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UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO
REGIONAL- MESTRADO E DOUTORADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO
REGIONAL
Olgário Paulo Vogt
A COLONIZAÇÃO ALEMÃ NO RIO GRANDE DO SUL E O
CAPITAL SOCIAL
Santa Cruz do Sul, outubro de 2006.
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Olgário Paulo Vogt
A COLONIZAÇÃO ALEMÃ NO RIO GRANDE DO SUL E O CAPITAL SOCIAL
Esta tese foi submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Regional
Mestrado e Doutorado, Área de Concentração em
Desenvolvimento Regional, Universidade de Santa
Cruz do Sul UNISC, como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em Desenvolvimento
Regional.
Orientador: Prof. Dr. Mario Riedl
Santa Cruz do Sul, outubro de 2006
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Aos que morreram sonhando com um
mundo diferente, bem mais fraterno e
justo, e aos que ainda acreditam que é
possível viver em um mundo melhor,
dedico este trabalho.
AGRADECIMENTOS
À Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), por ter-me proporcionado condições
materiais e de tempo para a realização do doutorado. Sou grato, particularmente, à Reitoria da
Universidade, que não tem medido esforços para qualificar seu pessoal docente.
Ao professor Mario Riedl, pelos seus valiosos conselhos e pelas ricas sugestões, pelo
estímulo dado e por acreditar que esta tese poderia ser realizada. Se algum mérito ela possuir,
compartilho-o com o meu orientador. As deficiências teóricas e metodológicas que ela, por
certo, apresenta, refletem, obviamente, minhas limitações.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da
UNISC, pelos constantes desafios propostos, pelas sugestões dadas e pelo convite a novas
leituras.
Ao professor René Gertz, por me disponibilizar algumas obras de difícil acesso.
Ao professor Roque Alvisius Neumann, pela revisão ortográfica e gramatical realizada
no texto.
Aos meus colegas de doutorado, Dalva, Hildegard, Isabel, Leni, Márcia, Marta, Valdir
e Vilmar, pelos momentos de salutar e inesquecível convívio, e por compartilharem as
angústias, as experiências e as esperanças.
Aos meus colegas do Departamento de História e Geografia da UNISC, pela
compreensão e por terem se sobrecarregado para que eu pudesse dedicar mais tempo para o
meu doutoramento.
Aos meus alunos dos cursos de graduação e de especialização em História da UNISC,
pelas indagações e críticas que fizeram a alguns dos trechos que integram esta pesquisa.
RESUMO
O trabalho procura verificar evidências da existência, no passado, de capital social em regiões
de colonização de população de ascendência germânica no Rio Grande do Sul, Brasil, e o de
verificar como o estoque de capital social presente nessas áreas corroborou para o
desenvolvimento inicial das mesmas. O conceito condutor dos procedimentos metodológicos
é o de capital social. Robert Putnam é o teórico que mais influencia a pesquisa. A partir da
elaboração de uma síntese sobre a colonização alemã no RS, é defendido que, nas áreas
coloniais, intricadas redes formais e informais de sociabilidade, atuando imbricadas, deram
origem a um considerável estoque de capital social. Este capital social, embora não
mensurável, ao lado de outros fatores, contribuiu para o desenvolvimento econômico e social
da população dessas áreas do Estado. A “nacionalização forçada”, praticada por autoridades
gaúchas durante a vigência do Estado Novo, é apontada como um dos fatores da queima de
estoque do capital social comunitário existente nas regiões coloniais do Rio Grande do Sul.
Palavras-chave: capital social; colonização alemã; desenvolvimento regional; Rio Grande do
Sul.
ABSTRACT
The following paper seeks to verify evidences of the existence,in the past, of social capital in
regions formerly settled by germans throughout Rio Grande do Sul,Brazil, as well as how the
stock of social capital in these areas has corroborated in their early development.The key
methodological underpinning is that of social capital itself and Robert Putnam is the most
influential theoretician for our research. As of the elaboration of a synthesis about the german
settlement in RS, we argue that in colonial areas, both intricate formal and informal networks,
intermingled, have originated a meaningful stock of social capital which, although
uncountable, besides other issues, contributed for the economical and social development of
the population of those areas. The “forced nationalization”, enforced by gaucha authorities
during the period of the “Estado Novo” (New State),is listed as one of the causes for the
expenditure of the social capital of communities in colonial regions of Rio Grande do Sul.
Key words: social capital; german settlement; regional development; Rio Grande do Sul.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1 Mapa da área inicial da colonização alemã no Rio Grande do Sul........................................ 92
2 Colônias alemãs fundadas no vale do rio dos Sinos em meados do século XIX ................. 94
3 Mapa da colônia de Monte Alverne e de outras colônias da circunvizinhança .................. 101
4 Colônias de população de ascendência predominantemente alemã que se
desenvolveram no vale do rio Caí durante o século XIX ....................................................107
5 Colônias de população de origem germânica surgidas durante o século
XIX nos vales dos rios Taquari e Pardo .............................................................................. 109
6 A colonização do Noroeste do Rio Grande do Sul.............................................................. 120
7 As regiões coloniais do Rio Grande do Sul em 1924 ..........................................................126
8 Mapa de Tannenberg com a divisão da América do Sul entre os países imperialistas........ 331
LISTA DE TABELAS
1 Estatística geral da imigração no Rio Grande do Sul (1824-1830)........................................ 88
2 Valores da importação e da exportação da colônia de Santa Cruz (1859/1866) ................... 99
3 Produção, exportação e importação da colônia de Nova Petrópolis no ano de 1865...........104
4 Imigração no Rio Grande do Sul entre 1848-1873 ..............................................................105
5 Colônias com população de origem alemã criadas no Rio Grande do Sul
entre 1874 e 1889 ............................................................................................................... 115
6 Quadro estatístico das Escolas Particulares do Rio Grande do Sul em 1935 ......................192
7 Taxa de analfabetismo calculada a partir da escolaridade dos nubentes – ano 1934 .......... 193
8
Tipos de Escolas, número de matriculados e de professores existentes
Em Santa Cruz no ano de 1937 .................................................................................194
9
Almanaques impressos no Rio Grande do Sul no ano de 1924 .......................................... 269
10 Participação percentual da Alemanha no comércio exterior do Brasil (1928/1939) ........ 350
11 Balança comercial brasileira com os principais parceiros comerciais em 1937 .............. 351
12 Comércio exterior do Brasil com os seus principais parceiros comerciais –
percentagem sobre o total (1928/1939) ............................................................................. 351
13 Percentual de participação de alguns países nas importações e exportações
brasileiras entre 1940 me 1942 .............................................................................................. 352
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS .............................................................................................................. 4
RESUMO ................................................................................................................................... 6
ABSTRACT ............................................................................................................................... 7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ...................................................................................................... 8
LISTA DE TABELAS ............................................................................................................... 9
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................13
1 O CAPITAL SOCIAL ..........................................................................................................23
1.1 Breve revisão sobre a literatura do capital social .............................................................. .34
1.2 Origem do capital social .................................................................................................... 72
1.3 Capital social como ferramenta de superação de adversidades ..........................................77
2 A COLONIZAÇÃO ALEMÃ NO RIO GRANDE DO SUL .............................................. 79
2.1 As fases da colonização no RS ...........................................................................................85
2.1.1 Primeira fase (1824-1847) ...............................................................................................85
2.1.2 Segunda fase (1848-1874) ...............................................................................................95
2.1.3 Terceira fase (1875-1889) ..............................................................................................112
2.1.4 Quarta fase (1890-1914) ................................................................................................116
2.1.5 A imigração alemã posterior a 1914 ..............................................................................124
2.2 Dificuldades iniciais ......................................................................................................... 127
2.2.1 O desconhecimento da floresta ..................................................................................... 129
2.2.2 O medo dos bugres e de animais selvagens .................................................................. 132
2.2.3 A precariedade das estradas .......................................................................................... 135
2.2.4 A conquista da moradia ................................................................................................ .136
2.2.5 O difícil início da agricultura .........................................................................................141
2.2.6 Outras dificuldades enfrentadas e a adaptação ao meio ................................................ 146
2.3 Uma cultura colonial ........................................................................................................ 149
2.3.1 Uma nova língua ........................................................................................................... 151
2.3.2 As sociedades de cavalaria ............................................................................................ 154
2.3.3 Uma nova indumentária ................................................................................................ 156
2.3.4 A comida colonial ......................................................................................................... 157
3 CONSTRUINDO RELAÇÕES DE SOLIDARIEDADE .................................................. 160
3.1 As redes informais de sociabilidade ................................................................................. 163
3.1.1 Os Kränzchen ................................................................................................................ 163
3.1.2 Os trabalhos em grupo e o espírito público ................................................................... 165
3.1.3 As relações de vizinhança ..............................................................................................170
3.1.3.1 O Kerb ........................................................................................................................ 175
3.2 As redes formais de sociabilidade .................................................................................... 179
3.2.1 As associações escolares ............................................................................................... 182
3.2.2 As associações religiosas ...............................................................................................201
3.2.2.1 Católicas ..................................................................................................................... 203
3.2.2.2 Evangélicas ................................................................................................................ 210
3.2.3 As associações desportivo-recreativas e de lazer .......................................................... 217
3.2.3.1 Sociedades de atiradores ............................................................................................ 218
3.2.3.2 Sociedades de cavalarianos ....................................................................................... 224
3.2.3.3 Sociedades culturais ................................................................................................... 229
3.2.3.4 Sociedades de bolão ................................................................................................... 232
3.2.3.5 Sociedades de damas ................................................................................................. 234
3.2.3.6 Espaços de sociabilidade e desenvolvimento ............................................................. 235
3.2.4 Associações de produtores ............................................................................................ 236
3.2.4.1 Cooperativismo em Santa Cruz .................................................................................. 246
3.2.4.1.1 Cooperativas de produtores rurais .......................................................................... 247
3.2.4.1.2 Caixas cooperativas de crédito ............................................................................... 250
3.3 O desenvolvimento da imprensa ...................................................................................... 258
3.3.1 Os Kalenders ou Anuários ............................................................................................ 265
3.3.2 A imprensa escrita e o espírito cívico ............................................................................269
3.4 Participação política ......................................................................................................... 275
3.5 Brasileiros de origem alemã, mas com compromisso cívico ........................................... 284
4 O MITO DO “PERIGO ALEMÃO” .................................................................................. 286
4.1 A concepção da dupla identidade ..................................................................................... 287
4.2. O “perigo alemão” ...........................................................................................................299
4.3 O alemanismo na literatura brasileira ...............................................................................324
4.3.1 Graça Aranha .................................................................................................................318
4.3.2 Vianna Moog ................................................................................................................. 333
4.3.3 Bayard Mércio ............................................................................................................... 338
4.4 A versão do governo do Estado do Rio Grande do Sul sobre o “perigo alemão” ............340
4.5 A preservação da germanidade como faceta do imperialismo alemão .............................345
5 A QUEDA DAS RELAÇÕES HORIZONTAIS DE SOLIDARIEDADE E DE
CONFIANÇA ENTRE TEUTO-DESCENDENTES ............................................................ 353
5.1 A nacionalização e a queima de estoque de capital social ............................................... 357
5.2 Igreja e nacionalização .................................................................................................... 360
5.3 Educação e nacionalização ............................................................................................... 366
5.4 Cooperativas e nacionalização ......................................................................................... 374
5.5 Sociedades culturais e desportivo-recreativas e nacionalização ...................................... 377
5.6 Imprensa e nacionalização ............................................................................................... 381
5.7 O cotidiano e a nacionalização ........................................................................................ 384
5.8 Um balanço da nacionalização forçada ............................................................................ 395
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 402
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 409
ANEXO A – Mapa estatístico de associações existentes no RS ............................................ 430
ANEXO B – Imprensa periódica em língua alemã existente no RS ...................................... 431
INTRODUÇÃO
Em 1999, os países membros das Nações Unidas propuseram, no decurso da 52ª
Assembléia Mundial da Saúde, a adoção do primeiro tratado internacional de saúde pública da
história da humanidade. Tratava-se da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco. Entre
1999 e 2003, grupos de trabalhos discutiram estratégias para a redução da demanda de fumo
no mundo e formularam o texto da Convenção-Quadro que foi aprovado durante a 56ª
Assembléia Mundial da Saúde, realizada em Genebra, em maio de 2003.
1
No Brasil, a ratificação da convenção internacional foi feita pelo Congresso Nacional.
Na Câmara dos Deputados, ela foi aprovada sem alardes nem celeumas. No Senado Federal,
tramitou por cerca de um ano e meio. Foi principalmente durante as eleições municipais de
2004 que o debate sobre a pertinência da sua ratificação aflorou e ganhou ares de
dramaticidade. Algumas entidades representativas dos produtores de fumo, capitaneadas pela
Associação dos Fumicultores do Brasil (AFUBRA), se opuseram vigorosamente à subscrição
brasileira do tratado. Alegavam que a Convenção Quadro seria nociva para a economia das
regiões produtoras de tabaco e, especialmente, para os produtores familiares envolvidos no
seu plantio. Afirmavam que, a partir da ratificação, o caos e a miséria campeariam nas áreas
produtoras.
2
Uma vez ratificado o acordo pelo Senado, o pessimismo tomou conta de
significativa parte da região do Vale do Rio Pardo. um consenso que os dias do setor
fumageiro estão contados. Há, igualmente, grande ceticismo a respeito da real capacidade da
1
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. A ratificação da
Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco pelo Brasil: mitos e verdades. Rio de Janeiro: INCA, 2004.
2
Veja-se, por exemplo: CORRÊA, Sílvio et al. Anuário Brasileiro do Fumo 2005. Santa Cruz do Sul: Gazeta
Grupo de Comunicação, 2005. p.38-43.
14
região de encontrar alternativas economicamente viáveis e socialmente justas ao plantio, ao
beneficiamento e à industrialização do fumo.
Como no Rio Grande do Sul o tabaco é plantado basicamente em pequenas
propriedades, mediante a intensiva utilização da força de trabalho da unidade produtiva
familiar; como a colonização com populações de origem ou de descendência européia
ocorrida em território gaúcho foi a grande responsável pela multiplicação da pequena
propriedade; e como são marcadamente municípios de colonização alemã que deram origem
ao maior complexo de beneficiamento de fumo do mundo (formado pelo eixo que
compreende os municípios de Santa Cruz do Sul, Vera Cruz e Venâncio Aires), procurou-se
buscar no passado um potencial, existente na população destes e de outros municípios com a
mesma origem, que pudesse ser despertado para a superação das dificuldades que o momento
impõe. Nesse sentido, influenciado pelos escritos de Robert Putnam
3
, passou-se a procurar
evidências de existência, no passado, de capital social em áreas de colonização alemã do
Estado.
O capital social constitui, provavelmente, uma das inovações mais prometedoras da
teoria social contemporânea. Ele pode ser analisado enquanto atributo de comunidades, de
regiões, de estados e, inclusive, de nações. Mobilizado, ele se torna um dos ativos mais
importantes de qualquer coletividade. Pode se constituir em uma ferramenta especialmente
eficaz para o desenvolvimento econômico e social; para o aperfeiçoamento da democracia e
das instituições públicas; para a erradicação da pobreza; e para a solução de diferentes
mazelas que atingem uma determinada população.
Por mais específica que seja a definição de capital social, um consenso geral sobre
o fato de sua existência ser intrinsecamente boa para o funcionamento da sociedade. Ele
capacita aos membros da sociedade a atuar coletivamente para resolver problemas e trabalhar
pelo bem comum.
4
Putnam em diversos trabalhos tem defendido que um bom patrimônio de
capital social em uma sociedade reforça a democracia política e os ganhos econômicos, ao
incrementar a capacidade dos indivíduos para cooperar em um empreendimento comum.
3
PUTNAM, Robert. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2000; PUTNAM, Robert D. Solo en la bolera: colapso y resurgimiento de la comunidad norteamericana.
Barcelona: Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores, 2002.
4
COX, Eva. COX, Eva. El capital social en Australia. In: PUTNAM, Robert (Editor). El declive del capital
social: un estudio internacional sobre las sociedades y el sentido comunitario. Barcelona: Galaxia Gutenberg,
2003. p. 171.
15
Embora o presente trabalho tenha sido influenciado pelas pesquisas e pelos escritos
encabeçados por Robert Putnam, o conceito de capital social que aqui se utiliza é aquele
formulado e utilizado pelos pesquisadores da Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe (CEPAL). O secretário executivo desse organismo das Nações Unidas definiu o capital
social como sendo o conjunto de relações sociais caracterizadas por atitudes de confiança e
comportamentos de cooperação e reciprocidade.
5
Nessa perspectiva, trata-se de um recurso de
pessoas, de grupos e de coletividades em suas relações sociais, com ênfase nas redes de
associatividade das pessoas e dos grupos.
O objetivo geral que presidiu a elaboração do presente trabalho foi o de verificar,
portanto, evidências da existência de capital social nas áreas de colonização de população de
ascendência germânica, no Rio Grande do Sul, e o de verificar como o estoque de capital
social presente nessas áreas pode ter corroborado para o desenvolvimento dessas áreas. Dentre
os objetivos específicos, pretendeu-se: a) verificar os argumentos elaborados por setores da
intelectualidade brasileira que se colocaram contrários ao tipo de colonização que se
processou nas regiões de colonização alemã do Sul do Brasil. Esses argumentos não somente
deram origem ao mito do “perigo alemão”, mas também contribuíram para a formação de um
consenso sobre a necessidade de extirpar os “quistos étnicos”, o que conduziu à efetivação da
nacionalização forçada que, levada a efeito durante a época do Estado Novo (1937-1945),
redundou, segundo nossa ótica, na queima de parte considerável do estoque de capital social
existente nessas áreas coloniais; b) procurar verificar a origem do capital social existente nas
regiões de colonização teuta do Rio Grande do Sul e c) identificar possíveis causas do
declínio do estoque de capital social nessas áreas coloniais.
Além do motivador acima exposto, outras considerações amparam o desenvolvimento
da pesquisa. A primeira diz respeito à
originalidade. O tema aqui exposto, embora amplo e
extremamente complexo, ainda carece de mais estudos teóricos e empíricos. Especificamente
sobre a colonização aleno RS, apesar de terem sido produzidos inúmeros trabalhos
historiográficos, desconhece-se a existência de pesquisas que procurem relacionar o
desenvolvimento econômico e social inicial dessas regiões coloniais a partir da tese do capital
5
SILES, Marcelo E, ROBISON, Lindon J., WHITEFORD, scout. Introducción. In: ATRIA, Raul, SILES,
Marcelo et al (compiladores). Capital social y reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe: en busca
de un nuevo paradigma. Santiago de Chile: CEPAL: Universidad del Estado de Michigan, enero 2003. p. 13.
16
social. Nesse sentido, espera-se estar contribuindo para apontar mais um elemento que pode
ser levado em consideração em estudos que procuram encontrar as possíveis causas do
sucesso que no nosso entender é bastante relativo da população de descendência teuta no
extremo-sul do Brasil.
Em segundo lugar, trata-se de uma categoria conceitual que possui atualidade e
relevância científica. Estudos e publicações sobre a contribuição do capital social para o
desenvolvimento de uma região têm merecido consideráveis espaços nas universidades e nos
institutos de pesquisa do país e do exterior e no ramo editorial
.
Esse ponto merecerá um
aprofundamento no capítulo primeiro.
A terceira justificativa está relacionada com a possível relevância social da pesquisa.
Sendo a população de origem germânica um dos grupos étnicos que ocuparam e
desenvolveram a região de atuação da Universidade de Santa Cruz do Sul, o
presente estudo,
ao analisar características sociais e culturais do passado dessa população, especialmente suas
experiências de solidariedade horizontais, o
fomento da comunidade cívica e a existência de
confiança e tolerância recíproca, pode sinalizar para a existência de um potencial adormecido
na região que, talvez, possa ser reanimado.
A quarta consideração está vinculada à interdisciplinaridade do estudo, algo
extremamente caro ao Programa de Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa
Cruz do Sul (UNISC). Nesse sentido, procurou-se lidar com conceitos e conhecimentos
produzidos pela Geografia, Economia, História, Sociologia, Antropologia e pelas Ciências
Políticas. Nesse sentido, Leonardo Monastério assevera que “a abordagem do capital social
exige dos pesquisadores posturas plurais e interdisciplinares.”
6
Na pesquisa aqui apresentada foi utilizado o método histórico para reconstruir o papel
exercido pela imigração alemã no processo de desenvolvimento da região colonial do Rio
Grande do Sul, enfatizando, especialmente, sua contribuição para a concentração do capital
social nessas áreas. Nesse sentido, elaborou-se uma síntese sobre a colonização germânica no
Estado e, a partir dessa síntese, procurou-se introduzir o tema do capital social.
6
MONASTERIO, Leonardo Monteiro.Capital social e a região sul do Rio Grande do Sul. Curitiba: UFPr, 2002.
p. 7.
17
No que diz respeito à origem do capital social existente nas regiões de colonização
germânica do Estado, adotou-se a abordagem cultural. A expressão capital social, explica
Putnam, tem uma genealogia antiga.
7
Essa categoria conceitual ainda está longe de ter uma
definição que possa ser consensualmente aceita. Apesar da sua intensa utilização desde a
década de 1990, sua conceituação ainda é vista como algo nebuloso e de espectro muito
amplo, incluindo vários campos e diferentes abordagens teóricas. Uma das inúmeras disputas
existentes em torno do capital social contrapõe, justamente, a abordagem cultural de Putnam e
seus seguidores com a de neo-institucionais, como Evens e Fox. Na obra de Putnam, a cultura
política e a história particular determinam a existência ou inexistência de associativismo
horizontal, base do engajamento cívico e indicador da presença ou ausência de confiança
social. Ou seja, Putnam credita o acúmulo de capital social existente em uma determinada
região como resultado de um longo processo histórico experimentado por sua população
através de gerações. Isso, obviamente, redunda num determinismo cultural, o
que não deixa
de ser frustrante politicamente para as regiões que dele não desfrutam. Já para a vertente neo-
institucionalista, o Estado tem importância fundamental no potencial de mobilização ou
desmobilização das iniciativas coletivas. Seu pressuposto básico é o de que as instituições
públicas têm, além do monopólio da coerção, a exc1usividade de mobilização dos recursos
sociais.
O conceito condutor dos procedimentos metodológicos de análise foi o de capital
social. A abordagem culturalista foi aqui utilizada não porque o autor negue que o Estado
possa ser um emulador de confiança social e de espírito cívico.
8
Pelo contrário. O autor
acredita que Estado, bons governantes e instituições políticas, juntamente com entidades
religiosas e associações e organismos sociais das mais diversas finalidades, podem ser
promotores de capital social. Se a abordagem culturalista da origem do capital social foi aqui
adotada, é por melhor se conectar com o objeto da pesquisa. E, assevere-se, no tipo de
colonização alemã ocorrida no Sul do Brasil, o Estado esteve praticamente ausente. Mas, a
igreja da imigração esteve presente com suas escolas paroquiais e o seu associativismo de
caráter religioso. Ao lado dela, a imprensa brasileira de língua alemã e um rico mosaico de
7
PUTNAM, Robert (Editor). El declive del capital social: un estudio internacional sobre las sociedades y el
sentido comunitario. Barcelona: Galaxia Gutenberg, 2003. p. 9 et seq.
8
De uma forma geral, a literatura internacional sobre o capital social trabalha com a tese de que uma reserva
elevada de capital social fomenta ganhos econômicos e qualifica o funcionamento da máquina político-
administrativa. Ao mesmo tempo, trabalha com a tese de que os responsáveis de decisões administrativas
podem contribuir para o robustecimento da vida associativa.
18
sociedades de finalidades culturais, recreativas e desportivas.
Além do capital social, conforme é frisado ao longo do texto, também as categorias
conceituais de identidade étnica, de identidade religiosa e de comunidade, embora
subsidiárias, foram fundamentais para o trabalho.
Quanto à natureza das fontes, tratou-se de uma pesquisa basicamente bibliográfica. A
vantagem da pesquisa bibliográfica, nesse caso específico, residiu no fato de permitir ao
investigador a cobertura de uma gama de fenômenos mais ampla e abrangente do que aquela
que poderia pesquisar diretamente. Mas, o recurso da história oral, a consulta a jornais, álbuns
comemorativos e outros documentos, também ocorreram.
O presente trabalho está organizado em cinco capítulos. O primeiro capítulo trata do
capital social, categoria conceitual desenvolvida pela sociologia e pela ciência política que,
desde a década de 1990, passou a fazer parte da literatura econômica que trata do
desenvolvimento regional e de sistemas democráticos de governo. Além de servir como ponto
de partida de inúmeras pesquisas de diferentes áreas do conhecimento, o capital social
também tem sido levado em consideração por uma série de organismos multilaterais (Banco
Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura),
por Organizações Não-Governamentais (ONGs), por instituições religiosas e governamentais
que desenvolvem projetos que visam melhorar as condições de vida de comunidades e
sociedades. Depois de apontar áreas em que o conceito é utilizado, parte-se para uma breve
revisão da literatura sobre o capital social para, depois, entrar na sua origem.
No segundo capítulo, a partir da bibliografia existente sobre o tema, é feita uma
recapitulação da colonização alemã no Rio Grande do Sul. Levando em consideração aspectos
temporais e espaciais da ocupação do Estado pelo elemento de origem germânica, a
colonização é dividida em cinco fases, sendo três durante o Império e duas durante a
República brasileira. A seguir, são enfatizadas algumas das adversidades com as quais os
imigrantes e seus descendentes se defrontaram para se adaptar ao meio geográfico. E, seja nos
vales dos rios, na Encosta do Planalto, no Planalto Médio ou no Alto Uruguai, a situação
encontrada nas picadas e nas glebas foi quase sempre a mesma. O capítulo finaliza
19
defendendo que nas áreas colonizadas pela população de ascendência alemã surgiu, na
realidade, uma cultura peculiar, de características próprias, que pode ser denominada de
colonial. Ela reuniu e fundiu algumas tradições trazidas por imigrantes alemães de diferentes
procedências, metamorfoseou outras e incorporou e modificou traços culturais já existentes no
Rio Grande do Sul.
O terceiro capítulo pretende ser uma “escavação arqueológica” do capital social
existente nas chamadas colônias alemãs do RS. John Durston incluiu a realização de uma
“escavação arqueológica” entre as medidas que deveriam ser adotadas para desenvolver o
capital social comunitário. Salientou que a partir dessa operação seria possível identificar
episódios anteriores de desenvolvimento social que podem ter sido reprimidos ou
desalentados, mas que se têm conservado na tradição oral coletiva.
9
Em outros termos, a
arqueologia implica a busca de capital social enterrado e conservado na memória histórica de
grupos, de um capital coletivo que existiu no passado mas que foi debilitado ou por
rivalidades internas ou reprimido por forças externas.
10
Entende-se que a estrutura física dos cleos coloniais, através de linhas, picadas ou
comunidades, foi determinante para a organização de uma rede de organizações socioculturais
e religiosas que animaram e caracterizaram a vida dos descendentes de colonos alemães. Mas,
a
origem histórica do associativismo nas regiões coloniais alemãs do Estado também es
ligada à experiência associativa trazida pelos imigrantes da Alemanha e ao papel
desempenhado pela Igreja da Imigração. Essa, através do cristianismo social,
fundamentada na religião, na etnia alemã e na organização comunitária, incentivou a
constituição de uma rede de organizações que visaram impedir a degradação social dos
teutos e de seus descendentes.
A participação em associações voluntárias que é uma das
variáveis freqüentemente utilizadas na aferição de capital social ali foi significativa. A
existência e a participação dos indivíduos em uma densa rede de associações voluntárias, tais
como, em igrejas e grupos religiosos; em clubes esportivos; em sociedades recreativas e
clubes sociais; em organizações artísticas, culturais ou educacionais; em sindicatos e
associações profissionais; em partidos políticos; em entidades filantrópicas; em cooperativas;
em clubes de serviços etc, na literatura sobre o tema, têm sido apontado como um dos
9
DURSTON, John. Contruyendo capital social comunitario. Revista de la CEPAL, Santiago de Chile, n. 69, dic.
1999. p. 116.
10
DURSTON, John. Qué es el capital social comunitario? Santiago de Chile: Nações Unidas, julio de 2000. p.
37.
20
principais indicadores da existência e abundância de capital social em uma determinada
região. A vitalidade da sociedade civil, portanto, depende da existência desses tipos de
associações horizontais, nas quais uma ampla participação da população. Mas, é
igualmente significativa para a existência de capital social numa população a existência de
muitos leitores de jornais e a sociabilidade informal. Essa última inclui uma série de
atividades como visitar parentes e amigos; conversar com vizinhos; reunir amigos em casa;
jogar cartas; participar em diversos tipos de atividades de lazer junto com outras pessoas
como em bailes, quermesses, Kerbs, casamentos e outras festas; apresentar-se para
desenvolver trabalhos de voluntariado; participar de atividades filantrópicas; realizar trabalhos
conjuntos em sistema de mutirão etc. Esse intenso convívio social favorece o conhecimento
de outras pessoas e torna mais propensa a criação de relações de confiança, camaradagem,
solidariedade e auxílio recíproco entre os envolvidos. O capital social gerado nas áreas
coloniais alemãs possuía, entretanto, natureza excludente, porque estava voltado somente para
os alemães e seus descendentes. Assim, os mecanismos que alimentavam a confiança, a
reciprocidade e o respeito às normas muitas vezes beneficiavam somente o grupo daquela
origem étnica. A população de outras origens encontrava barreiras não somente para
participar, mas também para usufruir do capital social gerado.
O quarto capítulo analisa o surgimento da concepção de uma dupla identidade entre os
descendentes de imigrantes alemães do Sul do Brasil. A formulação de identidade teuto-
brasileira (Deutschbrasilianer) partia do pressuposto da existência de um duplo pertencimento
em que, de um lado, estava o Estado brasileiro e, de outro, a nação alemã. Defende-se que
essa concepção é um reflexo do nacionalismo alemão existente durante o século XIX na
Europa. As bem sucedidas guerras de unificação e o acelerado desenvolvimento econômico
pelo qual passou a Alemanha a partir da segunda metade daquela centúria não somente
reafirmou e consolidou o nacionalismo alemão como também atingiu os alemães e
descendentes que viviam fora da Europa. Eles passaram a ser levados em consideração na
estratégia política e econômica imperialista do Império Alemão ocorrida a partir de então.
Durante a República Velha, intelectuais e homens do governo brasileiro, empenhados na
construção do Estado e da identidade nacional, passaram a atacar o comportamento
antiassimilacionista dos teuto-descendentes do Brasil Meridional. No combate aos quistos
étnicos fizeram vicejar o mito do “perigo alemão”. O “perigo alemão” consistia em um real
ou hipotético patrocínio, por parte do imperialismo germânico, a uma secessão de territórios
21
do Brasil Meridional, que deveriam ficar como área de influência econômica ou de
dominação direta da Alemanha. Sílvio Romero foi, dentre os intelectuais brasileiros que
defenderam a tese do "perigo alemão", o mais destacado. Mas houve igualmente intelectuais
que fizeram a defesa da cultura alemã e da população de origem teuta que vivia no RS.
Durante o Estado Novo, com a nacionalização forçada, o perigo alemão foi novamente
levantado, dessa feita por autoridades policiais do governo gaúcho. O mito aparecia, então,
com nova roupagem: a do nazismo e a da necessidade expansionista do regime implantado
por Hitler na Alemanha.
Finalmente, no quinto capítulo se discorre a respeito de uma possível queda ou
modificação da composição do estoque de capital social nas áreas de predominância da
população de ascendência germânica do Rio Grande do Sul. O enfoque recai mais
especificamente sobre a população residente no município de Santa Cruz do Sul. Embora
essa questão seja complexa e haja carência de dados para aquilatar o volume de capital
social e se tenha consciência de que os fatores são múltiplos, um ponto específico é aqui
enfocado e entendido como responsável por significativa destruição de redes sociais. Trata-
se da atuação do Estado brasileiro e, mais particularmente, das medidas postas em prática
por autoridades gaúchas que, durante o episódio da nacionalização, e quando do
desestímulo ao cooperativismo, jogaram papel decisivo. O papel de regulador, de
facilitador e de promotor que tem o Estado, ao invés de colaborar para o incremento das
reservas de capital social, influenciou negativamente e culminou com a redução dessas
reservas.
Como a história é um permanente campo de combate, espera-se que o presente
trabalho não sirva de argumento para os defensores de teses etnicistas, apologéticas ou
românticas sobre o passado. Nesse caso específico, sobre a história da colonização
germânica no Rio Grande do Sul. O autor não nega, ao longo do texto e em outros escritos,
a existência de lutas sociais nem a irreconciliável oposição entre explorados e
exploradores. Mesmo a utilização da categoria capital social, que foi o conceito condutor
que presidiu os procedimentos metodológicos de análise da pesquisa, não foi aqui utilizada
como um mero recurso teórico de um trabalho acadêmico. Embora esse conceito, a
exemplo da história, também se constitua em campo de disputa e possa, por isso mesmo,
ser apropriado por setores conservadores e mesmo reacionários da sociedade, aqui ele foi
22
utilizado por um autor que acredita que ele possa se converter em uma das mais
importantes ferramentas para a superação da miséria e para auxiliar na construção de uma
sociedade mais humana, mais justa, mais democrática e mais igualitária.
1 O CAPITAL SOCIAL
“Capital Social es, en definitiva, un elemento vital cuya
presencia y reserva debe cuidarse como un tesoro, pues se
constituye a través del tiempo en un prerrequisito
semejante al del agua y el oxigeno para cualquier
sociedad que desee mantenerse viva.” (IDEA p. 2)
Recentemente, mais precisamente na década de 1990, é que a categoria conceitual
capital social, desenvolvida pela sociologia e pela ciência política, passou a fazer parte da
literatura econômica que trata do desenvolvimento regional e de sistemas democráticos de
governo. A literatura relacionada ao tema tem aumentado de forma exponencial ao longo dos
últimos anos. De idêntica forma, a listagem das áreas de pesquisa, nas quais o conceito passou
a ser aplicado, também cresceu significativamente. Para Marcelo Baquero,
1
é difícil pensar
em algum outro conceito acadêmico que tenha se institucionalizado no vocabulário do
discurso social tão rapidamente quanto o do capital social. E isso se deu, como lembra
Norbert Lechner, apesar de todas as críticas que a noção de capital social tem recebido.
2
Inegavelmente, o capital social tem servido como importante ponto de partida de
inúmeras pesquisas que objetivam apreender o crescimento econômico e o desenvolvimento
1
BAQUERO, Marcello. Alcances e limites do capital social na construção democrática. In: BAQUERO, M.
(Org.). Reinventando a sociedade na América Latina: cultura política, gênero, exclusão e capital social. Porto
Alegre/Brasília: Ed. UFRGS/Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, 2001. p. 29.
2
LECHNER, Norbert. Desafios de um desarrollo humano: individualización y capital social. In: KLIKSBERG,
Bernardo, TOMASSINI, Luciano (Compiladores). Capital social y cultura: claves estratégicas para el
desarrollo. Buenos Aires: Banco Interamericano de Desarrollo; Fondo de Cultura Económica de Argentina,
2.000. p. 115.
24
de determinadas comunidades, de regiões ou de nações. Mas ele tem sido utilizado também na
prática por uma rie de organismos multilaterais, por Organizações Não-Governamentais
(ONGs), por instituições religiosas e por iniciativas estatais para a promoção de melhores
condições de vida das populações de determinados territórios. Não obstante isso, as
aplicações e interpretações que tomam por base essa categoria conceitual não se restringem
somente a verificar sua importância para o êxito econômico, mas também para o bom governo
de determinadas regiões; para combater o clientelismo político e a corrupção; para relacionar
sua influência no rendimento escolar de crianças; na taxa de mortalidade infantil; na
diminuição dos índices de violência e criminalidade; no comportamento dos jovens; nos
resultados positivos sobre a saúde pública; no fomento da produção camponesa e na
sustentabilidade ambiental no meio rural; na participação política e na consolidação da
democracia; em questões de gênero e de inclusão social; na adaptação da população migrante.
Agências internacionais de apoio ao desenvolvimento, como o Banco Mundial
(BIRD), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a
Organização de Alimento e de Agricultura das Nações Unidas (FAO), a Comissão Econômica
para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e a Corporação Andina de Fomento, recentemente
passaram a defender a necessidade da participação da sociedade civil na formulação e na
implementação de políticas públicas e de ões governamentais que objetivam o
desenvolvimento e a erradicação da pobreza. Para tanto, passaram a reabilitar o conceito de
cultura que, assim, saiu de um ostracismo amargado por longo tempo. Como ressalta Guy
Hermet,
3
durante décadas a cultura foi considerada muito mais um fator capaz de paralisar
mudanças do que um possível ponto de apoio do desenvolvimento. Conforme Bernardo
Kliksberg
4
, as possibilidades de o capital social e a cultura contribuírem para o
desenvolvimento econômico e social deram-se em função da crise do pensamento econômico
convencional, ocorrida no final do século XX, quando ficou patente que o fantástico
incremento das forças produtivas e as revoluções tecnológicas em curso só conseguiram
ampliar as severas contradições do sistema capitalista de produção. Em um estágio em que
amplos setores da população mundial estão afetados por carências as mais diversas e em que é
3
HERMET, Guy. Cultura e desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 85-89.
4
KLIKSBERG, Bernardo. Capital social e cultura: chaves esquecidas do desenvolvimento. In: Falácias e mitos
do desenvolvimento social. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2001. p. 105-116.
25
estimado que um terço dos trabalhadores do planeta são atingidos pelo desemprego e pelo
subemprego, aspectos não incluídos no pensamento econômico convencional passaram a ser
valorizados e enfatizados, tornando-se, mesmo, tema central em muitas das abordagens.
Como afirma Patricio Valdivieso, na atualidade o desenvolvimento é visto como um processo
dinâmico que requer a intervenção do Estado, do mercado e da sociedade civil organizada.
5
O Banco Mundial, por exemplo, a partir do início do decênio passado, na avaliação de
projetos de desenvolvimento, passou a distinguir quatro formas de capital:
6
capital natural,
que é constituído dos recursos naturais de que é dotado um Estado nacional (composto por
solo, subsolo, riquezas minerais e fósseis, manancial hídrico etc); capital financeiro, que é
aquele produzido pela sociedade e que se expressa em infra-estrutura, bens de capital, bens
imobiliários, títulos, ações, créditos, poupança e outros; capital humano, que são as
competências e as habilidades de uma determinada população, definidas normalmente pelos
graus de saúde, pela educação e pela nutrição dos habitantes; capital social, que é a
capacidade que tem uma sociedade de estabelecer laços de confiança interpessoal,
compromissos e vínculos de reciprocidade e redes de cooperação e de solidariedade, com
vistas à produção de bens coletivos. O capital social seria a argamassa que mantém as
instituições em contato entre si e as vincula ao cidadão, visando ao bem comum e ao
desenvolvimento humano e econômico.
7
Praticamente, todos os estudiosos do capital social
que se ocupam com o crescimento econômico acreditam que, para que possa ocorrer o
desenvolvimento, é necessário contar com o conjunto de capitais, ou seja, com o natural, o
financeiro, o humano e o social.
Reconhecendo o potencial do capital social, o Banco Mundial passou a destinar
recursos para investigar de que maneira esse componente habilita os setores pobres a
5
VALDIVIESO, Patricio. Capital social, crisis de la democracia y educación ciudadana: la experiencia chilena.
Revista de Sociologia Política, Curitiba, n. 21, nov. 2003. p. 18.
6
Em 2001, Jonathan Fox relatou que, dentro do Banco Mundial, uma corrente minoritária de intelectuais,
formada por não-economistas, que estentando utilizar o conceito de capital social para influir nos debates
internos a favor da participação social nos projetos financiados pelo Banco. Ainda que muitos economistas
guardem muito ceticismo sobre sua validade e relevância, esses intelectuais acreditam que a participação social
não é somente uma retórica romântica, mas algo que serve fundamentalmente ao processo de desenvolvimento
como recurso de inversão de prioridades e de reforma de instituições. De qualquer forma, as propostas analíticas
do Banco Mundial passaram a ser bastante avançadas, sobretudo se comparadas com o famigerado “Consenso de
Washington”, dos anos 1980, uma herança pró-setor privado da época de Ronald Reagan, ou com a proposta de
que todos os problemas dos pobres se resolveriam através dos pleitos eleitorais e dos partidos políticos. Ver a
respeito FOX, Jonathan. De la teoria a la práctica del capital social: el Banco Mundial en el campo mexicano.
Preparado para el XXIII Congreso Internacional de la Asociación de Estúdios Latinoamericanos, spt. 2001.
http://136.142.158.105/Lasa2001/FoxJonathan.pdf em 25/05/2005. p. 2.
7
D’ARAUJO, Maria Celina. Capital social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p. 9-10.
26
participarem e se beneficiarem do processo de desenvolvimento.
8
Também a CEPAL, que
desde seu início tem destacado a importância do social no desenvolvimento, tem dado
bastante ênfase para a utilização do capital social como ferramenta útil para a implementação
de estratégias e de programas que visam à superação da miséria, da pobreza e das
desigualdades. A entidade tem-se constituído em um referencial no debate internacional sobre
o capital social, principalmente devido à sua contribuição para a abertura de espaços de
intercâmbio entre a comunidade acadêmica e as agências de desenvolvimento estatais e não-
estatais da América Latina. Isso se torna patente através de algumas de suas publicações e
através de seminários, conferências e oficinas que têm promovido com o fito de aprofundar o
conceito de capital social e a sua aplicabilidade para a redução da pobreza. Nesse último caso,
se destacam o Seminário Internacional “Hacia um nuevo paradigma: Capital social y
reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe”,
9
organizado em conjunto com a
Universidade do Estado de Michigan, ocorrido em setembro de 2001, em Santiago do Chile, e
o Seminário Taller “Capital social, herramienta para los programas de superación de la
pobreza urbana y rural”, realizado em janeiro de 2003. As várias publicações destinadas ao
tema, patrocinadas pela CEPAL, permitiram, ainda, colocar à disposição de estudiosos,
funcionários públicos, executores e avaliadores de projetos, ONGs etc, reflexões teóricas,
relatos de experiências e instrumentos de diagnóstico que valoram e valorizam o capital social
existente em determinado meio.
10
Ideólogos, tanto de direita como de esquerda, parecem simpatizar com a tese do
capital social. Como enfatiza John Durston, como qualquer conceito, também o de capital
social pode ser utilizado com a finalidade e o interesse político de quem o maneja. É
justamente devido a essa razão que o termo pode ser apropriado por diferentes escolas
teóricas e políticas.
11
8
SUNKEL, Guillermo. La pobreza em la ciudad: capital social y políticas públicas. In: ATRIA, Raul, SILES,
Marcelo et al (Compiladores). Capital social y reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe: en busca
de un nuevo paradigma. Santiago de Chile: CEPAL: Universidad del Estado de Michigan, enero 2003. p. 303.
9
Desse seminário resultou um livro, publicado em janeiro de 2003, que contém 19 artigos de conhecidos
especialistas no assunto. A obra está organizada em sete seções, em que são feitas análises sobre capital social e
sua relação com o desenvolvimento, com as políticas públicas, com a pobreza urbana, com as dimensões de
gênero e o mundo rural e a sustentabilidade ambiental.
10
Ver a respeito: ARRIAGADA, Irma, MIRANDA, Francisca, PÁVEZ, Thaís. Lineamentos de acción para el
deseño de programas de superación de la pobreza desde el enfoque del capital social: guia conceptual y
metodológica. Santiago de Chile: CEPAL, 2004. Serie Manuales N. 34.
11
DURSTON, John. Capital social: parte del problema, parte de la solución, su papel en la persistencia y en la
superación de la pobreza en América Latina y el Caribe. In: Atria et al, op. cit. p. 158.
27
Para os primeiros, os defensores do laissez-faire, o capital social é uma das formas de
resolver as falhas do mercado sem a intervenção do Estado. Uma grande vantagem econômica
originada pela existência de confiança interpessoal seria a redução dos custos de transação.
Quando condições favoráveis para os contratos serem plenamente cumpridos,
determinadas despesas com o monitoramento, vigilância, negociações, elaboração de
contratos formais, litígios e precauções com normas burocráticas e trabalhistas podem ser
reduzidas ou mesmo dispensadas.
12
Onde a confiança é baixa, a sociedade precisa se precaver
do oportunismo e da tomada de decisões de interesse pessoal, através da adoção de
sofisticados métodos de controle. Esses métodos de controle se constituem, evidentemente,
em substitutos caros da confiança.
Vários trabalhos da CEPAL evidenciam, também, que grande parte das experiências
de associações produtivas de pequenos produtores rurais têm sido de suma importância não
somente para os produtores envolvidos, mas também para as empresas agroindustriais com as
quais mantêm vínculos. Na medida em que os custos de produção da agricultura e da pecuária
baixam, aumentam as oportunidades de acumulação financeira por parte das empresas.
13
Além do aumento da competitividade, alguns pensadores e algumas instituições
conservadoras também justificam a própria retirada do Estado daquelas comunidades em que
o capital social se encontraria em grande escala. Assim, os cidadãos e a sociedade são
conclamados, através do voluntariado, a resolver problemas que, teoricamente, seriam do
Estado, mas que, dada a enormidade dos problemas sociais existentes e os escassos recursos
públicos disponíveis, são assumidos pela coletividade, inclusive com a participação de ONGs
e de empresas privadas ou estatais.
14
No que tange à questão de valores, o extremo mais conservador dos defensores da tese
do capital social defende a permanência do compromisso de estruturas familiares tradicionais
e de um ordenamento moral coletivo fundado em valores comunitários tradicionais.
12
FUKUYAMA, Francis. Capital social e sociedade civil.
http://www.imf.org/external/pubs/ft/seminar/1999/reforms/fukuyama.htm em 13/03/2005; ARRAES, Ronaldo de
Albuquerque, BARRETO, Ricardo Candéa Sá. Implicações do capital social e do capital político no
desenvolvimento econômico. http://www.bmb.gov.br/proiforumeconomia/docs em 10/10/2002. p. 5.
13
DAVID, M. Beatriz, MALAVASSI, Laura Ortiz. El capital social y las políticas de desarrollo rural. Punto de
partida o punto de llegada? In: Atria et al, op. cit. p. 466.
14
Veja-se a respeito o projeto social implantado no complexo da favela da Mangueira, no Rio de Janeiro.
COSTA, Maria Alice Nunes. Sinergia e capital social na construção de políticas sociais: a favela da Mangueira
no Rio de Janeiro. Revista de Sociologia Política, Curitiba, n. 21, p. 147-163, nov. 2003.
28
Para os progressistas, ele reforça o sentimento de que o direito à propriedade privada e
o livre mercado não representam tudo. Nesse sentido, confiança, altruísmo, civismo,
solidariedade e cooperação são apontados como contrapontos ao neoliberalismo. Além disso,
sua existência em graus elevados permitiria o “empoderamento”,
15
a cidadania, o pluralismo e
o êxito da democracia. Mas o capital social é ainda, como assinala Ricardo Abromovay, uma
espécie de resposta a um dos mitos fundadores da civilização moderna, qual seja, a de que a
sociedade seria um “conjunto de indivíduos independentes, cada um agindo para alcançar
objetivos a que chegam independentemente uns dos outros, e o funcionamento do sistema
social consistindo na combinação destas ações dos indivíduos independentes.”
16
Pelo
contrário, a noção de capital social possibilita compreender que os indivíduos não agem
necessariamente de forma isolada e que o seu comportamento, ao invés de ser estritamente
egoísta, pode ser de cooperação, de solidariedade e de reciprocidade. Levado ao extremo, o
capital social poderia se constituir numa importante ferramenta na luta pela superação do
sistema capitalista de produção.
alguns pontos, no entanto, em que os interesses de progressistas e conservadores
encontram uma zona de intersecção. Ambos, por exemplo pelo menos na presente
conjuntura mundial –, defendem a democracia e estão de acordo que a existência de capital
social é decisiva para o seu êxito, pois contribui significativamente para o funcionamento
adequado das instituições públicas formais.
17
Ambos também pugnam pelo combate à
corrupção. A corrupção, entendida como o uso de bens e recursos públicos para fins privados,
15
A partir dos anos 90, o “empoderamento” se constituiu em outro conceito central do discurso e da prática do
desenvolvimento. Concretamente, o “empoderamento” da população pode manifestar-se em três áreas gerais: 1)
poder no sentido de maior confiança na própria capacidade para empreender alguma forma de ação com êxito; 2)
poder em termos de fortalecer as relações que a população estabelece com outras organizações; 3) poder como
resultado de um acesso crescente a recursos econômicos como crédito e insumos. O desenvolvimento social
como “empoderamento” não considera as pessoas pobres como deficientes e necessitadas de apoio externo.
Desde uma perspectiva mais positiva, intenta criar um enfoque de desenvolvimento interativo e baseado no
princípio de compartir, no qual as destrezas e o conhecimento das pessoas sejam reconhecidos
.
Cfe. INTRAC.
Seguimento y evaluación del empoderamiento: documento de consulta. Nov. 1999.
http:www.preval.orgdocumento/00429.pdf em 24/05/2005. p. 5
O “empoderamento” (empowerment) tem sido definido como “el processo por el qual la autoridad y la habilidad
se ganan, se desarrollan, se toman o se facilitan”. DURSTON, John. Qué es el capital social comunitario?
Santiago de Chile: Nações Unidas, julio de 2000. Série Políticas Sociales: 38. p. 33. O “empoderamento”, no
contexto de uma estratégia social, é um processo seletivo consciente e intencionado que tem como objetivo a
igualdade de oportunidades entre os atores sociais. O critério central é transformar setores sociais excluídos em
atores, e nivelá-los acima de atores débeis.
16
COLEMAN, apud ABROMOVAY, Ricardo. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento
social. http://gipaf.cnptia.embrapa.br/itens/publ/abromovay/abromovay0300rtf p. 4.
17
Fukuyama (1999), op. cit.
29
como acentua com muita propriedade Eric Ulsaner, é uma enfermidade. É por seu intermédio
que é transferida riqueza dos pobres para os ricos e que se assegura que aqueles continuem
sendo pobres. A corrupção seria uma espécie de imposto adicional pago pela sociedade.
18
Em
síntese, ela seria prejudicial tanto para a democracia quanto para o desenvolvimento. A falta
generalizada de confiança nos governantes, a distribuição de renda, a não-liberdade de
imprensa e a inexistência de eleições democráticas constituem um terreno propício para o
clientelismo político e a corrupção. Por outro lado, a confiança interpessoal, o engajamento
cívico e a democracia efetiva intercorrelacionados atuariam no sentido de frear a corrupção. A
literatura sobre cultura política e capital social registra que as nações com estoques de capital
social mais elevado são também as que são dotadas de maior confiança social, são as mais
democráticas, as mais igualitárias e onde a corrupção é menor.
19
O antropólogo social e ex-consultor da Divisão de Desenvolvimento Social da
CEPAL, John Durston, possui uma série de publicações a respeito do capital social e da sua
aplicação na América Latina e no Caribe. Para o pesquisador, o paradigma do capital social
pressupõe que as relações estáveis de confiança, reciprocidade e cooperação podem contribuir
para a obtenção de três tipos de benefícios: a) reduzir os custos de transação; b) produzir bens
públicos; e c) facilitar a constituição de organizações de gestão de base efetivas, de atores
sociais e de sociedades civis. Observa, no entanto, que as relações, normas e instituições de
confiança, reciprocidade e cooperação são apenas recursos que podem contribuir para o
desenvolvimento produtivo e o fortalecimento da democracia. Sua presença não determina
que necessariamente o desenvolvimento e a democracia sejam alcançados. Isso porque outras
variáveis precisam ser consideradas para se chegar aos resultados desejados.
20
Portanto, o
capital social não pode ser tomado como uma panacéia. Sua existência ou ausência em
determinada comunidade, cidade ou região pode, entretanto, constituir-se em uma vantagem
ou em uma desvantagem comparativa. Ou seja, ao se tomar duas regiões que se encontram em
semelhante situação no que tange à existência de recursos naturais, de capital financeiro e de
18
ULSANER, Eric M. Confianza y corrupción: sus repercusiones en la pobreza. In: Atria et al, op. cit. p. 229.
19
POWER, Timothy J., GONZÁLES, Júlio. Cultura política, capital social e percepções sobre corrupção: uma
investigação quantitativa em nível mundial. Revista de Sociologia Política, Curitiba, n. 21, p. 51-69, nov. 2003.
A Noruega, por exemplo, seria um dos países líderes do mundo em matéria de transparência. E, não obstante
possuir uma legislação anticorrupção bastante reduzida, a corrupção praticamente inexistiria. A Finlândia,
outra nação nórdica, apesar de contar com o menor mero per capita de policiais da Europa, teria a menor
proporção de presos do Continente. Na raiz dessa façanha estaria o capital social. Quanto mais capital social,
mais crescimento econômico a longo prazo, menor criminalidade, mais saúde pública e mais governabilidade
democrática. Cfe. KLIKSBERG, Bernardo. Capital social: a riqueza das nações.
http://www.uol.com.br/ambientglobal/site/reportanges/ultmot/ult865u225.shl em 22/07/2003.
20
DURSTON (2000), op. cit. p. 13.
30
recursos humanos, mas diferentes no que diz respeito à existência de capital social, aquela
região que contar com maior dotação de capital social tende a gozar de vantagens
competitivas por ser capaz de proporcionar melhores resultados que a outra no que tange ao
bom governo e ao desenvolvimento econômico e social.
Por ser de origem recente embora a idéia que o envolva seja antiga –, e dado seu
caráter multidisciplinar, não ainda uma definição consensual a respeito do capital social.
Existem várias definições na vasta bibliografia sobre o tema. Entretanto, não uma que
consiga reunir, consensualmente, a maioria dos investigadores. Portanto, ainda não há um
acordo geral sobre o que se entenda por tal e a sua conceituação segue ocorrendo dentro de
um campo de disputas.
A título de exemplificação, John Durston, para quem o capital social, entre outros,
promete ser uma valiosa ferramenta para a análise e para a promoção do desenvolvimento de
base camponesa, afirma que “el término capital social hace referencia a las normas,
instituciones y organizaciones que promuevem la confianza, la ayuda recíproca y la
cooperación.”
21
Sunkel o considera, em linhas gerais, “a los recursos instalados en una red
que pueden ser movilizados por quienes participan en ella para el logro de metas individuales
y colectivas.”
22
Raul Atria o define como “el conjunto de relaciones sociales basadas em la
confianza y los comportamientos de cooperación y reciprocidad.”
23
Para Woolcock e
Narayan,
el capital social dice relación con las normas y redes que le permiten a la gente actuar
de manera colectiva.”
24
Alberto Acevedo e Alejandro Benítes entendem ser o capital social
“un
amplio conjunto de significaciones, valores y normas de comportamiento cívico que generan
actitudes positivas de confianza, relación y solidaridad sociales; todo lo cual, conduce a
incrementar los niveles de cohesión social, organización social y capacidad económica y
social de los ciudadanos para la solución responsable y autónoma de problemas comunes, en
orden al mejoramiento de la calidad de vida de los grupos sociales.”
25
Robert Putnam, no livro
“Comunidade e democracia”, conceitua o capital social como aquilo que “diz respeito a
21
Durston (2000), op. cit. p. 36
22
Sunkel, op. cit. p. 306.
23
Atria, op. cit p. 582.
24
WOOLCOLK, Michael, NARAYAN, Deepa. Capital social: implicaciones para la teoria, la investigación y
las políticas sobre desarrollo. http://www.preval.org/documentos/00418. pdf em 24/05/2005. p. 2
25
ACEVEDO, Alberto Alvarado, BENITES, Alejandro Vivas. Capital social y calidad de vida. Pontifícia
Universidad Javeriana, Facultad de Ciências Econômicas y Administrativas, Instituto de Políticas de Desarrollo,
Archivos de Investigación, Octubre de 2004. http://econwpa.wustl.edu:8089/eps/hew/papers/0410/0410004.pdf
em 25/05/2005.
31
características da organização social, como confiança, normas e sistemas que contribuam para
aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas”.
26
O capital social inclui pelo menos quatro dimensões: os valores éticos dominantes em
uma sociedade; a capacidade de associação dessa sociedade; o grau de confiança existente
entre os seus membros e a consciência cívica. Dessas quatro dimensões, a confiança é um
componente básico que permeia todas as dimensões.
Inexistindo uma definição de ampla aceitação, tem-se também um problema
metodológico a resolver. Como medir ou quantificar o capital social? Sua valoração, como
afirma Norman Uphoff,
27
não pode ser expressa em termos correntes como, por exemplo, o
dinheiro, que permite mostrar cifras relativas ou absolutas. Apesar dos muitos esforços
havidos, a mensuração quantitativa do capital social parece estar ainda longe de ser factível. E
a medição não é possível porque as formas e a dinâmica do capital social são específicas a
cada realidade concreta. E, conforme pode ser evidenciado na literatura sobre o tema, alguns
métodos de medição utilizados em determinados casos são completamente inaplicáveis em
outros. O Banco Mundial elaborou um conjunto de ferramentas empíricas para medir capital
social em países em desenvolvimento, o QI-MCS, Questionário Integrado para Medir Capital
Social. A ferramenta foi construída para ser utilizada por pesquisadores, avaliadores,
gerenciadores de projetos e programas, por aqueles que estejam conduzindo levantamentos de
índices de pobreza ou surveys nacionais sobre capital social, e por aqueles que estejam
desenvolvendo estratégias nacionais de redução da pobreza.
28
Ainda que não seja factível quantificá-lo de forma concreta, é possível afirmar que ele
existe potencialmente em todos os grupos humanos, ainda que não na mesma magnitude. A
simples presença de capital social em determinada comunidade ou sociedade não significa sua
necessária utilização, nem é garantia do êxito de políticas nele fundamentadas. Ele é apenas
um recurso potencial, que pode dar resultados positivos em um ambiente e resultados fios
26
PUTNAM, Robert. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2000. p. 177.
27
UPHOFF, Norman. El capital social y su capacidad de reducción de la pobreza. In: Atria et al, op. cit. p. 115-
145.
28
Banco Mundial. Questionário Integrado para Medir Capital Social (QI-MCS). 23 junho de 2003.
http://www.worldbank. Entram nessa medição inúmeros questionamentos a respeito do grupo ou rede do qual o
indivíduo faz parte; a confiança e a solidariedade existente na comunidade; a ação coletiva e a cooperação; a
informação e a comunicação; a coesão e inclusão social; a capacidade de “empoderamento” e a ação política.
32
em outro, o que depende muito da forma como esse capital é construído e mobilizado.
29
E,
diferentemente das estradas e dos edifícios, por exemplo, o capital social não se configura
como sendo um bem tangível; nem se trata de uma característica pessoal, a exemplo das
destrezas e do nível educativo. Ele é altamente intangível e existe no espaço relacional por
meio e entre as pessoas, estando mais associado com mudanças nas crenças e opiniões das
pessoas.
30
Um outro ponto de concordância existente entre os pesquisadores é que o capital
social não se deprecia com o uso. Pelo contrário, o seu recorrente uso não apenas o mantém,
mas faz inclusive aumentar o seu estoque. Porém, caso não seja permanentemente renovado,
sofre depreciação. O fato de o capital social poder ser incrementado, também parece ser aceito
por quase todos. A questão que é levantada por muitos analistas é como criar ou aumentar o
capital social nas comunidades onde ele é reduzido ou quase inexistente. Nem todos aceitam a
capacidade de o Estado atuar diretamente como emulador de capital social. Nesse tocante,
uma polarização teórica entre os culturalistas e os neoinstitucionalistas, discussão esta que
será retomada adiante. Em todo caso, quase unanimidade na concepção de que o capital
social se trata de um fator sociocultural de difícil construção e reprodução em um curto prazo
de tempo. Deve-se ter presente igualmente que, da mesma forma que pode ser incrementado,
seu estoque também pode diminuir ou desaparecer. E esse processo, desafortunadamente,
pode se dar mais rapidamente do que a acumulação.
31
Não havendo uma definição consensual e carecendo de uma metodologia para
quantificá-lo, uma série de enfoques e disputas, muitas delas divergentes, afloram no debate
teórico e acadêmico. Alguns acreditam tratar-se de um bem público; outros, de um bem
privado. os que sustentam ser ele um capital individual. Nesse caso, seria propriedade de
quem pudesse beneficiar-se dele. Para outros, no entanto, tratar-se-ia de um bem coletivo ou
comunitário, não sendo propriedade de ninguém em especial, mas que contribuiria para o
benefício de um grupo como um todo. Já Norman Uphoff prefere classificar analiticamente o
capital social em estrutural e cognitivo.
32
Durston aborda a existência de diferentes formas de
capital social: o individual; o grupal; o comunitário; o de ponte; e o societal. Margarita Flores
29
LIMA, Jacob Carlos. A teoria do capital social na análise de políticas públicas. Revista Política & Trabalho,
João Pessoa, n. 17, p. 46-63, set. 2001. p. 47.
30
HIGGINS, Silvio Salej. Fundamentos teóricos do capital social. Chapecó: Argos, 2005. p. 32.
31
Uphoff, op. cit. p. 140.
32
Ibidem.
33
e Fernando Rello referem-se à existência do capital social dos tipos individual, empresarial,
comunitário e público.
33
Miguel Parrao apresenta uma discussão a respeito do capital social
ser tão-somente uma mera categoria conceitual ou tratar-se de uma teoria.
34
Outros, a exemplo
do Banco Mundial, reconhecem a existência do capital social do tipo bonding ou de união,
que são os laços íntimos e próximos (redes que se configuram a partir dos laços de família, de
amizade, de vizinhança e de comunidade); do tipo bridging ou de ponte, que são os nexos que
se estabelecem entre pessoas e grupos similares, mas de distintos lugares geográficos. Estas
redes são menos intensas que as de união, porém persistem ao longo do tempo; do tipo linking
ou de escala, que são os laços que geram sinergia entre grupos distintos, abrindo
oportunidades econômicas para aqueles que pertencem aos grupos menos poderosos ou
excluídos. Woolcock e Narayan apresentam quatro perspectivas em torno do capital social: a
visão comunitária; a visão de redes; a visão institucional; e a visão sinérgica.
35
ainda os
que defendem a existência do capital social negativo. Seria a antipatia que uma pessoa ou um
grupo sente por outra pessoa ou outro grupo. Essa antipatia poderia abarcar o sentimento de
rechaço, hostilidade, desprezo, desconfiança, falta de respeito e de responsabilidade. Como
decorrência do capital social negativo, gerar-se-ia a negativa a compartir, a falta de disposição
para prestar ajuda ou a participação em intercâmbios mutuamente benéficos, as atitudes de
exclusão, de fraudes, de discriminações e, em casos extremos, a guerra.
36
Não obstante as diferentes abordagens e posições dos intelectuais que trabalham com o
tema, de uma maneira geral, parece existir um certo consenso a respeito de algumas questões.
Uma delas, como afirmado acima, é a de que o capital social, como aponta Francis Fukuyama,
é decisivo para o êxito da democracia.
37
A outra é a de que a agenda do desenvolvimento não
pode abstrair-se da política e dos fatores culturais de uma comunidade ou sociedade. O
paradigma do desenvolvimento endógeno é particularmente sensível a esse respeito. Antonio
33
FLORES, Margarita, RELLO, Fernando. Capital social: virtudes y limitaciones. In: Atria et al, op. cit. p. 207.
34
PARRAO, Miguel Bahamondes. Contradiciones del concepto “capital social”. La Antropologia de las alianzas
y subjetividad campesina. Seminário Taller Capital social, herramienta para los programas de superación de la
pobreza urbana y rural. CEPAL, 8 e 9 enero 2003. http://www.iadb.org/etica em 20/03/2005.
35
Woolcock e Narayan, op. cit.
36
ROBINSON, Lindon J., SILES, Marcelo E., SCHMID, A. Allan. El capital social y la reducción de la
pobreza: hacia um paradigma maduro. In: Atria et al, op. cit. p. 63-64. No livro Gangues, Galeras, Chegados e
Rappers é discutida a formação de capital social negativo para a contribuição no aumento da presença desses
grupos no Distrito Federal. Os resultados do estudo mostram, de modo geral, como as gangues e galeras são
caracterizadas de forma negativa, já que implicariam a adoção de atitudes criminosas, tais como pichação,
assaltos, furtos, vandalismo. Por outro lado, os grupos de rappers são retratados de forma positiva, já que
estariam, na sua maioria, mais afinados com a denúncia e o protesto principalmente através da música sobre
a situação de vida de seus membros. Seriam, portanto, uma espécie de alternativa às gangues.
37
FUKUYAMA, Francis. Capital social y desarrollo: la agenda vinidera. In: Atria et al, op. cit. p. 36.
34
Vázquez Barquero define o desenvolvimento endógeno como um processo de crescimento
econômico e de mudança estrutural, liderado pela comunidade local ao utilizar seu potencial
de desenvolvimento, que leva à melhoria do nível de vida da população.”
38
Nesse processo de
desenvolvimento autocentrado ou de baixo para cima em que os atores locais desempenham
papel central na definição, execução e controle da política de desenvolvimento, o social e o
econômico tendem a se integrar.
Embora o presente trabalho sofra notada influência das pesquisas encabeçadas por
Robert Putman, o conceito de capital social que aqui se utiliza é aquele formulado e utilizado
pelos pesquisadores da CEPAL. O secretário executivo desse organismo das Nações Unidas
definiu o capital social como sendo o conjunto de relações sociais caracterizadas por atitudes
de confiança e comportamentos de cooperação e reciprocidade. Nessa perspectiva, trata-se de
um recurso de pessoas, de grupos e de coletividades em suas relações sociais, com ênfase nas
redes de associatividade das pessoas e dos grupos. E, a exemplo da riqueza, o capital social
também estaria desigualmente distribuído na sociedade.
39
Porém, diferentemente do capital
financeiro e de outras formas de capital, não é somente quem investe nele que se beneficia de
seus resultados. Todos os que se encontram inseridos na estrutura social desfrutam de seus
benefícios, ainda que o esforço não tenha sido realizado por algum de seus membros.
40
1.1 Breve revisão da literatura sobre o capital social
Neste trabalho, não se tem por objetivo fazer uma discussão relacionada à autoria da
expressão “capital social”. Muito menos o de realizar um levantamento exaustivo das
inúmeras obras de diferentes autores que em suas pesquisas levaram em consideração os laços
de solidariedade, reciprocidade, associação, cooperação e as redes informais de sociabilidade
presentes entre os indivíduos de nações ou de grupos sociais. Por isso, far-se-á uma revisão
bastante parcial e sucinta a respeito da literatura que trata do assunto.
38
BARQUERO, Antonio Vazquez. Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização. Porto Alegre:
Fundação de Economia e Estatística, 2001. p. 41.
39
OCAMPO, José Antonio. Capital social y agenda del desarrollo. In: Atria et al. op. cit. p. 26.
40
FORNI, Pablo, SILES, Marcelo, BARREIRO, Lucrecio. Que és capital social y como analizarlo en contextos
de exclusión social y pobreza? Julian Somora Research Institute, Michigan State University, JSRI Report N. 35,
Michigan, 2004. p. 4.
35
Na releitura de consagrados teóricos, é normal encontrarem-se questões semelhantes
às que atualmente são objeto de análise. Com o capital social, não é diferente. Conforme
Robinson et al, o conceito era conhecido por muitos cientistas sociais, ainda que o
chamassem de outro modo. Ele seria como vinho velho em uma garrafa nova, ou seja, um
velho conceito com novo nome.
41
No século XVIII, David Hume e Adam Smith se teriam
referido ao tema. No século XIX, Alexis de Tocqueville se valeu de arcabouço teórico
assemelhado para estudar o êxito da democracia norte-americana.
Alexis de Tocqueville é apontado por alguns como sendo o primeiro a relacionar a
riqueza associativa com o bom desempenho da economia e do comportamento democrático.
Foi no consagrado livro intitulado “A democracia na América” que o aristocrático intelectual
francês analisou as leis e os costumes dos Estados Unidos da América (EUA). Baseado nas
informações que coletou entre os anos de 1831 e 1832, quando a pretexto de analisar o
sistema carcerário norte-americano empreendeu uma viagem de estudos àquela jovem
República, Tocqueville constatou que o sucesso da democracia norte-americana devia muito a
uma razão de fundo cultural. Os ingleses que para haviam se dirigido com o fito de povoar
o Novo Mundo (refere-se especialmente às colônias do Norte e mais especificamente à Nova
Inglaterra), estariam habituados a tomar parte nos negócios públicos e traziam na sua
bagagem um respeitável acervo de liberdades: de palavra, de imprensa, de organização, de
participação em júris, de obediência às leis etc. E como na América não existia uma
aristocracia com a qual precisavam se debater, teriam podido desenvolver ao máximo a idéia
dos direitos individuais e as liberdades locais. Para eles, a liberdade não era tanto algo a ser
conquistado, mas sim a ser preservado. Ainda, segundo o autor, o princípio e a vida da
liberdade americana residiriam na organização comunal da sociedade. A comuna nomeia
seus magistrados de todo tipo; ela se tributa, ela reparte e arrecada o imposto sobre si mesma.
Na comuna da Nova Inglaterra, a lei da representação não é admitida. É na praça pública e no
seio da assembléia geral dos cidadãos que se tratam, como em Atenas, os assuntos
concernentes aos interesses de todos.”
42
41
ROBINSON, Lindon J., SILES, Marcelo E., SCHMID, A. Allan. El capital social y la reducción de la
pobreza: hacia un paradigma maduro. In: ATRIA, Raul et al. op cit. p. 56.
42
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: leis e costumes de certas leis e certos costumes
políticos que foram naturalmente sugeridos aos americanos por seu estado social democrático. São Paulo:
Martins Fontes, 1998. p. 48-49.
36
A riqueza associativa cívica existente nos EUA também mereceu a atenção de
Tocqueville. Ao longo da obra, ele tece rias considerações à propensão americana ao
associativismo em suas mais diversas formas. Essa “arte de associação”, enunciada de
maneira genérica, se constituiria no germe fundamental do comportamento cívico da América.
Isso porque nas democracias modernas e atenção, a França é o seu estereótipo haveria
uma tendência ao individualismo excessivo, uma preocupação com a vida privada e a família,
em detrimento daquilo que seria de caráter público. Essa tendência ao individualismo teria
sido neutralizada nos Estados Unidos pela ão benéfica das associações voluntárias que,
assim, influíram decididamente no comportamento cívico da população norte-americana.
A obra que, por excelência, trata do impacto da cultura na vida econômica é “A ética
protestante e o espírito do capitalismo”. Esse clássico trabalho de Max Weber, que foi
publicado pela primeira vez em 1905, defende a tese que atribui ao espírito religioso do
protestantismo reformador a primazia na formação da mentalidade econômica do capitalismo.
Partindo de estatísticas existentes em seu tempo na Alemanha, Weber mostra que os
homens do mundo dos negócios e proprietários do capital, assim como os homens dos níveis
mais altos da mão-de-obra qualificada, eram preponderantemente protestantes. Tal fato, entre
outros, adviria de um componente histórico. Isto é, as cidades e regiões de maior
desenvolvimento econômico teriam sido as que aderiram ao protestantismo nos séculos XVI e
XVII.
Mesmo que Lutero não seja identificado como possuidor de um espírito capitalista,
Weber afirma ser inegável que os efeitos da Reforma tiveram impacto no processo de
desenvolvimento da moderna cultura. Em contraste com a concepção católica, ela teria
feito aumentar a ênfase moral e o prêmio religioso para os homens de negócio bem
sucedidos e para o trabalho secular e profissional.
43
Weber alerta que nem todos os ramos do protestantismo tiveram tão forte influência
como o calvinista e suas ramificações (huguenotes da França, puritanos da Inglaterra,
presbiterianos da Escócia e protestantes da Holanda) na promoção do desenvolvimento do
43
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1999. p. 55.
37
espírito capitalista.
44
O luteranismo, nesse sentido, pode ser considerado como o primo
pobre no que concerne ao desenvolvimento desse espírito.
Cabe à doutrina da predestinação papel central no protestantismo ascético. Embora
Weber se refira também ao Pietismo, ao Metodismo e às Seitas Batistas, concentremos sua
análise do protestantismo ascético no Calvinismo. De acordo com a teologia de Calvino,
por natureza todos os homens são pecadores. Não obstante, Deus predestinou alguns
homens e anjos à salvação eterna e condenou todo o resto da humanidade aos tormentos do
inferno. Aqueles que estivessem fora da verdadeira Igreja, nunca poderiam integrar o
grupo dos eleitos por Deus. No entanto, a Igreja incluía também os condenados entre os
seus membros. Eles poderiam pertencer a ela e submeter-se à sua disciplina, não com o fito
de obter a salvação, mas porque, para a glória de Deus, também eles deveriam ser forçados
a obedecer seus mandamentos.
45
Assim, nada que os seres humanos fizessem poderia
alterar-lhes o destino.
A predestinação não deveria fazer com que o cristão ficasse indiferente à vida
terrena. Como o eleito não difere exteriormente de modo algum do condenado, somente a
por ter sido escolhido o diferencia. Se ele fosse um dos eleitos, Deus incutiria nele o
desejo de fazer o bem. Um caráter de elevada moral é indício, ainda que não infalível, de
que o seu possuidor foi escolhido para sentar-se no trono da glória. Além disso, o sistema
calvinista não encoraja seus adeptos a descansar de braços cruzados na certeza de que o
seu destino estava traçado. Sendo o dever de cada um considerar-se escolhido, era
necessário combater as dúvidas e tentações do demônio, que a falta de autoconfiança era
sinônimo de graça imperfeita. A fim de alcançar a autoconfiança, uma intensa atividade
profissional era recomendada. “Ela, e apenas ela, afugenta as dúvidas religiosas e a
certeza da graça”.
46
Numa época em que a preocupação com o além era tudo para os ascéticos
protestantes, o homem deveria, para estar seguro do seu estado de graça, trabalhar o dia
inteiro em favor do que lhe foi destinado. “Não é, pois, o ócio e o prazer, mas apenas a
44
Ibidem p. 26.
45
Ibidem p. 72.
46
Ibidem p. 77.
38
atividade que serve para aumentar a glória de Deus”.
47
Assim, para a glorificação de Deus
e para o cumprimento de sua vocação, o homem deveria evitar perder tempo através da
vida social, de conversas ociosas, jogos de azar, divertimentos, danças, sono além do
necessário e da contemplação. A riqueza era condenável eticamente se ela redundasse
para a vadiagem e o aproveitamento pecaminoso da vida.
48
Caso contrário, uma
oportunidade de lucro concedida pelo Senhor aos seus eleitos deveria ser aproveitada, pois
não se deve recusar uma dádiva do Criador. “Quanto maiores as posses, mais pesado será o
sentimento de responsabilidade, se prevalecer a mentalidade ascética em conservá-los
integralmente para a glória de Deus.”
49
O encorajamento da procura de riqueza como possível sinal externo de
predestinação combinado com a restrição dos fiéis ao consumo teria tido como resultado
a acumulação capitalista e o desenvolvimento de uma vida econômica racional burguesa.
Sendo a distribuição da riqueza deste mundo obra da Divina Providência e graça particular
obtida, estava também justificada a desigual distribuição dessa riqueza.
Na obra também podem ser detectadas algumas categorias sociológicas nas quais
ancora o seu pensamento: os tipos ideais, a racionalização (da religião e do trabalho) e a
forma como trabalha com as classes sociais. Nas últimas frases do seu livro, como que se
antecipando às acusações de seus críticos marxistas, que afirmam ter pretendido substituir
uma interpretação econômica por uma espiritualista, Weber assevera ser difícil ao homem
moderno avaliar o significado de quanto as idéias religiosas influenciaram a cultura e os
caracteres nacionais. E conclui afirmando que “não se pode pensar em substituir uma
interpretação materialística unilateral por uma igualmente bitolada interpretação causal da
cultura e da história.”
50
Conforme Woolcock e Narayan, um dos primeiros a usar a expressão “capital social”
em círculos acadêmicos com o sentido que se utiliza hoje teria sido Lyda J. Hanifan, um
jovem educador e reformador social. Isso em um ensaio escrito em 1916, quando ele era
47
Ibidem p. 112.
48
Ibidem p. 116.
49
Ibidem p. 122.
50
Ibidem p. 132.
39
superintendente escolar
de West Virginia. Ao explicar a importância da participação comunitária
no melhoramento dos estabelecimentos escolares, invocou o conceito de capital social ao qual
descreveu como sendo:
aquellos componentes tangibles [que] cuentan muchísimo en las vidas cotidianas
de la gente, específicamente: la buena voluntad, el compañerismo, la empatía y
las relaciones sociales entre individuos y familias que conforman una unidad
social... Si [un individuo establece] contacto com sus vecinos y éstos con otros
vecinos, se producirá una acumulación de capital social que, posiblemente,
satisfaga al instante sus necesidades sociales y entrañe, a la vez, un poder social
suficiente como para generar una mejora sustantiva de las condiciones de vida de
toda la comunidad.
51
Depois de Hanifan a concepção de capital social teria desaparecido por um
longo tempo. Foi somente na década de 1950 que foi retomada. A partir de então aparece
em trabalhos acadêmicos esporádicos, mas sem que os autores citassem os trabalhos
anteriores. Somente a idéia que enfatizava a importância e a vitalidade dos laços
comunitários seria empregada.
52
Mais recentemente, vários estudiosos têm contribuído
para popularizar a expressão e o conceito, dentre eles, Bourdieu, Coleman, Fukuyama,
Putnam, Portes, Durston, Fox e muitos outros.
Pierre Bourdieu é considerado por muitos como o precursor das análises
contemporâneas do conceito de capital social. O eminente sociólogo francês do século XX
definiu o capital social como “o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à
posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de
interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo,
como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns, (passíveis
de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são
unidos por ligações permanentes e úteis.”
53
Para Bourdieu, o volume de capital social que um
indivíduo possui depende da “extensão da rede de relações que ele pode efetivamente
mobilizar” e do volume de outros capitais (econômico, cultural ou simbólico) que possui cada
um daqueles a quem esse indivíduo está ligado. Ele seria um dos tipos de recursos de que os
indivíduos ou a classe social (Bourdieu desenvolve o conceito de capital social em termos de
51
HANIFAN, Lyda J., apud Woolcock e Narayan, op. cit. p. 4.
52
PUTNAM, Robert (Editor). El declive del capital social: un estudio internacional sobre las sociedades y el
sentido comunitario. Barcelona: Galaxia Gutenberg, 2003. p. 11.
53
BOURDIEU, Pierre. O capital social notas provisórias. In: NOGUEIRA, Maria Alice, CATANI, Afrânio.
Escritos de educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. p. 67.
40
estratégia de classe) disporiam, podendo, portanto, ser um recurso individual ou coletivo do
qual poderiam se valer. Nesse sentido, sustenta que tanto o capital cultural quanto o social
poderiam ser, em algum momento, intercambiados para a esfera econômica. Na França, o
capital social dos indivíduos poderia, por exemplo, permitir-lhes o acesso à informação, a
profissões, favores e benefícios institucionais, independentemente da norma republicana de
igualdade entre os cidadãos.
É, no entanto, somente a partir do trabalho de James Coleman que se dá início a um
estudo mais sistemático e continuado sobre o tema. Coleman propôs uma nova ferramenta
conceitual para a análise social, a qual ele chamou de capital social. Ele o definiu como “la
capacidad de los individuos de trabajar junto a otros, en grupos u organizaciones, para
alcanzar objetivos comunes”, o que obviamente gera relações, expectativas de reciprocidade e
comportamentos de confiança.
54
Dentre outros, utilizou o exemplo dos comerciantes judeus
de diamantes da cidade de Nova Iorque para ilustrar o conceito. Esses comerciantes podiam
comercializar seus diamantes através de suas redes locais, sem necessitar recorrer a
dispendiosos contratos formais para resguardar-se de possíveis enganos. Isso se dava graças à
força dos laços existentes entre os membros da comunidade, e à ameaça de eliminação desses
sólidos laços, caso a confiança fosse violada. Assim, os comerciantes podiam aumentar suas
vantagens econômicas devido às redes sociais que formavam.
O capital social se explicitaria mais nitidamente quando do intercâmbio de favores
entre indivíduos que integram uma mesma estrutura social. A criação desse capital se poria
em marcha no momento em que um indivíduo fizesse algo para outro, confiando que aquele
se comportaria de maneira recíproca no futuro. Assim se estabeleceria entre eles uma relação
que compreenderia expectativas e obrigações concretas. Uma expectativa de reciprocidade
por parte de quem teria feito o favor, e o estabelecimento de uma obrigação de não quebrar
com a confiança por parte de quem teria recebido o favor. O sentimento de obrigação se
tornaria o comprovante de crédito que asseguraria que o favor seria restituído.
55
A popularização do conceito capital social é creditada, em larga medida, à
repercussão alcançada pelas publicações dos resultados das pesquisas do professor de política
54
Coleman, apud IPEA, op cit. p. 3.
55
Forni, op. cit. p. 3.
41
da Universidade de Harward, Robert Putnam, particularmente de “Comunidade e democracia:
a experiência da Itália moderna”, livro cuja primeira edição apareceu nos Estados Unidos em
1993. Desde a publicização daquele trabalho, intensificou-se o interesse acadêmico pelo
estudo do conceito e o seu uso em programas diversos tem sido experimentado e colocado à
prova. Leonardo Monastério enfatiza que apesar do estrondoso sucesso de Putman, ele não
teria sido responsável por avanços teóricos de vulto acerca do tema. E que boa parte do
sucesso por ele obtido, poderia ser creditado às qualidades retóricas usadas nos seus livros que
tratam do capital social.
56
Em “Comunidade e democracia”, sua obra seminal, aquele cientista apresentou os
resultados de uma investigação teórica, calcada no método empírico comparativo, sobre o
caso da experiência de regionalização da Itália, posta em prática a partir de 1970. O caso
italiano é meramente ilustrativo para o cientista. Seu objetivo era detectar as causas do bom
funcionamento da democracia. Putnam constatou que a criação dos conselhos regionais
frustrou a expectativa dos defensores mais ferrenhos da reforma regionalista, que esperavam
maior eficiência administrativa com a descentralização. A nova regionalização, ao invés de
atenuar as desigualdades como se esperava, agravou ainda mais a disparidade histórica
existente entre o Norte e o Sul da Itália. Ou seja, a reforma livrou do paralisante domínio de
Roma as regiões mais desenvolvidas, mas deixou que os problemas das áreas mais atrasadas
se agravassem.
57
O grande problema da pesquisa era tentar responder por que na Itália essa nova
regionalização, seguindo as mesmas regras, tinha, com o passar dos anos, proporcionado
melhores índices de crescimento econômico e governo mais eficaz nas regiões do Norte do
que nas do Sul. Putnam admitiu que a modernidade econômica estava, de algum modo,
associada ao bom desempenho das instituições públicas. No entanto, descartou algumas
hipóteses, como a de que as diferenças regionais pudessem ser atribuídas ao maior ou menor
grau de riqueza das regiões. Assim, ao invés de se ater a uma explicação economicista,
enveredou por uma justificativa sociocultural. A comunidade cívica constituiu o cerne de sua
explicação.
56
MONASTÉRIO, Leonardo Monteiro. A retórica do capital social: uma análise da obra de Robert Putnam. In:
BAQUERO, Marcello, CREMONESE, Dejalma. Capital social: teoria e prática. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006. p. 21-42.
57
Putnam (2000), op. cit. p. 75.
42
Segundo o autor, uma comunidade cívica se caracteriza pela participação do
cidadão nos negócios públicos; pela existência de direitos e deveres iguais para todos; pela
solidariedade, confiança e tolerância recíproca entre os membros e pela existência de
associações civis. O espírito associativo seria o grande responsável por incutir nos seus
membros hábitos de cooperação, solidariedade e espírito público.
58
Depois de elaborar um
índice de comunidade cívica, Putnam concluiu que quanto mais cívica a região, mais eficaz
seu governo e maior o seu desenvolvimento econômico. Em outras palavras, as regiões
economicamente mais adiantadas da Itália, como a Emília Romagna e a Lombardia, teriam
governos regionais mais eficientes porque nelas haveria maior participação cívica. As
regiões onde muitas associações cívicas, muitos leitores de jornais, muitos eleitores
politizados e menos clientelismo parecem contar com governos mais eficientes.”
59
as áreas
menos cívicas seriam precisamente as tradicionais aldeias sulistas, principalmente a Púglia e a
Basilicata. Ali os cidadãos pediriam auxílio a políticos para a obtenção de licenças, empregos
e outros favores. A política se caracterizaria por relações verticais de autoridade e de
dependência e estaria mais sujeita à corrupção. Nas regiões menos cívicas todos esperariam
que os demais violassem as regras, imperando a desconfiança interpessoal e na vida pública.
Putnam concluiu que o é o grau de participação política que distingue as regiões
cívicas das não-cívicas, mas a natureza dessa participação. Os cidadãos das regiões menos
cívicas não seriam menos partidários nem menos politizados do que os das regiões cívicas.
60
Obter o favor dos poderosos seria, contudo, mais importante nas regiões menos cívicas. Lá os
contatos seriam cruciais para a sobrevivência, e os melhores contatos seriam os verticais, de
dependência e dominação, e não os horizontais, de colaboração e solidariedade existentes nas
comunidades cívicas. Conseqüentemente, as regiões menos cívicas estariam mais sujeitas à
corrupção política e, não por acaso, seriam o berço da Máfia e das suas variantes regionais.
Nessas áreas a coisa pública seria problema dos outros; a afiliação a associações sociais e
culturais, inexpressiva; a transgressão das leis, corriqueira; e a desconfiança mútua entre
cidadãos, a tônica.
Para Putnam, a comunidade cívica tem sua origem na herança histórico-cultural.
Em decorrência, o capital social é fruto de um processo de longo prazo. O Norte da Itália,
58
Ibidem p. 103
59
Ibidem p. 113.
60
Ibidem p. 122.
43
nessa interpretação, seria mais dotado de capital social devido às suas dinâmicas político-
administrativas provenientes da Idade Média. Ali, associações voluntárias formadas por
grupos de vizinhança, com o fito de promoverem a segurança mútua e a proteção econômica,
teriam dado origem às comunas (repúblicas ou cidades-Estado). A evolução da vida comunal
levou artesãos e comerciantes a fundarem guildas. Além das guildas, confrarias religiosas,
organizações comunitárias e paroquiais e outras associações também surgiram, dando origem
a uma rica tessitura associativa e ao engajamento cívico. Esse republicanismo cívico teria sido
essencial para o posterior desenvolvimento do comércio das cidades italianas e contribuído
decisivamente para a melhoria do desempenho governamental. o processo de formação
histórico do Mezzogiorno italiano é apontado como uma das principais causas da baixa
dotação de capital social no Sul da Itália. A conquista normanda da Sicília, na Idade Média, e
a hierarquia social e política implantada impediram quaisquer veleidades de autonomia
comunal. Quando o poder real normando foi eclipsado, os barões ganharam poder e
autonomia, mas não as cidades. Com o passar das centúrias, “a pronunciada hierarquia social
tornou-se mais e mais dominada por uma aristocracia rural dotada de poderes feudais,
enquanto na base as massas camponesas penavam miseravelmente nos limites da
sobrevivência física.”
61
Em trabalho posterior, “Solo em la bolera: colapso y resurgimiento de la
comunidad norteamericana”, Putnam trata da desintegração dos laços sociais e da virtude
cívica existente nos Estados Unidos. Na obra, o autor faz a seguinte constatação central:
durante os dois primeiros terços do século XX, uma maré poderosa teria empurrado os norte-
americanos a se comprometerem cada vez mais profundamente com a vida de suas
comunidades. Mas, faz poucas décadas, essa maré se teria invertido, de maneira calada e
inadvertida, e a sociedade norte-americana teria sido arrastada por uma ressaca traiçoeira.
Durante o último terço do século passado, os norte-americanos teriam sido separados uns dos
outros e de suas comunidades sem que se atinassem para o fato num primeiro momento.
62
Putnam observou que os meios formais de vinculação comunitária, isto é, a
participação em partidos políticos, associações cívicas, igrejas, sindicatos e outras agrupações
similares havia atingido o apogeu por volta de 1960. A partir de meados daquela década,
61
Ibidem p. 135.
62
PUTNAM, Robert D. Solo en la bolera: colapso y resurgimiento de la comunidad norteamericana. Barcelona:
Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores, 2002. p. 27.
44
entretanto, constatou que a participação nas eleições presidenciais caiu; que a participação
cidadã em atividades partidárias como reuniões políticas, campanhas políticas, ocupação de
cargos em partidos ou mesmo a audiência a um discurso político havia baixado; que a
afiliação em seções locais de associações nacionais havia diminuído, assim como a
participação em reuniões dessas organizações; que houve queda do índice de freqüência e de
afiliação às igrejas; e, por fim, que teria havido uma diminuição nos índices de sindicalização
dos trabalhadores.
Também os vínculos informais estavam diminuindo assustadoramente. Ou seja, nos
Estados Unidos estaria havendo um decréscimo das visitas sociais, uma diminuição à
freqüência em ceias familiares, uma menor freqüência aos cafés e restaurantes e o aumento
dos estabelecimentos de comidas rápidas, a redução à freqüência a jogos de carta e de boliche
(que também se prestam à conversação e a microdeliberações), o descenso da relação entre
vizinhos. Em resumo, os contatos sociais informais teriam decaído no último terço do século
XX em todas as partes da sociedade norte-americana. Logo, passava-se com os amigos e
vizinhos uma quantidade de tempo significativamente menor do que a geração dos pais ou
avós, e sair juntos para tomar uma bebida depois do trabalho, tomar um café, jogar cartas,
conversar com o vizinho, convidar amigos, reunir-se em um grupo de leituras em uma livraria
ou simplesmente saudar, com um gesto, a outra pessoa que sai habitualmente a correr pela
mesma rota diária, estavam ocorrendo cada vez com menor freqüência.
63
É certo que os vínculos informais em geral não servem para forjar habilidades
cívicas da mesma maneira que pode fazê-lo a participação em um clube, um grupo político,
um sindicato ou uma igreja. Porém, os contatos informais, de acordo com Putman, são muito
importantes para sustentar as redes sociais.
Se, por um lado, a redução de capital social fazia minguar o altruísmo, o
voluntariado, a filantropia, a reciprocidade generalizada, a honradez e a confiança social,
por outro lado, o índice de homicídios, de delitos, de advogados e todo o aparato do
legalismo preventivo estavam aumentando significativamente nos EUA no último terço do
século passado. A partir dessas constatações, Putnam concluiu, nessa sua volumosa obra,
63
Ibidem p. 120.
45
que o fortalecimento da confiança cívica e do capital social deveriam entrar na agenda
social da política do governo norte-americano.
Putnam também coordenou, a pedido da Fundação Bertelsmann da Alemanha,
uma equipe internacional que realizou análises teóricas e empíricas a respeito da trajetória
do capital social. O projeto pretendeu descrever o capital social e suas mudanças ao longo
do século XX, mais precisamente no período que vai do final da Segunda Guerra Mundial
ao final da centúria. Para tanto, oito sociedades s-industriais avançadas e democráticas
foram selecionadas, a saber: Alemanha, Espanha, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha,
Austrália, Japão e Suécia. Os estudos realizados por prestigiados teóricos sociais foram
reunidos em um livro intitulado “El declive del capital social”.
64
Na obra editada por Putnam, Peter Hall,
65
ao tratar da existência do capital social na
Grã-Bretanha, constatou que lá, diferentemente do ocorrido nos Estados Unidos, ele não
teria decrescido no último terço do século. Os níveis de sociabilidade formal e informal
teriam se mantido relativamente sólidos. De acordo com o autor, o único indicador que
teria decaído no período pós-guerra dizia respeito aos níveis de confiança social. A
confiança social se refere à disposição generalizada dos indivíduos de confiar em seus
concidadãos. O estudo apresentado questiona a estreita relação defendida por Putnam e
outros analistas sociais entre a presença e participação em associações de diversos fins e
altos níveis de confiança social. De forma idêntica, constatou haver um certo paradoxo na
relação entre confiança política e participação política. Enquanto os níveis de participação
política seguiam sendo altos na Grã-Bretanha, a confiança nos políticos e nas instituições
políticas havia diminuído sensivelmente mais para o final da centúria.
Na mesma obra, Bo Rothstein
66
trata das tendências do capital social na Suécia,
nação em que a social democracia alcançou influência política sem precedentes durante o
século passado. Naquele país, no final da década de 1960, graças aos elevados níveis de
confiança vertical e horizontal alcançados, o modelo sueco de democracia atingiu
reconhecimento internacional. Anos depois, no entanto, o funcionamento da democracia
64
PUTNAM, Robert (Editor). El declive del capital social: un estudio internacional sobre las sociedades y el
sentido comunitario. Barcelona: Galaxia Gutenberg, 2003.
65
HALL, Peter E. El capital social en Gran Bretaña. In: Putnam (2003), op cit. p. 35-92.
66
ROTHSTEIN, Bo. El capital social en el estado socialdemócrata. El modelo sueco y la sociedad civil. In:
Putnam (2003), op. cit. p. 93-164.
46
deteriorou-se. A desconfiança política no parlamento e no governo aumentou
sensivelmente. Ao mesmo tempo os dados manipulados pelo pesquisador evidenciam que:
o índice de sindicalização, apesar da globalização da economia, continuou a ser o maior do
mundo (85%); as organizações voluntárias cresceram em tamanho, vel de atividades e
recursos financeiros;
67
a participação política manteve-se uma das maiores do planeta; o
pertencimento a sociedades desportivas, cooperativas e culturais manteve taxas elevadas, e
que os vínculos sociais informais haviam se reforçado no final do século quando
comparados aos níveis existentes nos anos 1950. Em síntese, o autor concluiu que a Suécia
possui uma sociedade civil com grande vitalidade, em crescimento e cambiante. O volume
do seu capital social teria aumentado na maioria dos seus aspectos de 1950 para cá, não
tendo os problemas da democracia sueca origem como habitualmente se concebe em
um suposto declive de capital social.
Eva Cox
68
analisa as fontes do capital social na Austrália e seu possível
esgotamento no pós-guerra. A partir dos dados coletados, constatou que nas últimas três
décadas aumentou de maneira significativa a desconfiança e diminuiu a participação da
sociedade nas estruturas cívicas formais. Muitas das organizações tradicionais sindicais,
religiosas, femininas, juvenis (escoteiros e guias) e de prestação de serviços (Lions, Apex,
Rotary) perderam terreno no que tange ao número de filiados. Ao mesmo tempo, outras
possibilidades de interação social aumentaram significativamente. São os diversos tipos de
festividades, os encontros de gays e de lésbicas, a freqüência a ginásios, cafés, cinemas,
restaurantes, bares e centros comerciais, onde a sociabilidade também pode se manifestar.
Assim, tem-se um fenômeno contraditório na Austrália. Enquanto decresce a participação
formal, a informal aumenta. Isso impede que se conclua peremptoriamente a respeito do
aumento, da diminuição ou da estabilização dos níveis de capital social naquele país.
Um texto sobre a evolução do capital social no Japão nos últimos 50 anos aparece
no escrito de Takashi Inoguchi.
69
O autor verifica que o capital social naquele país oriental
se manteve vigoroso no transcurso desse período. O número de organizações sem fins
lucrativos tem aumentado constantemente e o tempo disponibilizado pela população para
67
A experiência sueca, no que diz respeito ao voluntariado, não corrobora a afirmação dos teóricos, tanto os
conservadores quanto os progressistas, de que quanto mais amplo e universal um estado de bem-estar social,
menor a atividade voluntária. Dados empíricos apresentados por Rothstein sinalizam na direção oposta, ou seja,
de que o estado de bem-estar não destrói a confiança social e o capital social.
68
COX, Eva. El capital social en Australia. In: Putnam (2003), op. cit. p. 165-209.
69
INOGUCHI, Takashi. El capital social en Japón. In: Putnam (2003), op. cit. p. 211-271.
47
atividades cívicas em favor da infância, dos anciãos e das pessoas desfavorecidas tem se
ampliado. Par e passo, a confiança social tem sido incrementada continuamente nos
últimos decênios. Também a confiança política na democracia segue sua trajetória
ascendente, registrando haver crédito nas eleições, no parlamento e nos partidos políticos.
Paradoxalmente, a confiança social, ou seja, aquela existente entre concidadãos, decaiu.
Destarte, a tese exposta por Putnam, que sustenta que o capital social adquirido e
acumulado ao longo do tempo facilita a tarefa de resolução democrática dos conflitos e um
bom governo, encontra guarida na história recente do Japão.
Jean Pierre Worms
70
analisa o aparente e propalado encolhimento do capital social
e a debilitação dos laços entre o Estado e a sociedade civil na França. Defende que a
sociedade francesa não padece de um arruinamento global de seu capital social. Apesar de
algumas organizações tradicionais, em especial os sindicatos, os partidos políticos e a
igreja, terem sentido um decréscimo no número de membros, não estaria ocorrendo uma
queda geral no associativismo cívico. A afiliação geral a associações teria, inclusive, se
elevado, mormente nas organizações não-lucrativas de serviço social, ou se mantido
estável. Sustenta, ainda, haver um simultâneo processo de crescimento do denominado
capital social autodirigido (de caráter egoísta) e de diminuição do heterodirigido (de caráter
altruísta), destinado a ter pontes e dotado de vínculos institucionais. Na relação entre a
sociedade e as instituições públicas, afirma que a nação estaria passando por uma dupla
crise: uma de redistribuição social de rendas e emprego e outra de representação, mediação
e regulação. Isso provocaria uma desavença entre a sociedade civil relativamente saudável
e as instituições enfermas do Estado.
O caso alemão é abordado por Claus Offe e Susanne Fuchs.
71
Fundamentados em
dados da bibliografia sociológica e de diversas bases de dados, os autores observaram
existir, num período de longa duração, notáveis variações no tipo de associativismo. As
mutações seriam decorrentes das rupturas políticas ocorridas no país durante o século XX.
Verificaram que durante a República de Weimar, até a ascensão dos nazistas,
predominavam no país associações de natureza de classe, cujo centro de interesse eram as
práticas ocupacionais, as atividades culturais e desportivas e a afiliação religiosa. A rica
70
WORMS, Jean-Pierre. Viejos e nuevos vínculos cívicos en Francia. In: Putnam (2003), op. cit. p. 273-343.
71
OFFE, Claus, FUCHS, Susanne. Se halla en declive el capital social? El caso alemán. In: Putnam (2003), op
cit p. 345-426.
48
diversidade associativa teria sido rapidamente dissipada pelo regime nazista através da
adoção de medidas repressivas, da supervisão da vida associativa ou da incorporação
estatal através da afiliação obrigatória. Algo similar teria ocorrido na Alemanha Oriental
após o final da Segunda Guerra Mundial com o socialismo de estado que também se
baseou em práticas associativas compulsórias. Enquanto isso, na Alemanha Ocidental do
pós-guerra, a maioria das associações políticas, religiosas e socioeconômicas existentes
anteriormente teriam se restabelecido. A reunificação havida em 1989 destruiu
repentinamente as organizações mantidas no Leste pelo Estado, transpondo não somente a
estrutura associativa, mas todo o modelo econômico e de vida existente no Oeste,
provocando perda de compromissos cívicos. Em conseqüência, atualmente maior
número de membros pertencentes a associações na parte Ocidental do que na Oriental. Para
os autores, propriedades individuais, como nível de escolaridade, situação de emprego,
idade e sexo, exercem destacada influência sobre os níveis de capital social. Setores menos
privilegiados da população, como por exemplos os grupos com baixos rendimentos, os de
menor taxa de escolaridade, as mulheres e os desempregados, têm menor probabilidade de
participar em associações civis e delas se beneficiar.
A história dos modelos de capital social na Espanha constituem o pano de fundo
dos relatos de Victor Pérez-Diaz.
72
A Espanha, após a Guerra Civil da década de 30, viveu
uma longa noite sobre o regime de Franco para desembocar, no último quarto de século,
numa democracia. Nessa trajetória, o autor distingue a existência de capital social civil do
incivil que Putnam qualifica, respectivamente, como capital social que tem pontes e de
vinculante. No período anterior à Guerra Civil, os dois blocos ideológicos em confronto
teriam destruído a incipiente reserva de capital social de pontes. Na era de Franco, não
obstante o regime ditatorial, os antagonismos se moderaram e um capital social do tipo
civil foi sendo acumulado. Com esse depósito os dirigentes sociais e políticos que na
década de 70 fizeram a transição para o novo regime puderam contar para consolidá-lo.
Observa ainda Pérez-Diaz que, embora a participação em organizações formais como
sindicatos, partidos e igreja não fosse expressiva no final do milênio, formas de gregarismo
mais brandas (redes sociais de cooperação informal) foram sendo constituídas e atualmente
preenchem o tecido social espanhol. Ao invés de ter decaído, o capital social no último
72
PÉREZ-DIAS, Victor. De la guerra civil a la sociedad civil: el capital socia en España entre los años treinta y
los años noventa del siglo XX. In: Putnam (2003), op cit p. 427-488.
49
meio século, e especialmente a partir do estabelecimento do regime democrático, teria
aumentado, promovendo uma coesão social no país.
Sobre o estoque de capital social nos Estados Unidos há dois textos na obra
organizada por Putnam. Theda Skocpol
73
elabora uma visão histórica do associativismo norte-
americano e o vincula à cultura cívica do país. A autora sustenta que as guerras e os períodos
de intenso enfrentamento de facções propiciaram o surgimento de novos grupos e o
revigoramento de outros tantos. A autora identifica na Revolução Americana do século XVIII
a raiz da dinâmica associativa existente nos EUA. Na década de 1830, exatamente quando da
visita de Tocqueville, assinala que era marcante uma propensão para a constituição de
sociedades civis de toda ordem no país. A Guerra Civil da segunda metade do século XIX foi
mais um período de proliferação e de consolidação de associações civis, notadamente das
supralocais existentes no Norte do país e entre os afrodescendentes do Sul. A Primeira Guerra
Mundial foi outro período de fundação de associações, embora as de origem germano-
americanas tivessem desaparecido em grande parte durante a hecatombe mundial.
Concordando com Putnam, constata haver, no último terço do século XX, o declive do
associativismo massivo e interclassista e, por decorrência, do civismo clássico norte-
americano.
Robert Wuthnow
74
se concentra nas tendências do capital social nas décadas
finais do século XX. Sustenta que efetivamente ele tem declinado nos Estados Unidos. Mas
não de maneira tão contundente quanto muitos têm dado a entender. Essa queda também não
ocorre de maneira uniforme nos diferentes setores da sociedade. Ela é acentuada, sobretudo,
nas organizações sindicais e religiosas. Afirma que as causas da diminuição são múltiplas e
devem levar em conta fatores como a exclusão e a marginalização econômica e social. Por
fim, alerta que há a necessidade de ser cuidadoso ao se fazer conjecturas sobre o seu declive
constante ou sobre as conseqüências do mesmo para a democracia norte-americana, até
porque novas formas de vida social, como os grupos de auto-ajuda, têm enriquecido o tecido
social da América do Norte.
Fukuyama é outro que reconhece que a política econômica por si não é
suficiente para ensejar o desenvolvimento. Não teria sido por acaso que na última parte da
73
SKOCPOL, Theda. América cívica, pasado y presente. In: Putnam (2003), op cit p. 491-542.
74
WUTHNOW, Robert. El carácter del capital social en Estados Unidos. In: Putnam (2003), op cit. p. 543-620.
50
década de 1990 ocorreu uma profunda reinterpretação do problema do desenvolvimento,
quando inclusive houve a tomada de consciência dos fatores culturais que incidem sobre o
crescimento econômico, sendo esses incorporados aos modelos de desenvolvimento. Para o
autor, um dos grandes motivos do malogro das receitas neoliberais emanadas do Consenso de
Washington e aplicadas na América Latina teria ocorrido não porque as proposições foram
mal-concebidas e equivocadas, mas exatamente por não ter sido levado em conta a existência
de capital social. Ou seja, em muitos países políticas liberalizantes teriam sido adotadas sem
considerar as pré-condições políticas, institucionais e culturais adequadas e necessárias para
que a liberalização pudesse ser consumada. Para ele, o capital social o seria outra coisa
senão o meio de reconceituar o papel que passaram a desempenhar os valores e as normas na
vida econômica desde então.
75
Em “Confiança: as virtudes sociais e a criação da prosperidade”, Fukuyama
procura demonstrar que o bem-estar de uma nação, bem como sua capacidade de competir, é
condicionada a uma única e abrangente característica cultural: o nível de confiança inerente à
sociedade.
76
Conforme Gilbert Rist, Fukuyama tem o mérito de resistir à invasão de
vocabulário da economia na sociologia, falando em “confiança” ao invés de “capital social”.
77
A confiança é caracterizada pelo autor como “a expectativa que nasce no seio de uma
comunidade de comportamento estável, honesto e cooperativo, baseado em normas
compartilhadas pelos membros dessa comunidade”.
78
Já o capital social seria, para Fukuyama,
“uma capacidade que decorre da prevalência de confiança numa sociedade ou em certas partes
dessa sociedade. Pode estar incorporada no menor e principal grupo social, a família, assim
como no maior de todos os grupos, a nação, e em todos os demais grupos intermediários. O
capital social difere de outras formas de capital humano na medida em que é geralmente
criado e transmitido por mecanismos culturais, como religião, tradição ou hábito histórico.”
79
O capital social é, portanto, uma prova crucial de confiança e condição crítica para
a saúde de uma economia. Para o autor, a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos teriam se
75
FUKUYAMA, Francis. Capital social y desarrollo: la agenda venidera. In: Atria, Siles et al. Op. cit. p. 34.
76
FUKUYAMA, Francis. Confiança: as virtudes sociais e a criação da prosperidade. Rio de Janeiro: Rocco,
1996.p. 165.
77
RIST, Gilbert. La cultura y el capital social: cómplices o víctimas del “desarrollo”? In: KLIKSBERG,
Bernardo, TOMASSINI, Luciano (Compiladores). Capital social y cultura: claves estratégicas para el
desarrollo. Buenos Aires: Banco Interamericano de Desarrollo; Fondo de Cultura Económica de Argentina,
2.000. p. 143.
78
Fukuyama, op. cit. p. 41.
79
Ibidem p. 41.
51
tornado potências industriais líderes do mundo em grande parte porque eram ricamente
dotadas de capital social e sociabilidade espontânea. Essas nações possuiriam alto nível de
confiança, estando propensas à sociabilidade espontânea e a possuir densas camadas de
associações intermediárias.
80
As instituições intermediárias às quais se refere o autor seriam
constituídas pela sociedade civil e consistiriam em uma densa e complexa rede de
organizações voluntárias, tais como: associações de voluntários, igrejas, mídia, sociedades
profissionais, instituições de caridade, entidades beneficentes, instituições educacionais e
universitárias, associações hospitalares e clubes.
A partir de uma leitura de Fukuyama, seria possível argumentar que a população de
descendência germânica do Sul do Brasil, ao construir uma identidade étnica específica
descobriu que os “compatriotas” tinham muito em comum e, por conseguinte, formavam uma
base moral para a confiança mútua. Essa confiança, ajuda e cooperação mútua, davam origem
a uma argamassa que provinha dos laços étnicos e da identidade cultural. Assim, a capacidade
associativa da população de ascendência alemã pode ser analisada pelo prisma positivo ou
pelo seu lado perverso. No aspecto benéfico são ressaltadas as práticas coletivas que levaram
à superação de problemas como a falta de escolas públicas, hospitais, precariedade de estradas
e outros mais. No aspecto perverso são enfatizadas questões como a negativa de assimilação
dessa população, o seu isolamento sociocultural, o desenvolvimento de ideologias de
superioridade racial e outros.
Pontos de convergência entre estudos que se valem da noção de capital social e a tese
defendida pelo indiano Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia em 1998, também podem
ser encontradas. A preocupação com a erradicação da pobreza e a defesa da democracia são
duas delas que merecem ser realçadas.
Em “Desenvolvimento como liberdade”, Sen faz a distinção entre duas atitudes gerais
existentes a respeito do processo de desenvolvimento: uma que considera o desenvolvimento
um processo feroz, com muito sangue, suor e lágrimas, e em que a democracia e os direitos
civis são considerados um luxo dispensável; outra que considera o desenvolvimento
essencialmente como um processo de expansão das liberdades reais.
81
É esta última que
defende ardorosamente. Para ele, a liberdade deve ser o principal fim e o principal meio do
80
Ibidem p. 166.
81
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 52
52
desenvolvimento. O desenvolvimento seria fruto da eliminação de privações de liberdade que
limitariam as escolhas e as oportunidades de as pessoas exercerem ponderadamente sua
condição de agentes. As fontes de privação de liberdade seriam: pobreza e tirania, carência de
oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e
intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos.
Sen identifica cinco (distintos) tipos de liberdade que se complementariam: 1) as
liberdades políticas; 2) as facilidades econômicas; 3) as oportunidades sociais; 4) as garantias
de transparência; 5) a segurança social protetora. O quarto item, por estar intimamente
imbricado com a confiança, cuja presença é essencial para a existência de capital social,
precisa ser melhor explicitado. As garantias de transparência referem-se às necessidades de
sinceridade, à liberdade de lidar uns com os outros sob garantias de dessegredo e clareza.
Quando a confiança é violada, a vida de numerosas pessoas pode ser afetada negativamente.
Ela inibiria a corrupção, a irresponsabilidade financeira e as transações ilícitas.
A existência de um ambiente democrático é apontada por inúmeros estudiosos como
sendo fundamental para a geração e o aumento dos níveis de capital social de uma
comunidade ou nação. Estados totalitários e autoritários eliminam as eleições livres, inibem a
livre associação, os movimentos sociais, a liberdade de reunião e a liberdade de imprensa, e
não toleram reivindicações, fiscalização e denúncias de autoridades que emanam da sociedade
civil. São, portanto, destruidores de capital social. Para Sen, a democracia deve ser vista como
criadora de oportunidades. Ela não seria um remédio para todas as mazelas, mas essencial na
indução de respostas sociais a necessidades econômicas. Assim, os governos democráticos,
diferentemente dos autoritários, precisariam vencer eleições e enfrentar a crítica política,
fazendo com que tomassem providências contra males como fomes coletivas e outras
calamidades econômicas. Exemplifica que nenhuma fome coletiva efetiva teria ocorrido em
qualquer democracia do mundo. em Estados autoritários como a China, no período
1958/61, o Camboja na década de 1970, e países como a Etiópia e a Somália, mais
recentemente, teriam assistido ao espetáculo da fome em razão do descompromisso dos
governantes com as populações de seus respectivos países.
Sobre a polêmica do que deve vir primeiro, a eliminação da pobreza e da miséria
consideradas como privação de capacidades básicas e não apenas como baixa renda ou a
garantia das liberdades políticas e dos direitos civis, afirma ser isso uma falsa dicotomia.
53
Seriam falsas as crenças que afirmam: a) que as liberdades e os direitos tolhem o crescimento
e o desenvolvimento econômico (tese de Lee)
82
; b) que os pobres prefeririam a satisfação das
necessidades econômicas que as liberdades políticas (o que seria desmentido por Coréia,
Tailândia e Paquistão)
83
; c) que as liberdades formais e a democracia seriam prioridades
ocidentais enquanto os asiáticos estariam mais voltados para a ordem e a disciplina.
Livrar o mundo da pobreza é uma possibilidade real para Muhammad Yunus, autor de
“O banqueiro dos pobres”.
84
Um dos meios que permitiriam sair da pobreza seria o
microcrédito. Outros caminhos mais poderiam ser abertos. Mas, para tanto, seria preciso ver
as pessoas de maneira diferente e conceber um novo quadro para a sociedade. Para ele,
desenvolvimento deveria significar uma mudança positiva no status quo econômico dos 50
por cento mais pobres da população de um país. Ou seja, a mensuração do desenvolvimento
econômico deveria ser obtida através da renda real per capita auferida por essa população.
Yunus, que, enquanto chefe do Departamento de Economia da Universidade de
Chittagong, sempre tinha acusado os bancos de serem antipobres, antimulheres e
antianalfabetos, criou o Grameen, um banco de microcrédito destinado aos pobres e às
mulheres. As mulheres pobres, e normalmente analfabetas, são consideradas atores
privilegiados pelo banco e constituem 94 por cento das financiadas. Para estimular a
solidariedade, a confiança e a cobrança recíproca, os empréstimos são sempre liberados a um
grupo organizado de cinco financiadas. Os grupos se agregam depois em centros. O
empréstimo repousa na confiança recíproca entre o banco e as financiadas e o eventual não-
pagamento da dívida contraída não envolve a polícia nem processos judiciais. Os pequenos
empréstimos precisam ser resgatados em um ano, sendo as parcelas pagas semanalmente. O
índice de inadimplência não é superior a um por cento.
O Grameen é voltado para o desenvolvimento econômico em escala individual.
Para Yunus, quando um indivíduo reverte sua situação financeira, uma mudança radical na
sua vida acontece. O microcrédito não liberaria apenas os pobres da fome, mas também
contribuiria para a emancipação política dos mesmos. Entre as mulheres que participavam do
Banco dos Pobres, seria maior o índice das que votavam em eleições, sendo o crédito miúdo
82
Ibidem p. 178.
83
Ibidem p. 179.
84
YUNUS, Muhammad. O banqueiro dos pobres. São Paulo: Ática, 2000.
54
também uma ferramenta eficaz contra as forças do paternalismo e do radicalismo islâmico.
Mas, além do avanço econômico e político, o microcrédito se constituiria ainda em um
eficiente meio de avanço social para as mulheres As mulheres pobres de Bangladesh, por
exemplo, antes enclausuradas em suas casa devido ao purdah, em função da atividade
econômica que passaram a exercer conquistaram, igualmente, maior liberdade de movimento.
A política do Banco, no que concerne às dívidas das financiadas, é rígida e
disciplinada. Mesmo em casos de catástrofes como fomes ou inundações, os empréstimos
precisam ser saldados, ainda que possa haver renegociações ou novos empréstimos. O Banco,
não obstante o socorro que nesse caso presta às vítimas, trabalha em cima da autoconfiança e
da auto-estima das financiadas. Assim sendo, qualquer perdão da dívida colocaria em risco o
conjunto da política em que se fundamenta o projeto.
Em 1997, programas de crédito do tipo Grameen podiam ser encontrados em 58
países. Desses países, 23 estavam situados no continente africano.
85
Em várias partes do
mundo, empréstimos de pequenas quantias têm servido para comprar e engordar um bezerro,
adquirir o equipamento necessário para engraxar sapatos, comprar utensílios para a prática da
agricultura, revender alguma mercadoria etc. Mesmo na China, um país comunista, o modelo
tem obtido bons resultados, conforme Yunus. Nas ilhas Lofoten, situadas no norte da
Noruega, a política do Grameen foi utilizada não exatamente para combater a miséria, mas
como instrumento social das mulheres de pescadores que passaram a dar novo significado
para suas vidas.
O economista e banqueiro autor do livro é um liberal que tem aversão ao Estado, e
mais precisamente aversão à burocracia de Estado, a qual julga ser ineficiente.
Diferentemente de Amartya Sen, defende que o Estado deve deixar as áreas sociais, como
saúde para os pobres, educação para os deserdados, bem-estar dos velhos e deficientes, para a
iniciativa privada, ou melhor, para um setor privado organizado de acordo com o modelo do
Grameen. Para ele, o seguro social existente nos países desenvolvidos desestimula e impede
que os beneficiados da Previdência Social saiam da situação em que se encontram. Ela seria
responsável pela degradação da vida e da auto-estima das pessoas na medida em que as
privaria do espírito de iniciativa e da dignidade. O seguro desemprego o seria solução para
85
Ibidem p. 224.
55
os pobres.
86
Também a caridade é atacada pelo professor Yunus. Ele a considera como uma
mera forma de os homens se desvencilharem de responsabilidade. “A caridade não é
absolutamente a solução para a pobreza. Ela apenas a perpetua, retirando dos pobres a
iniciativa.”
87
A inatividade seria cruel, indigna e nociva à saúde. Mesmo os aposentados
deveriam levar uma vida produtiva e criativa.
Yunus assevera que para erradicar a pobreza é preciso muito mais do que gerar
empregos ou fazer caridade. Quanto aos empregos, salienta que a questão é que os
economistas reconheciam um tipo de emprego: o assalariado. Jamais o trabalho autônomo,
tão defendido pelo professor ao longo do livro. Para ele, não é o trabalho que salva os pobres,
mas o capital ligado ao trabalho, levando em consideração as habilidades preexistentes.
No Brasil, não são ainda muitos os estudos existentes que têm por foco o capital
social. Um dos trabalhos pioneiros nessa abordagem foi “Bom governo nos trópicos”, da
professora Judith Tendler, do Massachusetts Institute of Technology. Nessa obra, quatro
exemplos de programas de administração blica descentralizados e bem sucedidos,
implementados no Estado do Ceará a partir de 1987, são dissecados pela pesquisadora. Em
todos esses quatro programas adotados pelo governo do Ceará, a marca foi a descentralização
e a participação da sociedade civil na tomada de decisões.
O primeiro e mais bem sucedido programa analisado foi o da implantação da
medicina preventiva no meio rural, denominado Programa de Agentes Comunitários de Saúde
(PACS). Instituído emergencialmente pela Secretaria da Saúde para gerar empregos numa
época em que a região Nordeste do Brasil era assolada por uma de suas cíclicas secas, o
programa contratou 7.300 trabalhadoras como agentes de saúde comunitários. Recrutadas,
após uma disputada seleção, dentro da própria comunidade em que iriam atuar pelo princípio
do mérito e não do clientelismo político, as agentes, sem contar com vínculo empregatício
formal, passaram a perceber um salário mínimo mensal do Estado e a visitar o domicílio de
850 mil famílias todos os meses. As rejeitadas no processo de contratação tornaram-se
verdadeiras controladoras ou fiscais do trabalho realizado pelas beneficiadas com o cargo. Os
municípios arcaram com os custos das 235 enfermeiras contratadas que passaram a
supervisionar as agentes de saúde. O trabalho das agentes de saúde, apesar da baixa
86
Ibidem p. 263
87
Ibidem p. 282.
56
remuneração, da instabilidade e de não acalentar uma mobilidade profissional e econômica
ascendente, teria sido de uma dedicação e de um desempenho digno de registro. Elas teriam
assumido voluntariamente causas bem mais amplas do que as estritamente determinadas pelo
programa e se tornado verdadeiras agentes de mudanças e de conscientização quanto aos
direitos dos cidadãos nas comunidades em que atuavam. Em poucos anos, a cobertura de
vacinação contra sarampo e poliomielite triplicou, saltando de 25% para 90% da população
infantil, e a mortalidade no primeiro ano de vida caiu de 102 por mil para 65 por mil. A partir
de 1989, uma vez cessado o período de emergência, o programa passou a integrar
definitivamente a política de saúde do Estado, sendo, a partir de então, adotado
paulatinamente por outras unidades da Federação. Pelos resultados apresentados por esse
programa, o governo do Ceará, em 1993, foi o primeiro governo latino-americano a receber o
prêmio Maurice Patê, do UNICEF, para programas de assistência à infância.
88
Tendler credita o sucesso obtido pelo PACS ao contrato precário, temporário e
pouco seguro das agentes de saúde. Como estavam fora daquilo que a autora denomina de
pesada e pouco operante estrutura do funcionalismo público, elas tiveram que construir
compromissos com a comunidade para se manterem na função. A contratação por mérito em
lugar da tradicional indicação clientelista; o contínuo treinamento e a atualização das agentes;
a valorização do trabalho através da propaganda governamental; a proibição de fazer
campanha política para algum candidato ou distribuir propaganda política; a utilização de
trabalhadoras da própria comunidade o que possibilitou o estabelecimento de relações de
confiança entre as agentes e os moradores; a obrigação das agentes, na sua jornada de oito
horas por dia, de visitarem um determinado número de famílias; o conhecimento da
população das exigências que recaiam sobre o trabalho das agentes, tudo isso teria resultado
em um controle comunitário do trabalho das agentes. Assim, esse programa criou uma
sinergia entre Estado e sociedade e mobilizou o que chamamos de capital social. Nos
membros da comunidade foi despertado um sentimento cívico de responsabilidade coletiva
pelo sucesso do programa.
Objetivando gerar empregos no próprio Estado, o segundo programa ocupou-se dos
serviços de extensão para negócios e de contratos públicos com pequenas empresas
localizadas na área atingida pela seca. A Secretaria de Indústria e Comércio do Estado,
88
TENDLER, Judith. Bom governo nos trópicos. Uma visão crítica. Rio de Janeiro: Revan; Brasília: ENAP,
1998. p. 38-39.
57
atuando em parceria com o SEBRAE, redirecionou 30 por cento das compras de bens e
serviços feitas pelo governo para empresas que operavam, na maioria, na informalidade. Os
dois órgãos passaram a fornecer assistência técnica individualizada às empresas e a organizá-
las em associações. Alguns dos contratos feitos tiveram efeito duradouro, resultando em
espantoso desenvolvimento de determinadas regiões, como a do setor moveleiro de São João
de Aruaru. Ali, as quatro serrarias inicialmente existentes passaram a fornecer carrinhos de
mão de madeira, cabos de pás e barris de água para os trabalhadores das frentes de
emergência. Depois, passaram a produzir carteiras e mesas para a Secretaria Estadual de
Educação. Cinco anos depois, o número de serrarias da localidade havia pulado para 42. O
complexo montado pela Associação de Moveleiros de Aruaru empregava, então, cerca de mil
trabalhadores. Através do programa, além de o Estado ter economizado cerca de 30 por cento
em relação às compras anteriores, feitas de grandes empresas cujos produtos vinham de fora
do Estado, o material produzido pelas pequenas empresas era também de maior durabilidade.
Assim, a iniciativa estatal abriu oportunidades para a abertura ou a expansão de dezenas de
pequenas olarias, madeireiras, moveleiras, queimadores de calcário, empreiteiros da
construção civil etc. A relação de confiança estabelecida entre grupos de pequenas empresas e
o poder público foi de vital importância para o sucesso do programa.
O terceiro programa também relacionado com a preocupação em gerar empregos
em decorrência da estiagem de 1987, que destruiu a economia agrária do Ceará e deixou sem
trabalho grande parte da população rural do Estado tratou da construção de obras públicas e
da geração de empregos emergenciais. Durante a seca, que durou praticamente um ano, a
Secretaria de Ação Social do Estado contratou um milhão de trabalhadores rurais e
desempregados. No mês de pico estavam empregados 235 mil trabalhadores, cerca de 50% da
população masculina rural economicamente ativa do Estado. Naquela oportunidade, foi
retirado o controle das elites locais sobre a administração do programa. A tomada de decisões
a respeito da alocação dos empregos, dos projetos de construção e do abastecimento de
socorros passou a ser feita pela sociedade civil através dos Grupos de Ação Comunitária
(GACs). Papel fundamental para o bom êxito do programa coube aos extensionistas rurais do
Estado, agentes que residiam nas comunidades onde atuavam e eram conhecedores das
necessidades da população com a qual conviviam. Eram eles que organizavam e coordenavam
os GACs municipais. O programa reduziu o clientelismo que marcava a contratação
58
emergencial dos trabalhadores, democratizou a seleção das obras que foram desenvolvidas,
89
tornou mais ágil a execução de projetos, criou maior número de empregos por dólar gasto do
que em programas semelhantes realizados em outros estados e contribuiu para a ampliação
dos laços de confiança e solidariedade entre os partícipes do programa.
A quarta iniciativa girava em torno da assistência rural aos pequenos produtores do
campo. As observações de Tendler procuraram averiguar as razões do sucesso obtido na
criação de gado leiteiro e de corte pelas 60 famílias de agricultores da Cooperativa de
Produção do Assentamento Santana, de Monsenhor Tabosa. A produtividade alcançada pelos
assentados, conforme a pesquisadora, se deveu muito à organização coletiva e ao tipo de
extensão personalizada e não padronizada como costuma ocorrer feita pelo extensionista
público. O grupo, que subvencionava os custos de deslocamento do agente, apresentava-lhe as
demandas dos produtores. O extensionista empenhava-se na solução dos problemas
levantados e era elogiado publicamente pelo resultado alcançado. A confiança que se
estabeleceu entre o funcionário público e seus clientes é apontada como a chave do sucesso do
assentamento.
Um estudo que trata da relação entre a existência de capital social, a preservação da
natureza e a adoção de Compensações por Serviços Ambientais (CSA) foi realizado em 2001
por quatro ONGs brasileiras: Vitae Civilis, Fundação Vitória Amazônica (FVA), Instituto do
Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e Federação de Órgãos para a Assistência
Social e Educacional (Fase). Os resultados dessa investigação foram publicados em uma obra
coordenada por Rubens Harry Born e rgio Talocchi, com o título “Proteção do capital
social e ecológico”.
90
O primeiro estudo de caso trata da lei estadual Chico Mendes, instituída para
remunerar associações de seringueiros no Acre como forma de apoio para produção e
extrativismo sustentável da borracha. Pela lei, em 2002 os seringueiros recebiam do governo
estadual um subsídio de R$ 0,60 por quilo de borracha produzido. Embora se trate na
89
Em secas anteriores, grandes obras de açudagem, construção de reservatórios e de estradas ocupavam a mão-
de-obra e os recursos disponíveis. Essas obras normalmente beneficiavam mais as elites também conhecidas
como “industriais da seca” – do que o conjunto da população. Desta feita, o foco voltou-se para projetos
menores, que eram reivindicados e que beneficiavam as comunidades interioranas. Era a construção ou reforma
de escolas, cisternas, armazéns de grãos, salões comunitários, pequenos açudes, estradas vicinais e outros.
90
BORN, Rubens Harry, TALOCCHI, Sergio. Proteção do capital social e ecológico: por meio de
Compensações por Serviços Ambientais (CSA). São Paulo: Vitae Civilis, 2002.
59
realidade um subsídio, para o Imazon ele pode ser considerado como uma forma de CSA por
redundar em vantagens ambientais e sociais. Em 2001, 20 mil pessoas eram beneficiadas pela
lei. Para ter acesso ao recurso, as famílias dos produtores precisavam estar formalmente
organizadas em associações. Estas, por sua vez, deveriam estar filiadas às cooperativas
extrativistas e, no topo da pirâmide organizacional, estava o Conselho Nacional de
Seringueiros, com a função de fazer a representação política dos seringueiros, de articulá-los
com outros atores e de fazer lobby. A lei teria permitido a fixação de famílias extrativistas na
floresta assegurando, assim, sua conservação pela adoção do modelo de desenvolvimento
baseado no manejo sustentável dos recursos florestais. Além de evitar o desmatamento e a
emissão de carbono para a atmosfera, estaria ainda colaborando para uma distribuição mais
eqüitativa dos recursos e da renda gerada e no fortalecimento das organizações e do
movimento social dos seringueiros.
O segundo caso foi estudado pela Fase no município de Gurupá, no estado do Pará.
Ali o movimento social estava relativamente bem organizado entre os 16.499 habitantes que
viviam na zona rural. Aproximadamente 70 por cento da população pertencia a algum tipo de
associação, sindicato, cooperativa ou igreja, existindo 16 associações de produtores e 53
delegacias sindicais. O grau de instrução, no entanto, era baixo (57 por cento da população
residente sem instrução ou com menos de um ano de estudo) e elevado percentual dos
habitantes não tinha qualquer documento de identificação. A renda familiar média anual no
ano de 2000 foi de apenas R$ 2.000,00, o que é considerado bastante baixo. A maioria dos
produtores rurais era posseira de terras pertencentes à marinha. Entre as atividades
econômicas predominavam as extrativistas, sendo particularmente importantes a coleta do
açaí, do palmito e a extração de madeira, que era feita de forma intensa e de maneira não
manejada. A agricultura estava mais relacionada com a subsistência das famílias, destacando-
se o cultivo da mandioca em áreas de terra firme. A pesca era praticada pela Colônia de
Pescadores de Gurupá. Como não hvia mecanismos formalizados de CSA na região, a Fase
propôs a geração de prêmios ou compensações para a população que ali vivia para ajudar a
manter a multifuncionalidade do território e dos ecossistemas existentes.
