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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
ELAINE CRISTINA ROSCHEL NUNES
AS PARTÍCULAS MODAIS DA LÍNGUA ALEMÃ:
UM PROBLEMA PARA A TRADUÇÃO?
Um estudo com base nos contos “Nachts schlafen
die Ratten doch“ de Borchert e “Berlin Bolero“ de Schulze
FLORIANÓPOLIS
2008
1
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ELAINE CRISTINA ROSCHEL NUNES
AS PARTÍCULAS MODAIS DA LÍNGUA ALEMÃ:
UM PROBLEMA PARA A TRADUÇÃO?
Um estudo com base nos contos “Nachts schlafen
die Ratten doch“ de Borchert e “Berlin Bolero“ de Schulze
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Estudos da
Tradução da Universidade Federal de
Santa Catarina, para a obtenção do grau
de Mestre em Estudos da Tradução.
Área de concentração:
Processos de retextualização.
Orientador: Prof. Dr. Markus Weininger
FLORIANÓPOLIS
2008
2
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ELAINE CRISTINA ROSCHEL NUNES
AS PARTÍCULAS MODAIS DA LÍNGUA ALEMÃ:
UM PROBLEMA PARA A TRADUÇÃO?
Um estudo com base nos contos “Nachts schlafen
die Ratten doch“ de Borchert e “Berlin Bolero“ de Schulze
Essa dissertação foi julgada adequada para obtenção do título de Mestre em
Estudos de Tradução
Área de Concentração:
Processos de Retextualização
e aprovada em sua forma final pelo curso de Pós-Graduação em Estudos da
Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, 10 de julho de 2008.
Banca examinadora:
Prof. Dr. Markus Weininger
Orientador
Prof. Theo Harden
University College Dublin
Prof. Dra. Ina Emmel
Universidade Federal de Santa Catarina
3
À minha mãe,
pelo amor, incentivo e luta.
Aos amigos e à minha família,
pelo carinho e pela paciência nos momentos difíceis.
Ao Prof. Markus J. Weininger,
pela excelente orientação, pelo apoio e paciência.
À Prof. Ina Emmel,
pelas dicas e atenção de sempre.
4
Was morgen ist,
auch wenn es Sorge ist,
ich sage: Ja!
Wolfgang Borchert
5
RESUMO
Sua diversidade e a freqüência com que aparecem fazem das partículas modais da
língua alemã um importante aspecto comunicativo a ser analisado tanto pela
lingüística como pelos estudos tradutórios, como é o caso deste trabalho, cuja
proposta é demonstrar que não se deve traduzir essa partícula somente porque ela
está presente como item lexical no texto-fonte. É preciso antes considerar a função
desse elemento em um contexto maior, por meio do estudo das marcas de
conversação que figura como peculiaridade da linguagem oral –, da análise de
características culturais envolvidas e dos meios específicos que modificam o núcleo
do texto e contribuem para o desenrolar do ato discursivo. Como conseqüência,
procura-se ceder uma contribuição à pesquisa contrastiva das partículas modais em
relação ao português, embora a ênfase seja dada nas questões tradutológicas, em
suas possibilidades e em sua relevância de tradução. Sob o prisma da teoria
funcionalista, a proposta do trabalho é realizar a tradução comentada de trechos em
dois contos de épocas distintas da literatura alemã: o conto do pós-guerra, de
Wolfgang Borchert, versus o conto contemporâneo de Ingo Schulze.
Palavras-chave: Partículas modais, teoria funcionalista da tradução, contexto,
modalidade.
6
ABSTRACT
The diversity and frequency of the use of modal particles in the German language
characterize these elements as being a very important aspect of communication for
both the linguistic analysis and translation studies. The proposal is to not necessarily
translate a modal particle just because it’s present as a lexical item in the source text.
It’s necessary to consider the function of this element in a major context by studying
the conversational markers – as it is a peculiarity of spoken language -, analysing the
respective cultural characteristics and the specific means which modify the text core
and contribute to the development of the conversation. As a consequence, this is
meant to be a contribution to the contrastive study of the modal particles with regard
to the Portuguese language, although emphasis is given to translational questions,
their possibilities and their relevance for the translation. Under the prism of the
functionalist translation theory, the proposal of this study is to realize a commented
translation of extracts of two stories from distinctive periods of the German literature:
the post-war story of Wolfgang Borchert versus the contemporary story of Ingo
Schulze.
Keywords: Modal particle, translation, funcionalist translation theory, context
7
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................... 10
1.1. TRADUÇÃO E MODALIZAÇÃO.................................................................................. 10
1.2. OBJETO DE ESTUDO E JUSTIFICATIVA..................................................................14
1.3. OBJETIVOS E METODOLOGIA APLICADA...............................................................16
2. REVISÃO DA LITERATURA.................................................................................. 19
2.1.1 Definição................................................................................................................ 19
2.1.2 Função das partículas modais............................................................................... 21
2.1.3 Freqüência das partículas modais ........................................................................ 24
2.2 MODALIZAÇÃO E CONTEXTO................................................................................... 26
2.2.1 Análise da conversação......................................................................................... 28
2.2.2 Análise lexical do contexto semântico: Minimalismus............................................30
2.2.3 Análise funcional do contexto situativo: Maximalismus......................................... 31
2.3 PESQUISAS ESPECÍFICAS SOBRE AS PARTÍCULAS MODAIS.............................. 33
2.3.1 Análise da partícula “doch”: Graefen (2000).......................................................... 33
2.3.2 Lothar Lemnitzer (1998): “Wann kommen wir endlich zur Sache?” “Quando é que
vamos chegar ao assunto?”............................................................................................34
2.3.3 Heggelund (2001): “O significado das partículas modais em diálogos sob as
premissas da Teoria dos Atos de Fala e as perspectivas no ensino de alemão como
língua estrangeira.” ........................................................................................................ 36
2.3.4 Partículas discursivas no português – Ilonka Kunow (1997)................................. 38
2.3.5 Moroni (2005): sintaxe e prosódia..........................................................................40
2.4 PESQUISAS SOBRE A TRADUÇÃO DAS PARTÍCULAS MODAIS ...........................42
2.4.1 Weydt (1969) e Krivonosov (1977/1989)............................................................... 42
2.4.2 Franco (1991): descrição contrastiva.....................................................................43
2.4.5 Welker (1990): as partículas modais “aber, eben, etwa e vielleicht” .................... 44
2.4.6 Beerbom (1992) e Feyrer (1997)........................................................................... 45
2.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PESQUISAS MENCIONADAS................................. 46
2.6 ABORDAGENS FUNCIONALISTAS DA TRADUÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES........ 47
2.6.1 Justificativa para a escolha.................................................................................... 47
2.6.2 Reiβ (1971)............................................................................................................ 49
2.6.3 Vermeer/Reiβ (1991)..............................................................................................49
2.6.4 As premissas de Nord (1991/1993) e nosso objeto de estudo............................. 50
3. ANÁLISE DO CORPUS......................................................................................... 54
3.1 SELEÇÃO DO CORPUS: KURZGESCHICHTEN - CONTOS..................................... 54
3.1.1 O autor Wolfgang Borchert e o contexto da época (aspectos extratextuais).........57
3.1.2 Nachts schlafen die Ratten doch!.......................................................................... 59
É claro que as ratazanas dormem à noite (aspectos intratextuais)................................ 59
3.1.3 Ingo Schulze: “Handy: Dreizehn Geschichten in alter Manier” (“Celular: Treze
histórias à moda antiga”).................................................................................................61
3.1.4 Berlin Bolero (Bolero de Berlim).............................................................................62
3.2 ANÁLISE DAS PARTÍCULAS MODAIS PRESENTES NO CORPUS..........................63
3.2.1 A partícula ja.......................................................................................................... 64
3.2.2 A partícula doch .................................................................................................... 69
3.2.3 Ja X doch .............................................................................................................. 77
3.2.4 A partícula denn..................................................................................................... 78
3.2.5 A partícula wohl......................................................................................................82
3.2.6 A partícula eben..................................................................................................... 83
3.2.7 A partícula mal....................................................................................................... 84
3.2.8 A partícula aber......................................................................................................87
8
3.2.9 A partícula ruhig..................................................................................................... 87
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 89
4.1 RESUMO DOS OBJETIVOS E CONTEÚDO DO TRABALHO.................................... 89
4.2 IMPORTÂNCIA DAS PARTÍCULAS MODAIS E A QUESTÃO TRADUTOLÓGICA ... 90
4.3 O PARADOXO DAS PARTÍCULAS E O FUTURO DAS PESQUISAS NA ÁREA....... 99
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 101
ANEXOS: OS CONTOS.......................................................................................... 106
Tradução de Nachts schlafen die Ratten doch, de Wolfgang Borchert....................106
9
1. INTRODUÇÃO
1.1. TRADUÇÃO E MODALIZAÇÃO
Vivemos em um mundo em constante mudança, onde o conhecimento
passou a ser produto de consumo e as informações tornaram-se mais acessíveis. A
globalização, além da economia e da indústria, transformou o indivíduo, que
enquanto integrante de uma sociedade passou a ser confrontado com novas
exigências, com novos mercados, com novas culturas e com outras línguas.
A tradução é imprescindível neste contexto. Por meio dela, diferentes
mundos com realidades diversas se encontram. E o tradutor é aquele que transita
por esses mundos. A discussão sobre aspectos sociológicos da tradução, as
implicações culturais, o papel do tradutor e o processo de tradução desenvolvem-se
e oferecem possibilidades de estudo, envolvendo diferentes áreas do conhecimento,
como a Pragmática, a Sociolingüística, a Psicolingüística, a Comunicação
Intercultural e a Hermenêutica. Tradicionalmente, as pesquisas na área da tradução
partiam de reflexões sobre a língua enquanto código ou transporte de significados
de uma língua para outra. As abordagens atuais, contudo, reforçam a análise do
fator cultural e a interação em um processo comunicativo, por isso esse estudo
passou a ser multidisciplinar.
Nesse contexto, os novos rumos da tradução procuram se desvencilhar de
velhos conceitos, como a noção de que é preciso reproduzir na linguagem do
receptor o “equivalente” mais natural da mensagem, processo que seria apenas uma
operação de códigos. A tradução, entretanto, vai além disso.
Um dos primeiros trabalhos que representou uma mudança de paradigmas
foi o modelo desenvolvido por Katharina Reiß (1971). Nele, a autora retratou a
função textual e analisou o processo tradutório com base na relação funcional entre
o texto de partida e o de chegada. O ideal seria, segundo Reiß, objetivar no texto de
chegada o conteúdo, a forma lingüística e a função comunicativa do texto de partida.
Outro teórico que contribuiu para a mudança de paradigmas dentro dos
estudos da tradução foi Hans Vermeer, representante da teoria do escopo
(Skopostheorie). Segundo sua concepção (1991, p. 18), traduzir não é meramente
um processo lingüístico, mas um tipo de ação humana intencional mergulhada em
10
culturas. Ao considerar as diferentes formas de interação e suas características
culturais específicas, facilita-se o processo tradutório e pode-se produzir um texto
mais coerente na cultura de chegada e o texto de partida deixa, assim, de ser o
aspecto mais importante deste processo. De acordo com Vermeer (1991, p. 19), o
texto de partida representa uma “oferta de informações” com as quais o tradutor
produzirá um texto de chegada adequado e funcional para o contexto social em
questão.
Por trás de cada ato comunicativo e de cada texto, há uma situação sujeita a
uma história, a normas, a valores, a convenções, a tradições e a expressões
específicas. Segundo Ingedore Koch (1992, p. 29),
quando interagimos através da linguagem [...], temos sempre objetivos,
relações que desejamos estabelecer, efeitos que pretendemos causar,
comportamentos que queremos ver desencadeados, isto é, pretendemos
atuar um sobre o outro [...].
Para tanto, cada língua possui mecanismos específicos de comunicação e
argumentação, assim como seus próprios meios de expressar modalidade.
O conceito da modalidade vem sendo amplamente discutido desde os
primórdios da filosofia e não um consenso entre os estudiosos. Para a dimensão
e proposta deste trabalho, vale destacar, com base nas obras que servirão de apoio
1
e
dentre as diferentes definições existentes, Buβmann (apud BEERBOM, 1992, p.
28), que afirma ser a modalidade concebida como uma categoria que “indica a
posição do falante em relação ao enunciado”. Além disso, segundo Franco (1991, p.
184), essa categoria dá
expressão a sua tomada de posição frente ao conteúdo proposicional de
seu enunciado, ao modo como avalia e comenta o seu valor de verdade [...]
para exprimir suas suposições, o modo como pretende influenciar o
interlocutor, manifestar a sua atitude para com uma determinada situação
de comunicação interpessoal.
O falante faz uso, portanto, de vários meios que podem ser gramaticais ou
lexicais, de entonação ou mesmo paralingüísticos (gestos, mímicas).
2
As particularidades lingüísticas e culturais que determinam a modalidade são
um desafio para o tradutor. Há muitos aspectos relevantes da modalidade do alemão
1 Feyrer (1998), Beerbom (1992), Polenz (1985), Franco (1991)
2 Considerações baseadas em Polenz (1985, p. 195) que comenta sobre modalidade e meios não-
verbais de manifestá-la.
11
e do português, tanto para os estudos de tradução como para a lingüística
comparativa ou para o ensino do idioma, entre eles: os verbos modais (können,
müssen, sollen, dürfen, wollen, mögen); os modos verbais (indicativo, subjuntivo e
imperativo); as estruturas modalizantes (tais como: dummerweise, vorsichtigerweise,
angeblich, vorgeblich, allerdings, etc)
3
; os advérbios e as partículas modais estas
últimas característica específica da língua alemã.
Os modalizadores são de suma importância para uma comunicação bem-
sucedida. Se retirarmos de um texto o componente modal o que pode acontecer,
por exemplo, se não considerarmos a partícula modal ou outra estrutura de
modalização esse texto perde em individualidade. Além disso, o risco de
ocorrer uma diminuição de intensidade e uma alteração semântica, o que pode ser
exemplificado com as estruturas modalizantes a seguir. Dependendo da escolha de
uma ou outra estrutura, o enunciado se modifica completamente.
Ex. 1: Er hat ihn vermutlich besucht
leider
bedauerlicherweise
klugerweise
angeblich
4
diferentes formas de abordar e de classificar a modalidade dentre os
estudiosos do tema. Krivonosov
5
, por exemplo, diferencia modalidade objetiva da
subjetiva. Ele defende que quando uma “relação do exposto com a realidade”,
trata-se da modalidade objetiva, no caso dos advérbios e modos verbais, por
exemplo. A modalidade subjetiva, por sua vez, traduz a posição pessoal do falante
diante do fato. Trata-se de uma categoria facultativa E é nessa categoria que se
encaixam palavras e partículas modais. Vale destacar: a diferença básica entre elas
é que a partícula modal pode ser eliminada sem que se altere o sentido básico do
enunciado (Veja: BEERBOM, 1992, p. 28).
6
3 Helbig/Buscha, 1993, p. 506
4 Ibid, 509
Ele o visitou supostamente
Ele o visitou infelizmente.
Ele o visitou lamentavelmente.
Ele o visitou prudentemente.
Ele o visitou provavelmente.
5 Apud Feyrer, 1997, p. 20
6 Os diferentes tipos de modalidade não serão abordados devido à dimensão e proposta do trabalho. Nas
12
Sabemos que a língua alemã possui um variado sistema de partículas
modais. A diversidade e freqüência desses elementos nessa língua caracterizam as
partículas modais como um importante aspecto comunicativo, tanto para a análise
lingüística, como para os estudos tradutórios.
Entretanto, traduzir lexicalmente uma partícula modal sem haver um
elemento com a mesma função na língua-alvo, somente porque ela está presente
como item lexical no texto-fonte, não faz sentido. É preciso considerar a função
desse elemento em um contexto maior, por meio do estudo das marcas de
conversação, que figura como peculiaridade da linguagem oral, da análise de
características culturais envolvidas e dos meios específicos que modificam o núcleo
do texto e contribuem para o desenrolar da conversação.
Por meio da análise prática proposta neste trabalho, pretendo levantar a
discussão a partir dos trabalhos já desenvolvidos sobre a importância das partículas
modais e ir além com o enfoque nos estudos de tradução. Como conseqüência,
procura-se dar uma contribuição à pesquisa contrastiva das partículas modais em
relação ao português, embora a ênfase seja dada nas questões tradutológicas, em
suas possibilidades e em sua relevância de tradução.
vários trabalhos contrastivos interessantes sobre as duas línguas. Para
citar apenas algumas importantes iniciativas: o Institut für Deutsche Sprache de
Mannheim dispõe de ricos estudos comparativos (IDS)
7
; Hardarik Blühdorn coordena
uma área específica de comparação entre o português e o alemão, tendo como foco
os conectores; e, ainda, Schmidt-Radefeldt, do Instituto de Romanística da
Universidade de Rostock, apresenta as várias linhas de estudos comparativos entre
o português e o alemão em seu artigo Baustein zu einer vergleichenden Grammatik
Deutsch-Portugiesisch. Ele desenvolveu vários projetos envolvendo a análise
contrastiva de aspectos presentes na interação entre as duas línguas
8
.
Considero pertinente discutir sobre os aspectos linguísticos e as concepções
de linguagem, sem deixar de lado contribuições importantes da pragmática, além de
outros aspectos como: a realidade lingüística da cultura meta e o meio receptor, e os
obras de Beerbom (1992, 28-29) e Feyrer (1997, p. 17-22), são expostas ainda considerações
sobre a definição de Bublitz, dentre outras. Para o citado autor, são os tipos de modalidade:
modalidade cognitiva (comentário, informação), volitiva (desejo, manipulação, falante tenta
influenciar o ouvinte) e emotiva (expressão da emoção, ponto de vista do falante)
7 Disponível em: <http://dsav-oeff.ids-mannheim.de/DSAv/DSAVINFO.HTM>. Veja também:
<http://www.ids-mannheim.de/gra/sprachvergleich_port.html>
8 Publicações no site: http://www.phf.uni-rostock.de/institut/iroman/schmidt-radefeldt.htm
13
aspectos socioculturais das línguas em questão. É com base nessas análises e
considerações que será desenvolvido este trabalho, com vistas a tecer uma
contribuição para os estudos tradutórios e lingüísticos das partículas modais do
alemão, com base na tradução comentada de trechos em dois contos de épocas
distintas.
1.2. OBJETO DE ESTUDO E JUSTIFICATIVA
Segundo Koch, “toda a língua possui mecanismos que permitem indicar a
orientação argumentativa dos enunciados”. Entre as marcas lingüísticas da
argumentação estão os indicadores modais ou índices de modalidade
(modalizadores), importantes na construção do sentido do discurso e na sinalização
“do modo como aquilo que se diz é dito”.
9
Entre esses índices de modalidade,
encontram-se as partículas modais na língua alemã, objeto de estudo deste
trabalho.
O aspecto interativo das partículas modais definido por Beerbom
10
como
importante contribuição para o desenvolvimento da comunicação, na medida em que
estas fornecem indicações sobre a percepção e avaliação da situação de fala ao
enfocar as expectativas, as opiniões e as emoções do falante constitui um
interessante objeto de estudo também para a tradução. Por meio das partículas
modais do alemão, o falante pode frisar informações comuns, gerar expectativas e
integrar o ouvinte à fala e, assim, manter a relação entre eles.
Enquanto expressão informal, as partículas modais foram encaradas “pelos
estilistas normativos da linha tradicionalista como palavrinhas indesejadas”
11
, como
pertencentes a uma variável não-prestigiada da língua e, por isso, deveriam ser
evitadas, por uma questão de “bom estilo”. Entretanto, essas partículas representam
uma importante função comunicativa, que entonação, reações e restrições,
destaque de informações, enfim, as formas como o falante se posiciona diante do
fato são algumas de suas características.
Ultimamente contamos com uma série de publicações em torno do tema:
9 (KOCH, 1992, p. 29)
10 (BEERBOM; CHRISTIANE,1992, p. 39-40)
11 (FRANCO, 1991, p. 56)
14
monografias, livros didáticos e até mesmo um dicionário das partículas alemãs.
12
um crescente interesse pelas línguas faladas, a comunicação real assume outro
papel na lingüística, como também no ensino de línguas estrangeiras e nos estudos
de tradução.
Sob o termo partículas encontra-se uma gama de tipos, que foram
subdivididas de acordo com sua função. Segundo Helbig e Buscha (1993, p. 11),
cerca de 40 palavras pertencem a esta categoria. Na Duden-Grammatik (2005, p.
369) são apresentadas as diferentes classes:
1. Gradpartikeln (fast, gar, höchstens, mindestens, etc.);
2. Fokuspartikeln ( selbst, auch, etc.);
3. Modalpartikeln (Partikel der Abtönung);
4. Gesprächspartikel (Gliederungs- und Rückmeldesignale, Grüβe,
Gebote, Ausrufe: mm, ja, nicht wahr, etc.);
5. Negationspartikeln (nicht);
6. Antwortpartikeln (ja, eben).
Neste trabalho, teremos como foco as partículas modais. Estas são átonas e
possuem homônimos em outras classes de palavras, com outras funções, como
conjunção ou advérbio.
13
A dificuldade ao lidar com as partículas modais não é do tradutor, mas
também do aprendiz do idioma ou mesmo de um falante da língua questionado
sobre seu uso. Afinal, são precisamente as partículas modais que, assim como
afirma Franco (1991, p. 13), muitas vezes nos levam a questionar: “O que significa
essa palavrinha nesta frase?” “Se essa palavrinha foi empregada, então qual sua
função?”
Ainda segundo o mesmo autor,
para a função comunicativa da partícula modal da língua A é em princípio
possível que também na língua B haja qualquer tipo de expressão E (não
importa sua realização, não precisa necessariamente ser outra partícula
modal ou elemento lingüístico) tal que transmita o valor comunicativo
daquela partícula modal. [...] cada partícula modal pode desempenhar, em
correlação com fatores contextual-situacionais determinados, funções
diversas e não apenas (e sempre) uma única. (FRANCO, 1991, p. 254).
12 HELBIG, G. Lexikon deutscher Partikel. Leipzig: Langenscheidt, 1990.
13 (Helbig/Buscha, 1993 p. 193). As principais características morfológicas e sintáticas das partículas
modais serão abordadas no capítulo 2.
15
Diante dessas considerações, podemos constatar que as partículas modais
carregam consigo importantes aspectos culturais e interacionais, relevantes para o
trabalho do tradutor. Por trás do que é dito, instrumentos utilizados na interação
que possuem função estratégica. A reflexão sobre as diferentes possibilidades de se
traduzir o contexto no qual as partículas se inserem é um processo interessante de
comparação entre os meios de expressão da modalidade nas línguas em questão.
Daí a importância do tema, afinal tal reflexão amplia as possibilidades do trabalho do
tradutor e o auxilia diante do dilema das decisões a serem tomadas, assim resumido
nas palavras de Weydt (2003, p. 256): “Die Übersetzung ist immer der Versuch,
etwas Unmögliches zu schaffen, sie ist die Wahl des kleinsten Übels, der Versuch
mehrere Ziele gleichzeitig zu erreichen.”
14
Além disso, outro ponto a ser considerado como justificativa para o
desenvolvimento deste trabalho reside no fato de que o tema partículas modais e
tradução carece ainda de estudos e discussões. Muitas questões encontram-se em
aberto nesta área de pesquisa, como veremos na revisão da literatura (capítulo 2).
Com efeito, tanto para o tradutor, como para aquele que esteja envolvido com o
idioma alemão, tal tema pode render ricas discussões e diferentes abordagens. O
foco dado no presente trabalho abrange as áreas da Tradução, da Lingüística e da
Literatura, como será exposto em detalhes a seguir.
1.3. OBJETIVOS E METODOLOGIA APLICADA
O propósito geral deste trabalho é refletir acerca dos problemas de tradução
envolvendo as partículas modais. Para tanto, serão analisadas seqüências com
partículas dos contos Nachts schlafen die Ratten doch”, de Wolfgang Borchert, e
Berlin Bolero”, de Ingo Schulze, textos ricos em partículas modais.
A análise da tradução completa dos contos não cabe neste primeiro
trabalho, cujo enfoque será nos trechos que apresentam partículas modais. Para
uma compreensão do contexto no qual se inserem, será feita uma explanação sobre
os aspectos intratextuais e extratextuais de cada um dos contos. A partir da análise
14 “A tradução é sempre a tentativa de criar algo impossível, ela é a escolha com um pequeno mal-
estar, a tentativa de atingir vários objetivos ao mesmo tempo”.
16
do corpus, pretende-se levantar a ocorrência e a importância das partículas modais,
bem como encontrar recursos lingüísticos (ou não) que realizem efeito semelhante
provocado pelas partículas modais no contexto em que elas aparecem.
Como base teórica para as conclusões futuras, será realizada uma reflexão
sobre a abordagem funcionalista da tradução e suas implicações. Além disso, será
desenvolvida uma análise contrastiva, tendo como foco as possibilidades de se
produzir a função dos enunciados da língua de partida na ngua portuguesa do
Brasil, considerando o meio receptor e o leitor brasileiro. Nos comentários acerca
das sugestões, serão expostas as dificuldades e as soluções encontradas.
Pretendo, portanto, refletir sobre as seguintes questões, que considero os
objetivos específicos da pesquisa:
Que tipo de funções assumem as partículas modais?
Como expressar a carga subjetiva das partículas na língua de
chegada? Há elementos lingüísticos que causam os mesmos efeitos?
Quais os aspectos a serem considerados no momento da tradução,
particularmente, no caso da tradução literária?
Partindo das partículas modais presentes nos contos de Borchert e
Schulze [denn, wohl, eben, ja, (nicht) mal, doch],
exemplos/ocorrências que enriqueçam a análise proposta?
Quais as correntes de estudo das partículas modais? Qual a posição
mais adequada para o trabalho em questão?
O trabalho irá, portanto, desdobrar-se nos seguintes itens:
Partículas modais: definição e função
Importância do contexto.
Análise dos trabalhos já realizados na lingüística e na tradução.
Abordagem teórica da tradução.
Aspectos a serem considerados na tradução literária.
Escolha do tipo de texto: contos – Kurzgeschichte
Wolfgang Borchert e Ingo Schulze: autores e obras
17
Contos: Nachts schlafen die Ratten doch e Berlin Bolero: análise das
partículas
Conclusão: relevância do tema e perspectivas para o estudo das
partículas.
Percebemos o grau de dificuldade em explicar as partículas quando se tenta
traduzi-las para outra língua. Muitas vezes, o texto na língua de chegada deixa claro
que é necessária uma leitura nas entrelinhas do texto de partida.
E quando uma obra literária utiliza esses recursos repetidas vezes e de
forma intensiva, desempenhando um importante papel na composição de seu
sentido poético? Enfim, como realizar um projeto de tradução que considere esse
fato e tente sinalizar na língua de chegada a emoção/reação embutida no texto?
Com base nessas considerações, o presente trabalho i apresentar uma
análise e uma sugestão de tradução para trechos do conto Nachts schlafen die
Ratten doch de Wolfgang Borchert, no qual 32 partículas estão presentes. O conto
de Borchert e suas partículas foram analisados por Weydt
15
, e é referência nos
estudos sobre as partículas modais, graças à recorrência com que aparecem nessa
obra. Em nível de comparação, analisaremos um conto contemporâneo de Ingo
Schulze, representando o momento atual e a nova fase da literatura alemã. O
interessante ao analisar as duas obras é também possibilitar uma leitura do conto
atual e seu momento histórico, como veremos em detalhes no Capítulo 3.
Neste trabalho, portanto, procuro por meio de exemplos extraídos da
literatura alemã, tecer uma análise e comparar o português brasileiro e o alemão, no
que tange às dificuldades de tradução desta particularidade da língua alemã e os
aspectos socioculturais, pessoais e/ou emocionais nela envolvidos. Trata-se, então,
de uma contribuição à pesquisa contrastiva das partículas modais, com ênfase nas
questões tradutológicas. Para tanto, é necessário conhecer nosso objeto de estudo.
No próximo capítulo, apresentamos as partículas modais em detalhe, sua definição e
algumas considerações sobre suas funções e usos na língua alemã, que serão a
base para o trabalho proposto.
15 (WEYDT, 2003, p. 243-257)
18
2. REVISÃO DA LITERATURA
“Übersetzen heißt dialogisch Denken,
heißt Inbeziehungsetzen und Auswählen, um ein
zielkulturell kohärentes Textverständnis zu
ermöglichen”
Kupsch-Losereit
16
2.1 PARTÍCULAS MODAIS
2.1.1 Definição
A definição das partículas modais é um tema polêmico entre os estudiosos
do assunto. Justamente por agir em conjunto com outros elementos da frase, a
descrição de seu sentido é bastante difícil. A mesma partícula pode aparecer em
contextos diferentes com outros propósitos, por isso Beerbom (2002, p. 31) as define
como um “camaleão lingüístico”. Tal constatação contribui para uma das dificuldades
nos estudos das partículas: classificá-las em determinado grupo. Isso se deve,
também, ao fato de elas assumirem diferentes funções, ora como adjetivo, ora como
advérbio, ora como partícula modal. As partículas modais podem pertencer a
diferentes classes de palavras, como citado e exemplificado por Helbig e Helbig
(1999, p.11):
Ex. 2:
Das kostet eben viel Zeit. (partícula modal)
Isso vai custar muito tempo mesmo.
Ex. 3:
A: Das wird ihnen kaum gelingen.
B: Eben. (Antwortpartikel – partícula de resposta)
16 “Traduzir significa pensar dialogicamente, significa procurar interligações e fazer escolhas para
possibilitar uma compreensão textual coerente com os objetivos culturais.” (Tradução minha)
19
A: Isso ele não vai conseguir.
B: Pois é
Ex.4:
Die Landschaft ist hier echt eben. (adjetivo)
A paisagem é bem plana aqui.
De forma geral, são classificadas como partículas todas as palavras que
não sofrem flexão, englobando-se nessa classe elementos que normalmente são
caracterizados como advérbios, conjunções e preposições. Segundo Beerbom
(1992, p. 24), trata-se de uma Papierkorbkategorie”, uma “categoria de cesto de
papel”, composta por elementos heterogêneos. Conforme esboçado,
diferentes subclasses de partículas.
17
Para as partículas modais
18
, foco de nosso
trabalho, destaco com base em Helbig/Buscha (2004, 195), em resumo suas
principais características:
Não sofrem flexão.
Não podem ser colocadas na primeira posição da frase, ao contrário
dos advérbios, por exemplo.
Não podem ser usadas como resposta isolada a uma pergunta.
Estão dispostas depois do verbo conjugado.
Não são acentuadas.
Podem ser eliminadas sintaticamente sem que a frase seja
considerada gramaticalmente incorreta ou seu sentido básico seja
alterado.
Modificam o enunciado, pois possuem um efeito comunicativo que atua
sobre a frase toda.
São encontradas, em sua maioria, em tipos específicos de frases, de
acordo com a intenção e o ato de fala. Assim, por exemplo, denn e
etwa aparecem como partícula apenas em perguntas.
17 Uma exposição completa de toda a classificação está disponível na obra de Helbig e Buscha
(1993, p. 475).
18 Também denominada Abtönungspartikel (partículas atenuantes), nas obras de Weydt e Helbig.
20
De acordo com o tipo de frase e a situação comunicativa, uma mesma
partícula modal pode expressar intenções diferentes.
Ex. 5: Em afirmativas:
Das Leben ist doch ungerecht.
