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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE MESTRADO EM LETRAS E CULTURA REGIONAL
CARLA INÊS DE CAMARGO SUBTIL
ASPECTOS SOCIOCULTURAIS E REGISTRO ORTOGRÁFICO DE ALUNOS
COM DEFASAGEM IDADE-SÉRIE
Caxias do Sul, 2008
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CARLA INÊS DE CAMARGO SUBTIL
ASPECTOS SOCIOCULTURAIS E REGISTRO ORTOGRÁFICO DE ALUNOS
COM DEFASAGEM IDADE-SÉRIE
Dissertação apresentada à coordenação do curso de
Mestrado em Letras e Cultura Regional da
Universidade de Caxias do Sul para obtenção do
título de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Elisa Battisti
Caxias do Sul
2008
2
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AGRADECIMENTOS
Na trajetória do curso e por ocasião da realização deste
trabalho, algumas pessoas com as quais cruzei e compartilhei
vários momentos contribuíram para a concretização do
mesmo. Gostaria de agradecer a todos indistintamente pelo
apoio constante, tão indispensável para mim:
Ao meu esposo Carlos Airton, meu refúgio, meu
companheiro, pelo incentivo, apoio e amor incondicional;
Aos meus filhos Leonardo, Conrado e Larissa, minha fonte de
inspiração, pela compreensão nos momentos de ausência;
À Profa. Dra. Elisa Battisti, orientadora admirável, pelo
incentivo, confiança, atenção e competência profissional;
Às grandes amigas Rita Mara e Susana, pela amizade e
palavras de apoio em todos os momentos;
À colega e amiga Noeli, pela amizade e companheirismo;
Às colegas de trabalho, em especial Denize e Vera, por me
fortalecerem nos momentos de desânimo;
Aos professores do curso de Mestrado em Letras e Cultura
Regional da UCS, em especial à Profa. Dra. Neires Paviani,
pelo incentivo e conhecimentos adquiridos;
À secretária Ariela do curso de Mestrado em Letras e Cultura
Regional, pelo carinho e colaboração;
Ao Soberano Deus, porque Dele, e por meio Dele e para
Ele são todas as coisas. A Ele, pois, a glória eternamente.
Amém! (Romanos 11:36).
3
Se eu pudesse deixar algum presente a você, deixaria aceso
o sentimento de amor à vida dos seres humanos. A
consciência de aprender tudo o que nos foi ensinado pelo
tempo afora. Lembraria os erros que foram cometidos, como
sinais para que não mais se repetissem. A capacidade de
escolher novos rumos. Deixaria para você, se pudesse, o
respeito, aquilo que é indispensável: além do pão, o trabalho
e a ação. E, quando tudo faltasse, para você eu deixaria, se
pudesse, um segredo. O de buscar no interior de si mesmo a
resposta para encontrar a saída.
Mahatma Ghandi
4
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 12
2 LINGUAGEM E CULTURA ........................................................................ 15
2.1 DEFASAGEM IDADE-SÉRIE .................................................................. 20
2.2 CULTURA ................................................................................................ 20
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................. 25
3.1 ESCRITA E ORTOGRAFIA ...................................................................... 25
3.1.1 Alguns elementos da história da escrita ................................................ 25
3.1.2 Periodização da história da ortografia portuguesa ................................ 30
3.1.2.1 Período fonético .................................................................................. 31
3.1.2.2 Período pseudo-etimológico ............................................................... 34
3.1.2.3 Período histórico-científico (ou simplificado) ....................................... 35
3.2 ORTOGRAFIA E ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA .......................... 40
3.2.1 Oralidade, Ortografia e Norma ............................................................... 40
3.2.2 Letramento ............................................................................................. 47
3.2.3 Consciência fonológica .......................................................................... 51
3.3 ERRO ORTOGRÁFICO ............................................................................ 55
3.3.1 Erro ortográfico ....................................................................................... 55
3.3.2 Categorias de erros ortográficos ............................................................ 60
3.3.2.1 Regulares ............................................................................................ 62
3.3.2.1.1 Regulares Diretas ............................................................................. 62
3.3.2.1.2 Regulares Contextuais ..................................................................... 62
3.3.2.1.3 Regulares morfológico-gramaticais .................................................. 64
3.3.2.2 Irregularidades .................................................................................... 66
4 MÉTODO ...................................................................................................... 71
5 ANÁLISE ...................................................................................................... 74
5.1 PERFIL DOS GRUPOS DE ALUNOS COM DEFASAGEM IDADE-SÉRIE 75
5
5.2 ANÁLISE DOS ERROS ORTOGRÁFICOS ............................................... 85
5.2.1 Erros da categoria 1 de Bortoni-Ricardo (2005) ..................................... 85
5.2.1.1 Correspondências irregulares entre fonema-letra ............................... 85
5.2.1.2 Diferença ortográfica do sufixo numeral, 3ª pessoa do plural ............. 95
5.2.1.3 Erros relacionados à eficiência das técnicas de alfabetização ........... 96
5.2.1.4 Correspondências regulares contextuais ............................................ 96
5.2.2 Erros da categoria 2 de Bortoni-Ricardo (2005) ..................................... 97
5.2.2.1 Analogia .............................................................................................. 98
5.2.3 Erros da categoria 3 de Bortoni-Ricardo (2005) ..................................... 101
5.2.4 Erros da categoria 4 de Bortoni-Ricardo (2005) ..................................... 104
6 CONCLUSÃO ............................................................................................... 109
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 113
ANEXOS ......................................................................................................... 117
6
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 - Desempenho escolar - Língua Portuguesa SAERS/RS ............... 18
Quadro 02 - Perfil do leitor/Escala .................................................................... 19
Quadro 03 - Representação do período fonético ............................................. 32
Quadro 04 - Representação do período pseudo- etimológico .......................... 35
Quadro 05 - Categorias de análise ................................................................... 61
Quadro 06 - Irregularidades letra-som/ troca de z por s ................................... 86
Quadro 07 - Irregularidades letra-som/ troca de s por z ................................... 87
Quadro 08 - Irregularidades letra-som/ troca de ç por ss ................................. 88
Quadro 09 - Irregularidades letra-som/ troca de ss por ç ................................. 88
Quadro 10 - Irregularidades letra-som/ troca de s por c ................................... 89
Quadro 11 - Irregularidades letra-som/ troca de c por s ................................... 90
Quadro 12 - Irregularidades letra-som/ troca de c por ss ................................. 91
Quadro 13 - Irregularidades letra-som/ troca de ss por c ................................. 91
Quadro 14 - Irregularidades letra-som/ troca de s por ss ................................. 92
Quadro 15 - Irregularidades letra-som/ troca de sc por c ................................. 92
Quadro 16 - Irregularidades letra- som/ troca de c por sc ................................ 92
Quadro 17 - Irregularidades letra-som/ troca de g por j .................................... 93
Quadro 18 - Irregularidades letra- som/ troca de j por g ................................... 93
Quadro 19 - Irregularidades letra-som/ troca de ch por x ................................. 93
Quadro 20 - Irregularidades letra-som/ troca de x por s ................................... 94
Quadro 21 - Irregularidades letra-som/ troca de x por ss ................................. 94
Quadro 22 - Irregularidades letra-som/ supressão ou acréscimo do h inicial.... 94
Quadro 23 - Irregularidades letra-som/ trocas entre l e lh ................................ 95
Quadro 24 - Diferença ortográfica do sufixo numeral, 3ª p.plural ..................... 95
Quadro 25 - Troca das consoantes fricativas [f] e [v] ........................................ 96
Quadro 26 - Correspondências regulares contextuais ...................................... 97
Quadro 27 - Contextos de juntura ..................................................................... 98
Quadro 28 - Contextos de hipersegmentação .................................................. 99
Quadro 29 - Contextos de hipersegmentação/ com -mos ................................ 99
Quadro 30 - Contextos de hipersegmentação/ com -se ................................... 100
Quadro 31 - Neutralização das vogais anteriores e posteriores /e/, /i/, /o/, /u/ . 100
7
Quadro 32 - Hipercorreção .............................................................................. 101
Quadro 33 - Monotongação dos ditongos crescentes ..................................... 101
Quadro 34 - Desnasalização das vogais átonas finais .................................... 102
Quadro 35 - Elevação da vogal ....................................................................... 102
Quadro 36 - Contextos de assimilação ........................................................... 103
Quadro 37 - Contextos de supressão do /r/ final das formas verbais ............. 104
Quadro 38 - Troca do /r/ pelo /l/ ...................................................................... 106
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 - Local de nascimento .................................................................... 75
Figura 02 - Tempo que reside em Caxias do Sul ........................................... 76
Figura 03 - Tempo fora da escola .................................................................. 77
Figura 04 - Idade ............................................................................................ 78
Figura 05 - Freqüência a associação/ clube .................................................. 79
Figura 06 - Leituras ........................................................................................ 80
Figura 07 - Meios de leitura ............................................................................ 81
Figura 08 - Sexo ............................................................................................. 82
Figura 09 - Dificuldades encontradas ao escrever textos .............................. 84
Figura 10 - Ocorrências de erros ortográficos por categorias ........................ 108
9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAA Associação de Alcoólatras Anônimos
CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
DEME Departamento de Matemática e Estatística
EJA Educação de Jovens e Adultos
IPA International Phonetic Alaphabet
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação e Cultura
NEPAE Núcleo de Estudos, Pesquisa e Assessoria Estatística
ONU Organização das Nações Unidas
PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
PVOLP Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa
SAERS Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul
SE/RS Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul
UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora
UNIDIME União dos Dirigentes Municipais da Educação
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
10
RESUMO
A pesquisa sobre erros ortográficos registrados na escrita de candidatos aos
Exames Supletivos/RS 2005/2006 teve por objetivo subsidiar as ações pedagógicas
que norteiam o trabalho docente no que se refere a ortografia. Levantaram-se erros
ortográficos de produções escritas de candidatos oriundos da rede pública e
particular de ensino. Conforme as categorias de erros sociolingüísticos de Bortoni-
Ricardo (2005), analisaram-se e classificaram-se esses erros em quatro categorias.
Fez-se também um estudo de características socioculturais de dois grupos com
defasagem idade-série, possíveis candidatos a Exames Supletivos, um da rede
pública e outro da rede particular. Verificou-se que o elevado número de erros
ortográficos se deve ao pouco insumo de leitura e escrita.
Palavras-chave: Ortografia; Educação de Jovens e Adultos; Aspectos
socioculturais; Análise de erros.
11
ABSTRACT
The research on orthographic mistakes registered in textsof candidates to the 2005/
2006 Supplemental Tests/ RS- Brazil, had the objective of subsidize the pedagogic
actions that orientate the educational work referring to orthography. Data were
collected from texts written by students of both private and state schools. The
mistakes were analyzed and classified according to the categories proposed by
Bortoni-Ricardo (2005). Also, it was made a study of social and cultural
characteristics of two groups of students, possible candidates to Supplemental Tests.
It was verified that the high number of orthographic mistakes is due to few reading
exercises and few writing activities.
Key-words:Orthography; Youths and Adults Education; Cultural and social aspects;
Analysis of mistakes.
12
1 INTRODUÇÃO
A motivação para a presente pesquisa surgiu da correção das provas de
redação de candidatos com defasagem idade-série à Certificação em nível de
Ensino Médio por Exame Supletivo 2005/2006 oferecida pelo Governo do Estado do
Rio Grande do Sul.
A incidência de incorreções em relação à grafia das palavras utilizadas nos
textos dos candidatos causou-me estranhamento despertando atenção para
determinado tipo de erro ortográfico, bastante significativo: erros decorrentes da
própria natureza arbitrária do sistema de convenção da escrita. Com este trabalho,
buscou-se identificar inadequações frente à norma estabelecida, usualmente
denominadas erros ortográficos
1
.
Os dados utilizados neste trabalho advêm de produções escritas dos
candidatos que apresentam defasagem idade-série, isto é, sujeitos que não tiveram
acesso à educação em nível Fundamental e Médio na idade prevista e retornaram
tardiamente ao sistema.
Após diagnosticar e categorizar os erros ortográficos pretende-se traçar o
perfil sociolingüístico de alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em relação
aos hábitos de fala e de leitura no processo de apropriação ortográfica. Esta parte
do estudo demandará o uso de procedimentos quantitativos e qualitativos.
O tema do trabalho é, portanto, erros ortográficos de alunos pertencentes ao
grupo defasagem idade-série, vinculados à escola pública e particular do município
de Caxias do Sul.
O objetivo geral do trabalho é subsidiar a ação pedagógica no que tange ao
ensino-aprendizagem da ortografia mediante análise dos erros ortográficos mais
freqüentes do grupo em estudo e sua relação com características sociolingüísticas e
culturais dos aprendizes.
Especificamente, buscar-se-á categorizar os erros ortográficos mais
freqüentes observados na produção escrita dos alunos com defasagem idade-série,
oriundos da escola pública e particular de várias localidades; compreender os
1
Por erros ortográficos entende-se a transgressão à norma ortográfica convencionalizada por todos
os usuários da língua.
13
mecanismos psicolingüísticos subjacentes à produção e a mecanização do erro
ortográfico; identificar algumas características de fala que peculiarizam a linguagem
oral do grupo de alunos; identificar o quadro de práticas letradas do grupo; detectar
pontos de aproximação e contrastes na transposição do método fônico para a escrita
e, assim, apreciar adequação de uma ou outra abordagem para a alfabetização do
grupo de alunos considerado.
São pressupostos da pesquisa: a) a consciência fonológica é uma
competência/conhecimento de suma importância na aquisição do letramento; b) o
letramento é uma prática social relacionada a situações de poder etnograficamente
situadas; c) a fala e a escrita são realizações enunciativas em situações e condições
de produções específicas; d) o adulto constrói hipóteses acerca do sistema de
escrita através de níveis de conceituação; e) alguns erros ortográficos são de
natureza sociolingüística.
A escola é o espaço em que os alunos vão adquirir, de forma sistemática,
recursos comunicativos que lhe permitam desempenhar práticas sociais
especializadas.
Se, ao contrário, apesar do esforço dos professores, o aprendiz continua
cometendo erros ortográficos e tem dificuldade de refletir sobre a relação (ou
ausência de relação) entre oralidade e escrita, talvez se deva redirecionar as
atividades didático-pedagógicas mediante um olhar mais cuidadoso a características
sociais e práticas diárias por ele realizadas. É assim que a presente proposta de
investigação se justifica, como a possibilidade de exercitar análise e reflexão
necessárias ao trabalho com grupos de natureza complexa como os alunos em
defasagem idade-série.
Tal pesquisa pode prestar uma contribuição aos docentes no sentido de
rever sua atitude face ao erro ortográfico e sua postura na hora de ensinar e avaliar
a ortografia, evitando com isso a propagação da autocensura por parte do aluno,
visto que a ortografia é uma convenção social cuja finalidade é viabilizar a
comunicação escrita.
Segundo Bortoni-Ricardo (2006), a teoria sociolingüística substitui a noção
tradicional de erro pela noção de diferenças entre variedades ou entre estilos. A
autora complementa que um erro, como fato social, ocorre quando o falante não
14
encaixa uma determinada variante no contexto que é o seu habitat natural na
ecologia sociolingüística de uma comunidade de fala. A sociolingüística evita referir-
se a erros quando se trata de fala. Relativamente à escrita, todavia, erros
ortográficos. O erro ortográfico é aferível mediante consulta às normas.
Numa prática de ensino que é fundamentada em conhecimentos sobre as
relações entre linguagem, sociedade e escola, a alfabetização deve ser entendida
como resultado de um processo eminentemente interno e pessoal, valorizando os
saberes que a criança possui. O erro, nessa fase, deve ser reconceituado como
transitório e necessário ao alcance de patamares mais complexos de leitura e escrita
e, portanto, entendidos como inerentes ao processo de alfabetização.
O trabalho teve como fundamentos teóricos para diagnóstico e
categorização de erros ortográficos encontrados nas produções escritas Cagliari
(1986, 1997, 1999); Bagno (2003, 2006); Bortoni-Ricardo (2005, 2006); Faraco
(2001); Morais (2003), autores que problematizam a relação letra-som e refletem
sobre o ensino e aprendizagem da ortografia.
Neste trabalho, far-se-á o levantamento e categorização dos erros
ortográficos em produções escritas no Exame Supletivo-RS (2005/2006). Além
disso, proceder-se-á a observação em sala de aula de alunos da rede pública e
particular cursando supletivo. Informações socioculturais sobre esses alunos serão
coletadas.
A dissertação está organizada em seis capítulos, incluindo esta Introdução
(Capítulo 1), onde se traçam as linhas gerais da pesquisa. O segundo capítulo
aborda linguagem e cultura, apresentando a caracterização do sujeito com
defasagem idade-série, bem como a cultura deste grupo no que se refere às práticas
de leitura e escrita. O terceiro capítulo apresenta a base conceitual da pesquisa,
incluindo o modelo de análise utilizado para a categorização de erros ortográficos,
baseado em Bortoni-Ricardo (2005). O quarto capítulo traz o método utilizado. O
quinto capítulo apresenta o perfil dos grupos de alunos com defasagem idade-série
e a análise dos erros ortográficos. O capítulo seis encerra o trabalho, com as
considerações finais.
15
2 LINGUAGEM E CULTURA
2.1 DEFASAGEM IDADE-SÉRIE
Estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
9.394/96 (LDBEN), a Educação de Jovens e Adultos, bem como os Exames
Supletivos, destinam-se a jovens e adultos que apresentam defasagem idade-série e
ficaram, por muito tempo, excluídos da escola e do processo educativo. É uma
possibilidade de acesso, permanência, avanço e valorização do aluno trabalhador.
Contempla-se uma proposta de educação que respeita as experiências e o ritmo de
aprendizagem de cada um.
A proposta beneficia o jovem-adulto trabalhador que sofreu pelo processo de
exclusão, por não ter tido acesso à educação em tempo hábil. Esse suas
possibilidades de inclusão concretizadas através da realização dos Exames
Supletivos, os quais permitem a conclusão de seus estudos, em nível Fundamental
ou Médio.
Entende-se que os alunos que apresentam defasagem idade-série, que
freqüentam a EJA ou que prestam provas nos Exames Supletivos, são diferentes
dos alunos presentes nos anos adequados à sua faixa etária. São jovens e adultos,
muitos deles trabalhadores, maduros, com larga experiência profissional ou com
expectativa de (re)inserção no mercado de trabalho e com um olhar diferenciado
sobre a existência. Esses não tiveram diante de si a exceção posta pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 (LDBEN) Educação de
Jovens e Adultos
2
.
Foi a ausência da escola ou a evasão da mesma que os dirigiu ao retorno
tardio, à busca do direito ao saber. Outros são jovens provindos de estratos
privilegiados e que, mesmo tendo condições financeiras, não lograram sucesso nos
estudos.
2
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96, art.24, inciso II, alínea “c”,
independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o
grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita a sua inscrição na série ou etapa
adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino.
16
Convém ressaltar que a referida Lei marca as idades mínimas para a
realização dos Exames Supletivos em nível Fundamental e Médio. No caso do
Ensino Fundamental, a idade exigida para jovens ingressarem é superior a quinze
anos de idade. E, para o Ensino Médio, superior a dezoito anos de idade.
Enfim, dessa forma, garante-se o direito de jovens e adultos ao ensino
básico adequado às condições peculiares de estudo, referendado na LDBEN
Educação de Jovens e Adultos, seção V do capítulo II, art.37, parágrafo 1º:
Art.37. A Educação de Jovens e Adultos se destinada àqueles que não
tiveram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental e Médio
na idade própria. Parágrafo 1º: Os sistemas de ensino assegurarão
gratuitamente aos jovens e adultos, que não puderem efetuar os estudos na
idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as
características do alunado, seus interesses, condições de vida e de
trabalho, mediante cursos e exame [grifo nosso].
Sendo assim, ao prestar Exames Supletivos, o aluno torna-se partícipe do
processo de aprendizagem pela investigação, a resolução de problemas, construção
do conhecimento, de forma a responder com pertinência e eficácia às necessidades
de vida, trabalho e de participação social, assegurados pelo artigo 24, inciso V,
alínea “b” da LDBEN. É o que as atividades acima procuram oportunizar: “Art.24, V,
b: A verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: b) [...]
possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar”.
Ratificada no Parecer CEED 740/99, item 5, subitem 5.5.2, nos e
parágrafos: “[...] A defasagem idade-série constitui um sério problema da educação
brasileira, cuja superação constitui um desafio para a escola”.
A aceleração de estudos constitui uma alternativa ao problema dos alunos
que, devido a repetidas reprovações, se desajustam no que diz respeito à relação
idade-série, bem como àqueles alunos que ingressaram tardiamente no sistema
regular de ensino.
A LDBEN Educação Jovens e Adultos 9.394/96 aparece como forma de
propiciar aos alunos com atraso escolar a oportunidade de atingir o nível de
adiantamento correspondente à sua idade.
17
A aceleração de estudos possibilita ao aluno concluir etapas de
escolarização num tempo menor do que o previsto na organização curricular regular,
respeitando-se o ritmo próprio e a construção do conhecimento de cada um.
Com a consolidação de novas normas e de práticas sociais, desafia-se o
sujeito a mergulhar em diferentes materialidades. A escrita, uma dessas práticas,
tem a função de representar, na forma gráfica, nossas idéias, nossos desejos,
nossos pensamentos. Antes de abordarmos o significado da escrita de forma mais
ampla, bem como dos processos que envolvem a prática letrada e a aprendizagem
dos alunos, convém ressaltar que os índices de analfabetismo
3
no Brasil constituem
um dos mais graves problemas sociais no país.
Historicamente, parcelas restritas da população brasileira têm acesso à
cultura de letramento. Entretanto, se sabe que dois grupos de alunos no Ensino
Fundamental e Médio obtêm os piores resultados: alunos cujos pais não o
alfabetizados e alunos com defasagem idade-série
4
.
Em 2007, para melhorar a qualidade da educação gaúcha, o Governo do
Estado do Rio Grande do Sul retomou o processo de avaliação externa do ensino
nas escolas gaúchas – Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande
do Sul (SAERS), iniciado em 1996, interrompido em 1999 e reiniciado, em parceria
com a União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME/RS) no ano de 2005.
A avaliação externa da aprendizagem tem como objetivo obter dados e informações
sobre o desempenho dos alunos quanto ao desenvolvimento de competências e
habilidades cognitivas necessárias à sua inserção e participação na vida social,
cultural e econômica da sociedade atual.
Assim, os resultados obtidos no Teste de Proficiência em Língua Portuguesa
e Matemática na série ou 3º ano e série ou 6º ano do Ensino Fundamental e
ano do Ensino Médio servirão para nortear a prática docente e os projetos
pedagógicos das equipes escolares com foco na elevação dos índices de
3
Em 1985, a UNESCO definia como analfabeto um indivíduo que não consegue ler ou escrever algo
simples. Duas décadas depois substitui esse conceito pelo de analfabeto funcional, que é um
indivíduo que, mesmo sabendo ler e escrever frases simples, não possui as habilitações necessárias
para satisfazer as demandas do seu dia-a-dia e de se desenvolver pessoal e profissionalmente.
(BORTONI-RICARDO, 2006, p.21).
4
Para ampliar dados, ver mapa do analfabetismo no sítio www.inep.gov.br/estatisticas/analfabetismo.
18
permanência dos alunos na escola, das taxas de aprovação e dos níveis de
aprendizagem escolar.
Como os candidatos envolvidos na pesquisa realizaram provas da
Secretaria de Educação /RS, inscritos na 4ª Coordenadoria Regional de Educação, a
qual abrange 14 municípios, consideramos relevante mostrar o desempenho dos
alunos da escola regular em Língua Portuguesa – SAERS/RS/2007, visto que muitos
destes candidatos, um dia, passaram por essas escolas. Vejamos a classificação
por município:
Quadro 1 Desempenho escolar Língua Portuguesa SAERS/RS Ano Base:
2007
2ª série - E. Fundamental 5ª série - E. Fundamental 1ºano - E. Médio
Canela / 176,7 Nova Petrópolis /220,8 A. Prado/ 265,9
Antônio Prado / 174,6 Flores da Cunha /217,8 Picada Café/265,7
Flores da Cunha / 173,0 Antônio Prado /214,7 Gramado/ 265,1
Nova Pádua / 170,0 São Marcos / 213,3 N.Petrópolis/260,2
Picada Café / 168,8 Caxias do Sul / 212,2 Farroupilha/ 257,5
Caxias do Sul / 166,4 Picada Café / 211,0 Caxias do Sul/256,6
Farroupilha / 164,8 Gramado 210,6 São Marcos 256,2
Nova Roma do Sul/ 157,5 Nova Pádua / 207,9 F. da Cunha/ 254,9
Nova Petrópolis / 157,1 Farroupilha / 207,4 Cambará / 249,9
10º São Marcos / 150,4 Nova Roma do Sul / 204,2 Canela / 248,2
11º S. F. de Paula / 142,1 Canela / 203,2 Nova Pádua/ 241,8
12º Gramado / 140,5 Cambará / 200,4 S.F.de Paula/239,5
13º Jaquirana / 137,7 São F. de Paula / 200,1 Jaquirana/ 223,1
14º Cambará / 134,4 Jaquirana / 196,0 N.R. do Sul/ 221,1
Fonte: Secretaria de Estado da Educação/ CAEd/SAERS/2007.
