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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
DISSENTE: CAROLINA DA ROCHA LIMA BORGES
A ARTISTICIDADE NO MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO E SAÚDE:
DO APOLÍNEO AO DIONISÍACO
Brasília
2008
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DISSENTE: CAROLINA DA ROCHA LIMA BORGES
A ARTISTICIDADE NO MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO E SAÚDE:
DO APOLÍNEO AO DIONISÍACO
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pesquisa e Pós-Graduação da
Faculdade Arquitetura e Urbanismo (PPG-FAU)
da Universidade de Brasília, como parte das
exigências para a obtenção do título de Mestre
em Arquitetura e Urbanismo.
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________________________
Matheus Gorovitz – (Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo/UnB)
orientador
____________________________________________________________
Reinaldo Guedes Machado – (Projeto, Expressão e Representação na
Arquitetura e Urbanismo /UnB)
____________________________________________________________
Maria Eurydice de Barros Ribeiro – (Instituto de Artes/UnB)
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Aos meus pais
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos aqueles que me ajudaram e também aos que não atrapalharam. O meu
mais sincero obrigada a todos e a particularmente:
Aos meus pais e a minha irmã Ana Paula, pelo suporte material, paciência e compreensão.
Ao Tiago, pela disponibilidade com que participou diretamente da dissertação, por
acreditar e por estar sempre por perto. Obrigada pela companhia nas viagens e na vida.
Ao meu orientador Matheus Gorovitz, pela paciência, pela leitura cuidadosa, pela
orientação precisa e pelas aulas que me fizeram crescer como arquiteta e como ser
humano.
As amigas Joene Saibrosa e Beatriz Toledo pelas conversas, acadêmicas ou não, e pelos
lanchinhos depois das aulas. A Fernanda Duarte e Alessandra, pelo companheirismo nas
fases mais críticas das “crises do papel em branco” e por estarem disponíveis sempre que
eu precisei. A Fernanda Capdeville e Ana Catharina Marques, grandes companheiras de
trabalho e lazer, que estiveram por perto no fim do trabalho.
Agradeço também aos amigos Kybelle Oliveira e Paulo Roberto Falcão de Araújo, que
participaram em diferentes momentos do desenvolvimento da dissertação.
Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo/UnB, João, Júnior e Rachel, pelo comprometimento e disponibilidade em me
atender.
Aos membros da banca Reinaldo Guedes Machado e Maria Eurydice Ribeiro, pelos
comentários e críticas pertinentes.
5
Aos professores e diretores do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UnB Andrey
Rosenthal Schlee e Neander Furtado, pelo apoio e solidariedade.
Todas essas pessoas de alguma forma estiveram presentes e, mesmo que indiretamente,
contribuíram para o desenvolvimento desse trabalho. No entanto, eventuais desacertos e
afirmações equivocadas são de minha inteira responsabilidade.
6
RESUMO
O presente trabalho aborda os projetos para o Ministério da Educação e Saúde no Rio de
Janeiro com o objetivo de dedicar-lhes uma análise estética objetivamente fundamentada.
Os projetos a serem estudados são o de Le Corbusier (o segundo, para o terreno sugerido
por ele) e o projeto executado, concebido pela equipe de Lucio Costa, composta por Carlos
Leão, Affonso Reidy, Jorge Moreira, Ernani Vasconcelos e Oscar Niemeyer. Propomos
verificar, a partir da análise comparativa das disposições plásticas adotadas em cada
projeto, conteúdos que expressam um ideário de seus autores e que evidenciam um caráter
de permanência e universalidade.
Palavras-chave: Arquitetura Moderna; Estética; Lucio Costa; Oscar Niemeyer, Le
Corbusier.
ABSTRACT
The present research discusses the projects for the Ministry of Education and Health in Rio
de Janeiro in order to develop an aesthetics objectively justified analysis. The projects
studied are from Le Corbusier (the second one for that particular space suggested by him)
and the project executed and designed by the team of Lucio Costa, made by Carlos Leon,
Affonso Reidy, Jorge Moreira, Ernani Vasconcelos and Oscar Niemeyer. We propose to
verify, from a comparative analysis of the provisions used in each plastic design, contents
that express an ideology of their authors and show a character of permanence and
universality.
Keywords: Modern Architecture; Aesthetics; Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Le Corbusier.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 01
1.0 - JUSTIFICATIVA 04
2.0 – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE: BREVE HISTÓRICO 05
3.0 – METODOLOGIA DE ANÁLISE 14
4.0 – ANÁLISE ESTÉTICA 16
4.1 – Enquanto Objeto 16
4.1.1 – Projeto de Le Corbusier 16
4.1.2 – Projeto da Equipe 36
4.2 – Enquanto Imagem 66
4.2.1 – Projeto de Le Corbusier 66
4.2.2 – Projeto da Equipe 72
4.3 – Enquanto Linguagem 78
4.3.1 – Projeto de Le Corbusier 78
4.3.2 – Projeto da Equipe 85
5.0 – CONCLUSÃO 89
BIBLIOGRAFIA CITADA 96
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 99
8
INTRODUÇÃO
A arte é uma atividade humana que consiste no fato de que um homem,
conscientemente, por meio de sinais externos, transfere a outros
sentimentos que ele experimentou, de modo que outras pessoas são
contagiadas por estes sentimentos e também os experimenta. (Tolstoy
apud OSBORNE, 1970, p.101)
A capacidade de criação artística é um atributo exclusivamente humano que decorre de
uma necessidade de expressar uma idéia ou um pensamento por meio de um objeto. Esta
característica difere os homens entre si, pois a expressão é individual e resultante da
vivência e visão de mundo de cada um.
Não haveria necessidade de expressão se todas as pessoas fossem rigorosamente iguais,
esta necessidade surge para que o sujeito manifeste sua personalidade e seja reconhecido
como um ser Diferente dos demais. No entanto, para haver Diferença nesse sentido, é
necessário que haja também Identidade, pois as coisas só podem diferir se tem em comum
a coisa em que diferem. Por exemplo: a cor, a configuração, a forma, etc. (ABBAGNANO,
2000, p.276). Caso contrário, o sujeito seria considerado um lunático, alguém que não se
enquadraria dentro da sociedade.
Por definição, identidade é o caráter, o atributo de uma determinada pessoa ou coisa que a
distingue de toda e qualquer outra. (JUNIOR, G. 2006) Para Aristóteles, Identidade diz
respeito à unidade, ou seja, as coisas são idênticas no mesmo sentido em que são unas.
Leibniz aproxima o conceito de Identidade ao de igualdade: idênticas são as coisas que se
podem substituir uma á outra. (ABBAGNANO, 2000, pg.528).
Desta forma, o principio da identidade é algo que torna uma pessoa ou coisa única e
que a distingue de toda e qualquer outra. Além disso, o reconhecimento da obra
enquanto artefato artístico depende dos seus atributos plásticos e da capacidade do
9
sujeito perceber, sentir e vivenciar os significados da obra, o que implica na noção de
alteridade, distanciamento e, portanto, no principio da Diferença, entre sujeito e obra.
Assim, a necessidade pela Diferença é suprida pela relação de conhecimento que se
estabelece entre o sujeito e a obra, ou seja, no momento em que o sujeito se relaciona com
o objeto sem estar condicionado a algum pré-conceito, apenas seu juízo de gosto opina,
pode-se dizer que se relaciona com a obra de uma forma livre. Com isso, descobre sua
Diferença, manifestando sua personalidade.
Liberdade e apreciação da obra de arte são, desta forma, duas variáveis inseparáveis: a arte
pode servir de veículo para que o sujeito encontre a liberdade, sendo que o sujeito só irá se
conhecer verdadeiramente na medida em que for livre, como discorre Herbert Read:
A obra de arte é, em certa medida, uma libertação da personalidade.
Normalmente os nossos sentimentos estão sujeitos a toda espécie de
inibições e repressões. Contemplamos uma obra de arte e dá-se
imediatamente uma libertação e não só libertação – a simpatia também é
uma liberdade de sentimentos – mas também uma intensificação, uma
sublimação. Esta é a diferença essencial entre arte e sentimentalismo: o
sentimentalismo é uma libertação, um afrouxamento, um descontrair de
emoções. Arte é libertação, mas ao mesmo tempo uma estimulação das
emoções. (apud MORAIS, 1998, p.43)
A liberdade tal como é entendida no contexto histórico posterior ao cristianismo, pressupõe
o advento da subjetividade humana, do eu consciente. O cristianismo, desta forma,
representa uma etapa fundamental no advento da subjetividade, tendo Santo Agostinho,
Descartes e Fichte como principais representantes desse processo, no qual a descoberta da
interioridade, ou da subjetividade infitnita, coincide com a afirmação do espírito entendido
como autoconsciência e liberdade. (CORBISIER, 1997, p.111)
Além disso, a liberdade existirá em função de um prazer estético, que decorre da
capacidade que a obra possui de suprir essa necessidade pela Diferença. A apreciação
10
estética, no entanto, não deve estar atrelada ao caráter de agradabilidade pois, desta forma,
seria uma satisfação interessada, excluido assim a liberdade.
Podemos dizer então que o que caracteriza uma obra de arte seria um gesto emancipado de
seu criador, uma liberdade de escolha no agenciamento dos elementos e uma intenção de
se alcançar a beleza plástica e se chegar a uma composição íntegra, onde nada precisa ser
tirado ou acrescentado.
11
1.0 – JUSTIFICATIVA
Para a análise estética das obras em questão não houve uma idéia predeterminada de que se
trata de obras de arte. No entanto, num primeiro momento, é importante que haja um
interesse visual pela obra, que instigue as capacitações sensíveis independente de qualquer
investigação mais apurada.
A proposta de analisá-las esteticamente tem como justificativa o fato de serem dois
projetos que foram criados para um mesmo fim e um mesmo programa de necessidades.
Além disso, um deles foi concebido pelo mestre suíço, que muito influenciou a arquitetura
brasileira, e o outro pelos seus seguidores e futuros expoentes da arquitetura mundial, que é
o caso de Oscar Niemeyer e Lucio Costa.
O primeiro projeto de Le Corbusier foi elaborado num terreno escolhido por ele e, fora as
imposições do programa de necessidades, foi concebido com total liberdade de criação e
aplicação dos seus princípios. Ao contrário do segundo projeto, feito as pressas para um
local que não era de seu gosto.
A proposta é verificar, por meio das formas de cada projeto, o que diferencia um do outro
em termos de ideário e significado, e como essas formas traduzem valores como
identidade, diferença, caráter de permanência e universalidade.
12
2.0 – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE: BREVE HISTÓRICO
Esse belo edifício do Ministério é (...) um marco histórico e simbólico.
Histórico, porque foi nele que se aplicou pela primeira vez, em escala
monumental, a adequação da arquitetura à nova tecnologia construtiva
do concreto armado, inclusive a fachada totalmente envidraçada (...). É
simbólico porque, num país ainda social e tecnologicamente
subdesenvolvido, foi construído com otimismo e fé no futuro, por
arquitetos moços e inexperientes, enquanto o mundo se empenhava em
autoflagelação. (COSTA, 1995, p.138)
Uma das preocupações do Estado Novo dizia respeito à construção do novo homem
brasileiro, e como instrumento para este objetivo são criados os Ministérios do Trabalho e
da Educação e Saúde. O Ministério da Educação e Saúde, conduzido pelo ministro
Gustavo Capanema, preocupava-se não somente com a educação, mas com a formação
deste “homem brasileiro”.
O projeto arquitetônico do Ministério da Educação e Saúde foi escolhido por meio de um
concurso no qual participavam, dentre outros, Carlos Leão, Affonso Reidy, Jorge Moreira
e Lucio Costa. Os candidatos poderiam apresentar mais de um projeto, sua identidade
ficaria oculta por codinomes anexos a cada plano. A única exigência para participar do
concurso era o registro nacional do candidato e a permissão para exercer suas funções, não
era necessário ser brasileiro. Capanema acrescentou ainda a cláusula de que o governo não
seria obrigado a realizar o projeto aprovado caso não o julgasse aceitável. (HARRIS, 1987,
p.56)
As duas correntes arquitetônicas que participaram do concurso - acadêmicos e modernos -
defendiam suas idéias com base em argumentos de cunho nacionalista e da tradição da
arquitetura brasileira. No entanto, pelo fato de ter sido o único projeto a respeitar o teto
fixado para a área a ser construída, o projeto vencedor foi do acadêmico Archimedes
Memória (fig.1). Capanema justificou o seu voto de desempate salientando as vantagens do
13
projeto: “ótima regulação térmica natural e excelente ventilação transversal, adequada a
nosso clima, sendo ainda o que ofereceu melhor circulação”. (HARRIS, 1987, p.62)
Fig. 1 – Projeto vencedor do concurso – arq. Archimedes Memória
A reação dos “modernos” não premiados se dá pela revista da Diretoria de Engenharia da
Prefeitura do Distrito Federal, dirigida pela esposa de Afonso Reidy, Carmem Portinho. A
revista acusava o júri de escolher projetos com linguagemrejeitada pelos europeus mais
progressistas, publicando os projetos ditos “modernos” do concurso – de Jorge Moreira e
Ernani Vasconcelos e de Reidy.
A segunda reação se deu junto ao gabinete do Ministro, em cuja equipe encontrava-se
Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Rodrigo Melo Franco de Andrade e
Mário de Andrade. A tarefa de persuadir o ministro, segundo Harris (1987, p.61), não foi
árdua uma vez que Capanema estava insatisfeito com o projeto de Memória, que para ele
“não traduziria uma ação voltada para o futuro e a formação do novo homem brasileiro”.
Lucio Costa, por sua vez, escreve em carta a Capanema que Ministério é edifício público
de significação não apenas utilitária, mas também representativa, onde há “necessidade de
traduzir de forma adequada a idéia de prestígio e dignidade logicamente sempre associada
à noção de coisa pública (...) essa idéia se manifesta (...) por uma certa nobreza de intenção
14
revelada nas proporções monumentais da obra e na simplicidade e boa qualidade de
acabamento.” (Revista Projeto, n° 102, agosto de 1987, p. 143)
Em janeiro de 1936 são pagos os prêmios aos projetos vencedores e, logo em seguida, o
Ministro envia uma carta ao presidente Getúlio Vargas expondo sua insatisfação com os
planos selecionados, solicitando a autorização para contratar Lucio Costa e equipe. Busca
ainda alicerçar tecnicamente a recusa ao projeto de Memória enviando a mesma
correspondência ao ministro Maurício Nabuco e ao engenheiro Saturnino de Brito,
solicitando pareceres ao projeto quanto aos aspectos funcionais e de engenharia sanitária.