Ex. 6: Em imperativas:
Mach doch Fenster zu!
Ex. 7: Em exclamativas:
Das ist aber nett!
Das ist ja eine Unverschämtheit!
19
Com relação ao enunciado, Helbig e Helbig (1999, p. 9) expõem:
Die Partikel haben keinen Einfluβ auf den Wahrheitswert und auf die
Grammatikalität des Satzes. Sie können in den Sätzen, in denen sie
stehen, eliminiert werden, ohne dass die Sätze (syntaktisch)
ungrammatisch werden und ohne dass sich (semantisch) am
Wahrheitswert etwas ändert.
20
Se as partículas não interferem no valor de verdade da frase, tampouco no
aspecto gramatical, elas podem mesmo ser eliminadas sem prejuízo algum? Essas
pequenas partículas possuem, a meu ver, importantes funções no contexto em que
são utilizadas, as quais serão destacadas a seguir.
2.1.2 Função das partículas modais
Com as contribuições da Pragmática, desde o início da década de 1970, as
19 Detalhes sobre a função de cada partícula analisada serão apresentados no subcapítulo 3.3.
Exemplos retirados da Gramática Duden, 2005, p.599.
A vida é mesmo injusta.
Feche a janela!
Que simpático!
Mas que pouca vergonha!
20 As partículas não têm influência no valor de verdade e na gramática da frase. Elas podem ser
eliminadas, sem que a frase torne-se gramaticalmente ou sintaticamente incorreta e sem perder
seu valor semântico. (Tradução minha)
21
discussões em torno da análise de fenômenos concretos da comunicação ganharam
força.
21
As partículas modais, elementos presentes nas entrelinhas da comunicação,
fazem parte desta discussão, embora tenham sido consideradas até então como
sem importância, as chamadas “Füllwörter”, “palavras que nada dizem”
22
. A citação
de Reiners “Läuse im Pelz unserer Sprache” (apud BEERBOM, 1992, p. 21)
23
utilizada em toda bibliografia sobre esse assunto, ilustra o preconceito lingüístico
com relação às partículas presentes na língua oral.
Segundo Polenz (1985, p. 195), aspectos como a relação com o “eu” (Ich-
Bezüge) e a exposição de sentimentos e de opiniões pessoais, aliada a recursos
lingüísticos como interjeições, advérbios e partículas modais, são evitados em textos
oficiais, com a intenção de tornar o texto mais objetivo. Essa tendência estilística era
praticada também no ensino, de acordo com o ideal de exposição dos fatos de
“forma límpida”.
Beerbom (1992, p. 21) comenta que a avaliação negativa das partículas
modais tem origem no fato de que, durante muito tempo, a língua falada – repleta de
partículas, devido à sua natureza de comunicação não possuía o mesmo valor da
escrita. Beerbom (1992, p. 22) esclarece que “na conversa espontânea e direta, há a
necessidade e a oportunidade de recorrer ao que foi exposto e de estabelecer uma
relação com o interlocutor”, e as partículas podem atuar como conectores,
relacionando enunciados a partir de um conhecimento comum ou com base em algo
já mencionado:
Ex. 8:
Ich gehe nicht schwimmen, das Wasser ist ja noch zu kalt.
24
Tais partículas contribuem, portanto, para conjugar as falas na interação e
para definir a situação atual da comunicação. Segundo Beerbom, com elas “o falante
pode se remeter ao que foi exposto, ou mesmo considerar o que não foi externado”,
para representar sua forma de enxergar as coisas e suas expectativas. “No texto
escrito, ao contrário, não necessariamente uma história anterior em comum. Os
interlocutores nem sempre estão presentes”.
25
21 Compare: (FEYRER, 1998, p. 17) e (POLENZ, 1985, p. 195).
22 (HELBIG, HELBIG,1999)
23 “Piolhos no pêlo de nossa língua” (Tradução minha)
24 (HELBIG; BUSCHA 2004, p.197). “Eu não vou nadar, a água está é fria.” (Tradução minha)
25 Beerbom, 1992, p.22
22
Evidentemente, as partículas modais podem também figurar no texto escrito,
de acordo com o gênero e a intenção deste texto. “Existe uma escrita informal que
se aproxima da fala e uma fala formal que se aproxima da escrita, dependendo do
tipo de situação comunicativa” (KOCH, 1992, p. 69). As partículas modais,
freqüentes na conversação, aparecem também em e-mails, SMSs, histórias em
quadrinhos, textos informais, etc. Em comunicações oficiais, científicas ou formais,
elas são mais raras, pois nesses casos não se objetiva interferir no decorrer da
conversa ou receber feedback.
Feyrer descreve outro aspecto interessante das partículas modais, ao
abordar a relação entre os interlocutores de determinada estrutura social e suas
regras de cordialidade, contexto em que muitas vezes não se expressa
explicitamente o que se quer dizer:
Às vezes, enfraquecemos nossas exposições, enfatizamos esta ou aquela
informação. Movimentamo-nos em um complexo comunicativo que se
apresenta como um conglomerado lingüístico ou não-verbal. Nesse
complexo, tentamos como indivíduos no âmbito lingüístico ou pragmático
expor nossas posturas e emoções. Nós cedemos às nossas afirmações
uma certa modalidade. (FEYER, 1997, p. 11).
A importância da modalidade aparece também no aspecto subentendido dos textos.
Assim, para Polenz (1985, p. 195), “Os componentes modais e pragmáticos são
imprescindíveis para o entendimento do texto enquanto ato comunicativo, e para
questionamentos durante a leitura nas suas entrelinhas.” Essas partículas têm um
significado modal em seu contexto, pois exprimem uma opinião subjetiva, uma
reação ao que foi dito. São, portanto, carregadas de uma função emocional, que é
importante para entender o valor atribuído ao enunciado. Principalmente por sua
diversidade e nuances, as partículas modais representam um problema de tradução,
uma verdadeira charada a ser decifrada.
Tal charada é descrita por Hans Jürgen Heringer, como:
Die harte Nuss der semantischen Beschreibung von Partikeln ist, dass
sie eher global etwas signalisieren. Es ist deswegen schwierig, die
genaue Wirkung in einem Satz zu beschreiben, und ebenso schwierig,
eine allgemeine Bedeutung anzugeben.
26
(apud MÖLLERING, 2001,
p. 130-151)
26 “A dura noz da descrição semântica das partículas modais é que elas sinalizam algo global. Por
isso é difícil descrever seu efeito exato na frase e, da mesma forma, é difícil encontrar um
significado geral para elas”.
23
Essas pequenas partículas possuem, portanto, uma importante função
estratégica de interação, que se encontra por trás do que foi dito. Por meio das
partículas, pode-se antecipar a reação dos interlocutores, bem como manipular ou
guiar uma conversa. De fato, não se pode dizer que as partículas modais são pobres
de sentido. Heggelund apresenta uma série de exemplos
27
, nos quais frases com e
sem partículas são contrapostas. Nas frases com partículas, uma forte carga
emocional que ganha força com a entonação. Como demonstrado abaixo, não se
pode considerar tais frases como sinônimas:
Ex. 9:
Das war aber eine Reise! Das war eine Reise!
Ex10:
Wo ist bloβ die Zeitung? Wo ist die Zeitung?
28
Enquanto interlocutores, podemos deixar claro o que queremos sem
precisarmos ser diretos, sem precisarmos repetir o que já é conhecido pelo receptor,
sem precisarmos explicitar totalmente a situação.
29
recursos que podem assumir
essa função, como as partículas modais em alemão ou a entonação no espanhol, no
português ou no inglês.
30
Uma análise mais especifica da função das partículas será esboçada
durante a análise das partículas modais (subcapítulo 3.2).
2.1.3 Freqüência das partículas modais
Com base na revisão da literatura referente a esse assunto, o
reconhecimento de que as partículas modais fazem parte do sistema lingüístico é a
perspectiva atual da pesquisa que envolve o idioma alemão. No entanto, desde o
27 HEGGELUNG, K. “O significado das partículas modais em diálogos sob as premissas da Teoria dos Atos
de Fala e as perspectivas no ensino de alemão como língua estrangeira.” Linguistik online. Disponível em:
<http://www.linguistik-online.de> Acesso em: 10 set. 2007.
28 Mas que viagem! / E onde é que está o jornal?
Sem partículas as frases são neutras: Essa foi uma viagem! Onde está o jornal?
Veja: (HEGGELUNG, 2001)
29 Compare (FEYRER, 1997, p. 11-12)
30 Compare (REIβ, 1971, p. 21)
24
início dos trabalhos lingüísticos que abordam o tema, alguns pontos em aberto
como a questão do significado e da definição das modais, bem como quais itens
lexicais se encaixam nessa definição. Mas, de modo geral,um consenso entre os
autores com relação às mais freqüentes.
Para Helbig e Buscha (2004, p. 195), as partículas modais mais
representativas do idioma alemão seriam: aber, auch, bloss, denn, doch, eben, etwa,
halt, ja, mal, nur, schon, vielleicht.
Um interessante levantamento das principais partículas modais foi realizado
também por Möllering
31
, a partir do banco de dados do Instituto de Língua Alemã de
Mannheim ("Datenbank Gesprochenes Deutsch" DGD), que possui um extenso
arquivo com transcrições e gravações do cotidiano dos falantes
32
. Este banco de
dados possui 28 documentações de corpora diferentes, desde interações verbais em
diferentes contextos, às variações dialetais e estrangeiras. Por meio deste estudo,
constatou-se que as partículas mais freqüentes são: ja, aber, mal, doch, schon,
denn, und nur/bloss.
GRÁFICO 1: FREQÜÊNCIA DE PARTÍCULAS A CADA 1000 PALAVRAS
Fonte: (MÖLLERING, 2001).
31 (MÖLLERING, 2001)
32 Disponível em: <http://dsav-oeff.ids-mannheim.de/DSAv/DSAVINFO.HTM> Acesso em: 05 ago.
2007
25
Hentschel e Keller (2006) realizaram outro estudo com base no Berlin
Corpus e verificaram a hierarquia das partículas, confirmando o uso mais comum
para as partículas: ja (26%), doch (18%) e mal (16,1%).
33
Como pode ser abstraído dos dois levantamentos estatísticos apresentados,
as partículas modais são um importante e freqüente aspecto da comunicação diária
das pessoas. Com relação aos contos que compõem o corpus deste trabalho,
comprova-se mais uma vez os resultados da estatística, já que as partículas a serem
analisadas também estão entre as mais freqüentes apontadas nos levantamentos.
Antes de partirmos para os demais estudos que nortearam a base deste
trabalho (capítulo 2.3), vale destacar importantes considerações acerca de
elementos envolvidos no processo comunicativo. Como já citado, as partículas
modais orientam o interlocutor ao interpretar o enunciado em um respectivo contexto
conversacional ou argumentativo, que expressam o lado emotivo do estado de
relações entre os indivíduos envolvidos na situação comunicativa. Como o uso
destas partículas é fortemente determinado pelo seu contexto lingüístico e
situacional, consideramos relevante destacar essa característica, conforme
abordaremos no capítulo a seguir.
2.2 MODALIZAÇÃO E CONTEXTO
Uma característica das partículas modais é sua relação contextual e suas
diferentes relações com outros fatores lingüísticos, situativo-pragmáticos, como
também extralingüísticos, que fazem sentido somente em determinadas situações.
Essa mudança de foco/efeito é o que dificulta sua descrição ou definição.
Com a função modificadora de ilocução
34
, as partículas definem uma
situação, guiam uma conversa, assumindo ainda a função de conectoras. Ao
promover o gerenciamento de um contato ou permitir conclusões sobre as relações
pessoais de comunicação, elas também dão indícios sobre a interpretação desejada
33 Estudo disponível em: <http://www.linguistik-online.de/29_06/index.html>. Último acesso em:
06.07.2008
34 “Através da Teoria dos Atos de Fala, a pragmática volta-se para o estudo e descrição das ações
que os usuários da língua, em situações de interlocução, realizam através da linguagem. Uma
ilocução neste âmbito, significa aquilo que o falante intenciona com a fala. a locução é aquilo
que foi dito ou escrito.” (WAGNER, 2001, p. 88)
26
pelo falante, assumindo, neste caso, uma função argumentativa.
35
Segundo Marcuschi (1986, p. 7),
o processo de conversação não é um fenômeno anárquico e aleatório, mas
altamente organizado. [Este processo] é desenvolvido, percebido e utilizado
pelos participantes da atividade comunicativa, ou seja, as decisões
interpretativas dos interlocutores decorrem de informações contextuais e
semânticas mutuamente construídas ou inferidas de pressupostos
cognitivos, étnicos, culturais, entre outros.
Nesse contexto, para agir coordenada e cooperativamente, as pessoas
usam elementos, lingüísticos ou não, que criam condições à compreensão mútua,
para interferir, agir e reagir, desenvolver e resolver conflitos interacionais.
Para a tradução, a dificuldade consiste em analisar essa função de
modificadora da ilocução e defini-la em um contexto específico. Além disso, a função
argumentativa representa um papel importante no processo tradutório, que
estruturas argumentativas implícitas no texto podem se tornar explícitas na língua de
chegada, exigindo uma determinação exata do tradutor,
36
como podemos constatar
em nosso corpus.
E a partir destas considerações qual seria, então, a relação texto e contexto?
Quais as implicações de tal relação para o processo tradutório?
Com a aplicação dos princípios da pragmática lingüística, houve a
necessidade de um enfoque diferente de texto. Um texto não é simplesmente uma
frase ou palavra isolada, mas, sim, um “tecido de informações que se insere em uma
determinada situação comunicativa, em um determinado contexto. De acordo com a
situação, diferentes gêneros textuais, ou seja, diferentes tipos de texto com
funções especificas”.
37
Neste âmbito, determinado enunciado se torna inteligível em seu
contexto. Sob o ponto de vista de Koch, “a noção de contexto encerra uma
justaposição fundamental de duas entidades: um evento focal e um campo de ação
dentro do qual o evento se encontra inserido” (2003, p. 22). Segundo a autora, os
fenômenos básicos que a análise de contexto considera são: “o cenário, o entorno
sociocultural, a própria linguagem como contexto, os conhecimentos prévios e
compartilhados, o contexto como elemento interativo e um evento focal”.(KOCH,
35 Compare: Feyrer (1998, p.43) e Beerbom (1992, p.33), as autoras abordam neste ponto a função
das partículas modais e sua relação com os aspectos pragmáticos e semânticos do texto.
36 Compare (FEYRER, 1997, p.22)
37 Ver (GROSS, 1998, p. 131)
27
2003, p. 22)
Koch (2003, p. 32) afirma ainda que “os produtores de texto pressupõem
sempre determinados conhecimentos contextuais ou situacionais da parte do
interlocutor.” as denominadas “pistas de contextualização”, os sinais verbais e
não-verbais, usados pelos falantes/ouvintes na interação para relacionar o que é dito
em dado tempo e em dado lugar ao conhecimento adquirido, com o objetivo de
manter o envolvimento conversacional e alcançar o fim pretendido. Entre essas
pistas, Koch (2003) destaca: “a prosódia (entonação, acento de intensidade,
mudanças de clave); sinais como pausa; hesitação; tom de voz; escolha do registro;
seleção lexical e expressões que caracterizam a conversação”, como as partículas
modais.
Os sujeitos que se relacionam encontram-se em um conjunto social, que tem
suas convenções, suas normas, que lhe impõem condições. Sendo assim,
desconsiderar o contexto e suas implicações durante o processo de tradução
significa ignorar aspectos decisivos para a tomada de decisões e escolha de
estratégias. Durante a interação, cada um dos parceiros traz sua “bagagem
cognitiva”, e por vezes “algum conhecimento partilhado”, uma vez que pertence a
uma sociedade marcada por estruturas hierárquicas, papéis e relações específicos.
38
Neste processo, como importante recurso lingüístico, característico do
idioma alemão, as partículas modais figuram na conversação modelando os
enunciados, atuando como guias, ligando as informações, facilitando o contexto
interativo e realizando uma avaliação deste. Como nosso estudo baseia-se,
sobretudo, no texto escrito elaborado a partir da fala, especificamente o gênero
contos, vale destacar algumas características básicas da conversação, expostas a
seguir.
2.2.1 Análise da conversação
De acordo com Koch (1992, p. 67), a Análise da Conversação é uma
disciplina que tem por objetivo trabalhar “somente com dados reais, analisados em
seu contexto natural de ocorrência. Seu conceito fundamental é, portanto, o de
38 Compare: (KOCH, 2003, p. 24-29)
28
interação”. Para efeito do trabalho aqui apresentado, vale analisar alguns de seus
conceitos básicos ao comparar a linguagem falada e a escrita.
De acordo com as considerações de Koch (1992, p. 68-70), como diferenças
entre a fala e a escrita podemos citar o fato de que a fala não é planejada, ela é, por
vezes, incompleta, fragmentada e pouco elaborada. a predominância de frases
curtas, simples ou coordenadas. Conforme mencionado anteriormente, pode
existir, entretanto, “uma escrita informal que se aproxima da fala e uma fala formal
que se aproxima da escrita”
39
, dependendo da situação comunicativa e do gênero
textual. No caso da corpora do presente trabalho, os contos, ricos em diálogos,
representam essa escrita informal que se aproxima da fala.
“O texto falado emerge no próprio momento da interação”. Em uma atividade
de “co-produção” em que “os interlocutores empenham-se juntos na produção do
texto.”
40
Este processo de conversação organiza-se em turnos, que consistem “em
intervenções de cada um dos participantes no decorrer da interação. [...] E quando
se fala, fala-se de alguma coisa: este é o tópico – assunto sobre o qual se fala.”
41
Fávero, Andrade e Aquino (2002, p. 37) afirmam que “o tópico discursivo se
estabelece num dado contexto em que dois ou mais interlocutores, engajados numa
atividade, negociam o assunto de sua conversação”. Mais adiante, as autoras (2002,
p. 39) acrescentam que “as marcas da delimitação entre tópicos podem ser os
marcadores conversacionais, elementos prosódicos, perguntas, repetições,
paráfrases, etc.”
A conversação, enquanto criação coletiva dos interlocutores, possui
elementos básicos de organização textual, entre eles os marcadores
conversacionais. Esses marcadores em português –claro, certo, uhn, ahn, viu, sabe,
né, quer dizer, eu acho, então, daí, etc. apresentam uma variada gama de
partículas, palavras, expressões e orações de diversos tipos.
42
De acordo com Fávero, Andrade e Aquino (2002, p. 46),
os marcadores asseguram não o desenvolvimento continuado do
discurso [...], mas também operam na organização hierárquica do texto, na
medida em que funcionam para garantir a coesividade entre os tópicos.
39 (KOCH, 1992, p. 69)
40 (KOCH, 1992)
41 (KOCH, 1992, p. 71-72)
42 Compare (KOCH, 1992, p. 106)
29
Em linhas gerais, as autoras afirmam que os marcadores conversacionais
orientam as atividades do locutor e de seu interlocutor, desempenhando “papel de
especificadores, coordenadores, subordinadores, entre outros”. Além disso, eles
podem “restringir e articular relações, bem como sustentar a interação”. Ao investir
em uma conversação, os interlocutores agem de acordo com suas intenções e
“buscam construir um evento comunicativo”.
43
Podemos dizer que, ao longo do texto, os marcadores fornecem as pistas
para os interlocutores, visto que “pontuam o texto” (KOCH, 1992, p. 106). Estes
assumem, portanto, uma função semelhante à das partículas modais no alemão. Ao
promover “a condução e a manutenção do tópico discursivo, os marcadores
instauram a solidariedade conversacional entre os interlocutores, na medida em que
propiciam dinamismo e continuidade à interação.”(FÁVERO, ANDRADE e AQUINO,
2002, p. 49).
Partindo dessas considerações, é válido ressaltar que não basta estudar a
língua como um “sistema formal, abstrato, [...], nem como um conjunto de
enunciados virtuais cujo significado é determinado fora de qualquer contexto.”
44
O
avanço dos estudos que consideram os vários aspectos da situação comunicativa
abriram novos rumos na pesquisa sobre interação e linguagem. No que tange às
partículas modais, são basicamente duas linhas de pesquisa que caracterizam tal
processo. Uma delas, parte da análise semântica da partícula modal sem considerar
o contexto comunicativo (minimalismo), a outra analisa a partícula inserida em
determinada situação comunicativa (maximalismo). A seguir esboçamos as
principais características de ambas.
2.2.2 Análise lexical do contexto semântico: Minimalismus
Duas posições caracterizam a pesquisa das partículas modais. Uma delas, a
linha do Bedeutungsminimalismus, buscava encontrar um significado básico e geral
para elas. Os minimalistas trabalham dedutivamente, que partem de uma
definição, de um significado, ilustrado por exemplos selecionados. Para eles, é
necessário definir um significado básico para cada partícula, independentemente do
43 Considerações extraídas de (FÁVERO, ANDRADE E AQUINO, 2002, p. 47-48).
44 (KOCH, 1992, p. 110)
30
contexto. Assim, com base em Minimalpaaren (pares mínimos)
45
, por meio de
exemplos de duas frases que se diferenciam apenas pelo uso da partícula modal,
procura-se ilustrar esse significado (Grundbedeutung).
Ex. 11:
Ich war gestern nicht da.
Ich war ja gestern nicht da.
46
Alguns autores trabalham em cima de protótipos nesta linha, a partir dos
quais se definem características básicas para cada elemento, como forma de
classificá-los em diferentes categorias Veja: Prototypensemantik, em (MORONI,
2005, p. 23). Neste aspecto, inclui-se a distinção entre as partículas modais e seus
homônimos.
Para os defensores do minimalismo, um significado para cada partícula,
que pode ser identificado a partir da comparação entre as classes de palavras e sua
função (por ex: advérbio, adjetivo, partícula modal). Dentre os seus representantes,
figura o próprio Weydt (apud Moroni, 2005, p.23) que considera haver um significado
básico para cada partícula. Da mesma forma, Posner
47
, Bublitz, Thurmair e
Hentschel procuraram uma definição semântica para cada uma delas.
48
2.2.3 Análise funcional do contexto situativo: Maximalismus
Enquanto a linha minimalista acredita ser possível definir um significado fixo
para as partículas modais, para outros autores seus significados variam de acordo
com o contexto. Essa abordagem é intitulada Bedeutungsmaximalismus e tende a
projetar o componente situacional da frase e seu contexto para a partícula.
Ferner (2002, p. 6) apresenta os pontos divergentes das abordagens em
questão em seu trabalho sobre as partículas modais no ensino de alemão como
língua estrangeira
49
. De acordo com o autor, a linha de trabalho é o que diferencia as
45 Veja em detalhes no trabalho de Moroni (2005, p. 20)
46 “Eu não estive lá ontem” (Tradução minha). Exemplo citado por: (MORONI, 2005, p. 22)
47 (apud FEYRER, 1997, p. 65)
48 Citados por (MORONI, 2005, p. 23)
Veja também: (KNOW, 1997, P. 11-13)
49 Ferner aborda as partículas modais como problema para a aula de alemão como língua
estrangeira e faz uma análise dos livros didáticos e de gramáticas disponíveis.
31
duas abordagens: “os maximalistas utilizam o processo indutivo, ou seja, procuram
descrever as ocorrências das partículas. Ao contrário do método dedutivo dos
minimalistas, que definem o significado básico destes elementos.”
Os maximalistas consideram as partículas em uso, segundo um processo de
interação, com suas convenções e regras. Neste trabalho, destacamos a
importância do contexto na interação. Sem considerá-lo, perde-se uma gama de
informações necessárias para alcançar o objetivo proposto.
A discussão dentro da pesquisa das partículas é, portanto, controversa.
Deve-se estudá-las a partir das situações em que aparecem para então
compreendê-las e definir sua função ou deve-se a partir da determinação de seu
significado básico para interpretar todos os casos em que aparecem?
Ferner (2002, p. 6) aponta para o fato que é compreensível a busca por um
significado básico, para a inserção em dicionários ou para fins didáticos. Para
Graefe (2000), principalmente no ensino do alemão como língua estrangeira, faz-se
necessário trabalhar com significados básicos, que a definição ainda é abstrata,
de difícil compreensão e carece de exemplos empíricos.
Em contrapartida, no livro de Helbig (1999) “Deutsche Partikeln - richtig
gebraucht?”, as partículas modais são delimitadas com relação às outras classes de
palavras (advérbio, adjetivo, conjunção, etc.) e pelo tipo de frase que geralmente
aparecem, ou seja, a análise parte do contexto em que estas se inserem.
A meu ver, as duas abordagens devem se complementar e não criar
delimitações. Se para o ensino das partículas modais ou para o dicionário, a procura
de uma definição do “significado básico” é válida, por outro lado, na tradução, faz-se
necessário a análise da função da partícula no contexto em que esta se insere.
Beerbom (1992, p. 34) e Franck (apud BERBOM, 1992, p. 34) são representantes
desta linha, que considera a caracterização do significado a partir das indicações
fornecidas pelo uso e contexto no qual se insere a partícula modal.
No trabalho proposto, procura-se conciliar aspectos relevantes de cada uma
delas. Trata-se de uma abordagem que visa partir da função comunicativa e textual
dessas partículas, sem desconsiderar seu significado básico, pois estas palavras
têm funções específicas, que se completam em conjunto com outros elementos
lingüísticos, em um contexto específico.
Conforme mencionado, a intenção não é traduzi-las e, sim, traduzir um
32
texto no qual elas aparecem. Se as partículas assumem um papel importante no
texto de partida, então é tarefa do tradutor buscar recursos da língua de chegada
para manter esta característica. A análise deve ser feita orientada para função
comunicativa na interação social em questão. Como citado por Feyrer, e de acordo
com Wittgenstein e Gornik-Gehardt, “die Bedeutung eines Wortes ist sein Gebrauch
in der Sprache".
50
Dentre os vários trabalhos realizados sobre as partículas modais,
selecionamos algumas pesquisas, expostas a seguir. Outros trabalhos, centrados na
lingüística contrastiva e diretamente ligados à questão da tradução das partículas
modais, serão apresentados como pesquisas tradutológicas, seguidos de dois
importantes trabalhos sobre a modalidade e a tradução, relação esta fortemente
determinada pelo fator cultural, e analisada a partir da linha funcionalista da
tradução
51
.
2.3 PESQUISAS ESPECÍFICAS SOBRE AS PARTÍCULAS MODAIS
2.3.1 Análise da partícula “doch”: Graefen (2000)
O objetivo do trabalho de Gabriele Graefen é possibilitar o esclarecimento da
função do elemento doch em alemão, e ainda tecer uma crítica à divisão de classes
de palavras existente, que não aborda as partículas modais como classe
independente. Para a autora, essa insatisfação com a atual classificação se justifica
porque as partículas são diferenciadas por contextos, ou seja, o olhar para o papel
da situação e do contexto lingüístico ficou mais aguçado, mas não serviu para definir
o objeto de estudo. Para ela, quanto mais se tenta buscar significados e paráfrases
dentro de um contexto, tanto mais as respostas para a questão da identificação das
partículas parecem confusas e arbitrárias.
Graefen considera que as partículas não interferem no conteúdo
proposicional do enunciado. Entretanto, o que deve ser avaliado é o que elas trazem
de novo para ele. A autora defende a avaliação das partículas com relação à
50 (apud FEYRER, 1998, p. 43): “O significado de uma palavra é seu uso na língua”.(Tradução
minha)
51 Teoria abordada no cap. 2.6.
33
ilocução do ato de fala e à idéia do Bedeutungsminimalismus: formular um
significado geral básico das partículas. Seguindo este princípio, ela usa a partícula
doch como exemplo para sua argumentação.
Para Graefen (2000), o doch aparece quando um falante pretende guiar o
processo de compreensão, frisando sua opinião. Com o elemento doch, o falante
indica ainda o conteúdo proposicional recorrendo a um fato passado. Tal partícula
aparece de forma mais marcante e freqüente onde o discurso pressupõe a
contradição, fato que advém da função básica do doch de contradizer um enunciado
ou pergunta negativa. A isso se acrescentam os elementos conhecidos ou
indicações que se relacionam.
Graefen cita exemplos extraídos do “Freiburger Korpus”, de uma entrevista
com Günther Grass. Um estudante utiliza-se da partícula para levantar
questionamentos e críticas. Através dos exemplos, a autora procura mostrar que o
estudante faz uso do elemento doch para guiar a conversa e colocar sua opinião
perante o assunto, ou seja, para reforçar a argumentação baseado em um
conhecimento anterior (como: Zitrone ist doch nie schwarz).
52
A autora afirma ainda que as partículas estão ligadas a emoções, as quais
desempenham um importante papel em sua descrição, mas nem sempre são
abordadas. Trata-se de um fato implícito, que não modifica o valor ilocutivo do
enunciado, mas garante uma nova representação do mesmo. Graefen tece críticas
pertinentes ao atual estado de pesquisas das partículas modais, bem como à
abordagem em sala de aula. De fato, não um modelo ideal que possa solucionar
todas as lacunas apresentadas.
2.3.2 Lothar Lemnitzer (1998): “Wann kommen wir endlich zur Sache?”
“Quando é que vamos chegar ao assunto?”
De forma descontraída, o autor apresenta uma análise das partículas com
base em um corpus, composto por 66 milhões de palavras, selecionado do jornal
FAZ, o Frankfurter Allgemeinen Zeitung, no período que compreende os anos 1990-
1992. Em certos momentos de seu trabalho, o autor utilizou-se também, para efeito
52 Limão nunca é preto, ora. (Tradução minha)
34
de comparação, do corpus do Tageszeitung (TAZ). O corpus da pesquisa de
Lemnitzer tem sua base, portanto, em material autêntico. O autor aproveita os
recursos da análise textual e estatísticos para seu estudo da função e significado
das partículas combinadas.
Neste processo, uma dificuldade apresentada pelo autor refere-se às
diferentes funções assumidas pelos elementos em questão - ora conjunção, ora
partícula modal.
Para a escolha dos elementos, Lemnitzer se orientou em Thurmair (1989)
53
.
O foco do trabalho é na combinação de partículas modais, que foram selecionadas,
organizadas e classificadas em seus diferentes tipos e formas de apresentação.
Os exemplos citados e o corpus disponibilizado pelo autor são bastante
interessantes. Lemnitzer preocupou-se em definir os tipos de combinação a partir da
sua função básica, para em seguida analisar as partículas em conjunto no contexto.
Seus exemplos práticos da linguagem jornalística mostram que as partículas
encontram-se presentes não somente na língua falada, mas assumem funções
diversas também na linguagem escrita.
A meu ver, a tentativa de Lemnitzer de classificar as combinações em
colocações transparentes e lexemas opacos ainda carece de um trabalho
complementar. O próprio autor também admite a dificuldade de diferenciar e criar
uma linha exata de separação entre os grupos de partículas e advérbios.
Interessante aspecto no trabalho de Lemnitzer é a análise do ponto de vista textual,
o perfil das combinações e sua ocorrência na prática, bem como o efeito e função
que representam.
Embora não trabalhadas a fundo, as diferenciações entre partícula modal,
de intensidade e advérbio, citadas no trabalho de Lemnitzer, são um convite à
análise e reflexão nesse meio complexo das partículas modais. decerto que se
considerar a proposta do trabalho e sua dimensão: um artigo que visa apenas
demonstrar o quão complexas são as partículas e suas combinações.
