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Universidade de Brasília
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo
LUIZ GOMES DE MELO JUNIOR
CO YVY ORE RETAMA: DE QUEM É ESTA TERRA?
Uma avaliação da segregação a partir dos programas de
habitação e ordenamento territorial de Palmas
BRASÍLIA
2008
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ii
LUIZ GOMES DE MELO JUNIOR
CO YVY ORE RETAMA
1
: DE QUEM É ESTA TERRA?
Uma avaliação da segregação a partir dos programas de
habitação e ordenamento territorial de Palmas
Dissertação apresentada como requisito para obtenção do
grau de Mestre na área de Planejamento Urbano no Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de Brasília (Minter UnB-UFT).
Orientador: Prof. Dr. Luiz Alberto Gouvêa
BRASÍLIA
2008
1
Inscrição constante no brasão do estado do Tocantins que significa “Esta terra é nossa” em
tupi-guarani.
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iii
LUIZ GOMES DE MELO JUNIOR
CO YVY ORE RETAMA: DE QUEM É ESTA TERRA?
Uma avaliação da segregação a partir dos programas de habitação e
ordenamento territorial de Palmas
Dissertação apresentada como requisito para obtenção do
grau de Mestre na área de Planejamento Urbano no Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de Brasília.
Aprovado em _____/_____/_____.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Luiz Alberto de Campos Gouvêa (orientador)
Programa de Pós-graduação da FAU/UnB
Prof. Dr. Luiz Pedro de Melo Cezar (examinador)
Programa de Pós-graduação da FAU/UnB
Prof. Dr. Neio Campos (examinador)
Departamento de Geografia da UnB
Prof. Dr. Neander Furtado (suplente)
Programa de Pós-graduação da FAU/UnB
iv
DEDICATÓRIA
A “painho” e “mainha” (Luiz Gomes de Melo
e Marlene Figueiredo Gomes) que, apesar de
não estarem mais presentes em matéria, são
cada dia mais constantes na minha vida.
v
AGRADECIMENTOS
A Deus, principalmente pelo dom da vida e constante presença em meu mundo.
Às minhas irmãs e sobrinhos, primeira e eterna família, pelo apoio incondicional e a quem
destino todo o amor, respeito e estima, por serem as pessoas capazes de fazerem-me superar
todas as expectativas.
Ao Prof. Dr. Luiz Alberto Gouvêa, estimado orientador, pela compreensão, apoio e incentivo
em todas as etapas de realização deste trabalho.
Aos caríssimos colegas da UFT, pelo ânimo e bom humor com que me acolheram e pelo
estímulo dispensado para superar os obstáculos dessa jornada.
Aos amigos da SEDUH e da Caixa Econômica Federal, sem cuja colaboração talvez não
tivesse logrado êxito na eficiente coleta de dados para esta dissertação.
vi
RESUMO
Esta pesquisa apresenta uma análise empírica sobre a segregação espacial em Palmas –
Tocantins, sob a ótica da produção habitacional, considerando-se a relação entre a moradia e o
processo de ordenamento territorial daquela cidade. A abordagem apóia-se na teoria da
segregação urbana, reflete e conceitua o termo por meio da contribuição literária pertinente.
Também se enfatiza a influência das rendas fundiárias para a produção do espaço urbano
relacionando a base conceitual à realidade implantada em Palmas. A partir daí, procura-se
evidenciar a forma como a moradia inseriu-se nesse processo enfatizando o segmento de
baixa renda, cuja principal forma de provisão é a ação do poder público. Parte-se do
pressuposto de que a segregação em Palmas foi intencional e utilizou a moradia como
elemento de espoliação urbana, reproduzindo o processo de urbanização brasileiro. Nesse
sentido, verifica-se a criação de uma cidade fragmentada, construída sob a influência das
rendas fundiárias, onde a segregação social determina a dinâmica de produção da periferia
urbana, cuja base de ocupação está na oferta de moradia de baixa renda através dos programas
oficiais do poder público.
vii
ABSTRACT
This research presents an empirical analysis on the space segregation in Palmas Tocantins
under the optics of the habitational production considering the relation between housing and
the process of territorial order of that city. The comprehensive approach is supported in the
theory of the urban segregation, reflects and appraises the term by means of the pertinent
literary contribution. It is also emphasized the influence of the agrarian incomes for the
production of the urban space relating the conceptual base to the reality implanted in Palmas.
From then on, it is necessary to evidence the form as housing inserted in this process,
emphasizing the low income segment, which main form of provision is the action of the
public authority. It is believed that the segregation in Palmas was intentional and used the
housing as element of urban spoliation, reproducing the brazilian process of urbanization.
Therefore, it is verified the creation of a fragmented city, constructed under the influence of
the agrarian incomes, where the social segregation determines the dynamics of the urban
fringe production, which base of occupation is in offers of low income housing through the
official programs of the public authority.
viii
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .................................................................................. X
LISTA DE FIGURAS .................................................................................................................. XII
INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 15
1. APORTES TEÓRICOS SOBRE POTICA HABITACIONAL E SEGREGAÇÃO ............ 25
1.1. Discussão teórica sobre Política de Habitação ................................................................. 26
1.2. Os mecanismos de formação do preço da terra ................................................................ 32
1.3. Viagem teórica ao campo da segregação.......................................................................... 39
2. A CRIAÇÃO DE PALMAS E A TRAJETÓRIA DO SEU PROCESSO DE OCUPAÇÃO .. 45
2.1. Antecedentes..................................................................................................................... 46
2.2. Uma “Nova” Cidade Planejada......................................................................................... 50
2.3. As Diretrizes para a Ocupação de Palmas ........................................................................ 59
2.4. Palmas: “A Segregação Planejada” .................................................................................. 66
2.5. A Descontinuidade Urbana em Palmas: Demografia X Vazios Urbanos.........................76
3. A SEGREGAÇÃO POR MEIO DA HABITAÇÃO ................................................................ 81
3.1. 1990 a 1992: a Política de Doação de Lotes na Periferia ................................................. 84
3.2. 1993 a 1996: expansão urbana e periférica de Palmas ..................................................... 94
ix
3.3. 1997 a 2000: as dificuldades institucionais para os programas de habitação...................101
3.4. 2001 a 2004: uma nova perspectiva para o setor habitacional ......................................... 107
3.4.1 – HBB em Palmas: outra forma de incremento da segregação ...............................111
3.5. 2005 a 2007: a contribuição mais recente para o setor habitacional em Palmas .............. 118
4. CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES FINAIS ...........................................................131
4.1. Palmas segregada pela dinâmica de produção especulativa do espaço ............................ 134
4.2. Palmas segregada pelas barreiras horizontais................................................................... 141
4.3. Recomendações para uma Política Municipal de Habitação para Palmas........................ 145
4.4. Concluindo: propostas de elementos urbanísticos para Palmas........................................ 153
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................................159
x
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APA Área de Proteção Ambiental
AUP I Área de Urbanização Prioritária I
AUP II Área de Urbanização Prioritária II
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
CCFGTS Conselho Curador do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
CEF Caixa Econômica Federal
CIAM Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna
CODETINS Companhia de Desenvolvimento do Tocantins
DI Desenvolvimento Institucional
EC Estatuto da Cidade
FJP Fundação João Pinheiro
GIDUR Gerência Interna de Desenvolvimento Urbano (Caixa Econômica
Federal)
HBB Habitar Brasil BID
HIS Habitação de Interesse Social
IAP Instituto de Aposentadorias e Pensões
IPUP Instituto de Planejamento Urbano de Palmas
LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias
xi
LOA Lei Orçamentária Anual
MNLM-TO Movimento Nacional de Luta Pela Moradia do Tocantins
PAIH Plano de Ação Imediata para Habitação
PAR Programa de Arrendamento Residencial
PDUP Plano Diretor Urbanístico de Palmas
PEMAS Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais
PHIS Programa Habitação de Interesse Social
PMH Política Municipal de Habitação
PNH Política Nacional de Habitação
PPA Plano Plurianual
SEDUH Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (de Palmas)
SEHAB Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano (do Tocantins)
SM Salário Mínimo
TCU Tribunal de Contas da União
UAS Urbanização de Assentamentos Subnormais
xii
LISTA DE FIGURAS
CAPÍTULO 2. A Criação de Palmas e a Trajetória do seu Processo de Ocupação
2.1. Divisão do estado de Goiás e atual território do estado do Tocantins...................................47
2.2. Quadrilátero escolhido para a construção de Palmas ............................................................ 48
2.3. Divisão Distrital do Município de Palmas............................................................................. 49
2.4. Localização do distrito-sede de Palmas em relação à divisão distrital do município ...........50
2.5. Esquema da malha viária principal de Palmas ...................................................................... 51
2.6. Malha urbana viária de Palmas.............................................................................................. 52
2.7. Quadras comerciais ao redor da Praça dos Girassóis ........................................................... 53
2.8. Divisão da área macroparcelada de Palmas........................................................................... 55
2.9. Quadra ARSO 41, a partir da Avenida LO 11.......................................................................56
2.10. Esquema funcional de uma quadra residencial de Palmas .................................................. 57
2.11. Quadra ARSE 82 ................................................................................................................. 58
2.12. Esquema do planejamento inicial de Palmas, com as áreas de adensamento......................60
2.13. Zonas de Ocupação Urbana de Palmas ............................................................................... 62
2.14. Macrozoneamento do Município de Palmas .......................................................................63
2.15. Região Central e Região Sul de Palmas .............................................................................. 64
2.16. Região Sul de Palmas com destaque para o Jardim Aureny I .............................................68
2.17. Complexo Taquaralto/Aureny – 1994 ................................................................................. 69
xiii
2.18. Jardim Aeroporto com mapa de localização........................................................................ 70
2.19. Loteamentos de Palmas Sul................................................................................................. 72
2.20. Áreas invadidas na Região Central de Palmas (1991 a 1996)............................................. 73
2.21. Mapa: Palmas 1994. Crescimento urbano no sentido Norte-Sul......................................... 75
2.22. Mapa do processo de ocupação das quadras de Palmas ...................................................... 77
2.23. Mapa da densidade demográfica de Palmas Centro e Palmas Sul ......................................79
CAPÍTULO 3. A Segregação por meio da Habitação
3.1. Avenida JK (1991) ................................................................................................................ 87
3.2.
Localização dos Aurenys em Palmas Sul. ............................................................................. 88
3.3. Vista aérea do Jardim Aureny III ..........................................................................................89
3.4. Vista aérea da Quadra ARSE 21............................................................................................ 89
3.5. Casa doada à população nos Aurenys, entre 1990 e 1998..................................................... 90
3.6. Localização das ARSE’s 14, 51, 72 e ARSO’s 32, 33, 34 e 62. ...........................................92
3.7. Evolução urbana de Palmas até 1996 .................................................................................... 95
3.8. Localização das Quadras ARSO 103, 105, 113, 121............................................................. 96
3.9. Quadras Noroeste e Nordeste de Palmas. Destaque para a Vila União.................................99
3.10. Exemplo da morfologia das quadras Noroeste e Nordeste.................................................. 100
3.11. Ocupação urbana de Palmas até 2001 ................................................................................. 103
3.12. Casa substituída pelo Programa Morar Melhor...................................................................104
3.13. Tipo de casa entregue pelo programa Morar Melhor .......................................................... 104
xiv
3.14. Empreendimento do PAR em Palmas ................................................................................. 108
3.15. Setores atendidos pelo Pró-Moradia.................................................................................... 110
3.16. Casa-padrão do HBB em Palmas ........................................................................................ 114
3.17. Casa-padrão do Santa Bárbara, mostrando marca de inundação......................................... 115
3.18. Barraco de madeira erguida em área verde, à beira de fundo de vale ................................. 117
3.19. Casa construída pelo HBB, com fundo voltado para área verde.........................................117
3.20. Localização do Loteamento Lago Sul na Região Sul de Palmas ........................................122
3.21. Localização do Taquari em Palmas Sul............................................................................... 123
3.22. Vista aérea do Jardim Taquari............................................................................................. 124
3.23 e 4.24. Avenida de acesso ao Taquari ..................................................................................125
3.25. Localização da quadra ARSE 132 em Palmas..................................................................... 126
3.26. Entorno da Quadra ARSE 132 ............................................................................................ 128
3.27. Protótipo da casa padrão da ARSE 132............................................................................... 129
3.28. Casa modificada por morador da ARSE 132....................................................................... 129
CAPÍTULO 4. Considerações e Recomendações Finais
4.1. Áreas de oferta de emprego e serviços urbanos em Palmas.................................................. 143
4.2. Proposta de quadra residencial para Palmas.......................................................................... 155
4.3. Revisão da proposta de quadra residencial............................................................................ 156
4.4. Uso de pilotis e lotes sem muros com vegetação .................................................................. 156
4.5. Retirada dos muros nos lotes.................................................................................................157
16
O desenvolvimento urbano no Brasil, segundo Maricato (2001, p. 183 et. seq.), foi
acompanhado por um processo de valorização do solo urbano, no qual a lei de mercado se
sobrepôs à norma legal. Com isso, o Estado age desde o início do processo de urbanização
brasileiro, no século passado, em função dos interesses da formação de um mercado
capitalista ao qual estão subordinadas a legislação urbanística e a regulamentação da
aplicação dos investimentos públicos.
Esse processo, segundo a própria autora, é um importante formador da segregação
urbana que tem como pano de fundo a questão da moradia e a forma desordenada como as
cidades brasileiras têm crescido e se apropriado das necessidades dos mais pobres.
Reiterando Castells, Sposito (2005, p. 69) ainda menciona que a produção
espacial como manifestação do capitalismo avançado (atual estágio desse sistema produtivo),
dentre outros aspectos, é diferenciada pelo padrão habitacional, de infra-estrutura e serviços
urbanos oferecidos.
Para Davis (2006), a favela é a principal expressão das cidades contemporâneas e
representa a espacialização das desigualdades ocasionadas pelo capitalismo. O autor coloca
que, nas diversas partes do mundo, a tendência à periferização ocorre sob diferentes matizes,
mas com uma semelhança importante que as aproxima: a segregação causada.
No caso do Brasil, a base histórica desse processo remete a dois fatos principais: a
Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, e o êxodo rural causado pela mecanização do
campo e industrialização nas cidades. Tais expedientes contribuíram para o significativo
incremento da população das cidades, aumentando rápida e progressivamente a solicitação
17
por equipamentos e serviços urbanos, em proporção muito maior do que a capacidade de
atendimento por parte do Estado.
Com isso, o espaço urbano brasileiro passou a ser demarcado pelas diferenças
sociais dos indivíduos, de forma que as áreas com maior qualidade destinaram-se
prioritariamente às pessoas com renda mais elevada. A conseqüência é a produção em massa
das favelas (DAVIS, 2006, p. 27) que insere a moradia precária entre os principais elementos
componentes do espaço e da problemática urbana.
A partir daí, a moradia suscita alternativas de inclusão viáveis ao mercado
habitacional e ao setor privado, figura entre os objetos de análise espacial urbana e relaciona-
se diretamente à questão do planejamento e desenvolvimento da cidade.
Em função dessa realidade, as cidades do século XXI contrapõem-se ao ideário
dos urbanistas de gerações anteriores. Ao invés de serem construídas em vidro e aço,
materializam-se em grande parte por meio de tijolo aparente, blocos de cimento, palha, lona,
plástico reciclado, além de estarem instaladas na miséria advinda da exploração da mão-de-
obra e no acúmulo do capital.
Nessa conjuntura global, as cidades planejadas tornam-se importantes objetos de
especulação acadêmica, tendo em vista que o seu processo de planejamento geralmente
envolve bases conceituais que direcionam (ao menos no campo retórico) a processos de
ordenamento territorial contrários à lógica de segregação arquetipicamente baseada na
reprodução do capital.
Os pressupostos teóricos presentes no planejamento das cidades normalmente se
subvertem pela lógica de reprodução do capitalismo no urbano e baseiam seu crescimento
nesse modo de produção (QUINTO JUNIOR; IWAKAMI, 1998, p. 67).
18
O Brasil acumula experiências denunciantes das agressões às camadas sociais
mais desfavorecidas. A estratificação social tem sido gerada em boa parte pelo Estado, através
da distribuição de renda e acompanhado o processo de crescimento econômico do país,
que persiste em contribuir com a exclusão dos segmentos mais precários da sociedade. Essa
exclusão se dá sob diversos aspectos: exclusão dos programas de assistência à saúde e
educação, à impossibilidade de auto-sustentabilidade social, exclusão à cidade urbanizada e
formal.
Vários autores tratam a relação entre o modo de produção capitalista e o espaço
urbano, ao considerar a inserção da moradia como elemento produzido por um mercado
(formal ou informal) e o processo de segregação urbana a que essa mercadoria (moradia) se
submete, em função da dinâmica urbana.
Por meio desta dissertação, fazemos uma análise empírica da segregação na
cidade de Palmas (Tocantins), considerando-se as relações entre a habitação e a dinâmica de
ordenamento territorial nesta cidade, entre os anos de 1990 e 2007, por meio dos programas
habitacionais.
Criada para abrigar a estrutura administrativa do recém-criado estado do
Tocantins (1988), Palmas, cuja construção iniciou-se em 1989, é a última cidade brasileira
planejada do século XX. Sua proposta conceitual visava à integração social por meio da
setorização embasada em indicadores urbanísticos e ambientais.
Baseado numa malha urbana regular, o projeto urbanístico de Palmas define-se
predominantemente para fins habitacionais e, para tal, reserva 36% da sua área inicial, o
equivalente a 4.080,49ha. Com isso, as demais funções urbanas se localizam em função de
uma maior ou menor identidade com a moradia.
19
As diretrizes de desenvolvimento relacionadas ao seu planejamento inicial
referem-se à criação de uma cidade que controverte a lógica de exploração do capital e
periferização urbana. Entretanto fatores políticos contribuem para o descumprimento desse
planejamento e o transformam em retórica, corroborando a realidade histórica do crescimento
desordenado das cidades brasileiras.
Em nível acadêmico, o estudo justifica-se pela especulação teórica proposta e pela
discussão ainda inédita sobre a relação da habitação e a segregação em Palmas; compõe uma
crítica empírica ao modelo de desenvolvimento efetivado na cidade e as formas como o
planejamento habitacional insere-se nesse processo e suas conseqüências.
Porém o trabalho também reflete uma expectativa pessoal, em função de termos
feito parte da equipe de planejamento do Movimento Nacional de Luta Pela Moradia do
Tocantins (MNLM – TO). Nossa experiência induz à análise e à crítica ao modelo de
ordenamento proposto para Palmas e sua relação com a moradia; necessita, entretanto, de
elementos teóricos que permitam a visualização mais abrangente do tema.
O planejamento habitacional do Brasil apresenta diversos momentos, a partir dos
quais é possível delinear o perfil social, político e econômico do país. A iniciativa de maior
destaque nesse sentido é a do Banco Nacional de Habitação (BNH) que, em 22 anos de
atuação (entre 1964 e 1985), produziu cerca de 4,8 milhões de unidades habitacionais em todo
o país, dos quais não mais que 20% destinaram-se às famílias de baixa renda (CHAFFUN,
1996 apud CASTRO, 2002, p. 89).
Sua atuação, desarticulada dos processos de desenvolvimento urbano, considerara
principalmente a capacidade de produção (em números) e a redução do valor do imóvel,
produzindo numerosos conjuntos habitacionais desolados (BONDUKI, 2004) e segregados da
malha urbana.
20
Mesmo extinto, o BNH consolidou, para os governos posteriores, a prática de
segregação urbana por meio da habitação e transformou a moradia proletária em um
paradigma de isolamento, baixa qualidade, periferização. Não é possível dizer, no entanto,
que não havia planejamento urbano como pano de fundo dessas ações. O processo esteve,
desde antes do BNH, pautado na utilização da moradia como elemento de controle social,
embasado em sistemas midiáticos fortes, que distorciam a realidade do que era efetivado e
induziam à especulação imobiliária (BONDUKI, 2004)
2
.
De acordo com Bonduki (2004), a vinculação da moradia aos processos de
regulamentação urbanística, durante o Regime Autoritário, mostra uma suposta preocupação
do governo com a questão urbana que, na realidade, tem base em decisões de gabinete
centralizadas, e acabaram por dar vez aos agentes imobiliários capitalistas, além do
crescimento da favelização e da abertura de loteamentos à margem da legislação.
Para o mesmo autor, assim como para Sachs (1999, p. 118), esse tipo de ão é
paradigmático do Regime Autoritário brasileiro, que foi, segundo ambos, eficaz em reforçar
as diferenças sociais a partir dos programas de distribuição de renda, inclusive os relacionados
à urbanização e moradia.
No caso de Palmas, assim como em tantas outras cidades brasileiras e
aproximando-se da experiência de Brasília, esse planejamento gerou a criação de cleos
periféricos no inicio da construção da cidade. Com isso, tem-se a formação de núcleos
2
Considerando o período anterior à criação do BNH, Bonduki (2004) refere-se à Lei do Inquilinato,
que, em função da possibilidade dada ao proprietário de despejar o inquilino para construir áreas
maiores, incentiva a idéia (que seria exacerbada pelo governo durante o Regime Autoritário), de que a
posse da moradia representa uma importante conquista social, criando o sonho da casa própria,
imprescindível nas suas estratégias de controle ideológico da população (BONDUKI, 2004, p. 73).
21
densamente habitados na periferia, contrapondo-se à baixa densidade das quadras centrais,
contribuindo para uma paisagem urbana fragmentada e ambígua.
O interesse em investigar esse tema parte da hipótese de que os programas
habitacionais em Palmas, desde a criação desta, contribuíram para criar segregação urbana,
caracterizados por um processo intencional de especulação fundiária, baseado em mecanismos
capitalistas de formação do preço da terra.
Estima-se que em Palmas existam cerca de 34 mil domicílios localizados em
assentamentos precários ou subnormais. Essa quantidade representa aproximadamente 7% do
número de domicílios existentes na capital tocantinense, cuja população atual aproxima-se
dos 180 mil habitantes
3
. Esse quantitativo representa 7,4% da população da cidade, vivendo
em aglomerações precárias ou subnormais
4
.
Mesmo sendo a estatística menor que a de boa parte dos municípios avaliados no
referido estudo, representa um número relevante para a cidade, visto o pouco tempo de sua
existência e a grande quantidade de vazios urbanos existentes na região central de Palmas,
dotada de infra-estrutura urbana e próxima das ofertas principais de emprego e geração de
renda.
Assim, como explicar que, depois de quase trinta anos da construção de Brasília,
Palmas repita o modelo de urbanização excludente evidenciado também em tantos outros
3
BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Habitação. Centro de Estudos da Metrópole.
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Precariedade no Brasil Urbano. É importante mencionar
que o último censo demográfico realizado em Palmas estima um decréscimo do contingente
populacional. Por esse motivo, o resultado da pesquisa populacional que demonstrou um número de
habitantes da cidade, antes projetado em cerca 220 mil (para 2006).
4
Considerando uma população de 132 mil habitantes, que foi o número que o estudo estimou.
22
exemplos de cidades brasileiras? Como justificar o incremento da periferia, mesmo com a
disponibilidade de terras para habitação na área planejada?
Com o presente estudo, buscamos responder a essas questões e evidenciar as
formas pelas quais o Estado utiliza a habitação como instrumento de segregação e valorização
das glebas centrais da cidade e destina às pessoas mais pobres as maiores distâncias.
Objetivos
Com base nas questões colocadas e na hipótese estabelecida, o objetivo geral
deste trabalho é o de analisar a ação governamental no município de Palmas, concernente aos
programas habitacionais, para explicitar as formas pelas quais a moradia se insere nas
estratégias de produção da segregação urbana naquela cidade.
O estudo aborda as ações mais relevantes dos Governos Estadual e Municipal,
entre os anos de 1990 e 2007, e desenvolve uma crítica abrangente desde o período de criação
da cidade. Os objetivos específicos da pesquisa são os seguintes:
Conceituar e analisar os mecanismos de formação do preço da terra e suas
relações com a provisão de moradias e dos núcleos periféricos da cidade.
Verificar a intencionalidade do poder público em utilizar a moradia como
meio de segregação urbana, através dos programas habitacionais e do
processo de desenvolvimento urbano de Palmas.
Propor diretrizes de uma Política Municipal de Habitação aplicável a Palmas,
que considere os instrumentos jurídicos e urbanísticos existentes e auxilie o
23
poder público municipal no combate à ampliação da segregação das camadas
mais pobres.
Método
Para Rey (1998 apud GONÇALVES, 2004, p. 15), a pesquisa cientifica é uma
investigação minudente e sistemática que tem o fim de descobrir ou estabelecer fatos e
princípios relativos a uma área qualquer do conhecimento.
Para produzir o estudo, partimos do entendimento de que toda pesquisa suscita um
problema a ser investigado e de interesse da comunidade acadêmica ou popular. Devidamente
identificado e justificado este problema, passamos à primeira etapa de pesquisa bibliográfica,
iniciada durante as disciplinas do curso de mestrado, cujo aprofundamento ocorreu de estudos
pontuais sobre questões relativas à segregação e aos programas habitacionais em Palmas.
Durante o curso, coletaram-se muitos dados em campo, permitindo avançar na
definição da hipótese e dos objetivos aqui estabelecidos. Entretanto se realizou nova pesquisa
depois da delimitação final do tema, pesquisa esta efetivada por meio de coleta de dados da
produção recente de moradias em Palmas e de dados sobre o processo de planejamento e
ocupação da cidade.
De posse dos dados, partimos para a especulação teórica. Todo a análise foi
acompanhada por investigação bibliográfica e busca de dados complementares nos órgãos
públicos e documentos referentes ao tema. A análise relacionou a inserção dos programas
habitacionais em Palmas com o processo de ocupação da cidade e considerou aspectos
24
socioeconômicos pesquisados, com vistas à identificação do processo de segregação naquela
cidade. Com isso, temos uma base de dados empírica caracterizadora da dissertação.
