Download PDF
ads:
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Tutela & Desenvolvimento/Tutelando o desenvolvimento: questões quanto à
administração do trabalho indígena pela Fundação Nacional do Índio
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Tutela & Desenvolvimento/Tutelando o desenvolvimento: questões quanto à
administração do trabalho indígena pela Fundação Nacional do Índio
José Gabriel Silveira Corrêa
Orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos de Souza Lima
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Antropologia
Social, Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Antropologia
Social.
Aprovada por:
_____________________________________
Presidente, Prof. Dr. Antonio Carlos de Souza Lima
_________________________________
Prof. Dr. João Pacheco de Oliveira
_______________________________
Prof ª Dr ª Adriana de Resende Barreto Vianna
_________________________________
Prof ª Dr ª Eliane Cantarino O’Dwyer
_________________________________
Prof. Dr. Christian Teófilo da Silva
_________________________________
Profª. Drª. Giralda Seyferth
Suplente
_________________________________
Prof ª Dr ª Elisa Guaraná de Castro
Suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2008
ads:
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em
Antropologia Social, Museu Nacional, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor
em Antropologia Social.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos de Souza Lima
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2008
Corrêa, José Gabriel Silveira
TUTELA & DESENVOLVIMENTO/TUTELANDO O
DESENVOLVIMENTO: Questões quanto à administração do trabalho
indígena pela Fundação Nacional do Índio/ José Gabriel Silveira Corrêa.
Rio de Janeiro: UFRJ/MN/PPGAS, 2008.
Tese de Doutorado Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1. Referências Bibliográficas: f. 238 – 275.
1. Política Indigenista. 2. Desenvolvimento. 3. Tutela. 4. Administração
Pública. 5. FUNAI. I. Lima, Antonio Carlos de Souza. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Programa de Pós-graduação
em Antropologia Social. III. Tutela & Desenvolvimento/Tutelando o
Desenvolvimento: Questões quanto à administração do trabalho indígena
pela Fundação Nacional do Índio.
Para mim
Para Fê
Para Clara
Para Antonio
RESUMO
Nas décadas de 70 e 80 do século passado, fruto de uma ampla política expansionista e
colonizadora do Estado brasileiro sobre àreas vistas como não ocupadas, foram criadas
e postas em prática várias ações de intervenção estatal, pensadas como propiciadoras de
desenvolvimento/melhoria das condições de populações indígenas. Sob a coordenação
da FUNAI estas ações – nomeadas como projetos programas e/ou planos – foram
formuladas e collocadas em prática em diferentes contextos, períodos e com diferentes
grupos. Este trabalho pretende recuperar historicamente este período de atuação estatal,
buscando analisar estas intervenções sob a dupla ótica de ações de cunho
desenvolvimentista e de ação indigenista posta em prática pelo Estado brasileiro.
Através de um exercício temporal e comparativo, pretende-se explorar as nuances,
recorrências ediferenças das varias propostas de “atuação para o desenvolvimento” da
FUNAI, permitindo um aprofundamento de debates e questões sobre o tema.
ABSTRACT
Through the decades of 1970 and 1980, derived from a broad expansionist and setting
policies of the brazilian state over areas seen as non occupied, several state
interventionist actions were created and implemented, thought as favorable for the
development/improvement of indian populations living conditions. Under the
coordination of FUNAI these actions named as projects and/or plans were
formulated and executed in several and different contexts, periods and with varied
groups. The objective of this work is to refresh historically this period of state action,
aiming to analyze these interventions under the double vision of development and
indigenist actions, enforced by the brazilian state. Through a temporal and comparative
exercise, the intention is to explore the subtleties, recurrences and distinctions of the
several proposals of FUNAI’s actions for development”, thus allowing deeper debates
and questions regarding the subject.
i
SUMÁRIO DA TESE
ÍNDICE I
LISTA E SIGLAS E ABREVIATURAS IV
AGRADECIMENTOS V
APRESENTAÇÃO 01
Capítulo 1 – O TRABALHO INDÍGENA 17
Introdução 18
O estabelecimento das relações 27
O trabalho indígena 30
Controle das almas 39
Conclusão 43
Capítulo 2 – ENTENDENDO A FUNAI 47
Introdução 48
O indigenismo como pedra de toque 51
A história da FUNAI, novas entradas 57
O fim do SPI e o surgimento da FUNAI 62
Conclusão 92
ii
Capítulo 3 – OS PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO 94
Introdução 95
Propostas de projetos de desenvolvimento para indígena 96
Atuação genérica, o léxico apresentado sem ser explicado 105
Os projetos 109
Mecanismos de construção e reprodução dos projetos 119
Ampliação da administração para o desenvolvimento 124
Refletindo as implementações 128
Categorias auto-explicativas 131
Tutela e renda indígena 135
Conclusão 143
Capítulo 4 – DESENVOLVIMENTO 146
Introdução 147
O desenvolvimento antes do Desenvolvimento 153
Desenvolvimento e Antropologia 159
Desenvolvimento, categorias desdobradas e os projetos na FUNAI 165
Intercâmbios com o Desenvolvimento 171
Conclusão 173
Capítulo 5 – RESULTADOS NA PRÁTICA OU PRÁTICA DE RESULTADOS 175
Introdução 176
As primeiras experiências 190
Os Projetos pilotos e os projetos de sempre 200
Colocando em funcionamento 213
iii
A antropologia, antropólogos e formação de indigenistas 216
Disseminação 218
Problemas 224
Os resultados 228
Conclusão 231
CONCLUSÕES 235
BIBLIOGRAFIA 238
iv
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ADR – Administração Regional da FUNAI
AER – Administração Executiva Regional da FUNAI
AESP – Assessoria de Estudos e Pesquisas/FUNAI
AGESP – Assessoria Geral de Estudos e Pesquisas/FUNAI
AI – Área Indígena
CI – Comunicação Interna/FUNAI
CGDOC – Coordenadoria Geral de Documentação/FUNAI
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CNPI – Conselho Nacional de Proteção aos Índios
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
DAF – Diretoria de Assuntos Fundiários/FUNAI
DAS – Diretoria de Assistência/FUNAI
DEDOC – Departamento de Documentação/FUNAI
DGEP – Departamento Geral de Estudos e Pesquisas/FUNAI
DGO – Departamento Geral de Operações/FUNAI
DGPC – Departamento Geral de Planejamento Comunitário/FUNAI
DGPI – Departamento Geral do Patrimônio Indígena/FUNAI
DR – Delegacia Regional da FUNAI
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
IR – Inspetoria Regional do SPI
LACED – Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento
(Museu Nacional/UFRJ)
MEMO – Memorando
MI – Museu do Índio
OF – Ofício
OS – Ordem de Serviço
PI – Posto Indígena
PIN – Plano de Integração Nacional
PORT – Portaria
PP – Portaria da Presidência
SA – Serviço Administrativo
SPI – Serviço de Proteção aos Índios
SUER – Superintendência Executiva Regional da FUNAI
TI – Terra Indígena
v
AGRADECIMENTOS
Esta tese é fruto de minha perseverança e de outros, assim agradeço a todos
aqueles que me ajudaram e me inspiraram neste período.
Primeiramente agradeço a CAPES pela possibilidade de contar com a bolsa
de doutorado e ao PPGAS/MN/UFRJ por me franquear um auxílio de pesquisa que
me levou até Brasília e a pesquisa de doutorado. A pesquisa e a realização desta tese
também se beneficiou, em períodos distintos a partir de 2004, de recursos oriundos
dos seguintes projetos: 1) Políticas para a "Diversidade" e os Novos "Sujeitos de
Direitos": estudos antropológicos das práticas, gêneros textuais e organizações de
governo, coordenado por Antonio Carlos de Souza Lima (MN/UFRJ), Adriana de
Resende Barreto Vianna (MN/UFRJ) e Eliane Cantarino O´Dwyer (UFF), por meio
do Convênio FINEP 01.06.0740.00 REF: 2173/06 Processo FUJB 12.867-
8, nos quadros do Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e
Desenvolvimento (LACED)/Setor de Etnologia – Dept. De Antropologia/Museu
Nacional-UFRJ; 2) As políticas públicas e os direitos culturalmente diferenciados
no Brasil pós-Constituição de 1988: uma antropologia das transformações sócio-
culturais da administração pública no Brasil, sob a condução de Antonio Carlos de
Souza Lima, parte do projeto Transformações sociais e culturais no Brasil
contemporâneo do PPGAS financiado pela FINEP, por meio do Convênio Contrato
vi
01.05.0304.01 REF: 3964/04; 3)Trilhas de conhecimentos: o ensino superior de
indígenas no Brasil, financiado pela Pathways to Higher Education
Initiative/Fundação Ford, por meio da doação 1040-0422, concedida ao Laboratório
de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (LACED)/Museu Nacional
Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a coordenação de Antonio Carlos de
Souza Lima.
Ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) do Museu
Nacional/UFRJ pelo suporte no doutorado, em especial à coordenadora Adriana de
Resende Barreto Vianna e ao sub-coordenador de ensino Luiz Fernando Dias
Duarte. Agradeço também a atenção e estímulo intelectual recebido nos cursos de
doutorado realizados no PPGAS com os Professores Beatriz Herédia, Federico
Neiburg, João Pacheco de Oliveira e Moacir Palmeira.
Na secretaria do programa contei com o apoio e dedicação em diferentes
momentos do doutorado de Rosa, Marcelo e Rita, bem como a Tânia Ferreira, Beth
e Marina, assim reitero meus agradecimentos a eles. Também na biblioteca do
PPGAS, além do profissionalismo, sempre recebi cortesia e atenção de Isabel e
Carla, portanto, nada mais importante do que reconhecer isto. Na biblioteca do
Museu Nacional, pesquisei e convivi durante anos com Antonio Carlos, Laura e
Vera, que muito me ajudaram na realização da pesquisa. Também agradeço a
Carmem, Adílson e Fabiano que sempre me atenderam com presteza, bom humor e
dedicação no ofício custoso de reproduzir textos de interesse na fotocopiadora.
Agradeço desde já a banca pela gentileza na espera da tese.
Agradeço a Antonio Carlos de Souza Lima pelo apoio e disposição em me
orientar e auxiliar na produção da tese de doutorado, se aproveitei pouco isso se
vii
deve a dificuldades minhas. Espero poder desfrutar de seu olhar acurado,
generosidade e atenção.
Agradeço aos amigos Ana Flávia, Andrey, Cláudio, Edmundo, Elisa,
Federico, Francisco, Joca, Marcelo Iglesias, Maria Barroso-Hoffman, Negra, Maia
Sprandel e Mércia Rejane que sempre estiveram dispostos e a postos para me ajudar
neste tempo do doutorado.
A eles, e aos amigos em geral, estou voltando.
1
Introdução
Esta tese consiste fundamentalmente num esforço para tentar reler
indigenismo, desenvolvimento, tutela, administração pública e ação estatal por
uma perspectiva que tente recuperar os processos de formulação e construção de
saberes e práticas tutelares sobre populações indígenas. Desde o início da
pesquisa de doutorado motivada inicialmente pelo estranhamento ainda
causado tanto pelas atividades tutelares que imaginavam transformar indígenas
em trabalhadores, como também pelo estranho significado que estas justificativas
adquiriam quando colocadas em prática – tive como motivação entender e buscar
melhor entender populações indígenas e as relações tutelares que se
estabeleceram e ainda se estabelecem através da gestão destas populações pelo
Estado Brasileiro. O indigenismo, este saber aplicado que se desenvolve sobre os
auspícios do Estado brasileiro, visando administrar populações étnica e
politicamente diferenciadas e sua inclusão através da tutela é o ponto de partida e
horizonte mais geral das preocupações aqui. Assim, desde o começo a busca por
entender levou-me a pensar maneiras de melhor descrever e entender os
mecanismos de construção de saberes estatais, ou seja, da construção de algo que
poderíamos chamar administração pública de grupos tutelados (Lima, 1995 e
2002).
O indigenismo também pode ser lido como um conjunto de leituras e
concepções do que seja “ser” indígena bem como o que deva ele “continuar a
ser” ou no que deve se “transformar”, assim inspirado pelos trabalhos de crítica e
2
reconstrução da possibilidade de análise motivada pelos trabalhos de Antonio
Carlos de Souza Lima e João Pacheco de Oliveira, iniciei em 2002 a busca por
tentar compreender como se produziram durante um período relativamente longo
de mais de 15 anos uma série de intervenções pedagógicas/produtivas
denominadas projetos de desenvolvimento para populações indígenas.
Também sempre tive como preocupação, possivelmente inspirado nas
discussões a cerca da reflexão a cerca dos mecanismos de produção do saber
antropológico (Barth, 2002; Fabian, 2002; Lima, 1998; Pels & Salemink, 1999;
Marcus & Fischer, 1986; Oliveira, 2003; Wolf; 1988, entre muitos) em tentar
produzir uma análise que conseguisse dar conta de compreender melhor as
diferentes realidades em jogo quando se tenta entender a administração tutelar
estatal.
Assim nesta tese o grande esforço consiste em compreender a ação
tutelar, este mecanismo específico desenvolvido para moldar e transformar
diferentes grupos indígenas em trabalhadores, produtores, agricultores,
brasileiros. E como não pensamos este processo como conversão, transformação,
mas como um contínuo de construções e disputas, procuramos dar conta aqui
diversas das relações existentes entre populações indígenas, ações tutelares,
políticas estatais, projetos de desenvolvimento. Ou seja, tentar juntar em uma
análise, diferentes perspectivas nem sempre consideradas como concomitantes,
mas frequentemente separadas por recortes que longe de se mostrarem como
preocupações analíticas, acabam sim, sendo vistas como realidades distintas,
separadas, quase incomunicáveis. O desafio desta tese é tentar entender não só as
3
múltiplas influências, mas as conexões e oposições no que tange a atuação do
Estado, o desenvolvimento, a tutela, as populações indígenas, os diferentes
saberes evocados não consecução de ações estatais saberes de Estado
(economia, estatística) bem como uma certa percepção de antropologia e a
junção destes diferentes saberes, práticas e populações de maneira nem sempre
organizada e muitas vezes conflitiva entre os atores e autores envolvidos.
Trajetória de pesquisa
Para a construção desta tese é importante, e não para entendimento e
melhor compreensão do percurso, recuperar parte da trajetória de formulação
inicial de objetos de interesse investigativo até o produto final aqui escrito. Desde
meados do mestrado defini como campo de interesse de pesquisa a busca por
entender, analisar e melhor descrever de que maneira o Estado Brasileiro, através
de suas instituições dedicadas a administrar populações vistas como necessitadas
de tutela e a seguir tuteladas. Como parcela importante da procura deste
entendimento sempre esteve em conjunto à preocupação de compreender
métodos de produção e acumulação de dados sobre populações indígenas pelo
Estado brasileiro, em particular aquelas instituições criadas com o objetivo
específico de tutelar os índios, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e sua
sucessora, a Fundação Nacional do Índio.
Assim, antes de tudo, em conjunto com toda pesquisa de doutorado, e
conectado com os levantamentos iniciados no mestrado, tenho procura entender e
4
situar como se desenvolve – e se dentro disso existem lógicas passíveis de
entendimento e conhecimento por parte daqueles que procuram investigar a
construção de um dos diferentes “braços” do aparato estatal. Em consonância
com a investigação sobre projetos de desenvolvimento, procurarei nesta tese
refletir não sobre a produção de saberes de Estado a cerca de populações
indígenas percebidas como dependentes deste aparato governamental, mas
também estive preocupado em estender este olhar para como os documentos
arquivados foram produzidos, mas também informam e guiam a própria ação
indigenista estatal. Para isso é importante entender a própria trajetória de
pesquisa nos arquivos estatais como os da FUNAI.
Nos levantamentos e leituras sobre indigenismo, desenvolvimento, tutela e
projetos de desenvolvimento e FUNAI procedi de maneira pouco ortodoxa na
busca de informações. As leituras, apesar do formato que a tese tomou
buscando exemplificar e apresentar um rico e pouco investigado material sobre a
administração tutelar não se resumiram apenas à documentação, até por conta
de perceber que não projetos, nem mesmo a tutela, foram ou são pontos
pacíficos. Ao contrário, as apresentações sobre a ação da FUNAI tanto
produzidas por Organizações Não-Governamentais (ISA, 1996 e 2000; CIMI;
2000, SUESS, 2000), bem como pelas leituras consagradas sobre populações
indígenas (Cunha, 1992; Moreira Neto, 1977 e 2005; Ribeiro, 1982) têm – com a
ressalva de seu objetivo político muitas vezes é a desqualificação ou rotulação da
ação estatal reproduzido uma perspectiva mais simplificadora desta história,
onde os resultados confirmam e justificam os princípios percebidos, e que por
5
isso tendem a apagar as lutas, disputas, conflitos, alternâncias de posições dentro
do aparato estatal e naqueles que atuam neste universo marcadamente tutelar do
indigenismo. Então, o objeto política indigenista, indigenismo, por mais que
disputado, permanece ainda pouco afeito a leituras que procurem complexificar
sua construção, reprodução e mesmo modificações.
Ao mesmo tempo a esta ausência aparente de interesse de
aprofundamento, e muitas das vezes motivadora ao impor limites à investigação
(Oliveira, 1998), a investigação nos arquivos de documentos da atuação da
FUNAI mostra a infeliz sobreposição entre as dificuldades e restrições no acesso
aos documentos o acesso aos arquivos; a parcialidade das informações
contidas; a repetição de formatos e omissão de dados; o caráter tutelar e, por isso,
autoritário; e mesmo a incompletude das informações para compreensão da ação
estatal e a valorização de histórias e conhecimentos das populações indígenas,
que a partir das décadas de 60 e 70 opuseram antropólogos e indígenas a ação
estatal desenvolvida pelos governos brasileiros durante o regime militar. Feitas
aqui as devidas ressalvas quanto à pertinência dessa oposição, acredito serem os
arquivos da FUNAI e do SPI, fundamentais para o entendimento da atuação do
Estado brasileiro, mas também sobre as respostas, composições e objeções feitas
pelos povos indígenas a esta ação
1
.
Uma leitura “tradicional” sobre o modus operandi do Estado brasileiro
tem sido considerar seus mecanismos ineficazes, ineficientes e mal geridos, esta
5
1
Parece claro que mesmo com as restrições ao uso, vários antropólogos têm se utilizado de materiais dse
arquivo e documentos para refletir sobre diversos problemas antropológicos (Almeida, 1994 ; Almeida &
Oliveira Filho,1998; Freire, 1990; Lima, 1995, entre outros.). Somam-se a estes trabalhos mais próximos
das questões referentes a povos indígenas, outros trabalhos também explicitam o interesse sobre pesquisa
documental (Carrara, 1998; Cunha, 1999; Vianna, 1999 entre outros).
6
seria perceptível em várias de suas dimensões tais como seus arquivos, que são
considerados ora como contendo excesso de papéis, ora vistos como incompletos
e desorganizados. Esta leitura que normalmente é acompanhada da percepção de
que em outros contextos preferencialmente Europa ou Estados Unidos da
América estariam os modelos de eficácia na atuação estatal, em oposição ao
despreparo do Estado brasileiro, reaparece com toda força quando se avaliam às
ações da FUNAI e particularmente seus arquivos documentais. Assim a
conjugação entre a tese proposta (indigência da ação estatal) e sua evidência (os
documentos produzidos), acaba dispensando a reflexão sobre os modos de como
documentos são produzidos, guardados e recuperados para ação estatal.
Partindo de uma visão crítica da inoperância estatal
2
e da peculiaridade
das práticas os agentes envolvidos
3
(funcionários, antropólogos, indígenas) ao
trabalhar, formular e lidar com a ação tutelar, o que realizei em termos de
investigação foi colocar tais impedimentos como parte não da trajetória de
pesquisa e suas dificuldades, mas também transformar estes em matéria de
reflexão sobre os arquivos, a FUNAI e sobre acúmulo e disseminação de
conhecimento. A precariedade do acesso e controle de informação reflete
incompletudes na gestão e modos de gerir o Estado que quando pensados dentro
do universo do indigenismo apontam interesses e modos de gerir a tutela,
principalmente no que tange as relações mais cotidianas, como dos Postos
Indígenas, acabam auxiliando no livre uso pelos funcionários do poder tutelar.
6
2
Penso aqui nos trabalhos de Lima (1995) e Almeida (1993) como importantes leituras críticas do Estado
e a distinção entre má-atuação e/ou ineficácia estatal, e os objetivos conquistados, tanto propositalmente,
quanto aqueles ocasionais.
3
Adriana Vianna (2002) e Marcos Otávio Bezerra (1995 e 1999) ao investigar a ação estatal nos trazem
importantes elementos para refletir sobre a autonomia e atuação dos
7
Normalmente percebidos como falhas, a ausência de regras, procedimentos,
planejamento ou modos de intervir, garante aos agentes de Estado não apenas
dificuldades na execução, mas maleabilidade na aplicação da política tutelar.
Instituições governamentais e seus arquivos
Afora a crítica da idéia de que os arquivos em geral não são unicamente
instituições de “preservação do saber”, os arquivos das instituições
governamentais ligadas à administração estatal não são, por definição, apenas
dedicados a guardar documentação produzida para o trabalho de pesquisadores.
Arquivos como o Arquivo Histórico Clara Galvão da Fundação Nacional do
Índio (FUNAI) em Brasília, acumulam documentos que estão à disposição de
seus funcionários e que servem a consultas, organização e mesmo formulação
das atividades do órgão. Assim sua importância não se resume somente à
preservação da história da política indigenista, através do acúmulo de processos,
projetos e normas, eles tanto informam sobre o passado, como estão em diálogo
com as intervenções mais recentes da FUNAI – mesmo que, aos olhos dos
críticos, este uso seja considerado confuso ou assistemático (o que muitas vezes o
são).
Um segundo ponto que acho importante destacar nesta introdução, quase
como uma ressalva, diz respeito ao modo como se tratam às informações
presentes nestes arquivos. Sem querer ser redundante, um princípio básico de
pesquisa antropológica passa pelo entendimento das lógicas (ou mesmo sua
8
ausência) e do histórico do acúmulo de materiais (tradições) pela instituição
(população) consultada (pesquisada). Muitas das vezes, ao realizar pesquisa
nestas instituições, conversando com pesquisadores, funcionários da FUNAI e
arquivistas, ficou patente um certo desconforto por parte dos primeiros, refletido
na crítica à organização dos arquivos, normalmente acrescidas de queixas das
dificuldades de interação com arquivistas, sendo que tanto o desconhecimento
destes das informações, como seu inverso à crença no conhecimento total do
funcionário da instituição e acervo (inclusive do que é interessante ou o que deve
ser pesquisado) serviam para ressaltar o incômodo das situações de pesquisa.
Sua qualificação, como material de tom anedótico ou como situações peculiares
ou irrelevantes
4
, explicitava o quanto estas questões não eram tomadas como
pertinentes para análise.
Todo este rol de desencontros, queixas e dificuldades de pesquisa
apontaram para além de possíveis problemas pessoais que tenham existido
entre pesquisadores e arquivistas o quanto que a própria existência dos
arquivos da FUNAI era pouco problematizada, e para qual não era atribuída
maior reflexão. O incômodo que poderia gerar importantes questões, sobre a
própria construção da pesquisa ou sobre a administração pública e suas práticas,
desaparece sobre o não dito ou não pertinente. Um dos esforços desta tese é
tornar léxicos, modelos e práticas apresentados na documentação como material
não mais de anedotas, repetição automática ou crítica, mas como caminho para
entendimento do arquivo e da própria instituição tutelar. Um outro elemento
8
4
Neste sentido o texto de Da Matta (1974) é ainda uma lembrança imediata e pertinente para
problematizar certas práticas e torná-las objeto da análise antropológica. Para discussão sobre pesquisa
9
compartilhado nas pesquisas com documentos ou em arquivos estatais é a sua
freqüente e tautológica utilização apenas como mera prova: ou os documentos
existiam e atestavam a verdade; ou sua inexistência ou insuficiência indicavam a
ausência de dados, impossibilidade de pesquisa ou análise. Então o que se tem
usualmente é o que poderíamos chamar de “função” do arquivo sendo o único
significado atribuído.
Diante desse repertório usual sobre o lugar do arquivo na pesquisa
antropológica e sua faceta corriqueira de utilização, sempre contrapus isso com
uma inspiração de não ficar restrito a percepção do objeto específico – motivação
decorrente muitas das vezes da necessidade de buscar informações sobre temas
nem indexados pelos arquivos nem reconhecidos como do escopo da
antropologia –, procurando entender certas atividades em conexão ou referidas a
outras. Tomando os arquivos e documentos como informações e dados a serem
estudados, problematizados e interpretados, e percebendo os como refletindo em
grande parte debates em torno do significado do que era e devia ser a política
indigenista, evitando reproduzir a vulgata produzida pelos órgãos indigenistas e
seus funcionários sobre sua criação, atuação e princípios
5
, preocupações
ressaltadas por alguns autores
6
.
No avanço das investigações, a busca pelo entendimento dos
procedimentos da administração tutelar acabou refazendo objetos e objetivos e
não se quer aqui remarcar nenhuma originalidade ou excepcionalidade da
em arquivos e suas implicações, ver Cunha, 1999 e Pineiro, 1999.
5
Não se quer aqui retomar o debate prístino sobre a veracidade ou não dos documentos do órgão
indigenista, mas como ressalta Vianna (1995), nem sempre o material produzido internamente aos órgãos
tutelares ressalta apenas um aspecto, mas sim são recheados de situações e ambiguidades derivadas da
própria ação tutelar (para isso ver Lima, 1995 e Corrêa, 2000, 2002 e 2004)
10
pesquisa ou do trabalho antropológico em arquivo, mas ressaltar que a
formulação de hipóteses e modificação destas não é derivada de formas
tradicionais de trabalho de campo antropológico. Gradativamente o modo como à
documentação fora organizada, a maneira como a FUNAI, e mesmo nos anos
anteriores o SPI, cuidava de administrar (tutelar) índios, acabou levando a
reorientação da pesquisa para a descrição de procedimentos e documentos onde
se reproduzia e se ditava a política indigenista a ser seguida.
Assim como estratégia de entendimento, inclusive pelo desconhecimento
inicial do material que a FUNAI guarda em seus arquivos sobre o assunto,
escolhi fazer um levantamento e entendimento do material administrativo do
órgão tutelar. Na interação com os arquivistas e responsáveis, pude perceber nas
pesquisas no Arquivo Histórico Clara Galvão que o pesquisador que realize
suas atividades necessita de um maior conhecimento de como o arquivo foi
montado, organizado e é mantido, pois corre razoável risco de não ter toda a
documentação que lhe interessa em mãos que o acesso direto às caixas e
normalmente vedado aos pesquisadores que, levantam temas para que
funcionários busquem os documentos. Apesar da indexação relativamente
correta, um exame mais aprofundado da própria administração tutelar, das
possibilidades de arquivamento e da própria dinâmica do cotidiano da FUNAI,
faz com que nem sempre determinados assuntos sejam acessíveis em sua
completude.
Muitos dos materiais relativos a temáticas dos projetos de
desenvolvimento apareciam em caixas de arquivo denominadas assistência ou
6
Em especial Freire (1990), Lima (1995) e Oliveira Filho (1988b).
11
política indigenista, sendo que muito dos projetos formulados ou aplicados a
determinadas populações possuíam mais de uma cópia arquivada. Um
pesquisador mais apressado poderia concluir que estes indícios sinalizavam
apenas desorganização e desconhecimento. Todavia, a duplicidade e indexação
variada não diziam respeito unicamente a problemas na guarda dos documentos,
mas a própria dinâmica de circulação e arquivamento dos processos, sua
circulação dentro dos diversos setores e departamentos da FUNAI e a
possibilidade, por exemplo, de atividades na área de educação às populações
indígenas ser triplamente classificada como educação, projeto de
desenvolvimento e dependendo das atividades desenvolvidas, assistência.
A percepção destas “peculiaridades” fez com que procurasse tentar
conjugar a percepção sobre os projetos de desenvolvimento através de sua
correlação com os modos como estes foram organizados e indexados pelo órgão,
assim entender os tais projetos passa por entender de que maneira não as
práticas desenvolvimentistas são executadas mas também como o saber sobre
indígenas e desenvolvimento e compartilhado (ou não) pelos funcionários, bem
como tais documentos também intentam organizar as atividades cotidianas do
órgão. Perspectiva evidente no que diz respeito à profusão de normas,
expedientes, projetos, controles, prestações de contas e análises impessoais que
os documentos apresentam. Nada realmente estranho para um órgão estatal que
procurava organizar e normatizar a administração das populações indígenas
tuteladas. Mas, como os levantamentos iniciais não tinham recortes específicos
quanto ao tempo e caso (grupo) a ser estudado, o que apareceu primeiramente foi
12
à repetição quase ad infinitum de expedientes idênticos variando apenas a
localização, o nome do grupo indígena a ser desenvolvido e os recursos
investidos para tal.
Mesmo com um esforço classificatório destes documentos, o que
transparece nos dados da burocracia é a repetição de muitos dos padrões de
classificação e atividades que também regulavam as atividades por mim
pesquisadas no mestrado sobre o funcionamento dos postos indígenas no SPI e os
critérios para “índios criminosos” (Corrêa, 2000) – onde dados sobre a integração
do índio, atividades econômicas regionais e padrões de atuação tutelar se repetem
sem muita variação.
O exame aprofundado também dos documentos mais “formais” – tais
como projetos, prestações de conta, memorandos, ordens de serviço, etc.
contrastaram com algumas cartas, comunicados, bilhetes, e memórias de
projetos, chamando a atenção para diferença entre normas e práticas, regras e
ações dos funcionários. Tal menção se evidencia as críticas referidas no início
do texto, chamando a atenção para aspectos burocráticos, autoritários ou
desinformativos que estes diferentes órgãos tiveram em relação aos não-membros
e que apareciam no cabeçalho dos documentos como CONFIDENCIAL ou em
alguns documentos guardados nos arquivos da ASI Assessoria de Segurança e
Informação, criada para vigiar internamente funcionários, antropólogos e índios
no período da ditadura militar fazem na verdade, que reflitamos sobre a ação
tutelar, os seus documentos, funcionários e arquivos. que para além de uma
oposição entre normas e práticas, percebe-se um variado e constante esforço
13
entre administrar a ação, sua regulamentação e o conhecimento por aqueles que
não integram ou se opõem a atuação dos órgãos indigenistas, evidenciado ainda
hoje pela freqüência de acusações e denúncias que marcam o contexto das
disputas em torno da política indigenista.
Assim o objetivo desta tese é em conjunto com a descrição e análise sobre
os projetos de desenvolvimento, fornecer uma leitura menos simplificada do que
consiste a correlação entre estes projetos, a ação tutelar do Estado e a construção
e administração de populações pelos Estado brasileiro. Para isso me utilizei de
um expediente não muito linear, tentando refazer conexões existentes no
cotidiano da ação tutelar, mas que normalmente estão subsumidos por recortes da
administração estatal, bem como diversos bias presentes no que tange ao
entendimento da política indigenista posta em prática pelo Estado nacional nas
décadas de 70 e 80 do século passado. Assim os capítulos procuram enfrentar por
diferentes ângulos a ação tutelar para o desenvolvimento de populações
indígenas através de projetos.
No primeiro capítulo procura-se refletir e discutir sobre dimensões de
média e longa duração e a importância para o entendimento dos projetos de
desenvolvimento não apenas como uma criação inédita dentro do histórico de
relações entre populações autóctones e colonizadores. A recuperação do trabalho
indígena como elemento central para configuração de territórios e da sociedade
hoje conhecida como brasileira, aponta para a profundidade prática e discursiva
do trabalho das populações indígenas, para inclusive a construção das
intervenções desenvolvimentistas. Não se trata apenas de vocabulário, práticas,
14
mas de como, porque e de qual maneira a “temática indígena” comparece em
espaços restritos ou mesmo mais amplos de se pensar a “sociedade nacional”. A
ausência de reflexão sobre o tema, em conjunto com a certeza da preocupação
com o “ócio” indígena, apenas aponta, tal qual outros objetos dentro da tese, a
existência de discursos e imagens frequentemente recuperadas quando da
formulação e aplicação de projetos de desenvolvimento.
O segundo capítulo procura apresentar e discutir as diferentes versões e
atribuições do que foi e como surgiu a FUNAI. O objetivo é não entrar nos
debates sobre projetos de desenvolvimento sem apontar disputas e aportes sobre o
que foi a história da tutela estatal. O não entendimento, e a crença nas versões
oficiais ou oficiosas da história da FUNAI, apenas contribui para a não
formulação de questões, objetos e recortes, e assim a não problematização e
historicização dos projetos de desenvolvimento dentro da ação tutelar. Recuperar
elementos e significados peculiares ao universo do indigenismo, permite que se
possa melhor entender a aplicação dos projetos e recoloca-los dentro de um
universo maior a ação desenvolvimentista do Estado brasileiro através de
novas bases que não sejam ou a total inclusão da FUNAI dentro da política maior
de Estado ou sua percepção como uma parte apenas separada da sociedade
brasileira, assim como frequentemente tem se pensado a alteridade das culturas
indígenas dentro dos Estados-nação.
No terceiro capítulo procuramos investigar a construção de léxicos e
maneiras de se aplicar a política indigenista através dos projetos de
desenvolvimento, a análise de aspecto mais formal, considerando documentos ao
15
invés de partir de suas aplicações, visa destacar a importância crucial em alguns
momentos que certos léxicos adquirem para a formulação de políticas de Estado.
Sem adotar posturas extremistas, o que se procura apresentar são os esforços de
construção de um léxico de regras, documentos, formas de organizar que
deveriam reorientar as práticas cotidianas da tutela. E que apesar de
necessariamente não serem estas ditas “novas” práticas totalmente desconectadas
com o passado “tradicional” das instituições tutelares, que muitas das vezes é
sobre este novo vocabulário pouco esmiuçado que se constroem novas e
velhas maneiras de se pensar e agir tutelarmente.
No penúltimo capítulo objetivamos dar uma dimensão mais extensa ao
papel dos projetos de desenvolvimento, o objetivo foi ressaltar conexões que vão
além da própria FUNAI e do Estado brasileiro, inserindo estes modelos de
planejamento como parte integrante de mudanças que ocorrem em escala
mundial e que procuram resignificar modelos e práticas da ação estatal. Assim o
que se procurou neste capítulo foi mostrar outras conexões que não às
usualmente percebidas no exame do indigenismo (Lima, 2002b, Blanchette,
2006), indicando não são estas conexões mas a importância de se fugir de certos
sensos comuns referentes a pesquisa antropológica, onde se confunde recorte e
construção do objeto, com o objeto em si.
Por último, temos o capítulo que procura analisar as próprias
considerações e leituras feitas sobre o funcionamento dos projetos de
desenvolvimento. Novamente a construção do capítulo obedece a dupla
preocupação de entender de que maneiras certos modos de aplicação de políticas
16
tutelares para atividade econômicas os projetos de desenvolvimento foram
operacionalizados e marcar a importância de que por mais que se conheçam os
resultados, entender o processo de aplicação e tentar matizar os diferentes
aspectos, pode auxiliar numa leitura menos simplificada dos processos históricos
de construção, modificação e mesmo crítica de ações de intervenção realizadas
pelo Estado. O resultado e sua eficácia (ou não) é apenas um dos elementos
presentes nestes temas, e deve ser sempre contextualizado e historicizado.
Também se objetiva neste capítulo, como nos outros, fugir dos esquematismos
caros não ao indigenismo, mas também freqüentes em discussões sobre a
antropologia, e a adoção de determinada abordagem ou autor como mais ou
unicamente fundamentais para construção do saber antropológico, acredito que a
abertura para múltiplas possibilidades e usos criativos de metodologias, autores e
abordagens, é um importante contraponto ao “discurso nativo” da antropologia
sobre a “pesquisa de campo”
7
.
16
7
Para visões de antropólogos comprometidos simultaneamente com a antropologia e com sua renovação,
sem contudo, implicar em posições apocalípticas, ver Barth (2000) e Fabian (1991).
17
Capitulo 1
Trabalho Indígena
18
Introdução
Neste capítulo o que se objetiva é refletir de maneira mais aprofundada
sobre alguns elementos, as diferentes implicações das justificativas e uso de mão-
de-obra indígena, para assim melhor compreender as ações denominadas projetos
de desenvolvimento para populações indígenas no âmbito da FUNAI. Dentro
deste esforço, procuramos aqui situar numa dimensão maior (temporal e
espacialmente) esta utilização, podendo assim tomar a reflexão sobre a ação
tutelar e a criação de projetos parte integrante de uma longa história de relações
de exploração de força de trabalho feita sobre populações indígenas.
Antes de iniciarmos esta investigação por diferentes aspectos das relações
entre indígenas e aqueles que planejam e empregam a mão-de-obra “autóctone”
para diferentes projetos e não somente econômicos é importante situar
origens e desdobramentos desta utilização. O marco aqui é uma abordagem que
situe estas relações como definidas a partir do estabelecimento de ações de
guerra e conquista, ou seja, pelo estabelecimento de relações de colonização por
parte das sociedades que travaram relações com as populações indígenas (Lima,
1995: parte I). Este paradigma calcado no entendimento do colonialismo tem
sido amplamente referenciado/criticado no campo dos estudos sobre populações
indígenas, é quase como uma sombra que paira sobre estes trabalhos, ora
utilizada para denunciar colonização (CIMI, 2000) ora para negar força às ações
colonizatórias e atribuir força as reações e a cultura indígena (Gordon, 2006).
19
Todavia, ainda hoje se tem pouco aprofundamento no entendimento das
imbricações destes relacionamentos.
Por múltiplas razões que serão exploradas nesta tese, o desinteresse no
entendimento das relações entre políticas para populações indígenas e estas
mesmas, tem tornado a interpretação destas ora como ações episódicas e
residuais às trajetórias históricas destas populações, ora entendidas como
políticas acachapantes no sentido de conduzir e oprimir estas populações,
fazendo que estas mesmas desapareçam progressivamente enquanto unidades
diferenciadas dentro dos Estados-nação. Muito mais que derivadas do que seria
um paradigma equivocado o colonialismo o que se tem é uma leitura
esquemática, onde o antagonismo de interesses entre colonizadores e colonizados
se transforma em antagonismo de trajetórias e mesmo de recortes e objetos.
Antes de reduzir este embate a uma simplificação da escolha de lados,
onde ou se defende a cultura indígena, ao estudá-la, ou se está a absorver o
paradigma do Estado-nação, se tentará fugir destes esquematismos, procurando
recuperar algumas análises que podem ajudar a melhor compreender, e assim
fundamentar uma abordagem com maior conteúdo que nos permita retraçar as
relações entre políticas para e populações indígenas. Dentro de certos estudos
podemos perceber basicamente dois tipos de trabalhos que tem possibilitado a
construção de melhores interpretações sobre as imbricações existentes entre as
relações coloniais e os grupos em interação. O primeiro, derivado do
aprofundamento analítico da história dessas relações (Almeida, 2003; Kern,
1982; Monteiro, 1994; entre outros) e, um segundo fruto de uma revisão de
20
perspectivas, onde se considera este relacionamento entre populações indígenas e
políticas para estas populações como parte integrante do entendimento do que
são estas populações no presente (Almeida, 2001; Grunewald, 2001; Oliveira
Filho, 1988b; Pereira, 2005; Santo, 2000, entre outros). Esta abordagem tem
procurado e possibilitado a construção de análises menos reducionistas do
passado e do presente destas populações.
Apesar da historicização dos objetos e trajetórias aparentar ser o grande
diferencial aqui, nossa compreensão é que foram também as mudanças de
enfoques, com a preocupação em não sacralizar fronteiras culturais e refletir
sobre a profundidade dos relacionamentos estabelecidos entre grupos que se
constroem como distintos, expostos na busca da realização de pesquisas que não
reduzam a realidade das populações indígenas e suas histórias apenas a recortes
consagrados (Barth, 1989 e 1993, Pels e Salemink, 1999; Wolf, 1988). Assim o
que se tem procurado é construir análises antropológicas que não reduzam
relações e conexões, mas que pelo contrário reconheçam pontes existentes entre
contextos locais e outros espaços maiores e conectados com trajetórias e histórias
(Appadurai, 1996), tanto dos grupos colonizados como dos grupos colonizadores.
Este trabalho intenta pensar os projetos de desenvolvimento e as ações
tutelares como atividades não locais e contextualizadas, mas também como
herdeiras de tradições de conhecimento para a gestão da desigualdade (Lima,
2002c), onde não apenas se atualizam e inovam práticas indigenistas, mas
também que continuam (se diferenciando) práticas de construção de novas
unidades sociais (Estados nacionais pós-coloniais), ou seja, de construção de
21
novas realidades pela guerra, conquista e colonização. A construção de projetos
de desenvolvimento, como veremos mais a frente nos próximos capítulos,
representou uma importante confluência de políticas internacionais de gestão do
Estado e das atividades econômicas programadas dentro destas unidades.
Também significou uma reapropriação e reinvestimento de ideologias de gestão
de populações indígenas pelo viés da tutela estatal, procurando ainda ensinar e
transformar indígenas em trabalhadores nacionais. Além disso, pode ser
entendida também como um desdobramento não por estarem inseridas em
planos nacionais de colonização de espaços e grupos sociais de práticas antigas
de gestão de populações e territórios ocupados por colonizadores.
A percepção da profundidade deste imbricamento é uma das chaves para
que possamos melhor refletir sobre dilemas, impasses e trajetórias atuais de
populações indígenas e ações indigenistas (Oliveira Filho, 1988b; Oliveira 1999
e 2004; Lima 1995 e 2002b). Antes de ser uma grande descoberta, esta
imbricação conhecida e utilizada dentro do universo de posicionamentos
possíveis das intervenções indigenistas, todavia responde a um modelo
“tradicional” de narrar (Bruner, 1986) histórias e políticas indigenistas, através
das estratégias de denúncia das ações exploratórias perpetuadas contra os
indígenas (Oliveira & Lima, 1983). Ao se apontar o descalabro das relações entre
os grupos, o que poderia ser uma ótima oportunidade de aprofundamento do
entendimento das relações geradas dentro do aparato criado para colonização,
serve apenas para reforçar moldes e modelos de ação indigenista (Gomes, 2002;
cap. 1). Assim, em semelhante ao modo emergencial de ação diante dos
22
problemas presentes na ação indigenista (Almeida e Oliveira Filho, 1998), a
abordagem rápida estabelece o léxico a exploração, a violência, o etnocídio
sem, contudo, produzir desdobramentos, pois tão claro quanto o antagonismo
entre colonizados e colonizadores, comparece o pressuposto da separação destes
grupos e a impossibilidade (inexistência) de relação. O que se percebe, e em
certo sentido, é um apego demasiado a certo paradigma de percepção da
realidade, ainda em grande parte devedor de um olhar das culturas e de suas
diferenças como separadas em unidades estanques, isoladas (Barth, 1969 e 1989),
onde esta diferenciação se faz por princípio e não através das separações
advindas das próprias relações travadas entre os grupos (Barth, 2000).
Assim como nas relações de dominação presentes no encontro colonial,
reforça-se a percepção do encontro de duas mônadas distintas, destacando a idéia
da diferença representada como constante isolamento. Todavia, esta abordagem
carece de fundamento prático em termos do cotidiano das populações envolvidas,
longe de se produzir contato entre grupos distintos em momentos episódicos, o
que se estabelece no encontro colonial é a conformação de uma relação, desigual,
injusta, de dominação, mas ainda assim, uma relação. As diferenças existentes
entre os grupos podendo inclusive em certos contextos se franquear o
questionamento deste antagonismo entre populações como hipótese, nunca como
princípio acabam sendo cristalizadas como parti pri da realidade, sobrando
pouco espaço para a pesquisa antropológica destas relações.
Este modelo, de fundo culturalista, se firma como horizonte, gerando
inclusive derivantes mais modernas mesmo que reatualizando os pressupostos
23
presentes desde os relatos de viajantes (Fabian, 2000; Oliveira Filho, 1988a)
onde se produz nos moldes de uma etnografia clássica (Marcus & Fisher, 1986),
o apagamento de relações em prol da defesa cultural indígena. Ao invés da
tentativa de entender realidades complexas, imbricadas, se reaproximam agendas
indigenistas de proteção e a busca do resgate, do salvamento, operando como
desconectadores do entendimento das relações vividas. Nesta seara, temos um
exemplo freqüentemente recuperado, o exemplo “clássico” da etnografia
realizada por Evans-Pritchard (1978) entre os Nuer (Geertz, 2002; Hutchinson,
1996, Kuper, 2002), onde as críticas e as análises não parecem comparecer como
fontes inspiradoras de um novo olhar, apenas afirmação dos problemas existentes
na execução do trabalho por determinado autor. Como alternativa a
desqualificação completa de determinada abordagem, teríamos a negação
freqüente dos impactos da ação indigenista sobre estas mesmas populações,
sendo estes efeitos meramente episódicos e não cotidianos, sempre postos a
serviço da crítica a certo colonialismo de idéias que submeteria grupos e culturas
indígenas (Sahlins, 1997). Diante de tais leituras restringir-se-iam as
possibilidades de entendimento inclusive das transformações destes grupos, onde
compromissos políticos com esta ou aquela percepção teórica turva a percepção
da não operacionalidade de certos paradigmas (Oliveira Filho, 1988b: cap. 1).
Antes do que simplificar este relacionamento, a tarefa a ser executada é
investigar as conexões existentes. Uma das chaves para se entender o que são
propostas e projetos de intervenção visando desenvolver grupos indígenas, é
perceber por que este tipo de ação sempre foi parcela integrante das políticas
24
indígenas. Aproveitando-se aqui das reconfigurações propostas por Lima (1995)
para o entendimento das trajetórias e percepções das relações de grupos
colonizadores e populações indígenas ou seja, de perceber estas relações não
pelo estabelecimento primevo de relações de proteção ou congregação entre
povos distintos, mas pelo horizonte da ocupação, guerra, conquista, colonização
e escravização de territórios e populações nativas é um primeiro passo
fundamental para refletir sobre o trabalho indígena dentro das relações travadas
entre colonizadores e colonizados. Esta marcação é fundamental inclusive para o
entendimento da importância de categorias e práticas envolvendo o trabalho de
populações autóctones (Pinheiro, 2005). Se não estamos mais marcados pelo
horizonte de certo reducionismo auto-proclamado marxista (Sahlins, 1976), da
percepção das atividades humanas como fundamentalmente (e quase unicamente)
de produção econômica, é impensável tratar do estabelecimento de aparatos
coloniais sem considerarmos produção e trabalho como parte integrantes dos
investimentos das nações européias na colonização de territórios alhures.
Particularmente no que tange a história contada sobre a experiência
colonial brasileira, por mais que criticada (Matta, 1981) a reconstrução histórica
da comunhão nacional pela gradativa e compartilhada miscigenação, ainda
informa e muito, o que se procura resgatar da percepção das relações travadas
entre populações indígenas e colonizadores. Se apenas a guerra intermitente não
permite entender desdobramentos e relações negociadas (Almeida, 2003), tão
pouco a ignorância dos seguidos projetos de ocupação/desocupação territorial e
do uso de mão-de-obra (ou mesmo a crítica da impossibilidade de uso) indígena
25
para conformação de relações, modelos de intervenção e mesmo horizonte para
estas populações em termos de futuro dentro do espaço colonial, imperial,
provincial, nacional, etc. – em construção.
Desta maneira, é de fundamental importância refletir sobre as conexões
existentes entre a preocupação com os indígenas, e seus diferentes
desdobramentos na história da colonização. Ou poderíamos dizer como os usos
freqüentes de populações colonizadas em trabalhos refletiram na construção de
ideologias que seguidamente recolocavam os lugares pensados para as mesmas.
A evidência da inexistência de uma história, ou histórias, que aprofundem o
conhecimento sobre as intervenções coloniais, dando conta dos processos de
construção de novas realidades e imposição de modelos de organização,
produção e localização destas populações, apenas enfatiza o quanto o
entendimento destes processos e relações ainda permanece pouco acessível como
informação e reflexão.
Apesar dos avanços presentes nos referidos trabalhos mais recentes
(Almeida, 2003; Mattos , 2006; Monteiro, 1994, entre vários outros autores)
terem trazidos mais claramente a importância contextual dos grupos indígenas
para diferentes experiências de colonização e produção, ainda não se produziu
uma mudança nos modos de pensar e produzir conhecimento sobre populações
indígenas. Não à toa, trabalhos mais antigos como os de Eduardo Galvão (1979),
Roberto Cardoso de Oliveira (1972 e 1976), Darcy Ribeiro (1982) e Charles
Wagley (1949) Wagley & Galvão (1961) ainda são lidos apenas pelos impasses
analíticos resultantes de paradigmas desatualizados (Gow, 1991), e não como
26
tentativas de inclusão através de aspectos históricos e coloniais dentro das
análises antropológicas, de melhor pesquisar e descrever grupos indígenas e
situações por eles vividas.
