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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
“A LITURGIA DE HEBREUS: Uma análise de como as
mudanças sociais influenciam as formas de culto”
CELSO ERONIDES FERNANDES
SÃO BERNARDO DO CAMPO - 2006
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2
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
“A LITURGIA DE HEBREUS: Uma análise de como as
mudanças sociais influenciam as formas de culto”
CELSO ERONIDES FERNANDES
ORIENTADOR: Prof. Dr.GEOVAL JACINTO DA SILVA
Dissertação apresentada em cumprimento
parcial das exigências do Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião, para
obtenção do grau de Mestre.
SÃO BERNARDO DO CAMPO
Janeiro de 2006
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3
Banca Examinadora
___________________________________________________
Presidente: Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva
____________________________________________________
Prof. Dr. Tércio Bretanha Junker (UMESP)
_____________________________________________________
Prof Dr. Carlos Ribeiro Caldas Filho (Universidade Presbiteriana Mackenzie)
4
DEDICATÓRIA
Para Adriana e Rafael.
5
RECONHECIMENTO
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES),
ao Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião (IEPG), e
ao Professor Orientador Dr. Geoval Jacinto da Silva.
6
FERNANDES, Celso Eronides. A Liturgia de Hebreus: Uma análise de como
as mudanças sociais influenciam as formas de culto. Dissertação.
Universidade Metodista de São Paulo, Programa de Pós-Gradução em
Ciências da Religião, São Bernardo do Campo: 2006, 151 p.
RESUMO
Qual o poder de influência das mudanças sociais nos estilos de cultos? A
realidade é que a Religião não é isenta de sofrer influências das mudanças
políticas e sociais. Esta pesquisa analisa e compara dois momentos em que o
Cristianismo sofreu influências das mudanças ocorridas na sociedade. O primeiro
momento está baseado na Epístola de Hebreus, ainda nos primeiros séculos da
era cristã, quando conseguiu se desvincular da Liturgia Judaica e formar um
discurso litúrgico próprio. O outro momento estudado é a época atual, onde os
cultos têm recebido grande influência das mudanças que a sociedade vem
sofrendo. Em ambas as épocas é possível apontar uma luta entre a Tradição e a
Modernidade, entre o velho e o novo, entre o que esta estabelecido e o aquilo que
quer espaço a fim de se estabelecer.
PALAVRAS-CHAVES: Mudanças, Liturgia, Culto, Judaísmo, Cristianismo,
Tradição e Pós-Modernidade
7
FERNANDES, Celso Eronides. The Liturgy of Hebrews: An analysis of how
social changes influence the style of worship services. Dissertation.
Universidade Metodista de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião, São Bernardo do Campo: 151 p.
ABSTRACT
What influential power does social change have over types of worship
services? The truth is that religion is not exempt from receiving influences from
social and political changes. This research analyzes and compares two moments
that Christianity suffered influences from changes that occurred in society. The first
moment is based upon the Epistle of Hebrews, in the first century of the Christian
age, when it dismembered itself out of the Jewish liturgy and formed a liturgical
speech for itself. The other moment is the present day, where the worship services
have received strong influences from changes that society has suffered. It is
possible in both of these instances to find a struggle between Traditionalism and
Modernism, between what is new and what is old, between what is established and
what struggles in order to be established.
Key Words: Changes, Liturgy, worship services, Judaism, Christianity,
Traditionalism, Post-Modernism
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................10
Capítulo 1: A TRANSPOSIÇÃO DA LITURGIA JUDAICA PARA A CRISTÃ.....21
1.1. Os sacrifícios de animais no judaísmo do primeiro século...........................29
1.1.1. Culto e sacrifício...........................................................................................32
1.1.2. Santuários camponeses e templo central....................................................34
1.2. A relevância das sinagogas e do templo......................................................38
1.2.1. A sinagoga como causa de fragmentação na Liturgia de Israel...................40
1.2.2. O papel das seitas nas formas de culto........................................................44
1.3. A influência do ambiente sócio-político e econômico no período dos
Macabeus.....................................................................................................48
1.3.1. Conseqüências das condições sociais e econômicas no período grego......52
Capítulo 2: CONTINUIDADES E RUPTURAS: ASPECTOS LITÚRGICOS DO
LIVRO DE HEBREUS..........................................................................55
2.1. A Questão da Superioridade de Cristo........................................................65
2.1.1. A superioridade de Jesus sobre os Anjos....................................................66
2.1.2. A Influência do Intelectualismo Secular na Superioridade de Jesus
sobre Moisés................................................................................................71
2.1.3. As questões políticas na superioridade de Cristo sobre o Sumo
Sacerdote.....................................................................................................77
2.2. A questão do Sacrifício e as Influências Sócio-Econômicas.......................85
2.2.1. Uma nova figura do Cordeiro do Sacrifício..................................................89
2.3. O Templo de Jerusalém e sua importância Litúrgica para a comunidade
dos Hebreus...............................................................................................93
9
Capítulo 3: A LITURGIA DE UMA COMUNIDADE EM PROCESSO DE
MUDANÇA.........................................................................................99
3.1. Culto religioso e mudança: análise do fenômeno religioso apontado por
Hélène Clastres...........................................................................................103
3.2. Os Símbolos como elementos permanentes nas mudanças cúlticas........108
3.2.1. A dialética entre Tradição e Modernidade na Mudança Litúrgica..............113
3.2.2. O discurso litúrgico e sua influência nas formas de culto..........................117
3.3. Os novos rumos do culto cristão contemporâneo......................................122
3.3.1. A flexibilidade dos cultos modernos em contraste com a dureza da
liturgia tradicional.......................................................................................126
3.3.2. A mistura entre os cultos: um legado da pós-modernidade.......................129
3.3.3. O culto cristão e o sistema Neo-Liberal vigente.........................................133
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................137
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.........................................................................144
DISSERTAÇÕES E TESES.................................................................................150
ENCICLOPÉDIAS E PERIÓDICOS.....................................................................150
VERSÃO DA BÍBLIA............................................................................................151
SITES ACESSADOS............................................................................................151
10
INTRODUÇÃO
Quando se abre um debate sobre as influências recebidas pelo culto
cristão, é impossível não considerar aquela recebida primordialmente do culto
judaico. Por tal motivo é que esta pesquisa se aplicará, em seu capítulo primeiro,
em estudar um pouco da inter-relação da liturgia judaica com a cristã.
A liturgia cristã não nasce sem uma história, e esta história acontece dentro
de uma determinada cultura, ou seja, uma sociedade com elementos não apenas
religiosos, mas também políticos, sociais e econômicos. Ao longo deste trabalho
contemplaremos principalmente estes três últimos elementos. É portanto, um
trabalho que interliga a Práxis Litúrgica com elementos da Sociologia, buscando
um entendimento da religião segundo o olhar fenomenológico e não teológico.
Crendo que tais elementos sociais, políticos e econômicos
influenciaram a formação litúrgica do Cristianismo, o livro de Hebreus será
abordado no segundo capítulo. O livro será um documento útil para a pesquisa,
servindo-a mais como material científico do que como Escritura Sagrada.
Tendo em vista um argumento apresentado por Valverde
1
, quando diz que
“a liturgia cristã é a expressão de diversos elementos que possibilitam o culto”, a
Epístola aos Hebreus se torna o livro do Novo Testamento (NT) mais sólido em
descrição e pintura desta expressão, por retratar o momento crucial de encontro
(ou separação) das duas formas de culto: a judaica e a cristã. “O culto continua
Valverde é o serviço devido a Deus pelo seu povo que se expressa em todos os
atos da existência humana”.
1
VALVERDE, M. Liturgia e Pregação. São Paulo: ed. Exodus, 1996, p. 11.
11
Uma vez que as influências religiosas do judaísmo para o cristianismo,
poderiam ser consideradas como influências internas, e tendo em vista a vasta
bibliografia existente em tal matéria, optamos por abordar as influências
caracterizadas aqui como “influências externas”. Isso porque tanto o ponto de vista
social, como o político e econômico são (supostamente) externos à religião.
Quando se fala de uma relação entre o Antigo Testamento (AT) e NT, como
expõe Geoval Jacinto da Silva
2
, “não se pode limitar apenas ao que se encontra
na ‘palavra’ da Escritura e de sua ‘realização’ em Cristo. Silva acrescenta que é da
‘palavra’ que se passa ao ‘rito’ à medida que nasce como sinal representativo-
comemorativo, em nível cultual”.
O momento de transição de uma forma de culto para outra, ocorre
justamente na época em que o estabelecimento romano se dava de maneira mais
acirrada na nação de Israel, e ainda, somando os problemas enfrentados por parte
do judaísmo para manter seus ritos e sacrifícios de animais com as implicações
acerca do Templo de Jerusalém, local Sagrado para a população, mas que seria
destruído ainda no primeiro século do cristianismo, é possível que se tenha um
quadro que aponte para a proposta deste trabalho: A religião sofre muitas
influências do meio social, e a arbitrariedade da política, da economia e da cultura
deste meio podem fazer com que as formas de culto mudem, seja por imposição,
seja por auto-escolha da própria religião.
Estruturada em três capítulos, o primeiro expõe as condições sociais e
econômicas da nação judaica, além de contemplar o aparecimento das sinagogas,
2
SILVA, Geoval Jacinto da. A Inter-relação histórica e teológica da Liturgia Judaica e Cristã. In. Estudos da
Religião, ano XVII, no. 25, São Bernardo do Campo: Umesp, 2003, p. 160.
12
as quais tiveram papel de grande importância nas formas de culto da comunidade
de Israel. Também é apresentada uma ênfase especial para a dinastia dos
Macabeus, uma vez que se tornou uma revolta política, tendo a religião como
pano-de-fundo. Com isso, foi a obra de Oesterley
3
que serviu como referencial
teórico, uma vez que sua abordagem traça paralelos entre as duas formas de
culto, judaica e cristã, entretanto, dando uma ênfase apenas histórica (que não foi
o caso desta pesquisa). Humberto Porto
4
realizou uma pesquisa que aponta para
este momento do encontro entre as liturgias judaica e cristã, ela vem de encontro
com o tema aqui proposto. Mas, se distingue deste por ter exatamente uma
abordagem histórico-cronológica e não comparativa. Porto afirma que a liturgia de
Israel se expressou em três grandes grupos de textos: os livros históricos, os
proféticos e das leis cultuais e dos salmos.
A Bíblia é ocupada na pesquisa, mas não como documento revelado, e sim
como conteúdo literário apenas, ainda que não haja como escapar do problema de
se trabalhar com os textos bíblicos sem querer interpretá-los com abordagem
teológica.
Para Porto, esse problema apareceria para qualquer um que almejasse
embasar uma pesquisa não teológica nas Escrituras Sagradas, considerando não
apenas o estado fragmentário dos textos originais, mas ainda os problemas
levantados pela crítica textual. Todavia o autor, ainda assim, pressupõe que o
trabalho seja válido, uma vez que os textos sagrados, se analisados como
literatura não revelada “podem fornecer-nos os dados nucleares da vida litúrgica
3
OESTERLEY, W.O.E. Religion and Worship of the Synagogue, New York: Charles Scribner’s Sons, 1907.
4
PORTO, Humberto. Liturgia Judaica e Liturgia Cristã. São Paulo, Paulinas, 1977, p. 21-22.
13
no decorrer da história do povo de Israel, tornando fecunda a nossa busca das
origens profundas e os vínculos da liturgia cristã e a ritualística judaica”
5
.
A obra de Humberto Porto
6
servirá como referência do segundo capítulo, já
que se trata de um documento minucioso e rico em detalhes entre uma liturgia e
outra. O problema de ter esta obra como base para o segundo capítulo é que,
Porto não retrata apenas um livro específico, como foi o caso desta pesquisa A
Epístola de Hebreus , mas, devido ao bom número de comentários teológicos
específicos, houve fluência no desenvolvimento e no diálogo entre abordagens
teológicas e sociológicas.
É no segundo capítulo que a transição litúrgica é apontada e consumada, e
a Liturgia de Hebreus é uma prova de que o cristianismo teve de se esforçar para
se libertar das formas de culto legadas pela religião judaica.
Algumas continuidades e rupturas apresentadas pela Epístola de Hebreus e
apontadas por esta pesquisa não se constituem em um estudo exaustivo sobre o
tema. Isso corresponde a dizer que, se avaliada com muito mais aparato
bibliográfico e tempo, apenas o segundo capítulo desta pesquisa poderia
corresponder a um trabalho separado.
Entretanto, o estudo no livro de Hebreus servirá como ferramenta, para
fazer um paralelo entre as mudanças cúlticas ocorridas em duas épocas distintas,
na mudança do culto judaico para o cristão, e nas mudanças dos cultos modernos,
ocorridas de forma cada vez mais intensa. O ponto de ligação entre os dois
5
PORTO, Humerto. Op. Cit.
6
PORTO, Humberto. Op. Cit.
14
momentos, seria a sociedade secular, laica ou profana (termos abordados ao
longo do trabalho).
Uma vez que a comunidade cristã primitiva se viu obrigada a reinventar a
adoração nas casas, já que a economia não lhes proporcionava a construção de
um templo, o discurso religioso vai ser moldado de maneira que justifique novas
formas de culto.
Certamente é possível abordar as mudanças sob um prisma espiritual e
portanto, teológico. Entretanto, também é possível abordar essas mudanças sob
parâmetros científicos, reconhecendo que já que Deus se manifesta dentro de
uma cultura é possível que haja traços de influências não religiosas numa
formação litúrgica, e neste caso, mais especificamente na dos cristãos do primeiro
século e na igreja da sociedade atual (denominada pós-moderna).
Nos dois primeiros capítulos, o tema será reforçado pelos seguintes
assuntos: a falta de envolvimento político por parte dos cristãos do primeiro
século, diferente da figura do Sumo Sacerdote, bastante envolvido com a política
da época; o interesse econômico do comércio na nação de Israel; os
relacionamentos com as religiões orientais, fato que influenciou em muitas
interpretações, inclusive em relação à figura dos anjos no livro de Hebreus.
A liturgia cristã também teve influências proporcionadas pelo ponto de
convergência comercial, no qual a nação de Israel acabou se tornando
representante destacável no mundo greco-romano; implicando nas novas
comunidades (Qunram) e facções (Escribas, Fariseus e Saduceus) e a liberdade
de interpretação bíblica adquirida no novo modelo de judaísmo.
15
São todos temas discorridos ao longo dos dois primeiros capítulos. Sempre
abordados como pequenos fragmentos de uma pesquisa que corrobora para um
clímax no seu terceiro capítulo.
Desse modo, este último capítulo terá uma intersecção com os dois
anteriores, com a justificativa de que o plano abordado é sempre com vistas na
liturgia hodierna. Algumas das formas mais modernas do culto cristão serão
contempladas por este trabalho. Entretanto, não se trata de uma descrição de
formas de cultos, nem mesmo de um estudo de caso um estilo de culto moderno
específico. Trata-se, antes de tudo, de um trabalho que busca se ocupar do
método histórico-comparativo (baseando-se na obra de Eva Maria Lakatos
7
), e
após apontar influências que o meio social projetou nas formas de culto por época
da transição judaísmo/cristianismo, compará-las com as mesmas influências
ocorridas na nossa sociedade, cuja característica é estar em constante mudança.
O terceiro capítulo retrata ainda as mudanças nos cultos da sociedade
atual. O culto de uma comunidade em processo de mudança também se torna um
culto em mudança, e desse modo, a premissa de que os cultos são influenciáveis
pelos fatores sociais terá sido comprovada.
Todavia, há que se entender, em meio a tantas mudanças o que é que
continua, o que se mantém no chamado sagrado. Pois, se o culto vive em função
da mudança, há o perigo de perder todo o tipo de memória, como vai atestar A. J.
Chupungco
8
, nosso referencial teórico para este último capítulo. Sua obra
“Liturgias do Futuro”, é uma proposta de adequar religião/sociedade (inculturação)
7
LACKATOS, Eva Maria. Fundamentos da Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 2001.
8
CHUPUNGCO, A. J. Liturgias do Futuro: Processos e Métodos de inculturação. São Paulo: Paulinas, 1992.
16
quando esta primeira se depara com uma nova cultura. Entretanto, ao longo de
toda a obra há uma preocupação exacerbada de não desvincular a mesma do
sagrado (processo que ocorre quando os aspectos culturais são anexados de tal
forma, ao ponto de excluir os símbolos litúrgicos). Segundo ele, as mudanças de
culto são provenientes exatamente das mudanças sociais, mas ocorre que, já que
o culto é expressão do sagrado e este tem a ver com a memória, há o perigo de o
religioso se perder no esquecimento, e as manifestações, desse modo, não seriam
mais expressões do sagrado por não haver memorial
9
.
Pelo fato de não haver uma pesquisa de campo, e para que o trabalho não
se eximisse de apontar algum exemplo além das fronteiras do cristianismo; o
trabalho da Antropóloga francesa Hélène Clastres
10
oferece um endosso ao tema
abordado. Já que seu trabalho aponta o mesmo fenômeno, ocorrido na cultura
Tupi-Guarani. Trata-se de uma comunidade onde a religiosidade era expressa por
uma busca a uma espécie de terra prometida (“A Terra-Sem-Males”). Suas
manifestações cúlticas determinavam que vivessem como nômades, em busca da
Terra-Sem-Males, que para eles tratava-se de um local imanente e real.
Entretanto, com a chegada do homem branco, e tendo sido cada vez mais
empurrado para as reservas indígenas, o povo Tupi-Guaraní e suas formas de
culto se moldaram de acordo com a força da mudança social. Deixaram de ser
nômades e reformularam o discurso religioso. A Terra-Sem-Males passou a ser
um lugar no além, a qual depois desta vida eles terão o direito de desfrutar.
9
CHUPUNGCO, A. J. Op. Cit. Passim.
10
CLASTRES, Heléne. The Land-Without-Evil. Illinois: Illinois University Pub. 1995.
17
Outro ponto bastante relevante, atestado pelo terceiro capítulo, é a
presença marcante do símbolo. Pois, se a sociedade está correndo em um fluxo
muito desesperador, de que forma a liturgia religiosa conseguirá, contudo, ser
expressão do sagrado? Uma vez que a sociedade denominada Pós-Moderna, vive
em função da novidade, e uma vez confirmado que os rumos da novidade afetam
os estilos de culto, certamente que o culto dependeria da criação de novidades
efêmeras (espetáculos) a todo o tempo.
O problema que surge com tal fenômeno é de tamanha importância, que é
possível determinar, por intermédio do símbolo, se o culto ainda se convenciona
como memorial, ou está se perdendo na linha do entretenimento.
Esta pesquisa aborda a hipótese de que, na realidade, o que está
acontecendo nos cultos emergentes da religião cristã é uma nova forma de ler o
símbolo, o qual seria um elemento estável da liturgia. Dessa forma a religião
continua sendo religião, e o sagrado continua sendo sagrado, mas com diferenças
culturais mais expressivas do que antigamente.
A partir de então, a dialética entre o antigo e o novo aparece como uma
constante em todos os momentos de mudança de uma forma de culto para outra.
É de se esperar que a mudança litúrgica como qualquer movimento que
caminhe em direção da tradição enfrente obstáculos.
Apesar de apresentar uma proposição distinta, e o fato de não haver muitos
escritos que comparem os dois momentos da história, não há tanta escassez em
obras que tratem cada qual a seu tempo da temática desenvolvida por cada
um dos capítulos. As obras que retratam as liturgias judaicas e o momento de
desenvolvimento do cristianismo frente ao judaísmo do primeiro século são temas
18
retratados por partes de obras ou enciclopédias. Mais vasta ainda é a quantidade
de obras que retratam o livro de Hebreus. O tema abordado no último capítulo
também pode ser facilmente embasado frente a diversos escritos que abordam o
assunto da Pós-Modernidade e dos cultos da Era Contemporânea. O que veio a
ser um problema enfrentado ao longo da pesquisa foi a tarefa de sustentar o
diálogo entre estes três capítulos; interligados justamente pela luta entre o Novo e
Velho.
Uma literatura emergente sobre este assunto (influências externas)
começa a surgir, a qual pesquisa principalmente o fenômeno religioso manifestado
nos cultos das igrejas locais, interligados com os novos modelos sociais da era
globalizada.
Religião e economia, mais do que nunca, devem ser consideradas, uma vez
que esta última teve poder de reformular os parâmetros discursivos da pregação
religiosa nos cultos. Leonildo Silveira Campos
11
tem um trabalho denominado
“Templo, Teatro e Mercado”, que vai justamente nesta direção, não deixando de
ser também uma análise de adventos fenomenológicos da Pós-Modernidade,
apesar de avaliar uma denominação mais específica. Jung Mo Sung também trata
desta inter-relação entre a religião e os novos rumos da sociedade capitalista em
duas obras: “Teologia e Economia” e “Desejo, Mercado e Religião”. Ainda que não
sejam obras que abordem a estrutura litúrgica como no caso da obra de Campos,
não deixam de envolver o assunto em questão. Messias Valverde
12
, tem também
um trabalho que contempla de forma sistemática o discurso litúrgico, “Liturgia e
11
CAMPOS, L. S. Templo, Teatro e Mercado. Petrópolis: Vozes, 1999.
12
VALVERDE, M. Op. Cit.
19
Pregação”, e sua inter-relação com os tempos modernos. Ainda obras clássicas,
como no caso de “O culto Cristão”, de J.F.White
13
auxiliou para que a pesquisa
tivesse um desenvolvimento satisfatório.
O atrito existente entre a Tradição e a Modernidade será observado nos
três capítulos, e a rigor do que expõe Pierre Bordieu
14
, este atrito acabou
aparecendo no decorrer da pesquisa, tomando vida por si mesmo, e se tornando
uma espécie de eixo condutor.
A pesquisa não é cronológica, nem tampouco tem o Método Indutivo como
ferramenta adotada, mas sim o Método Histórico comparativo.
Uma outra dificuldade encontrada, foi o fato de ter de abandonar vários
episódios importantes da história e.g. (Reforma, Barroco, Iluminismo e a
sociedade pós-guerra, entre outros) que certamente influenciaram as formas de
culto de suas respectivas épocas. Contudo, tornar-se-ia um texto muito extenso,
caso fossem analisados todos os momentos cruciais da história do ocidente, em
busca de mudanças sociais que tenham influenciado a mudança litúrgica.
Por isso esta pesquisa contempla apenas o momento de mudança no culto
judeu para o cristão, e a partir disto (do passado), seja possível entender um
pouco mais da liturgia presente, preparando o local para a liturgia do futuro.
13
WHITE, J. Culto Cristão. São Leopoldo: Sinodal, 1997.
14
BORDIEU, Pierre. A ilusão da transparência e o princípio da não consciência. In: Profissão de
Sociólogo. Petrópolis, Vozes, 1999. pp 25 29.
20
CAPÍTULO 1
21
1. A TRANSPOSIÇÃO DA LITURGIA JUDAICA PARA A CRISTÃ
As religiões judaica e cristã estão entrelaçadas tanto na história como nas
formas de adoração. Este entrelaçamento é devido o fato óbvio de que uma delas
(a cristã) foi gerada pela outra (a judaica). Mesmo desconsiderando o fato de ter
ocorrido um nascimento cheio de atritos com a religião antecessora, o
cristianismo, ramificação mais próxima do judaísmo do primeiro século, não se
desvinculou da forma de adoração judaica, das preces, da cultura e do Deus
cultuado por aqueles.
Mesmo que a identidade desta nova religião foi se firmando cada vez mais
autônoma daquela que a gerou, entender o culto cristão em sua formação sem
considerar o culto judaico seria, no mínimo, uma falácia, já que esta foi que gerou
aquela.
Discorrendo sobre tal importância, W.O.E Oesterley
15
afirma com vários
exemplos que, sem alguns conhecimentos históricos, políticos e religiosos e
lingüísticos, os quais afetaram o judaísmo de forma tão profunda durante aqueles
séculos, não apenas o NT mas também uma porção considerável do AT jamais
poderia ser entendida adequadamente.
Por isso que a Bíblia também deverá ser considerada como um documento
no qual seja possível encontrar um vasto campo de trabalho, a fim de embasar
descobertas científicas. Ainda que nesta pesquisa, este documento seja visto
como aparato histórico e cultural, não se pode jamais desvincular a cultura de um
15
OESTELEY, W.O.E. Religion and Worship of the Synagogue, New York: Charles Scribner’s Sons, 1907.
Cap III.
.
22
Israel religioso por excelência, onde todos os textos bíblicos existentes eram
reconhecidos como revelação de Deus diretamente à comunidade.
Por isso que esta pesquisa se ocupa não apenas de textos e comentários
históricos, mas também dos textos bíblicos. Todavia, cada vez que isto ocorre, o
texto bíblico servirá como reforço para confirmações históricas, como documento
textual, e portanto, o fato de o texto bíblico ter sido revelação divina não será
ponto focal do trabalho. Em virtude disto, Humberto Porto organiza um capítulo
inteiro denominado “A Bíblia Fonte Comum”, onde ele defende a idéia de que, os
sinais litúrgicos são antes de tudo sinais bíblicos, ele acrescenta que não se deve
desconsiderar a Bíblia como fonte de pesquisa, uma vez que se pode afirmar que,
em ambos os casos, na liturgia judaica bem como na liturgia cristã, trata-se de
uma liturgia bíblica. Ele diz que:
A influência modeladora e sugestiva da Bíblia foi
total e absoluta. Os sinais litúrgicos são antes de
tudo sinais bíblicos (...). Pervadem os ritos e
textos judaicos e eclesiais uma cosmovisão
religiosa e uma interpretação teológica da
história, que são próprias da Bíblia, e que fizeram
deles um comentário vivo a conferir-lhes a
plenitude de sua significação
16
.
Portanto, seria impossível abrir mão de tais documentos para estudo da
transposição de uma religião à outra, uma vez que a crítica da veracidade de tais
documentos vai contestar sua autoria ou época exata, mas é muito raro ver
16
PORTO, Humberto. Liturgia Judaica e Liturgia Cristã. São Paulo: ed. Paulinas, 1977, p. 21.
23
pesquisas que contestaram formas de culto ou momentos litúrgicos tais como,
celebrações, festas, costumes, rezas. M. Augé concorda com Porto quando expõe
o seguinte:
No AT possuímos testemunhos de um ano
religioso e “ritual” modelado sobre o ano cósmico
no sentido de que seus momentos celebrativos
salientes coincidem com os tempos igualmente
salientes do ano cósmico: o dia, a semana, o
mês, as estações. Embora Israel tenha eliminado
do seu calendário religioso toda referência aos
mitos politeístas não rejeitou todavia a
sacralidade natural dos ciclos cósmicos
17
A Igreja Primitiva, na mesma linha de Israel, se assemelha a este na sua
celebração religiosa, contudo, é óbvio que ela vai tratar de adequar sua
celebração de tal forma que apresente uma identidade própria, tão necessária
para se firmar como religião autônoma. Mesmo conseguindo tal autonomia, a
Igreja Cristã, ao longo da história, jamais vai se desvencilhar completamente de
Israel, pois “há entre estas duas religiões traços de união que lhes atravessa por
inteiro”, como afirma Porto, e ainda acrescenta que “a vida litúrgica da Igreja, em
suas colunas mestras, se construiu sobre os alicerces do culto sinagogal
18
”.
17
AUGÉ, M. O Ano Litúrgico: História, Teologia e Celebração. São Paulo: ed. Paulinas, 1991, col.
Anámineses 5. p. 22.
18
PORTO, H, op. Cit. p. 8.
24
Também o reflexo do rumo tomado pela sociedade helênica daquela época
vai seguir um processo civilizatório
19
, traçado pelas sociedades em
desenvolvimento, onde na religião esse caminho se traçava do simbólico para o
descritivo, ou seja, da religião sacrificial, que era uma religião mais primitiva
(ágrafa), para a religião codificada (com escrituras), que era uma manifestação
religiosa mais civilizada
20
.
Com isso, haverá a necessidade de uma alusão entre o que foi
continuidade e o que foi ruptura, tendo em vista que, por um lado a Igreja tratou de
romper com alguns ritos (como o das ofertas de animais) de Israel que
comprometeriam sua estrutura e proclamação religiosa, mas por outro, deu
continuidade às bases de um culto e de uma celebração dirigida e determinada
como sendo revelação proveniente de Deus.
Além disso, um outro fato de enorme relevância é retratado por
MacDonald
21
, o qual expõe que apesar de parecer existir uma certa aceitação da
comunidade judaica para com a nova religião o Cristianismo isto é apenas
uma aparência superficial.