Em suma, toda a pesquisa correspondeu a um diálogo saudável entre o campo da
especulação empírica, teórica e a realidade presente nos dados oficiais e extra-oficiais, o que
nos permitiu um processo intenso, porém recompensador de análise.
Estrutura do Trabalho
A dissertação estrutura-se em cinco capítulos e inicia-se por esta Introdução que
apresenta o trabalho de maneira geral e esclarece o objeto de estudo e a proposta da análise.
O Capítulo 1 apresenta a base conceitual da dissertação, com definição dos
elementos teóricos embasantes da nossa análise. Apresentamos uma discussão à luz da teoria,
permissível de conceituar a política e os programas de habitação, a segregação e os elementos
de formação do preço da terra urbana. No Capítulo 2, fazemos um resgate histórico-crítico do
surgimento de Palmas e do seu processo de planejamento e ocupação, revelando aspectos
relevantes para a definição da segregação socioespacial naquela cidade.
Em seguida, no Capítulo 3, tratamos da periodização da produção em Palmas,
apresentamos as principais ações do poder público no que tange à provisão de moradias,
trazendo à tona a maneira como a habitação tem sido utilizada como elemento de segregação
urbana. No capítulo final, são elaboradas as considerações finais, com recomendações de uma
política habitacional para Palmas.
25
26
1.1 Discussão Teórica sobre Política de Habitação
Para se chegar à discussão sobre a Política Habitacional de Palmas e analisar sua
eficácia, faz-se necessário buscar instrumentos teóricos que permitam a compreensão exata da
abrangência do termo, bem como esclarecer os aspectos envolvidos na problemática que esse
tipo de política objetiva solucionar.
Vários autores tratam a questão urbana e habitacional sob a ótica da relação de
dominação presente na sociedade capitalista (Azevedo, 1996; Gouvêa, 1995; Maricato, 2002,
Paviani, 1996 e 1998, Sachs, 1999; Stumpf e Santos, 1998). Entendemos, com base nesses
autores, que o modo de produção é o principal responsável pela configuração da imagem
urbana atual, tomando por base o lento e complicado processo de estruturação do capitalismo,
indispensável para a análise das relações de segregação no espaço da cidade contemporânea.
Especialmente nos países de capitalismo tardio, como é o caso do Brasil, os quais
não passaram pelo chamado Estado do Bem-Estar (Welfare State), as políticas públicas vêm
tardiamente, depois da instauração de complexos quadros socioeconômicos, com fortes
abismos sociais. Aliado a isso, no caso brasileiro, cria-se a cultura política na qual a elite
dominante passa a compor o cenário político, dominar e explorar a mão-de-obra dos estratos
mais pobres da sociedade, favorecendo-se de um status social para se apoderar indevidamente
das maiores parcelas da renda e, no caso das cidades, tomando posse da terra urbana.
No Brasil, uma influência histórica da iniciativa privada sobre a relação
Estado-sociedade, o que se geralmente através da procura por um avanço da economia no
27
sentido da ampliação dos poderes das classes mais altas, promovendo uma constante luta de
classes.
A conjuntura político-social do início do século XX contribuiu para a
impregnação de importantes fatos na realidade administrativa brasileira, quando as melhores
áreas da cidade destinam-se às famílias com melhores condições financeiras. Desde aquela
época, a administração pública baseia-se na lógica da utilização da moradia como mercadoria
de benefício a determinados segmentos e atribui grande valor político às iniciativas do
governo, imprescindível para a manutenção da burguesia e da centralização de poder.
A Política Habitacional esteve vinculada a esse processo por meio da regulação
legislativa, embasada em entendimentos superficiais do problema. Essa legislação
(considerando o período higienista décadas de 1920 até meados de 1930), pela sua
desarticulação na maioria das vezes proposital, beneficiava a poucos em detrimento da
espoliação da massa trabalhadora. Os incentivos ao desenvolvimento do setor habitacional no
Brasil sempre estiveram regrados por interesses econômicos, especificamente no que tange à
habitação social.
Essas iniciativas nem sempre estiveram pautadas na relatividade dos aspectos
sociais que margeiam a discussão habitacional. Isso as tornou incompletas e ineficazes, se
considerarmos aspectos como o aumento da população favelada e do próprio déficit
habitacional.
De maneira geral, falar sobre Política de Habitação remete à solução ou aos meios
de busca de minimização das desigualdades representadas pelo déficit habitacional. Tratar
desse tipo de política remete à reflexão sobre as distorções sociais causadas principalmente
pela injusta distribuição de renda impeditiva do acesso das camadas de baixa renda aos
financiamentos habitacionais.
28
A moradia representa um importante componente do conflito capitalista da
utilização do solo urbano. Tratá-la por meio de ações assistencialistas, sem vinculá-la ao
processo de desenvolvimento econômico e social da cidade, é segregá-la da sua real função na
política urbana.
Considerando-se os objetivos aqui colocados para a Política de Habitação, faz-se
necessário introduzir o conceito de moradia adequada. Tal definição foi colocada em 1996, na
Conferência Habitat II, na Declaração de Istambul sobre Assentamentos Humanos, que
questionou a temática da habitação e reafirmou o compromisso dos governos com a realização
do direito à moradia. Definiu-se ser adequada a unidade configurada como
[...] uma moradia sadia, segura, acessível no aspecto físico, dotada de infra-estrutura
básica como suprimento de água, energia e saneamento e com disponibilidade de
uso de serviços públicos como saúde, educação, transporte coletivo, coleta de lixo,
[...], privacidade, adequado espaço [...], incluindo a garantia de posse, durabilidade e
estabilidade da estrutura física, adequada iluminação, aquecimento e ventilação.
(RELATÓRIO HABITAT II, 1996).
O conceito colocado acima se refere à unidade habitacional de qualidade,
complementada por todos os serviços urbanos. Com isso, essa moradia passa a representar
não apenas a casa, o imóvel, a unidade construída em si, mas a própria cidade, portanto,
habitação. Para Maricato (2002, p. 119), a construção da moradia necessita de um pedaço de
cidade, ou seja, de terra urbanizada, com todos os serviços e equipamentos para que possa
responder às necessidades dos seus usuários.
Para Paviani (1998), além dos aspectos físicos da moradia, o acesso ao emprego e
renda compõe o quadro de necessidades habitacionais, complementando o sentido colocado
por Maricato (ibidem). Além disso, Stumpf e Santos (1996) mencionam a importância dos
aspectos socioculturais na produção de moradias, que não incorpore os valores da classe
média como orientações e determinações sociais da casa.
29
O atendimento às demandas socioculturais da moradia é a principal questão que
distancia a Política Habitacional dos programas habitacionais. A Política responde pela
integração entre os diferentes segmentos de investimentos na cidade, de maneira ordenada e
contínua, enquanto os programas, de cunho muitas vezes clientelista, não se propõem a
estabelecer diretrizes de continuidade à solução do problema da moradia sem qualidade ou da
cidade informal. Eles tratam especificamente e de maneira desarticulada de ações como a
construção de casas para setores empobrecidos da sociedade.
É comum que esses programas não venham acompanhados de propostas de
equipamento das áreas atendidas, o que desloca a demanda antes existente para o setor da
infra-estrutura e serviços urbanos, confirmando a inadequação e a precariedade
5
das moradias.
Esse tipo de ação corrobora com a situação de segregação em que os beneficiários dos
programas habitacionais se encontram.
As novas perspectivas e discussões sobre Política de Habitação remetem a
aspectos bem mais amplos que a mera regulação jurídica por meio de leis pontuais e
impraticáveis. Seguindo a linha de propostas atuais de desenvolvimento urbano do Governo
Federal, ela pode ser conceituada como um importante instrumento nas políticas públicas, a
qual deveria permitir a aplicação de diretrizes de desenvolvimento urbano, especialmente as
referentes ao incremento da cidade e à inclusão social por meio da moradia e da adequação
espacial.
O enfrentamento da questão vai além da construção de unidades residenciais para
baixa renda e situa o problema da moradia em sua verdadeira relação com as demais políticas
5
A Fundação João Pinheiro (2006) considera inadequadas as moradias que apresentam déficit de infra-
estrutura e serviços urbanos. As moradias precárias são aquelas que não oferecem segurança física ou
conforto aos habitantes, ou ainda que são subdimensionadas em função da quantidade de pessoas
conviventes.
30
setoriais (transporte, mobilidade, saneamento, geração de trabalho e renda, educação, saúde).
Nesse sentido, é possível entender a Política Habitacional como expediente utilizador da
habitação, com todos os serviços e equipamentos urbanos, como um meio de produção e
adequação social e urbana, portanto, de controle dos níveis de segregação.
Segundo Azevedo (1996), “estes programas [habitacionais grifo nosso] podem
ser inviabilizados caso outras políticas urbanas, como a de transporte, energia elétrica e
abastecimento de água, caso não sejam integradas aos mesmos”. (AZEVEDO, 1996, p. 99).
A Fundação João Pinheiro (FJP), no estudo “Déficit Habitacional no Brasil 2005”,
avalia que
A questão da moradia [...] deve refletir o dinamismo e a complexidade de uma
determinada realidade socioeconômica. Desta forma, as necessidades do habitat não
se reduzem exclusivamente a um instrumento material “mas depende da vontade
coletiva e se articula às condições culturais e a outros aspectos da dimensão
individual e familiar” (BRANDÃO, 1984:103). Em suma, as demandas
habitacionais não só são diferentes para os diversos setores sociais como variam e se
transformam com a própria dinâmica da sociedade. (FUNDAÇÃO JOÃO
PINHEIRO, Déficit Habitacional no Brasil 2005, p. 06).
Validando esse ponto de vista, Maricato (2001, apud LANNOY, 2006) entende
que a abordagem da questão da habitação deve ser contemplada por uma visão holística na
qual a estrutura de provisão de moradias atenda às diversas camadas econômicas, partindo da
constatação de que não se devem separar as políticas de interesse social da dinâmica
estabelecida pelo mercado imobiliário.
Não se trata de políticas de assistencialismo, mas de inclusão e de concretização
do acesso social à cidade legal, formal. Lannoy (ibidem) enfatiza que a existência de Políticas
Habitacionais deve estar relacionada à organização de políticas de fundo social e inserir a
moradia em outro problema, talvez maior: o acesso à renda.
31
A questão da Política Habitacional é mais profunda que um processo pontual de
destinação do solo urbano para atender a determinadas condições socioeconômicas. Ela
avança no sentido da universalização da produção e do acesso à cidade; evita a sobrepujança
da construção de moradias isoladas, descontextualizadas, a partir de programas de
financiamento distorcidos em relação à realidade local. Esses programas têm sido patentes em
orientar a produção de moradias especialmente aos segmentos capazes de adquirir bens por
meio do mercado formal. O BNH e, de forma geral, os programas de construção e
financiamento de moradias, destinaram maiores facilidades às famílias com renda acima de
cinco salários mínimos (desde antes do BNH, durante a atuação desse órgão e depois de sua
extinção), o que só começou a apresentar sinais de mudança a partir de 2003.
6
Para Wilheim (1985, apud Sachs, 1999, p. 124), a Política de Habitação deve ter
um direcionamento político, técnico e social à qual se subordine a política financeira, e não o
contrário.
Compreendemos, pois, que a Política Habitacional deve ser um instrumento capaz
de orientar a organização institucional do setor habitacional e responder às demandas da
cidade. Com isso, a construção de moradias não deve ser proposta de maneira isolada, mas
considerar o quadro de demandas específico da região na qual está inserido, com uma relação
clara às demais políticas de desenvolvimento urbano e social.
Ficam, portanto, colocadas as bases conceituais que serão retomadas adiante,
quando das nossas análises sobre os programas habitacionais de Palmas.
6
Foi possível chegar a esses dados após a comparação da produção de moradias entre 1964 e 2005,
baseando-se em números divulgados pela Caixa Economia Federal, disponíveis em LANNOY (2006) e
TRIANA FILHO (2006).
32
1.2 Os mecanismos de formação do preço da terra
Ao analisar a forma como se deu o processo de urbanização na América Latina,
Singer (1973) coloca a importância da relação entre o trabalho e o desenvolvimento dos
processos produtivos componentes da cadeia do capitalismo e contributivos para o fluxo
migratório que fez aumentar a população urbana nos países latino-americanos.
O produto desse fluxo migratório para Lojkine (1997) é a aglomeração urbana,
definida pelo relacionamento entre urbanização e acumulação capitalista. Isso, segundo o
autor, faz com que a cidade seja um efeito, portanto, uma conseqüência da necessidade de
minimizar as despesas de produção, circulação e consumo, com vistas a ampliar a valorização
do capital. Ainda segundo Lojkine (ibidem), a cidade capitalista é a socialização das
condições de produção e das formas como esta define a aglomeração urbana, através da
justaposição de elementos individuais, representados pelos agentes capitalistas relacionados
entre si.
Sobre a relação entre capitalismo e urbanização, Gottdiener (1997) coloca que o
modo de produção capitalista está na base da formação do aglomerado urbano atual, com
ênfase à divisão do trabalho como meio de aprimoramento das técnicas de valorização do
produto ofertado pelo mercado. As dinâmicas comercial e industrial sustentariam, destarte, a
dinâmica das cidades, pela necessidade social de consumo de bens materiais cuja exacerbação
é imposta pelo capitalismo. Tendo em vista a necessidade de estratificação social apresentada
pelo capitalismo, podem-se mencionar dois aspectos relevantes quanto à sua atuação sobre o
urbano: por um lado, é preciso haver trabalho (para produzir) e renda a fim de que a produção
seja consumida e gere lucros aos proprietários (capitalistas), o que sustenta o capitalismo; por
33
outro, a espacialização do modo de produção na cidade propõe a estratificação das funções
urbanas e sugere zonas de valorização e desvalorização, obtidas através da forma como o solo
é utilizado e por quem o utiliza (relação entre a renda obtida pelo trabalhador e as condições
de aplicação sobre os insumos da cidade).
Assim, tem-se a clara relação entre a produção (trabalho) e a terra, necessária para
reproduzir os mecanismos de organização espacial do capitalismo, como colocado por Marx
em “O Capital”. Para ele, a terra pode ser utilizada como meio de produção (e. g. produção
agrícola) ou apenas de suporte para esta (e. g. terrenos destinados à indústria, comércio ou à
moradia) (LOJKINE, op. cit., p. 185 et. seq.)
Gottdiener (op. cit.) lembra que Marx utiliza o termo Fórmula da Trindade para
elencar os três componentes do modo de produção capitalista: trabalho (salários), capital
(lucro) e terra (renda fundiária). Outrossim, a renda a partir da terra torna-se um importante
mecanismo de reprodução do capital e assume diversas formas. No campo, possibilidade
de a terra ser aproveitada para a agricultura e ter um valor determinado pela sua capacidade de
produção, por exemplo. Nesse caso, a apropriação da terra pelo produtor cria uma forma de
valorizá-la, e o lucro obtido advém do que dela se extrai. Essa produção, ou a forma de
aproveitamento dos recursos disponibilizados pelo solo, determina o valor que essa terra passa
a ter, em função das características do mercado. Esse tipo de renda fundiária é denominado
Renda Absoluta e, em resumo, pode ser entendida como “o lucro auferido na cessão, aluguel
ou impedimento de acesso a um determinado imóvel.” (GOUVÊA, 1995, p. 23).
Gottdiener (ibidem) coloca que o conceito de Renda Absoluta é mais facilmente
aplicado à terra rural, pela sua estreita relação entre produção e lucro. Na cidade, porém, é
possível estar esse valor relacionado ao aluguel de imóveis para fins comerciais, distinto do
aluguel para fins residenciais, ou ainda, como colocado por Costa [200-], através do
arrendamento para fins urbanos, que determina um preço de mercado diferente ao da terra
34
sem uso (e. g. a renda obtida por meio do aluguel de terrenos particulares vagos para uso de
parques, festas ou mesmo estacionamentos em áreas congestionadas).
Marx define que a renda é o preço pago pelo produto (neste caso, a terra), preço
este definido pela competição em torno de um fator gerador de lucro que possui uma
vantagem locacional (GOTTDIENER, op. cit., p. 176). Para Marx, a renda era diferenciada
pela natureza da posse da terra com relação à organização social da produção capitalista.
Por isso, para a análise urbana, o fator da localização é imprescindível, por ser o
principal aspecto considerado para a valorização do solo e dos imóveis de forma geral,
representando um elemento gerador de lucro. Entretanto necessita-se ainda, numa sociedade
capitalista e estratificada, considerar os níveis de classificação social e a forma como os
estratos sociais lidam com o produto “terra”, os quais definem as maneiras como esta passará
a representar a produção de capital.
É preciso, nesse momento, definir o que entendemos por terra urbana, para
ressaltarmos como os mecanismos de rendas fundiárias podem agir sobre a cidade e assim
referirmo-nos ao nosso objeto de estudo (Palmas). Para tanto, usamos do pensamento de
Maricato (2001), que entende que a terra urbana é a servida por infra-estrutura e serviços e
demanda investimentos para oferecer condições de moradia em grandes aglomerações.
Portanto, o valor da terra é alterado e ampliado à medida que o valor dos investimentos em
urbanização aumenta, tornando-se o foco de interesses do mercado capitalista (e de
especulação) nas cidades.
A localização dos terrenos na cidade reflete características de valorização
determinadas pela composição do espaço circundante ou, de acordo com Marx, pelo trabalho
realizado e o lucro obtido pelo uso da terra. Assim, o zoneamento social urbano é diferenciado
35
de acordo com o poder de compra (ou outras formas de acesso) dos usuários ou da capacidade
de extração de lucro de um determinado espaço, refletindo a classificação dele.
Trata-se da Renda Diferencial (RD), que se manifesta na forma de um lucro
suplementar obtido da terra por meio das condições técnicas, materiais e especialmente as
locacionais (GOUVÊA, op. cit., p. 23), com base nas desigualdades da produtividade no
trabalho, dando importância às condições naturais do processo de produção (COSTA, op.
cit.). Essa diferenciação ocorre de duas maneiras distintas e ocasiona os conceitos de Renda
Diferencial I e II (GOUVÊA, op. cit.).
A Renda diferencial I (RD I) determina-se pelas características naturais do solo,
exploradas pelo capitalista. Um exemplo da RD I, no caso de Palmas, é a diferenciação do
potencial construtivo às margens do Lago, onde o lençol freático é mais superficial, em
relação a outras áreas da cidade nas quais o terreno é firme e possibilita a construção com
fundações menos onerosas.
Nesse caso específico, também é importante verificar que, além da RD I, a
interferência do aspecto locacional do terreno, cujas características do entorno (quantidade,
qualidade e tipo de equipamentos e serviços urbanos próximos), e as possibilidades de
obtenção de lucro definem sua valorização. Esses aspetos caracterizam a Renda Diferencial II
(RD II), relacionada ao zoneamento da área (GOUVÊA, op. cit., p. 24). Ou seja, quanto mais
bem equipada e situada for a área, mais valorizada será e vice-versa. Em Palmas, por
exemplo, os terrenos centrais são mais valorizados em relação às glebas periféricas
7
, em
função da proximidade aos principais equipamentos urbanos e aos órgãos da administração
pública, além das principais zonas de oferta de trabalho e renda.
7
Trataremos da diferenciação espacial em Palmas nos capítulos 3 e 4.
36
Tomemos ainda como exemplo da manifestação da RD II a condição oferecida
(para o lucro imobiliário) por uma determinada legislação urbanística que define padrões de
ocupação do solo em zonas específicas da cidade (e. g. lotes multifamiliares), permitindo
aumentar o gabarito de altura ou os índices de aproveitamento. O valor da terra acompanha a
dinâmica da produção urbana, tendo em vista que a ampliação da oferta gerará maior lucro ao
proprietário privado e ao próprio Estado (por meio das taxas de regularização, aprovação de
projetos e do previsto na legislação atual sob a denominação de solo criado)
8
.
Em relação à moradia, a valorização da terra define o perfil socioeconômico da
população e distingue as zonas sociais da cidade. Esse processo pode ser exacerbado pela
especulação proposta pelo capitalista privado, mas tem uma relação muito próxima com as
iniciativas do Estado, que, orientadas pela dinâmica capitalista, resultam na criação de um
capital monopolista de Estado (Lojkine, op. cit.), caracterizado pela intervenção sistemática e
generalizada do poder público em favor da acumulação por meio do monopólio. A
conseqüência é a criação de um grupo de investidores individuais (especuladores) que detêm,
juntamente com o Estado (referindo-se mais uma vez à realidade de Palmas), a posse sobre a
maior parte das glebas urbanas, definindo um acentuado processo de especulação.
Outrossim, Gottdiener (op. cit., p. 177) define a Renda de Monopólio como um
tipo de renda fundiária que extrai o lucro da terra quando a demanda por ela é estruturada
devido uma escassez produzida monopolisticamente, como no caso de localizações
específicas na cidade. Nesse sentido, a posse de determinadas glebas urbanas por um ou
poucos proprietários define a lógica capitalista de valorização do espaço, em função não
apenas da localização, mas da limitação de oferta no mercado.
8
Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), Artigo 28, que prevê a outorga onerosa do direito de construir.
37
A Renda de Monopólio garante ao proprietário vantagens excepcionais originadas
a partir do lucro suplementar proveniente das características dos imóveis. Estas, segundo
Gouvêa (op. cit., p. 25), podem ser adquiridas por meio de artifícios, como estoque de terras à
espera de valorização e implantação de equipamentos urbanos e/ou comunitários. Nesse
sentido, o Estado pode ser conivente com a prática capitalista do mercado privado de imóveis
e destinar a melhor oferta de infra-estrutura e equipamentos para as áreas com maior valor.
Com isso, cria-se uma homogeneização setorial urbana, neste caso, destinada às classes
elitizadas, “provocando a elevação do seu preço [do preço dos imóveis grifo nosso] e
tornando-os inacessíveis à maioria da população trabalhadora, que acaba segregada para as
periferias distantes.” (GOUVÊA, op. cit., loc. cit.).
O monopólio pode ser exercido tanto pelo Estado como pela iniciativa privada
(como veremos no caso de Palmas). O que de comum é a conseqüente segregação que
origina, quando exclui parte da população, seja por movimentos de repulsa ou expulsão de
áreas urbanizadas pela ampliação do valor de determinadas glebas através do processo de
especulação fundiária.
A criação de um mercado especulativo organizado pelo capital privado e estatal,
como mencionado acima, faz com as parcelas da cidade destinem-se conforme os interesses
de produção do espaço que, como nos referimos, segue a lógica do capitalismo. Nesse
sentido, surge uma outra forma de valorização do solo e de hierarquização da cidade, que diz
respeito não mais à sua localização, mas às benfeitorias sugeridas pelo empreendimento.
Tomemos como exemplo a produção, em Palmas, de edifícios dos loteamentos à
margem do Lago, que, apesar de ainda não ocupados, apresentam toda a infra-estrutura
necessária para a habitação, o que amplia o seu valor e os torna inacessíveis a públicos com
renda média e baixa.
38
Para Campos (1998, p. 111), as melhorias estruturais propostas pelo Capital
Incorporador atingem parcelas da população com renda cada vez mais alta, dispostas a gastar
cada vez mais com habitação. Esta, ao ser destinada a tal mercado, sempre apresentará
inovações e garantirá o atendimento a um público mais seleto, além de criar um submercado
específico para essa faixa de renda. Gouvêa (1998, p. 77) ressalta que esse público,
representado pela burguesia, é quem instrumentaliza o urbano, utiliza o preço da terra como
meio de segregação e coloca o espaço a serviço do modo de produção capitalista.
Esse processo origem a uma das formas de constituição da segregação
residencial, vista a partir do caráter excludente dos empreendimentos realizados pelo mercado
imobiliário. Segundo Campos (ibidem, p. 112), o capital incorporador, nesse intento, age em
conjunto com o Estado, possibilitando-lhe internalizar benfeitorias públicas implantadas no
local e exige um nível de renda mais alto dos indivíduos desejosos de acessar tais
empreendimentos.
O contraponto se faz na baixa qualidade da urbanização das regiões periféricas e
nas tecnologias destinadas à redução contínua dos custos de construção de moradias
populares, com tecnologias e programas funcionais alternativos que, muitas vezes, não se
amoldam à demanda real. Nesses casos, os habitantes dessas regiões são excluídos do
processo de benfeitorias urbanas; ficam à margem da participação no submercado antes
mencionado.
O processo de valorização pelo capital incorporador, de acordo com Smolka
(1983 apud CAMPOS, ibidem, p. 112), está intimamente associado ao agravamento da
segregação social, isto é, não só se alimenta dela como a produz.
Nota-se, dessa forma, relação intrínseca entre as rendas fundiárias, o capital
incorporador e o processo de segregação urbana. Os autores mencionados neste item são
39
bastante objetivos ao relacionar que o processo de produção capitalista é determinante para a
criação de uma diferença social na cidade por meio do uso e da valorização do solo urbano.
Mas qual será o conceito real de segregação? Quais serão os aspectos caracterizadores desse
fenômeno comum ao processo de urbanização global, conforme colocado por Davis (op. cit.)?
No item seguinte discutimos, à luz da teoria, o conceito de segregação considerado para esta
dissertação.
1.3 Viagem teórica ao campo da segregação
Refletir sobre a questão da segregação urbana por meio da negativa à habitação
(cidade) conduz à discussão dos pressupostos teóricos que margeiam o tema. De maneira
geral, o conceito de segregação, relacionado à cidade, deve ser multifocal, i. é., considerar não
apenas a vertente espacial ou social, ou ainda a econômica ou a política, isoladas em relação
ao complexo sistema embasante do desenvolvimento urbano. É o que tentamos evidenciar
neste item.
Consideramos que a sociedade é a base para as transformações urbanas, num
contexto sociológico que fundamenta o modus vivendi e o modus operandi da cidade. A vida
em sociedade é definitiva para a realização do fenômeno urbano, conforme colocado por
Lefebvre (2004). A troca proporcionada pelas pessoas nas cidades é o que confirma, segundo
o autor, a realização do lugar.