Em vez de trabalhar com modelos construídos, o autor selecionou exemplos
práticos do cotidiano e analisou, a partir desses elementos, as intenções e funções
neles presentes. O trabalho apresenta um corpus expressivo e bastante atual,
apesar da dificuldade de se separar, em meio ao volume de informações, aquelas
53 Thurmair, Maria (1991), S. 377-388.
35
que serviram como base para a análise das partículas e suas combinações.
2.3.3 Heggelund (2001): “O significado das partículas modais em diálogos sob
as premissas da Teoria dos Atos de Fala e as perspectivas no ensino de
alemão como língua estrangeira.”
Em seu artigo, Heggelund levanta duas discussões sobre o assunto: a
análise das partículas sob as premissas da teoria dos atos de fala; e a necessidade
de abordar o tema com foco no ensino de alemão como língua estrangeira.
Como condição para análise do significado e da função das partículas,
que se determinar uma teoria lingüística como base. Teorias relevantes neste
contexto destacadas pelo autor são: a Teoria dos Atos de Fala, a Teoria da
Relevância e a teoria da Polifonia. Dentre estas, Heggelund apresenta com
destaque a Teoria dos Atos de Fala desenvolvida por John Langshaw Austin. Na
obra de Austin, aponta Heggelund, o ato de fala é dividido em três níveis: o
locucionário (o que é dito), o ilocucionário (o que é feito, no momento da fala) e um
perlocucionário (o efeito ou a reação do ouvinte ao que foi dito).
O autor expõe que John R. Searle deu seqüência ao trabalho, dividindo o
ato de fala em duas partes: o ato exposto e o ato proposicional. Também para
Searle o ato ilocucionário encontra-se no centro de interesse, afinal o significado de
uma exposição acontece a partir da proposição, seu conteúdo semântico, e da
ilocução correspondente (da função comunicativa ou pragmática).
Heggelund aborda as questões como: De que maneira as ilocuções são
sinalizadas? As partículas modais podem indicar a força ilocutiva de um enunciado?
Fora de contexto ou situação, a exposição pode ter vários significados. Entretanto,
segundo o autor, há recursos lingüísticos e não-verbais que contribuem para tornar a
afirmação mais clara. São os indicadores ilocucionários, como verbos performativos,
tipo de frase, seqüência de palavras, entonação, gestos e outros fatores
situacionais. A maioria destes indicadores está ligada à situação concreta de fala.
Para o autor, freqüentemente um enunciado possui uma função
comunicativa diferente do indicador ilocucionário formal. Uma pergunta como “Bist
du verrückt?” (você está louco?) não se trata de uma pergunta de forma pragmática.
36
Forma e função se diferenciam, são os atos de fala indiretos, que podem ter a forma
convencional de ato indireto: “Können Sie mir bitte sagen, wie spät ist es?” (pedido
em forma de pergunta: “O senhor pode me dizer que horas são?”). E há aqueles que
têm uma força ilocutiva no contexto em que se inserem, como: Es zieht hier (Está
ventando aqui! – apenas uma contastação ou pedido para fechar a porta ou janela).
Em um outro momento, o autor lança outra questão: como entender o que o
falante deseja realmente? Para resolver essa questão, diz Heggelund, Searle
apresenta dois atos ilocucionários, o primário (não-verbal) e o secundário (verbal), e
nesse sentido o ouvinte precisa deduzir o primário (intenção) a partir do secundário.
Neste ponto, Heggelund (2001) levanta ainda a seguinte questão polêmica: as
partículas modais são consideradas indicadores ilocutivos? Helbig (apud
HEGGELUND, 2001) defende essa posição, fundamentado no fato de que a partir
de um mesmo ato locucionário, diferentes ilocucionários podem ser produzidos,
como nos seguintes exemplos:
Ex.: 12
Du kannst mal das Fenster schlieβen. (um imperativo suave)
Ex.: 13
Du kannst ja das Fenster schlieβen. (um conselho)
Ex.: 14
Du kannst doch das Fenster schlieβen. (conselho ou concordância
com um desejo do parceiro)
As partículas modais agem sobre a ilocução da frase, modificando-a ou
tornando-a ainda mais precisa. Por outro lado, Hegellund (2001) afirma que se as
partículas possuíssem a característica de indicadores ilocutivos, de se esperar
que sinalizassem determinados atos de fala e não diferentes atos de acordo com a
situação. Evidentemente, não somente elas, mas também outros fatores determinam
o tipo de ilocução ou cada variante de ilocução, como acentuação, tom de voz,
movimentos corporais e contexto. Como o próprio autor admite, esse aspecto ainda
carece de pesquisa.
De acordo com Heggelund (2001), nem tudo precisa ser explicitado na
37
língua diária (enquanto item lexical) para que o entendimento aconteça. Uma
conclusão pode ser presumida e deduzida e as partículas modais, em conjunto com
outros elementos, colaboram para isso.
Que as partículas modais são difíceis de ensinar e de aprender ninguém
contesta. Tanto as gramáticas como os dicionários não oferecem grande ajuda aos
aprendizes do idioma nem aos tradutores. Heggelund (2001) afirma que o uso em
um contexto concreto de uma partícula inadequada pode causar muito
estranhamento, e uma reação contrária à desejada. Freqüentemente os aprendizes
de alemão evitam utilizá-las, reproduzindo uma língua mais rígida e não idiomática.
O autor apresenta uma série de conceitos, a partir das teorias semântico-
pragmáticas, dos aspectos da análise conversacional e das abordagens orientadas
para argumentação, levantando questionamentos ao longo do texto. Muitos deles
carecem de resposta e continuam em aberto. O próprio autor menciona várias vezes
o caráter polêmico do estudo das partículas.
Um consenso geral, entretanto, diz o autor, reside no fato de que as
partículas modais possuem uma importante função comunicativa, principalmente na
língua falada. Além disso, os vários aspectos contextuais e pragmáticos devem ser
considerados durante os estudos sobre as partículas.
2.3.4 Partículas discursivas no português – Ilonka Kunow (1997)
O objetivo do trabalho de Kunow é oferecer uma análise da conversação na
comunicação informal e institucional, abordando temas como organização da fala,
uso de marcadores, das partículas modais e outras partículas discursivas de grande
importância para a manutenção da conversa, para argumentação ou como guia da
comunicação.
Em princípio, a autora oferece um panorama geral dos estudos na área, que
se concentraram em seus primórdios nas características sintáticas das partículas.
Tais estudos procuraram definir um significado global para elas. Este tipo de
pesquisa baseava-se nas idéias do Bedeutungsminimalismus,
54
ou seja, para cada
partícula seria dado um significado semântico.
54 Veja: Capítulo 2.2
38
A autora afirma que na gramática tradicional o termo partícula refere-se a
palavras pequenas que não sofrem flexão. Enquanto elementos da língua falada,
elas podem aparecer como: sinal estrutural, no início ou fim de um discurso; como
Turn-Taking, que dão seqüência ou guiam um turno; sinal de contato por parte do
falante e por parte do ouvinte; pausa ou hesitação; interjeições; e sinal de correção.
Kunow observa que as partículas conduzem a conversação e a
argumentação. A preocupação de contextualizar as partículas e demonstrar sua
função com conectores e guias do processo faz-se presente durante todo o trabalho.
Assim, a autora analisa as partículas discursivas em grandes grupos: como
partículas modais, como sinais estruturais, enquanto elementos no processo de
planejamento cognitivo e comunicação; e também como sinais de abertura,
fechamento, ou como conectores e sinais de pausas.
A teoria apresentada pela autora é desenvolvida a partir dos marcadores
para a organização discursiva. Marcadores, segundo sua concepção, são meios de
expressão que se referem a uma parte da exposição, que não contribuem para o
conteúdo proposicional, mas indicam ou sinalizam funções pragmáticas, podendo
assumir uma função argumentativa.
Segundo Know (1997), a atitude social produz e reproduz o dia–a-dia, com
suas regras e técnicas, como forma de organização social. A fala baseia-se não
somente no conhecimento de mundo comum, mas também na parcela individual de
cada interlocutor. Enquanto sistema simbólico subjetivo e individual, a língua é
reconhecida em contextos específicos. As condições e a seqüência da conversa
precisa ser sempre renegociada. Para que ela tenha sucesso, são necessários
meios de compreensão dos parceiros.
Alguns problemas sobre a análise dessas partículas devem ser
considerados, tais como a delimitação das partículas e a determinação dos tipos e
das funções. Para tanto, a autora propõe uma metodologia baseada na análise da
conversação. Partindo de um corpus heterogêneo da comunicação diária, Kunow
tece reflexões sobre a etnografia do discurso, ligada ao contexto sociocultural. Como
corpus para o trabalho, figura o projeto “Português fundamental” (capítulo 3.3, no
trabalho de Kunow, 1997) que tem o objetivo de realizar uma análise do vocabulário
básico e uma gramática voltada para o uso oral da língua. 1800 entrevistas foram
gravadas e disponibilizadas para pesquisa em análise da conversação. Vale
39
ressaltar que toda entrevista tem um objetivo temático, além de local e tempo
planejados. Entretanto, durante esse processo, tentou-se manter uma situação
“natural” de conversação.
Como resultados de uma minuciosa descrição, Kuwon (1997) conclui que
além da função de contribuir para a organização da fala, as partículas figuram na
troca de falantes, na estrutura temática, na relação do enunciado com o contexto e
ainda asseguram o entendimento dos dois lados. A autora também demonstrou que
a utilização das partículas indica as condições de interação social, de acordo com o
tipo, as regras, a temática, o envolvimento e as emoções nelas implícitas, bem como
o grau de confiança entre os interlocutores.
Diante do conjunto de partículas exploradas detalhadamente no trabalho,
podemos perceber que se trata de um tema vasto, com várias questões em aberto.
Para a autora, o caráter da comunicação oral corresponde a um contexto dinâmico,
onde os interlocutores constroem em conjunto o contexto. Todos os fenômenos que
se encontram nele, como a prosódia, a velocidade, o ritmo, as pausas, as
variedades lingüísticas, a variação lexical, e tantos outros fatores, funcionam como
pistas de contextualização. Todos eles indicam que as partículas não possuem um
significado inerente, mas atuam de forma multifuncional.
2.3.5 Moroni (2005): sintaxe e prosódia
O destaque para o trabalho de Moroni é a concentração na análise das
partículas modais a partir da interação entre a prosódia e a sintaxe.
Moroni (2005) considera que a escrita se diferencia da fala basicamente
através da prosódia, do tom em que determinada informação foi passada: “Der Ton
macht die Musik”. Atualmente, um leque maior de fenômenos interativos é estudado
nesta área, dentre eles as partículas modais. “Em que medida a análise do ritmo e
entonação está interligada ao uso e posição das partículas modais na frase?”, eis a
questão que norteia seu trabalho.
Neste trabalho, Moroni apresenta a teoria Topik-Fokus-Gliederung (tópico-
foco-estrutura) em seu modelo de análise e afirma que a partícula modal pode
influenciar o ritmo de um texto escrito, pois ela determina, dependendo de sua
40
posição, o tom dado à sentença. A autora parte dos trabalhos de Jochim
Jakob(1988), que desenvolveu a teoria do “Fokus und Hintergrund”. O foco é a
parte acentuada, com a informação importante para o locutor, a resposta para a
pergunta em questão; o Hintergrund, por sua vez, representa a informação
mencionada e, portanto, não acentuada. Quando tal informação conhecida é
destacada por uma elevação do tom, passa a ser denominada por tópico.
Em seu trabalho, a autora parte de um rico corpus para analisar o papel da
prosódia na posição das partículas modais e sua relação com a sintaxe da frase e os
elementos que a compõe. Com base ainda na obra de Krivonosov (1977) e Thurmair
(1989), Moroni desenvolve tais conceitos a partir da teoria do Thema-Rhema-
Gliederung, ou seja, do que é conhecido e do que é novo no enunciado, para
justificar a posição da partícula modal nas frases alemãs.
Trata-se de uma importante contribuição para o desenvolvimento de uma
futura análise semântica das partículas modais que considere a relevância da
prosódia para este tema. Para Moroni (2005, p. 104), a interação entre tempo,
freqüência e intensidade dos sons contribui para a percepção do que foi expresso.
Uma detalhada análise deste processo é feita ao longo de todo segundo capítulo de
seu trabalho.
Os textos analisados fazem parte do banco de dados do Instituto de
Mannheim (Datenbank gesprochenes Deutsch
55
) Com base nesse corpus, Moroni
realizou análises estatísticas de freqüência e tipos de ocorrência: se a partícula se
concentra no foco (Fokus) ou na informação já conhecida (Hintergrund). Ela concluiu
que 77% das partículas modais se concentravam no foco, ou seja, na introdução do
elemento novo. Para Moroni (2005), as partículas modais são uma importante
sinalização para a prosódia. Através delas, o autor de um texto escrito pode indicar a
entonação da frase.
55 Disponivel em: <http://dsav-oeff.ids-mannheim.de/>
41
2.4 PESQUISAS SOBRE A TRADUÇÃO DAS PARTÍCULAS MODAIS
2.4.1 Weydt (1969) e Krivonosov (1977/1989)
Os precursores no estudo das partículas modais foram Weydt (1969) e
Krivonosov (1977/1989). Segundo Aleksej Krivonosov, que escreveu a primeira
monografia sobre as partículas modais em 1963, na qual as organizou de acordo
com seu sentido semântico, estas não possuem um sentido lexical isoladamente. Na
verdade, elas possuem uma função modal que indica uma posição subjetiva do
falante em relação ao que foi expresso. Weydt (1969) utilizou os mesmos
argumentos em seu trabalho. Para ele, as partículas modais, por ele denominadas
Abtönungspartikel (“partículas atenuantes”), caracterizam o discurso do falante.
Para Krivonosov (1989, p. 32), quando nos deparamos com frases do tipo
“Was ist das?” (“O que é isso?”) e acrescentamos nelas partículas modais (ja, denn,
eben, mal, ruhig, usw) percebemos a modalidade nas entrelinhas do enunciado.
Assim, se o falante expor: “Was ist das denn?” (“O que que é isso?”), não se trata
mais de um mero questionamento, mas um sentimento, uma emoção aliada ao
que foi dito (KRIVONOSOV, 1989, p. 32). Sua avaliação subjetiva está representada
pelas partículas modais, que, aliadas à entonação, exprimem a modalidade do
enunciado.
Weydt as definiu a partir de uma perspectiva pragmática e procurou por
formas e expressões do francês que correspondiam àquelas do alemão. Estas
pequenas palavras se referem à frase como um todo, diz Weydt. Para o autor, as
partículas não contêm, em geral, nenhuma informação nova para o ouvinte, mas
repetem uma informação conhecida. As partículas modais exprimem a atitude ou
posição do falante diante do exposto e comunicam ao ouvinte de que forma ele deve
situar ou avaliar o conteúdo que ouviu.
56
Entre as obras de Weydt, ainda materiais desenvolvidos para o ensino
das partículas modais, que apresentam exemplos construídos e a análise das
intenções por trás de seu uso.
57
Com relação ao aspecto tradutório, Weydt define a
56 As obras que representam um marco inicial para os estudos das partículas modais
(KRIVONOSOV, 1963) e (WEYDT, 1969) são citadas em toda literatura sobre o tema. A partir
delas, as pesquisas na área ganharam impulso e diferentes abordagens se desenvolveram.
57 WEYDT H.; HARDEN, Th.; RÖSLER, D.. Kleine deutsche Partikellehre. Stuttgart, 1983.
42
tarefa do tradutor da seguinte forma: “Er (Übersetzer) darf sich gerade nicht fragen,
wie die deutschen Partikeln wiedergegeben werden, sondern er muss vergessen,
dass es im Deutschen Partikeln gibt."
58
Ao traduzir, o objetivo deve ser concentrar-se no texto como um todo e
compreender o contexto situacional em que estão inseridas as partículas.
59
2.4.2 Franco (1991): descrição contrastiva
Antonio Franco, da Universidade de Coimbra (1991), realizou um extenso
trabalho comparativo em relação ao português lusitano, fazendo a descrição
contrastiva dos usos das partículas modais. Nele, Franco (1991) aborda as
semelhanças do uso das partículas modais nos idiomas alemão e o português sob o
aspecto linguistico. Seu trabalho concentra-se sobretudo em uma análise sintática,
no nível da norma lingüística. A análise baseia-se em exemplos construídos, a partir
das partículas: acaso, afinal, bem, cá, e, é que,então, já, lá, mas, não, se calhar,
sempre e também.
Franco (1991, p. 248) parte da análise dos recursos do português, indicados
por ele como as partículas modais dessa língua. Tomando-se em consideração o
contexto em que ocorrem, Franco (1991, p. 20) procurou os “respectivos
equivalentes” em alemão. Mas não se restringiu somente a isso. A mesma partícula
foi utilizada como ponto de partida para mostrar que podem ser expressas com
outros elementos em outras situações e em outros tipos de frase.
O citado autor expõe que
numa dada comunicação, cada um dos intervenientes lança mão de
uma série de procedimentos comuns, assentados em regras sociais,
no saber comum dos indivíduos, em interesses e convicções de que
aqueles, pelo menos parcialmente, partilham. O seu saber, interesses
e ações orientam-se numa determinada direção, estabelece-se uma
base de cooperação, quando se deseja entender e ser entendido.
Procedimento baseado numa convenção. (FRANCO, 1991, p. 222)
58 “O tradutor não deve se perguntar como uma partícula será reproduzida, ele deve sim esquecer
que existem partículas modais no texto alemão”.
59 WEYDT, Harald (2003): Nachts schlafen die Ratten doch - Os ratos dormem de noite. Partikeln in der
literarischen Übersetzung: Neste trabalho, Weydt analisa o conto de Borchert e faz referências ao trabalho do
tradutor.
43
Mais adiante, o autor esclarece:
[...] as PMs, cujas funções consistem em fornecer ao ouvinte
indicações o quanto à avaliação que o falante faz do saber
daquele, mas também quanto às suas próprias expectativas; em
avançar e/ou certificar-se da existência ou não de pontos comuns
entre os interlocutores e em apontar para que o que previamente
foi dito ou em preparar o que se seguirá na conversação, são neste
sentido elementos convencionais. (FRANCO, 1991, p. 223)
Para efeitos de estudo das partículas modais (denominadas por ele como
PMs) na interação verbal é também imprescindível sublinhar de igual modo a
importância do ouvinte. Diz o autor (1991, p. 27), que “as PMs são elementos
usados pelo falante para assinalar o modo como quer que o ouvinte entenda ou
receba”. Para Franco,
o ouvinte, como agente na interação, assume também papel de
produtor de enunciados alternadamente. A interação verbal não
consiste simplesmente no somatório dos atos de fala que se sucedem
uns após outros. Os atos assumidos por um e por outro, isto é, os
atos de fala e os atos de recepção seguem-se alternadamente, mas
interpenetram-se de maneira coordenada. (FRANCO, 1991, p. 219)
2.4.5 Welker (1990): as partículas modais “aber, eben, etwa e vielleicht
Na Universidade de Brasília, Welker (1990) escreveu sobre o uso das
partículas modais e seus equivalentes no português brasileiro. O objetivo principal
deste trabalho foi encontrar, no português, equivalências para as partículas modais
alemãs aber, eben, etwa e vielleicht. Esta análise, na qual necessariamente tiveram
que ser levados em conta os contextos e as atitudes dos falantes,foi feita dentro do
quadro da Lingüística Pragmática.
Welker realizou seu estudo com base na linguagem falada coloquial, a partir
de informantes (falantes nativos do português brasileiro). Alguns enunciados foram
encontrados em obras de ficção, mas sempre pertencentes à linguagem falada
coloquial.
O mérito de seu trabalho é ser um dos pioneiros na lingüística brasileira
sobre o assunto. Através dele, Welker conclui que no português existem vocábulos e
locuções que se assemelham às partículas modais alemãs. o consideradas por
Welker partículas modais portuguesas, conforme a definição alemã: aí, bem, já, lá,
mesmo, não. Poder-se-ia acrescentar as ocorrências não-iniciais de afinal e
44
simplesmente.
De forma detalhada, as partículas modais aber, vielleicht, etwa e eben são
descritas a partir de exemplos construídos ou extraídos de obras de ficção, e
partindo deles, Welker busca expressões correspondentes no português brasileiro.
2.4.6 Beerbom (1992) e Feyrer (1997)
A modalidade é algo muito específico de cada língua, de cada povo e
contexto. Por isso mesmo, a análise e a tradução de estruturas modais representam
um desafio para o tradutor. Nos livros de Beerbom (1992) e Feyrer (1997) são
abordadas questões sobre a relevância da tradução das partículas modais e a
importância da análise contextual e cultural neste processo. Também foram
apresentados comentários e alternativas de tradução das partículas modais para o
espanhol e para o francês, com base no corpus de obras literárias selecionadas
como representativas para os tipos e caracterizações mencionadas.
Ao comparar as estruturas lingüísticas, as características contextuais e a
função da partícula em determinada situação, as autoras se basearam nos
postulados da teoria funcionalista de Christiane Nord, que considera os aspectos
intratextuais e extratextuais da situação comunicativa ao traduzir.
Tanto o livro de Feyrer como de Beerbom pertencem ao pequeno grupo de
obras que abordam o tema partículas modais voltado para a tradução, com base em
uma análise contrastiva. Beerbom parte da análise de Helbig
60
e considera aspectos
semântico-pragmáticos na tradução. A classificação apresentada por Beerbom
procura abordar os diferentes usos e formas de transferência lingüística, de maneira
bem mais concisa do que Feyrer. Isso porque Feyrer se detém a uma única partícula
modal: o doch, enquanto Beerbom analisa outras partículas: ja, doch, schon, eben,
halt.
Beerbom destaca o aspecto interativo das partículas e seu valor dêitico
como característica relevante para sua análise. Por meio da manutenção da
relação, indicando-se o que foi dito pelo parceiro, realçando uma informação comum
ou expectativas que o falante supõe, o ouvinte é integrado e a relação com ele é
60 Gerhard Helbig, Lexikon deutscher Partikeln (Leipzig, 1988)
45
mantida.
Feyrer se concentra na partícula doch, mas não deixa de enfatizar a
importância de considerar o contexto e outras partículas que, combinadas com o
doch, produzem determinado efeito. O foco no trabalho de Feyrer é a questão do
grau de adversidade. A intensidade emocional da exposição é a base para a escolha
do tradutor. E esse fato está fortemente ligado ao contexto. Em uma análise ampla
de todos os fatores ligados ao contexto, é abordada, como conseqüência, também
esta característica.
Para seu trabalho, Feyrer utilizou, inicialmente, exemplos da obra de Helbig,
complementando-a, a seguir, com exemplos autênticos da literatura. Trata-se de
uma análise detalhada com opções de escolha e crítica das traduções realizadas. As
análises apresentam por vezes tipos muito próximos dos outros e não esclarecem as
lacunas entre eles. Também o trabalho se estende a partir da apresentação do
corpus de Helbig, de forma detalhada, para em seguida rever os mesmos conceitos,
ampliando a terminologia e acrescentando o fator da adversidade forte e fraca.
Neste sentido, a análise de Beerbom parece-nos mais objetiva.
Evidentemente, as obras mencionadas relacionaram tópicos importantes de
análise, citados, também, ao longo do trabalho aqui proposto. Sem dúvida, ambas
representam uma importante fonte de pesquisa e consulta, ricas em exemplos e
sugestões. Entretanto, as considerações sobre o estudo das partículas ainda
carecem de uma visão mais objetiva e menos isolada. É importante estar mais
envolvido com a obra literária em si, para que os fatores nela presentes sejam
também conhecidos e considerados, como: “Qual o papel do contexto?” ou “Como
as informações situacionais podem nos ser úteis?”
2.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PESQUISAS MENCIONADAS
sabemos que traduzir as partículas modais isoladamente não faz sentido.
O entendimento destas partículas é determinado pelos fatores pragmático-
situacionais, tais como intenção do falante e situação comunicativa no contexto
lingüístico e extralingüístico. O papel comunicativo do interlocutor no contexto social
e a aceitação de normas convencionais de cordialidade e de adequação são
46
importantes neste processo.
Pode-se constatar, a partir dos estudos expostos, que as questões
lingüísticas impulsionaram também os estudos das partículas modais ao centrarem o
estudo da linguagem como atividade social. Sob os ângulos apresentados, dentro da
prosódia e sintaxe, em um trabalho lingüístico-contrastivo, a partir de uma
perspectiva tradutória ou dentro do ensino de alemão como língua estrangeira, a
discussão sobre as partículas modais abre outros questionamentos que envolvem
diferentes áreas de conhecimento.
Além da teoria dos atos de fala, os autores citados mostram também que a
análise da interação e da comunicação em si contribui para caracterização das
partículas modais. A forte ligação com o contexto e a mudança de efeito a partir do
seu uso com outros meios lingüísticos e não-lingüísticos são importantes aspectos
presentes na análise destas partículas.
É bastante problemático identificar as diferentes funções e formas que
aparecem em várias situações.
Aqui fica nítido o problema da tradução de palavras
fora de seu contexto. Como fora mencionado ao longo do trabalho, sem
considerar a situação e as nuances do diálogo, o trabalho de tradução torna-se
incompleto.
Durante a procura por correspondentes para as expressões modais
acontece com grande freqüência a mudança do tipo de frase - uma frase declarativa
torna-se interrogativa ou exclamativa, por exemplo. O importante, portanto, é o
significado comunicativo e não a forma. Ora, um imperativo pode indicar, por
exemplo, um desejo. Conforme será abordado no capítulo seguinte, referente à
teoria funcionalista, uma intenção, uma função comunicativa por trás do que foi
dito.
2.6 ABORDAGENS FUNCIONALISTAS DA TRADUÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES
2.6.1 Justificativa para a escolha
A comunicação se realiza em um meio, em um tempo e lugar, com
determinada intenção. Como Reiβ e Vermeer (1991, p. 18) definem, trata-se de uma
47
ação (Handlung) com um propósito (Zweck). Por isso mesmo, é preciso ir além, é
preciso considerar todos os aspectos dessas situações particulares, mergulhadas
em culturas diferentes. Traduzir pode ser visto como um tipo especial de
comunicação transcultural, que se trata de uma ação social, e as línguas de duas
culturas se interligam neste processo. “Mudar a língua é mudar para outro mundo”
(KUPSCH-LOSEREIT, 1999)
61
.
A partir das idéias funcionalistas defendidas por Katharina Reiss e Hans
Vermeer, os estudos de tradução tomaram um novo rumo. Antes disso, acreditava-
se que traduzir era simplesmente transportar significados de uma língua para outra.
O tradutor transportaria a “carga de significados” sem interferir nela ou interpretá-la.
Mas como falar em significados estáveis, quando o próprio significado de um item
lexical não é fixo, mas muda conforme o contexto em que ocorre?
O princípio da funcionalidade salienta que o ponto de partida para a
tradução é estar coerente com o sistema cultural no qual o texto está inserido, com
suas implicações e funções. Toda ação tem um propósito (REIβ; VERMEER,1991, p.
7). E a tradução é uma ação social. Com efeito, segundo os autores representantes
desta teoria, o ato comunicativo acontece porque as pessoas têm uma razão para se
comunicar, utilizando-se de elementos situacionais verbais e não-verbais. Neste
contexto, a língua enquanto parte de uma cultura carrega consigo características
particulares.
Uma abordagem funcionalista torna-se adequada justamente para a análise
das partículas modais voltada para a tradução. A base para o trabalho do tradutor ao
transferir estruturas modais é se orientar para a finalidade, para a função. A
modalidade na tradução é extremamente orientada para o receptor e, por causa da
necessidade de interpretação, é, também, determinada por ele. Junto à tradução de
estruturas modais, trata-se não apenas de uma transferência lingüística, mas, sim,
de uma transferência cultural. Deste modo, cria-se na língua de chegada um outro
enunciado que tem para os novos potenciais destinatários aproximadamente o
mesmo valor comunicativo no enunciado de partida.
Os estudos que nortearam a abordagem funcionalista serão apresentados a
seguir. A começar por Katharina Reiβ (1971), que deu com seu trabalho os primeiros
sinais para as mudanças de paradigmas da tradução.
61 “Die Sprache wechseln heisst in eine andere Welt wechseln”. Veja: (Kupsch-Losereit, 1995, p. 1-
15)
48
2.6.2 Reiβ (1971)
Em seu modelo, Reiβ (1971, p. 24) destaca a importância da análise textual
como guia para o trabalho de tradução. Para a autora, a relação funcional entre o
texto de partida e de chegada, definindo com clareza o tipo textual do “original”, é
condição para atingir os objetivos tradutórios.
A descrição dos tipos textuais de Reiβ (1971, p. 32) foi realizada com base
nas funções de linguagem do modelo de Karl Bühler (apud REIβ, 1971, p. 32):
representação, função e apelo. Com base nestas funções, são três os tipos textuais
básicos: informativo (centrado no conteúdo: artigo científico, livro técnico),
expressivo (centrado na forma: poesia) e apelativo (centrado no apelo: propaganda,
discurso, sermão). ainda os textos híbridos (Mischtypen), mas para o tradutor
interessa a função dominante.
Conforme Reiβ (1971, p. 52) afirma, a análise de uma tradução deveria ser
feita a partir da determinação do tipo textual, que define o método tradutório. Isto
significa, por exemplo, questionar-se diante dos textos que privilegiam o conteúdo,
se a informação foi mantida; ou diante de textos apelativos, se o efeito pretendido foi
alcançado.
A tradução ideal para Reiβ deveria manter o objetivo do original no texto de
chegada, ou seja, o equivalente no conteúdo e na função comunicativa. O foco em
seu trabalho ainda é o texto de partida. Entretanto, Reiβ (1971, p. 55-71) aborda
aspectos intra e extralingüísticos, além do nível textual, oferecendo a base para o
princípio da funcionalidade e para os trabalhos posteriores de Veermer e Nord,
resenhados a seguir.
2.6.3 Vermeer/Reiβ (1991)
Para Vermeer, traduzir não é meramente um processo lingüístico, mas um
tipo de ação humana intencional, pois a tradução está mergulhada em culturas,
enquanto situação particular: Eine Sprache ist Element einer Kultur. (...) Kultur ist
49
die in einer Gesellschaft geltende Norm und deren Ausdruck". (VERMEER, 1991, p.
26)
A ação humana almeja o alcance de um objetivo e com isso interferir no
estado de coisas. Assim funciona na tradução: “Die Dominante aller Translation ist
deren Zweck.” (REIβ; VERMEER, 1991, p. 96). O skopos (do grego) definido pela
Skopostheorie é determinado pela finalidade ou propósito de uma tradução.
Segundo a Skopostheorie, o propósito (skopos) dentro da tradução e o próprio
leitor/receptor definem as decisões tradutológicas. Vale considerar, de acordo com
Vermeer, que todo ato de fala e, por conseguinte, a tradução estão inseridos em
uma situação, que é definida por um tempo, por um local e por instituições e
sistemas de interação. Neste contexto, estão presentes as experiências anteriores,
compartilhadas ou não, as condições socioculturais como normas, sistema de
valores, convenções, tradições, etc.
A Skopostheorie determina que se tracem estratégias fixas ou que se
generalizem as situações. Toda decisão sobre esta ou aquela estratégia depende do
skopos da tradução e de seu encargo tradutório (Übersetzungsauftrag). Traduzir,
neste âmbito, significa produzir um texto na situação-meta, para um propósito na
língua-alvo, e, de acordo com as circunstâncias do receptor, para cumprir suas
expectativas e necessidades comunicativas.
