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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC
FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, ATUÁRIA, CONTABILIDADE E
SECRETARIADO EXECUTIVO.
MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO
Maria Rejane Maia Pinheiro de Abreu
A visão do trabalho em autorizadores de um plano de saúde
FORTALEZA-CE
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, ATUÁRIA, CONTABILIDADE E
SECRETARIADO EXECUTIVO.
Mestrado Profissional em Administração
Maria Rejane Maia Pinheiro de Abreu
A visão do trabalho em autorizadores de um plano de saúde
Dissertação apresentada à Coordenação
do Curso de Mestrado Profissional em
Administração da Universidade Federal
do Ceará, como requisito final para
obtenção do título de Mestre em
Administração.
Orientadora: Profª.Drª. Hilda Coutinho de
Oliveira
FORTALEZA-CE
2007
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Maria Rejane Maia Pinheiro de Abreu
A visão do trabalho em autorizadores de um plano de saúde
Dissertação submetida à Coordenação do Curso de Mestrado Profissional
em Administração da Universidade Federal do Ceará UFC, área de concentração
em Recursos Humanos, como requisito final para obtenção do título de Mestre em
Administração.
Aprovada pela Banca Examinadora:
________________________________________
Profª.Drª. Hilda Coutinho de Oliveira (Orientadora)
Universidade Federal do Ceará – UFC
________________________________________
Prof. Dr. Antonio Caubi Ribeiro Tubinambá
Universidade Federal do Ceará – UFC
_______________________________________
Prof. Dr. Cássio Adriano Braz de Aquino
Universidade Federal do Ceará – UFC
Fortaleza, 07 de agosto de 2007.
Às minhas duas vidas, Mariana e Nina, que
representam o centro do meu mundo e que me
impulsionam a lutar diariamente por ele.
Ao meu marido Toninho (Antonio César de
Abreu), pelo grande amor e imensa crença que
deposita nas minhas potencialidades, sem ele
eu não teria conseguido.
A todos que emprestaram suas vozes para que
esse trabalho se tornasse realidade.
AGRADECIMENTOS
À querida orientadora, Dra. Hilda Coutinho de Oliveira, pelo conhecimento
compartilhado, disponibilidade constante e grande incentivo à realização desse
trabalho.
Aos meus sete irmãos (Silva Netto, Jaqueline, Andréa, Kuka, Cida, Carla e
Leco), pela paciência e por me fazerem sentir amada incondicionalmente.
À minha amada mãe, Maria Garcilda Maia Pinheiro, que representa a força
interior que trago dentro de mim. Sem ela nada teria existido.
Ao meu amado pai, Rui Pinheiro Silva, pela afetividade e presença
constante em minha vida.
À Francisca das Chagas Magalhães Cruz (Chaguinha), pelo cuidado diário
a que me dispensa.
Ao Pitt, pela sua companhia e atenção nos momentos de solidão.
A todos os amigos, professores e funcionários do Mestrado em
Administração da Universidade Federal do Ceará, pela disponibilidade, credibilidade
e acolhimento prestados, meus eternos agradecimentos.
RESUMO
Este estudo focalizou a visão do trabalho por parte de 4 (quatro) autorizadores de
um plano de saúde privado localizado em Fortaleza, no Ceará. Concretizou-se
através do método qualitativo e da técnica da entrevista estruturada. Os sujeitos
foram do gênero feminino, tinham idades entre 30 e 36 anos e trabalhavam há, pelo
menos, 1 ano na função de autorizador. Destacaram-se questões que se repetiram
no âmbito da diversidade do material obtido, almejando interpretá-las. A análise das
visões dos participantes concernentes ao trabalho foi desenvolvida conforme o
modelo das dimensões básicas da tarefa de Hackman e Oldham (1976) e os
estados psicológicos críticos: o sentido que uma pessoa encontra na função
exercida, o sentimento de responsabilidade, o conhecimento de seu desempenho no
trabalho e as relações interpessoais. Contribuíram para entender o conteúdo desse
estudo as idéias de Antunes (2005, 2006) e Codo (1993, 2002) sobre o trabalho. As
descobertas desta pesquisa, que não podem ser generalizadas, estão incluídas nas
considerações finais. Conclui-se, que o trabalho do autorizador é um trabalho com
repercussões emocionais, gerador de instabilidade em seus contatos, com baixa
cooperação entre a equipe, causador de sentimentos de insegurança e medo, com
baixa autonomia e alta carga de ritmo nas tarefas executadas. Os resultados
indicaram que a visão do trabalho por parte dos autorizadores de um plano de saúde
apresentou incoerência com seus valores morais, sem autonomia, com grande carga
psíquica devido aos conflitos, com baixo retorno, inclusive financeiro, não
reconhecido ou valorizado pela organização, porém desafiador, estimulante ao
aprendizado, não rotineiro e útil aos clientes e a sociedade.
Palavras–chave: autorizadores, plano de saúde, trabalho, saúde mental.
ABSTRACT
This study it focused the vision of the work on the part of 4 (four) health plane
workers of a private plan of located health in Fortaleza, in the Ceará. It was
materialize through the qualitative method and of the technique of the structuralized
interview. The citizens had been of the feminine sort, had ages between 30 and 36
years and worked have, at least, 1 year in the health plane workers function.
Questions had been distinguished that if had repeated in the scope of the diversity of
the gotten material, longing for to interpret them. The analysis of the visions of
participants to the work was developed in agreement the critical model of the basic
dimensions of the task of Hackman and Oldham (1976) and psychological states: the
direction that a person finds in the exerted function, the feeling of responsibility, the
interpersonal knowledge of its performance in the work and relations. The ideas of
Antunes (2005, 2006) and Codo had contributed to understand the content of this
study (1993, 2002) on the work. The discoveries of this research, that cannot be
generalized, are enclosed in the final consideration. Its results had indicated that the
vision of the work on the part of the health plane workers of a health plan presented
incoherence with its moral values, without autonomy, with great which had psychic
load to the conflicts, with low return, also financial, not recognized or valued by the
organization, however challenging, stimulant to the learning, not routine and useful to
the customers and the society.
Key words: health plane workers, health plane, work, mental health.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 - Agrupamento das dimensões básicas da tarefa ..............................34
FIGURA 2 - Modelo completo de Hackman e Oldham ........................................36
QUADRO 1 - Quadro norteador...........................................................................107
QUADRO 2 - Dimensões do Trabalho.................................................................103
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABRAMGE - Associação Brasileira de Medicina de Grupo
ABRASPE – Associação Brasileira de Securidade Social dos Servidores Públicos
Estadual, Civil e Militar
AMB - Associação Médica Brasileira
ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar
CAPS - Caixas de Aposentadoria e Pensões
CIEFAS – Comitê de Integração de Entidades Fechadas de Assistência à Saúde
FAZ - Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social
FBH - Federação Brasileira de Hospitais
FENASEG – Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de
Capitalização.
IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor
INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social
INPS - Instituto Nacional de Previdência Privada
ISMA - Internal Stress Management Association
LER - Lesões por esforços repetitivos
MOW - Meaning of Work
PROCON – Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor
SUS - Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES..........................................................................................8
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ......................................................................9
SUMÁRIO..................................................................................................................10
1 INTRODUÇÃO..............................................................................................11
2 OBJETIVOS .................................................................................................17
3 REFERENCIAL TEÓRICO ...........................................................................19
3.1 O TRABALHO .....................................................................................................19
3.1.1 Sentido etimológico e filosófico............................................................19
3.1.2 Evolução das concepções...................................................................24
3.1.3 As idéias de Hackman e Oldham.........................................................30
3.1.4 Saúde Mental e Trabalho.....................................................................37
3.2 Os Autorizadores no Contexto do Trabalho ........................................................45
3.2.1 Breve Histórico dos Planos Privados de Saúde no Brasil....................45
3.2.2 Planos de Saúde Privados: Conceituação e Contextualização ...........49
3.2.3 Autorizadores: atores da linha de frente..............................................52
4 TRATAMENTO METODOLÓGICO ..............................................................57
4.1 Considerações sobre o método...........................................................................59
4.2 Local....................................................................................................................62
4.3 Sujeitos................................................................................................................64
4.4 Técnica................................................................................................................65
4.5 Procedimento......................................................................................................68
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES..................................................................70
5.1 Caracterização dos sujeitos ................................................................................70
5.2 Análise e Interpretação das respostas ................................................................71
5.3 Considerações Finais..........................................................................................91
Referências...............................................................................................................96
Anexo 1 - Dimensões do Trabalho..........................................................................103
Apêndice A - Carta de Apresentação......................................................................104
Apêndice B – Questionário 1...................................................................................105
Apêndice C – Questionário 2...................................................................................106
Apêndice D - Quadro norteador para elaboração das perguntas............................107
Apêndice E - Transcrições das Entrevistas.............................................................108
11
1 INTRODUÇÃO
Investigar o que o ser humano pensa sobre o trabalho e quais as visões o
trabalhador possui dele, implica adentrar na subjetividade humana, conhecer o
homem e sua relação consigo, com os outros e com a sociedade. Pois não se pode
refutar o fato de que a visão do homem, sobre as coisas que faz e do que o rodeiam,
desvela a concepção que o ser humano possui do mundo e das relações
construídas por este (BUBER, 1983).
Os estudos sobre o trabalho e sua relação com os trabalhadores,
geralmente, são voltados para as vantagens competitivas e para a implantação de
ações que possam propiciar melhores condições de trabalho aos empregados e com
isto, alcançar melhores desempenhos na empresa. Entretanto, esta relevância ao
tema, propicia a abertura para que o trabalhador possa ser destacado como
elemento ativo no processo de produção e privilegiado por pesquisadores,
possibilitando o estudo da subjetividade humana e na melhoria da qualidade de vida
no trabalho (FERNANDES, 1996).
Hoje em dia a preocupação das organizações é a produção e como
conseqüência, os lucros. Inúmeros controles de gestão são desenvolvidos,
diariamente, focado em identificar e sanar problemas relacionados ao que a mão-de-
obra produz. Entretanto os problemas permanecem como a diminuição na
produtividade e no ritmo das atividades, fazendo acreditar que o desempenho
organizacional depende também, das decisões e dos comportamentos daqueles que
realizam ou administram o trabalho. Ou seja, além da organização do trabalho é
prioritário que haja correspondência entre as pessoas que produzem e as atividades
que realizam.
Sob essa ótica é fundamental que se conheça a visão dos trabalhadores
sobre seu trabalho, para que as estratégias organizacionais sejam direcionadas,
gerando no trabalhador um sentimento de satisfação na execução de seu trabalho,
além de inserí-lo no grupo e nos ideais da empresa. Desta forma, o trabalhador
obterá uma melhor qualidade de vida no trabalho podendo contribuir mais com a
organização e a sociedade.
12
Baseado nessas idéias, é que o tema dessa pesquisa foi delineado, pois
escolher um tema para pesquisar não é tarefa fácil, primeiro devido à ampliação de
temas, segundo, que ao escolher um tema e pesquisá-lo, numa atividade
acadêmica, é expor o pesquisador à suas dores, inquietudes e penosidades. É um
desvelar de uma pessoa. Aqui não se sabe ao certo se o pesquisador escolheu o
tema ou foi escolhido por ele.
A escolha do tema sempre vai de encontro ao que o pesquisador não
elaborou ainda, aquilo que intriga, causa-lhe estranheza, e por isso busca solução, o
que gera, porque não dizer, mal-estar. E nesse contexto, somado as vivências
profissionais da pesquisadora, veio o ponto de partida, a primeira inquietação e que
insistia em uma resposta: o que faz um trabalhador ser um autorizador de plano de
saúde, que ele lida diariamente no embate com o cliente? Qual a visão que ele
tem de seu trabalho para permanecer nele?