Estes respondem afirmando que o projeto não atende a estes quesitos.
Em março do mesmo ano Capanema convida oficialmente Lucio Costa, tendo este
sugerido que os arquitetos Carlos Leão, Affonso Reidy e Jorge Moreira também
participassem por terem apresentado seus projetos no concurso com características ditas
“modernistas”. Lucio Costa argumentou que o trabalho em equipe poderia resultar em um
projeto melhor e mais significativo do que aquele realizado individualmente.
Para Cavalcante (1995, p.65), o exame dos projetos do concurso fragiliza o argumento de
que foram convocados os outros três com “características modernas”. Um depoimento de
Lucio Costa também altera um pouco esse critério que, segundo ele, chamou Carlos Leão
por ser seu amigo e sócio, Jorge Moreira e Afonso Reidy eram colegas da ENBA e haviam
apresentado bons projetos, Moreira disse que só aceitaria colaborar caso viesse também
Ernani e Niemeyer argumentou que merecia estar no grupo.
Configurada a não execução do projeto vencedor, Archimedes Memória envia uma carta
ao presidente Getulio Vargas relatando a sua premiação, a desclassificação de Lucio Costa
na primeira etapa, sua contratação por Capanema e conclui:
15
O que acabamos de narrar tem (...) gravidade não pequena, em se
sabendo que esse arquiteto é sócio do arquiteto Gregori Warchavichik,
judeu russo de atitudes suspeitas... Não ignorava o sr. Ministro da
Educação as atividades do arquiteto Lucio Costa, pois pessoalmente já
mencionamos a S. Excia. Vários nomes dos filiados ostensivos à corrente
modernista que tem como centro o Clube de Arte Moderna, célula
comunista cujos principais objetivos são a agitação no meio artístico e a
anulação de valores reais que não comungam no seu credo. Esses
elementos deletérios se desenvolvem justamente á sombra de Ministério
da Educação, onde têm como patrono e intransigente defensor o Sr.
Carlos Drummond de Andrade, chefe de gabinete do ministro. (...)
Esperamos que V. Excia., (...) alerte a arte nacional que ora atravessa
uma crise dolorosíssima, próxima do desfalecimento. (CAVALCANTE,
2006, p.43)
Segundo Cavalcante (2006, p.44), acusações desse tipo foram freqüentes durante o
processo de escolha do projeto a ser executado e durante a obra do MES. Dentre outras
alegações, eram apontadas semelhanças entre a forma em planta baixa do prédio e a foice e
martelo soviéticos.
Apesar de todos os conflitos, em maio de 1936 Lucio Costa apresentou o resultado do
trabalho efetuado pela equipe, assim como a sugestão de que Le Corbusier fosse chamado
como consultor do grupo nesse projeto e naquele referente à cidade universitária.
O projeto da equipe propôs uma forma em U (fig.2, 3 e 4) com um auditório trapezoidal,
fachada envidraçada e brises. Possuía cinco pavimentos sobre pilotis de pé direito duplo
nas laterais e sete pavimentos no bloco central, sem pilotis.
Fig. 2 e Fig. 3 - Primeiros estudos para o projeto do MES elaborado pela equipe.
Fonte: BARDI, 1984, p.77
16
Fig. 4 – Perspectiva do primeiro projeto para o MES elaborado pela equipe.
Fonte: LISSOVSKY; MORAES, p.64
Le Corbusier condenou a simetria do conjunto apelidando o prédio de “múmia”, propõe
um novo projeto (fig.5, 6 e 7) e a transferência do prédio da área da esplanada do Castelo
para um aterro junto ao mar. Argumentava que caso a construção se fizesse na esplanada
do Castelo seria de se prever sua posterior “submersão num conjunto arquitetônico de tal
natureza que, de nenhuma maneira e apesar de toda a perfeição do prédio, seria possível
atingir uma impressão de nobreza e grandiosidade”. (Revista Projeto, n° 102, agosto de
1987, p. 143)
Fig. 5 e Fig. 6 – Primeiro projeto de Le Corbusier para o MES. Fonte: COSTA, 1962, p.57
Fig. 7 - Primeiro projeto de Le Corbusier para o MES
(terreno escolhido por ele). Fonte: BRUAND, p.84
17
O novo projeto acomodava os espaços de trabalho em um bloco linear alongado e todas as
salas voltadas para a baía. Este bloco, elevado sobre pilotis de 4m de altura, é interceptado
perpendicularmente por outro de dois pavimentos, abrigando salão de exposições sobre
pilotis e auditório.
Tendo em vista o impedimento da concretização do projeto neste terreno, Le Corbusier
desenhou uma última proposta para o terreno original (fig.8, 9 e 10). Conservou a
horizontalidade com um formato em L e locou o bloco de serviços na extremidade do
terreno, no sentido de sua maior dimensão. Desta forma, sacrificaria simultaneamente a
melhor orientação e a vista da baía, ou seja, as premissas que invocara ao pleitear a troca
do local. A equipe não admitiu esse sacrifício, retomando o problema e buscando uma
solução mais apropriada.
Fig. 8 e Fig. 9 - Estudos de Le Corbusier para o MES (segunda proposta - terreno original)
Fonte: COSTA, 1962, p.57
Fig. 10 – Estudo de Le Corbusier para o MES
(segunda proposta, terreno original). Fonte: BRUAND, 2003, p. 85
18
A partir dos desenhos de Corbusier, a equipe desenvolveu um novo projeto, chegando a
uma solução definitiva no final de 1936 (fig.11 e 12). Era constituído por uma lâmina
vertical interceptada por um bloco de menor altura. A fachada norte era protegida por
brises e a sul, com vista para a praia, totalmente envidraçada.
Fig. 11 – Estudo da equipe para o MES
(projeto definitivo)
Fig. 12 - Estudo da equipe para o MES
(projeto definitivo)
Fonte: COSTA, 1962, p.58
Lucio Costa, percebendo o talento e a liderança de Niemeyer, passa para este a direção do
grupo, sem ressentimentos, como relata: “as marchas e contramarchas, os obstáculos, as
contrariedades, tudo valeu a pena. Mesmo a difícil deliberação de me afastar da obra
quando senti que já perdia o poder de decisão e que, portanto, a minha presença tolhia os
demais; tudo valeu a pena”. (COSTA, 1995, p.138)
Em 1937 a obra é finalizada, sendo que a inauguração só aconteceu em 1945. Le
Corbusier, ao receber as fotografias da obra concluída, inicia uma intensiva campanha de
reivindicação junto aos brasileiros pela autoria do projeto e pelo seu direito a uma
remuneração. A engenheira e urbanista Carmen Portinho relata a reação de Le Corbusier
ao ver pela primeira vez a obra do MES finalizada:
19
Ele levou um choque terrível. Ele não sabia que o Ministério da
Educação tinha ficado pronto, que a obra foi um sucesso. (...) A reação
dele foi muito violenta. A princípio tive a impressão de que não gostou
daquilo (...). “Como esses jovens conseguiram fazer, num país como o
Brasil, uma coisa que eu não consigo fazer aqui na Europa? Todos os
meus projetos são frustrados, me combatem, ninguém faz meus projetos e
esses novos fazem isso? (Revista Projeto, n° 102, agosto de 1987, p.143)
Em seguida, Le Corbusier passa a publicar o risco do projeto definitivo em livros e
periódicos como de sua autoria. Uma longa e ressentida troca de correspondências vai
prolongar a questão até 1952, quando o governo brasileiro decide pela construção da Casa
do Brasil e encarrega Lucio Costa pela elaboração do projeto. Este, como tentativa de
conciliação, passa o desenvolvimento do projeto para Le Corbusier, episódio verificado
neste trecho extraído de uma carta de Lucio Costa a Le Corbusier:
(...) Você volta à questão do Ministério da Educação. O croqui que você
costuma publicar, como já lhe disse, é um falso testemunho, porque foi
feito mais tarde, baseado nas fotos do edifício construído ou maquete. E
se, quase vinte anos depois, eu ainda confio ao seu escritório a Casa do
Brasil na Cidade Universitária, é justamente por causa destes
antecedentes e para que você se sinta de uma vez por todas
recompensado no que nos diz respeito: recompensado no sentido
‘negócios’, porque o que nós, arquitetos do mundo inteiro, devemos a
você não tem preço (Carta de Lucio Costa a Le Corbusier. Fonte: Revista
Projeto, n° 102, agosto de 1987. p.105-106)
Le Corbusier alterou o caráter do projeto que era para ser apenas desenvolvido. Quanto ao
MES, a obra passa a ser publicada como de autoria da equipe sob orientação de Le
Corbusier, como relata Lucio Costa em 1995:
(...) E como tanto as revistas como os improvisados divulgadores
omitissem pormenores da participação pessoal de Le Corbusier no caso,
e os contratos diretos conosco ainda não houvessem sido restabelecidos,
ele passou a interpretar tais ocorrências como usurpação da parte que,
de direito, lhe cabia, estado de espírito que o levou, numa espécie de
revide, (...) de publicar como risco original seu para o edifício
efetivamente executado um croquis calcado sobre aquela fotografia da
maquete que lhe havíamos em tempo enviado junto como o projeto,
desenho este feito sem muita convicção e sem data (ele sempre datava
todo e qualquer risco que fizesse). Evidentemente a sua intenção fora
20
simplesmente evidenciar o vínculo – melhor, a filiação – de uma coisa
com outra. (COSTA, 1995, p.137)
Atualmente o prédio do Ministério da Educação e Saúde, ou Palácio Capanema, é um
edifício tombado pelo IPHAN
1
pela sua importância histórica e arquitetônica, sendo hoje a
sede do IPHAN/FUNARTE/Ministério da Cultura do Rio de Janeiro.
1
O antigo Ministério da Educação e Saúde Pública – MESP - é também chamado de MEC, Palácio Gustavo
Capanema, Palácio da Cultura. Foi tombado pelo IPHAN em 18/3/1948 e está inserido no Livro de Belas
Artes, com inscrição n° 315, Nº Processo: 0375-T-48.
21
3.0 – METODOLOGIA DE ANÁLISE
(...) Foi necessário falar como se uma obra de arte fosse composta de
dois aspectos – forma e conteúdo - que se influenciam reciprocamente.
Hoje em dia se admite comumente que em uma obra de arte bem
sucedida, a forma e o conteúdo estão tão intimamente “fundidos”, que é
impossível que qualquer mudança seja feita na forma sem mudar o
conteúdo, e é impossível que o conteúdo permaneça o mesmo se for
revestido de qualquer outra forma que não a forma pela qual está
revestido.
(OSBORNE, 1970, p.96)
O método de pesquisa proposto visa traduzir uma interação entre sujeito e objeto estando
organizado em três etapas, embora seja sabido que tais etapas se encontram indissociáveis
na prática. Durante a primeira etapa (enquanto objeto), as obras arquitetônicas serão
objetivamente descritas considerando a realidade exterior ao sujeito, na sua exterioridade
objetiva.
Feito isso, verifica-se que a interação entre sujeito e a obra resulta na criação de
impressões, que são individuais e resultadas da vivência e das capacitações sensíveis e
intelectivas de cada um. Tem-se então a análise subjetiva da obra (enquanto imagem), onde
o sujeito passa a fazer parte do objeto na medida em que é levado a desenvolver
interpretações próprias. A intenção é descrever o modo como a obra se oferece à
consciência daqueles que a percebe.
Vencidas as etapas anteriores, a investigação se volta para a obra enquanto suporte de
significados que instaura perante o indivíduo e a sociedade (enquanto linguagem). Ou seja,
esta etapa se ocupa do processo de objetivação do sujeito que, ao identificar-se com a
forma de um objeto fora dele, vê-se intimamente conciliado com a realidade exterior,
percebendo-se como ser individual e social ao mesmo tempo. É quando o sujeito extrai
valores universais das particularidades plásticas da obra que, devido ao ordenamento
22
interno de suas partes, é percebida como um todo articulado, como expressão de uma
totalidade
2
.
Evitando o risco de confundir valor estético com histórico, os aspectos de ordem histórica
comparecerão apenas como meio de corroborar algumas hipóteses levantadas no decorrer
do trabalho. Tais informações favorecem a apreciação estética não por completar a obra,
que pressupomos completa em si mesma, mas como um elemento enriquecedor para a
análise. Além disso, os projetos serão analisados sem uma preocupação maniqueísta de
julgamento; limitaremos a apontar diferenças nas disposições físico-espaciais como modos
de traduzir os anseios e a visão de mundo dos arquitetos.
2
Entende-se por totalidade o conjunto das prerrogativas e possibilidades humanas exercidas de forma
integrada; quando o lado sensível e o lado racional da consciência se desenvolvem não fragmentados – seja
em condições de plenitude ou de adversidade. Com isso o indivíduo se reconhece como indivíduo particular e
sensível motivado pela razão prática e a de ser genérico – social – que se afirma como tal pela universalidade
de seu pensamento lógico e cognitivo; vale dizer sua dupla condição de ser individual e coletivo.
(Gorovitz,
1993, p.26)
23
4.0 - ANÁLISE ESTÉTICA
4.1 - Enquanto Objeto
4.1.1 – Projeto de Le Corbusier
O projeto de Le Corbusier é constituído pelo prédio principal e dois adjacentes – o
auditório, voltado para a cidade, e o salão de exposições, voltado para a baía. O auditório
possui uma forma trapezoidal e o salão de exposições uma forma de prisma retangular.
O prédio principal é apoiado sobre pilotis de altura variável (4m e 8m), sendo interceptado
perpendicularmente pelos volumes adjacentes. Acomoda os espaços de trabalho onde todas
as salas estão voltadas para a baía, sendo marcado por uma horizontalidade configurando
um volume polimorfo.
A fachada sul – onde se localiza o salão de exposições - se desenvolve num mesmo plano
(fig.13), ao contrário da fachada norte – onde está o auditório - com volumes laterais que
avançam o alinhamento do prédio (fig.14).
Fig. 13 – Le Corbusier/ perspectiva a partir da fachada sul
Fig. 14 – projeto de Le Corbusier/ perspectiva a partir da fachada norte
24
Esses volumes laterais aumentam a largura das empenas (fig.15), sendo que, ao percorrer o
prédio, percebe-se que a sua maior parte é mais esbelta. Sem o alargamento (fig.16), a
lateral do prédio seria menos da metade da lateral do auditório, o que resultaria numa
grande diferença de proporção e num edifício mais delicado.