No quadro abaixo, apresentamos o detalhamento desses perfis:
Quadro 2 – Perfil de leitor/Escala
Perfil do leitor Intervalo na régua da escala
Rudimentar I Até 100
Rudimentar II De 100 a 125
Iniciante I De 125 a 150
19
Iniciante II De 150 a 175
Ativo I De 175 a 200
Ativo II De 200 a 225
Interativo I De 225 a 250
Interativo II De 250 a 275
Interativo III De 275 a 325
Proficiente Acima de 325
Fonte: Secretaria de Estado da Educação/ CAEd/SAERS/2007.
Segundo a Secretaria de Educação/RS e CAEd/UFJF (Universidade Federal
de Juiz de Fora), para que se possa estabelecer diferenciações entre os alunos que
se encontram em cada um dos níveis da escala, foi adotada uma definição para
esses grupos de alunos considerando o nível de interação que demonstraram
estabelecer com o texto.
Assim, leitor rudimentar refere-se aos alunos que não desenvolveram, ou
estão em processo de desenvolvimento das habilidades básicas de apropriação do
princípio alfabético.
Leitor iniciante é aqueles alunos que iniciam seu processo de formação
como leitores.
Os alunos que são capazes de agir sobre o texto, ainda que com
limitações, denominam-se leitor ativo.
Aqueles leitores capazes de não apenas extrair informações dos textos que
lêem, mas produzir novas informações, são considerados leitores interativos.
Finalmente, aqueles que se relacionam com o texto em um nível de leitura
mais aprofundado, posicionando-se criticamente diante do texto, relacionando-o com
outros textos e sua realidade próxima, são denominados leitor proficiente.
Resta-nos o desafio de buscar conhecer e respeitar as diferenças culturais e
lingüísticas apresentadas pelos alunos e exercitar a compreensão sobre as
implicações dessas diferenças nas produções escritas de crianças, jovens e adultos.
2.2 CULTURA
20
A natureza dos homens é a mesma, os seus
hábitos que os mantêm separados (Confúcio, 4. a.C).
Desde a Antigüidade tem-se tentado explicar as diferenças de
comportamento entre os homens e entre os grupos de que fazem parte. Essas,
como bem afirma Laraia (2007), não podem ser explicadas em termos das
limitações impostas pelo seu aparato biológico ou pelo meio ambiente. A grande
qualidade da espécie humana foi a de romper com suas próprias limitações.
Complementa o autor:
[...] um animal frágil, provido de insignificante força física, dominou toda a
natureza e se transformou no mais temível dos predadores. Sem asas,
dominou os ares; sem guelras ou membranas próprias, conquistou os
mares. Tudo isto porque difere dos outros animais por ser o único que
possui cultura (p. 24).
Primeiramente, conforme Laraia (2007), no final do século XVIII e no
princípio do seguinte, o termo germânico Kultur era utilizado para simbolizar todos
os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra Civilization referia-
se principalmente às realizações materiais de um povo. Ambos os termos foram
sintetizados por Tylor (1832-1917) no vocábulo inglês Culture que:
[...] tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que
inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra
capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma
sociedade (TYLOR, 1871, apud LARAIA, 2007, p.01).
A definição de Tylor abrange o caráter de aprendizado da cultura, ao
contrário da idéia de aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos. Porém,
antes mesmo de Tylor, explica Laraia (2007), a idéia de cultura estava latente na
concepção de Locke (1632-1704) que, em 1690, procurou demonstrar que a mente
humana não é mais do que uma caixa vazia por ocasião do nascimento, dotada
apenas da capacidade ilimitada de obter conhecimento.
Posteriormente, Turgot (1727-1781) afirmou:
21
Possuidor de um tesouro de signos que tem a faculdade de multiplicar
infinitamente, o homem é capaz de assegurar a retenção de suas idéias
eruditas, comunicá-las para outros homens e transmiti-las para os seus
descendentes como uma herança sempre crescente (LARAIA, 2007,
p.26-27).
Na mesma perspectiva, Rousseau (1712-1778), em seu Discurso sobre a
origem e o estabelecimento da desigualdade entre os homens, em 1775, seguiu os
passos de Locke e Turgot ao atribuir um grande papel à educação, como explica
Laraia (2007).
Constatou Kroeber (1949): “a maior realização da Antropologia na primeira
metade do século XX foi a ampliação e a classificação do conceito de cultura”. Mas
esta ampliação gerou confusão, tanto que, em 1973, Geertz (1978) defendeu que,
para a teoria antropológica moderna, o tema mais importante era diminuir a
amplitude do conceito, transformando-o num instrumento mais especializado e mais
poderoso teoricamente.
Cabe ressaltar que o processo iniciado por Tylor e completado por Kroeber,
segundo Laraia (2007), representou o afastamento entre os domínios cultural e
natural, reconhecendo-se o homem como o único ser possuidor de cultura.
Posteriormente, o estudante de Física e Geografia Franz Boas (1858-1949)
deu início à reação ao evolucionismo com seu método comparativo
5
.
Franz Boas desenvolveu a idéia de que são as investigações históricas que
possibilitam a descoberta da origem dos traços culturais e a interpretação da
maneira pela qual tomam lugar num dado conjunto sociocultural. Boas desenvolveu,
com isso, o particularismo histórico, segundo o qual cada cultura segue os seus
próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou. A
partir dessas considerações, obteve-se a explicação evolucionista da cultura, a qual
só tem sentido quando ocorre em termos de uma abordagem multilinear
6
.
5
A crítica de Franz Boas ao evolucionsimo está contida no artigo The Limitation of the Comparative
Method of Anthropology” (BOAS, Franz, 1896, v.4), no qual atribui à Antropologia a tarefa de
reconstrução da vida social de diferentes povos, cujo desenvolvimento segue as mesmas leis (citado
em LARAIA, 2007, p.35).
6
Para os evolucionistas do século XIX, a evolução desenvolvia-se através de uma linha única: a
evolução teria raízes em uma unidade psíquica através da qual todos os grupos humanos teriam o
mesmo potencial de desenvolvimento, embora alguns estivessem mais adiantados que outros. Esta
abordagem unilinear considerava que cada sociedade seguiria o seu curso histórico através de três
estágios: selvageria, barbarismo e civilização. Em oposição a essa teoria, e a partir de Franz Boas,
surgiu a idéia de que cada grupo humano desenvolve-se através de caminho próprio, que não pode
22
Acerca do conceito de cultura, ressalte-se a contribuição de Kroeber (1949).
Segundo ele, graças à cultura a humanidade distanciou-se do mundo animal, o
homem passou a ser considerado um ser que está acima de suas limitações
orgânicas. Em suma, a cultura, conforme menciona o autor, ”mais do que a herança
genética, determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações”.
Nesse sentido, pode-se afirmar que o homem é o resultado do meio cultural
em que foi socializado. É nesse meio que toda a experiência do indivíduo é
transmitida aos demais criando, assim, um processo de acumulação. Através da
comunicação oral, o indivíduo vai recebendo informações sobre a cultura em que
vive.
[...] a comunicação é um processo cultural. Mais explicitamente a linguagem
humana é um produto da cultura, mas não existiria cultura se o homem não
tivesse a possibilidade de desenvolver um sistema articulado de
comunicação oral (LARAIA, 2007, p.52).
Laraia (2007, p.67) cita Benedict (1972): “A cultura é como uma lente
através da qual o homem o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes
diversas e, portanto tem visões desencontradas das coisas”.
Em face deste posicionamento Laraia (2007) complementa:
[...] indivíduos de culturas diferentes podem ser facilmente identificados por
uma série de características, tais como o modo de agir, vestir, caminhar,
comer, sem mencionar a evidência das diferenças lingüísticas, o fato de
mais imediata observação empírica (p.68).
Keesing (1971), citado por Laraia (2000, p. 72) acresecenta que:
O homem tem despendido grande parte de sua história na Terra separado
em pequenos grupos, cada um com a sua própria linguagem, sua própria
visão de mundo, seus costumes e expectativas
7
.
ser simplificado na estrutura tríplice dos estágios. Esta possibilidade de desenvolvimento múltiplo
constitui o objeto da abordagem multilinear (LARAIA, 2007, p. 114).
7
Considerações feitas à luz de uma parábola constante no manual New Perspective in Cultural
Anthropology (KEESING, 1971).
23
Entretanto, isso não veda a possibilidade do homem interagir, realizar
intercâmbio com outros grupos e outras culturas.
Imprescindível mencionar Paviani (2004) em relação à troca cultural:
[...] só existe troca cultural quando cada grupo possui sua própria identidade
e pode se realizar como ser humano, segundo sua própria visão de mundo,
com a mediação de seus símbolos, valores, crenças e formas de
socialização (p. 70).
Pode-se dizer que a cultura engloba modos de pensar, sentir, agir e fazer e
adquire sentido somente quando presente nas relações do homem na sociedade,
conforme afirma Paviani (2004). Sobre a expressão relações culturais, o autor
(2004) afirma:
[...] uma rede de elementos que, dialeticamente construídos, expressam
relações de vida, vivências, hábitos, costumes e modos de produção
(trabalho). Esses aspectos mencionados (vivências, costumes, etc.)
objetivam-se na fala (nos sons, conjuntos de sons, ritmos, inflexões da voz,
mímica) em idéias ou no pensamento expresso na linguagem do grupo (p.
74).
Assim, as relações culturais retratam as marcas de um grupo. Ainda
segundo o autor: ”são essas marcas que instauram o sentido individual e universal
da existência humana” (Paviani, 2004, p.77).
Sabe-se que o sujeito adota comportamentos muito semelhantes aos das
pessoas com quem convive em uma determinada rede social e ao desempenhar
papéis nos domínios sociais, contribuindo para a formação de seu repertório
sociolingüístico. Nessa perspectiva, a linguagem ocupa um papel central nas
relações sociais vivenciadas por crianças e adultos.
Deste modo, que se ter claro que a oralidade possibilita que o sujeito
participe de diferentes situações de interação social e aprendam sobre ele próprio e
sobre a sociedade. O mesmo ocorreria com as práticas letradas.
Devido à defasagem idade-série apresentada por sujeitos como os da
presente pesquisa, é possível identificá-los não pela questão idade, mas pelas
24
dificuldades e inadequações ortográficas que cometem em suas produções escritas,
independentemente de estarem freqüentando a escola pública ou particular.
A pesquisa aponta a necessidade de se analisar a ordem e a natureza das
implicações dos fatores que determinam o seu repertório lingüístico: gênero, status
econômico, grau de escolarização, mercado de trabalho, rede social e outros.
Bortoni-Ricardo (2006) afirma:
Cabe à escola levar os alunos a se apoderar também das regras lingüísticas
que gozam de prestígio, a enriquecer o seu repertório lingüístico, de modo a
permitir a eles o acesso pleno à maior gama possível de recursos para que
possa adquirir uma competência comunicativa cada vez mais ampla e
diversificada sem que nada disso implique a desvalorização de sua
própria variedade lingüística, adquirida nas relações sociais dentro de sua
comunidade (p. 09).
A partir dessas considerações percebe-se que entre o sujeito e os saberes
próprios de sua cultura, que se valorizar os agentes mediadores da
aprendizagem, não só a escola e o professor, mas toda uma dimensão sociocultural,
mesmo que o sujeito ao retornar para a escola e estando fora da idade
correspondente à série que estaria cursando, seja enquadrado no grupo classificado
como defasagem idade-série.
25
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
3.1 ESCRITA E ORTOGRAFIA
3.1.1 Alguns elementos da história da escrita
[...] ao tomarmos contato com a escrita prolongamos
a memória dos primórdios do nosso tempo,
preservamos um pensamento muito tempo depois
que o pensador parou de pensar e nos tornamos
participantes de um ato de criação que permanece
aberto enquanto as imagens entalhadas forem vistas,
decifradas, lidas (MANGUEL, 1997, p.42).
Inversamente ao que ocorre com a fala, de complexa investigação devido ao
tempo decorrido, a gênese da escrita pode ser rastreada, o que possibilitou aos
historiadores estabelecerem algumas hipóteses bastante consistentes a esse
respeito. Pino (1993, p.98-99) menciona que “foi na conjunção de uma estrutura
elementar da contabilidade de objetos que os primeiros sistemas formais de escrita
nasceram”.
Segundo Barthes (1987), as primeiras marcas ou expressões de escrita
datam de 30.000 anos antes de nossa era. São marcas feitas por incisões em ossos
ou em pedras com a função de marcar o tempo ou contar animais. 20.000
anos teriam aparecido as primeiras figuras mais elaboradas, mas ainda abstratas, o
que, para o autor, significavam algum domínio técnico e a transmissão de conteúdos
mitológicos. Barthes (1987) relata que as primeiras escritas informais foram feitas
pelos animais em seus caminhos e rastros, que, posteriormente, vieram a ser lidos e
interpretados pelo homem. Sendo assim, pode-se afirmar que a leitura precedeu a
escrita do homem e, ao contrário do que se pensa, esta não tem sua origem apenas
na palavra falada ou no fato auditivo, podendo ter sido originada, igualmente, da
imagem visual.
26
A escrita não nasce do fato auditivo, não é apenas uma transcrição do
falado no ato gráfico, tem origem no reconhecimento visual da marca [...]
A escrita é o advento de algo que é a escrita, e que, depois de uma
evolução lenta e descontínua, acaba por poder servir de suporte ao som
(BARTHES, 1987, p.32).
Massini-Cagliari (1999) assinala o momento por volta de 3.100 a.C. como
marco inicial da escrita, na antiga Suméria (atual Irã e Iraque), quando tabletes de
barro eram grafados para atender à necessidade de registro de contabilidade e
contagem rudimentares. indícios de que a escrita também pode ter surgido de
forma independente em outros pontos do planeta (CAGLIARI, 1997), como na China
(1300 a.C), no Egito (3000 a.C) e ainda na América Central por intermédio da escrita
do povo Maia. Além disso, estudos palenteológicos indicam que o uso de símbolos
pode ser considerada a mais antiga manifestação da escrita, feita por desenhos
figurativos, denominados pictogramas. Usando formas abstratas como uma
transcrição simbólica, o homem não representava, portanto, uma mera transcrição
direta ou uma “imitação simples da realidade, mas de uma certa seleção do real”
(BARTHES,1987, p.34).
Na evolução do grafismo (PINO, 1983; CAGLIARI, 1997; MASSINI-
CAGLIARI, 1999), desde as formas primitivas aos sistemas alfabéticos, detectam-se
três grandes etapas: primeiramente, a ideográfica
8
, baseada em sistemas de
grafismos simples e abstratos, os quais acompanhavam as narrações orais; a
seguir, temos a pictórica
9
, onde predominavam os sistemas de figuras simbólicas
com temáticas mitológicas e que se destinavam à atividade discursiva,
particularmente, das cortes reais; finalmente, a do grafismo linear/escrita alfabética,
cujas origens se situam no encontro das escritas ideográfica e pictográfica.
A origem de sistemas gráficos mais estilizados se pela crescente
necessidade de simplificação imposta pelas atividades de comercialização do
sistema de escrita: baseados no primeiro alfabeto semita, pela criação do sistema
8
Originalmente, a escrita era um sistema essencialmente ideográfico, ou seja, centrada nos
significados e nas idéias. Esta fase se caracteriza pela escrita por desenhos especiais chamados
ideogramas. Com a evolução da escrita, esses desenhos foram perdendo alguns traços mais
representativos e tornaram-se traços convencionais da escrita. As mais importantes são a egípcia, a
chinesa e a japonesa (CAGLIARI, 1997, p.108).
9
A fase pictórica se distingue pela escrita através de desenhos ou pictogramas, não estão
associados ao som, mas à imagem do que se quer representar. Consistem em representações bem
simplificadas dos objetos da realidade (CAGLIARI, 1997, p.108).
27
acrofônico
10
, os fenícios propiciaram a criação do alfabeto; por volta de 700 a.C, os
gregos nomearam todos os sons da fala (vogais e consoantes) e adaptaram os
códigos semita e fenício, ampliando-os com a inserção de mais vogais, surgindo, daí
então, a escrita alfabética. Por sua vez, os romanos desenvolveram um alfabeto
mais simples que o grego e, nele, as letras eram representações apenas do som
inicial de seus nomes (por exemplo, a letra Beta passaria a se chamar simplesmente
Bê).
O fato é que hoje, nas culturas ocidentais, as escritas alfabética ou
fonográfica se fazem presentes em livros, revistas, jornais, constituindo-se o sistema
privilegiado pela educação formal.
No entanto, algumas culturas, como a chinesa, seguem utilizando a escrita
ideográfica como sistema básico de escrita.
Desde o início do sistema fonográfico, tornou-se possível escrever
representando, por meio de símbolos, diferentes unidades da fala. Isso levou ao uso
da escrita alfabética, encontrada em nossa cultura atual. Suas variações deram
origem às convenções ortográficas. Assim, com o uso de uma ortografia única e
arbitrária, a escrita alfabética torna-se novamente ideográfica em sua função, que
nos remete ao significado e não aos sons da fala.
Ao estudarmos a escrita, encontramos diferentes conceitos sobre a mesma:
alguns estudiosos consideram a escrita como a codificação da fala, ou como a
aquisição de uma habilidade motora e mecânica da correspondência letra/som.
Favero (1999) refere às definições de escrita de Sapir (1921) e Bloomfield
(1933), segundo as quais a escrita seria o simbolismo visual da fala e não a
linguagem, mas uma forma de grafar a linguagem por marcas visíveis,
respectivamente.
Vygotsky (1984, p.152) diz que a escrita é um sistema particular de símbolos
e signos que não representa apenas as palavras faladas, mas também objetos e
ações. Assim é que, segundo o autor, o objeto gráfico captura o gesto humano [...] e
1 0
O conceito de acrofônico foi constituído pela escolha de uma lista de palavras, cujo som inicial foi
do nome da primeira letra de cada palavra que caracterizava o som que a letra representava
(CAGLIARI,1999).
28
o gesto torna-se uma imagem gráfica cuja estilização origem aos signos
alfabéticos.
A escrita é, então, uma forma gráfica de expressão, um sistema de signos
portador de significação, a forma gráfica é fixada veiculando uma determinada
significação estabelecida pela cultura (PINO, 1993, p.99).
A necessidade de registrar, guardar e transmitir as informações de forma
que permanecessem no tempo e no espaço foi o que levou ao uso mais intenso da
escrita. Dessa forma, este processo conquistou a relevância que tem em nossa
civilização nos dias atuais, à medida que permitiu a preservação e a transmissão da
cultura, além da criação e da ampliação de conhecimentos no decorrer da história
humana.
Vygotsky (1984, p.152) ilustra este atributo tão importante da escrita
(instrumento de memória) ao assinalar que traços dispersos em uma folha com
representações significativas diferentes “constituem sinais indicativos primitivos
auxiliares do processo mnemônico. Acreditamos estar certos ao considerar este
estágio mnemônico como precursor da futura escrita”.
Assim, podemos perceber que a escrita terá sentido se usada pelos
sujeitos e que a aprendizagem da escrita pelo homem encontra-se imersa no
processo de aquisição da linguagem como um todo.
Outros estudiosos consideraram a escrita como algo que não representa
apenas a fala, mas também a entendem como um sistema simbólico capaz de
representar mais do que sons de uma língua.
Segundo Emília Ferreiro (2001), “a escrita é um sistema de representação
da linguagem. A referida autora afirma, também, que “a escrita não é um produto
escolar, mas sim um objeto cultural, resultado do esforço coletivo da humanidade”
(p.43).
Segundo Bagno (2006, p.104), a língua escrita é um conjunto de símbolos
que podem ser interpretados de maneiras variadas de acordo com uma série de
fatores. A letra E, por exemplo, é um símbolo que pode representar o som ê, como
em TELHA; o som é como em VELHA; o som i, como em MOLE, e até estes três
sons de uma vez, como em MERECE, sem que haja nenhuma alteração na sua
forma gráfica, no seu desenho.
29
Nesse sentido, o autor nos leva a pensar, também, nos símbolos
matemáticos, nos sinais de trânsito, na notação musical e em tantos outros símbolos
que podem ser compreendidos em qualquer lugar do mundo. Exemplifica: qualquer
pessoa, em qualquer lugar do mundo, ao ver o símbolo de proibido fumar saberá
que naquele lugar é proibido fumar. que um falante de inglês ao ver o símbolo,
vai interpretá-lo com no smoking, um falante de francês como defénse de fumer, um
falante de italiano como vietato fumare e assim por diante. Assim, podemos dizer, a
exemplo do autor, que a forma escrita de uma língua, de qualquer língua do mundo,
também tem este caráter simbólico, também é uma representação única para
interpretações variadas.
A escrita, seja ela qual for, tem por objetivo permitir a leitura, ou seja, alguém
irá ler o que está escrito. A leitura é uma interpretação da escrita que consiste, em
sua gênese, na tradução dos símbolos escritos em fala.
Na concepção de Cagliari (1997, p.105), a motivação da escrita é sua
própria razão de ser; a decifração constitui apenas um aspecto mecânico de seu
funcionamento. Assim, a leitura não pode ser decifração: deve, através da
decifração, chegar à motivação do que está escrito, ao seu conteúdo semântico e
pragmático completo. Por isso é que a leitura não se reduz à somatória dos
significados individuais dos símbolos letras, palavras, mas obriga o leitor a
enquadrar todos esses elementos no universo cultural, social, histórico, em que o
escritor se baseou para escrever.
O autor complementa que a escrita começou a existir no momento em que o
objetivo do ato de representar pictoricamente tinha como endereço a fala e como
motivação fazer com que, através da fala, o leitor se informasse a respeito de
alguma coisa. É claro que as motivações da escrita não se restringem apenas à
informação do leitor. A função informativa é a primeira cronologicamente, mas não é
a única e nem sempre a principal.
Na escola, escrita e leitura andam juntas. A atividade de escrever é uma
forma de aprender não sobre como escrever, mas também como pensar,
organizar as idéias. Paviani (2006) complementa:
30
[...] escrever é uma das estratégias para levar o aluno a ler e a compreender
melhor os textos, a estruturar e organizar as próprias idéias e, além disso,
saber como desenvolvê-las e fundamentá-las (p.35).
O caminho que a criança percorre na alfabetização é muito semelhante ao
processo de transformação pelo qual a escrita passou desde a sua invenção. Assim
como nos povos antigos, as crianças usam o desenho como forma de representação
gráfica e são capazes de contar uma história longa dando significado a alguns traços
por elas desenhados. Elas também usam “marquinhas” individuais ou estabelecidas
por um consenso de grupo, para representar aquilo que ainda não sabem escrever
com letras. Estas marquinhas restringem a possibilidade de leitura.
Em síntese, pensamos que o ensino de português, hoje, deva abordar a
escrita, a leitura, a produção de texto, bem como os estudos gramaticais sob uma
mesma perspectiva de língua a perspectiva da língua como instrumento de
comunicação e interação social, sem descuidar da convenção que é a norma
ortográfica.
3.1.2 Periodização da história da ortografia portuguesa
Como somos sujeitos cujas experiências se constroem num espaço social e
num tempo histórico, as nossas atividades de uso da língua e linguagem, que
assumem propósitos distintos e, conseqüentemente, diferentes configurações, são
sempre marcadas pelo contexto social e histórico. Assim ocorreu com a ortografia.
No caso da língua portuguesa, somente no século XX fixaram-se as normas
ortográficas no Brasil e em Portugal.
Por essa razão, considera-se importante que o professor conheça a
periodização da história da ortografia portuguesa para compreender que a definição
das normas ortográficas, para cada língua, em diferentes períodos, refletiu também
as mudanças nas práticas culturais de uso da escrita e de acesso a esta.