No decorrer do estudo outros questionamentos surgiram e aqui foram
expostos somente para sinalizar a amplitude do tema e possibilitar futuras
investigações, dentre elas: dissonância cognitiva ou dilema moral (individuo
versus sociedade) ao não liberar um procedimento solicitado, apesar da análise do
contrato? Para o autorizador haverá sentido em seu trabalho se ele autorizar? O
confronto entre a subjetividade humana e a objetividade organizacional torna-o
vítima de seu próprio trabalho? Quais estratégias ele utiliza para se proteger nos
conflitos?
Para responder a indagação central foi necessário buscar um foco, o
problema principal a ser pesquisado, e surgiu após muitas discussões, o problema e
o tema desse trabalho: qual é a visão do trabalho para os autorizadores de planos
privados de saúde?
Ao responder tal pergunta, a pretensão foi de se obter respostas a outras
indagações sobre o trabalho do autorizador, pois conhecendo o que representa o
trabalho para ele, é possível também entender sua relação com as atividades
laborais e a sua subjetividade como ser afetivo.
O tema não se delineou tão claro no início, até porque a cada divulgação
13
deste, havia questionamentos por parte dos professores, que apesar de
interessados, possuíam focos diferentes de estudos sobre o trabalho e o
trabalhador. Esta resistência, porém, revigorou a elaboração do pensamento. A
cada questionamento, surgiam novas reflexões e como na gestalt, a figura e o fundo
foram se delineando, surgindo com maior vigor à figura do autorizador e de seu
trabalho. Poderia ter escolhido outros profissionais, como os médicos, os altos
gestores, os operadores de telemarketing, porém as vozes dos autorizadores
clamavam aos ouvidos e não havia como não atendê-las.
Apesar dos 15 anos como educadora e gestalt-terapeuta, ainda não havia
questionado o trabalho em sua subjetividade, até me deparar como gestora de uma
instituição particular, na área de plano de saúde e conhecer de perto o trabalho de
um autorizador.
Os conflitos são inerentes, quando se lida com seres humanos, é o
substrato de quem trabalha profissionalmente com pessoas. Invariavelmente o ponto
central dos conflitos, em um plano de saúde, encontra-se na área de atendimento ao
cliente, principalmente no setor de autorizações. É o momento da verdade, onde se
mostram o lado administrativo do trabalho e o subjetivo, as relações humanas.
Nessa atividade, o autorizador, ator da linha de frente, representa não a imagem
da empresa para o cliente, mas a própria empresa, com suas normas e ações.
A escuta das queixas dos clientes, as inseguranças, a ansiedade e os
conflitos dos autorizadores, associados às responsabilidades da função, fizeram
visualizar as pressões que tais trabalhadores são submetidos diariamente,
instigando a procura de uma maior profundidade dos paradoxos desta atividade e de
quem a executa.
O olhar da pesquisadora, apesar de diário, ainda estranhava, não se
encontrando cego ou cristalizado a dados valiosos, principalmente a questões que
não podiam deixar de ser desveladas. A aproximação ora se mostrava dolorosa, ora
conformada ou até mesmo agradável, porque se tratava de pessoas e como escolha
ou escolhida, privilegiou-se o autorizador.
Partindo desse contexto, essa pesquisa buscou realizar um estudo sobre
14
o trabalho na visão dos próprios trabalhadores, no caso os autorizadores de um
plano de saúde, tendo como suporte teórico os estudos de Antunes (2005, 2006) e
Morin (2001, 2003) sobre trabalho e o modelo de Hackman e Oldham (1976). Além
disso, objetivou-se adquirir uma compreensão das vivências do trabalho desses
profissionais, de suas percepções e conflitos sobre as atividades desempenhadas e
as condições subjetivas nelas inseridas, tendo como suporte as idéias de Codo
(1993, 2002).
O modelo de Hackman e Oldham (1976) está baseado na idéia de que as
características da tarefa são responsáveis pela promoção de quatro estados
psicológicos: sentido significativo do trabalho, responsabilidade pessoal, feedback e
contato ou relações interpessoais. E estes, quando presentes, levariam à motivação
do individuo, que se refletiria em maior qualidade de bens e serviços e em redução
dos níveis de absenteísmo e rotatividade, além de propiciar um melhor bem-estar e
saúde mental para o trabalhador (RODRIGUES, 2000).
Nesse trabalho clarificar o fenômeno trabalho é possibilitar aos
autorizadores se apoderar de uma consciência crítica de seu trabalho para si e para
a coletividade, onde esses poderão intervir nas organizações e em seu trabalho na
busca de um melhor bem-estar.
Portanto, o presente estudo investigou a visão do trabalho por parte de
autorizadores de plano privado de saúde, a partir da exploração qualitativa de dados
adquiridos em entrevistas estruturadas, tendo por base o modelo de Hackman e
Oldham (1976).
A idéia inicial, ou o pressuposto, foi que os trabalhadores pesquisados, no
caso os autorizadores, apresentariam uma visão do trabalho negativa, sem sentido,
com baixa valorização nas tarefas executadas, com ausência de conhecimento dos
resultados e com contatos frágeis e conflituosos entre os clientes e os gestores.
Esse pressuposto se baseou nas observações reais e diárias do trabalho
dos autorizadores, realizadas pela pesquisadora em seu ambiente de trabalho. Um
ambiente tenso e em constante embate entre os clientes e os profissionais
estudados.
15
A abordagem conceitual do trabalho foi apoiada em Antunes (2005, 2006)
e Morin (2001, 2003). Entretanto, outros estudiosos contribuíram para esse estudo,
pois repensar e manter o tema trabalho em investigação é um dos desafios dos que
estudam o comportamento humano na contemporaneidade.
Antunes (2005, 2006) e Morin (2001, 2003) citam que o trabalho, além da
sua dimensão econômica, é prioritário no universo psicológico, cultural e simbólico,
fato perceptível quando se analisam as reações daqueles que vivenciam,
cotidianamente, o flagelo do desemprego ou do não-trabalho. Afinal é nele que o ser
humano passa a maior parte de seu dia.
É no trabalho que o homem se distingue dos animais, pois a
intencionalidade em fazê-lo é que se concebe o homem como ser pensante e
modificador de si, das relações e do ambiente que o rodeia (MARX, 1985).
A distinção entre o homem e o animal também se reflete no trabalho, seja
através da evolução do pensamento humano às exigências do setor econômico. Se
antes o homem produzia para obter alimento, abrigo e a sobrevivência, satisfazendo
as suas necessidades básicas, hoje, o indivíduo se depara com uma sociedade
dominada pelo consumismo. Reina, portanto o pensamento de curto prazo,
propiciando aos trabalhadores a deixarem de ver o trabalho como uma parte da vida
e encará-lo como uma forma de sobrevivência e acumulação de riquezas
(CHANLAT, 1996).
O trabalho artesanal, predominante no passado, trazia uma visão de
autonomia a quem o realizava. Hoje o trabalho já não é mais uma escolha pessoal
de quem o realiza, dificultando a identificação e o sentido para quem o executa. O
trabalho deixou de ser do trabalhador, tanto em seu planejamento quanto em seus
resultados, passando a ser propriedade de quem o contrata, cabendo ao trabalhador
somente a execução.
A visão do trabalho, nessa relação de dominação, impõe-se ao
trabalhador como um simples meio de sobrevivência, isto é, como uma atividade
alienante que tem como único sentido o de garantir a sobrevivência física. Além de
afastá-lo da possibilidade de se desenvolver e identificar-se com o que produz
16
(MARX, 1984).
Considerando este referencial e justificando a escolha do tema trabalho
nesse presente estudo, observa-se que o tema encontra-se tão intrinsecamente
ligado à natureza humana, que se tornou interdisciplinar e abriu um leque de
interesses para diversas áreas. Na Administração encontra-se em sintonia com a
área de recursos humanos e com os estudos de comportamento organizacional,
dentre eles, motivação, desempenho, qualidade de vida, na área das Ciências
Políticas e Jurídicas, as relações trabalhistas e na Psicologia, com temas voltados
para o estresse, liderança, relações subjetivas no trabalho, comunicação, dentre
outros.
O trabalho representa um valor importante nas sociedades ocidentais
contemporâneas, exercendo uma influência considerável sobre a motivação, a
satisfação e a produtividade dos trabalhadores (MORIN, 2001, 2003).
Em contrapartida, quando o homem resume sua vida exclusivamente ao
trabalho, esta frequentemente se converte num esforço penoso, alienante,
aprisionando os indivíduos de modo unilateral. É necessário reconhecer o trabalho
como elemento de emancipação do trabalhador, seja economicamente, seja
socialmente, e recusar o trabalho que explora, aliena e aprisiona emocionalmente.
Essa dimensão dupla e dialética existente no trabalho é central quando se pretende
estudar o trabalho humano (ANTUNES, 2005:13).
Portanto, nesse estudo o tema trabalho ultrapassou a objetividade no
sentido de trabalho produtivo e de mais valia, conceito visto na sociedade salarial
industrial e na visão marxista. E trouxe a idéia de trabalho apresentada pelos
autorizadores nas entrevistas, entrelaçada a uma visão holística e humanista dos
teóricos, e a compreensão que os trabalhadores são pessoas e não recursos e
possuem uma visão de seu trabalho, que algumas vezes são lineares e outras
conflitantes, ocasionando dilemas que interferem em suas atividades laborais e em
sua vida pessoal.
17
2 OBJETIVOS
Geral:
Investigar a visão do trabalho, por parte de 4 autorizadores de um plano
privado de saúde, localizado em Fortaleza no Ceará.
Específicos:
Identificar se sentido significativo do trabalho relacionando-o a
variedade, identidade e significação das tarefas.
Averiguar se autonomia (responsabilidade pessoal no trabalho) e
feedback (conhecimento dos resultados do trabalho).
Verificar os contatos (relações interpessoais no trabalho) e a percepção
de utilidade ou contribuição à sociedade do trabalho por ele executado.
Para melhor visualização dos objetivos propostos foi criado um quadro
(apêndice D), onde se encontram as perguntas e a relação com os conteúdos dos
autores que sustentaram o embasamento teórico da pesquisa. Esse quadro também
serviu de suporte para criação das perguntas norteadoras das entrevistadas
realizadas (apêndice C).
Com esta análise não se tem a pretensão de generalizar a visão sobre
trabalho na ótica dos profissionais de planos privados de saúde, nem de se esgotar
o tema, porém, espera-se contribuir com uma reflexão sobre o trabalho e suas
implicações referentes à subjetividade humana. Assim como também, iniciar uma
discussão sobre a relação entre a visão do trabalhador, a saúde mental no trabalho
e suas conseqüências nas organizações.
18
Visando alcançar os objetivos propostos e responder ao problema da
pesquisa, estruturamos esta dissertação em cinco partes.
A primeira parte foi subdividida em dois tópicos: o primeiro tópico trouxe a
fundamentação teórica e o segundo pico, a contextualização dos sujeitos
pesquisados. A fundamentação teórica analisa o fenômeno do trabalho discorrendo
sobre sua etimologia, filosofia, história das concepções e apresenta as idéias de
Morin (2001, 2003), o modelo de Hackman e Oldham (1976) concluindo com o tema
saúde mental no trabalho e suas repercussões, tendo como base as idéias de Codo
(1993, 2002).
O segundo tópico contextualizou os planos de saúde no Brasil e os
autorizadores, dentro do ambiente organizacional, caracterizando seus espaços
físicos, rotinas e atividades de trabalho.
A segunda parte apresentou os aspectos metodológicos da pesquisa: a
seleção e a classificação da pesquisa, o encadeamento das etapas da investigação,
o critério para seleção dos sujeitos para aplicação do instrumento, a coleta de dados
e o procedimento para análise dos dados.
A terceira parte trouxe a análise e a discussão dos resultados,
estabelecendo as relações pertinentes com a fundamentação teórica, a conclusão e
as considerações finais da dissertação, juntamente com as recomendações sobre
aspectos que possam dar prosseguimentos a futuros estudos.