Mesmo com o enfrentamento dos dilemas referentes à construção de uma
antropologia menos esquemática (Barth, 1989 e 1993; Fabian, 1978; Said, 2003),
percebe-se ainda o lugar da história das populações indígenas apenas como
trunfos recentes (Cunha, 1992; Oliveira Filho, 1988b; Santilli, 2001) que ainda
não foram consolidados em termos de uma real percepção do lugar do indígena
dentro da sociedade colonial. A ausência deste aprofundamento dos horizontes e
da antiguidade destas relações é outro reflexo presente neste universo, onde a
recomposição histórica comparece não como parte do universo dos possíveis,
mas como resgate ou descoberta de um passado apagado.
Neste capítulo objetivamos mais do que fazer um apanhado minucioso de
experiências e contextos o que em si seria elemento para uma outra tese
recuperar alguns elementos que são importantes para situar melhor os esforços
em desenvolver indígenas feitas dentro da Fundação Nacional do Índio em
meados da década de 70 do século passado. Através de alguns tópicos freqüentes
nas intervenções realizadas pelos colonizadores, podemos repensar e aprofundar
o quanto certos tópicos de ação e modus operandi tem fabricado preocupações (o
chamado problema indígena) e orientado intervenções, que claramente não são
idênticas aos primeiros encontros coloniais, mas também não estão totalmente
desconectadas deste passado.
27
O estabelecimento das relações
Assim, para começarmos a entender as relações envolvendo o uso do
trabalho indígena, deve-se refletir sobre alguns marcadores freqüentes deste tipo
de relação, marcadores esses que tem guiado a incorporação de populações
autóctones a outras unidades ou grupos. Estas unidades ocupam diferentes ordens
de grandeza, variando de contextos e períodos, que apesar de poder se esboçar
razoável encadeamento não pode ser tomado como único.
Ainda hoje as preocupações esboçadas por Bonfil Batalla (1981) quanto à
categoria índio ou indígena a impossibilidade analítica de se estabelecer como
unidade as diversas e diferentes populações indígenas e os diferentes processos
históricos por elas vivenciados, a não ser que levemos em conta aquele elemento
que organiza este conjunto, o colonialismo são fundamentais para o esboço de
uma análise menos esquemática do universo onde se situam às populações
indígenas, e não em contextos de interação ou da “sociedade nacional”. Este é
um bom começo para que possamos estabelecer um horizonte, para este
rastreamento, onde podemos perceber a inevitabilidade de colocar as populações
em contexto.
Dentro do que foi dito, entendimento de que a ação colonial é
marcadamente um dos fatores essenciais para entendimento de que bases se dão
o estabelecimento de projetos de desenvolvimento, a própria idéia de que o uso
da mão-de-obra indígena é de fundamental importância junto com a conquista
do território em disputa (Lima, 1995) para o estabelecimento do projeto
28
colonial, e depois imperial e mesmo republicano, não tem sido verdadeiramente
dimensionada, como ressaltam Kern (1982), Lima (1995), Oliveira Filho (1979,
1988a) e Monteiro (1994).
A combinação do apagamento histórico e mesmo simbólico da
contribuição do trabalho indígena para a construção do espaço colonial
(Monteiro, 1994: cap.1), com a percepção de que sua importância quantitativa e
qualitativa é pequena diante do quadro atual populacional (Oliveira, 1998: caps.
1 e dois) apenas reintroduz a sub-valorização de seu papel. Tanto pela
importância, das seguidas conquistas e ocupação de espaços territórios (Almeida,
2003; Monteiro, 1994; Cardoso de Oliveira, 1976; Oliveira Filho, 1988b) como
por seu papel fundamental para estabelecimento de diversos empreendimentos
coloniais (Batista, 2005; Kern, 1982; Monteiro, 1994; Mattos , 2006).
No tocante ao entendimento do que foi o papel do trabalho indígena para a
consolidação de espaços, produções e mesmo grupos indígenas integrantes do
espaço colonial, o que se tem é uma simplificação de realidades locais (Monteiro,
1994; Oliveira Filho, 1988b) pela adoção de diferentes expedientes de supressão
histórica, senão deliberados, deliberantes. Além do mencionado desinteresse
em investigar como se deu a formação de um espaço colonial, com seu passivo
nada romântico de lidar com a supressão de diferenças e vidas através de guerras
de conquista, extermínio, escravização de indígenas e conversão forçada de
populações, se produzem outros recortes que não permitem a visualização dos
efeitos desta relação colonial. Um primeiro elemento, de forte apelo em nossa
historiografia, mas não apenas nela relembrando as críticas de Michel Foucault
29
(1971) a um modelo comum de historiografia que buscava perceber repetições,
continuidades, recorrências onde se procura reconstruir a história a partir de
ciclos econômicos, períodos e atividades recorrentes. Este modelo de
interpretação, não mascara a importância do trabalho indígena para
consolidação de certas atividades e ciclos produtivos (Batista, 2005; Kern, 1982;
Monteiro, 1994), mas tende a ignorar diferentes atividades e mesmos espaços de
produção, quando não estão necessariamente ocupando a primazia da leitura do
ciclo econômico do período.
Assim podemos ter como exemplos, certos espaços da economia do
seringal (Oliveira Filho; 1981 e 1988b), onde os índios desempenham papel local
e regional de importância essencial para certos circuitos econômicos, mas por
não serem centrais em termos do espaço ou do período central da exploração da
borracha, acabam pouco dimensionados no contexto maior de perceber a
importância do trabalho indígena.
O sub-dimensionamento da importância do uso da mão-de-obra indígena,
é inclusive recorrente para diversos dos espaços coloniais, não por nem
sempre ocuparem papéis centrais dentro das atividades produtivas, mas também
por seu uso não representar diretamente importância para a produção em si. Se
considerarmos que as atividades de guerra, guarda de espaços e construção de
elos de ocupação territorial como parcela essencial da construção do universo
colonial, fica evidente a importância que a mão-de-obra indígena exerce para
consolidação de espaços territoriais. A ocupação por enfrentamento de outros
povos indígenas, bem como a guarda de territórios sempre foi essencial para a
30
consolidação tanto da colônia (Farage, 1991; Monteiro, 1994; Lima, 1995; Kern,
1982; entre outros) como das fronteiras imperiais (Cunha, 1982; Moreira Neto,
2005) ou mesmo republicanas (Lima, 1995).
Se considerarmos a importância para construção de unidades territoriais
do trabalho indígena, a evidência de sua importância, quando recuperada em
diferentes contextos e seguidas ocupações territoriais (Batista, 2005; Mattos ,
2006; Santilli, 2001) produz um mapa diferente de sua importância, que se
combinado com os esforços de combate através de guerras e fixação de
populações a territórios reduzidos, pode permitir, o quão importante os diferentes
usos das populações indígenas ocupam para a consolidação de espaços coloniais.
Não à toa, como trataremos a seguir, seguidamente em diferentes contextos se
tanta importância aos processos de fixação e domesticação destas populações
vistas como antagônicas e/ou selvagens.
O trabalho indígena
Iniciaremos pelo elemento central do capítulo, o uso direto de indígenas
para empreendimentos econômicos. Uma importante porta de entrada consiste
em se debruçar pelos elementos presentes quando se entender a participação de
indígenas em atividades econômicas. O recrutamento, através de escambo ou
troca, está em conforme com os primeiros esboços de relação estabelecidos entre
europeus e povos indígenas (Cunha, 1992; Porro,1996) – assim como os conflitos
e guerras decorrentes dos antagonismos gerados ou estabelecidos entre diversos
31
povos indígenas e europeus – e o conseguinte estabelecimento de relações e mais
precisamente, da cooptação forçada de populações para empreendimentos:
“... ao longo do século XVII, colonos de São Paulo e outras vilas
circunvizinhas assaltaram centenas de aldeias indígenas em várias
regiões, trazendo milhares de índios de diversas sociedades para
suas fazendas e sítios na condição de ‘serviços obrigatórios’.
Estas freqüentes expedições para o interior alimentaram uma
crescente base de mão-de-obra indígena no planalto paulista, que,
por sua vez, possibilitou a produção e o transporte de excedentes
agrícolas, articulando – ainda que de forma modesta – a região ou
a outras partes da colônia portuguesa e mesmo ao circuito
mercantil do Atlântico Meridional.” (Monteiro, 1994: p. 57)
Esta preocupação em não capturar, mas em constituir uma mão-de-obra
indígena e fundamental para o entendimento não só da história peculiar do
período (século XVII), do lugar (São Paulo e outra vilas) ou daqueles que
buscavam apresar os indígenas (bandeiras paulistas). Ela envolveu muitos outros
contextos, atividades econômicas e grupos, praticados de formas distintas e
envolvendo distintos expedientes
8
. As evidências destas preocupações se pouco
aparecem no sentido de entender e demonstrar a centralidade do trabalho
indígena para construção de unidades de produção e mesmo de construção de
espaços coloniais, todavia estão presentes em diferentes trabalhos e diferentes
períodos das pesquisas que enfocam ou enfocaram populações indígenas.
31
8
Sobre o tema, tratando especificamente de trabalho indígena a bibliografia não é vasta, mas
pode-se encontrar muita informação dispersa em uma infinidade de livros. Para isso ver, entre
muitos, Carvalho, 1979; Diniz, 1978; Cunha, 1992; Oliveira Filho, 1977 e 1988a; Oliveira &
Freire, 2006; Lima, 1995; e Porro, 1996.
32
Aparecem em trabalhos como Os índios e a civilização, de Darcy Ribeiro (1982),
que mesmo preocupado em sinalizar e apontar a gradual integração dos indígenas
pelo signo da perda, seja ela de vidas ou de cultura, mostra a importância do uso
da mão-de-obra indígena, como no caso dos seringais:
“A exploração dos seringais não deixaria lugar, porém, para
estilos tribais de vida. Em pouco tempo aquelas populações foram
compulsoriamente aliciadas para a produção de borracha e para
os trabalhos ligados à navegação fluvial. Foram os índios–remo,
o índio-piloto, o índio-bússola que descobriram os seringais e os
vincularam aos portos através do emaranhado de canais e rios que
constituem a Amazônia.” (Ribeiro, 1982: p. 24)
Se Ribeiro (1982) caracteriza de maneira genérica esta apropriação dos indígenas
para atividades fundamentais para a colonização não ficando claro que
trajetórias e grupos foram submetidos a estes processos, subvertendo
especificidades e histórias, sem reconhecer o longo e contínuo processo de
inserção e transformação dos indígenas através da exploração de sua força de
trabalho – sua busca por entender como certos mecanismos de “integração”
operaram ou mesmo enfrentá-los analiticamente, não tem sido uma preocupação
muito forte em grande parte do que se consideraria uma pesquisa antropológica
sobre populações indígenas. Temos alguns casos que destoam, podendo
expressar um maior cuidado em entender como certos contextos conformam os
campos de possibilidades de interação e papéis a serem desempenhados por
colonos e colonizadores, mas estão longe de serem as formas de narrativas
favoritas.
33
Longe de permitir diante das ações coloniais se delineiam espaços de
interação, este tipo de olhar restringe o entendimento a movimentos estanques
adequar, atacar ou fugir –, tornando-se definições cristalizadas e fixadas, como
características intrínsecas aos índios. Elas se metamorfoseiam em conhecidas
categorias sempre presentes da integração, resistência (guerra) ou errância,
recorrentes nas narrativas sobre populações indígenas. A preocupação com
contextos e processos é elemento indispensável para que experiências se tornem
conhecimentos. Temos alguns exemplos da busca por tomar o uso do trabalho
indígena como dado significante no entendimento destas populações (Aquino,
1978; Oliveira Filho, 1988b, entre outros), ainda que estes ainda apareçam
episódicos. Neste contexto a relevância, como dito, esta em considerar tais
experiências parte de um acúmulo indireto e freqüente, na transformação e
adequação a projetos de construção de atividades econômicas, realidades sociais
e mesmo sociedades nacionais (Lima, 2002c).
Entender o trabalho indígena permite que experiências contidas,
entretanto regulares, coloquem em cheque visões estabelecidas sobre indígenas,
sobre colonizadores, sobre tutela e sobre ações estatais, permitindo que se
visualize continuidades em situações e períodos descontínuos, que se perceba
dentro das especificidades e singularidades de histórias e sociedades, a lenta
apropriação do trabalho e dos territórios indígenas, onde estes seriam ... uma
reserva natural de mão-de-obra. Natural porque é mão-de-obra em seu estado
‘selvagem’, suscetível de utilização nos níveis mais rudimentares de trabalho”
(Cardoso de Oliveira, 1976: p. 54). Assim dentro destas práticas a:
34
“... conquista colonial, que a “situação de reserva” em Mato Grosso
consolidaria, seria um padrão determinado de exploração do trabalho
indígena, desta vez pela inserção dos índios enquanto segmento do
campesinato e dos trabalhadores nacionais localizados no setor agrícola.
(...) o padrão de “acumulação” estabelecido exigia a articulação do modo
de produção “doméstico” do campesinato indígena com o setor capitalista.
Essa articulação possibilita a extração de uma “renda” em forma de
trabalho. As “reservas” de mão-de-obra indígena têm uma relação também
especifica com a situação colonial de que é produto e com a economia
capitalista da qual se apresenta como engrenagem.” (Ferreira, 2007:
p.388)
A importância do trabalho indígena transcorre também em outros contextos, e
períodos, sendo antes de tudo matéria de disputa entre missionários e fazendeiros
em diversos lugares, sendo que a legislação também acompanha e reflete estas
disputas. Não equivocadamente, John Monteiro interpreta que:
“Na verdade, a mentalidade escravista dos colonos não se
chocava com as perspectivas da Coroa nem mesmo com as dos
jesuítas, no que se referia à questão do trabalho no Brasil. Porém,
ao insistir no cativeiro manifestamente ilegal dos índios,
provocou, no campo político, a oposição ferrenha dos padres
inacianos. Afinal de contas, boa parte do poder e prestígio dos
jesuítas no Brasil provinha da sua enérgica defesa da liberdade
indígena, o que, no contexto imediato do século XVII, não
significava tanto a liberdade plena quanto a oposição específica a
situações de escravidão ilegítima.” (Monteiro, 1994: p. 141)
35
A luz de que tais princípios vão se acumulando ou sendo preferidos e/ou
pretendidos nas disputas políticas em torno dos projetos para os indígenas, Izabel
Mattos aponta que, por exemplo:
“No caso da colonização das matas do Mucuri e Doce, a
‘domesticação’ do ‘íncola’, ao mesmo tempo em que liberava o
território para as atividades agrícolas economicamente
valorizadas e adequadas para a solidificação das elites regionais,
parece ter significado, em si mesma, a liberação de uma mão-de-
obra absurdamente disponível uma vez que a economia
monetária nada significava para os nativos” (Mattos , 2006: p.
118-119)
Mesmo quando não se está disputa quem deveria cuidar da administração dos
indígenas, fica claro que o projeto de transformação dos indígenas contemplava:
“... a desapropriação das terras indígenas, a redução de
populações submetidas à escravidão ou à servidão, a conversão
compulsória dos índios, que eram para esse fim comparados aos
‘infiéis’ e ‘gentios’. Subsidiariamente aparece o aproveitamento
das aldeias catequéticas para posto de vigilância militar contra o
irredentismo das tribos insubmissas e dos negros escravos. (...) A
dinâmica do processo de conquista e colonização provocou em
seguida, o surgimento de aldeias de modelo sesmeiro, dirigidas
especificamente à exploração da mão-de-obra indígena”
(Lindoso, 1983: p. 144)
36
É perceptível assim que mesmo com a existência de diferentes projetos, esta se
buscando uma profunda adequação de população indígena e das atividades a
serem realizadas com seu trabalho. A existência de distintas propostas e projetos
para os indígenas apenas aguça a clarificação de que muito mais que estratégias
opostas, estão se debatendo e se praticando a criação e aplicação de projetos que
hoje poderiam ser chamados de desenvolvimento dos indígenas, que também
foram em algum momento de civilização dos indígenas, de catequização dos
indígenas, e que em algum sentido podem ser confundidas com o aprendizado de
uma profissão.
É neste ponto que acho podemos fugir um pouco das limitações impostas
por grupos, locais ou períodos históricos, e podemos esboçar alguma
generalização no que tange a estas políticas pensadas para indígenas. Elas
seguidamente refletem perspectivas aparentemente antagônicas, pois falam em
proteção e transformação –preservação e educação sendo, todavia, dotados de
preocupações muito semelhantes, a integração de populações à padrões
realmente limitados de participação e inserção em uma nova unidade, a
sociedade colonial ou imperial, ou nacional, mais recentemente. As limitações
no escopo dos projetos, se podem mais ser vistas como incluindo opções de
atuação menos colonizadoras, ainda chamam a atenção pelos recortes e opções
concedidas às populações indígenas.
Não estranhamente, com todas as possibilidades que parecem oferecer os
novos projetos para desenvolver populações indígenas, ainda é gritante o
37
limitado horizonte que se coloca para o futuro destas populações (Baniwa, 2005:
P. 79-102). Além do referido apelo político que a denúncia da exploração dos
indígenas tem no universo daqueles que atuam no indigenismo (CIMI, 2000; ISA
1996), é inegável que as formas e propostas de inserção do índio como
agricultor, trabalhador braçal, protetor da floresta ou guardião das fronteiras,
não remete a antigas formas estabelecidas e projetos existentes (Lima, 1998 e
1995; Oliveira, 2004). O léxico como também as propostas sempre guardam
algum parentesco com versões mais perversas de proteção, como nas ações de
aprisionamento, transferência compulsória ou trabalhos forçados. Estas podem
envolver o destino de índios tanto em outros séculos (Almeida, 2003; Mattos ,
2006; Monteiro, 1994), como podem marcar que tais ações foram feitas nos
Estados Unidos (Adams, 1995; Lomawaima, 1994) ou no Canadá (Waldram &
Dyck 1990; Dyck 1991), ou podem mesmo indicar passados recentes, como
aqueles relatados por pesquisas não tão antigas realizadas junto às populações
indígenas tuteladas pelo Estado brasileiro (Almeida, 2001; Baines, 1992).
As semelhanças entre preocupações com o “destino” das populações
indígenas, e a gestão de seus territórios e atividades, não separam antagonismos e
diferenças, e não por acaso nota-se em diferentes momentos da história das
relações entre colonizados e colonizadores, a freqüente disputa pela autoria e
execução de projetos para os indígenas. Estes são notados no período colonial
(Monteiro, 1994); no período imperial (Cunha, 1992); no começo do período
republicano (Lima, 1987 e 1995), ou mesmo mais recentemente nas disputas em
torno do modelo de atuação da FUNAI (ver capítulos posteriores). Eles indicam
38
divergências, mas apontam para a comunhão em torno da preocupação no destino
a ser dado aos indígenas. A repetição desta preocupação, como se verá quando
olharmos diretamente para os projetos de desenvolvimento, chamará a atenção
para o compartilhamento de preocupações e de “agendas” que envolvem muito
do que se pode entender como tutela.
Sem nos atermos ao que tende a ser um rol infinito de estudos e casos,
pode-se tentar refletir que se excluirmos algumas situações onde o que está em
jogo é o não estabelecimento de relações onde se remarca dimensões mais
extremas do encontro colonial como guerra e genocídio o que se tem é uma
consolidação contínua de modos de fazer produzir os indígenas, integrando-se
econômica e socialmente as novas realidades colocadas, com a crescente
ocupação de territórios antes ocupados apenas por indígenas. Inclusive, como
foi escrito sobre vários contextos (Almeida, 2003; Monteiro, 1994; Taussig,
1993, entre outros), em certas situações o extermínio é colocado como uma
opção plausível para que se assegure a escravização de outros indígenas. A
escassez de mão-de-obra implica não apenas na desocupação de áreas para
colonos, mas da participação dos indígenas nestas atividades, e na construção e
produção de mecanismos de inclusão destes. Nestes sentido, a construção dessas
atividades produziu não uso freqüente de mão-de-obra indígena, mas também
diferentes teorias, léxicos e debates sobre o lugar dos indígenas no universo
colonial (Todorov, 1988).
39
Controle das almas
Assim além dos debates específicos dentro dos regimes de atuação
missionários (Mattos, 2006; Todorov, 1988), percebe-se que conjuntamente com
questões de fundo mais “filosófico” sobre a natureza e necessidade da conversão
indígena, o que se tem são extensos debates entre os integrantes do mundo dos
colonizadores por conta do destino e modo de transformação dos indígenas em
integrantes da pax colonial (Dourado, 1958). É evidente que a solução do
extermínio de indígenas só se torna palpável quando ou se tem a possibilidade de
exploração de outros grupos, como escravos africanos, ou se considera a
impossibilidade da conversão do gentio em algo realizável.
E numa parte significativa desta conversão do gentio, implica na
produção, transformação dos indígenas em alguma sorte de trabalhadores. John
Monteiro menciona o interesse peculiar dos bandeirantes paulistas por índios
catequizados (Monteiro, 1994: cap. 2), assim como as seguidas disputas em torno
dos códigos e da escravidão indígena (Cunha, 1992; Georg, 1982) apontam para
esse interesse no controle da mão-de-obra indígena disponível. Isso para não
tratarmos de um dos possíveis desfechos destes debates
9
, representado pela
criação do diretório dos índios, que por mais que envolvesse preferencialmente a
disputa entre setores da coroa da portuguesa e padres jesuítas, materializou-se na
disputa pelos aldeamentos indígenas e a mão-de-obra lá existente (Almeida,
2001).
40
Se o uso de mão-de-obra indígena e a disputa por este controle acompanha
praticamente a história e a trajetória das relações estabelecidas entre povos
indígenas e os grupos neles “interessados” fazendeiros, missionários, colonos,
militares, funcionários públicos, tutores a sua transformação e integração a
sociedade “abrangente” foi gradativamente passando de uma justificativa
secundária para o mote principal das ações pedagógicas. Esta percepção de uma
mudança discursiva, onde a “necessidade” do uso do trabalho indígena deixa de
ser fundamento dos argumentos tutelares, passando a ser mais uma conseqüência
das atividades pedagógicas. Isso como se verá no exame dos projetos de
desenvolvimento nos próximos capítulos, será colocado como a justificativa
principal, integrá-los a sociedade nacional e fazê-los produzir como produziam
os fazendeiros.
A paulatina transformação do trabalho indígena como elemento decorrente
da ação tutelar, se indica-nos desdobramentos das próprias relações entre grupos
e das formas de estabelecimento e justificativa de dominação, aponta para a
necessária importância que o discurso e prática missionária ocupa neste espaço.
Mesmo com os diversos reveses sofridos no papel ocupado pelos missionários
desde os primórdios da colonização, sua presença está imbricada inclusive no
estabelecimento e formatação do trabalho indígena (Kern, 1982; Neves, 1998).
Semelhante a outros elementos presentes na política indigenista, o espaço
de práticas e mecanismos de transformação de indígenas em trabalhadores é
muito mais significativo através da ação missionária. Apesar das saudáveis
9
A idéia de um desfecho, de um final é em si algo impensado, pois como parte de um extenso
campo de atuação política, as vitórias ou consolidações de legislação não encerram nem o
41
dúvidas sobre os reais ganhos nas tentativas de se converter as “almas indígenas”
(Dourado, 1958; Mattos , 2006; Neves, 1998), as diferentes técnicas de persuasão
que envolviam o domínio da língua, o ensino de ofícios, a modificação de
práticas culturais através da vigilância e o controle (Neves, 1998), esboçaram e
consolidaram formas de intervenção para integração indígena. Além disso,
mesmo com todo o pretenso e disseminado na vulgata indigenista (Gagliardi,
1989; Rocha, 2003) afastamento dos missionários da ação indigenista, a
documentação e os convênios estabelecidos desde a colônia e presentes
claramente até a década de 70 do século passado, como as permanentes relações
entre o Summer Institute of Linguistics e a Fundação Nacional do Índio, com a
designação (resignação) pela agência tutelar de atividades indigenistas aos
missionários e missões.
A importância deste papel formador na produção de espaços de fixação e
aprendizado para o trabalho, gerou diferentes desdobramentos desde a própria
continuidade do papel evangelizador, com distintas experiências com
missionários em áreas indígenas, e de certa maneira sua aceitação mesmo que
velada até o presente momento (Pacini, 1999). O entendimento destas relações
ainda se apresenta como um desafio investigativo, mas não é objeto desta
pesquisa.
O que importa aqui é a compreensão de quanto estes saberes e práticas
envolvendo a implantação e realização de atividades produtivas através do
trabalho indígena são fruto não da exploração colonial de grupos indígenas
por grupos e empresas coloniais, mas num trabalho paulatino e gradual de
resultado, posicionamento ou o destino dos envolvidos (Lima, 1985).
42
modificação de populações, territórios e relações. Este se realiza através de
mecanismos calcados no uso da força e da coerção, e também na imposição lenta
e vagarosa de demandas aos indígenas, restrições a antigas formas de reprodução
econômica e social, além da imposição por meios diretos e indiretos de formas de
trabalho semelhantes às estabelecidas no restante da sociedade. Esta
transformação gradual das formas de organização econômica e social passa pela
desarticulação de antigos circuitos de troca e pela adoção (normalmente
estimulada) das atividades econômicas. Estas mudanças operam desde o
conhecido aumento das demandas em produtos obtidos através da caça ou coleta
(peles, caça, extração), até a vinculação de atividades estabelecidas como a
agricultura aos padrões de excedentes das culturas comerciais. No limite temos
casos como os dos Terenas ou Guarani, capturados em redes de exploração de
trabalho indígena bastante tempo (Ferreira, 2007), dentro de padrões de
explorações de áreas e trabalhos braçais arrendamento de áreas e cooptação de
mão-de-obra indígena através dos conhecidos gatos, muitas das vezes indígenas
que intermediam estas explorações (Almeida, 2001).
O importante aqui é entender que o trabalho indígena ocupou até
recentemente um papel fundamental em contextos específicos e nas articulações
de múltiplas políticas de cunho tutelar praticadas dentro deste território maior,
administrado por portugueses e depois espaço imperial e nacional. A construção
destes espaços inclusive se deu direta e indiretamente com a participação dos
indígenas e seu trabalho. No esforço analítico desta tese, objetiva-se aqui
recuperar minimamente indicativos da profundidade e interconexão existentes
43
naquilo que envolve o lugar do trabalho indígena, a construção contínua de
espaços e grupos sociais, e a produção de um conhecimento sobre a gestão de
populações, no caso, indígenas. Perceber a fabricação desses saberes não envolve
reduzir a ação tutelar a planos bem elaborados e gestões perfeitas visando à
aculturação de indígenas e sua integração à sociedade nacional. No atual espaço
de reflexão sobre o Estado, e particularmente da construção de saberes para a
gestão de populações
10
, o entendimento que as ações visando determinados
efeitos e seu real “funcionamento” sobre a realidade e os grupos aos quais se
objetiva tal transformação pode e seguidamente apresenta resultados distintos.
Mesmo quando tais resultados se aproximam do que seria “desejado” pelos
“gestores”, o percurso de construção de tais resultados está muitas vezes muito
distante de métodos e procedimentos técnicos percebidos como adequados
(Ferguson, 1994).
Conclusão
Neste capítulo procuramos apresentar conexões entre as análises que se
farão a seguir sobre os projetos de desenvolvimento postos em prática pela
Fundação Nacional do Índio e eventos históricos que envolviam formular e por
em prática conjuntamente trabalho e populações indígenas sem, contudo,
receberem tal rótulo. Esta escolha teve como objetivo para além de traçar
paralelos, ampliar o horizonte marcadamente restrito presente na qualificação dos
43
10
As análises de Lima (2002) e Castro (2006) apontam para as descontinuidades entre
formulação, execução e resultados de propostas do que chamaríamos hoje vulgarmente
44
projetos de desenvolvimento para populações indígenas formulados pela FUNAI,
colocando-os em diálogo com outras e mais antigas experiências de atividades
econômicas realizadas com e por populações indígenas.
O primeiro senão de tal leitura vêm pela necessidade de situar o que são as
concepções internas da Fundação Nacional do Índio do que sejam as atividades
formuladas/patrocinadas por ela. A dicotomia ainda hoje presente em ler as
atividades realizadas pela FUNAI ora como seguidoras da “lenda rondoniana” e,
portanto, marcadoras de uma nova maneira de lidar com as populações nativas
distinta dos antigos modos de escravidão e servidão em que índios seriam
educados, instruídos, transformados, civilizados pelos funcionários do Estado
brasileiro, ora como mera continuação transformada dos antigos modos de
exploração colonial, ratifica uma visão simplória de tal processo, ratificando
leituras pouco interessantes para o entendimento dos diversos atores, instituições
e projetos existentes para o período estudado, bem como outros que precisariam
ser melhor analisados.
No que tange os objetivos deste trabalho, o entendimento da ambigüidade
presente em gestões tutelares, que procuram estabelecer conjuntamente a
mecanismos de dominação e adoção de atividades econômicas do trabalho
indígena, ao mesmo tempo em que se formulam justificativas pedagógicas ou
civilizatórias para que os indígenas desempenhem tais atividades. O equívoco
presente nos olhares sobre o trabalho indígena está no não estabelecimento de
pontes, e a adoção de divisões estanques e separações em concepções por demais
“políticas públicas”.
45
misturadas da história das atividades produtivas dos indígenas, bem como do
indigenismo.
Diante de séculos de esforço para modificar e adequar indígenas a modos
de viver, com gradual substituição de elementos culturais; econômicos; de
organização social, política e familiar; e até mesmo nas formas de produzir e
acumular conhecimento e gerir territórios de produção. A evidência da
centralidade do trabalho indígena para abertura e colonização de territórios, se
soma a ocupação, proteção e administração dessas áreas.
Implica também na inclusão através de modelos sociais importados das
populações existentes nestes territórios, sendo o limite desta confrontação
representado pela eliminação pela guerra ou conquista dos espaços e grupos
divergentes àqueles que planejam, executam ou simplesmente gerenciam as
formas de ocupação de espaço e de gestão das atividades produtivas
Durante os diversos períodos até a consolidação de um modelo de ação
conectado com a expectativa de se “desenvolver” indígenas, pode-se perceber
conjuntamente às variadas propostas e ações utilizando direta ou indiretamente o
trabalho indígena, mesmo quando o horizonte principal não é a utilização de
mão-de-obra indígena, tem-se a retirada e a recolocação em áreas distintas como
essencial para o desenvolvimento econômico. Pode-se notar isso desde as
guerras justas colocadas em prática quando do interesse de desocupação de
territórios (Almeida, 2003; Domingues, 2000; Mattos , 2006), passando pela
profusão de aldeamentos sejam eles Jesuítas, Capuchinhos, Dominicanos e
46
confluindo para os postos indígenas e as políticas de desocupação de áreas com
indígenas até meados da década de 70 do século passado (Lima, 1998).
A premência do trabalho indígena é ainda maior quando conectamos que
as ações coloniais, tutelares ou desenvolvimentistas se constroem através de
práticas e projetos de intervenção, que tem como um de seus focos, mudanças
pelo trabalho. Dentro do universo ao qual se refere pensar ações sobre grupos
indígenas, que é conhecido atualmente como indigenismo, a “civilização” pelo
trabalho ainda é horizonte não para a percepção do que deveria ser a política
estatal para estes grupos por aqueles que se opõem historicamente. Para além dos
freqüentes argumentos desqualificadores dos indígenas como pouco afeitos ao
trabalho, o que se percebe é a significativa importância que a produção
econômica adquiriu inclusive entre atores e instituições dedicadas a “defender”,
“proteger” os indígenas, tornando-se muitas vezes centrais para modelos e
projetos de intervenção indigenista da FUNAI e de outras instituições que
rivalizaram e rivalizam com a fundação no papel de ditar e propor alternativas a
ação indigenista como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI, 2000), o CIR,
Conselho Indigenista de Roraima (Santilli, 2001), e mesmo nas próprias agendas
políticas dos indígenas (Baniwa, 2005). Mas antes de entrarmos nesta seara
específica, a do exame do que foram os projetos de desenvolvimento, é
necessário um melhor entendimento da ação da Fundação Nacional do Índio
sobre um escopo maior do que meramente pensar e atuar no tocante a consecução
de atividades econômicas, e/ou de trabalho, dos indígenas. Tarefa do próximo
capítulo.
47
Capítulo 2
Entendendo a FUNAI
48
Introdução
Este capítulo tem como objetivo central situar a criação e a gestão inicial
da Fundação Nacional do Índio. Dentro da perspectiva da tese de refletir sobre os
projetos de desenvolvimento, a tutela e o trabalho indígena, faz-se necessário
uma abordagem que pense e historicize as propostas de intervenção tutelar.
Deve-se também rever a própria construção e organização da instituição tutelar
para que consigamos ter um panorama mais aprofundado tanto da tutela como do
desenvolvimento, permitindo que se componha um quadro mais rico do que
foram os expedientes utilizados para formular, coordenar e aplicar a política
indigenista nos moldes que foi aplicado nas décadas de setenta e oitenta do
século passado.
A construção desta abordagem aqui passa primeiro por uma crítica de
certas perspectivas se não consolidadas, pelo menos pouco questionadas e muito
reproduzidas sobre a ação indigenista. Passa por melhor situar não planos e
práticas dos funcionários da agência, mas primeiro rever e fundamentar
criticamente todo um ideário que se não guia de todo a intervenção tutelar estatal,
aparece conjuntamente nas justificativas protecionistas e nas críticas à atuação da
FUNAI. O ideal da proteção respinga inclusive no modo como se tem situado a
história da Fundação Nacional do Índio e de seu antecessor, o Serviço de
Proteção aos Índios, que ainda carece de estudos e investigações aprofundadas.
Como vimos anteriormente em algumas das justificativas para o uso do trabalho
indígena, e veremos mais à frente na crítica à leitura usual do surgimento da
49
FUNAI, o problema é constantemente interpretado como fruto da ou não
execução da proteção. Esta leitura usual apenas reforça a crítica às ações da
agência tutelar, mas impede o entendimento do funcionamento da mesma, que
o “problema” é de execução e não formulação da política indigenista.
Antes de entrarmos numa crítica mais detida sobre como a história deste
período do indigenismo tem sido feita, ou melhor, pouco feita, faz-se necessário
tocar em alguns pontos imprescindíveis para entender sobre que bases se faz tal
tentativa de (re)construção histórica. Particularmente, no que tange ao que nos
interessa aqui entender o surgimento e os primeiros anos que fundamentarão as
intervenções via projetos de desenvolvimento pela FUNAI muito do
desconhecimento dos últimos anos do SPI e dos primeiros anos da fundação
sucessora, esta embebido na ausência de pesquisa, justificada pela sacralização
de certas interpretações que se não são inverídicas (Rocha, 2003), não explicam
de todo os movimentos da ação do Estado em geral e da ação indigenista em
específico.
Esta visão sacralizada contém primeiro, uma visão recorrente de que
devido a uma combinação entre a falência ou gestão por parte do governo do
Serviço de Proteção aos Índios o governo o extinguiu (ISA, 1996; CIMI, 2000;
Moreira Neto 1977). Em seguida ao fim do SPI, a alternativa foi a criação de um
novo órgão visto desconectado dos preceitos e cuidados que a questão indígena
deveria ter, ligado mais à agenda desenvolvimentista econômica do governo
(Azanha, 1982). Esta interpretação crítica se basearia inclusive em evidências
presentes na história: o golpe militar e governo autoritário; acusações de
50
gestão comprovadas por investigação (Comissão Parlamentar de Inquérito);
substituição de funcionários antigos ligados a uma tradição indigenista por novos
funcionários desvinculados desta tradição; atrelamento da atuação da FUNAI as
diretrizes desenvolvimentistas maiores do governo. Mesmo as interpretações
mais favoráveis à história da fundação (Moreira Neto, 1977; FUNAI, 1970) que
ressaltam esforços tutelares em corrigir falhas, reproduzem este padrão de
interpretação onde haveria uma descontinuidade administrativa pela ação do
governo militar.
Assim percebemos que a falência do SPI, extinção e surgimento da
FUNAI criada e gerenciada pelos militares é a chave explicativa para diversas
dessas abordagens de como surgiu e funcionou a FUNAI (Moreira Neto, 1977;
Azanha, 1982; ISA, 1996; CIMI, 2000). Para aqueles que em algum momento
procuraram entender a política indigenista na mudança de Serviço para Fundação
devem ter se depado com este encadeamento lógico, presente na maioria desses
textos e citações que abordam o tema, mas que também é repetido à exaustão por
aqueles que querem retratar o período e arriscam tecer visões sobre a história da
tutela estatal no Brasil (Gagliardi, 1989; Rocha, 2003).
Para outros períodos da ação tutelar temos outros exemplos desta
tautologia pouco elucidativa, onde constatações justificam a história passada,
reduzindo estudo aprofundado por versões nativas rasteiras. Este é o caso das
versões sobre o surgimento do SPI ou da crise passada pelo Serviço de Proteção
na década de 30, onde se explica o começo pelo fim, a vitória de um grupo ou a
51
ausência de recursos como determinante dos resultados políticos
11
. Estas
situações envolvem, para além da evidência da vitória ou ausência, a
possibilidade de que se entendam processos tanto em relação às disputas internas
quanto ao entendimento da proteção aos indígenas dentro do Estado brasileiro. A
explicação pelo resultado ilude o entendimento dos processos de construção do
Estado e de hegemonias dentro do mesmo. Assim, faz-se necessário procurar
entender os movimentos, conflitos, disputas e mudanças dentro e com o Estado
brasileiro, procurando refazer as questões diante de certas afirmações auto e
pouco explicativas
12
. Isto nos faz pensar que tais simplificações não decorrem
de equívocos de má-formação ou desinteresse de aprofundamento, mas que tem
origens na própria arena que envolve a tutela indígena e seu mundo peculiar, o
indigenismo.
O indigenismo como pedra de toque
Antes de remexermos criticamente na história contada sobre este período
da ação tutelar estatal, é importante indicar que certas dificuldades no trato
analítico da história do indigenismo, antes e ainda hoje, estão em profunda
sintonia com a natureza dos tipos de relações estabelecidas na formulação e
prática da tutela.
51
11
Ver Lima (1985 e 1995); Freire (1990 e 2006).
12
A análise de Michel Foucault sobre A guerra das raças (1999) e de E.P. Thompson para A lei
negra (1998), foram em conjunto com as leituras críticas sobre indigenismo (Freire, 1990;
Lima, 1985 e 1995;Lima & Oliveira Filho, 1983; Oliveira Filho, 1988a, entre outros) as
inspirações iniciais para a realização da pesquisa e a fuga das explicações naturalizadas e
naturalizantes sobre a ação tutelar estatal.
52
No sentido que nos interessa aqui, o ideário da proteção e educação dos
indígenas funciona como um horizonte para as tentativas de interpretação da ação
tutelar estatal. Ele norteia as formas como se narram e olham as práticas
tutelares, principalmente depois da criação do SPI (Lima, 1995). Esta narrativa
a da necessária e benéfica proteção tutelar as populações indígenas é de modo
freqüente acionada por grande parte dos autores para entender os (des)caminhos
adotados durante o funcionamento do serviço de proteção (Ribeiro, 1982,
Gagliardi, 1989). Quando as ações tutelares não transcorrem segundo o ideário,
se colocam os “problemas” como fruto de equívocos dos agentes ou de
distanciamento do verdadeiro espírito da proteção aos indígenas (Ribeiro, 1982;
Moreira Neto, 1977). A tutela, ainda hoje, é vista por uma parcela razoável dos
integrantes do campo indigenista como algo benéfico, contanto que seguida
modelarmente mesmo este “modelar” nunca tendo existido ou remetido a um
“tempo mítico” de Rondon. Uma das perspectivas defendidas aqui nesta tese, é
que a impossibilidade de questionar a pertinência e os “bons objetivos” da ação e
do modelo de intervenção tutelar, impede não a revisão crítica da tutela, mas
também da história das práticas tutelares. Ou seja, a aceitação da tutela como a
melhor das práticas impede qualquer entendimento mais aprofundado da mesma,
o que transforma os esforços de produção de uma história em reencenar a
pertinência do modelo.
Assim é importante para investigar as rotinas e os saberes utilizados na
criação da FUNAI e sua sustentação, romper com uma visão simplificada de suas
atividades, sob a égide da tutela ou sob a crítica da aplicação do modelo
53
tutelar. Para além das avaliações e críticas incisivas, pertinentes e politicamente
necessárias para modificação de práticas consideradas equívocas, deve-se poder
estudar e compreender as práticas e os saberes advindos da ação tutelar. Ir além
de avaliar o indigenismo estatal, buscar entender seus modos de atuação e
perpetuação. Transformar aquilo do que também é feito a política indigenista
suas práticas – para explicar e produzir conhecimento sobre o indigenismo e seus
agentes. Sair dos discursos dos agentes do Estado ou sobre o quanto estes seriam
falsos ou equivocados e passar a buscar entender o que se passa no cotidiano, e
se eles realmente transcrevem o discurso do indigenismo em termos práticos.
Este entendimento passa por compreender o indigenismo, sem perder suas
peculiaridades, como política para as populações indígenas, imaginando que sua
existência ainda carrega muito de seu aspecto tutelar, de direcionar e programar
políticas para indivíduos e grupos incapazes. Que este é um saber construído não
preferencialmente com indígenas, mas sobre indígenas, com todas as implicações
existentes deste recorte. É assim um saber construído, em grande parte, por um
grupo que controla, administra, tutela outros.
Outro aspecto fundamental do indigenismo e que como saber tutelar sobre
indígenas, ele se mistura como ideologias de proteção e salvação dos indígenas.
Esta combinação entre saber produzido sobre indígenas e uma ideologia de
proteção, sem compromisso com a produção de qualquer conhecimento, apenas a
feito a repetição do mito de fundação. São fundamentais para o entendimento de
algumas propostas, muitas das críticas e das posturas que aqueles que atuam
dentro da Fundação Nacional do Índio ou em contraposição a ela. O ideário de
54
“proteger”, “cuidar”, enfim, “tutelar” grupos que precisam ser protegidos, e que
envolve planejamento, mas também dedicação, muitas das vezes está acima de
divergências. Não se questiona a proteção, mas como ela foi ou deve ser feita.
Este problema está longe de ser apenas enfrentado quando o tema envolve
indígenas. Outros trabalhos, para outros grupos tutelados como Carrara (1998) e
Vianna (1999 e 2002) também apontam para dilemas enfrentados por este tipo de
ação do Estado. Menores e aqueles considerados como incapazes mentalmente
também requerem – ou o Estado demanda – uma atenção e atuação peculiar. Para
estes grupos tutelados, se identifica uma debilidade real ou não que pede a
intervenção estatal sendo, contudo, rapidamente transformadas de situações em
marcas intrínsecas destes mesmos grupos. A partir da classificação da
necessidade da proteção ou tutela, se criam e mantêm circuitos de
interdependência e produção de assimetrias. Também se registra a freqüente
ambiguidade entre tutela e proteção, “o que precisa ser feito” e “o bem que deve
ser feito”, turvando as fronteiras entre necessidades e imposições, restando ao
tutor decidir.
Partindo desta ambiguidade permanente, pode-se começar a tentar melhor
compreender a falada dificuldade de se produzir histórias mais densas sobre a
história do indigenismo, e dtentar recuperar alguma parte desta história para
melhor situar as “atividades produtivas” desenvolvidas pela FUNAI para
“preparar” os povos indígenas para seu desenvolvimento. Primeiro, o tema não
parece despertar muito interesse naqueles grupos de pesquisadores que deveriam
enfrentar estas questões (Oliveira Filho, 1988b; Oliveira, 2004). A referência
55
quase anedótica ao desinteresse da pesquisa sobre a ação estatal frente às
populações indígenas onde aos antropólogos caberia pesquisar os nativos (os
indígenas), não o Estado e seus agentes; aos sociólogos ou cientistas políticos
caberiam tais interesses, mas que seriam preteridos por temas e instituições mais
centrais para o entendimento do funcionamento do Estado; ou mesmo aos
historiadores, que também considerariam história indígena e suas relações com o
Estado Nacional como um tema menor por mais que caricata em sua definição,
ainda aparenta e sinaliza que a interface entre políticas de Estado e populações
indígenas seja por nativismo, nacionalismo ou preciosismo, é um tema ainda
visto como pouco atraente para pesquisa.
Outro dado que indica certo caminhar paralelo de temáticas, fruto e
gerador do desinteresse investigativo por parte da pesquisa refere-se a quem e
onde se escreve a história da ação indigenista estatal. Muito provavelmente,
como indicam os trabalhos de Lima (1985, 1995), a disputa por conta de qual
projeto para populações indígenas seria adotada pela burocracia do Estado
brasileiro. Esta “adoção” estatal se daria por ter sido capitaneada por engenheiros
militares positivistas (Gagliardi, 1989), forjando o espaço para reivindicação por
estes de uma vinculação direta entre a ação estatal e quem está autorizado a falar
da mesma e das populações indígenas.
Caso alargássemos um pouco este horizonte se poderia recontar em grande
parte a história da ação tutelar estatal não como aplicação de políticas
tutelares, mas como busca ou disputa pela obtenção da legitimidade de uma ação,
calcada no discurso de membros do Estado sobre populações nativas. Em seus
56
momentos mais “felizes” na busca dessa hegemonia, se tentou localizar dentro do
Estado o único discurso legítimo sobre as populações indígenas e ação tutelar do
Estado (FUNAI, 1971). Nesta esfera de agentes e grupos envolvidos em atuar e
falar sobre populações indígenas o que se nota é uma tentativa recorrente de
silenciamento de visões e análises desvinculadas do discurso produzido dentro do
Estado (Rocha, 2003).
Além dessa perspectiva mais genérica sobre a escassez de produção de
conhecimento, soma-se a propalada dificuldade em situar e produzir estudos
mais aprofundados sobre o tema, sem recair nas balizas que o discurso moral que
a tutela oferece. Muitas das tentativas de se abordar a história da FUNAI ou do
indigenismo, mesmo aquelas que se pretendem críticas, aceitam os recortes do
“fazer o bem”, e de orientar a análise para o fracasso/sucesso das iniciativas. A
necessidade inclusive de produção ou adesão aos resultados sejam favoráveis
ou contrários a ação tutelar da FUNAI faz com que se mine qualquer
possibilidade de entendimento mais aprofundado da prática e da história tutelar.
Como a questão, que é política, se torna apenas política a adesão ou crítica a
determinado projeto e, portanto, da adesão ou crítica da tutela estatal se perde
qualquer possibilidade de aprofundamento. Não se pede ou desperta o interesse
no entendimento de como práticas serão pensadas ou formuladas, o
conhecimento interessa para fundamentar a denúncia ou relativizá-la. Assim a
57
busca da descrição mais aprofundada das práticas tutelares e suas nuances tem
sido chave para produção de análises que superem estes impasses presentes
13
.
A história da FUNAI, novas entradas
Partindo para uma aproximação mais detida e uma crítica mais profunda
da história produzida da FUNAI, faz-se necessário retomar alguns daqueles
elementos criticados inicialmente. O primeiro diz respeito à concepção de que a
Fundação Nacional do Índio estaria atrelada apenas ao projeto autoritário e
desenvolvimentista capitaneado pelo governo militar.
Aqui o problema está em confundir uma orientação inegável com sua
única e fundamental orientação. Apesar de terem se transformado, para os
críticos da fundação (ISA, 1996 e CIMI, 2000, entre muitos) em paradigmas de
citação e denúncia a FUNAI como instrumento do projeto desenvolvimentista
dos militares para Amazônia livros como o sempre citado Vítimas do Milagre
de Shelton Davis (1978), não formularam tais abordagens simplificadas. Seu uso
freqüente inclusive reitera a crítica feita aqui da existência de poucas análises
quanto ao surgimento e funcionamento da FUNAI em seus anos iniciais. Mesmo
que a pesquisa realizada por Davis para o livro não contemple de maneira
profunda os modos de atuação e o cotidiano da prática tutelar, ele surge como
uma das principais referências para denúncias das ações nocivas aos indígenas
realizadas pelo Estado brasileiro. Passados trinta anos, o que se percebe é que
57
13
Trabalhos como os de Almeida (2001); Baines (1992); Cardoso de Oliveira (1972); Freire
(1990 e 2006), Lima (1985, 1995, 1998 e 2002) e Oliveira Filho (1979, 1988a, 1988b, 1998,
58
tanto para aqueles que negaram na época como para aqueles que aceitaram as
críticas é de que a avaliação negativa ou positiva da atuação da FUNAI e seus
funcionários não pediam maiores entendimentos, partindo mais de um
julgamento moral do que de uma tentativa de avaliação. O que deveria ser um
ponto de partida para se começar a entender a proteção oficial aos indígenas,
continuou repercutindo em críticas genéricas (p. ex. Heck, 1997; Azanha, 1982) e
em críticas localizadas (p. ex. Almeida, 2001; Santilli, 2001) a atuação da
FUNAI.