Fig. 15 – MES / Vista lateral Fig. 16 – MES / Vista lateral simulada
Tal configuração mais esbelta é contrária à linguagem arquitetônica do artista, que sempre
explorou a robustez em seus edifícios. O próprio Le Corbusier, num relato a Ítalo
Campofiorito define essa característica na sua obra:
Não faria assim porque sou duro, sou pesado. (...) É engraçado vocês
brasileiros porque vocês são delicados, vocês quase são femininos. O
Rodrigo, o Lucio e o Oscar. (...) Eu sou bruto: aqui eu não teria feito
dessa forma, não teria feito tão delicado, as colunas do Oscar são muito
delicadas, o chão é muito delicado. Eu teria feito a Praça dos Três
Poderes com grandes placas de concreto armado e junto à de asfalto
(...). (CORBUISER in Revista Projeto, n° 102, agosto de 1987, p.113)
Ao contrapor outra obra de Le Corbusier com outra de mesma natureza, porém de
linguagem oposta - a Casa da Suíça na Cidade Universitária de Paris (fig.17 e 18), de Le
Corbusier, e o projeto de Lucio Costa para Casa do Brasil (fig.19) - verifica-se que, no
primeiro projeto prevalecem ângulos retos e poucas aberturas na fachada sul. Os jardins
foram planejados contrapondo-se ao espaço construído, ou seja, o espaço natural e
25
construído se mostram independentes um do outro, sugerindo um caráter de autonomia do
prédio.
Fig. 17 – Casa da Suíça na Cidade Universitária de Paris – Le Corbusier. Fonte:
http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc052/mc052.asp
Percebe-se também que existe uma extensa área livre no térreo, com jardins e espaços para
circulação de pedestres e veículos. Esse espaço externo promove um percurso ao longo do
prédio, onde se tem a promenade architecturale.
Os pilotis são objetos de destaque: estão alinhados em todo o seu comprimento sendo que,
ao observá-lo a partir da lateral, a imagem que se tem é de um único elemento sustentando
todo o volume (fig.18). Podem assim ser caracterizados como elementos que definem um
espaço interno do prédio, além de serem volumes autônomos integrados ao conjunto.
Fig. 18 – Casa da Suíça na Cidade Universitária de Paris. Fonte:
http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc052/mc052.asp
26
No projeto de Lucio Costa (fig.19) tem-se nos pilotis uma transição entre interior e
exterior, comparecendo de forma expressiva na plástica do conjunto em função da sua
forma esbelta. Outros elementos como passarelas em formas curvas, generosas aberturas e
jardins invadindo o prédio ocasionam uma fluidez dos espaços e uma relação de
proximidade entre interior e exterior.
Fig. 19 – Casa do Brasil na Cidade Universitária de Paris – Lucio Costa.
Fonte: http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc052/mc052.asp
Deste modo, a questão da fluidez e transparência ocasionada pelos pilotis é um privilégio
do projeto de Lucio Costa, enquanto que o projeto de Le Corbusier se destaca por
diferentes elementos e volumes – dentre eles estão os pilotis - que formam um conjunto
articulado e íntegro.
Observa-se também a semelhança do projeto da Casa da Suíça com o MES no que diz
respeito às fachadas, principalmente na fachada sul (fig.20). O arquiteto optou pelo mesmo
tipo de aberturas – janelas espaçadas com formato quadrangular – e o recurso de contrapor
uma lâmina retangular com um volume curvo.
27
Fig. 20 – MES – Fachada sul
Como no projeto da Casa da Suíça, o limiar entre os espaços internos e externos do MES
também é claramente definido. Jardins comparecem de forma residual e o acesso principal
é marcado por uma esplanada, em oposição aos espaços ajardinados nas laterais (Fig.21).
Fig. 21 – MES / Implantação. Fonte: SANTOS, 1987, p.168
O exterior não configura um local de convívio, finito, delimitado pelo edifício que o rodeia
e o define, ou seja, uma praça. Os pilotis estão localizados nas duas laterais do prédio,
usadas para estacionamento de veículos. Este espaço também não comparece como um
local de trânsito de pessoas que confere permeabilidade ao prédio ou fluidez dos espaços.
Projeção do
salão de
exposições
Entrada
principal
Av. Beira Ma
r
Acesso
veículos
Estacionamento e
acesso de
funcionários
Estacionamento e
acesso de
funcionários
N
orte
Jardi
m
Jardi
m
28
Fig. 22 – MES / espaço natural x construído
Ainda sobre a implantação, têm-se pilotis e jardins com formas retangulares em planta,
estando todos alinhados entre si (fig.22 e 23). A única forma que difere do restante é a do
auditório, que possui uma localização ligeiramente descentrada e deslocada com relação ao
restante da composição.
Fig. 23 – MES / eixos
Com esta disposição tem-se a formação de um triângulo retângulo, onde o encontro dos
dois catetos se dá no volume do auditório (fig.23). Em função desta assimetria, este
jardi
m
jardi
m
Á
rea
pavimentada
p
ilotis
p
ilotis
p
ilotis
N
orte
jardi
m
jardi
m
Á
rea
pavimentada
p
ilotis
p
ilotis
p
ilotis
p
ilotis
N
orte
29
volume que deveria estar em destaque por se diferenciar do restante, perde a posição de
elemento central. Pode-se dizer então que o auditório, apesar de possuir uma autonomia na
forma, está subordinado e integrado a composição por meio de eixos e traçados
reguladores. Para o arquiteto, estes são fatores que definem não só a arquitetura, mas
qualquer criação humana:
O eixo é talvez a primeira manifestação humana; é o meio de todo ato
humano. A criança que titubeia tende para o eixo, o homem que luta na
tempestade da vida se traça um eixo. O eixo é o ordenador da
arquitetura. (...) Na realidade, os eixos não se percebem do alto como
mostra a planta na prancheta de desenho, porém no solo, o homem
estando de pé e olhando diante dele. O olho vê longe e, objetiva
imperturbável, vê tudo, mesmo para além das intenções e das vontades.
O eixo da Acrópole vai do Pireu até o Pentélico, do mar à montanha.
Dos Propileus, perpendicular ao eixo, ao longe no horizonte, o mar.
Horizontal perpendicular à direção que lhe imprimiu a arquitetura onde
você está, percepção ortogonal que deve ser levada em conta. Alta
arquitetura: a Acrópole estende seus efeitos até o horizonte. Dos
Propileus no outro sentido, á estatua de Atená, no eixo, e o Pentélico no
fundo. Isso conta. E porque estão fora deste eixo violento, o Parthenon á
direita e o Erecteion à esquerda, ‘você tem oportunidade de vê-los’ em
três quartos, na sua fisionomia total. Não se deve pôr as coisas da
arquitetura todas sobre eixos, porque seriam como pessoas que falam ao
mesmo tempo. (CORBUSIER, 1998, p.133)
Fig. 24 e Fig. 25 – Acrópole de Atenas. Fonte: CORBUSIER, 1998, p.132
Ainda sobre a implantação, têm-se passagens de veículos que atravessam o prédio, sendo
necessário que o carro contorne conjunto (fig.26). Ou seja, os acessos de veículos foram
30
planejados para que o conjunto seja visto por todos os lados e assim se tenha uma
percepção do todo por meio das partes.
Fig. 26 – MES / Planta de situação.
Além disso, parte do térreo é formada por ambientes confinados que separam o acesso ao
prédio dos estacionamentos laterais, polarizando veículos e pedestres. Esse dinamismo fica
claro nas fachadas em função das diferentes texturas e volumes (fig.27 e 28).
Fig. 27 – Fachada sul
Entrada
principal
Av. Beira Ma
r
Acesso
veículos
N
orte
31
Fig. 28 – Fachada norte
Observa-se assim sucessivas impressões ao longo do percurso, onde o fator “tempo” é uma
importante variável na percepção do prédio, assim como o deslocamento. Ao contrário de
obras em que existe um elemento central no qual toda a composição está subordinada,
sendo o conjunto apreendido de início e as partes vistas num segundo momento.
Pelo fato de não haver uma hierarquia entre os elementos que compõe o conjunto, essa
configuração permite uma maior liberdade ao sujeito em observar o prédio, pois ele poderá
escolher o caminho que irá seguir, consubstanciando a convicção de Le Corbusier de que a
apreensão da arquitetura é de ordem individual e fruto de uma promenade architecturale.
O conceito de promenade architecturale foi criado por Le Corbusier para definir uma
apreensão da arquitetura onde, em cada uma das possibilidades de percurso, criam-se
estímulos distintos e a relação entre espaço e tempo acontece de uma forma diferente
daquela que ocorre na apreensão sincrônica. Ou seja, a percepção do conjunto se dá por um
processo de reconstituição das partes que se adquire ao longo do deslocamento, como
descreve Le Corbusier:
Formas sob a luz. Dentro e fora; em cima e embaixo. Dentro: entra-se,
anda-se, olha-se ao andar e as formas se explicam, se desenvolvem, se
combinam. Fora: aproxima-se, vê-se, fica-se interessado, para-se,
aprecia-se, gira-se em torno, descobre-se. Recebe-se continuamente
comoções diversas, sucessivas. E o jogo jogado aflora. Anda-se, circula-
se, continua-se a mexer, a girar. Observem com que instrumental o
homem sente a arquitetura: ele tem dois olhos que não podem ver senão
32
o que está diante; ele pode virar a cabeça lateralmente ou de alto a
baixo, virar o corpo ou transportá-lo sobre as pernas e virar todo o
tempo. São centenas de percepções sucessivas que constituem sua
sensação arquitetônica. O que vale é a sua capacidade de caminhar, de
circular, verdadeira força motriz de acontecimentos arquitetônicos. Em
conseqüência, o jogo jogado não se estabeleceu sobre um ponto de vista
central, ideal, rotativo e com visão circular simultânea. Esta é então a
arquitetura das escolas, das academias, o fruto decadente da Grande
Renascença, a morte da arquitetura – sua petrificação. (CORBUSIER,
1984, p.61)
Posteriormente o arquiteto utilizou o mesmo recurso na Villa Savoye (fig.29), onde criou
caminhos para veículos que circulam a casa, observando-a sob diversos pontos de vista,
como explica aqui:
(...) Chega-se à porta da casa em automóvel, e o arco de curvatura
mínimo de um automóvel que fornece a dimensão da casa. O automóvel
penetra sob os pilotis, dá a volta em torno dos serviços comuns, chega ao
meio, na porta do vestíbulo. Entra na garagem ou prossegue seu
caminho de retorno: este é o dado fundamental. (...) Nesta casa, trata-se
de um verdadeiro passeio arquitetural, oferecendo aspectos
constantemente variados, inesperados, às vezes surpreendentes.
(CORBUSIER, 1966, p.24)
Fig. 29 – Villa Savoye / vista externa
Conclui-se que ambos os projetos foram pensados para o uso do automóvel, com caminhos
bem definidos e sempre tendo em mente a promenade architecturale. Isso se justifica pelo
discurso do arquiteto celebrando a técnica e a velocidade: “(...) tendo o automóvel como
uma criação sublime da cultura da era da máquina.” (BAKER, 1998, p.101)
33
Outra característica em comum nos dois projetos está na configuração dos pilotis. Pode-se
dizer que Le Corbusier não quis traduzir um fato estrutural em recurso expressivo da
arquitetura, de modo que os pilotis não são fundamentais para o partido plástico do exterior
nos dois edifícios. No entanto, nos croquis para o interior do MES e da Villa Savoye
percebe-se que o arquiteto atribuiu um destaque aos pilares internos, realçados pelo fundo
em vidro e, ao mesmo tempo, destacando as vistas exteriores (fig.30 e 31).
Fig. 30 – Desenho de Le Corbusier para o hall de acesso do MES.
Fonte: HARRIS, p.91
Fig. 31 – Villa Savoye/ vista interna
Este recurso, além de valorizar os espaços internos, cria um distanciamento ao mesmo
tempo em que aproxima espaço natural e construído. Melhor dizendo, essa aproximação
acontece para que o sujeito perceba o espaço natural e usufrua dele, mas esse espaço
34
jamais o extrapolará além dos limites do espaço construído. É como se o exterior fosse
“filtrado” pelos elementos internos, como as colunas ou a esquadria, reforçando a
arquitetura pela oposição com o espaço natural, e vice versa.
Um croqui de Le Corbusier para a vista da acrópole de Atenas (fig.32) e para o Fórum de
Pompéia (fig.33) reforça esta idéia. Os desenhos foram feitos a partir da parte interna de
um templo, com as colunas sendo vistas internamente, criando um distanciamento com o
exterior e alterando a percepção da paisagem.
Fig. 32 – Desenho de Le Corbusier na Acrópole
de Atenas. Fonte: BARDI, p. 36
Fig. 33 – Fórum de Pompéia. Fonte: CORBUSIER, 1998. p.138.
Pode-se dizer com isso que, para Le Corbusier, a paisagem é um elemento que valoriza a
obra, é algo para ser usufruído pelo homem, porém de uma forma distanciada (fig.34-36).
Fig. 34 – Croquis de Le Corbusier para indicar a vista panorâmica que o ministro da Educação e
Saúde poderia desfrutar do gabinete. Fonte: BARDI, 1994, p.79
35
Fig. 35 - Desenho de Le Corbusier para o hall de entrada do MES. Fonte: HARRIS, 1987, p. 90
Fig. 36 - Desenho de Le Corbusier para o interior do MES. Fonte: HARRIS, 1987, p. 90
Quanto às proporções, a fachada norte pode ser compreendida a partir da formação de um
retângulo áureo, ou seja, pela altura do prédio traça-se um retângulo áureo onde se tem a
largura do auditório igual a metade do raio do circulo. Este retângulo estabelece o espaço
central da fachada, que acontece entre a caixa de escada (a) e o alinhamento direito do
auditório (b) (fig.37).
Fig. 37 - Fachada norte / proporção
a
b
36
Com isso, os espaços laterais são definidos de uma forma simétrica, em oposição à
assimetria e ao equilíbrio dinâmico gerado pelo posicionamento do auditório. (fig.38). Ou
seja, a medida do espaço que vai da extremidade esquerda do prédio até o alinhamento do
volume da caixa de escada é a mesma do espaço que se dá a partir da extremidade direita
do prédio ao alinhamento do auditório.