19
3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 O TRABALHO
3.1.1 Sentido etimológico e filosófico
Se me perguntares como é a gente daqui, responder-te-ei: como em toda
parte. A espécie humana é de uma desoladora uniformidade; a sua maioria
trabalha durante a maior do tempo para ganhar a vida, e, se algumas horas
lhe ficam, horas tão preciosas, são-lhe de tal forma pesadas que busca
todos os meios para as ver passar. Triste destino o da Humanidade!
(Goethe).
Desde o mundo antigo, o trabalho tem sido representado por uma série
de significados e, dependendo de como seja analisado, assume diversas
expressões: vida e degradação, criação e infelicidade, atividade vital e escravidão,
felicidade social e servidão. Ora se cultua o seu lado positivo, ora acentua-se o traço
negativo.
Os significados e sentidos representados se diferenciam em função de
fatores particulares, de quem o analisa, ou específicos relacionados à cultura, a
moral, ao social, ao econômico ou pela combinação de dois ou mais aspectos
(FOSSÁ E FIGHERA, 2004).
A palavra trabalho vem do latim tripalium, termo utilizado para designar
instrumento de tortura, ou mais precisamente, “instrumento feito de três paus
aguçados, algumas vezes ainda munidos de pontas de ferro”, utilizados por
agricultores para bater o trigo e as espigas de milho. (ALBORNOZ, 2002)
Por muito tempo, o significado de trabalho foi associado a fardo e
sacrifício. Na Grécia Antiga, o trabalho era menosprezado por cidadãos livres. Platão
(1975) considerava o exercício das profissões vil e degradante. Nos primeiros
tempos do cristianismo, o trabalho era visto como tarefa penosa e humilhante, como
punição para o pecado. Ao ser expulso do paraíso, Adão teve como condenação
trabalhar para ganhar o pão de cada dia.
20
O trabalho, como punição, pode ser observado na mitologia grega através
da análise de dois mitos: o de Prometeu e o de Sisífo. No primeiro caso, Prometeu
rouba o fogo dos deuses (símbolo do espírito), para oferecê-lo à humanidade, e tem
como punição, ser acorrentado a um rochedo e ter seu fígado devorado por uma
águia durante o dia e reconstituído durante a noite. Além desta punição contínua,
imposta a Prometeu, Zeus pune a humanidade através da caixa aberta por Pandora.
Esta caixa continha os males da humanidade e o trabalho nela incluído
(CHEVALIER & GHEERBRANT, 1992).
No mito de Prometeu e Pandora, a punição do trabalho é apresentada
sob a ótica de uma punição reformativa, cujo propósito era restaurar a dignidade do
indivíduo através de seus esforços. Bittar (1997) explica através de Voutyras (1980),
a interpretação deste mito como um profundo respeito pelo trabalho, apesar de sua
condição de dor e sofrimento.
Outro mito que retrata o trabalho é apresentado por Sísifo. Este era o
sábio rei, que encontrava solução para todos os problemas, e cujo crime foi ter
delatado Zeus a Asopo, como raptor de sua filha Egina. Devido a isto, foi condenado
a empurrar uma enorme rocha, até o alto de uma colina, de onde esta rolaria em um
processo contínuo. O aspecto de perpetuidade, deste esforço inútil, representa a
expiação do pecado, através da pena de trabalho desprovido de sentido próprio
(BRANDÃO, 1992).
Os romanos, menos preocupados com os aspectos filosóficos que os
gregos, resumiam o trabalho de forma extremamente simplificada: o trabalho físico
era inferior ao intelectual e o trabalho contratado e pago era desprezível.
De acordo com MOW (Meaning of Work, 1987), as diferentes abordagens,
em relação ao conteúdo do trabalho podem ser apresentadas em duas grandes
linhas: as linhas ocidentais (especialmente judaico-cristãs) e as linhas orientais.
As teorias ocidentais, de forma geral, vêem o ato de trabalhar como uma
punição, como um dever e/ou obrigação perante Deus ou a humanidade ou como
um processo de dominação de homens e mulheres contra a natureza.
21
Na religião cristã, podem ser identificados três aspectos em relação ao
trabalho. O primeiro deles é a apresentação do trabalho como forma de punição do
homem devido o pecado original. O segundo, é a visão do homem como processo
de dominação do homem sobre a natureza. O terceiro, é seu caráter de redenção,
onde o homem é fadado a trabalhar para viver, mas é através deste mesmo
trabalho, que ele se redime.
A característica de dever ou obrigação perante Deus e à humanidade, da
visão ocidental de trabalho, é fortemente representada na religião protestante. Pois
embora ela mantenha característica punitiva do trabalho, desenvolve e enaltece o
trabalho como obrigação ou dever, mas ressalta o valor de contribuir à criação de
Deus. Esses são os valores da ética protestante e da teoria weberiana (MOW, 1987;
WEBER, 1971).
Weber (1971), com sua ética positiva do trabalho, reconferiu ao ofício o
caminho para a salvação, celestial e terreno, fim mesmo da vida. Selava-se, então,
sob o comando do mundo da mercadoria e do dinheiro, a prevalência do negócio
(negar o ócio) que veio sepultar o império do repouso, da folga e da preguiça.
(ANTUNES, 2005)
A abordagem oriental, em relação ao trabalho, possui valores
completamente diferentes da ocidental. A ênfase é colocada sobre o ato de trabalhar
e não na relação de dominação da natureza ou de cumprimento de uma obrigação
social. Segundo MOW (Meaning of Work, 1987), a tradição islâmica, por exemplo,
apresenta o trabalho como uma atividade humana importante para tornar o homem
querido e aceito por Deus, o que não deixa de ser uma obrigação social revestida de
caráter religioso.
O trabalho apresenta-se de forma diferenciada e contraditória, conforme o
contexto, a cultura, a religião ou a filosofia, onde este cria, mas também subordina,
humaniza ou degrada, emancipa ou aliena, propiciar prazer ou sofrimento. Pode-se
dizer, portanto, que o desafio é dar sentido ao trabalho ou perceber quais sentidos
ele representa, conforme as condições existentes, mas, o desafio primário é dar
sentido ao trabalho, tornando também a vida fora dele, dotada de sentido (idem,
2005).
22
Antunes em sua obra, A dialética do trabalho (2004), cita que o trabalho
pertence exclusivamente ao homem, e compara o trabalho humano ao de uma
abelha, onde por mais que ela realize uma arquitetura indescritível na construção de
seus favos de mel, somente o homem tem a possibilidade de antes de construir,
arquitetá-lo mentalmente.
Se o trabalho humano precede de um planejamento mental, de uma
intencionalidade em fazê-lo, por outro lado, também possibilita o desenvolver de
habilidades, beneficiando assim não a mente, com a ampliação dos horizontes,
mas todo o corpo servido por ela. Antunes (2005) relata o desenvolvimento das
mãos do homem como decorrência do trabalho e enfatiza a linguagem, como uma
habilidade decorrente da necessidade do trabalho em grupo.
A comparação com os animais mostra que essa explicação da origem da
linguagem a partir do trabalho e pelo trabalho é a única acertada. (idem, 2005)
Primeiro o trabalho e, depois dele e com ele, a palavra articulada. Foram
os dois estímulos principais sob cuja influência o cérebro do macaco foi se
transformando gradualmente em cérebro humano e em decorrência, os órgãos dos
sentidos.
Graças à cooperação da mão, dos órgãos da linguagem e do cérebro,
não em cada indivíduo, mas também na sociedade, os homens foram
aprendendo a executar operações cada vez mais complexas, a se propor e alcançar
objetivos cada vez mais elevados. O trabalho se diversificava e se aperfeiçoava de
geração em geração, estendendo–se cada vez a novas atividades.
À caça e à pesca veio juntar-se a agricultura e, mais tarde, a fiação e a
tecelagem, a elaboração de metais, a olaria e a navegação. Ao lado do comércio e
dos ofícios apareceram, finalmente, as artes e as ciências; das tribos saíram às
nações e os Estados. Apareceram o direito e a política e, com eles, o reflexo
fantástico das criações do cérebro humano. Frente a todas elas, que se
manifestavam em primeiro lugar como produtos do cérebro e pareciam dominar as
sociedades humanas, as produções mais modestas, frutos do trabalho da mão,
ficaram relegados a segundo plano, tanto mais quanto numa fase muito recuada do
23
desenvolvimento da sociedade, a cabeça que planejava o trabalho era capaz de
obrigar mãos alheias a realizar o trabalho projetado por ela. O rápido progresso da
civilização foi atribuído exclusivamente à cabeça, ao desenvolvimento e à atividade
do cérebro.
Distinguem-se dois componentes do trabalho: o pensar e o produzir. O
primeiro, o pensar, coloca a finalidade e concebe os meios para realizá-la. O
segundo, o produzir, realiza a concreção do fim pretendido. (idem, 2005).
o que podem fazer os animais é utilizar a natureza e modificá-la pelo
mero fato de sua presença nela. O homem ao contrário, modifica a natureza e a
obriga a servir-lhe, domina-a. E aí está, em última análise, a diferença ente o homem
e os demais animais, diferença que, mais uma vez, resulta do trabalho.
Outra diferença é que no trabalho, o homem tem a possibilidade de
interrompê-lo no momento em que decidisse, pois não estaria vinculado aos seus
instintos, mas a sua liberdade de ação.
Contudo, o trabalho humaniza, pois é através deste que o homem
começa a perceber a necessidade do agrupamento para melhor desenvolvimento do
trabalho e iniciam-se as relações: das atividades manuais e criação de instrumentos
à criação de associações e sindicatos, surgindo então, a concepção de trabalho
social e divisão social do trabalho.
Entretanto, as posições secundárias, que supõem a interação subjetiva
entre seres sociais, como práxis interativa e intersubjetiva, poderão ocorrer e
almejarem patamares mais complexos, após as necessidades básicas de
sobrevivência terem sido satisfeitas, através do trabalho, posição primária.
Os estudos de autores clássicos sobre teorias motivacionais, como
Maslow (1954) e Herzeberg (1968), abordam este pensamento de fragmentação
entre as necessidades básicas a necessidades mais secundárias ou subjetivas de
auto-estima, auto-pertencimento e reconhecimento, mas não uma delimitação
estanque entre as necessidades humanas primárias e secundárias e o trabalho, pois
da mesma forma que há uma modificação da natureza pelo homem no ato de
24
trabalhar, também uma modificação intersubjetiva entre o homem e o trabalho.
Portanto, pode-se dizer que o homem realiza e dialogicamente se recria como
homem no trabalho, assim como recria a natureza, a percepção e o sentido de
trabalho continuamente.
Porém, não podemos deixar de citar que o homem, no trabalho ou ao
dominar e transformar a natureza, irá ter repercussões positivas e negativas e que
esta terá reações, pois a natureza adota sua vingança as primeiras conseqüências
dessas vitórias são as previstas por nós, mas em segundo e em terceiro lugar,
aparecem conseqüências muito diversas, totalmente imprevistas e que, com
freqüência, anulam as primeiras (ANTUNES, 2005).
Estas reações estão na própria natureza humana. No trabalhador, através
dos elementos subjetivos que o trabalho repercute em sua ação diária, de alterar a
natureza ou o meio em que trabalha e através de seu produto ou nas relações, por
ele vivenciadas, pois o trabalho propicia ao trabalhador uma auto-transformação,
positiva ou negativa, e um despertar de possibilidades.
3.1.2 Evolução das concepções
Sem trabalho, a vida apodrece; mas quando o trabalho não tem alma, a vida
míngua e morre. Albert Camus.
O conceito de trabalho, ao longo do tempo, foi se modificando de acordo
com o contexto histórico e social.
