morte diante de si. O mesmo autor também escreve:
A recusa da morte ultrapassou a pessoa dos enlutados e a expressão do luto para se
estender a tudo o que toca à morte e que se torna infeccioso. Pode dizer-se que o
luto ou o que se lhe assemelha a uma doença contagiosa que se arrisca a apanhar
dentro do quarto de um moribundo ou de um morto, mesmo se são indiferentes,
num cemitério, mesmo se não contém nenhum túmulo querido. (ARIÈS, 1977, p.
324).
Nesse sentido, Kern (2005, p.37) discute a questão da expressão do homem para
pensar o sujeito portador do vírus da Aids:
O homem expressa o seu mundo subjetivo na medida em que é reconhecido como
tal. Neste sentido, não existe o homem individualizado no concreto, pois a sua
existência, a sua inserção social, se na medida em que seu eu é fortalecido no
reconhecimento do outro, no significado do estabelecimento das teias de relações.
Por conseguinte, o sujeito portador do vírus da Aids sente-se violentado ao não
conseguir mais projetar sua vida, perder sua liberdade e ser condenado a não existir mais.
Assim, a Aids sai apenas do plano físico, e vai para o plano existencial e relacional.
A Aids na atualidade está posta como um dos grandes enfrentamentos da sociedade,
pois grande parcela da população encontra-se infectada com a doença. Por isso, percebe-se a
37
necessidade de que cada vez mais as pessoas, de maneira geral, precisam estar informadas
sobre o assunto para enfrentar possíveis situações relacionadas a esse vírus.
A incapacidade para determinadas atividades provoca extrema frustração nas mulheres
soropositivas fazendo com que as mesmas sintam alterada sua identidade. Assim, a morte
anunciada, como estado individualizador, implica em redefinir toda uma rede de relações
sociais. Combater a Aids é combater a relação dela com a morte. Isso significa a necessidade
dos enfrentamentos das mulheres soropositivas a tudo que indique doença, demonstrando força
e vida. Diante disso, ressalta-se a necessidade de entender mais detalhadamente a questão da
Aids no mundo feminino.
2.2 O debate da Aids no mundo feminino
Frente ao exposto até aqui, torna-se ainda mais importante discutir todos esses
elementos pensando a questão das mulheres portadoras do vírus da Aids. Verifica-se que
alguns desses pontos ficam ainda mais fortes e reproduzem até mesmo fatores que, no mundo
dos homens não aparecem tanto, como por exemplo, a questão da contracepção, ainda
visualizada como de responsabilidade da mulher; a maternidade tão questionada quando da
existência da Aids; a sexualidade proibida nesta situação; as relações de gênero fortemente
implicadas nessa discussão, entre outros aspectos.
O item da contracepção na maioria dos casos de responsabilidade da mulher, é um dos
grandes pontos de questionamento quando aborda-se a temática Aids. Todos dizem saber como
evitar a doença, porém os números não confirmam isso. Percebe-se que a mulher necessita
tomar a iniciativa do uso do preservativo, o que muitas vezes é dificultado até mesmo pela
relação de gênero mantida com seu parceiro, considerando-se a subordinação feminina aos
homens.
Além disso, sabe-se que ainda existe muita desinformação, por mais que os meios de
comunicação veiculem todas as informações necessárias para evitar a doença. As mulheres
ficam a mercê da doença por utilizarem recursos pessoais e sabedoria popular na tomada de
decisões. Isso, muitas vezes, pelo fato do não acesso a informações adequadas e/ou a serviços
de saúde sexual e reprodutiva. Esse aspecto também diz respeito à mulher não conhecer seu
próprio corpo, seu funcionamento, sistema reprodutivo, o que gera insegurança e sem dúvida
temores, deixando-a ainda mais vulnerável e com menor poder decisório, inclusive no que se
refere aos seus desejos. (CRUZ e BRITO, [2000]).
38
A questão da maternidade no mundo feminino é algo imensurável e fortemente
desejado pela maioria das mulheres, até porque a maternidade é um dos fatores que define o
que é ser mulher. Assim, as mulheres soropositivas enxergam sua identidade deformada,
questionada interna e externamente.
O desejo da mulher com HIV/AIDS de ter ou não ter filhos fica encarcerado sob o
olhar do outro, um outro externo e internalizado. A imagem que ilustraria o que
dizemos é a seguinte: ante a gravidez indesejada, a mulher infectada pelo HIV
confronta-se interna e externamente com um dedo em riste e muitas advertências.
(CRUZ e BRITO, [2000]).
Pensar sobre a maternidade implica em pensar as relações de cada uma das mulheres,
pois não se sabe o que representa a maternidade e o que representa a Aids em suas vidas. È
difícil ter uma resposta para isso, justamente por que cada uma tem um entendimento da
maternidade e da sorologia a partir das suas vivências e experiências de vida as quais
estabelecem numa relação direta.
Outra questão relevante é a discussão acerca da sexualidade e relacionamentos. Falar
em sexo para qualquer pessoa pode gerar constrangimento, silêncios... Para a mulher
soropositiva isso ainda é mais complicado. Falar de sexo implica em falar do sentido
biológico, do prazer e do amor. No sentido biológico, o sexo enquanto necessidade orgânica,
da natureza humana. No que concerne ao prazer e ao afeto, isso se coloca no mundo subjetivo,
o que infere na sexualidade. Para a mulher portadora do vírus da Aids, o sexo é tomado por um
vulto de medos e culpas.
Acredita-se que para entendimento desta questão há a necessidade de pensar a trajetória
de vida destas mulheres. Percebe-se o entendimento no senso comum de que as mulheres que
possuem Aids são promíscuas e que não utilizam o sexo para obter amor e/ou qualquer tipo de
afeto. Assim, apenas as mulheres fiéis, monogâmicas, procuram o amor. Ou seja, existe todo
um conceito de moralidade da mulher que “confere-lhe um lugar de pertencimento dentro do
feminino que acredita ser o melhor”. (CRUZ e BRITO, [2000]).
Dessa forma, percebe-se que as mulheres com o vírus HIV vivem em um mundo onde
necessitam negar seus desejos, mesmo tendo curiosidades e vontades. E por que não dizer,
negar sua identidade de mulher.
Toda esta discussão também diz respeito às questões de gênero. É imprescindível
perceber que todos esses conceitos trabalhados até aqui são generalizados, naturalizados e,
portanto, não compreendidos como uma construção das pessoas. Da mesma forma,
construíram-se as noções masculino e feminino. Cada um dos gêneros possui um papel a ser
39
desempenhado em nossa sociedade e no momento que isso não acontece, somos questionados,
de alguma forma.
A mulher portadora do diagnóstico da Aids passa por isso ao ser questionada sobre sua
doença e também sendo punida. Se as mulheres sofriam com as diferenças de gênero, a
mulher com a Aids é condenada a isolar-se, a dependência, ao não poder. Evidencia-se que ao
feminino não flexibilidades para mudanças. Ela deve seguir um ideal, uma fantasia, um
padrão, não importando suas necessidades. E, mais uma vez ela possui sua identidade feminina
comprometida.
Desse modo, salienta-se que a mulher soropositiva perde sua identidade, mesmo tendo
construído em sua trajetória de vida relações, conceitos e sentimentos que são pertencentes a
ela, que dizem respeito ao que ela é. Assim, qual o seu sentimento ao olhar no espelho e
enxergar toda uma vida apagada, sem maquiagem?
Sendo assim, reconhece-se a existência de dificuldades e obstáculos que permeiam a
vida de uma mulher soropositiva. No entanto, compreende-se que muitos destes obstáculos são
conseqüências do estigma formado sobre a Aids, como será discutido a seguir.
2.2.1 Estigma
Poder definir estigma é algo difícil por tratar-se de mais um conceito, que é
generalizado e acaba tendo conotação da sabedoria popular. Assim, para essa definição utiliza-
se de alguns princípios: o estigma é conceitual e social, ele é reconhecido não por sua
característica, mas pela resposta social e política que ele recebe. É pela forma como os outros
tratam que se julga, se carrega, ou não, um estigma.
Além disso, o estigma é diferente da discriminação. O estigma refere-se a atitudes e
normas comuns e a discriminação é um processo dinâmico que pode ou não ocorrer a partir do
estigma. O estigma, até certo ponto está relacionada à ignorância e aos temores. Tememos o
que é desconhecido, como por exemplo, a Aids.
O estigma, pode desempenhar um papel fundamental para a concretização de normas
morais e culturais, acentuando, culpabilizando determinados grupos de terem agido de uma, ou
de outra forma.
A definição de Goffman (1989) para estigma diz respeito à questão de identidade
deformada, na qual, o indivíduo portador do estigma aprende a aceitar a sua condição e
administra a situação na relação com os outros e com a sociedade.
40
A referência de Goffman (1993, p. 11) ao uso da palavra "estigma” é feita a partir dos
gregos que a entendiam como a marca de um corte ou uma queimadura no corpo. Isso
significava algo de mal para a convivência social, podendo simbolizar a categoria de escravos
ou criminosos, um rito de desonra, o qual servia como uma advertência para se evitar contatos
sociais particulares e principalmente, nas relações institucionais de caráter público. No
cristianismo, as marcas corporais tinham um significado metafórico representando sinais da
graça divina e/ou uma referência médica, representando perturbações físicas.
Dessa forma, o sujeito passa a viver estigmatizado socialmente, tecnicamente e
humanamente. Segundo Goffman (1993), o estigma estabelece uma relação impessoal com o
outro. Esse sujeito deixa de possuir uma individualidade empírica, mas surge como
representação de determinadas características estigmatizadas, com marcas internas que
sinalizam uma diferença, um desvio em sua identidade.
Na verdade, esta é uma necessidade específica de quem convive com um estigma: a
necessidade de criar alternativas de enfrentamento e fortalecimento. Não como sobreviver
em uma sociedade repleta de estigmas, sem pensar alternativas para, ao menos, melhorar as
formas de vida, que não sejam a de submissão e preconceito.
Kern (2004) aborda o estigma pensando na questão dos pré-julgamentos realizados por
todos nós e que acabam por produzir isso que chamamos de estigma:
O estigma, na forma de atributo depreciativo, diferencia na atualidade as pessoas no
sentido de conferirem prejulgamentos sobre concepções que são emitidas a seu
respeito, sem ter conhecimento prévio e de experiência. A questão do estigma
mostra-se como um problema humano e social, justamente pelo fato do ser humano
que é portador deste fenômeno, encontrar à sua frente dificuldades na necessidade de
socializar-se e de estabelecer teias de relações sociais. (KERN, 2004, p. 135).
Nessa dimensão é que se coloca a temática Aids, quando pensada a partir do
isolamento dessas pessoas. As mesmas perdem o trabalho, perdem os amigos e muitas vezes a
família pelo grande estigma que envolta o tema Aids. E isso diz respeito àquilo que tomamos
como correto, àquilo que nossa consciência formatada e reprodutora do senso comum
classifica como correto, mesmo sem elementos suficientes e concretos que fundamentem essas
definições.
Destaca-se que o estigma da Aids está muito relacionado com a questão da não
existência da cura, e por conseqüência, com a morte. Todos sentem medo ao pensar na
hipótese de portar a doença ou mesmo dividir um espaço com um soropositivo, mesmo que
isso não afete em nada sua vida sadia, ou seja:
41
Relacionando a temática do estigma ao tema da Aids, entende-se que o estigma da
Aids manifesta-se como um fenômeno vivenciado pela consciência da pessoa
soropositiva. Mesmo que este fenômeno possa ser considerado como um objeto da
consciência, deve-se levar em conta que o mesmo constrói-se no processo de
socialização e de estabelecimento de teias sociais na perspectiva da construção da
rede social. (KERN, 2004, p. 136).
Portanto, o estigma é percebido na relação com o outro. Relação essa desigual, e que
leva o sujeito a construir uma nova identidade, além da que possuía. E muitas vezes, como
relata Kern (2004) esta nova identidade é dupla: uma caracteriza-se pela imagem frente às
relações construídas e a outra escondida para não comprometer essas relações.
Sabe-se que adquirir novas identidades, em função do estigma da Aids, necessita a
articulação da vida psíquica com a posição no mundo. Trata-se daquilo que serve para
desordenar o que se acredita, o que está socialmente confirmado. No caso feminino, em que
sua condição está vinculada a uma série de questões discutidas anteriormente, a mulher
soropositiva procura um novo espaço, um novo lugar, onde o estigma não apareça tão
fortemente. O que se constitui em uma grande luta diária, pois trata-se de enfrentar situações
socialmente e historicamente construídas.
A vivência da Aids enquanto um estigma é um peso, o que leva o sujeito a esconder-se,
buscar alternativas, atitudes que não façam com que ele apareça. Parece clara a necessidade de
construir, o que Goffman (1989, p. 29) chama de “fachada”: “Fachada, portanto, é o
equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado
pelo indivíduo durante sua representação”.
Assim ocorre com os portadores do vírus da Aids. Ao sentirem o estigma carregado por
eles, os mesmos criam uma fachada que serve como escudo, proteção e que não deixa o sujeito
à mercê de tantas diferenças e sofrimentos, pelo menos, explícitos. Goffman (1989; p.34)
ainda aponta que:
Quando um ator assume um papel social estabelecido, geralmente verifica que uma
determinada fachada foi estabelecida para este papel. Quer a investidura no papel
tenha sido primordialmente motivada pelo desejo de desempenhar a mencionada
tarefa, quer pelo desejo de manter a fachada correspondente, o ator verificará que
deve fazer ambas as coisas.
A partir disso, pensando sobre o estigma da Aids, percebe-se que o sujeito, chamado
por Goffman (1989) de ator, sente o desejo ou a necessidade de manter-se correto, conforme o
que a sociedade impõe. Ter Aids significa não andar conforme os valores respeitados pela
sociedade. Significa esconder sua situação enquanto portador do vírus da HIV, mesmo que isso
muitas vezes, signifique, por exemplo, não buscar tratamento de saúde.
42
Em vista disso, o estigma da Aids possui forte relação com a construção da decisão em
realizar ou não um tratamento de saúde, em buscar ou não novas formas de enfrentamento a
estas questões tão complexas relacionadas ao tema. Isso ocorre também devido a forma como
o sujeito soropositivo encara a Aids: se como sinônimo de vida ou de morte .
2.2.2 Mortificação do Eu
Qualquer ser humano não gosta de falar, nem mesmo pensar, na idéia de morte. É algo
que ninguém com bons olhos e quando se sente a morte próxima, seja de alguém
conhecido ou a nossa, muitos conflitos formam-se e começam a fazer parte do dia-a-dia do ser
humano. Isso se realiza muito mais na vida das pessoas com Aids, porque Aids é sinônimo de
morte.
Analisando essa perspectiva, parece que fisicamente eles ainda encontram-se vivos,
mas quanto ao seu mundo psicológico, ao seu eu subjetivo, seus ideais de vida, seus
entendimentos, tudo isso está morto, sem um porquê de estar acontecendo. O diagnóstico da
Aids leva o indivíduo a pensar na finitude de sua vida. É algo que ele não consegue controlar,
é algo que foge das mãos do portador, e ao mesmo tempo, entrega sua sobrevida para
desconhecidos que a regem, controlam e comandam.(HENRICH, 2004).
A mortificação do eu vai muito além do simples parar do corpo. A morte inicia pelo
estado psicológico da pessoa, e é aí que se formam as maiores dificuldades, porque isto é algo
lento, que vai remoendo os piores sentimentos que alguém pode ter. A cada tentativa, a idéia
de morte parece mais forte e agressiva. Mediante essa afirmação, pode-se pensar na questão
da morte anunciada de maneiras diferenciadas. Entre elas, buscar na questão legal, a morte
civil, que se refere à redução dos direitos de cidadania do indivíduo, como por exemplo, a
perda do emprego, discriminação, isolamento e preconceito.
Porém, pensar na morte do sujeito, único e singular é de fundamental importância para
o entendimento da negação (que se constitui em um mecanismo de defesa do inconsciente) ou
abandono aos tratamentos por parte das mulheres portadoras do vírus HIV. Nesse sentido, a
morte vem explícita no dilaceramento do eu, como escreve Donini (2003, P. 66):
Os modos de expansão da vida estão freqüentemente tomados como modos de
captura, sujeitos expostos às experimentações são tomados como exemplo de “risco
em potencial”, devendo portanto serem (re) trabalhados em seu meio para
adequarem-se às exigências afetivas e produtivas, seus atos são monitorados.
43
Os tratamentos de saúde, muito vezes, contribuem para este processo de morte
violenta, pois a morte sendo considerada como um processo envolvido por fenômenos
perturbados, torna-se um espaço ainda mais discursivo quando os profissionais fazem o
paciente enxergar a doença, em todas as suas etapas. Isso fica óbvio, quando se refere aos
portadores do vírus da Aids que buscam acompanhamento científico. Pois praticamente
obriga-se o paciente a conhecer todas as formas e dificuldades que a doença provavelmente
irá produzir em seu organismo, ou seja, a morte torna-se algo presente através da doença.
Sabe-se da importância de que o paciente conheça seu estado de saúde até para conseguir
enfrentar a doença, todavia, a forma como se constrói este saber, faz-se, muitas vezes,
violenta.
Torna-se importante trazer conceitos e idéias sobre o que significa essa morte e,
porque não, pensá-la junto a idéia de doença, como no caso dos portadores do vírus da Aids.
Machado (2001, p. 56) aborda esses conceitos e escreve que:
É o espaço discursivo do cadáver, considerado como interior desvelado, que agora
faz ver a doença, é a clareza da morte que dissipa a noite viva da doença,
permitindo o conhecimento das formas e das etapas das doenças. “Foi quando a
morte se integrou epistemologicamente à experiência médica que a doença pôde se
destacar da contranatureza e ganhar corpo no corpo vivo dos indivíduos”.
Assim, se a morte significa algo difícil para qualquer ser humano, para aqueles que se
encontram doentes, ela tem ainda mais força, porque a doença é sinônimo de morte. A morte
através desta doença toma conta do corpo do indivíduo e demonstra, através de sintomas,
preconceitos, temores, qual é a sua força.
Tenta-se fazer uma relação disto com a realidade dos portadores do vírus da Aids. O
dia-a-dia de um indivíduo soro-positivo está descrito na citação acima, pois o mesmo é visto
dessa maneira, como se a morte estivesse presente e comandasse sua vida. E ainda, é como se
isso fosse contagioso, fazendo com que todas as outras pessoas precisem ficar longe. Aqueles
que sempre conviveram com o indivíduo, de uma hora para a outra sentem a necessidade de
afastar-se.(HENRICH, 2004)
A morte, como um aspecto inevitável da existência, sempre foi cercada pelo medo do
desconhecido e inesperado. A Aids que debilita o físico gradativamente e de modo
imperdoável, faz emergir profundos medos: o sofrimento, a dor e o desconhecido pós-vida.
Mediante essa discussão, reflete-se sobre como os portadores do vírus da Aids poderiam
encarar, ou mesmo, pensar no que se refere a assumir como sua responsabilidade as mais
terríveis situações, utilizando-as para progredir em sua vida. Considerando-se o nascimento e
44
a morte como aspectos intrínsecos da vida, poder-se-ia não temer mais os sofrimentos do
nascimento e morte, e a partir disso acumular valores. Ao observar a natureza, a sociedade e
as questões diárias, pode-se sentir que todas essas áreas estão em um constante fluxo, nunca
permanecendo no mesmo estado e constantemente repetindo o ciclo de início e término.
Assim perceber-se-ia que a vida coexiste com o universo e que o nascimento e morte são
aspectos alternados da vida.
Machado (2001, p. 54) reflete sobre a medicina classificatória e permite pensar o
quanto o portador do vírus da Aids é rotulado, de diferentes formas, e é levado a pensar em
um único fim: a morte.
Guiada pelos sintomas, identificados ao ser das doenças, a medicina classificatória,
abstraindo o doente, estabelece a essência de cada doença, situando-a em um
quadro nosográfico de parentescos mórbidos que fixa o seu lugar na ordem ideal
das espécies.
Desta forma, o indivíduo é classificado, marcado perante uma sociedade que o
destina para a morte, suas relações acontecerão única e exclusivamente com, e para, este fim.
Refletir a respeito da produção de subjetividade é algo necessário na discussão
realizada nessa pesquisa. Nãocomo falar sobre a questão do ser humano e sua relação com
o vírus da Aids sem construir um entendimento sobre o que é subjetividade.
Guatarri (1992; p. 19) define a produção de subjetividade como sendo um conjunto de
possibilidades que torna possível a um território emergir, como por exemplo, o território
existencial. Nesse debate surgem aspectos como: de que maneira me tornei o que sou, quais as
forças envolvidas nisso, o que posso vir a ser....
Nessa direção, surgem diversos questionamentos citando por exemplo: como e por que
vejo o mundo, como e por que governo e sou governado pelos outros e como governo a mim
mesmo. Questões essas que surgem nas discussões realizadas por Foucault (1979; p. 174)
quando esse aborda que nesses questionamentos de governabilidade do eu, surge a inscrição
dos saberes na hierarquia de poderes próprios à ciência, “um empreendimento para libertar da
sujeição aos sabres históricos, isto é, torná-los capazes de oposição e de luta contra a coerção
de um discurso teórico, unitário, formal e científico”.
O ser humano, por si mesmo, busca ser coerente com o que a sociedade e seus
conceitos definem como certo e como modelo a ser seguido. Para responder a isso, utilizam-
se palavras neutras, que fazem o inquirido fugir de qualquer posicionamento que o possa
prejudicar. Assim, é mais fácil poder pertencer àquilo que está dito como tradicional. Diante
disso, as coisas e as palavras remetem a conceitos, pois estão intimamente ligados, e fazem,
45
portanto, o indivíduo enxergar de uma ou de outra maneira suas relações com o mundo, e com
as demais pessoas.
A idéia do governo de si mesmo e dos outros, remete novamente ao conceito do poder,
poder que circula. Muitas vezes, a partir do entendimento, pensa-se e age-se como se esse
poder fosse propriedade de algo ou de alguém. Nesse sentido, considera-se necessário pensar
o poder como prerrogativa, o médico possui a prerrogativa do poder e concede isso aos
usuários dos serviços de atendimento. O profissional afirma isso de modo a fazer com que
esses atendam seus pedidos, ou então se sintam-se inferiores e desconhecedores de um
conhecimento dito do médico, única e exclusivamente, de maneira a pensar que o
conhecimento está fixado apenas de um lado da relação posta.
Referente à questão de como e por que governo a mim mesmo, nesse sentido estão
presentes aspectos tais como: quando me respeito, como me produzo, como vivo, entre outros
fatores, que definem o modo como me relaciono com o mundo. (HENRICH, 2004).
Na sociedade são estabelecidos contratos: contratos de felicidade, de eternidade, de
lealdade que são caracterizados por relações de poder, com sentimentos de propriedade, de
fidelidade. E, no momento em que alguns desses contratos são quebrados, aparece a imensa
dificuldade em entender isso e ao mesmo tempo não formar pensamentos preconceituosos ou
mesmo não encarar isso como diferente, como “anormal”. As pessoas são definidas por aquilo
que fazem e pensam. Os sujeitos são definidos por aquilo que os atravessa e que os torna o
que são, fazendo-os lidar com as coisas de uma ou de outra maneira, conforme o que os guia.
Donini (2003, p.39) refere-se aos modos de expansão da vida, que são caracterizados
como modos de captura, sujeitos expostos às experimentações que se classificam como
exemplo de “risco em potencial”, devendo ser (re) trabalhados em seu meio para estarem
adequados às exigências afetivas e produtivas, através da monitoração de seus atos. Fazendo
uma breve análise disso, pensa-se que esses são os efeitos do controle. Quando não se está
adequado àquilo que está dito como correto, o indivíduo é levado a adequar-se, seja
procurando por profissionais, seja mudando suas atitudes.
O mundo classifica os seres humanos. O que fazem caracteriza-os e coloca-os em uma
outra categoria. Isto acontece sem que tomem consciência, sem perceberem que o mundo
comanda-os.
Ainda dentro dessa discussão sobre a subjetividade, remete-se a um ponto que se
observa bastante real nos soros-positivos: a alteridade de estar no contato com o
desconhecido, que no caso é a Aids e o que ela pode provocar no dia de amanhã. É possível
identificar que na vida dessas pessoas, tudo é modificado, inclusive os próprios sonhos. Esses
46
não acontecem mais e são substituídos pelos medos, pelas angústias, pelas indisposições
criadas pelo mundo que, de uma maneira ou de outra, produz a subjetividade.
Nesse sentido, pode-se pensar também na negação social da mulher portadora do vírus
da Aids. Esta negação ocorre devido à interpretação de que a Aids é considerada uma punição
por condutas irresponsáveis, como aborda Sontag (1989) dizendo que a Aids constitui-se
como uma doença metáfora, pois assume um caráter histórico e provoca mobilização social.
A peste é invariavelmente encarada como uma condenação da sociedade e, quando
a metaforização da Aids a transforma numa condenação, as pessoas acostumam-se
à idéia de que a doença inevitavelmente se espalhará por todo o mundo. Esta é a
utilização tradicional das doenças sexualmente transmissíveis: apresentá-las como
castigos impostos não apenas a indivíduos, mas também a todo um grupo.
(SONTAG, 1989, p. 64).
Assim, fica ainda mais claro que a sociedade não perdeu o entendimento de que a Aids
é morte, o que sempre ficou latente e que tomou forma com dizeres populares como: “a
epidemia do século”, “a nova peste”, entre outros. Esses entendimentos constroem o difuso, a
desordem, a incerteza, tudo isso aliado a condenação moral, a busca por quem é responsável,
a uma cultura ligada a doença. (PAULILO, 1999).
Portanto, aborda-se a Aids feminina relacionada a mortificação do eu devido a essas
questões da subjetividade, da negação social, dos pré-conceitos envolvidos nesta discussão o
que leva a refletir acerca do que realmente está envolvido no processo de tratamento da
doença. Diante disso, evidencia-se a necessidade de pensar-se a identidade que é construída a
partir da mortificação do eu, do subjetivo que se constrói a partir das relações sociais.
2.2.3 Identidade deteriorada
Acredita-se que até aqui se pode perceber que a Aids modifica a vida da pessoa
portadora do vírus HIV e que, por causa disso ela tem sua identidade deteriorada. Essa
discussão de identidade perpassa por questões que não são exclusivamente individuais, que
decorrem no cotidiano da pessoa, mas que também são de nível macro social, pois se referem
também à cidadania
11
, às políticas sociais
12
, aos direitos. Nesse sentido, cidadania refere-se a:
11
“El proyecto de la modernidad trajo consigo ele reconocimiento de uma nueva condición para los seres
humanos: la ciudadanía, claro fenómeno emacipatorio. Uma ciudadanía que otorga a los sujetos derechos que,
em su origen, fueron asociados a los princípios de libertad, igualdad y fraternidad sobre los que se apoyo la
organización Del Estado-nación moderno”. (CASTRONOVO, 2001, p.116).
12
“A análise das políticas sociais como processo e resultado de relações complexas e contraditórias que se
estabelecem entre Estado e sociedade civil, no âmbito dos conflitos e luta de classes que envolvem o processo de
47
[...] capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso de uma democracia
efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem dos bens socialmente criados, de
atualizarem todas as potencialidades de realização humana abertas pela vida social
em cada contexto historicamente determinado. [...] A cidadania não é dada aos
indivíduos de uma vez para sempre, não é algo que vem de cima para baixo, mas é
resultado de uma luta permanente, travada quase sempre a partir de baixo, das
classes subalternas, implicando um processo histórico de longa duração.
(COUTINHO, 1999, p.02).
Desse modo, entende-se que a questão da Aids está associada à discussão de cidadania,
compreendendo que a luta pela igualdade e pelos bens socialmente produzidos é diária no
contexto dos sujeitos que vivem com Aids. Historicamente esse processo vem delineando-se
numa realidade de contradições onde se precisa buscar não só o acesso à saúde, mas ao
trabalho, à renda, à educação, entre tantos outros direitos previstos nas políticas sociais.
Perante isso, o portador do vírus da Aids visualiza tudo aquilo que era de seu fazer
diário desmoronar. Muitos perdem seus empregos, seus amigos, sua família. O indivíduo, no
caso desta pesquisa, a mulher soropositiva, necessita rever todos os seus hábitos, seus fazeres
diários, em nome de uma sociedade repleta de preconceitos quanto a uma doença, real,
agravada por esses preconceitos.
Remete-se novamente a citação de Goffman (1989), mencionada, quando o mesmo
afirma que o indivíduo cria mecanismos de viver com o estigma e administra-o em seu dia-a-
dia.
Contudo, analisando-se o que isso significa na vida de qualquer pessoa, com Aids ou
não, revela-se uma grande violência. Violência emocional, psíquica, física. O portador do vírus
da Aids acaba por assumir condições e limitações que são da própria doença, mas que ficam
mais fortes com o preconceito que até então não fazia parte de sua vida. Assim sendo, “[...]
perdeu o sentido do absurdo... esquecendo a função feminina e seus afazeres com o esposo,
filhos e a própria casa... Ele simplesmente esqueceu tudo isso assim como as demais coisas
que têm a ver com o relacionamento entre os sexos”. (MILL, 1969, p. 123).
Esse é um exemplo da forma como todo o preconceito e estigma favorecem a
deteriorização da identidade do ser. A pessoa necessita recomeçar e nem todas as pessoas
possuem força subjetiva suficiente para repensar sua nova identidade.
Pensar numa nova identidade subentende conquistar algo novo, algo onde pode se
apoiar, numa dimensão imaginária, pois é a partir dessa identidade que novamente o
soropositivo será identificado, reconhecido. Isso diz respeito ao ser biológico, social,
emocional, que necessita dessa organização para viver em sociedade.
produção e reprodução do capitalismo, recusa a utilização de enfoques restritos ou unilaterais, comumente
presentes para explicar sua emergência, funções ou implicações”.(BEHRING, BOSSCHETTI, 2006, p.36)
48
O problema disso tudo, está justamente em assumir ou não a doença. Entender e
visualizar a Aids como fenômeno irreversível e que todos os sentimentos e atitudes estão
relacionados à doença. Viver em função disso gera conflito e temor.
Atualmente, a palavra "estigma" é entendida como algo ruim, enquanto ameaça à
sociedade, pois é uma identidade deteriorada em função de uma ação social. Para Goffman
(1993, p. 11), "la sociedad establece los medios para caracterizar a las personas y el
complemento de atributos, que se perciben como corrientes y naturales a los miembros de
cada uma de esas categorías". A partir disso, entende-se que a sociedade elenca categorias,
modelos, nos quais as pessoas são encaixadas, catalogadas de acordo com os atributos
considerados comuns e naturais a todos os homens. Isso significa dizer que em função dessas
categorias as quais as pessoas devem pertencer, a sociedade determina um padrão externo ao
indivíduo, uma identidade social bem como as relações que o mesmo deve estabelecer em seu
meio.
Entretanto, nem sempre a imagem das pessoas corresponde àquilo que se denomina
como categorias/modelos corretos de vivências. No processo da vida essa imagem, que não
corresponde a realidade, é denominada por Goffman (1993) de identidade social virtual, ou
seja, aquilo que realmente é atributo do sujeito, é real, e não aquilo que deveria ser, conforme
estipulado por um modelo. É esta realidade que forma a identidade social real do sujeito.
Assim, aquele que mostra atributos incomuns ou diferentes, e que sugere estar em
outras categorias, é pouco aceito pelo grupo social. Além disso, muitas vezes esse sujeito não
consegue lidar com o diferente e, em situações extremas, transforma-se em uma pessoa má e
perigosa. Isso significa não ser mais entendido em sua totalidade, naquilo que tem capacidade
de produzir, tornando-se um ser desprovido de potencialidades.
O estigma, também entendido como defeito, produz uma série de seqüelas sociais,
inclusive o descrédito na vida das pessoas, que ficam em total desvantagem em relação aos
demais. Por isso, percebe-se que para os estigmatizados, a sociedade reduz as oportunidades,
esforços e movimentos, pois esses não possuem valor e nem identidade social que está
completamente deteriorada.
Isso também diz respeito à manutenção do modelo que é de interesse, pois é esse
modelo que mantém o poder nas mãos daqueles que sempre o tiveram. Quem tenta romper
com isso é entendido como nocivo à sociedade, ficando à margem e passa a ter que dar
respostas constantes à sociedade. O que importa é manter o controle social.
Para Goffman (1993, p. 13), o que não é desejável é considerado estigma:
49
Aquellos que son incongruentes con nuestro estereotipo acerca de cómo debe ser
determinada especie de individuos. El término estigma será utilizado, es, para hacer
referencia a un atributo profundamente desacreditador; pero lo ue en la realidad se
necesita es un lenguaje de relaciones, no de atributos. Um atributo que estigmatiza
a un tipo de poseedor puede confirmar la normalidad de otro y, por conseguinte, no
es ni honroso ni ignominioso en sí mismo.
Assim, quanto mais visível e acentuado o estigma, o que significa maior discrepância
entre a identidade real e a visual, maior será a problemática regida pela força do controle
social.
O sujeito enxerga-se em uma posição isolada de si mesmo e da sociedade, tornando-se
desacreditado. O que pode produzir conseqüências sérias, entre elas, o indivíduo deixa de
confiar em si mesmo, porque não é reconhecido, está sem função, sem papel e sem direito de
expor-se e muito menos de agir.
Para a vida dos ditos normais, os estigmatizados assumem um papel fundamental,
tornando-se referência no contexto social, demarcando diferenças. Segundo Goffman (1993,
p. 56) o estigmatizado deve manter o controle emocional diante dos controles sociais, e, além
disso, bom controle da informação acerca dos estigmas, como dizer a verdade ou mentir na
situação certa.
Para Goffman (1993, p. 58), a informação social é entendida como uma representação
social do sujeito, no que diz respeito as suas características, sentimentos, intenções e tudo
aquilo que o mesmo transmite através de suas expressões. Segundo ele, “a información social
transmitida por cualquier símbolo particular puede confirmarnos simplemente lo que otros
signos nos dicen del individuo, completando la imagen que tenemos de él de manera
redundante y segura”.(GOFFMAN, 1993, p. 58).
A informação social traduzida pelos símbolos torna-se um registro especial. A
visibilidade que o estigma constitui é decisiva para o sujeito, e os indivíduos que convivem
com o estigmatizado influenciam na identidade social desse, rejeitando e enfatizando o caráter
de incapacidade do sujeito. Vive-se em uma sociedade em que se valoriza a imagem, e com
isso, evidencia-se a doença, no caso a Aids, como fator fundamental na construção social do
indivíduo soropositivo.
A capacidade de ação de um sujeito estigmatizado é limitada pela sociedade,
determinando os efeitos maléficos que podem representar, dependendo da visibilidade da
marca. Quanto maior esta marca, menor possibilidade tem o sujeito de alterar sua imagem
estigmatizada.
50
O estigma é uma marca, um rótulo que se atribui a pessoas com certos atributos que
se incluem em determinadas classes ou categorias diversas, porém comuns na
perspectiva de desqualificação social. Os rótulos dos estigmas decorrem de
preconceitos, ou seja, de idéias pré-concebidas, cristalizadas, consolidadas no
pensamento, crenças, expectativas socioindividuais. Assim, percorrendo vários
campos das ações e relações sociais, os estigmas alcançam tanto os pobres e os
meninos de rua, como os portadores de HIV, os que apresentam necessidades
especiais (físicas, mentais, psicológicas) e os homossexuais. (RANGEL, 2004,
p.01-02).
Toda esta estigmatização consiste em uma violência contra as pessoas, sinalizado
quando os lugares e os papéis não estão definidos. As histórias misturam-se e as funções são
invertidas. O conceito de violência permite refletir sobre esse processo:
Tentando mergulhar nesta palavra, para entendê-la melhor, podemos perceber que
no núcleo de sua definição, existe uma ação ou uma “não-ação”, como a omissão
– de alguém, de um grupo, de uma situação ou instituição que fere, maltrata,
submete alguém, um grupo, etc. (STREY, 2001, p. 47-48).
A história particular das pessoas é violentada pela ausência de vínculos, da autonomia
e de sua própria referência no grupo social ao qual pertence. Dentro disso busca-se formas de
vivenciar com menos violência possível todas essas situações, atravessando obstáculos e
fronteiras formadas pelos estigmas. Busca-se possibilidades de inverter toda essa questão
buscando possibilidades de que esse estigma não se caracterize como marca registrada do
sujeito.
A partir da discussão de categorias como Aids, a doença no mundo feminino, estigma,
a mortificação do eu, a identidade deteriorada, chega-se à discussão sobre a adesão ou não a
tratamentos de saúde por mulheres soropositivas. Assim, trabalha-se na perspectiva de que
esta é uma decisão responsável e que envolve uma série de elementos econômicos, políticos e
sociais.
2.2.4 Adesão ou não aos tratamentos: uma decisão responsável
Pensando em uma perspectiva de adesão aos tratamentos de saúde para portadores do
vírus da Aids, quanto às pessoas envolvidas com estes tratamentos, a opção por aceitá-lo,
constitui-se no ato de tomar o medicamento prescrito na dose certa, horário correto,
diariamente, de acordo com as recomendações médicas (dieta, jejum, etc) e, no caso do HIV,
por período indeterminado. Diz a literatura atual, que a não aderência aos novos
medicamentos para a Aids tem sido considerada como um dos mais ameaçadores perigos para
51
a efetividade do tratamento, no plano individual, e para a disseminação de vírus-resistência,
no plano coletivo. Portanto, esses procedimentos para Aids exigem do paciente uma completa
integração considerando-se questões como o conhecimento da terapia, ambiente onde vive,
alimentação e, principalmente, aceitação do tratamento.
A realização do tratamento torna-se importante no que diz respeito também à atitude
coletiva. Dessa forma, a Aids vai muito além do ser individual portador da doença, porque se
torna aspecto de discussão de nível político e social, uma vez que um baixo índice de
acompanhamento e tratamentos realizados, por exemplo, representaria a não-necessidade dos
medicamentos, o que acarretaria sérias discussões devido ao grande preconceito e humilhação
percebidos nesta problemática.
Refletindo sobre o que se refere aos condicionantes para a não realização dos
tratamentos, consideram-se importantes fatores sociais como: a ausência de sintomas, a falta
de terapias imediatas e a necessidade de controle periódico da doença. Esses fatores associam-
se negativamente à aderência aos tratamentos. Os efeitos colaterais também colaboram para
que o paciente tenha a falsa impressão de piora do quadro. Aqui, é importante salientar que
esses podem ou não ocorrer, não existindo ainda uma regra para definir quem está ou não
propenso a senti-los.
Analisando um pouco esta necessidade de adesão, considera-se que é um processo de
superação de dificuldades, relacionadas não apenas às características complexas dos esquemas
medicamentosos, mas, sobretudo, às dificuldades relacionadas ao estilo de vida e ao estigma
da doença. Dessa maneira, como afirma Pelbart (2000, p.246) nós aproveitamo-nos da
situação dos portadores do rus da Aids para pensar e falar de vida e de morte, de aspectos
como amizade e preconceito, entre outros, tentando inventar maneiras estranhas de sustentar,
trocar, soerguer e acompanhar estas situações. Tudo isto, como microações de combate
pontual contra práticas de isolamento, mas que tem como conseqüência maior a coisificação
do indivíduo.
E assim, muitos profissionais, e até mesmo alguns portadores, concordam que aceitar
tomar os medicamentos é como receber um segundo diagnóstico da doença. Dessa forma,
muitos criam mecanismos de defesa, chegando a afirmar que não tem Aids ainda e, portanto,
não precisam tomar os medicamentos. Diversas vezes, no entanto, pegam os mesmos a
contragosto e, em muitos casos, chegam em casa e jogam tudo fora ou esquecem-nos no
fundo do armário. Ao não ouvir/entender o sujeito, reafirma-se o entendimento de que esse
deve apenas aceitar o que vem do mundo externo, materializando o processo de “coisificação
do eu”.
52
Esse processo de aceitação da sorologia, também perpassa todo um conjunto de
sentimentos, os quais definem e fazem com que a culpa, sentimento que acompanha muitos
portadores, diminua ou desapareça, por ver que existem muitas pessoas vivendo em igual
situação. Quando a pessoa não se sente culpada, ela permite-se ter uma qualidade de vida que
os que se sentem culpados, não se permitem. Então, não se pode esquecer que a negação da
doença, muitas vezes, é um mecanismo de defesa e que faz parte do processo de elaboração,
aceitação da mesma.
Sob esse ponto de vista, também considera-se necessário pensar as responsabilidades
profissionais diante da doença, visto que estes técnicos trabalham com a idéia de morte,
que, muitas vezes, os profissionais são as únicas pessoas com quem os soros-positivos podem,
por exemplo, conversar.
A responsabilidade de orientar é dos profissionais de saúde habilitados para isso.
Entretanto a decisão sobre o que se vai fazer com a medicação, a reflexão sobre o que ela
significa na vida e no cotidiano, a opção de tomá-la adequadamente, não depende do
médico, deve ser construída com cada usuário. Se o mesmo não tem clareza do benefício da
medicação ou não está convencido, o médico deve identificar a indecisão e trabalhar da
melhor forma possível, buscando o melhor momento de introduzir o medicamento,
construindo espaços para que isso aconteça. Porém, sabe-se que não é essa a realidade que
ocorre nos consultórios médicos e serviços destinados à Aids, onde não se olha para as
particularidades dos sujeitos.
A Aids, tanto em suas causas como em suas cruéis conseqüências, coloca-nos
diante da complexidade e da transversalidade do tecido social, demandando
respostas (teóricas e práticas) que considerem o respeito à diversidade humana
como princípio básico, principalmente em um contexto (local e global) no qual tal
diversidade é traduzida em desigualdade e exclusão.(GAPA – BA, 2000, p .131)
Como dito, a decisão por realizar ou não um tratamento de saúde é do sujeito,
levando em consideração todos os aspectos que implicam nisso, inclusive os sociais. Todavia,
as políticas sociais precisam estar preparadas para dar conta das reais necessidades dessas
pessoas, trabalhando a Aids não numa perspectiva de doença, de morte, mas de sentimento, de
relações e de construções que são sociais e particulares.
Existe a necessidade de falar sobre Aids sem medo, falar de Aids com sentido de vida.
Existe a necessidade de acabar com o estigma da Aids e verdadeiramente pensar sem diferença
nessas pessoas que sofrem com o vírus e realmente não necessitam ter mais um peso para
carregar, como as lições de moral e o preconceito. Isso pode contribuir para o aumento do
53
número de portadores do vírus da Aids dispostos a realizar os devidos acompanhamentos de
saúde, bem como para diminuir o número de pessoas infectadas por esse vírus.
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS) existe um déficit de US$ 18
bilhões para atender a demanda da Aids e não se atingiu a meta de oferecer
serviços/tratamentos para 3 milhões de pessoas. Apenas 1,3 milhão de pessoas no mundo
recebe os medicamentos de graça, sendo que o número é três vezes maior que o registrado em
2003. Na África, apenas 17% dos que necessitam do tratamento recebem algum dos remédios,
além dos problemas de falta de pessoal qualificado para atender os pacientes. Dentre dessas
informações, cabe ressaltar que a América Latina é a região onde os pacientes têm maior
acesso entre os países em desenvolvimento. Isso, em números, representa 315 mil pessoas que
estão recebendo os remédios gratuitamente, representando 68% dos soropositivos que
dependem dos governos. (ESTADO DE MINAS, 2006).
Segundo o governo federal, o Brasil é responsável por grande parte desse desempenho
da região.
No que se refere aos aidéticos contaminados por uso de agulhas infectadas, o País é
responsável por 80% de todo o tratamento existente hoje no mundo e atende a 30
mil pessoas. Os outros seis mil beneficiados estão espalhados por 45 países. Mas se
em números absolutos o Brasil é o que apresenta maior acesso ao tratamento, em
percentual o País é superado por outros. O sistema no Brasil dá cobertura para
83% dos aidéticos, contra 84% na Venezuela, 97% no Panamá e 100% em Cuba.
As estimativas apontam que existem 1,8 milhão de aidéticos latino-americanos. Na
região, 200 mil novos casos foram registrados em 2005 com 66 mil mortes.
(ESTADO DE MINAS, 2006).
A partir desses dados, observa-se que o tratamento da Aids está rodeado por questões
que dizem respeito a aspectos como economia e política. E que, acima de tudo, não é uma
preocupação apenas da pessoa portadora da doença, mas diz respeito a todos, certamente.
Portanto, falar de uma adesão responsável ao tratamento requer visualizar a totalidade
do indivíduo, o que envolve também suas condições financeiras e sociais. Num mundo
capitalista como esse, percebe-se a grande dificuldade de pessoas ditas “normais”
sobreviverem. Imagine-se, então, as pessoas que além de suas necessidades básicas, precisam
suprir exigências de uma doença como a Aids, com certeza essas precisarão de auxílio
governamental para isso. E, na maioria das vezes, o que essas pessoas obtêm é um auxílio
precário e sem condições favoráveis a adesão. Isso leva a refletir sobre a adesão ou não a
tratamentos de saúde numa conjuntura econômica, política e social. Por isso, ressalta-se que a
“hegemonia neoliberal no Brasil tem sido responsável pela redução dos direitos sociais e
trabalhistas, desemprego estrutural, precarização do trabalho, desmonte da previdência
54
pública, sucateamento da saúde e da educação” (BRAVO, 2006, p.100) Dentro desse
contexto, verifica-se as dificuldades pelas quais passam os usuários dos serviços de saúde,
inclusive as pessoas com Aids.
Saúde é um tema complexo. Trabalhar para assegurar saúde é um assunto ainda
mais complicado. Afinal é uma atividade que lida com pessoas, que lida com a vida
e morte de pessoas. A humanidade, por meio dos médicos primeiro e depois de
outros profissionais, desenvolveu conhecimentos técnicos que buscaram objetivar
esse trabalho. No entanto, quanto mais a sociedade valoriza a vida e reconhece
direitos sociais, mais “leigos” tratam de se meter nos assuntos da saúde [...]
(CAMPOS, 2004, p. 137).
Compreende-se como de fundamental importância pensar os conceitos de política
social, Estado e neoliberalismo para poder analisar a questão da política de saúde no Brasil,
mais especificamente o que é pertinente à Aids. Chega-se a essa conclusão, partindo-se do
pressuposto de que o Estado vem assumindo uma posição de repasse de suas
responsabilidades, deixando o planejamento e a execução de políticas sociais nas mãos dos
chamados segundo (mercado) e terceiro (sociedade civil) setores. Por política social entende-
se:
As políticas sociais e a formatação de padrões de proteção social são
desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento – em geral
setorizadas e fragmentadas às expressões multifacetadas da questão social no
capitalismo, cujo fundamento se encontra nas relações de exploração do capital
sobre o trabalho. (NETTO apud BEHRING e BOSCHETTI, 2006, p. 51).