No trabalho de Reiβ, o texto original era medida de todas as decisões na
tradução. Vermeer complementa a teoria de Reiβ, pois, para ele o texto original
oferece informações para a língua-alvo (Informationsangebot)
62
.
Nord (1991) desenvolveu seu modelo com base nas premissas de Reiβ e
Vermeer, ampliando a visão para além do texto de partida e de chegada,
considerando os demais aspectos envolvidos no contexto.
2.6.4 As premissas de Nord (1991/1993) e nosso objeto de estudo
O texto é o instrumento de comunicação inserido no contexto sociocultural
específico, diz Nord, e a tradução como ação é voltada para o receptor. A autora
parte da compreensão das funções da linguagem e da seleção de estratégias
62 Termo adotado por Vermeer (1991, p. 35)
50
adequadas ao propósito da tradução. No entanto, salienta que o texto enquanto
expressão da intenção de seu produtor somente se realiza por meio da recepção.
Apesar de seu caráter prospectivo, voltado para o leitor, a autora destaca a lealdade
com o autor original e com o Auftraggeber (mandante da tradução).
63
Para o desenvolvimento deste trabalho, consideramos o modelo de Nord,
sob a perspectiva da teoria funcionalista. O modelo aponta em detalhes os vários
fatores a serem considerados no processo tradutório, também para os textos
literários. Vale destacar que várias críticas foram lançadas a esse modelo quando
aplicado a textos literários.
O ponto de maior debate figura no aspecto “intenção do
autor”, visto que tal tema é questionável, considerando as atuais discussões nos
estudos de tradução: pode-se realmente determinar tal intenção? A própria autora
sugere que a impossibilidade de determinar essa intenção pode existir.
64
Nord comenta, entretanto, que o importante é que se esgotem as
possibilidades de acesso à intenção do autor, como instrumento de análise e
facilitador do processo. Tal postura não pressupõe que o tradutor deva,
necessariamente, prender-se a tal conceito, sem considerar os outros aspectos
envolvidos, como a biografia do autor, os eventos históricos que influenciaram seu
trabalho, etc. O tradutor, neste caso, é um leitor crítico do texto, que aproveita todas
as fontes de informações a respeito do autor e do texto de partida. Como define a
autora:
Im Zusammenhang mit einer übersetzungsrelevanten
Textanalyse ist der Translator zweifellos verpflichtet, alle zur
Verfügung stehenden Recherchierquellen zu nutzen. [...] Bei
literarischen Texten wird es sich in der Regel nicht um das
Niveau des Literaturwissenschftlers, aber doch um das eines
kritischen Rezipienten und nicht eines normalen Rezipienten
handeln. (NORD, 1991, p. 57)
Como Nord descreve, a função do texto é fortemente determinada pela
situação em que a mensagem está inserida. É preciso considerar os fatores que se
referem à situação na qual o texto é produzido e utilizado (extratextuais) e os que se
referem ao texto em si (intratextuais). Como fatores extratextuais, temos o próprio
emissor e suas intenções; o receptor e seu meio; o tempo; o local da comunicação;
o motivo para produção do texto e a sua função. Os fatores intratextuais, por sua
vez, referem-se ao estilo; ao tema; ao conteúdo do texto e à sua estrutura (NORD,
63 Compare: (NORD, 1993, p.18)
64 Sobre esse tópico, Leal (2007, p. 55) tece uma crítica ao trabalho de Nord.
51
1991, p. 8).
Em seu modelo, Nord trabalha a partir das W-Fragen (perguntas) do alemão
para levantar os aspectos intratextuais e extratextuais: quem (wer:
Produzent/Sender); para quê (wozu: Senderintention); para quem (wem:
Empfänger); através de qual meio (über welches Medium: Medium/Kanal); onde (wo:
Ort); quando (wann: Zeit); por que (warum: Kommunikationsanlass) e com qual
função (Mit welcher Funktion?).
65
Assim sendo, diz a autora, como o ato comunicativo se completa no
momento da recepção, o tradutor deve tentar produzir na cultura de chegada um
novo instrumento comunicativo a partir das intenções do produtor do texto e de
acordo com as circunstâncias do receptor. No caso específico das partículas
modais, teríamos aqui um bom exemplo de elementos cuja tradução poderá ser
bem-sucedida se se considerar o texto na situação de chegada em detrimento da
expressão literal.
Durante a análise do texto de partida, deve-se, diante do modelo teórico
assumido, considerar suas características estruturais. Afinal, a partir da própria
estrutura do texto e suas características constrói-se uma expectativa em relação ao
conteúdo. A temática vinculada à época e ao gênero do texto também transmite
informações importantes para o tradutor e receptor. Além disso, ao analisar o texto
de partida, deve-se avaliar quais elementos e de que forma devem ser
preservados para que preencham sua função. A função comunicativa do texto de
partida é, portanto, importante para a tomada de decisões do tradutor.
Vale destacar que o texto de partida não é o único aspecto a ser
considerado. Como já afirmado, ele representa uma oferta de informações (baseado
em VERMEER, 1991, p. 35), a partir da qual um plano de tradução precisa ser
formulado de maneira adequada e precisa, de forma que considere a intenção do
autor, o tipo de texto e as normas sociolingüísticas específicas da língua de
chegada. Para seu objetivo comunicativo, resumindo as considerações dos autores
citados acima, o tradutor escolhe as formas de expressão adequadas, orientado pela
função e, assim, produzindo um texto adequado no contexto sociocultural em que
está inserido.
Em que medida é necessário que uma afirmação tenha uma expressão
65 Considerações extraídas de: (NORD, 1991, p. 44)
52
explícita ou se simplesmente partirá de princípios pragmáticos, situativo-
comunicativos, isso dependerá da língua de chegada, de seus usos lingüísticos,
culturais e sociais. Assim, no caso dos contos de Borchert e Schulze, serão
apresentados minha leitura do texto original e alguns questionamentos sobre as
decisões tomadas.
Os próximos passos para a análise do corpus em questão se resumem em:
Comentários sobre autores e obras (aspectos externos): qual seu
papel no contexto histórico específico?
Análise dos fatores intratextuais dos contos em questão: como está
estruturado o texto de partida (gênero, aspectos formais, organização,
etc.)?
Considerações, alternativas e reflexões durante o processo tradutório.
Apresentação da proposta de tradução para os trechos dos contos
selecionados.
53
3. ANÁLISE DO CORPUS
No capítulo anterior, foi apresentada a base teórica escolhida para o
desenvolvimento deste trabalho: a teoria funcionalista da tradução de Christiane
Nord, que também considera a importância do contexto cultural, além dos princípios
da Lingüística Textual e da Análise da Conversação, incluindo a Teoria dos Atos de
Fala. De fato, para uma descrição funcional como a aqui proposta, não se pode
considerar que haja apenas uma única teoria, na qual as várias facetas das
partículas modais sejam tratadas. Afinal, os textos estão inseridos numa situação
comunicativa e, além dos elementos lingüísticos, uma série de outros fatores deve
ser considerada no jogo da comunicação, conforme demonstramos a seguir, na
análise detalhada do corpus.
3.1 SELEÇÃO DO CORPUS: KURZGESCHICHTEN - CONTOS
Ich glaube, Kurzgeschichten sind am besten mit Aquarellen
zu vergleichen, eine scheinbar rasche, aber mit viel intensiver Arbeit
gemachte Ausdrucksform.
Böll
66
Característica da língua falada, as partículas modais estão freqüentemente
presentes em diálogos e na linguagem informal. Tal fato nos leva à questão: que tipo
de texto escrito, que apresenta partículas modais, seria interessante como base para
um projeto de tradução?
O conto se apresenta como diálogo escrito mais próximo da língua falada
simulada. algumas vantagens em usá-lo como base. A situação é conhecida e
descrita de tal forma que o leitor obtém as informações de pano de fundo.
Informações como comentários do narrador, a descrição, a posição e as emoções
do interlocutor. Enfim, o leitor é testemunha de uma situação comunicativa.
O objetivo desta pesquisa é analisar as partículas modais como problemas
de tradução. Por isso, a literatura apresenta-se como o tipo de texto mais viável para
66 “Acredito que os contos podem ser melhor comparados com as aquarelas, uma forma de
expressão aparentemente rápida, mas feita com trabalho muito mais intensivo.” (Tradução minha)
54
a análise em questão, que é freqüentemente traduzida para outra língua. Muitas
vezes, durante as pesquisas com partículas modais, as análises foram realizadas
com base em exemplos construídos e sem contexto, o que descaracteriza o objetivo
principal da pesquisa: avaliar como a língua é produzida dentro de determinada
situação comunicativa.
Ao procurar um corpus para análise, deparamo-nos com o conto alemão,
mais especificamente os contos do pós-guerra contrapostos aos contos
contemporâneos. No caso do tipo de texto em questão, o relato direto do que as
personagens falam ou pensam é uma das estratégias usadas pelos narradores para
tornarem seus textos mais próximos do mundo real. A reprodução da interação é,
portanto, uma das características intrínsecas do discurso narrativo.
A seleção do conto do pós-guerra como base para o corpus deste trabalho é
justificada pelo seu caráter realista, por meio do qual procura-se representar o
cotidiano de pessoas comuns, fazendo rico emprego do discurso direto. Em linhas
gerais, Durzak (1983) expõe que, no pós-guerra, em um momento de desorientação
e reiniciação literária, tal gênero permitia a expressão da verdade sem exigir
necessariamente uma preocupação com a estética. Para o momento histórico, a
Kurzgeschichte figurou no pós-guerra como uma ponte, dando continuidade ao
desenvolvimento literário, refletindo a realidade concreta dos autores e dos leitores
como marco da história da época.
67
Em contrapartida, como forma de comparação e análise, apresentamos
ainda como base para o corpus um conto contemporaníssimo, que, tal qual o conto
do pós-guerra, se relaciona com o seu tempo real. E a maioria de contos assim, que
se ligam ao seu próprio tempo, põem em discussão questões sociais, políticas ou
pessoais.
A respeito da literatura contemporânea, enquanto alguns críticos apontam o
presente momento da literatura como fase de “total inércia”
68
e questionam a falta de
produção, outros avaliam o momento como uma busca de dimensão existencial em
meio às mudanças sociais, em que temas por vezes abordados em tom cômico
retratam elementos trágicos da existência humana.
69
Característica básica do conto é sua forma comprimida, na qual é exposto
67 Considerações extraídas de: (DURZAK, 1983, p. 10)
68 Veja artigo de Weidermann no Frankfurter Allgemeine Zeitung, de 11 março de 2007
69 Veja artigo de Ijoma no Süddeutsche Zeitung, de 23 fev. de 2007
55
um corte sobre conflitos e crises do dia-a-dia. O acontecimento se passa no
presente e o discurso é direto em linguagem coloquial.
70
O cenário do surgimento
dos contos permite compreender melhor essa relação com a realidade vivida pelas
pessoas. Na literatura norte-americana, por volta de 1890, havia um mercado de
revistas que atingia um grande número de pessoas. Os textos publicados,
portanto, precisavam ser de fácil compreensão e os temas deveriam ser
transportados para realidade e experiência dos leitores. Por isso mesmo, a
Kurzgeschichte carregou o peso de um preconceito lingüístico, ao ser considerada
de origem plebéia.
71
Na Alemanha, a história do short story Kurzgeschichte tem como
cenários acontecimentos cruciais e a propagação do nacional socialismo alemão.
Somente após 1945, a Kurzgeschichte ganha forças, adaptada com base nos
padrões americanos. Entre os mais importantes nomes que influenciaram a história
alemã da Kurzgeschichte estão Ernest Hemingway e William Faulkner, considerados
autores importantes da prosa norte-americana da primeira metade do século XX.
72
A Kurzgeschichte reflete um momento, uma situação específica, um
acontecimento particular. Pode ser o momento da morte, de um conflito, de um
encontro. A representação temporal é intensiva e comprimida pelos limites da
estrutura narrativa. O autor dos short stories procura provocar o leitor desde o início,
de modo aberto e repentino. uma Steigerungskurve (uma curva de ação) e um
ponto culminante com uma ação surpreendente. Neste momento, o leitor é
confrontado com uma mudança inesperada.
73
Segundo Kahle (1969, p. 18), “em todos os países envolvidos na Segunda
Guerra Mundial, a primeira literatura do pós-guerra foi antiestética e realista.” Para
as testemunhas da guerra, o conto parecia ser a forma mais apropriada de
expressão literária. O modelo fornecido pela prosa norte-americana de short stories
(Kurzgeschchte) ajustava-se bem à geração pós-guerra: seus heróis não eram
super-homens, mas pessoas apagadas e vencidas.
74
A autenticidade do que se
contava pelo conto, com os autores assumindo papéis como testemunhas oculares
do que havia acontecido, tornou-se símbolo de uma época. Assim descrito nas
70 Sachlexikon: Kurzgeschichte, S.2. Digitale Bibliothek Band 9, p. 498
71 Considerações extraídas de (DURZAK, 1983, 11)
72 Veja: (SCHNELL, 1993, p. 98)
73 Compare: Sachlexikon, 1998: Kurzgeschchte. Digitale Bibliothek, Band 9, p. 25098
74 Compare: Kahle, S., 1969 p. 18
56
palavras de Ingeborg Bachmann
75
: “Ninguém de acreditar mais que a criação
literária é possível fora da situação histórica.”
Um dos textos-base para este trabalho, o conto Nachts schlafen die Ratten
doch”, de Wolfgang Borchert, representa este momento de incertezas. Em seu
conto, Borchert nos remete para seu tempo, levando-nos ao deserto de escombros
em que se trasnformara a cidade. O conto é narrado a partir da perspectiva de um
garoto de nove anos, que se depara com a sombra de um homem com uma faca na
mão. Durante a história, o diálogo se desenvolve fazendo com que o adulto
ameaçador se torne um interlocutor compreensivo, alguém que deseja saber o que o
garoto faz ali, em meio aos escombros.
Como conto contemporaníssimo, foi selecionado o Berlin Bolero de Ingo
Schulze, que conta a história de Robert e Doro, um casal que vive dois anos em
uma casa na Winnstraße, entre atritos e disparidades com a administração do
prédio. Robert e Doro pretendem resolver os conflitos com a construtora e
administradora, e, em meio às discussões, crises da relação vêm à tona.
Os dois contos são ricos em partículas modais, as quais possuem uma
função importante para o desenrolar das cenas e para a interação dos personagens.
E se as partículas assumem um papel importante no texto de partida, então é tarefa
do tradutor buscar recursos da língua de chegada no caso deste trabalho, o
português brasileiro para manter essa característica, mas sem se esquecer de se
libertar da estrutura do original para ganhar forma e sentido na língua-alvo. Caso
contrário, “o produto pode tornar-se artificial ou perder sua função”.
76
Antes de apresentar minha leitura e sugestão de tradução do conto, é
interessante apresentar os autores e as suas histórias, bem como o meio social em
que viveram e a cultura da qual fizeram parte.
3.1.1 O autor Wolfgang Borchert e o contexto da época (aspectos
extratextuais)
Ao considerarmos o contexto, tempo e lugar da produção textual, facilitamos
75 Ibid apud, p. 30
76 Problema apontado por Ruth Bohnunovsky em seu artigo: “A impossibilidade da invisibilidade do
tradutor e da sua fidelidade: um diálogo entre teoria e prática da tradução”.
57
a percepção da função comunicativa do texto, da intenção do autor e demais
características textuais. Neste processo, considerar a história do próprio autor é
parte importante.
Borchert faleceu aos 26 anos, em 1947. Sua vida foi marcada por prisões
políticas, por experiências em batalhas na Segunda Guerra Mundial e por uma
doença adquirida na guerra, que se agravou, levando-o à morte. A época por ele
vivida foi marcada por inquietações, pela crise econômica mundial, pela ascensão
de Hitler e pela guerra mundial.
Borchert se opunha a tudo que fosse convencional e isso se reflete em sua
obra. Os resultados do devastador conflito mundial expostos em seu trabalho nos
levam a refletir sobre tantos outros que ainda ocorrem. Com frases curtas e
repetições freqüentes, que dão ênfase àquilo que é essencial, em linguagem
considerada “nada rebuscada” pela crítica
77
, mas direta e realista, Borchert retrata as
emoções ligadas a uma geração de amarguras e de frustrações.
Qual seria a intenção do autor, com suas obras baseadas em cenas
cotidianas, ao refletir sobre a realidade e privilegiar o coloquial em seus diálogos?
Ele mesmo explica: “Wir brauchen keine Dichter mit guter Grammatik. [...] Wir
brauchen die mit dem heissen heiser geschluchtzten Gefühl [...], und ja sagen und
nein sagen: laut und deutlich und dreifach und ohne Konjunktiv
78
Exprimir a verdade, ainda que dura e amarga, com personagens autênticos,
alertar para os aspectos negativos da guerra, na esperança de que tais
acontecimentos não se repitam mais, são algumas das intenções que podemos
levantar a partir do confronto com o texto. Vale lembrar que, enquanto receptores de
obras como essa, trazemos também a nossa própria expectativa, nossos
conhecimentos prévios, necessidades e intenções que determinam as condições de
recepção.
No caso do conto em questão, o próprio impacto diante do título e a fase
histórica por ele vivida contribuem para criar essa expectativa. Como próximo passo,
apresentamos a análise de “Nachts schlafen die Ratten doch!”.
77 Compare: (TOGNOLI,. 1978, p. 61)
78 “Não temos necessidade de poetas com boa gramática. Temos necessidade dos que tenham
sentimento quente roucamente soluçado, que afirmam e negam em voz alta, nítida e repetidas
vezes e sem Konjunktiv”. (Tradução de TOGNOLI, 1978, p.65)
BORCHERT, W. Das ist unser Manifest. In: Gesamtwerk. Hamburg: Rowohlt, 1949. p.3 10.
58
3.1.2 Nachts schlafen die Ratten doch!
É claro que as ratazanas dormem à noite (aspectos intratextuais)
A literatura do pós-guerra é marcada pela perda de fé, de confiança, de
sentimento de união, de si mesmo. As obras da época representavam uma tentativa
de juntar o que sobrou. Em meio a essa busca, um gesto de solidariedade é descrito
no conto de Wolfgang Borchert, por meio de uma cena nos escombros de guerra em
uma cidade destruída.
Ao entardecer, um senhor procura alimento para seus coelhos. No meio de
escombros, ele encontra Jürgen, um garoto abandonado (ou esquecido?). Este
senhor tenta iniciar uma conversa amigável, no início, sem muito sucesso. Após
certo tempo, o homem descobre que o irmão de Jürgen não conseguiu escapar a
um ataque, pois acabou soterrado embaixo dos escombros. Jürgen está ali para
evitar que os ratos o devorem. Ao convencer o menino de que os ratos dormem à
noite, e com a promessa de um coelhinho como presente, esse senhor consegue se
aproximar e promete acompanhá-lo até a casa dele.
No início, a história gera uma tensão, o homem tenta ganhar a confiança do
garoto
79
, que não parece interessado em um contato maior. Apesar disso, ele faz
várias tentativas, até que consegue se aproximar do menino, o ponto culminante da
história. Weydt (2003), que analisou o conto de Borchert em seu artigo, considera a
frase Nachts schlafen die Ratten doch”, como este ponto culminante. Por fim, na
última fase, o senhor tenta convencer o garoto a voltar para casa. Como um drama,
a história se desenrola em um diálogo simples, mas com muitos elementos
subentendidos que descrevem o sentimento de uma época. A guerra está ali
representada, mas não se fala diretamente sobre ela.
O conto é narrado a partir da perspectiva de um garoto de nove anos. A
desolação em meio aos escombros, a incerteza e o pavor é o ponto de partida da
história. O poder de observação de Borchert “é muito aguçado”, ele constrói uma
atmosfera hostil, reforçando tudo isso pelo “estilo característico de repetições e
muitas aliterações (repetição de fonemas) que intensificam impressões e realçam
significados”
80
, como na afirmação do homem:
79 Compare: (WEYDT, 2003, p. 243-257)
80 (TOGNOLI 1978, p. 118)
59
Nachts schlafen die Ratten doch. Nachts kannst du ruhig nach
Hause gehen. Nachts schlafen sie immer.
Ou ainda, segundo Tognoli:
Staubgewölke flimmerte zwischen den steilgestreckten
Schornsteinresten. Die Schuttwüste döste.
Do ponto de vista estilístico, o autor utiliza um vocabulário popular, com
expressões simples que acentuam o realismo às suas construções. Uma realidade
difícil, afinal as conseqüências da guerra para a infância foram alarmantes. As
crianças tiveram de se tornar adultas em meio à guerra brutal.
As falas não o destacadas por aspas ou travessão, uma quebra do
convencional. O diálogo curto deixa transparecer o amor pelo irmão e a compaixão
do homem. Para descobrir o motivo da vigilância, o adulto procura tornar a conversa
descontraída, adequando-a à idade do garoto, e usando truques psicológicos para
chamar a atenção dele. Para que a “negociação” e/ou interação aconteça, o homem
utiliza recursos lingüísticos que suavizam, provocam ou apresentam reações às
falas do interlocutor: as partículas modais assumem um papel importante na
construção da comunicação entre esses personagens.
Analisando o início do diálogo, enquanto Jürgen sempre responde com
frases curtas e monossílabos (sem partículas), o homem tenta promover a relação,
reiterando o contato, utilizando-se de construções ricas em partículas. O próprio
título da história é expresso com uma importante partícula modal: Nachts schlafen
die Ratten doch”. Rico em partículas (32 diferentes colocações), o texto consiste em
um excelente material para análise deste tipo de item lexical e para a busca de
respectivos recursos do português que promovam função comunicativa semelhante.
Em suma, entre ratões e coelhos, entre o cinza dos escombros e o verde do
mato, entre o amor do menino pelo irmão e a compaixão do homem, Borchert retrata
o mundo infantil em meio à situação cruel da guerra e suas conseqüências para a
infância.
Em relação ao uso de tantas partículas no diálogo entre o homem e o
menino, podem ser levantadas questões, como: O que elas expressam no contexto?
60
É um elemento para tornar a conversa mais amigável
81
? Que tipo de efeito as
partículas produzem?
Com base nesses questionamentos, apresentaremos como conclusão uma
proposta de tradução para os trechos em destaque, com comentários sobre as
dificuldades e as soluções apresentadas.
3.1.3 Ingo Schulze: “Handy: Dreizehn Geschichten in alter Manier” (“Celular:
Treze histórias à moda antiga”)
Schulze, nascido em Dresden em 1962, estudou Filologia clássica na
Universidade de Jena. Foi dramaturgo, jornalista e redator. Nos anos 90, viveu e
trabalhou na Rússia. Em 1993, retornou para a Alemanha e, desde então, mora em
Berlim, onde escreve seus livros e contos. Por Simple Storys (histórias simples da
Alemanha Oriental), recebeu o Berliner Literaturpreis com a medalha Johannes
Bobrowski. No ano de 2007, Schulze recebeu o Prêmio da Feira do Livro de Leipzig
por seu segundo volume de contos, Handy (Celular). Seus livros foram traduzidos
para 24 línguas.
82
Como escritor que viveu na Alemanha Oriental, a queda do muro e a
reunificação são também temas de seus livros.
83
No seu mais recente trabalho,
Handy Dreizehn Geschichten in alter Manier, Schulze apresenta treze contos
sobre o amor, jardins, vizinhos e celulares. Histórias, nas quais os protagonistas
estão diante de importantes decisões e se questionam sobre seu próprio
comportamento. O leitor apenas observa os acontecimentos e participa de
monólogos internos, a partir dos quais é confrontado com mentiras da vida diária e
suas conseqüências, tudo é colocado em xeque. A autenticidade de seus contos faz
com que o leitor se identifique com determinados trechos ou situações.
Handy é um termo que se disseminou por volta dos anos de 1980 até o final
dos anos de 1990 na Alemanha, pois todos possuíam ou podiam possuir um desses
aparelhos, ou seja, o título do conto faz menção a algo do presente e é confrontado
com o subtítulo “à moda antiga”. Também nos contos realidade e ficção se
81 Compare (WEYDT, 2003, p. 243-257)
82 http://www.litrix.de/autoren/autor/ingoschulze/ptindex.htm Último acesso: 10.07.2008
83 Short Stories, 1998 e Neues Leben, 2005
61
misturam, assim como as histórias e personagens.
Segundo Ingo Schulze, as histórias contadas no livro foram escritas entre
1996 e 2006, período em que ele observou as mudanças na sociedade alemã, como
a polarização entre ricos e pobres. Em entrevista à Folha de São Paulo, Schulze diz
que sua preferência pelo conto tem origem no “desejo de reagir de modo imediato
ao mundo ao seu redor”. O conto é o tempo real, que se vivencia com mais
proximidade, contando suas histórias.
84
3.1.4 Berlin Bolero (Bolero de Berlim)
Robert e Doro, um casal que vive no bairro de Prenzlauer Berg
85
em Berlim,
como muitas das histórias de Schulze. O casal vive dois anos em um prédio que
passa por um processo de reforma. Parte deste trabalho realizado pelo próprio
Robert, que é marceneiro. Doro é estudante de Direito há vários semestres.
Nestes dois anos, entre muitas brigas e conflitos com a administradora do
imóvel, e entre as transformações sofridas na antiga DDR, o casal convive com todo
tipo de dificuldades.
Robert e Doro levaram a briga adiante com a administradora, a construtora e
com a lei, para poderem comprar a casa oficialmente. De repente, eles recebem a
oferta de 200.000 Marcos para que se mudem. Mas Robert é um idealista, ele quer
ficar no imóvel, cuja vista é formidável. Doro não se conforma e, em meio às
discussões, abrem-se outras cicatrizes do relacionamento, que vêm à tona e tornam-
se mais fortes do que a mudança propriamente dita. Trata-se de uma decisão maior
do que apenas entre o dinheiro ou a casa. É uma discussão entre a convivência e a
vida pessoal de cada um.
De início, não sabemos o assunto, o motivo do conflito. Ao longo da história,
na cozinha e sob o efeito do álcool, a tensão aumenta e o final é surpreendente.
Doro passa mal, Robert fica ao lado dela. E ao vê-la de olhos fechados, beija a sua
boca. Uma cena um tanto repugnante que representa o ponto culminante do conto.
84 Veja: Entrevista na Folha de São Paulo por ocasião de sua visita ao Brasil: SIMÕES, E. Ingo
Schulze leva contos e história alemã à Flip.Folha de S. Paulo, São Paulo, 21 jun. 2008, Ilustrada.
85 Bairro habitado por estudantes, intelectuais e trabalhadores. Hoje há muitos cafés, clubes e vida
noturna em Plenzlauer. Depois da queda do muro, passou por um processo de renovação geral,
reforma de prédios e da estrutura da cidade. (Veja: Tagesspiegel, 4.11.2007: Berlin baut um)
62
O desenrolar da história até este momento faz entender o quanto é difícil a
convivência e a tomada de decisões a dois.
Para convencer o outro e demonstrar sua opinião diante dos fatos colocados
em discussão, os personagens deste conto utilizam-se das partículas modais para
enfatizar, questionar ou admitir. Tais situações serão apresentadas em destaque
para efeito de análise das partículas modais, como será esboçado a seguir.
3.2 ANÁLISE DAS PARTÍCULAS MODAIS PRESENTES NO CORPUS
Uma das principais dificuldades na pesquisa sobre as partículas modais é
sua polifuncionalidade. E é justamente tal fato, que ao mesmo tempo as torna
interessante. Fato este que está interligado com a necessidade de interpretação do
texto literário”, diz Feyrer (1997, p. 69). Essa é crítica que recai sobre a pesquisa das
partículas, afinal seu estudo passa a ser muito subjetivo, pois depende ainda de uma
determinação contextual.
De fato, não podemos trabalhar com exemplos isolados e determinar regras
fixas, uma vez que nem sempre teremos elementos lingüísticos que substituam cada
partícula. O intuito é entender a modalidade expressa pela partícula modal analisada
e oferecer possibilidades de tradução, com elementos lingüísticos ou não.
A análise se apresentada na seqüência, com base nas partículas
presentes nos contos: wohl, denn, eben, doch, ja, (nicht) mal, ruhig (mal). O objetivo
é apresentar algumas soluções para os problemas de tradução das partículas
modais. É importante destacar os exemplos para uma análise mais dirigida, apenas
para focar a respectiva situação. Junto a cada um deles, encontra-se destacado o
número do parágrafo nos contos anexos, para facilitar sua identificação. Assim,
apresento o contexto dos contos trabalhados, a análise de seus aspectos internos e
externos para uma visão geral do contexto em que estão inseridos e, em seguida,
as possibilidades destacadas em seus respectivos trechos.
63
3.2.1 A partícula ja
De acordo com as pesquisas feitas pelos estudiosos desse assunto, a
partícula ja é considerada como a mais freqüente na língua alemã, juntamente com
a partícula doch.
86
Nos estudos sobre partículas modais, um consenso geral sobre o caráter
da partícula ja: o fato de ela indicar que o assunto é conhecido. Tal característica
reforça sua força dêitica, já que o ja sinaliza conhecimento do tema.
O uso do ja pode indicar que o fato acabou de ser mencionado. Neste caso,
é produzida uma conexão textual com a exposição anterior, que pode ser do próprio
falante ou do interlocutor. Essa função anafórica do ja tem grande relevância para a
função de conexão em textos narrativos: ao abordar assuntos mencionados,
pode-se ativar o conhecimento do leitor ou ouvinte, reforçando a relação com eles.
87
Segundo Beerbom, a partícula ja assume diferentes papéis em asserções e
constatações. Em todos os casos, o falante sinaliza que o conhecimento do fato, ou
pelo menos a possibilidade de conhecimento, é condição. O que é evidente é
também conhecido. A diferença entre ambas as exposições está na forma como o
conhecimento do falante (e do interlocutor) surge do fato exposto. Na constatação,
por meio da percepção da situação no momento em que acontece, e na asserção,
por meio do conhecimento de mundo, das exposições que se passaram, conforme
relata Beerbom (1992, p. 135).
Na constatação, como mencionado, os fatos observados pelos parceiros na
situação comunicativa são demonstrados em palavras. Por meio da partícula ja, o
falante sinaliza a evidência do fato e a possibilidade de que o ouvinte também tenha
conhecimento do assunto. Não é uma nova informação que é passada, mas, sim,
algo que o ouvinte deve saber. Com base nas considerações de Beerbom (1992,
p. 133-135), pode-se dizer que o ja nas interações procura promover um consenso e
frisar a existência do fato, considerando a posição do interlocutor. Desta forma o ja
atualiza a relação entre os sujeitos.
Como primeira ocorrência no conto de Borchert, temos a partícula ja na frase
exclamativa que se segue. No contexto em que aparece a colocação abaixo, o
homem constata a esperteza de Jürgen e exprime sua surpresa e admiração,
86 Veja: (BEERBOM, 1992, p. 125) e (MÖLLERING, 2001).
87 Compare: (BEERBOM, 1992, p. 131)
64
tecendo-lhe um elogio:
Ex. 15:
Donnerwetter, ja! sagte der Mann verwundert, bist ja ein fixer Kerl.
(L. 12)
Caramba, isso mesmo! Disse o homem. Mas que garoto esperto!
Em português, optei pelo uso do mas associado ao que, que expressa
surpresa, aliada a uma constatação evidente no momento da fala.
Ao indicar a admiração ou surpresa diante de um fato sentido como
incomum, constata-se o ocorrido e cria-se unanimidade com o parceiro.