Assim, as relações políticas, mencionadas aqui como as que vão além dos
expedientes partidários, são essenciais para o convívio em sociedade e proporcionam, de
acordo com as características sociais do grupo, as matizes espaciais do urbano. O grau de
40
homogeneidade ou de heterogeneidade, neste caso, contribui de maneira significativa para a
determinação das formas como se dará o desenvolvimento das cidades.
Para Shevsky e Bell (1961, apud GUIA, 2006, p. 22), esses graus de
heterogeneidade e homogeneidade dão-se pela definição de similaridades internas aos grupos.
Os autores tratam da questão referindo-se à diferenciação residencial nas cidades: fruto de
uma estratificação social do espaço. Essa separação social que divide a população em
camadas está diretamente vinculada à atuação das forças do capital sobre as atividades
urbanas.
O resultado é um espaço que serve de objeto para a manipulação do mercado
fundiário e imobiliário, agrega valores à terra urbana em função das suas características
naturais ou potencial econômico e comercial e cria a especulação. Desta feita, o mercado
interage com a sociedade (ou vice-versa) de maneira centrífuga para com os grupos
relacionados, nem sempre os de classe mais elevada, ou de forma centrípeta, afastando os
grupos de menor interesse.
Bom exemplo é a atual situação dos centros antigos de boa parte das cidades
históricas, que se apresentam em duas formas opostas de utilização. Geralmente durante o dia,
com intensa vida social, a partir das relações comerciais propostas, que estabelecem vínculo
direto com a sociedade e distinguem ainda usuários e prestadores de serviço. Com o
encerramento das atividades comerciais, em muitos casos, o centro fica abandonado e sem
vida social; representa para o poder público um gargalo no tecido urbano.
Para fins de definição dos graus de homogeneidade e heterogeneidade aqui
mencionados, deve-se considerar o grau de instrução das pessoas o qual poderá induzir ao seu
comportamento social e interesses; as rendas familiar e individual que permitem perceber o
poder aquisitivo e a influência sobre o mercado político e econômico; índices de fecundidade
41
que analisam, dentre outras questões, a presença de mulheres no mercado de trabalho e sua
participação na tomada de decisões em determinado setor urbano.
O conceito sugerido para a segregação, que possa ser coerentemente aproveitado
na crítica ao modelo de desenvolvimento excludente proposto para Palmas, deve ter uma
relação bastante próxima com a questão do planejamento urbano, especificamente no que
tange à vertente habitacional, além de considerar os graus de homogeneidade existentes em
determinadas regiões da cidade.
Igualmente, além de se portar diante de aspectos econômicos e comportamentais
que mensurem e qualifiquem a participação dos segmentos sociais na vida urbana, vale
mencionar a pressão colocada pelo próprio Estado neoliberal para o desenvolvimento pautado
em bases comerciais, baseando o crescimento urbano e a inserção da habitação, na prática e
nas soluções encontradas pelas necessidades de reprodução do capital privado. Com isso, o
que se pretende, segundo Maricato (2001, p. 184), é a construção de um aparelho público não-
estatal, para repassar à sociedade parte do que seria sua responsabilidade.
O comportamento econômico na cidade é uma das principais diretrizes de indução
aos movimentos de repulsa e absorção dos grupos sociais no tecido urbano, e a própria
caracterização física do espaço. Ele interfere na definição de critérios urbanísticos e
instrumentais de determinados bairros ou setores, em função da forma como o capital é ali
produzido ou utilizado, confirmando o nível social da população.
Para compreender melhor a relação desses fatores com a organização espacial das
cidades, buscamos aporte na seguinte colocação de GUIA (ibidem.):
Cabe destacar que os processos de localização residencial refletem a relação de
complementaridade do sistema econômico, dado que as discussões locacionais dos
indivíduos são reguladas pela capacidade de consumo de terra e acessibilidade [...]
Nesse sentido, a racionalidade econômica de localização nas regiões centrais e
industriais da população de baixo poder aquisitivo está relacionada à minimização
42
dos custos de transporte e maximização do custo de [habitação – grifo nosso]
9
,
exercendo pressões sobre a oferta de tipologias habitacionais menores e mais
adequadas ao caráter funcional das habitações do proletariado. Com relação à
população de maior poder aquisitivo, as pressões sobre o solo urbano não estão
relacionadas à acessibilidade ao local de emprego e aos serviços, pois o fator atrator
é o maior consumo de terras em áreas distantes dos centros geradores de fluxos
comerciais e empregos, com deslocamento do custo moradia para os de transporte.
(GUIA, ibidem, p. 24).
Em outras palavras, a relação da moradia proletária com a cidade baseia-se na
proximidade com o trabalho, ao passo que as classes mais altas buscam locais mais afastados
dos centros, onde oferta de terrenos com mais qualidade. O espaço ganha com isso uma
hierarquização que o caracteriza como uma malha heterogênea, composta por diversas
microrregiões homogêneas do ponto de vista social e econômico.
Para Lojkine (op. cit., p. 189), é possível distinguir três tipos de segregação
urbana. O primeiro define-se pela oposição entre o centro onde o valor da terra é mais alto, e a
periferia, por meio do fator locacional. O segundo diz respeito à crescente separação entre as
zonas residenciais definidas para as camadas de renda elevada e às destinadas aos segmentos
populares. O terceiro corresponde ao esfacelamento das funções urbanas, disseminadas em
zonas cada vez mais distintas e especializadas (setores distintos para hotéis, negócios, lazer
etc.), bastante comum em cidades planejadas como Brasília e Palmas.
Para Paviani (1998, p. 116), a segregação apresenta-se sob a forma de todo o tipo
de precariedade ocasionada pela distribuição de renda irregular e dificuldade de acesso à
renda compressão salarial, analfabetismo, doenças endêmicas, desemprego, subemprego.
Segundo o mesmo autor, ela é mais demarcada pela segregação habitacional e/ou uso da terra
urbana, diretamente ligados aos mecanismos de homogeneização espacial por meio de ações
9
No texto original, o autor usa o termo moradia, substituído aqui por “habitação”, considerando-se os
conceitos utilizados nesta dissertação, que se aproxima do sentido que objetivamos destacar da citação.
43
de controle social, que induzem a processos ineficazes de acesso à renda, portanto, à
habitação.
Campos (1998) entende a segregação residencial como fenômeno resultante das
intermediações complexas entre os agentes e suas atividades de formação do espaço urbano,
estruturada sob as determinações das relações sociais capitalistas.” (SMOLKA, 1983;
CAMPOS, 1988, apud CAMPOS, op. cit, p. 97 et. seq.).
Temos, com isso, importantes bases para a conceituação de segregação,
vinculando-a à habitação e ao processo de gestão do território urbano.
Em suma, a ação do Estado em coerência com as pressões do mercado e da
iniciativa privada de modo geral, em prol dos interesses das classes mais altas, cria espaços
inacessíveis às populações de baixa renda na malha urbana. Com isso, além do aumento do
preço da terra nas regiões de maior qualidade (Renda Diferencial) e da concentração da
melhor oferta de serviços em determinadas áreas em função da influência econômica dos seus
habitantes (Capital Incorporador) sobre o mercado local, os vazios urbanos tornam-se alvo da
especulação imobiliária e impedem a socialização do espaço urbanizado (Renda de
Monopólio).
A conseqüência é a criação de zonas homogêneas, totalmente dotadas de infra-
estrutura e com forte centralização dos serviços urbanos de qualidade ou, ao contrário, com
precariedade no atendimento das demandas urbanas básicas e sem acesso imediato às
oportunidades de emprego, destinadas respectivamente às classes de maior e menor poder
aquisitivo.
A partir daí, possibilidade de compreender que a segregação espacial urbana é
um processo de espacialização das diferenças sociais pautado na manifestação dos agentes
capitalistas sobre o de apropriação do território urbano. Nesse processo, o espaço passa a ser
44
hierarquizado em função dos interesses das classes dominantes, marginalizando os setores
ditos “inferiores” da sociedade.
Permite, também, diferentes interpretações, dependendo do prisma a partir do qual
se observa o problema. No caso desta dissertação, a segregação refere-se à reflexão sobre a
forma como a moradia pode estar inserida nos mecanismos da segregação social em Palmas,
de acordo com a nossa hipótese, a partir dos programas de construção de unidades
habitacionais, no processo de ordenamento e desenvolvimento territorial da cidade.
45
46
Neste capítulo, fazemos uma contextualização histórica do surgimento da cidade
de Palmas e do seu processo de ocupação e evidenciamos as diretrizes do planejamento
elaborado para seu desenvolvimento territorial e a contradição dos procedimentos colocados
na prática.
O nosso objetivo com este capítulo é o de sistematizar dados referentes à
construção de Palmas e constituir uma base empírica para a posterior análise das formas como
os programas habitacionais se inserem nessa questão, a fim de tentar provar a nossa hipótese.
2.1 Antecedentes
O Estado do Tocantins foi criado em 1988
10
, na ocasião da promulgação da
Constituição Federal, depois de quase dois séculos de lutas e movimentos separatistas
diversos. A principal bandeira levantada pelos defensores da separação do Goiás em dois
territórios (Figura 2.1) era a melhoria das condições de desenvolvimento da região norte do
estado, que não recebia investimentos suficientes e ficava em situação de atraso em relação ao
sul goiano.
10
Artigo 13 do Capítulo dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.
47
Figura 2.1 Divisão do estado de Goiás e atual território do estado do Tocantins.
Fonte: Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas, 2004, p. 2.
A implantação oficial do Tocantins deu-se em de janeiro de 1989, mesmo ano
do início da construção da capital
11
. O próprio artigo constitucional que estabeleceu a criação
do estado previu a escolha pela Assembléia Constituinte de uma cidade para abrigar a sede
provisória do poder estadual. No dia 2 de janeiro de 1989, um dia depois da instalação da
capital na cidade de Miracema, criou-se uma comissão para escolher o local da construção da
capital definitiva (NASCIMENTO, 2007, p. 122). Naquele mesmo ano, uma alteração do
artigo da Constituição Estadual determinou a transferência da capital da cidade de
Miracema para a cidade de Palmas, a ser construída.
11
A pedra fundamental de Palmas foi lançada em 20 de maio de 1989.
48
Com um ideal desenvolvimentista que se autocomparava aos anseios do
presidente Juscelino Kubitscheck quando da criação de Brasília, o então governador Siqueira
Campos intencionava criar uma cidade totalmente planejada: símbolo do desenvolvimento da
região.
Para a escolha do local da construção da capital, o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) indicou ao governador do Tocantins um quadrilátero central
com 90x90km. A indicação do local se deu em função da proximidade de uma rede de cidades
importantes para a região (Paraíso do Tocantins, Porto Nacional, Miracema). O local
escolhido, inserido num quadrilátero de 32x42km, está entre a margem direita do Rio
Tocantins e a Serra do Lajeado, próximo ao antigo povoado do Canela, na região central do
Tocantins (Figura 2.2).
Figura 2.2 Quadrilátero escolhido para a construção de Palmas.
Fonte: Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas, 2004, p. 4.
O município de Palmas divide-se atualmente em três distritos, conforme
apresentado na figura 2.3: o distrito-sede, objeto principal do projeto urbanístico da cidade; o
49
distrito de Taquaruçu e o distrito de Buritirana, anteriores à existência da capital, que
passaram a fazer parte do perímetro urbano de Palmas em 2007, por meio da Lei
Complementar (LC) 155/2007, que trata do Plano Diretor
12
.
Figura 2.3 Divisão Distrital do Município de Palmas.
Fonte: Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas, 2004, p. 6.
O distrito-sede de Palmas, que abriga o Plano Diretor
13
, (como é chamada a área
macroparcelada da cidade), localiza-se à margem do Rio Tocantins (Figura 2.4), distante
cerca de 30km de Taquaruçu e aproximadamente 50km de Buritirana. Os dois distritos são
submissos à economia e à boa parte dos serviços do distrito-sede, havendo uma relação de
12
Antes da aprovação da referida LC, Taquaruçu fazia parte de uma Área de Proteção Permanente, e
Buritirana, da zona rural. Pela Lei, a partir de 2007, os dois distritos passam à condição de área urbana,
como loteamentos isolados.
13
Para evitar equívocos entre esse termo difundido na cidade de Palmas e o termo que se refere à lei
de desenvolvimento municipal, chamaremos a área de Região Central de Palmas ou Plano Básico.
50
dependência, especialmente em relação ao comércio, serviços administrativos, saúde e
educação (exceto em nível fundamental).
Figura 2.4 Localização do distrito-sede de Palmas em relação à divisão distrital do município.
Fonte: Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas, 2004, p. 24.
2.2 Uma “Nova” Cidade Planejada
Quase trinta anos depois da inauguração de Brasília, o governador do recém-
criado Estado do Tocantins propõe a construção de uma nova cidade para abrigar a sua capital
administrativa. Apesar das três décadas entre os dois projetos (Brasília 1960; Palmas
51
1990
14
), os autores do projeto urbanístico de Palmas
15
afirmam que o desenho da cidade foi
concebido a partir dos conceitos de urbanismo modernista sugeridos nos CIAM Congressos
Internacionais de Arquitetura Moderna – e na Carta de Atenas, explorados em Brasília.
Também se considerou como premissa de projeto, a obediência ao terreno natural, adequando
o desenho ao local e não o contrário.
O macrozoneamento urbano foi proposto como uma grande malha reticulada, cuja
hierarquia do sistema viário é bem definida e demarca as grandes quadras nas quais foram
dispostas todas as funções da cidade (Figura 2.5). As quadras foram distribuídas de maneira
ordenada, seguindo um desenho contínuo, até certo ponto monótono, em função da repetição
excessiva das unidades e dos elementos viários utilizados como solução para os cruzamentos,
as rotatórias.
Figura 2.5 Esquema da malha viária principal de Palmas (estruturantes das áreas funcionais).
Fonte: Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas, 2004, p. 8.
14
Anos em que as duas cidades foram inauguradas.
15
Arquitetos e Urbanistas Luis Fernando Cruvinel e Walfredo Antunes, sócios do escritório Grupo
Quatro, com sede em Goiânia. O primeiro foi responsável pelo desenho da cidade e o segundo, pelo
planejamento urbano.
52
De acordo com o termo de referência do projeto urbanístico da cidade, o
microparcelamento das quadras residenciais seria concebido por diferentes profissionais, de
forma a evitar a repetição de um modelo exclusivo de loteamento, e contribuiria para a
diversidade da forma urbana proposta.
A organização das quadras parte da criação de dois eixos principais um no
sentido Norte-Sul, a Avenida Joaquim Theotônio Segurado, longitudinal à malha urbana;
outro no sentido Leste-Oeste, a Avenida Juscelino Kubitscheck, ou simplesmente JK,
transversal –, e ambos estruturam toda a malha urbana como referenciais para a organização
espacial e para a nomenclatura das regiões contíguas (Figura 2.6).
Figura 2.6 Malha urbana viária de Palmas.
Fonte: Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas, 2004, p. 8
.
Implantados em forma de cruz, os eixos convergem para o centro simbólico da
capital, interrompidos na Praça dos Girassóis, na qual situam-se o Palácio Araguaia centro
administrativo estadual e as secretarias de Estado. A Praça se inseriu no projeto da cidade
53
como importante elemento de composição espacial e de demonstração do poder público sobre
a sociedade. Esse fato é demonstrado pela elevação do terreno onde ela se localiza, cujo
objetivo era o de dar destaque ao principal órgão do poder estadual, de forma que ele fosse
visto de todas as partes da cidade, como que exercendo uma constante fiscalização.
Ao redor da referida praça, encontra-se uma área destinada principalmente ao
comércio e à prestação de serviços; concentra grande parte dos negócios e trâmites
econômicos e políticos da cidade. Isso confere uma importante homogeneidade funcional à
área, além de representar um relevante pólo de oferta de serviços e equipamentos urbanos, por
estar próxima à esfera estadual do poder e do principal centro comercial da área central
(Figura 2.7).
Figura 2.7 Quadras comerciais ao redor da Praça dos Girassóis (em amarelo)
Fonte: Prefeitura de Palmas. Adaptado pelo autor.
54
Palmas foi planejada de forma a contemplar áreas específicas para os usos
residencial, comercial, industrial, institucional, de lazer e circulação, todas estruturadas a
partir do sistema viário.
O plano urbanístico procurou evitar a excessiva separação das funções urbanas,
abrindo possibilidades de convivência de usos compatíveis entre si, dentro dos
limites nimos de segurança, conforto, bem-estar e configuração da paisagem
urbana. Em alguns locais foi prevista até mesmo a tradicional edificação de dois
andares com comércio no térreo e residência no andar superior. (PALMAS, 2004, p.
10)
16
.
As quadras residenciais distribuem-se em quatro zonas (conforme sua localização
no plano inicial) nomeadas conforme sua orientação em relação às Avenidas JK e Theotônio
Segurado: ao sul da Avenida JK, a Área Residencial Sudeste (ARSE) e a Área Residencial
Sudoeste (ARSO), respectivamente ao leste e oeste da Avenida Theotônio Segurado; ao norte
da Avenida JK, a Área Residencial Nordeste (ARNE) e a Área Residencial Noroeste
(ARNO), da mesma forma que a nomenclatura da parte sul do plano (Figura 2.8).
Todas as quadras residenciais devem ser dotadas de equipamentos comunitários,
áreas verdes e áreas institucionais, além de comércio vicinal para atender às necessidades
imediatas dos moradores. A Lei 468/94 (Plano Diretor Urbanístico de Palmas – PDUP)
determina as taxas percentuais de cada uma dessas áreas dentro da quadra, a ser considerada
quando do seu loteamento. A mesma lei, em seu artigo 18, estabelece que “Os lotes lindeiros
às vias circundantes do loteamento [...] deverão ter seus fundos voltados para estas, com
frentes para o interior do loteamento [...]” (PALMAS, 1994, p. 10).
16
Cf. Caderno Revisão do Plano Diretor de Palmas, 2004.
55
Figura 2.8 Divisão da área macroparcelada de Palmas.
Fonte: Prefeitura de Palmas (2008).
Essa percepção de construir o espaço sugere uma determinação para a construção
física e espacial da cidade, especialmente no que diz respeito à sua configuração morfológica.
As principais vias de circulação são constituídas por muros cegos, muitas vezes sem
56
tratamento arquitetônico; criam barreiras entre o público e o residencial, e reproduzem, em
menor escala e com outra conotação, as cidades fortificadas da Idade Média.
Esse aspecto da morfologia de Palmas remete a um processo de segregação ao
nível da quadra, no sentido de orientar o fechamento das áreas urbanas e dificultar o acesso ou
mesmo a transição de pessoas e veículos. Essa segregação é originada pela própria legislação
urbana.
A figura 2.9 ilustra a composição morfológica básica das avenidas limítrofes das
quadras residenciais de Palmas. Essa composição é comum em grande parte das quadras mais
densas, cujo processo de construção e ocupação já está mais avançado. O mapa ao lado da
figura apresenta a localização da quadra na malha urbana.
Figura 2.9 Quadra ARSO 41, a partir da Quadra LO 11. Vista dos muros voltados para o sistema viário
principal.
Fonte: acervo do autor (2008). Mapa: SEDUH (2005). Adaptado pelo autor.
57
Apesar das referências ao projeto urbanístico de Brasília, Palmas apresenta uma
malha viária rígida de difícil acesso às áreas residenciais em alguns momentos, devido ao
aspecto murado e pouco permeável da cidade. A profusão de formas urbanas utilizadas nos
projetos de microparcelamento das quadras também dificulta o seu uso como sistema de
transição entre avenidas paralelas, agregando mais importância ao sistema principal, para o
qual é direcionada a maior demanda de fluxo.
Nesse sentido, a proposta urbanística de Palmas não se aproxima nem mesmo
conceitualmente da proposta de Lúcio Costa para Brasília. O caso de Palmas não apresenta o
plano de massas existente na capital federal, portanto, não incorpora a vegetação como
elemento de constituição do espaço residencial.
A proposta no que tange à distribuição dos lotes é a de dispô-los em renques e
com desenho convencional, utilizando a idéia da alameda como elemento estrutural do
sistema viário interno às quadras (Figura 2.10).
Figura 2.10 Esquema funcional de uma quadra residencial de Palmas.
Fonte: Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas, 2004, p. 09.
58
Os muros também são predominantes nos contornos dos lotes e representam mais
um elemento de distinção entre o urbanismo de Palmas e Brasília; além de apresentarem-se
predominantemente sem tratamento arquitetônico e empobrecerem a composição morfológica
no interior das quadras residenciais, formam barreiras visuais entre a casa e a rua (Figura
2.11).
Figura 2.11 Vista de uma alameda com predominância de muros sem tratamento arquitetônico. Quadra
ARSE 82.
Fonte: acervo do autor (2008). Mapa: SEDUH (2005). Adaptado pelo autor.
É rara a existência de lotes gradeados ao invés de murados, ou ainda com barreiras
verdes em lugar do concreto e das cercas de proteção. A vegetação é comumente retirada do
entorno mais próximo do lote e aspecto árido a determinadas áreas. Nesse caso, a
segregação é espontânea, i. é., organizada pelos próprios moradores, muitas vezes em defesa
de uma privacidade que oblitera a paisagem urbana.
59
Para Magnavita (2001, apud XAVIER, 2007, p. 60), a concepção urbanística de
Palmas trata de uma simples reprodução de um modelo conceitual preexistente e caduco de
cidade funcionalista, que incorporou muito mais limitações que méritos. Essa constatação é
reforçada pelo fato de não ter havido a produção de uma crítica à luz do urbanismo
contemporâneo e, principalmente, da consideração dos aspectos culturais regionais para
propor uma “nova cidade”. Ao contrário, prevaleceram os conteúdos do urbanismo do início
do século XX, em especial da Carta de Atenas (1933).
Ao propor grandes canteiros gramados nas avenidas, o urbanismo de Palmas copia
uma realidade de Brasília que representa um alto custo de manutenção, tendo em vista a
hostilidade do clima local. Mesmo na capital federal, onde o clima é mais ameno, a proposta é
discutida e criticada por essas mesmas razões.
No item seguinte, após a apresentação dos aspectos mais relevantes do seu projeto
urbanístico (para a nossa análise), tratamos do processo de ocupação territorial de Palmas e
dos mecanismos de formação do preço da terra naquela cidade.
2.3 As Diretrizes para a Ocupação de Palmas
O desenho de Palmas foi acompanhado de um processo de planejamento que
previa a ocupação da cidade em cinco módulos, de acordo com a demanda estabelecida pelo
seu crescimento. A prioridade seria a construção das quadras no sentido transversal (Leste-
Oeste), lindeiras à avenida JK. O objetivo era o de adensar a ocupação das quadras no menor
sentido da malha urbana, de forma a aproveitar de maneira racional e econômica a
implantação da infra-estrutura necessária, e viabilizar o processo de implantação da cidade.
60
Além disso, seria possível diminuir a repercussão de uma provável retenção especulativa de
terras, pelo menos no primeiro momento.
A Região Central é definida pelas quatro primeiras etapas de ocupação e foi
planejada para abrigar até 1,2 milhão de pessoas, com uma densidade média de 300hab/ha
17
.
A quinta etapa seria posterior, considerando-se a necessidade de novas áreas para um possível
incremento populacional posterior (Figura 2.12).
Figura 2.12 Esquema do planejamento inicial de Palmas, com as áreas de adensamento.
Fonte: Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas, 2004, p. 12.
Segundo Amaral et. al. (2006, p. 22), estimou-se uma população de 30 mil
habitantes nos dois primeiros anos. Nessa primeira fase, previa-se a ocupação de 2.500
hectares, dos quais 875 seriam dispensados ao uso habitacional.
17
Lei 468/94 – Plano Diretor Urbanístico de Palmas (PDUP), no artigo 7°, § I.
61
A segunda etapa previa uma expansão de 1.600 hectares, com 560 destes para
áreas residenciais, abrigando uma população máxima de 100 mil habitantes, estimada para
ocorrer até 1995. Com a implantação das terceira e quarta fases, era prevista a população
máxima (1,2 milhão de habitantes), numa área de 6.900 hectares, dos quais 2.400 voltar-se-
iam para fins residenciais.
Além dessa área central, ainda propuseram duas áreas de expansão para a capital,
uma ao sul e outra ao norte, representando a quinta etapa de ocupação. Com esta, a cidade
chegaria aos 38.400 hectares para cerca de 2,5 milhões de habitantes (Figura 2.12).
Entretanto, em função das características do processo de ocupação praticado, o
perímetro urbano do município dividiu-se em diferentes áreas, denominadas Áreas de
Ocupação Urbana. Estas foram propostas com o objetivo de retomar as diretrizes do
planejamento inicial da cidade, de maneira a criar uma malha urbana mais densa e
compacta
18
.
A Lei 092/2004 apresenta uma ampliação do perímetro urbano, incluindo os
bairros já instalados ao sul do Plano Básico. Estes já representavam uma realidade latente para
o município desde a década de 1990, necessitando serem incorporados ao processo de
desenvolvimento formal da cidade.
Portanto, distinguem-se duas Áreas de Urbanização Prioritária (AUP), além de
uma Área de Urbanização Preferencial e Área de Urbanização Restrita (Figura 2.13).
18
Sobre esse processo de ocupação e suas conseqüências para o desenvolvimento da segregação em
Palmas, tratamos no item que segue.
62
Figura 2.13 Zonas de Ocupação Urbana de Palmas.
Fonte: Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas, 2004, p. 30.
A Área de Urbanização Prioritária I (AUP I), com 11.084,93 hectares,
representada pela Região Central ou Plano Básico, é o setor para o qual seriam destinados os
recursos para infra-estrutura e urbanização nas quatro fases iniciais de ocupação. Não seria
permitida a abertura de novos núcleos, até que 70% de sua área estivesse ocupada.
A quinta etapa de expansão, não macroparcelada com o projeto original de Palmas
(nem ao norte nem ao sul da malha proposta), teve apenas seus limites definidos. Entretanto,
em função do adensamento prematuro da etapa de expansão sul, o setor incorporou-se ao
perímetro urbano e definiu a Área de Urbanização Prioritária II (AUP II), com 4.689 hectares.
A área de expansão norte, ainda não ocupada nem parcelada, possui 4.625
hectares, e compõe a atual Área de Urbanização Restrita I. Esta deverá ser utilizada para fins
de lazer e hospedagem, com baixa densidade. Todavia a Lei Complementar 155/2007, que
trata do Plano Diretor de Palmas, revisa a divisão urbana da cidade, extinguindo a expansão
norte a partir da redução do perímetro urbano da capital e definição de áreas de interesse
63
turístico. Na área permite-se o mesmo tipo de uso, considerando-se agora a região como área
rural (Figura 2.14).
Contudo, se implantada com essa configuração, a expansão norte poderá se
transformar numa importante área de atuação da Renda de Monopólio e das Rendas
Diferenciais, além de permitir, de acordo com o tipo de equipamentos e serviços propostos,
uma grande valorização da terra por meio também do capital incorporador, portanto,
inacessível à população de baixa renda.
Figura 2.14 Macrozoneamento do Município de Palmas.
Fonte: SEDUH, 2008.
Completando as Zonas de Ocupação Urbana, a Área de Urbanização Preferencial
indica a possibilidade de adensamento contínuo ao da AUP II e propõe, de acordo com o
64
Plano Diretor de Palmas (PALMAS, 2007), uma malha urbana integrada às regiões contíguas,
destinadas preferencialmente a loteamentos de baixa renda.
A ocupação da AUP I e da AUP II determinou a atual definição espacial de
Palmas e permitiu distinguir duas áreas distintas social e morfologicamente. A AUP I ou
Região Central, com quadras bem definidas de acordo com o projeto urbanístico da cidade, e
a AUP II, fora do Plano Básico e distante cerca de quinze quilômetros do centro da cidade
(Região Sul de Palmas), cujo loteamento não foi previsto no projeto original (Figura 2.15).
Figura 2.15 Região Central e Região Sul de Palmas.
Fonte: SIG Palmas (2005). Adaptado pelo autor.
65
Apesar de o planejamento prever com clareza as etapas de ocupação da capital,
uma sucessão de leis, segundo Amaral et. al. (ibidem, p. 35), “(...) veio consolidar a ocupação
que se praticava na realidade ou, ainda, regularizando o que o mercado imobiliário desejava,
mesmo que à revelia do plano inicial e mesmo que isso implicasse a elevação de custos.” Essa
afirmação fortalece a nossa hipótese de que o processo de segregação em Palmas foi
intencional, relacionando-se estreitamente com os mecanismos de formação das rendas
fundiárias.
O repasse de lotes promoveu-se por meio de leilões públicos, licitações, ou ainda
repassados a empresas privadas através de comodato, em pagamento a serviços realizados.
Lenin, citado por Lojkine (op. cit., p. 187), coloca que a destinação de lotes para grupos
monopolistas como pagamento por ações de implantação de infra-estrutura é determinante
para a valorização da terra urbana. Para ele, essa valorização depende sobretudo da facilidade
das comunicações com o centro da cidade.
Cria-se, portanto, um ambiente favorável à atuação do Capital Incorporador, que,
segundo Campos (1988, apud idem, ibidem, p. 24), se apropria na forma de lucro das rendas
fundiárias e cria rendas diferenciais onde antes não existiam, ao promover maior
diferenciação espacial no local por ele empreendido. Esse fenômeno reitera um processo de
ocupação baseado em políticas de clientela, comum no processo de urbanização brasileiro, no
qual se priorizam o acúmulo de capital e a segregação socioeconômica da população.
Nesse sentido, a posse da terra urbana por parte do poder público, percebida em
Palmas, aproxima a realidade daquela cidade ao exemplo de Brasília, onde
[...] a renda de monopólio funciona como a categoria de renda fundiária que
determina o preço da terra (...), pois a população é localizada pelo Estado (governo)
em áreas periféricas e as áreas de melhor padrão (mais valorizadas) são alienadas em
regime de licitação pública alcançando e determinando o preço de mercado, o que
66
também contribui para afastar a população de menor renda. (GOUVÊA, op. cit., p.
76).
A influência das rendas fundiárias e da produção capitalista do espaço é
importante para compreender a forma como se modificou o planejamento inicial de
crescimento da cidade. Para Lojkine (op. cit., p. 188), a principal manifestação da renda
fundiária dentro do modo de produção capitalista do espaço está na segregação por ela
ocasionada. No caso de Palmas, o solo representou um importante mecanismo de negociação
e captação de recursos financeiros por parte do Estado,o que era justificado pela necessidade
de recursos para a implantação da capital.
Outrossim, as áreas mais valorizadas estão nas quadras lindeiras à Avenida JK.
Essa valorização é inversamente proporcional à distância àquela avenida, bem como a
qualidade e quantidade dos serviços urbanos. No item seguinte, incorporamos novos
elementos relacionados ao processo de planejamento de Palmas com o fenômeno da
segregação.
2.4 Palmas: “A Segregação Planejada”
19
Desde o começo da sua construção, o agente principal na promoção do
desenvolvimento de Palmas foi o Estado. Construída para ser a sede administrativa do
Tocantins, ela abriga ao mesmo tempo os Governos Estadual e Municipal, o que justifica o
imediatismo na construção dos edifícios públicos.
19
O termo é original do título do artigo de Neio Campos (A Segregação Planejada), disponível em
PAVIANI (1998).
67
O planejamento de ordenamento territorial de Palmas considera que ela
[...] foi concebida como uma cidade aberta. O plano urbanístico e a estratégia de sua
implantação consideram que uma cidade, antes de ser um produto acabado, é um
processo sem fim. Na verdade, um plano não deve ser somente um desenho ou uma
forma preconcebida. Um plano de cidade deve ser, antes de tudo, um jogo com
definições básicas sobre a organização do espaço urbano e regras mínimas que
orientarão a sua implantação no tempo. A gestão pública é que, inspirada na
concepção original do plano urbanístico, deverá cuidar do detalhamento,
aperfeiçoamento e correção do plano, de acordo com as exigências de cada contexto.
(PALMAS, 2004, p. 15).
O Governo Estadual (detentor das terras do município) repassou boa parte das
áreas centrais para empresas privadas, como forma de pagamento por serviços estruturais
realizados. Com isso, houve uma inversão das prioridades referente à ocupação do território
de Palmas, apesar da existência de um planejamento com etapas bem definidas de
adensamento. Essas terras, conseqüentemente, passaram a fazer parte de um estoque
destinado à especulação, ficando ociosas à espera de valorização.
O intenso fluxo migratório que confirmou o crescimento de Palmas em seus
primeiros anos não foi acompanhado do devido desenvolvimento econômico, e a oferta de
empregos era insuficiente para a demanda emergente. Da mesma forma, o incremento
habitacional não foi suficiente para toda a população, especialmente na Região Central. De
acordo com Moreno (2008)
20
, mesmo antes do início do processo formal de construção da
cidade, o Governo Estadual demarcou lotes na Região Sul, fora do Plano Básico e doou-os a
cidadãos dispostos a habitá-los. O Jardim Aureny I foi o primeiro assentamento periférico
para a população mais pobre de Palmas (Figura 2.16).
20
Suzy Moreno, por meio de entrevista concedida ao autor sobre o processo de ocupação de Palmas, em
4/2/2008.
68
Figura 2.16 Região Sul de Palmas com destaque para o Jardim Aureny I.
Fonte – SIG PALMAS (2005). Adaptado pelo autor.
Para incentivar a permanência das pessoas no local, o Governo Estadual procedia
à doação do lote habitacional. O local apresentava-se ao natural, sem nenhum tipo de infra-
estrutura e era repassado às famílias apenas com a demarcação dos lotes e tratamento
superficial das ruas. Em 1990, ano do início da construção de Palmas, o Governo Estadual
distribuiu 1.500 lotes e iniciou o povoamento do Aureny I. A localização do loteamento
considerou a existência do Distrito de Taquaralto
21
, cuja existência é anterior à criação da
capital. A figura 2.17 mostra a situação de ocupação da Região Sul de Palmas em 1994, com
quadras ainda pouco densas e ruas sem pavimentação.
21
O Distrito de Taquaralto passou a ser bairro da cidade de Palmas a partir da Lei 092/2004, que
ampliou a área urbana do município.
69
Figura 2.17 Complexo Taquaralto/Aureny – 1994.
Fonte: Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas, 2004, p. 16.
A iniciativa privada iniciou o loteamento da região a partir de Taquaralto (fora do
Plano Básico), com 4.129 lotes gradualmente ocupados. Posteriormente, o Estado, com o
objetivo de atender a demanda crescente por moradia, investiu no assentamento de pessoas de
baixa renda nos loteamentos Aureny I a IV, com a doação de 11.768 lotes em uma área de
938,69ha. Os sucessivos investimentos na abertura de lotes na periferia de Palmas serviram de
impulso para a fase posterior de urbanização do local, com uma série de loteamentos
particulares, aos quais Amaral et. al. (op. cit., p. 35) chamam de fictícios, pelo fato de
apresentarem um vácuo entre sua implantação e a ocupação, ou ainda por nunca terem sido
ocupados de fato, gerando importantes pólos de acumulação de terras sem uso.
É o caso por exemplo do Jardim Aeroporto (Figura 2.18), localizado entre os
Aurenys e o Setor Taquari. O bairro apresenta-se sob a forma de um grande loteamento, com
ruas e lotes demarcados, placas de sinalização das alamedas e rede elétrica e de abastecimento
70
de água próximas, mas não está ocupado, compondo um importante vazio urbano que não
pode ser utilizado pelo poder público, pelo fato de ser particular.
Figura 2.18 Jardim Aeroporto com mapa de localização.
Fonte: acervo do autor (2005). Mapa: SEDUH (2005) – adaptado pelo autor.
A implantação desses loteamentos é controversa ao planejamento ordenado de
crescimento de Palmas e inicia precocemente o adensamento no que deveria ser a AUP II. A
ocupação prematura dos bairros em Palmas Sul
22
exerce um papel fundamental no processo
de urbanização da cidade, pois se trata do local onde foi assentada boa parte dos operários que
participaram da implantação inicial da capital tocantinense, opondo-se à área de expansão
22
O termo é constantemente utilizado para referir-se ao complexo Taquaralto/Aureny, composto por
vários bairros destinados à população de baixa renda, incluindo o Taquari.
71
urbana Norte, que se mantém inalterada. (CERQUEIRA, 1998 apud VASCONCELLOS, op.
cit., p. 34).
Ainda segundo Cerqueira (ibidem), isso significa dizer que, desde o início da sua
construção, foi pensado um pólo de segregação socioespacial fora do Plano Básico, onde
havia maior oferta de trabalho. As condições de acesso aos bairros eram precárias e não havia,
no início da construção destes, vias urbanizadas de ligação à Região Central. Krüger (1988),
citado por Gouvêa (1995, p.74), diz que “(...) isto por si não configura uma situação de
segregação espacial, pois se podia ter um sistema de transporte eficiente que resultasse numa
acessibilidade relativa e uniformemente distribuída.” Entretanto isso não ocorria.
Até 1994, de acordo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e
Habitação de Palmas SEDUH, os quatro loteamentos (Jardins Aureny I, II, III e IV)
haviam sido implantados, mesmo sem infra-estrutura. Segundo Moreno (2008), os bairros
passaram por sérias crises devido à carência de água, cujo abastecimento era precário,
promovido por carro-pipa. Também havia dificuldades de implantação de energia elétrica em
função da distância do setor à Região Central da cidade.
Além dos Aurenys, outros loteamentos foram criados ao redor desses e de
Taquaralto, a exemplo do Jardim Santa Bárbara, Santa Helena, Janaína, Bela Vista, Paulista,
Morada do Sol, Taquari, Aeroporto e, mais recentemente, Lago Sul, ampliando
substancialmente a oferta de lotes em Palmas Sul
23
(Figura 2.19).
23
A Região Sul de Palmas é também chamada de Palmas Sul.
72
Figura 2.19 Loteamentos de Palmas Sul.
Fonte – SIG Palmas (2005). Adaptado pelo autor.
A forma como se deu o processo de ocupação em Palmas comprometeu,
outrossim, a qualidade do espaço central da cidade. Concomitante ao adensamento
populacional na Região Sul, uma série de invasões em áreas públicas e privadas no Centro
caracterizavam a fase inicial de sua implantação (entre 1991 e 1994). O fato é conseqüência
de dois fatores principais: o espalhamento da cidade no sentido Norte-Sul, que contraria o
plano original de ocupação; o incentivo do Governo Estadual à invasão de áreas particulares
centrais, loteadas, justificada por “políticas sociais” divergentes das do governo anterior
24
(Figura 2.20).
24
O governador Moisés Avelino direcionou essa proposta para as famílias que se encontravam alojadas
em áreas verdes na capital.
73
Figura 2.20 Áreas invadidas na Região Central de Palmas (1991 a 1996).
Fonte: Prefeitura de Palmas. In: VASCONCELLOS, 2006, p. 49.
As áreas cedidas por comodato destinaram-se a empresas privadas e pessoas
ligadas às forças políticas predominantes. A conseqüência é o surgimento de expressivos
vazios urbanos e fomento à especulação imobiliária. (VASCONCELLOS, ibidem, p. 48). O
próprio Estado obteve receita em função da valorização da terra (promovida por ele mesmo e
por empresas privadas), devido à implantação de infra-estrutura e à construção dos primeiros
equipamentos urbanos.
Com isso, o poder público estadual demonstra uma tendência à acumulação de um
capital monopolista de Estado, conforme colocado por Lojkine (op. cit.), que permite
identificar, nesse momento da construção de Palmas, a influência de um capital incorporador
74
para o segmento de prestação de serviços, cuja valorização estava no uso a ser dado aos
terrenos. É-se possível verificar de imediato a existência da Renda Diferencial II para o setor
residencial que considera o aspecto locacional dos terrenos centrais a partir da sua
proximidade à área administrativa e de oferta de serviços urbanos.
É importante esclarecer que essa relação de valorização se dava em comparação
entre os terrenos vicinais à Avenida JK e à Praça dos Girassóis, com os terrenos localizados
nos bairros periféricos em implantação, ou mesmo com as quadras mais distantes da parte
central do Plano, que já começavam a ser ocupadas.
Na condição de proprietário das terras da cidade, o Governo Estadual definiu as
formas iniciais de ocupação e as áreas que seriam urbanizadas. Sua atuação fez com que
grande parte dos operários e funcionários públicos de vel médio e fundamental ficassem
impossibilitados de obter lotes por meio da compra (geralmente leilões públicos via licitação).
As primeiras quadras do centro foram abertas para abrigar principalmente os
funcionários públicos e políticos, próximas à Praça dos Girassóis. Entretanto, apesar de a
cidade ainda não permitir condições reais de habitabilidade ou de implantação de infra-
estrutura e saneamento básico, as quadras residenciais Sudeste (ARSE’s) foram ofertadas para
funcionários públicos de determinados segmentos, abertas de maneira linear no eixo Norte-
Sul. Essa postura do Estado desarticula os núcleos habitados da cidade e cria áreas isoladas e
sem infra-estrutura.
A cidade continuou a crescer de maneira irregular, desarticulada espacialmente, e
compor um quadro de difícil controle e atendimento das funções essenciais da população,
especialmente na Região Sul, distante cerca de quinze quilômetros do centro de oferta de
trabalho. Cerqueira (op. cit., p. 52) afirma que a implantação rarefeita de residências em áreas
75
despreparadas para ocupação fez surgir diversos vazios urbanos dentro e entre as quadras
residenciais, como se pode notar através da figura 2.21.
Figura 2.21 Mapa: Palmas 1994. Crescimento urbano no sentido Norte-Sul.
Fonte: SIG Palmas (2005). Adaptado pelo autor.
O surgimento dos vazios urbanos, em contraposição ao adensamento da Região
Sul de Palmas, é importante para verificarmos se a moradia foi realmente utilizada como
instrumento de segregação social naquela cidade, conforme colocado na nossa hipótese. Sobre
esse tema, tratamos no item a seguir.
76
2.5 A Descontinuidade Urbana em Palmas: Demografia X Vazios Urbanos
A criação de loteamentos em Palmas Sul, antes da ocupação prevista para a AUP
I, originou uma zona urbana com características morfológicas diferentes e desarticulada da
malha urbana central. A descontinuidade desses loteamentos é marcada de duas formas,
conforme colocado no Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas – Palmas Sul (2004):
Descontinuidade física, devido à distância entre a Região Central e a Região Sul.
Além disso, não se determinou área de macroparcelamento para definir os limites
dos novos bairros, o que criou uma área fragmentada, de difícil orientação
espacial;
Descontinuidade institucional, devido à desconsideração da legislação urbanística
de Palmas quando do planejamento dos seus loteamentos. Não se especificaram
parâmetros de uso e ocupação do solo, que resultaram em áreas com recuos
diferentes dos praticados na Região Central, além da mistura de funções nas mais
diversas áreas daqueles bairros.
Essa desarticulação, em função do espalhamento da cidade, resulta em custos para
o poder público e sociedade em geral. Amaral et. al. (op. cit.) menciona que:
Estudo feito por técnicos da Prefeitura Municipal de Palmas, no primeiro semestre
do ano de 2005, apontou que o valor de cada unidade habitacional construída no
Jardim Taquari, somado ao valor do custo de implantação da infra-estrutura urbana
ficava em torno de R$ 36.000,00, enquanto o custo desse empreendimento para
quadras localizadas na região das ARNES e ARNOS, o custo equivalente da unidade
habitacional era de R$ 16.000,00. (LUZ, 2006, apud AMARAL, op. cit., p. 24).
Esses dados revelam a disparidade observada entre os custos de implantação da
cidade compacta e os referentes a uma cidade esparsa, considerando-se a realidade de Palmas.
Nesse
caso, a abertura dos primeiros bairros periféricos criou uma barreira horizontal definida
77
pelo vazio entre o centro simbólico em construção e o novo setor residencial (Região Sul).
Além dos quase quinze quilômetros entre Palmas Sul e a Praça dos Girassóis, o setor Taquari
fica ainda mais isolado, distante cerca de dezenove quilômetros do centro da cidade e
aproximadamente quatro quilômetros dos Aurenys.
A figura 2.22 mostra a cronologia da ocupação das diversas áreas do município.
De acordo com o mapa, é possível notar que se deu prioridade para o adensamento dos bairros
periféricos. Na Região Central, percebe-se que o processo de ocupação ocorreu no sentido
Norte-Sul, especialmente nas quadras Sudeste (ARSE’s).
Figura 2.22 Mapa do processo de ocupação das quadras de Palmas.
Fonte: SIG PALMAS (2005).
78
Com o desenvolvimento de Palmas, novas quadras são abertas, cada vez mais
esparsas, e o custo de implantação aumenta em função dos vazios urbanos.
O não-seguimento da proposta inicial de ocupação permitiu discernir zonas na
cidade em conseqüência à espacialização das carências por serviços e equipamentos. A cidade
passou a apresentar áreas diferentes em termos estruturais e morfológicos que demonstram o
nível social dos seus habitantes. Dessa forma, tem-se um tecido urbano homogêneo em
algumas partes, porém heterogêneo no todo, caracterizado essencialmente pela estratificação
social.
Reiterando Amaral et. al. (op. cit.),
A ocorrência de glebas desocupadas provém da acentuada especulação imobiliária
praticada no município e da inexistência de ações por parte do poder municipal para
inibi-la. Como conseqüência, verifica-se o elevado custo de terrenos urbanos
centrais e a ocupação de áreas para fins residenciais cada vez mais distantes do
centro. (AMARAL, op. cit., p. 31).
Os vazios urbanos configuram um espaço descontínuo cuja lógica de expansão
não atende à seqüência de ocupação das áreas com processo de urbanização iniciado ou
consolidado. Isso impede que haja integração urbana e acesso irrestrito a terra e à habitação, e
produz um território passível de aplicação das rendas fundiárias.
A especulação proposta pelos vazios centrais de Palmas produz uma cidade
esparsa, com áreas pouco densas ou desabitadas na Região Central, contrapondo-se à maior
densidade demográfica de Palmas Sul (Figura 2.23).
A partir da figura acima, percebe-se que na Região Central, a qual abriga 47,36%
da população da cidade, a densidade demográfica predominante é de 0 a 12 hab/ha,
especialmente nas quadras mais centrais (próximas à Avenida JK). Ainda em Palmas Centro,
nota-se uma densidade maior nas ARNO’s e nas quadras Sudeste (ARSE’s) mais afastadas da
Avenida JK, com densidades que chegam a 71 hab/ha. É importante notar que as quadras mais
79
densas (ARNO’s e ARSE’s) do Plano Básico, conforme apresentado no mapa, são habitadas
por famílias de renda baixa e médio-baixa, o que configura uma situação de homogeneização
social. No caso das ARSE’s, tem-se um aumento da densidade demográfica diretamente
proporcional ao aumento da distância à área central, e inversamente proporcional à renda
percebida pelos habitantes.
Figura 2.23 Mapa da densidade demográfica de Palmas Centro e Palmas Sul.
Fonte: Prefeitura de Palmas, 2004.
80
De acordo com os dados do Cadastro Multifinalitário da Prefeitura de Palmas, as
quadras mais próximas à Avenida JK (ARSE’s, ARNE’s e ARSO’s) são as que apresentam
maiores rendas familiares, com predominância de famílias que percebem acima de oito
salários mínimos (SM). Ao passo que essas quadras se distanciam da área central
(especialmente as ARSE’s), a densidade aumenta e a renda diminui, chegando à
predominância de famílias com ganho entre três e seis SM, seguidas de famílias com um e
três SM (mais afastadas da Avenida JK).
Já a Região Sul de Palmas, onde estão 50,35% dos habitantes, concentra as
maiores densidades demográficas, especialmente nos Aurenys e na área central de Taquaralto,
onde maior concentração de pessoas de baixa renda. Nessas regiões, a densidade varia de
13 a 71hab/ha, predominando as famílias com rendimento entre um e três SM, e grande
participação de famílias com renda inferior a um SM. Taquaralto apresenta composição
distinta dos Aurenys, com a maior parte das famílias percebendo entre um e três SM, seguidas
das que recebem entre três e seis SM.
Os aspectos demográficos e socioeconômicos se relacionam à própria composição
espacial da cidade, que reflete o nível social dos seus habitantes, sendo aqueles importantes
para identificar a segregação em Palmas por meio da habitação. No capítulo seguinte, fazemos
uma análise de como os programas habitacionais de Palmas têm contribuído para consolidar a
segregação urbana.
81
82
A partir da exposição dos aspectos referentes ao processo de ocupação de Palmas,
apresentamos neste capítulo, elementos que nos permitirão avançar na busca pela
comprovação da nossa hipótese. Para tanto, usamos das informações levantadas sobre os
principais programas habitacionais desenvolvidos em Palmas, entre 1990 e 2007, na tentativa
de vincular a atuação do poder público à segregação em Palmas, por meio da moradia.
Os dados colocados doravante foram obtidos por meio de pesquisas a documentos
e dados oficiais dos programas correspondentes ao recorte temporal mencionado, além de
materiais acadêmicos e entrevistas realizadas com técnicos da Diretoria de Habitação da
Prefeitura de Palmas, da Coordenadoria de Programas Habitacionais da Secretaria de
Habitação e Desenvolvimento Urbano do Estado do Tocantins e da Gerência Interna de
Desenvolvimento Urbano (GIDUR) da Caixa Econômica Federal. As fontes justificam-se pela
inexistência de dados oficiais, i. é., registrados pelos órgãos públicos (especialmente a
Prefeitura), pelo menos até o ano 2000.
Os números mais precisos da produção habitacional em Palmas constam apenas
do período a partir de 2005. Os anteriores não estão adequadamente registrados, sendo
possível encontrar referências consistentes apenas sobre os locais onde os programas foram
efetivados e o público para o qual se destinam; isso orientou a nossa abordagem. Esse aspecto
reitera a precariedade institucional do setor habitacional em Palmas.
Os dados colocados nos itens subseqüentes buscam a complementação aos
apresentados anteriormente sobre a gestão territorial de Palmas e sua composição
socioeconômica, além da distribuição demográfica. O método adotado nesta parte do trabalho
83
baseia-se na complementaridade desses aspectos ao setor habitacional como fenômenos
capazes de produzir a fragmentação espacial da cidade.
Para facilitar a compreensão dos dados, dividimos o conteúdo desta parte em
subitens apresentados cronologicamente, colocando os principais aspectos e programas
habitacionais referentes a cada período. Optou-se por separar os tópicos considerando-se cada
gestão municipal, introduzindo os programas e ações relativos a elas. Apesar de
reconhecermos o Estado como o principal ator na gestão territorial da cidade durante a década
de 1990, essa maneira de organizar os dados subseqüentes justifica-se pelo próprio foco da
dissertação (representado pela capital) que suscita uma abordagem mais voltada para o âmbito
local.
Os dados sobre os programas são importantes para verificar se relação entre
eles e o processo de periferização e segregação em Palmas. Nesse sentido, evidenciamos as
formas como esses programas foram aplicados na cidade, a partir das faixas de renda
beneficiadas, dos locais onde se realizaram suas ações e do produto proposto. Em relação a
este, colocamos a forma com que esses programas contribuíram para a construção de cidade
(habitação) ou se ficaram restritos à construção de moradias.
Pautamos a análise nos dados existentes sobre os programas, evitando a
inconsistência das lacunas de informações. Assim, dados numéricos sobre a produção
habitacional não são considerados em todas as etapas, sendo colocados quando relevantes e
disponíveis de forma exata.
84
3.1 1990 a 1992: a Política de Doação de Lotes na Periferia
A criação do Tocantins e, conseqüentemente, de Palmas, ocorreu num momento
político de instabilidade, em que o país ainda buscava um nível de organização institucional
que o caracterizasse como uma nação democrática. A ânsia por autonomia pelo Governo
Federal e a dificuldade de governabilidade impuseram obstáculos ao desenvolvimento
nacional. Esse processo foi marcado por intensas e constantes alterações do sistema
burocrático do Brasil e dificultou a instalação de procedimentos mais eficazes e duradouros.
Aliado a isso, o clientelismo permaneceu alijando as classes menos favorecidas dos processos
de inclusão nas políticas sociais propostas pelo governo.
Dessa forma, a precariedade das ações do Governo Federal refletiu nas demais
esferas administrativas, sendo importante para a definição do modelo de organização espacial
proposto para Palmas. No setor da habitação, era evidente, em âmbito federal, a
desarticulação com os programas sociais, o que repercutia em nível estadual e municipal,
mesmo após a definição dos instrumentos de política urbana pelos artigos 182 e 183 da
Constituição Federal de 1988.
Nos primeiros anos, depois da fundação de Palmas, a implantação da infra-
estrutura da capital foi responsabilidade da Secretaria Metropolitana, que fazia parte da
estrutura administrativa do Governo Estadual. A Secretaria atuava no planejamento e
execução das ações de desenvolvimento da capital.
De acordo com Moreno (2008), tudo o que se produziu para baixa renda,
construiu-se através da intervenção direta do Governo Estadual, seja por meio de convênios
com o Governo Federal, seja pela sua relação com o Município. Neste último caso, o poder
estadual, de posse dos terrenos, atuava como dono da terra e investidor principal,
85
disponibilizando os lotes, a infra-estrutura estritamente necessária (abertura das ruas com
tratamento superficial encascalhamento água, energia) e, algumas vezes, recursos para a
construção das moradias. À prefeitura cabia a contrapartida com apoio técnico para a
execução e gerenciamento das obras.
Os programas federais também foram aplicados em Palmas, importantes para o
momento inicial da sua construção, quando o Estado dependia basicamente de investimentos
do Governo Federal. Nesse sentido, o Plano de Ação Imediata para Habitação (PAIH),
lançado pelo governo Collor em 1990 aplicou-se em Palmas, caracterizando a primeira ação
de construção de moradias na cidade.
O PAIH fazia parte da proposta de governo do presidente Collor, como uma
medida emergencial que se propunha a financiar em 180 dias cerca de 245 mil habitações
(AZEVEDO, 1996, p. 19) para a população com renda máxima de cinco salários nimos
(SM). O plano apresentava três vertentes: “programa de moradias populares (unidades
acabadas); programa de lotes urbanizados (com ou sem cesta básica de materiais) e programa
de ação municipal para habitação popular (unidades acabadas e lotes urbanizados)”, esta
última voltada para os governos municipais. (idem, ibidem, loc. cit.). Em Palmas, a atuação
do Governo Estadual incorporou pelo menos as duas primeiras vertentes, sendo responsável
pela doação de lotes (geralmente semi-urbanizados) e materiais de construção, bem como pela
construção de moradias.
Em 1990, o Governo do Estado iniciou os processos de desapropriação de terras
rurais para fins de urbanização. Em abril daquele ano, houve a primeira grande expropriação,
que atingiu 24 propriedades na área destinada ao Plano Básico da cidade. A partir daí,
iniciaram-se as vendas dos terrenos nas quadras centrais por meio de leilões públicos, de
forma que os preços já eram repassados com certa valorização por parte do Estado, que
86
objetivava iniciar um processo de acumulação de capital de giro para possibilitar as ações de
implantação da infra-estrutura urbana.
A cada funcionário público estadual ou municipal oferecia-se um lote a custo
subsidiado, enquanto ao público em geral, os lotes (comerciais e residenciais) eram vendidos
em balcão, também a custo reduzido. Entretanto a aquisição de vários lotes, por um único
comprador, impediram a ocupação imediata das quadras, iniciando-se um estoque de terras à
espera de valorização.
Paralelamente, a oferta de lotes para os operários da construção civil e pessoas de
baixa renda em geral ocorria no Jardim Aureny I, fora do Plano Básico, na Região Sul de
Palmas. Em 1990, o Governo Estadual doou 1.500 lotes residenciais no bairro. No mesmo
ano, utilizando-se dos recursos oriundos do PAIH, a Companhia de Desenvolvimento do
Tocantins (CODETINS) distribuiu inicialmente 78 casas, como forma de indução à
permanência da população no bairro. Em 1991, talvez em reação à oferta das primeiras casas,
houve um processo intenso de invasões no local, com a construção de barracos de palha e
lona, à espera de regularização pelo Estado.
A política de doação de lotes nas áreas periféricas foi o marco principal dos
primeiros anos da capital do Tocantins. Nesse momento, Palmas apresentava um quadro
habitacional marcado pela necessidade de construção emergencial de moradias para os
primeiros habitantes, o que está diretamente ligado à construção e ocupação das primeiras
quadras residenciais centrais e bairros periféricos.
Pode-se dizer que nessa etapa da construção não se produzia habitação para
nenhuma classe social. Considerando-se a precariedade do ambiente em execução, a cidade
era um grande canteiro de obras de toda natureza, que não permitia às precárias unidades
disponíveis serem identificadas como moradias, muito menos como habitações.
87
De maneira bastante semelhante à construção do Plano Piloto de Brasília, a área
central de Palmas caracterizava-se por um espaço que abrigava alojamentos provisórios para
os primeiros trabalhadores (Figura 3.1). A prioridade era a construção dos principais edifícios
públicos e das primeiras quadras, destinadas aos políticos e aos funcionários de nível superior.
Figura 3.1 Avenida JK (1991).
Fonte: Revista Projeto nº 146, 1991.
Em 1991 iniciou-se o povoamento do Jardim Aureny III (então denominado
Bairro da Liberdade), também em Palmas Sul, a partir da doação de 180 casas com as mesmas
características das 78 doadas no ano anterior pela CODETINS. Ainda em 1991, por meio de
invasões, começou a ocupação (contígua ao Aureny III) do atual Jardim Aureny IV (chamado
na época de Novo Horizonte Figura 3.2). Com isso, os bairros tornam-se pioneiros na
produção do espaço periférico a Palmas, importante complexo homogêneo de moradias para
baixa renda, fundamental na compreensão da segregação urbana naquela cidade.
88
Figura 3.2 Localização dos Aurenys em Palmas Sul.
Fonte: SIG Palmas (2005). Adaptado pelo autor.
De maneira geral, os bairros foram propostos como loteamentos com desenho
bastante diferente do urbanismo da Região Central (Figuras 3.3 e 3.4), além da distância e do
imenso vazio urbano entre a Região Sul e as primeiras quadras urbanizadas do centro
25
. Não
obstante esse isolamento, os bairros ainda foram implantados sem considerar corretamente as
características topográficas e ambientais locais. O desenho urbano proposto é extremamente
regular e tecnicamente inconsistente, pois não tira partido das curvas de vel e das áreas
ambientalmente frágeis.
25
Cerca de quinze quilômetros, como colocado no capítulo anterior.
89
Figuras 3.3 e 3.4 Fotos aéreas do Jardim Aureny I (Palmas Sul) e ARSE 21 (204 Sul – Palmas Centro)
Fonte: SIG Palmas (2005).
As casas entregues à população na Região Sul de Palmas eram em alvenaria, com
apenas uma água, sem revestimento nas paredes, compondo a primeira iniciativa de provisão
de moradias no setor (Figura 3.5). A ampliação ficaria a cargo do beneficiário, sem
acompanhamento técnico e sem nenhum tipo de instrumento de orientação para a ampliação.
A construção das casas era incentivada por meio da doação de materiais de
construção (tijolos, cimento, madeira, telhas, areia), indo ao encontro da vertente do PAIH
que era a cesta básica para construção. Como a Prefeitura não tinha condições financeiras ou
institucionais de atuar frente a essa demanda emergente, (inclusive em virtude do acelerado
crescimento da cidade), a construção do imóvel ficava a cargo do proprietário do lote.
90
Figura 3.5 Casa doada à população nos Aurenys, entre 1990 e 1998.
Fonte: acervo do autor (2008).
A falta de assistência técnica na construção das casas e de condições de
pagamento de mão-de-obra fez com que muitos imóveis apresentassem problemas de ordem
estrutural (MORENO, 2008). Ocorre que o processo construtivo não estava apoiado em bases
conceituais sólidas capazes de permitir que as moradias fossem construídas de acordo com
normas e procedimentos técnicos eficazes. A autoconstrução esteve presente, porém sem um
grau de articulação como o proposto na primeira fase do BNH (com as COHAB’s). Na
verdade, o processo em tela refletia a precariedade institucional existente no âmbito federal,
que comprometia a ação dos estados e municípios, especialmente no caso de Palmas, que
estava em plena construção. Essa primeira experiência não chegou nem em nível de
especulação acerca da formação de cooperativas, mesmo com a quantidade de mão-de-obra
disponível que chegava a Palmas.
Sob esse ponto de vista, a autoconstrução é proposta de maneira equivocada, sem
etapas anteriores de capacitação e organização técnica e social. A conseqüência é a produção
de imóveis com baixa qualidade e que se distanciam das necessidades do seu público-alvo.
91
A política do Governo do Estado, nos primeiros anos, tinha caráter expansionista,
à qual podem ser atribuídas duas questões principais. A primeira trata da necessidade de
abertura de novas frentes de ocupação territorial, tendo em vista o alto índice de
desenvolvimento demográfico da cidade
26
. A segunda refere-se às questões legais de
desapropriação e posse jurídica de áreas da região do Plano sico, que não se apresentava
ainda totalmente resolvida.
Mesmo com a possibilidade de adensar mais as quadras existentes, o governo opta
por incentivar a abertura de quadras mais afastadas, começando o povoamento das ARSE’s.
Era comum nessa fase da construção de Palmas, a edificação de casas para os primeiros
funcionários públicos além da oferta de lotes e abertura de novas quadras. Esse aspecto da
ocupação da cidade e destino das suas áreas centrais para as classes de maior renda corrobora
a elitização da Política de Habitação federal iniciada em 1988 (AZEVEDO, 1996, p. 81 et.
seq.) que induz ao incremento das periferias. Para Davis (2006), a periferização é entendida
como um acontecimento global, decorrente da revelação de uma economia cada vez mais
baseada na concentração de renda e domínio social, colocando, pois, a habitação no centro da
problemática sobre a segregação.
A ARSE 14 (104 Sul)
27
foi a primeira quadra residencial a ser loteada na Região
Central de Palmas com o fito de abrigar políticos e funcionários púbicos de nível superior. A
quadra era chamada de Vila dos Deputados; criava uma espécie de “rótulo social” para
26
Entre 1990 e 2000, Palmas apresentou um incremento demográfico anual da ordem de 21,4%,
segundo dados do Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas (2004).
27
Palmas possui uma duplicidade no seu endereçamento, fruto de uma tentativa de alteração da
nomenclatura original das áreas da cidade, ainda não implantada oficialmente. O código original refere-
se aos setores funcionais da cidade (ARSE, ARSO, ARNE, ARNO, etc.), enquanto os novos digos
referem-se ao mero das quadras, seguido da localização em relação às Avenidas JK e Teotônio
Segurado (Norte ou Sul).
92
caracterizar os seus habitantes (políticos e funcionários públicos de primeiro escalão). Nessa
quadra, o governo também providenciou a construção de casas em alvenaria e a implantação
de infra-estrutura básica.
Além desta, iniciou-se a ocupação das quadras ARSE 72 e ARSE 51 (atuais 706
Sul e 504 Sul, respectivamente), destinadas a funcionários públicos estaduais e municipais
(Figura 3.6). Todas essas quadras criaram-se a partir de ações governamentais. Ainda em
1991, a CODETINS inicia a venda de lotes nas quadras ARSO’s 32, 33, 34, 62 (atuais 305,
307, 309, 605 Sul), iniciando um processo de espalhamento dos núcleos habitados da cidade.
Figura 3.6 Localização das ARSE’s 14, 51, 72 e ARSO’s 32, 33, 34 e 62.
Fonte: SIG Palmas (2005). Adaptado pelo autor.
93
Nesse primeiro momento, a política de implantação de Palmas se confunde com a
própria “Política Habitacional”. O período caracterizou-se pelo fomento à produção da cidade,
gerando a necessidade de envolver as empresas privadas no processo. Entretanto, ao
considerar-se a necessidade de lucro por parte dessas empresas, concordamos com Abranches,
citado por Sachs (op. cit., p. 119), o qual ressalta que essa abertura do poder público ao
mercado formal cria oportunidades para a promoção da corrupção, do favoritismo e da
monetarização das influências políticas. Esses aspectos são facilitados principalmente nas
obras de grande porte, quando a produção do capital visa a maiores lucros e à minimização
dos custos.
No período ora analisado, a inclusão da moradia no processo de construção de
Palmas apresenta forte dependência dos programas de habitação federais não apenas em
relação aos critérios institucionais, mas principalmente de subsídios. Referindo-se às
características desse período em relação à questão habitacional, Maricato coloca que
As ações para a questão da habitação popular nos primeiros anos da “Nova
República” mantiveram-se na mesma linha de ação que marcou os governos
militares: não se promoveu qualquer rompimento decisivo com a dinâmica da
influência dos lobbies no setor imobiliário. (MARICATO, 1987 apud TRIANA
FILHO, 2006, p. 86).
O apresentado por Maricato é a reprodução de um processo excludente que
evidenciou a atuação do poder público a serviço do capital privado e caracterizou a
urbanização brasileira, principalmente com a atuação do BNH. Com isso, o período da criação
de Palmas é marcado pela falta de inovação no setor habitacional e pela precariedade de
atendimento às famílias de baixa renda, que contribuíam para o aumento da massa
desabrigada, principalmente nas cidades de médio e grande porte
28
.
28
Especialmente os governos Sarney e Collor (1985 – 1992).
94
Sem políticas eficazes e abrangentes e com a atuação capitalista do setor
imobiliário visando meramente ao lucro o período (ao considerar-se a conjuntura
nacional) não acrescentou muito à questão habitacional, ao contrário, agravou a crise do setor
de habitação social e corroborou a espoliação urbana dos segmentos de baixa renda.
Em Palmas, o momento é caracterizado pela formação de uma população inicial
de operários, cuja principal função na cidade era a de trabalhar a fim de edificá-la, além de
inaugurar uma periferia oposta à cidade em construção, aproximando-se do modelo de
exclusão mencionado anteriormente. Vejamos adiante como esse quadro evolui no período
seguinte.
3.2 1993 a 1996: expansão urbana e periférica de Palmas
Continuando o processo de expansão urbana acelerado, o Governo Estadual
permanece com sua política de doação e venda de lotes. Após a “Vila dos Deputados”, outras
quadras Sudeste (ARSE’s) foram abertas para abrigar determinados segmentos de classe,
especialmente o funcionalismo público de níveis fundamental e médio e funcionários de
autarquias. Os lotes eram doados e o Estado intervinha, em alguns casos, na construção das
casas. Esse tipo de política continua durante a fase inicial de implantação da cidade e dá início
a um sistema de acumulação de capital por meio da venda de lotes para particulares,
contribuindo com o processo de expansão e formação do preço da terra em Palmas.
O incentivo à venda de lotes por parte do Estado induz à ocupação de outras
quadras localizadas na região das ARSE’s, a exemplo das ARSE’s 71, 81 e 112 (atuais 704,
804 e 1106 Sul, respectivamente – Figura 3.7).
95
Figura 3.7 Evolução urbana de Palmas até 1996.
Fonte: Caderno de Revisão Plano Diretor de Palmas, 2004. Imagem: Google Earth (2008) adaptada pelo autor.
Com a abertura dessas quadras, começou a construção de algumas casas em
madeira, destinadas a funcionários de baixo e médio nível, bem como de autarquias. Para os
funcionários de primeiro escalão, as casas eram em alvenaria convencional, localizadas em
quadras próximas à Praça dos Girassóis, a exemplo da Vila dos Deputados.
As doações destinavam-se a suprir as necessidades de determinadas entidades de
classe. É o caso das Quadras ARSO’s 103, 105, 113, 121 (atuais 1005, 1007, 1105, 1203 Sul,
respectivamente Figura 3.8), entre outras, nas quais o Estado limitou sua participação à
96
doação da área, disponibilizando a infra-estrutura básica (não compreendia a pavimentação
das ruas). A construção dos imóveis ficava a cargo dos beneficiários, sendo disponibilizado
crédito através do Banco da Gente
29
. Esses casos ocorreram sem a participação do poder
municipal, nem mesmo nas ações referentes ao planejamento da ocupação territorial da
cidade.
Figura 3.8 Localização das Quadras ARSO 103, 105, 113, 121.
Fonte: Google Earth (2008). Adaptada pelo autor.
29
Banco Estadual, destinado principalmente ao financiamento de equipamentos e materiais para o
fomento empresarial.
97
O destino dessas novas frentes de ocupação para segmentos de renda
intermediária fez com que o valor da terra e da moradia nessas quadras fosse inferior ao
praticado nas áreas mais próximas à Avenida JK. Essa diferença inicial do preço da terra
urbana representa um importante aspecto da construção de Palmas e transfere para a moradia
a relação de valorização incorporada aos terrenos.
Em Palmas Sul, a ocupação dos Aurenys acompanhava o processo de crescimento
dos bairros, inclusive de Taquaralto. Em 1994 implantou-se o Jardim Aureny II, com a mesma
proposta de doação de lotes e casas dos outros bairros homônimos, que voltou a acontecer em
1995 e 1998. Até esse momento, a Prefeitura era coadjuvante nas ações de provisão
habitacional e planejamento da cidade. Não havia propostas, nem mesmo por parte do Estado,
destinadas a impedir que a especulação absorvesse a demanda do mercado de imóveis ou o
déficit habitacional fosse ampliado além das condições de controle por parte do poder
público.
As ações estavam mais voltadas à doação de lotes, regularização dos títulos das
desapropriações para fins de expansão da cidade e consolidação dos núcleos periféricos.
Mesmo assim as invasões aumentaram nos anos seguintes, principalmente nas quadras
Noroeste de Palmas (ARNO’s), com as ações de incentivo do Governo Estadual à ocupação
de loteamentos particulares naquela região
30
. A partir daí, a Prefeitura começa a atuar ao lado
do Estado, ainda com o perfil de executora e gerente das decisões deste. Não há dados sobre o
número de unidades construídas nesse período. Entretanto é possível identificar, por meio da
análise das quadras construídas, as principais formas de atuação do poder público.
30
Conforme comentado no item 3.4.
98
Com o objetivo de regularizar a situação das famílias induzidas pelo Estado a
invadir as ARNO’s, construíram-se unidades habitacionais em “tijolito” (alvenaria estrutural
em tijolos cerâmicos compactos). A produção se deu a partir da relação do Governo
Municipal com o Governo Federal, por meio do programa Habitar Brasil, durante a gestão do
prefeito Eduardo Siqueira Campos.
O cenário nacional ainda demonstrava fragilidade no setor habitacional, com
dificuldades relativas à destinação de recursos, principalmente após a exacerbação dos
financiamentos com recursos do FGTS pelo governo Collor, que praticamente tornou o Fundo
inoperante até 1995. O Programa Habitar Brasil surge no governo Itamar Franco, como
alternativa para retomar a produção de moradias populares, por meio de cooperação
internacional.
Em função desse quadro, a ação dos estados e municípios ficava restrita aos
aspectos mais pontuais, sem haver um padrão para a mitigação ou caracterização das
demandas urbanas. No caso de Palmas, essa desarticulação fez com que o programa fosse
orientado por critérios inconsistentes, através da montagem de vários processos distintos, sem
seguir uma linha racional de organização.
A construção das casas do Programa Habitar Brasil teve forte impacto na
consolidação da área que ficou conhecida como Vila União (Figura 3.9). A iniciativa do
governo em regularizar a situação daquelas pessoas encorajou outras invasões na área,
também regularizadas posteriormente pelo Governo Estadual. Esses fatos contribuíram para o
rápido adensamento da região, mesmo sem um planejamento adequado, configurando a área
como um outro pólo de definição espacial por meio da renda.
99
Figura 3.9 Quadras Noroeste e Nordeste de Palmas. Destaque para a Vila União.
Fonte: Google Earth (2008). Adaptada pelo autor.
Nesse caso, além da semelhança de renda, a segregação é percebida pela
morfologia das quadras da região, bastante diferente das quadras Nordeste ou Sudeste (Figura
3.10), onde o adensamento é mais baixo e as características arquitetônicas dos imóveis, mais
elaboradas. Além dos aspectos morfológicos, a composição sócio-econômica do bairro o
rotula como área de baixa renda, a partir da predominância de pessoas com renda média de
três SM
31
, que configura uma situação de homogeneidade bastante relevante.
31
Segundo o Cadastro Multifinalitário da Prefeitura de Palmas.
100
Figura 3.10 Exemplo da morfologia das quadras Noroeste e Nordeste.
Fonte: acervo do autor (2008). Mapa: SIG Palmas (adaptado pelo autor).
Por outro lado, a segregação é minimizada se considerarmos a articulação da
Região Noroeste com as demais quadras centrais, que facilita o acesso aos setores onde
maior oferta de empregos e renda. A contradição está na forma como a área foi ocupada,
sendo necessário haver um processo de invasão para que os segmentos de baixa renda
pudessem ser inseridos na malha urbana central.
As dificuldades em se tratar a questão habitacional em Palmas decorriam naquele
momento de fatores diversos. Em nível municipal, o poder público ainda passava por um
processo de estruturação, que demandava esforços no sentido de construir a parte física da
cidade. Enquanto isso, a capital crescia de maneira desordenada, priorizava os interesses do
101
capital privado e reproduzia as práticas clientelistas de produção do espaço, em se tratando da
construção de núcleos periféricos, isolados da malha urbana central.
Outrossim, em nível nacional não havia uma Política Habitacional que
considerasse o desenvolvimento urbano como um processo integrado e orientasse a ação dos
municípios com vistas à inclusão social e à integração urbana. Talvez o principal avanço do
governo Itamar Franco tenha sido a retomada da discussão do conceito de déficit habitacional,
cuja pesquisa foi encomendada à FJP, e publicada em 1995.
32
A partir desse estudo e depois,
com suas revisões e adequações, foram colocados conceitos norteadores para a identificação
das demandas habitacionais, permitindo a caracterização das moradias do país.
Contudo tais conceitos não se aplicaram de imediato em Palmas, de modo que não
havia uma análise técnica e social adequada em relação à habitação. Essa precariedade
institucional no município perdura pelo menos até meados do ano 2000, como veremos
adiante.
3.3 1997 a 2000: as dificuldades institucionais para os programas de habitação
A partir de 1995, com a posse do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC),
iniciou-se uma política neoliberal que colocou em dúvida as intenções do Governo Federal de
estabilizar a economia e diminuir os gastos do setor público por meio da privatização de boa
parte dos bens nacionais.
32
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estudos Políticos e Sociais. ficit Habitacional no
Brasil. Belo Horizonte, 1995. O estudo retrata a situação habitacional em 2001, trazendo os primeiros
conceitos de déficit habitacional, inadequação e conceitos correlatos.
102
No âmbito nacional, o período caracteriza-se pela diminuição do poder de
aquisição de financiamentos, sendo estes mais destinados à iniciativa privada e ao mutuário
final, por meio dos Programas de Carta de Crédito Individual e Associativo e às ações dos
estados e municípios, pelo Programa de Arrendamento Residencial (PAR). Apesar dos
programas, impuseram-se sérias restrições ao financiamento para o setor público, seja por
restrições dos aportes de recursos do Orçamento Geral da União (OGU), seja pelo
impedimento de utilização do FGTS, decorrente ainda da crise gerada no governo Collor.
Ao setor público, os financiamentos destinavam-se à ação conjunta entre os três
níveis de governo. Neste caso, Azevedo (2007, p. 24) destaca os programas Pró-Moradia e
Morar Melhor, que, segundo o autor, lograram resultados aquém do esperado em função de
terem produzido moradias com custo unitário médio reduzido, representando, portanto,
unidades de baixa qualidade.
A precária institucionalização do setor de habitação nacional reflete em Palmas
sob a forma de ações pontuais e da estática na provisão de moradias e habitação, além da
dificuldade de dimensionamento da precariedade urbana. Em função das ações dos governos
anteriores (no âmbito municipal), a periferia em Palmas era considerada um fato urbano
consistente e importante para a composição socioespacial da cidade, no período em questão.
Seja por meio de ocupações espontâneas, ou em função de loteamentos
particulares e públicos, a Região Sul de Palmas continuou alvo dos programas habitacionais e
de investimentos que objetivavam a permanência das pessoas naquela área. A figura 3.11
apresenta a evolução da ocupação de Palmas até 2001, incluindo Palmas Sul.
103
Figura 3.11 Ocupação urbana de Palmas até 2001.
Fonte: Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas, 2004, p. 20.
Em meio a essa realidade e às dificuldades de elaboração de uma Política de
Habitação, a gestão do prefeito Manoel Odir Rocha incorporou, a partir de 1998, o Programa
Morar Melhor, destinado à construção de unidades residenciais para famílias com renda
máxima de três salários nimos (SM). Na realidade, o programa foi responsável por um
outro nível de segregação: a institucional. Esta ocorria em função da necessidade de o
beneficiário possuir um lote regular, em área com condições mínimas de acessibilidade e
solução adequada de esgotamento sanitário.
104
Nesse sentido, ficam excluídos os segmentos que compõem a inadequação
habitacional (déficit por infra-estrutura básica) e irregularidade fundiária. O programa
restringia-se à construção de unidades residenciais padronizadas, propondo a demolição de
qualquer tipo de imóvel pré-existente, mesmo que em alvenaria.
As figuras 3.12 e 3.13 mostram o tipo de habitação considerado passível de
substituição e uma casa construída pelo programa, respectivamente.
Figuras 3.12 e 3.13 À esquerda, casa inacabada substituída pelo Programa Morar Melhor. À direita, modelo da
casa entregue pelo programa.
Fonte: SANTOS, 2001, p. 34-35.
Em Palmas, o programa possibilitou a execução de casas distribuídas em todas as
regiões da cidade, inclusive nos Distritos de Taquaruçu e Buritirana (onde houve maior
número de construções
33
). Apesar do montante aplicado (mais de R$ 40 milhões), o programa
foi ineficaz do ponto de vista da política social. De acordo com o Relatório de Avaliação do
33
Os dados foram confirmados através da lista de beneficiários do programa, disponibilizado pela
SEDUH.
105
Programa, elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a construção esparsa das
unidades dificultou o trabalho social, o que gerou um índice de evasão de 27% dos domicílios
construídos (o maior índice de evasão do país). Contribuiu para esse aspecto, o fato de não
serem propostas alternativas efetivas para regularização fundiária e correção dos
assentamentos precários existentes nas Regiões Central e Sul de Palmas
34
.
A forma como o programa foi proposto em Palmas evidencia que a prioridade de
atendimento estava nas famílias que não compõem o quadro de inadequação habitacional e
que se apresentam em situação fundiária regular. Além disso, a posse do lote por famílias com
renda de até três SM contribui com a segregação, tendo em vista que, de forma geral, boa
parte dessas pessoas possuía lotes em regiões periféricas ou, a exemplo das ARNO’s, haviam
passado por ações de regularização. Sob esse prisma, a construção das moradias novamente
isola o Plano Básico, induzindo a ocupação daquela área por loteamentos destinados às
camadas de renda mais elevada.
Na esfera federal, a constante alteração dos órgãos responsáveis pelo setor
habitacional
35
demonstra a dificuldade em propor alternativas para o segmento de baixa renda.
Com isso, a desarticulação e inconstância das ações do Governo Federal atingem os
municípios, que passam a agir, como no caso de Palmas, com uma base inconsistente,
corroborando a segregação presente nos momentos anteriores.
34
Apesar de o programa prever atuação relativa à irregularidade fundiária, o relatório elaborado pelo
TCU afirma que não houve uma contribuição firme nesse sentido, em nível nacional.
35
O Ministério do Bem-Estar Social (MBES), do governo Collor, foi transformado em Secretaria de
Política Urbana (SEPURB) e posteriormente, ainda no governo FHC, em Secretaria Especial de
Desenvolvimento Urbano (SEDU). As alterações não foram acompanhadas de transformações
significativas no quadro institucional, persistindo a desarticulação do setor e a pouca significância das
intervenções.
106
As realizações do programa são precárias e desarticuladas de ações de construção
da cidade além de não refletirem a necessidade por inclusão social e melhorias estruturais dos
assentamentos precários das regiões periféricas de Palmas, patentes já no referido período.
A partir de 1999, a Região Sul volta a ser o foco dos investimentos habitacionais
em Palmas. Consolidado o processo de urbanização e ocupação dos Aurenys e Taquaralto, os
bairros circunvizinhos passam a ser incrementados, seja por meio da iniciativa privada, seja
pelas ações governamentais.
Naquele ano, teve início o Programa Habitar Brasil BID (HBB), homônimo do
implementado em 1994, mas com características diferentes. Neste caso, o principal objetivo
era o de capacitar as prefeituras, por meio do Subprograma de Desenvolvimento Institucional
(DI), que estimulava a formação de quadros cnicos municipais com o intuito de buscar
alternativas para os assentamentos precários e inclusão social. Essas alternativas concretizar-
se-iam por meio do Subprograma de Urbanização de Assentamentos Subnormais (UAS), com
o objetivo da implantação ordenada de projetos integrados de regularização fundiária e
implantação de infra-estrutura urbana, além da recuperação ambiental nestas áreas,
assegurando a mobilização e participação da comunidade na concepção e implementação dos
projetos.
No item seguinte, abordamos a maneira como se deu o desenvolvimento do HBB
em Palmas, principal ação do período entre os anos 2000 e 2005.
107
3.4 2001 a 2004: uma nova perspectiva para o setor habitacional
O Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas (2004) aponta que, entre 1996
e 2001, com a expansão demográfica da região central do Tocantins, a ocupação de Palmas
continuou acontecendo de forma desordenada. Realizaram-se parcelamentos que, apesar de
aprovados pelo Governo Municipal, estavam em desacordo com a legislação urbanística
vigente, a exemplo de áreas com infra-estrutura inacabada, sem pavimentação e abandono das
áreas públicas, facilitando o acesso ilegal de famílias a diversas áreas da Região Central.
Esses aspectos da ocupação de Palmas, dentre outros, foram abordados no
Seminário Palmas 2000, ocorrido em 1996, com o fito de discutir os problemas da cidade e
buscar alternativas para as demandas principais, orientando o seu crescimento. Até aquele
momento da construção da capital, os loteamentos de Palmas Sul incrementaram-se por meio
do incentivo à ocupação por pessoas de baixa renda, em detrimento dos vazios urbanos
centrais.
Com isso, definia-se um quadro habitacional problemático que se aproximava da
realidade de cidades com processo de urbanização consolidado. Essa problemática veio
acompanhada da falta de orientação de uma Política Urbana nacional, que permaneceu até
meados de 2003, mesmo com a aprovação, em 2001, da Lei 10.257/01, o Estatuto da Cidade.
De maneira contraditória à referida lei, a destinação de recursos para
financiamento habitacional pelo Governo Federal ocorria principalmente às famílias com
renda comprovada e superior a cinco SM. Dessa maneira, estava excluída da possibilidade de
atendimento pelos programas oficiais a população de renda mais baixa, principal
representante da irregularidade e informalidade urbana.
108
Permaneciam as características do período anterior, onde o incentivo principal era
dado ao setor privado e ao financiamento habitacional direto ao mutuário, especialmente dos
segmentos de renda média e alta. Em Palmas, o PAR ganha destaque; representa um
importante exemplo de destinação do Plano Básico aos segmentos com renda média, sendo
até o presente momento (2008) bastante aplicado na cidade de Palmas.
O programa é responsável por uma “transformação” visual em partes da cidade;
introduz, em diversas quadras da Região Central, edifícios multifamiliares de quatro andares
(tipologia difundida pelo programa em nível local). Apesar de prever atualmente o
atendimento a famílias com rendimentos entre zero e seis SM, o PAR, no caso de Palmas, tem
sido ofertado ao público com renda mínima de três SM (Figura 3.14).
Figura 3.14 Empreendimento do PAR em Palmas.
Fonte: acervo do autor (2007).
109
Posto isso, o PAR continua o paradigma de atuação dos programas habitacionais
clássicos, voltando-se à população com rendas médias (e altas), ofertando-lhe as melhores
glebas da cidade, sem comprometimento efetivo com a solução do déficit habitacional. A
população com renda entre três e cinco SM compõe 12% do déficit habitacional em Palmas,
ao passo que 25% deste caracterizam-se por famílias com renda entre um e três SM
(PALMAS, 2005), que não são atendidas pelo PAR, da forma como o programa é aplicado
em Palmas. Assim, o setor habitacional local acompanha a dinâmica dos programas
habitacionais federais, excluindo os segmentos de mais baixa renda e em situação econômica
instável.
O agravamento da crise do setor habitacional e a ampliação dos assentamentos
precários em Palmas suscitavam soluções emergenciais. Destarte, a Prefeitura criou, em 2001,
um programa intitulado “Projeto Emergencial” que, como o próprio nome diz, objetivava
atender a demandas urgentes da cidade. O projeto permitiu, com recursos do próprio
Município, a construção inicial de 120 casas distribuídas por toda a cidade, seguidas de outras
38 nas ARNO’s e 34 na Região Sul de Palmas (SANTOS, 2001). O projeto enfatizou a ação
municipal nos 100 primeiros dias de mandato da prefeita Nilmar Gavino Ruiz, como uma
espécie de lançamento dos trabalhos políticos da nova gestão.
A reboque do histórico habitacional de Palmas e da inserção da moradia nos
meios de condução política no Brasil, a desconexão entre planejamento, gestão e orçamento
permanecia, de maneira que é mais utilizado o aspecto midiático que a moradia representa
para a política, relação social com a cidade. O Projeto Emergencial lançado pela Prefeitura foi
uma iniciativa pontual, descontínua, sem vínculos administrativos com outras formas de
provisão urbana e, principalmente, sem foco nas questões sociais.
Não grandes contribuições desse período em relação à solução do problema da
moradia para as classes de baixa renda, senão para a confirmação da função dos bairros de
110
Palmas Sul para a composição social da cidade. Além disso, percebe-se a consolidação das
quadras Noroeste como núcleos de baixa renda, diferenciando essas quadras das demais
quadras de Palmas Centro.
Contribui para isso o Programa Pró-Moradia, que propõe o adensamento dos
bairros Aureny I e II, além das ARNO’s 72 e 73 (atuais 605 e 607 Norte), com a construção
inicial de 130 casas em 2004 e mais 70 unidades em 2006, entre os bairros Jardim Aureny II,
ARNO 72, ARNO 73 e Morada do Sol (Figura 3.15).
Figura 3.15 Setores atendidos pelo Pró-Moradia.
Fonte: Prefeitura de Palmas (2008). Mapa adaptado pelo autor.
111
A intenção do Governo Municipal com o Pró-Moradia era a de ocupar os espaços
vazios nos bairros consolidados para baixa renda, em detrimento da permanência dos vazios
urbanos centrais. Essa forma de utilização do solo da periferia e ociosidade das glebas centrais
confirmam o poder de interferência do capital privado sobre a valorização do solo urbano, a
partir da contenção de uso das terras do Plano Básico para abrigar e aproximar as camadas de
menor renda das áreas com melhor oferta de equipamentos e serviços urbanos na cidade.
Novamente a Renda Diferencial apresenta-se confirmando a utilização da moradia
como elemento de dominação e controle social, que induz ao aumento da periferia e ao seu
planejamento, demonstrando a importância do monopólio do poder público sobre as áreas
centrais. Permanecem, nesse período, ações ineficazes e pautadas em discursos políticos, sem
efeitos práticos sobre a questão da precariedade ou ainda da segregação.
Considerando-se os aspectos mencionados até aqui, o Habitar Brasil – BID (HBB)
foi uma importante questão na inserção de programas habitacionais concernente ao
planejamento da cidade. O programa procurou incentivar a criação de um ambiente
institucional capaz de identificar as necessidades urbanas e propor soluções, com vistas à
inclusão social. Pelas suas contribuições para o incremento da Região Sul de Palmas, o
programa será tratado em item específico.
3.4.1 HBB em Palmas: outra forma de incremento da segregação
Para Formiga (2008), o programa Habitar Brasil BID repercutiu positivamente em
Palmas e gerou resultados importantes. Como o principal objetivo do HBB era o
desenvolvimento institucional (através do Subprograma de Desenvolvimento Institucional
112
DI) por meio da promoção de capacitação ao corpo técnico municipal, surgiu a necessidade de
institucionalizar a questão do planejamento urbano e da habitação de maneira mais integrada,
visualizando-se aspectos mais amplos do setor.
Nesse sentido, destacam-se alguns aspectos importantes para o desenvolvimento
municipal no sentido da provisão habitacional, a dizer:
Elaboração de um diagnóstico sobre as condições institucionais para o
enfrentamento da problemática de subnormalidade da cidade, por meio do
PEMAS
36
. Esse documento refere-se à questão institucional e suas carências, e
enfatiza os aspectos vinculados ao processo de desenvolvimento e ocupação
territorial da cidade, levantando, de maneira pioneira, os principais problemas dos
assentamentos urbanos de Palmas, da irregularidade de parte dos loteamentos
consolidados no Plano Básico e fora dele, da necessidade de maior participação do
poder municipal nas ações de decisão acerca do planejamento da cidade. O
PEMAS afirma a necessidade de construção de uma sistemática municipal de
gestão territorial e urbana, incluindo o controle e monitoramento do uso e
ocupação do solo;
Criação, em 2003, do Instituto de Planejamento Urbano de Palmas (IPUP), órgão
municipal de caráter técnico, criado para centralizar os procedimentos relativos ao
planejamento urbano e habitacional, considerando-se suas especificidades. O
IPUP foi criado em conseqüência às conclusões do PEMAS e da necessidade da
sistematização e levantamentos de dados para nortear as ações do Município em
relação ao urbanismo e habitação;
36
PEMAS – Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais.
113
Implementação do SIG Palmas, Sistema Integrado de Georreferenciamento que
começa a produzir mapas destinados à análise e condução dos processos de
elaboração de diagnósticos e espacialização dos problemas e potencialidades do
município.
A construção do PEMAS também resultou em uma importante contribuição para a
área de planejamento: a criação do Cadastro Multifinalitário que, entre os anos de
2002 e 2003, pesquisou dados sobre a população, de modo a permitir a elaboração
de um diagnóstico geral da cidade. Entretanto o banco de dados da Prefeitura não
é integrado ao do Estado; cria dificuldades de acompanhamento social as quais se
minimizariam no caso da existência de um banco integrado, que permitisse a
identificação das carências e a atualização dos beneficiários de cada programa
implementado na cidade.
O diagnóstico do PEMAS orientou no sentido de que as ações do Subprograma de
Urbanização de Assentamentos Subnormais (UAS) propusessem melhorias para o Setor Santa
Bárbara, localizado na Região Sul de Palmas, entre Taquaralto e o Jardim Aureny I.
A construção deu-se por meio de mutirão, com parte da mão-de-obra contratada
para execução de serviços mais especializados. Os blocos e telhas eram produzidos no local,
utilizando a tecnologia dos blocos de concreto estrutural. A figura 3.16 mostra uma unidade
produzida pelo programa.
Todavia o poder público demonstrou dificuldades em trabalhar com os critérios de
mobilização social, em função de inexistirem experiências similares anteriores em nível local.
Com isso, houve diversos problemas durante a construção das casas, devido à baixa interação
entre os mutirantes e a gestão da obra. De um modo geral, o trabalho social inicialmente foi
ineficaz, bem como o processo de planejamento da construção, o que induziu a maiores
114
dispêndios de recursos, baixo nível de compromisso por parte dos beneficiários, furtos de
materiais de construção, constantes acidentes de trabalho, atraso nos prazos estabelecidos com
o agente financiador.
Figura 3.16 Casa-padrão do HBB em Palmas.
Fonte: acervo do autor (2008).
Em nível federal, a gestão participativa ainda começava a ser trabalhada, não
havendo elementos norteadores para os municípios. Com a criação do Ministério das Cidades,
em 2003, o Governo Federal inicia um processo de discussão com propostas de integração
urbana e social, visando criar mecanismos a fim de permitir o tratamento descentralizado para
a questão urbana e habitacional.
A falta de diretrizes municipais e federais para essa integração fez com que o
programa sofresse, no caso de Palmas, sucessivas modificações estruturais, na revisão dos
procedimentos efetivados, pleiteando aproximar a comunidade do poder público.
115
O programa não alcançou plenamente os objetivos de regularização,
especialmente os referentes à demolição dos barracos precários. Houve, na verdade, outro
processo de migração para o bairro, de maneira que pessoas relacionadas a alguns dos
beneficiários passaram a ocupar os barracos, gerando uma nova situação de precariedade e
contribuindo para o agravamento da segregação. Neste caso, a segregação é percebida não
apenas pelo isolamento da comunidade em relação à malha urbana central, mas
principalmente pela forma como foi proposto o loteamento, sem considerar a existência de
áreas ambientalmente frágeis,o que compromete a qualidade do espaço.
Nesse sentido, o desenho do loteamento agrava a situação ambiental local, ao
desconsiderar os índices de declividade acentuados de alguns pontos da área parcelada e a
existência de fundos de vale que cortam a região. Em decorrência disso, locais em que as
casas são inundadas quando da ocorrência de chuvas mais fortes, especialmente aquelas em
lotes com fundos voltados (e bastante próximos) dos fundos de vales (Figura 3.17).
Figura 3.17 Casa-padrão do Santa Bárbara, mostrando marca de inundação.
Fonte: acervo do autor (2008).
116
Apesar dos esforços para produzir casas e um espaço urbano com qualidade, os
aspectos culturais não foram considerados, o que representa até hoje um importante problema
para o setor. Os materiais utilizados (a exemplo das telhas e dos blocos em concreto) não
fazem parte do repertório dos moradores, fortemente rejeitados por boa parte deles. Como
conseqüência, muitos beneficiários modificaram o sistema de cobertura da casa, utilizam
telhas cerâmicas, como na figura acima.
Esse fato por si só já representa um fator passível de análise no âmbito do
programa e reflete a ineficiência entre os processos de planejamento da obra e
acompanhamento social. Esses aspectos dão continuidade às características históricas dos
programas federais de construção de moradias, cuja atuação foi patente em afirmar a
desconexão entre os aspectos culturais, sociais e tecnológicos envolventes na dinâmica
habitacional e urbana.
Os resultados obtidos pelo Projeto Construindo Juntos o Santa Bárbara confirmam
que boa parte dos beneficiários não tem acesso à habitação, mas sim a um segmento urbano
que se insere precariamente na região homogeneizada pelos aspectos sociais da população de
baixa renda.
Os investimentos em infra-estrutura e construção de moradias no Setor Santa
Bárbara têm induzido a uma consolidação da situação de precariedade, avessa à proposta
básica do programa. Se de um lado os constantes investimentos na área contribuem para a
melhoria das condições de habitabilidade, de outro induzem a novas ocupações em áreas
verdes, por pessoas esperançosas de serem beneficiadas com um novo projeto de
regularização (Figuras 3.18 e 3.19).
117
Figuras 3.18 e 3.19 À esquerda, barraco de madeira erguida em área verde, à beira de fundo de vale. À direita,
casa construída pelo programa, com fundo voltado para área verde, com forte declividade.
Fonte: acervo do autor (2008).
O HBB foi um importante programa no momento em que a capacitação
representava uma necessidade veemente dos corpos técnicos dos órgãos condutores da
temática habitacional e urbana. No entanto a complexidade do processo, especialmente na sua
fase inicial, segundo Oliveira (2000, apud LANNOY, op. cit., p. 97) foi grande limitador da
ação eficaz dos Municípios, dificultando seu acesso à etapa de obras.
No caso de Palmas, a construção das casas iniciou-se em 2002, com previsão de
término para 2004, ocorrido em 2006. Até o mês de abril de 2008, o município ainda não
havia entregue os títulos de posse dos imóveis aos beneficiários. Também não concluíra
totalmente o processo de Desenvolvimento Institucional previsto, tendo ficado pendente,
dentre outras atividades, a elaboração da Política Municipal de Habitação, a revisão das leis
urbanísticas (Lei de Uso do Solo, Código de Obras, Lei de Parcelamento Urbano), elaboração
do Sistema de Controle e Gestão do Território Urbano
37
.
37
Estão recontratando empresas para efetivação das atividades.
118
Vejamos a seguir como se continuidade ao desenvolvimento desse processo,
analisando a atuação mais recente do poder público em relação à habitação em Palmas.
3.5 2005 a 2007: a contribuição mais recente para o setor habitacional em Palmas
A gestão iniciada em Palmas em 2005 incorpora muitos mecanismos originários
do Governo Federal, em função de dois aspectos principais. Um deles diz respeito às
orientações direcionadas pela esfera federal aos municípios, com vistas à formação de um
quadro institucional nacional relativo às propostas de fomento, à economia e à produção da
cidade. Nesse sentido, o governo inicia um processo de discussão sobre as diferentes políticas
públicas de promoção do desenvolvimento social, ambiental, urbano e econômico, com ênfase
à necessidade de aprofundamento destas, em nível local. Outro aspecto é a questão partidária,
pelo fato de ambos os governos (municipal e federal) serem do Partido dos Trabalhadores
(PT).
No que diz respeito à Política de Habitação, a principal orientação é a
institucionalização dos procedimentos com vistas à produção de habitação, i. é., de cidade, a
partir das definições do Estatuto da Cidade (2001) e da criação do Ministério das Cidades
(2003). Apesar disso, o governo do presidente Lula não avança significativamente em termos
práticos no que se refere à produção habitacional, considerando o período desde o BNH; a
principal fonte de recursos ainda é o FGTS. A novidade está no fato de que agora os recursos
podem ser destinados a todas as faixas de renda, por meio de linhas específicas de
financiamento. Ao invés de rebatizar ou criar novos programas, a gestão optou por continuar
as ações em andamento, dando ênfase à regularização fundiária e urbanização de favelas.
119
A fim de atender a gestão democrática do território, preconizada no Estatuto das
Cidades, criaram-se no Tocantins e em Palmas os Conselhos Estadual e Municipal de
Habitação, com o fito de discutir as questões referentes à política urbana, propondo
alternativas embasadas na participação de todos os segmentos da sociedade.
O Conselho Municipal atuou em Palmas entre os anos de 2005 e 2007; encontra-
se atualmente sem atividades, tendo em vista o desvio do foco nas discussões, que chegaram a
caminhar para propostas de aprovação de projetos. Apesar disso, a atuação do Conselho
Municipal de Habitação de Palmas, mesmo efêmera, representa um avanço para o processo
participativo na cidade, a partir da intensa contribuição de movimentos populares. Destaca-se
a atuação do Movimento Nacional de Luta Pela Moradia do Tocantins (MNLM TO), que
contribuiu para a mobilização de pessoas de todas as regiões da cidade na discussão sobre a
inclusão social por meio da moradia em Palmas.
A proposição de variados programas habitacionais pelo atual Governo Federal
pretende atender a todas as faixas de renda, respondendo à demanda habitacional divulgada
em 2004 pelo próprio Ministério das Cidades, que revelou um déficit habitacional de cerca de
7,2 milhões de moradias. Com isso, além da continuidade das ações iniciadas pelo governo
anterior, entra em pauta o novo enfoque para a Política Habitacional, colocando em tela
aspectos referentes à integração urbana de assentamentos precários, regularização fundiária,
acesso à infra-estrutura, mobilidade e serviços urbanos, inclusão social por meio da moradia e
integração da Política Habitacional à Política de Desenvolvimento Urbano. Esses aspectos
refletem o avanço conceitual da política urbana do atual Governo Federal.
No caso de Palmas, os programas habitacionais nesse período são originários de
parcerias entre os três níveis de governo, geralmente com contrapartida física, financeira ou
organizacional, em cooperação mútua. Esse aspecto vem em função da proposta da Política
Habitacional do Governo Federal, que propõe a descentralização das ações, de maneira a
120
efetivar parcerias com estados e municípios, subsidiando e direcionando os programas a
serem desenvolvidos. O objetivo é aumentar a eficácia dos programas e processos na busca
pela adoção de soluções regionais que considerem a realidade de cada comunidade
38
, além de
fomentar a economia por meio do envolvimento da iniciativa privada.
O Caderno MCidades de Habitação (2006) apresenta as definições básicas da
PNH adotada na atualidade e inclui estratégias de transição para adoção das medidas de
provisão habitacional, com ênfase à redução do quadro de segregação socioespacial,
induzindo a um novo modelo de gestão territorial urbana, pleiteando à função social da terra e
da propriedade.
Entretanto, aplicando-se ao caso de Palmas, os instrumentos reguladores da
política urbana o foram implantados, e de fato não ainda a definição de uma Política de
Habitação. Ainda em 2005, a Prefeitura iniciou o processo de elaboração do Plano Diretor,
colocou as bases para um processo participativo e incorporou contribuições de atores dos
diversos segmentos populares.
No mesmo ano, com a posse da nova gestão municipal, criou-se a Secretaria de
Desenvolvimento Urbano e Habitação de Palmas (SEDUH), em substituição ao IPUP. A
SEDUH representa um importante passo rumo à institucionalização do setor habitacional em
Palmas; incorpora as funções de planejamento urbano e habitacional, responsabilizando-se
pela legislação urbanística, acompanhamento social e técnico dos projetos habitacionais, além
da análise, aprovação e fiscalização de projetos e obras.
Desde 2005, percebe-se um investimento maciço no setor imobiliário, com
recursos do FGTS ou de subsídios diversos de origem federal, estadual ou municipal.
38
Pela primeira vez é mencionada a particularidade das comunidades indígenas e quilombolas.
121
Segundo Amaral et. al. (op. cit., p. 43), houve, em 2005, um incremento de 522% na produção
de habitação relativo ao ano anterior. Uma importante fatia desses produtos deve-se à
implementação pelo Conselho Curador do FGTS (CCFGTS), da Resolução 460/2004, que
permite a oferta de subsídios
39
para construção, ao segmento cuja renda familiar é inferior a
R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais).
Os investimentos atingem todas as faixas de renda, mas ainda excluem boa parte
da população devido à burocracia dos procedimentos, desde a etapa de aprovação, até a
construção e entrega dos imóveis. Essa burocracia torna os processos morosos e fazem com
que, não raro, os recursos tornem-se insuficientes (quando não o são desde o início),
diminuindo a eficácia dos resultados obtidos.
A partir de 2005 percebe-se, em Palmas, uma diversidade maior de formas de
financiamento habitacional nos períodos anteriores, incluindo programas não onerosos para o
beneficiário (PALMAS, 2006).
Ações como os Programas de Habitação de Interesse Social (PHIS)
40
e Cidade
Solidária (que corresponde ao programa federal de Integração de Assentamentos Precários),
contribuem para o adensamento e homogeneização de Palmas Sul. O Programa Cidade
Solidária propõe a criação de um novo loteamento, denominado Lago Sul, localizado entre o
Aureny III e o Jardim Janaína, inserindo-se em vazios urbanos existentes no local (Figura
3.20).
Para justificar a criação do Lago Sul, a Prefeitura alega que não mais terrenos
de sua propriedade disponíveis para construção na Região Central, e são escassos, mesmo na
Região Sul da cidade. O fato caracteriza as dificuldades que o monopólio (por parte do Estado
39
Os subsídios devem ser inversamente proporcionais à renda do beneficiário.
40
Implantado no Jardim Aureny III.
122
e particulares) representa para a implantação ordenada da cidade e a imposição das forças
capitalistas apoiadas pelo poder público, de espoliar os segmentos de menor renda.
Figura 3.20 Localização do Loteamento Lago Sul na Região Sul de Palmas.
Fonte: Prefeitura de Palmas (2008). Mapa adaptado pelo autor.
Além da Prefeitura, o Governo Estadual continua a incentivar a destinação da
Região Sul para os segmentos de baixa renda. O principal exemplo dessa contribuição mais
recente do Estado é a criação do bairro Taquari (2001), também em Palmas Sul.
O bairro apresenta-se em situação de isolamento e com precária implantação de
unidades residenciais e equipamentos urbanos, isolado inclusive dos demais bairros de Palmas
Sul distante cerca de quatro quilômetros do Aureny III (Figura 3.21). Desde sua criação, o
Taquari é o principal alvo dos programas habitacionais do Governo Estadual.
123
Figura 3.21 Localização do Taquari em Palmas Sul.
Fonte: Google Earth (2008). Imagem adaptada pelo autor.
Os investimentos naquele bairro configuram um perfil assistencialista do Estado,
que atua em consonância com o sentido de segregação presente na gica de implantação dos
loteamentos de interesse social marcantes no processo de ocupação de Palmas, caracterizando
uma política distributiva.
A morfologia urbana do Taquari representa uma miniaturização do projeto
urbanístico de Palmas, a partir da reprodução do paradigma formal incorporado ao urbanismo
da cidade (VASCONCELLOS, op. cit., p. 128). A criação do bairro deu-se em função da
ocupação urbana desordenada na Região Sul de Palmas, que se voltou para a Área de
Proteção Ambiental (APA) da Serra do Lajeado (Figura 3.22).
124
Figura 3.22 Vista aérea do Jardim Taquari.
Fonte: www.habitacao.to.gov.br (2007).
O isolamento espacial do Taquari corrobora o sentido de criação de uma cidade
paralela à cidade central, cujo adensamento ainda encontra obstáculos, inclusive por parte dos
beneficiários de programas implantados no local. o raro, estes repassam o imóvel recebido
para outras pessoas e esperam novas oportunidades de serem sorteados com casas em lugares
centrais e mais bem equipadas. Uma das principais manifestações do isolamento e falta de
infra-estrutura do bairro é a violência urbana que representa insegurança para seus moradores.
Além da questão locacional, as dificuldades de acesso, em função da falta de
pavimentação em circular pelo local, devidas à excessiva repetição dos elementos urbanísticos
(quadras internas) e à precariedade dos equipamentos e serviços urbanos implantados
configuram uma situação de exclusão social. Além disso, os obstáculos para implantar e
manter equipamentos comerciais, a fim de atender as demandas mais urgentes, é patente, pelo
fato de o bairro ainda ser bastante esparso (Figuras 3.23 e 3.24).
125
Figuras 3.23 e 3.24 Avenida de acesso ao Taquari, mostrando a falta de pavimentação e construções esparsas.
Fonte: Acervo Simony Silva e Francisco Herbert.
Contrapondo-se ao Taquari, uma experiência ainda em curso em Palmas avança
na busca pela mitigação da segregação. Trata-se da construção da quadra ARSE 132 (1.306
Sul – Figura 3.25), através do Programa Construindo Juntos, que objetiva abrigar 1.180
famílias de baixa renda na Região Central.
O processo de ocupação da quadra é caracterizado por um trabalho contínuo de
mobilização e organização social, articulado pelo MNLM TO. A construção da ARSE 132,
no Plano Básico e próximo a quadras urbanizadas e ocupadas pode ser compreendida de duas
formas.
De maneira geral, a quadra significa uma conquista para seus beneficiários, pelo
fato de representar o acesso à cidade formal. Sob esse ponto de vista, a construção da quadra
insere um loteamento de interesse social na Região Central de Palmas, com área delimitada de
acordo com o macroparcelamento urbano, contribuindo para a inclusão das famílias atendidas,
ao menos na questão espacial.
126
Figura 3.25 Localização da quadra ARSE 132 em Palmas.
Fonte: Prefeitura de Palmas. Adaptado pelo autor.
Nesse sentido, permite-se o acesso de segmentos de baixa renda à malha urbana
central e aproxima-os dos locais de maior oferta de trabalho, renda e com maior acessibilidade
aos serviços e equipamentos urbanos de Palmas Centro. Isso ocorre em meio a um intenso
trabalho social, realizado desde antes do início das obras
41
.
Outrossim, mesmo havendo um vel importante de organização popular, a força
do capital poderá atuar sobre a quadra, produzindo resultados característicos do processo de
formação do preço da terra. Caso não haja uma política de controle e incentivo à permanência
dessas pessoas na quadra, a especulação imobiliária poderá pressioná-las em curto prazo a
41
O trabalho social e de planejamento das obras teve início formalmente em 2005. A construção das
unidades ocorreu de fato no segundo semestre de 2006.
127
vender seus lotes a valores baixos, destinando-os à valorização imobiliária, por meio da
Renda Absoluta. Essa tendência é relativizada pela influência dos equipamentos existentes em
volta da quadra, que permitem identificar a possibilidade de atuação das Rendas Diferenciais
e ainda do Capital Incorporador, considerando-se as possibilidades de incremento das
atividades comerciais circunvizinhas, em função da ampliação da demanda.
Dentre os fatores que podem acentuar essa dinâmica estão a tendência comercial
da Avenida LO 27 (que abrange as quadras circunvizinhas em função da distância à Avenida
JK) e a proximidade ao Terminal Rodoviário de Palmas, gerador de uma demanda de fluxo
importante para o comércio local. Além disso, a área está próxima à região onde se localizam
duas importantes universidades particulares de Palmas
42
, e faz a ligação da Avenida
Theotônio Segurado com um dos principais acessos à Rodovia TO 050, que liga a Região
Central a Taquaralto, passando pela Estação Rodoviária, o que caracteriza a avenida como um
importante corredor viário para a cidade (Figura 3.26).
Tendo em vista o processo histórico de ocupação e valorização do solo em
Palmas, a ARSE 132 é pioneira no planejamento de ações de provisão habitacional para o
setor de baixa renda na Região Central. Embora tenha sofrido invasões (por parte dos seus
atuais beneficiários, incentivados pelo MNLM) e posterior desocupação induzida pela força
do Estado, sua construção representa uma parte do processo de mobilização e organização
popular que começa a se delinear em Palmas, mas também reitera o uso da moradia como
moeda de troca. A quadra é utilizada, tanto pelo Governo Estadual quanto pelo Municipal,
como elemento publicitário das suas ações, contrapondo-se à realidade implantada nos
loteamentos de Palmas Sul.
42
Universidade Católica do Tocantins e Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP-ULBRA).
128
Figura 3.26 Entorno da Quadra ARSE 132
Fonte: Google Earth (2008). Imagem adaptada pelo autor.
O Programa Construindo Juntos ocorre por meio da descentralização de recursos e
ações e abrange as três esferas de governo. Os principais programas envolvidos são o Crédito
Solidário (que propõe a construção por meio de mutirão), o Programa de Subsídio para
Habitação (PSH não oneroso para os beneficiários), Imóvel na Planta Resolução 460
(moradias coletivas sobrados geminados) e Cheque-Moradia (crédito de ICMS às empresas
de construção civil, originário do Governo Estadual).
129
O Programa Crédito Solidário sugere a participação popular através do mutirão,
com vistas à redução do custo de mão-de-obra utilizada para a construção. Neste caso, em
oposição ao processo ocorrido no Santa Bárbara, os beneficiários envolveram-se e
capacitaram-se para trabalhar na obra, com acompanhamento de profissionais da área de
arquitetura, engenharia civil e serviço social. Parte dessas pessoas foi contratada para laborar
continuamente na construção, logrando incorporar a mão-de-obra local e capacitá-los para o
mercado de trabalho na área da construção civil.
Uma questão merecedora de atenção é a alteração de parte das casas já entregues
aos moradores (Figuras 3.27 e 3.28) no segundo semestre de 2007, que reproduzem a prática
de boa parte dos programas habitacionais brasileiros. O fato reflete que, apesar do
envolvimento social e da proposta de organização espacial da quadra, a tipologia ainda não
considera o dimensionamento familiar em alguns casos e recorre à exigüidade dos espaços
paradigmáticos da habitação popular.
Figuras 3.27 e 3.28 Protótipo da Casa 1.0, padrão para o Projeto Construindo Juntos e casa modificada pelo
morador.
Fonte: Relatório Diretoria de Habitação. PALMAS, 2006, p. 24 (4.28). Acervo do autor (4.29).
130
Como a construção da quadra ainda se encontra em andamento, não é possível
precisar se haverá a reversão da segregação para as famílias atendidas, ou se a prática de
venda dos imóveis a preços baixos para pessoas de renda mais alta voltará a acontecer,
espoliando novamente essa população e criando um ambiente favorável à especulação.
De toda forma, os programas abordados nesta pesquisa referem-se a um período
importante e bastante complexo da política nacional, período este que reflete a própria história
da capital tocantinense. Em nível nacional, é possível dizer que o país caminha rumo a uma
política cuja retórica incorpora elementos sociais e instrumentos de planejamento que podem
ser importantes, se corretamente aplicados. Mas este tema foi profundamente debatido em
trabalhos que tratam do histórico habitacional do Brasil, sob diversos aspectos. O que fica
para Palmas é uma variada gama de exemplos que podem ser considerados a favor ou contra o
desenvolvimento inclusivo da cidade. Basta refletir e buscar as alternativas.
131
132
A história da criação do estado do Tocantins é permeada de intenções de inclusão
e da busca pelo desenvolvimento econômico e social da antiga região norte do Goiás. O
surgimento do estado reflete um importante momento político do país, resultado de intensas
manifestações populares e argumentações políticas, embasadas em discussões seculares, mas
sempre baseadas nas perspectivas de melhoria das condições de vida dos seus habitantes.
O intenso fluxo migratório que marcou a construção do Tocantins, em especial de
Palmas, gerou demandas importantes para a definição do seu quadro social. Acompanhado da
atuação do poder público, esse quadro se agravou e permitiu o desenvolvimento da cidade de
maneira desordenada e excludente, corroborando o sentido do processo de urbanização
brasileiro.
A produção do espaço urbano em Palmas é acompanhada por práticas de cunho
clientelista que, da mesma forma que aconteceu em Brasília (exemplo mais marcante da
urbanização brasileira, tido como referência urbanística para Palmas), destinou as áreas
centrais e mais bem equipadas para as classes dominantes. Enquanto isso, a população de
baixa renda é espoliada para os núcleos periféricos (Região Sul), desestruturados e
desarticulados da malha urbana principal (Região Central).
A intenção do Estado em segregar os trabalhadores de renda mais baixa é
marcante em todas as etapas de consolidação da periferia de Palmas e fica clara não apenas a
partir da criação prematura dos Aurenys, mas pela destinação dos programas habitacionais
para famílias com renda até três salários mínimos, prioritariamente para tais núcleos.
133
A escolha da área para abrigar a malha urbana central não considera a existência
dos povoados de Taquaralto, Taquaruçu e Buritirana, anteriores a Palmas. Entretanto a área é
demasiado próxima destes, de forma que se torna óbvia a relação de complementaridade ou
dependência que esses assentamentos desenvolveriam em relação à capital. Esse fato nos
permite identificar que, desde a etapa anterior ao planejamento, é possível notar perspectivas
de exclusão, por não se considerar a realidade existente no local.
A segregação analisada neste estudo pode ser entendida a partir de diferentes
olhares sobre o mesmo objeto. Por se tratar de questão espacial, ela é representada pela
instrumentalização do espaço através da moradia e de elementos que induzem à dominação
ideológica da população de baixa renda. Reflete a intenção de compor um mercado
imobiliário decisivo para definir as características do espaço urbano em questão.
A conseqüência desse processo é própria da relação de domínio entre o poder
público e a iniciativa privada, esta exercida sobre os segmentos sociais mais frágeis. Sua
marca está no abismo social composto pela incoerência entre o discurso político e as ações
efetivadas, que isolam a periferia da cidade equipada.
Com base nesse pensamento, optamos por abordar separadamente as maneiras
como essa segregação se materializa em Palmas, demonstrando a confirmação da nossa
hipótese. Primeiro, tratamos de como as ações públicas contribuíram para esse processo de
exclusão e formação das rendas fundiárias. Em seguida, tratamos a questão do espaço
caracterizado pelas barreiras horizontais, conseqüência do processo de ordenamento territorial
analisado.
134
4.1 Confirmando a hipótese: Palmas segregada pela dinâmica de produção especulativa do
espaço.
A forma como estão colocados os fatos nesta dissertação, nos permite chegar à
definição de dois momentos distintos no processo de planejamento da capital tocantinense.
Esses períodos distinguem-se não apenas em relação à ocupação territorial da cidade, mas
também à forma como a moradia é envolvida nesse processo, por meio de ações do poder
público.
O primeiro momento é representado pelos doze primeiros anos da construção da
capital (1990 2001), quando o Governo Estadual atua diretamente sobre a gestão do seu
território. Nesse período em que a cidade é um grande canteiro de obras, as ações públicas são
bastante óbvias no sentido de incentivar a periferização urbana e a destinação das glebas
centrais às classes de maior renda.
O exemplo da abertura das quadras Sudeste (ARSE’s) e Sudoeste (ARSO’s) mais
distantes da Avenida JK, ainda no início da década de 1990, além de preconizarem a criação
dos vazios urbanos centrais, evidenciam que as áreas mais distantes seriam destinadas aos
segmentos de renda mais baixa. De fato, essas quadras foram prioritariamente destinadas aos
funcionários de nível dio e fundamental de órgãos públicos e autarquias. Ao contrário, as
glebas mais centrais e próximas aos ainda escassos serviços urbanos e locais de trabalho, eram
destinadas preferencialmente ao capital especulativo, representado pelas empresas privadas
pioneiras.
Nesse momento, o Estado utiliza o seu monopólio sobre a terra, incentivando um
processo de especulação e valorização do solo, no intuito de criar um capital monopolista de
135
Estado (LOJKINE, op. cit.), que serviria de base para a produção da cidade nos moldes da
produção capitalista. Entretanto essa característica estava revestida por um discurso
desenvolvimentista, essencial para efetivar o controle e o convencimento da população.
Ao concentrar os segmentos de maior renda nas regiões com melhor oferta de
infra-estrutura, o Estado propõe a sua valorização de maneira diferenciada da dos terrenos
mais distantes da Avenida JK. Com isso, a ocorrência da Renda Diferencial II fica evidente,
sendo decisiva a questão locacional dos terrenos para a definição do seu valor. Portanto, a
avenida supracitada representa para Palmas um importante elemento de definição histórica do
valor dos terrenos e, numa fase posterior, dos imóveis construídos, reflete a presença do
capital incorporador, cuja valorização se por meio do uso e das benfeitorias presentes no
local (caso dos aluguéis e venda de edifícios comerciais e residenciais na Região Central).
O paradoxo está na forma de produção e valorização dos terrenos em Palmas Sul.
O complexo Aureny/Taquaralto é o principal exemplo desse tipo de atuação do Estado,
voltando para o segmento de baixa renda uma cidade paralela (Palmas Sul), diferente em
termos espaciais e sociais da Palmas Central. É naquela região que o governo inicia suas
ações voltadas à moradia de baixa renda, concentrando ali a precariedade que a falta de infra-
estrutura e o isolamento podem oferecer a uma população caracterizada pela fragilidade
econômico-social. A Região Sul de Palmas representa uma das principais maneiras de
segregação da população pobre da cidade, desde os seus primeiros anos, e induz a um
processo prematuro de periferização urbana, com base na oferta de lotes e moradias.
De fato, os programas habitacionais têm sido embasados na lógica de produção
capitalista do espaço, fundamentando-se na estruturação imposta pelo Governo Federal. Com
isso, ocorre a construção de moradias sem as devidas externalidades, caracterizando a
produção de unidades residenciais isoladas ao invés da construção de cidade. As moradias
edificadas para as famílias de baixa renda geralmente são reduzidas e construídas com
136
materiais de baixa qualidade, comprometendo o conforto espacial e térmico, principalmente
se considerarmos o rigor do clima de Palmas. Assim, tal evento contribui para a manutenção
dos interesses do capital privado e da utilização da moradia como instrumento de especulação
para os grupos políticos dominantes.
Isso faz com que os terrenos em Palmas Sul se tornem mais baratos em função da
presença de diferentes manifestações da renda fundiária. Primeiro, o Estado, utilizando-se do
seu monopólio, destina lotes e moradias naquela região para a população de baixa renda,
criando uma área de fácil controle social, em virtude da distância e da dificuldade de acesso à
Região Central. Com isso, os lotes se desvalorizam, o que é ocasionado pelas características
locacionais dos loteamentos periféricos, da forma como prevê a Renda Diferencial II.
ainda outro fator que, apesar de parecer paradoxal em relação à sua utilização
para loteamentos de baixa renda, foi também relevante para a desvalorização dos terrenos em
Palmas Sul (desvalorização esta que direciona os investimentos para a produção de
loteamentos de interesse social para tal espaço). Trata-se da presença de áreas com topografia
bastante acidentada, em função da exuberante irrigação natural (pela presença de córregos),
que impõe dificuldades de construção em relação a terrenos planos. O paradoxo está na
necessidade de redução do custo das casas populares, o que não ocorre nesse tipo de terreno
em função das necessidades estruturais impostas pelas condições naturais.
Esse aspecto caracteriza a Renda Diferencial I, decisiva para a verificação da
segregação por meio das rendas fundiárias em Palmas Sul. Essa forma de diferenciação do
valor da terra, no caso daquela cidade, considera que a Região Central é mais plana e
apresenta maiores facilidades de implantação das áreas funcionais previstas em seu projeto
urbanístico, portanto, contribui para a sua valorização.
137
Seremos redundantes ao ressaltar que os loteamentos em Palmas Sul foram
construídos para fins predominantemente residenciais (para baixa renda), pois isso contribui
para a confirmação da nossa hipótese, de que a moradia tem sido utilizada, desde o início da
construção da cidade, como meio de instrumentalização dos mecanismos de formação das
rendas fundiárias, por isso, causa segregação.
A expansão periférica, em detrimento dos vazios urbanos centrais, é definitiva
para a demarcação de um processo de ordenamento excludente em Palmas. A segregação
socioespacial naquela cidade, similarmente ao ocorrido no Distrito Federal, foi instituída pelo
próprio poder público, num processo legitimado através de legislações urbanísticas, de
políticas de ocupação e pelos investimentos em infra-estrutura, serviços urbanos e na indução
dos programas de habitação de interesse social para os locais mais distantes do principal
centro de empregos. Tem-se, dessa feita, uma segregação planejada (conforme colocado por
CAMPOS, op. cit.) que segrega por meio da proposta habitacional.
Outra característica importante do período compreendido entre 1990 e 2001 é a
precariedade institucional não apenas no setor municipal, mas também nas demais esferas do
poder, sendo a moradia utilizada como elemento para hierarquizar e homogeneizar os diversos
espaços na cidade, cuja principal conseqüência é a formação dos vazios urbanos centrais.
Posto isso, concluímos que os aspectos sociais são deixados de lado e passam a
compor um quadro secundário dentro da dinâmica que se instala na nova cidade. A resposta
vem por meio de sucessivas invasões tanto em glebas centrais como na periferia, que obrigam
o poder público a agir de maneira corretiva, ao invés de preventiva.
Entretanto essas ações de correção não se dissociam do aparato de controle social
exercido sobre as camadas de menor renda. Interpretamos que essa postura do Estado
revestia-se dos objetivos de promover a limpeza das áreas centrais, evitando que ficasse nítida
138
a dificuldade em tratar a questão social e habitacional. Além disso, percebe-se a intenção de
camuflar a relação desproporcional entre a geração de emprego e o incremento populacional,
tendo em vista que Palmas representou, e até certo ponto ainda representa (agora de maneira
mais branda), uma esperança para as pessoas que buscavam melhores oportunidades de
trabalho.
Acompanhando esse processo, o isolamento dos trabalhadores fora do Plano
Básico reitera em parte a política de implantação dos loteamentos populares da época do
BNH, não apenas em função do isolamento, mas também por tratar a moradia como um bem
imensurável, bastante eficaz no controle ideológico-eleitoral da população. Dessa forma, o
Governo Estadual apropria-se do paradigma de urbanização brasileiro, utilizando a terra e a
moradia como elemento de espoliação urbana.
Em 2001, a Região Sul de Palmas já estava consolidada e era composta por
núcleos precários e densamente habitados, enquanto a Região Central ainda demonstrava
fragilidade urbana, em virtude da baixa densidade demográfica e dos altos custos de
manutenção da infra-estrutura urbana. A partir daquela época, a intenção do governo em criar
a segregação é incorporada definitivamente pelo poder público municipal, tendo em vista a
realização de importantes programas como, por exemplo, o Construindo Juntos o Santa
Bárbara. Além da aprovação de loteamentos particulares na região, a Prefeitura incentiva o
adensamento ali por meio de sucessivos programas isolados de construção de moradias.
Essa etapa representa o início de uma nova fase na construção da cidade, quando
não apresenta as características de um grande e esparso canteiro de obras. Apesar de ainda
haver muitas construções em andamento, esse que seria o segundo momento da construção da
cidade, caracteriza-se pela sua consolidação enquanto “espaço de vida urbana”. A segregação
evidencia-se ainda mais com as esparsas construções na área central e com a implantação de
139
infra-estrutura em áreas desabitadas, ao passo que a Região Sul apresenta-se carente de boa
parte dos equipamentos urbanos.
Os programas habitacionais continuam desarticulados da política de
desenvolvimento urbano, mas intimamente vinculados aos interesses eleitoreiros do poder
público e à especulação neoliberal que endossa o sentido de valorização das glebas centrais.
Dessa forma, a terra central equipada torna-se cada vez mais inacessível ao público de baixa
renda.
É nesse sentido que o assistencialismo do poder público é envolvido por um
aspecto de sentimento social, de forma que ele próprio utiliza-se de estratégias midiáticas para
valorizar e divulgar a importância da sua contribuição para a melhoria da qualidade de vida
dos segmentos de menor renda. Essa é uma das principais características comuns a todas as
fases dos Governos Estadual e Municipal em Palmas.
A questão da reparação da segregação nunca foi tratada de fato nas iniciativas do
setor público, seja por ações práticas, seja por aplicação de legislações específicas. Ela
representa um poderoso mote político constantemente utilizado nas campanhas eleitorais,
quando a precariedade das Regiões Sul e Noroeste (ARNO’s) de Palmas é evidenciada. Os
programas habitacionais não avançam com propostas de utilização dos vazios urbanos ou
mesmo dos lotes centrais desocupados, o que ocorre em grande parte pela inaplicação de
instrumentos eficazes no combate à retenção especulativa da terra urbana (e urbanizada).
Esta, por sua vez, é fruto da própria ação do Estado, que, ao repassar lotes como
pagamento de operações de urbanização da cidade, permitiu a criação de um banco de lotes
cuja função é a de instrumentalizar os mecanismos de formação das rendas fundiárias. Nesse
sentido, o poder público confirma uma atuação em função do capital privado e cria barreiras
ao acesso universal à cidade.
140
A intenção do poder público em continuar com o processo de segregação
efetivado principalmente em Palmas Sul é percebida na forma como são colocadas as
propostas para desenvolvimento da cidade no Caderno de Revisão do Plano Diretor de Palmas
(2004). O documento já previa que aquela área se destinasse principalmente para habitação de
interesse social, consolidando a intenção de homogeneizar socialmente a região, dispensando
as áreas centrais para as classes de maior poder aquisitivo. A LC 155/2007, ao propor a Área
de Urbanização Preferencial I, contígua aos bairros de Palmas Sul e mais distantes da Região
Central, volta a confirmar a atuação do poder público a serviço do capital especulativo, no
sentido de valorizar e elitizar as quadras centrais.
Esse processo repercute na formação de uma cidade hierarquizada, com partes
homogêneas, distintas socialmente entre si. A base de sua conformação está na produção
capitalista do espaço, cuja essência encontra-se na separação econômica dos segmentos
sociais e na utilização da terra como elemento indutor na formação do capital.
É possível identificar, portanto, em Palmas, os três tipos de segregação colocados
por Lojkine (ver capítulo 1). O fator locacional determina a valorização dos terrenos centrais,
na medida em que os lotes da periferia são desvalorizados e, por isso mesmo, destinados à
população de baixa renda. Sua confirmação em Palmas se deu por meio da ação do poder
público, cuja intenção foi destinar as glebas centrais para a ação do capital privado, criando
uma área de concentração de habitação popular na Região Sul. Como conseqüência, o
segundo tipo de segregação definido por Lojkine), as zonas destinadas aos estratos de maior
renda distanciam-se dos núcleos de habitação popular, configurando áreas social e
morfologicamente diferentes na cidade.
Finalmente, o zoneamento urbano cria áreas especializadas dentro do tecido
urbano, permitindo a valorização em função do uso. Os dois exemplos principais em Palmas
desse tipo de segregação são as Avenidas JK e Theotônio Segurado, cujo tipo de ocupação
141
(predominantemente comercial, institucional ou corporativo) estabelece um ambiente propício
à reprodução do capital privado. Com isso, cria-se também um zoneamento do valor dos lotes
e imóveis em geral, instituindo áreas homogêneas funcionalmente, que podem ser inacessíveis
a determinados segmentos, nos casos onde a valorização é mais expressiva.
Vejamos de que outras maneiras é possível identificar a segregação em Palmas.
4.2 Palmas segregada pelas barreiras horizontais: outra forma de confirmação da segregação
Quanto à questão espacial, a distância entre os núcleos periféricos e a Região
Central de Palmas ilustra o sentido de afastamento das camadas sociais proposto pelo poder
público ao planejar a periferia. A conseqüência desse fato é a criação de duas cidades
paralelas, com funcionamentos baseados em relações indivíduo-espaço bastante distintas entre
si.
Contribui para essa dicotomia, a presença marcante dos vazios urbanos que
funcionam como territórios de especulação na malha urbana, destinados à apropriação pelas
camadas de maior renda. Por estarem próximos das quadras infra-estruturadas, seu
adensamento reduziria o ônus do poder público com implantação dos equipamentos e serviços
públicos, facilitaria o sistema de transporte e reduziria a distância a ser percorrida pelos
trabalhadores, até o seu local de trabalho.
Os vazios urbanos demonstram a influência exercida pelo monopólio para a
concepção do espaço capitalista, à medida que define zonas de homogeneidade, conforme os
interesses do capital, seja ele privado ou de Estado. No caso de Palmas, eles pulverizam as
zonas residenciais centrais, setorizando a moradia de baixa renda na Região Sul.
142
A própria morfologia urbana dos bairros de Palmas Sul exceção de Taquari)
remete a um urbanismo mais tradicional, o que facilita o uso misto nos lotes e cria
possibilidades de aproximação da relação entre moradia e trabalho. Enquanto isso, o
autoritarismo formal do Plano Básico induz ao isolamento social e dificulta o convívio entre
as pessoas, caracterizando as quadras residenciais como elementos auto-segregados no tecido
urbano.
Não obstante, a distância que separa as duas áreas da cidade reafirma a exclusão
das camadas sociais de baixa renda do Plano Básico. Todavia é válido considerar que essa
segregação meramente física pode ser minimizada, por exemplo, por meio de um sistema de
transporte de massa eficaz, rápido e com custo acessível, que utilize as vias de acesso rápido
(Avenida Theotônio Segurado e Rodovia TO 050) como eixos viários principais (Figura 5.1).
Com isso, é possível permitir a integração entre as duas áreas da cidade e facilitar
o acesso às quadras centrais, onde há maior oferta de empregos e renda. Acreditamos que, em
função da atual conjuntura econômica da cidade, com uma retração dos índices de
crescimento e a estabilização da oferta de postos de trabalho, um novo fluxo migratório mais
intenso deverá demorar alguns anos para acontecer, senão décadas. Mesmo assim, caso
ocorra, poderá haver um adensamento superior ao previsto nas estimativas oficiais, suscitando
a ampliação do perímetro urbano.
Nesse caso, é possível que seja prevista a utilização de alternativas para a questão
do transporte público, além dos ônibus simples, ainda utópicas para a realidade atual, e
desnecessárias frente à demanda. Citamos por exemplo a implantação de sistemas de ônibus
articulados como alternativa em caso de distâncias menores com grande tráfego de pessoas,
trens ou metrôs de superfície, com estações em pontos estratégicos, que permitam a
integração e o acesso rápidos entre as diversas partes da cidade, no caso de maiores percursos.
143
Figura 4.1 Áreas de oferta de emprego e serviços em relação à Avenida Teotônio Segurado e Rodovia TO-050.
Fonte: Google Earth (2008). Imagem adaptada pelo autor.
O atual sistema de transportes da capital, modificado em meados de 2007, utiliza a
Avenida Theotônio Segurado como eixo de integração de passageiros. Mas a frota apresenta-
144
se insuficiente, e o próprio planejamento de circulação dos ônibus ainda não é eficaz para
reduzir a segregação nos moldes ora discutidos.
Além disso, já tem início a implantação de um sistema de ciclovias na cidade, que
começa a produzir sistemas alternativos de transporte. De acordo com a Lei do Plano Diretor
(LC 155/2007), o sistema deve ser concluído em um prazo máximo de dois anos, integrando
as diversas regiões da capital, além de estar vinculado à política ambiental e de manejo de
espécies vegetais, possibilitando passeios sombreados, em função da hostilidade do clima
local.
A relação entre os núcleos habitados em Palmas pode ser facilitada por meio do
transporte. Mas é necessário que o perfil dos programas habitacionais e regularização
fundiária não repita doravante o mesmo sentido de espalhamento do tecido urbano, como
aconteceu e ainda acontece na cidade, o que onera os custos de implantação dos equipamentos
e infra-estrutura e do próprio sistema de transporte. O mapa apresentado como anexo à LC
155/2007 apresenta uma ampliação do perímetro da Região Sul de Palmas (ver Figura
3.14), criando a possibilidade de abertura de cleos que, mesmo integrados espacialmente
aos bairros de Palmas Sul, afastam-se cada vez mais da Região Central, aumentando a
representatividade dessa região em relação ao Plano Básico.
Assim, concluímos que a segregação em Palmas, além de comprovada, foi
intencional e utilizou a moradia como elemento de sua instrumentalização no espaço urbano
produzido, diferenciando as áreas residenciais a partir da renda dos cidadãos. Isso ocorre por
meio de uma proposta que consolida o sentido de exclusão social do processo de urbanização
brasileiro, transformando a terra em lucro para o Estado e para a iniciativa privada e incluindo
a moradia nas estratégias eleitoreiras, bem como em benefício ao capital privado. Dessa
forma, respondemos às questões colocadas na introdução desta dissertação.
145
Temos ainda que, mesmo diante das dificuldades em tratar os problemas
conseqüentes desse tipo de ocupação, o poder público não avança efetivamente no sentido de
bloquear as possibilidades de incremento dessa periferia, até que o Plano Básico esteja
densamente habitado. Enquanto isso o valor dos terrenos continua a aumentar nas quadras
centrais, agora em função da ampliação da oferta de serviços e equipamentos urbanos,
produzindo espaços de atuação contínua dos mecanismos de especulação imobiliária.
Considerando-se os aspectos mencionados até aqui, avançamos nas propostas de
uma Política de Habitação aplicável a Palmas. Ressaltamos que não temos a pretensão de
resolver a segregação por meio das diretrizes propostas em seguida, mas sim de lançar uma
resposta à análise realizada na dissertação, que sejam capazes ao menos de minimizar a
atuação dos expedientes da segregação em Palmas.
4.3 Recomendações para uma Política Municipal de Habitação para Palmas
A Lei Complementar 155/2007, que dispõe sobre a política urbana de Palmas
(Plano Diretor), estabelece, em seu artigo 5º, que constituem os princípios básicos do Plano
Diretor, a função social da cidade e da propriedade, a inclusão social, a humanização da
cidade, a proteção ao meio ambiente, a sustentabilidade e a equidade social, econômica e
ambiental, e a democratização do planejamento e da gestão territorial.
A mesma lei define que a função social da propriedade é cumprida quando se
asseguram ao cidadão o aproveitamento justo e racional do solo urbano, a utilização adequada
dos recursos naturais disponíveis e a preservação e recuperação do meio ambiente, além do
aproveitamento e uso compatíveis com a saúde e segurança dos usuários vizinhos (artigo 7º).
146
Em seu artigo 12, § 2º, ela reconhece a existência de um processo de segregação socioespacial
em Palmas, que precisa ser revertido por meio da democratização do acesso a terra, à moradia
e aos serviços públicos de qualidade.
Considerando-se tais aspectos, as diretrizes propostas para uma Política
Habitacional em Palmas refletem alguns aspectos relevantes para que o produto moradia
possa vincular-se às demais políticas setoriais urbanas, produzindo cidade acessível e não
apenas casas populares isoladas. É necessário que a habitação seja compreendida como
conceituamos nesta dissertação, como um bem complexo composto pela unidade residencial
equipada e infra-estruturada, com oferta coerente de todos os serviços e equipamentos
necessários à qualidade de vida urbana.
Para que isso seja possível, contudo, é preciso que haja um processo contínuo de
planejamento e monitoramento do desenvolvimento dos aspectos físicos, sociais, ambientais e
institucionais da cidade, considerando-a como um organismo mutável, em constante
transformação.
De fato, percebemos com essa análise que o processo histórico de segregação e
exclusão sócio-territorial da urbanização brasileira permanece e se renova com exemplos
como o de Palmas. Mesmo com a criação de instrumentos jurídicos e urbanísticos pelo
Estatuto da Cidade, propondo importantes mecanismos de combate à especulação e à
segregação, não houve um avanço referente a tal questão em Palmas. Talvez isso ocorra em
função da dificuldade de implantação de tais instrumentos, seja pela sua abrangência, seja
pela perpetuação de uma cultura clientelista dos processos evolutivos da política brasileira,
que interfere nas três esferas do poder.
A proposição feita a seguir considera as colocações constantes do Termo de
Referência elaborado pela SEDUH para a elaboração da Política Municipal de Habitação
147
(PMH), além de aspectos pautados nas nossas pesquisas sobre o tema, com ênfase à gestão
participativa, constante no Estatuto da Cidade. Levou-se em conta, ainda, o diagnóstico
habitacional do município, elaborado juntamente com outros colegas, em curso de
especialização que gerou as diretrizes gerais para elaboração do Plano Diretor de Palmas.
Nossas propostas dividem-se em quatro áreas, de acordo com a característica de
cada ação, por grupos de instrumentos: os de ordem social, econômica, jurídica e urbanística.
São eles:
A. Instrumentos de Ordem Social:
A composição de uma PMH eficaz deve-se pautar na realidade social do
município. Esta é passível de diagnóstico quando um diálogo entre o poder público e a
comunidade, considerando-se todas as faixas de renda. Esse processo envolve a participação
popular, cuja eficiência se dá quando ocorre de maneira articulada e institucionalizada,
baseada em parâmetros acessíveis aos diversos segmentos sociais. Vejamos.
A1. Institucionalização da participação popular, criando mecanismos de acesso à
comunidade e desta em relação ao poder público, o que pode ocorrer por meio de reuniões
setoriais nas diversas regiões da cidade, em intervalo de tempo regular, com pautas definidas
e organizadas através de representantes locais, utilizando linguagem clara, objetiva e acessível
ao público-alvo. As reuniões devem objetivar o conhecimento das principais demandas da
comunidade para a complementação de leituras técnicas, bem como acompanhamento das
ações relativas ao planejamento e práticas desenvolvidas por parte da comunidade e do poder
público.
A2. Articulação do Conselho Municipal de Habitação (CMH), objetiva discutir e
sugerir ações por parte do poder público, com representação de todos os segmentos da
sociedade, incluindo a iniciativa privada e os movimentos populares. O Conselho deve ter
148
ações pautadas na discussão e elaboração de diretrizes para a questão da habitação do
município, considerando-se as prioridades estabelecidas pelo Plano Diretor e, quando
necessário, propondo discussão aberta à comunidade em relação a elas. O Conselho ainda
deve atuar na fiscalização das ações do poder blico, verificando se estão sendo respeitadas
as orientações do Plano Diretor ou atendidos os objetivos dos programas habitacionais.
A3. Criação de um Cadastro Técnico Multifinalitário Único, vinculado ao banco
de dados do Estado em relação a Palmas, organizado de maneira a permitir o manejo e
atualização constante das informações, evitando que o mesmo indivíduo seja beneficiado com
mais de um programa habitacional. O Cadastro, desde que corretamente elaborado e
manipulado, poderá atuar como importante referência à situação social da cidade, com
informações jurídicas e de renda no nível dos lotes, facilitando o planejamento de ações de
regularização, bem como de prevenção a ocupações irregulares, por meio do sistema de
monitoramento das informações.
A4. Fomento à criação de Cooperativas de Trabalho e Moradia e incentivo à
autogestão habitacional por meio de programas de capacitação e acompanhamento social,
para que a comunidade aproveite as potencialidades humanas existentes no grupo como forma
de desenvolvimento social. A capacitação pode ser destinada especificamente aos
beneficiários de cada programa habitacional, incentivando ações como a formação de
profissionais que atuam ou pretendem atuar na construção civil, além de atendimento a
quaisquer segmentos, como cursos básicos de informática, produção de alimentos, educação
ambiental ou outros que sejam viáveis para o perfil da comunidade.
149
B. Instrumentos de Ordem Econômica:
Esses instrumentos permitem o planejamento econômico das ões previstas,
indicando recursos e fontes, disponíveis para cada programa; devem estar em consonância
com os demais instrumentos de ciclo de gestão de orçamento do Município, a exemplo da Lei
Orçamentária Anual (LOA), Plano Plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO).
A nossa proposta contempla as seguintes diretrizes:
B1. Diversificação das formas de financiamento, atendendo a todas as faixas de
renda, considerando-se a capacidade de endividamento de cada família, com previsão de
subsídios inversamente proporcionais à renda familiar percebida, bem como a redução das
parcelas a serem pagas, por meio de incentivos à adimplência. Os financiamentos devem
considerar a situação do lote ou loteamento em relação à legalidade e à possibilidade de oferta
imediata da completa infra-estrutura, como requisitos de permissão ou recusa ao crédito, seja
em financiamentos particulares diretos ao mutuário, seja em programas propostos pelo poder
público.
B2. Criação do Fundo Municipal de Habitação (FMH) e do seu Conselho Gestor
(CGFMH), com vistas à destinação de impostos existentes, para execução de moradias e obras
de infra-estrutura urbana, o que deve ser complementado pelo orçamento público municipal,
estadual e federal, por meio dos programas de urbanização previstos em cada esfera. O Fundo
deve atender a todas as faixas de renda e priorizar os assentamentos ocupados regulares ou em
fase de regularização que apresentem características de precariedade, bem como os novos
loteamentos aprovados, especialmente para Habitação de Interesse Social.
B3. Fomento à atuação das Cooperativas de Habitação como agentes financeiros
nos
órgãos financiadores de construção, inserindo a mão-de-obra local e facilitando o acesso
150
às linhas de crédito, através de segmentos sociais organizados. Nesse sentido, o poder público
deve atuar como facilitador, disponibilizando assessoria técnica gratuita ou a custos
simbólicos, podendo utilizar-se do seu quadro técnico ou profissionais conveniados, por meio
de contratos específicos ou ainda propondo parcerias com entidades de ensino e pesquisa de
nível superior, bem como com representantes da iniciativa privada.
B4. Desburocratização do sistema de financiamento, agilizando os processos de
consulta às condições sociais e empregando os dados do Cadastro Multifinalitário para
verificar a coerência das demandas, as quais devem ser conferidas no local. Utilizar projetos
pré-aprovados que se enquadrem na realidade dos beneficiários, diminuindo o tempo de
tramitação dos processos no órgão financiador. Nesse sentido, prever a atuação da iniciativa
privada nos de construção, repassar para os envolvidos, nessa atividade, as informações
necessárias para a execução (não necessitando de projetos complementares posteriores) e
resguardar para si a responsabilidade do acompanhamento social das famílias.
C. Instrumentos de Ordem Jurídica:
Esses instrumentos dizem respeito à implantação de mecanismos previstos em leis
federais, estaduais ou municipais, os quais devem ser corretamente aplicados e fiscalizados
pelo poder público e sociedade. O Plano Diretor é a lei suprema do Município e coloca todas
as diretrizes de desenvolvimento da cidade, com identificação das prioridades relativas à
destinação de recursos e áreas urbanas para cada atividade.
Os instrumentos que colocamos neste item são os seguintes:
C1. Aplicação dos instrumentos do Estatuto da Cidade, priorizando sua atuação
sobre os imóveis que não cumprem a função social, como também as glebas centrais.
Referimo-nos aos instrumentos que tratam do combate à especulação imobiliária prevendo a
151
taxação dos lotes subutilizados ou desocupados em área microparcelada, a partir do IPTU
Progressivo no Tempo e do Parcelamento, Utilização ou Edificação Compulsórios; Operações
Urbanas Consorciadas, com beneficiamento prioritário dos assentamentos precários em
situação regular, ou naqueles onde, apesar de haver situação de irregularidade, a
possibilidade de regularização ou recuperação, ou ainda urbanização de núcleos centrais,
principalmente nas áreas de uso público; Direito de Preempção que, associado à definição de
Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), pode contribuir para a negociação de glebas
desabitadas e acesso fácil à infra-estrutura, com finalidade de destinação para habitação
popular, equipamentos comunitários, parques ou outros elementos de composição urbana que
contribuam para a melhoria da qualidade de vida e acessibilidade à cidade.
C2. Revisão da Legislação Urbanística local, com ênfase aos aspectos gerais dos
Códigos de Obras, de Posturas e da Lei de Uso do Solo, visando ao maior adensamento na
Região Central de Palmas. Uma maneira que propomos é que sejam destinadas porcentagens
(a serem discutidas com a sociedade) para ZEIS em cada nova gleba a ser urbanizada,
prevendo maneiras legais de incentivar a permanência das famílias no local e evitar a ação
especulativa do mercado imobiliário.
C3. Incentivo ao adensamento em sentido inverso, i. é., a partir da Região Sul em
direção à Região Central, ao invés de criar novos loteamentos em Palmas Sul, mais afastados
e com maiores dificuldades de implantação de infra-estrutura e serviços urbanos. Com isso,
objetiva-se a integração dos núcleos urbanos existentes e, com a aplicação dos instrumentos
jurídicos, a integração da malha urbana e adensamento de Palmas Centro.
C4. Criação de um Banco de Lotes e incentivo à produção do Banco de Projetos,
que permitam à população de renda média acessar lotes e projetos a custos reduzidos ou sem
custo. Nesse sentido, criar taxas de aprovação de projetos proporcionais à renda da família e
ao valor da obra, com o intuito de incluir esse segmento nos financiamentos habitacionais. A
152
mesma iniciativa pode ser acompanhada pela regulamentação do Escritório Social,
discutido, mas nunca efetivado em Palmas. O objetivo do Escritório é permitir a assessoria
técnica e adequação de projetos (do Banco de Projetos) sem custo ou com custo reduzido,
desde que comprovada a necessidade do mutuário.
D. Instrumentos de Ordem Urbanística:
De maneira geral, esses instrumentos dizem respeito às alternativas de desenho
urbano e sua regulamentação, inserindo questões relativas à morfologia urbana, mobilidade e
meio ambiente, que devem ser regulamentados por políticas específicas, mas consideradas na
questão habitacional, por serem responsáveis pela complementação física da moradia.
Com isso, colocamos os seguintes pontos:
D1. Definição de mecanismos e diretrizes gerais para agilizar os processos de
regularização fundiária, a partir do adequado mapeamento e definição das áreas passíveis
desse processo.
D2. Integração dos Programas de produção de moradias com os programas de:
saneamento, utilização de sistemas de esgotamento sanitário adequados a cada tipo de
situação, visando à conservação ambiental e à mitigação dos impactos causados pela ação
antrópica; coleta de lixo e limpeza urbana, com atendimento a todas as regiões da cidade e
envolvidas em processos de educação ambiental e manutenção da higiene da cidade;
transporte e mobilidade, com a integração coerente dos diversos setores urbanos, buscando
agilizar o acesso rápido a qualquer parte da cidade; pavimentação, procurando utilizar
materiais diferentes do asfalto, que permitam maior permeabilidade do solo e que não
aumentem em demasia a temperatura do ambiente.
153
D3. Preservação dos mananciais na proposta de novos projetos de quadras e
loteamentos, especialmente quando da expansão da cidade para além das atuais áreas
previstas (Norte e Sul), e nos distritos de Taquaruçu e Buritirana, em função da proximidade
com a APA do Lajeado. Essa medida deve ser regulada pela Política de Meio Ambiente.
Ressaltamos que os instrumentos ora apresentados refletem a interpretação de
algumas possibilidades as quais podem contribuir para a redução da segregação e minimizar
os efeitos causados pelos vazios urbanos e pela especulação imobiliária em Palmas,
dificultando a atuação das rendas fundiárias sobre o agravamento de tal processo. Entretanto,
para que qualquer instrumento tenha efeito, é preciso que ele seja profundamente detalhado e
que a postura do governo seja definida em função dos interesses coletivos ao invés da
reprodução do capital especulativo.
Além desses instrumentos gerais, é possível identificar alternativas para a
melhoria das condições urbanísticas da cidade, a partir de propostas que avançam em relação
ao desenho e à morfologia urbana. Apesar de este não fazer parte dos objetivos da pesquisa,
nós avançamos em relação à proposta inicial e colocamos alguns aspectos que merecem
atenção e podem imprimir, se aplicados, mais qualidade à cidade.
4.4 Concluindo: propostas de elementos urbanísticos para Palmas
As propostas apresentadas neste item da dissertação são conseqüências da crítica
feita ao desenho proposto para Palmas. Além do que foi colocado, entendemos que a
maneira como a cidade foi tratada em temos urbanísticos, especialmente concernente
ao
microparcelamento das quadras centrais, transforma a malha urbana num grande reticulado de
154
formas diferentes que produzem uma descontinuidade entre as áreas residenciais a qual
contribui para a desorientação de quem circula em seu interior.
O desenho proposto para Palmas não incorpora elementos novos do ponto de vista
urbanístico, nem reflete de maneira eficaz sobre a questão do trânsito ou do uso da cidade
pelo pedestre ou ainda por meio de formas de circulação alternativa. Ao contrário, propõe
uma malha urbana rígida que privilegia o automóvel. O pedestre é pouco considerado, tendo
em vista as distâncias a percorrer de um ponto a outro, mesmo no interior das quadras.
Os reflexos da precariedade do projeto urbanístico de Palmas são reforçados pelo
processo de planejamento controvertido pela prática clientelista de ocupação territorial. Nesse
sentido, amplia-se a crítica ao “novo monumento” chamado Palmas. Se por um lado o
desenho da cidade não incorpora novas tendências urbanísticas, por outro o processo de
gestão do seu território reproduz as aviltantes promoções públicas da segregação e definição
de mecanismos excludentes de formação de renda fundiária urbana.
Nesse sentido, nossa primeira avaliação é que a legibilidade do espaço, no caso de
Palmas, fica prejudicada pela diversidade de formas utilizadas, cuja interpretação, no nível do
solo, torna-se bastante difícil. Com isso, a regularidade da malha urbana é quebrada, criando-
se uma sucessão de quadras distintas e isoladas entre si, semelhantes a condomínios fechados
que não se relacionam efetivamente com os elementos circundantes, a exemplo das avenidas
perimetrais.
Acreditamos que esse aspecto pode ser revertido caso a legislação urbanística
envolva o questionamento desse modelo de urbanismo e incentive a construção de espaços
mais abertos, suscitando uma malha urbana mais integrada, com o uso de elementos que
busquem mitigar o aspecto de isolamento das áreas residenciais.
155
A. O microparcelamento das futuras quadras deve considerar o seu entorno
imediato, instituindo quadras mais permeáveis e com fluxo interno de fácil leitura pelos
usuários (Figura 5.2);
Figura 5.2 Proposta de quadra residencial para Palmas.
Fonte: autor.
B. Deve haver um esforço em revisar a proposta conceitual das quadras
residenciais (trabalhadas como condomínios fechados), para que seja incluído um plano de
massas, buscando maior conforto térmico, por meio do uso da vegetação arbórea, resultando
na inserção de bosques naturais ao redor das quadras. Essa vegetação, além de adaptada às
condições climáticas locais, pode proporcionar sombreamento dos passeios e aumento da
umidade do ar, bastante importantes para a minimização das altas temperaturas e baixa
umidade que caracterizam o clima local (Figura 4.3);
156
Figura 4.3 Perfil – Revisão da proposta de quadra residencial.
Fonte: autor.
C. Incentivar o uso de pilotis (com adequado estudo de ventilação) e a retirada dos
muros nos contornos dos lotes, que podem ser substituídos por cercas vivas com altura mais
baixa ou grades que permitam maior integração entre o espaço interno ao lote e a rua,
reduzindo assim o aspecto de segregação que esses elementos impõem (Figuras 4.4 e 4.5). Na
proposta dos pilotis, criar elementos de redução da velocidade do vento, importantes
principalmente entre os meses de maio e julho, quando os ventos são mais fortes em Palmas;
Figura 4.4 Uso de pilotis e lotes sem muros com vegetação.
Fonte: autor.
157
Figura 4.5 Retirada dos muros nos lotes.
Fonte: autor.
D. Utilizar um modelo de paisagismo sustentável nas praças, canteiros e
rotatórias, com a implantação de vegetação nativa e desenhos naturais, que não suscitem altos
custos com manutenção. Esse tipo de paisagismo pode ser utilizado em todas as regiões da
cidade, incluindo Palmas Sul e as quadras Noroeste, diminuindo as diferenças urbanísticas
que distinguem essas áreas das zonas elitizadas.
O aprofundamento teórico e a aplicação dessas (e de outras) diretrizes urbanísticas
é importante para que seja conferida à cidade de Palmas uma linguagem menos técnica e
arcaica, tirando partido das potencialidades naturais do sítio onde está implantada, além de
contribuir para a composição de um cenário urbano mais legítimo do ponto de vista ambiental
e social. Esse aprofundamento, entretanto, extrapola a abrangência desta pesquisa e sugere um
outro estudo, com foco na discussão dos diversos elementos de composição urbanística
158
utilizados em Palmas, buscando testar a sua incoerência e verificando se as nossas propostas
são viáveis tais como colocadas nesta dissertação.
Nossa abordagem ressalta que as ilhas de segregação verificadas em Palmas (no
nível da cidade, da quadra e do lote) possuem diversas variáveis que permitem diferentes
análises. Nesse sentido, a abrangência dessa segregação reforça a idéia de que a inscrição
indígena presente no Brasão do Estado “Co yvy ore retama” (Esta terra é nossa) é demagógico
e não apresenta rebatimentos práticos.
A terra, utilizando o significado semântico do termo, tem sido constantemente
destinada às elites, enquanto aos operários são reservadas as áreas onde não interesse de
uso por parte dessas elites. Trabalhemos no sentido de encontrar soluções para a reversão da
segregação em Palmas, para a inclusão de parâmetros sociais e ambientais na produção do seu
espaço; busquemos a construção de uma cidade que realmente possa ser de todos; tentemos a
efetivação do co yvy ore retama.
159
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