Assim, verifica-se que, se atualmente existe um chamado sistema de proteção social,
ele deve objetivar o enfrentamento das mazelas produzidas por um sistema capitalista, que
tem como objetivo maior a reprodução de capital, e produz conseqüentemente as chamadas
expressões da questão social. É possível exemplificar essas expressões levando-se em
consideração o desemprego, a violência, a miséria, a própria Aids, entre tantos outros
problemas sociais.
Logo, o conceito de questão social está enraizado na contradição capital x trabalho,
tornando-se apropriada a partir do modo capitalista de produção.
...a análise da questão social é indissociável das configurações assumidas pelo
trabalho e encontra-se necessariamente situada em uma arena de disputas entre
projetos societários, informados por distintos interesses de classe, acerca de
concepções e propostas para a condução das políticas econômicas e sociais.
(IAMAMOTO, 2001, p.10).
55
Assim, verifica-se que a questão social está expressa através da contradição
fundamental do modo capitalista de produção, pois essa é realizada pelos trabalhadores e a
riqueza é apropriada pelos capitalistas. Desse modo, os trabalhadores não usufruem das
riquezas por eles produzidas.
Além disso, a questão social permite uma aprofundada perspectiva de análise acerca
das transformações que ocorrem em nossa sociedade, pois permite que se enxergue a situação
em que se encontra a maioria da população justamente a que de alguma forma produz, mas
não se apropria da riqueza. Também é a população que detém em nas mãos sua única arma de
sobrevivência: sua força de trabalho. E, contraditoriamente, é a população que vive em piores
condições de desigualdade social. Nesse sentido, destaca-se que o olhar para o aspecto social
volta-se para as diferenças entre trabalhadores e capitalistas, no acesso a direitos, nas
condições de vida, e nas possíveis formas de enfrentamento a essas questões.
Pobreza, exclusão e subalternidade configuram-se, pois como indicadores de uma
forma de inserção na vida social, de uma condição de classe e de outras condições
reiteradoras da desigualdade (como gênero, etnia, procedência etc), expressando as
relações vigentes na sociedade. São produtos dessas relações, que produzem e
reproduzem a desigualdade no plano social, político, econômico e cultural,
definindo para os pobres um lugar na sociedade.(YASBEK, 2001, p. 34).
Com base nessas afirmações, observa-se a necessidade de pensar em políticas sociais
que realmente venham de encontro à realidade excludente produzida pelo sistema capitalista.
Assim, é necessário que [...] a política social torne-se um instrumento de transformação
social que mobiliza e organiza as massas a partir de seus interesses mais fortes” (OURIQUES
apud PAIVA e OURIQUES, 2006, p. 171).
Portanto, entende-se que a política social vem como aliada das massas excluídas e não
como forma de amenizar os problemas sociais ou então de acomodar os sujeitos que
dependem dessas políticas para ter uma vida com condições mais dignas.
Desta forma, cabe pensar as políticas sociais para além do horizonte de mera
estratégia de acomodação de conflitos ou caridade social, o que requer referenciá-
las no processo de disputa política pelo excedente econômico real pelas massas
historicamente expropriadas, de maneira que as políticas sociais não possibilitem
somente reduzir as manifestações mais agudas da pobreza, através da ampliação
dos serviços sociais básicos e do seu acesso. (PAIVA e OURIQUES, 2006, p. 171).
Cabe salientar que nesta disputa entre capital e trabalho, bem como do enfrentamento
às conseqüências dessa disputa através das políticas sociais, a questão social representa além
das desigualdades, resistências e lutas das classes subalternas na busca por seus direitos.
56
Todo processo hegemônico precisa ser especialmente atento e capaz de responder
às alternativas e oposições que questionam e desafiam sua dominação. A realidade
do processo cultural deve ser sempre capaz de incluir esforços e as contribuições
daqueles que, de um modo ou de outro, estão fora ou na margem dos termos da
hegemonia específica. (CHAUÍ, 1994, p.27).
Contudo, evidencia-se que as políticas sociais não estão descoladas de todo, um
sistema econômico, social e político que precisa ser levado em consideração. Nesse momento,
o que se quer enfatizar é a responsabilidade do Estado em construir políticas sociais de cunho
igualitário e democrático, as quais venham elevar o coletivo como espaço de discussão e
solução dos problemas.
A concretização dos direitos sociais depende da intervenção do estado, estando
atrelados às condições econômicas e à base fiscal estatal para ser garantidos. Sua
materialidade dá-se por meio de políticas sociais públicas, executadas na órbita do
Estado. Essa vinculação de dependência das condições econômicas tem sido a
principal causa dos problemas da viabilização dos direitos sociais, que, não raro,
são entendidos apenas como produto de um processo político, sem expressão no
terreno da materialidade das políticas sociais.(COUTO, 2004, p.48).
Dessa maneira, é na esfera estatal onde devem ser realizadas as articulações
necessárias para a efetivação das políticas sociais, as quais devem dar as respostas para as
necessidades da população em geral.
Pensar a defesa de direitos requer afirmar a primazia do Estado enquanto
instância fundamental para à sua universalização na condução das políticas
públicas, o respeito ao pacto federativo, estimulando a descentralização e das
democratização das políticas sociais no atendimento às necessidades das
maiorias.(IAMAMOTO, 2004, p. 42).
Salienta-se que na discussão de responsabilidades acerca das políticas sociais, é o
Estado quem deve produzir as respostas para as mazelas sociais, estimulando os princípios de
igualdade e integralidade. Esses princípios devem garantir que todos os sujeitos são iguais
perante a lei, e o acesso às políticas públicas é a forma de efetivação dessa chamada
igualdade.
Mas o que é o Estado? Dagnino (2002) em seu artigo: Sociedade Civil, Espaços
Públicos e a Construção Democrática no Brasil: limites e possibilidades, discute a questão do
papel do Estado e aborda o que está relacionado a isso, o processo de construção democrática,
indicando que esse processo não é linear, mas sim contraditório e fragmentado. A partir disso,
entende-se que o Estado está vinculado a uma multiplicidade de fatores entre os quais
destaca-se a questão do poder. Assim, o Estado poderia ser conceituado como:
57
[...] não apenas considerado como conjunto de forças que ocupam o poder nos
vários níveis (municipal, estadual e federal) mas, especialmente, as estrutura
estatal, cujo desenho autoritário permanece largamente intocado e resistente aos
impulsos participativos. Inclui também os partidos políticos, mediadores
tradicionais entre a sociedade civil e o Estado. (DAGNINO, 2002, p. 279).
Além de conceituar de forma muito breve o que é o Estado, verifica-se a necessidade
de pensar acerca do significado que esse possui. Numa perspectiva social, ou seja, na proposta
do Welfare State
13
, concepções de universalidade, igualdade e proteção social configuram-se
em presenças fortes na discussão acerca de Estado. (COUTO, 2004) Nesse tipo de Estado, as
políticas sociais constituiriam “uma espécie de política pública que visa concretizar o direito à
seguridade social” (PEREIRA apud COUTO, 2004, p. 61) na perspectiva de proteção social e
não de tutela.
Porém, o que se pode observar na atualidade é que o tipo de Estado que vem assistindo
a população não é o Estado social, e sim o Estado neoliberal
14
. Nessa perspectiva, observa-se
que a tendência de análise acerca do Estado configura-se numa ótica de restrição e redução
de direitos, justificada pela crise fiscal do Estado, o que transforma as políticas sociais em
ações pontuais e compensatórias. (BEHRING e BOSCHETTI, 2006, p. 156).
Sendo assim, entende-se que o neoliberalismo, através de sua reestruturação produtiva
do tipo flexível, tem como ideário os princípios neoliberais de autonomia do mercado, da
regulação estatal mínima, da liberdade política reduzida à liberdade mercantil. O
neoliberalismo visa não apenas alterar as relações do Estado com as classes sociais, mas
constituir um Estado nimo no que se refere à classe trabalhadora, e máximo para o capital.
Esse entendimento é crucial para desencadear uma análise do que acontece com as políticas
públicas que, via de regra, servem para a constituição de direitos dos cidadãos. As
transformações do mundo do trabalho determinam mudanças na esfera do Estado, na redução
de financiamento dos serviços públicos, transferindo para a sociedade civil, através da
filantropia empresarial ou do terceiro setor, as mazelas sociais derivadas dessas
transformações. Assim, vale ressaltar que:
Dentro do modismo “neoliberal”, os pobres, e claro a pobreza, acham-se nessa
condição porque estão fora do mercado, não sendo mediados por diretos. A miséria
humana na atualidade, conforme a ortodoxia “neoliberal”, não constitui violação de
13
Welfare State teve expressão nos pós-guerras mundiais e tinha basicamente três direções: a garantia de uma
renda mínima independente do trabalho; restrição do arco da insegurança, fazendo com que os indivíduos
tivessem condições de enfrentar, por exemplo, doenças, velhice, entre outros e; a oferta de uma gama de serviços
sociais (FLEURY apud COUTO, 2004, p. 66)
14
O Estado Neoliberal está centrado na desregulamentação dos mercados, na abertura comercial e financeira, na
privatização do setor público e na redução do Estado. (SOARES, 2000, p. 16)
58
direitos, insensatez de alguns ou cruel dominação, mas sim falta de aptidão pessoal,
desventura ou “exclusão” do mercado. (VIEIRA, 2004, p. 112).
Assim, identifica-se que a chamada onda neoliberal, além de desresponsabilizar o
Estado, coloca todas as “culpas” da pobreza e da exclusão nos próprios sujeitos que
vivenciam essas realidades, ou seja, isso significa que sem os básicos sociais
15
os sujeitos
devem buscar as suas condições de vida. O Estado, nessa perspectiva, não tem dever de
oferecer essas condições.
Além disso, evidencia-se com o neoliberalismo o caráter individual das ações. Não se
luta pela pobreza porque ela é um problema da grande massa de sujeitos. Luta-se pela pobreza
de forma que cada uma deve buscar, individualmente, sair dessa condição.
Os direitos sociais e a obrigação da sociedade de garanti-los por meio da ação
estatal, bem como a universalidade, igualdade e gratuidade dos serviços sociais, são
abolidos no ideário neoliberal. As estratégias para reduzir a ação estatal no terreno
do bem-estar social são o corte do gasto social, eliminando programas e reduzindo
benefícios; a focalização do gasto, ou seja, sua canalização para os chamados
grupos indigentes, os quais devem “comprovar” sua pobreza; a privatização da
produção de serviços; e a descentralização dos serviços públicos no “nível
local”.(SOARES apud VIEIRA, 2004, p. 114).
Toda essa discussão acerca das concepções de Estado e política social, tornam-se
importantes para se pensar na universalidade da política de saúde. A questão do direito
universal concedido à saúde pela Constituição desencadeia um processo de grande avanço, na
medida em que provocou uma ruptura com o modelo corporativo de benefício, eliminando a
contribuição previdenciária como condição para o acesso aos serviços públicos de saúde. No
entanto, a idéia de universalização veio juntamente com pouco financiamento e queda na
qualidade dos serviços. Assim, a universalização do direito à saúde tornou-se excludente e
falsa, pois hoje é visível que o serviço público de saúde tem como usuários apenas as classes
despossuídas. Além disso, ressalta-se na realidade concreta a chamada política pobre para
populações mais pobres ainda. “[...], a assistência pública está prioritariamente voltada para os
estratos da sociedade submetidos a piores condições de vida, e, portanto, de saúde, e também,
para aqueles com renda mais baixa e em ocupações menos valorizadas”.(MENICUCCI, 2006,
p. 68).
15
“Mínimo e básico são, na verdade, conceitos distintos, pois, enquanto o primeiro tem a conotação de menor,
de menos, em sua acepção mais ínfima, identificada com patamares de satisfação de necessidades que beiram a
desproteção social, o segundo, não. O básico expressa algo fundamental, principal, primordial, que serve de base
de sustentação indispensável e fecunda ao que a ela se acrescenta”.(PEREIRA, 2006, P.26)
59
O modelo de Estado neoliberal, no que tange à política de saúde, tem como
características principais ser compensatório, seletivo, hospitalocêntrico e curativista. A saúde
é reestruturada a partir da acumulação do capital, segregando o público atendido e centrado na
busca pela lucratividade. Assim, limita-se o número e freqüência de exames, determina-se
tempo de atendimento, exclui-se tratamentos...(MENICCUCI, 2006, p. 68).
Diante desse quadro, torna-se angustiante perguntar: que universalização é esta? A
necessidade de um sistema de saúde, que evidencie a concretização de direitos é gritante e
está abafada por um sistema altamente excludente e discriminatório. Essa realidade diz
respeito a uma totalidade que deve ser vista e a partir disso, deve-se criar mecanismos de
enfrentamento a esses questionamentos.
É preciso, portanto, ampliar as possibilidades de distribuir e acessar o poder, no
sentido de interferir nas deliberações e no debate público. Não se trata de substituir
ou enfraquecer o Estado, nem o mercado, mas sim de criar canais de interlocução
direta radicalizando o processo democrático, “empoderando” a sociedade e
capacitando-a para ocupar seu papel de protagonista nesse diálogo. (GAPA BA,
2000, p.138).
É nesse sentido que efetivamente deve-se lutar pela política de saúde universal. No
que se relaciona à discussão da Aids, não basta apenas o acesso à medicação gratuita como
ação do Estado contra a doença. A Aids exige novos posicionamentos, interesses voltados
para sua extinção, valores como o respeito e a igualdade nas interlocuções entre os sujeitos.
Visando entender de forma mais específica a dimensão da Aids na política de saúde, constrói-
se o próximo item.
2.3 A Aids na Saúde Pública
Com a promulgação da Constituição Brasileira, em 1988, e a Lei 8080/90 foi
estabelecido o Sistema Único de Saúde (SUS), o qual tem seus fundamentos na Legislação do
País, na Lei Orgânica da Saúde, na Constituição dos Estados e na Lei Orgânica dos
Municípios.
Em 1989, foram refeitas as constituições estaduais e municipais estabelecendo
definitivamente o processo de municipalização da saúde. Assim, o SUS torna-se instrumento
obrigatório regulador da saúde no país. “Esta lei regula, em território nacional, as ações e
serviços de saúde, executados, isolada ou conjuntamente em caráter permanente ou eventual,
por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado”. (Art. 1º - Lei 8080/90).
60
Inteirando-se do artigo 1º da Lei do Sistema Único de Saúde, supõe-se que o mesmo
dispunha de um conjunto de diretrizes, políticas e estratégicas definidas dentro de uma
realidade local, regional e nacional. No Brasil, o SUS tem gerado acirrados debates e muito se
tem discutido a respeito desse modelo de assistência à saúde. Infelizmente, na maior parte das
vezes, esta movimentação se dá como resposta às críticas sobre o setor e não como
alternativas para resolução dos problemas.
Com a nova Constituição, determinou-se que “a saúde é direito de todos e dever do
Estado, garante o acesso universal e igualitário às ações e serviços”. (CRUZ, 1998, p.30).
Assegura, ainda, o estabelecimento de políticas sociais para a viabilização da saúde no Brasil.
Com esse intuito, o SUS estabeleceu algumas diretrizes de descentralização das ações e
serviços públicos de saúde.
Assim se estabelece um Sistema que opera com um conjunto de princípios
doutrinários e administrativos, com um mesmo padrão de estrutura em todo o País, e
sob a responsabilidade compartilhada dos governos federal, estaduais e municipais
para o desenvolvimento das ações de saúde. (CRUZ, 1998, p.31).
São princípios doutrinários do sistema a universalidade de acesso ao mesmo,
garantindo a todos a totalidade dos serviços públicos, tornando a saúde dever de todas as
esferas do governo, como também a integralidade de assistência e a igualdade, reconhecendo
todos os cidadãos sem nenhum preconceito. Além disso, é princípio do sistema a autonomia
individual, respeitando a decisão de cada ser humano e o direito a informação a respeito de
sua saúde e sobre o que lhe interessar. Segundo Carvalho & Santos (1995 p. 289), além de
determinar os princípios da República, afirma que ”A saúde é direito social e dever do Estado
não mais significando tão somente a assistência, mas também o resultado de políticas públicas
advindas do governo”.
O Sistema Único de Saúde configura-se num projeto politicamente correto, mas tem-
se mostrado impraticável na realidade cotidiana dos serviços de saúde. Isso acontece devido a
alguns fatores como a falta de recursos financeiros, mão-de-obra qualificada, desvio de verbas
que estão a chamar atenção e exigem providências imediatas. Ou seja, as propostas desse
sistema, muitas vezes, ficam apenas no discurso, deixando princípios como a questão da
regionalização e hierarquização à espera de concretização. A descentralização político
administrativa, a participação da comunidade, a divulgação de informações, a utilização da
epidemiologia, a conjugação dos recursos e a organização dos serviços, são objetivos a serem
61
alcançados, e que clamam por ações que realmente os tornem rotina nos serviços de saúde.
Conforme Cruz (1998) são princípios de configuração desse sistema de saúde:
A Regionalização e hierarquização que estabelecem ações e serviços de saúde
que devem estar dispostos em rede nas áreas geograficamente delimitadas, e
organizados no sentido de atenderem a demanda que se apresenta. Desta forma,
torna-se possível oferecer a uma determinada população um conjunto de ações e
serviços assistenciais com capacidade de atendimento no seu sentido mais amplo,
e com acesso a toda tecnologia disponível, aumentando dessa forma, a
capacidade de solução dos problemas. Visa também atitudes que racionalizem,
agilizem e facilitem o comando, proporcionando maior controle das ações e
serviços de saúde, maior conhecimento da realidade e das necessidades da
população de cada área, produzindo assistência ambulatorial e hospitalar nos
diferentes níveis de complexidade e auxiliando na execução de outras ações que
complementam a assistência à saúde. Quanto ao acesso da população à rede e
serviços, este deve acontecer por meio dos serviços de nível primário, os quais
devem estar preparados para solucionar os problemas fundamentais.
A Descentralização político-administrativa tem como finalidade direcionar os
serviços de saúde para o âmbito do município com a participação da comunidade,
estabelecendo uma direção única em cada esfera de governo. Situa-se no
município a maior responsabilidade pela promoção das ações de saúde,
proporcionando assim as condições básicas para qualificar o planejamento,
organização, controle e a fiscalização dos serviços, aproximando o poder de
decisão através da gestão local e integrada à União e ao Estado. Na sua essência,
representa a distribuição das responsabilidades referentes às ações e serviços de
saúde, dando ênfase à estratégia de fixar no município maior poder de decisão
sobre a área da saúde partindo da premissa de que, dessa forma, se estará
qualificando o processo decisório, por meio de um maior conhecimento de cada
realidade e necessidade.
A Participação da comunidade representa a participação da população no Sistema
por meio das entidades representativas, propondo e controlando a execução de
políticas de saúde pública. A participação por meio dos Conselhos de Saúde que
tem representação partidária incluindo governo, usuários, profissionais da saúde e
prestadores de serviços, além de democratizar o sistema, qualifica o processo de
diagnóstico das necessidades regionais e processo decisório. As Conferências
62
Nacionais de Saúde representam, também, uma forma de participação no
Sistema, definindo prioridades e proposta de estratégias para a saúde.
A Resolutividade é o requisito pelo qual todos os serviços deverão estar
capacitados a resolver, até o seu limite de competência, todos os problemas de
saúde, sejam eles individuais ou coletivos. Isso é a capacidade de resolução de
todos os serviços e em todos os níveis de assistência. Com esse princípio o
Sistema procura garantir a redução dos custos de assistência à saúde por meio de
ações eficazes, garantindo ainda, à população, um serviço mais qualificado e no
menor espaço de tempo possível. Ou seja, o indivíduo ou a coletividade, devem
ter os seus problemas de saúde resolvidos dentro de cada instância de
competência.
A Divulgação de informações que estabelece ao Sistema a obrigação de
demonstrar dados referentes ao potencial dos serviços de saúde e a orientação
para a sua utilização. Essas informações deverão abranger os serviços públicos de
saúde, devendo ser processadas tanto na esfera federal como na estadual, no
Distrito Federal e na do município.
A Integração diz respeito às ações de saúde integradas no meio ambiente e ao
saneamento básico, representando o desenvolvimento de um trabalho estratégico,
cujas ações passam a ter um longo alcance em termos de saúde pública.
A Utilização da epidemiologia que representa a obrigatoriedade de considerar os
dados referentes à freqüência e à distribuição das doenças infecciosas na
comunidade ou região, como fator estratégico para a orientação pragmática,
estabelecimento de prioridades e alocação de recursos nas ações de saúde.
A conjugação dos recursos é a orientação no sentido de reunir e compatibilizar os
recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos dos governos federal,
estados, do Distrito Federal e dos municípios, na produção de serviços de
assistência à saúde colocada à disposição da comunidade.
A Organização dos serviços que estabelece que os mesmos devem estar
arranjados de tal modo que impeçam duplicação de esforços, meios físicos, e de
outros recursos para atingir os mesmos fins. Nesse sentido, tornam-se imperiosos
o planejamento, a coordenação e a integração dos serviços a serem prestados à
comunidade, entre a União, Estados e os Municípios.
Na tentativa de esclarecer todos estes princípios, Cohn et al.salienta (1999, p.26) que:
63
Contribuir, portanto, para a construção da saúde como um direito buscando entender
esse processo implica esmiuçar o cotidiano dos movimentos sociais, da constituição
da demanda dos serviços de saúde, da prática institucional dos agentes envolvidos,
da estranha simbiose do saber popular e do saber científico, enfim, entre os
movimentos e manifestações sociais por saúde e o Estado.
Diante disso, cabe salientar que todas as esferas de governo possuem suas
responsabilidades dentro da organização desse sistema. De uma forma geral, à esfera federal,
cabem as atribuições relativas à formulação de políticas de saúde, regulamentando o Sistema
e elaborando normas de abrangência nacional, responsabilizando-se pelo acompanhamento,
avaliação, cooperação e financiamento das mesmas.
Aos Estados cabe a formulação de políticas estaduais, bem como a elaboração do
planejamento, a coordenação da rede de saúde no âmbito de sua atuação, a supervisão e a
coordenação técnica e financeira aos municípios. E, finalmente aos municípios cabem as
políticas locais de saúde pública.
Quanto ao financiamento do Sistema Único de Saúde, o art. º 33 da Lei 8080/90,
deixa claro que “Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde – SUS serão depositados
em conta especial, em cada esfera de atuação, e movimentados sob fiscalização dos
respectivos conselhos de saúde”.
Dessa forma, entende-se que o SUS é custeado com recurso de Seguridade Social da
União, Estados, Distrito Federal e dos municípios, além de outras fontes
16
. Assim é
estabelecida a participação dos três níveis de governo para a saúde pública no País,
estruturada no âmbito de cada município.
Observa-se que tanto a Constituição Federal quanto o Sistema Único de Saúde,
configuram-se em vitórias obtidas a partir da mobilização social. Princípios como a
universalidade do acesso à política, a participação da comunidade, a divulgação de
informações, entre outros, constituem-se em armas eficazes contra o desinteresse e
desrespeito ao acesso ao direito a saúde. Em função disso, buscou-se descrever como esses
princípios são importantes na reflexão acerca do tema saúde. No que tange ao objetivo
central desse trabalho, que se constitui em refletir sobre possíveis estratégias facilitadoras do
processo de adesão aos tratamentos de saúde por mulheres soropositivas, verifica-se a
necessidade de que a política de saúde cumpra com todos os princípios aqui destacados, para
que o acesso aos tratamentos de saúde pelas pessoas com HIV seja o mais tranqüilo possível,
16
Serviços que possam ser prestados sem prejuízo da assistência à saúde; ajuda; contribuições; doações;
rendimentos de capital; alienações patrimoniais...
64
com caráter de cidadania. Nesse momento, constrói-se uma breve retrospectiva histórica
acerca da Aids para demonstrar como a mesma passou a ser compreendida na política de
saúde.
A Aids é conhecida primeiramente nos Estados Unidos através de um grande número
de homens adultos apresentando sarcoma de Kaposi e pneumonia por Pneumocystis carinii,
doenças que apresentam características próprias. Conforme Figueiredo (2005) a
pneumocistose era encontrada apenas em pessoas com grave deficiência imunológica, sendo
rara em adultos jovens, e o sarcoma de Kaposi era conhecido entre idosos de regiões do
Mediterrâneo e da África. Até então, nenhuma das duas doenças havia sido identificada em
homossexuais aparentemente saudáveis. Como essa estranha doença manifestou-se apenas em
homossexuais, passou a ser chamada de GRID (Gay Related Immuno Deficiency
Deficiência Imunológica Relacionada aos Gays) (FIGUEIREDO, 2005).
Não demorou a surgir novos casos envolvendo não homossexuais, mas
hemofílicos, usuários de drogas injetáveis, pessoas que realizaram transfusões de sangue e
recém-nascidos, passando-se a chamar a doença de Aids (Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida). Conforme Figueiredo (2005), pesquisadores coletavam dados com homossexuais
que haviam mantido relações sexuais entre si para mapeamento da doença, pois a mesma não
estava bem compreendida. A partir disso, chegou-se ao nome de Getan Dugas que passou a
ser conhecido como cliente zero por ter mantido relações sexuais com a maioria dos
entrevistados.
Conforme Figueiredo (2005), no Brasil, sete homo/bissexuais de São Paulo foram
notificados pelo Sistema de Vigilância Epidemiológica. Contando com o período prolongado
de latência da doença, imagina-se que a introdução do vírus no Brasil deu-se no final da
década de 1970. Na primeira metade da década de 80, a epidemia manteve-se em São Paulo e
Rio de Janeiro e só depois disseminou-se para as outras regiões do Brasil.
Em 1983 descobre-se um retrovírus (agente etiológico da Aids), denominando-o de
HIV
17
. No Brasil, por meio da Portaria 236 de primeiro de maio de 1985, criou-se o Programa
Nacional de Combate a Aids, estabelecendo as primeiras diretrizes e normas de enfrentamento
da epidemia no país.
Em 1986, é aprovada pela FDA (Food Drug Administration) a primeira droga anti-
retroviral para tratamento da Aids: a azidotimidina ou AZT. No Brasil é instituída a
17
“Dois grupos de cientistas reclamaram a autoria do feito: o Instituto Pasteur d paris batizou o vírus de LAV
(vírus associado a linfadenopatia); o segundo grupo era dos EUA, que batizou de HTLV 3 (vírus da leucemia
de células humanas)”.(FIGUEREDO, 2005, p. 148)
65
notificação obrigatória às Secretarias de Saúde dos casos detectados. Em 1987, cria-se no
Brasil a Comissão Nacional de Aids, integrada por representantes da comunidade científica e
da sociedade civil organizada. Além disso, a partir desse ano o Ministério da Saúde obriga a
testagem de todo sangue doado. O programa Nacional, com a inclusão das DSTs (doenças
sexualmente transmissíveis) foi instituído em 1988. (FIGUEIREDO, 2005).
Conforme Figueiredo (2005), no Brasil, em novembro de 1996, através da Lei 9313,
garantiu-se o acesso universal aos medicamentos para tratamento da Aids, tornando-se um
direito legal dos usuários do sistema, o que se consistiu em grande conquista para os que
vivem com HIV/Aids e para os profissionais da área. Em 1997, um novo esquema terapêutico,
que consiste na associação de anti-retrovirais, apresenta resultados satisfatórios melhorando a
sobrevida dos portadores do HIV, conhecido no Brasil como coquetel.
A partir disso, novas portarias na política pública de atendimento aos portadores do
vírus da Aids no Brasil, são formuladas com intuito de diminuir o número de infectados e de
aumentar a eficiência dos serviços prestados. É exemplo disso, a portaria 488 (17/06/1998)
que estabeleceu obrigatoriedade de procedimentos em seqüência para testes sorológicos em
indivíduos com idade acima de 2 anos. Além disso, os kits para realização dos exames devem
estar registrados no Ministério da Saúde.
O Brasil foi um dos primeiros países a garantir acesso universal aos medicamentos
anti-retrovirais, em 1996. A infecção pelo HIV passou a ser vista como uma doença
de caráter evolutivo crônico e potencialmente controlável. (BRASIL,
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002, p. 09).
Diante dessa breve explanação, percebe-se que a história da Aids é importante para o
real entendimento das formas de enfrentamento desse ponto. Enquanto política pública,
percebe-se que existem movimentos no Brasil, que vem buscando encarar a Aids como uma
doença que diz respeito ao coletivo, e acima de tudo uma doença que necessita estar na
agenda política de nossos governantes, principalmente no que tange a questão do acesso à
medicação
18
. Nesse sentido, o enfrentamento desta questão está na área dos direitos sociais da
população, no que se concerne a um atendimento integral e igualitário aos portadores do vírus
da Aids, o que ainda exige luta política para efetivação dessa questão.
18
Salienta-se que apenas a medicação não é elemento suficiente para garantir um atendimento integral. Observa-
se que um entendimento de que oferecendo somente os remédios, os sujeitos com diagnóstico positivo para o
vírus HIV, estes estariam acessando ao que chamamos de universalidade dos direitos. Esta discussão será
aprofundada no capítulo de análise dos dados coletados, onde demonstra-se detalhadamente que o tratamento
consiste em algo muito além dos medicamentos.
66
Em síntese, as reflexões teóricas sobre a temática da Aids vinculam-se a questões
que envolvem diretamente o objeto de estudo. Investigar a temática da Aids no mundo
feminino, pressupõe mergulhar nas relações cotidianas dos participantes desse estudo, em
que saber escutá-las sem preconceito, sem olhar discriminatório, significa também
impregnar-se das vivências que envolvem a Aids. Assim, parte-se na seqüência para o
capítulo que se propõe a apresentar a base metodológica da pesquisa realizada, com o
objetivo de corresponder a esta proposta de estudo.
Nesse sentido, também se destaca que o método aqui escolhido como norte de toda
essa discussão, o método dialético crítico, permite a realização dos desdobramentos acerca da
temática enfocando-se que sem as categorias totalidade, historicidade e a contradição,
presentes nas entrelinhas deste trabalho, não seria possível uma análise detalhada do tema em
questão. Portanto, a escolha do método dialético-crítico justifica-se pela importância dos
movimentos dialógico-críticos realizados nesta dissertação.
67
3 BASE METODOLÓGICA: O CAMINHO PARA A INTERPRETAÇÃO DOS REFLEXOS
DO ESPELHO
Esse capítulo apresentará o caminho percorrido no processo de pesquisa. Será abordado
o método que fundamentou a investigação, bem como as categorias de referência do método
dialético. Soma-se a essa apresentação, a natureza de pesquisa como qualitativa, a
amostragem, os instrumentos de coleta de dados e como se deu o processo de análise de
conteúdo.
3.1 O método
Realizar uma pesquisa científica é muito mais do que simplesmente abordar uma
determinada população alvo, questionar alguma coisa e descrever as respostas que se teve.
Pesquisar de forma científica exige compromisso ético, disciplina e acima de tudo, um
posicionamento crítico que exige do pesquisador saber aonde e por que quer chegar a um
determinado lugar. Assim, entende-se como fundamental o pesquisador ter um primeiro
olhar sobre seu objeto de pesquisa. Primeiro olhar esse que se refere à leitura e entendimentos
já fundamentados e não simplesmente do sendo comum.
Além disso, produzir pesquisa exige método, forma, para que seja dado corpo ao
pensamento acerca de determinada coisa. Assim, torna-se necessário conceituar método.
Método é a forma de proceder ao longo de um caminho. Na ciência os métodos
constituem os instrumentos básicos que ordenam de início o pensamento em
sistemas, traçam de modo ordenado a forma de proceder do cientista ao longo de um
percurso para alcançar um objetivo (TRUJILLO apud LAKATOS E MARCONI,
1982, p. 39).
Desse modo, método configura-se na maneira que o pesquisador possui para construir
um primeiro corpo, formato de seu pensamento sobre o que vai pesquisar. È uma forma de
ordenar aquilo que considera fundamental para sua pesquisa, e orienta o caminha pelo qual o
pesquisador deverá conduzir a produção de conhecimento acerca do que está pesquisando.
Além disso, o método facilita a construção da pesquisa, pois é um procedimento que
pode ser repetido, como afirma Bunge (1980, p. 19): Método é um procedimento regular,
explícito e passível de ser repetido para conseguir-se alguma coisa, seja material ou conceitual.
Ou seja, o método proporciona à pesquisa a existência de primeiras categorias que
68
fundamentam a discussão, e que, portanto, tornam-se conceitos que norteiam o tema a ser
abordado na pesquisa.
Acredita-se que o método científico proporciona o conhecimento de fenômenos, é
caracterizado pela investigação organizada, sistematizada, buscando conhecer determinadas
coisas e construir, a partir delas, benefícios ao ser humano. Porém, o método não serve apenas
para fundamentar a discussão. Nem mesmo apenas para que o pesquisador descreva o que vem
pesquisando:
Quando uma pessoa utiliza o método científico para investigar ou estudar a natureza,
está pensando cientificamente. Assim, todo cientista deve pensar cientificamente
quando está pesquisando um fenômeno mediante o método científico. Mas o que
significa pensar cientificamente? Significa pensar criticamente. (RICHARDSON,
1999, p. 25)
Dessa forma, subentende-se a necessidade de reflexão por parte do pesquisador acerca
do que está estudando. Isso significa compreender e descobrir as relações, ligações entre idéias
e primeiros conhecimentos, revelando novos saberes. Entende-se que para isso seja necessário,
além do pensamento crítico sobre a realidade, o uso de evidências, raciocínio e atitude
questionadora sobre a realidade objetiva e subjetiva do objeto.
Sabe-se da existência de várias correntes epistemológicas que se constituem em
métodos científicos
19
. Essas correntes significam um ponto de partida para o olhar do
pesquisador acerca de seu objeto de estudo. Nesse sentido, significam constituir-se em
determinados pressupostos de entendimento acerca do olhar sobre homem e mundo por parte
do pesquisador.
Nessa pesquisa utilizou-se como método o dialético crítico
20
que se define da seguinte
maneira:
O que se entende por dialética? De origem grega (dialektiké=discursar, debater), a
dialética está vinculada ao processo dialógico de debate entre posições contrárias, e
baseada no uso de refutações ao argumento por redução ao absurdo ou falso.
(RICHARDSON, 1999, p. 45)
Assim, encontra-se uma primeira característica fundamental para a construção desta
pesquisa que é a discussão, o diálogo entre diversas verdades que poderão ser encontradas no
19
As três principais correntes que tem marcado as Ciências Sociais no século XX são o positivismo lógico, o
estruturalismo e o materialismos dialético. (RICHARDSON, 1999, p.32).
20
Conforme Richardson (1999, p. 44) o materialismo dialético constitui-se em ideologia e ciência do marxismo.
“Oposição clara a toda forma de positivismo e estruturalismo. Considera-se materialismo, porque sua
interpretação da natureza, concepção dos fenômenos naturais e sua teoria são materialistas. Considera-se
dialético, porque sua aproximação (método e estudo) dos fenômenos naturais é dialética”.
69
processo da pesquisa. E que, dessa forma, poderão ser aceitas ou não pelo pesquisador, sempre
fundamentados a partir do método que está sendo seguido. Além disso, discutir e dialogar,
permite a verificação de posicionamentos diferenciados acerca do tema e assim, proporciona-
se a amplitude de questionamentos e reflexões. Isso significa trabalhar com contradições
21
que
movem a discussão, pois leva o pesquisador a continuar investigando e produzindo novos
saberes.
Além disso, a dialética é um movimento científico que interpreta os fenômenos sociais
a partir de leis e princípios que são a conexão universal dos objetos e fenômenos e o
movimento permanente e de desenvolvimento. (RICHARDSON, 1999). A dialética afirma a
ligação entre os fenômenos, ou seja, os mesmos não são isolados. A característica essencial da
matéria é a interconexão. Também, tudo está em movimento e desenvolvimento. E as causas
disso vêm de fora para dentro do objeto, sendo que o desenvolvimento dá-se a partir da
acumulação de mudanças quantitativas para qualitativas. Assim: “O aparecimento, a mudança
ou o desenvolvimento de um fenômeno é possível em interligação com outros sistemas
materiais (mudanças em um, traz mudanças em outros). Nada pode existir fora dessa ligação”.
(RICHARDSON, 1999, p. 47)
Desta forma, na presente pesquisa procurar-se-á identificar o que está envolvido no
desenvolvimento da adesão aos tratamentos de saúde por mulheres soropositivas, pensando as
relações sociais mais amplas do contexto (política de saúde, por exemplo) sem esquecer as
relações singulares (relações individuais, história de vida, entre outros).
Cabe aqui salientar que o uso da abordagem dialética como método estruturador da
discussão traz algumas exigências ao pesquisador:
Exigências
Objetividade da análise. O objeto deve ser estudado em todos seus aspectos e
conexões. Prioritário é o estudo da essência do fenômeno. Deve-se dar um quadro
realista (realidade objetiva) do fenômeno, mostrar tendências do desenvolvimento e
forças que o determinam.
2º Análise completa dos elementos e processos. Suas propriedades, conexões e
qualidades.
3º Procurar as causas e os efeitos dos fenômenos.
Análise historicamente concreta dos fenômenos e processos sociais. Considerar o
lugar (espaço) e o período de duração (tempo). Não esquecer as conexões históricas
fundamentais. (RICHARDSON, 1999, p. 53).
21
Uma das categorias da dialética é a contradição que será detalhada mais para frente no projeto.
70
Portanto, a necessidade de ser objetivo na análise dos dados coletados, bem como a
busca da essência
22
do fenômeno para pensar as forças, as relações que determinam a mudança
dessa essência. Além disso, não se pode esquecer a historicidade, que também constitui-se em
categoria do método. Não como entender o processo em que se encontra o sujeito
pesquisado sem levar em consideração o tempo e o espaço onde o mesmo está inserido.
Além disso, esse método exige, do pesquisador, alguns cuidados:
Cuidados
Consciência metódica. Reflexão crítica que descobre as conexões entre
fenômenos.
O trânsito entre o individual e o geral e vice-versa, procurando compreender sua
unidade.
3º Preocupação com a análise da totalidade e de suas partes. (RICHARDSON, 1999,
p. 53).
Portanto, a dialética supõe criticidade, o entendimento do que é geral e do que é
individual, relacionando-os e a necessidade da análise da totalidade dos fenômenos. Ou seja,
a necessidade de ver o movimento de ir das partes ao todo e do todo para as partes, pois é
nesse movimento que se verifica a razão de cada parte que constitui esse todo e vice-versa.
“Deve-se apreender cada coisa, cada ser, cada situação, não apenas em suas conexões e em
suas contradições internas, mas no movimento total que delas resulta”; (LEFEBVRE, 1991,
p.209)
Sendo desse modo, a dialética consiste em movimentar-se dentro do estudo de forma a
observar as coisas ativamente, fazendo com que nosso conhecimento seja aprofundado, saindo
da superfície e indo para a substância das coisas. (LEFEBVRE, 1991, p. 222).
Disso derivam certas regras do pensamento dialético:
Não devemos nos contentar em olhar ou mesmo em observar as coisas. È
preciso penetrar ativamente nelas;
Deve-se captar o fenômeno característico, essencial, e deixar os outros de lado.
Deve-se buscar a lei não fora do fenômeno, mas nele, em seu lado ou aspecto
universal. É preciso não esquecer de interrogar de novo o fenômeno, para
assegurar-se de que nada importante é omitido. (LEFEBVRE, 1991, p.222).
Para melhor entendimento do método dialético crítico, faz-se necessário destacar as
categorias do mesmo, buscando detalhar qual o caminho percorrido nessa pesquisa.
22
“A essência não existe fora de sua conexão com o universo, de suas interações com os outros seres. Cada uma
dessas interações é um fenômeno, uma aparência. Em si, a essência é apenas a totalidade das aparências, e a
coisa é apenas a totalidade dos fenômenos” (LEFEBVRE, 1991, p. 219).
71
3.1.1 Categorias do método
Todo o método científico faz suas exigências internas de pensamento para que o
movimento da pesquisa possua clareza, coerência e entendimento acerca do que está sendo
pesquisado.
No caso do método dialético crítico, são três as categorias que necessitam ser
trabalhadas: totalidade, historicidade e contradição.
Totalidade:
A primeira categoria desenvolvida enfatizada nesse trabalho é a totalidade. Dentro do
método dialético crítico, a totalidade diz respeito ao movimento que o pensamento realiza
entre o pólo abstrato e o pólo do ser concreto. Assim, constrói-se a relação do que é
movimento interno do sujeito com o que é de fora, dos fatos ocorridos, do conteúdo destes
fatos.
...a ligação dos termos que a metafísica conserva separados; o ser e o nada, o ser
vazio e o ser pleno, o devir e o ser, a qualidade e a quantidade. Nesse sentido, o
pensamento “é”, e pode ser transição, movimento, passagem de um grau a outro,
de uma determinação a outra; ele é, e pode ser, relação com o real e com suas
próprias etapas percorridas: pensamento da relação e relações descobertas e, depois,
pensadas. (LEFEBVRE, 1991, p. 178).
Então, compreende-se que o pensamento é determinado a partir de propriedades, como
por exemplo, afirmações, negações, superação do que é contraditório, o que é importante, o
que é essência dentro do movimento interno e externo realizado pelo sujeito. A dialética
implica em entender essas relações para a construção da análise acerca do que vem sendo
trabalhado. Assim, o pensamento busca penetrar nos fatos construindo novos entendimentos e
negando o que não explica mais. A interdependência é a mais forte conexão entre todas as
partes de um fenômeno, ressaltando o movimento dotado de conexão e interação que compõe,
a partir da dialética, a compreensão do mundo.
Assim, em um todo, não nos devemos contentar com a análise das partes e afirmar
depois, abstratamente, que elas não podem ser isoladas. É sempre necessário voltar
das partes ao todo, pois é este que contém a realidade, a verdade, a razão de ser das
partes. (LEFEBVRE, 1991, p. 210).
72
O método dialético busca a análise dos fenômenos a partir da contemplação viva, da
dimensão abstrata e da realidade concreta dos fenômenos. (TRIVIÑOS, 1995, p. 74). Assim,
ressalta-se que buscar a totalidade dos fenômenos significa perceber as sensações e
representações do estudo. É buscar a singularidade que existe. Também é necessário buscar os
elementos sócio-históricos, através de juízos, conceitos, raciocínios. E por fim, visualizar a
realidade concreta dos sujeitos estabelecendo os aspectos fundamentais como conteúdo,
formas, possibilidades.
-Para agir sobre uma determinada realidade, deve-se determinar seus pontos críticos
de crise, de transformação em outra coisa; deve-se captar o ponto e o instante em
que uma ação suplementar relativamente fraca pode produzir o resultado decisivo
(em que um gesto ou mesmo uma palavra podem mudar os sentimentos de um ser
humano; em que o acréscimo de ataque sobre um ponto pode produzir ruptura da
frente inimiga, etc.) (LEFEBVRE, 1991, p. 222)
Nessa perspectiva, deve-se enfatizar também que a categoria totalidade do método
dialético-crítico significa mudança. Do movimento que caracteriza o diálogo, a discussão do
método, sabe-se que gera mudança. Essa mudança é o objetivo de toda e qualquer pesquisa na
perspectiva dialética. Assim, a presente pesquisa, a partir desta categoria enfoca a necessidade
de mudanças no pensar, no agir, e na produção de conhecimento acerca do tema Aids.
Tem-se claro que, a partir do momento que se começa a refletir sobre algo, ou mesmo
mexer com aspectos culturalmente postos, enraizados, o movimento, a mudança, por certo
acontecem. Primeiro porque nada é isolado. Segundo porque se necessita, a todo o momento
de novas respostas. E terceiro, porque se são realizadas pesquisas, e feitos estudos sobre algo é
para a produção de coisas novas.
Assim, como afirma Frigotto (1987) o processo dialético de conhecimento da realidade
dá-se pela e na práxis, que se constitui na teoria e ação. O que importa fundamentalmente não
apenas criticar, mas um conhecimento crítico que busque a ruptura, a mudança da realidade
anterior.
Historicidade:
A categoria historicidade dentro do movimento dialético-crítico não está dissociada da
categoria totalidade, pois dentro do movimento realizado pelo pensamento crítico,
estabelecem-se relações que são historicamente construídas e que não são isoladas, mas que
permeiam uma gama de construções dos sujeitos. Portanto,
73
...o pensamento se afirma como movimento de pensamento ao mesmo tempo que
pensamento do movimento, isto é, conhecimento do movimento objetivo. Se se
imobiliza e se torna pensamento da imobilidade, da separação, ele se destrói. A
análise, a separação dos momentos, não podem ser senão momentos do pensamento
vivo. (LEFEBVRE, 1991, p. 178)
Assim, a categoria historicidade estabelece a necessidade de analisar-se a realidade
como um processo, construído por todos os elementos que condicionam a vida dos sujeitos em
sociedade, o que fica muito forte na discussão do mundo da Aids. Nesse contexto, o
movimento total dos fenômenos diz respeito a tudo aquilo que fez parte desse movimento e
que não é do presente, mas que possui uma história que nos remete a pensar e indagar a
respeito.
O método dialético busca penetrar – sob as aparências de estabilidade e de equilíbrio
naquilo que anuncia seu nascimento. Busca, portanto, o movimento profundo
(essencial) que se oculta sob o movimento superficial. A conexão lógica (dialética)
das idéias reproduz (reflete), cada vez mais profundamente, a conexão das coisas.
(LEFEBVRE, 1991, p. 238).
Buscar a historicidade das coisas é ir além do que está aparente ou o que vem de
imediato para o pesquisador. Então, necessita-se a profundidade da busca pelas conexões e
informações. É a partir dessa reflexão que se consegue construir o entendimento sobre
determinada realidade. A aparência, a forma como ela surge é importante, no entanto é apenas
uma parte do contexto do fenômeno e, portanto, não é suficiente para a completa compreensão
e para produção de conhecimento sobre este fenômeno.
Construir uma perspectiva crítica de conhecimento vai além do descrever ou analisar.
No processo dialético a importância é dada, como falado, para a mudança. Logo, criticar é
importante, mas deve trazer algo novo. Proporcionar ruptura com aquilo que está dado como
certo e concreto.
No processo dialético de conhecimento da realidade, o que importa
fundamentalmente não é a crítica pela crítica, o conhecimento pelo conhecimento,
mas a crítica e o conhecimento crítico para uma prática que altere e transforme a
realidade anterior no plano do conhecimento e no plano histórico-social.
(FRIGOTTO, 1987, p. 75).
Por isso, a categoria historicidade aborda a reflexão sobre as construções já realizadas
pelos sujeitos, a forma como isso aconteceu e o que realmente os sujeitos sentem como
fundamental nesse processo. Isso implica o entendimento da história de vida, levando-se em
consideração aspectos econômicos, políticos, psicológicos e sociais.
74
Contradição:
A idéia de contradição na dialética procura visualizar e entender a ligação e a unidade
que perpassa pelos lados contraditórios do fenômeno a ser pesquisado. A idéia é que todos os
lados possam fazer parte de um movimento de inclusão e de exclusão, no sentido de que se
mantenha aquele que produz respostas para as necessidades humanas. “O método dialético
busca captar a ligação, a unidade, o movimento que engendra os contraditórios, que os opõe,
que faz com que se choquem, que os quebra ou os supera”. (LEFEBVRE, 1991, p. 238).