Portanto, apesar do fato de os adeptos dessa nova ramificação religiosa
viverem, aparentemente, com bastante liberdade dentro da comunidade judaica,
19
Este termo, “Processo Civilizatório”, quando usado nesta pesquisa, não é alusão à reconhecida pesquisa de
Hockett e Ascher (1964), citada pelo antropólogo Darcy Ribeiro na obra brasileira também denominada O
Processo Civilizatório (Companhia das Letras, 2000); trata-se de um termo local, para denotar a idéia
defendida na obra de DEBRAY, Régis. Deus, um itinerário. São Paulo: Compahia das Letras, 2004. Cap. 4: A
decolagem Alfabética. Ali o escritor contempla a idéia de que a religião segue um rumo do primitivo a um
mais civilizado, e esse processo encontra seu auge quando manufatura seu Código Escrito e se torna
monoteísta.
20
DEBRAY, Régis. Deus, um itinerário. São Paulo: Compahia das Letras, 2004. p. 93-99.
21
MacDONALD, Alexander B. Christian Worship in the Primitive Church. Edinburgh: T & Clarrk, 1934, p
58.
25
havendo uma certa “admiração”
22
por parte dos judeus (talvez pelo caráter
comunitário que o cristianismo estava espalhando) é possível contestar esta
‘aceitação’, uma vez que, segundo o autor, percebe-se por outros pontos, uma
reprovação latente do cristianismo por parte do judaísmo.
Mais que isso, o que MacDonald propõe é que estivesse havendo uma
certa tolerância, já que ambos os lados estavam sob o Império Romano, e para
este, as duas religiões eram a mesma
23
.
Considerando, entretanto, o livro de Atos dos Apóstolos, não parece ser
assim. Ali o escritor insiste em que a nova comunidade religiosa foi recebida de
forma favorável. Não é fácil definir com clareza as atitudes das autoridades de
Jerusalém, mas parece haver claras controvérsias, pois, com base na exposição
de MacDonald, a nova comunidade estaria sendo “tolerada”, e seus membros
deixados livres, e com algumas exceções parciais e ocasionais, podiam participar
do culto no Templo, e ainda assim desenvolver e participar de sua outra
comunhão religiosa.
Algumas décadas após o nascimento do Cristianismo, quando se deu a
queda do segundo Templo, a liberdade religiosa dos cristãos frente às
comunidades judaicas se alargou, pois com a preocupação de estabilizar-se em
uma Jerusalém destruída, incluindo seu símbolo religioso mais poderoso (o
próprio Templo), os cristãos deixam de ser o mal em destaque.
A noção de que após a queda de Jerusalém, os judeus desapareceriam da
face da terra, teria sido um erro de suposição, e.g. ocasião da diáspora; o mesmo
22
O Livro de Atos dos Apóstolos (2:47) narra que os cristãos estavam “caindo na graça” de todo o povo.
23
MACDONALD, Alexander B. Op. Cit. pp 58-59.
26
equivale para os cristãos, pois a tolerância se dava mais por imposição da direção
política que era romana do que uma tolerância interpessoal entre um judeu e
um cristão.
Este convívio entre as duas religiões, que para o Império eram as mesmas,
vai sobrevivendo ao longo dos anos, e portanto, mesmo que a contra-gosto, esse
convívio acaba influenciando nas formas de adoração, entre uma e outra. Estas
formas de adoração distintas têm, segundo Von Allmen, características não tão
marcantes em seu princípio, mas que vai, ao longo da história proporcionando
cada vez mais a autonomia do culto cristão frente ao judaico. Von Allmen usa
como exemplo a ceia celebrada nos cultos e o próprio dia instituído para o culto
(primeiro da semana, o domingo)
24
.
Mesmo que não haja documentação bíblica de uma seqüência litúrgica, é
possível perceber que essas mudanças nas bases interpretativas também
implicam em mudanças nas práticas da adoração.
Idelsohn
25
diz que após a passagem do estupor, causado pelo terrível
choque que o povo judeu havia sofrido com a destruição do Santuário de
Jerusalém pelos romanos, o incrível senso de espiritualidade de Israel procurou
um caminho fora da confusão.
Considerando também que, no judaísmo remoto houve sempre várias
tendências a constituir diversas ligas e facções, grupos e associações, o
Cristianismo não seria a primeira ramificação com que os judeus deveriam
24
VON ALLMEN, J.J. O Culto Cristão. São Paulo, Aste, 1968, 175.
25
IDELSOHN, A.Z. Jewish Liturgy and Its development. New York: Dover Publications, 1995, p. 26.
27
conviver; segundo W. J. Tyloch, isso sempre se culminava em diferentes
interpretações
26
.
Devido às muitas fragmentações, e ainda o fato de muitos dos grupos se
formarem no período helênico época também do período Macabeu é possível
observar que, nesse contato nasceu uma espécie de aceitação de algumas
influências externas, desembocando nas diferentes interpretações do Antigo
Testamento. Estas interpretações diversas, obviamente, facilitaria o caminho
(implicando na isenção da Igreja Primitiva em desenvolver determinados rituais,
bem presente nas celebrações judaicas) para que o Cristianismo recriasse uma
outra forma de culto. Alan Richardson corrobora com essa idéia quando diz que:
the NT, (...) used only a small selection of OT
passages in this way. Yet it had shown that the
smallest details of the OT could find
correspondence in details of Christianity;
moreover, not only the strictly prophetic books,
but any part of the OT, could act predictively.
Thus Christian expositors soon after NT times
began to explore the entire OT text and interpret
it in a Christian sense
27
.
26
TYLOCH, W. J. O Socialismo Religioso dos Essênios. São Paulo: Ed Perspectiva, 1990, p 105.
27
RICHARDSON, Alan. A New Dictionary of Christian Theology. (Trad. livre do Autor) London: SCM
Press, 1983, p. 12. no NT (...) usou-se, de fato, apenas uma pequena seleção de passagens do AT para um
determinado fim. No entanto, isto demonstrou que os detalhes menores do AT poderiam corresponder-se com
detalhes do Cristianismo; além disso, não somente os livros estritamente proféticos, mas qualquer parte do AT
poderia ser interpretada profeticamente. Desta forma, expositores cristãos logo após o período do NT
começaram a explorar o AT inteiro e interpretá-lo num sentido cristão.
28
Não obstante, se a época do crescente cristianismo levou o judaísmo a se
diferenciar, tolerando uma religião cuja filiação lhe era negada, pouco posterior
(documentado no primeiro capítulo da epístola aos Gálatas), já seria possível
apontar o oposto, ou seja, cristãos criticando aqueles que mantinham costumes
judaicos.
Richardson vai ainda além, atestando que cerca de um século depois, o
cristianismo se tornaria para uma linha tão dura contra o judaísmo, capaz de
destituir do meio da comunidade aqueles que insistiam em manter os costumes da
religião mãe.
It would be inacceptable to any christian in 2
nd
century to admit that church could learn some
from judaism. Actually, next to 150 a.D. gentiles
christian were prepared even to send out from the
community those who kept judaism
observances(...)
Although it was the same to a jewish rabi, that
someone could learn from church
28
.
Dessa forma, lado a lado, porém cada uma “excomungando” a outra, estas
duas religiões foram se construindo, ou (no caso do judaísmo), se reconstruindo
28
PARKES, J. Judaísm and Christianity. The Contact of Pharisaism with other cultures. London: The
Sheldon Press, 1937, p.115.(Trad. livre do Autor). Seria inconcebível a qualquer cristão do segundo século
admitir que a Igreja poderia apreender algo do judaísmo. De fato, próximo ao ano 150 d. C. os cristãos gentios
estavam preparados até para excluir da comunhão aqueles que ainda mantinham as observâncias judaicas(...).
Contudo era igualmente inconcebível para um Rabino judeu que alguém pudesse apreender algo da Igreja
Cristã.
29
após a queda de Jerusalém, 70 d.C., fator que, inclusive, foi determinante para
que os pilares da Liturgia Judaica não resistissem tanto ao Cristianismo crescente.
Entretanto, por ora, o objetivo desta pesquisa é estabelecer algumas das
influências que o judaísmo lançou no cristianismo.
1.1. Os Sacrifícios de Animais no Judaísmo do Primeiro Século da Era Cristã
Na época da transposição de uma liturgia à outra (da judaica para a cristã),
os sacrifícios estavam praticamente extintos.
Contudo, a história vai acabar mostrando que nenhum sacrifício cessou
instantaneamente, e de fato, a interpretação acerca deles, apresentada pelo
cristianismo, teve como objetivo centralizar Cristo como um sacrifício definitivo
29
.
Como apresenta Schneider
30
, tratava-se de uma oportunidade; devido ao
momento social, político e religioso que o judaísmo enfrentava, onde vários
profetas e ramificações da religião já haviam feito duras críticas ao sacrifício, e
este momento teria sido aproveitado também pelo cristianismo, desaprovando o
sacrifício definitivamente.
Ainda que alguns sacrifícios são praticados até aos dias de hoje em Israel
31
,
(e.g. a carne de cordeiro em algumas ocasiões) eles fizeram parte de um processo
ao longo da história da nação, por isso, de forma alguma retratam os mesmos
sacrifícios do passado, além de que houve diversos fatos que levaram a nação de
Israel a extinguir com a matança de animais como “culto sacrificial”.
29
Hebreus 10:12 vai apresentar uma re-leitura do sacrifício dizendo o seguinte: “Jesus, porém, tendo
oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus”.
30
SCHNEIDER, Johannes. The Letter to Hebrews. Michgan: Eerdmans Publishinf, 1957. pp. 126-129.
31
. Sacrifícios de Antigo Testamento ou da Lei Mosaica. A Divina Liturgia explicada e Meditada pp1-2.
disponível em www;ecclesia.com.Br/biblioteca/liturgia,
30
O primeiro sacrifício mencionado na Bíblia foi trazido por Caim e Abel,
narrado no livro de Gênesis, onde é possível ver que Noé e os Patriarcas também
ofereceram sacrifício, contudo, o culto sacrificial é uma parte proeminente de
todas as antigas religiões, especialmente a dos povos semitas
32
.
Nas oferendas de Caim e Abel é possível destacar duas formas distintas:
Uma com derramamento de sangue (o sacrifício), e outra sem haver
derramamento algum, por se tratar de oferendas de vegetais
33
.
Por intermédio das narrativas bíblicas pode-se entender que havia três tipos
de sacrifícios: o holocausto, onde a vítima era imolada e inteiramente consumida
pelo fogo; os sacrifícios de expiação, onde parte era consumida no altar e parte
destinada ao sacerdote; e o sacrifício pacífico, onde poderia haver oferecimento
de um incenso, farinha, sal azeite ou diversas outras substâncias sólidas ou
líquidas. Os animais que poderiam ser usados para o sacrifício eram, bois, vacas,
ovelhas, carneiros; enquanto que apenas alguns tipos de pássaros podiam ser
usados como ofertas. Em certos sacrifícios era requerido animais de um
determinado sexo, mas nas oferendas de outras categorias (consideradas
menores) não havia as mesmas exigências
34
. Além disso, havia também as
oferendas que não demandava matança de animais; eram apenas ofertas de
grãos.
Desse modo, matar animais nunca foi, desde os tempos remotos, a única
forma de oferenda na tentativa de Israel se comunicar com o sagrado.
32
RICHARDSON, Alan.Op. Cit., pp 516-18.
33
Um sacrifício pode ser considerado uma oferenda, mas nem toda oferenda pode ser chamada de sacrifício.
A oferenda de manjares e de legumes e vegetais (usadas por Caim) por exemplo.
34
Levítico 4,5,6,7 e 16; Deuteronômio 12:15-32.
31
O sacrifício dos pagãos não era senão uma tentativa para chegar ao
verdadeiro sacrifício de expiação ou de ação de graças à divindade; ofereciam
animais sem defeitos físicos, crianças inocentes ou produtos escolhidos da terra.
Já os Israelitas, a partir do sacrifício de Isaque, aprendem que não seria desejo de
Deus que se sacrificasse seres humanos.
A Enciclopédia do Judaísmo
35
narra que os animais eram degolados por
uma faca do gênero, enquanto que as aves eram mortas por estrangulamento,
feito por um sacerdote. Com exceção das oferendas queimadas ou oferendas de
expiação entregues em favor de toda a nação, todo sacrifício exigia que o
ofertante pusesse as duas mãos no animal; sendo que, uma deveria ficar
necessariamente sob a cabeça. Segundo alguns eruditos (apontados pela
Enciclopédia) esta seria uma maneira de o indivíduo sentir o sofrimento em si
mesmo. Enquanto o sacrifício característico dos israelitas (retratados nos textos
bíblicos) era como que um presente dado à deidade, a fim de mostrar a
obediência do adorador ao seu Senhor e distribuidor de todos os bens, o sacrifício
dos antigos semitas
36
era uma forma de apaziguar a ira, estabelecendo contato e
relacionamento mais próximo por intermédio de um ato sacramental
37
.
Caso se queira buscar um ponto em comum entre ambas manifestações
sacrificiais, tanto a de Israel quanto dos outros povos semitas, pode-se entender
35
WIGODER, Geoffrey. The Encyclopedia of Judaism. New York: The Jerusalém Publishing House, 1989, p.
615.
36
O termo Semita designa todos os povos provenientes de Sem, exceto os Israelitas, que apesar de terem a
mesma genealogia, são destacados daqueles para tornar possível a comparação. Ver BROWN, Raymond E.
The New Jerome Biblical Commentary. London: Prentice Hall, 1988, pp 11-20.
37
LANDMAN, Isaac (Org). The Universal Jewish Encyclopedia. New York: Hebrew Union College, 1943, p
306.
32
que ambas buscavam uma comunhão com o sagrado, com a deidade relativa ao
sacrifício.
Também em ambas haveria o fator do sangue, que era espargido ao final
do culto, e em alguns casos havia o derramamento do sangue do próprio indivíduo
que oferecia o sacrifício. O sacerdote lhe cortava parte da própria carne e
misturava ao sangue do animal ofertado
38
.
1.1.1. Culto, Sacrifício e Santuários.
De acordo com os textos bíblicos
39
é possível aprender que o culto
sacrificial do período, administrado pelos sacerdotes e pelo sumo sacerdote,
envolvia oferendas diárias regulares, oferendas especiais para o Shabat e as
festas e oferendas voluntárias para ocasiões especiais.
Apesar da centralidade do sacrifício na religião israelita, houve profetas que
se pronunciaram abertamente contra as práticas corruptas que ele suscitava, e
contra aqueles que traziam ao Templo animais de segunda linha, sugerindo
estarem obedecendo aos ensinamentos da religião
40
.
Uma vez que os sacrifícios seriam realizados no culto, significa dizer que
eles eram feitos como uma manifestação coletiva, mesmo que a oferta fosse
pessoal e única.
38
LANDMAN, Isaac. Op. Cit. p. 306.
39
(e.g.) Livros como Levítico, Números e o Deuteronômio são mais ricos em detalhes, contudo, há a
possibilidade de colher trechos que falam sobre as formas de culto e sacrifício ao longo de todo o Antigo
Testamento e ainda em alguns trechos do NT.
40
LANDMAN, Isaac. Op. Cit., p. 306
33
Nos períodos mais remotos da história bíblica, os sacrifícios podiam ser
feitos em qualquer lugar, entretanto, mais tarde a prática começou a ser
desenvolvida apenas no Templo de Jerusalém
41
.
Alguns outros autores afirmam que “onde quer que houvesse um lugar
central para culto, os sacrifícios poderiam ser realizados”
42
, desse modo podemos
entender que os lugares camponeses também tinham momentos sacrificiais, sem
necessariamente a precisão de ir até o Templo de Jerusalém para tanto.
Ligar o culto de Israel apenas ao Templo de Jerusalém seria um erro, e não
obstante disto, outras religiões também tinham manifestações de cultos sacrificiais
em um templo central, ou ainda em pequenos templos (os gregos por exemplo)
que lembram mais as capelas que temos hoje em dia. Tanto os cultos centrais
como os cultos dos camponeses poderiam ser acompanhados de sacrifícios.
Acerca disso Humberto Porto vai expor o seguinte:
Caracterizava-se o culto de Israel por se
endereçar ao Deus único e verdadeiro. Isto não
exclui, contudo, a presença, desde o começo das
instalações em Canaã até os últimos dias da
monarquia, de um enxame de santuários
disseminados por toda a parte
. 43
Os camponeses mais distantes da nação de Israel poderiam participar de
um culto e oferecer sacrifícios por intermédio destes santuários citados acima,
41
LANDMAN, Isaac. Op. Cit. p. 306.
42
WIGGODER, G. (Org.). Op. cit., p. 615.
43
PORTO, Humberto. Liturgia Judaica e Liturgia Cristã. São Paulo: Ed. Paulinas, 1977, p. 41.
34
ainda que o povo fosse incentivado a visitar o Templo central. Porto acrescenta
que para o Israelita, a participação no culto do santuário central era o mesmo que
estar diante da face de Deus, além de que havia a determinação para que todo
filho de Israel visitasse o Templo ao menos três vezes ao ano (Dt.16.16)
44
.
1.1.2. Santuários Camponeses e Templo Central
45
O rito e o culto judaico estiveram sempre coligados a locais estipulados e
nomeados como sagrados. Outrossim, as ações patriarcais de estipular pedras e
locais como santos, não contemplava uma nação ainda formada
46
e também, logo
posterior à sua formação nacional, a forma de adoração de Israel se prendia
apenas ao ato camponês, uma vez que o Templo foi construído bem
posteriormente, no reinado de Salomão.
Porto vai separar as localidades de adoração de Israel em apenas três: Os
santuários locais, que para o autor compreende as manifestações cultuais por
intermédio de se erigir um símbolo (pedra, madeira ou outros objetos), e também
os edifícios especialmente destinados ao culto, mas que constituíam, uma
exceção. Em segundo lugar ele aponta os cultos na tenda, explicando que mesmo
com a fixação na terra, continuou o costume de alguns grupos a morar em tendas.
44
PORTO, Humberto. Op. Cit., p. 42.
45
Templo Central será um termo ocupado especificamente nesta parte do texto para o Templo de Jerusalém,
apenas para contrapor a idéia com os santuários periféricos. Não se trata portanto de um termo técnico ou
teológico.
46
BROWN, Raymond E. Op. Cit. Todo ato patriarcal de levantar um santuário foi feito antes de Israel se
estabelecer como nação, ainda com Josué, o processo de conquista da terra prometida não havia se
concretizado totalmente e pelo fato de haver pouco tempo da conquista de Canaã, ainda não havia santuários
construídos para adoração e oferecimento de sacrifícios. Também Gênesis 21:33; 28:22 e Josué 24:27.
35
Finalmente, Porto aponta o Templo de Jerusalém, que acabou sendo considerado
para eles (Ezequiel 38:12) como “o umbigo do mundo”.
47
Com isso, é possível estabelecer uma dinâmica no caminho objetivo da
adoração e ritual de Israel, traçado em direção ao Templo, ápice do sistema
sacrificial de toda a nação.
Contudo, não é certo que todas as formas de sacrifícios tenham sido
enclausuradas apenas no Templo após sua construção em Jerusalém. Também
deve ser considerado que, quanto às formas do sacrifício, elas foram
transportadas dos sacrifícios observados na Tenda, que tinha a mesma
importância do Templo antes deste entrar em foco.
Tendo uma provável seqüência histórica Tenda/Templo , a matança de
animais vai se estruturando cada vez mais nas mãos do Sumo Sacerdote, ou seja,
o sacrifício, com o passar do tempo, iria verdadeiramente ficar atrelado à
localidade do Templo. Apesar da permanência dos sacrifícios nacionais (em nome
da nação de Israel), o sacrifício no Templo toma lugar específico para com
relação ao pecado (tatah hatta’t), e eram trazidos pelos indivíduos que infringiam
as proibições da Tora
48
.
Dessa forma, temos que, o sistema sacrificial caminha rumo a um
monopólio constituído no Templo Central, em Jerusalém, e não nos santuários
menores, dos camponeses, nem mesmo nos locais outrora erigidos pelos
patriarcas.
47
PORTO, Humberto. Op. cit., p.48-51.
48
MACCOBY, Hyam. Ritual and Morality: The Ritual Purity Sistem and its Place in Judaism. Cambridge:
Cambridge University Press, 1999, p 81-85.
36
Este ponto terá papel relevante mais adiante, por ocasião de uma dialética
entre o sacrifício ritual e a posição de destaque que o estudo das Escrituras
tomariam. Com o Templo tendo sido destruído duas vezes, é importante
considerar que, já que os sacrifícios foram centralizados ali, certamente, a cada
destruição, o volume e número de holocaustos diminuiriam, como acabou
acontecendo.
Também é preciso ponderar que mais tarde, os cristãos iriam se distanciar
cada vez mais do Templo, em uma exposição acerca da inter-relação histórica e
teológica entre o Antigo e o Novo Testamento, Silva diz que:
A nova comunidade dos discípulos vai se
distanciando do Templo como lugar de adoração.
Entretanto, romper com o Templo significava
para a Igreja apostólica pôr-se à margem da
sociedade judaica e da vida religiosa de Israel.
Porém não lhes restava outra alternativa a não
ser o aspecto comunitário
49
.
Dessa forma, fica exposto um processo que culminou com o fim dos
sacrifícios de animais, com marco inicial na destruição do primeiro Templo pelos
babilônios, e marco final na destruição de Jerusalém e do segundo Templo pelos
romanos
50
.
Oesterley reforça este assunto quando diz o seguinte:
49
SILVA, Geoval Jacinto da. A Inter-relaçao histórica e teológica da liturgia judaica e cristã. in.: Estudos de
Religião. n 25. São Paulo: Umesp, , 2003, p. 163.
50
GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1987, pp. 46-7.
37
O efeito imediato da catástrofe de 586
a.C., quando o Templo e a cidade foram
destruídos, foi sentido imediatamente
pelos sobreviventes. Apesar do fato de
que era permitido que os sobreviventes no
exílio vivessem juntos como clãs e família,
muitos, sem dúvidas, abandonaram a fé, e
se mergulharam em uma profunda
pecaminosidade. Os que se mantiveram
na crença, estavam quase sem
esperanças. Viviam sob uma forte
interdição; eles não podiam celebrar
nenhum sacrifício ou patrocinar qualquer
oferta comestível (banquete celebrativo)
51
.
Mais tarde, com o aparecimento das seitas, o caminho que o judaísmo vai
tomar é o de abandono cada vez mais intenso dos sacrifícios. Porto explica que
uma coisa gerou a outra. A destruição do templo (fator social) gerou as sinagogas,
que geraram as seitas, que geraram formas diferentes de interpretação nos
escritos sagrados, e que por sua vez, justificaram o abandono dos rituais de
sacrifícios
52
.
O momento de transposição de uma liturgia à outra contou com o advento
das sinagogas e do Templo sob o Império Romano, e apesar de ter ocorrido
outros fatores sociais (abertura comercial, mistura cultural e decadência do ritual
das ofertas de animais; todos discutidos na seqüência) que influenciaram este
51
OESTERLEY, W.O.E. Op. Cit., p 4.
52
PORTO, H. Op. Cit., p. 106.
38
período, nenhum foi tão relevante quanto o da destruição do Templo, (e.g.) em 70
d.C., sob o imperador Tito.
1.2. A Relevância das Sinagogas e do Templo.
Uma vez que o Templo de Jerusalém passou a ter papel fundamental no
sistema de sacrifício, centro da liturgia judaica, é relevante entender qual seu
papel na época de transposição de uma liturgia para outra.
Já que o sistema sacrificial foi inegavelmente abalado pela destruição do
primeiro Templo, não somente o sacrifício cessou
53
, mas também todo o sistema
religioso judaico sofreu uma drástica mudança por ocasião desta época histórica,
contudo, o judaísmo continuou sua adoração. Dessa forma, pelo fato de a liturgia
judaica não ter sido extinguida no exílio, as mudanças litúrgicas ocasionadas
desde o retorno influenciariam mais tarde, na formação da liturgia cristã, e são de
extrema importância para a pesquisa. Dentre as mudanças podemos citar
realizações antes centradas no Templo ou nos sacerdotes (pregação da Torá,
holocaustos) e que no retorno do exílio seriam exercidas por pessoas que sequer
eram provenientes da tribo de Levi
54
. Algo que já expressa uma abertura
cerimonial, e que tem raiz (como será visto posteriormente) exatamente no
advento das sinagogas.
Enquanto Oesterley descreveu o exílio como um caos para a fé judaica,
Gundry vai na contra mão desta idéia, afirmando que foi justamente na sua derrota
que o judaísmo se voltou à adoração sincera, rebuscando a leitura da lei, a Torá, e
53
RICHARDSON, Alan. Op. Cit., pp.516-18.
54
RICHARDSON, Alan. Op. Cit., pp.336-37.
39
entendendo que o exílio tinha sido um castigo divino pelo abandono anterior.
Gundry acrescenta que, “a perda temporária do Templo, durante o exílio, deu azo
a um crescente estudo e observância da Lei
55
”. Isso teria ocasionado nas
sinagogas, já que a construção de um Templo (no exílio) estaria fora de questão.
O autor expõe com algumas ressalvas o fato de que as sinagogas teriam sido
alternativas ao Templo ainda no exílio.
É motivo de debate se as sinagogas tiveram
origem justamente durante o exílio ou mais tarde,
já no período intertestamentário, entretanto é em
face de Nabucodonozor haver destruído o
primeiro Templo (o de Salomão) e haver
deportado da Nação de Israel a maioria de seus
habitantes, os judeus estabeleceram centros de
adoração intitulados sinagogas, onde quer que
pudesse ser encontrados dez judeus adultos do
sexo masculino.
56
Porto também concorda com a colocação de Gundry, mas se abre para
uma possível data mais remota, anterior à construção do Templo, todavia,
indiferente à incerteza, ele vai denotar as sinagogas do século III a.C., as quais
seriam uma imediata necessidade para os exilados se encontrarem. Contudo,
mesmo que haja divergências quanto à época de seu início, há uma concordância
55
GUNDRY, Robert H. Op. Cit, p. 43.
56
GUNDRY, Robert H. op. cit., p. 43-44.
40
quanto ao propósito delas, que seria o de capacitar os homens para escutar a
Lei
57
.
Após a devastação feita pela Babilônia e o exílio, no retorno, sem Templo,
Israel precisaria de um local mais urgente para prestar culto a Deus. Por isso,
independente do fato de terem sido criadas em uma data posterior ou anterior à
destruição do Templo, o que há em comum nos estudiosos é que as sinagogas
foram estabelecidas na Nação de Israel logo após o retorno do cativeiro
58
.
1.2.1. A Sinagoga como causa de fragmentação na Liturgia de Israel.
Foi com o advento das sinagogas
59
que o judaísmo começa a se fragmentar
em partes de tolerável divergência entre si. O fato de ter se estabelecido na
posição de uma instituição, fez com que as sinagogas se tornassem o meio pelo
qual a adoração comunitária fosse efetivada até que se consumasse a
reconstrução do Templo sob a liderança de Zorobabel.
Entretanto, mesmo que se apontasse o momento do aparecimento das
sinagogas
60
, isso ainda não responderia a pergunta sobre as mudanças de culto
naquela época. O que influenciou mesmo foram as formas interpretativas na Lei
57
MAXWELL, Willian D. El Culto Cristiano. Buenos Aires, Methopress, 1963, p. 17.
58
PORTO, Humberto. Op. Cit., p. 55-58.
59
Segundo a exposição descritiva acerca de uma sinagoga, BARRET expõe o seguinte: A sinagoga típica era
um auditório retangular com uma plataforma elevada para o orador, por detrás da qual havia uma arca portátil
(...). Defronte de rostos voltados para a congregação, assentavam-se os dirigentes e anciãos da sinagoga.
Quando das orações todos se erguiam de pé. (...). Havia ampla liberdade no fraseado da Liturgia. A
congregação inteira adicionava o seu amém ao final (...). Os primeiros cristãos, mui naturalmente adotaram o
sistema de organização da sinagoga como um sistema básico para suas igrejas locais. BARRET, C.K. The
New Testament Background: Selected Documents. London: S.P.C.K. 1958. p. 29-36.
60
MAXWELL, Willian D. El Culto Cristiano. Buenos Aires: Methopress, 1963, p 16. O autor vai dizer o
seguinte: El origem de la sinagoga es obscuro, pero se sabe que se desarrolló en la dispensasión, para
preservar su vida distintiva y para darle continuidad, los judios necesitaban como pueblo, tener acceso
constatne a sus libros sagrados. La instituicion de la Sinagoga surgió de esta necesidad.