A periodização, segundo Ilari-Basso (2006, p.20), serve para que possamos
organizar nossos conhecimentos sobre as mudanças da língua ao longo do tempo.
Tem um caráter de síntese, pois leva em conta não as mudanças estruturais (isto
é, as mudanças que aconteceram na fonética, na morfologia e na sintaxe), mas
31
ainda as funções sociais que a língua foi assumindo e os graus de estandardização
pelos quais passou. É o que ocorreu com a ortografia das palavras e o modo de
apresentação de textos. A forma correta de registrar graficamente as palavras é uma
convenção, algo que se define socialmente, portanto, deve ser respeitada.
Considerando os 800 anos de escrita da Língua Portuguesa, foram estabelecidos
três grandes momentos na normatização ortográfica, conforme Henriques (2007,
p.45) :
a) fonético: coincide com a fase arcaica da língua. Estende-se desde 1196
(data provável de uma cantiga de maldizer de João Soares de Paiva contra
o rei de Navarra: Ora faz ost’ o senhor de Navarra, primeiro texto datado e
escrito em língua portuguesa) até o final do século XV;
b) pseudo-etimológico: inaugurado no Renascimento. Inicia-se em 1489 (data
do primeiro documento impresso em Língua Portuguesa, o Tratado de
Confissom, que mostra as características que predominariam a partir do
século XVI) e vai até os primeiros anos do século XX;
c) histórico-científico: iniciado com a adoção da chamada “nova ortografia”.
Começa em 1904, ano da publicação de Ortografia Nacional, de Gonçalves
Viana.
3.1.2.1 Período fonético
Caracteriza-se pelo fato de não haver a preocupação de escrever de acordo
com a origem das palavras, fazendo prevalecer unicamente a maneira de pronunciá-
las. Henriques (2007) explica que o h, por exemplo, podia indicar a tonicidade da
vogal (he = é), podia marcar a existência de um hiato (trahedor = traidor), podia
representar o fonema /i/ (sabha = sabia) ou ainda figurar sem função definida (hua =
uma; hidade = idade). Além disso, conforme os hábitos do escrivão, uma palavra
podia ser grafada com h ou sem ele: havia e avia; hoje e oje; homem e omem ou
ome.
32
A despeito dessas vacilações, o que caracterizava a grafia do português
aracaico
11
era a simplicidade e, principalmente, o sentimento fonético. Não se pode
dizer que não tenha havido um alfabeto português durante esse período. Houve o
progressivo estabelecimento da escrita portuguesa a partir dos modelos de escrita
que eram conhecidos.
Algumas particularidades de representação:
Quadro 3 – Representações do período fonético
Grafemas Sons Contextos Exemplos
c [ s ] antes de o, u particon (- çom)
c [ ts ] antes de z peczo, faczo
c vocalização: [ y ] antes de t derecto, octubro
ç [ s ] antes de e, i reçebi
c, ç [ z ] inicial, medial donçela, fecerom
ch [ k ] antes de e, i, a cerchal, nuncha
ff [ f ] antes de o, u, a fficar, ffreima
g, gu [ g ] antes de n agiar, Guabriel
g, gi [ 3 ] inicial ( ou fugo, beigio
g [ y ] medial em hiato regno
h - - antes de vogal homees, omilde,
hordenar, hobra
h [ vogal aberta ] antes de vogal he
h [ monossílabo tônico ] antes de vogal hi, hir
grafemas sons contextos exemplos
h - - medial em hiato cahir, sahir
h [ y ], [ i ] meio de palavra sabhã, camho
j [ 3 ] substitui o g jente
j, y [ i ] - - - - - - y, mjnas
ll [ l ] medial ou final ella, mall
ll, li antes de e, i vallam, filia
m nasalidade antes de consoante emsinar, aquemtar
n nasalidade antes de consoante linpo
ni, n, nn inicial, medial teno, vena, aranna
p - - antes de vogal nasal ou n solepne, dãpno
q [ k ] antes de e ou i aqela, qẽ
qu [ k ] antes de a ou o quada, riquo
r [ R ] inicial, medial tera, recorer
rr [ R ] inicial, medial rraina, omrrado
s [ s ] inicial, medial sima, composisom
ss [ s ] inicial, medial sseu, levantou-sse
s [ s ] inicial, sem e- star, screver
ss [ s ] medial cassado, messa
u [ z ] medial liurar
v [ u ] - - - - - - ovuir
x [ s ] - - - - - - dixe
x [ ys ] final sex (= seis)
11
O termo português arcaico corresponde à língua do período que vai da formação do Estado
Português até o apogeu das navegações (ILARI-BASSO, 2006, p. 24).
33
y, i [ 3 ] - - - - - - oye (=hoje), aia
(=haja)
z [ ts ], [ s ] inicial, medial zapateiro, lanzar
-, ´´, m, n, Ø [ ã ] , [ẽ], [ĩ], [õ], [ũ] inicial, medial mááos, senpre
Fonte: Henriques ( 2007, p.46-47).
Segundo Ilari-Basso (2006), simplificando muito as características
lingüísticas do português arcaico, pode-se dizer que ele fica a meio caminho entre o
latim vulgar e o português atual. Muitos dos traços mais característicos de nossa
língua ainda não estavam definidos. Para ficar no domínio da fonética, o autor
exemplifica com a palavra padeiro.
Essa palavra e seus equivalentes em italiano e espanhol (panettiere e
panadero) têm origem numa palavra do latim vulgar que deve ter sido *panatarium
12
cujo parentesco com pane(m) “pão” é bastante transparente. O caminho pelo qual o
latim vulgar *panatarium deu origem ao português padeiro compreende uma série de
mudanças fonéticas que podem ser resumidas na derivação a seguir:
*panatariu(m) > panadeiro > pãadeiro > paadeiro > padeiro
A penúltima dessas mudanças é a queda do n intervocálico; a última é a
fusão dos dois a que a queda da nasal tornou vizinhos; na derivação do latim para o
português, esses dois fenômenos afetaram um grande número de palavras.
3.1.2.2 Período pseudo-etimológico
Este período vai de 1572 até 1911. O motivo para chamá-lo de etimológico
é, segundo Henriques (2007), a preocupação de representar na escrita a origem da
palavra. Foi nesse período que se fixaram definitivamente grafias como homem e
havia (em vez de omem e avia), motivadas não pela pronúncia (o português nunca
pronunciou o h inicial), mas pela lembrança das grafias latinas hominem e hahebat.
A razão para falar em pseudo-etimológico é que a preocupação em mostrar
conhecimento das línguas clássicas baseava-se muitas vezes em um conhecimento
precário, levando a explicações etimológicas mirabolantes. Por exemplo, pensou-se
12
O asterisco indica palavra não atestada em documentos.
34
que o h inicial se justificava na palavra ermitão (então escrita <hermitão>) porque a
letra h era representada com uma haste arredondada, que lembrava o cajado dos
ermitões.
O florescimento dos estudos humanísticos trouxe a erudição, a pretensão de
imitar os clássicos latinos e gregos. Uma conseqüência natural dessa preocupação
era fazer com que a grafia portuguesa se aproximasse da latina.
uma grande quantidade de estudos feitos a respeito disso nos séculos
XVI, XVII e XVIII. Não eram os mais sólidos, porém, os conhecimentos lingüísticos
de seus autores (Duarte Nunes de Leão, Álvaro Ferreira de Vera, João Franco
Barrreto, Madureira Feijó, Luis do Monte Carmelo, entre outros) que propunham uma
ortografia pretensiosa e um tanto complexa, contrária aos princípios da evolução do
idioma.
A transição das palavras de origem grega, por exemplo, encontrava campo
fecundo para demonstrações eruditas: o ph (philosophia, nympha, typho), o th
(theatro, Athenas, estheta), o rh (rhombo, rheumatismo), o ch com o som de [K]
(chimica, cherubim, techino), o y (martyr, pyramide, hydrophobia) passaram a
assolar a escrita portuguesa. O mesmo ocorreu com a duplicação de consoantes
intervocálicas (approximar, abbade, gatto, bocca), que haviam se reduzido na
evolução do idioma.
Sob o pretexto de ser etimológica, tal ortografia estava repleta de formas
equivocadas, contrariando a etimologia e a evolução da língua.
Algumas particularidades de representação:
Quadro 4 – Representações no período pseudo-etimológico
Grafemas Contextos
a, e, o timbre relacionado à quantidade latina
c, q C antes de a, o, u; qu antes de e, i: representam a consoante velar surda[K]
g, j observam a etimologia grega e latina
gu antes de e, i: representa consoante velar sonora [g]
h observa a etimologia grega e latina (aspiração ociosa)
l, lh, ll observa a etimologia grega e latina: representam consoantes diferentes
m, n antes de consoantes de articulação labial e dental
mn observa a etimologia grega e latina
ph observa a etimologia grega e latina: representa a cons.fricativa labiodental [f]
r Inicial [r]; medial [R] depois de consoante ou [r] em travamento silábico
rr medial [R] intervocálico
35
rh observa a etimologia grega e latina
s inicial[s];medial [s] depois de consoante ou em travamento silábico medial[z]
ss medial [s] intervocálico
th observa a etimologia grega e latina
x representa [ſ] ou [ks]
y observa a etimologia grega e tupi
z desfaz confusão entre s e ç
til observa a etimologia; indica nasalidade de ditongo
I, u/ j, v representam, respectivamente, vogais e consoantes
dobrados observam a etimologia
Fonte: Henriques (2007, p. 47-48).
3.1.2.3 Período histórico-científico (ou simplificado)
Henriques (2007) ressalta que, na história da ortografia portuguesa, Adolfo
Coelho foi considerado o pioneiro dos estudos com base científica. Graças aos
trabalhos por ele realizados a partir de 1868 é que se tornou possível o
estabelecimento de uma nova visão a respeito do assunto. Mas o grande renovador
foi Aniceto dos Reis Gonçalves Viana, que em 1904 publicou a sua Ortografia
Nacional, ponto de partida para os passos posteriores.
Os princípios de Gonçalves Viana propostos em 1885 eram:
1) Proscrição absoluta e incondicional de todos os símbolos de etimologia
grega: th, ph, ch (=[K]), rh e y.
2) Redução das consoantes dobradas a singelas, com e exceção do rr e ss
mediais, que têm valores peculiares.
3) Eliminação de consoantes nulas que não influam na pronúncia da vogal
precedente.
4) Regularização da acentuação gráfica.
Face à repercussão deste trabalho, o governo português nomeou em 1911
uma Comissão para estudar as bases da reforma ortográfica. Integraram-na alguns
dos maiores filólogos de Portugal (Leite de Vasconcelos, Carolina Michaëlis de
Vasconcelos, Adolfo Coelho, Epifânio Dias, Júlio Moreira, José Joaquim Nunes e
outros), que propuseram a adoção do sistema de Gonçalves Viana, com pequenas
alterações.
36
Em 1911, o governo português oficializou a “nova ortografia”, estendida ao
Brasil em 1931 por um Acordo firmado entre a Academia das Ciências de Lisboa e a
Academia Brasileira de Letras, com a aprovação de ambos os governos. Alguns
ilustres filólogos brasileiros contribuíram com a unificação ortográfica, entre os quais:
Antenor Nascentes, Jacques Raimundo, Mário Barreto, Silva Ramos e Souza da
Silveira.
No entanto, o contexto político brasileiro não permitiu que o Acordo durasse
muito tempo. Era a época do primeiro Governo Getúlio Vargas, que assumiu o poder
em 1930, após comandar a Revolução que destituiu Washington Luís. Seus 15 anos
de governo caracterizaram-se pelo nacionalismo e populismo e, sob seu poder, foi
promulgada a Constituição de 1934, que determinou a volta do sistema anterior.
Um novo entendimento entre os dois países produziu a Convenção Luso-
Brasileira de 1943, que revigorou o Acordo de 1931. Dois anos depois, a fim de
esclarecer pequenas divergências que surgiram na interpretação de algumas regras,
uma Comissão binacional composta pelos delegados das duas Academias reuniram-
se em Lisboa, de julho a outubro de 1945. Surgiram, desse terceiro encontro, as
Conclusões Complementares do Acordo de 1931, cujas modificações foram tantas
que quase equivaliam a uma nova reforma. Essas “Conclusões” geraram protestos
inflamados de prestigiosos professores brasileiros, especialmente Clóvis Monteiro e
Júlio Nogueira, e acabaram promovendo uma cisão na questão ortográfica do
português.
A ortografia de 1945 entrou em vigor em Portugal no dia de janeiro de
1946, mas não está em uso no Brasil, onde continuava valendo a “ortografia de
1943”, consubstanciada no PVOLP (Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa, Imprensa Nacional, 1943), da Academia Brasileira de Letras. O PVOLP
é o nosso “dicionário oficial”, elaborado e atualizado pela Academia Brasileira de
Letras.
Em fins de 1971, o Congresso Nacional aprovou pequenas alterações no
capítulo da acentuação gráfica, em conformidade com parecer conjunto da
Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa, segundo o
disposto no artigo III da Convenção Ortográfica celebrada a 29 de dezembro de
1943 entre Brasil e Portugal.
37
As simplificações aprovadas pela Lei 5765, de 18 de dezembro de 1971,
sancionada pelo Presidente da República, eram:
1) Abolir os acentos diferenciais dos homógrafos (exceto pôde/pode).
2) Abolir as indicações de acento secundário nas palavras derivadas com
mente ou sufixo iniciado por –z (exs: sòmente, cômodamente, cafèzal,
pèzinho).
Essa Lei estabelecia que os membros da Academia Brasileira de Letras
ficariam encarregados da preparação da “atualização do Vocabulário Comum, a
organização do Vocabulário Onomástico e da republicação do Pequeno Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa”. Em 1981, com a publicação do VOLP pela
editora Bloch, a Academia cumpriu a primeira tarefa; em 1999, cumpriu as restantes
(e reeditou o VOLP).
A unificação da ortografia de todos os países de língua portuguesa foi
novamente assento de negociações internacionais em 1986, quando representantes
de sete países independentes da comunidade lusofônica (Portugal, Brasil, Angola,
Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe) se reuniram em
Salvador e firmaram um acordo inicial, que abrangia outros aspectos da ortografia
além da acentuação gráfica.
A comunidade de língua portuguesa tem agora um oitavo componente, o
Timor Leste. É complexa a iniciativa de unificar por completo a ortografia de nossa
língua, a sétima mais falada entre os idiomas no mundo inteiro e a única língua de
cultura com duas ortografias oficiais
13
. A unificação completa pretendida é um
objetivo de forte alcance cultural e político (por ser o português uma das dez línguas
mais faladas do mundo, passa ser falada na Organização das Nações Unidas
(ONU)). Mas problemas tanto políticos como lingüísticos a superar antes que a
meta de uma ortografia unificada seja efetivamente alcançada
14
.
Segundo Ilari-Basso (2006, p.201), pode-se apontar alguns equívocos em
relação à ortografia. Um desses equívocos consiste em pensar que a ortografia é a
13
Consulte-se também, por sugestão de Henriques,(2007), A Demanda da Ortografia Portuguesa,
livro organizado por Ivo Castro, Inês Duarte e Isabel Leiria.
14
Unificar de maneira completa a ortografia em nível nacional é um dos objetivos da Academia
Brasileira de Letras, que desenvolveu para esse fim o VOLP Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa. O VOLP foi apresentado em sua primeira versão completa em 1977 e sua última
atualização é de 1999. Pode ser acessado eletronicamente por meio do site da Academia Brasileira
de Letras: http://www.academia.org.br/vocábula.htm.
38
língua e que uma boa reforma da ortografia resolve os problemas da língua: engano.
A língua pode existir sem ser escrita. Uma reforma ortográfica não é uma reforma da
língua, e tem sempre um custo social muito alto. Outro equívoco consiste em sonhar
com uma ortografia fiel à pronúncia. Essa ortografia, se existisse, seria idêntica a um
dos tantos sistemas de transcrição usados pelos foneticistas, o mais célebre dos
quais é o IPA (International Phonetic Alphabet), o Alfabeto Fonético Internacional.
Ocorre que um sistema de transcrição fonética tem funções muito diferentes das de
uma escrita alfabética corrente. Essa última tem fins práticos e funciona se for
minimamente ambígua.
Como exemplo, Ilari-Basso (2006) afirma que, no Brasil, boa parte da região
nordeste pronuncia [ε] e [כ] a primeira vogal átona de palavras como decente,
coleira, que no sul são pronunciadas como [e] e [o]: uma ortografia autenticamente
fonética precisaria escrever essas palavras de duas maneiras diferentes. Ao
esbarrar em problemas como esses, uma grafia rigorosamente fonética
comprometeria a unidade que a língua escrita deve ter nacionalmente.
As mudanças não significam a uniformização da língua portuguesa porque a
pronúncia, o vocabulário e a sintaxe permanecem como estão. O que muda é
apenas a forma de escrever algumas palavras.
Atualmente, uma previsão de quando o novo Acordo Ortográfico será
oficializado no Brasil. O Ministério da Educação (MEC) sinalizou para 2009, mas
ainda negociações com as editoras de livros didáticos para definir o período de
transição. Um argumento que dificulta a implantação é o fato de Portugal ainda não
ter estipulado uma data para a ratificação, para que o acordo entre em vigor.
Um dos grandes argumentos de defesa do Acordo Ortográfico refere-se ao
aspecto geopolítico que, segundo Luís Fonseca, secretário geral da CPLP
(Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), possibilitaria preservar a
diversidade do idioma, fortalecendo-o no âmbito mundial.
Conforme Henriques (2007, p.51), o Acordo Ortográfico prevê menos de 3%
de alterações nas 110 mil palavras mais usuais da Língua Portuguesa. Cerca de 600
palavras perderiam as consoantes “mudas” c e p, que são grafadas apenas em
Portugal em vocábulos como accão, afectivo, direcção, adopção, exacto.
39
Os acentos grave e circunflexo que diferenciam o incómodo português do
incômodo brasileiro, por exemplo, ficam inalterados. Da mesma forma, bebé António
e bebê Antônio aqui. O hífen permanece quando o segundo elemento começa por
h (anti-higiênico) ou pela mesma vogal ou consoante que termina o prefixo (contra-
almirante, super-requintado). Cai o trema (atualmente praticado no Brasil).
Reabilitam-se as letras K, W, Y. O uso do h, das vogais, dos ditongos, maiúsculas e
das minúsculas está regulamentado nas 25 páginas do Acordo.
O Acordo também prea organização de um dicionário técnico-científico, o
estabelecimento de uma política lingüística de bases comuns e sugere que, após
sua implantação, todos nos entenderemos melhor.
Para nós, brasileiros, a ortografia oficial em vigor está publicada em três
livros da Academia Brasileira de Letras: O Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa (1ª edição em 1998: última edição em 2004), O Pequeno Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa (1999) e o Vocabulário Onomástico da Língua
Portuguesa (1999), com a grafia oficial de todos os nomes próprios de nossa língua.
3.2 ORTOGRAFIA E ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
3.2.1 Oralidade, Ortografia e Norma
Desde que nascemos, convém ressaltar, estamos inseridos em um mundo
simbólico, em que a interação verbal com o outro imprime significado às nossas
ações e demais manifestações vocais. Com relação à aquisição da linguagem oral,
Scarpa (2001) expõe que, com alguns dias de vida, a criança tem reações positivas
aos sons da fala e, a partir de algumas semanas, consegue discriminá-los dos
demais sons existentes em seu meio.
Por volta dos três ou quatro meses de idade, os bebês começam a balbuciar
seqüências sonoras que se aproximam da fala humana. O balbucio aumenta e as
reduplicações passam a ser recorrentes, estruturando as primeiras sílabas. Os
elementos prosódico-rítmicos apresentam-se de forma saliente na fala da criança,
que aprende tais elementos pela interação com o adulto.
40
Nesse processo, considerado uma prática discursiva e de interlocução
social, o adulto e a criança constroem atividades lingüísticas e dialógicas para fins
comunicativos e cognitivos.
Assim, na prática viva da língua, a consciência lingüística do locutor e do
receptor nada tem a ver com um sistema abstrato de formas normativas,
mas com a linguagem no sentido de conjunto dos contextos possíveis de
uso de cada forma particular (BAKHTIN, 1996, p.95).
A criança, ao ingressar na escola, percorreu um longo caminho
elaborando a sua linguagem, tendo um bom domínio da língua materna; entretanto,
segue aprendendo outras formas de expressão da linguagem.
A linguagem é, em princípio, um processo natural de comunicação
lingüística que antecede o processo de educação formal direcionado à
lectoescritura
15
ou ao letramento (SILVA, 2000, p.23).
Pondera-se que a fala e a escrita constituem dois sistemas discursivos que,
apesar dos diferentes valores sociais, complementam-se, sendo esse o motivo pelo
qual se deve considerá-los como formas de comunicação igualmente importantes.
Além do mais, com o avanço dos estudos de linguagem numa perspectiva
interacional, torna-se evidente, principalmente no contexto escolar, a necessidade
de se valorizar o desenvolvimento da oralidade. Neste caso, ressalta-se que nem
todo erro ortográfico encontrado é decorrente das práticas orais, embora marcas da
oralidade possam ser identificadas em vários deles.
A língua escrita mantém o seu prestígio sobre a língua oral porque
representa padrões sociais e culturais que têm na escola um de seus instrumentos
de manutenção, por fornecer condições propícias de reprodução. No entanto, a
superioridade da escrita é puramente funcional, uma vez que decorre de fatores
políticos, econômicos e sociais.
No processo de apropriação da grafia, segundo Faraco (2001, p.10), o
sujeito deverá aprender que embora grande parte das representações gráficas seja
previsível pelo princípio da relação unidade sonora/letra, uma certa dose de
1 5
Lectoescritura envolve não as questões de leitura e escrita, mas também as práticas sociais de
uso da linguagem.
41
representações arbitrárias, as quais exigem estratégias cognitivas próprias: deverá
saber que é preciso memorizar a forma da palavra e que, na dúvida, deverá recorrer
ao dicionário.
Muitas pessoas pensam que a grafia representa diretamente a pronúncia
(métodos fônicos e fonéticos), o que é um equívoco, porque a grafia, mesmo quando
mantém constante a relação unidade sonora-letra, é neutra em relação à pronúncia:
muitas formas de pronunciar uma palavra (conforme a variedade da língua que
se fala), mas uma única forma de grafá-la. O fato de se estabelecer uma grafia
permite um sistema uniforme que serve para registrar as muitas variedades da
língua, possibilitando a comunicação entre falantes de variedades diferentes.
Quando se criou o sistema gráfico para o português, tomou-se por referência
uma variedade da língua, como em qualquer outra sociedade. Adotou-se, por
exemplo, o som de /v/ para varrer, quando em algumas variedades pronunciava-se e
/b/, porque foi a variedade em que se pronunciava-se /v/ a de prestígio à época.
de se considerar que mudanças na pronúncia acabam distanciando a
realidade sonora de suas representações gráficas, ampliando o grau de neutralidade
da grafia frente às diferentes pronúncias e criando certas dificuldades para o usuário
onde antes não havia.
Conforme Faraco (2001, p. 17), o sistema gráfico caracteriza-se pelas
relações entre unidades sonoras e unidades gráficas. Esse sistema comporta dois
tipos de relações:
a) Relações biunívocas: uma determinada unidade sonora corresponde
a uma certa unidade gráfica; e esta unidade gráfica representa
aquela unidade sonora. As relações biunívocas constituem situações
de regularidade absoluta. Exemplo: unidade sonora unidade gráfica.
/p/ p (pato – mapa – prato)
/b/ b (bala – cabana – cabra)
/f/ f (faca – café – frade – afta)
/v/ v (vaca – cavalo – nevralgia)
/ň/ nh (nhoque – banho)
/t/ t (tabela – pata – trago)
/d/ d (dar – lado – droga)
42
/ĭ/ lh (palha – ilhama)
b) Relações cruzadas: uma unidade sonora tem mais de uma
representação gráfica possível e uma unidade gráfica é representada
por mais de uma unidade sonora. As relações cruzadas constituem
situações de regularidade relativa. Exemplo: unidade sonora
unidade gráfica.
/ž/ a) a letra j, quando for seguida das vogais posteriores orais
ou nasais.
b) as letras g ou j, quando a unidade sonora for seguida das
vogais anteriores orais /i/-/e/-/E/ ou nasais.
/ĭ/-/ě/ : geral, girar, ginga ,nojento.