O terceiro estudo, desenvolvido pela FVA, ocupou-se do Parque Nacional do Jaú,
unidade de conservação de 22.700 quilômetros quadrados, situado no estado do Amazonas. O
parque, que foi decretado patrimônio da humanidade em dezembro de 2000, desde 1998,
possui um Plano de Manejo construído de forma participativa por instituições, comunidades
60
locais e pesquisadores. Embora a lei proíba a presença de populações humanas na área do
parque, cerca de 1.000 almas, descendentes da miscigenação de índios com antigos
seringueiros nordestinos, vivia ali nas margens dos rios. Essas pessoas, segundo a FVA,
contribuiriam efetivamente para a proteção dos recursos naturais da região. A implementação
de CSA deveria se constituir em um instrumento para beneficiar as populações tradicionais do
Parque Nacional do Jpara quem é fundamental a preservação da paisagem, do clima, da
água, do solo e da biodiversidade existente em toda a área para poder dar continuidade ao seu
modo de vida.
O quarto estudo, elaborado pelo Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente
e Paz Vitae Civilis, contemplou a parte paulista do Vale do Ribeira, no litoral paulista, região
de topografia acidentada que abriga cerca de 20 por cento do remanescente nacional da Mata
Atlântica. No vale, que recentemente foi declarado Patrimônio Natural da Humanidade pela
UNESCO, viviam cerca de 400 comunidades rurais, aproximadamente 310 mil pessoas, numa
área de 15.480 quilômetros quadrados. A maior parte da população, constituída de
agricultores, caiçaras, quilombolas e índios, vivia da produção de banana, extração do palmito
e da agricultura de subsistência. Essa região era a mais pobre do estado de São Paulo. Já havia
no vale do Ribeira algumas CSA implantadas, sendo a mais destacado delas o ICMS
ecológico.
91
Para a ONG responsável pelo estudo, boas aplicações de CSA poderiam ajudar a
constituir um capital social relevante para a efetivação de projetos de desenvolvimento
sustentado na área da reserva ambiental.
Um outro exemplo de construção de capital social foi retratado pelos professores
Pedro Jacobi e Marco Antônio Teixeira. Trata-se do resgate da auto-estima e da cidadania dos
catadores de lixo reciclável da capital mineira. Em Belo Horizonte, os recicladores eram
vítimas de constrangimentos e de todos os tipos de preconceitos, principalmente dos setores
mais conservadores da sociedade. O poder público os reprimia constantemente e lhes atribuía
a responsabilidade pela sujeira existente na cidade. Pela população, eram vistos como
nômades urbanos, andarilhos andrajosos que perambulavam pelas ruas e praças da cidade. Em
poucos anos, no entanto, tudo isso mudou. Em 1990, ao se organizarem em uma Associação,
em que contaram com o apoio decisivo da Igreja Católica, através da Pastoral de Rua, os
91
O principal objetivo do ICMS ecológico é “compensar municípios pelas restrições às atividades produtivas e
às possibilidades de geração de outros tipos de receitas causadas pela presença de unidades de conservação
estaduais e federais.”
61
catadores de papel conseguiram articular em torno de si uma rede de solidariedade formada
por vários membros da sociedade civil, de ambientalistas, vereadores com trabalho junto a
movimentos sociais, membros de associações comunitárias e de entidades de defesa dos
direitos humanos. Após o pleito municipal de 1992, quando o governo da cidade passou às
mãos de uma frente de esquerda, a contribuição do poder público também passou a ser
decisiva para a consolidação da ASMARE Associação dos Catadores de Papel, Papelão e
Material Reaproveitável de Belo Horizonte. A organização dos catadores e as práticas
educativas e de formação que desenvolveram deram bons resultados econômicos ao grupo e
possibilitaram o resgate da auto-estima e da cidadania dos associados. A qualidade de vida
deles melhorou significativamente e eles puderam deixar de dormir nas ruas e passaram a ser
vistos pela população como contribuintes para a limpeza e manutenção do meio ambiente. O
resultado bem sucedido dessa experiência apontou ganhos para toda a sociedade: incluiu
socialmente mais de duas centenas de trabalhadores, deu lição de desenvolvimento
sustentável, desenvolveu a solidariedade entre os catadores e alguns setores da sociedade que
passaram a fazer a seleção seletiva do lixo, o que tornou mais produtivo o trabalho dos
catadores.
92
A existência de capital social tem servido também como âncora para o
planejamento estratégico de cidades. É o que enfatizam Dermizo Pagnoncelli e Carlos Walter
Aumond na experiência que tiveram com a cidade de Joinville, em Santa Catarina. Os autores
destacaram que, nesse caso, as áreas mais importantes de aplicação do capital social seriam
“coesão e inclusão social, partilha de poder e ação política.”
93
Além de textos teóricos que discutem sua definição e aplicabilidade, o conceito de
capital social tem sido colocado à prova em estudos urbanos para explicar a diferença das
taxas de violência em bairros;
94
em análises sobre migração para compreender os melhores
92
JACOBI, Pedro, TEIXEIRA, Marco Antônio. Criação do capital social: o caso ASMARE Associação dos
Catadores de papel, papelão e Material Reaproveitável de Belo Horizonte.
http://inovando.fgvsp.br/documentos/cadernos_gestaopublica/CAD%2002pdf Em 19/05/2005
93
PAGNONCELLI, Dermizo, AUMOND, Carlos Walter. Cidades, capital social e planejamento estratégico: o
caso Joinvelle. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 23.
94
ABRAMOVAY, Miriam, PINHEIRO, Leonardo Castro. “Violência e Vulnerabilidade Social”. In:
FRAERMAN, Alicia (Ed.). Inclusión Social y Desarrollo: Presente y futuro de la Comunidad Ibero Americana.
Madri: Comunica. 2003; DIAS JUNIOR, Cláudio Santiago. Capital social e violência: uma análise comparada
em duas vilas de Belo Horizonte. Belo Horizonte: UFMG (Dissertação de Mestrado em Sociologia), 2001.
62
resultados obtidos por certos grupos em relação a outros;
95
para o desenvolvimento de certas
comunidades urbanas ou rurais;
96
para o desenvolvimento local;
97
para a participação cidadã
na formulação do orçamento de municipalidades;
98
na implantação de políticas públicas;
99
em
projetos de inclusão social e de economia popular solidária; no rendimento escolar; no
fortalecimento da democracia; e na participação de processos político-partidários.
100
No Rio Grande do Sul (RS), os professores Pedro Silveira Bandeira e Leonardo
Monteiro Monastério destacam-se por suas pesquisas que, tendo por foco o capital social,
procuram explicar as desigualdades existentes entre as regiões no que tange ao nível de
desenvolvimento econômico alcançado. É notória, nos trabalhos dos dois pesquisadores, a
influência exercida pelas publicações de Putnam. o professor Marcello Baquero e alguns
dos seus orientados têm se valido do conceito nos estudos sobre cultura política e participação
democrática que vêm realizando.
Pedro Bandeira tratou a respeito do capital social quando analisou cinco
experiências de construção de instituições participavas em escala regional existentes no
Brasil. A organização dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento do RS (COREDEs) foi
uma delas. Após descrever a implantação, os objetivos, a estrutura e o funcionamento e as
ações desenvolvidas pelos 22 COREDEs ao longo de sua existência, o autor concluiu que são
significativas as diferenças entre os mesmos no que diz respeito ao grau de sucesso alcançado
na aglutinação dos segmentos da sociedade. Essa diferença adviria de dois fatores principais:
95
CORREA, Sílvio Marcus de Souza. Migração e a (re)construção do capital social. In: CORREA, Sílvio
Marcus de Souza (Org.). Capital social e desenvolvimento regional. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003. p.
303-334.
96
ARAUJO, Naiana Guedes. Capital social no semi-árido baiano: o exemplo APAEB Associação dos
Pequenos Agricultores do Município de Valente. http://www.adm.ufba.br/capitalsocial; FONTES, Breno
Augusto Souto-Maior, EICHNER, Klaus. A formação do capital social em comunidade de baixa renda. Redes
Revista hispana para el análisis de redes sociales, v. 7, n. 2, oct/nov. 2004. http://revista-redes.rediris.es
97
MILANI, Carlos. Carlos. Teoria do capital social e desenvolvimento local: lições a partir das experiências de
Pintadas (Bahia, Brasil). IV Conferencia Regional ISTR-LAC, San José, Costa Rica, 8-10 de octubre, 2003;
SKIDMORE, David. Sociedade civil, capital social e desenvolvimento econômico. In: ABREU, Alzira Alves de.
Transição em fragmentos: desafios da democracia no final do século XX. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. p.
129-152.
98
NEVES, Ângela Vieira. Um estudo de caso sobre o orçamento participativo em São Gonçalo: a tensão entre a
cultura clientelista e a cultura democrática. Redes, Santa Cruz do Sul, v. 8, n 3, p. 131-153, set./dez.2003.
99
LOTTA, Gabriela, MARTINS, Rafael. Capital social e redes sociais: uma alternativa para análise da política
pública de educação em Icapuí – CE. http://www.inovando.fgvsp.br
100
BAQUERO, Marcello (Org.). Democracia, juventude e capital social no Brasil. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2004; BAQUERO, Marcello. A dimensão oculta da democracia contemporânea: desigualdade, cultura
política e capital social no Brasil. Redes, Santa Cruz do Sul, v. 8, n 3, p. 9-35, set./dez.2003; LÜCHMANN,
Lígia H. H. Capital social, sociedade civil e democracia deliberativa. Redes, Santa Cruz do Sul, v. 8, n 3, p. 105-
130, set./dez.2003.
63
a) a existência e o apoio institucional das Universidades comunitárias em determinadas
regiões do Estado, que conseguiam mobilizar lideranças para a discussão de ações
relacionadas com o desenvolvimento regional; b) a formação sociocultural das regiões. Em
algumas áreas, especialmente na porção Norte do RS, cuja história está ligada à imigração
européia e ao predomínio da pequena propriedade, haveria acúmulo de capital social em razão
das iniciativas do tipo associativo que ali vicejam. Esse espírito associativo, constituído ao
longo dos tempos, seria o grande responsável por incutir nos seus membros relações de
confiança e hábitos de cooperação, solidariedade e espírito público.
101
a porção Sul do
Estado a região da Campanha marcada pelo latifúndio, pela criação extensiva de gado e,
no passado, pela escravidão, seria um ambiente menos propício para as práticas participativas,
por ter havido aí baixa acumulação de capital social.
102
No final de 2001, foi divulgada uma pesquisa coordenada por Pedro Bandeira e
Benedito César, realizada pelo Laboratório de Observação Social (LABORS) da UFRGS, por
encomenda do Fórum Democrático de Desenvolvimento Regional do RS.
103
O objetivo geral
desse trabalho era o de contribuir para uma melhor compreensão dos fatores de natureza
política, social e cultural que se encontravam associados às desigualdades econômicas
observadas entre as regiões do Estado gaúcho. Para detectar a natureza dos fatores envolvidos
na produção e reprodução de desigualdades regionais, um dos principais aspectos
investigados no levantamento dizia respeito às características socioculturais que contribuíam
para determinar aquilo que pode ser denominado de “estoque de capital social”. Para tanto, o
Estado foi dividido em quatro macrorregiões, tendo por base os 22 COREDEs existentes.
Na pesquisa, a macrorregião denominada Nordeste I abrangeu o território da
Região Metropolitana de Porto Alegre, sendo integrada pelos COREDEs Metropolitano, do
Delta do Jacuí e do Vale do Rio dos Sinos. A segunda macrorregião, chamada Nordeste 2,
englobou grande parte das antigas áreas das colônias alemã e italiana do Estado. Foi formada
pelos COREDEs da Serra, do Vale do Caí, das Hortências, do Litoral, do Vale do Taquari e
do Paranhana-Encosta da Serra. A terceira, denominada Norte, incluiu a maior parte das áreas
101
Bandeira, op. cit. p. 87 e 88
.
102
Ver também a respeito MONASTERIO, Leonardo M. Capital social e crescimento econômico no Rio Grande
do Sul. In: BECKER, Dinizar F., BANDEIRA, Pedro S. (Org.). Respostas regionais aos desafios da
globalização. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2002. p. 193-219.
103
CÉSAR, Benedito Tadeu; BANDEIRA, Pedro Silveira (Coord.). Desenvolvimento regional, cultura política e
capital social: pesquisa empírica como subsídio à atividade parlamentar no Rio Grande do Sul. Relatório de
análise dos resultados. Porto Alegre: LABORS/IFCH/UFRGS, 2001.
64
colonizadas por imigrantes e descendentes de imigrantes europeus no Estado. Foi integrada
pelos COREDEs Nordeste, Norte, da Produção, do Médio-Alto Uruguai, do Noroeste
Colonial, das Missões, da Fronteira e da parcela setentrional do Vale do Rio Pardo. A quarta,
chamada Sul, foi constituída pelos COREDEs da Fronteira Oeste, da Campanha, Central, Sul,
Centro-Sul e a porção meridional do Vale do Rio Pardo. Esta última macrorregião
correspondeu, assim, à parte sul do território gaúcho, caracterizado historicamente pelo
predomínio da pecuária e das grandes propriedades rurais.
Os resultados do relatório apontaram a existência de diferenças substanciais entre
essas grandes regiões, no que se refere às diversas variáveis relacionadas com a existência de
capital social e com a cultura política. Quanto a este último aspecto, o Norte apareceu como a
região mais politizada. No que diz respeito especificamente à existência de capital social,
evidenciou que o Nordeste 2 e o Norte, áreas cujas características socioculturais estão
associadas à imigração européia, à colonização, à pequena propriedade e à agropecuária
familiar, apresentaram uma vida comunitária bem mais intensa e, portanto, uma dotação de
capital social bem mais forte do que o Sul e a Região Metropolitana (Nordeste 1). Essa
diferença foi constatada principalmente pelos percentuais mais elevados de participação em
associações voluntárias e pela maior intensidade de convívio social observados no Norte e no
Nordeste 2, o que é denominado de sociabilidade informal, e que inclui atividades como
visitar parentes e amigos, reunir amigos em casa, reunir-se com membros da mesma igreja ou
religião, participar em diversos tipos de atividades de lazer com outras pessoas etc. Segundo
os autores do trabalho, essas duas regiões, em função de sua cultura associativa, poderiam ter
vantagens competitivas sobre as outras. Já o Sul e a Região Metropolitana apresentaram
menores dotações de capital social, expressas por percentuais menores de participação em
associações voluntárias e índices de sociabilidade mais reduzidos.
Bandeira, um dos coordenadores do trabalho acima referido, aprofundou em 2003 a
análise dos dados obtidos naquela pesquisa.
104
Valorizou sobremaneira a formação histórica
das diferentes macrorregiões do Rio Grande do Sul. Reforçou a formação européia do Norte e
da parte não-metropolitana do Nordeste, em contraste com a do Sul, que qualificou como
sendo predominantemente ibérica. Ali também a grande propriedade rural e a convivência
com a escravidão teriam sido responsáveis pela produção de uma sociedade menos
104
BANDEIRA, Pedro Silveira. Algumas hipóteses sobre as causas ds diferenças regionais quanto ao capital
social no Rio Grande do Sul. In: CORREA, Silvio Marcus de Souza (Org.). Capital social e desenvolvimento
regional. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003. p.
65
igualitária.
105
As causas apontadas para a menor dotação de capital social na região
metropolitana ou na Nordeste 1, que obteve índices semelhantes ao Sul, estariam nas próprias
características de vida existentes nos grandes conglomerados urbanos: a redução do tempo
disponível restringiria a possibilidade de as pessoas participarem em associações voluntárias e
diminuiria o convívio social.
Em tese de doutoramento defendida no Programa de Desenvolvimento Econômico,
da Universidade Federal do Paraná, Leonardo Monteiro Monastério, através da abordagem do
capital social, procurou compreender o atraso da região Sul do RS, chamada de Campanha.
Nitidamente inspirado nos trabalhos de Putnam sobre a existência de capital social nas
diferentes regiões da Itália e dos Estados Unidos, dividiu o Estado em quatro regiões:
Campanha, Planalto, Serra e Mista. Embora o foco fosse a Campanha, os dados estatísticos
coligidos pelo pesquisador normalmente foram comparados entre as diferentes áreas
geográficas. No estudo, foi dada ênfase especial à formação social e econômica da região
pastoril. Monastério defende que a ocupação do Pampa gaúcho através de latifúndios
militarizados restringiu a possibilidade de formação de capital social. Os grandes vazios
populacionais nessa área dificultariam a formação de laços pessoais indispensáveis à
acumulação de capital social.
Também constatou que o capital social existente na Campanha não sofreu grandes
variações ao longo do tempo. Em fins do século XIX, por exemplo, evidenciou a existência de
capital social entre os extratos superiores e os negros ex-escravos. O problema era o tipo de
capital social encontrável. Numa sociedade de castas, o único capital que poderia se
desenvolver era o bonding, em que a confiança, quando se está num grupo mais fechado, se
apenas entre os membros do próprio grupo que acabam formando um gueto. Conforme a
literatura existente, essa modalidade é insuficiente para gerar conseqüências benéficas sobre o
crescimento econômico a longo prazo de uma região. Esse tipo de capital, construído numa
sociedade hostil e discriminatória, separava as redes associativas, impedindo a população de
ter acesso às modalidades bridging e linking de capital social. Por isso, defende o autor que as
raízes do atual atraso econômico da porção Meridional estão no período pré-republicano.
Nesse sentido, a Campanha, com sua ocupação baseada no trabalho escravo e com uma
105
Ibidem p. 31.
66
estrutura latifundiária de posse da terra não teria se constituído em terreno propício para a
acumulação do tipo de capital social mais favorável ao crescimento.
106
Atualmente, a Campanha continuaria sendo uma região desigual que apresenta
baixos índices de capital social e de qualidade de gestão pública. No que tange à gestão
pública, constatou que aqueles municípios localizados na Campanha eram pouco
informatizados, insuficientes na arrecadação de impostos, com gastos sociais por habitante
abaixo da média e com a sociedade pouco representada através de conselhos. Isso adviria do
fato de que ali haveria carência das modalidades bridging e linking de capital social, o que
deriva de sua formação socioeconômica.
Partindo de Putnam, a menor dotação de capital social da porção meridional do RS
deve ser buscada no processo histórico de sua gênese. Ali, como foi reiterado,
predominaram a população de origem ibérica, a grande propriedade pastoril e a escravidão,
sendo a formação social e econômica, portanto, semelhante à verificada no restante do Brasil-
Colônia. Em Sérgio Buarque de Hollanda, Oliveira Vianna e Jorge Salis Goulart se encontram
alguns elementos que, no dizer de Durston,
107
fariam parte da pré-história do capital social,
sendo necessário fazer uma “escavação arqueológica” para identificar alguns dos seus
episódios.
Sérgio Buarque de Holanda, em seu clássico Raízes do Brasil, obra publicada pela
primeira vez em 1936, afirmara que uma das conseqüências da escravidão e da hipertrofia
do latifúndio na estrutura da economia colonial brasileira era praticamente a ausência de
qualquer esforço sério de cooperação nas atividades produtoras artesanais urbanas. Além da
herança da repulsa ao trabalho manual dos povoadores ibéricos e do amor ao ganho cil,
havia ainda o instituto da escravidão. Por isso, nos ofícios e na indústria caseira
predominavam os escravos, o que entravava o comércio e provocava a escassez de artífices
livres nas cidades e vilas. Conseqüentemente, os grêmios de ofícios, tão comuns à Europa
medieval e, posteriormente, aos Estados mercantilistas, não se puderam desenvolver na
América portuguesa.
106
MONASTERIO, Leonardo Monteiro. Capital social e a região sul do Rio Grande do Sul. Curitiba: UFPr,
2002. p. 158.
107
Durston (1999), op cit. p. 116
67
O que sobretudo nos faltou para o bom êxito desta e de tantas outras formas de labor
produtivo foi, seguramente, uma capacidade de livre e duradoura associação entre os
elementos empreendedores do país. Trabalhos de índole coletiva espontaneamente
aceitos podiam ocorrer nos casos onde fossem de molde a satisfazer certos
sentimentos e emoções coletivos, como sucede com os misteres relacionados de
algum modo ao culto religioso.
108
Holanda também se reporta a outro costume, ao qual hoje poderíamos qualificar
como importante repositório de sociabilidade informal. É o caso do mutirão, quando roceiros
auxiliam uns aos outros nas derrubadas de mato, nos plantios, nas colheitas, na construção de
casas, na fiação de algodão e em outros afazeres. Essas trocas de trabalho, herdadas do gentio
da terra e não dos lusos, se fundariam, além da expectativa de auxílio recíproco, “na excitação
proporcionada pelas ceias, as danças, os descantes e os desafios que acompanham
obrigatoriamente tais serviços. Se os homens se ajudam uns aos outros, notou um observador
setecentista, fazem-no ‘mais animados do espírito da caninha do que do amor ao trabalho’.”
109
O mutirão parece ter sido uma prática de lavradores pobres brasileiros.
Em seu primeiro livro escrito em 1918 e publicado em 1920, Oliveira Vianna
também fez menção à ausência de tradição associativa da população luso-brasileira. Sua
análise a respeito da solidariedade humana partiu de uma analogia com o reino animal.
Aquelas espécies que teriam grande número de inimigos seriam naturalmente mais solidárias.
A tendência gregária e o espírito de sociabilidade decorreriam pelo medo do inimigo comum,
pela ameaça do perigo comum e pela necessidade de defesa do grupo. Sem essa pressão, os
animais seriam insociáveis e solitários. Seria por isso que os tigres e os leões – diferentemente
do que acontece, por exemplo, com as ovelhas, os búfalos, as abelhas, as formigas e os
castores –, devido à força de que dispõem, a ponto de serem considerados os reis da criação,
viveriam solitários não conhecendo o gregarismo das manadas. Assim a solidariedade
humana, de forma idêntica aos animais, seria um produto do medo, sendo resultado da defesa
contra os inimigos comuns, as feras e outros homens.
110
Ao analisar o comportamento do matuto, ou seja das populações rurais do centro-
sul, afirmou serem escassas as instituições de solidariedade social do povo, vivendo o homem
isolado dentro dos latifúndios ou do seu círculo familiar. A carência de institutos de
108
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992. p. 29.
109
Ibidem p. 30.
110
VIANNA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil: história, organização, psicologia. Primeiro Volume.
Belo Horizonte: Itatiaia; Niterói: Ed. UFF, 1987. p. 152-153.
68
solidariedade e cooperação, particularmente de solidariedade e cooperação vicinal,
abundantes nos antigos povos ocidentais e muito presentes entre os portugueses, aqui
praticamente não se faziam sentir:
Outras instituições de cooperação social, vicejantes ainda nas tradições do povo
luso, igualmente não se aclimataram aqui. É o caso das belas festividades aldeãs, das
ceifas, das desfolhadas, das mondas, das vindimas, que na Península se faziam com
o concurso dos vizinhos, entre bailados típicos, folguedos, tradições, usanças
rústicas, que recordam as ceifas, as mondas e as vindimas do tempo de Teócrito e de
Virgílio. Nem a colheita do algodão ao norte e a apanha do café ao sul, nem o corte
do arroz, nem a quebra do milho por toda parte, criam iguais costumes vicinais.
Todos esses trabalhos são aqui penosos e tristes e fazem-se com as forças da própria
família nas pequenas datas dos sitiantes e, nas grandes herdades, com o corpo dos
trabalhadores escravos.
111
Para Oliveira Vianna, os grandes domínios independentes e autônomos
dispensavam a cooperação porque eram capazes, por si só, de organizar os seus interesses,
como a organização da produção e da defesa. Nada forçaria os senhores de engenho e
cafezais, os grandes chefes de clãs rurais, à cooperação e solidariedade voluntária e
prolongada. Diferentemente do que acontecia nos países povoados por raças teutônicas, da
Inglaterra e da América, onde pululavam entidades de iniciativa privada como sindicatos,
cooperativas, ligas humanitárias, clubes, associações e sociedades com finalidade econômica,
política, moral, científica, artística ou recreativa, entre nós essas formas de solidariedade,
quando surgiam, tinham vida artificial e efêmera duração. A única forma de solidariedade
social efetivamente praticada era a de clã.
112
O cientista social, no entanto, ressaltou que, nas regiões de campos onde
predominava o pastoreio, isto é, nos pampas do sul e nas caatingas do nordeste, registravam-
se alguns rudimentos de solidariedade voluntária e de cooperação. As vaquejadas existentes
no Norte e os rodeios no Sul ampliavam um pouco o campo da solidariedade voluntária dos
trabalhadores da fazenda para além do meio familiar.
113
No segundo volume da sua obra, em
que trata do campeador rio-grandense, retoma e aprofunda a questão da sociabilidade dos
estancieiros do Sul. Argumenta que, no que tange às relações de vicinagem, no pampa gaúcho
elas adquiriram uma amplitude e intensidade que em vão se procura nos grupos rurais do
111
Ibidem p. 149.
112
Ibidem p. 157. O autor, contudo, chama a atenção para o fato de que os pequenos colonos germânicos do
Paraná e de Santa Catarina (inexplicavelmente deixa os do Rio Grande do Sul de fora) estavam ligados
solidariamente em suas cooperativas de laticínios e de cereais.
113
Ibidem p. 149.
69
centro-sul e nos grupos sertanejos do nordeste.
114
O largo emprego do cavalo nos campos do
sul e o terreno plano da Campanha funcionariam como facilitadores de contatos com grupos
vizinhos. “O cavalo corrige, assim, a dispersão social inevitável nessas regiões de planícies
infinitas, sujeitas à ação demograficamente centrífuga do pastoreio.”
115
Ainda de acordo com Oliveira Viana, o gaúcho seria um ser jovial exatamente por
ser sociável. O próprio costume de tomar chimarrão com a cuia rodando de mão em mão já
denotaria o sentimento de solidariedade e de sociabilidade. Seriam, porém, as lidas na
atividade de criação de gado que teriam permitido desenvolver hábitos de cooperação e de
solidariedade.
Na verdade, ao contrário do que acontece nas operações do labor agrícola, as
operações mais importantes do pastoreio nas estâncias resultarão infrutíferas, se
feitas sem a cooperação e a solidariedade de todos os campeiros. O ‘parar o rodeio’,
o ‘sustar as disparadas’, o ‘repontar a tropa’, o ‘rondar o gado’, o ‘voltear uma
manada’, que são operações fundamentais do serviço pastoril, são operações
coletivas, sem nenhuma possibilidade de realização individual e isolada.
116
Também as inúmeras guerras defensivas e ofensivas, que por mais de uma centúria
assolaram o Rio Grande do Sul nos séculos XVIII e XIX, teriam contribuído para engendrar a
cooperação e o exercício do poder público entre os criadores de gado. A defesa do território,
devido à reduzida presença do Estado, passou a ser tarefa dos particulares. Para tanto, a
cooperação entre os estancieiros se fazia necessária para arregimentar as massas e conduzir a
guerra. Essa pressão, provocada pela ameaça constante do inimigo, teria forçado a
preocupação com as questões de interesses coletivos da totalidade do grupo ameaçado.
O estancieiro não tinha que bater-se com o estancieiro limítrofe. Tudo impunha a
união; em tudo ressaltava a necessidade de aliança em defesa do interesse da
comunidade. (...) Forçado a lutar com o estrangeiro continuamente, durante mais de
cem anos sucessivos, o gaúcho habituou-se, destarte, ao esforço em comum, à
cooperação social, isto é, a agir associando o seu interesse pessoal e particular ao
interesse coletivo e geral.
117
É nesse contexto histórico que a discussão dos assuntos públicos teria se formado e
propagado, radicando-se nas tradições e nos costumes. Em contraste com os sertanejos e os
114
VIANNA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil: história, organização, psicologia. Segundo Volume.
Belo Horizonte: Itatiaia; Niterói: Ed. UFF, 1987. p. 184.
115
Ibidem p. 189.
116
Ibidem p. 187.
117
Ibidem p. 142-143.
70
matutos, os campeadores rio-grandenses teriam muito mais aptidão para organizarem os
poderes públicos e o exercício dos governos. O traquejo nos campos de batalha seria,
portanto, responsável por engendrar a mentalidade cívica entre os habitantes do extremo-sul
do país.
Oliveira Vianna foi, indiscutivelmente, um dos intelectuais brasileiros defensores
do viés político autoritário. Ao enfatizar as escassas relações de vicinagem, de solidariedade e
de cooperação da sociedade brasileira, cujas origens remontam ao modelo de ocupação
econômica e territorial colonial, que proporcionaram a constituição de estabelecimentos
econômicos quase autárquicos, está na realidade criticando o liberalismo político das
oligarquias rurais. Os latifundiários, por deterem nas zonas rurais o monopólio do mercado de
trabalho e o controle clientelístico da população, possuíam também o controle político. Como
o liberalismo seria impossível sem uma sociedade liberal, caberia a um Estado autoritário
criar as condições para a implementação de um regime político liberal.
No que tange à formação social da sociedade campeira gaúcha, o autor ameniza
nitidamente os efeitos do latifúndio, da escravidão e do clã parental sobre a sociabilidade, a
cooperação e o espírito cívico da população. Não se pode, entrementes, supervalorizar essa
minimização. Na essência, a formação latifundiária e de sociedade de clã da região pastoril do
sul é muito assemelhada àquela que caracterizou a da formação luso-brasileira do centro e do
nordeste do Brasil. Nesse contexto, a democracia pastoril, em que se irmanavam patrões e
empregados, tantas vezes cantada em prosa e verso, não passa de um mito ideológico a
serviço da classe proprietária de terras, gado e escravos. O instituto da escravidão,
praticamente olvidado por Vianna, como comprovam inúmeros trabalhos históricos, esteve
presente na Zona Sul da Província de São Pedro. A força de trabalho escravo foi fundamental
não somente nas charqueadas, mas esteve presente também na lavoura comercial e de
subsistência, nos serviços domésticos e na lida do gado.
118
Portanto, é necessário considerar
que na formação social e econômica da pecuária, os caudilhos encontraram espaço ideal para
reforçar seus hábitos de autoridade e de mando. Esse tipo de sociedade inibiu a cooperação, a
especialização no trabalho e o surgimento de associações dos mais diversos fins.
118
Sobre a presença do escravo nas atividades pastoris, ver, entre outros: MAESTRI, Mário. Trabalhadores
escravizados e livres na fazenda pastoril (1860-1888). In: Centro de estudos marxistas. As portas de Tebas:
ensaios de interpretação marxista. Passo Fundo: UPF, 2002. p. 113-147; ZARTH, Paulo Afonso. Do arcaico ao
moderno: o Rio Grande do Sul agrário no século XIX. Ijuí: Ed. Unijuí, 2002.p. 104-123;
71
Posições assemelhadas às de Oliveira Vianna seriam defendidas, em 1927, por
Jorge Salis Goulart. Em “A formação do Rio Grande do Sul”, obra que pelos mitos e pela
ideologia que difundiu muito iria influenciar gerações posteriores de historiadores e de
defensores do movimento nativista gaúcho, Goulart procurou fazer uma análise sociológica da
sociedade rio-grandense. A tese de que o espírito militar do povo gaúcho provocou a
cooperação voluntária (não a forçada imposta pelos chefes guerreiros) é retomada. A
solidariedade do gaúcho, demonstrada quando da marcação e castração de reses, ao saborear
um churrasco, nas longas palestras em torno do fogo de chão e das rodas de chimarrão, nos
bailes, nas corridas de cancha reta e na hospitalidade oferecida ao visitante, teriam feito dele
um ser social despojado do sentimento egoísta e individualista. Além desse espírito
comunitário, o autor também defende a existência de uma democracia pastoril no RS. Na
estância, célula social da sociedade, haveria uma democracia onde patrões e empregados
viviam harmoniosamente, sendo o peão muito mais um amigo do que um subordinado do seu
patrão. Assim, a hospitalidade, a democracia, a sinceridade, a altivez, a alegria, a tolerância
religiosa, a franqueza, a bondade, a honestidade” seriam virtudes locais que, isentas de
pressão exterior, se acumulavam na alma rio-grandense.
119
No que tange à escravidão, o autor defendeu que ela seria pouco numerosa no
Estado e praticamente inexistente na atividade criatória. Além disso, ela contrastaria
significativamente dos rigores da escravidão existente no restante do país. Em outros termos,
teríamos aqui uma “escravidão boa”.
Profundamente generoso, o rio-grandense soube tratar os escravos, como
sabemos, com muito maior brandura do que em outros pontos do Brasil. O cativeiro
aqui não conheceu os horrores das senzalas do Centro e do Norte, em que os
martírios do trabalho do eito, ao mormaço, alternavam com os rigores inquisitoriais
do tronco. O negro, desde logo, formou sociedade com os brancos e tanto ele como
o índio auxiliaram os destemidos fronteiros em todos os seus momentos de luta
tremenda na defesa deste solo.
120
Referindo-se à escravidão no Sul dos Estados Unidos, Tocqueville em 1835 havia
registrado que ela desonrava o trabalho, introduzia o ócio na sociedade e, junto com este, a
119
GOULART, Jorge Salis. A formação do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EST, Martins Livreiro; Caxias do
Sul: UCS, 1978. p. 139.
120
Ibidem p. 77.
72
ignorância e o orgulho, a pobreza e o luxo. Acreditava que o instituto da escravidão debilitava
as forças de inteligência e entorpecia a atividade humana.
121
O professor Dinizar Becker, em um trabalho nitidamente influenciado pelas idéias
de Gramsci, Polany e Schumpeter, teceu duras críticas à utilização do conceito de capital
social. Afirmou que essa categoria de análise é um modismo que está se tornando hegemônico
no início deste terceiro milênio, “como se fosse o re-encantamento do mundo, ou da
modernidade, como preferem alguns.”
122
Complementou asseverando que, nos termos em que
está sendo proposto, o capital social “não passa de mera derivação formal da economia de
mercado e, enquanto tal, é completamente funcional ao processo de globalização
contemporâneo. Sendo assim, nem estaríamos ressuscitando os velhos valores éticos e morais
de nosso passado comunitário e nem muito menos estaríamos redimensionando valores
essenciais à vida humana.”
123
Ou seja, a existência de capital social em uma comunidade ou
região teria se tornado uma particularidade local muito valorizada pela economia de mercado.
O espaço que contaria com esse atributo, poderia contar com um importante elemento de
competição na concorrência dos capitais no mundo globalizado.
1.2 A origem do capital social
Quanto à origem do capital social nas regiões de colonização germânica do Estado,
adotar-se-á a abordagem cultural. A expressão capital social, como anteriormente referido,
tem uma genealogia antiga. E essa categoria conceitual está ainda longe de ter uma definição
que possa ser consensualmente aceita, sendo vista ainda como “algo nebuloso e muito
amplo”,
124
incluindo vários campos e diferentes abordagens teóricas. Uma das disputas em
torno do capital social, como apontado anteriormente, contrapõe a abordagem cultural de
Putnam e seguidores com a de neo-institucionais, como Evens, Fox e Tendler. Na obra de
Putnam, a cultura política e a história particular determinam a existência ou inexistência de
121
Tocqueville, op. cit. p. 39. Uma análise mais acurada dos malefícios provocados pela ocorrência da
escravidão são aprofundados pelo autor no capítulo X da mesma obra.
122
BECKER, Dinizar Firminano. Capital social: uma nova derivação da economia de mercado. In: CORREA,
Silvio Marcus de Souza (Org.). Capital social e desenvolvimento regional. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003.
p. 88.
123
Ibidem p. 89.
124
Baquero, op. cit. p. 45.
73
associativismo horizontal, base do engajamento cívico. Ou seja, Putnam ressalta o
desenvolvimento histórico do capital social, o que redunda num determinismo cultural, o que
não deixa de ser frustrante politicamente para as nações ou regiões que o possuem em
pequena escala.
para a vertente neo-institucionalista, o capital social não seria um atributo
cultural forjado ao longo de gerações, mas poderia ser criado desde que houvesse
organizações suficientemente fortes para incutir nos indivíduos da comunidade ou sociedade
confiança mútua, respeito às normas e decisões, redes de solidariedade e cooperação com o
objetivo de solucionar problemas que exigem engajamento coletivo. Um exemplo ilustrativo
sobre o fomento de capital social patrocinado pelas Nações Unidas nos é dado na Guatemala.
Naquele país da América Central, com o fim dos conflitos internos que por anos devastaram o
país e com a celebração de um acordo de paz, várias experiências exitosas fortaleceram a
governabilidade, o “empoderamento” e a participação da sociedade civil.
125
Para os
defensores desse campo teórico, o Estado tem importância fundamental no potencial de
indução, de mobilização ou de desmobilização das iniciativas coletivas.
126
Seu pressuposto
básico é de que as instituições públicas têm, além do monopólio da coerção, a exclusividade
de mobilização dos recursos sociais.
127
Ou seja, a elevação do índice de capital social
dependeria fundamentalmente do papel desenvolvido pela burocracia estatal. Ela seria
responsável por provocar uma sinergia entre o Estado e a sociedade civil.
Javier Figueras, embora reconhecendo a ausência do Estado em muitas das
formulações teóricas e aplicações práticas do capital social, expressando uma visão que é
hegemônica entre os cepalinos, defende que no combate à pobreza
(...) el Estado deberia ser una de las fuentes esenciales de los recursos necesarios
para impulsar el capital social de los pobres y dar un salto cualitativo hacia el
desarrollo. Como principal proveedor de los bienes públicos, el Estado puede
apoyar competencias educativas y mejorar la salud; acompañar y asesorar
procesos de desarrollo con sus conocimientos técnicos e inversión social;
fortalecer organizaciones mediante la normatividad, dándole el peso de la ley a
las obligaciones y deberes asumidos y posibilitando su complimiento y sanción
125
Ver a respeito: CORLAZZOLI, Juan Pablo. In: Encontro Internacional “La Agenda Etica Pendiente em
América Latina.” 18 e 19 Diciembro de 2003, Montevideo Uruguay. http;//www. Iadb.org/etica em
20/03/2005.
126
Ver a respeito especialmente o capítulo II de JAWDAT, Abu-El-Haj. A mobilização do capital social no
Brasil: o caso da reforma sanitária no Ceará. São Paulo: Annablume, 1999.
127
JAWDAT, Abu-El-Haj. O debate em torno do capital social. BIB – Revista Brasileira de Informação
Bibliográfica em Ciências Sociais. Rio de Janeiro, n. 47, I sem. 1999. p. 71; Lechner, op. cit. p. 122-123.
74
mediante las instituciones policiales y judiciales. Puede, finalmente, crear un
clima de confianza por medio de la transparencia en sus actos y la rendición de
cuentas (accountability).
128
No mesmo sentido, Cruz et al argumentam que, na literatura existente sobre o
capital social, a participação do Estado muitas vezes é olvidada. Na América Latina, o papel
regulador, facilitador e promotor do Estado seria uma força dinâmica que influenciaria de
forma determinante, positiva ou negativamente, nas comunidades, cidades, regiões e nações.
Em muitas localidades, políticas governamentais de segurança pública, de assistência técnica,
de acesso ao crédito, de melhoria de infra-estrutura em estradas, eletrificação, telefonia e
redes hídricas, seriam decisivas para a melhoria das condições sociais e econômicas dos
moradores.
129
Supor que pequenos projetos e algumas ões localizadas, sem contar com o
decidido apoio político de órgãos estatais, sejam suficientes para transformar o conjunto da
economia e da sociedade, é uma tremenda ingenuidade.
A credibilidade nas estâncias judiciárias, o combate à impunidade e a garantia de
segurança pública são todas atribuições do Estado que também influenciam diretamente nos
níveis de capital social. Como afirma Fukuyama, “as pessoas não podem se associar, ser
voluntárias, votar, ou cuidar de si mesmas se elas têm medo ao caminhar pelas ruas.”
130
Quanto ao tempo necessário para a construção de capital social, Durston, ao descrever
a experiência dos camponeses de Chiquimula, na Guatemala, através de um caso concreto,
demonstrou que o princípio teórico de Putnam – de que o desenvolvimento de capital social é
um processo lento e uma tarefa praticamente impossível não é válido. Para Durston, a
combinação de determinados fatores permite a construção de capital social comunitário em
alguns poucos anos. Atualmente, existiriam metodologias e técnicas que permitiriam criá-lo
ao invés de esperar que surgisse como um subproduto de um fenômeno espontâneo.
131
Assim como estudos que analisam como o Estado, através de políticas públicas,
contribui para a criação de capital social, há também uma série de outros estudos que avaliam
o seu uso pelo Estado para obter o “empoderamento” de setores sociais excluídos e para
128
FIGUERAS, Capital social, organizaciones de base y el Estado: recuperando los eslabones perdidos de la
sociabilidad. In: Atria et al, op cit. p. 257.
129
CRUZ, Manuel Ángel Gómes et al. Capital social y pequeños productores de leche en México. In: Atria et al,
op cit. p. 546-47.
130
Fuktyana (1999), op. cit.
131
Durston (1999), op. cit. p. 155-56.
75
aumentar o impacto dos serviços sociais nas comunidades. O trabalho já referido de Tendler é
sugestivo quanto a isso.
As críticas que os neo-institucionalistas fazem a Putnam o que se pode estender
também a Coleman – parecem ser pertinentes. Levando ao extremo o culturalismo, chega-se a
uma espécie de fatalismo que consiste em relegar às comunidades com pouco capital social
um futuro sem perspectivas. Apesar dessas críticas, não se deve, no entanto, deixar de levar
em conta a concepção de associativismo horizontal desenvolvida por Putnam. Ele nessa
característica social um agente facilitador das iniciativas coletivas e do engajamento cívico.
Deve-se também ter precaução contra uma espécie de determinismo às avessas de alguns neo-
institucionalistas, que defendem a primazia do Estado na produção do capital social. que,
sem um efetivo engajamento e a participação da população, a organização social não se
concretiza.
132
Como a categoria conceitual capital social ainda é bastante recente, acredita-se que,
no futuro, essa polêmica em torno da origem do capital social seja superada. Ele tanto pode
ter uma origem remota, em virtude da cultura política e da história particular de uma
determinada sociedade, quanto pode ter uma origem recente. Nesse caso o capital social pode
ser induzido ou acelerado por políticas públicas implementadas pelo Estado ou mesmo por
organizações não-governamentais. O decisivo, o ponto nevrálgico da questão é a existência,
em significativos níveis, de capital social em uma sociedade. Assim sendo, a oposição teórica
entre os culturalistas e os neoinstitucionalistas não é algo irreconciliável e tende a se dissipar
com o passar do tempo.
As tradições cívicas, o capital social e as práticas colaborativas, por si só, não
desencadeiam o progresso econômico. Eles, entretanto, se constituiriam em elementos
importantes para as regiões enfrentarem os desafios e se adaptarem a eles e às oportunidades
da realidade presente e futura. Nos estudos que fez sobre as diferentes regiões do RS,
Bandeira constatou não existir uma relação linear entre capital social e desenvolvimento
regional. Para ele, o capital social favorece o desenvolvimento, porém não é condição
suficiente para que ele ocorra. Outros fatores, entre os quais a estrutura econômica
132
Dias Júnior, op. cit. p. 85.
76
preexistente, as economias de aglomeração, a capacidade de inovação, os recursos naturais e a
localização em relação aos mercados também precisam ser levados em consideração.
Um outro fator que deve ser considerado na produção ou ampliação dos veis de
capital social de uma comunidade é o papel que cumprem as ONGs e as igrejas. Na América
Latina, em particular, vários estudos de caso têm evidenciado a estratégica participação de
integrantes de Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica para a organização e
transformação de setores pobres e oprimidos da sociedade. Estabelece-se, dessa forma, uma
estreita relação entre fé cristã e transformação social. Como atestou Carlos Milani no seu
estudo sobre Pintadas, Bahia, as noções de cidadania e compromisso cívico passam quase
sistematicamente pela relação com a Igreja. Em muitos relatos de experiências é possível
perceber que a Igreja Católica se constitui na parceira principal da disseminação das práticas
de transformação social. Por intermédio dos valores relacionados com a solidariedade e a
cooperação, a chamada “ala progressista” da Igreja Católica estimula a construção do sentido
do comunitário e do coletivo.
133
Por tudo que foi exposto ao longo deste capítulo, é possível afirmar que uma região
rica em capital social pode ter reduzido dinamismo econômico em função de alguns ou vários
de outros fatores não estarem presentes. Pode acontecer, também, de o crescimento
econômico ocorrer onde baixa dotação de capital social, mormente como resultado da
intervenção de atores econômicos que venham de fora da região. Em todo caso, o que parece
ser inegável é o fato de o capital social ser essencial para o desenvolvimento endógeno, que
exige a cooperação permanente entre os atores regionais para criar e manter um ambiente
econômico competitivo.
Destaca com propriedade Maria Celina D’Araujo que o conceito de capital social,
se mal apreendido, superestimado ou focado de maneira messiânica, pode vir a ser
desqualificado. No entanto, se minimamente bem definido e valorizado, pode converter-se em
importante instrumento conceitual e prático para a consolidação de políticas públicas, para o
desenvolvimento sustentado e para a revitalização da sociedade civil e da democracia.
134
Ou
seja, pode ser uma ferramenta útil para ajudar comunidades e governos a resolverem
problemas de certa relevância.
133
Milani, op. cit. p. 6.
134
D’Araujo, op. cit. p. 7.
77
1.3 Capital social como ferramenta de superação de adversidades
O capital social constitui provavelmente uma das inovações mais prometedoras da
teoria social contemporânea. Ele pode ser analisado enquanto atributo de comunidades, de
regiões, de estados e, inclusive, de nações. Mobilizado, ele se torna um dos ativos mais
importantes de qualquer comunidade, especialmente das mais pobres.
De acordo com os especialistas na questão, regiões dotadas de elevados índices de
capital social estariam mais propensas à participação, o que facilitaria a articulação entre os
diferentes atores sociais, fortaleceria a coesão da comunidade, melhoraria a qualidade das
decisões, facilitando o alcance dos objetivos de interesse comum.
135
Nos capítulos que se seguem, será feita uma “escavação arqueológica” do capital
social existente nas chamadas colônias alemãs velhas do RS. Como se verá, a participação em
associações voluntárias que é uma das variáveis freqüentemente utilizadas na aferição de
capital social ali foi significativa. A existência e a participação dos indivíduos em uma
densa rede de associações voluntárias, tais como em igrejas e grupos religiosos; em clubes
esportivos; em sociedades recreativas e clubes sociais; em organizações artísticas, culturais ou
educacionais; em sindicatos e associações profissionais; em partidos políticos; em entidades
filantrópicas; em cooperativas; em clubes de serviço; na maçonaria; na direção de museus e
bibliotecas; na participação em conselhos curadores etc, na literatura sobre o tema tem sido
apontado como um dos principais indicadores da existência e abundância de capital social em
uma determinada região. A vitalidade da sociedade civil, portanto, depende da existência
desses tipos de associações horizontais, nas quais uma ampla participação da população.
Essas redes de organização não são o capital social em si, mas são sua fonte, sua infra-
estrutura. No processo de desenvolvimento das regiões coloniais, a existência dessas
organizações horizontais, que são as preferidas para o capital social na tradição putnamiana,
constituiu um tecido comunitário imprescindível para engendrar entre os imigrantes e seus
135
BANDEIRA, Pedro. Participação, articulação de atores sociais e desenvolvimento regional. In: BECKER,
Dinizar F., BANDEIRA, Pedro (Org.). Determinantes e desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 2000. p. 61
78
descendentes um clima de confiança mútua, para a generalização do sentimento de
cooperação, para o estabelecimento de normas de conduta e de reciprocidade e para elevar-
lhes a autoconfiança e a auto-estima.
Além das associações horizontais, foi importante também nessas regiões a
sociabilidade informal, que inclui uma série de atividades como visitar parentes e amigos,
reunir amigos em casa, realizar mutirões, participar das mais diversas atividades de lazer junto
com outras pessoas etc. Esse intenso convívio social igualmente estimula a confiança no
próximo, a solidariedade e o espírito de cooperação.
De forma idêntica, as diferentes formas e estratégias de cooperação que se
estabeleceram em algumas comunidades, que vão desde a formação de frentes de trabalho
para a derrubada da mata, abertura de clareiras, construção da primeira choupana, abertura de
estradas, até a edificação de escolas, templos e hospitais, serão enfocadas.
O objetivo não é trabalhar com indicadores para a mensuração de capital social,
algo extraordinariamente difícil de ser conseguido no presente, e praticamente impossível de
se levantar para esse período pretérito. Com essa “escavação”, pretende-se identificar e
descortinar algumas práticas de cooperação existentes entre os colonos alemães e seus
descendentes, cujos rastros o tempo em grande parte apagou.
Dessa forma, visa-se, a partir da teoria de capital social exposta por Putnam, ou
seja, da vertente culturalista, analisar o papel que ele desempenhou no processo de
desenvolvimento das antigas áreas coloniais alemãs do RS. Como se verá, o acúmulo de
capital social nessas áreas se lastreou fundamentalmente sobre a comunidade étnica e
religiosa. E as organizações criadas pelos imigrantes e pelos seus descendentes não estavam
necessariamente vinculadas a assuntos políticos. Estavam mais voltadas para os problemas do
dia-a-dia e da própria comunidade do que para grandes debates nacionais e serviram
principalmente para formar uma rede de proteção e conforto a seus membros.
2 A COLONIZAÇÃO ALEMÃ NO RIO GRANDE DO SUL
Como apontou com muita propriedade o antropólogo Emílio Willems, a emigração,
relativamente rara na Europa em épocas anteriores, tornou-se, durante o século XIX e no
início do século XX, cada vez mais comum.
1
Embora tenham sido diversos os motivos que
levaram milhões de pessoas a se evadirem para outros continentes, as conseqüências advindas
do crescimento demográfico, da industrialização, da urbanização e da proletarização pela qual
passavam muitas das nações européias, certamente tiveram papel proeminente.
Particularmente, no que diz respeito aos territórios povoados por populações alemãs,
muitos abandonaram seu lugar de origem devido à pobreza, à fome e ao desemprego, pelo
medo de serem convocados para a guerra, por razões políticas, movidos pelo espírito de
aventura ou pelo acalentado desejo de se tornarem proprietários de terras na América, África
ou Oceania. Dependendo da região, um ou mais desses fatores impeliram à tomada da decisão
de partir.
O historiador inglês, Eric Hobsbawm, estima que somente no período compreendido
entre os anos de 1871 a 1911, 27,6 milhões de pessoas teriam abandonado o Velho
Continente. Na mesma época, pelos portos dos Estados Unidos teriam ingressado 20,5
milhões desses migrantes.
2
Beaujeau-Garnier
3
considera que cerca de 60 milhões de
indivíduos teriam abandonado a Europa entre 1846 e 1932, que foi o período de saída mais
intensa. Segundo o mesmo autor, em torno de 7 milhões de pessoas teriam deixado a
1
WILLEMS, Emílio. A aculturação dos alemães no Brasil: estudo antropológico dos alemães e seus
descendentes no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946. p. 54.
2
HOBSBAWM, Eric J. A era dos impérios 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 273.
3
BEAUJEAU-GARNIER, J. Geografia da população. São Paulo: Nacional, 1980.
80
Alemanha somente no curto espaço de tempo entre 1878 e 1892. De acordo com Hans-Jürgen
Prien,
4
no século XIX teriam emigrado de terras alemãs aproximadamente 10 milhões de
pessoas. Somente para os Estados Unidos, entre 1860 e 1930, teriam emigrado 35 milhões de
pessoas. Os meros da transumância que podem ser apresentados, embora divergentes entre
si, dão uma noção do impacto que a migração causou e do fabuloso negócio que representou.
Antes de emigrar, as famílias se desfaziam dos seus poucos pertences. Vendiam para
parentes ou vizinhos os escassos móveis, os animais domésticos e as ferramentas que não
poderiam levar na viagem. O intuito era o de amealhar algum recurso financeiro para cobrir
parte dos custos de transporte ou para permitir fazer os investimentos iniciais no além-mar.
5
Em seguida, era necessário se deslocar, de carroça, de trem ou de vapor, até uma cidade
portuária, a fim de embarcar em um navio. Ali, não raro, as pessoas ficavam aguardando por
semanas até serem, enfim, embarcadas. Inicialmente, o transporte de passageiros e de cargas
era feito por veleiros, o que tornava as viagens longas, arriscadas e imprevisíveis. O brigue
Henriqueta Sophia, por exemplo, partiu de Hamburgo em 18 de julho de 1847 e aportou em
Rio Grande somente em 20 de setembro do mesmo ano.
6
Gustav Hermann Strobel deixou
registrado que em 1854 o veleiro de três mastros, o “Florentin”, fez o percurso de Hamburgo
até o porto de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, em seis semanas, o que foi
considerada uma travessia relativamente rápida. Mas salienta que, naquela época, quando os
ventos eram desfavoráveis, podia acontecer de um veleiro demorar até três meses.
7
Por essa
mesma época, Joseph Hörmeyer escreveu que a viagem de Jorge, personagem fictício da sua
narrativa, teria durado 54 dias depois de passar a embocadura do rio Elba e aportar no porto
do Rio de Janeiro.
8
Gradualmente, no entanto, os veleiros foram sendo substituídos por
vapores de grandes companhias de navegação, o que tornou o deslocamento ultramarino mais
rápido, seguro e previsível.
A emigração transatlântica em massa corroborou decisivamente para descomprimir, na
Europa, as tensões entre as elites e as classes subalternas. Mas a era da grande emigração foi,
acima de tudo, um grande negócio. Ela abriu oportunidades de ganho para atores diretamente
envolvidos nas atividades relacionadas com o transporte de passageiros e cargas, como
4
PRIEN, Hans-Jürgen. Formação da Igreja Evangélica no Brasil: das comunidades teuto-evangélicas de
imigrantes até a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes,
2001. p. 25.
5
LANG, Guido. Jacob Lang – a história de um imigrante e pioneiro. São Leopoldo: Rotermund, 1992. p. 12.
6
Ibidem p. 19.
7
STROBEL, Gustava Hermann. Relatos de um pioneiro da imigração alemã. Curitiba: Instituto Histórico,
Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1987. p. 23-24.
8
HÖRMEYER, Joseph. O que Jorge conta sobre o Brasil. Rio de Janeiro: Presença, 1966. p. 79.
81
agentes e subagentes da emigração, armadores, contratadores, marinheiros e companhias
navais. Mas, dela tiraram, igualmente, proveito estalajadeiros, taberneiros, vendedores
ambulantes, comerciantes, prostitutas, vigaristas e espertalhões que viviam em cidades
portuárias. O imigrante italiano Paulo Rossato que, em 1883, saiu de Valdagno e dirigiu-se à
colônia imperial de Caxias, em correspondência a seus parentes, afirmou ter gastado muito
em Gênova com alimentação e hospedagem. Foi categórico ao afirmar que ali, caso
pudessem, os especuladores lhe arrancariam até o coração.
9
No Brasil, o governo central, algumas das unidades federadas, alguns municípios e a
iniciativa privada promoveram, durante o século XIX e boa parte do século XX, uma massiva
imigração para o território nacional. A dimensão visível da política imigratória então adotada
diz respeito ao fator econômico. Não se pode, no entanto, desconsiderar ou negligenciar a
dimensão ideológica imbricada nesse processo de transumância. Ela diz respeito ao
preconceito da superioridade da “raça ariana” e do ideal de branqueamento da população
brasileira, presente entre a elite política, econômica e cultural do país.
Desde a época de D. João VI a política imigratória brasileira oscilou entre dois
projetos distintos: um, originado do desejo da casa real e de alguns liberais do Império, que
pugnavam pela instalação de pequenos proprietários rurais nos vazios demográficos do país e,
mais especificamente, na sua porção Meridional, com o fito de sustar a cobiça dos vizinhos
platinos sobre a área; o outro, relacionado com a ambição dos grandes fazendeiros de café,
interessados na manutenção da política agrária calcada na grande propriedade e na agricultura
de exportação. Os cafeicultores objetivavam a imigração em larga escala como forma de
prevenir ou minorar a escassez de força de trabalho no complexo cafeeiro, o que passou a ser
vislumbrado mais concretamente a partir de 1850 com a extinção do tráfico negreiro.
10
Assim, expressiva parcela dos grandes contingentes populacionais de origem étnica
italiana, espanhola, portuguesa, alemã, japonesa e de outras nacionalidades que foi atraída
para o Brasil destinava-se aos trabalhos nas lavouras de café ou à execução de atividades
relacionadas ao complexo agroexportador cafeeiro. A perspectiva de suspensão do tráfico
negreiro e, posteriormente, da abolição da escravidão, estimulou a iniciativa pública e privada
a substituir, gradualmente, o trabalho compulsório pelo do imigrante assalariado. O
9
AZEVEDO, Thales. Italianos e gaúchos; os anos pioneiros da colonização italiana no Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: A Nação/ Instituto Estadual do Livro, 1975. p. 111 et seq.
10
ALVIM, Zuleika Maria Forcione. O Brasil italiano (1880-1920). In. FAUSTO, Bóris (Org.). Fazer a América.
São Paulo: EDUSP, 2000. p. 383-385.
82
historiador Caio Prado Júnior denominou esse processo de "imigração", em oposição ao termo
"colonização", empregado para designar o povoamento dos vazios demográficos do Sul do
Brasil. Aí, os imigrantes europeus foram fixados diretamente à terra, tornando-se pequenos
produtores rurais proprietários dos meios objetivos (terra e ferramentas de trabalho) e
subjetivos (a subsistência) de produção.
11
Parcela minoritária dos imigrados, portanto, foi direcionada para o Brasil Meridional
para que ocorresse o povoamento e a colonização. Nessas áreas, os imigrantes e seus
descendentes desenvolveram explorações agrícolas relativamente independentes da economia
cafeeira, mediante a intensiva utilização da força de trabalho da unidade produtiva familiar.
As primeiras levas de estrangeiros começaram a chegar ao Rio Grande do Sul a partir de
1824. Eram procedentes de diferentes regiões da Alemanha e passaram a ser assentadas em
áreas que tinham sido desprezadas pelo latifúndio,
12
porque impróprias para a criação
extensiva de gado, esteio da economia gaúcha de então. Posteriormente as regiões existentes
no Rio Grande do Sul (RS), em Santa Catarina (SC) e no Paraná (PR) em que predominava a
selva, além da população de origem germânica, recebeu também imigrantes de origem
italiana, polonesa, judaica e de outras nacionalidades.
Consoante Aldair Marli Lando e Eliane Cruxên Barros, a colonização estrangeira
somente alcançou êxito no Sul do Brasil porque os grandes proprietários de terras desses
estados não desenvolviam culturas de latifúndio, mas se dedicavam à criação de gado. Assim,
os colonos puderam passar a produzir gêneros necessários ao consumo interno sem que
concorressem com a produção do latifúndio e sem representar uma ameaça à hegemonia
política e econômica dos grandes fazendeiros.
13
Não obstante as discrepâncias estatísticas existentes, a professora Marionilde Brephol
de Magalhães aponta que o número de imigrantes de origem alemã que veio ao Brasil é
muitíssimo inferior ao do que teve por endereço a América do Norte. Entre 1820 e 1910, por
exemplo, estima que apenas 119,3 mil dos que emigraram da Alemanha dirigiram-se ao
Brasil, contra 5.260,2 mil que optaram pelos Estados Unidos.
14
Durante o século XIX, a
11
PRADO JR. Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 189.
12
SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo: Nacional, 1968, p. 156.
13
LANDO, Aldair Marli, BARROS, Eliane Cruxên. A colonização alemã no Rio Grande do Sul, uma
interpretação sociológica. Porto Alegre: Movimento, Instituto Estadual do Livro, 1976. p. 20.
14
MAGALHÃES, Marionilde Dias Brephol de. Velhos e novos nacionalismos: Heimat, Vaterland, Gastaland.
História: Questões & Debates - Publicação semestral da Associação Paranaense de História, Curiritba, n. 18/19,
p.76-112, jan.dez.1989.
83
migração espontânea entre a Alemanha e o Brasil era quase inconcebível. Afora outras
diferenças e considerações, o preço da travessia do Oceano Atlântico era então duas vezes
mais elevado que para os Estados Unidos.
15
Assim sendo, somente uma imigração subsidiada
poderia ter algum êxito.
Léo Waibel registrou que essa foi exatamente a grande diferença da imigração
ocorrida no Brasil quando comparada com a dos Estados Unidos. Aqui, desde o princípio, a
colonização foi sempre “organizada, planejada, subvencionada e dirigida por alguém: pelo
governo central, das províncias ou estados, e dos municípios, companhias particulares ou
proprietários de terras individualmente.”
16
Do total de imigrantes que entraram no Brasil, os alemães representariam tão-somente
6% dos chegados ao país. O historiador René Gertz, amparado em dados coligidos por
Carneiro, defende que entre 1820 e 1939 teriam ingressado 233.382 estrangeiros de língua
alemã no território nacional. Nesse mesmo período, os imigrantes italianos somariam
1.507.581; os portugueses, 1.428.032; os espanhóis, 596.961; e os japoneses, 182.799.
17
O
geógrafo francês Jean Roche calcula que em torno de 66 mil imigrantes alemães teriam se
radicado no Rio Grande do Sul entre 1824 e 1939.
18
Se fossem tomados outros autores, os
números, em termos absolutos, tendem a se alterar um pouco. As discrepâncias originam-se
da inexistência de estatísticas confiáveis produzidas, à época, pelo governo central brasileiro e
pelos administradores das províncias e depois dos estados federados. Mas, no que tange aos
números em termos relativos, uma convergência sobre o percentual dos diferentes grupos
étnicos que ingressaram no Brasil.
O contingente numérico de alemães, quando comparado com o de outros grupos
étnicos de imigrantes, era minoritário no Brasil e nos estados do Sul. Em meados da década
de 1930, nos dois estados em que se concentrava o maior reduto de teuto-brasileiros,
encontrar-se-iam, conforme Gertz, os seguintes números: cerca de 600 mil no Rio Grande do
Sul, para uma população total de 3.100.000, ou seja, 19,35% dos habitantes;
aproximadamente 220 mil em Santa Catarina, para uma população estimada em cerca de 1
milhão, ou seja, 22% do total.
19
Mesmo sendo numericamente minoritária, a população de
ascendência alemã ganhou visibilidade e notoriedade no cenário nacional. Isso se deu em
15
ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969. p. 93.
16
WAIBEL, Leo. Capítulos de Geografia tropical e do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1979. p. 233.
17
GERTZ, René E. O fascismo no sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. p. 15.
18
Roche, op. cit. p. 121 e 134.
19
Gertz, op. cit. p. 20.
84
virtude da concentração demográfica que atingiu em determinados espaços rurais e urbanos e
em função das intensas e expressivas manifestações de germanidade que ocorriam nesses
territórios.
no final do século XIX, havia quase duzentas "colônias alemãs" no Brasil
Meridional. No RS, localizavam-se principalmente em algumas regiões como os vales dos
rios Sinos, Jacuí, Taquari e Caí e no Alto Uruguai; em Santa Catarina, o vale do Itajaí e na
região noroeste do Estado; no Paraná, na região de Ponta Grossa e adjacências. Nas primeiras
décadas do século XX, descendentes e novos imigrantes estabeleceram colônias nas frentes
pioneiras do planalto catarinense e paranaense.
20
Nessas áreas coloniais, o idioma alemão era
utilizado cotidianamente pela população; nas escolas comunitárias, as crianças eram
alfabetizadas na língua dos seus antepassados; liam-se jornais, almanaques, livros de literatura
e material religioso no vernáculo; preservavam-se algumas manifestações culturais trazidas da
Europa e adaptadas à realidade local através das inúmeras sociedades (Vereine) que, de
acordo com suas finalidades, possuíam caráter cultural ou desportivo-recreativo.
Neiva Shäffer, amparada na análise de censos demográficos, constatou que, em 1940,
393.934 pessoas (mais de dez por cento da população gaúcha) falavam alemão em casa. Desse
total, pouco mais de 15 mil eram naturais da Alemanha, sendo os restantes nascidos em
território brasileiro. O recenseamento realizado em 1950, portanto logo após a campanha de
nacionalização, detectou que no Brasil 551.951 indivíduos falavam o alemão em casa. O
alemão era, então, a língua mais falada no país, depois do português. No RS, o mesmo censo
contabilizou 344.415 indivíduos com cinco anos e mais que falavam em família a língua
alemã. Para fins de comparação, na mesma época, 190.376 pessoas falavam o italiano no
Estado.
21
Esses números são indicativos da existência de um esforço para a preservação e
divulgação do idioma alemão.
20
SEYFERT, Giralda. Os alemães no Brasil: Uma síntese.
http://www.comciencia.br/reportagens/migra%E7%F5es/migr18.htm. em 16 nov. 2002.
21
SCHÄFFER, Neiva Otero. Os alemães no Rio Grande do Sul: dos números iniciais aos censos demográficos.
In: MAUCH, Cláudia, VASCONCELLOS, Naira. Os alemães no sul do Brasil: cultura, etnicidade e história.
Canoas: ULBRA, 1994. p. 172-173.
85
2.1 As fases da colonização no RS
A colonização no RS foi orientada e regulamentada pelos governos central e estadual,
mesmo quando teve por iniciativa a empresa particular. Jean Roche classifica em quatro os
períodos de colonização germânica em solo gaúcho. Dois deles se dariam à época do Império
brasileiro, e dois, durante a República.
2.1.1 Primeira fase (1824-1847)
O primeiro período inicia-se dois anos após a autonomia política e administrativa do
país em relação a Portugal, coincidindo com a época em que o Brasil buscava o
reconhecimento oficial de sua independência. Principiou sob o patrocínio da Coroa e
começou em terras onde funcionava a Imperial Feitoria do Linho Cânhamo, até então
explorada, e sem sucesso, com a força de trabalho escrava.
22
Os imigrantes eram recrutados
na Europa pelo agenciador oficial do governo brasileiro, o oficial alemão major Jorge Antônio
von Schaeffer, o mesmo que havia recrutado sigilosamente soldados voluntários para a
formação, em 1823, de batalhões de estrangeiros para o exército do Brasil.
23
O padre jesuíta Balduíno Rambo frisou, e com muita propriedade, que os imigrantes
alemães, como depois os italianos e poloneses, não vieram na condição de foragidos ou
pedintes, mas a convite insistente do governo brasileiro.
24
Os primeiros imigrantes zarparam
em um veleiro do porto de Hamburgo em março de 1824, chegando ao seu local de destino, às
22
A Real Feitoria do Linho Cânhamo foi criada, por ordem do governo português, em 1783, no Rincão do
Cangussu, em terras que confrontavam com a Laguna dos Patos e o rio conhecido por Feitoria. Tinha por
objetivo o plantio e a industrialização daquela fibra muito empregada na cordoalha de navios. Tendo as
autoridades chegado à conclusão que a terra não se prestava para o cultivo do cânhamo, a Feitoria foi extinta,
tendo a propriedade revertido ao seu antigo sesmeiro no final de 1790. Dois anos antes, iniciara-se a mudança da
Real Feitoria do Rincão do Cangussu para o Faxinal do Courita. Mas mesmo no vale do rio dos Sinos, os
resultados alcançados foram pífios, acarretando em grandes despesas para a Fazenda Pública. Por Decreto de 31
de março de 1824 foi finalmente extinta a Feitoria do Linho Cânhamo e em seu lugar criada a Colônia Alemã da
Feitoria, logo transformada em Colônia Alemã de São Leopoldo. Cfe, PORTO, Aurélio. O trabalho alemão no
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. Graf. S. Terezinha, 1934. p. 12-38.
23
Schaeffer teria engajado 1.838 legionários para a assim denominada “milícia dos escravos brancos”. Cfe.
Centro Cultural 25 de Julho. História da colonização allemã no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Rotermund,
1936. p. 8.
24
RAMBO, Balduíno. A imigração alemão. In: Enciclopédia Rio-Grandense. V. 1. Porto Alegre: Livraria Sulina
Editora, 1968. p. 79.
86
margens do rio dos Sinos, em 25 de julho daquele mesmo ano.
25
As viagens transatlânticas
conduzindo os imigrantes saíam de Hamburgo e de Bremen e faziam escala no porto do Rio
de Janeiro. Dali, em embarcações de cabotagem que costeavam o litoral brasileiro, os futuros
colonos eram transportados até o porto do Rio Grande ou de Porto Alegre. Entre 1824 e 1828,
Schaeffer teria organizado vinte expedições de navios fretados que conduziram cerca de 4.500
soldados e colonos ao Brasil.
26
Schaeffer encontrou dificuldades no reino da Prússia (especialmente em Hamburgo e
nas redondezas) para agenciar futuros colonos para o Rio Grande do Sul. Por isso teria
recrutado alguns candidatos dentro de casas de mendicância e de correção de Hamburgo e
Mecklemburgo, elementos que depois se mostrariam impróprios para o trabalho na
agricultura.
27
Em Hamburgo, além de precisar hospedar e alimentar os candidatos dispostos a
emigrar, passou a prometer aos interessados, em contrapartida da inalienabilidade de suas
terras por um período de dez anos, exatamente as mesmas vantagens que haviam sido
concedidas aos colonos suíços assentados anteriormente (1819) em Nova Friburgo, Rio de
Janeiro, ou seja:
a) passagem paga à custa do governo imperial;
b) concessão gratuita de um lote de terras de 400 braças, em quadro, ou 160.000
de superfície;
c) subsídio diário de 1 franco, ou 160 réis, a cada colono no primeiro ano, e
metade no segundo;
d) caberia a cada família, na proporção do número de pessoas, certa quantidade
de bois, cavalos etc.
E ainda:
a) concessão imediata da qualidade de cidadão brasileiro;
b) inteira liberdade de culto;
c) isenção de dez anos no pagamento de direitos.
28
Dentre as promessas feitas, a que garantia liberdade de culto feria completamente o
artigo quinto da Carta Magna de 1824;
29
a concessão de cidadania contrariava o sexto
25
Verband Deutscher Vereine. Cem anos de germanidade no Rio Grande do Sul 1824-1924. Tradução de
Arthur Blasio Rambo. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 1999. p. 62.
26
OBERACKER JR., Carlos H. Jorge Antônio von Schaeffer, criador da primeira corrente imigratória para o
Brasil.Porto Alegre: Metrópole/ Instituto Estadual do Livro, 1975. p. 28.
27
SCHRÖDER, Ferdinand. A imigração alemã para o sul do Brasil a1859. São Leopoldo: Ed. UNISINOS;
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. p. 48 et seq. De acordo com Hunsche, nos anos 1824/25 teriam sido deportados
para o Brasil 348 delinqüentes. Desses, 321 reclusos provinham de prisões do Grão-Ducado de Mecklemburgo e
27 apenados eram da cidade de Hamburgo. HUNSCHE, Carlos H. O biênio 18244/25 da imigração e
colonização alemã no Rio Grande do Sul (Província de São Pedro). Porto Alegre: A Nação/ Instituto Estadual
do Livro, 1975. p. 30.
28
Porto, op. cit. p. 38.
29
Este dispositivo constitucional previa: “A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do
Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso
87
dispositivo da constituição do Império do Brasil e a isenção de pagamento de impostos
também era inconstitucional. As demais promessas de auxílio econômico nem sempre foram
cumpridas. Em dezembro de 1824, por exemplo, ainda não estavam localizados os colonos
chegados em julho e em novembro daquele ano a São Leopoldo.
30
Posteriormente, as
precárias e imprecisas medições dos lotes de terras distribuídos geraram protestos e litígios
que se arrastaram por décadas.
31
Mesmo os subsídios pecuniários e os auxílios em
instrumentos agrícolas e animais domésticos contratados nem sempre foram devidamente
repassados pela Fazenda Pública do Império, o que deixou muitos colonos na penúria durante
os tempos iniciais. Carl Seidler, um contemporâneo da época, afirmou que “mal haviam
decorrido dois a três anos desde a fundação desta colônia, começou-se sob toda a espécie de
desculpas, a denegar o gado, e os pagamentos só se faziam impontuais e incompletos.”
32
Quando em 15 de dezembro de 1830, por lei imperial, ficou proibida qualquer despesa
com colonização, inclusive as dívidas retroativas, devia o governo central, só de subsídio aos
colonos, mais de sessenta contos de réis.
33
A Lei de Orçamento causou enormes dificuldades
principalmente aos colonos que haviam se estabelecido nos dois anos anteriores e aos
comerciantes que os haviam suprido. Não foram, portanto, por acaso as reações que esses dois
setores provocaram na Colônia. Segundo Roche, restou então uma única oportunidade de
sobreviver para os que haviam há pouco chegado: a solidariedade étnica.
34
Várias foram as levas de entrada de colonos na Província de São Pedro entre 1824 e
1830.
35
Para as colônias da Província também foram mandados muitos ex-praças que tiveram
encerrado o tempo de seu engajamento ou que tinham se tornado incapazes para o serviço
militar.
36
Entre os primeiros imigrantes predominaram os prussianos. O maior êxito da
propaganda feita por Schaeffer, em todo caso, posteriormente encontrou ressonância nas
regiões renanas, sobretudo em Mosela, no Eifel e, principalmente, no Hunsrück.
37
Quando,
destinadas, sem forma alguma exterior de templo.” Constituição política do Império do Brasil de 25 de março de
1824. In: Constituições do Brasil. Vol. 1. Organização e revisão de Carlos Eduardo Barreto. São Paulo: Saraiva,
1971.
30
Porto, op. cit. p. 50.
31
Sobre a questão de terras nos primeiros anos da Colônia São Leopoldo ver o capítulo segundo (p. 51-98) de
TRAMONTINI, Marcos Justo. A organização social dos imigrantes: a Colônia de São Leopoldo na fase pioneira
(1830-1850). São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2000.
32
SEIDLER, Carl. Dez anos no Brasil. Trad. e notas de Bertoldo Kingler. São Paulo: Martins; Brasília: INL,
1976. p. 107.
33
Porto, op. cit. p. 105.
34
Roche, op. cit. p. 99.
35
Somente no biênio 1824-25, Hunsche contabilizou 11 levas de imigrantes alemães entrados na Colônia Alemã
de São Leopoldo, totalizando 1.027 pessoas. Hunsche, op. cit. p. 62-100.
36
Seidler, op cit. p. 105.
37
Oberacker Jr., op. cit. p. 70.
88
por força do artigo quarto da Lei de Orçamento, de 15 de dezembro de 1830,
38
foram
suprimidos todos os créditos para a imigração estrangeira no país, haviam ingressado no
território gaúcho, conforme Ernesto Pellanda, 5.350 imigrantes.
39
Quando a elite política brasileira, através da mencionada Lei de Orçamento, pôs termo
à política colonizatória que vinha sendo desenvolvida por Dom Pedro I e, mesmo
anteriormente, por seu pai, Dom João VI, infligiu uma pesada derrota ao Imperador. Esse fato
teria, inclusive, influenciado decisivamente na abdicação de Dom Pedro, que ocorreu pouco
depois, a 7 de abril de 1831. Os grandes proprietários de terra do país, que se tornaram mais
influentes politicamente após a emancipação do Brasil de Portugal, acusavam a obra da
colonização como sendo exageradamente dispendiosa para o erário público. Consideravam-na
ainda sem interesse para os brasileiros e como uma aquiescência à campanha e à pressão
desenvolvidas pela Inglaterra para a supressão do tráfico negreiro no Atlântico Sul.
40
Posteriormente, a instabilidade política e a crise econômica originada com a
deflagração da Revolução Farroupilha (1835-1845) constituíram-se também em fatores que
inibiram o ingresso de estrangeiros na Província. A refrega interna impossibilitou que
medidas práticas fossem postas em ação para atender aos novos dispositivos legais. A lei nº.
16, baixada pela Regência Permanente do Brasil, em 12 de agosto de 1834, fez alterações e
adições à Constituição Política do Império, passando a atribuir também às Assembléias
Legislativas Provinciais a competência do estabelecimento de colônias.
38
“Art. 4º. Fica abolida em todas as Províncias do Império a despesa com a colonização estrangeira.”. Lei de 15
de dezembro de 1830 Orça a receita e fixa a despesa para o ano financeiro de 1831–1832. IOTTI, Luiza Horn
(Org.). Imigração e colonização: legislação de 1747 a 1915. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Estado do
RS; Caxias do Sul: EDUCS, 2001. p. 89.
39
Tabela 1: Estatística geral da imigração no Rio Grande do Sul (1824-1830).
ANO ALEMÃES OUTROS
1824 198 -
1825 1.331 -
1826 828 -
1827 1.088 -
1828 99 -
1829 1.639 -
1830 117 -
TOTAL 5.350 -
Fonte:: PELLANDA, Ernesto. A colonização germânica no Rio Grande do Sul 1824/1924. Porto Alegre:
Repartição de Estatística; Livraria do Globo, 1925. p. 24-25.
40
LAZZARI, Beatriz Maria. Imigração e ideologia; reação do parlamento brasileiro à política de colonização e
imigração (1850-1875). Porto Alegre: ESTSLB; Caxias do Sul: UCS, 1980. p. 33; MACHADO, Paulo Pinheiro.
A política de colonização no Império. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1999. p. 21.
89
Ao irromper a Revolução, a colonização alemã já se estendia em direção Norte pelas
linhas Dois Irmãos (Baumschneis), Bom Jardim (Berghanerschneis), Quarenta e Oito e São
José do Hortêncio (Portugieserschneis), ocupadas então tão-somente na sua porção anterior.
Ainda na vigência do conflito, passou a ser ocupada a Linha Nova e a Picada Feijão
(Bohnental).
41
Em 1824, por iniciativa do presidente da Província, José Feliciano Fernandes Pinheiro,
procurou-se repovoar, desta feita com colonos alemães, o antigo povoado de São João, um
dos que compunham, na primeira metade do século XVIII, os Sete Povos das Missões. Para lá
teriam sido dirigidos principalmente os “imorais” e indesejados em São Leopoldo. A Colônia
de São João foi um rotundo fracasso. Isolados, e se deparando com uma série de obstáculos,
em pouco tempo os colonos ficaram reduzidos à miséria. Acabaram se dispersando para
vários rumos, sendo os últimos recolhidos para São Borja.
42
Sorte um pouco melhor tiveram os imigrantes germânicos dos dois núcleos coloniais
estabelecidos, em 1826, em Torres. Tomados de São Leopoldo, os colonos católicos foram
assentados em São Pedro de Alcântara, enquanto os protestantes foram instalados no vale do
rio Três Forquilhas. Em 1830, os dois grupos totalizavam apenas 401 habitantes e em torno de
900, em 1859. A ausência de vias de comunicação para o escoamento da produção obtida e
para a realização do intercâmbio comercial explica, em boa medida, a letargia em que caíram
esses dois pequenos núcleos coloniais que vegetaram num sistema de quase absoluta
subsistência. Para Roche, eles não teriam fornecido “contribuição alguma ao desenvolvimento
posterior do Rio Grande do Sul. Seus habitantes, ainda hoje, são muito mais pobres que todos
os outros colonos rio-grandenses de origem alemã.”
43
Foi sobretudo graças à sua pequena distância em relação a Porto Alegre que a Colônia
de São Leopoldo conseguiu prosperar. A capital era o escoadouro natural da produção
agrícola obtida na colônia. Descreve Seidler que “tudo quanto a colônia produz e sobeja do
consumo local é levado a Porto Alegre, onde nunca faltam compradores que pagam
razoavelmente bem os produtos da colônia de S. Leopoldo.”
44
Da cidade, por outro lado,
procedia a maioria dos bens não produzidos no empreendimento agrícola. Assim,
41
PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. Contribuição para a história de Nova Petrópolis – Colonização e
evolução da Colônia. Caxias do Sul: EDUCS, 1989. p. 53.
42
TRUDA, Leonardo F. A colonisação allemã no Rio Grande do Sul. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Typographia do Centro, Ano X, I semestre 1930.
43
Roche, op. cit. p. 99.
44
Seidler, op. Cit. p. 110.
90
comparativamente com São João das Missões, Três Forquilhas e São Pedro de Alcântara, São
Leopoldo tinha uma localização privilegiada. A curta distância e o aproveitamento da
navegação fluvial pelo rio dos Sinos e pelo rio Guaíba possibilitavam um intercâmbio
comercial com fretes a custos relativamente reduzidos.
Em 1834, ao visitar São Leopoldo, o francês Arsène Isabelle pensou estar na
Alemanha. Admirou-se ao ver, quase sob o trópico, uma população de regiões polares
conservando seus hábitos, costumes e a vida ativa. Ficou impressionado com o contraste da
colônia alemã, onde as atividades desenvolvidas pelos agricultores e artesãos rivalizavam no
desejo de prosperidade, “com o abandono absoluto que os brasileiros deixam suas terras, o
mau estado de suas estradas, suas choupanas estragadas, enfim esta falta de atividade, esse
espírito de desperdício e de destruição que os caracteriza tão bem quanto os argentinos”.
45
Poucos anos depois, Nicolau Dreys lamentava que a guerra civil
46
tivesse dividido
politicamente os habitantes da colônia e parado os destinos próximos da sua economia.
47
Em
1845, o belga A. Baguet destacou que São Leopoldo era uma dessas raras colônias do Brasil
que, organizando-se por si mesmas, alcançaram um alto nível de prosperidade. Ela teria
contribuído decisivamente para o progresso da agricultura na província.
48
Jorge, o mencionado narrador e aventureiro fictício de Hörmeyer, teria visitado a
localidade no final da década de 1850. Sobre o desenvolvimento do meio rural de São
Leopoldo, afirmou que os colonos deviam seu bem-estar à cultura do milho, do feijão preto,
da mandioca e do tabaco. “Esses produtos lhes são comprados, no Norte, até da Bahia e de
Pernambuco e, no Sul, até de Montevidéu e Buenos Aires. Porque os plantadores de cana-de-
açúcar e de café do Norte, bem como os criadores de gado do Sul cultivam esses gêneros
para o consumo local, ao passo que as populações precisam importar para satisfazer suas
necessidades.” Sobre a vila contou que:
Conta umas duzentas casas; em cada casa uma oficina. São muito comuns os
curtidores, que fabricam selas para todo o Sul do Brasil e para a República
Argentina. Vêm depois os seleiros e os lavrantes, isto é, os que ornamentam os
lombilhos com arabescos ou antes, os gravavam por meio de matrizes e martelo.
Há também prensas que fazem esses trabalhos.
45
ISABELLE, Arsène. Viagem ao Rio Grande do Suil (1833-1834). Porto Alegre: Martins Livreiro, 1983. p. 72.
46
Trata-se da Revolução Farroupilha que convulsionou o Rio Grande do Sul entre 1835 e 1845.
47
DREYS, Nicolau. Notícia descritiva da província do Rio Grande de S. Pedro do Sul. Porto Alegre: Nova
Dimensão/EDIPUCRS, 1990. p.87.
48
BAGUET, A. Viagem ao Rio Grande do Sul. Santa Cruz do Sul: EDUNISC; Florianópolis, Paraula, 1997. p.
34-35.
91
Depois há também engenhos para cana-de-açúcar, destilarias, fábricas de chapéu,
cervejarias, fábricas de cola, enfim, indústrias de toda a espécie (...).
49
Joseph Hörmeyer, num outro verdadeiro guia elaborado para emigrantes alemães com
destino à província de São Pedro do Rio Grande do Sul, escreveu, em 1853, que na cidade de
Porto Alegre viviam dois mil alemães.
50
Percorrendo a província em 1858, o médico Robert
Avé-Lallemant observou que na capital, “a cada momento se um alemão transitando, a
cada momento se um nome alemão sobre as portas das casas e se ouve falar a rude língua
alemã do Holstein e do dialeto pomerano até ao bávaro renano.” Estimou haver uns três mil
teutos em Porto Alegre, ao passo que toda a cidade não tinha mais de 20 mil habitantes.
51
Magda Gans considerou exageradas as cifras de alemães residentes em Porto Alegre
indicadas por Hörmeyer e Avé-Lallemant. Fundamentando-se em um recenseamento
realizado no ano de 1856 pelo Chefe de Polícia, estimou haver, então, em torno de 1.260
teutos na capital.
52
Esse núcleo, que seria engrossado consideravelmente nos decênios
seguintes, desenvolveu-se discreta e espontaneamente, não fazendo parte de um projeto
articulado do governo imperial ou provincial. A partir de um banco de dados montado pela
autora para o intervalo de tempo compreendido entre os anos 1850/1890, evidenciou que
67,2% dos teutos que residiam na capital provinham diretamente da Europa; 12,4% eram
oriundos das colônias instaladas na província ou por elas tiveram passagem; 10,3% haviam
nascido na própria cidade enquanto os demais 10% seriam provenientes de outros lugares do
Brasil ou da América Latina.
53
No que diz respeito à diferenciação social, através do cadastro que elaborou no
decorrer da sua pesquisa, apurou que 6,5 por cento dos teutos porto-alegrenses se incluiriam
no nível socioeconômico baixo ou popular; 74,9 por cento se enquadrariam no nível médio; e
18,5 por cento, no nível alto ou afortunado.
54
Pela sua base de dados, também apurou que,
49
Hörmeyer, op. cit. p. 167-168.
50
HÖRMEYER, Joseph. O Rio Grande do Sul de 1850: descrição da Província do Rio Grande do Sul no Brasil
Meridional. Porto Alegre: Luzzatto/EDUNI-SUL, 1986. p. 22. Em obra posterior, “O que Jorge conta sobre o
Brasil”, que veio à luz na Alemanha em 1863, escreveu que três quartos dos alemães de Porto Alegre procediam
da antiga colônia de São Leopoldo. Acrescentou ainda que já havia notado em outras cidades meridionais grande
número de alemães. Mas a capital da Província pareceu-lhe uma cidade inteiramente alemã. “Todas as lojas,
todas as oficinas pareciam ser de alemães, todas as estalagens, todas as vendas tinham nomes alemães e o cabelo
louro parecia predominar.” Cfe. Hörmeyer (1966), op. cit. p. 166-167.
51
AVÉ-LALLEMENT, Robert. Viagem pela província do Rio Grande do Sul. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São
Paulo: EDUSP, 1980. p. 111
52
GANS, Magda Roswita. Presença teuta em Porto Alegre no século XIX (1850-1889). Porto Alegre: Editora da
UFRGS/ANPUH/RS, 2004. p. 24
53
Ibidem p. 25-26.
54
Ibidem p. 29.
92
quanto à estrutura ocupacional e inserção no mercado de trabalho, 36,9 por cento atuavam em
ofícios (madeira, metalurgia, couro, vestuário, alimentação, construção, ourivesaria e outros);
28,3 por cento atuavam no comércio (importação, alimentos, vestuário, ourivesaria, móveis,
exportação e outras atividades comerciais não discriminadas); 28,2 por cento atuavam na
prestação de serviços (ensino, técnicos, gastronomia, empregados, trabalhadores, tipógrafos,
lazer, hotelaria, transporte, imprensa, cargos militares e outros); 4,5 por cento atuavam no
setor de transformação (de alimentos e de tabaco); 1,6 por cento possuíam empreendimentos
(seguradoras, transportes e outras); e 0,5 por cento dedicavam-se a outras atividades.
55
Figura 1: Mapa da área inicial da colonização alemã no Rio Grande do Sul.
Fonte: Verband Deutscher Vereine, op. Cit. p. 65
55
Ibidem p. 73-75.
93
Assim, além de atuarem no meio rural e nos emergentes povoados das áreas
eminentemente coloniais, os imigrantes alemães e seus descendentes também se
estabeleceram em cidades. E, embora a historiografia normalmente lhes atribua o papel de
comerciantes, eles constituíram um segmento médio bastante diversificado e numericamente
importante em algumas dessas cidades.
A imigração alemã para a província de São Pedro que, como apontado acima, havia
praticamente sido interrompida em 1830, somente foi retomada no final da Revolução
Farroupilha. A partir de então, paralelamente à imigração por conta do governo imperial,
ocorreu também a imigração particular. Em 1844, entraram 66 imigrantes de origem
germânica na Província. Em 1845, foram 87; em 1846, 1.515 e 691, em 1.847. Assim, nessa
primeira fase, temos, de acordo com Pellanda, a entrada total de 8.045 imigrantes no Rio
Grande do Sul.
56
O crescimento vegetativo da população, aliado ao tamanho dos lotes
coloniais que eram, em média, de 77 hectares, fez com que a área colonial se expandisse.
Crescendo em número novos imigrantes e famílias numerosas a colonização se expraiou
pelas terras banhadas pelos rios dos Sinos e Caí, avançando em direção principalmente do
Norte, aos contrafortes da Serra do Mar, chegando em 1854 até Nova Petrópolis. Mas, São
Leopoldo e Novo Hamburgo permaneceram sendo o centro da colonização.
Graças ao desenvolvimento socioeconômico alcançado, em 01 de abril de 1846,
através da Lei Provincial nº. 4, a Capela Curada de São Leopoldo foi elevada à categoria de
Vila. A primeira Câmara Municipal foi solenemente instalada em 24 de julho daquele mesmo
ano. Através da Lei nº. 563, de 12 de abril de 1864, o governo provincial elevou São
Leopoldo à condição de cidade. Possuía então o município cerca de 14 mil habitantes.
57
Em 1846, o comerciante Tristão José Monteiro adquiriu uma porção de terras situadas
a Leste de São Leopoldo, entre os rios Santa Maria e Rolante, dando origem à primeira
colônia privada do Rio Grande do Sul: a Colônia de Mundo Novo. Vendeu parcelas para
novos imigrantes chegados da Europa e para brasileiros descendentes dos primeiros
imigrantes estabelecidos nas colônias mais antigas. Esses, o conseguindo obter
propriedades nas localidades de seus pais, foram procurar novas paragens. Posteriormente,
56
Pellanda, op. cit. p. 24.
57
Porto, op. cit. p. 145-175
94
essa Colônia deu origem ao município de Taquara.
58
Em 1866, Mundo Novo contava com
259 famílias, das quais 196 protestantes, 53 católicas e 10 mistas.
59
Ainda em 1846, incentivada pelo Governo Imperial, surgiu a Colônia de Feliz, entre o
rio Caí e o arroio Forromeco.
60
Em 1853, Feliz já contava com 80 a 90 famílias, a maioria
composta por imigrantes novos oriundos da Renânia.
61
Figura 2: Colônias alemãs fundadas no vale do rio dos Sinos em meados do século XIX
Fonte: Verband Deutscher Vereine, op. cit. p. 109.
A Oeste de Mundo Novo apareceria, em 1850, a colônia Padre Eterno, de propriedade
do barão do Jacuí. Na mesma época, foram criadas Leonerhof e Blauth que, posteriormente,
58
Schröder, op. cit. p. 102.
59
Relatório da administração central das colônias da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul apresentado ao
Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Francisco Ignácio Marcondes Homem de Mello, digníssimo presidente da mesma
província, pelo agente intérprete da colonização Carlos Koseritz, 1867. p. 10.
60
Piccolo, op. cit. p. 54.
61
Verband Deutscher Verein, op. cit. p. 82.
95
deram origem a Sapiranga. A primeira era um empreendimento da família Leão enquanto que
a segunda um projeto da família Blauth.
62
A observação da FIGURA 2 uma noção melhor das colônias privadas surgidas no
vale do rio dos Sinos no período.
Santa Maria da Boca do Monte foi a única colônia alemã estabelecida
espontaneamente no período. Os primeiros colonos que foram residir foram alguns oficiais
e soldados que faziam parte dos batalhões de mercenários de D. Pedro I. A partir de 1827,
também algumas famílias migraram de São Leopoldo para Santa Maria. Em 1858, moravam
mais de 32 famílias de origem alemã na localidade.
63
2.1.2 Segunda fase (1848 – 1874)
Esta fase se caracterizou pelas iniciativas tomadas pelo governo imperial, sediado no
Rio de Janeiro, no passe de responsabilidades às províncias, no que concerne à colonização.
Também no período houve o surgimento de um aparato legal que regrou o acesso à terra no
país.
Uma norma que promoveu iniciativas importantes, no que tange à colonização, foi a
Lei nº. 514, de 28 de outubro de 1848, que fixou as despesas e orçou as receitas do Brasil para
o exercício de 1849-1850 e delegou às províncias maior participação no processo de
povoamento do país. Ela previu, no seu artigo 16 das disposições gerais, que o Império
cederia a cada uma das províncias seis léguas quadradas de terras devolutas para fins de
colonização:
A cada uma das Províncias do Império ficam cedidas no mesmo, ou em
diferentes lugares de seu território, seis léguas em quadra de terras devolutas, as
quais serão exclusivamente destinadas à colonização e não poderão ser roteadas
por braços escravos.
Estas terras não poderão ser transferidas pelos colonos enquanto não estiverem
efetivamente roteadas e aproveitadas, e reverterão ao domínio Provincial se
62
CUNHA, Jorge Luiz da. Rio Grande do Sul und die deutsche kolonisation: ein Beitrag zur Geschichte der
deutsch-brasilianischen Auswanderung und der deutschen Siedlung in Südbrasilien zwischen 1824 und 1914.
Hamburg, 1994. p. 172.
63
Ibidem p. 60-61.
96
dentro de cinco anos os colonos respectivos não tiverem cumprido esta
condição.
64
Em decorrência dessa lei, surgiram em São Pedro do Rio Grande do Sul as colônias
provinciais de Santa Cruz, de Santo Ângelo, de Monte Alverne e de Nova Petrópolis.
Outro dispositivo jurídico de grande repercussão para a posterior história agrária do
país foi a Lei nº. 601, de 18 de setembro de 1850. Ela transformou a terra do seu caráter
inicial de privilégio concedido em equivalente de mercadoria, ou seja, converteu-a em valor
negociável. A partir de então ficou vedada a aquisição de terras devolutas no país por outro
meio que não o da compra. O Decreto n
º
. 1318, de 30 de janeiro de 1854, regulamentou a Lei
601.
Através da Lei nº. 229, de 04 de dezembro de 1851, a Província passou a regulamentar
a colonização em seu território. Embora contrariando a Lei de Terras, através dela os colonos
imigrados passavam a receber gratuitamente cem mil braças quadradas de terra, o equivalente
a 48,4 hectares, condução por conta do erário público do porto do Rio Grande até às colônias,
ferramentas agrícolas e sementes.
65
A Lei provincial nº. 304, de 03 de novembro de 1854, determinou novas regras no que
diz respeito à colonização. A partir de então a posse aos prazos coloniais passou a ocorrer
através da compra. O lote de cem mil braças quadradas passou a ser alienado pelo preço
mínimo de 300 mil réis, devendo esse valor ser resgatado no prazo de cinco anos. A título de
auxílio de passagem, os que espontaneamente se apresentavam na Província passavam a
receber um adiantamento de até 50 mil réis por indivíduo, independente de idade e sexo. Esse
valor igualmente devia ser reembolsado em um prazo que não excedesse cinco anos.
De acordo com essas legislações, na depressão do rio Jacuí, aos pés e nos contrafortes
do Planalto, por iniciativa do governo provincial, foram criadas, em meados do século XIX,
três colônias de imigrantes alemães. Incrustada no território do município de Rio Pardo
surgiu, em 1849, Santa Cruz. A colônia Santo Ângelo (atual Agudo), em Cachoeira do Sul,
64
Cfe, Iotti, op. cit. p. 108.
65
A lei também previu a possibilidade de o governo fazer gastos com recrutadores que promoveriam a
emigração da Alemanha para o Brasil. Esses agentes recebiam a gratificação de três patacões para cada indivíduo
de 7 a 35 anos ou quando com idade superior, se fossem chefes de família que aliciassem. Receberiam os
agentes mais um conto e quinhentos mil réis para cada grupo de mil indivíduos que enviassem no prazo
contratado. Em lugar da gratificação “por cabeça”, o Presidente da Província podia remunerar os agentes por um
valor que não excedesse aos três contos e duzentos mil réis anuais.
97
foi instalada em 1857. Finalmente Monte Alverne, localizada a norte da colônia de Santa
Cruz, foi fundada em 1859 em terras então sob a jurisdição de Taquari.
No vale do Rio Pardo, a colonização germânica iniciou pela colônia de Santa Cruz,
que se constituiu na primeira colônia fundada e gerida pela província de São Pedro. os
primeiros colonizadores chegaram a partir de 19 de dezembro de 1849 e foram assentados no
local atualmente denominado de Linha Santa Cruz (Alt Pikade), nas margens da então recém-
aberta Estrada de Cima da Serra, caminho que deveria ligar o entreposto comercial de Rio
Pardo com os campos de gado localizados na região de Soledade.
66
Aos assentados na
Colônia foram concedidas distintas regalias e vários benefícios e exigidos diferentes
compromissos. Os que haviam chegado antes de sancionada a Lei provincial nº. 229, de 1851,
receberam gratuitamente 77,0 hectares de terra, sementes e instrumentos agrícolas, além de
um subsídio em dinheiro que depois deveria ser restituído. Os que vieram sob a égide da Lei
nº. 229, passaram a receber lotes de 48,4 hectares, mais sementes e instrumentos agrícolas. Já
os que aportaram após a promulgação da Lei nº. 304, de 1854, tiveram de pagar o seu prazo
colonial, procedimento ao qual também estavam sujeitos os que se radicaram nas colônias
particulares. Temos assim que, na mesma picada, podiam viver, lado a lado, colonos que
tinham diferentes obrigações para com a Província, o que gerou confusão e inquietudes.
De Linha Santa Cruz, a colonização se expandiu na direção de Rio Pardinho, Dona
Josefa, Linha Andréas, Sinimbu, Vila Tereza e Ferraz. Uma vez ocupadas as terras devolutas
da Colônia, áreas de particulares foram loteadas dando origem, dentre outras, a Rio Pardense,
Faxinal de Dentro, Colônia Germânia (Candelária), Entre-Rios, Formosa, Trombudo,
Pomerânia, Chaves, Linha João Alves, Cerro Alegre, São João da Serra, Pinheiral, Linha
Nova e outras.
67
A colônia Rio Pardense foi criada por Francisco Antônio Borges, em 1862, na margem
esquerda do rio Pardo. Em 1879, abrangia 7 picadas que contavam com 172 lotes coloniais,
todos eles vendidos. No lado direito do rio Pardo, aos pés do Botucaraí, o comerciante João
66
Esta estrada permitiria o contato de duas regiões criatórias, ou seja, dos campos do planalto (Campos de Cima
da Serra) com os campos da campanha gaúcha. Cfe. MARTIN, Hardy Elmiro. Santa Cruz do Sul: da colônia a
freguesia, 1849 1852. Santa Cruz do Sul: APESC, 1979. p. 16 e 17. Segundo Menezes, “Deu origem à
fundação da colônia o desejo da Câmara de Rio Pardo de abrir comunicação entre esta cidade e os Campos de
Cima da Serra por meio de uma estrada ou picada que, attraindo o commercio d’aquella zona, seria também o
caminho mais curto para os mencionados campos de Cima da Serra”. MENEZES, J. Bittencourt. Município de
Santa Cruz. Santa Cruz: Lamberts & Riedl, 1914. p. 4.
67
Cfe. VOGT, Olgário Paulo. A produção de fumo em Santa Cruz do Sul, RS: 1849-1993. Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 1997. p. 59; MARTIN, Hardy Elmiro. Recortes do passado de Santa Cruz. Organizado e Atualizado
por Olgário Paulo Vogt e Ana Carla Wünsch. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1999. p. 19.
98
Kochenburger estabeleceu, em 1863, a colônia Germânia que, posteriormente, deu origem ao
município de Candelária.
68
Ela passou a se constituir em um ponto de passagem na rota que
ligava as cidades de Rio Pardo e Cachoeira do Sul com os chamados Campos de Cima da
Serra. A povoação Germânia, também conhecida como Costa da Serra, foi colonizada
principalmente por imigrantes originários da Pomerânia. Foi elevada à freguesia de Nossa
Senhora da Candelária em 1876 e transformada em município no ano de 1925.
Localizada próxima à cidade de Rio Pardo, surgiu, em 1850, portanto na mesma época
da fundação de Santa Cruz, a colônia particular de Rincão d’El Rey. Nesse empreendimento,
bancado pelo Dr. Israel Rodrigues Barcellos, se estabeleceram principalmente colonos
oriundos de São Leopoldo. Ficando nos arredores da cidade de Rio Pardo, Rincão d’El Rey
passou a abastecer a população daquele burgo com leite, ovos, manteiga, mel, cera, verduras,
milho, feijão etc.
69
Tendo como mais importantes mercados as cidades de Rio Pardo e a capital da
Província, a colônia de Santa Cruz progrediu rapidamente, não obstante as dificuldades
enfrentadas no que diz respeito às estradas para o escoamento da produção. A produção de
tabaco desde cedo se tornou o carro-chefe da economia não somente de Santa Cruz, mas de
todas as colônias da circunvizinhança. A razão de Santa Cruz e região se especializarem na
obtenção de fumo talvez possa ser tributada a uma necessidade histórica. Isto é, o fato de
cultivar exatamente os mesmos produtos que as demais colônias situadas nos arredores de
Porto Alegre – como no caso de São Leopoldo ou, quando mais distantes as colônias,
próximas de rios navegáveis, como o Sinos, o Caí ou o Taquari –, fazia com que aquela não
pudesse competir comercialmente com estas. E isso era devido aos menores custos
monetários por elas agregados ao valor das mercadorias no escoamento da produção para o
grande centro consumidor e exportador de então. Situada mais distante da capital e não
servida por rio navegável, Santa Cruz, para superar a concorrência, especializou-se na
obtenção de um produto cujo transporte era relativamente facilitado, pela forma em que era
acondicionado, e cujo rendimento monetário, proporcionalmente ao volume, era superior, se
comparado com o milho, o feijão, a batata, a banha etc. e cuja matéria-prima impôs-se no
mercado exatamente pela sua qualidade. A qualidade do fumo originou-se não da
especialização dos colonos, mas também, e sobretudo, devido à ação dos comerciantes. Estes,
além de beneficiarem adequadamente o produto, também passaram a orientar os colonos
68
Cunha, op. cit. 183.
69
Relatório de Koseritz, op. cit. p. 10.
99
sobre quais variedades plantar, como colher, enfim, passaram a funcionar como uma espécie
de técnicos agrícolas.
O comércio de importação e de exportação
70
da colônia de Santa Cruz, entre 1859 e
1866, apresentou uma balança comercial favorável à venda.
TABELA 2: Valores da importação e da exportação da colônia de Santa Cruz (1859/1866)
ANO IMPORTAÇÃO EM RÉIS EXPORTAÇÃO EM RÉIS
1859 54:000$000
90:000$000
1860 69:000$000
121:000$000
1861 92:650$000
195:000$000
1862 107:700$000
130:000$000
1863 110:000$000
150:000$000
1864 113:238$000
108:000$000
1865 135:000$000
140:280$000
1866 166:700$000
180:000$000
Fonte: Relatório da administração central das colônias da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul,
apresentado ao Ilmo. e Exmo. Dr. Francisco Ignácio Marcondes Homem de Mello, digníssimo presidente da
mesma província, pelo agente intérprete da colonização Carlos de Kosseritz. Porto Alegre: Typographia do
Jornal do Commercio, 1867. p. 17.
As transações comerciais, por sua vez, engendraram crescentes arrecadações
tributárias. Em 1865, quando o governo ainda desembolsava para manter a Colônia, esta
propiciava uma arrecadação de 60:812$059 réis em impostos para os cofres do Império, da
Província e da Câmara de Rio Pardo.
71
“Estas receitas, progressivamente chegaram a somar,
no ano de 1885, em 126:500$000 réis. Até este ano estava recuperado e com usura todo
o capital empregado; pois que todas as receitas reunidas excediam de 1.814:617$000 réis.”
72
Em 1859, portanto dez anos após a sua fundação, foi sua povoação elevada à condição
de Freguesia. Em 1872, pela Lei 807, deu-se a emancipação da colônia de Santa Cruz, o que
significa que a localidade apenas deixou de ser colônia passando, então, a integrar o 3º distrito
de Rio Pardo. Por volta de 1875, Oscar Canstatt esteve em Santa Cruz e nos arredores e
anotou que as colônias que ali viu eram, incontestavelmente, as mais florescentes de toda a
Província, depois das de São Leopoldo.
73
A instalação do município ocorreu em 28 de
setembro de 1878. Finalmente, em 1905, a Vila foi elevada à categoria de cidade.
70
O termo importação refere-se à aquisição de produtos de fora da área da própria colônia e não diretamente de
um país estrangeiro. Da mesma forma, o termo exportação diz respeito à venda para fora da colônia, o que no
caso pode ser o mercado de São Leopoldo ou de Porto Alegre.
71
Pellanda, op. cit. p. 82.
72
LOEFLAD, F. et al. Centenário da colonização alemã em Rio Pardinho município de Santa Cruz do Sul
1852/1952. Santa Cruz do Sul: Bins & Rech, 1952. p. 17-18.
73
CANSTATT, Oscar. Brasil: terra e gente, 1871. Brasília: Senado Federal, 2002. p. 429.
100
A segunda colônia concebida e gerida pela Província na região deu-se na margem
esquerda do rio Jacuí, em território do então município de Cachoeira do Sul. Criada através da
Lei provincial de 30 de novembro de 1855, a colônia de Santo Ângelo passou a ser
efetivamente povoada a partir do ano de 1857. Por falta de meios de comunicação, seu
progresso inicial foi bastante lento. Em 1875, o território que compreendia a colônia de Santo
Ângelo abrangia uma área de aproximadamente 55 mil hectares e uma população de 4 mil
habitantes. Essa área abrange atualmente os municípios de Agudo, Paraíso do Sul, parte de
Dona Francisca e Cachoeira do Sul. Agudo, berço da Colônia, obteve sua emancipação
político-administrativa em 1959 e Paraíso do Sul, em 1988.
74
A colônia particular de Serro
Branco, criada em 1875 pelo diretor da colônia de Santo Ângelo, barão von Kahlden, pode ser
considerada um desdobramento desse último empreendimento.
Criada pelo presidente da Província a 08 de fevereiro de 1859, através das Instruções
209, Monte Alverne ficava contígua à colônia de Santa Cruz, mas situada em terras do
município de Taquari.
75
A nova Colônia deveria ter uma picada de comunicação com o rio
Taquari; outra que servisse para o trânsito de cargueiros e viajantes para a colônia de Santa
Cruz e uma terceira que deveria ligá-la com a freguesia de Soledade.
76
A colônia de Monte Alverne inicialmente havia sido dividida em lotes coloniais de
cem mil braças quadradas, o equivalente a 48,4 hectares. O valor desses lotes coloniais, mais
os subsídios recebidos pelos imigrantes e o valor das passagens, deveriam ser quitados no
prazo de cinco anos.
77
Inicialmente, a colônia era integrada pelas picadas Felipe Neri, Antão,
Saraiva, Esperança, Justo Rangel, Isabel, Maria Madalena, Grüner Jäger (atual Marechal
Floriano), Brasil e Cecília.
78
Após a criação do município de Santa Cruz e com a emancipação
da colônia de Monte Alverne, o que ocorreu em 1882, deu-se a divisão da antiga colônia. O
território localizado na margem direita do arroio Castelhano ficou para o município de Santa
Cruz e o da margem esquerda com o de Taquari. Em 1891, quando da emancipação político-
administrativa de Venâncio Aires, essa área colonial foi integrada ao novo município.
79
74
WERLANG, William. História da Colônia Santo Ângelo. Santa Maria: Pallotti, 1995. p. 11 e17.
75
Truda, op cit p. 224.
76
Cfe, Artigo 8º das Instruções nº. 20, de 08 de fevereiro de 1859. In: Iotti, op. cit. p. 629-630.
77
Cfe.Regulamento nº. 55, de 01 de março de 1859. Ibidem. p. 632.
78
Cfe. Mapa de 1889 de B. Kassenstein
79
WAGNER, Miguel. Imagem histórica de Monte Alverne 3º Distrito de Santa Cruz do Sul – RS. Santa Cruz do
Sul: Gráfica Disneylândia, 1996. p. 11; VOGT, Olgário Paulo. Da Heimat para o paraíso prometido. In: VOGT,
Olgário Paulo (Org.). Abrindo o baú de memórias: o Museu de Venâncio Aires conta a história do município.
Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004. p. 117.
101
Figura 3: Mapa da colônia de Monte Alverne e de outras colônias da circunvizinhança.
Fonte: Mapa de B. Kassenstein, de 1889.
Monte Alverne não alcançou o desenvolvimento esperado pelos governantes da
província. No seu relatório de 1867, Carlos von Koseritz assinalou que todo o comércio da
colônia se fazia para os lados de Santa Cruz. O problema é que ali os colonos não tinham
crédito. Como os processos por dívidas nas colônias ordinariamente eram de alçada do juiz de
102
paz, os processos dos colonos de Monte Alverne deveriam correr pelas autoridades de Santo
Amaro, motivo pelo qual os negociantes de Santa Cruz preferiam não vender fiado aos
habitantes de Monte Alverne. Igualmente no que tangia aos serviços religiosos católicos
reza de missas, batizados, casamentos e óbitos os colonos estavam desamparados, haja vista
que o vigário da paróquia de Santo Amaro nunca se fazia presente na colônia.
80
Também
Oscar Canstatt, que fora nomeado pelo presidente da província como diretor da colônia em
meados da cada de 1870, registrou em sua obra publicada originalmente em Cassel, em
outubro de 1876, que a colônia de Monte Alverne havia muitos anos vinha recebendo
tratamento de madrasta por parte do Estado. Apontou que, principalmente no que diz respeito
à abertura de meios de comunicação para o escoamento da produção, não se havia até então
feito nada. Nada também de concreto havia sido realizado no tocante à medição exata das
terras e no que se refere à fundação de igrejas e escolas, de sorte que os colonos estavam
entregues à própria sorte. Muitos dos primeiros que tinham se fixado haviam abandonado
suas terras e, ao invés de a população se desenvolver, diminuía constantemente.
81
Nos arredores da colônia oficial de Monte Alverne surgiram também uma série de
colônias privadas, dentre as quais a de Santa Emília, que recebeu seus primeiros moradores no
ano de 1864. Era um negócio da firma Pereira & Cia e gerenciada por Carlos Trein Filho.
Foram estabelecidas ainda nos arredores as colônias de Venâncio Aires (1870), Sapé (1882),
Grão Pará (1885), Travessa (1892), Palanque (1896) e a de Mato Leitão (1900).
82
As colônias
particulares eram empreendimentos empresariais bancados pela iniciativa privada que arcava,
via de regra, com o capital necessário para a aquisição de terras, abertura de picadas, medição
dos lotes etc. O objetivo da empreitada era ganhar dinheiro e acumular capital através da
venda dos prazos coloniais. As colônias oficiais, cujos empreendimentos então eram
financiados pelo governo da Província ou do Império, funcionavam como chamariz, isto é,
um atrativo para a iniciativa privada, pois as terras próximas dessas áreas valorizavam-se
extraordinariamente.
83
Como destaca a professora Hilda Agnes Hübner Flores:
Colonizar, à época, era sinônimo de bom investimento, ocupando vazios
demográficos e prometendo retorno econômico compensador, a prazo médio. Por
essa razão governo e particulares atiravam-se à tarefa, loteando e ocupando com
imigrantes terras devolutas ou esparsamente ocupadas com criação.
84
80
Relatório de Kosseritz., op cit.
81
Canstatt, op. cit. p. 432.
82
Verband Deutscher Vereine, op. cit. p. 614.
83
Cfe. Vogt (1997), op. cit. p. 59.
84
FLORES, Hilda Agnes Hübner. Canção dos imigrantes. Porto Alegre EST/EDUCS, 1983. p.22
103
Próxima da região colonial inicial foi estabelecida, na mesma época, mais um
empreendimento oficial. Era a colônia Provincial de Nova Petrópolis, que foi criada em 7
de
setembro de 1858 pelo então presidente da Província, Ângelo Muniz Ferraz. Tratava-se, na
realidade, de uma ampliação da antiga Colônia São Leopoldo em direção ao Norte, em
terrenos montanhosos, sobre a margem do rio dos Sinos e de vários de seus tributários. Ela
deveria constituir-se em um ponto intermediário do caminho projetado entre Porto Alegre e os
Campos de Cima da Serra (hoje São Francisco de Paula), e daí a Nonoai, seguindo desse
ponto à Província do Paraná e talvez até Mato Grosso, rodovia essa somente inaugurada em
1944.
85
Consoante Helga Piccolo, a colônia de Nova Petrópolis “nada mais era do que uma
continuação da Colônia de São Leopoldo, rumo Norte, para Cima da Serra. Essa continuação
estava planejada quando da primitiva expansão da Colônia São Leopoldo. Quer dizer, as
picadas de São Leopoldo deveriam mais tarde ser estendidas para o Norte, até o rio Caí”.
86
Os
obstáculos supressão de dotação orçamentária e a Revolução Farroupilha fizeram gorar a
expectativa.
Desde sua fundação, principalmente imigrantes da Pomerânia e da Saxônia
estabeleceram-se em Nova Petrópolis. A partir de 1870, afluiu às picadas um novo
contingente de língua alemã: eram os boêmios dos sudetos austríacos. Nos últimos anos do
Império, para algumas das linhas de também se dirigiram colonos italianos. Dentre os
colonos que foram encaminhados para Nova Petrópolis, a maioria havia sido contratada por
agenciadores do governo provincial; parte veio por conta do Governo Geral; alguns tinham
imigrado espontaneamente e outros se originavam de colônias mais antigas.
87
Para que se possa ter uma noção da produção, exportação e importação de uma
colônia, elaborou-se o quadro abaixo com dados fornecidos por Ferdinand Schröder para o
ano de 1865, quando a colônia contava com apenas 916 almas.
85
PAZ, Ivonir Nör. Nova Petrópolis: da submissão à rebeldia (1858-1937). Caxias do Sul: UCS, 1998. p. 17.
86
Piccolo, op. cit. p. 54.
87
Ibidem p. 66.
104
Tabela 3: Produção, exportação e importação da colônia de Nova Petrópolis no ano de 1865.
PRODUÇÃO EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO
14.000 alq. de milho 1.500 alq. de milho
3.000 alq. de feijão 1.300 alq. de feijão
120 alq. de ervilhas 50 alq. de ervilhas
150 alq. de trigo 150 alq. de trigo
800 alq. de cevada 300 alq. de cevada
4.000 alq. de centeio 1.600 alq. de centeio
1.500 alq. de batatas
1.200 alq. de amendoim 400 sacos de amendoim
500 alq.de linhaça 230 sacos de linhaça
400 alq. de fumo 360 arrobas de fumo 08 arrobas de fumo
360 arrobas de banha
1.100 arrobas de toicinho
65 arrobas de linho prep.
20 milheiros de charutos
60 arrobas de açúcar
40 arrobas de café
260 arrobas de sal
08 pipas de aguardente
01 pipa de vinho
01 pipa de vinagre
180 sacos de farinha de
mandioca
100 libras de pólvora
360 caixas de sabão
10.000 mil-réis em fazenda
Fonte: Schröder, op. cit. p. 118-119.
Os principais produtos gerados pela colônia foram o milho e o feijão preto. A
exportação, que já abarca os subprodutos proporcionados pelo milho (toicinho e banha de
porco) e do tabaco (charutos), rendeu um valor total de 22.500 mil-réis. A importação
constituiu-se basicamente de mercadorias não produzidas na colônia. O valor mais alto deve
ter sido despendido na aquisição de fazendas para a confecção de peças de vestuário.
O progresso inicial de Nova Petrópolis foi parcialmente entravado pela distância em
relação ao mercado e, mormente, pelo péssimo estado das estradas. A colônia teve
inicialmente como principais mercados a vila de São Leopoldo e a cidade de Porto Alegre.
88
Mesmo com certa lentidão, ela progrediu. Em 1886, de acordo com Porto, contava essa
colônia com 468 lotes ocupados e uma população de 2.315 habitantes. Exportava então
88
Segundo Piccolo, a Colônia chegou a ser denominada de Neu Betrübnis, que significa Nova Tristeza ou Nova
Desolação.
105
15.507 sacos de feijão, 130.240 quilos de banha, 1.500 de cera e menores quantidades de
outros produtos.
89
Uma vez emancipada, o que se deu em 1875, a colônia de Nova Petrópolis passou a
integrar o município de São Sebastião do Caí, embora continuasse a merecer a atenção de
autoridades provinciais. Foi bem mais tarde, em 15 de dezembro de 1954, pela Lei nº. 2.518,
que foi criado o município de Nova Petrópolis que, no entanto, não compreendia exatamente a
mesma superfície territorial da antiga Colônia. A instalação do município, com a posse do
primeiro prefeito e dos sete membros da Câmara Municipal, ocorreu em 28 de fevereiro de
1955.
Segundo Roche,
90
foram modestas as realizações provinciais no que tange à
colonização. Os projetos e os sonhos ambiciosos dos presidentes da Província contrastaram
com os parcos recursos destinados à empreitada. A participação do Estado nas colônias
deveria cessar o mais cedo possível, deixando a prosperidade advir da capacidade de trabalho
dos colonos e do desenvolvimento da agricultura que praticavam. Segundo Machado, os
gastos anuais da Província com a colonização, proporcionalmente ao orçamento geral, foram
ínfimos.
91
No período em análise (1848-1874), teriam ingressado, consoante Pellanda, 16.807
imigrantes alemães na Província.
92
A esse número deveria, entretanto, ser acrescentado o das
89
Porto, op. cit. p. 163.
90
Roche op. cit. p. 110.
91
Machado, op cit. p. 31. Representou 2,05% para os anos 1864/65; 1,03% para 1866/67; 1,34% para 1867/68;
2,91% para 1868/69; 5,71% para 1871/72; 1,79% para 1872/73; 0,60% para 1873/74; 1,99% para 1875/76.
92
TABELA 4: Imigração no Rio Grande do Sul entre 1848-1873
ANO
ALEMÃES
OUTROS
TOTAL
ANO
ALEMÃES
OUTROS
TOTAL
1848 136
-
136
1861 898
-
898
1849 95
-
95
1862 789
5
794
1850 128
-
128
1863 394
27
421
1851 289
-
289
1864 298
38
336
1852 597
-
597
1865 202
13
215
1853 332
-
332
1866 197
8
205
1854 382
-
382
1867 297
117
414
1855 813
-
813
1868 921
278
1.199
1856 467
-
467
1869 1.241
11
1.252
1857 1.485
37
1.522
1870 469
2
471
1858 1.382
546
1.828
1871 462
15
477
1859 1.477
406
1.883
1872
1.134
220
1.354
1860 649
18
667
1873
1.273
593
1.870
Fonte: Pellanda, op. cit. p. 24-25.
106
novas famílias de descendentes de antigos colonos que iam se formando e necessitando de
novas terras.
No entorno dos empreendimentos oficiais apareceu um grande número de colônias
particulares que se estenderam pela encosta do Planalto. Assim, transcorridas algumas
décadas, os descendentes de imigrantes alemães espalharam-se por uma vasta região que ia de
Agudo, no vale do rio Jacuí, passava pelos vales dos rios Pardo e Taquari e emendava com a
região colonial pioneira, situada nos vales dos rios Caí e dos Sinos. Ali podiam ser
encontrados os imigrantes e seus descendentes nos pequenos núcleos urbanos que surgiam ou
labutando em suas glebas, onde, mediante a intensiva utilização da força de trabalho familiar,
obtinham produtos agrícolas para sua subsistência e para o mercado.
No vale do Caí, na margem esquerda do rio, uma série de colônias particulares surgiu
a partir do loteamento de sesmarias e datas, cujos lotes passaram a ser vendidos para
migrantes chegados de outras colônias ou imigrados diretamente da Europa. Assim, a partir
de 1848, apareceram as colônias Cará (denominada de Tabak-Tal pelos colonos) e Temerária,
ambas fundadas por Tristão José Monteiro, o mesmo fundador de Mundo Novo; Santos,
Guimarães e Chapadão, posses da família Flores; Arroio Bonito, propriedade da família
Martins; Escadinha, posse da família Moraes; Vigia, uma sesmaria adquirida e colonizada
pelo alemão Pedro Schmidt, e outras.
93
Na margem direita do Capareceram os empreendimentos de Phillipp Jakob Selbach
(colônia Bom Princípio) e de Wilhelm Winter (Porto das Laranjeiras, posteriormente
denominado de Monte Negro). A Fazenda Pareci, de propriedade de JoInácio Teixeira,
passou a ser loteada a partir de 1854. Em 1856, Andréas Kochenburger e Johann Friedrich
Schreiner passaram a vender lotes da colônia Maratá, criada a partir do espólio adquirido de
Apolinário Moreira de Moraes. A leste de Maratá, surgiu o empreendimento dos irmãos
franceses August e Jean Brochier que, a partir de 1856, passaram a vender suas terras para
imigrantes alemães e seus descendentes. Em 1858, iniciou a ocupação da colônia Piedade, sob
a direção de Eugênio de la Rue. No mesmo ano, principiou o povoamento da colônia
Salvador. Em 1861, de la Rue fundou São Vendelino e Schweitzerthal. Lindeira a Brochier,
surgiu, em 1870, Russland, um empreendimento de Manoel José Souza. Ao norte de Russland
e Brochier, foi ocupada, a partir de 1875, a colônia Poço das Antas.
94
93
Cunha, op. cit. p. 173.
94
Verband Deutscher Vereine, op cit. p. 112-116; Cunha, op. cit. p. 173-179.
107
A colônia de Santa Maria da Soledade foi criada em 1855 pelo conde de Montravel e
seus sócios (Silveira, Coelho e Barcellos) às margens do arroio Forromeco. Ela, que
inicialmente deveria ser uma colônia somente para católicos, recebeu imigrantes de diferentes
nacionalidades. Fracassado o empreendimento empresarial, a colônia foi posteriormente
assumida pelo governo imperial que continuou o povoamento da mesma. Em 1862, Santa
Maria da Soledade contava com 1.457 habitantes, sendo 810 católicos e 617 protestantes. De
acordo com a nacionalidade, 952 eram alemães, 199 holandeses, 227 brasileiros, 39 suíços, 8
belgas e 2 franceses.
95
Não sendo o objetivo deste trabalho historicizar a origem de cada uma das colônias, a
visualização da Figura 4 pode dar uma melhor idéia da disseminação das colônias particulares
através do vale do rio Caí.
FIGURA 4: Colônias de população de ascendência predominantemente alemã que se
desenvolveram no vale do rio Caí durante o século XIX.
Fonte: Verband Deutscher Vereine, op. cit. p. 113.
95
Cunha, op. cit. p. 176-177.
108
No vale do Taquari, a partir de 1853, sempre pela ação de particulares, mormente dos
latifundiários Vito Mena Barreto e Antônio Fialho, multiplicaram-se as colônias. Na margem
esquerda do rio Taquari, foi inicialmente estabelecida a colônia denominada de Fazenda
Corvo, isso em 1851. Vito Mena Barreto criou Estrela, em 1853, e, em 1860, Boa Vista. Em
1858, são estabelecidas as colônias Geraldo e Arroio do Ouro. Em 1860, Victorino José
Ribeiro fundou a colônia dos Barros. Em 1872, Santos Pinto estabeleceu Conventos
Vermelhos. A cerca de três léguas do rio Taquari, existia, desde 1858, a colônia Teutônia, um
empreendimento do comerciante atacadista porto-alegrense Carlos Schilling.
96
Surgiram,
ainda, nesse período as colônias particulares de Bom Retiro, São Gabriel, São Caetano,
Arroio do Meio e outras.
97
Na margem direita do rio Taquari, a firma Baptista, Fialho & Cia estabeleceu, em
1853, entre os arroios dos Moinhos e da Forqueta, a colônia dos Conventos que daria origem
a Lajeado; a nordeste de Santa Emília, entre os arroios Forquetinha e Sampaio, surgiu a
colônia Nova Berlin, inicialmente de propriedade de Carlos Trein & Cia; ao norte de
Conventos foram ainda, entre outras, estabelecidas as colônias Forqueta, Arroio do Meio,
Palmas e São Caetano.
98
Ainda na margem direita do rio Taquari, em 1856, em território
atualmente pertencente ao município de Venâncio Aires, o sesmeiro e coronel Antônio
Joaquim da Silva Mariante parcelou parte de suas terras o equivalente a 2.100.000 braças
quadradas fazendo surgir a colônia de Mariante. Em 1858, havia 116 habitantes em sua
colônia, sendo 11 brasileiros e 105 alemães. Naquele ano, o coronel Mariante recebera
seiscentos e trinta mil réis dos cofres provinciais como prêmio pelos assentamentos feitos.
99
A
colonização promovida por Mariante, entrementes, não prosperou, não tendo sido profícua
para a ocupação da região.
Os empreendimentos particulares surgidos nos vales dos rios Taquari e Pardo podem
ser melhor avaliados a partir de um estudo atento da FIGURA 5.
96
Verband Deutscher Verein, p. 116-122; Cunha, op. cit. p. 179-180.
97
Roche op cit p.113; HESSEL, Lothar. O município de Estrela; história e crônica. Porto Alegre: Ed UFRGS,
1983. p. 20-21.
98
Cunha, op. cit. p. 182.
99
Pellanda, op cit. p.116.
109
Figura 5: Colônias de população de origem germânica surgidas durante o século XIX nos
vales dos rios Taquari e Pardo
Fonte: Verband Deutscher Vereine, op. cit. p. 119.
No Sul da província, no Planalto Sul-Rio-Grandense, mais precisamente na Serra dos
Tapes, numa área de cobertura florestal, surgiu, em 1858, no então quarto distrito do
município de Pelotas, a Colônia de São Lourenço. Segundo Carlos Rheingantz, São Lourenço,
no Rio Grande do Sul, e Blumenau, em Santa Catarina, teriam sido as duas maiores colônias
alemãs privadas do Brasil. O empreendimento iniciou quando, em 30 de dezembro de 1856, o
comerciante Jacob Rheingantz assinou um contrato com o governo imperial através do qual
adquiria oito léguas quadradas de terra ao preço de meio real por braça quadrada.
Comprometia-se a assentar, em um período de cinco anos, ao menos 1.440 colonos de origem
alemã, suíça ou belga, no local. O governo, por sua vez, comprometia-se a lhe conceder um
subsídio de 30 mil réis por imigrante entre 10 e 45 anos e de 20 mil réis por criança entre 5 e
10 anos de idade, atraídos para a colônia.
100
100
RHEINGANTZ, Carlos G.. Die Gründung der Kolonie São Lourenço und ihr Gründer Jakob Rheingantz.
Porto Alegre: Druck von Cäsar Reinhardt, 1907; Pellanda, op cit p. 171.
110
Em 1867, colonos trazidos por Rheingantz provocaram uma rebelião em São
Lourenço. Entre as queixas figura a insatisfação de muitos com as imprecisas e precárias
medições dos lotes coloniais. Também o contrato firmado por eles com o proprietário do
empreendimento foi denunciado. Alegavam que a volumosa dívida contraída com o
comerciante, proveniente da compra do lote de terra, do adiantamento da despesa de viagem
da Europa até a picada, da alimentação fornecida nos primeiros tempos e da construção de
uma moradia, não podia ser ressarcida no curto prazo de 5 anos. Mostravam-se
inconformados, igualmente, com os preços das glebas de terra. Afirmavam que em
Hamburgo, no ano de 1857, os lotes haviam sido oferecidos aos imigrantes por preços que
variavam entre 200 e 250 mil réis, o que teria motivado muitos a seguir viagem para o Brasil.
Contudo, chegados à província, deveriam pagar valores que oscilavam entre 400 e 800 mil
réis. Denunciavam, ainda, as precárias condições das estradas que tinham que ser mantidas
pelos próprios colonos que, inclusive, deviam se responsabilizar pela construção das pontes
necessárias; a falta de escolas e igreja no complexo que deveriam ser construídas e mantidas
pelos próprios colonos; e denunciavam, por fim, o fato de o próprio Rheingantz ser o único
comerciante da colônia para a compra e venda de mercadorias, inibindo o surgimento de
concorrentes.
101
O governo provincial teve que intervir no caso nomeando o ex-brummer e
diretor da colônia de Santo Ângelo, barão von Kahlden, como comissário especial para
mediar o impasse. Também o consulado da Prússia mandou um representante para a colônia a
fim de acompanhar o caso. As soluções encaminhadas por von Kahlden inclusive uma nova
medição dos prazos coloniais e as medidas adotadas pelos governantes do Império e da
Província fizeram com que a paz voltasse a reinar na colônia.
Outro problema enfrentado pela empresa colonizadora de Rheingantz foi o fundiário.