41
(Torá) e na tradição oral (Mishná)
61
. Sendo assim, o aparecimento das sinagogas
homologa a fragmentação dos cultos, possibilitando dessa forma, uma libertação
do modelo único, outrora ditado pelo Templo de Jerusalém.
Desde o retorno do exílio, quando os sacrifícios foram deixando o lugar
central da liturgia judaica, com as sinagogas institucionalizadas, o estudo da Torá
passa a ocupar a posição antes usufruída por eles os sacrifícios.
Nenhum dos estudiosos citados neste texto definiu precisamente quando os
sacrifícios foram perdendo o lugar central para o conhecimento teológico, mas
todos concordam que foi um ato gradativo, e como coloca Bright
62
, este ato foi
marcado principalmente pelo momento em que o Pentateuco e a Lei eram
centralizados na comunidade e aceitos como a autoridade final.
Através deste ponto de vista, é possível aceitar o seguinte fato; a
comunidade de Israel começa a ser direcionada religiosamente por uma
determinada elite conhecedora dos textos bíblicos, classe esta inaugurada após
Neemias ter voltado da Babilônia e direcionado o país no estudo da palavra. Esta
época em questão, por si só, já demanda uma pesquisa específica. Deste modo, é
mister fazer um recorte histórico apenas no período que compreende o judaísmo
da época final do Antigo Testamento.
Portanto, a formação das seitas (endossada pelas sinagogas) durante esta
época em questão, explica como Israel passou a ter como liderança central os
61
“Como a Lei Oral era transmitida de mestre a discípulo no decorrer dos séculos por instrução oral, tornou-
se evidente a necessidade de dispor e dar redação final à matéria”. in STEINSALTZ, Adin. O Talmud
Esencial. Rio de Janeiro, Koogan Editora, s/d. p. 44.
62
BRIGHT, John. A History of Israel, Philadelphia, Westminster Press, 1976, p. 436-443.
42
conhecedores da Torá e da Mishná, ao invés do Sumo-Sacerdote que era detentor
de uma única tradição: o culto sacrificial
63
.
Steinsaltz declara que a própria mudança foi estabelecida pelo Sumo
Sacerdote (Joshua Ben Gamala), que estabeleceu escolas de ensino às faixas
mais amplas da população
64
. Houve, segundo ele, uma proliferação de
professores tal, que gerou uma gama de formas de expressão e métodos
diferentes. Cada mestre tinha seu próprio método e enunciava as leis orais à sua
própria maneira. Quando os sábios se encontravam já não se registrava uma
única e uniforme tradição. Existiam ainda certos ensinos orais que o próprio
Talmud atribuía ao tempo de Neemias, ou seja, o princípio da era do Segundo
Templo. Forster confirma a mesma idéia quando declara o seguinte:
Conforme os círculos da comunidade judaica na
Nação de Israel se tornaram cada vez mais
secularizados, começando pelos próprios
sacerdotes e os ricos, aqueles que pretendiam
aderir à lei de forma mais profunda acabaram se
isolando em comunidades mais fechadas. Os
sacerdotes deixaram de ser os ensinadores da
sabedoria, dando lugar aos estudiosos da lei, os
quais meditavam nelas dia e noite
65
.
Para desfecho desta parte, cabe dizer que as sinagogas alimentaram as
comunidades judaicas espalhadas por toda a Nação de Israel. Jesus fez uso
63
STEINSALTZ, Adin.Op. Cit. p. 48.
64
STEINSALTZ, Op. Cit. p. 47.
65
FORSTER, Werner. From the Exile to Christ: A Historical Introduction to Palestinian Judaism.
Philadelphia, Fortress Press, 1966, p. 27.
43
constante do Antigo Testamento como nutriente de sua própria vida e como base
de seus ensinos.
Também os numerosos gentios que foram atraídos para a religião judaica,
foram alimentados pelas sinagogas locais. As seitas, nesta época de
fragmentação do judaísmo, vão representar um papel de grande importância. O
tempo que compreende desde o nascimento das sinagogas (mais ou menos após
o retorno da Babilônia) até a queda do Templo de Jerusalém vai servir como palco
para atuação do cristianismo, que nasceria já com uma característica proveniente
do judaísmo pós-exílio: o estudo e interpretação da palavra escrita e o sustento
em sua existência através de uma forma fragmentada.
A fragmentação do Judaísmo não ocorreu de forma instantânea e curta, e o
advento das sinagogas sustentou o início do que seria um processo que
atravessaria a Nação de Israel em meio à história pouco anterior e posterior ao
nascimento do Cristianismo.
O judaísmo rabínico (centrado no estudo da palavra) veio a ser o primeiro
grande estilhaço neste processo fragmentário, e a partir dele várias outras seitas
iriam se estabelecer na região da nação de Israel e arredores. A cada comunidade
estabelecida pode-se dizer que alguma novidade, seja na forma de interpretar as
escrituras, seja na forma de prestar culto, ia sendo adicionada. Como exemplo
temos que, as lamentações, prantos e choros, antes de Neemias e do exílio, não
faziam parte de uma liturgia oficial (mas sim de momentos individuais dos profetas
44
ou de reis), posterior ao exílio, entretanto, tornam-se momentos da adoração e
prestação de culto do judaísmo
66
.
Comentando acerca destes séculos correspondentes, Oesterley
67
diz que,
“o judaísmo como conhecemos antes da destruição do Templo de Jerusalém pelo
Império Romano, era mais uníssono do que posteriormente, quando o judaísmo
rabínico se tornou apenas um entre tantos outros elementos”, reforçando a idéia
de uma fragmentação daquela religião.
1.2.2. O papel das seitas nas formas de culto.
Apontar o nascimento, estabelecendo as condições e data de cada uma
das seitas emergentes no judaísmo, seria um desvio desnecessário do foco da
pesquisa, uma vez que não se objetiva a busca histórica de cada uma delas, mas
sim apontar (uma vez já instituídas) as características de inculturação
68
correspondente à liturgia da época.
Entende-se por seitas judaicas as ramificações que se estabeleceram com
uma categoria e um estilo próprio na época pouco anterior (e pouco posterior) ao
cristianismo. Das mais conhecidas é possível destacar e.g. os hassidins, os
hasmoneanos, os essênios, os fariseus, os saduceus e os escribas. Esta última,
66
STUHMUELLER, Carroll. In.: BROWN Raymond E. The New Jerome Biblical Commnetary, New Jersey,
1988, p. 348.
67
OESTERLEY, W.O.E. Op. Cit., p. 7-9.
68
Este termo tem sido usado este termo para definir mais precisamente “a encarnação do evangelho em
culturas autonomas e ao mesmo tempo a introdução destas culturas na vida da Igreja. Inculturação significa
“uma trasformação íntima dos verdadeiros valores culturais por meio de suas integrações dentro do
cristianismo e da implementação do cristianismo dentro de culturas humanas. ADOREMUS BULLETIN,
Society for the Renewal of the Sacred Liturgy, Online Edition Vol VII, No 8, Nov, 2001.
45
entretanto, se configurava mais em uma categoria profissional que como uma
seita.
As seitas judaicas vão se estabelecendo ao longo do período existente
entre o Antigo e o Novo Testamento, e elas vão influenciar diretamente a
formação do cristianismo, como diz Oesterley:
A vida interna e externa e o crescimento do
judaísmo foram profundamente modificados,
seus partidos e movimentos, as idéias políticas e
religiosas e mesmo os ideais, foram
vagarosamente desenvolvidos e gradualmente
assumiram a forma com a qual nos torna familiar
as páginas do NT
69
.
Há autores que, quando tratam da questão dos essênios por exemplo,
chegam a questionar se Jesus foi um membro da seita ou não
70
. Outrossim, Porto
comenta que, a maioria dos especialistas admite certo influxo do essenismo sobre
o Cristianismo.
Nenhuma religião ou seita nasce como tabula rasa”, antes, sempre
manterá um determinado nível de ligação com sua raiz.
O estabelecimento de uma liturgia voltada mais para o estudo da palavra do que
para o rito simbólico do sacrifício, fez com que os judeus seguissem um rígido
sistema ético, alicerçado sobre a legislação mosaica do Antigo Testamento e
sobre as interpretações rabínicas. Entretanto, quando se há contato entre duas
69
OESTERLEY, Op. Cit., p 6.
70
CULLMANN, Oscar. Das Origens do Evangelho à formação da Teologia Cristã. São Paulo: Novo Século,
2000, Cap. 1.
46
culturas, é inevitável que uma venha a ser marcada pela outra. E não foi diferente
quando ocorreu o contato entre as comunidades judaicas espalhadas na região da
nação de Israel com os povos de três domínios subseqüentes: persa, grego e
romano.
Para Oesteley, a maior destas influências no judaísmo foi o crescimento
das grandes e poderosas comunidades judaicas de fala grega, as quais após o
início da era helênica, apareceram em várias partes do mundo civilizado, fora da
nação de Israel, e com a dispersão, até nos confins do Império Romano
71
.
Não somente os essênios como também cada seita, tinha sua característica
principal e pontos litúrgicos distintos. Valverde, comentando sobre um texto de
Gregório Lutz, define a seqüência de um culto festivo e celebrativo em Israel como
sendo oposto aos cultos das comunidades judaicas separatistas, onde havia maior
expressão de lamento, denominado pelo autor de pedagogia da resistência
contemplavam mais a “inserção de Deus na História, de forma nova, com o
espaço para a libertação
72
”. Entretanto, aqueles se caracterizaram de forma
diferente pelo fato de ter se separado das comunidades centrais. Portanto, é mais
fácil achar pontos em comum nas seitas que compartilhavam uma sinagoga ou
vila próxima, do que achar pontos em comum com uma seita separatista
73
. Para
Humberto Porto, a dialética de uma facção na religião judaica, acabava por lançar
71
OESTERLEY, W.O.E. Op. Cit., p. 6
72
VALVERDE, Messias. O Ano Litúrgico como espaço educativo: subsídios para uma proposta de pastoral
litúrgica, Tese de Mestrado, UMESP, 1993, pp. 10-11
73
Oscar Cullmann, diz que os essênios possuíam doutrinas secretas e os manuscritos de Qunram confirmam
isto. Ele ainda acrescenta que o cristianismo primitivo fincava suas raízes não no judaísmo oficial, senão em
um meio judaico mais ou menos esotérico. Com efeito o gnosticismo judaico já acusa uma influência
helenística são uma perspectiva completamente diferente da costumeira. Antigamente, tão logo se descobriam
influencias helenísticas nos escritos do Novo Testamento, se concluía que esse escrito devia ser de redação
recente. (...) é possível imaginar que, por meio de João Batista, o pensamento e as práticas essênias tenham
penetrado no cristianismo nascente. In Oscar Culmann. Op. Cit., p 9-10 e 14.
47
rebento para outra facção. Ele diz por exemplo, que o movimento de “Qunram
havia nascido da contestação levantada contra o sacedócio dos soberanos
hasmoneus. Mas apesar disto, logo se caracterizou pela organização rígida do
sacerdócio e da hierarquia, bem como por um exacerbado legalismo”
74
.
Em algumas das seitas é possível apontar anterior ao cristianismo
pontos interessantes, tais como o descompromisso com o sábado, a crítica aos
ritos purificatórios, rejeição do sacrifício e a oposição aos líderes oficiais do
judaísmo
75
.
Entretanto, esta contraposição religiosa que influenciou as novas formas de
culto não se alimentou apenas das seitas para tomar força e vitalidade; ela
também vai receber influência do ambiente sócio-político e econômico da época.
Como será mais explanado no decorrer da pesquisa, entre outros exemplos
citamos o domínio pelo qual atravessava a nação; o qual influenciaria um discurso
de libertação, o sacrifício de animais vai se exterminando pela dificuldade política,
e o rito é substituído pelas orações e estudo mais profundo das Escrituras.
Apesar do contra senso aparente, pelo fato de que as seitas eram
justamente uma forma de se separar das entidades e também do mundo
dominante
76
, na formação do cristianismo, podemos concluir que houve influências
de ambas as partes; as quais poderiam ser chamadas de influencias internas
(caracterizada pelas seitas dissidentes do judaísmo) e a influência externa,
caracterizada pela sociedade nação de Israel sob o domínio do Império Romano.
74
PORTO, H. Op. Cit., p. 105.
75
PORTO, H. Op. Cit., p, 106.
76
Humberto Porto caracteriza as seitas como sendo uma tentativa rígida de ruptura do judaísmo oficial, pelo
isolacionismo sectário e pelo apego à meia dúzia de tradições sacerdotais. In: PORTO, H. Op. Cit., cap. 4.
48
1.3. A Influência do Ambiente Sócio-Político e Econômico no Período dos
Macabeus.
Para apontar as influências mais relevantes que o judaísmo recebeu do
ambiente cultural no período dos Macabeu, optamos por delimitar esta parte da
pesquisa em três elementos: o sacerdócio, o Templo de Jerusalém e o culto.
Para tanto, não bastaria apenas indicar as influências helênicas como
únicas responsáveis pelo desprezo por parte da população judaica para com sua
liderança. Todavia, este fato não deixa de ter uma relevância, e deve ser levado
em consideração, mas tendo em vista que as idéias helênicas serviram de alicerce
para um certo secularismo no judaísmo de então, e influenciaram as
interpretações que o cristianismo, posteriormente, teria das Escrituras Sagradas.
Oesterley, em outra obra que analisa a influência do helenismo sobre o judaísmo
diz que a profunda influência que as idéias e a cultura grega teve sobre o mundo
em geral, não foi diferente no mundo judeu, e eles não se mantiveram intocáveis,
apesar de a tradição judaica, o pensamento, e os costumes terem oferecido
naturalmente uma oposição a tais influências. Segundo o autor teria ocorrido uma
simpatia por parte de Israel para com a grande oportunidade oferecida pelo
helenismo, e sob o comando de outras nações, durante os últimos séculos os
judeus modificaram as tradições dos antepassados
77
.
As influências sócio-política e econômica, se consideradas, tiveram um
impacto talvez maior ainda do que o das seitas; mas isso sem desconsiderar a
idéia de que, as formas de culto, são condicionadas por toda essa gama de fatos
apontados em conjunto.
77
OESTERLEY, W.O.E. A History of Israel. Oxford: Clarence Press, 1934, Cap. XIII, p. 175.
49
Não seria razoável pensar que devido os avanços, a comunidade dos
judeus na nação de Israel do domínio helênico e romano tenha maquinado
abandonar a fé dos patriarcas propositadamente. O que havia acontecido era que,
na busca pela nova cultura eles acabaram por fazer um compromisso perigoso
com o paganismo.
O resultado final deste envolvimento foi o estabelecimento no ano 167 a. C.
de uma força que ocupou toda Jerusalém e, para horror dos judeus, tomaram o
Templo e o redirecionaram ao Zeus do Olimpo, estabelecendo um ritual pagão
78
.
Mesmo em meio a um domínio, geralmente o povo continua tendo seus
líderes populares, e não foi diferente no domínio helênico-romano na Judéia. Uma
dinastia conseguiu se estabelecer devido a sua descendência real: a dinastia dos
Macabeus. Simão Macabeu acaba conseguindo em 142 a.C., em uma
assembléia nacional popular, a ratificação para que seu irmão se tornasse o
Sumo-Sacerdote.
Uma vez que para ocupar a posição de Sumo Sacerdote, era preciso ter a
descendência de Arão (o que não era o caso do irmão de Simão Macabeu)
79
, logo,
essa figura ( a do Sumo Sacerdote) seria levada pouco a sério pelo povo, o que
reforçou o estabelecimento das seitas, fora do domínio religioso da figura do
próprio Sumo-Sacerdote.
Com essa atitude de Simão Macabeu, o Sumo-Sacerdote passa a
representar um papel bem mais político
80
do que espiritual. A liderança política
78
JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. Rio de Janeiro: CPAD, 2000. p. 526.
79
JONES, A. H. M. The Herods of Judaea. Oxford: Clarendon Press, 1938, p. 12.
80
Tendo convidado um líder Fariseu para um banquete, após pedir uma palavra de direção e de instrução, um
outro homem por nome Eleazar se levantou e falou-lhe que era seu dever renunciar ao Sumo Sacerdócio e se
50
acaba se misturando com a liderança religiosa, transformando as duas em uma,
numa simbiose que certamente teve resultados colaterais nas formas dos cultos.
Lietzmann, analisando esta questão, explica que logo no início do período
dos Macabeus, uma flama de entusiasmo nacionalista foi se formando na judéia
alimentada pela inabalável fé em Deus e iluminada pelo discurso apocalíptico do
paraíso terrestre Ele ainda adiciona que a inesperada e desacostumada liberdade
política no século subseqüente acrescentou ainda mais este quadro, até que veio
a iminente escravidão assistida pelo período romano, onde os impostos eram
altos, e o povo viveria sob um julgo e dependência econômica, mas com uma
liberdade religiosa.
81
O culto foi impulsionado em vários sentidos, inclusive no âmbito musical.
Vários salmistas surgiram, os quais compuseram diversas canções no estilo dos
salmos davídicos
82
, uma vez que muitas das melodias e canções haviam se
perdido no exílio.
A esperança messiânica já na era romana é clara e bem descrita nas
páginas dos Evangelhos. Mas a divina promessa seria para a casa de Davi,
contudo, a liderança judaica sob Roma, estava com líderes políticos/religiosos que
nada tinham a ver com a descendência da casa de Davi ou a genealogia de Arão.
contentar em ser apenas um governo civil para o povo. Desde então a mãe deste se tornou uma prisioneira.
Incidente que deu aos Aristocratas chamados posteriormente de Saduceus a oportunidade de lutarem pelo
poder. FLÁVIO JOSEFO apud JONES, A.H.M. Op. Cit., p. 13.
81
LIETZMANN, H. The Beginnings of the Christian Church. London: Lutterworth Press, 1962, p. 24-25.
82
LIETZMANN, H. Loc Cit, p. 26.
51
Como resultado deste quadro, a Nação de Israel entraria nas primeiras
épocas do Cristianismo com as instituições judaicas desacreditadas. Restando
apenas as sinagogas com liberdade de reuniões e manifestações litúrgicas
83
.
A organização da Judéia, debaixo do domínio do Império Romano,
participava das mudanças internas, e trouxe também para a Judéia comandantes
de forças militares locais em posições de liderança político-econômica. O
elemento mais importante da mudança consistiu na separação entre o Sumo
Sacerdote e o poderio político. O sistema de moradia causou uma diferença entre
aldeia, subúrbio e cidades, com autonomia dos subúrbios para com as cidades.
Esta é a razão da confusão existente no I séc d.C. na distinção entre aldeia e
cidade
84
.
Todo esse quadro apresentado, mesmo que superficialmente, aponta o
caminho que a religião vai tomando na Judéia. Primeiro uma esperança
messiânica e libertadora, onde a opressão vai desgastar o discurso espiritual,
causando uma necessidade de discurso político-libertador. Depois uma separação
geográfica, e conseqüentemente de relações (religiosas inclusive) entre as
cidades e os vilarejos afastados e aldeias campestres. E finalmente, a perda da
autoridade sacerdotal, a qual havia sido centro da espiritualidade judaica
juntamente com o Templo.
Estes acontecimentos acabam por fazer com que o terreno religioso fique
mais vulnerável frente às expressões religiosas que já vinham se fragmentando ao
longo da história de Israel.
83
BROWN, Raymond E. The New Jerome Biblical Commnentary. New Jersey: Prentice Hall, 1990, p. 682.
84
SHERWIN-WHITE, A. N. Roman Society and the Law in the New Testament. Oxford: Oxford Press, 1963,
p. 157.
52
1.3.1. Conseqüências das Condições Sociais e Econômicas do Período
greco-romano.
Contrário ao período do domínio persa, que não se pode constatar grande
desenvolvimento econômico e material para os judeus, o período greco-romano
permitiu um grande desenvolvimento nas citadas áreas.
A facilidade de trânsito entre as nações circunvizinhas sustentou uma rota
comercial de incessante atividade, principalmente durante a estabelecida Pax
Romana
85
. Com isso, houve um grande estabelecimento de fenícios na Nação de
Israel. Entretanto, ainda que houvesse uma vasta riqueza proporcionada pelo
comércio e a privacidade financeira, havia muita pobreza, e uma considerável
parte do que se produzia virava imposto, primeiro sob o domínio Selêucida, e
depois também sob o Império Romano.
O livro apócrifo de Ben-Sira (Eclesiástico), escrito nesta época, acaba
sendo um documento muito importante e que retrata ao longo de um capítulo
inteiro
86
, características do sistema comercial, compra e venda, empréstimo e
troca, dando uma grande idéia de como os judeus palestinos estavam sendo
favorecidos pela economia da época.
Oesterley
87
explica que na Nação de Israel, o artesão, o lavrador, o
engordador de gado, o oleiro, o carpinteiro e outros trabalhadores acabaram
sendo contemplados em um mundo de ligações comerciais impossíveis antes do
85
GUNDRY, R.H. Op. Cit. pp. 3-16.
86
O Capítulo 31 vai narrar sobre atitudes para com o dinheiro e o comércio, o 34.1-13 narra as oportunidades
de adquirir riquezas, o 27 fala sobre empréstimos e lucros, no cap. 38. 24-34, descreve uma pintura de vários
tipos de artesãos.
87
OESTERLEY, W.O.E. Op. Cit., p. 312-313.
53
domínio helênico. Apesar de que, durante o período dos Macabeus esta condição
tenha mudado, e durante o período grego o acesso ao comércio e aos negócios
de diversos tipos permitiu aos judeus uma prosperidade material.
Apesar de toda a taxação, e o grande desperdício, uma quantia
considerável certamente era mantida no país. Pois, o período de Herodes,
posterior a este, pode ser considerado um período de riqueza e abastança, e o
próprio Herodes, segundo Oesterley
88
, usufruiu desta época de prosperidade
econômica, o que desencadeou na reconstrução do Templo de Jerusalém. Por
esses entrelaçamentos entre o Estado e a religião, poder-se-ia até entender que o
financiamento estatal patrocinou o Templo de Jerusalém orgulho da religião
judaica e forma clara de manter o povo sob controle político.
Para alimentar um cisma entre liturgia estabelecida pelo Templo e a nova fé
emergente, seria preciso a produção de um novo discurso. Um que reinterpretasse
todo o sistema sacrificial e cultual. É neste quadro que surge o livro de Hebreus.
Independente de ter sido escrito anterior ou posterior à destruição do Templo, o
escritor teve de lidar com um sistema ritual ainda vigente no pensamento da
comunidade nação de Israel do primeiro século.
88
OESTERLEY, W.O.E. Op. Cit., p. 314.
54
CAPÍTULO 2
55
2. CONTINUIDADES E RUPTURAS: ASPECTOS LITÚRGICOS DO LIVRO DE
HEBREUS
89
.
O livro de Hebreus é o único do NT que proporciona base mais detalhada
para estudar o culto realizado pela nação de Israel. Isto não quer dizer que outros
livros não tratem de pontos litúrgicos (e.g. Colossenses 3:16), mas são pontos
bastante diminutos, e expressivos na forma e no conteúdo cristão. Diferentes de
Hebreus, que detalha vários aspectos do culto realizado pela religião judaica.
Uma característica singular deste livro é que ele começa sem haver uma
indicação de quem foi o escritor e também não há alusão alguma aos destinatários
da carta.
Mas como propõe D. A. Carson
90
, devido a algumas notas pessoais e uma
despedida final, e pelo caráter minuciosamente judaico das advertências e das
exortações morais, o escritor certamente tinha em mente leitores específicos, e
estes eram conhecedores dos costumes e da religião judaica, contudo convertidos
ao Cristianismo.
Quanto à sua data há uma divergência muito grande, mas segundo
Carson
91
, não há nenhum crítico que date a carta anterior ao ano 60 nem posterior
a 140. Contudo, pelo fato de Clemente haver citado a Epístola em sua carta, ela
89
Alguns dos textos litúrgicos mais sólidos a que se pode ter acesso hoje, e que retratam a época dos
primeiros séculos da Igreja Cristã são os seguintes: Didaquê, São Clemente, São Justino, São Irineu,
Tertuliano, Hipólito de Roma, São Cipriano, Didascália e Constituições apostólicas e os textos seletos das
anáforas primitivas, e ainda as Catequeses Patrísticas. Mesmo desconsiderando o fato de fazer parte dos
livros considerados como sagrados pela Igreja Cristã, preferimos o Livro de Hebreus devido a sua riqueza nos
detalhes dos símbolos e por ser o próprio livro um documento que retrata o momento de passagem do
simbólico para o documental, interesse central desta pesquisa.
90
CARSON, D. A. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997, p.433.
91
CARSON, D. A. Op. Cit.
56
certamente deve ter sido escrita anterior ao período de 95 a.C.
92
. A grande
importância da data para o objetivo desta pesquisa, é o fato de ela ter sido escrita
anterior ou posterior ao Templo de Jerusalém ter sido derrubado pelo Imperador
Tito no ano 70 d.C.
Caso tenha sido escrita posterior à destruição do Templo, as rupturas
alvitradas no livro, devem ser entendidas como propostas que seriam mais fáceis
de serem estabelecidas devido a queda do Templo e, com isso, enfraquecendo os
alicerces da religião judaica. Uma vez que esta já não estaria tão concentrada e
firme, e portanto, inapta a se defender das interpretações cristãs, a destruição do
Templo apenas amplia a fraqueza da religião judaica frente à religião emergente.
Por outro lado, se a Epístola foi escrita anterior ao ano 70, pode implicar no
fato de que ela fosse uma forma de incentivar o povo a se libertar da liturgia e dos
elos judaicos que (tal como na carta aos Gálatas) estavam prendendo alguns dos
cristãos convertidos.
Considerando a dialética existente no fenômeno religioso entre o culto
baseado na manifestação ritual simbólica e o culto baseado no código escrito, o
livro de Hebreus pode ser considerado como o registro do NT que melhor denota
este impasse.
Isto se dá, obviamente, pelo alto número de citação e explicação dos
símbolos e ritos judaicos, fazendo ainda uma re-leitura para a então nova religião:
a cristã.
92
GUNDRY, R.H. Op. Cit., p. 374-5. CARSON, D. A. Loc. Cit. BROWN, Raymond E. The New Jerome
Biblical Commentary. New Jersey, Prentice Hall, 1990. pp 920-22.
57
Se por um lado o Judaísmo estava seguindo uma trajetória que partia das
manifestações sacrificiais e simbólicas para uma liturgia regida por uma
religiosidade codificada (textual)
93
, por outro lado nascia uma nova religião que
tomaria um fôlego e uma proporção tal que, tratou de imediatamente englobar
todo o sistema simbólico da religião que a gerou
94
e ainda criar um código próprio,
que ia além da Lei vétero-testamentária.
A Igreja primitiva foi dando uma nova interpretação a cada símbolo, fazendo
uma nova leitura de cada movimento litúrgico, e ainda, oferecendo para o fiel um
Código Sagrado vigente, uma sistematização ética e religiosa documentada, que
mais tarde veio a se tornar o Novo Testamento.
Dessa forma, o Cristianismo não apenas reinterpretou o sistema simbólico
da religião judaica, como também acompanhou um certo fluxo intelectual daquela
época, i.e. a passagem da oralidade para o documento escrito, do simbólico para
o descritivo e documental.
Comentando acerca disso, Maxwell
95
diz que, mesmo antes do Novo
Testamento ser redigido, o culto cristão já tinha alcançado seu estilo pleno. Desta
forma, ele acaba destacando quatro pontos que sobressaem em sua pesquisa.
Primeiro, o fato de que os cristãos ainda continuaram participantes dos cultos nas
sinagogas. Segundo o fato da comunhão e do compartilhar do alimento. Terceiro,
a celebração memorial da ceia em todas as reuniões; e quarto, o momento das
profecias ou línguas estranhas para alguns que teriam dons especiais. Entretanto,
93
Cf. Capítulo 1.
94
MAXWELL, Willian D. El Culto Cristiano: su evolucion y sus formas. Buenos Aires: Methopress
Editorial, 1963. Este autor explica que não há tanta clareza nos laços de afinidade entre cada sacramento, mas
eles foram dando lugar aos textos e aos ritos das liturgias. p. 38.
95
MAXWELL, Willian D. Loc. Cit p. 15-18.
58
Maxwell não nega que o estilo do culto sinagogal era o que se destacava em suas
reuniões.