A idéia de que a Fundação era mera aplicadora de ações incongruentes
com a realidade (necessidade) dos povos indígenas, ou seja, fracassava na
proteção (tutela) dos indígenas foi e é um dos sustentáculos das críticas e ações
contrárias à ação tutelar estatal. Sem entrar (ainda) neste debate, os relatórios de
atividades e mesmo a coleta extensa de matérias de revistas e jornais
programados e pedidos por estes relatórios indica a importância que tais notícias
tinham para a própria administração da FUNAI. A demanda por recolher e
produzir informações sobre as populações indígenas é uma das atividades
centrais da FUNAI, conjuntamente com a assistência. Todavia, isto não deve ser
confundido com realizar bem qualquer das duas atividades.
Desde meados da década de 50 do século passado, com a criação da Seção
de Estudos do Serviço de Proteção aos Índios, é perceptível para setores da
administração estatal, a importância de se produzir conhecimento sobre as
populações indígenas (Ribeiro, 1982), tanto para melhorar a atuação do SPI
como também para poder planejá-la. Uma outra dimensão sobre este
1999 e 2004) e Oliveira Filho & Lima (1983).
59
conhecimento obtido responde pela idéia do controle sobre dados, populações e
execução da tutela, em contraponto a críticas à mesma.
Quando pesquisei no mestrado (Corrêa, 2000) sobre em que situações se
repreendiam indígenas, era evidente o incômodo de setores da direção do SPI
com a circulação de indígenas pelas capitais brasileiras. O “problema” era maior
quando estes “entravam em contato” com a imprensa e se queixavam da
administração do SPI, sendo inclusive recomendado que não permitissem a
circulação para evitar algum abalo na imagem do órgão. Consultando as atas do
Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), fica claro que os últimos
trabalhos de seus conselheiros, antes de este ser extinto, foram a de rebater
críticas à ação tutelar que vinham sendo veiculadas em jornais.
A preocupação acaba se transformando em diretriz de funcionamento,
onde se tem uma assessoria cuidando disso também, além dos estudos e
pesquisas em geral, e acumulando dados e informações, colecionando notícias
veiculadas em revistas e jornais, e sendo obrigada a responder a críticas e
denúncias. De novo mesmo, no âmbito da FUNAI, será a criação de uma
assessoria para controle interno, nos moldes de outros aparelhos de informação
criados na ditadura: a Assessoria de Segurança e Informação (ASI), que deveria
controlar a própria FUNAI. Assim, é possível inclusive situar esta disputa pela
imagem como um dos nortes da atuação indigenista estatal.
O que as críticas e a preocupação com elas evidenciam, é uma tentativa
tanto dos membros da FUNAI, como de seus críticos, de deter como próprio e
único um discurso sobre a mesma que possa explicar sua atuação. As posições de
60
defesa e crítica do órgão indigenista também chamam a atenção para a aparente
impossibilidade prática de que mesmo com informações se possa pretender dar
conta da atuação da FUNAI como um todo.
A instituição foi criada dentro de um contexto maior de modificações
formuladas e produzidas dentro do Estado brasileiro, que mesmo marcadas pelo
signo de expansão e colonização desenvolvimentista, e capitaneados pela junta
militar que o dirigia – levando aos planejamentos e ações que produziram amplos
procedimentos de reformatação do Estado brasileiro e de seu papel na
formulação, gestão ou apoio aos grandes empreendimentos econômicos por
várias regiões do país contudo não se resumem a isto, mas apenas reduzem o
entendimento que se tem para o período, e que se refletem numa maneira
simplificada e simplória de como a história da Fundação Nacional do Índio tem
sido mencionada.
O ponto fundamental aqui é a busca por estabelecimento de uma análise
que não se centre em conceber a atuação estatal ou de um órgão do Estado como
única. Têm-se seguidamente buscado olhar sobre o modus operandi da Fundação
Nacional do Índio na busca da percepção de regularidades, coerências e
motivações. Esta perspectiva de investigação é imprescindível para qualquer
esforço analítico. Entretanto, no caso não do que se convencionou dizer que a
FUNAI era, mas também da própria leitura de como e porque se extinguiu o SPI
e se criou um novo órgão, o que se tem, tanto em termos de documentação
produzida pela FUNAI (entre relatórios e boletins internos e respostas em
jornais), como de críticas em jornais e mesmo análises do momento e em
61
períodos posteriores, é a reprodução de uma perspectiva que confunde as
diretrizes e preocupações mais evidentes, como sendo o único aspecto da
administração tutelar
14
.
Tais conclusões antes de revelar apenas a pouca investigação sobre tema,
indicam muito mais sobre ele. Apontam que conjuntamente a tentativas
incipientes de entendimento dos contextos de surgimento da FUNAI, restritas a
denúncias e investigações rápidas, e algum aprofundamento de perspectivas
(Davis, 1978; Ribeiro, 1982; Moreira Neto, 1977; Cardoso de Oliveira 1988), o
que se tem é uma avaliação de cunho eminentemente político e crítico do modo
de atuar estabelecido da FUNAI. Muitas vezes baseados em propostas e
execuções equivocadas as intervenções da Fundação em seu período inicial, bem
como o contexto político maior de acirramento de embates entre grupos de
interesse, indicam o constante debate político entre diversos atores interessados
em “tutelar” a política indigenista desenvolvida pelo governo militar e mesmo as
formas de apresentação deste debate. Assim antes de disputar posições, talvez
seja importante refletir sobre estas histórias.
61
14
Ver Boaventura de Souza Cunha 1940 e 1949; Carlos Araújo Moreira Neto, 1977; Darcy
Ribeiro, 1982; José da Gama Malcher (1963) e Roberto Cardoso de Oliveira, 1988.
62
O fim do SPI e o surgimento da FUNAI
Antes de pensar o surgimento da FUNAI é fundamental entender os
contextos da política indigenista nas décadas de 50 e 60 do século passado,
partindo da resposta como caminho para entender o período e particularmente a
situação da ação tutelar no tocante as populações indígenas. Como se verá mais à
frente no capítulo 5, não o período não é apenas marcado por uma paralisação
das atividades ou o declínio de investimentos por parte do Estado no SPI, mas
também como qualquer análise mais apurada poderia notar, junto com a crise
estão sendo pensadas e elaboradas alternativas para solucionar os problemas da
ação tutelar do Estado brasileiro (ISA, 2006: CIMI, 2006, entre outros).
Se, como podemos notar que existem disputas ainda hoje, para atribuir
significados do que foi ou é a FUNAI, também se deve considerar que a história
do SPI, por mais que contada e repetida como um fracasso (Gagliardi, 1989;
Rocha, 2003), não deve como foi objeto de disputa em torno de programas e
perspectivas de ação do Serviço de Proteção
15
. Mais do que isso, como podemos
notar para as questões envolvendo segurança e policiamento de áreas, projetos de
melhoria de ação tutelar (Corrêa, 2000), ou mesmo modos de ação sertanista
(Freire, 2006), o que se tem são diferentes propostas e projetos sendo formulados
e aplicados até o fim do SPI.
Em sendo assim, a FUNAI não surge apenas como uma resposta oficial
aos problemas enfrentados pelo SPI, que culminaram numa Comissão
62
15
Particularmente os trabalhos de Lima (1985 e 1995) e Freire (1990 e 2006) apresentam esta
diversidade de disputas em torno dos projetos de tutela.
63
Parlamentar de Inquérito (Figueiredo, 1968) que denunciava desvios
administrativos, como roubos, execução de função administrativa e até
denúncias de apropriação de terras indígenas por negligência de funcionários do
SPI. Ela conta em seu projeto inicial com a colaboração de vários indigenistas
(Cardoso de Oliveira, 1988; Lima, 1998) egressos do SPI da construção o
mesmo. Após a criação da FUNAI vários ex-funcionários do SPI também são
recontratados ou chamados para atuar na aplicação da “nova” política estatal para
índios, também com os modelos e aparatos pensados e construídos durante os
mais de 60 anos de funcionamento do SPI.
A imagem da FUNAI como contraponto à administração anterior por mais
inverídica que possa ser entendendo-se que a ação estatal não se faz através de
invenções revolucionárias, mas pela construção paulatina de diferentes formas de
ação todavia parece ter se estabelecido como uma verdade. Onde críticos e
defensores de uma ou outra administração (SPI ou FUNAI) apostaram que a
mudança era mais evidente que a continuidade. Mesmo que considerássemos o
discurso moralizante do grupo que assume o poder após o golpe de 1964, não é
possível acreditar na construção de novas formas de intervenção estatal
desconectadas do período anterior. Não pela óbvia noção, que projetos novos
de construção de burocracia não se dão de maneira rápida dentro da mesma, mas
também pela ausência de quadros e projetos dentro das propostas implantadas
pelo governo militar no tocante às populações indígenas.
As primeiras afirmativas desta “nova” política respondem pelo ideário da
proteção dos índios; posse permanente e usufruto exclusivo das terras;
64
preservação do equilíbrio biológico e cultural no contato com a sociedade
nacional; “resguardo à aculturação espontânea do índio, de forma a que sua
evolução sócio-econômica se processe a salvo de mudanças bruscas” (FUNAI,
1968: p.1-2); gestão do “Patrimônio Indígena, no sentido de sua conservação,
ampliação e valorização” (FUNAI, 1968: p.2); promover estudos; promover
saúde; promover educação “visando à progressiva integração na sociedade
nacional” (FUNAI, 1968: p.2); despertar interesse pela “causa indigenista”;
exercitar poder de polícia; e representar ou assistir juridicamente os tutelados.
Destas “novas” políticas, definidas na escritura pública de criação da FUNAI em
1968, não se notam novidades em relação ao estatuto do antigo Serviço. As
preocupações centradas na proteção dos indígenas; garantia de suas terras,
educação, saúde e trabalho, não são novidades nas regulamentações e práticas
tutelares.
Mesmo entendendo que o “problema” da ação tutelar não fosse o de
formulação, mas de aplicação, as diferenças no modo de administrar não foram
tão grandes. A estrutura base da administração tutelar foi mantida, com uma
direção, dotada de departamentos e divisões substituindo o antigo termo Seção
–; com administrações regionais semelhantes, as Delegacias Regionais em
substituição às antigas Inspetorias Regionais; e com os mesmos órgãos de
administração local: os Postos Indígenas.
Se houve alguma mudança nos primeiros anos Fundação Nacional do
Índio foi basicamente no suporte dado às atividades que buscavam a “ocupação”
da Amazônia através da abertura de estradas para projetos agropecuários e de
65
colonização. Onde os relatórios iniciais da FUNAI para os anos de 1969 a 1971
ressaltam que:
“A assistência ao índio, que deve ser a mais completa possível,
não visa e não pode obstruir o desenvolvimento nacional nem
os eixos de penetração para a integração da Amazônia”
(Relatório de Atividades da FUNAI em 1970, p.6)
A não ser naquelas atividades, onde seriam (e foram) contratadas equipes de
sertanistas e antropólogos para atrair e deslocar tribos das regiões afetadas:
“... atividades de atração programada em 12 frentes, que são
constituídos de Sertanistas, Auxiliares de Enfermagem, índios
aculturados intérpretes e mateiros, objetivando evitar encontros
inadequados com trabalhadores do complexo rodoviário da
Transamazônica.
(...)
Criam 4 bases avançadas para apoio logístico:
A FUNAI, através das frentes de atração e penetração, antecipou-se
a todos os trabalhos da Transamazônica, para evitar possíveis
choques entre índios e civilizados.
Referidas frentes, sempre chefiadas por um Sertanista
experimentado, além do trabalho específico, faz uma verificação da
área de perambulação dos silvícolas, objetivando a fixação dos
mesmos no seu habitat natural, facilitando, assim, a interdição da
área ou pedido de criação de Reservas.
(...)
66
Às atrações são sempre programadas, caracterizados pelo respeito às
comunidades e instituições tribais e à pessoa do índio, e se
processam lenta e gradativamente.” (Relatório 1969, p. 11-12)
Contudo, no restante à política indigenista posta em prática pela FUNAI marcava
sim uma continuidade com antigos métodos de gerir populações indígenas pelo
Estado brasileiro. Os investimentos iniciais da FUNAI, em diversas áreas de ação
tutelar, consistiram em reequipar postos indígenas, reformando postos que
tinham sido abandonados e dando continuidade às atividades dos postos
indígenas que haviam sido descontinuadas, o Relatório da FUNAI de 1969 diz
que:
“Cabe à FUNAI administrar, de uma parte, o seu patrimônio e, de
outra, os bens e as rendas do patrimônio indígena, destinando-se as
dotações orçamentárias, em linhas gerais, ao pagamento do pessoal
e de determinados investimentos e a renda indígena, oriunda de
atividades agrícolas, pecuárias, extrativas e agro-industriais e de
arrendamentos, ao custeio dos serviços de assistência ao índio.”
(Relatório FUNAI 1969, p.2)
Assim, minha abordagem inicial procurou situar os projetos de desenvolvimento
dentro de um espectro maior: o das constantes utilizações de grupos e mão-de-
obra indígena para diferentes empreendimentos realizados neste território hoje
conhecido como do Estado brasileiro. Para isso faz-se necessário situar tais
empreendimentos dentro do universo circunscrito das atividades coordenadas e
67
realizadas sobre a chancela do órgão tutelar estatal, a Fundação Nacional do
Índio como evidenciam as programações da instituição para o ano de 1971. Neste
relatório a FUNAI apresenta-se como organizada em três divisões e um órgão
autônomo: a Divisão de Planejamento de Comunidades, a Divisão de Estudos, a
Divisão de Documentação e o Museu do Índio. Para montar o órgão faz-se
necessário “... aliciamento de pessoal técnico, como ainda de ordem financeira,
como conseqüência da contenção de gastos adotada pela atual Administração.”
(FUNAI, 1971: p. 2). Ou seja, faltava pessoal e recursos financeiros.
Para adequação de antigos funcionários do SPI, marcando uma dimensão
que caminha conjunta, o diretor reforça a importância de:
“A propósito dos antigos funcionários do CNPI e SPI convém notar
a situação de desajuste financeiro e emocional em que se
encontravam no início do segundo semestre do corrente ano,
atingidos que foram pelos cortes em suas complementações
salariais, feitos pela administração anterior. Essa situação foi
contornada pela Presidência da FUNAI, com a medida justa de fazer
retornar as complementações cortadas, embora, não em nível igual
às anteriores.” (5)
Assim a construção da burocracia tutelar, se responde a demandas e organizações
do próprio SPI, também procura ganhar ares de burocracia:
“III - Atividades técnicas
3.1 – Projetos, Planos e Programas
a) Projeto Transamazônica prevendo os trabalhos de
atração dos grupos arredios ao longo da rodovia; medidas de
68
segurança dos índios e das frentes de trabalho da estrada e
acôrdo de ajuda técnica com os etnólogos do Museu Goeldi e
os médicos da FESP;
b) Projeto Cuiabá-Santarém com as mesmas finalidades do
anterior, ficando os trabalhos de atração dos grupos arredios
a cargo dos irmãos Villas Boas; acôrdo de ajuda técnica com
os etnólogos do Museu Goeldi e os médicos da FSESP;
c) Relacionamento das necessidades primeiras para a
revitalização dos postos indígenas Baú, Kararaô, Bacajá,
Gorotire, Munduruku e Pucuruí, no Estado do Pará e
Diauarum em Mato grosso, com vistas ao apoio a ser dado
aos trabalhos de atração resultantes da abertura das rodovias
Transamazônica e Cuiabá-Santarém;
d) Parque Indígena do Xingu – projeto de ampliação das
divisas oeste do Parque, com vistas a prepará-lo para acolher
os grupos indígenas arredios localizados ao longo das
rodovias em construção Cuiabá-Santarém e Xavantina-
Cachimbo, incluindo exposição dos motivos e anteprojetos
do decreto;
e) Parque Indígena do Yanomani projeto para criação do
Parque nas divisas do Estado do Amazonas com o Território
Federal de Roraima, abrigando onze grupos indígenas num
total de cêrca de nove mil índios;
f) Parque Indígena do Ituí projeto para a criação do Parque,
no sudoeste do Estado do Amazonas, abrigando vinte e
quatro grupos indígenas, num total de cêrca de cinco mil
índios;
g) Projeto para revitalização do P.I. Camane da criação de
mais três postos indígenas na área nordeste do Estado do
Amazonas com vistas à consolidação da atração dos índios
Waimiri e Atroari (Atruahi) e de sua proteção em face do
69
avanço dos trabalhos da construção da rodovia Manaus-
Caracaraí;
h) Plano de desenvolvimento comunitário para a área do P.I.
Baú, com previsão de criação de reserva, com vistas à
melhoria das condições de vida do grupo indígena
Menkregnotire e a atração dos grupos arredios localizados do
longo das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém;
mapa na área e anteprojeto de decreto;
i) Sugestões para a execução de trabalhos de emergência nos
postos indígenas Santa Isabel do Morro e Canoanã e aldeia
Fontoura na Ilha do Bananal;
j) Plano de assistência e desenvolvimento das comunidades
indígenas das bacias dos rios Içana e Uaupés, no estremo
noroeste do Estado do Amazonas (em elaboração).” (FUNAI,
1971: P: 6-7)
O relatório mostra assim o quão limitado estava à proteção oficial. A ação tutelar
estatal tendo parcelas significativas de fora do planejamento, e mesmo dos planos
de atuação. Ficaram de fora grande parte dos antigos postos e grupos indígenas
tutelados que, contudo, como se verá no quinto capítulo, continuavam sendo
tutelados nos moldes das intervenções do SPI, utilizando-se mais financiamentos
a postos indígenas que projetos.
As deficiências não implicam, contudo em paralisação, seguindo diretrizes
esboçadas em seus planos e procurando construir sua capacidade de intervenção
e de mediador privilegiado do Estado junto às populações indígenas, define e
demonstra a construção de sua competência:
70
“c) Participação do DGEP no Curso Piloto de Indigenismo da
FUNAI, quando foram ministradas trinta e uma aulas; vinte e quatro
do Prof. Roque de Barros Laraia, (Etnologia), quatro do Prof. Júlio
Cesar Melatti (Histórico da Política Indigenista), ambos da
Universidade de Brasília, duas do Professor Ney Land
(Desenvolvimento da Comunidade e Indigenismo) e uma do Senhor
Rubens Auto da Cruz Oliveira (Notícia sobre o Museu do Índio.”
(8)
O relatório programava para o ano de 1971 as seguintes atividades, que
demonstrariam a melhoria da própria ação indigenista:
“II – Atividades Técnicas
1 - Prosseguimento do Curso de Indigenismo
2 - Estruturação do Ginásio Orientado para o Trabalho
3 - Aplicação de questionários de levantamento de dados
para a fundamentação do planejamento comunitário
4 - Planejamento Comunitário
a) Fulniô – Pernambuco
b) Noroeste do Amazonas
c) Porto Real do Colégio – Alagoas
d) Gurupi – Maranhão
e) Reserva Paresi
f) Grupos isolados da Transamazônica
g) Parques Indígenas (Tumucumaque, Yanomani, Ituí e
Xavante)
5 – Aplicação do Plano da Ilha do Bananal (contrôle)
6 Execução de planos para o aproveitamento do artesanato
indígena” (FUNAI, 1971: p.1)
71
Assim, era importante não formular projetos, mas pensar como se
daria a assistência e formação de quadros nas aldeias, além das viagens
para mapear grupos indígenas e unidades administrativas, o relatório
procura estabelecer as atividades administrativas:
“1 –Instalação da Divisão de Estudos
Com a contratação do pessoal técnico especializado será
instalada a Divisão de Estudos a quem estão afetos as
análises, estudos e pesquisas científicas dos grupos indígenas
brasileiros, com vistas à fundamentação dos planejamentos
das comunidades indígenas. após a instalação da Divisão
de Estudos poderá o DEGP planejar as atividades do setor.”
(FUNAI, 1971: p 2)
Junto com levantamentos se estabelecem rotinas de inspeção, onde o:
“... o Diretor do DGEP fará viagens de observação e
inspeção em áreas do Estado do Amazonas, Territórios de
Roraima, Amapa e Rondônia, Estados do Pará, Acre, Mato
Grosso, norte de Goiás, Pernambuco, Alagoas, Bahia,
Guanabara, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Amazonas o Diretor do DGEP devepercorrer a região
dos rios Negra e Uapés, para observação das condições em
que se encontram as comunidades indígenas e fazer contatos
com as Missões Salesianas ali estabelecidas e verificar as
condições para a aplicação do plano de Desenvolvimento de
Comunidades para a assistência e desenvolvimento dos
indígenas daquela área. Prevista para um dos períodos de
maio, junho e julho.
Roraima O diretor inspecionará a Fazenda São Marcos e
observará suas condições atuais e julgará a conveniência da
72
elaboração de planos para o seu desenvolvimento. Visitará,
também, a área onde será instalado o Parque do Yanomani.
Visita prevista para o mesmo período de viagem ao
Amazonas.
Amapá Aproveitando a viagem do Senhor Presidente da
FUNAI ao Território do Amapá, o Diretor visitará os Galibi,
Karipuna, Palikur. Verificará da conveniência de ser
revitalizado o Posto Indígena do Oiapoque para evitar o
êxodo de Emerillon para a Guiana Francesa.
Viagem sem previsão de data.
Rondônia – Ida à área do Parque do Aripuanã onde verificará
a situação dos Cinta Larga (Kawahib) e Suruí. Prevista para
agosto.
Mato Grosso O Diretor entrará em contato com a Missão
Salesiana do Merure e a Missão Diamantina.
Essa viagem será feita na mesma oportunidade em que se
realizar a de Rondônia. A ser efetuada em agosto.
Norte de Goiás Viagem de observação junto aos Apinayé e
Krahô. Viagem para junho e julho.
Acre Sesondada a possibilidade de instalação de Postos
no Estado. Prevista para agosto.
Pernambuco, Alagoas e Bahia Observação junto aos Tuxá,
Pankararu e Fulniô.
Prevista para fevereiro de 1971.
Guanabara Inspeção dos trabalhos que serão executados no
Museu do Índio. Inauguração das exposições e instalação do
Curso.
Viagens periódicas.
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul Observação
das comunidades Guarani, Kaingang e Xokleng. Fiscalização
da aplicação do Plano Desenvolvimento das Comunidades
Indígenas do Paraná.
73
Prevista para março ou abril.
b) – Do DGEP
a) Noroeste de Amazonas A equipe da DPC deverá ir à
região do Uaupés e Içana a fim de, juntamente com a equipe
da Divisão do Desenvolvimento Comunitário, proceder à
aplicação do Plano de Desenvolvimento das Comunidades
Indígenas da Região das Bacias dos rios Uaupés e Içana.
Viagem sem previsão de data.
b) Pernambuco Ida a Águas belas para proceder o
levantamento de dados e aplicação do Plano para integração
definitiva dos Fulniô.
c) Amapá Aplicação de questionários de levantamento de
dados para a elaboração de plano de revigoramento de um
Posto e criação de outros dois.
Viagem sem previsão de data.
d) Roraima Aplicação de questionários de levantamento de
dados para a elaboração de plano de desenvolvimento da
Fazenda São Marcos.
Esta viagem poderá ser feita por ocasião da ida ao noroeste
do Amazonas.
e) Mato Grosso Em Tereza Cristina será levantada a
situação dos Borôro a fim de ser elaborado plano de
assistência e desenvolvimento daquela comunidade.
Sem data prevista.
f) Goiás Viagem para coleta de dados para planejamento
comunitário, junto aos Apinayé.
g) Guanabara Viagem para as aulas do Curso sobre Temas
de Museologia e Antropologia.
h) Mato Grosso – Levantamento de dados na Reserva Paresi.
Esta viagem poderá ser feita por ocasião da ida à Teresa
Cristina.
Sem data marcada.” (FUNAI, 1971: P. 4-6)
74
Na busca por, pelo menos, divulgar as ações, se apresentava uma tour
nacional nos moldes das expedições do SPI (Lima, 1995).
Conjuntamente ao relatório que apresenta futuras ações, aparece a
descrição detalhada, prestando contas e indicando conhecimento de
grupos, rotinas e atividades:
“3) Aplicação de questionários de levantamento de dados para a
Fundamentação do Planejamento Comunitário
Serão aplicados questionários de levantamento de dados em
Pernambuco (Fulniô), Amapá (Galibi, Palikur, Karipuna e
Emerillon), Roraima (Wapixana e Makuxi), Mato Grosso
(Borôro e Paresi) e Goiás (Apinayé) com a finalidade de
elaborar planos de desenvolvimento dessas comunidades.
4) Planejamento Comunitário
Serão elaborados planos de assistência e desenvolvimento
das comunidades abaixo:
a) Fulniô visando completar a sua integração na sociedade
nacional o plano abordará todos os aspectos de
desenvolvimento e assistência como demarcação de
terras, construção de casas, escolas etc. para essas
comunidades;
b) Noroeste do Amazonas o plano de assistência e
desenvolvimento das comunidades indígenas das bacias
dos rios Içana e Uaupés está em fase de conclusão e
visa o aproveitamento de uma vasta região cujos recursos
podem e devem ser explorados a fim de elevar o padrão
de vida daquelas comunidades;
c) Porto Real do Colégio Alagoas a situação difícil em
que se encontram is Xukuru-kariri, exige, também, a
elaboração de planos que visem à assistência e
desenvolvimento dessa comunidade;
75
d) Gurupi Maranhão a transferência dos índios Urubu
das suas aldeias de origem para a Reserva Florestal do
Gurupi se concretizará com a criação de Posto Indígena
nessa Reserva. Para tanto, o DGEP formulará planos para
a definitiva fixação desses indígenas no novo local;
e) Reserva Paresi – após a troca da Reserva Paresi pela
Fazenda Formoso e após o levantamento de dados serão
elaborados planos de assistência e desenvolvimento da
Comunidade Paresi;
f) Grupos Isolados da Transamazônica a medida que
forem surgindo grupos arredios na região da estrada, o
DGEP irá formulando planos de assistência visando
salvaguardar a integridade bio-cultural do indígena;
g) Parques Indígenas após a instalação dos Parques
Indígenas Tumucumaque, Yanomani, Ituí e Xavante
serão feitos os planos para a atuação da FUNAI nas
respectivas áreas.
5) Aplicação do Plano da Ilha do Bananal
O DGEP juntamente com o DGPI e DGAs controlarão a
execução do Plano de Desenvolvimento da Ilha do
Bananal.
6) Execução de plano para o aproveitamento de artesanato indígena
O DGEP estudará planos para incentivar a produção do
artesanato indígena, com vistas à melhoria qualitativa desse
artesanato e ao desenvolvimento que ele trará as
comunidades artifícios.
7) Prêmio Curt Nimuendaju
O DGEP elaborará os estatutos para a instituição do Prêmio
Curt Nimuendaju, destinado a premiar a melhor monografia
sobre o indígena brasileiro. Este concurso será de âmbito
nacional e em nível universitário.
Informativos
76
Serão elaborados informativos sobre diversos grupos
indígenas como o dos Xavante, Karajá, Kaiapó, etc.”
(FUNAI, 1971: p.7-9)
Assim neste capítulo temos como enfoque a discussão do que foi em suas
diversas dimensões a criação e os primeiros vintes anos de funcionamento da
instituição. Antes de formular direções e convicções do que foram, procuraremos
apresentar e refletir sobre as diversas direções, posições e ações tomadas sobre
ou contra a política indigenista oficial do Estado brasileiro neste período. O
esmiuçamento das conexões e divergências relativas às posições tomadas pela
FUNAI e por seus funcionários e bem como a crítica a atuação estatal, base
fundamental para que entendamos este universo de discursos, problemas e
posicionamentos políticos sobre as populações indígenas.
O exame dos relatórios de funcionamento da FUNAI como apresentado
acima, indica que se existia uma preocupação em dar suporte às atividades
colonizadoras na Amazônia e uma preocupação mais geral em colocar postos e
indígenas em circuitos de produção e comercialização, o que se sobre a égide
da assistência e desenvolvimento é uma quantidade enorme de atividades.
Se fosse possível resumir as tarefas pensadas e demandadas tanto pelo
estatuto da instituição, como pelas demandas do restante do Estado e pelos
grupos indígenas assistidos, o que se tem é um aumento crescente de tarefas para
o órgão tutor cumprir, como no caso do relatório de 1970.
Nele se apresentam as atividades realizadas por toda a FUNAI, desde
despachos administrativos até as viagens para fundamentar e implementar
77
práticas. As tarefas podem ser especializadas como análise de processos
envolvendo questões territoriais ou mesmo contra a FUNAI. Evidencia-se ali a
atuação de uma assessoria de relações públicas para colecionar, responder e
publicar informações sobre povos indígenas e a FUNAI.
A superintendência administrativa (SA) deveria melhorar instalações e
buscar recursos para “... reforço de dotação orçamentária” (FUNAI, 1970: 13);
conjuntamente deveria implantar três delegacias regionais, organizar curso de
indigenismo e “... organograma básico, com fim de uniformizar as estruturas
equivalentes.” (FUNAI, 1970: 13); remodelar quadros, reformular procedimentos
administrativos, com mais controle central. A Divisão de Pessoal deveria
organizar funcionários e a Divisão Financeira deveria controlar e alocar recursos
para as administrações regionais.
A Diretoria Geral de Estudos e Pesquisas (DGEP) deveria projetar
estradas, criar e aumentar Parques Indígenas, revitalizar Postos Indígenas, iniciar
Projeto de Desenvolvimento Comunitário do PI Baú, promover e organizar
alguns encontros relativos à política indigenista e ainda administrar o Museu do
Índio (MI).
Naquele ano, cabia a Diretoria Geral de Assistência (DGAs) cuidar da
saúde dos indígenas com medidas preventivas e curativas, com estabelecimento
de um hospital na Ilha do Bananal, além da distribuição de medicamentos e
atendimento. Também cabia a DGAs coordenar a educação e desenvolvimento
comunitário, investir na formação sertano-indigenista com estagiários e continuar
78
trabalhando em “Planos Integrados de Desenvolvimento Comunitário nas áreas:
baixo Amazonas, Transamazônica e Ilha do Bananal” (FUNAI, 1970: 27)
O Departamento Geral de Patrimônio Indígena (DGPI) deveria criar
normas internas do Patrimônio Indígena; contabilizar a Renda Indígena;
regularizar a situação de terras indígenas, criar instruções reguladoras do
comércio de produtos artesanais, onde se incluiria mais uma atividade produtiva
coordenada pela FUNAI:
A dinamização desse ramo de atividade, em outras cidades, não é
propriamente comercial. Visa pura e simplesmente, em coordenação
com o DGEP, e sob sua égide, a promoção e difusão do artesanato
indígena, a redução do monopólio explorador pelo comércio
especializado e, por fim, uma propaganda substancial, eficaz, sem
alarde, da arte indígena.” (FUNAI, 1970: 30)
Também o DGPI apresentava estatísticas de transferências e despesas da Renda
do Patrimônio Indígena, durante o exercício de 1970. Nestas estatísticas pode
perceber controlar dos gastos e das arrecadações de cada delegacia regional.
Depois se prestava conta das atividades específicas no tocante aos grupos de
atração de índios na Transamazônica e as atividades de cada delegacia.
Este relatório é uma das primeiras tentativas de sintetizar as ações dentro
da FUNAI, e aqui foi descrito de forma longa mais como recurso estilístico para
demonstrar a complexidade das atividades. É importante ressaltar que as
demonstrações não são prestações de contas, mas também uma maneira de
propagandear as atividades que a Fundação procurou executar durante seu ano
bem como a programação para os anos vindouros.
79
A apresentação das diversas unidades garante uma unidade que mesmo em
seus dias mais organizados a FUNAI jamais logrou obter, como exemplo,
podemos refletir sobre um aspecto da ação burocrática da FUNAI que continuou
a ser realizada durante as suas primeiras décadas, a produção de certidões
negativas pela FUNAI. Estes documentos que foram expedidos para atestar a
inexistência de grupos indígenas em áreas ocupadas por empreendimentos
agropecuários. As certidões foram emitidas pelos próprios funcionários da
FUNAI, e geraram como atestam diversos relatórios sobre grupos indígenas das
regiões centro-oeste e norte, uma profusão de conflitos e brigas em torno da
posse e ocupação de terras, como no caso dos índios Xavantes onde “... a terra
que havia sido vergonhosamente vendida aos fazendeiros, pela própria FUNAI.”
(Relatório Xavante, 1977: 3), gerando por isso uma enormidade de disputas
como atesta o relatório de um funcionário da FUNAI:
“Iniciamos as nossas atividades, com um trabalho de limpeza das
reservas indígenas, ou seja, tirando de dentro das terras dos índios
os fazendeiros e posseiros que ali habitavam. Vale dizer, que apesar
das terras estarem demarcadas, delimitadas e tudo mais, ainda
permaneciam [insistentemente] várias fazendas dentro da terra do
índio. Com a indispensável colaboração da Polícia Federal,
inicialmente fomos a Reserva de Sangradouro, onde encontramos
vários fazendeiros que faziam resistência aos índios, recusando-se a
desocupar a área. Removemos de lá todos os fazendeiros.
Comunicamos isso imediatamente à Brasília (DGO), num relatório
minucioso, falando de nossas dificuldades de desenvolver um
trabalho sério nesta área, quando esbarrávamos em entraves feitos
pelos próprios Delegacias e Departamentos da FUNAI. Nenhuma
80
providência foi tomada para alertar ou punir os culpados dessa vez,
como não fora outras vezes, quando através de relatórios ou em
reunião na presença do Sr. Presidente, reivindicamos providências à
esse absurdo.” (Relatório Xavante, 1977: 01-02)
Estas situações, bem como os conflitos, invasões, ou mesmo a existência de
milícias indígenas armadas para controlar situações de violência representam
uma das dimensões constitutivas da FUNAI em seus primeiros anos. E para fins
analíticos gostaríamos de remarcar que a ação tutelar da fundação alternará
movimentos de controle e regulação bem sucedidos, que permitem que ela
planeje uma atuação nacional sem, contudo, consegui-la executar a contento;
com períodos de organização ou reestruturação, onde ela tem dificuldades em
estabelecer um padrão geral, mais ganha em certa capilaridade, que vários
setores tendem a tratar de temas próximos, como desenvolvimento e/ou
assistência.
A dificuldade de coordenar e implementar atividades nos Postos e
Reservas Indígenas apontam para que apesar de se inspirar e repetir práticas
adotadas desde o SPI, como a exploração econômica, a construção de escolas e
distribuição de medicamentos, a padronização da atuação demoraria bastante a
ocorrer. Não é a toa que as atividades entre os departamentos se entrecruzam,
criando inclusive atritos entre os funcionários da FUNAI:
“Tal distorção entre planejamento e execução, acaba por criar um
clima de tensão e insatisfação junto às comunidades, que culmina
com o deslocamento de suas lideranças para o centro do poder
81
decisório, onde o planejamento termina por ser atropelado pelas
pressões pessoais dos índios.” (Relatório FUNAI, 1985: p08-09)
Além da dificuldade de pessoal para coordenar as atividades que aparecem nos
relatórios das divisões e departamentos internos, atestando a falta de pessoal
(Relatório DGEP, 1971; DGA, 1979-1982; DDC, 1977) existe uma
ambiguidade nas próprias denominações, como assistência e desenvolvimento,
onde uma mesma atividade pode ser pensada dentro do Departamento de
Assistência ou no Departamento Geral de Operações; e outras atividades podem
ser planejadas pelos mesmos departamentos ou pelo Departamento Geral de
Estudos e Pesquisas.
A sobreposição, somada às demandas que ocorriam em todos os postos
indígenas do país, fez com que muitas das atividades fossem regularmente
distribuídas por todos os postos indígenas com a consolidação da administração,
e a captura de recursos de diversas fontes, como enunciados em vários
documentos, para garantir a aplicação da política indigenista brasileira.
Nos relatórios, como da Divisão Geral de Planejamento Comunitário em
1972 aparecem à recuperação de PIs com o início de implantação e recuperação
de infra-estrutura; a atração de grupos indígenas – o que certamente deveria caber
a outra divisão da FUNAI e não de planejamento comunitário. Formavam-se
conjuntamente novos quadros para ocupar cargos vagos. Tal era o caso da “...
para preparação dos Técnicos de Indigenismo que vão chefiar os Postos
Indígenas” (FUNAI, 1972: 2). A formação também se dava “... com viagens do
82
diretor do DGPC, para fazer estágio no Programa de Desenvolvimento
Comunitário (Guanabara), na SUDAM e na SUDENE (FUNAI, 1972: 2). A
coordenação de encontros entre Delegados Regionais da FUNAI (BSB) e
pareceres sobre 73 autorizações de visitas: cientistas, missionários e
cinegrafistas. Assim o que deveria ser uma divisão para planejar a atuação
específica referente ao planejamento comunitário, acaba se transformando em
respostas a demandas gerais da própria máquina estatal. Este é um “sintoma”
muito comum a atuação da FUNAI, onde a pressão por autorização para
pesquisas e a tentativa de obstruir, ou minimamente controlar o acesso, acaba
desviando a divisão de seu objetivo inicial.
É em meados da década de 70 do século passado que passam a se
organizar mais detidamente as ações:
“II – Programa de Ações para 1973
a) Programa de Desenvolvimento das Comunidades Indígenas
– Qüinqüenal 1973/1975
b) Infra estrutura para postos indígenas:
- Peruíbe (4ª DR)
- Krahô (7ª DR)
- Xavante (7ª DR)
- Pataxó (Aj. M/B)
- Porquinhos (6ª DR)
- Mamoadate
- Alto Purus } COAMA
- Alto Juruá
c) Continuação dos trabalhos de Atração de tribos
- Avá-Canoeiro
83
- Guajá
d) Preparação de Projetos de Desenvolvimento das
Comunidades:
- Guarani – Litoral Paulista
- Krahô
- Kayapó
- Xokleng [colocado a caneta, depois de datilografado]
e) Capacitação de pessoal de Nível Superior, Médio e de
Liderança Comunitária em âmbito de planejamento e de
execução.
f) Complementação de obras de recuperação de postos
indígenas:
3ª DR – Aticum
Kambiwá
Rodelas
Pankararu
Palmeira dos Índios
Porto Real de Colégio
4ª DR – Mangueirinha
Icatu
Araribá
Faxinal
5ª DR – Paraíso
Santana
Perigara
Barbosa de Faria
6ª DR – Krikati
Araribóia
Governador
84
Guajajara
Bacurizinho
7ª DR – Areões
Rio das Mortes
Rio do Sono
8ª DR – Nambiquara
(COAMA) Igarapé Lourdes
Karitiana
9ª DR – Pirajuí
Porto Lindo
Taquaperi
Sassoró
São João
Nioaque
PIX – Diauarum
PIA – Fontoura
Tapirapé
PQIA – Sete de Setembro
(COAMA) Roosevelt” (Programa de Ações para
1973, p. 6-8)
São nestas coordenações que começam a se estabelecer a diretivas que
irão guiar todas as intervenções nos anos seguintes da FUNAI. A adequação e
controle são fruto do gradual estabelecimento de normas e regras, mas também
da objetivação de planejamentos mais duradouros, e centralizados na figura de
85
uma Assessoria de Planejamento e Coordenação (ASPLAN), criada para
coordenar todas as atividades desenvolvidas pela FUNAI. Esta sistematização
levou inclusive a criação de projetos de desenvolvimento continuados (Anexo I),
formulados e pensados para serem executados durante três ou quatro anos, no
que seria um planejamento em médio prazo. Na ASPLAN passaram a ser feitas:
“... a elaboração, análise e avaliação de Projetos de
Desenvolvimento de Comunidades Indígenas a serem implantados
com recursos orçamentários, extra-orçamentários e do PRODEC,
bem como projetos econômicos do DGPI” (Relatório DDC 1976, P:
1)
Sendo que os Departamentos Gerais passavam a se reportar diretamente a
assessoria técnica, no caso a Assessoria de Planejamento e Coordenação
(ASPLAN). E desta modificação que serão gerados todo o endurecimento
programático e ao mesmo tempo executivo relatado no terceiro capítulo, quando
se passam a fomentar e produzir projetos de desenvolvimento quase como uma
demanda fundamental para a ação indigenista. A criação de Assessorias também
responde a modificações não só de interesse da Fundação Nacional do Índio, mas
a própria existência de uma Assessoria de Segurança e Informação (ASI) marca
um endurecimento no controle por setores ligados à inteligência militar da
administração estatal. Assim como se criam as Superintendências Regionais,
esforços de controle burocrático por uma administração que tinha atuado de
forma dispersa por muitos anos, caso da Divisão de Desenvolvimento
Comunitário, que antes detinha a competência da:
86
“... elaboração de planos, programas e projetos setoriais, visando o
Desenvolvimento Comunitário, enfatizando a autopromoção dos
grupos indígenas baseado nos estudos, planos e projetos realizados
pelas demais Divisões.” (Relatório DDC 1976, P: 1)
As modificações geraram a inoperância do DGPC e do DDC nos anos de 1977 e
1978, enquanto isso os projetos continuavam a ser implementados em todas as
regiões do país. E só foram ganhar novos ares em fevereiro de 1981 com a:
“– ‘transformação do DGPC em Assessorias Geral de Estudos e
Pesquisas –AGESP), com a transferência das Divisões de Saúde,
Educação e Desenvolvimento Comunitário para o Departamento
Geral de Operações DGO. Naquela oportunidade vários técnicos
foram transferidos para esta Divisão.” (Relatório DDC 1976, P:três)
Nestas disputas internas para ver quem programa e implementa a política
indigenista, que é feita basicamente através de projetos de desenvolvimento,
grupos enfraquecidos como o da DDC propõe mudanças no aparato, onde novos
nomes podem conseguir assegurar que antigas funções sejam retomadas:
“A Divisão propõe um Programa de Desenvolvimento de
Comunidade Indígena, que tem a função de ser um modelo
alternativo, e, portanto, possibilitar comparações. Os projetos–
87
piloto, possibilitarão treinar pessoal e formar metodologia de uma
ação social indigenista que poderá ser adotada em outras
comunidades.” (Relatório DDC 1976, P:três)
O curioso é que a idéia de projeto-piloto é fundamental por servir como
diferenciador da ação daquela divisão, tendo caráter demonstrativo, servindo
como exemplo. Estas disputas continuariam até a metade da década de 80,
quando a FUNAI perde eficácia administrativa e passa paulatinamente a não
dotar mais de orçamento, planejamento e autonomia total para gerir projetos de
desenvolvimento, como antecipam algumas posições, como do Programa de
Desenvolvimento das Comunidades Indígenas (1984). Nele se reforçam
problemas como a necessidade de “... melhorar a qualidade dos serviços de
assistência, com a finalidade de elevar o bem estar social dos grupos indígenas.”
(FUNAI, 1984: p 1).
Diante dos problemas encontrados no seu funcionamento, acredita que a
solução pode reforçar as recomendações técnicas, aproximar administração
central e unidades, anteprojetos detalhados, como se os problemas enfrentados
pela FUNAI voltassem a decorrer de má administração indigenista:
1) no tocante à agricultura, procura não introduzir tecnologia que não
esteja ao alcance do índio, levando em consideração o grau de
aculturação da comunidade;
2) o projeto pretendido deverá tão somente partir do princípio de
ampliar, de modo racional, aquilo que o índio tradicionalmente
cultiva;
88
3) no que pese a orientação do item anterior, além das necessidades
sentidas devem ser observadas as necessidades latentes, quando da
elaboração do projeto;
4) é extremamente importante indicar no ante-projeto agrícola, o
calendário de atividades, precisando todas as fases, do preparo do
solo à colheita, e, se for o caso, a época da comercialização
(procurar a colaboração da EMATER local);
5) procurar difundir nos próximos projetos agrícolas o uso da tração
animal, com a finalidade de baixar o custo de produção, bem como
elevar o índice de aproveitamento da força de trabalho da
comunidade;
6) nos próximos ante-projetos agrícolas, será exigido a análise química
do solo cuja área será utilizada com o plantio (as Unidades
Regionais que não dispõem de engenheiro Agrônomo, nem de
técnicos agrícolas, devem procurar o Escritório Local da EMATER,
no município em que está situado o PI, e solicitar a colaboração do
extensionista para a tarefa de coleta do solo, enviando a amostra à
EMBRAPA ou ao laboratório de análise química do solo disponível
na cidade mais próxima);
7) objetivando obter-se um rendimento médio em kg (peso) por hectare
de qualquer cultura, recomenda-se evitar o uso de sementes não
selecionadas e não aclimatadas à região;
8) o uso de defensivos (formicidas, inseticidas, fungicida, etc.), é
recomendado quando a incidência mostrar-se realmente prejudicial
ao crescimento vegetativo da planta e/ou com tendência a reduzir a
produtividade. A decisão deverá ficar a cargo do Engenheiro
Agrônomo, técnico Agrícola ou extensionista da EMATER;
9) o uso de fertilizantes e corretivos estará sempre sujeito à
interpretação da análise de solo, bem como ao estudo da viabilidade
econômica do projeto;
10) Evitar ao máximo a introdução de máquinas e implementos
agrícolas que dependem de derivados de petróleo;
89
11) O(s) modo(s) de produção (coletivo, familiar, individual, etc.) a ser
definido nos projetos, deve ser de livre escolha da comunidade
indígena;
12) a seleção de sementes proveniente da própria lavoura, para uso no
plantio na safra seguinte, deverá ser realizada sob a supervisão do
Engº Agrônomo ou Técnico Agrícola (as Unidades que não
contarem com esses técnicos, devem procurar a colaboração do
extensionista da EMATER local);
13) os grãos selecionados para semente deverão receber tratamento
químico antes de serem armazenados;
Obs.: a adoção dessa prática é recomendada para as comunidades que
conheçam e adotem tecnologia agrícola não tradicional segundo
seus padrões de cultura com o amanho do solo.
14) o acesso ao armazém de sementes tratadas deverá ficar restrito a
pessoas que conheçam os efeitos tóxicos oferecidos pelos produtos
químicos do tratamento utilizado (em hipótese alguma será
permitido o ingresso de crianças nesses locais);
15) a comercialização dos produtos do trabalho da Comunidade
(coletivo, familiar, etc.), deverá ser realizada pelos próprios índios
com orientação dos técnicos da FUNAI na área, e, sempre no
sentido da obtenção de maiores ganhos;
16) a comunidade indígena deve ser continuamente conscientizada pelo
chefe do posto (Auxiliar Técnico Indigenista), quanto a utilização
dos recursos obtidos na comercialização de suas lavouras, para
financiamento das safras subsequentes, de modo a alcançar a
independência dos recursos da FUNAI para esse fim;
17) como é do conhecimento dos senhores, a FUNAI tem procurado,
nos limites de suas possibilidades financeiras, dar a ênfase
necessária a projetos que realmente possam contribuir para o bem
estar social dos diferentes grupos indígenas nos seus diversos graus
de contato. Objetivando medir os efeitos da ação deste trabalho com
vistas a se proceder reajustes e correções, inclusive de sua filosofia
90
quanto à forma, necessário se faz o registro periódico dos eventos
de cada fase do projeto (Acompanhamento), encaminhando-o à
Administração Central para análise e avaliação. A fonte de
realimentação do Planejamento é, sem dúvida, o acompanhamento
das fases da ação planejada.” (FUNAI, 1984: p. 01-04)
Intrigante perceber que apesar da defesa de uma correlação harmoniosa entre o
trabalho indígena e “técnicas tradicionais” de agricultura, representada pelo
técnico da EMATER, o texto da entender da própria impossibilidade de isto
acontecer. Ou seja, as atividades, indígena e técnica agrícola, são construídas em
oposição. Um outro elemento “interessante” do relatório refere-se à reiterada
tentativa de gerir projetos com o trabalho indígena, onde as atividades
capitaneadas pela FUNAI, inspiradas na modernização agrícola de empresas
como a EMATER, são de modo muito semelhante executadas com a mesma
mão-de-obra indígena que sempre tocou as ações produtivas dentro de reservas.
Assim, como se retornasse a velha discussão, onde tutela e desenvolvimento não
são questões importantes de serem discutidas, resolve-se retomar as discussões e
os projetos de desenvolvimento com a reforma e melhoria dessas atividades,
mesmo que no ano seguinte seus funcionários desfaçam dessas decisões:
“Ao longo destes últimos anos ficou patente aos olhos de todos, que
os interesses das comunidades indígenas iam em direção contrária a
política levada pelo órgão tutor, gerando sucessivas crises, expressas
nas constantes mudanças de sua administração. Durante os governos
autoritários, a direção da FUNAI recorreu a uma interpretação
distorcida do exercício da tutela, procurando transformar um
instrumento de defesa dos interesses das comunidades indígenas em
91
uma camisa de força para limitar a capacidade de articulação e
mobilização política das mesmas.” (Relatório Funcionários da
FUNAI, 1985, p. 02, grifos meus)
O mais interessante do trecho, é a clara explicitação – mesmo num
período onde a FUNAI estava passando por mudanças decorrentes do
advento da Nova República de que o princípio da tutela em si não é
um problema, mas sim sua execução. Seguindo os moldes e as bases da
própria sustentação da tutela como princípio legítimo da administração
estatal dos índios:
Considerando os diversos níveis, propostas de vida e óticas
diferenciadas, elaboradas pelas várias comunidades indígenas,
supor-se-ia formas específicas de tratamento a nível de
assistência. Entretanto, tal política não vem sendo adotada,
fazendo com que um único modelo seja aplicado a várias etnias
e grupos em estágios distintos de contacto com a sociedade
nacional. Tal confusão faz com que grupos recém-contatados
tenham o mesmo tratamento de grupos com alto grau de contacto, e
culmina por provocar relações insatisfatórias que se apresentam
para os últimos como formas paternalistas ou mesmo
castradoras, tirando-lhes toda a autonomia e capacidade de auto-
determinação no tocante a gerência de seus destinos. Criam-se,
portanto, de forma arbitrária e violenta mecanismos de dominação e
subordinação, quando na verdade o que se espera é promoção e
estímulo a gerirem seus projetos de vida.