88
Neste
ponto, o homem emite um juízo sobre a ação do menino e assume uma posição que
se harmoniza com o que são por certo os interesses e as expectativas dele. A
surpresa do falante sobre um fato constatado é perceptível e o sentido comunicativo
da constatação está em transmitir ao interlocutor que o falante percebeu o fato.
A partícula ja também pode explicitar um fato que é conhecido pelos
falantes. Juntamente com auch, essa partícula intensifica a pergunta dirigida ao
garoto e indica que o falante espera uma resposta positiva. O fato conhecido pode
ser o desejo do falante ou é algo necessário e preconcebido de acordo com a
experiência de vida comum. Esse é o motivo pelo qual o ja combina-se com auch, e
transmite expectativa (BEERBOM, 140), como no trecho abaixo:
Ex. 16:
Dann weisst du ja auch, wieviel drei mal neun sind, wie? (L. 14)
Então você deve saber quanto é três vezes nove!
Em português, o fato conhecido pelos falantes pode ser exposto pelo
conjunto: deve saber. Trata-se de uma indicação explícita a algo conhecido,
mencionado anteriormente ou evidente. Segundo Beerbom (1992, p.154), o ja
acontece freqüentemente em relação com o verbo wissen, na qual o conhecimento
de um fato é tematizado explicitamente. Assim, “o conhecimento compartilhado é
reforçado”
89
. Por isso também o uso do ja para reforçar a afirmação e o acordo entre
os locutores.
A partícula ja assume, neste caso, a mesma função comunicativa de doch,
isto é, como define Franco (1986), “indica que os fatos asseridos na proposição em
88 (HELBIG; BUSCHA 1993, p. 488)
89 (HELBIG; BUSCHA, 1992, p.154)
65
que se encontram são ou deviam ser do conhecimento do falante e do ouvinte.”
90
Como resposta à pergunta anterior, mais um exemplo do emprego da
partícula ja:
Ex. 17:
Das ist ja ganz leicht. (L. 15)
Ah, isso é fácil!
Mais uma vez essa partícula sinaliza que o assunto é claro e conhecido
pelos falantes. Associada à partícula ganz, seu efeito é reforçado. A partícula ganz é
considerada uma Steigerungspartikel, segundo Helbig e Buscha (1993), e funciona
como intensificador de uma característica. Optamos em português por associar o ah
como marcador conversacional, e a exclamação.
O ja pode ser uma concessão, na qual o falante expõe sua concordância
parcial com o ouvinte. Na colocação seguinte, o ja sinaliza um fato conhecido, com o
sentido de “estou certo de que você sabe, assim como eu sei”:
91
Ex. 18:
Aber du kannst hier ja nicht weg. (L. 26)
Mas como não pode sair daqui...
Em português, uma opção poderá ser o uso de como, indicando o assunto
conhecido pelos falantes. A relevância de fatos comuns por motivos estratégicos é
bastante clara em um tipo particular do uso do ja combinado com o aber. A função
de consenso pode ser utilizada para determinados fins, evidenciando um fato dito
como conhecido e aceito, do qual, contudo, o interlocutor precisa tomar
conhecimento novamente. O falante o faz para apoiar sua própria argumentação e
limitar as objeções do interlocutor, funcionando como uma justificativa. No caso do
conto analisado, o motivo pelo qual ele não pode ver os coelhos é o conhecimento
compartilhado. Nessas frases, “procura-se criar um acordo ou uma concordância
entre os locutores, que possuem uma base de comunicação comum, a experiência
anterior é indicada pelo parceiro”.
92
a suposição ou conclusão referente a um assunto não surge
necessariamente de um fato conhecido, mas estão bem próximos da constatação.
90 Considerações baseadas na obra de Franco (1986, p. 347)
91 Considerações baseadas na obra de Franco (1986, p. 347)
92 Considerações extraídas de (HELBIG; BUSCHA ,1993, P. 493)
66
Na frase abaixo, como um apelo à concordância, Jürgen fala sobre seu irmão e
sobre a grande possibilidade de ele ainda se encontrar no local:
Ex. 19:
Er muss hier ja noch sein. (L. 35)
Ele tem que estar aqui!
Em português, procuramos reforçar o fato com entonação marcada pela
exclamação. O próprio modal müssen, expresso em português pela colocação tem
que, traz essa carga de certeza.
O falante pressupõe que o ouvinte está na mesma esfera perceptiva do
momento em que produz o enunciado, para ver e reconhecer o mesmo fato que ele,
para confirmar o que é evidente.
Pouco antes de sair de cena, o homem ainda faz uma observação. Ele quer
falar com o pai do garoto, ele quer ensinar como se constrói uma casa de coelhos.
Neste contexto, o homem faz uso da partícula ja:
Ex. 20:
Denn das müsst ihr ja wissen. (L. 43)
Porque vocês têm de saber como se faz isso.
Mais uma vez o assunto é claro e conhecido pelos falantes. No caso acima,
o ja representa uma argumentação: o conhecimento de um fato é posto em
evidência. Este pode seguir como resposta para warum-fragen ou tratar-se de uma
afirmação geral, por meio da qual se faz referência a um conhecimento de mundo
comum (BEERBOM, 1992, p. 149). O receptor é instigado a considerar o fato. Em
português, a entonação tem um papel importante e não a necessidade de um
correspondente lexical para a partícula modal na sugestão mencionada. Por outro
lado, torna-se necessário explicar o quê eles devem saber, daí a oração “como se
faz isso” (veja no conto anexo, linha 43).
Mais adiante, ao se despedir, Jürgen reforça a informação de que ele com
certeza ficará até à noite, até que as ratazanas durmam, como segue:
Ex. 21:
Ja, rief Jürgen, ich warte. Ich muss ja aufpassen, bis es dunkel wird.
(L. 44)
67
bom, gritou Jürgen, eu fico esperando. Você sabe, eu tenho que
ficar tomando conta até anoitecer.
No contexto acima, apresentamos como proposta de tradução para o
português a utilização do verbo saber, frisando que o ouvinte tem conhecimento
sobre o assunto.
Por meio da retomada de um fato conhecido, sinalizada pelo ja, o falante
mostra não apenas confiança no saber do ouvinte, mas, também, dúvida sobre esse
conhecimento, já que o falante reativa o fato da memória do ouvinte.
Já no conto de Schulze, há dois exemplos com o ja.
Doro apenas estuda e quando consegue um trabalho, não o mantém por
muito tempo ou o recebe por ele. Robert sustenta a casa, assim ela não precisa
mesmo trabalhar. A partícula intensifica a argumentação de Robert, evidenciando o
fato já conhecido: Doro não precisa se preocupar com o trabalho:
Ex. 22:
“Aber sie musste ja nicht arbeiten”. (L. 44)
“Mas ela não precisava mesmo trabalhar.”
Para evidenciar a argumentação, optamos pelo uso do mesmo em
português, que sinaliza o fato conhecido: Robert traz o dinheiro para casa. Doro não
precisava se preocupar.
Em outra situação:
Ex. 23:
“Mit jeder Woche müssen die Wohnungsbaufritzen daraufbezahlen, sie
haben ja leere Wohnungen versprochen, leere, keine bewohnten.”
(L.21)
Tradução sugerida:
A cada semana precisam ser pagos os peões da construção, mas eles
tinham prometido apartamentos vazios, vazios, não ocupados.
Ao mesmo tempo, Doro indica a admiração ou surpresa diante do fato,
sentido como incomum: se eles prometeram apartamentos vazios, como podem
68
cobrar? E ainda, ao constatar o fato, procura criar unanimidade com o parceiro
(com
base no conhecimento compartilhado). Em português, o tempo verbal composto
“tinham prometido” acaba cumprindo a função de que o fato era conhecido.
3.2.2 A partícula doch
Devido a sua complexidade, doch é uma das partículas mais estudadas e
citadas da língua alemã. Também possui os mais diferentes sentidos ilocucionários.
De modo geral, um consenso na literatura analisada neste trabalho de que ela
possui um componente adversativo, um caráter de contrariedade.
Assim como a partícula ja, a partícula doch também indica algo conhecido
ou pelo menos que possa ser deduzido. O conhecimento do fato pode estar apenas
subentendido, para simular um consenso. Assim sendo, como no caso do ja, o doch
possui também um caráter dêitico.
Doch expressa um contraste entre dois pontos de referência, que podem ser
de natureza diversa. Pelo menos um deles é conhecido pelo ouvinte. Pode se tratar
de uma exposição anterior ou de um comportamento não-verbal, de uma expectativa
ou algo não exposto.
A exposição com doch pode tratar-se de uma crítica ao parceiro, já que pode
se referir a uma falha do interlocutor. Mas como foi mencionado, o contexto
comunicativo é fator decisivo. Por vezes, a partícula doch também tem uma
conotação de cordialidade, de admiração ou estímulo.
Tanto Feyrer (1997, p. 126) como Beerbom (1992, p. 175) afirmam que o
caso mais comum de uso da partícula doch refere-se ao que acabou de ser
mencionado no ato de fala e que será criticado ou não-aceito de alguma forma. Esse
uso pode ser visto como uma objeção a ser relembrada. Algo é tematizado na
exposição com o doch que o interlocutor não considerou na opinião do falante,
embora ele pudesse ter conhecimento disto.
A diferença entre o uso do ja e do doch está no fato de que doch, pelo seu
significado adversativo, trata mais diretamente do componente crítico, e o ja pode
surgir como uma crítica mais implícita (não seria necessário mencionar o fato
conhecido, se o receptor o tivesse considerado). Segundo Beerbom (1992, p. 177), o
uso do doch por vezes tem um caráter mais “agressivo” do que o ja.
69
O recurso do doch não surge apenas como uma reação, mas, sim, para
orientar a fala ou os passos dela. Com seu uso, o receptor é lembrado de algo que é
condição para os passos seguintes da conversação. O antagonismo sinalizado pelo
doch parte do fato de que o assunto é conhecido e o falante supõe que tal fato o
está sendo considerado. A confirmação do parceiro é preconcebida. Problemas
potenciais, como o fato de ele não se lembrar ou uma problematização sobre o
assunto devem ser evitados. O falante gostaria de manter, de guiar a conversação e
utiliza a exposição com doch para fazer com que o ouvinte tome a desejada
consciência. Com o uso do doch procura-se eliminar pontos de conflito.
93
Devido ao antagonismo sugerido por doch, sempre o elemento de
exigência de concordância, que pode ser fortemente marcado ou não. O falante
possivelmente considera a dúvida ou objeção do parceiro, mas tal exposição não é
aceita e o ouvinte é estimulado a ter a mesma opinião. O elemento sugestivo do
doch apela para a compreensão do parceiro explicitamente. Por meio do doch há um
apelo ao ouvinte: “Você tem que admitir”.
94
Admirado com o fato de que Jürgen não vai para casa, o homem afirma que
ele precisa comer:
Ex. 24:
Du musst doch essen. (L.22)
Mas você tem que comer.
A partícula doch se refere aqui a um consenso: todos sabem que é preciso
comer. E o interlocutor precisa reconhecer isso também, funcionando quase como
um apelo ao ouvinte. Esse tipo de enunciado é utilizado por vezes como uma
censura ou para reforçar uma repreensão. Pode-se expor essa recusa
freqüentemente com interjeições ou conjunções que exprimem protesto. Neste caso,
optei pelo uso da conjunção mas.
95
Segundo Beerbom (1992, p. 185), o caráter de exigência de uma
concordância freqüentemente tem a forma de uma suposição ou conseqüência. A
partícula é combinada neste caso com verbos modais müssen ou können, com
futuro ou palavras modais, assim como advérbios: sicher, bestimmt, dann. Fica claro
93 Compare: (BEERBOM, 1992, p. 217)
94 Compare: (FEYRER, 1997, p. 202)
95 Compare: (BEERBOM, 1992, p.177) e (FEYRER, 1997, p.199)
70
que na tradução do doch deve haver uma expressão de exigência de confirmação,
para pôr em evidência que o falante aguarda a confirmação do ouvinte.
que a partícula doch tem o potencial de objeção, ela é adequada a
asserções caracterizadas por uma entonação exclamativa. O antagonismo surge
nas asserções enfáticas entre o julgamento do falante e a opinião expressa ao
ouvinte, contrária ou apenas sugerida. Para o caso de alguém possuir uma outra
opinião, o falante demonstra seu ponto de vista. A ênfase de opinião pode ser
realizada para encorajar e eliminar toda dúvida.
Neste caso, o doch pode funcionar como uma tentativa de consenso, mas,
também, reforça ou reafirma algo já citado que o outro precisa reconhecer, como na
passagem abaixo:
Ex. 25:
Ich kann doch nicht. Ich muss doch aufpassen, sagte Jürgen unsicher.
(L. 19)
Mas eu não posso. Eu tenho que ficar tomando conta!, disse
Jürgen inseguro.
Assim, a partícula pode até se tratar de um leve protesto, até mesmo uma
censura ou contraposição. Na proposta de tradução para o português, com o uso de
mas, produz-se o efeito de que o falante quer dizer: pressuponho que você
saiba”. A entonação tem aqui um papel fundamental.
96
Da mesma forma, o efeito da partícula doch nas frases a seguir remete a um
fato que todos conhecem, sobre o qual um consenso a respeito Como se
precisasse fazer com que o interlocutor se recorde de fatos de que não se deu
conta, o falante quer levar o outro a compreender a situação para obter dele um
consenso:
Ex. 26:
Ja, die essen doch von Toten. Von Menschen. Da leben sie doch von.
(L. 31)
Sim, porque elas comem os mortos. As pessoas. Não é disso que
elas vivem?
96 Compare: (FEYRER, 1997, p. 202)
71
Como alternativa para o português, apresentamos o porque explicativo e a
questão não é?, reforçando a idéia da busca de um consenso.
Desta forma, Jürgen justifica o exposto e procura levar o interlocutor a
recordar-se de certos fatos, seguramente conhecidos por ambos, mas
momentaneamente esquecidos ou não levados em conta pelo homem. Jürgen leva o
homem a compreender a situação para, no fundo, obter dele um consenso ou
unanimidade com relação ao seu ponto de vista.
O homem sugere que Jürgen está tomando conta das ratazanas. Na
colocação seguinte, Jürgen procura reforçar a negação em tom de protesto. Neste
caso, o doch funciona como uma afirmação contrária, o fato é claro. Veja:
Ex. 27:
Auf die doch nicht! (L. 35)
Claro que não!
Uma alternativa para o português é o uso de claro.
Mais uma vez, reforçando a afirmação e buscando um consenso, rgen
afirma, utilizando-se da partícula doch, que o irmão é bem menor:
Ex. 28:
Er ist doch viel kleiner als ich. (L. 35)
É que ele é bem menor do que eu!
É como se quisesse dizer: “Você sabe que meu irmão tinha quatro anos.
Eu pressuponho que saiba.” A intenção do exposto é apresentada em português por
meio da entonação e do marcador conversacional “é que”.
Durante o ponto culminante da história, o autor utiliza a partícula doch
novamente para exprimir um consenso, uma unanimidade. Com o sentido de: “todos
sabem que as ratazanas dormem à noite.”
Ex. 29:
Nachts schlafen die Ratten doch. (L. 38)
É claro que as ratazanas dormem à noite.
Para expressar essa unanimidade, utilizamos a expressão é claro” em
português.
72
Essa frase também se refere ao título, Nachts schlafen die Ratten doch. Isso
posto, que conclusões podemos tirar a partir daí? Segundo Nord (1993), o autor
confere um título à sua obra com intenções, entre elas: para distingui-la de outros
textos (intenção distintiva); para estabelecer um primeiro contato com o destinatário
(intenção fática) e motivar o leitor (intenção apelativa); para caracterizar o conteúdo
e informar a seu respeito, para expressar sua opinião sobre o texto (intenção
expressiva). O título tem a função especial de representar o texto. É ele que
promove o primeiro contato com o leitor. No caso do conto em questão, este remete
a uma passagem importante do texto. Trata-se do ponto culminante da história.
Ao ler o título em alemão, o leitor já sabe que se trata de um diálogo, há uma
informação conhecida e alguém precisa ser convencido de que tal fato é verdadeiro.
Isto fica bem claro por meio da partícula modal doch que reforça uma informação,
um leve protesto, uma certeza. Ao determinar o título é preciso estabelecer sua
relação com o texto e verificar nele sua função. A força da partícula modal doch foi
transmitida na tradução através da expressão: é claro.
Como se buscasse justificar o fato de querer acompanhar rgen até em
casa, o homem procura mostrar que todos conhecem o fato e que um consenso
em relação a isso, utilizando a partícula doch no enunciado seguinte. O interlocutor
precisa reconhecer isso:
Ex. 30:
Ich muss deinem Vater doch sagen, wie so ein Kaninchenstall gebaut
wird. (L. 43)
É que eu preciso dizer a seu pai como se constrói uma casa para
coelhos.
Em português, apresentamos como proposta a expressão é que, que
transmite esse caráter explicativo e consensual. Neste caso, apresentamos outra
função interativa do doch. Em alguns casos, ela pode ter não uma conotação de
censura, mas, de cordialidade, como um pedido ou sugestão, um pedido de
desculpas ou uma justificativa.
97
ao longo do conto Berlin Bolero, a partícula doch se faz presente como
base para a imposição de idéias, que esse conto apresenta a discussão do casal
97 Considerações baseadas em: (FEYRER, 1997, p. 226) e (BEERBOM, 1992, p. 180)
73
em crise.
Ao relatar sobre as dificuldades que viveu durante as 96 semanas que
passaram no apartamento, Doro fala de um ”cara“ que lhe fazia sinais obscenos
durante a reforma. Robert fica transtornado e pergunta se ela pode se lembrar de
quem se tratava. Ele quer tomar providências e afirma estar falando sério. Doro
acredita que isso não leva a nada e em tom de ironia, revida:
Ex. 31:
Du meinst es vielleicht ernst, aber du weisst nicht, worüber du sprichst.
Hast du doch sonst noch mehr Phantasie. (L. 14)
Talvez você esteja realmente falando sério, mas você não sabe do que
está falando! É você tem mesmo imaginação!
Diante da constatação do fato, Doro quer que Robert compreenda a situação
para, então, obter dele uma concordância ou unanimidade com relação ao seu ponto
de vista. Sua indignação expressamos com: é e mesmo.
Ao beber novamente do brandy, recebido como presente do suposto
comprador, Doro afirma:
Ex. 32:
Das ist doch gar nicht so schlecht, das Dreckzeug von deinem
Freund, von deinem Kum-pel. (L. 16)
Não é nada mal a porcaria desse presente de seu amigo, desse seu
cama-rada.
Nesta situação comunicativa, o doch reforça uma opinião. A entonação
exclamativa, aliada ao potencial de objeção de doch, pode ter uma conotação de
estímulo em algumas ocasiões. O falante demonstra seu ponto de vista, com ênfase
em sua opinião. Para isso, optamos pela expressão corriqueira do português
brasileiro: não é nada mal.
Doro exagerou ao beber o brandy e Robert teria motivo para reclamar do
homem que o trouxe. Afinal, eles não tomam nenhuma bebida forte. Então, como se
entrássemos nos pensamentos dos dois, há o comentário:
Ex. 33:
Doro hat sogar Freunde, die tranken gar keinen Alkohol. (L. 18)
74
An so was musste man doch denken.
Em português:
Doro até tem amigos que não tomam nada alcoólico.
Isso tinha que ser levado em consideração!
Também neste caso, não um elemento lingüístico específico que
substitua uma partícula. O que se busca é atribuir o mesmo sentido global para a
frase no texto de chegada. A ênfase na expressão em alemão é transmitida no
português pela entonação e pelo uso da combinação: levar em consideração.
Da mesma forma, no exemplo seguinte, em que Doro, revoltada sobre o
acontecido, faz suposições e ataques. O comentário sugere um conhecimento
prévio, desde o início se sabia que teriam problemas com o apartamento, daí a
opção pelo no português:
Ex. 34:
Das ist doch alles klar gewesen. Von Anfang an. (L. 20)
Isso tudo estava bem claro. Desde o início.
Mais adiante, para reforçar uma informação, com um leve protesto, Robert
admite estar a par dos riscos que corriam. A força da partícula modal doch foi
transmitida através da expressão: é claro.
Ex. 35:
“Das weiss ich doch”. (L. 22)
É claro que eu sei disso.
Como sugestão, e preocupado com o estado de Doro, Robert recomenda:
Ex. 36:
“Setz dich doch”. (L. 26)
Para este caso, no português do Brasil, temos um tipo de expressão que nos
passa a idéia de sugestão e, ao mesmo tempo, de preocupação com o outro,
utilizando o verbo ir, acompanhado outro verbo, como o sentar:
Senta, vai. (L. 26)
No exemplo seguinte, Doro reforça a afirmação e busca o consenso. É como
75
se falasse: “Você sabe que não ficaria dois anos aqui para nada. Eu pressuponho
que saiba.":
Ex. 37:
“Ich mache das doch nicht zwei Jahre lang mit und sag dann: Danke
schön!” (L. 30)
“Eu é que não vou aturar isso tudo durante dois anos e então dizer:
muito obrigada!”
Em português, como estão no auge da discussão, optei pela alternativa
abaixo, que reforça a posição do falante através do “é que”.
Em outro trecho, Robert reflete sobre o acontecido e realiza uma espécie de
retrospectiva em sua mente. Recorda fatos do passado e faz considerações, por
vezes concordando com a revolta de Doro, como no caso abaixo:
Ex. 38:
Diese Typen verstanden doch nur mit Geld herumzuschmeiβen, und
wenn das nicht half, mit mehr Geld und noch mehr Geld. (L. 52)
É, esses caras sabem jogar com dinheiro, e se não adiantar, mais
dinheiro e ainda mais dinheiro.
Para indicar essa constatação e a ênfase dada à expressão, optamos pelo
uso do é no início da frase.
Em continuidade ao pensamento, Robert se mostra indignado diante da
situação e dos responsáveis pela obra. E quer enfatizar que é indiferente diante do
fato de não saber da procedência dessas pessoas, em sua maioria imigrantes:
Ex. 39:
Ihm war es doch egal, woher sie anreisten und ob der Bauleiter in
Neukölln oder Hellersdorf wohnte. (L. 52)
Pra ele tanto fazia, de onde eles vinham e se o chefe da obra morava
em Neukölln ou em Hellersdort.
Em português, não necessariamente um elemento correspondente
(“Nullentsprechung”). O que se almeja com este trabalho é que prevaleça o
argumento natural, sem forçar a busca por elementos lingüísticos na língua de
76
chegada.
Em outra situação, Doro, ainda em tom irônico, fala do tempo que ele
precisaria trabalhar para conseguir a soma que podem receber agora. “Seis, sete
anos?” E repreende Robert, que revida apenas em pensamento:
Ex. 40:
Er wusste es doch, er, der Klotz, wusste es nur zu gut. (L. 58)
É claro que ele sabia, ele, o babaca, sabia muito bem.
Para reforçar o fato evidente, em português usamos “é claro”.
Como esboçado, o caráter de exigência de uma concordância
freqüentemente tem a forma de uma suposição ou conseqüência. Ao utilizar o verbo
modal müssen, combinado com o doch, faz-se necessário uma expressão de
exigência de uma confirmação, para pôr em evidência que o falante espera que o
ouvinte reconheça tal fato.
Robert, em seus pensamentos, assim o faz:
Ex. 41
Sie musste doch wissen, dass mit ihm so etwas nicht zu machen
war.(L. 66)
Ela devia saber que com ele isso não se faz.
Em português, a entonação e o marcam esse caráter de exigência e que o
fato é conhecido pelo ouvinte.
Como são as partículas modais mais usadas no alemão, resumimos as
principais características de ja e doch a seguir:
3.2.3 Ja X doch
Assim como o ja, o doch é freqüentemente utilizado com os verbos de
percepção ou com o próprio wissen
98
. O falante refere-se à atual situação
comunicativa e à base de conhecimento comum “repreendendo” ou “estimulando” o
ouvinte, que não considera o que acabou de ser exposto ou realizado.
98 Compare: (BEERBOM, 1992, p. 154, 218)
77
Segundo Beerbom (1992, p. 217), a partícula doch em frases declarativas e
exclamativas possui muitas semelhanças com ja:
Ambas indicam algo já conhecido.
Ambas aparecem em exposições com uma base de saber comum
entre os locutores e podem aparecer freqüentemente combinadas com
verbos wissen, sagen ou com os que indicam percepção.
Tanto o ja como doch aparecem freqüentemente em justificativas.
Ambas as partículas aparecem em exclamações nas quais a surpresa
do falante é descrita.
Enquanto o ja sinaliza a evidência do assunto, o doch participa
diretamente da surpresa, pois evidencia o antagônico entre o assunto e
a expectativa do falante.
Ambas podem aparecer em exposições de renúncia.
Quando se compara as partículas ja e doch, pode-se observar que ambas
acentuam a certeza/correção e a visão/compreensão de um enunciado; o doch
possui, no entanto, um caráter mais apelativo.
3.2.4 A partícula denn
A partícula modal denn é utilizada em frases interrogativas, reforçando uma
pergunta de forma subjetiva. Segundo Beerbom (1992, p. 318), através de perguntas
com denn o falante expõe uma admiração/surpresa ou uma repreensão. uma
oposição entre a expectativa do falante e a exposição anterior. Por outro lado,
podemos tornar a pergunta mais amigável, utilizando, por exemplo, o denn em
situações onde se quer descobrir algo, obter uma informação em caráter de
curiosidade:
Ex. 42:
Worauf passt du denn auf? (L.5)
Wie alt bist du denn? (L.12)
E eu posso saber do que é que você está cuidando?
78
E quantos anos você tem?
No caso acima, a expressão é que tem uma função atenuante, o ouvinte
deseja obter uma informação e por meio deste elemento deixa a pergunta com um
tom o de ordem expressa, mas, de curiosidade diante do fato, embora seja
produzido um efeito inquiridor.
99
O e em perguntas estabelece uma relação entre o enunciado anterior e seus
pressupostos. Jürgen sabe calcular, é um garoto esperto, então o falante parece
supor que já sabe da resposta. Com isso, cria-se também condições para que o
diálogo prossiga.
100
Em outro caso, o denn surge quando “se repete uma pergunta para qual o
falante não recebeu uma resposta satisfatória.”
101
Como no enunciado seguinte:
Ex. 43:
Na, was denn? (L. 8)
Para este caso, optamos, em português, pelo uso do Então o que é que é?
que torna explicita a idéia da cobrança, exprimindo curiosidade e interesse pela
resposta do interlocutor. O então pode, segundo Franco (1991, p. 318.), abrir “a
estrada para o amigo satisfazer de bom coração a nossa curiosidade”.
Em perguntas com respostas sim ou não, ou seja, em Entscheidungsfragen
(perguntas de decisão), o denn sugere admiração ou surpresa.
102
Possui, portanto,
um caráter de frase exclamativa:
Ex. 44:
Du rauchst? Fragte der Mann, hast du denn eine Pfeife? (L. 24)
Você fuma?, perguntou o homem. E você tem um cachimbo?!
Em português, mais uma vez, oferecemos como sugestão o uso do e,
reforçado pela entonação e exclamação. A expressão de surpresa fica bem clara.
O próximo tipo de pergunta com denn, se relacionada a algo acontecido,
promove uma retomada de tema. A pergunta com denn pode ter aqui um efeito mais
natural ou amigável:
99 Considerações para análise extraídas de (FRANCO, 1991, p. 324)
100(Veja: FRANCO, 1991, p. 311)
101(HELBIG; BUSCHA, 1993, p. 491)
102(WEYDT , HARDEN RÖSLER, 1983, p. 19)
79
Ex. 45:
Aber gehst du denn gar nicht nach Hause? (L. 22)
Então você nem vai pra casa?
Com a pergunta acima, o falante espera que o interlocutor ofereça mais
dados específicos. Aquele que formula a pergunta conta com uma resposta, com
uma conclusão; o tom não é inoportuno, mas transmite que o falante espera pela
informação do ouvinte.
Denn pode ser usado, ainda, como uma pergunta retórica, expressando
neste caso uma repreensão. O falante reporta-se à ação que o ouvinte tenta levar a
cabo. Ele supõe que o ouvinte deveria saber que o ato é ilícito ou o pertinente.
O seu ato de fala não é de modo algum uma pergunta, mas tem o efeito de um aviso
sério que apanha de surpresa o interlocutor. Por meio da partícula modal denn, uma
informação é confirmada e subentende-se que ela é de conhecimento do
interlocutor. Franco (1991, p. 324) denomina esse caso como uma frase
interrogativa com intenção exclamativa, algo óbvio ou de conhecimento de todos, e
que só é questionado para demonstrar a surpresa, como no trecho seguinte:
Ex. 46:
Ja, hat euer Lehrer euch denn nicht gesagt, dass die Ratten nachts
schlafen? (L. 36)
Sim, e o seu professor nem disse que as ratazanas dormem à
noite?
O e no início da pergunta indica que o falante duvida que o professor tenha
realmente exposto o fato. O uso do nem reforça essa dúvida, ou pelo menos essa
reserva em relação à explanação feita pelo professor. um tom de preocupação e
de crítica por parte do falante. Na verdade, o homem sabe que se trata de uma
mentira, mas isso serve para tentar tirar o menino dos escombros.
no conto Berlin Bolero”, em que a discussão é o cenário, a partícula
denn aparece em perguntas com tom irônico, e por vezes em perguntas retóricas
expressando uma repreensão. No primeiro caso, de forma sarcástica, Doro pergunta
a Robert indiretamente:
80
Ex. 47:
Nicht nur beschissen, es war... Wie nennst du das denn, wenn im
Hausflur Sonntagstreff für Penner ist, die sich beim Pinkeln nicht
mal wegdrehn. (L. 8)
Na tradução para o português:
Não apenas uma droga, foi... Como é que você chama isso,
quando a porta de sua casa é ponto de encontro de maloqueiros,
que não se viram nem para mijar?
O é que o tom de cobrança e curiosidade para a pergunta. Por outro lado,
o seu ato de fala não é em si uma pergunta, mas possui o efeito de uma exclamação
séria que apanha de surpresa o interlocutor. De forma mais intensa, no exemplo
seguinte, Doro reage ao espírito idealista de Robert com a pergunta:
Ex. 48:
Ach, Robert. Wo lebst du denn? (L. 10)
Ah Robert, em que mundo você vive afinal?
Mais uma vez, a pergunta tem um caráter de repreensão. No português do
Brasil, o afinal expressa esse tom de cobrança e indignação.
Mais adiante, Doro acusa a todos, utilizando o pronome vocês (ihr). Robert
deseja saber a quem ela se refere. Então questiona:
Ex. 49
Wer ist denn ihr? (L. 24)
E quem são esses vocês?
Optei pela ênfase com o e no início da pergunta, em tom inquiridor. Além
disso, a entonação e o destaque para vocês reforçam a pergunta, o caráter dialógico
do conto.
Ainda seguindo esta linha de reflexão, no exemplo seguinte, Doro faz uma
pergunta a Robert, sem necessariamente esperar uma resposta. Ela quer
demonstrar estar estupefata diante da situação. Afinal eles pagaram durante dois
anos pela reforma e, em seguida, recebem a oferta. Por conta disso, Doro levanta
acusações e se admira com a ingenuidade de Robert:
81
Ex. 50:
Du bist so ein Depp! Was glaubst du denn, woher der so ne Zahl
nimmt... (L. 32)
Você é um idiota! O que é que você acha, de onde vem essa
grana...