Fig. 38 – Fachada norte / proporção
Le Corbusier elaborou um estudo para a fachada sul a partir das proporções no triângulo
retângulo (fig.39): tendo uma altura já pré-estabelecida para o prédio, traçou um cateto
adjacente (a) com a medida igual ao dobro da altura do prédio. A linha central do prédio
(e) foi definida pelo encontro do circulo de centro “y” (raio igual à medida do cateto) com
o cateto oposto. Com isso, tem se a largura da fachada onde a linha central do salão de
exposições (f) se dá pelo rebatimento da linha vertical (d) formada pelo encontro do circulo
de centro “x” com cateto oposto (c).
37
Fig. 39 – Desenho feito a partir do estudo de Le Corbusier para a fachada. Fonte: SANTOS, 1987,
p.168
Tanto na fachada sul como na fachada norte há uma simetria que começa pelas
extremidades e, na parte central do prédio essa simetria é quebrada com a descentralização
dos volumes do auditório e do salão de exposições. Tal configuração dinamiza a
composição, negando a idéia de centralidade.
Nas empenas também existe uma relação de proporção que se dá a partir dos pilotis, tanto
no sentido horizontal quanto no vertical. A altura do auditório pode ser associada à altura
dos pilotis (fig.40), sendo quatro vezes maior, assim como a altura do salão de exposições
é a metade da altura do auditório, logo o dobro dos pilotis, e a altura total do prédio é oito
vezes a dos pilotis.
Fig. 40 – Fachada lateral
b
a
c
d
e
f
x
y
a
a
2a
4a
38
Já nas relações no sentido horizontal, tem-se um módulo formado pela distância entre dois
pilotis que estrutura o conjunto. A lateral é marcada por 10 módulos (fig.41), sendo que o
eixo central se encontra no alinhamento da lâmina, na sua porção mais esbelta.
Fig. 41 – Corte
Podemos dizer que estes traçados reguladores estão presentes para estabelecer uma
geometria que resulta em uma ordem. Esta ordem rege um espaço harmônico, propiciando
uma sensação agradável aos olhos que o observam:
A obrigação da ordem. O traçado regulador é uma garantia contra o
arbitrário. Proporciona a satisfação do espírito. (...) Sua escolha e suas
modalidades de expressão fazem parte integrante da criação
arquitetural. Para construir bem e para repartir seus esforços, para a
solidez e a utilidade da obra, ele [o homem] tomou medidas, admitiu um
módulo, ‘regulou seu trabalho’, introduziu a ordem. Porque, em torno
dele, a floresta está em desordem com suas lianas, seus espinhos, seus
troncos que o atrapalham e paralisam seus esforços. Mas ao decidir da
forma do cercado, da forma da cabana, da situação do altar e de seus
acessórios, ele seguem por instinto os ângulos retos, os eixos, o
quadrado, o circulo. (...) Porque os eixos, os círculos, os ângulos retos,
são as verdades da geometria e são efeitos que nosso olho mede e
reconhece. (...) A geometria é a língua do homem. (...) Um módulo mede
e unifica; um traçado regulador constrói e satisfaz. (...) O traçado
regulador é uma satisfação de ordem espiritual que conduz à busca de
relações engenhosas e de relações harmoniosas. Ele confere à obra a
euritmia. (...) O traçado regulador traz essa matemática sensível que da
a agradável percepção da ordem. A escolha de um traçado regulador é
um dos momentos decisivos da inspiração, é uma das operações capitais
da arquitetura. (p.41-47)
39
Fig. 42; Fig. 43– Casa do Sr. Ozenfant, de Le Corbusier. Fonte: CORBUSIER, 1998, p.43 e 48
Fig. 44 – Porta de Saint-Denis (Blondel) Fig. 45 – Notre Dame de Paris
Fonte: CORBUSIER, 1998, p.43 e 48
Observa-se um pouco destas relações também em outras manifestações artísticas de Le
Corbusier, como nas pinturas. Há um eixo vertical e um horizontal que divide o desenho
em quatro partes, onde novos eixos vão se fixando e criando assim uma malha ritmada que
estrutura a obra.
40
Fig. 46 – Pintura de Le Corbusier / eixos. Fonte: BARDI, 1984, p.100.
O ritmo, diferente da cadência, é formado por intervalos desiguais, promovendo assim um
dinamismo maior. Estes, enquanto elementos que compõem os traçados reguladores,
regem não só a obra do arquiteto, mas refletem também o comportamento do homem,
segundo Le Corbusier:
Mas ao determinar as distancias respectivas dos objetos, ele [o homem]
inventou ritmos, ritmos sensíveis ao olho, nítidos nas suas relações. E
esses ritmos então no nascimento de comportamentos humanos. Ressoam
no homem por uma fatalidade orgânica, a mesma fatalidade que faz com
e que as crianças, os velhos, os selvagens, os letrados tracem a seção
áurea. (CORBUSIER, 1998, p.44)
Além disso, as duas figuras centrais possuem um eixo vertical, já nas figuras laterais este
eixo não é claramente definido em função do posicionamento do corpo em relação à
cabeça. Com isso, tem-se a criação de diagonais no desenho que dinamizam a composição
(fig.47). Estas linhas diagonais tendem para uma divisão da composição em duas partes
assimétricas (fig.48).
41
Fig. 47 e Fig. 48 - Pintura de Le Corbusier / eixos
Tal configuração, como no projeto do MES, reforça a idéia de que não há um centro, assim
como também não há hierarquia entre as personagens, todas possuem o mesmo destaque.
A apreensão acontece num tempo diacrônico, por meio de uma seqüencialidade das
personagens.
A integração das personagens se dá pelos dos contornos, definindo duas figuras ao mesmo
tempo. Ao fragmentar o desenho percebe-se uma autonomia nas figuras, apesar de se
encontram integradas.
Podemos concluir que Le Corbusier faz uso de alguns artifícios e meios de conectividade
para estruturar o sistema plástico do projeto, dentre eles podemos citar a composição em
42
uma malha ortogonal formando um ritmo e, ao mesmo tempo, linhas diagonais
assegurando uma assimetria e um dinamismo à composição. Essa assimetria diferencia os
espaços e ao mesmo tempo os integra, num equilíbrio dinâmico.
Além disso, é o relacionamento das partes que atribui significado ao todo, ou seja, a
composição é formada por diferentes volumes individualizados, autônomos e integrados,
onde a percepção implica na reconstrução intelectiva do conjunto mediante a
reconstituição mnemônica das partes. Esta reconstituição é dada por um percurso que o
sujeito deverá percorrer de acordo com sua escolha, tanto na pintura, com o olhar, quanto
no edifício, pela promenade architecturale.
Fig. 49 – MES / perspectiva
43
4.1.2 - Projeto da Equipe
O projeto da equipe é uma adaptação do projeto de Le Corbusier para um novo terreno
(fig.50 e 51) com algumas intervenções. Nesse projeto de Le Corbusier, os dois blocos se
situam nas laterais, criando um espaço vazio no centro. O local não configura um ambiente
de permanência, também não é um local que promove fluidez dos espaços, onde
obrigatoriamente se tenha que passar pra ir de um lugar para outro.
Fig. 50 e Fig. 51 – MES / segundo projeto de Le Corbusier
Oscar Niemeyer resolveu intervir no projeto: aumentou a altura dos pilotis de 4m para
10m; deslocou o bloco mais alto, antes colado num dos limites do terreno, para posição
mais central do sítio e mudou a orientação do auditório (fig. 52 - 55). Com isso, evitou a
formação de mais uma rua a repetir a escala comum dos quarteirões do entorno, como
relata:
Curioso, fiz um croqui diferente, em função do primeiro estudo de Le
Corbusier. Leão gostou da solução, Lucio quis vê-la e eu que nenhuma
pretensão tinha de mudar o projeto em execução joguei o croqui pela
janela. Lucio mandou buscá-lo e o adotou. (...) Na pequena colaboração
que dei ao primeiro projeto de Le Corbusier propus a localização do
prédio no meio da quadra, adoção do corredor central indispensável,
exclusão da placa horizontal do brise móvel no nível do peitoril e os
pilotis com dez metros em vez dos quatro adotados nos seus dois
projetos. (...) Com essa solução, a entrada do edifício sede do MES
44
passou a ser feita de lado, entre os pilotis, com o prédio solto sobre
colunas, permitindo que através dele a visibilidade se estendesse de um
lado ao outro da quadra. (...) Foi um novo aspecto inserido nesse
edifício, facilitando a circulação de pedestre naquela área, criando pelo
contraste de escala entre eles e a colunata de dez metros de altura uma
sensação de espaço de irrecusável interesse. (NIEMEYER, 1992, p.62)
Fig. 52 e Fig. 53 – Croquis de Niemeyer para os pilotis. Fonte:NIEMEYER, 2000. p.11
Fig. 54 e Fig. 55 – MES / projeto equipe
No projeto da equipe, apesar do prédio se localizar no centro do terreno, a continuidade
dos espaços está assegurada pelo fato do edifício estar sobre pilotis. Desta forma o terreno
não é fragmentado, ao contrário: os pilotis conferem ao terreno um espaço externo amplo e
contínuo (fig.56 e 57).
45
Fig. 56 – MES / Pilotis x espaço externo
Fig. 57 – Croquis de Oscar Niemeyer para MES
Ao invés de se formar um espaço vazio no centro, como no segundo projeto de Le
Corbusier (fig. 50 e 51), formam-se duas sub-praças definidas pelo bloco mais alto e
unidas pelos pilotis (fig. 58 e 59). Além de criar uma transição entre o interior e exterior,
promovendo uma maior fluidez entre os espaços.
Fig. 58 e Fig. 59 – MES / projeto equipe – sub-praças
Acesso
Principal
Pilotis
Pilotis
Praça
Praça
Av. Graça Aranha
N
46
Essa fluidez é acentuada pelo fato da altura dos pilotis ter aumentado de 4 para 10m. Com
isso se exclui uma suposta sensação de confinamento ocasionada por um pé direito baixo e
corrobora para a hipótese de que este espaço foi pensado para ser um local de permanência
e convívio.
Fig. 60 e Fig. 61 – MES equipe / sub-praças
Esses pilotis passaram a ser uma circulação não só dentro do terreno, mas de todo o
entorno. Além disso, o fato das pessoas transitarem ali para “cortar caminho” ocasiona
uma mudança na escala, ou seja, edifícios circundantes se encontram alinhados às ruas
formando as “ruas corredores”, além de não possuírem pilotis. Essa configuração propicia
ao MES uma sensação é de amplidão e claridade.
Fig. 62 e Fig. 63 – MES / espaço externo x entorno
47
Fig. 64 e Fig. 65 - MES / espaço externo x entorno
Outro fator que a transferência do bloco para o centro do terreno propicia é o jogo de luz e
sombra, que também ocorre nos dois projetos de Le Corbusier, mas de forma diferente.
Nos projetos de Le Corbusier, principalmente no primeiro, estas relações acontecem mais
no próprio prédio, em função do volume com reentrâncias, do que no espaço externo
devido à localização periférica do edifício. O espaço vazio no exterior sofre interferências
de sombra, mas estas relações não acontecem de uma forma tão intensa quanto no projeto
da equipe.
No projeto da equipe, o edifício cria uma grande clareira numa área densamente construída
da cidade – grande parte do prazer ao percorrer este espaço decorre do contraste: parte
sombreada pelos pilotis de 5 ou 10m, parte ensolarada e tratada como praça, parte
ajardinada, nas extremidades norte e sul do lote. Ou seja, a interferência da luz se dá tanto
no espaço externo quanto no edifício propriamente dito.
48
Fig. 66; Fig. 67 e Fig. 68 – MES equipe / vistas externas
Fig. 69 – MES / Vista aérea
Sobre a implantação, observa-se que existem dois eixos – transversal e longitudinal – que
cortam o terreno (fig.70). Estes são também eixos de circulação – duas formas de percorrer
o terreno – além de estruturarem o conjunto. Têm-se também três eixos de circulação no
sentido longitudinal e dois no sentido transversal no prédio. Observam-se assim caminhos
previamente definidos, assim como os percursos.
Fig. 70 – MES / Implantação
Av. Graça Aranha
N
49
Estes eixos de circulação do prédio se entrecruzam no hall de acesso, onde se tem um
centro virtual, por assim dizer, em função de sua posição ligeiramente deslocada (fig.70).
Já o centro geométrico é marcado pela escada circular ao lado do Hall de acesso (fig.71).
Fig. 71 – MES / Implantação
Diferente do projeto de Le Corbusier, que polariza jardins, circulações e estacionamentos,
aqui os jardins se encontram “misturados” aos acessos e circulações, apesar de estarem
bem definidos na implantação, como se houvesse uma simbiose entre espaço natural/
construído.
Fig. 72 – MES / Implantação
Acesso
Principal
Vegetação
Vegetação
Pilotis
Pilotis
Acesso
pedestres
Acesso
pedestres
Auditório
Livraria
Hall de
acesso
Acesso
pedestres
Acesso
pedestres
Praça
Praça
Av. Graça Aranha
N
Av. Graça Aranha
N
50
As entradas, claramente perceptíveis, abrem-se para os pilotis convidando o passante para
o interior. Espaços fechados no nível do chão reduzem-se ao mínimo (considerando as
dimensões do edifício) (fig73), quase inexistem muros cegos. Os que restam são recobertos
de azulejos. A ausência de estacionamentos reforça a idéia de que o espaço foi pensado
para o uso de pedestres, convívio e permanência dos usuários.
Fig. 73 – MES / Pilotis / espaço externo
Outro exemplo de arquitetura pensada como uma praça de permanência dos usuários é o
MASP, de Lina Bo Bardi. O térreo está completamente livre ocasionado pelo grande vão
sob o prédio (fig.74). Posterior a ele, tem-se a formação de uma praça, com a presença de
vegetação nas laterais e um espaço vazio no centro (fig.75). Aqui as relações entre os
espaços é ainda mais fluida em função de um térreo livre de pilotis e da localização
periférica dos jardins.
Acesso
Principal
Pilotis
Pilotis
Praça
Praça
Av. Graça Aranha
N
Livraria
Auditório
Hall de acesso
51
Fig. 74 - Manifestação popular no MASP Fig. 75 – MASP / Aquarela de Lina Bo Bardi
Fonte: Instituto Lina Bo Bardi. Museu de Arte de São Paulo
Os pilotis são elementos de bastante expressão nos dois projetos, diferindo em alguns
aspectos: enquanto que no MES eles se destacam por serem esbeltos e em maior
quantidade, no MASP tem-se apenas dois pilares pesados e robustos que sustentam todo o
prédio.
No MES, os pilares formam uma cadência, onde o espaço entre eles é formado por cinco
vezes a largura do pilar (fig.76). Esse espaçamento é, dessa forma, a metade da altura do
pilar.