Consideramos que uma política de saúde, educação e
desenvolvimento comunitário não pode ser pensada como oriunda
de departamentos estanques, sem que haja uma postura
interdisciplinar e o estabelecimento conjunto de formas
92
complementares de ação, como ora acontece. A falta de um
planejamento conjunto para parte dos técnicos responsáveis por
tal política tem se refletido na falta de estabelecimento de metas
prioritárias e estratégias comuns. A desarticulação faz com que
muitas vezes, se estabeleçam contradições entre os objetivos. A
ótica desenvolvimentista que rege os projetos de DC refletem-se,
quase sempre, na criação de dependências externas e até mesmo,
nos casos de implantação da monocultura e mecanização exagerada,
numa queda do padrão alimentar da população, além da violentação
de suas formas tradicionais de organização econômica e social.”
(Relatório Funcionários da FUNAI, 1985, p. 05-06, grifos meus)
Em linhas semelhantes, temos aqui semelhantes articulações, de cunho paternal,
onde se reconhecem equívoco, mas estes referem-se ou ao passado
(irrecuperável) ou ao equívoco de um indivíduo. Assim, quando os dados
evidenciam a derrocada do modelo de projetos de desenvolvimento, a ação tutelar
como burocracia que representa, apresenta novamente soluções ou fornecendo
uma revisão técnica de seus procedimentos, ou refazendo criticamente sua
atuação, defendendo assim uma nova fase do órgão indigenista, agora marcado
pela competência.
Conclusão
Neste capítulo procuramos apresentar e buscar entender o surgimento e
funcionamento da FUNAI, principalmente no que se refere ao tema e período de
maior ênfase dessa tese, projetos de desenvolvimento realizados nas décadas de
93
70 e 80 do século passado. Objetivava-se de modo inicial dar conta de criticar
versões “oficiosas” da extinção do SPI e da criação da FUNAI. A aposta é que
um exame mais detido da documentação, e do próprio modus operandi dos
funcionários do órgão indigenista trouxesse luz para o quão complexo os temas
da mudança e continuidade podem ser quando tratamos de órgãos da
administração pública.
A evidencia das disputas políticas, a luta pela legitimação e
estabelecimento das versões sobre a história como mais ou menos verdadeira.
Somado a isso também procuramos mostrar o próprio acúmulo de conhecimento
mesmo que mal utilizado que órgãos estatais tendem a produzir, e o quão
muitas das vezes não respondem a idéias de homogeneidade que se intenta traçar
para entender determinada realidade.
No próximo capítulo procuraremos explicitar e explicar as atividades de
formulação dos projetos de desenvolvimento, buscando detalhar pressupostos,
recortes, modelos, semelhanças e distinções quando da fabricação e apresentação
de propostas para desenvolver indígenas dentro da Fundação Nacional do Índio.
94
Capítulo 3
Os Projetos de
Desenvolvimento
95
Introdução
Este capítulo consiste na investigação de como se criaram e estruturaram
termos, formas, procedimentos e categorias para a formulação e implementação
de projetos de desenvolvimento, enquanto construção dentro dos meandros desta
instituição da burocracia estatal específica para tutelar populações específicas, a
Fundação Nacional do Índio.
Assim como os outros capítulos, em conjunto com este esforço de
apresentar e explicitar categorias e procedimentos de atuação da FUNAI, o que
se enfrenta simultaneamente neste terceiro capítulo, tem também como horizonte
é o reconsiderar e repensar formulações e aplicações da administração tutelar
sobre o horizonte da “competência” ou “eficácia” destas ações. No capítulo
anterior explicitamos alguns dos elementos que são evocados ou estão
envolvidos quando se procura tratar da história da administração tutelar, onde os
questionamentos da eficácia, profundidade ou objetivos da FUNAI têm sido
seguidos pela ausência de investigação ou aprofundamento sobre como se
formulam e constroem as ações tutelares (ISA,1996, 2000 e 2006; CIMI, 2000 e
2006).
Não se trata de afastar ou desqualificar as críticas à ação estatal. A
administração estatal em geral, e a tutelar e de maneira específica, carece de
maior e melhor reflexão sobre suas atividades “protetivas”. Ainda hoje, o
indigenismo estatal e seus agentes baseiam grande parte de seu modus operandi
muito mais na recuperação e na busca da reatualização de procedimentos
96
consagrados, ligados aos “heróicos” fundadores da ação tutelar (Lima, 1995;
Oliveira Filho & Lima, 1983), do que a busca de construção ou pelo menos
fundamentação mais atualizada de suas intervenções. Todavia, por mais que se
apóiem em grande medida a uma história heróica e consagradora, é evidente que
não apenas desses procedimentos se constroem e se aplicam políticas
indigenistas, e em particular projetos de desenvolvimento para desenvolver
indígenas. O capítulo se fundamenta assim, em mesmo sem rechaçar críticas,
considerar que a construção de peças para basear intervenções a escrita de
projetos – também cria e fundamenta léxicos e ações da administração estatal.
A propalada incompetência da FUNAI por seus críticos (ISA, 1996, 2000,
2006; CIMI, 2000 e 2006) e comungada mesmo por aqueles que compartilhariam
do “ethos” da proteção Rondoniana (Ribeiro, 1982; Rocha, 2003), não implica
em que não se esteja frequentemente construindo formas de intervenção e
buscando se padronizar procedimentos, categorias de interpretação e mesmo
maneiras de se olhar a ação tutelar e populações indígenas. Tentar entender a
ação tutelar e compreender como se formularam certas regularidades na
construção das intervenções desenvolvimentistas é o principal objetivo aqui.
Propostas de projetos de desenvolvimento para indígenas
O ponto de partida para entender tais procedimentos foi o mapeamento de
setenta projetos, planos e programas de desenvolvimento formulados dentro da
Fundação Nacional do Índio, visando colocar em prática atividades para
97
desenvolver os grupos indígenas em diversas localidades do país entre as décadas
de 70 e 80 o século passado.
98
99
100
101
102
O critério de seleção reflete primeiramente o acesso a estas propostas de
intervenção nos arquivos da FUNAI. Mesmo no final da pesquisa, não se pode
103
ter a noção do conteúdo total de projetos aplicados às populações indígenas,
apenas sendo perceptível por alguns trabalhos (Almeida, 2001; Ferraz, 1983,
1990 e 1998; Garfield, 2001) e por alguns relatórios encontrados sobre os
Departamentos Geral de Assistência (DGA), Departamento Geral de Operações
(DGO), Departamento Geral de Patrimônio Indígena (DGPI) e Assessoria de
Planejamento (ASPLAN), que o número encontrado foi muito maior. Os
relatórios de atividades contemplando Delegacias Regionais (DRs) dão conta de
que pelo menos nas regiões Sul, Centro-Oeste e Nordeste, nos primeiros cinco
anos da década de 1980, são quase impensáveis considerar a não formulação de
propostas para cada área indígena administrada pelas delegacias.
Para começarmos a entender melhor o que foram estas propostas de
desenvolvimento, preferencialmente chamadas projetos de desenvolvimento, mas
também planos e programas, temos que primeiro diferenciar conteúdos e
procedimentos deste tipo de produção escrita realizada pelos funcionários da
FUNAI. Para melhor explicar, fizemos uma divisão arbitrária que em
algumas vezes estas fronteiras não são muito claras entre projetos e relatórios.
Estes últimos continham conteúdo explícito e histórico sobre as intervenções
desenvolvimentistas, relatando como tinham sido certas ações e quais deveria ser
as futuras. os projetos representam um tipo de documentação produzida pela
FUNAI, central para o entendimento das intervenções desenvolvimentistas
capitaneadas pelo órgão tutelar, onde se reúnem sobre aparente forma
tecnificada, uma série de formas e termos para organizar e estabelecer diretrizes
para aplicação de ações desenvolvimentistas, sem necessariamente explicar ou
104
debater com os afetados no caso os indígenas e também daqueles que por
acaso não dominem léxicos e procedimentos postos em prática. Esta maneira de
atuar não se limitava no período apenas ao funcionamento do órgão indigenista
estatal, sendo inclusive peculiar a certos tipos de intervenção propostos e
executados pelo Estado brasileiro no período do governo militar (Almeida,
1994), e ainda presentes sobre rótulo de intervenção técnica (Castro, 2006).
A ausência de explicitação de formas de atuação se combina, no caso dos
projetos, de elementos que corroboram com o desconhecimento do modo de
atuar em projetos de desenvolvimento, como se verá no último capítulo. Esta
ambigüidade entre ausência de informação e desconhecimento sobre este
determinado assunto, é ainda mais evidente com o exame dos projetos, onde as
formas de aplicação destes são colocadas de maneira sintética e pouco
elucidativa, chamando a atenção para a auto-explicação de modelos e formas de
intervir em populações indígenas quando se pretende desenvolvê-las. Antes de
aprofundarmos a descrição dos projetos, terminologia, recursos e modos
propostos de intervenção, é imprescindível reconhecer e considerar que a
ausência de profundidade nas propostas de projetos de desenvolvimento onde
pouco se fornece de informações mais detalhadas sobre modos de ação tutelar
é parte integrante das formas de intervenção estatal.
105
Atuação genérica, o léxico apresentado sem ser explicado
No começo dos levantamentos nos arquivos da FUNAI sobre os projetos
de desenvolvimento, além das mencionadas dificuldades de entendimento da
organização interna, outro dado que sempre chamou a atenção era a pouca
profundidade em que eram organizadas e classificadas as intervenções
desenvolvimentistas. A aparente desorganização, refletia-se no apronto
classificatório genérico, onde o grande critério aglutinador era desenvolvimento e
o especificador era a referência ao determinado grupo indígena que deveria ser
desenvolvido uma combinação entre pretensa localização “etnológica” do
projeto e, no máximo com algum tipo de preocupação de adequação
classificatória à antropologia
16
. Antes de considerar esse recorte genérico como
pouco esclarecedor, exploraremos as simplificações como parte integrante da
ação tutelar, onde quantidade e disseminação de ações são um dado essencial
para que se permaneça formulando e aplicando os projetos de desenvolvimento.
O primeiro dado que podemos apontar neste esforço pedagógico de
apresentar e reforçar a importância dos projetos está na profusão de categorias e
termos, de sentido técnico e específico, mas que no exame das propostas de
projetos não conseguimos precisar distinções. Este é o caso de termos como
projetos econômicos, projetos de desenvolvimento e projetos de desenvolvimento
comunitário. Se no tocante ao exame específico, como se nota no quinto capítulo,
existente uma diferença de proposta e escala das ações econômicas, onde as
105
16
Nos moldes das críticas feitas por Lima (1998) ao uso do conhecimento antropológico pelos
funcionários da FUNAI nos relatórios de identificação.
106
ações comunitárias visam desenvolver a “comunidade” indígena e os projetos
econômicos visam produzir para a venda e integrar comercialmente às
populações indígenas à sociedade envolvente, no processo de formulação dos
projetos, estas diferenças são muito pouco significativas tanto no modelo de
produção como na obtenção de excedente. Antes de ser apenas um indicativo da
má formulação dos projetos por seus formuladores, a ausência de separação entre
as atividades, apenas indica que os tipos de ação com a rubrica o
desenvolvimento projetos agrícolas, agropecuários, agro-industriais (olarias,
etc.), de mineração, exploração de florestas, frentes de atração, artesanato,
formação profissional e/ou educacional, atendimento à saúde, arqueologia, etc.
pouco importavam em termos de orientação mais precisa. Se existe algum
espaço para distinções, elas apenas faziam parte de uma preocupação maior em
reconhecer potencialidades específicas de cada grupo indígena, recursos de seus
territórios e modos de produção de cada região, ou seja, de reforçar as ligações
entre a atuação estatal, as comunidades indígenas e as atividades produtivas
(econômicas) intentadas. Junto com estes projetos, incluem-se também as
mudanças de denominação, dependendo do contexto plano de emergência,
plano de ação, plano de assistência, plano de apoio às comunidades indígenas e
os projetos ligando desenvolvimento a um determinado grupo, como por
exemplo, projeto Umutina – que versavam sobre atividades correlatas.
Outro elemento que reforça esta percepção de que o tratamento genérico
dado pela ação estatal aos distintos projetos de desenvolvimento está na maneira
como estes são identificados, classificados e tratados pelos diferentes
107
departamentos e divisões. O exame dos projetos e dos relatórios produzidos para
apresentar ações feitas ou programar futuras indica a recorrência destas mesmas
categorias pela Assessoria de Planejamento e Coordenação (ASPLAN), pelo
Departamento Geral de Planejamento Comunitário (DGPC), pela Divisão de
Desenvolvimento Comunitário (DDC), pela Divisão de Assistência ao Índio
(DAI). O que supostamente deveria indicar distâncias e diferenças de enfoques,
no exame detido dos mesmos deixa claro muito mais que atividades
desenvolvimentistas no máximo são distintas para acompanhar as já mencionadas
potencialidades do grupo indígena, da região em que este estava localizado ou da
atividade econômica desejada. Em termos de distinção, vemos apenas um maior
ou menos ênfase no conteúdo econômico, onde as ações com grupos mais
“aculturados”
17
são lidas como mais essencialmente econômicas. Assim nota-se
que antes de poder significar algum tipo de incompetência organizacional da
FUNAI na organização de seus arquivos ou modos de atuar, mostra sim a pouca
necessidade ou relevância de aprofundar a atividade tutelar. Antes que se possa
pensar que se trate de um conhecimento compartilhado pelos funcionários, a
recorrência de poucas explicações e de subentendidos reforça a percepção de
desconhecimento de códigos e significados entre os setores da administração
tutelar.
107
17
As denominações como de índios arredios, em vias de integração, integrados (Lima, 1995),
para indicar o grupo-alvo e que tipo de projeto de desenvolvimento deveria ser aplicado salienta
a importância dos esquemas classificatórios para a realização a formulação e da intervenção da
FUNAI. É interessante pensar que outros esquemas de classificação podem estar sendo
acionados em conjunto pelos técnicos em desenvolvimento em contextos de formulação dessas
políticas.
108
Outro destes elementos, que pela maneira genérica com que são tratados
reforçam a percepção do interesse do Estado em padronizar e generalizar ações
de desenvolvimento, buscando a formatação de um modo de administração da
FUNAI está na pouca importância entre as fontes de financiamento como o
Plano de Integração Nacional (PIN), o Programa Integrado de Desenvolvimento
do Noroeste do Brasil (POLONOROESTE), a Superintendência de
Desenvolvimento do Centro- Oeste (SUDECO), o Programa de Financiamento
do Desenvolvimento das Comunidades (PRODEC) e as políticas indigenistas
pensadas pelo órgão tutelar. É evidente pelos relatórios e informes produzidos
pela FUNAI, que o importante no tocante às tais fontes financiadoras, bem como
outras fontes buscadas em convênios com instituições governamentais ou não,
nacionais ou não, é conseguir recursos para financiar a ação estatal. A única
singularidade quanto às fontes de financiamento para projetos de
desenvolvimento, está no estabelecimento de fontes “internas” para geri-los, caso
da Renda do Patrimônio Indígena mecanismo desenvolvido ainda no período
de ação do Serviço de Proteção aos Índios e mais a frente tratado. Assim os
recursos podem vir desde fontes de financiamento direto para o desenvolvimento,
como as superintendências regionais de desenvolvimento (SUDAM, SUDECO,
SUDENE e SUDESUL) até daquelas que supostamente contrariariam as
diretrizes da política indigenista, caso dos recursos vindos para mitigação dos
impactos da construção da BR- 364 para mitigação de seus efeitos e
deslocamentos compulsórios (Sigaud, 1986).
109
Por último, antes de descrevermos detidamente os projetos encontrados e
suas distinções, é importante perceber que a procura pela construção de sínteses e
abordagens semelhantes para diferentes populações, contextos e projetos
econômicos está no cerne da construção de uma política indigenista pela FUNAI.
O esforço está em estabelecer continuidades segundo seus desígnios, que por
mais que não sejam apenas de integrar econômica e socialmente às populações
indígenas à “sociedade nacional”, também o são. Assim construir abordagens que
padronizem modos de produzir e viver pede que se construam intervenções que
não sejam tão díspares, permitindo que experiências sejam exemplares e
intercambiáveis. Agora examinaremos detidamente aquele tipo de material
central para este capítulo.
Os projetos
O cerne da investigação aqui dispensada é esmiuçar o tipo de informação
que se quer produzir e reproduzir quando da realização de diversas propostas de
intervenção, e principalmente que as ações se querem implantar quando da
elaboração destes tipos de propostas de intervenção, onde se explorariam
distinções e semelhanças entre os referidos setenta projetos propostos pelos
funcionários da FUNAI para servir como base da ação tutelar entre os anos de
1970 e 1987.
A partir desse caso pode-se também compará-los com outras formas de
propor atividades produtivas em geral e uso de mão-de-obra indígena em
110
específico, permitindo estabelecer pontes entre contextos, modos e termos de se
construir intervenções tutelares. A limitação a este número de propostas é fruto
da opção por tratá-las como intervenções tópicas que permitiriam pensar
categorias, modelos e formas de ação. O recorte pelo local, muito mais que
indicar um bias de centrar em intervenções localizadas, permite que se debruce
sobre um dos horizontes mais importantes da intervenção dos projetos: a
construção de unidades de administração tutelar que fossem autônomas.
Se a política indigenista é pensada e divulgada como nacional mesmo
que as ações nem sempre tenham o grau de distribuição e disseminação uniforme
(Iglesias, 1993; Lima 1995) ou que estejam organizadas segundo prioridades de
ação do órgão indigenista (Oliveira, 1998) seu mecanismo preferencial de ação
é a unidade local e sua transformação em intervenção exemplar, proporcionado a
sua própria consolidação como política indigenista para o desenvolvimento.
Neste sentido, a distribuição dessas ações durante um período de tempo,
acompanharia e revelaria a gradual implementação das diretrizes de
funcionamento da FUNAI:
111
Quadro II – Distribuição Projetos/Ano
A distribuição dos projetos de desenvolvimento abarca principalmente o período
final da década de 70 e na primeira metade da década seguinte, é revela a
consolidação do modelo de intervenção tutelar que foi aos poucos sendo testado
e implementado pela FUNAI, para transformar as áreas indígenas em espaços
preferenciais de produção econômica pelos indígenas.
A criação da FUNAI e sua gradual implementação, como vimos no
capítulo anterior, tinha como objetivo substituir o antigo SPI, e de certa maneira
112
se afirmar como uma instituição mais eficaz e conectada com os projetos
desenvolvimentistas que deram o tom das ações iniciais do governo militar
(Mendonça, 1986: p. 69-100). Não á toa que os projetos referentes aos anos de
1970, 1973, 1975 e 1976, guardam por seu conteúdo, um caráter específico e
destoante dos modelos posteriores. Estes projetos, bem como as ações
apresentadas nos relatórios (descritos no quinto capítulo) para o período,
mostram o caráter experimental das ações casos dos projetos para o posto
indígena Krenak (1973) que buscava reformar as atividades executadas na
referida unidade administrativa e sua transformação em unidade ordeira e
produtiva (Corrêa, 2000). Também no posto indígena Baú (1970), os objetivos
traçados no projeto são de recuperação da capacidade produtiva do posto, com
recuperação da estrutura do mesmo, para que assim este pudesse voltar a
funcionar plenamente. Os projetos referentes aos anos de 1975-76 tratam
também de recuperação da capacidade das áreas indígenas envolvidas, e
construção de alternativas de funcionamento destas, com a recuperação do posto
indígena, mapeamento da população e território e proposições de novas
atividades, que permitam melhorar condições econômicas e sociais (Oliveira
Filho, 1987).
Mesmo que se possa questionar “compromissos” e “eficácias” destes
primeiros projetos, claramente a sua dispersão restrita a espaços limitados da
malha administrativa da FUNAI evidenciam o contraste com os projetos de
desenvolvimento postos em prática a partir de 1978. Não que antes do período em
que se dissemina o modelo projetista, fossem as unidades locais da
113
administração tutelar tidas como pouco ou nada produtivas. Grande parte delas
corrobora e mantém padrões anteriores de produção, tanto é que em alguns dos
novos projetos, caso do Projeto Kaingang e do Projeto Xokleng (Santos, 1975b e
1975c) , o que se planeja é remodelar relações e formas de intervenção
consolidadas, recuperando áreas e grupos indígenas, e inserindo-os em novo
modelo de atuação mais produtivo e participativo
18
.
Porém é com a disseminação destes projetos a partir de 1978, e que
perdurariam até meados de 1986 quando se dará novamente uma modificação
de conteúdos, com a presença maior de informações e algum espaço para diálogo
entre os modelos e a interação com os grupos tutelados – o que temos é a
consolidação de um perfil de atuação indigenista, onde a criação de áreas
produtivas, com índios produtores e excedente de produção que sejam
demonstrativos da eficácia do trabalho indígena para a sociedade envolvente.
Nos capítulos anteriores deixamos claro a importância histórica que o
trabalho indígena teve para construção de novas sociedades no chamado mundo
colonial. O uso de mão-de-obra indígena foi fundamental para articular
atividades produtivas, e reconfigurar relações existentes em territórios e
populações colonizadas. Desta articulação se remodelam não as relações
envolvendo tutelados, mas também modificando abordagens e ações dos tutores.
O trabalho indígena tem importância pedagógica e econômica para a
transformação dos indígenas em trabalhadores integrados, mas também como
113
18
Os Projetos Kaingang e Xokleng foram encontrados nos arquivos do PETI/MN/UFRJ e são
assinados por Sílvio Coelho dos Santos (1975b e 1975c), em moldes semelhantes aos outros
listados por Oliveira Filho (1978).
114
modificadora ou reforçadora de percepções sobre a tutela, e os tutores e seus
tutelados.
Neste período, novamente percebe-se que as atividades produtivas
realizadas dentro de áreas indígenas e, com a participação dos indígenas como
mão-de-obra, é fundamental para o modelo de ação tutelar que se quer perpetuar.
Esta importância se configura também na propagação de sua relevância, como
praticamente o único meio de fazer funcionar as unidades tutelares – todos
passam a ter algum tipo de projeto e na importância que esse adquire em
termos de acúmulo de recursos econômicos e simbólicos por conta da FUNAI,
fundamentando uma agenda onde tutelar é ensinar a trabalhar. Mesmo que os
indígenas sempre tivessem trabalhado.
Seguindo o modelo mais conhecido de projeto-piloto, as ações postas em
práticas pela FUNAI em meados da década de 70 visavam assegurar a
exemplaridade e eficácia deste “novo” modo de administrar áreas indígenas,
substituindo o “antigo” mecanismo de administrar áreas indígenas através de um
tutor que coordena e define a ação indigenista. Estas transformações de formas e
práticas de gestão não se dariam de modo imediato tanto para a ação tutelar
como a administração pública estatal mas como ascensão gradual de novas
maneiras de se tutelar, que vinham sendo testadas desde a época do SPI como
alternativas de melhorar e transformar a ação indigenista:
115
Quadro III – Disseminação dos Projetos
Paralelo a construção de novas formas de intervenção para o desenvolvimento de
populações e áreas indígenas, a FUNAI, e num espectro maior o governo militar
tentava modificar outros aspectos da tutela indígena. Em conjunto com a
construção deste novo modelo de coordenar o trabalho indígena, o órgão tutelar
116
procurava construir também outras formas de intervir na construção dos
territórios indígenas e no próprio relacionamento tutelar.
A busca de novas formas de tutelar neste mesmo período se reflete em
outros campos que não o do desenvolvimento, caso das terras indígenas, onde a
FUNAI procede de maneira quase antagônica, que ao mesmo tempo em que
demarca territórios, produz documentação que fundamenta a ação de não
indígenas as certidões negativas quanto à presença destes na aquisição de
espaços destinados à colonização, onde se deveria garantir o direito indígena às
áreas. Também é do período a tentativa de emancipação dos indígenas, onde a
FUNAI procurava emancipar indígenas da tutela e liberar terras para
colonização. Toda esta preocupação com territórios e populações indígenas
envolvia a aparente necessidade da administração pública de remodelar as bases
da política tutelar diante da restrição dos recursos enfrentada pela Fundação.
Contudo, estes movimentos também representavam antigos anseios e
preocupações presentes desde o SPI (Lima, 1995: parte II; Corrêa, 2000: cap. 1)
somados ao novo perfil produtivo que se procurava dar às áreas indígenas em
específico e a política tutelar como um todo.
Destas modificações, ao mesmo tempo em que se procurava reforçar o
apelo à mudança, estabelece-se o trabalho para gerar excedentes (recursos) como
o objetivo central, procurando mimetizar o em torno de áreas indígenas, como
um amplo espaço de produção econômica. Antes de ser paradoxal, o modelo do
trabalho indígena consistia em certa medida na transformação dos indígenas pela
inclusão em circuitos maiores de produção, ao mesmo tempo em que esta
117
inserção permitia o aprendizado de novas e “corretas” formas de gerir territórios,
atividades produtivas e o cotidiano dos indígenas:
Quadro IV
Atividades produtivas “estimuladas” pelos projetos
19
Todavia, as novas formas de trabalho como possibilidade, como em outros
períodos da ação tutelar, estavam restritas em sua imensa maioria à
transformação dos indígenas em trabalhadores braçais.
117
19
Alguns projetos eram referidos para mais de uma atividade, daí o somatório maior.
4. Desenvolvimento Integrado incluía projetos em atividades econômicas, educação, infra-
estrutura e saúde.
118
Neste ponto podemos comprovar dois dados fundamentais do período.
Primeiro, que os projetos envolvendo comunidades da região Centro-Oeste
além das áreas indígenas, temos intervenção tanto do plano de comunidades
indígenas afetadas pela BR-364, do componente indígena do Polonoroeste e
também do Projeto de Desenvolvimento Regional Indígena (PDRI), direcionado
para as populações indígenas na região Nordeste, atestam a modificação relativa
do padrão de ação da FUNAI. Se os projetos de desenvolvimento surgem como
contraponto ao método de trabalho realizado sobre a chancela e a tutela do chefe
de posto indígena, com a massificação da terminologia e das práticas tutelares via
projetos, fica evidente que em grande parte a mudança se deu muito mais através
de uma nomenclatura, do que realmente a substituição de antigas práticas. O que
se altera é o formato de obtenção de recursos, intensivo por determinado período
de tempo, e a perspectiva de que esta ação produza uma modificação no modo
como as atividades dentro da área indígena se realizem, principalmente as
econômicas.
Segundo, que estas categorias apesar de algumas obedecerem a novos
padrões caso de desenvolvimento integrado, que combina diversas atividades
estão calcadas em antigas e estabelecidas maneiras de se abordar aquilo que
são denominados problemas indígenas” saúde, educação, etc. Desta
constatação percebe-se novamente a existência de vínculos entre antigas e novas
políticas para populações indígenas. E a combinação de antigas e novas políticas,
melhor reveladas no quinto capítulo.
119
Mecanismos de construção e reprodução dos projetos
Feita esta primeira entrada pelo conteúdo geral dos projetos, passemos
agora ao exame detido do que se coloca como importante na fabricação dos
mesmos: o exame das categorias imperativas na construção de propostas de
projetos de desenvolvimento. Por princípio, e de alguma maneira distinto do
formato dos relatórios, os projetos são baseados em modos sintéticos de produzir
e revelar informações sobre os grupos indígenas, territórios e agentes envolvidos
na realização da atividade. Estas categorias organizativas revelam a marcação de
alguns elementos fundamentais para o entendimento das ações
desenvolvimentistas como um todo. São as categorias-chave para organização de
um projeto de desenvolvimento.
Ao examinar mais detidamente aquelas intervenções projetadas a partir do
final da década de 1970, notam-se as linhas mestras para sua formulação, e por
estarem imbricadas com um modelo de ação que visava promover o
desenvolvimento e a padronização de uma forma considerada tecnicamente
melhor de gerir o trabalho indígena. E, conjuntamente, se criam também eixos e
categorias de intervenção, fundamentais para a alteração dos modos
estabelecidos de pensar e realizar a ação tutelar.
Um dos elementos mais significativos refere-se ao aparente paroxismo
entre a proteção fraternal presente em imagens ligadas ao indigenismo mais
“tradicional”, baseado na imagem do núcleo organizador composto de
engenheiros militares positivistas, comandados por Rondon, e as “novas
120
tecnologias de gerenciamento” de populações, territórios e atividades propostas
pela intervenção desenvolvimentista. A aparente oposição entre as tradições mais
antigas e formas mais recentes de estabelecimento da relação entre tutor e
tutelado, opõe diferentes perspectivas de como o Estado deve atuar e quem
deveriam ser os coordenadores, todavia, ao mesmo tempo, reforça a importância
do tutor neste contexto. Se considerarmos que em algum momento as propostas
de intervenção da proteção fraternal procuravam se distinguir de padrões
estabelecidos de ação tutelar, o que acontece com a entrada das práticas
desenvolvimentistas e o estabelecimento desta nova agenda é novamente a
importância dada para as novas abordagens da tutela, antes tidas como científicas
e hoje interpretadas sobre a égide da intervenção técnica (Lima, 1995 e 1998).
Os eixos fundamentais da intervenção baseada em projetos carregam as
seguintes denominações: apresentação, objetivos, metas, programas específicos,
distribuição de recursos e observações finais. Estes recortes permitem que se
discrimine onde, como, quando e por que se devem realizar determinadas
atividades que colocariam o projeto de desenvolvimento em funcionamento,
permitindo sua execução. Estes eixos é que organizam e recortam os tipos de
informações consideradas necessárias para a execução destas tarefas. Ao invés de
se impor formas de trabalho indígena ou organizar atividades que
pedagogicamente transformariam índios em trabalhadores nacionais, o que se
tem com projetos de desenvolvimento é a adoção de certas práticas que quando
bem informadas e executadas ajudarão no desenvolvimento de populações
indígenas. Todo o vocabulário indica a possibilidade de que obtidas certas
121
informações e realizadas certas práticas pode-se alcançar o desenvolvimento.
Todavia, se os eixos são marcadamente indicativos da atualidade das
intervenções sobre o rótulo e programação do desenvolvimento, as categorias que
compõe os projetos representam uma incursão sobre modos estabelecidos de
se descrever populações indígenas, utilizando categorias presentes no
indigenismo, mas que na verdade se baseia em apropriações programáticas de
todo um léxico administrativo e/ou antropológico.
O primeiro elemento refere-se à localização, onde se estabelece o lugar
administrativo mais geral dentro do território nacional (o município), e aqueles
dados que indica a localização dentro da máquina tutelar estatal, o nome de posto
indígena e de delegacia regional. Junto com esta indicação, perfazem-se
conexões entre modos especificamente ligados a FUNAI e seus paralelos no
mapa do território gerenciado pela administração pública em geral. Assim,
localiza-se a ação tutelar e se dispersa o Estado através de ações, ocupando e
mostrando a capilaridade das mesmas.
Em conjunto com a localização, fornecem-se dados sobre área para
produção, características de solo, relevo, vegetação e períodos de chuvas,
fundamentando sobre que se bases devem ser feitas às ações desenvolvimentistas
e documentando as características daquela área indígena. Este conhecimento será
acumulado e permitirá uma intervenção que potencialize características, que
pelos dados mencionados envolve fundamentalmente a exploração agropecuária
de seus “potenciais”. Além de ajudar a compor numericamente a ação estatal e
seu funcionamento.
122
No espectro de se reunir informações e produzir leituras, a identificação
da comunidade qual grupo indígena, qual tronco lingüístico, qual grau de
contato reproduz o que seriam os dados sobre a população indígena que seria
importante para a execução dos projetos. Além da caracterização “etno-
linguística”, não fica muito claro a relevância para se cumprir metas ou objetivos
que estes dados possam ter. Muito mais relevantes são os dados, quando
fornecidos, sobre o contingente populacional, onde se pode antever que parcelas
do grupo indígena podem integrar o projeto de desenvolvimento.
Dentro daqueles elementos que ocupam espaço essencial dentro dessas
propostas, está o inventário de bens existentes no posto construções,
equipamentos, veículos que resume para aquele que deve implementar o
projeto, as condições materiais para sua execução. Este dado também permite
perceber o quanto à formulação destas propostas ganha um tom eminentemente
técnico, pois além de propor um tipo de ação envolvendo o trabalho indígena, os
projetos são também diagnósticos das condições envolvendo a área indígena, as
populações indígenas e o aparelho tutelar no local. A aparente desconexão entre
o diagnóstico e a aplicação, longe de indicar um hiato de informações, reforça
sim o conteúdo técnico da documentação produzida pelo órgão, onde qualquer
funcionário com estes dados teria capacidade de tocar, desde que com recursos,
os projetos de desenvolvimento.
Por último, ainda nesta linha de exposição da crescente capacidade técnica
dos materiais produzidos dentro da FUNAI, com a tecnificação do órgão tutelar,
temos em média o preenchimento de dez páginas quando da escrita de uma
123
proposta de desenvolvimento. Destes, mais da metade referem-se não a indicar
modos e maneiras de colocar tais projetos em execução, mas sim de dados
quanto a recursos financeiros a serem utilizados, atividades a serem
desenvolvidas agricultura, artesanato, pecuária, etc. e quantidade, por
exemplo, de área para execução da atividade e produção a ser obtida.
Formatos anteriores como às cartas dos encarregados de postos indígenas
aos respectivos chefes no SPI (Vianna, 1995) e os relatórios de inspeção (Lima,
1995) são claramente maneiras mais aprofundadas de se conhecer a ação estatal,
mas acredito que este formato sucinto dos projetos de desenvolvimento permite
perceber outros elementos que destaco agora. Primeiramente se as propostas
podem transparecer falta de informações para aquele que as está pesquisado, as
informações eram colocadas como suficientes para os executores das atividades,
que os procedimentos não eram explicados, indicando tanto um (presumido)
conhecimento compartilhado entre aqueles que formulam e aqueles que aplicam
as propostas. Também fica claro que com poucas informações, o procedimento
seria executar os projetos, sinalizando para o caráter impositivo das intervenções
tutelares visando o desenvolvimento.
O que está em jogo é direcionar a intervenção tutelar para a produção e
reforçar que esta tem caráter eminentemente técnico, onde o fundamental é o
desenvolvimento da atividade produtiva e seu sucesso enquanto empreendimento
econômico. Assim a recuperação de infra-estrutura, melhoria de transporte, a
preocupação com educação e saúde, apenas seriam dimensões para o
desenvolvimento integrado da área e grupos indígenas envolvidos no projeto.
124
Reitera-se que as preocupações com estes outros elementos, que seriam também
de responsabilidade da política indigenista implementada, apenas compõem o
espaço destinado à produção econômica. Apesar de não ser a única preocupação
do órgão tutelar e seus funcionários, o desempenho econômico organiza e orienta
a tutela indígena no período, onde as outras atividades compõem o quadro maior
de possibilitar que a unidade administrativa realize com sucesso o plantio, a
colheita, o armazenamento e a venda da produção.
Ampliação da administração para o desenvolvimento
Em conjunto com a evidência deste direcionamento das propostas de
projetos de desenvolvimento para o tratamento de áreas indígenas como locais
fundamentalmente de produção econômica e exploração de recursos das
mesmas, nota-se também este esforço produtivista através da produção de outros
documentos dentro do aparato administrativo dispensado pela FUNAI. A
existência de relatórios de atividades realizadas e planos de execução futuras,
tanto nos departamentos, divisões e assessorias, como nas delegacias regionais
apenas reforça o argumento da importância das atividades produtivas para o
órgão como um todo.
Por mais que se considere existir movimentos e opiniões contrárias à
disseminação de certas formas de exploração de territórios e indígenas, a
freqüência das citações destas atividades produtivas e o freqüente encadeamento
que outras atividades tutelares como educação e saúde integram um conjunto de
125
ações para a melhoria das condições dos indígenas, apenas reforçam esta
evidência de um vocabulário comum a ação da FUNAI.
Assim o que acontece é uma combinação de diversos elementos. Primeiro
o que se percebe é um investimento aprofundado na tecnificação mais geral da
administração pública como um todo. Esta se daria pela crescente crença e
investimento na melhoria de quadros e ações através de sua elaboração e
execução cuidadosa, visando à produção de ações que logrem efetivo sucesso, ou
seja, neste caso, a produção econômica e a obtenção de excedentes desta.
Somado a importância da técnica para o desenvolvimento, nos temos a própria
natureza desse método de intervenção, onde não se busca mais a construção da
transformação do indígena através do trabalho e educação capitaneados pelo
chefe de posto indígena. O modelo de projetos implica na ação concentrada para
a realização de determinada intervenção, objetivando o sucesso daquela
atividade. Assim o que temos nestes contextos é a execução de uma obra, a
construção de determinado prédio, ou mesmo o plantio de determinada área para
a produção, visando à obtenção de excedentes. Apesar de possuírem
características semelhantes de objetivar a transformação do indígena em produtor
agrícola, com a mudança do modelo que orienta, se passa a ter é a preocupação
fundamental de que o projeto vingue; que se obtenham resultados satisfatórios,
ou seja, que se conquistem determinados fins, no caso melhoria de condições e
produção para obtenção de ganho. Não à toa se cria a Artíndia misto de
departamento e rede de lojas para a venda de artesanato da FUNAI no período,
126
o que se quer e organizar as atividades econômicas e torná-las rentáveis para os
indígenas, mas fundamentalmente para o órgão tutelar.
Nas propostas de projeto desenvolvimento realizadas no âmbito do
funcionamento da FUNAI, e em maior grau na ação estatal de modo mais geral,
fica claro na documentação que o modelo de execução da política governamental
passa paulatinamente a adotar a idéia de planejamento das intervenções através
da formulação de propostas denominadas, projetos de desenvolvimento. Na
documentação do Serviço de Proteção aos Índios, em meados da década de 50
e 60 do século passado aparecem propostas de intervenção singulares
denominadas projetos. Seu papel consistia em propor intervenções exemplares,
que produziriam melhorias e modificações na gestão estatal dos postos indígenas,
as unidades administrativas locais do SPI. Fica claro que estas intervenções
teriam a clara função de inovar o modelo tradicional de gestão de terras e
populações indígenas que então imperavam, onde as atividades eram formuladas
e administradas segundo diretrizes gerais da direção do Serviço, mas com o claro
direcionamento e controle dos funcionários locais do SPI.
Assim as ações denominadas como projetos apesar de existirem, não
funcionavam regularmente como padrão para o desenvolvimento das atividades
econômicas do órgão tutelar. Mesmo com a criação da Fundação Nacional do
Índio, ainda se pode perceber, tanto pelo reduzido número de projetos para o
período – a programação de atividades está reduzida na primeira metade da
década de 70 à prestação de contas e programação de atividades feita pelas
administrações regionais às delegacias regionais.
127
A partir da metade da década de 70, passam a surgir propostas de
intervenção com este novo formato, denominados projetos de desenvolvimento.
A documentação acumulada no Arquivo Histórico Clara Galvão, e outros
indicativos como as ordens de serviço e portarias no Boletim Administrativo da
FUNAI, apontam para a disseminação de um novo modelo de apresentação das
formas de intervenção do poder tutelar, os projetos de desenvolvimento.
Conjuntamente ao termo projetos, aparecem formas semelhantes de planejamento
de intervenção em atividades econômicas em áreas indígenas, também surgem
propostas semelhantes como programas e planos de ação. Até mesmo atividades
emergenciais passam a se denominar também como planos de emergência.
O formato projeto se torna hegemônico, acabam por ser o modelo
preferencial de apresentação das propostas de atividades da FUNAI em meados
na década de 80 do século passado, e neste capítulo nos deteremos em procurar
explicitar e analisar a forma e o conteúdo destes setenta projetos. Opera-se,
assim, a gradual transformação de atividades dispersas, em parte integrante das
preocupações e atividades desenvolvidas pelo órgão indigenista. A transformação
passa pela reorganização dos objetivos, mas também das condições de produção
vivenciadas no cotidiano. Instruem-se e constroem departamentos de
desenvolvimento integrado, desenvolvimento comunitário, patrimônio indígena e
mesmo assistência, procurando realizar a capacitação e organização das
atividades, formação de funcionários e indígenas objetivando a naturalização das
atividades produtivas visando à obtenção de excedentes. Não por acaso se
mantém a renda do patrimônio indígena como mecanismo de arrecadação de
128
recursos do trabalho indígena. As modificações objetivadas com o modelo dos
projetos de desenvolvimento, não eram contraditórias ao antigo mecanismo de
acumulação de recursos formulado na década de 50 (Freire, 2006; Ramos, 1998),
sendo importante tanto para manter o funcionamento das unidades
administrativas tutelares, como para gerar excedentes que financiassem os
projetos econômicos.
Refletindo as implementações
Outro elemento objetivado aqui neste capítulo é tornar menos
naturalizados os procedimentos tutelares. Tal como ressaltado nos primeiros
capítulos, existem problemas de compreensão e reflexão da ação indigenista.
Estas são, muito provavelmente, frutos de certo descompromisso dos
formuladores e aplicadores de políticas indigenistas com a avaliação crítica de
seus planos e ações. Esta carência analítica pode ser notada em diferentes
contextos, desde a própria organização dos arquivos da FUNAI, passando pela
inexistência a não ser externa ao órgão de análises críticas desta atuação
(Almeida & Oliveira, 1998; Lima, 1995, 1998, 2002b; Oliveira Filho, 1985,
1998; Oliveira 1998, 2004 e 2006). Ela normalmente vem mascarada pela
dificuldade em reconhecer padrões de organização, nos documentos, nas ações e
mesmo nas propostas de intervenção. Não que não exista organização, pelo
contrário, como se tem demonstrado a sobreposição de dados, de documentos,
129
com repetições e muita das vezes mistura de documentação e orientação apenas
torna claro uma dificuldade estrutural do órgão indigenista.
Para além de indicar a falta de organização do arquivo da FUNAI, o que
se quer indicar aqui é esta aparente dificuldade dos funcionários do órgão em
organizar sua ação e conseqüentemente de produzir reflexões e correções em seu
modo de atuar. Tornando claro que uma das possibilidades de melhorar a ação
indigenista seria estudar a ação tutelar, procurando organizar e detectar padrões
nestas intervenções que visavam o desenvolvimento das populações indígenas,
assim como perceber orientações nestas ações que não parecem tão claras quando
não analisadas em conjunto.
É importante também ressaltar que tais padrões de intervenção não
refletem o funcionamento da instituição como um todo em determinado período,
mesmo nos momentos de um aparente padrão geral de ação pela FUNAI
subsistem ou se instauram formas distintas de se pensar e pôr em prática as ações
para desenvolver economicamente os indígenas. Isto fica claro no exame em
determinados momentos como no início do funcionamento do órgão em meados
da década de 70 onde, ao mesmo tempo em que, se tem uma preocupação em
estabelecer novos padrões de intervenção, se busca integrar e desenvolver os
indígenas em conjunto com os cânones da integração nacional. Assim a ausência
de novos projetos contrasta com a continuidade de padrões de ação do antigo
Serviço de Proteção aos Índios (SPI) caso da maioria das atividades
econômicas propostas para os postos indígenas do sul do país sendo inclusive a
130
forma de intervenção pensada através da intervenção do chefe do posto indígena
uma clara demonstração deste antigo padrão.
A situação dos postos indígenas da região Sul do país é inclusive
paradigmática por revelar outros “sintomas” que permanecem mesmo com o
amplo esforço em produzir mudanças na maneira do órgão indigenista de atuar
(Santos, 1975a; Simonian, 1981). Por mais que o discurso da criação da FUNAI
se colocasse como em oposição às praticas desenvolvidas pelo SPI, o exame
deste período apenas reforça a complexidade de uma leitura unívoca da tutela. Se
para regiões de importância capital para a política de colonização implementada
pelo Estado brasileiro como Centro-Oeste e Norte, nota-se um esforço em
modificar padrões e construir novos meios de intervir na administração de
territórios e populações indígenas tem para outras regiões do país salvo claro,
localidades de interesse estratégico uma manutenção, de antigos padrões de
administração local apenas com a injeção de projetos. Objetivou-se na grande
maioria dos postos indígenas da região sul a manutenção de mecanismos
estabelecidos de produção econômica, exploração dos recursos das áreas
indígenas ou mesmo a utilização de o-de-obra indígena em empreendimentos
econômicos foras das áreas indígenas. Na célebre perspectiva equivocada sobre a
FUNAI, lêem-se estas diferentes orientações como ausência de uma “real”
política indigenista, pelo contrário, a administração de conflitos e situações, e a
manutenção do funcionamento dos postos indígenas e a harmonia da região onde
estão localizados é parte integrante da ação tutelar e não deve ser desconsiderada
(Lima, 1995).
131
Outro período onde fica claro a “variedade” de formas de intervenção
surge no exame das propostas de projetos do início dos anos 80, onde apesar da
grande quantidade de projetos, podemos perceber que nem todas as áreas
indígenas estavam registrando tais padrões, tanto a ausência de propostas como a
manutenção de atividades de arrendamento de áreas indígenas a não-indígenas ou
mesmo o emprego de mão-de-obra indígena em atividades fora das aldeias,
apenas aponta a dispersão ou ausência de mecanismos de organização da ação da
FUNAI semelhantes para todos os grupos e áreas indígenas.
Categorias auto-explicativas
Outro dado que chama a atenção na documentação é o uso disseminado de
termos, conceitos ou categorias, sem que se preocupe em definir origens,
sentidos ou mesmo apropriações momentâneas. Tanto as propostas de projetos,
como relatórios e mesmo prestações de contas não consideram a terminologia
aplicada como se carecendo de definição explícita do uso de categorias. Tais
como outros elementos já apontados da confusão existente entre o perfil técnico e
a ausência de informações aprofundadas, como no caso da definição de
desenvolvimento integrado, que não aparece em nenhum texto mais extenso,
léxico ou mesmo comentário produzido internamente pelos funcionários do
órgão. Os únicos materiais que aparecem como mais próximos do que poderia ser
uma definição de categorias, termos e princípios de atuação, seriam os estatutos,
normas de execução e manuais de preenchimento, entretanto estes apenas
132
corroboram os nomes sem esclarecer conteúdos destas “definições”. Apesar do
estranhamento, de que formas de intervenção em territórios e populações não
produzam nem mesmo algum tipo de definição ideologicamente comprometida
com os métodos de atuação pretendidos pelo órgão, esta ausência chama atenção
para outras características importantes.
O casamento entre um discurso técnico pretensamente esclarecido e
esclarecedor com a ausência de definições precisas, pode ser entendido como um
duplo movimento revelador dos modos de aplicação da política tutelar em
específico e da administração pública de maneira mais geral. A inexistência de
definições garante uma margem maior de possibilidades de aplicação pelo gestor
local do projeto de desenvolvimento, onde as definições de como, quando e onde
se realizarão atividades fica a cargo da coordenação do tutor. A ausência de
conteúdo de termos como projetos, planos ou programas apenas torna evidente
que a interpretação se na hora de colocar o projeto de desenvolvimento em
andamento, o que garante a possibilidade que as tarefas sejam cumpridas pelos
funcionários localmente de maneira mediada.
Ao mesmo tempo, a inexistência de definições casa tanto os
procedimentos técnicos, onde a intervenção se auto-explica pela obtenção de
fins, no caso produção e desenvolvimento, quanto uma dimensão mais histórica e
permanente da tutela. A ação de tutelar que implica em proteger, educar, formar
indivíduos e populações incapazes não inclui em seus procedimentos usuais a
necessidade de explicitar métodos, práticas e terminologias utilizadas. Partindo-
se do princípio que quem formula e aplica a tutela detêm a legitimidade para
133
fazê-lo, os documentos explicitam que estes não estão preocupados em
estabelecer definições, mas de minimamente cumprir o seu papel de desenvolver
e integrar indígenas. No final, o que temos é uma quantidade razoável de termos
e categorias sendo usadas de maneira pouco clara e cuidadosa, e que longe de ser
apenas um problema “sociológico”, reflete a maleabilidade das ações e
interpretações.