Da época antiga até a contemporaneidade, a concepção de trabalho
mudou, assim como a concepção e o sentido a ele atribuído. no final do século
XX, com a predominância do pensamento econômico, ampliou-se a influência das
organizações na sociedade e na vida dos indivíduos, fazendo com que estes
manifestassem diferentes concepções sobre o trabalho (CHANLAT, 1996).
25
A concepção clássica de trabalho nasce nas sociedades antigas (Grega e
Romana), onde o trabalho era tido como aquilo que tortura, relacionado somente às
necessidades básicas e não definia a liberdade, nem a grandeza do homem; um
trabalho que não valorizava nem a tarefa, nem o indivíduo (ENRIQUEZ, 1996).
Porém, mesmo nesta época, as organizações existiam e o trabalho
possuía conotação de dominação de um grupo de privilegiados impondo sua
vontade sobre os outros. Observa-se este exemplo nas organizações como o
império que desenvolveu a construção da Grande Pirâmide em Gisé. Estima-se que
a construção envolveu cerca de dez mil trabalhadores por um período de
aproximadamente 20 anos.
Este exemplo foi apresentado como uma metáfora da exploração
humana, simbolizando como as vidas e o trabalho pesado de pessoas foi usado
para servir e glorificar uns poucos privilegiados. Na visão de alguns teóricos
organizacionais, esta combinação de realização e exploração é uma característica
marcante das organizações através do tempo (MORGAN, 1996).
Na era industrial o trabalho passa a ser assalariado formalmente e a ser
percebido, além do esforço físico como esforço também intelectual, e direcionado
para algum fim. Nessa citação não há um questionamento se a remuneração é digna
ou não para o trabalhador, porém releva-se o fato de que o trabalho surge
formalmente e inicia-se à criação dos sindicatos.
Entretanto, o trabalhador ainda é usurpado economicamente e utilizado
como recurso, como ferramenta para a produção: os empregados deixam de servir
aos reis e passam a servir aos patrões. Contudo, a concepção de trabalho continua
a mesma: a luta pela sobrevivência. Famílias inteiras que realizavam suas atividades
em domicílio são contratadas para servir aos proprietários das indústrias e o trabalho
passa a ser realizado dentro de uma carga horária de doze a dezesseis horas, com
a utilização de crianças e mulheres.
Esta fase apresenta-se como à luta pela sobrevivência: “viver para o
operário, é não morrer (DEJOURS, 1992). Os períodos de desemprego põem
imediatamente em perigo a sobrevivência da família. O trabalho assalariado então
26
passa a ser irreversível, pois o trabalho passa a ser mercadoria vendida ou
comprada.
Com o aparecimento das fábricas e do pensamento taylorista, o tempo e
a execução do trabalho passam a ser racionalizados na busca do aumento da
produção e do lucro. Surgem então, a figura do supervisor, a robotização e
domesticação do corpo, para adequá-lo ao tempo das máquinas e da direção das
esteiras. Essas marcam através da velocidade a produção, os movimentos dos
corpos, o tempo de descanso e as relações entre os operários. O corpo aparece
durante este período da história como primeira vítima do trabalho industrial
(DEJOURS, 1992: 21).
O tempo gasto na produção, a supervisão com foco nas metas e a
preocupação com a saúde do trabalhador (este visto como ferramenta do trabalho),
tornam-se prioridades da organização, pois representam à possibilidade do lucro. O
trabalho passa a ser visto como controlador da ordem social e o trabalhador, dentro
de uma categoria social de assalariado e especializado, em uma atividade.
Nesta concepção moderna, o trabalho era compreendido como atividade
em que a humanidade estava envolvida por seu destino e natureza, e não por
escolha, sendo definido como esforço coletivo de que cada membro da espécie
humana tinha que participar (ENRIQUEZ,1996).
Da teoria da administração científica de Taylor (1911), onde trabalho
significava salário, às teorias das relações humanas de Elton Mayo (1880-1949), é
que houve uma ampliação do homem como ser social, com uma abordagem mais
complexa, enfocando os aspectos psico-sócio-culturais.
Mayo (1880-1949) apresenta o experimento de Hawthorne (1927-1932) e
nesse estudo, ao comparar a produção as variáveis dos fatores ambientais e
comportamentais, abre o leque para questões como: conflitos, cooperação,
liderança, comunicação, relações, recompensas, sanções, motivação logo a
função social do trabalho. Surge então, uma nova visão na concepção de trabalho e
trabalhador. O trabalho começa a ser visto não mais como um mero elemento
econômico, eliminador da miséria, mas como elemento de integração social e de
27
satisfação individual.
Entretanto, o trabalho organizado foi solapado na década de 70 com a
recessão da economia européia e junto veio o enfraquecimento do movimento
fordista, da produção em massa e da desestabilidade dos lucros e do monopólio.
Como conseqüência então, veio à busca de flexibilizar os processos de trabalho
segundo a necessidade do mercado, dos produtos e do consumo. Isto envolveu a
criação de novos setores na economia (inclusive do setor de serviços), além da
busca em adotar uma nova relação entre empregados e patrões, que ocorreram
altos níveis de desemprego e retrocesso da ação sindical.
Surge o toyotismo ou o modelo japonês trazendo um impacto na agilidade
e lucratividade na produção de mercadorias. O toyotismo traz uma intensificação da
exploração da mão de obra, onde o trabalhador passa a operar várias máquinas
simultaneamente, no melhor tempo possível (just in time), gerando um aumento na
produção, sem que necessariamente se aumente o contingente de trabalhadores.
Além disso, surgem novos elementos como: o sindicato da empresa, o emprego
vitalício, a eliminação de desperdício, a terceirização, a horizontalização da
produção ou o trabalho em equipe, a subcontratação e o controle de qualidade total.
Inicialmente, a impressão é que com o toyotismo desapareceria o trabalho
repetitivo e desmotivamente, que o trabalhador passa a realizar mais de uma
tarefa ao mesmo tempo, deixando de realizar um trabalho fragmentado e alienante
do fordismo. Entretanto, o toyotismo com sua visão de Família Toyota, de emprego
vitalício e de sindicato-empresa, traz uma visão manipuladora e mascara a realidade
das organizações japonesas, com sobrecarga de horas, subcontratação de
operários e salários indignos. Porém, as repercussões do toyotismo trouxeram
resultados imediatos no mundo do trabalho oriental, trazendo para o Ocidente, uma
possibilidade de transferir tais idéias para suas empresas e logo, superar a crise
capitalista então existente.
As idéias do toyotismo espalharam em vários países e se tornou
processos diferenciados, conforme os países que a implantaram, alterando
conseqüentemente a concepção do trabalho por parte dos trabalhadores que
viveram tais mutações. As mudanças do trabalho e as novas formas de organizá-lo
28
não escondem o fato de que as organizações continuam a tratar o ser humano como
“custo” ou como “recurso” para a perseguição do lucro.
As últimas pesquisas mundiais sobre a concepção de trabalho foram
realizadas pelo grupo MOW (Meaning of Work, 1987) em oito países (Bélgica,
Inglaterra, Alemanha, Israel, Japão, Holanda, Estados Unidos e ex-Iugoslávia). Onde
a maioria das pessoas demonstrou que mesmo que tivessem condições para viver o
resto da vida confortavelmente, continuariam a trabalhar, pois o trabalho além da
conotação econômica do sustento, também tem o sentido social, de integração
grupal e utilidade para a sociedade, trazendo o reconhecimento perante seu grupo.
Em toda a pesquisa e padrões de trabalho, o salário apresenta-se como elemento
importante, levando a crer que existem poucas diferenças ou desconhecimento entre
os pesquisados em relação a emprego e trabalho. O termo emprego aqui se refere à
troca da realização de uma tarefa por uma remuneração, ao sentido de mais valia,
ao sentido de trabalho estritamente a retorno econômico.
Morin (2001) apresenta as diferentes definições de trabalho através da
pesquisa do Grupo MOW (Meaning of Work, 1987) com 14.700 indivíduos onde o
categorizados seis padrões de definições de trabalho:
Padrão A: o trabalho é algo que acrescenta valor a qualquer
coisa;
Padrão B: um sentimento de vinculação ao realizar o
trabalho;
Padrão C: outros se beneficiam com este trabalho;
Padrão D: alguém determina o que fazer, não é agradável;
Padrão E: o trabalho é mental e fisicamente exigente;
Padrão F: o trabalho tem um horário determinado para sua
realização; faz parte das tarefas do indivíduo; e, se recebe
alguma compensação financeira para fazê-lo.
29
Os seis padrões podem ser relacionados com a evolução e as
concepções históricas e conceituais desenvolvidas por autores no estudo de
trabalho.
O padrão A traz uma concepção positiva de trabalho, que pode ser
comparada à visão marxista de humanizar o valor das coisas, que são
desenvolvidas pelo homem.
Os padrões B e C também trazem uma visão positiva de trabalho e pode
ser relacionado à visão de Luckács (idem, 2001): o trabalho pode ser visto como um
fenômeno originário, como modelo, protoforma do ser social. No padrão B a
necessidade do indivíduo pertencer a um grupo, se identificar como elemento da
sociedade, do coletivo, centralizado o trabalho em seu existir.
Dejours (1992) apresenta em sua teoria as estratégias defensivas para
que o trabalhador possa continuar a existir neste coletivo e o extremo sofrimento em
que muitas vezes este se submete para não sair de seu trabalho, tamanha a
dependência ou necessidade de pertencimento.
o padrão C define o trabalho como uma atividade que beneficia
alguém, que contribui para a sociedade, porém também é gerador de valor
agregado.
Os padrões D e E trazem na visão de trabalho uma conotação negativa e
de baixo sentido e centralidade em suas vidas, apresentando mais uma visão de
obrigação, observada na visão clássica de trabalho.
O padrão F traz uma visão neutra, apresentando-o como emprego, onde
o que se produz tem tempo certo e retorno financeiro, ou seja, espera-se obter os
rendimentos necessários pelo que se realizou.
Na pesquisa além da categorização apresentada, houve também
conclusões como:
a função econômica é valorizada por todos,
30
os idosos valorizam mais o trabalho do que o emprego (retorno
financeiro),
o significado e o sentido do trabalho podem ser influenciados pela
educação e socialização do indivíduo, podendo ao longo da vida e
do contexto serem alterados, e o
sentido atribuído ao trabalho pelos indivíduos podem, em
contrapartida, alterar as organizações e a sociedade.
Ou seja, uma relação dialógica, no sentido relacional, entre trabalho e
indivíduo, onde um altera e é alterado pelo outro, num constante devir, numa
constante alteridade ou reconhecimento do trabalho em relação ao existir do
humano (BUBER, 1983).
3.1.3 As idéias de Hackman e Oldham
O modelo de Hackman e Oldham (1977, apud RODRIGUES, 2000) surge
da influência de estudos sobre as características da tarefa, iniciado por Turner &
Lawrence e aperfeiçoado por Hackman & Lawler (1971). O modelo embasa também
estudos relacionados à qualidade de vida no trabalho ou ao sentido e a percepção
deste por trabalhadores (FERNANDES, 1996; MORAES et all, 2000; MORIN, 2001;
COUTO & MORAES, 2004).
Hackman e Oldham (1975) concluíram em seus estudos que a
“positividade pessoal e o resultado do trabalho (alta motivação interna, alta
satisfação no trabalho, alta qualidade no desempenho e baixo absenteísmo e
rotatividade)” são obtidos quando os três estados psicológicos (Significação
Percebida-SR; Responsabilidade Percebida-RP; Conhecimento dos Resultados do
Trabalho-CR) estão presentes num determinado trabalho e apresentam resultado
positivo.
31
Para melhor compreensão segue a definição dos três estados
psicológicos citados:
1. Significação Percebida refere-se ao nível de importância percebida
pelo trabalhador em relação ao seu trabalho, a percepção na qual o
trabalhador experimenta a tarefa de forma significativa e valiosa;
2. Responsabilidade Percebida em relação aos resultados do trabalho
refere-se ao grau através do qual o individuo se sente pessoalmente
responsável pelos resultados da tarefa que executa;
3. Conhecimento dos Resultados do Trabalho é como o trabalhador
conhece e entende a forma como ele desempenha efetivamente a sua
tarefa, sobre a percepção que o trabalhador tem sobre a utilidade de seu
trabalho.