Fig. 76 – MES / Comodulação dos pilares
X
X
X
X
X
5X
5X
5X
5X
10X
X
X
52
Essa proporção que se estabelece pela sua altura, raio e distância, além da relação dessas
dimensões com o restante do prédio e da própria quantidade dos pilares, conferem a eles
um aspecto esbelto e elegante, além de proporcionar delicadeza e graciosidade ao conjunto.
Além disso, os pilares criam no térreo o que podemos chamar de “espaços lugares”, ou
seja, estão totalmente conectados com os espaços que os rodeiam, não configurando um
local vazio, como no MASP.
Fig. 77 e Fig. 78 – MES / Pilares
A transparência que o vão estabelece no MASP – o “outro lado” do prédio é facilmente
visto – pode também ser percebida no MES. A diferença é que a vista no MASP não sofre
inerferências que acontecem no MES em função dos elementos naturais – palmeiras – e
artificiais – os próprios pilotis. Desta forma, a sensação é de que no MASP os espaços
externos são mais “límpidos” e distantes (fig.79 e 80).
53
Fig. 79 e Fig. 80 – MASP / Lina Bo Bardi
Podemos dizer também que no MES a sensação ao observar os pilotis a partir da parte
externa do prédio é de homogeneidade com as palmeiras dos jardins, reforçado a hipótese
de espaço natural e construído estarem integrados. Palmeiras possuem uma certa
majestade, assim como os pilotis do MES.
Fig. 81; Fig. 82; Fig. 83 e Fig. 84 – Pilares / palmeiras
54
Um outro aspecto que difere os pilares dos dois prédios é o uso das cores: o fato dos pilares
MES se apresentarem com cores neutras – revestimento em mármore – e no MASP os dois
pilares serem pintados de vermelho, apesar de não constar no projeto original, revela uma
diferença no que diz respeito ao destaque atribuído a esses elementos. Enquanto que no
MES o destaque dos pilares acontece pelas relações de proporção com o restante do prédio,
no MASP se dá pelo fato dos pilares serem os principais elementos do prédio onde, por
meio deles, todo o restante é formado.
Fig. 85 – MASP Fig. 86 – MES
Todas essas considerações estabelecem diferentes relações com o espaço natural. Ou seja,
enquanto que no MES é de proximidade e simbiose, no MASP acontece o contrário,
prevalece o distanciamento e oposição.
Quanto à forma do prédio, em planta, o volume do auditório e salão de exposições começa
com um formato ortogonal e, ao interceptar o prédio principal, faz uma ligeira curvatura
para fora, formando um desenho trapezoidal – tanto no sentido horizontal quanto no
sentido vertical (fig.87 e 88). Pode-se dizer então que o conjunto é formado por dois
volumes diferenciados que se interceptam – a lâmina e o volume adjacente (fig.88).
55
Fig. 87 – Maquete Fig. 88 – Empena
Cria-se assim uma hierarquia no conjunto, onde o prédio principal possui um destaque em
função de sua localização – centro do terreno – enquanto que o volume adjacente se
encontra na lateral. Além disso, na lâmina existe um tratamento de fachada diferenciado:
Uma das fachadas – fachada norte – é formada por brises em alumínio (fig.89), enquanto
que a sul se dá por um pano de vidro (fig.90).
Fig. 89 – Fachada norte Fig. 90 – Fachada sul
56
Fazendo uma comparação entre outros projetos dos arquitetos, verificamos características
semelhantes nas relações com os espaços. No projeto para a sede da ONU (fig. 91 e 92),
Oscar Niemeyer situou a torre do Secretariado no centro do eixo norte-sul do terreno,
projetando em balanço sobre as águas do rio uma lâmina horizontal esbelta para abrigar
parte das funções do Prédio das Conferências. No extremo norte, uma única edificação
abrigava as instalações da delegação. Cria-se assim uma praça.
Fig. 91 e Fig. 92 – Projeto de Oscar Niemeyer para a sede da ONU. Fonte: CORONA, p.101
O projeto de Le Corbusier previa um bloco para o Secretariado localizado na parte sul do
terreno, um para os escritórios anexos e um terceiro situado no centro do terreno, para os
Conselhos e a Assembléia Geral. A Assembléia Geral é constituída por uma grande
plataforma baixa que abriga o Prédio das Conferencias e se prolonga no terreno,
dominando a composição. Duas torres menores, iguais e separadas entre si, abrigam
delegações na face norte.
Fig. 93 – Projeto de Le Corbusier para a sede da ONU. Fonte: CORONA, p.101
57
Le Corbusier pediu a Oscar Niemeyer que mudasse a posição da grande Assembléia,
levando-a para o centro do terreno: “Hierarquicamente, é o elemento principal do
conjunto. Seu lugar, portanto, é no centro do terreno”. Niemeyer não estava de acordo. “Eu
não concordava, achava que, ficando de lado, como eu previa, a Assembléia Geral liberava
a área, em vez de cortá-la em dois, criando assim a grande praça que, a meu entender,
enriquecia o caráter monumental do conjunto. Entretanto, decidi contentá-lo”.
(NIEMEYER, 2005, pp.163-5) Cria-se assim uma nova proposta, batizada de 23+32 (23
era a de Le Corbusier, 32 a de Oscar Niemeyer).
Fig. 94 – Projeto de Oscar Niemeyer com a intervenção de Le Corbusier
para a sede da ONU. Fonte: CORONA, p.101
O episódio ilustra duas estratégias compositivas: Niemeyer, como no MES, prioriza os
espaços formados pelos edifícios, a praça. Le Corbusier, se ocupa dos volumes. Segundo
Holanda (2007), embora se sinta a presença de Niemeyer na pureza volumétrica, na
proporção e no tratamento das fachadas da lâmina principal, o que está construído não é
uma coisa nem outra: não há a praça de Niemeyer nem os espaços livres em torno do
volume solto da grande Assembléia de Le Corbusier. Niemeyer não esconde certa
amargura: “(...) ao olhar a foto da obra realizada, me sinto um pouco triste. Ah... como faz
falta a praça das Nações Unidas que desenhei!” (NIEMEYER, 2005, pp.163-5)
58
Quanto a apreensão, no projeto da ONU de Oscar Niemeyer a percepção do conjunto
acontece em uma única visada, seu croquis para a implantação atesta esta hipótese (fig.92).
A apreensão no projeto para o MES também acontece dessa forma. Não é necessário que o
sujeito percorra o prédio para apreendê-lo na sua totalidade
A presença da praça para “reforçar o aspecto monumental” como argumenta Oscar
Niemeyer também está presente no MES. Da mesma forma, ao estabelecer o
distanciamento do prédio com espaços públicos no projeto da ONU, Le Corbusier sugere
uma autonomia do conjunto, assim como fez no MES.
Fazendo uma análise das pinturas dos artistas, percebem-se essas mesmas características,
mas com uma linguagem diferente. Na pintura de Oscar Niemeyer existe um espaço que
envolve as figuras e ao mesmo tempo as preenche. As linhas são fluidas e os contornos
pouco definidos sugerindo as formas. Oscar Niemeyer usa o fundo como um espaço que
define as figuras, ou seja, o espaço se comporta como um “espaço-lugar”, sendo tão
importante quanto os personagens.
Em Le Corbusier as próprias figuras fazem o contorno umas das outras, se mostrando
densas, compactas e pesadas. Delega a elas uma grande importância, sendo o espaço que as
envolve um “espaço-vazio” que, por sua vez, reforça a importância das personagens.
Fig. 95 – Pintura de Oscar Niemeyer
59
Fig. 96 – Pintura de Le Corbusier
Oscar Niemeyer busca por uma composição leve e delicada. Não sem razão Ferreira Gullar
afirma que Oscar Niemeyer nos ensina que a beleza é leve (MORAES, 1998, p.26). A
percepção se dá de uma forma relativa, ou seja, a visualização das personagens acontece de
alternadamente, dependo do ponto de vista.
Outra característica da pintura de Oscar Niemeyer é a perspectiva, ou seja, a presença de
uma estruturação espacial que confere sentido e mensurabilidade ao espaço. Desta forma
há uma representação finita do infinito, resumindo um espaço sagrado e profano ao mesmo
tempo.
O infinito também está presente no MES por meio da simbiose entre espaço natural e
construído, onde não se tem uma definição exata de onde começa um e termina o outro.
Essa composição remete, como já foi dito, a uma proximidade, que também é percebida na
pintura por meio da forma com que as figuras estão enquadradas nos limites da tela: a
personagem no primeiro plano possui a vista do tronco para cima, dando a impressão de
estar próxima, em oposição à outra personagem do fundo, que está visivelmente distante.
Ainda sobre a delicadeza das obras, observa-se que a grande responsável por essa presença
no MES são os brises, que formam um jogo entre cheios e vazios obedecendo a uma
cadência (fig. 97-100).
60
Fig. 97 – Vista fachada norte
Fig. 98 – Malha / fachada norte
Fig. 99 e Fig. 100 – Detalhe brises
Essa leveza é reforçada pela esbelteza dos pilares (fig.101). Ambos contrastam com o
auditório, que possui um aspecto monolítico (fig.102).
a
a
a
a
a
61
Fig. 101 – Detalhe brises / pilares Fig. 102– Detalhe brises / auditório
A malha que se forma com os brises também está presente em obras de Le Corbusier,
como o convento de La Tourette ou a Unidade de Habitação de Marselha (fig. 103 e 104).
Nas duas obras observa-se a formação de uma malha cadenciada. No caso do convento a
cadência das celas contrasta com a delicadeza e o ritmo das esquadrias abaixo delas.
Fig. 103 – Convento de La Tourette Fig. 104 – Unidade de Habitação de Marselha
As células no MES possuem um formato mais esbelto, criando individualmente um ritmo –
os brises de alumínio possuem um espaçamento menor entre eles que o espaço vazio - e no
conjunto uma cadência. Além de seremveis, dinamizando a composição (fig.105 e
106). Nos dois projetos de Le Corbusier as células possuem um formato retangular
62
“deitado” e com uma rigidez maior, formando uma cadência e transmitindo a mesma idéia
de arquitetura compacta e desconectada do espaço natural.
Fig. 105 – Brises Fig. 106 Croquis dos brises
Sobre elementos alguns elementos que estão presentes para completar a arquitetura, têm-se
um conjunto todo composto de obras de arte, como esculturas e pinturas. Segundo Harris
(1997, p.39), Le Corbusier seria o responsável pela sugestão do emprego de esculturas e
pinturas, além de materiais contrastantes, como granito e azulejo.
Fig. 107 – Estudo de Le Corbusier para o painel de azulejos
Fonte: BARDI, p.83, 1994
63
A azulejaria
3
, parte importante da arquitetura modernista brasileira das décadas de 1930 e
1940, participou da realização da ambiência do espaço construído de várias obras (Fonte:
Os azulejos de Portinari...). Sendo os painéis de azulejos do MES, criados por Candido
Portinari, compostos por Conchas, Hipocampos, Estrelas-do-mar e Peixes.
Foram executados entre 1941 e 1945 por Paulo Rossi Osir (1890-1959), medem 9,90 x
15,10 m (aproximadamente 150,00 m2) e se localizam interna (pilotis) e externamente ao
bloco lateral de frente para a Avenida Graça Aranha. Ambos se constituem em
composições em azul e branco utilizando a temática marinha: no externo prevalecem os
cavalos marinhos e conchas enquanto que, no painel interno, as estrelas-do-mar e os
peixes.
Fig. 108 – Painel sob pilotis Fig. 109 – Painel da parte externa
Fig. 110 – Detalhe painel nos pilotis; Fig. 111; Fig. 112 – Detalhe painel externo
3
A técnica de cerâmica vitrificada plana foi introduzida na cultura portuguesa há mais de cinco séculos pela influência das
civilizações de origem islâmica na península Ibérica. Ao contrário de outros países, onde o azulejo se distinguiu essencialmente
pela concepção estética erudita e pelo requinte do fabrico, o azulejo português foi sempre concebido em função da sua integração
arquitetônica constante e do marcado impacto ornamental.
(Fonte: Os azulejos de Portinari...)
64
Cria-se um desenho formado por uma superposição de planos que dão a sensação de um
amplo espaço sem recorrer a uma sensação ilusória de profundidade. Tem-se a idéia de um
envolvimento, o espectador é como que capturado num remoinho formado por uma trama
de formas e tons de azuis.
O fato de não haver apelo à ilusão de profundidade torna o mural mais desconcertante.
Convida o espectador à ‘mergulhar naquele mar’, mas, ao mesmo tempo, fica claro que
isso se dá no plano da imagem. É como se o desenho subvertesse a idéia da perspectiva e
da lógica. Não tenta convencer o expectador pela razão ou pela argumentação, mas pela
emoção, pela retórica.
Os painéis estão presentes nas poucas paredes cegas do térreo, que interromperiam a
fluidez do conjunto se não fosse pela presença desses azulejos. Com essas formas curvas e
diagonais revelando um movimento, estes painéis comparecem não somente como
elementos decorativos, mas completam a arquitetura acentuando a fluidez dos espaços.
Fig. 113– Terraço Jardim / térreo
65
Os jardins de Burle Marx que compõem a praça e o terraço possuem o mesmo movimento
das curvas do painel, promovendo uma relação de homogeneidade. Essa configuração dos
jardins revela uma graciosidade no espaço externo e reforçam a questão da fluidez dos
espaços.
Fig. 114; Fig. 115– Terraço Jardim / térreo
Tanto no painel quanto no desenho dos jardins parece não existir um eixo que regula as
composições. O que prevalece são formas criadas a partir de união de retas e arcos que,
como num relato de Oscar Niemeyer, forma uma composição caracterizada pela elegância.
Fig. 116 e Fig. 117 – Terraço Jardim
66
Tais formas, além dos motivos marinhos presentes nos painéis, remetem a idéia de mar, de
montanhas, enfim, das paisagens naturais do Rio de Janeiro. Este fato está ligado à questão
da heteronomia do conjunto que, ao contrário da obra de Le Corbusier, está intimamente
relacionado ao entorno físico e ao contexto cultural.
Tais motivos marinhos podem ser percebidos também na forma do prédio, lembrando os
navios ou, como preferia Le Corbusier, os transatlânticos. Talvez a equipe estivesse tão
envolvida com os postulados de Le Corbusier que incorporou também este ideário dos
transatlânticos.