A contradição, enquanto categoria, é vislumbrada na realidade objetiva da sociedade:
nos conflitos humanos, da natureza, do espírito humano. No real e no pensamento. Assim, a
contradição está presente também na identidade das pessoas e, portanto, está viva, em
processo, em movimento. Desse modo, encara-se uma discussão acerca do que é real, e do que
é considerado ideal por todos, nessa sociedade tão contraditória.
Essa luta dos contrários é considerada fundamental para a formação material e
evidencia-se sua importância no movimento e no desenvolvimento dos fenômenos. Dessa
maneira, a contradição é a fonte do movimento. O fato de que os contrários não podem existir
independentemente de estar um, sem o outro constitui-se na unidade dos contrários.
(TRIVIÑOS, 1995, p. 68).
Se o real está em movimento, então que nosso pensamento também se ponha em
movimento e seja pensamento desse movimento. Se o real é contraditório, então que
o pensamento seja pensamento consciente da contradição. (LEFEBVRE, 1991, p.
174)
Por conseguinte, os sujeitos são conscientes das contradições nas quais estão
envolvidos e precisam viver com isso. Assim:
...esse progresso se opera através das contradições, mas das contradições
determinadas e, portanto, “pensáveis”. O pensamento atravessa essas contradições e
depois, as relaciona; descobre a relação e a unidade entre elas, determina as
contradições sem sua unidade e o movimento que as atravessa. (LEFEBVRE, 1991,
p. 174)
A construção do conhecimento acontece justamente dentro da luta dos contrários. Essa
luta torna-se fonte de aprendizado e forma às relações vividas pelos sujeitos em nossa
sociedade. Esse conhecimento é constituído por aquilo que atravessa o movimento,
relacionando o que é contrário e o que está como unidade.
75
Pensar as diversas contradições do mundo capitalista torna-se fator indispensável numa
sociedade como a atual, pois diariamente vivenciam-se e enxergam-se relações contrárias na
vida das pessoas. Relações essas que inquietam e produzem a necessidade de buscar respostas.
Em meio a isso, remete-se mais uma vez à faceta da Aids feminina, que está permeada de
relações contraditórias, confusas e de poder, que muitas vezes dificultam a melhora das
condições de vida destas mulheres, as quais diversas vezes, deixam de realizar tratamentos de
saúde, justamente, por não conseguirem enfrentar as forças contrárias às suas necessidades de
saúde.
Essas são as categorias do método que permearam a discussão dessa pesquisa e que
deram o norte de entendimento acerca dos tópicos relacionados ao tema. A partir disso, será
abordada a natureza da pesquisa realizada.
3.2 A natureza da pesquisa
A pesquisa desenvolvida é de natureza qualitativa, que segundo Richardson (1999,
p.90): “[...] pode ser caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada dos
significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados, em lugar da
produção de medidas quantitativas de características ou comportamentos”.
Por isso, a presente proposta de pesquisa objetivou compreender os fatos relacionados à
temática da Aids, a fim de demonstrar a importância do tema partindo de uma região definida
e que trará elementos para discussão do assunto.
Como aponta Martinelli (1994) a pesquisa qualitativa trabalha com referência em três
princípios que são: o reconhecimento da singularidade do sujeito, a importância de conhecer a
experiência social desse, e o ato de conhecer o modo de vida do sujeito e todo o conhecimento
de sua vida social. Portanto, baseando-se nesses três pressupostos e fazendo relação com a
temática desse projeto, considera-se fundamental o entendimento das representações sociais
colocadas nesses três pressupostos para pensar a respeito da Aids na atualidade. A mesma
autora aborda ainda:
Não se trata, portanto, de uma pesquisa com um grande mero de sujeitos, pois é
preciso aprofundar o conhecimento em relação àquele sujeito com o qual estamos
dialogando. Podemos conceber instrumentos que nos aproximem de grupos maiores,
mas essa não é a nossa busca nessa metodologia de pesquisa. Como não estamos
procurando medidas estatísticas, mas sim tratando de aproximar significados, de
vivências, não trabalhamos com amostras aleatórias, ao contrário, temos a
possibilidade de compor intencionalmente o grupo de sujeitos com os quais vamos
realizar nossa pesquisa. (1994; p.14).
76
Nesse sentido, essa pesquisa teve um público alvo pré-estabelecido que eram as
mulheres portadoras da Aids. A intencionalidade em buscar essas mulheres, acontece devido
ao entendimento de que pouca construção teórica acerca dessa discussão, que diz respeito a
uma parte da população a qual vem crescendo de uma forma rápida, em grande escala. Ao
pensar a questão campo de pesquisa qualitativa, remete-se a discussão de Minayo (2000, p.
105):
Entendemos por campo, na pesquisa qualitativa, o recorte espacial que corresponde
à abrangência, em termos empíricos, do recorte teórico correspondente ao objeto da
investigação. Por exemplo, se se trata de entender as concepções de saúde/doença de
determinado grupo social; se se trata de entender a relação pedagógica entre
médico/paciente; se se busca compreender o impacto de determinada política pública
para a população, cada um destes temas corresponde a um campo empírico
determinado.
Ao realçar a importância de pensar o campo no qual se desenvolveu a pesquisa,
acredita-se entender, respeitar o local onde esses sujeitos estão enquanto parte de sua história e
que, por isso, é característica fundamental na discussão e, certamente, elemento central de
construção de suas identidades sociais, de envolvimento e relação com o mundo. Seguindo
esse princípio, nessa pesquisa buscou-se trabalhar com a perspectiva dos sujeitos engajados em
sua história e instalados em seu espaço geográfico concreto.
Além disso, a presente pesquisa foi classificada como qualitativa devido ao fato de que
o objeto de estudo além de ser descrito, pensado em suas relações, suas particularidades e
interações, investigou a totalidade dos sujeitos envolvidos. Para isso, entende-se a necessidade
da postura a ser adotada pelo pesquisador, pois como aponta Martinelli (1994; p.15):
No que se refere às pesquisas qualitativas, é indispensável ter presente que, muito
mais do que descrever um objeto, buscam conhecer histórias de vida, experiências
sociais de sujeitos, o que exige uma grande disponibilidade do pesquisador e um real
interesse em vivenciar a experiência da pesquisa. Uma consideração importante
nesse sentido é que a pesquisa qualitativa é, de modo geral, participante, nós também
somos sujeitos da pesquisa.
Sob esse prisma, ao adotar-se a pesquisa qualitativa fica claro o entendimento de que o
pesquisador consiste em elemento importante do trabalho, pois, por possuir clareza da
temática, além de conhecimentos já aprofundados sobre a mesma, torna-se participante, sujeito
que, em função de seus objetivos, vivenciará todo o processo. Isso implica também no
posicionamento do pesquisador, na forma como ele encaminhará seus conhecimentos
adquiridos, juntamente com a construção a partir da aplicação dos instrumentos de coleta de
dados.
77
Martinelli (1994; p.16) aponta ainda as seguintes considerações:
* a primeira é quanto ao seu caráter inovador como pesquisa que se insere na busca
de significados atribuídos pelos sujeitos às suas experiências sociais;
* a segunda é quanto à dimensão política desse tipo de pesquisa que, como
construção coletiva, parte da realidade dos sujeitos e a eles de forma crítica e
criativa;
* a terceira é que exatamente por ser um exercício político, uma construção coletiva,
não se coloca como algo excludente ou hermético, é uma pesquisa que se realiza
pela via da complementaridade, não da exclusão.
Partindo dessas considerações, a presente pesquisa qualitativa compreende que não há
como trabalhar a questão da Aids sem perceber os significados envolvidos na discussão, que
por sua vez, são coletivos, pois fazem parte de uma sociedade que ainda não consegue
conviver com essa doença de forma não discriminatória e excludente. Portanto, remete-se a
construir novos entendimentos acerca do tema, pensando novas possibilidades de atendimento
à população já descrita.
...o trabalho de campo tem que ser pensado a partir de referenciais teóricos e
também de aspectos operacionais que envolvem questões conceituais. Isto é, não se
pode pensar um trabalho de campo neutro. A forma de realizá-lo revela as
preocupações científicas dos pesquisadores que selecionam tanto os fatos a serem
coletados como o modo de recolhê-los. (MINAYO, 2000; p.107)
Desse modo, constata-se a relevância de perceber a temática proposta já com conceitos,
categorias pesquisadas e trabalhadas. Pois se visualiza que, a fim de ir para o campo definido,
interagir com uma população específica é fundamental para um entendimento teórico sobre o
tema, o que, além de promover conhecimento sobre o assunto, auxilia na delimitação da
proposta, bem como no posicionamento a ser adotado pelo pesquisador.
Além disso, trabalhar com a perspectiva de pesquisa qualitativa é entender a sociedade
a nível macro, a partir dos diversos processos vivenciados e construídos pelos sujeitos. Como
aborda Víctora, Knauth, Hasen (2000; p.34):
Um outro pressuposto é que a sociedade é constituída de microprocessos que, em
seu conjunto, configuram as estruturas maciças, ou seja, a realidade social não é um
todo unitário, mas uma multiplicidade de processos sociais que atuam
simultaneamente, em temporalidades diferenciadas, compondo, esses sim, uma
totalidade.
Assim, verifica-se que a Aids, atualmente configura-se como um processo de doença
em sua totalidade que ocupa uma determinada posição, influencia na vida das pessoas, que em
78
algumas situações, vivem em função da doença. Por isso, compreender esse universo significa
compreender as relações de forma qualitativa.
Em vista disso, como afirma Paulilo (1999), a pesquisa qualitativa pensa a realidade a
partir de dados que se apresentam aos sentidos e busca trazer a tona fenômenos, indicadores e
tendências observáveis, necessitando a investigação de valores, crenças, hábitos, atitudes,
representações que ajudarão no entendimento da complexidade interna dos indivíduos e que,
neste caso, ajudará no entendimento do fenômeno Aids na vida das mulheres.
Diante do exposto até aqui, compreende-se que, para uma pesquisa com a temática
Aids, a melhor tipologia de investigação é a qualitativa, por demonstrar a necessidade da
compreensão de aspectos subjetivos, relacionais e conjunturais o que somente com números
não pode ser decifrado.
Dentro dessa mesma discussão, percebe-se a necessidade de pensar os sujeitos
participantes da pesquisa, pois, por se tratar de um estudo qualitativo, não se objetiva atingir
um número elevado de sujeitos devido à amplitude da temática e por conseqüência, a
diversidade de dados coletados o que não permitiria uma análise aprofundada dos mesmos.
Assim, os sujeitos da presente pesquisa foram mulheres soropositivas, cadastradas no
Serviço de Atendimento Especializado de Carazinho, em número de 08 elementos, em que o
critério de escolha foi o interesse em participar da pesquisa. Excluem-se desse estudo
mulheres soropositivas que não estão cadastradas no SAE, sendo assim, um critério de
inclusão no estudo foi estar cadastrada ao serviço. Nesse intuito, enfoca-se que o fato de serem
08 participantes é um número significativo, no parecer do pesquisador procurando-se
responder aos princípios da pesquisa qualitativa, pois se acredita que esta prima pela
profundidade dos dados coletados e das análises feitas, o que vai além do número de
participantes.
Desse modo, entende-se que o critério de inclusão ao estudo esteve relacionado ao
acesso que se teve aos participantes. E acredita-se que o número de 08 mulheres pode dar
conta da discussão a que se propôs a pesquisa. Além disso, deve-se considerar que o tema
debatido não é de fácil discussão no que se refere à participação de mulheres portadoras do
vírus da Aids, por se tratar de um assunto ainda repleto de preconceitos, medos e tabus. Tem-
se a clareza de que há muita negação em abordar a temática e, conseqüentemente, as mulheres
que decidiram participar do estudo, o fizeram por livre e espontânea vontade.
Para a realização das entrevistas, primeiramente, contatou-se com a coordenação do
Serviço de Atendimento Especializado, apresentando-se o projeto de pesquisa, dando-se
ênfase aos objetivos e à metodologia proposta. A idéia inicial era realizar o convite às
79
mulheres atendidas no serviço por meio de um encontro grupal onde seriam apresentados
todos os dados do projeto. Entretanto, conforme orientação da coordenação do serviço, isso
não seria possível pela história da não participação das mulheres em momentos grupais, já que
as mesmas preferem o revelar suas identidades, nem mesmo para as demais usuárias do
SAE.
Assim, seguindo sugestão do serviço citado, agendaram-se previamente as entrevistas
por meio telefônico, no qual se realizava o contato com a usuária e fazia-se o convite,
enfocando a importância da pesquisa. Assim, marcava-se em torno de 2 a 3 entrevistas por
manhã, sendo que a média de participação não passava de 1 usuária que estava agendada.
Como o dia da realização das entrevistas era o mesmo dia de consultas, algumas usuárias que
lá estavam, dispuseram-se a participar. Porém, este não foi um processo fácil, confirmando,
num primeiro contato com a realidade, o preconceito e os mitos envolvidos nessa questão.
Durante o processo de entrevista, o primeiro elemento abordado foi a importância da
participação ser espontânea, bem como a clareza do termo de consentimento livre e
esclarecido
23
, do qual ficou uma cópia com cada uma das participantes. Partindo desses
esclarecimentos, e da aceitação de todos os elementos por parte das usuárias, realizava-se a
pesquisa.
3.3 Instrumentos de coleta de dados
Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados para a formulação da pesquisa,
além do levantamento bibliográfico necessário para qualquer pesquisa, a entrevista semi-
estruturada, a observação e a escuta sensível.
O levantamento bibliográfico consiste, conforme Gil (1996, p. 44) na “análise das
diversas posições acerca de um problema”, ou seja, buscaram-se materiais elaborados como
obras, livros, artigos, entre outros, que contenham as informações que se precisa para
formulação da pesquisa. Além disso, publicações periódicas como jornais e revistas foram
utilizados, pois esses, devido a sua rapidez e elaboração, constituem-se em fontes atualizadas e
importantes de informação. A Internet também foi utilizada como fonte em função de sua
globalidade e riqueza de informações no que se refere à publicação de notas, editais, dados,
principalmente, aos que se referem ao Ministério da Saúde.
23
Ver apêndice A.
80
Referente a utilização de entrevistas, essas foram realizadas junto a usuárias que
aderiram ou não a tratamentos de saúde, entendendo-as como um instrumento no qual se tem
por objetivo obter informações do entrevistado, relacionadas ao tema da pesquisa, bem como
aos objetivos que são propostos na mesma.
As entrevistas realizadas foram semi-estruturadas
24
, pois apresentaram a formulação
das perguntas previstas com antecedência, nas quais o entrevistador tem uma participação
ativa, e apesar de observar um roteiro, pode fazer perguntas adicionais para esclarecer questões
com a finalidade de melhor compreender o contexto, se necessário.
Esse tipo de entrevista é caracterizado pela formulação de poucas perguntas, desejando
permitir que o entrevistado exponha as opiniões que julgar necessário. Através desse
instrumento procurou ficar face-a-face com o público alvo desse projeto. Optou-se pela
entrevista semi-estruturada porque, conforme Gil (1996, p.39) essa deve acontecer com
“pessoas que tiveram experiências com o problema pesquisado”. Além disso, “...(b) a
entrevista semi-estruturada que combina perguntas fechadas (ou estruturadas) e abertas, onde o
entrevistado tem a possibilidade de discorrer o tema proposto, sem respostas ou condições
prefixadas pelo pesquisador” (MINAYO; 2000; p.108).
Acredita-se que esse tipo de entrevista traz vantagens para a realização da coleta de
dados porque proporciona flexibilidade na obtenção de informações, além do que, essas podem
ser adaptadas conforme as circunstâncias. Além disso, parece uma forma de chegar a
informações mais precisas, oferecendo oportunidades de avaliar atitudes e gestos.
Entende-se também a possibilidade da existência de limitações na utilização desse
instrumental, pois pode haver a dificuldade de expressão e comunicação, em função da
temática ser rodeada de preconceitos, inúmeras vezes também sustentados pelos próprios
usuários e, ainda, a não disposição de prestar todas as informações solicitadas.
Também se identificam as entrevistas como uma forma de chegar a um grau máximo
de interatividade com as usuárias, pois o conhecimento é construído pelo sujeito que age sobre
o objeto percebido interagindo com ele, sendo as trocas sociais condições necessárias para o
desenvolvimento do pensamento. Conforme Minayo (2000, p.108):
...a entrevista como fonte de informação fornece dados secundários e primários,
referentes, segundo Jahoda, a “fatos, idéias, crenças, maneiras de pensar; opiniões,
sentimentos, maneiras de sentir; maneiras de atuar; conduta ou comportamento
presente ou futuro; razões conscientes ou inconscientes de determinadas crenças,
sentimentos, maneiras de atuar ou comportamentos”.
24
Ver apêndice B.
81
De acordo com essa perspectiva, a entrevista semi-estruturada sugere a construção de
conhecimento a partir do que os sujeitos da pesquisa sentem e entendem como fatores
relevantes na discussão do tema. Nesse caso, não como construir novas possibilidades de
entendimento e atendimentos as mulheres soropositivas sem ouvi-las, pois são os personagens
principais dessa história. Além disso, a fim de formular novas estratégias para favorecer o
processo de adesão ao tratamento, que se constitui no maior objetivo desse trabalho, não basta
apenas o pensar profissional da questão, pois é essencial ouvir as particularidades de cada
mulher usuária desses serviços, que são a parte mais interessada nas mudanças.
O que torna a entrevistas instrumento privilegiado de coleta de informações para as
ciências sociais é a possibilidade de a fala ser reveladora de condições estruturais, de
sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles) e ao mesmo
tempo ter a magia de transmitir, através de um porta-voz, as representações de
grupos determinados, em condições históricas, sócio-econômicas e culturais
específicas. (MINAYO, 2000, p.108).
Nesse sentido, a entrevista foi utilizada nessa pesquisa, como um instrumento para
compor a descrição da trajetória de vida destas mulheres, desde o acontecimento da Aids em
suas vidas. Para tal, foram utilizadas as técnicas de observação e da escuta sensível que
auxiliaram nessa construção
25
.
Para compor a descrição, compreensão e análise da trajetória de vida destas mulheres
soropositivas será delimitado um espaço de tempo, ou seja, o período de contaminação até os
dias de hoje. A construção desta trajetória será feita com base na proposição de Faleiros (1999)
o que auxiliará em vários aspectos: da construção da trajetória, à construção da fragilização
social frente a Aids, a perspectiva de fortalecimento desses sujeitos. Faleiros (1999, p.73)
aborda que:
A constituição dos sujeitos se faz no imbricamento de relações complexas e num
processo histórico demarcado por rupturas e continuidades...Elas consistem no
trânsito das possibilidades para as viabilidades, numa combinação de virtù e fortuna
na expressão de Maquiavel, dos fados e feitos, das condições dadas com as ações e
iniciativas individuais e dos grupos a que se pertence.
Dessa maneira, ressalta-se a importância desse instrumental para a pesquisa, pois sabe-
se que a trajetória de vida dos soropositivos, em particular a partir do momento em que sabem
de sua doença, é rica em desafios e limites que, devido a toda uma realidade de preconceitos,
25
Salienta-se que todo o processo de coleta de dados foi realizado somente após aprovação do Comitê de Ética
da PUCRS.(VER ANEXO A)
82
necessita ser vivenciada e trabalhada a partir daquilo que o sujeito possui como valores e
iniciativas.
A escuta sensível foi uma técnica utilizada no momento em que se realizou a entrevista.
Conforme Barbier (1997) a escuta sensível consiste em:
Trata-se de um escutar-ver que recebe em seu significado a influência da
abordagem rogeriana em ciências humanas, inclinando-se para a tendência
interpretativa da meditação no sentido oriental do termo. A escuta sensível se apóia
na empatia. O pesquisador deve saber sentir o universo afetivo, imaginário e
cognitivo do outro para poder compreender de dentro suas atitudes,
comportamentos e sistema de idéias, de valores de símbolos e de mitos.
A escuta sensível reconhece a necessidade de se tratar com o outro. É a aceitação do
outro. O ouvir sensível não tem o objetivo de julgar, medir ou comparar. Entretanto, ele
compreende com o direito de aderir ou não às opiniões dos outros, ou ao que é dito ou feito. A
escuta sensível afirma a congruência do pesquisador, transmitindo suas emoções, seu
imaginário, suas interrogações, seus ressentimentos. Ele está presente na pesquisa de forma
consistente.
Sendo assim, evidencia-se a importância desse instrumento nessa pesquisa em virtude
da fragilidade em que se encontram os sujeitos da mesma, demonstrando a necessidade de um
posicionamento do pesquisador que respeite o momento em que se situam esses sujeitos, seus
sentimentos e necessidades.
Outro instrumento de coleta de dados utilizado nessa pesquisa foi a observação.
Conforme GASKEL & BAUER (2002) a observação obriga o pesquisador a ter contato mais
direto com a realidade a ser pesquisada. Na presente pesquisa o tipo de observação utilizada é
a participante que, conforme os autores abordados acima, caracteriza-se por: “Pressupor a
integração do investigador ao grupo investigado, ou seja, o pesquisador deixa de ser um
observador externo aos acontecimentos e passa a fazer parte ativa deles.”(GASKEL &
BAUER, 2002, p.71)
Minayo (2000) considera a observação participante essencial no trabalho de campo da
pesquisa qualitativa, fazendo com que alguns autores a entendam como muito mais que um
instrumento de investigação, vêem-na como um método em si mesmo, favorecendo a
compreensão da realidade.
Assim, considera-se esse instrumento como fundamental para o entendimento da
realidade a ser pesquisada, visto que observar é muito mais do que olhar, é destacar de um
conjunto de elementos algo específico, que seja considerado importante, construindo relações
83
que favoreçam a construção de conhecimento que beneficie a população. Portanto, como
aborda Richardson (1999) a observação fundamenta o método científico, pois permite o
questionamento dos fenômenos que estão sendo estudados.
Por isso, observou-se tudo que surgiu no momento da entrevista, desde gestos da
entrevistada, silêncios, e demais movimentos da mesma. A observação foi realizada sem
roteiro, deixando o entrevistado livre para fazer as considerações que fossem relevantes à
pesquisa.
A próxima etapa a ser descrita, e que compôs o processo de pesquisa, é a análise de
conteúdo. Serão discutidos alguns conceitos dessa prática, bem como, contextualizar-se-á o
autor utilizado como base para a realização da mesma e, a partir disso, especificar-se-ão as
etapas percorridas na análise do conteúdo coletado para a pesquisa.
3.4 Análise de conteúdo
Conforme Bardin (1979) utilizar a análise de conteúdo é lutar contra as evidências e ir
contra a sociologia ingênua que acredita em apreender intuitivamente as significações dos
protagonistas sociais. Além disso, significa dizer não a simples leitura do real, construir por
construir, ir além do imediato.
Spink (2000) aborda a necessidade de problematizar a noção de evidência, discorrendo
sobre o processo de interpretação. Isso significa pensar em rigor, visibilidade às informações
pesquisadas, que são objetivos da análise de conteúdo.
Essas são características de análise de conteúdo que demonstram a importância de
realizar esse processo, nas pesquisas científicas. Dessa forma, para a realização da análise de
conteúdo utilizou-se como autor de referência Roque Moraes, por apresentar uma metodologia
de análise de conteúdo que permite a profundidade da análise da pesquisa proposta. “De certo
modo, a análise de conteúdo é uma interpretação pessoal por parte do pesquisador com relação
à percepção que tem dos dados. Não é possível uma leitura neutra. Toda leitura se constitui
uma interpretação”. (MORAES, 1998, p. 11).
Dessa maneira, analisar dados compreende muito mais do apenas descrever ou escrever
sobre, mas exige uma postura do pesquisador, no sentido de posicionar-se sobre o que está
escrevendo. Exige criticidade, interpretação das informações coletadas, até porque uma
pesquisa sugere a construção de novos conhecimentos e para isso necessita-se de
posicionamento crítico. Assim,
84
Essa produção escrita concretizada a partir das análises e interpretações de uma
investigação não constitui expressão objetiva dos conteúdos de um “corpus” de
análise, mas representa construções e interpretações pessoais do pesquisador, tendo
sempre como referência uma fidelidade às informações obtidas junto aos sujeitos da
pesquisa. (MORAES, 1998, p.13).
Logo, a realização da análise de conteúdo gira em torno daquilo que o pesquisador
considera importante. Isso quer dizer que não como separar o que o pesquisador possui
como conhecimento e os mesmo juízos acerca do tema. No entanto, cabe salientar que toda
essa bagagem construída pelo pesquisador não deve influenciar na fidelidade aos dados
colhidos. Ou seja, por mais que o pesquisador possua determinado posicionamento, os dados
utilizados na pesquisa devem ser abordados tal e qual foram colhidos no processo. Além disso,
também é importante mencionar aqui, que o pesquisador, quando assume um determinado
tema para estudo, necessita de algum conhecimento sobre o mesmo.
Nesse sentido a produção escrita é um movimento de constituição de pensamentos
próprios, argumentos originais, movimento que vai dos textos ao contexto, do
inconsciente ao consciente. O escrever é um exercício de ordenamento de algo
inicialmente desordenado, de construção de novas formas de ordem e organização
elaboradas pelo pesquisador a partir de suas análises. Ao final das análises e da
escrita é preciso ter algo a dizer e dizê-lo de forma clara e organizada. (MORAES,
1998, p.3).
Além disso, a escrita sobre os dados coletados, conforme Moraes, é um ordenamento
dos dados, uma organização. Isso supõe que no processo de coleta, muitas são as informações
que surgem, desde aquelas que vão de encontro umas com as outras e também aquelas que
demonstram ser contrárias. Isso exige organização para que o pesquisador construa seu
entendimento acerca do que buscou conhecer e produza material teórico sobre o tema.
Ressalta-se ainda, a importância de retornar aos materiais previamente estudados sobre o
fenômeno que foi pesquisado. Ou seja, pode-se confirmar ou não as idéias que se possuía.
Em síntese, a escrita é uma parte essencial de qualquer pesquisa. Necessita ser
encaminhada desde cedo, ainda que não se tenha clareza sobre o que expor. A
organização do texto, os argumentos a serem focalizados, serão construídos
gradativamente ao longo do processo. (MORAES, 1998, p. 3).
O processo de escrita é permanente na pesquisa. Mesmo sem os dados coletados com a
população-alvo se produz material para fundamentação dos dados empíricos. E, ao longo
do processo, define-se mais objetivamente por onde caminha a escrita.
85
Quanto ao processo de análise dos dados, Moraes (1998, p.3) aborda a existência de
elementos que constituem a teorização da pesquisa, como está apresentado na figura 1,
abaixo.
Componentes de uma produção escrita, implicando teorizacão. (Roque Moraes, 1998)
Esses elementos são trabalhados independentemente na seqüência do material
produzido. Dentre esses elementos, cada um deles possui uma função na análise de conteúdo.
Descrever é expressar de modo organizado os sentidos e significados construídos a
partir das análises das informações coletadas sobre os fenômenos investigados. É
expor os elementos constituintes de um fenômeno e as relações existentes entre
eles, assim como compreendido a partir das análises. (MORAES, 1998, p.3).
Assim, descrever é trazer os dados conforme eles realmente apareceram na coleta.
Levar em consideração todas as falas dos sujeitos, bem como as relações construídas por eles.
Isso de forma sistematizada.
A parte da produção escrita que apresenta as interpretações do pesquisador expressa
as novas relações e inferências entre os elementos constituintes de um fenômeno
identificadas durante a análise. Apresenta novos sentidos e significados, explorando
e explicitando dinâmicas cada vez mais profundas dos fenômenos. (MORAES,
1998, p.4).
A parte do processo de análise que se constitui na interpretação dos dados, refere-se
ao aprofundamento das informações coletadas. Esse passo diz respeito à reflexão sobre os
dados, dando novos sentidos e significados para as informações explicitando as novas
configurações acerca do fenômeno pesquisado.
É da essência da pesquisa ter pretensões de teorização. Teorizar nesse sentido é um
movimento em que de uma leitura de um primeiro plano, essencialmente descritiva,
o pesquisador procura atingir níveis mais aprofundados de compreensão, explicação
e interpretação. Atingir isso corresponde a explicitar abstrações e relações teóricas
cada vez mais aprofundadas dos fenômenos investigados. (MORAES, 1998, p.5).
Descrição
Interpretacão
Argumentação
86
Nesse sentido, o pesquisador busca argumentar sobre o tema, teorizando, além da
descrição e interpretação. A idéia de pesquisa sugere o aprofundamento do entendimento
sobre o assunto e, além disso, produzir material escrito como novas referências para pesquisa.
Moraes (1998) descreve o processo de análise de conteúdo em cinco etapas:
1ª) Preparação das informações:
Nessa primeira etapa, realiza-se a identificação de amostras através de leitura,
buscando ressaltar o que é realmente importante para atingir os objetivos propostos.
“Identificar as diferentes amostras de informação a serem analisadas. Para isso, recomenda-se
ler todos os materiais e tomar uma primeira decisão sobre quais deles efetivamente estão de
acordo com os objetivos da pesquisa”. (MORAES, 1998, p.15).
A partir disso inicia-se a codificação dos dados, dando um código para cada um dos
elementos da amostra.
Iniciar o processo de codificação dos materiais, estabelecendo um código que
possibilite identificar rapidamente cada elemento da amostra...Esse digo poderá
ser constituído de números ou letras que, a partir deste momento, orientarão o
pesquisador para retornar a um documento específico quando desejar. (MORAES,
1998, p.15).
2ª) Unitarização:
A segunda etapa consiste em uma nova leitura dos dados, com o objetivo de definir
unidades de análise, dependendo de qual é o problema de pesquisa e dos materiais que
existem para análise.
Reler cuidadosamente os materiais com a finalidade de definir a unidade de
análise...As unidades podem ser tanto palavras, frases, temas ou mesmo
documentos em sua forma integral. Desse modo, para a definição das unidades de
análise constituintes de um conjunto de dados brutos pode-se manter documentos
ou mensagens em sua forma integral ou pode-se dividi-los em unidades menores. A
decisão sobre o que será a unidade é dependente da natureza do problema, dos
objetivos da pesquisa e do tipo de materiais a serem analisados. (MORAES, 1998,
p.16)
A partir desse ponto, isola-se cada unidade de análise definindo-se as unidades de
contextos que servem de referência para análise.
87
3º) Categorização:
A terceira etapa descrita é a de categorização. É o momento em que se agrupam dados
utilizando-se critérios considerados em comum pelo pesquisado. Esses critérios podem ser
palavras, temáticas, adjetivos, entre outros. Esses agrupamentos representam uma ntese da
comunicação dos elementos de pesquisa. “A categorização é um procedimento de agrupar
dados, considerando a parte comum existente entre eles. Classifica-se por semelhança ou
analogia, segundo critérios previamente estabelecidos ou definidos no processo”. (MORAES,
1998, p.18).
Desta forma, a categorização é uma organização dos dados coletados, o que facilita ao
pesquisador a realização da análise dos mesmos. Sempre enfocando o problema e os objetivos
da pesquisa.
A categorização é, portanto, operação de classificação dos elementos de uma
mensagem, seguindo determinados critérios. Ela facilita a análise da informação,
mas deve fundamentar-se em definição precisa do problema, dos objetivos e dos
elementos utilizados na análise de conteúdo. (MORAES, 1998, p.19).
Assim, as categorias construídas pelo pesquisador deverão estar relacionadas ao
tema/problema trabalhado. Esse é um dos critérios para a construção das categorias. Além
disso, deve-se dar importância a um determinado elemento observado, como por exemplo, se
o mesmo tiver aparecido diversas vezes apresentando objetividade e consistência. “As
categorias devem ser válidas, pertinentes e adequadas. Um segundo critério é a exaustividade
ou inclusividade, homogeneidade, exclusividade ou exclusão mútua, objetividade,
consistência ou fidedignidade”. (MORAES, 1998, p. 20)
Dessa maneira, são construídas as categorias para posterior descrição. Percebe-se que
assim, o pesquisador possuirá organização suficiente para trabalhar seus dados.
4º) Descrição:
A etapa de descrição consiste em selecionar e trabalhar os elementos surgidos na
coleta de dados. Ou seja, trazer os significados dos mesmos tal e qual eles apareceram.
O momento da descrição é, sem dúvida, de extrema importância na análise de
conteúdo. È o momento de expressar os significados captados e intuídos nas
mensagens analisadas. Não adianta investir muito tempo e esforço na constituição
88
de um conjunto de categorias significativo e válido se, ao apresentar os resultados,
não se tiver os mesmos cuidados. (MORAES, 1998, p. 24).
5º) Interpretação:
A interpretação dos dados é a etapa do processo de análise onde o pesquisador
aprofunda e discute os elementos da pesquisa. Isso significa compreender e construir
entendimento, teorizar sobre o assunto trabalhado. “Uma boa análise de conteúdo não deve
limitar-se à descrição. É importante que procure ir além, atingir compreensão mais
aprofundada do conteúdo das mensagens mediante inferência e interpretação
26
”.(MORAES,
1998, p.24).
A etapa de interpretação dos dados equivale a demonstrar os resultados obtidos na
pesquisa. Nesse momento é que se estabelecem os movimentos realizados no processo.
A análise de conteúdo possibilita diferentes modos de conduzir o processo. São, ao
mesmo tempo, opções em termos de abrir possibilidades que essa metodologia
oferece, estabelecendo-se no mesmo movimento limites como conseqüência dessas
opções. (MORAES, 1998, p.25).
Ou seja, a análise de conteúdo é uma metodologia que permite ao pesquisador falar de
limitações e possibilidades que dizem respeito ao tema trabalhado. É o momento de atender às
necessidades da pesquisa, bem como construir novos fundamentos para o processo de
investigação. Assim, o capítulo a seguir tem por objetivo demonstrar o mundo real das
mulheres entrevistadas, demonstrando detalhadamente os dados obtidos na realização das
entrevistas.
26
“O termo inferir refere-se mais especificadamente à pesquisa quantitativa...Inferir da amostra para a população
é, portanto, a extensão das conclusões de um grupo menor para uma população mais ampla. O termo
interpretação está mais associado à pesquisa qualitativa...Liga-se ao movimento de procura de compreensão.
Toda leitura de um texto constitui-se uma interpretação”. (MORAES, 1998, p.24).
89
4 O OLHAR NO ESPELHO SEM MAQUIAGEM: CONHECENDO O MUNDO REAL
DA AIDS
Esse capítulo é construído com o intuito de proporcionar ao leitor uma aproximação
aprofundada do processo de coleta de dados realizado, pois se entende que todas as falas e
movimentos realizados pelas participantes assumem tamanho imensurável dentro da pesquisa.
Além disso, para a realização de uma análise aprofundada acerca dos dados, que se efetuará
no próximo capítulo, necessita-se de um claro entendimento acerca das diferenças e
semelhanças de cada uma das realidades apresentadas pelos sujeitos da pesquisa. Assim,
demonstra-se o que cada uma dessas mulheres constrói como formas distintas de
enfrentamento da Aids em seu cotidiano. Para isso, descreve-se a seguir, cada entrevista
realizada.
4.1 “Escondi tudo, de todo mundo”!
27
Violeta
28
, mulher com 35 anos de idade, moradora do município de Carazinho, mãe
de 3 filhos, sendo um deles uma menina de 5 anos, com diagnóstico positivo para o vírus da
Aids. Violeta está em processo de separação (término da relação conjugal), por escolha
própria. Demonstra-se muito alegre e sorridente. Inicialmente, Violeta, de forma tranqüila,
fala acerca de sua separação e, durante toda a entrevista faz um esforço grande para se mostrar
forte frente à questão da Aids. Fisicamente, Violeta aparenta estar bem.
Violeta ficou sabendo da sorologia quando estava grávida, no final da gestação.
Confessa que quando ficou sabendo da sua condição sorológica sentiu-se sozinha, com a
sensação de perdas. Durante toda a entrevista, apresenta um semblante triste, e ao mesmo
tempo, a necessidade de demonstrar força para falar sobre o assunto.
Segundo a entrevistada, o impacto da notícia foi tão forte que tentou esconder de
todos: do namorado, da família e dos amigos. Refere também que junto a sorologia vivenciou
a depressão com sentimentos de culpabilização e as fantasias da loucura.
O fato de Violeta não querer noticiar o seu companheiro estava relacionado ao medo
de repressão: “porque eu achava que ele ia me bater”. A partir disso, começou a sofrer
pressão por parte de Maria
29
, uma das profissionais do serviço de saúde onde Violeta é
27
Entrevista realizada no dia 23/03/2007.
28
Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada.
29
Nome fictício para preservar funcionária do serviço onde Violeta é atendida.
90
atendida. Não se sentindo bem com a pressão que foi feita sobre ela, abandonou o serviço
para que não precisasse contar para seu companheiro sobre sua situação de saúde.
Com o abandono ao serviço, Maria contou para o companheiro de Violeta sobre a
situação, inclusive que a menina, que havia nascido recentemente, também tinha diagnóstico
positivo para a Aids. Violeta afirma que o mesmo é um excelente pai, e que se atualmente
estão em processo de separação, o motivo não é o companheiro, nem mesmo a doença, mas
por escolha dela.
Com relação ao companheiro, Violeta afirma:
“Eu fiquei morrendo de medo... ele foi a pessoa que mais me deu apoio, sabe. Ele
nunca me disse uma palavra que me ofendesse nesse sentido da...da discriminação.
E no entanto eu, eu vivi, por que nois vivemo muito tempo junto né... sete anos bem
dize junto né. Tenho a minha filha com cinco anos, mas no momento que ele ficou
sabendo... que eu e a menina era portadora...ele assim...ele mudo, a minha vida
mudo sabe, porque eu tive o apoio dele”.
Com relação a essa fala, percebe-se Violeta afirmando que a doença significou
mudança em sua vida. Para ela, mudança positiva, pois, quando ela faz essa afirmação,
observa-se que a relação conjugal muda para melhor. Após ser dada a notícia para o
companheiro, com muito medo, foi surpreendida pelo apoio que o mesmo lhe ofereceu e, até
o momento, jamais ouviu dele uma palavra que lhe ofendesse e nem discriminasse.
A partir disso, Violeta obrigou-se a contar para sua família, principalmente quando
soube que sua filha não conseguiu negativar sua condição sorológica. Esse momento,
conforme Violeta, foi um dos mais difíceis do processo. Diz não ter sofrido discriminação por
parte de sua família e salienta que o maior preconceito era o dela mesma, pois antes de contar
para sua família, enxergava as pessoas apontando para ela, chamando-a de “prostituta”,
mesmo que na realidade não acontecesse nada disso:
“[...] dai a minha família daí fico sabendo né, que eu era portadora, era portadora
do HIV...mas não tive assim aquela discriminação assim, vi que mais, todo mundo
começaram a chega em mim, eu continuei a viver e hoje eu vivo uma vida normal
né, porque o preconceito maior é o meu mesmo né... porque antes de eu contar eu
tinha medo, porque o maior preconceito era o meu preconceito e eu não
conseguisse... eu não ia conseguir, porque tudo que eu olhava, quando eu olhava
as outras pessoas falarem eu olhava assim: aquela ta me apontando, aquela ta me
dizendo que eu fui uma prostituta, uma mulher que né...que traí...que fiz”.
Violeta salienta, muitas vezes, que seu preconceito é maior do que qualquer outra
coisa e que a forma que encontrou para enfrentá-lo foi retornando ao SAE (Serviço de
Atendimento Especializado), onde foi diagnosticada sua situação de saúde. Com um
91
semblante de felicidade, afirma: “as gurias tudo aqui foram uma família, elas começaram a
me ajudar e me incentivar e a tentar mostrar o caminho...” Deixa clara a importância das
pessoas que a atendem na luta contra a doença, e afirma que atualmente não tem “vergonha”
de chegar no serviço e dizer, se perguntada, que é portadora do vírus da Aids, e quando
necessita dos serviços do hospital, inicialmente informa sobre sua situação, principalmente
quando os profissionais estão sem “as luvas”. Além disso, afirma que quando isso acontece,
ela lembra e fala da necessidade de se cuidar, para não chegar aonde ela chegou. Violeta
entende que os profissionais estão ali para lhe ajudar.
Quanto a sua filha, Violeta não conta para outras pessoas que a mesma é soropositiva,
pois atualmente ela está bem de saúde. Diz fazer isso, mesmo salientando que não é motivo
para preconceito ou discriminação e declara: “quem quiser gostar de mim, vai gostar do jeito
que eu sou porque a Aids não vai pegar num beijo, num abraço, numa lágrima, ou com um
toque”. Demonstra em sua fala a necessidade de proteger a filha enquanto puder. Enfatiza que
esse é seu papel.
Violeta afirma que contraiu HIV através de relação sexual com seu ex-marido, hoje
falecido. Seu atual companheiro não é soropositivo, pois se cuidam na relação sexual. O
momento de maior ênfase e certeza da resposta, foi quando perguntei a Violeta sobre suas
motivações para o tratamento. Imediatamente a resposta foi:
“A minha filha. A minha filha. Porque eu pensava assim: eu tenho que viver pra
ela, eu tenho, eu sou o alicerce pra ela, porque pensou... ela como portadora
como portadora quem vai cuidar dela se não sou eu? Então eu tenho que tar bem, e
pra mim tar bem eu tenho que tomar os retro virais, tudo certinho pra mim poder
dar vida a ela, pra poder cuidar dela né... e pode ser que ela me cuide ou eu cuide
dela”.
Violeta conta que a cada dia, quando acorda, olha para sua filha e pensa que é mais um
dia no qual vai poder estar com ela. Afirma a esperança na cura para a Aids e diz: “então pra
mim a Aids hoje em dia, na minha vida nem existe, é uma dor de barriga qualquer como eu
digo, né...” Enquanto a cura não é descoberta, toma os medicamentos corretamente e afirma
que, estando bem ou mal, gostando ou não, os medicamentos são necessários, pois: “a vida é
maravilhosa!”.
Com relação aos medicamentos Violeta afirma:
“Quer parar de tomar? Pare! Que amanha tu vai vim correndo né... então eu
sempre digo:Tem que toma! Se você teja mal ou não teja: Tome! Mesmo que você
não goste, porque pra muitos azia, faz mal e se sente mal. Mas insista! Seja
insissista! Tem tanta coisa né... e depois que nois tiver morto quem é que vai
insistir? Nós temo lá, não temo defesa nenhuma então se nós não insistir agora
92
né... e a vida é maravilhosa! Meu Deus do céu, tem mais é que viver!”
Quanto à adesão ao tratamento, diz Violeta, que é uma vitória, é se gostar e se dar
valor.
“Significa pra mim? ... uma vitória! Uma grande vitória, porque eu me sinto assim:
que aderir ao tratamento é uma vitória, é tu se gostar, é tu se gostar de si né...é o
valor que tu ta se dando, é o amor que ta se dando né... porque como é que eu
vou dar um amor a uma pessoa, a um outro, fazer alguma coisa se eu não tenho
amor por mim mesmo. Então eu acho assim: que no momento que eu aderi isso foi
uma vitória e tanto né... foi um modo de viver com grande vitória, isso pra mim é
vitória”.
Fala que enfrenta a realidade de ser soropositiva como se não fosse nada. Diz ser
“normal” e não precisar se esconder, mesmo frente ao preconceito que, como ela reafirma, o
preconceito maior é o dela. Afirma lutar por sua vida e pela “causa” (Aids), pois antes as
pessoas portadoras se escondiam pra morrer, né, e hoje, elas se mostram pra viver...”.
Com relação ao seu maior medo, Violeta responde que é a possível falta de
medicamento pelo SUS, pois não teria condições financeiras para comprá-la e conta: “... da
doença em si não! Essa eu não tenho medo”. Violeta fica com o olhar distante quando
responde essa pergunta. Parece refletir se essa realmente é a resposta verdadeira.
Para Violeta, ser mulher e soropositiva é ter “mais um obstáculo para tirar do
caminho”, mas este obstáculo não a abala em nada, e hoje, em função da Aids, deu mais valor
às mínimas coisas.
“Porque a pessoa sendo soropositiva como eu, eu fui dar valor na vida assim
sendo uma pessoa soropositivo... que fui dar mais valor às mínimas coisas... antes
não... eu achava... hoje não... eu do valor a qualquer coisa assim...eu to
conversando...eu me sinto mais gente, eu me sinto mais humana, porque antes eu,
eu achava assim... que eu não sei... não me sentia o que sou hoje. Hoje eu me sinto
mais humana, mais, eu digo... amais mulher né...porque eu me sinto né ... e
não me influiu depois que passou aquele baque não me influiu mais a AIDS... não,
até arrumei mais amigos, mais amizades de pessoas que sabem, que sabem e me
tratam assim né...então pra mim foi mais um passo e mais um obstáculo que
passei”.
A maior lição de vida, declara Violeta, é que se deve ter esperança e nunca desistir. O
que se precisa é olhar para frente, e para trás, se tiver coisas boas. Diz que as pessoas
devem se conscientizar, principalmente os jovens. Todos devem se cuidar, e mesmo havendo
“amor” todos devem se prevenir e usar preservativos, pois o que mais lhe incomoda é a
situação de sua filha, a qual não conseguiu reverter.
93
Em síntese, percebe-se que o medo de Violeta também estava relacionado à
possibilidade de seu companheiro abandonar a filha, que o mesmo não havia registrado a
criança, o que até o momento não fez. A questão do gostar-se, chama a atenção nessa
entrevista, pois fica evidente a necessidade que Violeta tem de falar de si, numa perspectiva
de valorização, do quanto ela precisa disso para sentir-se bem.
Pensa-se que as falas de Violeta estão repletas de indagações, temores, ansiedades...
Ao mesmo tempo em que Violeta faz determinadas afirmações de força e tranqüilidade
quanto à Aids, seu semblante demonstra ter anseios com relação a não saber do futuro, a não
saber o que vai acontecer, e a necessidade de se auto-afirmar como sujeito que pode lidar com
a situação, sem problema algum.
4.2 “Eu quero que ele tenha um pouco de mim!”
30
Rosa
31
, 36 anos, deficiente física, atualmente moradora do município de Carazinho.
Anteriormente residiu em Jundiaí, São Paulo. É casada e tem um filho de 5 anos. O casal é
portador do vírus da Aids e a criança não. Rosa diz que quando soube ter diagnóstico
positivo para o vírus da Aids foi muito difícil, principalmente, porque levou uns 6 meses para
sua recuperação física e conseqüentemente para sua vida normal. Atualmente considera-se
“super sadia”. No momento, às vezes, lembra que tem HIV e a medicação faz parte de sua
rotina. Faz parte de seu café da manhã e de seu jantar.
“No começo foi difícil, mas depois...duns seis meses no que eu recuperei minha...meu
estado físico voltou ao normal e voltei a vida normal e de pra eu sou super
sadia. Pra mim eu não tenho nada né. Eu nem lembro, as vezes, que tenho HIV, eu
tomo remédio, faz parte da minha vida, da minha rotina, do dia a dia. no café da
manha já é um comprimido e de noite já faz parte da janta também”.