Com a prosperidade do empreendimento, a colônia foi aumentada pela compra de mais terras
devolutas pertencentes ao governo e de parcelas de áreas de mato de fazendeiros vizinhos,
fazendo com que a colônia, que chegou a ter 12 léguas quadradas, o equivalente a
522.720.000 m², se estendesse até Canguçu, valorizando em muito as terras situadas nas
cercanias. As medições e os títulos de propriedade da colônia tornaram-se, entrementes,
motivo de litígio entre a empresa e particulares de terras confrontantes. Houve estancieiros
que alegaram invasão de suas posses pelas glebas coloniais enquanto Rheingantz e seus
sucessores reivindicavam do governo mais 66.498.157 relativos às terras devolutas que
haviam adquirido da Província. Enquanto perdurou a pendenga, muitos dos prazos adquiridos
101
Sobre o conflito havido ver Cunha op. cit. p. 186-189.
111
pelos colonos não puderam ser legalizados.
102
A questão somente foi resolvida
favoravelmente à empresa colonizadora em 1893, quando o Ministério dos Negócios da
Indústria, Viação e Obras Públicas indenizou com a quantia de 114:997$848 a viúva de Jacob
Rheingantz pelas terras que ele comprara do governo e efetivamente não recebera.
103
Apesar dos problemas enfrentados, São Lourenço prosperou e novas faixas de terras
foram acrescidas ao núcleo original. Em 1884, possuía uma população de aproximadamente
nove mil almas. A maior parte dos colonos era procedente da Pomerânia e era protestante.
Parcela menor, mas ainda assim expressiva, procedia do Reno e era católica.
104
Dali a onda
colonizatória se estendeu pelo vale do rio Camaquã. Nos arredores do empreendimento de
Rheingantz, grandes proprietários de terras na Serra dos Tapes passaram a dividir em lotes
parcela de suas fazendas, dando origem a um grande número de colônias particulares, como
Santa Clara, Silvana, São Domingos, Santa Eulália e várias outras.
105
O governo provincial teve enormes dificuldades para efetuar a cobrança das dívidas
coloniais. Se por um lado as dívidas com os cofres públicos preocupavam os governantes, por
outro lado, tiravam o sono e pesavam sobre os ombros de muitos colonos. A Lei 603, de
janeiro de 1867, que orçava a receita e fixava a despesa da Província no exercício 1866-67,
previa no seu artigo 13 que o Presidente da Província promoveria a cobrança das quantias
devidas à Fazenda Provincial pelos colonos com urgência. E no seu artigo 14, que, para
facilitar a cobrança, poderia o Presidente da Província convocar os colonos devedores para
trabalhar nas obras públicas das colônias, descontando para a amortização da dívida uma parte
do jornal a que tivessem direito, sendo esse desconto nunca inferior à metade do jornal.
A Lei nº.669, de 18 de agosto de 1869, foi extraordinariamente complacente para com
os colonos. Através dela, a Província relevava os colonos devedores da Fazenda Pública do
pagamento de suas dívidas, proveniente de socorros, transportes, subsídios e acomodação,
ficando obrigados unicamente pelo pagamento do valor das terras. Posteriormente, o Ato de
15 de novembro de 1869 regulamentou a execução da mencionada Lei nº. 669.
Viajando por diversas cidades e regiões do Rio Grande do Sul, no ano de 1871, o
jornalista inglês, Michael Mulhall, estabelecido em Buenos Aires desde 1858, constatou que
102
KLIEMANN, Luiza Helena Schmitz. RS: terra e poder história da questão agrária. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1986. p. 23-29.
103
Decreto nº. 1.513, de 10 de agosto de 1893. In: Iotti, op. cit. p. 477.
104
Rheingantz, op. cit. p. 10.
105
Cunha, op. cit. p.191; Pellanda (1925) p. 178-182.
112
na Província a agricultura era, a essas alturas, quase exclusivamente da responsabilidade dos
colonos alemães. Eles constituiriam, então, somando imigrantes e seus descendentes, cerca de
80 mil pessoas que estavam espalhadas por 42 colônias, localizadas especialmente nos vales
dos rios Jacuí, dos Sinos, Caí e Taquari. Era principalmente a essas colônias que o Rio
Grande granjeara o título de “Celeiro do Império Brasileiro”.
106
2.1.3 Terceira fase (1875–1889)
Esta fase é caracterizada pelo restrito incentivo dado pelo governo provincial à obra de
colonização. Enquanto os empreendimentos fundados anteriormente seguiam sua própria
trajetória, nesta etapa a colonização passou a ser conduzida principalmente pelo governo
imperial. Outra marca do período é que, a partir de 1875, principia a imigração italiana na
Província, encerrando o ciclo quase exclusivo da colonização alemã na província de São
Pedro. Tomando vulto, ela rapidamente supera a cifra dos alemães entrados no Rio Grande do
Sul. Rompida a uniformidade étnica dos imigrantes, aos alemães e aos italianos passam a se
juntar também poloneses e representantes de outras nacionalidades.
107
A situação da província se apresentava então bastante diversa daquela encontrada
pelos alemães na década de 1820. Ao invés dos 4 municípios primitivos criados em 1809,
havia implantados 34, em 1874. Esse número subiu para 60 em 1889.
108
A população do
Rio Grande do Sul que, pelo recenseamento de 1814, era de 70.656 habitantes, pulou para
446.962 habitantes, conforme os dados do censo demográfico realizado em 1872. O censo de
1890 apontou a existência de 897.455 moradores no Estado.
Nessa fase, no parlamento gaúcho passou a haver uma ferrenha oposição, por parte de
representantes da Campanha pecuarista e das grandes cidades, ao projeto colonizatório. O alto
custo do empreendimento para os cofres provinciais e os medíocres resultados apresentados
pelas colônias eram superdimensionados pelos adversários do empreendimento. Assim, os
106
MULHALL, Michael George. O Rio Grande do Sul e suas colônias alemãs. Porto Alegre: Bels, 1974. p. 38 e
71.
107
Na realidade, imigrantes italianos haviam entrado na Província antes disso. Entretanto, ou eram imigrantes
que chegavam esporádica e individualmente, ou integrantes de grupos originários da Itália Irridenta, então sob o
domínio do império da Áustria-Hungria, e que, por isso mesmo, ingressavam com passaporte austríaco.
108
Fundação de Economia e Estatística. De Província de São Pedro a Estado do Rio Grande do Sul Censos do
RS 1803-1950. Porto Alegre, 1981. p. 45.
113
créditos anuais para a obra passaram, paulatinamente, a minguar ainda mais. Eles que, em
1874, montavam a 61.000 mil réis, foram reduzidos para 31.000 mil réis, em 1876, a 19.000,
em 1880 e a 13.000, em 1884. No mesmo tempo, as despesas orçamentárias da província
oscilavam entre 2.000.000 e 2.400.000 mil réis.
109
A área da Província ocupada pelos imigrantes italianos situava-se ao norte da região
pioneira de colonização alemã, ou seja, na região montanhosa denominada Serra.
Comparando a colonização alemã com a italiana, pode-se asseverar que a primeira se
estendeu por um período de tempo bastante extenso, embora fosse reduzido o número de
imigrantes cerca de 22 mil em meio século. a colonização italiana deu-se bem mais
rapidamente, a ponto de ser avaliado em 68 mil o número de ingressos entre 1876 e 1894.
110
Em 1869, sob a alegação de que as terras anteriormente recebidas para a promoção da
colonização estavam ocupadas, a Província havia requerido do Governo Geral a concessão
de mais duas glebas, com um total de 32 léguas quadradas, para prosseguir no
empreendimento. Tendo seu pedido atendido, em 24 de maio de 1870, o presidente da
Província criava as colônias Conde d’Eu e Dona Isabel. Prevendo um ambicioso plano de
imigração de 40 mil colonos europeus em um prazo de 10 anos, o governo assinou um
contrato com Caetano Pinto & Irmãos e Holtsweissig & Cia.
111
Dando cumprimento ao
acordo firmado, em 1872 foram introduzidos 1.354 colonos na Província. No ano seguinte,
foram 1.357. Em 1874 o número baixou para 580 e, em 1875, ingressaram tão-somente 315
imigrantes. Poucos desses, entretanto, se aventuraram a morar nas duas novas colônias.
112
Fracassado o plano, a Província repassou, em 27 de outubro de 1875, mediante
indenização, Conde d’Eu e Dona Isabel para o governo imperial. Este, em terras contíguas às
duas colônias, criou mais uma colônia que, inicialmente, foi denominada de Fundos de Nova
Palmira e, posteriormente, de Caxias. Em 1877, o governo fundou, nas terras de mata
109
Roche, op. cit. p. 114.
110
PETRY, Leopoldo. Historia da colonisação allemã no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Officinas
Graphicas Rotermund, 1936. p. 13.
111
Esse contrato que por motivos diversos não pôde ser cumprido, estipulava a introdução anual de, no mínimo,
dois mil imigrantes, e de no máximo, dez mil. Desse total, o número de não-agricultores não poderia exceder dez
por cento. Cfe, Lei nº. 749, de 29 de abril de 1871, que “Autoriza a Presidência a contratar com Caetano Pinto &
Irmãos e Holtzweissig & Cia a introdução de até 40 mil colonos”. In: Iotti, op. cit. p. 659-661. Para Pellanda,
essa lei estipulava condições que a empresa contratada nunca poderia atender e compromissos superiores às reais
condições da Província. PELLANDA, Ernesto. Aspectos gerais da colonização italiana no Rio Grande do Sul
(1950). In: Álbum comemorativo do 75º aniversário da colonização italiana no Rio Grande do Sul.
http://pessoal.portoweb.com/pellanda/IMIGRA.htm . Data: 20/11/2004. p. 6.
112
DE BONI, Luis A., COSTA, Rovílio. Os italianos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: ESTSLB; Caxias do
Sul: UCS, 1979. p.72-73.
114
próximas a Santa Maria, uma quarta colônia para assentar imigrantes italianos. Surgiu, assim,
Silveira Martins. Essas quatro colônias imperiais constituíram o núcleo básico da colonização
italiana no RS. A elas, ulteriormente, viriam se somar: Alfredo Chaves (1884); São Marcos
(1885), situada então no território de São Francisco de Paula; Antônio Prado (1885); Mariana
Pimentel (1888); Barão do Triunfo (1888), no município de São Jerônimo; Vila Nova (1888),
em Santo Antônio da Patrulha; Jaguari (1889), Ernesto Alves (1890), em Santiago; Marquês
do Herval (1891), em Osório; Guaporé (1892); Chimarrão (1897), em Lagoa Vermelha; Anta
Gorda (1902), em Lajeado; Itapuca (1902), em Soledade; Maciel (1902), em Canguçu; e
Pelotas e outras.
113
Sendo muito onerosa a administração das colônias a partir do Rio de Janeiro, o
governo emancipou Silveira Martins em 1882 e as colônias Caxias, Conde d’Eu e Dona
Isabel, em 1884.
114
Embora seja difícil precisar o total da imigração italiana nessa fase, ela
provavelmente atingiu a cifra de quase 50 mil. De acordo com Pellanda, de 1882 até a
Proclamação da República, teriam ingressado aproximadamente 41.500 imigrantes italianos
na Província. Posteriormente, entre 1890 e 1914, teriam entrado mais 32.500. Ao se iniciar a
Primeira Guerra Mundial, a população colonial de ascendência italiana no Rio Grande do Sul
podia ser calculada em torno de 250 mil habitantes.
115
Paralelo à imigração italiana, houve, se bem que em menor escala, a alemã e a
polonesa. Segundo Isabel Gritti, no Rio Grande do Sul os primeiros imigrantes poloneses
foram assentados em Conde d’Eu, em 1875. Esses colonos, embora registrados como
prussianos, viviam na região da Polônia ocupada pela Prússia.
116
No entanto, seria apenas a
partir do ano de 1891 que a imigração polonesa se tornaria numericamente expressiva.
Entre 1874 e 1889 ingressaram na província de São Pedro, de acordo com os números
coligidos por Pellanda, 6.213 imigrantes alemães. Os imigrantes de outras nacionalidades
113
De Boni, op. cit p. 74; Pellanda (1950), op. cit. p. 30.
114
De Boni, op. cit. p. 74-75.
115
Cfe. dados levantados por Pellanda (1950), op. cit. p. 11.
116
A Polônia, no século XIX, estava dividida e ocupada pela Rússia, Prússia e Áustria, o existindo enquanto
Estado autônomo. Como no Brasil, para a identificação da nacionalidade, vigorava a concepção do jus soli e não
do jus sanguinis (ver a respeito o capítulo III), o que definia a nacionalidade de um imigrante era o seu território
de nascimento. Isso explica porque, antes de 1918, os poloneses estão ausentes das estatísticas oficiais.Ver a
respeito GRITTI, Isabel Rosa. Imigração e colonização polonesa no Rio Grande do Sul: a emergência do
preconceito. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2004. p. 23-32.
115
somaram, no mesmo período, 46.026. No total, portanto, teriam entrado no Rio Grande do Sul
52.239 estrangeiros nesse lapso de tempo.
117
Para assentar os novos imigrantes e também os migrantes das antigas colônias, foi
criado um grande número de colônias particulares e oficiais. Pellanda deixou uma extensa
relação a respeito.
Tabela 5: Colônias com população de origem alemã criadas no Rio Grande do Sul entre 1874
e 1889.
ANO
DE
CRIA-
ÇÃO
NOME DAS COLÔNIAS
OU DOS NÚCLEOS
COLONIAIS
NATUREZA
FUNDADORES MUNICÍPIO ONDE
FORAM SITUADAS
1875 Serro Branco Particular von Kalden, Müller Cachoeira
1875 Poço das Antas Particular Ely Weber & Cia. Montenegro
1875 Forqueta Particular Diversos Taquari
1876 São Luiz Particular Affonso Azambuja Porto Alegre
1876 Marques de Souza Particular Schoet Py & Cia. Taquari
1877 Friedental Particular Ethmel, Pijot Camaquã
1879 Bemfica Particular Triunfo
1879 Bastos Particular Bastos, Klenzen & Cia. Montenegro
1880 Travesseiro Particular Xavier Alves Taquari
1880 Piedade Particular Felipe Selbach Triunfo
1880 Pirajá Particular Diversos São Sebastião do Caí
1880 Sete Léguas Particular Antônio J. S. Mariante Taquari
1881 Santo Antônio Particular João Antônio Pinheiro Pelotas
1881 Aliança Particular Augusto Hardt Pelotas
1881 Arroio Grande Particular Rheingantz Pelotas
1882 Municipal de Pelotas Municipal mara Municipal Pelotas
1882 Santa Helena Particular Siegmar von Schlegell Pelotas
1883 Retiro Particular Manoel Fontoura Lopes
Pelotas
1884 Nova Santa Cruz Particular Diversos Santa Maria
1885 São Luiz Particular Luiz J. Silva Leivas Pelotas
1885 Palmas Particular Joaquim Fialho Vargas Lajeado
1885 Entrepelado Particular Antônio Maciel/ outros Sto Antônio da Patrulha
1886 Rio da Ilha Particular Felippe Wagner/ outros Sto Antônio da Patrulha
1887 Xingu Particular Hermann Meyer & Cia. Palmeira
1887 Rincão São Pedro Particular Thompson Santa Maria
117
Pellanda (1925), op. cit. p. 22-23.
116
ANO
DE
CRIA-
ÇÃO
NOME DAS COLÔNIAS
OU DOS NÚCLEOS
COLONIAIS
NATUREZA
FUNDADORES MUNICÍPIO ONDE
FORAM SITUADAS
1888 Barão do Triunfo Oficial Governo Imperial São Jerônimo
1888 Vila Nova Oficial Governo Imperial Sto Antônio da Patrulha
1888 Rolante Particular João Renck e outros Sto Antônio da Patrulha
1889 Jaguary Oficial União São Vicente
1889 São Xavier Oficial União São Martinho
1889 Santa Eulália Particular Heleodoro A.Souza Pelotas
Fonte: Pellanda (1925), op. cit. p. 46-47.
2.1.4 Quarta fase (1890-1914)
A quarta fase colonizatória no RS vai da Proclamação da República até 1914, ano da
eclosão da Primeira Guerra Mundial. Esse período se caracteriza pelo rápido desenvolvimento
dos núcleos coloniais fundados à época do Império, pela iniciativa governamental e particular,
e pelo surgimento de novos empreendimentos coloniais. Ao lado dos imigrantes de origem
alemã, italiana e polonesa, o enorme crescimento vegetativo da população rural das colônias
antigas que resultou num excedente populacional conduziu, no final do século XIX e no
início do século XX, a uma corrida colonial para o norte e o noroeste do Estado. O
desenvolvimento dessas colônias se deu em um ritmo muito mais acelerado do que o das
antigas colônias.
Quando as primeiras áreas colonizadas pelos imigrantes alemães e seus descendentes
já estavam consideravelmente povoadas, eles subiram o planalto Norte-Rio-Grandense e
passaram a ocupar terras do norte e o noroeste do Estado. Os solos do planalto formados
pela decomposição do basalto constituíam-se, à época, nos melhores do Estado para o
aproveitamento agrícola. Também ali, tal como na Encosta do Planalto, vicejava a floresta
subtropical. Os empreendimentos coloniais que então foram criados no Planalto Médio, nas
Missões e no Alto Uruguai passaram a ser denominados de colônias novas.
Como esboçado anteriormente, no processo de colonização levado a cabo no Rio
Grande do Sul houve uma estreita dependência entre o tipo de povoamento e a distribuição da
117
vegetação. As terras de mata situavam-se, em sua quase totalidade, na metade norte do
Estado, ou seja, na Encosta e no Planalto. Os colonos imigrantes, e depois os seus filhos e
netos, dirigiram-se quase sempre para as áreas de floresta. Colonizar e desmatar eram, então,
sinônimos. Segundo Nilo Bernardes,
118
isso ocorreu não tanto pelo fato de, quando da
chegada dos colonos, os campos já estarem divididos e ocupados pelas fazendas de criação de
gado. Também não pelo fato de os proprietários das grandes estâncias não desejarem se
desfazer de parcela de suas terras a fim de não prejudicar a sua atividade econômica. A razão
fundamental pela qual teria sido dada ao colono europeu a tarefa de fazer recuar a floresta
seria a tradição luso-brsileira de que a agricultura somente seria proveitosa nas áreas de mata.
Isso porque ali o solo humoso compensaria o trabalho de semeadura, enquanto os solos de
campo bem mais fracos seriam propícios para a pecuária, ali não vingando a pequena
propriedade que se assentasse na agricultura. Seriam, dessa forma, os colonos de origem
européia herdeiros dessa tradição luso-brasileira.
Ainda de acordo com Bernardes, mesmo no Planalto, as colônias cessaram onde
começavam os campos. “Os campos, seja no Planalto, na Depressão Central ou na
Campanha, conservaram-se eminentemente pastoris e nas áreas de mata, somente, é que se
desenvolveu a colonização, seja na Encosta, no Planalto ou nas Serras do Sudeste.”
119
A
paisagem natural, conforme a tese exposta pelo eminente geógrafo brasileiro, teria provocado
uma dualidade econômico-social no Estado com limites extremamente rígidos, sem a
existência de interpenetração ou áreas de transição. A persistência dessa justaposição, ainda
no início da década de 1950, se explicaria pela interferência permanente de fatores culturais
sobre cada uma das estruturas existentes.
Virgínia Etges,
120
que elaborou uma tese de doutorado sobre a contribuição de Leo
Waibel para o desenvolvimento da Geografia Agrária no Brasil, registrou que esse eminente
geógrafo alemão, que esteve trabalhando no Brasil entre 1946 e 1950, tornou-se um decisivo
defensor do uso das terras de campo também para a agricultura. Waibel, que polemizou em
torno do dogma de que os campos serviriam unicamente para a pecuária enquanto as áreas de
mata melhor se prestariam para as atividades agrícolas, afirmou que essa concepção
influenciara negativamente o povoamento e a estrutura econômica e sociopolítica do Brasil.
118
BERNARDES, Nilo.Bases geográficas do povoamento do Estado do Rio Grande do Sul. Ijuí: Ed. UNIJUÍ,
1997. p. 74.
119
Ibidem p. 81.
120
ETGES, Virgínia Elisabeta. Geografia Agrária: a contribuição de Leo Waibel. Santa Cruz do Sul: EDUNISC,
2000. p. 128.
118
O historiador Paulo Zarth,
121
ao pesquisar a história agrária do planalto gaúcho,
enfatizou que no Rio Grande do Sul o gado sulino foi privilegiado em detrimento da
agricultura. Ao contrário do que sucedera no Nordeste colonial brasileiro, onde o gado fora
expulso para o sertão inóspito em favor da lavoura da cana-de-açúcar, aqui foi a agricultura
que fora expulsa para as florestas inóspitas. Isso se deu porque a criação de gado era
considerada atividade nobre e os pecuaristas, detentores de prestígio e de poder político, é que
determinaram o processo de ocupação das terras no extremo sul do Brasil.
Nessas novas regiões coloniais, os governos federal e estadual procuraram misturar os
colonos de diferentes procedências e dar, assim, origem a uma série de colônias mistas. Nesse
sentido, os de ascendência alemã deveriam ser vizinhos dos de ascendência italiana, polonesa
e de imigrantes de outras nacionalidades. O objetivo era evitar o temido enquistamento
étnico. Não obstante a deliberação dos governantes, houve, nessas colônias, a tendência de os
colonos, sempre que possível, se reunirem em determinadas linhas ou picadas de acordo com
o credo religioso que professavam, com o local de onde procediam ou conforme a origem
étnica. Muitos dos que não conseguiram se fixar entre os seus, se deslocaram para regiões
coloniais do Paraguai, da Argentina ou do estado de Santa Catarina. nas colônias
particulares, houve a tendência de ocorrer um predomínio quase que absoluto de uma só etnia.
É o caso de Neu Württemberg (Panambi), Erval Seco, Cerro Azul e Boa Vista (Santo Cristo),
onde predominavam os de origem alemã, e de Sananduva, onde os italianos eram quase que
exclusivos.
Conforme Leopoldo Petry, entre 1890 e 1892 uma verdadeira avalanche de imigrantes,
estimada em 48.720 pessoas, aportou no Rio Grande do Sul. Nos 20 anos seguintes, isto é, até
1912, o número não teria excedido 51.893 pessoas.
122
Embora alguns dos imigrantes tivessem
sido encaminhados para as colônias situadas a leste de Porto Alegre, caso da colônia Marquês
do Herval, em Osório, ou a colônia Vila Nova, em Santo Antônio da Patrulha; ao oeste, caso
das colônias Mariana Pimentel e Barão do Triunfo; ao sul de Camaquã, caso das colônias
Jaguari e São Brás, o grosso do contingente foi enviado para as colônias de Ijuí, Guarani e
mais tarde também Erechim.
123
Essas três colônias oficiais e os empreendimentos particulares
de Serro Azul e Neu Württemberg se constituíram nas mais importantes colônias criadas
durante essa fase.
121
ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do planalto gaúcho 1850-1920. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1997. p. 24.
122
Petry, op. cit. p. 13.
123
Ibidem, p. 14.
119
A fundação de Jaguari, ocorrida em 11 de outubro de 1889, deu-se ainda pelo governo
imperial. Localizada a oeste da cidade de Santa Maria, no vale do rio que leva o mesmo
nome, o complexo Jaguari era composto por seis núcleos: Toroquá, Ernesto Alves, Jaguari,
São Xavier, Toropi e São Vicente. Em 1896, sua população já contava com 10.770 habitantes.
Desses, 4.990 eram italianos; 2.187 brasileiros; 1.991 alemães; 943 russos; 610 austríacos; 35
espanhóis; 28 suecos e 36 eram de outras origens. Essa população se espalhava por uma
superfície de 60.650 hectares, ocupando 2.428 lotes rurais e 462 urbanos. O extraordinário
desenvolvimento do complexo permitiu que no ano de 1906 já se produzisse um valor
correspondente a 2.000:000$000.
124
Dando continuidade ao movimento esboçado pelo Império, em 1890 o governo da
União fundou a colônia Ijuí. Criada em 19 de outubro de 1890 em territórios dos municípios
de Cruz Alta, Santo Ângelo e Palmeira das Missões, às margens do rio homônimo,
125
a
colônia abrangia, em 1896, uma área de 44.507 hectares. Em 1909, a superfície de Ijuí
atingia 62.602 hectares. Em 1911, uma estrada de ferro ligou Ijuí a Cruz Alta. Afirma Roche
que, com isso, em apenas um ano o valor das terras teria dobrado de preço.
126
Os empreendimentos coloniais que pulularam pela região do Planalto, a exemplo de
Ijuí, geralmente seguiam um traçado simétrico e uniforme, prevendo, inclusive, a localização
dos futuros núcleos urbanos. As glebas eram demarcadas em linhas retas, formando terrenos
retangulares de 250 metros X 1.000 metros, isto é, 25 hectares. Acidentes topográficos, cursos
d’água e a existência de estradas, na maioria das vezes, não foram levados em consideração
na medição dos lotes, o que ocasionou transtornos para alguns colonos.
Concebida como colônia mista, seus habitantes eram imigrantes poloneses e russos,
mas havia também alemães russos e alemães austríacos. Aos grupos de estrangeiros se
juntaram os brasileiros descendentes de alemães e italianos que eram originários das colônias
velhas. Sua evolução demográfica foi a seguinte: em 1896, possuía 4.644 habitantes; em
1900, a cifra subiu para 8.847 almas; e, finalmente, em 1914, ascendia para 25.325
habitantes. Nesse mesmo ano, viviam em Ijuí 18.226 católicos e 6.899 acatólicos, que
pertenciam a diversas nacionalidades, a saber: 20.574 brasileiros; 1.650 russos; 936 alemães;
124
Pellanda (1925), op. cit. p. 186.
125
Bernardes, op. cit. p. 79, observou com propriedade que a função dos rios, mesmo do caudaloso Uruguai, foi
quase nula na colonização do Planalto. a ferrovia que, partindo de Santa Maria, chegava a Passo Fundo,
Erechim, Carazinho, Cruz Alta e Santo Ângelo desempenhou importante papel para o povoamento do Alto
Uruguai e do Planalto Médio.
126
Roche, op. cit. p. 127.
120
781 italianos; 649 poloneses; 424 austríacos e 310 de outras nacionalidades.
127
Karlheinrich
Oberacker estimou que, em meados da década de 1930, entre 40 e 50 por cento da população
de Ijuí era formada de alemães e seus descendentes.
128
Figura 6: A colonização do Noroeste do Rio Grande do Sul
Fonte: Oberacker, op. cit. p. 19.
Em 1912, a colônia foi emancipada, tornando-se município autônomo e seu núcleo
urbano e administrativo foi transformado em vila. Exportava então 2.300:000$000,
destacando-se principalmente a produção de milho, fumo em folha, banha e madeiras
diversas.
Situada a noroeste de Ijuí, surgiu, em 1891, a colônia Guarani. Ela, embora criada em
1880 sob a denominação de Lucena, teve o início de sua exploração somente após proclamada
a República brasileira. Localizada nos territórios dos então municípios de São Luiz e Santo
Ângelo, essa colônia criada pelo governo federal estendia-se até a barranca do rio Uruguai.
Estava dividida em dois núcleos: Comandaí e Uruguai.
129
Estando distante de mercados
consumidores e destituída de estradas, a colônia teve um início bastante difícil. Com o
127
ÁLBUM COMEMORATIVO DO CINCOENTENÁRIO DA FUNDAÇÃO DE IJUÍ (1890-1940). Ijuí:
Livraria Serrana, 1940.
128
OBERACKER, Karlheinrich. Die volkspolitische Lage des Deutschtums in Rio Grande do Sul (Südbrasilien).
Jena: Verlag von Gustav Fischer, 1936. p. 17.
129
Pellanda (1925) op. cit. p. 188.
121
surgimento de estradas – inclusive da via férrea que foi prolongada em direção a Santo
Ângelo e de novos empreendimentos coloniais particulares nos arredores, a colônia oficial
deslanchou. Em 1909, compreendia 3.346 lotes coloniais de 25 hectares cada, dos quais 596
ainda não estavam ocupados. Nesse mesmo ano, exportava 350 mil réis em valores e possuía
uma população de 9.184 habitantes, número esse que saltaria para 18.300 no final de 1912. Os
alemães e descendentes perfaziam 25 por cento do total dos moradores.
130
Guarani das
Missões foi o maior reduto de poloneses do Rio Grande do Sul. Em 1913, os poloneses ali
formavam um núcleo populacional de cerca de 5 mil pessoas.
131
A Constituição brasileira de 1891, através do seu artigo 64, estabeleceu que as terras
devolutas passariam ao domínio dos estados federados, cabendo aos mesmos, diretamente ou
por concessões a particulares, a promoção da colonização. No Rio Grande do Sul, no entanto,
a colonização foi assegurada pela União até 1895, através da Delegacia das Terras e
Colonização. Vinculadas à delegacia, funcionavam seis comissões em cada uma das colônias
gerais, a saber: Guarani, Ijuí, Jaguari, Barão do Triunfo, Marquês do Herval e Alfredo
Chaves. A partir dessa data, os governantes estaduais responsabilizaram-se pela questão que
passou a ser gerida pela Secretaria de Negócios e Obras Públicas. Para tanto, a Secretaria foi
organizada em três diretorias: Diretoria Central, Diretoria de Obras Públicas, Terra e
Colonização e Diretoria de Viação.
132
Uma importante colônia criada por iniciativa do governo do Estado foi a colônia
Erechim. Tornando-se insuficientes as terras das colônias Ijuí e Guarani, o presidente do
Estado, Carlos Barbosa, fundava, em 1908, a colônia Erechim. Situada a nordeste da colônia
Ijuí, ela começou a receber colonos a partir de fevereiro de 1910. Servida pela estrada de ferro
Santa Maria/São Paulo, em 1913 a nova colônia se estendia sob uma superfície de 305.640
hectares. Em 1912, possuía 14.500 moradores, dos quais 5.867 eram imigrantes. Uma das
características marcantes desse empreendimento colonial foi a diversidade étnica e cultural da
sua população. Em 1914, a colônia produzia um valor global estimado em 3 mil contos de
réis, dois terços dos quais eram vendidos para fora da colônia. Para esse impulso inicial,
muito contribuiu a via férrea que cruzava o local. Em 1918, graças ao desenvolvimento
alcançado, a colônia foi emancipada e transformada em município.
130
Cunha, op. cit. p. 248.
131
Gritti, op. cit. p. 97.
132
Decreto nº. 42, de 10 de Janeiro de 1895, e Ato nº. 15, de 31 de janeiro de 1895.
122
Dentre as muitas colônias particulares fundadas no período, merecem destaque
especial as de Neu Württemberg e Serro Azul. O empresário alemão Hermann Meyer teve
destacada atuação no mercado imobiliário das colônias novas. Em 1897, comprou em
Palmeira das Missões 1,8 mil hectares ao preço de 15:500$000, ou seja, 8$525 réis por
hectare. Fundou ali a colônia Xingu, a primeira de uma série de tantas. Estava localizada na
margem direita do rio da Várzea, na estrada que conduzia a Nonoai e ao vizinho estado de
Santa Catarina.
Um ano depois, Meyer iniciou a compra de terras, do Estado e de pecuaristas, para a
futura colônia Neu Württemberg. Esse empreendimento situava-se a cerca de 45 quilômetros
ao norte da cidade de Cruz Alta, na margem esquerda da ferrovia Cruz Alta-Passo Fundo.
Originariamente possuía uma superfície de 11.085 hectares que se estendiam por partes dos
municípios de Palmeira das Missões e Cruz Alta. O lote de 25 hectares coberto de mata, que
em 1901 era vendido a um conto de réis, em 1912 já alcançava um preço que variava entre 2 e
3,5 contos de réis.
133
Para lá foram atraídos imigrantes alemães e colonos das regiões alemãs
antigas do RS, onde a população havia crescido além da capacidade de absorção dos lotes,
levando em consideração o sistema de agricultura praticado. Neu Württemberg, que hoje se
chama Panambi, se tornou município em 1954, quando se desmembrou de Cruz Alta e de
Palmeira das Missões.
Nos primeiros tempos, em Xingu e Neu Württemberg, o produto agrícola de maior
importância foi o milho. Além dele, também feijão, mandioca, batata inglesa, verduras e
legumes, trigo e cevada eram produzidos. Como produtos destinados ao mercado,
destacavam-se o tabaco e especialmente a banha de porco. A criação de suínos desempenhou
papel fundamental na economia das colônias novas do Planalto até meados do século XX.
Serro Azul, que hoje se chama Cerro Largo, deve sua fundação, ocorrida a 03 de
outubro de 1902, à antiga Associação Rio-grandense de Agricultores (Bauernverein),
organização surgida em 1900 pelos estímulos do padre jesuíta Teodoro Amstad e criada em
moldes interconfessionais.
134
Constatando a saturação demográfica na antiga região colonial,
a associação orientou os novos colonizadores do empreendimento a formarem grupos, os
maiores possíveis, de pessoas conhecidas entre si. Desaconselhava, portanto, a dispersão
133
Zarth, op. cit. p. 88.
134
RICK, João Evangelista, S.J. Colonização alemã católica no sul do Brasil. Pesquisa, História, São Leopoldo,
n. 27, p. 115-125, 1989.
123
entre colonos estranhos. Em segundo lugar, estabeleceu que o povoamento fosse feito de
comunidades separadas por confissão religiosa.
As terras utilizadas pelo Bauernverein eram uma parcela dos cerca de 1.800.000
hectares que, em 1897, o governo estadual havia concedido a Heinrich Schüller. Schüller, em
compensação, assumia o compromisso de construir em um prazo de três anos, três estradas de
ferro na região noroeste do Estado: a que ligaria Tupanciretan com São Luiz e Nonoai; a que
conectaria Nonoai com Caxias e, por fim, a que uniria São Luiz com São Borja e Itaqui. Não
conseguindo sequer o capital suficiente para a construção dos primeiros 220 quilômetros
que custariam cerca de 10 milhões de marcos –, teve que devolver a concessão. Horst
Hoffmann adquiriu então o direito de colonização de parte dessa área, obrigando-se a pagar
aos cofres públicos certa quantia em dinheiro por gleba comercializada. Hofmann, em
seguida, repassou seus direitos de colonização para o Bauernverein. Em Serro Azul, o lote foi
vendido a 500$00. 200$00 tinham que ser pagos no momento da assinatura do contrato e os
restantes 300$000 deveriam ser pagos num período máximo de 6 anos, com juros de 6 por
cento ao ano.
135
Com a extinção, em 1910, do Bauerverein, o Volksverein (Sociedade União Popular),
fundado em 1912 para defender o interesse dos teuto-brasileiros católicos, também se
dedicaria, posteriormente, a projetos colonizatórios. Fundaria, no ano de 1926, em Santa
Catarina, a colônia católica de Porto Novo, que deu origem a Itapiranga.
No total, entre 1890 e 1914, a partir dos números fornecidos por Pellanda, calculou-se
o ingresso de apenas 17.308 imigrantes alemães em território gaúcho.
136
Nesse mesmo
período, a entrada de imigrantes poloneses teria sido de 32.000, dos quais 25.000 teriam
chegado entre 1890 e 1894, fase denominada de “febre da imigração brasileira” pelos
estudiosos da colonização polonesa.
137
Quanto aos italianos, entre 1890 e 1914, para Pellanda,
teriam entrado no Estado 32.500 imigrantes. A população de ascendência italiana já era
calculada em 250 mil no início da Primeira Guerra Mundial.
138
Nessa fase, foram expedidos inúmeros atos e decretos que ampliavam, reduziam ou
prorrogavam o prazo para a cobrança de dívidas coloniais em diferentes colônias existentes no
135
Cunha, op. cit. p. 254-256.
136
Pellanda (1925), op. cit. p. 25.
137
Gluchowski, apud Gritti, op. cit. p. 43.
138
Pellanda (1950), op. cit. p. 11.
124
Estado. Também foram muitos os regulamentos que estabeleciam ou relevavam multas e
juros para a quitação dos débitos que vigoraram durante um curto espaço de tempo. Ao que
tudo indica, os colonos, ao menos no que diz respeito ao pagamento das dívidas contraídas
com o poder público, não eram muito bons pagantes.
2.1.5 A imigração alemã posterior a 1914
Este período se estende basicamente entre os anos que separam o fim da Primeira e o
início da Segunda Guerra Mundial. A imigração e a colonização, nesse período, voltam a ser
competência da União. Refletindo um acalorado debate que ocorria no país a respeito do tipo
de imigrante desejável, a Constituição brasileira de 1934, a fim de preservar a estrutura racial
e cultural do país, estabeleceu o sistema de cotas. Através das cotas, limitou-se a imigração a
um máximo anual de dois por cento dos nacionais de cada país fixados no Brasil nos
cinqüenta anos imediatamente anteriores.
No Rio Grande do Sul, entre 1914 e 1939, diminuiu sensivelmente a imigração. Jean
Roche calculou que nesse intervalo de tempo teriam ingressado em solo gaúcho 30.439
alemães e austríacos. Deduzindo as saídas, que totalizaram 12.360, o saldo líquido foi de
18.079.
139
A maioria desses imigrantes não se dedicava à agricultura, mas eram trabalhadores
urbanos que, conseqüentemente, se radicaram nas cidades.
Como decorrência da crise econômica que assolou a Alemanha nos anos que se
seguiram à Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e em conseqüência da grande depressão
econômica dos anos 30, profissionais liberais, intelectuais, engenheiros, operários
qualificados, comerciantes e outras camadas da população resolveram abandonar o país. As
regiões do globo terrestre em que consideráveis contingentes de alemães se tinham
enraizado, passaram a ser procurados por esses novos migrantes. Particularmente, cidades que
contavam com empreendimentos industriais, comerciais ou bancários de capital alemão, ou
pertencentes a cidadãos alemães, passaram a entrar na listagem dos imigrantes. No RS, Porto
Alegre recebeu a maior parcela desses imigrantes. Mas, cidades de menor porte como Canoas,
São Leopoldo, Novo Hamburgo, Santa Cruz do Sul, Cachoeira do Sul, Ijuí, Lajeado e outras
também receberam alguns desses novos estrangeiros.
139
Roche, op. ct p. 134.
125
Nessa fase, os estabelecimentos coloniais fundados foram em número bastante inferior
ao do período anterior. Enquanto os empreendimentos anteriormente criados iam se
espraiando, surgia, em 1915, ao norte da colônia Guarani, a colônia de Santa Rosa. Dali a
colonização se estende para Porto Lucena, Tucunduva e Laranjeiras. Às margens do rio
Guarita surge a colônia de Guarita do Iraí. São ainda dessa época, entre outras, Capão Grande,
Três Passos e Criciumal.
140
A partir de 1920, ao escassearam as terras para a colonização no RS,
141
teve início o
movimento migratório de colonos gaúchos para o Oeste dos estados de Santa Catarina e do
Paraná. Lá, os descendentes de imigrantes italianos, alemães, poloneses e de outras
nacionalidades reproduziram sua condição social e econômica de existência de pequenos
produtores agrícolas familiares. Em alguns casos, os gaúchos exilados chegaram a formar
mais de noventa por cento da população de determinados municípios daqueles estados.
Uma das conseqüências do processo de colonização ocorrido no RS foi a
mercantilização da terra. A colonização oficial subsidiada pelo Estado normalmente
funcionava como um chamariz para os loteamentos feitos por particulares e pelas companhias
de colonização que se desenvolviam nos arredores das colônias oficiais, aproveitando-se de
toda a infra-estrutura montada pelo governo. Afirma Zarth que “cada colônia oficial era uma
espécie de pólo, ao redor do qual eram instalados os empreendimentos privados utilizando-se
da infra-estrutura criada e do mercado gerado pela colônia estatal.”
142
Ernesto Pellanda, num
trabalho para a Repartição de Estatística do Estado do Rio Grande do Sul, listou 142 colônias
alemãs, das quais 114 eram particulares, enquanto apenas 28 eram oficiais. Isso dá uma noção
do grande negócio que passou a representar possuir a posse jurídica de terras nas
proximidades das colônias estatais. Explica, também, em boa medida as grilagens de terras
públicas, as apropriações de áreas feitas a expensas de lavradores nacionais pobres
detentores apenas da posse útil de áreas da terra e os inúmeros conflitos judiciais travados
pela posse jurídica de terras. Isso se deu a partir da entrada em vigor da Lei de Terras e foi
aumentando à medida que a colonização tomava vulto.
140
Ibidem p. 137-38.
141
Dada a força política dos grandes estancieiros, as terras de campo do Estado, onde se praticava a criação
extensiva de gado, ficou praticamente intocada pela colonização. No geral, foram as terras de topografia
acidentada e cobertas de florestas que foram utilizadas para assentar os colonos europeus e seus descendentes.
Mesmo a posterior perda de prestígio econômico e político dos pecuaristas e a pressão desenvolvida pelo
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra não colocaram em risco os latifúndios da Campanha Gaúcha.
142
ZARTH, Paulo Afonso. Do arcaico ao moderno: o Rio Grande do Sul agrário no século XIX..Ijuí: Ed,
Unijuí, 2002. p. 94.
126
Figura 7: As regiões coloniais do Rio Grande do Sul em 1924
Fonte: Oberacker, op. cit. p. 96.
Em 1924, o território do Rio Grande do Sul apresentava uma respeitável área colonial,
povoada principalmente por populações de ascendência alemã e italiana. O mapa reproduzido
na FIGURA 7 uma noção de onde, preferencialmente, se radicavam os colonos de
procedência germânica e italiana e nas áreas em que predominavam colonos que passavam
pelo processo de caldeamento étnico.
Muitos dos empreendimentos particulares, como visto anteriormente, chegaram a
receber generosos subsídios governamentais para introduzir imigrantes. Foi o caso, dentre
outros, de Jacob Rheingantz, na colônia São Lourenço, da Montravel, Silveiro & Cia, em
Santa Maria da Soledade, e de Antônio Joaquim da Silva Mariante, em Venâncio Aires.
Outro fato a destacar é que não foram apenas as áreas de colonização que se
valorizaram. Mesmo as terras de campo nativo aumentaram seu preço em decorrência da
colonização. Zarth, por exemplo, apurou que, no Planalto, terras que em 1851 tinham um
127
preço médio de $500 réis o hectare, tiveram seu valor médio majorado para 4$469 réis, em
1901, e para 11$590 réis, em 1911, valores esses deflacionados com base na libra
esterlina.
143
Dessa forma, pode-se afirmar que a colonização dirigida pela burocracia estatal
teve entre seus resultados a grande valorização de terras e representou um grande negócio
para proprietários de terra, empresas colonizadoras, grileiros e especuladores.
Tirando proveito do êxito dos primeiros empreendimentos coloniais e aprendendo com
os insucessos iniciais, os governantes planejaram e apoiaram o assentamento dos imigrantes e
de seus descendentes nas áreas florestais do Estado. Assim, quando das demarcações dos lotes
coloniais, sempre era previsto um local para a futura povoação, que deveria se constituir
posteriormente no centro econômico, social, cultural e político-administrativo da localidade.
Também se evitava a criação de colônias em locais isolados geograficamente. Zarth relata que
desde meados do século XIX a Câmara de Cruz Alta fazia insistentes apelos ao governo
provincial para a instalação de cleos coloniais nas áreas de mata do município. Esses
pedidos, no entanto, somente ganharam eco em 1890, recebendo aplausos dos cruz-altenses.
Ou seja, para que a colonização pudesse ser estendida ao Planalto Médio, na ausência de um
rio navegável, foi imprescindível dotar primeiramente a região de uma estrada de ferro.
Somente quando o abastecimento e o escoamento da produção das novas áreas coloniais
estava resolvido é que os governos central ou provincial passavam a bancar algum complexo
colonial. Agindo assim, fracassos iniciais como os de São Pedro de Alcântara, Três
Forquilhas e São João das Missões não se repetiriam.
2.2 Dificuldades iniciais
Enormes foram as adversidades com as quais os imigrantes europeus e seus
descendentes inicialmente se depararam nas colônias. A cada nova colônia que era
estabelecida nos vales de rios, pela Encosta do Planalto, no Planalto Médio ou no Alto
Uruguai, a situação inicial encontrada nas picadas e glebas de terra era quase sempre a
mesma. Procedentes de um clima temperado, em geral eles vinham completamente iludidos
quanto ao tipo de vida que teriam no Sul do Brasil. Na Alemanha, a propaganda feita pelos
agentes responsáveis por angariar voluntários para a colonização pintava a existência de um
verdadeiro paraíso subtropical no Brasil, local onde todos poderiam satisfazer seu sonho de
143
Ibidem, p. 96.
128
ser proprietário de terras e de facilmente enriquecer. O suíço Thomas Davatz,
144
que trabalhou
como contratado na Fazenda Ibicaba, de propriedade do senador Vergueiro, confessou-se
vítima do que chamou de “febre da emigração”:
Lindas descrições, relatos atraentes dos países que a imaginação entreviu;
quadros pintados de modo parcial e inexato, em que a realidade é por vezes
deliberadamente falseada, cartas ou informes sedutores e fascinantes de amigos,
de parentes; a eficácia de tantos prospectos de propaganda e também, sobretudo,
a atividade infatigável dos agentes de emigração, mais empenhados em rechear
os próprios bolsos do que em suavizar a existência do pobre ... – tudo isso e mais
alguma coisa contribuiu para que a questão da emigração atingisse um grau
verdadeiramente doentio, tornando-se uma legítima febre de emigração que
contaminou muita gente. E assim como na febre física dissipa-se a reflexão
tranqüila, o juízo claro, coisa parecida ocorre nas febres de emigração. Aquele a
quem ela contagiou, sonha com o país idealizado durante o sono e durante a
vigília, no trabalho e no descanso; agarra-se a prospectos e folhetos que tratam
do seu tema favorito, dando-lhes o maior crédito (...).
O desconhecimento de como lidar com a floresta, o descumprimento de promessas por
parte dos governos imperial e provincial e por parte das companhias de colonização e de seus
agenciadores, o medo de bugres e de animais, a falta de dinheiro, de ferramentas de trabalho e
de alimentação, o abandono e o isolamento que sentiram quando largados em frente ao seu
inculto e inexplorado lote, tudo isso desesperou muitos dos recém-chegados. O sentimento de
saudade das pessoas e das coisas da terra natal aflorava diante das adversidades. Não
existindo a possibilidade de regresso, em função das precárias condições materiais de
existência dos imigrados, trabalhar passou a ser a única alternativa possível.
Pesquisas recentes, surgidas principalmente no âmbito dos programas de pós-
graduação em História existentes no RS, têm questionado uma séria de interpretações
encontradas em escritos de historiadores profissionais e diletantes que tratam da colonização.
Muitos desses escritos são efetivamente laudatórios e apologéticos e corroboraram na
consolidação de algumas interpretações que se tornaram quase axiomáticas. O
questionamento do mito do “pioneiro” e do mito da ideologia da superioridade da capacidade
de trabalho dos colonos europeus em relação aos lavradores nacionais são dois bons exemplos
dessa revisão historiográfica ocorrida. Não desconhecendo essas críticas e considerando
mesmo procedentes muitas delas, para o desenvolvimento lógico deste trabalho, julgou-se
necessário enfatizar as dificuldades iniciais com as quais se defrontaram os colonos nos
núcleos coloniais. Embora haja o uso ideológico dessa questão (ver a respeito o capítulo 4),
144
DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil: 1850. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP,
1980. p. 47-48.
129
não se pode desconsiderar e minimizar os efeitos provocados pela passagem de um sistema de
relações sociais para outro, ou seja, a mudança de uma aldeia ou mesmo de um pequeno
centro industrial da Alemanha para o meio da floresta subtropical brasileira. Nessa passagem
de um sistema de valores para outro completamente desconhecido, os indivíduos
normalmente se desestabilizam psicológica e socialmente. E as reações, que nesse caso
podem ser as mais diversas, devem ser levadas em consideração.
2.2.1 O desconhecimento da floresta
Os imigrantes alemães vinham completamente despreparados para explorar um lote de
terras coberto por uma desconhecida floresta subtropical, na qual o seu lote colonial ficava
isolado numa ampla área, relativamente despovoada. Quando chegavam à picada do seu
destino, apavoravam-se, pois:
De um lado a outro lado, elevavam-se árvores monstruosas, estreitavam-se os
arbustos e as plantas do sub-bosque, enlaçavam-se os cipós. Era a obscuridade
misteriosa, a umidade sufocante do dia, a ameaça confusa da noite, a angústia e o
desespero (...) A terra arável, o espaço, a luz, tudo devia ser conquistado à
floresta.
145
As primeiras noites na selva provocaram tormento e aflição. Relata em seu romance
histórico o padre Matias José Gansweidt que as famílias, ao serem largadas na floresta,
“quando em volta desce o escuro manto da noite, quando passarinhos e insetos silenciam de
todo seus cantos, então começa o receio a lhes invadir a alma. O silêncio os oprime e
angustia. Sentem-se perdidos na vastidão das selvas. Sentimentos jamais experimentados lhes
convulsionam o peito.”
146
Como na Europa não havia mais mata cerrada, o tipo de
desmatamento a ser feito era completamente desconhecido ao imigrante:
(na Europa) nós o imaginávamos bem diferente. Pensávamos que quando a
árvore estivesse cortada em baixo, ela cairia: completamente errado. Estavam (as
árvores) na maioria entrelaçadas nos ramos por cipós e nem havia hipótese de
queda na mata virgem e tramada. Muitas vezes foi necessário cortar até 10
árvores antes que tombassem.
147
145
Roche, op. cit. p.52
146
GANSWEIDT, Matias José. As vítimas do bugre. Porto Alegre: Livraria Selbach, 1946. p. 22.
147
Festschrift zum 50jährigen Jubiläum der Linha Isabella. Santa Cruz: Lamberts & Riedl.
130
Os recém-chegados, além de não conhecerem a floresta, não sabiam como com ela
lidar. Não possuíam os bens materiais indispensáveis para a sobrevivência, faltando-lhes
dinheiro, ferramentas, alimentos e conhecimentos a respeito dos recursos que a própria selva
propiciava. Ainda que alguns deles não tivessem sido agricultores na Europa, aqui muitos
tiveram que ser agricultores por bem ou por mal. O ex-artesão de indústria vítrea, Josef
Umann, assim se manifestou a respeito em sua autobiografia:
A escura floresta virgem com suas árvores colossais e a impenetrável vegetação
rasteira que tínhamos de conquistar palmo a palmo, abrindo caminho com o
facão, exigia de nós um serviço árduo e não habituado (...) muitos teriam
regressado à pátria, se tivessem tido os meios para tal. Mas esta hipótese estava
fora de cogitação, e por isso só restava pegar no duro
148
.
Desorientados e entregues à própria sorte, os colonos passaram a executar a derrubada
da mata aos moldes do índio e do caboclo, ou seja, ateando fogo à floresta. A madame belga
van Languedonck que, entre 1857 e 1859, viveu nas suas glebas do Caí, em Santa Maria da
Soledade, lamentava o grande desperdício da excelente madeira que a colonização
provocava:
A falta quase total de vias de comunicação obrigava a destruição, pelo fogo, da
madeira cortada. Os troncos que não se consegue queimar ficavam apodrecendo
ao ar livre, o que não impedia que plantássemos em volta. No entanto, que
imenso rendimento não dariam essas belas madeiras, enviadas à Europa, para a
marcenaria e a construção.
149
Também Robert Avé-Lallemant, que em março de 1858 percorreu as picadas da
colônia de Santa Cruz, lamentava essa inevitável prática:
(...) no meio do quadro das frescas e verdejantes culturas, tudo é brutal e cruel
destruição. Em toda parte troncos de árvores meio carbonizados e cinzentos
restos do voraz incêndio da mata na floresta semitostada! depois de muitos
anos apresenta um desses estabelecimentos coloniais um quadro de paz tranqüila,
de repouso ordenado, de amenidade exterior. (...) haviam abatido uma fogueira
em Rio Pardinho para consumir as árvores abatidas na floresta. Bela madeira! O
fogo chamejava alto. O calor erguia violentamente as labaredas e, com elas,
grandes fragmentos ardentes que voavam com o vento para a mata e lá se
apagavam, crepitando. O que aqui a civilização fazia era uma fantástica e
lamentável obra de incendiário.
150
148
UMANN, Josef. Memórias de um imigrante boêmio. Porto Alegre: EST/Nova Dimensão, 1997. p 57.
149
LANGEDONCK, Madame van. Uma colônia no Brasil: narrativa de viagem ao Rio Grande do Sul.
Florianópolis: Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2002. p. 53.
150
Avé-Lallemant, op cit p. 175, 180 e 181.
131
Situação idêntica o médico alemão havia presenciado ao visitar diversas picadas
situadas nos arredores de São Leopoldo. Observou que centenas de milhares de troncos
carbonizados jaziam nas inclinadas encostas das linhas novas. Alguns, embora tostados pelo
incêndio, ainda estariam de pé, estendendo seus galhos negros como que clamando a vingança
do céu, “até que o machado se ajunte ao fogo que já o precedera, e o tronco, ferido pelo ferro,
se precipite no abismo.” E, ironia do destino, no meio desse caos de aniquilamento
cresceriam, depois, viçosos milharais e feijoais.
151
Sílvio Correa e Juliana Bublitz, em “Terra de promissão”,
152
realizaram uma meritória
análise, qualificada pelos próprios autores de introdutória, da apropriação da natureza no Rio
Grande do Sul por vários dos grupos étnicos que colonizaram o Estado. Para tanto, estudaram
o impacto da colonização, no século XIX e início do século XX. A destruição ambiental,
especialmente a provocada pelo desmatamento, por colonos alemães e seus descendentes, é
tratado no terceiro capítulo da obra. No trabalho, os autores concluíram que as experiências de
colonização feitas no RS teriam sido predatórios em termos ambientais.
Durante a primeira fase de colonização – que foi a da adaptação ao meio, da derrubada
da mata, da construção de uma choupana e do plantio do roçado –, o trabalho foi árduo e
extremamente difícil:
A maioria, apenas começando, quer desanimar quando as mãos estão feridas e
cheias de bolhas. Mesmo assim, é preciso continuar o trabalho, por mais que
aperte a dor. Não outra alternativa para o pobre colono senão reprimir o
sofrimento e trabalhar, trabalhar e novamente trabalhar, até que a primeira roça
esteja queimada e plantada e a primeira choupana provisória erguida, de maneira
que se possa pela primeira vez dormir sobre telhado próprio
153
.
Anton Pilz imigrou em 1873 à Picada Isabela, colônia provincial de Monte Alverne.
Seguindo pelo trilho feito pelos agrimensores, chegou ao lote número 12, que era o último
que tinha sido medido. Uma cena bem diferente da imaginada em sua terra natal, Glabonz, foi
aí registrada por suas retinas:
(...) aqui havia muito a desejar. Não havia estrada, nem ponte ou pinguela, nem
comércio e movimento, nem telhados e nem ofícios. Mato e mais mato, para
151
Ibidem p. 124.
152
CORREA, Sílvio Marcus de Souza, BUBLITZ, Juliana. Terra de promissão: uma introdução à eco-história
da colonização no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed. UPF; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006.
153
Umann, op. cit. p.64
132
onde se olhava se via a verde mata. Aqui a miséria era grande, muito trabalho
e pouco pão.
154
Em praticamente todas as colônias novas a situação inicial foi idêntica. Um professor
da Colônia Vila Germânia fez o seguinte relato a respeito da situação daquele
empreendimento colonial:
Ali não caminhos, nem pontes, a gente não nada além de mato
impenetrável e não ouve nada além de machadadas e do barulho de árvores
caindo (...). O colono é conduzido a uma dessas picadas e lhe é dito: aqui tu tens
terra; agora, um jeito de te virar. E então o pobre está aí, no meio da selva,
entre os seus familiares que olham assustados para ele. Ele não sabe onde
começar, como providenciar abrigo e alimentos.
155
2.2.2 O medo dos bugres e de animais selvagens
Durante algum tempo, em algumas zonas, o maior perigo com o qual se confrontavam
os colonos era o ataque de índios. Avé-Lallement revela que, quando da fundação de São
Leopoldo, os bugres ou índios selvagens viviam no campo diante do Monte Hamburgo. Dali
teriam se retirado para a Serra de onde faziam incursões com o objetivo de atacar as picadas e
as colônias. Não existiam relações entre os colonos alemães e os bugres. “Quando aparecia
um selvagem nu e todos andam completamente nus e assim tinham de andar entre eles os
prisioneiros, mesmo as mulheres –, sem dizer água vai, atiravam-lhe uma bala na carne”.
156
Houve efetivamente algumas poucas investidas promovidas por silvícolas contra os
colonos. Nas narrativas dos primeiros colonizadores, os ataques dos bugres e das onças são
geralmente exagerados e supervalorizados. Apesar disso, não se pode negar que houve alguns
casos de ataque de índios a colonos no início do processo de assentamento dos imigrantes
europeus. Na Picada Dois Irmãos, em fevereiro de 1829, três colonos teriam sido mortos e um
ferido. Em abril de 1831, no mesmo local, outros três foram trucidados, dois foram feridos e
um menino raptado. Este, posteriormente, seria resgatado no alto da Serra. O pior ataque dos
154
Festschrift, op. cit. p. 12.
155
DEUTSCHE ANSIEDLER, apud RDÜNZ, Roberto. A terra da Liberdade: o protestantismo luterano em
Santa Cruz do Sul no século XIX. Porto Alegre: PUC, 2003. (Tese de Doutorado em História). p. 55.
156
Avé-Lallemant, op. cit. p. 131-132.
133
selvagens teria ocorrido em maio de 1831 na picada do Hortêncio. Ali, onze pessoas de
ambos os sexos teriam sido assassinadas, duas feridas a flecha e uma terceira a pau.
157
Carl Seidler noticia que as plantações dos moradores estabelecidos na colônia de
Torres freqüentemente eram devastadas por grupos isolados de índios. Ali podia ser vista uma
imigrante flechada, cuja metade da haste com a sua ponta havia atravessado as costas da
vítima. Narra ainda o soldado viajante que:
Nos estabelecimentos lançados mais para o interior da mata, por meio de
grande número de cães e abundante provisão de armas de fogo podiam os
colonos defender-se em suas casas contra os assaltos noturnos das hordas
nômades; muitas vezes tinham que abandonar as suas poucas reses e a recém
começada plantação diante do assalto noturno dos selvagens, para salvarem a
sua vida e a dos seus. Em bandos bem ordenados, contando vinte a trinta
homens, esses intrépidos filhos da selva aproximavam-se com tal cautela e
segurança, que mesmo de dia claro não eram descobertos ao alcance do tiro das
sentinelas; e então ou irrompiam do esconderijo com as certeiras flechas, ou
quais onças atiravam com a rapidez do vento sobre as sentinelas isoladas, que
estrebuchavam em seu próprio sangue antes que pudessem reagir ou chamar
socorro.
158
Em Maratá, em 1847, um bando de bugres teria atacado a casa de um colono,
assassinado um “preto crioulo” e levado uma “china” com dois filhos pequenos. Em Mundo
Novo, em 1852, um grupo de índios chefiado por um escravo fugido teria saqueado a casa de
um colono, matado o seu proprietário e levado, como reféns, duas mulheres e duas crianças
que mais tarde foram resgatadas. Em Santa Maria da Soledade, em um assalto à casa do
agricultor Versteg, mulher e filhos deste teriam sido arrebatados pelos índios.
159
Esse episódio
foi imortalizado no romance histórico do monsenhor Matias José Gansweidt.
160
O livro, cujo
original em alemão é intitulado Luis Buger und die opper seiner Rache”, foi impresso em
1946 e se constituiu na obra mais lida e procurada pelos teuto-descendentes do RS.
Na colônia Feliz, Nikolaus Rempel, que residia bem no final da picada, em 1857 teria
caído vítima dos bugres. Depois desse episódio, o governo teria acantonado um piquete de 30
homens na localidade. Posteriormente, teria cedido aos moradores da colônia um velho
canhão de grosso calibre para afugentar os gentios. “Se os bugres tinham medo do disparo de
espingardas, um tiro de canhão os afastava a distância de horas.”
161
Em outubro de 1864, na
157
Ibidem p. 143.
158
Seidler, op. cit. p. 215.
159
Truda, op cit, p, 230-232.
160
Gansweidt, op. cit.
161
Verband Deutscher Vereine, op. cit. p. 83.
134
mesma colônia Feliz, nos fundos da Linha Christina, teria sido avistada um turma de 78 a 80
bugres. O proprietário do prazo 27 de Linha Sebastopol, João Klink, teria sido morto por
índios, sendo-lhe roubado também todos os seus pertences. Conforme Helga Piccolo, talvez
essa tenha sido a última morte de um colono pelos índios.
162
Mas, à medida que a zona ocupada pelos invasores povoadores brancos se ia
alargando, com a conseqüente derrubada das matas, os aborígenes iam sendo rechaçados cada
vez mais para o norte. Mais tarde, com o início da imigração italiana, a zona ocupada
pioneiramente pelos alemães ficou totalmente livre da revolta dos índios contra os novos
senhores da terra.
Além dos bugres, os cultivos também eram algumas vezes devastados por animais. Era
o caso, por exemplo, das capivaras que em questão de horas dizimavam um milharal.
Também o tapir, os papagaios e os inúmeros macacos podiam fazer considerável estrago.
Nas colônias inicialmente tinha também muita caça. Mas havia, igualmente, cobras,
aranhas, bicho de pé, percevejos e outros. Esses animais causaram muitos incômodos,
transtornos e sofrimento para os colonos. Mas, nas frentes coloniais houve também o receio,
sempre presente, de se deparar com as feras. Escreveu Seidler que “a onça malhada, sempre
em espreita, matava não os cães, tão necessários aos colonos, mas carregava nas costas
mesmo o boi gordo ou um cavalo forte”.
163
O subdiretor da colônia Santa Cruz, Evaristo
Alves d’Oliveira, escrevia em 7 de novembro de 1850 para o Presidente da Província que,
após realizar uma reunião com os moradores, tomara conhecimento de “que os tigres
incomodavam nas habitações, matando os cães, que se achavam presos em correntes.”
164
Contudo, no que tange aos ataques e às investidas de tigres e de outras feras contra habitantes
das colônias, trata-se normalmente de estórias de conteúdo visivelmente exagerado. Na maior
parte das vezes, constituem-se em uma adaptação local de lendas ou de acontecimentos
ocorridos em outras localidades.
162
Piccolo, op. cit. p. 82.
163
Sadler, op. cit. p. 216.
164
Apud Martin (1979), op. cit.p. 38.
135
2.2.3 A precariedade das estradas
Nem todos os colonos tiveram a sorte de ser assentados próximo às margens de um rio
navegável. Mesmo esses felizardos muitas vezes não puderam tirar proveito dos meios
naturais de comunicação. A falta de dragagem e de limpeza para a retirada de troncos
depositados por enchentes e que obstruíam os leitos, muitas vezes impediu a navegabilidade
de alguns trechos. Para aqueles que adquiriram prazos coloniais em áreas distantes das
margens de um grande rio, a situação era bem mais complicada, porque não havia estradas
adequadas para escoar a produção.
As primeiras picadas não passavam de brechas abertas no meio do mato. Eram,
segundo Roche,
165
verdadeiros túneis de três ou quatro metros de largura, onde os colonos
tropeçavam nas raízes e nos cepos, onde se feriam no fio das hastes cortadas acima do solo. A
conservação dos caminhos ficava, inicialmente, ao encargo do pisotear das mulas e dos
cavalos e, posteriormente, também do rodado das carroças. Além de mal abertas, as estradas,
em geral, estavam repletas de atoleiros, o que as tornava freqüentemente intransitáveis.
166
O péssimo estado dos caminhos tornou muito difícil e oneroso o transporte de
produtos e se constituiu em um sério obstáculo para o desenvolvimento de muitas das
colônias. A precariedade das comunicações fazia com que o lombo da mula fosse, pelo menos
durante os primeiros tempos, a única maneira viável de deslocar as mercadorias. Uma mula
fazia aproximadamente sete léguas por dia e carregava em torno de 60 quilos de cada lado.
167
os comboios de carretas, embora transportassem maior volume de carga e peso,
locomoviam-se mais demoradamente e necessitavam de um terreno relativamente plano e de
estradas trafegáveis para se deslocar. Em decorrência, o frete era elevado, o que achatava o
preço dos gêneros vendidos pelo colono e aumentava sobremaneira o preço das mercadorias
vindas de fora da área colonial. Mulhall, por exemplo, constatou que o grande entrave das
colônias alemãs era a falta de estradas, o que paralisava a indústria dos colonos. Não obstante
isso, eles forneciam batatas, manteiga, queijo, milho, farinha etc. para as cidades de Porto
165
Roche, op. cit. p.53
166
NOGUEIRA, Arlindo Rocha e Hutter, Lucy Maffei. A colonização em São Pedro do Rio Grande do Sul
durante o império (1824 – 1889). Porto Alegre, Garatuja/IEL, 1975. p.91
167
FLORES, Moacyr. Tropeirismo no Brasil. Porto Alegre: Nova Dimensão, 1998. p. 5.
136
Alegre e do Rio Grande, e até mesmo exportavam grandes quantidades para o Rio de Janeiro
e para outros portos distantes.
168
Para muitos historiadores profissionais e diletantes, a falta de vias de comunicação,
além de entravar o progresso de uma colônia ou região, também teria impedido a difusão do
vernáculo português entre os imigrantes e seus descendentes. Como será visto no capítulo
quatro, discorda-se que essa última virtual seqüela oriunda da precariedade de caminhos tenha
atuado decisivamente para a preservação da língua e de costumes alemães.
Os governantes, ao que tudo indica, não se preocuparam muito com a abertura e
manutenção dos caminhos dentro das próprias colônias. Na maioria dos casos, deixavam essas
tarefas ao encargo dos próprios colonos. E, como as picadas eram demarcadas
geometricamente, muitos vezes acontecia de o traçado dos caminhos passar por desfiladeiros
íngremes ou rochedos escarpados, o que forçava os colonos a gastar boa parte do seu tempo
para a manutenção ou retificação das mesmas.
Com o passar do tempo, porém, as estradas foram sendo melhoradas, muitas vezes a
expensas dos próprios colonos, o que permitiu o uso da carroça de quatro rodas. Na medida
em que a colonização foi se consolidando, os governantes procuraram dotar as regiões
coloniais não servidas por rio navegável de transporte ferroviário. Os trilhos de trem foram de
vital importância para as colônias situadas no Nordeste, Norte e Noroeste do RS que, assim,
puderam despachar sua produção para os próprios mercados consumidores do Estado e para
os cais de portos.
2.2.4 A conquista da moradia
Na Alemanha, o camponês vivia em casa de material com uma indispensável lareira e
reserva de lenha para enfrentar o frio do inverno. Um pequeno jardim, com algumas espécies
determinadas de flores, era complemento necessário da casa. Possuía uma quinta, mais ou
menos plana, que adubava com esterco, preparando a terra com arado e grade. Cultivava
basicamente centeio, trigo e batatas. Na horta, plantava quantidades relativamente diminutas
de repolho, beterraba e leguminosas. Ali também criava algumas macieiras, pereiras e
168
Mulhall, op. cit. p. 39.
137
ameixeiras, cujos frutos eram suas guloseimas.
Aqui, quando os colonos chegavam à sua área de destino, durante os primeiros dias as
famílias trabalhavam no seu lote de terras e, à noite, se arranchavam no barracão da picada ou
se hospedavam nos lares de amigos ou parentes que se encontravam na localidade mais
tempo. Os barracões eram improvisados e rústicos galpões de pau a pique, ripados e cobertos
de capim existentes em algumas das colônias, que serviam de pouso coletivo para imigrantes
constituindo-se numa espécie de último estágio de viagem de colonos. Fröhlich uma boa
noção da passagem de colonos pelo barracão existente na colônia particular de Santa Emília,
Venâncio Aires:
Quando finalmente estavam diante do barracão de São Miguel, foram tomados
pelos mais diversos sentimentos: de alegria, por terem finalmente chegado ao
lugar onde sonhavam por um futuro promissor; de temor, por tudo que teriam de
enfrentar; de saudade, por estarem tão longe de tudo que ficara para trás.
Estavam agora no rústico barracão, coberto por palmitos, sem portas e sem
janelas, sem cadeiras e sem camas. Nele nenhum prego, nenhuma tábua, tudo
armado com cipós
.
169
Josef Umann, um dos imigrantes pioneiros de Linha Cecília, relatou que o diretor da
colônia de Monte Alverne, Sr. Richter, instruiu aos colonos a primeiramente desmatar uma
pequena roça, queimar a vegetação, limpar o local e ali construir uma choupana provisória
onde poderiam morar por algum tempo. Umann, entretanto, seguiu o conselho dos colonos
radicados e alojou-se na casa da família de Josef Reckziegel, de Linha Brasil. Precisava
deslocar-se diariamente até seu lote por péssimos caminhos, o que lhe consumia, ida e volta,
cerca de duas horas todo o dia.
170
Johann Lenz, pioneiro de Linha 17 de Junho, enquanto
limpava um pequeno terreno e construía sua choupana, ficou na casa da família de Miguel
Alles, de Linha Cecília. Sua esposa e seus filhos abrigaram-se na casa do seu irmão Pedro,
residente em Serro Alegre, Santa Cruz.
171
O primeiro abrigo era construído com materiais existentes no próprio local. “Quatro
paus fincados no chão; galhos de árvores trançando-se para formar as paredes, revestidos de
folhas ou cobertas de barro amassado; outros galhos ou folhas de girivá formando o teto e
estava pronta a moradia dos primeiros tempos”.
172
169
FRÖHLICH, Cláudio Carlos. A colônia de Santa Emília em capítulos (parte XVII). Gazeta do Chimarrão,
Venâncio Aires, 14 set. 2002. Caderno de Variedades p. 2.
170
UMANN, op. cit. p.55
171
Linha Lenz, op. cit.
172
Truda, op. cit. P. 228.
138
Os ranchos iniciais eram geralmente muito primitivos. Contavam os primeiros
habitantes de Isabel, Venâncio Aires, que postes de figueira utilizados na construção do
primeiro abrigo chegavam a brotar e continuar crescendo.
173
A cabana, que era de chão batido e que normalmente não possuía divisória, constitui-se
na primeira conquista do colonizador alemão. Mais do que o sentimento de ter conseguido
construir sua “casinha”, o imigrante sentia-se, enfim, acolhido por sua nova pátria. Sabia que
esse era seu pedaço de chão e que isso ninguém lhe tiraria. Estava, entrementes, sozinho na
mata com sua família:
Acostumados que estavam morando perto de parentes e amigos, e agora aqui
sozinhos, eles Deus e os animais como companhia, com seus gritos,
principalmente os macacos e os papagaios quebravam a monotonia da mata
virgem.
174
Umann relata que a sua primeira morada, apesar de pequena, não abrigava somente sua
família, mas também seu cão, seu gato e um certo número de galináceos que se acocoravam
nas vigas. Não obstante isso:
(...) acredito que nenhum rei em seu palácio possa se sentir mais feliz que eu
outrora, em minha primeira choupana, a qual sabia ser minha, e mesmo que
deixasse a desejar em todo o sentido, tínhamos a esperança que com o correr do
tempo ela poderia ser melhorada, e sobretudo, sabíamos que ninguém podia nos
obrigar a abandonar a nossa morada
!
175
A primeira mobília também era improvisada: tocos de árvores serviam de cadeira; o
baú trazido da Alemanha ou um tronco de árvore mais grosso, de mesa; folhas de palmito, de
colchão; uma vara deitada sobre duas forquilhas espetadas no chão servia como fogão.
176
Avé-Lallemant, ao pousar na casa de um colono em Rio Pardinho, na colônia de Santa Cruz,
fez o seguinte relato:
(...) foi cedida a cama, de tão boa vontade, que tudo se lhe perdoa, sobretudo os
percevejos indo-germânicos, espalhados em toda a terra, com a imigração alemã.
173
Festschrift, op. cit. p. 6.
174
Linha Lenz 1881-1991. Centenário de Linha 17 de junho. Venâncio Aires: Empresa Jornalística Folha do
Mate, 1981.
175
Umann, op. cit. p.56
176
Flores, op. cit. p.128; Umann, op.cit. p.66
139
O que mais me chamou a atenção é que não se fecha porta alguma. Tudo fica
aberto. E por isso recebi de noite várias visitas zoológicas. Um bicho saltou
sobre minha cama e diagnostiquei que era um gato. Quando veio um cão e quis
expulsá-lo, reconheceu um estranho na cama do seu senhor e ladrou como um
desesperado. Vieram também alguns porcos; ouvi ainda um morcego que por
longo tempo esvoaçou, roçando o meu rosto.
177
Passadas algumas colheitas, o desenvolvimento das colônias podia ser notado. As
choupanas passavam a dar lugar a construções maiores e de maior durabilidade. Na colônia
Santa Cruz, por exemplo, desde 1870 havia serrarias a vapor, o que possibilitava a
edificação de casas com paredes de tábuas de madeira serrada. As coberturas das casas
passaram a ser feitas de tabuinhas rachadas em formato retangular e presas às ripas
transversais, ou com telhas de barro pequenas e planas. Estrebarias e cercas também
começavam a aparecer ao redor das casas.
178
Mas serrar tábuas, fazer cercas, rachar ripas, construir cabanas, casas e galpões tinha
que ser aprendido a muito custo e esforço. Mesmo os que na Europa haviam sido
trabalhadores urbanos, como os imigrantes boêmios, tiveram que se habitar a esses novos
serviços.
Os colonos de maiores recursos preferiram as construções de material. Aparece assim
o enxaimel (Fachwerkbau) como técnica de construção. A edificação da casa era realizada a
partir de um sistema formado por um tramado de madeira constituído de barrotes (peças
horizontais), esteios (peças verticais), bem como vergas, peitoris e contraventamentos. Essa
gaiola de madeiramento tinha suas superfícies vedadas por tramos constituídos de variados
materiais como taipa, adobe, tijolos ou pedras.
179
Nesse tipo de construção havia divisórias
internas para separar as peças, erguidas com tábuas de madeira ou feitas no sistema enxaimel
e preenchidas com taipa. Os telhados dessas casas podiam ser de tabuinhas superpostas ou de
telhas de barro. Devido à durabilidade, as coberturas de tábua foram sendo substituídas
posteriormente pelos telhados de zinco.
177
Avé-Lallemant, op. cit. p. 176-177..
178
MORAES, Carlos de Souza. O colono alemão uma experiência vitoriosa a partir de São Leopoldo. Porto
Alegre: EST, 1981. p.54
179
CAMPOS, Heleniza A., Schneider, Luís. Arquitetura civil rural da imigração alemã. In: CORREA, Sílvio M.
S., Etges, Virgínia E. (org.). Território & população: 150 anos de Rio Pardinho. Santa Cruz do Sul: EDUNISC,
2001. p.75.
140
Para os colonos alemães
180
o mesmo se deu também entre os colonos italianos –, a
cozinha era o principal ponto de reunião familiar, sobretudo nas noites frias de inverno. Em
torno do fogo, tomava-se chimarrão, comia-se pinhão e fatias de batata doce assadas na chapa
do fogão, planejavam-se as tarefas do dia seguinte e fazia-se a janta.
Antes que o moderno fogão de lenha substituísse o fogão de chapa colocado sobre
duas bases de tijolos ou o de forquilha, por causa do risco de incêndio, a cozinha tinha de ser
de chão batido. Precisava, também, estar separada das demais peças da casa, especialmente
dos dormitórios, que brasas eram mantidas acesas enquanto os moradores dormiam ou
trabalhavam nas roças. Segundo Canstatt, o hábito de separar, nas construções, a cozinha das
demais peças da casa, os colonos alemães haviam adquirido dos brasileiros.
181
Com a
disseminação do fogão a lenha de chapa veio o assoalho de madeira, o que passou a dar maior
conforto, asseio e higiene para as cozinhas. Com isso, a cozinha passou a ser ligada ao
edifício principal por um alpendre ou por um corredor coberto de ligação, chamado de
Zwischenbau.
182
Finalmente, a cozinha fundiu-se em uma construção com a sala e os
quartos de dormir.
As casas de pedra grês e de alvenaria constituem um estágio mais evoluído do partido
arquitetônico, pressupondo conhecimento técnico mais sofisticado dos materiais e
prosperidade dos colonos. De acordo com Roche,
183
a evolução da casa rural nas antigas áreas
de colonização alemã do RS é reveladora da recíproca influência do homem e do meio. A
choupana de galhos, folhas e barro, o enxaimel, a casa de pedras, a casa de tijolos e cimento,
cada uma a seu tempo, correspondem à utilização racional de recursos locais disponíveis em
função das necessidades, das técnicas e das condições financeiras dos moradores. Já a
existência de recursos naturais e o desenvolvimento do artesanato de telhas e de tijolos
possibilitaram a edificação de antigas casas que demonstraram uma vitória de adaptação do
homem ao meio.
180
Ver a respeito MAESTRI, rio. Os senhores da serra: a colonização italiana do Rio Grande do Sul. (1875 -
1914). Passo Fundo: UPF, 2000. p. 65-66.
181
Canstatt, op. cit. p. 421.
182
Flores, op. cit. p.146
183
Roche, op. cit. p.206
141
2.2.5 O difícil início da agricultura
Na Alemanha do século XIX, os camponeses normalmente viviam em Dorfer, pequenas
aldeias formadas por até 5 dezenas de casas que ficavam próximas umas das outras. Conforme o
arquiteto Güinter Weimer,
184
cada casa possuía uma horta nos fundos, local em que legumes e
verduras eram cultivados, além de um pomar de árvores frutíferas. Em torno da aldeia localizavam-
se pequenos lotes de terras, que eram trabalhados pelas famílias camponesas, e as terras de uso
comum. Embora a conformação espacial das aldeias variasse de região para região, as
características comunais remanescentes do feudalismo estavam ainda bastante presentes.
Nas regiões coloniais do Sul do Brasil, a experiência da aldeia tradicional não foi
aproveitada. A medição de terras em áreas cobertas por espessas florestas virgens seria viável a
partir de uma picada ou de um curso da água. Foi exatamente a partir das picadas caminhos
abertos de forma tosca e trilhados pelos colonos que os lotes ou prazos coloniais foram
grosseiramente demarcados. As glebas eram terrenos individuais que tinham uma superfície média
que variou durante o processo de colonização. Inicialmente, as glebas eram de 72 hectares;
posteriormente, baixaram para 48 ha e mais tarde, quando a colonização estava consolidada,
fixaram-se ao redor dos 20 ha. Os lotes eram quase sempre retangulares, estreitos e paralelos uns
com os outros, sendo traçados no sentido norte-sul ou leste-oeste. Ficavam alinhados de cada um
dos lados da picada e normalmente tinham entre 110 e 220 metros de frente e algumas centenas de
metros de profundidade.
Em função desse tipo linear de demarcação dos prazos coloniais, as moradias dos colonos,
em geral, foram construídas na extremidade da propriedade, de frente para a estrada, formando o
que Roche chamou de habitat em fileira.
185
De acordo com Léo Waibel, com esse tipo de
povoamento, o colono, não obstante ver facilitada a administração da sua propriedade, tinha a
desvantagem de ficar separado dos seus vizinhos, o que dificultou nos primeiros tempos os
contatos sociais e culturais entre os membros da comunidade.
186
Virgínia Etges
187
registra que essa
184
WEIMER, Günter. A arquitetura rural da imigração alemã. In: A arquitetura no Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1987. p. 97-99.
185
Roche, op. cit. p. 209-211.
186
WAIBEL, Léo. Capítulos de Geografia tropical e do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1979, p. 258.
187
ETGES, Virginia Elisabeta. Strassendorf: característica de uma paisagem local. In: CORREA, Sílvio M. S.,
ETGES, Virginia E. (org.). Território & população: 150 anos de Rio Pardinho. Santa Cruz do Sul: EDUNISC,
2001. p. 51-60.
142
forma de povoamento deu origem aos Strassendorfer (aldeias-ruas), uma das características
marcantes das localidades do interior dos municípios coloniais.
Franz Reckziegel, um dos primeiros habitantes de Linha Teresinha, escreveu que, em 1873,
na chegada de um grupo de imigrantes ao povoado de Faxinal dos Fagundes, que então contava
com apenas meia dúzia de casas, o guia do grupo e também agente de emigração que atuava na
Boêmia (atual República Checa), Andreas Jantsch, teria declarado: “Agora estamos na cidade.
as mulheres ergueram as mãos para o céu e exclamaram: Senhor Deus, se isso é para ser a cidade,
como não será então a aldeia!”
188
A agricultura de subsistência foi invariavelmente a primeira etapa pela qual passaram
os agricultores que se radicaram nas colônias que iam se multiplicando. Isso ocorreu em
virtude do isolamento socioeconômico em que essas áreas via de regra inicialmente se
encontravam e devido à inexistência de uma atividade econômica mais organizada nesses
locais.
O preparo da primeira plantação iniciava com o desmatamento, queima e limpeza de
um pequeno roçado situado na frente do lote colonial, isto é, próximo da picada. As sementes
eram colocadas entre cepos e troncos de árvores carbonizadas, sendo a terra amanhada pela
enxada, visto que o arado podia ser utilizado quando os troncos e as raízes estivessem
apodrecidos e as pedras retiradas. Além disso, antes que o solo permitisse a lavra, era
necessário que houvesse condições financeiras para adquirir um arado e animais de tração. O
penoso começo na lida agrícola em São Leopoldo é assim registrado por Carl Seidler:
189
Em primeiro lugar, que derrubar os formidáveis troncos de árvores, que se
apresentam, densamente juntos e tão entretecidos de espinhos, cipós e
trepadeiras que os índios conseguem passar, feito cobras. isso é um
trabalho gigantesco, pois a madeira, notadamente a de uma espécie chamada pau
ferro é tão dura que a cada machadada saltam chispas de fogo e às vezes se gasta
um dia inteiro num único tronco. Quando por fim se tem roçado uma certa área,
amontoam-se os troncos e ateia-se fogo. Mas também acabada a fogueira pode-
se logo começar a plantar e a construir. Pelo menos milho e abóbora, que é por
onde se começa, dão na certa. Outras plantas, por causa do chão excessivamente
rico, não frutificariam no primeiro ano; mas no segundo ano prosperam bem
todos os legumes que se costuma aqui plantar, notadamente o feijão preto; e
pode-se contar com uma colheita muito mais abundante desde que a plantação
seja cuidadosamente limpa de ervas daninhas. No terceiro ano finalmente os
tocos das enormes árvores estão bastante apodrecidos, pode-se sem grande
trabalho proceder ao destocamento. então o colono pode dizer que sua terra
188
ERINNERUNGEN des Franz Reckziegel von der ersten Unsledlung vor 50 Jahren am mittleren Sampaio,
Theresenpikade. Sampaio zum 50-Jährigen Jubiläum – 1873/1923. Juni 1923. p. 13.
189
Seidler, op. cit. p. 110.
143
está pronta para ser arada, pois até então lhe era dado afofar um pouco a terra
com a enxada.
Avé-Lallemant se surpreendeu com a gigantesca tarefa que os colonos tinham que
fazer para poder principiar a cultura:
Decerto, quando se põe um homem com o machado e a mecha diante da mata
virgem se lhe diz: "Isto deves tu arrasar", não compreendo como ele tenha ânimo
de dar o primeiro golpe! Menos porém, compreendo ainda como, no mesmo
local da mata, anos depois ou ainda em menos tempo, ali cresce o que o
alimenta a ele e a sua família. Por umas dez vezes perguntei: "Quanto tempo
depois da primeira machadada na mata começou você a viver de sua plantação?"
E todos responderam: "Depois de um ano, muito bem."
190
No primeiro roçado cultivado geralmente despontavam produtos consumidos e
utilizados na Europa. Era o caso da batata inglesa, da aveia, do centeio, da cevada, do rábano
e das ervilhas utilizadas na alimentação; fumo para o próprio gasto; colza para fabricação de
óleo de iluminação e o linho para a confecção de tecidos rústicos
191
. Umann relata que sua
família plantou, no primeiro roçado feito na colônia de Monte Alverne, um saco de batata
inglesa e colheu nove. Destacou que “(...) para nós boêmios alemães comedores de batata
representava uma ação verdadeiramente generosa, que contribui para o bem de nosso
bolso.”
192
Normalmente influenciados pelos administradores das colônias, pelos agentes das
empresas colonizadoras e mesmo pelos patrícios chegados anteriormente às picadas, passaram
à produção de gêneros mais apropriados ao meio ambiente como o feijão, o milho, a batata-
doce, a mandioca, o arroz, o amendoim e outros. Desde o início, entretanto, por uma questão
de necessidade, a policultura foi adotada pelos colonos. Isso se deveu muito em função do
isolamento das colônias e em função da pobreza dos pioneiros. Assim, havendo dificuldade
de obtenção de produtos de primeira necessidade, os colonos tiveram de extrair do próprio
lote o necessário para a subsistência, exceção feita ao sal, às roupas e ferramentas. Nos
tempos iniciais das colônias, dada a inexistência do meio circulante, ocorria o escambo.
Deixaram anotados os primeiros habitantes de Linha Isabel, Venâncio Aires, que “dinheiro
190
Avé-Lallemant, op. cit. p. 184.
191
CUNHA, Jorge L. Os colonos alemães de Santa Cruz e a fumicultura, 1849 1881. Curitiba: UFPr, 1988
(Dissertação de Mestrado em História). p.142
192
Umann, op. cit. p.55
144
não havia; às vezes não se tinha nem para pagar a moagem. Pelo trabalho nos primeiros
tempos recebíamos mantimentos, toucinho e porcos.”
193
Se de um lado a policultura foi uma estratégia necessária, por outro havia também a
necessidade de obter produtos de boa aceitação no mercado a fim de que os colonos
auferissem dinheiro para saldar a dívida contraída com o governo provincial ou com as
empresas colonizadoras. Quitada a dívida inicial, era necessário melhorar as condições
materiais de existência: construir nova ou melhorar a casa existente, comprar móveis, obter
animais, adquirir ferramentas e implementos agrícolas, edificar novos galpões ou realizar
outras benfeitorias.
Dessa forma, paulatinamente a economia agrícola deixou de ser de mera subsistência e
passou a ser de produção de excedentes, e mesmo de mercado, assumindo em alguns lugares
o fumo, em outros a banha de porco, em alguns outros ainda o feijão, o milho, a batata
inglesa, a erva-mate ou ainda outro produto qualquer, a condição de principal produto
comerciável. Embora esses produtos passassem a liderar a pauta de exportações das colônias,
não se pode subestimar a importância que teve a cultura do milho para os colonos. “O milho
cria tudo” é uma expressão típica das regiões coloniais do Sul do Brasil. Esse cereal servia de
alimento para as pessoas, principalmente na forma de farinha, e como forraginoso para os
animais domésticos como porcos, vacas e os animais de tração. Conjugado com a
suinocultura, o cultivo do milho resultava na obtenção de carne, de toicinho e de banha.
O Brummer Joseph Hörmeyer, num verdadeiro manual de instruções impresso em
1854 para virtuais emigrantes para a província do Rio Grande do Sul, fez a seguinte afirmação
em relação ao cultivo do milho:
O milho é o cereal mais plantado, mais produtivo, menos exigente de cuidado; a
farinha é cozida para o pão; as espigas inteiras são aproveitadas para cevar os
porcos, e os grãos, como ração para cavalos, gados e aves domésticas. O plantio
do milho é a primeira incumbência do colono e realiza-se da maneira seguinte: o
mato é derrubado na estação seca (de março até julho); é deixado, durante 3 a 4
semanas, para secar, e depois incendiado; os cipós, a madeira miúda e os galhos
queimam; os grossos troncos ficam sobre o chão. Depois fazem-se, no solo fértil,
aleatoriamente, caseiras com a enxada ou, mais rapidamente, com um pau; de
forma mais simples, porém com os dedos; coloca-se em cada caseira um ou dois
grãos de milho, apertando-se a terra. Depois de plantar, o colono não se preocupa
o ano inteiro com a plantação, até a época da colheita, quando as espigas são
quebradas e levadas para casa (...). O milho é usado também como pasto verde
para cavalos e gado, tornando-se as vacas muito mais produtivas em leite
194
.
193
Festschrift, op cit. p. 15.
194
Hörmeyer (1986), op. cit. p. 46-47.
145
Todo o trabalho agrícola necessariamente tinha que ser realizado pela família do
colono. Aos imigrantes, pelo menos nas colônias oficiais a partir de 1848, não foi permitida a
posse de escravos.
195
Isso fez com que o progresso das colônias sempre repousasse no
trabalho livre. Por essa razão, a progressiva libertação dos escravos pelo governo brasileiro
não trouxe qualquer problema para essas regiões. O mesmo, porém, não se pode afirmar em
relação às áreas pastoris do Rio Grande do Sul que, com a abolição, tiveram reflexos
econômicos consideráveis que agravaram ainda mais os problemas de suas economias. Nas
áreas de colonização alemã todos trabalhavam, homens, mulheres, crianças e velhos, o que
concorreu para uma formação sociocultural diferenciada dos teuto-descendentes em relação
aos luso-descendentes. Com respeito ao papel das mulheres, já na segunda metade do século
XIX era possível verificar essa diversidade cultural:
Enquanto que nas povoações e núcleos vizinhos as senhoras e senhoritas eram
aliviadas em seus esforços pelos escravos (...) Aqui a mulher, desde logo, era
obrigada a trabalhar, e muito. E isto deu à mulher, desde muito cedo, certa
independência não tão comum para a época. Passou a mulher a participar
ativamente nas decisões familiares
196
.
O desenvolvimento da agricultura no RS tem normalmente sido apontado como uma
das grandes contribuições dos imigrantes alemães para a economia do Estado. Não obstante
isso, os sistemas agrícolas por eles utilizados foram veemente condenados por Léo Waibel na
década de 1940. Pesquisando as áreas de colonização européia do Sul do Brasil, afirmou:
Tanto na literatura nacional quanto na estrangeira, os métodos agrícolas dos
colonos europeus no sul do Brasil são altamente elogiados e considerados como
um retumbante êxito. Entretanto, quando se estudam esses sistemas no campo,
faz-se uma observação chocante: a maioria dos colonos usa o mais primitivo
sistema agrícola do mundo, que consiste em queimar a mata, cultivar a clareira
durante alguns anos e depois deixá-la em descanso, revertendo em vegetação
secundária, enquanto nova mata é derrubada para ter o mesmo emprego. O
colono chama este sistema de roça ou capoeira; na literatura geográfica é
normalmente conhecido como agricultura nômade ou itinerante.
197
195
Os colonos poderão cultivar suas terras por si mesmos ou por meio de pessoas assalariadas; não poderão,
porém, fazê-los por meio de escravos seus e alheios, nem possuí-los nas terras das colônias sob qualquer pretexto
que seja. Artigo da Lei provincial 304, de 3
o
de novembro de 1854, que ratificava o artigo 16º da Lei 514,
de 28 de outubro de 1848. Cfe. LANDO, Aldair M., BARROS, Elaine C. Capitalismo e colonização: os alemães
no Rio Grande do Sul. In: RS: Imigração e colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p. 44-45.
196
MARTIN, Hardy Elmiro. Santa Cruz do Sul: da colônia a freguesia, 1849 1852. Santa Cruz do Sul:
APESC, 1979. p.24
197
Waibel, op. cit. p. 244-245.
146
Especulou que esse sistema os fazendeiros portugueses teriam recebido dos índios,
usando-o em suas grandes propriedades. A aplicação do sistema herdado dos indígenas teria
separado econômica e espacialmente a agricultura da pecuária, causando enormes e funestas
conseqüências para a vida do país. Empregado nas pequenas propriedades, esse método
tornava-se ilógico e perigoso, porque dos três fatores da produção agrícola, terra, trabalho e
capital, a terra tornava-se o principal. Como ela não era abundante nas explorações familiares,
esse sistema, com o passar do tempo, depauperava os agricultores. Afirmou, por isso, que os
colonos europeus haviam se caboclizado no Brasil.
2.2.6 Outras dificuldades enfrentadas e a adaptação ao meio
O padrão alimentar dos colonos alemães também precisou adequar-se à realidade do
meio. Apesar da repulsa inicial que provavelmente sentiram, necessitaram, por uma questão
de vida ou morte, adotar a alimentação local. Como salientou o antropólogo Emílio Willems:
O camponês que se alimentava na Pomerânia ou no Palatinado de batatas, de
carne de porco, de certos legumes e massas de farinho de trigo, tem que habituar-
se à farinha de milho, ao arroz, à mandioca, ao feijão preto, ao cará; a carne
rareia e a farinha de trigo não está, muitas vezes, ao alcance do seu bolso.
198
O já mencionado Franz Reckziegel relatou que o ano de 1874 foi especialmente difícil
para os seus familiares:
Não consigo relatar tudo o que passamos nestes primeiros tempos. Nossa
alimentação era tão ruim, que hoje não a ofereceríamos nem a um cachorro: sem
sal, sem banha, sem carne, pouco pão, somente feijão preto e mandioca. Época
ruim, mas de esperança por tempos melhores, com força de vontade, canto e
humor.
199
Outro morador de Picada Teresinha, contemporâneo de Franz Reckziegel, também
menciona a penúria sentida no primeiro ano. Depois de conseguir queimar com muita
dificuldade a primeira roça, plantar um pouco de milho e construir uma choupana, para a qual
se mudaram em 02 de fevereiro, no dia da festa de Maria Candelária, tiveram de viver o resto
198
WILLEMS, Emílio. Assimilação e populações marginais no Brasil. São Paulo: Nacional, 1940. p. 64.
199
Sampaio zum 50Jährugen Jubiläum, 1873-1923.
147
do ano com dois sacos de feijão doados pelo velho Martin Kroth. "Até novembro nos
alimentamos de feijão, vivendo de abóboras cozidas, couve e um pouco de farinha, mas tudo
sem banha. Então foram colhidas batatas muito boas, e a necessidade passou."
200
O periódico Deutsche Ansiedler, de 1896, dá outro exemplo traumático da difícil
adaptação ao novo meio em uma colônia nova:
Agora começa o trabalho duro do desmatamento; todos os que m braços fortes
precisam ajudar. Essas pessoas de fato querem trabalhar, mas se ao menos
tivessem também uma alimentação substanciosa. A mãe não possui nada além de
feijão preto e talvez ainda um pedaço de toucinho ou de carne; talvez ela ainda
tenha um pouco de farinha de milho. Esses alimentos, porém, são todos muito
rudes, que as pessoas antigamente não conheciam, aos quais custam a se
acostumar pão, como é raro encontrá-lo em meio aos novos imigrantes na
mata! Se ainda acontece de o pai ou a mãe falecerem devido a uma desgraça ou
doença, então a medida da pobreza e da aflição fica cheia. A dor de muitos, suas
lamentações e lágrimas são de cortar o coração.
201
A cerveja e o vinho, largamente consumidos na Europa, aqui praticamente
desapareceram nos tempos iniciais em virtude da falta de meio circulante por parte dos
colonos. A aguardente de cana, mas especialmente o chimarrão, passaram a ser largamente
utilizados nas regiões coloniais. Sobre o chimarrão, Umann afirmou que “em atenção à
carteira vazia que nos primeiros anos não nos permitiu comprar bebidas caras, como cerveja
ou vinho, cedo nos habituamos ao chimarrão tão estimulante ao espírito.”
202
A falta de médicos e de outros profissionais de saúde era outro problema que afligia os
moradores das novas colônias. Nesse ambiente, parteiras, benzedeiras e curandeiros tinham
reconhecimento social. O referido médico alemão, Robert Avé-Lallemant, que em 1858
passou pela colônia de Santa Cruz, fez o seguinte comentário: “Quanto à assistência médica,
estão os colonos inteiramente abandonados. Por mais sadia que seja essa gente das picadas,
ocorrem casos em que, sem assistência imediata, pode haver sérias complicações, como, por
exemplo, oftalmias, afecções cardíacas, tumores etc.”
203
Emilie Freudenberger escreveu que em Linha Brasil, Cecília, Isabel, Santa Emília e
arredores o socorro médico inicialmente resumiu-se ao velho Stahl, que era um veterinário
europeu. Naquelas bandas, a idosa senhora Scheibler e também a sua sogra, a senhora
200
Ibidem.
201
DEUTCHE ANSIEDLER, apud Radünz, op. cit. p. 55-56.
202
Umann, op. cit. p. 67.
203
Avé-Lallemant, op. cit. p. 186.
148
Freudenberger, faziam partos e atendiam a muitos outros casos.
204
Em praticamente toda a região colonial alemã pipocaram posteriormente hospitais, que
foram construídos e mantidos a expensas das próprias comunidades. Somente no município
de Santa Cruz do Sul, por exemplo, surgiram seis desses tipos de hospitais: dois situados na
cidade; um em Monte Alverne; um em Sinimbu; um em Trombudo e outro em Vila Tereza.
Em Venâncio Aires foram criados dois. Um na cidade e outro no interior, na localidade de
Andréas.
A assistência religiosa foi outro drama com o qual as comunidades inicialmente
conviveram. Embora pela Constituição imperial de 1824 o catolicismo fosse considerado a
religião oficial do Estado brasileiro, a falta de padres foi freqüente nas novas colônias. Emilie
Freudenberger anotou que raramente havia celebração religiosa na colônia. Somente a cada
quatro meses vinha um padre de Santa Cruz a Santa Emília e Linha Brasil (Venâncio Aires)
para rezar a missa e realizar batizados.
205
Na freguesia de Candelária, Roberto Radünz
constatou que aos católicos não foi proporcionado um atendimento sistemático. Mesmo após
a edificação do templo, em 1880, a assistência continuou precária. Foi somente no ano de
1900 que a paróquia, finalmente, receberia seu vigário.
206
Tschudi, em 1861, escreveu que em
Santa Cruz “o sacerdote católico é um português que não entende alemão e é por todos
desprezado por causa de sua vida escandalosa.”
207
Aos protestantes, a Constituição de 1824 garantia liberdade de culto doméstico ou
particular, em casa sem forma alguma exterior de templo. Os fiéis deparavam-se, ainda, com a
dificuldade de receber auxílios externos. Erguer locais para a realização de cerimoniais
religiosos e custear o ordenado de pastores eram tarefas que tinham que ser assumidas pelos
próprios crentes. Nas primeiras décadas de colonização, dada a falta de pastores com
formação teológica para o exercício da função, “pseudopastores” exerciam o sacerdócio.
A omissão do Estado também forçou a população a prover as localidades com
professores e escolas para que as crianças pudessem ser alfabetizadas e instruídas.
Trabalhando de forma comunitária, solidária e participativa, nessas localidades vicejaram
associações horizontais de diversos tipos que solidificaram as redes de solidariedade e as
204
Umann, Op. cit. p. 89.
205
Ibidem p. 89.
206
Radünz, op. cit. p. 69.
207
Apud Schröder, op. cit. p. 113.
149
relações de confiança recíproca existentes, favorecendo a cooperação entre os membros da
comunidade e o desenvolvimento econômico e social.
2.3 Uma cultura colonial
Nas regiões de colonização germânica do Sul do Brasil não ocorreu uma mera
reprodução da cultura alemã, se é que é possível falar de uma cultura alemã antes da formação
do Império Alemão propriamente dito. Os trajes, as tradições, a língua, o credo religioso e os
usos e costumes variavam de região para região dentro da então existente Confederação
Germânica. Houve, por exemplo, imigrantes que vieram da Baviera, terra da Oktoberfest; da
Boêmia, atualmente área dos sudetos da República Checa; do Hunsrück (Renânia), onde
predominavam os católicos; da Pomerânia, onde a esmagadora maioria da população era
luterana; da Silésia; da Prússia; da Westfália; de Würtemberg e de outras províncias. Entre os
imigrantes havia também poloneses submetidos aos impérios alemão ou austro-húngaro,
holandeses, suecos, italianos de áreas irridentas, húngaros e outros que normalmente entravam
no Brasil com passaporte da Prússia (depois Alemanha) ou da Áustria. Outros aspectos a
considerar é que entre os imigrantes havia católicos e protestantes de várias matizes; que eles
chegaram em épocas diferentes os primeiros vieram em 1824 passando, portanto, por
situações diferenciadas no velho e no novo mundo; que, embora o maior contingente fosse de
camponeses, havia também operários urbanos, militares, religiosos e profissionais liberais
entre os imigrantes.
Nas áreas colonizadas pela população de ascendência alemã surgiu, na realidade, uma
cultura peculiar, de características próprias,
208
que pode ser denominada de colonial. Ela
reuniu e fundiu algumas tradições trazidas por imigrantes alemães de diferentes procedências,
metamorfoseou outras e incorporou e modificou traços culturais existentes no Rio Grande
do Sul, em Santa Catarina e no Paraná.
Como afirmado, as primeiras levas de imigrantes alemães que se radicaram no Rio
Grande do Sul haviam deixado a Europa fundamentalmente por motivações econômicas,
antes das guerras de unificação e da consumação do império alemão, o que ocorreu somente
208
Cfe. DREHER, Martin. Igreja e germanidade: estudo crítico da história da Igreja Evangélica de Confissão
Luterana no Brasil. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1984 p. 39; Roche, op cit. passim; Willems, op. cit. passim.
150
no ano de 1871. Os contatos, através de correspondências, com amigos e parentes que haviam
ficado no além-mar, eram práticas que podem ser consideradas como absolutamente normais
e intrínsecas ao ser humano de qualquer etnia. Não era uma manifestação de desejo de retorno
ao local de origem. Pelo contrário, as cartas funcionaram como poderoso veículo de atração
de novos imigrantes. Peter Kleudgen, agente de imigração que trouxe centenas de colonos
para Santa Cruz, muito se valeu das correspondências de colonos para persuadir virtuais
candidatos a emigrar para o Sul do Brasil.
209
A possibilidade de regresso não era acalentada pelos colonos que, de acordo com a
ótica dos Junker, classe dirigente da Prússia, eram considerados como desertores e traidores.
O chanceler de ferro responsável pela unificação alemã, Otto von Bismarck, teria inclusive
sentenciado que: "um alemão que despe sua pátria como um velho casaco, não é mais um
alemão para mim, não tenho mais interesses de compatriota em relação a ele."
210
Ainda que os
209
Ver a respeito os dois opúsculos publicados pelo agente na cidade de Hamburgo em 1852 e 1853.
KLEUDGEN, Peter. Die deutsche Kolonie Santa Cruz Provinz Rio Grande do Sul Südbrasilien von P.
Kleudgen, bevollmächtigen Agenten gennater Provinz. Hamburg: Druck von J. I. Nobiling, 1852 e 1853.
A
Nicol Schmidt
Sapateiro em Soehren , COBLENZ
Picada de Santa Cruz, 13 de dezembro de 1851.
Queridos Pais, Irmãos e Cunhados,
Devo comunicar-lhes como fomos. Viajamos 10 semanas da Europa até aqui; a viagem não é tão perigosa e
difícil como parece; estamos todos bem, e nos sentimos felizes aqui.
Para a viagem pedi emprestados 117 thalers prussianos, dos quais já paguei 92 com os respectivos juros; temos
um quinhão de terras, com 200 braças de largura por 800 de fundo, já derrubamos bastante mato e plantamos
muito. Ainda não temos muitos animais, rouba muito tempo ter-se muitos animais no início, porque se seria
obrigado a mantê-los na cocheira. Tenho uma mula, 1 vaca de cria, 2 porcos e 28 galinhas, eeste ano lucrei
com os porcos 45 thalers e com as galinhas 6 thalers.
Minha colônia tem o numero 13. Os cunhados João, Jacob e Matias residem perto de mim. Desejaria que todos
vocês aqui estivessem, porque aqui tudo é bom; ganhamos também muitos utensílios: arma, pólvora, chumbo,
machados, enxadas, serras, formões etc.
Durante um ano colhe-se duas vezes: comida e vendida a primeira colheita, se aproxima a outra, e assim,
podem compreender que aqui a gente se alimenta bem, mesmo não recebendo subsídios do governo.
Durante 2 anos recebíamos por dia e por cabeça 1/2 franco. Na Alemanha dizem que no Brasil não o, mas
nós cosemos o nosso pão há ano e meio; carne temos em abundância, 2 ou 3 vezes por dia; também muita
caça aqui, pegamo-la com cachorros.
Quem aqui quer trabalhar, progride, quem porém é preguiçoso, que fique onde está, porque trabalhar também se
precisa aqui, mas não mais do que na Alemanha. Se um ou outro de vocês quiser vir para cá, entenda-se com o
Sr. Kleudgen. Querido irmão Felipe, se puderes vir poderás ganhar um bom pedaço de dinheiro, porque ainda
não temos alfaiate. Quero terminar e saúdo meu pai, minha mãe e a todos de coração.
ADAM REISZ
210
DREHER, Martin Norberto. Igreja e germanidade: estudo crítico da história da Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil. São Leopoldo: Editora Sinodal; Porto Alegre: ESTSLB; Caxias do Sul: EDUSC,
1984. p. 43
151
imigrantes venerassem "o rei e seus emblemas, se neles havia algum sentimento patriótico,
este estava associado à gleba e à aldeia, à sua família e vizinhos, e não a um amplo território a
que chamassem de nação."
211
Quanto aos imigrantes chegados após 1871, quando da
constituição do Segundo Reich, esses já traziam alguma experiência de vivência de nação.
O abandono das indumentárias seculares típicas das regiões de origem dos imigrantes;
a adoção do chimarrão como bebida; o uso da farinha de milho, do arroz, do feijão preto, da
mandioca; o hábito de se locomover a cavalo; o estilo da construção das casas e a prática de
uma agricultura denunciada por Waibel como cabocla, são alguns dos elementos que
sinalizam que os colonos tiveram que forjar para si novas regras de vida e de conduta.
2.3.1 Uma nova língua
A própria língua alemã falada nas áreas de colonização germânica do Sul do Brasil,
que cada vez mais foi se afastando do alemão padrão (Hochdeutsch), é outro elemento que
reforça a tese da existência de uma cultura peculiar. Helga Guttenkunst Prade
212
explica que o
alemão falado no RS o é uma língua homogênea. Isso se justifica porque os imigrantes
procediam de diferentes regiões, onde possuíam dialetos próprios. Wolfgang Hoffmann
Harnisch escreveu que os dialetos se diferenciavam tanto uns dos outros como o português e
o espanhol.
213
Dentre os dialetos falados no Estado, embora contando com suas variações
dialetais próprias, predominou o do Hunsrück. Isso se deu porque mais de 50 por cento dos
imigrantes alemães eram oriundos da região montanhosa do Hunsrück (entre os rios Reno,
Meno e Nahe).
Os inevitáveis contatos com os brasileiros de outras origens étnicas e a necessidade de
designar novos objetos, fizeram com que numerosos vocábulos e expressões híbridas, na
realidade uma mistura de palavras portuguesas e alemãs, dessem origem a um linguajar típico
nas colônias, incompreensível muitas vezes para os próprios cidadãos alemães. Hoje em dia
211
MAGALHÃES, Marionilde Brephol de. Pangermanismo e nazismo: a trajetória alemã rumo ao Brasil:
Campinas: Editora da UNICAMP/FAPESP, 1998. p. 25.
212
PRADE, Helga Guttenkunst. O linguajar do alemão gaúcho. In: CUNHA, Jorge Luiz da, GÄRTNER,
Angelika (org.). Imigração alemã no Rio Grande do Sul: história, linguagem, educação. Santa Maria: Ed.
UFSM, 2003. p. 83-84.
213
HARNISCH, Wolfgang Hoffmann. O Rio Grande do Sul: a terra e o homem. Porto Alegre: Globo, 1941. p.
326.
152
essa linguagem ainda está em uso, principalmente nas áreas rurais de regiões mais fortemente
povoadas pela população de ascendência germânica. Em muitos desses lugares,
principalmente para os mais velhos, o dialeto alemão ainda se constitui na principal forma de
comunicação verbal.
Pelo que foi possível detectar dos trabalhos de Emílio Willems, Telmo Lauro Müller e
Helga Prade, a deustch-brasilianische Sprachmischung, ou seja, a mistura do alemão com o
português, parece ser comum a todas as áreas de povoamento germânico. Eis alguns dos
vocábulos da língua portuguesa que foram alemanizados:
214
Arrumieren (arrumar) Gasose (gasosa)
Namorieren (namorar) Kadee (cadeia)
Trocken (trocar) Pikade (picada)
Wowo (vovô) Rosse (roça)
Fakong (facão) Scharke (charque)
Buger (bugre) Fumm (fumo)
Bisch (bicho) Kablokler (caboclo)
Caminhong (caminhão) Bolaschen (bolacha)
Arrobe (arroba) Goiabe (goiaba)
Kadela (cadela) Kaneker (caneca)
Karét (carreta) Karetero (carreteiro)
Kuye (cuia) Manyók (mandioca)
Mat (mate) Milye (milho)
Molék (moleque) Trop (tropa)
Conforme Willems,
215
as razões para a introdução de termos portugueses adaptados ao
linguajar dos colonos deveram-se:
a) ao desenvolvimento técnico ocorrido no século XIX. Ao ignorarem os termos no
idioma alemão, os colonos adotaram palavras portuguesas para denominar dados da cultura
214
Ver a respeito WILLEMS, Emílio. Assimilação e populações marginais no Brasil. São Paulo: Nacional,
1940; Willems (1946), op. cit.
215
Willems (1940), op. cit. p. 187 et seq.
153
material desconhecidos à época da emigração. É o caso do Caminhong ou de uma invenção
mais bizarra ainda, o Luftshiff (navio do ar), palavra utilizada para designar o avião;
b) ao meio físico e social que determinou a utilização de termos que não tinham
equivalentes na língua alemã. É o caso de certas comidas, bebidas e plantas; de apetrechos do
gaúcho; da campanha e de suas tradições; da toponímia; da técnica de construção de casas; da
criação e do aproveitamento do gado; do sistema de pesos e medidas.
A esses dois fatores é possível acrescentar pelo menos mais um. De acordo com
Harnisch, o vocabulário médio de um colono alemão não passava de mil palavras.
216
No meio
da floresta, lutando pela sobrevivência e quase não tendo acesso a leituras, esse vocabulário,
com o passar do tempo e das gerações, empobreceu ainda mais. Com a proibição do ensino
em idioma estrangeiro, que se deu a partir da campanha de nacionalização promovida pelo
Estado Novo brasileiro, o uso da língua nas regiões de colonização alemã passou a restringir-
se praticamente apenas à conversação no ambiente familiar e privado. O léxico, em
decorrência, tornou-se mais pobre e cada vez mais eivado de palavras portuguesas ou
alemanizadas. Outro aspecto que deve ser levado em consideração é o de que uma língua viva
não estaciona, mas está sempre em processo de transformação. Enquanto o idioma alemão
padrão utilizado na Europa evoluiu, nas colônias do Sul do Brasil os dialetos também se
modificaram. Expressando um sentimento de inferioridade, os que se comunicam nesse
dialeto normalmente afirmam falar um “alemão errado”.
Conforme Prade, na Sprachmischung, isto é, na mistura de idiomas, persistiu a
tendência de empregar substantivos em português no meio de frases em alemão, ou a de
germanizar verbos na língua portuguesa ao acrescentar o sufixo ieren no radical latino.
217
O
contato das línguas também transferiu vocábulos alemães para o idioma português. É o caso,
dentre várias, de kerb, quermesse, cuca, vafel, chimir, biter, malzbier. Mas a maioria dos
habitantes das colônias alemãs apresenta ainda na linguagem interferências no campo
fonético, estrutural e rítmico.
218
216
Harnisch, op. cit. p. 331.
217
Segundo a autora, há na língua alemã verbos de procedência latina que, na conjugação, terminam em ieren. É
o caso, dentre outros, de diktieren, studieren, telefonieren. Por analogia, os imigrantes e seus descendentes no
Brasil passaram a utilizar a terminação para outros verbos de radical latino que, entretanto, não faziam parte do
léxico alemão. Como exemplos cita os verbos multieren, assaltieren, aguentieren, cobrieren, soletrieren.Prade,
op. cit. .p. 88.
218
Ibidem, p. 89-95.
154
2.3.2 As sociedades de cavalaria
As sociedades de cavalaria são mais um exemplo pico de como, nas regiões
coloniais, não ocorreu uma simples transposição da cultura alemã. No livro Cem anos de
germanidade no Rio Grande do Sul, o registro de ter havido 49 sociedades de cavalaria em
todo o Estado: trinta e duas em Santa Cruz (que na época englobava os territórios dos atuais
municípios de Vera Cruz, Vale do Sol, Sinimbu, Herveiras e Gramado Xavier); sete em
Venâncio Aires; seis em Rio Pardo (que estavam sediadas no território do atual município de
Candelária, que obteve a sua emancipação política e administrativa em 1925); duas em Cruz
Alta (localizadas em Neu Württemberg, hoje Panambi) e uma em Santa Maria (São Pedro).
219
As sociedades de cavalarianos, segundo a professora Maria Hoppe Kipper, são características
da vida social do vale do Rio Pardo.
220
Em outras áreas de colonização germânica do RS, são
raríssimos os casos de existência de Vereine de cavalarianos. Ao que tudo indica, Santa Cruz
foi o berço dessas sociedades e as que foram fundadas em outras localidades de população de
ascendência germânica foram organizadas nos moldes das de Santa Cruz.
Segundo Hardy Martin
221
e Maria Kipper, ao se tratar de sociedades de cavalaria,
deve-se inicialmente fazer a distinção entre os Ulanos e os Stechvereine (sociedades de
lanceiros). O termo ulano é um vocábulo polonês, derivado do termo turco oghlan, cujo
significado é homem jovem. Em sua origem histórica, o ulano é um soldado de Regimento de
Cavalaria Ligeira que havia surgido na Polônia no século XVI. Posteriormente, batalhões
semelhantes foram também introduzidos em outros exércitos da Europa. Na Prússia, os
regimentos de ulanos foram criados em 1807. Até 1890, seus membros usavam lanças e
sabres nos combates, passando, a partir dessa data, a utilizar também a pistola nas refregas.
Após a Primeira Guerra Mundial, desapareceram de todos os exércitos. A túnica dos ulanos
era denominada pelos alemães de ulanka, e o capacete de couro de tschapka.
222
Na Alemanha, de acordo com Kipper, não existiam sociedades de cavalaria com
finalidades desportivas. Para a autora, ex-soldados que haviam participado das guerras de
unificação, ao estabelecerem-se em colônias no Brasil, resolveram fundar sociedades de
219
Verband Deutscher Vereine, op. cit. p.348-360
220
KIPPER, Maria Hoppe. Sociedades de cavalaria em área de colonização alemã (Santa Cruz do Sul RS).
São Leopoldo: mimeog., 1967. p. 19.
221
Martin (1999), op. cit. p. 108.
222
Kipper, op. cit. p.26.
155
Cavalaria em moldes não guerreiros e sim desportivos que lhes permitissem não recordar
aspectos de sua vida passada no exército, como também exibir suas qualidades de cavaleiros e
sua habilidade no manejo da lança.”
223
As sociedades de Ulanos do RS, que tinham finalidade
desportiva e recreativa, copiaram dos ulanos da cavalaria alemã sua organização, sua
disciplina militar e a indumentária, que aqui sofreu ligeiras adaptações. O uniforme de seus
membros era bastante semelhante à farda dos oficiais dos regimentos de ulanos da Alemanha.
A “arma” do ulano era uma comprimida lança de madeira que tinha uma ponta de metal
polida e reluzente. Nos torneios, as lanças serviam para atingir um alvo circular de couro, de
cerca de 15 centímetros de diâmetro, onde existiam 12 furos numerados, sendo o do centro, de
numeração maior.
224
Quando da realização de desfiles, os cavalarianos prendiam uma
bandeirinha no topo de suas lanças. Nessas ocasiões, o comandante e guia de desfiles, o porta-
bandeira e os oficiais da bandeira da sociedade usavam espadas prateadas ao invés de lanças.
Esses sabres tinham caráter apenas decorativo e não eram utilizados em atividades esportivas.
Os ulanos se caracterizavam e se distinguiram das sociedades de lanceiros por usarem
uniformes mais vistosos e mais caros (aos moldes da cavalaria alemã), pela imponência dos
cavalos brancos que possuíam e por realizarem desfiles e festas mais pomposas. Os
Stechevereine (sociedades de lanceiros) tinham finalidade e organização quase idêntica aos
ulanos. Sua apresentação externa, entretanto, deixava transparecer maior simplicidade, isto é,
menos luxo e pompa no que diz respeito aos uniformes e aos equipamentos. Conforme a
historiadora Maria Kipper:
Poder-se-ia caracterizar o "Stechverein" como o "primo-pobre" dos Ulanos. O
primo que gostaria de poder equipar-se em esplendor e brilho a seu parente rico,
mas que precisa adaptar-se e enquadrar-se dentro de suas possibilidades (...) Os
Stechklubs em sua maior simplicidade, em sua maior adaptação ao meio,
representam mais caracteristicamente a vida e o "status" social e econômico de
grande parte da população da colônia germânica (...).
225
223
Ibidem p. 22.
224
A competição propriamente dita consistia em conseguir deixar na ponta da lança, com o cavalo em plena
carreira, o alvo circular de couro. Para conseguir tal intento, era necessário introduzir a lança em um dos doze
furos do alvo. Cada lanceiro, alternadamente, realizava a prova três vezes. No final, eram computados os pontos
obtidos por concorrente e apurados os vencedores. O furo do centro do escudo conferia 12 pontos ao acertador e
os demais atribuíam pontuação decrescente, de onze a
um, de acordo com a posição mais central ou mais
periférica do furo no alvo. Conseqüentemente, a maior soma de pontos que podia ser alcançada por um
competidor era de 36, isso para quem conseguisse acertar três vezes o centro do alvo, tarefa considerada
dificílima mesmo para os mais exímios lanceiros.
225
Ibiem p. 40.
156
As sociedades de lanceiros que existiram em algumas áreas coloniais alemãs do RS
são, portanto, provavelmente uma adaptação de antigos regimentos militares existentes na
Alemanha. Lá não houve sociedades similares de caráter desportivo-recreativo.
2.3.3 Uma nova indumentária
Outro aspecto a salientar, no que tange ao processo de adaptação do colonizador ao
meio, diz respeito à indumentária germânica. Um dos traços típicos dos povos alemães, a
vestimenta multissecular, também desapareceu rapidamente nas áreas de colonização
germânica do Sul do Brasil. Segundo Moraes a “(...) substituição dos tecidos de e linho,
que marcavam a vestimenta característica das regiões de que procediam, pelas fazendas de
brim, algodão e chita, tem sua causa predominante na falta de recursos dos colonizadores.”
226
Paulo Gressler, referindo-se às roupas dos seus avós, afirmou que “todo o belo
vestuário trazido da Alemanha, em breve tinha-se esfarrapado. A receita dos primeiros anos
era reduzida, pois mal dava para adquirir os utensílios mais necessários para o trabalho
agrícola”.
227
Mesmo que quisessem e que a situação financeira o permitisse, os colonos não teriam
motivos para manter suas espessas e pesadas roupas de lã, adequadas para regiões temperadas,
num clima quente como o do país adotivo. O terno de dos homens praticamente
desapareceu e em seu lugar veio o de brim; as camisas de linho deram lugar às de algodão, de
chita ou de morim; o chapéu de feltro, ao menos para o trabalho, deu lugar ao de palha; os
sapatos, impróprios para a temperatura dos trópicos e muito leves para a lama, foram
substituídos pelas chinelas de couro.
228
Para o trabalho na roça, ou mesmo para uso geral, faltavam sapatos, tamancos e botas,
estas últimas usadas quotidianamente na Europa. Os colonos alemães e seus descendentes
tornam-se praticamente uma população descalça. Assim o sapato, no meio rural, passou a ser
artigo de luxo e a representar status na colônia, visto que nem todos o possuíam. Passam
então a ser:
226
Moraes, op. cit. p. 72.
227
GRESSLER, Paulo. Os velhos Gressler. Candelária: Tipografia Francisco Schmidt, 1949 p. 126.
228
Roche, op.cit. 634-35; Willems (1946), op. cit. p. 235.
157
(...) reservados para as visitas à cidade ou vila mais próxima. Aos domingos, a
caminho da missa, os colonos carregam o seu único par de sapatos em baixo do
braço. Chegando às primeiras casas da cidade, calçaram-nos agüentando,
heroicamente, o martírio de uma ou duas horas, pela satisfação social que lhes
proporciona esse uso
. (...)
Descalço, o colono se sentiria repelido e humilhado
por uma sociedade que associa à ausência do sapato o estigma da
miserabilidade.
229
Nas picadas, os homens usavam, no trabalho, calça de cotim raiado sem suspensório,
camisa de algodão, um chapéu de palha e, às vezes, um velho e surrado colete. Nos dias frios
de inverno, o poncho, tradicional vestimenta da Campanha Gaúcha, também estava difundido
entre os colonos.
As mulheres, pouco a pouco, substituíram os pesados e escuros vestidos por peças
mais leves e claras. As mais jovens andavam com a cabeça a descoberto enquanto as mais
velhas cobriam-na com um lenço. No dia a dia usavam geralmente anáguas, saia e corpetes. A
roupa interior, as meias e os sapatos são usados nos dias festivos. Como adorno não tem outra
jóia que não uma cruz com corrente e o anel de aliança. As mulheres da colônia andam a
cavalo, montando sela de amazona de veludo, confortável e enfeitado.
230
As crianças usavam roupas parecidas com a dos adultos, porém com estampas mais
joviais.
2.3.4 A comida colonial
O padrão alimentar dos imigrantes que se dedicaram à agricultura, como enfatizado
anteriormente, teve que ser alterado profundamente nas florestas subtropicais. Aquele que no
continente europeu estava habituado a comer sopa de farinha pela manhã, que almoçava
batatas, legumes e laticínios e jantava pão de trigo e centeio, aqui muda radicalmente sua
dieta. A culinária colonial alemã, por razões diversas apontadas, ficou bastante distante da
comida típica existente na Alemanha. O prato do dia-dia típico das áreas rurais era, e ainda
229
Willems (1946), op. cit. p. 235-36.
230
Roche, op. cit. p. 635.
158
em grande parte o é, integrado pelo feijão, arroz, carne, mandioca, batata inglesa ou doce,
couve e saladas. O pão passa a ser o de milho.
A comida aos domingos e em dias de festa, quando a mesa normalmente era
ornamentada com uma toalha branca que trazia detalhes bordados, englobava o arroz, a massa
(Nudeln), a batata inglesa, o assado de porco, a galinha recheada, o chucrute, a salada de
batata, de alface, de rabanete e de pepino. Como sobremesa, creme de leite e de sagu.
Outro prato que se tornou típico das regiões coloniais, a galinhada, também não é
originário da Europa. Provavelmente seja uma adaptação do carreteiro, prato típico dos
gaúchos. O churrasco e o feijão mexido também foram adotados sem muita cerimônia pelos
teutos e descendentes.
A cerveja e o vinho, bebidas tradicionalmente consumidas na Europa pelos alemães,
aqui foram substituídas pela água, pelo schnaps (a cachaça) e, principalmente, pelo
chimarrão. Segundo Harnisch, a bebida feita a partir da erva-mate passou a ser sorvida em
quantidades maiores e ainda com maior paixão do que os próprios gaúchos o faziam.
Harnisch, o mencionado viajante e professor universitário, veio ao Rio Grande do
Sul com o fito de fazer uma biografia de Getúlio Vargas. Foi perseguindo esse intento que
percorreu o Estado em todas as direções. Analisando o comportamento da população de
ascendência germânica, afirma que as condições externas, completamente diversas das do
norte da Europa, mudaram inclusive o “habitus” de vida interior do alemão no sul dos
trópicos, “tornando-o mais livre e individualista e, por fim, mais paciente, desembaraçado e
amável.”
231
Gilberto Freyre, mais ou menos na mesma época, após realizar uma viagem ao
extremo Sul do país para um contato rápido com a gente e a paisagem daquela região,
escrevia: “impressionaram-me certas evidencias de abrasileiramento, do alemão e de outros
colonos, pelo gesto, pelo ritmo do andar, pela prática de atos tradicionalmente brasileiros.”
232
Ou seja, o novo meio encontrado no Sul do Brasil influenciou decisivamente nos hábitos, no
comportamento, no modo de ser e na cultura do imigrante e de seu descendente.
231
Harnisch, op. cit. p. 331.
232
FREYRE, Gilberto. O mundo que o português criou: aspectos das relações sociais e de cultura do Brasil com
Portugal e as colônias portuguesas. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1940. p. 33.
159
Mesmo admitindo a existência de uma cultura peculiar entre os teuto-descendentes do
Rio Grande do Sul, isso não significa que as fronteiras entre os diferentes grupos étnicos que
povoaram o Estado tenham sido abolidas. Lembra com propriedade lvio Corrêa que “um
grupo pode adotar traços culturais de um outro grupo, como a língua, a forma de moradia, ou
os costumes alimentares, e continuar mesmo assim a ser percebido e a perceber-se como
diferente.”
233
Isso acontece porque a existência de fronteiras entre diferentes grupos étnicos
não está diretamente vinculada com a manutenção de suas culturas.
233
CORREA, Sílvio Marcus de Souza. Identidade alee alteridade no Rio Grande do Sul. In: CUNHA, Jorge
Luiz da (Org.). Cultura alemã – 180 anos = Deutsche Kultur seit 180 Jahre. Porto Alegre: Nova Prova, 2004. p.
36.
3 CONSTRUINDO RELAÇÕES DE SOLIDARIEDADE
A organização de sociedades pode ser
considerada a ponte que liga os trabalhos
materiais aos culturais. (Centro 25 de Julho, p.
37)
Pode-se afirmar que, grosso modo, o desenvolvimento da vida comunitária nas regiões de
colonização alemã do Rio Grande do Sul foi decorrente de dois fatores principais. O primeiro deles
está relacionado com a exposição espacial a que foram submetidos os imigrantes e seus
descendentes pelo território. Como foi visto no capítulo 2, nas áreas coloniais do Sul do Brasil, a
experiência da tradicional aldeia alemã (Dorf) o foi aproveitada.
1
Aqui, os lotes coloniais foram
demarcados a partir das picadas ou de cursos d’água. As glebas, cuja superfície variou ao longo do
tempo entre 72 e 20 hectares, constituíam-se de terrenos individuais, quase sempre retangulares,
estreitos e paralelos uns com os outros, traçados no sentido norte-sul ou leste-oeste. Os lotes
ficavam alinhados em cada um dos lados da picada e normalmente tinham entre 110 a 220 metros
de frente e algumas centenas de metros de profundidade. As moradias dos colonos, em geral, foram
construídas na extremidade da propriedade, de frente para a estrada. Nas linhas ou picadas, um
conjunto variável de 80, 100 ou 130 famílias de colonos deu origem a um núcleo ou a uma
comunidade rural, onde surgiram organizações comunitárias como escola, igreja, cemitério, salão
1
Nas aldeias alemãs, os lotes destinados à atividade agrícola normalmente ficavam desvinculados do local da
moradia e não eram contíguos. No RS, o lote, além de ser bem maior, não era fracionado e praticamente
obrigava o seu proprietário a nele residir para ficar próximo de suas roças.
161
de festas.
2
Ali também normalmente vicejaram algumas atividades artesanais que podiam incluir
personagens como o ferreiro, o marceneiro, o alfaiate, o tanoeiro, o moleiro, o oleiro, o sapateiro e
outros. Mas da paisagem de um núcleo rural também fazia parte a existência de pelos menos uma
ou duas casas comerciais e, dependendo da localidade, surgiram também oficinas que passaram a
beneficiar parte da produção primária local. É o caso, por exemplo, dos moinhos de milho e de
erva-mate, dos preparadores de fumo em folha e de corda e dos beneficiadores de banha de porco.
Esse agrupamento por picadas favoreceu a integração econômica, religiosa, social e cultural dos
habitantes de uma mesma localidade. Segundo Lúcio Kreutz, a estrutura física dos núcleos
coloniais é a base sem a qual não teria sido possível a rede de organizações socioculturais e
religiosas a animar e caracterizar a vida dos imigrantes alemães.
3
O geógrafo alemão, Léo Waibel, constatou que o tipo de povoamento, que qualificou de
disperso, trouxe algumas vantagens para os imigrantes. Acentuou, entretanto, que a sociabilidade,
através desse sistema de assentamento de agricultores, se viu prejudicada:
O tipo de povoamento disperso tem a vantagem de o agricultor viver em sua
terra, e de a casa dele ser cercada pelas suas lavouras, seus pastos, suas matas
etc. Isto torna a administração da propriedade mais fácil. A desvantagem é que o
colono fica separado dos seus vizinhos e que os contatos sociais e culturais entre
os membros de uma comunidade se tornam muito difíceis de manter,
especialmente quando são pioneiros.