Os três estados psicológicos teriam um impacto importante na motivação
e na satisfação do trabalhador, o que alteraria a percepção e seu bem-estar no
trabalho (MORIN, 2001).
Segundo Rodrigues (2000) os três estados psicológicos que geram
conseqüências e atitudes sobre os comportamentos dos trabalhadores, baseiam-se
sobre cinco dimensões básicas do trabalho:
1. Variedade de Habilidade - VH
2. Identidade da Tarefa - IT
3. Significado da tarefa – ST
4. Autonomia – AT
5. Feedback – FB
As três primeiras dimensões, variedade de habilidade, identidade da
tarefa e significação da tarefa, contribuem para uma significação do trabalho para o
trabalhador. A quarta dimensão, autonomia, o leva a assumir a responsabilidade em
32
suas atividades. E a quinta dimensão, feedback, refere-se ao conhecimento dos
resultados de seu trabalho, possibilitando-o a constantes mudanças e crescimento
profissional.
Segundo Morin (2001) as três primeiras características contribuem para
dar sentido ao trabalho, entretanto a percepção favorável amplia-se com a
positividade das cinco dimensões, além do bom relacionamento ou contato, que será
explicitado. Para maior esclarecimento segue as definições sobre as características:
1. A variedade das tarefas: a disposição de um trabalho requerer uma
multiplicidade de tarefas que exijam uma variedade de competências.
2. A identidade do trabalho: a possibilidade de um trabalho executado
permitir a realização de uma atividade completa, com um resultado
visível ou identificável.
3. O significado do trabalho: o impacto significativo do trabalho sobre as
vidas ou trabalhos de outras pessoas, seja na sua organização, seja no
ambiente social.
4. A autonomia, ou seja, a disponibilidade que um trabalho proporciona
de liberdade e de independência para que o trabalhador possa
organizá-lo e executá-lo da forma que planejou, favorecendo ao
trabalhador um sentimento de responsabilidade, pois os objetivos e
tarefas de seu trabalho foram fixados e planejados por ele próprio.
5. O feedback é dividido em duas categorias: o feedback extrínseco e o
feedback intrínseco. Ambos significam o retorno das informações
fornecidas ao trabalhador, quando na execução e capacidade de
desempenhar as tarefas. No extrínseco, as informações se apresentam
através de seus superiores, colegas ou clientes e no intrínseco, na
própria tarefa ou atividade executada. Ambos permitem ao trabalhador
33
reavaliação e adequação para que alcance melhor desempenho nas
atividades posteriores.
34
Para efeito de melhor ilustração da explicação anterior, observar figura
abaixo:
FIGURA 1 - Agrupamento das Dimensões Básicas da Tarefa
Fonte: Hackman e Oldham (1975: 59 apud RODRIGUES, 2000:121)
35
Uma sexta dimensão, denominada Contato, foi incorporada ao modelo de
Hackman e Oldham, após ser identificada por Hackman & Lawler, e refere-se às
características interpessoais do trabalhador. O Contato apresenta o caráter subjetivo
das relações nas organizações e de como os trabalhadores lidam com os membros
de sua organização e com seus clientes, na realização de seu trabalho.
O contato será de grande relevância ao estudo presente, por possibilitar a
abertura do autorizador se desvelar nas relações entre seus colegas, sejam
superiores ou pares, seja nas relações vivenciadas com os clientes.
O modelo engloba ainda um último grupo de variáveis, que diz respeito às
reações afetivas pessoais ou sentimentais que uma pessoa obtém ao desempenhar
seu trabalho:
1. Satisfação Geral, o bem-estar em relação ao seu trabalho;
2. Motivação no Trabalho, diz respeito aos sentimentos positivos ou
negativos e suas repercussões relacionando ao trabalho;
3. Satisfações Específicas, o bem-estar do trabalhador em relação à
gestão, segurança no trabalho, remuneração, ao ambiente social e
crescimento profissional.
Acrescenta-se a esta variável a Necessidade Individual de Crescimento,
que está relacionado à necessidade de crescimento individual de cada pessoa. O
modelo de Hackman e Oldham (1976) foi operacionalizado através do instrumento
para levantamento de diagnóstico do trabalho denominado “Job Diagnostic Survey”
(1970), utilizado até hoje em pesquisas relacionadas ao comportamento
organizacional.
36
Utilizaremos nesse trabalho somente o embasamento teórico para servir
de suporte as análises das entrevistas. Para efeito de melhor entendimento sobre o
fenômeno do trabalho, na visão dos autores, será ilustrado sinteticamente o modelo
completo na figura 2 a seguir:
FIGURA 2 - Modelo completo de Hackman e Oldham
Fonte: Morin (2001: 11)
37
Este quadro apresentado por Morin (2001) traz o modelo completo de
Hackman e Oldham, relacionando na primeira coluna as características do emprego
ou do trabalho (o modelo não diferencia nesse quadro trabalho de emprego) que irão
conduzir aos três estados psicológicos do trabalhador. Esses por sua vez irão
repercutir nas conseqüências e nos resultados ou atitudes do trabalhador. Observe
que o pequeno quadro ao final (força da necessidade de crescimento) engloba o
quadro inteiro, demonstrando que as variáveis individuais interagem e influenciam
em todas as outras variáveis.
3.1.4 Saúde Mental e Trabalho
O importante não é o que a sociedade faz com o homem, mas o que o
homem faz com que a sociedade fez com ele (SARTRE).
As vivências do trabalho, por parte do ser humano, podem ser
estruturantes ou desestruturantes para seu psiquismo. O drama dos trabalhadores
diante dessas vivências subjetivas, e a utilização de estratégias defensivas,
mecanismos de defesa e ajustes criativos para a preservação de sua saúde mental,
têm levado vários autores a se focarem em um estudo mais específico das relações
humanas nas organizações: a saúde mental no trabalho. Alguns autores denominam
tal estudo como ergonomia, psicodinâmica do trabalho ou qualidade de vida do
trabalho, entretanto todos culminam para um mesmo foco: o trabalhador e seu bem-
estar nas organizações.
Na verdade, a questão do sofrimento no trabalho e as relações entre
subjetividade e trabalho sempre foram negligenciadas pelas organizações sociais,
pois o desemprego ou o subemprego apresentavam-se como figuras maiores.
Entretanto é perceptível como alguns trabalhadores sofrem no ambiente de trabalho
e dentre eles, como alguns conseguem se manter íntegros e driblar as dificuldades
encontradas, e outros se descompensam seja fisicamente, seja psiquicamente.
38
O trabalho pode ser analisado em duas esferas: uma objetiva e outra
subjetiva. A esfera objetiva é a transformação do trabalho em produto, a
transformação física ou primária para atender suas necessidades. Mas quando o
homem realiza esta ação ele lhe atribui um significado. A significação atribuída é o
que caracteriza o subjetivo no homem, pois abre a possibilidade para que ele possa
investir o produto de seu trabalho de energia afetiva (CODO e VASQUES-
MENEZES, 2002).
Portanto, toda ação humana é potencialmente geradora de significados e
traz em si significados sobre ele próprio. Compreendê-los, significa compreender
toda a história de sua existência e até transcendê-la, contemplando a história de
seus antepassados e de sua cultura (ANTUNES, 2005,2006).
Assim, “cada ação humana carrega em si toda a história da Humanidade
e as possibilidades a serem re-desenhadas amanhã e é também portadora do
futuro” (CODO, 2002: 41). O simples ato de plantar uma árvore e colher seu fruto
traz toda a história do plantio da semente deste fruto até a forma de colhê-lo e servi-
lo, ou seja, os rituais existentes no trabalho, no cotidiano do trabalhador, na ação de
executar uma tarefa, trazem os significados e a subjetividade, tanto do individuo,
quanto de sua coletividade e de seus antepassados.
Cada ação, portanto, torna-se imortal, pois esta é re-vivida e re-
significada continuamente por quem a pratica. O trabalho torna o homem imortal
através de seu gesto de produzir. Um marceneiro que constrói uma cadeira se
imortaliza nela, pois sua ação o re-presenta como trabalhador e como homem. Isto
permite que o homem torne-se histórico e logo imortal, pois é de sua ação que
surgirão novos modelos de cadeiras, novas ferramentas, tecnologias e novas ações.
Espera-se que os artesãos que planeje seu trabalho mentalmente, ou
seja, com intencionalidade, tenham maior identidade com seu trabalho e com a ação
de realizá-lo. Pois nesse trabalho criado, planejado e confeccionado por ele em
todas as etapas, não fragmentação do processo, nem imposição do tempo, ritmo
e metas, a não ser que ele o faça. Portanto, uma apropriação de seu produto e
de sua força de trabalho. Sua individualidade e sua subjetividade como ser humano
encontra-se nesta ação, ele afeta e é afetado pelo seu trabalho.
39
Sob o foco do capitalismo e da industrialização através da maquinaria, o
objeto do trabalho não mais pertence ao trabalhador. A fragmentação da ão para
a produção do produto, retira o sentido do trabalho, tornando-se elemento de
alienação para o trabalhador, que não consegue se apropriar do objeto
confeccionado em seu todo.
A máquina, portanto, pelo viés do saber, introduziu um tipo de disciplina
mais sutil (...) ela contribui para fixar o trabalhador, colado ao seu lugar na
oficina. Pouco a pouco, impondo-lhe seu ritmo, ela se torna a senhora do
jogo e tende a substituir o contramestre. Com ela não é mais necessário o
olhar (PERROT, 1988:71).
O trabalhador perde o controle das etapas, do saber–fazer, pois o ritmo e
a ação passam a fazer parte das máquinas, das esteiras. O trabalhador não mais
controla, é controlado. Ele não é mais o atuante e sim o passivo, o intermediário no
processo entre as máquinas e a ação. Essa imagem é bem ilustrada através da
critica realizada no filme, Tempos Modernos, onde o personagem de Charles
Chaplin representa um operário de fábrica na época da Revolução Industrial, que
entra em sofrimento mental e descompensa psiquicamente, devido seu trabalho ser
sem sentido, fragmentado e ritmado pelas esteiras.
Perrot, em sua obra Os excluídos (1988), expõe a trajetória dos operários
franceses e suas manifestações, na luta à mecanização das indústrias:
Os tecelões opõem à mecanização, uma resistência passiva próxima da
sabotagem. Assim na Alsácia, nos anos de 1820, com a introdução dos
primeiros teares mecânicos: nenhuma violência. houve inércia. Os fios
se rompiam, as máquinas paravam sem que se pudesse saber se era por
causa dos homens ou dos instrumentos (PERROT, 1988: 41).
Portanto, se o trabalho se torna robotizado e o trabalhador realiza um
trabalho sem sentido, inicia-se por outro lado uma tensão entre o objetivo do
trabalho e o subjetivo, trazendo ao trabalhador situações conflitantes, resistências,
sentimentos negativos e o circuito da relação homem-trabalho não pode ser
40
completado de forma satisfatória.
Morgan (1996: 279), em sua obra Imagens da Organização, capítulo que
retrata a face repugnante das organizações, cita:
Seja intencionalmente ou não, as organizações frequentemente apresentam
um grande impacto negativo no mundo em que vivemos. Embora se
encoraje considerar as organizações como empresas racionais, que
perseguem objetivos que aspiram satisfazer a todos, existem muita
evidência que sugere que esta visão é mais uma ideologia do que uma
realidade. Organizações são frequentemente usadas como instrumentos de
dominação que maximizam os interesses egoístas de uma elite à custa dos
interesses dos outros.