Não obstante, o autor acrescenta que a leitura das Escrituras em meio a um
clima de celebração e a oração foram, desde o princípio, um dos elementos
essenciais do culto cristão.
Houve uma série de fatores sócio políticos já apontados que levaram
os sacrifícios e holocaustos de animais a se definharem aos poucos. Com isso,
quando se observa o livro de Hebreus de forma mais detalhada, é possível
perceber que em suas novas interpretações de diversos símbolos de alta
importância para os judeus, o autor
96
do livro não os descarta como sendo
símbolos sem relevância, antes, é apresentada uma nova interpretação.
Para Thompson a relação entre os escritos cristãos e o pensamento grego
é totalmente relevante. Em alguns de seus textos
97
ele observa tais influências,
mostrando que nos primeiros séculos, a comunidade cuja origem era nação de
Israel e aramaica, mas com literatura escrita em grego, teve muitas influências
desta cultura.
Maxwell também afirma que para as celebrações na Igreja Primitiva
cantavam-se músicas dos antigos salmos, mas mesmo assim eles compuseram
muitas novas (liberdade que não foi possível às sinagogas). Ainda as orações
tinham uma forma tal que todos conseguiam tomar parte na hora de recitar. Mas
96
Não há conjunto na aceitação acerca da autoria do livro de Hebreus. Cf. BROWN, R. E. Op. Cit.
97
THOMPSON, James W. The Beginnings of Christian Philosophy. The Catholic Biblical Quartely.
Monograph 13, Hebrews and Greek Paideia, Chapter II. Washington D.C, Libray of Congress, 1982, p. 17-
40.
59
algumas outras, segundo o autor, já estavam no meio do povo por intermédio da
tradição oral
98
.
Provavelmente, seria impossível o autor de Hebreus apenas apresentar
rupturas, estabelecendo vácuos entre uma religião e outra, como que
simplesmente descartando todo o modelo da religião mãe. Por isso, a
apresentação que o livro faz dos vários pontos do ritual litúrgico judaico é
acompanhada de um respeito, mas também de uma reinterpretação, a qual não
apenas descarta o culto judaico como manifestações rituais supérfluas.
Contudo, reforçando uma idéia de Oestreley, de que nenhuma religião
nasce como uma “tabula rasa”, formando-se do nada cf. capítulo 1 ; assim
também se dá todo o trabalho de reinterpretação dos Escritos Sagrados por parte
da novel Igreja Cristã. Tratando mais especificamente sobre a nova leitura que o
livro dá aos sacrifícios de animais, Thompson coloca o seguinte:
The author of Hebrews, in contending that the
blood of animals is not an adequate sacrifice, was
making an argument that would have been widely
accepted in the Helenistic world. There was an
old Palestinian tradition extending to the Psalms
and Prophets which had condemned any belief in
the automatic efficacy of sacrifices, demanding in
its place a “sacrifice of thasnksgiving” or deeds of
mercy
99
.
98
MAXWELL, Willian D. Op. Cit., p 17.
99
THOMPSON, James W. Op. Cit. p. 103. (Trad. livre do autor). “O autor de Hebreus, em defendendo que o
sangue de animais não é um sacrifício adequado, estava usando de um argumento que teria sido amplamente
aceito no mundo helenístico. Havia uma velha tradição nação de Israel nos Salmos e nos Profetas que tinha
60
O autor ainda continua explicando que o contexto grego fomentou o
questionamento de muitas partes do culto judaico, e as influências helênicas
fortificariam as idéias de que o verdadeiro sacrifício não demanda nenhum sangue
de animal e nenhum santuário físico.
Ainda assim, o universo simbólico de Hebreus é muito vasto, e não há
como provar que toda a reinterpretação simbólica foi perpetuada por uma abertura
já existente no Antigo Testamento como no exemplo citado logo acima - , ou que
tenha sido uma influência direta do mundo helênico.
O que se pode afirmar é apenas que toda a reinterpretação simbólica do
livro de Hebreus foi feita em cima de símbolos verdadeiramente judaicos. Desde
aqueles representados pelos sacrifícios, aqueles concernentes ao sacerdócio e a
história nacional, e os que diz respeito ao Templo.
Em um trecho de análise textual acerca da reinterpretação encontrada em
Hebreus, Dussault comenta que a técnica exegética ocupada pelo autor do livro
seria um procedimento comum de seu tempo. Com isso, o método hermenêutico
livre, que seria inaceitável nos dias de hoje
100
, foi sobretudo ocupado como base
condenado qualquer crença na eficácia automática dos sacrifícios, demandando no lugar destes um sacrifício
de ações de graça, ou ações de misericórdia”.
100
Esta liberdade de interpretação de que o escritor de Hebreus se ocupou foi facilitada pelas mudanças
sociais. Tais interpretações, alegórica ou tipológica, perderam espaço nas interpretações literárias
racionalistas e foram consideradas uma interpretação inferior. Isto ocorreu apenas por volta do advento do
Racionalismo Histórico, pois anteriormente, Agostinho e outros autores se ocuparam da interpretação
alegórica livre. Na época contemporânea, com o advento da chamada “Pós-Modernidade”, onde há espaço
para todo tipo de interpretação, este quadro está se revertendo novamente. A livre interpretação está tomando
espaço em diversas igrejas, e não é mais a hermenêutica racional que domina este campo, isto também não
deixa de ser influência das mudanças sociais vigentes. Uma vez que a era atual é característica por ser
inclinada à tolerância em diversas áreas e entre distintas manifestações . Para ver mais sobre o assunto:
BAKHTIN, M. apud SANTANNA, Jaime dos Reis. Literatura e Ideologia, São Paulo: Novo Século, 2003,
p.19. “Toda intertextualidade é uma leitura ideológica e pressupõe do leitor uma postura de avaliador da
História. Ver também. SONTAG, S. Contra a Interpreação. Porto Alegre: LP & M, 1987. CANDIDO,
Antonio. Literatura e Sociedade, São Paulo: Publifolha, 2000.
61
para re-significar a simbologia litúrgica dos hebreus que se convertiam ao
cristianismo
101
.
Ainda sobre este mesmo assunto, reforçando as colocações de Dussault,
Adriano Filho comenta o seguinte:
Hebreus demonstra uma dívida para com a
prática exegética e retórica judaica. Emprega
freqüentemente o midraxe (...), a cadeia de
citações (1.5-13) e usa a Escritura (LXX) como
prova autoritária. É um trabalho de persuasão e
tem o seu argumento principal constantemente
interrompido por digressões e exortações. Logo
após a introdução (1.1-4), que apresenta a
manifestação do Filho como algo contínuo e
superior a todas as revelações anteriores e
contém vários elementos tradicionais que
constituem os conceitos teológicos mais
importantes de Hebreus
102
.
Quanto a esses elementos tradicionais citados pelo autor, diz respeito a
toda uma cultura religiosa que se organizou ao longo dos séculos. Conceitos que
dizem respeito a Moisés, ao Tabernáculo e ao Templo, à peregrinação, ao
sacrifício de animais e à voz de Deus por intermédio dos patriarcas e dos profetas,
enfim, todas os pontos mais relevantes da nação e religião judaica, vão ser relidos
pelo autor de Hebreus.
101
DUSSAUT, L. Arquitetura de Símbolos. in: A Epístola aos Hebreus. São Paulo: Paulinas, 1988, p. 327
passim.
102
ADRIANO FILHO, J. Peregrinos neste mundo. São Paulo: Umesp/Loyola, 2001, p. 12-13.
62
Nesta releitura, Jesus é centralizado como aquele que verdadeiramente é o
objetivo de toda uma simbologia feita ao longo da história, apontando para o
Messias, o qual vem para substituir como sendo a fonte original de tudo que foi
simbolizado até então.
Dussault defende a idéia de que havia uma Arquitetura de Símbolos no
início da Igreja Cristã, com isso, os grandes traços simbólicos de que o autor se
serve para construir sua teologia permitiu perceber melhor a significação e o nexo
de cada momento litúrgico de Israel, agora aplicado à figura de Cristo
103
.
Este autor vai denominar esta técnica de interpretação de Hebreus como
sendo Pares de Totalidade. Com isto, não estaria correto dizer apenas que o livro
vai comparar e reler os símbolos da Liturgia e da religiosidade judaica em Cristo,
mas vai remeter ao Cristo um patamar mais elevado de tudo que aconteceu
anteriormente.
Para isso, Dussault mostra uma série de Pares de Totalidade existente no
livro de Hebreus, e que, segundo ele, todos são relidos como se o símbolo anterior
portanto judaico fosse incompleto, e o posterior cristão fosse a completude
daquele. Como exemplo dos Pares de Totalidade apontados por Dussault
temos
104
:
a. Sair / entrar
b. Ser rebaixado / Ser exaltado
c. Levantar-se / Sentar-se
d. Começar / acabar
103
DUSSAULT, Louis. A Espístola aos Hebreus. São Paulo: Ed. Paulinas, 1988, p. 328 329.
104
DUSSAULT, Louis. Op. Cit.
63
e. Terra / céu
Todos esses ditos Pares de Totalidade são uma forma de expor o
Cristianismo como uma continuidade do Judaísmo, entretanto com uma diferença,
aquele seria incompleto e apontaria para este, completado na figura de Cristo.
Isto conduz o assunto ao cerne da questão, o qual é bem retratado nas
palavras de Nichols quando diz que:
Os judeus (...) prepararam o “berço do
cristianismo”, fizeram preparativos para o seu
nascimento e o alimentaram na sua primeira
infância. (...)Em parte alguma do mundo, ao
surgir o Cristianismo, havia uma vida religiosa tão
forte como a existente ente os melhores
representantes da vida judaica, cuja
características essenciais eram duas: a mais alta
concepção conhecida entre os homens, como
resultado do ensino do Velho Testamento; e o
mais alto ideal de vida moral que se conhecia
105
.
O autor ainda acrescenta a idéia explicando que a preparação para o
Cristianismo foi decorrente de um judaísmo que vivia sob a esperança de um
Messias, sendo que nos anos de opressão, tal esperança vai se afirmando como
“a mais preciosa das suas possessões”. Todos os primeiros seguidores do
Cristianismo eram provenientes do judaísmo, e para Nichols, a esperança
messiânica foi uma espécie de elemento chave que possibilitou o encontro de
105
NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana. 1992, p. 13.
64
alguns para receber a nova religião
106
. Resumindo, cabe dizer que, foi a
continuidade e não a ruptura que incentivou a conversão de vários dos judeus ao
Cristianismo.
Considerando o que já foi visto até aqui, faz-se necessária uma abordagem
mais próxima do próprio livro de Hebreus, retirando partes do texto para que se
possa expor bases apontadas no próprio texto.
Todavia, é importante que se considere as premissas deste trabalho, que
afirmam que a comunidade judaica vinha sofrendo uma mudança desde o exílio,
ocasião em que as sinagogas começaram a aparecer, e que esta mudança estava
conduzindo a religião judaica no caminho que se apartava cada vez mais do culto
marcado pelo sacrifício simbólico e se aproximava cada vez mais de um culto
centralizado nas Escrituras Sagradas, parte codificada da religião. E isto se deu
também entre o Templo e a sinagoga.
Obedecendo a própria estrutura do livro de Hebreus, alguns assuntos terão
um destaque em relação à mudança litúrgica em questão, ou seja, deste ponto
adiante, três perguntas se tornarão de grande importância para a pesquisa: Como
era o culto? Como ficou segundo a interpretação de Hebreus? Quais as
influências do meio sócio-político e econômico que levaram a isso?
Focalizando algumas das comparações apresentadas em Hebreus, e
considerando o texto pelo ponto de vista documental, poder-se-ia afirmar que, a
superioridade do Cristianismo, defendida pelo autor, teve muitas implicações das
mudanças sociais da época (segundo uma abordagem científica). Todavia, se
avaliado como documento revelado por Deus ao homem, seria possível dizer que
106
NICHOLS, Robert Hastings, Op. Cit.
65
os cristãos reinterpretariam o culto judaico com a mesma liberdade, pois, Deus é
quem teria revelado, independente do momento em que a sociedade se
encontrava (visão teológica).
2.1. A Questão da Superioridade de Cristo.
Considerado segundo os parâmetros do fenômeno religioso, o Cristianismo
não deixa de se igualar às outras religiões que clamam para si uma superioridade
em relação às outras.
Desde os tempos mais remotos, as lutas tribais implicavam entre outros
motivos, em deixar à prova qual deus era o mais poderoso
107
. Desse modo o
cristianismo parte do judaísmo e desde então, se mostra como superior, contudo,
de forma distinta das batalhas dos clãs, que responderiam a questão de qual deus
era mais poderoso, o Cristianismo se distinguiu pelo fato de não poder
simplesmente descartar todo o complexo simbólico e toda a liturgia judaica, antes,
se viu obrigado a fazer uma re-significação de cada representação memorial (a
páscoa, a figura de Moisés, o Sumo-Sacerdote, as celebrações da colheita, da
libertação e outras), justificando sua própria existência, sem que isso implicasse
em ser apenas mais uma ramificação judaica; e apesar de o Cristianismo também
ser uma ramificação judaica, neste caso, compreende-se que, se comparado às
seitas tais como os Essênios, Saduceus e Fariseus, ele foi muito além de uma
ramificação.
107
ELIADE, Mircea. As pedras Sagradas: Epifanias, Sinais e Formas. In Tratado de História das Religiões.
São Paulo: Martins Fontes, 2000, 175-91.
66
Esse caminho, tomado também pelo escritor de Hebreus, vai se demonstrar
como caminho de mão única, que é a comparação feita dos principais símbolos
vigentes na religião e no culto judaico do primeiro século, com a figura única de
Cristo.
A superioridade de Jesus sobre os Anjos e sobre Moisés, a condição de
Sumo Sacerdote, a primazia do Santuário Celestial e o serviço sacrificial como
sendo uma transitoriedade simbólica, servirão como sub-temas para as
discussões que seguem doravante.
Também é importante destacar que esta pesquisa não tem como objetivo
apresentar hipóteses hermenêuticas e exegéticas. Trata-se de um estudo de fora
para dentro do texto, com busca de pistas e sugestões onde a sociedade da
época proporcionava esta ou aquela interpretação ocupada pelo autor de
Hebreus. Não obstante, quando trechos do livro de Hebreus forem considerados,
eles o serão sob um prisma sociológico e acadêmico e não sob o prisma de texto
confessional.
2.1.1. A Superioridade de Jesus sobre os Anjos.
“E quando outra vez introduz no mundo o Primogênito, diz: E
todos os anjos o adorem” (Hebreus 1.6)
Acerca desta questão (a superioridade de Jesus sobre os anjos),
apresentada logo no prólogo do livro de Hebreus, é necessário analisar dois
momentos importantes, e duas perguntas terão de ser respondidas ao longo deste
trecho. 1. Será que os anjos tinham papel tão importante na Liturgia Judaica, ao
67
ponto de o escritor ter de argumentar e explicar que Cristo lhes era superior? 2.
Se os anjos eram tidos como figuras tão importantes, será que o escritor se
aproveitou de alguma influência do momento para diminuir a posição que os anjos
estavam ocupando no culto ?
Uma das características da nação de Israel após o período helênico, é que
havia recebido muitas influências das outras religiões. Não apenas influências
filosóficas, mas também influências nas formas de culto. Ainda o fato de estar
geograficamente numa espécie de encruzilhada do mundo
108
, fez com que o
contato com o comércio e com a religião oriental fosse mais intenso. Assim, por
época da transposição da liturgia judaica para a cristã, algumas das seitas em que
se fragmentou o judaísmo faziam adoração aos anjos. Robert H. Gundry, em
estudos na carta de Colossenses carta escrita por volta da mesma época de
Hebreus
109
, diz que havia uma heresia vigente proveniente do judaísmo, e que a
adoração e o prestar culto aos anjos estavam contidos em “elementos próprios do
judaísmo,(...)[os quais] incluía a adoração aos anjos, como intermediários, a fim de
que o Deus altíssimo (puro Espírito) fosse conservado incontaminado do contato
com o universo físico
110
.
Essa forma de pensar já não deixava de ser um resultado do contato com o
mundo pagão. O próprio Gundry acrescenta que esta dita heresia era uma mescla
do legalismo judaico com as especulações filosóficas dos gregos e do misticismo
108
DANIEL-ROPS, Henry. A Vida diária nos tempos de Jesus. São Paulo, Vida Nova, 1991. p 11-17. Este
autor vai descrever a desconexão existente entre a proporção de terras tão insignificante para um valor tão
imensurável. O autor conclui que o fato de estar entre o Egito e o Líbano, a Síria e o mar, conter o rio Jordão,
após um deserto denso, tudo isso acresce no valor geográfico da Nação de Israel.
109
Para um estudo com aprofundamento nas datas, pode ser consultado o comentário bíblico de Robert H.
Gundry. Panorama do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1987. CARSON, D. A. Loc. Cit. BROWN,
Raymond E. The New Jerome Biblical Commentary. New Jersey, Prentice Hall, 1990. pp 920-22
110
GUNDRY, R. H. Panorâma do Novo Testamento. São Paulo, Vida Nova, 1987, p. 343.
68
oriental. Falando sobre a igreja reunida na cidade de Colossos especificamente,
ele explica que “pela localização, na importante via comercial que ligava o Oriente
ao Ocidente, contribuiu para o caráter misto da doutrina em pauta
111
”.
Strathmann também corrobora com as idéias expostas por Gundry ao dizer
que a fé em anjos estava bem desenvolvida no judaísmo da época, mas não
endossa a idéia de que o problema do culto aos anjos abordado em Hebreus
fosse da mesma categoria do culto apresentado em Colossos. Strathmann
entende que para os leitores de Hebreus foi importante a citação da posição
angelical no estabelecimento da antiga aliança
112
.
Essa mesma dialética aparece para Thompson, quando ele expõe idéias
contrárias entre Windisch e Käsemann
113
. Enquanto este entende que o escritor
de Hebreus compara Jesus aos anjos apenas por uma questão de
estabelecimento de papel, aquele entendeu que o autor cita Jesus acima dos
anjos pelo fato de haver verdadeiramente uma adoração a eles, proveniente do
contato com as religiões orientais.
Ocupando o mesmo método de G. Bokman
114
para entender a passagem
contudo para responder questões distintas das que ele fez pode-se concluir que
as seções que precedem o trecho do capítulo 10 de Hebreus, acabam por mostrar
que toda vez que Jesus vai ser comparado com algum outro símbolo litúrgico,
esse ‘outro símbolo’ era um problema religioso em foco naquela época: o Templo,
o Sacerdócio, o Sacrifício de Animais entre outros. Todos eles eram pontos
111
GUNDRY,R. H. Op. Cit.
112
STRATHMANN, Hermann. La Epístola a los Hebreos. Madrid: Ediciones Fax, 1971, p. 35-36.
113
THOMPSON, James W. Op. Cit., p. 128.
114
BOKMAN, G. Das Bekenntnis im Hebräerbrief, apud THOMPSON, James W. Op. Cit., p. 129. Bokman
contempla o método hermenêutico de respeitar o contexto posterior.
69
simbólicos impossíveis de serem realizados pelos cristãos da mesma forma com
que eram realizados pelos judeus e, portanto, demandava uma nova leitura.
Manson declara que a contraposição entre os anjos e Cristo foi uma forma
de construir uma antítese justamente pela inclinação da comunidade para prestar
culto aos anjos
115
. Une-se a esse argumento o fato de que havia a possibilidade
em certos círculos judaicos e mesmo alguns círculos cristãos de cair no
sincretismo religioso, que segundo Manson, se adequaria à vida da sociedade
pagã e de algumas facções do judaísmo, as quais criam que o mundo estava sob
o governo dos anjos
116
.
Há uma série de sete citações do Antigo Testamento, feita nesta parte
inicial de Hebreus, como explica Morgan, com isso, há que se considerar que o
autor de Hebreus não se desfaz completamente dos anjos, ao ponto de coloca-los
como uma ameaça religiosa, mas aceita as interpretações vétero-testamentárias
como válidas, colocando Cristo acima deles
117
.
Apesar de os envolvimentos com a crença nos anjos ter sido mais aguçado
devido ao contato com o mundo helênico, deve ser considerado o fato de que no
primeiro século do cristianismo, já se podia contar mais de três séculos das tais
influências recebidas
118
e, segundo aponta Morgan, neste tempo a idéia dos anjos
já estava começando a ser descartada dentro da religião judaica
119
.
Tendo isso em vista, já havia na comunidade judaica uma crença popular
que ligava os anjos às estrelas, sem dizer que o judaísmo rabínico posteriormente
115
MANSON, Willian. The Epistle to the Hebrews. London: Hodder and Stoughton, 1953, p. 48-49.
116
MANSON, Willian.Loc Cit.
117
MORGAN, G. Campbell. God’s Last Word to Man. New York: FHRevel, Company, s/d. p 18-19.
118
JOSEFO, Flávio. Antiguidades Judaicas. São Paulo, Editora das Américas, p 176.
119
MORGAN, G. Campbell. Loc. Cit.
70
começou a se deixar envolver pelos cultos aos anjos de Roma, Egito e de outras
nações
120
. Os saduceus, não acreditando nos anjos, formaram a primeira
manifestação contra tal tipo de adoração, taxando-a como sendo uma crença do
mesmo gênero dos contos de fada
121
.
Tudo isso abriria caminho para que o Cristianismo contestasse o tipo de
adoração popular corrente no judaísmo. Pois uma vez que o caminho traçado pela
religião na época, apontava para o código escrito, para a religião sistematizada,
descartar a idéia de adorar aos anjos seria de vital importância. Sendo assim, o
escritor de Hebreus, aponta para um culto racional, descartando a idéia
transcendental do culto aos anjos.
Discutindo acerca desta passagem do rito simbólico para o código escrito,
Schneider vai explicar que o autor de Hebreus, desde o primeiro capítulo, procede
do conceito básico e fundamental para o novo culto a ser prestado: baseado na
palavra escrita
122
. Contudo não tendo um “cânon” oficializado naquela época, a
nova religião se justificaria no sentido de que Jesus era a palavra em si mesmo.
Como a palavra do passado (a Lei) havia sido dada segundo a crença judaica
123
por intermédio de anjos, era de total necessidade argumentar que Jesus era
superior a eles, e o espaço aberto por algumas ramificações vigentes os
saduceus por exemplo auxiliou ao escritor de Hebreus em tal interpretação.
120
MANSON, Willian. Op. Cit., 50-51.
121
MORGAN, G. Campbell. Loc. Cit.
122
SCHNEIDER, Johannes. Michigan, The Epistle of Hebrews, Eerdman Publishing, 1957, p. 13.
123
No Judaísmo, os anjos foram os mediadores e guardiões da Lei de Deus. In: MANSON, Op. Cit. p. 50.
71
2.1.2. A Influência do Intelectualismo Secular na Superioridade de Jesus
sobre Moisés
“Jesus, todavia, tem sido considerado digno de tanto maior glória do que
Moisés, quanto maior honra do que a casa tem aquele que a estabeleceu.
Pois toda casa é estabelecida por alguém, mas aquele que estabeleceu
todas as coisas é Deus.
E Moisés era fiel, em toda a casa de Deus, como servo, para testemunho
das coisas que haviam de ser anunciadas;” ( Hebreus 3.3-5)
Se considerado o peso da tradição na religião judaica, o escritor de
Hebreus já teve uma tarefa muito difícil em seu prólogo, ao apresentar Jesus
como sendo superior aos anjos, que dirá nesta parte pouco posterior, onde lhe
caberá a tarefa de constituir Jesus numa posição maior que a de Moisés.
Analisando esta questão, Rose D’Angelo diz que o autor de Hebreus, em
sua distintiva mão criativa, apresentou Moisés com técnicas exegéticas onde
nenhuma citação direta é feita com o próprio Moisés, sendo que, cada degrau
interpretativo vai representar um ponto de vista particular do autor
124
.
Talvez essa argumentação não traga nada de novo, contudo, observando-a
mais de perto, é possível considerar que, de fato, o escritor de Hebreus estava
documentando a liturgia de um povo bastante arraigado em sua tradição, da qual
Moisés era um dos pilares centrais, mas esta carta foi direcionada para os judeus
da comunidade cristã, espalhadas nas diversas igrejas da região
125
, e portanto, o
124
D’ANGELO, Mary Rose. Moses in the Letter to the Hebrews. SLB, Dissertations Series 42. Yale, Scholars
Press, 1978, 36, 37, passim.
125
JOSEFO, Flávio. Op. Cit. p. 315. BAMBERGER,B.J. The Story of Judaism. New York, Schocken Books,
1979, p. 83-90.
72
escritor não teria de se esforçar tanto para que o Cristo fosse aceito pelo leitor,
uma vez que já havia ocorrido a conversão.
Dessa maneira, todos os esforços do autor de Hebreus, não é no sentido de
criar argumentos a fim de obter conversões
126
, mas sim, com a finalidade
minuciosa de delinear uma nova leitura e aceitável , objetivando colocar o
Cristianismo superior ao Judaísmo.
Considerado este ponto de vista, a avaliação da comparação feita pelo
autor entre Moisés e Jesus toma outro rumo. Pois, dizer que o escritor estaria
diminuindo a figura de um herói nacional, quando rebaixando Moisés ao patamar
de segundo, seria inadmissível para judeus ortodoxos, nascidos e crescidos na
Nação de Israel.
Todavia, nesta dialética aparece o fato provável de que a maioria do público
alvo do livro de Hebreus, já vivia sob uma influência do mundo exterior à religião.
Dussault
127
explica que tradicionalmente, prende-se Hebreus ao mundo do
judaísmo alexandrino, que foi a tentativa de reconciliação entre as culturas judaica
e grega. Ressalta-se facilmente em Hebreus, a noção da fé judaica pelo seu
caráter de compromisso pessoal, mas especialmente grega, pelo relevo de seu
conteúdo intelectual; em sua visão histórica, o dinamismo entre o mundo presente
e a realização futura é especificamente bíblico, ao passo que a relação entre as
realidades terrenas e as realidades celestes, de cópia a modelo, evoca o
idealismo platônico.
126
SCHNEIDER, Joahannes. Op. Cit. p. 25. O autor mostra que em Hebreus 2.1 (Por esta razão, importa que
nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos) é possível ter
uma boa noção de que a carta não a outros senão a judeus convertidos ao cristianismo.
127
DUSSAULT, L. Op. Cit. p.352.
73
Esta idéia vai ser reforçada com Thompson, quando aponta traços
helênicos na obra de Hebreus. Para ele, a concentração de textos baseados na
Paidéia é muito ampla, argumentando que tal exame permite uma avaliação sobre
fatos exteriores na comunidade helênica dos Hebreus, a qual teria um débito com
a Paidéia Grega ou com o Cristianismo Platônico
128
.
Com a finalidade de comparar Cristo com Moisés, o autor de Hebreus se
ocupa de uma interpretação de método alegórico, bem aceita para a época. Owen
explica que tal método foi usado na mesma época e com bastante sucesso por
outros cristãos platonistas
129
, tal método comparava as narrativas sobre os cultos
do Antigo Testamento, apontando para uma outra forma de adoração.
Além disso, as direções da sociedade da época conduziam rumo a um
processo civilizatório
130
, no qual a religião também expressaria este processo por
intermédio de criar seu código sagrado, as Escrituras. Mas, neste caso, Moisés já
representava a religião codificada, e não Jesus.
Com isso cria-se mais um impasse, pois Moisés era uma manifestação
bastante antecipada desse processo civilizatório na religião judaica, uma vez que
ele representava a Lei
131
, ou seja, o código escrito, a parte intelectual da religião.
Com isso, o trabalho do autor de Hebreus, não seria dos mais fáceis: descartar a
maior figura da religiosidade judaica, ou no máximo, diminuí-lo a segundo.
Thompson explica que o escritor de Hebreus se ocupa de uma tendência
bastante corrente na religiosidade da época, usada não apenas na questão
128
THOMPSON, James W. Op. Cit. 17-40.
129
OWEN, H.P. apud THOMPSON, J. Op. Cit. p. 39.
130
Cf. Capítulo 1, p 24.
131
Moisés era tão arraigado à Lei, que por vezes era usado seu nome no lugar das Escrituras. Ex.:Lucas 16.29.
74
Jesus/Moisés, mas em todas as comparações feitas por ele. Trata-se de uma
tendência “espiritualizante” de reinterpretação. Valentin Nikiprowetzky também
argumentou que os hebreus eram muito influenciados pelas idéias helenistas que
criticavam o culto sacrificial
132
.