4
Se comparativamente ao modelo aldeão, existente na maior parte das áreas rurais da
Alemanha, o tipo de povoamento de habitat em fileira ou em linha, levado a cabo no Sul do
Brasil, não favoreceu tão amplamente a constituição de laços horizontais entre os povoadores
da mesma picada, o mesmo não pode ser afirmado quando se compara esse modelo com o da
sesmaria pecuarista, que caracterizou a ocupação das áreas de campo pela população luso-
brasileira. Ali as distâncias entre vizinhos eram muito superiores e as relações entre pessoas
eram hierarquizadas, existindo, inclusive, o instituto da escravidão. Já as organizações
comunitárias teuto-brasileiras eram formadas por iguais: praticamente todos eram pequenos
proprietários, quase não havia analfabetos e desempregados. Todos, portanto, estavam aptos a
participar e a se envolver em diferentes funções na igreja, escola, associação recreativa.
2
Uma comunidade rural teuto-brasileira aproxima-se bastante daquilo que foi denominado de “bairro rural” por
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. O campesinato brasileiro; ensaios sobre civilização e grupos rústicos no
Brasil. Petrópolis: Vozes/USP, 1973.
3
KREUTZ, Lúcio. Material didático e currículo na escola teuto-brasileira do Rio Grande do Sul. São
Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1994. p. 20.
4
WAIBEL, Léo. Capítulos de Geografia tropical e do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1979. p. 258.
162
Todos, por outro lado, estavam sujeitos a cobranças e sanções públicas no caso de cometer
algum deslize ou deixar de cumprir com algum compromisso julgado indispensável pela
comunidade.
5
Ao todo, foram centenas, se não milhares, de comunidades de agricultores
etnicamente quase homogêneas, social e culturalmente pouco diferenciadas, que se
reproduziram com o passar do tempo em solo gaúcho.
O segundo fator que, em boa medida, ajuda a explicar o desenvolvimento comunitário
dos germânicos e descendentes no Sul do Brasil foi a experiência trazida da Europa. O
espírito de sociabilidade integrava o acervo de tradições da população de origem teuta.
6
Na
bagagem vinda da Alemanha, os imigrantes portavam “a velha tendência alemã para formar
Vereine, sociedades. Não lhes faltava razão: tanto na pátria, como no além-mar, os alemães se
destacaram pelas rias formas de gregarismo que, também, foram introduzidas pelos
imigrantes teutos no Rio Grande do Sul.”
7
Aqui, o espírito gregário encontraria grande espaço
para sua expansão. A exemplo do que tinham feito na Alemanha, foram inúmeras as
sociedades culturais e desportivas e de lazer que os imigrantes e seus descendentes fizeram
vicejar no Estado. Mas, além desse tipo de sociedades, no Rio Grande do Sul também
disseminaram sociedades escolares, religiosas, assistenciais e de caráter econômico. Estas
últimas são apontadas como uma das decorrências do movimento de Restauração Religiosa
que existiu em estados alemães durante o século XIX. Estudiosos do tema apontam que o
associativismo existente no Sul do Brasil foi incentivado e sofreu grande influência da Igreja
da Imigração, Católica e Evangélica Luterana.
No caso dos católicos, como se verá adiante, eles aqui procuraram recriar e adaptar
algumas experiências que haviam sido bem sucedidas na Europa, particularmente na região do
Hunsrück, na Renânia, o atual Rheinland Pfalz. O Hunsrück faz divisa com o reino de
Luxemburgo e a província francesa da Alsácia e situa-se ao Sul do rio Mosel. A área é o local
de procedência da maioria dos imigrantes alemães católicos do RS.
A exemplo dos católicos, a partir de 1864, os protestantes do RS passaram a sentir os
reflexos do Movimento de Reavivamento existente na Alemanha durante o século XIX. O
5
Kreutz (1994), op. cit. p. 24.
6
RADÜNZ, Roberto. A organização cultural dos alemães no Vale do Rio Pardo. In: VOGT, Olgario P.,
SILVEIRA, Rogério L. L. (Org). Vale do Rio Pardo: (re)conhecendo a região. Santa Cruz do Sul: EDUNISC,
2001. p. 157.
7
TELLES, Leandro. Espírito associativo do imigrante. In: Álbum oficial do sesquicentenário da imigração
alemã. Porto Alegre: Edel, 1974. p. 80.
163
desenvolvimento e a organização da Igreja Evangélica e das escolas paroquiais no RS muito
devem à atuação da Sociedade Evangélica de Barmen. Através dos obreiros e das obreiras
enviados e do apoio material e financeiro que ela concedeu para comunidades e instituições
sinodais, contribuiu decisivamente para manter viva a religião protestante no RS, para
preservar a germanidade entre os descendentes de alemães e para estimular a vida
comunitária.
3.1 As redes informais de sociabilidade
A sociabilidade informal inclui uma série de atividades como visitar parentes e
amigos; conversar com vizinhos; reunir amigos em casa; jogar cartas; participar em diversos
tipos de atividades de lazer junto com outras pessoas como em bailes, quermesses, Kerbs,
casamentos e outras festas; apresentar-se para desenvolver trabalhos de voluntariado;
participar de atividades filantrópicas; realizar trabalhos conjuntos em sistema de mutirão etc.
Esse intenso convívio social favorece o conhecimento de outras pessoas e torna mais propensa
a criação de relações de confiança, camaradagem, solidariedade e auxílio recíproco entre os
envolvidos.
3.1.1 Os Kränzchen
Entre os espaços de sociabilidade feminina dos núcleos urbanos de colonização alemã
do RS estão os Kränzchen (círculos). Kränzchen é um hábito provavelmente originário da
Suíça e cuja prática muito se difundiu nas regiões de cultura germânica. Constitui-se de
pequenos grupos informais de senhoras e senhoritas que se reúnem periodicamente, sem
formalidades, na casa das integrantes, revezando os locais de encontro, para conversar, fazer
algum trabalho manual e tomar chá com cucas e doces. Nos Kränzchen não há diretorias, nem
líderes. O número de participantes de um Kränzchen é variado, mas normalmente é em torno
de oito a dez o número de mulheres, geralmente casadas ou viúvas, que formam um desses
círculos. Um grupo é formado basicamente a partir de relações de amizade e de vizinhança
entre senhoras pertencentes à classe média e à alta da sociedade. Os encontros realizam-se
164
uma ou duas vezes por mês entre os meses de março e dezembro. Nessas oportunidades, é
comum a anfitriã servir um chá acompanhado de tortas, cucas, bolachas e diversas variedades
de doces. E, quando alguma pessoa do grupo aniversaria, oferece uma festinha às integrantes
do
Kränzchen.
Na festa de encerramento dos grupos, pode haver a participação dos esposos, mas sem
a presença dos filhos.
8
Afora oportunizar encontros sociais, os
Kränzchen
têm igualmente uma função
filantrópica, pois as integrantes, além de tomarem chá e conversarem, também ocupam parte
do tempo realizando trabalhos manuais, como tricô, crochê, bordado e outros. Via de regra,
elas trabalham em benefício de uma entidade ou de uma pessoa necessitada, doando recursos
em dinheiro ou em trabalhos produzidos. Tempos atrás, em alguns grupos também se jogavam
cartas.
De acordo com uma pesquisa realizada em 1962/63 pelo professor José Fraga Fachel,
existia, então, somente na cidade de Santa Cruz do Sul, um número não inferior a 23
Kränzchen. Após entrevistar integrantes de 14 grupos, constatou que os assuntos mais falados
durante o encontro eram, pela ordem: arte culinária; aniversários; modas; tricô;
acontecimentos da cidade; cinema; bailes e festas; problemas da cidade; noivados e
casamentos; bordados; educação dos filhos; limitação dos filhos; trabalhos dos esposos;
escândalos na sociedade; namoros; anedotas e problemas conjugais.
Os círculos de senhoras constituíram, portanto, mais um espaço onde membros da
sociedade nesse caso específico restrito a mulheres se reuniam para conversar,
confraternizar e desenvolver alguma atividade solidária para beneficiar uma ou uma turma de
pessoas. Por outro lado, esse espaço informal de convívio permitia também, muitas vezes, que
laços de confiança, de cooperação e de solidariedade entre as integrantes do próprio
Kränzchen medrassem ou aumentassem substancialmente. Isso poderia favorecer, por
exemplo, a colocação de um parente ou conhecido, indicado por alguma delas, em algum
trabalho; facilitar a concessão ou a avalização de um eventual empréstimo para o pai ou
marido de uma delas que estivesse em dificuldades financeiras ou que desejasse ampliar seus
8
Dados a partir de FACHEL, JoFraga. Os grupos de bolão e os Kränzchen em Santa Cruz do Sul. In: I
Colóquio de Estudos Teuto-brasileiros. Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Filosofia da UFRGS. Porto
Alegre: Gráfica da UFRGS, 1966; VOGT, Olgario Paulo. Cultura colonial. In: VOGT, Olgário Paulo (Org.).
Abrindo o baú de memórias: o Museu de Venâncio Aires conta a história do município. Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 2004. p. 182-83; MARTIN, Hardy Elmiro. Kränzche. Gazeta do Sul, Santa Cruz do Sul, 30 out.
1991.
165
negócios ou colaborar para que uma parceria ou sociedade entre os maridos fosse fechada.
Mas, fundamentalmente, os Kränzchen fomentavam o cultivo da amizade.
Os
Kränzchen
,
historicamente, existiram de modo especial na cidade. Como no interior
do município as senhoras normalmente estão ocupadas com a realização de suas tarefas
cotidianas, ali fazem parte de sociedades de damas que se reúnem nos finais de semana.
3.1.2 Os trabalhos em grupo e o espírito público
Os obstáculos iniciais enfrentados pelos colonos e a persecução de objetivos idênticos
geraram laços societários que uniram as famílias de uma comunidade ou região. A cooperação
começava a partir da chegada. O trabalho de derrubada da mata e a abertura de clareiras e a
construção da primeira choupana davam-se, muitas vezes, a partir da formação de frentes de
trabalho de várias famílias. Luís Panke, por exemplo, deixou registrado nas memórias de sua
família que seu avô, Johann Michel Panke, chegado com seus filhos Johann, de 18 anos, e
Albert, de 10, em 1853 no lote n. 68 da Picada Rio Pardinho, Colônia de Santa Cruz, recebera
o imprescindível auxílio de dois vizinhos, imigrados anteriormente, para construir sua
primeira choupana. Esses dois homens lhe informaram que no mesmo dia, desde cedo, um
grupo havia se formado para ajudar, com braços e sugestões práticas, os outros imigrantes
recém-chegados na mesma leva. Os próprios Panke, após terem feito seu primeiro rancho,
passaram a auxiliar na mesma tarefa um de seus vizinhos. O auxílio no empréstimo de
ferramentas também era freqüente. “As ferramentas dos colonos eram emprestadas e trocadas
entre si; um tinha uma ferramenta para rachar madeira e outro um serrote para fazer tábuas...
assim as ferramentas iam de uma mão para outra e brilhavam de tanto uso.”
9
Giralda Seyferth comentou que no Vale do Itajaí-Mirim os colonos, na medida em que
melhoravam sua condição econômica, procuravam substituir a provisória cabana inicial por
uma de madeira ou de enxaimel. Nessas ocasiões, obtinham auxílio dos vizinhos. O trabalho
em mutirão era combinado no armazém, em alguma festa, em um encontro de algum Verein
ou aos domingos, antes ou após os serviços religiosos. O proprietário do lote comprava ou
9
PANKE, Luís. Memórias de Luís Panke. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006. p.93.
166
preparava o material necessário, discutia com os vizinhos a edificação e iniciava o trabalho.
Quando a construção do prédio chegava na cumeeira, era realizada uma festa da qual
participavam as famílias dos colaboradores. Na festa da cumeeira, o dono da nova casa
oferecia comida e bebidas, seguindo-se cantos, danças e brincadeiras.
10
A comida e a bebida
que o dono oferecia aos que o auxiliavam no trabalho representava uma forma de
reciprocidade instantânea. Já a retribuição futura dos serviços se constituiria na reciprocidade
adiada.
11
O trabalho coletivo envolvia principalmente tarefas ligadas à construção e manutenção
de capelas, de residências de párocos, de escolas, da casa do professor e à limpeza de estradas
e cemitérios. A cooperação envolvia tanto a doação de materiais, como a disponibilização de
mão-de-obra gratuita. Assevera Kreutz que em uma comunidade rural, durante diversas vezes
ao ano, era repetida a convocação dos sócios para as Gemeindearbeiten ou Frohnarbeiten
(serviços de comunidade). A participação dos moradores para a realização de trabalhos
coletivos concretos em prol da comunidade era encarada como uma obrigação na qual todas
as famílias da localidade tinham que se envolver:
Os sócios da comunidade rural eram regularmente convocados, cada ano, para
serviços como a reforma e limpeza da capela, da escola e do cemitério e para a
conservação da estrada (travessão). E havia convocações especiais para
momentos ou finalidades mais específicas, como construção (seja de igreja,
escola, casa do professor ou salão de festas), ou para a preparação de algum
evento especial.
12
Luiz Antônio de Assis Brasil, no seu romance Videiras de Cristal, ao referir-se à
construção do templo dos seguidores de Jacobina, no Ferrabrás, assinala que todos queriam
participar: “Os mais velhos insistiam em ser úteis: aquela obra lembrava os primeiros anos da
colônia, quando todos partilhavam a miséria e deviam ajudar-se uns aos outros para vencer a
mata, abrir picadas e erguer suas pequenas casas.”
13
Wilhelm Wacholz, ao se referir a uma correspondência enviada pelo pastor Christian
Smidt e por sua esposa Bárbara a Friederich Fabri, fundador do Comitê para os Alemães
10
SEYFERTH, Giralda. A colonização alemã no Vale do Itajaí-Mirim: um estudo de desenvolvimento
econômico. Porto Alegre: Movimento, 1974. p. 92-93.
11
WILLEMS, Emílio. Uma vila brasileira: tradição e transição. São Paulo: DIFEL, 1961. p. 50.
12
KREUTZ, Lúcio. O professor paroquial: magistério e imigração alemã. Porto Alegre: Ed. UFRGS;
Florianópolis: Ed. UFSC; Caxias do Sul: EDUSC, 1991. p. 57.
13
ASSIS BRASIL, Luiz Antonio de. Videiras de cristal. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1992. p. 150.
167
Protestantes no Sul do Brasil, faz menção a um desses trabalhos coletivos. Na missiva, os
autores comunicaram que em 1866, antes da chegada do pastor Borchard a Rio Pardinho,
Colônia de Santa Cruz, os moradores da picada teriam se reunido e, na forma de mutirão,
realizado melhoramentos na estrada e na ponte de acesso à colônia para bem receberem o
missionário protestante.
14
As reuniões de colonos nas áreas coloniais para reivindicar melhorias e direitos ou
para combinar trabalhos conjuntos não eram raras. Em um romance histórico, que tem como
cenário a Picada Rio Pardinho, na Colônia de Santa Cruz, Valesca de Assis narra a existência
de reuniões dos habitantes com o diretor João Martinho Buff. Em uma delas, que teria
contado com a presença do médico Robert Avé-Lallemant, o inglês Guilherme Lewis,
empreiteiro responsável pela edificação, no povoado de São João, da primeira capela para os
moradores da Colônia, explicava as razões pelas quais não conseguiu terminar a obra no prazo
contratado com o governo provincial. Em uma posterior reunião com o diretor Buff, é
discutida a reivindicação encaminhada ao presidente da província em que os colonos
solicitavam que fossem abertas mais estradas e construídas pontes para um melhor
escoamento da produção. Na oportunidade, uma comissão teria sido indicada para levar os
pleitos da colônia à capital.
15
Embora muitos acusassem as regiões de colonização do Sul do Brasil por viverem à
margem dos acontecimentos político-administrativos do país, que se considerar um fato
maior. As áreas de colonização ficaram menos sujeitas ao jugo do coronelismo. As terras
cobertas por densas florestas e de topografia acidentada, onde se deu a colonização, na
maioria das vezes haviam escapado do interesse dos grandes latifundiários que se apossaram,
durante os séculos XVIII e XIX, principalmente das terras de campo do RS. Como na
Província o poder político, durante o período imperial brasileiro, esteve sob o domínio dos
latifundiários criadores de gado e dos seus aliados, o poder público se fez pouco presente
nessas áreas. Assim, as comunidades coloniais, longe do controle estatal, e também dos seus
serviços, habituaram-se a resolver os seus conflitos e as suas disputas internamente. Também
a iniciativa de criar escolas, abrir estradas, construir pontes, levantar o prédio da capela e
colocar em funcionamento hospitais, ficava em suas mãos. A prática portuguesa de escolha do
14
WACHHOLZ, Wilhem. Atravessem e ajudem-nos: a atuação das sociedades evangélicas de Barmen e de seus
obreiros e obreiras enviados ao Rio Grande do Sul (1864-1899). São Leopoldo: Escola Superior de Teologia,
1999. (Tese de Doutorado em Teologia). p. 509.
15
ASSIS, Valesca de. A valsa da medusa. Porto Alegre: Movimento, 1994.
168
juiz de paz pelas próprias comunidades ajudava a reforçar esse sentimento de autonomia das
comunidades.
Avé-Lallemant, em 1858, aborrecera-se com a forma como a colônia de Santa Cruz
era dirigida. Afirmou que ali “os homens vencem com o seu trabalho; na verdade, nada devem
à administração.”
16
O autor também questiona o que seria de Porto Alegre sem São Leopoldo.
Dos 25 a 30 mil alemães da província, 18 seriam do distrito de São Leopoldo ou dele teriam
saído. Nas colônias, viviam eles como lavradores, muitos como pequenos negociantes e
compradores de gêneros do país; nas cidades, eram artífices e mesmo negociantes; em muitas
estâncias eram encontrados como carpinteiros, como trabalhadores e pastores bem
remunerados.
17
O trabalho de abertura de estradas, necessário para o desenvolvimento das colônias,
deu-se muitas vezes pela mobilização do trabalho comunitário. Como os governantes parecem
não ter se preocupado muito com a abertura e manutenção dos caminhos nas áreas coloniais,
coube muitas vezes aos colonos a abertura e a manutenção de estradas e a construção de
pontes em sistema de mutirão. Como as picadas eram geralmente demarcadas
geometricamente, acontecia de o traçado dos caminhos passar por desfiladeiros íngremes ou
rochedos escarpados, o que forçava os colonos a gastar boa parte do seu tempo para a
manutenção ou retificação das picadas. Josef Umann relata que a manutenção da estrada de
Venâncio Aires que ligava Cecília e Santa Emília à Vila consumia de seis a dez dias anuais de
trabalho de cada colono. Como esse caminho dava passagem somente para cavalos e animais
de carga, resolveram espraiar a estrada:
No ano em que decidimos alargá-la para permitir a passagem de carroças, a
maioria dos moradores trabalhou 20 dias ou mais. Os mais jovens, Hermann Sell
e Josef Umann, trabalhavam naquela ocasião 28 dias. É por certo um imposto
viário muito alto, e nós precisávamos demais desse tempo precioso para
construir, ampliar e organizar nossas instalações domésticas.
18
O engajamento dos membros de uma determinada comunidade para solucionar
questões que lhes eram comuns tornou-se possível porque havia confiança recíproca e porque
era feito entre iguais. O tipo de colonização adotado e os contingentes humanos nele
16
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagem pela província do Rio Grande do Sul. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São
Paulo: EDUSP, 1980. p. 180.
17
Ibidem p. 377.
18
UMANN, Josef. Memórias de um imigrante boêmio. Porto Alegre: EST/Nova Dimensão, 1997. p. 69.
169
envolvidos determinaram, ao menos no início das áreas coloniais, uma igualdade de
condições que amenizou acentuadamente as diferenças que pudessem se tornar o esteio de
uma estratificação social. Os primeiros colonos de cada uma das novas zonas coloniais
enfrentaram praticamente as mesmas dificuldades e com possibilidades relativamente
idênticas. Não havendo diferenças econômicas significativas e agrupando-se, quando
possível, de acordo com a origem comum, o ideal comunitário ou de formação de uma
grande família aflorou.
19
Foi somente aos poucos que alguns dos moradores de uma picada,
dedicando-se ao comércio ou desenvolvendo algum ofício, alcançaram um prestígio social e
uma situação econômica melhor.
A posterior urbanização e industrialização de algumas das localidades, fato que foi
agravado com a migração do campo para a cidade, favoreceria a diferenciação social e uma
estratificação da população de ascendência alemã das áreas coloniais. Foi nos núcleos urbanos
que as diferenças provocadas pela relação de patrão e empregado e pela discrepância de
remuneração se tornaram mais nítidas. Isso provocou distinções acentuadas nos hábitos, nos
divertimentos, na educação dos filhos e no próprio comportamento dos moradores. Como
constatado em Jarim, Rio de Janeiro, por Úrsula Albersheim dos Santos, enquanto residia na
zona rural, a população de origem germânica apresentou uma unidade maior do que na
cidade. O desenvolvimento urbano não provocou apenas a diferenciação interna dos membros
do próprio grupo no caso os teutos e descendentes –, mas separou o campo da cidade,
fazendo surgir a inferiorização do homem da colônia:
(...) a inferiorização da população rural em face do habitante da cidade, que lhe
ridiculariza os hábitos antiquados e a maneira canhestra no vestir e no falar, o
que coloca o colono pouco à vontade nos contatos sociais no meio urbano;
embora se identifique com o grupo médio da cidade, não é muito prestigiado por
este. Os contatos mais diretos são raros, mantendo cada grupo a sua vida própria
recreativa à parte.
20
19
SANTOS, Úrsula Albersheim dos. Estrutura social de uma comunidade teuto-brasileira. In: FERNANDES,
Florestan (Comp.). Comunidade e sociedade no Brasil: leituras básicas de introdução ao estudo macro-
sociológico do Brasil. São Paulo: Nacional, USP, 1972. p. 117.
20
Ibidem p. 123.
170
3.1.3 As relações de vizinhança
Os imigrantes originários da Alemanha normalmente traziam consigo a experiência da
vida nas aldeias. as famílias residiam em casas contíguas, permitindo que as relações de
vizinhança se desenvolvessem espontaneamente. Havendo um convívio mais estreito entre os
membros de uma mesma comunidade, sustenta Seyferth
21
que instituições como a Igreja e as
associações recreativas (Vereine) não haviam tido tanta importância. Já no Sul do Brasil, as
relações de vizinhas, embora como apontado no capítulo anterior, fossem bastante diversas
daquelas existentes nos Dorfer da Alemanha, eram possibilitadas pelo habitat em fileira.
Aliás, pode alguém perguntar se o “habitat” é mesmo disperso. Parece
concentrado porque cada picada, ao longo da qual casas foram levantadas,
encontra-se separada da seguinte pela distância (em sentido longitudinal) de dois
lotes, isto é, 6,4 Km em que jamais existiram construções, mesmo anexas.
Ergueram-se as casas em uma espécie de pátio aberto, mas alinhadas
paralelamente à picada, em cada um de seus lados, em relativa proximidade dos
prédios construídos nos lotes vizinhos laterais e fronteiros. Por outro lado, desde
os primórdios da colonização, os imigrantes lutaram contra o isolamento moral,
multiplicando os pontos de encontro. E foi à beira da picada, num pedaço de lote
ou na casa de um colono, que surgiram a capela, a escola, a loja e, depois, salão
de festas. Se a célula é a pequena propriedade “isolada”, e sabemos que o é isto,
a unidade orgânica do povoamento é a “picada”.
22
Uma comunidade rural era formada por um conjunto variável de famílias de colonos.
A média provavelmente girava em torno de 100. No núcleo rural surgiam organizações
comunitárias entre as quais escola elementar, igreja, cemitério e salão de festas; atividades
artesanais que podiam incluir ferreiro, marceneiro, alfaiate, tanoeiro, moleiro, oleiro,
sapateiro; uma ou duas casas comerciais e, dependendo da localidade, oficinas de
beneficiamento de parte da produção primária local como moinhos de milho e de erva-mate,
preparadores de fumo e beneficiadores de banha de porco. Alguns quilômetros separavam as
comunidades rurais umas das outras. Platz, que traduzido significa lugar, era a denominação
utilizada pelos colonos para definir o que aqui se denomina de comunidade rural.
Uma das frases mais ouvidas por quem percorria antigamente uma área colonial alemã
certamente era “aqui todo mundo se conhece.” O “aqui” designava um habitat definido em
oposição às comunidades vizinhas, sendo o local de vida e de trabalho dos moradores da
21
Seyferth, op cit. p. 90.
22
WAIBEL, Léo. Princípios de colonização européia no sul do Brasil. p. 197, s/d.
171
localidade. Assim, o universo dos colonos ficava restrito ao cotidiano na localidade. As saídas
resumiam-se a esporádicas idas à sede do distrito ou do município para acertar algum negócio,
procurar auxílio médico, fazer compras ou para satisfazer algum compromisso público como
pagar impostos, registrar o nascimento de um filho ou providenciar o alistamento militar. A
forma como se referiam a essas viagens até a cidade é bastante significativa: Ich bin raus
gefahren (Eu fui para fora) ou Ich war trausen gewessen (Eu estive fora). O fora, no caso,
significa a cidade ou o distrito visitado.
Em uma comunidade pequena, as relações de vizinhança e de confiança também são
facilitadas pelos intercasamentos. Os colonos no RS tiveram muitos filhos por dois motivos
básicos: ter uma grande prole significava a possibilidade da unidade produtiva familiar poder
contar com mais força de trabalho; a outra é que o filho representava uma segurança para os
progenitores, uma espécie de amparo na velhice, uma espécie de aposentadoria rural primitiva
para os pais que seriam substituídos por um deles quando de sua velhice. A grande prole
facilitava os intercasamentos entre as famílias da própria comunidade e de comunidades
vizinhas. Com o passar do tempo, as relações de vizinhança e o intercasamento fizeram
vicejar uma íntima teia de relações de parentesco, o que muitas vezes implicou maior
solidariedade e constituição de uma quase família extensa que agregava praticamente toda a
população da comunidade.
23
E as relações de reciprocidade mais fortes e confiáveis que um
indivíduo possui são exatamente as que estabelece com seus parentes.
Como a vida cotidiana de uma família camponesa era no lote colonial, as relações
entre os vizinhos e o convívio com os demais moradores da localidade se realizavam
esporadicamente nas celebrações litúrgicas, nas rezas e novenas, nos casamentos, nos
velórios, nos trabalhos em sistema de mutirão, quando da transação de algum produto na casa
comercial, nos encontros periódicos promovidos pelas diversas sociedades, nos bailes, nas
quermesses e em outros festejos promovidos na localidade ou em localidades vizinhas.
Nesse contexto, a função das sociedades culturais e desportivo-recreativas e das festas
era a de integrar os membros da comunidade rural que viviam dispersos nas pequenas
propriedades.
24
Ou como prefere Willems, constituíam-se em “compensações necessárias para
23
Santos, op. cit. p. 118.
24
Seyferth, op. cit. p. 91.
172
manter um mínimo de euforia social.”
25
O papel de uma sociedade de lanceiros, por exemplo,
não era o de simplesmente congregar e distrair os seus associados em um torneio que se
realizava a cada 30 ou 60 dias. Por ocasião desses encontros, quando as fainas rotineiras eram
momentaneamente deixadas de lado, a vida pública da comunidade podia ser objeto de
discussão. Era, portanto, uma oportunidade não somente para reunir grande parte dos
membros da comunidade, mas, também, para resolver problemas comuns. Muitas
necessidades, como construir uma obra pública ou auxiliar famílias atingidas por alguma
calamidade, certamente foram tomadas nessas circunstâncias.
Antigamente, os casamentos normalmente representavam uma oportunidade de
convívio dos parentes e amigos dos noivos. O casamento é um dos principais ritos de
passagem. Entre os costumes relacionados ao ritual está a organização de uma festa para
marcar o momento. Dependendo da condição financeira dos familiares dos noivos, é
produzido um verdadeiro espetáculo que, testemunhado pelos convidados, serve para
reafirmar o prestígio social de suas famílias, evidenciar a realização de um “bom casamento”
e integrar os parentes das diferentes famílias.
26
A morte é outro ritual de passagem. Ela fazia parte do cotidiano das pessoas no início
da colonização. O velório acontecia na própria casa do defunto, no lugar mais espaçoso da
morada, em geral na sala de visitas. A morte na colônia representava, entre outras coisas, uma
ocasião de rever velhos amigos e a parentada, tornando-se um encontro de pessoas que havia
muito não se viam. Como quase sempre várias famílias vinham de longe para participar do
ritual fúnebre, era necessário preparar muita comida e bebida para alimentar aqueles que
velavam o morto. Um observador de fora poderia, equivocadamente, concluir que um velório
antigamente tomava ares de uma grande festa. De fato, nessas ocasiões eram preparadas
fornadas e mais fornadas de cucas, fervidas paneladas de lingüiça, servidas várias mesas de
café e preparadas algumas panelas de ferro de galinhada. Na realidade, esse acolhimento dado
aos “visitantes” inseria-se em um contexto histórico em que os precários meios de transporte e
os péssimos caminhos existentes tornavam maiores as distâncias, impedindo que muitos
retornassem aos seus lares para dormir e fazer as refeições.
25
Willems (1961), op. cit. p. 173.
26
LEITE, Miriam Moreira. Retratos de família: leitura da fotografia histórica. São Paulo: Ed. USP, 2000. p. 112.
173
As visitas à casa comercial também se tornavam oportunidades de convívio com
outras pessoas. Ia-se à venda principalmente para trocar ou vender a produção excedente
obtida no lote ou para adquirir mercadorias que não pudessem ser produzidas na exploração
agrícola. Nas picadas coloniais, a venda era um misto de residência, posto de trocas, local de
beneficiamento da produção, botequim, sede de sociedades e ponto de reunião. Era para lá
que todos convergiam. Ali os colonos acabavam travando contato com assuntos os mais
variados. Quem intermediava e filtrava boa parte dessas informações era o dono da casa
comercial. Como ele tinha contato direto com pessoas de diferentes procedências, inclusive
com os caixeiros viajantes, era sabedor de notícias de outros lugares. Em decorrência do
poder econômico e cultural que representou, tornou-se elemento de prestígio e poder político.
Passou a orientar os colonos sobre o que e como plantar; passou a orientar politicamente sua
clientela e a indicar remédios e artigos da moda. As casas comerciais do interior foram palco,
igualmente, de muitos comícios, reuniões e deliberações que deram origem a entidades e
movimentos os mais diversos. Por exemplo, o plano inicial que deu origem à AFUBRA
(Associação dos Fumicultores do Brasil) brotou em uma casa comercial de Linha Formosa,
localidade que na época ainda era pertencente ao município de Santa Cruz do Sul.
27
A ajuda entre vizinhos também caracterizou as regiões de colonização alemã do RS. O
auxílio podia ser prestado em casos como de doença ou de morte de um membro da família ou
quando do nascimento de um filho. A troca de serviços e o trabalho interfamiliar, ou o
mutirão, que é a forma básica de cooperação vicinal, parecem no entanto, exprimir melhor o
vínculo de confiança e de ajuda mútua que se estabeleceu entre vizinhos.
Willems, referindo-se aos imigrantes alemães assentados no Espírito Santo, afirmou
que na Alemanha eles não desconheciam completamente o trabalho a pedido Bittarbeit.
Apenas o mutirão em atividades como derrubadas de mata, limpeza de cafezais e colheita de
café e a construção de casas eram desconhecidas.
28
O mesmo se poderia dizer da abertura e
manutenção de estradas, que no país de origem ficavam sob a responsabilidade das
autoridades. Mas o chamado juntamento não se limitaria ao estado capixaba, podendo ser
observado em todas as zonas de colonização alemã. que aqui ele teria uma extensão e
importância sem precedentes. O meio físico e social, isto é, as vicissitudes do meio natural e o
27
A respeito da AFUBRA ver o capítulo 5 de: VOGT, Olgário Paulo. A produção de fumo em Santa Cruz do
Sul, RS: 1849-1993. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1997.
28
WILLEMS, Emilio. A aculturação dos alemães no Brasil: estudo antropológico dos alemães e seus
descendentes no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946. p. 342.
174
convívio com o elemento brasileiro, devem ter influenciado os imigrantes e seus descendentes
à prática do trabalho em comum.
Esperando que os vizinhos lhes retribuíssem o serviço em uma próxima ocasião,
moradores de uma comunidade poderiam se reunir para, por exemplo, colher o fumo na casa
de um deles, fazer a colheita do feijão, prensar cana e fazer melado. O responsável pelo
mutirão exercia a mesma tarefa dos demais, não fazendo a inspeção dos serviços executados.
A generalização do trabalho assalariado levou à desintegração do mutirão enquanto sistema
de trabalho.
Uma outra prática vicinal muito difundida era a concessão, a vizinhos, de
determinados produtos de origem agrícola ou pastoril. Quando da carneação de um boi ou de
um suíno, o auxílio de um ou mais moradores da redondeza poderia ser providenciado. Numa
época em que o freeezer e a energia elétrica ainda não estavam disseminados, a concessão ao
vizinho de parte do animal abatido, de lingüiça ou de uma lata de banha, era uma prática
considerada normal. A cedência de uma lata de schmier (melado), de um saco de feijão, de
farinha de milho ou outro produto qualquer se enquadra na mesma lógica. Em todos esses
casos, esperava-se uma retribuição futura do “empréstimo realizado”. A cedência poderia
acontecer se houvesse confiança e expectativa de retribuição no futuro.
A confiança tem um componente emocional. Nesses casos referidos, ela estava
baseada num histórico passado de performance que a confirmava. Havia como que uma
garantia da integridade, da veracidade e da justiça da outra parte. A confiança é um
extraordinário mecanismo de ampliação da coesão social. É uma espécie de cola invisível e
impalpável que mantém e estimula a coesão social. A sua presença é determinante para que
uma comunidade esteja capacitada a produzir interações fertilizantes. Em um ambiente em
que existe confiança recíproca em índices elevados, todos podem sair ganhando.
Avé-Lallemant descreveu uma dessas relações de confiança que se estabeleceram
entre colonos e comerciantes. Relatou que em duas vendas onde se hospedou durante sua
viagem a São Leopoldo, o estalajadeiro era também negociante. Observou ali que quando os
colonos traziam para a venda, no lombo do burro, algum produto agrícola, não se regateava,
175
não se media, não se pesava nenhum saco. Os preços de mercado eram conhecidos e de boa fé
se acreditava que o saco estava bem cheio.
29
A participação em bailes, festas e a freqüência às vendas também era importante para a
sociabilidade dos teutos e descendentes. Embora padres jesuítas e pastores protestantes
freqüentemente reclamassem contra o excesso de bailes e dos encontros nas vendas para
conversar, para jogar cartas e para beber, essas atividades estimulavam a vida social e a
constituição do tecido comunitário. Salienta Telmo Lauro Müller que antigamente o baile era
essencialmente um ato social, isso quer dizer um encontro de famílias para conversa,
entretenimento e, quem sabe, até para a realização de negócios. Como a orquestra não tinha
recursos eletrônicos, era possível conversar e dançar ao mesmo tempo. o havia reserva de
mesas e ninguém ficava uma noite inteira sentado no mesmo lugar. Havia intensa
movimentação, pois todos queriam falar com todos.
30
Tendo em vista que as festas oportunizavam a sociabilidade e haja vista que o Kerb é
um festejo característico das colônias alemãs, convém descrevê-lo um pouco melhor.
3.1.3.1 O Kerb
O Kerb é uma festa popular germânica, de origem religiosa, cultivada pelos
descendentes de imigrantes alemães até hoje no Sul do Brasil. Além de se constituir em um
importante entretenimento para os membros de uma comunidade, era também uma bela
oportunidade de encontro e de confraternização. Como destaca Moraes, esse tipo de
comemoração está vinculado à igreja da localidade, seja ela católica ou luterana:
Entre as práticas que tiveram larga repercussão na região colonial através de mais de cem
anos e que constituiu como ainda constitui o principal motivo de reunião e divertimento, a
par da cultuação de tradição cara, destaca-se o "kerb", ou "Kirchweith", que, na
Alemanha, se festejava por ocasião do aniversário da igreja, ou do dia onomástico do
padroeiro da paróquia, durante três dias.
31
29
Ave-Lallement, op. cit p. 148.
30
MÜLLER, Telmo Lauro. Colônia alemã: história e memórias. Porto Alegre: EST, 1981. p. 108.
31
MORAES, Carlos de Souza. O colono alemão uma experiência vitoriosa a partir de São Leopoldo. Porto
Alegre: EST, 1981. p. 124.
176
Antigamente, a festa de Kerb
32
era muito aguardada pelos moradores das localidades
em que ela acontecia. Os festejos, que iniciavam em um final de semana, duravam três dias.
Era, além de diversão, uma oportunidade de reencontro de parentes e amigos e, para os
jovens, ocasião para iniciar um namoro. Durante o ano, moças e rapazes, crianças, adultos e
velhos preparavam-se para o evento.
Alguns meses antes do Kerb, as moças podiam escolher um “corte” de vestido. As de
famílias mais abastadas podiam se dar ao luxo de escolher dois: um para a celebração e outro
para o baile. As costureiras costumavam ter muito serviço nessa época. Eram vestidos
rodados, com laços de fitas, que, primeiramente, eram usados na celebração e, depois, no
baile. Para completar o visual, as mulheres de mais idade tinham, por costume, encrespar os
cabelos.
Os rapazes geralmente não ganhavam roupas novas para o Kerb. Usavam a fatiota que
guardavam para ocasiões especiais, como velórios, bailes e casamentos. Quando muito,
ganhavam uma camisa e uma calça nova. Nessa ocasião, o colono, acostumado ao trabalho
árduo na roça, colocava sapatos nos pés e trajava sua melhor roupa.
Como as famílias ficavam encarregadas de acolher parentes e amigos que vinham de
longe para os festejos, as casas da localidade em que ocorria o Kerb recebiam uma atenção
especial. Os moradores passavam dias pintando ou escovando o forro e as paredes da
moradia, engomando cortinas, roupas de cama, guardanapos de mesa, de paneleiros e panos
de parede, e roçando a grama e o capim do pátio. Até o galpão, que era usado para guardar
ferramentas de trabalho e produtos da roça, era preparado para servir de albergue. Como
muitas vezes a casa tornava-se pequena para tantos visitantes, ajeitava-se o galpão para
acomodar pes
soas.
A igreja recebia um tratamento específico. Ela era enfeitada com flores do campo e
folhas de palmito, o que lhe dava um aspecto festivo. O salão onde ocorriam as
confraternizações também recebia decoração especial. A porta e os postes de sustentação
eram ornamentados com folhas de palmito, enquanto adornos de papel crepom e bandeirinhas
ficavam suspensos abaixo do teto.
32
A descrição da festa do Kerb aqui feita toma por base como os festejos se processavam na localidade de Linha
Isabel, no interior do município de Venâncio Aires, RS.
177
As festividades normalmente iniciavam com uma alvorada de tiros, que era um
convite para a celebração religiosa que viria logo após. Enquanto transcorria o ato religioso, a
banda do Kerb entoava músicas sacras e, ao final, soavam os sinos e espocavam os foguetes.
Do templo, a multidão seguia na balada da bandinha até o salão da comunidade. Ali
chegando, dançava um pouco, tomava uma cerveja e conversava com amigos e familiares.
Depois, cada um, acompanhado por parentes e visitantes, ia para casa onde acontecia o
Fresskerb.
33
Durante o ano, eram feitas as compotas de frutas e conservas, mas a alimentação
principal era preparada no primeiro dia de Kerb, por ser esta de difícil conservação. Nessa
oportunidade, também era feito o abate de animais principalmente de porcos e galinhas e
eram preparados bolinhos de carne, lingüiças, galinhas assadas e galinhas recheadas. As
mulheres faziam grandes fornadas de cucas e pães e se encarregavam da preparação de doces.
Na hora do almoço, havia fartura. Parentes e amigos se reuniam em torno de
compridas mesas e confraternizavam com muita comida, cerveja e gasosa. Comiam leitões e
frangos assados, lingüiça fervida, batata assada e outros pratos da cozinha colonial alemã.
Havia, igualmente, a salada de batatinha e grande quantidade de conservas, de rabanete,
pepino, beterraba, ovos, chuchu e cebola, preparados em potes de cerâmica, os Krugs.
Enquanto as crianças almoçavam em uma mesa à parte, as mulheres lavavam a louça, e os
homens sentavam-se à sombra para conversar, cantar ou jogar cartas.
Durante a tarde, era servido farto café, que incluía grande variedade de doces
(Ringeldoss, Hegeringer, Butterdoss, Mehldoss, Stiirkdoss, Mulerdoss)
e cucas de diferentes recheios
(framboesa, requeijão, laranja.
Streusel, Schmier).
Ao entardecer, retornava-se para o salão, a
fim de dançar ao som da bandinha. E, para encerrar a noite, era preparado um delicioso jantar,
regado a cerveja, gasosa ou vinho artesanal.
Para participar dos bailes (que antigamente eram em número de dois ou até mesmo
três), era cobrada uma pequena importância dos homens; as mulheres não pagavam ingresso.
Para evitar “penetras”, o controle de pagamento era feito através da colocação de uma fita ou
33
Expressão que em alemão significa “comer como animal”. Assim era denominado por causa da fartura de
comida.
178
flor na lapela do casaco dos cavalheiros, e seus nomes eram anotados em um caderno. Mais
tarde, passava alguém no salão para fazer a conferência. Os bailes iniciavam com a dança da
Polonese.
As crianças aproveitavam ao máximo os três dias de festa. Brincavam, dentre outros,
de esconder, de pega-pega, de ovo-podre, de cabra-cega, de passar o anel, de andar de carreta
e de resbalar com casca de coqueiro pelo potreiro.
À
noite, antes de deitar, jogavam Schwarze
Peter (Mico-Preto), Muhle (burro) e, mais tarde, já no quarto, faziam guerrinha de
travesseiros que, para elas, era o momento mais aguardado durante o ano.
Com o surgimento e o desenvolvimento de núcleos urbanos e com a melhoria das
estradas, dos meios de transporte e das comunicações, os Kerb
em todas as áreas de
colonização germânica perderam parcela significativa do seu significado e do seu encanto.
Agora as pessoas têm a possibilidade de participar de inúmeros bailes e festividades ao longo
do ano e de visitar seus familiares e amigos com mais freqüência. Assim, o Kerb
,
antes um
acontecimento único na comunidade, deixou gradualmente de ser relevante.
34
A preparação e a realização de festas, a exemplo da do Kerb acima descrito, exigiam
um esforço notável da comunidade: havia a necessidade de angariar os donativos, divulgar o
festejo, ornamentar o salão, preparar a comida e a bebida, organizar jogos de azar, contratar
uma bandinha, controlar a venda de fichas, fazer a segurança etc. No final, tinha que ser feita
a limpeza do local e a contabilidade. A sobra obtida invariavelmente era destinada para algum
equipamento comunitário: podia ser a igreja, a escola, o salão comunitário ou algum outro
empreendimento desejado pelos moradores da localidade.
A afirmação de que nas diversas festividades promovidas a sociabilidade na picada foi
estimulada, parece ser insofismável.
34
LENZI, Zuleika Mussi et al. O Kerb em Santa Catarina. Florianópolis: Editora da UFSC, 1989. p. 35.
179
3.2 As redes formais de sociabilidade
As redes formais de sociabilidade dizem respeito à participação dos indivíduos em
associações voluntárias, organizadas formalmente com diretorias, estatutos, reuniões regulares
e critérios de afiliação. Dessas associações as pessoas resolvem participar por livre e
espontânea vontade. O convívio nelas, a exemplo do que acontece na sociabilidade informal,
auxilia no desenvolvimento da solidariedade, reciprocidade e confiança, da qual se pode obter
vantagens tanto privadas como públicas.
A participação em associações voluntárias é uma das variáveis freqüentemente
utilizadas na aferição de capital social. A existência e a participação dos indivíduos em uma
densa rede de associações voluntárias, tais como, em igrejas e grupos religiosos; em clubes
esportivos; em sociedades recreativas e clubes sociais; em organizações artísticas, culturais ou
educacionais; em sindicatos e associações profissionais; em partidos políticos; em entidades
filantrópicas; em cooperativas; em clubes de serviços; em associações de moradores; na
maçonaria; em clubes de mães, na direção de museus e bibliotecas, na participação em
conselhos curadores etc, na literatura sobre o tema têm sido apontadas como dos principais
indicadores da existência de capital social em uma determinada região. A vitalidade da
sociedade civil, evidenciada através da existência de uma densa rede desse tipo de
associações, com ampla participação da população, tem sido uma das principais formas
utilizadas pela literatura para caracterizar a abundância de capital social de uma região.
Uma das características das regiões de colonização alemã do RS foi a tendência da
população a se unir em sociedades ou associações com fins econômicos, esportivos
recreativos, culturais, beneficentes e de socorro mútuo. O trabalho associativo acontecia
durante o dia-a-dia das comunidades: no labor conjunto nas estradas que tiveram de ser
abertas ou conservadas, na construção e manutenção de escolas, na solução das questões
religiosas e na criação e organização de espaços de entretenimento, cultura e lazer nas
colônias. Predominaram numericamente entre as associações criadas aquelas identificadas
com atividades culturais e desportivas.
35
35
SEYFERTH, Giralda. As associações recreativas nas regiões de colonização alemã no Sul do Brasil: Kultur e
etnicidade. Travessia revista do migrante Publicação do Centro de Estudos Migratórios, n. 34, p. 24-28, mai.
Ago. 1999. p. 24.
180
Antônio Soveral, ao fazer a apologia do espírito gregário dos alemães e descendentes
no RS, afirmou:
(...) onde quer que surja o alemão se organiza em comunidades para a construção
e conservação da igreja, em sociedades para a fundação de escolas ou em
agremiações econômicas para a centralização das próprias economias e para o
auxílio bem entendido ao trabalho, em clubes para o desporto ou para as sadias
divisões ancestrais suas e nossas.
36
Conforme frisa Jean Roche, as sociedades (Vereine) não foram constituídas pelos
primeiros imigrantes. As pioneiras teriam aparecido nos centros urbanos na medida em que os
comerciantes teriam adquirido certa prosperidade, e os Brummer, despertado o Deutschtum
(germanidade). Foi somente em 1855 que foi fundada, em Porto Alegre, a Sociedade
Germânia.
37
Em São Leopoldo, berço da colonização alemã no RS, no mesmo ano de 1855
portanto decorridos 31 anos após a chegada dos primeiros colonizadores ao vale do rio dos
Sinos foi criada a Sociedade Orfeu. Foi a partir de então que a população de ascendência
alemã radicada em solo gaúcho passou a dar existência a uma grande rede de associações de
caráter cultural, social, recreativo e econômico.
Apesar de surgidas nas cidades, os Vereine encontraram, no meio rural, um ambiente
propício para se multiplicar. Mesmo as menores comunidades passaram a constituir as suas
sociedades. Nas áreas coloniais, elas acabaram tendo maior relevância do que tiveram na
própria Alemanha, “porque representavam, com a Família e a Igreja, a terceira célula da vida
dos colonos teuto-brasileiros.”
38
Isso nos leva a fazer uma afirmação provisória: o capital
social parece estar mais presente no meio rural do que nas grandes cidades das áreas de
colonização alemã do RS.
De uma maneira geral, os Vereine começaram a surgir assim que as primeiras
dificuldades foram superadas e quando as condições materiais de existência foram garantidas.
Foi no período compreendido entre o último decênio do século XIX até a eclosão da Primeira
Guerra Mundial (1914) que elas proliferaram. Em Santa Cruz, por exemplo, a primeira
sociedade a ser fundada foi a Schützengilde, em princípios de 1863. Essa sociedade de
36
SOVERAL, Antonio (Org.). O patriótico governo do Gal. José Antonio Flores da Cunha e O trabalho
allemão no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 1935. p. 166.
37
ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969. p. 643.
38
Ibidem p. 648.
181
atiradores posteriormente se fundiu com o Club Union, que havia sido criado em 1866. Dessa
fusão, surgiu o Deutscher Club, o atual Clube União.
39
Na vila de Venâncio Aires, a
Sociedade de Leituras, fundada em 1877, é uma das mais antigas.
O número de sociedades e associações fundadas nas regiões de colonização germânica
do RS no decorrer dos anos foi muito grande. Elas podem ser divididas em dois grandes
grupos: associações com fins culturais e sociedades com fins desportivo e recreativas.
40
Como já apontado acima, os imigrantes e seus descendentes criaram, no Sul do Brasil,
várias formas de lazer e de convívio social. Dentre elas estão o canto coral, os jogos de bolão
e de bolãozinho de mesa, o tiro ao alvo, o Kerb, a ginástica, os Kränzchen. A partir da
segunda metade do culo XIX foram criadas, associações, agremiações, sociedades e ligas
com o objetivo de institucionalizar essas formas de lazer e de sociabilidade. Aparecem assim,
dentre outras, a Sociedade Germânia, em Porto Alegre; a sociedade Orfeu, em São Leopoldo;
o Verband Deutscher Vereine, em 1886, para congregar as diversas sociedades alemãs
existentes na capital do Estado; a Turnerschaft von Rio Grande do Sul, em 1895, com o
objetivo de reunir as sociedades de ginástica espalhadas pelo Estado; a Deutscher Sängerbund
Rio Grande do Sul, organizada em 1896, voltada para as sociedades de canto.
41
Afirma o historiador João Klug que algumas instituições e atividades marcaram de
maneira indelével as áreas de imigração alemã. Refere-se especificamente à igreja, escola e
imprensa que, juntas, formaram um tripé extremamente importante nas áreas coloniais de
populações de ascendência teuta.
42
39
MARTIN, Hardy Elmiro. Recortes do passado de Santa Cruz. Organizado e atualizado por Olgario Paulo
Vogt e Ana Carla Wïnsch. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 1999. p. 103.
40
Centro 25 de Julho. História da colonização allemã no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Rotermund, 1936.
p. 37.
41
GRÜTZMANN, Imgart. A memória étnica e cultural em festa. In: CUNHA, Jorge Luiz da (Org.). Cultura
alemã – 180 anos = Deutsche Kultur seit 180 Jahre. Porto Alegre: Nova Prova, 2004. p. 67.
42
KLUG, João. Imprensa e imigração alemã em Santa Catarina In: DREHER, Martin, RAMBO, Arthur Blásio,
TRAMONTINI, Marcos Justo (Org.). Imigração & imprensa. Porto Alegre: EST; São Leopoldo: Instituto
Histórico de São Leopoldo, 2004. p. 13.
182
3.2.1 As associações escolares
Uma das preocupações da população de origem germânica do Sul do Brasil dizia
respeito ao aprendizado escolar dos filhos. A alfabetização era importante para os evangélicos
que, desde o século XVI, quando se deu a Reforma de Martinho Lutero, tinham no saber ler
um dos princípios fundamentais da prática religiosa. Somente assim estariam aptos a
interpretar livremente a Bíblia. Cabe ressaltar que Lutero pregou o sacerdócio universal entre
os crentes. Para tanto, era imprescindível que os adeptos soubessem ler para entender e
interpretar as Sagradas Escrituras, leitura que se tornaria diária.
Mas a alfabetização era buscada também pelos católicos que da Alemanha e da Áustria
haviam trazido toda uma tradição escolar. Na região do Hunsrück, por exemplo, 90 por cento
das crianças freqüentavam a escola na segunda metade do século XIX.
43
Estando a Província
impossibilitada ou desinteressada na implantação de escolas públicas, uma rede de colégios,
onde as crianças eram alfabetizadas em alemão, proliferou nas regiões de colonização alemã
do RS. O certo é que, aos colonos de descendência alemã, raríssimas vezes foi dada a
oportunidade de escolher entre o ensino da escola comunitária particular e o ensino público.
Conforme Lúcio Kreutz, nos estados alemães, até meados do século XVIII,
predominou o motivo religioso na educação. A partir de então, o Estado paulatinamente
procurou estender sua responsabilidade sobre a formação moral e intelectual das crianças e
dos jovens. Com o Iluminismo, a primazia milenar da Igreja no que tange à educação
passou a ser reivindicada pelo Estado. No início do século XIX, principalmente no reino da
Prússia, juntamente com o avanço dos ideais liberais e nacionalistas, houve a valorização da
educação pública com a difusão geral do ensino elementar, a implantação de Escolas Normais
para a adequada formação de professores e a renovação de métodos pedagógicos. alguns
governantes e pensadores passaram a ter consciência de que as transformações sociais e
políticas inclusive a unificação alemã não poderiam ocorrer sem a adequada educação da
população. Educação púbica para todos passou a ser um pré-requisito não somente para o
43
Kreutz (1991), op. cit. p. 42. Afirma o mesmo autor, em obra posterior, que a maior parte dos imigrantes
alemães, cerca de 90%, ingressou alfabetizada no Brasil. Cfe. KREUTZ, Lúcio. Sugestiva articulação entre
escola, família e comunidade. In: CUNHA, Jorge Luiz da (Org.). Cultura alemã 180 anos = Deutsche Kultur
seit 180 Jahre. Porto Alegre: Nova Prova, 2004. p. 46.
183
desenvolvimento intelectual e moral das crianças, mas para a construção da nova sociedade
fundamentada nos ideais liberal e nacionalista. Em pleno movimento de Restauração, a Igreja
Católica, temerosa de perda de terreno com a expansão da rede escolar pública, especialmente
no Hunsrück, opondo-se à ação estatal, procurou reavivar a tradição do professor paroquial.
Nesse contexto, o professor paroquial passaria a exercer, além do magistério, uma importante
função pastoral, transformando-se em liderança social e religiosa.
44
Os primeiros imigrantes
católicos, e posteriormente também os padres jesuítas, em função do clima de tensão existente
na Alemanha entre o poder público e a Igreja Católica no que concerne à primazia sobre o
ensino elementar, tomaram a iniciativa, nas matas do Rio Grande do Sul, de difundir escolas
paroquiais ou comunitárias.
45
Inicialmente, haviam surgido nas áreas coloniais as escolas domésticas, onde alunos
eram confiados a uma pessoa mais estudada e esclarecida, preferencialmente mais idosa ou
incapaz de cultivar a terra, que ensinava noções de escrita, leitura e cálculo.
46
Eram escolas
precárias e de caráter emergencial. O currículo bem como o tempo de duração do ensino
elementar não eram uniformes, mas flexíveis. Para Arthur Blásio Rambo, aos professores de
escolas dessa fase heróica, “deve-se creditar, sem dúvida, a memorável façanha de haverem
salvo do naufrágio cultural os imigrantes de descendência germânica.”
47
Entre os evangélicos e os católicos surgiram, posteriormente, escolas mantidas
diretamente pelas comunidades. A vinda para a região de missionários das igrejas cristãs,
católica e evangélica, que perdiam terreno nos países europeus frente ao Estado laico e liberal,
que avocava para si o direito e a responsabilidade pela organização escolar, fez impulsionar as
escolas comunitárias.
48
Defende Telmo Lauro Müller que, ao contrário da escola paroquial
44
Nas comunas rurais do Reno, tanto católicos quanto protestantes constituíam suas escolas. “Cada comunidade
erigia seu próprio prédio escolar, construía também uma moradia destinada ao professor e tinha, geralmente,
uma porção de terra que pudesse ser explorada pelo mesmo. Com estas iniciativas diminuía o custo de
manutenção. (...) o encargo financeiro da escola fundamental e do professor permaneceu como atribuição das
comunidades locais ainda por quase todo o século XIX. A partir de 1897 o Estado da Prússia garantia um salário
base para os professores destas localidades rurais que, no entanto, continuavam recebendo complementação da
comunidade.” Kreutz (1991), op. cit. p. 42.
45
Kreutz (1994), op. cit. p. 15-18.
46
“Os primeiros professores que se ofereceram eram pessoas inválidas que não podiam trabalhar na roça. Como
havia necessidade de remunerá-las, os colonos interessados na alfabetização de seus filhos rateavam as despesas
comprometendo-se a pagar uma mensalidade que, às vezes, consistia em espécie. Esta foi a origem da associação
escolar, instituição essa que mais tarde havia de imprimir um cunho característico à cultura teuto-brasileira.”
Wilems, (1946), op. cit. p. 391.
47
RAMBO, Arthur Blásio. A escola comunitária teuto-brasileira: a Associação dos Professores e Escola
Normal. São Leopoldo: UNISINOS, 1996. p. 7.
48
Kreutz (2004), op. cit. p. 48.
184
católica, a escola evangélica particular não existia na Alemanha dos imigrantes, porque nas
regiões onde predominava o luteranismo, a escola era pública. A escassez de educandários no
RS é que teria forçado a criação de escolas desse tipo no novo meio.
49
Como se verá adiante,
os pastores missionários enviados pelas sociedades evangélicas (principalmente a de
Barmen) se preocuparam com a formação escolar e educacional dos filhos dos alemães da
diáspora. Crianças sem escola ou enviadas para um colégio blico sofreriam o
abrasileiramento. Corriam o risco de serem perdidos para a causa da germanidade e do
protestantismo. A maior parte da literatura referente ao tema atribui-lhes o nome de escolas
paroquiais. Como, via de regra, eram mantidas sem o concurso do Estado e das igrejas – ainda
que vinculadas às respectivas igrejas –, o termo “comunitárias”, talvez, lhes fosse mais
apropriado.
Cada um dos educandários que se constituiu possuía sua sociedade escolar, que
respondia pela infra-estrutura material e pela manutenção pedagógica e financeira do
estabelecimento. Para fundar uma associação escolar, moradores de uma determinada picada
promoviam uma reunião. Um deles, enquanto não se apresentasse um professor habilitado,
poderia ensinar a criançada em sua própria casa. Outro doava o terreno para sediar a escola.
Outros forneciam a madeira indispensável para a construção do prédio. Um carpinteiro
comandava o trabalho, em mutirão, de levantamento das paredes do prédio. Em pouco tempo,
e quase sem despesas, era erguido um edifício tosco e rude onde a petizada se reunia para
receber a instrução primária. Estava, assim, instituída uma escola e criada uma associação
escolar. A casa para o professor, os proventos do docente, a manutenção do prédio e a
reposição do material escolar tinham que ser feitos a expensas da comunidade. “Os recursos
todos tiveram que ser angariados, parte, por meio das contribuições mensaes dos alunos, e das
mensalidades dos socios das associações escolares e parte por donativos espontaneos de
protectores generosos, por collectas realisadas de tempo em tempo e parte também pelos
resultados obtidos com festas escolares etc. etc. (sic).”
50
No que tange ao sistema escolar teuto-brasileiro, Egon Schaden
51
alerta que ele se
constituiu de maneira deveras complexa e que a diferenciação interna dessa rede escolar quase
49
MÜLLER, Telmo Lauro. A nacionalização e a escola teuto-brasileira evangélica. In: MÜLLER, Telmo Lauro
(Org.). Nacionalização e imigração alemã. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1994. p. 67.
50
Centro 25 de julho, op. cit. p. 51
51
SCHADEN, Egon. Aspectos históricos e sociológicos da escola rural teuto-brasileira. In: I Colóquio de
Estudos Teuto-brasileiros. Porto Alegre: UFRGS, 1963. p. 65.
185
sempre tem sido escamoteada. Entre as chamadas “escolas alemãs”, ele distinguiu ao menos
três tipos. Ao primeiro tipo corresponderiam as propriamente denominadas escolas alemãs
(Deutsche Schule). Teriam surgido, quase sempre, em centros urbanos e seriam mantidas, em
sua maioria, por sociedades escolares. Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Blumenau,
Joinville, Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Santa Cruz do
Sul, Lajeado, além de outras cidades, conheceram esses tipos de escolas. Elas eram laicas,
geralmente de muito boa qualidade, sendo ali aceitos alunos de outras procedências étnicas.
Conforme Kreutz, o currículo, além das exigências nacionais, era complementado com
aspectos da cultura alemã.
52
Ao segundo tipo corresponderiam as escolas comunitárias ou
coloniais das zonas rurais de fraca densidade demográfica. Ao terceiro tipo, ele denomina de
escolas confessionais. Elas foram difundidas por congregações religiosas. Ainda queo
fossem étnicas, possuíam características da tradição cultural alemã. Essas escolas, a exemplo
das do primeiro tipo, eram destinadas à classe média.
Na realidade, os apologistas da colonização alemã têm tomado o segundo tipo para
caracterizar e idealizar o conjunto do sistema escolar. É inegável que nos núcleos urbanos ou
semi-urbanos, desenvolveram-se escolas maiores, destinadas principalmente aos filhos das
famílias em ascensão social e econômica. E esses educandários, por serem de iniciativa
particular ou ligadas a congregações religiosas, perderam um pouco de seu caráter
comunitário. Não fazendo distinção entre os três tipos explicitados por Schaden, diferentes
fontes indicam que nas décadas de 1920/30 havia na região de colonização alemã do RS mais
de mil escolas comunitárias. “Praticamente não havia analfabetos nestas comunidades teuto-
brasileiras quando a média nacional, em área rural, ainda passava de 80%.”
53
Foi no RS que as escolas comunitárias encontraram condições mais apropriadas para
se estruturar e se desenvolver. Em 1930, existiram no Brasil, ao todo, 1.345 desses
educandários, 952 dos quais se localizavam em terras gaúchas, 297 em Santa Catarina, 34 no
Paraná, 29 em São Paulo, 22 no Espírito Santo e os 11 restantes estavam espalhados em
outros cinco estados da Federação. Na Argentina, em 1937, havia 203 escolas alemãs” que
atendiam a uma clientela de 13.442 alunos. No Chile, para uma população de 22 mil
imigrantes alemães até o ano de 1917, havia 40 “escolas alemãs” onde estavam matriculados
52
Kreutz (2004), op. cit. p. 49.
53
Kreutz (1994), op. cit. p. 9.
186
3.426 estudantes.
54
Kreutz encontrou algumas semelhanças entre a organização escolar da
imigração alemã do Chile e da Argentina com a do RS. Mas também destacou que as escolas
apresentaram diferenciações, não de país para país, mas dentro de próprio país,
dependendo do tipo de alunado e da origem rural ou urbana dos educandários. Observou que
no Chile elas não teriam sido comunitárias, mas laicas e confessionais. Já na Argentina,
teriam criado uma rede de apoio semelhante à encontrada no RS. Ma os estabelecimentos
educacionais de Buenos Aires e arredores seriam bastante distintos dos existentes nos
assentamentos coloniais promovidos na Província de Entre-Rios e no Território de Misiones.
Não foram somente os alemães e descendentes que organizaram escolas comunitárias
em solo gaúcho. A população de origem italiana e polonesa também vivenciou essa
experiência. Para Kreutz, apesar de imigrantes de outras procedências aderirem ao esquema
de professor e escola paroquial, essa adesão teria ocorrido devido à influência dos padres
jesuítas, animadores do Projeto Católico Regional, e não em função de uma tradição anterior
com a escola comunitária.
55
Olívio Manfroi, em seu trabalho de referência sobre a colonização italiana no RS,
destacou a falta de escolas e o pouco interesse dos colonos italianos pela instrução formal de
seus filhos. Somente com a chegada de congregações religiosas não-italianas entre os colonos
é que a instrução teria sido organizada. O objetivo das congregações seria a instrução cristã
“sem a qual, em duas ou três gerações, essas populações estariam perdidas para a vida
espiritual e a instrução profana para não deixar os colonos num estágio de inferioridade social,
de funestas conseqüências na ordem temporal e espiritual.”
56
O fato de predominarem
congregações religiosas não-italinas na região colonial italiana explicaria, inclusive, por que a
escola ali não teria assumido a causa da italianidade.
Edmundo Gardolinski, ao pesquisar sobre a escola polono-brasileira, defendeu a tese
de que ela se constituiu no instrumento mais eficaz de aculturação dos imigrantes poloneses.
Para o autor, como não convinha que a aculturação se desse de chofre, a escola desempenhou
importante papel no processo de transição:
54
Dados coligidos em fontes diversas por: KREUTZ, Lúcio. Imigração alee processo escolar na Argentina,
no Brasil e no Chile, de 1824 a 1939. Estudos Leopoldenses – Série Educação, São Leopoldo, n. 6, v. 4, 2000.
55
Kreutz (1991), op cit. p. 10.
56
MANFROI, Olívio. A colonização italiana no Rio Grande do Sul: implicações econômicas, políticas e
culturais. Porto Alegre: Grafosul, Instituto Estadual do Livro, 1975. p. 138.
187
O ritmo dessa aculturação teria de obedecer a uma dupla ordem de problemas:
não seria razoável quebrar toda uma tradição de conhecimentos e de costumes,
pois isso impediria que se estruturasse a comunidade, perdendo os valores que
tradicionalmente vinham constituindo sua estrutura, sem que obtivesse nenhum
outro que lhes suprisse a falta. Compreende-se bem quando se observa que a
escola, para eficácia do aprendizado, deve ser até certo ponto um prolongamento
e, mais do que isto, um aperfeiçoamento de valores, hábitos e mentalidades
encontráveis, ainda que em germe, no núcleo familiar. Por esta razão é que nas
escolas dos imigrantes, sobretudo daqueles de procedência não latina, era
necessária a transmissão dos conhecimentos no idioma de seus pais. Por outro
lado, as necessidades de comunicação do próprio meio exigiram igualmente que
se desse cada vez maior ênfase ao estudo do português, e através desse idioma,
se fosse inserindo o aluno na maneira de ver e compreender a cultura local. Com
o tempo e segundo esse duplo aprendizado tornou-se perfeita a aculturação (...).
57
para Rambo, a escola era “parte integrante da comunidade e se constituía num
equipamento fundamental no conjunto da vida e da atividade comunal.”
58
A educação dos
descendentes de imigrantes era um elemento-chave da organização colonial. O preparo da
criança, que iniciava na família, tinha na escola o ponto alto. Era ali que se apreendia os
deveres que cada um teria com a comunidade. Por exemplo, as famílias que não se
comprometessem com o ensino elementar dos filhos e a manutenção do professor e da escola,
recebiam uma sansão religiosa. Suas crianças ficavam impedidas de participar do importante
rito da primeira eucaristia (católicos) ou da confirmação (evangélicos). O ensino, por tudo
isso, envolvia conteúdos vinculados à realidade do aluno. Foi por isso que cartilhas escolares
e manuais didáticos utilizados na Alemanha, aqui foram descartados. O projeto pedagógico e
o material didático eram elaborados para atender à futura vida em comunidade dos alunos.
Domínios fundamentais de escrita, leitura, das quatro operações matemáticas básicas e a
preparação para a vida nas estruturas comunitárias compunham o núcleo central do ensino
ministrado.
Também para Kreutz,
59
a escola teuto-brasileira se incluía num projeto de
comunidade, coordenado pela igreja católica ou evangélica. Para o pesquisador, a partir de
1870, a Igreja Católica teria iniciado uma ampla estratégia para proteger os imigrantes e seus
descendentes do liberalismo e do positivismo. Em função disso, toda uma rede de associações
religiosas e culturais teria cercado e modelado a vida dessa população. No que diz respeito
57
GARDOLINSKI, Edmundo. Escolas da Colonização Polonesa no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EST:
Caxias do Sul: UCS, 1976. p. 13.
58
Rambo, op. cit. p. 95.
59
Kreutz (1991), op. cit. p. 8.
188
especificamente às escolas das diversas localidades, elas não atuavam isolada e
independentemente. Pelo contrário, ao menos a partir de 1900, todo o currículo e a
metodologia pedagógica das escolas foram planejados e estruturados a partir das igrejas. Entre
os católicos, as diretrizes gerais provinham das assembléias gerais dos professores que, por
sua vez, refletiam orientações vindas dos Encontros Católicos, os Katholikentage. Entre os
evangélicos, as diretrizes partiam do Sínodo Rio-grandense ou do Sínodo de Missouri e eram
socializadas nos encontros de professores e por intermédio dos jornais das associações de
professores. Embora houvesse algumas pequenas nuances de acordo com a orientação
confessional das escolas, os grandes arranjos, no que tange à questão educacional, eram feitos
entre as cúpulas eclesiásticas. Nesses colégios, a formação para a cidadania era um dos pontos
nevrálgicos do currículo. que a educação para o exercício da cidadania se circunscrevia,
basicamente, à atuação dentro da comunidade rural. Ali uma rede de associações e
organizações existiram independente e autonomamente em relação ao Estado. Ou seja, os
alunos eram preparados para o que aqui denominamos de ideal da comunidade cívica. A
preocupação com os compromissos coletivos era muito valorizada.
60
Nesse sentido é que, nos
dois anos iniciais, era dada maior ênfase ao aprendizado da leitura, da escrita e do cálculo,
juntamente com o ensino da religião. A partir do terceiro ano, introduzia-se, gradualmente, o
ensino das “coisas reais”, isto é, o conhecimento prático e necessário para a vida nas
comunidades rurais. Entre eles, as contas de cabeça.
61
Até o ano de 1850, os católicos haviam criado 10 escolas comunitárias e os
evangélicos 14. Até esse mesmo ano, em toda a Província, havia somente 51 escolas públicas.
Em 1875, as escolas comunitárias alemãs chegavam a 99, sendo 50 católicas e 49 evangélicas.
Em 1900, o número de escolas comunitárias de língua alemã havia se elevado para 308 no
RS, sendo 153 católicas e 155 evangélicas.
62
A proliferação de escolas comunitárias e de professores pelos vales dos rios Sinos,
Caí, Taquari, Pardo, Jacuí, pelo Planalto e pelo Alto Uruguai, exigiu a organização de uma
unidade curricular, melhor preparação dos docentes e a estruturação de estratégias didático-
pedagógicas. Para dar apoio a esse tipo de escola, que se inseria no projeto maior de
construção de uma identidade teuto-brasileira, foi criada uma rede de apoio que contava com:
60
Verband Deutscher Verein. Cem anos de germanidade no Rio Grande do Sul 1824-1924. Tradução de
Arthur Blasio Rambo. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 1999. p. 470-71 e 488-89.
61
Kreutz (2004), op. cit. p. 52.
62
Kreutz (1991), op. cit. p. 26- 27.
189
a) Duas associações de professores teuto-brasileiros, sendo uma católica e a outra evangélica.
Em 1898, por ocasião do primeiro Congresso de Católicos do Estado, que ocorreu na vila de
Harmonia, no município de Montenegro, foi criado o Deutsch-Katholischer Lehrerverein
(Associação dos Professores Católicos Teuto-Brasileiros do Rio Grande do Sul). Tinha por
finalidade “a educação da juventude cristã, calcada nos princípios da Igreja Católica. Em
particular, propõe-se fomentar a educação escolar, a preservação e o aperfeiçoamento das
nossas escolas católicas paroquiais; a formação de um professorado eficiente e fiel aos seus
deveres; a promoção dos interesses espirituais e materiais dos professores e a aquisição de
material de ensino adequado.”
63
Contava, em 1936, com 20 seções regionais e 368 sócios. Em
1901, docentes pertencentes ao Sínodo Rio-grandense fundaram o Deutsch-Evangelischer
Lehrerverein (Associação dos Professores Evangélicos Teuto-Brasileiros), cujo trabalho foi
idêntico ao dos professores católicos. Em 1936, estavam nele inscritos 386 sócios.
64
b) Jornais de Professores teuto-brasileiros. A questão escolar entre os teuto-descendentes foi
registrada em quatro periódicos exclusivamente criados para essa finalidade. Inicialmente, os
católicos contaram com o jornal/revista denominado Mitteilungen, que foi publicado entre
1900 e 1907. Depois, entre 1907 e 1939, existiu o jornal/revista mensal Lehrerzeitung. A
Allgemeine Lehrerzeitung, que foi publicado entre 1901 e 1939, constitui-se no órgão oficial
da Associação de Professores Teuto-brasileiros Evangélicos. Tinha o objetivo de promover a
escola elementar teuto-brasileira evangélica e seus professores.
65
A revista especializada sobre
o livro escolar, Das Schulbuch, Organ zum Ausbau der Shulbuchliteratur in Brasilien, que
circulou entre 1917 e 1938, foi o órgão oficial dos professores ligados ao Sínodo Evangélico
Luterano de Missouri.
c) Três Escolas Normais para a formação de professores para as comunidades da zona rural da
população de descendência teuta, sendo uma católica e duas evangélicas. A Escola Normal
dos católicos, criada em 1923 e vinculada à Associação dos Professores e Educadores
Católicos do Rio Grande do Sul, funcionou, até 1929, em Arroio do Meio, então distrito do
município de Estrela. De 1930 até o seu fechamento, em 1939, esteve sediada em Hamburgo
Velho e sob a tutela da Sociedade União Popular. Até 1935, havia formado 62 professores
rurais. O instituto para a formação de professores ligado ao Sínodo de Missouri foi fundado
em Bom Jesus, próximo a São Lourenço, em 1903. Fracassada essa iniciativa, o Sínodo
63
Estatuto da Associação dos Professores e Educadores Católicos do Rio Grande do Sul, aprovado em Bom
Princípio, em 31 de março de 1902, na II Assembléia Geral da Associação dos Professores e Educadores
Católicos do Rio Grande do Sul.
64
Centro 25 de Julho, op. cit. p. 56-57.
65
MEYER, Dagmar. Identidades traduzidas: cultura e docência teuto-brasileiro-evangélica no Rio Grande do
Sul. Santa Cruz do Sul: EDUNISC; São Leopoldo: Sinodal, 2000. p. 153-54.
190
Missouriano, anexo ao seu seminário de formação teológica, fez funcionar um curso de
formação de professores. Até 1936, tinha diplomado 17 alunos. O Sínodo Rio-Grandense
fundou, em 1909, a sua escola normal. Inicialmente ela funcionou em Taquari, anexa ao Asilo
Bella. De 1910 a 1926 funcionou na cidade de Santa Cruz, sendo, então, transferida para São
Leopoldo. Depois da Segunda Guerra Mundial, a instituição foi transferida para Ivoti, local
onde hoje ainda está em funcionamento. Inicialmente aceitava somente rapazes como alunos.
O ingresso de moças foi autorizado com a transferência da escola para o vale do Sinos. Até
1936, 175 professores formaram-se nesse estabelecimento.
66
d) Fundo de Aposentadoria e Pensão (Ruhe und Hinterbliebene Gehaltskasse), comum aos
educadores teuto-brasileiros das três confissões religiosas e dos diversos estados do país onde
havia escolas teuto-brasileiras.
67
e) Realização de Assembléias de Professores. No caso da associação católica de professores,
foram realizadas, durante os seus 40 anos de existência, 18 assembléias gerais ordinárias,
sediadas em localidades diversas. Ocorriam também, em um número bastante elevado,
assembléias ou conferências escolares regionais e locais, onde professores, vigários e
militantes católicos de determinada circunscrição geográfica se reuniam para a discussão de
algum tema. Também se realizavam preleções, quando professores melhor preparados,
indicavam a colegas maneiras mais adequadas de lecionar algum conteúdo ou alguma matéria.
Além disso, havia as reuniões locais ou paroquiais, que envolviam nas discussões professores,
diretorias de escolas, membros da comunidade e o vigário ou o pastor.
68
Algumas dessas
assembléias regionais podiam ter caráter interconfessional. Ocorriam, ainda, cursos e semanas
de estudos regionais.
g) Produção de material didático: adaptados à realidade local, teriam sido produzidos um
número superior a 150 manuais didáticos para serem utilizados exclusivamente nas escolas
teuto-brasileiras.
69
Nas zonas rurais, normalmente havia um professor rural por comunidade. O professor,
embora recebesse salário, muitas vezes, era um colono, isto é, além da função docente,
66
Rambo, op. cit. p. 122; Kreutz (2000), op. cit. p. 34; Willems, op.cit. p. 411; Centro 25 de Julho, op.cit. p. 56-
57.
67
KREUTZ, Lúcio. Imigração alemã e processo escolar na Argentina, no Brasil e no Chile, de 1824 a 1939.
Estudos Leopoldenses Série Educação, São Leopoldo, n. 6, v. 4, 2000. p. 34.
68
Rambo, op. cit. p. 36.
69
Kreutz (2000), op. cit. p. 34.
191
também trabalhava na lavoura.
70
Nem sempre os professores tinham o preparo adequado para
o exercício do magistério. Somente as escolas ligadas às comunidades religiosas eram
conduzidas por profissionais do ensino, com professores qualificados. Nas escolas
comunitárias, o alemão era empregado como idioma de ensino e o português como disciplina
integrante do currículo. Elas eram escolas de uma classe onde um único professor atendia
aos alunos das diferentes séries. Em 1900, o ensino elementar obrigatório foi fixado em
quatro anos. A partir da década de 1920, foi aumentado para cinco anos. A alfabetização
dava-se no idioma alemão. A língua portuguesa aparecia como matéria de ensino a partir do
terceiro ano. O aprendizado da língua portuguesa era considerado importante para os filhos
dos colonos. O conhecimento do vernáculo nacional facilitaria o contato com as autoridades
do país e as relações comerciais com pessoas de outras origens étnicas.
Em 1908, uma estatística do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio apontou
a existência de 1.631 escolas em todo o estado do RS. 1.037 desses educandários estavam sob
a responsabilidade do governo estadual; 158 estavam sob o controle de governos municipais e
436 eram particulares. No ano de 1922, haveria, ao todo, nas regiões coloniais do Rio Grande
do Sul, 787 “escolas comunitárias alemãs”. 310 dessas escolas comunitárias, que atendiam a
um público de 13.463 alunos, seriam católicas; 300, freqüentadas por 10.366 estudantes,
seriam evangélicas do Sínodo Rio-Grandense; 65, onde haveria 1.979 alunos matriculados,
seriam do Sínodo de Missouri; existiriam 112 escolas comunitárias independentes (a maior
parte delas criadas por comunidades evangélicas, freqüentadas por alunos protestantes e
dirigidas por pregadores protestantes, mas não filiadas a nenhum dos dois sínodos) onde
estudavam 3.426 crianças.
71
Em 1932, 1.062 professores exerciam suas atividades docentes em escolas
comunitárias “alemãs” do Estado. 588 deles em escolas evangélicas; 401 em escolas católicas
e 73 em estabelecimentos de ensino misto. 65 por cento desses professores não tinham
cursado a Escola Normal. Dos cerca de 400 que o haviam feito, a metade se titulara na
Alemanha e a outra metade nos dois Lehrerseminaren existentes no território gaúcho. Entre
os evangélicos havia maior percentual de professores formados na Alemanha. Em 1935,
haveria no Estado 590 professores paroquiais evangélicos. Dois anos depois, o número de
70
“Nas escolas rurais predominava o professor, leigo e improvisado, o qual havia de dividir seu tempo entre o
amanho de suas roças, as aulas e outros misteres de que a comunidade talvez o incumbisse.” Cfe, Willems
(1946), op.cit. p. 392.
71
Ibidem, p. 406-07.
192
professores paroquiais católicos teria chegado a 438. No mesmo ano de 1935, existiriam
1.041 escolas comunitárias no RS, sendo 429 católicas, 570 evangélicas e 42 mistas, assim
distribuídas pelas regiões coloniais do Estado:
72
Tabela 6: Quadro estatístico das Escolas Particulares do Rio Grande do Sul em 1935.
Zonas
Católicas
Escolas Alunos
Evangélicas
Escolas Alunos
Mistas
Escolas Alunos
Total
EscolasAlunos
I – Antiga
142 5.032 144 6.327 09 279
295 11.638
II – Média
236 8.173 146 6.564 16 569
398 15.306
III – Nova
192 7.015 139 5.957 17 669
348 13.641
Total 570 20.220 429 18.848 42 1.517 1.041 40.585
Fonte: Arbeitsgemeinschaft 25. Juli. Kurze Geschichte der deutschen Einwanderung in Rio Grande do Sul. São
Leopoldo: Verlag Rotermund & Co., 1936. p. 56.
Para compreensão da tabela acima, convém esclarecer as convenções utilizadas pelo
Centro 25 de Julho. A Zona Colonial Antiga compreendia então os municípios de São
Leopoldo, Santo Antônio, Taquara, Novo Hamburgo, São Sebastião do Caí, e Montenegro. A
Zona Média correspondia aos municípios de Estrela, Taquari, Lajeado, Venâncio Aires, Santa
Cruz do Sul, Candelária, Rio Pardo, Cachoeira do Sul, São Lourenço, Pelotas e Rio Grande. A
Zona das Colônias Novas era constituída pelas colônias estabelecidas após 1890, que estavam
situadas nas municipalidades de Passo Fundo, Palmeira das Missões, Cruz Alta, São Luiz
Gonzaga, Santo Ângelo, Soledade, Carazinho, Santa Rosa e Getúlio Vargas.
Estimando o número de alemães e descendentes à época em 500 mil no RS, pode-se
projetar que havia então uma escola teuto-brasileira para 480 habitantes, e um aluno em 12,3
habitantes. Na mesma época estavam em funcionamento no RS 850 escolas estaduais,
freqüentadas por 57.058 alunos e 2.211 escolas municipais, que atendiam a uma clientela
formada por 62.120 alunos. Partindo do pressuposto de que a população do Estado era de 3
milhões de habitantes, ter-se-ia uma escola pública para 980 habitantes e um aluno em 25
habitantes.
72
Der Auslandsdeustche, apud Kreutz (1991), op. cit. p. 150.
193
A taxa de analfabetismo, segundo a mesma fonte, seria mais baixa nas regiões de
colonização alemã do que nas zonas não-coloniais do Estado. A tabela a seguir foi montada a
partir da instrução dos noivos que se habilitavam ao casamento em diversos municípios no
ano de 1934.
Tabela 7: Taxa de analfabetismo calculada a partir da escolaridade dos nubentes – ano 1934.
Fonte: Arbeitsgemeinschaft 25. juli, op. cit. p. 58.
De acordo com a estatística apresentada, a taxa de analfabetismo dos noivos nos então
considerados municípios urbanos era quase o dobro do que a apresentada pelos municípios de
colonização predominantemente de população de descendência alemã. No que diz respeito
aos municípios considerados como sendo de Campo ou da Serra, as taxas de analfabetismo
dos noivos mais do que quadruplicavam quando comparados com aqueles das áreas coloniais
alemãs.
Tomando como parâmetro os dados existentes para Santa Cruz do Sul no ano de 1937,
apurou-se que 72 por cento
da população em idade escolar se encontrava matriculada nos
colégios existentes no município. A taxa de analfabetismo reconhecida pela Prefeitura
Municipal era então estimada em 30 por cento. Na maior parte das escolas,
principalmente aquelas localizadas mais para o interior, os alunos permaneciam, ainda,
sendo alfabetizados em alemão. Já na cidade, a iniciação às primeiras letras
normalmente era feita em duas línguas: português e aleo. No final de
1937,
Santa
Municípios da Região
Colonial Ale
% Analf.
Municípios
Urbanos
% Analf.
Municípios de
Campo
% Analf.
Municípios da
Serra
% Analf.
Novo Hamburgo 4
Santa Maria 21 Gravataí 31
BomJesus 44
Estrela 3
Porto Alegre 7 Lavras 39
Júlio de Castilhos 23
Taquara 13
Bagé 21 Arroio Grande 29
Tupãciretan 25
Santa Cruz 8
Pelotas 11 Dom Pedrito 29
Passo Fundo 17
São Leopoldo 5
Uruguaiana 10 Santo Amaro 30
Cima da Serra 22
Venâncio Aires 9
Rio Grande 13 Caçapava 27
Boqueiraão 30
São Lourenço 9
Viamão 42
Palmeira 40
Montenegro 7
Livramento 20
Vacaria 33
São Sebastião 5
Herval 16
Lagoa Vermelha 34
Lajeado 8
Encruzilhada 40
Soledade 36
Média 7,1 Média 13,8 Média 31,2 Média 30,4
194
Cruz contava com
139
escolas Dessas,
126
eram particulares, sendo as 13 restantes
públicas, mantidas e geridas pelo Estado. Como é possível observar na TABELA 8,
nenhuma escola municipal estava eno em funcionamento.
Tabela 8: Tipos de Escolas, número de matriculados e de professores existentes
em Santa Cruz no ano de 1937.
Nº de
Classificação das Escolas
Matrícula
Freqüência
Nº Prof.
Escolas
M
F
M
F
M
F
1
Colégio Elementar Estadual
274
322
189
232
1
19
9
Aulas Públicas Estaduais Isoladas
151
144
123
112
1
8
3
Aulas Contratadas Estaduais
64
55
51
43
1
2
13
Aulas Part. Subvencionadas p/ Gov. Federal
183
177
138
140
1
12
1
Aula Noturna
35
7
25
3
-
1
77
Aulas Part. Subvencionadas p/ município
1.412
1.153
1.163
940
62
15
29
Aulas Particulares sem Subvenção
428
407
347
333
27
2
3
Colégios Particulares Urbanos
499
392
448
355
23
14
3
Jardins de Infância
114
119
82
95
- 6
139
3.160
2.776
2.566
2.253
116
79
Fonte: Relatório Apresentado ao Exmo. Sr. Cel. Oswaldo Cordeiro de Farias,
D. D.
Interventor Federal neste
Estado pelo Prefeito Tte. Cel. Oscar R. Jost- Exercício de
1937.
Santa Cruz, Typ. Lamberts & Riedl. p.
5-9.
Os
13
estabelecimentos públicos mantidos pelo Estado atendiam a somente
17
por cento
dos alunos matriculados. Cabia às demais
126
escolas particulares existentes
atender aos outros 83 por cento da clientela. Desses educandários, 119 situavam-se na
zona rural, nas sedes dos distritos, nas linhas e picadas. Ali, professores pagos pelas
próprias comunidades desdobravam-se para atender a um número variado de alunos em
salas de aula multisseriadas. A qualidade do ensino ministrado normalmente deixava a
desejar. O fato era notadamente grave nas pequenas escolas do interior, onde
professores não habi1itados e mal remunerados exerciam a função docente. Parcela
significativa dos professores das escolas particulares recebia uma subvenção do
governo federal ou municipal. Conforme Kipper, essa subveão correspondia a cerca
195
de 20 por cento do salário dos professores.
73
Para se habilitar ao recebimento desse
plus
salarial, o docente necessitava obter aprovação em provas especificamente elaboradas
para esse fim.
A TABELA 8 deixa claro também que professores do sexo masculino
predominavam nas escolas particulares rurais. nas escolas estaduais, o mero de
professoras superava em muito o de professores.
O professor, nas comunidades coloniais, não se restringia à função de alfabetizador.
Sua missão, em tese, era bem mais abrangente. Afirma Arthur Rambo que, ao lado do vigário
e do pastor, era a personalidade mais importante de uma comunidade. Nas comunidades filiais
das paróquias, onde a presença do padre ou do pastor era esporádica, sua liderança era ainda
maior. “Além do papel de mestre-escola, cabia-lhe a responsabilidade de antepor-se à
comunidade como exemplo das virtudes cristãs, humanas e cívicas, como baliza referencial
para os adultos, como esteio moral para os desnorteados e como orientador da juventude.”
74
Portanto, além de se dedicar ao magistério, esperava-se também do professor o exercício de
uma variedade de funções sociais na comunidade em que atuava. Deveria ser uma espécie de
liderança em torno da qual giraria a vida cultural, religiosa e associativa da localidade. O
bispo da diocese de Santa Cruz do Sul, Dom Alberto Etges, qualificou o professor paroquial
católico do passado “como um homem preparado e polivalente para o exercício do seu mister
que era: ser professor e educador, catequista, diretor do culto dominical, organista, regente do
coral, orientador e animador da comunidade, conselheiro do povo, colaborador do clero (na
ausência do padre oficiava exéquias e assistia moribundos), pessoa de confiança das
autoridades, promotor das entidades sócio-culturais de inspiração católica (Volksverein,
cooperativas, caixas rurais, congressos católicos), correspondente e articulista de jornais e
revistas.”
75
73
KIPPER, Maria Hoppe. A campanha de nacionalização do Estado Novo em Santa Cruz (1937-1945). Santa
Cruz do Sul: APESC, 1979. p. 28.
74
Rambo, op. cit. p. 71. Kreutz (1991), p. 101, a propósito disso acrescenta que “em decorrência de suas funções
e de sua responsabilidade o professor paroquial deveria evitar atitudes e locais considerados vulgares, assim
como a freqüência aos bares e bebidas. Deveria ser um grande exemplo de vida cristã na Igreja, na família e na
sociedade.
75
ETGES, Alberto. Der Pfarrschullehrer. Skt. Paulusblatt. Porto Alegre: Sociedade União Popular do Rio
Grande do Sul, Ano 60, n. 10, out. 1977, p. 61.
196
Nas escolas protestantes, o pastor, em conjunto com a sua função religiosa,
desempenhava normalmente também o papel de professor. Roche informa que em 1903, de 35
pastores rurais, 29 eram ao mesmo tempo mestres da escola ligada à paróquia.
76
Para a educação pós-escolar dos adolescentes e para dotar ou manter os equipamentos
de uma comunidade, também era esperada a participação e a colaboração do professor
paroquial. Era normalmente sobre seus ombros que recaía o compromisso de estruturar um
grupo de teatro e de encenar uma peça artística; de montar e reger um coral; a seu cargo
ficava a catequese dos adolescentes, preparando-os para a primeira comunhão e a
confirmação; muitas vezes apresentava os rapazes ao quartel ou ao tiro de guerra;
intermediava os interesses da comunidade com as autoridades públicas; elaborava
documentos; cabia-lhe zelar e fazer o registro dos livros de caixa do conselho escolar e
paroquial e, não raro, das associações da localidade; aconselhava as pessoas em questões as
mais diversas. O prestígio do professor comunitário, como apontou Willems,
77
não provinha
diretamente de suas atividades educacionais, mas do fato de muitas vezes ser a única pessoa
da localidade capaz de ler, escrever e interpretar os documentos públicos.
Apesar de imprescindível, na prática o professor rural nem sempre desfrutou do
prestígio que a função, em tese, lhe atribuía. Willems
78
e Roche
79
registraram que os salários
pagos aos mestres-escola muitas vezes deixavam a desejar. O professor paroquial Jacob Arns
também legou apontamentos que deixam patente que a insegurança econômica do docente era
uma constante:
o salário de professor, em si precário, é marcado por grande instabilidade. Há,
com freqüência, pais que não pagam suas mensalidades: alguns porque não m
condições; outros pagam com algum dia de trabalho; outros, ainda, apostando no
parentesco e na amizade, retardam ou “esquecem” o pagamento, que não era
índole dos professores fazerem cobranças aos pais ou dispensar tratamento
diferenciado aos alunos, pelo fato de aqueles não estarem em dia com suas
contribuições. O exercício do magistério não é visto como um trabalho
assalariado qualquer, mas como serviço à comunidade, e esse compromisso
deveria ser honrado independentemente do dinheiro que entrava.
80
76
Roche, op. cit. p. 665.
77
Willems (1946), op. cit. p. 396.
78
Ibidem. p. 394 et seq.
79
Roche, op. cit. p. 670.
80
SILVA, Walburga Arns (Org.). Saga de uma família teuto-brasileira; Lehrer Arns, registros e vida de um
professor de colônia. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1998.
197
Como os proventos muitas vezes eram baixos e diferenciados entre si, muitos
precisavam complementar sua renda com o trabalho agrícola e a criação de animais nas terras
que a comunidade escolar lhes disponibilizava. No seu relatório de 1913, o intendente de
Venâncio Aires, João Luiz Ferreira de Brito, lamentou o grande número de escolas
particulares existentes no município que governava. Para o intendente, o maior número de
aulas particulares que públicas evidenciava o interesse que os colonos tinham pela instrução
de seus filhos. Lamentava, contudo, o baixo nível do ensino ministrado e a utilização do
idioma alemão nas mesmas:
(...) apesar do grande sacrifício que fazem, o resultado que colhem é diminuto,
pois com o insignificante ordenado que podem pagar é impossível conseguirem
professores com o preparo necessário.
Na maior parte das escolas particulares, esse é o maior mal, não é ensinada a
língua vernácula, não porque os colonos não queiram que os filhos aprendam,
mas pela falta de professores que o possam fazer.
81
A permanência do professor em uma determinada comunidade nem sempre foi grande.
Comparativamente ao pastor, sua influência sobre os colonos sempre foi bem menor. Lendo
as memórias do professor rural Roberto Stertz Filho
82
, percebe-se quanto era instável a vida
de um professor paroquial. Às vezes ele era vítima de dissidências entre colonos; outras
vezes, da inveja dos moradores que achavam que estava ganhando demais; outras tantas,
bastava se desentender com o padre ou com o pastor que atendia a localidade para se ver sob
maus lençóis. Joguete dos caprichos de uma comunidade, podia ser contratado ou dispensado
a seu bel-prazer. Se algumas vezes sequer podia exigir a freqüência dos alunos às aulas, como
exigir garantias de estabilidade? Como afirma Schaden:
O maior ou menor êxito de seu trabalho dependia do prestígio que lhe
proporcionassem a sua personalidade e, em grau menor, a eficiência demonstrada
não somente no ensino, como também no desempenho das demais funções
ligadas ao cargo.
83
Portanto, os professores paroquiais normalmente trabalhavam em condições precárias.
E, embora muitas vezes exercessem grande influência na vida coletiva da comunidade,
estavam sujeitos às arbitrariedades de pais de alunos.
81
Relatório apresentado pelo intendente de Venâncio Aires ao Conselho Municipal, em reunião ordinária de 28
de setembro de 1913. Porto Alegre: Officinas Graphicas de A Federação, 1914. p. 9.
82
SERTZ FILHO, Roberto. Memórias de um professor rural. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1984.
83
Schaden, op. cit. p. 68.
198
Embora as ações promovidas pelas associações de professores tenham colaborado para
a melhoria do ensino das escolas comunitárias, não se pode negar que o ensino ministrado no
meio rural deixava a desejar. Esse é um fato muitas vezes escamoteado pelos que fazem a
apologia da imigração e colonização alemã. Não obstante isso, as escolas comunitárias
vinham se desenvolvendo como uma instituição característica da chamada cultura teuto-
brasileira. Sua evolução, entrementes, foi barrada. Para uns, elas eram agentes da propaganda
nazista; para outros, agentes de defesa da cultura alemã e antiassimilacionistas.
A criação e manutenção de escolas comunitárias teuto-brasileiras inicialmente foi
aplaudida e incentivada pelas autoridades governamentais. Posteriormente, os colégios
existentes passaram a ser tolerados. Por fim, esses educandários foram terminantemente
combatidos. Tiveram, por isso mesmo, de enfrentar a concorrência das escolas públicas.
Receberam um golpe mortal quando da questão da nacionalização do ensino encetada pelo
Estado Novo. O Estado, visando à nacionalização do ensino, atuou em duas frentes: de um
lado, criava escolas públicas em locais em que já existiam as paroquiais
84
; de outro lado, criou
empecilhos legais para inibir a continuidade das escolas paroquiais. Em 1938 e 1939, leis e
decretos de nacionalização, que disciplinavam a licença de professor, o uso de material
didático e que culminou na interdição do uso da língua alemã, puseram fim ao funcionamento
das escolas comunitárias teuto-brasileiras. Com isso, boa parte da documentação e do material
didático dessas escolas foram destruídos. Os estabelecimentos educacionais ligados ao Sínodo
Rio-grandense foram os que mais sentiram a ação fiscalizadora, sobretudo aquelas que
possuíam na direção professores vindos da Alemanha.
O grande efeito negativo que teve a nacionalização forçada sobre as comunidades
rurais não foi interditar o uso do idioma alemão no ensino, mas foi o de privar muitas das
comunidades do seu professor paroquial. Ou, como prefere Rambo, “baniu delas o líder, o
conselheiro, o modelo, o ponto de referência, a garantia, enfim, de que a vida comunitária
pudesse andar em curso normal e sob todos os aspectos.”
85
As professoras públicas, que em
boa medida substituíram os professores paroquiais, não tinham o mesmo compromisso com as
84
Na maioria das vezes as escolas municipais criadas passaram a ocupar o espaço físico e os recursos materiais
das escolas comunitárias. No município de Santa Cruz, ao qual foi feita alusão acima, entre 1939 e meados de
1945 a prefeitura criou nada menos do que 77 escolas municipais. No mesmo período, a rede estadual foi
duplicada no município. Cfe. Kipper, op. cit. p. 30.
85
Rambo, op.cit. p. 201.
199
comunidades. Como normalmente eram de fora, também muitas vezes não contavam com a
confiança dos pais, alunos e da comunidade. Em algumas comunidades eram consideradas
ineficientes; em outras, houve o temor de que pudessem ser delatoras de pessoas da localidade
que se comunicassem no idioma alemão; em outras, ainda, tinham que enfrentar o sentimento
de ressentimento pelo fechamento da escola da comunidade ou pelo afastamento de um
professor muito prezado. No dizer de Schaden, “professores teuto-brasileiros (ou mesmo
alemães) experientes, conhecedores dos problemas da vida rural, da situação local e sobretudo
da índole da população, desfrutavam a confiança dos pais dos alunos e, na regência da escola
oficial, obtinham em média resultados mais satisfatórios (mesmo no tocante à assimilação) do
que a jovem e inexperiente professora que vinha da cidade, inteiramente alheia aos problemas
das áreas coloniais”.
86
O professor Friehold Altmann, em sua autobiografia, representou o ofício de professor
em escolas evangélicas como algo pertinente aos homens. No que tange à modificação
ocorrida no ensino a partir da nacionalização compulsória, destacou que:
Os professores homens, contratados pelas comunidades, assimilados a elas,
servindo como lideranças em tantas áreas, eram substituídos
por professoras.
Estas moças, sem dúvida, tinham os melhores propósitos, mas não conheciam
muitas vezes as condições e situações do ambiente e das famílias de seus alunos.
Limitavam-se a dar aulas. Faltava-lhes a liderança que os antigos professores
haviam tido. Muitas vezes não sabiam falar alemão, fato que lhes dificultava as
relações com as mães, principalmente.
87
Uma outra dificuldade enfrentada dizia respeito à ambientação das professoras vale
realçar que são mulheres que em boa parte passam a substituir os homens enquanto docentes –
ao meio rural. Afirma a respeito Carlos de Souza Moraes que:
(...) nem é possível ignorar que os óbices de manter o educador público no
interior, pelas dificuldades de acomodação no meio, face aos problemas de
alimentação, higiene e costumes, foi um dos fatores do surgimento das escolas
particulares, que teve papel tão saliente no desenvolvimento educacional de
inúmeras gerações de descendentes. O professor público, desconhecendo em
regra a língua alemã e inconformado com o ambiente, abandonava seguidamente
a escola.
88
86
Schaden, op. cit. p. 75.
87
ALTMANN, Friedhold. A roda. Memórias de um professor. São Leopoldo: Sinodal, 1991. p. 101.
88
Moraes, op. cit. p. 119.
200
Angélica Mello, ao estudar o impacto da Campanha de Nacionalização sobre a
educação, particularmente sobre as escolas paroquiais do município de Santa Cruz do Sul,
afirmou que:
Além da desarticulação do sistema educacional comunitário que perdeu a
qualidade pela maneira abrupta com que foram introduzidos os novos
professores e a língua portuguesa, houve a destruição generalizada da memória
histórica escrita, a privação do papel do líder comunitário na figura do professor,
em conseqüência do clima de tensão que se criou e do medo, muitos jovens
foram levados a negar sua própria identidade e criou-se um ambiente anti-escola
e anti-aprendizagem.
89
Assim, de uma forma mais acelerada em algumas localidades do que em outras, as
funções sociais desempenhadas pelo professor paroquial na comunidade foram deixadas de
lado. A participação dos pais no processo educacional de seus filhos igualmente foi
abandonada. Assim, o Estado de forma quase abruputa passou a substituir a comunidade no
financiamento, na gestão e na condução do ensino elementar. Como vimos, essa tensão entre
Estado e Igreja no campo educacional não constituía uma novidade para os imigrantes. Ela
tinha vindo na bagagem e na herança cultural dos imigrantes e agora vitimava seus
descendentes. A nacionalização do ensino e todo o ambiente hostil enfrentado pelos teutos e
descendentes no período da Segunda Guerra Mundial, principalmente depois que o Brasil
decretou guerra aos países do Eixo, certamente provocaram uma queda no sentimento de
confiança entre os descendentes de imigrantes alemães que viviam no RS.
Participando das Assembléias Gerais das associações de professores (houve 18
ordinárias somente de católicos realizadas em localidades diversas), tomando parte das
assembléias regionais das Associações de professores, fazendo a defesa dos seus interesses
econômicos e profissionais, compondo as diretorias das seções regionais, lendo jornais,
exercendo o papel de der dentro das comunidades e participando de discussões as mais
diferentes, os professores foram se politizando e tomando consciência da sua função cívica.
No que tange aos moradores das comunidades rurais, na medida em que faziam parte da
diretoria, do conselho fiscal, ou pelo simples fato de estarem associados a uma sociedade
escolar, quando participavam das assembléias da associação mantenedora, precisavam opinar,
tomar posição e votar. Estavam e deliberavam entre iguais. Praticamente todos eram pequenos
89
MELLO, Angélica Maria Ruiz. Efeitos subjetivos da campanha de nacionalização de Getúlio Vargas sobre os
descendentes de imigrantes alemães na região de Santa Cruz do Sul, RS. Santa Maria: UFSM, 2002.
(Dissertação de Mestrado em Educação). p. 95.
201
proprietários, raramente havendo alguém que tivesse de se submeter a outrem por ser
empregado ou lhe dever favor. E, embora pudesse haver um comerciante, um artífice ou um
agricultor com mais posses, o voto de cada um deles tinha o mesmo peso. Todos tinham o
compromisso de zelar pelo funcionamento da escola
90
e também de opinar sobre ela. Cabia-
lhes, ainda, a função de controlar a atuação do professor enquanto profissional e líder da
comunidade.
Como foi tentado demonstrar, uma instituição típica dos imigrantes e de seus
descendentes foi desbaratada antes que tivesse se fixado definitivamente. Embora após o
término do Estado Novo tivessem havido tentativas de restabelecer a rede de escolas
comunitárias, o projeto não tinha mais espaço nem condições de ser retomado. Foi somente
nos núcleos urbanos que educandários confessionais tiveram condições de se manter. O tipo
de escola comunitária, no entanto, deixou um interessante embrião. As Universidades
comunitárias hoje espalhadas pelas áreas coloniais do RS são, em larga medida, tributárias da
experiência das escolas comunitárias surgidas no século XIX entre os imigrantes alemães e de
seus descendentes.
3.2.2 As associações religiosas
Paralelamente às sociedades escolares, constituíram-se também as comunidades
religiosas nas áreas de colonização alemã do RS. Estas últimas eram imprescindíveis para a
intensificação da vivência cristã. Mas a motivação religiosa era também mais uma
oportunidade para agregar as pessoas. A edificação da capela exigia a cooperação de todos,
resultando numa obra material, símbolo-testemunho da vontade comum. O templo passava a
ser não somente o local de celebrações religiosas, mas também um local de encontro. Ali, aos
domingos pela manhã, antes e após a missa ou o culto, os habitantes da localidade
aproveitavam para conversar sobre preços de produtos agrícolas, inovações tecnológicas na
agricultura e na criação de animais e sobre ocorrências diversas havidas na comunidade ou em
localidades vizinhas. Nos dias de atividades religiosas, os membros da comunidade
90
Algumas poucas escolas urbanas podem ter recebido subsídios, professores comissionados e material didático
da Alemanha. Mas essa não foi a realidade da esmagadora maioria das escolas comunitárias. Com o passar do
tempo, os professores de muitas das escolas rurais passaram a receber uma subvenção salarial do governo
municipal ou do governo estadual.
202
colocavam em dia as novidades. O templo, paulatinamente, começava a se constituir em
ponto de referência e identificação da comunidade.
91
É sobretudo a partir de 1870 que as Igrejas, tanto católicas quanto evangélicas, passam
a registrar um “surto extraordinário de organização, crescimento e presença no cenário
religioso, político-social e educacional da Província.”
92
Esse revigoramento do cristianismo
nas colônias alemãs do RS está ligado a cinco fatores principais. O primeiro deles
umbilicalmente ligado com a influência provocada pelo movimento de Restauração Católica e
o Movimento de Reavivamento Evangélico ocorridos na Europa. Como mencionado, a
Restauração Católica teve enormes repercussões na região do Hunsrück, local de onde
provinham a maior parte dos imigrantes alemães católicos que escolheram a Província de São
Pedro como local de destino. Já os protestantes passaram, durante o século XIX, pelo
Movimento de Reavivamento, que atingiu uma grande região da Alemanha, sendo
particularmente intenso na Renânia e na Westfália. O segundo fator diz respeito às seqüelas
provocadas no clero alemão, especialmente entre a ordem dos jesuítas, a Aufklaerung. Em
1872, muitos dos clérigos que haviam sido forçados a deixar a Alemanha por determinação de
Bismarck, vieram exercer seu trabalho pastoral e missionário entre os teutos e descendentes
do RS. Dentre eles, havia religiosos dos mais preparados e experimentados. O terceiro fator
está relacionado com a solicitação e o posterior envio de missionários protestantes alemães
para atuarem nas comunidades de teutos e descendentes da Província. Com a chegada de
pastores formados, as comunidades, a princípio autônomas e isoladas, passaram a ter uma
organização mais centralizada, com a fundação, em 1886, do Sínodo Rio-grandense. O quarto
fator diz respeito ao avanço das idéias liberais e depois também da ideologia positivista no
RS. Procurando reagir contra a penetração dessas ideologias entre a população de origem
germânica é que padres católicos e pastores evangélicos partiram para uma ofensiva religiosa.
Se entre os católicos alguns padres jesuítas se destacaram nesse trabalho, entre os luteranos
coube ao pastor Wilhelm Rotermund papel principal. O quinto fator se refere à chegada, no
início do século XX, de missionários luteranos norte-americanos, mais precisamente do
Sínodo de Missouri, ao RS. Atuando inicialmente em comunidades formadas por habitantes
majoritariamente de origem alemã pouco assistidas pelos luteranos do Sínodo Rio-grandense,
91
Silva, op. cit. p. 38.
92
Kreutz (1991), op. cit. p. 62. Registre-se que esse movimento de crescimento religioso não se deu somente
entre a população de ascendência alemã, mas ocorreu também entre italianos e poloneses do Estado.
203
passaram a competir pela organização e influência dos fiéis luteranos. Em 1904, fundam o
Sínodo Evangélico Luterano do Brasil.
3.2.2.1 Católicas
O catolicismo dos imigrantes, como destaca Martin Dreher, diferia bastante daquele
praticado no Brasil. Historicamente, o catolicismo brasileiro havia-se constituído com o
combate aos mouros e absorvido uma série de tradições ibéricas, de cristãos-novos, de
escravos africanos e de indígenas. Durante o período colonial, e mesmo após a independência,
na época do Império, “a religião sofreu a influência perniciosa do regalismo e burocracia do
Estado.”
93
Prevalecia, conforme Hans Jürgen Prien, “uma religiosidade exterior, quase
folclórica, que se manifestava em procissões, desfiles de confrarias, espetáculos pirotécnicos,
novenas e festejos eclesiásticos, ou tratava-se de um catolicismo meramente nominal, sem
qualquer participação na vida sacramental (penitência e eucaristia).”
94
A ligação direta da Igreja era com o Estado, com o Império brasileiro, e não com
Roma. A edificação dos prédios das igrejas matrizes – que se constituíam em sedes paroquiais
e passavam a ser a referência política e religiosa das Freguesias e o provento dos clérigos
era atribuição do Estado. Adotando as disposições tridentinas, no Brasil, tanto no período
colonial como na maior parte do Império, os registros de nascimentos, casamentos e óbitos
somente tinham validade se realizados por autoridade religiosa paroquial. Nos núcleos
urbanos, nas associações religiosas, denominadas de Irmandades, construíam suas capelas.
Nas áreas rurais, grandes proprietários de terras e de escravos mantinham em seu poder seu
próprio templo.
Dessa forma, no RS, “nas áreas de fazendas e de estâncias, as igrejas foram
construídas pelos latifundiários. Eles as mantinham. Os lavradores e peões eram convidados
para as missas e atividades nas igrejas. Nada faziam, porém, para sua construção e
93
BALÉN, João Maria et al. A Igreja Católica no Rio Grande do Sul até 1912. In: Enciclopédia Riograndense.
V. 2. O Rio Grande antigo. Canoas: Ed. Regional Ltda. 1956. p. 13.
94
PRIEN, Hans-Jürgen. Formação da Igreja Evangélica no Brasil: das comunidades teuto-evangélicas de
imigrantes até a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes,
2001. p. 86-87.
204
manutenção. Muito menos opinavam quando de sua construção. Eram passivos. Igreja não era
local de socialização. Era simplesmente lugar de culto.”
95
nas áreas coloniais, pelo
contrário, a construção da capela ou da igreja era sempre de iniciativa dos próprios fiéis que
elegiam diretorias e comissões construtoras. “Além da contribuição pecuniária distribuída
segundo os haveres, este deu uma árvore de cerne para o madeiramento, aquele forneceu as
pedras para o fundamento, o terceiro trabalhou dez dias gratuitos como ajudante de pedreiro,
o quarto doou um vitral para as janelas, o quinto é padrinho do sino, o sexto toda a
população ajudou com dinheiro, donativos, trabalho voluntário para a sua igreja, na qual, ao
entrar, a saúdam as boas obras próprias e dos antepassados.”
96
Nas áreas coloniais, Igrejas e
capelas não tinham somente função cúltica. Constituíam-se em centros da vida social e
cultural, pois o templo, juntamente com o cemitério, a escola, o salão de festas e o campo
esportivo formavam um conjunto.
Do lado dos católicos, foram os jesuítas que iniciaram e coordenaram o projeto
católico de Restauração no RS. Os três primeiros jesuítas de língua alemã vieram em 1849.
Contudo, foi somente a partir de 1872 que chegaram em maior número e que seu trabalho
tomou maior consistência. Oriundos de um ambiente eclesiástico rigidamente organizado, eles
transplantaram, quase que automaticamente, o quadro público de vida religiosa para o Sul do
Brasil. Receberam, com o passar do tempo, a colaboração de religiosos de outras
congregações. Trabalharam com grandes privações, não recebendo remuneração do Estado.
Ao lado do rigor religioso, “motivaram os colonos a construírem igrejas, escolas e cemitérios,
sem esperar por subvenções governamentais. Assim foram construídas, até o início do século
XX, centenas de capelas e igrejas, e as crianças foram alfabetizadas.”
97
Ao lado das
comunidades religiosas, a imprensa, o associativismo e a escola paroquial constituíram a base
de sustentação do seu projeto de organização comunitária de vida.
Como afirmado anteriormente, no RS os padres jesuítas procuraram recriar e adaptar
algumas experiências que haviam sido bem sucedidas na Europa, particularmente na região do
Hunsrück, na Renânia, área localizada no atual Rheinland Pfalz. Dessa área, localizada no
Sudoeste da Alemanha, eram procedentes a maioria dos imigrantes teutos católicos do RS.
Nessa região montanhosa, em que predominavam as pequenas explorações familiares
95
DREHER, Martin. Os imigrantes alemães e a religião. In: CUNHA, Jorge Luiz da (Org.). Cultura alemã – 180
anos = Deutsche Kultur seit 180 Jahre. Porto Alegre: Nova Prova, 2004. p. 60.
96
Balén, op cit. p. 39.
97
Prien, op. cit. p. 87-88.
205
camponesas, havia se constituído, segundo Lúcio Kreutz, uma milenar tradição católica.
98
Durante as guerras napoleônicas resultantes da Revolução Francesa de 1789, o Hunsrück
havia sido dominado pelos franceses, que secularizaram os bens do clero católico,
ocasionando a desestruturação organizacional da Igreja. Além de perder a sua autonomia
econômica e sua influência política, a Igreja também foi abalada por uma profunda crise
espiritual e religiosa. Nesse ambiente, floresceram movimentos religiosos de renovação
católica com características populares como o ultramontanismo, o romantismo e o catolicismo
social.
O ultramontanismo objetivava colocar o papado no centro de todas as orientações e
decisões dos cristãos católicos. Esse movimento provocou o isolamento da Igreja alemã do
poder do Estado local e colocou-a em crescente dependência da autoridade de Roma, o que
posteriormente ocasionou uma série de conflitos políticos com o Estado alemão que, na
segunda metade do século XIX, finalmente obteve sua unificação. O romantismo alemão foi
um movimento de idéias nitidamente conservadoras que se manifestaram entre o final do
século XVIII e meados do século XIX. Constituiu-se de um movimento que fez renascer a
espiritualidade sendo, sobretudo, uma reação ao iluminismo e ao liberalismo, que mais ou
menos à mesma época inspiraram transformações políticas, econômicas, sociais e mentais. Os
românticos alemães sonhavam com a unidade perdida com o fim do Sacro-Império e
clamavam por uma comunidade ideal, projetada pela imaginação, ora no futuro, ora no
passado. Promoveram a glorificação do passado medieval e feudal dos povos alemães e a
valorização do tradicional, do popular e do nacional.
99
O movimento da Restauração política e
religiosa, após batidas as forças napoleônicas, atingiu praticamente todos os países da Europa.
Contudo, foi na Alemanha e na Itália que teve maior expressão. Particularmente nas
comunidades rurais do Hunsrück, a Restauração Católica encontrou solo fértil para colocar
em prática os ideais conservadores. A Restauração Católica, valendo-se de princípios
retrógrados, centralizadores, hierárquicos e autoritários, passou a condenar o mundo novo e
seus valores e a crescente formação das nacionalidades. Nesse sentido, buscou a reafirmação
clerical católica e o controle da sociedade civil. Sua ação renovou os quadros internos da
Igreja, despertou um surto vocacional e missionário e fez vicejar colégios religiosos,
98
Kreutz (1991) op cit . p 19-35.
99
Ibidem p. 20-25.
206
organizações assistenciais, congregações religiosas, publicações e estimulou o associativismo
sob a inspiração católica. A força mais combativa do movimento era a Companhia de Jesus.
100
O associativismo cristão, no confronto que teve inicialmente com o liberalismo e o
capitalismo, e posteriormente também com a democracia e o socialismo, buscou no passado,
mais precisamente no corporativismo medieval, práticas para manter a ordem e os valores
culturais vigentes. Portanto, o associativismo cristão alemão, originalmente, não teve
características progressistas. Ao contrário, foi gestado em contraposição a um mundo de
instabilidade social marcado pelo desenvolvimento industrial, pelo aumento do proletariado,
pelas migrações que desestruturavam psicológica e afetivamente as comunidades rurais, pela
concentração de renda, pela falta de trabalho, enfim de um clima propício para o
desenvolvimento do radicalismo político e de movimentos de contestação social.
O ambiente de fervor religioso existente propiciou a mobilização dos católicos
alemães que estruturaram uma poderosa rede de organizações. Assim, por exemplo, a partir
de 1848, tornaram-se constantes os Katholikentage (dias católicos). Nos Katholikentage,
delegados de todas as associações católicas da Alemanha reuniam-se anualmente em
assembléia para traçar orientações políticas para o social-catolicismo.
101
Procurando influir e
ter uma atuação política, os católicos alemães criaram também, em 1859, o Partido do Centro
Zentrumpartei –, agremiação partidária que passou a catalisar as aspirações e reivindicações
dos católicos. O Zentrumpartei teve destacada influência e representatividade no Império
alemão, onde o número de cadeiras de deputados do partido cresceu de 67 (1871) para 91
(1874), 94 (1878) e 100 (1881). Conforme Cristoph Sachsse, no auge do Kulturkampf, mais
de 80 por cento dos eleitores católicos alemães votavam no Centro.
102
Em 1890, sob a liderança de intelectuais, políticos, empresários e membros do clero,
foi fundada a União Popular para a Alemanha Católica Volksverein.
103
O Volksverein foi a
100
Sobre a origem do associativismo cristão na região do Hunsrück, ver especialmente o capítulo I, p. 42-97, da
tese de doutoramento de SCHALLENBERGER, Erneldo. O associativismo cristão no Sul do Brasil: a
contribuição da Sociedade União Popular e da Liga das Uniões Coloniais para a organização e
desenvolvimento social Sul-brasleiro. Porto Alegre: Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2001.
101
Ibidem p. 90.
102
SACHSSE, Cristoph. Solidariedade e subsidiaridade: o catolicismo social alemão durante o Império e a
República de Weimar. Veritas Revista Trimestral de Filosofia e Ciências Humanas da PUCRS, Porto Alegre:
v.37, n. 138, dez. 1992. p. 540.
103
Ibidem p. 544.
207
mais representativa organização associativa católica da Alemanha. Constitui-se na
“associação do povo católico para promover e divulgar as idéias do catolicismo social
mediante uma obra gigantesca de educação popular para lutar contra o socialismo e pela
liberdade religiosa.”
104
Os Jesuítas carro-motor da Restauração Católica e o clero da Alemanha acabaram
se chocando com o movimento da Aufklaerung (ilustração), mais identificado com os
postulados do protestantismo, que era particularmente forte na autoritária Prússia de
Bismarck, onde tomou feições anticlericais, rejeitando a monarquia de direito divino e a
supremacia das Igrejas.
105
A oposição à Igreja Católica, mais especialmente aos padres
jesuítas, levou o Império Alemão à elaboração da política do
Kulturkampf.
O
Kulturkampf
se
constituiu de uma multiplicidade de medidas, em grande parte legais, que tinham como
objetivo restringir a ação e a influência católica na vida social, cultural e no sistema educa-
cional da Alemanha, cuja sociedade estava em processo de formação industrial.
106
O boicote
às leis do
Kulturkampf
criou um ambiente de perseguição religiosa, de prisões e de expulsões
de muitos membros do clero e levou à proibição, em 1872, da Companhia de Jesus. “Expulsos
da Alemanha, boa parte dos jesuítas foi trabalhar junto à colonização alemã no Rio Grande do
Sul, onde assumiram todo um projeto de atividades religiosas e sociais” sem precedentes.
107
Na Suíça, conforme registrou o padre Teodoro Amstad, os cantões de maioria católica
também reagiram aos ideais “revolucionários”, anticlericais e liberais, que assolaram o país a
partir de 1848. A exemplo da Alemanha, ali fundaram as Associações de São Pio (sociedades
de auxílio mútuo), um Partido
Popular Católico e o
Volksverein
(Sociedade Popular) “para
defender os seus direitos religiosos e civis.”
108
Sob a liderança dos padres jesuítas foram transplantados para o Sul do Brasil
experiências que, ao menos, parcela dos imigrantes havia vivenciado na Alemanha,
mais precisamente na região do Hunsrück, cuja realidade se aproximava aos
104
Ritter, apud Schallenberger, op. cit. p. 93.
105
A Aufklaerung foi um movimento caracterizado pelo otimismo no poder da razão e que acreditava alcançar a
organização social a partir de princípios racionais. Tomou feições anticlericais, opondo-se à supremacia das
Igrejas, introduzindo o registro civil no lugar do atestado de batismo, secularizando o casamento e inibindo o
funcionamento de escolas paroquiais. Cfe. Kreutz (1991), op. cit. p. 33.
106
Sachsse, op. cit. p. 539.
107
Kreutz (1991), op. cit. p. 35.
108
AMSTAD, Teodoro. Memórias autobiográficas. Tradução e anotações por Arthur Rabuske. São Leopoldo:
UNISINOS, 1981. p. 27 e 28.
208
assentamentos de imigrantes alemães daqui. Para muitos, não constituía absolutamente
novidade alguma o surgimento, na nova
Heimat,
de velhas organizações com as quais
tinham travado contato na Europa. Sendo a matriz de referência transplantada e adaptada
ao novo meio, as comunidades rurais foram organizadas e animadas por uma rede de
proteção religiosa, cultural, recreativa e social. Foi com o intuito de preservar e de livrar
os imigrantes e descendentes da contaminação dos ideais difundidos pelo liberalismo e
pelo positivismo, que as igrejas, tanto a católica quanto a protestante, empenharam-se
numa espécie de cruzada ou de restauração religiosa. Foi por isso que houve a fundação
de associações religiosas, a organização de paróquias e comunidades, a criação de escolas
paroquiais e de
associações de professores, o surgimento de casas de saúde, asilos e
instituições de caridade, a realização d
os
Katholikentage, a estruturação do Volksverein e do
cooperativismo, a criação do Partido Católico e de círculos operários.
No Brasil, a Proclamação da República realizada em 1889 extinguiu o padroado.
Da separação da Igreja do Estado decorreu a laicização dos cemitérios e dos registros
civis de nascimento e casamento. Os católicos que, de uma forma geral, durante o
Segundo Império colocaram-se contrários ao avanço das idéias liberais e positivistas,
passaram a temer conflitos com o novo regime político. A expulsão da Companhia de
Jesus do território brasileiro, defendida entre outros pelo Conselheiro de Estado, Rui
Barbosa, era um dos receios concretos da cúpula da Igreja. Como meio de defesa à
implantação de um eventual
Kulturkampf
no país, os católicos pretenderam, em 1890, agre-
gar-se em torno de um Partido Católico Central ou Centro Católico. O
Zentrumpartei
organizou-se a partir das paróquias da região colonial alemã gaúcha, que eram dirigidas e
administradas pelos padres jesuítas. A estruturação e a ação do Centro, no entanto,
restringiram-se praticamente ao Rio Grande do Sul.
109
O
Zentrumpartei
foi apenas mais uma das transposições das experiências
vivenciadas pelos missionários oriundos da Europa, no Sul do Brasil. Sua trajetória,
entretanto, como registra René Gertz, não foi muito bem sucedida. Nas eleições de 1890,
não conseguiu eleger representante algum.
110
Seu papel em seguida seria esvaziado, na
109
RABUSKE, Arthur. Eles se empenharam pelo erguimento do bem-estar material da colônia alemã no Rio
Grande do Sul. In: SIMPÓSIO DE HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO ALEMÃ NO RIO
GRANDE DO SUL, Anais ... São Leopoldo: Gráfica Rotermund, 1974. p. 34.
110
GERTZ, René E. Catolicismo social no Rio Grande do Sul: a União Popular. Veritas – Revista Trimestral de
Filosofia e Ciências Humanas da PUCRS, Porto Alegre: v.37, n. 138, dez. 1992. p. 554-57.
209
medida em que os deputados positivistas gaúchos, na constituinte, fizeram a defesa dos
jesuítas e se comprometeram com a garantia de liberdade de culto, que foi assegurada
pela Constituição Brasileira de 1891.
111
Cooptado pelos republicanos de Júlio de
Castilhos e de Borges de Medeiros, passou a fazer o aconselhamento políti
co dos
católicos, tarefa posteriormente também assumida pelo
Volksverein.
O Centro Católico não se
constituiu, de fato, em partido político. Objetivou muito mais garantir a liberdade de ação e a
evangelização da Igreja Católica, proteger a propriedade eclesiástica, manter em
funcionamento os seminários e as escolas das congregações religiosas e a veiculação dos
periódicos publicados sob sua inspiração.
A presença dos jesuítas, no entanto, também provocou divisões e reações. Robert Avé-
Lallemant, por exemplo, lamentava a atuação dos padres jesuítas, vindos da própria
Alemanha. Segundo o médico, eles intimidavam as almas simples e a consciência dos colonos
de ambos os credos, inquietando-os e levando-os a vacilações nos batismos, casamentos, nas
confissões etc. A chegada dos padres da Companhia de Jesus teria acabado com o convívio
cordial dos adeptos da Igreja Católica e da Evangélica.
112
Alegou que, antes da entrada da
Missão dos Jesuítas a São Leopoldo, os casamentos mistos eram freqüentes. A intolerância
dos missionários teria despertado rivalidades entre os adeptos dos dois cultos como também
teria causado muitas discórdias em famílias, especialmente entre as que viviam sob o regime
do casamento misto. Irmãos distanciaram-se e filhos se revoltaram contra os pais. Isso se
daria mesmo na morte. E em tom irônico, alfinetou:
Que querem nas picadas de São Leopoldo os jesuítas, saídos das húmidas celas
claustrais para oprimir as almas livres das serras? Aqueles dignos senhores
devem sair da região; são um veneno para a prosperidade de São Leopoldo,
embora não possam estorvá-la inteiramente, pois não há nada mais para entravar,
nem católicos, nem evangélicos, nem casamentos mistos e seus descendentes.”
113
Em Santa Cruz, a exemplo de outras tantas colônias, nos primeiros anos de
colonização as divergências entre católicos e evangélicos praticamente não existiram. Os
conflitos religiosos começaram a surgir na medida em que pastores e padres, provenientes da
Alemanha, chegaram à região. A pregação antiprotestante, efetuada pelos jesuítas, foi uma
das grandes responsáveis pela divisão da sociedade, impedindo muitos namoros e casamentos
111
Schallenberger, op. cit. p. 250.
112
Ave-Lallemnt, op. cit. p. 144.
113
Ibidem.
210
mistos, provocando discórdias entre famílias e reforçando o agrupamento por credo praticado.
Como destaca Telmo Lauro Müller, “um casamento misto, antigamente era quase um dilúvio.
Às vezes chegava a -lo. Houve casos de pais católicos considerarem mortos o filho ou a
filha que tivesse casado na Igreja Evangélica.”
Essa divisão dos moradores de acordo com o credo religioso era mantida mesmo após
a morte. Em muitos dos cemitérios existentes nas áreas coloniais do RS percebe-se a
existência de uma segregação espacial conforme a religião praticada. Há cemitérios em que só
eram enterrados católicos, assim como cemitérios em que eram sepultados evangélicos.
Nos cemitérios mistos, normalmente as sepulturas dos católicos ficavam de um lado e as dos
protestantes do outro lado do “campo santo”.
114
3.2.2.2 Evangélicas
O protestantismo de imigração, além de ter de reagir contra o liberalismo e o
positivismo, teve também de lutar contra o avanço do catolicismo sobre os teuto-
descendentes. Posteriormente, os luteranos ligados à Igreja Alemã sofreriam também o
assédio e a concorrência dos missionários luteranos do Missouri. Decorridos 50 anos do início
da colonização, passaram à ofensiva para expandir o credo. Entre os meios utilizados figuram
a vinda de pastores missionários e a conseqüente criação do Sínodo Rio-grandense, o
desenvolvimento de uma imprensa e a proliferação de escolas paroquiais evangélicas. É,
sobretudo, a partir do envio de pastores pela Igreja Luterana da Alemanha e da estruturação
do Sínodo Rio-grandense que se deu iniciou a um amplo investimento na organização do
processo escolar entre imigrantes alemães e descendentes do RS.
Como inicialmente os imigrantes evangélicos eram majoritários, as comunidades
protestantes foram as primeiras a serem organizadas. As próprias comunidades, que eram
completamente independentes e autônomas umas das outras, escolhiam seus pastores. Dado
que na Província inexistiam teólogos luteranos formados em seminários ou universidades, e
haja vista a ausência de recursos nas comunidades para “importar” pastores da Alemanha, os
114
MÜLLER, Telmo Lauro. Colônia alemã – 160 anos de história. Porto Alegre: EST, 1984. p. 27.
211
assim denominados “pseudopastores”
115
faziam os ofícios religiosos como batismos,
confirmações, casamentos e serviços fúnebres. À medida que a colonização foi se estendendo,
novas paróquias precisaram ser criadas. Inicialmente, portanto, não houve um mero
transplante da igreja luterana pelos teuto-evangélicos da Alemanha para o Sul do Brasil.
Conforme Wilhelm Wachholz, a “igreja dos pastores, a rigor, somente passou a existir após
1864, após a vinda de Hermann Borchard.”
116
Foi somente a partir dessa data que a ajuda de
instâncias eclesiástica da igreja evangélica alemã principiou. A partir de então, obreiros e
obreiras passam a ser enviados com certa regularidade para a Província.
117
Entre o início da
imigração, em 1824, e a chegada de Borchard, nenhuma sociedade missionária ou “igreja-
mãe” havia enviado um pastor para atuar entre os evangélicos do RS.
118
A tentativa de unir as comunidades evangélicas em um sínodo deu-se primeiramente
com o pastor Hermann Borchard que, em 1868, propôs uma “união entre as diferentes
comunidades e convocou os pastores e os representantes leigos para o primeiro Sínodo de São
Leopoldo”.
119
Contudo, foi somente em 1886 que o pastor Wilhelm Rotermund obteve
êxito na fundação do Sínodo Rio-grandense, que naquele momento reuniu sete igrejas.
Esse Sínodo foi a organização eclesiástica que congregou a maioria dos luteranos do RS.
Em 1949, se associou a outros sínodos de estados brasileiros na Federação Sinodal,
denominada desde 1952 de Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Em 1968,
ocorreu a fusão definitiva dos nodos em uma igreja nacional com o mesmo nome
IECLB.