Assim é que onde os formuladores das ações poderiam explicitar as
diferenças, o que aparece é certa confusão no uso das terminologias. Este é o
caso dos referidos projetos, planos e programas que indicam normalmente as
diferenças entre ações pontuais (projetos), planejamentos para um ano (planos) e
ações por mais de um ano (programas). Todavia quando examinamos os
projetos, relatórios, e programações da FUNAI, frequentemente o que acontece
é um uso “livre” dos termos – com projetos de mais de um ano e planos pontuais,
por exemplo – que reforça a dificuldade de entendimento das ações. Outras
categorias específicas também não aparecem de forma clara e definida, as noções
de projetos de desenvolvimento comunitário, projetos de desenvolvimento
integrado, projetos econômicos, plano de ação, plano de emergência, entre
outras são frequentemente trocadas ou não utilizadas por aqueles que escrevem
os projetos.
Para além de um mau uso dos termos, podemos notar que as intervenções
desenvolvimentistas se utilizam da pressuposição de que definições como
desenvolvimento e assistência são compartilhados por aqueles que atuam nesta
área. Mesmo que houvesse esta compreensão comum entre os agentes do que é
134
por em prática um destes projetos a ausência de orientações aos funcionários
produz e/ou permite livres interpretações. Normalmente o recorte é feito ou pela
experiência pregressa do membro da administração tutelar, nesse sentido
registrado pelos antigos servidores do SPI, reincorporados a FUNAI, como
procedimentos usuais do aparelho tutelar, ou então aprendidos no cotidiano de
trabalho, nos cursos de formação (Saldanha, 1996) e/ou os documentos
encontrados nos arquivos. Os novos funcionários da FUNAI, além dos cursos de
indigenismo, tinham como local para aprendizado das categorias e terminologias
da tutela e do desenvolvimento, os estágios de campo. Nestes a atuação em
atividades dentro dos postos indígenas e o convívio com indígenas e antigos
funcionários permitia a aquisição de conhecimentos sobre a aplicação dos termos
caros ao indigenismo.
Assim a ausência de definições precisas contrasta com o uso
compartilhado de terminologias e experiências vividas por funcionários e
indígenas na aplicação da política indigenista, onde os primeiros recorrem ao
arcabouço tanto da tutela, com as idéias de proteção, transformação, adaptação
e integração, como das categorias do desenvolvimento como integrado,
comunitário, recuperação¸ entre outras. Somam-se a isso as categorias
intercambiantes como saúde, educação, assistência, trabalho.
Na ausência da precisão de categorias, cara a este modelo de intervenção, seja
desenvolvimento ou tutela, tem o espaço para a intervenção dos funcionários na
negociação cotidiana dos procedimentos a serem seguidos.
135
Apenas as categorias mais estabelecidas é que tem algum grau maior de
significado, pois respondem não aos usos dados pelo funcionário da FUNAI,
mas também ao histórico de intervenções compartilhadas entre indígenas e
indigenistas, caso do termo renda indígena, renda do patrimônio indígena,
sinalizando conjuntamente aspectos ligados tanto ao desenvolvimento como a
tutela, buscando gerar renda e educar indígenas.
Tutela e renda indígena
Nas setenta propostas de criação de atividades econômicas a dimensão
tutelar é essencial e passa inquestionável pelas propostas formuladas pelos
funcionários. Isto pode ser percebido não por uma comparação com as
formulações atuais a cerca da criação de mecanismos de participação indígena,
onde seguindo certos ideários e horizontes atuais, os indígenas são chamados a
formular e fazer críticas às intervenções das ações. Nos documentos, os indígenas
aparecem como beneficiários e, fundamentalmente, como executores dos
projetos.
Em poucas das propostas, a participação dos indígenas é justificada como
mecanismo de ensiná-los, como etapas importantes da pedagogia tutelar da
transformação dos indígenas em cidadãos produtivos. Tal objetivo é ainda mais
claro nas propostas de execução onde tais objetivos não estão colocados como
se a mão-de-obra indígena fosse utilizada, disposta pelos funcionários sem
nenhuma necessidade ou justificativa de sua utilização. O papel da mão-de-obra
136
indígena também é fundamental para se entender outros elementos presentes nas
propostas, que se somam ao ideário pedagógico expressado em alguns dos
documentos: a busca da autonomia financeira das áreas indígenas e o
financiamento pela renda do patrimônio indígena.
As intervenções propostas tinham como horizonte produzir e gerar
recursos que proporcionassem a autonomia das unidades administrativas dos
recursos financeiros, objetivo sempre presente nas ações tutelares (Lima, 1995)
no sentido de progressivamente desonerar a administração central da FUNAI,
mas também produzir recursos que reforçassem a imagem dos índios como bons
produtores em relação aos produtores brancos, produzir excedentes que
financiassem a ação da fundação, além da pedagogia do exemplo que o trabalho
produziria para os próprios indígenas.
Nas propostas não se discutem financiamentos, apenas se indicam as
fontes, e estas normalmente decorrem ou de planos nacionais ou recursos de
superintendências de desenvolvimento, e também de recursos advindos da renda
do patrimônio indígena. Este mecanismo de financiamento, também denominado
nas propostas como renda indígena, é importantíssimo para o entendimento da
própria administração tutelar e de seu funcionamento. Criada dentro da
administração do SPI na década de 50 do século passado (Freire, 2006; Ramos,
1998), a renda indígena surgiu como mecanismo formulado para financiar as
atividades do antigo órgão devido à ausência de recursos, esta seria gerada a
partir do trabalho executado dos indígenas, o excedente da venda desta produção
pelos funcionários do órgão indigenista era acumulado em um fundo comum
137
administrado pelo responsável (tutor) dos indígenas. Este procedimento operou
até o final do Serviço de Proteção aos Índios, e com a criação da FUNAI
continuou a ser utilizado como meio de contabilizar e controlar os recursos
obtidos pelos trabalhos dos indígenas.
Conjuntamente com o arrendamento das terras indígenas e a venda de
recursos, como madeira existente na área reservada, a renda indígena sempre foi
contabilizada dentro dos recursos que cabiam aos funcionários da FUNAI
administrar. Nas propostas apresentadas não existem alternativas de obtenção de
recursos que não seja o uso da mão-de-obra indígena, indicando um padrão usual
e compartilhado de execução desses projetos.
Este parece ser inclusive a chave para se entender quais outros sentidos
que estas ações tutelares indicam, mostrando a repetição dos mecanismos usuais
de denominação e organização das atividades capitaneadas pelos funcionários da
FUNAI. Toda ação parece se calcar em modelos usuais de ação estatal
perceptível em outros documentos encontrados dentro da FUNAI, referentes a
convênios que o órgão estabeleceu com instituições como a Fundação Instituto
de Pesquisas (FIPE) e que adotam o mesmo padrão genérico de apresentação
que refletem o domínio de uma linguagem e escrita de projetos.
Mesmo a modificação de terminologia que existem nas propostas,
indicando a participação de diferentes instâncias do órgão tutelar Presidência,
diferentes departamentos responsáveis pelo funcionamento/gestão da Fundação
20
,
137
5
Pude notar que no decorrer de duas décadas estes diferentes departamentos, divisões e
assessorias recebem denominações distintas, fruto da constante “preocupação” ressaltada nos
documentos na melhoria/desenvolvimento das atividades do órgão indigenista. A reflexão
mais acurada que tais siglas e denominações exigem, ainda não foi possível realizar, cabendo,
138
postos indígenas – apenas reitera que guardada as distinções explicitadas no
próximo capítulo, havia um vocabulário comum que operacionalizava a
construção e apresentação de projetos. Os termos específicos como projetos
econômicos e projetos de desenvolvimento, e mais detidamente na busca de
dados sobre projetos de desenvolvimento comunitário, bem como os tratados
projetos agrícolas, agropecuários, agro-industriais (olarias, etc.), de mineração,
exploração de florestas, frentes de atração, artesanato, formação profissional
e/ou educacional, atendimento à saúde, arqueologia também permitem
perceber uma contabilização e organização de atividades com o objetivo de ou
formar indígenas produtores ou gerar recursos.
Nestas atividades econômicas alocadas a cada grupo indígena pode-se
perceber, também, outro padrão de atuação que orienta os projetos sem, contudo,
ser explicitado ou refletido nas proposições: as atividades colocadas segundo o
grau de contato. A atribuição de graus de contato arredio, recém-contatado,
contato intermitente e contato permanente foi um dos mecanismos
classificatórios utilizados no período de funcionamento do SPI para atribuir
mecanismos específicos de intervenção (Lima, 1995), este orientou também as
propostas de ação aos grupos indígenas, sendo assim grupos situados em locais
de coleta de castanha deveriam desenvolver atividades de coleta segundo os
projetos formulados, assim como extração, pecuária, agricultura, e demais
atividades. Percebem-se padrões de intervenção tutelar que se repetem para
cada proposta e guiam o futuro dos grupos indígenas a serem desenvolvidos. Este
contudo, uma preocupação analítica explícita em mapear as variações e criações dentro da
burocracia tutelar.
139
padrão se repete nos diversos projetos com o decorrer dos anos em alguns grupos
onde as intervenções se repetem, como nas áreas de postos indígenas onde estão
localizados os Xavantes (MT) ou Kaingang (PR e SC), a leitura das propostas de
projetos mais recentes, mesmo atestando o insucesso das atividades, são
repetidas como se tais classificações indicassem as limitações dos indígenas para
a execução de projetos, onde a ocupação preferencial dos indígenas para se
desenvolver seria o desenvolvimento de atividades braçais, notadamente o
trabalho com a agricultura.
Além disso, feitas todas as ressalvas possíveis quanto à profundidade e as
conexões deste envolvimento, o conhecimento dito de natureza antropológica
que aparece nos projetos, tanto em assinaturas como na preocupação em designar
especialistas na disciplina antropológica para sua feitura parece ser de
fundamental presença para as atividades da FUNAI. Para além de uma simples
denúncia a envolvimentos de antropólogos com a máquina estatal e de cooptação
de profissionais por uma grade de administração de pessoas, o que salta aos olhos
é a necessidade de se ter um tipo de saber específico legitimado pela academia
sabe-se que a FUNAI nomeou vários funcionários sem formação específica para
o cargo de antropólogos para orientar e balizar as intervenções realizadas no
tocante as populações indígenas.
A preocupação com este tipo de classificação também aponta outra
recorrente citação implícita e que se refere ao uso de termos e categorias ligadas
ao conhecimento antropológico como a língua falada pelo grupo que informa
e reforça os dados da proposta de ação sem explicitar os motivos de tais citações.
140
Fica claro no exame dos projetos que, mesmo aqueles que não foram realizados
por antropólogos a pedido da FUNAI, reiteram a preocupação em apresentar
dados de cunho antropológico que reforçariam a pertinência da execução. Mesmo
que se tratasse de grupos que eram caçador-coletores, não ficam claros, a não ser
para iniciados em antropologia, a pertinência da extração de castanha para grupos
de língua Jê.
As recorrências e planejamentos apresentados pelas diferentes instâncias –
caso da Assessoria de Planejamento e Coordenação (ASPLAN), pelo
Departamento Geral de Planejamento Comunitário (DGPC), pela Divisão de
Desenvolvimento Comunitário (DDC), pela Divisão de Assistência ao Índio
(DAI) também delineavam, por mais que não presentes em todas as áreas
indígenas, que estes procedimentos de intervenção por projetos eram pensados
para toda a administração da FUNAI.
Outro elemento padrão, em conjunto com o uso da renda indígena,
referia-se as diferentes fontes de financiamento como o Plano de Integração
Nacional (PIN), o Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do
Brasil (POLONOROESTE), a Superintendência de Desenvolvimento do Centro-
Oeste (SUDECO), o Programa de Financiamento do Desenvolvimento das
Comunidades
(PRODEC) onde os recursos parecem financiar o cotidiano das atividades nos
moldes desenvolvidos no SPI, pois poucas das propostas apresentadas no período
apontam para uma reflexão da ação indigenista. Este parece ser o caso dos
projetos para os Gavião (PA) ou os Kaingang (SC), onde os recursos investidos
141
são pensados como construindo alternativas a administração tutelar. Assim é
significativo perceber que mesmo as fontes de recurso acabam ocupando funções
pouco coordenadas com a modificação de padrões, mas sim em reiterar
procedimentos padrões existente no período de operação do SPI, o que
supostamente as “inovadoras” experiências das propostas de desenvolvimento
estariam sendo construídas para substituir. Isto também é evidenciado no
entrecruzamento entre ações tutelares e recursos disponíveis em órgãos de
financiamento, o que de novo pode ser recuperado como manutenção de antigos
padrões de ação e será mais bem explorado com os dados do quinto capítulo,
onde examinamos estes projetos em execução.
Pode-se também, visualizar na simplificação escrita destas propostas, a
construção de dois modos de se ler os projetos de desenvolvimento: ora são
categorias análogas representando a ação capitaneada pelo poder tutelar com o
duplo esforço pedagógico de educar e proteger ora são termos que designam
particularidades da atuação tutelar, como a de melhoria econômica
(desenvolvimento) e de educação e saúde (assistência). No cerne desta suposta
alternância/ambigüidade pode-se perceber primeiramente a tutela como dimensão
inerente da atuação da FUNAI no tocante a estes projetos, e daí pensarmos
possíveis desdobramentos de mecanismos tutelares em propostas mais recentes
visando a “melhoria” das condições dos grupos indígenas. Mas para além da
“confirmação” da tutela na ação da FUNAI, o que podemos desdobrar como
preocupação para o olhar sobre as ações desenvolvimentistas é o imbricamento
de mecanismos tutelares nos projetos e ações para o desenvolvimento, notável na
142
percepção de que cabe a alguém (especialista ou instituição) identificar e
classificar grupos que carecem de intervenção por não terem se “desenvolvido”.
Assim, me parece que é nas ações mais explicitamente tutelares de programas
desenvolvimento, que se pode notar não só as especificidades de alguns dos
(novos) projetos de desenvolvimento, mas também trazer à carga a dificuldade de
se romper com o caráter ambíguo de promover “mudanças” para “continuidade”
dos grupos-alvo. Assim fica claro que em conjunto com os acúmulos das
experiências desenvolvimentista e tutelar, muito do que se constrói como ação da
FUNAI na formulação dos projetos de desenvolvimento, implica no
reaproveitamento de referências pessoais e institucionais da agência tutelar, a
FUNAI.
Diante das ambigüidades do discurso presente em formulações e práticas
que envolvem tutela e desenvolvimento, não deixa de ser importante considerar
que as políticas adotadas em nome do Estado muitas das vezes podem carregar
sentidos distintos e não apenas unitários. Não no que tange à ação da FUNAI
(Almeida & Oliveira, 1998: p. 69-123 e Lima, 1998: p. 171-220), mas também
da ação estatal de modo mais geral (Almeida, 1994), na maioria das vezes, por
mais que se tente colocar as questões da administração do Estado como
eminentemente referidas aos procedimentos de gestão, e a escolha ou boa
aplicação de determinada “política pública”, deve sempre se ter que o Estado e
suas políticas carregam múltiplos interesses e significados (Corrigan, 1988).
Assim ao considerar que as políticas de Estado e a as instituições
integrantes dele, como a FUNAI, estão permanentemente permeadas por
143
diferentes perspectivas e lutas de interesses entre grupos, que buscam espaços e
hegemonias. É fundamental também considerar as pressões externas, e mesmo
adequações a categorias e linguagens externas ao universo da tutela, produzindo
seguidas aproximações também entre discursos e categorias comuns ao universo
desenvolvimentista daquele período. Para além de identificar genericamente
essas possíveis recorrências ou descontinuidades na formulação/implementação
de projetos de desenvolvimento no que tange a diferentes períodos da política
indigenista, apontamos aqui para influências ligadas diretamente a combinação
entre tutela e desenvolvimento, na formulação de léxicos e categorias, e a
produção de formas de atuação/intervenção
21
desenvolvimentista, ritualizadas e
sacralizadas através da escrita e disseminação de modelos de construção e
intervenção, os projetos de desenvolvimento.
Conclusão
Neste capítulo procurou-se mapear e explicitar termos e modos de como
um determinado órgão do Estado brasileiro, a FUNAI, encarregado de tutelar as
populações indígenas, formulou de maneira escrita através da documentação
produzida internamente para a proposta, aplicação e controle de suas atividades –
a maneira como se deveriam constituir, descrever e executar atividades para o
desenvolvimento de projetos.
143
21
Cabe destacar aqui que não se quer retomar classificações usuais da disciplina que separam
antropologia e antropologia aplicada, pretende-se apenas complexificar os imbricamentos
existentes entre a antropologia (Pels & Salemink, 2000, Lima, 1998).
144
Buscou-se não só percorrer os materiais de pesquisa no caso aqui,
diretamente setenta propostas para projetos de desenvolvimento, produzidas por
funcionários da FUNAI mas sinalizar para tênue fronteira de construção de
formas de intervenção estatais. Mesmo que façamos as ressalvas necessárias, por
se tratarem de propostas, o acúmulo lento e gradual de informações, formas e
categorias, se não explica as intervenções, nem conta do passado histórico do
uso do trabalho indígena, nem a infiltração de um linguajar e um modo atuar
calcado nos termos do desenvolvimento, é interessante perceber como as
categorias como desenvolvimento comunitário, desenvolvimento, assistência,
saúde, educação, trabalho, entre muitos, permanecem.
A construção da ação tutelar se também pela repetição de termos e
categorias, pelo compartilhamento mesmo que sem significados comuns de
termos e formas de construção das intervenções, e dos recortes a serem para que
se possa olhar esta realidade. A ausência de interpretações e definições também é
importante para a manutenção de esquemas de pensamento e intervenção, sem
que seja necessário refletir sobre os procedimentos utilizados para desenvolver
indígenas até o presente momento.
Procurou-se assim apresentar a importância da construção da
administração pública através de sua documentação, inclusive daqueles materiais
normalmente interpretados como não dotados de informações e experiências
cotidianas, caso da busca de entendimento do que foram as ações para
desenvolver indígenas no âmbito da Fundação Nacional do Índio. A recuperação
destas informações contribui para que possamos enfrentar a temática do
145
desenvolvimento, no próximo capítulo, de maneira mais conectada com uma
discussão da construção do Estado.
Assim como na FUNAI se construíram intervenções conectando
experiências anteriores, projetos paralelos do Estado brasileiro e conhecimentos e
usos de terminologias para fundamentar a ação tutelar, as ações de cunho
desenvolvimentista que ganharam força a partir do final da segunda guerra como
tecnologia e terminologia nova da atuação, também apresentam recorrências de
procedimentos que remetem a tradições mais antigas de construção de máquinas
de Estado, de fundamentação de uma administração pública conectada a
princípios diversos, procurando desenvolver e tutelar, progredir e integrar
populações indígenas.
146
Capítulo 4
Desenvolvimento
147
Introdução
A atuação da Fundação Nacional do Índio no tal período aqui abordado,
responde não tão somente as preocupações decorrentes de agentes e integrantes
de um suposto campo indigenista compartilho aqui das críticas estabelecidas
por Lima (1987, pp.149-204) no tocante as dificuldades de estabelecer
parentescos entre a definição de Pierre Bourdieu para campo e ausência de
autonomia do mesmo em termos práticos, evidenciando assim muito mais a
maneira como os atores atuando no campo indigenista pensam sua atuação e o
universo do indigenismo, do que realmente uma real autonomia do campo
indigenista mas também por outros elementos que compõem o cenário, como a
chave desenvolvimento.
Neste capítulo procuramos tratar daquilo que genericamente se chamou
“era do desenvolvimento”. O termo de definição genérica, e que migrou dos
estudos evolutivos da biologia para a abordagem econômica, passa a operar em
termos do imaginário e das práticas classificatórias do mundo atual (Sachs,
1999). Desenvolvimento passa a ser categoria chave dos empreendimentos,
orientando a política do Estado brasileiro. Antes de tudo é importante ressaltar o
quanto que a criação de uma terminologia – desenvolvimentoe o aparato que se
segue para instalar tal modo de intervenção, consolidada hoje em dia, juntou
diversos esforços e investimentos realizados em diferentes países e modelos de
administração estatal, instaurando sobre o guarda chuva do progresso, da
tecnificação, uma série de práticas formuladas e testadas em diferentes contextos
148
(Escobar, 1991; Ferguson, 1994; Grillo & Stirrat, 1997; Rist, 1997; Shore &
Wright, 1997).
O que nos parece fundamental neste capítulo é perceber as confluências
entre o universo de políticas e práticas denominadas desenvolvimentistas e o
universo de práticas e políticas conectadas com o indigenismo. Objetiva-se
explicitar certas conexões, mas também explicitar “importações” diretas
realizadas pelos integrantes da FUNAI, no sentido de tentar formatar políticas
com suporte e orientação em modelos e agências pensadas nos moldes de
projetos de desenvolvimento.
Uma extensa literatura tem se dedicado a pensar casos e modelos calcados
sobre a égide do termo desenvolvimento
22
. Esta terminologia tem sido
seguidamente colocada como fruto da reorganização e reordenamento globais
advindos do fim da segunda guerra mundial, tendo como ponto de partida mais
ou menos precisado nos pronunciamentos do presidente norte-americano Harry
Truman no tocante as ações propostas para reconstrução das nações européias,
conhecidos como plano Marshall (Rist, 1997; Cowen & Shenton, 1998, entre
outros). As propostas apresentadas no referido plano sintetizariam uma série de
esforços de planejamento e gestão do Estado, levando as ações tópicas e precisas
para diminuição de problemas enfrentados por diversos Estados-nação e que
visariam ou recuperar a pujança econômica de nações afetadas pela segunda
grande guerra, ou possibilitaria àqueles países entendidos como atrasados
148
22
A bibliografia é extensa, além dos mencionados, pode-se consultar na página eletrônica do
LACED/MN/UFRJ um pequeno levantamento das possibilidades de conhecimento no campo.
149
econômica e socialmente, alcançar os países mais avançados, permitindo que
estes se desenvolvessem.
Assim como diferentes tópicos aqui enfrentados, o universo de
formulações, discursos e experiências práticas referentes ao desenvolvimento nos
remetem novamente a caracterização da impossibilidade de se acreditar como
esforço analítico em definir estritamente o que sejam todos os componentes deste
universo social. Tanto o termo desenvolvimento, como as propostas definidas a
partir desta classificação reúnem uma série de diferentes modelos de intervenção,
bem como de concepções políticas da ação do Estado ou de atividades
econômicas. Antes de advindas de uma única matriz modelar de gestão de
Estado, como bem sinalizaram alguns autores (De Swaan, 1990; Castro; 2005;
Fisher, 1997; Hobben, 1982; Scott, 1999) indicam muito mais do que mônadas
os Estados e seus funcionários e/ou planejadores – um extenso, freqüente e
antigo intercâmbio entre diversas experiências de formulação e modos de gestão
do aparelho Estatal e de suas intervenções. Por mais que se reconheça como uma
dinâmica presente em aparatos e modelos, tais como agências do sistema da
Organização das Nações Unidas (ONU), um esforço em documentar e padronizar
ações e modos de administração da ação estatal
23
, o que se percebe quando se
procura fugir das armadilhas da reflexão sobre o Estado a curto prazo (Elias,
1972 [2005]; Tilly 1996) é a constante e presente troca de influências entre
modelos e aplicações no funcionamento dos aparelhos de Estado. A evidência,
presente inclusive nos modos de apropriação realizados muitas vezes por
150
universos vistos como antagônicos tais como os modelos de planejamento
implementados pelos Estados denominados socialistas e adaptados às práticas
cotidianas daqueles denominados capitalistas (Scott, 1999) de uma tecnologia
de gestão do Estado de modo programado e planejado, apenas transparece o
quanto as diferenças momentâneas e presentes, acompanham uma extensa rede
de apropriações, repetições e “desenvolvimentos” de tecnologias de atuação
estatal compartilhadas.
Mesmo dentro deste universo auto-denominado (e auto-contido) chamado
de desenvolvimento, podemos notar modos de classificação que antes de indicar
antagonismos, apenas explicitam um constante e crescente compartilhamento de
posições e recortes dentro daqueles que procuram criar intervenções
desenvolvimentistas. Este é o caso de uma antiga categorização, muito em voga
no final do século passado (Ribeiro, 1991), o da separação entre políticas de ou
para desenvolvimentocalcadas numa diferenciação entre políticas que levavam
ou não em consideração as populações a serem desenvolvidas, importante para
contrapor intervenções esquemáticas, mas que compartilhavam o mesmo léxico
de pensar o desenvolvimento como nova panacéia onde se conformava um
espaço de disputas entre atores que compartilhavam a crença em políticas que
permitiriam suprir faltas com intervenções tópicas. Assim aquilo que pode ser
classificado como um modo de intervenção distinto corrobora com a perspectiva
de que corrigindo defeitos, pode-se “desenvolver” projetos, populações, etc.
23
Para uma análise destas forças no contexto de organizações da ONU, ver o trabalho de Castro
(2005) que descreve, aponta e critica estes movimentos centrípetos nas políticas para a
juventude implementadas pela UNESCO.
151
Se para vários campos o desenvolvimento foi tomado como parte
fundamental, apesar de toda a preocupação existente sobre o tema, presente
nas propostas e relatórios do Serviço de Proteção aos Índios (Corrêa, 2000; Lima,
1995; Oliveira Filho, 1988), é fundamental não ignorar as peculiaridades do
campo indigenista. Se hoje podemos perceber críticas e preocupações em
assegurar que grupos como quilombolas ou camponeses, a manutenção de “suas
culturas”, em conjunto com o discurso da melhoria, o discurso da preservação ou
da criticada perda cultural, sempre foi parte integrante dos debates e manutenções
sendo, portanto, o discurso desenvolvimentista sempre mediado por possíveis
rejeições pelas partes envolvidas.
Para além das distinções existentes, fruto claramente das partes
integrantes, financiadoras e/ou formuladoras, das políticas, o quê evidencia-se é
que depois de certo período onde desenvolvimento aparece como uma palavra
entre muitas melhoria, recuperação, educação, etc., presentes nas intervenções
propostas pelo SPI nas décadas de 50 e 60 do século passado – a partir da década
de 70, particularmente na segunda metade, o termo passa a designar a maioria
das intervenções propostas pela FUNAI.
Por mais que o fim do SPI e o início do funcionamento da FUNAI, sejam
ainda períodos obscuros em termos do conhecimento antropológico ou
burocrático e tal quais outros períodos da atuação indigenista do Estado
brasileiro estejam cercados de informações que reproduzem as concepções
“nativas” de integrantes, sejam eles funcionários do Estado, críticos desta
atuação e/ou alvos das políticas estatais sem, contudo, se preocupar em produzir
152
análises mais acuradas sobre este período, contadas quase como relíquias, lendas,
mitos por aqueles que viveram tal período. Como mesmo para os integrantes da
fundação, o período inicial de seu funcionamento é ainda considerado
controverso, onde a crítica de Shelton Davis em Vítimas do Milagre (1978)
orienta o imaginário sobre a instituição criada no final da década de 60, vista
apenas como suporte de ações desenvolvimentistas pensadas pela junta militar,
onde o foco seria a ocupação por colonização da região norte, cabendo a FUNAI
apenas regular e assegurar que “tribos indígenas” não atrapalhassem as obras e
projetos colonizadores para a mesma.
Longe de ser verdade, esta foi a orientação de grande parte das ações no
tocante as populações indígenas envolvidas, repercutindo inclusive na atuação do
órgão indigenista no tocante a expedição de atestados negativos de presença
indígena em posses de fazendeiros, colonos ou grandes empresas, bem como a
remoção de indígenas de áreas consideradas de interesse econômico, como
empreendimentos hidrelétricos, de mineração ou estradas (Baines, 1992), todavia
a atuação da FUNAI não se resumia apenas a isso. Como falado, objetivamos
nesta tese, esboçar um panorama de maior complexidade sobre o tema, em sendo
assim, faz-se necessário fugir da redução especulativa estrutural – sobre o
funcionamento da FUNAI. Se a presença do horizonte e da coordenação militar
regeu a atuação indigenista, não se evidencia apenas isso no período
desenvolvimentista mas também não se limita a tal período ou se esgota nisto.
153
O desenvolvimento antes do Desenvolvimento
Em conjunto com as ressalvas feitas ao imbricamento do termo
desenvolvimento e as peculiaridades dele, é importante também remarcar o
quanto que a tecnologia para desenvolver populações não surgiu apenas da
formatação de burocratas no pós-guerra. Na busca por entender os projetos de
desenvolvimento para populações indígenas, um dos esforços foi o de tentar
compreender a significação de muitos temas correlatos, ou que pelo menos foram
usados em “parceria” quando se fala em intervenções para o desenvolvimento. A
busca por informações de antigas práticas e formas de organizar o léxico
referente a projetos para aprimorar econômica e socialmente indígenas, me levou
a realizar um extenso mapeamento de publicações sobre conhecimentos
aplicados para a transformação social. Este mesmo é um dos termos usados para
classificar este tipo de interação entre produção de conhecimento e aplicação
para melhoria de populações. Para classificar estas ações, encontramos rótulos
muito distintos, além de desenvolvimento e transformação social, podemos
encontrar também nesta pesquisa os termos mudança social, engenharia social,
antropologia aplicada, antropologia do desenvolvimento, antropologia da ação,
entre diversos termos mais gerais.
154
A busca inicial era de entendimento tanto das leituras sobre a
possibilidade de aplicação dos conhecimentos e teorias da antropologia em
termos práticos, e também das formas de interpretação sobre esta aplicação, e os
diversos debates que termos como antropologia aplicada parecem sugerir. Ainda
hoje, passados seis anos de pesquisa e reflexão sobre o tema, ainda considero o
tema espinhoso, senão pelas possibilidades de trabalho, que as demandas pelo
conhecimento antropológico para contextos extra-acadêmicos são hoje uma
realidade presente e bastante tempo (Lima & Barreto Filho, 2005;
O’Dwyer, 2002; Oliveira, 1998 e 2004, Santos & Oliveira, 2003, entre muitos).
A dificuldade maior de tratar do tema está nas maneiras como o uso (ou a
tentativa) aplicado de conhecimentos antropológicos ainda comparece como um
problema e/ou uma atividade "nada" acadêmica e, muitas das vezes vista, como
não antropológica.
24
.
Sem querer entrar no mérito dos posicionamentos onde polêmicas e
“debates” ocupam mais espaço do que discussões mais aprofundadas a
perspectiva aqui adotada considera que tanto os materiais e práticas que se
pensam ou são pensadas como antropológicas, como também usos (e abusos) do
conhecimento antropológico para fins outros são passíveis de reflexão
antropológica e de produção de conhecimento antropológico, e não apenas aquela
produção considerada como sendo estritamente acadêmicos (Lima, 1998: p. 171-
154
24
O texto de Evans-Pritchard (1972) por mais que datado, ainda é a principal fonte inspiradora e
citada das críticas a antropologia aplicada. Outra derivante vem das críticas às intervenções de
projetos aplicados na América Latina, que tem no texto e principalmente nos trabalhos aplicados
de George Foster (1982) o exemplo dos equívocos da escolha de uma posição aplicada.
Infelizmente, estas posições têm sido pouco divulgadas em termos textuais – daí a premência da
proposta feita nas primeiras páginas do texto de Oliveira Filho (1987: p. 205-240), da
155
220; Oliveira Filho, 1987: p. 205-240 e Pels & Salemink, 1999). Estas fronteiras,
inclusive entre conhecimento acadêmico e conhecimento prático, se tiveram
algum tipo de suporte no mundo da antropologia, estão cada vez mais distantes
das posturas profissionais dos antropólogos, isso em termos teóricos (se
pudéssemos realmente separar teoria de prática antropológica) e da prática
profissional. Este preâmbulo serve como ponto de partida apara apresentação de
alguns tópicos que considero essenciais para entendimento do desenvolvimento
como categoria e espaço de ação social considerado como parte de um “mundo
do desenvolvimento”.
O olhar aqui, tenta aprofundar descompassos do termo desenvolvimento e
as ações realizadas com ou sem esta terminologia. A dispersão deste tipo de
classificação é importante para entender o quadro que se configurou após a
segunda guerra mundial, todavia para as propostas de abordagens aqui
desenvolvidas em conjunto com certos sinais e marcas referidas e significativas
para os atores envolvidos neste campo a extinção do SPI, a criação da FUNAI,
a “era” do desenvolvimento acompanha-se a busca por compreender
continuidades de processos históricos e sociais. Assim, de início, acho importante
indicar o quanto certos elementos e práticas estão presentes como categorias
organizativas das ações desenvolvimentistas, antes mesmo de que se aplicassem
intervenções nos referidos modelos de projetos de desenvolvimento: ações
formuladas e praticadas por (inicial e preferencialmente) agências de Estado,
através de ações direcionadas, visando solução de problemas sócio-econômicos
necessidade de se produzir conhecimento sobre estas atividades profissionais – mas puderam ser
captadas por anos de leitura e observação participante dos relatos sobre trabalhos aplicados.
156
vivenciados por populações no caso aqui, indígenas para mitigar ou superar
situações de atraso ou emergência.
O objetivo inicial aqui é não entender como funcionam e surgem ações
estatais, mas também reforçar o quanto estas ações não são só construídas através
de normas ou portarias, mas como parte integrante do mundo social e, por isso
também, fruto da produção e acúmulo de conhecimento dos atores sociais que
interagem neste “universo”. Além de evidenciar que o universo dos projetos de
desenvolvimento para populações indígenas é um campo de construção de
saberes e práticas para lidar com “problemas” que afetariam estas populações
25
,
esta ressalva restitui o caráter continuado que não quer dizer permanente
destas ações.
Para isso, a partir de um levantamento em três revistas anteriores tanto ao
fim da segunda guerra mundial como do discurso de Truman (Cowen & Shenton,
1997) América Indígena, Anuário Indigenista e Human Organization pude
perceber a gestação das intervenções nos moldes de projetos de desenvolvimento
sendo pensados e formulados antes da disseminação do léxico
desenvolvimentista. Também ficou evidente nesta pesquisa o quanto os tópicos
de preocupação centrais para estas intervenções, centrados na tríade saúde,
educação e projetos econômicos, eram problemas anteriores e se distinguiam
como eixos organizadores das intervenções. Então, apresentemos as revistas.
156
25
È importante remarcar como bem o faz Noel Dyck (1991) que a noção de problema indígena
carrega todo um imperativo colonial literalmente explícito, onde de problemas que afetariam os
indígenas resta nos perguntar se são problemas para eles mesmos, ou problemas vistos pelos
colonizadores viram problemas dos indígenas, indígenas problemáticos. Não se quer aqui
reproduzir tal imperativo.
157
As três revistas possuem em comum, a preocupação desde suas fundações
em refletir sobre ações aplicadas e o universo de populações, sejam elas apenas
indígenas, como no caso de América Indígena e Anuário Indigenista, publicadas
pelo Instituto Indigenista Interamericano (III), instituição sediada no México, ou
em escopos maiores, caso da Human Organization, editada pela Society for
Applied Anthropology, parte integrante da American Anthropological
Association. As três publicações, como falados, tinham preocupações se não
totais pelo menos bem definidas em apresentar e discutir problemas e ações de
intervenção para melhoria das “condições de vida” das populações afetadas ou
pesquisadas
26
. O que chamou atenção de tal levantamento, é que no início dos
anos 1940 toda uma agenda de preocupações concernentes às populações
indígenas estava dada. Nos editoriais estão explícitos os problemas e futuras
intervenções referentes à educação, saúde, desenvolvimento econômico,
participação política, conhecimento sobre indígenas (antropologia) e defesa da
democracia. Estes tópicos não organizavam e propunham a agenda de
preocupação de pesquisadores e países latino-americanos que o III era uma
instituição composta e pensada para representar as agências indigenistas de todo
o continente
27
, como também apresentavam e discutiam pesquisas e intervenções
envolvendo populações indígenas.
157
26
Percorri durante certo período as coleções existentes nas bibliotecas do Museu Nacional,
COPPEAD/UFRJ e Fundação Oswaldo Cruz, pesquisando e recolhendo material sobre
intervenções referentes às populações indígenas, e lendo e fichando editoriais que situavam a
linha editorial e preocupações temáticas das mesmas. Para o apanhado total, consultar a já citada
página do LACED/MN/UFRJ banco de dados sobre desenvolvimento e para alguns dos
textos coletados, ver bibliografia da tese.
27
Para importantes discussões e informações sobre o indigenismo interamericano e seu instituto
(III), ver Blanchette (2006), Bickel (1992), Freire (1990), Lima (2002b) e Machado, 1992.
158
em Human Organization, com uma agenda e recorte mais preso aos
diferentes campos de estudos aplicados norte-americanos, temos uma série de
tópicos como intervenções urbanas, pesquisas na indústria, atividades
comerciais como agroindústria ou pesca, além de trabalhos sobre populações
indígenas sendo uma das publicações onde Sol Tax publicou suas propostas de
antropologia aplicável (Fox Project e Action Anthropology) e ações aplicadas
com estas populações.
Distinto de outras antropologias nacionais, México e Estados Unidos
sempre tiveram espaço e participação (assumida) na formulação de intervenções
referentes às populações indígenas (Blanchette, 2006; Lima, 2002b). Longe de
representar um caráter realmente distinto destas antropologias (Peirano, 1981),
elas apenas facilitaram em alguma medida o esforço de entendimento das
interfaces entre projetos de desenvolvimento, antropologia e desenvolvimento.
Permitindo que as conexões entre funcionários de Estado não sem estranheza
além de Candido Mariano Rondon, vários integrantes da agência estatal
indigenista do período (o SPI) publicaram em América Indígena, como Vicente
de Paulo Vasconcelos e Amilcar Botelho de Magalhães. No Anuário Indigenista
então as preocupações concerniam basicamente à consolidação do III e dos
Institutos Nacionais Indigenistas, com a filiação dos países, a troca e
consolidação de informações, e o compartilhamento de experiências indigenistas
entre os países e os agentes indigenistas.
Das informações explicitadas nessas publicações pode se perceber que as
articulações entre conhecimento, pesquisa e ações direcionadas não só eram
159
anteriores como representavam um aspecto essencial anterior à disseminação
de teorias e práticas referenciadas a ação para melhoria social ou mitigação de
efeitos perversos pode ser percebida como anterior ao surgimento dos projetos de
desenvolvimento e as teorias desenvolvimentistas. Esta abordagem reforça
também a noção da importância de fazer conexões com o passado de ações e
saberes, tal qual foi explicitado com relação ao trabalho indígena no primeiro
capítulo. Passemos agora para explorar o universo léxico e categórico do
desenvolvimento e dos projetos de desenvolvimento.
Desenvolvimento e Antropologia
As conexões entre desenvolvimento e antropologia são antigas e
profundas, em nosso caso aqui consiste em apresentar e explorar conexões que
não estão diretamente relacionadas às peculiaridades do indigenismo ou do
trabalho indígena. Os saberes e práticas aqui tratados são fruto de um
levantamento extenso sobre desenvolvimento, antropologia, antropologia
aplicada e antropologia do desenvolvimento, que permitiriam não restringir a
pesquisa apenas às conexões mais óbvias e diretas ao indigenismo ou ao trabalho
indígena. Este recorte era uma aposta em reconhecer familiaridades entre
conhecimentos produzidos em situação de intervenção, e se possível mapear
empréstimos, contrabandos e diálogos entre os campos da antropologia aplicada
e antropologia do desenvolvimento, e o conhecimento estatal sobre populações
autóctones do continente americano, o indigenismo.
160
No início o percurso exploratório traçado obedeceu a certas hipóteses, que
as recupero para explicitar escolhas e aclarar leituras. A busca de material escrito
em antropologia sobre a temática do desenvolvimento, levou-me a considerar,
não de forma restrita, que a antropologia do desenvolvimento poderia ocupar o
que se classificaria com um sub-campo da disciplina antropologia
28
, muito por
conta de este ser um recorte muito caro para alguns destes autores, que parecem
tentar propor e consolidar que estes trabalhos de cunho antropológico perfazem
um “campo autônomo” (Schröder, 1997). Estas propostas também realizavam
críticas a certo evolucionismo presente nas intervenções visando o
desenvolvimento.
Tal perspectiva foi sendo abandonada, me parecendo minimamente
simplificadora que restringia o levantamento em torno de um rótulo novo
29
alguns consideram este campo de pesquisa/intervenção como efeito direto da
declaração do presidente americano Truman em 1946 (Esteva, 1999; Escobar,
1995) ou surgido como campo específico nos últimos 25 anos (Schröder, 1997)
, e também dava margens a situar as questões em torno da temática do
desenvolvimento como um modo radicalmente distinto e desconectado com
mecanismos anteriores de intervenção social
30
.
160
28
Além do trabalho de Ferguson (1994), os trabalhos de Chambers (1987), Hinshaw (1980),
Hoben (1982), Fisher (1997), Okongwu & Mencher (2000) e Pels (1997) senão sozinhos, mas
quando lidos seguidamente propõe no mínimo um estranhamento quanto a esta percepção da
antropologia como uma disciplina inteiramente crítica e distante das intervenções sociais.
29
Ressalvas quanto a este tipo de restrição em levantamentos bibliográficos são feitas por
Almeida (1978), Iglesias (1989) e Palmeira & Almeida (1977) nas apresentações de seus
trabalhos de pesquisa e é claro foram sempre lembrança na hora da realização da pesquisa.
30
Este tipo de recorte me parece extremamente equivocado, particularmente porque no campo de
pesquisa em que tenho me dedicado as relações entre as populações indígenas e o estado
brasileiro é impensável rejeitar as diversas formas de gestão (intervenção) das populações
indígenas anteriores.
161
Antes de tudo, as tais especificidades e porque não, a novidade dos
atores e escalas de interação que passam a ser envolvidas se não mostra um novo
campo, se esforçam em forjá-lo, de certa maneira muito semelhante àquilo que
Karl Polanyi (1999) fala dos escritos de Adam Smith, onde aquilo que se fala
sobre o passado (presente) se reflete no futuro. No caso aqui, quando diversos
autores apontam o surgimento de um objeto específico – para muitos até um sub-
campo da disciplina
31
a antropologia do desenvolvimento, fruto da conexão
entre um campo de ação (desenvolvimento) e um saber sobre grupos humanos
(antropologia).
Tal objeto se distinguiria radicalmente dos objetos “tradicionais” da
antropologia não por sua atualidade, mas também por sua especificidade de
abrangência e inflexão, envolvendo uma gama de atores e espaços distintos,
distribuídos em escalas muito diferentes de tempo e espaço
32
. Estas tentativas de
delimitação deste objeto são encontradas em diversos autores, e se podem ser
lidas como um “caminho correto” de se recortar e delimitar um objeto de
pesquisa marcando suas especificidades, seu surgimento, sua consolidação
também aponta para certa descontextualização dos processos sociais e históricos
161
31
Tais como Cochrane (1971) e Schröeder (1997 e 1999). Se lembrarmos de antigos “debates”
internos a antropologia, como da tentativa de criação de outros sub-campos caso da
antropologia política e a antropologia econômica que em determinado momento foram
pensados/declarados como radicalmente autônomos e distintos ao restante da disciplina e que
hoje não se apresentam como questões/propostas tão radicalmente diferentes assim, seria
razoável ter em mente que a (re)criação de rótulos e objetos específicos é um mecanismo usual
nas disputas e buscas por distinção internas ao campo da antropologia.
32
Estas características são apontadas com acuidade por Arturo Escobar (1995) e James
Ferguson (1994), mas também em relação a outros objetos tem-se sinalizado para a importância
de se pensar as diversas escalas (temporais, espaciais) que envolvem a pesquisa antropológica
(Bensa, 1998).
162
anteriores ao surgimento do “desenvolvimento”, em que data que ele tenha se
iniciado.
Mesmo autores como Gilbert Rist (1999), Gustavo Esteva (1999), ou
Michael Cowen e Robert Shenton (1998), quando apontam para a ancestralidade
do surgimento do desenvolvimento, realizam muito mais uma espécie de
projeção sobre o passado de “caracteres” desenvolvimentistas do que o devido e
necessário mapeamento de suas origens em fenômenos históricos e sociais
anteriores como o colonialismo e as políticas de intervenção estatal anteriores ao
pós-guerra
33
.
O movimento aqui é de buscar ressaltar o que alguns autores fizeram ao
recuperar de alguma maneira as ligações entre a “era desenvolvimentista” com o
passado da intervenção colonial e estatal
34
. Assim, procura-se aqui o alargamento
também da percepção do desenvolvimento como campo de pesquisa/atuação
(Escobar, 1995) que não surge do nada, mas que consolida diferenças e
semelhanças como modas de intervir e pensar a intervenção.
Parafraseando as preocupações de Blanchette (2006), acho importante
casar as preocupações sobre desenvolvimento com as conexões possíveis e
plausíveis entre o tema da antropologia aplicada
35
e que ajudam a mapear este
espaço pouco investigado de atuação antropológica
36
. Esta parcela importante da
162
33
O trabalho de Abram De Swaan (1988) é uma sugestiva investigação sobre a anterioridade de
certos processos de intervenção social e sua progressiva estatização.
34
Cooper & Packard, 1997; Grillo, 1985; Mair, 1956 e 1984; Mandani, 1996; Pels, 1997
35
Bennett, 1996; Chambers, 1977; Firth, 1981; Foster, 1982; Landman, 1978; Lomnitz, 1979;
Price, 1982; Spicer, 1976; Stewart, 1983; Tax, 1988
36
Não se compartilha aqui de uma visão das disciplinas acadêmicas como um todo, e da
antropologia em específico, como sendo neutras e/ou descoladas da realidade, assim sem querer
reduzir a investigação antropológica a isto é imprescindível reconhecer que qualquer trabalho
163
atuação antropológica e dos antropólogos, presente segundo alguns no próprio
nascimento da disciplina
37
, têm sido muitas vezes ignorada não como uma
atividade que deveria ser mais seriamente encarada para gerar melhores
resultados para aquelas populações afetadas por esta atuação
38
, mas também em
sua capacidade de gerar material para reflexão teórica da disciplina. A não
ignorância de tal dimensão constitutiva da disciplina certamente ajudaria a uma
melhor compreensão do desenvolvimento e de suas correlações com disciplinas
que tem sido vistas como aquelas que mais detêm e empresta conhecimento as
intervenções no campo desenvolvimentista, caso da sociologia e da economia.
Esta inclusão também ajudaria a melhor contextualizar as recentes incursões
antropológicas neste terreno, vistas como contraponto aos modelos mais
consolidados de intervenção neste terreno (Escobar, 1995; Ferguson, 1994).
A importância e a correlação entre o fazer antropológico e a atuação
aplicada me parece ser um grande ponto de entrada para um melhor
entendimento e porque não dizer atuação da antropologia na área do
desenvolvimento (Grillo & Stirrat, 1997, Green, 2000). Mesmo que tal dimensão
não tenha realmente tanta imbricação em certos casos, é fundamental saber da
existência (ou não) de tais laços para um melhor desempenho de atividades tidas
como opostas. Estou aqui claramente me inspirando nos insights levantados por
antropológico pode ser considerado em maior ou menor grau um trabalho de “intervenção”,
que consiste na análise do mesmo.
37
Ver Omer Stewart (1983) para indicações relativas aos Estados Unidos e Ralph Grillo (1985)
para maiores informações sobre a Inglaterra. Nestes termos os trabalhos reunidos na coletânea
de Talal Asad (1973) também apontam estes imbricamentos entre as pesquisas aplicadas e
acadêmicas.
38
Penso aqui nas ressalvas levantadas por Oliveira (1998) para a atuação de antropólogos com
referência a produção de laudos antropológicos e os problemas que tal atuação pode resultar
para os próprios índios.
164
James Ferguson (1997), principalmente no que se refere a uma correlação
implícita que existiria entre o desenvolvimento e a antropologia como disciplina
acadêmica, reafirmada pela seguida negação de correlação que esta faz da
primeira
39
.
Não por acaso, e isso seria um importante objeto de análise para a
história da antropologia, nas parcas informações que se encontram sobre a
atuação de antropólogos – afora os bissextos espaços a artigos desta natureza que
aparecem nos periódicos de maior circulação da disciplina
40
estão normalmente
referidas a memórias, histórias da disciplina e nunca contextualizadas como uma
atividade regular dos antropólogos.
A inclusão tanto da pesquisa antropológica sobre o campo do
desenvolvimento bem como de aplicação do conhecimento dentro das ações
desenvolvimentistas num espectro maior referenciado a atuações anteriores me
parece um movimento importante para as análises antropológicas sobre o
desenvolvimento. Se diversos estudos (Escobar, 1995; Ferguson, 1994; Rist,
1997; Sachs, 1999) têm procurado demonstrar a força e a dispersão da temática
do desenvolvimento atual me parece imprescindível reintroduzir elementos
históricos que compunham o cenário anterior ao composto por essas análises.
A antigüidade do relacionamento de pesquisas acadêmicas e intervenções
aplicadas estão longe de ser uma exceção dentro da disciplina, sendo sim a sua
164
39
Devo ressaltar, todavia, que esta proposição de Ferguson não é aqui vista como um mote
explicativo único ou principal, mas apenas uma dimensão muito pouco explorada das relações
entre a antropologia e sua aplicação social, usualmente classificada como antropologia aplicada.