Fig. 118 – Transatlântico Fig. 119 – MES – fachada sul
Fig. 120 – MES – maquete
67
Essa semelhança é ainda maior na cobertura, com uma configuração bastante próxima à
forma de um navio. Além das vistas panorâmicas para o mar, acentuando essa sensação. É
como se, pela cobertura, o prédio navegasse sobre a paisagem urbana e natural.
Fig. 121, Fig. 122 e Fig. 123 – MES / cobertura
Fig. 124; Fig. 125 e Fig. 126 – Vistas a partir da cobertura
68
Croquis de Oscar Niemeyer (fig.127) mostram que esses volumes na cobertura não foram
elementos residuais, sem importância para o conjunto. Houve uma preocupação em fazer
uma forma mais horizontalizada e com volumes curvos em oposição à forma retangular da
lâmina.
Fig. 127 - Croquis de Oscar Niemeyer para a cobertura. Fonte: COSTA, 1962. p. 62
Fig. 128 – Planta de cobertura. Fonte: COSTA, 1962. p. 62
Sobre as esculturas, assim como jardins e o próprio prédio, também são caracterizadas por
um movimento. É a arquitetura se movimentando para o sujeito, que está observando sem
se locomover.
Fig. 129 e Fig. 130 – Monumento da Juventude Brasileira / Bruno Giorgi
69
Fig. 131 e Fig. 132 – Monumento da Juventude Brasileira / Bruno Giorgi
As esculturas retratam cenas do cotidiano e pessoas comuns, traduzindo um ambiente
caracterizado por uma democracia. Além disso, estando situadas nos cominhos pré-
estabelecidos pela paisagem, as esculturas humanizam o espaço e revelando mais uma vez
um local de permanência e convívio.
Fig. 133 – Estátua Mãe / Celso Antônio Fig. 134 – Estátua Moça Reclinada / Celso Antônio
70
Elas não se destacam pela simetria e equilíbrio ou por retratarem cenas e acontecimentos
históricos como, por exemplo, uma estátua greco-romana. Com isso, cria-se uma relação
de proximidade com o sujeito, onde se vê seduzido pelas formas. Ao contrário do interesse
despertado por estátua de Apolo (fig.136), onde prevalece uma relação de dignidade e
respeito.
Fig. 135 – Moça em pé / Bruno Giorgi Fig. 136 – Apolo de Belvedere, 350 a.C.
Nas pinturas de Cândido Portinari presentes no MES também se percebe uma integridade
com o restante do edifício (fig.137). As cenas retratam cenas cotidianas de trabalho do
homem do campo. O tamanho do painel e o fato de ocupar toda a parede promovem uma
ambiência ao espaço, aproximando a obra do expectador.
71
Fig. 137 – Painel de Cândido Portinari
A presença de perspectivas, diagonais, jogos de luz e sombra bem definidos e cadência
revelam um movimento constante da composição, assim como o painel de azulejos, jardins
e a própria arquitetura do edifício. Muitas vezes o foco dos eixos da composição se volta
para um personagem específico, ou mais de um, criando centros e sugerindo uma
hierarquia.
Fig. 138; Fig. 139 e Fig. 140 – Detalhes painel
A percepção da obra, assim como a pintura de Oscar Niemeyer (fig.95), acontece de uma
forma relativa: existem centros nos quais toda a composição está subordinada, no entanto
72
também existem elementos em primeiro plano ou no fundo da figura que também estão em
destaque.
A composição é toda estruturada tendo como princípio o Homem comum, talvez por uma
inspiração na afirmação do ministro Capanema de que o Ministério deveria traduzir as
aspirações do “homem brasileiro”. A pintura, desta forma, está perfeitamente adequada ao
prédio, completando o seu sentido, assim como as demais obras de arte presentes ao longo
do prédio
Por fim, podemos dizer que todas essas relações revelam um conjunto composto por um
agenciamento de espaços e volumes interdependentes, que ocorrem de maneira integrada.
A heteronímia acontece não somente no contexto físico, mas também no seu contexto
cultural.
As partes do projeto estabelecem entre si uma relação hierárquica, onde a apreensão se dá a
partir do todo para as partes, sem ser necessário que o sujeito se desloque. Ou seja, a
arquitetura poupa o sujeito de se deslocar, é ela que se movimenta. O espaço natural e os
espaços externos são tão importantes quanto à arquitetura em si, sendo elementos
essenciais para a composição do conjunto.
73
4.2 – Enquanto Imagem
4.2.1 - Projeto de Le Corbusier
Vimos que o projeto de Le Corbusier é constituído por volumes individualizados e
independentes entre si, se destacando por serem autônomos e integrados ao mesmo tempo.
Essa autonomia não é privilégio apenas dos volumes que compõe o conjunto entre si, mas
deste com relação ao entorno.
Na arquitetura autônoma, a obra independe de seu contexto. A idéia é salvaguardar a forma
arquitetônica da interferência de fatores que lhe sejam extrínsecos, incluído-se aí
condicionantes físico-ambientais ou culturais. O espaço é assim reduzido aos seus aspectos
essenciais e invariáveis, remetendo ao infinito.
Além disso, a autonomia implica uma relação de respeito, gerando assim um
distanciamento. Este, por sua vez, é produto da racionalidade do sistema, que passa a se
constituir como uma entidade objetiva.
Esse distanciamento se estabelece não somente pela relação sujeito/obra, mas entre os
elementos que a compõe. É aí que se encontra uma oposição entre espaço natural e
construído, onde ambos reforçam a presença um do outro por meio de contrastes –
natureza delicada x edifício robusto.
Vilanova Artigas faz uma comparação entre a arquitetura de Le Corbusier com a de Frank
Lloyd Wright no que diz respeito à relação com a natureza. Enquanto que para Le
Corbusier a natureza deve ser “organizada” e controlada segundo uma ordem, Whight
parece procurar uma simbiose entre espaço natural e construído:
As casas de Wright abrem-se para os jardins, para a natureza a fim de
realizarem um entrelaçamento entre o que está dentro e o que está fora,
um entrelaçamento com os arredores, com as árvores, as colinas, a
74
paisagem, adaptando-se às condições da natureza. (...) Os materiais que
Le Corbusier aconselha e emprega são essencialmente a expressão da
indústria moderna. A cor, a textura, a forma deles devem ter o
refinamento, o sentido esbelto de eficiência, de economia de supérfluos,
que caracterizam as peças de máquinas (...). A natureza deve participar
da casa. O homem deve gozar a natureza, porém uma natureza
organizada, controlada segundo uma ordem preestabelecida. Os
próprios edifícios são construídos sobre colunas, para que por baixo
deles possam atravessar vias de comunicação que afinal é o edifício que
organiza, pois prevê. Os jardins não são a paisagem tal como ela é; são
a paisagem organizada, são os tetos-jardins. Le Corbusier propõe uma
ordem realizada com o instrumento da sociedade do presente: a técnica.
Para ele a técnica é a nova ferramenta capaz de resolver todos os
problemas do mundo moderno, desde os problemas mais mirabolantes da
arquitetura, como plantar jardins no topo de edifícios ou construir auto-
estradas em viadutos atravessando cidades inteiras, até os problemas
sociais. Enquanto a natureza de Wright nos evoca o campo, a paisagem
aberta e condições existentes, Le Corbusier sugere a cidade com seus
problemas de organização, de política, de domínio do caos a todo custo.
(ARTIGAS, 1999, pp. 25-26, grifo meu)
Fig. 141 – Falling Water. Frank Lloyd Wrigth Fig. 142 – Villa Savoye. Le Corbusier
Em nenhum momento o arquiteto desconsidera a natureza, ao contrário. O espaço natural é
um elemento pensado durante a elaboração dos projetos, para que a natureza não interfira
na autonomia da obra e, ao mesmo tempo, se torne presente para consubstanciar sua
convicção de que o espaço natural é oposto ao espaço construído.
Essa preocupação de Le Corbusier com a natureza começou quando freqüentava a Escola
de Arte de La Chaux-de-Fonds, na Suíça. Durante seus anos de formação, a natureza
75
constituía uma importante fonte de ornamento decorativo, além disso, os teóricos da época
haviam formulado uma série de princípios que atuavam como uma base para o projeto
(BAKER, 1998, p.14). Da mesma forma, a natureza esteve bastante presente também
durante a sua infância, de acordo seus relatos:
Meus anos de infância se passaram com meus colegas em meio à
natureza. Meu pai, aliás, dedicava um culto apaixonado às montanhas e
ao rio que formavam nosso lugar. Estávamos constantemente nos cumes;
o imenso horizonte nos era costumeiro. Quando o mar de nevoeiro se
estendia ao infinito, era como o verdadeiro mar – que jamais eu vira.
Era o espetáculo culminante
. A idade de adolescência é a idade da
curiosidade insaciável. Fiquei sabendo como eram as flores por dentro e
por fora, a forma e a cor dos pássaros, compreendi como cresce uma
árvore e por que se mantém em equilíbrio mesmo em meio ao temporal.
(CORBUSIER apud BAKER, 1998, p.16, grifo meu)
Essa paisagem que observava nos cumes das montanhas quando o mar de nevoeiro se
estendia ao infinito talvez explique sua predileção pelas vistas panorâmicas. No MES
observa-se no terraço jardim que criou sobre o salão de exposições, nos croquis dos
interiores - o hall de acesso e as salas de trabalho têm vistas para os espaços pavimentados,
ocasionando uma visão mais distante do espaço natural (fig.143) - e na própria
implantação, fatores que acusam essa linguagem.
Fig. 143 - Desenho de Le Corbusier para hall de acesso do MES.
Fonte: HARRIS, 1987, p. 90
76
Em outras obras do artista, como no
Convento de La Tourette, essa característica se mostra
bastante expressiva na plástica do prédio. O terraço no convento possui um peitoril de tal
altura que só é possível a vista do horizonte (fig.144), além das celas fechadas dos quatro
lados, fornecendo uma vista distante do exterior (fig. 145). Assim como no projeto do
MES, a relação entre os espaços coletivos e o prédio propriamente dito é distanciada, o que
traduz um caráter de individualidade.
Esse caráter de individualidade, no entanto, não está ligado a um isolamento ou solidão. E
sim, ao fato de promover ao sujeito uma relação de conhecimento consigo, para assim
estabelecer com o próximo uma relação no plano da dignidade e respeito.
Fig. 144 - Convento de La Tourette – terraço Fig. 145 – Convento de La Tourette – vista externa
Esse caráter também pode ser constatado na forma com que se dá a apreensão das obras.
Como foi visto, existe no MES uma ordenação físico-espacial apreensível mediante
inúmeros e variados percursos, as promenades architecturales, por meio das quais as
impressões visuais se transformam em registros mentais.
Tal forma de perceber a obra sob diversos pontos de vista tem como princípio o próprio
homem. Essa é uma característica da modernidade que, com o advento da subjetividade
humana, delega uma importância ao homem enquanto ser individual que não havia sido
77
vista até então. Isso não quer dizer que nos períodos anteriores o homem era
desconsiderado na criação artística, mas não era visto com um ser individual, reconhecido
pela Diferença, e sim como um entre vários, fazendo parte de uma massa. São tipos de
apreensão distintos e igualmente válidos no processo de reconhecimento do sujeito
enquanto ser individual e coletivo.
Além disso, a ausência de um centro geométrico não impõe uma hierarquia espacial
determinada e consequentemente um modo pré-determidado de leitura e apropriação da
obra. Desta forma têm-se infinitas formas de trajetos possíveis, de escolhas individuais e
percepções visuais. Os antigos já conheciam o infinito do qual sempre se pode tomar algo
de novo, e o que se toma é sempre finito, mas sempre diferente (ARISTÓTELES apud
ABBANGANO, 2000, p. 567)
Os infinitos percursos remetem a uma configuração labiríntica que subdivide
organizadamente o espaço em porções cada vez menores. O labirinto parece representar
também uma espécie de preenchimento natural das formas geometricamente puras. Vale
lembrar que as próprias pirâmides de Gizé comportam um misterioso sistema labiríntico de
corredores internos.
A obra de Le Corbusier procura expressar o infinito porque poderia estar situada em
qualquer lugar, em função da sua autonomia com relação ao ambiente físico e cultural.
Outro fator é a multiplicidade de alternativas que os projetos pressupõem, conferindo ao
sujeito a liberdade de escolha, o livre arbítrio.
Tudo isso desperta no sujeito um caráter de individualidade, nos fazendo lembrar que
somos seres individuais e autônomos na essência. A obra do arquiteto procura expressar o
sujeito dessa forma, revelando e tentando suprir suas necessidades mais particulares e
essenciais, que é a liberdade e a individualidade. Le Corbusier nos dá uma pista dessa
78
percepção da arquitetura quando diz: A maioria dos arquitetos não teria esquecido hoje
que a grande arquitetura está nas próprias origens da humanidade e que é função direta
dos instintos humanos? (CORBUSIER, 1998, p.44)
79
4.2.2 - Projeto da Equipe
O projeto da equipe revela um tipo de arquitetura que tem como característica uma
simbiose e uma Identidade entre espaço natural e construido, sendo que natureza é
entendida aqui como todo contexto físico e cultural que a obra se insere. É como se fosse
criada uma segunda natureza sobre a original, onde harmoniosamente se completam.
O projeto emociona não pela proporção e equilíbrio, como no projeto de Le Corbusier, mas
pela harmonia alcançada por essas “duas naturezas”. Essa harmonia remete a uma
graciosidade, revelando também uma relação de afetividade entre sujeito e obra.
Fig. 146 – Croquis de Lucio Costa para o MES. COSTA, Lucio, 1995. p.123
Essa afetividade revela também uma relação intimista entre o sujeito e a obra. Ou seja, o
espaço é todo configurado para adequar as necessidades e às prerrogativas humanas,
propiciando um sentimento de agradabilidade onde o sujeito se sente como parte desse
espaço.
Vimos também que o projeto é todo configurado de forma que o espaço externo se torne
um local para pedestres, tanto para circulação como para permanência e convívio. Deste
80
modo, o espaço pode ser caracterizado como Sagrado no sentido de ser aquilo que “une
muitas almas”, como responde Goethe à pergunta sobre o que é o Sagrado (HEGEL, 2002,
p.42).
Fig. 147– MES / espaço externo
Ao mesmo tempo é uma obra que se destaca por aspctos como particularidade, hierarquia e
heteronomia entre os elementos que compõe o conjunto – estas mesmas categorias já
haviam sido identificadas por Gorovitz (1993) no projeto de Lucio Costa para a
Universidade do Brasil (1936) (fig.148 e 149). Também no caso do MES, a preocupação
principal que orienta o projeto é a de ambientá-lo, seja ao ambiente sócio-natural, seja ao
histórico-cultural. (GOROVITZ, 1993, p.118)
Fig. 148 e 149 – Maquete da Cidade Universitária. Lucio Costa.