Convém ressaltar que a diferença entre regularidade relativa e regularidade
absoluta é que a previsibilidade é determinada pelo contexto, isto é, pela posição da
unidade sonora ou da unidade gráfica na sílaba ou na palavra; ou ainda pelo
elemento que segue.
Nesse contexto, alfabetizar é mais que apenas ensinar a grafar e reconhecer
o grafado. O ensino sistemático da grafia é apenas parte do processo mais amplo do
domínio da linguagem escrita, devendo sempre estar subordinado a este. Assim, se
tomarmos isoladamente a grafia de cada palavra, não faz muito sentido falar em
grafias fáceis ou difíceis. Desta forma, podemos concordar com Cagliari (1986),
quando argumenta que, para a criança, tudo é igualmente difícil no começo;
portanto, escrever “peixe”, “trens” ou “pata”, “macaco”, apresenta o mesmo grau de
dificuldade em princípio; o que significa, em outras palavras, que (deixando de lado
os métodos) qualquer criança pode escrever ou aprender a escrever qualquer
palavra, desde que queira fazer isto, uma vez que não faz sentido dizer que há letras
mais difíceis do que outras para se aprender a escrever.
Conforme Faraco (2001, p. 16), o sistema tem algumas representações
arbitrárias para cujo domínio o sujeito deve memorizar a forma gráfica global da
palavra. Para isso, podem ser úteis certos recursos mnemônicos
16
. É preciso
trabalhar na alfabetização com elementos verbais plenos de significado para a
criança e em meio a atividades significativas com a leitura e escrita. O autor
16
Mnemônicos: no texto, entendido como relação de parentesco entre as palavras.
43
menciona Vygotsky (1984): ”A internalização de um saber qualquer é um processo
ativo que emerge de formas de vida coletiva, de interação entre o aprendiz, seus
pares e membros mais experientes de sua comunidade”.
Nessa perspectiva, os erros ortográficos de alunos devem ser encarados
como parte do processo de internalização do saber. Em geral, esses erros são
perfeitamente previsíveis e decorrem, em boa parte, das próprias relações uniformes
e biunívocas entre letras e sons. Em alguns casos, apenas, o aluno transfere para a
grafia as características de sua fala.
Nesse sentido, Morais (2003) afirma que pouco a pouco vamos conseguindo
que a língua ensinada na escola tenha propósitos e características semelhantes aos
que adotamos quando lemos e escrevemos fora do ambiente escolar, sem abrir mão
da leitura e da produção textual como eixos norteadores do trabalho com a língua.
Devemos ensinar ortografia de forma sistemática.
Segundo o autor, a escola cobra do aluno que ele escreva certo, mas cria
poucas oportunidades para refletir com ele sobre as dificuldades ortográficas de
nossa língua, apontando que a escola precisa investir mais em ensinar, de fato, a
ortografia.
Na mesma perspectiva, afirma acertadamente:
Precisamos entender que a ortografia é uma convenção social cuja
finalidade é ajudar na comunicação e que os erros de ortografia funcionam
como fonte de censura e discriminação tanto na escola como fora dela. Na
escola a competência textual do aluno é confundida com o seu rendimento
ortográfico. Deixando-se impressionar com os erros que o aprendiz comete,
muitos professores ignoram os avanços que ele apresenta em sua
capacidade de compor textos (MORAIS, 2003, p.18).
As pessoas, com medo de errar, sentem-se constrangidas ao escrever.
Nessa hora, o professor precisa rever a sua postura ao avaliar a ortografia, evitando
censurar o aluno.
Dada a sua natureza de convenção social, o conhecimento ortográfico é
algo que o aluno não pode aprender sozinho. Quando aprende a escrita alfabética e
consegue ler e escrever, já aprendeu o funcionamento deste sistema, mas ainda
desconhece a norma ortográfica, por isso comete erros ao escrever seus textos.
44
Segundo Morais (2003), a criança se apropria do sistema alfabético
gradativamente, isto é, aprende a forma das letras, a direção da escrita na linha e a
orientação com que se escreve na folha de papel, mas elabora diversos
conhecimentos sobre o funcionamento da escrita alfabética. Nem tem domínio
completo do que aprende nessa fase, pois desconhece o todo da norma ortográfica.
A criança recém alfabetizada comete mais erros ortográficos ao escrever
textos espontâneos, pois essas tarefas envolvem diferentes cargas de trabalho
mental. Ao escrever uma história, ela tem de dar conta de várias exigências ao
mesmo tempo: selecionar idéias que colocará no papel, ordená-las, escolher a forma
como vai expressá-las, além de pensar na forma correta de grafar o texto. O autor
complementa que o erro pode revelar diferentes níveis de conhecimento do
aprendiz, pois é possível que o aluno não tenha consciência de que errou. Pode ser
que tenha uma dúvida ortográfica ou tenha avançado em seus conhecimentos, de
modo a autocorrigir-se, detectando os erros que já cometeu.
O mesmo autor afirma que a ortografia contém propriedades (restrições)
regulares e irregulares (regulares diretas, contextuais, morfológicas e gramaticais),
das quais o indivíduo precisa se apropriar para escrever corretamente. Quando o
aluno erra é porque cria certas “regularizações”, mostrando-nos que elabora suas
próprias representações sobre a escrita e a grafia das palavras. Não é um mero
repetidor das formas escritas que ao seu redor. Porém, muitas vezes, quem não
ensina ortografia em nome de um suposto “respeito” ao aluno, continua cobrando
que ele escreva corretamente.
Muitos professores continuam decidindo a aprovação ou a reprovação de
alunos com base no seu rendimento ortográfico. O que Morais (2003) chama de
“crueldade pedagógica” significa: cobrar o que não foi ensinado. A avaliação da
competência ortográfica continua sendo uma fonte do fracasso escolar,
principalmente em se tratando de séries e/ou anos iniciais.
Precisamos fomentar no cotidiano escolar uma atitude de curiosidade sobre
a língua escrita como objeto de conhecimento, cujos detalhes podemos desvelar.
Entre esses detalhes está a forma correta de grafar as palavras. A curiosidade em
apropriar-se da ortografia precisa, ao mesmo tempo, ter um sentido para o aprendiz:
uma preocupação em ser eficiente na comunicação. Também precisamos
45
compreender como está organizado o objeto do conhecimento – a norma
ortográfica, procurando saber como a criança (re)constrói a norma ortográfica em
sua mente, como a aprende.
Uma língua abarca vários sistemas, ou seja, as formas ideais de sua
realização, a sua dinamicidade, podendo também admitir outras normas, que
representam modelos, escolhas que se consagram dentro das possibilidades de
realizações de um sistema lingüístico. Mas, pondera Coseriu (1956), “se é um
sistema de realizações obrigatórias, consagradas social e culturalmente”, a norma
não corresponde, como pensam vários gramáticos, ao que se pode ou se deve
dizer, mas ao que já se disse e tradicionalmente se diz na comunidade considerada.
A linguagem expressa o indivíduo por seu caráter de criação, mas também
expressa o ambiente social e nacional, por seu caráter de repetição, de
aceitação de uma norma, que é ao mesmo tempo histórica e sincrônica:
existe o falar porque existem indivíduos que pensam e sentem, e existem
línguas como entidades históricas e como sistemas e normas ideais, porque
a linguagem não é expressão, a finalidade em si mesma, senão também
comunicação, finalidade instrumental, expressão para outro, cultura
objetivada historicamente e que transcende ao indivíduo (COSERIU, 1956,
p.44-45).
Entretanto, sabemos que, para chegar a um conceito de “correção”, os
lingüistas vêm tentando descrever variedades lingüísticas. Sem investigações, torna-
se difícil determinar o que no domínio da língua é de emprego obrigatório, o que é
facultativo, o que é tolerável, o que é grosseiro, o que é inadmissível.
O ensino da norma ortográfica implica distinguir o que o aluno precisa
compreender e o que precisa memorizar, ou seja, correspondências letra-som
tidas como regulares (erando/errando, fulnerável/vulnerável, endendidos/entendidos)
e, portanto, podem ser incorporadas pela compreensão, e as irregulares
(umilhar/humilhar, imajinar/imaginar, curiozidade/curiosidade), exigem memorização.
Considera-se que o tempo de contato vivido com a escrita constitui, pois,
uma oportunidade para o indivíduo se apropriar da norma ortográfica. Também as
oportunidades de convívio com a escrita impressa (no lar e na escola) influem
fortemente no rendimento ortográfico de indivíduos de diferentes grupos sociais. As
idéias que as crianças formulam sobre a importância de escrever corretamente
dependem do modo como ela vivencia o ensino-aprendizagem da ortografia.
46
Castilho (1998), coordenador do Projeto Científico Gramática do Português
Falado, deixa clara a obrigação dos professores de passar aos alunos o modo culto,
prestigiado de falar e escrever. No entanto, como lingüista, ele tem consciência de
que reduzir a isto a tarefa do ensino é de uma grande pobreza. Argumenta:
A norma culta não deriva de nada intrínseco ao português. Não formas
ou construções intrinsecamente erradas ou certas [...]. Assim, o certo ou o
errado deriva apenas de uma contingência social. Em todas as
comunidades sempre se atribui a determinada classe uma ascendência
sobre as demais. A classe de prestígio dita as normas de comportamento, a
moda, o gosto por certo tipo de música... Assim também a escolha das
variantes lingüísticas entre as que estão à disposição dos falantes. Ao
escolher uma, essa classe condena as outras variantes (CASTILHO, 1998,
p.75).
Observe-se que a explicação que o autor acima referido sobre a
formação histórica e social da norma padrão é antecedida da defesa do ensino das
formas prestigiadas de falar e escrever.
Portanto, cabe à escola ensinar as formas lingüísticas normatizadas, o que
não deve ser visto nem como tarefa única do ensino, nem como um instrumento
para a adequação ou incorporação do indivíduo oriundo de classes sociais
desprestigiadas ou que apresentem defasagem idade-série numa sociedade vista
como excludente. É necessário, segundo Bagno (2003), empreender um ensino
crítico da norma-padrão, escancarar sua origem “elitista” e “coercitiva” e mostrar a
necessidade de os alunos da escola particular e pública que apresentam defasagem
idade-série de disporem dos mesmos instrumentos dos alunos provindos do ensino
regular dentro da faixa etária correspondente à série que freqüentam.
Bortoni-Ricardo (2006, p.75) nos diz que, à medida que os indivíduos vão
desempenhando ações sociais mais diversificadas e complexas, para além do
domínio da família e da vizinhança mais próxima, eles têm que atender a normas
vigentes nos novos domínios de interação social que passam a freqüentar. Em
muitos domínios sociais, eles se comunicam mais usando a escrita do que a fala e
também são submetidos a exigências de monitoração estilística. Essas exigências
decorrem de normas culturais convencionadas naquele domínio. As chamadas
normas de correção gramatical nada mais são do que normas convencionais que
47
presidem certos tipos de interação por meio da língua escrita ou da língua oral
monitorada.
Em suma, o domínio da ortografia é lento e requer contato com a
modalidade escrita da língua. Dominar bem as regras de ortografia é um trabalho
para toda a trajetória escolar e, quem sabe, para toda a vida, também em se
tratando de indivíduo que apresentar defasagem idade-série.
3.2.2 Letramento
A palavra letramento
17
, introduzida recentemente na bibliografia educacional
brasileira, é uma tentativa de tradução da palavra inglesa “literacy”. Até pouco
tempo, letramento era palavra não dicionarizada: somente em 2001 o Dicionário
Houaiss dicionarizou tanto esta palavra, quanto letrado
18
.
Na perspectiva funcional da alfabetização, que tem por objeto a função
social da escrita, o referido termo “é uma prática social estreitamente relacionada a
situações de poder social e etnograficamente situada” (MARCUSCHI, 2001, p.47).
Na mesma linha, Bortoni-Ricardo (2006) afirma, acertadamente:
O termo letramento é geralmente empregado para indicar um acervo cultural
preservado por meio da escrita. Podemos usar o termo letramentos, no
plural, ou nos referir a culturas de letramento para manter a idéia de que
não existe uma cultura de letramento. Nas comunidades sociais
convivem culturas de letramento associadas a diferentes atividades: sociais,
científicas, religiosas, profissionais etc. Também existem manifestações
culturais letradas associadas à cultura popular, como a literatura de cordel,
por exemplo
19
(p.24).
Podemos dizer que as relações entre oralidade e letramento caracterizam-se
por propriedades emergentes em contextos de uso, o que impede a identificação
1 7
No Brasil, o termo letramento foi usado pela vez por Mary Kato, em 1986, na obra No mundo
da escrita: uma perspectiva psicolingüística”(São Paulo, Ática). Dois anos depois, passa a
representar um referencial no discurso da educação, ao ser definido por Tfouni em Adultos não
alfabetizados: o avesso do avesso” (Campinas, Pontes, 1988) e retomado em publicações
posteriores.
1 8
Letrado adj. s.m.1 que(m) possui cultura; instruído. 2 que(m) possui profundo conhecimento
literário; literato. (Houaiss, 2004, p.453).
1 9
Letramento: leituras suplementares: KLEIMAN, Angela. Os significados do letramento. Campinas:
Mercado das letras, 1995 e SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo
Horizonte: Autêntica/ CEALE, 1999.
48
apriorística de supremacia cognitiva ou social entre as duas modalidades. Trata-se
do que Barton e Hamilton, referidos por Marcuschi (2001), afirmaram que o
letramento enquanto uma prática de ler e escrever não é uma habilidade autônoma,
mas enquadrada na grande narrativa pública, isto é, no quadro social vivo e em
andamento.
Indubitavelmente, no domínio do lar e da família, sentimo-nos mais à
vontade para conversar, sem que haja um monitoramento na forma de expressão.
Observamos que a transição do domínio do lar para o domínio da escola é também
uma transição para uma cultura permeada pela escrita, a qual podemos chamar
cultura de letramento.
Letramento, no sentido amplo, deve ser entendido como uma fonte de
conhecimento produzido, repassado e acumulado por meio da escrita na sociedade,
e como seu impacto sobre ela, incluindo o desenvolvimento social que
acompanhou a expansão dos usos da escrita desde o século XVI.
Kleiman (1995) define letramento como sendo:
[...] um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema
simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos. As práticas
específicas da escola, que forneciam o parâmetro de prática social segundo
o qual o letramento era definido, e segundo a qual os sujeitos eram
classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado,
passam a ser, em função dessa definição, apenas um tipo de prática de
fato, dominante - que desenvolve alguns tipos de habilidades, mas não
outros, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a
escrita (p.19).
Neste primeiro enfoque referente aos conceitos-chave do termo letramento,
pode-se dizer que o mesmo é motivo de várias discussões. Street (1984) distingue
um modelo autônomo e um modelo ideológico de letramento. Aquele associa o
letramento ao progresso e à civilização e conseqüentemente releva à correlação
entre escrita e o desenvolvimento cognitivo. O modelo ideológico apresenta-se como
uma alternativa que enfatiza o fato de as práticas de letramento estarem ligadas às
estruturas de poder na sociedade. O segundo não condiz com o primeiro, mas
fornece instrumentos de análise crítica que nos permitem trabalhar a questão do
letramento sem perder de vista a relatividade cultural, os universais do
49
desenvolvimento cognitivo e, principalmente, nos precaver contra o risco de resvalar
em concepções etnocêntricas, sem fundamentação científica.
Convém ressaltar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) enfatiza, como objetivo da formação básica do cidadão, “o desenvolvimento
da capacidade de aprender tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da
escrita e do cálculo”. Nesse sentido, o letramento deve ser entendido amplamente,
incluindo habilidades, domínios e competências nas diversas linguagens: a
linguagem natural, as linguagens matemáticas, tecnológicas, artísticas e a leitura
social, histórica e política do mundo.
Deste modo, torna-se imprescindível a ação do professor em proporcionar o
desenvolvimento das competências de letramento em todos os níveis de ensino,
possibilitando, com isso, que os indivíduos que apresentam defasagem idade-série
avancem em seu processo de aquisição e domínio de leitura e escrita para
desempenhar-se bem nos contextos sociais em que interagem.
Sabe-se que as grandes transformações culturais, sociais, políticas,
econômicas e tecnológicas impulsionaram o surgimento do termo “letramento”,
ampliando o que até então se convencionalizava chamar de alfabetização.
Além de se conhecer o funcionamento da escrita é necessário engajar-se
em práticas sociais letradas, como bem disserta Tfouni (1995): ”Enquanto a
alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de
indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de uma
sociedade” (p.20).
Da mesma forma, pode-se dizer que a alfabetização é a ação de
ensinar/aprender a ler e a escrever, enquanto letramento é o estado ou condição de
quem sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a
escrita.
Nesta compreensão, o indivíduo que apenas sabe ler e escrever será
considerado um indivíduo alfabetizado, ao passo que o indivíduo que não sabe
ler e escrever, mas usa socialmente a leitura e a escrita, e as pratica respondendo
às demandas sociais da leitura e escrita, passa a ser considerado indivíduo letrado.
Por essa razão, aprender a ler e a escrever implica o apenas no fato de
decodificar códigos, conhecer letras e associá-las, mas abre possibilidade de
praticá-las no contexto social em que se esteja inserido, ou seja, não aprender o
sistema da escrita, mas fazer o uso social da mesma.
50
Essa forma de compreensão acerca da utilização da escrita nas atividades
pedagógicas é defendida por Leite (2001):
Talvez a diretriz pedagógica mais importante no trabalho (... dos
professores), tanto na pré-escola quanto no ensino médio, seja a utilização
da escrita verdadeira nas diversas atividades pedagógicas, isto é, a
utilização da escrita, em sala, correspondendo às formas pelas quais ela é
utilizada verdadeiramente nas práticas sociais. Nesta perspectiva, assume-
se que o ponto de partida e de chegada do processo de alfabetização
escolar é o texto: trecho falado ou escrito, caracterizado pela unidade de
sentido que se estabelece numa determinada situação discursiva (p.25).
Em se tratando de jovens e adultos com defasagem idade-série, que se
submeteram às provas dos Exames Supletivos 2005/2006, verifica-se que apesar de
terem aprendido a lidar com situações complexas da vida (aquisição da linguagem,
questões financeiras, atividades profissionais, dificuldades cotidianas e outros), não
conseguem disponibilizar esse reconhecido potencial para superar a condição de
baixo letramento.
Sobre as possibilidades de letramento, que devem ser oferecidas a todos os
indivíduos, Soares (2003) afirma, realisticamente:
Não adianta simplesmente letrar quem não tem o que ler nem o que
escrever. Precisamos dar as possibilidades de letramento. Isso é
importante, inclusive, para a criação do sentimento de cidadania dos alunos
(p.3).
Cabe ressaltar que tanto a criança como o jovem e o adulto, ao chegarem à
escola, dispõem de competências de uso da língua, porém buscam ampliar seus
recursos comunicativos para poder atender às convenções sociais.
Em relação aos recursos comunicativos, Bortoni-Ricardo (2006) esclarece
que:
Grande parte dos recursos comunicativos que compõem seu repertório é
adquirida espontaneamente no convívio social; mas para o desempenho de
certas tarefas especializadas, especialmente as relacionadas às práticas
sociais do letramento, o falante necessita desenvolver recursos
comunicativos de forma sistemática, por meio da aprendizagem escolar (p.
78).
51
No campo da educação, percebe-se a necessidade de aproximar a teoria da
prática, encontrando subsídios e alternativas para a transformação da sociedade
leitora no Brasil, muito embora do ponto de vista pedagógico e, por que não dizer,
político, esteja aquém de nossas possibilidades.
3.2.3 Consciência fonológica
Atualmente os professores, através da experiência e competência como
alfabetizadores, têm cada vez mais se interessado pelo próprio objeto de estudo e
ensino: a linguagem. Esta postura está resgatando a importância de revisitar a
relação som-letra e levar as crianças a refletirem sobre os sons da fala e,
conseqüentemente, a correspondência com a escrita.
Desta forma, é necessário estabelecer uma ligação entre os sons da fala e
os grafemas da escrita, alcançada através da reflexão consciente, o que se faz com
base na consciência fonológica e, ao mesmo tempo, permite desenvolvê-la.
Segundo Lamprecht (2004), a consciência fonológica pode ser definida
como a habilidade do ser humano de refletir conscientemente sobre os sons da fala
e identificar seus correspondentes gráficos no período inicial do desenvolvimento da
leitura e da escrita, quando a criança deverá conhecer o princípio alfabético. A esse
respeito, afirma Morais (1996) :
A consciência fonológica se refere à representação consciente das
propriedades fonológicas e das unidades constituintes da fala. Ela é a
consciência dos sons que compõem as palavras que ouvimos e falamos e
permite a identificação de rimas, de palavras que começam ou terminam
com os mesmos sons e fonemas que podem ser manipulados para a
criação de novas palavras. É necessário descobrir a relação existente entre
fala e escrita para que se consiga dominar o código escrito. A chave da
linguagem escrita encontra-se na relação desta com a linguagem falada
(p.176).
Observa-se, então, que a aquisição da escrita está intimamente ligada à
consciência fonológica, uma vez que para dominar o código escrito é necessária a
reflexão sobre os sons da fala e de sua representação na escrita.
Em consonância, Moojen et.al. (2003) afirmam:
52
A consciência fonológica envolve o reconhecimento pelo indivíduo de que
as palavras são formadas por diferentes sons que podem ser manipulados,
abrangendo não a capacidade de reflexão (constatar e comparar), mas
também a de operação com fonemas, sílabas, rimas e aliterações (contar,
segmentar, unir, adicionar, suprimir, substituir e transpor) (p.11).
Tanto a consciência como a manipulação dos sons das palavras supõem a
aquisição de diferentes níveis de consciência fonológica. Estes níveis estão
relacionados às diferentes maneiras através das quais as palavras e sílabas podem
ser divididas em unidades sonoras menores.
Assim, temos o nível da consciência de rimas e aliterações, que permite a
identificação de palavras que compartilham um mesmo grupo de sons, no início ou
no fim das palavras.
A rima faz parte da vida das crianças desde cedo, pois está presente em
músicas, brincadeiras e histórias infantis.
A seguir, temos o nível da consciência das sílabas, que permite o
reconhecimento das sílabas das palavras, o primeiro e talvez o mais óbvio caminho
de segmentação.
Conforme explica Lamprecht (2004), na concepção de Goombert, a sílaba é
a unidade natural de segmentação da fala, logo ela é mais acessível do que as
unidades intra-silábicas e os fonemas.
E, finalmente, o nível da consciência de fonemas (consciência fonêmica)
permite a percepção de que as palavras são compostas por fonemas, ou seja, pelas
menores unidades de som que podem mudar o significado de uma palavra.
Deste modo, a consciência fonológica pode ser compreendida como a
habilidade de manipular a estrutura sonora das palavras desde a substituição de um
determinado som até a segmentação deste em unidades menores
25
.
O processo de alfabetização implica analisar as palavras em seus
componentes (letras e fonemas) e utilizar, para a codificação e decodificação, regras
de correspondência entre letras e sons. o processamento fonológico refere-se às
2 5
Ellis A. W. Leitura, escrita e dislexia: uma análise cognitiva. Trad. Dayse Batista. 2. ed. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1995, p. 85-104.
53
operações de processamento de informação baseadas na fala, ou seja, na estrutura
fonológica da linguagem oral
26
.
Admite-se que o desenvolvimento da consciência fonológica possa estar
atrelado ao desenvolvimento simbólico da criança, no sentido de atentar ao aspecto
sonoro das palavras (significante) em atendimento a seu aspecto semântico
(significado).
Através de alguns estudos, tem-se verificado a existência de um trajeto
longo até que a criança perceba que a escrita não representa diretamente os
significados, mas associa a eles significantes. Ao perceber a relação entre a fala e a
escrita, todo um processo de cognição envolvido na compreensão desta relação,
a saber, através da correspondência fonemas e grafemas.
Tem sido apontada sistematicamente, em estudos psicolingüísticos, a
importância da consciência fonêmica para o aprendizado da leitura e da escrita,
abordada como consciência fonológica.
Atualmente, a noção de consciência fonêmica havia sido referida por
Vygotsky (1979) ao analisar as diferenças estruturais e funcionais que existem entre
a linguagem falada e a escrita. Para ele, a escrita, mesmo quando se trata das fases
de desenvolvimento, exige um grau maior de abstração. Segundo suas palavras, “ao
aprender a escrever, a criança tem que se libertar do aspecto sensorial da
linguagem e substituir as palavras por imagens de palavras” (p.131).