40
Apesar da centralidade dos periódicos América Indígena, Anuário Indigenista e Human
Organization, que claramente se distinguem de um perfil “acadêmico” strictu sensu, para nos
165
exclusão/ignorância como dado de reflexão e/ou mesmo como dado histórico dos
trabalhos “acadêmicos”, um dos maiores problemas para um entendimento mais
detido deste cenário, e que aparece de forma mais clara quando se tenta dar
forma a estes quadros, como no caso do levantamento bibliográfico sobre o tema.
Desenvolvimento, categorias desdobradas e os projetos na FUNAI
O entendimento do desenvolvimento, passa assim pelo aprofundamento de
sua penetração no universo de autores que compartilham ou convergem nestas
conexões. Se tomássemos este universo pelo amplo espectro de autores
conectados a esta temática teríamos que incluir os trabalhos em sociologia,
ciência política e economia. Este universo é fundamental para compreensão do
que seja o desenvolvimento. Este termo, categoria, campo de trabalho, se
consolidou basicamente como alternativa, e para não dizer posição importante no
jogo político travado no pós-guerra entre os modelos socialistas e capitalistas
(Rist, 1997). O termo desenvolvimento permite que se desloque do debate entre
possíveis escolhas de modelos, e a opção prática e exemplar, de com recursos
abundantes produzir melhoria social de maneira rápida e eficaz. A idéia de
desenvolver, de construir projetos de desenvolvimento, desfoca os problemas em
torno de qual a ideologia importante por trás do desenvolvimento, mas não à toa
o esforço político também sempre se situou no reforço de certos aspectos de
termos genéricos como liberdade ou democracia. A impossibilidade, assim de
limitarmos a elas, percorremos mais de três dezenas de periódicos de antropologia para começar
a mapear o tema desenvolvimento e suas imbricações com a antropologia.
166
dar conta de todo o espectro de significados e publicações tratando sobre
desenvolvimento, fez com que optasse por um recorte aproximando este ao
universo referente a populações indígenas. As escolhas, inclusive, se deram por
ser o tema do desenvolvimento parte de um espaço de propaganda disseminada
no jogo político, assim, procurar elementos em conexão com a antropologia
permitia aproximar das relações entre saber “acadêmico” sobre populações
indígenas e saber “prático” sobre o mesmo
41
.
Este mapeamento não esclareceu proximidades, muito provavelmente
porque para o universo de publicações consultadas, termos como
desenvolvimento, antropologia do desenvolvimento, etno-desenvolvimento, entre
outros, são recentes, referidos a última década. A percepção da restrição de
resultados levou a que se procurasse expandir a busca em categorias para além
dos primeiros termos selecionados além da ressalva indicada de procurar
pensar a temática do desenvolvimento levando-se em conta processos anteriores
e assim tentar compor um quadro um pouco maior sobre o tema do
desenvolvimento, procurei não me restringir somente a categorias como
desenvolvimento, etno-desenvolvimento ou antropologia do desenvolvimento.
Inclui mais termos correlatos como desenvolvimento rural, desenvolvimento
166
41
Para isso levantei conexões entre antropologia e desenvolvimento nos seguintes periódicos:
Actes de la Recherche en Sciences Sociales, América Indígena, American Anthropologist,
American Ethnologist, Annual Review of Anthropology, Anthropology Today, Antropolítica,
Anuário Antropológico, Boletim Informativo e Bibliográfico em Ciências Sociais, Cadernos de
Saúde Pública, Cambridge Anthropology, Comparative Studies in Society and History, Critique
of Anthropology, Cultural Survival Quarterly, Dialectical Anthropology, History and
Anthropology, L’Homme, Man/The Journal of Royal Anthropological Institute, Radical History
Review, Revista de Antropologia, Revista Dados, Revista da ANPOCS, Social Anthropology.
Nem todos os números existentes na biblioteca estavam disponíveis para serem consultados e
nem todas as coleções eram completas. Para uma informação precisa sobre as coleções
167
sustentável, desenvolvimento comunitário e outros afins como cidadania,
participação, etc., dentro da lista de termos a serem investigados.
A idéia era rechear o conhecimento obtido sobre a literatura sobre
desenvolvimento com recortes mais precisos que escapasse aos poucos índices
encontrados muito por conta de que grande parte destes termos ter virado
categorias classificatórias mais recentemente –, o que implicaria em excluir
aqueles trabalhos que não foram pensados ou rotulados com estas categorias. Da
busca por conexões apareçam os termos antropologia, antropologia do
desenvolvimento, sociologia do desenvolvimento, planejamento integrado,
desenvolvimento comunitário, desenvolvimento rural, Banco Mundial e,
correlatos em inglês e francês.
Dentro desta investigação, ao esmiuçar as questões de antropologia e de
projetos de desenvolvimento para comunidades indígenas na FUNAI e as
agências estatais de desenvolvimento regional (SUDENE, SUDAM, SUDESUL
e SUDECO), percebe-se que não estas financiaram projetos e intervenções,
mas formaram grande parte dos quadros da FUNAI que foram trabalhar com
projetos de desenvolvimento. Em nosso caso esta ligação é essencial, pois como
mostra a documentação analisada nos outros capítulos, são os funcionários da
FUNAI que realizam a mediação entre saberes e práticas desenvolvimentistas e
as populações indígenas e o saber de Estado sobre elas, o indigenismo.
Não à toa, nas divisões da FUNAI encarregadas de formular e disseminar
os projetos de desenvolvimento existia junto com alguns antropólogos, vários
brasileiras consultar o CCN (Catálogo Coletivo Nacional) no site do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia http//www.ct.ibict.br.
168
sociólogos e economistas, pois cabia a estes colocar em prática os modelos e
formulas de desenvolvimento criadas pelas agências de desenvolvimento, e
aplicá-los a realidades distintas. O falado trabalho de mediação ocupado pelo
tutor, que gerencia e repassa conteúdos para universos sociais distintos é aqui
reatualizada pelos funcionários da FUNAI (Oliveira Filho, 1985 e 1988b). O
trabalho agora consistia em transformar recursos em projetos, e adequar projetos
a realidades singulares e recursos advindos de agências de financiamento criadas
e inspiradas nos moldes de projetos de desenvolvimento.
A hipótese era corroborada pelos achados das pesquisas que fazia sobre
desenvolvimento, onde as informações que achava apenas reiteravam os cortes
existentes entre antropologia e desenvolvimento com a maioria das referências
era de atividades de instituições estatais no que tange o desenvolvimento da
região nordeste nas décadas de 60 e 70 do século passado
42
. A não ser alguns
poucos trabalhos nas décadas de 70 (Almeida, 2001; Ferraz, 1983 e 1998;
Oliveira Filho, 1987, entre outros) a maioria dos dados não estabelecia conexões
entre antropologia e desenvolvimento. A ausência de textos além de responder as
peculiaridades já mencionadas do campo da antropologia brasileira em termos de
produção textual na década de 70
43
dava pistas de quem estava fazendo
168
42
Estas referências formam provavelmente anexadas a biblioteca Francisca Keller por conta do
Projeto Emprego e Mudança Sócio-Econômica no Nordeste que levantou extenso material
sobre região na década de 70. A biblioteca do PPGAS possui um fichário de diversos, acessível
por assuntos e a biblioteca Marechal Rondon permite a pesquisa por temas. na biblioteca
Geral do Museu Nacional o resgate através das fichas é precário, sendo sua atualização, ao que
tudo indica, está muito defasada.
43
Em um texto publicado em 1987, mas produzido no final da década de 70, João Pacheco de
Oliveira insistia na importância dos antropólogos relatarem e discutirem sua participação em
projetos aplicados . Ao que parece, afora para ressaltar e reforçar propostas de projetos, estas
experiências poucas vezes se transformaram em trabalhos ou relatos escritos.
169
fundamentalmente esta ponte entre antropologia, desenvolvimento e populações
indígenas: os funcionários da FUNAI.
Quanto mais aprofundava as correlações, mais a (não) evidência de
material ligando desenvolvimento e comunidades indígenas apareciam
44
,
reforçando a percepção de que mesmo no que se referiam as bibliotecas da
FUNAI, em Brasília e no Rio de Janeiro não foram usadas para formar
conhecimento sobre o intercâmbio entre antropologia e desenvolvimento que
não possuíam títulos sobre o tema. Os projetos de desenvolvimento foram fruto
da combinação pouco aprofundada de juntar campos de conhecimento distintos, a
ausência de cursos sobre os dois tópicos, mesmo em possíveis interfaces, é
evidente a inexistência de literatura específica traduzidas.
Nas bibliotecas acessíveis aos funcionários, ainda hoje são quase
inexistentes os trabalhos no que seria antropologia do desenvolvimento. Os
títulos, mesmo de antropologia eram muito poucos e normalmente referidos a
textos consagrados da disciplina. A exceção se fez a alguns livros encontrados na
biblioteca do IPEA que possui alguns títulos do que poderia se chamar de
antropologia do desenvolvimento
45
. que sobre desenvolvimento se tem
169
44
Submeti os diferentes bancos de dados a cruzamentos com as seguintes categorias
mencionadas no terceiro capítulo: plano (s), programa (s), projeto (s), relatório (s), diagnóstico
(s), pobreza, administração pública, avaliação, agricultura, pecuária, agropecuária, comunidade,
desenvolvimento integrado, desenvolvimento rural integrado, política social, planejamento
agrícola, planejamento social, reassentamento, entre outras categorias presentes neste campo de
intervenção.
45
Entre os títulos: John Mason: New directions in U.S. foreign assistance and new roles for
anthropologists. Williamsburg (VA), College of William and Mary, 1991; Angelo Maliki
Bontiglioli: Agro-pastorialism in Chad as a strategy for survival: an essay on the relationship
between anthropology and statistics. Washington (DC), World Bank, 1993 (World Bank
Technical Paper 214); Michael Cernea and April Adams: Sociology, anthropology and
development: an annotated bibliography of World Bank publications 1975-1993. Washington
(DC), World Bank, 1994 (Environmentally sustainable development studies and monograph
series 3); Michael Cernea: Social organization and development anthropology. Washington
170
basicamente títulos referentes à economia, como livros de análise macro-
econômicas, relatórios econômicos, relatórios do Banco Mundial. Já em relação à
sociologia do desenvolvimento existia desde análises mais genéricas sobre a
temática do desenvolvimento e seu co-irmão subdesenvolvimento a até
propostas de intervenção mais detidas em contextos específicos.
Em algumas das bibliotecas consultadas, como do IPEA, existiam muitos
títulos que se referem ao monitoramento da ação administrativa do Estado e de
certos tópicos que são invocados em e para atuações desenvolvimentistas como
cidadania, pobreza, participação, entre outros. Em outras, como nas bibliotecas
do IPPUR e do IUPERJ concentram materiais principalmente sobre pesquisas e
projetos de desenvolvimento em âmbito urbano, possuindo vários relatórios e
anais de seminários discutindo a intervenção administrativa nestes ambientes.
Mostrando que mesmo que os funcionários da FUNAI pudessem ter acesso a
outras bibliotecas, este não permitiria grandes aprofundamentos.
recentemente, inclusive, é que estas parecem ter entrado mais detidamente sobre
estes temas caso do IPPUR inclusive tem várias séries de publicações recentes
produzido pelos professores do instituto sobre a gestão de cidades, em particular
das “favelas” no Rio de Janeiro ou da biblioteca Mário Henrique Simonsen da
FGV, que assina vários periódicos de economia, além de relatórios do Banco
Mundial, Banco Inter-Americano de Desenvolvimento e vários documentos da
OECD, organização sediada em Paris e que pelo menos desde meados da década
de 70 propõe e avalia intervenções desenvolvimentistas.
(DC), World Bank, 1996 (Environmentally sustainable development studies and monograph
series 6).
171
Ao que parece os cursos realizados pelas Superintendências de
Desenvolvimento e os cursos de indigenismo realizados pela FUNAI, além da
convivência método tradicional de formação de indigenistas (Saldanha, 1996 e
Freire, 2006) são os espaços de formação, como apontam os documentos e
relatórios apresentados pelos funcionários da FUNAI para a realização dos
projetos.
Intercâmbios com o Desenvolvimento
A pesquisa sobre desenvolvimento e suas conexões com o universo
aplicado da FUNAI permite que se teçam alguns comentários sobre o
desenvolvimento. Primeiramente é importante ressaltar apropriando-se da
análise de Paul Little sobre as situações de conflito no Equador (2001) –, o
caráter multi-local, multi-ator e multi-dimensional dos empreendimentos
desenvolvimentistas. Para se entender, mas também buscar títulos sobre
desenvolvimento, é necessário ter em mente que existem diferentes tipos de
intervenção buscando melhorar/modificar situações e pessoas, que podem estar
situados em lugares variados e propostos/geridos por diferentes atores e que nem
sempre estes que atuam estarão escrevendo ou disponibilizando suas
experiências. A única coisa patente e que hoje em dia parece ser evidente e que
estas intervenções estariam se processando o tempo todo, contudo me parece que
mesmo esta percepção carece de ser mais investigada que este tipo de leitura
172
evidenciada por aqueles autores que escrevem e investem na especificidade do
campo do desenvolvimento.
Esta separação se complica quando se percebe que atores fundamentais no
campo do desenvolvimento não são criações deste campo, mas já eram objetos de
análise, intervenção e/ou mesmo construtores da realidade do
“desenvolvimento”. Um elemento importante encontrado nos levantamentos e
que apareceu de maneira secundária nos trabalhos lidos foi o papel do Estado.
Este parece estar presente o tempo todo, ora como interventor, ora como parceiro
de organismos desenvolvimentistas. Mesmo quando as intervenções são
marcadas por novas concepções, caso do desenvolvimento sustentável, é evidente
que o contraponto são as intervenções estatais visando o desenvolvimento
46
.
Neste sentido, trabalhos como o de Abram De Swaan (1988) oferecem um
contraponto significativo tanto ao papel secundário que o Estado parece ocupar
para alguns autores caso da análise de James Ferguson (1994) e o que os seus
próprios dados parecem desautorizar, já que é patente o papel dos funcionários de
Estado nos projetos desenvolvimentistas no Lesoto. Também a apresentação da
máquina estatal ajudaria, a meu ver, que a descontextualização operada por
certos autores como Shenton & Cowen (1998) e Gilbert Rist (1999) com sua
descrição do fenômeno desenvolvimento apegada a idéias e ideários , e que em
trabalhos como o de Arturo Escobar poderia levar a uma maior nuance de
movimentos específicos e relativizasse conceitos gerais e generalizantes como
terceiro mundo.
172
46
Para posições favoráveis a esta perspectiva ver Azanha (2001), Stavenhagen (1984), para uma
introdução crítica ver Ribeiro (1991).
173
Assim o que me parece importante ser pensado são não só pensar histórica
e contextualmente as intervenções desenvolvimentistas, mas também retomar os
parentescos existentes entre formas mais reconhecidas (aceitas) como gestões
coloniais, e que se não foram as criadoras, formaram minimamente um lastro que
sustentou diversas dessas intervenções mais recentes, tanto na prática como na
teoria.
A lembrança de Nader (1969) ou Cooper (1997) sobre a necessidade de se
estudar/entender outros grupos e escalas usualmente não vistas como campo de
atuação da antropologia ainda é me parece o horizonte dos estudos sobre o
desenvolvimento. As diversas lacunas parecem não só atestar o desinteresse
dentro do universo acadêmico da antropologia que certos objetos ainda suscitam,
mas anunciam diversos estudos de cunho antropológico que poderiam render
para a própria disciplina. Não penso apenas em estudos sobre projetos de
desenvolvimento em certos contextos precisos que no caso do objeto de meu
interesse, as intervenções em populações indígenas, é ainda uma grande
incógnita , mas no próprio campo de intervenção realizado por sociólogos e
economistas que orientaram e orientam diversas abordagens e intervenções. Esta
área de atuação parece padecer de excessiva desinformação e mapeamento das
conexões entre aqueles que atuam.
Conclusão
174
Assim procuramos neste capítulo retraçar espaços e contatos entre o
universo do desenvolvimento, as conexões da antropologia do desenvolvimento e
tentar estabelecer relações entre estes universos de trabalho, e os projetos de
desenvolvimento para populações indígenas. O que podemos perceber são trocas,
contrabandos e intercâmbios entre formas de conhecimento diversas.
Na aplicação dos projetos, fica evidente que além da importância dos
modelos e perspectivas aplicadas conectadas o que se tem, em semelhança a
análise sobre os termos utilizados para descrever os projetos de desenvolvimento,
é que se tem um amplo espectro de referências que se cruzam, com não
trajetórias de conexões entre a FUNAI, o Estado brasileiro e as agências
regionais (SUDENE, SUDECO, SUDAM e SUDESUL), agências nacionais e
agências internacionais de desenvolvimento, mas também um uso comum de
termos, categorias e modos de intervenção que buscavam reordenar as práticas e
modelos aplicados de ação Estatal de maneira geral e também em contextos
específicos como da ação indigenista. Sem querer reduzir tanto a leitura por uma
perspectiva desenvolvimentista como por uma leitura indigenista desta
confluência, o quê o cruzamento de literaturas e dados sobre os temas indica é
um espaço de intercâmbio de léxicos e práticas. Estes, em combinação com a
apropriação também de informações, termos e pesquisas do universo
antropológico, foi gradativamente sendo experimentado e consolidado como pilar
não do vocabulário, mas também das experiências e recursos necessários para
que a FUNAI formulasse e apresentasse suas propostas de ação
desenvolvimentista para populações indígenas. E desta tentativa peculiar de casar
175
recursos, métodos, léxicos e práticas de intervenção do indigenismo,
desenvolvimento e antropologia, feita sobre o guarda-chuva da prática tutelar que
se produzirão aplicando, questionando e reformulando as intervenções
descritas no próximo capítulo.
176
Capítulo 5
Resultados na prática ou prática de resultados
177
Introdução
Feita a apresentação dos planos, projetos e concepções de
desenvolvimento nos capítulos anteriores, onde se buscou dar conta de como e de
que forma se organizavam e pensavam as atividades visando o
“desenvolvimento” das populações indígenas, procura-se neste capítulo refletir
sobre as suas aplicações e seus resultados. Não se quer aqui separar teoria da
prática, apenas realizar um esforço em diferenciar situações para que melhor se
compreenda o funcionamento da Fundação Nacional do Índio no tocante à
promoção do desenvolvimento econômico das populações indígenas.
Se a descrição do arcabouço burocrático, bem como suas variações e
diferentes formas de se formular, organizar as intervenções desenvolvimentistas
planos, programas, projetos, ações emergenciais, etc. no âmbito da FUNAI,
permite que se leve em consideração que com todos os problemas, mudanças e a
tão propalada desorganização ou ineficiência da instituição tutelar estatal se
depreendam sinais de padrões mais duradouros de intervenção. Por outro lado,
nas aplicações é que se pode perceber, muitas vezes para além das idiossincrasias
de administradores e da administração tutelar, as diferenças e distinções
existentes entre abordagens no tocante às populações indígenas, muitas das vezes
sendo testadas e aplicadas ao mesmo tempo. Antes de tudo, é importante refletir,
mas fundamentalmente considerar a administração tutelar para além de um
campo de teste ou apenas a aplicação racional de uma política estatal para
populações indígenas definida pelo Estado. Tal qual outros aparatos da vida
178
humana, são ocupados por indivíduos embebidos em relações, e também sujeitos
a variações e mesmo retrocessos, por mais científico e racional que seja.
Neste capítulo, se procurará dar conta de explicitar diferenças destas
ações, para o desenvolvimento, tentando com a apresentação e o exame de
diversas destas experiências, a obtenção de um quadro menos simplificado destas
ações. A FUNAI procurou por diversas vezes desde a sua fundação definir e
inserir padrões para intervenção, buscando reverter um quadro complicado em
termos políticos, representado por uma série de denúncias feitas contra o extinto
Serviço de Proteção aos Índios na impressa nacional e estrangeira.
Como citado no segundo capítulos, onde se investiga de maneira mais
geral a ação tutelar, os problemas com a gestão estatal do SPI envolveram uma
série de denúncias investigadas por uma CPI no congresso nacional (Figueiredo,
1968) envolvendo roubos e desvios feitos por funcionários, envolvendo
recursos, bens e até venda de terras entre outros problemas, repercutindo
inclusive em denúncias de genocídio. As acusações foram rechaçadas pelo SPI e
pelo Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI) durante grande parte da
década de 60 do século passado
47
.
Mesmo com o esforço em reverter as críticas e acusações feitas pelo
governo federal como um todo, e em particular pelas instituições envolvidas, a
“solução” encontrada pelo visto foi à extinção dos órgãos que executavam e
planejavam a política indigenista SPI, CNPI e o Parque Indígena do Xingu
178
47
A consulta das atas do CNPI, principalmente no final da década de 60 do século passado,
deixa bem clara a importância do assunto por ser praticamente o tema principal das reuniões do
conselho. Para isso ver os microfilmes do Museu do Índio/RJ sobre o CNPI, além de Freire
(1990) e Lima (1998), entre outros.
179
(PIX) – e a criação de um novo órgão, a FUNAI. Os objetivos declarados
consistiam em reformular a política indigenista para que como deixava claro o
presidente da FUNAI no Relatório de Atividades da FUNAI de 1970, apagar
imagem do SPI na imprensa nacional e estrangeira, com apoio do Ministro e da
Revolução de 1964 e criando “... o clima de ordem e de tranquilidade necessário
para a realização de nosso trabalho” (FUNAI, 1970: p. 98).
Esta preocupação, presente nos relatórios da instituição, onde desde o
começo se visava mapear as matérias de jornais, respondê-las e produzir material
sobre atuação, expõe um dos elementos centrais da ação estatal: a busca do
controle dos sinais referentes à atuação da FUNAI pela mesma. Como falado
anteriormente, para além dos interesses práticos na aplicação da política
indigenista na implementação de propostas e projetos de intervenção visando
integrar os indígenas –, a atuação da FUNAI sempre teve como preocupação
reverter e controlar críticas feitas ao Estado brasileiro e aos órgãos tutelares. No
que tange aos interesses descritivos deste capítulo esta é uma importante ressalva
das informações contidas na documentação, antes de tudo o que se processa é um
esforço para não apresentar nem tratar as ações desenvolvimentistas como
intervenções equivocadas, ou passíveis de problemas.
Tal qual os boletins internos enviados pelos postos indígenas no período
do SPI (Corrêa, 2000), as propostas e execuções da FUNAI (os projetos de
desenvolvimento) tinham como horizonte apresentar atividades feitas ou por
fazer. Esta divulgação das realizações e pretensões fazia parte deste esforço por
tornar o modo como à Fundação planejava sua ação de maneira geral
180
transformar índios e áreas destinadas aos índios em unidades produtivas e
exemplares algo significativo em termos de política estatal. Ou seja, tornar a
política tutelar não só aplicável, mas divulgável.
Diante deste “zelo” por parte dos agentes da tutela estatal, a percepção
clara de quando se formulou a ação tutelar com este viés desenvolvimentista, e
quando esta começa a perder força é pouco evidente. Esta dificuldade em
perceber as diferenças e mudanças de direção da política indigenista, aponta para
o conteúdo maior das políticas implementadas pela burocracia estatal e em
particular daquela encarregada de colocar a tutela em prática. Indica também a
mistura de orientações e perspectivas, onde coabitam perspectivas antigas,
focadas numa ideologia tutelar e protecionista e seu entrecruzamento com novas
propostas, ainda recheadas das mesmas preocupações, mas com o verniz da
época, da tecnificação, modernização e progresso no esforço produtivo. A
imbricação entre discursos é tão presente que no começo dos anos 70, a FUNAI
listava como seus objetivos:
I A assistência ao índio, que deve ser a mais completa possível, o visa
e não pode obstruir o desenvolvimento nacional nem os eixos de penetração
para a integração da Amazônia.
II Incentivar e apoiar a irradiação dos pólos de aculturação mais adiantado,
inclusive contando com os trabalhos das missões religiosas existentes, e
melhorar, o mais possível, os de aculturação primária. Divulgar e
desenvolver o artesanato indígena e as escolas indigenistas.
181
III Promover medidas de polícia e segurança capazes de impedir os
choques entre índios e civilizados, restabelecer a moralidade administrativa
da FUNAI, bem como ampliar e dinamizar a atuação da Guarda Rural
Indígena.
IV – Organizar, um sistema de controle e supervisão por áreas, através
de inspeções periódicas.
V Ajustar, na medida do possível, o orçamento programa de 1970,
às diretrizes acima.
VII – Promover as providências indispensáveis para delimitar as terras
que serão propriedade o índio, com prioridade nos estados de Goiás e Mato
Grosso.
VIII Estabelecer imagem fiel da FUNAI, no país e no estrangeiro,
eliminando as distorções propositadamente difundidas por elementos
subversivos. Projetá-la em conjunto com o MINTER.
IX Adotar uma divisão territorial objetiva, capaz de facilitar o
pronto atendimento às comunidades indígenas.
X Estabelecer um sistema logístico flexível, de execução imediata e
descentralizado, com transportes rápidos e adequados: aéreos, marítimos e
terrestres, próprios ou disponíveis através de convênios.” (Relatório de
Atividades da FUNAI em 1970, páginas 6 a7)
Neste relatório muito mais do que atividades realizadas, colocam-se os objetivos
da ação tutelar, centrada na recuperação do controle e autoridade na mediação
tutelar – definição e implementação de políticas: orçamento, demarcação de
182
terras, estabelecimento de comunicação e ligação por transportes, policiamento
em conjunto com a transformação pela implementação de programas de
desenvolvimento destas populações e das áreas onde estavam situados. Está se
buscando, ao misturar direções como assistência (proteção) e aculturação,
afirmar novamente a possibilidade da execução de tais tarefas, mesmo sendo elas
contraditórias em termos. A claramente um esforço em produzir e divulgar
informações sobre como e porquê determinadas informações devem ser
divulgadas. Enfim uma prestação de contas, que procura controlar os dados e
gestar e gerir a ação da FUNAI, um relatório de atividades com conteúdo
programático. Ele esta aqui também para estabelecermos uma ponte analítica
entre este primeiro momento e os estertores dos projetos de desenvolvimento
como modelos de ação da Fundação Nacional do Índio, representado pela
próxima citação.
Os relatórios e prestações de conta apontam para a seguida preocupação
em assegurar direitos básicos que poderiam ser chamados de assistência em
conjunto com a colocação em prática de atividades produtivas para melhoria do
grupo, da área e da própria imagem da FUNAI que poderíamos chamar de
desenvolvimento.
Este padrão de intervenção, centrado na ação tópica visando melhoria de
condições e aumento de produção econômica permaneceu como modelo de ação
até que na segunda metade da década de 80 do século passado, uma série de
fatores aponta para a própria falência do mesmo. Só que como qualquer mudança
dentro de modos de funcionamento do Estado, o questionamento da pertinência
183
não levou necessariamente ao abandono do modus operandi, Primeiro porque a
ação por projetos continuou a ser o modo como a máquina estatal mais
“modernizante” opera, procurando criar projetos exemplares (projetos-piloto)
que sirvam para modificar e melhorar o funcionamento do próprio Estado.
É neste contexto imbricado de crítica aos padrões tutelares que surgirão
propostas de intervenção inovadora. Nosso objetivo aqui não é pensar as ações
desenvolvimentistas a partir do final da década de 80 do século passado mas
para melhor situarmos as diferenças, trataremos de um dos últimos projetos,
com viés novo. Este foi formulado pela Assessoria de Planejamento e pela
Assessoria de Relações Internacionais da FUNAI, onde sobre a mesma pretensa
imagem da proteção e promoção do desenvolvimento, apontam-se os caminhos
para novas formas de interagir entre tutores e tutelados:
“I) Introdução
A FUNAI desenvolve esforços com vistas a tornar as comunidades
indígenas auto-suficientes e capazes de receber o impacto da
aculturação com o menor prejuízo para seus povos, tradições, sua
cultura e o meio em que habitam.
O apoio prestado aos índios, através de recursos financeiros
devidamente programados e orientados, trará benefícios na medida
em que os torna capazes de se manterem independentes frente ao
avanço da sociedade envolvente.
A sociedade nacional não pode permitir que os grupos indígenas
fiquem à margem do desenvolvimento regional, devendo, portanto,
oferecer-lhes condições para se tornarem independentes econômica
e socialmente.
Os índios da Área Oiampi habitam a região de fronteira com a
Guiana Francesa, no território Federal do Amapá e têm, por
184
tradição, a prática da agricultura de subsistência e a confecção do
artesanato.
Espera-se que a contribuição aqui proposta venha oferecer melhores
condições de vida para a comunidade indígena a ser beneficiada,
aproximando-a da sociedade envolvente, de uma forma sadia e com
lucros para seus povos.” (Projeto de Apoio à Comunidade Indígena
Oiampi, AP – fevereiro de 1987, p.02)
Nestes projetos o interessante também é ambigüidade envolvida nestes discursos.
Temos conjuntamente com o emprego de categorias muito praticadas pela
documentação indigenista “tradicional” como: processo de integração,
comunidade envolvente, transporte de produtos agrícolas excedentes, a
sinalização da presença dos interesses dos grupos indígenas como inerentes e
necessários a estas intervenções, onde suas práticas de produção não são mais
ignoradas, mas combinadas com as propostas de desenvolvimento:
“IV) Justificativa:
Os índios da Área Oiampi encontram-se em processo de integração com a
comunidade envolvente. No entanto, são carentes de meios de transporte
fluvial, para manter o intercâmbio entre as aldeias da comunidade.
A aquisição de motores de popa muito irá contribuir para a locomoção dos
índios atravésdas vias fluviais e para o transporte de produtos agrícolas
excedentes, possíveis de serem comercializados na base da troca, por
mercadorias de consumo.
O processo de troca de mercadorias é uma prática comum entre os povos
indígenas. O estímulo oferecido com os equipamentos ora solicitados os
colocará mais próximos de sua auto-gestão, fortalecendo-os perante a
185
comunidade envolvente.” (Projeto de Apoio à Comunidade Indigena Oiampi,
AP – fevereiro de 1987, p. 06)
Todavia, as modificações ainda não se fizeram por inteiro, pois se pensa
na participação, mas não se questiona o modelo projeto de desenvolvimento se
pensarmos na atualidade então, fica evidente que antes de fracassar, este modo de
trabalho e financiamento de atividades alcançou uma dispersão incrível. Assim é
que mesmo não sendo uma história com marcadores precisos, o fim da aposta
pelos tutores de que a adoção de projetos de desenvolvimento solucionaria o
“problema” indígena não fica muito claro, apesar de em 1991, num encontro
de Superintendentes, de Administradores Regionais e Técnicos da Área da
Assistência, estes percebem num:
“... estudo retrospectivo dos projetos de assistência às comunidades
indígenas procuramos levantar, reunir e analisar as propostas
elaboradas pela FUNAI nos últimos 10 anos, atentando para
identificar o que se comunica em termos de teorias, de técnicas, de
‘saberes’ experimentados.” (Encontro de Superintendentes, de
Administradores Regionais e Técnicos da Área da Assistência,
1991: p. 1)
Os indígenas poderiam se questionar sobre:
“a como reagem as populações indígenas, face a estes ‘discursos’
ou ‘roteiros de programação’?
b – a participação é uma resposta, uma adesão a uma proposta
política ou uma resposta a motivações técnicas?
186
c as populações indígenas disseram sim à organização de grupos
para atuarem em suas comunidades? Elas conhecem como
historicamente esses grupos se inserem na realidade?” (Encontro de
Superintendentes, de Administradores Regionais e Técnicos da Área
da Assistência, 1991: p.1)
Onde os projetos evocariam “... a perplexidade do desafio feito às populações
indígenas pelos programas que lhe são ‘doados’, valeria a pena discutir se a
assistência é uma proposta impossível? Um mito?” (Encontro de
Superintendentes, de Administradores Regionais e Técnicos da Área da
Assistência, 1991: p.1)
Este questionamento apontaria para a própria modificação das relações
sem, entretanto, romper com os moldes tradicionais de que a modernização iria
redimir indígenas e funcionários da FUNAI:
“As populações indígenas se sucedem, as instituições se
‘modernizam’, as equipes se ampliam, os equipamentos se
aprimoram, as distâncias são reduzidas, os relatórios aumentam o
volume, novos programas de assistência surgem, melhorando o
velho. O novo substitui o velho, usando o mesmo espaço físico e
social, aplicando propostas não explícitas às populações passivas
diante dos discursos que às vezes variam apenas de tom.
O índio se atordoa diante das motivações’; insinua ter consciência
de seus valores; esforça-se por indicar os limites e peculiaridades de
suas necessidades e possibilidades. Como ampliar o seu universo,
preservando os valores do mundo onde foi criado, incorporando
avalanche de ‘saberes’, que lhe é trazida de fora, sem a ‘marca
registrada’ de origem, sem o endereço do futuro? Como rejeitar a
‘ajuda’? Como assumir os saberes novos sem perder o
187
conhecimento que não é somente seu, pois incorpora vidas de
muitas gerações?
O tempo vai desbotando o seu chão. Suas esperanças de
conquistar o mínimo são substituídas por ações concretas que em
nada respondem às suas necessidades básicas, mesmo que
‘proponham promover o desenvolvimento das áreas indígenas’,
‘motivar a participação da comunidade’, integrar a população ao seu
meio, ajudando-a a desenvolver-se’.
O fenômeno sugere discutir as raízes dos problemas que envolvem a
assistência ao índio, antes de se elaborar uma Política de Ação
Assistencial para a FUNAI, partindo em primeiro lugar, do exame
das deficiências e insuficiências existentes. Em primeiro lugar,
temos que especificar o que entendemos por assistência. Para isso,
propomos como ponto de partida, o ENCONTRO DE
SUPERINTENDENTES, ADMINISTRADORES E CNICOS
DA ÁREA DE ASSISTÊNCIA, visando discutir os conceitos de
participação, de desenvolvimento e etc. De onde foram trazidos?
Com que energia eles são abastecidos? Em que medida tem
contribuído para o esmagamento dos valores, da criatividade, da
força da gente? Gente que os programas tinham como meta
assistir.” (Encontro de Superintendentes, de Administradores
Regionais e Técnicos da Área da Assistência, 1991: p. 3)
Assim, o mais interessante do documento, é que ele propõe uma FUNAI
renovada nos moldes antigos, ou seja, a renovação da proteção,
ressaltando a evidência dentro da própria máquina estatal a necessidade
de se negociar os novos termos da tutela com funcionários e
perspectivas muito disseminadas. Um novo léxico dentro da
mesma máquina tutelar:
188
“É de supor que, em tais circunstâncias, muitas vezes a razão pode
estar com os recalcitrantes ou os indiferentes ou os impermeáveis.
Talvez sejam estes os verdadeiros heróis. Aqueles que souberam
permanecer incorruptíveis aos apelos de uma integração de verniz,
que lhes oferecem miçangas em troca de suas almas. Curiosamente,
parece ser esta a grande tragédia nacional. E o símbolo dessa
resistência o ÍNDIO PREGUIÇOSO.
Outro aspecto de relevante importância é que os parcos
recursos financeiros da FUNAI. A assistência pressupõe a existência
de recursos e não da real necessidade das comunidades indígenas.
Sendo os recursos exíguos e em grande parte gastos nas ações
administrativas da FUNAI, o quadro tornar-se dramático.
Brasília, 29 de novembro de 1991.” (Encontro de
Superintendentes, de Administradores Regionais e Técnicos da Área
da Assistência, 1991: p.01-02)
Por mais que não hegemônico o que fez setores dos agentes encarregados
de tutelar, modificar em tão fortemente suas perspectivas e certezas de atuação?
O que fez o discurso do desenvolvimento perder sua hegemonia e ser criticado
inclusive internamente pelos funcionários da FUNAI? É sobre estas questões que
este capítulo procurará se debruçar, buscando compreender como se implantou a
idéia de projeto como modelo de intervenção e quando este modelo passou a ser
questionado abertamente.
Ao tratar da história dos projetos de desenvolvimento, mesmo com todos
os elementos que apontam para a criação de cada vez mais mecanismos para
controle e fiscalização, e também nos instrumentos de fixação de planejamentos,
metas e diretrizes da política indigenista, mesmo assim não temos um movimento
apenas de complexificação (burocratização), mas também movimentos de
189
rompimento com as limitações e esquematizações produzidas pelo aparato
estatal. Neste capítulo procuramos lidar com várias dimensões da ação tutelar
deste Estado, que não obedecem a uma única direção apesar dos esforços em se
fazer ver como uniforme.
Tanto as propostas de “desenvolvimento” não começam de maneira
idêntica, quanto também seus resultados vinte anos depois não são os mesmos. E
isso não porque tais intervenções não começaram no período da criação da
FUNAI. Muitas delas, como as ações no tocante a postos e populações indígenas
da região sul do país (estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul)
muito tempo tinham como práticas de trabalho dentro das áreas dos postos
indígenas. Estas ações, que depois seriam executadas em grande parte das áreas
indígenas administradas pelo Estado, principalmente entre a segunda metade da
década de 70 e primeira metade da década de 80 do século passado foram
pensadas quase como executáveis de maneira uniforme, onde se aplicaria tal
como apresentando no Projeto de Desenvolvimento do P.I. Ibirama:
“Aplicar, ordenadamente, os recursos gerados na área indígena,
numa primeira etapa buscando atingir o nível de subsistência e dar
início ao processo de desenvolvimento comunitário através do
aumento da produção e da racionalização da agricultura.” (Projeto
de Desenvolvimento do PI Ibirama, 1976: p. 01)
Mesmo nos períodos de maior normatização da ação da FUNAI, onde tudo é
justificado pela Fundação como parte integrante de uma grande e única política
indigenista salta aos olhos rapidamente as diferenças:
190
“Para tanto, e dentro dos critérios de respeito ao grau de aculturação
e tradição produtiva das Comunidades, a FUNAI elaborou, em
1980, 143 projetos de desenvolvimento comunitário, baseado em
aspirações das próprias comunidades indígenas. Dentre estes, 14
foram destinados aos índios da área de influência da rodovia
Cuiabá-Porto Velho”
48
Ao responder às questões propostas pelo Banco Mundial, sobre as
atividades da Fundação e seus planos de mitigação de impacto sobre populações
indígenas em torno da construção da BR-364, a FUNAI aponta já algumas
diferenças existentes entre a realidade desses grupos indígenas tutelados. Nos
documentos aparecem ainda os graus de aculturação e situação do grupo, sistema
classificatório indispensável para enquadrar indígenas nos moldes da ação
tutelar. É claro que esta apesar de muitas vezes ser pensada de maneira
homogênea se desenvolve em diferentes contextos, com diferentes grupos
indígenas e com diferentes graus de intensidade. Junto com as programações e
diretrizes, o que se percebe são diversas situações e mesmo diferentes modos de
se aplicar tal política, sinalizando possibilidades para mudança na aplicação e
teste dos projetos de desenvolvimento.
Mais do que indicar as idas e vindas dentro da administração tutelar, o
modelo projetos de desenvolvimento – atividades tópicas destinadas a de maneira
mais rápida resolver passivos ou instalar novas realidades materiais e/ou sociais –
coloca dentro da ação tutelar a pertinência de olhar mudanças e ações como
190
48
Resposta datilografada, da FUNAI, aos questionamentos do Banco Mundial, em torno da
construção da BR-364. Preocupados em exercer algum grau de pressão sobre os executantes.
191
pensadas, formuladas, testadas e aprovadas, e aplicadas durante alguns períodos
ou relegadas ao esquecimento. Parece evidente, que mesmo a idéia de
procedimentos lineares, quase como equações matemáticas, onde se testam,
aplicam e padronizam formas de lidar com a realidade, está longe de ser o reflexo
da administração estatal, e em particular da ação de órgão estatal tão peculiar, a
Fundação Nacional do Índio.
Como já dito anteriormente, bsuca-se aqui fugir de simplificações na
apresentação de contextos e períodos, buscando analisar a FUNAI não como
campo de uma ordenação monolítica e direções estritas. Se para espaços muito
mais hierarquizados e contidos do Estado brasileiro, como o Exército (Castro,
1993) tal leitura é equivocada, para um órgão que poucas vezes foi alvo de
pesquisa e reflexão mais aprofundada isto é minimamente temerário. Assim,
novamente aqui procederemos na tentativa de investigar as diferentes dimensões
presentes quando se tentou por em prática as atividades denominadas projetos de
desenvolvimento.
As primeiras experiências
Para tratar de entender a aplicação dos projetos de desenvolvimento para
populações indígenas, é necessário antes de tudo situar o quê são e como
surgiram tais formas de intervenção dentro da FUNAI. Nos capítulos anteriores
chamamos a atenção para longos processos dentro da administração tutelar, bem
como na própria maneira de se gerir a máquina estatal, que apontavam para certa
192
consolidação em meados da década de 60 do século passado, das formas de
intervenção geridas pelo Estado através de propostas de ação, centradas estas em
modus operandi que destacariam termos e práticas como estudo, planejamento,
técnica. Estas ações seriam feitas através de programas, planos e/ou projetos,
propostos e muitas vezes também executados por especialistas em formular e
realizar estas atividades que buscavam o desenvolvimento de grupos e da nação
como um todo.
No caso específico da ação tutelar estatal, encontramos nos trabalhos de
Cardoso de Oliveira (1972 e 1976) e Ribeiro (1982) e principalmente, por mais
que de maneira esparsa, na documentação existente sobre a ação do Serviço de
Proteção aos Índios na década de 50 do século passado, diversas tentativas de se
aplicar projetos, planos e programas, anteriores ao que podemos identificar
como boom dos projetos e programas dentro da FUNAI, na segunda metade da
década de 70, mais precisamente a partir de 1977/78. Além de procedimentos
mais antigos como a designação ou o convênio com determinadas instituições,
missões ou mesmo indivíduos, aparecem de maneira episódica, propostas de
execução como projeto para construção de posto, para construção de um hospital,
enfim algumas tentativas de mudar o padrão de intervenção dos funcionários.
Alguns aspectos, não diretamente ligados à ação tutelar relativa às
populações indígenas, que inspiram e norteiam este novo formato de intervenção
da ação indigenista e que acabaram sendo apropriados dentro do discurso e das
práticas da Fundação Nacional do Índio são fundamentais para entender estas
primeiras experiências. As intervenções pensadas sobre o nome de programas,
193
planos e projetos, fazem parte de um modelo de atuação baseado na ação tópica e
concentrada, visando uma intervenção circunscrita e uma melhora rápida
naqueles elementos denunciados a ou considerados preocupantes para ação
tutelar dentro das áreas administrativas e das populações indígenas.
Ele envolve muito claramente uma reconfiguração nos modos de
intervenção estatal, onde se busca a melhoria, a modificação das formas
tradicionalmente aplicadas para execução de tarefas designadas para desempenho
do Estado. O apelo inicial está na modificação de práticas pouco, mal ou não
planejadas – no caso da FUNAI, o modelo dos postos indígenas – onde se
colocam vários problemas para execução das atividades que caberiam a
Fundação e sua substituição por novos modos e práticas de ação que poderiam
corrigir os defeitos e problemas identificados. Tais ações aparecem em diferentes
contextos e períodos da ação tutelar, mas também na maneira como parte dos
integrantes deste Estado Brasileiro e mesmo nas ações de outros aparelhos
burocráticos em outros Estados que não o brasileiro (Scott, 1999; Mandani,
1999).
A busca da modernização destas intervenções, do planejamento, da
tecnificação e do constante controle e melhoria da execução de atividades foram
e têm sido padrão das modificações que os aparelhos dentro do Estado sofrem.
Assim a FUNAI, procurou desde seu início realizar inovações e por em prática
através novos modelos de gerir suas atividades. Inclusive não se pode apontar
quem viria primeiro, pois a própria idéia de burocracia moderna, como salientam
vários autores desde Weber (1983), implica em melhoria, tecnificação e
194
planejamento, onde demandas por mudanças são imperativas. A procura por
novas formas para melhor gerir interesses e funções desempenhadas pelo Estado
Brasileiro, com um maior controle, fiscalização e planejamento, aparece em
vários momentos-chave desta história, como a criação da república ou as
modificações dentro do primeiro governo Vargas (Reis, 1988; Lima, 1995).
Após a segunda guerra mundial e até os primeiros projetos de
desenvolvimento aplicados pela FUNAI, também se vêm modificações freqüentes
dentro do modus operandi do Estado brasileiro, com freqüentes e sucessivas
alterações estruturais e de planejamento, sempre defendidas como maneiras de
aprimorar o funcionamento da máquina de intervenção estatal (Mendonça, 1986).
É um período de várias tentativas de criação e modificação nos modelos em que
se pensava e funcionava o Estado.
No tocante, a ação tutelar desenvolvida dentro do Estado brasileiro, isso
pode ser percebido em alguns momentos mais claros como na criação e
modificação de regulamentos e estatutos (Lima, 1995; Corrêa, 2000), nas
transformações e aprimoramentos das formas de planejamento e controle da ação
estatal. Um dos sinais mais evidentes destas modificações buscando melhoria e
padronização das atividades é remodelação dos Boletins Mensais dos Postos
indígenas na década de 40 do século passado. Estes boletins inicialmente serviam
como meio de comunicação entre os chefes de postos e a sede regional
(Inspetoria Regional) do órgão. Passam a especificar gradativamente dados das
atividades de posto, especificando dados sobre saúde, educação, trabalhos dentro
do posto indígena, fornecendo também dados sobre a quantidade de índios
195
localizados. Na década de 40, eles passam a ser preenchidos em folhas
padronizadas e impressas, exigindo a especificação de informações, seu
detalhamento segundo a sede do órgão e deixando pouco espaço para que o
funcionário local preenchesse com informações de seu interesse
49
.
Estas modificações levam a um maior detalhamento das informações que
as direções (regional e nacional) desejavam obter, servindo para o acúmulo de
registros para programação e divulgação de atividades, bem como padronização e
progressivo detalhamento de atividades. Pode-se então depreender que mesmo
que se considere a ação estatal como falha onde a gradativa especialização,
padronização e acúmulo de informações comparecem como uma retórica de
exibição de uma pretensa qualificação do Estado a evidência da documentação
produzida e acumulada pelas instituições estatais, aponta para busca freqüente
por criação de padrões de intervenção ou de modificações daqueles vistos como
equivocados:
C CONTABILIDADE DE MATERIAL, FUNDOS, RENDAS E
ESTATÍSTICAS.
A inspetoria sempre ausente. Contactos gráficos, por meio de
relações, prestações de contas, boletins mensais. A carga e a
administração do posto em suspenso tempos, tendo em vista que
o encarregado designado não assumirá, por não ter sido aberta a
correspondência desde aquela data. Tal situação leva a crer que
existam certos problemas pessoais entre elementos lotados no posto.
Os dados estatísticos apresentados são passíveis de suspeição, dada
195
49
Para descrição e análise detalhada destas trocas de informações dentro da burocracia tutelar,
ver Vianna (1995). Para descrição destes boletins, ver Corrêa (2000).
196
a probabilidade de inexatidão.” (Relatório PI Santa Izabel do Morro,
1977, p. 03)
A busca por uma padronização deste novo modo de gerir a ação tutelar, no
entanto como falado caminha com antigas formas de administrar as unidades
locais da FUNAI, os postos indígenas. Esse inclusive é um dado essencial para
que entendamos as diferentes experiências apresentadas a seguir, e suas conexões
com o antigo modelo de funcionamento mensal. Naquela unidade comandada por
um funcionário da agência tutelar, este coordena trabalhos e atividades dos
indígenas, como educação e saúde, estabelecendo as diretrizes e os modos de
interação dos indígenas com ele mesmo e com o restante da população.
É de difícil precisão quando se iniciaram os projetos de desenvolvimento,
todavia desde meados das décadas de 50 e 60 do século XX se vêm algumas
ações tópicas desenvolvidas pelo SPI dentro dos postos indígenas. Um olhar mais
cuidadoso permite ver esboços em pequenos projetos de intervenção, no tocante
a saúde, a educação e o desenvolvimento de atividades econômicas. Mesmo com
os propalados desvios da administração tutelar no período que embasam aquilo
que ficou conhecido como a “crise”, que levou à extinção do SPI (Lima, 1995 e
1998; Freire, 1990) e que gerou uma opinião se não hegemônica, mas repetida à
exaustão (Moreira Neto, 1977; Cunha, 1992) notam-se diversos experimentos
que visavam não introduzir este novo formato, mas como sinais expressivos
de ações para corrigir defeitos e equívocos das formas tradicionais de
organização da ação tutelar, centrada na figura do Posto Indígena e do
197
administrador de posto o como núcleo do cotidiano e da intervenção indigenistas
(Lima, 1995; Corrêa, 2000).