Fonte: http://www.arcoweb.com.br/debate/debate26.asp
- Matheus Gorovitz
81
A heteronomia presente tanto no projeto de Lucio Costa para a Cidade Universitária como
no MES está relacionada não só aos elementos pré-existentes, mas há também uma
intenção em alterar a paisagem - um croquis de Le Corbusier para o projeto da equipe
revela essa preocupação (fig.150).
Fig. 150 – Croquis de Le Corbusier para o projeto da equipe no seu entorno. Fonte: COSTA, 1995. p.62
Melhor dizendo, uma paisagem já tão tumultuada em função das diferentes edificações,
com diferentes linguagens, teria um edifício com uma volumetria elementar e formas
límpidas, contribuindo para uma leitura mais clara da paisagem.
Ainda sobre a Cidade Universitária de Lucio Costa, há uma relação de hierarquia entre as
partes, assim como no MES, decorrente de uma multiplicidade de tipologias arquitetônicas
que se destacam pela diversidade e heteronomia (Gorovitz, 1993, pp.43-47). Dessa forma a
percepção do todo é sincrônica favorecendo a criação de uma imagem pregnante e
emblemática.
Diferente do projeto de Lucio Costa, o projeto de Le Corbusier para a Cidade Universitária
é constituído por edificações isoladas ou agrupadas em subconjuntos, preservando sua
autonomia e se destacando volumetricamente como módulos isolados ou agrupados e
articulados, formando conjuntos autônomos (fig. 151 e 152) (Gorovitz, 1993, p.33).
82
Fig. 151 e 152 – Projeto de Le Corbusier
Fonte: http://www.arcoweb.com.br/debate/debate26.asp
- Matheus Gorovitz
Ainda com relação à proximdade entre os espaços, alguns elementos do prédio merecem
um destaque, tal como as colunas. Percebe-se que estas possuem um caráter monumental,
mas não tem a solenidade das colunas de obras como o Parthenon - a ordem dórica visa a
solenidade. Ao contrário de obras como o Erecteion, onde a coluna de ordem corínthia
possui um caráter mais gracioso.
Fig. 153 – Parthenon Fig. 154 – Erecteion
Não só o capitel, mas a espessura e altura, bem como as relações cheios/ vazios, promovem
essa graciosidade / solenidade. As colunas do Erecteion pussuem uma maior trasparência
83
por prevalecer espaços vazios, diferente do Parthenon, que possui relações bastante
equivalentes – daí o sentido de harmonia da obra.
A harmonia alcançada pela configuração das colunas do MES se dá não somente por elas
em si, mas pela relação que estabelecem com o restante do edifício. A simbiose com o
espaço natural que o prédio possui se dá principalmente em função do espaço que envolve
as colunas. E é essa simbiose, como foi dito acima, que confere o sentido da harmonia do
conjunto.
Fig. 155 – MES / pátio externo. Fonte: LISSOVSY, 1996, p.298
Fig. 156 – MES. Vista do térreo
84
Todas essas relações revelam um espaço que acolhe o sujeito, que transmite a idéia de
afetividade e consequentemente, agradabilidade. A gracisidade e a delicadeza da
configuração do prédio, a forma com que a Natureza contingente, aquela criada, dialoga
com a pré-existente, remete a uma harmonia e a uma Natureza acessível e ao alcance de
todos. Ao mesmo tempo, existe uma lei que a rege, no entanto, é democrárica, pois todos
tem direito a usufruir e dela fazer parte.
85
4.3 – Enquanto Linguagem
4.3.1 - Projeto de Le Corbusier
Vimos que, para Le Corbusier, a natureza tem o seu lugar consagrado, devendo ser distante
e organizada, como nos dizeres de Artigas. Esta ordenação, onde cada ente se encontra em
seu lugar determinado, revela o sentido da Harmonia e, por conseguinte, um Universo
regido por leis estabelecidas. A arquitetura é, desta forma, submetida às leis da Natureza,
que são entendidas como Universais:
A arquitetura é a primeira manifestação do homem criando seu universo,
criando-o à imagem da natureza, aceitando as leis da natureza, as leis
que regem nossa natureza, nosso universo. As leis de gravidade, de
estática, de dinâmica se impõem pela redução ao absurdo: ficar de pé ou
desmoronar-se.
(CORBUSIER, 1998, p.45)
Se, para o artista, a arquitetura é a primeira manifestação do homem criando seu universo,
criando-o à imagem da natureza, a opção de Le Corbusier por uma arquitetura autônoma
revela o sentido do Sagrado onde, a semelhança do Universo, estabelece um espaço infinito
e universal – poderia ter sido construída em qualquer lugar sem prejuízo no que diz
respeito à plástica.
Este infinito está presente também em alguns artifícios de composição do arquiteto, tais
como os traçados reguladores que vez por outra aparecem no retângulo áureo, considerado
perfeito justamente por reproduzir o infinito (fig.157).
Fig. 157 – Retângulo Áureo
86
A proporção áurea também pode ser verificada nos estudos de Le Corbusier para um
modelo de padrões de dimensões harmônicas à escala humana, denominado Modulor. Este
fazia a aproximação entre o sistema métrico empregado na França e Alemanha e o sistema
inglês, de polegadas, usado na Inglaterra e Estados Unidos.
Fig. 158 - O Modulor
Le Corbusier não foi pioneiro nesse tipo de estudo. Têm-se ao longo da história vários
exemplos de representações de proporção humana relacionados à proporção áurea. As
marcações feitas com as linhas horizontais na escultura grega Vênus de Milo, por exemplo,
mostram a aplicação da seção áurea sobre o corpo da deusa (fig.159).
Fig. 159 – Vênus de Milo
87
Conforme pode ser visto nas marcas da direita, o escultor aplicou uma divisão desde o topo
da cabeça até o umbigo e deste até os pés: a medida menor (z, que corresponderia a 0,382)
está para a maior (Z, que corresponderia 0,618) na mesma proporção que a medida maior
(Z) está para o todo (z + Z, isto é 1,0).
Leonardo da Vinci concebeu seu famoso desenho da figura humana baseado no homem de
Vitruvio e em estudos matemáticos envolvendo a Seção Áurea, imaginando o homem em
harmonia com o universo.
Fig. 160 – Esquema de proporção da figura humana – Leonardo da Vinci, 1490
Fig. 161 e Fig. 162 – Figura Vitruviana, Cesare Cesariano, 1521.
Estes estudos feitos em diferentes períodos da história traduzem o sentido da Harmonia do
homem com o Universo. O princípio do homem como medida de todas as coisas, no
entanto, não permanece da mesma forma ao longo da história. A subjetividade humana, por
exemplo, acontece a partir da modernidade, onde há uma construção da consciência que
passa a ser prerrogativa do indivíduo. Com isso, o homem passa a se constituir como uma
entidade autônoma, singular, indivisível, distintiva e única. Diferente da Antigüidade, onde
a consciência é determinada por valores e conceitos atrelados às formas de autoridade
88
ideológica, religiosa ou política. (http://www.arcoweb.com.br/debate/debate26.asp
-
Matheus Gorovitz)
Ainda sobre o retângulo áureo, na arquitetura tem-se no Parthenon um bom exemplo de
aplicação da seção áurea. Tanto na planta - um retângulo com comprimento igual a raiz
quadrada de 5 e largura igual a 1 – quanto na fachada (fig.163).
Fig. 163 – Parthenon / Fachada
Como foi dito, fachada norte do MES pode também ser compreendida a partir da formação
de um retângulo áureo - no espaço central da fachada, entre a caixa de escada (a) e o
alinhamento direito do auditório (b) (fig.164).
Fig. 164 - Fachada norte / proporção
a
b
89
Podemos dizer que, assim como os antigos, Le Corbusier compartilha com Pitágoras da
visão estético-matemática do Universo: todas as coisas existem porque refletem uma
ordem e são ordenadas porque nelas se realizam leis matemáticas, que são ao mesmo
tempo condição de existência e de Beleza.
Os fenômenos da natureza estão em perfeito equilíbrio com as leis da ciência, onde se
encontra o sentido da harmonia e do sagrado, como ele mesmo diz: O engenheiro,
inspirado pela lei de economia e conduzido pelo cálculo, nos põe em acordo com as leis
do universo. Atinge a harmonia. Podemos dizer que harmonia, natureza, leis universais
são variáveis que se encontram intimamente interligadas:
Dever ser esse eixo sobre o qual o homem está organizado em perfeito
acordo com a natureza e, provavelmente, o universo, esse eixo de
organização que deve ser o mesmo sobre o qual se alinham todos os
fenômenos ou todos os objetos da natureza; este eixo nos leva a supor
uma unidade de gestão no universo, a admitir uma vontade única na
origem. As leis da física seriam consecutivas a esse eixo e se
reconhecemos (e amamos) a ciência e suas obras é porque estas e
aquelas nos permitem admitir que elas são prescritas por esta vontade
primeira. Se os resultados do cálculo nosso parecem satisfatórios e
harmoniosos, é que eles vêm do eixo. Se, pelo cálculo, nos aparecem
como fenômenos “organizados”, isto é, portadores de uma certa vida, é
porque estão alinhados sobre o eixo. Daí, uma possível definição da
harmonia: momento de concordância com o eixo que está no homem,
logo com as leis do universo – retorno à ordem geral. Isso daria uma
explicação das causas de satisfação à vista de certos objetos, satisfação
que reúne em cada instante uma unanimidade efetiva. (CORBUSIER,
1998, p.145, grifo meu)
Para ele, atinge-se a Harmonia quando o sujeito se adapta perfeitamente as leis universais,
quando homem e universo se tornam uma Unidade. Harmonia, de acordo com
ABBAGNANO (2000, p.496), é a doutrina segundo a qual as várias mônadas, como
muitos relógios perfeitamente construídos, estão sempre de acordo entre si, mesmo
seguindo cada uma sua própria lei.
90
A lei, nesse caso, também pode ser individual, mas estando sempre subordinada a uma
outra Lei maior, que rege e une o Universo. Daí decorre a questão da Identidade e
Diferença, os homens possuem uma Identidade na medida em que estão de acordo com o
Universo, ao mesmo tempo se percebem como Diferentes por seguirem sua própria lei.
Com relação à Identidade e Diferença na apreensão da obra do MES, foi dito que o sujeito
tem autonomia para apreender a obra num percurso escolhido por prerrogativa individual,
no tempo que desejar. Sua liberdade acontece a partir daí, o sujeito é livre e possui seu
tempo, que aqui se torna relativo e individual. Este fator reforça a importância do sujeito
na obra, que está presente para completá-la, pois sem o sujeito esta configuração dinâmica
não faria sentido.
Dessa forma, o sujeito se percebe Diferente em função da forma de contemplar o objeto e
de recriá-lo que é própria, num tempo que escolher, manifestando um sujeito individual na
sua essência:
Quando um sonhador de devaneios afastou todas as preocupações que
atravancavam a vida cotidiana (...) quando é realmente o autor da sua
solidão, quando, enfim, pode contemplar, sem contar as horas, um belo
aspecto do universo, sente, esse sonhador, um ser que se abre nele
. De
repente ele se faz sonhador do mundo. Abre-se para o mundo e o mundo
se abre para ele. (...) Em seu devaneio solitário, o sonhador de devaneios
cósmicos é o verdadeiro sujeito do verbo contemplar, a primeira
testemunha do poder da contemplação. (...) Contemplar sonhando é
conhecer? É compreender? Não é, decerto, perceber. (Bachelard, 1988,
p.165-167, grifo meu)
Na medida em que o sujeito se reconhece no objeto, passa a se reconhecer como um novo
“ser no mundo”. O objeto transforma o sujeito, de solitário passa a fazer parte de um
Universo. Assim, o sujeito abre-se para o mundo e o mundo abre-se para ele.
91
Desta forma, a contemplação introspectiva não é algo angustiante ou sofrido, muito pelo
contrário. É um reconhecimento da própria capacidade de se sentir íntegro e completo,
coração e mente, emoção e razão.
Considerando a hipótese de Plotino que diz que o tempo não existe fora da alma, é a vida
da alma e consiste no movimento graças ao qual a alma passa de uma condição de sua
vida para outra, pode-se dizer que até o universo está no tempo só na medida em que está
na alma, ou seja, na alma do mundo. Neste caso, é o homem quem define o tempo, o tempo
da Identidade.
Quando o sujeito relaciona com êxito o seu próprio tempo – ou a própria lei -, que é
relativo, ao tempo absoluto, ele se sente adequado a uma lei universal, tornando-se parte do
Universo. Isso faz com que sua Identidade e sua Diferença se manifestem ao mesmo
tempo, tornando-se coletivo e particular.
Concluindo, a relação com o tempo, com o espaço natural e o tipo de apreensão revela, no
projeto de Le Corbusier, uma com a obra que reforça o caráter de individualidade e
introspecção do sujeito, revelando assim um sujeito autônomo e emancipado. Ao mesmo
tempo, fica consagrado o sentido de comunidade, pois o modo de apropriação por
intermédio das prerrogativas do ser enquanto indivíduo sensível e racional, capacidade
comum a todos, pressupõe a coletividade enquanto possibilidade. Assim é garantida
também a Identidade do sujeito, pois este passa fazer parte de uma coletividade.
92
4.3.2 – Projeto da Equipe
Vimos que o projeto da equipe possui como características heteronomia entre as partes,
particularidade e hierarquia. Além disso, é uma obra que poupa o sujeito de se movimentar
no prédio, podendo ser apreendida em uma única visada.
Quanto à relação com os espaços, a obra procura se aproximar do ambiente pré-existente.
A aproximação da arquitetura com a natureza está relacionada à mimesis, termo grego que
diz respeito à imitação:
Se temos em mente que toda arte é produção acompanhada de regras,
compreendermos de imediato que a mimesis não é cópia de um modelo,
pálido decalque da idéia, afastada da verdade em muitos graus, como
era o caso para Platão. Ela é, antes de tudo fabricadora, afirmativa,
autônoma. Se ela repete ou imita, o que repete não é um objeto, mas um
processo: a mimesis produz do mesmo modo como a natureza produz,
com meios análogos, com vista a dar existência a um objeto ou a um ser;
a diferença se deve ao fato de que esse objeto será um artefato, que esse
ser será um ser de ficção. (Corbisier, 1997, p.61)
Por meio da mimesis, o projeto procura criar uma segunda natureza a semelhança da
primeira. Ou seja, a partir do aspecto fenomênico da natureza, cria-se uma outra marcada
por aspectos contingentes e palpáveis.