Nessa concepção, Vygotsky (1979) esclarece que:
Quando fala, a criança tem uma consciência muito imperfeita dos sons que
pronuncia e não tem qualquer consciência da estrutura sonora de cada
palavra, tem que dissecá-la e reproduzi-la em símbolos alfabéticos que têm
quer ser memorizados e estudados de antemão (p.132).
2 6
CAPOVILLA A. G. S.; CAPOVILLA F. C. Prova de Consciência Fonológica: desenvolvimento de
dez habilidades da pré-escola à segunda série. Temas desenvolvidos 1998:7 (37):14-35.
54
Isso explica o fato de muitas crianças pronunciarem corretamente as
palavras e não serem capazes de escrevê-las corretamente.
Como Vygotsky (1979) bem descreveu, o ato de falar não exige que a
criança se conta de cada um dos fonemas que está produzindo. Em se tratando
de adultos, o mesmo acontece, pois ao falarmos nos preocupamos com o significado
que queremos transmitir e não planejamos de forma consciente cada um dos
fonemas que empregamos.
Já, ao escrever, exigir-se-á uma análise fonêmica mais precisa acerca dos
sons das palavras e dos grafemas disponíveis, visto que a aprendizagem do sistema
alfabético da leitura e da escrita pressupõe a capacidade de reconhecer, decompor,
compor e manipular os sons da fala.
Como bem disse Zorzi (1998)
Escrever não é simplesmente ativar a programação motora da fala. Esta
ação implica evocar imagem de palavras, imagens acústicas, ou sonoras,
que a criança deve ter das palavras que ela própria produz. Imagens estas
que, quando evocadas para análise de seus componentes, podem não ser
claras o suficiente para permitir uma diferenciação precisa entre sons que
são muito semelhantes quanto à composição dos traços fonêmicos que os
caracterizam (p. 13).
Pode-se dizer que a consciência fonológica ocorre concomitantemente ao
desenvolvimento do letramento, porém inicialmente os dois processos não têm um
grau elevado de dependência.
Indubitavelmente, à medida que a alfabetização vai se aprimorando a
consciência fonológica também se lapida. Em retroalimentação, caminham juntas,
auxiliando a criança no aperfeiçoamento de suas funções cognitivas refletindo-se,
assim, em todo o processo de construção do aprendizado, mesmo que na fase
adulta apresentem-se inconsistências, como se freqüentemente nos textos de
alunos com defasagem idade-série.
3.3 ERRO ORTOGRÁFICO
55
3.3.1 Erro ortográfico
Ensinar a escrever é uma tarefa de uma escola disposta a
olhar para frente e não para a repetição do passado que nos
trouxe à escola que temos hoje. Trabalhar com a incerteza e
com o erro e não com a resposta certa, porque escrever é
produzir velhas certezas, pois certezas nos deixam no mesmo
lugar, é o erro que nos leva na direção do novo (NEVES,
1999, p. 153).
No ensino de Língua Portuguesa não se pode ignorar os resultados da
produção escrita dos indivíduos, distinguindo-se os erros de forma e
inconsistências de conteúdo. O erro ortográfico é um erro de forma. É preciso
estabelecer uma tipologia de erros que retrate suas motivações e apresente um
quadro integrado dos padrões lingüísticos considerados desviantes da língua padrão
ou norma culta. A identificação dos tipos de erros ortográficos encontrados em
produções escritas por jovens e adultos que apresentam defasagem idade-série
poderá contribuir para esclarecer a natureza do chamado “erro de português”,
podendo vir a constituir-se instrumental pedagógico para práticas de educação
lingüística conforme as novas formas de ensinar a Língua Portuguesa.
Referimo-nos à expressão “erro de português”, entre aspas, também a
exemplo de Bortoni-Ricardo (2006), porque igualmente a consideramos inadequada.
”Erros de português” o simplesmente diferenças entre unidades da língua,
segundo a autora:
[...] a noção de erro nada tem de lingüística, é um (pseudo) conceito
estritamente sociocultural, decorrente dos critérios de avaliação (isto é, dos
preconceitos) que os cidadãos pertencentes à minoria privilegiada lançam
sobre todas as outras classes sociais. Do ponto de vista estritamente
lingüístico, o erro não existe, o que existe são formas diferentes de usar os
recursos potencialmente presentes na própria língua (p.08).
56
A explicação dos erros ortográficos cometidos pelos indivíduos está no
próprio sistema da língua, cabendo ao professor tratá-los numa abordagem
sistêmica
20
.
Para os lingüistas, o erro é indício de que um processo está em curso, uma
vez que o aprendiz opera sobre o que escreve de forma ativa, demonstrando a
manipulação que faz da própria linguagem quando a constrói e reconstrói no ato de
escrever. Sendo assim, os erros não são apenas o reflexo do que não sabe, mas
também do que ele sabe sobre o sistema, mesmo que esteja infringindo as regras
do sistema ortográfico.
Convém ressaltar que essas tentativas de escrita resultam do esforço do
aprendiz para comprovar ou rejeitar suas hipóteses ao lidar com um sistema
ortográfico tão complexo.
Nesse sentido, reportemo-nos aos estudos de Abaurre (1997), quanto à
natureza singular dos erros no estudo da aquisição da linguagem oral ou escrita:
[...] os dados coletados para pesquisas longitudinais ou transversais sobre
aquisição da linguagem oral ou escrita trazem em si as marcas de uma
situação de grande e natural instabilidade. Característica dessas situações
em que a linguagem é contínua e rapidamente (re)elaborada, a
provisoriedade das conclusões, hipóteses, generalizações e
sistematizações da criança é, em última análise, o que explica a natureza
cambiante dos dados de aquisição. Dada a uma certa plasticidade natural
da linguagem, nada mais natural, também, que essa plasticidade adquira
maior visibilidade nas situações-limite em que a linguagem se constitui em
objeto de evidente manipulação (p.18).
Fundamentalmente, ao se coletar os erros ortográficos nas produções desta
pesquisa, percebemos que os erros são de suma importância, não do ponto de
vista da compreensão do processo de aquisição e aprendizagem da língua, mas
também para auxiliar no planejamento de materiais de ensino, bem como no
redimensionamento da prática pedagógica.
Na oralidade, a noção de erro vem sendo revista graças aos estudos
sociolingüísticos, que têm auxiliado a perceber realizações desviantes de um falar
padrão como características de um grupo, um bem cultural. na língua escrita o
2 0
Por abordagem sistêmica entende-se aquela que preconiza a análise da incidência do erro
ortográfico em relação a outros aspectos do sistema da escrita.
57
erro ortográfico tem uma outra natureza porque representa a transgressão a um
código convencionado: a ortografia.
Percebe-se que, para a escola, são erros ortográficos todos os desvios da
norma convencional, como bem relata Moraes (1992):
[...] são erros ortográficos todos os desvios da norma convencional, tanto os
condicionados pelas idiossincrasias do código quanto os que revelam
interferência da fala. Dentre esses, os que transcrevem a fala estigmatizada
é que são o alvo principal de sua ação coercitiva e preconceituosa. Os erros
que aqui denominamos lingüísticos são os que recebem menor atenção, e é
essa a área que mais carece de estudo e investigação, pois as análises de
erros voltadas para a escrita inicial têm tradicionalmente privilegiado os
aspectos segmentais, recentemente fazendo incursões na prosódia, no
texto e no discurso (p.43).
Numa tentativa de classificar os erros mais freqüentes encontrados nas
produções escritas, Carvalho (1988) estabelece quatro tipos principais: 1) erros de
ortografia; 2) erros lexicais; 3) erros de informação; 4) erros de estrutura.
Dentre os erros de ortografia mais comuns temos a troca, acréscimo,
supressão e mudança de posição de letras, acentuação indevida ou ausência de
acentuação ou trema: consciênte, vêz, habito, tranquilo; divisão silábica. Junção
indevida de vocábulos que deveriam ser separados: derrepente, conhecelo, de pois;
hibridismo e má transcrição de formas estrangeiras: Teriu (caso Terry, eutanásia nos
EUA); confusão nos ditongos finais dos verbos na pessoa ou nos substantivos e
advérbios entom (então), teim (tem), ningueim (ninguém).
21
Por erros lexicais, entendam-se aqueles visualizados na escolha dos
vocábulos, na confusão com parônimos ou com palavras de grafia ou pronúncia
semelhantes: mal/mau, há/à/a, mais/mas, conserto/concerto
22
.
Os erros de informação são os que denotam o desconhecimento por parte
do autor a quaisquer tipos de conhecimentos, independentemente das Áreas de
Conhecimento. Exemplo: A eutanásia é o nome da prima da minha vizinha
23
.
21
O exemplos dados foram transcritos das produções escritas dos candidatos dos Exames Supletivos
2006, cujo tema foi Eutanásia.(modelo de prova, anexo 1).
22
Idem.
23
Frase transcrita da produção escrita do candidato dos Exames Supletivos/2006, cujo tema foi
Eutanásia.
58
E, finalmente, os erros de estrutura, de natureza morfossintática, os de
conjugação, os de regência, colocação, concordância e coordenação de idéias.
Exemplo: A morte da eutanásia foi uma pena e seus filho choro
24
.
O sujeito que comete o erro faz parte de uma sociedade, está impregnado
de uma cultura, sendo relevante o estudo de aspectos socioculturais no uso da
língua.
Essa forma de compreensão do erro parte do princípio de que a língua é um
conglomerado de variantes regionais, sociais, situacionais e temporais. Como bem
relatam Savioli e Fiorin (2001):
formas mais ou menos coloquiais, expressões que se usam numa
região e não noutra, formas mais ou menos populares, termos e
construções que se usam na família ou entre amigos, mas não na presença
de estranhos, formas consideradas grosseiras e outras que são vistas
como delicadas. Do estrito ponto de vista lingüístico, essas variantes são
equivalentes. Por exemplo, dizer eles jogam ou eles joga não afeta a
compreensão e, por isso, uma delas não é superior à outra do ponto de
vista lingüístico (p.27).
Os autores complementam:
[...] a língua cria outros mecanismos para assegurar a compreensão
adequada do que se quer transmitir. Se essas formas são equivalentes do
ponto de vista lingüístico, não são do ponto de vista social, pois a primeira
(eles jogam) é mais prestigiada. No caso das variantes, então a convenção
é extralingüística. Temos, neste caso, de falar em adequação ou
inadequação à situação de comunicação (p. 27).
situações que requerem o emprego da norma culta (textos
administrativos, jurídicos, didáticos) e outras o uso de uma variante mais coloquial.
Se foi utilizada uma variante inadequada, cria-se uma imagem desfavorável ao
falante. É que se pode e deve corrigir o “erro”. Corrige-se aquilo que não está de
acordo com os usos lingüísticos previstos/esperados.
A questão do erro lingüístico não se esgota, porém, no problema da
aceitabilidade. É preciso considerar que realizações lingüísticas que contrariam
24
Idem.
59
as regras gerais do sistema lingüístico ou que não cumprem adequadamente a
função de comunicar.
Apesar do erro ortográfico, na visão de vários estudiosos, ser considerado
uma transgressão à norma estabelecida por documento oficial em todo o território
nacional, precisamos nos conscientizar de que muitos alunos excluídos das
escolas por sua cultura de letramento não corresponder à expectativa do professor.
Desta forma, questiona-se por que razão não se valida inicialmente o dialeto desses
alunos, sua linguagem, seus hábitos, atitudes, costumes e vivências. São
considerados apenas sujeitos portadores de deficiências ou dificuldades de
aprendizagem, principalmente quando os mesmos apresentam em sua trajetória
escolar defasagem idade-série.
Indiscutivelmente, os professores devem atentar à recomendação feita
através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (Brasil, 1997, p. 96-97), no
sentido de atender às necessidades singulares dos alunos com relação à
diversidade cultural:
[...] a educação escolar deve considerar a diversidade dos alunos como
elemento essencial a ser tratado para melhoria da qualidade do ensino e
aprendizagem. [...] A escola, ao considerar a diversidade cultural, tem como
valor máximo o respeito às diferenças - não o elogio à desigualdade. As
diferenças não são obstáculos para o cumprimento da ação educativa;
podem e devem, portanto, ser fator de enriquecimento.
Em face dos posicionamentos em relação ao erro, verifica-se que para o
indivíduo que o cometeu, na maioria das vezes, este desconhece que esteja
errando, pois, ao escrever, materializa em letras e fonemas a sua hipótese de
escrita, a qual é validada ou invalidada pela interferência do professor, tendo
como referencial a norma-padrão. Assim, o que importa para esse sujeito é apenas
a intencionalidade de comunicar-se, de se fazer entender.
Nesse sentido, se o professor adotar uma postura de censura em relação
ao erro, certamente o mesmo deixará de produzir ou delimitará seu vocabulário
apenas ao uso de palavras, as quais tenha a certeza que estarão em conformidade
com a norma-padrão estabelecida.
60
Entretanto, não se quer dizer, com isso, que a correção não deva ser feita,
porém é imprescindível entender que o erro poderá ser construtivo se o
percebermos como uma forma de aprendizado. Assim, estaremos possibilitando que
o aluno construa uma relação de sujeito com a escrita e com a linguagem como um
todo.
Ressalta-se que as pedagogias contemporâneas nos têm ensinado que o
aluno, quando vai escrever, reflete sobre o que está fazendo e vai buscar subsídios
na sua língua oral e nos conhecimentos que está adquirindo sobre a estrutura da
língua escrita para construir hipóteses sobre a forma correta de escrever. A
construção dessas hipóteses vai se tornando mais eficiente à medida que os alunos
avançam no desenvolvimento da consciência fonológica e na aprendizagem da
escrita. Assim, os erros ortográficos que cometem ajudam o professor entender
como a hipótese heurística do aluno foi construída. Analisando os erros de sua
ortografia, juntamente com o aluno, o professor poderá planejar uma agenda de
atividades pedagógicas que visem a ajudá-lo a superar os problemas apresentados.
3.3.2 Categorias de erros ortográficos
O modelo de análise utilizado é o de Bortoni-Ricardo (2005, p.54), o qual
prevê a postulação de categorias de erros de natureza sociolingüística. Trata-se de
uma formulação restrita a variáveis morfofonêmicas que, ampliadas, incluem em
categorias as escalas implicacionais empregadas nos modelos tradicionais.
Foram postuladas as seguintes categorias:
Quadro 5 – Categorias de análise
1- Erros decorrentes da própria natureza arbitrária do sistema de convenção da escrita
2- Erros decorrentes da interferência de regras fonológicas
categóricas no dialeto dialeto estudado.
3- Erros decorrentes da interferência de regras fonológicas variáveis
graduais.
4- Erros de interferência de regras fonológicas variáveis
descontínuas.
Erros decorrentes da
transposição dos hábitos da
fala para a escrita
61
Fonte: Bortoni-Ricardo (2005, p. 54).
Estas categorias possibilitam a distinção funcional entre erros de ortografia
que resultam da interferência de traços da oralidade e erros que se explicam porque
a escrita é regida por um sistema de convenções cujo aprendizado é lento e
depende da familiaridade que cada leitor vai adquirindo com ela, em diversos
suportes: livros e textos impressos através de quaisquer objetos portadores de
textos.
Na categoria (1) foram classificados os erros decorrentes da própria
natureza arbitrária do sistema de convenção da língua escrita. A maioria decorre das
relações plurívocas entre fonema e letra. Como vimos no português, fonemas
que possuem diversas representações ortográficas. Por outro lado, letras que
representam dois fonemas. Por esta razão, precisamos compreender, enquanto
docentes, como está organizada a norma ortográfica de nossa língua: que
correspondências letra-som são regulares e, portanto, podem ser incorporadas pela
compreensão, e quais são irregulares, exigindo que o aluno as memorize.
Segundo Morais (2003, p. 29-34), as correspondências letra-som podem ser
regulares e irregulares.
3.3.2.1 Regulares
As correspondências letra-som regulares são:
1) diretas;
2) contextuais;
3) morfológicas.
62
3.3.2.1.1 Regulares Diretas
Neste grupo de relações letra-som em que um símbolo gráfico corresponde
a um único fonema estão as grafias das consoantes oclusivas [t], [d], [p], [b]. Apesar
de regulares, podem ser confundidas pelos alunos. Exemplo: ”pato” por “bato”,
“dapete” por “tapete”; como as fricativas [f] e [v], “faca” por “vaca”.
3.3.2.1.2 Regulares Contextuais
Neste grupo de relações letra-som, também regulares, é o contexto que vai
definir qual a letra (ou dígrafo) que deverá ser usada. regras para cada contexto
específico, regras que o aluno pode vir a compreender.
Os principais casos de correspondências regulares contextuais em nossa
ortografia são:
a) o uso de R ou RR em palavras como “rato”, “porta”, “honra”, “prato”, ”barata”
e “guerra”;
b) o uso de G ou GU em palavras como “garoto”, “guerra”;
c) o uso de C ou QU notando o som de /k/ em palavras como “capeta” e
“quilo”;
d) o uso de J formando sílabas com A, O e U em palavras como “jabuti”,
“jogada” ou “cajuína”;
e) o uso de Z em palavras que começam com o som de Z , “zabumba”,
“zinco”;
f) o uso de S no início das palavras, formando sílabas com A, O e U, como em
“sapinho”, “sorte” e “sucesso”;
g) o uso de O ou U no final de palavras que terminam “com o som de U” em
palavras como “bambo” e “bambu”;
h) o uso de E ou I no final de palavras que terminam “com o som de I”( por
exemplo, “perde”, “perdi”);
63
i) o uso de M, N, NH ou ~ para grafar todas as formas de nasalização de
nossa língua (em palavras como “campo”, “canto”, “minha”, “pão”, “maçã”).
Em função do contexto em que aparece a relação letra-som, pode-se gerar
grafias corretas sem precisar memorizar. O aluno pode compreender que, para o “R
forte”, usa-se R tanto no início da palavra (por exemplo “risada”), como no começo
de sílabas precedidas de consoante (por exemplo “genro”), ou no final de sílabas
(“porta”). Quando o mesmo som de “R forte” aparece entre vogais, usa-se RR (como
“carro”, “serrote”). Quando se quer registrar outro som do R, que alguns lingüistas
chamam de “brando”, usa-se só R, como em “careca” e “braço”.
Contudo, em alguns casos as regras se aplicam a todas as palavras da
língua nas quais a letra aparece, independentemente de estar no princípio, no meio
ou no fim o caso da disputa entre o G ou GU). Em outros casos, a regra serve
para certas posições. Por exemplo, palavras átonas terminadas “com som de U” se
escrevem sempre com O; em outra posição início ou meio não uma regra, o
que obriga a memorização da grafia de palavras como “português” e “tamborim”.
A escrita das vogais nasais e dos ditongos nasais constitui uma grande
dificuldade para os alunos porque na escrita do português existem cinco modos de
marcar a nasalidade:
- usando o M em posição final de sílaba (“bambu”);
- usando o N em posição final de sílaba (“banda”);
- usando o til (“manhã”);
- usando o dígrafo NH (em diferentes regiões do Brasil, palavras como
“minha” e “galinha” são de fato pronunciadas /mĩa/ e /galĩa/, de modo que
a vogal anterior ao dígrafo é nasalizada e ele não é pronunciado);
- por contigüidade, sem que se empregue nenhuma das alternativas
anteriores, pois a sílaba seguinte começa com uma consoante nasal
(por exemplo, “cama” e “cana”).
Essa variedade de alternativas (no sistema alfabético) explica por que as
crianças demonstram ter tanta dificuldade de adotar as formas corretas. No entanto,
vê-se que o uso dessas diferentes alternativas para marcar a nasalização em
português está completamente definido por regras. Veja-se, por exemplo, que as
64
palavras terminadas em /ã/ se escrevem com til; que as palavras terminadas por /ei/
- como “jovem e “também” se escrevem com M. Sempre regras para cada
contexto específico, regras que o aluno pode vir a compreender se a escola ajudar a
perceber o contexto que as motiva.
Isso pressupõe uma atitude por parte do professor no sentido de pensar e
elaborar estratégias de ensino que os ajudem a incorporar não a ortografia, mas
que os façam compreender como a norma ortográfica está estruturada.
3.3.2.1.3 Regulares morfológico-gramaticais
Neste terceiro grupo de relações letra-som, a compreensão nos
segurança ao escrever. Sabemos, por exemplo, que “portuguesa” e “inglesa” se
escrevem com S, enquanto “beleza” e “pobreza” se escrevem com Z. Mesmo que
não saibamos explicar as razões, temos um conhecimento intuitivo do que está por
trás dessas grafias. Nesses casos, são aspectos ligados à categoria gramatical da
palavra que estabelecem a regra.
As regularidades morfológico-gramaticais estão presentes em substantivos e
adjetivos. A morfologia descreve as normas que regem a estrutura externa das
palavras, isto é, as regras de combinação entre os morfemas-raízes para construir
“palavras” e a descrição das formas diversas que tomam essas palavras conforme a
categoria gramatical.
O autor exemplifica através de casos em que regularidades morfológico-
gramaticais em substantivos e adjetivos:
a) Adjetivos que indicam lugar de origem e possuem S na base
escrevem-se com ESA no final. Exemplos: Portuguesa e Francesa.
b) Substantivos derivados de adjetivos sem S na base: escrevem-se
com EZA. Exemplos: “beleza”, “pobreza”.
c) Adjetivos que indicam lugar de origem escrevem-se com ÊS no final.
Exemplos: “português”, “francês”.
d) Coletivos semelhantes a milharal, canavial e cafezal, terminam com L;
65
e) Adjetivos semelhantes a famoso, carinhoso e gostoso, escrevem-se
sempre com S.
f) Sufixos terminados com C escrevem-se com C. Exemplos:
“meninice”, “chatice”, “doidice”.
g) Substantivos derivados que terminam com os sufixos ÊNCIA, ANÇA e
ÂNCIA escrevem-se com C ou Ç, ao final. Exemplos: “ciência”,
“esperança”, “importância”.
As regras morfológico-gramaticais aplicam-se a vários casos de flexões dos
verbos que causam muitas dificuldades para os alunos. Vejamos alguns exemplos:
a) Formas na terceira pessoa do singular do passado (perfeito do
indicativo) se escrevem com U no final. Exemplos: “cantou”, “bebeu”,
“partiu”.
b) Formas da terceira pessoa do plural no futuro, porque átonas, se
escrevem com M no final. Exemplos: “canastrão”, “beberão”,
“partirão”; “cantam”, “cantavam”, “bebam”, “beberam”.
c) Todas as flexões do Imperfeito do Subjuntivo terminam com SS.
Exemplos: “cantasse”, “bebesse”, “dormisse”.
d) Todos os infinitivos terminam com R. Exemplos: “cantar”, “beber”,
“partir”, embora esse R não seja pronunciado em muitas regiões do
país.
Os casos de regularidades não se esgotaram, mas procurou-se ilustrar
através de exemplos a variedade de dificuldades que as envolvem. Isto requer por
parte do professor um esforço no sentido de ajudar seus alunos a compreender os
princípios gerativos vinculados à categoria gramatical das palavras. O autor
complementa: “Quando o aluno compreende que algo de constante naqueles
‘pedaços’ de palavras (que são semelhantes quanto à classe gramatical), não
precisa memorizar uma a uma as formas ortográficas.”
As correspondências letra-som podem e devem ser compreendidas pelo
aprendiz porque possuem regras que as norteiam. As correspondências irregulares,
entretanto, não possuem regras que possam auxiliar o usuário da língua escrita,
sendo necessário consultar modelos (dicionários, livros) e memorizá-las. Desta
66
forma, a exposição do sujeito aos modelos de escrita correta das palavras que
contêm irregularidades é fundamental para que ele memorize sua imagem visual.
3.3.2.2 Irregularidades
Como vimos, as correspondências regulares letra-som podem e devem ser
compreendidas pelo aluno porque possuem regras que as norteiam. As
correspondências irregulares, entretanto, não possuem regras que possam auxiliar o
usuário da língua escrita. É necessário recorrer a modelos (dicionários, livros) e
memorizá-las. São elas o registro:
a) do “som do S” (“seguro”, “cidade”, “auxílio”, “cassino”, “piscina”,
“cresça”, “giz”, “força”, “exceto”);
b) do “som do G” (“girafa”, “jiló”);
c) do “som do Z” (“zebu”, “casa”, “exame”);
d) do “som de X“ (“enxada”, “enchente”);
e) do H inicial (“hora”, “harpa”);
f) do E e I, O e U em sílabas átonas que não estão no final de palavras
(por exemplo, “cigarro” / “seguro”; “bonito”/ “tamborim”;
g) do L com o LH diante de certos ditongos (por exemplo, “Júlio” e
“julho”, “família” e “toalha”);
h) De certos ditongos da escrita que têm uma pronúncia “reduzida” (por
exemplo, “caixa”, “madeira”, “vassoura”, etc).