120
Esse sínodo teve fortes ligações com a sua igreja-mãe da Alemanha.
Grande importância para a organização e o crescimento de comunidades luteranas
no RS teve o Movimento de Reavivamento existente na Alemanha durante o século
XIX.
121
O Movimento de Reavivamento, embora de caráter multifacetário e ambíguo,
teve uma forte feição anti-iluminista. Em oposição ao iluminismo, acentuou temas como
115
Foram os pastores formados oriundos da Alemanha que cunharam por “pseudopastores” e por outros
adjetivos pejorativos, como “pastores cachaça”, “lobos”, “mercenários”, “vagabundos” e “aventureiros” aqueles
pastores não-ordenados, que não possuíam formação teológica nem os conhecimentos e estudos necessários. A
existência desses pastores, contudo, evitou o desaparecimento do protestantismo no solo gaúcho.
116
Wachholz, op. cit. p. 22.
117
Entre 1864 e 1870, teriam chegado ao RS 11 pastores enviados da Alemanha. No decênio seguinte, teriam
sido remetidos um total de mais 12 pastores formados. Cfe. BECKER, Rudof. O nodo Rio-grandense no
século XX. In: Enciclopédia Riograndense. V. 4. O Rio Grande atual. Canoas: Ed. Regional Ltda., 1958. p. 57.
118
WITT, Osmar Luiz. Igreja na imigração e colonização. São Leopoldo: Sinodal, 1996. p. 60.
119
Roche, op. cit. p. 672.
120
GERTZ, René. O
aviador
e o
carroceiro:
política, etnia e religião no Rio Grande do Sul nos anos 1920. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2002. p. 29.
121
Sobre o Movimento de Reavivamento Alemão ver Wachholz, op. cit. p. 31-118.
212
morte, inferno e juízo final. Mas, ao mesmo tempo, o movimento enfatizou a moralidade,
a disciplina e a honestidade. Nesse sentido, combateu o uso de bebidas alcoólicas, atacou
o jogo de cartas, a dança, a superstição e a prostituição. Esse movimento espiritual passou
a valorizar os alemães da diáspora remetendo-lhes missionários para fazer a
evangelização.
122
Como fruto do Movimento de Reavivamento, surgiram na Alemanha uma série de
sociedades missionárias, como as de Eberfed, Barmen, Colônia, Berlim, Bremen,
Leipzig, Gossner, Hermannsburgo e Wessel. Algumas das sociedades missionárias
criadas tinham como público-alvo os não-cristãos de outros continentes. Outras
procuraram dar assistência aos emigrados alemães da “diáspora”,
123
ou seja, dos alemães
emigrados no exterior que, a exemplo dos que viviam no Sul do Brasil, professavam uma
seita minoritária em terras distantes.
A institucionalização e a consolidação da Igreja Evangélica no RS estão
intimamente ligadas ao Movimento de Reavivamento. A Sociedade Evangélica de
Barmen (SEB) um dos frutos desse movimento espiritual teve aqui um campo de
atuação quase exclusivo. Ela foi a mais importante sociedade de assistência aos teuto-
evangélicos do RS. Além de enviar pastores de formação seminarística e universitária e
professores, contou com o apoio financeiro de protestantes reavivados, especialmente da
Renânia e da Westfália, para a atividade missionária. Assim, pôde apoiar material e
financeiramente comunidades e o Sínodo. O dinheiro recebido serviu para pagar
ordenados, custear a construção de templos, de escolas, de casas paroquiais e de outros
prédios, o que foi de vital importância para a obra evangélica no Brasil.
124
O primeiro
pastor enviado, que deveria inicialmente atender às comunidades de São Leopoldo e
Lomba Grande, foi justamente o mencionado pastor Borchard. Seguiram-no dezenas
de outros obreiros e obreiras, o que transformou o RS em campo de missão. Objetivando
122
Wachholz, op cit. 31-62, passim.
123
O conceito de diáspora foi cunhado no século XIX. Ele se aplica aos alemães protestantes do Sul porque com
a expressão se designavam “as minorias de uma confissão entre cristãos de outro credo, sendo que a minoria
sequer possui uma organização eclesiástica própria, ou vive em pequenas comunidades e Igrejas de diáspora.”
TAPPENBECK, H, apud Prien, op. cit. p. 23.
124
O Sínodo Rio-grandense se empenhou para alcançar a auto-sustentação das paróquias e das comunidades. As
duas guerras mundiais atuaram positivamente para o alcance desse intento. Nos períodos de beligerância, e
também nos anos imediatamente seguintes, não houve repasses de verba da Igreja-mãe para a sua afiliada no Sul
do Brasil. Isso forçou o aumento das contribuições por parte dos fiéis residentes no RS. Cfe. Becker, op. cit. p.
142-44.
213
obter unidade entre as comunidades existentes, tentou criar, em 1868, uma organização
eclesiástica, o Sínodo Evangélico Alemão da Província do Rio Grande do Sul. Essa
iniciativa, entretanto, dadas as desconfianças e resistências das comunidades e dos
pastores, não frutificou. Borchard, visando ao aperfeiçoamento e a uma atuação mais
uniforme dos professores evangélicos, tomou a iniciativa de reuni-los periodicamente em
assembléia e de fundar uma biblioteca.
125
Sugeriu aos seus superiores da Alemanha que
os pastores a serem enviados deveriam vir preparados para fundar escolas e lecionar.
A preocupação dos obreiros, no que tange à formação escolar e à educação dos
filhos dos fiéis, foi uma das características do protestantismo missionário do RS. Caso as
crianças fossem estudar em escolas públicas, com professores brasileiros e católicos,
haveria o risco de elas serem perdidas para a causa da germanidade então um dos
esteios do luteranismo do Sínodo Rio-grandense e do credo. Risco idêntico poderia
ocorrer se as crianças ficassem sem colégio. Assim, uma escola identificada étnica e
religiosamente seria a ideal. No que diz respeito à preservação do etnicismo e da
identidade, não houve grandes diferenças entre pastores protestantes alemães e padres
jesuítas católicos alemães. Também para estes a manutenção da germanidade era
essencial para impedir a degradação dos católicos teuto-descendentes.
Templo, casa paroquial e escola formavam o tripé de uma comunidade evangélica.
A atividade docente dos pastores tinha várias finalidades: representava o complemento
dos seus ganhos, que o raramente alcançava a metade do valor total dos proventos;
vinculava a escola à Igreja, visto que a alfabetização e a educação escolar buscavam
encaminhar as crianças à igreja e à cristã; visava conquistar a confiança da
comunidade; buscava a preservação da germanidade.
126
Em 1874, em uma conjuntura bastante desfavorável
127
para o protestantismo na
125
Wachholz, op. cit. p. 346-355, passim.
126
Ibidem 343-47.
127
Nessa época o desfecho sangrento e desgastante do episódio dos Muckers, no Ferrabrás. O episódio foi
usado malevolamente contra os evangélicos como se fosse um fenômeno tipicamente protestante. também o
crescimento da influência dos padres da Companhia de Jesus nas áreas de colonização alemã da Província, uma
decorrência direta da perseguição que sofreram na Alemanha com o Kulturkampf. A chegada dos jesuítas
exasperou os ataques contra os protestantes.
No RS, a maior amea ao protestantismo veio exatamente dos
jestas. Competindo com estes por fiéis e no sistema escolar, os protestantes procuraram se afirmar a partir
de um diferencial: o de ser portador da germanidade no Brasil. , igualmente,
um acirrado ataque à religião
pelos representantes do pensamento científico-filosófico, especialmente do jornalista Karl von Koseritz. E
também o inevitável desgaste proveniente da debacle do Sínodo fundado anteriormente por Borchard.
214
Província, chegava Hermann Wilhem Rotermund para liderar os protestantes. Ele foi o
grande responsável pela fundação, em 1886, do Sínodo Rio-grandense.
128
Não obstante
as resistências de pastores e de algumas comunidades, o Sínodo foi paulatinamente se
consolidando e quebrando com a independência das comunidades.
129
De grande
importância para o desenvolvimento do Sínodo foram os congressos, realizados
anualmente em lugares diferentes.
Seguindo um conselho deixado por Borchard, os pastores de formação
seminarística na Casa de Missão de Barmen vinham dotados também de noções básicas
de medicina. Desenvolviam atividades médicas especialmente em localidades
desprovidas de dicos. O exercício da medicina era um importante aliado para obter
influência nas comunidades e para conquistar a confiança das mesmas.
130
O número de comunidades cresceu significativamente com o desenvolvimento da
colonização. Para atender aos colonos evangélicos das colônias novas que iam
proliferando pela Serra, pelo Planalto, pelas Missões e pelo Alto Uruguai uma
decorrência do aumento natural da população e da chegada de novas levas de imigrantes
germânicos –, o nodo enviou pastores itinerantes que percorriam vastas regiões,
prestando assistência espiritual aos fiéis. Assim, poucos pastores serviam grande número
de comunidades espalhadas por grandes distâncias. Em 1894, o nodo abrigava 22
paróquias com 4.800 famílias e 22 mil almas; em 1899, esses algarismos se elevaram
para 39 paróquias, 6.715 famílias e cerca de 45 mil almas; e em 1913, o Sínodo contava
com 58 pastores, 188 comunidades e 85.595 almas. Essas cifras saltaram,
respectivamente, para 94, 400 e 172.180, em 1934. Em 1954, havia 106 pastores, 554
comunidades e 287.289 pertencentes ao Sínodo Rio-grandense.
131
A partir de 1900, os evangélicos do RS passaram a sofrer a concorrência dos
luteranos ligados ao Sínodo Alemão Evangélico do Missouri, Ohio e outros Estados.
132
128
Prien, op. cit. p. 122.
129
O próprio Rotermund presidiu o Sínodo até o ano de 1893
130
Wachholz, op. cit. p. 514-15.
131
Becker, op. cit. p. 65-66; Roche, op. cit. p. 674.
132
Um pequeno grupo, de cerca de 600 luteranos emigrados da Saxônia, Alemanha, haviam fundado, em 1847,
na cidade de Chicago, Estados Unidos, a Deutsche Evangelisch-Lutherische Synode von Missouri, Ohio und
anderen Staaten (Sínodo Alemão Evangélico Luterano de Missouri, Ohio e outros Estados. A partir de 1947, sua
denominação foi alterada para The Luteran Church Missouri Synod (Igreja Luterana Sínodo de Missouri).
Demonstrando espírito missionário, o Sínodo rapidamente se estendeu por todos os Estados da União norte-
215
Atendendo a insistentes pedidos do pastor Brutschin, de Novo Hamburgo, a Igreja norte-
americana encaminhou, em 1900, o pastor Broders para o Sul do Brasil. Este, depois de
percorrer as áreas de colonização alemã do RS, recomendou que o Estado deveria se
transformar em campo de missão. O próprio Broders foi responsável pela fundação da
primeira comunidade da Igreja no Brasil. Trata-se da comunidade São João, na colônia
São Pedro. Ao mesmo tempo, foi criada uma escola paroquial no local, tendo o pastor
assumido a docência no educandário. A exemplo dos padres jesuítas e dos pastores do
Sínodo Rio-grandense, na constituição da Igreja Luterana de Missouri figurava o fomento
de escolas paroquiais e da instrução religiosa intensiva.
Em 1904, 13 igrejas do Estado deram origem a um distrito do Sínodo de Missouri.
Inicialmente a pregação missionária fora feita exclusivamente na língua alemã. A partir
de 1919, principiou o uso do idioma nacional na atividade pastoral. O gradativo
abandono da ngua alemã, que ocorreu principalmente nos centros urbanos, favoreceu o
crescimento do Sínodo. Em 1935, 61 pastores, 189 comunidades e 30.122 almas
pertenciam ao mesmo.
133
Em 1937, sua denominação foi alterada para Sínodo Evangélico
Luterano do Brasil e, a partir de 1954, para Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB).
Havia particularidades nos dois luteranismos praticados pelos teuto-brasileiros do
Estado. Os luteranos agrupados na igreja alemã defendiam o culto à germanidade, sendo
a religião indissociável da cultura e da etnia alemã. o Sínodo de Missouri, cujos
pastores, embora de ascendência alemã, eram oriundos dos Estados Unidos – uma grande
nação protestante onde a liberdade de religião e de culto eram respeitados –, postulava
uma religiosidade transétnica, e, portanto, não restrita à etnia alemã.
134
Considerando os dois nodos e a igreja católica, em
1924, para uma população de
290.289 teuto-breasileiros no RS, havia 918 comunidades com igreja, escola clube social
e recreações, dinamizados por uma rede de associações.
135
americana, e daí para outros continentes. Cfe. WARTH, Carlos Henrique. Igreja Evangélica Luterana. In:
Enciclopédia Riograndense. V. 4. O Rio Grande atua. Canoas: Ed. Regional Ltda., 1958. p. 237; STEYER,
Walter O. Os imigrantes alemães no Rio Grande do Sul e o luteranismo. Porto Alegre: Singulart, 1999. p. 19.
133
Roche, op. cit. p. 677.
134
JUNGBLUT, Airton Luiz. O protestantismo luterano dos teuto-brasileiros: algumas considerações necessárias
para uma abordagem antropológica. In: MAUCH, Cláudia, VASCONCELLOS, Naira. Os alemães no sul do
Brasil: cultura, etnicidade e história. Canoas: ULBRA, 1994. p. 142-43.
135
Kreutz (1991), op. cit. p. 8..
216
Os padres jesuítas e os pastores luteranos também atuaram no combate ao que
consideravam imoral. Com a chegada de pastores formados e dos jesuítas expulsos da
Alemanha ao RS, a vida das pessoas, em média, se teria tornado também mais cristã,
moral e ética. Os crimes ficaram limitados. A freqüência à escola e às missas, passaram a
ser seriamente cobradas. A participação ativa na vida da comunidade foi incentivada. Em
ambientes, em que os valores éticos prevalecem, o clima de confiança recíproca dos
membros de uma comunidade é facilitado. Havendo confiança, as iniciativas coletivas
baseadas na cooperação iam se reproduzindo. Quem ganhava com isso eram os próprios
membros envolvidos.
As instituições religiosas sustentaram diretamente uma ampla gama de atividades
sociais que foram muito além do culto convencional, da participação em estudos bíblicos,
de reuniões de oração e de missões, do preparativo de festividades ou da participação em
corais. Elas se constituíram em poderosas incubadoras de condutas e normas cívicas,
interesses comunitários e recrutamento cívico. A partir do compromisso comunitário e
solidário apregoado pelas igrejas, os fiéis se empenharam e se engajaram na fundação e
na sustentação de entidades como orfanatos, asilos, casas de saúde, internatos e escolas.
Mas os fiéis, fossem eles católicos, fossem eles pertencentes a uma das duas igrejas
luteranas, também foram impelidos a participar de campanhas de caráter caritativo. Na
medida em que auxiliavam nas coletas de dinheiro, víveres, roupas e outras coisas para os
mais necessitados, fortaleciam não somente o sentimento cristão, mas tinham também o
espírito de responsabilidade e de fraternidade renovados. Salienta Putnam que homens e
mulheres religiosamente ativos também aprendem a pronunciar discursos, dirigir
reuniões, solver desacordos e se encarregar de trabalhos administrativos. Quem participa
da igreja teria muito mais probabilidade de se ver envolvido em organizações profanas,
votar e participar politicamente e manter contatos sociais informais mais aprofundados.
136
136
PUTNAM, Robert D. Solo en la bolera: colapso y resurgimiento de la comunidad norteamericana. Barcelona:
Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores, 2002. p. 82
217
3.2.3 As associações desportivo-recreativas e de lazer
Na tradição de Putnam e de outros analistas, a existência de uma vasta gama de
organizações horizontais é um indicativo de existência de capital social em uma sociedade.
Essas redes de organização não são o capital social em si, mas sua fonte inspiradora, sua
infra-estrutura.
A organização de uma ampla rede de sociedades nas áreas de colonização alemã,
grosso modo, é vista a partir de dois enfoques por pesquisadores vinculados à academia e por
autores diletantes que se ocupam da imigração e colonização alemã no RS. De um lado, estão
os que analisam o fenômeno como algo positivo e inerente à população de origem germânica.
Parcela das publicações que segue esse fio condutor enquadra-se no gênero que faz a apologia
da imigração alemã, constituindo-se, portanto, num discurso laudatório. Mas há também
muitos trabalhos sérios que, embora estando longe de serem apologéticos, reconhecem como
positiva a contribuição da população de ascendência alemã para o desenvolvimento
econômico, social e cultural do Estado. De outro lado, estão os que encaram a tendência dos
teutos e descendentes de se organizarem em sociedades dos mais diferentes fins como algo
negativo, como indício de enquistamento e falta de desejo de integração dos imigrantes e seus
descendentes à sociedade que os acolheu. Nessa linha, normalmente se situam pesquisas
acadêmicas, dissertações e teses, cujo enfoque central é a discussão da identidade étnica desse
grupo. Neste trabalho, que não pretende fazer a apologia da colonização alemã, a tendência ao
associativismo e à vida gregária dos colonos é considerada como salutar e positiva. Acredita-
se que essa tendência contribuiu decisivamente para o desenvolvimento de relações de
confiança, para a manutenção da ordem e para a melhoria da qualidade de vida dos membros
das diferentes comunidades que se formaram.
No auge da Campanha de Nacionalização, o major Aurélio da Silva Py, Chefe de
Polícia do governo gaúcho, no seu segundo Relatório Secreto, elaborou um mapa estatístico
(anexo A) onde aparece o número das sociedades civis existentes em diferentes municípios do
RS. Embora Py pretendesse relacionar a existência de associações culturais, beneficentes,
esportivas, educativas e artísticas com a presença de células do partido nazista, uma
apreciação dessa figura aponta que em municípios onde havia um forte reduto de teuto-
descendentes a curva se elevava significativamente. Porto Alegre, secundada por Santa Cruz,
218
aparece no topo do quadro. Mas municípios como Cachoeira, Caí, Estrela, Lajeado, Pelotas,
Rio Grande, São Leopoldo, Taquara e Venâncio Aires também se destacavam pela quantidade
de sociedades civis lá existentes.
Foram inúmeros os espaços de sociabilidade criados pelos alemães e descendentes no
RS. “Diante de um cotidiano marcado pelo trabalho duro na colônia, os imigrantes
encontraram nesses espaços a possibilidade de comungarem com seus pares algo mais que as
lutas diárias e, nesses espaços, decidiram muitas vezes rumos da vida futura (...).”
137
Sendo
inúmeras as sociedades desportivo-recreativas que caracterizaram a vida da população de
ascendência germânica no RS, descrever-se-á sucintamente algumas delas.
O livro publicado no ano de 1924 pelo Verband Deutscher Vereine (Liga das
Sociedades Alemãs), em comemoração ao centenário da imigração alemã, apresenta uma
relação das associações ditas alemãs existentes então no RS. Ainda que a listagem apresente
uma série de lacunas, desconhece-se uma relação mais completa que trate da questão. A
organização da maior parte do conteúdo do livro esteve a cargo do padre jesuíta Teodor
Amstad, um profundo conhecedor da área colonial alemã e pessoa que podia contar com um
grande número de informantes e colaboradores. Partindo das informações disponíveis na obra,
percebe-se que nos municípios de Santa Cruz do Sul e de Venâncio Aires concentrou-se o
maior número de sociedades. Os motivos para isso ainda constituem uma incógnita. É a partir
das sociedades que existiram nesses dois municípios que se irá tipificar e exemplificar a vida
social desportivo-recreativa e cultural das populações de ascendência germânica do Estado.
3.2.3.1 Sociedades de atiradores
Normalmente, a primeira associação comunitária que surgiu nas picadas tinha caráter
religioso e/ou escolar. Depois foram surgindo as sociedades de atiradores, de lanceiros, de
damas e outras. As de atiradores foram imitação de sociedades congêneres existentes em
diferentes províncias da Alemanha e da Áustria no século XIX, mas cuja origem remonta a
séculos anteriores. Os participantes destes grupos deveriam se ajudar mutuamente, como
137
Radünz, op. cit. p. 157.
219
irmãos cristãos. Cada aldeia tinha um grupo de cidadãos, encarregados da sua defesa, em caso
de ataque. Todos os anos (...) havia uma festa e era escolhido o melhor atirador do grupo de
defensores da aldeia – o Schützenkönig.
138
Para caracterizar esse tipo de sociedade, toma-se como exemplo uma ainda existente
no interior do município de Venâncio Aires. Em Linha Isabel, quando já transcorriam 19 anos
desde a chegada dos primeiros colonos alemães àquela localidade, foi fundada, em 01 de
outubro de 1892, contando com 28 membros, uma das primeiras sociedades de atiradores do
município. Tratava-se da
Shützenverein von Linha Isabella
(Sociedade de Atiradores de Linha
Isabela) que, conforme seus estatutos, tinha o objetivo de promover a união entre os sócios,
facilitar diversões sadias e manter a ordem. Sua primeira bandeira foi inaugurada em 10 de
fevereiro de 1901, tendo por padrinhos o cel. João Luiz Ferreira de Brito e a senhora de José
Schaurich. A inauguração da segunda bandeira ocorreu em 02 de maio de 1920, tendo por
padrinhos o médico Pedro Eggler, de Rio-Tal (Monte Alverne) e a senhora de Heinrich
Engler. Em 1923, este
Verein
contava com 50 integrantes.
139
A prática de tiro era realizada em um potreiro, ficando o alvo a cerca de 100 metros
dos atiradores. A competição normalmente ocorria bimensalmente. Essa é uma das poucas
sociedades do gênero que ainda sobrevivem no município. Atualmente ela é denominada de
Sociedade de Atiradores Concórdia e possui em torno de 130 associados. Tem como uniforme
uma calça escura e uma camisa bege com o emblema da sociedade sobre o bolso.
Anualmente ainda é realizada a festa do rei. O associado que, nos torneios realizados
durante todo o ano, obtiver a melhor performance, torna-se o rei. Recebe, juntamente com o
primeiro e o segundo cavalheiros, uma medalha a título de condecoração. Antigamente,
recebia um talabarte, que era uma faixa de couro onde eram afixadas as medalhas. Na festa do
rei, que atualmente é realizada no período da tarde, após a cerimônia de coroamento do rei
acontece o baile. A primeira valsa é do rei, com sua acompanhante. Uma segunda valsa é
dançada pelos reis e suas respectivas acompanhantes de outras sociedades de atiradores
presentes.
138
KLEINDBING, Marlise, apud MARQUES, Lílian Argentina B. et al. Rio Grande do Sul: aspectos do
folclore. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1992. p. 116-17.
139
Festschrift zum 50jährigen Jubiläum der Linha Isabella. Santa Cruz: Lamberts & Riedl, 1923. p. 18-19.
220
Antigamente, o coroamento do rei se dava através de um cerimonial que envolvia as
Königdchen,
que eram meninas de cerca de 10 anos uma rainha e duas princesas que
declamavam poesias para o rei e os dois cavalheiros e condecoravam com medalhas, faixas e
flores aos campeões de tiro. A primeira valsa era dançada com as meninas.
Em 1924, havia pelo menos 81 sociedades de atiradores nas áreas de colonização
alemã do RS. 30 delas estavam sediadas no município de Santa Cruz; em Venâncio Aires
apareciam 16; em Rio Pardo havia 9; em Santa Maria e Serro Azul havia 4; Montenegro, São
Lourenço e a área que integrava a extinta colônia de Santo Ângelo apresentavam, cada um, 3
dessas sociedades; duas sociedades de atiradores existiam em Porto Alegre, São Leopoldo e
Ijuí; em Neu Württemberg (Panambi), Sobradinho e Taquara podia ser encontrada apenas
uma sociedade de atiradores.
140
historiadores que defendem a tese de que as sociedades de atiradores que
pulularam por todas as partes do universo colonial possuíam
,
ao mesmo tempo, o caráter
lúdico e o de autodefesa.
141
Schallenberger, por exemplo, fundamentou sua assertiva a partir
dos agrupamentos de defesa mútua surgidos à
época da Revolução de 1923, na região das
Colônias Novas do Rio Grande do Sul.
142
Também para
Hilda Agnes bner Flores, “as
sociedades de atiradores e de defesa nasceram no Rio Grande do Sul em resposta a uma
necessidade surgida no decorrer da Revolução Federalista de 1893 e repetida em 1923.”
143
E,
ao agrupar, quanto à
natureza e à
finalidade, as sociedades existentes em Venâncio Aires no
ano de 1924, enquadrou as sociedades de atiradores, de ulanos e de lanceiros como sendo de
defesa.
Outra historiadora que parece trilhar a mesma linha é Marionilde Brephol de
Magalhães. Referindo-se aos grupos da primeira fase da imigração, a historiadora afirma que
eles:
140
Verband Deuscher Vereine, op. cit. p. 348-60. As sociedades de atiradores existentes no município de Rio
Pardo localizavam-se na antiga colônia Germânia. Esse território foi desmembrado do município-mãe em 1925,
dando origem ao município de Candelária.
141
Na Alemanha, segundo Kleinbing, op. cit., os grupos de tiro teriam surgido no final da Idade Média e a sua
finalidade seria fazer a defesa das aldeias.
142
Schallenberger, op. cit. p. 242-43.
143
FLORES, Hilda Agnes Hübner. Canção dos imigrantes. Porto Alegre: EST/EDUCS, 1983. p. 175.
221
(...) não se mantiveram isolados da política. Pelo contrário, dela participaram,
como era possível à sua época, ou seja, na esfera local. Fundaram associações de
auxílio mútuo e de defesa de suas aldeias, como as Schützenvereine (Sociedades
de Tiro) para protegerem suas colônias, tais como quaisquer outros proprietários
rurais da época.
144
Também o ex-presidente honorário da Federação dos Centros Culturais 25 de Julho e
ex-membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, Leopoldo Petry, ao se
referir a boatos ocorridos no ano de 1874 que cogitavam de uma iminente tomada de Porto
Alegre pelos Muckers do Ferrabrás, destacou a constituição de corpos de voluntários de
colonos para auxiliarem na defesa da capital.
(...) vemos as sociedades de atiradores constituírem corpos de voluntários, para
auxiliarem no policiamento da cidade. O jornal “Deutsche Zeitung”, em sua
edição de 15 de Agosto de 1874, publica os nomes de 53 desses voluntários que
se apresentaram para auxiliarem as forças incumbidas da defesa da capital do
Estado, prestando serviços de patrulhamento durante vários dias.
145
Na Revolução Farroupilha (1835–1845), sabe-se do engajamento de imigrantes
alemães em ambas as facções do conflito. Na Guerra do Paraguai (1865–1870), imigrantes e
descendentes das colônias também compuseram as forças do exército brasileiro. Mas foi na
Revolução Federalista (1893–1895) e depois na Revolução de 1923 que os descendentes de
imigrantes mais estiveram envolvidos, seja participando diretamente num dos dois blocos em
confronto, seja fazendo a defesa de suas localidades. A Revolução Federalista, como é sabido,
não se desenrolou apenas na Campanha Gaúcha, mas atingiu praticamente todo o Estado.
Provocou, como não poderia deixar de ser, também uma série de perturbações em municípios
do interior onde a maior parte da população era de descendência germânica. Nova Petrópolis,
São Sebastião do Caí, Taquara, Montenegro, Estrela, Lajeado e Santa Cruz são algumas das
cidades que foram molestadas por piquetes de maragatos ou de republicanos, ou mesmo de
ambas as facções. Atos de pilhagem, vandalismo, roubo e recrutamento forçado ocorreram em
várias das localidades.
Segundo Flores, maragatos ervateiros procedentes de Soledade teriam provocado
arruaças e constrangimentos em Cecília, Maria Madalena, Santa Emília e em outras linhas do
interior de Venâncio Aires. Em Sampaio, teriam ferido o colono Lemmertz e seu filho; em
144
MAGALHÃES, Marionilde Brephol de. Pangermanismo e nazismo: a trajetória alemã rumo ao Brasil.
Campinas: Editora da UNICAMP/FAPESP, 1998. p. 27.
145
PETRY, Leopoldo. Pátria imigração e cultura. São Leopoldo: Federação dos Centros Culturais 25 de Julho,
1956. p. 57.
222
Duvidosa, cercado a residência de Clemenz Riedl que, juntamente com seu filho, teriam sido
assassinados.
146
Em função desses acontecimentos, moradores das picadas Isabela, Boa
Esperança, Silva Tavares, Linha Cachoeira e Alto da Légua, para proteger a vida de seus
familiares e os seus bens dos assaltos promovidos pelos serranos do bando de Zeca Ferreira,
resolveram unir-se em torno de uma
liga de defesa. Essa liga era liderada pelo seu presidente,
Anton Rieger, e por mais três conselheiros. Estava dividida em doze seções, cada uma das
quais contava com doze homens acima de 17 anos de idade.
Cada seção, por sua vez, estava subdividida em dois grupos de seis homens. Cada um
dos 24 grupos tinha o seu subcomandante. Eram, ao todo, mais de 150 homens em condição
de serem mobilizados para o combate. Além desses, caso fosse necessário, pessoas mais
jovens e mais idosas poderiam ser recrutadas para entrar em combate. A Liga de Isabela, que
ainda funcionava em 1923 quando dos festejos comemorativos do cinqüentenário da
localidade, era uma das tantas ligas que existiram no município à época da Revolução
Federalista e que chegaram a reunir mais de mil integrantes. Graças à
existência desse tipo de
ligas é que os trabalhos na vila e nas picadas, durante a Revolução da Degola, puderam
prosseguir em ritmo praticamente normal.
147
Não obstante a existência dessa Liga e apesar das colocações dos quatro pesquisadores
mencionados, acredita-se que as sociedades de atiradores que movimentaram a vida social dos
núcleos urbanos e das picadas das regiões coloniais tiveram, antes de qualquer coisa, um
caráter gregário, servindo de lazer e de entretenimento para os seus componentes. Secun-
dariamente é até possível aceitar, como faz a professora Giralda Seyferth, que "tais
associações se constituíram como expressão da Kultur alemã, daí advindo seu papel como
lugares de afirmação da etnicidade.”
148
Mas atribuir às sociedades de atiradores uma função
militar ou paramilitar, parece constituir um grande exagero.
Não há registros, por exemplo, de que em Santa Cruz associados de ulanos, lanceiros e
de associações de atiradores tenham atuado como milicianos, ainda que ocasionalmente. E
isso que Santa Cruz sediou 38 por cento das sociedades de tiro de todo o Estado e 65 por
146
Ibidem p. 175.
147
Festschrift, op. cit. p. 30.
148
SEYFERTH, Giralda. As associações recreativas nas regiões de colonização alemã no Sul do Brasil: Kultur e
etnicidade. Travessia revista do migrante Publicação do Centro de Estudos Migratórios, n. 34, p. 24-28, mai.
Ago. 1999.
223
cento das sociedades de cavalarianos. É bom destacar que a origem das Schützenvereine, dos
ulanos e dos lanceiros é bem anterior ao da ocorrência da Revolução Federalista, mas muito
posterior ao da Revolução Farroupilha. É preciso enfatizar, também, que as sociedades de
atiradores e o mesmo não pode ser dito dos lanceiros e dos ulanos vicejaram igualmente
nas áreas de colonização germânica dos Estados de Santa Catarina e do Paraná. Ademais, não
se pode olvidar o fato de que os filhos dos colonos passavam por sessões de treinamento
militar e pela prestação de serviço militar obrigatório, ali aprendendo táticas de guerra e de
manejo de armas. Inicialmente, aprendiam a manejar armas na Guarda Nacional e, depois, no
Exército Brasileiro ou nos Tiros de Guerra.
149
Portanto, no nosso entender, tanto as
sociedades de atiradores quanto as de lanceiros tinham finalidade desportiva e recreativa, e
não paramilitar. Se comunidades se organizaram em momentos críticos para a defesa da vida
e da propriedade de seus moradores, isso não deve ser creditado à existência de sociedades de
tiro ao alvo. O crédito deve ser dado ao compromisso cívico de que eram dotados. Ao invés
de procurarem encontrar alternativas individuais para a falta de segurança, optaram por
soluções coletivas que envolviam o conjunto da comunidade. Para que isso fosse possível,
relações de confiança recíproca e espírito de solidariedade necessariamente deviam estar
presentes no grupo. nos casos em que se engajaram numa das facções em litígio,
participando diretamente de combates durante a Revolução Farroupilha ou da Revolução
Federalista, isso deve ser creditado aos vínculos políticos e ideológicos que tinham ou aos
interesses que procuravam defender. Em todo caso, essa participação jamais pode ser
vinculada à existência de sociedades de atiradores ou de cavalarianos. As sociedades de
atiradores visavam perpetuar uma antiga tradição alemã de torneios de tiro ao alvo. as
sociedades de cavalaria foram uma transposição dos antigos Regimentos de Cavalaria Ligeira
existentes na Alemanha para a nova pátria. que aqui não tinham finalidade militar, mas
desportiva. Caso se admita o contrário, estar-se-á dando credibilidade ao fantasma do “perigo
alemão”.
149
A respeito dos Tiros de Guerra ver: ACKER, Celso Henrique. Serviço militar e nacionalidade: os Tiros de
Guerra no Rio Grande do Sul – o Tiro de Guerra 337 de Ijuí (1917-1944). Porto Alegre UFRGS, 1996.
(Dissertação de Mestrado em História).
224
3.2.3.2 Sociedades de cavalarianos
De acordo com a fonte acima citada, no Rio Grande do Sul, há o registro da existência,
ao todo, de 49 sociedades de cavalarianos. Trinta e duas estavam localizadas em Santa Cruz
(que na época englobava os territórios dos atuais municípios de Vera Cruz, Vale do Sol,
Sinimbu, Herveiras e Gramado Xavier); sete em Venâncio Aires; seis em Rio Pardo (que
estavam sediadas no território do atual município de Candelária, que obteve a sua
emancipação política e administrativa em 1925); duas em Cruz Alta (localizadas em Neu
Württemberg, hoje Panambi); uma em Santa Maria (São Pedro) e uma em Ijuí.
150
As
sociedades de cavalarianos são, portanto, características da vida social do Vale do Rio Pardo.
Em outras áreas de colonização germânica do RS, são raríssimos os casos de existência de
Vereine de cavalarianos. Ao que tudo indica, Santa Cruz foi o berço dessas sociedades e as
que foram fundadas em outras localidades de população de ascendência germânica foram
organizadas nos moldes das de Santa Cruz.
Como referido no capítulo 2, as sociedades de cavalaria são típicas das regiões
coloniais do RS. Na Alemanha não existiram sociedades similares de caráter desportivo-
recreativo. As sociedades de lanceiros que apareceram em algumas áreas coloniais alemãs do
Estado são, provavelmente, uma adaptação de antigos regimentos militares existentes na
Alemanha para organizações lúdicas na nova Heimat. Para Kipper, ex-soldados que tinham
participado das guerras de unificação, ao se fixarem nas colônias no Brasil, resolveram fundar
sociedades de cavalaria, não em moldes guerreiros, mas desportivos, para que pudessem
recordar aspectos de sua vida passada no exército e para exibir suas destrezas de cavaleiros e
sua habilidade no manejo da lança.
151
Dentre as sociedades de cavalarianos estão incluídos os ulanos e os lanceiros
(
Stechvereine
).
As sociedades de Ulanos do RS copiaram dos ulanos da cavalaria alemã sua
organização, sua disciplina militar e a indumentária, que aqui sofreu ligeiras adaptações.
Conforme relata Kipper, o uniforme de seus integrantes era assemelhado à farda dos oficiais
dos regimentos de ulanos da Alemanha:
150
Verband Deutscher Vereine, op. cit. p.348-60.
151
KIPPER, Maria Hoppe. Sociedades de cavalaria em área de colonização alemã (Santa Cruz do Sul – RS).
São Leopoldo: mimeog., 1967. p. 22.
225
A túnica, de corte e aparência militar, era de boa azul-marinho, com punhos,
gola e peito vermelho escuro. O peitilho, mais largo nos ombros e afinado em
direção à cintura, era ladeado por botões brilhantes de metal dourado. Nesse
peitilho eram presas as medalhas que o Ulano conquistava nos torneios. A túnica
era bastante longa e ajustada ao corpo. Um cinto do mesmo tecido da túnica,
debruado também de vermelho contornava a cintura. Aos ombros a túnica levava
dragonas brancas com debruns e guarnições de metal dourado.
152
A calça de cor branca usada pelos ulanos tinha as pernas enfiadas dentro de longas
botas de couro preto. Na cabeça, usavam um capacete de couro preto brilhante, de pala curta,
e que tinha no alto um pequeno retângulo também feito de couro, onde era preso um penacho
de crina de cavalo branco, que pendia garbosamente para o lado. Nas laterais do capacete, era
fixado um barbicacho de metal dourado, que passava sob o queixo e servia para firmar o
capacete à cabeça. Ao capacete, ficava fixado ainda um torsal branco, que rodeava o pescoço
do ulano e que caía, em
duas borlas, no lado esquerdo do peito. O distintivo da sociedade, à
qual pertencia o cavalariano, ia na testa do capacete.
153
A “arma” do ulano era uma comprimida lança de madeira, que tinha uma ponta de
metal polida e reluzente. Nos torneios, as lanças serviam para atingir um alvo circular de
couro, de cerca de 15 centímetros de diâmetro, onde existiam 12 furos numerados. O do
centro era o de numeração maior.
Quando da realização de desfiles, os cavalarianos prendiam uma bandeirinha no topo
de suas lanças. Nessas ocasiões, o comandante e guia de desfiles, o porta-bandeira e os
oficiais da bandeira da sociedade usavam espadas prateadas ao invés de lanças. Esses sabres
tinham caráter apenas decorativo e não eram utilizados em atividades esportivas.
Os ulanos se caracterizavam e se distinguiram das sociedades de lanceiros por usarem
uniformes mais vistosos e mais caros (aos moldes da cavalaria alemã), pela imponência dos
cavalos brancos que possuíam e por realizarem desfiles e festas mais pomposos. No
município de Santa Cruz, teriam existido somente três sociedades de ulanos. Integrado pela
elite da sociedade local, o
Ulanenklub Santa Cruz,
fundado em janeiro de 1885, desfilou
garbosamente pelas ruas da cidade por mais de 50 anos e extinguiu-se somente em 1938. Em
152
Ibidem p. 30-31.
153
Descrição feita a partir de Kipper (1967), op. cit. p. 31 e de análises fotográficas.
226
Venâncio Aires, teriam existido associações de ulanos nas localidades de Grã-Pará, Santa
Emília, Arroio Bonito, Sampaio, Liberdade e Maria Madalena.
Os
Stechvereine
(sociedades de lanceiros) tinham finalidade e organização quase
idênticas às dos ulanos. Sua apresentação externa, entretanto, deixava transparecer maior
simplicidade, isto é, menos luxo e pompa no que diz respeito aos uniformes e aos
equipamentos. Conforme a historiadora Maria Kipper:
Poder-se-ia caracterizar o "Stechverein" como o "primo-pobre" dos Ulanos. O
primo que gostaria de poder equipar-se em esplendor e brilho a seu parente rico,
mas que precisa adaptar-se e enquadrar-se dentro de suas possibilidades ( ... ). Os
Stechklubs em sua maior simplicidade, em sua maior adaptação ao meio,
representam mais caracteristicamente a vida e o "status" social e econômico de
grande parte da população da colônia germânica ( ...
).
154
Cada sociedade de lanceiros tinha o seu uniforme que era, a exemplo dos ulanos,
constituído por uma túnica de corte e aparência militar, calças quase sempre brancas enfiadas
em botas de diferentes tipos e, na cabeça, um chapéu escuro de feltro. Algumas sociedades
adotaram trajes iguais ao das sociedades de atiradores, permitindo, assim, que seus integrantes
usassem a mesma vestimenta em associações distintas. Com o passar do tempo, as sociedades
diminuíram as exigências no que tange aos uniformes. Em algumas delas, a túnica foi
substituída por um casaco preto comum, e o uso de botas tornou-se facultativo.
155
As “armas” utilizadas pelos lanceiros eram as mesmas dos ulanos: a lança, que era de
propriedade individual de cada cio, e a espada, usada somente nos desfiles pelo
comandante, pelo porta-bandeira e pelos oficiais acompanhantes da bandeira. Os cavalos
podiam ser de qualquer cor, e os arreios, os estribos e as esporas dos cavaleiros normalmente
eram bem mais simples que os dos ulanos.
As sociedades de lanceiros não tinham sede própria. Geralmente tinham por sede um
salão de baile da picada, local onde também funcionava uma casa comercial. A exemplo dos
ulanos, essas sociedades podiam ser integradas somente por membros do sexo masculino. As
mulheres, no entanto, podiam participar dos bailes e assistir aos desfiles e às competições. De
tempos em tempos – geralmente a cada dois meses e em um dia de domingo –, cada sociedade
154
Ibidem p. 40.
155
Ibidem p. 46.
227
realizava seu torneio. Nessa oportunidade acontecia o desfile dos cavalarianos pelo centro da
localidade, com bandeira, espadas e lança, até o local das competições. Ali se realizavam
exercícios de treinamento de manejo da lança e ocorriam demonstrações de habilidade dos
cavalarianos. À tarde, ocorriam os torneios de lançadas ao alvo, das quais participavam todos
os sócios ativos.
A competição propriamente dita consistia em conseguir deixar na ponta da lança, com
o cavalo em plena carreira, o alvo circular de couro. Para conseguir tal intento, era necessário
introduzir a lança em um dos doze furos do alvo. Cada lanceiro, alternadamente, realizava a
prova três vezes. No final, eram computados os pontos obtidos pelos concorrentes
individualmente e apurados os vencedores. O furo do centro do escudo conferia 12 pontos ao
acertador, e os demais atribuíam pontuação decrescente, de onze
a um, de acordo com a
posição mais central ou mais periférica do furo no alvo. Conseqüentemente, a maior soma de
pontos que podia ser obtida por um competidor era de 36, isso para quem conseguisse acertar
três vezes o centro do alvo, tarefa considerada dificílima, mesmo para os mais exímios
lanceiros.
156
A festa normalmente terminava à noite, com um baile, onde associados e familiares,
sociedades convidadas das redondezas e a comunidade em geral participavam. Torneios
maiores em que eram reunidas diversas sociedades das circunvizinhanças também ocorriam.
Algumas sociedades aproveitavam datas comemorativas especiais, como a do aniversário do
Kaiser,
a
da Proclamação da Independência ou da República do Brasil e outras, para fazer a
festa. A
Stiftungsfest
(festa de fundação da sociedade) e o
Königsfest
(festa do rei) eram
oportunidades que não podiam passar em branco.
Anualmente, cada sociedade de ulano e de
Stechverein
realizava seu tradicional
Königsfest.
Nessa festa, o campeão do torneio era, à noite, durante
o baile, coroado rei. Como
honra ao rito, recebia o Talabarte, que era por ele orgulhosamente ostentado em todas as
competições e nos desfiles em que sua sociedade participava ao longo do ano. Conforme
Kipper:
O Talabarte é uma espécie de faixa ou colar de couro que é usado em volta do
pescoço ou então cruzado em diagonal sobre o peito e as costas. No Talabarte
156
Ibidem p. 32 e 45.
228
são presas placas comemorativas de prata em forma de pequeno escudo, uma
para cada ano de existência da sociedade.
157
Marinês Neumann, em dissertação de mestrado recentemente defendida junto ao
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da UNISC, explicou a
organização administrativa de um Verein. Tomando como paradigma a Sociedade de
Lanceiros Tiradentes, fundada em 06 de janeiro de 1929, em São Martinho, interior do
município de Santa Cruz do Sul, percebe-se que todos os cargos diretivos da associação
presidente, tesoureiro e secretário, com seus respectivos vices eram escolhidos por votação.
Ao presidente cabia a tarefa de dar abertura e coordenar as reuniões bimensais, oportunidade
em que diferentes assuntos pertinentes à sociedade eram debatidos pelos associados. Somente
após, iniciavam-se os jogos de disputa de prêmios. A função do tesoureiro era a de controlar e
zelar pelas finanças da sociedade. Ao secretário cabia o compromisso de elaborar as atas,
redigir convites e organizar os demais documentos do Verein. A sociedade elegia também o
Comandante, uma espécie de representante da sociedade, a quem cabia a tarefa de fazer os
pronunciamentos em encontros de sociedades.
158
A admissão de novos sócios era realizada através da balotagem. Por esse sistema,
cada associado podia decidir sobre a entrada ou não de um novo membro no grupo. A
balotagem era uma prática prevista nos estatutos de praticamente todos os Vereine. Kipper
descreveu bem esse sistema, exemplificando-o a partir de uma sociedade de ulanos:
O jovem de mais de 18 anos, que fosse conhecido como pessoa de bem e que
tivesse posses que lhe permitissem possuir um cavalo e comprar sua lança e seu
uniforme completo de Ulano, podia manifestar a um membro da sociedade o seu
desejo de entrar para a mesma. O sócio então submetia o nome do candidato à
apreciação dos demais sócios durante uma assembléia, realizando-se então a
votação pou contra sua admissão. Havia um curioso sistema de votação. Cada
sócio votava a favor, colocando uma bolinha branca dentro de um recepiente
fechado que servia de urna, ou contra, pondo uma bolinha preta. Concluída essa
cerimônia, denominada Balotagem, as bolinhas eram contadas e o sócio era
informado do resultado.
159
Muitas sociedades, ao invés de se valerem de bolinhas brancas e pretas, utilizaram
grãos de feijão e de milho nas votações. O objetivo manifesto de fazer a votação de aceitação
157
Ibidem p. 46.
158
NEUMANN, Marines Teresinha. Narrativas identitárias e associativismo de tradição germânica na região
de Santa Cruz do Sul: o discurso da identidade nacional (1850-1950). Santa Cruz do Sul: UNISC, 2005.
(Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Regional). p. 99-100.
159
Kipper (1967), op. cit. p. 30.
229
ou não de um novo membro era o de impedir o acesso de pessoas indesejadas ao quadro
social.
As sociedades de cavalaria, a exemplo das outras, se constituíram em importantes
espaços de sociabilidade. Ali relações de amizade, de camaradagem, de respeito e de
confiança entre as pessoas puderam ser construídas. Em um ambiente social, onde esses
elementos estão presentes, a criação e participação ativa em novos grupos horizontais é
facilitada. Quanto mais densas essas redes, mais provavelmente os membros de uma
comunidade cooperarão para o benefício mútuo.
3.2.3.3 Sociedades culturais
Nas regiões de colonização alemã do RS, desenvolveu-se também grande número de
associações de caráter eminentemente cultural. Eram os Vereine de canto, de teatro, de leitura,
de sica. Como quase todos eles tinham por esteio a língua alemã, a maioria desapareceu
com a nacionalização promovida pelo Estado Novo a partir de 1938.
Tomemos o caso do
Gesangverein Liedertafel,
que foi criado na vila de Santa Cruz em
1887. Essa sociedade de cantores ganhou, no ano de 1898, o título de melhor coral em um
Encontro Estadual promovido na cidade de Porto Alegre. Durante a Primeira Guerra Mundial,
o coral enfrentou sérias dificuldades, inclusive deixando de existir por vários anos. Em 1937,
ano do seu cinqüentenário, eram 39 os integrantes da sociedade. Nas festividades
comemorativas do seu jubileu houve a participação de Ilse Thomas, cantora do Rio de
Janeiro, e de corais da região, entre os quais:
Cäcillienverein,
de Santa Cruz;
Männergesangverein
,
de Santa Cruz;
Gesangverein Concórdia,
do distrito de Sinimbu;
Gesangverein Frohsinn,
do distrito de Trombudo;
Gesangverein Frohsinn,
da Picada Velha; e
Männerschor, de Cerro Branco.
160
A Orquestra Estudiantina também marcou época no município. Criada em 1898,
realizou seu primeiro concerto no fim daquela mesmo ano. Com a chegada do cinema mudo à
160
GESANGVEREIN LIEDERTAFEL: 50 JAHRE. Santa Cruz, 1937.
230
cidade, passou a apresentar-se com melodias próprias para cada filme. Juntamente com a
orquestra de concertos Lyra, as operetas, as sociedades de canto e os grupos de teatro man-
tiveram viva a cultura local. Era principalmente a emergente classe média urbana que
mantinha e participava ativamente dessas associações culturais.
Em Venâncio Aires, no ano de 1924, existiam 55 sociedades. Dessas, 24 tinham
finalidade cultural: 14 se dedicavam ao canto; 5 promoviam a leitura entre seus adeptos; 4
eram de música e havia uma que se dedicava ao teatro.
O
canto era presença constante na vida dos imigrantes alemães e de seus descendentes.
Cantava-se nos momentos de alegria e também nos de adversidade. Cantava-se sozinho, em
conjunto com a família, na companhia de amigos, na realização de trabalhos coletivos ou em
sociedade. Das sociedades de canto existentes na década de 1920, Hilda Flores constatou que
seis ainda persistiam em atividade no final da década de 1970. Eram a Sociedade de Leitura e
Canto Jovialidade, de Alto Sampaio, fundada em 1892; a Sociedade de Canto Bom Humor, de
Linha Cecília, fundada em 1896; a Sociedade de Canto Progresso, de Linha Brasil; a
Sociedade de Canto Aliança, de Vila Deodoro; e a Sociedade de Canto Esportiva, de Arroio
Grande.
Tomando como paradigma a Sociedade de Canto Jovialidade (
Frohsinn),
constata-se
que sua fundação se quando eram decorridos apenas 16 anos do povoamento das linhas
Santana e Andréas, colonizadas por imigrantes boêmios no vale do Alto Sampaio. Otto
Albrecht, neto septuagenário de um dos fundadores da entidade, teria afirmado “(...) que
antigamente, antes de fundarem a sua Sociedade, as pessoas se reuniam quando podiam para
conversar e cantar. Cantavam no lar, em festas, cultos de igreja, enterros e reuniões
sociais.”
161
Em 1900, moradores da área resolveram criar ali também uma sociedade de leituras.
Em 1904, fundiram as duas agremiações, dando então origem à Sociedade de Leitura e Canto
Frohsinn
(Jovialidade). A sociedade, desde então, tornou-se referência para os moradores das
redondezas, por concentrar um grande número de iniciativas sociais e culturais.
Presentemente, essa sociedade possui cerca de 200 associados. O coral misto ainda se reúne
161
Flores, op. cit. p. 180.
231
mensalmente para ensaios. O acervo da biblioteca, estimado em 3.800 volumes, a maioria no
idioma alemão, praticamente não é movimentado. Atualmente, são raros os que lêem em
alemão, mais precisamente, o alemão gótico. A realização de bailes, os torneios de bolãozinho
de mesa, os jogos de bocha, de cartas e de futebol constituem, hoje em dia, os maiores
atrativos da Sociedade.
Na vila da freguesia de São Sebastião (hoje cidade de Venâncio Aires), um grupo de
amigos criou, em 1887, o Lesenverein (Sociedade de Leituras). Além da biblioteca e da sala
de leituras, no Lesenverein se realizavam bailes e festas Os associados também se divertiam
jogando bilhar, xadrez, bolão, pingue-pongue, basquete, tênis e futebol. Entre 1936 e 1953, o
clube social abrigou, em suas dependências, sessões de cinema. A partir de 1938, a sociedade
teve problemas com o programa nacionalizador, passando a ser denominada de Clube do
Comércio.
Soveral registra que, a exemplo das Caixas Raiffeisen, também seria impossível que os
Lesenvereine se desenvolvessem em outras partes do Estado.
São verdadeiras bibliotecas populares sempre em dia com tudo quanto se publica
em língua germânica no país e no estrangeiro. E, o que assombra nelas, é o fato
inconcebível entre latinos, de o mesmo livro ou folheto, o mesmo jornal ou
revista circular de mão em mão pelas linhas coloniais, de casa em casa, e voltar
intacto para as estantes da sociedade. Com elas e com as sociedades escolares se
explica o alto senso cultural da colônia e o fato de nela encontrar sempre
acolhimento e auxílio todas as idéias e todos os cometimentos dignos de
experiência e de amparo.
162
Grupos teatrais e peças de teatro também marcaram presença nas áreas em que
imigrantes alemães e seus descendentes se localizaram. Avé-Lallemant, ao percorrer a
Província em 1858, afirmou que no segundo dia de estada na capital, lhe convidaram para ir
ao “Teatro Alemão”. Ao teatro, que lhe fizera lembrar o de sua terra natal, Lubeck, chegava
o meu querido povo alemão de todas as categorias, gente bem vestida e até bonita, e,
ordenadamente, cortesmente, cada um ocupava o seu respectivo lugar; vinham famílias
inteiras, pai, mãe e meia dúzia de queridas crianças (...)”.
163
162
Soveral, op. cit. p. 166.
163
Avé-Lallemant, op. cit. p. 113.
232
A incorporação de jovens em grupos de teatros, em corais, em clubes de leitura, em
associações esportivas e recreativas e em grupos de natureza religiosa eram formas de a
comunidade ocupar e formar, em atividades sadias, os membros da comunidade e de lhes dar
uma formação pós-escolar.
As sociedades culturais e recreativas e as associações esportivas, com o passar do
tempo, tornaram-se espaços privilegiados para o exercício da sociabilidade, para o
entretenimento e para a manifestação de valores comuns. Se a participação de indivíduos em
clubes de serviços, ligas esportivas, direção de museus e bibliotecas e a participação em
conselhos curadores é considerada forma de aumentar os estoques de capital social numa
comunidade, o pertencimento a um Lesenverein, Gesangverein ou outra sociedade de
finalidade recreativa certamente também pode ser considerada.
3.2.3.4 Sociedades de bolão
O jogo de boIão
(Kegelspiel)
é um esporte bastante difundido nas áreas de colonização
alemã do RS. O bolão, muito provavelmente, é de origem germânica e decorreu do costume
de arremessar pedras em objetos diversos. Antigamente, as canchas eram feitas de barro
socado misturado com limalha de ferro e ou areia fina.
164
Os grupos de bolão, no passado, se reuniam aos sábados ou nos domingos, ocasião que
era aproveitada pelos integrantes para conversar, tomar cerveja com amigos e comemorar a
vitória do bolonista que havia derrubado o maior número de pinos. As primeiras sociedades
de bolão eram exclusivamente masculinas. Mais tarde, também as mulheres e os casais
criaram seus grupos.
O jogo de bolão consiste em arremessar uma bola de dois furos em uma cancha de,
aproximadamente, 20 metros de comprimento e derrubar os nove pinos armados na
extremidade oposta da pista. O jogo também pode ser jogado com uma bola pequena, sem
furos, que pesa em torno de 3 quilos. O bolão é um esporte parecido com o boliche. Nesse
164
Fachel, op. cit. p. 317-18.
233
último, no entanto, o jogador tem 10 pinos para derrubar. A bola de boliche tem também três
furos, enquanto a de bolão possui dois. Ali os dedos polegar e anelar são utilizados para dar
direção e força
à
bola. Outro detalhe que diferencia ambos os esportes é a cancha. Enquanto
no boliche a pista é toda da mesma largura, da marca de arremesso até os pinos, no bolão ela
começa estreita e se alarga antes de chegar aos pinos. Antigamente, a bola de bolão era feita
de madeira natural torneada. A bola masculina pesava cerca de 9 quilos, e a feminina, 7
quilos. Atualmente, a bola é fabricada com serragem compostada. A masculina tem um peso
que varia entre os 10,5 e 11 quilos, e o peso da feminina fica na casa dos 9 quilos.
Em 1963, Jo Fraga Fachel contabilizou a existência, somente na área urbana de
Santa Cruz do Sul, de 19 grupos masculinos de bolão e de 5 grupos femininos. Os grupos
normalmente faziam algumas reuniões festivas durante o ano, oportunidade em que os
membros eram acompanhados pelo cônjuge. Cada grupo de bolão tinha uma diretoria eleita
anualmente. Cada integrante precisava contribuir financeiramente para a manutenção do
grupo. Os encontros do grupo eram semanais e as reuniões antecediam as disputas. Quase
sempre o critério para a entrada de um novo sócio era a unanimidade, através da balotagem.
Dependendo da condição financeira dos integrantes, as disputas eram ainda precedidas de um
jantar. Nas noitadas, costumavam cantar antigas canções alemãs, canções carnavalescas e
outras canções do folclore brasileiro.
Era praxe ainda os grupos de bolão realizarem torneios
em que se faziam presentes diversos grupos e participarem de excursões para disputas em
outras localidades.
165
Entre os homens, Fachel apurou que os assuntos mais tratados nos encontros semanais
eram, pela ordem: esportes, acontecimentos da cidade, anedotas, pescarias, política,
problemas do Estado e do país, viagens, problemas da cidade, caçadas, automóveis, mulheres,
problemas do município, problemas de firmas, problemas internacionais, agricultura,
negócios, cinema, problemas com empregados, escândalos na sociedade, educação dos filhos,
problemas industriais e outros.
166
Os grupos de bolão, portanto, eram mais um canal de que
dispunham seus integrantes para conversar, se instruir e formar opinião sobre determinado
assunto.
165
Ibidem p. 319-26.
166
Ibidem p. 327-28.
234
3.2.3.5 Sociedades de damas
As sociedades de cavalarianos foram constituídas somente por homens. As de
atiradores e as de bolão, embora inicialmente fossem privativas do sexo masculino, com o
passar do tempo tornaram-se prática também das mulheres nas regiões coloniais.
Além das sociedades de atiradores, de cavalarianos e de bolonistas, proliferaram
também nas áreas de colonização alemã grande número de associações de dama. Dentre as
Damenvereine, destacaram-se as de atiradoras, as de bolão de prancha, as de bolãozinho de
mesa e as de loto ou víspora. Muitas delas, com o passar dos anos, alteraram a sua atividade-
fim.
Tome-se como parâmetro a comunidade de Linha Cecília, de Venâncio Aires, para
tentar demonstrar o papel das sociedades femininas no meio rural. Linha Cecília é uma
localidade habitada por mais ou menos 100 famílias que fica localizada a cerca de 12
quilômetros da sede do município. A população é composta por descendentes de imigrantes
boêmios que a partir de 1877 passaram a ocupar a picada. A agricultura, especialmente a
produção de fumo, constitui a base econômica da comunidade. Lá, funcionando junto
à sede
social da
Sociedade Cultural Bom-Humor,
167
fundada em 1892, encontra-se a Sociedade de
Damas Concórdia. O Verein, fundado em 1931, possui 94 sócias, que se dedicam ao jogo de
bolãozinho de mesa. Depois de integrarem por 30 anos a sociedade, os membros tornam-se
sócios honorários, não precisando mais pagar anuidade. As reuniões são mensais e ocorrem
no primeiro domingo do mês. Mas a participação em festas promovidas por outros Vereine é
freqüentes. A exemplo de outras sociedades de dama, a Concórdia possui uniforme. Esse,
obrigatoriamente, deve ser usado em enterros e festas. A maior parte das integrantes dessa
sociedade participa também do Clube de Mães. Os clubes de mães existentes em vários
lugares do interior do município e da região foram criados rios anos sob a inspiração da
EMATER e se mantiveram. São feitas reuniões periódicas para discutir receitas, fazer
trabalhos manuais, medir a pressão, fazer injeções e realizar partidas de loto. ainda na
167
Em 1896, um grupo de 32 pessoas criou o Gesangverein Frohsinn (Sociedade de Canto Bom Humor) em
Cecília. Durante sete décadas, a sociedade funcionou em diversos salões particulares. A partir de 1966, passou a
contar com sede própria. Nesse prédio também funcionam as demais associações existentes na localidade. O
canto e o tiro ao alvo foram abandonados pela sociedade à época da Segunda Guerra Mundial. Atualmente, os 56
sócios ativos e 48 honorários que integram o Verein, praticam o jogo de bocha, de bolãozinho de mesa, de cartas
e outros jogos.
235
localidade uma sociedade Hídrica e a da Juventude Julice que funcionam no mesmo prédio.
De forma idêntica às demais associações, as sociedades de dama são formadas em
base local, oportunizando espaços em que suas integrantes possam se encontrar e provocando
uma constante vinculação entre as mesmas. As afiliadas discutem o estatuto da entidade,
participam de reuniões, deliberam, votam e são votadas para cargos diretivos, pagam
anuidades e, eventualmente, lêem documentos ou materiais distribuídos pela sociedade. A
participação em sociedades gera compromisso cívico. Só que os gestores municipais
desconhecem completamente esse potencial existente nas pequenas comunidades interioranas.
3.2.3.6 Espaços de sociabilidade e desenvolvimento
As inúmeras sociedades recreativas e as associações esportivas que surgiram nas áreas
de colonização alemã do Sul do Brasil, com o passar do tempo, tornaram-se espaços
privilegiados para o exercício da sociabilidade
,
para o entretenimento e para a manifestação de
valores comuns. Serviram também para desenvolver relações de amizade, de solidariedade, de
confiança recíproca e de cooperação entre seus membros. Defendem muitos pesquisadores,
entres os quais se inclui indiscutivelmente Putnam, que a participação de indivíduos em
sociedades recreativas e culturais, em clubes de serviços, em ligas esportivas, em direções de
museus e bibliotecas e a participação em conselhos curadores seriam também formas de
aumentar os estoques daquilo que denominam capital social. Ou seja, a participação em
associações voluntárias e em clubes geraria normas de confiança entre seus membros,
produzindo uma cooperação cívica, elemento-chave não para a participação política
democrática do cidadão, mas para o crescimento econômico e o desenvolvimento local de
uma região.
A forte tradição comunitária, as práticas associativas e a identidade étnica parecem ter
tido importância vital para o impulso inicial das regiões coloniais alemãs do RS. É por isso
que, na ausência ou omissão do Estado, organizações comunitárias trataram de resolver os
problemas. Ao invés da passividade diante dos obstáculos, as próprias comunidades
mobilizaram-se por prover, através de associações, escolas para as crianças de sua localidade;
por, coletivamente, abrir ou manter estradas; por solucionar diferenças religiosas e erigir
236
templos, hospitais e salões comunitários; por manter cemitérios e por criar associações
hídricas. Desenvolveram, nesse sentido, iniciativas coletivas situadas a meio caminho entre
o
mundo privado e o mundo público e contribuíram, decisivamente, para o surgimento daquilo
que muitos denominam atualmente de “sociedade civil".
Seguindo por esse campo de análise, pode-se chegar à conclusão de que há um
potencial comunitário extraordinário nas áreas de colonização em estudo. Esse potencial, em
grande parcela, está adormecido, mas pode ser despertado e colocado em marcha. Nos
municípios coloniais existem ainda hoje dezenas de milhares de associações horizontais que
formam um conjunto de intrincadas redes sociais. São as sociedades hídricas, os clubes de
mães, as sociedades de cantores, as sociedades de atiradores, as sociedades de damas, os
clubes de futebol, as associações de moradores de bairros, as várias sociedades beneficentes e
recreativas. Todas elas reunidas tornam possível o desenvolvimento de relações recíprocas de
confiança e de solidariedade.
3.2.4 Associações de produtores
O cooperativismo é um produtor natural de capital social. Desde o seu início, é uma
doutrina baseada em princípios universais regidos pela solidariedade. O RS é o berço do
cooperativismo brasileiro. Seu surgimento está umbilicalmente ligado ao trabalho
desenvolvido pela Igreja da Imigração em território gaúcho e seu surgimento deve muito aos
Katholikentage.
Como apontado anteriormente, a Aufklaerung indispôs setores do clero alemão com o
Estado. A chegada de padres jesuítas ao RS uma decorrência dessa disputa política travada
na Europa fez com que aqui os padres procurassem tomar medidas para proteger o rebanho
formado por teuto-descendentes dos ideais liberal e positivista. O liberalismo entre a
população de origem germânica da Província foi divulgado especialmente por um grupo de
Brummers, que tinha como expoente o jornalista Karl von Koseritz. o positivismo foi
irradiado a partir da capital, Porto Alegre, que acabou concentrando o núcleo positivista mais
forte do país. Para blindar os fiéis de ascendência alemã dessas ideologias, católicos e
evangélicos promoveram, a partir do final do século XIX, uma espécie de Restauração entre
237
os seus fiéis do RS. Os evangélicos reuniram as diferentes comunidades religiosas isoladas e,
em 1886, criaram o Sínodo Rio-Grandense. Partiram para a estruturação de novas
comunidades religiosas, criaram escolas paroquiais evangélicas, investiram em jornais e em
almanaques e procuraram organizar os produtores rurais em uma Liga com o fito de combater
continuadamente o liberalismo e o positivismo. Os católicos procuraram reproduzir em solo
gaúcho organizações que haviam tido relativo sucesso na Alemanha. Dentre essas
organizações, os mais importantes, quiçá, tenham sido os congressos ou os dias católicos.
Os Katholikentage,
ou Congressos Católicos de teuto-brasileiros, foram uma réplica
das Assembléias Gerais de Católicos existentes na Alemanha e na Áustria. Naqueles países,
esses encontros tinham uma tradição de meio século quando começaram no Sul do Brasil.
No início realizados anualmente no RS e posteriormente a cada dois anos, se espelharam nos
seus homônimos existentes na Europa. Conforme Schallenberger,
168
a pauta dos sucessivos
congressos girou em torno de quatro eixos temáticos fundamentais: a) a formação espiritual e
intelectual; b) a conduta moral; c) a organização social; e d) os problemas práticos do
cotidiano dos teuto-brasileiros. Esses encontros, como vai ser demonstrado a seguir, se
tornariam os grandes fomentadores do associativismo católico no Estado. As decisões dos
congressos, embora aparentemente fossem tomadas pelos participantes, na verdade refletiam
as intenções dos padres jesuítas envolvidos na organização dos mesmos.
O I Katholikentag foi realizado na vila Harmonia, junto ao rio Caí, em 1898. Teve no
padre jesuíta Pedro Gasper, natural de Düren, Renânia, seu principal mentor.
169
A criação do
Lehrerverein
ou Associação dos Professores Paroquiais foi o grande fruto desse I Congresso.
Tanto a Associação dos Professores quanto os Congressos Católicos se institucionalizaram e
funcionaram de forma mais ou menos regular até 1940.
170
Desapareceram a partir de então,
muito como decorrência da campanha de nacionalização promovida pelo Estado Novo. A
entidade editou o Jornal do Professor
(Lehrerzeitung),
fez publicar manuais didáticos,
incentivou a criação de associações escolares para manter e cuidar das escolas e fundou, em
1923, um educandário para a formação de professores a Escola Normal Católica –, sediada
inicialmente em Estrela, depois em Arroio do Meio e, por fim, em Hamburgo Velho.
No ano de 1936, o
Lehrerverein
chegou a ter 368 associados, abrangendo a grande
168
Ibidem p. 252.
169
Rabuske, op. cit. p. 35 e 36.
170
Rambo, op cit p. 108-16.
238
maioria dos professores paroquiais católicos de então. Desde o início, esteve dividido em
seções regionais - uma das quais era a de Santa Cruz do Sul -, o que viabilizava reuniões de
professores locais e a estruturação da associação. No ano de sua fundação contou com oito
seções regionais, número que foi ampliado para 20 no ano de 1936.
171
A preocupação com o bem-estar material dos colonos ficou refletida no Terceiro
Congresso Católico, realizado em 1900 em Santa Catarina da Feliz. Naquela ocasião, sob a
inspiração do padre Teodoro Amstad, e tendo como estereótipo os
Bauernvereine
existentes na
Alemanha, houve a fundação da Associação Rio-Grandense de Agricultores, cujo nome
inicial também foi
Bauernverein
.
172
Essa entidade, embora criada por católicos, tinha caráter
ecumênico (religioso) e étnico. Pretendeu ser uma espécie de federação que congregaria
associações locais de agricultores.
173
“Sua finalidade era a de pôr o Rio Grande do Sul em
condições de ele mesmo remediar, na medida do possível, as suas necessidades em questão de
gêneros alimentícios, de vestuário, ferramentas e instalações domésticas.”
174
Amstad diagnosticou existir, à época, um empobrecimento generalizado da agricultura
rio-grandense. Para ele, o principal problema dos colonos – mas não o único – era a existência
de um desequilíbrio entre o poder de compra e de venda dos agricultores. Essa disparidade
teria sua origem na dependência do Brasil em relação aos países estrangeiros industrializados,
dependência internacional esta que comparou a uma nova forma de escravidão e uma ameaça
para o país. Como conseqüência interna dessa dependência econômica, o colono, ao vender a
sua produção agrícola nas casas comerciais, ganharia pouco dinheiro em troca porque essa
mercadoria vendida conteria pouco valor agregado. Já para adquirir no mercado a tralha
importada, teria que desembolsar um alto valor. Para fazer frente a essa dependência, sugeriu
a redução das importações, a industrialização da matéria-prima local, a montagem de uma
rede de proteção social, e a criação de uma grande associação de auxílio mútuo.
175
O temor
dos padres era o de que o empobrecimento das colônias levasse à “caboclização” dos teuto-
brasileiros. Para tanto, a solidariedade e a cooperação entre os colonos seria, juntamente com
171
Kreutz (1991), op. cit. p. 108.
172
Rabuske, op. cit. p. 37.
173
Conforme seus estatutos, o Bauernverein se dividia em associações de picadas, distritos e municípios. Os
membros de uma picada ou de várias picadas formavam a Associação da Picada. As associações das picadas de
um distrito formavam a Associação Distrital. As associações de distritos de cada município formavam a
Associação Municipal. Finalmente, todas as associações municipais do Estado formavam a Associação Rio-
Grandense de Agricultores. Cfe. RABUSKE, op cit. p. 41.
174
Ibidem p. 40.
175
Gertz (1992), op. cit. p. 558-59.
239
a organização, diversificação, aumento da produtividade e industrialização da produção agrí-
cola, o melhor corretivo para a situação.
176
Concebido em decorrência da militância de lideranças religiosas e comunitárias no
vácuo de uma política social do Estado, o
Bauernvereín
buscou o desenvolvimento solidário e
autônomo das comunidades coloniais alemãs do RS. Seus dois mais importantes e duradouros
resultados, de acordo com Amstad, foram a fundação das colônias de Serro Azul (atual Cerro
Largo) e de Boa Vista (atual Santo Cristo) e a fundação das Caixas Econômicas Rurais do
sistema Raiffeisen.
177
A primeira iniciativa procurou reproduzir a produção familiar e a orga-
nização comunitária em áreas ainda não povoadas do RS, desafogando, desse modo, os lotes
superpovoados de algumas das áreas coloniais. Já as Caixas de Crédito e Empréstimo viriam a
se tornar importantes fomentadoras de desenvolvimento local/regional.
Em 1906, época em que atinge seu auge, o
Bauernverein
possuía 2.000 associados. Se o
número de componentes não é muito significativo, não se pode desconsiderar o fato de que,
em tese, integrava os agricultores mais dinâmicos e esclarecidos, ou seja, aqueles agentes
sociais mais interessados em promover a solidariedade e a organização entre os
colonos.
178
O
Bauernverein
,
que foi uma importante experiência associativista existente no
início do século XX no RS, conheceu seu fim, segundo Gertz,
179
pelos seguintes motivos:
a) pelo seu caráter interconfessional; b) por ser um projeto essencialmente agrário-
camponês, o que o afastava dos interesses econômicos da elite urbana, principalmente
dos banqueiros e comerciantes sediados em Porto Alegre; c) a pressão exercida pelo
governo do Estado para que a Associação se transformasse em sindicato, o que acabou
ocorrendo em 1909. Ao tornar-se sindicato, a entidade perdeu sua autonomia e vinculou-
se aos interesses do Estado. Lideranças católicas e evangélicas luteranas abandonaram
então a organização.
Decorridos pouco mais de 10 anos de funcionamento do
Bauernverein,
os
católicos resolveram criar uma nova entidade central tendo por molde a Sociedade União
176
Schallenberger, op. cit. p. 270-71.
177
Rabuske, op. cit. p. 37.
178
Gertz (1992), op. cit. p. 560
179
Ibidem p. 562-64.
240
Popular da Suíça. No IX
Katholikentag,
realizado de 25 a 27 de fevereiro de 1912 na
cidade de Venâncio Aires, decidiram pela criação da Sociedade União Popular para os
Católicos Alemães do Rio Grande do Sul
Volksverein für die deutschen Katholiken von
Rio Grande do Sul
.
180
Diferentemente do
Bauernverein,
o
Volksverein
possuía caráter notadamente
étnico e confessional. Seus dirigentes, espelhando uma determinação da congregação dos
jesuítas, defendiam a preservação da língua alemã e da cultura germânica e a manutenção
dos nculos comunitários existentes. Consi
deravam esses elementos como sendo de
relevância vital não somente para o sucesso do associativismo católico, mas também para
impedir a degradação das relações sociais dos teuto-brasileiros católicos.
A União Popular procurou organizar-se em distritos. A entidade era formada por
diferentes categorias profissionais, integrando segmentos sociais da cidade com os do meio
rural. Apenas um ano após ser fundada, contava com 60 distritos (5 dos quais localizados
em Santa Cruz) e com cerca de 7.000 associados. Em 1914, o número de sócios subiu para
9.000.
181
Durante a I Guerra Mundial (1914-1918), as atividades do Volksverein
diminuíram
significativamente em decorrência da repressão à ngua e à cultura germânica, que passou a
ser promovida pelo governo brasileiro. Também os Katholikentage
,
que eram a força motriz
de mobilização dos teuto-brasileiros, deixaram de ocorrer depois de 1916, sendo retomados
apenas em 1926.
182
Refletindo esses acontecimentos, em 1922 o número de sócios do
Volksverein
baixou para cerca de 3.000 e, posteriormente, teria caído para cerca de 1.900
associados. A partir de 1926 a sociedade conseguiu se reerguer. Em 1928, contava com 7.900
integrantes e, em 1930, com 10.000 associados.
183
180
FINKLER, Arthur. Os imigrantes alemães em Venâncio Aires.
Redes
-
Revista do Mestrado em
Desenvolvimento Regional- UNISC. 150 anos de colonização em Santa Cruz do Sul, 1849-1999. Santa Cruz do
Sul: Editora da UNISC, v. 4, p. 26-31, ago. 1999.
181
SCHALLENBERGER, op. cit. p. 316. A partir de uma estatística extraída do Volksblatt de 27 de junho de
1934, o autor, na página 400 da sua tese, apresenta uma relação dos 60 distritos da União Popular existentes no
RS. Na Colônia Velha, havia 23 distritos; na Colônia Nova, 18; na denominada “Colônia do Meio”, que abrangia
a maior parte dos vales dos rios Taquari e Pardo, existiam 19 distritos nas seguintes localidades: Poço das Antas,
Arroio Grande, Bom Retiro, Estrela, Roca Sales, Arroio do Meio, Lajeado, Santa Clara, São Gabriel da Estrela,
Venâncio Aires, Santa Cruz, Rondinha, Vila Tereza, Boa Vista, Sinimbu, Monte Alverne, Rincão Del Rei, Passo
do Sobrado e Agudo. No distrito de Venâncio Aires, por exemplo, havia núcleos de associados nas seguintes
localidades: Santa Emília, Sampaio, Santa Tereza, Arroio Bonito, Palanque, Estância Mariante, Cecília, 1sabela,
Grüne Jäger e mais o da cidade. Cfe. Finkler, op. cit. p. 30.
182
Gertz (1992), op. cit. p. 567.
183
Schallenberger, op. cit. p. 379-86.
241
O periódico Sankt Paulus-Blatt passou a ser o órgão oficial de divulgação do
Volksverein
.
Além dele, também o almanaque Der Familienfreund e o jornal Volksblat
t
foram
grandes divulgadores do Volksverein
e do social-catolicismo no RS. A ngua da Associação,
congruente com o campo de ação da agremiação, era o alemão.
O Volksverein
continuou e expandiu algumas das experiências pioneiras iniciadas com
o Bauernverein. Estimulou o associativismo, sendo as Caixas Rurais o maior resultado desse
trabalho, e pugnou pela criação de novas colônias agrícolas. O surto de crédito cooperativo
teve início em 1902, com a fundação da Caixa Rural de Nova Petrópolis, que foi a primeira do
gênero na América do Sul. Sua atividade bem sucedida inspirou e incentivou a proliferação de
caixas Rurais em Bom Princípio, São José do Herval, Cerro Largo, Venâncio Aires, Poço das
Antas, Santa Maria, Colônia Selbach, Harmonia, Porto Alegre, Picada Café, Santa Cruz,
Novo Hamburgo, Santo Cristo, Rolante, Taquara, Arroio do Meio, Três Arroios, Roca Sales,
Serra Cadeado, Sobradinho e Santo Ângelo. Em 1925, contando com a adesão de 18 Caixas
Rurais, foi criada a Central das Caixas Rurais.
184
Em 1933, a União contava com 34
cooperativas de crédito organizadas no Sistema Raiffeisen
e se autoproclamava responsável
pelo surgimento de cooperativas de produção, especialmente no ramo do leite, da banha e de
cereais.
185
O raio de ação da instituição havia se expandido pelos vizinhos estados de Santa
Catarina e do Paraná.
Além de ter apoiado iniciativas de empresas colonizadoras privadas, no estado de
Santa Catarina o
Volksverein
também promoveu diretamente a colonização de Porto Novo
(hoje Itapiranga). Organizou grupos de jovens Jugendgruppen
e de senhoras - Frauenhilfe
.
Além disso, construiu, em São Sebastião do Caí, um asilo de velhos com hospital, em parceria
com o Estado abriu um leprosário e, paulatinamente, passou a tomar conta da Escola Normal
Católica, antes dirigida pelo
Lehrerverein.
186
No caso dos protestantes luteranos, principalmente após a fundação, em 1886, do
Sínodo Rio-grandense (hoje Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil), passou a
haver um vínculo espiritual e material muito forte com a Igreja-mãe alemã. De um lado, havia
os pastores do Sínodo que realizavam sua formação acadêmica teológica ou seminarística na
184
FREITAS, Francisco Estigarribia de.
Cooperativa
de
Crédito Caixa Rural União Popular Santa Cruz
1919
a
1963. Florianópolis, 1990 (Dissertação de Mestrado em História da UFSC). p. 176.
185
Schallenberger, op. cit. p. 395.
186
Rabuske, op. cit. p. 38.
242
Alemanha. Procuravam, conseqüentemente, seguir as orientações que vinham do berço do
luteranismo e fortalecer a germanidade entre os adeptos da crença. Nesse sentido, não faziam
mais do que obedecer à sentença várias vezes publicada:
Kirche und Deutschtum sind auf Leben
und Tod miteinander verbunden
(Igreja e germanidade estão ligadas entre si para a vida e para a
morte).
187
De outro lado, conforme demonstrado por Dreher, Wachholz e Prien, várias
associações evangélicas alemãs auxiliaram financeiramente seus irmãos de emigrados para
o Sul do Brasil, estabelecendo-se, assim, um vínculo de solidariedade entre o Sínodo Rio-
Grandense e a Igreja-mãe.
188
Seguindo o caminho trilhado pelos católicos, os evangélicos luteranos fundaram,
em
7
de setembro de 1901, a sua Associação de Professores
(Lehrerverein).
As finalidades da
entidade eram idênticas àquelas da sua rival. Em 1936
,
a associação contava com
386
afiliados. Seu órgão de comunicação era o
Allgemeine Lehrerzeitung für Rio
Grande
do
Sul
.
Em
1927
os professores paroquiais, católicos e evangélicos, inspirando-se numa similar existente
na Alemanha desde
1889,
criaram a Liga Nacional dos Professores Teuto-Brasileiros, cuja
sede localizava-se em São Paulo.
189
Os evangélicos luteranos também atuaram decididamente para a fundação da Liga das
Uniões Coloniais. De acordo com o professor Gertz, a Revolução de 1923, que no RS levou
ao confronto armado os partidários de Assis Brasil e de Borges de
Medeiros, teria
provocado pânico e insegurança nas regiões de colonização mais recente do Estado,
situadas no Centro e no Oeste, sendo seus efeitos sentidos particularmente em locais
como Sarandi e Panambi. Como resposta às agressões sofridas, naquelas áreas teriam
sido organizadas associações de autodefesa integradas pela própria população local. Tais
grupos de autodefesa teriam evoluído posteriormente para as Uniões Coloniais.
190
Reunidas em Santa Maria, as Uniões Coloniais resolveram, em
26
de janeiro de
1929,
fundar a Liga das Uniões Coloniais Rio-Grandenses para “proteger e fomentar os
interesses culturais e econômicos dos colonos” teuto-brasileiros.
191
A Liga possuía uma
187
DREHER, Martin Norberto. Igreja e germanidade: estudo crítico da história da Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil. São Leopoldo: Editora Sinodal; Porto Alegre: ESTSLB; Caxias do Sul: EDUSC,
1984. p. 90.
188
Ibidem p. 76-87.
189
Kreutz (1991), op. cit. p. 110.
190
Gertz (2002), op cit p. 87 e 88.
191
HERMANN, apud Schallenberger, op. cit. p. 449.
243
Central inicialmente sediada em Panambi que tinha a incumbência de integrar e
representar os Centros ou as Ligas Regionais. Os Centros, por sua vez, atuando como
correias de transmissão, fariam a integração com as Uniões Coloniais, organizadas por
distritos e seções. O órgão informativo oficial da Liga era o
Nachrichtenblatt der Liga
das Uniões Coloniais Riograndenses.
Em setembro de 1931,
a tiragem do jornal foi de
14.750
exemplares no vernáculo alemão e de
2.770
na tradução em língua portuguesa, que
circulava com o nome de “O Noticiário da Liga das Uniões Coloniais Rio-
grandenses.”
192
Portanto, a partir de
1929
o
Volksverein
começou a sofrer a concorrência, no meio
rural, da Liga das Uniões Coloniais, que passou a se credenciar como legítima defensora
e representante dos interesses dos colonos. Enquanto os católicos procuravam se
aglutinar em torno do
Volksverein
,
foram preferencialmente os evangélicos luteranos
que levaram avante a Liga. Bastante influenciados pelos pastores do Sínodo Rio-
grandense, as Uniões Coloniais atuaram, basicamente, como associações de apoio dos
interesses dos colonos. Reuniam-se em Centros ou Ligas e buscavam a organização e a
valorização da propriedade rural e da produção agrícola. Diferentemente dos católicos,
que
se ocupavam com todos os aspectos da vida familiar e comunitária, as Uniões Coloniais
possuíam caráter interconfessional e objetivos eminentemente econômicos.
193
Em função dos
seus interesses econômicos, a Liga passou a incentivar a criação de cooperativas de
produtores para alavancar o desenvolvimento rural.
A Liga das Uniões Coloniais, refletindo a influência do luteranismo, procurou
aproximar os agricultores das autoridades governamentais para que eles pudessem usufruir de
algumas vantagens ou benesses do Estado. Para tanto, intermediou os interesses dos
agricultores frente ao governo. Diferenciava-se também nisso do Volksverein que, desde o
princípio, procurou desenvolver um associativismo cristão autônomo e independente em
relação ao Estado. Portanto, a União Popular e a Liga, embora oriundas da mesma matriz o
associativismo cristão –, diferiam no que se refere aos objetivos a serem alcançados e à
população que deveria ser abrangida.
Após a fundação da Liga, que teve sua origem nas colônias novas, Uniões Coloniais
192
Schallenberger, op. cit. p. 471.
193
Ibidem p. 443-48.
244
passaram a pipocar em diversos locais, fazendo surgir uma grande onda de associativismo
cristão nas regiões de colonização alemã do Estado. Em 1931
,
quando da realização do seu
congresso na cidade de Santa Cruz, a Liga tinha em funcionamento 118
seções locais e
17.000
associados. Era, então, a maior e mais representativa entidade dos agricultores do RS.
194
Em
1932, por ocasião do Congresso de Ijuí, a Liga das Uniões Coloniais vangloriava-se de estar
estruturada em todo o Estado. Compreendia então 20 Centros Regionais que agrupavam cerca
de 160 Uniões Coloniais.
À
Central existente em Santa Cruz estavam ligadas as Uniões
Coloniais de Riotal (Monte Alverne), Sinimbu, Linha Formosa, Herval São João, Linha Santa
Cruz, Linha Bernardina, Linha Ferraz, Rio Pardinho, Herval de Baixo, Trombudo (Vale do
Sol) e Vila Thereza (Vera Cruz).
195
Conforme Schallenberger, o curso do associativismo cristão existente no Sul do Brasil,
e por extensão do Volksverein e da Liga, teria sido duramente afetado após a edição do Decre-
to Federal nº. 23.611, de 20 de dezembro de 1933. Através dele, o Estado passou a intervir
profundamente na organização das associações e cooperativas existentes, inviabilizando a
organização comunitária autônoma das mesmas. O
Volksverein,
por conseqüência, teve que
renunciar ao seu caráter étnico e religioso; ficou proibido de desenvolver atividades de ordem
político-social e religiosa; precisou restringir sua organização a espaços delimitados;
necessitou acabar com a sua unidade em favor da fragmentação de classe e teve que submeter
as suas atividades ao controle e à fiscalização estatais.
196
Em 1935, a Liga, para se adequar à Lei, estimulou a transformação das suas Uniões
Coloniais em consórcios cooperativos e transformou-se em uma Federação Estadual dos
Consórcios Profissionais-Cooperativos dos Agricultores.
197
A Liga-federação ainda funda a
Cooperativa da Banha, o que não a impede de mergulhar em profunda crise, que mina e
solapa a sua base de sustentação.
O associativismo cristão, construído a partir da solidariedade e da ajuda mútua, sofreu
mais um fortíssimo abalo com a implantação, no final de 1937, do Estado Novo no Brasil. O
regime político antidemocrático, centralizador, autoritário, corporativista e policialesco
194
Ibidem p. 450-55.
195
Ibidem p. 475-77.
196
Ibidem p. 397 e 398. Quando no seu auge, a União Popular chegou a ter 10.000 associados. Em 1939, esse
número havia baixado para 1.689.
197
Ibidem p. 515.
245
implantado por Vargas não se constituiu, em absoluto, em um terreno rtil para a
organização social. Em 1938, com o início da nacionalização forçada, lideranças de
cooperativas, professores, padres, pastores e outros agentes sociais e comunitários viram seu
campo de atuação ser restringido ainda mais. A realização de reuniões foi dificultada, escolas
comunitárias fechadas, professores perseguidos,
li
deranças humilhadas, livros e material
didático apreendidos, publicações em língua alemã suspensas e a cultura e a língua alemãs,
um dos esteios do cristianismo social, reprimidas.
Uma outra importante explicação para o definhamento do
Volksverein
e do catolicismo
social foi a perda de espaço das lideranças leigas e da Igreja da Imigração para a cúpula da
“Igreja Institucional”. A alta hierarquia eclesiástica, com atuação muito próxima da
burocracia estatal e militar, procurou afastar os fiéis das questões sociais e direcioná-los para
a mística da renovação da fé, da invocação dos santos mártires e da luta contra o
comunismo.
198
Assim, as questões relacionadas com o bem-estar material dos fiéis, tão caros
a homens como, por exemplo, os padres Teodoro Amstad, Siegfried Kniest, Johannes Rick e
ao professor Jakob Becker, que ardorosamente defenderam o social-catolicismo, foram
relegadas a plano secundário.
O Decreto Federal nº. 581, baixado em 01 de agosto de 1938, introduziu normas ainda
mais rígidas sobre o funcionamento de sociedades cooperativas. As cooperativas de produção
passaram então a ser vigiadas e controladas pelo Ministério da Agricultura, enquanto as de
crédito passaram a ser fiscalizadas pelo Ministério da Fazenda.
A origem do cooperativismo gaúcho, portanto, está umbilicalmente ligada ao
associativismo cristão desenvolvido pela Igreja da Imigração. Constituiu-se, em grande parte,
numa adaptação à realidade local de uma experiência anteriormente colocada em prática na
Europa, mais especificamente na região do
Hunsrück
da Alemanha. Uma leitura atenta de Karl
Polanyi
199
nos permite afirmar que, não obstante ter um na
religião e outro na etnia
alemã, o associativismo cristão, ao tecer uma intrincada rede de solidariedade,
cooperação e proteção social, colaborou significativamente para impedir a
desarticulação comunitária e a degradação do tecido social dos teuto-descendentes do
Rio Grande do Sul diante do mercado auto-regulável que se estabelecia e se consolidava.
198
Ibidem p. 425-26.
199
POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campos, 1980.
246
Foi fundamental para desenvolver a autoconfiança e a auto-estima de muitos dos
imigrantes que, de potenciais marginalizados em um ambiente desconhecido e hostil,
transformaram-se em atores de seu próprio destino.
O cristianismo social aplicado às diversas regiões de colonização germânica do
RS salientou-se pela sua forte tradição comunitária e pelo desenvolvimento de práticas
associativas. Como resultado, houve a criação de um largo número de cooperativas de
produtores rurais, de uma série de cooperativas de crédito e o fomento de inúmeras
outras associações de caráter econômico e profissional nessas áreas. A participação
nessas entidades e a leitura de seus informativos e meios de divulgação contribuíram
decisivamente para a responsabilização coletiva e autônoma que repeliu a passividade e
a resignação e propiciou a geração de um clima de confiança recíproca, de solidariedade
e de cultura cívica entre os teuto-descendentes.
Para exemplificar de que forma as atividades do
Bauerverein
, do
Volksverein
e da
Liga das Uniões Coloniais repercutiram em um determinado município, será analisado o
caso de Santa Cruz do Sul.
3.2.4.1 Cooperativismo em Santa Cruz
Refletindo o que se sucedeu nas demais areas de colonização do Estado, em Santa
Cruz do Sul foram gestadas diversas entidades inspiradas no modelo do cristianismo
social. Dentre as experiências de caráter eminentemente econômico, que estavam
voltadas para o bem-estar material da população, especialmente a do meio rural,
destacavam-se as cooperativas de produtores rurais e as cooperativas de crédito.
247
3.2.4.1.1 Cooperativas de Produtores Rurais
Os professores João Pedro Schmidt e César Góes
200
realizaram um interessante e
extenso levantamento sobre a existência de cooperativas e de associações de finalidade
explicitamente econômica no Vale do Rio Pardo. Tendo por fonte o relatório de pesquisa
desses profissionais, serão relatados alguns aspectos históricos daquelas que tiveram atuação
mais destacada no município.
a) Cooperativa Agrícola Rio Pardinho
Fundada em 04 de março de 1913, na localidade de Rio Pardinho, era constituída
majoritariamente por luteranos, haja vista que aquela picada havia sido colonizada
basicamente por imigrantes evangélicos. Foi a primeira cooperativa de produção criada em
Santa Cruz e constituiu-se em uma das mais fortes da região.
O que teria dado origem à cooperativa foi a indignação de agricultores locais com a
exploração a que estavam sendo submetidos pela empresa Hennig S/A, de Sinimbu. Três
colonos teriam se deslocado até Panambi e lá conhecido o modelo de cooperação de
agricultores gestado pela iniciativa e pelo estímulo do padre Amstad. Baseados nos estatutos
daquela cooperativa e contando com a colaboração do Shützenverein de Rio Pardinho, que
inclusive cedeu suas dependências, foi instalada e entrou em funcionamento a nova sociedade.
A cooperativa possuiu em torno de 220 associados. Nas suas assembléias anuais
reunia em torno de 60 a 70 integrantes do quadro social. O fumo foi o grande produto agrícola
intermediado pela entidade, que chegou a possuir um secador de tabaco. O seu departamento
comercial era referência até para moradores da “Serra” Herveiras, Pinhal e adjacências
que freqüentemente se deslocavam à localidade para fazer compras.
Na década de 1970, a cooperativa se deparou como uma série de adversidades e entrou
em decadência. No início dos anos 80 foi encampada pela Cooperativa Agrícola Soledade
200
SCHMIDT, João Pedro, GOES, César H. B.
Associativismo e cooperativismo
no
Vale
do
Rio Pardo.
Santa Cruz
do Sul, 1995 (Relatório de Pesquisa) 56p.
248
que, numa decisão unilateral, abandonou o negócio no início dos anos 90. Em 1995,
finalmente, a cooperativa foi legalmente extinta.
b) Cooperativa Agrícola Mixta Boa Vista Ltda.
Seu local de origem foi o distrito de Boa Vista, onde foi criada em 14 de maio de
1914. Ao longo de sua trajetória, teve quatro diferentes denominações: inicialmente foi
chamada de Cooperativa Linha Santa Cruz Boa Vista; depois passou para União de Fumos em
Folha Boa Vista; em 1946, sua razão social foi alterada para Cooperativa de Fumos Boa Vista
Ltda.; a partir de 1959, finalmente, passou a ser a Cooperativa Mixta Boa Vista Ltda.
A cooperativa contou, historicamente, com cerca de 100 associados. A compra de
fumo foi a sua principal atividade econômica. No final da década de 1960 entrou em crise.
Em 1970, foi incorporada pela Cooperativa Pe. Amstad, que manteve na localidade um posto
com seção de consumo e de compra de produtos, principalmente soja e porco. Em 1975, a Pe.
Amstad decidiu encerrar suas atividades em Boa Vista e fechou o posto lá existente.
c) Cooperativa Agrícola Linha Santa Cruz
Foi criada no ano de 1924 no 1º.
distrito de Santa Cruz, sob a designação de
Cooperativa Agropecuária Linha Santa Cruz. A entidade, que chegou a contabilizar 270
associados, teria funcionado a contento até o final da década de 1960.
O beneficiamento de fumo dos cooperados, isto é, a secagem, a esterilização e o
enfardamento do produto, e a posterior comercialização do tabaco, foi, durante muito tempo, a
principal atividade a que a cooperativa se dedicou.
Em razão da crise com a qual a entidade se debateu durante toda a década de 70, os
associados decidiram pela sua encampação à Cooperativa Agrícola Soledade, o que se consu-
mou em 1982. Dez anos depois, por iniciativa da encampadora, ocorreu o desmembramento
da sociedade. 150 associados decidiram então, com muita desconfiança, reorganizar a
Cooperativa Agrícola Linha Santa Cruz que encerrou definitivamente suas atividades em
1998.
249
d) Cooperativa Agrícola Padre Amstad
Sediada na cidade de Santa Cruz do Sul, em 1940 foi fundada a cooperativa de
produtores que leva o nome do grande divulgador do associativismo cristão no Rio Grande do
Sul. Ela constitui-se numa das maiores cooperativas existentes em todo o vale do Rio Pardo.
Chegou a contar com 400 associados, cerca de mil produtores vinculados e mais de 100
funcionários na época de safra, ou seja, na época de beneficiamento da produção.
Atuou na compra e comercialização de fumo, soja e arroz, que eram repassados à
União das Cooperativas, e gado vacum, suínos e leite, que eram revendidos para a
Cooperativa Languiru, de Teutônia. A política do governo e a quebra da União de Coo-
perativas foram apontados como os principais motivadores da falência da entidade. A
organização foi liquidada em 1977/78 e seu posto de resfriamento de leite, que à época fazia
concorrência à empresa Lacesa de Lajeado, foi encampado pela CORLAC.
e) Cooperativa Agrícola Mista Sítio
Foi fundada por cerca de 60 produtores familiares em 28 de junho de 1941 na
localidade de Sítio, hoje pertencente ao município de Vera Cruz. Seu número máximo de
associados alcançou cerca de 180 membros.
A cooperativa chegou a comercializar dez mil arrobas de fumo ao ano com empresas
fumageiras e, posteriormente, com a USBC União Sul-Brasileira de Cooperativas. Com o
fechamento do depósito da USBC, passou a transacionar arroz e soja. Em virtude das
dificuldades que enfrentava, foi incorporada, juntamente com as cooperativas de Rio Pardinho
e de Linha Santa Cruz, pela Cooperativa Agrícola Soledade. Em 1991, houve a
desincorporação das cooperativas. Esta cooperativa ainda funciona atualmente.
f)
União Sul-Brasileira de Cooperativas - depósito de Santa Cruz do Sul
Tratou-se de uma organização criada por iniciativa de grande número de cooperativas
do Rio Grande do Sul. Sua sede localizava-se em Porto Alegre, mas tinha também filiais em
São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador.
250
O depósito da União existente em Santa Cruz havia sido criado na década de 1950 e se
constituiu em um dos mais pujantes e lucrativos do Estado. Armazenava e comercializava
soja e arroz, mas o fumo era, disparado, o principal e mais importante produto do depósito da
União. Enfardava a marca de fumo USBC União Sul-Brasileira de Cooperativas, que era
exportado para diversos países da Europa. O fechamento do depósito se deu em 1967 e se
deveu à liquidação da entidade, que tinha abrangência estadual.
3.2.4.1.2 Caixas Cooperativas de Crédito
De acordo com o professor Rufino Porfírio de Almeida,
201
o sistema de crédito
cooperativo popular estava bastante difundido na Europa na segunda metade do século XIX.
Muitos dos imigrantes que teriam vindo para o Sul do Brasil seriam naturais de cidades e vilas
onde o sistema de crédito cooperativo havia se desenvolvido. Por conseguinte, conheciam
essa modalidade de cooperação, o que favoreceu sua implantação e disseminação em território
brasileiro, onde até então esse tipo de organização ainda não existia.
Na Alemanha, em meados do século XIX, surgiram dois importantes sistemas
cooperativos de crédito: o
Raiffeisen
e o
Shulze-Delitsch.
A partir dos anos 1847/48, Friedrich
Wilhelm Raiffeisen (1818-1888) passou a organizar cooperativas de agricultores, que foram
aperfeiçoadas e transformadas em cooperativas de crédito que tinham por fundamento o amor
ao próximo e o auxílio mútuo. O êxito obtido pelas associações criadas por Raiffeisen o
levaram à publicação de um livro sobre o tema que obteve grande sucesso.
202
Já na pequena
cidade de Delitsch, por volta de 1849, apareceu o sistema
Schulze-Delitsch.
Esse tipo de
cooperativa de crédito era destinado especialmente à classe média urbana (artesãos,
comerciantes, pequenos patrões), mas não tinha o caráter de organização classista,
possibilitando a participação de todas as categorias econômicas.
203
O sistema organizado por Raiffeisen foi criado para atender às necessidades dos
201
ALMEIDA, Rufino Porfírio.
Cooperativa
de C
rédito Santa Cruz Ltda.
Florianópolis, 1987 (Trabalho de Pesquisa
para Concurso de Professor Titular do Departamento de História da UFSC). p. 6.
202
PINHO, Diva Benevides. A d
outrina cooperativista nos regimes capitalista
e
socialista.
São Paulo: Pioneira, 1966.
p. 45.
203
Ibidem p. 43-44.
251
agricultores. No Brasil, essas cooperativas de crédito passaram a ser conhecidas como Caixas
Rurais Raiffeisen. De acordo com Pinho, apresentam as seguintes
características essenciais:
a) fundamentam-se no princípio cristão de amor ao próximo; b) admitem o auxílio de
caráter filantrópico, embora prefiram o princípio do
self-help
(auxílio mútuo); c) dão
grande importância à formação moral dos associados, que respondem solidária e
ilimitadamente pelas obrigações contraídas pela cooperativa; d) concedem empréstimos a
longo prazo; e) preconizam a organização de um banco central para atender às
necessidades das diversas cooperativas de crédito;
f)
não remuneram os dirigentes da
sociedade; g) não distribuem retorno.
204
Nas regiões coloniais do RS, o grande difusor das cooperativas de crédito,
conforme mencionado, foi o padre jesuíta Teodoro Amstad. Nascido em Unterwalden,
na aldeia de Beckenried, ele foi ordenado padre em 1883 na Inglaterra. Em 1885, foi
designado como missionário para o Sul do Brasil.
Em Santa Cruz do Sul foram criadas, ao todo, três cooperativas de crédito: duas
delas, a Caixa Cooperativa Santacruzense (1904) e a Caixa União Popular Santa Cruz
(1919) inspiraram-se e se basearam no sistema alemão
raiffeiseano.
A terceira, a Sociedade
Cooperativa de Responsabilidade Ltda. Banco de Santa Cruz (1926), fundamentava-se
no sistema Luzzatti de cooperativas italianas.
a) Caixa Cooperativa Santa
Cruz
Nas zonas coloniais, o crédito apareceu com os comerciantes rurais e urbanos. Na
ausência ou escassez de meio circulante, inicialmente ocorreu a permuta de mercadorias:
o colono entregava seu fumo, feijão, milho, toicinho ou outro produto qualquer e levava
do armazém sal, açúcar, pólvora, tecidos e outros gêneros e utensílios de que precisava.
Através do conhecido sistema de contas-corrente
205
caderno especial de anotações onde
crédito e débito se alternavam –, os comerciantes realizavam transações que lhes eram
altamente vantajosas, propiciando a apropriação de grande parcela do sobretrabalho
gerado pelas famílias dos colonos. Havendo a acumulação, o comerciante passava a
204
Ibidem p. 45-46.
205
Ver a respeito Roche, op. cit. p. 411-422; Vogt (1997). Op cit. p. 92-100. LAGEMANN, Eugênio. Imigração
e industrialização. In: DACANAL, José H., GONZAGA, Sergius. RS: imigração e colonização. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1980. p. 128-29.
252
desempenhar a função de banqueiro: emprestava dinheiro mediante a cobrança de
juro
e
recebia depósitos sem remunerar o capital.
No alvorecer do século XX, Santa Cruz se ressentia da falta de uma instituição de
crédito mais consolidada. O desenvolvimento das atividades rurais havia intensificado as
relações comerciais e impulsionado o surgimento de uma série de ofícios e de profissões.
Também fez surgir os embriões das primeiras indústrias, as quais estavam voltadas
principalmente para o beneficiamento da produção primária regional, destacando-se o
fumo e a banha de porco.
A exemplo de tantas outras localidades de origem colonial, Santa Cruz do Sul
estava relativamente afastada dos centros em que o capitalismo se desenvolvia com mais
desenvoltura. Como se fizesse necessária a constituição de um estabelecimento ao qual a
população pudesse confiar suas economias e onde pudesse obter empréstimos para
alavancar seus empreendimentos, um grupo de cidadãos santa-cruzenses, orientados pelo
padre Amstad e inspirados nas experiências pioneiras incentivadas pelo
Bauernverein
,
resolveu criar uma cooperativa de crédito.
206
Denominada originariamente de
Spar und
Darlehnskasse
(Caixa de Economia e Empréstimo) e posteriormente de Caixa Cooperativa
Santa Cruz, a entidade foi fundada em 8 de maio de 1904. Os 22 associados fundadores, a
esmagadora maioria deles comerciantes sediados na sede do município, integralizaram,
para tanto, um capital de Rs 5:000$000 (cinco contos de réis).
No início, a concessão de crédito ficou condicionada à filiação do interessado ao
Bauernverein,
o que mostra a íntima ligação existente entre as duas instituições. Os
empréstimos feitos pela Caixa, que em 1905 foram de Rs 4:685$930, saltaram para Rs
417:292$510, em 1911 e para Rs 5.266:907$300, em 1924, ano em que a cooperativa
completou seu vigésimo aniversário. A
constante expansão dos negócios fez com que, em
1928, a Caixa Cooperativa Santa-cruzense Ltda. se transformasse em sociedade por quotas de
responsabilidade.
206
As primeiras Caixas Econômicas Rurais do Rio Grande do Sul devem sua origem ao
Bauernverein.
A
primeira surgiu em 1902, na Linha Imperial, em Nova Petrópolis. Em 1903, apareceu a Caixa Rural de Bom
Princípio, na comuna de Monte Negro. A terceira, foi a de Santa Cruz. Cfe. BANCO AGRÍCOLA
MERCANTIL S.A.
Um símbolo de confiança em negócios bancários
-
1904/1954. Porto Alegre: Gress, Trein
&
Cia. Ltda. 1954. p. 24.
253
Em 1929, a Caixa estava representada por seus correspondentes em diversas praças do
Estado: Agudo, Cachoeira, Candelária, Ijuí, Jacuí, Santo Ângelo, São Miguel (Restinga Seca)
e Venâncio Aires. Além disso, no interior de Santa Cruz possuía correspondentes nas
localidades de Monte Alverne, Rio Pardinho (Alto), Rio Pardinho (Baixo), Sinimbu,
Trombudo e Vila Teresa.
207
Em 1935, foi alterada a razão social da sociedade que passou à denominação de Caixa
Santa Cruzense Ltda. Deixando de ser cooperativa, a Caixa estava autorizada a realizar todo
tipo de operações bancárias. Em 1938, tendo em vista sua expansão, bem como a natureza e o
vulto de suas transações, a cooperativa foi transformada no Banco Agrícola Mercantil Ltda.,
que 7 anos depois seria transformado em uma sociedade anônima.
208
Em 1946 a matriz do
banco foi transferida de Santa Cruz do Sul para Porto Alegre. Em 1954, a instituição
financeira comemorou seu qüinquagésimo aniversário de existência. Estava, então, muito dis-
tante dos princípios
raiffeiseanos
que haviam inspirado sua origem. Além da Casa Central, que
funcionava na rua Sete de Setembro, o banco possuía ainda, na capital do Estado, mais 3
agências. Espalhada em diferentes cidades e distritos do interior do Estado, ostentava uma
rede integrada por 19 filiais e 37 escritórios de representação. Posteriormente, o Banco
Agrícola Mercantil S/A, sucessor da Caixa Cooperativa Santa-cruzeme, se fundiu com o
Banco Moreira Salles S/A, dando origem à União de Bancos Brasileiros S/A – UNIBANCO.
b) Caixa Rural União Popular de Santa Cruz
Resultado da atuação do
Volksverein,
em 21 de setembro de 1919 surgiu a segunda
cooperativa de crédito do município. Seu nome inicial foi Caixa Econômica e de Empréstimo
Rural União Popular Santa Cruz Sociedade de Responsabilidade Limitada. Essa entidade
associativa ainda existe e atualmente é denominada de SICREDI – Santa Cruz do Sul.
O número inicial de associados da entidade foi de 50. Entre os primeiros cooperados
predominavam os comerciantes localizados na cidade. A jóia paga por sócio fundador foi de
Rs 50$000 (cinqüenta mil réis).
209
Pedir empréstimos mediante garantias, tomar parte das
Assembléias Gerais, votar e ser votado, eram alguns dos direitos dos associados. Os
membros
207
Ibidem p. 38.
208
Ibidem p. 40-41.
209
FREITAS, Francisco Estigarribia de.
Cooperativa
de
Crédito Caixa Rural União Popular Santa Cruz
1919
a
1963. Florianópolis, 1990 (Dissertação de Mestrado em História da UFSC). p. 178.
254
da diretoria e do conselho fiscal não poderiam ser remunerados. A entidade propôs-se a
receber, na forma de depósitos mediante pagamento de juros, as economias amealhadas não
somente pelos sócios da cooperativa, mas também de estranhos. Para a obtenção de
empréstimos também não era necessário que o requisitante fosse associado.
Em fevereiro de 1923, visando adequar a cooperativa à legislação então vigente, deu-
se a primeira reforma estatutária da instituição, que passou a ser chamada de Caixa Rural
União Popular de Santa Cruz.
210
A partir de então, para ser contemplado com empréstimos
financeiros, passou a ser necessário associar-se à entidade. Posteriormente, ocorreriam outras
reformas estatutárias em 1952, em 1970, e outras mais recentemente. Embora teoricamente
estivesse voltada para os agricultores, na década de 50 a diretoria constatou que os depósitos
confiados à instituição provinham em duas terças partes da cidade e de arredores e apenas em
um terço do interior do município. Tal fato, no entender da diretoria, teria sido provocado
pelo êxodo rural.
A cooperativa, ao longo de sua existência, teve, inegavelmente, destacada atuação
no meio rural. Concedeu, por exemplo, empréstimos facilitados para a aquisição de
sementes e implementos agrícolas; importou e distribuiu sementes de batata holandesa;
organizou excursões de agricultores a estabelecimentos rurais consideradas modelo.
Procurando combater a migração campo/cidade e qualificar o trabalho nas atividades
rurais, criou o Centro de Treinamento Agrícola (CTA). O CTA funcionou entre
1955
e
1966
na localidade de Linha Santa Cruz. Ali, alunos em regime de internato, provenientes
de diferentes distritos do município, recebiam formação profissional e aulas teóricas de
conhecimento geral. Devido à Lei Bancária de
1964,
que em um dos seus artigos vedava
às cooperativas de crédito a posse de imóveis que não para o uso próprio e fim específico,
a instituição teve que se desfazer de alguns bens imóveis, inclusive os 24 hectares do
CTA.
211
Na sua dissertação de mestrado sobre as atividades da Cooperativa de Crédito
Caixa Rural União Popular Santa Cruz, Francisco de Freitas constatou que a maior parte
dos empréstimos efetuados pela entidade foi destinada ao meio urbano. Ela teria
concedido ou viabilizado, através da Central das Caixas, financiamentos para empresas
210
Ibidem p. 185.
211
Ibidem p. 211-15.
255
comerciais e industriais, para escolas particulares, para sociedades esportivas e
recreativas e para a municipalidade.
212
Teria ainda tido um compromisso social com a
comunidade. A doação de numerário ou de materiais que promoveu no transcurso de sua
história teria beneficiado programas de assistência social, educação, lazer e cultura.
Com as restrições de atuação impostas através da Lei Bancária de
1964,
essa
cooperativa de crédito, a exemplo de suas congêneres, passou a enfrentar sérias
dificuldades para se manter em funcionamento.
É
somente a partir do final da
cada de
1980 que ela consegue sair da letargia e passar a crescer, mas dentro dos limites impostos pela
oligopolização do sistema financeiro nacional, dominado por um pequeno número de grandes
bancos.
c) Cooperativa Banco Santa Cruz Ltda.
A terceira instituição de cooperativa de crédito que surgiu em Santa Cruz fez-se sob a
égide das idéias do Sistema Luzzatti. Essa experiência surgiu em 8 de março de 1926, ao ser
fundada a Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada Banco Santa Cruz Ltda.
213
Chama a atenção o fato de que as duas primeiras Caixas foram fundadas sob a premissa das
idéias de Raiffeisen e essa última, de Luzzatti. Num período de menos de 3 décadas foram,
portanto, fundadas
3
caixas rurais em Santa Cruz do Sul.
As cooperativas do tipo Luzzatti tiveram sua origem na Itália, a partir de 1864, sendo
uma adaptação local das experiências de Schulze-Delitzsch.
214
O modelo Luzzatti se
caracterizou originariamente por: adotar o princípio do
self help
,
embora admitisse ajuda estatal;
conceder empréstimos mediante palavra de honra; não remunerar os administradores da
sociedade; e
dar especial importância à conduta dos associados, dos quais era exigida
completa e irrestrita idoneidade moral e fiscalização recíproca. O respeito a esses princípios
indubitavelmente estimula a geração de capital social.
O
capital social subscrito pelos 56 fundadores da Sociedade Cooperativa Banco Santa
212
Ibidem p. 290-91.
213
Almeida, op. cit p. 32.
214
PINHO, Diva Benevides. O que é cooperativismo. São Paulo: São Paulo Editoras S.A., 1966. p. 27.
256
Cruz Ltda. foi de Rs 49:400$000 (49 contos e 400 mil réis).
215
Dentro do objetivo
cooperativista, o Banco tinha por finalidades não somente combater a usura mediante o
empréstimo a uma taxa módica, aproximando, para tanto, os que dispunham de pecúlio com
os que careciam de recursos financeiros para o desenvolvimento do pequeno trabalho, mas
também fomentar o crédito e propagar o cooperativismo sob seus diversos modos entre as
classes em geral.
216
Em 1928, os depósitos feitos na cooperativa atingiram Rs 261:018$000 e os
empréstimos somaram Rs 285:032$000. Em 1939, os depósitos saltaram para Rs
695:410$000 enquanto os empréstimos evoluíram para Rs 679:590$000. Em 1942, o número
de sócios elevara-se para 165 cooperados. No começo da década de 1950, os depósitos
alcançaram Cr$ 3.545.710,00 e no final somavam Cr$ 10.623.270,00. Na mesma época, as
aplicações passaram de Cr$ 3.694.750,00 para Cr$ 11.213.740,00.
217
Em 1956, através de
uma reforma estatutária, foi alterada a razão social da cooperativa, que passou a denominar-se
Cooperativa Banco Santa Cruz Ltda.
O regime militar implantado no país em 1964 em muito contribuiu para a decadência,
em geral, do cooperativismo brasileiro. Particularmente no que se refere às cooperativas de
crédito, a partir de então as decisões econômicas ficaram cada vez mais sujeitas às
regulamentações do Banco Central do Brasil (BCB). No caso da Cooperativa Banco Santa
Cruz Ltda., as resoluções do BCB afetaram-na diretamente, acabando por inviabilizar seu
funcionamento. Entre outras medidas, foi exigida a supressão da palavra Banco da razão
social da Cooperativa e a alteração dos estatutos (o que foi feito em 8/9/1966). Mas a medida
do BCB que foi fatal para a sobrevivência dessa e de outras cooperativas de crédito foi a
determinação de que somente associados pudessem depositar dinheiro nelas. Os depósitos
eram recursos indispensáveis para que pudessem ocorrer aplicações. E os depósitos
minguariam a partir da adoção da medida. Mas a queda do volume de depósitos também foi
agravada porque o Banco Central do Brasil vedou o pagamento de juros em contas
movimento e em razão do surgimento da caderneta de poupança, o que fez muitas contas
migrarem para outros estabelecimentos bancários, deixando a situação da Cooperativa cada
215
Almedida, op. cit. p. 38.
216
Iibidem p. 32.
217
Ibidem p. 67-68.
257
vez mais abalada.
218
Em outubro de 1970, assembléias da Cooperativa de Crédito Caixa Rural União
Popular de Santa Cruz e da Cooperativa de Crédito Santa Cruz Ltda. aprovaram a
incorporação das
duas instituições. O Banco Central, no entanto, impediu a fusão.
Em novembro de
1972,
o BCB indeferiu a prorrogação do prazo de funcionamento
da Cooperativa de Crédito Santa Cruz e concedeu o prazo de
120
dias para a involução
dos negócios e a posterior liquidação da instituição. Nessa ocasião, mais uma vez a fusão
com a Cooperativa de Crédito União Popular foi tentada. Mas novamente o Banco
Central teria impossibilitado a concretização do negócio e forçado a liquidação da
cooperativa. Em
1973,
afinal, foram encerradas definitivamente as atividades dessa coo-
perativa.
Almeida, após realizar a análise da situação econômico-financeira da cooperativa,
concluiu que não havia dúvida sobre a capacidade de solvência da mesma.
As três caixas de crédito acima referidas podem ser apontadas como um dos
fatores que atuaram decisivamente para o crescimento econômico e o desenvolvimento
do capitalismo em Santa Cruz. A exemplo do que ocorreu nesse município, cooperativas
de crédito pontilharam nas áreas de colonização alemã do RS.
219
A maior parte dos
recursos financeiros captados por esses tipos de estabelecimentos de crédito era
proveniente da agricultura. Embora as caixas tivessem fomentado atividades da
agropecuária, cumpriram também o papel de drenar recursos do meio rural para o urbano.
218
Ibidem p. 50.
219
Soveral, op. cit. p. 166, escreveria em 1935 o seguinte a respeito das cooperativas de crédito: “Basta ao nosso
fim mostrar apenas que, no Rio Grande do Sul, unicamente na zona colonial alemã e entre alemães e seus
descendentes se encontram essas magníficas instituições de crédito popular. Realmente, somam as Caixas Rurais
da União Popular do Rio Grande do Sul, a maior organização do gênero na América do Sul, 35 estabelecimentos,
situados todos em os núcleos de colonização germânica. São eles os de Agudo, Alto da Feliz, Arroio do Meio,
Arroio Grande, Bela Vista, Boa Vista, Bom Princípio, Selbach, Dois Irmãos, Erechim, Estrela, General Osório,
Harmonia, Lomba Grande, Monte Negro, Nova Petrópolis, Novo Hamburgo, Pareci Novo, Picada Café, Poço
das Antas, Porto Alegre, Roca Sales, Rolante, Santa Clara, Santa Cruz, Santa Maria, Santo Ângelo, São José do
Herval, Serra Cadeado, Serro Azul, Sobradinho, Tamandaré, Taquara, Tesouras e Três Arroios. Além desses,
não filiadas à União, existem as Caixas de Encantado e Montenegro e os Banco Luzatti de Lajeado, Carazinho,
Passo Fundo e Santa Cruz.
Demais, a experiência, a solidez a que atingiram esses estabelecimentos, tem sido incentivo para a fundação de
novas caixas e novos bancos. O seu número aumenta de ano para ano. Assim, em 1929, contávamos somente 37
Caixas; já no ano seguinte se elevava a 40, em 1931 a 42 para em 1932 subirem a 44. Do mesmo modo tem
subido o número de associados. Eram 5.302 em 1929. Três anos depois totalizavam 6.480!”
258
Como dentro do espírito cooperativista essas sociedades tinham por fim combater a usura
e fornecer juro módico, foram fundamentais para o crescimento econômico, pois
viabilizaram a constituição e a consolidação de pequenas e médias empresas nas cidades.
Foram relevantes também para o desenvolvimento local/regional, na medida em que
viabilizaram empréstimos para o poder público efetuar melhorias de infra-estrutura
(iluminação pública, rede hidráulica, malha viária; canalização pluvial e cloacal), quando
financiaram a ampliação de escolas e quando destinavam recursos para o
desenvolvimento de atividades sociais e benemerentes.
As cooperativas de crédito contribuíram significativamente na elevação dos
índices de capital social. Elas foram, antes de qualquer coisa, iniciativas coletivas
baseadas na cooperação e na confiança recíproca dos seus membros. Tratou-se de uma
exitosa experiência de horizontalidade social que não somente incutiu confiança entre os
cooperados, mas atingiu também aqueles que depositavam suas economias ou tomavam
empréstimos nas caixas e os que viam ou sentiam os benefícios coletivos resultantes da
sua atuação. As caixas foram importantes também porque propagaram o sentimento
cooperativo, corroborando, dessa forma, para comunidades inteiras se coesionarem e
sentirem confiança em si mesmas, fazendo com que valores comunitários ficassem acima
de interesses particulares.
3.3 O desenvolvimento da imprensa
A necessidade de informações é um dos dados fundamentais de toda vida social.
Apesar de a imprensa periódica impressa ter nascido em finais do século XVI e no início
do século XVII, diferentes formas de comunicação foram utilizadas anteriormente pelas
diversas sociedades que desconheceram a tipografia.
220
Na Alemanha, onde as oficinas
tipográficas foram muito numerosas, apesar da censura, surgiram vários jornais e outras
folhas volantes. Através deles, as diferentes correntes políticas e religiosas faziam sua
propaganda. Contudo, seria apenas no final do século XIX e no início do século XX que o
jornal se tornaria um produto de consumo corrente na Europa e na América do Norte. Esse
220
ALBERT, P., TERROU, F. História da imprensa. São Paulo: Martins Fontes, 1990. p. 1-7.
259
período representaria a verdadeira idade de ouro da imprensa escrita. Tomando como exemplo
o caso da Alemanha, o número de diários que circulavam saltou dos cerca de 300 em 1866
para 2.200 em 1914, ano em que eclodiu a Primeira Guerra Mundial.
221
Via de regra, os imigrantes, pelo menos durante seus primeiros anos de estada no
Brasil, tiveram de consumir praticamente todas as suas energias na luta pela sobrevivência. A
esse respeito afirma Emílio Willems que “não sobrava tempo para outras atividades a não ser
aquelas que se relacionassem com a satisfação de necessidades vitais.”
222
A falta de lazeres
nos tempos iniciais teria, inclusive, estreitado o horizonte cultural dos descendentes dos
imigrantes alemães. Ainda que alfabetizados, as leituras, quando muito, limitar-se-iam a
alguma passagem bíblica, ao hinário religioso ou, eventualmente, a algum anuário ou livro
escolar de ensino elementar trazido da Europa.
223
Quanto à leitura, um outro fator que deve
ser levado em consideração é que cada nova leva de imigrantes recém-chegados encontrava-
se, quase sempre, espiritualmente ligada à terra de origem. Os temas de interesse comunitário
na pátria adotiva aflorariam somente com o passar do tempo, quando os imigrantes
estivessem integrados, se não à vida nacional, ao menos ao modo de viver local. Para os
colonos que labutavam em seus lotes de terra, inicialmente os contatos sociais estavam
praticamente limitados aos membros da própria família e à vizinhança. Assim, quando
recebiam algum exemplar de jornal vindo da Alemanha, esse corria a colônia, passando de
mão em mão.
224
O primeiro jornal a circular na Província do RS foi o Diário de Porto Alegre. Lançado
em primeiro de junho de 1827, atendia a interesses políticos bem definidos, haja vista ter sido
patrocinado pelo Presidente da Província, brigadeiro Salvador José Maciel. Em meados do
ano posterior, passaria a ser impresso o Constitucionalista Rio-Grandense, que foi o segundo
jornal gaúcho.
225
Conforme Amstad, o início da “impressão de livros” na região colonial do Rio Grande
do Sul se deu ainda nos primeiros anos da colonização. O professor Rosenbrock, de
221
Ibidem p. 69.
222
Willems (1946), op. cit. p. 544.
223
FAUSEL, Erich. Literatura rio-grandense em língua alemã. In: Enciclopédia Rio-Grandense. V. 2. O Rio
Grande Antigo. Canoas: Editora Regional Ltda., 1956. p.223.
224
BECKER, Klaus. Imprensa em língua alemã (1852-1889). In: Enciclopédia Rio-Grandense. V. 2. O Rio
Grande Antigo. Canoas: Editora Regional Ltda., 1956. p. 267.
225
REVERBEL, Carlos. Evolução da imprensa rio-grandense (1827-1845). In: Enciclopédia Rio-Grandense. V.
2. O Rio Grande Antigo. Canoas: Editora Regional Ltda., 1956. p. 241.
260
Hamburgo Velho, a exemplo dos copistas da Idade Média européia, teria confeccionado, à
mão, cartilhas didáticas e calendários de parede.
226
No entanto, a primeira tentativa de um
periódico impresso destinado aos alemães e descendentes seria publicado em vernáculo
português. Tratava-se de “O Colono Alemão”. Editado em Porto Alegre, circulou durante
curtíssimo espaço de tempo, ou seja, de 03 de fevereiro a 18 de março de 1836. O jornal, que
apoiava a causa farroupilha, tinha Hermann Salisch como redator e Vicente Ferreira de
Andrade como diretor. Através dele, Salisch procurou neutralizar, junto aos seus conterrâneos
de São Leopoldo, a influência do Dr. Hillebrand, um reconhecido legalista.
227
Sua
efemeridade deve-se à falta de leitores e por ser redigido em vernáculo cuja língua
pouquíssimos colonos conheciam.
228
Os Brummer, legião de soldados mercenários alemães que chegaram ao Rio Grande do
Sul em 1851 com o propósito inicial de combater o ditador Rosas, da Argentina,
desempenharam relevante papel para o desenvolvimento da vida social e cultural da
Província. Alguns deles, após darem baixa no exército, radicaram-se na capital e no interior
do Estado. Eles contribuíram decisivamente para o fomento e a dinamização da vida
comunitária, para a criação de sociedades com finalidades recreativas, para a participação na
vida política e também para o desenvolvimento da imprensa brasileira em língua alemã.
O primeiro jornal em alemão impresso na Província era inicialmente bilíngüe. Tratava-
se do Der Colonist. Wochenblatt fuer Handel, Gewerbe und Landbau (O Colono. Semanário
para Comércio, Indústria e Agricultura) que surgiu em Porto Alegre no ano de 1852. Fundado
por José Cândido Gomes, o periódico foi também o primeiro jornal em língua alemã a circular
na América do Sul. A iniciativa durou exatamente um ano. Depois veio o Der deutsche
Einwanderer (O Imigrante Alemão), editado na capital do Império a partir de março de 1853
e transferido no ano seguinte para a capital gaúcha. Ali, durante algum tempo, seu redator-
chefe foi Carl Jansen, um dos membros da legião dos combatentes. Jansen ainda criou em
Porto Alegre o periódico literário “O Guaíba” e participou da fundação da Sociedade Partenon
Literário. Em 1861, extinto o Der deutsche Einwanderer, abastados comerciantes alemães da
capital formaram uma sociedade e fizeram a aquisição do equipamento do bissemanário.
Surgiu, dessa forma, o exitoso Der Deutsche Zeitung (Folha Alemã), fundado em 10 de
226
Verband, op. Cit. p. 247.
227
Reverbel, op. cit. p. 255.
228
Becker (1956), op. cit. p. 267.
261
agosto de 1861. Karl von Koseritz esteve à frente da redação do jornal entre 1864 e 1880,
imprimindo-lhe uma tendência liberal, evolucionista e anticlerical. O periódico circulou
ininterruptamente até o ano de 1917, quando, em uma conjuntura hostil aos empreendimentos
alemães no Estado, em função da Primeira Guerra Mundial, suas instalações foram
empasteladas. Por muito tempo, ele se constituiu no mais importante jornal de língua alemã
do país.
229
Em 1881, Karl von Koseritz, rompendo com a direção do Deutsche Zeitung, criou
o Koseritz
Deutscher Zeitung (Folha Alemã de Koseritz). Até 1890, o periódico seria dirigido
pelo próprio Koseritz.
230
A partir de 1905, o jornal passou a ser intitulado de Neue Deutsche
Zeitung (Nova Folha Alemã) e, apesar de uma breve interrupção durante a Primeira Guerra
Mundial, circularia até o ano de 1941.
Em São Leopoldo, berço da colonização germânica no Estado, um jornal em língua
alemã somente apareceu após transcorridos 43 anos da fundação da Colônia. Foi em 1867 que
surgiu o Der Bote. Amtliches Blatt für St. Leopoldo und die Colonien (O mensageiro. Folha
oficial para São Leopoldo e as colônias). De tendência anticlerical, rivalizou por algum tempo
com o jornal Deutsches Volksblatt (Folha Popular Alemã), fundado em 1871 pelos padres
jesuítas e impresso em São Leopoldo. De orientação manifestadamente católica, a redação
desse jornal passaria, a partir de 1891, para Porto Alegre, estando a impressão a cargo da
Tipografia do Centro. Ele se constituiria no veículo de comunicação mais importante da
colônia teuto-brasileira católica no período que vai de 1880 a 1940. Ainda em São Leopoldo,
em 1879, no mesmo ano em que o Der Bote encerrava suas atividades, o professor Hans von
Franckenberg fundava o jornal Die Neue Zeit (A nova era), bissemanário que não durou mais
do que um ano. Após efetuar a compra dos equipamentos da Die Neue Zeit, o Dr. Wilhelm
Rotermund lançou, em final de 1880, o Deutsche Post (Correio alemão), inicialmente um
bissemanário que era de cunho evangélico.
231
A partir de 1899, passou a ser editado três vezes
por semana e, em 1914, passou a ter circulação diária. A tiragem do jornal, que foi de 1.000
exemplares em 1899, subiu para 1.600 em 1906 e alcançou 2.845 exemplares em 1910.
232
229
Ibidem, p. 268-272
230
SILVA, Jandira M. M., CLEMENTE, Elvo, BARBOSA, Eni. Breve histórico da imprensa Sul-Riograndense.
Porto Alegre: CORAG, 1986. p. 129; GRÜTZMANN, Imgart. A mágica flor azul: a canção em língua alemã e o
germanismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PUCRS, 1999. (Tese de Doutorado em Letras). p. 45-46.
231
Becker (1956), op. cit. p. 277-279; DREHER, Martin N. A participação do imigrante na imprensa brasileira.
In: DREHER, Martin, RAMBO, Arthur Blásio, TRAMONTINI, Marcos Justo (Org.). Imigração & imprensa.
Porto Alegre: EST; São Leopoldo: Instituto Histórico de São Leopoldo, 2004. p. 93-94.
232
Dreher (2004), op. cit. p. 96.
262
Dentre os jornais em idioma alemão que circularam durante o Império na Província, os
quatro maiores foram o Deutsche Zeitung, o Koseritz Deutsche Zeitung, o Deustche
Volksblatt, e o Deutsche Post.
Fora do eixo São Leopoldo/Porto Alegre, para atender às necessidades de
comunidades de imigrantes e de seus descendentes, surgiram, com o passar do tempo, jornais
no idioma alemão em Santa Cruz do Sul, Pelotas, São Lourenço do Sul, Ijuí, Novo
Hamburgo, Estrela, Santa Rosa, Arroio do Meio, Monte Negro, Panambi, Candelária, Santo
Ângelo e Agudo.