Rosa descobriu ser soropositiva quando estava doente, gripada, magra e apresentava
gânglios no pescoço. Na época, morava em SP e um médico solicitou o teste para HIV, pois
estranhou os sintomas de Rosa. A forma como contraiu, Rosa diz não saber e afirma que não
interessa para ela. Pensa que, provavelmente, quem transmitiu o vírus para ela não sabia que
era portador, ou então deve ter passado por tudo o que ela também passou, quando descobriu
a doença.
30
Entrevista realizada no dia 29/03/2007.
31
Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada.
94
Quanto ao tratamento, Rosa diz que o que a influencia a ir para o serviço, são os
remédios, pois com eles ela pode “continuar” e compara a Aids com o diabete, onde o
portador necessita de insulina todos os dias. Ela precisa dos remédios para bloquear o
vírus”. Diz precisar também dos profissionais, porém, afirma estar bem informada sobre a
Aids, e por estar bem resolvida em relação a isso” passou da fase da “depre”, não
precisando muito de atendimento psicológico.
Ainda com relação ao tratamento, Rosa diz que realizá-lo significa: “Ficar viva gente!
Se eu não tomar meu remédio vou ficar doente, provavelmente eu vou adoecer e eu preciso
ficar bem, eu tenho uma criança pra cuidar”. Assim, Rosa deixa claro que ao pensar no
porque realiza o tratamento com anti-retrovirais estabelece relação desse processo com seu
filho e com sua família.
“[...] ele não tem culpa, pra engravidar eu tive que fazer um tratamento, ficar boa
pra poder engravidar. Então tudo que eu fiz, que eu quis engravidar eu sabia que
corria este risco e eu vou ficar um pouco viva pra ter... pra passar tudo que eu sei
pra ele. Eu quero que ele tenha um pouco de mim”.
Rosa diz ter as coisas bem formadas” e por isso não tem preconceito por ela mesma
e diz: “eu to nem aí”. Acredita que o problema que enfrenta é que trabalha em uma cidade
pequena e isto a assustou, pois vem de uma cidade grande onde as coisas são diferentes. Nas
palavras de Rosa:
“Olha, na minha cabeça eu tenho as coisas bem formadas sabe, eu não tenho
preconceito nenhum por mim eu falava pra Deus e o mundo que eu tava nem ai.
Que eu to nem ai. O problema é que eu trabalho em uma cidade muito pequena
hoje em dia e depois que eu vim morar aqui eu me assustei um pouco. Eu morava
em cidade grande, Jundiaí em São Paulo, e aqui as pessoas ficam muito assim...
são muito preconceituosas ainda, são muito... ai, retrógradas eu não posso dizer,
mas muito arcaica sabe, mentalidade muito pequena, eu tenho um pouco de medo.
Assim... ainda existe preconceito”.
Quanto à família, apenas a irmã (médica) de Rosa sabe de sua situação. Rosa diz que
sua mãe não sabe e não tem porque saber, já que é uma pessoa doente (problemas cardíacos) e
não aceitaria, pois não é bem informada e Rosa acha que ela morreria se soubesse. Conta
ainda que sua mãe não tem como ajudá-la. Quem precisa ajudar-se é a própria Rosa.
Seu maior medo é o preconceito e as conseqüências disso, como por exemplo, que seu
marido perca o emprego por causa dela. “Ser portadora do vírus, muitas vezes eu
esqueço...!”, faz parte do dia-a-dia. Dentro da família “fico com medo, assim, quando eu vou
95
cuidar de algum ferimento do Luizinho
32
, é que eu lembro”. Esse é um medo dentro de casa.
Fora isso, Rosa afirma ter uma vida “normal”.
Com relação a ser mulher e soropositiva, Rosa relata que quando soube ser
soropositiva tinha seu companheiro. E a Aids foi ela quem passou para ele, provavelmente.
Rosa diz que tem uma vida normal:
“É difícil de responder esta pergunta porque eu sou uma pessoa casada. Quando
eu conheci o meu...quando eu soube que tava...era soropositivo eu tinha
companheiro. Então foi uma coisa que eu, que passei pra ele, que ele também não
era, foi provavelmente fui eu. Ai eu não posso responder porque a gente tem uma
vida normal, eu e ele e então eu sou hããã...sou mulher, sou feliz, sou amada”.
Com relação a essa resposta de Rosa, além da discussão acerca da doença, fica
evidente um outro ponto importante que é a submissão da mulher ao homem. A pergunta
realizada foi acerca da relação que Rosa estabelece entre a doença e ser mulher. Sua resposta
imediata foi a relação com seu marido.
Quando questionada sobre se é mais difícil: ser mulher e soropositiva do que homem
soropositivo, Rosa responde que não, pois em sua cabeça, “ser soropositivo não existe”, assim
como ser deficiente não existe. Justifica pensar assim por se comportar de uma forma normal.
Apenas quando retira medicação no SAE fica “apreensiva”.
Rosa diz que Aids é uma “bola de neve”. Fala o saber explicar bem o que é, mas a
doença fê-la colocar os “pés no chão”, ver mais as pessoas, sentir mais as pessoas, dar mais
atenção e ser mais humana. Declara ainda: “eu sou, sou uma pessoa doente e viva, sou uma
pessoa feliz”. Pensar assim, conforme Rosa, facilita viver. “Como muitas mulheres que eu
vejo por ai com medo, sabe, eu acho que isso ai não é bom....sabe. Elas são muito mal
informadas. A maioria aqui são muito”.
Quanto ao que Rosa considera ser importante levar para as pessoas é a informação,
que é base de tudo, e ainda falta bastante, e Rosa considera o preconceito como uma
conseqüência disso. Rosa revela:
“Informação. Eu acho que informação é a base de tudo. Que ainda falta bastante.
Não tanto quanto antigamente, mas ainda falta...falta. por ser mal informada as
pessoas, é por isso que eu acho que tem preconceito né. Eu prefiro ter Aids do que
câncer. Eu acho que câncer mata muito rápido, mais rápido do que a Aids. Eu
acho assim. É informação que eu gostaria que as pessoas tivessem, que as
pessoas tivessem meio também, porque tem muita gente que são humildes e o
tem informação. Não tem como ter estas informações. O sistema de Saúde podia
melhorar um pouco em relação a isso e dar informações pra essas mulheres”.
32
Nome fictício para preservação da identidade do filho de Rosa.
96
Quanto ao serviço, Rosa diz que onde é atendida é bom, mas onde residia
anteriormente era melhor, pois é cidade grande onde as pessoas não se conhecem, não tem
tempo de ficar sabendo quem está ou não. Porém, mais pessoas doentes, mas que são
mais resolvidas do que onde ela está agora. Rosa conta que onde está as pessoas tem mais
resistência em fazer o tratamento, têm medo que alguém as veja e por isso, muitas vezes, não
fazem o tratamento. Refere-se ainda que os serviços eram melhores devido ao fato de que ela
era atendida num grande hospital o qual oferecia serviços específicos para essa demanda, o
que em seu ponto de vista era muito importante. Essa é uma característica diferenciada do
serviço no qual ela está inserida agora, que está localizado em um prédio onde vários são os
tipos de atendimentos realizados.
A entrevista realizada com Rosa foi bastante objetiva. Ou seja, a cada pergunta feita a
impressão que se formava era a necessidade de Rosa defender-se, demonstrar que não é
culpada por sua situação, mesmo que em nenhum momento o objetivo da entrevista tivesse
sido esse. O elemento a ser pensado é se essa é a forma que Rosa encontrou para falar acerca
da situação, bem como sobre a necessidade de demonstrar que está “bem resolvida” com tudo
isso. Fica transparente o medo do preconceito, do fim da vida, e da não certeza do futuro.
Fisicamente, Rosa apresenta-se bem, com peso dentro do considerado normal.
Inicialmente, não aparenta muita abertura para a entrevista. Aparenta nervosismo e
preocupação. Mostra bastante frieza ao falar sobre esse assunto, demonstrando não querer
falar de como contraiu Aids. Suas respostas são objetivas.
Rosa tenta afirmar, a todo instante durante a entrevista que tem facilidade em viver
com a Aids, no sentido de que isso não a atormenta. Em vários momentos a mesma declara
que ter Aids é como ter qualquer outra doença e, portanto, não tem porque se assustar com
isso. Mostra muita apreensão ao falar acerca do preconceito que vivencia, relaciona essa
questão ao fato de estar em uma cidade pequena, onde todas as pessoas se conhecem e, por
isso, podem saber da situação de saúde de Rosa. Identifica-se, também, muita decepção em
sua fala. Evidencia ser uma pessoa amargurada pela entrada da Aids em sua vida e deixa
transparecer a tristeza do ainda “não ter volta” acerca da doença. Demonstra o medo de ter
que conviver para sempre com isso.
97
4.3 “Ainda tem muita pessoa que tem preconceito quanto a isso!”
33
Margarida é uma jovem de 21 anos, solteira, desempregada. Mãe de dois filhos, um
menino e uma menina. Ele com seis anos e ela com um ano e um mês e soropositiva em
tratamento.Teve um filho que faleceu com nove meses devido às complicações da Aids.
Margarida possui um semblante tranqüilo. O seu físico não demonstra presença de algum
problema de saúde.
Ao solicitar a ela que fizesse um relato da sua trajetória, a partir do momento em
que soube ser portadora do vírus da Aids, Margarida silenciou, demonstrando voltar em sua
história de vida. Ela inicia falando sobre a triste forma como descobriu a sua condição
sorológica, na qual seu filho chegou ao óbito:
“Eu descobri quando eu tava... eu tinha um filho que faleceu, ele tava com nove
meses, daí ele foi pro hospital, daí ficou uma semana, daí na sexta-feira ele
faleceu, daí a doutora fez exame nele e foi a partir desse momento que eu descobri
que ele era soro e eu também”.
Margarida fez esse relato com tristeza, mostrando dificuldade em abordar o assunto.
Na seqüência do diálogo, ainda sob o impacto dessa declaração, fez-se três perguntas
seqüenciais: E aí o que aconteceu a partir disso? Como é que tu te sentiste? O que tu fizeste a
partir disso?
Margarida revela que foi um choque muito grande: “descobrir na hora, assim
daquele jeito”. A partir desse acontecimento, iniciou o acompanhamento da psicóloga,
num processo presencial e sistemático de tratamento terapêutico. Segundo Margarida, as
profissionais do SAE visitaram-na em sua residência e motivaram-na para que iniciasse
o tratamento e, nessa oportunidade, seu filho de seis anos fez também o teste anti-
retroviral.
Questionou-se sobre a relação de Margarida com a sua respectiva família.
Perguntou-se a se é de conhecimento da família a sua condição sorológica. Ela relata que
a sua mãe é muito doente e até o momento não sabe.
“Meu pai, assim também no começo, ali assim, eles ficaram sabendo, só não sabiam
o motivo, sabe, da morte do meu filho. Mas assim saber mesmo que eu tenho ela
também, eles não sabem, a minha família. Sabe? a minha irmã mais velha que ta
sabendo disso. A minha ex-sogra sabe também por causa que, ela acompanhou
tudo, que era do neto dela. Mas a minha família, assim, a minha mãe não sabe até
agora”.
33
Entrevista realizada no dia 05/04/2007.
98
Atualmente, Margarida está desempregada. Antes de sua filha nascer, trabalhava e
teve que parar de trabalhar para cuidar da mesma. Hoje, está em busca de uma
possibilidade de reinserir-se no mercado de trabalho. Ela expressa que não é fácil
conseguir um trabalho, não por ser soropositiva, mas porque ninguém sabe e as
possibilidades de trabalho são remotas. Indaga-se a ela como imagina que seria a sua vida
se as outras pessoas soubessem, ao que ela responde: “Eu acho que era mais difícil daí.
Acho que ninguém... Sei lá, ainda tem muita pessoa que tem preconceito quanto a isso. É bem
difícil daí”.
Quando questionada acerca do que influencia para a realização do tratamento,
Margarida responde que é para o bem de ambas: dela e de sua filha.
“É pro bem de nós duas. Porque acho que a partir do momento que se descobre,
que se tem que tomar remédio, tem que fazer tratamento, a gente tem que vim. Que
é uma coisa pra s. E pra ela também é essencial, até os dois anos, que ela pode
negativar ainda”.
Margarida deixa evidente a esperança de que sua filha consiga negativar até os dois
anos de idade, e reafirma a realização dos exames para que isso aconteça. O significado que
Margarida atribui ao tratamento fica evidente em sua fala:
“Pra mim assim, no meu caso, eu penso que é uma coisa assim que é pra... eu
dependo de mim pra cuidar deles. Então, se eu não tiver bem, se alguma coisa
acontecer comigo, eu sei que eles vão sofrer. Os dois né, no caso. Porque os dois
dependem de mim, então eu tenho que fazer esse tratamento”.
Refazendo a pergunta e afirmando que Margarida vem para o serviço em função dos
filhos, a mesma continua: “Sim, pensando neles também. Claro, eu tenho que pensar em mim
também, se eu não to bem também. Mas também por causa deles, eu penso bastante. Eu sei
que eles dependem de mim”. A entrevistada continua:
“... assim, eu não penso, é claro, eu penso em mim, mas eu acho que é mais neles,
sabe? Mas é claro, eu to bem consciente do que eu tenho, que eu tenho que fazer
tratamento, que eu tenho que me cuidar que é o melhor pra mim também”.
Ao ser inquirida sobre a forma como enfrenta a realidade da doença, observa-se que a
mesma realiza uma análise de sua trajetória, vindo à tona aspectos extremamente relevantes:
“Ah! Tem horas assim que eu paro pra pensar assim, sei lá. Eu penso muito assim,
eu vejo casos assim de pessoas que ta mal, às vezes me uma coisa, eu penso ‘ai
meu Deus, quem sabe pode ser eu amanhã ou depois’. Mas eu penso, ‘não’. Se eu
99
to bem, se eu to fazendo o tratamento certinho, eu sei que eu posso, quem sabe
daqui algum tempo venha um remédio que acabe com isso. Então eu penso assim.
Tem horas que eu penso negativo, tem horas que me um ‘não eu tenho que
pensar positivo, eu tenho que seguir’”.
Relaciona o seu maior medo com o “[...] ficar doente. Assim, acabar no hospital e
ficar mal, o maior medo que eu tenho é isso. Ou dela no caso também, claro”. Diz ainda que
nunca precisou ser hospitalizada.
Margarida, ao refletir sobre a questão da Aids, diz que tenta informar-se, através de
leituras do que se trata essa doença. Afirma que no momento está mais consciente e refere que
nem todas as pessoas entendem isso. Assim, questionou-se o que Margarida pensa sobre a
discriminação de que tem Aids, e ela responde:
“Tem bastante, mas assim, também eu não vou julgar as pessoas que têm
preconceito, cada um tem a sua cabeça. Eu acho que a gente... porque assim, até eu
não ter eu acho que eu também era um pouco preconceituosa. Até descobrir o que é
a Aids. Sei a gente ouvia assim, e dizia ‘ai, aquele tem Aids’, a gente ficava
com medo, de tocar pode pegar. E a gente, e depois que eu descobri que eu tinha,
sei lá, me informei bastante, vi que o era o que eu pensava. Sabe? Eu acho assim
que todo mundo tem um preconceito até saber bem a realidade de saber como é que
é a doença”.
Se tivesse que dizer alguma coisa sobre a Aids para as pessoas, Margarida diria:
“Eu acho assim que as pessoas, porque a Aids, agora no meu pensamento é uma
doença como qualquer outra. Porque sei lá, a gente não vai, já me contaram assim,
que a gente não vai morrer por causa da Aids. Só se houver algum problema, se dá
alguma coisa, pode acontecer né. Mas tu não vai morrer por causa dessa doença.
Então eu acho assim que as pessoas têm que parar e pensar, assim, que têm muita
gente que, quer discriminar as pessoas. Não é... eu acho que não é desse jeito. Que
a doença se tu pegar assim, apertar, não vai te passar nada. Eu acho que é isso”.
Continuando nessa linha de raciocínio, Margarida declara que se pudesse mudar algo
em sua vida seria:
“Até eu ficar com isso eu acho que eu mudaria muita coisa. A partir do momento
que, antes de ter... não... eu tava grávida quando eu peguei a doença. Então eu
acho que daí, aquele momento que eu peguei, eu acho que eu mudaria na minha
vida. Ou me cuidar. Porque assim, até então eu não tinha essa preocupação de me
cuidar. ‘acha que ai... isso não vai acontecer comigo’, ‘isso ta longe de acontecer’,
a gente nunca acha que pode acontecer com a gente. E depois que eu descobri que
eu vi. o é assim. A gente tem que pensar. Até assim eu peço bastante pra minha
irmã mais velha também, sabe. Porque eu falei, o que eu o queria pra mim eu
não quero nem pra vocês. Então, assim, eu converso bastante com ela mesmo.
Tento, pelo menos assim pra... pra... tem bastante gente, que a gente, como
dizem, a gente não sabe né? Se a pessoa tem ou não. Então a gente pensa ‘ah, eu
não vou me cuidar, capaz. Não vai acontecer comigo’. Agora eu penso dessa
forma”.
100
Salienta-se que em vários momentos, a entrevistada aborda a família em meio a sua
preocupação. Diz orientar para que isso não se repita com ninguém, pois entende que se hoje
ela e sua filha são soropositivas, isso poderia ter sido evitado.
Questionada sobre o serviço onde realiza seu tratamento, Margarida afirma que não
possui queixas, e que em todos os momentos foi muito bem atendida, desde as orientações
recebidas, ao atendimento de todos os profissionais que a assistem.
Margarida é convidada a refletir sobre o que mais pesa na sua relação com sua família
e filhos, procurando pensar o que gera dor ou felicidade para ela. A mesma responde:
“Assim, eu me sinto mais feliz quando eu vejo assim, não o... de seis anos o é
tanto porque eu não tenho tanta preocupação com ele quanto né... porque ele não
tem. Mais ela assim quando eu vejo que o laudo dos exames dela eu vejo que ta
dando bom, sabe? Eu acho que é isso que eu me sinto mais feliz. Porque se eu
pudesse ter feito tratamento no outro eu tinha feito, se eu soubesse né. Porque ela ta
assim agora porque eu fiz por ela, pra que ela fique bem. Porque assim, eu não
quero passar a mesma coisa que eu passei com o outro. Então eu acho que eu me
sinto mais feliz e sabe, e vou ficar assim, se ela negativar também. Mas também se
não negativar, vou continuar o tratamento dela até...”
Inquirida se os pais de seus filhos são os mesmos, Margarida respondeu que não. O pai
da criança que faleceu não é o mesmo dos outros dois. Sobre a relação dela com os pais das
crianças, Margarida responde:
“Assim, sempre me dei bem com o outro, com a mãe dele e com ele sabe. Mas
assim, igual, o pai do meu filho que faleceu, ele até tava dizendo que tava
negativando os exames dele. Então, assim no caso, ela sabe que meu filho faleceu
disso, e sabe que a minha sogra, que ela acha que foi um erro, sabe, médico,
alguma coisa, alguma transfusão de sangue que ele fez. Porque ele fez três, quatro
transfusão de sangue no hospital, desde três meses até os nove meses ele era doente.
Então assim, a minha sogra acha que foi disso, que ela também não sabe assim bem
que eu tenho. Porque assim, eu peguei a doença não foi dele. A gente tava meio
sep... Eu fiquei grávida, a gente se separou, daí eu conheci uma pessoa, que ele
não sabe, que depois que eu parei pra pensar. Até então eu achava que era dele,
sabe, do meu ex. E depois que eu parei pra pensar, bah mas eu tava me tratando e
tudo ... e depois que eu fui descobrir... daí numa eventualidade eu descobri que a
mulher do cara que tava, que ele tinha, que eu não sabia também que ele era
casado. Daí eu descobri, daí eu que eu pensei, ‘não, então foi dele que eu peguei a
doença”.
Margarida não fala muito sobre a relação estabelecida atualmente com os pais das
crianças e também não evidencia se isso é importante ou não para ela. Com a resposta acima
mencionada, demonstra-se que ela não tem certeza de como contraiu a doença, bem como,
revela que muitas pessoas, como no exemplo de seu ex-companheiro, o sabem como isso
aconteceu.
101
Quando solicitado a Margarida que respondesse sobre o que entende com relação a
Aids, ela responde:
“Pra mim é uma doença qualquer, o tem o que dizer sobre a Aids assim. Se a
pessoa pegar, fazer o tratamento certo, se tiver que tomar remédio, tomar. A pessoa
vai se sentir bem. Sabe, porque até agora assim, pra mim assim, é como se o
existisse. Eu acho que isso é mais da cabeça da pessoa, se a pessoa pensar ‘não eu
vou fazer tratamento, no sentido não, eu vou continuar bem assim’, claro que tem
muita gente que entra em depressão, que dá uns problemas. Mas eu acho que assim,
procurando orientação, fazendo o tratamento certo, eu acho que a pessoa consegue
viver bem”.
A partir disso questionou-se o que leva Margarida a não contar para as pessoas que é
soropositiva e ela responde que é por causa de sua família. E continua declarando que:
“Eu tenho a melhor amiga, ela sabe. Desde pequena assim, a gente cresceu junto,
ela sabe. Deixa eu ver... eu tenho uma outra amiga minha também que ela, é
também, como se fosse uma irmã, ela sabe. Elas me dão bastante força, sabe? a
minha família eu não conto porque a minha mãe é uma pessoa muito doente, daí
perdeu assim o meu pai. ele faleceu, ela era muito apegada nele, ela ficou
mais mal ainda depois que ele faleceu. E então assim pra ela não eu não tenho
condições de contar. E pra minha família, eu não conto eu acho que não é por
causa disso, eu acho que eles não vão entender. Não por discriminação, mas assim
por medo que aconteça alguma coisa que aconteceu sabe? Ainda mais por causa
dela também. Por que eles vão saber, se eu tenho ela também tem. E daí eles o
ficar mais com medo dela também. Daí são muito assim, daí vão começar tem
que cuidar disso, tem que cuidar daquilo. E eu fico mais, daí vou ficar mais
nervosa. Eu acho que é isso. Por isso eu não conto. Mas a minha irmã que sabe
também ela me dá força, assim também, a gente conversa bastante sobre isso”.
Desta forma, entende-se que Margarida realiza o tratamento pensando em seus filhos.
É por eles que ela busca viver, demonstrando a necessidade da realização do tratamento
corretamente para que isso aconteça. Margarida aponta que a Aids, assim como provoca
momentos de esperança da cura, da tranqüilidade do tratamento, em muitas ocasiões, leva a
pessoa a não saber o que quer, ou seja, não saber de onde tirar forças para continuar.
Apresenta em sua fala a necessidade do conhecer a doença, para que o preconceito e a
discriminação não aconteçam. Salienta que quando não se sabe do que se trata determinada
situação, um dos primeiros movimentos que se faz é discriminar, por ser desconhecido. Diz
ainda que ela discriminava as pessoas com Aids antes de saber que era portadora. Percebe-se
que Margarida refere-se à perda do filho como sendo sua maior dor e não pretende “errar”
novamente com sua filha.
A reflexão realizada, nesse sentido, é acerca de como a Aids vem sendo discutida na
atualidade. O tratamento é gratuito, os profissionais de saúde vem sendo capacitados, os
102
meios de comunicação estão vinculando muitas informações acerca da doença, entre outros
fatores considerados importantes nesse contexto. Na fala de Margarida ficam evidentes
aspectos como o preconceito e a discriminação, ainda tão fortemente característicos no
processo de enfrentamento das pessoas soropositivas com relação à Aids.
4.4 “Meu medo é... sei lá! Morrer agora e deixar meus filhos...”
34
Azaléia inicialmente demonstrou nervosismo na realização da entrevista. Isso se
evidencia nas respostas curtas fornecidas por ela e a necessidade, em alguns momentos, da
pergunta ser refeita de outra forma, para que a mesma respondesse.
Azaléia
35
tem 38 anos de idade, é casada e mãe de três filhos. Em sua fala diz que o
marido não é portador do vírus da Aids. Declara que a filha mais velha (15 anos), assim como
o pai, não é soropositiva, enquanto que a filha do meio negativou a doença, devido à
realização correta do tratamento logo que nasceu. Em relação ao filho mais novo (4 meses,)
Azaléia dia que esse está passando pelos exames solicitados pelo médico para confirmação
ou não da doença.
Quando solicitada a relatar sua trajetória, a partir do momento que soube ser
soropositiva, disse ter ficado “um tanto nervosa”, principalmente por estar grávida no período
em que soube de sua sorologia. Com o tempo, refere ter acostumado com a idéia, e o que a
auxiliou nesse processo foi o acolhimento das profissionais do serviço de saúde onde ela
passou a ser atendida.
Azaléia afirma que a primeira coisa que pensou fazer quando soube foi: Eu pensei
em matar o marido, mas não era ele (risos), porque ele não tem. Ele faz exame não nada.
Daí... Sei lá”.Depois disso, afirma que pensa na situação e protege-se fazendo o uso da
medicação corretamente. Diz ainda que em um determinado momento ficou sem a medicação,
porém depois retornou ao tratamento após a notícia de uma nova gravidez. Atualmente, espera
que seu filho mais novo não seja portador do vírus.
Questionada sobre o que a levou a parar de fazer uso da medicação durante um
determinado período, ela responde:
“Eu parei porque, sei . Pensei em morrer de uma vez (risos). Mas depois eu
engravidei e continuei de novo, d vim aqui, d depois que ganhei comecei a
tomar de novo medicação, porque eu já não tava me sentindo muito bem, também”.
34
Entrevista realizada no dia 12/04/2007.
35
Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada.
103
Ao mencionar o fato de “não se sentir bem”, reafirma que não precisou ser
hospitalizada quando isso aconteceu. Relata que o “não estar-bem” diz respeito ao seguinte:
“Mas é que daí a gente não se sente bem como é a vida normal de antes. um, sei lá,
umas coisa meio, fica mal, fica, baixa pressão, dá umas coisa meio esquisita. Não sei”.
Em vários momentos, a entrevistada refere que pensa mais nos filhos do que nela. E a
resposta com relação a isso, é muito objetiva. Assim, questionou-se o que significa o
tratamento para ela e a declaração novamente voltou-se aos filhos: “significa viver mais uns
anos, cuidar dos filhos”.
Com relação à pergunta acerca de como enfrenta a realidade de ser soropositiva,
Azaléia responde:
“Mas olha, eu enfrento mesmo porque é pra enfrentar, do jeito que dá. Porque, a
gente tem que acostumar agora, que tem. nunca comentando com os outros,
porque as pessoas se isolam da gente, os vizinhos principalmente, na vila aonde eu
moro ninguém sabe”.
Questionou-se Azaléia se trabalha e ela disse que não, mesmo antes da sorologia não
trabalhava, pois precisava cuidar dos filhos. Continua a resposta acerca de trabalho relatando
que se decidisse trabalhar agora:
“Ia ser difícil. Que tu sabe que hoje em dia, se descobrirem, se tu ta trabalhando
até embora mandam. Eu conheço mulher daqui que tava trabalhando e mandaram
embora. Porque descobriram que elas tinham a doença....O preconceito existe, é
claro que existe”.
Nas respostas da entrevistada é afirmado, em diversos momentos, que a Aids
modificou suas relações com os outros. Ela refere que o preconceito é realidade. Assim,
perguntou-se qual o seu maior medo e a mesma respondeu: “Meu medo é sei lá, morrer agora
e deixar meus filhos pequenos, jogados pelo mundo. Esse é meu medo”. Disse ainda que:
“Meu papel dee é cuidar bem deles, fazer o tratamento deles bem feitinho. Isso
eu sempre faço. Eu digo pra doutora Ângela
36
: não me cuido eu, mas eles eu
cuido’. É. Porque sempre cuidei bem, quando descobri que tava grávida, eu vim
fazer o tratamento certinho”.
Incentivada a refletir acerca da resposta, Azaléia diz que não se cuida em função dos
problemas que tem em casa. Quando pensa neles, seja com o marido ou não, já pára de tomar
a medicação. Porém, no final da resposta, disse que agora vai tomar o medicamento
36
Nome fictício para preservação da identidade da profissional de saúde que atende Azaléia.
104
corretamente. Questionada se realmente tem consciência da importância desse tratamento,
responde que “tem”. Durante a entrevista fica muito transparente a dificuldade que tem em
falar sobre o tratamento e dos cuidados de saúde que a Aids exige.
Com relação à pergunta acerca de “ser mulher e ser soropositiva”, Azaléia direciona
sua resposta para a questão de seu marido não ter a doença. Ela parece não entender isso e
responde:
“Mais do que o homem, é. Eu até penso assim, como é que eu tenho e ele não tem.
E a gente nunca, que nem, a gente transa sem preservativo e como é que ele não
pega? E desde que eu descobri ele faz exame, exame, exame e nunca dá nada”.
A mesma afirma que o casal mantém relação sexual sem o uso de preservativo, e por
isso que a mesma continua tendo filhos. Perguntou-se se seu marido não tem medo de adquirir
a doença, a mesma responde: “Pois, se tem medo ou não tem, na cabeça dele eu acho que ele
pensa que já tem né, mas nos exames que ele faz dá negativo tudo”.
Questionou-se o que ele disse para a mesma quando ele soube de sua situação
sorológica:
“Ele não disse nada. Não brigou nada. Ele no caso dele, ele não acredita que é
isso aí. Ele não acredita que eu tenho isso aí. Entende? Ele o acredita. Até ele
fez exame uma vez, ele ia vim pegar hoje, não sei se vai vim depois. Não sei. Ele
não acredita que eu tenho nada e que ele tenha”.
Indagou-se se há algo que o faz não acreditar e a mesma afirma que é a questão de que
seus exames dão negativos. Com relação a ela, o marido também acredita que não seja
portadora, justamente por ele não ser.
Em relação ao que acredita ser importante dizer sobre a Aids, Azaléia aborda a
questão da prevenção e do tratamento:
“Eu diria pra se cuidar, usar preservativo. Quem descobrir que tem tomar
medicação, não fazer que nem eu fiz. Diria isso...A Aids é uma doença que veio, sei
lá, pra incomodar todo mundo. Acho que ninguém aceita quando tem ela”
Com relação a sua vida, Azaléia manifesta que: A minha vida...vou levando até
chegar...” (silêncio). Nesse sentido buscou-se entender se a mesma não tem esperança de cura
para a Aids: “...esperança a gente tem, mas e ter essa cura, porque eu acho que não vai ter
nunca!”, e ela se justifica dizendo:
105
“Mas que nem o câncer tinha cura, mas não tem. Tanta gente que ta morrendo.
Então quem tem, tem que se conformar. Eu penso assim, conformar e esperar.
Quem sabe melhor é Deus cuidar da gente”.
Com relação a Deus, conforme manifestado em sua fala, ela diz que Ele está em
primeiro lugar e confirma sua crença, revelando que é Dele que tem força para viver:
“Eu acredito em Deus, sempre. Eu acredito. Por isso que eu acredito que um dia
vou sarar, não vou precisar ficar a vida inteira tomando medicação. Porque isso
é um inferno. Tem que tomar. É um inferno esses remédios”.
Junto a isso, a mesma aborda a questão medicamentosa, a qual necessita ser entendida
nesse processo de adesão ao tratamento:
“Dá na gente quase desmaio. Tem um que a gente toma quando ta grávida, tem
que tomar e deitar, pra mim é assim, porque ele é muito forte. Ele é ruim mesmo.
Mas tem que tomar”.
E para terminar, Azaléia declara: “O que eu tenho pra dizer é que se as mulheres que
descobrir que tem, se tão grávida tomem medicação. Não por elas, tomem pela criança”.
Sem dúvida nenhuma, essa entrevista demonstra o quanto a Aids ainda gera conflitos
internos no sujeito portador do vírus. Conflitos esses caracterizados por muita tristeza,
questionamento e principalmente o não entender a vida. Essas inquietações acabam fazendo
com que as relações estabelecidas, no cotidiano dessas pessoas, sejam completamente
modificadas, inclusive pelo “fator esconder a doença”, devido ao preconceito, à
discriminação, ao medo...
Além disso, outro ponto que chama a atenção é quando Azaléia deixa evidente que
vive pelos filhos, ou melhor, realiza o tratamento pelos filhos. O que importa são eles, e a
mesma sente-se responsável por cuidá-los.
Com o tempo, relata ter acostumado com a idéia e o que a auxiliou nesse processo foi
o acolhimento das profissionais do serviço de saúde, onde ela passou a ser atendida. A partir
dessa resposta, evidenciou-se a tristeza da entrevistada acerca da temática, pois os olhos
lacrimejaram ao falar nos filhos. Imagina-se que esse aspecto está relacionado também com o
processo de tratamento pelo qual uma filha passou, e que, possivelmente, será realizado
pelo filho mais novo.
Azaléia conta que a influência para voltar a fazer uso da medicação originou-se dos
“conselhos” recebidos da médica que a atende, bem como o fato de que “a gente pensa nos
filhos também, tem os filhos pra criar”. Os filhos a requisitam como e no sentido de que
106
precisam ser “criados”, e ela demonstra que essa é sua responsabilidade. Nesse sentido, duas
são as indagações relevantes do processo de adesão ao tratamento: o sentimento de
maternidade e o acolhimento dos profissionais de saúde aos usuários dos serviços.
Percebe-se tristeza no olhar da entrevistada ao responder a pergunta sobre como
enfrenta a realidade da Aids. A mesma passa uma sensação de que se questiona quanto ao
porquê da existência da Aids, e mais: por que razão ela tem que enfrentar essa situação.
Mostra medo de outras pessoas saberem, que os mais próximos dela, que sabem, são: seu
marido, uma sobrinha residente em Caxias do Sul, sua filha mais velha e as agentes de saúde
do bairro. Dando enfoque à decisão de “não contar” a respeito da Aids, pergunta-se por que
isso acontece: “Sei lá, sabe as pessoas, são ignorantes mesmo”. Questiona-se se tem medo do
preconceito e a resposta chega com um sentido um pouco figurado: Preconceito, pensam
que passa, daí, se encostar na gente já ta pegando, diz né. Não é assim”.
Em diversos momentos, Azaléia demonstra estado de depressão, não tem vontade de
enfrentar, ou não consegue enfrentar a realidade de ser soropositiva. Nesse sentido, evidencia-
se que a realidade econômica e social na qual essas mulheres estão inseridas precisa estar
fortalecida, pois caso contrário, enfrentar a doença torna-se ainda mais doloroso. O caso da
entrevistada é um exemplo quando a mesma aborda a relação conflituosa com o marido.
Azaléia acaba contradizendo-se em algumas respostas. Em sua fala, declara que
ninguém aceita quando tem Aids. Questionada se aceita, ela responde: “Eu já aceitei a
doença. aceitei. Que não adianta ficar maluca e querer, não adianta, a gente tem que
aceitar. Não vai voltar atrás”. Desse modo, fica clara a confusão de idéias e sentimentos
proporcionada, pela Aids, na entrevistada. Em diversos momentos, tenta demonstrar-se forte
ao abordar a temática, mas ao mesmo tempo, fica evidente o quanto sofre e como é difícil
conviver e aceitar a sua realidade.
Quando se discute a perspectiva religiosa, destaca-se mais um momento de “confusão”
na fala. Ela afirma ter esperança de viver, ao contrário de quando responde que acha que
nunca terá a cura da Aids. Nesse sentido, reflete-se acerca da necessidade que Azaléia tem de
buscar forças em algo, mas ao mesmo tempo de não encontrar essa força. Isso demonstra o
grande sofrimento relacionado à Aids.
107
4.5 Primeiro me desesperei. Quase fiquei louca!”
37
Orquídea é moradora do município de Carazinho, tem 38 anos, é casada e possui três
filhos. Afirma que nem esposo e nem filhos são portadores do vírus da Aids. Somente ela é
soropositiva. Em toda a entrevista, Orquídea aparenta tranqüilidade e firmeza em suas
respostas, demonstrando estar segura sobre o que pensa acerca da doença.
Quando solicitada para que relatasse sua trajetória de vida, a partir do momento que
soube de sua situação sorológica, Orquídea responde:
“Primeiro me desesperei. Quase fiquei louca. No dia que soube fui pro banheiro
chorar. Senti desespero, daí tu acha que já, já morreu, ta morrendo. Daí
começa, daí tu começa pensar no que as pessoas o falar, como é que vai ser. Eu
acho que o mais difícil mesmo é pensar o que os outros vão achar. Porque tu não
pode falar pra ninguém. As pessoas dizem ‘isso é bobagem, é preconceito’, mas
quem tem o problema sabe o que as pessoas acham, o quanto falam, falam em Aids
essas coisas. As pessoas vêm: Ah! Tem Aids’. Como se tu tivesse uma lepra,
alguma coisa que não pudesse nem tocar na pessoa. é difícil mesmo. Eu acho
que a coisa mais difícil é o preconceito, porque ninguém aceita”.
A notícia da sorologia foi recebida por Orquídea em torno de um ano e pouco atrás,
quando estava hospitalizada em função de “herpes”. A mesma refere que não sabia o que era
e buscou tratamento junto ao posto de saúde não tendo melhora em seu quadro. Assim,
necessitou hospitalização, então foram solicitados exames para verificação da doença. E
completa dizendo: “Daí, depois que eu fiz eu pensei ‘eu digo, ah se eu soubesse nunca tinha
feito o exame’. Porque passar por isso não é fácil, tu aceitar. Daí as vezes eu penso, se eu
soubesse não tinha feito, não queria saber”. Continua:
“Eu preferia não saber. Eu acho que eu viveria até, não digo assim melhor, sem.
Porque passa de tempo em tempo tu ta pensando... ‘to doente’. Sempre na
expectativa o que será que vai ter, qual é a doença agora que vai... é difícil”.
Nesse sentido, a entrevistada realiza uma reflexão sobre não saber o dia de amanhã.
Apenas o esposo de Orquídea sabe de sua situação sorológica.
“Só ele. E daí, assim, tem que ser, tem que falar. Daí também sair contando, e
coisa, por causa do meu trabalho. Eu trabalho com a comunidade, sou profissional
de saúde e daí eu não posso falar. Como é que eu vou falar? Se eu, pelo que eu
converso com as pessoas, eu vejo que as pessoas não aceitam. Porque tem casos
que eles sabem que tem nos bairros, então aiii’ faz aquele, sabe? Então pensou
se eu falo que eu tenho? Daí é que eu não consigo trabalhar com eles. E esse é meu
37
Entrevista realizada no dia 12/04/2007.
108
medo também. Como é que eu vou... a hora que descobrirem qualquer coisa, não
vou mais conseguir trabalhar”.
Com relação a fazer o tratamento, Orquídea diz que a influência para realização do
mesmo são os filhos.
“De repente até, vamos dizer que... primeiro pelos filhos, porque, daí pensava...
Logo que eu descobri eu pensava assim: bah, e agora eu vou morrer, e daí os
meus filhos vão ficar na mão de quem?’ Daí já que tem alguma chance pra
melhorar, vamos fazer né. Mas tem horas assim que vontade de desistir do
tratamento e deixar pra lá. Porque é brabo, a vida inteira, tenho pavor de tomar
remédio. E tem que ta sempre, fazer o que?”
Questionada se a sua própria vida não é força para a realização do tratamento,
Orquídea responde que é pela família, pelos filhos, que a mesma continua o tratamento.
Exemplifica esse item dizendo que quando teve sua filha mais nova, tão desejada pela família,
ficou mais animada em tratar-se, em cuidar de si.
Assim sendo, pergunta-se à Orquídea se estava consciente de sua situação sorológica
quando engravidou da filha mais nova. A resposta foi positiva, e a mesma afirma que: “Mas
eu acreditava, e que acredito que ela não tem. Assim como meu esposo não tem, meus outros
filhos não têm. Eu acredito que só eu”.
Em relação a forma de ter adquirido o vírus, Orquídea fala que não tem a resposta
certa para isso. Pensa que foi em uma transfusão de sangue realizada uns sete anos, apesar
de que os médicos disseram para ela que não pode ter sido. Orquídea acredita que os
profissionais não admitiriam esse erro e que a dúvida continua, principalmente, pelo fato de
que a mesma não manteve relações sexuais fora do casamento. Se a doença tivesse sido
adquirida antes do casamento atual, a entrevistada relata acreditar que seu filho mais velho
deveria ser portador do vírus. A análise de Orquídea quanto a isso demonstra seu
questionamento, sua dúvida, com relação a como adquiriu o vírus. Ela silencia e reflete...
Indagada sobre o que significa aderir ao tratamento, a mesma responde:
“... vamos dizer, é a única esperança que a gente tem, de viver um pouco mais, ter
uma vida quase normal. Remédio quase todo mundo toma. Pra pressão, pra
diabetes, então, se a gente for analisar quem não toma né? É, tem algumas
privações, mas a gente dá jeito”.
A partir dessa resposta, pergunta-se a ela como enfrenta a realidade, o dia-a-dia, com a
doença:
109
“Sinceramente apavorada. Até hoje, quando as pessoas falam parece que te um
aperto, uma coisa. Mas assim, claro né, apavorada. Quem é que não tem medo de
morrer e tudo. Eu acho que o maior medo é, o que mais me incentivou no meu caso
de fazer o tratamento também, eu acho que é o medo mesmo né. Tenho medo, quem
não tem medo de morrer. Pelo jeito que eu ouvi falar, o jeito que as pessoas
morrem da AIDS, é horrível. Então eu acho que eu não queria morrer desse jeito.
Eu queria de uma outra maneira. Mas... então...”
Além disso, Orquídea refere que uma das maiores dificuldades enfrentadas em função
da Aids é a da “convivência”:
“É do... vamos dizer, de conviver com a comunidade, com as pessoas, com os
parentes também. Por isso também a gente não fala, pode ter uns que aceite, e
outros não, vão criticar. Agora isolamento a gente também , as vez se isola
um pouco. As vezes tu se sente mais... acaba se isolando”.
Assim, ela aborda a questão do isolamento como uma dificuldade. Esse isolamento,
conforme a mesma, pode vir de um processo de exclusão dos outros, ou dela, quando não se
sente bem. Orquídea declara que o preconceito é algo difícil de ser modificado:
“Olha, o que que a gente tem que pensar? Mudar a cabeça das pessoas não ta fácil
né. Ainda mais que eu trabalho com o povo né. A gente que, mesmo que tu fale,
‘não, não é assim’. As pessoas, mas eles têm ai... eu vejo até por uma vizinha
minha, que descobriu que uma menina tinha a doença, e Deus o livre eles fazem
assim um bicho de sete cabeça... dtu diz, ah não. Às vezes, cada vez que ela vai
em casa ela fala da menina. Daí tu fica meio assim, ‘será que ela não
soube?’ Fica bem, mas eu acho que ela o iria em casa. A maioria dos meus
vizinhos se afastariam. Então não nem pra pensar em falar, quanto mais fingir
melhor”.
Perguntada quanto ao que pensa sobre a relação: ser mulher e soropositiva , reponde
que não acredita haver diferenças pois “eu acho que a dor, a angústia, saber que tu é
soropositivo. Eu acho que é igual pra todos, não falam e coisa né, imagina”.
E para finalizar, Orquídea deixa a seguinte lição:
“Eu acho que, acima de tudo devem... eu acho que a gente deve se sentir amada.
Porque quando o meu esposo soube que eu tinha, na hora eu pensei que ele, iria
assim de repente também quando ele foi fazer o exame, quando eu falei pra ele.
Daí pensei assim, não vai se afastar, até de mim, vai né, passa pela cabeça da
gente. De repente vai pensar que eu trai ele, qualquer coisa assim. Mas não, ele me
deu apoio, tava ali. Daí disse pra mim que não era por causa daquilo ali que a
gente ia terminar, que nós ia continuar ao fim da vida. Não interessa se esteja
doente, se não esteja. Eu acho que o apoio das pessoas nessa hora é importante.
Eu acho que eu teria me matado se não fosse ele ter me apoiado. Ele disse pra
mim: ‘não, mas isso aí tanta gente vive hoje em dia, não é assim’. Até hoje eu
converso com ele, e daí eu acho que o apoio das pessoas que estão perto da gente é
o mais importante”.
110
Certamente, essa entrevista demonstra a importância das relações fortalecidas pelo
amor, companheirismo e diálogo, como fator determinante no processo de adesão aos
tratamentos de saúde por mulheres soropositivas. Isso facilita o processo de aceitação da
doença, bem como do tratamento que deve ser realizado.
Algo que chama atenção na resposta da entrevistada é a relação estabelecida entre a
Aids e a morte. No conjunto das respostas, poder-se-ia analisar esse ponto relacionando com o
fato de que para a Aids ainda não existe uma cura e, portanto, a primeira impressão dos
sujeitos portadores é de que resta morrer. Além disso, também deve-se levar em
consideração o tratamento medicamentoso sistemático que deve ser realizado e que não é
apreciado pelos usuários. Essa discussão aparece em meio a muita tristeza, inquietação...
Mesmo fazendo uso de medicação, a entrevistada afirma que ao ouvir falar de outras pessoas,
ao saber de outros casos, o medo da morte fica cada vez mais constante e presente em sua
vida. Dessa forma, verifica-se que a relação da Aids com a morte, é direta para Azaléia.
4.6 “A hora que Deus quiser que eu vá, Ele vai me levar.”
38
Rosa Vermelha, 47 anos de idade, é residente em Carazinho, viúva desde 1997 e
atualmente mora sozinha. Não tem filhos e alguns familiares residem próximo, na mesma rua.
É portadora do vírus da Aids e realiza tratamento junto ao SAE (Serviço de Atendimento
Especializado) de Carazinho.
Sua trajetória de vida, desde que soube ser soropositiva, diz que foi de muita luta.
Descobriu sua situação sorológica em 1997, ano em que o marido ficou doente, durante 3
meses e faleceu em função da Aids. Iniciou o tratamento em fevereiro de 1998 e relata:
“Mas foi muita luta. Eu passei muito mal, no início eu tomava a medicação,
achava que eu ia morrer, eu chorava, foi dois anos de choro. Muita luta. Sofri
muito. Eu fiquei desempregada, daí arrumei trabalho, daí comecei a trabalhar ali
na... mas lutei muito, passava mal, achei assim que eu ia morrer. Eu achava assim,
que... eu sei lá, passava um monte de coisa na minha cabeça. Daí eu arrumei um
trabalho, e comecei a trabalhar com o pessoal e fui espairecendo sabe. Mas foi
brabo, eu fiquei sozinha”.
Rosa Vermelha não trabalhava antes do falecimento de seu marido, era somente
responsável pelos cuidados da casa. Com a morte dele, ela conseguiu trabalho em uma
creche, no Rio de Janeiro onde “eu comecei a me levantar”.
38
Entrevista realizada no dia 18/05/2007.
111
A entrevistada conta ser gaúcha, porém, agora, quando analisa toda sua situação,
entende que quando o marido levou-a para o Rio de Janeiro, ele já sabia que estava com Aids,
no entanto não contou a ela. A notícia acerca da doença, ela soube durante a internação
dele, através do médico. “Daí eu me desesperei. Mas ele estava na fase final, não
tinha mais o que fazer”.