Mas é um ponto de vista defendido por Crisóstomo que joga uma clareza
maior à Espístola, dizendo que o objetivo principal não é levar o leitor a abandonar
o judaísmo, mas sim para abandonar o mundo material
133
. E essa espiritualização
na Espístola de Hebreus não acontecerá apenas nesta comparação entre Cristo e
Moisés, mas também nas interpretações acerca do Templo, do Sacrifício de
animais, do Sumo Sacerdote e do rei entre outras.
A partir de então pode parecer existir uma incoerência no fluxo das idéias,
pois, se a sociedade caminha para este dito “processo civilizatório”, e isto, na
religião implicava em abraçar certas práticas em detrimento à outras, passando
dos cultos simbólicos e sacrificiais, para o código escrito e documental, o autor de
Hebreus parece apresentar o contrário, ou seja, sair de Moisés (que era a
representação “viva” da Lei Judaica) para Jesus (que não tinha apresentado um
novo Escrito Sagrado substitutivo).
Um princípio básico a ser considerado na religião pode sintetizar e
responder a este impasse: O de que a religião, como propõe Mircea Eliade
134
,
primordialmente, é a tentativa de um diálogo com o sagrado (portanto espiritual).
Sobre isto Della Torre expõe que a formação espiritual de uma liturgia
132
NIKIPROWETZKY, Valentin apud THOMPSON, J. op. cit, p. 104.
133
CAMBRIER, J. Eschatologie ou Hellénisme dans l’Épître aux Hébreux, Louvain, Nawerlaerts, 1949, 15.
134
ELIADE, Mircea. Aproximações, Estrutura e Morfologia do sagrado. In: Tratado de História das
Religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Cap I.
75
compreende uma participação “consciente, ativa e frutífera”, dado que a formação
litúrgica (por mais desenvolvida que seja a religião) se apóia também [e não
apenas] na formação humana e racional. Ele ainda descreve que numa
celebração litúrgica deveria haver o moderador, e ainda um outro sacerdote que
cuidasse da homilia, a qual segundo Della Torre, definiria a instrução
135
.
Sendo assim, mesmo que a sociedade greco-romana estivesse
influenciando a nova religião, a cristã, forçando-a a se tornar uma religião
descritiva, e por mais que uma sociedade tenha influência dentro de qualquer
religião, e ainda que isso ocorra nos parâmetros da economia e no sentido
hermenêutico, neste segundo, a religião é independente, podendo apelar para a
interpretação empírico-espiritualista quando e onde bem quiser, livre de
contestação, exceto por outras interpretações (também religiosas)
136
.
Em discussão acerca da espiritualização de modelos véterotestamentários,
tais como o Santuário e a Oblação feita pelo Sumo Sacerdote, Manson cita
R.H.Charles
137
, que defende a idéia de que teria um culto sacrificial apontando
para um culto celestial, o qual já era bastante familiar havia longo tempo no
judaísmo, acrescentando que este tipo de paralelismo entre o celestial e o
terrestre, pode ter sido influenciado pelo contato com o platonismo e estoicismo do
mundo helênico, mas, como o autor define, há um simbolismo onde mostra que “a
liturgia proposta pelo Messias e seu ministério de sacrifício é transcendente (...) e
que na Epístola em questão, as palavras ‘melhor e eterno’, sempre aparecem
próximas para denotar as realidades cristãs”.
135
DELLA TORRE, Luigi. Curso de Liturgia, Op. Cit, 14-21.
136
BRUNNER, Emil. Dogmática.vol 1, São Paulo, Novo Século, 2004. 75-86.
137
CHARLES, R.H. apud MANSON, W. Op. Cit., p. 124.
76
Além de tudo, se verificado, o livro de Hebreus jamais descarta a figura de
Moisés de sua importância, o que o autor faz é intensificar a importância do Cristo:
o qual é fiel àquele que o constituiu, como também o
era Moisés em toda a casa de Deus.
Jesus, todavia, tem sido considerado digno de tanto
maior glória do que Moisés, quanto maior honra do
que a casa tem aquele que a estabeleceu.
Pois toda casa é estabelecida por alguém, mas
aquele que estabeleceu todas as coisas é Deus.
E Moisés era fiel, em toda a casa de Deus, como
servo, para testemunho das coisas que haviam de ser
anunciadas;”
( Hebreus 3, 2-5)
Tendo tais argumentos em vista, torna-se mais clara a síntese da dialética
apresentada até aqui, dialética esta que é constante numa religião em processo
de mudança: entre o espiritual e o material, o transcendente e o imanente, o novo
e o velho (representados no Livro de Hebreus por Cristo e Moisés); todos pontos
relevantes ao longo do texto. Segundo o ponto de vista do autor de Hebreus,
parece que é possível tais contrários (Moisés/Lei Jesus/Adoração) conviverem
conjuntamente, e que sempre um, necessariamente, vai ser a continuidade e ao
mesmo tempo a ruptura do outro.
Esta dialética existente entre o novo e o velho, entre a tradição e a
modernidade, é recorrente em vários segmentos da sociedade, e não apenas na
77
religião. A novidade sempre se estabelece e acaba se tornando antiga, para então
dar lugar ao novo, que não é outra coisa senão o velho revestido
138
.
No caso, na Carta de Hebreus, este Novo teria de ser algo que
correspondesse ao momento histórico da sociedade, que a saber, influenciada
pela moda proveniente da sociedade helênica (intelectualismo)
139
, deveria apontar
algum tipo de documento escrito.
2.1.3. As Questões Políticas na Superioridade de Cristo sobre o Sumo
Sacerdote.
“Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser
misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os
pecados do povo”. (Hebreus 2,17)
Por três momentos diferentes, o autor de Hebreus se refere à superioridade
do sacerdócio de Cristo em relação ao Sumo Sacerdote: em 2,17; 5,5 e todo o
prólogo do capítulo 7, quando discorre acerca de Melquizedeque.
Estava claro que seria impossível para o cristianismo ter um Sumo
Sacerdote da linhagem de Levi, pois não era o caso de Jesus, proveniente da tribo
de Judá. Richardson
140
expõe que, em contraste com o sacerdócio de
Melquizedeque, vem o sacerdócio dos Levitas, que ocupa a classe
profissionalizada apontada pelas Escrituras Sagradas. Em Hebreus 7.5 temos a
descrição que “dentre os filhos de Levi recebem o sacerdócio”. Mas este é um dos
diversos versículos em cadeia, onde pode ser achado por toda a Bíblia,
138
ELIADE, Mircea. O Mito do Eterno Retorno. São Paulo Martins Fontes, 1992. passim.
139
Cf. Cap 1, p. 49.
140
RICHARDSON, Alan. A New Dictionary of Christian Theology, London, SCM, Press, 1983, (Priesthood).
78
referências que explicam que para ser sacerdote necessitaria ser da tribo de Levi.
No caso, Arão o era, Jesus não.
Apesar de não ter um Sumo Sacerdote segundo os métodos legais
estabelecidos com Moisés, parecia haver uma necessidade de que alguém
ocupasse tal posição. Acerca disto, Jones relata que pouco anterior ao
cristianismo, no período dos Macabeus, o líder do movimento estabeleceu seu
próprio irmão como Sumo Sacerdote, mesmo este não sendo da linhagem de
Arão
141
.
Em teoria, pode-se dizer que havia um Sumo Sacerdote ocupando o cargo;
na prática, entretanto, a classe sacerdotal perdera grande parte de sua posição
desde que permitiu que a classe dos escribas se estabelecesse como os
conhecedores da Lei
142
.
Também uma dúvida quanto ao direito apenas de um levita ser sacerdote é
levantada pela Enciclopédia Judaica de Jerusalém, onde é exposta a controvérsia
por intermédio das fontes J e E, onde haveria uma colocação um tanto quanto
obscura relativa ao sacerdócio, onde “à primeira vista parece que essas fontes
permitem que cada homem em Israel seja um sacerdote no altar (Ex. 20:24), e de
fato é relatado que os patriarcas não apenas construíram altares, mas também
ofereciam sacrifícios nele
143
”.
Fohrer também contesta o sacerdócio como privilégio apenas dos levitas
(ao longo da história): “no curso do tempo, depois de conflitos aparentemente
141
Cf. nota 78, Capítulo 1.
142
DANIEL-ROPS, Henri. A vida diária nos tempos de Jesus. São Paulo: Vida Nova, 1991, p. 96.
143
JEW ENCICLOPAÉDIA OF JERUSALEM. Jersusalem, Keter Publishing House, 1978, p. 1070.
79
violentos, outros grupos foram bem sucedidos em ser incluído entre os levitas:
cantores, músicos, porteiros
144
”.
Ainda, se considerada a hipótese de o livro de Hebreus ter sido escrito
após a queda de Jerusalém no ano de 70 d.C. (significa que não havia mais
Templo para que se pudesse trabalhar no ofício de Sumo Sacerdote), isto não
implica em que houve, instantaneamente, o total esquecimento de sua figura,
muito provavelmente pela ligação com Arão e a tradição oral.
Também é importante considerar a condição do Sumo Sacerdote no
judaísmo do NT, e isto não deve ser feito sem que se considere também a
influência do movimento qumranista neste ponto de vista, o que seria no mínimo
descartar a base da composição litúrgica sobre a qual se estabeleceu o
cristianismo. Como defende Porto, o movimento qumranista nasceu da
contestação justamente contra o sacerdócio dos soberanos asmoneus, tido como
ilegítimo
145
. Com isso, é possível que se conclua que não é do cristianismo que
nasce a primeira contestação ao sacerdócio, pois, antes já havia indícios em
outras comunidades organizadas, provenientes (como o cristianismo) do próprio
judaísmo.
Porto também fala de uma ordem presbiterial da seita, que deve ter
influenciado o estilo de liderança religiosa do cristianismo, a qual era sujeita aos
sacerdotes
146
.
144
FOHRER, Georg. História da Religião de Israel. São Paulo: Ed. Paulinas, 1982, p. 475.
145
PORTO, Humberto. Op. Cit. p. 105.
146
PORTO, Humberto. Op. Cit. p. 108. Estes sacerdotes, a quem se refere Porto, teriam sido ordenados pela
própria seita, para trabalharem em sua comunidade.
80
De toda esta argumentação de Porto, há que se destacar o seguinte: ela
não explica como o autor de Hebreus delega a responsabilidade do Sumo
Sacerdote a Jesus, mas ela ainda é bem útil no sentido de que, os vínculos
quebrados com o judaísmo tradicional por parte dos essênios, levando-os apenas
a considerar seus próprios sacerdotes, poderia ser um indício, de que eles teriam
sido influenciados e protegidos por alguma mudança na sociedade da época, que
é o interesse central desta pesquisa.
Distinguindo a função de ofertante e sacerdote, Dussault menciona que, no
início da história
147
, cada pessoa era o sacerdote de seu próprio sacrifício. Mas
posteriormente, a organização social levou a nação à constituição de uma classe
social “sacerdotal”. E essa classe se estabeleceu de forma hierárquica, com
sacerdotes e Sumo Sacerdotes.
A proposição de Dussault caminha rumo a uma afirmação sistematizada, na
qual o título de Sumo Sacerdote seria o centro ideal e textual da teologia de
Hebreus
148
. Desse modo, a grandeza do símbolo sacrificial continuaria, mas na
pessoa de Cristo apenas, tornando-se simultaneamente a oferta na simbologia
do Cordeiro e o Sumo Sacerdote apto para cumprir o holocausto.
Ao explicar que não era o sumo sacerdote quem oferecia a oferta, e que
este era apenas aquele que realizava os movimentos da oferenda Dussault diz o
seguinte:
147
Apesar de estar se referindo especificamente à nação de Israel em seu estudo, Dussalt parece entender que
esse sacerdócio individual era da raça humana. DUSSAULT, Louis. Op. Cit., p. 334-342.
148
DUSSAULT, Louis. Op. Cit., passim.
81
Mesmo quando deve passar pela mediação
sacerdotal o ofertante é quem traz seu dom e,
quando se trata de animal, coloca as mãos sobre
sua cabeça, imola-o, esquarteja-o. Mesmo por
ocasião da festa de Expiação, um e outro
ofertante - Arão e a comunidade traziam suas
vítimas particulares
149
.
Em se tratando da suposta influência externa para o abandono da figura de
um Sumo Sacerdote materializado e centrado no Templo de Jerusalém, D’Angelo
vai discordar
150
, mostrando que já havia indícios bíblicos nos oráculos de Natã no
AT, os quais apontavam para uma suposta presença de um Sumo Sacerdote que
se estabeleceria no reinado do Messias davídico, estabelecendo-se também como
um sacerdote messiânico.
Mas sem adentrar por demais nas interpretações textuais, há que se
reforçar (e a própria autora acaba expondo) que os oráculos de Natã, já são uma
reinterpretação dos oráculos de Eli, em 1 Samuel 2,35:
Mas o confirmarei na minha casa e no meu reino
para sempre, e o seu trono será estabelecido
para sempre.
Segundo todas estas palavras e conforme toda
esta visão, assim falou Natã a Davi. (1 Crônicas
17,14)
149
DUSSAULT, Louis. Op. Cit., p. 335.
150
D’ÁNGELO. Mary Rose. Op. Cit., p. 37-8
82
Então, suscitarei para mim um sacerdote fiel, que
procederá segundo o que tenho no coração e na
mente; edificar-lhe-ei uma casa estável, e andará
ele diante do meu ungido para sempre.
Será que todo aquele que restar da tua casa virá
a inclinar-se diante dele, para obter uma moeda
de prata e um bocado de pão, e dirá: Rogo-te
que me admitas a algum dos cargos sacerdotais,
para ter um pedaço de pão, que coma.
(1 Samuel 2,35)
D’Angelo também concorda que a leitura feita pela tradição da midrash
151
pode ter ângulos diferentes de interpretações, e vai além, mostrando que os
privilégios de Arão pertenciam apenas a seus herdeiros. Com isso, a saída de
mão única que restou a D’Angelo foi por intermédio da interpretação escatológica,
onde, segundo a autora se consumaria com a presença de um Sumo Sacerdote
fiel, e que a existência deste Sumo Sacerdote aconteceria com ou sem a presença
de acontecimentos externos à comunidade de Israel
152
.
Mesmo sem endossar uma presença externa, a autora acaba por apontar a
presença da literatura da comunidade de Qumram em vários trechos de
Hebreus
153
.
Há outros autores
154
que, apesar de trabalharem com indícios sociológicos
que condicionam mudanças religiosas não negam que haja interpretações bíblicas
151
WRIGHT, A.G. “The Literary Genry Midrash. Part 1. in: Catholic Biblical Quartely 28, 1966, p. 417-
457. Midrash, deriva de darash, que significa procurar, examinar, constituindo um gênero literário no
processo de interpretação da Escritura... Também o termo Midrash diz respeito a uma pequena estória
desenvolvida com o propósito de edificação. ISBI Dictionary in: Bible Works5 copright research.
152
D’ANGELO, Mary Rose. Op. Cit., p. 76-90
153
D’ANGELO, Mary Rose. Op. Cit., p. 88.
83
internas de uma dinastia de um sacerdócio perfeito por vir, e que o autor de
Hebreus entende que isso se concretiza em Cristo.
Mas, caso a comunidade de Qunram tenha se ancorado em alguma
manifestação, ou interpretação condicionada pelo helenismo ou qualquer outra
influência fora dos textos bíblicos, qual teria sido esta(s) influência(s) ?
Talvez o trabalho de Thompson sirva ao menos como parte da resposta
para tal dúvida. Trata-se de apontamentos em uma monografia de Käsemann
155
, o
qual se dispõe a uma meticulosa interpretação de Hebreus, afirmando que os
temas mais característicos da carta, nos quais se inclui o do sumo sacerdócio, são
melhores explicados com um pano de fundo gnóstico-espitiualista
156
, além disso
Thompson argumenta que o autor de Hebreus escreve a Epístola com “algumas
pressuposições
157
”, e que no caso da relação conceitual acerca do sacerdócio
não-levítico, como Melquizedeque, já era tema citado tanto em Filo, quanto em
Qunram. Entretanto estes dois focos teriam se ocupado de estilos diferentes de
interpretações
158
.
Mesmo desconsiderando a época exata da escrita
159
, para não firmar a
questão sobre um alicerce hipotético tão contraditório como é o caso da data da
154
DUSSAULT, L. et. Al. SCHNEIDER, J. MORGAN, G.C. Op. Cit. passim.
155
KÄSEMANN, E. apud THOMPSON, James W. op. cit. passim.
156
THOMPSON, James W. Op. Cit. É importante lembrar que em princípio o trabalho de Käsemann foi
fortemente rejeitado, como explica o próprio Thompson, sendo que nos dias de hoje já virou referência na
interpretação de Hebreus.
157
THOMPSON,James W. Op. Cit. p 2.
158
A Comunidade de Qunram e os primeiros cristãos consideravam que as escrituras sagradas tinham sido
direcionadas a eles precisamente. RICHARDSON, Alan (Org.). Allegory and Typology. In.: A New
Dictionary of Christian Teology. London, SCM Press, 1983, .
159
É difícil, como já apontado anteriormente, ter certeza quanto à data de Hebreus. Os principais temas do
debate que são apontados por D.A. Carson , vão limitando a Epístola cada vez mais próxima ao ano de 90
d.C; são eles.: 1. O fato de haver grandes indícios de o próprio autor pertencer à segunda geração dos
Cristãos (Hb 2.3).2. A dificuldade de desconsiderar muitas citações de Hebreus em 1 Clemente. 3. A
referência aos “repentinos e repetidos infortúnios e calamidades que nos sobrevieram”, referentes à
84
carta, é possível considerar que, o fato de o escritor de Hebreus ter contestado a
posição do Sumo Sacerdote, sobrepondo a figura de Cristo, foi patrocinado pelo
momento histórico religioso e econômico-comercial, pois: a) a figura do sacerdote
já estava desgastada pelo envolvimento com a política
160
. b) mesmo que o Templo
de Jerusalém ainda existisse quando a carta foi escrita, os cristãos já haviam
quebrado o contato e não mais ocupavam o Templo para ofertar
161
. Após a
diáspora, esse abandono do culto central se fortificou
162
, e com isso a figura do
Sumo Sacerdote se enfraqueceu. c) Além de que a sociedade judaica da época,
conforme apontado anteriormente, estava abandonando a idéia de se concentrar
apenas em Jerusalém para a adoração, e isto foi devido a expansão dos contatos
comerciais entre os povos.
Ainda, o novo entendimento relativo ao sacrifício foi outro ponto que
contribuiu para o enfraquecimento do Sumo Sacerdote. Devido a grande
perseguição dos cristãos por parte do Imperador Domiciano. CARSON, D.A. & MORRIS, Leon. Introdução
ao Novo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1997, p 441-442. Por outro lado há os mais conservadores que
apontam uma data anterior à destruição do Templo de Jerusalém. Os quais argumentam que o fato de haver a
menção da recente libertação de Timóteo (13.23) exigiria uma data nos anos finais à década de 60. RYRIE,
Charles Caldwel. Introdução à Epístola aos Hebreus, São Paulo, Mundo Cristão, p 153.
160
FOHRER, Georg. A História da Religião em Israel. São Paulo, Ed. Paulinas, 1982, p. 475.
161
FLUSSER, David. Judaísmo e as origens do cristianismo, vol. 3. Rio de Janeiro: Imago, 2002, p. 165.
Comentando sobre o cisma existente logo nos primeiros anos do Cristianismo com a adoração no templo e o
judaísmo Flusser comenta que: “Conquanto o anti-semitismo existisse antes do cristianismo, o antijudaísmo
cristão era muito mais virulento e perigoso. Este último rejeitou a maior parte das idéias do anti-semitismo
greco-romano, porque era contra os cristãos também, mas inventou novos argumentos”.
162
IDELSOHN, Abraham Zebi. Jewish Liturgy and its development. New York: Dover, 1995, p. 13. “A idéia
de desprezar todos os outros santuários do país e concentrar o culto e sacrifício apenas em um lugar, ‘no lugar
escolhido’, em Jerusalém, foi desenvolvida durante o reino de Josias, cerca de 400 anos antes da construção
do [primeiro] Templo”. FOHRER, Georg. Op. Cit. p. 459. diz que no “Curso do séc IV, a.C. os adoradores de
Iaweh, da província de Samaria, finalmente romperam o relacionamento com Jerusalém e constituíram sua
própria comunidade samaritana com um templo no monte Gerizim”.
85
importância deste assunto, as próximas linhas desta pesquisa se concentrarão
neste tema (o sacrifício).
2.2. A Questão do Sacrifício e as Influências Sócio-Econômicas.
Como diz: Sacrifício e oferta, e holocaustos e oblações pelo
pecado não quiseste, nem te agradaram (os quais se
oferecem segundo a lei). (Hebreus 10,8)
De acordo com a Enciclopédia Judaica, o sacrifício pode ser dividido em
várias categorias, sendo elas: propiciatório, oferta pelo pecado, dedicatório, para
libação, ação de graças, ofertas de paz, ofertas por livre vontade, ofertas
ordenadas
163
.
Uma determinação legal acerca da oferta pelo pecado, demanda um
interesse maior para a pesquisa, pois mostra como a condição social e econômica
podia ser determinante em alguns aspectos. O fato é que a oferta pelo pecado era
determinada de acordo com o nível e circunstância da pessoa que deveria
ofertar
164
. O Sumo Sacerdote trazia um novilho, conforme narrado em Levítico 4.3,
e um homem comum trazia uma novilha (4.28), entretanto sendo ele pobre, ele
poderia trazer duas rolas ou dois pombinhos, conforme explicado em Levítico 5.7.
A atenção dada à diferença sócio-econômica não era simplista, ao ponto de
o Livro de Levítico ir além, e considerar que, em pobreza extrema, ainda assim,
163
JEW ENCICLOPEDIA OF JERUSALEM, Op. Cit., p 600.
164
Loc. Cit.
86
seria possível que o indivíduo pudesse participar da prestação de oferendas e
sacrifícios; levando uma medida de farinha, como foi permitido em Levítico 5:11.
Em princípio, Israel foi dividida em doze tribos, que eram os doze filhos de
Jacó, e esta foi a base que coordenou as classes sociais, controlando a riqueza e
a pobreza da nação. Segundo Daniel-Rops
165
, essa ordem social já havia
desaparecido quase totalmente na época de Cristo, e ao desaparecer essa forma
balanceadora de moderar a desigualdade, ocorreu uma estratificação por classes,
com uma série de distinções e desigualdades.
Piorando ainda mais a situação, o sistema romano de tributação foi
estabelecido naquela parte da Nação de Israel
166
, que foi incorporada ao Império
Romano depois do ano 6 A.D.
Com isso, produzir para pagar impostos, e ainda sacrificar animais para o
conforto religioso, poderia ter se tornado um jugo pesado demais para a produção
do pequeno proprietário, negociante e outro palestino da mesma categoria social.
Acerca disto Daniel-Rops relata o seguinte:
Havia então, como há agora, impostos diretos e
indiretos. O apóstolo Paulo se refere
explicitamente a ambos. Os primeiros cobrados
por agentes do tesouro imperial, incluíam de um
lado um imposto sobre bens imóveis, afetando
todos os produtos, especialmente os
proprietários de terras, que era pago em espécie
e calculado numa base entre 20 e 25 % da
165
DANIEL-ROPS, Henri. Op. Cit. p. 95.
166
Loc. Cit., p. 111.
87
produção; e por outro lado, o da capacitação que
era talvez em proporção à fortuna do
contribuinte. Foi sobre este último que os fariseus
interrogaram certa vez a Jesus, tentando coloca-
lo em situação embaraçosa (...) eram
arrecadados [os impostos] em certas pontes,
vaus, encruzilhadas importantes, entradas das
cidades e nas praças de mercado.
(....) Os impostos civis não eram os únicos:
tributos religiosos tinham de ser pagos além dos
arrecadados pelos romanos. Eles remontavam a
épocas antiqüíssimas: ‘não dera Abraão o dízimo
de tudo quanto possuía?’ (...) Os rabinos não
citavam menos que vinte e quatro taxas devidas
às autoridades religiosas, exortando os fiéis a
pagá-las com o máximo de cuidado
167
.
Os impostos, estipulados por Roma, já estavam pesados demais para o
povo de Israel desde o período helênico, por volta da revolução dos Macabeus.
Por esta ocasião, Simão Macabeu, que era Sumo Sacerdote, mas estava na
direção política de Israel, chega a pedir para o rei Demétrio que isentasse o povo
do jugo tão pesado que estava sendo os impostos
168
. Entretanto foi justamente no
Império Romano que o “jugo” se tornou insuportável.
167
DANIEL-ROPS, Henri. Op. Cit. p. 111-113.
168
1 Macabeus 13:31-41. Segue a Carta resposta de Demétrio ao Sacerdote Simão Macabeu: “O rei Demétrio
a Simão, sumo sacerdote e amigo dos reis, aos anciãos e à nação dos judeus, saudações! Recebemos a corora
de Ouro e a palma que nos enviaste, e estamos prontos a celebrar convosco uma paz duradoura e a escrever
aos nossos administradores que vos considere totalmente isentos. Tudo o que temos determinado a vosso
respeito permanece firme, e também são vossas as fortalezas que edificastes. Quanto às faltas por ignorância e
os delitos cometidos até ao dia de hoje, bem como a coroa que nos deveis, nós vo-los perdoamos. E se alguma
88
Se por um lado, o que segurava os impostos romanos eram as imposições,
por outro, o que assegurava os impostos religiosos eram as homilias, que segundo
Daniel-Rops
169
, pela repetição delas, tudo leva a crer que a população não estava
tão a favor.
Soma-se a estas influências econômicas, o fato de que os profetas do
período do Primeiro Templo já pregavam constantemente contra o rito sacrificial,
onde a retidão e a justiça estavam sendo contrastadas com a conduta dos rituais
que eram praticados sem uma correta atitude moral ou ética. Ainda, acrescenta-se
a isso, o fato de que a literatura sapiencial reflete os mesmos valores éticos e
morais acima dos rituais sacerdotais vazios
170
.
“E assim todo o sacerdote aparece cada dia,
ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos
sacrifícios, que nunca podem tirar os pecados; mas
este, havendo oferecido para sempre um único
sacrifício pelos pecados, está assentado à destra de
Deus “ (Hebreus 10,11-12)
Ao entrar na época do segundo Templo, os sacrifícios já eram oferecidos
apenas ali, e posterior à sua destruição, segundo uma nota da Jew Enciclopaedia
of Jerusalém, os próprios rabinos se viram obrigados a desenvolver uma outra
interpretação para substituir as oferendas
171
.
outra coisa era arrecadada em Jerusalém, não o seja mais doravante. Se houver entre vós alguns homens que
sejam aptos a ser recrutados para nossa guarda de corpo, que se inscrevam. E reine a paz entre nós.” In:
BÍBLIA DE JERUSALÉM, São Paulo: Paulus, 2003.
169
DANIEL-ROPS, Henri. Op. Cit. p. 112.
170
JEW ENCICLOPAÉDIA OF JERUSALÉM, Op. Cit. p. 607.
171
Loc. Cit. p. 1070.
89
Também a filosofia grega alimentou a rejeição ao sacrifício, destacada pelo
autor de Hebreus. Para Thompson, já havia uma grande rejeição dos templos
materiais entre os filósofos gregos, e a rejeição do sacrifício de animais estava, ao
que tudo indica, ligada à rejeição dos templos feitos por mãos humanas, pois tanto
o templo quanto os sacrifícios, na literatura platônica, deveriam ser apropriados
para Deus, o qual seria acima de qualquer coisa material
172
.
Desse modo, o neoplatonismo, levantou questões acerca de como os
sacrifícios precisariam ser valiosos para Deus, e o genuíno culto
173
, de acordo
com a tradição platônica, seria uma comunhão com Deus por intermédio dos
aspectos mais virtuosos da existência humana (a amizade, o amor, a sinceridade,
a nobreza, a fidelidade entre outros), impossível ao culto físico.
Com todo esse momento propício, o Cristianismo não deve ter encontrado
muita dificuldade em se ocupar de uma nova interpretação relativa ao sacrifício.
2.2.1. Uma Nova Figura do Cordeiro do Sacrifício.
Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens
futuros, por um maior e mais perfeito
tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta
criação,/ Nem por sangue de bodes e bezerros,
mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no
santuário, havendo efetuado uma eterna
redenção./Porque, se o sangue dos touros e
bodes, e a cinza de uma novilha esparzida sobre
172
THOMPSON, James W. Op. Cit. 112.