Seus relatos afirmam que existem inúmeros exemplos no decorrer de
nossa história de dominação das organizações, em detrimento do bem-estar
humano, desde a construção das pirâmides em Gisé, da escravidão, estendendo-se
nas indústrias e fábricas na revolução industrial, onde crianças e mulheres
trabalhavam por mais de dezesseis horas diárias.
Hoje, o trabalhador, independente de sua função, depara-se com a
escravidão camuflada, que mascara em sua sutileza formas de dominação. Entre
metas, tempos estipulados e produtividade física ou mental, repercussões no
trabalhador, através das doenças laborais, geralmente físicas, por serem mais
aceitas e visíveis ao diagnóstico, ao estresse, principalmente daqueles que
trabalham com uma produção mental, cargos de gestão ou com atendimento e
cuidado ao outro.
O estar absorvido com o trabalho, com longas jornadas diárias, excesso
de carga de atividades, ritmos alucinantes e busca de resultados, tem desenvolvido
em trabalhadores principalmente, os que estão em cargo de gestão, um
desequilíbrio na relação entre homem-trabalho-lazer-família. Isso em decorrência,
compromete-os em sua saúde física e mental, ocasionando estresse e até relações
patológicas com o trabalho, dentre elas os conhecidos como workaholic.
Workaholic é definido como a pessoa que trabalha muitas horas por dia
41
ou é viciada em trabalho. Observa-se que tal forma de vivenciar o trabalho vem
sendo difundida e clarificada e que estudos relacionados a esta forma de agir.
Torna-se óbvio que atualmente se intitular como workaholic, passou a ser uma
vantagem competitiva no meio profissional, pois se focar excessivamente no
trabalho é o que as organizações esperam de seus gestores.
Existem outras patologias, não tão difundidas ainda, devido serem
contemporâneas, relacionadas ao excesso de trabalho, como a Síndrome de
Burnout e o Karoshi. O karoshi é uma nova patologia que se refere à morte súbita no
trabalho, provocada pelo ritmo e intensidade, que decorre da busca incessante do
aumento da produtividade, já visto no Japão (ANTUNES, 2006; CODO, 2002).
Burnout significa algo como perder o fogo ou a energia, ou mesmo
queimar-se para fora. É uma síndrome na qual o trabalhador perde o sentido de sua
relação com o trabalho, trazendo uma sensação de apatia e desmotivação, como se
tudo que fosse relacionado a seu fazer, não tivesse utilidade, por mais esforço que
faça. Conhecida como a síndrome dos cuidadores ou dos trabalhadores que
necessitam se envolverem afetivamente com seus clientes para que a atividade seja
realizada, geralmente esta ndrome afeta mais os cuidadores e seu estudo se
focalizou com maior intensidade em profissionais da saúde e da educação.
A síndrome de burnout tem um conceito multidimensional e apresenta três
indicadores para seu diagnóstico: a exaustão emocional, a despersonalização do
profissional, ou o endurecimento e coisificação nas relações com quem atende e a
falta de envolvimento pessoal no trabalho. Portanto, o trabalhador passa a
desenvolver uma tendência a uma evolução negativa, afetando a relação e o contato
com as pessoas envolvidas em seu processo de trabalho (CODO, 2002). O
trabalhador de tanto se envolver afetivamente com os seres que cuida, sejam os
clientes, alunos ou pacientes, acaba por se desgastar e adoecer e de tanto buscar o
êxito, desiste.
Os indicadores ou sinalizadores de tais patologias começam com queixas
de dores físicas, encefaléias, dores lombares, L.E.R. (lesões por esforços
repetitivos). Tais patologias são relatadas com maior facilidade pelo trabalhador,
pois são visíveis e aceitáveis nas organizações. O corpo é sempre foco de
42
preocupação nas empresas, pois se este não se encontrar em pleno funcionamento,
gerará baixa produção ou ausências.
O próprio fato de estar doente é vergonhoso para o trabalhador, pois
isto vem com a possibilidade de ser julgado pela organização como vadiagem.
Segundo Dejours (1992: 30) um verdadeiro consenso social que visa a condenar
o doente e a doença, onde um homem que está doente é um vagabundo.
Portanto, se a patologia adquirida pode ser vista como estratégia
defensiva, mesmo que inconsciente pelo trabalhador, também se torna elemento
agressor ao que a possui perante o meio, principalmente quando esta apresenta os
sintomas que não são clinicamente observáveis, como os relacionados à saúde
mental.
A Revista Exame (fevereiro, 2002) apresentou uma pesquisa realizada
pela Fundação Dom Cabral, onde 626 executivos brasileiros foram questionados
sobre a relação de tempo utilizada entre trabalho e vida pessoal e 66%
consideraram-se insatisfeitos, afirmando dedicar-se mais tempo do que queriam em
atividades laborais.
Anteriormente, somente o corpo era o foco de atenção e de preocupação
da organização (FOCAULT, 2006). Hoje, com o desenvolvimento do trabalho
intelectual e da necessidade do envolvimento emocional do trabalhador com os
clientes, principalmente quem trabalha com atendimento ou vendas, surge à
preocupação da organização com o bem-estar psíquico do trabalhador. Entretanto,
esse estar é realmente visto, quando começa a alterar negativamente a produção
esperada, seja nas relações com os clientes, seja na produção intelectual.
Transfere-se o alvo do corpo para o aparelho psíquico, onde as tarefas de
escritórios e gestão, juntamente com o avanço tecnológico, exigem uma velocidade
maior nas decisões, nas ações, aumentando a carga emocional e psicossensoriais,
possibilitando preocupações, estresse e impactos na saúde física e mental.
Atualmente, a compreensão de saúde traz uma apreensão do homem
como um organismo unificado, onde mente e corpo, comportamento e emoção são
43
interligados, assim como o seu estar no mundo em conjunto com as relações em
seu meio. O homem passou a ser visto como um ser bio-psico-social e sua
sobrevivência, quando estudada somente por um aspecto, se torna limitada. Na
verdade, existem estudos mais contemporâneos, que acrescentam mais um
elemento a este tripé da visão humana: a questão da espiritualidade como
transcendentalidade.
Cardoso (2002) relata baseando-se na pesquisa de Melo Filho (1997),
que de um a dois terços dos pacientes que procuram o ambulatório médico ou os
serviços de emergência sofrem de manifestações hipocondríacas, histéricas ou
somatizações, patologias consideradas psicossomáticas, ou seja, com componente
comprovadamente psicológico. Além disto, sabe-se que mesmos os trabalhadores
que sofrem de patologias físicas, apresentam também uma carga emocional, pois a
doença traz sentimentos de fragilidade afetando de alguma forma seu estar no
mundo. Conseqüentemente uma relação dialógica entre a saúde sica e a saúde
mental, onde o prejudicado sempre é quem a possui, no caso o trabalhador.
A visão do humano dicotomizada, entre organismo-ambiente, mente e
corpo, razão e emoção, vem sendo eliminada e, a teoria da Gestalt surge trazendo
uma visão de todo, onde este é maior que a soma das partes, e que em conjunto,
um novo elemento, pode reconfigurar o todo em uma nova função, alterando a visão
original. Portanto, por mais que cientistas tentem estudar cada elemento
separadamente, jamais chegarão ao todo, porque na junção haverá sempre relações
fragmentadas. Podemos ilustrar tal pensamento, se grosseiramente compararmos o
ser a um vaso que quebrou e para tê-lo de volta, colaram-se as partes, entretanto,
por mais cuidadosamente tenha sido coladas, não será o mesmo vaso e nem terá a
mesma beleza.
O estudo sobre a saúde mental do trabalhador teve início nos anos 50,
por psiquiatras franceses e adquiriu maior importância na França pós-guerra. O que
gerou foi à modernização da indústria francesa, com sua tentativa de racionalizar o
trabalho e a necessidade de uma política de higiene social nos operários que
estavam retornando das guerras e vindos dos campos rurais (DEJOURS, 1992).
O trabalho não é nunca neutro em relação à saúde, e favorece seja a
44
doença ou a saúde. De modo que o trabalho deveria aparecer na própria definição
do conceito de saúde, e particularmente no que concerne à definição do ideal do
“bem estar social”, figurando na definição da Organização Mundial de Saúde
(DEJOURS, 1992). Pois falar em saúde sem referenciar o trabalho, que o homem
realiza, é como destituí-lo de uma parte de sua vida, que este é um conteúdo
significativo de suas relações com o outro e de sua produção simbólica, frente ao
social, além de seu aspecto financeiro ou de retribuição social.
O que dificulta observar o sofrimento psíquico do sofrimento físico é que o
físico é o mais destacado. Possivelmente por ser o mais visível e o mais aceito, uma
vez que o trabalhador após ser medicado e eliminada a dor física, poderá retornar
ao trabalho, enquanto o sofrimento psíquico, não é visível, não é palpável e muitas
vezes de difícil compartilhamento, até porque as emoções foram expulsas das
organizações. (CHANLAT, 1991).
Uma das questões cruciais do trabalho reside na diferença entre
contribuição/ retribuição. A retribuição em forma de salário, de vantagens materiais,
de reconhecimento social, de reconhecimento do mérito, de reconhecimento de
identidade e de originalidade está à altura da contribuição que o sujeito dá a
sociedade, a empresa, a seus próximos, aqueles que se encontram em suas
relações sociais.
Portanto, a relação entre contribuição e retribuição está relacionada
diretamente entre o sofrimento vivido e as relações construídas, tanto do significado
social do trabalho, quanto no engajamento que o trabalhador cria no seu espaço de
trabalho gerando uma relação positiva ou negativa entre estes dois aspectos. Se o
trabalhador considerar que não uma boa relação, ente o que é contribuído e o
que se está sendo retribuído a tendência de o sofrimento vivido aumentar e os
riscos tornarem-se possível para uma evolução de uma patologia.
Outra questão crucial são as atividades que exigem maior investimento de
energia afetiva, aquelas relacionadas ao cuidado ou as que exigem afetividade e
relacionamento entre quem atende e quem é atendido. O vínculo afetivo dificilmente
é concretizado formalmente nas relações de trabalho, pois esse tende a se dissipar
frente aos fatores existentes no trabalho, que no trabalho existe a contradição
45
entre objetividade e subjetividade. Se tais fatores seja o ambiente ou as condições
do trabalho são hostis e dificulta a relação profissional, a tendência é que o
trabalhador tenha maiores conflitos causados entre a sua subjetividade e a
objetividade exigida no trabalho, e que tal situação gere um grande desconforto para
o trabalhador, possível de desencadear sofrimento psíquico (CODO, 2002).
A possibilidade mais saudável para o trabalhador é a tentativa de driblar a
situação ou modificá-la, o que gera desgaste físico e tensão, principalmente quando
não há o retorno esperado, e isso traz como conseqüência o conflito, que ao não ser
resolvido resulta em sofrimento.
O sofrimento ocasionado, continuamente, traz repercussões sobre a
postura do trabalhador frente ao seu ambiente de trabalho, as suas relações com
seus pares, a sua visão de si mesmo e do mundo, tornando-o um agressor de si
mesmo e o impossibilitando de estabelecer relações saudáveis.
3.2 Os Autorizadores no Contexto do Trabalho
Esta parte foi escrita com o objetivo de expor a dimensão do mercado
supletivo de assistência à saúde, especificamente os planos privados de saúde no
Brasil, e contextualizar o perfil e as atividades do profissional estudado nesta
pesquisa, o autorizador. Destacam-se também, alguns elementos históricos e
conceituais necessários à compreensão das características desse mercado de bens
e serviços de saúde.
3.2.1 Breve Histórico dos Planos Privados de Saúde no Brasil
O setor de saúde no Brasil pode ser dividido atualmente em privado e
público. Entretanto nem sempre foi assim, pois a história que relata a política de
46
saúde do Brasil se inicia, formalmente, com a vinda da família real, no século XIX, e
a preocupação com o controle das doenças contagiosas nos portos e tripulações. O
objetivo principal era de proteger as mercadorias e produtos exportados, para não
prejudicar o modelo econômico agro-exportador predominante da época.