Como bem esclarece Morais (2003,p. 36), “internalizando as regras, o aluno
terá segurança para escrever corretamente as palavras que nunca teve a
oportunidade de ler”.
Em conseqüência disso, Faraco (2001) menciona:
[...] uma das coisas essenciais que o aluno deverá aprender, no processo
de apropriação da grafia, é que, embora grande parte das representações
gráficas seja perfeitamente previsível pelo princípio da relação unidade
67
sonora/letra, há uma certa dose de representações arbitrárias, as quais
exigem estratégias cognitivas próprias. Ele deverá saber, por exemplo, em
que casos pode haver situações arbitrárias; deverá saber que é preciso
memorizar a forma da palavra e que, nas dúvidas, deverá ir ao dicionário
(p.10).
Nas demais categorias de Bortoni-Ricardo (2005), quais sejam (2), (3) e (4),
estão classificados os erros decorrentes da transposição dos hábitos da fala para a
escrita. Distinguem-se, em primeiro lugar, regras fonológicas categóricas e regras
fonológicas variáveis. Segundo Bortoni-Ricardo (2005, p.55), enquanto as primeiras
aplicam-se sempre, independentemente das características sociodemográficas que
identificam o falante, e do contexto situacional, as regras variáveis podem aplicar-se
ou não, dependendo de fatores estruturais lingüísticos ou extralingüísticos.
Na categoria (2) temos os erros decorrentes da interferência de regras
fonológicas categóricas no dialeto estudado:
a) vocábulos fonológicos constituídos de duas ou mais formas livres ou
dependentes, grafados como um único vocábulo formal.
A propósito, Mattosomara Jr. (1971) nos mostra que o grande problema,
no âmbito da língua oral, é que por vocábulo se entendem duas entidades
diferentes. De um lado, o vocábulo fonológico que corresponde a uma divisão
espontânea na cadeia da emissão vocal. De outro lado, o vocábulo formal ou
mórfico, quando um segmento fônico se individualiza em função de um significado
específico que lhe é atribuído na língua. O autor afirma que certa
correspondência entre as duas entidades, mas elas não coincidem sempre e
rigorosamente. Exemplifica: jánotei.
A distinção entre vocábulo fonológico e vocábulo mórfico, segundo Bortoni-
Ricardo (2005, p. 55), parece ser especialmente difícil quando ocorre ligação da
consoante final de uma palavra com a vogal inicial da palavra seguinte. A autora
exemplifica: grasaza Deus.
b) Crase entre vogal final de uma palavra e vogal idêntica ou
foneticamente próxima da palavra seguinte. É um processo de
juntura. Exemplo: à tenção.
c) Neutralização das vogais anteriores /e/ e /i/ e das posteriores /o/ e /u/
em posição pós-tônica ou pretônica.
68
d) Nasalização do ditongo em “muito” por assimilação progressiva.
Segundo Bortoni-Ricardo (2005, p. 56), um problema difícil no estudo do
português brasileiro contemporâneo é o de estabelecer distinções entre regras
variáveis que definem uma estratificação gradual, isto é, um aumento crescente na
freqüência quando estudadas em diversos grupos sociais, e as regras que indicam
uma demarcação descontínua e definida entre os grupos sociais e que estão,
portanto, presentes no vocabulário verbal de alguns estratos e ausentes na
linguagem dos demais.
Na categoria (3) encontramos os erros decorrentes da interferência de
regras fonológicas variáveis graduais. Eles funcionam como indicadores de
variedades sociais, diastrásticas, mas também como marcadores de registro entre
falantes da língua culta, ocorrendo com maior freqüência nos registros não
monitorados.
a) Despalatalização das sonorantes palatais. Exemplo: oliar, mulier.
b) Monotongação de ditongos decrescentes.
Bagno (2006, p.91) afirma que, nos livros didáticos, define-se ditongo como
o encontro de duas vogais na mesma sílaba. O autor prossegue dizendo que são
duas letras, isto é, dois símbolos gráficos que são chamados de vogais. Mas são
dois sons de famílias diferentes: um som vocálico, mais um som semivocálico. Essa
diferença entre fala e grafia é importante e vai mostrar que acontece na
monotongação do ditongo EI diante das consoantes J,X e R.
A semivogal /y/, que se escreve I no ditongo EI, é um som palatal. Esse é
produzido no palato, que é dividido em palato duro e palato mole. As consoantes
representadas pelas letras J e X como em queijo e queixo também o palatais.
Quando dois sons têm semelhança eles juntam-se, fundem-se em um só. No caso
do ditongo EI, a assimilação aproveita o caráter palatal da semivogal e das
consoantes J e X para reuni-las num único som. O que acontece, neste caso, não é
exatamente a redução de EI em E, mas a redução do IJ – e IX em J e X.
Quando as palavras têm um R depois do ditongo EI, a assimilação vai agir
sobre o caráter anterior da semivogal I e da consoante R. Por esse ponto de
articulação ser comum é que os sons da semivogal I e da consoante R sofrem os
efeitos da assimilação e se transformam num só. Exemplo: dinhero/dinheiro.
69
c) Desnasalização das vogais átonas finais.
Segundo Bortoni-Ricardo (2006, p. 98), a desnasalização incide em
sílabas finais átonas. A regra da desnasalização aplica-se principalmente aos
ditongos nasais e átonos finais. Exemplo: homem> homi , virgem > virge.
Nas formas verbais de pessoa do plural, a desnasalização resulta em
formas como (eles) fizeru, (eles) andaru.
d) Assimilação e degeminação do nd: /nd>> nn>> n/. Pode-se dizer que
assimilação quando, numa seqüência de sons homorgânicos ou
parecidos, um deles assimila o outro, que desaparece. Neste caso, na
seqüência /nd/ temos duas consoantes alveolares ocorrendo no
gerúndio. Exemplo: falando> falanu, vindo > vinu, comendo >
comenu.
e) Queda do /r/ final das formas verbais. Sabe-se que em todas as
regiões do Brasil, o /r/ pós-vocálico, independente da forma como é
pronunciado, tende a ser suprimido, especialmente nos infinitivos
verbais. Quando o suprimimos, alongamos a vogal final e damos mais
intensidade a ela. A supressão do /r/ nos infinitivos origem a uma
hipercorreção a qual ocorre de uma hipótese mal-sucedida. Convém
ressaltar que o falante da língua, quando suprime o /r/ em infinitivo
verbal ao escrever, faz isso porque na língua oral ele não usa mais
esse /r/.
A categoria (4) inclui os traços descontínuos, privativos de variedades rurais
e/ou submetidos à forte avaliação negativa. Compreende os erros de interferência
de regras fonológicas variáveis descontínuas. Bortoni-Ricardo (2005, p.40) explica
que as regras que definem uma estratificação “descontínua” e que caracterizam as
variedades regionais e sociais mais isoladas, com maior grau de estigmatização na
sociedade urbana, são regras graduais, que definem uma estratificação contínua e
estão presentes no repertório dos brasileiros, dependendo do grau de formalidade
que conferem à própria fala. São exemplos desse grupo:
a) Semivocalização do /lh/. Faraco (2001, p.18) explica que
variedade do português brasileiro que substituíram /Ĩ/ por /y/: dizendo:
Ipa.yaI e não Ipa.ĨaI; Ite.yaI e não Ite.ĨaI. Essa situação cria uma
70
convergência com ditongos, tornando-se arbitrário para os falantes
daquelas variedades saber quando /y/ grafa com lh e quando se grafa
com i. Assim, segundo o autor, palha e telha poderão ocorrer como
paia e teia na grafia inicial desses falantes.
b) Epítese do /i/ após sílaba final travada. Bortoni-Ricardo (2005, P. 57),
exemplifica: paz >>pazi ;pessoal >> pessuali.
c) Troca do /r/ pelo /l/ . Isto ocorre devido a tendência da língua
portuguesa transformar em r o l dos encontros consonantais, pois faz
essa troca quando fala.
d) Monotongação do ditongo nasal em muito >> munto.
e) Supressão do ditongo crescente em sílaba final. Ocorrem dois casos,
com ditongo oral e nasal, respectivamente.
As categorias acima apresentadas, mais a segmentação e os processos
fonológicos descritos, serão tomados como base para a análise dos dados, que são
os erros ortográficos verificados nas produções escritas dos candidatos aos Exames
Supletivos 2005/2006 que apresentaram defasagem idade-série. Essa análise será
realizada no capítulo que segue.
71
4 MÉTODO
[...] é preciso também reconhecer que a própria opção
por uma metodologia é ditada pela teoria abraçada,
com todas as suas crenças e pressupostos a respeito
da natureza de seu objeto de estudo (PERRONI,
1996, p. 25).
Para a análise sociolingüística dos erros ortográficos dos alunos com
defasagem idade-série, realizou-se pesquisa descritiva associada a estudo
qualitativo.
A pesquisa descritiva, conforme Gil (2002), tem como objetivo primordial a
descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o
estabelecimento de relações entre variáveis. o procedimentos a identificação e a
análise em categorias das inadequações ortográficas em produções escritas nas
provas dos Exames Supletivos, nível Médio 2005/2006/SE/RS (Secretaria de
Educação do Estado do Rio Grande do Sul). Em 2005, o tema escolhido, em nível
Médio, foi Eutanásia (anexo 1) e, em 2006, o tema proposto foi: Ler (anexo 2).
Levantaram-se inadequações de 1093 provas, 425 de 2005 e 668 de 2006.
Os dados foram a seguir analisados nas categorias propostas por Bortoni-Ricardo
(2005).
Por estudo qualitativo, Pereira (2004, p.21) entende o estudo do dado
qualitativo, da representação simbólica atribuída a manifestações de um evento.
Explica que esse tipo de dado instrumentaliza o reconhecimento do evento, a
análise de seu comportamento e suas relações com outros eventos. A técnica
utilizada foi a observação em sala de aula de alunos da rede pública e particular.
Foram feitas anotações acerca dessa observação. Complementou-se a pesquisa
com o preenchimento de formulários, análise e cruzamento dos dados obtidos
através do estabelecimento de varáveis numéricas (idade, sexo, de filhos, estado
civil e outras), bem como as variáveis categóricas (profissão, expectativas em
relação à escola, bito de leitura e outras). Estes dados permitiram traçar o perfil
sociocultural dos candidatos em questão.
72
A primeira etapa consistiu no recolhimento das amostras da produção escrita
dos candidatos, mais propriamente, das provas de redação dos Exames Supletivos
2005/2006, oferecidos pela Secretaria de Educação do Governo do Rio Grande do
Sul.
Devido à minha formação acadêmica e ao fato de ter vínculo funcional com
o Estado, fui designada pela então Coordenadora Regional de Educação de Caxias
do Sul, Senhora Beatriz Reginini Silva, a proceder à correção das redações. Tal
atribuição saiu publicada no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul ano
2005 (anexo 3); ano 2006 (anexo 4). Sendo assim, não necessitei solicitar
autorização para o manuseio das provas e obtenção dos dados.
Entretanto, não foi possível, por questões legais e sigilosas, fazer cópias das
redações por duas razões: as provas foram realizadas nas três penitenciárias
industriais: Caxias do Sul, Canela e São Francisco de Paula e devem ser
preservadas a identidade e o material dos candidatos; as provas são devolvidas à
Secretaria de Educação, lacradas e arquivadas para eventuais pedidos de recurso.
A segunda etapa foi inventariar e categorizar os erros ortográficos.
A terceira etapa consistiu na observação dos alunos numa turma da rede
pública de ensino: Escola Estadual de Ensino Médio Melvin Jones (anexo 5); e numa
turma de alunos da rede particular: Escola de Ensino Médio Culturão (anexo 6),
ambas localizadas no município de Caxias do Sul/RS. Cabe ressaltar que, em cada
turma, constavam 33 alunos.
Por ocasião da observação, foram analisados o contexto, o material
utilizado, o sistema da fala e as manifestações lingüísticas, no caso, escritas.
Em seguida, solicitamos aos alunos preencherem um formulário de pesquisa
(anexo 7) para que, após a tabulação dos dados, pudéssemos traçar o perfil
sociolingüístico dos alunos, considerando seus antecedentes sociodemográficos e
suas práticas lingüísticas nas modalidades oral e escrita.
Na quarta etapa, contamos com o apoio do Núcleo de Estudos, Pesquisa e
Assessoria Estatística (NEPAE) da Universidade de Caxias do Sul
27
, sob a
27
Desde 2006, está em funcionamento o Núcleo de Estudos, Pesquisa e Assessoria Estatística
(NEPAE), órgão do Departamento de Matemática e Estatística (DEME) que desenvolve atividades de
ensino, pesquisa e extensão na área de Probabilidade Estatística.
73
orientação do Professor Carlos Pinent, para proceder a uma tabulação cruzada,
crosstab (cruzamento dos dados), por meio do programa SPSS (anexo 8).
Neste trabalho, reconhecemos o desenvolvimento e a aprendizagem da
língua como um processo dinâmico, razão pela qual as análises dos erros
ortográficos deverão estar centradas na gênese dos processos e nas práticas
sociais dos indivíduos com defasagem idade-série, sujeitos desta pesquisa.
Assim, no capítulo que segue, traçaremos o perfil sociocultural desses
alunos, bem como faremos a análise e categorização dos erros ortográficos
coletados.
74
5 ANÁLISE
A pesquisa buscou categorizar os erros ortográficos e também traçar o perfil
sociocultural de alunos com defasagem idade-série. Duas escolas que ofertam
Educação de Jovens e Adultos/EJA, uma da rede pública e outra da rede particular,
oportunizaram que nelas se realizasse a investigação.
Convém ressaltar que, quando se fala em alunos com defasagem idade-
série, inscritos na educação de jovens e adultos, se apresenta logo a problemática:
pessoas que estão fora dos parâmetros da escola regular. Por isso, grande parte
dos professores desconhece e não valoriza o perfil e anseios desses alunos,
partindo do pressuposto de que eles estão fora das exigências da escola regular e
perderam muito tempo. Conforme Silva (2004), o professor desta modalidade de
ensino, em sua prática docente, necessita conhecer bem seus alunos. Complementa
o autor:
[...] para trabalhar com esses educandos, é essencial conhecê-los bem. O
papel do professor, neste sentido, deve ser um pesquisador da história de
vida dos alunos, a fim de perceber o que leva essas pessoas a ingressarem/
retornarem à escola, o que as mesmas fazem (ocupação profissional e vida
social), bem como o que elas esperam aprender na escola (p.29).
Foi o que fizemos: buscamos subsídios para o desenvolvimento da prática
docente, levantando seu perfil e necessidades, para melhor entendê-los.
5.1 PERFIL DOS GRUPOS DE ALUNOS COM DEFASAGEM IDADE-SÉRIE
Por ocasião da aplicação do formulário de pesquisa, percebeu-se que as
turmas de EJA são bastante heterogêneas. A história de vida de cada um é
imprescindível para que seja possível uma ação pedagógica em consonância com
as necessidades dos alunos.
Nesse sentido, as Diretrizes Nacionais expõem:
75
A EJA vai dar cobertura a tantos outros segmentos sociais, como dona de
casa, migrantes, aposentados e encarcerados. A reentrada no sistema
educacional dos que tiveram uma interrupção forçada, seja pela repetência
ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou
outras condições adversas, deve ser saudada como uma reparação
corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos
indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos
espaços da estética e na abertura dos canais de participação (CNE/CEB,
2000, p. 158).
Tendo em vista as expectativas registradas nas próprias Diretrizes
Nacionais, foram estabelecidas pelo pesquisador as variáveis controladas: local de
nascimento, tempo de residência em Caxias do Sul, tempo fora da escola, idade,
freqüência à associação/clube, leitura, meios de leitura, sexo, dificuldades
encontradas ao produzir textos.
Devido ao fato de a pesquisa ter sido feita em duas escolas das redes de
ensino, pública e particular, sentiu-se a necessidade de realizar a tabulação cruzada
das variáveis elencadas, para que se pudesse visualizar a real situação dos alunos
pesquisados.
Observemos os gráficos com os resultados da pesquisa:
Figura 1: Local de nascimento
Num total de 66 alunos, 27 nasceram em Caxias do Sul. Desses, 12
pertencem à rede pública de ensino (44, 4%), e 15 são alunos da rede particular
(55,6%).
76
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
Caxias do Sul RS Outros Estados
Pública
Particular
Nascidos em outras cidades do RS são 26 alunos, 15 oriundos da rede
pública, (57,7%) e 11 alunos da rede particular (42,3%).
Nascidos em outros estados são 13 alunos, seis oriundos da rede pública,
(46,2%) e sete alunos da rede particular (53,8%).
Podemos observar que alunos nascidos em Caxias do Sul e os que
nasceram em outros estados do RS concentram-se mais na rede particular.
Figura 2: Tempo que reside em Caxias do Sul
Os alunos de outros estados, o que inclui Amazonas, Bahia, Paraíba,
Paraná, Santa Catarina e São Paulo
28
, vieram em busca de oportunidades de
trabalho e, por não conhecerem o funcionamento do sistema de ensino público
(localização, relação das escolas existentes), optaram pela escola particular de EJA
como forma de garantir vaga e ganhar tempo, uma vez que as empresas instaladas
no município de Caxias do Sul exigem, para contratação, a Conclusão do Ensino
Médio ou freqüência ao mesmo.
os alunos nascidos em outras cidades do Rio Grande do Sul (Alpestre,
Barracão, Braga, Camaquã, Canela, Casca, Criciumal, Esteio, Farroupilha, Ibiaçá,
Ibiraiaras, Lagoa Vermelha, Palmeira das Missões, Paraí, São Francisco de Paula,
São João do Sul, São José do Ouro, Tenente Portela, Tupanciretã, Tuparendi e
28
Dados obtidos através do formulário de pesquisa.
77
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Até 1
ano
2 - 4
anos
5 - 9
anos
10 - 19
anos
20 - 29
anos
30 - 39
anos
40
anos
ou
mais
Pública
Particular
Vacaria)
29
concentram-se na rede pública, uma vez que conhecem o funcionamento
do sistema de ensino, bem como a organização curricular da EJA no Estado do Rio
Grande do Sul
30
e buscam apenas a continuidade de seus estudos.
Compulsando os dados, verificamos que o tempo de residência dos alunos
em Caxias do Sul, numa estimativa de um a 40 anos ou mais, o tempo maior recai
na faixa correspondente de 10 a 19 anos de residência. Dos 66 alunos, 20 se
enquadram neste tempo de residência; desses, 11 são oriundos da rede pública
(55,0%) e nove alunos da rede particular (45,0%).
Vê-se, com isso, que é um tempo considerável para que o indivíduo interaja
nos diversos domínios sociais pertinentes à sua rede social. Bortoni-Ricardo (2006,
p.23) entende domínios sociais como sendo os três ambientes onde uma criança
começa a desenvolver o seu processo de sociabilização: a família, os amigos e a
escola, terminologia esta, segundo a autora, vinda da tradição sociológica. Assim,
em se tratando de adultos, o tempo de permanência nesses domínios torna-se
significativo e determinante de seu repertório lingüístico.
Figura 3: Tempo fora da escola
2 9
Dados obtidos através do formulário de pesquisa.
3 0
No Estado do Rio Grande do Sul, a Educação de Jovens e Adultos/EJA nas escolas públicas
organiza-se por totalidades de ensino, mais especificamente, no Ensino Médio T7, T8, T9
(nomenclatura utilizada pelo estado do Rio Grande do Sul em sua organização curricular, a qual
corresponde à 1ª, e 3ª série do Ensino Médio regular), totalizando carga horária mínima de 2.400
horas.
78
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
Até 1 ano 2 - 10
anos
11 - 20
anos
21 - 30
anos
31 - 40
anos
40 anos
ou mais
Pública
Particular
Dentre os sujeitos da pesquisa, a maior parte ficou afastada da escola por
um período de dois a 10 anos: de 33 alunos, 19 são oriundos da rede particular
(57,6%) e 14 da rede pública ( 42,4%).
Convém relacionarmos a idade desses alunos, como podemos ver na Figura
abaixo:
Figura 4: Idade
Isto nos faz pensar que, à medida que os indivíduos vão desempenhando
ações sociais mais diversificadas em atividades profissionais, e ampliando suas
relações além do domínio da família, os mesmos têm de atender a normas,
exigências nos novos domínios de interação social que passam a freqüentar. Torna-
se, então, necessário voltar à escola para possibilitar o acesso ao mundo do
trabalho ou a permanência nele.
Os indivíduos justificaram o tempo de afastamento da escola no formulário
de pesquisa. A razão preponderante foi a necessidade de trabalhar, seguida de
outros motivos, tais como: constituir família, mudar de cidade, consecutivas
reprovações derie, falta de interesse, gravidez, escola de difícil acesso, escassez
financeira e a necessidade de ajudar os pais na roça.
79
0
2
4
6
8
10
12
14
18 a
25
26 a
30
31 a
35
36 a
40
41 a
45
46 a
50
51 a
55
56 a
60
61 a
65
Pública
Particular
Figura 5: Freqüência à associação/clube
Os resultados indicam que, dos 66 alunos, 46 não participam de nenhuma
associação/clube. Desses, 25 são oriundos da rede particular (54,3%) e 21 da rede
pública (45,7%).
Em relação à participação em igreja, chamou atenção que, de 14 alunos, 10
são oriundos da rede pública (71,4%) e quatro são oriundos da rede particular
(28,6%).
Convém ressaltar que, em relação à igreja, os indivíduos mencionaram a
participação em Igrejas Evangélicas e Testemunha de Jeová, além da Igreja
Católica, em número bem menor.
Outras associações foram mencionadas no formulário como, por exemplo,
Associação dos Alcoólatras Anônimos (AAA), Clube de Mães e Planejamento
Participativo.
No Clube de Mães e AAA, verificou-se somente a participação de alunos da
rede particular.
no grupo do Planejamento Participativo, os percentuais mantiveram-se
iguais, ou seja, dois alunos da rede pública (50,0%) e dois alunos da rede particular
(50,0%).
80
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
Nenhum Igreja Clube de
mães
P.
Participativo
AAA
Pública
Particular
Figura 6: Leitura
Dos 66 alunos, 39 têm o hábito da leitura; desses, 20 são oriundos da rede
particular (51,3%) enquanto 19 alunos vêm da rede pública (48,7%).
É possível pensar que os alunos da rede particular têm mais possibilidades
de serem introduzidos na cultura letrada por deterem mais status socioeconômico
31
,
recursos materiais e virtuais, o que, historicamente, beneficia parcelas restritas da
população brasileira.
Os alunos da rede pública também lêem, porém, num percentual menor e
ocasionalmente. Uma vez que trabalham o dia todo, não estão envolvidos
diretamente com a leitura e não costumam adquirir livros, jornais, revistas e outros.
Dos alunos que não lêem (10 indivíduos), cinco vêm da rede particular
(50,0%), cinco da rede pública (50,0%). Independentemente da origem escolar, não
têm o hábito e não manifestaram gosto pela leitura.
Quanto aos 17 alunos que às vezes lêem, nove vêm da rede pública (52,9%)
e oito alunos da rede particular. Os índices mostram que os indivíduos da rede
pública lêem mais, embora de forma esporádica. Seu envolvimento maior com a
igreja faz com que os mesmos leiam a Bíblia e revistas religiosas. Entre estratos
sociais menos favorecidos, aos quais pertence a maioria dos indivíduos oriundos da
3 1
Conforme BORTONI-RICARDO (2006, p.48), as diferenças de status socioeconômico representam
desigualdades na distribuição de bens materiais e culturais, o que se reflete em diferenças
sociolingüísticas.
81
44,00%
45,00%
46,00%
47,00%
48,00%
49,00%
50,00%
51,00%
52,00%
53,00%
Sim Não Às vezes
Pública
Particular
rede pública, a leitura é atividade pertinente ao domínio de algumas instituições,
apenas destacando-se a escola e a igreja.
Nesses contextos, a leitura passa a ser um instrumento de recrutamento dos
indivíduos advindos de uma cultura minoritária, que pratica variedades
desprestigiadas da língua.