Como se objetiva não simplificar tais processos, eles não apenas indicam
essa preocupação em reverter e corrigir a ação tutelar, mas apontam movimentos
de maior prazo na transformação da máquina administrativa do Estado brasileiro
e em particular da agência tutelar oficial, o SPI. Apesar de não ser novidade que
desde o final da década de 30, mas precisamente nas modificações legislativas e
administrativas postas em prática pelo governo Vargas no período do Estado
Novo (Reis, 1988, Lima, 1995, entre outros), as transformações que começam a
serem postas em prática com a criação de estatutos, normas e procedimentos para
o serviço público (Lima, 1995) começa a gestar as transformações que serão
postas em práticas. Esta modificação, perceptível em pequenos detalhes como a
realização de concursos; a busca de formas de treinamento e mesmo na
modificação das formas de controle e regulação das atividades e comunicação,
onde do estilo prolixo e pessoal de cartas entre chefes de postos indígenas e
administradores regionais e nacionais (Vianna, 1995) passa-se a limitar e reduzir
tais demandas com o envio de formulários e memorandos, centrados em dados
“estatísticos” sobre os postos, já na década de 40 (Corrêa, 2000).
Estas modificações apontam este constante movimento, quase que inerente
ao próprio funcionamento do aparato burocrático, na busca por formas novas de
regular e tornar mais organizado o aparelho estatal. Tal movimento que extrapola
instituições e países se confunde e aparece diversas vezes nos discursos e práticas
de transformação dos aparatos do Estado, encaminhado através de “adjetivos”
198
como modernização, eficácia, técnica, entre outros termos, como a pedra de
toque para a melhoria da burocracia do Estado (Castro, 2002; Escobar, 1994;
Ferguson, 1994).
Neste horizonte de modificações, apesar de em longo prazo o SPI ter sido
extinto sobre justificativas de administração (Lima, 1998), e neste período
final, que se esboçam dentro da máquina do Serviço em suas diferentes seções
e administrações regionais a busca por modificações e melhorias, conectadas
aos primeiros projetos específicos: escolas, hospitais, casas de assistência e
atividades econômicas. No contexto da atuação do SPI, apesar de situações
consideradas emergenciais serem as mais evidentes para a formulação de planos
e programas excepcionais de intervenção as chamadas situações-limite, onde
problemas do cotidiano dos postos e grupos indígenas: surtos de doença; fome;
ataques de violência; exploração de trabalho e outros problemas demandam
intervenções extraordinárias, fora do contexto tradicional da administração dos
postos, onde os tópicos básicos como saúde, educação, trabalho e moradia eram
administrados pelos funcionários locais do SPI –, a própria busca por novas
maneiras de se administrar, educar, civilizar, ou tutelar mais eficazmente
indígenas e funcionários também se apresenta como elemento importante no
estabelecimento de novas formas de proceder no cotidiano das unidades tutelares
e grupos indígenas. Estes novos procedimentos podem ser exemplificados na
mencionada modificação nos padrões de organização e sustentação do
funcionamento dos postos, formulados no contexto da Delegacia Regional
199
sobre administração de Gama Malcher, a referida Renda do Patrimônio
Indígena.
E nesse contexto, que apesar de dispersas, algumas experiências iniciais
foram significativas para o estabelecimento de padrões para os diferentes
projetos, até a mencionada profusão quase industrial de procedimentos e
modelos intervenção, sacralizadas através de siglas como ASPLAN, DGPI,
DDC, DGP, entre outros. Estes procedimentos, inovações se começam a ser
gerado através de mudanças administrativas, legislativas, acabam ganhando
espaço com alguns estudos e tentativas realizadas na década de 60 e começo da
década de 70, onde se percebem os movimentos tanto de conexão com antigas
práticas indigenistas bem como deste novo padrão de atuação estatal, onde se
realizam intervenções circunscritas, buscando suprir as necessidades e cessar as
queixas de funcionários locais e indígenas quanto a pouca assistência. O
elemento que fornece de certa maneira este elo de ligação entre o padrão usual de
atuação do SPI, onde se tem áreas (Postos Indígenas) onde estão localizados
grupos indígenas e se realizam tarefas coordenadas pelo encarregado do posto é a
viagem de fiscalização. Este modo de intervenção, ao mesmo tempo em que
reflete padrões sacramentados de ação indigenista, inseridos nos primórdios do
SPI (Lima, 1995), aponta também para mecanismos mais atuais de ação estatal,
e para mudanças na gestão tutelar;
Antes de entrarmos diretamente na análise dos projetos e seus resultados,
vale refletir sobre como se estabeleceram os novos procedimentos de gestão
tutelar das populações indígenas, utilizando para isso de alguns achados dentro
200
do arquivo da FUNAI, projetos estes que como veremos mais a frente não
lograram êxito. O “fracasso” – não que a própria instituição o considerasse já que
seriam feitas novas tentativas de execução de atividades, semelhantes a estas, no
futuro destes aponta para o caráter de experiência que a execução de projetos
pode ter.
Nos arquivos da FUNAI em Brasília, além da comentada dificuldade de
acesso e entendimento rápido dos modos de organização, fica evidente a pouca
informação sobre os anos finais do SPI e os primeiros anos da FUNAI. Por mais
que o incêndio que queimou documentos tenha corroborado com isto (Moreira
Neto, 1981; p. introdução), depois da pesquisa na documentação, principalmente
nos boletins iniciais da FUNAI, a ausência de dados sobre o cotidiano das
administração tutelar em seus vários níveis neste período reflete as próprias
dificuldades dos órgãos indigenistas e do governo militar em formular e
estabelecer padrões e modos de atuação. Aparecem nos jornais no período
basicamente denúncias de descaminhos administrativos do SPI, as conhecidas
denúncias internacionais de genocídios e outros crimes contra as populações
indígenas e as atividades de construção de rodovias e colonização da região
amazônica.
Assim, não deixa de ser interessante refletir sobre os projetos encontrados
para o período. Têm-se propostas de intervenção na região do Alto Rio Negro no
Amazonas; um projeto de educação e outras atividades formuladas dentro do
CNPI, que deveria orientar as ações do SPI; um projeto de intervenção nos
moldes antigos, que deveria cuidar das atividades da 14ª delegacia regional,
201
responsável pelos postos indígenas da região sul do país; Plano de Apoio para as
ações na Transamazônica, e mais alguns relatórios sobre a situação de postos
indígenas nos estados do Mato Grosso e Rondônia.
Neste universo pequeno de intervenções se podem perceber alguns
elementos, para além do próprio indicativo de fracasso dessas atividades
desenvolvimentistas. foi comentado que a atuação dentro da administração
pública, e especificamente no campo indigenista carrega em grande parte aqueles
elementos usualmente criticados, onde se tende a valorizar a atividade (projeto)
atual em detrimento de intervenções mais antigas. Chama a atenção que apesar
de termos propostas semelhantes de intervenção emergenciais quando os
grupos a serem desenvolvidos passam por dificuldades no tocante a saúde,
educação, higiene, alimentação ou garantia de terra; e desenvolvimentistas,
quando o grupo indígena está em condições menos críticas
50
não se consegue
não só apontar falhas como também não se consegue perceber ganhos mais
claramente, a não ser que seja aumento de produção.
Os Projetos pilotos e os projetos de sempre
Um olhar sobre a documentação evidencia várias das mencionadas idas
e vindas da ação tutelar, onde correm em paralelo tentativas de modernização
através dos projetos de desenvolvimento e intervenções nomeadas como projetos,
201
50
Vale dizer que nunca fica claro, preciso o que é uma condição crítica, que até o presente
momento se evoca para lidar com situações-limite. Nos moldes do que tem aparecido nos
jornais, a morte de crianças Guarani por desnutrição aparece hoje como ponto limite para a má-
administração.
202
mas que obedecem ainda aos modelos de chefia e trabalho calcados nos
procedimentos do SPI. É inclusive de se estranhar que tais procedimentos não
fossem mais disseminados, que o mencionado reaproveitamento de
funcionários do Serviço de Proteção aos Índios, e do aparato administrativo
(postos indígenas) e seu funcionamento implicavam no reconhecimento dos
antigos códigos de trabalho tutelar atividades mensais, prestações de contas,
recursos para pagamento de funcionários, chefes conduzindo indígenas nas
atividades de trabalho e sua recuperação por funcionários e índios.
dificuldade em precisar quando uma proposta carrega novas práticas ou apenas
repete com novos nomes, antigos procedimentos.
Este é o caso de uma viagem feita por funcionários da FUNAI no estado
de São Paulo, que resulta numa proposta de ação na área, mas que carrega muito
de antigas práticas indigenistas. A viagem tinha como objetivo:
“... não apenas o de fiscalizar o emprego da verba a ser aplicada na
construção do PI Peruíbe, conforme relação nominal do material a
adquirir (Processo FUNAI/BSB/0085/72) como também, a coleta
de dados para a implantação das bases de um planejamento
Comunitário na área pertencente ao Guarani.” (Relatório Geral da
Inspeção e Pesquisa à Área Indígena de Peruíbe, Município de
Peruíbe, Litoral Paulista, para a Implantação de um Plano para o
Desenvolvimento Comunitário, p. 1
51
)
202
51
Relatório Geral da Inspeção e Pesquisa à Área Indígena de Peruíbe, Município de Peruíbe,
Litoral Paulista, para a Implantação de um Plano para o Desenvolvimento Comunitário. Os
203
Todavia a viagem mesclou a aplicação de
... questionários para a coleta de dados existentes nas áreas
visitadas, demonstram o quanto é insuficiente o mero de
informações claras e precisas como também, demonstra o quanto
carece de auxílio os índios abandonados que, têm para com a
FUNAI e SPI, palavras de tristeza e desconfiança, dado ao descaso e
o esquecimento, a que se acham entregues longo tempo.”
(Relatório Geral da Inspeção e Pesquisa à Área Indígena de Peruíbe,
Município de Peruíbe, Litoral Paulista, para a Implantação de um
Plano para o Desenvolvimento Comunitário, p. 1, grifos dos
autores)
O tom em primeira pessoa, indicativo do tipo de documento (relatório de
viagem), é mais do que um relatório técnico. Tratava-se de uma peça importante,
demandando providências urgentes por parte do funcionário responsável. Outro
elemento interessante da proposta de planejamento para os índios Guarani é a
alternância de encaminhamento na proposta do relatório, que mistura definições
pessoais com dados técnicos, realizando assim uma junção, muito distinta dos
moldes de execução padrão do final da década de 70 do século passado, onde
uma verborragia tecnicista quase apaga a existência e debate entre tutores:
“O índio Guarani não pode e nem deve esperar mais pela
dependência da boa vontade de terceiros, desintegrando-se e
objetivos DE VIAGEM DE Alceu Cotia Mariz e Diana Cléa Garcia da Mota me dezembro de
204
marginalizando-se mas, sim, ter na Fundação Nacional do Índio o
apoio, o estímulo, o amparo de que este órgão é responsável pelo
índio brasileiro, e cujos princípios não estão sendo observados.”
(Relatório Geral da Inspeção e Pesquisa à Área Indígena de Peruíbe,
Município de Peruíbe, Litoral Paulista, para a Implantação de um
Plano para o Desenvolvimento Comunitário, p. 1-2, grifos dos
autores)
Onde o relato ressalta a importância da defesa da tutela na aldeia indígena:
“... ouvíamos palavras acusadoras, duras, amargas, como se fôssemos
a reedição de outros elementos enviados, em nome do Governo
Brasileiro, que passaram por eles prometendo, pesquisando e
explorando os índios como objetos de uma sociedade selvagem em
decadência.” (Relatório Geral da Inspeção e Pesquisa à Área Indígena
de Peruíbe, Município de Peruíbe, Litoral Paulista, para a Implantação
de um Plano para o Desenvolvimento Comunitário, p. 2)
Outro dado relevante que tinha chamado atenção no terceiro capítulo, é
a mistura de atividades quando da avaliação desses projetos. A perspectiva da
contemplação da reforma dos edifícios, construção de estradas, reforço ou
melhoria na comunicação, atendimento médico e escolar no que seria um projeto
de desenvolvimento comunitário só parece estranha se ignorarmos que muitas das
vezes a assistência aos indígenas é vista sobre essa égide. Também não se pode
esquecer que o próprio começo da FUNAI foi marcado pela entrada razoável de
recursos que visavam recuperar a infra-estrutura péssima com que muitos dos
postos indígenas contavam no final do SPI. Os planos serviriam como
1972 (03 a 13/12/72):
205
possibilidade de recuperar também as bases para estabelecimento de relações
entre os agentes tutelares e os tutores:
“Através desta estrada, haverá o escoamento da produção que
deverá ser estimulada e dar margem à criação de uma cooperativa
que os próprios índios querem organizar e que de colaborar no
sentido de reerguer o padrão econômico indígena e não a exploração
realizada pela falta de transporte e comunicação.”
(...)
“A área, em si, oferece pela qualidade da terra, em condições para a
implantação de roça coletiva, o que somente será possível através da
orientação e supervisão de um chefe de posto capaz, além dos
instrumentos adequados, inexistentes.”
(...)
“... ausência de elementos desta Fundação na área, um ‘auxílio
direto, presentes, um brinco para a mulher, um sapato, ferramentas,
ou mesmo remédios’. Esquecimento total por parte da FUNAI do
índio Guarani do litoral constando-se a inexistência de auxílio a este
grupo.
c) o antigo SPI (Serviço de Proteção aos Índios) bem ou mal, de
acordo com seu parecer, colaborava com presentes, remédios e
ferramentas (lâminas de enxada, caititu (2), tachos enormes para o
preparo de mandioca).” (Relatório Geral da Inspeção e Pesquisa à
Área Indígena de Peruíbe, Município de Peruíbe, Litoral Paulista,
para a Implantação de um Plano para o Desenvolvimento
Comunitário, p. 6-7)
206
Em paralelo, como já foi falado antes, temos também diversas intervenções
chamadas projetos ocorrendo no âmbito da Fundação Nacional do Índio, onde se
procuram por em prática novas formas e novos formatos de ação tutelar.
Podemos destacar dessa fase inicial, dos casos que poderíamos classificar como
exemplares de tentativas, à luz da ação tutelar, de inovação e modificação de
antigos padrões: Os projetos da Ajudância Minas-Bahia (AJMB) e os planos de
intervenção no Alto Rio Negro.
Os projetos para os postos indígenas da AJMB, fundamentalmente os
postos Fazenda Guarani e Mariano de Oliveira, no começo da década de 1970
chamam a atenção pelas circunstâncias de tentativa de aplicação. Nas referidas
áreas buscou-se implantar quase que de maneira estrita os modelos de ação
tutelar preconizados pela FUNAI no começo dos 70: intervenção com adoção de
projetos, existência de policiamento indígena, controle e demarcação de terras,
melhoria das condições educacionais e sanitárias etc. As primeiras experiências
serviriam como base para novas ações, inclusive em outros contextos e grupos
indígenas, enfim, os projetos eram pensados como experiências-piloto que
ajudariam:
... visando-se principalmente a formação de uma mão-de-obra semi-
especializada entre os silvícolas para que possam atingir uma
integração social na comunidade nacional envolvente, conforme os
termos da Política Indigenista Brasileira.” (Plano de
Desenvolvimento Comunitário, 1973, p. 15)
Sem entrar no mérito das formas de aplicação que a existência da Guarda
Rural Indígena (GRIN) e do Reformatório Agrícola Indígena Krenak,
experiências liminares no uso e disseminação de força e coerção aos índios pelos
207
tutores, no caso policiais militares designados por convênios com a FUNAI
(Corrêa, 2000) – a formulação do Projeto de Desenvolvimento Comunitário
Krenack permite perceber o ensaio da própria disseminação da terminologia e
organização dos projetos.
De início o projeto é baseado em “... informações colhidas e observações
locais feitas pela equipe do DGPC durante o levantamento sócio-econômico
realizado no período de 3 a 9 de setembro de 1973” (Projeto de Desenvolvimento
Comunitário Krenack, 1973: p.1). Suas atividades, seguindo os moldes do
período visam a “a aplicação efetiva, na área, da Política indigenista Brasileira,
consoante com a realidade desenvolvimentista do país.” (PDCK, 1973: p. 1).
Dando continuidade à explicitação do modelo, em grande parte decorrente da
própria especialização dos temas, o plano se dividiria em:
“... diversos programas, que atenderão as áreas de subsistência,
saúde, educação, edificações, assistência social e serão colocados
em execução, atendendo as disponibilidades financeiras desta
Fundação, conforme o cronograma em anexo. Os programas serão
possíveis de alterações, segundo as mutações da comunidade, nos
exercícios vindouros, evitando-se grandes transformações na
estrutura básica do mesmo.” (PDCK, 1973: p.1)
A proposta da AJMB tem inclusive o entendimento que a população indígena da
área “... é formada de elementos em grau de contato integrado, com elevado
índice de aculturação, o que lhes permite um entendimento de diversos valores da
208
população envolvente” (PDCK, 1973: p.3), o que indicaria melhores condições
para aplicação e funcionamento das propostas de desenvolvimento do plano.
Além disso, o plano faz as conexões tanto com a idéia da integração do indígena
à comunidade nacional, fixando, controlando e direcionando atividades e
indígenas:
“O plano visa uma recuperação de toda área, atendendo os anseios
da comunidade, valorizando o homem e equipando-o para a
necessária fixação ao solo, evitando seu êxodo para regiões onde
seu futuro será certamente negro.
E conforme a Política indigenista do Brasil, o plano almeja integrar
o índio na comunidade nacional envolvente, dando-lhes condições
de saúde, de escolaridade e situação econômica favorável para que
possa obter um padrão de vida compatível com a realidade do país.”
(PDCK, 1973: p.3)
Um dado interessante dos projetos de desenvolvimento é seu falado
detalhismo, que acaba exigindo a explicitação de práticas e expectativas. Ou seja,
se os resultados não são tão fáceis de exibir, os objetivos são mais visíveis e,
portanto, criticáveis, como a desenvoltura em falar de como seria o trabalho
indígena:
“... formar a base comunitária da sociedade indígena local. (...)
209
Assim é mister a aplicação de mão-de-obra indígena em todos os
programas deste plano, dando ao silvícola uma oportunidade de
trabalho.” (PDCK, 1973: p. 3)
Daí que:
“... é necessário Criar-se um sistema agrário para que cada família
possa cuidar diretamente de uma roça de subsistência, paralela às
roças globais onde se farão culturas permanentes. (...)
Os índios trabalharão em regime de mutirão durante 3 dias da
semana, nas roças globais de cultura permanente e os 4 dias
restantes em suas roças domésticas, com a família, em proveito
próprio.” (PDCK, 1973: p. 5- 6)
Também nas atividades programadas percebe-se o lugar do indígena, bem como
a evidência da condição de tutelado que a administração tutelar aponta:
“Dada a situação criada com a transferência dos índios Krenack e
Guarany para a área da Fazenda, onde não havia infra-estrutura de
sustentação, fomos levados a criar um programa de Assistência
Social.
Se considerarmos que os índios perderam a maioria de seus objetos
de uso pessoal, suas roças de subsistência, que estavam plantadas,
suas crianças domésticas e não encontram na Fazenda condições de
subsistência imediata, verificamos que é perfeitamente válida a
formulação deste programa, para alimentá-los, vesti-los e suprí-los
com objetos de uso pessoal.” (PDCK, 1973: p. 10, grifos meus)
210
Ou:
“No Centro-Social poderão ser feitas reuniões das famílias ou de
seus membros, em torno de atividades de interesse comum, como
corte e costura, culinária, horticultura. Serão promovidas palestras
pelo atendente hospitalar sobre educação sanitária, puericultura,
hábitos alimentares ou pela professora sobre organização doméstica,
orientação educacional, visando a formação de certos hábitos e
preparação da comunidade para receberem novos incentivos visando
a auto-promoção do grupo social.” (PDCK, 1973: p. 13)
Assim, fica claro que o modelo adotado para os indígenas é o do pequeno
agricultor
52
, a formação se assemelha a aquela proposta pelas boarding schools
norte-americanas, que visavam à integração dos indígenas a sociedade como um
todo
53
. O trabalho é visto como redentor:
210
52
Já em “... relação às mulheres deve-se pensar na criação de condições para o ensinamento de
prendas domésticas e artezanatos. Não pode a mulher índia ficar relegada ao papel de simples
fêmea. Urge dar-lhe a oportunidade de ser tornar em esposa capacitada a estabelecer melhores
condições de vida na casa, constituindo um verdadeiro lar.” (1)
53
Existem diversos livros que tratam da problemática da integração dos indígenas na sociedade
norte-americana pelas escolas, ver entre outros (Adams, 1995: Lomawaima, 1993, Prucha,
1996).
211
“Será utilizada a mão-de-obra indígena sempre que possível, nas
construções ou reparos, fornecendo-lhes uma oportunidade de
emprego com vistas a um ganho imediato, por parte do silvícola.
Isto levará a comunidade a uma motivação válida, por estarem
trabalhando para benefício do grupo social.” (PDCK, 1973: p. 14,
grifos meus)
Outra experiência significativa é o plano para o Alto Rio Negro, sua
denominação original “Plano de Assistência e Desenvolvimento das
Comunidades Indígenas da Região das Bacias dos Rios Içana ou Uaupés” é na
documentação encontrada provavelmente um dos primeiros, se não o primeiro
plano desenvolvido no âmbito da FUNAI. Nele estão esboçados novamente os
elementos que como vimos no capítulo sobre os projetos de desenvolvimento, são
recorrentes, para não dizer indispensáveis para a formulação destas intervenções,
os projetos:
“a) levantamento censitário da população indígena;
b) levantamento sócio-econômico das comunidades indígenas na área; e
c) observação das condições em que se processa a assistência oficial
e particular ao elemento indígena.
A análise dos elementos coligidos levou a FUNAI a concluir pela
necessidade de elaboração de um plano de assistência e
desenvolvimento às comunidades indígenas das referidas bacias
hidrográficas.” (“Plano de Assistência e Desenvolvimento das
Comunidades Indígenas da Região das Bacias dos Rios Içana ou
Uaupés”, 1968: p. 01)
212
As intervenções na área objetivavam o “... diagnóstico sócio-econômico e
cultural dos índios e assistência prestada” (1968: 01) com “... a efetiva aplicação
da Política Indigenista Brasileira” (1968: 01). No caso deste plano, o que chama
a atenção, é que na descrição de seus objetivos, pode-se perceber o quanto a ação
indigenista não foi e não é homogênea, sendo a tutela exercida de forma desigual
perante a totalidade dos grupos indígenas no país. Se ao mesmo tempo tanto SPI
como a FUNAI fazem esforços seguidos para apresentar a ação tutelar como
bem distribuída, os relatórios apontam que a capacidade de tutelar,
desempenhando funções básicas como presença, educação ou saúde está longe
de uma dispersão completa:
“Objetivos tornar permanente e dinâmica a presença do órgão
oficial de assistência ao indígena, naquela área, de modo a elevar o
padrão de vida do índio, contribuindo para sua integração na
sociedade nacional e para o desenvolvimento de uma vasta e rica
região praticamente abandonada;” (Plano de Assistência e
Desenvolvimento das Comunidades Indígenas da Região das Bacias
dos Rios Içana ou Uaupés, 1968: p. 02, grifos meus)
Também fica evidente a disparidade entre as pretensões de mediação do órgão
tutelar, e suas reais possibilidades como um todo “A ausência na área do órgão
oficial da assistência facilita essa situação” (Plano de Assistência e
Desenvolvimento das Comunidades Indígenas da Região das Bacias dos Rios
213
Içana ou Uaupés, 1968: p. 4), onde além do estímulo presente no estatuto da
FUNAI e seguidamente reafirmado de convênio para financiamento com
instituições:
“... nacionais ou estrangeiros, oficiais e particulares, interessadas
nos problemas relacionados com os indígenas e que poderão prestar
ajuda substancial técnica e financeira ou no campo da saúde,
transportes, comunicações, educação, alimentação etc.
Iniciada a execução do Plano ele, por si só, se financiará com o
rendimento da produção indígena que prevê.” (Plano de Assistência
e Desenvolvimento das Comunidades Indígenas da Região das
Bacias dos Rios Içana ou Uaupés, 1968: p.8-9)
O raciocínio é também semelhante para outros períodos da ação tutelar estatal,
onde os resultados possíveis tornam-se a médio prazo prováveis, onde objetiva-se
nos programas da FUNAI, que estes apresentem “... resultados positivos, o plano
será autofinanciável, com o rendimento da produção indígena prevista” (Plano de
Assistência e Desenvolvimento das Comunidades Indígenas da Região das
Bacias dos Rios Içana ou Uaupés, 1968: p.9). Neste crescente super-
dimensionamento das possibilidades de resultados, o projeto aponta a região
guarda a peculiaridade de ser na fronteira, onde o “... plano visa atender a esses
anseios como meio se valorizar o homem e de equipá-lo para a necessária fixação
ao solo evitando o seu êxodo para o estrangeiro.” (Plano de Assistência e
214
Desenvolvimento das Comunidades Indígenas da Região das Bacias dos Rios
Içana ou Uaupés, 1968: p.6)
Colocando em funcionamento
Após as experiências iniciais ainda no SPI e a gradativa tentativa de
colocar em funcionamento um novo modus operandi na gestão das políticas de
tutela do índio sob a tutela da FUNAI, através de intervenções exemplares
que permitiriam resolver pendências estruturais como a construção e
aparelhamento de prédios, contratação de pessoal, reaparelhamento de estradas,
transportes e comunicações, além de atenção à saúde e educação, e operar
projetos de atividades econômicas que financiariam a própria ação tutelar – o que
se tem é uma gradativa expansão de propostas e projetos na primeira metade da
década de 70, como apontado no terceiro capítulo.
É neste período, que a FUNAI procura recompor novas propostas
inserindo outros elementos que não as tradicionais viagens, seleção de grupos,
intervenção tópica para o desenvolvimento. O que é marcante no período –
perceptível nos Boletins Administrativos da FUNAI é o estabelecimento de
convênios visando à pesquisa e implementação de propostas de intervenção
inovadora pela FUNAI. É inclusive deste período que mais se tem dados
disponíveis sobre a atuação da FUNAI. Através de dissertações (Ferraz, 1983;
Almeida, 2001; Price, 1973, Siilva, 1982); tese (Ferraz, 1998) artigos (Albert,
1995; Azanha, 1982; Ferraz, 1990; Giannini, 2002; Oliveira Filho, 1987; Silva,
1985; Verdum, 2002), possibilitando comparar discursos, documentos e práticas.
215
Pode-se conhecer intervenções que procuraram estabelecer padrões novos para a
ação tutelar. Apesar do curto período, onde as experiências mais extensas
giraram em torno dos três anos no máximo, as iniciativas renderam uma série de
propostas para desenvolvimento de populações indígenas e suas atividades
econômicas.
As ações muito mais do que seu efetivo desdobramento em projetos,
trouxeram uma série de novas abordagens no tocante a projetos de
desenvolvimento (Oliveira Filho, 1987), o exame detido dos projetos guardados
nos arquivos da FUNAI, sinaliza para alguns elementos essenciais e
significativos de ganho da presença de antropólogos na coordenação dos
levantamentos e mesmo na execução de projetos. O volume de dados obtidos
(censos, atividades econômicas, propostas) nos levantamentos e sua descrição
minuciosa, mesmo que pouco aproveitada para muitas das experiências (Oliveira
Filho, 1987), permitiu que uma série de sinalizações sobre a importância da
realização de levantamentos cuidadosos fosse indicada dentro da FUNAI.
Outro elemento que fica evidente tanto em trabalhos acadêmicos
(Almeida, 2001; Ferraz, 1983 e 1998; Price, 1973) como nos relatórios de
prestação de contas (Projeto Nambikwara; Projeto Gavião; Projeto Xavante,
entre outros) da FUNAI é a importância do mapeamento dos problemas
enfrentados pelos grupos indígenas que se objetivava “desenvolver”. O relatório
sobre o Projeto Nambikwara é particularmente revelador por explicitar os
entraves produzidos dentro da própria administração para execução de atividades
para o desenvolvimento das populações:
216
“g) desde 1943 até 1968 o Chefe do Posto empregou os índios na
extração de borracha, primeiro oficialmente (Convênio SPI/ Rubber
Development Corporation), depois, por conta própria;
h) índios deste Posto ainda hoje se encontram trabalhando em
regime de semi-escravidão no seringal do Faustino, pertencente ao
genro do Chefe do Posto acima mencionados;
i) em 1968, o Diretor do então Departamento de Patrimônio
Indígena da FUNAI, promoveu estudos para a criação de três
pequenas Reservas Indígenas no vale do Guaporé, nos territórios
tradicionais de fixação dos grupos daquele vale, que, no entanto,
não logrou serem aprovadas pela Presidência da FUNAI àquela
época;
j) em outubro de 1968, foi assinado o Decreto 63.368, criando a
Reserva Indígena Nambikwara, que foi planejada com base em
informações inadequadas, que chega a mencionar acidentes
geográficos (a ponte sobre o rio Juína) não existentes;” (Relatório
do DGPC, p.03, sem autoria apontada)
Também aponta que o problema central é a terra, que o grosso da população
Nambikwara estava fora da reserva, em áreas ocupadas:
“... por agro-pecuárias, detentoras de certidões negativas fornecidas
pela FUNAI, na gestão de seu primeiro Presidente;
l) os desmatamentos procedidos pelas agro-pecuárias afugentaram a
caça, alimentação básica daqueles índios, e os privavam da coleta de
217
mel e frutos silvestres, levando-os a tal situação de subnutrição e
miséria que se levava a temer pela extinção completa daqueles
grupos; (Relatório do DGPC, p.03)
Segundo o relatório, depois da percepção ou indicação dos equívocos, “diante do
exposto, a FUNAI resolveu revisar sua política de ação indigenista e contrata um
Antropólogo, para estudar e propor soluções para a questão Nambikwara”
(Relatório do DGPC, p.04)
A antropologia, antropólogos e formação de indigenistas
A antropologia nos projetos de desenvolvimento é também outro
elemento fundamental para estas ações. Assim, ficou evidente se não a adoção de
análises antropológicas para definição dos projetos de desenvolvimento, a
importância relativa de tais intervenções para a marcação de uma abordagem que
dialogasse com os grupos-alvo e suas situações. Retomando as considerações do
capítulo anterior, o tipo de conhecimento que a FUNAI tenta invocar ao falar em
antropologia, antropólogos, e conhecimento antropológico, se distante do que
academicamente se conhece como antropologia (Lima, 1998: p. 171-220),
entretanto marca uma importante expectativa de consolidar e autorizar a ação
indigenista da FUNAI.
218
Esta freqüente tentativa de se utilizar de conhecimentos consolidados
academicamente sobre populações indígenas a etnologia aparece em
diferentes momentos da trajetória de funcionamento da fundação estatal
encarregada de tutelar os índios. Além dos referidos convênios com
universidades e participação de antropólogos em sua execução, também nos
distintos cursos de formação de indigenistas as únicas experiências de
formação de quadros qualificados para a prática tutelar – se incluíam como
obrigatórias matérias sobre antropologia e etnologia, sendo ainda solicitado e
realizadas aulas ministradas por professores de antropologia da Universidade de
Brasília (UnB).
De relevante sobre a freqüência com que se tentou incluir (cooptar) o
conhecimento antropológico para as ações da FUNAI, pode-se refletir que se na
concepção dos antropólogos da UnB não havia antropologia naquilo que a
FUNAI dizia ser antropologia
54
, é evidente que a direção da FUNAI buscava na
antropologia conhecimento, ou minimamente autoridade, para tratar de questões
envolvendo populações indígenas, e para isso fez muitas vezes usos peculiares do
rótulo. Apesar de strictu sensu não se poder considerar a categoria funcional
antropólogo da FUNAI como idêntica ao do antropólogo de formação
acadêmica, é evidente que os primeiros sempre se apoiaram em leituras “livres”
dos últimos para fundamentar as ações indigenistas com alguma dose de
antropologia. (Lima, 1998; Pels & Salemink, 1999)
218
54
Roberto Cardoso de Oliveira, entrevista ao pesquisador, agosto de 2002.
219
Disseminação
A busca da aplicação de projetos de desenvolvimento gerou
conhecimentos novos com a atribuição de convênios e participação de setores
não ligados diretamente à FUNAI. A presença de antropólogos na formulação de
algumas propostas de intervenção denominadas projetos de desenvolvimento, a
dispersão e quantidade de áreas administrativas da FUNAI postos indígenas,
delegacias regionais aponta também para situações de quase permanência com
práticas do Serviço de Proteção aos Índios.
A variedade de projetos que foram postos em prática permite o
aparecimento de qualquer tipo de proposta para desenvolver as áreas, como as
intervenções visando recuperar as:
“INSTALAÇÕES:
Tem-se a impressão nítida que o posto foi muito bem organizado,
o que é comprovado por fotografias existentes. Pouco a pouco, tudo
que havia foi sendo abandonado sem conservação, até a situação
atual, quando se encontra qual verdadeira tapera. Inhabitável. Os
índios deambulando esquivos e sem futuro, como fantasmas sujos.
”(Relatório PI Potiguara, 1977, 01)
As intervenções seguiam diretrizes anteriores de uso intensivo e local da
exploração de recursos naturais das áreas indígenas beirando seu esgotamento.
Este parece ser o caso das áreas indígenas da região sul do país. Já naquilo que se
220
poderia chamar de ocaso destas formas de intervenção, onde as experiências e os
questionamentos por parte dos críticos da ação da FUNAI e mesmo dos
indígenas levam a que diversas denúncias quanto à gestão dos projetos de
desenvolvimento sejam explicitadas (Simonian, 1981: cap. 2), pode-se perceber
os equívocos presentes neste tipo de intervenção.
No caso da Delegacia Regional, responsável por postos e populações
indígenas da região sul do país, a evidência aparece na execução de diversos
projetos. Primeiro que o modelo anterior de arrendamento para exploração das
áreas dos postos indígenas não é substituído mesmo sendo base para uma das
denúncias da CPI de 1968, que teria levado a extinção do SPI
55
. A exploração das
áreas de matas é feito de tal maneira que parece objetivar o esgotamento do
estoque de madeiras e a liberação total da área para atividades agropecuárias.
Estes problemas são detectados já no relatório anual de 1969:
“Itensificou-se a defesa das terras e outros bens indígenas, através
da propositura de ações possessórias e de despejo, do seqüestro de
árvores e toros, da gradativa extinção das parcerias e da
regularização dos arrendamentos.
Abandonaram-se os sistemas de venda de pinheiros e outras árvores
ou de sua exploração por parceria, que foram substituídas pelo seu
aproveitamento pela própria Fundação, reiniciando-se as operações
das serrarias existentes e instalando-se novas.
221
Projetou-se e executou-se o plantio de trigo, soja, milho, feijão, etc.,
iniciou-se a criação de suínos de raça e a instalação de moinhos de
milho e estabeleceu-se olaria para a fabricação de tijolos e telhas.
Deu-se especial ênfase às atividades de caráter assistencial,
sobretudo nos terrenos médico-sanitário e educacional, construindo-
se, reformando-se ou restaurando-se habitações para os silvícolas,
escolas, depósitos, enfermarias etc., realizando-se sucessivas
campanhas de vacinação, distribuindo-se grandes quantidades de
medicamentos, merenda escolar, fardamento, calçados, cobertas,
material escolar e sanitário, conseguindo-se, por contrato ou
convênio com órgãos estaduais, locais e outros, assistência médica e
hospitalar, e professoras, prestando-se assistência odontológica, etc;
atividades que culminaram com a criação da Escola Normal
Indígena Clara Camarão, destinada à formação de regentes de
ensino primário indígenas.” (Relatório Anual da 4ª DR, 1969, p. 3)
A perspectiva é da contínua atividade exploratória das áreas reservadas,
objetivando claramente a transformação do indígena em agente produtivo, para
demonstração de sua “excelência” enquanto produtor rural, e a geração de
excedentes contabilizáveis pela FUNAI, gerando recursos para reinvestimento
em produção e demonstração prática da eficácia da política tutelar aplicada:
55
Ver Sidnei Peres (1992) para uma descrição acurada das transformações do “modelo” de arrendamento
de terras indígenas. Para a construção do Parque Indígena do Xingu, ver Menezes (200). Para a situação
das terras no Mato Grosso do Sul, ver Bezerra (1994)
222
“Em virtude das diversas atividades, em especial nos setores
agrícola e agroindustrial, o valor dos produtos, parcialmente
comercializados, acrescido ao dos arrendamentos, permitiram que
no ano de 1969 a renda indígena, na área da Delegacia Regional,
excedesse de um milhão de cruzeiros novos, treplicando o quantum
dessa renda nos exercícios anteriores.
Dessa forma pode a Delegacia Regional, não apenas financiar os
projetos de trigo e demais culturas, de serrarias, de suinocultura e de
construções, como aplicar vultosas quantias na assistência ao índio e
adquirir camioneta, trator, equipamento de serraria, trilhadeiras,
motores, alternador e outros bens de capital.” (Relatório Anual da
DR, 1969, p. 5)
Se no início de seu funcionamento a DR objetivava aumentar a produção,
quase dez anos depois, em 1978, seguidos projetos agrícolas visavam à produção
de lavouras familiares e coletivas com “... participação de toda a Comunidade e o
interesse das lideranças indígenas” (Relatório 4ª DR, 1978: p. 3).
A manutenção de padrões de ação profundamente imbricados em
concepções tutelares de intervenção leva a persistência nos modelos de gestão de
áreas indígenas, de participação dos indígenas e mesmo de avaliação dos
resultados das atividades. Se lembrarmos da decantada dificuldade do órgão
indigenista em estabelecer avaliações mais rigorosas de seu funcionamento,
acaba-se encontrando “pérolas” do saber sobre os índios:
“O Desenvolvimento mais difícil está sendo conseguido junto à
comunidade indígena do PI. Guarapuava. Para as outras três, está
223
havendo uma certa homogeneização do trabalho em torno dos
objetivos. Atribuo esta diferença negativa de desenvolvimentos dos
índios de Guarapuava para com outras comunidades, principalmente
pelo seu estado de primitivismo que apresentam e a falta de
iniciativa do cacique para a condução da comunidade aos nossos
objetivos.” (Relatório 4ª DR, 1978: p. 1)
O problema novamente são os indígenas, e não as políticas impostas a eles. As
críticas à gestão dos projetos de desenvolvimento aparecem combinadas a
habituais “problemas indígenas:
“Quem deveria ser o executor do projeto a nível da área indígena é o
técnico Agrícola e não o Chefe do Posto. Isto porque o Chefe está
sobrecarregado de afazeres e, muitas vezes não dispõe de tempo
para as coisas necessárias ao projeto como por exemplo, as doenças,
as brigas, as bebedeiras, etc. que são comuns em meio a uma
comunidade indígena, roubam muito tempo diariamente da chefia
de um Posto. Mais difícil se torna o nosso trabalho, quando um
chefe centraliza as atividades de um Posto Indígena. Quando este
problema for resolvido, o do item anterior [tempo longo da
aplicação de recursos], também será, sem dúvida alguma”
(Relatório 4ª DR, 1978: p. 2, grifos meus)
Se a proteção aos indígenas é matéria fundamental para o tratamento de
populações recém-contatadas, com a presença de sertanistas e frentes de atração,
onde se realizam “medidas de segurança dos índios” (Relatório da DGEP da
224
FUNAI trimestre 1971), a avaliação daqueles grupos considerados próximos
da “transformação” em agricultores é bem distinta. preocupação com a
integração à sociedade envolvente, evidente muitas das vezes o desconforto com
as posições tomadas pelos indígenas. É o caso da avaliação feita pelo chefe do
posto indígena Guarapuava, estado do Paraná, que claramente questiona que
índios só trabalham se forem pagos:
“Para as lavouras comunitárias, os índios trabalham se forem pagos, caso
contrário, nada fazem. È semelhante à Comunidade Indígena do PI Rio das
Cobras, outra com primitivismo que podemos considerar acentuado em
relação aos outros povos indígenas da região Sul Brasileira. Os trabalhos
comunitários são de difícil acesso aos objetivos do Projeto, portanto devemos
dar mais ênfase às lavouras individuais e familiares; então, entraremos no
hábito que este índio possui, que é o trabalhar isolado.” (Relatório DR,
1978: p. 8)
Mesmo quando se tecem “elogios”, este aparece mediado pela avaliação do tutor:
“Sendo um objetivo paralelo a implantação da agricultura neste
Posto Indígena, a assistência e orientação a todo o elemento índio,
procuramos no máximo a sua participação em tudo o que
realizamos, visando o seu desenvolvimento e por conseguinte a sua
integração.
Talvez o nível cultural desta Comunidade não seja dos melhores,
comparado com as outras, pertencentes à DR/FUNAI, mas a
225
união para o trabalho, a consciência para os objetivos e o aspecto
econômico geral, é altamente significativo. Para se ter uma idéia,
quando solicitado, forem 10 (dez) índios para o trabalho, aparece a
comunidade inteira. Além disso, tão conscientes estão dos objetivos
reais dos Projetos, que nada cobram em termos de dinheiro pelos
trabalhos realizados, com raras exceções.eles querem e admitem,
que os próprios sejam capazes de se autofinanciarem, bem como
tornarem-se autosuficientes em torno da agricultura através de bons
resultados, no menor prazo de tempo possível.” (Relatório DR,
1978: p. 3)
Problemas
A aposta na criação de projetos de desenvolvimento como modelo de ação
estatal refletiu uma série de movimentos dentro e fora do órgão indigenista do
Estado brasileiro. O surgimento de linhas de crédito dentro e fora do Estado, que
financiavam ações tópicas, vinculadas às Superintendências de desenvolvimento
(SUDENE, SUDAM, SUDECO, SUDESUL); o distanciamento de formas
tradicionais de gestão estatal, onde se trocam investimentos mensais por
investimentos maciços em determinados áreas vistas como emergenciais; a busca
por modelos de ação tutelar alternativa distanciados de práticas estabelecidas;
a procura da pelo aceleração da integração das populações indígenas aos circuitos
econômicos e sociais da sociedade nacional; todos estes elementos podem ser
considerados como importantes para o estabelecimento desta forma de dirigir a
ação tutelar.
226
Todavia, mais do que estabelecer as origens, faz-se necessário agora
entender a derrocada deste modelo de intervenção. Antes de tudo vale remarcar
que no universo da burocracia estatal esta queda não implica necessariamente na
extinção do formato, vide a própria maneira modelar de administrar indígenas
antes dos projetos, as atividades coordenadas mensalmente pelo chefe de posto
indígena, que nunca deixaram de ser modos de articulação da tutela. A derrocada
do modelo pode ser entendida por um olhar mais detido sobre as populações
indígenas, a FUNAI, seus críticos e também o Estado brasileiro.
Primeiramente, por conta de seguidas crises os recursos pararam de fluir
para financiar os projetos de desenvolvimento, a diminuição de recursos afetou
diretamente o funcionamento da fundação, problema este que ainda hoje está
longe de ser resolvido
56
. Assim os recursos advindos de vários programas
pararam de fluir e financiar as ações, considerando que também os recursos do
patrimônio indígena escasseavam, como os relatórios dos anos de 1983 e 1984
indicam, passando a suprir recursos perdidos, tem-se uma diminuição vertiginosa
de recursos.
Segundo, e que pode ser sintetizada no projeto de lei que o Ministro do
Interior tentou aprovar no final da década de 70 do século passado, a
emancipação dos indígenas. Apesar do fracasso da tentativa de retirar a
assistência aos indígenas, a colocação de tal projeto sinalizou que os projetos de
desenvolvimento sempre foram pensados também como ações tópicas que
226
56
Para um acompanhamento mais detido ver na Publicação Povos Indígenas no Brasil dos anos
de 1996, 2000 e 2006, ver apresentação e quadro da crise permanente comentando a FUNAI.
227
impulsionariam rapidamente a transformação dos índios em produtores. Em
sendo assim, depois de certo período estes projetos não seriam mais necessários,
já que os indígenas deixariam de precisar dos mesmos, por estarem integrados.
Um terceiro elemento importante e que desenvolveremos a seguir consiste
em repensar o lugar da FUNAI enquanto aplicador de projetos tutelares. Como
dito no capítulo dedicado a esmiuçar o surgimento e funcionamento do órgão
tutelar, existem esforços para manutenção do monopólio da tutela, todavia este
sempre foi alvo de disputa com relação aos críticos e mais recentemente em
relação aos próprios povos indígenas. Não sem razão, os diferentes grupos e
lideranças indígenas ganharam força a partir da década de 70 e se opuseram
criticamente as várias das posições postas em práticas pela FUNAI.
Um dos temas desse embate referiu-se aos modelos e às práticas de gestão
de territórios e populações indígenas. Se até meados da década de 80, a fundação
ainda consegue mobilizar grupos e lideranças indígenas para seus projetos de
desenvolvimento, a perda de alguns referenciais de autoridade inquestionável,
colocou em xeque a possibilidade de que estes operassem livremente. Não que
tenham acabado, mas aquela dimensão quase onipresente da forma de gerir a
administração indígena perdeu alguma força. Podem-se apontar diferentes
justificativas para seu apagamento, pelo menos enquanto forma de gestão
aplicada pela FUNAI.
É evidente que as alianças e a autoridade do administrador tutelar como
formulador de atividades produtivas entraram em colapso com a maior
228
participação de indígenas nas esferas administrativas e a gradativa imposição de
uma agenda política que passa não mais pela direção da FUNAI. Se nos
relatórios a partir da segunda metade da década de 80 é que esta mudança de
perfil aparece, nas publicações como Aconteceu Povos Indígenas (anos de 1981,
1982, 1983 e 1984) comparecem reclamações e discordâncias quanto ao
modus operandi da Fundação Nacional do Índio. Sem deter mais o monopólio
simbólico da formulação e aplicação de atividades aos indígenas, o próprio
formato projeto perdeu sentido no cotidiano das áreas indígenas. As soluções
individuais e familiares se tornaram mais viáveis do que os grandes projetos
como roças coletivas.
A ausência de recursos levou à busca de outras fontes de financiamento
pelos grupos indígenas para gerir seus territórios (a possibilidade de parcerias,
convênios e patrocínios bancados por agentes fora da esfera direta de influência
da FUNAI). Os recursos começaram a financiar outros tipos de atividades e não
mais, grandes projetos econômicos, isto fundamentalmente na região amazônica
(ISA, 1996 e 2000).
O fracasso propriamente dito de muitos destes projetos aplicados pela
FUNAI, orientados para serem demonstração da excelência do trabalho indígena,
onde a produção obtida e seu rendimento serviam para demonstrar a capacidade
do indígena de trabalho em relação aos produtores brasileiros. Estes problemas
podiam às vezes ser apenas momentâneos, casos como o da perda de safra entre
os Maxakali, que acabou gerando outra intervenção, a do “Projeto de
Subsistência Maxakali” visando não mais produzir excedentes mas apenas um
229
“...projeto simples de agricultura que permitirá àquela comunidade sobreviver, no
primeiro momento e, posteriormente, refazer-se dos prejuízos.” (Diretrizes da
Ação da FUNAI para o exercício de 1977, p. 08). Porém, muitas das vezes
levaram no fundo a produção de desequilíbrios não na produção mas ,na
alimentação dos grupos (Azanha, 1982; Garfield, 2001: cap.8. ; Ferraz, 1990:
introdução; Krahô, 2001).
O questionamento das formas clássicas de arrecadação de recursos que
sempre financiaram os projetos, que não eram mais “tranquilamente” aceitos, tais
como os arrendamentos de terras indígenas ou a “renda do patrimônio indígena”
trabalho indígena capitalizando atividades econômicas. O mencionado caso da
exigência de pagamento por serviços prestados do PI Guarapuava esteve longe de
ser episódico. Um aprendizado do mundo do trabalho que não fez muito felizes
os tutores.
E por último a própria dificuldade de em muitas áreas indígenas se
explorar economicamente seus territórios, devido ao uso predatório das terras e
recursos naturais. A aplicação seguida de projetos para a exploração econômica
levou a própria inviabilização das atividades produtivas, semelhante ao que
muitas terras exploradas por agricultores sofreram. Isto aparece em documentos
como o Relatório 1/1968, do Posto Indígena Dr. Carlos Cavalcanti/PR onde
“Não mais matas no posto. Existem algumas perobas mortas, pelos roçados,
mas no local não há possibilidade de beneficiá-las.” (1)
Os resultados
230
A construção de um modo de intervenção tutelar, baseado na intervenção
focada e muitas vezes emergencial foi o modelo de intervenção construída dentro
da Fundação Nacional do Índio modelo este que geriu as ações tutelares
desempenhadas pela mesma em grande parte das décadas de 1970 e 1980. O
modelo de intervenção casava os esforços modernizantes que a máquina estatal
fazia, tentando dar conta de modernizar e melhor equipar seus técnicos no
exercício da tutela das populações indígenas. Além de ser procedimento padrão
da ação estatal para resolver os problemas de sua administração, uma ação rápida
e direcionada, permitia a intervenção de maneira localizada e não prescindindo
da mudança de toda a política indigenista. Os projetos de desenvolvimento
também possuíam caráter demonstrativo pois podiam servir como teste e
exemplo de uma intervenção estatal que rapidamente produzia efeitos, tanto para
os indígenas que não seriam mais “taxados de improdutivos” (Relatório PI
Guarapuava, 1978, p.13), como também para aqueles que disputavam as áreas
indígenas como invasores, além dos próprios funcionários da FUNAI e outros
membros da burocracia.