Até meados do século XIX, não havia sistema público de saúde e devido
às péssimas condições de higiene e saneamento, os doentes carentes buscavam a
filantropia e as Santas Casas de Misericórdias, fundadas por religiosos, para
tratamento médico ou apelavam para ajuda de curandeiros, empíricos ou
sangradores.
Na Primeira República, ente os anos de 1889 a 1930, inicia-se o processo
de organização e implantação dos programas de saúde pública, com campanhas
sanitaristas, comandadas então por Oswaldo Cruz que dirigia o Instituto Pasteur. A
busca era pela intervenção médica para o combate das doenças coletivas e
epidemias urbanas e rurais. Com o início da industrialização, a preocupação volta-se
para os trabalhadores, pois o foco passa a ser o desenvolvimento industrial. Surgem
as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAP) que provêm os trabalhadores de
alguma assistência médica e previdência social, exclusivas a empresas que assim
se organizassem. Os CAPS (Caixas de Aposentadoria e Pensões) prestavam
socorro médico ao trabalhador, que estivesse comprovadamente empregado, e a
seus familiares, além de fornecimento de remédios subsidiados, assistência ao
acidentado no ambiente de trabalho e custeavam internações e cirurgias. Portanto
até esta época, a saúde era exclusiva dos que trabalhavam e subsidiada tanto pelo
trabalhador como pela empresa.
No período populista, no Governo de Getúlio Vargas, entre 1930 a 1945,
surgem às políticas sociais na previdência e saúde, e com o início do movimento
sindical, o governo forma uma aliança com os trabalhadores criando os Institutos de
aposentadoria e pensão que deu início ao INAMPS (Instituto Nacional de Assistência
Médica e Previdência Social) onde o Estado passa a coordená-lo, porém cabendo
ao trabalhador e a empresa custear. Desta forma, a Previdência Social reconhecia
como cidadãos aqueles com ocupações reconhecidas, os demais eram excluídos,
ou seja, os indigentes, os desempregados e os que participavam da economia
informal.
47
Ainda no Governo de Getúlio Vargas, entre 1945 a 1964, especificamente
em 1953, é criado o Ministério da Saúde que coordenava as ações campanhistas de
combate às doenças nos interiores, sendo o único financiador na liberação de
recursos financeiros, para que o setor privado pudesse construir e equipar os
hospitais.
Em 1966 criam-se o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e
logo depois surge o FAZ (Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social) favorecendo
o surgimento do empresariado da saúde: policlínicas, hospitais privados e medicinas
de grupo. Muda-se o foco da saúde para uma saúde mais especializada,
fragmentada e sofisticada, favorecendo as indústrias farmacêuticas e os
equipamentos médico-hospitalares. Iniciam-se nesta época os convênios entre o
INPS e os prestadores privados, em detrimento da rede própria.
Desde a década de 1960, era possível observar no Brasil a formação
de empresas médicas com características similares às do atual setor supletivo de
assistência à saúde, ou seja, os planos privados de saúde. Porém, até o final da
década de 1970, essas empresas possuíam uma clientela ainda pequena e
mantinham alto grau de dependência em relação ao sistema público, estando
fortemente integradas ao modelo de assistência médico-previdenciário então
vigente. No Congresso Brasileiro de Medicina de Grupo, realizado em 1978, o
centro dos debates foi o fortalecimento da parceria entre as empresas médicas e o
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Alguns
números apresentados naquele congresso são bastante ilustrativos, por exemplo:
naquele ano, dos 7,6 milhões de beneficiários das empresas de medicina de grupo,
4,8 milhões (61%) eram oriundos de convênios-empresa intermediados pelo
INAMPS (FARIAS e MELAMEN, 2003)
Esses convênios eram estabelecidos em três instituições: uma empresa
ou indústria X, a Previdência Social e a empresa médica. A empresa médica
receberia da Previdência um valor global pelo convênio (calculado com base no
número de funcionários da empresa X) passando inicialmente a ser responsável
integral pelo atendimento médico desse grupo de segurados. Em uma outra forma
de organização desses convênios, o empregador contratava e pagava diretamente
uma empresa médica, a qual ficava responsável pela assistência à saúde de seus
48
funcionários e dependentes, cabendo à Previdência o ressarcimento de uma dada
quantia ao empregador, baseada no número de funcionários da empresa (SANTOS,
2000).
No Regime Militar, entre 1974 e 1980, surge à crise do petróleo causando
a queda da aplicação das verbas públicas e apesar da criação do Ministério da
Previdência e Assistência Social, o acesso, aos serviços médicos, fica cada vez
mais difícil, tornando a atenção médica mais cara e crítica devido ao sucateamento
das emergências dos grandes hospitais, neste período o sistema previdenciário
começa a mostrar sinais de esgotamento com suas filas intermináveis e má gerência
dos recursos. Nesta época os planos de saúde privados e os seguros de saúde se
expandem, prestando a população o atendimento médico não fornecido pelo setor
público.
Até a década de 80, os planos de saúde, estavam voltados quase que
exclusivamente para os contratos coletivos, ou seja, contratos com empresas, sendo
seus beneficiários ou usuários, os trabalhadores contratados. Portanto só havia
acesso aos planos de saúde quem possuísse a posse do trabalho. A partir da
segunda metade dos anos 80, os planos de saúde começaram a comercializar
também os serviços para os clientes individuais como também para trabalhadores
que optassem em contratar seus serviços ou setores públicos. Surgem assim os
contratos individuais e os contratos família, além dos coletivos já existentes.
O estado nessa época beneficiava este setor seja através do FAZ -
Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social, que possibilitava incentivos financeiros
para implementação do setor, ou através de parcerias e convênios para utilização
paga dos serviços prestados.
Com a criação do SUS (Sistema Único de Saúde), em 1986, todos os
cidadãos passam a ter direito integral a saúde, porém a Constituição Federal em seu
artigo 196 cita que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada e que as
instituições privadas poderão participar de forma complementar, segundo diretrizes
deste, mediante convênio ou contrato. Desta forma, os planos de saúde privados
passam a ser considerados e intitulados pela legislação, como saúde suplementar e
o Sistema Único de Saúde (SUS) como complementar.
49
3.2.2 Planos de Saúde Privados: Conceituação e Contextualização
Nesse trabalho, plano de saúde privado é uma relação comercial
estabelecida entre um cliente, através de sua empresa, ou de seus recursos
financeiros, ou na comunhão de ambos, para a troca de um custo monetário em
atendimento médico, procedimentos médicos e hospitalares, conforme contrato
previamente firmado entre as partes.
É campo da saúde suplementar no Brasil, o conjunto das organizações
privadas que presta serviços de assistência à saúde para consumidores de planos
de saúde, constituindo-se como uma forma de acréscimo adicional à assistência
integral e gratuita prestada pelo Serviço Público de Saúde (SUS) como Dispõe o
artigo 196 da Constituição Federal do Brasil (SANTOS, 2000).
Na primeira metade da década de 1980, a quantidade de clientes de
planos de saúde se tornava expressiva, contabilizando 15 milhões de segurados
segundo os registros da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) e
da Federação das Unimeds (não contabilizados os clientes de planos de entidades
fechadas do tipo autogestão). naquela década as empresas de planos de saúde
consolidam-se como alternativas assistenciais para os trabalhadores especializados
da Região Sudeste (BAHIA, 2004).
Analisando sobre o lado do empregador, proporcionar assistência médica
através de planos de saúde a seus trabalhadores, favorecia a diminuição do
absenteísmo, maior controle da saúde e maior vinculação do empregado a empresa,
além de atender a uma demanda exigida nos acordos sindicais.
Atualmente, no Brasil, o setor de planos privados de assistência à saúde
envolve mais de 44 milhões de vínculos de beneficiários ou usuários, e conta com
cerca de duas mil empresas e milhares de prestadores de serviços, como clinicas,
hospitais, laboratórios e médicos credenciados, além dos cooperados, tais dados
são rigorosamente quantificados pela ANS (Agência Nacional de Saúde
50
Suplementar).
A ANS tem por finalidade institucional prover a defesa do interesse
público na assistência suplementar à saúde, regular as operadoras setoriais -
inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores - e contribuir
para o desenvolvimento das ações de saúde do país
(http://www.ans.gov.br/portal/site/aans/missao.asp).
A ANS foi criada através da Lei 9.961/2000, onde definiram sua
finalidade, estrutura, atribuições e vinculações ao Ministério da Saúde. Além de a
ANS fiscalizar a atuação das operadoras no aspecto econômico-financeiro, também
atua com relação à abragência das coberturas das patologias e dos procedimentos
previstos nos instrumentos contratuais em vigor.
A cobertura assistencial de um plano de saúde é o conjunto de direitos,
sejam tratamentos, serviços e procedimentos médicos, hospitalares e odontológicos,
adquiridos pelo beneficiário ou usuário a partir da contratação do plano, conforme
tempo de carência estabelecido em contrato.
Os planos denominados planos novos são aqueles que foram adquiridos
a partir de 1º de janeiro de 1999 e estão regidos ou regulamentados pela Lei
9.656/98 e os planos antigos ou não regulamentados, foram àqueles adquiridos
antes da vigência da Lei 9.656/1998 e não possuem cobertura para alguns
procedimentos dentre elas as próteses e órteses.
O debate sobre a regulamentação do setor e a criação da ANS e da
legislação trouxe inúmeras discussões sendo primeiramente exigido que os planos
de saúde privados regulamentassem todos os contratos vigentes, entretanto o setor
supletivo foi marcado pela dificuldade de consenso frente aos interesses
conflitantes. Podem-se identificar alguns atores importantes na década de 1990:
entidades de defesa dos consumidores (IDEC, Procon, etc.), Ministério Público,
Ministério da Saúde, Ministério da Fazenda, Poder Legislativo, entidades de
representação das empresas do setor supletivo (ABRAMGE, FENASEG,
Confederação das Unimeds do Brasil, CIEFAS, ABRASPE), entidades de
representação de médicos (Associação Médica Brasileira - AMB; Conselhos Federal
51
e Regional de Medicina) e dos hospitais (Federação Brasileira de Hospitais - FBH).
O debate gira em torno de interesses onde as operadoras de planos de saúde,
provedores e beneficiários buscavam maximizar ganhos e minimizar perdas
(FARIAS e MELAMED, 2003).
O objetivo inicial é que todos os beneficiários, obrigatoriamente,
incorporassem seu plano à nova legislação, para que as coberturas fossem
ampliadas, entretanto isto repercutiria em maior custo para o cliente, o que gerou
resistência e revogação dessa cláusula. Coube então, aos planos de saúde realizar
um programa de incentivo custo - beneficio e oferecer ao beneficiário a ampliação
das coberturas que este não possuísse, com um menor tempo possível de carência
para que ele pudesse usufruir do benefício adquirido.
Contudo, apesar da divulgação da legislação e do convite aos
beneficiários à regulamentar seus contratos, incorporando as coberturas faltantes,
setenta por cento dos beneficiários e usuários dos planos de saúde, em 2000, ainda
não possuíam seus contratos regulamentados.
(http://www.ans.gov.br/portal/site/aans/missao.asp).
A não regulamentação dos contratos impossibilita que o beneficiário ou
usuário tenha cobertura para alguns procedimentos contratuais, principalmente os
de alto custo e os especializados, gerando desgastes na relação entre o plano e o
beneficiário, além de gastos não previstos no contrato. Situação semelhante ocorre
nos planos adquiridos em menos de 24 meses, onde o beneficiário ou usuário ainda
cumpre carência e se depara com solicitações para tratamentos especializados de
doenças ou lesões pré-existentes ao contrato.