Cabe aqui mencionar Bortoni-Ricardo (2005), quando nos diz que:
A leitura torna-se então uma experiência transcultural na qual se confrontam
dois códigos, cujas diferenças se atualizam no domínio da gramática, da
pragmática, da retórica e, principalmente, das representações ideológicas. É
tão relevante a função da leitura como mecanismo de recrutamento para
uma rede referencial e simbólica supralocal e prestigiada que a sabedoria
popular categoriza os indivíduos em dois grupos, a saber: ”pessoa com
leitura” e “pessoa sem leitura” (p.79).
Figura 7: Meios de leitura
Dos 66 alunos, 34 utilizam o jornal como meio de leitura; desses, 20
indivíduos vêm da rede particular (51,3%) e 19 da rede pública (48,7%).
Pode-se pensar que os alunos da rede particular tenham mais condições de
adquirir jornal, muito embora os alunos da rede pública também o façam, mas num
percentual menor.
82
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
Jornais Revistas Livros Outros
Pública
Particular
Dos 16 alunos que lêem revistas, houve um empate: oito indivíduos oriundos
da rede particular (50,0%) e oito indivíduos da rede pública (50,0%). A leitura de
revistas, como possivelmente de jornais, não está vinculada à aquisição dos
mesmos, uma vez que nos ambientes que freqüentam devem estar disponíveis até
mesmo dentro da própria escola.
Quanto à leitura de livros, a informação obtida foi relevante, pois mostrou
que, de um total de quatro alunos, todos que efetuam leitura de livros são oriundos
da rede pública. Na escola pública um grande incentivo ao empréstimo e retirada
de livros das bibliotecas, uma vez que o acervo das mesmas, por oferecerem o
Ensino Médio, deve estar atualizado em atendimento ao estabelecido no Parecer
CEED nº 580/2000, sobre condições para a oferta do Ensino Médio no Sistema
Estadual de Ensino. Em relação a outros meios de leitura, de 12 alunos, sete vêm da
rede particular (58,3%) e cinco da rede pública (41,7%).
Dentre esses meios, foram mencionados os folders de supermercado e
lojas, revistas bíblicas, Internet, receitas culinárias.
Figura 8: Sexo
Dos 66 alunos, 41 são do sexo feminino; 22 oriundos da rede pública;
(53,7%) e 19 da rede particular (46,3%).
Já dos alunos do sexo masculino (25), 14 vêm da rede particular (56,0%), 11
da rede pública (44%).
Se à mulher de baixa renda que freqüentou escola pública usualmente
cabem as tarefas do lar, podemos pensar que as mulheres estão buscando voltar
83
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Masculino Feminino
Pública
Particular
aos estudos para sair da condição de dona-de-casa e garantir-se no mercado de
trabalho para obter autonomia financeira. Não dispondo de verba para vincular-se à
escola particular, inscrevem-se na escola pública.
os homens, por necessidade ou por exigência de trabalho e alternativas
de horários, e considerando-se que a maioria possui fonte de renda, encontram-se
em condições de vincular-se à escola particular.
Segundo Bortoni-Ricardo (2006, p.49), todos esses fatores (idade, sexo, seu
status socioeconômico, nível de escolarização) são atributos estruturais, fazem parte
da própria individualidade do falante, orientam práticas sociais e o por elas
definidos.
Os alunos que se submetem às provas dos Exames Supletivos/RS são
símbolos de multiculturalismo, representam a diversidade sociolingüística existente,
sejam eles oriundos da rede particular ou pública de ensino.
Por experiência pessoal, que vai além desta pesquisa, percebe-se que o
sujeito, ao escrever, elabora hipóteses de escrita cujo objetivo é o de se fazer
entender e, conseqüentemente, comunicar-se, não havendo preocupação maior de
observar as exigências que a norma ortográfica impõe. Quando questionado sobre a
maior dificuldade e problemas ao escrever, respondeu surpreendentemente que era
a vírgula, seguida da pontuação, ou seja, o sujeito não tem ciência dos erros
ortográficos que comete. Vejamos o que nos mostra a Figura abaixo:
84
0
1
2
3
4
5
6
7
Ortografia
Interpretação
Letra
o tem
problemas
Vírgula
Pontuação
Acentuação
blica Particular
Figura 9: Dificuldades encontradas ao escrever textos
A Figura acima revela que o sujeito que apresenta defasagem idade-série
em sua vida escolar não sofre censura por parte do professor a ponto de impedi-lo
de produzir textos escritos. A observância às normas ortográficas não é prioridade,
mas a escrita à sua maneira para transmitir idéias. Elabora hipóteses sobre o
registro ortográfico e, mesmo inadequadas, continua a segui-las por
desconhecimento ou por pouco insumo de leitura e contato com a língua.
Indiscutivelmente, os professores devem atentar à recomendação feita
através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (Brasil, 1997, p. 96-97), no
sentido de atender às necessidades singulares dos alunos com relação à
diversidade cultural:
[...] a educação escolar deve considerar a diversidade dos alunos como
elemento essencial a ser tratado para melhoria da qualidade do ensino e
aprendizagem. [...] A escola, ao considerar a diversidade cultural, tem como
valor máximo o respeito às diferenças - não o elogio à desigualdade. As
diferenças não são obstáculos para o cumprimento da ação educativa;
podem e devem, portanto, ser fator de enriquecimento.
No entanto, não devem descuidar do ensino da ortografia. A adoção de uma
postura punitiva em relação ao erro ortográfico pode de fato inibir a criatividade na
produção textual, mas a reflexão sobre os erros pode contribuir para o
aperfeiçoamento do texto escrito e conseqüentemente para autonomia do aprendiz.
É imprescindível entender que o erro poderá ser construtivo se o percebermos como
uma forma de aprendizado. Assim, estaremos possibilitando que o aluno construa
uma relação de sujeito com a escrita e com a linguagem como um todo.
5.2 ANÁLISE DOS ERROS ORTOGRÁFICOS
Os erros ortográficos submetidos à análise são, como esclarecemos
anteriormente, oriundos dos textos de candidatos aos Exames Supletivos
2005/2006.
85
Na categoria 1 encontramos erros decorrentes da própria natureza arbitrária
do sistema de convenção da escrita: relações fonema-letra, diferença ortográfica do
sufixo mero-pessoal da terceira pessoa do plural /ãw/, que é grafado “ão” e erros
relacionados à eficiência das técnicas de alfabetização e de treinamento. É o que se
verá na seção seguinte.
5. 2.1 Erros da categoria 1 de Bortoni-Ricardo (2005)
5.2.1.1 Correspondências irregulares entre fonema-letra
As correspondências irregulares letra-som podem ter sido herdadas do latim,
quer por evolução fonética, quer pelo abandono de uma forma regular por analogia.
A evolução das palavras modela-se dentro dos padrões chamados paradigmas. Sair
desses paradigmas constitui-se irregularidade.
Segundo Morais (2003, p. 35), as correspondências irregulares não se
pautam por regras que possam auxiliar o usuário da língua na escrita. É necessário
consultar modelos (dicionários, livros) e memorizá-los. Desta forma, a exposição do
sujeito aos modelos de escrita correta das palavras que contenham irregularidades é
fundamental para que ele memorize sua imagem visual.
A representação dos fonemas /s/ e /z/ é um exemplo. múltiplas
possibilidades de representação, envolvendo as letras s, ss, ç, c, sc, s, x e z. A
principal tendência dá-se no sentido de as letras representando o fonema sonoro
serem trocadas por letras representativas do fonema surdo. No caso deste par, o
problema é que as letras s e z podem tanto representar o fonema surdo quanto o
fonema sonoro, o que parece ser uma dificuldade adicional. Observando as trocas
que os alunos realizam, temos a impressão de que muitos deles, embora possam
não apresentar dificuldades em diferenciar um som do outro, acabam por generalizar
a possibilidade de escrita, empregando um símbolo mais do que o outro.
Elenca-se abaixo o que foi verificado na produção escrita dos candidatos:
86
Quadro 06 – Irregularidades letra-som – Troca de z por s
Inadequações Registro esperado
disia dizia
fas faz
faser fazer
gravides gravidez
horisontes horizontes
infelismente infelizmente
lus luz
praserosa prazerosa
prejuíso prejuízo
reso rezo
sosinho sozinho
tauves talvez
Quadro 07 – Irregularidades letra-som – Troca de s por z
Inadequações Registro esperado
analizados analisados
analize análise
atravez através
brazileiros brasileiros
cazo caso
coiza coisa
curiozidade curiosidade
dezenho desenho
espoza esposa
eutanaze eutanásia
fabuloza fabulosa
precizo preciso
presize precise
prezente presente
proveitoza proveitosa
quizer quiser
rapoza raposa
rezumindo resumindo
televizão televisão
gostozo gostoso
indecizo indeciso
mentirozo mentiroso
muzico músico
87
Seqüencialmente encontramos, nas produções escritas, erros decorrentes
da possibilidade de representações múltiplas numa relação não-estável, na qual
uma mesma letra pode representar vários sons, como pode ser ilustrado pelas
palavras abaixo nas trocas do ç por ss e ss por ç.
Quadro 08 – Irregularidades letra-som – Troca de ç por ss
Inadequações Registro esperado
aprovassão aprovação
cabessa cabeça
comessar começar
comesso começo
comessou começou
conhesso conheço
duenssa doença
fasso faço
forssa força
ingessão injeção
justissa justiça
nossão noção
opssão opção
pesso peço
preguissa preguiça
trassado traçado
tropessou tropeçou
Quadro 09 – Irregularidades letra-som – Troca de ss por ç
Inadequações Registro esperado
açalto assalto
discução discussão
expreção expressão
iço isso
impreção impressão
neceçário necessário
permição permissão
preção pressão
profição profissão
promeças promessas
88
Como podemos supor, uma série de erros são produzidos em função da
correspondência irregular e não-estável de um mesmo som que pode ser escrito por
diversas letras. Como foi possível constatar, o som /s/ pode ser representado pelas
letras c, s, ss.
Quadro 10 – Irregularidades letra-som – Troca de s por c
Inadequações Registro esperado
cendo sendo
censação sensação
centimento sentimento
centindo sentindo
cituação situação
conciga consiga
encino ensino
falcidade falsidade
incistir insistir
sencibilidade sensibilidade
Quadro 11 – Irregularidades letra-som – Troca de c por s
89
Inadequações Registro esperado
aseito aceito
aseitou aceitou
benefísio benefício
chanse chance
conhesimento conhecimento
conheser conhecer
consentrado concentrado
desidir decidir
desisão decisão
difísil difícil
disionário dicionário
exersísio exercício
faseta faceta
ganansia ganância
insentivar incentivar
paciensia paciência
parese parece
pasiente paciente
persebe percebe
preconseito preconceito
presisa precisa
prinsipalmente principalmente
raciosinio raciocínio
raciosinar raciocinar
reseber receber
segos cegos
sérebro cérebro
serta certa
serteza certeza
serto certo
sesta cesta
sircunstansia circunstância
Quadro 12 – Irregularidades letra-som – Troca de c por ss
Inadequações Registro esperado
acontesser acontecer
assertada acertada
assesso acesso
conhesser conhecer
enriquesse enriquece
fassil fácil
menssionar mencionar
nessessidade necessidade
notíssia notícia
perssepção percepção
resseita receita
sussessivamente sucessivamente
sussedida sucedida
sussesso sucesso
90
Quadro 13 – Irregularidades letra-som – Troca de ss por c
Inadequações Registro esperado
acostumace acostumasse
acunto assunto
conseguicem Conseguissem
dece desse
dedicacem dedicassem
nececidade necessidade
parace parasse
pacear passear
pegácemos pegássemos
pocível possível
proficional profissional
recentimento ressentimento
sussecivamente sucessivamente
tentace tentasse
tivece tivesse
tivecemos tivéssemos
Quadro 14 – Irregularidades letra-som – Troca de s por ss
Inadequações Registro esperado
converssa conversa
conssiga consiga
diverssão diversão
penssa pensa
penssamento pensamento
precissamos precisamos
Ao lado das irregularidades vistas até agora, que obrigarão o aluno a
recorrer ao modelo autorizado (dicionário) e memorizar os registros, encontramos
também a troca das letras sc por c, c por sc e sc por ss.
Quadro 15 – Irregularidades letra-som – Troca de sc por c
Inadequações Registro esperado
adolecência adolescência
Conciência consciência
crecer crescer
facinante fascinante
nacem nascem
picina piscina
trancende transcende
91
Quadro 16 – Irregularidades letra-som – Troca de c por sc
Inadequações Registro esperado
acontescendo acontecendo
ascessível acessível
descidir decidir
violênscia violência
A ocorrência de uma ou outra representação gráfica se torna complexa e
arbitrária por não ser apreensível por meio de uma regra, uma vez que, num mesmo
contexto, duas ou mais unidades gráficas representam a mesma unidade sonora. É
o caso de /ž/, diante das vogais anteriores (grafadas com e-i), ser representada por
g ou j. Listamos a seguir as ocorrências encontradas.
Quadro 17 – Irregularidades letra-som – Troca de g por j
Inadequações Registro esperado
corajem coragem
imajinar imaginar
imajinário imaginário
jente gente
viajem viagem
Quadro 18 – Irregularidades letra-som – Troca de j por g
Inadequações Registro esperado
ganta janta
geito jeito
hoge hoje
Outro caso de fonema com mais de um modo de representação é o do
registro de /∫/, com ch ou x:
Quadro 19 – Irregularidades letra-som – Troca de ch / x
Inadequações Registro esperado
chícara xícara
compaichão compaixão
deicho deixo
enchergar enxergar
mechendo mexendo
queichamos queixamos
relachamos relaxamos
xácara chácara
92
Dentre as irregularidades, verificaram-se também trocas de x por s ou ss, no
registro de /z/ e /s/.O aluno teve, no mínimo, dois grafemas disponíveis e a decisão
de optar por um ou outro foi independente de qualquer regra contextual.
Quadro 20 – Irregularidades letra-som – Troca de x por s
Inadequações Registro esperado
espande expande
esemplo exemplo
esistisse existisse
esplicação explicação
inesplorado inexplorado
espressamos expressamos
esperimentado experimentado
Quadro 21 – Irregularidades letra-som – Troca de x por ss
Inadequações Registro esperado
próssimo próximo
aprossima aproxima
mássimo máximo
essame exame
Segundo Morais (2003, p. 35), é fundamental que o aluno aprenda a
escrever h inicial de “hoje” e “homem”, porque são palavras comuns. E depois
que auxiliá-lo a dominar essas palavras é que o professor deve ajudá-lo a aprender
outros registros menos usuais.
Podemos ver no quadro abaixo as ocorrências encontradas:
Quadro 22 – Irregularidades letra-som – Supressão ou acréscimo do h inicial
Inadequações Registro esperado
abito hábito
armonia harmonia
avia havia
harrogante arrogante
hinteligente inteligente
hônibus ônibus
istória história
93
ospedamos hospedamos
umanidade humanidade
Nas produções escritas foram encontradas ocorrências envolvendo a
disputa do l com o lh diante de segmentos vocálicos. Vejamos:
Quadro23 – Irregularidades letra-som – Trocas entre l e lh
Inadequações Registro esperado
bibilha bíblia
familha família
familhares familiares
filhação filiação
5.2.1.2 Diferença ortográfica do sufixo numeral, 3ª pessoa do plural
Fazem parte desta categoria palavras que deveriam ser escritas com am
/ãw/ e que são grafadas com ão, ou vice-versa. Erros deste tipo surgem por que, do
ponto de vista fonético, as duas terminações são pronunciadas da mesma forma.
Assim sendo, observemos o quadro a seguir:
Quadro 24 – Diferença ortográfica do sufixo numeral, 3ª pessoa do plural
Inadequações Registro esperado
caminhavão caminhavam
desligão desligam
encherão encheram
encontravão encontravam
facilitão facilitam
precisão precisam
tiverão tiveram
vinão vinham
5.2.1.3 Erros relacionados à eficiência das técnicas de alfabetização
94
Dentre os erros relacionados à eficiência das técnicas de alfabetização e de
treinamento, encontramos as trocas das consoantes oclusivas [t], [d], [p], [b]
2
e das
fricativas [f] e [v]. crianças que trocam p e b devido ao fato de os sons serem
muito parecidos em sua realização no aparelho fonador. O som é produzido
expelindo-se o ar do mesmo modo, diferindo o vozeamento: na produção de [b], as
cordas vocais vibram, enquanto na de [p], elas não vibram.
Observemos no quadro as ocorrências encontradas:
Quadro 25 – Troca das consoantes fricativas [f] e [v]
Inadequações Registro esperado
fariedades variedades
feiz vez
foltou voltou
fulnerável vulnerável
grafata gravata
vicar ficar
5.2.1.4 Correspondências regulares contextuais
Quanto às correspondências letra-som regulares contextuais, em que o
contexto da palavra é que define qual letra ou dígrafo é usado, encontram-se as
trocas entre r e rr. O r forte vem no início da palavra, começo de sílabas precedidas
de consoantes ou no final de sílabas. Quando o R forte aparece entre vogais,
sabemos que temos que usar rr. Essa é a norma não dominada por alguns
candidatos:
Quadro 26 – Correspondências regulares contextuais
Inadequações Registro esperado
coretamente corretamente
2
Não foram encontradas nas produções escritas ocorrências com as trocas das consoantes
oclusivas.
95
corigido corrigido
erando errando
interompida interrompido
5.2.2 Erros da categoria 2 de Bortoni-Ricardo (2005)
Na categoria 2 temos os erros decorrentes da interferência de regras
fonológicas categóricas no dialeto estudado:
vocábulos fonológicos constituídos de duas ou mais formas livres ou
independentes. Como bem disse Cagliari (1997, p.142): “na fala não existe uma
separação de palavras exatamente conforme a escrita, a não ser quando marcada
pela entonação do falante”. Mattoso Camara Jr. (2000, p. 62) explica que, entre duas
vogais átonas, uma final e a outra inicial, seqüências de /i/ + /i/, /u/ + /u/, /a/ + /a/
e, no segundo caso /i/ + /e, o, a/, /u/ + /e, o, a/, /a/ + /i, e, o, u/. Se as vogais são
iguais, cria-se uma vogal prolongada, que assinala uma delimitação. Se diferentes,
dá-se uma ditongação crescente (com a passagem assilábica do /i/ ou do/u/), ou
decrescente com um /a/ silábico. Entre duas consoantes iguais (vibrante, sibilante ou
nasal), produz-se uma geminação consonântica, que logo indica delimitação
vocabular, pois em princípio não consoante geminada em português. Há,
portanto, uma juntura segmental, no plano dos segmentos fônicos. É por isso que os
candidatos apresentam problemas quanto à segmentação de palavras.
Quadro 27 – Contextos de juntura
Inadequações Registro esperado
Artigo + substantivo agente a gente
96
associedade a sociedade
Artigo + advérbio
amais a mais
Preposição
+
verbo
detirar
mematar
mesenti
paviver
de tirar
me matar
me senti
para viver
Preposição
+
substantivo
cadavez
comedo
dacriminalidade
emdia
cada vez
com medo
da criminalidade
em dia
Verbo + pronome
conhecelos
velos
conhecê-los
vê-los
Advérbio + verbo jávi já vi
5.2.2.1 Analogia
Segundo Trask (2004, p. 32), analogia é um tipo de mudança lingüística na
qual algumas formas são mudadas apenas para torná-las mais parecidas com
outras formas. Certos processos correntes de mudança lingüística, entre os quais se
incluem as mudanças de pronúncia perfeitamente regulares, têm o efeito de
introduzir irregularidades. Às vezes, os falantes reagem à presença de
irregularidades em sua língua, eliminando-as, regularizando as formas irregulares ou
também irregulariza o regular: esse é um dos aspectos que assume a analogia.
Nessa perspectiva, Bagno (2006, p. 149) explica que, quando vamos abrir a
boca para falar, a analogia “sopra” nos nossos ouvidos alguma coisa parecida que
se mistura com o que íamos falar, fazendo assim com que deixemos “escapar” uma
forma nova. Define analogia como sendo uma mudança lingüística causada pela
interferência de uma forma existente. Ela é responsável por uma quantidade
imensa de fenômenos lingüísticos.
Pensamos que, por analogia, haja hipersegmentação, como podemos ver
nas ocorrências encontradas:
97
Quadro 28 – Contextos de hipersegmentação
Inadequações Registro esperado
a- conteci acontece
a- quela aquela
ante- mão ante-mão
deis- de desde
des- de desde
em- fim enfim
em- quanto enquanto
naque- la naquela
a- tenção atenção
Quadro 29 – Contextos de hipersegmentação com -mos
Inadequações Registro esperado
aprendesse-mos aprendêssemos
compreender-mos compreendermos
conscientizar-mos conscientizarmos
conversar-mos conversarmos
devería-mos deveríamos
divertir-mos divertirmos
errar-mos errarmos
esforçar-mos esforçarmos
estar-mos estarmos
estivésse-mos estivéssemos
expressar-mos expressarmos
falar-mos falarmos
levar-mos levarmos
ser-mos sermos
tentar-mos tentarmos
tornar-mos tornarmos
trair-mos trairmos
Quadro 30 – Contextos de hipersegmentação com -se
Inadequações Registro esperado
assisti-se assistisse
escreve-se escrevesse
existi-se existisse
les-se lesse
passa-se passasse
precisa-se precisasse
pude-se pudesse
a) Neutralização das vogais anteriores /e/ e /i/ e posteriores /o/ e /u/ em
posição pós-tônica e pretônica.
98
Quadro 31 – Neutralização das vogais anteriores e posteriores /e/, /i/
Inadequações Registro esperado
dicidi decide
distacam destacam
disvinciliar desvencilhar
piqueno pequeno
/o/, /u/
Inadequações Registro esperado
aus aos
veiu veio
Ao compreender que há distinção entre língua falada e língua escrita, o aluno
começa a se autocorrigir. Neste caso, ele faz generalizações indevidas para
contextos onde certa regra não deveria ser empregada. Quando isso acontece,
estamos diante da hipercorreção. Foram observadas as seguintes ocorrências:
Quadro 32 – Hipercorreção
Inadequações Registro esperado
angolo ângulo
destrair distrair
emportante importante
enformada informada
podera pudera
vírgola vírgula
5.2.3 Erros da categoria 3 de Bortoni-Ricardo (2005)
Na categoria 3, encontramos os erros decorrentes da interferência de regras
fonológicas variáveis graduais. Servem como indicadores de variedades sociais,
diatrásticas (em registros não monitorados).
99
a) monotongação de ditongos descrescentes, ou seja, a perda de uma
semivogal nos ditongos. Bortoni-Ricardo (2006, p. 95) classifica-o
como processo antigo na língua, vem desde a evolução do latim para
o português.
Quadro 33 – Monotongação de ditongos decrescentes
Inadequações Registro esperado
baxa baixa
ceguera cegueira
dexa deixa
dinhero dinheiro
dotora doutora
encontro encontrou
passagera passageira
poca pouca
b) desnasalização das vogais átonas finais. Nessa perspectiva, Bagno
(2006, p.116) explica que existe na Língua Portuguesa uma tendência
de eliminar a nasalidade das vogais pós-tônicas, quer dizer, o som
nasal das vogais que estão depois da sílaba tônica. A conservação do
M em palavras terminadas em M deve estar ligado à alta freqüência
de uso na norma-padrão. Vejamos:
Quadro 34 – Desnasalização das vogais átonas finais
Inadequações Registro esperado
bobage bobagem
corage coragem
passage passagem
viage viagem
Além da possível desnasalização das vogais átonas finais, registrou-se a
elevação das vogais.
Quadro 35 – Elevação da vogal
100
Inadequações Registro esperado
comi comem
homi homem
onti ontem
tomi tomem
As vogais átonas /e/ e /o/ são elevadas para /i/ e /u/ na fala. Quando os
alunos ainda têm pouca familiaridade com as convenções da ngua escrita,
freqüentemente escrevem essas vogais como pronunciam.
c) assimilação e degeminação do /nd/ e /mb/. Dizemos que
assimilação quando, numa seqüência de sons homorgânicos ou
parecidos, um deles assimila o outro, que desaparece. É formada por
duas consoantes alveolares e ocorre, principalmente, nos gerúndios.