Diante dos exemplos apresentados, podemos concluir que a partícula denn,
utilizada em perguntas, pode carregar uma rie de intenções. Desde
admiração/surpresa a uma repreensão ou oposição entre a expectativa do falante
e a exposição anterior. Além disso, não podemos deixar de lado a intenção de tornar
a pergunta mais amigável, quando se quer descobrir algo ou obter uma informação
em caráter de curiosidade. A situação comunicativa é, portanto, elemento decisivo
na escolha tradutória.
3.2.5 A partícula wohl
A partícula modal wohl expressa algo presumido, que margens a um
avanço em um quadro da conversação. A suposição é expressa pelo wohl em uma
frase interrogativa como a que segue, na qual o was reforça a retórica, e a partícula
pode servir para expressar uma suposição: penso que, provavelmente, deve ser:
103
Ex. 51
Du schläfst hier wohl, was? (L. 3)
É aqui que você dorme, é?
Esse tipo de pergunta que exige uma decisão (Entscheidungsfragen) entre
sim ou não caracteriza uma incerteza por parte do falante, que cuidadosamente
coloca sua suposição (HELBIG; HELBIG, 1999 p. 115). Em português, para manter
esse tom, sugerimos a inversão com o aqui destacado no início da questão e a
pergunta retórica com a utilização do é, como se quisesse confirmar a suposição.
Seguindo a mesma linha, no próximo exemplo o falante utiliza o mesmo
103 Compare (HELBIG; HELBIG, 1999, p. 115-116)
82
recurso da pergunta retórica somada ao uso do wohl. Weydt (1983, p. 93) afirma
que este tipo de combinação pronome interrogativo + partículas modais é típico
em perguntas retóricas curtas:
Ex. 52:
Wohl auf Geld, was? (L. 6)
Deve ser dinheiro, não é?
Em português usamos também a pergunta retórica acompanhada pelos
verbos dever e ser.
O falante tira suas conclusões e, como expressão de sua incerteza, coloca
uma suposição em forma de pergunta à espera de uma resposta clara que confirme
sua afirmação (HELBIG;HELBIG, 1999, p. 115), exatamente como no uso da
partícula abaixo:
Ex. 53:
So, dafür hast du wohl den grossen Stock da? (L.3)
Ah, para isso é que você tem esse pedaço de pau enorme aí?
Em português, optei por utilizar a interjeição ah no início da pergunta, como
uma conclusão presumida. O é que reforça essa idéia conclusiva.
A partícula wohl tem um componente de hipótese e suposição. Ela aparece
freqüentemente em perguntas diretas, com caráter decisório (ja/Nein-Fragen:
perguntas que exigem como resposta sim ou não).
104
3.2.6 A partícula eben
Entre as diferentes funções de eben, o exemplo do conto em questão aponta
para uma situação em que se tenta levar o diálogo a cabo. O falante sinaliza que
não há motivos para discussão, é como um apelo para que o tema não seja levado
adiante. Assim, as possibilidades de prosseguir com o assunto ficam restritas.
Conflitos são evitados e o prosseguimento da conversa é controlado para se chegar
a um acordo. Enfim, o falante considera sua informação um fato consumado,
104 (BEERBOM, 1992, p. 409)
83
manipulando o interlocutor (BEERBOM, 1992, p. 260).
Jürgen demonstra que não quer entrar em detalhes e, ao ser questionado
sobre aquilo de que está tomando conta, afirma:
Ex. 54
Na, was denn? (L. 8)
Ich kann es nicht sagen. Was anderes eben. (L. 9)
Em português:
Então, o que que é?
Eu não posso dizer. É uma coisa bem diferente.
Optei por frisar a afirmação com o elemento lingüístico bem. O falante
sinaliza que deseja ser deixado em paz. Há, portanto, uma quebra na
argumentação.
3.2.7 A partícula mal
A partícula modal mal, quando utilizada em orações imperativas, suaviza
uma ordem ou pedido e muitas vezes ao enunciado um tom pessoal e
descontraído.
105
É o caso da expressão a seguir:
Ex. 55:
Oha, denk mal an, neun also. (L.14)
Olha só, nove anos!
Em português, também temos a expressão “olha só” que transmite idéia
semelhante.
Acompanhada de outra partícula, o mal passa outro efeito ao enunciado. É o
caso de ruhig mal, conforme no trecho a seguir:
Ex. 56:
Schade, der Mann bückte sich zu seinem Korb, die Kaninchen hättest
du ruhig mal ansehen können. (L. 26)
Que pena, o homem se debruçou sobre seu cesto, você poderia dar
105 (HELBIG; HELBIG, 1999, p. 79)
84
uma olhadinha nos coelhos.
Em conjunto com verbos modais em explanações, a partícula ruhig tem um
caráter sugestivo, um convite ou intimação indireta. O próprio uso do Konjunktiv em
alemão e do subjuntivo em português reforça esse efeito. Não indicamos, neste
caso, um item lingüístico específico, mas, sim, o uso do diminutivo, que torna a
expressão ainda mais sugestiva. O aspecto da informalidade conferido por mal é
também veiculado pela expressão dar uma olhadinha, que pertence a um registro de
linguagem mais coloquial.
O falante confere, pelo emprego de mal, um caráter ocasional, uma
afirmação vaga que se reporta ao que foi comentado. Este aspecto informal é
sublinhado em português por nem.
Ex. 57:
Na, sagt der Mann, das ist aber ein Lehrer, wenn er das nicht mal
weiss. (L. 38)
Pois é, diz o homem, mas que professor é este que nem sabe disso?!
Mais adiante, outro exemplo semelhante com o uso do mal com a
negação nicht. Para reforçar a idéia de indignação provocada no texto de partida
alemão, escolhemos o uso de nem sequer em português:
Ex. 58:
Euer Lehrer soll einpacken, wenn er das nicht mal weiβ. (L.41)
Seu professor tem que ser despedido, se ele nem sequer sabe
disso.
De volta ao casal de Berlin Bolero”, no conto contemporâneo, notamos o
uso de mal em diferentes situações, muitas vezes em tom de ironia. Como a
característica da partícula mal é suavizar uma ordem ou pedido, ou dar ao
enunciado um tom pessoal e descontraído, pode-se entender o próximo exemplo
não como uma simples sugestão aliada ao Konjunktiv, mas sim como uma sugestão
irônica, uma cobrança encoberta:
Ex. 59:
Du hättest wenigstens mal fragen können, bevor du so grosszügig
verzichtest. (L.34)
85
Você poderia pelo menos ter perguntado, antes de recusar tão
generosamente.
Em português, mantemos o subjuntivo, e não necessariamente um
correspondente direto da partícula. Ela apenas suaviza a sugestão realizada em
alemão, que pode ser realizada com a entonação no português do Brasil.
O aspecto da informalidade conferido ao próximo enunciado pela partícula
mal, combinada com o verbo anschauen, pode ser reportado novamente com a
expressão dar uma olhada:
Ex. 60:
Wollen wir nicht mal eine andere Wohnung anschauen? (L. 50)
Que tal dar uma olhada em outro apartamento?
Tal aspecto da informalidade e o próprio tom da pergunta seguinte exigem
um registro de linguagem mais coloquial, para que a expressão funcione na língua
de chegada, o que pode ser exemplificado pela opção de tradução a seguir:
Ex. 61:
Hast du dir mal überlegt, wie lange du dafür arbeiten musst? (L. 57)
Você parou para pensar quanto tempo você precisa trabalhar para
ganhar isso?
Doro não consegue entender a decisão de Robert. E o convida a refletir:
“você já parou para pensar...”
Robert também não sabe mais como agir diante do comportamento de Doro.
Para expressar a indecisão de Robert e, ao mesmo tempo, sua própria indignação
diante do fato, utilizamos a expressão portuguesa nem sequer para a negação
aliada à partícula:
Ex. 62:
Er hörte die Klospülung und wusste nicht mal, ob er aufstehen oder
sitzen bleiben sollte. (L. 47)
Ele ouviu a descarga e nem sequer sabia se deveria levantar ou ficar
sentado.
86
3.2.8 A partícula aber
A partícula modal aber pode expressar um tom de surpresa diante de um
fato inesperado. O falante marca sua admiração diante de tal fato ou característica,
como no caso do enunciado:
Ex. 63:
Na, sagt der Mann, das ist aber ein Lehrer, wenn er das nicht mal
weiss. (L.38)
Pois é, diz o homem, mas que professor é este que nem sequer sabe
disso?!
O homem se mostrou surpreso diante do fato de o professor não passar ao
menino a informação de que os ratos dormem à noite. Isso porque ele se vale de
uma mentira para angariar a confiança do garoto. Para destacar seu espanto ou
indignação, utiliza a partícula modal aber. Em português reforçamos o caráter de
indignação e surpresa com a entonação e também com o uso de mas que.
3.2.9 A partícula ruhig
Para Helbig (1999, p. 94), a partícula modal ruhig tem um caráter de
aconselhamento. Além disso, o falante expressa a idéia de que ele não “tem nada
contra”, ele não se incomodaria se o ouvinte realizasse o ato em questão. O falante
pode até desejar que o ouvinte realize a ação, como no exemplo abaixo:
Ex.: 64
Nachts kannst du ruhig nach Hause gehen. (L. 38)
À noite você pode ir para casa.
Ao tentar convencer o garoto de que não havia problema algum se ele fosse
para casa à noite, o homem utiliza a partícula ruhig, como forma de expressar: não
qualquer empecilho ou dificuldade. Em português, apenas a entonação pode
marcar essa sugestão. Aqui, mais uma vez, não há um elemento verbal
87
correspondente (Nullentsprechung).
A questão central deste trabalho, que teve o objetivo de analisar com que
meios as partículas modais podem ser representadas no português brasileiro, foi
examinada a partir de exemplos dos contos de Borchert (1946) e Schulze (2007). Ao
longo do trabalho, procurei conciliar a análise dos fatores extra e intratextuais,
segundo a teoria funcionalista da tradução, aliada à análise contrastiva e lingüística
dos autores pesquisados para realizar a tradução dos trechos dos contos em
destaque. Assim, tanto a perspectiva maximalista, visando à análise da partícula no
contexto em que está inserida, como Beerbom (1992) o faz, aliada às considerações
básicas dos minimalistas, contribuíram para a solução de questões tradutórias.
Os autores dos contos demonstram através das partículas modais sua
perspectiva pessoal e o caráter de proximidade com o mundo real, o cotidiano.
Diante do corpus apresentado, percebe-se a relevância destes elementos para a
linguagem falada. Como próximo passo, serão apresentadas as conclusões sobre os
resultados da pesquisa.
88
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
4.1 RESUMO DOS OBJETIVOS E CONTEÚDO DO TRABALHO
O objetivo geral proposto neste trabalho era tecer uma análise sobre a
importância, o uso e a função das partículas modais do alemão sob uma perspectiva
tradutológica. A partir da análise do corpus, levantaram-se possibilidades e
problemas de tradução dos trechos em destaque dos contos: Nachts schlafen die
Ratten doch, de Wolfgang Borchert, e Berlin Bolero, de Ingo Schulze, ricos em
partículas modais.
A problemática levantada refere-se não somente ao campo semântico, afinal
há uma série de fatores envolvidos no contexto comunicativo. Como um preparatório
para as discussões e análises, apresentamos na parte 2, que se refere à revisão
bibliográfica, uma série de pesquisas e trabalhos sobre as partículas modais sob
diferentes focos e, mais especificamente, sob o foco da tradução. Além disso,
aspectos importantes a serem considerados foram abordados, como a importância
do contexto e a análise da conversação.
Mostramos que as pesquisas com as partículas modais tentaram durante
muito tempo desmembrá-las em diferentes variantes ou tipos. No capítulo 2.2,
apresentamos além dos aspectos contextuais, considerações sobre as linhas de
pesquisa referentes às partículas modais. A linha do Bedeutungsminimalismus
procura encontrar um significado semântico específico para cada situação de uso
dessas estruturas. Como pôde ser observado em nossos exemplos, esse tipo de
abordagem não resolve o problema tradutório em questão; apenas gera uma longa
lista de supostos significados que dificulta a compreensão da função destes
elementos. A linha do Bedeutungsmaximalismus, por outro lado, considera a
partícula modal em seu contexto comunicativo, não se atendo à análise dedutiva de
cada partícula em busca de um significado básico. Partindo dessas considerações, e
conforme explanação do capítulo 2.2, pode-se concluir que as duas abordagens
devem se complementar. Sem desconsiderar a partícula modal em seu significado
básico, deve-se analisá-las em um contexto maior, que elas interagem com outros
89
elementos para completar o sentido do enunciado.
A partir das linhas de pesquisa apresentadas, levantamos a problemática da
identificação das diferentes funções e formas das partículas modais que aparecem
em vários contextos, uma vez que uma mesma partícula pode ser representada de
várias formas na língua de chegada. Por isso mesmo a tradução de palavras fora de
seu contexto resulta em um trabalho incompleto.
Após tais considerações acerca das linhas de pesquisa sobre as partículas
modais, apresentamos, na parte 2.6, a teoria funcionalista da tradução, base para o
trabalho tradutório desenvolvido. O funcionalismo na tradução encara o texto como
instrumento de comunicação inserido no contexto sociocultural, voltado para um
leitor específico. O modelo funcionalista da tradução de Christiane Nord parte da
análise textual, através da qual se consideram os fatores extratextuais e intratextuais
como forma de se levantar as principais características situacionais do texto de
partida. Mais adiante, com base nestes parâmetros, apresentamos a análise das
partículas modais presentes nos contos.
Partindo de exemplos nos contos do pós-guerra e contemporâneo,
buscamos enveredar nesta reflexão, apresentando nossas avaliações em dois
contextos diferentes, dois momentos da história literária, esboçados na análise dos
aspectos extratextuais e intratextuais durante a seleção do corpus (cap. 3.1).
A intenção com o trabalho específico em torno de cada partícula não foi a de
uma exposição com um cunho estruturalista, limitada à análise rígida delas,
reduzindo-as a conceitos comunicativos, como admiração, confirmação ou
divergência. Outrossim, para que pudéssemos visualizar a partícula modal em seu
contexto, o trecho de que ela faz parte foi destacado e foram oferecidas
possibilidades tradutórias, escolhas tomadas com base na situação comunicativa em
questão.
Para tanto, o contexto em que as cenas representativas se inserem foram
esboçados juntamente com uma descrição funcional das partículas modais, através
da qual não se determina uma única teoria para abordar as rias facetas das
partículas modais.
4.2 IMPORTÂNCIA DAS PARTÍCULAS MODAIS E A QUESTÃO TRADUTOLÓGICA
90
Traduzir? Sim ou não? Com base na pesquisa realizada, concluímos que o
conteúdo de cada enunciado não é somente constituído por formas lingüísticas de
certa gramática e vocabulário, pois envolvido nesses atos comunicativos o
significado que o falante armazenou a partir de seu conhecimento lingüístico e
também aquilo que o falante deseja e pode expressar a partir de suas intenções,
pré-conhecimentos, formação, posição, consciência, de cada situação comunicativa
e de sua história de vida até então. A exposição do falante é apenas um meio, uma
parte, para sinalizar o que realmente ele quer dizer. E “o que se quer dizer não pode
ser idêntico em todas as situações, pois cada ato comunicativo é um novo uso da
língua, e, sobretudo semanticamente, não pode ser comparado com o que foi dito
antes, já que toda situação contém algo de novo.” (POLENZ, 1985, p. 299)
Se é assim, para que analisar as partículas modais? Qual é a vantagem
desse trabalho para o tradutor?
A meu ver, a reflexão acerca do tema enriquecerá o trabalho do tradutor
que, ao se questionar diante de uma partícula modal, procurará encontrar o
elemento subentendido (mitgemeint), utilizando pistas que o auxiliam neste
processo. Conforme abordado em nossas análises, dentre as pistas foi destacada a
identificação do gênero textual com sua função de “Entlastung” (POLENZ, 1985),
uma vez que facilita a percepção da relação comunicativa entre os interlocutores,
dos atos de fala, das avaliações, das expectativas e preconceitos embutidos, enfim,
da análise do processo interativo como um todo.
106
Nesse processo, recepção não é simplesmente receber informações
prontas, como o exposto em modelos cnicos de comunicação (com emissor e
receptor), mas sim combinar o conhecimento lingüístico à compreensão sobre aquilo
que o falante quis dizer com sua exposição. Nem sempre reconhecemos à primeira
vista o que é pretendido com o exposto. um conteúdo sugerido que precisa ser
considerado no trabalho de tradução.
Um autor recriará a fala de acordo com suas convenções interativas. Afinal,
diferentes situações e diferentes culturas apresentam regras interacionais diversas.
E, nesta cultura diferente, como expressar a carga subjetiva das partículas na língua
de chegada? elementos lingüísticos que causam os mesmos efeitos? Durante a
106 Compare: (POLENZ, 1985, p. 222-225)
91
análise das partículas no capítulo 3, essas questões nortearam a reflexão e as
decisões a serem tomadas.
Em virtude da dimensão e dos objetivos propostos do presente trabalho, não
apresentei uma análise sobre a tradução completa dos contos anexos, que
perderia o foco nas partículas e levantar-se-iam outras discussões, indubitavelmente
interessantes, mas não pertinentes a nosso propósito. Em vez disso, a situação foi
contextualizada a partir de trechos específicos, dos quais as partículas modais
fazem parte. A intenção foi fornecer uma base para o tradutor brasileiro que é
confrontado com expressões da linguagem coloquial alemã. A partir das sugestões e
questionamentos levantados, também procurei destacar a importância das partículas
modais na comunicação diária, promovendo discussões na comparação entre o
sistema de comunicação alemão e o português do Brasil.
Nem sempre encontramos itens lexicais que exprimem esta mesma
modalidade subjetiva. Um excesso de procura por elementos da língua portuguesa
que representem função semelhante pode causar estranhamento ou, até mesmo,
efeito contrário ao desejado. Em uma experiência inicial, a primeira tradução do
conto Nachts schlafen die Ratten doch para este trabalho foi testada com alunos
de literatura alemã na graduação em Letras da Universidade Federal de
Florianópolis. Eles desconheciam o original e foram solicitados a interpretar o texto.
Este primeiro texto traduzido em português causou certo estranhamento no início do
diálogo, que a procura inicial por elementos lingüísticos que substituíssem
praticamente todas as partículas modais levou a uma interpretação diferente do
texto original. Pelo uso intensivo de interjeições como hein ou e, o homem tornou-se
inquiridor no início do diálogo, o que causou um efeito ameaçador. Somente no
desenrolar da história, percebeu-se a intenção do personagem: ser solidário.
Na verdade, devemos nos atentar para o fato de que não é imprescindível
traduzir o elemento partícula modal, mas sim o contexto no qual esta se insere. Que
“entrelinhas” estão por trás do uso dessas partículas? Em português, pode-se utilizar
um diminutivo (dar uma olhadinha, cap. 3, p. 85), a entonação, ou mesmo uma
interjeição (Ah, isso é fácil, cap. 3, p. 66). Importante é que o tradutor
considerando a situação comunicativa em que o primeiro enunciado foi produzido,
bem como as pressuposições do falante busque na língua de chegada um outro
enunciado que tenha para os novos potenciais destinatários aproximadamente o
92
mesmo valor comunicativo no enunciado de partida, que se ajusta às suas
convenções e aos hábitos lingüístico-pragmáticos da comunidade que o utiliza.
Dizer que a língua-meta não tem um elemento que represente a partícula,
não significa dizer que algo está faltando. Cada língua possui seus próprios recursos
para exprimir modalidade. Por vezes, apenas a entonação ou o contexto se
encarregam de expor seu significado conotativo. Como as partículas modais variam
de acordo com o contexto, pela pesquisa realizada constatou-se que as partículas
modais da língua alemã não possuem correspondentes específicos. Da mesma
forma, a Nullentsprechung enquanto estratégia de tradução, ou seja, o fato de não
explicitar na língua de chegada a partícula modal, também não deve ser
desprezada. Por vezes, não se faz necessário buscar elementos que representem
as partículas modais a todo custo. Assim, pode-se cair no exagero e tornar o texto
artificial.
Através do corpus, apresentei sugestões de elementos lexicais ou estruturas
sintáticas que, espera-se, possam ser usadas pelo tradutor como base de análise
para sua prática. As soluções foram resumidas em uma tabela apresentada a seguir.
Apenas para efeito de análise em nosso trabalho, isolamos os enunciados com
partículas modais presentes nos contos. Tal procedimento o deve causar
estranheza, uma vez que ao longo do trabalho citamos várias vezes a importância
de se considerar o contexto. Exatamente por este motivo, procuramos contextualizar
os exemplos no capítulo referente à Análise das partículas presentes nos contos
(cap. 3.2). O objetivo aqui é visualizar melhor as soluções apresentadas, como uma
sistematização dos resultados.
TABELA 1- TRECHOS CONTENDO AS PARTÍCULAS MODAIS NO TEXTO
NACHTS SCHLAFEN DIE RATTEN DOCH E AS SUGESTÕES DE TRADUÇÃO
PARTÍCULA
MODAL
ALEMÃO PORTUGUÊS (TRAD. NOSSA)
Denn (6) Worauf passt du denn auf? (L. 5)
Na, was denn? (L.8)
Wie alt bist du denn? (L. 12)
Aber gehst du denn gar nicht nach
Hause? (L. 22)
E eu posso saber do que é que você está
cuidando?
Então, o que que é?
E quantos anos você tem?
Então você nem vai pra casa?
93
PARTÍCULA
MODAL
ALEMÃO PORTUGUÊS (TRAD. NOSSA)
Du rauchst? Fragte der Mann, hast
du denn eine Pfeife? (L.24)
Ja, hat euer Lehrer euch denn nicht
gesagt, dass die Ratten nachts
schlafen? (L. 36)
Você fuma?, perguntou o homem, e você
tem um cachimbo?!
Sim, e o seu professor nem disse que as
ratazanas dormem à noite?
Wohl (3) Du schläfst hier wohl, was? (L. 3)
So, dafür hast du wohl den grossen
Stock da? (L. 3)
Wohl auf Geld, was? (L. 6)
É aqui que você dorme, é?
Ah, para isso é que você tem esse pedaço
de pau enorme aí?
Deve ser dinheiro, não é?
Eben (1) Was anderes eben. (L. 8) É outra coisa bem diferente.
Ja (7) Donnerwetter, ja! sagte der Mann
verwundert, bist ja ein fixer Kerl.
(L.12)
Dann weisst du ja auch, wieviel drei
mal neun sind, wie? (L.14)
Das ist ja ganz leicht. (L.15)
Aber du kannst hier ja nicht weg.
(L.26)
Er muss hier ja noch sein. (L.35)
Denn das müsst ihr ja wissen. (L.
43)
Ja, rief Jürgen, ich warte. Ich muss
ja aufpassen, bis es dunkel wird.
(L.44)
Mas que garoto esperto!
Então você já deve saber quanto é três
vezes nove.
Ah, isso é fácil!
Mas como não pode sair daqui.
Ele tem que estar aqui!
Porque vocês têm de saber como se faz
isso.
Tá bom, gritou Jürgen, eu fico esperando.
Você sabe, eu tenho que ficar tomando
conta até anoitecer.
(nicht) mal (4) Oha, denk mal an, neun also. (L.14)
Schade, der Mann bückte sich zu
seinem Korb, die Kaninchen hättest
du ruhig mal ansehen können. (L.
26)
Na, sagt der Mann, das ist aber ein
Lehrer, wenn er nicht das mal weiβ.
(L.38)
Euer Lehrer soll einpacken, wenn er
das nicht mal weiβ. (L. 41)
Olha só, nove anos!
Que pena, o homem se debruçou sobre seu
cesto, você poderia dar uma olhadinha
nos coelhos.
Pois é, diz o homem, mas que professor é
este que nem sabe disso?!
Seu professor tem que ser despedido, se
ele nem sequer sabe disso.
Doch (9) Ich kann doch nicht. (L.19)
Ich muss doch aufpassen. (L.19)
Mas eu não posso.
Eu tenho que ficar tomando conta!
94
PARTÍCULA
MODAL
ALEMÃO PORTUGUÊS (TRAD. NOSSA)
Du musst doch essen. (L.22)
Ja, die essen doch von Toten. Von
Menschen. (L.31)
Da leben sie doch von. (L.31)
Auf die doch nicht! (L.35)
Er ist doch viel kleiner als ich. (L.
35)
Nachts schlafen die Ratten doch.
(L.38)
Ich muss deinem Vater doch sagen,
wie so ein Kaninchenstall gebaut
wird. (L. 43)
Mas você tem que comer.
Sim, porque elas comem os mortos. As
pessoas.
Não é disso que elas vivem?
Claro que não!
É que ele é bem menor do que eu!
É claro que as ratazanas dormem à noite.
É que eu preciso dizer a seu pai como se
constrói uma casa para coelhos.
Ruhig (mal)
(2)
Nachts kannst du ruhig nach Hause
gehen. (L. 38)
Schade, der Mann bückte sich zu
seinem Korb, die Kaninchen hättest
du ruhig mal ansehen können.
(L.26)
À noite você pode ir para casa.
Que pena, o homem se debruçou sobre seu
cesto, você poderia dar uma olhadinha nos
coelhos.
aber Na, sagt der Mann, das ist aber ein
Lehrer, wenn er nicht das mal weiβ.
(L.38)
Pois é, diz o homem, mas que professor é
este que nem sequer sabe disso?!
FONTE: O autor (2008)
TABELA 2 - TRECHOS CONTENDO AS PARTÍCULAS MODAIS NO TEXTO BERLIN BOLERO E AS
SUGESTÕES DE TRADUÇÃO
PARTÍCULA
MODAL
ALEMÃO PORTUGUÊS (TRAD. MINHA)
Ja Aber sie musste ja nicht arbeiten.
(L.44)
Mit jeder Woche müssen die
Wohnungsbaufritzen
daraufbezahlen, sie haben ja leere
Wohnungen versprochen, leere,
keine bewohnten. (L.21)
Mas ela não precisava mesmo trabalhar.
A cada semana precisam ser pagos os
peões da construção, mas eles tinham
prometido apartamentos vazios, vazios,
não ocupados.
Doch Hast du doch sonst noch mehr
Phantasie. (L. 14)
Das ist doch gar nicht so schlecht,
É você tem mesmo imaginação!
Não é nada mal a porcaria dessa bebida de
95
PARTÍCULA
MODAL
ALEMÃO PORTUGUÊS (TRAD. MINHA)
das Dreckzeug von deinem Freund,
von deinem Kum-pel. (L. 16)
Doro hat sogar Freunde, die
tranken gar keinen Alkohol. An so
was musste man doch denken. (L.
18)
Das ist doch alles klar gewesen.
Von Anfang an. (L. 20)
Das weiβ ich doch. (L. 22)
Setz dich doch. (L. 26)
Ich mache das doch nicht zwei
Jahre lang mit und sag dann:
Danke schön! (L. 30)
Diese Typen verstanden doch nur
mit Geld herumzuschmeiβen, und
wenn das nicht half, mit mehr Geld
und noch mehr Geld. (L. 52)
Ihm war es doch egal, woher sie
anreisten und ob der Bauleiter in
Neukölln oder Hellersdorf wohnte.
(L. 52)
Er wusste es doch, er, der Klotz,
wusste es nur zu gut. (L. 58)
Sie musste doch wissen, dass mit
ihm so etwas nicht zu machen war.
(L.66)
seu amigo, do seu camarada.
Doro até tem amigos que não tomam nada
alcólico. Isso tinha que ser levado em
consideração!
Isso tudo estava bem claro. Desde o
início.
É claro que eu sei disso.
Senta, vai.
Eu é que não vou participar de tudo durante
dois anos e então dizer: muito obrigada!
É, esses caras só sabem jogar com dinheiro
e se não adiantar, mais dinheiro e ainda
mais dinheiro.
Pra ele tanto faz de onde eles vêm e se o
chefe da obra mora em Neukölln ou em
Hellersdort.
É claro que ele sabia, ele, o babaca, sabia
muito bem.
Ela já devia saber que com ele isso não se
faz.
Denn Nicht nur beschissen, es war... Wie
nennst du das denn, wenn im
Hausflur Sonntagstreff für Penner
ist, die sich beim Pinkeln nicht mal
wegdrehn. (L. 8)
Ach, Robert. Wo lebst du denn? (L.
10)
Wer ist denn ihr? (L. 24)
Du bist so ein Depp! Was glaubst
du denn, woher der so ne Zahl
nimmt... (L. 32)
Não apenas uma droga, foi... Como é que
você define isso? Quando a porta de sua
casa é ponto de encontro de maloqueiros,
que não se viram nem para mijar.
Ah, Robert, em que mundo você vive
afinal?
E quem são esses vocês?
Você é um idiota! O que é que você acha,
de onde vem essa grana...
mal Du hättest wenigstens mal fragen
können, bevor du so grosszügig
Você poderia pelo menos ter perguntado,
antes de recusar tão generosamente.
96
PARTÍCULA
MODAL
ALEMÃO PORTUGUÊS (TRAD. MINHA)
verzichtest . (L. 34)
Wollen wir nicht mal eine andere
Wohnung anschauen? (L. 50)
Hast du dir mal überlegt, wie lange
du dafür arbeiten musst? (L. 57)
Er hörte die Klospülung und wusste
nicht mal, ob er aufstehen oder
sitzen bleiben sollte. (L.47)
Nicht nur beschissen, es war... Wie
nennst du das denn, wenn im
Hausflur Sonntagstreff für Penner
ist, die sich beim Pinkeln nicht mal
wegdrehn. (L. 8)
Que tal dar uma olhada em outro
apartamento?
Você já parou para pensar quanto tempo
você precisa trabalhar para ganhar isso?
Ele ouviu a descarga e nem sequer sabia
se deveria levantar ou ficar sentado.
Não apenas uma droga, foi... Como é que
você define isso, se a porta de sua casa é
ponto de encontro de maloqueiros, que não
se viram nem para mijar?
FONTE: O autor (2008)
A proposta visou destacar o recurso usado para cada um dos exemplos e as
alternativas encontradas, seja através de elementos sintáticos, lexicais ou da
ausência deles. O intuito foi provocar um questionamento.
Nota-se que em situações com forte caráter emocional, em que o alemão
utiliza-se de partículas modais para exprimir de maneira explícita a mensagem, o
português brasileiro pode deixar o fato implícito em seu contexto com uso de outros
recursos não necessariamente lingüísticos. Em muitos casos, “Nullentsprechung”,
a
correspondência sem elementos lexicais, é apresentada como a solução mais
adequada. Como nos exemplos, no caso do ja em constatações (Er muss hier ja
noch sein; sie haben ja leere Wohnungen versprochen).
Em outros trechos, optei pela mudança de tipo de frase e uma afirmativa
passou a ser interrogativa na língua de chegada. (Da leben sie doch von Não é
disso que elas vivem?). Em suma, o tradutor o pode perder de vista a totalidade
do texto para, de acordo com os recursos da língua de chegada, exprimir a função
da partícula modal neste novo contexto.
Depois de concluído este trabalho, o livro de Ingo Schulze foi lançado no
Brasil, traduzido para português por Marcelo Backes. No conto traduzido por Backes
(2008), outros recursos e estratégias para recriar na língua de chegada a
subjetividade do texto de partida. Em enunciados como o que segue, por exemplo:
97
Ex. 63:
Wer ist denn ihr?
Mas quem são estes vocês, nesse caso?
107
A busca por uma resposta mais detalhada (representada pelo denn) é
transmitida pelo “mas” e “nesse caso”.
Em outros momentos, a entonação foi marcada no texto com o recurso
gráfico itálico. Desta forma o tradutor marcou o tom de cobrança por uma resposta:
Ex. 64:
Nicht nur beschissen, es war... Wie nennst du das denn, wenn im
Hausflur Sonntagstreff für Penner ist, die sich beim Pinkeln nicht
mal wegdrehn.
Na tradução de Backes (2008): “Não apenas de merda, mas até... Qual é o
nome que você daria para o encontro dominical de um monte de vagabundos no
saguão de sua casa, que nem se viram de costas quando estão mijando”
Também o registro adotado pelo tradutor foi mais próximo da discussão real
de um casal. Em uma situação dessas, provavelmente a esposa não usaria a
expressão “urinar”. Tal discussão envereda, entretanto, para outro caminho e,
devido à dimensão do trabalho, não será neste momento aprofundada. Vale dizer,
todavia, que considerar as entrelinhas do texto de partida e a situação comunicativa
em questão é a chave para uma tradução consistente, além de manter o registro
adotado como base para a interação.
Ex. 65: Em outro exemplo, quando Robert afirma:
“Das weiss ich doch
Ele precisa reforçar seu protesto, ele sabe, conhece a informação de
Doro. Backes utiliza o elemento “ora....”:
Eu sei disso, ora...
uma série de outras passagens que poderiam ser tomadas como
exemplo. Backes (2008, p. 335) refere-se à obra de Schulze como uma “sensação
de estarmos sentados com o narrador ou com o autor, à mesa de um bar.” Para
manter esta sensação, outras estratégias foram utilizadas no trabalho de Backes
107 (Celular, 2008, p. 27)
98
que, a nosso ver, retrataram o humor melancólico de Ingo Schulze, criado a partir do
cotidiano. Tema sem dúvida interessante para futuras discussões.
108
4.3 O PARADOXO DAS PARTÍCULAS E O FUTURO DAS PESQUISAS NA ÁREA
Weydt e Hentschel
109
encaram o problema tradutório das partículas como um
Partikelparadoxon. Através da indicação de diferentes classes de palavras, as
partículas são desmembradas em uma série de homônimos. Tenta-se criar
teoricamente limites entre conjunção, advérbio, partícula modal e partícula de
resposta, perdendo-se o contexto funcional. Quanto mais se tenta buscar
significados e paráfrases, tanto mais as respostas para a questão da identificação
das partículas parecem confusas e arbitrárias.
A tendência de separar as partículas em diferentes exemplos isolados e
classes de palavras o é, a meu ver, conforme mostramos reiteradamente ao
longo de todo trabalho, a melhor maneira de se abordar o tema. De forma concreta,
é necessário partir do contexto no qual a partícula se insere. Analisar o
Grundbedeutung (significado básico) não deixa de ser pertinente, mas sem deixar de
lado o meio real no qual as partículas aparecem: a língua viva e seu meio. O uso de
uma partícula inadequada em um contexto concreto pode causar muito
estranhamento, e uma reação contrária à desejada.
O paradoxo das partículas modais, apontado por Weydt e Hentschel
110
,
retrata a dificuldade dessa pesquisa específica: “uma abordagem de cada partícula
torna difícil a compreensão da partícula em seu contexto, e uma visão geral pode
não explicar caso a caso.” A meu ver, o ideal é procurar unir as posições em uma
abordagem funcional. Ao identificar as diferentes funções das partículas modais no
texto, parte-se para uma abordagem global que trabalha com o texto em seu
contexto, considerando uma série de aspectos que interferem na definição de sua
função. Pelo seu caráter polêmico e significativo, as partículas modais são um
interessante tema para a discussão tradutória e lingüística.
Vale destacar que como texto escrito, as partículas modais figuram não
108O conto traduzido de Marcelo Backes encontra-se anexo.
109 apud FEYRER, 1997, p. 71 . Veja também: BEERBOM, 1992, p. 48-49
110 id
99
somente na literatura, mas também na internet ou na linguagem jornalística,
justamente por retratar a língua em seu meio, trazendo consigo uma série de
informações nas entrelinhas, ativando conhecimentos prévios e efeitos que
funcionam em determinado tempo e lugar, porque partem de uma determinada
sociedade e de seu conhecimento partilhado. Há, portanto, outras fontes que podem
ser utilizadas em trabalhos futuros.
111
Por fim, é necessário mais do que conhecimento gramatical ou vocabulário
da língua de partida para entender o que foi dito e avaliar a situação e o ato
comunicativo. Este é o grande desafio da comunicação e da tradução: a
compreensão e transmissão do que foi exposto. A pesquisa sobre as partículas
modais é lucrativa para várias áreas de pesquisas como a tradução, o ensino do
idioma, a análise da conversação, a lingüística contrastiva entre duas línguas, etc.
Nosso objeto de estudo, como importante aspecto dialógico e interacional, possui
um leque de possibilidades de pesquisa que pode se estender dentro do contexto
presente, no qual a língua é analisada de forma global sob diferentes perspectivas.
Esperamos ainda ter contribuído para a reflexão contrastiva entre o
português brasileiro e o alemão, a partir do projeto de tradução apresentado, ao
considerar diferentes aspectos interacionais de cada uma dessas línguas. Mais do
que nunca, as partículas modais deixam de ser os “piolhos na pele da língua”
112
e
passam a figurar como importante aspecto lingüístico a ser considerado em várias
áreas de estudo, como na Didática, na Lingüística e na Tradução.
111 Veja, por exemplo, o trabalho de Hegellund (2001)
112 Citação de Ludwig Reiners (Apud BEERBOM, 1992, p. 21)
100
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105
ANEXOS: OS CONTOS
Tradução de Nachts schlafen die Ratten doch, de Wolfgang Borchert
NACHTS SCHLAFEN DIE RATTEN DOCH
WOLFGANG BORCHERT
É CLARO QUE AS RATAZANAS DORMEM À
NOITE!
TRADUÇÃO: ELAINE C. ROSCHEL NUNES
1.Das hohle Fenster in der vereinsamten
Maurer gähnte blaurot voll früher
Abendsonne. Staubgewölke flimmerte
zwischen den steilgestreckten
Schornsteinresten. Die Schuttwüste döste.
2.Er hatte die Augen zu. Mit einmal wurde
es noch dunkler. Er merkte, dass jemand
gekommen war und nun vor ihm stand,
dunkel, leise. Jetzt haben sie mich! dachte
er. Aber als er ein bisschen blinzelte, sah
er nur zwei etwas ärmlich behoste Beine.
Die standen ziemlich krumm vor ihm, dass
er zwischen ihnen hindurchsehen konnte.
Er riskierte ein kleines Geblinzel an den
Hosenbeinen hoch und erkannte einen
älteren Mann. Der hatte ein Messer und
einen Korb in der Hand. Und etwas Erde
an den Fingerspitzen.
3.Du schläfst hier wohl, was? fragte der
Mann und sah von oben auf das
Haargesstrüpp herunter. Jürgen blinzelte
zwischen den Beinen des Mannes
hindurch in die Sonne und sagte: Nein, ich
schlafe nicht. Ich muss hier aufpassen.
Der Mann nickte. So, dafür hast du wohl
den großen Stock da?
4.Ja, antwortete Jürgen mutig und hielt
den Stock fest.
5.Worauf passt du denn auf?
6.Das kann ich nicht sagen. Er hielt die
Hände fest um den Stock. Wohl auf Geld,
was? Der Mann setzte den Korb ab und
wischte das Messer an seinem
Hosenboden hin und her.
7.Nein, auf Geld überhaupt nicht, sagte
Jürgen verächtlich. Auf etwas ganz
anderes.
8.Na, was denn?
9.Ich kann es nicht sagen. Was anderes
eben.
10.Na, denn nicht. Dann sage ich dir
natürlich auch nicht, was ich hier im Korb
habe. Der Mann stieß mit dem Fuß an den
Korb und klappte das Messer zu.
11.Pah, kann mir denken, was in dem
Korb ist, meinte Jürgen geringschätzig,
Kaninchenfutter.
12.Donnerwetter, ja! sagte der Mann
1.A janela vazia na fachada solitária
bocejava o vermelho azulado escuro de
um sol poente prematuro. Nuvens de
poeira brilhavam entre as ruínas da
imponente chaminé. O escombro
cochilava.
2.Ele tinha os olhos fechados. De
repente, tudo ficou ainda mais escuro.
Ele percebeu que alguém chegara e se
mantinha à sua frente, enigmático,
silencioso. Agora me pegaram!,
pensou. Mas quando piscou os olhos e
espiou, percebeu que se tratavam de
apenas duas pobres pernas. Estas se
dispunham bastante tortas diante dele,
tanto que ele podia enxergar através
delas. Ele arriscou levantar o olhar pela
calça e avistou um senhor de idade. O
senhor tinha uma faca e um cesto na
mão. E um pouco de terra na ponta dos
dedos.
3.É aqui que você dorme, é?,
perguntou o homem e olhou por cima
do cabelo esguedelhado. Jürgen olhava
piscando em direção ao sol, por entre
as pernas do homem, e disse: Não, eu
não estou dormindo! Eu tenho que ficar
cuidando. O homem balançou a
cabeça: Ah, para isso é que você tem
esse pedaço de pau enorme aí?
4.Sim, respondeu Jürgen corajoso,
segurando firme o pedaço de madeira.
5.E eu posso saber de que é que
você está cuidando?
6.Eu não posso dizer. Ele mantinha as
mãos firmes no pedaço de pau. Deve
ser dinheiro, não é? O homem deixou
o cesto e limpou a faca na barra da
calça, para lá e para cá.
7.Não. Que dinheiro, que nada!, disse
Jürgen com desdém, é outra coisa bem
diferente!
8.Então, o que que é?
9.Eu não posso dizer. É outra coisa
bem diferente.
10.Está bem. Então, eu também não te
digo o que eu tenho aqui no cesto. O
homem bateu com o no cesto e
106
verwundert, bist ja ein fixer Kerl. Wie alt
bist du denn?
13.Neun.
14.Oha, denk mal an, neun also. Dann
weißt du ja auch, wieviel drei mal neun
sind, wie?
15.Klar, sagte Jürgen, und um Zeit zu
gewinnen, sagte er noch: Das ist ja ganz
leicht. Und er sah durch die Beine des
Mannes hindurch. Drei mal neun, nicht?
fragte er noch einmal, siebenundzwanzig.
Das wusste ich gleich.
16.Stimmt, sagte der Mann, und genau
soviel Kaninchen habe ich.
17.Jürgen machte einen runden Mund:
Siebenundzwanzig?
18.Du kannst sie sehen. Viele sind noch
ganz jung. Willst du?
19.Ich kann doch nicht. Ich muss doch
aufpassen, sagte Jürgen unsicher.
20.Immerzu? fragte der Mann, nachts
auch?
21.Nachts auch. Immerzu. Immer. Jürgen
sah an den krummen Beinen hoch. Seit
Sonnabend schon, flüsterte er.
22.Aber gehst du denn gar nicht nach
Hause? Du musst doch essen.
23.Jürgen hob einen Stein hoch. Da lag
ein halbes Brot. Und eine Blechschachtel.
24.Du rauchst? fragte der Mann, hast
du denn eine Pfeife?
25.Jürgen fasste seinen Stock fest an und
sagte zaghaft: Ich drehe. Pfeife mag ich
nicht.
26.Schade, der Mann bückte sich zu
seinem Korb, die Kaninchen hättest du
ruhig mal ansehen können. Vor allem
die Jungen. Vielleicht hättest du dir eines
ausgesucht. Aber du kannst hier ja nicht
weg.
27.Nein, sagte Jürgen traurig, nein, nein.
28.Der Mann nahm den Korb hoch und
richtete sich auf. Na ja, wenn du
hierbleiben musst - schade. Und er drehte
sich um.
29.Wenn du mich nicht verrätst, sagte
Jürgen schnell, es ist wegen der Ratten.
30.Die krummen Beine kamen einen
Schritt zurück: Wegen den Ratten?
31.Ja, die essen doch von toten. Von
Menschen. Da leben sie doch von.
32.Wer sagt das?
33.Unser Lehrer.
34.Und du passt nun auf die Ratten auf?
fragte der Mann.
35.Auf die doch nicht! Und dann sagte er
ganz leise: Mein Bruder, der liegt nämlich
da unten. Da. Jürgen zeigte mit dem Stock
auf die zusammengesackten Mauern.
guardou a faca.
11.Ah, eu posso adivinhar o que tem no
cesto, afirmou Jürgen desdenhando,
comida para coelho.
12.Caramba, isso mesmo! Disse o
homem. Mas que garoto esperto! E
quantos anos você tem?
13.Nove.
14.Olha , nove anos! Então você
deve saber quanto é três vezes
nove?
15.Claro, disse Jürgen e para ganhar
tempo, ele acrescentou: Ah, isso é
fácil! E ficou olhando através das
pernas do homem. Três vezes nove,
não é? Ele perguntou novamente, vinte
e sete. Eu já sabia na hora!
16.Isso mesmo, disse o homem, e esse
tanto eu tenho em coelhos.
17.Jürgen ficou boquiaberto: Vinte e
sete?
18.Você pode ir vê-los. Alguns ainda
são filhotes. Quer ir?
19.Mas eu não posso. Eu tenho que
ficar tomando conta!, disse Jürgen
inseguro.
20.Sempre? Perguntou o homem,
também à noite?
21.À noite também. Sempre, sempre.
Jürgen subia o olhar pelas pernas
tortas. Desde sábado, sussurrou ele.
22.Então você nem vai pra casa?
Mas você tem que comer.
23.Jürgen levantou uma pedra.
estava a metade de um pão. E uma
latinha.
24.Você fuma?, perguntou o homem,
e você tem um cachimbo?!
25.Jürgen segurou firme o bastão e
disse receoso: eu enrolo os cigarros,
não gosto de cachimbo.
26.Que pena, o homem se debruçou
sobre seu cesto, você poderia dar
uma olhadinha nos coelhos.
Principalmente nos filhotes. Talvez você
pudesse escolher um deles. Mas como
não pode sair daqui...
27.Não, disse Jürgen triste, não
mesmo.
28.O homem pegou o cesto e se
endireitou. Pois é, você precisa ficar
aqui, que pena! Disse ele se virando.
29.Se você não me entregar, disse
Jürgen rapidamente, é por causa das
ratazanas.
30.As pernas tortas deram um passo
atrás. Por causa das ratazanas?
31.Sim, porque elas comem os
mortos. As pessoas. Não é disso que
107
Unser Haus kriegte eine Bombe. Mit
einmal war das Licht Weg im Keller. Und
er auch. Wir haben noch gerufen. Er war
viel kleiner als ich. Erst vier. Er muss hier
ja noch sein. Er ist doch viel kleiner als
ich.
36.Der Mann sah von oben auf das
Haargestrüpp. Aber dann sagte er
plötzlich: Ja, hat euer Lehrer euch denn
nicht gesagt, dass die Ratten nachts
schlafen?
37.Nein, flüsterte Jürgen und sah mit
einmal ganz de aus, das hat er nicht
gesagt.
38.Na, sagte der Mann, das ist aber ein
Lehrer, wenn er das nicht mal weiß.
Nachts schlafen die Ratten doch.
Nachts kannst du ruhig nach Hause
gehen. Nachts schlafen sie immer. Wenn
es dunkel wird, schon.
39.Jürgen machte mit seinem Stock kleine
Kuhlen in den Schutt. Lauter kleine Betten
sind das, dachte er, alles kleine Betten. Da
sagte der Mann (und seine krummen
Beine waren ganz unruhig dabei): Weißt
du was? Jetzt ttere ich schnell meine
Kaninchen, und wenn es dunkel wird, hole
ich dich ab. Vielleicht kann ich eins
mitbringen. Ein kleines, oder was meinst
du?
40.Jürgen machte kleine Kuhlen in den
Schutt. Lauter kleine Kaninchen. Weiße,
graue, weißgraue. Ich weiß nicht, sagte er
leise und sah auf die krummen Beine,
wenn sie wirklich nachts schlafen.
41.Der Mann stieg über die Mauerreste
weg auf die Straße. Natürlich, sagte er von
da, euer Lehrer soll ein packen, wenn er
das nicht mal weiß.
42.Da stand Jürgen auf und fragte: Wenn
ich eins kriegen kann? Ein weißes
vielleicht?
43.Ich will mal versuchen, rief der Mann
schon im Weggehen, aber du musst hier
solange warten. Ich gehe dann mit dir
nach Hause, weißt du? Ich muss deinem
Vater doch sagen, wie so ein
Kaninchenstall gebaut wird. Denn das
müsst ihr ja wissen.
44.Ja, rief Jürgen, ich warte. Ich muss ja
noch aufpassen, bis es dunkel wird. Ich
warte bestimmt. Und er rief: Wir haben
auch noch Bretter zu Hause. Kistenbretter,
rief er.
45.Aber das hörte der Mann schon nicht
mehr. Er lief mit seinen krummen Beinen
auf die Sonne zu. Die war schon rot vom
Abend, und Jürgen konnte sehen, wie sie
durch die Beine hindurchschien, so krumm
elas vivem?
32.Quem disse isso?
33.Nosso professor.
34.E você está cuidando das
ratazanas?, perguntou o homem.
35.Claro que não! E então ele falou
bem baixinho: é que meu irmão está
embaixo. Bem aí. Jürgen mostrou com
o pedaço de pau as paredes
entulhadas. Nossa casa foi atingida por
uma bomba. De repente, a luz se
apagou no porão. E ele desapareceu. A
gente ainda chamou por ele. Era muito
menor do que eu. tinha quatro anos.
Ele tem que estar aqui. É que ele é
bem menor do que eu!
36.O homem olhava sobre o cabelo
esguedelhado. Então disse de repente:
Sim, e o seu professor nem disse
que as ratazanas dormem à noite?
37.Não, sussurrou Jürgen, que parecia
já bem cansado, isso ele não disse não.
38.Pois é, diz o homem, mas que
professor é este que nem sabe
disso? É claro que as ratazanas
dormem à noite. À noite você pode ir
tranqüilamente para casa. À noite
elas sempre dormem. Logo quando
escurece.
39.Jürgen fazia pequenas covas nos
escombros com seu pedaço de pau.
Uma porção de pequenas camas, ele
pensava, todas camas pequenas. Então
o homem disse (e nesse momento suas
pernas tortas estavam inquietas): Sabe
de uma coisa? Agora vou alimentar
rapidinho meus coelhos e quando ficar
escuro, venho buscar você. Talvez eu
traga um deles. Um filhote, o que vo
acha?
40.Jürgen fazia pequenas covas nos
escombros. Uma porção de pequenos
coelhos... Branco, cinza, cinza com
branco. Eu não sei, disse ele baixinho e
olhou para as pernas tortas, se eles
realmente dormem à noite...
41.O homem passou sobre os restos de
muro em direção à rua. É claro que sim,
disse ele de lá, seu professor tem que
ser despedido, se ele nem sequer
sabe disso.
42.Então, Jürgen se levantou e
perguntou: Se eu puder ganhar um?
Um branquinho talvez?
43.Eu vou tentar, gritou de o
homem a caminho, mas enquanto
isso você tem que esperar aqui.
Então eu vou com você para casa,
sabe? É que eu preciso dizer a seu
108
waren sie. Und der Korb schwenkte
aufgeregt hin und her. Kaninchenfutter war
da drin. Grünes Kaninchenfutter, das war
etwas grau vom Schutt
pai como se constrói uma casa para
coelhos. Porque vocês têm de saber
como se faz isso.
44. bom, gritou Jürgen, eu fico
esperando. Você sabe, eu tenho que
ficar tomando conta até anoitecer.
Com certeza vou esperar. E ele gritou:
nós temos também madeira em casa.
Pedaços de caixa!
45.Mas o homem já não escutava mais.
Ele andava em direção ao sol com suas
pernas tortas. O sol estava vermelho
ao cair da tarde e Jürgen podia
observar como ele brilhava através das
pernas do homem e como elas eram
tortas! E o cesto balançava pra e pra
cá. Comida para coelho tinha dentro.
Mato verde pra coelho, um pouco cinza
por causa dos escombros.
Berlin Bolero, de Ingo Schulze (texto integral)
1.So ein schmieriger Typ!" Sie drückte das Glas wieder gegen ihre Wange.
"Und du machst da mit. Die ganze Zeit bleibst du stur. Aber bei so einem ... Ich
kapier's einfach nicht!"
2.Robert spreizte die Finger. Er war sich nicht sicher, ob er die Warze auch
spürte, wenn sie nicht am Mittelfinger rieb. Erst hatte sie sich wie Schorf
angefühlt, jetzt mehr wie ein Krümel Toastbrot.
3."Höchstens vier Wochen", sagte er und sah kurz auf. Sie lehnte immer noch
in ihrem dunkelblauen Bademantel am Fensterbrett, den rechten Arm unter der
Brust, den linken Ellbogen auf die Hand gestützt. "Wenn sie sich an den Plan
halten, noch zwei, noch zwei Wochen."
4."So was von unappetitlich." Sie nippte am Weinbrand. Der rote Striemen auf
ihrer Wange verblasste allmählich. "Ich versteh nicht, wie du das machen
konntest, ich versteh's einfach nicht."
5.Der Rest Weinbrand schwappte im Glas hin und her wie die Wellen in diesem
Würfel, den er jedes Mal, wenn er beim Zahnarzt die Chipkarte abgab, in die
Hand nahm: Ein weißes Segelboot hielt sich auf haushohen blauen Wellen,
schwamm immer oben, immer mit dem Segel im Wind, selbst wenn er den
Würfel umdrehte. Seine Finger schoben sich ineinander. "Wir haben 96
Wochen durchgehalten. Und jetzt sind es noch zwei ..."
6."Beschissene 96 Wochen!" Sie kniff die Augen zusammen und öffnete den
109
Mund. Das Glas war leer. "Alles für die Katz ..."
7."Das waren keine beschissenen 96 Wochen, Doro, keine ..."
8."Nicht nur beschissen, es war ... Wie nennst du das denn, wenn im
Hausflur Sonntagstreff für Penner ist, die sich beim Pinkeln nicht mal
wegdrehen. Oder wenn die Wäsche im Schrank verdreckt, weil erst die eine
und dann die andere Wand angebohrt wird. Und nie Tageslicht, immer diese
beschissene Plane vorm Fenster, und dann darf ich noch froh sein, wenn's nur
die Plane ist, wenn nicht so ein beschissener Typ vorm Fenster hockt und mir
seinen beschissenen Finger zeigt."
9."Was?"
10."Ach Robert, wo lebst du denn?"
11."Wer hat dir? Würdest du den wiedererkennen?"
12."Red kein Blech."
13."Ich mein's ernst." Er war aufgestanden. Aber so wie sie ihn ansah - er
wollte nicht vor ihr stehen, ohne sie berühren zu dürfen. Das dunkelgelbe Licht
vom CD-Spieler überraschte ihn.
14."Du weißt vielleicht, was du sagst, aber du weißt nicht, worüber du sprichst.
Hast doch sonst mehr Phantasie." Sie rollte das leere Glas zwischen den
Handflächen, als sie auf ihn zu kam.
15."Doro", sagte er. "Dieses Dreckszeug ..." Er hatte mitgezählt und vergaß es
auch jetzt nicht. Das letzte Glas, randvoll, galt für zwei.
16.Sie kniete sich hin, die Hände auf den Couchtisch gestützt und schlürfte den
Weinbrand ab. Eine Haarsträhne fiel über den Glasrand. "Das ist doch gar
nicht so schlecht, das Dreckszeug von deinem Freund, von deinem Kum-
pel." Beim Aufstehen hielt sie sich am Sessel fest. Er wollte ihr keine Vorwürfe
machen. Er wollte, dass sich auch diese Minuten in ihr Leben fügten wie alle
anderen bisher. An jede Stunde sollten sie sich erinnern können, ohne etwas
zu bereuen.
17."Kum-pel", wiederholte sie und versuchte im Gehen zu trinken.
18.Wenn Robert diesem Mann einen Vorwurf machen konnte, dann den, dass
er das Zeug hier eingeschleppt hatte. Sie tranken beide keine scharfen
Sachen. Doro hatte sogar Freunde, die tranken gar keinen Alkohol. An so was
musste man doch denken.
19."Dein Kum-pel."
20."Noch zwei Wochen", sagte Robert, sah auf seine Hände und auf die
nackten Zehen. Würde er sie unter vielen wiedererkennen. Die Hände schon.
110
Seit er sich regelmäßig die Nagelhaut schnitt, waren sie ihm vertraut. "Das ist
doch alles klar gewesen, von Anfang an."
21."Von Anfang an!" Sie fuhr herum. Dann sagte sie ruhig: "Mit jeder Woche
müssen sie draufzahlen, sie haben ja leere Wohnungen versprochen,
leere, keine bewohnten. Also zahlen sie darauf, von Woche zu Woche...“
22."Das weiβ ich doch“
23."Sie sind steil nach oben gegangen, ganz steil. Und du sagst, wir hätten
darüber gesprochen. Ihr werdet das nie kapieren!"
24."Wer ist denn ïhr?“
25."Na ihr hier, ihr alle hier...“
26."Setz dich doch."
27."Ich dachte, du bist clever, du lässt sie zappeln und am Ende " Sie ballte
kurz die Faust. Schweiß glänzte auf ihrer Stirn, auch über der Oberlippe. „So
ein Angebot kriegen wir nie wieder, nie!“
28."Wenn das alles weg ist ..." Er sah sie an, er wollte weiterreden. Wenn sie
vom Bett aus erst wieder den Fernsehturm sehen könnten, das Blinklicht, ihren
Stern, und tagsüber die Elstern auf der Antenne und dem Schornstein
gegenüber und morgens die Schatten, die an der Hauswand herabsanken, bis
die Balkone nur noch kurze dunkle Wimpel warfen, Fähnchen, als käme der
Wind vom Friedrichshain. Robert sah den Efeu mit seinen Tintenfischarmen,
die Fahrräder im Hof...
29. Sie lachte.
30."Ich mache das doch nicht zwei Jahre lang mit und sag dann: Danke
schön! Ist wirklich nett geworden, schönes Treppenhaus, feiner Anstrich!"
31."Nicht so laut!"
32."Du bist so ein Depp! Was glaubst du denn, woher der so 'ne Zahl
nimmt - einhundertachtzigtausend, genau zwanzigtausend mehr! Du
hättest zweihundert verlangen können. Zwei ...", sie malte die Zahlen mit der
freien Hand in die Luft, "und fünf Nullen. Hat er dir irgendwas gezeigt,
irgendeinen Wisch, dass die Wohnung ihm gehört?"
33.Das Licht des CD-Spielers störte Robert, als würde da noch jemand hinterm
Sessel lauern. Jede Woche nahm er sich aus dem blauen Zehnerpack
klassischer Musik, das ihm Dorothea geschenkt hatte - zehn CDs für 88 Mark -,
eine heraus. Die meisten Komponistennamen kannte er, nur die Titel und die
Dirigenten und Orchester musste er lernen wie früher Russisch-Vokabeln. Er
kam nicht darauf, welche CD er zuletzt gehört hatte.
111
34."Du hättest wenigstens mal fragen können, bevor du so großzügig
verzichtest - als würde es mich überhaupt nicht geben, als wär ich Luft,
einfach nur Luft..." Sie machte kehrt, ging in den Flur, das Glas zwischen den
Fingerspitzen und stellte es hart auf dem Telefontisch ab. Mit ein paar Schritten
war er hinter ihr.
35."Ich renn dir schon nicht weg!", rief sie ohne sich umzusehen, streckte die
Arme zur Seite, als balancierte sie. "Du Klotz, so ein verdammter Klotz bist du!"
36."Doro", flüsterte er, "die Kinder."
37."Ich muss mal!" Sie zog die Toilettentür hinter sich zu. Seine Arme sanken
herab.
38.Im Wohnzimmer setzte er sich auf das Sofa, dahin, wo eine
halbkreisförmige Falte den Platz markierte, von dem er aufgestanden war.
39.Wenn sie wieder über die Schwelle trat, musste er wissen, wie der Abend
weitergehen, wie sie ins Bett kommen und einschlafen würden. Erst mal im
Bett, wäre das Schlimmste überstanden.
40.Er befolgte den Rat aus dem Buch, das er in den Pausen auf der Arbeit las:
in "zeitdichten Schotten" leben. Er musste Dorothea und sich nur durch diesen
Abend bringen, durch diese Nacht.
41.Er vertraute dem Morgen, der halben Stunde in der Küche, wenn er die
Kinder angezogen hatte und Dorothea hereinkam und er ihr Milch in den Kaffee
goss. Wenn er mit den Kindern das Haus verließ, stand das Geschirr schon in
der Spülmaschine.
42.Zweieinhalb Jahre hatte er an der Wohnung herumgebaut, zuerst
Etagenheizung und Elektrik, dann Raum für Raum die Dielen abgeschliffen, die
Fenster aufgearbeitet. Mit jedem Dübel, jeder Ringschelle, jedem neu
gestrichenen Türrahmen hatte er sich sicherer gefühlt. Die gröβte Sicherheit
jedoch gaben ihm die Jungs. Wenn Dorothea ihren Uni-Klüngel einlud und
durch die Wohnung führte und wenn er dann, die beiden Jungs auf dem Arm,
im Wohnzimmer erschien zum Gute-Nacht-Kuss und Dorothea sagte: "Hier,
meine drei Männer!" - so gut wie ihm ging es dann niemandem sonst,
zumindest niemandem, den er kannte.
43.Plötzlich begann wieder diese Melodie. Sie kam aus ihrer Handtasche.
Robert wusste, wie diese Orchestermusik hieβ, er wusste den Vor und
Zunamen des Komponisten, er wusste sogar, welcher Name jetzt auf dem
Display ihres Handys blinkte. Er warf die Handtasche aufs Sofa, nahm ein
Kissen und drückte es mit beiden Händen so lange auf die Tasche, bis das
112
Orchesterstück erstarb.
44.Robert hatte Zimmermann gelernt und war fast zehn Jahre von Baustelle zu
Baustelle gezogen. Drei Jahre hatte er Heizungen montiert und anderthalb
Jahre Büromöbel geliefert, geschleppt und aufgebaut. Zweieinhalb Jahre
arbeitete er jetzt schon beim Catering Service "Magnum". Er war nie entlassen
worden. Die Firmen hatten immer Pleite gemacht. Einen wie ihn entließ man
nicht, da ging er jede Wette ein. Zu tun gibt's immer genug. Na also. Und
Dorothea? Er hatte sich nichts bei ihr ausgerechnet und war deshalb ganz
unbefangen geblieben. Mit einunddreißig war sie zum ersten Mal schwanger.
Er hatte nicht gewusst, dass man derart lange studieren konnte. Wenn
Dorothea mal für ein paar Wochen Arbeit hatte, dann ohne Bezahlung. Über
jede Zusage freute sie sich so sehr, dass er jedes Mal glaubte, sie hätte was
Festes. Aber sie musste ja gar nicht arbeiten. Er sorgte schon für seine
Familie, er wusste, was gut für sie war. Er brauchte keine Ratschläge, schon
gar nicht von diesen Baufritzen.
45.Diese Baufritzen hatten zur Mieterversammlung eingeladen und Dorothea
angestarrt und sie waren dann ganz aus dem Häuschen geraten, als sie
Dorotheas Dialekt hörten. Eine Süddeutsche, eine Landsmännin, das hatten sie
offenbar nicht erwartet, nicht in so einer Wohnung. Er hatte den Kampf
aufgenommen.
46.Nur einmal war der Mietvertrag aus der Schatulle gekommen - für dreißig
Minuten. Die brauchte er, um in den Kopierladen in der Winnstraβe zu gehen,
wo er auf Dorotheas Karte Rabatt bekam. Das Original durfte auf den vielen
Wegen nicht verloren gehen oder auch nur einen Knick abbekommen.
47.Er hörte die Klospülung und wusste nicht mal, ob er aufstehen oder
sitzen bleiben sollte. Dorothea war jetzt vorbereitet, hatte sich ganze Sätze
zurechtgelegt. Er würde nur wiederholen können, dass in zwei Wochen ... wenn
die Plane fiel und das Gerüst ... nach 98 Wochen wieder Himmel, ein Feiertag,
Tag des Sieges. Zum ersten Mal spürte er darüber keine Freude.
48.Ein halbes Jahr war nichts passiert. Dann kam der Aushang wegen des
Gerüsts: Erhöhte Einbruchgefahr. Er hatte Reizspray gekauft und in jedem
Zimmer eine Dose deponiert. Und dann die Plane. Von einer Plane war nie die
Rede gewesen. Zehn Monate hatten sie dahinter geschmort, ohne dass ein
Bauarbeiter erschienen war. "Wir werden vorgegrillt", hatte Dorothea gesagt. Er
sagte allen: "Wenn keiner auszieht, können sie gar nichts machen."
49.Als es losging, klingelten die Baufritzen wöchentlich, und schließlich standen
113
sie jeden Tag vor der Tür. Er wollte keine Veränderungen. Er musste nicht erst
schlechte Erfahrungen machen, um zu wissen, was gut ist. Er war an seinem
Platz, und von dem ging er auch nicht mehr weg.
50."Wollen wir uns nicht mal eine andere Wohnung anschauen? Nur
anschauen, meine ich." Er hatte Dorothea bloß gefragt: "Was gefällt dir an
unserer Wohnung nicht? Was vermisst du? Was habe ich vergessen? Was
möchtest du anders haben? Na also."
51.Die Baufritzen krochen herein wie der Staub, da halfen auch keine nassen
Tücher. Er wollte nicht die Therme aus der Küche ins Bad verlegt haben, er
wollte keine Fernwärme, er heizte mit Kohle, darauf konnte er sich verlassen -
ob Stromausfall oder Krieg. Er hatte sogar einen zweiten Keller angemietet und
Briketts kommen lassen, als Reserve. Und Kerzen, so viele, dass sie damit
handeln konnten.
52.Diese Typen verstanden doch nur, mit Geld herumschmeißen, und
wenn das nicht half, mit mehr Geld und noch mehr Geld. Er hatte sich im
Griff. Sie waren es, die sich schlecht benahmen, die die Geduld verloren und
ihm alles Mögliche unterstellten. Ihm war es doch egal, woher sie anreisten
und ob der Bauleiter in Neukölln oder Hellersdorf wohnte. Er wusste nur,
dass das Geld seine Familie kaputtmachen würde und dass sie nicht aus der
Wohnung gehen durften. Sie hatten eine Prüfung zu bestehen. Und er würde
Dorothea schon helfen, stark zu bleiben.
53.Dieser Mann hatte es kapiert und heute abend seine Visitenkarte unter der
Tür durchgeschoben. Er war chstens Mitte dreißig, auch wenn er so wenig
Haare auf dem Kopf hatte, dass man seinen Scheitel aus der Nähe gar nicht
sah, seine Kopfhaut glänzte. "Wer so lange durchhält, der zieht nicht mehr aus,
ni wahrr? Die pokern. Und mich vertrösten sie bis ultimo." Robert, er mochte
den Lausitzer Dialekt des Mannes, hatte sich das erklären lassen.
54."Ich hab' die Wohnung gekauft, Ihre hier, aber leer. Die da drüben", er
meinte die Baufirma, "sagen, dass es nur 'ne Frage des Geldes ist, ni wahrr,
wann Sie ausziehen. Aber ich glaub' das nicht mehr. Ich will mein Geld wieder,
Rückabwicklung, verstehn Sie? Ich hab zwei Jahre gewartet. Die vertrösten
mich doch bis ultimo."
55.Endlich hatte es einer kapiert. Nie würden sie ausziehen, auch nicht für
hundertachtzigtausend. Warum sollte Robert das nicht unterschreiben? Nun
kriegten's die Baufritzen schriftlich, amtlich sozusagen.
56.Als Dorothea nach Hause kam, war sein Besuch schon dabei zu gehen.
114
57."Hast du dir mal überlegt", Robert schrak auf, "wie lang du dafür
arbeiten musst? Sechs Jahre, sieben Jahre." Sie sah ihn nicht an, nicht mal
beim Reden, und zog den Bademantel am Kragen zusammen, als fröre sie.
"Zweihunderttausend, eine Zwei und fünf Nullen, darüber haben wir nie
geredet, nie."
58.Er spürte das Flackern in seinen Augen, aber er erwiderte nichts. Er wusste
es doch, er, der Klotz, wusste es nur zu gut.
59."Ich dachte, ihr hättet das endlich kapiert, wie das funktioniert", sagte sie,
"aber ihr habt keine Ahnung."
60.Er blickte auf. Dorothea lehnte mit der Schulter an der Wand.
61."Weißt du ..." Ihr Kopf bewegte sich, als verfolge sie eine Melodie. Ein
einziges Mal hatte Robert sie betrunken erlebt, noch vor der Geburt der Kinder.
Den ganzen Heimweg über hatte sie geheult und nach ihm getreten. Er hatte
sie hinter sich herziehen müssen wie einen störrischen Hund. Sie waren
niemandem begegnet. Hätte er sie zurückgelassen, wäre sie vielleicht erfroren.
Das sollte sie nicht vergessen. Oft kam sie spät nach Hause, manchmal sehr
spät. Aber morgens, in der Küche, war wieder alles gut.
62."Weißt du ..." Sie ließ ihren Bademantel los, schob sich an der Wand
entlang zur Tür und wankte hinaus.
63.Er folgte ihr bis in den Flur. Die Klotür schlug zu, das Licht ging an, der
Klodeckel knallte gegen das Wasserrohr. Sie würgte und gleich darauf ging die
Spülung.
64.Es war wie ein Auftritt in einem Fernsehkomödie, wenn die Leute kurz
erscheinen, etwas sagten und wieder verschwinden und die anderen sich ratlos
ansehen und Lachen eingespielt wird.
65.Er hörte sie jetzt wieder. Die Tür war nicht verriegelt.
66.Er störte sich nicht an ihrem Aufschrei, nicht an der Hand, die ihn
wegwedeln und hinausscheuchen wollte. Sie musste doch wissen, dass mit
ihm so etwas nicht zu machen war. Er schob sie ein Stück zur Seite,
umfasste sie mit der Linken und drückte sie gegen seine Hüfte. Sie beugte sich
wieder übers Becken, sie würgte, hustete, spuckte. Mit der Rechten hielt er ihre
Stirn. Ihr Bademantel war offen, die herabhängende Kordel lag auf seinen
Zehen. Ein Speichelfaden reichte bis ins Klobecken. Gelb-bräunlicher Schleim
schwamm darin.
67.Er redete ihr zu, ruhig und gleichmäßig, während sie an dem Speichelfaden
wie an einer Saite zupfte. Er hob ihre Stirn ein wenig und zog die Spülung.
115
"Mach dir keine Sorgen", sagte er. "Ganz ruhig, Doro, ganz ruhig."
68.Allmählich kam die Welt wieder ins Lot. Wenn es sein musste, würde er bis
morgen früh durchhalten, keine Frage. Solange er ihre Stirn in seiner Hand
spürte, konnte nichts Schlimmes passieren.
69.Eigentlich war alles so gekommen, wie es sollte, und seine Entscheidung
endgültig. Er hatte alles richtig gemacht. Er fühlte sich wie das Schiff auf den
blauen Wogen, das Segel immer im Wind. Und selbst dieses hochprozentige
Zeug, dieses unüberlegte Geschenk, selbst das hatte seine Funktion. Wie
hätten sie es sonst bis zum nächsten Morgen schaffen sollen, ohne Weinbrand,
ohne Dorotheas Stirn in seiner Hand. Er war ihm dankbar, diesem Kerl mit dem
glänzenden Schädel, wirklich dankbar.
70.Robert wusste jetzt, wie er sie durch diesen Abend, durch diese Nacht
bringen würde, egal, was sie da redete.
71.Wenn das hier vorbei war, durfte er nicht vergessen, den CD-Spieler
auszuschalten. Dann würde er endlich sehen, welche CD er zuletzt gehört
hatte, und sich an den Namen des Komponisten erinnern. Der Wecker war
gestellt. Er ließ Dorothea reden.
72.Mit der Linken strich er ihr Haar aus dem Nacken. Das musste sich wie
Streicheln anfühlen. Allein konnte sie sich nicht mehr auf den Beinen halten.
Ihre Stirn war feucht und warm. Oder seine Hand? Er schob sich weiter vor, so
dass er den Ellbogen an den Rippen abstützen konnte. Er würde schon
durchhalten. Er wollte nur die Seite wechseln, ihre Stirn in die andere Hand
nehmen. "Du musst alles rausbringen", unterbrach er sie, "wirklich alles."
Warum hielt sie nicht endlich die Klappe?
73.Es war dann nicht mehr als eine Drehung des linken Handgelenks, eine
Geste, die er von Dorothea kannte, wenn sie ihr Haar aufsteckte. Für einen
Augenblick spürte er die ganze Schwere ihres Kopfes. Sein rechter Arm sank
wie betäubt herab.
74.Robert war selbst überrascht von seinem schnellen Zugriff, als wäre er darin
geübt. Zwischen den Fingern fühlte er wieder diesen Krümel Toastbrot, ihr Haar
aber umhüllte seine linke Hand wunderbar weich. Immer weiter zog er
Dorotheas Kopf nach hinten. Ihr Gesicht war nun direkt unter ihm. Sie blickten
einander an, sie beobachteten sich, bis er begriff, dass es jetzt zu spät war,
dass er sie nun nicht mehr einfach loslassen konnte. Und so sah er, da sie für
einen Moment die Augen schloss, keinen anderen Ausweg, als ihren offenen
Mund zu küssen.
116
Bolero em Berlim
(de Ingo Schulze, traduzido por Marcelo Backes, 2008)
“Um cara tão pegajoso!” E ela mais uma vez apertou o copo contra a face. “E
você simplesmente cai na dele. Fica o tempo todo impassível. E com um cara
desses.... Eu simplesmente não entendo!”
Robert esticou os dedos. Ele o tinha certeza se também sentia a
verruga quando ela não roçava o dedo médio. Primeiro ela dava a sensação
de uma casquinha, agora já era mais como um farelo de pão.
“No máximo quatro semanas”, ele disse, e levantou os olhos
brevemente. Ela continuava escorada ao parapeito da janela com seu roupão
de banho azul-escuro, o braço direito abaixo dos seios, o cotovelo esquerdo
apoiado sobre a mão. “Se eles respeitarem o acordo, mais duas, mais duas
semanas.”
“Que coisa mais desagradável.”Ela bebericou o conhaque. A listra
vermelha sobre sua face empalideceu aos poucos. “Eu não entendo como é
que você foi capaz de fazer uma coisa dessas, eu simplesmente não entendo.”
O resto do conhaque oscilava no copo para lá e para cá como as ondas
naquele cubo que ele sempre pegava quando entregava o cartão do seguro
com chip no dentista: um pequeno barco a vela se mantinha sobre as
gigantescas ondas azuis, nadava sempre na crista, sempre com as velas ao
vento, mesmo quando ele virava o cubo de cabeça para baixo. Seus dedos se
entrelaçaram. “Nós agüentamos noventa e seis semanas. E agora são mais
duas...”
“Noventa e seis semanas de merda!”Ela cerrou os olhos e abriu a boca.
O copo estava vazio. “E tudo à toa...”
“Não foram noventa e seis semanas de merda, Doro, não foram...”
“Não apenas de merda, mas até... Qual é o nome que você daria para o
encontro dominical de um monte de vagabundos no saguão de sua casa, que
nem se viram de costas quando estão mijando? Ou ver suas roupas se
emporcalhando dentro do armário, porque as paredes são perfuradas, primeiro
uma, depois a outra? E nem um pingo de luz natural, sempre esse toldo de
merda na frente da janela, e ainda por cima tenho que ficar feliz quando é
apenas o toldo, e não tem um cara de merda desses sentado na frente da
janela apontando seu dedo de merda para mim.”
117
“O quê?”
“Ah, Robert, em que mundo você vive?”
“Quer dizer que alguém? Você seria capaz de reconhecê-lo?”
“Não fala bobagem...”
“É sério.”Ele se levantou. Mas o jeito como ela o olhava ele não
queria ficar parado diante dela sem poder tocá-la. A luz amarelo-escura do
aparelho de CD o surpreendeu.
“Talvez você esteja falando sério, mas não sabe do que está falando.
Normalmente você tem mais imaginação.” Ela roulou o copo vazio entre as
palmas das mãos enquanto se aproximava dele.
“Doro”, disse ele.
Ela encheu o copo mais uma vez.
“Essa porcaria...”Ele havia contado todos, e não esqueceu aquele que
ela estava enchendo. O último copo, cheio até a borda, valeu por dois.
Ela se ajoelhou, as mãos apoiadas à mesinha de centro, e sorveu o
conhaque. Uma mecha do cabelo caiu sobre a borda do copo. “Até que não é
tão ruim assim, a porcaria que seu amigo trouxe, o seu ca-ma-ra-da.” Ao
levantar, ela se segurou no sofá. Ele não queria censurá-la. Queria que
também aqueles minutos se encaixassem na vida deles como todos os outros
até então. Eles deveriam poder se lembrar de todas as horas sem se
arrepender do que quer que fosse.
“Ca-ma-ra-da”, ela repetiu, e tentou beber enquanto andava.
Se é que Robert podia fazer uma censura àquele homem, então seria a
de que ele havia trazido aquele troço pra dentro de casa. Ele e ela não bebiam
nada muito forte. Doro tinha até amigos que não tomavam álcool. Era preciso
pensar em uma coisa dessas, ora...
“O seu ca-ma-ra-da.”
“Mais duas semanas”, disse Robert, e olhou para suas mãos e para os
dedos dos pés nus. Será que ele os reconheceria em meio a muitos? As mãos
sim. Desde que passara a tirar regularmente as cutículas, elas haviam se
tornado familiares para ele. “Isso tudo ficou muito claro, desde o começo”
“Desde o começo!” Ela caminhava para e para cá. E então disse,
calma: “Pra cada semana os fulanos construtores do prédio vão ter de pagar
um extra, que prometeram um apartamento vazio, sim, vazio, e não
ocupado. Nada mais justo, portanto, um extra, e pra cada semana...”
“Eu sei disso, ora...”
118
“Eles subiram bem rapidinho, bem rapidinho mesmo. E você ainda diz
que nós falamos disso. Vocês não vão entender mesmo nunca!”
“Mas quem são esses 'vocês', nesse caso?”
“Vocês ora, vocês todos aqui...”
“Senta aí.”
“Eu pensei que você fosse inteligente, que estava deixando eles
espernearem pra no fim...” Ela cerrou o punho brevemente. O suor brilhava
sobre sua testa, também sobre o lábio superior. “Nós nunca mais vamos
receber uma oferta dessas, nunca!”
“Quando tudo isso chegar ao fim...” Ele olhou para ela, queria continuar
falando. Quando eles pudessem voltar a ver a torre de TV da cama, a luz
piscante, a estrela, e durante o dia as pegas pousando sobre a antena e na
chaminé em frente, e de manhã as sombras que se debruçavam sobre a
parede do prédio até que as sacadas passavam a lançar apenas bandeirolas
curtas e escuras, flâmulas, como se o vento viesse do Friedrichshain. Robert
viu a hera com seus tentáculos de lula, as bicicletas do pátio.
Ela riu.
“Eu não vou ficar dois anos, e depois ainda dizer muito obrigada! A
que o resultado ficou simpático, escadarias bonitas, pintura finíssima!”
“Não fale tão alto!”
“Você é mesmo um babaca! De onde pensa que ele tira um valor
assim... cento e oitenta mil, exatamente vinte mil a mais! Você poderia ter
pedido duzentos. Sim, um dois...”Ela desenhou os números no ar com a mão
livre, “e mais cinco zeros. Em algum momento ele mostrou a você, deu algum
sinal de que o apartamento pertence a ele?”
A luz do aparelho de cd perturbava Robert, como se mais alguém
estivesse à espreita atrás do sofá. A cada semana, ele tirava um dos discos do
pacote azul de música clássica que Dorothea havia lhe dado de presente – dez
cds por oitenta e oito marcos e o colocava para tocar. Ele conhecia o nome
da maior parte dos compositores, os títulos, os regentes e as orquestras ele
tinha que decorar, como fazia no passado com as palavras em russo. Não
conseguiu lembrar qual havia sido o cd que ouvira por último.
“Você poderia ao menos ter perguntado, antes de abrir mão tão
generosamente; como se eu nem sequer existisse, como se eu fosse ar, pura e
simplesmente ar...” Ela deu meia-volta, foi até o corredor, o copo entre as
pontas dos dedos, e o colocou sobre a mesa do telefone bruscamente. Com
119
alguns passos, ele estava atrás dela.
“Eu ainda não vou fugir de você!”, ela gritou, sem se virar. “Seu grosso,
seu grosso estúpido!”
“Doro”, ele sussurou, “as crianças.”
“Estou apertada!” E ela fechou a porta do banheiro atrás de si. Os
braços dele desabaram.
Na sala, ele sentou no sofá, onde um vinco em semicírculo marcava o
lugar do qual acabara de se levantar.
Quando ela voltasse a aparecer na soleira da porta, ele tinha de saber
como a noite continuaria, como eles chegariam à cama e depois
adormeceriam. Primeiro era chegar até a cama, aí o pior já teria passado.
Ele seguiu o conselho do livro que lia nas pausas do trabalho: viver em
“cabines à prova do tempo”.
113
Tinha apenas de conseguir superar, junto com
Dorothea, aquela noite, aquela madrugada.
Ele acreditava na manhã seguinte, naquela meia hora na cozinha,
quando ele botava o leite no café dela. Quando saía de casa com as crianças,
a louça já estava na máquina.
Durante dois anos e meio ele fizera obras no apartamento, primeiro a
calefação do andar e a parte elétrica, depois lixar o assoalho, ambiente por
ambiente, consertar as janelas. A cada bucha, a cada arruela, a cada moldura
de porta repintada ela se sentira mais seguro. A maior segurança, contudo,
quem lhe dava eram os rapazes. Quando Dorothea convidava sua turma da
universidade e mostrava o apartamento a todo mundo, e ele, então, com os
dois rapazes sobre os braços, aparecia na sala para o beijo de boa-noite e
Dorothea dizia: “Olhem só, meus três homens!” Ah, ninguém se sentia tão bem
quanto ele, pelo menos ninguém que ele conhecia.
De repente, começava de novo aquela melodia. Vinha da bolsa dela.
Robert sabia como se chamava aquela música de orquestras, ele sabia o
nome e o sobrenome do compositor, ele sabia até mesmo qual o nome que
agora piscava no display do celular dela. Ele jogou a bolsa no sofá pegou um
travesseiro e o apertou com as duas mãos sobre ela, até que a peça da
orquestra morresse sufocada.
Robert havia aprendido carpintaria, e durante quase dez anos se
mudara de um canteiro de obras para outro. Por três anos ele instalara
aparelhos de calefação, e por um ano e meio providenciara a entrega, o
113Conceito alemão de livors de auto-ajuda empresarial, segundo o qual o indivíduo deve viver o
aqui e o agora, concentrado apenas no seu trabalho. [N.T.]
120
carregamento e a montagem de móveis de escritório. Agora ele trabalhava
fazia dois anos e meio no serviço de bufê Magnum. Jamais fora demitido. As
firmas sempre acabaram indo à falência. Um sujeito como ele jamais era
despedido, nisso ele era capaz de apostar tudo que tinha. Sempre há o que
fazer. Pois então. E Dorothea? Ele achava que não teria a menor chance com
ela, e por isso conseguira se comportar de modo totalmente natural. Com trinta
e um anos, ela engravidara pela primeira vez. Ele não havia pensado que
alguém fosse capaz de estudar assim por tanto tempo. E quando Dorothea
arranjava trabalho por algumas semanas, era sem receber pagamento. Ela
ficava tão contente com as respostas positivas que recebia, que ela sempre
acreditava que ela arranjara algo definitivo. Mas ela nem sequer precisava
trabalhar. Ele cuidava muito bem de sua família, ele sabia o que era bom para
ela. Ele não precisava de conselhos, muito menos desses fulanos da
construtora.
Esses fulanos da construtora haviam convidado todo mundo para a
assembléia de inquilinos, e ficaram olhando para Dorothea fixamente, depois
acabaram perdendo por completo as estribeiras quando ouviram o dialeto dela.
Uma alemã do sul, uma compatriota da Alemanha Ocidental, por isso eles não
pareciam não esperar, não num apartamento como aquele. Ele, porém,
comprara a briga.
uma vez o contrato de aluguel havia saído do lugar por trinta
minutos. Foi do que ele precisou para ir até a copiadora da Winsstrasse, onde
recebia desconto usando o cartão da Dorothea. O original era a garantia que
eles tinham nas mãos, e não podia ser perdido, nem mesmo mostrar uma
simples dobra depois de tantas idas e vindas.
Ele ouviu a descarga sendo puxada e não sabia nem mesmo se devia
levantar ou ficar sentado. Dorothea agora estava preparada , havia bolado
frases inteiras para dizer. Ele saberia apenas repetir que em duas semanas...
quando o toldo caísse e os andaimes ... depois de noventa e oito semanas ver
o céu de novo, um feriado, dia da vitória... Pela primeira vez ele não se alegrou
com isso.
Ao longo de meio ano, não acontecera nada. E então o cartaz por
causa dos andaimes: perigo acentuado de desmoronamento! Ele havia
comprado spray de pimenta e colocado uma lata em cada ambiente. E em
seguida o toldo. Ninguém jamais havia mencionado um toldo. Durante dez
meses eles haviam cozinhado atrás dele, sem que um pedreiro sequer
121
aparecesse. “Nós estamos sendo grelhados”, dissera a Dorothea. E ele dizia a
todos: “Se ninguém mudar, eles não poderão fazer nada”.
Quando tudo começou, os fulanos da construtora tocavam a campainha
uma vez por semana, e por fim estavam parados todos os dias diante da porta.
Ele não queria mudanças. Não precisava fazer experiências malsucedidas
para saber o que era bom. Ali ele estava em seu lugar, e dali não sairia mais. E
tinha direito de ficar.
“Será que não seria bom se déssemos uma olhada em outro
apartamento? dar uma olhada, sabe.” Ele se limitara a perguntar a
Dorothea: O que é que não te agrada no nosso apartamento? Do que você
sente falta? O que foi que esqueci? O que você gostaria que fosse diferente?
Pois então...”
Os fulanos da construtora entravam na casa do mesmo jeito que o pó,
nem os panos molhados ajudavam. Ele não queria que o termostato fosse
transferido da cozinha para o banheiro, não queria o calor da calefação central
e preferia esquentar a casa com carvão, pois no carvão ele podia confiar
mesmo em caso de falta de energia ou de guerra. Ele havia até alugado um
segundo porão e juntado briquetes de reserva. E velas, tantas, que eles
podiam abrir um negócio com elas.
Esses caras sabiam mesmo jogar com dinheiro na cara da gente e,
quando isso não ajudava, jogar mais e mais dinheiro, cada vez mais dinheiro.
Ele tinha controle sobre si mesmo. Foram eles que se comportaram mal, eles
que perderam a paciência e o acusaram de tudo quanto é coisa. Para ele,
pouco importava de onde eles vinham e se o engenheiro-chefe era de Neukölln
ou de Hellersdorf. Ele sabia apenas que o dinheiro acabaria destruindo a sua
família, e que eles não deviam ceder e sair do apartamento. Eles tinham de
passar por uma prova. E ele ajudaria Dorothea a permanecer forte.
Aquele homem havia entendido tudo e enfiado seu cartão de visita
debaixo da porta. Tinha no máximo trinta e poucos anos, ainda que seus
cabelos fossem tão poucos que nem se podia ver a risca divisória de perto.
Seu couro cabeludo brilhava. “Quem agüenta tanto tempo assim, não se muda
mais, non é verdade? Eles ton blefando. E o meu caso eles acabam
protelando, sempre protelando.” Robert gostava do dialeto do Oberlautsitz
falado pelo homem, havia arrancado essa explicação da parte dele.
“Eu comprarei o apartamento de vocês, nesse conjunto, mas eu o
comprei vazio. Esses daí”, ele se referia aos fulanos da construtora, “dizem
122
que é apenas uma questão de dinheiro, non é mesmo, pra saber quando o
senhor vai se mudar. Mas eu não acredito mais nisso. Eu quero, pois é, quero
que eles me dêem o dinheiro de volta, devolução, o senhor entende? Esperei
dois anos. Mas eles ficam protelando, sempre protelando.”
Enfim alguém havia entendido as coisas. Eles jamais se mudariam,
nem mesmo por cento e oitenta mil. Por que Robert não deveria assinar algo
assim, dizendo que jamais se mudariam? Agora os fulanos da construtora
receberiam a coisa por escrito, em caráter oficial, como se diz, e o dono do
apartamento.
Quando Dorothea chegara em casa, a visita dele estava prestes a ir
embora.
“Algum dia você pensou”, e Robert levou um susto,”quanto tempo
precisarias trabalhar pra conseguir um dinheiro desses? Seis anos, sete anos.”
Ela não olhava para ele, nem mesmo ao falar, e mantinha o roupão de banho
fechado, segurando-o pela gola como se estivesse com frio. “Duzentos mil, um
dois e cinco zeros, sobre isso nós nunca conversamos, nunca mesmo.”
Ele sentiu o tremor de seus olhos, mas não respondeu nada. Sabia
muito bem, ele, o grosso, sabia de tudo muito bem.
“Eu achava que vocês enfim tinham entendido como funciona a coisa”,
disse ela,”mas vocês não tem a menor idéia de nada.”
Ele levantou os olhos. Dorothea recostava o ombro à parede.
“Sabe de uma coisa...” A cabeça dela se movimentava como se
seguisse uma melodia. Robert a vira bêbada uma única vez, antes ainda do
nascimento das crianças Ela chorara o tempo inteiro no caminho de casa,
tentando acertá-lo com seus chutes. Ele tivera que arrastá-la como um
cachorro teimoso. Eles não haviam encontrado ninguém. Se ele a tivesse
deixado para trás, ela talvez tivesse morrido congelada. E disso ela não devia
se esquecer. Ela chegara muitas vezes tarde em casa, às vezes até bem tarde.
Mas pela manhã, na cozinha, tudo voltava a ficar bem.
“Sabe de uma coisa...”Ela soltou o roupão de banho, empurrou o corpo
ao longo da parede até a porta, e cambaleou para fora.
Ele a seguiu até o corredor. A porta do banheiro bateu, a luz se
acendeu, a tampa do vaso estalou contra o cano da água. Ouviu-se o barulho
do vômito, e logo depois puxou a descarga.
Era como a entrada em cena numa comédia de televisão, quando as
pessoas aparecem por um instante, dizem alguma coisa, e logo voltam a
123
desaparecer, e os outros se olham desnorteados enquanto o riso de um
gravador é acionado.
Agora ele a ouvia de novo. A porta não estava trancada.
Ele não ficou perturbado com o berro de Dorothea, nem com a mão que
queria afastá-lo e expulsá-lo dali acenando. Ela tinha de saber que com ele
não se fazia uma coisa dessas. Ele a empurrou um pouco para o lado,
agarrou-a com a mão esquerda e apertou-a contrra seus quadris. Ela se
curvou sobre o vaso mais uma vez, sentiu ânsias de vômito, tossiu, cuspiu.
Com a direita, ele segurava a testa dela. O roupão de banho estava aberto, o
cinto pendente tocava os dedos dos pés dele. Um fio de saliva chegava até o
vaso. Muco de um amarelo quase marrom boiava lá dentro.
Ele falou com ela, calma e regularmente, enquanto ela dedilhava o fio
de saliva como se fosse uma corda de violão. Ele levantou a testa dela um
pouco e puxou a descarga. “Não fica preocupada”, disse ele. “Calma, Doro,
fica calma.”
Aos poucos, o mundo voltou aos eixos. Se tivesse de ser, ele
agüentaria até o dia seguinte pela manhã, sem dúvida. Enquanto sentia a testa
dela em sua mão, não podia acontecer nada de ruim.
No fundo, tudo havia acontecido como tinha de acontecer. Sua decisão
era definifiva. Ele fizera tudo certo. Se sentia como o navio sobre as ondas
azuis, as velas sempre ao vento. E mesmo aquele troço de alto teor alcoólico,
aquele presente impensado, mesmo este tinha sua função. Como é que eles
conseguiriam chegar ao dia seguinte de outro modo, sem conhaque, sem a
testa de Dorothea em sua mão? Robert ficara agradecido a ele, aquele sujeito
de crânio brilhante, verdadeiramente agradecido.
Agora Robert sabia como faria Dorothea passar por aquela noite,
aquela madrugada, pouco importava o que ela falasse.
Quando tudo aquilo ali tivesse passado, ele não podia esquecer de
desligar o aparelho de Cd. ele olharia para saber qual tinha sido o cd que
ouvira por último, e também voltaria a se lembrar do nome do compositor. O
despertador já estava programado. Ele deixou Dorothea falar.
Com a esquerda, afastou os cabelos das costas dela. E ela devia sentir
aquilo como uma carícia. Sozinha, não conseguia mais se sustentar sobre as
pernas. Sua testa estava úmida e quente. Ou será que era a mão dele? Ele se
adiantou um pouco mais, a fim de poder apoiar os cotovelos nas costelas. Ele
agüentaria,sim, agüentaria. Queria apenas mudar de lado, colocar a testa dela
124
na outra mão. “Você tem que botar tudo pra fora”, ele a interrompeu. “tudo
mesmo.”Por que ela não calava a boca de uma vez por todas?
Então não fez mais do que girar o punho esquerdo, um gesto que ele
conhecia de Dorothea, quando ela prendia seu cabelo no alto da cabeça. Por
um instante, sentiu todo o peso do corpo dela. Seu braço esquerdo caiu como
se estivesse anestesiado.
Robert ficou surpreso com sua própria rapidez ao agarrá-la como se
fosse treinado nisso. Entre os dedos, ele voltou a sentir aquele farelo de pão,
mas os cabelos dela envolviam a mão esquerda de um modo
maravilhosamente suave. E ele puxava a cabeça de Dorothea cada vez mais
para trás. O rosto dela agora estava diretamente embaixo dele. Eles se
olharam, se observaram, até que ele compreendeu que agora era tarde
demais, que agora não podia mais simplesmente largá-la. E assim ele viu,
quando ela fechou os olhos por um momento, que não havia outra saída a não
ser beijar a boca aberta de Dorothea.
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