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em seu nome, lhe foram exigidos. O rompimento do pacto social pelo
trabalhador, em resposta a uma prévia ruptura da sociedade, pode vir a ter
conseqüências catastróficas. Não nos esqueçamos que (SIC) o pacto social
- e o pacto edípico - se articulam íntima e indissoluvelmente.
O processo civilizatório, em seu conjunto, obedece a uma mesma linha
estratégica. Ela exige progressivas e dolorosas renúncias, mas, em troca,
fica obrigado, para legitimar-se a criar direitos e vantagens correspondentes.
Suponhamos que haja um rompimento grave da relação de mutualidade
que sustenta - e legitima - o pacto social. Essa ruptura, fraudadora e
conspurcadora da dignidade humana, pode levar ao desespero, à cólera, à
revolta. O trabalhador tenderá a repelir o pacto social e os sacrifícios que
exige. Tal repulsa, por outro lado, em virtude da solidariedade que existe
entre o pacto social e o pacto edípico, pode vir, por retração, a provocar
uma ruptura do pacto edípico, ao nível da realidade intrapsíquica. Esse
efeito se tornará tanto mais provável quanto mais existir, numa sociedade
determinada, além do desrespeito ao trabalho, um clima de apodrecimento
dos valores que poderiam cimentar a coesão social.
O rompimento com a Lei do Pai - ou Lei da Cultura -, através da rejeição do
pacto edípico, produz efeitos catastróficos na mente e na conduta do
indivíduo, e corresponde a um ato de parricídio. O Édipo é uma gramática
pela qual o desejo e a agressão se tornam metabolizáveis e entram no
circuito de intercâmbio social. O Édipo implica, necessariamente, renúncia e
recalque de pulsões anti-sociais e criminais, não utilizáveis pelo processo
civilizatório.
Com a ruptura do pacto edípico, ocorre o retorno do recalcado, para
usarmos a expressão freudiana. A barreira do recalque, rompida, liberta o
enxurro dos impulsos antes contidos: predação, homicídio, incesto, estupro,
roubo e violência de todo tipo passam a ter livre curso na conduta. Estão
implantadas as condições extra e intrapsíquicas para uma epidemia de
criminalidade, como sintoma de patologia social.
O modelo econômico imposto ao país tornou-se conhecido pelo nome de
capitalismo selvagem. Tal modelo, excludente e concentrador da renda,
criou uma estrutura social em que o desnível entre os que tudo têm e os que
nada possuem é dos mais altos do mundo.
O capitalismo selvagem brasileiro foi - e é - um regime genocida e
infanticida, e o pacto social que impõe ao país clama aos céus por justiça.
Dinheiro gera dinheiro, para os que o possuem, ao passo que o trabalho
cria a pobreza para os que trabalham - quando conseguem trabalhar. E,
para coroar tudo, o poder arbitrário, a impunidade triunfante, a cupidez sem
limite, o consumismo sem freio, tudo isto, de um só lado - o dos donos da
vida. Do outro lado, o rosto anônimo da miséria: milhões de brasileiros
condenados à penúria absoluta.
Por outro lado, se a delinqüência e a criminalidade são formas perversas de
protesto social, as estruturas de dominação do capitalismo selvagem
também são formas criminosas de relacionamento social. ‘Mais grave do
que assaltar um banco é fundar um banco’ - costumava dizer Lênin, com o
seu evidente exagero bolchevique. A piada do velho revolucionário pode,
contudo, induzir-nos a pensar. O assalto a um banco é, obviamente, um ato
delinqüente, e quem o pratica se coloca fora da lei, exposto aos seus
rigores. Já o dono do banco, quando pratica a usura, cobrando juros
escorchantes, capazes de paralisar a produção, também comete ato
criminoso, sem contudo pagar o mesmo preço do assaltante.
A delinqüência do pobre o coloca fora da lei e o expõe à punição, tantas
vezes vingativa e desumana. Com o rico, ocorre quase sempre o contrário.
Ele começa por corromper a lei, pondo-a do seu lado. Com isto, compra a
impunidade e conquista, com a pecúnia, o poder e a glória. Ao mesmo
tempo, usa a lei pervertida para combate o protesto criminoso do pobre. É
nesse nível, duplamente perverso, que decorre a repressão policial pura e
simples à criminalidade, considerada apenas como sintoma e não como
efeito de uma grave patologia social. A serem assim avaliadas as coisas, a