Enquanto funcionou como exemplo ou propaganda, a execução de
projetos permaneceu como ponta de lança da ação da FUNAI, justificada por
frases como:
231
“Se o nosso dever é integrá-lo à nossa sociedade, nada melhor do
que esta iniciativa para fazer com que eles absorvam a nossa cultura,
o nosso sistema de comercialização, os nossos direitos e deveres,
etc. É o primeiro caso desta natureza que eu conheço nestes Postos
com projetos, e considero atualmente que o cooperativismo é a
solução para a agricultura. (PI Guarapuava, 1977: p. 15, grifos
meus)
Todavia com a continuidade destas intervenções, seus efeitos se consolidaram
ocupando não mais espaço de renovação, mas o própria política indigenista da
FUNAI. O estabelecimento desta forma de intervenção acabou gerando críticas
ao formato, e a ausência de programações a longo prazo, sem contar as pequenas
disputas cotidianas pelo significado dos projetos de desenvolvimento, como o
relatado pelo Chefe de Posto do PI Mangueirinha, que se perguntava até que
ponto as atitudes dos indígenas correspondiam aos objetivos da FUNAI:
“Um ponto negativo, que talvez depreciou um pouco a bela atitude, é que
pelo menos dois destes cooperados contrataram mão-de-obra branca, por ser
mais eficiente, para a roçada quando deveriam dar ênfase à mão-de-obra
indígena. Acredito que em parte, foi conseqüência de que todas as famílias
estão preparando a sua roça nesta época, e como o tamanho das lavouras
destes cooperados é significante, não poderiam esperar.
Considerando porém, o nível de evolução agrícola desta comunidade, sem
dúvidas, é satisfatório.” (PI Mangueirinha , 1977: p. 15)
232
As contradições do projeto tutelar acabaram se evidenciando, onde
desenvolvimento e tutela não se encaixavam mais, tal o caso do PI Fontoura,
onde não se sabe se a preservação ou o aprendizado que é o mais recomendado:
“A proximidade física, de um centro urbano, traz em seu bojo, tanto
efeitos positivos como negativos. Negativos no caso do PI Fontoura,
no sentido de que tal proximidade envolve esses índios em
circunstâncias estranhas ao seu universo cultural, tais como a
competição no mercado regional. Positivos, pelo fato de que esse
mesmo envolvimento acarreta a possibilidade de utilização desse
centro urbano como mercado consumidor de produtos indígenas. É
sob esse aspecto que o projeto em perspectiva pretende estimular as
atividades econômicas existentes.” (Projeto de Desenvolvimento
Comunitário do PI Fontoura, p. 01)
Conclusão
Neste capítulo procuramos explorar contradições e diferenças presentes
nas intervenções disseminadas pela FUNAI na década de 70 e 80 do século
passado, os projetos de desenvolvimento para populações indígenas. Se no
terceiro capítulo procuramos mostrar a distribuição e dispersão dos projetos
como forma pensada e articulada pelos funcionários da Fundação Nacional do
Índio para administrar e transformar indígenas em trabalhadores, mas
fundamentalmente produtores de recursos, neste capítulo procuramos realizar a
contraposição, apresentando as divergências e diferenças presentes neste modelo
de ação.
233
O objetivo aqui foi novamente refletir sobre continuidades e
descontinuidades da execução da política indigenista, o trabalho indígena e os
projetos de desenvolvimento são os eixos de reflexão, onde se pode perceber que
tanto a temática do desenvolvimento pelo trabalho é essencial para entender as
intervenções tutelares neste período, mas também dos limites de recursos e
capacidade dos tutores de aplicar extensivamente estas políticas. Mesmo não
sendo uma preocupação aqui, as contradições apontadas pela ação tutelar,
apontam falhas no modelo de tutela e também a impossibilidade gradual da
aplicação de práticas tutelares sem questionamentos pelos indígenas. Algumas
das declarações apresentadas pelos autores de relatórios explicitam o espanto do
tutor diante do comportamento pouco subordinado dos tutelados.
Acho também que este capítulo permite colocar questões para a reflexão
sobre as formas e a eficácia da administração pública. Se apontarmos a
disseminação do léxico, regras e modos de funcionamento, percebem-se a
dispersão e eficácia da implementação das políticas estatais, bem como a
impossibilidade das instituições estatais darem conta de todos os tutelados ao
mesmo tempo. Se por outro lado, considerarmos as dificuldades de recursos,
pessoal e planejamento da Fundação Nacional do Índio, nota-se que mesmo em
momentos de praticamente total domínio do modelo projetos de
desenvolvimento, a execução e os resultados indicam a própria impraticabilidade
da ação tutelar, onde os projetos por mais que planejados sempre estão sujeitos a
mudanças de sentido e reinterpretações pelos indígenas. O exemplo da ocupação
de indígenas dos cargos de funcionários da FUNAI sintetiza isto (ISA, 1996 e
234
2000), onde mesmo que através de redes de clientela, o que se tem, são tutelados
cientes das possibilidades de se desenvolver com salários e recursos da FUNAI.
Por último, gostaria de destacar o esforço para perceber que mesmo num
material pensado e construído muitas vezes como comprovador da própria
síntese ou recorrência de práticas tutelares, pensadas como visando a melhoria,
buscando a tecnificação e modernização da ação estatal no tocante a populações
indígenas, a evidência de certas descontinuidades pode ajudar-nos a melhor
pensar a ação e a forma do Estado, bem como os esforços programados de sua
construção. A perspectiva de reconduzir pesquisas e investigações que fujam dos
diversos lugares comuns a existência de um único Estado, monolítico,
sistêmico ou mesmo paralisante e paralisado; a crença no planejamento e
precisamente nos seus efeitos, sejam eles benéficos ou eficazes; e a leitura linear
tanto dos processos de burocratização (especialização) como de sua crítica,
reduzindo tanto as diferenças internas dentro do Estado, suas instituições, bem
como do papel e as disputas dos agentes dentro e fora da máquina Estatal – guiou
o percurso deste capítulo bem como dos anteriores. Objetivou-se aqui
minimamente descrever instituições tutelares, documentações burocráticas,
modelos de gestão tutelar e atuação de funcionários e críticos, visando também
produzir a necessidade de se redirecionar olhares e perspectivas quando do
exame da aplicação não de projetos de desenvolvimento, mas de se refletir
235
sobre a produção do que hoje se denominam políticas públicas. Para construção
de uma análise do Estado, da administração pública em geral, faz-se
imprescindível recolocar em perspectiva as maneiras como tem se contado tal
história e de se pensar leituras menos esquemáticas ou embebidas de narrativas,
que longe de ajudar a descrever e entender processos, apenas comparecem no
apagamento ou redução de eventos, disputas, embates, enfim das idas e vindas do
mundo social, também presentes na produção do Estado. Ou seja, de se buscar
entender a fabricação de regras, modelos, padrões de intervenção dentro da
perspectiva de sua construção e não apenas dos efeitos e resultados.
236
Conclusões
Nesta tese procuramos enfrentar alguns problemas que nos interessam em
termos do entendimento antropológico do funcionamento do Estado e dos
mecanismos de construção de políticas e práticas destinadas a transformação de
indígenas em trabalhadores e mais recentemente na busca do desenvolvimento,
fundamentalmente, econômico de populações indígenas.
Um outro aspecto que orienta esta tese, está na tentativa de produção de
análises menos simplificadas do funcionamento, atuação e construção de saberes
sobre a gestão de populações. O esforço de construção demandado foi de
produzir uma tese que levasse em consideração os diferentes elementos que
compõe este quadro amplo da produção de saberes e práticas envolvendo a
colonização de populações e sua inserção em atividades produtivas através da
execução de projetos econômicos. Procurou-se construir esta interpretação pelo
gradual enfrentamento do tema sobre diferentes ângulos, tentando entender a
política indigenista, tutela, administração pública, Estado Nacional e políticas
internacionais de gestão dos Estados.
Também se procurou refletir sobre a construção do Estado através do
acúmulo de dados e tentativas de planejamento e regramento de suas atividades,
para isso se utilizando dos arquivos não como espaços de acúmulo de dados e
informações, mas também de produção, manutenção e inovação de padrões
dentro da administração tutelar, e do Estado em geral.
237
Outro elemento fundamental foi a descontinuidade temporal e espacial
buscada entre os capítulos, para além da necessidade de se enfocar o tema da tese
projetos de desenvolvimento da ação tutelar sobre ângulos específicos, este
esforço pode permitir diferentes possibilidades e horizontes que a temática dos
projetos pode permitir. Onde se coloca em cheque o senso comum autorizado
sobre como o indigenismo e suas versões autorizadas.
No primeiro capítulo procurei dar conta de certas especificidades
históricas, que se referiam a perceber o papel histórico do uso de mão-de-obra
indígena na produção de novas identidades, territórios e sociedades. Apresentei
diferentes versões que objetivavam dar conta dos múltiplos interesses, disputas e
propostas para o uso do trabalho indígena.
No segundo capítulo o que se tratou de entender foi o papel específico da
FUNAI na construção das intervenções desenvolvimentistas. Pretendeu-se
entender a mecânica do surgimento e funcionamento da agência tutelar, bem
como dos debates em torno dos modelos de tutela que se procurava implementar.
Também se procurou romper com narrativas lineares para a construção da
história da administração tutelar.
O terceiro capítulo é uma investigação aprofundada sobre mecanismos,
categorias e procedimentos para a formulação e implementação de projetos de
desenvolvimento. Nele se examina os meandros da produção dos procedimentos
administrativos para a construção de intervenções para desenvolver indígenas.
O quarto capítulo consiste numa discussão em torno da temática do
desenvolvimento e dos ditames envolvidos para além das relações de
238
administração pública e poder tutelar. Em consonância com o capítulo 1,
procurou-se aqui se distanciar de elementos mais diretamente ligados a aço
tutelar e estabelece conexões que mostrasse o quanto que a aça tutelar estava
envolvida em aspectos mais gerais da transformação das relações de gestão do
Estado.
O quinto capítulo finaliza, tratando de procurar produzir uma análise dos
desdobramentos da aplicação destes projetos, dos efeitos práticos e da produção
de conflitos e disputas em torno da implementação dos projetos de
desenvolvimento. Também se tentou mostrar as diferentes possibilidades de
quando se procura implementar projetos.
239
BIBLIOGRAFIA:
ADAMS, David Wallace. Education for extinction: American Indians and the
boarding school experience, 1875-1928. Kansas, University Press of Kansas, 407
pp., 1995.
ALBERT, Bruce. Territorialité, ethnopolitique et développement: à propos du
mouvement Indien en Amazonie brésilienne. Cahier des Ameriques Latines,
23:177-221. Paris, Éditions de L’IHEAL, 1995.
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno & OLIVEIRA FILHO, João Pacheco.
Demarcação e reafirmação étnica: um ensaio sobre a FUNAI. In: OLIVEIRA,
João Pacheco de (org.). Indigenismo e territorialização: Poderes, rotinas e
saberes coloniais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, Contracapa, 1998
(1983).
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno. A guerra dos mapas. Falangola, Belém,
1994.
ALMEIDA, M. R. C. de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas
aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 2003.
240
ALMEIDA, Rubem Thomaz. Do desenvolvimento comunitário a mobilização
política: o Projeto Kaiowa-Ñandeva como experiência antropológica. Contra
Capa, 226 p., Rio de Janeiro, 2001.
APPADURAI, Arjun. Modernity at Large: Cultural Dimensions of
Globalization. University of Minnesota Press, 229 p., Minnesota, 1996.
AQUINO, Terri Vale Kaxinawá: de seringueiro caboclo a peão acreano.
Dissertação de mestrado em antropologia, UnB, Brasília, 1977.
ASAD, Talal (ed.). Anthropology and the colonial encounter. New York,
Humanities Press, 1973.
AZANHA, Gilberto. Etnodensenvolvimento, mercado e mecanismos de fomento:
possibilidades de desenvolvimento sustentado para as sociedades Indígenas no
Brasil. In: LIMA, Antônio Carlos de Souza & BARROSO-HOFFMANN, Maria
(Org.) Etnodesenvolvimento e políticas públicas: bases para uma nova política
indigenista. pp. 29-37, Livraria Contra Capa, Rio de Janeiro, LACED, 2002a.
AZANHA, Gilberto & NOVAES, Sylvia C. O CTI e a Antropologia ou o
antropólogo como agente. Texto apresentado na Reunião da ANPOCS - GT
Política Indigenista - Teresópolis, 1982.
241
BAINES, Stephen Grant. É a FUNAI que sabe: A Frente de Atracao Waimiri-
Atroari. BELEM: MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI, 362 p., 1992.
BANIWA, Gersen Um Olhar Indígena sobre Assistência Técnica e Extensão
Rural. In: Ricardo Verdum. (Org.). Assistência Técnica e Financeira para o
Desenvolvimento Indígena. Rio de Janeiro/Brasília: Contra Capa, p. 79-102,
2005.
BARTH, Fredrik. A análise da cultura nas sociedades complexas. In: LASK,
Tomke (org.). O guru, o Iniciador e outras variações antropológicas.
Contracapa, Rio de Janeiro, 2000 (1989).
––––––. Balinese Worlds. University of Chicago Press, 380 pp. Chicago, 1993.
______. Ethnic groups and boundaries. London, Waveland Press,1969.
BATALLA, Guillermo Bonfil. Do indigenismo da revolução à antropologia
crítica. In: Junqueira, Carmen e Carvalho, Edgar de Assis (org.) Antropologia e
indigenismo na América Latina. Cortez Editora, São Paulo, 1981.
BATISTA, Mércia Rejane Rangel. Descobrindo e Recebendo Heranças. As
lideranças Truká. Tese de doutorado, PPGAS-MN/UFRJ, Rio de Janeiro, 2005.
242
BENNETT, John W. Applied anthropology and action anthropology. Current
Anthropology, V.36, suplemento: S23-53, 1996.
BENSA, Alban. Da micro-história a uma antropologia crítica. In: Revel, Jacques
(ed.). Jogo de Escalas. Editora FGV, Rio de Janeiro, 1998.
BEZERRA, Marcos Otávio. Em nome das 'bases'. Política, favor e dependência
pessoal. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. 275 p. 1999.
______. Corrupção. Um estudo sobre poder público e relações pessoais no
Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará,. 220 p. 1995.
______. Panambi: um caso de produção de uma terra indígena Kaiowá. Niterói,
EDUFF, 1994.
BICKEL, Márcia Cristina Pinto. A Fundação Nacional do Índio: Uma proposta
de reelaboração da política indigenista sob a gestão de Jo de Queirós
Campos. Monografia de graduação apresentada ao departamento de História da
UFRJ. Rio de Janeiro, UFRJ, 1992.
BLANCHETTE, Thaddeus Gregory. CIDADÃOS E SELVAGENS: Antropologia
e Administração Indígena nos Estados Unidos, 1870-1890. Tese de doutorado
em antropologia. PPGAS/MN/UFRJ, Rio de Janeiro, 2006.
243
BRUNER, Edward. Ethnography as narrative. In: TURNER, V.; BRUNER, E.
(Org.). The Anthropology of Experience. University of Illinois Press, p. 139-155,
Urbana,1986.
CARDOSO de OLIVEIRA, Roberto. A crise do indigenismo. Editora da
UNICAMP, Campinas, 1988.
––––––. O Índio e O Bugre: O Processo de Assimilação dos Terena (Ii Ed.). 2ª.
ed. Livraria Francisco Alves Editora, v. 1, 149 p., Rio de Janeiro, 1976.
––––––. Possibilidade de uma antropologia da ação entre os Tükuna. UnB,
Brasília, 1975.
––––––. O papel dos postos indígenas no processo de assimilação. A sociologia
do Brasil indígena. Editora da USP, São Paulo, 1972.
CARRARA, Sérgio. Crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário
na passagem do século. Rio de Janeiro, EDUERJ/EDUSP, 1998.
CARVALHO, Edgard de Assis. As Alternativas dos vencidos: índios Terena no
Estado de São Paulo. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1979.
244
CASTRO, João Paulo Macedo. UNESCO Educando os Jovens Cidadãos e
Capturando Redes de Interesses: uma pedagogia da democracia no Brasil. Tese
de doutorado, PPGAS-MN/UFRJ, Rio de Janeiro, 2006.
––––––. Desenvolvimento e tecnologia de controle populacional. In: LIMA,
Antônio Carlos de Souza (org.) Gestar & Gerir: estudos para uma antropologia
da administração pública no Brasil. pp. 125-146. Rio de Janeiro, Relume-
Dumará, NUAP/UFRJ, 2002.
CHAMBERS, Erve. Public policy and anthropology. Reviews in Anthropology,
v.4, n.6: 543-554, 1977.
––––––. Applied Anthropology in the Post-Vietnam era: anticipations and
ironies. Annual Review of Anthropology, 16: 309-337, 1987.
CIMI. Marcha e Conferência Indígena - 2000. Cimi, 134 p, Brasília, 2000.
COCHRANE, Glynn. Development Anthropology. Oxford University Press,
New York, 1971.
245
COOPER, Frederick. “Introduction” in: COOPER, Frederick & Randal
PACKARD (eds.), International Development and the Social Sciences. Berkeley,
Los Angeles & London, University of California Press, 1997.
CORRÊA, José Gabriel Silveira. Desafios para a Antropologia: reflexões a partir
da pesquisa no arquivo da FUNAI. Mímeo, Rio de Janeiro, 2004.
––––––. A administração dos índios: as diretrizes para o funcionamento dos
postos Indígenas do SPI. In: LIMA, Antônio Carlos de Souza (org.). Gestar &
Gerir: estudos para uma antropologia da administração pública no Brasil. pp.
125-146. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, NUAP/UFRJ, 2002.
––––––. Os Projetos de Desenvolvimento Econômico para Comunidades
Indígenas durante as décadas de 70 e 80. Mímeo, 2001.
––––––. A ordem a se preservar: a gestão dos índios e o Reformatório Agrícola
Indígena Krenak. Dissertação de mestrado em Antropologia Social. Rio de
Janeiro, PPGAS/MN/UFRJ, 2000.
CORRIGAN, P. Some further notes on the difficulty of studying the state,
England and the First Empire, 1975 onwards, Journal of Historical Sociology,
15(1): 120-165, 1988.
246
COWEN, Michael & SHENTON, Robert. The invention of development. In:
CRUSH, Jonathan (ed.) Power of Development, London and New York, 1998.
CUNHA, Boaventura Ribeiro. Educação para os Selvícolas. CNPI, Rio de
Janeiro, 1940.
––––––. Educando Adultos no Coração do Brasil. Departamento de Imprensa
Nacional, Rio de Janeiro, 1949.
CUNHA, Maria Manuela Ligeti Carneiro da (Org.) . História dos Índios No
Brasil. 1. ed., Companhia da Letras, v. 1., 611 p.1992, São Paulo.
CUNHA, Olívia. Intenção e gesto: política de identificação e repressão à
vadiagem no Rio de Janeiro, 1927-1942. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro,
1999.
DA MATTA, Roberto. Revitalizando: uma introdução à Antropologia Social. Ed.
Vozes, Petrópolis, 1981.
––––––. O ofício do etnólogo ou como ter ‘anthropological blues’.
Comunicações do Museu Nacional, n° 1, MN/UFRJ, Rio de Janeiro,1974.
247
DAVIS, Shelton. Vítimas do Milagre: O desenvolvimento e os índios do Brasil.
Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1978.
DINIZ, Édson Soares. Uma reserva indígena no Centro Oeste Paulista. Aspecto
de relação interétnica e intertribais. Col. Museu Paulista - Série de Etnologia,
USP, v. 3, São Paulo, 1978.
DOMINGUES, Ângela. Quando os índios eram vassalos: colonização e relações
de poder no Norte do Brasil durante a segunda metade do século xviii. Lisboa,
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses,
2000.
DOURADO, Mecenas A Conversão do Gentio. Livraria São José, Rio de Janeiro,
1958.
DYCK, Noel. What is the Indian 'problem' : tutelage and resistance in Canadian
Indian Administration. Imprenta, Institute of Social and Economic Research
Memorial University of Newfoundland, St. John's, Newfoundland 1991.
DYCK, Noel & WALDRAM, James B. Anthropology, public policy, and native
peoples in Canada. Imprenta, McGill-Queen's University Press, Montreal, 1993.
ELIAS, Norbert. Processes of state formation and nation building. Mímeo, 1972.
248
ESCOBAR, Arturo. Encountering development: the making and unmaking of the
third world. Princeton University Press, Princeton, 1995.
ESTEVA, Gustavo. Development. In SACHS, Wolfgang: The development
dictionary: a guide to power as knowledge. Witwatersrand University Press/Zed
Books, London and New York, 1999.
EVANS-PRITCHARD, Edward. Os Nuer. Perspectiva, São Paulo, 1978.
––––––. Applied Anthropology in Social Anthropology and Other Essays, EUA,
Free Press, 1972.
FABIAN, Johannes. Out of Our Minds: Reason and Madness in the Exploration
of Central. University of California Press, 335 pp., California, 2000.
––––––. Dilemmas of Critical Anthropology. In: PELS, Peter & NENCEL,
Lorrine (ed.), Constructing knowledge: authority and critique in social science
(Inquiries in social construction). Sage Publications, London, 1991.
––––––. Popular Culture in Africa: Findings & Conjectures. Africa, 48 (4): 315-
334, 1978.
249
FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões : os povos indígenas no Rio Branco e
a colonização. 1ª ed., Paz e Terra / ANPOCS, v. 1, 197 p, Rio de Janeiro, 1991.
FERGUSON, James. The anti-politics machine: “Development”,
Depoliticization and Bureaucratic Power in Lesotho. Minneapolis and London,
University of Minnesota Press, 1994.
––––––“Anthropology and its evil twin: 'Development' in the constitution of a
discipline” in: COOPER, Frederick & Randall PACKARD (eds.), International
Development and the Social Sciences. University of California Press, Berkeley,
Los Angeles & London, 1997.
FERRAZ, Iara. De Gaviões” a comunidade “Parkatejê”: uma reflexão sobre
processos de reorganização social. Tese de doutorado em antropologia.
PPGAS/MN/UFRJ, 22f, 1998.
––––––Resistance Gavião: D’une frontiere l’autre. Ethnies, v.5 n.11-12, Survival
International, Paros, 1990.
––––––. Os Parkatejê das matas do Tocantins : a epopéia de um líder Timbira.
USP, São Paulo, 1983.
250
FERREIRA, Andrey Cordeiro. Tutela e Resistência: etnografia e história das
relações de poder entre os Terena e o Estado brasileiro. Tese de Doutorado em
Antropologia, UFRJ, Rio de Janeiro, 410 pp., 2007.
FIGUEIREDO, R. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito. Câmara
Federal, Brasília, 1968.
FIRTH, Raymond. Engagement and detachment: reflections on applying social
anthropology to social affairs. Human Organization, v.40 n.3: 193-201, Society
for Applied Anthropology, Washington, 1981.
FISCHER, William F. Doing good? The politics and antipolitics of NGO
practices. Annual Review of Anthropology , 26:439-464, 1997.
FOSTER, George. Applied anthropology and international health: retrospect and
prospect. Human Organization, v.41 n.3: 189-197, Society for Applied
Anthropology, Washington, 1982.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Martins Fontes, 382 pp., São
Paulo, 1999.
––––––. Resposta ao Círculo Epistemológico. In: FOUCAULT, Michel et al.
Estruturalismo e teoria da linguagem. Vozes, pp.9-55, Petrópolis, 1971.
251
FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. O SPI na Amazônia: Política indigenista e
conflitos regionais (1910-1932). 1ª. ed., Museu do Índio, v. 1, 116 p, Rio de
Janeiro, 2006.
––––––. A criação do Conselho Nacional de Proteção aos índios e o Indigenismo
Interamericano (1939-1955). Boletim do Museu do Índio, N.º 5. FUNAI, Rio de
Janeiro, 1996.
––––––. Indigenismo e Antropologia: O Conselho Nacional de Proteção aos
Índios na gestão Rondon (1939-1955). Dissertação de mestrado em Antropologia
Social. PPGAS/MN/UFRJ, Rio de Janeiro, 1990.
GAGLIARDI, José Mauro. O indígena e a República. São Paulo, Editora
Hucitec e EDUSP, 1989.
GALVÃO, Eduardo. Encontro de sociedades: índios e brancos no Brasil
(Eduardo Galvão, org.). Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1979.
GARFIELD, Seth. Indigenous struggle at the heart of Brazil: State Policy,
Frontier Expansion, and the Xavante Indians, 1937-1988. Duke University Press,
Duke, 2001.
252
GEERTZ, Clifford. Obras e vidas, p. 204. Editora UFRJ, Rio de Janeiro,2002.
GEORG, Thomas. Política Indigenista Portuguesa no Brasil - 1500-1640. São
Paulo: Loyola, 1982.
GIANNINI, Isabelle Vidal. A construção do novo com os índios Xikrin. In: .
LIMA, Antônio Carlos de Souza & BARROSO-HOFFMANN, Maria (Org.).
Etnodesenvolvimento e políticas públicas: bases para uma nova política
indigenista, pp. 107-129, Livraria Contra Capa, LACED, Rio de Janeiro, 2002.
GOMES, Mércio Pereira. O índio na história. O povo Tenetehara em busca da
liberdade, Vozes, 631 pp., Petrópolis, 2002.
GORDON, Cesar. Economia Selvagem: ritual e mercadoria entre os Xikrin,
UNESP/ISA/NUTI, 452pp. São Paulo, Rio de Janeiro, 2006.
GOW, P. Of Mixed Blood. Kinship and History in Peruvian Amazonia, Claredon
Press, Oxford, 1991.
GREEN, Maia (ed.) Critique of Anthropology v. 20 n.1. Sage Publications,
London, 2000. (número especial sobre antropologia e desenvolvimento)
253
GRILLO, Ralph. Discourses of development: the view from anthropology. in
GRILLO, Ralph & STIRRAT, R. L. (ed.) 1997. Discourses of Development:
Anthropological perspectives. Oxford and New York, Berg, 1997.
––––––. Applied anthropology in the 1980s: retrospect and prospect. In:
GRILLO, Ralph & REW, Alan (eds.), Social Anthropology and development
policy. Tavistock Publications, London and New York, 1985.
GRÜNEWALD, R. A. Os Índios do Descobrimento: Tradição e Turismo. Contra
Capa, v.1, 224 p, Rio de Janeiro, 2001.
HECK, Egon Dionísio. Os Índios e A Caserna - A Política Indigenista dos
Governos Militares, 1964-1985. Dissertação (Mestrado em Ciência Política).
Dissertação de mestrado, IFCH/ UNICAMP, Campinas, 1997.
HINSHAW, Robert. Anthropology, administration and public policy. Annual
Review of Anthropology, 9:497-522, 1980.
HOBEN, Alan. Anthropologists and development. Annual Review of
Anthropology, 11: 349-375, 1982.
254
HUTCHINSON, Sarah. Nuer Dilemmas:Coping with Money, war and state.
University of California Press, 1996.
IGLESIAS, Marcelo Manuel Piedrafita. O astro luminoso : associação indígena e
mobilização étnica entre os Kaxinawá do rio Jordão. Dissertação de mestrado em
Antropologia Social. PPGAS/MN/UFRJ, Rio de Janeiro, 1993.
––––––. Invasões, usos do solo, recursos naturais. Trabalho apresentado ao
Projeto de Estudos sobre Terras Indígenas. PETI, Rio de Janeiro, 1989.
Instituto Socioambiental (ISA). Povos Indígenas do Brasil, 2001-2005. Instituto
Socioambiental, São Paulo, 2006.
––––––.Povos Indígenas do Brasil, 1996-2000. Instituto Socioambiental, São
Paulo, 2001.
––––––.Povos Indígenas do Brasil, 1991-1995. Instituto Socioambiental, São
Paulo, 1996.
KERN, Arno Alvarez . Missões: Uma Utopia Política. Mercado Aberto, 274 p.,
Porto Alegre, 1982.
KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antropólogos. Edusc, Bauru, 2002.
255
L’ ESTOILE, Benoit; NEIBURG, Federico & SIGAUD, Lygia. Antropologia,
Impérios e Estados Nacionais. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2002.
LANDMAN, Ruth H. Applied anthropology in postcolonial Britain: the present
and prospect. Human Organization, v.37 n.3: 323-327. Washington, Society for
Applied Anthropology, 1978.
LANGDON, Esther Jean & GARNELO, Luiza (org.). Saúde dos povos
Indígenas: reflexões sobre antropologia participativa. Rio de Janeiro,
Contracapa/ABA, 2004.
LIMA, Antônio Carlos de Souza. Conferência ministrada na abertura da reunião
da ABANNE. Mímeo, São Luis, 2002a.
––––––. Indigenismo no Brasil: migração e reapropriações de um saber
administrativo. In: L'ÉSTOILE, Benoît; NEIBURG, Federico; SIGAUD, Lygia;.
(Org.). Antropologia, Impérios e Estados Nacionais. 1a. ed., Relume-
Dumará/FAPERJ, p. 159-186, Rio de Janeiro, 2002b.
––––––. Tradições de conhecimento para gestão da desigualdade. Mímeo, Rio
de Janeiro, 2002c.
256
––––––. “FUNAI” In Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, 5v., p. 2426-
2432. FGV-CPDOC, Rio de Janeiro, 2001.
––––––. Os Relatórios Antropológicos de Identificação de Terras Indígenas da
Fundação Nacional do Índio. Notas sobre o estudo da relação e o indigenismo no
Brasil, 1968-1985. In: OLIVEIRA, João Pacheco de (org.). Indigenismo e
Territorialização: Poderes, rotinas e saberes coloniais no Brasil contemporâneo.
Contracapa Livraria, Rio de Janeiro, 1998.
––––––. Um Grande Cerco de paz. Editora Vozes, Petrópolis, 1995.
––––––. Sobre indigenismo, autoritarismo e nacionalidade: considerações sobre a
constituição do discurso e da prática da "Proteção Fraternal" no Brasil. In:
OLIVEIRA, João Pacheco. Sociedades indígenas e indigenismo no Brasil. Marco
Zero, p.149-204, Rio de Janeiro, 1987.
––––––. Aos fetichistas, Ordem e Progresso: um estudo do campo indigenista em
seu estado de formação. Dissertação de mestrado em Antropologia Social.
PPGAS/MN/UFRJ, Rio de Janeiro, 1985.
LIMA, Antônio Carlos de Souza & BARRETO-FILHO, Henyo. Antropologia e
identificação: os antropólogos e a definição de terras indígenas. Rio de Janeiro,
Contracapa, 2005.
257
LIMA, Antônio Carlos de Souza & BARROSO-HOFFMANN, Maria.
Etnodesenvolvimento e políticas públicas: bases para uma nova política
indigenista III. Livraria Contra Capa, LACED, 160p., Rio de Janeiro 2002a.
––––––. Além da tutela: bases para uma nova política indigenista III.
Livraria Contra Capa, LACED, 128p., Rio de Janeiro 2002b.
––––––. Estado e povos indígenas: bases para uma nova política
indigenista III. Livraria Contra Capa, LACED, 112p., Rio de Janeiro
2002c.
LINDOSO, Dirceu. A utopia armada – Rebeliões de pobres nas matas do Tombo
Real (1832-1850). São Paulo: Paz e Terra, 1983.
LITTLE, Paul. Conferência realizada no Museu Nacional. Museu Nacional, Rio
de Janeiro, 2001.
LOMAWAIMA, K. Tisianina They Called it prairie light: the story of Chilocco
Indian School. Lincoln and London, University of Nebraska Press, 1994.
258
LOMNITZ, Larissa. Anthropology and development in Latin America Human
Organization, v.38 n.3: 313-317, Society for Applied Anthropology,
Washington, 1979.
MACHADO, Maria Fátima Roberto. Índios de Rondon. Rondon e as linhas
telegráficas na visão dos sobreviventes Wáimare e Kaxíniti, grupos Paresi. Tese
de doutorado, PPGAS-MN/UFRJ, Rio de Janeiro, 1992.
MALCHER, José da Gama. Por que fracassa a proteção aos índios? FUNAI,
Mímeo, Brasília, 1963.
MARCUS, George E. & FISCHER, Michael M. J. Anthropology as Cultural
Critique. An Experimental Moment in the Human Sciences. University of
Chicago Press, Chicago, 1986.
MATTOS, Izabel Misságia. Civilização e Revolta: os Botocudos e a catequese
na Província de Minas. 1 ed., EDUSC, 491p, Bauru, SP, 2004.
MAIR, Lucy. Anthropology and development. London, McMillan Press, pp. 1-
14, 1984.
259
––––––. Anthropology and social change. The University of London, The
Athlone Press, Humanities Press Inc., 10-27, London and New York, [1956]
1971.
MANDANI, Mahmood. Citizen and subject: Contemporary Africa and the
legacy of late colonialism. Princeton University Press, Princeton, 1999.
MENDONÇA, Sônia Regina de. O ruralismo brasileiro. Hucitec, São Paulo,
1986.
MENEZES, Maria Lúcia Pires. Parque Indígena do Xingu: a construção de um
território estatal. Unicamp, Campinas, 2000.
MONTEIRO, John M. Negros da Terra: Índios e bandeirantes nas origens de
São Paulo. 2. ed., Companhia das Letras, 320 p, São Paulo, 1994.
MOREIRA NETO, Carlos Araújo. Os índios e a ordem imperial. Ministério da
Justiça, Fundação Nacional do Índio, 429 p, Brasília, 2005.
––––––. Índios, bandeirantes e sertanistas: uma visão romântica do Indigenismo
Brasileiro. Acervo da biblioteca Marechal Rondon/Museu do Índio, 1977.
260
NADER, Laura. Up the Anthropologists in HYMES, Delll(org.) Reinventing
Anthropology. Ann Arbor, 1969.
NEVES, Luiz Felipe Baêta. Vieira e a imaginação social jesuítica: Maranhão e
Grão-Pará no século XVII. Top Books,. Rio de Janeiro 489p,1998.
O’DWYER, Eliane Cantarino. Quilombo - Identidade Étnica e
Territorialidade. Rio de Janeiro, FGV, 2002.
OLIVEIRA, João Pacheco. Pluralizando tradições etnográficas: sobre um certo
mal-estar na antropologia. In: LANGDON, Esther Jean & GARNELO, Luiza
(org.). Saúde dos povos indígenas: reflexões sobre antropologia participativa.
Contracapa/ABA, Rio de Janeiro, 2004.
––––––. “O antropólogo como perito: entre o indianismo e indigenismo”. In:
L’ESTOILE, Benoit; NEIBURG, Federico & SIGAUD, Lygia. Antropologia,
Impérios e Estados Nacionais. Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2002.
––––––. Conferência apresentada no seminário bases para uma nova política
indigenista. Museu Nacional, Mímeo, Rio de Janeiro,1999.
––––––. Ensaios em Antropologia Histórica, Editora UFRJ, Rio de Janeiro,
1999.
261
______ (ed.). Indigenismo e territorialização: Poderes, rotinas e saberes
coloniais no Brasil contemporâneo. Contracapa, Rio de Janeiro, 1998.
OLIVEIRA, João Pacheco de Oliveira & Carlos Augusto da Rocha FREIRE. A
presença Indígena na Formação do Brasil. Rio de Janeiro, LACED/MN/UFRJ,
2006.
OLIVEIRA FILHO, J. P. O Nosso Governo”: Os Ticuna e o regime tutelar.
Editora Marco Zero/MCT-CNPq, São Paulo/Brasília,1988b.
––––––. Os atalhos da magia: Notas para a etnografia dos naturalistas
viajantes, Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi (2):155-188, Belém, 1988a.
––––––. O Projeto Tükuna: uma experiência de ação indigenista. In: OLIVEIRA
FILHO, João Pacheco. Sociedades Indígenas e Indigenismo no Brasil. Editora
Marco Zero e Editora UFRJ, . São Paulo e Rio de Janeiro, 1987.
––––––. Contexto e Horizonte Ideológico: reflexões sobre o Estatuto do Índio.
In: SANTOS, Sílvio Coelho; WERNER, Dennis; BLOEMER, Neusa Sens &
NACKE, Aneliese (org.).Sociedades indígenas e o Direito: uma questão de
direitos humanos. Editora da UFSC/CNPq, Florianópolis,1985.
262
––––––. A fronteira e a viabilidade do campesimato indígena. PPGAS/MN,
Mímeo, Rio de Janeiro, 1980.
––––––.O Caboclo e o Brabo: Nota Sobre Duas Modalidades de Força de
Trabalho na Expansão da Fronteira Amazônica do Século XIX. Encontros com A
Civilização Brasileira (11:101-140),1979.
––––––.Os seringais nativos: um esforço crítico sobre a visão unificadora. Rio
de Janeiro, mimeo, 42 pg, 1978.
––––––. As facções e a ordem política em uma reserva Tükuna. Dissertação de
mestrado em Antropologia. UNB, Brasília, 1977.
OLIVEIRA FILHO, João Pacheco; LIMA, Antônio Carlos de Souza. Os muitos
fôlegos do indigenismo. In: Anuário Antropológico, 81. Editora Tempo
Brasileiro e Editora da UFCE, p. 277-290, Rio de Janeiro/Fortaleza,1983.
OKONGWU, Anne Francis & MENCHER, Joan P. The Anthropology of public
policy: shifting terrains. Annual Review of Anthropology, 29:107-24, 2000.
PACINI, Aloir. Pacificar: Relações interétnicas e territorialização dos
Rikbaktsa. Dissertação de mestrado, PPGAS/MN/UFRJ, Rio de Janeiro,1999.
263
PALMEIRA, Moacir & ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno. "Apresentação" e
"Introdução". In: PALMEIRA, Moacir (coord.) Projeto Emprego e Mudança
Sócio-Econômica no Nordeste, vol.5 (A invenção da Migração), Rio de Janeiro,
PPGAS/MN/UFRJ, 1977.
PELS, Peter. The anthropology of colonialism: culture, history and the
emergence of Western governamentality. Annual Review of Anthropology,
26:163-183, 1997.
PELS, Peter; SALEMINK, Oscar. Introduction. Colonial Subjects: Essays on the
Practical History of Anthropology. University of Michigan Press, Ann Arbor,
1999.
PELS, Peter & NENCEL, Lorraine (ed.). Constructing knowledge: authority and
critique: In: social science (Inquiries in social construction). Sage Publications,
London, 1991.
PEIRANO, Mariza. The Anthropology of Anthropoology: The Brazilian Case.
Tese de Doutorado, Harvard University, 1981.
264
PEREIRA, Edmundo Marcelo Mendes. ‘Nimaira uruki, yetara uruki: Esa El Mi
Lucha’. Ritual e política entre os Uitotomurui, Rio Caraparaná, Amazônia
Colombiana. Tese de doutorado, PPGAS-MN/UFRJ, Rio de Janeiro, 2005.
––––––. Reorganização social no “Noroeste do Amazonas”: elementos sobre os
casos Huitoto, Bora e Ticuna. Dissertação de mestrado, PPGAS/MN/UFRJ, Rio
de Janeiro,1998.
PERES, Sidnei Clemente. Arrendamento e Terras Indígenas: Análise de alguns
modelos de ação indigenista no Nordeste (1910-1960). Dissertação de mestrado,
PPGAS/MN/UFRJ, Rio de Janeiro, 1992.
PINHEIRO, Cláudio Costa. Traduzindo Mundos, Inventando um Império.
Língua, Escravidão e contextos coloniais portugueses dos alvores da
Modernidade. Tese de doutorado, PPGAS-MN/UFRJ, Rio de Janeiro, 2005.
––––––. Nativos de papel: algumas possibilidades de comparação em torno da
noção de ‘trabalho de campo’, em História e Antropologia. Mímeo, Rio de
Janeiro, 1999.
POLANYI, Karl. A Grande Transformação. Rio de Janeiro, Campus, 1999.
265
PORRO, A. O povo das águas. 1
a
. ed., Petrópolis e São Paulo: Vozes e Edusp, v.
1, 204 pp., 1996.
PRICE, David. O projeto Nambiquara. Política e ação indigenista brasileira.
FUNAI, Brasília, 1975.
––––––. Nambiquara Society. Tese de Doutorado, Univ. of Chicago, 336 p.,
Chicago 1972.
PRICE, John. A. Historical theory and applied anthropology of U.S. and Canada
Indians" in Human Organization, v. 41 n.1: 43-53. Society for Applied
Anthropology, Washington, 1982.
PRUCHA, Francis Paul, The great father: the United States Government and the
American Indians Lincoln, University of Nebraska Press, Nebraska, 1996, c1984.
RAMOS, Alcida Rita. Indigenism: Ethnic Politics in Brazil (New Directions in
Anthropological Writing). University of Wisconsin Press, Wisconsin, 1998.
REIS, Elisa Pereira. O Estado Nacional Como Ideologia. Estudos Históricos (Rio
de Janeiro), v. 1, p. 187-203, 1988.
RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações
indígenas no Brasil moderno. Editora Vozes, Petrópolis, 1982.
266
RIBEIRO, Gustavo Lins. Ambientalismo e desenvolvimento sustentado: nova
ideologia/utopia do desenvolvimento. Série Antropologia,123,Funb, Brasília,
1992.
––––––. Militares, antropologia e desenvolvimento. Antropologia e Indigenismo,
nº 1. UFRJ, PETI - Museu Nacional, Rio de Janeiro, 1990.
RIST, Gilbert. The History of Development. From Western Origins to Global
Faith. Zed Books.
London and New York, 1997.
ROCHA, Leandro Mendes. A política indigenista no Brasil: 1930-1967. Goiânia:
Ed. UFG, 2003
SACHS, Wolfgang. The development dictionary: a guide to power as
knowledge. Witwatersrand University Press/Zed Books, London and New York,
1999.
SAID, Edward. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. Companhia das Letras,
p. 102, São Paulo, 2003.
267
SALDANHA, Luiza, Escola de Heróis”: Os cursos de formação dos técnicos
de indigenismo da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) de 1970 até 1985.
Monografia de conclusão do Bacharelado em História. UFRJ, Rio de Janeiro,
1996.
SAHLINS, Marshall. O Pessimismo Sentimental e a Experiência Etnográfica.
Mana, 3(1):41-73 e Mana, 3(2):103-150, 1997.
________. Cultura e Razão Prática. Zahar, Rio de Janeiro, 1976.
SANTILLI, Márcio. Programas regionais para uma nova política indigenista. In:
. LIMA, Antônio Carlos de Souza & BARROSO-HOFFMANN, Maria
(Org.).Estado e Povos Indígena: bases para uma nova política indigenista II
Livraria Contra Capa, 69-82, LACED, Rio de Janeiro, 2002.
SANTILLI, Paulo. Pemongon Patá: Território Macuxi, rotas de conflito. 1. ed.:
Unesp, v. 1. 227 p., São Paulo, 2001.
SANTO, Marco Antonio do Espírito (Org.). Política indigenista : Leste e
Nordeste brasileiros. Funai, p. 55-64, Brasília, 2000.
268
SANTOS, Ana Flávia Moreira & João Pacheco de OLIVEIRA. Reconhecimento
étnico em exame: dois estudos sobre os Caxixó. Rio de Janeiro, Contracapa,
2003.
SANTOS, Silvio Coelho. Educação e Sociedades Tribais. Editora Movimento,
Porto Alegre, 1975a.
––––––. Projeto Kaingang. FUNAI, Mímeo, Brasília, 1975b.
––––––. Projeto Xokleng. FUNAI, Mímeo, Brasília,1975c.
––––––. Índios e brancos no sul do Brasil: a dramática experiência dos Xokleng.
Florianópolis: Edeme, 1973.
SCHRÖDER, Peter. Os índios são ‘participativos’? As bases sócio-culturais e
políticas da participação de comunidades indígenas em projetos e programas. In:
KARBURG, Carola & GRAMKOW, Márcia Maria. Demarcando terras
indígenas: experiências e desafios de um projeto de parceria. Pp. 233-279.
FUNAI-PPTAL-GTZ, Brasília,1999.
––––––. A Antropologia do desenvolvimento: É possível falar de uma
subdisciplina verdadeira? Revista de Antropologia, v. 40 n.2. São Paulo, USP,
1997.
269
SCOTT, James. Seeing Like a State: How Certain Schemes to Improve the
Human Condition Have Failed. Yale University press, 464p., 1999.
SHORE, Chris & WRIGHT, Susan (ed.) Anthropology of policy. Critical
perspectives on governance and power. London and New York, Routledge,
1997.
SIGAUD, Lygia. Efeitos sociais de grandes projetos hidrelétricos: as barragens
de Sobradinho e Machadinho. Comunicação n
o
9, PPGAS/MN/UFRJ, Rio de
Janeiro, 1986.
––––––. A morte do Caboclo: Um estudo sobre sistemas classificatórios. Boletim
do Museu Nacional, v. 30, p. 1-29, Rio de Janeiro,1978.
SILVA, Joana Aparecida Fernandes. Economia de subsistência e projetos de
desenvolvimento econômico em áreas indígenas. In: SILVA, Aracy Lopes;
GRUPIONI, Luís Donizete Benzi (ed.). A temática indígena na Escola: novos
subsídios para professores de e graus. MEC/MARI/UNESCO, Brasília,
1995.
––––––. Os Kaiowá e a ideologia dos projetos econômicos. Dissertação de
mestrado, IFCH/ UNICAMP, Campinas, 1982.
270
SIMONIAN, Lygia. Terra de posseiros :um estudo sobre as políticas de terras
indígenas . Dissertação de Mestrado em Antropologia. PPGAS/MN/UFRJ. 218p.,
1981.
SPICER, Edward H. Beyond analysis and explanation? Notes on the life and
times of the Society for Applied anthropology. Human Organization, v. 35 n.4:
335-343, Society for Applied Anthropology, Washington, 1976.
STAVENHAGEN, Rodolfo. Etnodesenvolvimento: uma dimensão ignorada do
pensamento desenvolvimentista. Anuário Antropológico, 84, pp. 13-53.
UNB/Tempo Brasileiro, Brasília/Rio de Janeiro, 1984.
STEWART, Omer C. Historical notes about applied anthropology in the United
States. Human Organization, v.42 n.3: 189-194, Society for Applied
Anthropology, Washington, 1983.
SUESS, Paulo. Em defesa dos povos indígenas: documentos e legislação.
Edições Loyola, São Paulo, 1980.
DE SWAAN, Abram. In care of the State. Health Care, Education and Welfare
in Europe and the USA in Modern Era. Oxford University Press, 352 pp., New
York, 1988.
271
TAUSSIG, Michael. Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem. Um estudo
sobre o terror e a cura. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993.
THOMPSON, Edward Palmer. Senhores & Caçadores. São Paulo, Companhia
das Letras, 1998.
TILLY, Charles. Coerção, Capital e Estados Europeus. Edusp, São Paulo,1996.
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América. São Paulo, Editora Martins
Fontes, 1988.
TURNER, V & BRUNER, E. (Org.). The Anthropology of Experience.
University of Illinois Press, Urbana, 1986.
TAX, Sol. Pride and puzzlement: a retro-introspective record of 60 years of
anthropology. Annual Review of Anthropology, v.17: 1-21, Palo Alto, Annual
Reviews Inc., 1988.
VERDUM, Ricardo. Etnodesenvolvimento e mecanismo de fomento do
desenvolvimento dos povos Indígenas: a contribuição do Subprograma Projetos
Demonstrativos (PDA). In: LIMA, Antônio Carlos de Souza & BARROSO-
HOFFMANN, Maria (Org.). Etnodesenvolvimento e políticas públicas: base
272
para uma nova política indigenista. Livraria Contra Capa, pp. 87-105, LACED,
Rio de Janeiro, 2002.
VIANNA, Adriana de Resende Barreto. Limites da Menoridade: tutela, família e
autoridade em julgamento. Tese de Doutorado, PPGAS/MN/UFRJ, Rio de
Janeiro, 2002.
––––––.O mal que se adivinha: polícia e menoridade no Rio de Janeiro, 1910-
1920. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 1999.
––––––. Cartas de rotina, cartas de compromisso: Considerações sobre a
administração e relações pessoais na Primeira República. Comunicações do
PPGAS, n.º 5, PPGAS/MN/UFRJ, Rio de Janeiro, 1995.
VIDAL, Lux. Projetos Desenvolvimentistas. Cadernos da Comissão Pró-Índio,
nº1, Global Editora, São Paulo, 1978.
WAGLEY, Charles. grimas de boas vindas: os índios Tapirapé do Brasil
Central. Reconquista do Brasil, 2. série, vol. 137, Itatiaia/Edusp, Belo
Horizonte/São Paulo, 1988 [1949].
WAGLEY, C. & GALVÃO, E. Os índios Tenetehara. Uma cultura em
transição. Rio de Janeiro, MEC/Serviço de Documentação, 235 p, Brasília, 1961.
273
WEBER, Max. Burocracia in Ensaios de Sociologia. Edusp, São Paulo, 1983.
WOLF, Eric. Inventing Society in American Ethnologist vol. 15 n.4, pp. 752-761.
California, American Ethnological Society, 1988.
274
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo