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TATYANA DE ALENCAR JACQUES
COMUNIDADE ROCK E BANDAS INDEPENDENTES DE FLORIANÓPOLIS:
UMA ETNOGRAFIA SOBRE SOCIALIDADE E CONCEPÇÕES MUSICAIS
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social da Universidade Federal de Santa Catarina.
Prof. Dr. Rafael José de Menezes Bastos
Florianópolis
2007
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2
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
COMUNIDADE ROCK E BANDAS INDEPENDENTES DE FLORIANÓPOLIS:
UMA ETNOGRAFIA SOBRE SOCIALIDADE E CONCEPÇÕES MUSICAIS”
TATYANA DE ALENCAR JACQUES
Orientador: Dr. Rafael José de Menezes Bastos
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social da Universidade Federal de
Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Antropologia Social, aprovada pelos
seguintes professores:
Dr. Rafael José de Menezes Bastos (Orientador UFSC)
Dr
a
. Kátia Maheirie (PSI/UFSC)
Dr
a
. Carmen Rial (PPGAS/UFSC)
Florianópolis, 08 de março de 2007.
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3
À memória de meu amigo Rafael “Popão”.
À minha irmã, Cristiane.
4
Agradecimentos
Agradeço a todas as bandas independentes por existirem e proporem alternativas. Aos
integrantes das bandas Cabeleira de Berenice, Lixo Organico, Os Cafonas, Os Ambervisions,
Os Capangas do Capeta, Los Rockers, Kratera, Pão Com Musse, Xevi 50, Euthanasia, Black
Tainhas, Brasil Papaya, Pipodélica e Zoidz, principalmente a Mancha, a Zimmer, a Amexa, a
Dudz, a Boratto e sua esposa Ceciliana, a Paulinho Rocker, a Christian Mazza, a Xuxu, a
Felipe Batata, a Cachorro, a Garganta, a Sil B e aos amigos Willy, Blu e Gustavo.
Agradeço a meu orientador Rafael José de Menezes Bastos, com quem muito aprendi
durante todo o processo de elaboração desta dissertação e a quem muito admiro e respeito,
pela dedicação e apoio sempre. Também agradeço à Antropologia, por existir, e a todos os
professores e funcionários do PPGAS/UFSC.
Às instituições CAPES e CNPQ, pelas bolsas concedidas, que viabilizaram a
efetuação desta pesquisa.
Aos músicos Marcelo Muniz, Ronaldo de Sousa Maciel e ao jornalista Ricardo
“Pena”, pelas entrevistas, e à produtora Juliana Barbi, à Neiva Ortega da Fundação
Catarinense de Cultura e aos professores Carmen Rial e Sílvio Coelho dos Santos pela boa
vontade e ajuda. Aos colegas do MUSA, que acompanharam ativamente todo o processo de
elaboração desta, agradecimentos especiais pelas sugestões de Deise Lucy, Luís, Kátia,
Allan, Acácio, Mig, Mirtes, Maria Eugênia, Sônia e Alexandre. Também a meus colegas de
turma e amigos, Bárbara Arisi, Camila Codonho, Magdalena Toledo, Bruno Gomes, Tiago
Coelho, Alberto Bys, Jean Segata, Viviane Assunção, Moreno Saraiva Martins, Daniel
Scopel, Hanna Limilja, Sérgio Eduardo Quezada e Marta Magda Antunes Machado, por seu
companheirismo, parceria e por suas sempre bem vindas sugestões.
Por fim, a minha família. Um agradecimento todo especial a minha mãe, que com seu
amor e boa vontade, muito me ajudou nos momentos de “pânico”.
5
Resumo
Esta é uma etnografia do universo do rock alternativo e das bandas independentes de
Florianópolis (SC). Tem como foco as concepções musicais e discursos sobre música.
Analiso o trabalho de 14 bandas, observando como estas se apropriam do rock e constituem
estilos particulares a partir de um gênero de circulação global. Também analiso as relações
destas bandas com a indústria fonográfica e o papel da tecnologia como constituinte do fazer
musical. Trato o rock como um gênero musical vinculado a um conceito de arte e a uma
estética específicos, ligados a um universo hedonista. O compartilhamento desta estética,
assim como de uma ética, leva à configuração do que chamo de comunidade rock.
Expressões- chave: rock independente, indústria fonográfica, concepções musicais.
Abstract
This is an ethnography of the universe of independent rock music and bands in Florianópolis
(SC), focusing on its musical conceptions and discourses. I have analyzed the work of 14
bands, studying their appropriation of rock music and creation of particular styles within this
genre of global circulation. I have also analyzed the relationships of these bands with the
recording industry and the role of technology as a constitutive process of musical creation. I
have approached rock music as a genre that has a specific concept of art and aesthetics,
linked to a hedonistic worldview. The share of this aesthetics, as well as of its correspondent
ethic, leads to the configuration of what I call rock community.
Key words: independent rock, recording industry, musical conceptions.
6
Sumário
Agradecimentos
Resumo
Introdução
1 Algumas considerações históricas sobre o rock
1.1 O surgimento do gênero rock
1.1.1 Anos 1950-60
1.1.2 A contracultura e os anos 1970
1.1.3 O Punk
1.1.4 Os anos 1980
1.1.5 O rock alternativo
1.1.6 A contemporaneidade
1.2 O rock no Brasil
4
5
8
13
13
14
17
22
26
28
31
32
2 A cena rock de Florianópolis
2.1 A cidade de Florianópolis e o rock
2.2 Chegada ao campo
2.3 Considerações sobre as bandas
2.3.1 Kratera
2.3.2 Os Ambervisions
2.3.3 Os Capangas do Capeta
2.3.4 Pipodélica
2.3.5 Os Cafonas
2.3.6 Cabeleira de Berenice
2.3.7 Lixo Organico
2.3.8 Zoidz
2.3.9 Los Rockers
2.3.10 Xevi 50
2.3.11 Black Tainhas
2.3.12 Pão com Musse
2.3.13 Euthanasia
2.3.14 Brasil Papaya
39
39
45
53
54
56
58
60
61
62
66
68
70
70
72
74
74
75
3 As redes do rock e os gêneros musicais
4 O puro e o impuro no mundo do rock
4.1 Das relações com a indústria fonográfica
4.2 Da emergência de uma forma de se pensar arte
4.3 O rock como universo masculino
5 “Pegada” do rock
5.1 Do processo de composição musical
5.2 A música como uma “pegada” no mundo
5.3 Um quadro classificatório de categorias musicais
77
84
84
91
95
100
100
107
115
7
Considerações Finais
Bibliografia
Discografia
Anexo 1: Glossário
Anexo 2: Índice das Entrevistas
Anexo 3: Mapa
Anexo 4: Fotos
116
119
127
131
133
135
136
8
Introdução
Esta é uma etnografia do universo do rock alternativo e das bandas independentes de
Florianópolis. Tem como foco as concepções musicais e discursos sobre música em torno dos
quais se configuram grupos, formados por músicos, técnicos de estúdio e shows e aficionados.
É o conjunto destes grupos que chamo de comunidade rock.
Entendo como “concepção musical” a forma de se pensar e de se fazer arte e música.
Busco identificar entre os músicos quais valores estão em jogo quando estão tocando,
compondo ou ouvindo música. Isto é, procuro conhecer o que legitima o rock enquanto arte
para aqueles que o praticam. Trato o rock como um gênero musical vinculado a um conceito
de arte e a uma estética específicos, que devem ser contextualizados e relacionados ao
universo hedonista deste gênero. Tenho em mente a questão da relatividade dos valores
ligados àquilo que tratamos como música e da diversidade das formas de se pensar esta que
podemos encontrar em nossa sociedade. Quando tratamos de nossa sociedade, nem tudo que
parece familiar é necessariamente conhecido (Vellho, 1999: 126).
Uma avenida importante para compreender o grupo de que trato aqui é a idéia de
neotribalismo de Maffesoli (2000 e 2005). Este autor observa na sociedade contemporânea a
formação de comunidades afetuais caracterizadas pelo compartilhamento de uma ética e uma
estética específicas. Estes agrupamentos, ou tribos, são redes de amizade que se estabelecem
por processos de atração e repulsão e formam cadeias a partir da multiplicação das relações.
Também utilizo o pensamento de Maffesoli (2000 e 2005) como referencial para o emprego
do termo cena. O autor trata como cena a cristalização de ambientes dentro do fluxo de redes
extensas de troca de informação. Cena é também um termo nativo, que diz respeito aos shows
e festivais de rock alternativo, à produção independente de CDs, revistas e fanzines e a todas
as pessoas constituintes da comunidade rock.
9
Além das idéias de Maffesoli (2000 e 2005), considero importantes para a
compreensão do grupo que estudo os conceitos de alternativo, independente e underground.
No mundo do rock, os três termos se referem a bandas que se opõem ao mainstream,
constituído por bandas vinculadas às grandes gravadoras (majors) e associadas à cultura
apontada pelos músicos independentes e por autores que trabalham com música popular ou
indústria fonográfica como estabelecida e convencional.
As bandas do mainstream são acusadas por esses músicos e autores de sucumbirem à
lógica comercial das majors e de serem musicalmente caracterizadas pelo processo de
estandardização. As independentes aparecem neste contexto como bandas com poucos
recursos econômicos, fazendo música por prazer e não por dinheiro. Como não têm vínculos
com as majors, contam apenas com sua iniciativa e recursos financeiros próprios para realizar
shows e gravações. Elas frequentemente passam por dificuldades para a concretização de seu
trabalho e acabam vinculando-se às gravadoras também independentes (indies), supostamente
regidas pela mesma lógica do prazer e do amor pela música em oposição à da comercialização
das majors. A oposição entre as lógicas do prazer e da comercialização aponta para o mundo
das concepções e discursos sobre a música e para um sistema de valores que leva a um
conceito específico de arte que será discutido no decorrer desta dissertação.
As bandas independentes ainda são relacionadas a uma cultura tida como marginal e
sem reconhecimento oficial, caracterizada pelo termo underground. Este surge com a
contracultura, movimento que visa contestar valores centrais do ocidente (Roszak, 1969) e
cuja visão de mundo é fundamental para a formação da comunidade rock de Florianópolis.
Uma cena underground seria, assim, constituída “abaixo” do mainstream e da cultura
reconhecida. Esta cena opor-se-ia à hegemonia na produção artística e à legitimidade única de
uma forma de arte sustentada pelas elites. O rock independente aparece então como
“alternativo” ao mainstream, ele é considerado o motor da diversidade do gênero. São
agregados à concepção de independente os valores de autenticidade e originalidade.
10
Também trato aqui da relação das bandas com os subgêneros de rock. Para isso, utilizo
as teorizações de Bakhtin (1989) sobre os gêneros de discurso, para quem estes são formas
típicas de estruturação do discurso sem as quais o sujeito não poderia se expressar. Considero
o rock um gênero de discurso e suas divisões, como punk, stoner, metal e psychobilly, como
subgêneros. Para que esta diferenciação entre gêneros e subgêneros fique clara, optei por
grifar em itálico os subgêneros, enquanto os gêneros aparecem escritos com a fonte padrão.
Os gêneros musicais são redes globais de circulação de informação apropriadas pelos
sujeitos, recebendo diferentes significações locais (Menezes Bastos, 2005 a). Para tratar
destas, descrevo as características dos subgêneros que percebo no trabalho das bandas e como
a partir da apropriação de diferentes subgêneros elas delineiam seu estilo próprio. Com
“apropriação”, me refiro à forma particular com que os músicos assimilam determinada
característica musical, integrando-a a seu estilo. Também trabalho com a idéia de afinidade
musical, que aparece como uma categoria de comparação, na qual a partir de características
como timbre, harmonia, andamento e da proposta estética aproximo duas ou mais bandas.
Considero a configuração do estilo da banda como algo de fundamental importância no
universo de concepções musicais ligado ao rock. A partir de seu estilo e de sua originalidade,
a banda constrói um território simbólico delimitado por sua visão de mundo.
Realizei trabalho de campo entre janeiro e julho de 2006. Antes, fiz algumas saídas a
campo, em 2004 e 2005. Durante a pesquisa, acompanhei as bandas: Cabeleira de Berenice,
Lixo Organico, Os Cafonas, Os Capangas do Capeta, Os Ambervisions, Brasil Papaya, Los
Rockers, Kratera, Zoidz, Pão Com Musse, Euthanasia, Black Tainhas, Pipodélica e Xevi 50.
Estas 14 bandas apresentam relações com os mais variados subgêneros de rock.
Os músicos das bandas são meus principais informantes. Não uso pseudônimos nem
para as bandas nem para eles. Fiz esta opção por perceber que trocar o nome das bandas, ou de
seus integrantes, seria frustrante para os músicos, uma vez que muitos destes se mostraram
ansiosos para conhecer os resultados da pesquisa, mesmo sabendo que ela seria acadêmica.
11
Assim, apenas algumas vezes omito de qual integrante da banda viriam determinados
comentários, caso muito pessoais. Os termos relativos às linguagens musical e nativa terão
suas definições apresentadas quando aparecerem pela primeira vez. Elas estão reunidas no
glossário em anexo. Todas as traduções constantes nesta dissertação são de minha autoria.
No primeiro capítulo busco mapear os subgêneros de que trato na pesquisa. Para isso,
construo uma breve história do rock. Na segunda parte do capítulo, estudo o surgimento do
rock no Brasil. No segundo capítulo, descrevo meu trabalho de campo, começando por uma
descrição da cidade e pelo registro das primeiras informações que consegui sobre bandas de
rock desta. Em seguida, passo à descrição da cena e da comunidade rock de Florianópolis,
para finalmente tratar de cada uma das bandas que acompanhei.
No terceiro capítulo, estudo a articulação da comunidade rock de Florianópolis com a
rede nacional e global de troca de informações, elaborando detalhadamente as idéias de
comunidade afetual e de cena de Maffesoli (2000 e 2005), que contraponho a considerações
sobre a sociedade contemporânea de Giddens (1991). Trato também da dinâmica entre o
global e o local a partir da relação entre os gêneros e os estilos específicos das banda. Aqui,
tenho como principais referenciais Bakhtin (1989) e Menezes Bastos (2005). No final, faço
uma breve análise da dinâmica entre o global e o local no trabalho da banda Black Tainhas.
No quarto capítulo, trato da dicotomia entre puro e impuro que emerge das concepções
ligadas ao rock. Na primeira parte dele, abordo as relações dos músicos com a indústria
fonográfica, relacionando seu discurso ao conceito de indústria cultural adorniano. Na
segunda, apresento o ponto de vista de autores que criticam Adorno, e busco perceber a
relação do rock com a tecnologia da indústria fonográfica como algo constituinte do gênero.
Na última, trato da construção da masculinidade e da feminilidade no rock. Em meu projeto
de pesquisa não tinha como objetivo tratar de relações de gênero, mas elas emergiram do
campo com tal intensidade que não pude ignorá-las. O rock é um universo masculino, no qual
as mulheres são minoria.
12
No quinto capítulo, trato da importância da configuração do estilo da banda. Na
primeira parte, estudo o processo de composição musical. Na segunda, faço uma análise dos
nomes das bandas e da importância do show e do ruído na constituição de seus estilos. Aqui,
também me ocupo da relação do universo do rock com uma percepção de mundo hedonista,
que se opõe ao mundo racionalizado da sociedade moderna.
13
1 Algumas considerações históricas sobre o rock
1.1 O surgimento do gênero rock
Neste capítulo, farei um apanhado da história do rock tendo como objetivo desenhar
um mapa dos respectivos subgêneros para a compreensão das bandas que pesquisei. Este
apanhado é importante para o mergulho no universo das bandas, pois a história do rock é
sempre retomada e recriada por elas, sendo, assim, parte essencial de meu campo, e tendo
simultaneamente exterioridade e interioridade em relação ao universo por mim estudado.
Em meu campo, ouvi diversas versões sobre o surgimento dos subgêneros de rock e
quais seriam suas características definidoras. Mesmo a bibliografia consultada apresentava
versões diferentes quanto a isto. Sendo assim, parto da idéia de Geertz (1989) de que “nossos
dados são realmente nossa própria construção das construções de outras pessoas” (: 7) e
apresento uma leitura, uma interpretação, uma “descrição densa” do que encontrei. Com isso,
algumas bandas que relaciono a determinado subgênero ou corrente poderiam ser tratadas de
outra forma. Além disso, os gêneros e subgêneros são aqui tidos como sistemas fluídos, que
não possuem características ou identidades rígidas (Menezes Bastos 2005 a). Enfim, busco
apontar relações e situar bandas e não “encaixotá-las” em subgêneros.
Além de fazer uma apresentação dos subgêneros mais marcantes para o
desenvolvimento do rock, enfatizo aqueles mais presentes em meu campo. Guiei-me por uma
ordem cronológica para organizar os dados, no entanto, a história do rock não é linear e os
subgêneros não se substituem, mas se sobrepõem, além de serem recriados em diferentes
épocas. Assim, algumas vezes me adianto no tempo, tentando desenrolar o fio de um
subgênero na rede densa do rock, e em seguida volto no tempo buscando retomar outro fio.
Por último, note-se que, apesar de meu esforço para situar cronologicamente o
surgimento dos subgêneros, em meu campo eles estão emaranhados e misturados dentro das
14
músicas. Acompanhei bandas com as mais diversas tendências, que misturavam, por exemplo,
o surf music dos 1960 com o psychobilly dos 1980, ou punk e metal. Assim, a heterogeneidade
constituinte do rock é também característica de sua cena em Florianópolis.
1.1.1 Anos 1950-60
O rock’n’roll surge nos Estados Unidos no início dos 1950, durante a guerra fria,
período de restauração do capitalismo. Então, o país atravessa uma fase econômica próspera,
com baixa inflação e desemprego e bons níveis de produção e estoque, no entanto, de intensa
repressão cultural. A partir de 1950, o senador Joseph McCarthy institui a política de
espionagem anti-comunista, que leva à falência “dezenas de artistas, produtores e intelectuais”
(Lucena, 2005: 28). A repressão acaba por gerar um país extremamente rígido e conservador
1
.
Nessa época, cresce o número de jovens na high school, o segundo grau brasileiro. Ali,
os adolescentes se deparam com uma forte campanha a favor dos American values e do
American way of life, marcas de diferença entre os estilos de vida americano e russo. Segundo
a visão de mundo do American way of life, qualquer pessoa, independente de classe social,
poderia ascender socialmente por meio da determinação, trabalho duro e talento. Esses valores
conservadores e opressivos, porém, não resistem quando contrapostos à realidade das
condições de trabalho, o que faz com que a falta de um propósito comum torne-se a
experiência básica dessa geração (Wicke, 1993).
Com isso, alguns jovens passam a não se conformar com o American way of life e o
prazer proporcionado pelo consumo da cultura de massa é percebido como opção a isto
(Wicke, 1993). É deste contexto de inconformismo com uma sociedade conservadora e de
1
Quanto à política de repressão do senador McCarthy, são importantes as considerações do antropólogo e
etnomusicólogo Anthony Seeger, em entrevista concedida a Menezes Bastos (2003 b). Nascido em uma família
de esquerda, que sofreu profundamente a repressão anti-comunista, Seeger descreve a violência e o terror
generalizados que marcam a década de 1950. Segundo Seeger, esse terrorismo torna-se ainda mais forte quando
a União Soviética explode uma bomba atômica, ameaçando a supremacia bélica americana.
15
busca pelo prazer que emerge o rock’n’roll. O rock’n’roll dos 1950 também é chamado
atualmente de rockabilly e apresenta como artistas mais importantes: Elvis Presley
2
, Bill
Haley & The Comets, Chuch Berry, Fats Domino, Little Richard, Bo Diddeley, Buddy Holly
e Jerry Lee Lewis. Ele tem suas raízes no blues dos negros e no country dos fazendeiros
brancos pobres. A relação com estes subgêneros faz com que ele seja percebido pelos
adolescentes como uma experiência genuína, que aponta para os outsiders da América do
século XX e para um naturalismo
3
tido como oposto ao American way of life. A liberdade
corporal e a liberação da sexualidade como formas de rebelião também são fundamentais para
o gênero e são insinuadas no próprio termo “rock’n’roll”, que na gíria dos negros refere-se ao
ato sexual
4
.
Em 1955, estréia o filme Blackboard Jungle (Sementes da Violência), que traz na
trilha a música Rock Around the Clock de Bill Haley & The Comets. O filme, considerado um
marco na história do rock e na identificação dos jovens com ele, trata da delinqüência juvenil
em uma escola pública (Wicke, 1993). Após sua estréia como trilha do filme, Rock Around the
Clock chega ao primeiro lugar da parada pop da revista Billboard (Bronson, 1988: 1) e torna-
se uma expressão clássica do rock’n’roll.
Blackboard Jungle também causa impacto na Inglaterra. No seu lançamento, a
imprensa cria um escândalo quando jovens saídos do cinema invadem a Torre de Londres e
param o trânsito cantando e dançando. No contexto inglês, o rock torna-se símbolo dos
adolescentes da classe trabalhadora e mediador da identidade destes, que não se reconheciam
na imagem de uma Inglaterra próspera. Os Estados Unidos são para eles uma utopia distante e
2
Com seus movimentos de quadril tidos como obcenos, Elvis Presley choca uma sociedade conservadora e é
tomado pela juventude como ícone de rebelião. No entanto, este artista é uma figura ambígua, uma vez que, em
sua vida pessoal, sempre sustentou os valores conservadores do American way of life. Elvis não bebia, não
fumava, serviu o exército e sempre buscou construir uma imagem de rapaz “bem comportado” junto à “família
americana” (Bahiana, 2004: 37-38).
3
“Natural” é uma categoria importante para a compreensão das concepções artísticas ligadas ao rock. Voltarei a
ela no quinto capítulo.
4
Conforme Revista Mundo Estranho. Edição especial: Rock!, 2004: 13. A questão da corporalidade e da
sexualidade no rock está muito relacionada à apropriação por este gênero da música negra, tida como
espontânea, fortemente emocional e capaz de gerar efeitos imediatos no público (Frith, 1981).
16
o rock’n’roll é associado ao lazer e ao desenvolvimento de um estilo de vida ligado aos
trabalhadores, ameaçador do poder da elite inglesa, que o trata como música inferior e vulgar
(Frith, 1981 e Wicke, 1993).
No final de 1963, The Beatles, de Liverpool, lançam o compacto I Want to Hold Your
Hand, que vende 2 milhões de cópias em uma semana
5
, inaugurando o fenômeno apelidado
pela imprensa de beatlemania
6
. Os Beatles propõem uma concepção de música que rompe
com o profissionalismo da indústria, sendo a primeira banda amadora a assinar contrato com
uma major, o que incentiva as companhias de disco a lançarem outras bandas desse tipo
(Wicke, 1993). Com a geração de bandas dos 1960, o gênero até então chamado de rock’n’roll
passa a o ser apenas de rock e o termo rock’n’roll, a ser empregado para designar o subgênero
de rock ligado a Elvis Presley e seus contemporâneos. O rock’n’roll deixa de ser percebido
como um gênero em si, para constituir um todo maior, o rock
7
.
Nos anos 1960 também se desenvolve na Inglaterra a subcultura mod (de modernist),
constituída por jovens de 15 a 18 anos, membros da pequena burguesia e fascinados pela
modernidade que, porém, também como a sociedade de consumo, não deixa de ser
questionada por eles. Com seu culto à modernidade, os mods criam uma forma cultural que
parodia e caricatura a sociedade de consumo, expressando uma visão de mundo sem
perspectiva (Wicke, 1993). São bandas ligadas aos mods: The Who, The Kinks, The Rolling
Stones no início de suas carreiras e The Small Faces.
Paralelamente aos mods, surgem os rockers, oriundos da parcela menos privilegiada da
classe trabalhadora. Mods e rockers tornam-se rivais, o que gera uma série de brigas entre
gangues. Os rockers não seguem a moda caricata dos mods e retornam ao rocknroll dos
1950, tendo como ícones Elvis Presley e Chuck Berry. A música rockabilly e o culto à
5
Conforme Revista Mundo Estranho. Edição especial: Rock!, 2004: 28.
6
Este fenômeno chega a seu apogeu no ano de 1964. Em abril deste ano, os Beatles ocupam os primeiros cinco
postos da Billboard americana com as músicas Can’t Buy Me Love, Twist And Shout, She Loves You, I Want to
Hold Your Hand e Please, Please Me (Bronson, 1988: 145). Em agosto, essas músicas alcançam por duas
semanas os primeiros lugares das paradas de sucesso tanto dos Estados Unidos quanto da Inglaterra (Revista
Dynamite, n
o
74, 2004: 10).
7
Trabalho com a questão da flexibilidade das fronteiras dos gêneros musicais no terceiro capítulo.
17
motocicleta constituem o território simbólico desta subcultura. Os rockers usavam jaquetas e
botas de couro para motocicleta e calças jeans ou de couro. Seu corte de cabelo era inspirado
no de Elvis e dos outros músicos rockabilly: curto e com topete
8
.
Ainda na primeira metade dos anos 1960 são importantes os grupos vocais,
principalmente os femininos, como The Ronettes, The Supremes e The Marvelettes, e o surf
rock, subgênero que se origina na Califórnia e que mescla elementos da surf music havaiana e
do rock’n’roll. São ligadas a este subgênero diversas bandas instrumentais, que têm a guitarra
como principal instrumento solista, como The Ventures, de 1958, mas também o são bandas
que utilizam vocais, como The Beach Boys que atinge grande popularidade -, de 1961, e
mesmo grupos vocais, como o duo Jan & Dean, de 1962
9
.
1.1.2 A contracultura e os anos 1970
Nos anos 1960, surge a contracultura, uma corrente de crítica radical à cultura e
sociedade percebidas como vigentes e oficializadas, chamadas de establishment ou sistema.
Ela tem raízes no movimento beatnik do final dos 1950 e início dos 1960, movimento boêmio
e anti-intelectualista que se fundamenta em noções como “a da necessidade do
desengajamento em massa ou, da inércia grupal” (Pereira, 1992: 33) e cujos principais
expoentes são o poeta Allen Ginsberg e os escritores Jack Kerouac e William Burroughts.
A tecnocracia é o principal aspecto do establishment a ser atacado. O termo
“tecnocracia” refere-se “àquela forma social na qual uma sociedade industrial atinge o ápice
de sua integração organizacional” (Roszak, 1972: 19) e está relacionado à “modernização,
atualização, racionalização, planejamento” (idem). Roszak, o maior teórico da contracultura,
observa que com o questionamento da tecnocracia há uma relativização do dogma da ciência e
8
Conforme verbete “rockers” de Wikipedia (www.wikipedia.org), 12 de outubro de 2006.
9
Conforme verbete “surf music” de Wikipedia (www.wikipedia.org), 12 de outubro de 2006.
18
da crença em sua objetividade. Ele compara a ciência a um mito, tomando-o como “aquela
criação coletiva que cristaliza os valores eminentes centrais de uma cultura” (: 217). Neste
mito, o relógio é a máquina arquetípica, representando um sistema regulado e a automação do
tempo. Na sociedade tecnocrata, nosso cérebro deve funcionar com “a eficiência de uma
máquina bem programada” (: 232) e atingir um estado perfeito de consciência objetiva.
A contracultura visa mostrar que a racionalização e a ciência não são os únicos tipos
de conhecimento existentes. Juntamente com os valores tidos como estabelecidos, a forma de
pensamento tida como ocidental é rejeitada (Pereira, 1992: 23). A busca por novas formas de
pensamento, alternativas à racionalização, leva às experiências com drogas alucinógenas,
principalmente com o LSD, e à apropriação de características de culturas não “ocidentais”,
percebidas como meios para a reconstituição da “magia” e do “mistério” do mundo,
destruídos pelo ceticismo científico (Roszak, 1972). Há um exame intensivo da consciência
pessoal ligado à idéia de “viagem” interior “rumo a níveis mais profundos de auto-análise” (:
73), o que leva a novos tipos de comunidades, padrões familiares, costumes sexuais e relações
com o trabalho. A contracultura propõe a desaceleração do ritmo social e o lazer vital. A
boemia é uma proposta de contestação e re-elaboração da cosmovisão própria ao ocidente.
Surge ligada à contracultura, a Nova Esquerda americana, que se organiza no começo
dos 1960, vinculada a movimentos estudantis, principalmente ao SDS (Students for a
Democratic Society), uma organização de amplitude mundial baseada na idéia de que a
política deve ser feita de envolvimentos pessoais e não de idéias abstratas (Lucena, 2005). O
cantor de origem folk Bob Dylan assume o papel de porta voz da Nova Esquerda. O folk é
então percebido como uma espécie de “protesto contra as tendências despersonalizantes da
sociedade moderna” (Macan, 1997: 52) e leva ao surgimento da chamada “música de
protesto”, que enfatiza o potencial político do rock. Os artistas ligados ao folk passam a
criticar a vinculação da música à comercialização e ao estrelato.
19
A contracultura também se manifesta no movimento hippie, formado por jovens em
sua maioria brancos entre 15 e 25 anos, que emerge primeiramente nos Estados Unidos e tem
sua “época de ouro” entre 1965 e 1970 (Pereira, 1992; Lucena 2005). São eventos
importantes ligados aos hippies e à contracultura as manifestações nos Estados Unidos contra
a guerra do Vietnã, que duram de 1965 a 1975, e, na França, os acontecimentos de Maio de
1968
10
. O rock é um elemento fundamental para a construção de um território simbólico
hippie. Os hippies promovem diversos festivais de música. O de Woodstock, de 1969, no
Estado de Nova Iorque, é o maior destes e atrai cerca de 400 mil pessoas (Lucena, 2005: 95).
São artistas e grupos ligados aos hippies e à contracultura os americanos: Jimi Hendrix, Janis
Joplin, Jefferson Airplane, Grateful Dead e Mothers of Invention; e os ingleses: The Beatles,
Rolling Stones e The Who, em um segundo momento de suas carreiras (Pereira, 1992).
Os trabalhos de Jimi Hendrix e de Janis Joplin são fundamentais para a compreensão
da concepção de arte da contracultura. Estes artistas valorizam o “aqui e agora” e a
espontaneidade em suas posturas de vida e performances, extremamente emocionais, o que
está relacionado ao que Roszak (1972) considera uma das principais características da arte
contracultural: a busca pelo “impulso imaginativo original” (: 134), sem a mediação do
intelecto. Esta valorização é muito importante para as bandas com que pesquisei e será
desenvolvida adiante.
Pereira (1992) observa que, em sua música, Jimi Hendrix usa o método de criação
típico da contracultura: “recolher o lixo da cultura estabelecida, (...), e curtir esse lixo, levá-lo
a sério como matéria-prima da criação de uma nova cultura” (: 68-69). Esse lixo é o
misticismo, a irracionalidade, a filosofia oriental, etc. Jimi Hendrix é um dos primeiros a
10
Em Maio de 1968 ocorre uma série de manifestações estudantis que têm início em Paris e repercutem no
mundo inteiro. Segundo Matos (1989), os levantes de 1968 se deram mais no sentido de recusa de uma forma
de existência social percebida como opressora e sem sentido do que a partir de uma crise econômica ou militar.
O conflito pode ser caracterizado como cultural e político. O movimento estudantil recusa a política tradicional,
sendo caracterizado pelo autor como um movimento que contesta os profissionais da contestação e que propõe
“um novo estilo de ação” (:61). Os estudantes de Nanterre e Sorbonne tomam suas universidades e constroem
barricadas nas ruas de Paris. O movimento também se junta à greve dos operários parisienses, estes, no entanto,
não são movidos pela proposta de recusa social dos estudantes, mas pela reivindicação de aumento salarial e
melhores condições de trabalho.
20
desenvolver o psicodelismo na música, corrente relacionada à utilização de drogas,
principalmente de LSD (Pereira, 1992). Com o psicodelismo, a re-estruturação do pensamento
e a subversão do sistema propostos pela contracultura acontecem no plano musical. Isso se dá
com a experimentação de recursos até então não utilizados, como efeitos eletrônicos, escalas
modais e arranjos instrumentais com sonoridades e instrumentos exóticos, como a cítara
indiana (Macan, 1997). A experimentação psicodélica é então a procura de um universo
alternativo ao establishment dentro da própria música.
Ligado ao psicodelismo, surge na Inglaterra, na segunda metade dos 1960, o rock
progressivo, caracterizado pela apropriação de gêneros como a música clássica, o jazz, o folk,
o blues e a música indiana. Como na subcultura mod e no folk, no progressivo há uma
distinção entre o que seria o rock artístico e autêntico e o pop comercial e padronizado.
Segundo Macan (1997), os músicos progressivos visam um reconhecimento artístico referente
ao da música erudita. Esta oposição entre o artístico e o comercial é central em minha análise,
adiante, sobre as bandas de Florianópolis.
Um dos marcos para o progressivo é o álbum dos Beatles Sgt. Peppers Lonely Heart
Club Band (1967), que “tornou-se o símbolo do rock como gravação artística” (Frith, 2002:
22). Nele, os Beatles inauguram as experimentações com orquestras sinfônicas, música
indiana e inovações propostas pela vanguarda eletrônica de Stockhausen, como a colagem
(sobreposição) de gravações. Sgt. Peppers é considerado o primeiro álbum de rock
conceitual
11
e apresenta para o rock uma concepção de forma musical estendida, segundo a
qual todas as músicas do álbum fazem parte de um mesmo ciclo.
Na primeira metade dos 1970, quando tem sua “época de ouro”, o progressivo perde a
identificação com a contracultura e o público inglês. Bandas como King Crimson, Emerson
Lake & Palmer, Yes, Genesis, Pink Floyd, Van Der Graaf Generator e Jethro Tull passam a
lidar com a perspectiva de venda de grandes quantidades de discos das majors. Para isso, são
11
É considerado conceitual, um álbum que conta uma estória com suas músicas, como a música programática
romântica, ou que apresenta ligações entre as faixas, como a suíte barroca (Macan, 1977).
21
promovidas turnês nos Estados Unidos, nas quais os shows ingleses realizados para um
público entre 500 e 1000 pessoas são substituídos por “megaproduções” realizadas para cerca
de 50.000 pessoas (Macan, 1997).
Paralelamente ao progressivo, no final dos anos 1960 e início dos 1970, surge o hard
rock e a partir deste, o heavy metal. Estes são subgêneros muito semelhantes, com fronteiras
difíceis de definir. No entanto, em geral, o heavy metal é tido como uma forma de hard rock
mais pesada
12
, isto é, com vocais mais agudos e gritados e guitarras mais distorcidas, e que
apresenta solos de guitarra mais longos e complexos. Os dois subgêneros têm suas origens no
trabalho de bandas como Kinks e The Who e de artistas como Jimi Hendrix, Eric Clapton e
Jeff Beck (Walser, 1993).
O heavy metal surge em Birmingham, na Inglaterra, tendo como músicos e audiência
“jovens brancos, homens, e da classe trabalhadora” (Walser, 1993: 3)
13
. São características do
metal “bateria e baixo pesados, guitarras virtuosísticas e distorcidas e um estilo de vocal forte
e potente” (: 9). Este subgênero define-se a partir da apropriação do blues e da música
clássica. Entre as primeiras bandas de heavy metal estão Black Sabbath e Judas Priest. Nos
anos 1980, emergem diversas fragmentações do subgênero: o trash metal - também chamado
speed metal -, o lite metal, o power metal, o american metal, o black metal - metal satanista -,
o white metal - metal cristão em resposta ao satanista -, o death metal e o glam metal. São
importantes para a compreensão das bandas de Florianópolis o trash metal e o doom metal.
O trash metal, ou speed metal, é um destes subgêneros que atinge maior popularidade.
Ele origina-se nos anos 1980, nos Estados Unidos, e tem como primeiros grupos: Metallica,
Slayer, Testament, Exodus, Megadeath e Possessed, apropriando-se de elementos do punk
como tempos rápidos, música agressiva e letras críticas e sarcásticas, dele também trazendo
“uma reação contra a dimensão espetacular de outros estilos de metal” (Walser, 1993: 14).
12
“Peso” é uma categoria fundamental para o rock (ver principalmente o quinto capítulo).
13
O autor enfatiza a ligação do metal com o sexo masculino. Voltarei a isso no quinto capítulo.
22
O doom metal é dos anos 1970 e tem como primeiras bandas a inglesa Pagan Altar e as
americanas Death Row e War Horse. Suas principais características são “acompanhamento
musical pesado, lento e carregado no baixo e na bateria” (Leão, 1997: 149). Com estes
elementos, busca-se evocar uma atmosfera “sombria” a “pessimista” (idem), criada muitas
vezes por gravações de sinos de igreja e ruídos de trovão.
1.1.3 O Punk
Em 1973, tem fim o período de prosperidade que começa nos 1950 e que marca países
centrais do capitalismo, como Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália e Alemanha. Isto tem
como causas: “a desvalorização do dólar ligada à crise no balanço de pagamentos nos EUA,
[...] a guerra do Yom Kippur e o embargo petrolífero dos árabes” (Chacon, 1985: 49). Emerge
no ocidente uma crise marcada por índices de desemprego não atingidos desde os 1930.
Segundo Wicke (1993) e Chacon (1985), o surgimento do punk está relacionado a esta
crise, seu slogan no future tornando-se um termômetro dela. A ascensão do punk também é
apontada como uma reação ao sistema de estrelas e “megaproduções” do progressivo, um
retorno à simplicidade e energia do rock’n’roll, através da utilização de compassos 4/4, vocais
gritados e da guitarra, baixo e bateria como instrumentos básicos. A pretensão artística do
progressivo é substituída por uma música “barulhenta, agressiva e caótica” (Wicke, 1993:
137).
O punk nasce paralelamente em Nova Iorque e Londres, David Bowie na Inglaterra e
as bandas Velvet Underground, Iggy Pop & the Stoogies e MC5 nos Estados Unidos sendo
seus impulsionadores (McNeil e McCain, 2004; Lyndon, 2003). Bowie foi um dos principais
expoentes do glam rock
14
, dos 1960. A banda Velvet Undergound é de Nova Iorque, de um
14
O termo glam refere-se a artistas que ostentam performances glamourosas e uma aparência física andrógena,
exagerando em elementos como maquiagens, unhas pintadas e roupas extravagantes, explorando “o próprio
processo do astro, sua artificialidade e suas ilusões” (Frith, 2002: 28).
23
pouco depois da explosão da contracultura, tendo como proposta “desenvolver sons elétricos
de expressão - barulhos e distorção e microfonia” (Frith, 2002: 21)
15
. Iggy Pop & the
Stooges, também de Nova Iorque, são contemporâneos do Velvet Underground
16
. Por fim, a
MC5 é de Detroit, de 1964, e algumas vezes é apontada como uma banda de hard rock
(McNeil e McCain, 2004).
Em Nova Iorque, o punk surge por volta de 1974, quando a casa noturna CBGB
promove shows das bandas New York Dolls, Ramones, Televisions, Dictators, Dead Boys,
Blondie e The Voidoids. Sua cena ali é constituída por “estudantes de arte, bolsistas, jovens
cineastas, artistas de vídeo, fotógrafos e jornalistas” (Wicke, 1993: 139). Sua primeira geração
fica conhecida como Blank Generation, referência ao estilo de vida auto-destrutivo,
extremamente boêmio e marcado pelo excesso de utilização de drogas (Alexandre, 2004).
Na Inglaterra, o punk surge por volta de 1976, muito ligado à história da banda Sex
Pistols, produzida pelo empresário Malcom McLaren. Após produzir a banda americana New
York Dolls, McLaren busca com os Sex Pistols continuar seu projeto de anti-arte
17
. Este
projeto está tanto na música quanto na forma de vestir dos Sex Pistols. Junto com sua esposa,
a estilista Vivienne Westwood, McLaren monta a boutique Sex, que em muito contribui para o
desenvolvimento do estilo de vestir dos punks (Wicke, 1993). The Clash, Crass e Buzzcocks
também são importantes bandas punk inglesas dos 1970.
Além do no future, os punks propõem o slogan do it yourself, uma reação à
exacerbação técnica e ao elitismo relativos ao progressivo da primeira metade dos 1970.
15
A Velvet Underground é apadrinhada por Andy Warhol, criador da Factory, um imenso estúdio que tem
como proposta misturar artes plásticas, cinema experimental, vídeo e rock e que em muito impulsiona o punk.
16
Iggy Pop fica conhecido por suas performances extremamente enérgicas, e algumas vezes auto-destrutivas,
quando se feria e se jogava no público.
17
A idéia de anti-arte surge com o dadaísmo, na década de 1910. O movimento se configura a partir de um
grupo de exilados em Zurique e pode ser caracterizado como “um angustiado mas irônico protesto niilista
contra a guerra mundial e a sociedade que a incubara, inclusive contra sua arte” (Hobsbawm, 1995: 179). A
Primeira Guerra põe em crise os valores vigentes, inclusive os da arte; “esta deixa de ser um modo de produzir
valor, repudia qualquer lógica, é nonsense, faz-se (se e quando faz) segundo as leis do acaso” (Argan, 1992:
353). O dadaísmo é uma vanguarda que se afirma pela negatividade, pois não pretende “instaurar uma nova
relação, e sim, demonstrar a impossibilidade e a inderabilidade de qualquer relação entre arte e sociedade” (:
356). Com isso, a verdadeira arte passa a ser a anti-arte.
24
Segundo Seca (1988), com o faça você mesmo os punks criam um código no qual a
expressividade e a criatividade passam a valer muito mais do que a técnica
18
. Também deve-
se construir seu próprio “estilo” de vestir e marcar sua individualidade por meio deste, que ao
mesmo tempo em que é único, deve ser identificado com as marcas do punk: alfinetes de
segurança que perfuram a pele, correntes penduradas pelo corpo, cabelos coloridos, roupas
também coloridas e rasgadas ou relacionadas a fetiches sexuais e coturnos.
A originalidade senha da individualidade - é fundamental para o punk. No entanto, a
individualidade aqui posta em relevo não é algo novo no Ocidente, já aparecendo na música
romântica dos séculos XVIII e XIX, quando a arte “é o universo por excelência de construção
do indivíduo livre e igual, indiviso e universal” (Menezes Bastos, 1996 b: 159). A partir de
então, o indivíduo passa a ser o centro do sistema de criação, ele é um “grande mestre” ou
nome”. “Ele é um criador ex-nihilo como Deus e, também como Ele, para fugir do tédio e da
solidão” (idem). Este indivíduo que foge do tédio e da solidão pode ser relacionado ao punk
que busca, com seu “estilo”, marcar seu lugar no mundo.
Há no punk uma retomada dos valores hedonistas da contracultura e dos beatniks,
abandonados pela racionalização do progressivo dos 1970. Devido à valorização do
hedonismo, assim como os beatniks, os punks são apontados como relacionados ao
existencialismo dos 1940, que tinha como expoente Sartre. Esta relação se dá pelo fato de que
o existencialismo “centraliza toda a filosofia no valor do indivíduo concreto” (Rezende, 2004:
242), e com isso valoriza o ato de existir antes de qualquer coisa. Esta valorização também
pode ser relacionada com o “aqui e agora” dos hippies. A percepção de mundo hedonista é no
punk levada ao extremo. Há a idéia da vida desregrada e auto-destrutiva, que tem no abuso de
drogas seu principal fator. A figura do punk é construída como a de um indivíduo
estigmatizado, o que aparece no próprio termo punk, que pode significar “vagabundo”,
“delinqüente”, “inútil”, “sujeira” ou “lixo” (Alexandre, 2004).
18
A relativização da técnica é também central em Florianópolis (ver o quinto capítulo).
25
Ainda quanto à relação do punk com a contracultura, note-se que ele trabalha com
sobras, “as montanhas de lixo de uma sociedade questionável” (Wicke, 1993: 138). Há no
punk, a mesma proposta da contracultura de construção de um universo de valores invertidos
a partir do que é considerado sem valor pelo establishmen. É devido a este intuito de inversão
de valores que o punk é percebido como um movimento niilista. O termo niilismo é usado
“para designar doutrinas que se recusam a reconhecer realidades ou valores cuja admissão é
considerada importante” (Abbagnano, 2000: 712), no caso, pelo establishment. Este termo se
relaciona ao punk, no sentido que Nietzsche lhe dá “empregando-o para qualificar sua
oposição radical aos valores morais tradicionais e às tradicionais crenças na metafísica”
(idem).
É preciso fazer algumas ressalvas quanto à relação do punk com a contracultura.
Menezes Bastos observa como a música popular dos 1960, em geral, aponta para a sociedade
ocidental como “a terra com males” (Menezes Bastos, 1996 b: 164) e vai buscar longe desta
um mundo diferente. Nos 1970 e 1980, a luta contra o estado ou sistema, “não deve ser feita
fora dele” (idem). A música popular assume que: a “demanda da terra sem males (deve ser)
feita de dentro daquela com males” (ibidem).
No final dos 1970 e início dos 1980, surge nos Estados Unidos, o hardcore, que dá
positividade ao questionamento do punk, enfatizando-lhe as críticas políticas. O hardcore é
muitas vezes classificado como um tipo de punk rock mais rápido e com vocal mais gritado e
algumas vezes gutural - vocal extremamente grave e produzido na garganta. Punk e hardcore
são gêneros muito próximos e ligados à mesma comunidade afetual. Estão entre as primeiras
bandas de hardcore: Bad Brains, Black Flag, Dead Kennedys, Misfits e Discharge.
A oposição à comercialização da música é central para o hardcore. As bandas de
hardcore e punk que alcançam projeção na mídia são duramente criticadas pelas pessoas
vinculadas à cena. Bandas como Crass, Conflit e Fugazi sustentam veementemente a questão
da não comercialização de sua música, se recusando a fazer contratos com majors. Com isso,
26
bandas como Green Day, Bad Religion e Rancid, são acusadas de corrupção por fazerem com
que “os riffs velozes e poderosos da música punk” fiquem “a disposição de massas por meio
de execuções em rádios e concertos em grandes arenas” (O’Hara, 2005: 157)
19
. Estas bandas
são apelidadas de pop punk, o termo pop referindo-se aqui à música vinculada ao mainstream
e ao establishment. Com esta aceitação pelo establishment, estas bandas são percebidas como
traidoras dos ideais do punk.
A crítica ao emocore nos anos 2000 é neste sentido. O termo emocore surge em
Washington-DC, na metade dos 1980, como uma abreviação de emotional hardcore e na
concepção nativa refere-se a bandas que fazem performances extremamente emocionais e que
desenvolvem em suas letras temáticas ligadas a relacionamentos amorosos. É somente nos
anos 2000 que este termo assume conotações ligadas à comercialização. São bandas vítimas
destas críticas: Brand New, My Chemical Romance, The Used e Thursday
20
.
1.1.4 Os anos 80
No final dos 1970 e início dos 1980 o termo new wave passa a designar “toda música
que sucedeu o punk” (Galiano, 2005: 16)
21
. No entanto, esta música não substitui o punk -
uma vez que este continua se desenvolvendo com o hardcore - mas surge paralelamente a
este. O new wave tem duas vertentes principais: o pós-punk e “os adeptos do “new wave
propriamente dito” (idem).
O pós-punk origina-se na Inglaterra, com bandas como Joy Division, The Smiths,
Siouxisie & the Banshees, Echo & the Bunnymen, The Cure e Bauhaus. O subgênero é
marcado pelo pessimismo e pela depressão, que culminam com o suicídio de Ian Curtis,
vocalista da Joy Division, em 1980 (Galiano, 2005). Enquanto o punk é apontado como um
movimento pessimista, mas que propunha a transformação social, o pós-punk o é pelo
19
Um riff é um tema, uma pequena frase melódica, que é repetido várias vezes durante a música.
20
Conforme verbete “emocore” Wikipedia (www.wikipedia.org), 12 de outubro de 2006.
21
Artigo na Revista Discutindo Arte, ano 1, n
o
2: 2005.
27
conformismo depressivo, pela introspecção e pela sensação de falta de poder para mudar o
mundo. A Joy Division, de 1976, estréia o tipo de sonoridade do pós-punk, caracterizada por
uma mixagem que ressalta bateria e baixo em detrimento de guitarra e voz - mixagem inversa
à que se utilizava no rock até então. Assim, a melancolia e depressão do pós-punk não são
expressas apenas pela temática sentimentalista e introspectiva das letras, mas pelos climas das
sonoridades graves. Também são características do pós-punk os andamentos lentos, os efeitos,
como gravações de cadeiras arrastadas e vidros se partindo, e os sintetizadores.
As bandas Bauhaus, Siouxisie & the Banshees e The Cure deslancham o rock gótico
22
.
Suas características: ritmo repetitivo e bem marcado, efeitos eletrônicos e vocais graves.
Como no pós-punk, a depressão e a introspecção são marcas do rock gótico, que também
explora imagens sombrias como de castelos medievais e vampiros, combinadas a uma visão
negativa da sociedade moderna (Baddeley, 2005).
O new wave propriamente dito é ligado à música pop e, entre outros gêneros musicais,
apropria-se da disco, da música eletrônica e do reggae jamaicano. Ele surge vinculado ao
mainstream e tem a MTV (Music Television), criada em 1981, como grande responsável por
sua consolidação (Wicke, 1993). São associadas a esta corrente, bandas com as mais diversas
características: que se apropriam da disco e enfatizam o uso de sintetizadores - como Duran
Duran e Depeche Mode - , que misturam rock com reggae e com jazz - como The Police - e
que exploram a formação básica da banda de rock (guitarra, baixo, bateria e voz) - como The
Pretenders, Talking Heads e mesmo a U2 no início de sua carreira (Galiano, 2005).
Após a explosão do punk, o rock industrial se consolida, tendo como precursoras a
banda alemã Einstürzende Neubauten e as inglesas Cabaret Voltaire e Throbbing Gristle. Este
subgênero caracteriza-se pela crítica à “mecanização” da sociedade moderna, que esmagaria o
ser humano. Musicalmente, esta crítica se dá por meio da repetição exaustiva de certas partes,
que simulam o trabalho de máquinas e criam a sensação de mecanização. Além disso, ela
22
O termo gótico está ligado a um estilo de arte medieval dos séculos XIII e XIV, que se manifesta
principalmente na arquitetura. A catedral de Notre-Dame em Paris é um bom exemplo (Baddeley, 2005).
28
utiliza ruídos diversos - principalmente de máquinas -, sintetizadores e guitarras distorcidas e
quase sem solos. A década de 1990 é a época de maior projeção do rock industrial. São
bandas desta época a alemã Rammstein e as americanas Nine Inch Nails e Ministry
23
.
Ainda nos 1980, a banda Stray Cats propõe uma retomada do rockabilly dos 1960, o
que tem continuidade nos 1990 com o trabalho de bandas como High Noon, Big Sandy and
the Fly-Rite Boys, The Dave and Deke Combo e The Racketeers
24
. A volta do rockabilly leva
ao aparecimento do psychobilly, subgênero descrito como uma mistura entre o punk dos 1970
e o rockabilly dos 1950. O humor e a ironia são suas principais características. O subgênero
trabalha com temáticas que fazem referências a filmes de terror, morte, magia negra, estórias
em quadrinho, ficção científica, perversão e violência. Seu surgimento está ligado ao trabalho
de duas principais bandas: a americana Cramps, de 1976, e a inglesa Meteors, de 1980
25
.
1.1.5 O rock alternativo
O termo “alternativo” é cunhado por Terry Tolking, executivo da gravadora Elektra
Records, em 1980, para referir-se a bandas não ligadas ao mainstream, como Joy Division e
The Smiths. Ele engloba diversos subgêneros, entre estes, o pós-punk, o rock gótico, o grunge,
o hardcore e o stoner rock. Nos 1990, devido à sua relação com as gravadoras independentes
(indies), as bandas alternativas também passam a ser chamadas de indies (Blashill, 1996). No
entanto, os termos indie e alternativo também são usados de forma mais específica, referindo-
se a bandas como Sonic Youth, Pixies, R.E.M, Dinossaur Jr., Pavement, Hüsker Dü, Violent
Femmes e Jane’s Addiction, que surgem nos Estados Unidos nos 1980 e 1990, ainda sob o
impulso do punk.
23
Conforme Revista Dynamite, n
o
79, dezembro de 2004: 12-14.
24
Conforme verbete “rockabilly” de Wikipedia (www.wikipedia.org), 12 de outubro de 2006.
25
Conforme verbete “psychobilly” de Wikipedia (www.wikipedia.org), 12 de outubro de 2006.
29
A cena de bandas alternativas dos 1980 e 1990 serve como pano de fundo para a
explosão do grunge de Seattle, considerado uma retomada do faça você mesmo do punk. São
bandas grunges: Nirvana, Mudhoney, Soundgarden, Pearl Jam, Screaming Trees, Tad e Alice
in Chains (Blashill, 1996). O termo “grunge” tem o significado original de “sujeira” ou
“imundície” e “descreve tanto o visual (cabelo desgrenhado, roupas velhas e folgadas) de
bandas e fãs quanto o som distorcido das guitarras” (Leão, 1997: 67). No entanto,
musicalmente, as bandas grunge têm características distintas, sendo a “sujeira” e a distorção
seu único ponto em comum. Algumas bandas se apropriam de elementos do hard rock e o
heavy metal, como o Alice in Chains e o Soundgarden. Outras, em sua sonoridade, se
aproximam do punk, como o Nirvana e o Mudhoney.
O grunge surge ligado à gravadora independente Sub Pop, de Seattle, fundada em
1986, por Bruce Paritt e Jonathan Ponemann (Blashill, 1996). Ele transforma-se “no grande
acontecimento musical dos anos 90” (Leão, 1997: 181), sendo apontado no discurso nativo
como o momento em que o rock “alternativo” é mais visado e incorporado pelo mainstream, e
a Sub Pop perde as suas bandas para majors
26
. O Nirvana é a banda do grunge de maior
projeção. As performances explosivas e caóticas - nas quais público e banda se jogam uns
contra os outros e instrumentos e equipamentos são destruídos - são suas características
(Blashill, 1996). Ela também é marcada pelo temperamento instável de seu vocalista, Kurt
Cobain, que se suicida em 1994, o que aponta para o declínio do grunge.
Como resposta ao grunge, surge na Inglaterra o britpop, termo criado pela imprensa
para batizar uma geração de bandas que domina a parada de sucesso no país nos 1990. Estas
bandas são caracterizadas pela ênfase na melodia e por um resgate do rock inglês dos 1960.
Entre elas estão: Suede, Oasis, Blur, Pulp, Elástica, The Verve e Supergrass
27
.
26
O “estouro” do grunge se dá em 1991 com o lançamento dos álbuns Nevermind do Nirvana e Ten do Pearl
Jam (veja Revista Mundo Estranho, Edição especial Rock!, 2004: 52-71).
27
Conforme Revista Mundo Estranho, Edição especial Rock!, 2004: 72.
30
O britpop também se apropria do shoegazing inglês, do final dos 1980, que tem como
característica a utilização de ruídos, microfonias
28
, loops
29
de guitarra e pedais de efeitos. É
devido à utilização destes pedais, acionados pelos músicos com os pés durante as
performances, que o subgênero é chamado de shoegazing, que significa “encarando os
sapatos”. O Cocteau Twins e o Jesus and Mary Chains são seus primeiros grupos, seguidos
por My Bloody Valentine, Galaxie 500, Lush, Ride e Slowdive.
No final dos 1980, também surge o stoner rock, gênero ligado às Generator Parties, -
festas realizadas na Califórnia, no meio do deserto - e, como o progressivo, ao consumo de
LSD e maconha. Tem, assim, relação com o psicodelismo, o que aparece tanto nas letras, que
giram em torno de “carros, festas, drogas e viagens interplanetárias” (Antunes, 2004: 8)
30
,
quanto nas músicas “com mais de 7 minutos, [...] climas, improvisos” (:11). Este psicodelismo
se dá no próprio nome do subgênero, sendo “stoner” uma gíria para o efeito de drogas. São
bandas de stoner: Kyuss, Fu Manchu e Monster Magnet. O subgênero é caracterizado pelos
“riffs pesados e densos […] músicas com peso mastodôntico que apesar disso têm groove”
(Antunes, 2004: 08). Também são características “(T)imbragens valvuladas, baixo bem
presente, bateria pesada, sonoridades graves em destaque e um vocal menos evidente” (idem)
31
. Como o doom, o death e o black metal, as bandas de stoner apropriam-se das sonoridades
da banda Black Sabbath e do rock dos 1970, sendo um subgênero retrô, isto é, que busca
recuperar a moda e as tendências do passado.
28
Microfonia: “A realimentação de um som por um microfone ou captador, causando um som agudo e cortante,
conhecido como um apito comum em passagens de som” (OLIVEIRA, 1999: 227).
29
O loop é um processo similar à microfonia, no qual há a realimentação do som devido ao fato de um
equipamento estar ligado duas vezes na mesma entrada de som.
30
Artigo na revista Into, Edição Especial Stoner Rock, ano 1, n
o
3, dezembro de 2004.
31
A expressão “timbragens valvuladas” refere-se aos amplificadores antigos de instrumentos, que operavam por
válvulas, e significa que com os equipamentos modernos, os músicos buscam a sonoridade dos equipamentos
antigos.
31
1.1.6 A contemporaneidade
Os anos 2000 são marcados pela heterogeneidade e coexistência de todos os
subgêneros e correntes de rock tratados e ainda pelo pós-rock e novo rock. Em 1994, o crítico
Simon Reynolds cria o termo post-rock para designar grupos com características musicais
diversas e que “guardavam em comum apenas o propósito de fazer algo diferente do rock ou
fazer do rock algo diferente” (Bianchinni, 2005: 67)
32
. Assim, o pós-rock tem uma proposta
de inovação semelhante à do rock progressivo. Musicalmente, isto está na experimentação de
sonoridades - como efeitos de guitarra e teclados - e na apropriação da música eletrônica, do
jazz e da música erudita. São bandas relacionadas ao pós-rock: Radiohead - que explora
efeitos de guitarra e eletrônicos , Stereolab - que trabalham com ritmos eletrônicos -, The
Dresden Dolls e Tortoise - que se apropriam da música erudita
33
.
O novo rock é apontado por jornalistas como uma reação à desconstrução proposta
pelo pós-rock e considerado um renascimento do gênero, trazido por bandas como The
Strokes, Interpol, Franz Ferdinand, The Hives, White Stripes e Yeah, Yeah, Yeahs. Ele se
caracteriza pelo olhar para o passado e para a história do rock. Surgem bandas que buscam
retomar o elemento dançante do new wave, como a escocesa Franz Ferdinand e a nova-
iorquina Yeah, Yeah, Yeahs, que se apropriam da sonoridade do pós-punk inglês, como a
também nova-iorquina Interpol, e que retomam o punk 77, como a The Hives.
Como uma última orientação neste mapa para o mergulho nas bandas de rock
independente de Florianópolis, teço algumas considerações sobre a música eletrônica,
apropriada por diversos subgêneros de rock, como progressivo, new wave, pós-punk, gótico e
pós-rock. A música eletrônica tem suas origens nos 1950, com as experimentações de
compositores eruditos como Pierre Schaeffer e Karlheinz Stockhausen. Em 1968, surge o
32
Artigo na Revista Bizz, A História do Rock, vol. 04&05, 2005.
33
Conforme verbete “pós-rock” de Wikipedia (www.wikipedia.org), 12 de outubro de 2006.
32
grupo alemão Kraftwerk, primeiro a soar totalmente eletrônico e que apresenta um trabalho
importante para o desenvolvimento do rock industrial. Nos 1970, surge a disco, apontada,
assim como o punk, como uma reação ao progressivo, uma volta à simplicidade. A partir dos
anos 1990, a música eletrônica apresenta tantos subgêneros quanto o rock, entre eles: house,
techno, drum’n’bass e trance - a maioria deles, ligada à dança e às festas chamadas de raves
que começam a acontecer nos anos 1990, principalmente na Inglaterra
34
.
1.2 O rock no Brasil
Nesta parte, continuarei o mapeamento para o mergulho no universo das bandas
independentes de Florianópolis. Tratarei da chegada do rock ao Brasil e de seu
desenvolvimento até hoje. Assim como a pesquisa sobre a história do rock, esta, sobre o rock
no Brasil, é parte de meu trabalho de campo, pois nela estão em jogo concepções musicais e
visões de mundo que são a cada passo retomadas e recriadas pelas bandas de Florianópolis.
A década de 1950 é a época do nascimento da bossa nova e do baião, do ressurgimento
de gêneros como o samba e o choro e da popularização da música de seresta (Menezes Bastos,
2003 a e 2005 a). Nela, a música brasileira assume sua maturidade, “manifestando um diverso,
porém coerente, repertório de estilos e sensibilidades” (Menezes Bastos, 2005 a: 22) e se
constituindo como “um verdadeiro laboratório para o que aconteceu nos anos 1960 e depois,
com a explosão da bossa nova & canção de protesto, jovem guarda, tropicalismo, clube da
esquina e muitos outros mundos musicais” (Menezes Bastos, 2002: 02).
Durante a década, o país assimila uma grande quantidade de gêneros estrangeiros,
como o bolero e, mais tarde, o rock, o que faz com que estudiosos, como Tinhorão (1998), a
considerem “caracterizada pela diluição, superficialidade e falta de criatividade”
(Menezes
Bastos, 2005 a: 221). Note-se, porém, que desde 1930, quando, ao lado do samba baiano e
“antigo”, surge um samba carioca e “moderno”, que assume o status de embaixador da
34
Conforme Revista Dynamite, n
o
87, janeiro de 2006: 18.
33
música popular brasileira no diálogo entre as nações, há uma tensão envolvendo músicos,
audiência e críticos, entre aqueles que defendem a música chamada “tradicional” e aqueles
que apóiam a chamada música “moderna” (2002 b e 2005 a).
É no contexto desta tensão e sob o prisma da “americanização” e “alienação” para
alguns, e da “modernização” e “atualização” para outros, que o rock chega ao Brasil, na
metade dos anos 1950, com a música de Elvis Presley, Bill Haley, Paul Anka, Neil Sedaka e
Pat Boone (Menezes Bastos, 2002 b e 2005 a; Froes, 2000). O cinema e o disco foram
importantes meios para a difusão deste gênero no país (Menezes Bastos, 2002 b e 2005 a). Em
1955, estréia no Brasil o filme Blackboard Jungle, e em 1956, Rock Around the Clock, que
causam em seus lançamentos, em São Paulo, o mesmo impacto que causaram em outros
lugares, como na Inglaterra, levando jovens e adolescentes a gritarem e dançarem na sala de
cinema, gerando desconfiança das autoridades (Froes, 2000: 18).
Diversos artistas brasileiros lançam versões de canções de rock, como Ronda das
Horas, de Nora Ney para Rock Around The Clock, de Bill Haley & The Comets; Até Logo
Jacaré, de Agostinho dos Santos para See You Latter Alligator, também do repertório de Bill
Haley; e Meu Fingimento, do cantor de boleros e guarânias Carlos Gonzaga para a canção The
Great Pretenders, da banda The Platters. Em 1959, os irmãos Celly e Tony Campelo lançam
Estúpido Cupido, versão de Stupid Cupid de Neil Sedaka. Celly transforma-se em ícone da
juventude e passa a apresentar o programa Crush em Hi-Fi na TV Record de São Paulo
(Froes, 2000: 22). Ao mesmo tempo, diversos artistas da música instrumental misturam twist
com hully-gully e surf music, como The Jordans, The Jet Black’s, The Fellows e The Avalons.
Em 1965, Roberto Carlos passa a apresentar a Jovem Guarda na TV Record. Este
programa alcança “uma das maiores audiências da história da televisão brasileira” (Menezes
Bastos, 2005 a: 229), tornando o rock muito popular. O programa articula um movimento
musical de mesmo nome, que tem como expoentes Roberto Carlos, Erasmo Carlos,
Wanderléa Salim, Renato & Seu Blue Caps e Martinha (Froes, 2000). A Jovem Guarda,
34
também chamada de “iê--iê” - uma referência à frase “yeah-yeah-yeah” do refrão da música
She Loves You, dos Beatles - dissemina a mensagem de irreverência e “rebelião jovem”,
caracterizada por uma série de marcas de performance, como gírias específicas e uma forma
de vestir distintiva, na qual as moças usam mini-saias e os rapazes cabelo comprido (Menezes
Bastos 2003 b e 2005 a). No plano musical, ela se distingue pela utilização de instrumentos
eletrônicos “para acompanhar músicas muitas vezes mais similares a baladas, boleros e
sambas canções do que propriamente ao rock anglo-americano” (2003 b: 8).
Em 1964, os militares tomam o poder e instituem “severas restrições de direitos civis e
altos níveis de censura” (Menezes Bastos, 2005: 214). A repressão torna-se ainda mais rígida
com o AI-5 (Ato Institucional n
o
-5), que estabelece “um poderoso sistema de controle
político-ideológico da produção cultural” (2003 b: 2). A partir d, surgem movimentos, como
o Tropicalismo e a Canção de Protesto, que passam a confrontar a ditadura. Muitos artistas
são exilados, como Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e Milton
Nascimento. Por outro lado, a Jovem Guarda aparece como “uma rebelião contra o passado,
não pelo menos não imediatamente - contra o regime militar do presente” (2005 a: 230). A
falta de posicionamento quanto a este, assim como o uso de instrumentos associados à música
americana, faz com que se intensifiquem as acusações de falta de originalidade, alienação e
colaboracionismo a ela dirigidas por músicos, audiência e críticos (2003 b, 2005 a).
No final dos 1960, o Tropicalismo vem, por assim dizer, a socorro da Jovem Guarda.
Marcado pelo espírito de vanguarda, este movimento tem como objetivo promover uma
revolução na música popular brasileira, incorporando a esta elementos do pop, principalmente
instrumentos eletrônicos. Os tropicalistas são extremamente inovadores quanto a melodias,
timbres, arranjos e performances instrumentais e vocais. O movimento tem como expoentes os
músicos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa e os Mutantes; os escritores José
Carlos Capinam e Torquato Neto; o migrante da vanguarda da música erudita Damiano
Cozzela; o maestro Júlio Medaglia e o arranjador e também maestro Rogério Duprat. Eles
35
ainda mantinham relações com intelectuais de diversos outros campos, como os poetas
concretistas, Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari; o cineasta Glauber Rocha, que
propôs o Cinema Novo; o artista plástico Hélio Oiticica; e os dramaturgos Celso Martinez
Correia e Luiz Carlos Maciel (Menezes Bastos, 2005 a e Calado, 2000).
Em sua proposta de revolucionar a música popular brasileira, o Tropicalismo busca
inspiração no escritor modernista Oswald de Andrade, que propõe a idéia de canibalismo para
pensar a cultura brasileira (Menezes Bastos, 2003 b e 2005 a). Segundo esta idéia, “a
canibalização cultural do outro” é “o procedimento adequado para a construção da cultura
brasileira” (2003 b: 10). Assim, com o Tropicalismo, a capacidade congênita da música
popular brasileira de assimilar correntes e influências vindas de outros países e transformar o
estrangeiro em brasileiro, que surge primeiramente como um fato empírico, acaba tornando-se
“uma estratégia consciente” (2005 a: 233). Este mesmo procedimento repete-se na
configuração do rock nacional dos anos 1980 e no Manguebeat dos 1990.
O deboche é a principal característica do Tropicalismo, podendo ser lido a partir da
idéia de carnavalização de Bakhtin e funcionando como crítica às dicotomias entre
“tradicional” e “moderno”, “brasileiro” e “estrangeiro”, “erudito” e “popular”, percebidas
pelos tropicalistas como próprias ao establishment brasileiro. Também são características do
Tropicalismo a teatralidade e a utilização de vestimentas ligadas ao carnaval. O movimento
dura de 1967 a 1968, quando tem o programa “Divino Maravilhoso”, dirigido por Gil e
Caetano, como seu principal meio de disseminação. Com o AI-5, o programa é proibido e os
dois artistas, exilados do país. No entanto, diversos artistas ligados ao movimento continuam
suas trajetórias, entre eles, os Mutantes (Menezes Bastos, 2003 b e 2005 a).
Os Mutantes são lançados pelo compositor baiano Gilberto Gil, em 1967, quando este
estréia a música Domingo no Parque no 3
o
Festival de Música Popular Brasileira. Eles são
profundamente marcados pelo deboche e pelo achincalhe típicos do tropicalismo, assim como
pelo psicodelismo de letras e experimentação de novas sonoridades (Dapieve, 2000). Os três
36
discos lançados pela banda em sua fase madura (A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado,
Jardim Elétrico e Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets) “confirmariam o grupo
como primeiro do rock brasileiro no sentido exato da expressão” (: 16). Esta consideração do
autor deve-se muito ao fato de que os Mutantes deram continuidade à proposta de
canibalização dos tropicalistas, misturando guitarras elétricas e elementos do rock a ritmos e
características vocais da música brasileira.
No final dos 1960 e início dos 1970, também são importantes agentes para a
incorporação criativa do rock pela música brasileira, o músico baiano Raul Seixas e os grupos
Secos e Molhados, Novos Baianos, Made in Brazil, Joelho de Porco, A Cor do Som e 14-Biz.
Nesta época, também surge uma série de bandas que se apropria do progressivo: O Terço, A
Bolha, Som Nosso de Cada Dia, Barca do Sol, Moto Perpétuo, Bixo da Seda e Vímana. No
final de sua carreira, os Mutantes também aderem ao progressivo (Dapieve, 2000).
No entanto, segundo Menezes Bastos (2003 b e 2005 a), é apenas nos anos 1980, com
o BRock - sigla proposta por Dapieve (2000) que une Brasil e Rock , que o rock brasileiro
chega à vida adulta. São bandas importantes desta época: Blitz (RJ), Aborto Elétrico (DF) -
banda que contém os germens da Legião Urbana (DF) e do Capital Inicial (DF) -, Paralamas
do Sucesso (RJ), Barão Vermelho (RJ), Titãs (SP), Ultraje A Rigor (SP) Ira (SP) e
Engenheiros do Hawaii (RS).
O desafio do BRock é “provar que era possível produzir rock no Brasil merecendo o
rótulo ‘brasileiro’” (Menezes Bastos, 2005 a: 232). O uso de letras em português e a procura
por temáticas que tratem de problemas sociais brasileiros são fundamentais aqui.
Profundamente marcada pelo punk, esta música propõe um distanciamento quanto à MPB e à
Jovem Guarda, o que fica evidente “na preferência das letras pela irreverência na direção do
governo e do establishment, ao invés de rebelião, celebração da vida de gangues, cultivo da
subjetividade e humor, e, finalmente, uma posição niilista com relação ao estado” (idem). A
música Inútil do Ultraje A Rigor (SP) é um bom exemplo desta atitude de irreverência e
37
confronto. Esta música foi lançada no final de 1983 e início de 1984, quando acontece a
transição do regime autoritário da ditadura militar para a democracia e são promovidas
eleições diretas para a presidência da república. De forma debochada, o que é acentuado pela
utilização de erros gramaticais de português, a música expressa a luta brasileira pelo direito de
eleger seu presidente: “A gente não sabemos escolher presidente / A gente não consegue
tomar conta da gente /Inútil / A gente somos inútil” (Dapieve, 2000: 107).
Ainda no final dos 1970 e início dos 1980, configura-se nas periferias das grandes
cidades brasileiras, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro, um outro tipo de apropriação
do punk inglês e americano. Surgem bandas como Restos do Nada, Inocentes, Cólera, Ratos
de Porão e Olho Seco em São Paulo e Coquetel Molotov, Eutanásia, Descarga Suburbana e
Desespero no Rio, que não se preocupam tanto com a construção de um rock brasileiro e que
passam a se definir como bandas de punk e de hardcore. Estas bandas se apropriam do
discurso anarquista e mesmo dos adereços corporais do punk inglês e americano, como
coturnos, cortes de cabelo, roupas rasgadas e alfinetes de segurança perfurando o rosto e o
corpo, e visam um afastamento e um questionamento do BRock e da MPB (Alexandre, 2004).
Nos 1990 o BRock enfraquece e o Manguebeat é construído como o sinal mais
importante da continuidade do rock brasileiro (Menezes Bastos 2003 b, 2005). Este
movimento tem sua origem em Recife, no final dos 1980 e início dos 1990, e apresenta os
artistas Chico Science, líder da banda Chico Science e Nação Zumbi, e Fred 04, líder do
Mundo Livre S/A, como personalidades chaves. Ele caracteriza-se pela “fusão do hardcore,
punk, reggae, e gêneros de folclore nordestino, incluindo o maracatu e a embolada” (2005:
232). Sua estética constitui uma crítica ácida à pobreza do nordeste e principalmente da cidade
do Recife “caracterizada pela existência de mangues (...), dos quais a população pobre tira sua
comida” (idem). O próprio nome do movimento surge desta relação com o mangue.
38
Os 1990 também são marcados pelo aparecimento da MTV, que lança bandas como
Virna Lisi, Pato Fu, Raimundos e Planet Hemp (Schott, 2004)
35
, e pela “disseminação da
mídia independente, ligada ou não a movimentos sociais” (Menezes Bastos, 2003 b: 15). Esta
é ainda hoje um importante meio de produção e consumo de música popular, especialmente
do rock. Surgem fanzines, festivais de rock e gravadoras independentes, o que dá um grande
impulso ao aparecimento de bandas também independentes (Schott, 2004). A internet também
começa a ser utilizada por bandas de rock como meio de comunicação e de divulgação.
No final dos 1990 e início dos 2000, se configura no Brasil o renascimento e resgate
chamado de novo rock. Surgem bandas com características musicais distintas e que, no
entanto, são associadas pela mídia e fãs a este renascimento, como Los Hermanos (RJ),
Detonautas Roque Clube (RJ), Tihuana (SP), Pitty (BA) e Charlie Brown Jr. (SP). Muitas
delas emergem da cena independente, que a partir do final dos 1990 fragmenta-se em
diferentes subgêneros como psychobilly, stoner, metal e hardcore, e se articula principalmente
através dos festivais de rock como o Goiânia Noise (GO), o Festival Ruído (RJ) e o Porão do
Rock (DF), e da troca de informações por meio da internet.
35
Artigo na Revista Super Interessante, Edição Especial História do Rock Brasileiro, vol. 04, 2004.
39
2 A cena rock de Florianópolis
2.1 A cidade de Florianópolis e o rock
Ainda com o intuito de contextualizar minha pesquisa, aqui apresentarei dados sobre
Florianópolis, assim como sobre o aparecimento do rock nesta cidade. Florianópolis tem
aproximadamente 342.315 habitantes e é dividida em duas porções: uma insular de 424,4 km
2
e outra continental de 12,1 km
2
. Devido à grande quantidade de território insular, ela também
é chamada de Ilha de Santa Catarina. Além de ser o centro administrativo do estado, ela tem
como principais atividades econômicas o comércio e o turismo. Este gira em torno das
“belezas naturais” da cidade, que possui mais de 100 praias
36
.
A cidade, fundada por bandeirantes paulistas em fins do século XVII, recebe primeiro
o nome de Nossa Senhora do Desterro, só vindo a se chamar Florianópolis no final do século
XIX. A instituição desse nome é algo contraditório e até hoje não aceito por uma parcela de
habitantes da Ilha, pois é uma homenagem a Floriano Peixoto, ex-presidente da República
Velha, que durante os anos de 1891 e 1894, promoveu no Forte de Anhatomirim o
fuzilamento de diversos habitantes da Ilha (Caldas, 1995).
Entre 1748 e 1756, a Ilha recebe grandes levas de colonizadores dos Açores. Seus
descendentes são fundamentais para a construção da identidade cultural de Florianópolis,
principalmente a partir do final dos 1940 (Flores, 1997), sendo chamados de “catarinas”,
“ilhéus” ou “manezinhos” (Lacerda, 2003). Eles têm seu estilo de vida e formas de
sociabilidade construídos a partir da noção de açorianidade, “um discurso que narra uma idéia
de ‘nação’ para além das fronteiras nacionais” (:12). Esta noção aponta para uma identidade
cultural translocalizada que surge em diversos países onde se estabelecem comunidades de
emigrantes dos Açores, como os Estados Unidos, Canadá, Brasil, Havaí, Venezuela e
Bermudas, e justifica a existência e o reconhecimento “de inúmeras manifestações culturais
36
Índice populacional referente ao censo de 2000 conforme site do IBGE (www.ibge.gov.br), em 7 de janeiro
de 2007. Outros dados conforme site do CIASC (www.mapainterativo.ciasc.gov.br), mesmo dia.
40
tradicionais dos Açores” (:11). Na Ilha de Santa Catarina, essas manifestações são
principalmente: “a farra do boi, ligada ao mundo da diversão, do ócio e do sacrifício do
animal; o culto-festa do Divino, ligado ao mundo mágico-religioso e espaço privilegiado de
execução das promessas; e a pesca artesanal da tainha, ligada ao mundo do trabalho, da
hierarquia e da camaradagem” (:16). Esses três eventos são apontados por Lacerda como
“cifras da visão de mundo ilhéu, informada por crenças em seres fantásticos que se
metamorfoseiam, onde pontuam bruxas, lobisomens, borboletas, maus-olhados e bem-
querências” (idem). Atualmente, em decorrência da expansão urbana e demográfica, da
balnearização e do turismo, o estilo de vida “ilhéu” fica circunscrito ao interior da Ilha e a
pequenas localidades costeiras.
As primeiras informações sobre bandas de rock em Florianópolis que obtive datam do
início dos 1960. Segundo Ronaldo de Sousa Maciel (informação verbal)
37
, músico que atuou
na cidade durante os 1960 e 1970, nessa época, surgiu a banda instrumental The Eagles, que
definia seu trabalho a partir da banda americana de surf music The Ventures. Também
surgiram as “bandas de baile”, formadas especialmente para animar festas. Elas possuíam um
vasto repertório, incluindo o rock, e realizavam suas apresentações nos clubes da cidade,
principalmente Clube Doze de Agosto, Lira Tênis Clube e Clube Seis de Janeiro. Dentre as
primeiras destas estão: The Snakes, de 1963 (Sanson, 2004), que tocava apenas Beatles, Os
Mugnatas
38
e Milionários. No final dos 1960 e início dos 1970, destacaram-se: The Saints, Os
Binos, Folk, Aventureiros e The Jatsons.
Nessa época, também havia grupos de composições próprias que se apropriavam do
rock. Entre estes estão: Capuchon, de 1965
39
, de predominância acústica (Silva, 2004),
Sidharta, que se apropriava do rock progressivo, A Bicha, que, segundo o músico Marcelo
37
Entrevista realizada em 23 de dezembro de 2006.
38
De acordo com Ronaldo de Sousa Maciel (em entrevista concedida em 23 de dezembro de 2003), que foi
integrante da banda Mugnatas, o nome desta é a mistura das palavras “magnatas” com “mug”, um bonequinho
que estava na moda na época.
39
Notícia em: O Estado, 17 de setembro de 1985: 18.
41
Muniz (informação verbal)
40
, explorava o humor e tinha características semelhantes aos
Mutantes, e A Comunidade, que segundo o mesmo, tinha como traço marcante as máscaras de
papel maché elaboradas e usadas por seu vocalista, Carlos Magno. Também havia então, a
banda Som Nosso de Cada Dia
41
, que começou definindo seu trabalho pelo samba e que
passou a mesclar a este gênero “Folclore, rock, ritmos nordestinos”
42
. Além de suas próprias
composições, esta banda tocava o repertório de Jorge Ben Jor.
Estas bandas tinham como espaços de apresentação o Diretório Central dos Estudantes
(DCE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Teatro Álvaro de Carvalho
(TAC) e o Ginásio do Colégio Catarinense, todos localizados no centro da cidade. Ainda ,
eram importantes locais de encontro para os fãs de rock os bares Quiosque, na Praça Benjamin
Constant, e a Casa do Suco, ao lado da Catedral Metropolitana. O primeiro tinha como
proprietário Fernando Bahia, que, segundo Marcelo Muniz, foi “um dos primeiros roqueiros
assumidos, daqueles caras que todo o mundo conhecia como roqueiro mesmo” (informação
verbal)
43
e que, na década de 1980, integrou como guitarrista a banda de hard rock Asa de
Morcego. O proprietário do segundo era Edinho, integrante da banda Sidharta. Nestes bares
havia sessões de improvisação com integrantes de diferentes grupos de rock.
Em 1971, aconteceram dois importantes eventos para o rock na cidade: o 1
o
Festival
Universitário Catarinense da Canção (FUCACA), organizado entre 8 e 12 de julho no
Ginásio do SESC pelo DCE da UFSC
44
; e o 1
o
Festival da Ilha de Santa Catarina (FISC),
entre 10 e 14 de novembro. Chegaram à fase eliminatória do último as bandas A Comunidade
e Som Nosso de Cada Dia, que ganhou o primeiro lugar com a música Esperança
45
. No
mesmo ano, passou a ser veiculado na Rádio Anita Garibaldi, o programa Som Subterrâneo
40
Em entrevista realizada em 19 de dezembro de 2006
41
Não confundir com a banda de rock paulista de mesmo nome.
42
Notícia em: O Estado, 1
o
de outubro e 1973: 4.
43
Em entrevista realizada em 19 de dezembro de 2006.
44
Notícia em: O Estado, 9 de julho de 1971: 3-2.
45
Conforme coluna social de Beto Stodieck em: O Estado, 11 de novembro de 1971: 2.
42
“especializado em música underground pesada”
46
. Ambos os festivais tiveram reprise em
1972
47
.
Nos dias 19 e 20 de outubro de 1974, durante o período mais rígido da censura militar,
aconteceu o Primeiro Festival de Música Pop também chamado de Palhostock, no Estádio
Renato Silveira em Palhoça
48
. O Palhostock foi um festival no modelo de Woodstock, no qual
ocorreram apresentações das bandas Capuchon, Som Nosso de Cada Dia, A Comunidade e
Sidharta, de Florianópolis, Mostarda, de Joinville e Bicho da Seda e Almôndegas, de Porto
Alegre, que atraiu público de várias regiões do país (Silva, 2004). No mesmo ano, também
ocorreu o II Festival da Canção Estudantil promovido pelo Instituto Estadual de Educação,
cujo destaque foi a participação da banda The Saints. A primeira versão desse Festival foi
realizada em 1973
49
. Não obtive maiores informações sobre esse primeiro evento.
Em 1979 surgiu o Grupo Engenho, que segundo Marcelo Muniz (informação verbal)
50
,
um de seus integrantes, começou como banda de rock e posteriormente incorporou elementos
ligados à açorianidade. Em 1981, é formado o grupo Expresso Rural, que depois passa a se
chamar apenas Expresso. Este grupo, no início da carreira, apropria-se do country americano e
do rock rural de Sá e Guarabira e Kleiton e Kleidir
51
. A partir de 1985, o grupo incorpora mais
elementos do rock e do new wave
52
. Estas duas bandas alcançaram grande projeção na Ilha
durante os 1980, quando começaram a aparecer outras bandas ligadas ao new wave e ao pop-
rock como Decalco Mania, formada em 1984
53
, e Tubarão, em 1980, com o nome de
Ratones
54
. Nos 1980, o heavy metal alcançou alguma projeção na cidade. Em 1974, é formada
46
Durante 1971, o jornal O Estado publicou uma coluna intitulada Música Popular, escrita por Augusto
Buecheler. Esta informação foi retirada desta coluna em: O Estado, 28 de março de 1971: 03. Augusto
Buecheler freqüentemente escrevia sobre os Beatles, que naquele ano romperam, e sobre a Jovem Guarda. No
entanto, não encontrei nesta coluna informações sobre bandas de Florianópolis.
47
Notícia em: O Estado, 1 de outubro de 1973: 3-5.
48
Notícia em: O Estado, 9 de outubro de 1974: 16.
49
Notícia em: O Estado, 12 de outubro de 1974: 12.
50
Em entrevista realizada em 19 de novembro de 2006.
51
Notícia em: O Estado, 06 de abril de 1984: 22.
52
Notícia em: O Estado, 19 de abril de 1985: 24.
53
Notícia em: O Estado, 14 de setembro de 1984: 24.
54
Notícia em: O Estado, 31 de outubro de 1984: 24.
43
a Burn, primeira banda de heavy metal de Florianópolis
55
, em 1983, a Têmpora
56
e, em 1984,
a Camisa de Força
57
e a Corrente Sanguínea
58
. São formadas também as bandas de hard rock
Alta Voltagem, em 1984 (Alves, s/d), e a já citada Asa de Morcego.
Ainda nos 1980 surgiram as bandas de pop rock Índice e Chromo, que depois virou
Strix e foi para o Rio como contratada do programa Os Trapalhões da Rede Globo, as bandas
de rock’n’roll Filhos Rebeldes
59
e Udigrudis
60
e Nascente, Seixo Rolado, Século Astral e
Anjo, das quais não obtive informações. Segundo Muniz (informação verbal)
61
, também eram
dessa década a Banda de Paz e Amor nas Estrelas, que tinha o humor e a paródia como
marcas e que apresentava características semelhantes às da carioca Blitz, as bandas
relacionadas ao rock progressivo Echoes e Sobrinhos de Beethoven e a Imigrante, que foi a
primeira banda da cidade a utilizar a palavra cover
62
para definir seu repertório, que abrange
músicas de bandas dos 1960 e 1970, como Led Zeppelin e Pink Floyd. Essa banda ainda
existe atualmente.
Em 1985, começou a ser emitido na rádio Antena 1 o programa Sincronia Total,
produzido por José Luiz Carvalho (Zequinha) e Ricardo Davolli (Peninha). O programa se
definia a partir da veiculação de música “alternativa” e foi apontado por meus informantes
como um importante meio de divulgação do rock. Posteriormente transmitido pela Rádio
União FM e finalmente pela Atlântida FM, ele foi ao ar até 1998. Na época, seus produtores
também promoveram shows, trazendo para a cidade bandas de outros estados, como Titãs,
Inocentes, DeFalla e Blues Etílicos, e de outros países, como Steel Pulse e Reggae Sunsplash
94. Nessa época, surgiram novos espaços para shows como os bares Kasbah, Papo Pa Lua,
Mané Brasil, na Lagoa da Conceição, e já por volta dos 1990, a Casa do Rock, em Coqueiros
55
Notícia em: O Estado, 21 de julho de 1984: 24.
56
Notícia em: O Estado, 22 de setembro de 1984: 24.
57
Notícia em: O Estado, 23 de novembro de 1984: 24.
58
Notícia em: O Estado, 21 de dezembro de 1985: 14.
59
Entrevista com Mancha, baixista da banda Euthanasia, em 19 de abril de 2006.
60
Conforme Ricardo Daviolli, em entrevista realizada em 08 de julho de 2006.
61
Em entrevista realizada em 19 de dezembro de 2006.
62
Esse termo refere-se a bandas que não apresentam composições próprias, definindo seu repertório por
músicas de outras bandas.
44
e o Berro D’Água, no Córrego Grande
63
. Ainda nessa época, passam a ser organizadas aos
domingos, na Praça da Alfândega, as Tardes Verde-Amarelas (Sanson, 2004). Nelas eram
promovidos shows com bandas catarinenses, que tinham oportunidades de mostrar suas
próprias composições. Nessas tardes, havia sempre uma “atração nacional” (idem).
Nos 1980 também surgiram bandas importantes em outras cidades do estado, como
Vlad V, de Blumenau, que se apropria do hard rock e que recentemente passou a compor suas
próprias músicas
64
, a Ave de Rapina, de rock e blues, de Laguna, a Bandeira Federal, de
Brusque, que misturava punk, pop e rock
65
, a Quarta Dimensão e a Incandescentes de Itajaí e,
de heavy metal, a Blindagem e a Orquídea Negra de Lages, esta hoje responsável pela
organização do festival de metal Orquídea Negra, em Lages.
Nos 1990, é importante o movimento mané-beat, composto pelas bandas Primavera
nos Dentes, Stonkas y Congas, Dazaranha, Iriê, Tijuqueira, Phunky Buddha e Rococó
(Maheirie, 2001). O movimento visava “a construção de uma identidade regional, local, por
meio da música” (: 156) a partir do resgate de elementos percebidos pelos músicos como
próprios da cultura de Florianópolis. Entre esses elementos, figura a idéia de açorianidade,
presente no próprio nome do movimento, que significa “batida do mané” (: 155). Assim, a
partir da acentuação do “local” frente ao “global”, essas bandas, de características musicais
diversas, buscam “projetar Florianópolis musicalmente em todo o território nacional” (: 161).
A cena de que tratarei começou a se configurar no final dos 1980 e início dos 1990.
Então, vários músicos que acompanhei começaram a montar suas primeiras bandas, algumas
dessas ainda existentes, como a Euthanasia e Os Cafonas. Surgiram bandas que se
apropriavam do shoegazing inglês e do rock alternativo americano como Victoria X, Loveless
Compound, Gutta Percha, Sleepwalkers e Superbug
66
, essa ainda existindo atualmente.
63
As informações sobre o programa, assim como sobre os shows organizados por seus produtores me foram
cedidas por Ricardo Davolli, em entrevista realizada em 08 de julho de 2006.
64
Conforme Marcelo Muniz, em entrevista realizada em 19 de dezembro de 2006.
65
Conforme Ricardo Davolli, em entrevista realizada em 08 de julho de 2006.
66
Para mais informações sobre essas três últimas bandas ver Sanson (2004).
45
Também, que se apropriavam do punk e do hardcore como Garotos do Subúrbio, do final dos
1980
67
, Lixo Urbano, que atuou entre 1988 e 1999 (Alves Jr., s/d), Chute no Saco, de 1989,
Sobreviventes do Aborto, que misturava o punk rock ao trash metal, de 1987 (idem), Destroy,
que se apropriava do punk e do psychobilly, e Indigentes do Amanhã. Surgiram também
bandas de diferentes subgêneros de metal como Tempestas, Darkness, de 1993, que depois
tornou-se Khrophus
68
, Overload, Epitaph e Golem; e bandas que misturavam metal, hardcore,
funk e rap, como a Headpain e a Motherfucker, ambas de 1991
69
, Crazy for Fun, Bad Clows e
Suck my Fucking Dick. Ainda devem ser citadas as bandas Assassinato de Corvos, que
segundo Mancha (informação verbal)
70
, baixista da Euthanasia, relacionava-se com o stoner
rock e a Galo de Macumba, que se apropriava do rock progressivo.
2.2 Chegada ao campo
Durante meu período de campo, o universo rock de Florianópolis era abrangente,
existiam diversos tipos de bandas do gênero. Algumas das estudadas por Maheirie (2001),
como Dazaranha e Iriê, ainda atuavam, apesar de o movimento mané-beat não existir mais.
Encontrei também bandas de pop-rock que eram principalmente de cover, apesar de algumas
possuirem composições próprias. Elas tocavam rock’n’roll e músicas consideradas “clássicas”
como as dos Beatles, Rolling Stones e Creedence. São exemplos delas Get Back, Lemon Pie,
Os Berbigão, Quarteto Banho de Lua, Faraway, Os Chefes e Imigrantes.
Mais próxima às bandas independentes que pesquiso, mas ainda não tratada aqui,
uma cena
71
ligada aos subgêneros de metal, principalmente ao heavy metal. A única banda que
acompanhei que tem alguma ligação com o público de metal foi a Brasil Papaya. Por último,
67
Conforme Mancha, em entrevista realizada em 19 de abril de 2006.
68
Conforme Fanzine Exociclóideo News, n
o
0, julho, 1997: 12; 15.
69
Conforme Fanzine Futio Indispensável, n
o
4, 1994: 14-15.
70
Em entrevista realizada em 19 de abril de 2006.
71
Como já foi dito na introdução, e será desenvolvido no capítulo As redes do rock e os gêneros musicais, além
de ser um termo nativo, “cena” é proposto por Maffesoli para pensar as comunidades afetuais.
46
há uma cena significativa ligada ao hardcore, na qual também não me aprofundei,
acompanhando apenas a Black Tainhas, bastante atuante.
Calculo que hoje existam em Florianópolis cerca de 50 bandas independentes que
poderiam ser enquadradas no recorte de minha pesquisa. Como cada uma dessas bandas é um
universo em si, ligado a uma concepção particular, optei por trabalhar com apenas 14, a
saber: Cabeleira de Berenice, Lixo Organico, Os Cafonas, Os Capangas do Capeta, Os
Ambervisions, Brasil Papaya, Los Rockers, Kratera, Zoidz, Pão Com Musse, Euthanasia,
Black Tainhas, Pipodélica e Xevi 50. Algumas delas já atuavam há mais de 10 anos, outras
eram bastante recentes, como Los Rockers, que durante minha pesquisa não tinha completado
um ano. A maioria das bandas pesquisadas se definiu apenas como “de rock”, não se
percebendo como “pertencente” a nenhum subgênero específico, mas apenas ligada a estes.
Mesmo trabalhando com apenas” 14 (em 50), considero que acompanhei um número
elevado de bandas. Minha idéia inicial era traçar um panorama do rock independente de
Florianópolis para, em seguida, estreitar meu foco, mergulhando no universo de apenas três ou
quatro bandas. No entanto, a dinâmica das bandas me levou a direcionar meu olhar mais para
a cena do que para as bandas em si. Porém, ressalto que meu principal objeto sempre foram os
músicos e suas concepções. Trabalho muito pouco com a questão da recepção do público, que
é tão importante para a formação da cena quanto o trabalho dos músicos.
A primeira questão que me levou a este redirecionamento foi o fato de que apesar - et
pour cause - de serem objeto de grande investimento emocional, as bandas são entidades
bastante instáveis e flexíveis, sempre se formando e desfazendo, tendo a transitoriedade e a
fluidez como traços constituintes. Os músicos circulam entre diversas bandas, tocam em mais
de uma, muitos tocam em bandas afiliadas a subgêneros diferentes. Existem bandas que,
apesar de terem instrumentistas fixos em sua formação “oficial”, tocam com integrantes
antigos ou substitutos. Ademais, as bandas acabam se transformando em outras, o que se deve
tanto à permuta de músicos, quanto ao aparecimento de novas idéias, que redefinem suas
47
características. Esta flexibilidade foi um dos fatores que fez com que a idéia de comunidade
afetual de Maffesoli fosse tão relevante para minha pesquisa.
72
Também o fato de as bandas apresentarem ciclos, passando por altos e baixos, me fez
trabalhar com um número elevado delas. Há períodos de atividade intensa, mas também de
poucos shows e ensaios. Assim, algumas bandas que estavam ensaiando e tocando com
freqüência no início de meu trabalho já não estavam no final e vice-versa. Como tinha um
tempo delimitado para esta pesquisa, tive necessidade de acompanhar as bandas que estavam
em atividade e não podia esperar pelas fases de apenas três ou quatro. Assim, estive com
grande parte das bandas durante períodos curtos. No entanto, acompanhei um pouco mais
intensamente a Lixo Organico, Cabeleira de Berenice, Los Rockers e Kratera. As três
primeiras por ter estabelecido amizade com alguns dos seus integrantes e a terceira por ser
uma das bandas de minha irmã, que é baterista e uma pessoa bastante atuante na cena.
Minha pesquisa de campo constituiu-se de acompanhamento de shows e ensaios,
conversas com músicos, técnicos de estúdio e pessoas ligadas a estes, entrevistas e pesquisas
em sites das bandas ou ligados a estas. Também considero a consulta a fanzines, revistas
independentes, e publicações específicas do rock, estas trazendo informações não apenas
sobre Florianópolis, mas sobre todo o Brasil e várias partes do mundo, parte de meu campo.
As bandas se mostraram muito receptivas à pesquisa, achando boa e original sua idéia.
Algumas pessoas se mostraram surpresas com o assunto, não imaginando que na academia
houvesse espaço para o rock. Esta surpresa se deve à relação da academia com o mundo do
trabalho e da técnica, relacionado ao establishment e percebido pelos músicos como oposto ao
mundo underground do rock independente. Desenvolverei esta oposição no quarto e quinto
capítulos. Alguns músicos chegaram mesmo a me dar sugestões de coisas importantes a serem
72
Tratarei do referencial teórico de Maffesoli no terceiro capítulo. Quanto à transitoriedade e fluidez,
observadas também por Seca (1988) entre bandas de rock parisienses, entendo que elas são constitutivas não
apenas de bandas de rock, mas de bandas em geral, entendidas como sistemas de formação de consenso
(estético e ético), conforme Trajano Filho (1984).
48
tratadas pela pesquisa, perguntando sobre meus principais pontos de interesse e referenciais
teóricos. Mostrei meu projeto a várias pessoas que ficaram interessadas em lê-lo.
Além de acharem a pesquisa interessante, alguns músicos perceberam nesta uma forma
de criar visibilidade. Pensando nisto, organizei um programa de entrevistas na Rádio Livre de
Tróia, FM 102.9, uma rádio comunitária organizada em 2002 por estudantes da UFSC e que,
então, tinha sua sede no Centro de Convivências da universidade. Ela não tem permissão da
Agência Nacional de Comunicações para funcionar e apresenta a proposta de democratização
dos meios de comunicação. Qualquer pessoa pode ser programador de rádio ali, contanto que
participe de sua construção e respeite seus princípios: a não veiculação de programas
preconceituosos quanto a raça, gênero, orientação sexual, de cunho religioso ou relacionados a
partidos políticos
73
. Na época, ela veiculava programas de diversos gêneros de música, como
rock, eletrônica e popular brasileira, e programas temáticos, como o Garotas de Programa,
que tratava de questões de gênero relacionadas à opressão à mulher.
Nomeei meu programa de Rock Insularis, uma brincadeira com sua temática, o rock de
uma cidade que possui a maior parte de seu território numa ilha. Com a veiculação das
entrevistas, pensava disponibilizá-las para um maior número de pessoas. O programa foi ao ar
em março e abril de 2006. Achei curioso que muitos dos músicos que entrevistei
apresentavam familiaridade com a rádio, tendo já sido programadores desta. Isto se deve ao
fato de que alguns músicos são melômanos, “viciados” em música. Eles são colecionadores de
discos de vinil e de CDs e estão sempre se atualizando e conhecendo novas bandas.
A maior parte dos músicos de Florianópolis não percebe nela uma cena satisfatória,
considerando-a mesmo um “vácuo” no universo do rock. As principais queixas que ouvi
foram: a falta de lugares para tocar, a má vontade e desonestidade dos donos de bar, a
sonorização dos bares - que sabotaria os músicos -, o comodismo do público rock - que não se
deslocaria para freqüentar os shows -, o mau gosto do público em geral - que preferiria ir a um
73
Informações retiradas do site da rádio (www.radiodetroia.hpg.ig.com.br), em abril de 2006.
49
show de cover de pop rock, ou de uma banda como Iriê ou Dazaranha, percebidas como
mainstream da cidade -, e a falta de união entre os músicos do rock independente. O público
rock é acusado de não investir na cena e de cinismo. Este dar-se-ia porque algumas pessoas
não iriam a shows de bandas locais, alegando falta de dinheiro, e iriam àqueles de bandas
famosas, viajando para assistí-los e gastando muito mais do que gastariam para ir a um show
local. Este público também é acusado de falsidade por utilizar o vestuário e a indumentária
associada ao rock de dia e não freqüentar os shows à noite, não apoiando a cena. As pessoas
que teriam este tipo de comportamento são percebidas como vítimas da manipulação do rock
da grande mídia, sem identificação real com o gênero e com sua visão de mundo
74
.
A falta de lugares para tocar é a principal reclamação. Não existiria na cidade um bar
específico para o rock, o que atrapalharia a organização de shows e o intercâmbio com bandas
de outros estados e da América Latina. Ouvi queixas quanto ao fechamento do bar Subway
que funcionou em 2000 e 2001, localizado no centro da cidade e, principalmente, do
Underground Rock Bar, na Lagoa da Conceição. Ambos promoviam exclusivamente o rock.
O Underground foi apontado como o bar de rock mais importante que existiu em
Florianópolis. A época, 2000-2003, quando funcionou, é considerada aquela em que a cena
mais se desenvolveu, alcançando projeção nacional. Seu fechamento deveu-se à perseguição
da polícia que, mesmo sabendo que o bar tinha o alvará para funcionar, passou a intervir nele,
promovendo “batidas” e “revistas” que constrangiam o público (Rosa, 2005).
Durante meu campo, os shows independentes aconteciam principalmente nos bares
Red Café, no bairro Santa Mônica, Tulipa, Creperia Nouvelle Vague e Galileus - bar
conhecido por seu público GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) -, no centro da cidade e
Drakkar e Creperia da Lagoa, na Lagoa da Conceição. Nessa época e durante meu pré-
campo, o Iate Casa Blanca, barco alugado para festas, também abrigava shows de rock.
74
Voltarei a esta questão da manipulação da grande mídia no quarto capítulo.
50
Enquanto aconteciam os shows, o barco saía de seu porto, no bairro Saco dos Limões e parava
em frente à Avenida Beira Mar Norte
75
.
Os shows que acompanhei em janeiro e fevereiro de 2006 apresentaram pouco público.
Comentei isto com algumas pessoas do meio, que me disseram que no verão costuma haver
um abandono à cena. Isto me fez pensar que o circuito underground apresenta um ciclo
inverso ao do resto da cidade - no verão, quando a cidade tem a população triplicada por
turistas, as praias e bares com movimento intenso e as bandas de pop-rock com agendas
lotadas, não acontecem muitos shows de rock underground, suas bandas diminuindo o ritmo
de ensaios ou deixando de ensaiar. Em março começa a haver mais movimento na cena
underground. Relaciono este recesso à construção no discurso dos músicos de uma oposição
entre o mundo do rock underground, ligado a um imaginário de inverno, no qual Londres e
Nova Iorque são as principais referências, e a cultura e lazer relacionadas à praia, percebidas
como típicas de Florianópolis. O mundo do rock, noturno, frio, obscuro e subterrâneo
(underground) seria incompatível com o da praia e do surf, diurno, ensolarado, claro e
percebido como o lado convencional, estabelecido e superficial” da cidade
76
.
Conforme já dito, as bandas pesquisadas estão ligadas a diferentes subgêneros e têm
características distintas. No entanto, possuem semelhanças quanto à constituição, trabalho,
composições e shows, estando ligadas pelas constantes de uma banda independente e pelo
vínculo com o contexto local. Em outras cidades, cada subgênero tem sua própria cena, o que
não acontece em Florianópolis. Aqui os subgêneros estão emaranhados na mesma cena.
As bandas estão ligadas pelo fato de precisarem uma das outras para que os shows
aconteçam. Isto tem como causa a necessidade mútua de empréstimos de equipamentos e o
apoio para a organização e divulgação de shows, o que é importante quando das negociações
com os donos de bares. Observei esta interdependência não apenas entre as bandas de
Florianópolis, mas entre estas e as de outras cidades. Bandas de cidades diferentes ajudam-se
75
Para uma melhor localização destes espaços, ver mapa em anexo 4.
76
Voltarei a esta questão algumas vezes no decorrer desta dissertação.
51
umas às outras a marcarem shows em suas respectivas cidades. Assim, são combinadas trocas
de shows, nas quais cada uma das envolvidas organiza um show em sua cidade e traz a outra
para tocar. Muitas vezes, para trazer esta, a da cidade que sediará o show abre mão de seu
cachê. Trazer bandas de fora da cidade para tocar em Florianópolis é muito importante para
impulsionar a cena local e projetá-la nacionalmente.
Pode-se ver, assim, que a camaradagem e amizade envolvendo as bandas são
elementos muito importantes para a concretização da cena, sua falta constituindo o objeto da
segunda queixa mais freqüente que ouvi dos músicos. O “vácuo”, antes referido, que se
formaria na cidade, se deveria à falta de comunicação entre os músicos, que marcariam shows
em um mesmo dia, fazendo com que nenhum tenha público suficiente. Ademais, se formariam
“panelinhas” em torno das bandas, uma banda convidando somente as “bandas amigas”
77
para
tocar nos shows que organiza, deixando de formar novos vínculos com outras bandas e
desencorajando o público, que ficaria exausto de assistir sempre as mesmas apresentações.
De fato, as bandas apresentam a característica também da dispersão, relacionada a esta
queixa. Como percebo a comunidade rock como uma rede de amizades estabelecida a partir
de uma ética e de uma estética específicas (Maffesoli, 2000 e 2005), sempre partia de uma
primeira banda para chegar a outra. Perguntava aos músicos com que outras bandas eles se
relacionavam, ou então, conhecia uma nova banda durante o show de uma que
acompanhava. No entanto, constatei que esta rede não se fechava, isto é, muitas bandas não se
conheciam nem sabiam da existência umas das outras, apesar de tocarem nos mesmos lugares,
terem público semelhante ou possuírem “bandas amigas” em comum. Assim, a cena parece
ser fragmentada, constituída por núcleos ao redor de determinadas bandas, podendo ser
visualizada como um arquipélago, no qual estes núcleos ligam-se a outros através dos
vínculos de amizade e da permuta de músicos.
77
No decorrer desse trabalho me utilizo da expressão “bandas amigas” para me referir a bandas cujos músicos
possuem vínculos de amizade, camaradagem e admiração mútuas.
52
As bandas ensaiam ou nas casas de seus membros ou amigos ou em um estúdio
alugado por hora. A escolha deste estúdio depende de fatores como as relações pessoais dos
músicos com o técnico de estúdio, o custo da hora de ensaio, a proximidade do estúdio ou os
equipamentos deste. Muitoscnicos de estúdio são também músicos e, em alguns casos,
vinculados à cena rock. Os ensaios das bandas são espaços de socialização para os músicos e
seus amigos.
Os membros das bandas que acompanhei oscilam bastante em idade. O mais jovem
tinha 16 anos e o mais velho 51. Geralmente as bandas são formadas por pessoas da mesma
faixa etária, estando ligadas a um público desta faixa, mas isso não é regra. Grande parte das
pessoas presentes num show underground se conhece, o que só não acontece quando a casa
está muito cheia. O público de um show é composto, em sua maioria, por amigos dos músicos
que tocarão na noite, outros músicos e amigos destes. Sempre uma grande quantidade de
músicos no público. Também sempre existe uma mesa do bar onde se sentam namoradas,
irmãos ou pais dos músicos. A quantidade de pessoas no público dos shows oscila,
usualmente, entre 100 e 220. Na época de minha pesquisa, não existia em Florianópolis
nenhum bar dedicado ao rock. Desta forma, na maioria dos shows, havia uma mistura entre a
comunidade rock e o público “nativo” do bar, como o público GLS do Galileus e o de idade
mais elevada do Drakkar. A maioria dos músicos das bandas pesquisadas tinha idade próxima
aos trinta anos, o que leva a uma espécie de “crise” nos músicos, expressa por comentários
como: “Vai fazer trinta anos? Já está na hora de parar de brincar de rock”. Trinta anos aparece
como um tipo de idade limite para o rock
78
.
Encontrei entre os músicos grande quantidade de profissionais liberais, principalmente
trabalhando com a internet, além de arquitetos, fotógrafos, jornalistas, técnicos de estúdio,
professores, um cabeleireiro, um corretor, uma psicóloga, uma nutricionista, atores,
78
Seca (1988) também percebe esta “crise” entre músicos de 30 a 35 anos. Ele observa que esta fase termina
muitas vezes com a realização de um disco como uma espécie de condecoração (: 96). Voltarei a questão da
idade dos músicos no quarto capítulo.
53
advogados, estudantes universitários e, os mais jovens, de segundo grau. Encontrei também
pessoas que trabalham com música de uma forma mais abrangente, como músicos que criaram
seu estúdio, como o baterista Beto e o guitarrista Amexa, e o jornalista Gastão, que apresenta
o programa Gasômetro, de rock, na Rádio Atlântida. Pouquíssimas pessoas têm o desejo de
ter a música como principal fonte de renda. A maioria a como fonte de prazer.
Para finalizar, gostaria de fazer algumas considerações sobre a cena de hardcore e
emocore a que está ligada a Black Tainhas. Dentro do arquipélago de que falei, uma grande
ilha constituída pelo hardcore e emocore. Estão ligadas a ela bandas como Musicbox
Superhero e Lorena, que constantemente organizam shows nos quais tocam bandas de outras
cidades do estado. Como já dito, nos anos 2000 o emocore passa a ser percebido como um
gênero “comercial” de punk. Surgem no Brasil bandas de hardcore e emocore, com projeção
na grande mídia, que caracterizam uma “nova geração”, ligada a um público adolescente. O
núcleo de hardcore e emocore de Florianópolis está ligado a esta “nova geração” e é integrado
tanto por público quanto por músicos mais jovens do que os da maioria das outras bandas
independentes que acompanhei. No entanto, existem na cidade bandas mais antigas de
hardcore, com pouca ligação com essa geração, como Euthanasia e Pão Com Musse. Alguns
músicos destas são otimistas quanto à projeção do hardcore, percebendo que, com isso, o
subgênero torna-se acessível a mais pessoas. Outros, no entanto, são pessimistas, vendo a
projeção como corrupção do subgênero, que perderia a “autenticidade”
79
.
2.3 Considerações sobre as bandas
Entrarei agora em considerações sobre cada uma das bandas. Trarei dados sobre sua
formação e surgimento e descreverei o contato que tive com elas. No decorrer dos capítulos,
voltarei a elas por meio de questões como o processo de composição e sua relação com a
79
Trabalharei a questão da música como fonte de prazer e a oposição autentico/comercial no quarto capítulo.
54
indústria fonográfica. Detive-me na descrição das bandas por perceber a relação dos músicos
com elas como fundamental para a compreensão de suas concepções. A partir da descrição,
podemos ter uma idéia de como acontece o fluxo constante de músicos entre as bandas e de
como se configura a cena de que trato. Também estudo a relação das bandas com os
subgêneros do rock e como elas se apropriam destes. Esta relação é fundamental para a
resignificação, em Florianópolis, dos gêneros e subgêneros musicais.
2.3.1 Kratera
Na época da pesquisa, a Kratera era formada por Thanira Rates, vocalista, Galináceo,
guitarrista, Gastão, baixista e Cristiane, baterista. Ela surgiu em setembro de 2004, por
iniciativa de Gastão e Galináceo, que tiveram a idéia de montar uma banda inspirada nas de
doom metal, para brincar”. A expressão “para brincar” refere-se ao tocar sem compromisso,
por diversão, e está ligada à consideração do rock como um universo hedonista, fundamental
para a concepção de arte ligada ao gênero que estudarei posteriormente. Durante a pesquisa,
seu músico mais jovem tinha 24 anos e o mais velho 39. Nenhum dos seus integrantes
trabalhava somente como músico. Thanira trabalhava em uma empresa de pesquisas de
mercado e opinião, Galináceo era publicitário e Cristiane, nutricionista
80
. Gastão residia em
Florianópolis há dois anos e apresentava o programa de rock Gasômetro na Rádio Atlântida.
Ele é muito conhecido na cena rock de todo o Brasil por ter trabalhado como VJ (video
jockey) da MTV, onde apresentava programas de rock como o Fúria Metal e o Gás Total.
Antes do surgimento da Kratera, Gastão e Cristiane já haviam tocado juntos na banda
de hard rock Fuzzível, primeiro projeto dele em Florianópolis, que fez apenas três shows.
Cristiane é bastante articulada na cena rock de Florianópolis, sendo uma de suas únicas
80
Entre meu campo e a defesa, a Kratera mudou de vocalista. A nova vocalista se chama Beta.
55
mulheres instrumentistas
81
. Entre as bandas de que já participou estão as de cover Vulcano e
Dorotéia Vai à Praia e a de composições próprias Vernice, de rock alternativo. Ademais,
Cristiane é a atual baterista d’Os Ambervisions, próxima banda de que tratarei. A vocalista
Thanira também já havia integrado várias bandas na cidade, entre elas, Dorotéia Vai à Praia,
na qual tocou com Cristiane.
A partir da proposta de “brincar” com o doom metal, a banda faz uma apropriação
deste subgênero trabalhando com a idéia de “peso” lento e sonoridades graves, elementos
percebidos como característicos dele. No entanto, seus músicos observam que a referência ao
subgênero é caricata, pois estes elementos estão presentes na Kratera de forma muito menos
acentuada do que nas bandas de doom. Alguns músicos de outras bandas também me
apontaram uma ligação da Kratera com o stoner rock, o que deve-se em grande parte à
sonoridade “grave” da banda. Os músicos reconhecem uma relação com o subgênero, apesar
de não acharem que a Kratera pode ser classificada como banda de stoner.
Segundo os músicos da Kratera, a idéia de “peso” associada ao grave e ao lento cria a
sensação de que a música está sendo “arrastada”. Entretanto, o “peso” característico do doom
não é o único tipo de “peso” a existir no rock. A idéia de “peso” é uma das principais
categorias descritivas do rock. Ela refere-se a diversas características, sempre associadas ao
ruído, como distorção de guitarra, vocais gritados ou bateria com ataque duro e carregado
82
.
Entre os recursos usados pela banda para conseguir a sonoridade grave e “pesada”
estão a afinação mais baixa, na qual a corda la da guitarra é afinada em fa#, e a utilização de
diversos tipos de distorção de guitarra. A distorção é um efeito comumente usado nas
guitarras, às vezes no baixo. Há vários tipos de distorção, cada um apresenta timbres
específicos. O efeito “distorce” o som do instrumento enviado para o amplificador, gerando
ruído. Entre as distorções mais comuns estão o fuzz, o lead, o overdrive, a distorção típica do
blues e a própria ao metal. A Kratera ainda resgata a sonoridade típica dos 1970, que, segundo
81
Pretendo voltar à questão de gênero no quarto capítulo. Cristiane é minha irmã.
82
Desenvolverei as categorias “peso” e ruído quando tratar especificamente das concepções musicais.
56
seus músicos, seria “suja”, mas não “poluída”. Os termos “sujo” e “sujeira” são importantes
para o rock e são empregados com freqüência. Eles referem-se à distorção. Já o termo
“poluição” não é empregado com freqüência e refere-se ao excesso de efeitos de guitarra.
Nos shows da banda, os músicos entram em palco e tocam a primeira música
utilizando máscaras, exibindo apenas os olhos. As máscaras, além das vestimentas, nas quais
predominam o preto e o vermelho, coturnos, correntes e adereços de metal, dão aos músicos
um aspecto de agressividade, ligada à conquista de um território simbólico a partir da
construção de um estilo. Tratarei disto no capítulo “Pegada” do Rock.
2.3.2 Os Ambervisions
Os Ambervisions definem seu estilo como surf rock caveira e misturam surf e punk. É
uma das bandas de Florianópolis com melhor projeção nacional, tocando em outros estados e
em festivais de música independente, como o Goiânia Noise e o Bananada, em Goiânia, o 1
o
Campeonato Mineiro de Surf, em Belo Horizonte, e o Prótons, em Brasília, e sendo
frequentemente citada pela mídia independente, como pela revista Dynamite. Seus músicos
atuam em Florianópolis tempo, sendo a banda mais citada pelas outras como “banda
amiga”. Seus integrantes, Alexandre “Amexa” e Guilherme Arioli, formaram a Mom’s Pride
entre 1993 e 1994. Então, Amexa também tocava baixo na Loveless Compound, antes de
tocar com Guilherme Zimmer na Chick Magnets, banda de punk. Em 1998, quando passa a
assumir características de surf, a Chick Magnets acaba dando origem a Os Ambervisions.
Sua primeira formação teve Zimmer na bateria, Amexa, guitarra, e Arioli, baixo. Em
2000, Gustavo “Cachorro” substitui Zimmer, que se ausentou durante uma temporada. Em seu
retorno, este assumiu as funções de showman, tocador de maracás e vocalista. Durante sua
ausência, Cachorro também o substituiu na Pipodélica, sendo que em 2002, deixou Os
Ambervisions para dedicar-se àquela. Com isso, Os Ambervisions assumiram a formação que
57
tinham durante a pesquisa: Zimmer como vocalista, showman e tocador de maracás, Amexa
como vocalista e guitarrista, Arioli, baixista e a mesma baterista da Kratera, Cristiane Jacques.
Na época, os músicos tinham entre 25 e 31 anos. Quanto a profissões, Amexa estava
montando um estúdio de gravações, Zimmer trabalhava com ensino à distância, Arioli era
analista de sistemas e Cristiane, como já disse, nutricionista. Esta é uma das bandas que mais
enfatiza a questão do rock como fonte de prazer e diversão, não de renda. Esta postura não é
assumida por todos os seus integrantes: Cristiane afirma que, durante um período de sua vida,
teve a perspectiva de ter a música como fonte de recursos financeiros.
O deboche e a ironia aparecem como suas características. Entre suas “peripécias”
está mentir, o que aconteceu numa entrevista à revista Dynamite
83
, na qual a banda afirma que
sua “onda atual é comer travesti e fumar crack” e que suas “bandas amigas” Daniel Beleza e
os Corações em Fúria e Pipodélica seriam de travesti. Na mesma entrevista, a banda afirma
que Taylor e Fayol, nome de uma de suas músicas, foram “os verdadeiros descobridores de
Santa Catarina” e ainda que Arioli seria mórmon e só estaria na banda para converter os
outros integrantes, ficando muito constrangido com o comportamento destes. Tudo mentira.
Outra “brincadeirinha” d’Os Ambervisions é se apresentar como outra banda que
tocará na mesma noite. Isto aconteceu nos shows que assisti dela com a banda de Porto Alegre
Sonic Volt e com a de punk paulista Garotos Podres. Para Os Ambervisions tudo é motivo
para chacota. Mais um exemplo deste espírito sarcástico, e até a-moral, foi o “cocôlog” de
Zimmer criado após sua cirurgia de estômago. Aqui, o músico registrou em fotos e
disponibilizado na internet o que chamou de suas “aventuras intestinais” no momento em que
seu organismo se recuperava da cirurgia.
83
Dynamite, n
o
83, junho de 2005: 24.
58
2.3.3 Os Capangas do Capeta
Surgiu, entre 2003 e 2004. Uma noite, no Underground Rock Bar, os amigos Cachorro
e Gigante resolveram montar uma banda e convidaram Lucão, Amexa e Arioli para participar.
“Na mesma night a gente fez a banda, na mesma noite tava todo mundo lá, saímos com a
banda pronta numa noite.” (informação verbal)
84
. Formada pelos Ambervisions Amexa e
Arioli, que assumem aqui instrumentos diferentes, o primeiro vocal e o segundo guitarra solo,
pelo ex-Ambervision Cachorro, bateria, por Gigante, guitarra base e por Lucão, baixo, os
Capangas do Capeta mantêm o sarcasmo e o deboche d’Os Ambervisions. A idade dos seus
integrantes é entre 26 e 31 anos. Gigante trabalhava como analista de sistemas, Lucão com
edição de filmes e Cachorro, trilhas sonoras para filmes, além de ser DJ. Este foi um dos
únicos entrevistados que apresentou a música como principal fonte de renda. Como já dito,
Amexa estava montando seu estúdio e Arioli também era analistas de sistemas.
A banda tem características de subgêneros de metal, como, por exemplo, o “peso” do
trash metal e também do hardcore. Entrevistado, Amexa deixou claro que o hardcore com
que a banda tem afinidade não seria a “nova geração”, a banda não tendo nenhuma relação
com o emocore. Eles também não apresentavam ligação com o núcleo de hardcore da cidade.
Entre as suas características de metal e hardcore estão as guitarras distorcidas e o
vocal gutural, extremamente grave. Elas relacionam-se ao intuito, bem humorado, de fazer
uma banda de som pesado “o mais pesado que a gente conseguisse” (informação verbal)
85
.
Este intuito se reflete na elaboração de uma espécie de metal cômico, no qual os elementos
percebidos pelos músicos - não apenas da banda, mas de forma geral - como típicos do metal,
chamados de “clichês” e “estereótipos”, são levados ao extremo e ridicularizados. Assim, esta
banda faz uma espécie de paródia a determinados subgêneros de metal que articulam como
temática, não apenas de suas letras, mas de sua forma de vestir e comportamento, o
84
Entrevista com Cachorro realizada em 17 de abril de 06.
85
Entrevista com Cachorro realizada em 17 de abril 06.
59
misticismo, o horror e a violência. Estas temáticas próprias do metal são tratadas por Walser
(1993) como espécies de termômetros que medem as tensões sociais vivenciadas pelos
músicos na sociedade moderna. Segundo o autor, as imagens de horror e loucura são
exploradas pelos músicos como uma forma de compreender e criticar o mundo que os cerca.
Os Capangas do Capeta ridicularizam o que chamam de “coisas do mal em geral”.
Segundo eles, todas as letras da banda têm a necrofilia, o sexo com mortos, como assunto.
Porém, segundo Amexa (informação verbal)
86
, esta ridicularização não seria a proposta da
banda. A relação com o metal se daria porque os músicos teriam afinidade musical com este, a
banda surgindo a partir de um grupo de amigos que já tinha no deboche uma forma de
socialização. Transcrevo a fala de Amexa quando questionado sobre o deboche em Os
Ambervisions e Os Capangas: “É natural, é aquele esquema, é um monte de amigo que tá
sempre debochando de tudo, independente de estar tocando ou não. Quando tá tocando na real
é uma extensão do que a gente já vive normalmente” (informação verbal, grifo meu)
87
.
Seguindo a fala do músico, o deboche do imaginário do metal dar-se-ia
espontâneamente, estando relacionado ao próprio nome da banda. Segundo Amexa, o nome,
Os Capangas do Capeta, foi o ponto inicial para a banda e levou à temática das letras. No
entanto, vale dizer que a própria proposta do nome e a aceitação desta pelos músicos já sugere
a ironia. O nome já aparece como uma brincadeira com a temática do metal, e mesmo como
um deboche de si mesmo, uma vez que Os Capangas do Capeta é uma banda que tem
afinidade e trabalha com características musicais do metal.
88
Além do humor, os Capangas têm em comum com Os Ambervisions a preocupação
com a performance. Os Ambervisions ornamentam o palco com caveiras e teias de aranha, se
apresentam com camisetas iguais em alguns shows e colocam Zimmer na frente, fazendo
“palhaçadas” e falando “besteiras”. Assisti três shows d’Os Capangas. O que mais me chamou
86
Entrevista realizada em 26 de julho de 2006.
87
Entrevista realizada em 23 de junho 2006. Mais uma vez, chamo a atenção para a categoria natural.
88
Trabalharei com esta questão do humor e do escárnio de si mesmo no quinto capítulo.
60
a atenção foi o do Iate Casa Blanca em 22/07/2004, eu ainda sondando o campo. Nele, eles
tocaram com máscaras de personagens de horror e se jogavam uns contra os outros. Amexa
fazia poses debochando das poses dos músicos de metal, com caretas e expressões sérias.
Antes de começarem, tocaram uma gravação de cordas no estilo das trilhas de filmes de terror.
Quando começaram, a intensidade do som teve grande impacto, as pessoas começaram a
pogar
89
e a bater com as mãos no teto do barco. Isto fez com que o dono deste interrompesse o
show e pedisse ao público que se acalmasse. Eu mal consegui ver a banda, fui diversas vezes
empurrada pelos que dançavam. Amexa falava: “Nós vamos afundar este barco!”; “Esta
música aqui foi o Capeta que pagou pra gente”.
Note-se aqui que a fluidez e a instabilidade constitutivas do rock alternativo - onde as
bandas afirmam não pertencer a nenhum subgênero específico, mas apenas estarem ligadas a
estes e os músicos circulam entre bandas com diferentes características musicais - soma-se à
ambigüidade do estilo da banda, constituído a partir de um humor sobre o terror, ele mesmo
aterrorizante. A ambigüidade e instabilidade estilística, não é algo específico do rock, mas é
recorrente em toda a música popular brasileira, na qual, como já foi dito, a canibalização é
constituinte de identidades.
2.3.4 Pipodélica
O Pipodélica surgiu no inverno de 1999, a partir da gravação de uma fita demo
90
. Ele
assume a formação que tinha durante a pesquisa em 2002: Xuxu e Felipe Batata, vocais e
guitarras, Márcio Leonardo, baixo, e Cachorro, bateria. Este, como já disse, era também
baterista dOs Capangas e foi o segundo baterista d’Os Ambervisions. Na época, seus
89
Dança na qual as pessoas se jogam umas contra as outras, muitas vezes chutando, empurrando ou agindo de
forma que pode parecer violenta.
90
O emprego do artigo “o” e não “a” para a palavra Pipodélica será discutido no quinto capítulo.
61
integrantes tinham entre 25 e 30 anos. Xuxu e Márcio Leonardo eram arquitetos, Batata,
designer e cartunista e Cachorro tinha todas as suas ocupações relacionadas à música.
Esta banda é apontada como relacionada ao rock psicodélico. No entanto, segundo
seus músicos, esta não seria exatamente sua proposta. Eles observam que a relação com o
subgênero, percebida por alguns, seria devida ao nome da banda, Pipodélica, que se
assemelha à palavra psicodélica. Eles dizem que o nome foi inventado por eles, sem intenção
de apontar para o psicodelismo. Eles, entretanto, se dizem não “exatamente” psicodélicos, mas
não negam sua afinidade com a corrente e com Jimi Hendrix, Os Mutantes, Secos e Molhados,
Pink Floyd e The Beatles. Mais uma vez, note-se a flutuação e a ambigüidade estilística
constitutiva do rock independente de Florianópolis.
O vetor psicodélico do grupo está relacionado à “experimentação”, isto é, à pesquisa
de sonoridades e novos elementos e instrumentos. Entre as experimentações está a utilização
de uma cítara indiana, de bateria e sons eletrônicos, de instrumentos de cordas e metais e de
samplers
91
e colagens de diferentes gravações. Além de sua ligação com o psicodelismo, o
Pipodélica também considera que o estilo da banda tem afinidade com o folk e o britpop.
2.3.5. Os Cafonas
A banda surgiu em 1992 e na época da pesquisa era integrada por Calvin, vocalista e
baterista, Fidêncio, guitarrista, e Leopoldo, baixista. Eles tinham entre 27 e 32 anos. Calvin
era DJ, Leopoldo estudava sistemas de informação e era empresário e Fidêncio não estava
com trabalho fixo, tendo sido entre 2000 e 2001, junto com Jeandrey, da Cabeleira de
Berenice, proprietário do Subway, um estúdio de piercings e tatuagens e, como já dito, um bar
que promovia shows de rock.
91
Sampler é um “Aparelho que digitaliza e armazena sons e timbres, tornando-os passíveis de manipulação e de
ativação por meio de um teclado ou seqüenciador.” (Oliveira e Lopes, 1999: 236).
62
Os Cafonas são um bom exemplo de como a constituição do estilo de uma banda se
dá por meio de apropriações específicas de gêneros e subgêneros. Ela mescla blues, punk
rock, rockabilly e psychobilly e define seu estilo como trunkabilly. Segundo Calvin, o termo
trunkabilly diferencia o estilo d’Os Cafonas do de bandas identificadas com o rockabilly e
psychobilly. A palavra trunkabily é uma mistura de rockabilly, psychobilly e tranqueira. Com
a criação dela, a banda define seu trabalho como uma tranqueira, o que se deveria às
dificuldades técnicas e materiais, e resgata a característica de humor do psychobilly.
O humor e as temáticas relacionadas a filmes de terror, típicas do psychobilly,
estão também nas suas letras. São exemplos disto as músicas Psycho Funeral (Alegria de
Coveiro) - na qual é proposto ao ouvinte chamar os Cafonas para tocar em seu funeral -,
Caixões Caveiras e Tal onde o protagonista descreve como foi atacado por uma caveira,
tornando-se caveira também - e I Wanna be your Frankenstein - na qual o protagonista afirma
que, rejeitado por sua amada, se tornará um “monstro horroroso”, um Frankenstein “medonho
e malvado”.
Ainda quanto à sua relação com o psychobilly e as temáticas de terror, há uma anedota
contada pela banda: os Cafonas teriam feito os shows de inauguração e de encerramento do
Subway e do Underground. O humor marca também a própria escolha do nome da banda, que
será discutido no capítulo “Pegada” do rock.
2.3.6 Cabeleira de Berenice
Quando conheci a Cabeleira, ela era constituída por nove músicos que revezavam seus
instrumentos: Blu, Leo, Leospa, Willy, Rafaela, Jeandrey, Allison, Matheus e Cauê. Os
instrumentos: uma ou duas guitarras, uma pedaleira de guitarra, bateria, baixo, duas flautas,
um sax soprano, um tambor feito de um balde de lixo orgânico, um instrumento de percussão
feito com um pandeiro sem pele, amarrado a uma panela e a um instrumento apelidado pelos
63
músicos de “mi”, um bandolim, um violão e vozes diversas. Junto com estes instrumentos
havia uma cornetinha de plástico e um caninho de 30 cm de comprimento por 1 cm
2
de
diâmetro que servia de instrumento de sopro.
A idade dos membros oscilava entre 18 e 27 anos. Alguns cursavam a UFSC: Leospa
(Filosofia), Leo (Ciências Sociais), Cauê (Psicologia), Matheus (Geografia) e Allison
(Ciências Sociais), também ator e bailarino. Blu preparava-se para o vestibular de música,
Rafaela era psicóloga e estava se mudando para Natal (RN) para realizar mestrado em
Psicologia e Jeandrey realizava um curso de design de produto no Centro Federal de Educação
Tecnológica (CEFET). Segundo Blu, Cabeleira de Berenice é o nome de uma constelação e de
uma lenda da mitologia grega. Quando apropriado pela banda, o nome também faz alusão à
região pubiana do órgão sexual feminino. Reza a lenda que:
Por volta de 243 a.C., a rainha Berenice II do Egipto prometeu seus longos cabelos a Afrodite
se seu marido, Ptolemeu III Evérgeta I, retornasse são e salvo da guerra contra os Assírios. A deusa
atendeu ao pedido, e Berenice cortou sua cabeleira, oferecendo-a no altar; no dia seguinte, porém, ela
havia sumido. O astrônomo da corte afirmou que Afrodite ficara tão encantada com a oferenda que a
levara para o céu. Desde então, o asterismo anteriormente conhecido como a cauda do Leão foi
popularizado com o novo nome (...)
92
.
A experimentação é marcante na banda. Isto se dá tanto pelos instrumentos
improvisados ou incomuns no rock, como flauta e saxofone, quanto pela freqüente busca de
novos timbres e efeitos de guitarra. Segundo a banda, os instrumentos improvisados não
seriam escolhas, mas alternativas encontradas para compensar a falta de recursos e
instrumentos melhores. O “faça você mesmo”, do punk, está presente aqui. Um bom exemplo
disto é o que aconteceu com o balde de lixo orgânico, primeiramente apropriado como tambor
e depois, como bumbo da bateria, quando a peça original desta ficou sem peles e não pôde
mais ser utilizada. A falta de recursos financeiros é tratada de forma divertida e descontraída.
Em várias bandas, entre estas a Cabeleira e a Lixo Organico, as soluções para os problemas de
falta de recursos são tratadas com ostentação e como comprovante de autenticidade e
criatividade.
92
Conforme verbete “Coma Berenices” da Wikipedia (www.wikipedia.org), em 20 de janeiro de 2007.
64
Apesar de a Cabeleira ser aqui tratada como banda de rock e apresentar elementos
musicais do gênero, o trabalho do grupo também tem fortes marcas de outros gêneros, como o
ska
93
, e gêneros da música popular brasileira como baião, maracatu, ciranda ou samba. Blu
tem muito interesse por jazz e pela música erudita contemporânea de compositores como John
Cage, e os traz para a banda. Quanto à sua relação com o rock, em algumas músicas uma
marca forte do hardcore, o que se deve ao “peso” e ritmo da bateria e a alguns andamentos
94
.
A Cabeleira trabalha com a interdisciplinaridade entre as artes, tendo como ideal uma
espécie de “obra de arte total”
95
. Allison integra a banda principalmente para trabalhar com
dança, encenação e interação com o público. Presenciei os músicos da banda discutindo a
idéia de elaborar uma estória que serviria como roteiro para o show e seria encenada por
Allison. Muitos dos integrantes da banda tinham, ou tiveram relação com a Rádio Livre de
Tróia, tendo trabalhado em sua organização, sendo que a formação da Cabeleira ocorreu
paralelamente à da rádio. A banda tem relação com o grupo Topofílico, que trabalha com o
que chama de “intervenções urbanas”, propostas de re-significação do espaço público
96
. Um
dos trabalhos no sentido de interdisciplinaridade, realizado em parceria com os Topofílicos,
foi a composição de uma trilha sonora para um vídeo, exibido durante o Festival de Outono
organizado pelos Topofilicos na Escadaria do Teatro da UBRO, no centro da cidade.
A mistura da música com outras artes faz com que a banda se perceba não apenas
relacionada a gêneros musicais, mas a correntes artísticas abrangentes, como o dadaísmo.
Segundo os músicos, esta relação se dá pela desconstrução do que se espera de uma
apresentação musical e pela proposta de inversão de alguns valores vinculados à música. A
93
Gênero musical jamaicano similar ao reggae.
94
Andamento é o termo musical para a velocidade da pulsação rítmica.
95
A idéia de “obra de arte total” (Gesamtskunstwerk) surge no final do século XIX com a ópera de Wagner.
Este compositor considerava que a música deveria servir à expressão dramática. Assim, cria o conceito de
“drama musical”, que propõe a unidade absoluta entre o drama e a música em contraposição à concepção de
ópera da época, na qual o canto predominava e o libreto era apenas um suporte para o desenvolvimento da
música. Na idéia de “obra de arte total”, poema, cenário, encenação e ação são partes de um todo de uma obra
maior (Grout e Palisca, 1988: 644-646).
96
A palavra topofilia é proposta por Yi-Fu Tuan e refere-se aos laços afetivos dos seres humanos com o espaço.
Sobre esta idéia ver: Tuan, Yi-Fu. Espaço e Lugar: A perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983; e
Tuan, Yi-Fu. Topofilia: Um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980.
65
desconstrução acontece nos shows, quando o público invade o espaço dos músicos, pegando
instrumentos e tocando junto com estes. A banda é marcada por uma visão questionadora -
ligada à contracultura -, o que se dá de várias formas, como por meio das letras, entre as quais
destaco as das músicas Uma Questão Estética - que critica a super-valorização de pessoas
bonitas - e Direito à Preguiça - que elogia a preguiça. A própria proposta do “faça você
mesmo” é um questionamento à restrição do fazer artístico a determinado grupo portador de
determinado saber. Ainda ligado ao faça você mesmo, está o fato de que cada músico toca
vários instrumentos, o que aparece como uma contrapartida ao que é percebido pelos músicos
da banda como estereótipos de instrumentistas virtuoses.
A relação com a contracultura aparece também na forma hedonística com que a banda
organiza os ensaios e apresentações, o que vem ao encontro das críticas contraculturais à
racionalização e à técnica e à proposta de desaceleração do ritmo social. Em seus ensaios, tive
uma sensação de tempo estendido e não regulado pelas horas e minutos da concepção de
tempo moderna, racionalizada e otimizada. Eles começavam por volta das três da tarde e
duravam por tempo indeterminado. Neles, os músicos chegavam e deixavam o local em
horários diferentes, alguns vinham ensaiar, outros não. Os instrumentos eram tratados com o
mesmo descomprometimento. Durante a execução das músicas, alguns dos integrantes da
banda testavam, pegavam e largavam os instrumentos, que quando não utilizados por alguém,
ficavam espalhados pelo chão. O descomprometimento é um elemento central no universo do
rock, onde o tocar por prazer é o que realmente importa. Isto também é assumido nos shows.
Nem todos os músicos da banda precisam estar presentes a todos eles. Durante o único show
da Cabeleira que assisti encontrei um dos seus músicos no público. Quando perguntei a ele
porque não estava tocando, ele me respondeu que não teve vontade de tocar naquele show.
66
2.3.7 Lixo Organico
Foi por meio de Willy, que na época da pesquisa tocava guitarra na Cabeleira, que
cheguei à Lixo Organico
97
. Então, diversas bandas ensaiavam na garagem da casa de Willy,
inclusive estas duas, o que levou ao aparecimento de um núcleo de bandas no local. Na época,
a Lixo Organico era formada por Willy, guitarrista e vocalista, Gustavo, guitarrista, Vinícius,
baixista e André, baterista; uma formação flexível, na qual sempre aconteciam substituições.
Eles tinham entre 20 e 26 anos e eram universitários
98
.
A Lixo Organico tem Willy como personalidade chave, e tendências diferentes das da
Cabeleira. Ela tinha dois anos durante meu campo, tendo sido originalmente chamada de
Encosto. Este nome é uma referência sarcástica ao discurso evangélico, que explicaria tudo de
ruim que acontece às pessoas e todos os males do mundo pela presença de encostos, espíritos
que as acompanhariam, sugando-lhes a energia e interferindo em suas ações.
A banda apropria-se do rock alternativo dos 1980 e 1990 e principalmente do grunge.
Do primeiro, traz alguns timbres de guitarra e os elementos de ruído e microfonia, chamados
de noise, que também influenciam as bandas de grunge. Do grunge, ela traz os vocais gritados
e roucos, típicos das duas principais bandas do subgênero: Mudhoney e Nirvana. Também
afinidade com este subgênero na harmonia, timbres de guitarra e andamentos.
Relacionada ao grunge e principalmente ao punk do final dos 1970, está uma visão de
mundo pessimista e sem perspectivas. Esta visão manifesta-se já no nome da banda. Ela
apresenta a mesma proposta do faça você mesmo da Cabeleira e aproveita os instrumentos e
objetos que tem à disposição, explorando suas sonoridades peculiares, por exemplo, a
sonoridade específica de uma corda de guitarra remendada. Devido a isto, imaginei que o
nome Lixo Organico faria referência à recuperação de elementos considerados por muitos
97
A banda aboliu tanto o acento circunflexo da palavra “orgânico” de seu nome quanto todos os tipos de
acentos nos nomes de suas músicas. O emprego do artigo “a” e não “o” para o nome Lixo Organico será
discutido no quinto capítulo.
98
Entre meu campo e a defesa a Lixo Organico trocou de baterista. Blu, da Cabeleira, assumiu a função.
67
como inaproveitáveis, pois o lixo orgânico é o tipo de lixo mais regenerável que existe. No
entanto, quando indagado sobre esta questão, um dos integrantes da banda me respondeu:
Ah cara! Tipo assim, na real se você quiser enxergar isso tudo bem, mas as cordas remendadas
são porque a gente não tem dinheiro mais nem pra comprar corda avulsa na Zandromênico
99
. Lixo
Organico, cara, em que lixeira você botaria a humanidade, ou alguém que você matou? Em que lixeiro
que você iria parar? Lixo Organico, até porque lixo orgânico não é reciclável. Porque sei lá cara, o ser
humano, não serve pra nada, não serve pra adubo, é uma carne que poucos animais gostariam de comer,
ta ligado? Sei lá, é como as pessoas às vezes de um jeito ou de outro tratam os diversos tipos de pessoa
que elas colocam como lixo, como algo que já não é útil e tal, sei lá. Vem um pouco do cara se sentir
parasita familiar e não se sentir muito valorizado dentro do mundo, mas não era algo muito pensado
assim, e sei lá, é legal porque tem divulgação gratuita assim, lixeiros e tal (informação verbal, grifos
meus)
100
.
A falta de “dinheiro” é uma reclamação generalizada entre as bandas de rock
independente. Tratarei desta questão no quarto capítulo. As outras partes do texto que grifei
apontam para a visão de mundo que estou chamando de pessimista, para a morte, a podridão,
o desprezo social e o sentimento de desespero e falta de poder.
Musicalmente, o desespero está nos vocais gritados e guitarras distorcidas, enquanto a
de falta de poder, na busca por sonoridades “suaves” e tranqüilas, associadas na comunidade
rock à melancolia. Estas sonoridades são compostas por massas de som geradas pelos efeitos
de guitarra e criam a sensação de leveza. A metáfora de “nuvens” sonoras é um bom recurso
para descrever essa sonoridade, muito utilizada pelas bandas americanas de rock alternativo,
pelas britânicas shoegazing e por algumas de pós-rock, como Radiohead. Uma vez Willy disse
que se considerava “um impressionista de merda”, o que se deveria à falta de definição de
seus ataques na guitarra e ao emprego das massas sonoras que descrevo como “nuvens”. Entre
os efeitos para a elaboração deste tipo de sonoridade estão o delay
101
, o reverb
102
, o chorus
103
,
o phaser
104
e o slow attack
105
. Ela aparece nas músicas instrumentais da Lixo Organico e é
99
Loja de instrumentos musicais em Florianópolis.
100
Entrevista realizada em 09 de março de 2006.
101
Efeito que cria repetições de um mesmo som.
102
Efeito que cria reverberação do som.
103
Este efeito cria a “multiplicação da fonte sonora por meio da combinação de um delay bem curto [...] com
leves desvios de tonalidade e afinação” (Oliveira e Lopes, 1999: 215).
104
Um efeito que faz com que o som “vibre”, saia e volte para sua altura original.
105
Efeito que reduz o ataque do som.
68
mais bem desenvolvida pela Café Com Putas, outra banda de Willy, que também tem como
integrantes Blu, da Cabeleira, e Marco que tocava também na Vomitorama.
A pesquisa por novos timbres é marca da banda. Willy a desenvolve com a guitarra,
utilizando-se de uma pedaleira Zoom 505 II, que permite a elaboração de timbres. Estes são
compostos pela mistura de diferentes efeitos, como diversos tipos de distorção, reverb, delay,
chorus, compressores
106
, etc. A pedaleira também é utilizada para gerar loop. Para conseguir
esse efeito, os músicos ligam a pedaleira duas vezes na caixa de som. Isto gera uma massa,
que é definida e controlada pelos efeitos programados na pedaleira. Um microfone ou outro
instrumento também pode ser conectado, o que interfere na massa sonora a se formar. Muito
da diversidade das sonoridades da Lixo Organico se deve aos timbres e efeitos da pedaleira,
no entanto, os músicos também experimentam com outros instrumentos e objetos. Isto
acontece na faixa Esgoto (Visao Xamanica) do CD intitulado Merda (2006), primeiro da
banda, gravado na casa de Willy e lançado pelos músicos, sem nenhum tipo de apoio. Nela,
são utilizados efeitos de uma chaleira com água, além de um didjeridu e da guitarra com
pedaleira.
Além das três bandas citadas (Lixo Orgânico, Cabeleira e Café Com Putas), durante a
pesquisa Willy tocava em mais três: a Feedback, ligada ao grunge, onde tocava bateria, a
Conspiração Duende e o Coral de Retardados Santa Maria, que só tocava e não ensaiava,
composta também por Blu, Luís e por mais qualquer pessoa que quiser interferir no show.
2.3.8 Zoidz
A Zoidz tem suas origens no carnaval de 2005. Na época da pesquisa, era formada por
Marcelo Boratto, guitarrista, Gobbo, vocalista, Encaixe, baixista, e Dudz, baterista. Eles
tinham entre 28 e 37 anos. Boratto era diretor de uma produtora de sites, Gobbo, arquiteto,
106
Um compressor reduz “a extensão dinâmica de um sinal de áudio” (Martin, 2002: 426).
69
Dudz, representante comercial e Ronaldo, fotógrafo
107
. Os integrantes da banda definem seu
estilo como rock alternativo e apontam afinidades com o funk, o punk e o hardcore. Boratto,
seu principal compositor, tem muita afinidade com o rock industrial, a música gótica e o pós-
punk, buscando trazer para a Zoidz um pouco da sonoridade do final dos 1970. Ele percebe no
pós-punk e na música gótica uma forte valorização do individualismo e o sentimento de
depressão, que, segundo o músico, seriam necessários para o amadurecimento pessoal.
O tema do amadurecimento pessoal é bastante presente nas letras da Zoidz, como na
da música Girar a Lâmina. Ele está relacionado ao significado percebido por Boratto na
suástica como símbolo anterior ao nazismo cujo sentido “original” não teria nenhuma relação
com este, apontando para a rotação do sol e a criatividade. No entanto, devido à apropriação
nazista, Boratto omitiu o termo da música, buscando não ser associado ao nazismo, com o
qual discorda totalmente. A suástica na música é representada pela lâmina e “girar a lâmina”
significa girar algo dentro de alguém para que “esta pessoa possa ir além de si mesma”. Vida
Cadela é outro exemplo de música ligada à questão do amadurecimento pessoal. Boratto
observa que, por seu nome, a música poderia parecer pessimista, mas é otimista, tratando da
ansiedade para usufruir da vida. As temáticas das letras da banda estão intimamente
relacionadas à contracultura. Isto pode ser percebido tanto na questão de “ir além de si
mesmo”, que aponta para a busca por novas percepções de mundo, quanto pelo desejo de
“usufruir da vida”, relacionado à crítica à sociedade racionalizada. O humor também marca a
banda. Um exemplo disto é a música Omeleteman. Quando a toca em shows, Gobbo veste
óculos escuros e uma capa amarela, que servem como o traje do Omeletman, anti-herói
construído de forma debochada.
107
Entre meu campo e defesa, a Zoidz trocou de baixista, o novo sendo Nemmo, analista de sistemas.
70
2.3.9 Los Rockers
Los Rockers foi a única banda de cover que acompanhei e também a mais “jovem”,
com début em outubro de 2005. Sua formação era Christian, vocalista, Sil B e Paulo,
guitarristas, Babu, baixista, e Cristiane - a mesma da Kratera e d’Os Ambervisions - e Beto,
revezando a bateria. Eles tinham entre 26 e 51 anos. Christian era cabeleireiro, Sil B,
fotógrafo, Paulo, advogado e empresário desta banda e da Kratera, Babu, dono de imobiliária
e Beto, além de ter um estúdio para gravações e ensaios, confeccionava camisetas e era
estudante universitário de gestão e varejo.
O repertório da banda é o punk “clássico” ou punk 77
108
. Ela tem o intuito de
resgatar
109
e homenagear o subgênero, tendo no repertório músicas de bandas de punk dos
1970 e 1980 como Ramones, Sex Pistols, Buzzcocks, The Clash e The Dictators. “Na verdade
o que a gente faz mesmo é resgatar o que estes caras fizeram, é você manter viva esta chama”
(informação verbal)
110
. O nome da banda também está relacionado à idéia de resgate, sendo
uma homenagem aos Ramones. Assim como os integrantes dos Ramones, os de Los Rockers
utilizam o nome da banda como seu próprio sobrenome
111
. O nome é também uma referência
aos rockers, gangues de jovens ingleses dos anos 1960 ligados ao rock’n’roll.
2.3.10 Xevi 50
Cheguei à Xevi 50 por meio de Los Rockers, pois Sil B tocava nas duas. Na época,
além de Sil B, guitarrista, a banda tinha como integrantes Célio F, baterista, e Sid, baixista
acústico - músico que também foi um dos fundadores d’Os Cafonas. Babu, o mesmo baixista
108
O número refere-se ao ano de 1977, considerado chave na história do punk.
109
Observo que este resgate do punk “clássico” ou “original” remete à idéia de pureza ligada ao passado e à não
corrupção do gênero pela comercialização. Voltarei a este assunto no quarto capítulo.
110
Fala de Sil B em entrevista realizada em 01 de fevereiro de 2006.
111
No caso dos Ramones: Joey Ramone (vocalista) ou Didi Ramone (baixista), por exemplo. No caso de Los
Rockers: Paulo Rocker.
71
de Los Rockers, também já havia tocado na Xevi, mas foi substituído por Sid quando a banda
optou por incorporar o baixo acústico.
A Xevi 50 caracteriza-se como banda instrumental, apresentando poucas músicas com
vocais. O surf music é o gênero com que mais dialoga, mas também dialoga com o rockabilly,
psychobilly e rock’n’roll. Para Sil, a Xevi traz do surf a guitarra “limpa”, quase sem efeitos e
distorção, apenas um pouco de reverb. No entanto, ele acrescenta que a Xevi também trabalha
com outras sonoridades, utilizando distorção e delay. Do psychobilly, Sil observa que a banda
traz “a batida, a velocidade, o baixo acústico e a pegada forte” (informação verbal)
112
. Assim,
com um espírito brincalhão, ele propõe que a partir da mistura desses subgêneros a Xevi cria o
hot’a billy, seu estilo próprio. O nome da banda vem do fato de ela apresentar-se na carroceria
de uma caminhonete Chevy 50
113
. A definição do estilo como hot’ a billy está ligada às
pinturas de labaredas que ornamentam a caminhonete, os equipamentos e o baixo acústico.
A Xevi também faz apresentações incluindo metais - trompete, trombone e saxofone.
Ademais, na época, Sil organizava para a banda um repertório no estilo hillbilly, subgênero
ligado ao country e tocado com instrumentos acústicos. Neste repertório, Sil substituiria a
guitarra pelo banjo e convidaria um violinista para uma participação especial.
Segundo Sil B, a Xevi não é ligada apenas à comunidade rock, realizando
apresentações tanto em festivais de rock, psychobilly e surf music, quanto em campeonatos de
surf, encontros de motos e carros antigos e “encima da caminhonete para crianças e seus avós,
tios e pais” (informação verbal)
114
. Esta flexibilidade de locais para apresentação e público
deve-se não apenas à mobilidade dada pela caminhonete, mas às características da banda, que
além de suas próprias músicas, inclui trilhas de filmes e desenhos animados.
Ainda segundo Sil, a idéia de uma banda de surf music veio de RH Jackson, produtor
de São Paulo, que recomendou a ele escutar a nova geração de surf americana, sugerindo que
112
Sil B em entrevista realizada em 02 de março de 2006.
113
Chevrolet 1950, ver foto em anexo.
114
Sil em entrevista realizada em 02 de março de 2006.
72
o subgênero combinaria com Florianópolis, tida como “terra de surf”. É interessante esta
colocação, pois, conforme anteriormente, no discurso dos músicos uma oposição entre o
rock, noturno e subterrâneo e as características percebidas por eles como típicas de
Florianópolis, diurnas e ligadas às praias (superficiais). A Xevi parece buscar uma solução
para esta incompatibilidade
115
. Ela e a Black Tainhas foram as únicas bandas que
manifestaram o intuito de conciliar as visões de mundo vinculadas ao rock e aquelas
associadas à cidade
116
.
2.3.11 Black Tainhas
A banda define seu estilo como punk rock tainha, seu trabalho tendo como ponto de
partida o punk rock e o hardcore, mesclados a diversos outros gêneros, como baião, ska,
reggae e surf. Ela é composta por Tiago “Panchi”, guitarrista e vocalista, Felipe “Foca”,
guitarrista, Thiago “Garganta”, baixista e segundo vocalista, e André “Tequila”, baterista.
O bom humor e a brincadeira são marcantes na banda, a que acompanhei composta
pelos músicos mais jovens, entre 16 e 21 anos. Na época, Tequila fazia segundo grau, Panchi
e Garganta estudavam para o vestibular e Foca trabalhava no restaurante da família
117
. A
banda também era uma das mais “jovens”, tendo então, um ano e alguns meses e também a
que me pareceu mais “alegre”, os músicos sempre rindo e brincando uns com os outros.
A banda propõe um diálogo entre as temáticas características do punk, que tratam de
problemas sociais, e a vivência dos músicos. Pretendo voltar a isto quando tratar de gêneros
musicais. A busca por conciliação entre o rock e o local aparece também no nome da banda,
que surgiu da seguinte forma:
115
É interessante notar que esta solução vem de uma pessoa exterior à banda e à cidade, Jackson.
116
Voltarei a isto adiante. O intuito de conciliação entre música e vivências locais está muito mais presente nas
bandas ligadas ao mané-beat tratadas por Maheirie (2001) do que nas bandas que acompanhei.
117
Entre minha pesquisa e defesa, Foca tinha sido substituído por Lucas, irmão mais novo de Garganta.
73
Garganta: (...) A gente decidiu que ia tocar punk rock (...) Daí a gente tava voltando de ônibus
(...) e começou a falar assim: “Ah, só vou tocar numa banda se for bem do mal assim, black, dark.
Panchi: Aí eu falei: “Eu quero uma coisa, sei lá, da ilha, tainha, ostra, marisco”.
Garganta: Daí começou em Black Piranha.
Panchi: Black Sardinha, Black não sei o que...
Garganta: Veio Black Tainhas. Ficou lindo, né?
Panchi: Ficou bonito (informação verbal, grifos meus)
118
Reaparece aqui o deboche com as “coisas do mal” d’Os Capangas. Outro ponto
comum entre as duas bandas é a intensa efervescência, envolvendo músicos e público, de seus
shows, o que mais uma vez me faz associar a cena rock à idéia de comunidade afetual.
Segundo Maffesoli (2000), o sair de si gerado pelo estar junto é fundamental para a
cristalização das comunidades afetuais. Quando aborda esta questão, o autor apropria-se de
Durkheim (2003), para quem a maneira com que a consciência coletiva age sobre as
individuais faz do rito um momento de efervescência social onde o homem, envolto em “um
meio de forças excepcionalmente intensas que o invadem e o metamorfoseiam” (Durkheim,
2003: 225) chega a tal estado de exaltação que “não mais se reconhece” (idem). Para ele, o
rito revigora os sentimentos e ideais coletivos que fundamentam a sociedade.
Observei esta efervescência de forma clara na apresentação da banda num festival de
hardcore no Red Café. Este bar possui dois andares. No primeiro, fica o palco, em frente a
este há um espaço aberto onde fica o público pogando. No segundo, há um mezanino virado
para este espaço aberto. Algumas pessoas exaltadas com o show se atiravam deste mezanino,
de peito aberto, no público, fazendo o chamado stage-dive, de uma altura que calculo de dois
metros dos braços das pessoas do público, que as agarravam. Depois de agarrados, aqueles
que se atiravam eram transportados acima do público, passando de mão em mão. Outra coisa
que me chamou a atenção então foi uma jovem, que rindo mostrava a seus amigos os
hematomas que tinha adquirido no espaço onde as pessoas pogavam.
118
Entrevista com a banda realizada a 06 de maio de 2006. Lembro que a pesca da tainha é um dos elementos
constituintes da açorianidade em Florianópolis, voltarei a esta questão no próximo capítulo.
74
2.3.12 Pão Com Musse
Os músicos da Pão Com Musse apontam relações desta com o punk, o hardcore, o
metal e o rock brasileiro dos 1980. Ela foi formada em 1995, ligada a uma rede de amigos
que na época habitavam o bairro de Coqueiros, na parte continental de Florianópolis. Durante
a pesquisa, tinha como integrantes o vocalista Brena, o guitarrista Marcelinho, o baixista
Pedal e o baterista Calil. A idade dos músicos era entre 26 e 31 anos. Marcelinho trabalhava
no SESC, Pedal era professor de Geografia da rede estadual, Brena e Calil não tinham
empregos fixos, este tendo já trabalhado como telefonista, eletricista, porteiro e recepcionista.
A apropriação da Pão Com Musse do punk rock se dá através de elementos como
andamentos, ritmos e timbres de guitarra. Segundo seus músicos, a ligação também dar-se-ia
pelas letras, que acusariam problemas sociais por meio de críticas, muitas vezes sarcásticas. A
banda tem como características a exacerbação da diversão e, como a Black Tainhas, a alegria.
Os músicos da Pão Com Musse e sua rede de amigos adoram organizar “festanças”. Entre
estas a Ogrofest, e a de aniversário de Calil, a Lingüiça Fest, que acontecem todos os anos.
2.3.13 Euthanasia
Euthanasia, surgida em 1992, e Os Cafonas são as bandas mais antigas que
acompanhei. Na época, a primeira era formada por Mancha, baixista e vocalista, Jean,
guitarrista e vocalista, Heráclito, percussionista e back vocal, e Cauê, baterista. Segundo
Mancha, o nome da banda foi escolhido enquanto seus integrantes folheavam um dicionário.
Ele está relacionado a nomes de bandas de punk e hardcore que apontam para visões
pessimistas de mundo, como Dead Boys, Cólera, Garotos Podres e Ratos de Porão
119
.
119
Voltarei à questão dos nomes de bandas que apontam para visões pessimistas de mundo no quinto capítulo.
75
O estilo da Euthanasia foi constituído a partir da apropriação de elementos do
hardcore, metal, rap, música eletrônica, reggae, manguebeat, surf music e funk. No entanto, a
banda tem mais afinidade com o hardcore, o metal e o rap
120
. Do primeiro, apropria-se dos
vocais guturais e timbres de guitarra graves, do segundo, dos vocais gritados e andamentos
extremamente rápidos. Do terceiro, dos scratchs
121
de discos, do trabalho com DJs e das
colagens das músicas
122
. Uma marca sua é a presença de dois vocalistas. Há um diálogo entre
os vocais guturais de Jean e os “gritados” de Mancha, os músicos não percebendo relação
hierárquica entre os dois.
A Euthanásia também trabalha intercalando seções rápidas e lentas, utilizando-se das
idéias de “peso” lento, “arrastado” e grave, presente no metal
123
, e de “peso” rápido, explosivo
e enérgico, característica do hardcore. Nas lentas, a percussão é bastante explorada,
envolvendo timbales, agogô, bongô, surdo, chocalho, pandeiro e berimbau (apenas no CD).
Muitas vezes a percussão dobra os ritmos da bateria, de forma a encorpar e dar mais “peso” ao
som. Quanto às características rítmicas, Mancha me falou de um “batidão” caraterístico da
Euthanasia. Este se definiria pela mistura entre o rap e o “peso” lento do metal.
2.3.14 Brasil Papaya
Surge em 1993, com o trabalho dos dois irmãos guitarristas Renato e Eduardo
Pimentel. A banda, de rock instrumental, mescla o heavy metal a gêneros como chorinho,
jazz e blues, em seu último CD, Esperanza (2006), chegando a gravar um tango de Piazzolla.
Durante a pesquisa, era composta pelos irmãos, por Adriano Rotini, o Baga, baixista, e Alex
Paulista, baterista. Eles tinham entre 27 e 36 anos. Alex e Eduardo dão aulas de seus
120
Sobre o rap ver Rocha, Domenich e Casseano (2001); sobre o rap em Florianópolis ver Souza (1998).
121
Arranhar de discos que gera um motivo rítmico.
122
A utilização de colagens foi uma das semelhanças com o rap que os músicos da banda me apontaram, no
entanto, este não é um procedimento apenas deste gênero musical, sendo que o Pipodélica também trabalha com
colagens, sem, no entanto, perceber nenhuma relação destas com o rap.
123
Lembro que o peso “lento” e “grave” também aparece na Kratera, sendo relacionado às bandas de doom
metal. Para a obtenção desta sonoridade, a Euthanasia utiliza o mesmo tipo de afinação mais baixa dessa banda.
76
instrumentos. Renato trabalha como produtor em seu estúdio de gravação, onde Adriano é
técnico.
Esta é uma banda diferente das outras de que trato
124
. Primeiro devido à sua relação
com a cena metal. Segundo, por causa de suas concepções musicais. Seus músicos apresentam
uma preocupação com o aperfeiçoamento técnico e virtuosismo instrumental que não observei
nas outras
125
. Além disso, esta foi a única banda que acompanhei na qual todos os integrantes
trabalhavam apenas com música, tendo esta - seja com as aulas de instrumento ou com as
gravações de estúdio - como principal fonte de renda. Assim, grande parte das questões sobre
concepções musicais de que tratarei nos próximos capítulos não se aplicam a ela. Considerei
importante incluir o Brasil Papaya aqui por ela ser uma banda de rock que atua há quase uma
década, sendo citada como importante na cidade por vários músicos, além de que alguns de
seus músicos estão ligados ao círculo de amizade dos músicos das outras bandas de que trato.
124
As bandas apresentaram divergências em suas concepções e visões de mundo. No caso do Brasil Papaya,
elas são gritantes, o que percebi de forma cada vez mais clara enquanto analisava meus dados.
125
A preocupação com a técnica instrumental aparece aqui como característica da banda e não como
propriedade valorativa ou pejorativa.
77
3 As redes do rock e os gêneros musicais
Neste capítulo, trato de como a comunidade rock de Florianópolis vincula-se a uma
rede extensa de troca de informações configurada a partir do gênero. Para isso, tenho como
referencial a idéia de neotribalismo de Maffesoli (2000, 2005). As tribos, ou comunidades
afetuais, são grupos caracterizados pelo compartilhamento de uma ética e estética
específicas. Elas surgem a partir de redes de amizade estabelecidas por atração e repulsão e
formam cadeias pela multiplicação das relações, configurando-se umas a partir das outras.
Elas se cristalizam e dissolvem dentro de uma massa em agitação, na qual se formam
condensações regidas pela estética. O neotribalismo se caracteriza pela fluidez e dispersão,
seus grupos são ao mesmo tempo frágeis e objeto de grande investimento emocional. Eles
ajustam-se entre si e situam-se uns em relação aos outros. A realidade social acaba sendo
vista como uma rede de redes.
A estética que serve de cimento para o aparecimento das tribos é vista como “a
faculdade comum de sentir e experimentar” (Maffesoli, 2000: 105). As tribos constituem-se a
partir de emoções compartilhadas e sentimento coletivo, expressos na moda, ideologia e
linguajar. A estética não é individual, mas uma abertura para o outro. As formas de
solidariedade surgem engendradas pela atração de sensibilidades e a socialização se dá pelos
gostos partilhados. Estes se tornam vetores para o surgimento de éticas, entendidas como
morais particulares a cada grupo, que unem ou excluem seus membros. O autor substitui a
lógica da identidade por uma da identificação que não repousa sobre indivíduos autônomos e
que agrega vários grupos com uma multiplicidade de valores. A identificação substitui a
idéia de um eu substancial pela de uma pessoa que “se produz através das situações e das
experiências que a modelam” (2005: 304), obedecendo a uma lógica relacional, na qual o eu
apresenta diferentes facetas e a pessoa é percebida como uma série de estratos. O autor
prefere à idéia de indivíduo a dapersona, da máscara que pode ser mutável e que se integra
78
sobretudo numa variedade de cenas, de situações que só valem porque representadas em
conjunto” (2000: 15). Assim, as pessoas não se agregam simplesmente a um grupo. Há um
vai e vem constante entre grupos. O coeficiente de pertença a um grupo não é absoluto, as
pessoas se vinculam a múltiplos territórios e tribos.
A substituição de uma identidade rígida pela persona, com facetas que se consolidam
na identificação com um grupo, leva Maffesoli (2000) a usar o termo cena para se referir à
vida social. As cenas se formam com a cristalização de ambientes dentro de redes de fluxo,
são nodosidades que se configuram e diluem com o câmbio de máscaras realizado pelas
personae. O termo é um recurso para observar formações efêmeras e à parte de instituições,
num contexto de fluxo. Assim, como já foi dito, além de ser uma expressão nativa, ele é
empregado aqui para tratar da fluidez da vida social e da pessoa.
Estudando o rock de Paris, Seca (1988) observa uma forma de agrupamento social
semelhante às comunidades afetuais de Maffesoli. Para Seca, as “massas” só existem na idéia
que fazemos delas, sendo “uma realidade psíquica antes de (...) um agregado abstrato” (1988:
43). Assim, não existe uma cultura de massa em estado puro e as minorias tiram sua força da
massa, dando-lhe direção e configurando-se em formações sociais chamadas pelo autor de
cristais de rock. Definidos por sua atividade central, estes cristais se opõem às massas
anônimas. Seus participantes têm origens sociais e histórias diversas, sua identidade social
provindo das atividades que fazem em comum. Seca observa que a música gera o sentimento
de comunidade “em fusão”, materializando “espaços simbólicos e seus aspectos corporais”
(2004: 23) e propiciando a circulação de emoções e de significados não verbais, que surgem
no interior do grupo e emergem para o exterior. Com isso, ele considera que os músicos
underground anunciam a difusão de novas formas de conformidade coletiva, se propondo a
representar os ouvintes e a “cristalizar um sentimento de flutuação identitária e expressiva”
(2004: 220). Ainda segundo ele, este processo de cristalização identitária tem nos shows
79
momentos extraordinários, onde as bandas canalizam as emoções e sentimentos difusos,
chamados pelo autor de fluido rock.
Além de perceber a cena de Florianópolis como uma comunidade afetual, observo
que os processos de desencaixe e reflexividade propostos por Giddens (1991) são úteis para
pensá-la. Ao contrário de Maffesoli, que propõe o advento da pós-modernidade, Giddens
trabalha com a idéia de modernidade radicalizada, na qual há uma intensificação das
conseqüências da modernidade. Ele distingue três fontes do dinamismo da modernidade: 1. A
separação entre tempo e espaço; 2. O desenvolvimento de mecanismos de desencaixe e; 3. A
apropriação reflexiva do conhecimento. A primeira é crucial para o dito dinamismo, no qual
o “esvaziamento do tempo” leva ao do espaço e aos mecanismos de desencaixe, que
consistem no “‘deslocamento’ das relações sociais de contextos locais de interação e sua
reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço” (: 29). Juntamente com a
noção de desencaixe, a de reencaixe aponta para a remodelação das relações sociais num
contexto onde as condições de tempo e lugar não possuem mais a mesma importância. A
idéia de reencaixe é uma boa avenida para a compreensão das comunidades que se formam a
partir da identificação com o rock.
Quanto aos movimentos de desencaixe e reflexividade, Giddens considera que a
modernidade é globalizante. Sua definição de globalização: “a intensificação das relações
sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que
acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e
vice-versa” (1991: 69). Neste processo, os acontecimentos locais podem se deslocar numa
direção oposta às relações que os modelam, surgindo uma tensão entre as identidades
regionais e a expansão de relações sociais globalizadas, na qual os estados-nações, apontados
por ele como uma das formações próprias da modernidade, são os principais agentes.
A dinâmica entre significados globais e locais também é percebida por Appadurai
(1996), que se interessa pela construção da localidade em um mundo cada vez mais
80
desterritorializado e transnacional. Para ele, a idéia de localidade e de sujeitos “locais”, ou
nativos, é uma questão de relação e contexto. Ele interessa-se pelo impacto dos meios de
comunicação, principalmente eletrônicos, na construção das localidades. A partir deles, a
troca global de informações constitui “um novo elemento significante na produção da
localidade” (Appadurai, 1996: 197). Os meios de comunicação alimentam a imaginação das
pessoas, que têm acesso a formas e estilos de vida distintos dos seus e criam um
entendimento complexo do mundo. Ele observa que mesmo quando aborda uma realidade
local, o etnólogo lida com a vida a partir de perspectivas de escala global e deve buscar
recursos para representar a ligação entre a imaginação e a vida social no plano local.
Atualmente a internet é o meio de comunicação mais importante para a configuração
da rede global que tem no rock seu eixo de aglomeração. No entanto, a internet não gerou
esta rede, apenas intensificou a velocidade de sua expansão. De acordo com Zimmer
126
,
vocalista d’Os Ambervisions, antes da popularização da internet os músicos se conheciam e
comunicavam através dos correios. Músicos de bandas “amigas” trocavam cartas e inseriam
nos envelopes endereços de outros músicos para serem contatados por seus correspondentes.
Além da importância da mídia, independente ou de massa, e dos meios de comunicação, a
comunidade rock de Florianópolis se articula de forma global e nacional a partir de três
principais eixos: os festivais de rock independente, os selos idem e os subgêneros de rock.
Nos festivais, bandas de todo o país entram em contato, o que possibilita a
visualização da rede que configura a cena brasileira. Isto viabiliza a criação de vínculos de
amizade e camaradagem que levam ao intercâmbio de shows e à interdependência das
bandas de cuja importância já tratei. Os festivais acontecem em diferentes cidades e muitos
deles são organizados por integrantes de bandas de rock independente. Entre eles estão o
Goiânia Noise e o Bananada (Goiânia), o Porão do Rock e o Senhor Festival (Brasília), o
Ruído Festival (Rio), o Demo Sul (Londrina) e o Psychobilly Fest e o Psycho Carnival
126
Entrevista concedida em 26 de junho de 2006.
81
(Curitiba). As bandas de um mesmo selo independente também acabam criando laços de
amizade e camaradagem. Quando escolheram a Monstro Discos para lançar seus CDs, Os
Ambervisions entraram em contato com diversas bandas ligadas ao selo como a MQN e a
Mechanics, de Goiânia, e a Sapatos Bicolores, de Brasília. Ademais, estes selos promovem
shows que articulam bandas de diferentes cidades (Rosa, 2005).
O último eixo, porém não menos importante, de que tratarei aqui, são os subgêneros
de rock. Os gêneros musicais e os subgêneros são frequentemente percebidos pelos músicos
como rótulos e estereótipos que implicam em fórmulas para a composição. A busca por
originalidade faz com que as bandas não se considerem “pertencentes” a nenhum subgênero,
mas apenas ligadas a estes. Devido ao valor da autenticidade, em geral, os músicos
posicionam-se cuidadosamente frente aos subgêneros. No entanto, estes são percebidos como
importantes referências para situar a banda frente a seus ouvintes. Com isto, é muito comum
que o estilo de determinada banda seja descrito por meio da comparação com outras. Quando
se fala de determinada banda que alguém não conhece, essa pessoa pode perguntar: “Esta
banda é tipo o que?”, e a outra pode responder: “É tipo Smashing Pumpkins, tem um pouco
de Sonic Youth, meio indie”. Assim, por meio da referência a outras bandas e subgêneros,
busca-se traçar um panorama de características musicais para que a pessoa que não conhece a
banda possa imaginar o estilo desta e se interessar ou não por conhecê-la. Os músicos de uma
banda recém formada buscam a resposta de seus primeiros ouvintes e as comparações
traçadas por estes para poder situar seu estilo dentro das características e subgêneros que
configura o rock. Eles podem concordar ou não com a resposta dos ouvintes, aceitando as
considerações e comparações condizentes com seus valores musicais.
Para pensar os gêneros e subgêneros musicais, utilizo as formulações de Bakhtin,
para quem os gêneros são caracterizados por seu conteúdo temático, estilo e composição.
Para ele, só podemos nos expressar dentro de gêneros, que são “formas típicas para a
‘estruturação da totalidade’, relativamente estáveis” (1989: 267). Os sujeitos discursivos
82
elaboram os gêneros através de seus estilos, que expressam suas individualidades e que
podem transitar de um gênero para outro, acontecendo então que não apenas a entoação de
um estilo se adapta às condições de um novo gênero, mas o próprio gênero é renovado.
Bakhtin considera as formas genéricas como flexíveis, “ágeis, elásticas e livres” (: 268), um
corpo de textos específico, ainda que passível de mudanças (Seitel, 1999). Os gêneros são
estruturas de orientação para a criação e interpretação do discurso (: 4).
Voltando a Giddens, a questão dos estados-nações como principais agentes na
construção da tensão entre o local e o global está visível claramente na chegada do rock ao
Brasil, quando são dirigidas a ele as acusações de “americanização” e “alienação”. Sigo aqui
a Menezes Bastos (2005 a), considerarando os gêneros como sistemas fluidos, que acabam
congelados se tomados como pertencentes a determinada nacionalidade. O autor observa
como no diálogo entre estados-nações a música popular é uma linguagem crucial, que
expressa o sistema. Para ele, as fronteiras dos gêneros estão sempre se modificando, pois sua
incorporação é ativa e eles recebem conteúdos simbólicos diferentes, relacionados à
existência de subtextos estéticos e ideológicos. A incorporação ativa de gêneros, sua
flexibilidade e a instabilidade dos significados que podem receber também é observada por
Seca (1988), Frith (1981), Wicke (1993), Walser (1993) e Middleton (1990).
Desde o primeiro capítulo, trato dos gêneros e subgêneros de rock. No segundo,
estudo de que forma as bandas se apropriam deles, incorporando-os a seus diferentes estilos.
A partir d, a dinâmica entre o local e o global acontece na formação do próprio estilo da
banda. Para exemplificar isto, retomarei o trabalho da Black Tainhas. Como já dito, a Black
Tainhas e a Xevi 50 são as únicas bandas que buscam conciliar características musicais e
visões de mundo próprias do rock com aquelas vistas como específicas de Florianópolis. A
Xevi 50 faz isto explorando o surf music em uma cidade ligada à pratica do surf.
Diferentemente da Xevi 50, a Black Tainhas relaciona elementos ligados à açorianidade,
como o manezinho, a temáticas próprias ao punk. A definição do estilo da banda como punk
83
rock tainha é uma tentativa de conciliar o punk com uma atividade importante na construção
da açorianidade em Florianópolis: a pesca da tainha (conforme Lacerda, 2003).
Um bom exemplo da prática deste intuito é a música Punk Rock Tainha, na qual o
protagonista afirma ser um punk rock tainha, que nasceu na beira do mar de Florianópolis, e
utiliza a expressão “oi- oi- oi”. No contexto da música, esta expressão tem um duplo sentido.
O primeiro refere-se à expressão “ó-lho-lhó”, típica do manezinho, que exprime admiração,
surpresa ou sarcasmo (Rodrigues, 1996). Ela é também uma espécie de saudação presente na
Oi! Music, um tipo de punk, apontando uma identificação com esta. Outro exemplo desta
apropriação é a música Latão (de Lixo) Integrado. Nela, a banda critica o Sistema Integrado
de Transporte implantado pela Prefeita Ângela Amin, em 2003. Para isso, os músicos
apropriam-se da crítica e rejeição do punk ao establishment ou “sistema”, afirmando não
quererem sustentar o “sistema integrado”.
A Black Tainhas não busca resgatar apenas a identidade tida como típica de
Florianópolis, mas dialoga com o contexto brasileiro. Isto acontece no Baião do Severino,
onde explora o ritmo do baião, mesclando-o às guitarras e timbres do punk, e dirige uma
crítica a Severino Cavalcanti, que em 2005, quando primeiro-secretário da Câmara dos
Deputados, foi acusado de exigir propina de um empresário “para manter a concessão de seu
restaurante na Câmara”
127
. Também acontece aqui o processo de canibalização construído
desde o modernismo como típico da cultura brasileira, no qual, constitui-se uma identidade
cultural a partir da apropriação do “estrangeiro” (Menezes Bastos, 2003 a e 2005 a). Assim, o
“manezinho da ilha” apropria-se do gênero punk, criando seu estilo, o punk rock tainha.
127
Revista Veja, ano 38, n
o
32, dezembro de 2005, pp. 91.
84
4 O Puro e o Impuro no Mundo do Rock
4.1 Das relações com a indústria fonográfica.
Tratarei aqui da relação das bandas com a indústria fonográfica e o mundo do
trabalho. Na visão dos músicos que acompanhei, a ambição comercial e as necessidades
financeiras restringem a criação e corrompem a autenticidade da música. Assim, há no
discurso nativo uma dicotomia entre música autêntica e original e música “comercial”,
estandardizada e alienada, respectivamente o puro e o impuro. Esta dicotomia no mundo do
rock foi também tratada, entre outros, por Cohen (1991), Seca (1988, 2004) e Frith (1981,
1988). Também não é apenas do rock, estando em outros gêneros. São elaboradas no
discurso dos músicos oposições entre gêneros autênticos e corrompidos pela ambição
comercial das gravadoras, como aquelas entre o rock e o pop e o hardcore e o emocore. Os
gêneros mais acusados de corrompidos e corruptores pelos músicos que pesquisei são: a
MPB - especialmente Caetano Veloso e Djavan -, o pagode e o pop-rock mainstream.
A oposição entre a pureza da autenticidade e a impureza e alienação da
comercialização marca também o trabalho de diversos estudiosos da música popular,
principalmente quando entra em pauta o conceito adorniano de indústria cultural, segundo o
qual a “pura racionalidade sem sentido” (Adorno e Horkheimer, 1986: 157) leva a uma
sociedade organizada e dominada pela administração, que elimina “as peculiaridades de
várias esferas da vida social” (Dias, 2000: 25) e transforma a cultura e a arte em produção
industrial e mercadoria. Os estudos de Adorno sobre música popular apresentam dois
principais conceitos: estandardização e “pseudo-individualização” (Middleton, 1990).
Quanto ao primeiro, os músicos de jazz ou os diretores cinematográficos reduziriam músicas
e filmes a fórmulas familiares ao ouvinte e ao espectador. Assim, a indústria cultural
apresenta um estilo tecnicamente condicionado que é, ao mesmo tempo, a negação do estilo e
85
a pura imitação, “a conciliação do universal e do particular” (Adorno e Horkheimer, 1986:
166), na qual “o universal pode substituir o particular e vice-versa” (idem). Esta
padronização leva ao processo de pseudo-individualização, no qual a diferenciação se daria
apenas por detalhes, fazendo com que o novo pareça familiar. Este processo seria típico da
música popular, uma vez que, na música “séria” cada música seria única.
Com a estandardização e pseudo-individualização a indústria cultural faz com que
“em inúmeros locais, necessidades iguais sejam satisfeitas com produtos estandardizados”, a
unidade do sistema restringindo-se a um “círculo de manipulações e necessidades” (Adorno e
Horkheimer, 1986: 158). Ela organiza e padroniza os consumidores e o homem deixa de ser
sujeito de suas ações, passando a ser um indivíduo genérico, manipulado e substituível.
Também, ela atrofia a imaginação do consumidor, os filmes e os outros produtos culturais
seriam tão familiares e previsíveis que a atenção do público se automatizaria. Com a
vinculação às estruturas manipuladoras, a arte perde a autonomia e sua característica
revolucionária para tornar-se mercadoria e legitimar o status quo. A característica
revolucionária e contestatária é fundamental no conceito de arte de Adorno (1982). Para ele,
as obras de arte se utilizam de uma linguagem própria que tira seu conteúdo da realidade ao
mesmo tempo em que a renega, tornando-se sua antítese. A arte representaria o “desejo de
construir um mundo melhor” (: 20), sendo “a fonte da esperança humana, a inspiração para
luta por mudança social”
(Frith, 1981: 44). É devido à perda de seu caráter contestatário que
Adorno constata a morte da arte na sociedade moderna.
A constituição de um rock independente, alternativo e underground em oposição ao
mainstream está por mais paradoxal que isto possa parecer - ligada a uma forma de pensar
similar à que embasa o conceito de arte de Adorno, que opõe autenticidade a alienação. Na
visão dos músicos e de alguns teóricos a música independente é autônoma, o que dar-se-ia
pela negação da lógica comercial das majors. Esta música escaparia da pretendida
estandardização, tendo a criatividade e a inovação como valores fundamentais.
86
Dias (2000) e Manuel (1993), tratando das majors, abordam a indústria fonográfica
dentro do esquema controlados/controladores, sendo “otimistas” quanto às indies, vistas
como agentes da diversidade e de maior democracia na produção. Dias a considera que as
análises de Adorno deveriam ser revistas quanto à produção independente, uma opção para a
opressão esmagadora da mídia de massa. Ela também faz a aproximação entre esses dois
pontos de vista que a um primeiro momento poderiam parecer antagônicos: o de Adorno e o
de músicos populares, no caso roqueiros, pois Adorno simplesmente execrou toda a música
popular. Durma-se com um barulho disto: como pensar roqueiros ou simplesmente músicos
populares em geral adornianos? Será que o pensamento “de” Adorno não é uma espécie de
senso comum da intelligentsia ocidental, desde os anos 1930-40 do século XX até hoje
(Menezes Bastos 1996 a, 2005 a)?
Para Dias (2000), a comercialização só se dá por negação ou positivação. Isso fica
claro quando ela comenta os selos criados pelos próprios artistas para promover seu trabalho,
o que não evitaria de este trabalho ser tão estandardizado quanto os das majors. Isto levaria a
indie a deixar “seu valor agregado de símbolo de qualidade musical e de veículo de críticas e
inovações para, igualmente, desenvolver fórmulas previsíveis e consagradas” (: 130).
A possibilidade de corrupção da autenticidade também aparece no discurso dos
músicos que pesquisei, para quem haveria vários tipos de bandas independentes. O primeiro
incluiria aquelas que têm na cena independente seu objetivo final, buscando na música o
prazer de tocar e vendo-a como um hobby. O segundo tipo veria na cena independente
apenas um trampolim para o mainstream, não tendo compromisso com os ideais
contraculturais da música “alternativa”. A visão da música como hobby é importante aqui,
pois a oposição entre pureza e impureza quanto à indústria fonográfica está em última
instância relacionada ao mundo do trabalho, oposto ao do prazer e lazer associado ao rock
128
.
128
A relação puro/impuro no rock evoca o trabalho de Dumont, “Homo Hierarchicus”. Neste, a pureza e a
impureza conferidas às castas da Índia do sul aparecem relacionadas à vinculação das pessoas ao trabalho.
87
O primeiro leva à necessidade de comercialização e, então, à perda de autenticidade e
artisticidade.
A relação do rock com o lazer surge nos 1950, quando ele emerge como parte do
universo jovem. Na sociedade moderna, a idéia de juventude é construída como um período
de transição, “de preparação para o ingresso na vida adulta” (Abramo, 1994: 11). Frith
(1981) observa que, entre 1920 e 1960, ela é considerada símbolo do lazer, o qual significa
prazer e consumo, ser irresponsável e espontâneo antes de assumir as responsabilidades da
vida adulta. O contexto das elaborações de Frith é o Ocidente, no qual surge uma idéia de
trabalho associada ao processo de industrialização, às obrigações econômicas, rotina e
repetição, e no qual o lazer é pensado como o tempo no qual não se trabalha. A dicotomia
entre a responsabilidade do trabalho adulto e a liberdade do lazer jovem é o que interessa na
relação do rock com a juventude. Apesar de ter encontrado um grande contingente de jovens
durante a pesquisa, o importante na relação entre a juventude e o rock não é simplesmente a
idade, mas os valores de liberdade e prazer associados a esta. Concordo com Seca (1988),
quando ele propõe que no universo do rock a adolescência torna-se uma fase prolongada.
Em meu campo, uma das perguntas que constantemente fazia era: “Quais os objetivos
da banda?”. Nenhuma banda a respondeu diretamente, algumas apresentando dificuldade e
contradição entre seus músicos, ao respondê-la. Eu perguntava também se eles tinham o
intuito de “viver de música”, tendo o trabalho da banda como profissão e principal fonte de
renda. A única banda que apresentou objetivos de “viver de música” foi a Kratera. Sil, líder
da Xevi 50, a vê como “profissional”, mas quanto à qualidade e seriedade do trabalho, pois a
Xevi não levanta recursos financeiros suficientes para sustentar seus músicos.
Alguns músicos afirmaram ter tido perspectiva de “viver de música” durante certo
tempo, o que abandonaram devido às dificuldades encontradas. Assim, o amor pela música e
o gosto por tocar são as principais justificativas para a existência da banda. Mesmo o
Pipodélica, apontado por muitos como uma banda com pretensões de “viver de música”, não
88
assumiu isto. Ele tem experiência em shows e turnês e relatou em entrevista
129
as
dificuldades de uma banda independente. Em seus relatos, uma tensão entre “ganhar
dinheiro” e “fazer um bom show”. Num bom show, a sonorização é bem feita e o público é o
que Seca (1988) chama de “público amigo”, que conhece rock e sabe avaliar o que assiste. O
pior tipo de show é aquele no qual o desleixo com a sonorização prejudica a banda. Outra
situação não ideal segundo o Pipodélica são os shows no interior do estado. Nestes, haveria
boa remuneração, mas faltaria o “público amigo” - o público ali não esperaria uma banda de
rock. Quando a banda “toca por dinheiro”, ela apresenta um repertório de covers “da moda”.
Alguns músicos, não apenas do Pipodélica, tinham projetos de bandas de covers paralelos,
com a intenção de ganhar dinheiro, não se sentindo realizados e satisfeitos com isto.
A falta de recursos é o maior obstáculo para as bandas. Cito o comentário do
debochado Arioli, dos Ambervisions, sobre as características de uma banda independente:
“São aquelas que têm dinheiro, viajam de avião, só andam de carro, não andam de ônibus e
não pegam carona e, por isso, são caracterizadas pelo dinheiro”
130
. O sarcasmo do
comentário aponta para a recorrência dos músicos a outras fontes de renda que não a banda
para sustentar esta. Eles têm que ter “dinheiro” para pagar as viagens e gravações.
A relação com o “dinheiro” vem ao encontro ao observado por Cohen (1991) em
Liverpool. Ela liga os valores vinculados às bandas de rock à classe média, cuja educação
encoraja a originalidade, a criatividade e a arte não como forma de ganhar dinheiro, mas
como meio de expressão. Por outro lado, ela observa que músicos de classes menos
privilegiadas buscam na arte o profissionalismo, tendo objetivos comerciais e financeiros e
visando adquirir respeito por meio desta.
Nas bandas independentes, a realização não se dá em termos financeiros, mas de
reconhecimento e compreensão do trabalho. Isto me ficou claro quando assisti a um show da
Xevi 50 tocando com o naipe de metais. Observei a dinâmica entre a performance e o
129
Realizada em 18 de julho de 2006.
130
Comentário anotado em diário de campo. Tento através da memória recuperar as palavras do músico.
89
envolvimento com o show dos músicos da Xevi e a dos músicos do naipe. Eu conhecia estes
músicos, com os quais já tinha tocado. Para eles, que tocam em orquestras, bandas militares e
circulam por diversos ambientes musicais, aquele show parecia ser um trabalho qualquer.
Eles não tinham a mesma identificação com o rock e a mesma imposição no palco que os
músicos da Xevi, parecendo não compartilhar das expectativas destes quanto ao show.
A oposição entre produzir música por amor ou por dinheiro também aparece quando
os músicos falam sobre os donos dos bares, vistos como motivados pela ganância,
exploradores indispostos a ajudar a cena. Por isso, o antigo bar Underground é tão elogiado.
Seu dono era uma pessoa envolvida com a cena, não tendo compromisso apenas com o lucro
e sendo, portanto, digno da confiança dos músicos.
Além de estar relacionada ao universo adorniano ou melhor, a um universo de
sentido também presente no pensamento de Adorno -, a recusa do dinheiro está ligada à
concepção de artista do Romantismo do século XIX e da vanguarda do XX. A arte “como
devendo estar separada das restrições do dinheiro, do comércio e como uma prática
individualista” aparece no romantismo (Seca, 1988: 161). Seca observa que enquanto os
românticos buscaram renunciar ao mundo burguês, os roqueiros renunciam à sociedade de
consumo. Além disso, a arte romântica tem como ideal “transcender uma época” e criar um
“mundo novo” (Grout e Palisca, 1988: 573) a partir da subjetividade do artista, ser isolado e
incompreendido por seus semelhantes que procura inspiração dentro de si próprio.
Esta concepção elitista de arte, de acordo com a qual poucas pessoas são capazes de
compreendê-la, é similar àquela que está na base da crítica dos músicos independentes à
música mainstream. O elitismo é também característico das vanguardas do século XX: “a
vanguarda é o movimento pelo qual um pequeno grupo, uma elite, animada por um projeto
novo, rejeita radicalmente o conformismo ambiente, as idéias aceitas, as heranças da
tradição” e por isso está fadado à solidão, considerada pelo artista como “indício de sua
personalidade” e “sinal de sua individualização frente a uma massa informe que absorve
90
cegamente os valores da tradição contra os quais o artista se revolta” (Ferry, 1994: 271-5). O
artista deve “romper com a tradição para criar sem cessar algo de novo” (: 276) e recusar as
formas habituais de expressão do belo em prol de sua subjetividade. Esta idéia de ruptura,
como se viu, é fundamental para Adorno (1982, 1986), um dos principais autores a
desenvolver os valores do pensamento de vanguarda, tipicamente na música. Segundo Ferry
(1994), a deserção do público apareceria como sintoma positivo para a vanguarda, pois a arte
não pode ser conciliada com a sociedade de consumo e o artista égênio desconhecido,
mártir solitário de um mundo sem alma, abandonado à dominação técnica” (: 270).
A suspeita de um público manipulado pelas majors faz com que as bandas não
considerem a possibilidade de aceitação por ele. Percebi em campo a mesma tensão
observada por Seca (1988) entre o desejo de aceitação pelo público e a fidelidade à
autenticidade. Aqui, surge a concepção nativa de “ideologia”, que se refere à autenticidade e
originalidade, tidas como valores supremos. Conforme Christian, vocalista de Los Rockers:
Quer ver? Vou dar um exemplo: sei lá quantos CDs teve, o primeiro e o segundo foram mais
pesados, daí, depois começou a ficar mais comercialzinho, com certeza não foi porque eles quiseram.
Acho que teve dedinho de produtor lá pra vender mais. (...) Isto aí é corromper. Eu acho assim: se tu
estás a fim de fazer um som, a gravadora fechou contigo, a sua ideologia não pode mudar, tem muita
banda que eu conheço (...) que mudou o jeito de trabalhar. (...) Vamos supor que o Los Rockers faça
música própria, daí vem um cara e fala assim pra gente: “Oh, a gente está a fim de gravar vocês”.
“Tudo bem, a nossa ideologia é a mesma, nossa melodia é a mesma, a gente compõe as músicas do
jeito que a gente acha, a gente passa a mensagem que a gente quer. Entendeu? Então o cara quer
gravar, quer gravar a gente do jeito que a gente é. É esse estilo que a gente ta fazendo. (...) Porque já
teve cara que chegou pro meu irmão lá em São Paulo e falou: “ Tô a fim de gravar vocês, mas é o
seguinte: vai ter que parar de fazer este estilo (...) vamos deixar bem pop pra vender”. Isto está
querendo desvirtuar a ideologia da banda (...) (informação verbal, grifos meus)
131
.
Alguns músicos têm uma visão diferente quanto a isto, apontando que atualmente
vem surgindo um novo nicho para bandas, onde poderiam ao mesmo tempo ser
independentes e “ganhar dinheiro”. Entre os músicos que entrevistei, Zimmer, dos
Ambervisions, foi o que se mostrou mais otimista neste sentido:
A cena nacional tem que crescer, ou seja, tem que rolar grana. A coisa só vai crescer quando
as pessoas começarem a viver disto. Sabe? Uma pessoa que tem uma banda, e tem um segundo
emprego pra sustentar a banda, ela não vive de banda. Não adianta sabe? (...) As bandas têm que
entender o seguinte: “Eu tenho banda porque tenho um ideal, eu adoro aquilo, tenho tesão de tocar, eu
131
Entrevista realizada em 06 de fevereiro 2006.
91
quero dizer uma mensagem. Mas quem tem bar, quem tem rádio, quem tem jornal, está ali pra ganhar
dinheiro e isto não tem pecado nenhum (...) O dono da Creperia: “Ah, porque o cara da creperia é o
maior filho da mãe” (imitando os músicos). A gente tem que entender que aquilo lá é o negócio dele,
ele paga as contas dele com aquilo. Então, a coisa tem que se adequar. (...) As bandas tão começando a
entender isto: que pra virar profissional, que pra cena crescer e se sustentar, tem que ter organização,
tem que ter grana (informação verbal)
132
.
O que este músico propõe é a superação da oposição entre arte e comercialização
através da consiliação dos dois extremos.
4.2 Da emergência de uma forma de se pensar arte
Partindo das análises de Adorno, dois pontos de vista: o dos autores que as
sustentam, como Dias (2000) e Manuel (1993), e o dos seus críticos, como Menezes Bastos
(2005 a), Middleton (1990) e Frith (1981, 1988). Os segundos consideram que a posição de
Adorno leva à cegueira quanto a outros valores. Sobre isto, Middleton (1990) observa que a
falha das análises de Adorno está na articulação de uma teoria da evolução musical centrada
na tradição européia de fins do século XIX, que privilegia elementos musicais característicos
de sua vertente austríaco-germânica, não dando atenção ao que se passa nas demais
vertentes. Middleton (1990) e Menezes Bastos (2005 a) criticam Adorno quanto à sua ênfase
na nocividade da indústria fonográfica e em seus processos de manipulação, que consideram
reducionista quanto à recepção do público, tido como uma massa sem espírito. Middleton
(1990) observa que para Adorno os ouvintes não produzem significados, o conteúdo da obra
é tomado como acabado, apenas a ser decifrado pelo ouvinte. Para ele, Adorno considera de
forma exagerada a homogeneidade da cultura sob o impacto do capitalismo.
Menezes Bastos (2005 a) tem posição semelhante, criticando aqueles que confundem
“a cultura dos pobres com a pobreza de cultura” (: 233). Ele considera que nativos de todos
os tipos são ativos na incorporação de produtos da indústria fonográfica em suas vidas:
132
Entrevista realizada em 26 de julho de 2006.
92
De forma crescente, etnomusicólogos estão descobrindo que não apenas as gravações que eles
fazem mas também as técnicas e máquinas que as produzem estão sendo radicalmente transformadas
através de seu uso pelos povos-objeto que eram previamente assumidos como passivos” (2002 a: 385).
Apesar et pour cause - de não concordar com Adorno, Menezes Bastos (1996 a)
chama a atenção para a importância de seu pensamento, o primeiro a tematizar
sociologicamente a música popular, legitimando-a como objeto de estudo. Ele observa que o
tão criticado amargor de Adorno quanto à música popular “nunca foi particularmente de
Adorno, manifestando-se também (...) em outros intelectuais importantes de seu tempo” (:
158). Por fim, ele evidencia que a oposição entre um universo tido como “autêntico” e outro,
“comercial”, está também presente nas polêmicas - envolvendo a intelligentsia carioca dos
1930 - que tematizam as diferenças entre os sambas de primeiro - baiano e “antigo” - e
segundo tipos - carioca e “moderno” (2000: 17-18). Ela surge também quando músicos e
intelectuais que defendem a MPB se posicionam contra a apropriação tropicalista da
música pop, associada à comercialização e à corrupção. Uma outra ocorrência da dicotomia
se dá na música caipira, a sertaneja sendo para alguns estudiosos resultado de sua inserção na
indústria cultural e, logo, deturpação (Oliveira, 2004: 17).
Benjamin (1969) é o primeiro autor “otimista” quanto aos efeitos da industrialização
e das técnicas de reprodução na arte. Ele observa que algumas mercadorias produzidas pelos
meios capitalistas, como o cinema, têm potencialidade crítica e revolucionária, podendo ser
engajadas nos processos de transformações sociais. Para ele as técnicas de reprodução
tornam a arte acessível às massas, reforçando seu poder de transformação social.
Quando nos desvinculamos de visões apocalípticas quanto aos meios de produção
industrial, observamos como emergem com eles novas estéticas e valores relacionados a elas.
Para Benjamin (1969), os modos de vida transformam as maneiras de perceber o mundo, a
reprodução técnica ressaltando aspectos que não seriam percebidos sem esta. Para ele, o
cinema é caracterizado por um modo de percepção do mundo propiciado pelo aparelho, que
93
amplia a quantidade de objetos visuais e auditivos que apreendemos a um só momento,
aprofundando nossa atenção.
A fonografia também caracteriza um modo de percepção. Em 1877, Edison inventa o
fonógrafo, materializando uma idéia presente no Ocidente pelo menos desde o mito narrado
por Rabelais, sobre o congelamento de palavras e músicas nas regiões remotas do planeta
(Menezes Bastos, 1990, 1995 a, 1996, 1999 e 2002 a). Edison não pensa a gravação musical
e o entretenimento como as vocações do fonógrafo, e sim, o registro da voz humana em aulas
e testamentos (Chanan, 1995). Em 1887, o gramofone é desenvolvido por Berliner, que
entende que sua vocação é o entretenimento e a reprodução musical. A diferença de opiniões
quanto às finalidades da fonografia gera uma polêmica entre Berliner e Edison, em torno da
dicotomia entre ferramenta” ou “utilidade” (tool ou utility) e brinquedo(toy), cuja
resolução aponta para a essência da contribuição dos Estados Unidos para a sociedade
moderna: “esse país é o lar par excellence do show business”, no qual ocorre o encontro
entre o brinquedo (show) e a utilidade” (business)” (Menezes Bastos, 2002 a: 388-390).
Menezes Bastos (2005 a) observa que a fonografia não é um veículo para a produção,
mas um processo constituinte da música do século XX, inclusive a erudita e folclórica. O
desenvolvimento da tecnologia fonográfica estabelece características musicais: por exemplo,
devido ao tamanho do disco, a duração das canções é fixada em três minutos; com a fita
magnética, as partes de cantores e instrumentistas podem ser captadas separadamente, as
gravações podendo ser corrigidas (Wicke, 1993). A gravação gera um ouvido detalhista
(Chanan, 1995) tornando determinantes efeitos que antes não eram registrados na partitura:
pequenas inflexões e características expressivas da voz, mudanças de colorido, nuances de
fraseado, pequenas alterações de tempo e de timbre - da voz e dos instrumentos.
O envolvimento com a mídia e com a tecnologia de sintetizadores, amplificadores,
microfones, efeitos especiais e assim por diante é característico dos músicos de rock, que em
sua maneira de criar música transformam o equipamento técnico em material musical. Os
94
meios digitais de gravação ainda facilitam a montagem de estúdios, reduzindo seus custos
(Wicke, 1993). Isto possibilitou o aparecimento recente de diversos estúdios em
Florianópolis, o que proporcionou com que praticamente todas as bandas de que trato tenham
material gravado. Bandas que atuam na cidade desde os 1990 ainda observaram que a
tecnologia barateou instrumentos musicais e facilitou o acesso à informação, impulsionando
a cena. A veiculação de música em MP3
133
pela internet fez com que as bandas não apenas
recebessem mais informações de outras como tivessem mais oportunidades para divulgar seu
trabalho. Praticamente todas as gravações que recolhi durante a pesquisa estavam na internet,
em sites específicos das bandas e em outros como Trama Virtual
134
e Democlub
135
.
O CD Volume Quatro (2005) do Pipodélica foi lançado e disponibilizado
gratuitamente na internet, o que reflete uma mudança ampla na forma com que as bandas têm
tratado seu material e percebido as possibilidades de inserção no mercado. Bandas no início
da carreira acham mais vantajoso serem conhecidas pelo maior número de pessoas possível
do que vender CDs. O lançamento do CD pela internet superou as expectativas do
Pipodélica, que registrou mais de cem mil downloads de suas músicas, o que equivale a
quinze mil cópias do CD, muito mais que as 1.000 das tiragens usuais das indies.
O Pipodélica ainda é um bom exemplo da utilização criativa da tecnologia dos
estúdios. Ele, que durante a pesquisa tinha quatro CDs lançados, além de gravações avulsas,
considera que 30% de seu trabalho de composição é feito em estúdio. Quando grava, a banda
traz prontas para o estúdio as partes de guitarra e voz. No estúdio, o grupo compõe e adiciona
as outras partes: outras guitarras, teclados e bateria e as partes de samplers (gravações
prontas). Ele chega a elaborar músicas inteiras no estúdio, para melhor aproveitar seus
recursos. Isto se deu com Cabeção, do CD Simetria Radial (2003), constituída pela
sobreposição de samplers. Ademais, por opção de qualidade de timbre, a banda muitas vezes
133
MP3 é “um software que comprime música com qualidade digital para um formato de até um décimo de seu
tamanho atual de leitura binária” (Gueiros, Jr., 2005: 498).
134
Localizado em: www.tramavirtual.com.br.
135
Localizado em: www.democlub.com.
95
usa bateria eletrônica. Nesta, são captados os sons das peças do instrumento (caixa, tons,
bumbo, surdo, chimbal e pratos), que são então montados eletronicamente.
O trabalho da Kratera também utiliza a fonografia. A banda ensaia em um estúdio, o
que a possibilita gravar seus ensaios, que aparecem como espelhos que permitem a auto-
avaliação. Fui convidada para participar da gravação de uma de suas músicas, compondo e
tocando uma parte para meu instrumento, o violoncelo. Passo à descrição de como ocorreu
esta gravação: Recebi um CD “rascunho” com a música em esqueleto, para que fizesse
minha parte. A música continha as partes de baixo, bateria, guitarra e voz. Montei o arranjo
escolhendo os momentos em que considerei que caberia violoncelo, criando uma frase
musical para eles. Em seguida, me reuni com Gastão, principal compositor da banda, para
mostrar meu arranjo, que toquei junto com a gravação do CD. Na ocasião, Gastão trouxe
uma segunda versão da música, que incluía teclado, a partir da qual, nós refizemos meu
arranjo inicial. Após este encontro fui gravar no estúdio a parte do violoncelo, utilizando a
segunda versão como guia. Ouvia a música através de um fone de ouvido enquanto o som do
violoncelo era captado. Na última versão que ouvi da música algumas partes do violoncelo
foram suprimidas e foi acrescentado a seu som um pouco de reverb, o que modificou seu
timbre.
4.3 O rock como universo masculino
A cena de que trato é composta em sua maioria por homens, sendo que nas bandas
encontrei três músicas mulheres. A caracterização do rock como universo masculino não se
somente em Florianópolis. Ela é constatada por diversos autores em diferentes contextos:
Frith (1981), Walser (1993), Seca (1988), Raphael (1995) e Cohen (1991). Esta autora
observa que a mesma impureza da relação do rock com a comercialização manifesta-se em
96
relação às mulheres. Elas não são apenas outsiders, mas indesejáveis e ameaçadoras à
solidariedade dos músicos e sua criatividade.
Cohen (1991) percebe que o meio rock é tomado como uma espécie de família
masculina, na qual as mulheres geram tensão. Os relacionamentos amorosos são vistos pelos
músicos como perigosos, pois as mulheres, vilãs, tomam a atenção do músico em relação à
banda e à socialização com os outros integrantes desta, podendo fazer com que este deixe a
banda. Da mesma forma que o trabalho, as mulheres são consideradas compromissos que
restringem a liberdade criativa. Em meu campo observei algo semelhante quando um grupo
de músicos me falou que começou a tocar e montou a banda por não ter namorada. Ao
contrário de seus colegas que tinham namoradas, eles não tinham “nada pra fazer”.
Segundo Frith (1981), a exclusão das mulheres do mundo do rock deve-se ao fato de
elas estarem associadas à família e à vida convencional - a revolta contra a família torna-se
contra as mulheres. Ele observa que, mesmo com a liberdade sexual ligada ao rock, o lugar
da mulher na família não é questionado e continua a ser subordinado ao do homem e que,
mesmo no gosto musical, as mulheres são ligadas à idéia de romance e família. O autor opõe
o teenybop, as “baladas pop” com letras em torno da construção de uma sexualidade tida
como feminina, que envolveria compromisso emocional, ao cock rock, subgêneros tidos
como mais agressivos, como o hard rock, nos quais o sexo é tematizado como “animalesco,
superficial e momentâneo” (: 228)
e há a celebração da sexualidade masculina.
Cohen (1991) e Frith (1981) ainda observam que no rock as mulheres são vistas como
não musicais. Segundo Cohen, devido às relações de gênero próprias à cidade de Liverpool,
as mulheres não se interessam pelas técnicas de produção de som e de música, sendo em sua
maioria cantoras de fundo, os instrumentos e a composição sendo territórios masculinos.
Elas, então, passam a se relacionar com a música mais como fãs. Cohen retoma as
considerações de Frith, para quem a ligação das mulheres com o rock se dá mais pelo
interesse pelos ídolos do que pela música.
97
Nesta pretensa ligação com os ídolos e não com a música, a relação das mulheres se
dá pelo lado “impuro” do rock, o da venda da imagem e da comercialização. Ouvi
comentários sobre bandas de pop “para pegar mulher”, com as quais os músicos visam
chamar a atenção das mulheres. Estas bandas agradariam as mulheres por terem
características tomadas como femininas. Durante um dos ensaios de Los Rockers que
acompanhei, o vocalista perguntou ao baterista: “Está gostando de tocar como homem?”. Isto
deveu-se ao fato de que, na época, o baterista também tocava numa banda de pop, que ao
contrário do rock não teria as características de “peso” e força de uma “música de homem”.
A presença da “masculinidade” nas características musicais desejadas pelos músicos é
trabalhada por Walser (1993), que observa que o heavy metal sustenta “fantasias de
virtuosidade masculina e controle” (: 108), estando ligado à idéia de potência e poder
masculino. Também Cohen (1991) percebe que sonoridades com propriedades consideradas
masculinas e agressivas, como “denso”, “incisivo” e “sujo”, são desejadas, em oposição
àquelas tidas como femininas como “pequeno”, “aveludado” e “fraco”.
As relações de gênero no rock aparecem até na forma com que os músicos se referem
às bandas. Fui corrigida por um dos integrantes do Pipodélica, por me referir a ela com o
artigo “a” e, não, “o”. No entanto, o nome da banda aparece na maioria das vezes precedido
do artigo “a”, pois “Pipodélica, apesar de ser um nome inventado, soa em português como
feminino. Com esta correção, o músico me apontou a participação da banda no universo
masculino e sua exclusão do feminino. O mesmo acontece com a Kratera. Uma vez
presenciei uma discussão, na qual os homens da banda se referiam a esta por meio do artigo
“o” e as mulheres, “a”. A banda tem o mesmo número de homens e mulheres, mas
participaria do universo “feminino” ou “masculino”? Por outro lado, os integrantes da Lixo
Organico se referem à banda com o artigo “a”. Note-se que esta aproximação com o
universo feminino surge exatamente na banda que apresenta a “suavidade” como uma de
98
suas características musicais, que no segundo capítulo associo ao sentimento de melancolia e
falta de poder.
Segundo Walser (1993), Frith (1981) e Raphael (1995), a visão do rock como
masculino é relativizada pelo punk, ligado ao qual existe o movimento Rock Against Sexism,
com o objetivo de “promover imagens mais positivas das mulheres no rock e encorajar
mulheres a formarem bandas e tocarem instrumentos” (Cohen, 1991: 203). Com o mesmo
intuito, é vinculado ao punk o movimento Riot Grrrl (Raphael, 1995). Ele começa nos
Estados Unidos, em 1991, com bandas como Bikini Kill, 7 Year Bitch e Bratmobile, e na
Inglaterra, em 1992, com Huggy Bear, Linus, Mambo Taxi e Skinned.
Mesmo com o Rock Against Sexism e o Riot Grrrl, o rock continua sendo uma
“família masculina”. Durante meu campo tive a oportunidade de conversar apenas com duas
instrumentistas mulheres. A primeira foi Rafaela, flautista da Cabeleira. Ela relatou que
como flautista nunca se sentiu discriminada por ser mulher. No entanto, além de flautista ela
é baterista, e comentou sobre o fato de a flauta ser um instrumento comum entre as mulheres,
ao contrário da bateria, percebida como para homens, o que se deveria à “força”
pretensamente requerida para tocá-la. Assim, o fato de ela tocar bateria causaria um
estranhamento entre as pessoas, que não levariam suas opiniões a sério. Evidentemente que
esta “força” de que fala Rafaela é cultural, não física. Diversos instrumentistas, não apenas
bateristas, observam que para tocar um instrumento é necessário o aproveitamento do
movimento e do peso do corpo, não “força” propriamente dita. A “potência” observada por
Walser (1993) se dá de forma mais acentuada no papel do baterista que, na visão nativa,
precisa de uma “pegada forte”, “pesada”, e de resistência física, sendo aquele que “segura a
banda”. Ouvi comentários elogiando a baterista Cristiane por “ser mulher e segurar a banda”
ou por “tocar como homem”. Este tipo de “elogio”, muitas vezes vindo de outras mulheres,
deixa implícito que uma mulher não teria a “força”, ou a capacidade necessária para segurar
a banda. Cito Cristiane:
99
Vou ser bem sincera: existe um puta preconceito. Eu no início não me incomodava muito
porque eu parava e pensava: “Ah tá, tudo bem, eu sou mulher, tem pouca baterista”. Mas hoje em dia,
eu falo mesmo: Eu acho um saco! Tem um puta preconceito. A galera não bota fé (...). Fala: “Ah,
porque ela é toda pequenininha, não sei que lá, não sei que lá”. E é chato. O tipo de comentário que eu
já ouvi várias vezes também, que não me irritava e hoje em dia me irrita muito, porque eu acho um
comentário muito desnecessário é: “Nossa, você toca que nem homem.” Tipo, ah, vai se foder cara!
Quer elogiar? Gostou do meu trabalho? Elogia cara! Não vem com essa! Hoje em dia eu detesto. Eu
acho um saco! Tem um puta preconceito. Aqui em Florianópolis eu posso dizer que eu não sinto mais
tanto. Acho que porque o pessoal já me conhece, então até vai tranqüilo, eu sinto que já tem uma
receptividade bem legal. Mas vai pra outro lugar, tem preconceito. Já ouvi muitas vezes gente falando:
“Ah, a hora que subiu uma menina na bateria eu não botei fé nenhuma, mas vi você tocando e...”. Ah,
é o tipo de comentário que é super desnecessário e rola direto (informação verbal, grifos meus)
136
.
A música emprega a palavra “preconceito” diversas vezes, desabafando que se sente
discriminada como mulher. Por outro lado, conversei com músicos homens que me
chamaram a atenção para o fato de que as coisas seriam “facilitadas” para as mulheres - por
serem minoria, elas são tidas como diferenciais paras as banda e para fazer parte destas, não
precisariam tocar tão bem quanto os homens, pois trariam “glamour”
137
. Este tipo de
aceitação funciona como armadilha, pois as músicas querem ser reconhecidas por suas
habilidades e ao serem aceitas como glamorosas, são desacreditadas em seu potencial
criativo, tendo dificuldades em se impor como tão inteligentes e capazes quanto seus colegas
homens. Voltamos à questão das mulheres enquanto elemento “impuro” no rock, onde são
percebidas devido a seu potencial para o “marketing” e não para a criação musical. Esta
forma de aceitação não muda a cosmovisão masculina relativa ao rock, pois as mulheres
continuam sendo percebidas através dos olhos dos homens e nunca dos seus, tendo sua
sexualidade explorada ou invertida - ou se aproveitam do “glamour” ou, para serem ouvidas,
assumem comportamentos tomados como masculinos, tendo mesmo que trabalhar mais duro
que os homens para provar seu valor.
136
Entrevista realizada em 06 de abril de 2006.
137
A visão das mulheres como “glamorosas” foi também observada por Cohen (1991) em Liverpool.
100
5 “Pegada” do rock
5.1 Do processo de composição
No que diz respeito à concepção musical, o processo de composição é fundamental,
sendo o próprio pensar musical que traz em seu bojo os valores dos músicos. Como visto, no
rock a originalidade é central, esta valorização não sendo exclusiva do gênero, mas
constituinte da música ocidental desde o século XVIII (Menezes Bastos, 1996 b), quando a
figura do artista como “grande indivíduo”, centro do sistema de criação e representante de
um “profundíssimo nós” é um dos alicerces para a “sacralização” da música ocidental como
um “tipo de sensibilidade” universal (1995: 54-65).
A criação musical é uma atividade de extrema “pureza” para o rock independente,
objetivo final e processo pelo qual os músicos amadurecem. Tendo isto em mente, perguntei
a eles como era o processo de composição de suas bandas. O procedimento comum é o
seguinte: alguém traz um elemento novo para o ensaio - letra, riff de guitarra, melodia de
baixo ou ritmo de bateria. Então, os outros criam suas partes, em uma sessão de improviso.
Depois, a música é estruturada
138
, isto é, organizada em suas partes. Este procedimento, no
entanto, não é fixo. Um músico pode trazer uma música praticamente pronta, ou as idéias
para uma música podem surgir durante os improvisos dos ensaios
139
. A improvisação é
percebida pelos músicos como o momento mais lúdico e criativo do ensaio. No entanto, ela
deve ser dosada. Ouvi reclamações quanto à desorganização dos ensaios com muita
improvisação e pouca estruturação. Este excesso leva à sensação de falta de produtividade,
uma vez que as músicas nunca estariam prontas. Uma música pronta é para os músicos uma
gratificação por seu trabalho e a possibilidade de visualização deste.
138
“Estrutura” aqui é um termo nativo, e refere-se ao estabelecimento da forma da música.
139
Em seu trabalho sobre o rock parisiense, Seca (1988) observa um procedimento semelhante, consistindo em
improvisação dos músicos partindo de uma idéia inicial e posterior “estruturação” da música.
101
Com exceção da Cabeleira, que incluía percussionistas e sopristas, e da Euthanasia,
que tinha um percussionista, as bandas que acompanhei eram compostas por voz, uma ou
duas guitarras, baixo e bateria. A estrutura de uma música de rock compreende as partes:
melodia instrumental, verso, refrão e solo; organizadas de inúmeras formas, como:
introdução instrumental / verso / verso / refrão / solo / verso / refrão / finalização. No
entanto, estas partes não são fixas. músicas sem refrão, com diversos temas instrumentais
e sem verso ou compostas apenas por efeitos dos instrumentos, não apresentando nenhuma
daquelas partes. A letra do verso oscila, a do refrão é sempre a mesma. O mais comum é que
o solo seja feito pela guitarra, mas também o é pelo baixo, bateria, por todos os instrumentos
cada um à sua vez ou por outro instrumento como flauta, teclado, violoncelo ou metais.
Há uma separação entre a elaboração das músicas e das letras. Isto também aparece
em outros gêneros, como o samba. Em sua análise do processo de composição do Feitio de
Oração, de Noel Rosa e Vadico, Menezes Bastos (1996 a) observa como a letra e a melodia
são compostas em momentos diferentes. No processo, os músicos trabalham com o que
chamam de “monstro”, uma seqüência de palavras com sentido rítmico, sem conteúdo
lingüístico. O “monstro” não é a letra, mas o suporte rítmico que faz a transição entre música
instrumental e canção, uma vez que esta é caracterizada pela unidade da letra e da música.
Partindo da idéia de “monstro”, o autor levanta um questionamento quanto aos significados
de cantar e tocar, no qual o conteúdo das palavras no cantar torna-se central. No rock, a
unidade entre letra e música é fundamental para a construção do estilo, a banda trabalhando
com temáticas tratadas pelos subgêneros com que se relaciona, como é o caso, já visto, da
Black Tainhas. Bandas que não trabalham com letras são classificadas como de “rock
instrumental”, categoria que engloba bandas que dialogam com diferentes subgêneros e
apresentam características totalmente distintas, tendo em comum apenas o fato de não
possuir letras.
102
As letras são escritas fora do ensaio. Alguns músicos mantém um caderno no qual
escrevem as idéias para letras e associações que surgem no cotidiano. Eles podem elaborar a
letra tendo em mente uma parte instrumental específica ou recuperar idéias antigas, não
associadas a músicas. A letra também pode ser o passo inicial para a elaboração da música.
Apesar de não serem chamadas de “monstros”, as bandas trabalham com as melodias iniciais
de que trata Menezes Bastos (1996 a). Na maioria das vezes, o vocalista é responsável pela
elaboração do “monstro”, e pela adaptação da letra à parte instrumental, mas quem compôs a
letra pode já fazer esta adaptação. Há casos onde o próprio vocalista é encarregado das letras.
No rock, o desenvolvimento de características pessoais e particularidades na forma de
tocar é muito importante. Alguns músicos são totalmente autodidatas e a maioria o é durante
parte de sua trajetória, tendo tido aulas de seu instrumento ou de teoria musical por pouco
tempo, ou aprendido a tocar com um músico amigo ou de sua banda. O aprendizado do
instrumento aparece como uma brincadeira em momentos de socialidade onde se bebe, se
toca e se improvisa. O autodidata é muito valorizado no rock
140
, no entanto, alguns, optam
pela formação acadêmica, ingressando em uma escola ou universidade para estudar música.
Antes da bagagem técnica, é importante para o músico de rock a capacidade de ser
criativo, de ter “pegada”. A “pegada” é a forma particular com que ele toca e domina o
instrumento. Ela pode ser “forte”, com “raiva” e com “vontade” ou “leve” e com “sutileza”.
A “pegada” aponta para o verbo pegar, no sentido de segurar ou agarrar. No entanto, ela
pode ser relacionada ao índice deixado por um animal ou pessoa. Neste caso, ela é a marca
deixada pelo músico e por sua banda, sua assinatura. Estas “pegadas” são elaboradas a partir
da seleção de elementos harmônicos, rítmicos, de intensidade e de timbres. Quando indagado
sobre como a banda construiria uma sonoridade específica, Galináceo, da Kratera responde:
As colaborações (de cada músico da banda) viraram um estilo. (...) A banda pegou um estilo
próprio, a banda teve uma unidade, a banda teve uma química, e nós fizemos o estilo da gente, então
140
A valorização do autodidata também é observada por Seca (1988).
103
hoje, tudo que a gente faz é Kratera (...) É a pegada da banda, a banda tem uma pegada única
(informação verbal, grifos meus)
141
.
Os músicos apontam a combinação entre suas diferentes influências e gostos musicais
como o principal fator para a construção do estilo particular da banda. Neste sentido, é
interessante o depoimento de Heráclito, percussionista da Euthanasia:
(...) o legal é que apesar de cada um na banda ter preferência por um estilo musical, a gente se
respeita bastante, e termina sendo até uma virtude pra banda que a gente consiga conciliar os nossos
gostos musicais diversos em prol de um estilo único da banda, que é meio mistureba assim, mas que
tem uma cara bem própria. Não se parece com nada, eu acho (informação verbal)
142
.
Muitas bandas apresentam um de seus integrantes como principal compositor, casos
de Willy, na Lixo Organico, Gastão, na Kratera, ou Boratto, chamado pelos colegas da banda
de “coração” da Zoidz. Entretanto, há sempre uma dinâmica entre o trabalho individual e do
grupo, a assinatura individual e a do grupo. O estilo da banda é construído a partir da
interação entre os músicos, dos estímulos que cada um exerce no outro e das formas com que
cada um responde a eles. Partindo de Durkheim, Seca (1988) considera a banda “um campo
de forças cujo produto é superior à soma de seus componentes individuais” (: 177). A banda
é um projeto comum que une e combina a expressão da personalidade de seus membros.
Neste sentido, “(O) fazer musical é projetado na interioridade da banda em forma de projeto
comum, revelando, nas diferentes singularidades, o grupo como um todo, pois nessa prática,
cada um é o grupo e o grupo é cada um” (Maheirie, 2001: 83). Sobre esse projeto comum,
cito o que disse Cristiane sobre como lidaria com a dinâmica entre seu estilo pessoal e o das
diferentes bandas em que toca:
Na verdade isso aí é bem fácil, porque é uma coisa meio natural, não é programado, a própria
banda conduz. Por exemplo, uma banda, o Kratera, a idéia é um som pesado, arrastado. Pesado e
arrastado, pra trás. Então você já tem essa idéia. É como o que eu falei é natural, não tem muito o que
pensar, eu não vou tocar arrastado no Ambervisions, porque a idéia do Ambervisions é tocar rápido, é
um som mais pra frente. (...) Muitas vezes os próprios músicos, um ajuda o outro. Por exemplo, se
chega alguém com uma composição nova, é muito comum o músico já ter a idéia de (...) como ele
queria a bateria, como ele queria o baixo. É claro que normalmente nunca fica exatamente como o
compositor planejou, porque cada integrante coloca a sua idéia, coloca a sua identidade. Então,
resumindo, não é planejado, é bem natural, você junta a proposta da banda com a sua naturalidade
(informação verbal, grifos meus)
143
.
141
Entrevista realizada em 24 de março de 2006.
142
Entrevista realizada em 30 de março de 2006.
143
Entrevista realizada em 06 de abril de 2006. Note-se que aqui, Cristiane usa o artigo “o” para Kratera.
104
Este depoimento sintetiza questões centrais para o rock. Discutirei a categoria natural
em seguida. Também destaquei o contraste elaborado por Cristiane para descrever o estilo
das duas bandas. O da Kratera é “pesado”, “arrastado” e pra trás”. O d’Os Ambervisions,
“rápido” e “pra frente”. Esta oposição está relacionada ao caráter das duas, a Kratera, ligada
à idéia de apocalipse, Os Ambervisions, de comicidade. Retornarei a isto.
O estilo da banda pode mudar com a integração de um novo músico. O caso d’Os
Ambervisions é um bom exemplo. Sua primeira formação tinha Zimmer como baterista,
substituído por Cachorro. Perguntei a este sobre como ele lidou com as partes de bateria já
criadas por Zimmer, e este me respondeu:
Eu peguei mais ou menos a essência, a idéia dela, mas botei meu estilo. O Zimmer na verdade
é o cara mais louco que toca bateria (...) ele é ambidestro. Então, ele é o cara que desenvolveu uma
técnica própria revolucionária. Tosca (informação verbal)
144
.
O ajustamento entre os membros da banda também gera tensão, pois eles podem ou
não sacrificar seus estilos individuais a favor do coletivo. O trabalho de uma banda apresenta
dois lados: um de engajamento individual, outro de ligação com o social. Assim, “os temas
de recolhimento, de busca individual, espiritual, se misturam aos da necessidade de ritos
comuns, de consumação de um desejo em grupo” (Seca, 1988: 191). Essa tensão também é
tratada por Cohen (1991), para quem a qualidade social e emocional do processo criativo faz
com que surja uma relação intensa entre os integrantes da banda, o que pode contribuir para a
harmonia e o conflito. A tensão entre as individualidades alimenta o processo criativo, mas
dependendo da forma com que for canalizada, pode levar à ruptura.
Os depoimentos de Cachorro e Cristiane apresentam duas categorias centrais para o
universo de concepções do rock de Florianópolis: natural e tosco. Elas referem-se à
valorização da “espontaneidade” do tocar, da “intuição” do músico e de sua expressão
“verdadeira” em oposição ao excesso de técnica e “artificialização”. A técnica aparece às
vezes no discurso dos músicos como mecanização do tocar, destruição da criatividade e
144
Grifo meu, discutirei a categoria tosco em seguida. Depoimento em entrevista de 17 de abril de 2006.
105
redução da música a “padrões” associados ao establishment e à comercialização. Weber
(1995) assim analisa o processo que constitui a música ocidental: “Nossa música harmônica
de acordes racionalizou o material sonoro mediante a divisão aritmética” (: 54), submetendo
“também a melodia à harmonia de acordes racional” (: 58). Note-se que Weber constrói sua
teoria da música ocidental fundamentado nesta racionalidade, com base no que a contrasta
com a música dos outros povos (Menezes Bastos, 1995: 48). Então, “a música ocidental
oposta a todas as “outras” - seria aquela que está submetida à disciplina e ao controle da
inteligência”, assim se afirmando enquanto arte téchne
145
, no sentido estrito de ‘técnica
(idem). Quando relativizam a técnica, os músicos de rock questionam a estética de uma
tradição racionalizada que tem origens no Canto Gregoriano, chegando ao fim com o
dodecafonismo (Menezes Bastos, 2003 a).
Ressalto que esta relativização não significa desleixo quanto ao fazer musical.
Também, que não existam músicos admirados por suas habilidades técnicas. O que é o
questionamento da técnica como valor fundamental - ela deve ser submetida à criatividade,
originalidade, espontaneidade e expressão dos sentimentos do músico; tomada, pois, como
base sobre a qual se cria. O questionamento da tradição ocidental não é uma negação desta,
mas uma apropriação, de acordo com a qual o valor do indivíduo é posto em relevo e o da
técnica não percebido como garantia da supremacia daquele.
O melhor exemplo para esta valorização da criatividade em detrimento da técnica está
no revezamento de instrumentos dos integrantes da Cabeleira. Nesta, um integrante que
nunca tocou um instrumento pode começar a investigá-lo e desenvolver, parafraseando
Cachorro, uma técnica revolucionária. Tosca. “Tosco significa: “1. Tal como veio da
natureza. 2. Não lapidado nem polido. 3. Bronco, grosseiro, rude” (Aurélio, 1988: 641). No
discurso dos músicos, aponta para a idéia de “naturalidade” ainda não domesticada pela
racionalização da técnica (Menezes Bastos, 1995: 48). Em campo, demorei para entender que
145
Palavra grega para aquilo que chamamos de “arte”.
1
06
quando um músico chama outro de “tosco” não está criticando sua forma de tocar “rude” e
“grosseira”, mas elogiando a autenticidade de sua “naturalidade”.
Os músicos dedicam horas de seus dias à audição, pesquisa, composição, elaboração
dos timbres dos instrumentos, esta elaboração sendo constituinte do processo de composição
e do estilo. Aqui, voltamos à estética da tecnologia, pois os timbres são constituídos a partir
de recursos elétricos e eletrônicos. A pesquisa de timbres e sonoridades dá-se principalmente
entre os guitarristas. De uma guitarra para outra, o timbre varia muito, a escolha de uma
guitarra dizendo muito sobre o estilo que um músico busca forjar. Existem duas principais
marcas de guitarra: Fender e Gibson. Para meus informantes, a Gibson é mais apropriada
para sonoridades com distorção, enquanto a Fender o é para sonoridades mais “limpas”, sem
efeitos e distorção. Segundo Galináceo “a Gibson é a guitarra de rock” (informação
verbal)
146
, mas alguns preferem a Fender. Ainda existem modelos de guitarra “próprios” para
determinados subgêneros, como é o caso da Fender Jaguar, tida como ideal para o surf.
Além da diversidade dos timbres das guitarras há diversos tipos de caixas de amplificação de
seu som, que também têm timbres específicos. O cubo Fender foi apontado como ideal para
sonoridades “limpas”, enquanto o Marshall para “puxar distorção”. Há, ainda, equipamentos
que podem ser anexados ao instrumento, como os já tratados pedais e pedaleiras.
Cada pedal oferece apenas um efeito, enquanto a pedaleira oferece uma gama de
efeitos que o músico combina e armazena. Os músicos preferem os pedais, pois seus timbres
são tidos como de “melhor qualidade”. Além disso, uma vez programados e acionados, os
efeitos da pedaleira não podem ser graduados durante as performances, ao contrário dos
pedais. Devido a essa falta de controle e baixa qualidade do som, os músicos consideram os
timbres da pedaleira “artificiais”. No entanto esta é um recurso mais barato, pois concentra
em si efeitos de diversos pedais. Willy, guitarrista da Lixo Organico, foi quem observei mais
explorar a pedaleira, sendo apontado por outros como um dos únicos músicos a controlar
146
Em entrevista realizada em 24 de março de 2006.
107
bem e tirar bons sons dela. Perguntei a ele, que trabalha com misturas de efeitos,
principalmente de reverberação, se em suas performances os efeitos não sairiam de seu
controle, adquirindo autonomia e “vida própria”. Ele me respondeu que não, que o músico
deve controlar e dominar o efeito, conduzindo os sons gerados por este. Para ele, a partir do
efeito, uma linha melódica ou harmônica que a princípio pareceria simples acaba por ser
complexificada, o que se dá devido à soma dos sons privilegiados pelo efeito, que geram
sons resultantes que, por sua vez, geram linhas melódicas. Assim, na visão de Willy, há uma
interação entre músico e efeito, na qual a pergunta do músico gera uma resposta do efeito.
5.2 A música como “pegada” no mundo
Aqui tratarei da construção do estilo como uma forma de conquistar um território
simbólico delimitado por uma visão de mundo hedonista, que questiona a sociedade
racionalizada, percebida pelos músicos como conservadora e convencional.
Sempre percebi o rock como um gênero ligado a visões de mundo questionadoras e
tinha como objetivo de meu projeto de pesquisa investigar a relação entre concepções
musicais e política. No início achei estranho que poucas bandas apresentavam letras com
temas políticos, exceção da Black Tainhas e da Euthanasia. Muitos músicos chegavam a se
assustar quando indagados sobre a relação entre música e política. Aos poucos, percebi que
sua visão questionadora não era articulada pelo discurso verbal, mas pelo estilo musical.
As concepções de “música” e “arte” do rock estão ligadas à contraposição do seu
universo “hedonístico” (Menezes Bastos, 2003) à racionalização ocidental. Como se viu, este
questionamento se dá pela relativização da técnica e rejeição daquilo que é percebido como
“padrões” da indústria fonográfica. Também está ligada a ele a oposição construída pelos
músicos entre o mundo noturno e subterrâneo do rock e o diurno e supercifial das praias: os
mundos dos boêmios que “trocam o dia pela noite” e de quem “cedo madruga” para surfar.
108
Com esta oposição, um mundo obscuro e reencantado
147
é contraposto a um claro e
racionalizado.
A rejeição da música racionalizada é também a rejeição do comportamento
racionalmente orientado, o que marca toda a história do rock. Nos 1950, Elvis Presley com
seus movimentos de quadril confronta uma sociedade moralista (Wicke, 1993). Nos 1960,
com a contracultura e sua oposição à tecnocracia (Roszak, 1972), o confronto intensifica-se.
Nos 1970, a rejeição do comportamento racionalmente orientado e da tecnocracia têm seu
ponto culminante no punk e em sua máxima faça você mesmo.
A originalidade, tão importante para o rock, é uma forma de demarcação e conquista
de um território simbólico com uma visão de mundo que prioriza o prazer e a diversão em
detrimento do trabalho, mecanização e obrigação. A expressão “ideologia da banda”
148
, para
referir-se à sua proposta original, não corrompida pela “comercialização”, está relacionada a
essa conquista. Através do “estilo”, a banda constrói um universo particular que expressa sua
visão de mundo. Quando ela deixa de seguir suas concepções, cedendo aos “padrões”
racionalizados da comercialização, ela apaga sua “pegada” e visão de mundo. Partindo disso,
percebo que é a música das bandas e, não, qualquer discurso verbal seu que traz em sua
própria constituição a partir de determinados valores estéticos e na forma com que é
concebida, sua visão de mundo. Foi isso que tentei mostrar quando discuti a composição.
Aqui, retomo o pensamento de Maffesoli, quando ele afirma que ética e estética estão
profundamente ligadas, sendo fundamentais para a configuração das comunidades afetuais.
Maheirie (2001) trata da importância do trabalho acústico
149
na configuração da
concepção de mundo: “A partir da música, pode-se criar novas significações, vivências,
reflexões sobre a realidade social e sobre o cotidiano” (: 11). Assim, a música pode ser uma
147
Sobre o reencantamento do mundo ver Maffesoli (2005).
148
Discuti esta concepção no quarto capítulo.
149
Trabalho acústico “refere-se ao dispêndio de energia humana no fenômeno acústico” (Araújo, 1992: 43).
Apropriando-se da idéia marxista de trabalho, Araújo propõe que o trabalho acústico é um valor como qualquer
trabalho, vinculado às esferas do “interesse, acumulação, lucro, troca e mercado” (: 44).
109
forma de resistência, pois “se revela como uma maneira de conceber o pertencimento” (: 10).
Partindo dos significados expressos pelas bandas, a autora observa que:
É necessário (...) que se abandone formas tradicionais de se compreender a política, a fim de
entender a perspectiva presente na interioridade do rock, pois este gênero musical está amparado em
valores que enaltecem o presente, a transformação da vida desde o cotidiano e uma crítica social que
nem sempre vislumbra mudanças a partir das instituições formais. (...) De qualquer maneira, o rock se
traduz numa linguagem que faz uma aliança entre a crítica e a diversão, chamando o coletivo para a
vivência do cotidiano, o qual se revela um elemento importante na compreensão deste gênero musical
(Maheirie, 2001: 69).
A autora continua:
Sendo a música um tipo de prazer, diversão e abertura de novas possibilidades, esta escolha
pode significar uma saída ético-político-estética, num contexto social cada vez mais voltado à solidão,
ao anonimato e a perda da dignidade humana, mesmo que o músico não se dê conta disso (: 82).
Além da originalidade, três outros fatores fundamentais para a demarcação do
território simbólico da banda a partir da sua visão de mundo: a escolha do nome, sua forma
de se apresentar em shows e, finalmente, a idéia de ruído.
O nome da banda está ligado ao estilo e subgêneros com que dialoga, remetendo a
suas características musicais e a visão de mundo. Para Cohen (1991) sua escolha não serve
para atrair a atenção, mas simboliza “o caráter da banda, suas aspirações e ideologia” (: 37).
Nas bandas que acompanhei, dois tipos principais de nomes: apocalípticos e cômicos.
Assim como os nomes de bandas de heavy metal analisados por Walser (Mötorhead,
Ratt, Scorpions, Judas Priest e Black Sabbath), aqueles que chamo de apocalípticos “evocam
poder e intensidade de diversas formas” (Walser, 1993: 2). Kratera é um bom exemplo disto.
Aqui, o sentido de poder é constituído a partir da idéia de destruição evocada pelo termo
“cratera”. Recordo as características do som da Kratera, apontadas por Cristiane: “pesado”,
“arrastado” e “pra trás”. A idéia de “peso”
150
, que, como trabalhei no capítulo 2, nesta banda
é construída a partir dos atributos de “grave” e “lento”, também é relacionada por Walser
(1993) à potência e ao poder. Por fim, o fato de “cratera” ser escrito com “k” parece querer
retirar sua “destruição” do domínio do corriqueiro, lançando-a no universo do apocalipse.
150
Ainda voltarei à categoria “peso”.
110
Porém, alguns nomes apocalípticos como Lixo Organico - apontam para uma visão
de mundo pessimista, associada à morte, dor e falta de poder. Estes significados
transparecem nas característica da banda, como os vocais gritados e guitarras distorcidas,
que, no capítulo 2, associei ao desespero, e na “suavidade”, que descrevi a partir da metáfora
de “nuvens sonoras” e liguei à melancolia. De novo, a grafia é fundamental: a ausência do
acento em “orgânico” retira seu sentido do corriqueiro, arremessando-o ao extraordinário.
Os nomes cômicos descrevem a relação da banda com o humor, o deboche e o
sarcasmo. São bons exemplos: Os Cafonas, Os Capangas do Capeta, Os Ambervisions, Pão
Com Musse e Black Tainhas. Humor, zombaria e sarcasmo caracterizam a crítica irrisiva à
sociedade racionalizada. Na história da arte e da cultura brasileiras, eles enquanto formas de
crítica social têm tido importância, como foi o caso no Modernismo entre o final dos 1910
e início dos 1920 -, particularmente do movimento antropofágico, no qual Oswald de
Andrade tem destaque (Nunes, 1995). A poesia modernista tem como principal método de
criação a decomposição humorística do arcabouço intelectual da sociedade brasileira da
época (idem). A crítica modernista a partir do humor é posteriormente retomada pelos
tropicalistas que, como já dito, se utilizam do deboche para criticar uma série de dicotomias
associadas ao establishment brasileiro (Menezes Bastos, 2003 a e 2005 a).
Como no Tropicalismo (Menezes Bastos, 2003 a e 2005 a), o humor das bandas que
acompanhei pode ser relacionado à idéia de carnavalização de Bakhtin (1999). O autor “trata
a cultura popular da Idade Média e do Renascimento como uma cultura de carnaval ou do
riso” (Gurevich, 2000: 83-84), o riso carnavalesco sendo um riso festivo (Bakhtin: 10).
Bakhtin analisa a cultura medieval partindo dos opostos: cultura oficial - da Igreja e Estado -
e popular - do riso e festas carnavalescas. Enquanto as festas oficiais consagravam “a
estabilidade, a imutabilidade e a perenidade das regras que regiam o mundo: hierarquias,
valores, normas e tabus religiosos, políticos e morais correntes” (: 08), o carnaval era “o
triunfo de uma espécie de libertação temporária da verdade dominante e do regime vigente”
111
(idem)
151
. Segundo Bakhtin, na Idade Média o riso é uma visão de mundo oposta à da
sociedade instituída. É assim que o riso aparece entre as bandas de rock de Florianópolis.
Outro paralelo entre o riso carnavalesco e o humor das bandas é o fato de que uma
das características importantes deste riso é o escárnio aos próprios burladores, que destrói
qualquer forma de superioridade (Bakhtin 1999: 10). Um bom exemplo disto está no nome
“Os Cafonas”. Segundo Calvin, seu vocalista e baterista, ele surgiu de um comentário de um
amigo criticando a forma com que os integrantes da banda se vestiam. Eles resolveram
apropriar-se da crítica, transformando-a em deboche de si mesmo. O escárnio de si mesmo
também está no nome Os Ambervisions. Ambervision é um modelo de óculos escuros, “de
surfista”. Através do nome, a banda - que dialoga com a surf music - constitui seu estilo a
partir de um achincalhe com o estereótipo do surfista. Retomo aqui a comparação de
Cristiane: enquanto a Kratera é “pesada” e “pra trás”, Os Ambervisions é “rápido” e “pra
frente”. Relaciono este “pra frente” à visão de mundo, a partir do humor, da banda.
Passo ao próximo ponto crucial para a demarcação do território simbólico da banda:
os shows. Os shows de rock são os momentos de maior efervescência da cena, fundamentais
para a formação das comunidades afetuais (Maffesoli, 2000). Eles podem ser vistos como
rituais onde ocorrem “instantes divinos de comunhão com a sociedade” e público e músicos
entram em transe (Seca, 1988: 66). Para que isto ocorra, dois elementos fundamentais: o
impacto da música e a construção da imagem dos músicos.
Maffesoli (2004) considera que a imagem é um apoio para o estar junto e a aparência,
uma espécie de pele do social. Assim, a escolha de vestimentas e acessórios fazem parte de
um trabalho sobre o corpo que indica o pertencimento grupal. Seca (1988) observa a
importância da construção da imagem da banda, que chama de look, para que o público
identifique-se com esta, escolhendo-a como sua representante. Ele entende por look “um
conjunto de vestimentas, de assessórios, de posturas físicas denotando e conotando um estilo,
151
DaMatta (1997) também trata da relativização das hierarquias sociais no carnaval. No entanto,
diferentemente de Bakhtin, ele considera que elas não são propriamente desconstruídas, mas invertidas.
112
visando representar a personalidade daquele que o sustenta como uma segunda pele do
indivíduo” (: 141), a ele atribuindo uma característica hipnótica, comparando-o à ação de um
pêndulo que prende o olhar enquanto a voz o hipnotiza.
A Kratera é uma das bandas que mais chama a atenção quanto à construção da
imagem. Conforme o segundo capítulo, estes músicos entram no palco com máscaras que
escondem seus rostos. Perguntei o por quê das máscaras, no que Gastão, me respondeu:
Fator agressividade. Rock não pode ser inofensivo (...) Nós queremos é incomodar. (...) É
isso, a gente não quer indiferença. A máscara é um fator anti-indiferença (informação verbal)
152
.
Essa agressividade, que empiricamente toma conta dos corpos dos músicos, está
ligada à conquista de território simbólico, sendo uma senha para a idéia de poder, que como
dito, aparece na escolha do nome da banda. A construção da imagem de uma banda ainda
está ligada ao que os membros da comunidade chamam de ter “atitude”, categoria que aponta
para a autenticidade e originalidade
153
. No entanto, o excesso de valorização da aparência
física causa desconfiança. Surge a idéia do poser, cuja imagem é construída para agradar o
público ou vender discos. No discurso nativo, esta imagem é “forçada pelo músico, que
perderia sua “espontaneidade” e personalidade. A categoria poser refere-se a músicos que
são totalmente influenciados pela moda e que priorizam à sua música a vaidade e vontade de
se exibir.
Quanto ao impacto causado pela música, Seca (2004) observa nos shows de rock
“uma violenta paixão vinculada à vontade de fazer o ouvinte entrar, custe o que custar, no
ritual sonoro” (Seca, 2004: 34). Aqui, o ouvinte “deve ignorar o ritmo de seu próprio corpo e
adaptar-se ao de uma marcha precipitada e muito mais forte” (idem). A música deve alcançar
as “vísceras” (idem: 35), penetrar e cortar o corpo.
Esse impacto do som no corpo também é tratado por Maheirie (2001):
152
Entrevista realizada em 24 de março de 2006.
153
A categoria “atitude” não é exclusiva do rock, aparecendo também em outros universos musicais, como o
rap, onde “é palavra indispensável no vocabulário hip hop. Eles geralmente dizem: Para fazer parte do grupo
não só é preciso ter consciência, mas atitude. Termo que sintetiza a linha de conduta que o grupo espera de
cada um” (Rocha; Domenich; Casseano, 2001).
113
Para além da identificação com as letras, a batida, o pulsar, enfim, o ritmo das músicas nos
lança, tendo ou não conhecimento disto, a um envolvimento físico com elas e ao mesmo tempo com os
outros, produzindo novas afetividades. Quando o som emerge do silêncio, ele transforma
corporalmente os sujeitos que o escutam, podendo aumentar ou diminuir os batimentos cardíacos, a
pressão sanguínea, a energia e o metabolismo (: 52).
O som dos shows é muito alto. Durante minhas primeiras saídas a campo, senti mal
estar e dores nos ouvidos devido à intensidade da música, por isso, em muitas noites não
acompanhei todos os shows. No final da pesquisa, no entanto, não me sentia assim, meu
corpo tinha se acostumado. Há um impacto táctil da massa sonora no corpo pois o som não
é, exatamente ele mesmo, um mar de ondas no ar? Jorge, técnico de estúdio, relatou que
quando ensaiam bandas de hardcore em seu estúdio, em 15 minutos ele fica com os vidros
totalmente embaçados, o que não acontece com as de pop. O hardcore produz mais calor
tanto pela movimentação dos músicos, quanto pela intensidade do som. Jorge continua,
observando que as bandas de hardcore ensaiam com o som extremamente alto, mas utilizam
tampões de ouvido. Isto indica um desejo de sentir a intensidade do som não pela audição,
mas no corpo inteiro, pele, coração, estômago. A intensidade do som é fundamental para a
efervescência dos shows. Alguns bares estipulam um limite de decibéis
154
a ser respeitado
pelos músicos. Os shows que acompanhei nesse tipo de bar tiveram recepção fria do público.
Tratando da intensidade do som, entramos na próxima questão fundamental para a
delimitação do território da banda: o ruído - o rock deve ser “barulhento”, ruidoso. Remeto-
me a O Cru e o Cozido, onde Lévi-Strauss (2004) trata do ruído. Ele estabelece uma relação
entre o mito e a música, onde esta é a “manifestação suprema no mundo ocidental - durante
determinada época do pensamento mítico” (Menezes Bastos, 2005 b: 5). Enquanto para
Lévi-Strauss a música aponta para o mito, elemento crucial para a elaboração das escalas de
classificação constituintes da ordem social, o ruído representa o rompimento dessa ordem. O
autor encontra dois exemplos etnográficos onde o ruído é prescrito pelo costume. O primeiro
é o chavari da tradição européia, que acontece em circunstâncias como: “casamentos entre
154
Decibel é a “unidade logarítmica de medição relativa para variações acústicas e elétricas” (Oliveira e Lopes,
1999: 217).
114
cônjuges de idades muito diferentes, segundas núpcias de viúvos, maridos surrados pelas
mulheres, (...), casamentos que violam os graus proibidos” (: 329). O segundo é a algazarra,
produzida por “numerosas sociedades ditas primitivas (e também civilizadas), por ocasião de
eclipses solares e lunares” (idem). Nos dois eventos, o ruído aponta para a ruptura de uma
ordem a partir da introdução de um elemento estranho. O papel do ruído é, portanto,
“assinalar uma anomalia no desenvolvimento de uma cadeia sintagmática” (: 331).
Attali (2003) faz uma leitura da comparação entre música e mito de Lévi-Strauss,
considerando que a ordem musical simula a social e a dissonância, a marginalidade. Para ele
a música funciona como um espelho onde “toda a atividade é refletida definida, gravada e
distorcida” (: 5): “O código da música simula as regras aceitas da sociedade” (: 29). Assim,
a música é apropriação, controle e reflexo do poder, logo, essencialmente política. Partindo
disto, ele também associa o barulho à desordem, percebendo-o como uma fonte de poder que
aponta para a mudança dos códigos. O barulho cria um significado, em primeiro lugar porque
“a interrupção de uma mensagem significa a interdição de um significado transmitido” (: 33)
e porque a falta de significado no barulho liberta a imaginação do ouvinte e, com isso, a
ausência de um sentido torna-se a presença de diversos deles. O ruído possibilita a criação de
uma nova ordem, um outro tipo de organização e um outro código. Quando no trabalho dos
músicos que estudei, o ruído do som alto, das distorções de guitarra e da microfonia parece
apontar para o desejo de rompimento com a ordem estabelecida e racionalizada - musical ou
social - e para a mudança, sendo assim, importantíssimo na constituição do estilo da banda
como “pegada” e proposta de visão de mundo. Assim, também aparece a idéia de “peso”,
relacionada à distorção de guitarra e intensidade do som. O “peso” intensifica a marca da
“pegada”. Retomo a associação de Walser (1993) entre a distorção das guitarras e da voz
humana e a idéia de potência e desejo de poder.
115
5.3 Um quadro de categorias musicais
Antes de entrar nas considerações finais, faço uma síntese das categorias fundamentais
para a comunidade rock de Florianópolis. Algumas delas se organizam em pares de oposições
que replicam a dicotomia puro/impuro:
independente comercial
homens mulheres
força fraqueza
alternativo convencional
criativo padronizado
músicas próprias cover
subterrâneo superficial
original (“roots”) corrompido
original imitação, cópia
amor dinheiro
escolha manipulação
autêntico falso
expressivo racionalizado
música de qualidade ênfase na imagem
ruído omissão
poder submissão
simplicidade prolixidade
sentimento superficialidade
sujeira poluição
“tosquisse” dissimulação
natural artificial
ideologia descontrole
controle excesso
Outras se organizam em dicotomias nas quais a oposição puro e impuro seria
reducionista: “peso”/“suavidade”, associada à idéia de poder e à falta deste, à ação e à
depressão, a categoria “suavidade”, remetendo a um escapismo do mundo da ação para o da
imaginação; “pesado, arrastado e pra trás” (Kratera) /“rápido e pra frente” (Ambervisions),
que relaciono a visões de mundo apocalípticas e carnavalizadas, respectivamente;
técnica/espontaneidade, na qual a racionalidade não domestica, mas é subjugada pela
“naturalidade” do indivíduo; limpo/ sujo, relacionada à qualidade do som e à quantidade
de efeitos anexados ao som da guitarra.
116
Considerações Finais
Nesta dissertação, descrevi as formas com que os músicos percebem sua prática
musical e os valores e visões de mundo em jogo quando tocam e compõem. Também tratei
da dinâmica entre o local e o global por meio da análise de apropriações que as bandas de
Florianópolis fazem de subgêneros de rock que circulam em escala global. Para isso, mostrei
que a história do rock é recriada no trabalho de cada banda.
Acabei por abordar o fazer musical, entretanto, sempre de forma panorâmica. Poderia
ter me aprofundado em questões específicas de cada música e realizado transcrições e
análises destas. Tratei da construção do estilo da banda, mas não de como isso se dá no texto
musical; do processo de composição musical, mas não da elaboração de músicas específicas.
Assim, em trabalhos futuros, pretendo voltar a estas questões e aprofundar o estudo da
dinâmica entre os gêneros globais e os estilos individuais.
Muita coisa ainda pode ser dita sobre as bandas com que trabalhei. Repito que cada
uma delas é um universo em si, apresentando assunto para mais de uma dissertação como
esta. No entanto, antes de finalizar meu texto, gostaria de dedicar mais algumas palavras à
questão da incompatibilidade percebida pelos músicos entre o rock e Florianópolis. Para isso,
proponho uma comparação entre a formação da cena aqui tratada e o conto de Poe (1975),
analisado por DaMatta (1977), O Diabo no Campanário.
O conto narra um acontecimento que abala a ordem do burgo de Vondervotteimittis,
distante de todas as estradas principais e cercado por montanhas que nunca foram
ultrapassadas por seus habitantes, que imaginam nada haver do outro lado. Ele sempre
existiu da mesma forma, nunca sofreu a menor mudança e apenas a sugestão desta
possibilidade é considerada um insulto. As famílias são iguais e têm exatamente o mesmo
número de pessoas: uma mulher, um homem e três meninos. As mulheres se vestem da
117
mesma forma e têm as mesmas atividades. Assim também procedem os homens e meninos.
As casas também são iguais.
Todos os habitantes da cidade, mesmo os gatos e porcos, possuem relógios. Todos os
homens mantêm sempre um de seus olhos no Relógio do Campanário do Conselho da
Cidade, cujo sino bate regularmente as horas desde a mais remota antiguidade. O Relógio do
Campanário fica situado no centro da cidade e inspira orgulho em seus habitantes. Estes
adotam as máximas: “É errado alterar o velho e bom curso das coisas” (Poe, 1975: 738) e
“nada de bom pode vir de além das montanhas” (: 739). Quando, então, surge no cume de
uma das montanhas um objeto estranho, logo identificado como um “rapaz bem pequeno de
aparência estrangeira”. Ele mostra-se um diabo de rosto e sorriso sinistro, traz uma enorme
rabeca em baixo de um dos braços e em seus passos e sua dança não tem nenhuma idéia do
que seja manter o ritmo. Ele se dirige direto para o Campanário e mexe no relógio, fazendo-
o, ao meio dia, dar treze badaladas. Com isso, desregula toda a vida dos habitantes, que
tinham no relógio o fulcro de sua vida social e não conseguem mais se orientar.
DaMatta (1977) analisa o conto a partir do estruturalismo de Lévi-Strauss e das
noções de solidariedade mecânica e orgânica de Durkheim. Considera que a nossa “narrativa
de terror” pode ser equiparada aos “mitos” ou “contos de fadas” de outras culturas (: 98) e
que a estrutura elaborada por Poe pode ser encontrada em diversas sociedades indígenas,
onde a chegada do diabo é equivalente ao contato com o branco, cuja impossibilidade de
classificação é causada pelos traços constituintes do agente de mudança, ao qual se associa o
barulho, falta de ritmo, o caos, a fome e a doença” (: 123). Para DaMatta o Burgo de
Vondervotteimittis existe toda vez que um de nós vai a uma comunidade isolada. Assim,
nosso “mundo das máquinas a vapor e da rabeca que toca sem ritmo” é “contraposto ao ritmo
compassado e seguro dos relógios” (: 124).
Apropriando-me do conto, assim como da leitura de DaMatta (1977), observo que
Florianópolis é percebida pelos músicos de rock independente como uma espécie de Burgo
118
de Vondervotteimittis, um lugar regulado pela rotina. Ao invés de cercada por montanhas,
Florianópolis é uma ilha, na qual, na visão nativa, nada de novo acontece. Os músicos são
rapazinhos estrangeiros, diabinhos, que querem desregular a “ordem” do lugar, o ritmo dos
acontecimentos de uma cidade tida como conservadora. Mas como estes rapazinhos
estrangeiros pretendem mudar a cidade? Calil, da banda Pão Com Musse me respondeu esta
questão: Chamando a galera pra curtir.
Assim, percebo que o riso, a diversão, o hedonismo é a proposta de visão de mundo
das bandas. Na brincadeira de se fazer música e de se recriar o mundo o que está em jogo é a
originalidade, a espontaneidade, a “atitude” acima de tudo, que está ligada à autenticidade.
Brincando de se fazer música o mundo é “reencantado”.
119
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126
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127
Discografia
Bandas de Florianópolis:
Apocalipse 2000. Coletânea de bandas. B2001. Brasil: Tamborete Entertainment, 2001.
Black Tainhas. Black Tainhas. Brasil: (sem gravadora), 2005.
Brasil Papaya. Instrumental. 059721MD. Brasil: Cia, (s/d).
Brasil Papaya. Esperanza. Brasil: (sem gravadora), 2006.
Controle. Coletânea de bandas. Brasil: Estelar; Under Press, 2000.
Euthanasia. Estileira core music tarja preta. TMB021. Brasil: Tamborete Entertainment,
2001.
Lixo Organico. Merda. Brasil: (sem gravadora), 2006.
Músicas bacanas para pessoas descoladas. Coletânea de bandas, vol. 2. AA3000F008-1.
Brasil: F Records, (s/d).
Pipodélica. Vol. IV. Brasil: Senhor F, 2004.
Pipodélica. Simetria radial. Brasil: Baratos Afins, 2003.
Os Ambervisions. Cada dia mais a mesma coisa. Monstro 022. Brasil: Monstro Discos;
Migué Records, 2001.
Os Ambervisions. Bons momentos não morrem jamais. Monstro 044. Brasil: Monstro
Discos; Migué Records, 2003.
Stormental. Stormental. 199.020.578. Brasil: (sem gravadora), 2006.
The Voltage. The Voltage. Brasil: Midsummer Madness, (s/d).
Tributo ao Ultrage: ainda somos inúteis. Monstro 048. Brasil: Monstro Disco, 2004.
Yucca Flats. Yucca Flats. SR000. Brasil: (sem gravadora), 2000.
Zoidz. Espancando o palhaço. 111/150. Brasil: (sem gravadora), 2004.
128
Brasil:
Astronautas. De algum lugar no sistema solar. Brasil: Mr. Mouse, (s/d).
Autoramas. Nada pode parar os autoramas. Monstro 040. Brasil: Monstro Discos
Cachorro Grande. As próximas horas serão muito boas. Brasil: (sem gravadora), (s/d).
Chico Science & Nação Zumbi. Da lama ao caos. 850.224/2-464476. Brasil: Chaos, 1994.
Legião Urbana. Dois. 8358342. Brasil: EMI, 1992.
Lobão. Canções dentro da noite escura. Rio de Janeiro: L&C Editora; Universo Paralelo,
(s/d).
Los Hermanos. Bloco do eu sozinho. 1107055-2. Brasil: Abril Music, 2001.
Mutantes. Jardim elétrico. 04228258872(P). Brasil: Polydor, 1971.
Os Novos Bahianos. Ferro na boneca. 70962. Brasil: RGE, 1997.
Os Replicantes. A volta dos que não foram. Brasil: (sem gravadora), 2001.
O Terço. Casa encantada. 12.074. Brasil: Copacabana, 1976.
Planet Hemp. Usuário. 85024/2-479030. Brasil: Super Demo; Chaos, (s/d).
Ratos de Porão. Guerra civil canibal. 008/04. Brasil: Pecúlio Disco, 2000.
Raul Seixas. Há 10 mil anos atrás. 810348-2. Brasil: Polygram, Philips; Universal, 1976.
Roberto Carlos. Jovem guarda. 850.045/2-476.325. Brasil: Columbia, 1965.
Rock Brasilis. Coletânea de bandas, vol. 1. RM-001. Brasil: Rol Music,
Sapatos Bicolores. Clube quente dos sapatos bicolores. Monstro 056. Brasil: Monstro Discos,
(s/d).
Sepultura. Roots. RR8900-2. Brasil: Roadrunner Records, 1996.
The Golden Boys. Jovem guarda. 3415922. Brasil: EMI, (1965) 2005.
Titãs. Cabeça dinossauro. 38.064. Brasil: WEA, 1986.
Tony Campello. Baby rock. 3459692. Brasil: EMI; Odeon, (1960) 2005.
Tropicália. 5120892. Brasil: PolyGram, 1993.
Ultraje a Rigor. Nós vamos invadir sua praia. 28128. Brasil: Warner, 1985.
129
Walwerdes. Anticontrole. AA0001.000. Brasil: Monstro Discos, (s/d).
Outros Países:
Alice in Chains. Facelift. 188.229. Brasil: Columbia, 1990.
Bauhauss. 1979-1983. Volume two. 6072-2. Brasil: Roadrunner, (1980) 1983.
Black Sabbath. Paranoid.06076-84561-2. Estados Unidos: Sanctuary, 2002.
Chuck Berry. Sweet little sixteen. 33032. Brasil: Movie Play, Roots, 1993.
David Bowie. Tonight. 724384098322. Estados Unidos: Virgin, (1984) 1995.
Dead Boys. Young loud and snotty. 926981-2. Estados Unidos: Sire; Warner Bros, (1977)
1992.
Dead Kennedys. Frankenchrist. Virus45CD. Canadá: BMI; Alternative Tentacles, 1985.
Deep Purple. Deep Purple in rock. 1877-2. Estados Unidos: Warner Bros, 1970.
Duran Duran. Decade. 7931782. Estados Unidos: Capitol, 1989.
Echo and the Bunnymen. Flowers. 2006-2. Brasil: Sum Records, 2006.
Franz Ferdinand. Franz Ferdinand. 966-2. Brasil: Trama; Domino, 2004.
Iggy and The Stooges. Raw power. 3211. Nova Iorque: Columbia, 1973.
Interpol. Turn on the bright lights. 734-2. Brasil: Trama; Matador Records, 2002.
Jethro Tull. Living in the past. 321575-2. Brasil: Chysalis; EMI, (1972) 1997.
Jimi Hendrix. Axis: bold as love. MCAD-11601. Estados Unidos: MCA, (1968) 1997.
Led Zeppelin. Led Zeppelin III. M719128-2. Brasil: Atlantic, 1990.
Loco gringos have a party: the south american stoner rock. Coletânea de bandas da America
Latina. VALV001. Brasil: Válvula, (s/d).
MC5. Back in the USA. 71033. Nova Iorque: Atlantic Recording Corporation, 1970.
Metallica. Load. 532618-2. Brasil: Polygram, 1996.
Nirvana. Nevermind. 24425. Estados Unidos: DGC Records, 1991.
Oi! The new breed. Coletânea de bandas. CD019. Inglaterra: Step-1, 1993.
Pearl Jam. Ten. 188.228. Brasil: Sony Music, 1991.
130
Pink Floyd. The wall. 700.035. Brasil: Columbia; Sony Music, (s/d).
Pixies. Doolittle. 6415-2. Brasil: Roadrunner, (s/d).
Radiohead. The bends. 8296262. Brasil: EMI; Parlophone, 1995.
Ramones. The ravage of slumberland. MNR001. Brasil: Mogul Nightmare Records, (s/d).
Rancid. And out come the wolves. 8644-2. Nova Iorque: Epitaph, 1995.
Rolling Stones. Black and blue. 8-39520-2. Brasil: EMI; Virgin, (1976) 1994.
Sex Pistols. There is no future. ESNCD783. Brasil: BMG; Castle Music, (1985) 1999.
Siouxsie and the Banshees. The best of Siouxsie and the Banshees. 0440065152. Brasil:
Wonderland, Universal; Polydor, 2002.
Sonic Youth. Rather ripped. 60249878302. Brasil: Geffen; Universal, 2006.
Soundgarden. Superunknown. 540215-2. Brasil: Polygram, 1994.
The Beach Boys; Jan & Dean. Super hits. 75039. Brasil: Movie Play, 1993.
The Beatles. Sgt. peppers lonely hearts club band. 7027. Inglaterra: Parlophone, 1967.
The Clash. London calling. EGK 363228. Nova Iorque: Epic, 1979.
The Cramps. Flamejob. 924592-2.Brasil: The Medicine Label; Giant, 1994.
The Cure. Wish. 513261-2. Brasil: PolyGram, 1992.
The Damned. Another great CD from the damned. EMD9337.Nova Iorque: Emergo, (1979)
1980.
The Dictators. Bloodbrothers. DFFD001. Nova Iorque: Warner Music, 1978.
The Meteors. Wreckin’ crew. STRCD021. França: Streetlink, 1991.
The Stray Cats. Runaway boys. SMDCD182.Inglaterra: Snaper Music, 1997.
The Strokes. Is this is. 7432195502. Brasil: BMG, 2002.
The Velvet Underground. The Velvet Underground. 3145312522. Hollywood: PolyGram,
1996.
The Ventures. Walk don’t run: the best of The Ventures. 793451-2. Estados Unidos: EMI,
1990.
Yes. Close to the edge. C756782666-2. Brasil: Atlantic, 1979.
131
ANEXO 1
Glossário
Alto: Na linguagem musical, quanto mais alto mais agudo, categoria oposta a baixo, grave.
Andamento: É o termo musical para a velocidade da pulsação rítmica.
Baixo: Na linguagem musical, quanto mais baixo mais grave, em oposição a alto, agudo.
Cachê: Dinheiro recebido por uma apresentação.
Colagem: É a sobreposição em uma música de diferentes gravações.
Chorus: Este efeito cria a “multiplicação da fonte sonora por meio da combinação de um
delay bem curto [...] com leves desvios de tonalidade e afinação” (Oliveira e Lopes, 1999:
215).
Compressores: Um compressor reduz “a extensão dinâmica de um sinal de áudio” (Martin,
2002: 426).
Conceitual: É considerado conceitual, um álbum que conta uma estória através de suas
músicas, como a música programática romântica, ou que apresenta ligações entre suas peças,
como a suíte barroca (Macan, 1977).
Cover: “Cover version era como se chamava no mercado dos EUA, em meados deste século, à
prática de um cantor de música pop (geralmente branco) fazer uma gravação (...) dos sucessos
de artistas (negros) de rhythm and blues” (Oliveira e Lopes, 1999: 216). Diz-se banda de
cover para aquelas que não apresentam repertório de composições próprias, tocando apenas
músicas - normalmente sucessos - de outros artistas.
Delay: Efeito que cria repetições de um mesmo som.
Distorção: Como já indica o nome, este efeito “distorce” o som do instrumento enviado para
o amplificador, desta forma gerando ruído. Entre as distorções mais comuns estão o fuzz, o
lead, o overdrive, a distorção típica do blues e a distorção própria ao metal.
Equalizador: “Aparelho eletrônico usado para atenuar ou amplificar freqüências selecionadas
simplesmente um controle de timbre sofisticado” (Martin, 2002: 428).
Flanger: “Nome dado a um delay muito curto [...], que provoca o cancelamento e o reforço de
certas freqüências” (Oliveira e Lopes, 1999: 221).
Gutural: O vocal gutural é um tipo de vocal extremamente grave e produzido na garganta.
Loop: O loop é um processo similar à microfonia, no qual há a realimentação do som devido
ao fato de um equipamento estar ligado duas vezes na mesma entrada de som. No caso de loop
com a pedaleira, tanto a entrada quanto a saída de som da pedaleira estão ligadas ao
132
amplificador, de forma a que o sinal que entra na pedaleira, que geralmente é o vindo de uma
guitarra, é o próprio efeito desta vindo da caixa de som.
Microfonia: “A realimentação de um som por um microfone ou captador, causando um som
agudo e cortante, conhecido como um apito comum em passagens de som” (OLIVEIRA,
1999: 227).
Pedaleiras: Equipamento anexado ao instrumento que a partir de diversos efeitos altera o som
deste.
Pedais: Equipamentos de efeitos que o músico aciona com os pés durante sua performance e
que modificam o som de seu instrumento. Entre os pedais de efeitos mais comuns estão:
delay, reverb, flager e diversos tipos de distorção.
Phaser: Efeito que faz com que o som “vibre”, saia e volte para sua altura original.
Pogo: Dança na qual as pessoas se jogam umas contra as outras, muitas vezes chutando,
empurrando ou agindo de forma que pode parecer violenta.
Refrão: Refrão ou ritornello é um termo que, em música, designa um trecho que numa peça
se repete várias vezes, especialmente na música dita popular” (verbete “refrão” da
enciclopédia virtual Wikipedia: www.wikipedia.org, consultada em 26 de janeiro de 2007).
Reverb: Efeito que cria reverberação do som.
Riff: Um riff é um tema, uma pequena frase melódica, repetido várias vezes durante a música.
Sampler: É um “Aparelho que digitaliza e armazena sons e timbres, tornando-os passíveis de
manipulação e de ativação por meio de um teclado ou seqüenciador.” (OLIVEIRA, 1999:
236).
Slow attack: Efeito que reduz o ataque do som.
Stage-dive: Pode ser traduzido como “mergulho do palco”. É o momento em que as pessoas,
exaltadas com o show, sobem em partes do ambiente localizadas acima do público - como o
palco - se atirando neste. Também é chamado de mosh.
133
ANEXO 2
Índice de Entrevistas
Individuais:
Mancha: 19 de abril de 2006.
Amexa: 23 de junho de 2006.
Zimmer: 26 de junho de 2006.
Ricardo Davolli: 8 de julho e 2006.
Marcelo Muniz: 19 de dezembro de 2006.
Ronaldo de Sousa Maciel: 23 de dezembro de 2006.
Em grupo:
Integrantes de Los Rockers: 1 de fevereiro de 2006.
Integrantes da Pão Com Musse: 11 de fevereiro de 2006.
Integrantes Los Rockers: 26 de fevereiro de 2006.
Integrantes da Kratera: 24 de março de 2006.
Integrantes da Cabeleira de Berenice: 29 de abril de 2006.
Integrantes da Black Tainhas: 6 de maio de 2006.
Integrantes da Brasil Papaya: 4 de julho de 2006.
Integrantes do Pipodélica: 18 de julho de 2006.
134
Realizadas na Rádio Livre de Tróia:
Integrantes da Lixo Organico: 9 de março de 2006.
Mancha e Heráclito: 30 de março de 2006.
Calvin: 3 de abril de 2006.
Cristiane: 6 de abril de 2006.
Sil B: 10 de abril de 2006.
Cachorro: 17 de abril de 2006.
Realizada na Internet (MSN):
Sil B: 2 de março de 2006.
135
ANEXO 3
1
Tulipa
Galileus
Antigo Subway
Iate Casa Blanca
Campus da UFSC
Antigo Berro D’Água
Red Café
Antigo Underground
Drakkar
Antigo Kasbah
Antiga Casa do Rock
Creperia Nouvelle Vague
Creperia da Lagoa
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
1
2
3
4
5 6
7
8
9
10
11
12
13
12
13
Localização dos bares ligados à “cena underground” tratados no texto.
Mapa retirado de: www.florianopolisturismo.sc.gov.br, em 28 de janeiro de 2007.
136
ANEXO 4
Fotos
Todas as fotos foram cedidas pelas bandas.
KRATERA
Músicos com as máscaras utilizadas nos shows, da esquerda para a direita: Cristiane
(baterista), Galináceo (guitarrista), Thanira (ex-vocalista) e Gastão (guitarrista).
137
Kratera em show no festival de rock independente Goiânia Noise, novembro de 2005.
OS CAFONAS
Da esquerda para a direita, Léo (ex-baixitas), Fidêncio (guitarrista) e Calvin (vocalista-
baterista). Chamo a atenção para a postura do vocalista-baterista, tocando em pé.
138
OS CAPANGAS DO CAPETA
Ilustração do cartunista Galvão Bertazzi. Da esquerda para a direita: Gigante (guitarrista),
Cachorro (baterista), Arioli (guitarrista), Amexa (vocalista) e Lucão (baixista).
Da esquerda para direita e de cima para baixo Cachorro (baterista), Amexa (vocalista), Arioli
(guitarrista), Lucão (baixista) e Gigante (guitarrista). Detalhe da sombra do “Capeta” ao lado
de Amexa.
139
CABELEIRA DE BERENICE
Banda se apresentando na festa da Rádio Livre de Tróia na UFSC. Da esquerda para a
direita: Willy, tocando guitarra, Rafaela, flauta, Léo, cantando, Jeandrey, tocando baixo. No
fundo, Blu, tocando bateria, ano de 2005.
Mesma ocasião. Da esquerda para a direita: Léo, Rafaela e Blu, aqui tocando baixo.
140
ZOIDZ
Da esquerda para a direita: Gobbo (vocalista), Boratto (guitarrista), Ronaldo (ex-baixista) e
Dudz (baterista). Foto tirada nas proximidades do local de ensaios da banda, abril de 2005.
Ensaio no estúdio “oficial” da banda - Studio 33, abril de 2005.
141
XEVI 50
Banda na caminhonete onde realisa suas apresentações. Chamo atenção para o detalhe das
labaredas de fogo na caminonete, nas caixas de som e no baixo acústico.
Foto tirada em 2004, o fundo estrelado é a lona de circo do festival de bandas Planeta
Atlântida, no qual a banda realisou cinco shows em Florianópolis e quatro em Atlântida
(RS).
142
BLACK TAINHAS
Show no Red Café. Da esquerda para a direita: Garganta (voz e baixo), Tequila (bateria) e
Panchi (voz e guitarra).
Segundo show da banda. Da esquerda para direita: Garganta (voz e baixo), Tequila (bateria),
Panchi (voz e guitarra) e Foca (guitarra).
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