Rosa Vermelha relata que ambos foram para o Rio de Janeiro em 1993 e, novamente,
afirma que pensa que ele já sabia de sua situação. Entende esse processo como uma fuga dele,
com relação a sua família ou outra coisa. Menciona que a família de seu marido a culpou
muito acerca da morte e desabafa:
“Me criticaram, tanto é que eu moro sozinha, um ano e meio que eu to aqui eu
nunca fui na casa dele depois disso. Que a última vez que eu fui ela disse
assim que eu tava deixando até ele passar fome. Foi uma barra”.
Questionada sobre o porquê disso, se a família dele pensa que quem transmitiu a
doença foi ela para ele, responde que não tem certeza, mas acha que a família sabia, pois
algumas “histórias” apareceram após o falecimento, inclusive de que uma sobrinha sabia.
Entretanto, Rosa Vermelha diz que não procurou saber de outras informações, até porque
“agora não vai trazer ele de volta mesmo”.
Seu marido não realizava o tratamento de saúde. Ela relata a fase de internação dele:
“Nunca fez, ele se queixava que tinha muita dor de cabeça, que vivia resfriado.
que quando eu fui levar ele no médico mesmo, ninguém achava o problema.
Aí tinha dado pneumonia, ele começou a emagrecer, emagrecer, emagrecer e
secou. Em menos de três meses. Eu levei ele dia 29 de setembro no médico, no dia
17 ele faleceu, de dezembro. Três meses praticamente. Foi rápido, não teve nem
como começar o tratamento nele”.
Nesse sentido, acaba comparando-se a ele, diz que nunca demonstrou qualquer tipo de
sintoma, e inclusive que estava sempre acima do peso ideal. Quando iniciou o tratamento para
a Aids, chegou a pesar 85 Kg. Nesse sentido, refere que sempre teve muitos problemas, o que
ela classifica como depressão, que nunca tratou.
Após o falecimento de seu companheiro, ela ficou no Rio de Janeiro durante oito anos,
porque conta que tinha sua casa. retornou para o Rio Grande do Sul quando perdeu seu
irmão e sua sobrinha, o que ela define como “tragédia”. Assim, faz mais ou menos dois anos
que está em Carazinho novamente, e refere sempre ter feito o tratamento direito, sem ter
deixado de ir ao médico.
112
Questionada sobre a mudança de local onde realiza o tratamento, Rosa Vermelha
acaba contradizendo a resposta anterior, pois agora afirma ter ficado um tempo sem fazê-lo, e
diz:
“Não, eu fiquei o ano, a doutora tudo bem, me deu direitinho os papéis, que eu
extraviei os papeis daí, a minha irmã tu não vai no médico? Tu não vai no
médico?’ E eu sempre adiando né, daí um dia me disseram que aqui era a
Secretaria de Saúde e daí que eu vim aqui. No mesmo dia fui atendida, fiz os
exames. E daí quando veio, disse pro doutor a medicação que eu tomava, ele
me mandou fazer os exames e já me deu medicação pra eu ir tomando”.
Na retomada ao tratamento, ela afirma que sua carga viral estava muito baixa. Diante
disso, voltou ao serviço de saúde diversas vezes em função de exames e medicações. Com o
retorno à medicação, declara que sua carga viral aumentou muito, rapidamente, e nesse
processo todo, já teve em média quatro resfriados fortes. E diz: “E eu vim aqui justamente por
causa de um resfriado que eu não tava conseguindo curar”. Relata ainda que antes de buscar
o SAE, esteve no posto de saúde e tomou outras medicações, o que não surtiu o efeito
necessário. Assim, voltando ao posto de saúde, mesmo com muita vergonha de contar sua
história ao médico que a atendeu, foi encaminhada para o SAE, onde está em tratamento
atualmente.
Nesse sentido, Rosa Vermelha demonstra que o fato de seu organismo não estar bem
é que a levou a retornar ao tratamento. Diz que sempre realiza todas as tarefas domésticas,
sempre cuida de suas coisas, inclusive a reforma do piso de sua garagem, realizou sozinha.
“Eu não tenho medo de meter a mão no serviço, eu pego e faço as coisas mesmo.
Eu tenho a minha vida, não sou ativa assim sexualmente, porque eu sozinha, não
saio, sou evangélica, não saio. A última vez foi meu marido e sabe, depois fui pra
igreja. Mas eu não tenho, não tenho do que me queixar não, me sinto super bem.
Tomo os remédios direitinho”.
Quanto à igreja, ela comenta que essa conforta o seu coração. Questionada se alguém
de sabe acerca de sua doença, ela diz que não, e que não conta para ninguém. Apenas os
seus familiares sabem. Rosa Vermelha justifica o não contar” em função da discriminação,
e a respeito disso, diz: “Eu acho que existe. Com certeza existe. Existe. Pensei até se chegar e
falar aí... principalmente onde tem criança. As pessoas acham que a gente passa, sei lá”.
Perguntada se isso não estaria relacionado com a falta de informação, Rosa Vermelha
declara que essa questão é preconceito, e compara com a discriminação racial, que também
existe. Continua salientando que a falta de conhecimento também existe, caso contrário não
seriam tantas as pessoas morrendo (não só de Aids) sem cuidarem-se.
113
Sobre as motivações para a realização do tratamento, Rosa Vermelha aponta que suas
influências são: ... a sobrevivência, meu sobrinho, meus familiares que me dão força. Por
isso”. Ela refere que é por eles que realiza o tratamento. Questionada se a realização do
tratamento não é pela sua própria vida, em meio a muita emoção e choro, ela responde:
“Pela minha vida, principalmente. Que eu acho que eu tenho muita coisa pra fazer
ainda aqui. Porque se eu o tivesse viva, eu acho que tudo na vida da gente é a
permissão de Deus. A hora que Deus quiser que eu vá, Ele vai me levar. Mas eu
acho assim, que tudo tem, tudo é permitido por Deus, eu acho assim que se vo
tem uma meta aqui na terra pra cumprir, você vai ter que cumprir até o teu
momento. E depois a força da minha família, nunca graças a Deus, eu posso dizer
que eu tenho uma família abençoada, porque nunca me criticaram sabe, você tem
isso’, sabe?”
A entrevistada continua sua fala referindo-se ao momento em que foi para o Rio de
Janeiro e sua irmã a questionou do porquê disso. Nesse sentido ela diz:
“Minha irmã, ela no início era contra a minha ida pro Rio com ele. Que irmã mais
velha pode ter os defeitos dela, pode ser chata, pode dizer que fique, mas sabe, as
vez... ela era casada, tinha o marido dela e eu era assim, apaixonada, doida, se
não fosse ele não era ninguém. Quando tem o amor da tua vida, que tu... É Deus no
céu e ele na terra. Eu acho que ela, ela me disse esses dias, eu tava conversando,
mas ela não fala, não fala no problema, não diz você... sabe? Ela me trata normal,
como se fosse uma pessoa normal. Se tiver que sair lá, e ajudar ela levantar o
carro, eu vou, ajudo e tudo bem. Não tem esse negócio de, ai você não pode fazer
isso porque você tem isso. Não tem esse problema, com a minha família não”.
Ainda nessa mesma fala, ela afirma:
“Eu tenho muita cobrança. Elas me cobravam todo dia, ‘tu foi no médico, tu
foi?’, sabe? Isso sim elas tinham cobrança. Então eu tenho que agradecer a Deus
pela família que eu tenho. Porque nunca me apontaram o dedo, ah, vofez isso,
fez aquilo’. Graças a Deus eu não tenho crítica sobre isso, agradeço muito a Deus.
E agradeço muito a Deus cada dia por ta viva ainda. E também agradeço por ter
condições de ter o remédio gratuito. Tem gente, que mesmo com o remédio gratuito
não faz o tratamento. Não vão muito longe, aqui tem muitos casos, diz que tem
muitos casos aqui em Carazinho”.
Em relação aos efeitos colaterais dos remédios, ela diz que inicialmente sofreu muito,
mas depois, com a troca de remédios esse problema foi resolvido. Rosa Vermelha entende que
receber a medicação gratuitamente significa:
“Uma benção de Deus. Porque eu, se eu fosse tirar do meu bolso, eu não teria
condições de comprar o remédio, não. Sinceramente. Eu tenho sabe o que, eu não
sei o preço da medicação, mas diz que a medicação não é medicação barata. Não é
medicação barata, eu não, o que eu ganho não vai, que eu ganho uma pensão de
114
um salário e pouco, eu não teria condições de pagar o tratamento. eu não tava
mais aqui, eu acho que já tinha morrido. Sério, é verdade. Verdade verdadeira”.
Rosa Vermelha fala que não realizar o tratamento, conforme palavras dela, é
“burrice” e diz:
“Gratuito, tinha que agradecer, erguer as mãos pro céu e agradecer a Deus.
Porque não é toda medicação que a gente consegue gratuitamente. As vacinas,
essa vacina que eu tomei que foi aplicada agora, diz que ela ta custando em torno
de quinhentos reais. Da onde que eu vou ter quinhentos reais hoje pra aplicar uma
injeção? Custo de vida é muito alto, a medicação é todas cara, e o pessoal não se
conscientiza do problema. Se fosse eu, eu vai pra, sei lá, não sei quanto
tempo. Mas de convivência com meu marido, já tem, que eu convivi com ele, dá na
base de quatorze anos, e eu to aqui, firme e forte”.
Questionada acerca de como enfrenta a realidade de ser soropositiva, ela reponde que
nem pensa nisso e diz que anteriormente se preocupava mais. Afirma que isso acontece em
função do apoio que recebe de sua família, e do tratamento disponibilizado no SAE. Salienta
o bom atendimento que recebe dos médicos, do programa em si e da medicação que está
sempre disponível. Diz também, que pelo fato de se cuidar (não se machucar, não se cortar...),
não necessita de outros atendimentos além daqueles considerados normais. Isso pode ser
entendido como qualidade de vida. Declara ainda: “E as pessoas gostam do que eu faço
também”.
Assim, questiona-se se a mesma sente-se amada e a resposta é “Eu me sinto” e
continua dizendo que isso é muito importante.
Indagada sobre seu maior medo em função da Aids, novamente em meio a muita
emoção, ela reponde “De eu morrer e deixar meu sobrinho, que eu amo muito ele, apesar que
eu amo meus sobrinhos todos, mas ele é tão amável comigo. Esse que é meu medo”. Sobre
esse sobrinho, Rosa vermelha diz que ele tem 3 anos de idade, é filho do irmão que faleceu
em função de problemas cardíacos, e desejava tanto essa criança
39
, mas não teve a
oportunidade de ver ele crescer. Ela continua:
“Daí eu penso assim. O que que vão dizer, esses dias ele chegou lá em casa e disse
assim: ‘Rosa Vermelha, essa casa é minha’. Daí eu disse: ‘é de você’. Daí ele
disse: ‘não, é minha’. Mas ele é a coisa mais linda do mundo. Eu sou doente por
ele. Daí ele disse assim: ‘Rosa Vermelha, eu não gosto mais do papai do céu’”.
Questionada sobre o porquê dele ter feito essa fala, ela responde que foi em função da
morte do pai de Paulinho e de sua sobrinha, no caso tia do menino, que eram pessoas às quais
39
O sobrinho de Rosa Vermelha será chamado de Paulinho, nome fictício.
115
o mesmo era muito apegado. Assim, Rosa Vermelha justifica seu medo de morrer, pois não
quer ser mais uma perda para Paulinho, que ele demonstra muito carinho por ela e vice-
versa.
Quanto à sobrinha que faleceu, teve um “derrame” poucos dias antes de sua
formatura no terceiro grau. Rosa Vermelha conta que tinha tudo ajeitado para vir a Carazinho
em função da festa e que, inclusive, fez contato com a sobrinha no dia anterior ao
acontecimento. Afirma que, enquanto fazia suas atividades normais (igreja, cuidados da
casa...) recebeu a notícia por mensagem no celular:
“Quando eu fui ver tava dizendo assim: ‘tia ore pela Carla
40
, que a Carla deu
derrame e ta internada, ta passando mal’. Daí eu me desesperei. Como, mas
tinha me preparado, tava toda, mal arrumada, tudo, tudo tava... Deus me perdoe,
parecia que eu tava adivinhando.faltava juntar os salgados e largar dentro do
plástico pra viajar. Só faltava isso. Porque o resto já tava tudo pronto, tudo,
remédio, medicação, tudo as coisa ajeitadinho. Daí eu liguei pra cá. É..., daqui,
nem mexeram nela, aqui levaram pra Passo Fundo”.
Rosa Vermelha continua sua fala dizendo que a sobrinha foi atendida pelos melhores
neurologistas de Passo Fundo, e o problema aconteceu em função de um coágulo no cérebro,
que “se rompeu”. Nessa afirmação ela volta a mencionar o irmão e sua relação com o filho:
“Queria tanto um nenenzinho, daí eu brincava com ele, ‘vê se da próxima vez que eu voltar
tem um nenê pra mim brincar’. E tem, só que ele foi embora”.
Sobre a questão de gênero e a relação com a Aids, ela pensa que não diferenças
entre ninguém. Nesse sentido, enumera várias coisas que sempre fez e que não fizeram mal
para ela: fazer os serviços domésticos, ajudar a reformar sua própria casa, pois o que ganha
não daria para comprar uma casa nova.
“Eu acho que não muda em nada. Sabendo se cuidar... que eu não me considero
menos em nada. Às vez eu tenho mais capacidade do que uma mulher que é que
não tem nada o que fazer. Sabe? Que não tenha problemas, eu não tenho medo de
enfrentar qualquer dificuldade, eu não tenho, não. Pelo menos no sentido de
trabalho, pode ser. Eu nunca perdi minha disposição e meu ânimo pra nada não.
Eu se tu disser assim pra mim, tu tem que fazer isso, isso e aquilo, eu se eu olhar e
encarar, eu faço”.
E relata ainda as coisas que a derrubam, pois ela conhece e quando não se sente
bem, sabe que precisa descansar, ou fazer algo que a anime. Salienta que não se sente
diferente de ninguém e, em vista disso, continua a fazer o que sempre fez. Diz também:Meu
medo mesmo é de morrer mesmo assim, sabe”.
40
Nome fictício.
116
Se tivesse que dizer algo para as pessoas sobre tudo isso, Rosa Vermelha falaria a
respeito da conscientização da importância do tratamento. Para ela, o tratamento significa
sobrevivência e diz:
“Que ela leva a sobrevivência, leva, porque eu to viva, faz quase quatorze anos eu
não sei quanto tempo que eu peguei. E a força é no meu tratamento mesmo,
porque não tem outra coisa pra gente fazer. Se você não faz, você cai. Com certeza.
Eu não posso, eu nunca tive, diz assim, as ditas doenças oportunistas, eu nunca,
todo esse tempo, nunca tive pneumonia, nunca tive, graças a Deus, tuberculose,
nunca tive. Sou saudável, eu me acho super saudável. Tive três, quatro resfriados,
mas tirei de letra. Eu não sou uma pessoa doente assim, cara pálida tudo, eu não,
eu não me considero. As vez eu me olho no espelho e me acho bonita. Tem dias
assim que tu ta mais assim, mais caída, mas...eu acho assim que a gente tem que
botar... a gente tem que se conscientizar que se a gente quiser sobreviver não vai
sobreviver sem o tratamento”.
Rosa Vermelha continua sua fala:
“E as pessoas hoje em dia tem condições de fazer o tratamento, e não tão fazendo,
por falta de, não é por falta de conhecimento e instrução, porque aqui a gente vem
e a gente é bem instruída, explica até como você tomar o remédio. Você sai
daqui de dentro sabendo horário, tudo certinho. A pessoa não toma quando ela não
quer mesmo, que ela não tem força de vontade. Que eu acho que é força de vontade
da pessoa, não das pessoas que tão tentando ajuda. Que nem, eu posso dizer que
eu graças a Deus, que eu te falei, anteriormente que eu nunca fui muito chegada
com a minha família. pergunta, ‘tu ta bem?’, ‘como tu ta?’. Essa é a
preocupação deles, mas nunca tive crítica, e tem os altos e baixos na vida da gente,
todo mundo tem, ninguém vai dizer que não tem que tem. Hoje eu to bem, amanhã
eu posso ta mal, são coisas da vida. E sem o tratamento a gente não vai sobreviver
mesmo”.
Continuando sua declaração, retorna a questão de que já ficou sem a medicação
durante algum tempo, e nesse momento enfatiza que isso não foi por escolha sua:
“Eu passei por isso, fiquei dois, quase três anos sem medicação. Mas não foi
por culpa minha, que a doutora deu tempo, e nesse tempo, o médico daqui disse
que não poderia ter parado. Só que cada doutor é um doutor. Não to fazendo
nenhuma crítica contra o doutor. que se ela achou que eu não precisava, com
certeza fiquei dois anos super bem, que, eu como morava num clima quente,
maravilhoso que é o Rio de Janeiro, eu sou apaixonada pelo Rio de Janeiro, sou
louca pelo Rio de Janeiro. Daí vim pra cá, mudança totalmente, muda totalmente a
temperatura, foi logo que eu comecei a me resfriar”.
Encaminhando a entrevista para o final, pergunta-se para Rosa Vermelha se havia algo
que ela quisesse dizer para finalizar, ao que responde: “Agradecer a tua compreensão, por ter
me escutado. Por ter visto eu chorar”. Continua sua afirmação, demonstrando que havia mais
coisas a dizer, portanto, a entrevista continua.
117
“Única coisa é tomar cuidado com a saúde, e da gente. O resto é viver, erguer a
cabeça e ir pra frente. Deus é tão maravilhoso que permite ainda da gente
sobreviver. E essa medicação ajuda. Quem não faz é por bobo. Que não gosta de si
mesmo. Ah, falando outra coisa. Eu nunca tinha ido numa palestra, daí fui
convidada pra ir numa palestra. Pessoas de Porto Alegre que vieram, sobre esse
problema. Cheguei lá, foram quatro dias, eu voltei, pergunta pras meninas aí, eu
voltei com a minha auto-estima em cima. Eu voltei rejuvenescida, voltei super
bem, comecei a gostar mais de mim mesma, sabe”.
Nesse sentido, Rosa Vermelha constrói uma reflexão acerca de sua situação e da Aids
como um todo. Realiza uma comparação entre a Aids e tantos outros problemas que existem,
e que, para ela, são muito maiores do que aqueles que enfrenta. Ela declara:
“Pensa gente!... tem tantas crianças sem pais, perderam os pais, tantos
inocentes ai né, com o mesmo problema que a gente, lutando pra sobreviver. A
gente não pode ser egoísta e pensar só na gente. Tem muita gente lutando por isso.
Eu chorei muito, muito, muito. O que eu chorei aqui hoje eu não chorei nada, não é
nada. No dia eu chorei, no dia eu chorei a palestra toda de ver, me desesperei de
saber quanta criança sem pai, nas creches, problema. É muito triste. A gente, a
gente pode se defender, agora os inocentes não. E as vez o ficar jogados
assim, sei lá. Será que as pessoas o adotar umas crianças assim. Por que que
nem te falei, é preconceito, muito do preconceito tu não consegue, por isso que eu
digo assim a gente tem que agradecer muito a Deus”.
uma outra declaração de Rosa Vermelha, que se considera de extrema relevância
nesse processo.
“Não é só, não é só a gente, que tem crianças também no meio disso. Se fosse só os
adultos tudo bem, mas tem crianças que o envolvidas também. E as mães, têm
mães assim que engravidam, sabem que tem o problema, engravidam, não fazem
tratamento, daí vem mais uma pessoa pra sofrer. Porque eu acho sofrimento. Que
a pessoa assim, por exemplo, eu vou citar o meu exemplo. Se o meu marido não
tivesse feito isso comigo, hoje eu o estaria aqui. Entendeu? Poderia, poderia ter
casado também, podia ter qualquer outra coisa, menos, mas era, sei lá. Porque era
pra ser, não sei. a sorte, às vezes eu fico pensando assim, eu sempre quis ter um
filho, e ele sempre adiava. Mas eu muito boba, muito apaixonada, muito isso, ele
dizia vamos pagar as contas e eu concordava com tudo que ele falava. Então,
depois que ele faleceu que eu comecei a pensar. Justamente, ele sabia. Se ele não
soubesse eu tinha ficado grávida dele. Se ele não soubesse como eu não sabia, a
gente poderia ter um filho e ter o mesmo problema. Mas eu, por isso que eu digo
que ele sabia”.
Questionada sobre como ela entende tudo isso, a mesma refere que evitou seu
sofrimento e o da criança, que poderia nascer com Aids e ter que enfrentar isso pela vida toda.
Salienta que hoje entende o porquê dele querer adiar a vinda de uma criança e preferir
“outras coisas”.
Para encerrar, Rosa Vermelha reafirma que entende que se as pessoas não fazem o
tratamento, é porque não querem, pois as condições para isso existem, via atendimento
118
oferecido pelo Estado. “Nesse ponto, não podem falar mal, quem fala é quem não tem
conhecimento das coisas”. Além disso, diz que ninguém teria condições de pagar e se o
Estado vem oferecendo gratuitamente é porque é importante, e jamais imaginar-se-ia ter
acesso, via serviço público, a esse tipo de medicação, porém, mesmo assim existem pessoas
que não “se conscientizam”. Relata ainda a participação dos sujeitos nos movimentos para
discutir Aids. Diz que são poucas as pessoas que se mobilizam.
“Eu acho que são as pessoas que tão interessadas em sobreviver. Entende como é
que é? É uma coisa assim que você faz, tem condições e não faz porque não quer.
Daí vem procurar na hora que tão que não sabem mais, que o morrendo.
Que nem aconteceu com o meu marido. que graças a Deus eu descobri a tempo,
e se ele tivesse feito, se ele não tivesse me ocultado poderia ta vivo aqui comigo
hoje. Fazendo o tratamento e tudo. Eu achei, pelo estudo que ele tinha e dizia, eu
achei, era professor de educação física, eu achei que era muito, muito ignorante
com ele mesmo, o que ele fez. Com ele mesmo, não foi comigo, ignorância dele
mesmo de não ter feito o tratamento”.
Dessa maneira, Rosa Vermelha diz que jamais o abandonaria em função da Aids,
salienta que na época existia o tratamento e demonstra não aceitar que, alguém com nível
superior completo, tenha deixado-se levar pela ignorância”, e prossegue: Não tem outra
explicação. Mentir. Ele mentiu pra mim o tempo todo. Medo de me perder, ele tinha que ter
chegado e falado... seja o que Deus quiser, se vai me largar ou não vai”.
A tristeza com relação à mentira de seu marido fica estampada no rosto de Rosa
Vermelha. Ela questiona-se quanto ao porquê de tudo isso e parece não encontrar respostas
que realmente façam-na compreender o que aconteceu. Ela vai e volta na questão da
gratuidade dos serviços; no processo de internamento do marido, que foi de muita
preocupação e desconforto; no momento que descobriu ser soropositiva; na família que
significa muito para ela: “esse negócio da família é muito importante porque levanta a tua
auto-estima”. Também menciona o medo de contar às pessoas e essas afastarem-se de seu
convívio, “eu, sabe o que eu pensava assim, se eu contar pra alguém, não vão me deixar mais
eu brincar com as crianças, não vão mais me deixar eu ver as crianças, vão me tirar o que eu
mais gosto de ver”, o sobrinho que, quando crescer, vai ser informado sobre sua doença...
No final da entrevista ela retoma várias questões que foram debatidas, o que mostra
ainda mais a vontade dela em falar sobre o assunto e a necessidade dela ser ouvida. Toda a
entrevista foi realizada em meio a muita emoção, com diversos sentimentos vindo à tona,
deixando transparecer que os espaços de atendimento aos sujeitos com Aids não devem ser
somente razão, mas devem ter uma boa parte de emoção. Ela apresenta preocupação em
119
detalhar os fatos e realmente demonstrar o que sente ao abordar esse assunto, tão polêmico e
difícil.
Durante a conversa, ela evidencia, realmente, ainda estar muito abalada com esses
acontecimentos. Mesmo tendo força para falar e analisar todas as situações, Rosa Vermelha
deixa transparecer muitos anseios acerca de tudo o que aconteceu, e parece não concordar
com o modo como as coisas delinearam-se. Isso leva a mesma a contradizer-se em alguns
momentos, mostrando que ter altos e baixos, acaba sendo uma constante no dia-a-dia das
pessoas com Aids, e fica clara a importância do tratamento para enfrentar essa questão.
4.7 “Eu tendo o amor da minha família... o resto, não importa.”
41
Bromélia tem 24 anos de idade e reside no município de Carazinho. Sua composição
familiar é formada pela mãe, padrasto, irmão e seus filhos um menino (seis anos) e uma
menina (dez meses). Não há nenhum portador do vírus da Aids na família, além dela.
Acerca da trajetória de vida de Bromélia, a partir do momento em que soube ser
portadora do vírus, a mesma refere que foi um choque, algo inesperado por ela. A infecção
aconteceu durante a sua última gravidez. Afirma que pensou na rejeição de sua família e por
isso decidiu não contar para todos, levando a informação apenas para sua mãe e os dois
irmãos. Diz levar uma vida normal e, inicialmente, imaginou que se prejudicaria mais pela
existência da Aids em sua vida. Relata que se cuida e que tem mudado muito, o que fazia
antes de saber ser soropositiva, principalmente quanto ao sair à noite, e com relação a sua
vida, afirma que: “Mudou porque eu me cuido mais, mas em relação a outras coisas não.
Tenho uma vida normal, não mudou muito”. Bromélia descobriu ser soropositiva dois
anos.
Questionada sobre o porquê de não contar para outras pessoas de sua família, além da
mãe e irmão, a mesma diz:
“Porque eles são muito preconceituosos. São assim, a gente nota assim quando a
gente fala de alguma coisa sobre pessoas que tem hepatite, HIV, sabe? diz,
não pode tomar chimarrão, o pode isso, mas a gente conversa assim, sabe. Uma
coisa bem interessante, mas o, eles são bem preconceituosos. Então, não sou
muito de falar... converso muito com a minha mãe, com a minha irmã”.
Na fala de Bromélia ela aponta como motivo para não falar acerca de sua situação
sorológica o preconceito existente. Refere que na fala das pessoas com quem convive fica
41
Entrevista realizada no dia 26/04/2007.
120
evidente o que pensam sobre as pessoas com HIV ou hepatite, por exemplo, mesmo sem saber
que alguém do próprio círculo de conhecidos, familiares, pode ser portador de algum desses
vírus.
Quanto à reação dos familiares de Bromélia, ao saberem que a mesma era
soropositiva, conta que levaram umsusto”, mas aceitaram e disseram queeu tendo o amor
da minha família... o resto, não importa, tem que levar”. A entrevistada demonstra emoção ao
mencionar essa questão. Questionada sobre as motivações para a realização do tratamento
com anti-retrovirais, a resposta foi a seguinte:
“Os meus filhos. O amor que eu tenho pelos meus filhos. Me cuidar só. O amor que
eu tenho por mim. Aprendi a me cuidar mais, a me amar. Porque antes eu não dava
muita atenção pra minha vida, essas coisas assim, levava tudo na brincadeira. Eu
aprendi a me cuidar mais, a me respeitar mais, com isso”.
Bromélia diz não saber de quem contraiu o vírus da Aids e fala não querer ter certeza
dessa resposta para ter que “mexer em muita coisa”. Declara ter que mexer com vidas de
muitas pessoas. Afirma ter suas suspeitas, mas não comprovação acerca disso. Diz ainda que
pelo que a respeito da pessoa da qual suspeita ter adquirido o vírus, pensa que a mesma
seja soropositiva. Porém não a procurou para falar sobre isso e não convive mais com ela.
Em relação ao tratamento, a entrevistada refere que o mesmo significa cuidar-se e ter
uma perspectiva de vida melhor. Sem o tratamento isso não acontece e comenta ainda que, no
momento não está precisando de medicação, foi liberada pelo médico para isso, mas não
deixa de fazer acompanhamento com os profissionais de saúde. Bromélia, ao referir-se ao
tratamento, demonstra muita alegria, muito compromisso com esse aspecto e afirma que seu
objetivo é “Viver muito, ainda”.
Ao referir-se a como enfrenta a realidade de ser soropositiva, a mesma diz que não é
com auto-estima, mas tenta levar a situação numa boa, pois diz ser normal e se ficar com
“aquele negócio na cabeça, não se consegue viver”. Enumera muitas pessoas que perdem o
controle sobre a situação, sem motivo para isso, pois a Aids não significa não poder sair, não
ter amigos, não poder fazer nada. A vida deve ser normal, com alguns cuidados, evitando
algumas coisas.
Quando perguntada acerca de seu maior medo, ou dificuldade, com relação a Aids,
Bromélia responde:
“Eu acho que os meus filhos o me aceitarem como eu sou. Não tanto pela
doença, mas acho que a rejeição dos meus filhos, e assim, da minha mãe dos meus
irmãos, foram as pessoas que me deram apoio, então é uma coisa que... a Aids pra
121
mim o... eu sei que é uma doença que não tem cura, que é uma coisa que tu
pode conviver, tu tem como conviver com ela também. Se tu o tivesse como
conviver com ela... eu não me aceitaria. Eu aprendi a me aceitar como eu sou.
Tudo, assim, do que eu fiz levou a uma conseqüência, ao HIV. Então eu digo assim,
eu tive que suprir as minhas dificuldades aceitando, eu me aceitando do jeito que
eu sou, se eu não me aceitar, em primeiro lugar”.
Antes de querer que os outros aceitem, Bromélia afirma que é importante primeiro
aceitar-se. Nesse sentido, questiona-se acerca de como Bromélia via a Aids antes de saber
que era portadora do vírus, ao que responde:
“Eu não tinha preconceito, nunca tive. Eu tenho, tinha amigos, portadores desse
vírus. Dois vieram já a falecer, só que são pessoas normais. Daí diziam assim, ‘ah, tu
toma chimarrão com aquela pessoa’, eu dizia, ‘eu tomo, é uma pessoa normal, não
tem porque’, daí dizia, ‘ai, mas tu não tem medo?’, ‘não’, se um dia... até falavam
assim ‘se um dia eu pegar HIV eu prefiro morrer’, mas tem uma perspectiva de vida,
tu pode viver, tu pode lutar contra isso”.
Com relação ao que Bromélia pensa acerca de ser mulher e soropositiva, ela responde:
“Acho que a gente tem que se amar, amar a vida que a gente tem. Tem que se
respeitar, tu tem que...Tu tem que viver, tem que ter um ideal, se tu é mulher tu tem
que se amar, tu tem que se respeitar, é uma dificuldade muito grande tu ser mulher
e ainda ser soro-positivo, o preconceito é muito grande. Assim, qualquer coisa que
tu faça, as vez tu pode pensar assim, aquela pessoa vai descobrir... aquela pessoa
vai descobrir, isso e aquilo. se tu ta machucada, assim tu se corta, não tem, não
tem nenhuma pessoa que toque, eu acho que... tem que se cuidar, tu tem que se
amar do jeito que tu é”.
No que se refere ao que Bromélia diria aos outros sobre a Aids, ela responde que
viver é a melhor coisa que existe. Deve-se aproveitar cada momento da vida. Porém, “não
contando, sabe, que tu tem o vírus, não dando bola pras pessoas, pra o que elas vão te falar”.
E complementa dizendo que viver é amar-se e respeitar-se pelo que se é, pela pessoa que se é.
Diante dessa resposta, pergunta-se para Bromélia se ela pretende contar para seus filhos,
quando estiverem maiores, acerca de sua sorologia. E ela diz:
Sim. Porque eles têm que saber, eu acho que eles têm que saber, eles têm que me
amar do jeito que eu sou, então um dia e eles vierem a saber, pelo menos eles não
vão me cobrar. Porque eles o dizer assim, ‘bah mãe, a gente é tão sincero
contigo, porque que tu não pode ser sincera conosco?’. Então, eu acho que tu
sendo sincera com teus filhos, tu vai ter sempre ter o amor deles. Não é mentindo,
inventando coisinhas que tu não vai... não vai levar nada. Eu acho que sendo
sincero, a melhor coisa que tem”.
Bromélia demonstra preocupação em ter os filhos sempre ao seu lado. Pensando sobre
não estar sozinho nesse processo, questiona-se a entrevistada, se no momento, tem
122
companheiro/namorado e a mesma afirma que não. Declara ainda que, por enquanto, não
procura por uma nova pessoa e entende que é melhor ficar sozinha, “ficar quietinha na
minha. Eu aprontei demais, então é melhor eu ficar mais quietinha assim, curtir meus
filhos, aproveitar minha vida, de um modo mais calmo”.
Indagada acerca do significado da Aids, Bromélia devolve a pergunta questionando se
a resposta deveria ser no bom ou no mau sentido”. Deixa-se para que ela escolha e a
resposta é: “Eu acho que, vamos dizer assim, Aids é uma convivência, acho que a palavra é
convivência. Não tanto o resto das coisas, mas a convivência com ela. Com o teu eu, acho
que seria isso”.
Bromélia diz ainda o que a alivia, a fortalece no enfrentamento da Aids: é Deus. Relata
que participar de uma igreja, a partir do momento que soube ser soropositiva, deu muita força
a ela e pensa que sem isso não teria conseguido equilibrar-se, não teria perspectiva de vida.
Ela freqüenta a igreja até hoje.
Questionada se as pessoas de sabem da existência da Aids em sua vida ela responde
que não, com exceção do pastor. Disse que a orientação dele com relação a isso é que ela deve
lutar e levar uma vida normal. Que não deve ficar pensando que tem o vírus HIV.
A respeito do tratamento, Bromélia aborda a questão de seus exames que, segundo ela,
“sempre deram bem”. Fala ainda que de 5 em 5 meses realiza consulta. Refere ainda que:
“... eu acho que o atendimento é meio invasivo às vezes com algumas pessoas. Mas
assim, um atendimento bom, o médico, tudo. Em algumas circunstâncias é meio
invasivo. Assim, não aquela... que às vezes a pessoa precisa conversar, ter uma
pessoa ali pra conversar. Tem pessoas que não têm isso. Eu acho que precisaria
mais um acompanhamento assim. Pessoas que, digamos assim, como é que eu
posso dizer? Campanhas mais, como é que se diz? Reuniões entre as pessoas.
Porque delas aprenderiam a conviver mais com a doença, com as pessoas, o
seria tanta rejeição de algumas”.
Para finalizar, Bromélia diz que as pessoas devem cuidar-se, mais ainda.
Principalmente depois que se descobrir portador do vírus, porque vida pela frente, apesar
da Aids. E, salienta que, “não é uma Aids que vai te matar, mas às vezes, assim uma simples
doençazinha
42
que pode te destruir, a qualquer momento. Tem que se cuidar”.
Bromélia aparenta ter clareza acerca de sua situação e, apesar de demonstrar o quanto
é difícil conviver diariamente com a Aids, a luta por uma vida de qualidade ocorre no dia-a-
dia, em cada situação que a enfermidade impõe ao sujeito. Percebe-se elementos importantes
nessa entrevista para a análise da doença no contexto macro social. Questões como a fé, a
42
A entrevistada refere-se a doenças oportunistas que surgem, muitas vezes, em função da Aids.
123
busca pelo fortalecimento do sujeito na religião, o medo de envolver-se com outras pessoas,
demonstram como o vírus HIV não afeta apenas o estado físico da pessoa, mas produz
conseqüências sociais, emocionais e psíquicas do sujeito.
4.8 “Pensei, agora acabou tudo!”
43
Hortência tem 21 anos, é casada e mãe de três filhos. Reside na cidade de Tapera/RS.
A primeira (5 anos) não é filha do seu atual companheiro. Os outros dois filhos são do atual
relacionamento: um menino (3 anos) e uma menina (2 anos). O casal é soropositivo e
conforme sua fala, nenhum dos filhos tem Aids. Disse ainda que a primeira filha não poderia
ter sido contaminada porque seu antigo companheiro não era portador do vírus, e na época ela
também não era. O casal realiza o tratamento de saúde junto ao SAE (Serviço de Atendimento
Especializado) de Carazinho, centro de atendimento aos municípios da região que
compreende, entre outros, Tapera.
No relato de Hortência quando solicitada que contasse sua trajetória de vida, a partir
do momento que soube ser soropositiva, a mesma contou que estava com 17 anos, e grávida
quando soube de sua sorologia. Já tinha uma filha nesse período. Descobriu através da
realização dos exames de rotina do período da gravidez, foi necessário repeti-los, pois teriam
aparecido problemas. Nos resultados, sublinharam a palavra HIV, mas ela diz que na hora não
se deu conta do que se tratava. Além disso, foi chamada a conversar com os profissionais de
saúde os quais explicaram que ela estava com o vírus HIV e precisava fazer um tratamento. A
entrevistada diz: “Bom, me desesperei. Pensei, agora acabou tudo. Grávida, recém casada e
descobrir que tava com aquela doença? Pensei, meu marido vai se separar vai ficar brabo
comigo, sei lá, não sabia né. Eu nunca imaginei que ia pegar também”.
Hortência contou que após o impacto maior da notícia, foi para casa e conversou com
seu marido, ressaltando que ele foi a pessoa que mais a apoiou naquela hora. Assim, a ela
evidencia em sua fala a importância do apoio de alguém, pois achava que tudo tinha acabado
naquele momento e ele fortaleceu-a.
A partir daí realizou o tratamento com AZT e outra medicação. Comenta que: “eram
três comprimidos de manhã e três à noite, todo dia”. Em sua fala, Hortência enfatiza que
realizou todo o tratamento para ganhar seu filho, através de cesariana, “já pra não ter perigo
da criança pegar por causa do sangue” e continua dizendo que quando o nenê nasceu, ele
43
Entrevista realizada no dia 25/06/2007.
124
também fez uso de AZT em xarope, e relata que no hospital, pôde amamentar, utilizando a
mamadeira para alimentar seu filho. Hortência demonstra muito conhecimento acerca da
Aids, mencionando inclusive os nomes da medicação.
Continuando, Hortência cita em sua narração os filhos: “Agora com 21, to com
mais outro nenê, graças a Deus deu tudo certo, nenhum dos dois têm essa doença. Estão os
dois saudáveis”. Diz não se preocupar mais com isso, pois tem certeza de que ambos estão
bem de saúde. Nessa discussão, a mesma ainda conta que não poderá ter mais filhos porque
fez laqueadura, o que não a contenta. “Só essa que é a parte ruim, saber que eu não posso
mais ter, mais adiante. Aí fica ruim”.
Com relação a sua saúde, ela esclarece:
“eu to agora começando a tomar de novo os remédios, porque eu tava
emagrecendo demais. Parece que tava pegando a doença, aí eu comecei a tomar os
comprimidos... meu peso, pra minha estatura já estava muito baixo, porque eu tava
pesando 34 quilos. Daí eu tava desesperada eu não sabia o que que era. Eu achava
que era por causa da anemia tudo. Mas não, era a carga viral que tava muito
baixa mesmo. Agora eu comecei a tomar os remédios,comecei a engordar um
pouco mais. To aumentando de peso, mas também é forte. Porque, os efeitos
colaterais assim, dá tontura, ânsia, umas coisas horríveis”.
Hortência revela que durante certo período de tempo não precisou de medicação, mas
que agora estava tendo problemas de saúde em função da carga viral que estava muito baixa.
Assim, sentiu a doença manifestar-se. Com isso, retomou o tratamento com medicação e
percebe que sua saúde está melhorando: “... to tomando e to me fortalecendo, porque to
começando a engordar de novo, fazer o tratamento certinho”.
Questionada sobre como adquiriu o vírus, Hortência responde:
“Bom, o tradicional, transando sem camisinha. Agora quem assim, eu não posso
dizer quem. É difícil também saber. É que também, a pessoa de certo sabia que
tinha, e daí ele pegou e fez pra passar de certo. Você sabe, pegar pra passar.
[...]. Tem que ter cabeça nessa hora. Então depois que eu casei, com o marido
mesmo”.
No que se refere às motivações para a realização do tratamento, a mesma diz:
“Só de pensar nas crianças. E de pensar assim, bah se acontecer alguma coisa
comigo, vai que eu fique mal, quem vai ficar com eles? o pai não conta, duas
crianças pequenas, né?! Daí tem que ter uma e, e arrumar uma madrasta hoje em
dia também não dá. Daí tem que pensar nos filhos, pensar que tem que viver, tem que
ver eles crescer e ir avisando: “não faça assim”. incentivar eles desde novos,
usar a camisinha, se cuidar. Pior coisa que tem é ter essa doença”.
125
Nesse sentido, pergunta-se a ela se pensa em contar para eles, quando tiverem idade
suficiente para entender, sua situação sorológica, e ela responde:
“Penso. Já pra evitar. Aproveitar já que graças a Deus eles não pegaram na minha
gravidez, então pra eles evitar de pegar depois de grande. Que daí não adianta de
nada, se entupir de remédio, tive que tomar aquele monte de remédio pra nada.
Que depende da pessoa também, que tem gente que morre, não se cuida, pra
mim ta morto. Pegar e tomar, dizer: “quer transar, transa, mas usa camisinha pelo
menos”. Ruim pras mulher, porque nós mulher, se chegar engravidar, tem que
tomar remédio direto. Daí em vez de poder ter um parto normal, saber o que é a
dor dos parto, tem que fazer cesárea, pra poder evitar de ver o filho ali, depois
doente. É ruim isso. Eu não desejo isso pra ninguém, não tenho porque desejar
mesmo”.
Ainda nesse contexto, Hortência continua dizendo que a família também é modificada.
“... a minha mãe ficou contra mim, na hora que ela descobriu que eu tinha.
Porque, ela cria a minha outra mais velha, mas ela não deixa eu chegar perto da
menina, porque ela acha que no abraçar vai passar a doença, daí ela evita ter
contato comigo. Não deixa eu chegar perto da minha filha, isso e aquilo. Daí a
gente sente preconceito, na família. Isso é ruim, a pior coisa que tem é isso,
também. Saber que tem a família ali e não pode contar com ela, ficam distantes”.
Nesse aspecto, a entrevistada demonstra muita tristeza. Aqui, Hortência revela que sua
filha mais velha está com a avó materna e que essa não a deixa se aproximar da menina em
função da Aids.
Assim, ela afirma que fazer o tratamento significa saúde. E diz: “quanto mais eu me
tratar mais eu vou viver também. Eu me tratando, eu vou viver... eu pelo menos vou adiar a
minha morte, eu vou viver mais. Vou ter mais saúde também”. Hortência mostra tristeza nesse
momento da entrevista. Questionada se relaciona Aids com a idéia de morte,
“Relaciono. Porque eu soube de muita gente que morreu por causa da doença.
Que foi emagrecendo, emagrecendo, quando viu se acabou. Daí sempre dizem que
não, que não, que morreu por tal coisa, mas no fundo a gente sabe que isso ali
ajudou também. por isso tem que tomar o remédio, porque se não, quando vê a
gente se apaga”.
Com relação a como Hortência enfrenta a realidade de se soropositiva, ela responde
que não tem medo de falar para as pessoas em quem ela pode confiar. Traz o exemplo das
agentes de saúde, que são pessoas que vão ajudar de forma especial. Para essas pessoas ela
conta:
“Sabendo que não vão sair espalhar pra todo mundo. Que tem gente que é muito
preconceituoso, que se souber disso, nem tomar um chimarrão não toma mais.
Que acham que até tomando um chimarrão já passa. Então isso eu conto porque eu
126
sei que posso confiar mais, que nem a saúde assim, gente assim de confiança,
mesmo assim, que eu sei que não pode falar pra todo mundo, que tem que ficar ali
entre a pessoa. Então eu não levo isso muito à sério também, tem que levar a vida.
Não vou também ficar presa dentro de casa, achando “bah, vou sair na rua e todo
mundo vai me discriminar”. Vai dizer: “essa ali tem, nem cheguem perto”. Pegar e
ficar... levar a vida normal”.
Assim, Hortência conta que as pessoas que sabem são: “A minha irmã. A minha mãe e
a minha irmã mais velha, da minha família. E daí o meu marido só. Os demais ninguém sabe,
dos outros irmãos”.
Sobre os serviços de saúde, Hortência fala:
“Eles atendem bem. que às vezes, dependendo de quem atende, se não conhece
a gente, às vezes tratam um pouco mal. Porque sei lá, sabe, parece que tão com o
atravessado. Daí não tratam a gente bem, tem outros assim que são super
cuidadosos, tão ali vendo se precisa de alguma coisa, como é que ta se sentindo,
isso e aquilo. E tem outros que nem dão bola, nem tão, como se fosse uma pessoa
qualquer. Muitas vezes fui no médico assim que eu to mal, que daí eles sabem
que eu tenho esse problema e daí, às vezes, alguma coisa que se relaciona a
doença que eu vou lá e falo pra eles, deixam ir pra casa. E eu já fiquei sabendo que
a gente tendo esse problema, a gente tendo essa doença, a gente tem uma
preferência, a gente tem a preferência de ser atendido um pouco mais rápido, e
tudo. que tem gente que não respeita tudo isso, deixa a gente de lado um pouco.
Daí por um lado é ruim, que a gente se acha assim: “bah, chegar aqui, vai atender
só se estiver morto”, que daí depois de morto já não adianta mais”.
A entrevistada declara saber que as pessoas com Aids tem preferência no atendimento,
devido à necessidade desse ser rápido e integral para evitar qualquer contratempo que
prejudique a situação de saúde do sujeito. Quanto aos medicamentos, a mesma vem
conseguindo-os sistematicamente e gratuitamente, e considera isso muito importante, pois é
uma garantia.
Questionada sobre qual a maior dificuldade vivenciada em função da Aids, a resposta
foi:
“Emprego. Se tiver, se chegar a perguntarem se tem alguma doença, a gente tem
que mentir. Que é difícil pegarem a pessoa com essa doença. Que pensar... ta
fazendo o tratamento vai faltar, eu perdi emprego por causa da doença. Que
eu tinha... eu tava trabalhando, e deu tinha que contar pro meu patrão, porque
eu tinha que levar meu bebê no médico, eu tive que contar pra eles. Daí eu tive que
faltar algumas vezes, por causa da criança e perdi o emprego, foi por causa da
doença também. Daí isso prejudica bastante. Se tiver em tratamento é difícil pegar
no serviço. É difícil trabalhar”.
Pergunta-se para ela se não buscou seus direitos na justiça e a resposta é:
“Não porque eu tava no contrato, e daí eles alegaram que eu tava faltando demais.
Eu tava colocando muito atestado, e daí eles me largaram por causa disso.
127
Porque eu faltava demais e tava só botando atestado em cima, daí foi mais por isso
também. E ninguém vai aceitar né, a pessoa trabalha um dia e falta dez. Fica ruim
pra empresa também, e depois nunca mais arrumei serviço, to parada até agora”.
Hortência não trabalha já faz dois anos e diz que nem trabalho “frio” está
conseguindo. Menciona que preencheu fichas em vários lugares, inclusive tentou
trabalhar em “casas de família” e não deu certo. Ela diz que um ponto negativo é seu
tamanho físico. Por ser magra, com pouca força, (conseqüência da doença) as pessoas acham
que não faria bem o trabalho. Anteriormente, estava empregada em uma fábrica de calçados.
Quanto ao estudo, ela fala ter freqüentado a escola até a oitava série. Diz pensar em
voltar a estudar no próximo ano e que há muitas pessoas incentivando-a para isso.
Quando questionada sobre o que significa ser mulher e soropositiva, a resposta
vincula-se a sorologia. Afirma que hoje são muitas as mulheres infectadas e que:
“Tem que acostumar, que até achar a cura vai demorar. O jeito é ir levando
mesmo. Eu não sei, eu nunca pensei em pegar, mas ninguém sabe o futuro,
ninguém é adivinha ainda. Então, tem que levar a vida. Eu procurei por isso, se eu
tivesse me cuidado não ia ter acontecido. Não é homem que tem que saber que
tem, a mulher também tem que saber que tem, que existe aí camisinha pra mulher.
Mas não, cabeça dura, pensa o lado bem bom e esquece o resto. Não tem jeito,
depois vêm as conseqüências.”
Hortência comenta jamais ter pensado em adquirir Aids, mesmo conhecendo a doença.
Diz nunca ter pensado que pudesse acontecer com ela. Conhecia pessoas, inclusive que
faleceram em função da Aids. Mulheres, crianças, pessoas novas, e salienta: “mesmo assim
fui acabar pegando. Não me cuidei. Peguei sem querer. Foi difícil”.
Questiona-se o que Hortência diria para as pessoas sobre a doença e ela responde que a
única coisa é que todos devem cuidar-se, porque o que pode vir depois é muito pior. No
presente é bom, no futuro questiona- se está ou não com a doença.
“Depois ter que ficar tomando remédio, vai que engravida, as mulheres. Os
homens nem tão, os homens vão ali, pegam a mulher e depois se engravidou ou
não, eles não querem nem saber, eles pegam e viram as costas. Se chega a pegar a
doença da mulher, tem gente que é capaz de matar ainda. Sei lá, eu aprendi com o
destino mesmo. Tem que pensar que quer fazer, quer transar, transa. Transa a
vontade, mas usa camisinha. Que é horrível depois que acontece com a gente. Tem
gente aí que tem essa doença e não precisa tomar remédio, que vive bem. Agora
tem outros que tem a carga viral mais ruim, daí é obrigado a tomar. Se não
quiser morrer tem que tomar. Se não quiser viver numa cama no hospital, pegar e
tomar mesmo. E eu se pudesse voltar no passado, eu tinha evitado. Agora é tarde
demais”.
O maior sonho de Hortência é que achem a cura:
128
“Que achem a cura, que achem logo a cura. Pra poder quem sabe reverter o nosso
quadro. Poder ddepois, saber “não tenho”, e daí sim respirar melhor. Eu tenho
medo de acontecer alguma coisa comigo e meus filhos ficarem a ver navios,
ficarem sozinhos no mundo. Comigo ou com o pai deles também. Tanto um quanto
o outro, os dois vão fazer falta”.
No caso de Hortência ela relaciona seu sonho com a preocupação com os filhos. Se
eu não tivesse filhos eu acho que nem remédio eu ia ta tomando hoje. Daí eu não ia me
preocupar tanto. se eu chegasse a parar no hospital, porque daí sim eu ia pensar duas
vezes”. E continua:
“Tenho os filhos tenho que pensar neles primeiro. A gente quando descobre essa
doença, a gente se desespera, pra gente caiu o mundo. Acabou, não tem mais jeito.
A primeira coisa que passa pela nossa cabeça é que vai morrer. Vou morrer da
Aids. o preconceito deixa a gente pra baixo, entra em depressão, uma coisa ou
outra. Então, pensar em viver. Em poder criar eles bem, com saúde”.
Hortência segue dizendo que se pudesse falar para as pessoas que tem Aids diria:
“Se tiver que tomar remédio que tome. Porque é ruim ficar mal, dependendo. É
ruim ficar tomando os remédios, mas é pior ficar sem eles depois. Depois que tu vê,
que, depois que não tiver mais jeito não adianta tomar remédio. Chega uma
hora assim que nem os remédios vão te ajudar. E tomar remédio pra poder seguir
em frente, se não... ta louco”.
A entrevista com Hortência deixa muitas informações e reflexões, principalmente
pensando-se que é uma moça tão jovem e que em alguns momentos não parece ter muita
esperança de viver em função dela própria. A esperança não morre, isso fica evidente, e
especialmente o quanto as pessoas, mesmo com Aids, sonham em ter uma vida melhor.
Mesmo que esse sonho não signifique olhar diretamente para o seu corpo, mas para o corpo
dos filhos, por exemplo.
129
5 A AIDS NO MUNDO FEMININO: REFLEXOS DE UM ESPELHO
Esse capítulo configura-se no espaço de análise e interpretação dos dados coletados na
pesquisa. Por isso, o mesmo está construído levando em consideração, primeiramente a forma
como se chegou nas categorias empíricas da realidade. Assim, demonstra-se o processo de
categorização para, finalmente, apresentar as categorias finais que se configuram em: O
preconceito como gerador do isolamento e da exclusão; A questão de gênero na relação
com a Aids; Sentimentos que expressam o impacto de uma epidemia; A maternidade em
foco; O contexto macro sócio-econômico; e Política de saúde no contexto da Aids:
prevenção, tratamento e promoção da vida.
5.1 Processo de categorização.
Seguindo a orientação teórica do autor Roque Moraes (1998) acerca do processo de
análise de dados em uma pesquisa, apresentado anteriormente, definiu-se as categorias
empíricas da realidade. Para isso, elaborou-se um caminho de análise de conteúdo.
Primeiramente, prepararam-se as informações de forma a identificar amostras, dados, a
partir da leitura, que se mostrassem mais relevantes para atingir os objetivos propostos na
pesquisa. Salienta-se que a leitura realizada tencionou articular, em todos os momentos, quais
os dados que realmente responderiam às necessidades apontadas pela temática e abordadas
nessa pesquisa. Ou seja, todas as informações coletadas foram interpretadas, do início ao fim,
levando em consideração as categorias historicidade, totalidade e contradição, presentes no
contexto da Aids. Assim, possibilitou-se a codificação de dados, fornecendo a cada um deles
um código de identificação
44
, permitindo maior agilidade para o retorno às informações
quando necessário.
Em um segundo momento, realizou-se a unitarização dos dados, na qual uma nova
leitura foi efetuada para definição de unidades de análise ou unidades de significado, bem
como para seu isolamento, objetivando compreender em que circunstância ela se encontra na
totalidade da pesquisa. Esse processo aconteceu com a finalidade de responder ao problema
de pesquisa, assim como para avaliação dos materiais existentes para a construção da análise
dos dados. Após esse procedimento, realizou-se a categorização dos dados. Para tanto,
44
Utilizou-se para esta identificação nomes de flores, entendendo essas como uma forma de preservação das
identidades das mulheres participantes da pesquisa, como também uma forma de aproximação mais agradável
dos sujeitos envolvidos, já que a temática ainda representa insegurança e preconceito.
130
agruparam-se dados através de critérios considerados comuns em cada uma das entrevistas,
facilitando o desenvolvimento da interpretação. Nesse sentido, destacaram-se os aspectos
mais significativos do conjunto de elementos obtidos na coleta de dados. Após esse
procedimento, produziu-se a descrição de cada categoria, salientando seus significados de
forma a revelar como cada uma aparece no contexto das entrevistas.
Finalmente, estruturou-se a interpretação ou processo de análise dos dados, no qual
teorizou-se acerca de cada categoria, e ainda, demonstraram-se as relações estabelecidas entre
as falas dos sujeitos e o contexto previamente conhecido acerca da temática. A seguir,
apresentaram-se as categorias construídas com seu processo de análise.
5.2 O preconceito como gerador do isolamento e da exclusão.
A elaboração desta categoria dá-se a partir da visualização, nas falas das entrevistadas,
acerca de como se constituem as relações dessas com os mais variados sujeitos da família, do
círculo de amizades, do trabalho... Observou-se que nessas declarações, a característica
predominante configura-se nas diferenças entre os ditos “normais” e os ditos “aidéticos”.
Portanto, essa categoria está interligada ao estigma da Aids, categoria identificada como
explicativa da realidade e que surge também como empírica, dentro da discussão sobre o
preconceito e a exclusão
45
.
Estigma é um sinal, uma marca que alguém possui, que recebe um significado
depreciativo. No início era uma marca oficial gravada a fogo nas costas ou no rosto
das pessoas. Entretanto, não se trata somente de atributos físicos, mas também de
imagem social que se faz de alguém para inclusive poder-se controlá-lo [...] e pode
também ser entendido como defeito, fraqueza e desvantagem. (BACILA, 2005, p.
24-24).
O conceito de estigma auxilia na compreensão sobre o preconceito existente contra as
pessoas portadoras do vírus HIV. A doença torna-se uma marca que passa a controlar todas as
relações mantidas pelo sujeito, o qual deixa de sair, de trabalhar, e porque não dizer, de viver.
45
A discussão acerca do processo de exclusão, das pessoas com diagnóstico positivo para o vírus da Aids, não
pode ser feita sem um olhar para os processos exclusivistas mais amplos e latentes em nossa sociedade. Sabe-se
que o estigma dessa doença, o qual gera a exclusão dessas pessoas, está relacionado à outras formas de
preconceito e exclusão, como por exemplo, a exclusão do mundo do trabalho, das pessoas com deficiência, da
raça, de gênero, entre outros. Destaca-se que esse debate aparece nas entre linhas das diversas categorias aqui
analisadas, e aprofundar-se-á na categoria empírica: “o contexto macro sócio-econômico”, em que se construirá
uma análise acerca das diversas expressões da questão social, vivenciadas pelas mulheres participantes desse
estudo.
131
Desse modo, o preconceito gera a exclusão e o isolamento dessas pessoas, pois são formas de
se manter livre de algo visto como sujo e perigoso.
O estigma da Aids tem como conseqüência a “exclusão da relação social normal, a
falta de percepção de qualidades da pessoa e expectativas ruins dos ‘normais’ em relação aos
estigmatizados”. (BACILA, 2005, p. 28) Dessa forma, o que se enxerga nos sujeitos com
diagnóstico positivo para Aids é uma visão da doença, como se essas pessoas, e em particular
nessa pesquisa, as mulheres, não tivessem condições de manter uma vida entendida como
‘comum’. Esse ponto evidencia-se na fala de Rosa Vermelha (p. 112): “Eu não tenho medo de
meter a mão no serviço...”
Nessa afirmação, percebem-se elementos fundamentais para a análise de como se
configura a Aids na vida de uma mulher. Isso está relacionado à sexualidade, ao trabalho, à
religião, à cultura conservadora, ainda predominante. As mulheres com Aids, em sua
totalidade, nessa pesquisa, demonstraram a necessidade de manter uma vida comum, onde
desenvolvam atividades cotidianas, até como uma forma de não lembrarem diariamente do
estigma que carregam.
Essa discussão está relacionada com a forma ideal de vida, instituída historicamente.
Trabalhar, estudar, ter lazer, transar... são sinônimos de atividades que todos os sujeitos, sem
exceção, necessitam para viver, porque se isso não fizer parte do dia-a-dia, abre-se um espaço
para o “diferente” aparecer. Na vida da mulher, assuntos como a maternidade e os dotes
domésticos, sempre foram e, hoje, ainda são parte do papel atribuído ao feminino. Assim,
relacionando esse tópico com a Aids, observa-se que muitos desses papéis deixam de ser
realizados
46
.
Historicamente, a construção de uma ‘feminilidade plena’ deu-se em sincronia com
o ideal de boa esposa e boa mãe’, que tomou forma no Ocidente nas últimas
décadas do século XVIII, quando a Igreja procurou regulamentar a vida conjugal.
Segundo as prescrições eclesiásticas, a mulher devia ao marido amor, obediência,
fidelidade, paciência e assistência, cabendo a ela ajudá-lo em todos os trabalhos e
no tratamento de enfermidades. (TRINDADE; NASCIMENTO; NASCIMENTO.,
2006, p.188).
A partir desses papéis historicamente construídos quanto ao que a mulher deve ou não
realizar, apesar de toda evolução da inserção feminina no mercado de trabalho, por exemplo,
percebe-se que para a mulher, muitos ainda reservam o espaço privado, doméstico. Essa
discussão assume tamanha proporção ao pensar-se como se desencadeia esse processo na
46
A discussão da maternidade no mundo da Aids é foco de uma outra categoria de análise. Portanto, não será
aprofundada nesse momento.
132
realidade da mulher com Aids, quando se olha para o aspecto da reprodução, como é
evidenciado na fala de Rosa (p.94): “[...] ele não tem culpa, pra engravidar eu tive que fazer
um tratamento...”
A maternidade, como as demais atividades relacionadas ao contexto feminino, aparece
fortemente nas falas das entrevistadas. Para elas, ter filhos, mesmo sabendo da probabilidade
desses serem infectados durante a gravidez, pelo rus HIV, é uma forma de mostrarem ou
adquirirem o respeito e porque não, o amor próprio. Todas, com exceção da única entrevistada
que não possui filhos, revelam a importância de poderem ter efetivado o seu papel de
reprodutoras, enfatizando que, em função dessas crianças, algo delas vai permanecer.
Salienta-se que Rosa Vermelha, a participante da pesquisa que não tem filhos, deixa evidente
em vários momentos sua dor por não ter tido essa oportunidade.
Além disso, essa constatação salienta os movimentos que as mulheres, com
diagnóstico positivo para a Aids, realizam para serem respeitadas. A maternidade é uma
forma de evitar a exclusão dentro da própria família. Compreende-se que, mesmo a família,
em alguns casos, não sabendo da situação sorológica da infectada, essa acaba cedendo ao
compromisso maternal para evitar que a doença seja motivo de exclusão ou afastamento.
Ainda nessa discussão, existe algo muito importante a ser analisado e que se observa
na fala de Bromélia (p.122): “ficar quietinha na minha. Eu já aprontei demais, então...”
Percebe-se em vários momentos das entrevistas realizadas a culpabilização dessas mulheres
em relação à sua situação sorológica. Muitas afirmam terem sido “as culpadas” pela entrada
da Aids em suas vidas: “Me criticaram, tanto é que eu moro sozinha, um ano e
meio...”.(ROSA VERMELHA, p.111).
Nesse sentido, verifica-se o quanto o preconceito produz o isolamento como forma de
fuga do problema, ou ainda, como meio de não sentir tão presente o processo de exclusão. A
Aids gera no cotidiano dos sujeitos a negociação direta com o que se deve ou não fazer. E,
naturalmente, pois esse já é um processo natural, eles optam pelo não fazer, pois assim
preservam-se, tentam manterem-se afastados, de alguma forma, do contexto da exclusão.
O grande dessa inquietação está vinculado a saber de onde parte todo esse
preconceito? Quais são os valores embutidos nesse processo de exclusão? Por que tudo isso é
aceito com tanta naturalidade? Observa-se que essa discussão está associada a um contexto
mais amplo, de ordem objetiva e subjetiva, no qual as dimensões econômica, política e social,
encontram-se.
133
A violência por ser um problema de gênero que atinge a todas as mulheres,
independente da classe social a que ela pertence, está deslocada de qualquer
questionamento do capitalismo, como se a violência contra as mulheres não
atingisse com maior incidência as mulheres das classes trabalhadoras e como se não
fossem essas mulheres as que mais necessitam recorrer aos serviços públicos, nas
casas de acolhimento ou as emergências públicas. É reproduzida a falácia liberal de
igualdade, parece que todas as mulheres vítimas de violência são iguais. (DI FIORI,
2007,p. 173).
A Aids assume um significado maior que a doença física. Ela ainda representa
preconceito, morte, discriminação, violência resultante de um meio do qual todos fazem parte,
sem distinção. O que muda, é que para alguns segmentos, como o caso das mulheres com
diagnóstico positivo para o vírus HIV, isso é mais forte, mais latente. Sem dúvida, esse
processo é resultante de uma concepção em que: “O problema está em outro lugar e diz
respeito a uma história e a uma tradição que não abrem lugar para o indivíduo se reconhecer
como cidadão [...]” (TELLES, 2001, p. 105)
Assim, enquanto a temática referente a direitos for examinada sob uma ótica liberal, na
qual prevalecem concepções individuais, focalistas, e o objetivo maior configura-se na
centralidade do poder, tantas questões, inclusive a da Aids no contexto feminino,
permanecerão sendo abordadas como um discurso com fim em si mesmo. A necessidade
encontra-se na efetivação de ações que realmente vislumbrem a emancipação dos sujeitos, em
que a garantia de direitos seja um debate cotidiano e é claro, coletivo. E nesse, que os valores
maiores não sejam o controle das formas de viver, mas sim a concepção de cidadania.
5.3 A questão de gênero e a relação com a Aids.
A discussão acerca de gênero constitui-se em um campo ainda pouco analisado
quando se leva em consideração o fato de que muitas mulheres ainda sofrem, de uma forma
ou de outra, com o processo de exclusão. Basta verificar os números que ainda apontam para
altas taxas de violência doméstica, por exemplo.
Associada ao processo de deteriorização econômica e aumento da pobreza,
observa-se nesses países uma tendência ao crescimento simultâneo de emprego
precário (sem vínculo empregatício ou com vínculos estáveis) e do desemprego,
afetando com maior intensidade a população mais pobre, menos educada, e os
jovens e as mulheres. (GUIMARÃES, 2005, p. 169).
134
Dessa forma, visualiza-se que as mulheres constituem-se em um dos grupos mais
afetados, nos países em desenvolvimento, pela pobreza e exclusão social. Salienta-se que as
mulheres têm-se inserido, de forma bastante importante, no mercado de trabalho. Sabe-se que,
muitas vezes, isso acontece em função de que é preciso aumentar os salários familiares, para
que se consiga suprir as necessidades desse segmento, destacando-se que são as mulheres que
“suportam a carga maior ao administrar o consumo e a produção da família em face da
escassez de recursos”. (GUIMARÃES, 2005). Porém, de forma contraditória à entrada da
mulher no mercado de trabalho com toda a força, verifica-se que graças à recessão
econômica, bem como à instabilidade política, o desemprego e o subemprego atingem
principalmente a mulher.
Cabe aqui ressaltar que o objetivo não se configura em uma explanação acerca da
participação da mulher no mercado de trabalho. Contudo, entende-se que esse é um exemplo
pertinente para averiguação acerca das chamadas “diferenças sociais” que afetam a esse
segmento populacional, essencialmente quando se trata de mulheres com diagnóstico positivo
para o vírus da Aids: “Emprego. Se tiver, se chegar a perguntarem se tem alguma doença, a
gente tem que mentir...”.(HORTÊNCIA, p. 126).
Historicamente, a discussão acerca de gênero vem sendo construída e remete a
algumas considerações:
O conceito de gênero ao enfatizar as relações sociais entre sexos, permite a
apreensão de desigualdades entre homens e mulheres, que envolvem como um de
seus componentes centrais desigualdades de poder. Nas sociedades ocidentais,
marcadas também por outros sistemas de desigualdade, [...], é possível constatar,
no entanto, que o padrão dominante nas identidades de gênero de adultos envolve
uma situação de subordinação e de dominação das mulheres, tanto na esfera pública
como na privada. (CARVALHO apud FARAH, 2004, p. 47).
Nesse sentido, observa-se que há um entendimento de que as mulheres fazem parte de
um grupo em situação de exclusão, mesmo que, muitas vezes destaquem-se em itens como
grau de instrução, chefia de lares, responsabilidade pela maternidade, entre tantos outros
aspectos. Realça-se que esse processo está relacionado à forma como se consolidou a
construção social da percepção acerca da diferença sexual. Existe a exigência de romper-se
com a homogeneização interna do masculino e do feminino, através do reconhecimento das
diversidades relacionadas às relações sociais. (FARAH, 2004).
Numa perspectiva feminista de análise, a categoria gênero, inicialmente discutida
pelas ciências sociais, servia para classificar elementos com características comuns,
principalmente no que se refere ao sexo. A construção dessa avaliação objetivou “fortalecer o
135
caráter social das relações entre sexos e refutar o determinismo biológico implícito nos termos
‘sexo’ e ‘diferenças sexuais’”.(IZUMINO, 1998, p. 84) Dessa forma, a categoria gênero,
designa as diferenças sociais e culturais que definem os papéis de homens e mulheres em cada
sociedade, enquanto que a categoria sexo posiciona-se no plano biológico.(IZUMINO, 1998).
O equipamento biológico sexual inato não dá conta da explicação do
comportamento diferenciado masculino e feminino observado na sociedade.
Diferentemente de sexo, o gênero é um produto social, aprendido, representado,
institucionalizado e transmitido ao longo de gerações. (SORJ, 1992, p. 15).
Assim, define-se o que é uma mulher ou o que é um homem na esfera do simbólico, na
cultura de cada sociedade, o que faz com que as mulheres assumam diferentes papéis e
funções, de acordo com as regras que regem a sociedade a qual pertencem, o que ocorre
igualmente aos homens. Além disso, ao analisar a relação entre sexos como socialmente
construída, estabelece-se uma interdependência entre homens mulheres, sem que essa
implique numa relação de dominação, por exemplo.
Em uma outra perspectiva de análise, oposta a separação entre homens e mulheres,
ressalta-se o aspecto relacional entre ambos. Esse aspecto relacional configura-se como uma
relação social onde além de precisar que os gêneros se conheçam, os mesmos devem conhecer
as responsabilidades e direitos um do outro. (SAFFIOTI, 1992). Assim, o diálogo entre as
partes é fundamental já que responsabilidades e direitos além de serem socialmente e
historicamente construídos, são modificados. No que se refere à discussão acerca da violência
contra a mulher, essa análise permite uma nova leitura sobre as relações estabelecidas entre
gêneros, pois se essa relação é entendida como social, as relações de gênero também se
constituem em relações de poder.
O gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder. Seria melhor
dizer que o gênero é um campo primeiro no seio qual e por meio do qual o poder é
articulado. O gênero não é o único campo mas ele parece ter constituído um meio
persistente e recorrente de tornar eficaz a significação do poder no Ocidente, nas
tradições judaico-cristãs e islâmicas. (SCOTT, 1992, p .16).
Desse modo, destaca-se que o conceito de poder, numa perspectiva marxiana, está
vinculado à classe social, bem como ao exercício de sua missão histórica. Mais do que isso,
verifica-se que o conceito de poder na dominação das mulheres, nas relações de gênero,
ocorre principalmente nas esferas do mundo do trabalho e doméstica.
Assim, para discorrer sobre a exclusão das mulheres, necessita-se desvelar o cotidiano
das relações sociais, os conflitos das relações interpessoais, bem como a perspectiva de que as
136
relações de poder, além de conter um fator hierarquizante, possibilitam um processo de
sujeição, que não é apenas resultado de uma ideologia acerca da superioridade masculina
sobre a inferioridade feminina. Nesse sentido, permite-se “[...] a análise do fenômeno em
pauta quer a nível macro, ou micro. Como os espaços de poder da mulher se inscrevem muito
mais no plano micro que no plano macro, inclusive os espaços cavados/gerados no poder
macho”, (SAFFIOTI, 1992, p. 185). Entende-se que o poder é algo produzido em rede, não
em uma estrutura rígida, mas relacionado a outros tipos de relação: processos econômicos, de
conhecimento, sexuais, entre outros. (FOUCAULT, 1979).
Pensando-se especificamente na violência contra a mulher, ou no conflito
decorrente das diferenças de gênero, considerar as relações de gênero como uma
das formas de circulação do poder na sociedade significa alterar os termos em que
se baseiam as relações cotidianas entre os homens e mulheres da sociedade. Além
de inserir as relações entre os sexos numa relação dinâmica de exercício do poder, a
análise dos casos de violência contra a mulher entendidas como situações que
envolvem a oposição de gênero, considera que essas relações são socialmente
construídas, afastando o caráter “naturalizado” e “biológico” que até então
caracterizava as diferenças sexuais e o exercício da dominação masculina sobre as
mulheres. (IZUMINO, 1998).
Algo subentendido nessa discussão refere-se à submissão direta da mulher ao marido,
dentro do que se chama de uma família em harmonia. Historicamente, observa-se que a
mulher desde seu nascimento era preparada para, no futuro, servir seu companheiro.
O aspecto mais impressionante na estrutura familiar vigente até poucas décadas,
sempre foi o aparente conformismo ostentado pela mulher frente à condição de sujeição
imposta pela lei e pelos costumes. Isso, porque crescia submissa ao pai e continuava pela vida
toda submissa ao marido – só trocava de senhor – continuando “serva” do marido e dos filhos.
Conquanto essa servidão fosse até cumprida com amor, afeto e respeito recíproco, o que fazia
com que o fardo não lhe parecesse demasiado pesado; muitas vezes havia que ser suportado
apenas pela dependência econômica do marido, pois a mulher era tradicionalmente educada
para procriar e obedecer ao esposo-chefe, sem outras pretensões pessoais. (CANEZIN, 2006,
p. 6).
Essa constatação fica aparente nas falas das entrevistadas neste estudo. São exemplos
disso, a fala de Rosa, citada na página 95: “É difícil de responder esta pergunta porque eu sou
uma pessoa [...] e a fala de Orquídea, na página 109: “[...] Eu acho que acima de tudo
devem...eu acho que ...De repente vai pensar que eu traí ele [...]”. Evidencia-se que, apesar da
evolução no processo pela luta de igualdade, as mulheres ainda enxergam-se como inferiores
aos homens. Percebe-se uma tamanha dificuldade em assumir e demonstrar, por exemplo, que
137
os companheiros dessas mulheres podem ter transmitido o vírus HIV para elas. A intenção
aqui, não é culpabilizar os sujeitos, mas comprovar o quanto as mulheres ainda colocam-se
numa posição de culpadas, idealizando seus companheiros como seres que jamais cometeriam
erros. Ao longo da História construiu-se essa ideologia de que a mulher deve aceitar seu
“destino”: o de proteger a qualquer custo a imagem de seu marido e de sua família. Salienta-
se que, com outras roupagens, na contemporaneidade essa culpabilização/punição da mulher,
reforça uma identidade feminina submissa. Tem-se clareza de que isso não ocorre
naturalmente. Nesse processo, reconhecem-se diversos aspectos analíticos, como exemplo, a
dependência financeira de um grande contingente de mulheres, os diversos tipos de violência
a que muitas estão submetidas, a desigualdade de raças, que é evidente a dupla exclusão
vivenciada pelas mulheres negras, entre outros fatores que dificultam ainda mais a vida real
daquelas que têm Aids. Afirma-se isso porque além da doença, essas mulheres vivenciam
outras expressões da questão social como agravantes de sua situação, e que definem o
processo de feminização da Aids como um fator cada vez mais excludente.
Além do crescimento persistente da doença em mulheres, o perfil aponta ainda
outras tendências, a exemplo da pauperização, com o aumento de casos em pessoas
com baixa escolaridade; a interiorização, onde municípios menores e mais distantes
apresentam pelo menos um caso notificado de Aids, bem como o enegrecimento,
com o predomínio da doença em pessoas da raça negra.(GOMES, 2008, p .1).
Nesse processo de submissão/diferenciação, percebe-se a importância que a legislação
assume. Entretanto, ter legalizado o respeito aos direitos garantidos a todos, não significa que
esses efetivamente operacionalizem-se.
Reformas fundamentais nos campos civil, político, econômico e social sustentam o
movimento de mulheres, que vem adquirindo uma força cada vez mais expressiva.
Além de proclamar a necessidade do reconhecimento do direito à igualdade,
denuncia a discriminação e a violência doméstica, que se retrata no assassinato, no
espancamento e no estupro de mulheres feitos pelos maridos ou companheiros.
(DIAS apud RIO GRANDE DO SUL, 2005, p. 90).
Esse é mais um exemplo de como a mulher sofre com a exclusão e violência, em
diversos casos, praticada dentro do próprio lar, onde as relações conjugais muitas vezes
organizam-se de uma forma extremamente irracional. Verifica-se que são estimulados, em
nossa sociedade, padrões de comportamento nos quais aos homens cabe o papel paternalista,
ativo, em uma relação autoritária, responsável pelo sustento da família; para a mulher cabe o
papel de submissa, passiva, zeladora do lar. (DIAS apud RIO GRANDE DO SUL, 2005). Nas
138
entrevistas realizadas, esse modelo fica evidente: “É difícil de responder esta pergunta porque
eu sou uma pessoa casada...”.(ROSA, p.95).
A violência surge e justifica-se pelo descumprimento da mulher a esse papel
preestabelecido. O homem, que deveria ser o único a “freqüentar” o espaço público, não
aceita e busca dominar a independência feminina que, na atual conjuntura, tornou-se algo
necessário, porém ainda excludente. “A modernidade está gerando pequenos grupos de
incluídos nos benefícios sociais, com melhor qualidade de vida, e grandes setores de
excluídos, ou melhor [...], incluídos de forma precária, com aumento da pobreza e da
desigualdade social”. (GUIMARÃES, 2005). Nesse contexto, visualiza-se a necessidade de
uma análise do que significa exclusão: “[...] O processo de exclusão parece, pois, arrastar por
difusão diferentes categorias de população para a franja da exclusão”. (XIBERRAS apud
REIS, 2005).
A expressão exclusão social, principalmente ao longo dos anos 80 do século XX,
experimentou significativo destaque nos diferentes fóruns internacionais e
nacionais. Foi tema de discussão nos de Ciências Políticas, Econômicas e Sociais.
No entanto, é fundamental a constatação de que não se trata de nenhum fenômeno
contemporâneo, pois sua existência remonta a diferentes tempos da história. (REIS,
2005, p. 2).
Portanto, a exclusão social não é algo contemporâneo, que não tenha suas raízes na
história. Contextualiza-se a partir do movimento dos sujeitos em meio às transformações
produtivas e sociais, constituindo-se em um processo complexo, num dado espaço de tempo,
em maior ou menor grau. (REIS, 2005). Quanto a sua conceituação, pode-se destacar que é:
[...] como um fenômeno transdisciplinar que diz respeito tanto ao não acesso a
bens básicos como à existência de segmentos sociais sobrantes de estratégias
restritas de desenvolvimento socioeconômico, passando pela exclusão dos direitos
humanos, a seguridade pública, da terra, do trabalho e da renda suficiente
(CAMPOS apud REIS, 2005, p. 7).
Relacionando essa discussão com a questão da mulher, verifica-se que os movimentos
em prol da garantia de seus direitos existem e precisam ser analisados.
O campo de estudos de gênero consolidou-se no Brasil no final dos anos 1970,
concomitantemente ao fortalecimento do movimento feminista no país. A
incorporação da perspectiva de gênero por políticas públicas é, no entanto, um tema
ainda hoje pouco explorado. (FARAH, 2004, p. 47).
Mais recentemente, observa-se o fortalecimento de movimentos na formulação de
propostas políticas que se constituem em espaços privilegiados de discussão da superação das
139
desigualdades de gênero. Todo esse processo está vinculado à necessidade de políticas
públicas mais inclusivas, desde a sua constituição, implementação e controle social. Pode-se
citar aqui, o caso de mulheres negras, mães solteiras, chefes de família, como segmentos mais
vulnerabilizados e que precisam ser atendidos por essas políticas.
Sendo assim, destaca-se ainda que são diversas as temáticas relacionadas à questão de
gênero que vem sendo referenciadas nos movimentos em prol da igualdade. Pode-se
visualizar: a saúde, a violência, meninas e adolescentes, geração de emprego e renda,
educação, trabalho, infra-estrutura urbana e habitação, questão agrária, acesso ao poder
político, entre outros. (FARAH, 2004) Portanto, a discussão da exclusão da mulher diz
respeito a todo um conjunto que deve ser analisado de forma a abranger sua totalidade, não de
forma isolada, nem de forma a-histórica.
A questão de gênero, ao ser incluída nos debates das políticas e programas
governamentais, ocorre pela mobilização de atores sociais. Apesar disso, percebe-se que as
mulheres ainda encontram-se vulnerabilizadas e excluídas ao analisar-se como ocorre a
inserção social das mesmas. Assim, identifica-se como necessária a busca pela transformação
dessa questão, incluindo de forma ainda mais maciça as abordagens propostas pelos
movimentos que se estão consolidando em busca da igualdade de gênero.
Nesse contexto, a discussão acerca das mulheres com Aids está demonstrando-se
altamente excludente e tem encontrado dificuldades para construir formas de enfrentamento
que alterem sua realidade. Como abordado anteriormente, a questão de gênero configura-se
em elemento para a exclusão do segmento mulher. A Aids soma-se a esse elemento como
fator ainda mais preocupante, desencadeando um processo de exclusão duplamente visível.
Em todas as sociedades, em todo o mundo, mulheres assumem, com graus variados
de consciência, passividade ou resistência, seu papel na reprodução de todos nós.
Defrontam-se quase sempre com escolhas difíceis, com poucas alternativas.
Tomam decisões tendo que lidar com, ou mesmo enfrentar, médicos ou parteiras,
preconceitos ou desinformação, crenças religiosas, dificuldades materiais e
psíquicas, com riscos para a própria saúde, com conseqüências para o resto de suas
vidas. (AMADO apud CARVALHO, 2003, p.114).
Dessa forma, evidencia-se a relação direta da submissão da mulher à Aids. Em seu
cotidiano de escolhas, por tratar-se de um segmento em situação de vulnerabilidade, a mulher
encontra dificuldades para, por exemplo, consolidar a negociação sexual, facilitando sua
exposição aos riscos de contágio. (CARVALHO, 2003). Esse ponto é evidenciado na fala de
Azaléia (p.93): “Mais do que o homem, é. Eu até penso assim [...]”.
140
Outros elementos importantes nessa relação podem ser citados: o papel reprodutivo da
mulher e os chamados grupos de risco, entre eles o das “prostitutas”, que denotam a mesma
como ser dependente e inferior.
Na definição clara de Scott (1995), gênero é o resultado de duas proposições:
Gênero é visto como elemento constitutivo de relações sociais baseadas
nas diferenças percebidas entre os sexos;
Gênero é compreendido como uma forma primária de dar significado às
relações de poder. (SANTOS e DINIZ, 2006, p. 216)
Assim, o que se quer com essa discussão é demonstrar a evidente relação entre gênero
e Aids. Não como entender a realidade das mulheres com Aids sem a compreensão
histórica de como o conceito de gênero foi construído. Revela-se então que a discriminação é
dupla: primeiro pelo gênero, e depois pela Aids.
5.4 Sentimentos que expressam o impacto de uma epidemia
Outra categoria empírica dessa pesquisa diz respeito aos sentimentos que expressam o
impacto da epidemia da Aids. Inicia-se esse debate a partir do esquema a seguir:
Principais concepções estigmatizantes relacionadas às pessoas com Aids (FIGUEIREDO, 2005, p. 246)
Pessoa com
Aids
Pessoa perigosa ao
convívio social é
“fonte ambulante de
infecção”
Vida “desgarrada”,
vinculada ao
proibido, ao
repugnante
(homo/bissexuais,
prostitutas), à
promiscuidade.
Pessoa com morte
anunciada
Pessoa
responsável pelo
próprio mal, que
o aflige por causa
dos desvios do seu
caráter.
Alguém que pode
ser identificado por
certos atributos
corporais que
denotam a doença,
como
emagrecimento,
olhos profundos, cor
de pele amarelada
Pessoa que está
sendo punida
por seu
comportamento
imoral e
desviante
Anormais,
pervertidos,
marginalizados,
motivo de
vergonha para a
sociedade
(família e
comunidade)
141
Esse esquema permite visualizar alguns dos sentimentos e concepções estigmatizantes
acerca das pessoas que vivem com Aids, desde a concepção formatada a partir de seu físico,
até a de essa é uma doença dos chamados grupos de riscocomo homossexuais ou usuários
de drogas. Por isso, visualiza-se que, além do medo da doença em si, das limitações que a
mesma oferece ao sujeito, a pessoa com Aids acaba por fazer parte de um círculo vicioso de
medos: do preconceito, da moralidade e da morte.
Partindo desse entendimento e analisando as falas das entrevistadas nesse estudo,
verifica-se que algumas questões estão diretamente ligadas a essa discussão: a negação da
sorologia e da contaminação, a internalização da opressão e a auto-punição
47
pela
contaminação. Esses tornam-se elementos presentes nas entrevistas realizadas e que se
verificam nas entrelinhas das declarações das mulheres participantes do estudo.
Tudo isso não pode ser analisado fora do processo histórico no qual as concepções
acerca da Aids foram construídas. Sabe-se que, se nos primeiros anos de contaminação,
principalmente a desinformação sobre a Aids e suas formas de contágio, multiplicava o
número de pessoas expulsas dos serviços de saúde, devido ao receio de que qualquer tipo de
contato transmitiria o vírus (MORAIS de SÁ; COSTA, 1994). Atualmente, essa atitude
ultrapassa os serviços de saúde e atinge ainda famílias, amigos, que acabam por violar os
direitos das pessoas com Aids, seja através da punição ao sujeito ou ainda através da criação
de estereótipos acerca do mesmo. No universo feminino, isso fica ainda mais evidente.
Para exemplificar esse aspecto, recorre-se a algumas falas das mulheres participantes
desse estudo que apontam para os sentimentos que rondam a sua rotina, seja no espaço da
família, do trabalho, dos serviços de saúde: “Assim sempre me dei bem com o outro, com a
mãe dele...” (MARGARIDA, p.100); “[...] vamos dizer, é a única esperança que a gente tem
...” (ORQUÍDEA, p.108); “Sinceramente apavorada. Até hoje, quando as pessoas falam...”
(ORQUÍDEA, p.109); Mas foi muita luta. Eu passei muito mal, no início eu
tomava...”(ROSA VERMELHA, p.110). Essas revelações demonstram alguns dos
sentimentos que abalam a rotina dessas mulheres e refletem seu comportamento na família, no
seu eu, na relação com amigos e colegas de trabalho, intensificando as sensações negativas
relacionadas à Aids.
Então, analisar os sentimentos presentes na relação mulher x Aids, significa olhar para
a subjetividade dessas pessoas. Assim:
47
Esta questão também será abordada na categoria “A maternidade em foco”, no que se refere a questão da
sexualidade, de forma mais aprofundada.
142
A subjetividade é a constituição da psique no sujeito individual e integra também os
processos e estados característicos a este sujeito em cada um de seus momentos de
ação social, os quais são inseparáveis do sentido subjetivo que tais momentos terão
para ele. (GONZALES-REY, 1997, p. 107).
Nesse sentido, a subjetividade individual consiste na compreensão do processo
contínuo com a subjetividade social, requerendo o entendimento da história pessoal do
indivíduo, bem como, elementos de reorganização dessa subjetividade, num processo de
evolução ou involução. Assim, tanto a subjetividade individual quanto coletiva é
transformada, pois o sujeito reconfigura sua percepção e sua relação com o mundo.
(GONZALES-REY, 1997).
Relacionando essa questão com o mundo feminino e a Aids, observa-se que a relação
da mulher portadora do vírus, com as pessoas com quem convive, e com sua dimensão
pessoal, é direta. Nesse sentido, a questão da negação da sorologia e da contaminação, que
estão presentes nas falas das mulheres entrevistadas, como por exemplo: “No começo foi
difícil, mas depois... duns seis meses no que eu recuperei minha....” (ROSA, p. 93) ou “Daí
depois que eu fiz eu pensei ‘eu digo, ah se eu soubesse nunca tinha ...’” (ORQUÍDEA, p.107)
e “Eu preferia não saber. Eu acho que eu viveria...”(ORQUÍDEA, p. 107) assumem
significado importante quando analisadas no contexto das relações estabelecidas pelas
mulheres.
A pessoa portadora do vírus HIV/Aids e/ou doente de AIDS provém de uma
realidade em que suas trajetórias individuais e coletivas são marcadas por um
processo contraditório de fragilização nas consecutivas perdas de seus patrimônios.
Esta fragilização não pode ser formatada simplesmente numa ótica materialista em
que se poderia pensar que a mesma ocorre exclusivamente vinculada sempre á
questão econômica. A perda de patrimônios no processo de descapitalização
fragiliza a pessoa com AIDS, numa desvinculação de suas relações sociais,
passando a sofrer os impactos da perda e da necessidade de reconstruir-se
pessoalmente, acrescido à necessidade de reconstruir-se socialmente no
estabelecimento de novas teias e redes sociais. (KERN, 2005, p. 70).
A negação da sorologia pode ser entendida como uma estratégia para o enfrentamento
da doença, e para a reconstrução social do sujeito dentro das relações até então constituídas
por ele. Mostrar que a Aids não impede viver, pensar que a Aids não faz parte da vida diária,
não contar para as pessoas próximas, além de evitar o preconceito, se torna um facilitador
para que não ocorra, por exemplo, a lembrança constante dos medos conseqüentes da Aids.
O processo de negação da sorologia também está relacionado a como o contexto, no
qual a mulher está inserida, fornece respostas a ela no que se refere a sua situação sorológica.
Seja no trabalho, no lazer, na família, a mulher com diagnóstico positivo para o vírus da Aids
143
acaba por enfrentar expressões da questão social
48
que a levam a negar a doença. Esse
processo configura-se num enfrentamento às mazelas sociais advindas com o acontecimento
da Aids em suas vidas.
O outro fator relevante quando se fala do isolamento e da negação a que estão
propensos estes pacientes é o fato dos indivíduos soropositivos esconderem o
diagnóstico por medo de se tornarem vítimas do preconceito e da discriminação
social. Entre as mulheres infectadas, o sigilo sobre seu diagnóstico ocorre até com
elas mesmas, pois evitam falar sobre a doença e utilizam-se de subterfúgios como
esconder e trocar embalagem dos frascos de medicações anti-retrovirais, buscando
tratamento em localidades distantes de sua residência por medo de serem
reconhecidas. Desse modo, tentam evitar mais sofrimento para elas
próprias.(ARAÚJO; VASCONCELOS, 2006, p. 04).
Assumir a sorologia, significa assumir a necessidade de um tratamento de saúde
contínuo e sem fim, é assumir algumas limitações que a doença impõe inclusive no que se
refere à sexualidade
49
e, em muitos casos, passar por um processo de autopunição do sujeito
portador do vírus. Esses fatores refletem intensamente na adesão aos tratamentos.
A dimensão da autopunição, a que é submetida às mulheres com diagnóstico positivo
para o vírus da Aids, é algo extremamente forte nas falas das entrevistadas: “[...] daí a minha
família daí fico sabendo né, que eu era portadora,...” (VIOLETA, p. 90); É difícil de
responder esta pergunta porque sou uma...” (ROSA, p. 95); “Tem que se acostumar, que até
achar a cura vai...”(HORTÊNCIA, p. 127).
A transmissão sexual da Aids é considerada, pela maioria das pessoas, uma
calamidade pela qual a própria vítima é a maior responsável, é mais censurada do
que as outras, por ser vista como uma doença causada pelos excessos (ou pelas
discrepâncias) e perversões sexuais. E, por isso, a sociedade não aceita. As
epidemias, no imaginário social são consideradas pestes. As ocorrências de doenças
coletivas são encaradas como castigos, e é comum a sociedade defender a punição.
(CARVALHO, 2005, p. 68).
Nesse sentido, verifica-se que a mulher, com vírus da Aids, passa a fazer parte de um
círculo de pessoas submetidas à denominações de grande preconceito e exclusão. Fazem parte
dessas concepções a relação estabelecida entre a Aids e as pessoas consideradas “perigosas ao
convívio social”, sendo “fonte ambulante de infecção”, ou ainda a idéia de que a Aids entra na
vida dessas mulheres como uma forma de castigo. Portanto, essa punição acontece devido ao
seu comportamento imoral e desviante. Assim, o estigma de que elas vivem uma vida
48
Salienta-se que a Aids não é fator determinante para que as mulheres enfrentem as expressões da questão
social em suas realidades. Essas expressões podem fazer parte de seu cotidiano muito antes da existência da
Aids, ou vice-versa. Essa discussão será mais aprofundada na categoria: “O contexto macro sócio-econômico”.
49
Esta discussão será aprofundada na categoria “A maternidade em foco”.
144
desgarrada, fazendo o que as regras sociais estabelecem como proibido, promíscuo, reforça a
autopunição desse sujeito, fragiliza a aceitação da doença e, principalmente, demonstra a
presença da morte social como intrínseca à Aids.
A auto-punição da mulher com Aids deve ser analisada também numa perspectiva de
que a enfermidade ainda é vista como uma doença do outro, como uma adversidade que
escolhe suas vítimas.
[...] A AIDS passa a ser vista como uma doença que seleciona suas vítimas
preferenciais entre as minorias tão abstratas que ninguém chega a se reconhecer
nelas. [...] Esses últimos anos produziram no doente de AIDS a corporifcação da
imagem do “outro”, do alheiro”, um inquietante ser que carrega em si
transgressões fundamentais.(ABIA apud PAULILO, 1999, p. 50).
A alteração no convívio social da mulher com Aids, torna-se uma ferramenta
facilitadora para o enfrentamento da doença. Imaginar que a mesma não existe, esconder a
existência dela, ou ainda, internalizar a doença autopunindo-se pela contaminação, são
mecanismos de enfrentamento que se contrapõem à valorização do sujeito. A necessidade
constante de auto-afirmar-se como um ser importante na família, o autovalorizar-se, são
reflexos de um processo no qual esses aspectos não são vistos na relação com outro, o sujeito
precisa valorizar-se, pois o outro não o faz.
Nesse processo, o medo constante da morte, configura-se em um forte sentimento
presente no cotidiano das mulheres com Aids. Isso, evidencia-se nas seguintes falas: “Ah!
Tem horas assim que eu paro pra pensar assim, sei lá...” (MARGARIDA, p.98); “Eu acho
assim que as pessoas, porque a Aids, agora no meu pensamento...” (MARGARIDA, p.99)
”Meu medo é sei lá, morrer...” (AZALÉIA, p. 103) ; “Meu medo mesmo é de morrer...”
(ROSA VERMELHA, p. 115).
A morte, tão presente nos discurso das portadoras de HIV, está relacionado por um
lado, à lógica da subjetividade social, que constrói o HIV e seus portadores como
representantes da promiscuidade e merecedores de seu mal. Por outro, se relaciona
à subjetividade de cada portadora que se acredita merecedora ou não das acusações,
construindo sentido para si a partir deste estigma social que faz ressonância com
seu autoconceito e reedita ou reconfirma sua subjetividade de pecadora. Dessa
forma, a morte diz respeito principalmente a autopercepção do portador [...]
(COSTA, 2006, p. 263).
A morte física é lembrada constantemente por esses sujeitos. Como já dito, isso
também é resultado da não existência de uma cura para Aids. Mais que isso, a morte física
está relacionada à morte social que a Aids impõe. Elementos que vão desde o aspecto físico
da pessoa, que, em alguns casos, “entrega” o portador devido a determinadas características
145
corporais que denunciam a doença, por exemplo, o emagrecimento, olhos profundos, cor de
pele amarelada. Até o preconceito e os estigmas abordados nesse trabalho, fazem o sujeito
com Aids desvincular-se do mundo social a que comumente pertencia. Não se quer aqui
generalizar dizendo que o indivíduo deixa de freqüentar todos os lugares que freqüentava, ou
então que desista de fazer todas as coisas que fazia. O importante é como passa a realizar
todas as suas atividades cotidianas, quando os cuidados devem ser redobrados e as regras de
convivência passam a ser outras.
Essas regras, dentre as quais pode-se citar o uso de medicação contínua e a
convivência com efeitos colaterais, a presença nos serviços de saúde para acompanhamento
sistemático, entre outros aspectos, passam a delinear as relações de forma conflituosa.
Verifica-se isso na fala de Hortência (p. 126): “Emprego. Se tiver, se chegar a perguntarem se
tem alguma doença...”
A doença é reforçada pela morte social no momento em que a pessoa necessita mentir
ou esconder sua situação. O acesso ao mundo do trabalho, por exemplo, configura-se numa
violência quando esse “escolhe” que vai acessá-lo ou não. No caso das mulheres com Aids,
além do processo de exclusão nesse espaço, observa-se a afirmação de que essas pessoas não
produzem como as outras, ou então precisam de “regalias” no trabalho. Essas “regalias” são
os direitos garantidos como os serviços de saúde onde essas pessoas realizam seus
acompanhamentos. Essa exclusão acaba por reforçar a morte social, pois não permite a
continuidade da vida numa sociedade na qual se sabe que o trabalho é elemento primordial na
emancipação do sujeito.
O sentimento de medo também se dá devido à preocupação com a
confidencialidade e o receio de ficar totalmente dependente de outras pessoas,
que as doenças oportunistas podem resultar em incapacidade física ou mental.
de considerar ainda que o portador do HIV/AIDS também convive com as
chamadas mortes sociais, representadas pela discriminação, preconceito e
isolamento do convívio familiar e/ou social, resultantes do forte estigma que ainda
persiste na maioria das sociedades. (SANTOS; PAIVA, 2007, p. 10).
A discussão da morte social que antecede a morte física das mulheres com Aids, diz
respeito a um amplo quadro de análise
50
. Nesse caso, as representações sociais da Aids têm
um papel importante no modo de agir das pessoas diante da mesma, de seu tratamento,
inclusive no que tange a sua adesão, e da sua prevenção. As representações sociais constituem
uma forma de conhecimento que é compartilhada na pertença aos grupos de inserção dos
50
Essa discussão será aprofundada na categoria: “O contexto macro sócio-econômico”.
146
sujeitos, permitindo-lhes, orientação diante de um objeto socialmente relevante (CAMARGO,
2000).
Entre os principais medos que acometem o portador do vírus HIV, e seus familiares,
antes e depois da comunicação do diagnóstico, o principal é o medo da morte. Essa
informação faz com que o sujeito passe a entender a morte como um fato concreto, e o fim da
existência parece ser inevitável. Mesmo a Aids não sendo mais considerada uma doença letal,
e sim como uma afecção crônica, a idéia de degradação física que culminaria na morte
inevitável, ainda permanece no imaginário social. (LIMA, 2003).
Minayo (1993) escreve que doenças como a Aids tomam tamanha proporção que se
tornam:
Doenças sínteses, porque criam o consenso do mal proveniente das anomalias
sociais, reúnem em si as explicações dos desequilíbrios individuais (autojulgamento
e autopunição) e sociais (modo de vida opressivo e repressivo); apelam para o
transcendente ligando o material ao espiritual. (MINAYO, 1993, p. 183).
Dessa maneira, visualiza-se a relação direta estabelecida pelas mulheres com Aids
entre a morte social e a morte física. O estabelecimento dos novos modos de viver em função
da Aids, emolduram uma série de elementos como morte, sexo, punição, sentimento de medo,
perdas, como elementos que denotam o “não poder”, o “não fazer”, o “não conseguir”. Assim,
“No discurso obre a AIDS prevalecem, categorias morais tão intensamente reforçadas, que
ocultam ou distorcem informações clínicas comprovadamente estabelecidas”.(PAULILO,
1999, p. 46).
Para os indivíduos com Aids, a relação com a doença e a morte, parece inevitável,
trazendo aspectos relacionados com a vida íntima, e com profundas repercussões
em sua existência social. A vida é colocada em questionamento para a grande
maioria das pessoas que passam a rever suas histórias e planos e a reavaliar aquilo
que consideram essencial. (CARVALHO, 2005, p. 58).
O despreparo para o enfrentamento da Aids é evidente, fazendo com que a perspectiva
do sujeito seja o fim da vida. A descoberta da soropositividade é interligada à perda da vida e
a todos os processo de perdas pela qual passou. Esse despreparo pode ser percebido nas
seguintes falas: “Eu parei porque, sei lá. Pensei em morrer de uma vez...”(AZALÉIA, p.102);
“De morrer e deixar meu sobrinho que eu gosto...”(ROSA VERMELHA, p.114) Sem dúvida,
a denominação da Aids como fatal, interligada ao estigma e preconceito reforçam e acentuam
o medo da morte.
147
“Cita-se que a morte já está de certa forma associada à doença. No meio científico,
muitas vezes comete-se o erro de discutir muito mais do que a questão da morte pela Aids, do
que propriamente a vida com Aids” (CARVALHO, 2005, p. 58) O diagnóstico positivo para o
HIV reflete nos sonhos e vontades dessas mulheres. A questão é como enfrentar tudo isso,
percebendo-se que o sujeito, sozinho, está fragilizado. Esse enfrentamento não deve ser feito
de forma individual, mas sim de forma coletiva, onde família e serviços de saúde possam
constituir-se em bases de apoio nesse processo.
Enquanto a idéia de morte for superior a idéia de vida, esse enfrentamento não será
possível. Enquanto a Aids for entendida a partir dos sentimentos de medo, da exclusão social,
da desinformação, das dificuldades em conviver com ela na família, no trabalho e em
qualquer outro espaço, o enfrentamento da Aids se constituirá em sinônimo de morte. Esse
enfrentamento deve acontecer num contexto historicamente construído, com vistas à
transformação da cultura estigmatizante e preconceituosa existente. Nesse sentido,
Estudos sob o ponto de vista do paciente com Aids, a respeito do atendimento
clínico recebido, ressaltam que, em razão da complexidade do momento de
confirmação do diagnóstico, a forma como esse sucede é determinante para suas
condutas futuras e, principalmente, as representações de si na qualidade de
portador. O papel do profissional é determinante devendo este estar preparado para
lidar com as questões afetivas que envolvem o trato psicosocial da doença, além de
ser condizente, com as necessidades de cada pessoa. (SALDANHA et al apud
CARVALHO, 2005, p. 62).
Assim, ressalta-se a importância de serviços de saúde preparados para esses
enfrentamentos. Cada sujeito é único e precisa de apoio já desde o momento do diagnóstico
da Aids. É evidente que somente isso não se configura na solução para o entendimento
equivocado da relação Aids x morte. Acredita-se que o processo deve ser inverso. A vida deve
tornar-se sinônimo da Aids, partindo-se de concepções de cidadania e igualdade para que a
morte social dos sujeitos que vivem com Aids não aconteça.
5.5 A maternidade em foco
Inicia-se a abordagem da categoria “Maternidade em foco” com a seguinte percepção:
“Opressão assim se refere a todas as formas de controle que impedem o complexo avanço e o
preenchimento das metas de um indivíduo. Mais que isso, indivíduos experienciam diferentes
formas de opressão de acordo com seu “lugar social” (HARTSOCK apud GROSSI e
AGUINSKI, 2001, p. 25).
148
Discutir a questão da maternidade na vida das mulheres com Aids, significa olhar para
um emaranhado de situações/concepções complexas envolvidas no assunto. Uma primeira
situação configura-se no papel social destinado às mulheres que, como visto anteriormente,
historicamente é medido nos espaços privados dos lares, nos âmbitos doméstico e maternal.
É sutil e disfarçada a real condição subalterna da mulher. Os álibis são freqüentes,
basta uma mulher ascender a alguma posição para que se diga que os obstáculos
não mais existem quando, ao contrário, as pequenas mas inegáveis conquistas
marcam justamente a ascensão num espaço de discriminação. As mulheres
ampliaram seus espaços na educação, em carreiras novas e na universidade. O
paradoxal é terem chegado à educação mas de qualidade, entrarem nas
universidades, porém, em setores ‘femininos’, ajustáveis aos espaços familiares e se
profissionalizarem em atividades compatíveis com o trabalho doméstico,
continuarem a ganhar menos do que os homens. (BLAY, 1999, p. 140).
Ao longo da História, percebe-se que a mulher busca passar de uma situação de
submissão para uma situação de igualdade com o gênero oposto: os homens. Porém, o que se
é a dificuldade em ocupar mesmos espaços com mesmos salários, ser vista como capaz de
desenvolver iguais atribuições, entre outros elementos que construíram e promoveram uma
nova concepção acerca da entrada da mulher no mercado de trabalho, por exemplo.
No que se refere ao espaço familiar, a História nos mostra que sempre a mulher esteve
vinculada às atividades domésticas e maternais, em uma posição hierarquicamente abaixo de
seu companheiro, a quem devia obediência.
A restrição da mulher ao campo reprodutivo permanece praticamente inalterada na
maioria das sociedades, a o advento e expansão do capitalismo, que a provoca
para a produção, não com o intuito de emancipá-la, mas para extrair-lhe mais-valia.
Não liberada das funções anteriores, a mulher transforma-se em dupla mercadoria:
do marido, na esfera doméstica e do capitalismo, no âmbito da fábrica.
(AMMANN, 1997, p.26).
Nesse sentido, observa-se que a saída do espaço doméstico (privado) para o espaço de
trabalho (público), está relacionada a uma questão econômica e de subsistência. A mulher
precisa auxiliar também no sustento da família, mesmo que isso ocorra em condições
precárias e de exploração.
Dados históricos demonstram que, na família, a submissão da mulher ao homem
consolidou-se legalmente no Código Civil, desde 1916, afirmando a obstrução ao trabalho
coletivo em função da sua dependência familiar ou ainda, através de peças legais que
dificultavam seu acesso ao mercado de trabalho. As liberdades da burguesia não atingiam as
mulheres e o Estado se mantinha numa posição autoritária quanto a elas. (PENA, 1981).
149
Esse panorama histórico marca ainda hoje as relações sociais de gênero. Determinadas
concepções são fortalecidas a partir do momento que a própria legislação assume uma postura
discriminatória acerca de determinado segmento populacional. Sabe-se que o Código Civil de
1916 não vigora mais na atualidade, todavia, certamente, esta legislação entre tantas outras,
reforçaram as desigualdades vivenciadas pelas mulheres ainda na atualidade.
A mulher se responsável pela família e assume uma dupla jornada de trabalho,
na tentativa de suprir as necessidades do lar. Essa dupla jornada de trabalho
geralmente vem acompanhada de uma dupla carga de culpa por suas insuficiências,
tanto no cuidado as crianças quanto na sua manutenção econômica. Insuficiências
estas que tem nas raízes nas condições geradas pela sociedade, e que, no entanto,
esses fatores sociais são ocultados pela ideologia que coloca a culpa na
vítima.(AMMANN, 1997, p. 24).
Ainda no que se refere ao espaço da família, a mulher ocupa uma posição de
reprodutora da prole. O casamento e a união estável ainda configuram-se em valores de uma
sociedade tradicional, que não aceita outro tipo de relação sem a exclusão ou discriminação
dos sujeitos.
A família monogâmica Ela se origina da família sindiásmica, como
demonstramos, na época que separa o estado médio do estado superior da barbárie:
seu triunfo definitivo é um dos signos característicos da nascente civilização. Ela se
baseia no poder do homem, com a finalidade precípua de procriar filhos de
paternidade incontestada; [...] De resto, via de regra, somente o homem tem a
possibilidade de romper esse vínculo e de repudiar sua mulher. O direito de
infidelidade conjugal ainda lhe é reconhecido, quando menos pelos costumes.
(COUTINHO, 1984, p. 74).
Por mais que os tempos sejam outros, percebe-se que a problemática da submissão da
mulher continua, apenas com outras formatações. Nesse caso, observa-se a maternidade como
elemento ainda obrigatório nas sociedades tradicionais, e regra que deve ser cumprida pelas
mulheres para que a instituição família perpetue-se.
Cuidar é uma atribuição feminina. A atividade de cuidar dos filhos é representada
no imaginário social como uma função natural da mulher. Além do fato de que é no
corpo dela que o bebê é concebido, essa responsabilidade pode ser atribuída à
tradição patriarcal, reforçada pela religião, que ainda hoje, principalmente nas
classes sociais menos favorecidas, influencia na manutenção das mulheres no
espaço doméstico, a quem é destinado, sobretudo, as atividades reprodutivas e os
cuidados com os filhos,enquanto aos homens cabe o espaço publico e o papel de
provedor. .(SALDANHA e FIGUEIREDO, 2002, p. 9)
Alterar ou seguir outra forma de vida sugere imoralidade.
150
No período da gravidez, a mulher depara-se com uma das experiências mais
significativas da sua existência. Nele decorrem mudanças profundas em seu estilo
de vida, particularmente porque o relacionamento mãe-filho se verifica desde o
início da gestação. Mesmo na sociedade contemporânea, a gravidez e a maternidade
surgem quase como a realização social do papel de mãe; como se a mulher fosse
apenas reconhecida como tal apenas quando é mãe, quando traz frutos à sociedade
onde está inserida. (ARAÚJO e VASCONCELOS, 2006, p. 5).
Toda essa discussão acerca da maternidade configura-se em algo complexo quando
analisado sob a ótica da submissão da mulher ao homem. Nesse sentido, verifica-se a relação
direta entre a moralização da família e do lar a partir das ações, valores e costumes aos quais a
mulher deve sujeitar-se. A dúvida está em como as conseqüências disso se materializam no
universo feminino.
A maternidade confinou a mulher ao abismo do esquecimento social durante quase
toda a história conhecida da humanidade e é por isso que se aceita com facilidade
que se mantenha este estado de coisas. Mas o custo da reprodução humana deve ser
assumido por todos e não somente pelas mães, quer dizer, o bebê tem uma mãe e
um pai, mas quem paga um preço social do emprego ou da discriminação por estar
grávida ou por ser mãe é especialmente a mulher. Ironicamente, não é incomum
que a mulher que dispute um emprego tenha que comprovar, mediante apresentação
de exame de laboratório, que não está grávida ou que foi esterilizada. (BACILA,
2005, p. 120).
Observando-se todos esses apontamentos, acredita-se que esta categoria acerca da
maternidade no universo feminino aponta para uma discussão complexa e difícil, quando
verificada no mundo das mulheres com Aids, objeto central de discussão desse trabalho.
Dentro dessa categoria maternidade selecionam-se alguns elementos para que se consiga
entender a situação dessas mulheres com suas famílias e, de forma especial, com seus filhos.
São eles: a privação do direito à sexualidade, no sentido de que esta torna-se reprimida; a
invasão do corpo pelo uso obrigatório de métodos de prevenção, uma forma de violência; e a
própria relação com as famílias e filhos, enquanto elemento fundamental no processo de
aderência ao tratamento com anti-retrovirais.
Para a discussão acerca da sexualidade, observam-se algumas falas das mulheres
entrevistadas nesse estudo: “Mais do que o homem, é. Eu até penso...” (AZALÈIA, p.104)
“ficar quietinha na minha. Eu já aprontei...”(BROMÈLIA, p. 122); “Bom, o tradicional,
transando sem camisinha...”(HORTÊNCIA, p. 124). Essas declarações evidenciam o quanto a
sexualidade ainda converte-se em um tabu. No caso das mulheres infectadas com o vírus HIV,
isso acaba por tornar-se um problema que dificulta, inclusive, a própria adesão ao tratamento
por ser visto como algo sujo, que não deve acontecer.
151
A sexualidade é outra situação comprometida na mulher portadora de HIV,
principalmente quando a via de contaminação foi a sexual. Elas experimentam
vários conflitos entre os quais, de modo geral, inclui-se a diminuição da atividade
sexual por medo ou constrangimento, mesmo que haja desejo sexual. No entanto,
apesar destes conflitos, elas ainda manifestam o interesse de ser mãe como sendo a
realização de um sonho ou sua afirmação na sociedade como mulher (ARAÚJO e
VASCONCELOS, 2006, p. 3).
A sexualidade encontra-se numa esfera onde os estigmas e os julgamentos morais
sobressaem o desejo sexual, o amor entre o casal e o respeito das partes envolvidas.
que ser levado em conta ainda o surgimento da AIDS. Este contexto de maior
liberdade no usufruto do corpo, da diversidade de práticas eróticas, da aceitação de
novas formas de viver a sexualidade permitia pensar que atitudes ostensivamente
repressivas e obsessões culpabilizantes relacionadas ao sexo, caminhavam para o
desaparecimento. A emergência da AIDS traz com ela um virulento
questionamento dessas ovas práticas e um recrudescimento de posturas
discriminatórias configurados num vasto conjunto de reações sociais [...]
(PAULILO, 1999, p. 47).
Dentro desse contexto, ficam algumas indagações acerca de como as mulheres com
Aids encaram a sexualidade, levando em consideração o fato de que, muitas vezes, o sexo é
praticado para a reprodução. Além disso, a discussão da sexualidade caminha num outro viés,
mas não de forma desintegrada, se analisada pelo enfoque de delimitação das identidades
feminina e masculina.
Os problemas da vida, da criação, nunca são redutíveis às funções fisiológicas da
reprodução ou a alguma dimensão particular do corpo. Eles sempre envolvem
também elementos que ultrapassam o indivíduo no campo social, político e cultural.
A sexualidade, assim, tem sido focada como um meio de diferenciar homens de
mulheres se organizá-los numa hierarquia de nero, e também como algo central
para a significação da existência individual, da definição do eu, da identidade
masculina ou feminina (FLORES, 1999, p. 212-213).
A fala das mulheres entrevistadas nesse estudo demonstra uma relação direta da
sexualidade com a delimitação de papéis sociais. O papel delimitado para a mulher, enquanto
responsável pela geração dos filhos, aparece como elemento incondicional na relação entre as
mulheres e suas respectivas famílias. Nesse sentido, observa-se que as falas acabam por
sinalizar a importância do papel maternal.
No que se refere ao ato sexual, verifica-se nas falas a dificuldade da temática,
principalmente, porque em sua maioria, o relato das mulheres identifica que foram
contaminadas através da relação sexual. A reflexão a ser realizada constitui-se na forma de
como essas mulheres reconstroem suas relações com seus parceiros, inclusive no que se refere
à sexualidade.
152
O uso do preservativo já não era em grande escala e diminuiu significativamente, a
partir de 1960, quando surgiu a pílula anticoncepcional e, somente após o advento
da Aids, seu uso passou a ser incentivado como medida de alta eficácia na
prevenção desse agravo. No entanto a adesão do preservativo depende dos valores
culturais, religiosos, nível de informação e questões de gênero, entre outros.
(SANTOS e PAIVA, 2007, p. 11).
Quanto ao uso do preservativo, por exemplo, sabe-se que esse constitui-se em
estratégia de prevenção a Aids e às demais doenças sexualmente transmissíveis. Porém, pode-
se identificar duas indagações de extrema relevância com relação a isso. A primeira, diz
respeito à questão da negociação do uso do preservativo com seu parceiro. A mulher, dentro
de um casamento tradicional, tem essa dificuldade, pois em muitos casos, como o de ROSA
VERMELHA descrito neste trabalho, jamais imaginam estar correndo o risco de
contaminação através da relação sexual com seu companheiro. O casamento ainda configura-
se, no imaginário social, como uma relação de fidelidade. Nos casos em que desconfiança,
a mulher não consegue convencer da importância do uso do preservativo por tratar-se ainda
de algo imoral dentro dos antigos costumes. Aquelas que insistem, ainda correm o risco de
sofrer outras conseqüências, principalmente se forem dependentes economicamente desses
companheiros. O processo de negociação da prevenção nas relações sexuais é algo urgente,
mas ainda completo de mitos. Essa negociação precisa ser feita partindo do entendimento de
todos os lados envolvidos.
O advento dos métodos contraceptivos contribuiu para desvincular sexualidade de
reprodução, mas , no entanto, os programas da área da saúde não incentivaram as
mulheres a promoverem a negociação sexual, bem como a co-responsabilidade
masculina no planejamento familiar. A não utilização dos métodos de barreira
aumentou a vulnerabilidade das mulheres à infecção pelo HIV/Aids. (SANTOS e
PAIVA, 2007, p. 4).
Outra questão relacionada ao uso do preservativo refere-se à invasão do corpo.
Verifica-se que a Aids acaba por tornar-se alguém sempre presente na relação: algo que vai
controlar desejos e vontades dessas pessoas. Isso diz respeito também à forma como a
discussão acerca do preservativo é realizada.
Infelizmente, a AIDS/SIDA passou, desde cedo, a ser usada desde cedo pelos
órgãos repressores do Estado (ex: polícia/Igreja) para manipular a sexualidade,
padronizando de forma arbitrária e incoerente o que venha a ser “certo” e “errado
e punindo os infratores dessa moral arbitrária.(OLIVEIRA, 2007, p. 49).
153
A sexualidade das mulheres com Aids torna-se algo reprimido, algo feio, que deve ser
punido e evitado. Os tabus decorrentes desta temática reforçam que as práticas sexuais devem
ser para determinadas pessoas, limpas, sem nenhum tipo de risco.
Assim, no caso dessas mulheres, percebe-se que esse comportamento se caracteriza,
também, na busca do prazer, o qual elas julgam não terem direito, exceto com a
finalidade de reprodução, permeada por conflitos internos e sofrimentos, visto por
elas como um difícil "calvário" (PEREIRA e CHAVES, 1999, p. 410).
Isso, no contexto da Aids, acaba por privar as mulheres do direito de exercer sua
sexualidade sem pudor, sem ressentimento, ou culpa por algo que aconteceu, como evidencia
o documento construído no VIII Encontro Internacional Mulher e Saúde, realizado no Rio de
Janeiro, nos dias 16 a 22 de março de 1997, o qual aborda em uma de suas recomendações:
Assegurar às mulheres HIV+ o direito de exercer sua sexualidade e tomar decisões
reprodutivas sem qualquer forma de violência, coerção e/ou discriminação,
incluindo o direito de ter ou não filhos, usar métodos anticoncepcionais, [...] e ter
acesso a outros serviços ginecológicos (CORRÊA, 1997, p. 1).
A sexualidade refere-se a um complexo de elementos que devem ser levados em
consideração. Na situação das mulheres com Aids, isso implica em uma estrutura adequada de
informação, planejamento e, principalmente, respeito por aquilo que ela sente e quer,
decidindo como e quando a temática da sexualidade deve ser tocada.
No que se refere à maternidade, que está diretamente relacionada à sexualidade,
verifica-se nas falas das mulheres, participantes desse estudo, que a vontade/desejo de ser mãe
não é esquecido/apagado pela entrada da Aids em suas vidas. Evidencia-se esse
comportamento nas falas: “[...] ele não tem culpa, pra engravidar eu tive que fazer um
tratamento...” (ROSA, p. 94); “Não é só, não é a gente, que tem crianças também no meio
disso...”(ROSA VERMELHA, p.117); “Penso, pra evitar. Aproveitar que graças a Deus
eles não pegaram na minha gravidez...”(HORTÊNCIA, p. 125).
A maternidade aparece cheia de significados. Um deles relaciona-se ao fato de que a
gravidez surge como forma de garantia do casamento, e como um meio de legitimá-lo. Além
disso, representa uma mudança de vida a partir da idealização do casamento. A valoração e a
expectativa dessa tradição oferecem condições necessárias para a superação da situação
precária, não apenas no sentido econômico, mas, especialmente, afetivo. Assim, realiza-se o
desejo de formar uma família, ter uma casa e, mais do que tudo, ter um marido que além de
ser provedor, pode oferecer cuidado e carinho. Portanto, a gravidez surge como uma
154
estratégia na busca e compensação de suas carências afetivas.(SALDANHA e FIGUEIREDO,
2002, p. 6)
Nesse sentido, verifica-se também que o casamento e a maternidade constituem-se em
uma forma de prover cuidado, em um espaço que é lugar de paz e harmonia. “A sua
representação contém elementos do amor romântico, ainda que contendo fortes contradições”,
pois se as forças ideológicas sustentam a visão do casamento como lugar do amor, as
contradições, no cotidiano afloram. “Mesmo na atualidade, as mulheres ainda procuram o
romance como a busca do destino, ainda que isso não signifique mais o adiamento da
atividade sexual até que o relacionamento desejado apareça”. Constitui-se num processo ativo
de reflexão sobre o futuro, ainda que se perpetue idéias e modos de comportamento pré-
estabelecidos, como a aceitação da submissão. (SALDANHA e FIGUEIREDO, 2002, p. 8)
Além disso, a maioria revela que o amor pelos filhos é o grande incentivo pela luta por
suas vidas, e a adesão aos tratamentos é realizada em função da vontade de permanecer pelo
maior tempo possível com sua prole. Isso, verifica-se nas falas: “A minha filha. A minha
filha. Porque eu pensava assim...” (VIOLETA, p. 91); “Significa viver mais uns anos, cuidar
dos filhos.” (AZALÉIA, p. 103); “O que eu tenho pra dizer é que se as mulheres que
descobrir...” (AZALÉIA, p. 105); “De repente até, vamos dizer... primeiro pelos filhos...”
(ORQUÍDEA, p. 108).
A dor da morte está relacionada com a tristeza de ter que romper laços com os
filhos, o que lhes causa frustração, porque "estar com AIDS" parece ser
incompatível com "ser mãe", na medida em que impede a morte de manter-se como
possibilidade e sim como destino real. Se o papel social da mãe é dar conta do filho
e se "estar com AIDS" simboliza a morte, ela não cumprirá o seu papel, quebrando
assim o contrato natural de responsabilidade (PEREIRA e CHAVES, 1997, p. 407).
A declaração das mulheres entrevistadas vem de encontro ao que os autores abordam
na citação anterior. As mulheres denotam responsabilidade em criar os filhos, que esse
papel sempre foi destinado a elas. Mesmo sabendo que isso é finito para todas as mulheres,
com ou sem Aids, a doença implica na forma como a maternidade é entendida por elas. A
responsabilidade parece ser maior, além de ser uma forma de demonstrar e receber afeto.
Essa dimensão também está vinculada à proteção dos filhos, como indicam as falas de
Margarida (p.98): “Pra mim assim, no meu caso, eu penso que é uma coisa assim...” ; Azaléia
(p.103): “Meu papel de mãe é cuidar bem deles...”; Hortência (p. 124): “Só de pensar nas
crianças. E de pensar assim...”; Hortência (p.128): “Tenho os filhos tenho que pensar neles
primeiro...”. A preocupação de deixá-los bem, com um futuro garantido, transforma-se em
155
missão para essas mulheres. Em alguns momentos, verifica-se que essa atitude aparece como
uma forma de diminuição do sentimento de culpa, que as mesmas sentem, pela entrada da
Aids em suas vidas. “A ansiedade da culpa e condenação foi caracterizada quando a mãe auto
julgou-se moralmente, abrigando tudo que estava ligado à contaminação, quebra de nculos,
resignação, com a dor e o sofrimento”. (PEREIRA e CHAVES, 1997, p. 408) Esse processo
de culpabilização e responsabilização, por parte da própria mulher, parece ser uma estratégia
de aliviar o peso da Aids, pois, dentro de um aspecto moral, se a mesma não se
cuidou/preservou, ela está em débito com seu filho, que não deve sofrer em função disso.
Toda essa discussão aparece em meio a uma certeza: a necessidade de aceitação dessa
mulher pela família, e pelos filhos, como aspecto fundamental na adesão ao tratamento de
saúde. A força da família e, principalmente dos filhos, representa um elemento indispensável
na luta pela vida, por parte das mulheres, inclusive no que se refere a contar para os filhos
acerca da Aids. A fim de explicitar essa questão, cita-se a fala de Orquídea (p. 109): “Eu acho
que acima de tudo devem... eu acho que a gente deve se sentir amada...”; e de Bromélia (p.
120 e 121): “Eu acho que se os meus filhos não me aceitarem como eu sou. Não tanto pela
doença...”.
A aceitação do sujeito e a troca de informações dentro da família geram um apoio
emocional que fomenta a adesão ao tratamento e diminui o vel de estresse, que
tem influencia direta na ação do sistema nervoso central, que é responsável pela
ativação das defesas do organismo e, sobretudo possibilitam a expressão de
emoções e sentimentos que são comuns às pessoas de diagnóstico positivo para o
HIV, tais como, a depressão, a culpa, a raiva a negação. A família surge então como
um espaço de proteção e contenção, tanto físico como emocional.(BONANÇA,
2005, p .1).
O espaço familiar configura-se em um ambiente que fortalece a mulher, quando esse
espaço possui características de respeito e igualdade. O enfrentamento da Aids confirma-se,
mais uma vez, não pode ser feito de forma isolada, porém num contexto onde o sujeito está
inserido, junto com as pessoas mais próximas e que tenham um significado importante para a
pessoa que vive com Aids. A família precisa e deve ser preparada para esse processo.
A relação da família, com a mulher soropositiva, mostra-se fragilizada a partir do
momento em que essa não consegue enxergar possibilidades de resistência à doença. Um
serviço de saúde, que apóie e veja esses sujeitos de forma integralizada, pode ser um
dispositivo de fortalecimento da luta contra a Aids dentro da família.
156
5.6 O contexto macro sócio-econômico.
A discussão desta categoria é construída no intuito de responder ao objetivo específico
que se refere às características sociais, religiosas, e econômicas, que influenciam no processo
de adesão aos tratamentos por mulheres soropositivas. A estruturação da mesma deu-se
levando em consideração que cada participante da pesquisa trouxe elementos diferenciados
sobre sua realidade. Entende-se ainda que na base metodológica do trabalho, não se buscou
padronizar as respostas, objetivando que os apontamentos abordados pelas mulheres fossem
livres, no sentido de que realmente demonstrassem seu contexto particular. Assim, o
detalhamento de suas características aconteceu de acordo com aquilo que cada mulher
entendeu como importante expor na entrevista.
Um primeiro elemento identificado nas entrevistas, e analisado dentro do aspecto
macro social dessas mulheres, refere-se à moralização e naturalização da questão social.
Concebendo a Aids como uma das expressões da questão social, verifica-se o processo de
entendimento e concepção da doença envolto em aspectos de estigmatização e preconceitos,
que a fazem ser vista como algo natural, ou então, algo imoral, relacionado à marginalidade
ou promiscuidade. Para entender essa questão, discute-se num primeiramente, a questão
social.
[...] a questão social surgiu na Europa no século XIX. Na sua base não estava um
vazio factual, mas necessidades sociais associadas à pauperização crescente da
classe trabalhadora, determinada pela tendência capitalista de aumentar a taxa de
exploração do trabalho, independentemente da produtividade deste. E foram essas
necessidades que, um vez problematizadas por atores conscientes de sua situação
de exploração, e com poder de pressão considerado natural, em explosiva questão
social. Por isso, a questão social é, de fato, particular e histórica.(PEREIRA, 2001,
p. 59)
Nesse sentido, verifica-se que a análise da questão social, propriamente dita, e suas
expressões, entre elas a Aids em mulheres, constitui-se em um desafio, pois exige a
tematização dos sujeitos em espaços coletivos, mas como sujeitos particulares, únicos, que
lutam por seus direitos, em busca da construção histórica da cidadania. Assim,
A questão social expressa portanto disparidades econômicas, políticas e culturais
das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero, características étnico-
raciais e formações regionais, colocando em causa as relações entre amplos
segmentos da sociedade civil e o poder estatal. (IANNI apud IAMAMOTO, 2001,
p. 17)
157
Dentro do contexto da Aids, verificam-se alusões acerca dessa expressão da questão
social como algo imoral. Discussões sobre gênero, características específicas da realidade dos
sujeitos, escolhas sexuais, ou outras indagações, acabam por ficarem escondidas no processo
de análise da Aids, prevalecendo uma ótica de problemas isolados, fragmentando a vida sem
uma concepção de totalidade. Esse enfoque da moralidade da questão social ocorre em uma
sociedade liberal, na qual se busca ocultar as bases estruturais e materiais da sociedade, além
de dimensionar esse enfrentamento na perspectiva de normas e deveres, de modo
despolitizado. Dessa forma, fundamenta-se nos comportamentos “desenraizados”
politicamente, no que tange às expressões da questão social que são, na verdade, a tradução de
demandas de direitos sócio-políticos. (BARROCO apud AGUINSKI, 2002, p. 9)
Se a moralidade veiculada pelo “ethos” dominante na sociedade liberal cinge-se à
esfera de uma vontade subjetivia, a lógica veiculada por tal moral responsabiliza
pessoalmente os indivíduos por suas condições de vida. Isto é: cabe ao Estado e à
legislação garantir formalmente a igualdade de oportunidades para que os membros
da sociedade satisfaçam suas necessidade de reprodução social. (AGUINSKI, 2002,
p.9)
Analisando essa discussão no que se refere a Aids em mulheres, observam-se as
concepções construídas historicamente acerca da temática. Como discutido, as mulheres
ocupam espaços desiguais na sociedade capitalista, seja através de atividades direcionadas,
salários menores, ou outras diferenças sociais. A mulher com diagnóstico positivo para o vírus
da Aids, além da diferença de gênero, é vista como a infiel, a promíscua, a sem valor. Sabe-se
que, no decorrer da História elaborou-se a concepção de que a Aids era uma doença de
determinados grupos de risco. No caso das mulheres, eram as prostitutas que carregavam esse
estigma.
Mesmo sabendo que na atualidade, concepção de “grupo de risco” não deve ser
indicador para medir a doença, verifica-se que esse entendimento ainda serve para análise das
mulheres que vivem com Aids. Salienta-se que esse não deve ser argumento para análise das
mulheres portadoras de HIV, mesmo para aquelas que sobrevivem através da venda do corpo,
pois se sabe que essa se constitui em outra expressão da questão social, norteada por
elementos econômicos e sociais.
A imoralidade relacionada às mulheres com vírus HIV, acaba por reproduzir o
preconceito da questão. É fato que todas as mulheres são alvo do vírus em situações de não
proteção e não prevenção da doença. A moralização desse item evidencia o quanto as regras
de uma sociedade assumem posição privilegiada quando o assunto é a Aids, dificultando
158
inclusive o acesso das mulheres infectadas aos serviços de saúde, que se projetam nesse
sistema diferenciado de aceitação da sociedade.
Dentro dessa discussão, visualiza-se também a noção de naturalização da doença.
Pode-se observar essa evidência nas fala de Violeta (p.91): “então pra mim a Aids hoje em
dia, na minha vida nem existe...”; de Margarida (p.101): “Pra mim é uma doença qualquer,
não tem o que dizer sobre a AIDS...” e na fala de Hortência (p. 127): “Tem que se acostumar,
que até a cura vai demorar...”.
Observa-se também que a Aids está ancorada nas doenças crônicas, dentre as quais
a diabetes e o câncer, fenômeno este decorrente da introdução dos anti-retrovirais
que permitiu a Aids assumir um caráter de cronicidade, tornando-se “normal” com
o passar do tempo, semelhante a tantas outras doenças.(CASTANHA, COUTINHO
et al, 2006, p.49).
A naturalização da Aids nas falas das entrevistadas aparece como uma forma de
enfrentar a doença, permitindo a representação de que se pode viver com ela e ao mesmo
tempo, de que não o que fazer, apenas aceitar. Esse comportamento torna-se um problema
para os sujeitos que vivem com Aids, a partir do momento que se constitui num sinônimo de
desânimo para a luta contra o HIV. O “não ter o que fazer” acaba por insinuar que não se
precisa lutar para que se possa chegar, por exemplo, na cura da doença, ou ainda, que o acesso
aos direitos como medicação e serviços de saúde não são importantes.
Assim, tanto a moralização, quanto a naturalização da Aids, são aspectos
contraditórios quando analisados na perspectiva do direito e da cidadania no contexto da Aids.
A questão social analisada até aqui tem como precedentes os indicadores de acesso aos
direitos e, conseqüentemente, a construção da cidadania. A partir do momento que se entende
a Aids como um aspecto moral ou natural, viola-se diversos direitos garantidos aos sujeitos
que vivem com a doença.
A Aids forçou todos os setores de nossa sociedade a reconhecer, a discursar sobre a
inevitável presença das minorias sexuais: o povão comentando que a “peste gay”
havia atingido mais uma bicha vizinha no bairro; pastores, bispos e padres,
lançando anátemas contra os “sodomitas”, alguns poucos cobrando sentimentos de
solidariedade e chegando a propor pastoral específica para gays e travestis; a
polícia chegando a prender travestis na pista e fechar saunas gays
etc.(CERQUEIRA e MOTT, 2002, p. 57).
A discussão sobre cidadania e direitos, no contexto da Aids, relaciona-se diretamente à
noção de violência a qual são submetidas às pessoas com HIV, em especial, às mulheres com
HIV. Nesse caso, a violência contra os direitos adquiridos configura-se num processo de
159
isolamento e individualidade. “A impressão de sujidade não é incomum [...] A marca que a
violência imprime em sua subjetividade expressa-se, [...] sentimentos de vergonha e
autoculpabilização capazes de silenciarem, exatamente, quem foi ultrajada”.(CERQUEIRA e
MOTT, 2002, p. 83)
A concepção de cidadania auxilia na compreensão da violação de direitos das
mulheres com Aids, pois demonstra a importância da legalidade de direitos e garantias
individuais ampliados, enfatizando que o acesso à justiça é imperativo, irreversível e
inafastável
51
. (MEDEIROS e QUEIROZ, 2002).
Levando-se em conta que um Estado que pretenda se definir como “Estado
Democrático de Direito” não pode ser feito sem a participação efetiva de um povo,
a luta pelo respeito de toda e qualquer pessoa humana deve, baseado, sobretudo,
nos Direitos Humanos de primeira geração os direitos civis e políticos estender-
se, continuamente, a uma série de sujeitos que anteriormente estavam deles
excluídos (as mulheres, os estrangeiros e, mãos fortemente, as crianças, as
minorias) (MEDEIROS e QUEIROZ, 2002, p. 33).
O acesso a serviços de saúde de qualidade, à medicação gratuita, à espaços de trabalho
e lazer sem discriminação, constituem-se em direitos invioláveis das mulheres com Aids. Essa
deve ser a concepção que guia a aceitação da Aids na sociedade e, conseqüentemente, as
pessoas que convivem com ela. Sem a mudança do entendimento acerca da doença, através do
acesso a informação como uma das estratégias, e a mudança de regras e comportamento
moralizantes, o direito não será acessado como deve e a legalização dos mesmos não atingirá
aos objetivos que se propõe: uma sociedade mais justa e igual.
A luta coletiva pode ser uma das saídas para esse impasse. As pessoas são diferentes
na medida que são analisadas sob aspectos culturais, cor, raça, religião. E essas diferenças
estão protegidas na Constituição Federal de 1988, que assegura igualdade a todos sem
discriminação de qualquer tipo. (BRASIL, 1989).
Porém, o que deve acontecer de forma diferenciada, é a maneira como se recorre aos
direitos. Sabe-se que a violação de direitos das mulheres com Aids é cotidiana e a luta contra
isso acontece, muitas vezes, na esfera individual. O espaço coletivo favorece e fortifica essa
luta , portanto as ações públicas e os movimentos sociais constituem-se em estratégias que
devem ser utilizadas.
As ações públicas como estas são muito mais efetivas que o mero uso do direito,
além de atestarem uma vivência democrática mais amadurecida, de engajamento,
51
O surgimento desta noção de cidadania esteve muito mais presente depois da Carta Constitucional de 1988.
(MEDEIROS e QUEIROZ, 2002, p. 33).
160
de luta e exercício dos direitos de cidadania, não somente dos movimentos sociais
organizados, mas chamando a sociedade a participar e cobrar dos poderes públicos
a devida responsabilidade. Também para o Estado ou para o indivíduo violador do
direito do outro é fundamental o embate jurídico para que, ainda que por força de
decisão judicial, possa entender os limites de sua ação até o respeito à diferença a
ao direito do outro.(MEDEIROS e QUEIROZ, 2002, p. 45).
O acesso ao direito altera a forma como o sujeito enfrenta a realidade da
soropositividade. Esse acesso além de facilitar a vida no espaço público, tende a facilitar o
enfrentamento que é feito no espaço privado, pois ambos não podem ser entendidos
separadamente. Assim, a exclusão familiar, por exemplo, vivenciada pelo sujeito de forma
individual, passa a ser concebida pela lógica do direito, na compreensão de que esse sujeito é
igual aos outros.
Um ponto importante a ser salientado a partir das entrevistas realizadas diz respeito às
diversas expressões da questão social, vivenciadas por essas mulheres, além da presença da
Aids. O que se verifica é que o segmento estudado nesse trabalho demonstra em suas falas a
vivência de outras expressões que se constituem em aspectos que as excluem. Esses aspectos
associados a Aids significam o enfrentamento a múltiplas formas de exclusão vivenciadas por
elas. Isso pode ser observado em algumas entrevistas como exemplo, na de Rosa, que além do
HIV, é portadora de deficiência física. Em algumas falas também pode se evidenciar essa
questão: “Mas olha, eu enfrento mesmo porquê é pra enfrentar...” (AZALÉIA, p. 103); “É
do...vamos dizer, de conviver com a comunidade, com as pessoas, com os parentes...”;
(ORQUÍDEA, p. 109); “Eu acho que são as pessoas que tão interessadas em sobreviver...”
(ROSA VERMELHA, p. 118).
Nesse contexto, a faceta econômica assume um espaço importante. O não acesso ao
trabalho, bem como a pauperização econômica, torna-se uma expressão da questão social que
vem antes, ou junto da exclusão pela Aids, pois se observa que essas mulheres não falam
sobre isso além dos espaços da família (quando falam), e nos serviços de saúde. Pode-se
verificar isso em algumas das entrevistas, como a de Violeta (p. 92) quando se refere ao medo
de não conseguir comprar o medicamento se tiver que fazê-lo; Rosa (p. 94) quando afirma
que tem medo que seu marido perca o emprego em função de sua situação sorológica, sendo
que ela não trabalha; Margarida (p.98), desempregada, busca uma nova possibilidade de
inserir-se no mercado de trabalho; na fala de Azaléia (p. 103) que diz: “Ia ser difícil. Que tu
sabe que hoje em dia, se descobrirem, se tu ta trabalhando até embora mandam...”; nas falas
de Hortência (p. 126): Emprego. Se tiver, se chegar a perguntarem se tem alguma doença, a
161
gente tem que mentir...” e “Não porque eu tava no contrato, e daí eles alegaram que eu tava
faltando demais...”(p.126).
Reconhece-se que a pauperização econômica é decorrente de um modelo econômico
excludente (capitalismo), e fortalece as relações desiguais entre os sujeitos. O trabalho torna-
se central à medida que as pessoas têm necessidades sociais a serem supridas, o Estado não o
faz, e o mundo do trabalho não absorve toda a mão-de-obra existente.
Por conta da maior integração da economia brasileira à economia internacional, as
empresas passaram a reduzir suas atividades àqueles ramos que podiam competir
com outras empresas. Isso significou desemprego em massa. A oferta de emprego
formal é pequena, e ainda menor aquele emprego que requer maior qualificação e
escolaridade. [...] (STOTZ, 2005, p.66).
Assim, o não acesso ao mundo do trabalho, por parte dessas mulheres, concretiza-se
em mais uma expressão da questão social vivenciada por elas, seja no âmbito individual ou
familiar. A preocupação com a questão econômica entre as entrevistadas é forte, à proporção
que aparecem medos de não poder, por exemplo, oferecer uma vida digna para os filhos,
responsabilidade essa que as mães cobram-se muito, como uma forma de “desculpar-se” pela
contaminação da Aids.
Na perspectiva da utilização de anti-retrovirais, o aspecto econômico é central, pois o
tratamento em si exige uma determinada qualidade de vida desses sujeitos para que os
mesmos atinjam os resultados esperados. Uma alimentação/vida saudável è fundamental no
processo de tratamento.
Ampliar a discussão sobre pobreza, falta de comida e transporte, pensar em
propostas inovadoras neste campo como parte da política de distribuição de
medicamentos, traria benefícios à saúde individual do portador e para o controle
futuro da epidemia. (TEIXEIRA, PAIVA e SHIMMA, 2000, p. 76).
A dimensão econômica é importante indicador de análise quando se pensa na adesão
ao tratamento de saúde e, sem dúvida, influencia nesse processo. Uma vida saudável, no
contexto da Aids, refere-se a elementos que vão além da medicação, portanto as necessidades
dessas mulheres vão além, num ambiente econômico nem sempre propício para o atendimento
dessas. Sem acesso ao mundo do trabalho, essa nuance torna-se ainda mais grave, pois na
dependência da família e dos serviços públicos, são percebidas muitas dificuldades.
[...], a tese que defendem da manipulação das necessidades denuncia, no plano
social, a contração da esfera pública e a erosão dos valores cívicos, os quais cedem
lugar aos valores do crescimento econômico e do lucro privado; e, no plano
162
individual, denuncia o crescimento da motivação privatista em construir uma auto-
identidade, a qual é freqüentemente equacionada com a expansão do
individualismo, às expensas do interesse comum.(PEREIRA, 2006, p.46).
Por isso, o fortalecimento econômico através do trabalho, bem como, do acesso às
políticas governamentais, deve ser realidade dessas mulheres, pois também depende disso, a
adesão aos tratamentos de saúde.
Outros aspectos observados, dentre as informações das participantes do estudo,
referem-se à religião e à cultura regional, que se mostram importantes no processo de adesão
aos tratamentos de saúde.
Quanto à religiosidade, apesar da não definição específica de algumas mulheres,
observa-se que a procura pelas religiões evangélicas está presente, inclusive pela identificação
de alguns termos como: “o pastor”. Não se quer aqui determinar qual o tipo de religião que
beneficia ou não o processo, mas identificar e analisar a busca, na fé, de forças para o
enfrentamento da Aids. Isso pode ser observado nas seguintes declarações de Rosa Vermelha
(p. 112): “Eu não tenho medo de meter a mão no serviço, eu pego e faço as coisas mesmo
[...]; “Pela minha vida principalmente. Que eu acho que eu tenho muita coisa par fazer ainda
aqui...”(p.113); “Eu tenho muita cobrança. Elas me cobravam todo o dia...” (p.113); “Uma
benção de Deus. Porque eu, se eu fosse tirar do meu bolso...” (p.113); na entrevista de
Bromélia (p.122) quando diz que o que a fortalece é Deus; e na fala de Hortência (p.125)
quando relata: “Penso. Já para evitar. Aproveitar já que graças a Deus...”.
Apesar do sentimento de condenação persistir, essa preocupação diminui, e como
existe vontade de viver, uma busca por uma maior qualidade de vida, através de
mudança de conduta frente ao tratamento, ao convívio com os familiares, e outros e
ao resgate da religiosidade e da no poder curativo de Deus.(COELHO, 2006, p.
119).
Percebe-se que a religiosidade e a fé tornam-se aliados na luta contra a doença, a partir
do momento que conseguem fazer com o sujeito pense no futuro. Pense em formas de
enfrentar os sentimentos negativos e vislumbrar possibilidades de vida, encarando o medo
constante da morte, mesmo sabendo que a Aids ainda é uma doença incurável. Esses
elementos tornam-se fonte de vida para essas mulheres.
No que concerne ao aspecto cultural, identifica-se que o fato da região, onde se
realizou esse estudo, ter como características predominantes a presença das etnias alemã e
italiana, constitui-se em forte dificultador no processo de adesão aos tratamentos de saúde por
mulheres com HIV. Pode-se visualizar esse ponto nas seguintes falas: “Olha, na minha cabeça
eu tenho as coisas bem formadas sabe...” (ROSA, p. 94); “Como muitas mulheres que eu
163
vejo por com medo...”(ROSA, p. 95). Rosa (p. 96) afirma que na cidade onde residia e
realizava o tratamento anteriormente era melhor, pois a localidade era maior e as pessoas não
se conheciam. Além disso, declara que por se tratar de morar em uma cidade menor, percebe
maiores resistências das pessoas em realizarem o tratamento; “Só ele. E daí, assim, tem que
ser, tem que falar. Daí também sair contando, e coisa, por causa do meu
trabalho...”(ORQUÍDEA, p. 107).
A dimensão cultural é identificada quando se observa que as mulheres o abordam o
assunto em outros espaços, a não ser em suas famílias (nem todas) e no próprio serviço de
saúde, como já mencionado anteriormente. A justificativa delas para isso gira em torno do que
as pessoas vão pensar e dizer. Sabe-se que esse comportamento reflete culturas tradicionais e
conservadoras. Dentro dessa discussão, cabe ressaltar o que significa o termo cultura:
A partir do século XVIII [...], o termo Cultura articula-se, ora positiva ora
negativamente, com o termo Civilização. Este, derivando-se do latim cives e
civitas, referia-se ao civil como homem educado, polido, e à ordem social (donde o
surgimento da expressão Sociedade Civil). Entretanto, Civilização possuía um
sentido mais amplo do que civil. Significava, por um lado, o ponto final da uma
situação histórica, seu acabamento ou perfeição, e, por outro lado, um estágio ou
uma etapa do desenvolvimento histórico-social, pressupondo, assim, a noção de
progresso. (CHAUÍ, 1994, p. 12).
Dessa forma, é possível identificar o quanto o aspecto cultural, historicamente
excludente, fortalece a disseminação de idéias equivocadas e discriminatórias acerca da Aids.
O conservadorismo e a tradição que, por um lado, representam características de povos,
identificam crenças e costumes, por outro diferenciam e agridem àqueles que não
permanecem ou seguem suas determinadas regras. Em espaços menores, onde as pessoas são
mais próximas, e interagem mais facilmente, a Aids pode simbolizar um erro, que merece
punição. E essa punição pode significar o preconceito e a exclusão.
No que se refere à adesão aos tratamentos, a questão cultural assume posição negativa
no contexto da Aids.
A adesão faz-se fundamental, pois a terapêutica utilizada no combate à AIDS, na
grande maioria das vezes, se mostra difícil para administração e permanência. Um
importante aspecto relacionado à não-adesão ao tratamento está no próprio
obstáculo psíquico do indivíduo em aceitar o diagnóstico HIV positivo. “O
contexto cultural difícil e carregado de preconceito aumenta a vulnerabilidade dos
indivíduos à AIDS, à resistência aos anti-retrovirais e ao adoecimento. Cria
situações que aumentam o risco de depressão e a desesperança" que são fatores
também relevantes quando se vislumbra a não-adesão farmacológica. (PAIVA et al
apud SCHAURICH et al, 2006, p.4).
164
Em vista disso, cabe destacar quanto os diversos aspectos de um contexto sócio-
histórico, de um sujeito, incidem na adesão aos tratamentos com anti-retrovirais,
principalmente quando se trata da situação da mulher. A combinação de fatores econômicos,
sociais, religiosos e culturais, se não estiverem em uma estrutura fortalecida e baseada no
respeito, torna-se negativa no processo de adesão, visto que, provocam, além da exclusão pela
Aids, outras maneiras de excluir, ainda mais perversas que a própria doença.
Vale ressaltar que toda essa análise não pode ser feita de forma isolada, pois um
aspecto relaciona-se ao outro, constituindo o contexto no qual o sujeito se encontra. Olhar
para todos esses elementos acarreta pensar na integralidade dessas pessoas e, acima de tudo,
entender sua história repleta de contradições, mas também plena de vontade de continuar a
viver, como afirma Bromélia (p. 120) que diz que seu objetivo é: “Viver muito ainda”.
5.7 Política de saúde no contexto da Aids: prevenção, tratamento e promoção da vida.
Para discussão dessa categoria, enfoca-se, inicialmente, quais são os programas de
saúde, públicos, disponíveis para o atendimento ao segmento mulher, bem como, para
atendimento às pessoas com diagnóstico positivo para o vírus HIV, participantes em
específico dessa pesquisa.
Em relação ao segmento mulher, identifica-se como serviço exclusivo a esse grupo o
PAISM (Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher). Esse programa, oficializado na
década de 1980, configura-se em estratégia do Ministério da Saúde para destinação seletiva de
recursos à operacionalização de ações, vinculadas à população feminina (FIGUEIREDO,
2005).
O programa nasceu com o objetivo de :
Aumentar a cobertura e a concentração do atendimento pré-natal,
proporcionando iguais oportunidades de utilização do serviço para toda a
população;
Melhorar a qualidade de assistência ao parto, ampliando a cobertura do
atendimento prestado por pessoal treinado, tanto no sistema formal como
no informal (parteiras tradicionais) e diminuindo os índices de cesáreas
desnecessárias;
Aumentar os índices de aleitamento materno fornecendo as condições para
a implantação do alojamento conjunto;
Implantar ou ampliar as atividades de identificação e controle do câncer
cérvico-uterino e de mamas;
Implantar ou ampliar as atividades de identificação e controle das doenças
transmitidas sexualmente;
Implantar ou ampliar as atividades de identificação e controle de outras
patologias de maior prevalência no grupo;
165
Desenvolver atividades de regulação da fertilidade humana,
implementando métodos e técnicas e planejamento familiar,
diagnosticando e corrigindo estados de infertilidade;
Evitar o aborto provocado, mediante a prevenção da gravidez
indesejada.(FIGUEIREDO, 2005, P. 276)
As ações destinadas às mulheres nesse programa incorporaram como princípios e
diretrizes as propostas de descentralização, hierarquização e regionalização dos serviços, bem
como a integralidade e a eqüidade da atenção, num período em que, paralelamente, no âmbito
do Movimento Sanitário, se concebia a formulação do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse
sentido, objetivava ações educativas, preventivas, de diagnóstico, tratamento e recuperação,
englobando a assistência à mulher em clínica ginecológica, no pré-natal, parto e puerpério, no
climatério, em planejamento familiar, DST, câncer de colo de útero e de mama, além de
outras necessidades identificadas junto ao citado segmento.(MINISTÉRIO DA SAÙDE,
2006).
Existem outros programas destinados, não exclusivamente a esse público-alvo, mas
que promovem ações também direcionadas as mulheres, por exemplo o PAISA (Programa de
Atenção Integral à Saúde do Adulto), o PAISI (Programa de Atenção Integral à Saúde do
Idoso), o PSF (Programa de Saúde da Família) e o PACS (Programa de Agentes Comunitários
de Saúde), os quais objetivam principalmente ações de prevenção à todos os tipos de doenças.
(FIGUEIREDO, 2005) Salienta-se que esses programas são de vel federal, com o qual
Estados e Municípios realizam convênio para que os mesmos aconteçam. Assim, nem todos
ocorrem em todos os lugares, portanto, cada localidade opta por determinados serviços que
sejam necessários à população que atende, tendo para isso, que oferecer sua contra-partida
(financiamento). Ressalta-se que, além desses programas, cada Estado e Município possui
autonomia para a criação de novas ações essenciais para o enfrentamento de suas
problemáticas de saúde, inclusive no que tange à saúde da mulher.
Medir os resultados dessas ações torna-se algo complexo, principalmente, quando se
analisa que muitos dos princípios que regem a política de saúde, não se efetivam na prática
cotidiana dos serviços. Nesse sentido, destaca-se que na Conferência Nacional de Saúde
construiu-se o conceito de saúde como:
Em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de
alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte,
emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É
assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização sócia da produção, as
quais podem gerar grandes desigualdades os níveis de vida. (CONFERÊNCIA
NACIONAL DE SAÙDE, 1986, p. 382).
166
Além disso, destaca-se que na Constituição de 1988, alguns aspectos realçam-se para a
análise do que deve se constituir a política de saúde brasileira:
O direito universal à Saúde e o dever do Estado, acabando com
discriminações existentes entre segurado/não segurado, rural/urbano;
As ações e serviços de saúde passaram a ser considerados de relevância
pública, cabendo ao poder público sua regulamentação, fiscalização e
controle;
Constituição do Sistema Único de Saúde, integrando todos os serviços
públicos em uma rede hierarquizada, regionalizada, descentralizada e de
atendimento integral, com participação da comunidade;
A participação do setor privado no sistema de saúde deverá ser
complementar, preferencialmente coma s entidades filantrópicas, sendo
vedada a destinação d recursos públicos para subvenção às instituições
com fins lucrativos. Os contratos com entidades privadas prestadoras de
serviços far-se-ão mediante contrato de direito público, garantindo ao
Estado o poder de intervir ns entidades que não estiverem seguindo os
termos contratuais;
Proibição de comercialização de sangue e seus derivados. (BRAVO, 2006,
p. 97 e 98).
Sabe-se que o texto constitucional se inspira nas proposições defendidas pelo
Movimento Sanitário. Porém, percebe-se que no miúdo do cotidiano, questões como
financiamento, interesses empresariais e do próprio governo, ficaram e estão até hoje pouco
definidos
52
. (BRAVO, 2006).
Com relação aos serviços de saúde destinados às pessoas com diagnóstico positivo
para a Aids
53
, observa-se como maior ação pública para esse segmento populacional, o SAE
(Serviço de Atendimento Especializado). O SAE configura-se em um atendimento, conforme
mencionado no início desse trabalho, em um serviço que visa a prevenção e o atendimento
integral as pessoas com Aids e trabalha em conjunto com os setores de Vigilância
Epidemiológica nos municípios. Ele configura-se em ão estratégica do Programa Nacional
de DST e Aids. .(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).
Salienta-se que dentro desse serviço um dos maiores objetivos diz respeito à
prevenção. Porém, ao olhar para essa categoria como um simples conjunto de regras, como
em muitos momentos acontece, não se chega aos resultados esperados. A prevenção ocorre
num processo onde três elementos são essenciais:
52
Mais adiante, nesta mesma categoria empírica, discutir-se-á de forma mais detalhada esta questão.
53
“Com o crescente aumento da epidemia da Aids no país, aliado à falta de profissionais preparados e dispostos
a lidar com os novos desafios apresentados, à inexistência de serviços públicos adequados ou à insuficiência
desses serviços, foi inevitável o surgimento de ONGs com o propósito de trabalhar especificamente com Aids,
além do envolvimento de outras ONGs que já possuíam identidade própria (feministas, gays e lésbicas, negras,
entre outras) e começavam também a voltar-se para trabalhos de prevenção e assistência relacionados à
Aids”.(CÂMARA e LIMA, 2000, p. 39-40).
167
Informação e educação para o exercício da cidadania. Muitas vezes os
profissionais da saúde querem decidir sozinhos o que outras pessoas
precisam saber, e passam informações de forma verticalizada para impor
seu saber. É necessário um compartilhamento de saberes entre clientes e
profissionais em vez dessa imposição.
Serviços sociais e de saúde para atender as demandas. Por exemplo,
serviços de testagem anônima e aconselhamento, serviços básicos de
saúde, programas de tratamento para usuários de drogas injetáveis, grupos
de apoio e uso da camisinha, através de redes governamentais [...] Tais
serviços necessitam de recursos humanos qualificados, gerenciamento
eficaz e disponibilidade de recursos financeiros.
Ambiente social adequado para o exercício da autonomia. [...] O
verdadeiro papel do ambiente social é eliminar as barreiras à autonomia de
decisão, facilitando aos indivíduos o processo de determinar seu
comportamento. (FIGUEIREDO, 2005, p.154-155).
Esses elementos solidificam a importância de uma estrutura bem organizada e ao
mesmo tempo pronta a olhar os sujeitos enquanto seres históricos, com necessidades que vão
além da medicação. Observa-se que as ações de prevenção com o uso de panfletagem, por
exemplo, acabam tendo um fim em si mesmo, pois levam em consideração que a prevenção
deve ser algo discutido e entendido por todos. O acesso à informação e a compreensão dessa,
ocorre em um processo, e exige as mínimas condições educacionais, condições a que grande
parcela da população não tem acesso.
Além disso, os serviços de atendimento às pessoas com Aids, muitas vezes, são
contraditórios aos seus próprios objetivos, quando não possuem profissionais capacitados para
esse tipo de intervenção e acabam por reproduzir a discriminação em um lugar onde o valor
da vida deveria prevalecer.
Em uma análise mais profunda do atual sistema de saúde e, essencialmente, no que
tange às mulheres com Aids, percebe-se que esse segmento faz parte de um contexto global
de negação a esse direito, de serviços burocráticos que não atingem a qualidade, a efetividade,
e a eqüidade necessária. Acima de tudo, o sistema não concretiza os princípios de um
atendimento integral de saúde. Realçam-se nesse conjunto alguns problemas sérios que
impedem a alteração desse quadro. Primeiramente, destaca-se o reducionismo do papel do
Estado, influenciado por uma política de ajuste neoliberal. “A afirmação da hegemonia
neoliberal no Brasil tem sido responsável pela redução dos direitos sociais e trabalhistas,
desemprego estrutural, precarização do trabalho, desmonte da previdência pública,
sucateamento da saúde e educação”. (BRAVO, 2006, p. 100).
Um segundo aspecto, de extrema relevância nesse contexto, configura-se na discussão
acerca da universalidade do direito à saúde. Esse fundamento da política de saúde foi um dos
aspectos que provocou mais resistência dos formuladores do projeto voltado para o mercado.
168
As premissas individualistas e fragmentadas da realidade vão contra as concepções coletivas e
universais que devem pautar a política de saúde.(BRAVO, 2006).
Outro problema sério e não desvinculado dos anteriormente apresentados, concentra-
se no modelo médico-assistencial privatista. Apesar de verificar-se na legislação a ênfase nos
serviços gratuitos, observa-se que a política pública de saúde configura-se em um mercado
altamente lucrativo.
O modelo médico assistencial privatista”, centrado no atendimento de doentes
(demanda espontânea ou induzida pela oferta), com ênfase na assistência
ambulatorial e hospitalar de alto custo, prestada principalmente através da rede
contratada e conveniada com o SUS, apresenta sérios limites para uma atenção
comprometida com a efetividade, eqüidade e necessidades de saúde, ainda que
possa proporcionar uma assistência de qualidade em algumas situações.
(TEIXEIRA, 2000, p 2).
Nesse caso, também se visualiza outro ponto a ser analisado. A população de forma
geral encontra-se exposta a fatores de risco. Existe
[...] a concentração de problemas de distintas naturezas em determinados grupos,
exatamente por estarem expostos a riscos diferenciados, tanto relacionados á
pobreza, marginalidade e exclusão, quanto relacionados com a exposição a novas
situações derivadas da vida urbana, como a violência e acidentes por exemplo. Com
isso, constata-se que o perfil de necessidades sociais de saúde por grupo segundo
condições de vida apresenta uma situação na qual determinados grupos sociais,
especialmente os “pobres”, “marginais” e “excluídos” acumulam problemas e
necessidades não satisfeitas, ao mesmo tempo em que o, [...], os grupos com
menor capacidade de expressão política e social de suas demandas e interesses.
(TEIXEIRA, 2000, p. 7).
Assim, entende-se que a política de saúde não vem fornecendo respostas eficientes
para o enfrentamento dessas problemáticas. Várias são as necessidades de ações
programáticas de saúde, de vigilância, de acolhimento de promoção, de “cidades saudáveis
54
para a alteração desse contexto.
Buscando exemplificar a presente discussão dentro do trabalho aqui construído,
observam-se algumas falas das participantes da pesquisa: Informação. Eu acho que
informação é a base...” (ROSA, p.95); “[...] eu acho que o atendimento é meio invasivo às
vezes com algumas...”(BROMÈLIA, p. 122.); “Eles atendem bem. que as vezes,
dependendo de quem atende...” (HORTÊNCIA, p.126).
54
“O movimento em torno das cidades saudáveis, originário do Canadá na década de 80 e assumido pela
Organização Mundial de Saúde vem sendo incorporado por várias administrações municipais nos últimos anos,
gerando experiências inovadoras de articulação intersetorial para o enfrentamento de problemas cujas
determinantes extrapolam o âmbito do sistema de serviços de saúde” (AKERMAN,JUNQUEIRA, RIBEIRO
apud TEIXEIRA, 2000, p. 14).
169
As falas citadas identificam problemas nos serviços de saúde que atendem as pessoas
com Aids. Fica evidente que as fragilidades desses serviços tendem a afastar as mulheres dos
mesmos, visto que, em toda uma trajetória de exclusão já debatida nas linhas desse trabalho,
muitas vezes, esses espaços, que deveriam ser de inclusão, fortalecem o preconceito e a
discriminação por falta de preparo profissional ou até mesmo, pelo estigma da doença.
Nesse sentido, salientam-se algumas reflexões importantes a partir das falas coletadas.
Uma primeira reflexão diz respeito à dificuldade do acesso integral à saúde. O SAE é um
serviço que não serve apenas para a entrega de medicação e deveria promover outras ações
de prevenção e atendimento: “[...] eu acho que o atendimento é meio
invasivo...”(BROMÉLIA, p.122).
Além disso, observa-se um entendimento equivocado acerca do acesso à medicação,
como por exemplo, na declaração de ROSA (p.114): “Gratuito, tinha que agradecer, erguer as
mãos pro céu...” Por isso, a concepção acerca do direito à medicação e ao atendimento
integral de saúde vem envolvida em uma concepção do senso comum, completamente
assistencialista e focalizada.
Inegavelmente, a maior conquista do SUS foi quanto a direito legal de acesso
universal e igualitário às ações e serviços de saúde em todos os níveis de
complexidade. Muitos aspectos desse acesso estão por se concretizar e incidem, de
forma muito especial, em questões relacionadas à exclusão social em
saúde.(NOGUEIRA e MIOTO, 2006, p. 232).
Percebe-se assim, que o acesso à informação sobre seus direitos ainda não vem sendo
praticado. Dessa forma, a integralidade dos serviços constitui-se em um a ser desenrolado
na política de saúde.
A integralidade da atenção é um mecanismo importante porque assegura que os
serviços sejam ajustados às necessidades de saúde. Quando os serviços são muito
limitados em alcance ou profundidade, as doenças preveníveis podem não ser
prevenidas, enfermidades podem evoluir por mais tempo do que o justificável, a
qualidade de vida pode ser colocada em risco e as pessoas podem morrer mais cedo
do que deveriam. (STARFIELD, 2002, p.316).
Pensando nos problemas identificados até aqui, entende-se como dever deste trabalho
apontar proposições com vistas a alterar o contexto da política de saúde com foco na questão
da Aids. Assim, tem-se:
170
Primeira proposição
Não há como lutar contra a Aids sem uma política transversal de atendimento. Ou seja,
a responsabilidade da luta contra essa doença deve ser da política de saúde, de educação, de
assistência social, de habitação, de saneamento, enfim, de todas as políticas que possam
assegurar muito mais do que o acesso à medicação, como se isso fosse suficiente para
alcançar e construir cidadania. Deve-se assegurar uma vida digna, de igualdade, e justiça, sem
que essas pessoas tenham que recorrer a “ajuda” como solução de seus problemas.
Os cuidados primários de saúde compreendem no mínimo: uma educação
concernente aos problemas de saúde que se colocam, assim como os métodos de
prevenção e luta que lhes são aplicáveis, a promoção de boas condições alimentares
e nutricionais, um abastecimento suficiente de água saudável, medidas de
saneamento básico, a prevenção materna e infantil, incluído o planejamento
familiar, a vacinação contra as grandes doenças infecciosas, a prevenção e o
controle de endemias locais, o tratamento das doenças e lesões comuns e o
fornecimento de medicamentos especiais. (FRANCO e MERFHI, 1996, p.12).
É evidente a relação direta entre a pobreza, exclusão, precarização da política de saúde
incidindo diretamente sobre a aderência dos tratamentos de saúde por mulheres soropositivas.
Levando em consideração a fala de Azaléia (p.105) “Dá na gente, quase desmaios...”,
observa-se um exemplo, que pode parecer sem importância, o entanto que se configura num
dos elementos muito mencionados pelas entrevistadas: os efeitos colaterais da medicação
utilizada em seus tratamentos. Como pode ocorrer um tratamento integral, sem prejuízo a
essas mulheres se as mesmas não obtiverem, diariamente, uma alimentação saudável que
permita ao organismo suportar esses efeitos colaterais? Pensando-se, ainda, que muitas dessas
pessoas não possuem, em situação saudável, condições de alimentar-se, imagine-se
convivendo com o vírus da Aids. Sem dúvida, o trabalho em rede, nesse processo,
transforma-se em estratégia importante para o enfrentamento dessa questão.
O desvio do trabalho em redes constitui-se na concepção de ver o usuário inserido
na vida econômica, política, cultural, social. [...] “O trabalho em rede implica, em
primeiro lugar, a participação dos usuários envolvidos e interessados, pois é em
razão deles que a rede se estrutura para promover seu protagonismo através de
apoios, dispositivos, organizações e estratégias” (FALEIROS apud KERN, 2005, p.
88).
Uma política transversal/intersetorial de atendimento às mulheres com HIV/Aids pode
assegurar sua participação voluntária, a partir do momento que o serviço seja garantido como
direito. Depois, como algo que vai muito além do acesso à medicação e que, principalmente,
observe todas as necessidades presentes na realidade, sem exceção, caracterizando um serviço
171
universal e integral que fortaleça o sujeito em busca da qualidade de vida e do processo de
construção da cidadania.
Segunda proposição
Percebe-se a necessidade do que atualmente chama-se de humanização em saúde.
Verifica-se que essa terminologia tem ganhado espaço na política de saúde devido à
dificuldade de garantir que esses serviços sejam realmente “humanos”, o que se entende estar
intrínseco ao conceito de saúde, revela a precária situação em que se encontram os espaços
destinados a tratarem da vida.
Entretanto, visualizando-se essa necessidade, identifica-se a humanização, não
somente no sentido exclusivo do afeto, que assume lugar importante na relação profissionais x
sujeitos com Aids, mas principalmente da participação efetiva desses últimos em tudo o que
se refere aos seus tratamentos de saúde.
A humanização tem a seguinte dimensão:
Valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de
saúde;
Usuários, trabalhadores e gestores;
Fomento da autonomia e do protagonismo desses sujeitos;
Estabelecimento de nculos solidários e de participação coletiva no
processo de gestão;
Identificação das dimensões de necessidades sociais, coletivas e subjetivas
de saúde;
Mudança nos modelos de atenção e gestão, tendo como foco as
necessidades dos cidadão, a produção de saúde e o próprio processo de
trabalho em saúde, valorizando os trabalhadores e as relações sociais no
trabalho;
Compromisso coma ambiência, melhoria das condições de trabalho e de
atendimento (BRASIL apud ANGNES e BELLINI, 2006, p. 15-16).
Para análise dessa inquietação, busca-se a fala de Violeta (p.89) que se refere ao não
contar para o marido “porque achava que ia me bater”, onde a intervenção realizada por uma
profissional foi contar para o companheiro de Violenta, sem sua autorização. Evidenciam-se
dois pontos importantes nessa fala. O primeiro relaciona-se ao respeito à vontade do sujeito
em tratar-se. Sabe-se que os profissionais de qualquer área que trabalha diretamente com seres
humanos devem, acima de tudo, respeitar a vontade do maior interessado em qualquer
procedimento: o usuário do serviço. Isso diz respeito também ao sigilo profissional. O dever
profissional é informá-lo de todos os riscos relacionados à doença, e somente quando o sujeito
não possui condições de decidir por sua própria vida, ou essa decisão vir a prejudicar outras
pessoas, a intervenção deve ser outra. “O respeito pelas pessoas incorpora pelo menos duas
172
convicções éticas: 1) as pessoas deveriam ser tratadas com autonomia; 2) as pessoas cuja
autonomia está diminuída devem ser protegidas”. (PESSINI e BARCHIFONTAINE, 2000, p.
45).
Outro fator a ser discutido e que se relaciona ao aspecto considerado anteriormente, é
a violência institucional visualizada nessa declaração. Assim: “Síndrome de violentación
institucional a los efectos que produce ele sufrimiento derivado del conjunto de maltrato,
frustración y coerción que ejercen lãs instituciones sobre los sujetos que lãs pueblan”.(ABAD,
2001, p.141).
Não se quer aqui denunciar ou apontar possíveis culpados nesse processo. O
indispensável é que os serviços de saúde para as mulheres com Aids devem demonstrar de
forma qualificada, com escuta sensível os ganhos que o tratamento de saúde pode ofertar para
esses sujeitos. Sem dúvida, fica evidente que, se as mulheres entrevistadas permanecem no
serviço é porque objetivam continuar a viver, ou seja, querem manter seu maior bem: a vida.
Esse é o papel dos profissionais da área: mostrar que os serviços de saúde são espaços de
reprodução da vida. Espaços que devem garantir a qualidade de vida para essas pessoas
viverem seu dia-a-dia normalmente.
O processo de fragilização pelo qual passa a mulher com Aids, como se observou
anteriormente, vincula-se a uma série de aspectos de ordem social, econômica, cultural. Esse
viés deve ordenar os serviços de saúde e não uma perspectiva individual. A luta pelo e, no
coletivo, deve ser o ganho das mulheres com Aids que aderem aos tratamentos de saúde.
O discurso das ciências sociais contemporânea passou a valorizar o sujeito como
um personagem que entra em cena com seus desejos, seu mundo simbólico, sua
individualidade, desconsiderando, às vezes, o próprio contexto em que o sujeito se
constitui, sua trajetória social em articulação com sua trajetória individual ou
familiar.(FALEIROS, 1999, p. 73).
Terceira proposição
Esta última, mas não menos importante, é a implementação de disciplinas que
discutam Aids e gênero nos currículos dos diversos cursos que trabalham com essa questão.
Os profissionais devem estar preparados para esse tipo de intervenção demonstrando a
igualdade e o respeito merecidos por esses sujeitos. Nesse sentido, ressalta-se:
A maioria dos serviços estudados não apresenta deficiências importantes no que diz
respeito Às características centrais de estrutura e processo do cuidado técnico.
Entretanto, não possuem, no momento, condições plenas de estabelecimento de
formas de atenção de formas mais dialógicas e mais específicas para abordagem da
173
questão da aderência com os usuários. A atenção é fortemente centrada na consulta
médica, cujo padrão tecnológico predominante, embora de boa qualidade na
dimensão restritivamente técnica, prescinde tanto de atenção para dimensões mais
amplas da vida dos usuários quanto de “abertura”para formas discursivas menos
assimétricas e tecnificadas na abordagem da aderência. (TEIXEIRA, PAIVA,
SHIMMA,2000, P .21).
Assim, os currículos devem comportar aspectos que vão além do curativo, do
diagnóstico, das regras para evitar a Aids. A necessidade está em olhar para a totalidade do
sujeito entendo o porquê do mesmo, muitas vezes, não vir para o serviço de saúde,
visualizando que a situação econômica ou familiar pode não ser um facilitador nesse
processo.
Desse modo, ressalta-se a importância de uma equipe multiprofissional, salientando
nessa mesma proposição, a inclusão de assistentes sociais no SAE, o que não acontece em
todos esses serviços.
A clareza de onde vem este usuário, seu contexto, seus patrimônios, seus valores,
seus princípios, enfim, seu digo de ética, coloca o profissional frente a frente a
um mundo vivido e também um mundo não vivido, muitas vezes, completamente
diferente do que tem se visto. A Aids, considerada como uma questão de saúde,
é de competência da área da medicina. a razão de os assistentes coais trabalharem
no contexto da Aids é a confirmação de que a pessoa em si não se constitui apenas
de um sistema orgânico, e sim, de toda uma dimensão social, o que requer a
intervenção de profissionais que atuam neste campo.(KERN, 2005, p. 89).
Assim, o trabalho multi/interdisciplinar é estratégia fundamental no atendimento às
mulheres com Aids. Essa discussão é imprescindível para que novas formas de atendimento
passem a ser realidade nos serviços de saúde.
[...] o grande desafio do Serviço Social é fazer uma discussão crítica acerca das
práticas de humanização no sentido de romper com as práticas individualizantes, de
favor, de ajustamento e disciplinamento de conflitos e avançar no sentido de
construir e fortalecer práticas voltadas para potencializar a capacidade de
participação enquanto deliberação de sujeitos individuais e coletivos (usuários e
trabalhadores) [...].(COSTA, 2006, p. 332).
Se a luta por um mundo mais justo para as mulheres que vivem com Aids não for de
cunho coletivo, onde trabalhadores e usuários não possam se unir com um objetivo único, a
tendência é a não aderência aos serviços de saúde por parte dessas mulheres. A Aids é um
desafio constante para todos, e a luta individual não alcançará o objetivo maior: um mundo
sem Aids.
As proposições que ficam nessa discussão servem para que novas estratégias de
enfrentamento ao HIV possam ser pensadas e que estas tenham um objetivo único: a adesão
174
aos tratamentos de saúde de todos os infectados pela Aids, em especial, do público ao qual se
destina a construção deste trabalho - as mulheres. É urgente a construção de políticas efetivas
nesse campo, que possam ir além da medicação. É necessário um olhar mais humano para as
necessidades das pessoas que sofrem com essa doença. A intervenção de profissionais
preparados para trabalhar com essas demandas significa construir a relação entre Aids e vida.
Sem um trabalho contínuo, de valorização dos sujeitos, dentro daquilo que sabem e
conhecem, a luta contra a Aids continuará sendo difícil. Todos, Estado, Mercado, e Sociedade
Civil devem estar engajados nessa luta, entendendo que a Aids faz parte de nosso contexto e
que não é algo para ser naturalizado, mas sim enfrentado através da cidadania e direitos
humanos.
Perante toda a análise destas categorias empíricas, percebe-se que o contexto da Aids
configura-se num amplo leque de situações, nas quais todos estão envolvidos. A chave está
em abrir os olhos para essas situações e perceber que a Aids não é um problema apenas dos
seus portadores, pois a mesma produz efeitos em todos os sentidos: economicamente,
socialmente e psicologicamente. É um assunto que diz respeito aos direitos, que diz respeito
ao coletivo.
Ao terminar a estruturação da análise acerca das categorias empíricas deste estudo,
verifica-se a importância de uma análise contextualizada e fundamentada , partindo daquilo
que as mulheres com Aids sentem e vivem. A partir de suas realidades pode-se constatar que
cada uma das categorias aqui discutidas não é isolada, mas sim parte de um todo, no qual
estão entrelaçados sentimentos, vontades, inquietudes e medos.
Todo o preconceito e discriminação vivenciados pelas mulheres embasados em
conceito e concepções historicamente construídos, revelam uma realidade de diferenças
sócias, econômicas e culturais das quais todos fazemos parte e reproduzimos. O que se quer
dizer com isso, é que não se pode separar uma coisa da outra, ou separar-se desse processo de
exclusão do mundo da Aids. Todos são parte dele e precisam lutar para que a vida prevaleça.
175
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao encerrar este trabalho para ser apresentado na Banca Final de avaliação da
dissertação de mestrado, várias são as sensações e reflexões que ficam. Uma delas é a
sensação de dever cumprido no que se refere aos objetivos propostos dentro da pesquisa. A
outra, é a necessidade permanente de buscar a construção do conhecimento, pois esse
trabalho, sem dúvida, não é um fim em si mesmo, e deixa a provocação para novas leituras,
novas interfaces para a discussão acerca da temática Aids. Essa obra constitui-se em uma
nova força para que o processo de capacitação continue.
Além disso, deve-se ressaltar que esta produção não é única acerca da temática e nem
esgota a necessidade de novas produções sobre a Aids, pois essa é um desafio posto aos
diversos profissionais que trabalham com a mesma. A continuidade de sua investigação é
essencial, visto que muitas ainda são as perguntas sem respostas no mundo do vírus HIV.
A elaboração desse trabalho revelou as diversas possibilidades para a investigação e a
construção de pesquisas na área do Serviço Social. Com certeza, um primeiro ensinamento é a
necessidade de saber por onde se quer caminhar, e isso exige do pesquisador, clareza de
objetivos, problema, delimitações...Sem essa clareza, corre-se o risco de não chegar a lugar
nenhum, contribuindo, mais uma vez, para o descaso com o público-alvo das pesquisas, no
caso, as mulheres com diagnóstico positivo para o vírus da Aids. Além disso, um bom
fundamento metodológico permite ao pesquisador caminhar por espaços jamais pensados,
pois sua base está sólida e assegura um caminho estrategicamente articulado.
No que se refere à temática central desse texto, algumas considerações precisam ser
feitas. As categorias eleitas aqui como explicativas da realidade foram essenciais para a
aproximação com a realidade vivida das mulheres entrevistadas, sendo que tais categorias
apareceram novamente na estruturação das categorias empíricas, demonstrando que um
conhecimento prévio, uma primeira aproximação sobre a discussão a ser realizada é
fundamental na construção do conhecimento. Assim, questões como o estigma e o mundo
feminino confirmam-se como elementos relevantes no processo de análise da adesão aos
tratamentos de saúde, por mulheres soropositivas. Em concomitância, a delimitação de gênero
nesse trabalho assume tamanha importância quando analisada sob a ótica histórica, que
176
reproduz o entendimento dos papéis definidos para as mulheres num contexto social,
econômico e político. A relação direta entre a mulher enquanto ser responsável, por exemplo,
pela maternidade, torna-se um indicador relevante no processo de adesão aos serviços de
saúde. Ou pelo fato dela ser “obrigada” a “reproduzir”, ou pelo ato de sentir-se responsável
pela saúde de seu filho.
Nesse sentido, demonstra-se a importância desse processo de análise estar pautado nas
categorias do método dialético-crítico. Na historicidade, pelo fato de que determinadas
concepções acerca da Aids, bem como a respeito dos papéis feminino e masculino, não são
construídos no presente, mas carregam as raízes históricas do preconceito, da discriminação e
da diferença. A totalidade, pois a questão da Aids em mulheres não é um fato isolado do resto
do mundo e precisa ser analisado em um contexto econômico, social e político. Todas essas
esferas estão interligadas à temática estudada. A contradição, pois a discussão acerca dos
direitos humanos, bem como da igualdade entre homens e mulheres, soropositivos ou não,
está legalizada. Porém efetivamente, vêm se mostrando algo não praticado nos diversos
espaços de trabalho, de lazer e até mesmo, dentro dos espaços públicos onde todos, sem
exceção têm seus direitos garantidos. Em relação a Aids, isso ainda é mais forte. A
dificuldade de um soropositivo em conseguir um trabalho, por exemplo, é imensa, e nas falas
das mulheres entrevistadas isso se evidencia.
A discussão construída procurou responder ao questionamento proposto sobre a
adesão ao tratamento e a medicação anti-retroviral por mulheres portadoras do vírus
HIV/AIDS atendidas no município de Carazinho e seu entorno geográfico. Como objetivos,
propôs-se conhecer esse processo de adesão, almejando a contribuição de estratégias para
ampliação da aderência aos tratamentos. Desse modo, afirma-se que respostas foram
construídas e proposições são deixadas como possibilidades de mudança do contexto das
mulheres com Aids.
Uma primeira resposta está na afirmação de que elementos econômicos, sociais,
religiosos e culturais refletem no processo de adesão aos tratamentos de saúde por mulheres
soropositivas, pois se verifica que se essa estrutura macro-social não oferece as condições
básicas para o enfrentamento da Aids, assim esse processo torna-se impossibilitado. O
tratamento de saúde ao qual são submetidas as pessoas com Aids, exige condições que vão
muito além da obtenção da medicação. Uma alimentação saudável, o acesso às políticas
públicas e conseqüentemente aos direitos sociais como um todo, não ao medicamento, a
crença na continuidade da vida e o respeito daqueles com quem se mantém relações sociais,
mesmo que isso signifique esquecer as normas e costumes historicamente instituídos,
177
constituem-se em elementos fortalecedores das mulheres com Aids e, portanto, facilitam a
adesão aos tratamentos.
Olhar para o contexto macro-social onde se encontram essas mulheres requer um
respeito a sua individualidade entendendo que este, através de elementos objetivos e
subjetivos constrói formas de enfrentamento à doença. Nesse sentido, a totalidade e
integralidade de suas diversas relações tornam-se aspectos facilitadores, ou dificultadores, à
medida que oferecem respostas às necessidades desses sujeitos.
No que tange a compreensão do sentido de vida, que se estabelece entre a mulher e seu
mundo relacional, a partir da existência da sorologia, verifica-se a relação direta desse
aspecto com a relação entre mãe e filhos, bem como a importância do elemento maternidade
no enfrentamento da Aids. Essa questão pode ser vista com, pelo menos, dois focos de
análise. Um inicial constitui-se na construção histórica do papel da mulher como “reprodutora
da prole”. Com a existência ou não da Aids, a mulher precisa dar essa resposta ao seu meio,
cumprindo com sua função materna de continuidade da família. Por outro lado, essa faceta
pode ser analisada compreendendo-se que o amor pelos filhos, e dos filhos, transforma-se em
força para a realização dos tratamentos de saúde. As falas dessas mulheres evidenciam o
quanto enfrentar a doença torna-se um processo extremamente fragilizante, e lembrar/pensar
nos filhos fortalece o sujeito para esse embate.
Dentro do objetivo que visava analisar as relações construídas no gênero feminino
com o enfrentamento que é feito após o acontecimento da Aids, verificou-se a presença do
preconceito e da exclusão como categorias importantes de análise, além da identificação do
elemento gênero como discriminador. Mais uma vez, ressalta-se que essa discussão não pode
ser feita sem levar em consideração a construção histórica acerca do papel da mulher na
sociedade. A submissão e a diferença, impostas a esse segmento, traduzem-se e refletem-se no
processo de adesão ao tratamento de saúde, bem como, na forma como a mulher assume essa
realidade. A negociação do preservativo, como também a dificuldade de lidar com o assunto
sexualidade, são exemplos práticos das barreiras para um tratamento eficaz.
Além disso, o constante medo de ser “apontada” em função da Aids, demonstra mais
um direito violado. Estas mulheres deixam muito evidente o isolamento como forma de
proteger-se contra o preconceito que caminha junto com a Aids. Relacionando essa indicação
ao processo de adesão aos tratamentos, o preconceito e o isolamento são fatores negativos,
que as pessoas com Aids não querem “mostrar-se” nem mesmo nos serviços de saúde. Isso
ficou visível já no início da coleta de dados, quando não se conseguiu formar um grupo para
apresentação da pesquisa.
178
As trajetórias das mulheres participantes do estudo, no que diz respeito às possíveis
representações da Aids, demonstraram a existência e persistência de sentimentos cotidianos
conseqüentes dessa doença. Destacam-se a negação da sorologia e contaminação, a
internalização da opressão, a naturalização e moralização da doença, e o medo da morte física
e social. Esses sentimentos traduzem as diversas roupagens que assume o vírus HIV na vida
dessas mulheres. Conviver com esse sentimento produz, além da angústia acerca da doença, a
insegurança sobre o futuro e a representação da finitude da vida.
Salienta-se que apesar da concepção específica de cada categoria empírica, nenhuma
delas pode ser analisada em separado. Um elemento influencia o outro, de forma que cada
mulher participante deste estudo demonstrou formas diferenciadas de conviver com os
mesmos e construir formas de enfrentamento da Aids, bem como aderir ao tratamento.
Certamente esses resultados denotam o grande percurso a ser caminhado para que,
efetivamente, as mulheres com diagnóstico positivo para o vírus da Aids vejam-se como
“iguais” em nosso contexto. São necessárias mudanças culturais, políticas, econômicas, que
não estejam voltadas para o nível individual, mas para o coletivo, onde as ações reforcem a
igualdade como valor central de toda e qualquer discussão.
Os dados coletados e a análise construída indicam a necessidade de mais espaços de
discussão acerca da temática. Esses usuários precisam ser ouvidos não só na política de saúde,
mas nas demais políticas, pois eles não vivem apenas de remédios. Além disso, olhar para
essas pessoas não é apenas olhar para suas necessidades biológicas, e sim enxergar esse
sujeito de forma integral, condizente com o atual conceito de saúde.
Acredita-se que a articulação de meios para a viabilização dos direitos sociais, através
de espaços de mobilização comunitária, possa ser uma estratégia de fortalecimento da luta
coletiva referente à problemática da Aids. A mobilização em prol desse assunto faz-se
fundamental. Concomitantemente, apresenta-se como proposições para o fortalecimento e
criação de estratégias de adesão aos tratamentos de saúde por mulheres soropositivas:
Políticas de saúde que avaliem as reais condições das mulheres a serem atendidas,
possibilitando estratégias que respondam ás reais necessidades das mesmas;
Políticas transversais, priorizando o atendimento de mulheres com Aids em todas as
políticas públicas;
Profissionais mais capacitados para um atendimento integral nos serviços de saúde;
Cursos de formação para os profissionais que atendem a esse público;
179
Programas de saúde que objetivem não apenas a entrega de medicações, mas que
atendam às necessidades psicosociais do sujeito;
Campanhas de saúde que não enfoquem apenas o que a Aids NÃO permite fazer, mas
o sentido de vida que deve ser articulado à doença, buscando a construção de outras
concepções não estigmatizantes acerca da Aids.
Essas traduzem algumas das necessidades/possibilidades de enfrentamento à Aids.
Além disso, configuram-se como outras propostas de discussão, as quais não puderam, e não
foram, discutidas profundamente neste trabalho, destacando que são aspectos diretamente
relacionados com a temática aqui proposta, que, possivelmente poderão tornar-se tema de
novos trabalhos de pesquisa.
Sabe-se que efetivar todas essas ações é um desafio a ser enfrentado de forma coletiva,
e em todos os espaços possíveis. A responsabilidade por um mundo mais igual para as
mulheres com Aids é de todos, pois esse segmento, assim como todos os outros, possui seus
direitos garantidos e deve ter acesso aos mesmos.
Aids não pode mais ser sinônimo de morte (social ou física), precisa constituir-se em
vida, vinculando-se a uma nova construção societária, na qual prevaleçam a igualdade e a
justiça, sem qualquer tipo de discriminação, inclusive de gênero, ou pela própria doença,
especificamente.
180
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190
APÊNDICES
191
APÊNDICE A
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Aids Feminina: um olhar no espelho sem maquiagem.
Aluna: Giovana Henrich
Orientador: Dr. Francisco Kern
Justificativa e Objetivos: Estamos desenvolvendo uma pesquisa acerca das motivações que
levam as mulheres soropositivas a adesão ou não adesão aos tratamentos antiretrovirais
HIV/Aids na região do município de Carazinho, no período de janeiro de 2006 a dezembro de
2007 que tem como objetivo avaliar estas motivações conhecendo as características culturais,
sociais, religiosas, econômicas, que influenciam as mesmas para a adesão ou não ao tratamento
por mulheres soropositivas; compreender a relação sentido de vida que se estabelece entre a
mulher e seu mundo relacional quando da existência da sorologia; analisar as relações
construídas que se configuram no gênero feminino com o enfrentamento que é feito após o
acontecimento da Aids na vida da mulher e analisar as trajetórias das mulheres participantes do
estudo quanto as representações da Aids em suas vidas. A finalidade do estudo é contribuir
para a ampliação da adesão aos tratamentos.
Procedimento: O processo proposto consiste em uma entrevista que será feita com a senhora
que não deve lhe causar constrangimento, para identificar questões relacionadas a Aids e que
influenciam em sua vida. Os dados obtidos nas entrevistas são de responsabilidade do
pesquisador envolvido.
Declaro que fui esclarecido:
Sobre os procedimentos e assuntos relacionados à pesquisa;
Quanto à possibilidade de retirar meu consentimento a qualquer momento e deixar de
participar do estudo sem que isso me traga qualquer prejuízo;
Que não serei identificada nominalmente e do caráter confidencial das informações
relacionadas a minha privacidade;
Que fui devidamente esclarecida sobre os objetivos da pesquisa acima mencionada de
maneira clara e detalhada;
Que sanei minhas dúvidas e que em qualquer momento poderei solicitar novas
informações, fazer perguntas sobre os meus direitos como participante deste estudo e,
se me sentir prejudicada, posso entrar em contato com Giovana Henrich (aluna
pesquisadora responsável pela pesquisa) no telefone (54) 9162-4548.
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu __________________________________
RG nº:__________________ de forma livre e esclarecida, manifesto meu interesse em
participar da pesquisa e declaro que recebi cópia do presente Termo de Consentimento.
_________________________________ ________________________________
Assinatura do entrevistado Assinatura do entrevistador
Carazinho, ________________________,2007.
192
APÊNDICE B
Instrumento de coleta de dados
PESQUISA – Aids Feminina: um olhar no espelho sem maquiagem.
Pesquisador responsável: GIOVANA HENRICH
1) Idade: ______________________________________________________________
2) Data de nascimento: ___________________________________________________
3) Endereço: ___________________________________________________________
4) Composição familiar: __________________________________________________
5) Relate sua história de vida a partir do momento que soube ser portadora do vírus da Aids:
6) Quais as motivações (o que influencia) que te levam a aderir (ou não) ao tratamento
antiretroviral para a Aids?
7) O que significa para você aderir ou não ao tratamento?
8) De que forma você enfrenta a realidade de ser soropositiva?
9) Qual o seu maior medo/dificuldade devido a existência da Aids em sua vida?
10) O que significa para você ser mulher soropositiva?
Data: ___/____/____.
Entrevistador: __________________________________
Assinatura: ____________________________________
193
ANEXO
194
ANEXO A
PONTICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA
E
PÓS-GRADUAÇÃO
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
Senhor (a) Pesquisador (a)
O Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS apreciou e
aprovou seu protocolo de pesquisa registro CEP 06/03505 intitulado: “Aids Feminina:
um olhar no espelho sem maquiagem”.
Sua investigação está autorizada a partir da presente
data.
Relatórios parciais e final de pesquisa devem se
entregues a este CEP.
Atenciosamente,
Prof. Dr. José Roberto Goldim
Coordenador do CEP - PUCRS
Ilmo(a) Sr(a)
Prof Francisco Arseli Kern
.,
N/Universidade
PUCRS
Campus Central
Av. Ipiranga, 6690 - 3
0
andar -
CE=:
90610-000 Fone/Fax:
(51)
3320-3345
E-mail: cep(Olpucrs.br
www.pucrs.br/prppg/cep
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