173
YOUNG, F. M. The Idea of Sacrifice in Neoplatonic and Patristic Texts, in.: Studia Patristica 11, New
York 1967, passim.
90
os imundos, os santifica, quanto à purificação da
carne,/Quanto mais o sangue de Cristo, que pelo
Espírito eterno se ofereceu a si mesmo
imaculado a Deus, purificará as vossas
consciências das obras mortas, para servirdes ao
Deus vivo?/ E por isso é Mediador de um novo
testamento, para que, intervindo a morte para
remissão das transgressões que havia debaixo
do primeiro testamento, os chamados recebam a
promessa da herança eterna. (Hebreus 9.11.15)
O autor de Hebreus, como propõe Nichols
174
, não estaria criando nenhuma
nova doutrina, e nenhuma das releituras encontradas no livro seria tão estranho à
comunidade de judeus convertidos ao Cristianismo. Dessa forma entende-se que
o maior trabalho em Hebreus foi o de organizar sistematicamente, tudo aquilo que
já era prática corrente da comunidade.
Por ocasião do nascimento do cristianismo o ambiente sócio-econômico
não endossava o culto sacrificial, e ainda o pensamento popular estava
descontente com os métodos legalistas adotados no sacrifício, o qual, acima de
tudo, era tido como insuficiente em seus efeitos; por isso, nada poderia ser mais
bem vindo do que uma nova interpretação que eliminasse o sistema sacrificial
antigo, e propusesse um novo, no caso, um cordeiro sacrificado de uma vez por
todas.
Strathamann faz uma exposição sobre isto ao desdobrar o trecho de
Hebreus 9,11-15, quando diz que ali o autor está fazendo uma recordação do
174
NICHOLS, Robert Hastings. Op cit. p 26-27.
91
aparato memorial cultual da antiga aliança e seu serviço sacrificial. Dessa forma,
quando o autor de Hebreus coloca que aquele sacrifício desenvolvido era
transitório, é provável que já houvesse a aceitação desta interpretação por parte
da comunidade
175
.
Para que se entenda a idéia do cordeiro sacrificial na cultura judaica e no
início da Igreja Cristã, é necessário considerar o significado de um símbolo dentro
do sistema religioso, resumido na exposição de Lutz, que diz o seguinte:
Símbolo é uma espécie de gênero dos sinais,
aliás um fato muito comum, devemos lembrar
que é característico do símbolo que ele, por sua
natureza, corresponda à realidade significada.
Por isso os símbolos não são arbitrários, eles
não podem ser criados à vontade daquele que
deseja se comunicar
176
.
A partir deste enfoque, o autor de Hebreus poderia ser questionado no
sentido de que estaria sendo arbitrário ao estabelecer Jesus como um símbolo, no
caso, no lugar do cordeiro. Mas não é o que acontece, pois o símbolo contínua
sendo um cordeiro que morreu pelos pecados, entretanto, a forma alegórica de
leitura propensa à época, já atestada anteriormente, proporcionou à comunidade
da nova religião aceitar o mesmo símbolo, contudo, com uma personagem
diferente.
175
STRATHMANN, Herman. La Epistola a los Hebreos. Actualidad Biblica 25. Madrid: Faz Ediciones,
1971, 23-34.
176
LUTZ, Gregório. Liturgia Ontem e Hoje. São Paulo: Paulus, 1995, p. 14.
92
Além de toda a ligação memorial, não pode ser esquecido o fato de que os
cristãos foram pouco depois da expansão da religião, expulsos das sinagogas
177
,
o que os deixaria com a atitude mais sólida para o cisma com o judaísmo.
Entretanto, o memorial do sacrifício, não é simplesmente descartado, mas sim
continuado em Jesus.
Uma forma clara, narrada pelo autor no capítulo 9, designando como que o
judeu não mais precisaria de sacrifício, mas não descartando a necessidade dele.
Assim, por intermédio de Jesus, segundo o relato do escritor de Hebreus, o judeu
não precisaria desconsiderar um memorial tão importante. Mas transcender o
mesmo, na pessoa de Cristo. Esse apelo para o transcendente, quando o
imanente não pode mais corresponder à realidade do símbolo, foi estudado pela
antropóloga Helené Clastres
178
, e será abordado no próximo capítulo desta
pesquisa.
Dessa forma, a descrição de tudo quanto foi exposto em Hebreus
(sacrifício, herói nacional, santuário, sacerdote), para ser validado, seria preciso
oferecer um contato maior com Deus do que oferecia a religião judaica. Como
mostra Adriano Filho
179
, toda a simbologia e o culto judaico serão descritos como
inadequados porque endossavam um sistema que permitia ao povo se aproximar
de Deus apenas e somente através de seus representantes, os sacerdotes. No
ritual do dia da expiação, por exemplo, somente o Sumo Sacerdote podia
aproximar-se do santuário interior, símbolo da presença real de Deus.
177
FÖRSTER, W. From the exile to Christ. Philadelphia: Fortress Press, 1964, p. 142.
178
CLASTRES, Hélène. The Land Without Evil, tupi-Guaraní Prophetism. Chicago, University of Illinois
Press, 1995.
179
ADRIANO FILHO, José. Peregrinos Neste Mundo. São Paulo, ed. Loyola, 2001, 151-152.
93
Para o Cristianismo, portanto, era uma questão de sobrevivência,
apresentar saídas para substituir todos os ritos nos quais a comunidade convertida
se via cada vez mais distante e excluída, contudo, com o símbolo religioso já
incrustado em suas memórias. Como no caso deste em voga o cordeiro do
sacrifício.
Por isso, seria impossível ao Cristianismo, que nasce do Judaísmo, dizer
simplesmente que aqueles símbolos deveriam ser esquecidos, e que para nada
serviam. Como atesta Daniel-Rops, o culto cristão iria manter os elementos
básicos do culto judaico, “mas transformaria o aspecto ainda material do sacrifício
santo de Israel em espiritual e sobrenatural
180
l”.
2.3. O Templo de Jerusalém e Sua Importância Litúrgica para a Comunidade
dos Hebreus.
Historicamente é possível constatar que houve três Templos em
Jerusalém
181
. O primeiro foi a suntuosa construção feita por Salomão. O segundo
foi aquele que Ageu e Zacarias insistiram para que fosse construído por Zorobabel
depois da volta do exílio, e o terceiro, seria o Templo apresentado nos
evangelhos, acerca do qual Jesus profetizou que não ficaria pedra sobre pedra
que não fosse derrubada” (Mateus 24,2).
180
DANIEL-ROPS, Henri. Op. Cit. p. 237.
181
JOSEFO, Flávio. As Guerras Judaicas, Cap. 5. São Paulo: Edameris, 1974. DANIEL-ROPS, Henri. Op.
Cit. parte III, Cap. 2. Podemos ter uma idéia bem nítida desta imensa estrutura pela entusiástica descrição de
Josefo e através do Talmude; sendo que a impressão pode ser extraída de vários e diferentes fatores. Havia
algo de babilônico nele (...) mas o santuário propriamente dito, foi construído em estilo greco-romano, mais
romano do que grego (...) com sua colunata, capitéis e frontão triangular (...) a influência asiática dos
governantes da Síria e Anatólia se fazia também manifesto. Uma balaustrada de mármore branco finamente
entalhada rodeava o teto coberto de folhas de metal dourado providas de pontaletes brilhantes, a fim de
impedir que os pássaros pousassem no local.”Quando o sol nascente bate”, diz Josefo, ‘o brilho da neve que
vemos no telhado”.
94
O Templo em si já era uma representação do poder de Deus. Era um
edifício como outros grandes edifícios que representam uma nação. Segundo
Daniel-Rops, havia até mesmo um simbolismo concentrado no Templo
182
, e
mesmo os judeus da época de Cristo lhe davam a maior importância, todavia, é
possível entender que existissem grupos de judeus que pensavam diferente, para
os quais o Templo já não era tão respeitado como se supõe. Acerca disto
Cullmann diz que:
O judaísmo palestino da época do Novo
Testamento não teria a homogeneidade que nós
pudéssemos crer. Havia no final do primeiro
século na Nação de Israel de um lado o judaísmo
oficial, de outro o judaísmo mais ou menos
esotérico que já continha elementos helenísticos.
Portanto, também para o judaísmo é falso
distinguir somente o judaísmo palestino e o
judaísmo helenístico da diáspora
183
.
Cullmann não para por aí, acrescentando que a declaração joanina sobre o
Templo de Jerusalém (por ocasião do diálogo com a Samaritana), e a própria
mulher Samaritana seriam indícios de que havia um grupo contrário ao culto do
Templo de Jerusalém, que se estenderia por todo o Israel. Também Cullmann
182
DANIEL-ROPS, H. Op. Cit. p. 239.
183
CULLMANN, Oscar. Das Origens do Evangelho à Formação da Teologia Cristã. São Paulo, Ed. Novo
Século, 2000, p. 30-31.
95
explica que, todo o discurso de Estevão no Livro de Atos (Cap. 7) tem por objetivo
argumentar que Deus não estava ligado a um lugar, nem a um país
184
.
Entretanto a escrita aos Hebreus se difere do Evangelho de João no sentido
de que o evangelista parece estar mais preso ao Judaísmo do que o autor da
Epístola.
O fato de os judeus terem se espalhado durante os intercâmbios
comerciais, facilitado pela Pax Romana da época de Jesus, parece não ser o
bastante para prejudicar os que porventura se convertessem ao Cristianismo no
sentido de ter de fazer viagem a Jerusalém. Filo, em determinado momento disse
o seguinte:
So populous are the Jews that no one country
can hold them, and therefore they settle in very
many of the most prosperous countries in Europe
and Asia both in the islands and on the mainland,
and while they hold the Holly City to be their
mother city, where stands the sacred templo of
the most high God (…)
185
.
Forster comenta que o Templo não era superior ao judaísmo, pois mesmo
quando foi destruído, o Judaísmo continuou
186
.
184
CULLMANN, Oscar. Op. Cit. p. 45.
185
FILO, Flaccus. VII (45 f) apud FORSTER, Werner. From the Exile to Christ. Op. Cit., p. 152. (Trad. livre
do autor). Os Judeus são tão populosos que não há país que os ultrapasse, e contudo, eles se estabeleceram em
diversos dos mais prósperos países da Europa e Ásia, tanto no continente quanto nas ilhas, e quando se
aglomeram na Cidade Santa onde fica o Templo Sagrado do Deus Todo Poderoso (...)
186
Loc. Cit.
96
Resta então, o reconhecimento de que, o Templo de Jerusalém, apesar de
sua importância, não se isentou de uma facção contrária à sua importância
simbólica como sendo prova suprema da presença de Deus.
Mesmo que desconsiderada a liberdade jamais permitida por parte do
judaísmo para que o cristianismo construísse um Templo em Jerusalém, ou ainda
a falta de condições financeiras para tanto, ainda pode ser considerada a figura do
sacerdote, já desgastada e envolvida demais com a política, e que mantinha o
monopólio do sacrifício. Dagobert Runes
187
explica que o dia da expiação (Yom
Kippur) retratado em Levítico 23:27-32, era um cerimonial centrado no Sumo
Sacerdote, mas na seqüência, quando da derrubada do Templo, o que substituiu
este momento foi uma liturgia centrada na oração, no arrependimento
acompanhado de uma lamentação e um coração inclinado para a reconciliação.
Retratando um pouco mais sobre as condições financeiras, era mister que o
cristianismo, uma vez sem condições de erigir um edifício, re-significasse a figura
do Templo
188
. No capítulo posterior esse elemento será abordado novamente,
onde será retratado como é comum no fenômeno religioso ocorrer a
espiritualização daquilo que se torna impossível de ser alcançado notoriamente.
No caso do Templo, uma vez impossível de construir um, haja vista que o próprio
judaísmo o estava fazendo com auxílio do estado
189
, coube ao Cristianismo
apontar uma re-significação, a qual se deu na linha da interpretação corrente,
ambas apontadas anteriormente: a alegoria e a espiritualização.
187
RUNES, Dagobert D. Concise Dictionary of Judaism. London: P.O.Limited, 1959, p. 24.
188
MANSON, W. Op. Cit. O livro dos Atos dos Apóstolos, Cap. 7, é um discurso provocativo, no qual
Estevão argumenta contra o Templo, e que culminou em sua morte. Estevão espiritualiza a figura do Templo,
dizendo que Deus não se restringiria a morar em construção feita por homens, que foi uma forma de
desconsiderar a figura do Templo.
189
BAMBERGER, Bernard J. The Story of Judaism. New York: Schocken Books, 1970, cap. 17.
97
Apesar de o Templo construído por Herodes ter suntuosa beleza (como a
citada por Flávio Josefo)
190
, é possível que a espiritualidade conquistada pelos
outros dois Templos sobrepujaram a deste último, sendo que o orgulho do povo
para com o Templo seria mais pela formosura estética do que pela performance
religiosa. O fato é que, como cita Gundry, Herodes foi aprovado pelo senado
romano, e ainda manteve o controle da Nação de Israel por intermédio de armas,
não sendo da casa de Davi, mas sim descendente dos Idumeus (Edom = Esaú, e
não Jacó), e por isso, não era visto com bons olhos pelos judeus
191
.
Dessa forma, podemos resumir um Templo onde, o patrocínio era romano;
o sacerdócio não observava a linhagem proposta pela Torá; e os líderes Fariseus
e Saduceus viviam em contínua contenda. Todo esse quadro, obviamente,
facilitou a crítica conduzida contra um Templo do qual os judeus convertidos ao
cristianismo
192
se viam cada vez mais distante.
190
Cf. citação 86.
191
GUNDRY, Robert H. Op. Cit., p. 13-15.
192
BAMBERGER, Bernard J. Op. Cit. p. 98.
98
CAPÍTULO 3
99
3. A LITURGIA DE UMA COMUNIDADE EM PROCESSO DE MUDANÇA
Quando Daniéle Hérvieu-Leger afirma que “a especificidade do modo de
crer religioso sempre se apóia na tradição, e que é a continuidade no tempo que
lhe garante o caráter absoluto
193
”, ela reforça a idéia de que, religião e memória
estão intimamente entrelaçadas.
Com isso, tornam-se necessárias as seguintes perguntas: de que forma a
Igreja tem exercido a Liturgia em um mundo de constante mudança ? Como
conciliar Tradição e Memória em uma sociedade que cultua o Novo
194
? Quais as
saídas que o Cristianismo tem encontrado para promover o Sagrado em seus
cultos ? Qual a lição de Hebreus para a nossa sociedade, que a saber, vive em
constante mudança ?
Nem sempre a mudança foi característica marcante da sociedade, e como
mostra Levi-Strauss
195
, vários autores empreenderam estudos de sistemas
religiosos como conjuntos estruturados, contínuos e quase que imutáveis devido a
sua contínua repetitividade.
Todavia, esta pesquisa busca entender justamente o contrário disto, ou
seja, mudanças nos rituais religiosos tradicionais, tendo em vista as mudanças
ocorridas de antemão na sociedade.
Semelhante ao modo que se deu na comunidade dos Hebreus, ao que tudo
indica, a mudança ocorre primeiramente em âmbito secular
196
, e somente
193
HERVIEU-LEGER, D. apud CAMURÇA, M. A. A sociologia da Religião de Daniele Hervieu-Leger:
Entre a memória e a emoção. In: Sociologia da Religião. Petrópolis, Vozes, 2003, p 251.
194
A partir deste capítulo a palavra novo (itálico) aponta para a idéia da caracterísica cultural e de consumo
do mundo contemporâneo.
195
LEVI-STRAUSS, J. Ordem das Ordens, in: Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1976, p 46-49.
196
O secularismo da época da escrita de Hebreus não tinha a mesma intensidade do secularismo
contemporâneo, contudo, é possível dizer que mesmo em sociedades tão religiosas quanto a dos primeiros
100
posteriormente acaba invadindo os cultos religiosos; fato que aponta para a idéia
de que a religião se estabelece bem mais como guardiã da tradição e da memória
do que como entidade de vanguarda.
Mas o que dizer (e.g.) dos novos estilos arquitetônicos de Templos, as
danças que estão sendo introduzidas nos cultos e missas, as bandas e estilos
musicais diversificados, as novas manifestações artísticas e diferentes símbolos
sendo introduzido a cada dia nas liturgias das igrejas ?
Chupungco denomina as mudanças litúrgicas, provenientes das mudanças
sociais, como sendo adaptações
197
e não uma mudança propriamente dita.
Concordante com ele segue um trecho de Marcelo Ayres Camurça, onde ele
afirma o seguinte:
É o processo de conservação e reprodução da
“linha crente” por meio da memória religiosa que
garante a permanência da religião, dando sentido
ao presente e assegurando o futuro dentro do
percurso da “linha”, cujo ponto de origem é o
passado sempre perenizado. Todavia, a
continuidade de uma tradição religiosa não
implica em imutabilidade, mas em mascaramento
de suas mudanças e rupturas. (...) As instituições
religiosas mudam, porém sob a representação de
uma continuidade. (...) As religiões são
cristãos, já havia alguma influência não-religiosa. Ver: NOGUEIRA, Paulo A. S. Os Primeiros cristãos e o
mundo urbano: a importância da cidade no surgimentos das comunidades cristãs. In Cultura e Cristianismo.
São Paulo, Umesp/Loyola, 1999, p 29-40.
197
CHUPUNGCO, A. J. Liturgias do Futuro: Processos e Métodos de inculturação. São Paulo, ed. Paulinas,
1992, p. 9-15.
101
tradicionais não porque não mudam, mas porque
escondem sua mudança
198
.
Mesmo em meio a tantas divergências litúrgicas, baseado nas proposições
de Chupungco e de Camurça, seria possível afirmar que há uma parte móvel nas
liturgias, o signo; mas o seu sistema simbólico continuaria como expressão do
sagrado, apegado à raiz do cristianismo, enraizado no passado, continuando
portanto a ser religião. Se no passado a luz do sol significou o poder de Deus
iluminando a vida, e posteriormente o homem criou a vela, simbolizando o mesmo,
e posteriormente ainda, abandonou a vela pelo holofote, com base nestes dois
autores há pouco citados, o que teria ocorrido seria uma mudança na forma, mas
o conteúdo continuaria sendo o mesmo.
Durkheim também confere isto nas Formas elementares da vida religiosa
quando atesta o seguinte:
As raízes são típicas, ou seja, exprimem não
coisas particulares, indivíduos, mas tipos,
inclusive tipos extremamente genéricos do
pensamento; nelas encontramos, como que
fixadas e cristalizadas, essas categorias
fundamentais do espírito que, em cada momento
da história, dominam toda a vida mental (...) os
tipos aos quais correspondem são tipos de ação
e não de objetos
199
.
198
CAMURÇA, M. A. in: Sociologia da Religião. Petrópolis: ed. Vozes, 2003, p. 252.
199
DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 67.
102
Se as raízes citadas por Durkheim devem arremeter apenas para os tipos
de ação e nada têm a ver com os objetos, isso, obviamente, implica que os
símbolos usados na liturgia religiosa podem, vez ou outra, serem substituídos por
outros instrumentos ou outras manifestações litúrgicas, sem que necessariamente
sejam destituídos do sagrado.
Não fosse assim, Weber teria razão quando disse acerca da secularização
que “o homem estava destinado a viver numa época indiferente a Deus e aos
profetas
200
”, todavia, mesmo com uma exagerada adesão aos mágico-religioso,
não foi o que aconteceu, e como propôs Antônio Flávio Pierucci
201
, “a religiosidade
está em alta e a conversão está na moda”. Ele ainda adiciona as palavras de
Barbano discorrendo sobre a mesma idéia, ainda na contramão da proposta de
Weber:
Esta nossa época atual, dos diferenciados efeitos
pós-seculares da secularização, parece impor
uma ruptura também com o ponto de vista
weberiano que ligava estreitamente o
desencantamento, isto é, a secularização com a
modernização
202
.
Sendo assim, com a crescente massa de adeptos às manifestações
religiosas nas sociedades ocidentais, o culto cristão não se tornou diferente, tendo
um franco crescimento, para não dizer “explosivo”.
200
WEBER, Max. A Ciência como vocação. São Paulo, Martins Claret, 2003, p. 54.
201
PIERUCCI, A. F. Secularização segundo Max Weber. In: A Atualidade de Max Weber. Brasília, UNB,
2000, p. 107.
202
BARBANO, Filipo apud PIERUCCI, A. F. Op. Cit. p. 109.
103
As novas formas litúrgicas não são necessariamente novos conteúdos. E é
a isso que esta pesquisa busca entender. Não objetivando legitimar esta ou
aquela denominação, mas simplesmente apontar que as releituras simbólicas de
hoje se dão de maneira semelhante às ocorridas no passado, na transposição
litúrgica da comunidade dos judeus (da sinagoga) para os judeus convertidos ao
cristianismo primitivo (as igrejas).
Daqui adiante, a pesquisa vai retornar a alguns pontos do que foi visto na
comunidade de Hebreus, evitando a mera repetição, mas com a finalidade de
obter um paralelo proveitoso para o entendimento de como uma sociedade pode
reler seus símbolos litúrgicos, com novos movimentos (litúrgicos), novas formas de
oração, novos movimentos corporais, movimentos expressivos, enfim, novas
formas com o mesmo conteúdo.
Também não cabe a esta pesquisa o juízo de valor, apreciação ou
detrimento desta ou daquela manifestação; desta ou daquela denominação.
3.1. Culto Religioso e mudança: análise do fenômeno religioso apontado
por Hélène Clastres.
Uma vez que a comunidade dos hebreus, à qual é endereçado o livro do
Novo Testamento, tivesse aceitado a condição de viver sob um julgo imposto pela
religião anterior o Judaísmo ela estaria aceitando também o fato de não se
tornar uma religião, mas sim uma seita dentro do próprio Judaísmo.
104
Por outro lado, se o Cristianismo se demonstrava como uma nova religião,
deveria propositadamente quebrar com o julgo da religião anterior. Entretanto, não
seria tão simples assim, pois, toda a tradição em que se embasava a religião
judaica era também o suporte onde se alicerçaria a religião cristã.
Como quebrar com a tradição, e por paradoxo precisar dela para
existir? A existência e superioridade, almejadas pelo culto cristão frente ao
Judaísmo teriam sido impossíveis, não fossem os métodos de re-leituras
simbólicas (alegóricas e tipológicas) adotados pelos cristãos primitivos.
Ao Templo, lugar sagrado do sacrifício, é dado uma nova proposta, o
próprio corpo se torna o local de sacrifício, a morada do Espírito Santo e o próprio
sacrifício: “Por meio de Jesus, portanto, ofereçamos continuamente a Deus um
sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome” (Hb
13,15). A Moisés é dada uma outra leitura, ao Sumo-Sacerdote, ao sacrifício, a
Melquisedeque, enfim, todas as tradições Judaicas são respeitadas, com um
porém; são figuras agora re-lidas pela comunidade cristã. Geralmente
espiritualizadas, e colocadas num patamar de exemplos, ou seja, segundo o livro
de Hebreus, tudo que ocorrera até então, tinha sido para apontar para a figura de
Cristo, da outra Jerusalém, do outro Templo, de um outro descanso..., tudo é
transcendido.
O Judaísmo seria a religião imanente, enquanto o Cristianismo, apesar de
considerar a tradição judaica, espiritualiza cada leitura, cada figura, cada objeto,
cada sacrifício, cada símbolo; tudo se torna uma re-leitura espiritual.
A antropóloga Hélène Clastres aponta um acontecimento semelhante a
este, numa religião considerada mais primitiva, por desprover do código escrito (o
105
Tupi-Guaraní). Para eles, a busca da Terra-Sem-Males não era uma busca por um
local transcendente, eles acreditavam que um dia haveriam de encontrar uma
terra onde tudo seria melhor (aqui)
203
, e o mal não poderia entrar. Era, portanto,
uma busca imanente, onde a terra seria um dia descoberta de forma concreta,
como mostra Clastres nas linhas que seguem:
The prophets also called for a total rejection of
the conforts of sedentary agricultural life in favor
of an austere, painful and dangerous nomandism.
The human/god distinction could not be
transcended simultaneously because the mythic
Land-Without-Evil
204
.
Clastres mostra que, toda essa caminhada nômade, feita pelos Guaranis,
se deu antes da chegada do homem branco, o qual foi apertando a cultura
indígena em espaços cada vez menores:
Already, by the virtue of differentiations existing
prior to the arrival of Europeans, and because of
the isolation of the varied sobgroups, the Guaraní
culture had relatively uniformity in language,
mythical tradition, and others aspects of culture.
The differentiation became more pronounced
during the colonial period, when some of the
203
CLASTRES, Hélène. The Land-Without-Evil. Illinois, University of Illinois Publication, 1995, p. 45. “It is
the concrete search, here and now, for the ‘Land-without-Evil’ that is so characterized. “É uma busca
concreta, aqui e agora, pela ‘Terra-Sem-Males’, a qual era toda detalhada.( Trad.livre do autor).
204
CLASTRES, Hélène. Op. Cit. p. xi.. Também os profetas chamavam para uma rejeição total dos confortos
da vida agricultural e sedentária em favor de um nomandismo austero, dolorido e perigoso. A distinção da
deidade humana não poderia ser transcendida simultaneamente, devido ao mito da Terra-Sem-Males.
106
populations were submitted for more than a
century, to Jesuit tutelage and then returned after
the expulsion of the missionaries to their primitive
mode of existence
205
.
Após o retorno que foi proporcionado aos Guaranis, eles jamais teriam a
possibilidade de voltar a ser nômades, e com isso, Hélène Clastres observa que
eles acham uma saída para continuar professando a mesma experiência religiosa,
o mesmo discurso. A Terra-Sem-Males se tornaria transcendente; agora o lugar
proclamado pela religião Guarani estaria depois desta vida, a terra não seria mais
concreta e material, mas sim espiritual. Clastres cria uma discussão de total
relevância para esta pesquisa, em cima desse acontecimento.
A partir desta introdução e apresentação do problema, Clastres vai
investigar o que ocorre quando o discurso religioso se abre para as mudanças
sociais, mostrando que os Guaranis existentes (até os dias de hoje), são os que
se adaptaram às mudanças sociais impostas com a chegada do homem branco.
Por outro lado, os subgrupos Guaranis que não se abriram, desapareceram
completamente:
(...) by syncretism, of the present religion (by
saying that their adjustment to change is a
characteristic of the Guarani culture); or it may be
to account for the discrepancy he stablishes
between the Mbyá of Paraguay who, in his own
205
CLASTRES, H. Op. Cit. p. 5. Assim, por probidade de diferenças existentes anterior à chegada dos
europeus, e devido o isolamento de subgrupos variados, a cultura Guarani tinha uma certa uniformidade de
linguagem, de tradição mítica e outros aspectos da cultura. (Trad. livre do autor).
107
words “seem to have preserved the original purity
of their traditions” and the other Guaraní group for
whom “the most superficial examination shows
that they have assimilated a number of Christians
elements
206
”.
A autora prossegue mais adiante no debate estabelecido em sua obra com
outros pesquisadores anteriores a ela, os quais defendiam que a questão de
aceitar elementos de fora da religião teria a ver com o “estilo” da própria religião
(com sincretismo ou com pureza original). Clastres descorda de Schaden e propõe
algo que parece mais coerente:
A priori, neither explanation seems convincing,
because of theoretical presuppositions they bring
into play: Indian Religious thought, because of its
lack of coherence, allows the penetration of any
foreign elements; (...) religious discourse
(discourse about humans and the world and also
discourse of a society about itself) could remain
immutable while society changes
207
.
206
CLASTRES, Hélène. Op. Cit. p. 5. (...)por sincretismo, da presente religião (por dizer que seu ajustamento
à mudança é uma característica da Cultura Guarani); ou isto pode ser creditado à discrepância que ele (um
outro pesquisador [Schaden] que a autora está citando) que ele estabelece entre os Mbyá do Paraguai, os quais
“na mais superficial averiguação, mostra que eles assimilaram um número de elementos cristãos”. Trad. livre
do autor.
207
CLASTRES, Hélène. Op. Cit. p.5. Em princípio nenhuma das explicações parecem ser convincentes,
devido às pressuposições teóricas que eles trazem à vista. A primeira pressupõe que o pensamento religioso
indígena, devido à sua perda de coerência, permite a penetração de qualquer elemento de fora, o segundo
pressupões que o discurso religioso (discurso acerca dos humanos e do mundo e ainda o discurso da
sociedade acerca de si mesma) poderia se manter imutável enquanto a sociedade muda.
108
Esta autora vai nos contemplar com essa pesquisa que se tornou por
demais respeitada em diversas universidades dos Estados Unidos e da Europa, e
a despeito de sua abrangência, concluímos aqui as citações de sua obra ainda em
seus pressupostos e propostas iniciais, aonde a autora define que, ainda que os
Guaranis falem até hoje de uma Terra-Sem-Males, isto é um tema antigo,
existente entre os Tupi-Guaranis do séc. XVI
208
.
Partindo disto, mesmo que o estudo seja acerca de uma religião primitiva
(menos sistematizada) e sem escritos sagrados, pode-se fazer um paralelo para o
Cristianismo (tanto com o primitivo quanto com o atual), o qual se constitui como
uma religião de enorme capacidade para adequar-se às mudanças sociais.
Entretanto, como toda religião, há uma dialética entre o tradicional e o
moderno, entre o sagrado e o profano, entre o novo e o velho, entre ‘se abrir para
existir, ou se fechar para se extinguir’ como é mostrado ao longo do trabalho da
pesquisadora. E por este motivo esta obra traz uma contribuição de peso para
nossa pesquisa.
3.2. Os símbolos como elementos permanentes nas mudanças cúlticas.
Uma vez que o símbolo está tão presente em toda a liturgia cristã (e na
liturgia religiosa em geral), é importante que esta pesquisa não deixe de apontar
qual o papel desempenhado por ele nos momentos de mudança litúrgica.
Se a memória do cristianismo continua sendo apresentada em meio a
tantas mudanças, então o símbolo ainda é permanente. Se a salvação em Cristo,
antes representada apenas por uma cruz de madeira, agora se faz pelo próprio
208
CLASTRES, H. Op. Cit. P. 65.
109
corpo humano
209
, ou ainda que um efeito de luz em néon a represente; se a
música memorial, antes ligada à música clássica européia, agora usa do pop
americano, se as manifestações cúlticas da oração em pleno estádio de futebol,
do levantar de mãos e as palmas nas celebrações, as imagens midiáticas através
de fotografias de paisagens projetadas como plano de fundo às letras musicais
(que são agora composições livres, e não salmos ou trechos retirados das
Escrituras ipses literis), se o tempo dado à homilia/pregação (antes metade da
celebração) está bem mais curto frente aos cânticos populares... enfim, se na
mudança ainda estiver sendo mantida a memória simbólica, mesmo que haja a
dialética tradição/modernidade, ainda assim, segundo o olhar de Durkheim,
continua sendo manifestação comunitária do sagrado, e esta vida comunitária, dirá
ele, não é possível senão graças a um vasto simbolismo
210
.
A palavra símbolo se deriva do verbo grego sym-ballein, o qual significa
“arremessar em conjunto”. Mas de acordo com o contexto, como aponta Louis-
Marie Chauvet
211
, poderia ser traduzido como “agarrar algo em grupo”, ele
acrescenta ainda que, o antigo termo symbolon é “precisamente um objeto cortado
em dois”, e cada pedaço era mantido por uma das partes em um contrato.
O autor segue explicando que cada parte não tem valor separadamente, e
seu poder simbólico vai depender apenas em conexão com a outra metade. Ele
ainda acrescenta que o campo semântico da palavra símbolo se ampliou para
determinados elementos (o objeto, a palavra, o gesto, a pessoa...), enfim, os
209
Alusão às novas representações litúrgicas: coreografias e danças entre outras.
210
DURKHEIM, Émile. As formas Elementares da Vida Religiosa. Apud SANCHIS, Pierre. Sociologia da
Religião. Op. Cit. p. 43.
211
CHAUVET, Louis-Marie. Symbols and Sacrament. Minessota: Pueblo books, 1995, p. 112.
110
sinais, os quais são também chamados de signos pela lingüística. Com isso,
quando vemos o sinal de um clube, o brasão de um país, o signo representante do
zodíaco; em casos semelhantes a estes, não se trata de um símbolo, mas de um
signo
212
.
Entretanto, não é este campo ampliado que é usado como referência pelo
autor; antes, ele demonstra que há uma ordem simbólica que supõe
necessariamente uma ruptura com um poder de heterogeneidade, que faz com
que o símbolo se situe “acima da vida imediata
213
”.
Desse modo, Chauvet defende que o símbolo pode existir tanto para o
indivíduo quanto para um grupo; sendo que, para este último o autor recorre a
vários exemplos da liturgia religiosa: o pão e o vinho, a água do batismo, o
castiçal da páscoa, o Cordeiro de Deus ‘que tira o pecado do mundo’, as vestes
litúrgicas, o genuflexório diante do altar, e assim por diante; seriam todos, segundo
o autor, mediadores da identidade cristã
214
.
Ainda assim, seria possível perguntar se de fato, em todos estes exemplos
citados, trata-se de símbolos ou são signos. Para Manoel João Francisco, trata-se
de símbolos, uma vez que seriam todos representantes de um Ritual de
iniciação
215
, através dos quais teria de haver uma ruptura, ou seja, ‘sem o
arrependimento e a mudança de vida exigida no cristianismo, o rito do batismo e
todos os outros não produziriam seu efeito (morte e nascimento para uma vida
nova).
212
CHAUVET, Louis-Marie. Cap. 3.
213
CHAUVET, Louis-Marie. Op. Cit. p. 113.
214
CHAUVET, Louis-Marie. Op. Cit. p. 111.
215
FRANCISCO, João Manoel & Buyst, Ione. O Mistério Celebrado: Memória e Compromisso. São Paulo,
Paulinas, 2004, p. 16-17.
111
A Liturgia, segundo Francisco
216
, “simboliza e expressa uma ruptura de
diversas formas e em diferentes momentos: no rito de instituição dos catecúminos,
por exemplo, com o rito de renúncia aos falsos cultos”.
Chauvet também concorda que “pelas ocorrências simbólicas nós somos
conduzidos dos atos da linguagem para os sacramentos”, e ainda acrescenta que,
os sacramentos ocorrem “mais em termos do símbolo que do signo”
217
.
Uma pergunta importante pode ser feita a partir de tudo isso: seriam então
os signos aptos às mudanças, e os símbolos permanentes e imutáveis, uma vez
que aqueles apontam para estes?
Ao que tudo indica a resposta é afirmativa, e toda a criatividade litúrgica
poderia desenvolver o papel essencial à memória, desde que mantivesse presente
as mesmas ocorrências simbólicas do cristianismo do passado.
Desse modo, todo o processo de mudança litúrgica ocorrido na comunidade
dos Hebreus, dos Tupi-Guaranis e nas comunidades cristãs pós-modernas, teria
sido, nada mais do que uma mudança temporal, dos objetos e das formas (os
signos) e não uma mudança do conteúdo (atemporal) simbólico.
Caso não tivesse ocorrido desta forma, seria difícil manter o sagrado, uma
vez que para Chauvet, a perda simbólica do sacramental seria o deixar de ser da
religião para vir a ser alguma outra coisa (simples reunião social, por exemplo).
Com vistas neste aspecto o autor expõe as linhas que se seguem:
216
FRANCISCO, Manoel João. Op. Cit.
217
CHAUVET, Louis-Marie. Op. Cit. p. 110.
112
It remains that Christian identity is structured by
the symbolic articulation of the three elements
mentioned. Would not the Scripture be a dead
letter if they were not attested as the Word of God
for us today, preeminently in the Church’s
liturgical proclamation, and if they did not urge the
subjects who receive them to a certain kind of
ethical practice ? Of what value would the
liturgical and sacramental celebrations if they
were not the living memory of the person whom
the scriptures attest as the crucified God (…)
218
Desse modo, entendemos que a cruz, a pia batismal (ou o batistério, o rio)
e a ceia (pão e vinho), são os elementos mais significativos do Cristianismo, ainda
que cada um poderia ser chamado de objeto (signo), caso assistido por um
indivíduo para o qual o cristianismo e a história da salvação nada significassem.
Entretanto, se analisados com seus significados específicos para os cristãos, que
vão além dos próprios elementos, se tornam símbolos.
Uma cruz significa uma cruz, nada mais que uma cruz, mas no cristianismo
ela pode simbolizar a salvação. Uma pia batismal ou um batistério pode ser um
simples reservatório de água, mas no cristianismo pode simbolizar a nova vida
ética para a qual o indivíduo é chamado. Semelhantemente, o pão e o vinho, no
cristianismo podem simbolizar a nova comunidade na qual o indivíduo interage.
218
CHAUVET, Louis-Marie. Op. Cit. p. 177. É mantido que a identidade cristã é estruturada por intermédio
da articulação simbólica de três elementos mencionados [escitura/sacramento e ética]. Não seriam as
Escrituras um escrito morto caso não fossem documentadas como sendo palavra de Deus para nós hoje,
primordialmente na proclamação da liturgia na Igreja, caso elas não apontassem para os temas que recebemos
para um certa prática ética ? Qual seria o valor das celebrações litúrgicas e sagradas caso não fossem a
memória viva da pessoa da qual as Escrituras atestam como sendo o Deus crucificado (...). Trad. livre do
autor.
113
Ocorre que, na mudança, os símbolos são mantidos e são eles que dão o
caráter absoluto da religião, como foi atestado por Hervieu-Léger
219
. Se assim não
fosse, as mudanças ocorridas na história já teriam desfigurado completamente a
religião, forçando-a a deixar de ser o contato com o sagrado, para se tornar
apenas uma reunião ou celebração social.
Mas não tem sido assim durante os tempos. E a religião foi e continua
sendo um dos fenômenos mais intensos dentro das sociedades primitiva e
moderna.
Por fim, é bastante relevante a frase elaborada por Waldo César, por
ocasião de um ensaio acerca de Mircea Eliade, onde ele, em diálogo com este
escritor vai dizer que “Eliade fala sempre do profano e afirma categoricamente que
o sagrado a ele se opõe (...). E que o homem religioso descobre o sagrado como
uma realidade absoluta, cuja mensagem lhe é comunicada diretamente pelos
símbolos”
220
.
3.2.1. A Dialética entre Tradição e Modernidade na Mudança Litúrgica.
A contraposição entre a Tradição e a Modernidade não é um acontecimento
exclusivo da religião, entretanto esta pesquisa vai se prender apenas a este ponto
de vista da questão.
Mircea Eliade, que denomina os adventos modernos que lutam para
adentrar no sistema religioso como espaço profano, diz o seguinte:
219
HERVIEU-LEGER, D. apud CAMURÇA, M. A. Op. Cit. p 251.
220
CESAR, Waldo. humana Mircea Eliade: Sagrado e Profano religiões e existência. In: A Religião numa
sociedade em transformação. Petrópolis, Ed. Vozes, 1997, p. 127.
114
O espaço religioso tem valor existencial para o
homem religioso. Para a experiência profana, o
espaço é homogêneo e neutro, não há ruptura
embora reafirma que o homem profano não
consegue abolir de todo o comportamento
religioso, há sempre ‘vestígios’ de uma
valorização religiosa no mundo
221
.
Outro ponto de grande importância a ser considerado, é o fato de que trata
o sociólogo Darci Ribeiro, ainda que não esteja falando especificamente da
religião, este autor aponta que as mudanças sempre surgem nos contatos
extraculturais, gerando uma espécie de superação do ultrapassado, substituindo-o
por algo proveniente de outra cultura. Para tanto, Ribeiro vai dizer que:
a evolução sócio-cultural tal como
conceituada até aqui é um processo
interno de transformação e auto-
superação, que se gera e se desenvolve
dentro das culturas, condicionadas pelos
enquadramentos extra-culturais a que nos
referimos. Na realidade, porém, as
culturas são construídas e mantidas por
sociedade que não existem isoladamente,
mas em permanente interação.
222
.
221
ELIADE, Mircea. As pedras Sagradas: Epifanias, Sinais e Formas. In Tratado de
História das Religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p 35-36.
222
RIBEIRO, Darcy. O Processo Civilizatório. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 11.
115
Vai haver, obviamente, um constante esforço por parte da tradição, para
desvalorizar o discurso da modernidade. Seria bem mais que uma simples defesa,
mas uma forma de subsistência, pois, os processos de renovação litúrgica,
obviamente exigirão novas formas de expressão, muito provavelmente, com uma
velocidade mais compatível à nova expressão, geralmente mais intensa que a
liturgia tradicional. Com isso, a saída (defensiva) da liturgia vigente é desfavorecer
as novas formas litúrgicas desmerecendo seu conteúdo.
A dialética jamais poderia se concentrar na forma, antes deve haver um
discurso desmerecendo o conteúdo da novidade, assegurando que, o que está
sendo apresentado é, de fato, vazio no conteúdo. Para Leonildo Silveira Campos,
a liturgia religiosa é também entre outras coisas um mecanismo de poder:
A produção simbólica anterior da organização,
codificada e sedimentada na forma de discursos
e comportamentos, a seus atuais mecanismos
produtores de discursos, ritos, mitos, liturgias
(...) são por sua vez , mecanismos de poder. (...)
Essas lutas marcam o surgimento de uma ordem
simbólica que se expressa em uma cultura
organizacional específica, encarregada de dar
continuidade à organização (...).
223
223
CAMPOS, Leonildo Silveira. Celebrando Obras e carreiras: a função do Louvor ao passado e aos líderes
na criação e manutenção de uma cultura organizacional em uma denominação protestante brasileira. In:
Cultura e Cristianismo. São Paulo: Ed. Loyola, 1999. p. 86.
116
Além disso, dificilmente uma mudança litúrgica se apoiaria numa volta ao
passado; ao contrário, trata-se geralmente de movimentos vanguardistas, onde o
novo é apresentado em detrimento do antigo, do tradicional, do velho.
Campos continua explanando que, nessa ‘batalha’ entre a tradição e a
modernidade, os mantenedores da tradição (aos quais ele denomina de
‘intermediários culturais’), desempenham um papel sempre com vistas no
passado, “na história pregressa da organização, lócus criador de receitas que
deram certo”. Nesse ínterim, o autor aponta um estudo de caso em seu artigo,
onde é analisada a produção literária de um líder denominacional, o qual aponta
sempre para “um passado coberto de glórias”
224
.
Esse mecanismo de defesa por parte da tradição pode ser observado tanto
na relação Judaísmo/Cristianismo no primeiro século, como na Igreja Cristã
contemporânea, a qual se vê obrigada a reafirmar seus valores, e ainda, qualquer
outra instituição existente encontra-se no mesmo embate.
Eliade vai direcionar a causa desse embate (do ponto de vista da religião) à
racionalização, que segundo ele não deixa de ser uma espécie de
secularização
225
, já que a religião não se explicaria pelos processos racionais.
Para o autor, toda vez que o sagrado sentir-se invadido pelo profano, haverá
resistência.
Com isso, a dialética Tradição/Modernidade deve ser vista como um mal
necessário dentro da religião. Um ponto de moderação, que não permite a
224
CAMPOS, Leonildo S. Op. Cit. p. 87.
225
É bom ressaltar que Eliade usa o termo profano e não o termo secularização. Ele expõe tal termo em
paralelo ao sagrado, apresentando aquele como oposição a este. ELIADE, Mircea. Op. Cit. passim.
117
secularização do sagrado, nem a estagnação da religião em relação à cultura
vigente.
3.2.2. O Discurso Litúrgico e sua Influência nas Formas de Culto.
Um fator que poderia ser considerado agravante nas mudanças cúlticas,
ocorrido ao longo dos últimos séculos (após o iluminismo)
226
, foi a tentativa, cada
vez mais acirrada do racionalismo, de entrar no mundo religioso.
Weber levou em consideração o fenômeno, quando atestou uma crítica na
sociedade em que vivia, reconhecendo diferentes tipos de racionalidades,
afirmando que as “racionalizações têm existido em todas as culturas nos mais
diversos setores e dos tipos mais diferentes (...), o problema é reconhecer a
peculiaridade específica do racionalismo ocidental
227
”.
Esse processo crescente de intelectualização acabou se fixando no mundo
ocidental e na religião, e não poderia culminar em outro resultado senão uma
religião misturada com o profano (para usar o mesmo termo de Eliade), ou
securalizada (ocupando o termo de Weber).
Mas, em se tratando de apontar influências externas na religião, ainda não
é este o foco do problema da sociedade cristã atual, pois, basta ter o mínimo de
226
Peter Berger organizou um livro sobre Globalização onde há um artigo que analisa a globalização na
Alemanha (país com raízes protestantes). Este artigo relata que a visão de um ‘sujeito emancipado’ a qual tem
origem no Iluminismo gerou hoje uma idéia de um indivíduo autônomo, e “essa auto-interpretação
consensualmente aceita é a resposta para uma sociedade que é ao mesmo tempo “multicultural” e “cultural de
massa”. Na verdade essa individualização dizem os articulistas é sua característica mais marcante.
KELLNER, Hadnsfried & SOEFFNER, Hans-Georg. Globalização cultural na Alemanha. In. Muitas
Globalizações: Diversidade Cultural no Mundo Contemporâneo. (Org. Peter Berger). Rio de Janeiro,
Record, 2004. p. 143-169.
227
WEBER, Max. A Ciência como vocação. São Paulo, Martins Claret, 2003. p. 1-4.
118
contato com o cristianismo contemporâneo, para reconhecer que o que vem
acontecendo não é mais uma racionalização da religião, mas sim uma
mistificação intensa.
Com isso se reforça a contraposição apresentada no capítulo primeiro,
onde afirmamos por vez que haveria um “cabo de guerra” religioso entre a liturgia
baseada no rito (mágica) e a baseada no código escrito (racional). A tradição seria
representada por quem estivesse no poder, que com base em Max Weber,
C.L.Mariz vai afirmar que, desde o Iluminismo vem sendo uma religião
racionalista; já a modernidade vem sendo representada por aquela que tem lutado
para se estabilizar no poder a mística
228
. Uma vez no poder novamente, a
dialética se repetiria de forma inversa novamente, e novamente, e
novamente...
Comentando sobre isto, Cecília Loreto Mariz aponta a importância que Max
Weber deu ao processo de racionalização de sua época e o impacto que este
causou na religião cristã. Segundo Mariz, esse processo já poderia ser identificado
bem anteriormente na história, quando surgiu a figura do profeta frente à figura do
mago
229
. Weber, como mostra Mariz, apresentou a figura do profeta como sendo
um revolucionário religioso:
228
MARIZ, Cecília Loreto. A Sociologia da Religião de Max Weber. In Sociologia da Religião. Petrópolis:
Ed. Vozes, 2003, p 81-82
229
Entende-se por profeta a figura do líder religioso que conduz o povo por intermédio da palavra, do
discurso. Entende-se por Mago a figura do líder religioso que conduz o povo por intermédio do ritual mágico.
Mariz alonga a concepção de Weber acerca destas duas figuras dizendo o seguinte: “o racionalismo do
Ocidente não pode ser entendido apenas pela oposição magia e religião (...). Quando apresenta casos
históricos, Weber chama a atenção como uma religião nunca está isenta da magia e como a magia aparece
sempre integrada a uma religião”.
229
MARIZ, Cecília Loreto. Op. Cit.
119
Em geral, os profetas pregam religiões de
salvação em oposição a religiões ritualistas e
práticas mágicas. Defendendo uma ética
criticavam tradições, substituindo tabus
(proibições magicamente orientadas relacionadas
ao conceito ‘puro/impuro’) por princípios éticos.
(...) Weber chama a atenção para o conteúdo
desta profecia (que variava segundo tipos ideais
descritos), mas também para os fatores
históricos que a implementariam. Entre esses
fatores, destaca o sofrimento e a opressão da
massa e sua insatisfação com o discurso de
magos e/ ou sacerdotes.
230
Se em um determinado momento da história, o profeta toma o lugar do
mago, modificando a liturgia do culto, que estava se tornando característica de
rituais mágicos; é justamente o profeta que representará a figura da tradição, e
portanto, como já apontou Campos, a figura detentora do poder e, assim, do
discurso modelador das regras e das formas litúrgicas. Justificando-as ou
desaprovando-as.
Mariz ainda acrescenta que, enquanto o profeta pretende ser um
instrumento de transformação da religião e da vida, propondo leis e as praticando,
e cobrando sua observância por parte de todos; o mago seria aquele que obriga
os seres do mundo sobrenatural a realizar o que ele solicita. “Os magos seriam
indivíduos dotados de poderes especiais (...) que os tornam capazes de negociar
230
MARIZ, Cecília Loreto. Op. Cit. p 82-83.
120
ou mesmo ‘forçar’ os deuses, espíritos, ou entidades sobrenaturais a realizar o
que quiserem
231
.
Não é a única vez que Weber trata desta questão. Esta atitude em relação
ao sagrado e sobrenatural já foi anteriormente contrastada com a do profeta na
Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo
232
, onde o profeta é colocado como
uma figura que jamais pode forçar a Deus ou aos desuses a agir, mas tem de ter
uma atitude de submissão.
Com isto, a figura do mago, analisada segundo sua presença na liturgia,
teria mais “poder” que a do profeta. Entretanto, quando ao profeta é negado sua
petição de intercessão, explica Mariz, esta negação é interpretada apenas como
uma negação de Deus, que age segundo seu propósito soberano. Em contraste, o
mago, caso venha a fracassar, pode ser abandonado pelos seus fiéis, que
geralmente procurarão outro mais poderoso
233
.
Weber
234
identifica os magos como sendo aqueles que trabalham de forma
autônoma e isolada, dependentes do carisma; enquanto os sacerdotes/profetas
pertencem a uma instituição. Para ele, estes últimos se opõem a quem pretenda
de forma autônoma e independente da instituição ter carisma (os magos).
Estes dois tipos de discursos estariam a todo tempo em choque um contra
o outro. E a forma de culto vai ser, objetivamente influenciada pelo discurso que
prevalecer. O discurso mágico, uma vez destronado do poder, se engendraria na
231
WEBEr, Max apud MARIZ, Cecília Loreto. Op. Cit. 82-83.
232
WEBER, Max. Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (ad tempora).
233
MARIZ, Cecília L. Op. Cit. p. 80-81.
234
WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1991, p. 208.
121
tentativa de retornar a ele novamente. Fato que, ao que tudo indica, parece estar
acontecendo na religiosidade cristã (pós-racionalista) contemporânea.
Também na dialética sempre constante pela qual atravessa a liturgia
religiosa, as mudanças sociais influenciam as modificações litúrgicas. Se isso
aconteceu na época da Igreja do primeiro século, onde a sociedade era regida por
princípios bem mais religiosos, que dizer acerca da sociedade contemporânea,
imensamente mais secularizada que aquela.
Além disso, este ponto que os discursos estão se misturando,
influenciados pela sociedade moderna não foi contemplado nem por Weber
(talvez pelo fato de ter vivido em outro momento da história), nem por Mariz (por
não objetivar tal assunto propositadamente).
Parece não haver mais um discurso puro, antes, semelhante ao que vem
acontecendo em vários âmbitos da sociedade, e na religião não acontece de
forma diferente, os diversos discursos estão se misturando, e ainda se misturam
uma vez mais aos discursos seculares (ou profanos).
Com isso, palavras antes jamais pensadas em serem pronunciadas para
denotar o mundo religioso (tais como Show, Traíra, entre outras), entram agora no
vernáculo do sagrado; também o vernáculo psicológico, o político, o policial e até o
do futebol entre outros, podem ser apontados na linguagem da religião.
Assim, doravante, passamos a considerar as mudanças cúlticas que se
deram ao longo destas últimas décadas, apontando para o sempre existente atrito
entre uma liturgia mágica e outra baseada na palavra, entre a figura do líder Mago
e outra do Profeta, entre um discurso baseado no Código Sagrado a Bíblia e
122
outro baseado no milagre, entre uma expressão corporal moderada e tímida e
outra beirando o êxtase, entre o barulho expressivo e o silêncio introspectivo.
3.3. Os Novos Rumos do Culto Cristão Contemporâneo
Chupungco denota um caso ocorrido na época do Papa Pio V, quando este
prefaciou a edição do missal romano de 1570 palavras ameaçadoras dirigidas a
qualquer que ousasse modificar as cerimônias ou orações contidas no referido
missal. O autor comenta que dever-se-ia considerar até normal que os papas
falassem sobre as vantagens trazidas à unidade da igreja pela uniformidade ritual.
Chupungco ainda acrescenta o pensamento do papa Clemente VIII, que
sustentava que todos deveriam observar uma só maneira de celebrar a missa.
Flexibilidade na liturgia, comenta o autor, naquela época poderia ser vista
facilmente com desconfiança e que os fiéis estariam caminhando rumo a “um
pluralismo litúrgico” perigoso
235
.
Ao longo de seu trabalho, este autor vai demonstrando os avanços obtidos
nesta questão, iniciados pela reforma do Concílio Vaticano II. Segundo ele, seria
preciso haver uma aculturação
236
como primeiro passo de um diálogo entre a
cultura e a liturgia
237
.
O culto e as denominações protestantes também tiveram sua uniformidade.
Mas ocorre que, hoje, pode-se encontrar (e.g.) mais que uma denominação
235
CHUPUNGCO, Anscar J. Op. Cit. p. 14-15.
236
Para o autor este seria um processo “de encontro inicial, como de ‘apresentação entre duas pessoas
estranhas, cada uma das quais tem interesses a proteger”. Ele exemplifica esta fase com o contato inicial entre
a forma cristã primitiva do culto e a cultura greco-romana.
237
CHUPUNGCO, Anscar J. Op. Cit. p. 35.
123
Presbiteriana, mais que uma denominação Metodista e mais que uma
denominação Batista. Enfim, a fragmentação, parece não ser uma característica
apenas das entidades seculares do mundo denominado por alguns estudiosos de
pós-moderno ou globalizado.
Essa fragmentação é vista por alguns teóricos da religião como sendo “uma
saída para compreender melhor os efeitos do desaparecimento de fronteiras
simbólicas rígidas entre diferentes campos religiosos, entre campo religioso e
campo mágico e esotérico, entre religião e novas crenças seculares”
238
.
Para Pace, a necessidade de deslocar a atenção de cada religião para o
modo como constituem sistemas de comunicação, permite aos indivíduos reduzir
a complexidade em que vivem. Este autor fala de um Glocalismo usando este
neologismo que junta localismo e globalização
239
.
Os dois autores parecem apontar para o mesmo lado em suas respectivas
pesquisas. Contudo, Chupungco faz menção a uma ameaça iminente que esta
falta de unidade pode causar na religião quando diz o seguinte:
Às vezes, porém, a liturgia toma
elementos culturais sem assimila-los
interiormente, isto é, sem permitir que eles
se tornem parte e parcela de sua
linguagem e de suas expressões rituais.
Isto certamente representa um retrocesso
para a aculturação litúrgica
240
.
238
PACE, Enzo. Religião e Globalização. In: Globalização e Religião. Petrópolis, Ed. Vozes, 1999, p. 33.
239
PACE, Enzo. Op. Cit.
240
CHUPUNGCO, A. J. Op. Cit. p. 35-36.
124
Ele pontua um acontecimento histórico, quando a Igreja Católica se abriu
para a entrada de um movimento que almejava alcance popular, e, por fim,
acabou permitindo um espaço na missa, de tal forma que não havia mais
manifestações da memória e do texto missal.
Um exemplo clássico é a maneira como a
liturgia era aculturada durante a época
barroca. Incapaz de penetrar as barreiras
de cânones e de rubricas que
seguramente resguardavam a liturgia
tridentina, a cultura barroca permanecia na
periferia da liturgia. As manifestações
barrocas não eram absorvidas pelos textos
e ritos da missa; havia simplesmente uma
justaposição externa do rito litúrgico e das
formas culturais
241
.
Pace acredita que haja o perigo, quando muito fragmentada, de a religião
sofrer a “perda da memória”, mas não vê tanto problema quanto Chupungco,
quando diz que isto “não significa que essa crise consome todas as energias vitais
que o sagrado e a religião mesma sejam ainda capazes de suscitar nas posturas e
comportamentos do indivíduo moderno
242
”.
Chupungco também aponta alguns caminhos que vai além da aculturação,
denominados processos de inculturação. Este processo não é trabalhado apenas
241
CHUPUNGCO, A. J. Op. Cit.
242
PACE, Enzo. Op. Cit.
125
por Chupungco; também em um boletim internacional, é elencado este dado
processo como resposta às várias questões em relação às novas formas litúrgicas
existentes no seio da Igreja Católica. Segue uma das perguntas respondidas pelo
“boletim”:
What is Liturgical Inculturation ? The Magistérium
of the Church has used the term “inculturation”to
define more precisely “the incarnation of the
Gospel in autonoumous cultures and at the same
time the introduction of these cultures into the life
of the Church”. Inculturation signifies “an intimate
trasformation of the authentic cultural values by
their integration into Christianity and the
implementation of Christianity into different
human cultures
243
Seja uma manifestação que vai causar mal à Igreja Cristã, ou bem, o fato é
que ela já está acontecendo, e, hoje, em meio às tantas diversidades, haverá
sempre a vanguarda, a qual acredita que, os novos diálogos com eventos antes
considerados profanos, ampliarão o poder de disseminação do evangelho. E
haverá os reacionários, defendendo que o mundo profano estaria absorvendo o
culto religioso e sacro.
243
ADIREMUS BULLETIN, Society for the Renewal of the Sacred Liturgy. Online Edition Vol VII, No. 8
Nov. 2001(cf. p. 44). Trad. livre do autor. O que é inculturação litúrgica? A cúpula da Igreja [Católica] tem
usado o termo “inculturação” para definir mais precisamente “a encarnação do evangelho em culturas
autonomas e ao mesmo tempo a introdução destas culturas na vida da Igreja. Inculturação significa “uma
trasformação íntima dos verdadeiros valores culturais por meio de suas integrações dentro do cristianismo e a
implementação do cristianismo dentro de culturas humanas”.
126
3.3.1. A Flexibilidade dos Cultos modernos em contraste com a dureza da
liturgia tradicional.
Na manifestação sagrada da atual época, o culto tem se tornado uma
celebração fragmentada. Cada vez mais os processos de unicidade litúrgica estão
sendo deixados de lado.
Os novos cânticos da cultura “pop/gospel” corroboram para que não haja
apenas um tema por cada celebração litúrgica, estes cânticos (diversificados em
seus temas) compostos em pedaços curtos de frases muitas vezes rebuscadas do
sentimento popular e não nos salmos e trechos da Bíblia estão, aos poucos,
tomando os espaço dos longos hinos legados pela tradição.
A velocidade com que a nova produção musical vai se renovando,
corresponde peremptoriamente ao sistema capital de mercado, aonde o novo se
torna, em pouco tempo, velho e antigo, substituído por um novo mais ‘novo’.
A expressão do corpo vai entrando nas liturgias católica e evangélica
244
. O
espaço litúrgico, antes tematizado e expressado por cânticos e trechos bíblicos
correspondentes, agora se fragmenta em diversos sub-temas, sem a necessidade
de um corpo conexo entre si, e desse modo, a liturgia religiosa cristã vai se
adequando ao novo paradigma mundial, a globalização e a flexibilidade das
coisas.
244
Este tema tem se tornado cada vez mais objeto de estudos acadêmicos. Segue a citação de alguns trabalhos.
LÁZARO, Clara Luz Ajo. O Corpo na festa do sagrado: Uma proposta teológica litúrgica que recupera o
corpo como espaço do sagrado. (tese de doutorado-Umesp). BARRETO, Luzmila Casilda Quezada. Gênero e
Poder: O corpo oculto na Igreja Pentecostal Deus é Amor em Lima, Peru. (Dissertação de Mestrado-Umesp).
Este trata da relação entre o culto e o corpo. Após traçar um paralelo histórico relativo ao controle do corpo, a
pesquisa é uma leitura que mostra o corpo nas estruturas religiosas a partir dos discursos, preconceitos,
símbolos e mitos sobre o corpo usados na Igreja apontada.
127
Zygmunt Bauman, em sua obra Modernidade Líquida
245
, contempla este
tema quando estuda as características que as várias entidades sofrem com o
processo de globalização, e a religião não vem a ser diferente. Comparando a
sociedade com movimentos líquidos, Bauman, no trecho apresentado abaixo,
observa que as coisas correspondentes à pós-modernidade devem se apresentar
cada vez mais leves.
A extraordinária “mobilidade” [grifo do
pesquisador] é o que associa à idéia de “leveza”.
(...) Associamos “leveza” ou ausência de peso à
mobilidade e à inconstância: sabemos pela
prática que quanto mais leves viajamos, com
maior facilidade e rapidez nos movemos. Essas
são razões para considerar “fluidez” ou “liquidez”
como metáforas adequadas quando queremos
captar a natureza da presente fase, nova de
muitas maneiras, na história da modernidade.
246
A religião também é considerada mais objetivamente por Bauman, quando
ele trata de forma mais direta das conseqüências desta flexibilidade das coisas
sobre o Sagrado. Para o autor, a era atual (denominada por ele apenas de
moderna e não de pós-moderna
247
) auxiliou a religião a se libertar do peso da
tradição. Não é sua intenção averiguar o mérito do fenômeno, mas para a Ciência
da Religião, é necessário que se faça uma reflexão sobre o assunto abordado por
245
BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
246
BAUMAN, Op. Cit. p. 8.
247
Quem “batizou” a era atual (pós-guerra) com o título de “Pós-Modernidade”, foi o filósofo Theodor
Adorno. Erudito da Escola de Frankfurt. Col. Os Pensadores. Adorno, Vida e Obra. São Paulo, Nova Cultural,
1999.
128
Bauman, e se de fato a sociedade pós-moderna está desvinculando a religião,
permitindo-a libertar-se do peso da tradição, certamente a liturgia também vai se
apropriar desta ocasião para se renovar.
Apesar de que não é o objetivo desta pesquisa adicionar juízo de valor,
antes, apenas apontar o fenômeno; nesta liberdade litúrgica alcançada em função
da sociedade e rumo que esta vem tomando, há muita novidade que tem
renovado e revigorado alguns cultos/missas que mais pareciam celebrações
fúnebres do que celebrações festivas.
Argumentando sobre esta quebra com a tradição, Bauman retrata o
seguinte:
Se o “espírito” é “moderno”, ele o é na medida
em que estava determinado que a realidade
deveria ser emancipada da “mão morta” de sua
própria história, e isso só poderia ser feito
derretendo o sólido (isto é, por definição,
dissolvendo o que quer que persistisse no tempo
e fosse inofensivo à sua passagem ou imune a
seu fluxo). Essa intenção clamava, por sua vez,
pela “profanação do sagrado”: pelo repúdio e
destronamento do passado, e, antes e acima de
tudo, da “tradição” isto é, o sedimento ou
resíduo do passado no presente; clamava pelo
esmagamento da armadura protetora forjada de
crenças e lealdades que permitiam que os
sólidos resistissem (...)
248
248
BAUMEN, Zygmunt. Op. Cit. p. 9.
129
Se por um lado, os cultos modernos enfrentam o problema de quebra
drástica com o passado, e portanto, prejudica a memória, matéria prima para a
religião; por outro, a flexibilidade abre espaço para um fenômeno já existente
dentro de outros pontos da sociedade: a intercomunicação e a tolerância às
diferentes formas de manifestações (neste caso) religiosas denominacionais. Isto
quer dizer que, as definições que antes arbitravam o que era uma manifestação
protestante tradicional, católica romana ou pentecostal, estão se misturando cada
vez mais.
3.3.2. A mistura entre os cultos: um legado da Pós-Modernidade.
Ao longo do tempo está se confirmando um espírito de época apontado
pelo trabalho de David Bosch
249
, onde as diferentes denominações não poderiam
mais ser apontadas por formas cúlticas (bater palmas, levantar as mãos, dançar,
estilo de oração ou cânticos entre outros aspectos litúrgicos). Algum outro
paradigma (não litúrgico) se faria para apontar esta ou aquela denominação.
Mesmo que este outro paradigma ainda não tenha se firmado
definitivamente, seria impossível negar que a mídia corroborou para que a
diferença, outrora bem clara, entre o sagrado e o profano, fosse diminuindo e se
obscurecendo, incapacitando definir com certeza, qual seria o campo deste ou
daquele.
249
BOSCH. David J. Missão Transformadora: Mudanças de Paradigmas na Teologia da Missão. São
Leopoldo, ed. Sinodal, 2002. passim.
130
Se a concisão entre as fronteiras do sagrado e do profano diminuiu, que
dizer então das fronteiras do sagrado entre si, ou seja, o diálogo de religião para
religião ou de denominação para denominação se tornou amplo, em um ambiente
bem mais misturado.
Essa característica da mistura não fica apenas no âmbito do protestantismo
histórico/pentecostalismo/catolicismo/tradicionalismo/vanguadismo
250
, ela também
está compreendendo partículas dos (e.g.) cultos afros: camdomblé e umbanda
251
.
Mas vai ainda além das paredes eclesiásticas; e com isso, essa
intercomunicação possibilita apontar aspectos televisivos em alguns dos diversos
estilos de cultos.
Comentando sobre aspectos da influência causada pela mídia nas
manifestações religiosas, Daniel Galindo compõe um artigo que ele denomina de
Religião Tecnofun
252
. Neste artigo, Galindo aponta vários avanços e as diversas
conquistas de espaços alcançados pelos cultos midiáticos.
(...) existem também megaeventos que ocorrem em
espaços outdoor, mas com repercurssões na mídia. A
marcha da paz, que no Brasil recebe o nome de marcha
para Jesus, é realizada em 170 países, é hoje a
segunda maior do mundo. No Brasil ela é realizada há
11 anos como objetivo de mostrar que a igreja não está
restrita aos templos, mas sim viva e aberta a toda a
250
Separar o cristianismo em dois grandes grupos: Católicos e Protestantes é uma simplificação local, não
quer dizer que as fragmentações parem nesta generalização. Obviamente que a fragmentação dentro da
própria Igreja Católica e das denominações Protestantes já poderia gerar uma pesquisa.
251
Esta característica pode ser apontada de forma mais explícita em cultos da Igreja Universal do Reino de
Deus.
252
Termo inventado por ele. Tecno: para tecnologia; e Fun: do Inglês diversão.
131
sociedade. (...) São Paulo contou com 2 milhões de
fiéis nas ruas, mas ficaram concentrados nas
proximidades do Campo de Marte e assistiram a
diversas pregações, animadas por trios elétricos,
desfiles de grupos de música gospel, bandas
internacionais (...) Importante falar da presença de Mara
Maravilha (ainda preservando seu nome artístico, e da
apresentadora Cida Marques, que completa a galeria de
famosos da mídia)
253
.
Galindo continua apontando eventos de grandes alcances na mídia,
narrando distintos acontecimentos passíveis de serem captados em clubes
“chiques” ou em uma “girada” nos canais televisivos. Ele acrescenta o seguinte:
No salão, ao som de violinos, gente dos meios
artístico, empresarial, cultural e político se
misturavam. A noite de gala marcou a
distribuição do prêmio Magnífico em sua 15ª
edição, e no segmento evangélico foi
representado e premiado através da dupla
Eduardo e Silvana, cantores do cast da
Bompastor. (...)
A prática da religião extrapola os limites físicos
das paredes de um templo ou mesmo as
fronteiras territoriais.
254
253
GALINDO, Daniel. Religião, Mídia e entretenimento: o culto “tecnofun”. In. Estudos de Religião, Ano
XVIII, n º 26, Junho de 2004, São Bernardo do Campo: ed. Universidade Metodista. p 24 52.
254
GALINDO, Daniel. Loc. Cit. p. 45.
132
Dessa maneira, o conceito do sagrado não estaria se desfazendo, mas
apenas se ampliando e tomando mais consciência de que tal manifestação
sempre esteve vinculada à idéia do espetáculo, ou seja, o culto não deixaria de
ser um show, mas agora se alimentando da mídia, além de se submeter a
espaços profanos.
No caso de um culto (espetáculo) em locais “profanos” (estádios, casas de
espetáculos, teatros e praças públicas), obviamente o discurso o justificará como
sagrado com frases motivadoras que instituem o local como “lugar santo”.
Galindo não descreve o momento com olhares escatológicos
255
ou
negativos, antes, ele entende que existe uma “riqueza na temática, bem como o
seu contínuo desenvolvimento, que lembra uma das canções de Gilberto Gil que
propõe louvar ao ‘eterno deus mudança’, pois estamos numa sociedade em
constante mudança”
256
. Segundo ele, toda essa constante mudança não implica
que a religião esteja, necessariamente, perdendo sua relação com o sagrado
Reforçando tal idéia, Galindo cita Durkheim, que abordou em sua obra
sobre a vida religiosa, a relação existente entre a religião e as festas, entre a
recreação e a estética, mostrando o parentesco entre o estado religioso e a
efervescência, o delírio, os excessos ou exagero das festas
257
.
255
Esta palavra não está sendo usada neste ponto como um termo teológico, mas sim como uma alusão à
maneira pessimista de se entender a sociedade. O termo, com este sentido, foi mais precisamente usado pela
escola literária dos realistas brasileiros.
256
GALINDO, Daniel. Op. Cit. p. 50.
257
GALINDO, Daniel. Op. Cit.
133
3.3.3. O Culto Cristão e o Sistema Neo-liberal vigente.
Assim como na época retratada pelo livro de Hebreus, o sistema político e
econômico vigente, determina muitos dos rumos tomados pela religião. Nos dias
de hoje, o sistema denominado Neoliberal, mantém uma influência muito grande
no estilo e na estrutura do culto cristão. Ainda que algumas denominações
mantenham o discurso “politicamente correto” e de forma agressiva contra o
mercado, não é esta a representação discursiva de uma grande parte do
cristianismo, especialmente da ramificação conhecida como Neopentecostal.
O sistema de mercado coopera para uma forma de domínio e de divulgação
do sagrado em determinados campos e grupos de pessoas que, certamente
estariam áridos, não fosse o cultivo e divulgação evangelística por intermédio do
mercado.
Magali do Nascimento Cunha, em um texto que discute sobre o assunto,
dialoga com a cultura religiosa de hoje, a qual se caracteriza por ser uma “cultura
religiosa errante”, e que se mostra em um território sem uma demarcação cultural
rígida
258
. Segundo a autora, esta desterritorialização vem a ser um dos
fenômenos da globalização, o qual promove um diálogo de tal forma entre as
culturas, ao ponto de desvincular as identidades das culturas de suas histórias,
tradições e memórias.
A religião de mercado e o mercado da religião (trocadilho usado por
Cunha), proporciona uma livre concorrência entre as igrejas e denominações.
Havendo uma disputa pelos fiéis, numa liberdade de mercado onde o
258
CUNHA, Magali do Nascimento. Consumo: novo apelo evangélico em tempos de cultura gospel. In.
Estudos de Religião. N º 26, Ano XVIII, São Bernardo do Campo: UMESP, 2004. p. 62.
134
conhecimento teológico
259
não dita mais as regras da religião mais verdadeira e
mais bíblica.
Esta livre disputa, característica do mercado neo-liberal, se desenvolve em
função do crescimento corporativo, a rigor, da mesma forma das grandes
corporações, onde, as igrejas mais poderosas acabam monopolizando o estilo de
culto, as composições usadas nas liturgias, a liberdade de expressão corporal e o
discurso falado entre outros fatores.
Leonildo Silveira Campos, no texto denominado Protestantismo histórico e
pentecostalismo no Brasil: aproximações e conflitos, diz que todo fenômeno
religioso “tem seu crescimento atrelado a um conjunto de causas de caráter
histórico, sócio-econômico, religioso e cultural, que independem da boa vontade
ou do grau de consciência de seus integrantes
260
”.
Enquanto as entidades religiosas mais tradicionais se defendem contra o
discurso do mercado, Cunha observa que todo este relacionamento entre o
mercado e a religião oferece uma afirmação na auto-estima dos membros das
igrejas protestantes históricas de missão, que estavam sendo “inferiorizadas pelas
políticas neoliberais excludentes implantadas no país
261
”.
Ainda outra alteração é apontada por Cunha, quando vê que o investimento
social veio a fazer parte do modo de ser das igrejas evangélicas.
259
Para ver mais sobre o aspecto teológico e sua perda de autoridade frente as interpretações alegóricas e
experiências pessoais, temos o texto de MARIANO, Ricardo. Neopentecostais. Sociologia do novo
pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999.
260
CAMPOS, Leonildo Silveira. Na Força do Espírito. São Paulo: AIPRAL - Pendão Real, 1996, p. 93.
261
CUNHA, Magali do Nascimento. Op. Cit. p. 64.
135
Também o marketing religioso, e o crescimento das consultorias
especializadas neste campo, segundo a autora, corroboram para estabelecer
estratégias a fim de alcançar resultados previstos.
Parcerias como a ocorrida entre a editora Siciliano e a Editora Gráfica da
Igreja Universal do Reino de Deus, com o objetivo de aumentarem a
comercialização de literatura evangélica são outros exemplos oferecidos por
Cunha, apontando para uma ligação muito grande entre o sagrado moderno e o
mercado
262
.
Dildo Pereira Brasil, em uma pesquisa que considerou a renovação
carismática na Igreja Católica e suas relações com o sistema de Mercado”, faz
um balanço negativo do fenômeno, afirmando que, na sociedade contemporânea,
os movimentos espiritualistas estão correspondendo aos ideais neoliberais.
263
Por outro lado, Magali do Nascimento Cunha entende mais positivamente o
fato de os cristãos terem se tornado um segmento de mercado, uma vez que já
pode ser identificada uma programação da mídia religiosa eletrônica; segundo a
autora haveria também, no caso dos evangélicos, uma mudança quanto à
evangelização clássica.
Para ela, este consumo ‘consagrado’ possibilita uma realização ecumênica
marcante e de valor, inclusive com a quebra de barreiras confessionais e
262
Cf. Serviço de Notícias ALC (Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação), 9 Jul. 2003.
http:// www alcnotícias.org. apud. CUNHA, Op. Cit. p. 70.
263
BRASIL, Dildo Pereira. A Renovação Carismática Católica e suas Relações com o Sistema de Mercado.
São Bernardo do Campo, UMESP, 2001. (Dissertação de Mestrado), p. 115.
136
“aproximações até há pouco impossíveis entre evangélicos e católicos romanos
por exemplo
264
”.
264
CUNHA, Magali do Nascimento. Op. Cit. p. 77.
137
CONCLUSÃO
Uma vez analisados os paralelos existentes entre a comunidade dos
hebreus e a sociedade atual, é possível estabelecer alguns pontos de cruzamento,
os quais acabaram sendo determinantes para que esta pesquisa obtivesse alguns
resultados.
Talvez o mais significante tenha sido as dialéticas internas (necessárias)
que a história aponta que sempre existiram na religião: (memória/tradição versus
flexibilidade/novidade) e (razão versus emoção).
Quando por ocasião da transposição da liturgia judaica para a liturgia
cristã
265
, observamos um certo abandono do rito sacrificial e uma dedicação à
palavra (o código) escrita. A perda temporária do Templo de Jerusalém durante o
exílio proporcionou um crescente estudo e observância da Lei. Ainda o advento
das sinagogas, local onde o culto ficou estabelecido muito mais pela pregação e
estudo da palavra do que pelo ritual do sacrifício, levou a religião a se engajar em
um momento mais racional do que sentimental.
A dialética sofrida pela igreja primitiva, entre o culto sentimental (expresso
por intermédio do sacrifício ritual) e um culto racional (expresso por interpretações
codificadas e textuais) é vista também nos dias de hoje, em uma religião que
oscila entre um culto simbólico e outro racional.
Contudo, isto não quer dizer que a religião esteja padecendo de uma
identidade desencontrada, antes, tal ocorrência deve ser entendida apenas como
subterfúgio moderador da religião; pois, não fosse por este fator a religião jamais
265
Cf. Capítulo 1, p.37-8.
138
teria como ultrapassar as barreiras culturais, e conseqüentemente, uma mesma
religião de forma alguma teria condições de se estabelecer em épocas tão
exacerbadamente sentimental (como foi o caso da época barroca) e em épocas
tão extremamente racional (como no caso da iluminista). Também não fosse por
esta balança entre o sentimento e o raciocínio (símbolos e Escrituras) em que vive
a religião, jamais o cristianismo teria conseguido se estabelecer em fronteiras tão
distintas, como no caso de países que dão extrema vazão à emoção (como no
caso de países africanos e latinos), e em países que se apegam demasiadamente
à razão (como alguns europeus) e ainda países que enobrecem o controle das
emoções em detrimento da expressividade delas (como no caso de alguns países
da Ásia).
Esta dialética entre razão e emoção também ocorreu na comunidade dos
hebreus. Apesar de que a Igreja Primitiva tenha dado uma nova interpretação a
cada símbolo ocupado no ritual judaico
266
, eles não abriram mão de se
estabelecerem como uma religião codificada, com um Escrito Sagrado
manufaturado pelos punhos de vários de seus próprios líderes.
Se as questões político-econômicas englobam também as mudanças
internas ocorridas na religião, o fato de que a Nação de Israel do período
interbíblico e dos primeiros séculos do cristianismo tenha sido tomada de assalto
por diversos atritos sociais, políticos, culturais e financeiros; certamente todos
estes fatores teriam uma influência considerável na questão.
266
Cf. Capítulo 2, p. 53
139
Os rumos tomados por uma sociedade, sejam conscientes ou
inconscientes, determinam sempre um movimento em direção ao processo
civilizatório
267
: mito>rito>símbolo>palavra escrita.
Desse modo, temos que a Lei judaica jamais poderia ter sido
desconsiderada pelo cristianismo latente, entretanto, os novos métodos
interpretativos usados como subterfúgio pelo cristianismo, promoveram o
nascimento de uma religião complexa: almejando separar-se do judaísmo, mas
paradoxalmente, guardando seus valores e sua descendência.
Também o fato de a liturgia cristã ter se formado em meio a uma sociedade
de elevado nível intelectual tal qual era a greco-romana, fez com que o
cristianismo se distinguisse do judaísmo no sentido de se ver obrigado a produzir
um discurso litúrgico inclinado a dar respostas às questões levantadas pela
sociedade vigente
268
. Por outro lado o judaísmo, com seus rituais bem definidos,
não se via em tal obrigação, fato que certamente explica a categórica expansão do
Cristianismo frente ao Judaísmo. Disto conclui-se que, é impossível à religião que
se identifica demasiadamente com seus costumes, ritos e sistemas litúrgicos
(todos eles fatores sujeitos à renovação), um crescimento fora de suas próprias
raízes culturais. Com isto, a religião judaica teve um crescimento por rebento
familiar (ad tempora) mensuravelmente bem maior que o crescimento por
prosélitos simpatizantes de seus cultos.
267
Cf. Capítulo 2, p. 70.
268
Cf. Cap. 2, p. 71 Cap. 3. p. 100.
140
É possível, com base na proposta de Chupungco, dizer que houve uma
aculturação por parte do cristianismo, enquanto que houve uma estagnação
institucional por parte do judaísmo.
269
Outro ponto de cruzamento existente entre as épocas da formação litúrgica
na comunidade em mudança dos hebreus e na comunidade em mudança de hoje,
é o fato de que a tradição, em ambas as épocas, se torna uma espécie de
ameaça.
Assim como a comunidade dos hebreus enfrentou a tradição de forma
acirrada, também a diversidade religiosa, proveniente da modernidade e
promovida por ela, depara-se com este impasse nos dias atuais, e este choque
vem a ser condição ‘sine qua nom’ para que uma nova estilística litúrgica possa
firmar sua existência.
Se por um lado a comunidade dos hebreus se posicionava contra toda a
interpretação ritualística dos judeus de então, foi possível ver que nesta dialética
existente entre a tradição e a modernidade, não basta apenas descartar todos os
símbolos memoriais legados pela tradição. Foi necessário que a comunidade
cristã refizesse todo o sistema de leitura simbólica, dando novos significados aos
rituais judaicos de então.
Também o código escrito foi anexado à liturgia cristã, e, mesmo que até aos
dias de hoje o AT é preterível ao NT, sendo este bem mais usado em função até
mesmo de sua capacidade de se adequar aos novos parâmetros religiosos
modernos, ainda assim, o AT foi considerado como solo sobre o qual uma nova
liturgia se firmou.
269
Cf. Cap. 2, p. 74.
141
Isto nos leva a considerar de maneira substancial o seguinte: Que é
impossível estabelecer um sistema de culto completamente novo, sem considerar
muitos pontos da forma litúrgica anterior. Dessa maneira, o ‘novo’ sistema
litúrgico, a rigor do que expôs Mircea Eliade no ‘Mito do Eterno Retorno
270
, não é
novo, mas é sim, o velho revestido de novo. Uma mesma essência com outra
forma.
Entretanto, os processos regidos pela tradição não aceitariam nem mesmo
este revestimento, e, portanto, assim como foi necessário ao cristianismo aceitar o
choque com o judaísmo do período
271
, de igual forma os novos modelos da liturgia
pós-moderna terá que enfrentar os choques e atritos no decorrer desta dinâmica
entre o Velho e o Novo, a tradição e a modernidade, o futuro e o passado.
Para alguns, estes novos rumos litúrgicos não serão a representação de
outra coisa senão o fim de um projeto histórico-religioso, que coincidiu com a
tarefa ingrata de destruição e desconstrução da racionalidade totalizante e
moderna a tarefa negativa da pós-modernidade.
Para alguns idosos soará como aberração o fato de que, dentro de uma
comunidade eclesiástica, haja um show de rock evangélico, com jogos de luzes,
antes característicos dos lugares profanos (tais como clubes de danças, cinemas
e casas de orgias). Para a tradição representada (nem sempre apenas pelos mais
idosos, uma vez que se trata de um discurso, e, portanto, um poder político-
social), soará como uma agressão os acordes eletrônicos do ‘hip-hop’ e do ‘tecno’,
ou ainda, far-se-á como verdadeira blasfêmia as danças coreográficas com
270
ELIADE, Mircea. Op. Cit.p. 56-62.
271
Cf. Cap. 1, p. 8.
142
músicas em tonalidades altas e timbres chorados e expressivos como fundo. As
orações via e-mail, ou ainda a nova simbologia vendida pela mídia evangélica
(que designa uma determinada “tribo” da qual o jovem/adolescente faz parte: a
saber a comunidade ‘Gospel’). Tudo isso faz parte dos novos rumos que a religião
está tomando.
Se a modernidade está realmente em crise, com seu projeto (dar respostas
ao ser humano por intermédio da razão) destruído e liquidado como propõe
Lyotard
272
, a religião vai se tornando uma resposta cada vez mais poderosa para
esta crise.
Por outro lado, se esta quebra de elos com a tradição, com o passado e
com sua própria razão de ser (a memória), não for apenas uma representação
superficial; se não for apenas uma mudança da forma, mantendo a mesma
essência memorial e portanto, verdade histórica; então a religião estará fadada a
viver sem memória. Isso quer dizer que, a cada culto, a novidade seria uma
exigência tal que, as celebrações religiosas não suportariam o fardo da
repetitividade.
Isso leva a um outro extremo, a exigência do fiel pelo novo (uma vez que
não interessa a memória, não interessa a repetição) vai levar a liturgia a um sem
fim de invenções pirotécnicas, a fim de satisfazer e manter o adorador por
intermédio do ‘novo’.
272
LYOTARD, J.F. apud CASTIÑEIRA, Angel. A Experiência de Deus na Pós-Modernidade. Petrópolis,
Vozes, 1997. A palavra pós-modernidade é em si mesma, equivoca porque, não pode significar “aquilo que
vem depois da modernidade, uma vez que a palavra “moderno” significa ‘agora’. Segundo Lyotard, sempre
será “agora’, e nunca ‘depois de agora’. p. 128.
143
Cabe questionar se a comunidade eclesiástica, geralmente formada por
voluntários, terá fôlego para disputar terreno com o ‘show business’, formado por
profissionais.
Finalmente, mesmo sabendo que somente o tempo poderá responder a
questão, é possível prever uma ameaça resultante em duas vertentes: para os
mais racionalistas, uma vez a religião tendo perdido o terreno memorial do
sagrado, estaria entrando no mesmo campo do entretenimento estético, logo, ir a
um teatro, visitar uma galeria, torcer em um estádio de futebol, assistir a um
musical ou celebrar na igreja estariam todos no mesmo patamar estético. Para os
mais espiritualistas, a religião ficaria presa apenas no campo das manifestações
mágicas.
Por outras vezes na história, houve os que atestaram o fim da religião e a
morte de Deus
273
, mas a religião não acabou, e Deus está aí, “mais vivo do que
nunca”. Com esse novo rumo litúrgico, talvez há quem ateste a célebre frase: “ é o
fim do mundo”, mas enquanto ele não chega, a liturgia está sofrendo mudanças.
273
CASTIÑEIRA, Angel. Op. Cit. Cap IV.
144
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Livros Grátis
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