Em Santa Cruz do Sul, foi editado um dos principais jornais de língua alemã do
interior do RS. Tratava-se do jornal Kolonie (Colônia). Passando a circular a partir de
primeiro de janeiro de 1891, em 1911 o periódico passou a ser impresso nas segundas, quartas
e sextas-feiras. Em 26 de outubro de 1917, o Brasil entrou na Primeira Guerra Mundial. Três
dias após, a impressão em alemão da Kolonie foi suspensa. Terminado o conflito bélico, a 19
de setembro de 1919 a Kolonie voltou a circular. Entre 30 de setembro de 1921 e 25 de julho
de 1941, foi editado um suplemento semanal da Kolonie. Tratava-se da Die Neue Heimat (A
Nova Pátria). As edições do jornal chegaram até o dia 29 de agosto de 1941.
233
Do ponto de
vista religioso, o jornal Kolonie, durante os seus 50 anos de existência, pendeu para o
protestantismo. Politicamente, no princípio foi liberal, mas durante a República Velha deu
uma guinada em direção ao Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), do governador
Borges de Medeiros. Na década de 1930, mostrou-se simpático ao Partido Republicano
Liberal. Além da Kolonie, no município também foram editorados outros jornais em língua
alemã. É o caso do Fortschritt (Progresso), que circulou entre 19 de novembro de 1902 e 31
de dezembro de 1904; do Santa Cruzer Anzeiger (O anunciador de Santa Cruz), editado entre
21 de janeiro de 1905 e 24 de dezembro de 1908 e do jornal Volksstimme (Vozes do Povo),
que circulou entre primeiro de julho de 1930 e 15 de abril de 1939. O Volksstimme, que na
década de 1930 rivalizou com o jornal Kolonie, inclinou-se mais para o catolicismo e
identificava-se politicamente com a Frente Única, bloco integrado, no RS, pelo Partido
Republicano e pelo Partido Libertador, que faziam oposição ao governador Flores da Cunha.
233
Martin, op. cit. p. 141-144.
263
Outro jornal que marcou época no Estado foi o Die Serra-Post (Correio Serrano).
Vindo a lume em maio de 1911 em Cruz Alta, no ano seguinte a redação do jornal foi
transferida definitivamente para Ijuí. Die Serra-Post era destinado aos colonos de origem
alemã da região serrana do Rio Grande do Sul, constituindo-se em importante veículo de
comunicação do Noroeste do Estado. Ao lado do jornal, a partir de 1922, foi editado também
o Kalender der Serra-Post (Almanaque do Correio Serrano). A Primeira Guerra Mundial
suspendeu temporariamente a circulação do periódico. Uma versão em língua nacional passou
então a ser impressa e se manteve mesmo depois quando reapareceu a versão em alemão. Em
1941, o jornal Die Serra Post teve decretado seu fim.
234
Além dos jornais, passaram a ser publicados também outros periódicos, semanários ou
mensários. É o caso das folhas dominicais das Igrejas. Os evangélicos, a partir de 1888,
passaram a contar com o Sonntagsblatt der Riograndenser Synode (Folha dominical do
Sínodo Rio-Grandense), encartado no Deutsche Post, jornal semanal impresso nas oficinas
Rotermund. Enquanto o Deustche Post veiculava notícias de caráter geral, focalizadas sob um
prisma evangélico, o novo suplemento se dedicava exclusivamente a matérias de cunho
religioso. Durante a Primeira Guerra Mundial, a exemplo dos outros periódicos impressos em
língua alemã no Estado, o jornal dominical sofreu uma paralisação por mais de um ano. Ele,
entretanto, retornou a partir de 1918. Durante a Segunda Guerra Mundial, nova interrupção.
Entenderam os membros do Sínodo que a comunicação regular entre os membros e as
comunidades pela palavra escrita fortalecia a comunhão, fomentava o espírito de coesão e a
dinâmica comunitária.
235
O pastor Wilhelm Rotermund foi, indiscutivelmente, um homem de imprensa. Em
1877, fundou a tipografia, a livraria e o jornal. Segundo Bertholdo Weber, “os serviços de
comunicação entre as comunidades dispersas na antiga colônia contribuíram decisivamente
para a formação de uma mentalidade sinodal, cooperativa e comunitária.”
236
Sem a imprensa à
sua disposição, Rotermund certamente não teria condições de promover o pensamento sinodal
entre as comunidades isoladas e grandemente independentes.
234
NEUMANN, Rosane Márcia. Correio Serrano: órgão dos interesses regionais. In: DREHER, Martin,
RAMBO, Arthur Blásio, TRAMONTINI, Marcos Justo (Org.). Imigração & imprensa. Porto Alegre: EST; São
Leopoldo: Instituto Histórico de São Leopoldo, 2004. p. 190-209.
235
WEBER, Bertholdo. 90 anos de imprensa evangélica. Anais do Simpósio da Imigração e Colonização
Alemã no Rio Grande do Sul (15-17-09-1978. Porto Alegre: EST, 1980. p. 294-295.
236
Ibidem. p. 294.
264
Os católicos contaram, a partir de 1912, com o St. Paulusblatt (Folha de São Paulo),
órgão oficial da Sociedade União Popular, entidade econômica, social e religiosa criada no
Congresso Católico de 1912, que se realizou no município de Venâncio Aires, RS. Esse
periódico em língua alemã, que ainda subsiste, segundo Gertz tinha em seu conteúdo temas
“nitidamente políticos, pois, ao defender os interesses econômicos, sociais e religiosos da
população teuto-católica gaúcha, defendia, por definição, questões que, no mínimo,
envolviam variáveis políticas.”
237
Já os adeptos da Igreja Luterana de Missouri se informavam
pela Evangelisch Lutherisches Kirchenblatt fuer Sudamerika (Folha da igreja evangélica
luterana para a América do Sul).
Além desses noticiosos e dessas folhas dominicais, circularam também outros
impressos elaborados pelas igrejas. Foram editadas, igualmente, algumas revistas
educacionais que atingiram e influenciaram os teutos e descendentes. Em 1900, apareceu o
Lehrerzeitung (Jornal do professor) e, em 1902, o Allgemeine Lehrer-zeitung für Rio Grande
do Sul (Jornal geral do professor para o Rio Grande do Sul), órgão da Associação de
Professores Evangélicos do Rio Grande do Sul. Mas existiu no Estado, ao longo do tempo,
ainda uma série de outros impressos. Durante algum tempo, por exemplo, para os colonos-
agricultores foram direcionados o Brasilianische Bienenpflege (Cultivo brasileiro de abelhas)
e o Bauernfreund (Amigo do colono).
Ao todo, o historiador René Gertz contabilizou a existência de 144 jornais e revistas
em língua alemã no Rio Grande do Sul (ver o anexo B). Desses, 78 foram editados na capital
do Estado, Porto Alegre, 62 foram editados em cidades do interior e 4 foram editados tanto na
capital como em municípios do interior. No interior do Estado, destacam-se: São Leopoldo,
onde foram editoriados 23 jornais ou revistas; Santa Cruz, que aparece com 7; Ijuí e Neu-
Württemberg (Panambi), com 5 cada um.
238
O padre Amstad, no livro do centenário de colonização alemã no RS, chamou a
atenção para a concentração do ramo editorial e gráfico na mão de teutos e descendentes.
Observou que no ano de 1922, das 18 gráficas em atividade em Porto Alegre, 12
237
GERTZ, René E. Imprensa e imigração alemã. In: DREHER, Martin, RAMBO, Arthur Blásio,
TRAMONTINI, Marcos Justo (Org.). Imigração & imprensa. Porto Alegre: EST; São Leopoldo: Instituto
Histórico de São Leopoldo, 2004. p. 102.
238
Ibidem p. 118-122.
265
encontravam-se em mãos de alemães e, das 26 livrarias existentes, 15.
239
Em todo o Estado,
haveria não menos de 9 editoras; 30 Akzidenzdruckerei e litografias; 31 livrarias e 22
encadernadoras dirigidas por alemães e descendentes.
240
Ainda segundo o clérigo, as editoras
locais destinadas aos leitores de língua alemã não podiam concorrer com os empreendimentos
congêneres existentes na Alemanha. Isso porque o mercado daqui, de cerca de apenas meio
milhão de habitantes de descendência germânica, computando-se os três estados do Sul do
Brasil, era muito reduzido pelo fato de a maior parte da população ser formada por
agricultores, que supostamente liam pouco. Já dentre as classes mais elevadas que viviam nos
centros urbanos, muitos já não nutriam mais interesse pela língua alemã. Apesar da tentativa
feita por autores e editoras de imprimir contos populares e coleções de poesia, foram as
cartilhas didáticas que compuseram o grosso das publicações feitas. Assim, exemplifica que
na editora de Cäsar Reinhardt, entre 1861 e 1921, 95 títulos teriam sido publicados, 39 dos
quais eram livros didáticos. Desses didáticos, somente sete no vernáculo alemão.
241
3.3.1 Os Kalenders ou anuários
Um outro tipo de produção cultural impressa de comunicação de massa que teve
sucesso entre os imigrantes alemães e seus descendentes, não do Rio Grande do Sul, mas
de toda a América do Sul, foram os Kalender ou Jahrweiser, (almanaques ou anuários). As
famílias dos colonos das picadas podiam não ter um livro em casa, nem fazer a assinatura de
um jornal, porém dificilmente deixavam de adquirir um almanaque para se manterem a par do
calendário de festas, das fases da lua e de outros tantos assuntos.
Na Alemanha, a tradição de confecção de calendários em formato de livreto remonta
ao século XVI. Durante os séculos XVII e XVIII, em razão da diminuição da taxa de
analfabetismo, os anuários tornaram-se populares. No século XIX, “eles encontram o seu
apogeu, sendo considerados os veículos essenciais para a formação do povo, responsáveis
pelo acesso de um grande público à literatura e ao pensamento vigente. Tornam-se meios de
239
Verband, p. 264.
240
Ibidem p. 290.
241
Ibidem p. 291
266
comunicação e de difusão de grande alcance.”
242
Nas casas dos camponeses poderia não haver
jornal ou livro, mas raramente faltaria um Kalender. Tratava-se de um periódico de cunho
popular direcionado a um amplo e heterogêneo número de leitores. Diferentes gostos e
necessidades de leitura eram contemplados nos almanaques, cujas matérias podiam ser lidas e
relidas ao longo de todo um ano. A partir do final do século XIX, no entanto, o anuário perdeu
rapidamente espaço para os jornais e as revistas especializadas.
Os Kalenders traziam leitura instrutiva, descrições de viagens, um resumo da vida
política e cultural, abordagens de acontecimentos históricos, biografias históricas e
informações sobre o meio rural, como o tempo, técnicas de plantio, cuidados com animais,
higiene pessoal e educação. Como estava destinado a proporcionar informação,
entretenimento e a formação dos leitores, um anuário possuía normalmente uma estrutura que
englobava três elementos básicos: a) o calendário: localizado nas páginas iniciais da
publicação, apresentava o ano ordenado em dias, semanas e meses. Fases da lua, datas
festivas, dias dedicados a santos, ilustrações mensais (Monatsbilder) e as páginas em branco
situadas no final de cada mês para anotações diversas (Spacium) integravam ainda a seção; b)
a prática: veiculava dados e previsões meteorológicas, indicações para semeadura, plantio e
colheita de produtos agrícolas, conselhos medicinais, informações sobre atividades
domésticas, datas de feiras e exposições, tabelas de custos e juros e outras informações
destinadas, principalmente, para os camponeses; c) a seção dedicada às opções de leitura e
entretenimento: era integrada por diferentes gêneros, formas literárias e temas para atender
ao gosto e à necessidade dos diferentes tipos de leitores. Eram contos, novelas, narrativas,
poemas, anedotas, retrospectivas, artigos de cunho histórico, cultural e geográfico etc.
Apareciam ainda nos almanaques as adivinhações, os provérbios, os anúncios publicitários e
as páginas de humor.
243
No Rio Grande do Sul, os editores de almanaques em ngua alemã inspiraram-se nos
seus congêneres existentes na Europa. Entre os imigrantes, a leitura ou o manuseio dos
almanaques também não representava novidade, mas a continuidade de um velho hábito
cultural trazido da Heimat. Aqui seriam editados inúmeros anuários. Afirma Erich Fausel que
242
Grützmann (1999), op. cit. p. 50.
243
Grützmann 1999), op cit p. 47-48; GRÜTZMANN, Imgart. O almanaque (Kalender) na imigração alemã na
Argentina, no Brasil e no Chile. In: DREHER, Martin, RAMBO, Arthur Blásio, TRAMONTINI, Marcos Justo
(Org.). Imigração & imprensa. Porto Alegre: EST; São Leopoldo: Instituto Histórico de São Leopoldo, 2004. p.
49; Müller (1984), op. cit.
267
o “anuário bem redigido, adaptado à vida peculiar da colônia, com artigos para todas as
idades, ocupações e predileções, pôde criar uma tradição firme e construir os alicerces morais
e mentais das populações trabalhadoras.”
244
Os primeiros teriam aparecido em meados da década de 1850. Muitos deles foram
efêmeros. Em 1856, Theobaldo Jaeger proprietário do jornal Der deutsche Einwanderer
lançou Der neue hinkende Teufel. Deutsche Volkskalender (O Novo Diabo Coxo. Anuário
Popular Alemão), que deve ter sido o primeiro almanaque em língua alemã a ser impresso no
Brasil. Também é o caso do Deutsch Volkskalender (Anuário Popular Alemão), impresso em
1862 pelo Deutsche Zeitung.
245
A partir da década de 1870, os almanaques se consolidaram. O Koseritz
Deutscher
Volkskalender für die Provinz Rio Grande do Sul (Anuário Popular Alemão do Koseritz para
a Província do Rio Grande do Sul) circularia entre 1874 e 1938. Em 1881, como alternativa e
concorrente ao anuário editado por Koseritz em Porto Alegre, Wilhelm Rotermund passou a
editar, em São Leopoldo, o Kalender für die Deutschen in Brasilien (Anuário para os
Alemães no Brasil), um almanaque de orientação claramente evangélica que circulou entre
1881 e 1941. Dentre as publicações do gênero existentes no país, ele seria um dos de maior
tiragem. Em 1906, foram impressos 6 mil exemplares; em 1914, 12.750; em 1917, a tiragem
foi de 25 mil exemplares. O auge, mantido por muitos anos, foi atingido em 1923 com a cifra
de 30 mil exemplares anuais. Como na década de 1930 é estimado que viviam cerca de 1
milhão de alemães e descendentes em todo o território brasileiro, isso significa que havia um
consumo médio de um almanaque editado por Rotermund para cada 33 habitantes.
246
Em
1885, apareceu o Musterreiter neuer historischer Kalender für Stadtleute und Colonisten
(Novo Anuário Histórico dos Caixeiros Viajantes para os Citadinos e os Colonos). Circulou
de 1885 a 1887 e ininterruptamente entre 1901 e 1917.
247
Havia também almanaques de caráter mais específico, destinados a um público
diferenciado. Em 1912 vem a lume o Der Familienfreund Katholischer Hauskalender und
Wegweiser (O Amigo das Famílias. Anuário do Lar e Guia Católico). Editado pela Sociedade
União Popular e destinado aos alemães católicos e seus descendentes, circulou até 1942. De
244
Fausel, op. cit. p. 227.
245
Becker (1956), op., cit p. 270-271; Grützmann (1999), op. cit. p. 52.
246
Gertz (2002), op cit p. 35.
247
Grützmann (1999), op. cit. p. 145; Fausel, op. cit. p. 228.
268
orientação católica era também o Rio-Grandenser Marienkalender (Anuário Mariano Rio-
Grandense), que estreou no ano de 1917. Em 1922, editado sob a chancela do Sínodo Rio-
Grandense, passou a ser publicado o Kalender für die deutsche-evangelischen Gemeinden in
Brasilien (Anuário para as Comunidades Evangélicas Alemãs no Brasil). Esse anuário
circularia até 1941, tornando-se, a partir de então, bilíngüe e levando o nome de Kalender für
die deutsche-evangelischen Gemeinden in Südamerika (Anuário para as Comunidades
Evangélicas Alemãs na América do Sul). Vinculado à Igreja de Missouri, passou a ser editado
em Porto Alegre no ano de 1925 o Luther-Kalender für Südamerika (Anuário Luterano para a
América do Sul). Entre 1912 e 1940 foi editado ainda na capital o Iza-Kalender, um
almanaque de farmácia, sob a direção de Paul Kramer. Em 1923, sob o patrocínio da
Rotermund de São Leopoldo, apareceu o Lehrer-Kalender (Almanaque dos Professores),
destinado aos professores de escolas alemãs.
248
Para Fausel, os três anuários que maior influência tiveram foram: o Koseritz
Deutscher Volkskalender, o Kalender fuer die Deutschen in Brasilien e o Der
Familienfreund-Kalender.
Fora do eixo Porto Alegre/São Leopoldo, as experiências dos almanaques também
frutificaram. Em Pelotas, em 1916, veio à luz o Deutsches Handbüchlein für Pelotas und
Umgebung (Pequeno Guia para Pelotas e Arredores). Em 1922, passou a ser editado em Ijuí o
Kalender der Serra-Post (Anuário do Correio Serrano), cuja publicação se estendeu até 1948.
Em Panambi, nos anos de 1925 e 1926, circulou o Neu-Württemberger ilustrierter Familien
Kalender Siedlungsshort (Anuário da Família Ilustrado Refúgio da Colônia Neu-
Württemberg). Em Arroio do Meio, foi editado em 1931 e 1935 o humorístico Brummbär-
Kalender (Almanaque Resmungão). Em Santa Cruz, mais precisamente na Vila Tereza, foi
organizado o Der Heimatbote. Kalender für die Deutschen Süd Brasiliens, speziell für Central
Rio Grande do Sul (O Mensageiro da Pátria. Anuário para os Alemães do Sul do Brasil,
especialmente para a o Centro do Rio Grande do Sul). Esse anuário, de orientação luterana e
propagador do nacional-socialismo e do integralismo, circulou nos anos 1935, 1937 e 1938.
249
O fenômeno editorial desse nero de periódico não se restringiu ao Rio Grande do
Sul. Embora aqui tivesse sido registrado o maior número de publicações desse tipo, nos
248
Grützmann (1999), p. 53. Grützmann (2004-b), op. cit. p. 53;
249
Grützmann (1999), op. cit. p. 53, 161 e 164.
269
estados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo almanaques também foram editados e
circularam. Países como o Chile e a Argentina, que também acolheram significativo
contingente de imigrantes alemães, também passaram por essa experiência editorial.
Em 1924 não circulavam menos de 7 almanaques no estado, sendo eles:
Tabela 9: Almanaques impressos no Rio Grande do Sul no ano de 1924.
Nome do Almanaque Início de Circulação
Editora
Koseritz Deutscher Volkskalender 1874 Krahe & Cia.
Kalender für die Deutschen in Brasilien
1881 Rotermund & Cia.
Familienfreund-Kalender 1912 Hugo Metzler
Riograndenser Marienkalender 1922 J. R. da Fonseca & Cia.
Kalender der Riograndenser Synode 1922 Irmãos Siegmann
Kalender der Serra-Post 1922 Livraria Serrana
Fonte: Verband Deutscher Vereine, op cit. p. 291.
Em muitas famílias de origem germânica, notadamente aquelas que residiam em
picadas distantes de núcleos urbanos, muitas vezes o acesso à palavra impressa dava-se
apenas através da Bíblia (no caso de evangélicos) e ou da leitura dos anuários. Os Kalender,
por isso, eram exauridos ao longo do ano. Alguns artigos eram lidos e, freqüentemente,
relidos. Depois da janta, sentados à mesa ou ainda na cozinha, enquanto a louça era lavada,
alguém podia ficar lendo um trecho em voz alta.
250
3.3.2 A imprensa escrita e o espírito cívico
Imgart Grützmann defende a tese de que os almanaques em vernáculo alemão que
foram editados no RS estavam voltados para a discussão e a propagação dos pressupostos e
das imagens do germanismo. Os jornais, conforme demonstrou Giralda Seyferth, teriam
desempenhado papel semelhante entre os teutos e descendentes de Santa Catarina.
251
Se
tomarmos como verdadeiro o fato de que os jornais, anuários e outros periódicos impressos
realmente atuaram no sentido da preservação de elementos próprios da cultura germânica,
também é sensato aceitar a tese de que essa imprensa brasileira em língua alemã se constituiu,
250
Müller (1984), op. cit. p. 80
251
SEYFERTH, Giralda. Nacionalismo e identidade étnica. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura,
1981.
270
indiscutivelmente, em importante veículo de representação e de defesa dos interesses das
comunidades locais e regionais das populações de ascendência germânica, inclusive
favorecendo a sua coesão e sua articulação interna. Isso se materializava, por exemplo, na
publicação de artigos e apelos nos quais os problemas e as situações concernentes à economia,
religião, política e ideologia dessas comunidades eram muitas vezes debatidos
calorosamente.
252
Os periódicos, em não raras oportunidades, funcionavam para coesionar e
direcionar as comunidades. Gertz defende que os jornais que se auto-intitulavam políticos
foram os mais importantes para fomentar o estabelecimento da cidadania e de fazer dos teutos
cidadãos plenos do Brasil.
253
Neles, temas no âmbito local, regional e nacional, sobre política,
economia, cultura e crônica policial, proporcionavam ao leitor elementos para a compreensão
da realidade local e nacional em que estavam inseridos, despertando, conseqüentemente, o
senso de cidadania.
A imprensa brasileira em língua alemã que se desenvolveu no RS, dependendo da
finalidade específica de cada um dos jornais, almanaques e outros periódicos e também do
estilo e da linha que lhe imprimia o seu editor, esteve mais ou menos engajada em produzir,
entre seus assinantes e leitores, comportamentos de fraternidade, solidariedade, cooperação e
espírito cívico. Como esses impressos estavam destinados a um público específico os teuto-
brasileiros –, valores de identidade étnica e ou religiosa eram trazidos à tona com o fito de
coesionar e fomentar o espírito de grupo entre os alemães e descendentes do Estado. Se a
tentativa de construção de uma identidade étnica específica e a propagação da germanidade
nos meios de comunicação de massa escrita atuaram negativamente no que tange à integração
da população de origem germânica à população brasileira de outras origens étnicas, no que
concerne exclusivamente à formação do capital social, essa identificação étnica parece ter
atuado positivamente.
Nos jornais e anuários de circulação estadual e mesmo nacional, como o público a
atingir era maior e de diferentes localidades geográficas, predominava ou uma tentativa de
orientação política, ou a discussão de temas religiosos ou uma orientação filosófica dos
leitores. Já os impressos de caráter local/regional, como foi o caso do Kolonie e do Die Serra-
Post, além de apresentarem noticiosos sobre a Alemanha, o Brasil e o Rio Grande do Sul,
abriam espaço para a discussão de questões locais. Através das páginas dos jornais
252
Grutzmann (1999), op. cit. p. 60.
253
Gertz (2004-b), op,. cit. p. 103.
271
interioranos, a organização partidária e as disputas político-eleitorais municipais eram
comumente dissecadas; as reuniões e as decisões das Câmaras Municipais eram divulgadas e
debatidas; leis e decretos municipais eram tornados blicos; orçamentos eram expostos e
contas de exercícios eram prestadas; atividades e trabalhos desenvolvidos pelo poder público
eram socializados.
As aspirações das comunidades eram explicitadas e não raras vezes promoviam um
grande debate. Grandes pleitos, como a reivindicação de um ramal ferroviário, a construção
de uma usina de energia elétrica, a implantação de linhas telefônicas, a concretização de uma
hidráulica, a abertura de uma importante estrada para o escoamento da produção, chegavam
ao conhecimento da população sem muita deturpação pelas colunas de um periódico. Ali
também eram divulgadas campanhas de angariação de fundos e donativos para a edificação ou
realização de melhorias em um templo, para a construção ou a ampliação de um prédio
escolar, para a abertura de um novo cemitério, para a implantação de um hospital. A prestação
de contas do montante arrecadado em uma campanha financeira, a indicação da aplicação dos
recursos coletados, a publicização dos resultados de uma quermesse, de um baile ou de
tômbola podiam aparecer nos jornais de circulação local e aumentavam a confiança da
população nos dirigentes e nos propósitos a que se destinavam.
Mas os jornais brasileiros de língua alemã de circulação local também foram
fundamentais para a organização social dos habitantes. A mobilização e o incentivo que
proporcionavam para a constituição de uma cooperativa de crédito, de uma associação ou
cooperativa de produtores ou para a criação de uma caixa previdenciária de socorro mútuo,
muitas vezes foram cruciais para o bom êxito do empreendimento. Mas, os noticiosos e os
comunicados que eram feitos sobre a apresentação de grupos de corais, a encenação de peças
teatrais, a apresentação de grupos musicais, a divulgação de encontros e festividades das
diferentes sociedades culturais, desportivas e recreativas existentes foram de importância
inestimável para o desenvolvimento do espírito gregário entre os descendentes de alemães do
Sul do Brasil.
Os leitores de jornais, além de ficarem informados sobre os principais acontecimentos
que ocorriam, debatiam com seus familiares, amigos e vizinhos os temas que lhes fossem
mais candentes. Isso deve ter contribuído para o desenvolvimento e comportamento de uma
atitude cívica. Os próprios pastores e padres tiveram consciência de que a imprensa e as
272
leituras eram importantes instrumentos para influenciar a conduta e o modo de pensar dos
fiéis. Daí a razão da existência de jornais e almanaques de tendência religiosa e das folhas
dominicais, essas essencialmente religiosas. Os jornais e outros impressos, além de notícias
locais, nacionais e internacionais, nas suas páginas veiculavam também informações práticas
visando orientar o cotidiano dos leitores com indicações de leituras, de higiene, de conduta
moral e ética, cotação de produtos agrícolas e da pecuária, informações sobre impostos etc.
Não se pode, em todo o caso, superestimar o papel desempenhado pelos jornais,
anuários e outros periódicos de língua alemã entre a população teuto-descendente do RS. O
colono mesmo quase não lia nem escrevia, assim como o camponês alemão do século XIX
também quase não o fazia. Embora a tiragem de jornais, em geral, não fosse efetivamente
muito grande, é indiscutível que seus redatores contribuíram decisivamente para a educação
das zonas coloniais alemãs do RS. René Gertz, amparado em dados fornecidos por Hans
Gehse, afirmou que em 1928 os quatro principais jornais em língua alemã do Estado possuíam
a seguinte tiragem: Neue Deutsche Zeitung, 16 mil; Deutsches Volksblatt, 7.200; Kolonie, 3
mil e Serra-Post, 4 mil exemplares. Somente esses quatro jornais totalizavam, portanto, uns
30 mil exemplares. Supondo que na mesma época a população de origem teuta no RS fosse de
cerca de 600 mil e que cada família se compusesse, em média, de 5 membros, haveria em
torno de 120 mil lares de alemães e descendentes no Estado, o que significaria que pelo
menos um em cada quatro lares lia regularmente um dos quatro jornais mencionados.
254
Isso
sem considerar o fato de o jornal muitas vezes circular entre vizinhos e sem levar em conta
todos os demais jornais, revistas e almanaques em língua alemã ou portuguesa que circulavam
e chegavam às casas da população de ascendência germânica do Estado. Não se dispõe, em
todo caso, de números confiáveis que possam confrontar o índice de leitura de jornais e outros
periódicos entre os teuto-descendentes e a população gaúcha e de outras origens étnicas
Putnam, em seu célebre trabalho sobre a Itália moderna, considerou a leitura de jornais
um indicador básico do civismo da vida regional. Segundo o autor, ainda hoje o jornal persiste
sendo o meio que reserva maior espaço para as questões comunitárias. É ali que os cidadãos
acompanham atentamente os assuntos que dizem respeito à localidade e região.“Os leitores de
jornais são mais informados que os não-leitores e portanto têm mais condições de participar
das deliberações cívicas. Assim o número de leitores de jornais reflete o interesse dos
254
GERTZ, René E. O fascismo no sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. p. 72-73.
273
cidadãos pelos assuntos comunitários.”
255
Segundo o autor, mesmo com o recente
extraordinário desenvolvimento da mídia eletrônica, que converteu a televisão e seus
derivados no mais importante meio de informação e entretenimento, a leitura de jornais segue
sendo sinal de um forte compromisso cívico. Fundamentado nos estudos sobre a existência de
capital social nos Estados Unidos, asseverou que aqueles que lêem com regularidade jornais
pertencem a mais organizações, participam mais ativamente em clubes e associações cívicas,
freqüentam mais reuniões locais, participam mais da política e votam mais habitualmente,
trabalham e dedicam mais tempo em projetos comunitários e, inclusive, visitam mais seus
amigos e confiam mais em seus vizinhos.
256
Assim, a leitura de periódicos e uma boa
cidadania marchariam juntas.
Anteriormente, Tocqueville, ao analisar a sociedade norte-americana, já havia
percebido a importância de uma numerosa imprensa periódica livre para a vida política ativa e
para a modificação dos costumes. Constatou que nos Estados Unidos quase não havia
cidadezinha sem jornal. Essa multiplicação de jornais lá existente seria um meio de
neutralizar a própria influência desse meio de comunicação, haja vista que as opiniões se
diluiriam. Assim, “nos Estados Unidos, cada jornal tem pouco poder individual; mas a
imprensa periódica ainda é, junto ao povo, a primeira dentre as forças.”
257
Tocqueville ainda
reconheceu a conexão existente entre vitalidade cívica, associações e periódicos locais. A
união por laços firmes e duradouros e a cooperação de muitas pessoas seria extremamente
facilitada pela existência de um periódico. Ele se constituiria em uma importante ferramenta
para convencer que os esforços coletivos poderiam servir ao interesse pessoal de cada
membro de uma associação. Além disso, o periódico também poderia estar presente e
representar, ao mesmo tempo, o pensamento de um grande número de leitores.
A tradicional imprensa sul-rio-grandense de língua alemã desapareceu em decorrência
das medidas repressivas contra as línguas estrangeiras tomadas pelo governo brasileiro à
época do Estado Novo (1937-1945). Como ressalta Gertz, não se tratava propriamente de uma
imprensa estrangeira, mas de uma imprensa brasileira em língua alemã dirigida à população
255
PUTNAM, Robert. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2000. p. 106.
256
PUTNAM, Robert D. Solo en la bolera: colapso y resurgimiento de la comunidad norteamericana. Barcelona:
Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores, 2002. p. 282-93.
257
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: leis e costumes de certas leis e certos costumes
políticos que foram naturalmente sugeridos aos americanos por seu estado social democrático. São Paulo:
Martins Fontes, 1998. p. 215.
274
de origem germânica residente no Brasil. Ainda que nesses periódicos conteúdos relacionados
com a Alemanha aparecessem com maior freqüência que em jornais de idioma português,
“esses assuntos não constituíam a razão da existência desses jornais. A preocupação central
sempre foi a realidade política, social, econômica, cultural do Brasil e a inserção de alemães e
teuto-brasileiros nessa realidade.”
258
Os jornais e almanaques de língua alemã, quando foram
proibidos de circular, tiveram sua ausência mais sentida no meio rural. Ali eles exerciam
importante função, pois, não raras vezes, eram a mais importante, quando não a única, fonte
de leitura das famílias. É importante frisar que, além do noticiário, eles mantinham um
suplemento literário e de informações variadas sobre a agricultura e a pecuária. Destaca
Becker que mesmo nas colônias mais afastadas dos grandes centros, ainda que chegassem
uma ou duas semanas atrasados, os jornais permitiam aos colonos acompanhar os
acontecimentos nacionais e estrangeiros.
259
Nas áreas rurais, diferentemente do que acontecia
nos emergentes núcleos urbanos, a população ainda não era bilíngüe. Daí resulta que a
substituição de um periódico no vernáculo alemão por outro no idioma português não foi algo
tão simples e automático.
A leitura de periódicos é um hábito duradouro normalmente adquirido durante a
infância ou durante a juventude. Se a tese de Putnam sobre a relação entre imprensa escrita e
o compromisso cívico estiver correta, a existência de uma significativa imprensa ajudou a
fomentar a cooperação, o capital social e o desenvolvimento regional endógeno nas áreas
colonizadas pela população de origem germânica do extremo Sul do Brasil. Nesse sentido,
deixar a leitura de lado foi especialmente prejudicial para a redução do compromisso cívico
dessa população. Havendo a vinculação entre a leitura de jornais e outros periódicos e a
participação social, a nacionalização da imprensa deve ter ajudado a provocar o decréscimo
do compromisso cívico. Sendo isso verdadeiro, os descendentes de alemães passaram, então,
a fazer com menor freqüência atividades voluntárias e trabalhos em projetos comunitários, a
participar menos em reuniões de associações, e a ser menos solidários e mais individualistas,
porque se tornaram mais isolados socialmente.
258
Gertz (2004-b), op. cit. p. 111.
259
Becker (1956), op cit. p. 282.
275
3.4 Participação política
A relação entre capital social, compromisso cívico e participação política tem sido
destacada por diversos autores. um consenso entre os pesquisadores de que o capital
social, ao mesmo tempo em que se beneficia do ambiente democrático, também ajuda a
fortalecer a democracia. Em todo caso, a conversão de capital social em participação política
não se automaticamente. No estudo de caso que fez sobre o município de Santa Cruz do
Sul, localidade onde evidências e pesquisas apontam a existência de laços sociais intensos e
participação ativa em organizações da sociedade civil, João Pedro Schmidt constatou uma
exígua participação política. Teriam contribuído para isso tanto a cultura política herdada da
Alemanha marcada por padrões autoritários e pela ausência de mecanismos democráticos
básicos, como o voto –, como o contexto histórico brasileiro. Nesse sentido, apontou que a
cultura política e as dificuldades postas pelo Estado podem atuar para inibir a conversão de
capital social em efetiva participação política:
uma tendência de que o capital social, em condições favoráveis, se traduza
em participação política. Mas, a participação política efetiva depende também
das possibilidades e apelos criados pelo sistema político. A existência de espaços
de participação popular em canais institucionais e a presença de elites políticas
democráticas no Estado contribuem para que a inserção ativa dos cidadãos na
política. A inexistência de canais de participação, a repressão ou a criação de
dificuldades por parte do Estado agirá em sentido oposto, bloqueando a
conversão do capital social em participação política.
260
Na obra sobre o centenário da colonização alemã no RS, que o padre Teodoro Amstad
organizou em 1924, ele constatou que a maioria dos imigrantes alemães imigrados e os aqui
nascidos pouco se importavam com a política. Afirmou ainda que “ao participarem das
eleições, o faziam, ao menos com freqüência, mais para agradar a esse ou a aquele amigo
metido na política do que por convicção. Prova disso estaria no pouco entusiasmo dos
alemães em se naturalizarem ou se qualificarem como eleitores.”
261
Seria somente com os
esforços de Carlos von Koseritz que, no decorrer da década de 1880, os alemães teriam
começado a se interessar mais pela política.
260
SCHMIDT, João Pedro. Capital social e participação política em Santa Cruz do Sul: um aparente paradoxo.
<http://www.unisc.br>. Acesso em: 16/11/2005.
261
Verband, op. cit. p. 186.
276
Roche também se referiu à apatia política do teuto-rio-grandense. Para o autor, até
meados do século XX, seu papel político teria sido quase nulo. Atribuiu ao sistema eleitoral,
que dividia o Estado em 5 distritos, a principal justificativa para explicar a sub-representação
de deputados de origem alemã na Assembléia Legislativa. Entre 1892 e 1935, o número de
deputados de origem alemã eleitos teria sido de 42 em um universo de 352, o equivalente a
um percentual de 11,9%. Em 1921, a bancada de origem teuta alcançou seu ápice, contando
com 6 representantes em 32, o que um percentual de 18,7%.
262
Após o término do Estado
Novo (1945), o Brasil entrou na fase da democracia populista. A influência eleitoral dos
descendentes alemães tornou-se mais expressiva, sendo mais do que proporcional à
importância demográfica que estava na casa de 21%. “Nas eleições para a Assembléia
Legislativa no Rio Grande do Sul em 1947 foram eleitos 17; em 1950, 13; em 1954, 14; em
1958, 17; e em 1963, 12 teuto-brasileiros dos 55 deputados estaduais. No quadriênio de 1960
a 1963, em 45 dos 158 municípios rio-grandenses os prefeitos eram teuto-brasileiros.”
263
Uma outra pecha que normalmente pesa sobre os ombros da população de ascendência
alemã do RS é de que eles apoiavam e votavam, invariavelmente, na situação. Quanto a isso,
é preciso destacar que as diferentes áreas coloniais não formavam um bloco monolítico.
Assim como houve municípios onde preponderava a população de ascendência germânica que
aderiram ao castilhismo, houve também os que aderiram à causa federalista.
264
Silvana Krause
apresenta dados eleitorais de Santa Cruz do Sul um município povoado por ampla maioria
de teuto-descendentes que deixam patente que, nos anos iniciais da República Velha, a
comunidade teve um comportamento eleitoral oposicionista aos republicanos.
265
A oposição
ao PRR, embora vencesse alguns pleitos municipais, devido a fraudes eleitorais e a violências,
não conseguiu empossar os seus candidato à intendência.
Caso seja tomado como exemplo o município de Venâncio Aires local onde
predominavam os descendentes de alemães, mas em que havia, igualmente, um considerável
contingente de pessoas outras origens étnicas –, ali se verificou que foram realizados 10
262
Roche, op cit. p. 731.
263
SZILVASSY, Arpad. Participação dos alemães e seus descendentes na vida política brasileira. In: I Colóquio
de Estudos Teuto-brasileiros. Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Filosofia da UFRGS. Porto Alegre:
Gráfica da UFRGS, 1966. p. 257.
264
GERTZ, René. A revolução de 1893 nas regiões de colonização alemã. In: POSSAMAI, Zita (ed.). Revolução
de 1893. Porto Alegre: SMC, 1993. p. 43-50.
265
KRAUSE, Silvana. Migrantes do tempo: vida econômica, política e religiosa de uma comunidade de
imigrantes alemães na República Velha. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2002
.
277
pleitos durante a República Velha. Para a composição do Conselho Municipal, contabilizou-se
a eleição de 46 conselheiros com sobrenome alemão contra 24 de sobrenome de outras etnias.
Gertz, em inúmeros textos, tem chamado a atenção para o fato de que a variável étnica
é, normalmente, supervalorizada quando se trata da inserção ou falta de inserção da população
de origem alemã do Estado em política e eleições. O autor defende que o voto da colônia não
é generalizadamente étnico e que ali o comportamento político, ao menos no período
republicano, pode ser qualificado como normal. “Os alemães e descendentes interessavam-se,
sim, e faziam política nacional brasileira, como a população em geral, por um lado, mas por
outro lado, essas regiões coloniais não estavam imunes ao clientelismo e à corrupção, por
exemplo. Diferenças nuançadas entre as regiões tradicionais e as coloniais eram fruto de
diferenças estruturais na sociedade, mas não de diferenças genético-culturais.”
266
Assim, a
utilização da variável étnica contribuiria muito pouco para explicar a realidade e o
comportamento político nas áreas de colonização germânica do Estado.
Quando se trata da participação política dos alemães e descendentes, é preciso,
primeiramente, ter presente que eles não trouxeram uma tradição democrática da Europa para
o Brasil. Schmidt chama a atenção que durante todo o século XIX e metade do século XX
mais precisamente até o fim da Segunda Guerra Mundial houve o predomínio do
autoritarismo na política alemã.
267
O século XIX não se caracterizou pela democracia, mas foi
a época de ouro do liberalismo que foi a expressão dos interesses da burguesia.
268
O
liberalismo representou a ideologia burguesa e o a do campesinato ou a do proletariado. As
duas nações mais liberais daquela centúria foram a Inglaterra e a França. Na Alemanha, as
tentativas de implantação de um regime liberal foram duramente reprimidas. A modernização
do Estado deu-se pelo alto, através dos latifundiários prussianos. Esse processo foi chamado
por Poulantzas de “modelo prussiano de revolução burguesa”. A democracia propriamente
dita iria ser implantada na Alemanha após a sua derrota na Primeira Guerra Mundial e a
proclamação da República de Weimar.
266
GERTZ, René E. Os “quistos étnicos” alemães. Estudos Leopoldenses Série História, São Leopoldo, n. 1, v.
2, 1998. p. 12.
267
SCHMIDT, João Pedro. Cultura política alemã: autoritarismo secular e construção democrática recente.
<http://www.unisc.br >. Acesso em: 16/11/2005.
268
RÉMOND, René. O século XIX (1815-1914). São Paulo: Cultrix, 1990. p 25-48.
278
Em segundo lugar, é preciso considerar que entre parcela significativa dos imigrantes
germânicos também não havia a tradição de um Estado unificado e centralizado, a exemplo do
que sucedera, por exemplo, com os reinos ibéricos a partir do final da Idade Média. A
unificação ou prussianização da Alemanha, como assinalado no capítulo anterior,
ocorreria em 1871. A Alemanha do século XIX não passava de um conjunto fragmentado de
estados e cidades livres, em constantes lutas entre si e com países vizinhos, e com uma
estrutura econômica assaz instável. Na segunda metade desse século, entretanto, a Prússia,
dadas as condições de sua natureza interna, eclipsou todos os outros Estados alemães e
presidiu, afinal, a unificação germânica.
269
A inexistência da experiência da convivência com
um Estado unificado, aliada ao projeto de vida comunitário incentivado por padres jesuítas e
por pastores protestantes, fez com que imigrantes e descendentes se preocupassem muito mais
com as questões locais e paroquiais do que com as nacionais. Disso, entretanto, não se pode
depreender de que tenham sido maus cidadãos.
Assim, aquelas levas de imigrantes que chegaram antes da unificação alemã
desconheciam a noção de um Estado Nacional. A experiência vivenciada na Europa pelo
imigrante era, destarte, a de uma política descentralizada, em que a organização local gozava
de bastante autonomia em relação ao Estado e muito mais ainda no que diz respeito à nação.
Essa tradição foi repassada aos seus descendentes que, contando com o estímulo da igreja da
imigração, contando com associações, cooperativas e outras entidades organizadas nas
comunidades locais, passaram a viver com relativa autonomia em relação ao Estado. Foram as
próprias comunidades que, nesse contexto, chamaram para a si a tarefa de abrir e de manter
estradas, de construir e manter escolas, de levantar templos, de edificar e colocar em
funcionamento hospitais, de manter cemitérios, de erguer pontes, de providenciar a aquisição
de geradores para a implantação de energia elétrica, de implantar uma rede hídrica. Não era da
tradição da população de origem teuta esperar, reivindicar ou mendigar do Estado. Era a
própria comunidade, ou um conjunto de comunidades reunidas, que se articulava para, de
maneira autônoma, procurar solucionar algum problema. Em outros termos, havia
comprometimento com os assuntos coletivos, havia comunidade cívica. A comunidade cívica,
segundo Putnam, se caracteriza pela existência de fortes obrigações dos cidadãos com a
comunidade, expressas em intensa participação, mecanismos de igualdade política,
269
A respeito da unificação da Alemanha, sob a égide política do domínio agrário dos junkers da Prússia ver:
ANDERSON, Perry. Linhagens do estado absolutista. São Paulo Brasiliense, 1989. p. 236-278.
279
sentimentos de solidariedade, de confiança e de tolerância, e densas redes de associações. O
compromisso cívico se expressa no empenho dos cidadãos em prol de bens públicos.
Nesse sentido, é totalmente cabível a hipótese levantada por João Pedro Schmidt de
que a notável capacidade de cooperação e organização local demonstrada pelos imigrantes
alemães em solo brasileiro seja, em boa medida, expressão de uma memória de autonomia
municipal e de descentralização política herdada da tradição germânica.
270
Em terceiro lugar, há que se considerar que mais da metade dos imigrantes alemães
que professavam o luteranismo foram marginalizados pela sociedade brasileira até a
Proclamação da República. De acordo com a legislação em vigor, somente os matrimônios
realizados por um pároco católico possuíam validade jurídica. Os matrimônios celebrados por
um pastor evangélico eram considerados nulos. Destarte, os filhos de um casal protestante
eram considerados como fruto de concubinato. Disso resultava uma série de complicações
jurídicas, como por exemplo, o direito de herança. Os casamentos mistos deveriam ser
assistidos por padres católicos e os filhos resultantes desse acasalamento necessariamente
batizados e educados na fé católica. Durante boa parte do Império, ainda, somente os católicos
podiam ser eleitores, elegíveis ou nomeados para cargos públicos. Os brasileiros e os
naturalizados protestantes, conseqüentemente, foram excluídos de tais possibilidades,
tornado-se cidadãos de segunda classe. Foi somente a partir de 1881, com a reforma eleitoral
promovida pela Lei Saraiva, que os alemães naturalizados brasileiros e os não-católicos
puderam votar e ser votados.
271
A plena liberdade de culto, o casamento civil, o registro civil
e os cemitérios públicos vieram somente alguns anos após, quando correu a queda do Império
no Brasil. Foi o Governo Provisório que, em janeiro de 1890, os instituiu.
272
270
Scmidt (b), op. cit. p. 5-6.
271
Conhecida como Lei Saraiva, a reforma eleitoral proposta por Rui Barbosa e promulgada em janeiro de 1881
constituiu uma das medidas mais importantes do Império naquela década. Numa tentativa de atender aos anseios
de mudança, a reforma estabeleceu o voto direto para as eleições legislativas, acabando com a eleição em dois
graus e a distinção restritiva entre “votantes” e “eleitores” existente até então. No primeiro grau, os “votantes”,
cidadãos com renda mínima estipulada por lei e indicados a cada eleição por uma junta de qualificação, votavam
naqueles que iriam, no segundo grau, participar como “eleitores” do pleito para a escolha dos membros das
assembléias legislativas. Com a reforma ficou estabelecido que o próprio indivíduo deveria requerer seu
alistamento eleitoral, provando o seu direito por meios de documentos exigidos na lei. Criava-se o título de
eleitor e eliminava-se o sistema de lista e nomeação dos “votantes” pela junta de qualificação, diminuindo a
margem de erros e fraudes. Mantinha-se a exigência de uma renda mínima, mas o direito ao voto era estendido
aos não-católicos, aos brasileiros naturalizados e aos libertos.
Cfe: http://www.projetomemoria.art.br/Ruibarbosa/glossario/r/reformaeleitoral.html em 09/06/2006.
272
Becker, op. cit. p. 53-54.
280
Os direitos plenos de cidadania aos não-católicos foram reafirmados pela Constituição
liberal brasileira de 1891. Inspirada na Carta Magna dos Estrados Unidos da América, ela
estabeleceu, no seu título IV, artigo 72, que todos seriam iguais perante a lei.
273
O direito de
cidadania foi ampliado aos maiores de 21 anos, mas somente para os do sexo masculino,
excetuados os mendigos, os analfabetos, as praças de pré e os religiosos sujeitos a votos de
obediência, regra ou estatuto que importasse a renúncia da liberdade individual. A
Constituição também provocou a grande naturalização” dos estrangeiros residentes no
país.
274
Portanto, foi somente a partir da República que os brasileiros de origem alemã e os
naturalizados foram equiparados, no que concerne ao exercício da cidadania, aos brasileiros
de outras procedências étnicas.
Em quarto lugar, é necessário analisar criticamente qual o significado, de fato, da
suposta apatia e falta de importância que os descendentes de alemães davam à política.
Quando apologistas do germanismo em terras gaúchas lamentavam a baixa representação no
parlamento de alemães naturalizados e de descendentes, propugnavam, na verdade, por uma
atuação política em bloco do eleitorado. Se não reivindicavam a existência de um partido
alemão propriamente dito – cuja existência seria desaconselhável em virtude do mito do
perigo alemão –, aspiravam pelo menos que não houvesse divisões ideológicas e partidárias
entre os eleitores de origem teuta. Acreditavam que somente assim a sua representação
poderia ser aumentada. Gertz, em vários artigos, alerta que é inútil procurar pelo voto dos
“alemães”. Eles não votavam em bloco. Nem seguiam às cegas as orientações políticas de
273
“Art. 72. A constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos
concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 1.º Ninguém pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.
§ 2.° Todos são iguais perante a lei.
A República não admite privilégio de nascimento, desconhece foros de nobreza, e extingue as ordens honoríficas
existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho.
§ 3Todos os indivíduos e confissões podem exercer púbica e livremente o seu culto, associando-se para esse
fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.
§ 4.º A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.
§ 5.º Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os
cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral
púbica e as leis.
§ 6.º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
§ 7.º Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial nem terá relações de dependência ou aliança com o
Governo da União, ou o dos Estados.
§ 8.º A todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas, não podendo intervir a polícia, senão
para manter a ordem pública.
§ 9.º É permitido a quem quer que seja representar, mediante petição, aos poderes públicos, denunciar abusos das
autoridades e promover a responsabilidade dos culpados. (...).”
274
O caput do Art. 69 estabelecia que seriam cidadãos brasileiros:
“(...) 4.º Os estrangeiros que, achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem dentro em seis
meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem. (...)”.
281
algum líder. Mas votavam de acordo com a polarização existente em cada município ou
região.
275
Assim como a apatia ou o conservadorismo político dos teuto-descendentes é
lendário, não encontrando sustentação em pesquisas empíricas, também a utilização da
variável étnica para analisar o comportamento político-eleitoral da população de descendência
germânica do RS não conduz a explicações consistentes.
Em quinto lugar, urge realizar um exaustivo trabalho comparativo entre municípios no
que diz respeito ao comportamento eleitoral. Verificar, por exemplo, o percentual de eleitores
alistados sobre o conjunto da população; o número efetivo de votantes; confrontar resultados.
Assim se poderá traçar um perfil ou a geografia do voto e do eleitor nas diferentes áreas do
RS. Um estudo desses certamente derrubaria mitos e lendas.
Em sexto lugar, que se ter presente que o Brasil entrou no rol dos países
democráticos somente com a derrocada do Estado Novo. Isso com todas as ressalvas que se
pode fazer ao sistema pluripartidário que se estabeleceu entre 1945 e 1965. No século XIX,
durante o Império, o Brasil não passava de uma monarquia constitucional liberal, não obstante
a existência da escravidão, da quase inexistência de uma classe burguesa e do predomínio
social, econômico e político dos grandes latifundiários escravocratas. Com a proclamação da
República, inicia a fase histórica do país conhecida como sendo a República Velha. São
quatro os fenômenos sociais e políticos maiores, característicos dessa fase da vida brasileira,
que em muito limitaram a participação da população no processo eleitoral e a escolha
consciente dos seus representantes: o coronelismo, as fraudes eleitorais, a política dos
governadores e a política do café com leite. Esses fenômenos indubitavelmente tiraram a
confiança dos eleitores no processo eleitoral. E a confiança nos governantes, nas instituições e
no processo eleitoral é indispensável para o acúmulo e reprodução de capital social.
No âmbito regional, a queda do Império alçou ao poder repentinamente o Partido
Republicano Rio-Grandense (PRR). Ele era integrado por uma elite desvinculada da
tradicional camada pecuarista da Campanha. Sua linha de frente era formada por militantes
jovens e sem experiência partidária, com formação de ensino superior e uma base ideológica
275
Gertz (1993), op. cit. p. 43-50; GERTZ, René E. A construção de uma nova cidadania. In: MAUCH, Cláudia,
VASCONCELLOS, Naira (Org.). Os alemães no sul do Brasil: cultura, etnicidade e história. Canoas: Ed.
ULBRA, 1994; GERTZ, René E. Os “alemães” no Rio Grande do Sul. In: Diversidade étnica e identidade
gaúcha. Santa Cruz do Sul: Editara da UNISC, 1994. p. 43-57; Gertz (2002) op. cit.; GERTZ, René E. Os
gaúchos de descendência alemã e a vida política brasileira. In: CUNHA, Jorge Luiz da (Org.). Cultura ale
180 anos = Deutsche Kultur seit 180 Jahre. Porto Alegre: Nova Prova, 2004. p. 77-85.
282
positivista, o que faria do PRR uma organização partidária ímpar na história da República
Velha. Implantaram no Estado uma forma de governo autoritária, inspirada na república
ditatorial de Augusto Comte. Júlio de Castilhos foi o líder maior e grande ideólogo da
organização do partido. A Constituição estadual de 1891, da qual foi o principal rnentor,
limitava a atuação do poder legislativo a questões orçamentárias e dava ao executivo a
autorização para legislar por decreto em questões não financeiras. A Constituição estabelecia,
também, que o vice-presidente seria nomeado pelo presidente e que este poderia reeleger-se
continuamente o que estava em desacordo com a Constituição Federal –, desde que
obtivesse três quartas partes dos votos. Tal princípio, associado ao coronelismo e ao voto a
descoberto, permitiu o controle absoluto do Estado pelo PRR. Vários dos municípios em que
predominava o eleitor de ascendência germânica não escaparam ao fenômeno do coronelismo,
traço típico da política brasileira.
Contra a ditadura positivista de Júlio de Castilhos, e depois a de Borges de Medeiros,
se levantaram os revoltosos de 1893 e de 1923. Na Revolução Federalista de 1893/1895, ex-
liberais chefiados por Gaspar Silveira Martins, alcunhados de maragatos, defrontaram-se com
os governistas, chamados de republicanos, chimangos ou pica-paus, que dominavam todos os
setores da vida pública do Estado. Pelos atos de violência e de selvageria ocorridos, essa
Revolução, levada a cabo pelas elites gaúchas, ficou conhecida como a Revolução da Degola.
Em 1923, estourou uma nova Revolução, desta feita opondo os partidários de Assis Brasil aos
próceres de Borges de Medeiros. O acordo de Pedras Altas, que proibia nova reeleição de
Borges de Medeiros, abriu caminho para a segunda geração de republicanos formada por
homens como Getúlio Vargas, Flores da Cunha, Osvaldo Aranha, João Neves da Fontoura e
Lindolfo Collor – e pôs termo à contenda.
Borges de Medeiros governou o RS de 1898 a 1908, passando então o poder ao seu
correligionário, Carlos Barbosa Gonçalves. Voltou à presidência em 1913, governando o
Estado até 1928, quando passou o poder a Getúlio Vargas. Independente de origem étnica,
durante a ditadura positivista no RS, levando em consideração as fraudes eleitorais existentes
e as ingerências de Porto Alegre nos pleitos municipais, que espaços de participação
consciente e cidadã sobravam para a população?
O presidente Getúlio Vargas, sob a batuta do qual ocorreu o programa de
nacionalização compulsória durante seu governo ditatorial (1937-1945), em 1940, numa
283
manifestação feita na cidade de Blumenau, SC, depois de se referir ao abandono a que os
governos haviam deixando os imigrantes alemães do Sul do Brasil, teria complementado:
Aquilo que os colonos de então pediam era o binômio de cuja resultante deveria
sair a sua prosperidade. pediam duas coisas: escolas, estradas, estradas e
escolas.
No entanto, a população que prosperava isolada, devido somente ao seu próprio
esforço, tinha uma impressão da existência do Governo. Era quando este se
aproximava dela como algoz para cobrar-lhe impostos, ou como mendigo, para
solicitar-lhe o voto.
O Governo que se aproximava somente quando precisava dos votos, perdia a
respeitabilidade, porque vivia de transigências. E à troca desses votos, não
vacilava em desprezar os próprios interesses da nacionalidade.
276
A compreensão de cidadania do teuto-brasileiro, como apontado ao longo do capítulo,
inicialmente tinha a ver com a comunidade. O currículo das escolas comunitárias teuto-
brasileiras, como mencionado, ajudava a preparar o aluno para o exercício da cidadania no
local onde ele viva. Preparava-o para a “participação no processo de construção da vida
comunitária, nas estâncias econômica, social, cultural, religiosa e também política, porém na
concepção de um Estado descentralizado.”
277
A convencional interpretação de que os
descendentes alemães do RS não se importavam com política deve levar também esse fator
em consideração.
Portanto, embora significativa parcela dos brasileiros de origem alemã do RS
conservasse a língua e parte dos costumes dos seus antepassados, não deixaram de ser bons
cidadãos brasileiros. Nunca organizaram revoluções contra o governo estadual ou federal.
Pagavam seus impostos. Remetiam seus filhos para o serviço militar obrigatório. Votavam
nas eleições. Mas, sobretudo, através do seu trabalho, construíram um inegável patrimônio
econômico na agricultura, na criação de gado, no artesanato, no comércio e na indústria.
Ajudaram, portanto, no desenvolvimento econômico e social do Rio Grande do Sul.
276
Citado por Moraes, op. cit. p. 101.
277
Kreutz (1994), op. cit. p. 45.
284
3.5 Brasileiros de origem alemã, mas com compromisso cívico
Como foi visto no início do presente capítulo, a estrutura física dos núcleos coloniais,
através de linhas, picadas ou comunidades, foi determinante para a organização de uma rede
de organizações socioculturais e religiosas que animaram e caracterizaram a vida dos
descendentes de colonos alemães. A estrutura de pequena propriedade adotada pelos
governantes brasileiros para assentar os colonos impediu a marginalização deles e, pelo
menos nos tempos iniciais, não possibilitou diferenciações econômicas de vulto.
A origem histórica do associativismo nas regiões coloniais alemãs do RS também
está ligada à experiência associativa trazida pelos imigrantes da Alemanha e ao papel de-
senvolvido pela Igreja da Imigração. Esta, através do cristianismo social, fundamentado
na religião, na etnia alemã e na comunidade, incentivou a constituição de uma rede de
organizações que visaram impedir a degradação social dos teuto-brasileiros. O tipo de
povoamento adotado e o cristianismo social podem, portanto, ser apontados como os
grandes responsáveis pelo acúmulo de capital social nessas regiões.
De tudo o que foi exposto, pode-se perceber que os colonos, na medida em que iam se
estabelecendo na fronteira agrícola do RS, tiveram que contar quase unicamente com suas
próprias forças. Para driblar os obstáculos que se apresentavam, iam criando associações.
Inicialmente criaram as que consideraram as mais necessárias para satisfazer a assistência
religiosa e a alfabetização das novas gerações. Os recursos, embora quase insignificantes,
foram obtidos quase sempre dentro das próprias comunidades e beneficiaram milhares de
pessoas. Surgiram depois as sociedades culturais e recreativas: as de canto, a princípio para
abrilhantar os serviços religiosos; as de leitura; os grupos de teatro; as sociedades de
ginástica; as de tiro; as de cavalaria; as de bolão e de bolãozinho de mesa. Depois apareceram
as sociedades que visavam ao bem-estar e à satisfação dos interesses econômicos da
população de origem teuta radicada no Estado.
As organizações criadas pelos imigrantes alemães e seus descendentes não estavam
necessariamente vinculadas a assuntos políticos. Estavam mais voltadas para a resolução dos
problemas do dia-a-dia do que para grandes debates nacionais e serviram principalmente para
formar uma rede de proteção e conforto para seus membros em relação aos acontecimentos
285
cotidianos. O
cristianismo social, transplantado da Europa e adaptado à realidade local, não
induziu à participação política. Isso decorreu do fato de o movimento, na sua origem, possuir
caráter essencialmente antiliberal, antidemocrático e anti-socialista. A partir dessa
constatação, é possível começar a interpretar, ainda que parcialmente, o comportamento
político-eleitoral das áreas coloniais germânicas. Há uma idéia, amplamente difundida, de que
a grande maioria dos imigrantes e dos aqui nascidos não se interessava por política e era
conservadora. Essa tese, em todo caso, carece de maiores comprovações empíricas. Não
provas de que as regiões de ocupação luso-açoriana ou italiana do RS tenham tido cultura
política mais democrática do que as de colonização alemã.
Como afirma Rambo, nas áreas coloniais do Brasil Meridional germinaram os
embriões de uma série de iniciativas socioculturais, cujos reflexos ainda hoje se fazem sentir.
Ali floresceu um sólido espírito associativo e cooperativo; ali as taxas de analfabetismo
historicamente foram baixas; ali foi possível gestar uma classe numerosa de pequenos e
médios proprietários rurais; ali vicejou uma vida cultural intensa e o sentimento de
religiosidade encontrou espaço para desenvolver-se.
278
As comunidades rurais, em
decorrência dessa estrutura comunal, conseguiram se manter praticamente sem necessitar da
presença do aparato jurídico e policial do Estado. A rede de organizações econômico-sociais,
recreativas e culturais envolveu e cercou quase que por completo as comunidades rurais das
colônias alemãs. A rede de associações montada também agiu de forma preventiva sobre a
população. Através das associações, os moradores de uma picada podiam inibir e punir
comportamentos julgados inconvenientes.
Com a nacionalização promovida pelo Estado Novo, houve uma destruição
considerável das redes sociais que haviam sido estabelecidas ao longo do tempo. A
contribuição do Estado para a queima do estoque de capital social comunitário dos teuto-
descendentes, será abordado no capítulo quinto.
278
Rambo, op. cit. p. 69.
4 O MITO DO “PERIGO ALEMÃO”
No final do século XIX e início do século XX, imigrantes e descendentes de
imigrantes alemães radicados no Sul do Brasil passaram a promover a defesa da
ideologia da germanidade ou do Deutschtum no território brasileiro. A defesa dessa
ideologia, que ao longo do tempo teve intensidade variada, despertou reações por parte
de setores da sociedade nacional. Essas reações se constituíram em uma resposta aos
momentos de intensificação da propaganda dos ideais de conteúdo etnocêntrico, sendo
mais acentuados e notados durante a Primeira e a Segunda guerras mundiais.
Os litígios e os preconceitos contra os alemães residentes no Brasil e os
brasileiros de origem teuta, embora existentes desde a época do Império, ficaram mais
visíveis durante o fim desse período político e os primeiros anos da República. É
exatamente nessa época que a propaganda germanista começa a deitar suas raízes
entres os teuto-descendentes radicados no país. Posteriormente, durante a ocorrência
da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), notadamente quando, em 1917, o Brasil
decretou guerra à Alemanha, o sentimento antigermânico atingiu níveis alarmantes.
Contudo, findo o confronto bélico e a conseqüente derrocada do Império Alemão, as
coisas se amenizaram novamente. Na década de 1930, a proliferação de células do
NSDAP (National-Sozialistische Deutsche Arbeiter Partei) em cidades com
expressivo número de pessoas de origem germânica trouxe à tona a propaganda
nazista e a necessidade de “nacionalizar” ou “abrasileirar essa população”. Durante a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), especialmente a partir do rompimento das
relações diplomáticas do Brasil com a Alemanha, os conflitos e os rancores contra os
teutos e descendentes se acentuaram. O perigo da infiltração nazista no país,
287
especialmente no Sul, passou então a ser destacado, constituindo-se na parte imersa de
um iceberg.
4.1 A concepção de dupla identidade
Para tentar compreender o significado da concepção de dupla identidade imbricada na
expressão “teuto-brasileiro”, faz-se imprescindível proceder a uma pequena digressão no
tempo. A origem do contemporâneo nacionalismo alemão finca suas raízes no limiar do
século XIX.
1
Em 1806, os exércitos franceses de Napoleão Bonaparte haviam batido as forças
militares prussianas, destroçado o que ainda restava do Sacro Império Romano Germânico e
subjugado completamente os Estados alemães. Com a guerra de libertação concretizada em
1813 na célebre Batalha das Nações –, o sentimento de solidariedade nacional propagado por
um pequeno grupo de intelectuais e estadistas prussianos passou a tomar vigor. A doutrina da
unificação política e do surgimento de uma nação alemã começava, então, a dar os seus
primeiros passos.
No entanto, a reordenação político-territorial a que foi submetida a Europa, uma vez
concluído o domínio napoleônico, ao invés da unificação alemã, levou à criação da
Confederação Germânica. Essa instituição era uma união desconexa de 31 Estados soberanos,
carentes de governo único e de política comum. Dentro da Confederação, dois grandes reinos
lutavam pela hegemonia política, econômica e cultural dos povos alemães: de um lado estava
a Áustria, um Estado católico, agrário e multinacional que gastava boa parte de suas energias
e de sua atenção com seus súditos húngaros, eslavos e italianos; de outro lado, estava a
Prússia, uma monarquia protestante e genuinamente alemã que apresentava algum
desenvolvimento industrial, o qual foi reforçado e realimentado durante o transcorrer do
século XIX.
2
1
Norbert Elias chama a atenção para o fato de o nacionalismo alemão ser freqüentemente tratado como um
fenômeno isolado, como se a nacionalização do sentimento, da consciência e dos ideais tivesse se dado somente
na Alemanha. Defende, nesse sentido, que o nacionalismo se revela “um específico fenômeno social
característico das grandes sociedades-Estados industriais no nível de desenvolvimento atingidos nos séculos XIX
e XX.”, constituindo-se numa das poderosas crenças sociais daqueles tempos. ELIAS, Norbert. Os alemães: a
luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. p. 152.
2
TREUE, Wolfgang. A Alemania desde 1848: ojeada histórica. Bonn: Inter Nationes, 1969. p. 1-7.
288
A alemã Hannah Arendt realizou um exaustivo estudo sobre as origens do
totalitarismo. No caso da Alemanha, afirmou que a ideologia racista se desenvolvera
após a derrota do velho exército prussiano ante as forças de Napoleão. E que o pensamento
racial resultara do esforço de unir o povo contra o domínio estrangeiro. Os propagadores
desse ideal não teriam procurado aliados além das fronteiras alemãs, mas buscado despertar
no povo a consciência de uma origem comum. Como a ideologia racista alemã teria
acompanhado as longas e frustradas tentativas de unir os numerosos Estados germânicos, teria
permanecido, ao menos em seus estágios iniciais, tão intimamente ligada a sentimentos
nacionais que se tornara extremamente difícil distinguir o mero nacionalismo do racismo
declarado.
3
Desde 1815, com o Congresso de Viena que dera origem à Confederação Germânica,
a unificação nacional alepassou a ser uma bandeira de luta tanto de setores conservadores
quanto de liberais da sociedade. A revolução liberal alemã ocorrida em 1848 exprimiu
claramente o seu duplo caráter burguês: de um lado, foi uma cruzada em prol de um governo
mais liberal; de outro, foi um movimento que buscava a unificação dos povos alemães. O
malogro da revolução de 1848 significou, dentre outras, a derrocada do nacionalismo liberal
alemão. O caminho ficou então livre para as forças conservadoras e reacionárias que
imprimiram à ideologia do nacionalismo um conteúdo mais autoritário e etnocêntrico. O
historiador inglês Eric Hobsbawm assevera que as bandeiras do patriotismo se tornaram,
então, propriedade da direita política. Para a esquerda, ficava difícil empunhá-las mesmo nos
casos em que o patriotismo se identificasse com a revolução e a causa do povo.
4
Um único nacionalismo, conforme destaca Lúcia Lippi Oliveira, jamais existiu.
Segundo a historiadora, o desenvolvimento do nacionalismo foi determinado pelos problemas
enfrentados por cada uma das nações no seu caminho para a auto-identificação. De uma
maneira geral, no entanto, o nacionalismo, que no decorrer do século XIX vinha imbuído de
valores liberais e universalistas, heranças dos princípios doutrinários da Revolução Francesa,
no final daquele século teve seu significado radicalmente alterado. Componentes racistas
passaram a permear então o seu pensamento.
5
3
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo Companhia das Letras, 1989. p. 195.
4
HOBSBAWM, Eric J. A era dos impérios 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 225.
5
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 49.
289
Sendo Bismarck elevado, em 1862, à condição de chanceler da Prússia, a unificação se
daria “a ferro e fogo”, ou seja, através da força, passando o nacionalismo a ser um recurso
para a ação política. Três guerras, uma promovida, em 1864, pela Prússia e Áustria contra a
Dinamarca; uma segunda, em 1866, quando se confrontaram os exércitos da Prússia e da
Áustria e, finalmente, uma terceira que se deu em 1870/71, quando a Prússia derrotou a
França, redundaram no surgimento do Estado alemão sob a hegemonia da conservadora
Prússia. Pontua com propriedade Norbert Elias que a liderança nessas lutas estava nas mãos
da nobreza. Quanto à burguesia, no processo de unificação exercera papel político apenas
secundário.
6
As bem-sucedidas guerras de unificação reafirmaram e consolidaram o nacionalismo
alemão. O acelerado desenvolvimento econômico pelo qual passou a Alemanha desde a
segunda metade do século XIX, que, aliás, contou com a decidida colaboração do Estado, e o
programa de expansão colonial iniciado na África em meados da década de 1880,
7
são outros
dois ingredientes importante que devem ser levados em consideração. Todos esses fatores,
combinados, teriam estimulado “um nacionalismo extremamente agressivo, fundamentado em
concepções de supremacia cultural, racial, científica e econômica (...)”.
8
Outros dois valores
caracterizariam o nacionalismo alemão desse período, ou seja, o do final do século XIX. Um,
decorrente em grande parte do sucesso da revolução industrial teuta, seria o da
supervalorização da capacidade de trabalho do povo alemão. O outro, que reflete as teses do
cientificismo racial então em voga na Europa, diz respeito à superioridade do sangue alemão
ou ariano.
9
A Liga Pangermânica (Alldeutsche Verband), fundada em 1890, se destacaria na
divulgação, dentro e fora da Alemanha, da ideologia do caráter nacional alemão.
O nacionalismo exacerbado que se desenvolveu na época da unificação atingiu seu
clímax no período imediatamente anterior a 1914,
10
não por acaso no mesmo momento em
que se acirraram as disputas por mercados, colônias e áreas de influência pelas nações mais
industrializadas do mundo. Em 1918, uma vez terminada a Primeira Guerra Mundial, a
6
Elias, op. cit. p. 166.
7
Ainda sob a batuta de Bismarck, em rápidos movimentos foram adquiridas, em 1884 e 1885, colônias para o
império alemão no Leste e Sudoeste da África, em Camarões, Togo, Nova Guiné e em vários arquipélagos do
Oceano Pacífico. Cfe. Treue, W. Op. cit. p. 60.
8
SEYFERTH, Giralda. Nacionalismo e identidade étnica. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura,
1981. p. 33.
9
Ibidem p. 38.
10
Também Hobsbawm assinala que a ocorrência do nacionalismo não se constitui como fenômeno restrito à
Alemanha. A metade do século precedente ao ano de 1914 teria se caracterizado como sendo a era clássica da
xenofobia. Cfe Hobsbawm, op. cit. p. 217.
290
República de Weimar arrefeceu o ânimo dos defensores mais radicais do nacionalismo.
Entretanto, com a chegada ao poder, em janeiro de 1933, dos nacional-socialistas, houve a
retomada da ideologia, agora recheada ainda muito mais de conteúdos racistas e anti-semitas.
Conforme Giralda Seyferth, as raízes ideológicas do nacionalismo teutônico estariam
contidas em algumas obras de alguns autores do romantismo alemão. Pensadores como os
irmãos Schegel e Grimm, Tieck, Novalis, Herder, Fichte, Schelling e outros teriam
contribuído decisivamente para o surgimento de um nacionalismo cultural baseado na
glorificação do passado legendário do Sacro Império Romano Germânico.
11
As obras desses
autores, relidas e reinterpretadas por gerações posteriores, teriam se transformado na matriz
do nacionalismo germânico que, no seu auge, como mencionado, tornou-se ariano e anti-
semita.
Imgart Grützmann afirma que a língua alemã, a Muttersprache, destacava-se do
núcleo duro da germanidade.
12
Ela era o meio utilizado para manter vivo o espírito alemão,
mesmo fora da Europa. O idioma é que corporificava a alma da nação. No caso dos teuto-
brasileiros, perder a língua seria sinônimo de cortar o vínculo com a nacionalidade alemã.
Na língua alemã uma série de vocábulos que não encontram um equivalente exato
no idioma português. É o caso, por exemplo, de Deustschtum, de Volkstum, de Heimat e de
Vaterland. De acordo com Emílio Willems, o termo Deutschtum costuma ser traduzido por
germanismo ou pangermanismo, mas essa tradução pode apenas dar uma idéia aproximada do
seu significado. Para ele, Deutschtum “envolve a idéia de conservação de caracteres culturais,
raciais e sociais dos grupos de origem germânica.”.
13
Seyferth afirma que Deutschtum é uma
expressão ambígua tanto quanto Volkstum. Volkstum pode ser traduzida como índole nacional
ou nacionalidade. Mas não se refere apenas à nacionalidade; é muito mais do que isso. Já
Volkstum:
expressa a etnia de um indivíduo e não diz respeito ao seu local de nascimento. É
a ascendência (sangue), a cultura e a língua de um indivíduo. É a essência de um
povo ou raça. Deutschtum é a Volkstum alemã, o germanismo ou germanidade, a
essência da Alemanha, representando o mundo teutônico. Deutschtum engloba a
língua, a cultura, o Geist (espírito) alemão, a lealdade à Alemanha, enfim, tudo o
que está relacionado a ela, mas como nação e não como Estado. Representa uma
11
Seyferth, op. cit p. 19.
12
GRÜTZMANN, Imgart. A mágica flor azul: a canção em língua alemã e o germanismo no Rio Grande do
Sul. Porto Alegre: PUCRS, 1999. p. 80.
13
WILLEMS, Emílio. Assimilação e populações marginais no Brasil. São Paulo: Nacional, 1940. p. 141.
291
solidariedade cultural e racial do povo alemão. Na tradição alemã do século XIX,
os dois termos representavam a cultura popular germânica que fez com que os
alemães tivessem consciência de uma grande fraternidade alemã, a exemplo dos
primeiros germanos. Volkstum e Deutschtum, portanto, trazem consigo a idéia de
que a nacionalidade é herdada, produto de um desenvolvimento físico, espiritual
e moral: um alemão é sempre alemão, ainda que tenha nascido em outro país.
Nesse sentido, nacionalidade e cidadania não se misturam e não se
complementam. A nação é considerada fenômeno étnico-cultural e, por esta
razão, não depende de fronteiras; a nacionalidade significa a vinculação a um
povo ou raça, e não a um Estado e, portanto, expressa sua identidade ‘política’.
Mas uma cidadania não alemã em nada impede que um descendente de alemães
seja fiel à nacionalidade dos seus antepassados, que herdou.
14
Heimat, por sua vez, pode, num sentido restrito, ser traduzida por pátria. “É o país ao
qual uma pessoa está ligado seja pelo nascimento, seja pela lembrança, seja por herança, seja
por laços emocionais”. Manipulando esse termo, pode-se afirmar que um indivíduo
descendente de imigrante pode ter, ao mesmo tempo, uma Heimat, que é o seu local de
nascimento, e uma Uhrheimat, que é a sua pátria de origem com a qual está ligado
sentimentalmente. O mesmo se sucede com Vaterland, cujo correspondente no vernáculo
português também é pátria. Uma pessoa pode, nesse caso, ter duas Vaterland: o país em que
nasceu e do qual é cidadão e a nação à qual se liga por laços de sangue, língua e cultura.
15
No
caso dos teuto-brasileiros, esses podem ter, assim, duas pátrias; mas apenas uma
nacionalidade, a alemã.
No Brasil Meridional, principalmente desde o final do culo XIX, a ideologia
germanista passou a elaborar a concepção de existência de um grupo étnico teuto-brasileiro.
Essa concepção está umbilicalmente ligada ao nacionalismo alemão que tomou corpo na
Europa durante o século XIX –, à formação histórica do Estado nacional alemão, ocorrida na
segunda metade daquele mesmo século, e ao critério de jus sanguinis adotado pelos alemães
para determinar a nacionalidade de um indivíduo. Não foram, evidentemente de maneira
alguma, os agricultores que arquitetaram e divulgaram o Deutschbrasilianertum (germanismo
teuto-brasileiro). Foram, sobretudo, os Reichsdeutcher (cidadãos alemães) e a elite intelectual
dos descendentes de imigrantes alemães que deram consistência a essa ideologia etnocêntrica.
Eram pastores, padres, jornalistas, professores, profissionais liberais, comerciantes, industriais
e trabalhadores especializados que, através da imprensa, da religião, da educação e das
sociedades (Vereine), levavam o ideário ao conjunto da população de compatriotas.
14
Seyferth, op. cit. p. 46.
15
Seyferth, por cit. p. 46.
292
Os estudos feitos por Seyfert em Santa Catarina apontam que, no final do século XIX,
como reflexo da ascensão econômica e da diferenciação social que ocorria em algumas das
regiões coloniais e, concomitante com a elevação de antigas colônias à condição de
municípios, a população de origem alemã passou a aspirar, também, ao pleno exercício da
cidadania. Isso passou a envolver não apenas o direito de votar, mas, igualmente, o de ocupar
cargos eletivos como os de conselheiro municipal, intendente e deputado estadual e federal.
Como salienta a antropóloga, é nesse contexto histórico, quando foram rompidas as barreiras
de isolamento das colônias e, portanto, se tornou mais sistemático o contato com a sociedade
mais ampla a brasileira de outras etnias –, que apareceu a reivindicação do direito a uma
identidade cultural específica, particular, peculiar para os teuto-descendentes.
A concepção de dupla identidade originou-se da existência de dois critérios
diferenciados para a determinação da nacionalidade de um indivíduo: o do jus solis e o do jus
sanguinis. De acordo com o primeiro critério, é o lugar do nascimento que fixa a
nacionalidade; pelo segundo, a nacionalidade do recém-nascido é adquirida dos pais. Na
época, as legislações dos Estados adotavam um desses sistemas ou faziam algumas
combinações onde prevalecia um ou outro desses critérios. Os países novos, que recebiam
grande afluxo de imigrantes de diferentes procedências, como por exemplo o Brasil, os
Estados Unidos e a Austrália, tinham o interesse de seguir o princípio do jus solis para poder
incorporar aos seus nacionais os filhos de estrangeiros residentes em seu território. Os países
de emigração, entre os quais a Alemanha, Portugal e o Japão, adotavam o princípio do jus
sanguinis. Assim, por exemplo, levando à risca os dois critérios mencionados, um filho de
alemães, pelo sistema adotado no Brasil, seria brasileiro, mas, pela legislação teuta, poderia
ser considerado um alemão.
16
Partindo do pressuposto de que o Brasil, do ponto de vista étnico-cultural, não se
constituía numa nação, mas em um estado formado por uma diversidade de grupos étnicos
diferenciados, intelectuais orgânicos defensores da tese do Deustchbrasilianertum
(germanismo teuto-brasileiro) passaram a advogar que cada grupo nacional deveria ter o
direito de perpetuar seus costumes, seus valores morais e sua língua materna dentro do
território brasileiro. Isso se daria sem que fosse negada, em absoluto, a cidadania brasileira.
17
16
REVOREDO, Julio. Immigração. Empreza Graphica Revista dos Tribunaes, 1934. p. 264-65.
17
SEYFERTH, Giralda. Etnicidade e cultura: a constituição da identidade teuto-brasileira.
http//www.iacd.oas.org/Interamer/Interamerhtml/Zanur45html/Zar45 Seyf.htm. Data: 28/06/2001. p. 5.
293
A formulação ideológica que advogava haver uma identidade teuto-brasileira
(Deutschbrasilianer) partia do pressuposto da existência de um duplo pertencimento em que,
de um lado, estava o Estado brasileiro, e de outro, a nação alemã. A nacionalidade alemã seria
adquirida através do jus sanguinis, isto é, seria herdada, o que exclui critérios de natureza
geográfica. Já a nacionalidade brasileira seria obtida pela naturalização ou pelo direito de
solo. Assim, os teuto-brasileiros entendiam que, por terem nascido e por viverem no Brasil,
seriam cidadãos brasileiros, tendo, como Brasilianer, direitos e deveres iguais aos demais
elementos nacionais. Por outro lado, pelo direito de sangue que unia todos os alemães numa
grande comunidade (Volkgemeinschaft) e, sobretudo, através do emprego da língua alemã e
pela preservação de usos e costumes de seus antepassados, seriam Deutscher, porque ligados
pela cultura alemã. Dessa forma se diferenciavam das populações de outras procedências ou
origens étnicas. Forjou-se, assim, “uma categoria de identificação étnica que passou a
distinguir esta população tanto dos brasileiros como dos alemães.”
18
Como afirma Seyferth,
por essa ideologia divulgada no Sul do Brasil, “qualquer pessoa descendente de alemães teria
direito à nacionalidade alemã (expressa pelo termo Volkstum), enquanto que a cidadania
alemã estava restrita aos nascidos na Alemanha (Reichdeutsche).”
19
O professor Arthur Blasio Rambo qualifica o teuto-brasileiro de forma mais simples,
porém objetiva: “Teuto porque vivia de acordo com os costumes, os hábitos, os valores e
falava a língua de seus antepassados. Brasileiro, porque nascera em território brasileiro, como
brasileiro fora registrado e como brasileiro se assumia e agia”.
20
Os arautos da identidade teuto-brasileira, ou numa expressão gramsciana, seus
intelectuais orgânicos, procuraram constantemente reafirmar essa identificação pela
atualização das diferenças étnicas. Nesse sentido, passaram a reelaborar as dificuldades
iniciais enfrentadas pelos imigrantes, ampliando-as desmensuradamente e transformando-as
em verdadeiras epopéias. Foi assim que surgiram uma série de mitos sobre a perigosa e
aventurosa viagem transoceânica realizada pelos imigrantes; sobre o isolamento inicial dos
colonos nas florestas tropicais, abandonados pelos governantes que não lhes forneceram os
meios de transporte e de comunicações indispensáveis para o escoamento da produção obtida
18
SEYFERTH, Giralda. A Liga Pangermânica e o perigo alemão no Brasil: análise sobre dois discursos étnicos
irredutíveis. História: Questões & Debates - Publicação semestral da Associação Paranaense de História,
Curitiba, n. 18/19, p. 113-155, jan.dez.1989. p. 125.
19
Seyferth, (1981) op cit p. 8-9.
20
RAMBO, Arthur Blasio.A identidade teuto-brasileira em debate. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre,
PUCRS, v. XXV, n. 2, dez. 1999. p. 185.
294
nos lotes coloniais e que os deixaram desprovidos de escolas, assistência médica e religiosa;
sobre o perigo dos primeiros tempos nas selvas, quando os colonos teriam sido freqüente e
constantemente fustigados por ataques de índios e de animais ferozes. Essas situações com as
quais, hipoteticamente, se debateram todos os primeiros colonizadores das regiões coloniais
(e somente eles, sem fazer menção às dificuldades enfrentadas pelos brasileiros de outras
origens étnicas) possibilitaram a construção da imagem mítica dos pioneiros, dos
desbravadores das selvas, que sem o apoio governamental atiraram-se à árdua tarefa de
desenvolver a agricultura, de abrir estradas, de edificar templos, de construir e de manter
escolas e de multiplicar sociedades de diferentes finalidades, ao mesmo tempo em que
preservavam a língua e os costumes.
21
A receita para a superação das adversidades repousava
na capacidade de trabalho dos imigrantes alemães e de seus descendentes.
Esse mito formado a partir da narrativa de significação simbólica passou a ser
considerado como verdadeiro pelas gerações de descendentes de imigrantes alemães e
formulou uma explicação fantasiosa sobre a origem do grupo.
22
De acordo com M. Eliade, o
mito “relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos
inícios. Dito de outra forma, o mito narra como, graças aos feitos dos Entes sobrenaturais (no
nosso caso os desbravadores pioneiros convertidos em heróis), uma realidade veio à
existência.”
23
Para Malinowski, o mito nas civilizações primitivas desempenha uma função
indispensável:
exprime, enaltece e codifica a crença; salvaguarda e impõe princípios morais;
garante a eficácia do ritual e oferece regras práticas para a orientação do homem.
O mito, portanto, é um ingrediente vital da civilização humana. Longe de ser
uma fabulação vã, ele é, ao contrário, uma realidade viva, à qual se recorre
incessantemente; não é absolutamente uma teoria abstrata ou uma fantasia
21
Seyferth (2001), op. cit. p. 4.
22
A imagem de eficiência reportada ao passado pioneiro não é exclusiva dos alemães e de seus descendentes.
Esse discurso épico faz parte dos discursos étnicos de descendentes de italianos, poloneses e de outros grupos
europeus que passaram pela experiência colonial. Cfe. SEYFERTH, Giralda. Estudo sobre reelaboração e
segmentação da identidade étnica. Cadernos CERU. “São Paulo: CERU/USP, n. 13. 2002. p. 14. Além do
enaltecimento da capacidade de trabalho, o componente religioso também freqüentemente aparece nas
justificativas. A leitura do trabalho de Olívio Manfroi sobre a colonização italiana no Rio Grande do Sul é
sugestiva nesse tocante. Nitidamente influenciada pela ética protestante de Max Weber, essa obra defendeu a
tese fulcral do papel desenvolvido pela religião católica no sucesso da colonização italiana no RS. Segundo
colocado no Concurso de Monografias sobre a Imigração Italiana no Certame de Letras “Biênio da Colonização
e Imigração” realizado em 1975 em comemoração ao centenário da imigração italiana no Estado, o livro
desfrutou inegável ascendência sobre a produção historiográfica acadêmica e pára-acadêmica posterior sobre a
colonização. Ver a respeito: MANFROI, Olívio. A colonização italiana no Rio Grande do Sul: implicaç$oes
econômicas, políticas e culturais. Porto Alegre: Grafosul; Instituto Estadual do Livro, 1975. MAESTRI, Mario.
Os gringos também amam. In: VANNINI, Ismael Antônio. O sexo, o vinho e o diabo: demografia e sexualidade
na colonização italiana no RS. Porto Alegre: EST, 2004.
23
ELIADE, M, apud. CRIPPA, Adolpho. Mito e cultura. São Paulo: Convívio, 1975. p. 17.
295
artística, mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria
prática
.
24
Max Weber, em Economia e Sociedade, já asseverava que a crença na afinidade de
origem, fosse essa objetivamente fundada ou não, poderia ter conseqüências importantes para
a formação de comunidades políticas.
25
E mais, “que a crença na afinidade de origem, somada
à semelhança dos costumes, é apropriada para favorecer a divulgação da ação comunitária
assumida por uma parte dos "etnicamente" unidos entre o resto dos membros, já que a
consciência de comunidade fomenta a "imitação".
26
Os grupos étnicos são definidos por Weber como:
aqueles grupos humanos que, em virtude de semelhanças no habitus externo ou
nos costumes, ou em ambos, ou em virtude de lembranças de colonização e
migração, nutrem uma crença subjetiva na procedência comum, de tal modo que
esta se torna importante para a propagação de relações comunitárias, sendo
indiferente se existe ou não uma comunidade de sangue efetiva. A "comunidade
étnica" distingue-se da "comunidade de clã" pelo fato de aquela ser apenas
produto de um "sentimento de comunidade" e não uma "comunidade"
verdadeira, como o clã, a cuja essência pertence uma efetiva ação comunitária. A
comunidade étnica (no sentido que damos) não constitui, em si mesma, uma
comunidade, mas apenas um elemento que facilita relações comunitárias.
Fomenta relações comunitárias de maneira mais diversa, mas sobretudo,
conforme ensina a experiência, as políticas.
27
O tão propalado mito dos "pioneiros" serviu para dar sustentação à ideologia da
superioridade de capacidade de trabalho dos teuto-descendentes do Sul do Brasil.
28
Ocorreu
aqui uma transposição reinterpretada de um dos valores marcantes do nacionalismo alemão
o da ímpar capacidade de trabalho – surgido na Alemanha em decorrência da acelerada
industrialização ali verificada na segunda metade do século XIX. As dificuldades iniciais e
24
MALINOWSKI, B. apud Crippa, op. ct. p. 16.
25
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora UNB,
2000. p. 270.
26
Ibidem p. 273.
27
Ibidem p. 270.
28
Como assinalado, os mitos da imigração são encontrados, igualmente, entre outros grupos étnicos que
colonizaram o Rio Grande do Sul. Dilse Corteze procura desmistificar entre os imigrantes italianos o mito da
penosa e arriscada travessia transoceânica, o mito do isolamento do colono na desconhecida floresta enfrentando
feras e índios, o mito do abandono dos colonos pelas autoridades governamentais e o do descalabro
administrativo dos empreendimentos coloniais, o mito da onipresença da religião Católica e da sua força
integradora dos colonos e, finalmente, o mito da excelência étnica do colono italiano, cujo amor pelo trabalho é
apontado como grande responsável pelo sucesso da região colonial. CORTESE, Deise Piccin. Ulisses va in
américa: história, historiografia e mitos da imigração italiana no Rio Grande do Sul (1875-1914). Passo Fundo:
UPF, 2002.
296
sua superação pelo trabalho tenaz são um ingrediente importante do discurso etnocêntrico que
defende a existência da identidade teuto-brasileira:
Procederemos como um pintor que, para dar maior realce aos quadros, procura
dar-lhes um fundo adequado: esse fundo que damos ao quadro em que pintamos
o trabalho do nosso colono é formado pelos óbices que se lhe antepuseram. Se
não tivessem havido dificuldades de toda ordem a serem vencidas, então o
trabalho de nossos antepassados não poderia ser exaltado de maneira como o
fazemos, nem tão pouco nos encheria de orgulho, pois, somente aquilo que se
conquista com sacrifício é que tem valor e somente na luta contra a adversidade
o homem se torna verdadeiramente grande, sendo justamente ante essas lutas
titânicas de nossos antepassados que nos curvamos cheios de respeito e
veneração, mas também cheios de orgulho.
29
Se um relativo isolamento inicial, seja ele de caráter social, seja ele de base
geográfica, efetivamente existiu e isso parece, de fato, indesmentível –, dele não poderiam
se queixar as camadas urbanas e os setores da classe média dos teuto-descendentes. Foram
representantes desses setores, que residiam quase sempre nas cidades, e no caso do Rio
Grande do Sul, em boa parte na capital do Estado, que foram os formuladores da ideologia em
apreço. Os camponeses, alguns deles iletrados, mas a esmagadora maioria com baixa
instrução escolar formal, não foram os beneficiários dessa ideologia. Pelo contrário, foram as
vítimas da ideologia que, subjacente a ela, se encontravam interesses econômicos, políticos
e religiosos que os oprimiram social, cultural e politicamente e que os exploravam do ponto
de vista econômico. Não é demasia aqui destacar que nos relatos de trajetórias bem
sucedidas, seja de municípios, de políticos, de empresários ou de outros personagens, o ponto
de partida é quase sempre o colono na selva enfrentando as agruras da natureza. Esse discurso
laudatório, no entanto, é falho e não se sustenta. Primeiro, porque torna absoluto algo que é
relativo, isto é, o sucesso colonial. Segundo, porque escamoteia que dentre os alemães e seus
descendentes houve muitos que fracassaram. Terceiro, porque olvida o fato de que quem
acumulou capitais, via de regra, foram os comerciantes que extorquiram sobretrabalho dos
que labutavam na terra. Quanto aos colonos propriamente ditos, esses não conseguiram
enriquecer. Quando não se proletarizaram, permaneceram reproduzindo sua condição social e
econômica de existência, isto é, a de serem pequenos produtores familiares, donos dos meios
objetivos e subjetivos da produção.
29
PETRY, Leopoldo. História da colonização allemã no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Rotermund, 1936.
p. 10.
297
Conforme comprova em seus trabalhos Fredrik Barth, as distinções de categorias
étnicas não dependem de uma ausência de mobilidade, contato e informação, já que as
fronteiras persistem apesar do fluxo de pessoas que as atravessam. Também “não dependem
de uma ausência de interação social e aceitação, mas são, muito ao contrário, freqüentemente
as próprias fundações sobre as quais são levantados os sistemas sociais englobantes.”
30
Ou,
conforme enfatizado por Poutignat e Streiff-Fenart, não é nas condições de isolamento que a
etnicidade se manifesta, mas pelo contrário, “a intensificação das interações características do
mundo moderno e do universo urbano que torna salientes as identidades étnicas. Logo, não é
a diferença cultural que está na origem da etnicidade, mas a comunicação cultural que permite
estabelecer fronteiras entre os grupos por meio dos símbolos simultaneamente compreensíveis
pelos insiders e pelos outsiders.”
31
Portanto, os brancos da “raça ariana” foram considerados superiores na versão dos
teuto-brasileiros. que nessa tese, além da origem racial, havia mais um componente: o da
identificação com a cultura alemã. Nesse caso, não bastava apenas ser branco; era preciso
também preservar e cultivar a germanidade para não cair na "caboclisação". Para que
ocorresse o progresso material e o desenvolvimento da população das regiões coloniais, seria
necessário pertencer à etnia alemã, isto é, ser Deutscher. Quando pastores, padres, jornalistas,
industriais e comerciantes defendiam a endogamia e rechaçavam a assimilação estavam, na
verdade, pugnando pela pureza étnica e racial da população de origem alemã. Segundo eles, a
manutenção dessa pureza se constituiria no maior atributo dessas comunidades e na melhor
contribuição que os teuto-brasileiros poderiam dar para o desenvolvimento do país.
Para as lideranças teuto-brasileiras, o desenvolvimento econômico e social da
população das áreas coloniais somente poderia ser alcançado através da preservação da etnia
alemã e do Deutschtum. Assim, por exemplo, o Bauernverein (Associação Rio-Grandense de
Agricultores), fundado em 1900, embora criado por católicos, tinha caráter ecumênico
religioso, mas não era de ecumenismo étnico.
32
Também o Volksverein (Sociedade União
30
BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe, STREIFF-FENART, Jocelyne.
Teorias da etnicidade. São Paulo: UNESP, 1998. p. 187-227.
31
Poutignat, op. cit. p. 124.
32
A respeito do Baurnverein ver: SCHALLENBERGER, Erneldo. O associativismo cristão no Sul do Brasil: a
contribuição da Sociedade União Popular e da Liga das Uniões Coloniais para a organização e
desenvolvimento social Sul-brasleiro. 2001. 593 f. Tese (Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre. 2001. Capítulo VII; RABUSKE, Arthur. Eles se empenharam pelo erguimento do bem-estar material da
colônia aleno Rio Grande do Sul. In: SIMPÓSIO DE HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO
ALEMÃ NO RIO GRANDE DO SUL. Anais... São Leopoldo: Gráfica Rotermund, 1974. p. 34 et seq.
298
Popular para os Católicos Alemães do Rio Grande do Sul), que foi fundado em 1912, possuía
caráter notadamente étnico e confessional. Seus dirigentes, espelhando uma determinação da
congregação dos jesuítas, defendiam a preservação da língua alemã, da cultura germânica e a
manutenção dos vínculos comunitários existentes. Consideravam esses elementos como sendo
de relevância vital não somente para o sucesso do associativismo católico, mas também para
impedir a degradação das relações sociais dos teuto-brasileiros católicos. os evangélicos
luteranos, pelo vínculo espiritual e material muito forte que mantinham com a Igreja-mãe
alemã e pelo fato de os pastores do Sínodo realizarem sua formação acadêmica e teológica na
Alemanha, possuíam sobradas razões para preservar a germanidade entre seus adeptos. O
idioma alemão, é importante salientar, era a língua oficial em que eram realizados os cultos
dos luteranos.
O Centro Cultural 25 de Julho, a respeito da necessidade de preservação da
germanidade, afirmava no ano de 1936:
Se nós, brasileiros de origem teuta, além de falar e ensinar, naturalmente, em
nossas escolas particulares, o vernáculo, procuramos conservar o conhecimento
do idioma de nossos antepassados e cultivamos as mais belas virtudes da raça
germânica, estamos convencidos de prestar com isso um serviço à nossa Pátria,
como o prova esta nossa história de um trabalho fecundo, realizado nesses 113
anos de colonização.
33
Ter presente o significado do conceito de identidade teuto-brasileira é de
fundamental importância. Primeiro, porque é sobre essa identidade étnica que foram se
alicerçar os fundamentos básicos da vida em comunidade e do espírito comunitário da
população de descendência germânica do Sul do Brasil. Segundo, porque esse tipo de
concepção de identidade entrou em confronto com as propostas de abrasileiramento
defendidas por políticos e intelectuais nacionais. É a partir do Estado Novo que as medidas,
por alguns há tanto clamadas, são finalmente colocadas em prática pelo governo brasileiro.
O discurso etnocêntrico teuto-brasileiro teve como referência, além do processo
histórico de colonização, alguns pressupostos racistas originários do nacionalismo militante
alemão. Isso ficou plasmado na afirmação da pretensa superioridade do trabalho alemão
33
Centro Cultural 25 de Julho. História da colonização allemã no Rio Grande do Sul. São Leopoldo:
Rotermund, 1936. p. V.
299
apontado invariavelmente como grande responsável pelo desenvolvimento e pelo progresso
material das regiões coloniais – e através da descendência cultural da “raça alemã”.
34
Além da idéia de duplo pertencimento, outra característica da população germânica no
Sul do Brasil foi a tendência de ela se concentrar em determinados espaços geográficos.
Formaram-se, conseqüentemente, comunidades étnicas relativamente homogêneas que
passaram a ser adjetivadas de “quistos étnicos” por setores formadores de opinião da
sociedade brasileira. Eles viam nessas comunidades uma certa resistência à assimilação em
relação ao restante da população brasileira. Essa presumível resistência à assimilação foi
denunciada por intelectuais e políticos brasileiros e acabou por converter-se no propagado
mito do "perigo alemão".
4.2 O “perigo alemão”
A concepção de identidade teuto-brasileira foi atacada principalmente na época da
República Velha, pois acabou por se confrontar com os postulados de intelectuais e homens
do governo brasileiro empenhados na construção do estado e da identidade nacional, que
tinham no direito de solo e na assimilação seus princípios básicos. Pretextando que a nação
brasileira não comportava duplas identidades e que os Deutschbrasilianer colocavam em
risco a integridade nacional, a população de ascendência alemã do Sul do país passou a ser
estigmatizada como sendo estrangeira e por constituir "quistos étnicos". A identificação
particular desse grupo também forneceu munição para os defensores da tese do “perigo
alemão”.
O "perigo alemão" consistiu em um real ou hipotético patrocínio, por parte do
imperialismo germânico, a uma secessão de territórios do Brasil Meridional, que deveriam
ficar como área de influência econômica ou de dominação direta da Alemanha. Sílvio Romero
foi, dentre os intelectuais brasileiros que defendeu a tese do "perigo alemão", o mais
destacado. A ele coube também o papel de ser um dos mais extremados e acres críticos do
germanismo em terras brasileiras.
34
Seyferth, 1989, op cit. p. 127.
300
Na Europa, as concepções de “raça” e etnia haviam sido formuladas durante o
século XIX. De acordo com Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart, inicialmente a noção
de etnia se encontrava mesclada com as noções de povo, de “raça” ou de nação. Wacher de
Lapouge teria definido “raça” como sendo “o conjunto de indivíduos que possuem em comum
um determinado tipo hereditário”, tipo esse identificado pela associação de características
morfológicas e pelas qualidades psicológicas.
35
a categoria de análise etnia seria
conceituada como “a reunião de um conjunto de indivíduos que se encontram submissos sob o
efeito de acontecimentos históricos, instituições, organização política ou costumes e idéias”
comuns, ainda que de “raças” diferentes.
36
Por essa mesma época, ou seja, na segunda metade do século XIX, a preocupação com
a miscigenação e a composição étnica da população brasileira também passou a ser objeto da
intelectualidade nativa. A inspiração teórica das análises surgidas tinha como ponto de partida
o darwinismo social, o positivismo e o evolucionismo, alicerçados no cientificismo, nas
diferenças de “raças”, na evolução das sociedades e na seleção natural dos indivíduos e das
“raças”. Autores defensores de algumas dessas “escolas filosóficas”, como Spencer,
Gobineau, Lapouge, Agassiz, Broca, Taine, Comte e Buckle, tiveram grande impacto e
fizeram vários adeptos entre a inteligentsia brasileira, principalmente na virada daquele século
para o século XX. Nina Rodrigues, Sílvio Romero e Euclides da Cunha, não por acaso
considerados os precursores das Ciências Sociais no Brasil, passaram a ser produtores de um
discurso paradigmático do período, discurso esse que se intitulou como sendo científico.
37
Seyferth salienta que os autores brasileiros retiraram das doutrinas raciais
deterministas aquilo que lhes interessava para dar suporte à tese sobre o povo brasileiro que
propunham.
38
O médico e antropólogo baiano, Nina Rodrigues, por exemplo, chegou a
conclusões extremamente pessimistas sobre o futuro da nação. Preocupava-lhe a excessiva
mistura de “raças” e considerava ser pouco provável que a “raça” branca conseguisse fazer
predominar seu tipo em toda a população brasileira. Sílvio Romero, pelo contrário bem
antes de Oliveira Viana –, expôs a tese do branqueamento a partir do mestiçamento físico e
moral, ou seja, através do caldeamento ou da fusão de “raças”. Partindo, portanto, da mesma
matriz teórica de Nina Rodrigues, via na mistura um fator de positividade.
35
Poutignat, Streiff-Fenart, op. cit. p. 33 e 34.
36
SCHUCH, Patrice. Etnia e classe social: uma análise comparativa. Porto Alegre, 2002. (trabalho apresentado
na disciplina de Minorias Étnicas do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - Doutorado). p. 5
37
Cfe. ORTIZ, Renato. Cultura brasileira & identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 14.
38
Seyferth, 1989, op. cit. p. 134.
301
Thomas Skidmore também enfatiza a idéia de que a teoria do branqueamento era uma
tese peculiar ao Brasil. Aqui ela recebia uma roupagem “científica”, embora jamais tivesse
sido adotada na Europa e nos Estados Unidos. A tese do branqueamento sustentava-se na
presunção da superioridade do elemento branco e pelo fato de ficar em aberto a questão de ser
a inferioridade inata. Além disso, pressupunha que a população negra diminuiria
progressivamente em relação à branca devido a uma possível taxa de natalidade mais baixa,
uma maior incidência de doenças e a desorganização social dos negros. Outro aspecto é que a
miscigenação resultaria numa população mais clara, haja vista ser o gene branco mais forte e
pelo fato de, naturalmente, as pessoas buscarem parceiros mais claros do que elas. A massiva
imigração européia então em curso no país possibilitaria o reforço dessa tendência ao
branqueamento da população brasileira.
39
Filho de comerciante português, Sílvio Romero nasceu em 1851 na vila de Lagarto, no
estado de Sergipe. Sua produção intelectual abarca vários campos como o folclore, a história,
a crítica literária, a crítica social e a polêmica.
40
Foram inúmeros os trabalhos que publicou
entre 1869, quando aos 18 anos escreveu sua primeira obra enquanto acadêmico do curso de
Direto na cidade de Recife, e 1914, ano do seu falecimento.
Antonio Candido considera "História da literatura brasileira", livro cuja primeira
edição data de 1888, o ponto máximo da volumosa obra de Romero. Segundo o crítico, os
vinte anos que a precederam serviram para Romero organizar e aplicar suas idéias a setores
diversos da cultura nacional. Os vinte e seis anos que a sucederam, apuraram e desenvolveram
aquelas idéias, “de tal modo a podermos dizer que, do ponto de vista não do método,
quanto da sua aplicação, quem conhecer este livro conhece Sílvio Romero de maneira mais ou
menos completa.”
41
Antonio Candido chama a atenção para o fato de não haver uma atitude absolutamente
coerente de Romero em relação ao caldeamento étnico, à figura do mestiço e à teoria do
branco fenotípico:
39
SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Trad. Raul de
Barbosa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. p. 81.
40
Cfe. Alberto Venancio Filho na introdução de: ROMERO, Sílvio. Introdução a Doutrina contra doutrina o
evolucionismo e o positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 8.
41
SOUZA, Antonio Candido de Mello e. O método crítico de Silvio Romero. São Paulo: Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da USP, 1963. p. 76.
302
Ora achava o mestiçamento um bem, pois de outro modo não haveria adaptação
do branco ao trópico; ora, com mais pessimismo, julgava-o um mal inevitável,
quase humilhante. As mais das vezes, contudo, tomava-o como fato consumado
e se alegrava com as perspectivas de branqueamento final teoria que foi o
primeiro a expor no Brasil.
42
A tese formulada por Romero é elaborada numa conjuntura de profundas mudanças
econômicas, sociais e políticas no país. É a abolição da escravidão, que permite o
aproveitamento da força de trabalho do negro como proletário; é a imigração em massa,
incentivada para viabilizar o desenvolvimento da economia de mercado no país; é a mudança
da forma de governo, que passa da Monarquia para a República. Nesse ambiente de radicais
transformações, como destaca Renato Ortiz, o problema que se colocava diante dos
intelectuais era o de construir uma identidade nacional.
43
As concepções evolucionistas, deterministas e racistas importadas da Europa e dos
Estados Unidos serviram de instrumental para apreender o caráter da civilização brasileira. A
partir do método histórico comparativo, se tornava patente que o estágio civilizatório atingido
pelo país encontrava-se num patamar bem inferior ao das nações européias. Essa defasagem
seria explicada por Romero a partir das categorias conceituais meio
44
e “raça”, sendo que para
esta última atribui papel preponderante na formação histórica brasileira. No Brasil, o meio
geográfico era bastante diferente do europeu. Aqui também duas “raças inferiores”
necessárias para garantir o trabalho indispensável à produção da vida material – mesclaram-se
com a “raça branca” originando o mestiço. O mestiçamento foi considerado por ele como
sendo vantajoso:
a) para a formação de uma população aclimatada ao novo meio: b) para
favorecer a civilização das duas raças menos avançadas; c) para preparar a
possível unidade da geração futura, que jamais se daria se os três povos
permanecessem isolados em face um do outro sem se cruzarem; d) para
desenvolver as faculdades estéticas da imaginativa e do sentimento (...).
45
42
Ibidem p. 107.
43
Ortiz, op. cit. p. 27.
44
A expressão meio engloba o aspecto geral da natureza, o clima, a temperatura, a constituição geológica e
geográfica do país e seus conseqüentes imediatos: o trabalho, a alimentação e as condições fisiológicas e sociais
da população. ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. Tomo Primeiro: contribuições e estudos
gerais para o exato conhecimento da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1960. p. 268.
45
Ibidem p. 304-05.
303
No seu trabalho seminal, publicado há cento e dezoito anos, afirma que o povo
brasileiro era composto de brancos arianos, índios tupis-guaranis, negros (quase todos do
grupo banto) e mestiços, estes constituindo, à época, mais da metade da população. Os índios
e os negros puros estes últimos para ele inferiores aos brancos, mas superiores aos índios
tenderiam ao desaparecimento, “consumidos nas lutas que lhes movem os outros ou
desfigurados pelo cruzamento”.
46
O mestiço, considerado como resultado da genuína
formação histórica do Brasil, ficaria só diante do branco quase puro com o qual, mais cedo ou
mais tarde, haveria de se confundir.
O mestiço é o produto fisiológico, étnico e histórico do Brasil; é a forma nova de
nossa diferenciação nacional.
Nossa psicologia popular é um produto desse estado inicial. Não quero dizer que
constituiremos uma nação de mulatos; pois que a forma branca vai prevalecendo
e prevalecerá; quero apenas dizer que o europeu aliou-se aqui a outras raças, e
desta união saiu o genuíno brasileiro, aquele que não se confunde mais com o
português e sobre o qual repousa o nosso futuro.
47
Romero entendia que “a distinção e a desigualdade das raças humanas é um fato
primordial e irredutível.”
48
Essa desigualdade, brotada do imenso laboratório da natureza,
poderia, contudo, ser apagada pela biologia, que o faria de forma inconsciente, lenta e
gradativamente.
Portanto, no que diz respeito à formação da população nacional, Romero defende
que: a) ela não corresponde a uma “raça” determinada e única; b) ela representa uma fusão,
um povo mestiçado não apenas como produto direto do branco, do negro e do índio, mas o
caldeamento de todas as “raças humanas” em todos os graus no Brasil, incluindo as dos
diversos ramos das “raças brancas” entre si; c) o elemento branco tende a predominar no
futuro com a internação e o gradual desaparecimento do índio, com o fim do tráfico africano e
com a colonização européia.
49
O branqueamento e a unidade racial, tão almejados pelo autor,
poderiam, nesse sentido, se viabilizar pelo mestiçamento e em um futuro relativamente
remoto. Seria conveniente, para tanto, que ocorressem poucos cruzamentos entre si de
indivíduos dos denominados "povos inferiores" (negros e índios) e que ocorressem em escala
cada vez maior os cruzamentos destes com indivíduos da “raça branca”.
46
Ibidem.
47
Ibidem p. 120.
48
Romero (2001), op. cit p. 74.
49
Romero (1960), op cit. p. 120-21.
304
Resultaria desse cruzamento racial uma realidade particular não do povo brasileiro,
mas de toda a América Latina. No caso do Brasil, a população ia forjando e constituindo sua
identidade e nacionalidade ao longo do tempo, ou seja, através do longo e paulatino processo
de branqueamento, processo esse que vai depurando o elemento nacional das taras e dos
defeitos biológicos transmitidos pelos negros e pelos índios. Essa é a luz que existe no fundo
do túnel na sua teoria e que torna viável a nação brasileira no futuro.
Romero foi também um contumaz crítico da colonização germânica feita no território
nacional. Embora mostrasse preferências por imigrantes brancos de origem européia latina
50
,
não tinha preconceitos em relação aos alemães, que afinal pertenciam à “raça ariana,”
51
reputada por ele como sendo a superior. O alvo da sua crítica, no tocante à imigração alemã,
dizia respeito especificamente ao modo como ela estava sendo conduzida no Sul do Brasil:
Comparando-se o Norte e o Sul do país, nota-se já um certo desequilíbrio, que
vai tendo conseqüências econômicas e políticas: ao passo que o Norte tem sido
erroneamente afastado da imigração, vai esta superabundando no Sul,
introduzindo os novos elementos, fato que vai cavando entre as duas grandes
regiões do país um valo profundo, por si preparado pela diferença dos
climas.
52
Como solução para o desequilíbrio gerado, propõe distribuir a colonização por todas
as áreas do território com elementos estrangeiros e nacionais, para que possa ocorrer a
assimilação. em 1888, vaticina que, “se não o fizerem, as três províncias do extremo Sul
terão, em futuro não muito remoto, um tão grande excedente de população germânica, válida
e poderosa, que a sua independência será inevitável.”
53
O grande problema era que, concentrados em determinados espaços geográficos, os
alemães e seus descendentes reproduziam-se sem que ocorresse, pelo menos no grau por ele
esperado, a tão ambicionada e desejada mescla com o elemento nacional. Ora, para que sua
tese tivesse maior visibilidade e para que ocorresse de forma mais acelerada o
branqueamento, era indispensável não que ocorresse a imigração européia, mas a sua
mistura, pois que:
50
Dentre os latinos, os lusos eram seus prediletos. Posteriormente Gilberto Freyre se destacaria como sendo o
maior ideólogo do lusitanismo.
51
Para Sílvio Romero, embora com cruzamentos históricos diferentes, portugueses, espanhóis, franceses,
italianos, alemães, ingleses, holandeses, noruegueses, suecos, polacos, russos, gregos e outros seriam meras
variedades dos arianos, que seriam o tronco mais progressista a originar essas nacionalidades.
52
Romero, op. cit. p. 121.
53
Ibidem p. 121
305
(...) na mestiçagem a seleção natural, ao cabo de algumas gerações, faz
prevalecer o tipo da raça mais numerosa, e entre nós das raças puras a mais
numerosa, pela imigração européia, tem sido, e tende muito mais a sê-lo, a
branca.
54
Em 1906, ao editar o opúsculo "O allemanismo no Sul do Brasil", Sílvio Romero
desfecha um dos mais extremados e virulentos ataques contra a forma de vida e a organização
social da população de ascendência germânica existente no Brasil Meridional. Nessa obra, o
seu nacionalismo, o tom polemicista e a crítica mordaz e apaixonada, peculiares nas suas
análises, aparecem com toda a nitidez.
Nesse escrito, o evolucionismo e as categorias meio e “raça” são mais uma vez
fundamentais. Parte do princípio de que a tendência dos alemães de migrar estimulada pela
pobreza do solo é antiga. Conforme o autor, os germânicos, não obstante portadores de
qualidades de primeira ordem, foram inicialmente aquinhoados com “as ásperas terras do
norte da Europa,”
55
razão pela qual foram condenados, nos seus dois mil e duzentos anos de
existência, a procurar por melhores terras aventurando-se, por isso, mais para o Sul, fazendo
ruir o Império Romano.
Na nova partilha colonial do mundo, havida a partir da segunda metade do século
XIX, os alemães também haviam chegado atrasados. Romero destaca que, para recompensar o
tempo perdido, em apenas quatro anos – 1884 a 1888 – Bismarck teria convertido a Alemanha
na terceira potência colonial.
Romero também percebe os interesses econômicos que têm a indústria e o comércio
da Alemanha no que se refere à população de origem germânica do Brasil Meridional. Em
apoio à tese do “perigo alemão”, vale-se, dentre outras, de uma série de fontes francesas,
inglesas e norte-americanas. Não faz, no entanto, uma crítica interna e externa com os
documentos que trabalha. Que o imperialismo alemão passou a demonstrar interesses pelos
Deutscherausländer, sobretudo daqueles em cujas áreas se preservava o Deutschtum, não
como negar. Mas também não se pode omitir que, na desenfreada corrida imperialista que
54
Ibidem p. 101.
55
ROMÉRO, Sylvio. O allemanismo no Sul do Brasil: seus perigos e meios de os conjurar. Rio de Janeiro: Typ.
Heitor Ribeiro & C., 1906. p. 10.
306
antecedeu a Primeira Guerra Mundial, Inglaterra, França e Estados Unidos tinham ambições
imperialistas semelhantes às da Alemanha.
O estereótipo de política bem sucedida, no que tange à imigração e à assimilação,
Romero encontrava nos Estados Unidos da América. Segundo suas avaliações, os milhões de
alemães estabelecidos na América do Norte aceitariam facilmente a nacionalidade estranha,
ou seja, seriam logo assimilados. A língua alemã continuava servindo aos pais, mas os filhos
seriam americanos e, ao cabo de uma ou duas gerações, não mais saberiam falar no idioma
dos seus ancestrais. Situação, portanto, muito diferente daquela das regiões coloniais do Sul
do Brasil, onde levavam uma vida à parte. se exortava os moradores a não deixarem de
lado a língua dos seus antepassados, a sua literatura, a sua música, os seus hábitos, os seus
costumes, as suas tradições. Formavam, assim, sociedades completamente distintas e
independentes das nacionais, tendo muitas vezes, inclusive, outra religião, outros sistemas de
trabalho e outros ideais. Seriam “como ilhas, ou oásis no meio do que costumavam chamar o
deserto brasileiro.”
56
A assimilação pretendida era concebida como um processo de uniformização cultural
via transformação dos imigrantes e de seus descendentes. Esse processo resultaria na
dissolução dos grupos étnicos e na absorção de seus membros na sociedade de acolhimento
dos imigrantes. Não se tratava, portanto, de uma interpenetração e de uma fusão que
permitissem a integração de diferentes grupos em uma vida cultural comum.
57
Faltavam, segundo Romero, somente duas condições objetivas para que essas regiões
coloniais acabassem, através da secessão, com a unidade nacional: “uma população maior, e
que essa população se espalhe a ponto de ligar entre si, mais ou menos intensamente, os
diversos núcleos coloniais dos três Estados meridionais,” o que talvez nem fosse preciso.
58
Para que isso ocorresse, bastaria existirem de oitocentos mil a um milhão de teuto-brasileiros
na região.
No Sul, os imigrantes e seus descendentes teriam obtido o predomínio econômico e
social, estando como proprietários “da indústria agrícola, no gozo quase exclusivo da terra,
das indústrias fabris, do alto comércio importador e exportador, do comércio bancário, da
56
Ibidem p. 46.
57
Poutignat, op cit. p. 65-67.
58
Romero (1906), op. cit. p. 46
307
navegação etc. etc...”.
59
Pretenderiam, em seguida, romper os laços políticos. Na sua opinião,
a separação do Sul não teria acontecido ainda por dois motivos: primeiro, em função da
existência da Doutrina Monroe, que colocaria em rota de colisão a Alemanha e os Estados
Unidos caso a primeira tentasse possuir uma colônia na América do Sul; segundo, porque os
teutos do Sul do Brasil não desejariam fazer parte do Império de Guilherme II, mas criar um
novo Estado, independente, autônomo e soberano.
Causavam-lhe repulsa os governantes brasileiros que tinham cometido o gravíssimo
erro de haver consentido na formação lenta, por décadas, de redutos de população germânica
que não tiveram a menor fusão com as populações brasileiras. Sua cólera recaía também sobre
políticos, como os governadores positivistas gaúchos, Júlio de Castilhos e Borges de
Medeiros, que faziam uma implícita aliança política com o eleitorado de ascendência alemã
do Estado, não reprimindo o germanismo e minimizando o “perigo alemão”. Mostrou-se
indignado com os habitantes genuinamente brasileiros do Sul, taxados como sendo
imprevidentes e pretensiosos por índole, pelo fato de estarem satisfeitos que ali “o elemento
germânico produz e gera a riqueza, ajuda largamente a pagar os impostos e a cobrir as
despesas”,
60
mas que não se apercebem que estão sendo suplantados no todo. Enfim, mostrou
sua repulsa também aos teuto-brasileiros por ostentarem desprezo pela vida pública nacional,
por serem avessos à assimilação e pela aversão que tinham a tudo o que era brasileiro.
Propõe uma série de medidas com o fito de evitar o futuro desmembramento do Sul do
Brasil:
1º) proibir as grandes compras de terrenos pelos sindicatos alemães, maximé nas
zonas das colônias;
2º) obstar a que estas se unam, se liguem entre si, colocando entre elas, nos
terrenos ainda desocupados, núcleos de colonos nacionais ou nacionalidades
diversas da alemã;
3º) vedar o uso da língua alemã nos atos públicos;
4º) forçar os colonos a aprenderem o português, multiplicando entre eles as
escolas primárias e secundárias, munidas dos melhores mestres e dos mais
seguros processos;
5º) ter o maior escrúpulo, o mais rigoroso cuidado em mandar para as colônias,
como funcionários públicos de qualquer categoria, somente a indivíduos da mais
esmerada moralidade e de segura instrução;
desenvolver as relações brasileiras de toda a ordem com os colonos,
protegendo o comércio nacional naquelas regiões, estimulando a navegação dos
portos e dos rios por navios nossos, criando até alguma linha de vapores que
trafeguem entre eles e o Rio de Janeiro.
7º) fazer estacionar sempre vasos de guerra nacionais naqueles portos;
59
Ibidem p. 70.
60
Ibidem p. 70.
308
8º) fundar nas zonas de Oeste, tolhendo a expansão germânica para o interior,
fortes colônias militares de gente escolhida no exercício.
61
A obra de Romero foi prontamente retrucada pelo paranaense Alcides Munhoz, que
qualificou como teutofobia a denúncia do “perigo alemão” no seu Estado. Coube a um dos
admiradores e discípulos de Romero, Arthur Guimarães, replicar a crítica feita por Munhoz.
62
Nas décadas posteriores, muitos livros ainda seriam publicados tendo como pano de fundo a
temática do “perigo alemão”. Mas surgiram, igualmente, trabalhos que fizeram a defesa da
Alemanha e dos alemães e de seus descendentes localizados no Sul do Brasil.
A acirrada disputa imperialista ocorrida entre as potências européias desde o último
quartel do século XIX, culminou na deflagração da Primeira Guerra Mundial.
63
Com o
conflito, o chauvinismo e a xenofobia encontraram formidável terreno para se difundir na
Europa. O Brasil, inicialmente, adotou uma postura de neutralidade em relação ao confronto
bélico, não obstante amplos setores da vida pública nacional manifestarem simpatias para
com as causas dos aliados. Posteriormente, face ao torpedeamento de navios mercantes
brasileiros, houve o rompimento das relações diplomáticas com os Impérios Centrais e a
declaração do estado de guerra contra a Alemanha, em 26 de outubro de 1917. Com a guerra,
as áreas colonizadas por alemães e seus descendentes no extremo-sul do Brasil tornam-se
motivo de preocupação, de crítica e de defesa por parte de alguns intelectuais. As paixões
suscitadas pelo choque europeu tiveram influência nesse debate.
A guerra recolocou a questão da brasilidade na ordem do dia. A invasão da Bélgica, de
acordo com o que preconizava o Plano Schiliffen, fortaleceu o sentimento pró-aliados de
muitos intelectuais brasileiros. Entre os defensores da posição francesa e aliada no conflito se
encontravam homens como Rui Barbosa, José Veríssimo, Graça Aranha, Antônio Azevedo,
Pedro Lessa, Barbosa Lima, Olavo Bilac, Manuel Bonfim, Medeiros e Albuquerque, José
Carlos Rodrigues, Coelho Neto, Afrânio Peixoto, Pandiá Calógeras, Assis Brasil, Tobias
Monteiro, Gilberto Amado, Emílio de Menezes, Mário de Alencar e Nestor Vitor. Dentre os
61
Ibidem p. 52.
62
GUIMARÃES, Arthur. O allemanismo no sul do Brasil. Réplica a uma crítica paranaense. Rio de Janeiro:
Typ. Jornal do Commercio, 1907.
63
A primeira Guerra Mundial foi um confronto eminentemente imperialista em que se enfrentaram os países
formadores da Tríplice Aliança, integrada inicialmente pela Alemanha, Áustria-Hungria e Turquia, e os da
Tríplice Entente, formada por França, Rússia e Inglaterra. No decorrer do conflito bélico, a Entente contou com
o reforço da Itália (1915), Romênia (1916), Estados Unidos (1917), Japão e de muitas outras nações. O conflito
se estendeu de 28 de julho de 1914 a 11 de novembro de 1918.
309
defensores da Alemanha estava o deputado Dunshee de Abrantes e figuras como João Barreto
de Menezes, Capistrano de Abreu e Lima Barreto. Dentre os que mantinham uma atitude de
neutralidade, embora fazendo críticas aos aliados, estavam Alberto Torres, Oliveira Lima,
Assis Chateaubriand, Vicente de Carvalho e Azevedo Amaral.
64
Conforme constatação feita pelo professor René Gertz, até o final da Primeira Guerra
Mundial muitos artigos e livros tratando do perigo alemão seriam impressos no país. No ano
de 1914, justamente quando acabava de eclodir a Guerra, Arbivohn publicou “O perigo
prussiano no Brazil.”
65
Em uma linguagem panfletária e amplamente favorável à causa da
Entente no conflito, escreveu a seguinte pérola sobre a educação nas áreas de colonização
alemã na porção meridional do Brasil:
Nas escolas allemãs, as crianças aprendem que o Brazil é um paiz selvagem,
habitado por uma raça de mulatos turbulentos e deshonestos, incapazes do self-
government; e compulsam mappas geographicos, adrede preparados, em que as
províncias meridionais do Brazil figuram como domínios da corôa prussiana.
66
Para esse autor, as eleições para deputados e senadores feitas nas regiões coloniais
davam-se somente após os chefes políticos consultarem o ministro do Kaiser no Rio de
Janeiro. Foi mais longe ao afirmar que, inclusive, estavam em elaboração, em Berlim, os
códigos civil e criminal que deveriam ser adotados no Sul do Brasil; que o Reischtag daquele
Império votava anualmente uma verba para as escolas públicas alemãs do Brasil; que as atas
das sessões de muitas municipalidades, editais e outros documentos oficiais, eram redigidos
no idioma alemão. Enfim, “para a annexação definitiva de nossas províncias, só faltava
propriamente a arrecadação dos impostos federaes, que, em vez de serem remetidos para o
Rio de Janeiro, sel-o-hiam para Berlim”.
67
Denuncia que, dentre os meios empregados pela diplomacia prussiana para a sua
expansão colonial, a expedição de sacerdotes ligados à crença dos povos a conquistar é a mais
eficaz. Seria essa a estratégia adotada longos anos no Brasil, preparando o terreno para a
anexação de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
64
Cfe. Oliveira, op. cit. p. 118-19.
65
ARBIVOHN. O perigo prussiano no Brazil. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1914. Segundo
René Gertz, era Raimundo Bandeira que escrevia sob o pseudônimo Arbivohn.
66
Ibidem p.4.
67
Ibidem p. 8-9.
310
A respeito da Guerra, defendia que a sorte dos aliados seria a sorte do Brasil. Sobre a
Inglaterra, que então ainda detinha a hegemonia política e econômica do mundo, fazia a
seguinte afirmação:
A nossa salvação foi a intervenção da Inglaterra, a nação liberal e poderosa,
abrigo seguro de todos os credos religiosos, refugio tranquillo dos perseguidos
politicos de todas as partes do mundo, que entrou nesta desgraçada campanha,
desembainhando sua espada calmamente e reflectidamente em defeza da propria
honra, da fidelidade nos tratados, aos compromissos contrahidos e à palavra
jurada.
68
A defesa convicta e apaixonada da Alemanha e dos alemães do Sul do Brasil também
encontrava eco. E não necessariamente por germanófilos de origem teuta. Em 1915, Augusto
Porto Alegre lançou um livro pretensamente para combater os artigos de um discípulo de
Romero, o intelecutal José Veríssimo, publicados no Jornal do Comércio. A obra literária, no
entanto, tinha como escopo condenar o opúsculo de lvio Romero lançado em 1906. Para
Porto Alegre, ao escrever aquele opúsculo, Romero teria cometido imperdoável desacerto,
escrevendo sobre tema de alta relevância política, social e econômica, restrito às fontes que
tinha à mão em seu gabinete e que eram de origem predominantemente francesa:
(...) a penna brilhante do insigne philosopho e escriptor, com rara habilidade
rebuscou achar profundas incompatibilidades do viver allemão entre as
populações dos tres grandes estados sulinos, para, juntando essa, e outras razões,
às opiniões de escriptores allemães, sem qualquer representação official na
administração de sua pátria, e por isso sem alcance de qualquer sorte, concluir
d’ahi a iminencia da absorpção d’aquella tão bella porção territorial empossada
em nome do peso do militarismo prussiano!!! Ora, nada d’isso procede, pois que
o ponto de partida de argumentação sendo falso, falso será também o resultado.
69
Admirador confesso da cultua germânica,
70
Porto Alegre, nessa obra, enaltece a
participação de teutos e descendentes em terras sul-rio-grandenses na agricultura, na indústria,
no comércio, nas artes, no jornalismo, entre o professorado e como soldados. Como
combatente, o alemão teria se engajado entre ambas as facções que se confrontaram na
Revolução Farroupilha (1835-1845); teria sido peça fundamental na campanha contra Rosas
na Argentina (1851-1852); inúmeros alemães teriam participado como soldados na Guerra do
68
Ibidem p. 11.
69
PORTO ALEGE, Augusto. A defeza da Allemanha e dos allemães do sul do Brazil. Rio de Janeiro: Pap. e
Typ. Sportiva, 1915. p. 8.
70
“Nós, defendendo a grande e gloriosa Allemanha e os operosos allemães do Sul do Brasil fazemol-o com mão
firme, pela admiração à intelligencia fecunda e à operosidade manifestada incontestemente pelo importante e
poderoso elemento do promissor progresso das bellas regiões em que elle assentou as suas tendas de trabalho.”
Ibidem p. 27.
311
Paraguai (1865-1870) e posteriormente tomado um dos partidos que se conflagraram durante
a Revolução Federalista (1893-1895). Assevera que a população de ascendência germânica no
Estado se constituíra em um imprescindível fator de progresso: “O allemão pela sua fixidez ao
solo da segunda patria é valioso como elemento constitutivo da população. Assim altamente
intelligente tornou-se a corrente immigratoria a que mais deve o Estado, pois foi a primeira a
estabelecer-se nelle, sem outros intuitos sinão os do trabalho, que ninguem mais do que elle
sabe mobilizar”.
71
Aquilo que se convencionara chamar de “perigo alemão” não existiria, de fato, no Rio
Grande do Sul. Seria verdadeira fantasmagoria:
Uma das coisas mais interessantes do perigo allemão, que atormenta tanta gente,
é que no Sul ninguém o vê: nem o povo d’um patriotismo extraordinario nem a
administração publica,
de inexcedivel zêlo e moralidade na direcção de todos os
negocios.
(...) O patriotismo do povo do nosso Estado ainda não levantou seu protesto
porque não existe razão para acautellar-se d’um mal que ninguem viu.
72
A respeito do receio de uma parte da população falar o alemão ao invés do português,
contrapõe o caso da Suíça. Exemplifica que aquele país, constituído de um povo
extraordinário, de uma capacidade industrial admirável, de um patriotismo inexcedível, não
perdia seu prestígio mundial por lá se falar o alemão, o italiano e o francês.
73
Quanto à guerra em curso, então em seu segundo ano, qualificou-a não como sendo
um choque de “raças” antagônicas e de civilizações opostas, mas uma luta comercial que se
tornara necessária e inadiável para a Inglaterra, haja vista ter a Alemanha conquistado parte de
seus mercados.
Causava-lhe ainda estranheza a emotividade de certa parte do público brasileiro ao
revelar exagerada inclinação em favor dos aliados no confronto bélico em curso e antipatia
para com a Alemanha. Estranhava o fato que incidentes diplomáticos recentes da história
brasileira, que haviam indisposto o Brasil com a França, Inglaterra e Itália, haviam sido
71
Ibidem p. 26
72
Ibidem p. 22.e 28.
73
Ibidem p. 25.
312
facialmente esquecidos.
74
Argumentava que, enquanto essas nações tinham tomado atitudes
hostis às pretensões brasileiras, a Alemanha havia se mostrado sempre amiga e parceira do
Brasil. Nesse sentido, acentua que a França e a Inglaterra teriam atuado com extraordinária
habilidade para indispor o espírito nacional contra a Alemanha. A causa disso seria a
caluniosa acusação de pretender aquela nação se apossar de territórios da terra brasileira.
75
Ainda em 1915, Raul Darcanchy fez publicar “O pan-germanismo no Sul do Brasil”.
76
Natural do estado do Paraná, o autor era também membro da Liga Brasileira pelos Aliados e
da Associação de Imprensa. Havia anos que Darcanchy desfechava virulentas críticas contra
os teutos e descendentes que viviam no estado de Santa Catarina através de jornais do Paraná
e da então capital do Brasil, o Rio de Janeiro. Os textos publicados visavam dois objetivos: 1)
despertar a atenção dos poderes públicos nacionais para os processos irritantes do
“alemanismo” no Sul do Brasil e; 2) dar combate à miopia profundamente deplorável dos que
negavam a existência do “perigo alemão”, induzidos por mero sentimento de afetividade à
raça germânica.
77
Alemães, para ele, não seriam somente os nascidos na Alemanha, mas também os seus
descendentes até a terceira ou quarta gerações. Suas opiniões vêm envenenadas pela Guerra
que ocorria na Europa e pelo conflito pela posse de uma vasta região, chamada de Contestado,
reivindicada e disputada pelos estados do Paraná e de Santa Catarina. Denuncia que em
determinadas regiões do estado catarinense ter-se-ia criado uma pequena Germânia. Em
Joinville, Blumenau, Brusque, São Bento, Oxford e muitas outras localidades “nossos
patrícios têm uma situação idêntica a dos polacos na Polônia alemã.” Os alemães são
acusados do extermínio dos índios no Estado; de se apoderarem do Tayó
78
pela força; de
armarem e de comporem as forças dos “bandoleiros fanáticos”, isto é, dos crentes seguidores
74
Refere-se à disputa territorial em que o Brasil, no final do século XIX, se defrontou com a França na chamada
Questão do Amapá. Após a descoberta de ouro na região, os franceses desejaram deslocar a fronteira de sua
colônia na América do Sul, acertada no Tratado de Utrecht, de 1713, do rio Oiapoque para o Araguari, situado
mais para o sul. A questão foi levada ao arbitramento da Suíça que deu ganho de causa ao Brasil. No caso da
Inglaterra, faz menção a um episódio que provocou a indignação dos brasileiros. Trata-se da Questão da ilha da
Trindade. Em janeiro de 1895, a Inglaterra ocupou a ilha da Trindade, situada ao longo da costa do Estado do
Espírito Santo, e a incorporou ao seu Império. O fato desencadeou uma tempestade de protestos no Congresso
Nacional, na imprensa e nas ruas. A ação diplomática exercida pelos governos do Brasil e de Portugal fez com
que houvesse um recuo da Grã-Bretanha. Os rochedos da Trindade, no ano de 1896, voltaram ao domínio do
Brasil. Ver a respeito: CALMON, Pedro. História do Brasil. Volume VI. Rio de Janeiro: José Olympio, 1961. p.
2042-43; VIANA, Hélio. História do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1980. p. 578-80.
75
Porto Alege, op. cit. p. 44
76
DARCANCHY, Raul. O pan-germanismo no Sul do Brasil. Rio de Janeiro, 1916.
77
Ibidem p. 7.
78
O Tayó era uma vasta região do Contestado, então sob a jurisdição paranaense.
313
do monge João Maria e do seu movimento messiânico; de ocuparem a maior parte dos cargos
administrativos das cidades; de constituírem a maioria dos eleitores em determinados
municípios; e de manterem escolas de onde saíam sucessivas gerações de súditos germânicos,
tão autênticos quanto os que haviam deixado o cordão umbilical na Prússia.
Pode-se afirmar que esta esquisita espécie de brasileiros constitue o grosso das
populações allemãs em Santa Catarina. Ela forma o commercio, a industria, os
clubs de diversão, o eleitorado os batalhões de atiradores, a opinião no seio da
colônia e a imprensa pangermanista estadual.
79
As sociedades de atiradores existentes no Estado não erram, para Darcanchy, outra
coisa que não batalhões de atiradores. Sob o disfarce de associações de tiro teuto-breasileiras,
elas, no seu conjunto, constituiriam um perfeito exército colonial prussiano. Exerceriam
função estratégica para o aumento dos domínios coloniais da Alemanha imperialista.
Esse modelo de organização militar, creada e mantida pelos allemães,é, quiçá, a
mais audaciosa obra do pan-germanismo levada a effeito naquella porção do
território nacional. Nada falta para lhe dar o caracter, que effectivamente tem de
muito, de tropas de desembarque desembarcadas no sul do Brazil:
quartéis, fardamentos, espingardas, disciplina prussiana e até campos para
manobras.
Cada batalhão tem, em média, de 200 a 300 soldados, possuidos em alto grau do
espírito de raça, que é aliás, o mais notável característico dos allemães e seus
descendentes.
(...) no Brazil meridional existe, de facto, um exercito composto de reservistas
allemães, respeitavel pelo numero e pelas qualidades thecnicas.
E esse exercito, segundo lh’o indicarem as circunstancias de momento,
subordinas às que actuarão de além-Rheno, poderá ocupar vantajosamente as
melhores posições estratégicas da região, antes que o façam as tropas
nacionaes.
80
“Os allemães no Brasil”, de Crispim Mira, opúsculo laudatório do trabalho da
população de ascendência germânica no Brasil, especialmente no estado de Santa Catarina, e
de combate à tese do “perigo tedesco”, aparece em 1916, portanto ainda durante a Guerra. O
autor inicia enfatizando que, numericamente, a população de origem alemã não deveria
constituir motivos de apreensão no Brasil. Seriam somente 380 a 400 mil para cerca de um
milhão e 500 mil italianos e 23 milhões de brasileiros.
81
Ao argumentar que todos os povos
antigos e modernos tiveram na construção de sua grandeza o concurso de estrangeiros de
várias procedências, enaltece a contribuição dos seis milhões de alemães natos e 25 milhões
79
Darcanchy, op. cit. 13.
80
Ibidem p. 28-29.
81
MIRA, Crispim. O allemães no Brasil. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1916. p. 3
314
de origem, para o desenvolvimento industrial, comercial, agrícola e cultural dos Estados
Unidos. Salienta que naquele país, não obstante o amor demonstrado pela pátria avoenga, os
descendentes de alemães não nutriam qualquer desejo de deixar de serem americanos.
No que tange ao Brasil, assevera haver muitas acusações que, de tanto repetidas,
tornaram-se admitidas como verdadeiras por um grande número de pessoas. Admite que o
alemanismo seria, de fato, uma realidade no Sul do país enquanto manutenção dos costumes
germânicos, mas jamais como atentado à integridade nacional.
82
E o colono alemão, mesmo
conservando alguma coisa da pátria mãe, se constituiria no “typo ideal, o colono intelligente e
progressista que desde logo se fixa no paiz.”
83
Ele não pensaria na Alemanha, senão pela
saudade e pelo respeito que sempre se tem pela pátria de nascimento ou de origem. Registra
que os alemães do Sul estavam, então, apenas na sua segunda geração e que, embora fizessem
uso, em geral, da ngua materna e mantivessem em suas casas retratos da família imperial
alemã, de Bismarck e de Moltke, e cultivassem cantos patrióticos em suas associações, já
começavam a ser brasileiros. O abrasileiramento completo somente viria com o passar do
tempo.
84
O poder público é criticado por Mira por deixar, em geral, sem escolas as regiões
coloniais. Quanto às acusações várias vezes veiculadas em jornais de que os alemães não se
deixavam abrasileirar e que chegavam, inclusive, a redigir em alemão as atas de algumas
municipalidades de Santa Catarina, afirma serem estas absolutamente descabidas. O caso das
atas municipais seria uma lenda que a intriga política criara. O fato, uma mentira comprovada,
teria ocorrido entre 1880/81 na Câmara Municipal de Joinville.
85
Um ano depois, em 1917, era traduzido para a língua portuguesa “O plano
pangermanista desmascarado”, do francês André Chéradame. Essa obra, prefaciada por Graça
Aranha, a exemplo de tantas outras de caráter claramente francófilo, deve ter influenciado a
intelectualidade do centro do Brasil, mais enfaticamente a do Rio de Janeiro, que então era o
tambor do Brasil, a caixa de ressonância, o lócus privilegiado da consagração de autores.
82
Ibidem p. 8. Afirma que as belíssimas cidades de Joinville e Blumenau em nada diferiam, no feitio e nos
costumes, das pequenas cidades do interior da Alemanha, o que, entretanto, não as impedia de serem
absolutamente nacionais.
83
Ibidem p. 9.
84
Ibidem p. 23.
85
Sobre o episódio, ver as páginas 30 e 31 da referida obra.
315
O objetivo da obra era denunciar e vulgarizar o plano pangermanista, isto é, a união
dos povos germânicos em um Estado único, e as supostas pretensões do Império de
Guilherme II de anexar territórios na Europa Central (onde seria formada a Confederação
Germânica), África e América do Sul. Segundo o autor, o plano pangermanista teria
assentado suas bases no ano de 1895 e se fundamentava no exato conhecimento que os
alemães haviam adquirido dos problemas políticos, etnográficos, econômicos, sociais,
militares e navais, não só da Europa, mas do mundo inteiro.
86
A guerra então em curso na Europa teria, para Chéradame, apenas uma única profunda
e longínqua causa: a vontade que o Kaiser tinha de realizar o plano pangermanista. Quanto à
América Latina, afirma que desde o ano de 1900 os alemães residentes no Brasil e na
Argentina começaram a ser agitados e manobrados pelas sociedades pangermanistas.
Especialmente o Brasil Meridional seria há muito cobiçado pelos interesses alemães.
De ha muito que os allemães concentrram os seus exforços colonisadores
especialmente em tres Estados brazileiros: Paraná (60.000 allemães), Santa
Catharina (170.000) e Rio Grande do Sul (220.000). N’estas ricas provincias, os
allemães, conservando a lingua, as tradições, os prejuizos da metrópole, são
senhores quasi absolutos. Ha 47.000 apenas que são abertamente cidadãos do
Imperio allemão. Os demais, isto é, 400.000 são apparentemente subditos
brazileiros, mas em virtude da lei de Delbrück, uma consideravel parte d’elles,
ficaram sendo ou tornaram-se de novo dedicadissimos subditos de Guilherme II.
(...) Depois do começo da guerra europeia, o jogo dos allemães do Brazil foi-se
desmascarando progressivamente, e acaba de se verificar que as suas numerosas
sociedades de tiro eram, na realidade, sociedades de organisação militar a tal
ponto perigosas, que se reconheceu a necessidade de as desarmar.
87
O autor nitidamente superdimensiona na obra o real poder e a influência que teve a
Alldeutcher Verband, ou União Pangermânica, na difusão da sua ideologia. De acordo com o
historiador inglês Edward McNall Burns, embora a Liga fizesse muito barulho, dificilmente
poderia alimentar a pretensão de representar a nação alemã. Em 1912, não contaria com mais
de 17 mil membros e as suas violentas críticas dirigidas ao governo eram mal recebidas por
86
CHÉRADAME, André. O plano pangermanista desmascarado. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1917. p. 46.
87
Ibidem, p. 294-95. A lei Delbruck à qual faz menção Chéradame, é um dispositivo legal alemão datado de 22
de julho de 1913. Segundo essa lei, seria possível a um cidadão alemão manter sua nacionalidade de origem
ainda que viesse a se naturalizar em outro país. Nesse caso, para não perder sua nacionalidade alemã, antes de
ocorrer a naturalização, deveria solicitar à autoridade competente, a autorização escrita de conservar a sua
nacionalidade. Registre-se que, no Brasil, os descendentes de imigrantes nascidos no país tornavam-se cidadãos
brasileiros. Quanto aos naturalizados antes do advento dessa lei, inclusive os da grande naturalização havida
quando da Proclamação da República, haviam perdido a cidadania alemã. Quanto às sociedades de tiro,
existentes em todas as áreas coloniais alemãs do Sul do Brasil, na realidade não se constituíram em entidades
militares ou paramilitares. Tinham tão-somente caráter desportivo-recreativo. Este último tema foi objeto de
análise no capítulo anterior.
316
muita gente.
88
Por outro lado, Chéradame cala-se completamente no que diz respeito ao
revanchismo francês, ao paneslavismo e à dominação de povos, nos continentes africano e
asiático, levados a cabo pela Inglaterra e pela França para a constituição de seus impérios
coloniais.
Em 1920, aparece À margem do tempo”, de Waldir de Niemeyer. Retomando
concepções de meio e “raça” e outros argumentos utilizados por Romero, a obra, além de
criticar o tipo de colonização de “núcleos isolados” levado a cabo no Sul pelos governantes
do Império e da República brasileira,
89
mostra preocupação com a imigração asiática.
Defende, ainda, como força de trabalho, a utilização do elemento nacional que vivia
espalhado pelos imensos sertões dos estados nortistas, periodicamente flagelados pelas secas.
E, embora tivesse consciência de que a imigração fosse necessária para o robustecimento do
país e o crescimento da nação, entendia que uma conveniente seleção e localização dos
imigrantes se faziam necessárias a fim de que não se desfigurasse a alma nacional.
90
O fantasma apavorante do “perigo alemão” havia, por essas épocas, arrefecido. Afinal,
a Alemanha havia perdido a guerra, sofrera um duro golpe com o Tratado de Versalhes e
amargava uma profunda crise social, política e econômica. Não obstante tudo isso, alertava
que a situação dos alemães do Sul do país continuava a ser exatamente a mesma de outros
tempos, e que permaneciam constituindo um quisto de difícil extirpação. Profetiza que a
Alemanha não estava morta e que seu virtual reerguimento traria de volta aquele fantasma.
91
Com relação à imigração, para evitar a repetição dos erros do passado, quando o
desenvolvimento de “núcleos isolados” havia sido estimulado pelos governantes, propõe um
programa fundamentado em três pontos:
Primeiro, na distribuição de immigrantes, tendo em vista afastar o
estabelecimento de novos nucleos isolados; segundo, na creação de escolas
nacionaes obedecendo ao methodo adaptado aos Estados Unidos e que foi a
melhor obra de assimilação para o elemento extrangeiro no exemplar paiz; e
88
BURNS, Edward McNall. História da civilização Ocidental. Porto Alegre: Globo, 1981. p. 837.
89
Era o mundo político e não os imigrantes os responsáveis pelo surgimento das aglomerações das correntes
imigratórias. “Estabelecidos em localidades afastadas, onde não soffriam o contacto necessário e indispensavel
das populações nacionaes, os allemães estavam impossibilitados de aprender a nossa lingua, de observar e
adoptar os nossos costumes. Ante a politica indifferentista permaneciam como bons súbditos de S. M. das
bandas do Rheno.” NIEMEYER, Waldir de. À margem do tempo (ensino sobre os erros e males da colonisação
extrangeira no Brasil). Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1920. p. 18
90
Ibidem p. 11.
91
Ibidem p. 27.
317
terceiro, finalmente, no serviço militar obrigatorio, quando puder offerecer maior
ambito e alcançar a todos os cidadãos por classes.
92
Um novo esforço, destinado a reverter a opinião pública brasileira contrária à
Alemanha, aconteceu uma vez terminada a Primeira Guerra Mundial. Germanófilos como,
por exemplo, João Dunshee de Abranches Moura, Mário Pinto Serva e Amílcar Salgado dos
Santos, empenharam-se, através da imprensa, na defesa de posições alemãs.
93
Mário Pinto Serva em, “A Alemanha caluniada”, acusa Poincaré, o plenipotenciário
francês, como responsável maior pela eclosão da hecatombe de 1914. A responsabilidade pela
eclosão do conflito não teria cabido nem ao povo alemão, nem ao seu governo, mas sim a um
conluio criminoso em que teriam tomado parte os governantes franceses, partidários da
desforra,
94
e os governantes paneslavistas russos, desejosos de estabelecer sua supremacia nos
Bálcãs. Eles teriam atuado convictos de que a Inglaterra os apoiaria na hora derradeira pelo
interesse que ela tinha de destruir um competidor econômico em potencial. Denuncia a
extorsão que representou o Tratado de Versalhes de 1919, por ele considerado o ato de maior
ferocidade que a história da humanidade já teria registrado até então, por contrariarem os
Catorze Pontos do plano de paz apresentado pelo presidente Wilson, dos Estados Unidos, por
amputar a Alemanha de vastos territórios a título de reparação de guerra e por obrigá-la a
reconhecer-se como a única culpada pela guerra. Defende que a Alemanha, entrando na
guerra, agiu em legítima defesa, para evitar que fosse esmagada entre a Rússia e a França.
95
Denuncia também a devastação feita pela França na Alemanha, o que teria aniquilado
completamente a produção e o comércio alemães. Não competindo a culpa da guerra à
92
Ibidem p. 52.
93
Escritos que fazem a apologia do “trabalho alemão", embora não se ativessem ao “perigo alemão” aparecem
também no período em enfoque. Assim, por exemplo, em 1924, o Verband Deutscher Vereine fez publicar “Cem
anos de germanidade no Rio Grande do Sul. Em 1925, Ernesto Pellanda publicou "A colonização germânica no
Rio Grande do Sul". Em 1930, aparece "A colonisação allemã no Rio Grande do Sul", de autoria de Leonardo
Truda. Em 1934 surgiu “O Trabalho alemão no Rio Grande do Sul”, de Aurélio Porto. Em 1935, Antonio
Soveral organizou “O patriótico governo do Gal. José Antonio Flores da Cunha e O trabalho allemão no Rio
Grande do Sul”. Em 1936, Leopoldo Petry publica “História da colonização allemã no Rio Grande do Sul”.
94
Refere-se à guerra de 1870/71 entre a Prússia e a França que culminou com a criação do Império Alemão e
que arrebatou dos franceses as províncias da Alsácia e da Lorena. A responsabilidade pela Guerra de 1870, para
Serva, também recaía inteira e exclusivamente sobre os franceses. A monarquia de Napoleão III teria tido
absoluta necessidade de fazer essa guerra
95
SERVA, Mario Pinto. A Allemanha calumniada. São Paulo: Monteiro Lobato & C. Editores, s.d. p. 29.
318
Alemanha, esta juridicamente não deveria pagar indenização alguma. A ocupação do Vale do
Ruhr, pelos franceses,
96
é qualificada pelo autor como “banditismo” pois que
O assassinio e o latrocínio se exercem em plena liberdade. Os francezes roubam
e assassinam no Ruhr. Todas as leis criminaes e civis e constitucionaes e
privadas foram abolidas nessa região. O latrocinio e o assassinio imperam no
Ruhr, ora em pleno regimen de banditismo instaurado pelos francezes. Mata-se e
rouba-se à vontade no Ruhr. Hoje é uma fabrica de anilina assaltada e de cujo
stock se apoderam os francezes como salteadores, sem formalidade de especie
alguma. Hontem era uma mina de que elles se apropriavam. Não ha dia que não
registre um novo esbbulho, um novo assalto, uma nova depredação.
97
No que tange ao sentimento pró-aliados e antigermânico existente no Brasil, explica
que os brasileiros são colonos mentais franceses. Têm, por decorrência, “uma opinião errada
sobre os fatos europeus. A razão é simples: em 100 brasileiros, seguramente 99 sabem francês
e apenas um sabe alemão ou inglês. De modo que nós brasileiros intelectualmente somos
colonos da França. lemos livros, jornais e revistas francesas e assim todas as nossas fontes
de conhecimento a respeito da guerra européia são absolutamente suspeitas.”
98
Seria esta a
razão pela qual todos seriam francófilos no país.
Ataca também a Agência Havas que, através de seus telegramas, teria alimentado a
publicidade e a propaganda mais torpe e imbecil contra a Alemanha. Para Serva, a “Havas não
faz senão propaganda do ponto de vista francês, encheu o mundo inteiro de todas as
invencionices engendradas no cérebro dos energúmenos que dirigem a política francesa.”
99
Teria sido em conseqüência dessa propaganda feita durante os quatro anos de guerra, e
mesmo depois de ela finda, que o mundo ficara inundado por mistificações grosseiras, fato
que aumentara os preconceitos contra a Alemanha. Alega que a imprensa paulista estaria
ludibriando completamente o povo sobre a situação européia, na medida em que publicava
notícias recebidas de agências de serviço do governo francês.
Defende a imediata e definitiva suspensão de qualquer indenização e reparação de
guerra da Alemanha, seja para a França, seja para a Bélgica. A política de reparações e o
saque teriam desgraçado a Alemanha, onde multidões operárias agora vagueavam famintas. A
96
Refere-se à ocupação da bacia do Ruhr por tropas francesas e belgas, em janeiro de 1923, confiscando as
minas de carvão que passariam a ser exploradas a título de reparação de guerra. Cfe. JOLL, James. A Europa
desde 1870. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1982. p. 420 et seq.
97
Serva, op. cit p. 39-40.
98
.Ibidem p. 46.
99
Ibidem p. 96.
319
França, no intuito de aniquilar a Alemanha, estaria arrastando ao caos a Europa inteira e,
mesmo, prejudicando os parceiros comerciais da Alemanha, dentre os quais o Brasil.
Em 1931, o capitão do exército brasileiro Amílcar Salgado dos Santos reúne uma série
de escritos e faz publicar “Brasil-Allemanha”. A defesa da Alemanha na guerra havida entre
1914 e 1918 é feita na primeira parte do livro. Na segunda parte, são enfatizadas as relações
diplomáticas entre as duas nações e a contribuição dada por alemães e descendentes na
política e no exército brasileiro.
O autor menciona que, ao viajar pelos estados do Paraná e de Santa Catarina no ano de
1917, havia constatado que nas áreas de colonização germânica se falava o alemão. Ali
existiam escolas alemãs, igrejas, associações, estabelecimentos comerciais, sociedades de tiro,
tudo de alemães. Até mesmo documentos oficiais de nascimento, casamento e óbito seriam
registrados em alemão. Conclui que a responsabilidade por tais fatos não seria dos colonos,
muito menos do governo alemão. A culpa seria dos governantes brasileiros que deixavam
aquela gente no mais completo abandono. Os habitantes daquelas áreas somente procurariam
satisfazer as suas necessidades:
(...) não havendo escolas onde seus filhos pudessem aprender a ler, escrever,
etc., sendo o povo allemão bastante amigo da instrucção, lançavam então
aquelles habitantes daquella zona mão do que estava ao alcance, isto é,
ensinavam o allemão; não havendo então funcionarios brasileiros ou então quem
soubesse escrever em portuguez, lançavam seus documentos officiaes em
allemão; sendo os allemães amigos da instrucção physica, dos esportes, do
militarismo, fundavam então linhas de tiro; sendo os allemães cultores da
Historia Pátria, não havendo escolas onde ensinassem a Historia do Brasil,
ensinavam a seus filhos a Historia da Allemanha, quem tinha sido Frederico o
Grande, Kant, Bismarck, Moltke, etc.
100
Quanto ao “perigo alemão”, afirmou tratar-se de uma calúnia contra os colonos teutos
aos quais se devia o grande desenvolvimento dos estados do Rio Grande do Sul, de Santa
Catarina e do Paraná, assim como de outros lugares do Brasil, como do Estado do Espírito
Santo. E, considerando que os alemães são tidos como um povo de ótimas qualidades de
coração e caráter, argumenta que somente poderiam concorrer para a sadia formação da
nacionalidade brasileira. Defende, por isso mesmo, a infiltração em massas numerosíssimas
de colonos alemães no Brasil.
101
100
SANTOS, Capitão Amílcar Salgado dos. Brasil-Allemanha. São Paulo: s/e, 1931. p. 249.
101
Ibidem p. 250-256.
320
Em 1934, Julio de Revoredo em, “Immigração”, procura fazer uma distinção entre três
conceitos: assimilação, amalgamação e brasilização. Define assimilação como “o processo em
virtude do qual determinada nacionalidade preserva a sua unidade durante o período em que
recebe elementos exóticos.”
102
A idéia de assimilação social é tomada emprestada da
Biologia. Faz uma analogia entre um estrangeiro recém-chegado a um país e as partículas
alimentícias deglutidas por um ser vivo. O ato de imigrar, por si só, não tornaria um ádvena
automaticamente membro da nacionalidade que o recebe, do mesmo modo que um alimento
que passa pelos lábios da boca não se converte, de sopetão, numa célula do corpo. Nesse
sentido, o imigrante necessitaria passar por um processo de transformação em que
desaparecessem os traços de sua nacionalidade anterior, concomitante com a aquisição de
elementos ou qualidades da nacionalidade que o recebeu.
103
Segundo o autor, a assimilação
completa de um imigrante adulto seria impossível em qualquer país. Como ela somente se
processaria na segunda ou terceira geração do imigrante, não representaria um processo de
resultados imediatos.
No processo de assimilação caberia um papel destacado não somente aos poderes
públicos, mas também ao povo. Aos governantes, caberia a tarefa de não permitir que o
alienígena se isolasse em conglomerados uninacionais e formasse “quistos étnicos”.
104
Seriam, ainda, responsáveis pela implantação de escolas primárias nas áreas coloniais e pela
fiscalização das escolas particulares criadas pelos imigrantes e seus descendentes nas áreas
rurais e urbanas do país. Ao povo, caberia a função de não se furtar de ter o máximo contato
possível com o imigrante. Assim sendo, deveria empenhar-se de todas as maneiras para atraí-
lo para o convívio dos brasileiros.
a amalgamação se operaria através do cruzamento de etnias diversas. Embora
distinta da assimilação, as duas noções teriam íntima conexão pelo fato de a amalgamação,
em regra, pressupor a assimilação. Poderia, em todo caso, ocorrer de um grupo de
estrangeiros ter alcançado um alto grau de assimilação sem, contudo, se haver cruzado com os
elementos nativos.
102
Revoredo, op. cit. p. 229.
103
Ibidem p. 225-27.
104
Para Revoredo, não se poderia incriminar os teuto-brasileiros do Brasil por viverem concentrados,
“enkystados”. Longe de qualquer controle governamental, cediam eles às naturais tendências de viver agregados
ao parente, ao conhecido ou ao simples compatriota. A indiferença dos governos, no que concerne à distribuição
e localização de imigrantes, é apontada como sendo responsável pelo surgimento de “pequenas pátrias” ou “ilhas
étnicas”.
321
Quanto à brasilização, ela teria um significado mais amplo que a assimilação. Falando
o idioma português, adaptando-se aos nossos costumes, conhecendo a história do Brasil,
cultivando as nossas tradições, adotando a religião da grande maioria do povo brasileiro,
respeitando os deveres e as instituições nacionais, o imigrante estaria, por assim dizer,
assimilado. Faltar-lhe-ia, no entanto, ainda, o sentimento de patriotismo, ou seja, o ânimo para
um grande sacrifício, para uma nobre renúncia em prol da coletividade. Brasilizar o imigrante
seria exatamente infundir-lhe “os sentimentos de amor e lealdade à nossa terra, para
sustentáculo dos legítimos interesses do Estado, para a defesa dos ideaes e reivindicações
nacionaes, numa cooperação reciproca e fraternal com o elemento nativo.”
105
Revoredo lamentava, no entanto, o fato de que a grande maioria dos brasileiros ainda
não estava completamente brasilizada. E como não tinha noção exata dos deveres de
patriotismo, faltava-lhe a capacidade de incuti-los a outrem e a exigi-los do imigrante:
A generalidade dos brasileiros não tem o direito de exigir que o extrangeiro
além de uma simples assimilação. Fallece-lhe autoridade para reclamar dos
filhos de outras terras amor e lealdade ao Brasil, quando é elle o primeiro a dar o
exemplo de indifferença pelos seus deveres civicos.
106
Como defensor da colonização, o autor critica parlamentares constituintes de 1934 que
teriam denunciado a existência de blocos inassimiláveis no Brasil e evocado o “perigo
japonês”. Quanto às novas diretrizes políticas para os cidadãos que viviam no estrangeiro,
emanadas dos governos fascista italiano e nazista alemão, argumentou que caberia ao Estado
brasileiro simplesmente controlar a imigração para que a assimilação e a brasilização dos
estrangeiros e de seus descendentes não fosse prejudicada. Bastaria, nesse caso, limitar a
imigração exclusivamente a agricultores, destinando-os ao campo e localizando-os de acordo
com a conveniência nacional. Isso porque, “na alma simples do verdadeiro camponez europeu
não se aninham sentimentos hostis à terra que o acolhe, o ampara e lhe os meios de
subsistencia que elle não encontra em seu paiz de origem.”
107
Gilberto Freyre, em “O mundo que o português criou”, fundamentado em Pascal,
defendeu que o indivíduo torna-se brasileiro pela razão, pela inspiração ou pelo costume,
105
Ibidem p. 252.
106
Ibidem, p. 255.
107
Ibidem p. 282.
322
sendo, entrementes, grande o número de pessoas que se nacionaliza principalmente pelo
costume ou pela prática. Ao referir-se a uma viagem ao extremo Sul do Brasil onde estivera
no final da década de 1930 –, afirma ter-se impressionado com certas evidências de
abrasileiramento, “do alemão e de outros colonos, pelo gesto, pelo rythmo do andar, pela
pratica de actos tradicionalmente brasileiros.”
108
Ou seja, o alemão ou o italiano começavam a
se abrasileirar pela prática de uma série de pequenos atos típicos dos brasileiros. No Rio
Grande do Sul, isso se materializava ao se vestirem à gaúcha, ao sorverem o mate, ao trajarem
o ponche e ao calçarem botas. Nesse mesmo Estado e no de Santa Catarina, ao comerem com
gestos nortistas a feijoada entre goles de aguardente, ao calçarem o tamanco, ao usarem o
palito para limpar os dentes e quando as mulheres colocavam a chinela bahiana nos pés. Esses
atos pequenos teriam rico significado sociológico. Exemplifica que a cidade de Blumenau,
não obstante parecer tipicamente alemã pelo tipo de casas e pelas pessoas, quem observasse o
ritmo de andar das pessoas observaria que aqueles moradores, pelo andar, pelo gesto e pelo
ritmo, não eram mais alemães, mas brasileiros.
109
Como ideólogo do lusitanismo, Freyre é contrário à prevalência do idioma alemão ou
italiano sobre o português em qualquer região do país. Mas acredita ser salutar o contato da
cultura luso-brasileira com as culturas trazidas pelos imigrantes das diversas nacionalidades.
Essas funcionariam como um estímulo para o progresso e desenvolvimento da primeira, a
qual não deveria fechar-se na sua cultura tradicional luso-brasileira.
Já no transcurso da Segunda Guerra Mundial, Carlos de Souza Moraes fez publicar “A
ofensiva japonesa no Brasil”. Embora o objeto de estudo fosse a imigração asiática, mais
precisamente a nipônica, passagens no livro que se referem à imigração em geral. Adepto
do regime implantado por Getúlio Vargas no Brasil, Moraes tece elogios ao sistema de quotas
de imigrantes implantado com a promulgação da Constituição de 1934 e mantida pela Carta
Magna outorgada de 1937. Para ele, no período colonial brasileiro, o fechamento dos portos
para o comércio internacional e a proibição do ingresso de colonos estrangeiros teria
permitido a formação de uma base racial mais ou menos definida no território nacional.
Contudo, a partir de 1808, com a abertura dos portos, teria sido permitida a formação de
quistos raciais, em virtude da entrada desordenada de grandes levas imigratórias, que eram
108
FREYRE, Gilberto. O mundo que o português criou: aspectos das relações sociais e de cultura do Brsil com
Portugal e as colônias portuguesas. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1940. p. 33.
109
Ibidem p. 35-36.
323
instaladas à margem das questões de ambientação.
110
Como decorrência dessa prática,
colônias alemãs e italianas haviam ficado esquecidas pelos poderes públicos, vivendo isoladas
à sua maneira. Mais tarde, quando ideologias racistas fizeram apelos em favor de sua pátria de
origem pelo rádio e por emissários, teriam as populações dessas colônias sido seduzidas,
pelos sentimentos que ainda as ligavam fortemente à tradição de seus ancestrais, a aderirem a
essas causas.
Defende o autor que o que se tinha feito no Brasil até então não era exatamente
colonização, e sim povoamento:
O que se vinha fazendo, antes de 1930, era ‘povoamento’ e não ‘colonização’;
era a constituição de ‘ilhas étnicas’, mediante o ingresso de fortes correntes
alienígenas, sem possibilidade do necessário caldeamento e assimilação; era, em
última análise, o estabelecimento de grupos heterogêneos, que não propiciariam
a homogeneidade de que precisávamos, mas permitiriam o surgimento das
pequenas minorias, hoje tão em evidência e que serviram de pretêsto para
guerras de conquista.
111
As palavras de Sílvio Romero e o mesmo se pode afirmar em relação às dos demais
intelectuais que escreveram ao respeito do “perigo alemão” parecem ter sido recebidas com
um mexer de ombros, isto é, com indiferença e descrença, por parte dos governantes. Como
afirma Niemayer, elas eram interpretadas pelo mundo político como produto de jacobinismo
estreito e exaltado, ou como injustificáveis temores de visionários.
112
Pontua, entretanto, com
muita propriedade Marionilde Magalhães que, não obstante esses escritos não terem grande
impacto no meio político, sua ressonância se fez sentir entre outros intelectuais, preocupados
com a questão da nacionalidade.
113
Foi somente no final da década de 1930, com a
nacionalização forçada,
114
que essas idéias produziram eco.
Quanto aos escritos que faziam a defesa da Alemanha e dos alemães dos três estados
sulinos, eles tiveram ressonância ainda mais limitada. Seus autores, além de se defrontarem
com o “perigo alemão” no plano interno, tiveram que se debater com a campanha
antigermanista no plano internacional em um ambiente envenenado pela corrida imperialista
110
MORAES, Carlos de Souza. A ofensiva japonesa no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1942. p. 232.
111
Ibidem p. 231.
112
Niemayer, op. cit. p. 14.
113
MAGALHÃES, Marionilde Brephol de. Pangermanismo e nazismo: a trajetória alemã rumo ao Brasil.
Campinas: Editora da UNICAMP/FAPESP, 1998. p. 61.
114
SEYFERTH, Giralda. Os imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce
Chaves (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999. p. 199-228.
324
travada pelas nações mais desenvolvidas do Planeta e, a partir de 1933, com o regime de
ultradireita implantado por Adolf Hitler na Alemanha.
4.3 O alemanismo na literatura brasileira
A colonização alemã constituiu também o pano de fundo de algumas obras da
literatura gaúcha e brasileira. Jean Roche, no prefácio de “A colonização alemã e o Rio
Grande do Sul” chamou a atenção para o fato de a saga da imigração germânica ainda não ter
sido fixada em romance da literatura brasileira. Antecederam a publicação do geógrafo
francês, “Canaã”, de Graça Aranha, “Um rio imita o Reno”, de Vianna Moog, “Longe do
Reno”, de Bayard Mércio, e “As vítimas do Bugre”, do padre Matias Gansweidt. Sucederam a
tese de Roche “Tempo de solidão”, o primeiro volume da inacabada triologia “A ferro e
fogo”, de Josué Guimarães, impresso em 1972. O segundo volume da triologia, “Tempo de
Guerra”, apareceu em 1975. O terceiro, que deveria versar sobre o episódio dos Muckers, não
chegou a ser escrito por Guimarães. Essa tarefa coube a Luiz Antônio de Assis Brasil que em
“Viderias de cristal” – livro não por acaso dedicado à memória de Josué Guimarães – narra os
acontecimentos que envolveram os seguidores de Jacobina no Ferrabrás. Valesca de Assis, em
1989, estreou na literatura com a novela “A valsa da medusa”, cujo ambiente é a colônia
provincial de Santa Cruz pelo ano de 1858. Iluminada pela viagem do médico e cronista
alemão Robert Avé-Lallemant à Colônia e pelo romantismo do “Werther”, de Goethe, a obra
ficcionista trata da paixão de Tristan Waldvogel e Pauline Eick, que são os personagens
centrais.
Os três primeiros autores possuem obras que podem ser enquadradas na discussão
sobre o “perigo alemão”, razão pela qual serão aqui resenhadas. os demais livros, a não ser
que se tome aqui ou ali algumas passagens específicas, não podem ser perfilados neste debate.
Embora sua leitura seja importante para quem trate da colonização alemã, por fugirem do
escopo desse trabalho deixaram de ser analisados.
325
4.3.1 Graça Aranha
José Pereira de Graça Aranha nasceu em 1868 em São Luís, Maranhão, de família rica
e culta, ou conforme Gilberto Freyre, “nasceu em sobrado. Cresceu em casa fidalga”.
115
Estudou direito no Recife, formando-se em 1886. Foi que na sua adolescência o menino
maranhense teria sido atingido até as suas raízes “pela maior força germanizante que já se
fizera sentir nas letras brasileiras: a da Escola do Recife dominada pela figura carismática de
Tobias Barreto.”
116
Em 1890, foi nomeado para o cargo de juiz municipal na recém-criada comarca de
Porto do Cachoeiro, Espírito Santo, onde atuaria por um período inferior a quatro meses. Em
1897, mesmo sem ter publicado livros, entrou para a recém-fundada Academia Brasileira de
Letras, da qual se desvincularia em 1924. Em 1900, entrou para o Itamarati, passando a
integrar várias missões diplomáticas em diferentes países. Em 1902 exatamente no mesmo
ano em que apareceu “Os sertões”, de Euclides da Cunha –, publicou, com grande sucesso
editorial, a sua mais importante obra, “Canaã”. Ela é em boa parte resultante de dados que
colhera durante os meses em que exercera a magistratura no interior do Estado capixaba.
117
Canaã foi um livro bastante lido e debatido pela elite cultural brasileira até a
deflagração da Primeira Guerra Mundial. Mais tarde é que passou a ser considerada obra de
literatura medíocre. Para Freyre, Canaã:
É romance fora das convenções novelescas ou romanescas. Falta-lhe enredo. Falta-
lhe, por vezes, arte. Sobra-lhe, outras vezes, sociologia; e esta, em certos passos, um
tanto precária. Mas ninguém o suponha livro sem qualidades de permanência
literária, por ter se exagerado o autor em sua preocupação com um problema, em
alguns dos seus aspectos, efêmero; e ligado a uma presença alemã no Brasil que
poderia vir a comprometer a continuação de um Brasil, além deinferiormente
lusitano”, na origem “inferiormente mestiço e negróide”, em parte considerável da
sua população e da sua cultura.
118
115
FREYRE, Gilberto. Nós e a Europa germânica; em torno de alguns aspectos das relações do Brasil com a
cultura germânica no decorrer do século XIX. Rio de Janeiro: Grifo Edições/Instituto Nacional do Livro, 1971.
p. 146.
116
Ibidem p. 141.
117
Dados cfe: http://www.nilc.icmsc.sc.usp.br/literatura/gra.aranha.htm Data: 20/11/2003.
118
Freyre, op. cit. p. 149.
326
No romance, Graça Aranha denuncia as extorsões praticadas pelos detentores do poder
político e judiciário do município contra a população de origem germânica, os preconceitos
existentes e o racismo. Como personagens principais da trama aparecem Milkau e Maria
Perutz. O cenário é a colônia imperial de Santa Leopoldina, no Espírito Santo.
O tema sentimental que torna mais agradável e digerível o conteúdo do livro é a
tragédia que passa a envolver a vida da jovem colona Maria Perutz. Skidmore chama a
atenção que esse drama, entretanto, não se constitui no cerne da obra. A grande questão
formulada por Graça Aranha dizia respeito ao seguinte fato: “poderia um país tropical,
luxuriamente dotado pela natureza, tornar-se um centro de civilização pela fusão de correntes
imigratórias formadas de europeus e mestiços brasileiros?
119
Milkau e seu companheiro Lentz eram dois imigrantes alemães que resolveram se
radicar na zona rural da colônia, recebendo, para tanto, um prazo colonial no local
denominado Rio Doce. Eles, entretanto, não provinham das camadas sociais de onde se
originava a massa dos imigrantes. Milkau era oriundo de Heidelberg, sendo filho de um
professor instruído de colégio. Havia, antes de resolver emigrar, se formado em uma
universidade e exercido a atividade de crítico literário em um jornal de Berlim. Idealista e
contemplativo, abandonara a sua terra natal por desiludir-se com a Europa, uma civilização
excessivamente presa ao passado e orientada por valores decadentes. Viera para o Brasil em
busca de um novo mundo acreditando que a integração harmoniosa entre os povos ainda seria
possível. Como colono esperava encontrar uma vida estável e livre na sua Canaã, onde
pretendia ser um homem humilde vivendo entre gente simples.
Esse personagem idealista, fraternalista, tolstoiano e goetheano
120
é, na realidade, um
ser humano bom e dócil que acredita que o progresso se fará em uma evolução constante e
indefinida.
121
Nos diálogos que trava com Lentz e com o juiz municipal, Dr. Paulo Maciel, é
possível depreender que, para ele, o progresso só se dá quando os povos se misturam:
Não raças capazes ou incapazes de civilização, toda a trama da História é um
processo de fusão: as raças estacionadas, isto é, as que se não fundem com
outras, sejam brancas ou negras, se mantém no estado selvagem. Se não tivesse
havido a fatal mistura de povos mais adiantados com populações atrasadas, a
civilização não teria caminhado no mundo. E no Brasil, fique certo, a cultura se
119
Skidmore, op. cit. p. 128.
120
Freyre, op. cit. p. 150.
121
ARANJHA, Graça. Canaã. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p. 59.
327
fará regularmente sobre esse mesmo fundo de população mestiça, porque já
houve o toque divino da fusão criadora.
122
Logo, Milkau julgava ser a miscigenação um processo positivo capaz de levantar a
capacidade cultural e cívica do Brasil. A jovem República, conseqüentemente, teria
possibilidade de almejar um futuro glorioso. Esse discurso atribuído ao personagem Milkau é,
na realidade, a expressão do ideal de branqueamento, que se fundamenta na pressuposição da
superioridade de uma raça e na paulatina absorção das consideradas inferiores.
123
Lentz, filho de um general alemão, abandonara seus estudos universitários, sua
posição, família e fortuna por não querer casar-se com a filha de um amigo de seu pai. Lentz,
também um evolucionista como Milkau, diferentemente deste fazia a apologia da
superioridade germânica, enaltecendo o triunfo dos arianos sobre os mestiços. Ele é um
defensor do pensamento racista ortodoxo do seu tempo. Não aceitava que, da fusão com
espécies radicalmente incapazes, resultasse uma raça sobre a qual se pudesse desenvolver a
civilização.
124
Como um homem de ão que julgava que a vida era luta e crime, via com
orgulho a perspectiva da vitória e do domínio de sua raça no Brasil. Lentz era a figura que
sonhava com o pairar da águia negra da Germânia sobre a terra do Brasil.
A crítica à preservação do idioma alemão nas colônias aparece em vários trechos do
livro. Em um deles, o agrimensor cearense, Felicíssimo, observou:
Olhe, não se admire desses homens que estão aqui um ano ou pouco mais.
gente na colônia, entrada mais de trinta anos, que o fala uma palavra de
brasileiro. É uma vergonha! O que acontece é que os nossos tropeiros e
trabalhadores todos falam o alemão.
125
Maria Perutz era filha de imigrantes alemães. O pai morrera ao chegar ao Brasil e a
mãe empregara-se como criada na casa de Augusto Kraus, colono estabelecido em Jequitibá.
Na sua infância, Maria perdera também sua mãe. Vivera sob a proteção de Augusto até este
falecer, sendo criada praticamente como irmã de Moritz, neto do velho Kraus e filho de Franz
e Ema. Com o falecimento do velho Augusto, a situação de Maria piora muito. Temendo uma
ligação amorosa entre Moritz e Maria, e no intuito de casá-lo com a rica Emília Schenker, os
122
Ibidem p. 263.
123
Skidmore, op. cit. p. 128.
124
Ibidem p. 128.
125
Aranha, op. cit. p. 83.
328
pais mandaram o filho para outra colônia, longe de Jequitibá, onde o alugaram como
trabalhador. Acontecia, entrementes, que a essas alturas os dois jovens já eram amantes.
Maria assistiu com frustração a passividade do amado em cumprir os planos
arquitetados pelos pais. Grávida, e sem ter como contatar com Moritz, foi levando uma vida
triste e miserável na casa dos Kraus até o dia em que foi obrigada a deixar o teto em que
crescera e vivera até então. Desamparada, procurou em vão abrigo na casa do pastor da
localidade. Os demais colonos, tomando-a por louca, enxotaram-na. Finalmente, foi encontrar
um miserável abrigo numa estalagem de Santa Teresa. Ali foi encontrada por Milkau que não
conseguira esquecer da colona desde a conversa que haviam tido num baile realizado no
sobrado dos Müller. Auxiliou-a levando-a para a casa de uns colonos a fim de trabalhar como
empregada. Mas também ali a moça foi tratada com desdém.
Certa feita, trabalhando solitariamente no cafezal, Maria sentiu as primeiras contrações
do parto. Temendo voltar para casa e ser maltratada, afasta-se para entrar em serviço de parto
debaixo de um cajueiro. Alguns porcos que estavam no local precipitaram-se sobre os
resíduos sangrentos de Maria expostos pelo chão e sobre seu filho, que não resistiu às
primeiras dentadas dos animais. Nesse ínterim, chegou ao local a filha dos patrões que, vendo
a cena, deduziu que Maria tivesse matado o seu bebê e o lançado aos porcos.
Em breve Maria estava presa na cadeia do Porto do Cachoeiro. Horrorizada, a
população germânica da localidade exigiu vingança contra a atitude imoral praticada por
Perutz. Milkau, sabendo do ocorrido, ficou ao lado da jovem, passando a visitá-la
regularmente na prisão, o que fez com que passasse a ser visto com desprezo e desconfiança
pela população. Nas conversas entabuladas com o juiz municipal, Dr. Paulo Maciel, fica
sabendo que não haveria final feliz para Maria que, irremediavelmente, seria condenada.
Assim, numa noite, Milkau tirou Maria da prisão e com ela fugiu em busca de Canaã, a terra
prometida, onde os homens vivem em harmonia.
Segundo o professor de Teoria Literária e Literatura Comparada, Flávio Kothe, em
Canaã dois enredos que se cruzam. Um seria a pseudo-história dos pseudo-imigrantes
Milkau e Lentz. A outra, a pseudo-história da pseudobrasileira Maria Perutz, que é
engravidada pelo namorado, que é filho de seus patrões, e que perde o filho no mato e é
329
acusada de filicídio. “Através de ambas, Graça Aranha, sob a aparência de contar a história da
imigração alemã, faz a sua difamação.”
126
No romance, ainda de acordo com Kothe, os teuto-brasileiros são apresentados como
gananciosos, mesquinhos e safados, como se eles fossem na média, piores do que a média de
outros grupos étnicos. “A rigor não se reconhece neles nada positivo. Só servem para
trabalhar e para servir”. O objetivo do romance seria atingir toda a população de origem
alemã do Brasil:
Que a ação de seu romance se passe no Espírito Santo, e não no Sul, não faz a
menor diferença, pois os princípios organizacionais e éticos eram os mesmos. Na
verdade ele queria atingir as grandes colônias do Sul, usando o exemplo de uma
pequena colônia capixaba. A colonização alemã no Espírito Santo apenas
reproduzia, em tamanho menor, a situação no Sul do país.
127
O que entra e o que não entra em seu romance teria passado por um filtro seletivo do
seu autor. Nesse sentido, Kothe estranha que:
Nem a Igreja nem a escola nem as organizações comunitárias desempenham
qualquer papel relevante em seu enredo. Isso não acontece por acaso. E não
porque o autor provinha de uma estrutura sem escolas, hospitais e clubes
comunitários, que, desde o começo, estiveram presentes em zonas coloniais
teutas.
128
Graça Aranha teria projetado para dentro da comunidade teuta o que era típico do
senhorio latifundiário luso-brasileiro. Ainda que eventualmente possam ter acontecido casos
particulares, abandonar mulheres grávidas não era algo aceito entre comunidades alemãs.
Outro fator apontado é que entre os alemães os trabalhos domésticos eram feitos pelos
próprios membros da família, não existindo praticamente empregados, criados e peões no lote
colonial. Quando existia um membro agregado, ele era considerado um membro igualitário na
família. Nada idêntico ao caso de Maria Perutz que foi descartada quando conveio.
Conforme constatado por Gilberto Freyre, Graça Aranha, a exemplo de Silvio
Romero, de um germanizado discípulo de Tobias Barreto na sua mocidade, na sua idade
126
KOTHE, Flávio R. Imigração e colonização: utopia e identidade. Redes, Santa Cruz do Sul, v. 6 n. especial,
maio 2001. p. 113.
127
Ibidem p. 114.
128
Ibidem p. 116.-117
330
madura passou por uma total reversão e se tornou um germanófobo e adepto do “perigo
alemão”:
(...) estes repeliram o germanismo representado pelo culto da violência à maneira
de Lentz, tendo Graça Aranha ido ao extremo oposto de identificar, no conflito
1914-1918 a causa da própria “Civilização” com a França e a Grã-Bretanha,
com a Europa germânica tida como um reduto supertécnico da “Barbárie”.
129
No ano de 1917, ao prefaciar a edição portuguesa do livro de André Chéradame, “O
plano pangermanista desmascarado”, Graça Aranha tem um posicionamento amplamente
favorável à causa da entente no conflito e visceralmente contrário à da Alemanha. Qualifica
os alemães como sendo, historicamente, um povo de rapina e de invasão e a Alemanha de
procurar germanizar o mundo pela imigração pacífica, pela expansão econômica ou pela
guerra.
130
O pangermanismo, um plano de dominação do mundo elaborado depois de 1870
pela Prússia guerreira, seria, portanto, a fusão da dominação do Estado militar e da dominação
econômica.
A respeito do suposto interesse alemão pelos territórios do Brasil e da América Latina,
povoados por populações de ascendência germânica, apresenta, no final de sua exposição,
uma série de excertos de obras para reforçar a tese do “perigo alemão”. Desses, o mais
significativo é um mapa extraído do livro de R. Tannenberg, no qual o Sul do Brasil, a
Argentina, o Uruguai, o Chile e o Paraguai deveriam constituir uma Alemanha Austral. Em
contrapartida, o Império alemão consentiria em deixar para a Inglaterra o restante do Brasil, o
Peru e a Bolívia e, para os Estados Unidos, o resto do continente.
129
Freyre, op. cit. p. 151.
130
“Não é pelas armas que a sua raça é invasora. Ella invade o mundo pelo pacifico commercio, pela
tranquilla industria e por essa irreprimivel infiltração nas permeáveis e despercebidas terras alheias.” ARANHA,
Graça. Brasil e pangermanismo. In: CHÉRADAME, André. O plano pangermanista desmascarado. Rio de
Janeiro: Livraria Garnier, 1917. p. XVII.
331
Figura 8: Mapa de Tannenberg com a divisão da América do Sul entre os países imperialistas.
Fonte: Aranha (1917), op. cit. p. XXXIII.
332
O governo brasileiro é acusado por Aranha de nunca ter percebido e de
sistematicamente ter negado o “perigo alemão”. A doutrina oficial “foi de que o perigo
allemão era uma phantasia da imaginação de romancistas e publicistas.”
131
A imigração
alemã, tachada de invasão pacífica, se constituiria, não obstante, em um perigo iminente para
os interesses do Brasil já que
A massa de allemães aglomerados em zonas de territorio ocupadas
exclusivamente por elles constitue um perigo imminente, pois a influencia de
novos immigrantes, vindos da Allemanha e possuidos do espírito pangermanista,
nos antigos colonos é uma ameaça permanente para o paiz, desapercebido de
elementos de defesa. Ao lado dessa força latente, ha a atividade dos banqueiros,
dos negociantes, verdadeiros agentes politicos, que pelos seus methodos,
commerciaes se applicam infatigaveis ao trabalho da absorpção economica do
Brasil pela Allemnaha; ha o zelo dos consules que se insinuam no interior do
paiz; os professores de lingua allemã nas colonias e nas zonas germanicas do
territorio brasileiro; os viajantes e uma chusma de individuos que por toda parte
zumbem apregoam, intrigam, remexem e esgaravatam na afanosa lida de
preparar o terreno da Alemanha Austral.
132
No que diz respeito à grande guerra em curso, defende o rompimento das relações do
Brasil com a Alemanha e a imediata declaração de guerra àquela nação. Com a guerra, os
alemães seriam juridicamente inimigos dos brasileiros e, uma vez esta finda, o Brasil imporia
como quinhão de sua vitória a proibição da imigração alemã. Se assim não ocorresse,
terminado o confronto bélico, os alemães viriam em ondas sucessivas ao Brasil, espraiando-se
pelo seu território e tornando-se uma ameaça maior ainda de avassalamento do país e de
dominação econômica e financeira.
Temos de resolver o povoamento do território dentro das forças da nossa
nacionalidade, e de todas as raças que buscam o Brasil, a menos assimilável e a
mais perigosa pelo seu poder de absorção é a raça allemã. (...). O elemento
allemão subsiste perigoso e repulsivo. O futuro da nacionalidade brasileira exige
a parada dessa infiltração allemã (...). Será uma medida de sabedoria prohibir no
Brasil a invasão teutonica, que se prepara para se espalhar no mundo depois da
guerra.
133
Entrando na guerra ao lado dos Aliados, o Brasil também teria reconhecimento
político e diplomático e obteria vantagens econômicas e financeiras nos acordos interaliados.
A neutralidade seria uma forma de suicídio do povo brasileiro. Nesse caso, “o nosso destino
131
Ibidem, p. XXVIII.
132
Ibidem, p. XXI.
133
Ibidem, p. XXV e XXVI.
333
no mundo seria o da escravização financeira e econômica, a subalternidade internacional, a
cousa, o ludibrio, o pasto dos vencedores.”
134
A vitória da Alemanha ou a inércia do Brasil
diante do conflito teriam as mesmas conseqüências, ou seja, seríamos vencidos e submetidos.
4.3.2 Vianna Moog
Em 1939, um teuto-brasileiro, Vianna Moog, através do romance “Um rio imita o
Reno”, desfechava mais uma contundente, mas realística, crítica ao germanismo existente no
Rio Grande do Sul..
Clodomir Vianna Moog, advogado, jornalista, romancista e ensaísta, nasceu em São
Leopoldo, RS, no ano de 1906, e faleceu, em 1988, na cidade do Rio de Janeiro. Em 1925,
matriculou-se na Faculdade de Direito. Um ano depois, passou no concurso de agente fiscal
do imposto de consumo. Foi nomeado para o interior do RS, tendo servido, por dois anos, na
cidade de Santa Cruz do Sul e por um, na cidade do Rio Grande.
Tendo tomado parte na campanha política da Aliança Liberal e na Revolução de
Outubro de 1930, foi promovido para a capital, Porto Alegre. Apoiou, em 1932, a Revolução
Constitucionalista. Depois de preso, foi servir por algum tempo nos estados do Amazonas e
do Piauí. Foi anistiado em 1934, retornando ao seu estado natal. Antes de se fixar na capital,
cumpriu estágio de um ano no município de Venâncio Aires. Com o golpe de 1937, foi
forçado a interromper suas atividades políticas passando a se dedicar mais intensamente à
atividade literária. Publicou, em 1938, o ensaio “Eça de Queiroz e o século XIX” e, no final
do ano seguinte, o romance “Um rio imita o Reno”, pelo qual lhe foi conferido, ainda em
1939, o prêmio Graça Aranha. Em 1945, seria eleito para a cadeira número quatro da
Academia Brasileira de Letras.
135
“Um rio imita o Reno” gira em torno da aculturação do elemento de ascendência
germânica do Sul do Brasil. Na obra, o autor, além de prever o iminente desencadear da
Segunda Guerra Mundial por obra do nazismo, também denuncia a penetração da ideologia
134
Ibidem, p. XXVII.
135
Dados cfe. http://www.biblio.com.br/Templates/biografias/viannamoog.htm Data: 01/06/2003.
334
nacional-socialista entre os teuto-descendentes gaúchos e prega a necessidade de
nacionalização das populações das áreas de colonização germânica do Rio Grande do Sul. O
polêmico livro que escreveu mereceu, por um lado, protestos da embaixada alemã junto ao
governo brasileiro por ser considerado ofensivo ao III Reich. Por outro lado, teve grande
acolhida junto ao governo do RS que, através da sua Secretaria de Educação, adquiriu grande
número de exemplares da obra para a distribuição às bibliotecas escolares do Estado.
136
Conjunturalmente, a obra saiu no momento apropriado: estava-se, então, no início da
campanha de nacionalização ou de abrasileiramento dos “quistos étnicos” estrangeiros
existentes no interior do Estado brasileiro.
O personagem principal do romance social é Geraldo Torres, um amazonense de 28
anos de idade, cujo pai era um cearense que, fugido da seca nordestina, transformara-se em
seringalista, e cuja mãe era uma índia amazonense. Graduado em engenharia no Rio de
Janeiro, Geraldo deslocara-se para Blumental, cidade fictícia do interior do Rio Grande do
Sul, banhada por um rio e ligada com a capital por uma estrada de ferro.
137
assumiria o
compromisso de supervisionar a construção de uma hidráulica junto ao rio que banhava a
cidade para tornar potável a água a ser consumida e, dessa forma, livrar os moradores da
cidade do flagelo da epidemia de tifo.
Em Blumental predominavam os alemães e seus descendentes com seus olhos azuis e
cabelos loiros. Apenas porção minoritária da população era de origem luso-brasileira. Na
cidade, as construções eram quase todas do tipo alemão. Nos letreiros e nas placas das casas
comerciais podiam-se ler nomes como Apotheke, Schumacher e Bäckerei. Em Blumental e
arredores, os brasileiros de outras procedências étnicas, a exemplo de Geraldo e Armando,
sentiam estar em outro país. Havia Kerb, desfiles de ulanos, jogo de bolão, diálogos no
136
Cfe. Vianna Moog, no intróito da edição em que faz um breve histórico do livro, a Livraria do Globo teria
feito o seguinte anúncio comercial alusivo à segunda edição:
¨Um Rio Imitia o Reno, como havíamos previsto, está constituindo o maior êxito literário deste fim de ano. Em
apenas três semanas somos obrigados a ordenar a 2ª edição (10º milheiro) atendendo à intensa procura e vultosos
pedidos de todo o país.
Um Rio Imita o Reno é um romance social, profundamente humano. Focaliza a imigração germânica no Sul do
país, em contraste com nossa gente. O drama das raças no Brasil, através da história de um amor contrariado.
Um Rio Imita o Reno, consagrado pela unanimidade da crítica e pelo público, foi classificado pelo Dr. J. P.
Coelho de Souza, Secretário de Educação deste Estado, como sendo o maior livro brasileiro.”
137
A cidade de Blumental parece dizer respeito a São Leopoldo, cidade natal do autor. No entanto, passagens
que a identificam mais com a cidade de Santa Cruz e outras com a de Venâncio Aires, municípios nos quais o
autor trabalhou. Outro detalhe a destacar é a de que um dos personagens do romance social, que se torna amigo
íntimo de Geraldo, é Armando, um inspetor do imposto de consumo. Casualmente trata-se do mesmo cargo
ocupado pelo romancista no início de sua carreira profissional. MOOG, Vianna. Um rio imitia o Reno. Rio de
Janeiro: Editora Delta, 1966. p. 51.
335
idioma alemão, comidas da culinária alemã como galinha assada, salada de batatas, repolho
azedo, cuca, schmier, etc. sem deixar de mencionar que o chope era a bebida preferida. Até
mesmo um Heil Hitler! ou fato aparentemente inusitado duas negras falando em idioma
alemão, podiam ser escutados na cidade. Ou seja, Blumental dava a impressão de ser uma
cidade do rio Reno extraviada em terra americana.
138
Os irmãos Kreutzer, com seus imensos armazéns, e a família dos Wolff, com seu
curtume e sua fábrica de sandálias, eram os mais endinheirados do lugar. Politicamente, a
exemplo da época da República Velha brasileira, o município era controlado por um major
que se valia dos seus jagunços – os bombachudos – para manter o controle da situação.
O livro é a história de um amor contrariado pelo preconceito de “raça”. Geraldo se
apaixona por Lore, filha dos Wolff. Sua paixão encontra correspondência, contudo sofre a
objeção de Frau Marta. Os Wolff eram protestantes luteranos e, mais do que simpatizantes,
eram admiradores do regime implantado na Alemanha por Adolf Hitler.
Frau Marta, mãe de Lore, com seu aspecto e ar de nobre prussiana orgulhosa de sua
“raça”, não tolerava o flerte. Quem não tivesse sangue ariano puro estava irremediavelmente
condenado. Geraldo Torres, para ela, era um negro. Não estava à altura de sua filha que havia
de casar com um protestante filho de alemão, se possível com um alemão:
– Pois bem. Fica entendido. Não admito esse namoro. É preciso que saibas desde
já, se não queres inferno dentro de casa... Vamos cortar isso pela raiz. (...)
Não suporto a idéia de ver-te casada com um homem de raça inferior. Era o
que faltava.
(...) Nas veias de Frau Marta não corria sangue nobre, mas ela tinha orgulho de
sua raça. Orgulho de descender de alemães, de haver casado com um filho de
alemão. A raça nada tinha a ver com o lugar de nascimento. Não, não havia de
tolerar a ameaça de um intruso na família, um negro.
139
Para Frau Marta, mesmo a aliança firmada por Hitler com Mussolini era vista com
reservas.
140
Os italianos podiam ser superiores aos brasileiros, mas não estavam à altura dos
alemães. Referindo-se ao pacto feito entre Hitler e Mussolini, mostrava certa desconfiança:
138
Ibidem p.74.
139
Ibidem p. 143-144.
140
Em 1936, ao ser deflagrada a guerra civil na Espanha, uma aproximação entre Itália e Alemanha. Os
ditadores dos dois países iniciaram um período de íntima colaboração que continuou até a queda de Mussolini,
336
Se ela não estivesse convicta de que Hitler nunca errava, seria capaz de dizer que
ele agira mal, fazendo essa aliança. Os italianos na Grande Guerra tinham traído.
Iam trair de novo. Se não traíssem, a Alemanha teria de dividir as glórias com a
Itália, uma nação de vendedores de bilhetes e de vagabundos.
141
Numa discussão de Karl, irmão de Lore, e Marta com o médico da família, Dr. Stahl
um alemão naturalizado brasileiro, plenamente integrado à vida nacional e ferrenho opositor
do Major – ficam ainda mais claros os preconceitos raciais da família Wolff:
Mas na Alemanha não negros contraponteou Frau Marta. O doutor vai
querer nos convencer que um negro é igual a um branco?
E por que não? Se vocês pensam que a inferioridade deles vem da raça, estão
enganados. Vem da escravidão, do regime em que viviam.
– O doutor conhece algum negro que preste?
Uma infinidade. Os Estados Unidos estão cheios deles. Grandes escritores,
grandes músicos, grandes cantores.
Karl, a exemplo de sua mãe, incorpora bem a figura de um germanófilo. Para ele, por
exemplo, toda a riqueza do Sul do Brasil era produto exclusivo do trabalho alemão:
Com os colonos alemães é que tinham aparecido as indústrias no Brasil. E
considerava com orgulho a ascensão de Blumental de mera feitoria cem anos,
até o parque industrial que lhe valia o nome de Manchester do Brasil. Tudo
trabalho dos alemães, como dizia o pastor: “O que é o Sul do Brasil deve-o ao
trabalho alemão. Se fizermos abstração dos alemães, restará apenas uma mísera
carcaça.”
142
O preconceito de Karl aparece em várias oportunidades no livro. Referindo-se ao
princípio de namoro de sua irmã com Geraldo, afirma: “– se viu para o que deu minha
irmã?... Querer casar com um índio selvagem. Vais ficar viúva ligeiro. Na primeira gripe que
bater, ele morre. Deixa chegar o inverno. Raça fraca...”
143
A presença do nacional-socialismo nas áreas coloniais é denunciada por Vianna Moog
no romance. A necessidade de nacionalizar os descendentes dos imigrantes também aparece
em diferentes colocações feitas ao longo do texto. Em uma dessas passagens, pode ser
durante a Segunda Guerra Mundial. Em outubro de 1936 assinaram a formação do Eixo Roma-Berlim e, no ano
seguinte, o Duce chancelaria o Pacto Anti-Comintern, de que já faziam parte a Alemanha e o Japão.
141
Moog, op. cit, p. 145.
142
Ibidem p. 121.
143
Ibidem p. 146.
337
observado que em um Kerb, realizado em Tannenwald, cidade vizinha a Blumental, Hans
Fischer, noivo de uma professora pública, e um seleiro da localidade vão travar o seguinte
diálogo:
No dia em que a colônia se nacionalizar por completo, eles não poderão mais
vender os seus jornais e fazer propaganda política, por conta da Alemanha
volveu Hans Fischer.
A Volksstimme de Porto Alegre é contra o nacional-socialismo informa o
outro.
Por isso mesmo está lutando com maiores dificuldades. Tiraram-lhe todos os
anúncios por ordem do Reich. O dono de uma confeitaria abriu falência e acabou
se suicidando, porque os nazistas impediam a entrada de gente da colônia alemã
em sua casa.
– Isso foi mesmo desaforo.
– Para eles – volveu Hans Fischer – todos os que têm sobrenome alemão, embora
brilhem na medicina, na engenharia, no comércio, na indústria, passam a ser
considerados maus elementos, renegados, traidores, desde o momento em que se
integram ao Brasil.
144
No romance, Frau Marta, que odiava judeus e que forçara uma aliança política dos
Wolff com o Major em troca da saída do engenheiro da cidade, no final perde a pompa e o
chão fugir-lhe dos pés ao saber, através do primo e médico Otto, que os Wolff também tinham
sangue judeu. Seu marido era bisneto de um judeu.
Vianna Moog, ao longo de todo o livro, faz uma crítica bastante ponderada e nada
exagerada à falta de integração do descendente germânico à cultura nacional. Não atribui às
simpatias por Hitler e ao ideário nacional-socialista proporções maiores que as reais, não
julgando o conjunto da população por uma parte. Nesse sentido, não invoca o famigerado
“perigo alemão”. Através dos seus personagens, que têm posturas e posições distintas, parece
retratar com certa fidedignidade aquilo que, à época, normalmente ocorria nas pequenas
cidades de origem germânica do RS. O autor não é um antigermânico. Mostra ser, sobretudo,
um patriota brasileiro.
Em um ensaio posterior bem mais conhecido – publicado pela primeira vez em 1954
“Bandeirantes e pioneiros, paralelo entre duas culturas”, obra marcada nitidamente pela
influência da ética protestante de Max Weber, Vianna Moog indaga a respeito da diferença de
desenvolvimento econômico entre os Estados Unidos e o Brasil. Ali, em determinada altura
da obra, chega a comparar, em vários aspectos, o desenvolvimento dos núcleos coloniais,
principalmente alemão e italiano do Rio Grande do Sul, à formação e ao desenvolvimento dos
144
Ibidem p. 175-76.
338
núcleos pioneiros dos Estados Unidos. E vai mais longe ao afirmar que, “para compreender o
êxito da formação dos Estados Unidos, não como estudar a formação das colônias do Rio
Grande do Sul”.
145
4.3.3 Bayard Mércio
Bayard de Toledo Mércio em “Longe do Reno” objetivou dar uma resposta a “Um Rio
imita o Reno”, de Vianna Moog.
146
Natural de Venâncio Aires, RS, Mércio bacharelou-se em
Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1938. Posteriormente, faria
carreira enquanto juiz de Direito e professor de ensino superior.
Trata-se de um romance que tem como protagonista um médico sergipano de apenas
24 anos de idade, Mário Vasconcelos, que passara a exercer seu ofício no posto de higiene da
cidade de Cruzeiro. Cruzeiro era uma pequena cidade fictícia do interior do estado do Rio
Grande do Sul povoada, majoritariamente, por teuto-descendentes.
Os três primeiros meses passados pelo jovem doutor na localidade haviam lhe sido
muito penosos. Mário, considerando-se “brasileiro da gema”, mostrava-se irredutivelmente
hostil ao elemento de origem germânica. Mantinha-se isolado, não querendo contato com a
população que, ao seu juízo, era formada por antipatriotas, isto é, alemã no idioma, nos
costumes, na maneira de agir e no ideal. Sua opinião altera-se repentinamente quando se
apaixona por Flávia, uma jovem de 17 anos, filha do industrial alemão Hugo e neta do Dr.
Cardoso, um descendente da velha cepa açoriana.
No contato que vai tendo com a população local, Mário passa a compreender que no
Brasil ainda não existe uma “raça” única:
Brasileiro, pelo que estou vendo e felizmente compreendendo, não é a resultante
da cruza do negro, do índio e do português. É mais: é a fusão dessas raças ao
alemão, ao italiano, ao árabe, e até ao japonês, com a mistura de seus costumes,
de suas tradições e de suas línguas.
147
145
MOOG, Vianna. Bandeirantes e pioneiros: paralelo entre duas culturas. Porto Alegre: Globo, 1954. p. 240.
146
MERCIO, Bayard de Toledo. Longe do Reno (uma resposta a Vianna Moog). Porto Alegre: Oficinas Gráficas
do Instituto Técnico Profissional do Rio Grande do Sul, 1940.
147
Ibidem p. 112.
339
O autor do romance, através de um personagem, Dr.Alfredo Cardoso, velho morador
da cidade que por mais de 30 anos exercera a advocacia e em duas gestões fora prefeito do
município, justifica o isolamento inicial do elemento teuto-brasileiro em função do abandono
a que o governo do país que o acolheu o havia relegado. “E aconteceu que eles formaram uma
sociedade à parte, com costumes diferentes dos nossos, adotando até a língua do seu país de
origem e transferindo-a a seus descendentes”.
148
Esse problema, que não teria acontecido
somente com os alemães, contudo, estava superado pelos efeitos do tempo e da
nacionalização.
O Dr Cardoso, em diálogo que tem com Mário, argumenta que setenta por cento da
população do Estado não eram de descendência alemã ou italiana, mas sim portuguesa,
açoriana ou espanhola. Não obstante isso, os grandes comerciantes da região, os agricultores
abastados, enfim toda a gente de destaque, entre eles eram noventa e cinco por cento do
elemento não liberal, de origem alemã ou italiana. Seria necessário se preocupar com o
restante da população que, também por negligência dos governantes, havia ficado sem escolas
e sem higiene e, conseqüentemente, se enchido de doenças e de vícios perniciosos. Seria
“esse povinho de fora, barrigudo, amarelo, humilde, incapaz de tudo, imprestável”
149
que
mereceria a atenção do poder público:
O que temos de fazer é trabalho igualmente importante. É trazer para o Brasil o
nosso próprio elemento, é reerguer do lodo esse povo miserável, é tornar homens
esses infelizes, dando-lhes saúde primeiro e depois instrução. É conduzi-los para
as atividades sãs, para que eles possam também trabalhar para a grandeza do
país, pois são um fardo pesado para os outros irmãos, nada produzindo e dando,
além do mau exemplo, prejuízos consideráveis à nossa economia.
150
Assim, o livro de Mércio procura passar uma versão de que os teuto-descendentes
estavam se integrando perfeitamente à comunidade gaúcha. Que a língua portuguesa era
falada por quase todos e que, a exemplo do casamento de Mário com Flávia, os Silva
cruzavam-se às centenas com os Schwartz ou com os Butini.
148
Ibidem p. 127.
149
Ibidem p. 129.
150
Ibidem p. 131-32.
340
4.4 A versão do governo do Estado do RS sobre o “perigo alemão”
Se, conforme afirmado acima, durante a República Velha o “perigo alemão” com
exceção do período de tempo em que o Brasil encontrava-se em situação de beligerância com
os impérios centrais não se constituiu em verdadeira preocupação do governo federal e do
governo do estado do Rio Grande do Sul, o mesmo não pode ser dito no que concerne à época
do Estado Novo (1937-1945). A versão que então surge no meio oficial do governo gaúcho
atribui às áreas de colonização alemã a responsabilidade pela penetração da ideologia
nacional-socialista.
O Chefe de Polícia do Estado, Tenente-Coronel Aurélio da Silva Py, em “A coluna
no Brasil” e em “O nazismo no Rio Grande do Sul”,
151
é o maior expoente dessa tese. Os
trabalhos principiam reanimando a idéia do “perigo alemão”, agora com a roupagem do
nazismo. O suposto plano pangermanista de anexação de territórios pela Alemanha na
América do Sul é reavivado, desentocando velhos livros de André Chéradame, Graça Aranha,
Otto Richard Tannenberg, Alfred Funke, Friedrich Lange e outros. Depois, é denunciada a
infiltração de atividades nazistas na imprensa, em escolas, na igreja, no cinema e em
sociedades teuto-brasileiras.
Nas obras uma nítida intenção de exagerar a presença dos partidários do hitlerismo
em solo gaúcho. Para o chefe de polícia, se confundiam perfeitamente as expressões nazismo
e germanismo. “Uma é a essência da outra. Eliminada a questão racial (germanismo) terá
desaparecido o nazismo”.
152
Conforme o professor José Plínio Fachel, por razões diferentes,
tanto as lideranças nazistas quanto as autoridades policiais brasileiras faziam confusão entre
partidários efetivos, simpatizantes e aqueles que simplesmente cultuavam suas origens e seus
laços com a Alemanha. Para as autoridades policiais,
153
como Aurélio Py, “também era
interessante promover exageros para receber mais recursos, destaque político, influência e
151
Trata-se dos relatórios apresentados pelo chefe de polícia, Aurélio da Silva Py, a Oswaldo Cordeiro de Farias,
interventor federal, e que eram considerados documentos secretos. Os relatórios foram confeccionados de acordo
com os elementos colhidos e coordenados pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), em
diligências e trabalhos realizados pelo delegado Plínio Brasil Milano.
152
PY, Aurélio da Silva. O nazismo no Rio Grande do Sul 2º Relatório Secreto.
153
Ver a respeito: Delegacia de Ordem Política e Social de Santa Catarina. O punhal nazista no coração do
Brasil. Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado, 1944; REVISTA VIDA POLICIAL. Secretaria de Segurança
Pública do Rio Grade do Sul, 1939-1945; PY, Aurélio da Silva. Acoluna no Brasil: a conspiração nazi no Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1942.
341
poder.”
154
Além disso, tratava-se de uma boa justificativa para as arbitrariedades e atrocidades
cometidas contra alemães e seus descendentes em solo gaúcho por policiais.
Redigido em estilo panfletário e de sensacionalismo exagerado, “A 5ª coluna no
Brasil” dá ao leitor a impressão de que no Rio Grande do Sul havia um enclave de nazistas ou
quinta-colunistas. O termo quinta-coluna surgiu durante a Guerra Civil Espanhola (1936-
1939) para designar os que, dentro da capital espanhola, Madri, apoiavam as quatro colunas
rebeldes que marchavam contra essa cidade. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial,
notadamente depois da queda da Polônia e da França, a designação quinta-coluna assumiu
feição generalizada. No Sul do Brasil serviu para rotular e amedrontar principalmente as
populações de ascendência germânica que estariam mancomunadas com o Terceiro Reich:
Entendemos, pois, que a “Quinta-Coluna” não é composta somente de
estrangeiros ou nacionais, que pegam em armas contra a nação onde vivem ou
nasceram, ou para onde foram enviados com a missão especial de desenvolver
atividades contrárias aos interesses nacionais do país, objeto de suas maldades.
Entendemos, portanto, que o “Quinta-Colunista” é um indivíduo que, de
qualquer forma, direta ou indiretamente, concorre para o fortalecimento dos
inimigos da pátria, por seus atos, até mesmo aparentemente inocentes,
encorajando-os ao desrespeito às autoridades constituídas, concorrendo para criar
a desconfiança entre as classes sociais, incrementando, dessarte, a anormalidade
e o desgaste no esforço de guerra da nação.
“Quinta-Colunista” é, por isso mesmo, todo aquele que, por interesses
particulares e inconfessáveis, de ordem financeira ou política, presta qualquer
espécie de assistência ao inimigo comum, prejudicando, se vê, os interesses
nacionais.
155
Salienta o historiador René Gertz que o governo brasileiro e, especialmente, o rio-
grandense, após 1933, favoreceram manifestações do nacionalismo alemão. Isso teria se dado
para beneficiar a política externa do governo federal e também por interesses políticos
estaduais – busca de uma nova base social de sustentação política por parte do Partido
Republicano Liberal de Flores da Cunha.
156
Membros do alto escalão do governo estadual
podiam ser avistados em datas comemorativas em que também os camisas-pardas e a suástica
se faziam presentes. Em 23 de maio de 1934, o interventor Flores da Cunha decretou como
feriado estadual o dia 25 de julho em homenagem aos relevantes serviços prestados pelo
colono rio-grandense. Na mesma época, obras foram publicadas enaltecendo o papel
154
FACHEL, José Plínio Guimarães. As violências contra alemães e seus descendentes, durante a Segunda
Guerra Mundial, em Pelotas e São Lourenço do Sul. Pelotas: Ed. UFPEL, 2002.p. 55.
155
RIBAS, Antonio de Lara. Que é a “Quinta Coluna”. In: Delegacia de Ordem Política e Social de Santa
Catarina. O punhal nazista no coração do Brasil. Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado, 1944. p. 190.
156
GERTZ, René E. O integralismo na zona colonial alemã. In: DACANAL, JoH., GONZAGA, Sergius
(Org.). RS: Colonização e imigração. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p. 209.
342
desempenhado pelos alemães e seus descendentes para o desenvolvimento e engrandecimento
do RS. Em 1934, surgiu “O trabalho alemão no Rio Grande do Sul”, de autoria de Aurélio
Porto.
157
Em 1935, Antonio Soveral organizou “O patriótico governo do Gal. José Antonio
Flores da Cunha e O trabalho allemão no Rio Grande do Sul”.
158
Nessa última obra, o
marechal Hindenburg, presidente da Alemanha, e o chanceler Adolph Hitler são alvo de
elogios e suas imagens aparecem impressas no tamanho de um pôster.
As provas documentais apresentadas por Py, conforme assevera Arthur Blásio
Rambo,
159
não são tão fartas assim. Além disso, são pouco significativas, restringindo-se, em
boa medida, ao período anterior a 10 de novembro de 1937, quando as atividades partidárias
estrangeiras no Brasil eram consideradas lícitas e absolutamente toleradas pelos governantes.
As atividades nazistas eram de conhecimento público e não se constituíam em atividades
clandestinas. A ação dos partidários da cruz gamada fazia-se sentir, principalmente, sobre os
cidadãos alemães. Os alemães natos que não seguiam a cartilha nacional-socialista eram, por
vezes, inclusive boicotados e perseguidos.
160
Jornais costumavam anunciar reuniões,
conferências, confraternizações, projeções de filmes, audiências radiofônicas e outras
programações desenvolvidas pelas células do NSDAP ou por alguma de suas instâncias.
161
Em depoimento concedido à cientista política Aspásia de Camargo, do Centro de
Pesquisas e Documentação (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, Cordeiro de Farias
afirmou que a campanha contra o nazismo foi o ponto de honra do seu governo no RS.
162
No
fim da sua vida, mostrava-se ainda convicto de que os principais focos de infiltração nazista
no Estado haviam ocorrido nas áreas de grande concentração de alemães, especialmente “na
encosta da serra e na serra, sobretudo de Cruz Alta em direção ao mar.”
163
157
PORTO, Aurélio. O trabalho alemão no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Est. Graf. S. Terezinha, 1934.
158
SOVERAL, Antonio (Org.). O patriótico governo do Gal. JoAntonio Flores da Cunha e O trabalho
allemão no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 1935.
159
RAMBO, Arthur Blásio. Nacionalização e ação policial no Estado Novo. Estudos Leopoldenses, Série
História, v. 1. n. 1, 1997. p. 153.
160
O médico Heinz Von Ortenberg, alemão nato e fanático patriota, por não aderir ao partido, caiu nas garras da
Gestapo. Ver a respeito TELLES, Leandro Silva. Heinz von Ortenberg, médico do Kaiser e de Santa Cruz do
Sul. Santa Cruz do Sul, APESC, 1980. Sobre o boicote de comerciantes ver PY, op. cit. p. 158 et seq.
161
VOGT, Olgário Paulo. Germanismo e nacionalização em Santa Cruz do Sul, RS. Ágora, Santa Cruz do Sul, v.
7. n. 2, p. 49-92, jul./dez. 2001. p. 75.
162
FARIAS, Osvaldo Cordeiro de. Meio século de combate: diálogo com Cordeiro de Farias, Aspásia Camargo,
Walder de Góes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. p. 273.
163
Ibidem p. 269
343
De acordo com René Gertz, a presença do nazismo no Estado não foi massiva. O
número de pessoas que se teriam filiado ao NSDAP no RS deve ter ficado em torno de
quinhentas. Viviam na época, em Porto Alegre, em torno de trinta mil teuto-brasileiros e três
mil alemães natos. Em todo o Estado, o número de alemães e de teuto-descendentes era
calculado em seiscentos mil.
164
Os nazistas podiam ser divididos em duas categorias. A
primeira, a dos germanistas radicais. “São aqueles que vêem no nazismo a culminância e as
últimas conseqüências do pensamento e da política germanista”. Seriam pastores luteranos do
Sínodo Riograndense, professores, jornalistas, ou seja, intelectuais germanistas. A segunda
categoria seria constituída por pessoas consideradas marginais dentro da população de
ascendência alemã, pelo seu tempo de permanência e pela sua militância anterior no
movimento germanista. Seriam pessoas que não pertenciam à elite, mas que também não
eram colonos, ocupando cargos como de empregados no comércio, na indústria ou em
bancos.
165
O Dr. José Pereira Coelho de Souza foi secretário da Educação e da Saúde Pública do
estado do Rio Grande do Sul à época do Estado Novo. Valendo-se em grande parte das
informações do tenente-coronel Aurélio da Silva Py, publicou, em 1941, o opúsculo intitulado
“Denúncia: o nazismo nas escolas do Rio Grande”. Expressando-se em pleno período
marcado pela ausência do sufrágio universal, Coelho de Souza faz referência às obras
“Canaã” e “Um rio imita o Reno” para atacar as práticas eleitorais até então existentes nas
regiões coloniais alemãs, onde o voto seria “dado em troca da conservação das instituições e
da vida anti-brasileiras”.
166
Isso teria feito com que existissem enormes regiões que, pelo
menos espiritualmente, não pertenciam à Pátria brasileira.
Os teuto-brasileiros do Estado são divididos pelo secretário em três grupos. O primeiro
seria constituído por aqueles elementos que teriam realizado uma completa integração à
nacionalidade brasileira. Esse grupo, dada a sua integração absoluta, teria, inclusive, passado
a ignorar a língua de seus antepassados. Seriam brasileiros tão bons quanto os de outras
origens étnicas.
164
GERTZ, René. O perigo alemão. Porto Alegre Ed. UFRGS, 1991. p. 53.
165
Ibidem, p. 53-54.
166
COELHO DE SOUZA, J.P. Denúncia: o nazismo nas escolas do Rio Grande. Porto Alegre: Editora
Thurmann, 2ª ed., 1942. p. 8.
344
O segundo grupo, que constituiria a maioria da população, seria a dos tradicionalistas.
Eles manteriam bem viva a língua, as artes e os hábitos alemães. Era entre os elementos desse
setor que o nazismo teria conseguido recrutar adeptos no Rio Grande do Sul. Eles não
deveriam ser hostilizados, mas educados:
Uma larga ação educativa, que encontra o seu índice no expressivo aumento da
rede escolar estadual e na severa fiscalização do conjunto de escolas particulares,
roborada pelas imperativas medidas complementares da nacionalização dos
cultos religiosos e da interdição dos jornais e revistas publicados em ngua
estrangeira (...).
167
O terceiro grupo, que constituiria a minoria do elemento teuto-brasileiro, seria o
nazista. Esse faria jus à mais severa repressão policial. Cordeiro de Farias, então interventor
federal do Estado, tinha consciência de que os mais receptivos à ideologia hitlerista eram os
imigrantes alemães de origem mais recente. Para ele, não eram as famílias mais antigas, ainda
que não falassem o português, as presas mais fáceis da propaganda nazista.
168
Quanto ao duplo conceito de identidade, ressalta Coelho de Souza não haver, em face
do Estado brasileiro, teuto-brasileiros, ítalo–brasileiros ou poloneses brasileiros. “Há
simplesmente brasileiros, qualquer que seja sua origem étnica”.
169
Careceria, nesse sentido, ao
teuto-brasileirismo fundamento histórico e jurídico. Ou como preferia o interventor federal
Oswaldo Cordeiro de Farias: “Quem nasce no Brasil é brasileiro ou traidor”.
170
Por seis anos consecutivos, durante a vigência do Estado Novo, o interventor federal
fez também promover a “nacionalização sentimental”. Grupos de aproximadamente
quinhentas crianças, procedentes de diferentes zonas coloniais do Rio Grande do Sul, eram
levadas a Porto Alegre, sobretudo durante a Semana da Pátria, a fim de tomarem contato com
um mundo de brasilidade, completamente fora de seu pequeno universo alemão. Eram os
“patricinhos” “descendentes dos antigos e bons colonos, filhos de outras terras, que para aqui
vieram, atraídos pelas nossas possibilidades de país novo, em busca de dias melhores e mais
felizes”.
171
Nos dias em que ficavam hospedadas nas casas de famílias porto-alegrenses
algumas inclusive eram alojadas no próprio Palácio Piratini –, eram recebidas pelo
167
Ibidem p. 86.
168
Farias (1981) op. cit. p. 270.
169
Colelho de Souza, op. cit. p. 36
170
Nacionalização – dois discursos proferidos pelo interventor federal Oswaldo Cordeiro de Farias (1941).
171
Ibidem.
345
governador em palácio, iam a festividades organizadas, visitavam fábricas, realizavam
passeios em aviões da Força Aérea Brasileira e participavam de desfiles cívicos do 7 de
setembro. Assim, poderiam desfrutar de um ambiente de conhecimento do Brasil através de
aspectos inteiramente inéditos para eles.
As células nazistas existentes em uma rie de cidades do RS, onde era expressiva a
população de origem alemã, forneceu um excelente pretexto para colocar em prática a
assimilação forçada dos “quistos étnicos estrangeiros” através da campanha de
nacionalização, cujas diretrizes se fariam sentir a partir de 1938 sobre os teutos e
descendentes do Estado.
4.5 A preservação da germanidade como faceta do imperialismo alemão
Os núcleos de colonização germânica estabelecidos não somente no Brasil, mas no Sul
da América Latina passaram a ser assediados, a partir do final do século XIX, pelo
imperialismo alemão. Com a unificação da Alemanha, haviam se criado as condições
indispensáveis para o desenvolvimento das forças produtivas do emergente capitalismo
existente naquele país. O desenvolvimento retardado, mas extremamente rápido da sua
indústria, possibilitou à Alemanha entrar no rol das seletas nações imperialistas. Entretanto,
como decorrência de sua formação tardia, o império alemão havia chegado atrasado na
corrida neocolonial pela partilha territorial do globo que se travava entre as maiores potências
capitalistas da época.
172
Após as guerras de unificação, sob a batuta de Bismarck, a política diplomática da
Alemanha havia-se centrado especialmente na manutenção do equilíbrio europeu e não na
expansão colonial. Com a queda do chanceler alemão, em 20 de março de 1890, aumentaram
as pressões de importantes grupos ligados a setores de ponta da economia alemã que
propugnavam uma política mais arriscada, a Weltpolitik, para o império.
173
Visando saciar
seus apetites coloniais e obter novas esferas de influência, a Alemanha acabou chocando-se
172
Ver a respeito LÊNIN, Vladimir Ilich. O imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Global,
1987.
173
Heute Deutschland, morgen die ganze Welt (Hoje a Alemanha, amanhã o mundo inteiro), passou a ser o
ditado nacionalista e imperialista alemão. Cfe. Hobsbawm, por cit p. 440.
346
com os interesses de outras potências imperialistas. Essa competição encarniçada provocou
uma série de conflitos entre as nações de capitalismo avançado e redundou na eclosão da
Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
No bojo da frenética necessidade de ampliar continuamente os seus mercados,
industriais alemães passaram a se interessar pelos conterrâneos emigrados de determinadas
regiões. Assim, a população de ascendência germânica que vivia na porção meridional
brasileira tornou-se alvo dos interesses econômicos do capital alemão.
Dessa forma, a preservação da germanidade e a garantia de mercados para a indústria
alemã passaram a ser a cara e a coroa da mesma moeda. Em função disso, núcleos coloniais
teutos, localizados nos estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná, durante
alguns decênios foram alvo de uma agressiva política de manutenção do Deutschtum,
considerado imprescindível em função do processo de assimilação que estava em curso
entre os descendentes dos imigrantes. Por preservar a cultura alemã língua, música, canto,
credo luterano –, essa parcela da população encontrava-se receptiva para o despertar do
sentimento de pertencimento ao povo alemão. Dentre as estratégias adotadas para desenvolver
o Deutschtum estavam: a subvenção de escolas alemãs; a contribuição financeira concedida à
igreja luterana;
174
os incentivos dados pela União dos Católicos do Exterior para a
manutenção do catolicismo e do germanismo;
175
o auxílio concedido a sociedades recreativas
e culturais e suas filiações a ligas de sociedades alemãs no estrangeiro; a utilização do corpo
diplomático alemão. Assim, forjando nculos de apego, intimidade e solidariedade com a
velha pátria, objetivavam, conforme apontado acima, dar à indústria alemã certamente um
mercado cativo no Brasil.
176
Foi sobretudo entre a elite econômica e intelectual dos teuto-descendentes, formada
por industriais, comerciantes, jornalistas, pastores e professores, que o germanismo fez seus
174
Conforme demonstrado por Dreher, op. cit. p. 76-87, várias associações evangélicas alemãs auxiliaram seus
irmãos de fé emigrados no Sul do Brasil, estabelecendo-se, assim, um vínculo umbilical entre o Sínodo
RioGrandense e a Igreja-mãe alemã.
175
Mantida pela Caritas, foi criada, em 1911, na cidade de Dresden, a União para os Católicos no Exterior. Essa
organização nasceu com o propósito de manter o catolicismo e o germanismo em outros países. Para manter e
aperfeiçoar a língua, os costumes, a cultura e a religião dos alemães do exterior, forneceu material de leitura;
incentivou a criação de escolas e de bibliotecas; fomentou a criação de associações de caráter econômico. Cfe.
Schallenberger, op. cit. p. 307.
176
CUNHA, Jorge Luiz da. Rio Grande do Sul und die deutsche Kolonization. Ein Beitrag zur Geschichte der
deutschbrasilanischen Auswanderung und der deutschen Siedlung in Südbrasilien zwischen 1824 und 1914.
Hamburgo: Universidade de Hamburgo, 1994 (Tese, Doutoramento em História) p. 209.
347
maiores adeptos e divulgadores. Foi através desses segmentos sociais que os operários
citadinos e os trabalhadores da roça, em maior ou menor grau, travaram contato e viram-se
atraídos por essa ideologia.
Vinculado ao germanismo, consolidou-se nessa mesma época, como expressão de uma
identidade étnica, a categoria Deutschbrasilianer (teuto-brasileiro). Desde então, o termo
serviu para designar os imigrantes alemães e seus descendentes que vivem no Brasil. Essa
concepção de dupla identidade acabou batendo de frente com os postulados de intelectuais e
homens do governo brasileiro, empenhados na construção do estado e da identidade nacional,
que tinham no direito de solo e na assimilação seu fundamento básico.
A tese do “perigo alemão” foi notadamente exagerada por intelectuais brasileiros
empenhados em construir uma identidade nacional. Esses intelectuais, no contexto da política
internacional, na sua maioria, tinham posições favoráveis à França e em parte também aos
Estados Unidos e à Inglaterra. Contudo, a repercussão de suas teses deu-se especialmente na
capital do país, o Rio de Janeiro. Os governantes, excetuando os períodos de guerra, parecem
não ter dado grande importância ao debate travado. Sinal de que ele não se constituía
efetivamente em um problema que colocasse em risco a integridade nacional
Com a deflagração da Primeira Guerra Mundial, um conflito de caráter eminentemente
imperialista, de uma maneira geral a opinião blica brasileira posicionou-se favorável aos
países da Entente. O torpedeamento do navio brasileiro Paraná, a 4 de abril de 1917, serviu de
estopim para o rompimento das relações diplomáticas do Brasil com a Alemanha. Em 25 de
outubro do mesmo ano, após o torpedeamento de mais dois navios, o Brasil declarou-se em
guerra contra aquela nação. Foi então ordenada a proibição da circulação de jornais em língua
alemã no território nacional e o fechamento de escolas nas quais o ensino não era ministrado
na língua portuguesa. Terminada a guerra, com a derrocada alemã, as restrições ao uso do
idioma alemão foram revogadas.
177
O germanismo, que se nutria em grande parte do apoio físico e moral recebido da
Alemanha, teve um considerável baque no pós-guerra. Durante a década de 20, a República
de Weimar teve que inicialmente enfrentar uma séria crise econômica, pagar uma imensa
dívida a título de reparação de guerra e reconstruir a economia do país. A grande depressão
177
Ibidem p. 47.
348
dos anos 30 abriu caminho para a ascensão dos nazistas ao poder, dando-se assim o início do
Terceiro Reich. “O nazismo, retomando ideologicamente o germanismo, e recolocando a
Alemanha numa posição de força no contexto internacional, produziu naturalmente um efeito
de reavivamento do movimento germanista.”
178
Salienta com propriedade Seyferth que, apesar de preconizado desde o final do século
XIX, a assimilação acelerada dos “quistos étnicos estrangeiros” foi colocada em prática por
um Estado que marcou por sua feição autoritária e policialesca, parido do golpe de 10 de
novembro de 1937. Para a antropóloga, somente um Estado antidemocrático desse tipo
“poderia criar uma legislação impositiva da assimilação e do caldeamento e propor, por
decreto, estudos científicos que dessem diretrizes eugênicas (raciais) sociais e culturais para
erradicar as diferenças étnicas que faziam dos imigrantes cidadãos incompatíveis com a
nação”.
179
Essa tentativa de assimilação forçada, como se verá adiante, destruiu boa parte do
estoque de capital social acumulado pela população de ascendência germânica que vivia no
RS.
No fundo, foi o imperialismo alemão que, na competição que travou com o
imperialismo inglês, francês e norte-americano, culminou por estimular, quando e como pôde,
a germanidade nas regiões coloniais. Interessado em ampliar seu domínio econômico no Sul
do Brasil, na competição travada com as outras nações imperialistas, os alemães, dadas as
condições superestruturais existentes, largaram em tida vantagem nessas específicas
regiões. No Brasil, calcula Stanley Hilton, havia cerca de 100 mil Reichsdeutsche, em meados
da década de 1930, enquanto os germano-brasileiros totalizavam 800 mil.
180
Entre 1930 e 1939, 26 por cento da exportação do Rio Grande do Sul para o
estrangeiro fez-se com a Alemanha. O volume e o valor das importações para com aquele
país, entretanto, deviam ter sido muito superiores às exportações. Segundo Roche,
181
em Porto
Alegre havia sete vezes mais casas importadoras que exportadoras pertencentes a empresários
daquela nacionalidade. Antes da Segunda Guerra Mundial, o Rio Grande do Sul figurava
como o Estado brasileiro que mais desenvolveu relações comerciais com a Alemanha.
178
Gertz, op. cit. p. 40.
179
Seyferth (1999), op cit. p. 225.
180
HILTON, Stanley E. O Brasil e as grandes potências: 1930-1939, os aspectos políticos da rivalidade
comercial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. p. 84. De acordo com o recenseamento geral feito no
Brasil em 1920, o número de alemães residentes no Brasil era um pouco superior a 50 mil pessoas. De acordo
com o recenseamento de 1940, o montante de cidadãos alemães residentes no Brasil subiu para 90 mil.
181
Roche, op. cit. p. 459 e 460.
349
Tomando o ano de 1936, cerca de 40 por cento do conjunto das exportações do Estado para o
exterior tiveram por destino o Reich. Isso representava um aumento de 20 por cento em
relação ao ano anterior. Ao mesmo tempo, as importações da Alemanha cresceram 40 por
cento em relação a 1935.
182
As relações comerciais entre o Brasil e a Alemanha também atingiram grande volume
na década de 1930. Embora os Estados Unidos fossem os maiores parceiros comerciais do
país, a Alemanha, naquele decênio, passou para o segundo posto. Enquanto em 1933, 11,9 por
cento das importações brasileiras vinham da Alemanha, esse percentual, em 1938, elevou-se
para 24,99 por cento. Já as exportações brasileiras para aquele país europeu teriam subido de
8,12 por cento para 19,06 por cento nesses mesmos anos.
183
Nesse comércio bilateral, o Brasil
fornecia produtos primários como borracha, frutas, castanhas, fumo, couro, carnes, café e
algodão, e importava dos alemães produtos industrializados, a saber: maquinaria,
equipamentos elétricos, armamentos bélicos, produtos de ferro e aço, quinas de escrever,
aparelhos de rádio, inseticidas e carvão de pedra. Como reflexo desse incremento comercial,
em fins de 1935 o Brasil superou a Argentina, transformando-se no principal parceiro
comercial do Terceiro Reich na América Latina e o décimo no Mundo.
184
“Os portos de
Santos, Rio de Janeiro, Bahia e Recife estavam repletos de navios, com bandeiras alemãs,
incluindo a então popular Hakenkreutz. Em meio a essas suásticas flutuantes e outras
bandeiras do Reich, apareciam também as insígnias dos navios holandeses, que serviam aos
portos da Alemanha.”
185
A participação, em termos relativos, da Alemanha no comércio exterior brasileiro
pode ser melhor visualizada observando-se a TABELA 10. A depressão econômica que
sucedeu a Crise de 29 reduziu o comércio entre os dois países. A partir de 1933, com os
nacional-socialistas no comando da política econômica alemã, o comércio bilateral cresceu a
largos passos. A eclosão da Segunda Guerra Mundial, em primeiro de setembro de 1939 com
a invasão da Polônia pela Alemanha, pôs termo a esse incremento.
182
Hilton, op. cit. p. 177.
183
Hilton, apud Gertz (1980), p. 196-233.
184
NASCIMENTO, Benedicto Heloiz. A ordem nacionalista brasileira: o nacionalismo como política de
desenvolvimento durante o Governo Vargas, 1930-1945. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP: Instituto de
Estudos Brasileiros/USP, 2002. p. 116.
185
Hilton, op. cit. p. 143.
350
Tabela 10: Participação percentual da Alemanha no comércio exterior do Brasil
(1928/1939).
ANO IMPORTAÇÃO EXPORTAÇÃO
1928 12,47 11,20
1929 12,69 8,76
1930 11,38 9,11
1931 10,48 9,23
1932 9,01 8,89
1933 11,95 8,12
1934 14,02 13,13
1935 20,45 16,51
1936 23,50 13,23
1937 23,88 17,05
1938 24,99 19,06
1939 19,37 12,00
Fonte: Nascimento, op. cit. p. 117.
A balança comercial brasileira, no ano de 1937, como pode ser constatado através da
TABELA 11, foi deficitária, pela ordem, com a Argentina, a Alemanha, a Grã-Bretanha, a
União Belgo-Luxemburguesa e a Suécia, cujos excedentes negativos, somente com essas
nações, somaram 1.160.314 contos de réis. Dentre os países cujas relações comerciais
proporcionaram naquele ano uma balança comercial favorável ao Brasil, se destacaram os
Estados Unidos, a França e o Japão.
351
Tabela.11: Balança comercial brasileira com os principais parceiros comerciais em
1937.
PRINCIPAIS
PAÍSES
IMPORTAÇÃO
Libras Ouro Contos Réis
EXPORTAÇÃO
Libras Ouro Contos de Réis
BALANÇA
Libras Ouro Contos de Réis
Estados Unidos 15.392.517
1.850.796
9.336.999
1.228.503
+6.055.518
+622.293
Alemanha 7.251.813
871.741
9.697.139
1.270.348
-2.445.326
-398.607
Grã-Bretanha 3.857.188
458.512
4.909.124
641.924
-1.051.936
-183.412
Argentina 1.997.792
241.763
5.675,012
736.797
-3.677.220
-495.034
França 2.705.585
326.982
959.753
125.347
+1.742.832
+201.635
União Belgo-
Luxemburguesa
1.341.971
160.694
1.797.819
233.586
-455.839
-72.892
Japão 2.122.106
240.336
647.472
58.626
+1.474.634
+154.710
Holanda 1.410.405
167.801
436.645
56.895
+973.760
+110.906
Suécia 890.838
106.665
891.796
117.034
-958
-10.369
Itália 934.766
112.782
603.585
79.692
+340.181
+33.090
Revista de Economia e Estatística, Ano 3, n. 3, jul. 1938, Seção Notas e Comentários p. 287.
Nascimento afirma que o crescimento das relações comerciais entre Brasil e Alemanha
ocorria concomitantemente com a redução da participação dos Estados Unidos, mas sobretudo
da Grã-Bretanha, no comércio exterior brasileiro. Daí a pressão que os governos daquelas
potências passaram a exercer sobre os governantes brasileiros.
Tabela 12: Comércio Exterior do Brasil com os seus principais parceiros comerciais,
percentagem sobre o total
PAÍS
PROCEDÊNCIA DAS
IMPORTAÇÕES
DESTINO DAS EXPORTAÇÕES
1928 1933 1938 1939 1928 1933 1938 1939
Alemanha
12,47
11,95
24,99
19,37
11,20
11,95
19,06
12,00
Grã-Bretanha
21,53
19,44
10,38
9,27
3,44
7,48
8,77
9,61
EUA
26,57
21,18
24,21
33,37
45,45
46,71
34,32
36,25
Fonte: Nascimento, op. cit. p. 118.
Em 1933, a Grã-Bretanha forneceu ao Brasil cerca de uma quinta parte de suas
importações. A partir de então, essa participação declinou ano após ano reduzindo-se a menos
da metade em 1939. No caso dos EUA, a importação de produtos daquele país se manteve
352
com certa constância entre 1933 e 1938. O destino das exportações, entrementes, registrou um
significativo declínio nesse mesmo período, havendo um decréscimo de cerca de um quarto.
Com a deflagração da Guerra, Argentina e Estados Unidos se beneficiaram do comércio
internacional com o Brasil.
Tabela 13: Percentual de participação de alguns países nas importações e exportações
brasileiras entre 1940 e 1942.
PAÍS
IMPORTAÇÕES
EXPORTAÇÕES
1940 1941 1942 1940 1941 1942
Alemanha
1,8
1,8
0,0
2,2
1,2
0,0
Argentina
10,8
11,3
16,9
7,2
9,2
13,2
Estados Unidos
51,0
60,3
53,3
43,0
57,0
45,6
Grã-Bretanha
9,5
5,7
5,8
17,3
12,2
16,4
Fonte: Hilton, op. cit. p. 322.
A Segunda Guerra Mundial interrompeu o comércio entre o Brasil e o Terceiro Reich.
Os esforços de guerra feitos pela Alemanha e o bloqueio marítimo a ela imposto pela
Inglaterra explicam, em grande parte, a acentuada queda do intercâmbio entre os dois países.
Os dois principais produtos exportados pelos brasileiros aos alemães – algodão e café –
sofreram uma drástica redução depois de iniciado o conflito mundial. As vendas de algodão,
que 1939 atingiram 65.218 toneladas, foram reduzidas para 3.132 toneladas em 1940 e para
2.072 t.oneladas em 1941. As exportações de café caíram de várias centenas de milhares de
toneladas em 1939 para somente 63.188 em 1940 e para 124 no ano seguinte.
186
A Inglaterra,
envolvida numa luta de vida ou de morte, teve que redirecionar praticamente toda a sua
produção industrial para os esforços de guerra. No essencial, foram os Estados Unidos que
abocanharam as maiores fatias do mercado brasileiro. Sobrou também espaço para o vizinho
do Prata. A Argentina, que antes da deflagração do conflito comprava menos de cinco por
cento das exportações brasileiras, mais que dobram, num curto espaço de quatro anos, suas
aquisições do Brasil. De forma idêntica, as vendas argentinas para o mercado brasileiro
também subiram significativamente entre 1939 e 1942, transformando aquele país no segundo
parceiro comercial do Brasil.
186
SEITENFUS, Ricardo. A entrada do Brasil na segunda guerra mundial. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.
246.
5 A QUEDA DAS RELAÇÕES HORIZONTAIS DE SOLIDARIEDADE E DE
CONFIANÇA ENTRE TEUTO-DESCENDENTES
Neste capítulo trataremos da queda do estoque de capital social em áreas de
predominância da população de ascendência germânica do Rio Grande do Sul. O enfoque
recairá mais especificamente sobre a população residente no meio rural do município de Santa
Cruz do Sul. Embora essa questão complexa seja merecedora de uma nova tese, e mesmo que
se tenha consciência de que os fatores são múltiplos, um ponto será aqui enfocado, por ser
entendido como parcialmente responsável por significativo desestímulo à constituição de
redes sociais. Trata-se da atuação do Estado brasileiro que no episódio da nacionalização e do
desestímulo ao cooperativismo jogou papel decisivo.
No seu estudo sobre a decadência de capital social nos Estados Unidos, Putnam,
amparado em um grande número de pesquisas empíricas, constatou que as organizações
formais que vinculavam os indivíduos norte-americanos a suas comunidades, como partidos
políticos, associações cívicas, sindicatos, igrejas e outros agrupamentos similares, vinham se
enfraquecendo paulatinamente a partir do último terço do século XX. De maneira idêntica, os
meios informais de vinculação comunitária, como sair com colegas para beber depois do
trabalho, jogar baralho ou uma partida de boliche, participar de ceias familiares, freqüentar
bares, restaurantes e pequenos cafés, conversar com vizinhos, visitar parentes e amigos, ir a
velórios, participar de festas beneficentes, convidar amigos para assistir à televisão, reunir um
grupo de leitores em uma livraria ou simplesmente saudar com um gesto outra pessoa que
habitualmente se encontra pela rua, também haviam decrescido substancialmente no mesmo
período. Em decorrência, o altruísmo, a honradez, o voluntariado e a filantropia, que se
354
constituem em indicadores fundamentais de existência de capital social, haviam diminuído
significativamente.
Putnam apontou múltiplos fatores como virtuais responsáveis pelo desmanche do
tecido da vida comunitária norte-americana. Um deles seria que a expansão urbana das
cidades atuaria negativamente sobre o compromisso cívico e o capital social de caráter
comunitário. Segundo essa ótica, os residentes em cidades pequenas e em zonas rurais seriam
mais altruístas, honrados e dotados de confiança social do que os moradores de grandes
metrópoles. Exemplifica que ao se comparar duas pessoas idênticas em todos os aspectos,
uma domiciliada em uma grande metrópole e outra no meio rural ou numa pequena cidade do
interior, aquela que reside numa grande cidade, seja na área central, seja no subúrbio, tende
significativamente a se fazer menos presente em reuniões públicas, a se envolver na
organização da comunidade, a ir à igreja, a exercer tarefas de voluntariado, a participar de
clubes, a atuar em projetos comunitários e a visitar amigos, parentes e conhecidos. Os
metropolitanos seriam menos comprometidos não por ser o que são, mas por estar onde
estão.
1
Portanto, o fato de residir em uma grande aglomeração urbana debilitaria o
compromisso cívico e o capital social. O aumento dos subúrbios das metrópoles teria
provocado fenômenos como o surgimento dos hipermercados e dos centros comerciais.
Nesses locais, os indivíduos viveriam isolados, sendo raros os contatos entre as pessoas. Mas
a suburbanização da população nos Estados Unidos teria provocado também maior consumo
de tempo para o deslocamento de casa para o trabalho e vice-versa. Isso porque a distância a
ser percorrida para chegar ao trabalho seria cada vez maior. E esse deslocamento se faria
solitariamente, dentro do automóvel, o que reduziria o tempo para visitar amigos, participar
de um clube, sindicato ou partido, para exercer uma atividade de voluntariado ou para
simplesmente freqüentar uma igreja. É nesse sentido que o automóvel e os longos
deslocamentos diários para o trabalho fariam mal à vida comunitária nos Estados Unidos.
Assim, uma série de outros sintomas maléficos originados da expansão das grandes cidades
também atuaria para inibir a vida comunitária.
Um outro fator que em pequena escala também explicaria o declive da vinculação
social entre os norte-americanos seria a pressão que o tempo e o dinheiro exercem sobre as
pessoas. Premidas pela necessidade econômica e pela pressão social, no último terço do
1
PUTNAM, Robert D. Solo en la bolera: colapso y resurgimiento de la comunidad norteamericana. Barcelona:
Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores, 2002. p. 276-77.
355
século XX, o número de famílias em que ambos os cônjuges trabalham fora de casa teria
aumentado significativamente. Se, por um lado, isso poderia significar a possibilidade de
contato com um conjunto mais amplo de redes sociais e comunitárias, por outro, provocaria a
decadência principalmente do schmoozing. O ingresso da mulher no mercado de trabalho,
com uma jornada completa, a teria atarefado mais e diminuído significativamente o seu
próprio tempo e o da sua família para os amigos, vizinhos e parentes e para assuntos cívicos.
Dessa forma, tarefas de voluntariado, como o auxílio prestado no preparo de alimentos para
pobres na igreja, a visita a doentes em hospitais, a realização de trabalhos gratuitos em um
asilo ou mesmo a participação em reuniões de escolas com pais e professores, teriam
diminuído significativamente.
No que se relaciona com as questões econômicas, destacou que as preocupações
financeiras exercem influência deprimente sobre o compromisso social, tanto formal como
informal. Salientou que quando a situação econômica de uma pessoa se degrada, seu foco de
atenção se reduz à sobrevivência pessoal e familiar. Quem passa por uma crise financeira, seja
porque se atingida pelo desemprego, seja porque houve rebaixamento de ganhos, tende a
participar menos de reuniões de clubes, ir menos freqüentemente à igreja e ao cinema, exercer
menos atividades de voluntariado, interessar-se menos por política, passar menos tempo com
amigos, jogar cartas etc. O que inibiria o compromisso cívico não seria a redução do salário
ou dos ganhos, mas seriam as preocupações, as tensões que a vulnerabilidade econômica
gera.
2
Em todo o caso, a pressão do tempo e do dinheiro, embora devessem ser considerados,
não desempenhariam papel de atores protagonistas na decadência do estoque de capital social
e do compromisso cívico.
O surgimento e o aperfeiçoamento de novas tecnologias e dos meios de comunicação
também explicariam, em parte, a debilitação do compromisso cívico e do capital social. A
televisão e seus derivados eletrônicos – que para milhões de pessoas se constituem na
principal forma de entretenimento atuariam de forma prejudicial sobre o comportamento
cívico. Isso porque assistir à televisão, que teria se tornado um hábito, seria algo que se faria
quase sempre solitariamente. Além de reduzir as interações com outras pessoas, também
ocuparia boa parte do tempo das mesmas, tempo esse escasso e que poderia ser dedicado a
outras atividades de participação social. Os conteúdos dos programas televisivos, que segundo
Putnam são de entretenimento e não informativos, levariam também ao imobilismo o que,
2
Ibidem p. 258-59.
356
somado aos efeitos psicológicos decorrentes da exposição prolongada diante do aparelho,
inibiria a participação social.
O quarto e mais importante fator apontado por Putnam para explicar o declive do
comportamento cívico e do capital social nos Estados Unidos seria a sucessão de gerações. A
substituição lenta e gradativa de gerações cívicas por filhos e netos menos comprometidos
com atividades cívicas seriam maiores nas formas mais públicas e menores na socialização
informal. De uma maneira geral, aponta o autor que as pessoas de idade média e as pessoas
mais velhas, seriam mais ativas em organizações do que as jovens; iriam mais regularmente à
igreja; votariam mais frequentemente nas eleições; leriam notícias com maior constância;
seriam mais filantrópicas; trabalhariam em mais projetos comunitários; e realizariam mais
tarefas de voluntariado.
3
O maior engajamento cívico das gerações mais velhas estaria
conectado com o processo de formação histórica da sociedade norte-americana no decorrer do
século XX. Já a geração da explosão demográfica (nascida entre 1946 e 1964) e a nascida
entre 1965 e 1980, chamada de geração X, teriam sido responsáveis pela alteração de hábitos
e valores sociais e pelo desgaste do capital social.
O presente trabalho, como reiteradas vezes destacado, é visivelmente influenciado
pelos escritos de Putnam no que tange à origem do capital social e à origem do compromisso
cívico nas áreas de colonização com imigrantes alemães e seus descendentes no Rio Grande
do Sul. E, embora não dispondo de dados empíricos que possam, de alguma forma, mensurar
o nível de capital social existente nessas áreas e compará-lo com áreas do Estado, onde
predominam populações de outras origens étnicas, procurou-se, a partir de uma reconstituição
do processo de formação histórica da colonização alemã no RS, trazer à tona uma série de
elementos que deixam patente a presença, em alto grau, de relações horizontais de
solidariedade e de confiança entre os teutos e descendentes. Elementos esses que, entende-se,
são mais do que evidências de existência de capital social entre os colonos alemães e seus
descendentes. Amparado na literatura sobre o tema, ousa-se afirmar que se trata efetivamente
de provas de sua presença.
No que tange ao declínio ou à transformação do capital social existente, não se
desconhece, em absoluto, a tese defendida por Putnam. Como reiteradas vezes se afirmou,
3
Ibidem p. 331 et seq.
357
dados empíricos que comprovem o aumento ou a diminuição do estoque de capital social em
áreas de colonização germânica do Estado não existem. Mas há, em contrapartida, mais do
que evidências de que aquele tipo de comunidade cívica e de que aquela forma de capital
social forjada ao longo de mais de uma centena de anos em território gaúcho foram, em
grande parte, aniquilados durante o transcurso do século XX. Nesse sentido, trabalha-se com
o pressuposto de que a campanha de abrasileiramento forçado, decretado na década de 1930
pelo Estado Novo, e posta em prática pelo governo do Rio Grande do Sul a partir de 1938, foi
a grande responsável pela queima de confiança social e do tipo de capital então presente nas
áreas onde predominava a população de origem teuta.
5.1 A nacionalização e a queima de estoque de capital social
Em 1938, o governo do Brasil deu início à campanha de nacionalização. O
objetivo era o de abrasileirar populações de origem estrangeira que viviam no país e
que, em determinados espaços geográficos do território nacional, formavam
comunidades étnicas relativamente homoneas. Como foi tentado demonstrar ao
longo do capítulo 4 deste trabalho, alguns setores da sociedade brasileira, desde o final
do culo XIX, e, sobretudo, nos anos que antecederam a eclosão da Primeira Guerra
Mundial, defenderam a assimilação acelerada dos assim denominados “quistos étnicos
estrangeiros”. A assimilação compulsória, portanto, embora reivindicada por quase
meio século, não foi colocada em prática nem na época do Imrio nem no período da
República Velha (1889-1930). Ela foi colocada em prática justamente por um regime
ditatorial, que marcou por sua feição autoritária e policialesca, parido do golpe de
10
de
novembro de
1937.
Para a antropóloga Giralda Seyferth,
4
somente um Estado
antidemoctico desse tipo poderia criar uma legislação impositiva da assimilação e
do caldeamento e propor, por decreto, estudos científicos que dessem diretrizes
eugênicas (raciais), sociais e culturais para erradicar as difereas étnicas que faziam
dos imigrantes cidadãos incompatíveis com a nação.”
A Revolução de 1930, por um lado, reduziu o controle dos poderes locais e
4
SEYFERTH, Giralda. Os imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce
Chaves (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999. p. 225.
358
regionais detidos anteriormente pelos coronéis”. De outro lado, caracterizou-se por
apresentar feões marcadamente nacionalistas. A expressão nacionalista não se
restringiu ao campo econômico, embora conseguisse apoio e sustentação popular. A
preocupação com a limitação de entrada de imigrantes no território brasileiro deu-se
logo de início
5
e desembocou no regime de cotas consagrado no pagrafo 6º, artigo
121, da Constituição Brasileira de 1934. O regime autoritário e o totalitário
6
–,
implantado em 1937, apenas aprofundou esse nacionalismo econômico e político.
Abriu-se, assim, a brecha para o abrasileiramento compulsório das populações de áreas
coloniais povoadas por estrangeiros e seus descendentes.
A campanha de nacionalização foi promovida em um contexto histórico –
político e psicológico completamente desfavorável
à
integração.
7
Regimes
discricionários, como foi o caso do Estado Novo, normalmente acobertam violações
aos direitos humanos, reprimem os movimentos sociais e sindicais, não mostram
respeito pelas minorias e praticam atos lesivos ao exercício da cidadania. Em
diferentes localidades da região colonial encontram-se exemplos de policiais e
funcionários blicos que cometeram excessos contra moradores. Alguns deles,
escudados pela função que exerciam, aproveitavam-se do momento para extorquir
dinheiro de pessoas humildes ou para tirar proveito próprio da situação.
8
O Estado
Novo extinguiu os poderes legislativos em todos os níveis Congresso Nacional,
assembléias legislativas e câmaras municipais e colocou interventores à testa dos
estados. Esses indicavam os prefeitos dos municípios e prestavam conta das suas ações
tão-somente ao Ditador. Seus poderes não eram, portanto, controlados por uma
constituição estadual, pelos representantes do povo atuando em um parlamento, pela
imprensa (cuja atuação era cerceada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda
DIP) ou pelo poder judiciário cuja atuação ficou limitada pelo regime discricionário.
5
Decreto 19.482/30.
6
O Estado Novo, diferentemente do fascismo italiano e do nazismo alemão, não se caracterizou como um
movimento revolucionário de massas. Aqui também não existiu um partido para dar sustentação política e
ideológica ao regime. “Entre o chefe e o povo, o intermediário, a correia de transmissão é o partido único; este
deve reunir um escol e, por meio de um movimento juvenil único, deve também promover a sua renovação.”.
Cfe. MICHEL, Henri. Os fascismos. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1977. p. 17.
7
RAMBO, Balduino. A nacionalização.
Pesquisa Hisria,
o Leopoldo, Instituto Anchietano de
Pesquisas, n.
27,
p.
86.
8
Algumas das atrocidades cometidas à época no município de Santa Cruz do Sul podem ser encontradas em um
trabalho por nós desenvolvido a partir de fontes diversas.
VOGT, Olgário Paulo. Represo X medo:
arbitrariedades cometidas durante a campanha de nacionalizão em Santa Cruz, RS. In: ANAIS DO IV
E DO V 5EMINAÁRIO NACIONAL DE PESQUISADORES DE HISTÓRIA DAS COMUNIDADES
TEUTO-BRASILEIRAS,
2000
Lajeado,
2001
Santa Cruz do Sul. Anais ... Santa Cruz do Sul: Gráfica
Garten Sul,
2002.
p.
128-142.
359
Psicologicamente, a época também foi imprópria. Embora a campanha de
nacionalização tenha iniciado no período imediatamente anterior à eclosão da Segunda
Guerra Mundial, foi durante o conflito bélico, que se estendeu entre setembro de 1939
e agosto de 1945, que ela se intensificou. Embora a princípio o Brasil tomasse uma
posição de neutralidade no conflito, foi levado, pela pressão da opinião pública
nacional e pelos interesses do imperialismo norte-americano, a posicionar-se contra os
países do Eixo e a favor dos Aliados.
9
O rompimento das relações diplomáticas do
Brasil com os países do Eixo, a 28 de janeiro de 1942, e a posterior declaração de
Guerra à Alemanha e à Itália, em 31 de agosto do mesmo ano, fez explodir um surto
nacionalista que coincidiu com um maior rigor na repressão ao “eixismo”.
10
Se o país já
vivia numa ditadura, com a decretação do Estado de Guerra em todo o território nacional, a
situação piorou ainda muito mais. A partir de então, tornou-se legal a censura, a apreensão a
domicílio e a suspensão das garantias constitucionais atribuídas às pessoas e aos bens dos
súditos dos Estados em beligerância com o Brasil. Os descendentes de imigrantes alemães,
italianos e japoneses que viviam no país sentiram, por isso mesmo, reflexos mais duros no
que tange à nacionalização. Hostilizados e tachados de
"Quinta Colunas", passaram a ser
estigmatizados como traidores reais ou potenciais da Pátria. “Bastava possuir cabelos
loiros e olhos claros ou feições nipônicas para que, mesmo havendo nascido no Brasil,
de pais brasileiros, sofressem toda sorte de provocação.”
11
Viveram,
conseqüentemente, tempos de incerteza e de discriminação.
Para os promotores da nacionalização, nos espaços geográficos em que viviam
grandes contingentes de populações de descendência estrangeira, seria necessário,
primeiramente, suprimir o idioma dos antepassados. Atuando nesse sentido,
governantes passaram a restringir, gradativa e legalmente, a partir de 1
938,
o uso de
idiomas estrangeiros na escola, na caserna, nos ofícios religiosos, nas repartições
públicas, na imprensa e em outros locais públicos, como nas casas comerciais, nos
salões de baile, nos ônibus, nas ruas.
Embora a nacionalização forçada o tenha recaído somente sobre a população
9
Sobre as relações internacionais brasileiras durante a década de 1930 e os anos iniciais da Segunda Guerra
Mundial ver: SEITENFUS, Ricardo. A entrada do Brasil na segunda guerra mundial. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2000.
10
SGANZERLA, Cláudia Mara.
A lei do silêncio:
repressão e nacionalização no Estado Novo em
Guaporé (1
937-1945).
Passo Fundo: UPF,
2001.
p.
142.
11
DILLENBURG, rgio Roberto.
Tempos de incerteza: a discriminão aos teuto-brasileiros no Rio
Grande do Sul.
Porto Alegre: Edições EST, 1995. p. 53.
360
de descendência alemã que vivia no Sul do Brasil, aqui a repressão sobre a língua e
sobre alguns dos hábitos culturais da populão de origem alemã foram duramente
reprimidos. Isso se deveu, em grande medida, porque autoridades governamentais e
policiais confundiam, erroneamente, o germanismo com o nazismo ou com sua vertente
tupiniquim, o integralismo. Inicialmente, as
comunidades tiveram a língua alemã
proibida nas escolas,
12
nas repartições públicas e em cerimônias religiosas. Mais tarde,
a interdição foi estendida a todos os locais públicos e, a partir de agosto de
1942,
com
o envolvimento do Brasil na Segunda Guerra Mundial enfrentando os países do Eixo,
os próprios domicílios chegaram a ser vigiados.
Para René Gertz, a campanha de nacionalização “está intimamente ligada à
figura e à interventoria de Oswaldo Cordeiro de Farias.”
13
Na sua ótica, os excessos
cometidos no Rio Grande do Sul durante a nacionalização forçada devem-se menos ao
governo Vargas do que a Cordeiro de Farias e seus dois auxiliares mais próximos: o
secretário de Educação, J. P. Coelho de Souza, e o Chefe de Polícia, Aurélio da Silva
Py. O próprio interventor estadual, Cordeiro de Farias, seria um claro adepto da tese
do “perigo alemão”, preocupadíssimo com a situação ”etnográfico-internacionalista”
sulina. Com a substituição de Cordeiro de Farias, em 11 de novembro de 1943, por
Ernesto Dornelles, a nacionalização teria entrado em um período de descompressão, de
abrandamento.
Foi pretextando combater o germanismo que escolas, imprensa, sociedades e
Igrejas existentes foram submetidas a um processo de abrasileiramento sociocultural
forçado. Para alguns intelectuais e membros do governo, isso era imprescindível para a
posterior ocorrência do caldeamento das etnias.
5.2 Igreja e Nacionalização
Os ainda poucos estudos relacionados com a campanha forçada de
nacionalização brasileira são quase unânimes em afirmar que, entre os alemães e
12
Na verdade, a Constituição brasileira de 1934 já determinava que o ensino nos estabelecimentos educacionais
particulares deveria ser ministrado em idioma pátrio, salvo o de língua estrangeira. Também a Constituição do
Rio Grande do Sul, de 1935, exigia a mesma condição.
13
GERTZ, René E. O Estado Novo no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed. UPF, 2005. p. 144.
361
descendentes, o grupo mais atingido pelas medidas de coação e repressão foram os
evangélicos luteranos. Os luteranos do RS estavam, à época, divididos em dois
grandes grupos: os do Sínodo Rio-Grandense, que na época congregava a maioria dos
luteranos do Estado, que possuía fortes ligações com a Igreja alemã e que,
posteriormente, daria origem à Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil; e os
luteranos do Sínodo de Missouri, com fortes ligações com a igreja luterana dos
Estados Unidos, que dariam origem à Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Seria,
obviamente, sobre o primeiro grupo que incidiriam mais fortemente os impactos das
medidas nacionalizadoras.
Durante o Império, os imigrantes alemães luteranos e seus descendentes foram
vistos como uma população que vivia à margem da sociedade brasileira. O catolicismo
era a religião oficial do Estado brasileiro e os demais cultos, embora tolerados, não
podiam ser ostentados publicamente. No final da década de 1930, a Igreja Católica
Apostólica Romana abrigava cerca de 40 por cento dos teutos e de seus descendentes
do Rio Grande do Sul.
14
Sobre uma série de padres e lideranças católicas pesou mais o
fato de pertencerem ao integralismo, uma variante nacional da ideologia fascista, do
que de pertencerem ou simpatizarem com o nazismo.
Para autoridades estaduais, como o Secretário de Educação, João Pereira
Coelho de Souza, a Igreja Evangélica não deixava de ser um mero entreposto cultural
do nazismo, ou como prefere o Chefe de Polícia, Aurélio da Silva Py, um trampolim
nazista. Para o primeiro, o
Mein Kampf
era lido nos templos da Igreja Evangélica
Alemã. Ali, pastores intercalariam admiravelmente sagrados trechos da Bíblia com a
doutrina nacional-socialista.
15
Para Py, os pastores nazistas do Sínodo Rio-Grandense
chegavam a cerca de 60. Eles seriam os maiores divulgadores do nazismo entre as
comunidades evangélicas, onde existiriam perto de 200 mil adeptos.
Após o advento do nacional-socialismo na Alemanha e sua conseqüente
influência nos destinos da religião evangélica, todos os pastores chegados
ao Rio Grande do Sul se mostraram partidários faticos do nazismo. Daí a
revolução política que se operou entre os evangélicos do Sínodo.
16
14
DREHER, Martin. O Estado Novo e a Igreja Evangélica Luterana. In: LLER, Telmo Lauro (Org.).
Nacionalização e imigração alemã. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1994. p. 106.
15
COELHO DE SOUZA, J.P. Denúncia: o nazismo nas escolas do Rio Grande. Porto Alegre: Editora
Thurmann, 2ª ed., 1942. p. 26.
16
PY, Aurélio da Silva. A 5ª coluna no Brasil: a conspiração nazi no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Edição da
Livraria do Globo, 1942. p. 191.
362
No que diz respeito à receptação do nazismo no Rio Grande do Sul, René Gertz
afirmou ter existido, aqui, pouca manifestação de oposição à ascensão nazista na
Alemanha. Embora a maioria se mantivesse silenciosa, é inegável ter havido uma certa
simpatia dos alemães e descendentes residentes no Estado com o novo regime.
Destacou que, em 1933, havia no RS 34 pastores nacional-socialistas em um total de
84.
17
O grupo, liderado por Erich Knäpper, então pastor de Vila Tereza (Santa Cruz),
teria no ano seguinte abrangido cerca de dois terços dos pastores do Sínodo Rio-
Grandense. Posteriormente, a influência dos ideais nazistas sobre os pastores teria
diminuído.
18
Alguns meros da revista Vida Policial
19
inclusive anunciaram a prisão
de supostos pastores hitleristas. Que houve células nazistas em várias cidades do
Estado, isso não é possível negar. Que parcela dos pastores do Sínodo Rio-grandense
eram simpatizantes ou adeptos do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores
Alemães, também não. Contudo, imputar à Igreja Luterana ser um trampolim nazista é
um exagero. Mais do que isso, uma falácia, uma paranóia. As atividades das células no
NSDAP (
Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei
) e de outras instâncias ligadas
ao partido, que até o advento do Decreto-lei nº. 383, de 18 de abril de 1938, foram
toleradas, deixaram de funcionar, ao menos aparente e publicamente, a partir da edição
da norma legal mencionada. Entre outras restrições, seu artigo proibia, nos seus
incisos:
3 - Hastear, ostentar ou usar bandeiras, flâmulas e estandarte, uniformes,
distintivos e insígnias ou quaisquer mbolos de partido político
estrangeiro; 4 - Organizar desfiles, passeatas, comícios e reuniões de
qualquer natureza, e qualquer que seja o número de participantes [...];
5 -
Com o mesmo objetivo manter jornais, revistas ou outras publicações,
estampar artigos e comentários na imprensa, conceder entrevistas: fazer
confencias, discursos, alocuções, diretamente ou por meio de
telecomunicação, empregar qualquer outra forma de publicidade e
difusão.
O cerco sobre luteranos e católicos das áreas coloniais começou a se fechar a
partir da publicação do Decreto-Lei nº. 1.545, de 25 de agosto de 1939. Ele dispôs
sobre a adaptação no meio nacional dos brasileiros descendentes de estrangeiros, e no
seu artigo 16 estabelecia: “Sem prejuízo do exercício blico e livre do culto, as
17
GERTZ, René. O perigo alemão. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1991. p. 50-54.
18
Dreher, op. cit. p. 135 et seq.
19
Ver a respeito as reportagens de “Os astros da Coluna” na revista Vida Policial de outubro de 1942,
dezembro de 1942, abril de 1943, julho de 1943.
363
prédicas religiosas deverão ser feitas na língua nacional.” Em decorrência das medidas
restritivas ao vernáculo alemão, muitos cultos deixaram de ser realizados. Os pastores
foram também orientados pelo Sínodo a não mais proferirem pregações ou alocuções.
A freqüência dos fiéis às celebrações também se reduziu sensivelmente. Muitos dos
crentes, principalmente os de meia idade e os mais idosos, tiveram que se basear nos
gestos dos pastores para saber a hora de sentar e levantar, pois não entendiam palavra
alguma em português.
Em virtude do dispositivo legal, alguns padres e pastores foram substituídos. O
cumprimento da regra, entrementes, foi relaxado pouco tempo depois, mais
precisamente em 06 de novembro de 1939, pelo Chefe de Polícia do Estado.
Repercutindo a decisão tomada em Porto Alegre, Adolfo Medeiros dos Santos,
delegado de Polícia de Santa Cruz, mandou avisar no jornal local que “(...) apenas nas
sedes de distritos e núcleos afastados, quando o mero de estrangeiros que não falem
a língua brasileira for bastante elevado ou se a oportunidade assim o exigir, se
permitida, após a prédica vernácula, a repetição na ngua dos respectivos
estrangeiros.
20
No decorrer do ano de 1941, o ensino em alemão da catequese que objetivava a
Confirmação das crianças foi proibido. A partir do final de janeiro de 1942, a situação
dos alemães e de seus descendentes que preservavam a língua e os costumes de seus
antepassados tornou-se mais crítica.
Logo após a Conferência Pan-Americana, realizada
em janeiro daquele ano, no Rio de Janeiro, os delegados de polícia gaúchos receberam a
Circular número 3, da Repartição Central de Polícia, datada de 28 de janeiro de 1942. A
circular, considerando o acordo firmado pelas nações da América, que naquela conferência
haviam prometido romper relações diplomáticas com os países do Eixo, determinava que a
partir do momento em que o Brasil rompesse os referidos vínculos, deveriam ser
rigorosamente observadas uma série de disposições. Passaram a ser ameaçados de ir presos e
processados, de acordo com a lei então em vigor, com penas que iam desde a reclusão até a
pena de morte, todos aqueles estrangeiros, nacionais da Alemanha, Itália, Japão e de suas
possessões, que não comunicassem à autoridade policial a sua residência dentro de quinze
dias; os estrangeiros que viajassem de uma localidade para outra sem licença da polícia. Para
20
Kolonie, 20 nov. 1939. p. 6. Entenda-se por prédica os sermões e todos os discursos dirigidos à comunidade
presente na celebração do culto divino regulamentar.
364
tanto, deveriam portar um Salvo-Conduto.
21
Com a exigência do Salvo-Conduto, a movimentação dos pastores foi
praticamente inviabilizada. Como eram alemães, para se deslocar, precisavam de
autorização da autoridade policial. Isso dificultou ainda mais o a realização do
culto, mas todas as demais reuniões comunitárias.
Como a Circular proibia também cantar ou tocar hinos dos países do Eixo, bem como
usar o idioma das referidas nações em conversações em qualquer lugar público, essas
exigências foram estendidas às celebrações religiosas. Logo, os
cantos, os hinários, e o
próprio ritual do culto, as orações, as celebrações de batismo, o ritual de casamento e
de enterro estavam impedidos de serem feitos em aleo. Os sermões dos pastores do
Sínodo Rio-Grandense passaram, então, a ser elaborados e redigidos em São Leopoldo,
no idioma portugs, e simplesmente lidos nas celebrações litúrgicas. Ao mesmo
tempo, os nticos e o ritual do culto foram traduzidos para o português. Nem todos,
entretanto, entendiam a prédica do pastor ou os textos dos hinários.
22
Desatendendo a
ientões da Diretoria do Sínodo, que prescrevia submissão às determinações das
autoridades governamentais no que tange à nacionalização, alguns pastores procuraram
manter o Ensino Religioso e o de Confirmação no vernáculo alemão. Cultos mesmo
chegaram a ser realizados na língua costumeira. A polícia, em decorrência, prendeu os
recalcitrantes.
23
Ao menos três pastores que à época desenvolviam suas funções em Santa Cruz
foram obrigados a se apresentar na capital do Estado ao DOPS (Departamento de
Ordem Política e Social). Hugo Kummer foi denunciado por ter externado conceitos
contrários
à
obra nacionalizadora do púlpito do templo localizado na cidade;
24
o pastor
Armin Eberhardt, de Monte Alverne, que inclusive teria falecido em decorncia dos
maus tratos recebidos na Casa de Correção da capital e na Colônia Penal Daltro Filho,
25
e o pastor Goethe, de Rio Pequeno.
21
Não foram somente os estrangeiros que precisavam portar o Salvo-Conduto para se deslocar de um município
a outro. Pelos exemplares existentes no Arquivo Histórico do Colégio Mauá e no Centro de Documentação da
UNISC, percebe-se que essa norma foi estendida, ao menos em algumas localidades, também para os brasileiros
de segunda ou de terceira geração.
22
Dreher (1994), op. cit. p. 107.
23
Ibidem p. 172.
24
Kolonie, 2 ago. 1939. p. 2.
25
A HISTÓRIA NÃO FOI BEM ASSIM. Agora, Santa Cruz do Sul, Ano V, n. 50, p. 5-7, 1999.
365
A hierarquia eclesiástica da Igreja Calica no Estado, personificada na figura do
arcebispo de Porto Alegre, Dom João Becker, o esbou maiores reações ao
abrasileiramento forçado. Diferentemente dos padres jesuítas, defendia a Cúria
Metropolitana que o preço do abrasileiramento deveria ser pago. Entendia a cúpula da
Igreja que seria inútil, e mesmo desaconselhável, continuar preservando a língua e as
tradições dos antepassados dos imigrantes. Mandou que os padres respeitassem as
decisões governamentais e, no que tange à escola comunitária de orientação católica,
entregou-a à própria sorte. O arcebispo metropolitano pouco ou nada fez para gestionar
junto às autoridades civis e militares do RS o abrandamento do ritmo e da obra
nacionalizadora. Quanto às missas, o ritual litúrgico à época ainda era feito em latim,
com o padre no altar e de costas para os fiéis. Alguns padres tiveram dificuldades para
fazer os sermões. Esses sim, nas áreas em que predominavam fiéis de origem
gernica, eram pronunciados em alemão antes de ocorrer a nacionalização.
A freqüência à Igreja e a observância de compromissos religiosos, conforme
apontam inúmeras pesquisas, têm uma relação positiva com o capital social e se
constituem um indicador de existência do mesmo. Conforme Putnam, as igrejas o
uma importante incubadora de destrezas e normas cívicas, de interesses comunitários e
de recrutamento cívico.
26
Para Offe e Fuchs,
27
o catolicismo romano, em tese, deveria
manter uma relação mais forte com o capital social do que o protestantismo. Isso em
função de suas facetas mais vigorosamente comunitárias e menos individualistas e
liberais, quando comparado com as religiões protestantes. A coneo entre afiliação à
Igreja Católica e o nível de participação associativa se poderia explicar pelo fato de o
catolicismo inculcar nos fiéis uma ética de compaio maior que na maioria das
seitas protestantes e o interesse ativo pelo bem-estar dos demais membros da
comunidade. Assim, o dever de servir ao próximo induziria à participação em
sociedades voluntárias de caráter social e de benemerência.
Portanto, o compromisso religioso e uma maior atenção às necessidades de
outras pessoas andam de mãos dadas. Ainda que não se disponha de meros, é
possível afirmar, sem medo de errar, que durante a campanha de nacionalização não
diminuiu o número de ofícios religiosos (missas e cultos), como tamm a freqüência
26
Putnam, op. cit. p. 82.
27
OFFE, Claus, FUCHS, Susanne. Se halla en declive el capital social? El caso alemán. In: PUTNAM, Robert
(Editor). El declive del capital social: un estudio internacional sobre las sociedades y el sentido comunitario.
Barcelona: Galaxia Gutenberg, 2003. p.369-70.
366
aos mesmos foi em muito reduzida. Seja pela falta de padres e de pastores, seja pelo
medo de sair de casa, seja porque muitos o entendiam a liturgia e os seres, houve
uma drástica redução
per capita
nos templos. Além disso, as catequeses, os estudos
bíblicos, os encontros de jovens e de senhoras e as atividades sociais promovidas pelas
igrejas, se o foram completamente suspensas, foram reduzidas significativamente.
Sendo a religião um aspecto crucial no que concerne ao capital social, pode-se afirmar
que entre 1939 e 1945 – com seqüelas para os anos seguintes e para as gerações
posteriores reduziu-se de alguma forma o estoque de capital social coletivo entre a
população de origem germânica do Rio Grande do Sul. Ainda que no período s-
guerra, gradativamente, o funcionamento das comunidades religiosas fosse
restabelecido, o havia como remendar o estrago feito. Possivelmente, o compromisso
com a comunidade e os trabalhos voluntários devem ter sofrido algumas reduções.
5.3 Educação e nacionalização
Como apontado no terceiro capítulo, no RS escolas paroquiais se difundiram, ao
menos no lado católico, especialmente as a chegada de um contingente de padres
jesuítas expulsos da Alemanha pela
Kulturkampf.
A igreja passou, então, a procurar nas
escolas um espaço privilegiado para a sua atividade pastoral. Ou seja, a tradição escolar
dos imigrantes e de seus descendentes passou a ser canalizada numa perspectiva
religiosa. Não por mero acaso que a instrução religiosa e a moral e cívica faziam parte
do currículo das crianças dessas escolas. Enquanto isso, a escola blica passou a ser
vista como divulgadora da ideologia liberal, e, depois, na República Velha também do
positivismo. Documentos oficiais da alta pula da Igreja Católica orientavam os pais a
não deixarem seus filhos freqüentar escolas arreligiosas.
28
Por isso mesmo, algumas
tensões entre Estado e Igreja foram costumeiras durante o final do Imrio e o primeiro
período republicano brasileiro.
Lúcio Kreutz chama a atenção para o fato de que, a partir de 1875, não se deve
creditar a existência da escola particular unicamente em função da inexisncia de
educandários públicos. Do lado dos católicos, passou a haver resistência à escola laica
28
KREUTZ, Lúcio. A escola teuto-brasileira católica e a nacionalização do ensino. In: LLER, T. L. (Org.).
Nacionalização e imigração alemã. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1994. p. 37.
367
e à difusão do ideal liberal e um esforço para aumentar as escolas paroquiais sobre sua
inspiração.
29
O mesmo, possivelmente, pode ser atribuído aos evangélicos que viviam
num país oficialmente católico. A escola, além de ser um veículo intimamente ligado à
religião, seria o local onde as crianças apreenderiam a ngua oficial do luteranismo, o
aleo.
Portanto, religião e educação estiveram, no dizer de José Plínio Fachel,
“imbricados no processo de colonização ale no sul do Brasil, pois tanto os católicos
quanto os evangélicos estabeleceram estreita relação entre Igreja e Escola.”
30
Os
prédios de funcionamento de ambas, quando não era o mesmo, normalmente ficavam
no mesmo terreno, estando edificados lado a lado. Além disso, o pastor, nas escolas
evangélicas, não raras vezes exercia a função de professor e o professor, nas escolas
católicas, em muitas oportunidades cumpria tarefas atribuídas ao padre.
Conforme destaca Telmo Lauro Müller, “o Estado não conhecia o que realmente
se passava no ensino particular, não conhecia a verdadeira situação deste ensino e não
tinha precisão o que alimentava esse mundo escolar, suspeitando,
a priori
, que houvesse
generalizadamente influência de ideologia estranha, no caso o nazismo.”
31
Isso pode ser
facilmente deduzido a partir da leitura do opúsculo “Denúncia: o nazismo nas escolas do
Rio Grande”, de autoria do Secretário da Educação no Estado do Rio Grande do Sul,
José Pereira Coelho de Souza, e dos Relatórios I e II de “O nazismo no Rio Grande do
Sul” e de “A coluna no Brasil”, de autoria do Chefe de Polícia gaúcha, Major Aurélio
da Silva Py.
Confundindo cultura colonial ale, germanismo e nazismo, o governo gaúcho
encetou a nacionalização forçada num clima, como mencionado anteriormente, político
e psicológico impróprio. No que tange à educão, o governo gaúcho, visando à
nacionalizão do ensino, atuou em duas frentes. De um lado, tomou medidas que
podem ser qualificadas de preventivas, que incluíam ões escolares e extra-escolares.
De outro lado, adotou medidas repressivas contra o funcionamento de escolas onde a
língua estrangeira era o fundamento da educação.
29
Ibidem p. 38.
30
FACHEL, Jo Plínio Guimarães. As violências contra alemães e seus descendentes, durante a Segunda
Guerra Mundial, em Pelotas e São Lourenço do Sul. Pelotas: Ed. UFPEL, 2002. p. 150.
31
MÜLLER, Telmo Lauro. A nacionalização e a escola teuto-brasileira evangélica. In: MÜLLER, Telmo Lauro
(Org.). Nacionalização e imigração alemã. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1994. p. 68.
368
Dentre as medidas escolares preventivas, a mais contundente foi,
indiscutivelmente, a que buscou expandir a rede de escolas blicas mantidas pelo
Estado e pelos municípios.
32
Nesse sentido, o Estado aumentou o mero de grupos
escolares que saltaram, de acordo com o Secretário da Educação Coelho de Souza, de
170, em 1937, para 452, em novembro de 1941. Estavam ainda sendo construídos, na
época, 49 grandes prédios escolares urbanos e 79 pdios rurais.
33
Segundo o
Interventor Federal no RS, Osvaldo Cordeiro de Farias, em 1942 os grupos escolares
existentes subiam para 518. o número de escolas municipais existentes em todo o
Estado, que em 1938 somavam 2.830, haviam se elevado para 3.325, em 1942. as
escolas particulares, no mesmo período, teriam caído de 1.841 para 1.512.
34
Para
atender às novas unidades escolares, 1.222 professoras de letras e 58 professores de
música e de desenho foram nomeados. Outra ação desenvolvida foi a criação, em 1938,
do registro de escolas na Secretaria de Educação. A partir de então, o governo passaria a
saber quantas e quais eram as escolas não-estatais existentes, ao mesmo tempo que
poderia passar a fiscalizá-las. A necessidade de fazer o registro teria causado pânico e
amedrontado muitas das sociedades escolares. Uma outra atitude tomada foi a criação,
em 1939, de um corpo de delegados escolares regionais e orientadores técnicos. Esse
corpo tinha a incumbência de dar assistência pedagógica às escolas e de fazer a
32
O Decreto Lei n.º 1.545, de 25 de agosto de 1939, que dispôs sobre a adaptação ao meio nacional dos
brasileiros descendentes de estrangeiros, estabelecia no seu Artigo 4º, que incumbia ao Ministério da Educação e
Saúde:
a) promover, nas regiões onde preponderam descendentes de estrangeiros, e em proporção adequada, a criação
de escolas que serão confiadas a professoras capazes de servir os fins desta lei;
b) subvencionar as escolas primárias de núcleos coloniais criadas por sua iniciativa nos Estados ou Municípios;
fa
vorecer as escolas primárias ou
secundárias
fun
dadas por brasileiros;
c) orientar o preparo e o recrutamento de professores para as escolas primárias dos núcleos coloniais;
d) estimular a criação de organizações patrióticas que se destinem à educação física, instituam bibliotecas de ob-
ras de interesse nacional e promovam comemorações cívicas e viagens para regiões do país;
e) exercer vigilância sobre o ensino de línguas e da história e geografia do Brasil;
f) distribuir folhetos com notícias e informações sobre o Brasil, seu passado, sua
vida presente e suas
as
pirões.
No seu Artigo 9º, que tratava das incumbências dos Interventores Federais, estabelecia que cabia aos
mesmos:
a) assegurar o funcionamento das escolas existentes a cargo dos governos dos Estados ou dos
Municípios, e a sua reorganizão quando o preencham os requisitos desta lei;
b) remeter trimestralmente ao Conselho de Seguraa Nacional uma estatística da entrada e localização
de imigrantes;
c) amparar, na esfera de suas atribuões e recursos, as organizações nacionais das zonas de colonização;
d) promover, de acordo com as autoridades militares, solenidades vicas e manifestações patrióticas
nessas zonas;
e) escolher, com especial cuidado, os funcionários administrativos, policiais e fiscais que deveo servir
nas mesmas zonas;
f) auxiliar as autoridades federais no desempenho das atribuições que lhes são conferidas.
33
Coelho de Souza, op. cit. p. 76.
34
RIO GRANDE DO SUL. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Dorneles Vargas, DD. Presidente da
República pelo General Osvaldo Cordeiro de Farias, Interventor Federal no Estado do Rio Grande do Sul,
durante o período 1938-1943. Porto Alegre: Of. Graf. Da Imprensa Oficial, 1943. p. 11
369
fiscalização necessária.
35
Nas ões preventivas extra-escolares arroladas pelo secretário Coelho de Souza
incluíam-se: a) as atividades promovidas pela Liga de Defesa Nacional. Caravanas
nacionalistas passaram a percorrer o Estado, comemorando as datas vicas com
intensidade e grandezas inéditas; b) as Paradas da Juventude Brasileira; c) as Caravanas
dos Coloninhos. Todo o ano, de 400 a 500 meninos, dos mais afastados pontos da zona
rural do RS, eram levados à capital do Estado, onde ficavam por sete dias. Eram
hospedados em casas de falias porto-alegrenses e participavam de comemorações
cívicas num ambiente de brasilidade”, onde tinham a possibilidade de conhecerem o
Brasil, através de aspectos inteiramente inéditos para eles. É uma nacionalização
sentimental.”
36
Se medidas preventivas foram tomadas, tamm é verdade que foi lançado o
de uma série de medidas de caráter repressivo para inibir o funcionamento das escolas
particulares e comunitárias. Embora elas tenham sido menos drásticas do que as
vivenciadas no vizinho estado de Santa Catarina, ainda assim se fizeram sentir e
deixaram seqüelas. Até novembro de 1941, conforme dados do secretário Coelho de
Souza, 241 das 2.418 escolas particulares registradas na Secretaria da Educação haviam
sido definitivamente fechadas.
37
Medidas enérgicas foram também tomadas contra os
dois seminários de formão de professores paroquiais existentes no Estado: o
Lehrerseminar
dos católicos, situado em Novo Hamburgo, e o
Lehrerseminar
dos
evangélicos, sediado emo Leopoldo.
Mas, além do fechamento de escolas, houve também a demissão de professores
e a prisão de alguns deles. Afora isso, muitos outros docentes tiveram de passar por
uma série de constrangimentos. A repressão, normalmente, procurou atingir lideranças
comunitárias. Eram pastores, professores, e líderes de associações e cooperativas.
35
Coelho de Souza, op cit. p. 72 -77.
36
Ibidem p. 78.
37
Ibidem p. 75. Esse número de 2.418 escolas particulares existentes no RS parece ter sido inflado. Pela mesma
época, o interventor federal Cordeiro de Farias afirmava: “não fechamos em massa os colégios existentes na
parte do Estado onde o ensino mais se esquivava às exigências nacionais. De mais de duas mil escolas dessa
região, 91 foram proibidas de funcionar.” Cfe. NACIONALIZAÇÃO – dois discursos proferidos pelo
interventor federal Oswaldo Cordeiro de Farias (1941). Entretanto, no seu relatório de 1943, retifica o número
anteriormente divulgado. “ O governo se obrigou nesses 5 anos a fechar 241 escolas porque pretendiam fraudar a
vigilância e as normas asseguradoras do espírito nacionalista que deve animar a obra de educação.” Afirma,
ainda, que além dessas, muitas dezenas de outras cerraram as portas sem qualquer coação da autoridade. As
novas escolas públicas, com prédios e aparelhamento apropriados e sob magistério competente, teriam movido
mortal concorrência a estabelecimentos privados. Rio Grande do Sul. Relatório... op cit. p. 12.
370
Refletindo as medidas nacionalizantes adotadas no âmbito estadual, em Santa
Cruz aumentou o compromisso blico com a educação. Conforme apontado em
capítulo anterior, até o ano de 1937 a assistência fornecida pelo município ao ensino
resumia-se ao auxílio dado a algumas aulas particulares sob a forma de subvenção ao
professor. Com a deflagração da nacionalização, aumentaram substancialmente os
investimentos municipais em educão. Em 1938, o número de aulas particulares
subvencionadas
38
chegou a 88; em 1939, saltou para 100. Nesse último ano, foi
tamm criado o cargo de inspetor escolar, a fim de que pudesse ocorrer uma rigorosa
fiscalização sobre as aulas e fossem conhecidas as necessidades educacionais. Ainda no
decorrer de 1939, foram criadas as primeiras 18 escolas públicas municipais. Seis delas
eram Grupos e doze eram Aulas Isoladas.
39
Até 1945, o municípoio tinha aberto 77
estabelecimentos de ensino e a rede estadual tinha sido ampliada significativamente.
Além de criar escolas públicas, que paulatinamente foram substituindo as
particulares existentes, a legislação passou a vedar a estrangeiros a direção de
estabelecimentos de ensino.
40
Isso afetou particularmente as escolas paroquiais ou
comunitárias do meio rural, onde professores unidocentes exerciam o magistério. Os
livros didáticos, até então impressos predominantemente no idioma alemão, foram
substituídos por manuais de língua portuguesa. Os professores foram, inclusive,
proibidos de usar o alemão como língua auxiliar para se fazer entender pelos alunos.
A exemplo daquilo que ocorreu no que diz respeito à religião, ressalta Telmo
Lauro Müller,
41
que dentre as escolas paroquiais ou comunitárias dos descendentes de
imigrantes alemães do RS, as dos evangélicos teriam sido mais atingidas do que as dos
católicos. E, dentre as evangélicas, as do Sínodo Rio-Grandense mais do que as do
Sínodo de Missouri. De uma maneira geral, os luteranos de Missouri eram considerados
mais brasileiros pelas autoridades devido à origem norte-americana da seita. Das 513
38
Segundo o padre jesuíta Luiz Gonzaga Jaeger, teria sido no governo de Borges de Medeiros que a subvenção
ao professor das escolas particulares teria sido instituída. O então Presidente do Estado teria determinado que os
professores que admitissem no seu programa o ensino de Português perceberiam do Estado uma gratificação
mensal. Embora, a princípio, reticentes à proposta, com o passar dos anos mais e mais professores foram se
habilitando a esse plus salarial. Apud Müller, op. cit. p. 70. as subvenções federais, visando à nacionalização
do ensino, teriam se iniciado em 1918. Cfe. Kreutz, op. cit. p. 44.
39
Relatório Apresentado a S. Excia. O Snr. Cel. Osvaldo Cordeiro de Farias, D. D. Interventor Federal
neste Estado, pelo Prefeito Municipal, Dr. Caio Brandão de Mello, referente ao exercício de
1939.
Porto
Alegre: Livraria Oliveira,
1940.
40
Artigo
11
do Decreto-lei n
1545,
de
25
de agosto de
1939.
41
Müller, op. cit. p. 69-70.
371
escolas evangélicas existentes em 1937, existiriam tão-somente 120 no ano de 1941. A
lei que vedou estrangeiros de atuar na direção de escolas e mais tarde no próprio ensino
causou profundo impacto sobre os educandários evangélicos. Isso porque privou quase
todos os pastores e alguns dos professores a continuarem nas suas funções.
No que concerne especificamente à educação, pode-se afirmar que a
nacionalizão, levada a cabo durante o Estado Novo, contribuiu para fazer evaporar
capital social e diminuir o compromisso vico de significativa parcela da população
teuto-descendente do RS. Isso se deu através dos seguintes mecanismos:
a) significou um duro baque na herança cultural que havia sido erigida por mais
de cem anos por alees e descendentes. As associações escolares responveis pela
manutenção das escolas comunitárias desapareceram. Com isso, reuniões e
deliberações de moradores de uma mesma localidade deixaram de acontecer. O
compromisso cívico, não só com a sustentação financeira da escola, mas com o próprio
projeto político-pedagógico da mesma, foi retirado dos pais dos alunos e repassado
para o poder blico. Conseqüentemente, a educação dos filhos e o funcionamento dos
educandários passaram a ser preocupação dos professores e das autoridades municipais
e estaduais. As comunidades, em boa medida, sentiram-se descompromissadas com a
escola que passou a ser vista como algo exterior a elas, porque tudo vinha de fora: a
professora, os pagamentos, o material didático e os valores que a escola transmitia que,
obviamente, estavam distantes dos antigos valores comunitários. A nacionalização da
escola teuto-brasileira inevitavelmente teria ocorrido com o passar do tempo, mas como
explica Arthur Rambo,
42
sem sobressaltos, sem traumas. A campanha nacionalizadora
tumultuou e viciou uma dinâmica que estava em curso. De um lado, os pais sentiam
a necessidade de os seus filhos dominarem melhor a ngua nacional. Isso podia ser
alcaado através da escola pública, que ainda tinha a vantagem de ser gratuita. De
outro lado, a comunidade começava a se desintegrar. Estava em andamento o
desenvolvimento dos meios de comunicação, particularmente do rádio, que fazia a
língua portuguesa chegar até as picadas. Intensificavam-se com o correr do tempo
tamm as relações comerciais, seja pelo aumento da produtividade, seja pela melhoria
dos meios de escoamento das mercadorias, especialmente pela construção ou pelo
melhoramento de rodovias, o que aumentava o intercâmbio entre alemães e
descendentes com os brasileiros de outras origens étnicas. Estava, ao mesmo tempo,
42
RAMBO, Arthur Blasio. Nacionalização e imprensa. In: MÜLLER, T. L. (Org.). Nacionalização e imigração
alemã. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1994. p. 83..
372
iniciando um vigoroso processo de migração: do meio rural para áreas urbanas ou para
outras regiões coloniais. Tudo isso minava e solapava a vida comunitária que havia
sido sedimentada ao longo de várias décadas;
b) gerou um clima de tensão, de animosidade, de medo, de imprevisibilidade e
de arbitrariedade. O medo e a falta de confiança nas autoridades e nas instituições não é
um campo rtil para a construção de capital social. Pelo contrário, trata-se de um
ambiente propício para a queima, a diminuição ou o desaparecimento de capital social.
Portanto, deve-se trabalhar com a possibilidade d
e que o estoque de capital social também
pode diminuir ou desaparecer. E esse processo, como salienta Uphoff, desafortunadamente,
pode se dar muito mais rapidamente do que a acumulação.
43
Logo, a confiança horizontal, ou
seja, aquela que ocorre lateralmente com outras pessoas da comunidade, e a confiança
vertical, isto é, aquela que se tem nas instituições políticas e administrativas, também foram
afetadas até a raiz;
c) porque privou muitas das comunidades de sua liderança. Ao banir o líder em
torno do qual girava a vida cultural, religiosa e associativa da comunidade, a estrutura
comunitária das localidades rurais passou a deixar cada vez mais expostas e
escancaradas suas fissuras, porque as funções anteriormente desempenhadas pelo
professor paroquial foram, abrupta ou paulatinamente, deixadas de lado. D à
desestruturação da vida comunitária foi um passo. As professoras contratadas pelo poder
público, para substituir experientes e engajados professores, não possuíam a mesma
vivência e nem o mesmo compromisso cívico com as comunidades. Também não
desfrutavam da confiança dos pais de alunos. Alguns ainda podiam estar ressentidos pelo
fechamento da escola ou pela demissão ou pelo afastamento de um professor muito
prezado. Mas, no geral, preferiam professores teuto-brasileiros, ou mesmo alemães,
conhecedores da língua e dos problemas da vida rural e da índole da população;
d) houve a destruição generalizada da memória histórica. Manuais pedagógicos,
livros, revistas, jornais, almanaques, mapas, globos, registros escolares, livros de atas de
associações escolares e outros documentos foram destruídos. A destruição se deu menos
pela ação dos inspetores escolares, da polícia ou dos demais agentes da nacionalização,
sendo muito mais uma atitude de auto-defesa e de proteção das comunidades e das
lideranças teuto-descendentes. Temendo represálias e prisões, sumir com qualquer
escrito em alemão passou a ser prudente. Ao mesmo tempo, a nacionalização forçada foi
responsável pela supressão de organizações que até então funcionavam com regularidade
43
UPHOFF, Norman. El capital social y su capacidad de reducción de la pobreza. In: ATRIA, Raul, SILES,
Marcelo et al (compiladores). Capital social y reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe: en busca
de un nuevo paradigma. Santiago de Chile: CEPAL: Universidad del Estado de Michigan, enero 2003. p. 140.
373
e tinham o foco voltado para o ensino e a educação comunitária como: os
Katholikentage
(Congressos Católicos); os
Lehrervereine
(Associações de Professores Paroquiais, tanto
a católica quanto as duas evangélicas); e os
Lehrerzeitung
(os jornais do professor,
publicados pelas três associações de professores existentes);
e) provocou, segundo alguns autores, queda na qualidade de ensino em alguns
lugares. As alterações abruptas teriam influenciado de forma negativa, especialmente
na geração que eno estava sendo alfabetizada. A troca repentina de vernáculo e o
fechamento de escolas, seja pela repressão do Estado, seja pela decisão das próprias
comunidades, de acordo com Müller, teria gerado o aumento do analfabetismo nas
colônias.
44
A qualidade do ensino também teria baixado porque não havia professores
preparados em número suficiente para substituir aqueles que estavam ou se sentiam
impedidos de continuar a lecionar. Várias pesquisas apontam no sentido de que, no final
da década de 1930, o
analfabetismo praticamente estaria erradicado nas comunidades de
colonização alemã do Estado. Contrastando com esse dado, no restante do país o
analfabetismo ultrapassaria os 80 por cento.
A educação é um dos indicadores mais seguros de conduta altruísta. Putnam aponta
que o voluntariado é especialmente comum entre pais de filhos em idade escolar. Mas a
educação favorece, sobretudo, o desenvolvimento. Carlos Águedo Paiva
45
, ao analisar o
dinamismo da economia colonial gaúcha, defendeu que na democratização ao acesso à terra
(o fato de todos serem proprietários de lotes de terra) e no acesso à educação residiam as
causas principais desse dinamismo. No que diz respeito à taxa de alfabetização, Joseph Love
havia destacado que, em 1872, com 21,9 por cento de pessoas alfabetizadas, o RS aparecia
no ranking brasileiro como a província colocada em terceiro lugar. Em 1890, tinha assumido
a primeira colocação, com 25,3 por cento da sua população total alfabetizada.
46
Em 1920,
incluindo a faixa de idade dos 0 aos 14 anos, o índice aumentou para 38,8 por cento, 9 por
cento a mais do que o apresentado pelo estado de São Paulo, que então aparecia na segunda
colocação, e 14 por cento acima da média nacional. Os colonos alemães e italianos teriam
colaborado substantivamente para colocar o RS nessa posição de liderança. Em São
44
Müller, op. cit. p. 70. No município de Santa Cruz do Sul, a matrícula efetiva, que em 1939 havia sido de
6.745, baixou, em 1942, para 5.562 alunos, o que evidencia as dificuldades encontradas no período. Cfe.
KIPPER, Maria Hoppe. A nacionalização em Santa Cruz do Sul. In: LLER, Telmo Lauro (Org.).
Nacionalização e imigração alemã. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1994. p. 125.
45
PAIVA, Carlos Águeda. Capital social, comunidade, democracia e o planejamento do desenvolvimento no RS:
uma avaliação de suas possibilidades à luz de sua história. In: WITMANN, Milton Luiz, RAMOS, Marília Patta
(Org.). Desenvolvimento regional: capital social, redes e planejamento. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004.
46
LOVE, Joseph L. O regionalismo gaúcho e as origens da revolução de 1930. São Paulo: Editora Perspectiva,
1975. p. 21.
374
Leopoldo, por exemplo, em 1920, incluídas todas as faixas etárias, a taxa de alfabetização era
de 62 por cento.
47
Assim, Paiva aponta que, apesar da ausência de capital financeiro que
marcava a realidade das áreas coloniais, o desenvolvimento precoce dessas regiões dentro
dos padrões de um país que fora escravista durante o século XIX teria sido possível porque
soluções originais teriam sido encontradas em função da existência de um sólido estoque de
capital social forjado nessas áreas. Ou seja, os veis superiores de escolaridade existentes no
RS, e especialmente entre a população da região colonial, teriam provocado a capacidade
produtivo-inovativa dessas áreas.
48
Vários levantamentos realizados em diferentes nações m apontado a existência
de uma relação entre nível de escolarização e o compromisso dos cidadãos com assuntos
comunitários. Peter Hall
49
assinalou que cada ano adicional de estudo aumenta a
propensão do indivíduo em participar de assuntos da comunidade através da afiliação a
uma associação ou através da prestação de trabalho voluntário em benefício comunitário.
Jean-Pierre Worms destacou que a afiliação a associações e o acesso ao seu capital social
são privilégios dos quais gozam e tiram proveito principalmente aqueles que têm maior
nível de estudos.
50
Offe e Fuchs também reconhecem que a educação, medida em anos
de formação acadêmica, exerce uma influência favorável sobre o capital social. Para os
autores,
51
a escola, mediante os seus programas explícitos e implícitos, educa as
capacidades morais e cognitivas que propiciam a cooperação. Sustentam, ainda, que em
termos gerais, é menos provável que se afiliem a associações pessoas sem nenhum ou
com baixo nível de educação formal do que aquelas pessoas que têm mais anos de
escolarização.
5.4 Cooperativas e nacionalização
Conforme registrado no terceiro capítulo, o cooperativismo do Rio Grande do Sul é
fruto do cristianismo social, transportado da Europa e adaptado à realidade local. Uma vez
47
LOVE, Joseph L. O Rio Grande do Sul como fator de instabilidade na República Velha. In: FAUSTO,
Boris.(Dir.). História geral da civiização brasileira. O Brasil republicano I. Estrutura de poder e economia
(1889-1930). São Paulo; DIFEL, 1975. p. 108-09.
48
Paiva, op. cit. p. 48.
49
HALL, Peter E. El capital social en Gran Bretaña. In: Putnam (2003), op. cit. p. 55.
50
WORMS, Jean-Pierre. Viejos e nuevos vínculos cívicos en Francia. In: Putnam (2003), op. cit. p. 297.
51
Offe, Fuchs, op. cit. p. 370-73.
375
fracassada a experiência do Bauernverein (Associação Rio-grandense de Agricultores),
entidade de caráter ecumênico e étnico, os católicos investiram suas energias
preferencialmente na consolidação do Volksverein (Sociedade União Popular), enquanto os
evangélicos procuraram respaldar as Uniões Coloniais.
Como fruto do trabalho desenvolvido pelo Bauernverein, pelo Volksverein e pela Liga
das Uniões Coloniais, pipocaram pelo Estado afora, especialmente nas áreas de colonização
alemã, um largo número de cooperativas de produtores agrícolas e um grande número de
cooperativas de crédito. Essas cooperativas auxiliaram a tecer uma intrincada rede de
solidariedade, cooperação e proteção social entre os habitantes das localidades em que
atuavam, o que colaborou decisivamente para a sustentação e a manutenção da vida
comunitária nessas localidades. Além de atuar no sentido de impedir a degradação do tecido
social e da vida comunitária, elas também tiveram papel destacado para o desenvolvimento
econômico e social das localidades.
Sobre as cooperativas – uma exitosa experiência de horizontalidade social –, o peso da
repressão estatal também ficou evidenciado. Mas isso já se deu antes e mesmo depois da
época do Estado Novo. Na década de 1930, o Governo Federal passou a intervir
profundamente no funcionamento das associações e cooperativas, o que impossibilitou a
organização comunitária autônoma das mesmas. A Liga das Uniões Coloniais, para se
adaptar à legislação, se transformou em Federação de Consórcios Profissionais Cooperativos
e procurou transformar as Uniões Coloniais de base local em consórcios corporativos. Sua
derrocada inicia aí. Já o Volksverein precisou renunciar ao seu caráter étnico e religioso,
esteio em que se fundamentava desde 1912, quando de sua fundação. Fiscalizado pelo
Estado, ficou proibido de desenvolver atividades de ordem político-social e religiosa, tendo
que restringir sua atuação a espaços delimitados.
A campanha forçada de nacionalização iniciada em 1938 representou mais um duro
golpe para o cooperativismo gaúcho e brasileiro. Não porque o governo passasse a
simplesmente proceder à encampação ou ao fechamento das entidades, mas porque minou o
terreno para a cooperação, para a ajuda mútua, para a solidariedade, ou em outros termos,
para a confiança social. Na medida em que lideranças comunitárias foram presas ou
repreendidas, em que escolas comunitárias foram fechadas, em que a imprensa em língua
estrangeira foi suprimida, em que associações culturais e desportivo-recreativas foram
paralisadas, em que atividades religiosas foram suspensas, não havia mais clima propício para
376
o trabalho das cooperativas. A própria realização de reuniões e assembléias de cooperados
estava legalmente dificultada. Somente poderiam se realizar com o consentimento expresso
de autoridades policiais.
Como costuma ocorrer, as lideranças das cooperativas tinham, igualmente,
participação destacada em uma série de outros empreendimentos comunitários. Quase que
mecanicamente, o associacionismo impele ao voluntariado, à solidariedade, à confiança
recíproca. Seus elementos de proa, por isso mesmo, participavam das diretorias da igreja, da
associação escolar, de algumas sociedades beneficentes, culturais e desportivo-recreativas e,
muitas vezes, até mesmo da política local. Na medida em que o cerco ao germanismo foi se
fechando, tomaram atitudes defensivas para se resguardar, para resguardar a comunidade e os
próprios cooperados. Ajudaram a sumir com materiais que os pudessem indispor com as
autoridades policiais, orientavam o fechamento de sociedades e passaram a participar menos
da vida cívica comunitária.
O cooperativismo, que é produtor natural de capital social, viu-se, portanto, reprimido
pela nacionalização. Vale sempre lembrar que, tanto para os católicos quanto para os
evangélicos, o associativismo se dava através da religião e da identificação étnica. Não é por
um mero acaso que o idioma alemão tornou-se preferencial nos jornais que faziam a
divulgação do cristianismo social no RS.
Passada a nacionalização, as cooperativas seriam timas, em breve, de outro governo
de exceção. Trata-se da Ditadura Militar implantada no país em 1964. Para beneficiar o
grande capital, o Estado brasileiro impôs sérias restrições ao funcionamento das tradicionais
cooperativas de crédito. A manutenção delas foi praticamente inviabilizada. Situação
semelhante aconteceu com as cooperativas de produtores. Dessa forma, exitosas experiências
coletivas baseadas na cooperação, solidariedade e confiança recíproca de seus membros
foram solapadas. Na medida em que o cooperativismo minguou, decaiu também o índice de
capital social.
A quebradeira das cooperativas de produtores rurais que então se deu veio
acompanhada da destruição de capital social que, como explicitado no segundo capítulo,
não é um patrimônio fixo e quantificável. A participação nas cooperativas criava a
possibilidade do desenvolvimento de autoconfiança entre os associados que, através das
tomadas de decisões, reforçavam sua responsabilidade individual e coletiva para o bom
377
andamento e desempenho das atividades das suas entidades. Tiveram fundamental
importância para a melhoria das condições materiais de existência de seus associados e para a
dinamização da vida social das comunidades em que atuavam. Com o fechamento delas, o
clima de confiança, de cooperação e de solidariedade foi rompido. Atualmente e isso,
talvez, ocorra mais acentuadamente no meio rural do que no meio urbano –, uma grande
aversão ao cooperativismo. E isso acontece porque, nesse quesito, nas décadas de 1940, 1960,
1970 e 1980 o capital social gerado foi negativo.
5.5 Sociedades culturais e desportivo-recreativas e nacionalização
As sociedades também foram bastante atingidas pela nacionalização, sendo
muitas completamente desmanteladas. As de lanceiros, ulanos e de atiradores,
inicialmente foram proibidas de usar o aparatoso uniforme militar que possuíam.
52
Depois, "por motivo de segurança", tiveram que ser entregues à polícia lanças,
espadas, espingardas, alvos, bandeiras e demais apetrechos das entidades. As
sociedades de atiradores suspenderam completamente suas atividades durante o
período.
53
As
sociações de canto, de leitura e de teatro tenderam ao natural
desaparecimento, haja vista que, impreterivelmente, seus integrantes faziam uso da
língua ale para entoar os cânticos, fazer a leitura de livros ou encenar peças.
Para que pudessem se manter em funcionamento, algumas das sociedades
tiveram, primeiramente, que alterar seus nomes para a língua portuguesa. Depois,
traduzir para o idioma nacional seus estatutos, vernáculo no qual também doravante
deveriam ser redigidos os livros de atas. A alteração de suas bandeiras e de outros
símbolos acompanhou as modificações. Mas o que mais afetou o regular
52
O Decreto-Lei N. 383, de 18 de abril de 1938, vedava a estrangeiros a atividade política no Brasil e dava
outras providências. Num ambiente em que eram facilmente confundidas práticas culturais de teuto-descendentes
com atividades de células nazistas, vários de seus artigos podia ser interpretados arbitrariamente por policiais e
outras autoridades. Um desfile de ulanos, por exemplo, dependendo da interpretação, poderia ferir um dos
incisos seguintes do Artigo 2, que vedava a estrangeiros:
3. Hastear, ostentar ou usar bandeiras, flâmulas e estandartes, uniformes, distintivos, insígnias ou quaisquer
símbolos de partido político estrangeiro.
4. Organizar desfiles, passeatas, comícios e reuniões, de qualquer natureza, e qualquer que seja o número de
participantes, com os fins a que se referem os incisos 1 e 2.
Assim, temendo complicações, dá-se a partir de então início também à autocensura, o que vai desativando as
sociedades.
53
Centenário de colonização alemã em Rio Pardinho, município de Santa Cruz do Sul 1852-1952. Santa
Cruz do Sul: Gráfica Bis
&
Rech, 1952. p. 233
378
funcionamento das sociedades foi a necessidade de obtenção de autorização policial
para a realização de festividades ou reuniões entre os associados. A partir do
rompimento das relações diplomáticas do Brasil com a Alemanha, a Itália e o Japão,
ficou vedado:
a) distribuir escritos em idioma das potências com as quais o Brasil rompeu
relações (Alemanha, Itália e Japão);
b) cantar ou tocar hinos das referidas potências;
c) fazer saudações peculiares a essas potências;
d) usar o idioma das mesmas potências em conversações em qualquer lugar
público, inclusive cafés, bares, restaurantes, hotéis, cinemas, lojas, etc;
e)
exibir em local acessível ou exposto ao público, retratos de membros de
governos daquelas potências;
54
Como as reuniões blicas, quer de caráter social, quer de caráter beneficente,
ficaram proibidas, passou a ser necessária a expedição de uma permissão por parte da
repartição policial para que elas pudessem ocorrer. Assim, a maioria das sociedades
foi desativada temporariamente ou para sempre nessa época.
Como a polícia passasse a vasculhar domicílios, casas comerciais e salões de
festa em busca de armas, munições e de material escrito considerado subversivo,
muitas lideranças comunitárias, receosas do que lhes pudesse suceder, destruíram ou
fizeram desaparecer o material e a documentação das entidades culturais e desportivo-
recreativas. Temendo que livros de literatura, jornais, bandeiras, hinários, estandartes
e flâmulas com dizeres em alemão, cadernos de atas e outros registros fossem parar
nas mãos de policiais ou de autoridades civis, importantes fontes de pesquisa para
estudos da história social da colonização acabaram sendo irremediavelmente
perdidos.
55
Alguns fatos ocorridos com as sociedades durante o período da nacionalização
podem ser exemplificados.
Quando da decretação do Estado Novo, o acervo da Sociedade
de Canto e Leituras Frohsin, de Alto Sampaio, município de Venâncio Aires, era de cerca de
4 mil volumes, que abrangiam diferentes ramos do saber: história, romance, poesias,
biografias, aventura, ciências exatas, todos em língua alemã, e a maioria escrita em gótico.
54
Circular n. 3 da Chefia de Polícia.
55
A
mesma circular determinava:
V - Devem ser detidos aqueles que ostensivamente ou em lugar público manifestem simpatia pela causa das
referidas potências.
VI - Devem ser arrecadados todos os livros e materiais de propaganda política em favor daquelas potências
existentes em livrarias, especialmente estrangeiros ou casas particulares.
379
Durante a campanha de nacionalização, a sociedade foi fechada, e seu acervo, apreendido. A
grande enchente de 1941 encontrou os livros jogados, na sede do município, em um porão do
judiciário, inutilizando grande parte do acervo. Somente a metade do acervo teria,
posteriormente, retornado às prateleiras da sociedade.
56
O Turnhale Santa Cruz, como decorrência da nacionalização, a exemplo das
sociedades congêneres existentes no RS, trocou seu nome para Sociedade Ginástica Santa
Cruz. Durante a Segunda Guerra, além dos livros de sua biblioteca, o busto de Vater Jahn,
denominado Pai da Ginástica, nascido em 1778 e falecido em 1851, foi apreendido por ser
considerado adepto do nazismo. Em 1948, o Delegado de Polícia José Henrique Mariante,
ciente do erro cometido por seus antecessores, restituiu a imagem à sociedade.
57
Em Venâncio Aires, o Lesenverein (Sociedade de Leituras) que havia sido fundado em
1887, teve seu nome alterado para Clube Comercial. Sua biblioteca ficou fechada entre 1941 e
fins de 1947. Na assembléia realizada em 28 de junho de 1941, houve uma tomada de posição
dos associados quanto ao uso de idioma estrangeiro nas dependências da entidade: “(...) 4º.
Uso da língua estrangeira. Resolveu a Assembléia, por maioria, proibir manifestações
coletivas, tais como cantos, discussões, etc, em idioma estrangeiro, no recinto da
sociedade.”
58
Terminada a guerra, a maior parte das sociedades fechadas reabriu e novas foram
fundadas, ocorrendo um verdadeiro florescimento de entidades desportivo-recreativas.
No entanto, aquelas que tinham finalidades eminentemente culturais não conseguiram
se reerguer. O mesmo se pode dizer das sociedades de cavalarianos.
A participação em sociedades de diversos fins é considerada, na tradição dos
seguidores de Putnam, um importante sintoma de existência de capital social. Durante
os anos em que aconteceu a Campanha de Nacionalização, e mesmo em alguns anos
posteriores, muitas pessoas que normalmente freqüentavam as reuniões de sociedades
ou participavam das atividades que as mesmas promoviam deixaram de fazê-lo ou
reduziram em muito sua participação. Grande parte das sociedades, principalmente as
56
FLORES, Hilda Agnes Hübner. Canção dos imigrantes. Porto Alegre EST/EDUCS, 1983.p. 184.
57
MARTIN, Hardy Elmiro. Recortes do passado de Santa Cruz. Organizado e Atualizado por Olgário Paulo
Vogt e Ana Carla Wünsch. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1999. p. 149-50.
58
DREBEL, Marione dos Santos. A influência da campanha de nacionalização na Sociedade de Leituras de
Venâncio Aires. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2001. (Monografia de Prática de Pesquisa em História).
380
existentes no meio rural, simplesmente encerrou suas atividades durante o período. As
que permaneceram ativas, tiveram que se adaptar aos novos ventos que sopravam e à
legislação nacionalizadora. As sociedades de atiradores, de ulanos e de lanceiros, que
por ignorância ou por intenção de alguns, poderiam ser confundidas com corpos
paramilitares a serviço da Alemanha nazista, o tinham como continuar funcionando
normalmente; as sociedades de canto e de teatro não podiam cambiar de um momento
para outro de idioma; as sociedades de entretenimento, como as de boo e de
bolãozinho de mesa, tiveram problemas para reunir seus associados porque isso era
permitido com autorização policial. As sociedades maiores e com sede própria,
mantidas e freqüentadas por uma elite de cidadãos alemães e de brasileiros
descendentes de alemães, a exemplo das sociedades de ginástica, de um Clube Uno,
de uma Aliança Católica, apesar de serem fustigadas por policiais e autoridades e de
terem de se adaptar à legislação, mantiveram-se abertas durante o período.
Maria Hoppe Kipper ressalta que os
Vereine
, especialmente os do interior,
“ajudavam a criar um espírito de corpo na comunidade e representavam quase as únicas
oportunidades de contato social e de recreão. Outras funções das mesmas eram a
manutenção dos bons costumes, a seleção social e, certamente, apesar de o expressa
em seus estatutos, a preservação de suas raízes culturais, ou seja, a conservação do
Deutschtum
. Eram bastante ativas e exerciam também uma função integradora local e
regional, pois os torneios, competições, festas e bailes do rei que realizavam reuniam
sociedades de várias comunidades.
59
Em outras palavras, pode-se dizer que
fomentavam o comportamentovico comunitário.
Num ambiente de pressão, de pavor e de medo, a confiança no outro foi
substituída pela desconfiança; o companheirismo e a solidariedade foram preteridos
pelas decisões pessoais e pelo individualismo. Ninguém mais precisava discutir um
estatuto de sociedade, participar de reuniões, deliberar, votar para cargos diretivos,
pagar anuidades ou ler algum impresso da sociedade a que pertencia. Os espaços de
sociabilidade haviam se reduzido, basicamente, ao pprio lar e a espodicos contatos
com algum vizinho ou familiar. A nacionalização o gerou protestos ou indignação,
mas medo, insegurança e passividade. Se a confiança no Estado e nas instituições por
ele mantidas não era grande, reduziu-se ainda mais. A polícia passou a ser temida; a
desconfiança em relação aos advogados aumentou; da justiça, passou-se a ter pavor; de
59
Kipper (1994), op. cit. p. 126.
381
algumas autoridades políticas e de alguns funcionários públicos, passou-se a ter ódio.
Enfim, o compromisso cívico e o estoque de capital social gerado nos
Vereine
eclipsaram-se em grande parte. Isso, obviamente, não poderia ser retomado ao natural.
o bastaria simplesmente reconstitucionalizar o país e acabar com as medidas
nacionalizantes repressivas para retomar aos estoques anteriores. O trauma psicológico
coletivo continuaria presente na mente dos que vivenciaram ou que ouviram falar dos
acontecimentos. Doravante, nada mais poderia ser exatamente como fora dantes.
Ainda que não haja provas conclusivas, é aceito pela literatura internacional que a
afiliação a um partido político, a um sindicato, a uma igreja, a um clube desportivo ou
recreativo, a uma instituição cultural ou a alguma outra associação voluntária formal exerce
sobre seus membros uma influência formativa benéfica. A interação, o debate e a informação
difundidos pelo grupo aumentam a capacidade do membro para realizar suas funções, para
enfrentar os conflitos internos e para contribuir para a manutenção da vida da própria
sociedade. Oportuniza-o, igualmente, a expor juízos razoáveis no mundo externo. Seguindo
uma tese tocquevilleana, isso faria das pessoas cidadãos melhores, capacitando-as a resolver
civilizadamente os conflitos e a ter juízos competentes sobre a vivência em sociedade e a
respeito das instituições públicas.
5.6 Imprensa e nacionalização
Como demonstrado no catulo terceiro, os alemães e seus descendentes
desenvolveram no RS uma imprensa rica e diversificada. Embora publicados em língua
ale, eram jornais brasileiros destinados a um blico restrito e específico. Estavam
voltados, dependendo da sua circulação, a um público local, regional ou estadual.
Consoante sua missão, dedicavam-se a veicular noticiosos, a fazer o aconselhamento
espiritual e religioso, a ser um instrumento de orientação de uma associação ou de uma
categoria profissional, ou tinham como foco o entretenimento ou a cultura. No mputo
geral, estavam empenhados no processo de colonização em curso, desde a fundação da
colônia de o Leopoldo, e em acompanhar os pleitos e as reivindicações da população
de descendência alemã do Estado.
Durante a nacionalização forçada, a imprensa brasileira de língua ale que,
382
como visto, era editada em várias cidades do RS, foi proibida. As empresas
jornalísticas, caso desejassem continuar publicando os seus periódicos, deveriam passar
a fazê-lo no idioma nacional. A circulação de livros em alemão, ou a sua simples
leitura, ficaram também proibidos. Os infratores poderiam ser repreendidos, e o pior,
confundidos ou indiciados como traidores da Pátria ou rotulados como “Quinta
Colunas”.
Foi assim que a imprensa, que se autodenominava de teuto-brasileira, foi
colocada fora de circulação. O
Kolonie,
que em 1941 comemorava cinqüenta anos de
existência, despediu-se dos seus leitores numa sexta-feira, 29 de agosto. No editorial, o
jornal lamentava a ordem do Governo Federal que vedava a publicação de jornais e
revistas em língua estrangeira no país a partir do dia
31
daquele s. De acordo com o
periódico, “com essa medida de resto única no mundo inteiro finda-se a existência
secular da imprensa teuto-brasileira, a mais antiga e também a mais numerosa imprensa
em língua estrangeira que se publicou no Brasil, embora a imigração germânica o
prevalecesse pelo número.”
O jornal enfatizou ter cumprido durante meio culo sua missão que era: servir
de guia e conselheiro aos imigrantes; contribuir para o melhor conhecimento de
assuntos europeus no Brasil e servir de “intermediário entre o Brasil e não somente os
países de língua ale, mas ainda aquela parte da Europa não germânica, onde a língua
de Goethe é largamente compreendida e lida.” Sucedeu ao
Kolonie
o Jornal de Santa
Cruz. Esse, no entanto, não conseguiu ir além dos 14 números publicados. Foi somente
em 1945 que a cidade passaria a ter um novo jornal. Surgiu então a Gazeta de Santa
Cruz, que anos mais tarde passaria a se chamar Gazeta do Sul.
Arthur Rambo
60
defende que a proibição de circulação da imprensa em língua
estrangeira, especificamente a de língua alemã, foi um dos equívocos mais funestos dos
condutores da nacionalização. Esses órgãos de imprensa o atuariam no sentido de
isolar, mas teriam colaborado para inserir os imigrantes e seus descendentes na
sociedade brasileira. De fato, os jornais e outros periódicos ajudaram de forma decisiva
para organizar socialmente a população de origem teuta do Estado. Colaboraram para
coesionar, formar espírito de grupo e direcionar comunidades, adeptos de um
determinado credo e de categorias profissionais, como foi o caso, por exemplo, dos
60
Rambo, Arthur (1994), op. cit. p. 76.
383
professores paroquiais calicos e evangélicos.
Como destaca Moraes,
61
a escola, a estrada, o rádio e a penetração de novos agentes
nacionalizantes não foram suficientes para incorporar de todo velhos colonos. Esses, que na
sua infância não haviam tido escola para aprender o português, ou quando a tiveram, foi por
pouco tempo, não puderam praticar a língua da terra que acolheu os seus antepassados.
Isolados em suas glebas e travando contatos com iguais na comunidade, não puderam
aprender a língua do país. Mesmo nos núcleos populacionais urbanos, esses antigos
representantes da etnia teutônica não conseguiram assimilar-se plenamente, pois, ignorando a
língua lusitana, poderiam conviver com quem falasse alemão. Muitos deles esqueceram,
com o tempo, o que aprenderam, tanto assim que, em diverssas zonas, não mais eram capazes
de ler jornais ou revistas, nem em português nem em alemão Eram de uma progênie que não
pôde freqüentar escolas que rareavam ou não existiam.
Se, de fato, a leitura de jornais for tomada como um indicador básico de civismo
da vida regional, não dúvida alguma de que a nacionalização compulsória reduziu
em muito o comportamento cívico dos teuto-descendentes. Como muitos liam somente
no idioma em que tinham sido alfabetizados, na medida em que os jornais impressos
em língua estrangeira foram postos fora de circulação, deixaram praticamente de ler.
Conseqüentemente, deixaram de se informar de maneira adequada sobre assuntos da
comunidade, do país e do mundo. Com isso, diminuíram as condições de participar das
deliberações cívicas. Como os leitores de jornais participam mais ativamente em clubes
e associações cívicas, participam mais da política e, normalmente, trabalham e dedicam
mais tempo para projetos de voluntariado e comunitários, visitam mais seus vizinhos e
amigos, isso tudo pode ter-se reduzido durante e após a campanha de nacionalização
encetada pelo Estado brasileiro e posta em prática por autoridades civis e militares do
Rio Grande do Sul.
Embora estivesse estabelecido no já referido
Decreto-Lei nº. 1.545, de 25 de
agosto de 1939
, no seu Artigo 27, que o Governo da União auxiliaria os Estados para a
organização de pequenas bibliotecas de livros nacionais nos centros de aglomeração de
estrangeiros, isso, de fato, quase o aconteceu. Os livros em alemão foram, em
pequena parte, levados embora pelos agentes nacionalizadores; em grande parte,
61
MORAES, Carlos de Souza. O colono alemão – uma experiência vitoriosa a partir de São Leopoldo. Porto
Alegre: EST, 1981. cit. p. 120.
384
destruídos pelos seus próprios donos. Em seu lugar, nada foi colocado.
5.7 O cotidiano e a nacionalização
Nas regiões de colonização germânica, usava-se a língua alemã em quase todas as
atividades sociais, culturais, religiosas e aeconômicas. Seu uso era mais intenso nas
áreas rurais do que nos aglomerados urbanos, onde era maior o número de pessoas
bilíngües.
62
Como o vernáculo alemão era utilizado informalmente para quase todos os
fins, a interdição da língua alemã atingiu também o cotidiano dos moradores. Em Santa
Cruz, logo no início do ano de 1939, a Prefeitura Municipal comunicou que, até o dia 10
de janeiro, todos os letreiros e as propagandas em língua estrangeira existentes nas
fachadas das casas comerciais deveriam ser retirados. Após essa data, recairia uma multa
anual de 3 contos e 600 mil réis sobre os infratores.
63
Alterações nos nomes de localidades passaram a ocorrer em profusão. Estudos de
Toponímia atestam esse fato.
64
Tentou-se, inclusive, mudar o nome de cidades. Novo
Hamburgo, por algum tempo, passou a ser Marechal Floriano. Santa Cruz, de acordo
com o IBGE, deveria ter um nome indígena. O pretexto era o de que, em todo o território
do país, haveria mais cidades com a mesma denominação. Na verdade, o que ocorreu é
que alguns burocratas viram uma certa relação existente entre o nome da cidade e a cruz
gamada usada pelos nazistas. A reação de um grupo de pessoas influentes do município
fez com que houvesse o recuo e a solução foi acrescentar um “do Sul” ao nome
tradicional. Isso se deu no ano de 1944.
Nem mesmo os cemitérios foram poupados pelos nacionalistas mais extremados.
Em alguns campos santos ocorreu uma série de atos de vandalismo com destruição de
sepulturas. Os tradicionais epitáfios das lápides das sepulturas, escritos em alemão em
memória do ente querido falecido, passaram a ser substituídos por um simples "aqui jaz".
62
Kipper (1994), op. cit. p. 121.
63
Kolonie
,
4
jan.
1939,
p.
2.
64
Virgínia Etges e Milena Seer, em um estudo sobre a toponímia dos atuais municípios de Santa Cruz do Sul,
Sinimbu, Vera Cruz e Vale do Sol, levantaram 44 topônimos cujo nome original foi alterado principalmente em
função da campanha de nacionalização. ETGES, Virgínia Elisabeta,, SEER, Milene. Estudos da toponímia como
expressão da organização espacial da região de Santa Cruz do Sul/RS. Redes Revista do Mestrado em
Desenvolvimento Regional UNISC. 150 anos de colonização em Santa Cruz do Sul (1849-1999). Santa Cruz
do Sul, Ed. da UNISC v. 4, p. 91-108, ago. 1999.
385
Mesmo inscrições existentes em templos tiveram que ser removidos ou cobertos por
mantos.
65
Em 8 de março de 1939, através da Portaria nº. 132, o
Dr.
Admar Severo, juiz de
direito da Comarca de Santa Cruz, resolveu proibir a todos os
escrivães distritais da
Comarca qualquer ato jurídico (nascimentos, casamentos, óbitos, escrituras,
procurações etc.) em que fossem interessadas pessoas que desconhecessem o idioma
nacional. Quem não soubesse se pronunciar no vernáculo, somente poderia praticar
atos jurídicos na sede da Comarca com a intervenção de um intérprete.
66
No dia 23
do mesmo s e ano, o prefeito Caio Brandão de Mello, através do
Decreto nº. 10, resolveu proibir expressamente o emprego de idioma estrangeiro na
Prefeitura Municipal, em secções ou dependências da mesma, inclusive nas
subprefeituras. Assim, nenhum contribuinte ou interessado poderia ser atendido por
funcionário da Prefeitura se não se expressasse em português ou se fizesse
acompanhar de um intérprete.
67
Na esfera federal, foi somente com o
Decreto-Lei nº. 1.545, de 25 de agosto de
1939, que ficou estabelecido, através do seu Artigo 15, que ficava proibido o uso de línguas
estrangeiras nas repartições públicas, no recinto das casernas e durante o serviço militar.
O cotidiano das pessoas, em função da campanha de nacionalização, também foi
alterado. Como ficou terminantemente proibido falar o aleo em locais blicos, e
como muitos o sabiam se expressar em português, preferiram ficar recolhidos ao seu
lar.
68
Como acertadamente observou rgio Dillenburg, muitas pessoas idosas, que
mal se expressavam em português, subitamente tiveram de aprender o idioma do país,
sofrendo, por isto, o raras ameaças ou chacotas, quando não sendo alvos de
65
“Em virtude da atual situação política foram removidos da igreja os hinários e as Bíblias em alemão, bem
como os cobertores de altar com inscrições em alemão, igualmente a placa de bronze com o nome dos antigos
pastores da Comunidade”. Ata . 32, de 01 de março de 1942, da Comunidade Evangélica de Santa Cruz, apud
RÖHSIG, Henrique Frederico. O impacto da campanha de nacionalização na Comunidade Evangélica Luterana
de Santa Cruz do Sul (1935-1960). Santa Cruz do Sul, 2004. (Monografia de Especialização em História do
Brasil da UNISC). p. 61.
66
Kolonie, 10 mar. 1939. p. 1.
67
Kolonie, 27 mar. 1939. p. 1.
68
Estabelecia a Circular mº. 6, no seu item 4, alínea d, expedida pela Chefia de Polícia do Estado que estaria
sujeito à prisão todo aquele que usasse o idioma das potências do Eixo “em conversações em qualquer lugar
público, inclusive cafés, bares, restaurantes, hotéis, cinemas, lojas, etc”.
386
chantagem.”
69
Mesmo nos seus próprios domicílios podiam ser molestadas. O número
de bailes, de quermesses e de festas, conseqüentemente, diminuiu sensivelmente, assim
como a freqüência. As idas à cidade, para efetuar compras, igualmente decresceram em
número. Houve casos de famílias
que moravam
à
beira da estrada que não mais se
arriscavam a rezar à mesa por ocasião das refeições, temerosas de que fossem
denunciadas por algum espião ou vizinho. Delações infundadas também aconteceram,
pois desafetos se aproveitaram da ocasião para se vingar de algum rival. Ressalta
Moraes que a
s providências nacionalizantes levaram autoridades policiais a exageros como
o de até proibirem colonos de falarem alemão nos ônibus que os conduziam do interior para
as cidades. Alguns deles chegaram a ser presos e muitas residências foram vasculhadas pela
polícia com confisco de obras.
70
A nacionalização e o posterior Estado de Guerra contra os países do Eixo provocaram,
ainda, atos discriminatórios, agressões verbais, agressões físicas, piadas, extorsões financeiras
e de bens contra a população de origem germânica. O clima de insegurança e de medo, por
isso mesmo, foi constante.
A campanha antigermânica encetada nas regiões de
predominância da população de descendentes de imigrantes alemães passou pela
imprensa. Jornais e estações de dio apresentavam artigos agressivos contra os
alemães, sem que os autores se identificassem devidamente. A lista dos intelectuais
gaúchos que se vincularam e se aproximaram do Estado Novo, defendendo o regime
ou os detentores do poder no âmbito estadual, conforme registrado por Gertz, foi
bastante extensa.
71
O Diário Oficial da União, em 19 de setembro de 1942, publicou o Decreto-lei nº.
4.701, de 17 de setembro de 1942, que dispôs sobre o comércio de aparelhos de rádio,
transmissores ou receptores, seus pertences e acessórios. Estabelecia o artigo 2 que os
indivíduos ou as sociedades que exerciam o comércio de aparelhos de rádio, transmissores ou
receptores, seus pertences e acessórios, não poderiam transacionar com súditos alemães,
italianos ou japoneses, pessoas físicas ou jurídicas, nem mesmo sob a forma de doação ou
permuta. Dois dias antes da publicação do Decreto-Lei pelo DOU, já circulava em Santa Cruz
o panfleto abaixo que, como pode ser percebido, tinha um teor muito mais rigoroso e
intimidatório.
69
Dillenburg, op. cit. p. 85.
70
MORAES, Carlos de Souza. O colono alemão uma experiência vitoriosa a partir de São Leopoldo. Porto
Alegre: EST, 1981. p. 121.
71
Gertz (2205), op cit. p. 114-143.
A proibição, não somente de aquisição, mas mesmo de manutenção, no próprio lar, de
aparelhos de rádio, foi estendida também para os súditos da Hungria e da Romênia. Os rádios
receptores de propriedade de nacionais da Alemanha, Itália, Hungria e Romênia passaram a
ser apreendidos. Mesmo para os nascidos no Brasil, a aquisição de rádio passou a ser
dificultada. Bastava ter um sobrenome alemão ou italiano para que a compra somente
pudesse ser concretizada após a aprovação da Delegacia de Polícia.
Como as denúncias anônimas eram muitas, a Repartição Central de Polícia,
sediada em Porto Alegre, fez circular um panfleto alertando para que as denúncias
infundadas cessassem. Uma briga entre vizinhos, uma discussão entre colegas de
trabalho, uma vingança contra um ex-patrão ou uma antiga rixa entre desafetos
poderiam ser motivos suficientes para denunciar alguém à polícia sob a acusação de
falar o alemão, de possuir armas, de manter escritos em ngua estrangeira ou de
sintonizar o rádio na estação de Berlim.
72
O delicado momento do período de nacionalização e da guerra fez com que
alguns espertalhões percorressem as áreas coloniais com o fito de vender retratos de
personalidades importantes do governo, especialmente de Getúlio Vargas, álbuns,
distintivos e ações de companhias.
73
Comerciantes e pacatos colonos eram coagidos a
comprar, por preços extorsivos, o material ofertado. Em um local visível de salões de
baile, de casas comerciais, de salas de escolas, de residências e até mesmo de templos,
a foto do ditador Vargas ficava exposta.
72
Kipper, op. Cit. p. 129.
73
Em 18 de janeiro de 1943, compareceram na DP de Santa Cruz, perante o delegado, Sr. Agostinho Ghislene, e
o escrivão, Milton Rodrigues, os senhores Helmut Wartchow, Francisco Wartchow e Ewaldo Bohrz. Disseram
que apareceu na Linha Rio Pardinho, distrito, onde moravam os queixosos, no mês anterior, um indivíduo
baixo, gordo, cor morena, barba e bigode raspados, cabelos e olhos castanho-escuros, bem trajado, que se dizia
representante da Cia. Siderúrgica do Brasil. Esse indivíduo teria forçado os declarantes a comprarem ações da
aludida companhia por meio de palavras ameaçadoras. Teria dito que quem não comprasse era Quinta Coluna.
(Livro de Queixas da DP, 1943.
p.
90).
Queixa idêntica fora feita, em 16 de janeiro de 1943, por Balduíno José Giehl, João Marcos Shuster, João Soder,
Henrique Leonardo MüIler, Fredolino Konzen, Rodololfo Ziegart, Leopoldo Anton e Leopoldo Guilherme
Kappaun. O primeiro reclamante residia em Linha Santa Cruz; o segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto
moravam em Linha São João da Serra; os dois outros, eram colonos em Cerro Alegre.
De acordo com os queixosos, andaram em suas residências dois indivíduos que se diziam inspetores da Cia.
Nacional da Indústria Pesada, mandados pelo Presidente da República para venderem apólices aos bons
brasileiros. Obrigaram os queixosos a adquirirem ações da Companhia sob pena de serem relacionados, isto
é,
terem seus nomes anotados e remetidos para as autoridades competente de Porto Alegre, por se negarem a ficar
com apólices patrióticas. Os reclamantes
foram
unânimes ao dizer das ameaças sofridas pelos supostos agentes da
empresa e disseram que um dos estelionatários, mais baixo, falava com eles o idioma alemão, depois de pedir ao
seu companheiro, que se dizia fiscal superior do Presidente Vargas, licença para tal. Que o agente baixo, quando
se expressava em alemão, dizia que os queixosos deveriam ficar com apólices porque senão iriam perder suas
descendências alemãs, o que muito deveriam honrar. Tendo ficado com parte
das mesmas, julgavam-se logrados,
pois, após compararem as ações entre si, notaram que quase todas variavam de preço e que umas estavam
seladas e assinaladas e outras não. (Livro de Queixas da DP, 1943, p. 99-103)
389
A confiança nas autoridades policiais foi totalmente perdida. Não bastassem as
atrocidades cometidas, o delegado de Santa Cruz ainda teria inventado uma
390
contribuição conhecida como Imposto de Guerra. Na realidade, o tributo criado por
François Nehmé chamava-se Imposto Policial de Funcionamento. Em função do tributo, teria
cobrado indevidamente de
proprietários rurais valores, de acordo com as posses dos colonos,
que oscilavam
entre 30, 60 e 90 mil réis. O Imposto de Guerra (Kriegsteuer) teria sido
arrecadado no interior do município, provavelmente porque se temesse que os moradores da
cidade, bem mais esclarecidos, pusessem em dúvida sua existência. A Associação Comercial,
Industrial e Agrícola de Santa Cruz foi alertada para o fato da ilegalidade do imposto e
representou contra, junto à Secretaria de Segurança do Estado, tendo ido a Santa Cruz, em
1942, o Dr. Aldo Sirângelo, fazer um inquérito. Teria sido apurado que o montante do
imposto arrecadado não havia sido recolhido aos cofres públicos, mas transferido para Porto
Alegre, para a conta bancária particular do delegado, que teria sido obrigado a devolvê-lo,
encarregando-se a Associação Comercial, Industrial e Agrícola de reembolsar os colonos
lesados.
74
Analisando os registros existentes na Delegacia de Polícia de Santa
Cruz do
Sul,
constatou-se que a repressão política aos nazistas foi centrada sobre alguns
moradores da cidade, sobretudo alemães natos. Contudo, as prisões executadas
diretamente pelos policiais do DOPS no município o foram escrituradas nos livros
de registros da DP local. Não se tem a informação precisa de quantos e de quais
foram exatamente os cidadãos alemães e brasileiros presos na cidade, acusados de
promover propaganda nazista.
75
Os apontamentos encontrados que versam sobre o
assunto tratam, basicamente, das buscas e apreensões de materiais, como livros,
gravuras, bandeiras, armas, binóculos, máquinas fotográficas e rádios. O maior
número de batidas registradas deu-se entre o final de
1941
e agosto de
1942,
ou seja,
nos meses que antecederam a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
As informações sobre os objetos apreendidos pelos policiais são extremamente
74
KIPPER, Maria Hoppe. A campanha de nacionalização do Estado Novo em Santa Cruz (1937-1945). Santa
Cruz do Sul: APESC, 1979.
75
Na
edição de primeiro de
março de
1938,
p.
3, o
Volkstimme
noticia a prisão de lideranças nazistas na
capital. Comunica tamm que pessoas ligadas ao NSDAP e ao DAF de Santa Cruz foram presas e
levadas a Porto Alegre. Eram eles: Paul Erath, Oscar Agte, Paul Elwanger e o professor de ginástica
Boysen, todos eles cidadãos alemães. Em 30 de setembro de 1
958,
o industriário de nacionalidade
ale, Ludwig Christian Heinrich Docter, mandou publicar na Gazeta do Sul (p. 4) uma declaração na
qual desmente boatos políticos existentes na cidade de que o Cel. Walter Perachi Barcellos estivesse
ligado
à
repressão havida durante a Guerra. Na nota ele afirma ter estado preso durante quase 2 anos na
Colônia Penal Daltro Filho, estando sujeito
a tratamento torturoso, chicanas as mais ignóbeis, às quais
nunca se submete quem ou
o
que quer que seja, nem mesmo animal raivoso.” Denuncia
que na época teria sido
tamm tima de saque e de roubos, compreendendo livros culturais e científicos, diciorios, coleção
de selos etc.
391
escassas. Armas, facas, espadas, binóculos, dios, máquinas fotográficas e outros
objetos recolhidos de sociedades e de indivíduos parecem ter desaparecido. Uma vez
reconstitucionalizado o país, a imprensa e a mara de Vereadores local passaram a
cobrar a devolução do material. Inclusive um inquérito policial foi instaurado, mas
nada foi apurado.
Durante a guerra, os bens dos súditos do Eixo foram penhorados a
título de indenização de guerra. Muitos dos bens confiscados, entretanto, jamais seriam
devolvidos aos seus proprietários.
Na delegacia, os registros de apreensão de armas, rádios e de máquinas fotográficas
são raros. Um inquérito, feito em Santa Cruz do Sul para averiguar o destino dos bens dos
súditos do Eixo e de nacionais aprisionados durante a guerra, foi aberto em 1946. Valendo-se
do jornal Gazeta de Santa Cruz, o delegado informava que as reclamações deveriam ser feitas
na DP local no prazo de 30 dias. Os lesados deveriam apresentar, com suas
reclamações,
documentos comprobatórios da propriedade dos objetos apreendidos, descrevendo as
características dos mesmos, como marca, espécie, número, o nome dos apreensores e
outros.
76
Quando, no final de 1946, o governo gaúcho assinou o Decreto de constituição do
Conselho Disciplinar da Polícia, que tinha por objetivo moralizar e fiscalizar as atividades da
polícia civil, o redator da Gazeta emitiu a seguinte nota:
Esperamos que com a criação de tal órgão seja acelerada a devolução de diversos
aparelhos de rádio e outros objetos apreendidos no período, quando aqui era
titular da DP o Bel. François Nehmé, objetos esses ainda não devolvidos apesar
das inúmeras reclamações feitas à R.C. Polícia.
77
Na Câmara Municipal de Santa Cruz do Sul, em dezembro de 1947, os
vereadores do Partido Social Democrático requereram, no que se refere à questão, o
seguinte:
que a Casa entre em contato com o delegado de polícia para saber: a) qual o
destino dado às armas, munição e demais objetos apreendidos à Sociedade de
Tiro, Caça e Pesca, e a particulares, apreendidos no período da guerra, indicando
para cada caso
o
motivo de apreensão e os da não devolução; b) se já foi
procedida a devolução de todas as armas e demais objetos, utensílios e aparelhos
apreendidos no mesmo período, cuja autorização já foi concedida ( ... ).
78
76
Gazeta de Santa Cruz, 12 abr. 1946.
77
Gazeta de Santa Cruz, 26 nov. 1946.
78
Ata da Câmara Municipal de Vereadores de Santa Cruz do Sul, de 02 de dezembro de
1947.
392
Mas não foram apenas rádios e armas que foram retirados de sociedades e de
domicílios. Durante o estado de exceção, quando casas podiam ser vasculhadas sem ordem
judicial, é fácil entender que outras arbitrariedades também aconteciam. Os relatos de história
oral existentes no acervo do Centro de Documentação da UNISC e no banco de história oral
do Núcleo de Cultura de Venâncio Aires, são profícuos quanto a isso.
79
Em muitas das rondas que os policiais fizeram pelo interior dos municípios,
utilizavam os chamados autos de praça (táxi). Se a batida fosse dada a um salão de baile, o
dono da bailanta tinha que arcar com o custo da locomoção. Uma simples denúncia, no
entanto, poderia levar à revista de um lar. Houve colonos que tiveram de pagar corridas. Em
alguns autos de apreensão, o valor do deslocamento inclusive está registrado nos livros da
Delegacia de Polícia de Santa Cruz do Sul.
No ano de 1949, em Porto Alegre, queimou “misteriosamente”, como afirma
Martin Dreher,
80
a Repartição Central de Polícia. O incêndio deu-se justamente
quando os bens que haviam sido confiscados durante os anos da repressão getulista
deveriam ser devolvidos aos seus proprietários. Junto, queimou o arquivo da
instituição, o que privou historiadores e cientistas políticos de importantes fontes
documentais e de informações sobre os todos repressivos policiais utilizados no
período.
Durante a campanha de nacionalização ocorreram também prisões decorrentes
da inobservância da legislação que reprimia o uso de idiomas estrangeiros. Tomando
por base os dados obtidos para Santa Cruz do Sul, constatou-se que é bastante
impreciso se conseguir quantificar o número de detenções havidas. Em primeiro
lugar, porque os livros das subdelegacias, com exceção da subdelegacia do distrito de
Monte Alverne, o foram localizados. Em segundo lugar, porque nem sempre os
livros de registros de ocorrências mencionam quais os procedimentos adotados com
os indiciados (se prisão, advertência, diligência ou outra). De qualquer forma, pode-se
afirmar que a repressão
à nacionalização incidiu mais sobre os pobres e especialmente
sobre os moradores do meio rural, os colonos. O número de detidos constantes nos
79
“Aí eles, eles pegavam queijo, eles pegavam toicinho defumado. Levavam. por exemplo, toucinho, queijo tipo
serrano aquele, e aqueles produtos que eles tinham assim coloniais. Aquilo onde eles podiam pegar eles
pegavam. É só uma pena que a gente não pôde documentar isso. (Roberto, 79, Santa Cruz do Sul)
80
Dreher (1994), op. cit. p. 91.
393
livros de ocorrência computados os registros existentes na
sede do município e no
Distrito de Monte Alverne chega a
38 homens. Desses, 24 haviam sido presos entre
os meses de março e maio de 1943.
Houve também casos de cidadãos alemães e de seus descendentes perderem seus
empregos durante a Guerra. Alguns deles, embora residentes havia muitos anos no
Brasil e que, por trabalharem mais de dez anos em uma empresa, terem direito a
estabilidade, foram demitidos. José Plínio Fachel relata um caso desses acontecido com
um grupo de funcionários da empresa norte-americana
The Riograndense Light and
Power Synd Ltda.
81
Nas cidades maiores do Estado, a situação de cidadãos alemães (ainda que o
comungassem ou mesmo fossem adversários do nazismo) e mesmo de descendentes
passou a se complicar com o afundamento de navios brasileiros.
82
No anoitecer do dia
17 de agosto de 1942, emissoras de dio e redações de jornais sediados em Porto
Alegre passaram a noticiar que submarinos alemães tinham torpedeado três navios do
Brasil, a saber, o Baependi, o Araraquara e o Aníbal Benévolo, nas costas do Nordeste
brasileiro.
83
Num clima montado em todo o país, favorável ao ingresso do Brasil na
Guerra ao lado dos aliados, não foi difícil mobilizar a população em atos contra o Eixo e
81
Fachel, op. cit. p. 106-07.
82
Em 28 de janeiro de 1942, foi encerrada a Conferência do Rio de Janeiro. Essa Conferência, realizada na
capital brasileira na segunda quinzena daquele mês e ano, reuniu extraordinariamente pela terceira vez os
Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas para tratar da Guerra que havia iniciado na
Europa em 1939. Ela foi presidia por Oswaldo Aranha e, dentre as resoluções aprovadas, a principal foi o
rompimento das relações diplomáticas e comerciais com os países do Eixo. Dos 22 Estados presentes, somente a
Argentina e o Chile não concordaram com o rompimento de relações com Tóquio, Berlim e Roma.. A partir de
então, visando impedir a navegação comercial entre o Brasil e o Atlântico Norte, em particular os Estados
Unidos, submarinos alemães e italianos entraram em atividade no Atlântico, no Caribe e ao longo da costa
brasileira. Em 15 de agosto foi posto a pique o cargueiro Buarque, ao largo de Norfolk; no dia 18 foi afundado o
Olinda, ao largo da Virgínia; no dia 25, foi a vez do Cabedelo, ao largo das Antilhas; em 7 de março, o Arabutan
foi alvejado ao largo de Norfolk; em 10 de março o Cairu foi destruído ao largo de Nova Iorque; em primeiro de
maio o Parnaíba foi posto a pique ao largo de Trinidad; no dia 19, o Comandante Lira foi afundado ao largo do
arquipélago de Fernando de Noronha; no dia 24, ao largo de Nova Orleans, foi destruído o Gonçalves Dias; em
primeiro de junho, o navio Alegrete foi posto a pique nas águas do Caribe; em 5 de junho o Paracuri e um barco
brasileiro não identificado foram afundados no Atlântico Norte; em 26 de julho foi a vez do Tamandaré ser
destruído e dois dias após, o Barbacema e o Piave. Cfe. SEITENFUS, Ricardo. A entrada do Brasil na segunda
guerra mundial. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 283-313, passim.
83
Em 15 de agosto de 1942, o submarino alemão U-507 afundou o Baependi. Utilizado na navegação de
cabotagem, o Baependi transportava 305 passageiros, dos quais 141 eram militares. No naufrágio morreram 269
pessoas. No mesmo dia, o Araraquara foi vítima do U-507. Desse torpedeamento resultaram 129 mortos. No dia
seguinte, o U-507 afundou o Aníbal Benévolo, fazendo 150 vítimas, entre mortos e desaparecidos. No dia 17 de
agosto, o mesmo submarino alemão atacou o Itagiba, provocando 39 vítimas, e o Arara, o que redundou na perda
de mais 20 vidas. Cfe. SEITENFUS, Ricardo. A entrada do Brasil na segunda guerra mundial. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2000. p. 313. Dillemburg, op. cit. p. 11, afirma que naqueles dias “centenas de estabelecimentos
foram arrombados, cidadão acabaram sendo agredidos, com o ódio, o medo e a incerteza espalhando-se numa
explosão emocional como há muito não se via.
394
os traidores Quinta-colunas”. No dia e noite seguintes, iniciaram as depredações, os
quebra-quebras, incêndios e saques a residências, templos, estabelecimentos
profissionais, industriais, hoteleiros, bares e casas comerciais pertencentes a teutos e
mesmo a teuto-descendentes. Tais atos, que se estenderam pelo dia seguinte, 19 de
agosto, foram articulados pela Liga de Defesa Nacional, que levou às ruas uma massa
desejosa de vingança. Os saques e as depredações, verdadeiros atos de vandalismo,
contaram quase sempre com o apoio implícito ou explícito de autoridades civis,
policiais-militares e religiosas. Os maiores quebra-quebras e as maiores demolições
ocorreram em Porto Alegre e em Pelotas.
84
Incidentes menores aconteceram em Santa
Maria, Cachoeira do Sul, Santa Cruz do Sul e em outras cidades do interior. Em várias
outras cidades, no entanto, foram realizadas grandes e ruidosas manifestações cívicas.
As forças policiais gaúchas, consoante Gertz, nada teriam feito para coibir as
depredações. O próprio Interventor teria auxiliado a excitar a massa contra
“adventícios”, “alienígenas”, quinta-colunas”, “súditos de Eixo”. No dia do início dos
tumultos, teria se misturado aos populares, para simbolizar seu apoio às manifestações.
O Chefe de Polícia, coronel Py, teria culpado as próprias vítimas pelos incidentes e
quebra-quebras ocorridos. Somente com a intervenção do Exército é que as
manifestações populares anti-Eixo teriam sido controladas.
85
O clima de paranóia contra os alemães, montado desde 1938 atingiu seu ápice em
agosto de 1942. Agora, bastava ser loiro ou ter olhos claros para ser um virtual
candidato à genérica acusação de ser “súdito do Eixo”. É verdade que nem todos os
alemães e teuto-descendentes sofreram perseguições.
A nacionalização, seja através de
atos praticados por homens ou por mulheres diretamente ligados aos aparelhos repressivo,
ideológico ou administrativo do Estado, seja por intermédio de ações promovidas por
instâncias governamentais, ou seja por atitudes tomadas por conta própria por uma parcela da
população, à revelia das autoridades, causou insegurança, medo, desconfiança. Entre os teuto-
descendentes, o
medo e o temor foram quase generalizados. Nesse sentido, o
fato de ter
havido pessoas no meio rural que passavam semanas ou meses em casa, sem sair
sequer para freqüentar a igreja, para participar de atividades desportivo- recreativas
ou para fazer parte de uma atividade cultural, é sintomático.
84
Sobre os episódios ocorridos em Pelotas ver Fachel, op. cit.
85
Gertz (2005), op. cit. p. 175.
395
A nacionalização e o Estado de Guerra provocaram, ainda, o consumo de
vultosos recursos em bens e capitais e desestimularam investimentos. Somente em Porto
Alegre, segundo levantamentos feitos pela Associação Comercial e o Centro das
Indústrias Fabril, o prejuízo com as depredações teria alcançado a casa dos cinco mil
contos de is.
86
A. J. Renner, presidente do Centro da Indústria Fabril CINFA
(precursor da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul FIERGS),
renunciou à função porque havia consenso entre os principais membros da entidade de
que as depredações tinham ocorrido sob instigação ou, no mínimo, com a
complacência de Cordeiro de Farias.”
87
O Decreto-Lei nº. 4.166, de 11 de março de
1942, estabeleceu o confisco de bens dos súditos do Eixo a título de indenização por
atos de agressão”. Através dessa medida, o Brasil tornou responsáveis o somente os
Estados do Eixo pelas perdas humanas e materiais sofridas pela marinha mercante
nacional, mas também os cidadãos alemães, japoneses e italianos. Dessa forma, os bens
dos cidadãos desses países, pessoas físicas ou jurídicas, passavam a responder por
prejuízos cometidos contra a nação brasileira.
88
Nessa oportunidade, o CINFA
encaminhou correspondência à Confederação Nacional da Indústria alertando que, no
RS, “considerável montante de capital pertencente a cidadãos dos referidos países estava
investido em indústrias e que sua retirada criaria enormes dificuldades ao processo de
produção.”
89
5.8 Um balanço da nacionalização forçada
Gertz defende que, de maneira geral, a campanha de nacionalização vitimou mais
a população de origem alemã do Rio Grande do Sul do que a população de outras
procedências étnicas. Quando comparados aos “alemães”, os “italianos” do Estado
teriam sido tratados com muito maior benevolência. os núcleos de poloneses e de
japoneses, dada a sua pequena extensão, não se teriam constituído em preocupação do
governo estadual. Entre as razões apontadas para esse comportamento diferencial
destaca: a maior simpatia dos brasileiros para com os italianos”; a existência do
sentimento do perigo alemão” a que fizemos alusão no capítulo precedente; a posição
86
Dillemburg, op. cit. p. 30.
87
Gertz (2005), op. cit. p. 50.
88
Seitenfus, op. cit. p. 314.
89
Gertz (2005), op. cit. p. 82.
396
pró-Entente da opinião pública nacional manifestada durante o transcurso da Primeira
Guerra Mundial (1914-1918); a adesão ou a simpatia ao partido nazista ocorrida na
década de 1930 em áreas coloniais do RS. Sintetizando, “a ‘colônia alemã’, sob alguns
ângulos, era ‘excessivamente’ visível na sociedade gaúcha, por um lado, mas, por outro,
totalmente ausente em certas instâncias do aparelho estatal, carecendo, por isso, de
defensores internos ao Estado.”
90
A
sub-representação junto ao poder foi fatal para os
descendentes teutos quando homens da estirpe de Cordeiro de Farias, de Coelho de Souza, de
Aurélio Py e de Plínio Brasil Milano, reconhecidos adeptos do “perigo alemão”, ascenderam
a cargos-chaves na administração do RS. O preço pago entre 1938 e 1945 foi alto.
As repercussões e as conseqüências da campanha de nacionalização não podem
ser avaliadas somente a partir do número de prisões efetuadas ou dos registros policiais
feitos. As detenções realizadas tiveram mais um caráter pedagógico, ou seja, serviram
de exemplo e meio de amedrontar ou inibir a população. Num clima de incerteza,
agressões verbais ou físicas, piadas ferinas e gozações foram alguns dos ônus aos quais
os teuto-descendetes tiveram que se acostumar. Expressões como “alemão batata",
“traidor da tria” e "quinta coluna” passaram a ser utilizadas corriqueiramente,
sobretudo contra pacatos colonos. As repreensões públicas, as intimidações e os
constrangimentos a que muitos foram submetidos, que seqüelas individuais e coletivas
produziram? Teriam servido, de fato, para integrar ou para aumentar o fosso entre os
teuto-descendentes e os demais brasileiros de outras origens étnicas? Entende-se que a
assimilação abrupta tentada ocasionou muito mais traumas do que resultados concretos.
Com a nacionalização, lideranças de cooperativas, professores, padres, pastores e
outros agentes sociais e comunitários viram seu campo de atuação ser restringido mais e
mais. A realização de reuniões foi dificultada, escolas comunitárias foram fechadas,
professores perseguidos, lideranças humilhadas, livros e material didático apreendidos,
publicações em língua alemã suspensas e a cultura e a língua alemãs, um dos esteios do
cristianismo social, reprimidas. Isso provocou o desaparecimento de grande número de
organismos associativos comunitários que haviam sido criados e reproduzidos pela própria
sociedade civil. Um dos desdobramentos nefastos da nacionalização foi a diminuição da
estima e da autoconfiança das populações atingidas pelo abrasileiramento forçado. E a auto-
estima e a autoconfiança, conforme enfocam, entre outros, Amartyia Sen,
91
Francis
90
Ibidem p. 159.
91
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
397
Fukuyama,
92
e Muhammad Yunus,
93
são de vital relevância para que possa ocorrer o
desenvolvimento social e econômico de uma região.
Através de relatos orais, percebeu-se que a intensidade da repressão nos distritos
dependeu, fundamentalmente, da posição assumida pelos subprefeitos que, à época,
também exerciam a função de subdelegados. Alguns foram tolerantes e procuraram
contemporizar a situação. Em outros locais, entretanto, o rigor aplicado às leis foi muito
maior do que desejavam as autoridades responsáveis pela nacionalização.
O desenvolvimento das atividades econômicas, a melhoria dos meios de
transporte e o aperfeiçoamento dos meios de comunicação inevitavelmente trataram
de executar a tarefa que a campanha forçada de nacionalização, de forma
antidemocrática e equivocada, tentou realizar. O aumento da produção e das trocas
comerciais automaticamente forçou a um maior intercâmbio entre as populações de
diferentes procedências ou origens étnicas do Estado. A melhoria dos meios de
transporte reduziu as distâncias, contribuindo sobremaneira para retirar do isolamento
geográfico e social os moradores das áreas coloniais. Por fim, o desenvolvimento dos
meios de comunicação, sobretudo dodio e depois também da televisão, culminaram
por levar o idioma português a todos os recantos do país.
Há, igualmente, que se considerar que ao-preservação do
Deutschtum
entre
os teuto-descendentes do RS tem origem em outras causas que não a
nacionalização forçada. A
primeira dessas causas diz respeito
à
decepção que os
germanistas mais radicais devem ter sentido quando da derrota do nazi-fascismo. Com
a posterior divulgação dos crimes contra a humanidade cometidos pelo regime
implantado por Hitler, muito certamente tiveram vergonha de um dia terem
simpatizado com o nazismo. De uma maneira geral, os descendentes de imigrantes
ficaram chocados com o que viram e ouviram posteriormente a respeito do nazismo. O
segundo diz respeito a uma mudança de comportamento por parte da Alemanha.
Dividida, a nação tornou-se um dos pivôs centrais da Guerra Fria. A Alemanha
Ocidental transformou-se em uma nação democrática no contexto da ordem capitalista,
alinhando-se incondicionalmente com os Estados Unidos. Passou, conseqüentemente,
a não mais nutrir interesse pelos descendentes de alemães e pela preservação da
92
FUKUYAMA, Francis. Confiança: as virtudes sociais e a criação da prosperidade.Rio de Janeiro: Rocco,
1996.
93
Yuus, Muhammad. O banqueiro dos pobres. São Paulo: Ática, 2000.
398
germanidade. Quanto à Alemanha Oriental, alinhou-se política, econômica e
ideologicamente à União Soviética. No tipo de socialismo que praticou, não havia
espaço para preocupações com os alemães e descendentes em outras partes do mundo.
Mas, a nacionalização também deixou bons frutos. Tomando por base o
município de Santa Cruz do Sul, pode-se afirmar que, das
medidas de nacionalização
postas em prática, ao menos três delas redundaram em efetivo benefício à população
local. Uma delas foi o ensino que, a partir dessa época, em boa parte, tornou-se
público e gratuito. Se for abstraída a forma como o processo de nacionalização do
ensino se deu abrupta, de cima para baixo e sem a participação das comunidades –,
pode-se concluir que a implantação de escolas públicas nas áreas rurais das regiões
coloniais de descendentes de imigrantes constituiu-se em uma medida
democratizante, pois permitiu, mesmo aos mais pobres, o acesso aos
bancos
escolares. Em decorrência, desonerou o bolso de muitas das famílias que, até então, a
suas expensas, tinham que sustentar o funcionamento das escolas. As camadas médias
urbanas e as famílias mais abastadas do meio rural, vislumbrando a oportunidade de
ascensão econômica e social, já colocavam seus filhos em escolas bilíngües, pois
estavam cientes de que o aprendizado da língua nacional era imprescindível.
A
segunda medida que beneficiou a população do município e da região foi a
instalação de um Batalhão do exército brasileiro.
94
o foi por um mero acaso que o
fato de a cidade passar a sediar uma tropa das forças armadas foi bastante
comemorado. Em primeiro lugar, a medida fez injetar recursos no município; em
segundo lugar, os jovens da região não precisaram mais ser deslocados para o Centro
ou para a Fronteira do Estado, para prestarem o serviço militar obrigatório; em
terceiro lugar, a partir da instalação do Batalhão, amenizou consideravelmente a
repressão à língua alemã.
A implantação de unidades do exército brasileiro em áreas de predominância de
população de descendência estrangeira também fez parte da política de nacionalização.
em mao de 1939, o Secretário de Educação e Saúde Pública do RS, J. P. Coelho de
Souza, afirmava:
94
O Decreto-Lei n°. 1.545, de 25 de agosto de 1939, estabelecia no seu Artigo 7, que dentre vários outros, no
que tange à adaptação no meio nacional dos brasileiros descendentes de estrangeiros, competia ao Ministério da
Guerra “proceder à incorporação, nas fileiras do Exército, do maior número possível de filhos de estrangeiros,
preferencialmente em corpos de tropa aquartelados fora da região em que habitem”.
399
Acho que nenhuma medida se mais útil e mais eficiente do que a
distribuão de algumas unidades do exército na rego a nacionalizar.
Todo o nosso esforço nas escolas redundará em pura perda, se um bracejar
no espaço, se a criaa não encontrar fora das escolas um ambiente de
brasilidade.
(.
..
).
O
verniz da brasilidade que a juventude recebeu no ambiente escolar
desaparecefacilmente se nas ruas, nos templos e através da imprensa, que
deve ser toda portuguesa, não continuar a receber os mesmos influxos
nacionalizadores.
Esse ambiente extra-escolar resulta, poderosamente, da presença das
unidades do glorioso exército nacional nas cidades de origem colonial.
95
A decisão de instalação de um quartel em Santa Cruz foi tomada no início dos
anos 4
0 e se consumou através do A
viso mero
1.615,
de
20-06-42.
Transferido de Santa
Maria, o III/7º Regimento de Infantaria chegou definitivamente a Santa Cruz do Sul
em meados do ano de
1944. Embora a
missão primordial e indisfarsável do Batalhão
fosse a famigerada nacionalização, a recepção da guarnição foi calorosa. Os militares
traziam consigo dinheiro para Santa Cruz. Am do imprescindível para a edificação
dos prédios necessários para sediar a guarnição, havia tamm o soldo dos militares
que passaria a circular na cidade. Isso agradou sobremaneira a emergente burguesia
comercial e industrial local.
A miso originariamente afeta ao quartel, ao que tudo indica, parece ter se
esgotado com a simples presença do Batalhão na cidade. Segundo o Tenente Coronel
Juvêncio Saldanha Lemos:
(...) impossível, aliás, colocar-se mais de 600
militares na pequena
SANTA CRUZ de então, sem que a tropa e a comunidade não entrassem
logo em processo de interação. No que diz respeito à neutralização dos
famigerados “nazistas”, ocorreu a um efeito contrário: com a chegada do
exército, cessaram definitivamente as violências e arbitrariedades, que
eram cometidas contra pobres colonos, por parte de algumas autoridades
despreparadas.
96
Segundo o mesmo militar, ficou comprovado que não passavam de mitos a
existência dos propalados “quistos alemãese a potencial ação de uma “quinta coluna
alemã” no sul do Brasil, que teriam sido inteligentemente explorados num clima de
Guerra Psicológica. Quanto
à
restrição da língua alemã, “só a mera proximidade de
militares, notadamente em bailes e bares, que é onde se conversa mesmo,
95
Kolonie, 24 mar. 1939. p. 6.
96
LEMOS, Juvêncio Saldanha. A pré-história do Oitavo. Santa Cruz do Sul: (1986), s/e. p. 60.
400
desestimulava qualquer um a comunicar-se valendo-se da língua de Goethe.”
97
Uma terceira medida benéfica aos descendentes de imigrantes oriunda da
campanha de nacionalização foi a política rodoviária que fez parte da estratégia de
abrasileiramento de regiões colonizadas por estrangeiros e por seus descendentes.
Cordeiro de Farias deixou registrado que, apenas na construção de estradas, o seu
governo teria investido, até fins de 1940, 86.384 contos. Teria, assim, aplicado 24 mil
contos a mais do que toda a verba aplicada pelo Estado nesse tipo de serviço desde a
proclamação da República. As estradas, argumentava, não se constituiriam apenas em
escoadouro da produção. Serviriam, também, para entrelaçar diferentes núcleos de
população, tornando-os conhecidos uns dos outros, criando laços de afeição
originados do trato e reconhecimento recíproco. “Quanto mais unidos, quanto mais
ligados estivermos, mais depressa seremos como um só todo.”
98
A língua alemã, não obstante a repressão ocorrida, continuou a ser transmitida
oralmente nos lares de Santa Cruz, principalmente nos da zona rural. Os jovens, apesar
de saberem comunicar-se no dialeto, não manifestaram grande interesse no domínio da
escrita. Com o suceder de gerações, a língua falada foi se empobrecendo
sensivelmente. Cada vez mais um maior número de vocábulos portugueses foi sendo
agregado ao alemão falado. Não havendo a leitura, o número de vocábulos alemães
usados na conversação se reduziu a algumas centenas ou mesmo dezenas de palavras.
O domínio do idioma alemão tornou-se sem sentido para a maior parte da população
local. Sem sentido, em um mundo em constante transformação, também se tornaram
alguns rituais medievais cultuados por alguns grupos como as sociedades de ulanos e
de lanceiros. Se somente a proibição de uma língua justificasse o seu desaparecimento,
muito que o povo basco, que se concentra em províncias localizadas no Nordeste da
Espanha e no Noroeste da França, já teria deixado de lado o
euskera
Na realidade, a campanha de nacionalização deixou seqüelas profundas.
Gerou, entre a população de ascendência alemã do Estado, medo, insegurança,
constrangimentos e injustiças. Se pudessem ser computados os prós e os contras,
chegar-se-ia à conclusão de que o saldo obtido ficou muito aquém daquele esperado
97
Ibidem p. 61.
98
Nacionalização, op. cit.
401
pelos seus idealizadores. Os malefícios causados certamente superam os escassos
resultados positivos porventura alcançados.
Conforme foi tentado demonstrar, experiências exitosas de horizontalidade social
foram destruídas por ações do Estado brasileiro. Na atuação contra as cooperativas de
produtores agrícolas e cooperativas de crédito e, especialmente, com a promoção da
nacionalização compulsória, isso parece ter ficado evidente. Como resultado da destruição
instrumental da horizontalidade, a confiança e a solidariedade foram aplacadas, destruindo a
mobilização coletiva e esvaziando o capital social. Num jargão popular, poder-se-ia se dizer
que os governantes, ao promoverem a nacionalização, jogaram fora, ao mesmo tempo, a água
suja e o bebê que estavam na bacia.
Com isso não se está querendo dizer que a campanha de nacionalização foi a única
responsável pela destruição do capital social comunitário existente nas áreas de colonização
alemã do RS. As migrações, a urbanização, a industrialização, o desenvolvimento dos meios
de comunicação e outros fatores certamente também tiveram papel relevante nesse processo.
O abrasileiramento forçado, na nossa ótica, acelerou a destruição daquele tipo de capital
social que denominamos de comunitário e que havia sido construído ao longo do tempo. Esse
capital social se baseava muito sobre a religião, o grupo étnico e a vida em comunidade.
Também não se está afirmando que o capital social acabou nas áreas de colonização alemã em
decorrência da nacionalização forçada. Outros tipos de redes formais e informais de
sociabilidade, certamente, surgiram e se desenvolveram nessas áreas. Muitas dessas redes
podem, inclusive, ter se valido do capital social comunitário latente existente nessas regiões.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho de tese propôs-se a verificar evidências da existência de capital social
nas áreas de colonização de população de ascendência germânica no Rio Grande do Sul e a
verificar como o estoque de capital social presente nessas áreas pode ter corroborado para o
desenvolvimento das mesmas. A avaliação pessoal é a de que a primeira parte do objetivo
tenha sido atingida. Para satisfazer a segunda parte, no entanto, é necessário mais tempo,
requerem-se mais pesquisas e boa dose de sorte para encontrar informações que, talvez, nem
mesmo existam.
Quando alguém se dispõe a escrever sobre a história do capital social no Brasil
depara-se, inevitavelmente, com um obstáculo quase intransponível: a inexistência de fontes.
Diferentemente do que ocorre em alguns outros países, no Brasil não existe um banco de
dados, um arquivo ou um lugar onde seja possível consultar dados quantitativos ou séries
estatísticas confiáveis sobre a participação dos indivíduos em associações voluntárias, sobre
a confiança social e a respeito da sociabilidade informal. O presente estudo ressentiu-se da
falta desse tipo de informações. Foi precisamente pelo fato de ter que garimpar no passado
evidências da presença de capital social entre os teutos e descendentes do RS, que se fez
menção, na introdução, à adoção de procedimentos técnicos peculiares aos do profissional da
arqueologia. Ou seja, a partir de fontes, principalmente bibliográficas, realizou-se uma
“escavação arqueológicadas áreas coloniais alemãs do Estado para identificar episódios
anteriores de desenvolvimento social que podem ter sido reprimidos ou desalentados.
Iniciada em 1824, a imigração alemã para o Estado produziu núcleos coloniais
403
relativamente homogêneos em termos étnicos na chamada região das colônias velhas, que se
distribuíram pelos vales dos rios Sinos, Caí, Taquari, Pardo e chegaram até as barrancas do
rio Jacuí. Nas zonas coloniais de ocupação mais recente do Estado Planalto Médio,
Missões e Alto Uruguai –, predominou a colonização mista. Com exceção das colônias de
Serro Azul e de Neu Württemberg, nessas regiões coloniais os alemães e seus descendentes
passaram a dividir o território com grupos de imigrantes ou de descendentes de imigrantes de
outras procedências étnicas. Contudo, mesmo dividindo o espaço, notadamente com os
italianos e com os poloneses, nas novas colônias persistiu a tendência de agrupamento por
afinidade étnica e religiosa nas linhas ou picadas.
Na década de 1930, havia cerca de 600 mil teutos e descendentes distribuídos em todo
o Estado. Apesar de parcela considerável desse contingente preservar a língua alemã e
algumas tradições de seus antepassados, não é possível afirmar que preservavam a cultura
alemã. Na nossa ótica eles aqui desenvolveram uma cultura peculiar, com características
próprias, que denominamos de cultura colonial alemã. Essa cultura colonial englobava uma
série de redes informais de sociabilidade, dentre os quais os Kränzchen, os trabalhos em
grupo, as estreitas relações de vizinhança, as festas de Kerb e outros que estimulavam a vida
social nas picadas e nos povoados emergentes.
O que, entretanto, caracterizou de fato as áreas de colonização germânica foram as
redes formais de sociabilidade. Elas pipocaram por toda parte onde se estabeleceram os
alemães e seus descendentes. Na literatura internacional sobre o capital social, a afiliação a
associações civis é freqüentemente utilizada como um importante indicador para a aferição
da existência de capital social. Como registramos, a população de ascendência alemã
produziu e participou no Estado de uma densa rede de associações de caráter local, dentre as
quais destacamos as escolares, as religiosas de orientação católica ou evangélica, as de
atiradores, as de cavalarianos, as culturais (de canto, de música, de leitura, de teatro), as de
bolão e as de damas. Mas, os habitantes das áreas coloniais teutas deram origem, igualmente,
a organizações de caráter estadual. As associações de professores são um bom exemplo
disso, as diversas Ligas de Sociedades e os Sínodos Evangélicos, também. Destaque especial
dentre os organismos de abrangência estadual deve ser dado aos inspirados e voltados para o
cristianismo social, nomeadamente o Bauernverein, o Volksverein, a Liga das Uniões
Coloniais e entidades que daí derivaram, notadamente as cooperativas de crédito e as
404
cooperativas de produtores rurais. Mesmo que ainda não tenham sido apresentadas provas
conclusivas, de uma maneira geral a literatura internacional que trata do capital social aceita
que a afiliação a uma associação voluntária formal exerce influência formativa benéfica para
seus participantes e é vigoroso indicativo da existência de capital social. Estando correta a
tese, pode-se afirmar, sem medo de cometer grandes enganos, que a população de origem
teuta do Estado produziu um interessante – mas imensurável – estoque de capital social. Esse
estoque foi deprimido, em grande parte, com a nacionalização promovida pelo governo
gaúcho, com a anuência do Governo Federal, à época do Estado Novo.
Um outro indicador básico normalmente aceito para averiguar a existência de capital
social e para detectar o comportamento cívico de uma região é a leitura de jornais. Nesse
quesito, indubitavelmente, as áreas de colonização alemã tiveram um dos seus pontos fortes.
Foram inúmeros os jornais e Kalenders brasileiros em língua alemã editados ao longo de mais
de meio culo no Rio Grande do Sul. Se a tese de Putnam sobre a relação entre imprensa
escrita e o compromisso cívico estiver correta, a existência de uma significativa imprensa
ajudou a fomentar a cooperação, o capital social e o desenvolvimento regional endógeno nas
áreas colonizadas pela população de origem germânica do extremo Sul do Brasil. Havendo a
vinculação entre a leitura de jornais e de outros periódicos e a participação social, é possível
concluir que a proibição da circulação da imprensa estrangeira, a partir de 1941, corroborou
para a redução do compromisso cívico entre a população de ascendência teuta do Estado.
A rica diversidade associativa existente nessas áreas foi dissipada, desestimulada, ou
reprimida durante a época do Estado Novo. A nacionalização posta em marcha pelas
autoridades gaúchas, a partir de 1938, fez com que ocorresse a queima de considerável
estoque de capital social. Veio, ladeira abaixo, junto com a diminuição do volume de capital
social, também a confiança social e o compromisso cívico. As críticas, que havia muito
tempo setores da intelectualidade brasileira faziam ao comportamento e ao tipo de vida
levado pelos imigrantes alemães e seus descendentes do Sul do Brasil, forneceram um
imprescindível arsenal de argumentos que legitimaram, frente à opinião pública, as duras
medidas repressivas postas em prática pelas autoridades gaúchas com o fito de obter, através
da força, o abrasileiramento dos assim denominados “quistos étnicos”. Ao mito do “perigo
alemão” se misturaram, então, o nazismo, o integralismo e, a partir de 1942, a guerra travada
contra os países do Eixo. A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial coincidiu, no Rio
405
Grande do Sul, com o ápice da guerra interna. Guerra essa travada não somente com os
súditos do Eixo que viviam no Estado, mas feita também contra cidadãos brasileiros cujos
pais, avós ou bisavós haviam em algum momento deixado a Alemanha, a Itália ou o Japão
para viver no Brasil. A nacionalização, através de atos de pessoas ligadas aos aparelhos do
Estado, por intermédio de ações promovidas por instâncias governamentais ou por atitudes
tomadas por conta própria por uma parcela da população, à revelia das autoridades, causou
insegurança, medo, desconfiança. Nesse tipo de ambiente, o capital social construído a duras
penas ao longo do tempo, evapora e se esvai.
O tipo de povoamento adotado no Sul do Brasil o do
habitat
em fileira e a
formação de comunidades rurais nas linhas ou picadas –, juntamente com o cristianismo
social desenvolvido pela igreja da imigração, mais a experiência associativa trazida
pelos imigrantes da Europa, foram apontados como os grandes responsáveis pelo
acúmulo de capital social nessas regiões coloniais. Portanto, foram
fatores de natureza
endógena, mesclados com outros exógenos, que viabilizaram um intenso desenvolvimento
associativo e o acúmulo de capital social nas áreas coloniais alemãs.
Os vínculos sociais densos que se estabeleceram nas comunidades, como resultado da
freqüência e da proximidade dos contatos dos moradores, provocaram maior coesão social das
comunidades. O capital social gerado serviu para reforçar as relações internas e para melhorar
a vida dos moradores das localidades. Mas serviu, igualmente, para as relações externas que o
grupo teria de manter, o que se chama de capital de pontes. Nesse caso, as comunidades
contavam com alguns destacados atores para fazer a ponte ou a ligação com as esferas de fora
da comunidade. O padre ou o pastor, o professor paroquial e muitas vezes também o
comerciante se incumbiram dessa tarefa. Eles normalmente intermediavam os pleitos das
comunidades com as autoridades municipais. Em uma esfera superior, atuando junto às
autoridades civis, militares e religiosas da capital do Estado, fazendo costuras, produzindo
consensos ou mediando e representado as regiões coloniais, atuavam intelectuais, políticos,
padres, pastores e diretorias de organizações representativas dos interesses dos alemães e de
seus descendentes que viviam no Estado. Dessa forma, por exemplo, alemães naturalizados,
como os intelectuais Carl Jansen e Karl Von Koseritz, ou o comerciante Frederico Hansel,
exerceram destacado papel para a participação política e eleitoral dos teuto-descendentes. No
final do Império Brasileiro, graças a uma aliança política com o Partido Liberal de Gaspar
Silveira Martins, conseguiram, pela reforma eleitoral de 1881, o direito de voto e de eleição
406
aos naturalizados e aos não-católicos. Os presidentes do Sínodo Rio-grandense, do Sínodo de
Missouri, o arcebispo de Porto Alegre, os dirigentes do Volksverein, da Liga das Uniões
Coloniais e as lideranças das associações de professores também procuraram representar o
interesse dos seus representados junto a autoridades estaduais e mesmo nacionais.
Não obstante essas pontes construídas entre as bases comunitárias e os dirigentes que
comandavam o Estado, a representação dos descendentes de alemães em certas instâncias do
aparelho estatal persistiu sendo reduzida, quando não inexistente. Assim, ao mesmo tempo em
que a “colônia alemãaparecia com excesso de visibilidade no cenário gaúcho, encontrava-se
sub-representada junto ao poder.
1
Em determinados períodos isso não se constituiu em um
problema. Durante a República Velha, os governantes do Partido Republicano Rio-grandense
procuraram obter sustentação política nas áreas coloniais. Por isso, excetuando o breve tempo
em que o Brasil esteve em guerra contra a Alemanha, medidas de nacionalização não foram
adotadas. Na década de 1930, durante o governo do general Flores da Cunha, que permaneceu
por quase sete anos à frente do Estado, a aliança entre o governo e a população de origem
alemã ficaria bem mais explicitada. A queda de Flores da Cunha, no entanto, abriu o caminho
para Cordeiro de Farias que, durante sua interventoria, fez da nacionalização forçada um dos
objetivos principais de governo. Foi exatamente entre 1938 e 1945 que a baixa representação
das áreas coloniais nos aparelhos do Estado foi mais sentida. Esse é mais um dos muitos
ingredientes que devem ser levados em consideração quando da análise da Campanha de
Nacionalização no Rio Grande do Sul.
O capital social gerado nas áreas de colonização germânica era excludente. As redes
sociais formadas envolviam, preferencialmente, pessoas de origem teuta. Nesse caso, o limite
que demarcava a fronteira entre os componentes do grupo era o domínio do idioma alemão.
Apesar do seu caráter excludente, não foi gerado um capital social negativo que pode surgir,
por exemplo, entre os membros de máfias ou de gangues. Dos frutos do capital social gerado
podia, no entanto, se valer quem era de outra procedência étnica. Os resultados de uma boa
administração municipal são compartilhados por todos os munícipes, e não somente por
aqueles que têm comportamento cívico. O hospital levantado pelas comunidades não
segregava os de outra origem. O templo construído pelos católicos era utilizado por todos os
fiéis, independentemente de sua descendência.
1
GERTZ, René. E. O Estado Novo no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Editora da UPF, 2005. p.159.
407
Mas, havia um outro recorte excludente: a religião. Diferentemente do que acontecia
no Brasil, o monopólio da Igreja católica não se fez ver no RS. Padres e pastores passaram a
competir pelos fiéis estimulando a fundação e a organização de novas congregações e de
novas comunidades, indo até as populações mais distantes. Skocpol sustenta que, no caso dos
Estados Unidos, essa competição religiosa foi positiva para o associativismo.
2
A
comunicação com os fiéis fez com que jornais e folhetos fossem editados, fazendo surgir
grande número de periódicos. Fomentou, ao mesmo tempo, a multiplicação de associações
escolares que praticamente extinguiram o analfabetismo nas áreas coloniais.
A tese de Putnam, de uma maneira bastante simplificada, afirma que quanto menor o
capital social e a cultura cívica das pessoas de uma determinada região, menor será o
desenvolvimento econômico dessa região. A recíproca é, da mesma forma, também
verdadeira: quanto maior o acúmulo de capital social, maior a cultura cívica e maior, por
conseqüência, o desenvolvimento. No nosso caso, não pretendemos comparar as regiões de
colonização alemã do RS com os exemplos de Putnam da Emília Romagna e da Lombardia,
na Itália. Ali, conforme exaustivas pesquisas empíricas demonstraram, a população tem
grande participação no debate dos problemas comuns e na tentativa da sua resolução. O
engajamento cívico, a valorização da solidariedade, a cooperação e a honestidade são,
igualmente, marcas fundamentais dessas comunidades. Numa comunidade cívica coesão
social, harmonia política e bom governo.
Como foi tentado demonstrar ao longo deste trabalho, nas regiões de colonização
alemã do Sul do Brasil, intrincadas redes informais e formais de sociabilidade, atuando
imbricadas, deram origem a um interessante montante de capital social. Embora não fosse
possível valorar o estoque de capital social e a confiança social presentes nessas áreas
coloniais, procurou-se trazer à tona evidências de sua existência no passado. A sua presença
ou ausência, ao lado de outros fatores, deve ser levada em consideração em estudos que
analisam as razões do sucesso ou do fracasso de comunidades formadas por grupos de
imigrantes e de seus descendentes no Estado. Portanto, defendemos que o capital social, em
determinadas circunstâncias, pode constituir-se em um importante fator mas nunca no
2
SKOCPOL, Theda. América cívica, pasado y presente. In: PUTNAM, Robert (Editor). El declive del capital
social: un estudio internacional sobre las sociedades y el sentido comunitario. Barcelona: Galaxia Gutenberg,
2003. p. 508-509.
408
único que contribui para o progresso econômico e social alcançado por uma comunidade,
por uma região ou por uma nação.
A conclusão deste trabalho acadêmico finaliza apenas uma etapa inicial do longo
percurso em torno do tema que ainda se pretende trilhar. Os colonos produtores de fumo,
referidos na introdução, certamente possuem menos confiança social, cultura cívica e capital
social do que os seus bisavós tiveram em décadas passadas. A produção integrada de fumo,
que verticalizou as relações entre empresa e produtor e inibiu as relações horizontais entre os
produtores, certamente também teve ação nefasta no que diz respeito às taxas de capital
social. Mas isso já é uma tese para ser defendida em outro momento.
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Interventor
Federal neste Estado pelo Prefeito Tte. Cel. Oscar R. Jost- Exercício de
1937.
Santa Cruz,
Typ. Lamberts & Riedl.
428
Relatório Apresentado a S. Excia. O Snr. Cel. Osvaldo Cordeiro de Farias, D. D.
Interventor Federal neste Estado, pelo Prefeito Municipal, Dr. Caio Brandão de Mello,
referente ao exercício de
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Sul apresentado ao Illm. E Exm. Sr. Dr. Francisco Ignácio Marcondes Homem de Mello,
digníssimo presidente da mesma província pelo agente interprete da colonização Carlos
Koseritz, 1867. p. 10.
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Pedro do Rio Grande do Sul, apresentado a Francisco Ignácio Marcondes de Mello,
digníssimo presidente da mesma província, pelo Agente Intérprete da Colonização Carlos de
Kosseritz. Porto Alegre, 1867.
RIO GRANDE DO SUL. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Dorneles Vargas,
DD. Presidente da República pelo General Osvaldo Cordeiro de Farias, Interventor Federal no
Estado do Rio Grande do Sul, durante o período 1938-1943. Porto Alegre: Of. Graf. Da
Imprensa Oficial, 1943.
ANEXOS
431
ANEXO B – Imprensa periódica em língua alemã existente no RS, com o nome do
periódico, o local da edição e data de fundação.
Ach du Liebe Schule, Pelotas. 1916?
Acker und Ambos, Ijuí, 1931
– Aktion, Porto Alegre. 1933
– Alarm, Porto Alegre. 1937
– Alkoholgegner, Porto Alegre, 1910
– Allgemeine Lehrerzeitung füir Rio Grande do SuI, vários lugares, 19003?
– Am Lagerfeuer, Porto Alegre, 1924
– Anzeiger (Der), Santa Cruz do Sul, 1905
– Anzeiger (Der), Santa Rosa, 1932
– Anzeiger (Der), Ijuí, 1932
– Ausstellung (Die), Porto Alegre, 1881
– Austria, Porto Alegre, 1928
– Band (Das), Porto Alegre, 1929
– Bauern-Freund, São Leopoldo (?), 1900
– Bote für die Evangelische Frauenwelt in Brasilien (Der), São Leopoldo, 1930
– Bote von São Leopoldo (Der), São Leopoldo, 1867
– Bote von São Lourenço (Der), São Lourenço do SuI, 1892
– Brasilianische Bienenpflege, Porto Alegre e outros, 1897
– Brummbär (Der), Arroio do Meio, 1932
– Cahy Zeitung, Montenegro, 1916
– Chossebeling, Porto Alegre, 1914?
– Chosse Greid, Porto Alegre, 1914
– Christliches Leben, Sao Leopoldo, 1923
– Colonist (Der), Porto Alegre, 1852
– Deutsche Auswanderer (Der), Porto Alegre, 1836?
– Deutsche Buch (Das), Porto Alegre, 1937
Deutsche Buchdrucker (Der), Porto Alegre, 1930
Deutsche Colonist (Der), Porto Alegre, 1850?
Deutsche Einwander (Der), Porto Alegre, 1852
– Deutsche Evangelische Blätter für Brasilien, São Leopolda, 1919
– Deutsche Post, São Leopolda, 1880
– Deutsche Presse, Pelotas, 1881
– Deutscher Anzeiger für die Serra, Neu-Württemberg (Panambi), 1923
– Deutsches Junghandwerkerblatt, Porto Alegre, 1933
432
– Deutsche Katholische Lehrerzeitung, vários, 1899
– Deutsche Nachrichten, Porto Alegre, 1913
– Deutsche Turnblätter, Porto Alegre, 1915
– Deutsches Volksblatt, São Leopolda e Porto Alegre, 1871
– Deutsche Wacht, Pelotas, 1914
– Deutsche Zeitung, Porto Alegre, 1861
– Diaspora-Bote (Der), Colônia Guarani (Santo Ângelo das Missões), 1913
– Eimvanderer (Der), Rio de Janeiro e Porto Alegre, 1854
– Evangelische Jugend, Sao Leopolda, 1936
– Evangelischer Gemeinde-Bote, General Osório/Neu-Württemberg/Panambi, 1915
–Evangelischer Kinderfreund für Brasilien, São Leopoldo, 1930
– Evangelisches Gemeindeblatt für die Gemeinden Villa Thereza und Andreas mit den
dazugehörigen Pikaden, Santa Cruz do Sul, 1931
– Evangelisches Gemeindeblatt für Neu-Württemberg, Neu-Württemberg (Panambi),
1926
– Evangelisches Volksblatt für Brasilien, São Leopoldo, 1915
– Evangelisch-Lutherischer Kirchenbote für Brasilien, Porto Alegre, 1922
– Evangelisch-Lutherischer Kirchenbote, Porto Alegre, 1930
– Evangelisch-Lutherisches Kinderblatt füir Südamerika, Porto Alegre, 1930
Evangelisch-Lutherisches Kirclenblatt für Südamerika, Porto Alegre, 1903
Feierabend (Der), Porto Alegre, 1881
Fortschritt, Santa Cruz do Sul, 1901
Freie Arbeiter (Der), Porto Alegre, 1920
– Für die Frau, Porto Alegre, 1934
– Fürs Dritte Reich, Porto Alegre, 1932
Für unsere Jugend, São Leopoldo, 1927
Gebetsapostolat, Porto Alegre, 1926
Gemeinde-Bote (Der), Porto Alegre, 1921
Gemendebote (Der), Santa Cruz do Sul, 1931
Gemeinde-Bote des Deutschen Evangelischen Pfarrbezirks Montenegro,, Montenegro,
1931
Gemeinnütziger Ratgeber für Stadt und Land, São Leopoldo, 1905
Glocke von São Lourenço, São Lourenço do Sul, 1912
Grosstadtbrille (Die), Porto Alegre, 1930
Guahyba, Porto Alegre, 1938
Hacke und Pflug, Porto Alegre, 1938?
433
Halb-Jahrhundert, Agudo, 1907
Handwerk (Das), Porto Alegre, 1931
Heimatklänge, Porto Alegre, 1927
Hinkende Teufel (Der), Porto Alegre, 1855
Ijuhyer Gemeindeblatt, Ijuí, 1927
Jugend-Zeitschrift, Porto Alegre, 1934
Junge Front, Porto Alegre, 1934
Junge Kämpfer (Der), São Leopoldo, 1935
Kameradschaft (Die), Porto Alegre, 1936
Kampf (Der), Novo Hamburgo, 1936
Kindervolksblatt, Porto Alegre, 1937
Kolonie, Santa Cruz do Sul, 1890
Kolonist (Der), Porto Alegre, 1915
Konkordianer, Porto Alegre, 1932?
Koseritz' Deutsche Zeitung, Porto Alegre, 1881
Landwirt (Der) (sucessor de Brasilianische Bienenpflege, Porto Alegre, 1897?
Landwirtschaftliche Presse, Estrela, 1881
Landwirtschaftliche Zeitung, Estrela, 1881
Linke Klaue, Porto Alegre, 1917
Mein Heim, Porto Alegre, 1935
Missionsfreund, São Leopoldo, 1892
Mitteilungen der Graphischen Vereinigung zu Porto Alegre, Porto Alegre, 1922
Mitteilungen des Österreichischen Auslandsbundes "Wien", Zweigverein Porto
Alegre, Porto Alegre, 1932
Mitteilungen der St. Josefs-Gemeinde, Porto Alegre, 1930
Mitteilungsblatt der Deutschen-Evangelischen Christus-Gemeinde zu Porto Alegre,
der Konkordia-Schule und der Vereine innerhalb der Gemeinde, Porto Alegre, 1933
Mitteilungsblatt der Deutschen Evangelischen Gemeinde Neu-Württemberg, Neu-
Württemberg (Panambi), 1934
Mitteilungsblatt des Verbandes Deutscher Kranken - und Sterbekassen, Porto Alegre,
1931
Monatsblatt der Evangelischen Gemeinde in Porto Alegre, Porto Alegre, 1931
Monatsblätter des Germanischen Bundes für Südamerika, Porto Alegre, 1916
Moskito, Pelotas, 1914
Nach der Arbeit, Porto Alegre, 1934
Nachrichtenblatt, São Leopoldo, 1928
434
Nachrichtenblatt, Porto Alegre, 1932
– Nachrichtenblatt der Liga das Uniões Coloniais Riograndenses,Ijuí, 1929
Naturheilkunde (Die), Porto Alegre, 1923
Neue Deutsche Zeitung, Porto Alegre, 1905
Neue Heim (Das), Porto Alegre, 1921?
Neue Heimat, Porto Alegre, 1912
Neue Lesehalle, Pelotas, 1916
Neue Zeit, São Leopoldo, 1879
Neue Zeit (Die), Candelária, 1929
Pionier (Der), Porto Alegre, 1891
Rein Seel und Leib, São Leopoldo, 1935
Riograndenser Sonntagsblatt, Porto Alegre, 1887
Rio Grandenser Vaterland, Porto Alegre, 1902
Sankt Paulus-Blatt, Porto Alegre, 1912
Santa Cruzer Anzeiger, Santa Cruz do SuI, 1905
Santa Rosa Zeitung, Santa Rosa. 1937?
Schulungsbrief der Evangelischen Jugend (Wartburgjugend), Porto
Alegre, 1937
Schulbuch (Das), São Leopoldo, 1917
– Schulzeitung, São Leopoldo, 1938
Schwankende Erdkugel (Die), Porto Alegre, 1925
Schwert des Hern, Taquara, 1937
Selbsterziehung, Neu-Württemberg (Panambi), 1916
Serra-Post, ljuí, 1911
Sonntags-Blatt, Porto Alegre, 1905
Sonntagsblatt der Riograndenser Synode, São Leopoldo, 1886
Sonntagsblatt der Werktätigen in Südbrasilien, Giruá, 1931
– Sonntagsstimmen, Porto Alegre, 1925
Südbrasilianisches Logenblatt, Porto Alegre, 1934
– Täglicher Anzeiger, Porto Alegre, 1899
– Turnerbote (Der), São Leopoldo, 1933
Unsere Schule, Porto Alegre, 1933
Unterm südlichen Kreuz, São Leopoldo, 1912
Uruguay-Bote, Porto Alegre, 1933
Vaterland (sucessor do Rio Grandeser Vaterland), Porto Alegre, 1919?
Verlorene Zeit (Die), Candelária, 1931
435
Volksstimme (Die), Santa Cruz do Sul, 1907
Vorwärts, Porto Alegre, 1880
Wacht und Weide, Porto Alegre, 1936
Waltherliga-Bote (Der),Porto Alegre, 1929
Wau-Wau, São Leopoldo, 1914
Wegweise (Der), Porto Alegre, 1927
Wirtschaft (Die), Porto Alegre, 1931
– Wochenblatt für die Interessen der Deutschen in Brasilien, Montenegro, 1907
Zeitung für die Koloniezone, Agudo, 1907
Zoo Zeitung, Porto Alegre, 1934
Fonte: Compilado de fontes diversas por GERTZ, René E. Imprensa e imigração alemã.
In: DREHER, Martin, RAMBO, Arthur Blásio, TRAMONTINI, Marcos Justo (Org.).
Imigração & imprensa. Porto Alegre: EST; São Leopoldo: Instituto Histórico de São
Leopoldo, 2004. p. 118-122.
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