A pintura de Oscar Niemeyer ilustra um pouco dessas relações (Fig.165). Tem-se uma obra
arquitetônica composta por elementos curvos, como as rampas e coberturas, que procuram
uma integração com o espaço natural, com a natureza fenomênica. A rampa seria um
espaço de transição entre as “duas naturezas”, que une esses espaços sem uma definição
clara onde começa um e termina o outro. A vegetação acontece dentro do próprio prédio e
une-se ao céu, que também penetra no prédio por meio de uma cobertura que parece flutuar
sobre o edifício e pelas aberturas que promovem a fluidez dos espaços.
93
Fig. 165 – Oscar Niemeyer. Museu do Índio
Tem-se assim uma simbiose entre o espaço natural e construído que acontece, dentre
outros, por meio de uma mimesis da natureza. Além disso, como é o sujeito que irá se
aproximar e usufruir deste espaço natural criado pelo homem, espaço esse que estabelece
uma relação próxima com o pré-existente, também estará próximo dessa primeira
Natureza. A mimesis, desta forma, aproxima e promove a integração entre a natureza e o
sujeito.
Theodor W. Adorno afirma que “um homem torna-se verdadeiramente homem somente
quando imita a outro homem” (apud Montaner, 1997, p.19). Além disso, é por meio do
encontro com o seu semelhante que o sujeito se reconhece, revelando assim sua Identidade.
Essa identificação faz com que o homem se sinta como parte de uma coletividade que,
como ele, busca por sua autonomia e liberdade. Liberdade é a substância e a única verdade
do espírito. O espírito é o seu próprio produto, seu começo e seu fim. Quando o homem
não sabe que é livre, é escravo e se compraz a escravidão. Não sabe que a escravidão é
contrária à sua natureza, pois somente a experiência da liberdade liberta o espírito. (Hegel
apud CORBISIER, 1997, p.111)
94
A liberdade, no entanto, é algo a ser conquistado, pois, ao contrário dos animais, o homem
é livre na sua essência, e a busca por essa essência está presente em toda a sua vida. É por
meio da busca pela liberdade que o sujeito percebe sua Diferença, pela busca por uma
personalidade própria e pelo poder de escolher, ou seja, pela busca por uma humanidade.
Em oposição a Diferença, a Identidade, desta forma, está ligada àquela simbiose com uma
Natureza, que é regida por leis, mas ao mesmo permite que seja recriada pelo homem. Essa
simbiose pressupõe o conceito de infinito, onde não há uma definição dos limites entre as
duas naturezas. Ao mesmo tempo, o infinito é algo que naturalmente revela constantes
recriações e transformações.
Com isso, o infinito estabelece, por meio da simbiose, uma união da natureza fenomênica
com a natureza criada, a contingente, reunindo assim o sagrado e o profano. Essa
adequação revela um sentimento que, ao contrário da obra de Le Corbusier que estabelece
uma relação de dignidade e respeito, pressupõe uma afetuosidade.
A ilustração abaixo traduz esse sentimento de proximidade do sujeito com a Natureza, que
acontece por meio de uma relação de afetuosidade e Identidade. Essa Identidade, por sua
vez, revelará um sujeito que é livre na sua essência.
Fig. 166 – Ilustração de Oscar Niemeyer
95
Podemos dizer que o projeto da equipe é uma obra que, por meio da simbiose com o
espaço Natural, revela o sentido do infinito. O sujeito, como protagonista desse contexto,
encontrará sua Identidade por meio de uma relação de afetuosidade e proximidade com
essa Natureza pré-existente e aquela que se forma a semelhança da primeira. Sendo a
Identidade a essência do homem, no momento em que encontra sua essência, encontrará
também sua Liberdade, pois o homem é essencialmente livre.
96
5.0 - CONCLUSÃO
No projeto de Le Corbusier, a percepção do conjunto se dá por um processo de
reconstituição de fragmentos de percepção que se adquire ao longo de deslocamentos.
Pode-se classificá-lo por sua capacidade de estimular o modo de percepção intelectual e
mnemônico, em contraste com o projeto da equipe que privilegia a experiência sensível e
visual.
O fato da arquitetura de Le Corbusier, no geral, ser constituída pela adição de formas
puras, formando um volume mais complexo, corrobora para a apreensão dinâmica. Essa
configuração revela infinitas possibilidades de combinações, formadas pelo jogo entre os
volumes, as luzes e as sombras:
A arquitetura é o jogo sábio, correto e magnífico dos volumes reunidos
sob a luz. Nossos olhos são feitos para ver formas sob a luz; as sombras
e os claros revelam as formas; os cubos, os cones, as esferas, os
cilindros ou as pirâmides são as grandes formas rimaria que a luz revela
bem; suas imagens não são nítidas e tangíveis, sem ambigüidades. É por
isso que são belas formas, as mais belas formas. Todo mundo está de
acordo com isso, a criança, o selvagem e o metafísico. É a própria
condição das artes plásticas. (CORBUSIER, 1998, p.13)
Fig. 167 – Formas puras na Roma antiga.
(CORBUSIER, 1998, p.45)
97
Esse jogo de luz e sombra na obra de Le Corbusier, no entanto, se fecha nele mesmo, não
afetando os espaços vazios a sua volta. Mais uma razão para atribuirmos os termos infinito
e autonomia para a sua obra.
O projeto da equipe, ao contrário, sintetiza os três diferentes volumes ao máximo, para que
a percepção aconteça numa única visada. Os volumes formados pelo salão de exposições e
auditório se transformam num só. O jogo de luz e sombra se dá entre o edifício e os
espaços que o envolvem – fachadas, pilotis e praça.
Quanto ao tipo de traço, percebe-se que Le Corbusier tem predileção pelos ângulos retos,
daí a razão pela qual sua arquitetura é ordenada por meio de eixos e traçados reguladores:
Ora, uma cidade moderna vive praticamente de linhas retas (...). A
circulação exige linha reta. A reta é sadia também para a alma das
cidades. A curva é prejudicial, difícil e perigosa; ela paralisa. A linha
reta está em toda história humana, em toda intenção humana, em todo
ato humano. (...) A rua curva é o caminho dos asnos; a rua reta, o
caminho dos homens. (...) O ângulo reto domina. As necessidades a
satisfazer (criar, para morar e para trabalhar, cômodos ou locais
quadrados), são resolvidas espontaneamente pela técnica do cimento
armado (...); a atitude ortogonal do plano de concreto armado tornou-se
evidente, dentro da pureza da retidão. (CORBUSIER apud CHOAY,
1998, pp.188 - 189)
Esses eixos e traçados reguladores são artifícios de composição arquitetônica que
constituem um sistema plástico, estabelecendo relações formais. Estes não estão presentes
apenas em obras criadas pelo homem, mas também na natureza, conferindo proporção e
modenatura, revelando beleza e harmonia:
O que distingue um belo rosto é a qualidade dos traços e um valor todo
particular das relações que os unem. O tipo do rosto pertence a todo
indivíduo: nariz, boca, testa, etc., assim como uma proporção média
entre esses elementos. Há milhões de rostos construídos com esses tipos
essenciais; no entanto, todos são diferentes: variação da qualidade dos
traços e variação das relações que os unem. Diz-se que um rosto é belo
quando a precisão da modelagem e a disposição dos traços revelam
98
proporções que sentimos harmoniosas porque provocam no fundo de nós
mesmos, além dos nossos sentidos, uma ressonância, espécie de mesa de
harmonia que se põe a vibrar. Indício do absoluto indefinível
preexistente no fundo do nosso ser. (CORBUSIER, 1998, p.145)
Fig. 168 – Matila Ghyka. Análise
harmônica de um rosto em Le Nombre d’or. ECO, 2004, p.35
Do lado oposto tem-se a obra de Oscar Niemeyer onde a curva é uma das características
mais marcantes de sua arquitetura. O arquiteto não está preocupado com eixos ou traçados
reguladores, mas sim a imaginação e a liberdade plástica, como ele mesmo afirma ao citar
a frase de Heidegger: a razão é inimiga do pensamento. E sem dúvida, da imaginação.
(NIEMEYER, 1992, p.36). No seu Poema da Curva também expressa essa idéia
(NIEMEYER, 1992, p.58):
Não é o ângulo reto que me atrai
Nem a linha reta, dura, inflexível,
criada pelo homem.
O que me atrai é a curva livre e sensual,
a curva que encontro nas montanhas
de meu país,
no curso sinuoso dos seus rios,
nas ondas do mar,
no corpo da mulher preferida.
De curvas é feito todo o universo,
O universo curvo de Einstein.
Oscar Niemeyer
99
Quanto à relação com o espaço natural, no projeto de Le Corbusier natureza é apreciada
“do lado de fora da janela”, como a paisagem emoldurada a partir do interior. Nenhum
artifício os articula. As aberturas são tratadas como diafragmas promovendo um
distanciamento entre o mundo interior e exterior.
No entanto, o arquiteto não nega a natureza, ao contrário. Ela ao mesmo tempo que
promove essa relação de distanciamento, faz com que o sujeito se perceba dentro de um
cosmos ordenado e articualdo.
A tela de Edward Hopper (fig.170) demonstra uma situação semelhante ao que ocorre na
obra de Le Corbusier (fig.169). Em ambas as ilustrações a natureza está “do lado de fora”,
mas não menos presente. O sujeito a aprecia de uma forma contemplativa. A natureza é
vista no que ela tem de fenomênico, no seu aspecto “não palpável”.
Fig. 169 – Ilustração de Le Corbusier Fig. 170 - Edward Hopper. Morning Sun, 1952
Ela está presente a todo o momento para nos lembrar que existe uma lei que rege o
universo e que dele fazemos parte, revelando assim o sentido do Sagrado, como escreveu
Le Corbusier certa vez: “a natureza é ordem e lei, unidade e diversidade sem fim, sutileza,
harmonia e força” (BAKER, 1998, p.14).
100
No projeto da equipe a natureza faz parte dos espaços, tanto quanto os elementos
artefatuais de sua arquitetura. A natureza reforça os espaços de convívio, fornecendo uma
ambiência. É vista mais no seu aspecto contingente, imediato e palpável. O homem é parte
integrante dessa natureza de uma forma bastante ativa, recriando um novo espaço a
semelhança dessa natureza.
A pintura de George Braque demonstra uma relação da arquitetura – natureza criada pelo
homem – que se aproxima da natureza pré-existente por meio da semelhança, simbiose,
onde não se tem limites claros onde começa um e termina o outro.
Fig. 171 – George Braque. Panorama em Estaque, 1906
Relações semelhantes encontramos no MES da equipe, onde, por meio da mimesis, a
arquitetura se ambienta num espaço pré-existente, se integrando e se articulando. A
natureza é parte da arquitetura de uma forma determinante, fazendo com que o sujeito
estabeleça uma relação de proximidade e, consequentemente, de afetividade com o espaço
construído.
101
Esse tipo de relação entre os espaços revela, no projeto da equipe, o sentido do infinito,
pois não há um limite estabelecido entre espaço natural e construído, ou, entre a natureza
pré-existente e aquela criada pelo homem. No projeto de Le Corbusier o infinito acontece
em função da autonomia da arquitetura, que poderia ser construída em qualquer lugar sem
prejuízo na forma, além da configuração remetendo a infinitos percursos e infinitas formas
de perceber o prédio.
São duas estratégias de composição que podem ser traduzidas pelos termos “Apolíneo” e
“Dionisíaco”. Apolo e Dionísio lideram as duas grandes correntes da arquitetura e do
urbanismo chamados modernos. A harmonia serena, entendida como ordem e medida,
exprime-se naquela que Nietzsche chama de Beleza Apolínea (ECO, 2004, p.58). Já a
Beleza Dionisíaca é dada pelo conhecimento intuitivo, imaginação, emoção e liberdade:
Apolo representando o sol, o classicismo, a clareza, a ‘lei, a ordem e a
razão’. A mente consciente, disciplina, sociedade, objetividade. Dionísio,
o deus do vinho, representando a rebeldia, o romantismo e a licença.
Misticismo, individualismo e subjetividade. Apolo versus Dionísio, na
polêmica, simbolizam o antagonismo entre o intelecto e a emoção, o
clássico e o romântico, a cidade e o campo. (...) Apolo acredita na
sociedade tal como ela é. Pretende aperfeiçoá-la através da aplicação
rigorosa dos princípios que a criaram, e a aplicação até as últimas
conseqüências. Que o império da ‘lei e a ordem’ que a técnica moderna,
com os recursos inesgotáveis de que dispõe, pode manter. (ARTIGAS,
p.64,1999)
Tanto o projeto de Le Corbusier quanto o da equipe tem a Natureza como referência,
incluindo-se aí o próprio homem. Pelo fato do projeto de Le Corbusier pressupor uma
relação caracterizada pela dignidade e respeito entre sujeito e Natureza, este se enquadra
no que chamamos de arquitetura apolínea. Já a arquitetura Dionisíaca pode ser mais bem
102
verificada no projeto da equipe, que é marcada por uma graciosidade e tem com
característica uma relação de proximidade e afetuosidade entre Natureza e sujeito.
Fig. 172 – Ilustração do deus Dionísio.
Fig. 173 - Apolo e Hércules disputando a trípode, vaso de Vulci, 480 a.C. Louvre, Paris
Ainda sobre autonomia, podemos dizer também que a obra de Le Corbusier pressupõe uma
relação de introspecção entre sujeito e obra para, a partir daí, se reconhecer e se relacionar
com os demais. Desta forma, o sujeito encontrará a sua autonomia.
Melhor dizendo, é por meio da Diferença, da alteridade e distanciamento entre sujeito e
obra que irá descobrir sua individualidade e assim se relacionar com o próximo no plano
da dignidade e respeito, revelando assim sua Identidade.
No projeto da equipe, o sujeito encontrará sua Identidade por meio de uma afinidade e uma
relação de afetuosidade como a obra. A Diferença acontece também dessa forma, ou seja,
no momento em que o sujeito percebe a obra de uma forma individual e única.
São duas formas distintas do sujeito encontrar a sua essência e, consequentemente, sua
humanidade. Desse modo, os projetos revelam, cada um da sua maneira, um ser que é livre
e autônomo na sua essência, caracterizado pela dualidade objetividade e subjetividade,
razão e emoção, coração e mente.
103
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