Foram registradas as seguintes ocorrências:
Quadro 36 – Contextos de assimilação
Inadequações Registro esperado
enfocanu enfocando
fazenu fazendo
mostranu mostrando
orientanu orientando
planejanu planejando
quanu quando
tamém também
vino vindo
d) queda do /r/ final nas formas verbais. Ressalte-se o posicionamento
de Bortoni-Ricardo (2006, p. 85), ao mencionar que esse fonema
apresenta uma peculiaridade para qual devemos, enquanto docentes,
ficar atentos. Em todas as regiões do Brasil, o /r/ pós-vocálico,
independentemente da forma como é pronunciado, tende a ser
suprimido, o que chamamos de apagamento do /r/ final dos infinitivos
verbais. Quando o suprimimos, alongamos a vogal final e damos mais
intensidade a ela. Observemos:
101
Quadro 37 – Contextos de supressão do /r/ final nas formas verbais
Inadequações Registro esperado
abri abrir
autoriza autorizar
coloca colocar
descansa descansar
desliga desligar
escolhe escolher
mata matar
passa passar
pensa pensar
reza rezar
se ser
termina terminar
ve ver
5.2.4 Erros da categoria 4 de Bortoni-Ricardo (2005)
Finalmente, a categoria 4 apresenta traços descontínuos, privativos de
variedades rurais e/ou submetidos à forte avaliação negativa onde incluímos:
a) Semivocalização do /lh/: mió. explicações para este tipo de
ocorrência. Uma delas é de ordem lingüística, diz respeito à língua em
si, à sua estrutura. Bagno (2006, p. 58) apresenta um quadro
comparativo com palavras do português-padrão, não-padrão e
francês-padrão, comprovando que os dois últimos sistemas têm
pronúncia bem próxima.
102
Português-padrão Francês-padrão Português não-padrão
abelha Abeille (abéy ) abêia
alho Ail (ay) ai
batalha Bataille (batáye) bataia
Colher (substantivo) Cuiller (küyér) cuié
falha Faille (faye) faia
filha Fille (fiye) fia
palha Paille (páye) paia
trabalhar Travaailler (travayê) trabaiá
Fonte: Bagno (2006, p.58).
Bagno (2006, p. 60) explica que, durante a formação da língua portuguesa,
desde o latim vulgar até sua forma moderna, padrão, ocorreram muitas
transformações. Observe-se a trajetória da palavra tégula (telha), conforme exemplo
dado pelo autor:
tégula > teg’la > tegla > teyla > telya > telha
Para representar a realidade lingüística do português não-padrão do Brasil,
acrescentou mais uma forma nessa seqüência:
tégula > teg’la > tegla > teyla > telya > telha > têia
Afirma o autor que, no francês, a vitória do i sobre o lhê explica-se fora da
língua. Devido ao período de grandes conturbações políticas que a França viveu no
final do século XVIII, com a Revolução Francesa, a classe social dos aristocratas,
nobres e grandes proprietários de terra, perdeu o poder, assumido pelos burgueses
comerciantes, banqueiros e industriais na cidade. Estava acontecendo com toda a
liberdade na fala dos burgueses o desaparecimento do lhê para dar lugar ao i. A
troca de poder na França deu prestígio à forma vocalizada.
b) Epítese do /i/ após sílaba final travada. Bortoni-Ricardo (2005, p. 57),
exemplifica: paz>> pazi; pessoal >> pesuali.
103
c) Troca do /r/ pelo /l/. Bagno (2006, p. 44-45) explica que existe na
Língua Portuguesa uma tendência natural em transformar em R o L
dos encontros consonantais. Este fenômeno denomina-se rotacismo e
tem estado presente na evolução do latim às línguas românicas:
Latim Francês Espanhol Português
blasiu- Blaise Blas Brás
ecclesia- église iglesia igreja
fluxu- flou flojo frouxo
plaga- plage playa praia
sclavu- esclave slavo escravo
Fonte: Bagno (2006, p. 44).
Em nossos dados, foram encontradas as seguintes ocorrências:
Quadro 38 – Troca do /r/ /l/
Inadequações Registro esperado
platileira prateleira
avisalam avisaram
aplendizado aprendizado
interpletação interpretação
d) Monotongação do ditongo nasal em muito >> muntu: também foi
encontrada a ocorrência muito com ditongo nasal.
e) Supressão do ditongo crescente em sílaba final. Ocorrem envolvendo
ditongo oral e nasal, respectivamente. Bortoni-Ricardo (2005, p. 57),
exemplifica: veio >> vei/ padrinho >> padrĩu >> padrim.
f) Simplificação dos grupos consonantais no aclive de sílaba com a
supressão da segunda consoante. Como não houve ocorrências nos
dados, valemo-nos do exemplo da autora: dentro >> dentu.
Essa análise de erros ortográficos objetiva mostrar os registros que se
podem encontrar nos textos e associá-los ao perfil do grupo que os promove,
oferecendo aos professores uma amostragem que lhes possa ser útil no trabalho
com as inadequações ortográficas nas produções de seus próprios alunos.
104
Os professores alfabetizadores necessitam aprender a fazer a distinção
entre problemas de escrita e de leitura que decorrem da interferência de regras
fonológicas variáveis e outros que se explicam simplesmente pela falta de
familiaridade do alfabetizado com as convenções da língua escrita.
O diagrama abaixo ilustra essa distinção:
Fonte: Bortoni-Ricardo (2006, p.268).
Retomando-se os resultados, constataram-se, nas produções textuais, erros
ortográficos decorrentes da natureza arbitrária do sistema de convenção da escrita,
105
Análise de problemas
ortográficos
Fonte dos problemas:
interferências da língua oral
na produção escrita
Fonte dos problemas: caráter
arbitrário das convenções
ortográficas
Perfil sociolingüístico dos alunos
Agenda do trabalho pedagógico
enquadrados na categoria 1, conforme modelo de análise Bortoni-Ricardo (2005),
num total de 218 ocorrências. Na categoria 2, foram encontrados erros decorrentes
da interferência de regras fonológicas categóricas do dialeto estudado, num total de
59 ocorrências. Na categoria 3, foram encontrados erros decorrentes da
interferência de regras fonológicas variáveis graduais, num total de 41 ocorrências.
E finalmente, na categoria 4, foram encontrados erros de interferência de regras
fonológicas variáveis descontínuas, num total de seis ocorrências.
Veja-se a Figura a seguir, com essas totalizações:
Figura 10: Ocorrências de erros ortográficos por categorias
Percebe-se que não são erros ortográficos originários da transposição da
fala à escrita o que prepondera, mas erros motivados pela pouca familiaridade dos
candidatos com as normas que regem a ortografia. Não a pouca prática de
escrita deva-se esse resultado, mas ao trabalho carente realizado em sala de aula
no que diz respeito ao ensino da norma.
106
218
59
41
6
0
50
100
150
200
250
1
Categoria 1 - Erros
decorrentes da natureza
arbitrária do sistema de
convenção da escrita
Categoria 2 - Erros
decorrentes da
interferência de regras
fonológicas categóricas
Categoria 3 - Erros
decorrentes da
interferência de regras
fonológicas variáveis
graduais
Categoria 4 - Erros de
interferência de regras
fonológicas variáveis
descontínuas
6 CONCLUSÃO
A presente dissertação propôs-se a analisar erros ortográficos de sujeitos
com defasagem idade-série e buscar aspectos socioculturais a eles relacionados.
Para alcançar os objetivos, analisaram-se 1093 provas dos Exames
Supletivos/RS/2005/2006 e procedeu-se a uma pesquisa em uma escola da rede
pública e da rede particular de ensino.
Considera-se como um dos condicionadores de erros ortográficos as
variáveis sociais pelo perfil de quem os comete neste estudo, sujeitos com
defasagem idade-série. Entre as variáveis, sem dúvida, destacamos o nível
socioeconômico. Convém mencionar que, por ocasião da aplicação do formulário,
obtive a informação de que muitos dos alunos necessitaram parar de estudar devido
à necessidade de trabalhar, a fim de se sustentarem ou ajudar na renda familiar.
Interessante ressaltar a manifestação oral de alguns alunos dizendo que retornaram
aos estudos na expectativa de “melhorar de vida”. D a necessidade de uma maior
atenção aos problemas que os alunos de nível socioeconômico menos favorecidos
trazem para a sua vida escolar, agravados, quando adultos, pelo afastamento da
escola, mantendo um contato mais oral do que escrito com a língua, no contexto em
que estão inseridos. Ao retornar tardiamente ao sistema escolar, deparam-se com
problemas ao produzir e escrever textos conforme exige a norma culta.
Ao procedermos à análise dos textos escritos pelos candidatos, constatou-se
que em poucos casos os deslizes ortográficos são de fato oriundos da oralidade,
relacionados a fatores sócio-históricos-culturais. Os candidatos desconhecem o que
Bagno (2006) sintetiza: “nem tudo o que se escreve se pronuncia”, assim como “nem
tudo o que se pronuncia se escreve”.
A língua escrita serve como registro permanente, é usada para a
transmissão do saber e da cultura, é interessante que ela permaneça sem
muitas mudanças para que se possa ler com facilidade documentos antigos
e livros impressos há muito tempo. O que não se pode admitir é que ela seja
usada como parâmetro para condenar a língua falada, pois o homem fala há
milhões de anos e as primeiras formas escrita datam apenas de 3.500 a.C.
(p. 87).
107
Os candidatos, bastante tempo afastados da escola, vistos como quem
“escreve errado”, “não fala direito”, na verdade agem conforme a sociedade e as
mudanças naturais da língua e têm pouca familiaridade com as convenções da
língua escrita, as quais exigem ler e escrever muito.
As relações entre mundo e linguagem o convencionais, nascem das
demandas das sociedades e de seus grupos sociais, e das transformações pelas
quais passam em razão de novos usos, que emergem de novas demandas. Pode-se
dizer que o sujeito aprende e apreende as formas de funcionamento da língua e os
modos de manifestação da linguagem em uso. Ao fazê-lo, vai construindo seus
conhecimentos relativos aos usos da língua e da linguagem em diferentes situações.
Deste modo, as práticas sociais que se realizam entre os sujeitos por meio
da linguagem encontram-se baseados no letramento, mesmo que apresentem mais
ou menos proficiência na escrita (e no registro ortográfico).
Em se tratando dos indivíduos com defasagem idade-série, sabemos que
muitos deles não participam das práticas sociais de leitura-escrita e, portanto, não é
de se surpreender que tenham feito hipóteses inusitadas sobre a natureza, as
funções e a grafia das palavras. Apropriar-se do sistema de escrita depende
fundamentalmente de compreender o princípio básico de que as letras representam
sons ou, em termos mais apropriados, os grafemas representam fonemas. Na
tentativa de estabelecer a correspondência som e letra, estes indivíduos acabaram
cometendo inadequações ortográficas.
Como vimos, dificuldades ortográficas que podem ser sistematizadas
com a ajuda de conhecimentos da morfologia da língua, por exemplo, as
regularidades do sufixo e das desinências verbais. Mas também irregularidades
ortográficas que serão aprendidas por memorização, sobretudo em função da
freqüência das palavras nos textos escritos que os sujeitos irão ler e escrever.
Diante da complexidade do objeto de aprendizagem e devido ao
afastamento da escola e ao fator idade não corresponder à série que deveria estar
freqüentando ou até mesmo concluída, é de se esperar que algumas dificuldades
ortográficas permaneçam e que tenham que ser retomadas.
108
A superação das dificuldades pode advir de situações didáticas que
permitam aos indivíduos refletir sobre as regularidades que por trás das
aparentes complicações.
A análise de erros ortográficos cometidos pelos alunos da pesquisa permitiu
à pesquisadora concluir que, em poucos casos, os sujeitos reproduzem na escrita, a
fala; que a maior parte dos erros deve-se à complexidade do próprio sistema de
registro ortográfico; que não há por parte do aluno uma preocupação em estabelecer
uma grafia correta das palavras dentro da norma-padrão;que o erro cometido pelo
aluno com defasagem idade-série aponte para o professor uma nova maneira de
ensinar-lhe as normas; que uma elaboração de hipóteses de escrita por parte do
sujeito frente aos diferentes graus de dificuldades ortográficas.
Quanto aos aspectos socioculturais observados na pesquisa referentes ao
elevado número de erros ortográficos cometidos pelos sujeitos-alvo da pesquisa,
não se pode culpar apenas a rede de ensino pelo desempenho dos alunos, mas um
conjunto de fatores socioeconômicos e culturais que levou os indivíduos à, inclusive,
permanecerem fora da escola no tempo devido.
A principal contribuição do trabalho é o de colaborar para que os docentes
redimensionem conceitos-chave que norteiam o trabalho pedagógico no processo de
aquisição e aprendizagem da Língua Portuguesa, bem como vejam a importância de
se analisar o erro ortográfico, seja do ponto de vista normativo ou sociolingüístico,
junto ao aluno.
Sabe-se que um dia todos nós fomos à escola e aprendemos a “receita” de
ler, mas na hora de produzir na fala o que lemos, deixamos a nossa marca pessoal
na leitura e, por que não dizer, na hora de escrevermos também, considerando que
a escrita reflete com fidelidade a riqueza cultural no contexto social em que estamos
inseridos.
Devem os docentes, portanto, prestar atenção à correção que promovem.
Corrigir somente o que está inadequado, o que está ambíguo ou confuso: corrigir a
escrita, mas não corrigir o que é espontâneo, natural, harmonioso na fala, pois caso
contrário, estaremos aprisionando a língua falada numa camisa-de-força.
109
Acredita-se que, desta forma, pratique-se uma pedagogia sensível aos
saberes dos educandos, em que o professor assuma uma postura de respeito às
diferenças entre as variedades da língua, mas não deixe de ensinar a ortografia.
110
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114
ANEXOS
115
ANEXO 01 - Prova dos Exames Supletivos/2005
116
117
118
119
120
121
ANEXO 02 - Prova dos Exames Supletivos/2006
122
123
124
125
126
127
ANEXO 03 - Publicação Diário Oficial/2005
128
129
ANEXO 04 - Publicação Diário Oficial/2006
130
131
ANEXO 05 - Perfil da turma – Escola Estadual de Ensino Médio Melvin Jones
132
133
ANEXO 06 - Perfil da turma – Escola de Ensino Médio Culturão
134
135
ANEXO 07 - Formulário de pesquisa
136
137
138
ANEXO 08 - Cruzamento de dados
139
140
141
Descriptives total
Descriptive Statistics
66 18 63 30,23 9,960
66 0 5 1,27 1,398
66
Idade
Número de filhos
Valid N (listwise)
N Minimum Maximum Mean Std. Deviation
Frequencies total
Escola
33 50,0 50,0 50,0
33 50,0 50,0 100,0
66 100,0 100,0
pública
particular
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Sexo
25 37,9 37,9 37,9
41 62,1 62,1 100,0
66 100,0 100,0
masculino
feminino
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Estado civil
29 43,9 43,9 43,9
32 48,5 48,5 92,4
3 4,5 4,5 97,0
1 1,5 1,5 98,5
1 1,5 1,5 100,0
66 100,0 100,0
solteiro
casado
divorciado
juntado
vvo
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
142
Local de nascimento
27 40,9 40,9 40,9
26 39,4 39,4 80,3
13 19,7 19,7 100,0
66 100,0 100,0
Caxias do Sul
Rio Grande do Sul
Outros estados
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Profissão
9 13,6 13,6 13,6
11 16,7 16,7 30,3
12 18,2 18,2 48,5
14 21,2 21,2 69,7
2 3,0 3,0 72,7
18 27,3 27,3 100,0
66 100,0 100,0
do lar
domédtica]
metalúrgico
comercrio
cnico
outros
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Tempo que reside em Caxias do Sul
2 3,0 3,0 3,0
5 7,6 7,6 10,6
13 19,7 19,7 30,3
20 30,3 30,3 60,6
16 24,2 24,2 84,8
5 7,6 7,6 92,4
5 7,6 7,6 100,0
66 100,0 100,0
a um ano
de dois a quatro anos
de cinco a nove anos
de 10 até 19 anos
de 20 até 29 anos
de 30 até 39 anos
40 anos ou mais
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Freqüenta associação/clube
46 69,7 69,7 69,7
14 21,2 21,2 90,9
1 1,5 1,5 92,4
4 6,1 6,1 98,5
1 1,5 1,5 100,0
66 100,0 100,0
nenhum
igreja
clube de mães
planej. partic.
AAA
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
143
Tempo fora da escola
11 16,7 16,7 16,7
33 50,0 50,0 66,7
14 21,2 21,2 87,9
5 7,6 7,6 95,5
2 3,0 3,0 98,5
1 1,5 1,5 100,0
66 100,0 100,0
até um ano
de dois a 10 anos
de 11 a 20 anos
de 21 a 30 anos
de 31 a 40 anos
40 anos ou mais
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Retorno à escola
25 37,9 37,9 37,9
31 47,0 47,0 84,8
6 9,1 9,1 93,9
4 6,1 6,1 100,0
66 100,0 100,0
até um ano
de dois a cinco anos
de seis a 10 anos
11 anos ou mais
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Prestou exames supletivos
9 13,6 13,6 13,6
56 84,8 84,8 98,5
1 1,5 1,5 100,0
66 100,0 100,0
sim
não
às vezes
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Faz leituras (lê)
39 59,1 59,1 59,1
10 15,2 15,2 74,2
17 25,8 25,8 100,0
66 100,0 100,0
sim
não
às vezes
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
144
Meios de leitura
34 51,5 51,5 51,5
16 24,2 24,2 75,8
4 6,1 6,1 81,8
12 18,2 18,2 100,0
66 100,0 100,0
jornais
revistas
livros
outros
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Prosseguimento
54 81,8 81,8 81,8
12 18,2 18,2 100,0
66 100,0 100,0
sim
não
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Descriptives
Escola = pública
Descriptive Statistics
a
33 19 63 32,73 11,201
33 0 5 1,48 1,482
33
Idade
Número de filhos
Valid N (listwise)
N Minimum Maximum Mean Std. Deviation
Escola = pública
a.
Escola = particular
Descriptive Statistics
a
33 18 53 27,73 7,946
33 0 5 1,06 1,298
33
Idade
Número de filhos
Valid N (listwise)
N Minimum Maximum Mean Std. Deviation
Escola = particular
a.
Frequencies
Escola = pública
145
Sexo
a
11 33,3 33,3 33,3
22 66,7 66,7 100,0
33 100,0 100,0
masculino
feminino
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = pública
a.
Estado civil
a
14 42,4 42,4 42,4
16 48,5 48,5 90,9
2 6,1 6,1 97,0
1 3,0 3,0 100,0
33 100,0 100,0
solteiro
casado
divorciado
viúvo
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = pública
a.
Local de nascimento
a
12 36,4 36,4 36,4
15 45,5 45,5 81,8
6 18,2 18,2 100,0
33 100,0 100,0
Caxias do Sul
Rio Grande do Sul
Outros estados
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = pública
a.
Profissão
a
3 9,1 9,1 9,1
9 27,3 27,3 36,4
8 24,2 24,2 60,6
4 12,1 12,1 72,7
1 3,0 3,0 75,8
8 24,2 24,2 100,0
33 100,0 100,0
do lar
domédtica]
metargico
comercrio
cnico
outros
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = pública
a.
146
Tempo que reside em Caxias do Sul
a
2 6,1 6,1 6,1
6 18,2 18,2 24,2
11 33,3 33,3 57,6
7 21,2 21,2 78,8
4 12,1 12,1 90,9
3 9,1 9,1 100,0
33 100,0 100,0
de dois até quatro anos
de cinco até nove anos
de 10 a 19 anos
de 20 a 29 anos
de 30 a 39 anos
40 anos ou mais
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = pública
a.
Freqüenta associação/clube
a
21 63,6 63,6 63,6
10 30,3 30,3 93,9
2 6,1 6,1 100,0
33 100,0 100,0
nenhum
igreja
planej. partic.
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = pública
a.
Tempo fora da escola
a
4 12,1 12,1 12,1
14 42,4 42,4 54,5
9 27,3 27,3 81,8
3 9,1 9,1 90,9
2 6,1 6,1 97,0
1 3,0 3,0 100,0
33 100,0 100,0
a um ano
de dois a 10 anos
de 11 a 20 anos
de 21 a 30 anos
de 31 a 40 anos
40 anos ou mais
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = pública
a.
147
Retorno à escola
a
2 6,1 6,1 6,1
27 81,8 81,8 87,9
4 12,1 12,1 100,0
33 100,0 100,0
até um ano
de dois a cinco anos
de seis a 10 anos
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = pública
a.
Prestou exames supletivos
a
5 15,2 15,2 15,2
28 84,8 84,8 100,0
33 100,0 100,0
sim
não
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = pública
a.
Faz leituras (lê)
a
19 57,6 57,6 57,6
5 15,2 15,2 72,7
9 27,3 27,3 100,0
33 100,0 100,0
sim
não
às vezes
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola =blica
a.
Meios de leitura
a
16 48,5 48,5 48,5
8 24,2 24,2 72,7
4 12,1 12,1 84,8
5 15,2 15,2 100,0
33 100,0 100,0
jornais
revistas
livros
outros
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = pública
a.
148
Prosseguimento
a
27 81,8 81,8 81,8
6 18,2 18,2 100,0
33 100,0 100,0
sim
não
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = pública
a.
Número de filhos
a
12 36,4 36,4 36,4
5 15,2 15,2 51,5
10 30,3 30,3 81,8
1 3,0 3,0 84,8
4 12,1 12,1 97,0
1 3,0 3,0 100,0
33 100,0 100,0
0
1
2
3
4
5
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = pública
a.
Escola = particular
Sexo
a
14 42,4 42,4 42,4
19 57,6 57,6 100,0
33 100,0 100,0
masculino
feminino
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = particular
a.
Estado civil
a
15 45,5 45,5 45,5
16 48,5 48,5 93,9
1 3,0 3,0 97,0
1 3,0 3,0 100,0
33 100,0 100,0
solteiro
casado
divorciado
juntado
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = particular
a.
149
Local de nascimento
a
15 45,5 45,5 45,5
11 33,3 33,3 78,8
7 21,2 21,2 100,0
33 100,0 100,0
Caxias do Sul
Rio Grande do Sul
Outros estados
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = particular
a.
Profissão
a
6 18,2 18,2 18,2
2 6,1 6,1 24,2
4 12,1 12,1 36,4
10 30,3 30,3 66,7
1 3,0 3,0 69,7
10 30,3 30,3 100,0
33 100,0 100,0
do lar
domédtica]
metargico
comerciário
cnico
outros
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = particular
a.
Tempo que reside em Caxias do Sul
a
2 6,1 6,1 6,1
3 9,1 9,1 15,2
7 21,2 21,2 36,4
9 27,3 27,3 63,6
9 27,3 27,3 90,9
1 3,0 3,0 93,9
2 6,1 6,1 100,0
33 100,0 100,0
a um ano
de dois a quatro anos
de cinco a nove anos
de 10 a 19 anos
de 20 a 29 anos
de 30 a 39 anos
40 anos ou mais
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = particular
a.
150
Freenta associação/clube
a
25 75,8 75,8 75,8
4 12,1 12,1 87,9
1 3,0 3,0 90,9
2 6,1 6,1 97,0
1 3,0 3,0 100,0
33 100,0 100,0
nenhum
igreja
clube de mães
planej. partic.
AAA
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = particular
a.
Tempo fora da escola
a
7 21,2 21,2 21,2
19 57,6 57,6 78,8
5 15,2 15,2 93,9
2 6,1 6,1 100,0
33 100,0 100,0
a um ano
de dois a 10 anos
de 11 a 20 anos
de 21 a 30 anos
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = particular
a.
Retorno à escola
a
23 69,7 69,7 69,7
4 12,1 12,1 81,8
2 6,1 6,1 87,9
4 12,1 12,1 100,0
33 100,0 100,0
a um ano
de dois a cinco anos
de seis a 10 anos
11 anos ou mais
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = particular
a.
Prestou exames supletivos
a
4 12,1 12,1 12,1
28 84,8 84,8 97,0
1 3,0 3,0 100,0
33 100,0 100,0
sim
não
às vezes
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = particular
a.
151
Faz leituras (lê)
a
20 60,6 60,6 60,6
5 15,2 15,2 75,8
8 24,2 24,2 100,0
33 100,0 100,0
sim
não
às vezes
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = particular
a.
Meios de leitura
a
18 54,5 54,5 54,5
8 24,2 24,2 78,8
7 21,2 21,2 100,0
33 100,0 100,0
jornais
revistas
outros
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = particular
a.
Prosseguimento
a
27 81,8 81,8 81,8
6 18,2 18,2 100,0
33 100,0 100,0
sim
não
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = particular
a.
Número de filhos
a
14 42,4 42,4 42,4
11 33,3 33,3 75,8
3 9,1 9,1 84,8
3 9,1 9,1 93,9
1 3,0 3,0 97,0
1 3,0 3,0 100,0
33 100,0 100,0
0
1
2
3
4
5
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Escola = particular
a.
152
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153
154
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