As restrições contratuais geram conflitos e repercutem em consultas e
denúncias a ANS, a órgãos de defesa do consumidor, liminares, cancelamentos de
contratos, impactando primeiramente no usuário ou beneficiário, e em quem realiza
o atendimento, seja através das autorizações ou das explicações contratuais. Os
profissionais do plano de saúde privado, responsáveis em fornecer as explicações
sobre a não cobertura do contrato para os usuários ou beneficiários, são
denominados autorizadores ou atendentes, e são os atores de linha de frente desse
processo.
52
3.2.3 Autorizadores: atores da linha de frente
Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dá, sabe lá ... (DJAVAN)
O profissional responsável em atender, pessoalmente, o beneficiário ou
usuário do plano de saúde é comumente intitulado autorizador ou atendente. Cabe a
ele o ofício de manter o primeiro contato com o usuário, que vem solicitar
autorização de procedimentos médicos, através de uma guia preenchida pelo
médico credenciado ou prestador, conhecer o contrato entre as partes, avaliar o
tempo de carência exigido para liberação, junto ao médico-auditor, e retornar com a
guia autorizada ou não, conforme contrato e período de carências cumprido. O
produto visível de seu trabalho é a guia autorizada e a decorrente satisfação do
cliente.
carência de informações escritas sobre esse profissional e sobre sua
relação com o trabalho, pois geralmente os olhos dos estudiosos nesta área, voltam-
se primeiramente para os profissionais da saúde, como os médicos e os
enfermeiros. Entretanto, os profissionais que atuam em planos de saúde privados,
que se encontram na linha de frente, são os primeiros a atender o cliente, numa
relação face a face, e nesse trabalho será denominado de autorizador. Esse trabalho
terá como objeto de estudo o autorizador, aquele que atende o cliente
pessoalmente.
Existe ainda outra categoria de profissionais, conhecida como operadores
de telemarketing, que são profissionais que atendem os clientes através do telefone.
Esses profissionais trabalham em Call Centers ou Centrais de Atendimento
Telefônico e também prestam informações e autorizam procedimentos, porém não
se encontram face a face com o cliente, devido o atendimento ser à distância
mantendo-se mais resguardados do contato com o outro.
53
Em uma primeira análise, o objetivo final do trabalho do autorizador é a
autorização correta da guia, que representa a certeza do cliente ou usuário realizar o
procedimento solicitado. Entretanto em uma análise mais aprofundada desse
trabalho, podem ser observadas as articulações subjetivas decorrentes dessa
atividade.
Primeiramente, o ambiente de trabalho é tenso, devido à própria situação
de saúde em que se encontra o cliente, que o comum é a procura pelo plano de
saúde, ser feita por pessoas em situação de saúde precária. Esta tensão vem
revestida da possibilidade do procedimento solicitado ser indeferido, o que
acarretará dificuldade no atendimento e no controle das emoções dos clientes.
Dessa forma, alguns atendimentos podem gerar situações de estresse e conflitos,
que alguns clientes podem se sentir lesados por desconhecimento dos contratos e
da legislação vigente.
O atendimento, que é o ato de atender alguém ou outro, repercute
diretamente no ato de ouvir e nessa atividade, as histórias trazem conteúdos de dor,
sofrimento, necessidades de soluções imediatas e eficazes. O ouvir o cliente e suas
queixas mobilizam sentimentos nos autorizadores o que influencia na pessoa do
profissional e em sua atitude perante o outro.
Diferente da rotina de quem atende um cliente em uma loja, restaurante
ou supermercado, no atendimento de um plano de saúde, o cliente busca o espaço
para satisfazer uma necessidade ameaçadora a sua integridade física, que com
exceção da liberação de um parto, as situações são dolorosas a quem vivência
resvalando diretamente em quem estar atendendo. Ouvir a solicitação por telefone,
através das Centrais Telefônicas, facilita, pois não se tem o olhar daquele que
solicita. Estar frente a frente com a dor do outro, percebida pela voz, pelo olhar, na
postura corporal e na pressão dos familiares que o acompanham, reforça a
subjetividade e as exigências psicológicas necessárias a esta função.
Um aspecto não focalizado e até relegado no trabalho do profissional de
saúde é o desgaste biopsicossocial desses profissionais, pois a necessidade
contínua de se adaptar às situações de pressões e sofrimento inerente a função,
pois o cotidiano de trabalho é permeado da extenuante tarefa de se relacionar e
tratar de pessoas queixosas, deprimidas e doentes (SEBASTIAN, 1998).
54
Angeramim-Camon (1998) apresenta em seu trabalho as posturas mais
comuns observadas pelos profissionais de saúde e que trazem ao longo do tempo
uma tendência a cronicidade na postura de tais profissionais, denominada
calosidade profissional, onde se observa o distanciamento crítico e o embotamento
da empatia. No caso, o autorizador será incorporado a esta categoria, pois atua
diretamente com o cliente ou o doente.
A calosidade profissional, que interfere nas relações interpessoais, entrará
como um dos elementos a ser pesquisado nesse trabalho, e será analisada através
da postura do profissional, que depois de anos de prática com o doente e a doença,
adquire uma indiferença à dor do paciente. O paciente deixa de ser visto pelo
profissional como uma pessoa e passa a ser visto com sintoma, uma
despersonalização do individuo similar ao sintoma da Síndrome de Burnout. A
possibilidade de tal postura surge como forma de enfrentar o paciente e suas dores,
sem que necessariamente o profissional também venha a sofrer. O fato de o
profissional se proteger da dor, frente a tantos atendimentos, é até justificável,
porque ele também busca defender sua identidade profissional e não apresentar
sinais de fracassos, como lágrimas ou sentimentos de pesar frente a um cliente
(ANGERAMI-CAMOM,1998).
Entretanto o ser se encontra em continua relação com o outro, e neste
momento negar a dor do outro, também o mobiliza emocionalmente, já que a
condição humana é justamente o que me possibilita ter a compreensão e a
apreensão do que o outro ou o semelhante me apresenta (BUBER, 1983).
Outra variável no trabalho do autorizador quanto às exigências físicas é o
controle do tempo de atendimento a cada usuário. Geralmente, o número de clientes
em salas de esperas é maior em relação ao número de atendentes, e com os
recursos disponíveis na tecnologia veio à facilidade em ter um controle do tempo nas
salas de atendimento, pois com a informatização, a possibilidade dos
supervisores e gerentes terem ferramentas para vigiar o tempo que o autorizador
pausa ou atende.
Assim o uso do computador favoreceu o controle rígido do tempo do
autorizador e paralelamente, a máquina como conseqüência, desfavoreceu o tempo
necessário para se desenvolver as relações interpessoais entre o autorizador e o
55
cliente. Priorizaram-se as metas de tempo de atendimento em detrimento ao vinculo
afetivo.
Além disto, existe no trabalho do autorizador a exigência de padronização
de frases e scripts, com fraseologias previamente determinadas pela empresa,
despersonalizando a comunicação entre quem atende e quem é atendido.
O objetivo não é a robotização, e sim formalizar um padrão de respostas,
para que o cliente possa ter um atendimento estrategicamente planejado e uniforme.
Porém, com o tempo de utilização do script, a tendência é a do autorizador tornar
sua fala automatizada e fixar somente nas normas da empresa, impossibilitando a
criatividade no atendimento. A tendência, nesses momentos, é o cliente falar de
dores e emoções e o autorizador, concentrar-se em contratos, leis e normas, até
porque seu tempo de atendimento está sendo monitorado e medido.
O manter distanciamento do cliente, sem envolvimento emocional, é a
possibilidade de o autorizador realizar um atendimento sem que ele se envolva
afetivamente, sem causadores de dor a si próprio.
Outra exigência física no trabalho do autorizador é o número seguido de
atendimento por hora, as pausas reduzidas para descanso, a digitação contínua
podendo ocasionar lesões por esforços repetitivos (LER), a longa jornada de
trabalho, o cansaço mental, a possibilidade de decorrentes erros nas autorizações e
as mudanças de rotinas constantes. Além das exigências físicas, também surgem as
mentais e psicológicas: tensão entre clientes, conflitos de valores entre o que a
empresa possibilita/ o que o cliente necessita e o que pode ser autorizado, o
relacionamento com os colegas e os supervisores e as metas apertadas,
desfavorecendo o estar com o cliente, além do baixo salário.
A função de autorizador ou atendente de plano de saúde geralmente é
preenchida por jovens e vista como uma alavanca para ingressarem na empresa. O
trabalho inicialmente é bem visto, pois a aprendizagem é intensa e contínua, porém
com o desenrolar do tempo, o cansaço em lidar continuamente com as situações
de tensão entre os clientes e com as metas exigidas, e onde ocorre a mudança de
postura e o embotamento em relacionar com o outro.
56
Devido o conhecimento de um autorizador ser muito específico, e levar
até três meses de treinamento, à ascensão na empresa torna-se inevitável, que
não existem cursos nessa área para formar tais profissionais, e isso possibilita o
autorizador a permanecer na função, até surgir à possibilidade de promoção. A
busca em mudar de setor vem junto à crença de trabalhar resguardado dos conflitos,
com maior segurança e com uma melhor remuneração, possibilitando-o a um
crescimento profissional e a uma atividade laboral menos tensa e a vivências mais
saudáveis.
Portanto, o trabalho do autorizador interfere em si próprio e na relação
com os usuários, sendo impossível taylorizá-lo ou retirá-lo das emoções. Pois,
devido o produto do trabalho ser uma autorização, o permeio das emoções e dos
afetos, que seja o de lidar com a dor do outro, que seja em lidar com seus próprios
conflitos, frente à impossibilidade de autorizar.
57
4 TRATAMENTO METODOLÓGICO
Esta etapa tem por objetivo discorrer sobre os caminhos metodológicos
utilizados na construção deste trabalho. Entendemos por metodologia o caminho do
pensamento, e a prática exercida na abordagem da realidade. Neste sentido, a
metodologia ocupa um lugar central no interior das teorias, e está sempre referida a
elas (MINAYO, 1999).
Entretanto não como expor a construção de uma pesquisa, a opção
por um tema pesquisado, a escolha dos sujeitos, instrumentos e procedimentos sem
antes, referir-se ao primeiro objeto da pesquisa, no caso o pesquisador. O
pesquisador é o primeiro objeto da pesquisa, e nesse trabalho se cumpre fatalmente
à confirmação do que foi escrito. Com a preocupação com o outro, principalmente
com o menos visto, ou o que tem uma carga maior de trabalho e um salário menor,
com o que não obteve possibilidade de estudos, surgiu o objeto a quem o olhar do
pesquisador se fixou: o autorizador.
Porém, este interesse não surgiu de imediato, pois a figura do cliente ou
usuário se sobressaia mais, devido o que representava sua força na empresa,
reforçado por seus gritos, suas denúncias ou a exposição de sua dor. Ao cliente
havia a possibilidade de recorrer a um superior, ao gerente ou diretor, a legislação
vigente; entretanto a figura do autorizador, no caso o trabalhador a quem o atendia,
levou um tempo para se tornar visível frente a esse fundo, e ser o elemento
privilegiado nessa pesquisa. Esse foi se delineando como figura paulatinamente, e
juntamente com o seu trabalho e as exigências inerentes a sua atividade tornou-se
uma figura vívida, que clamava a ser personificada (POLSTER, 1979).
E assim a pesquisa apresentou diferentes fases. Essa primeira fase foi a
da “paquera”, o olhar, a exploração. Nessa fase, o autorizador começou a ser
percebido, notado, pois até então era somente um fundo frente a um campo maior. A
segunda fase, comparada a um namoro”, foi à própria elaboração da pesquisa, o
que se procura conhecer; o “casamento”,que é a terceira fase, traz o cotidiano da
58
pesquisa e a “separação”, e a última fase, foi o distanciar-se do pesquisador para
escrever, é quando se pode observar qualidades e defeitos. E como colocar em
suspensão ou èpoche, utilizando a fenomenologia, para observar o todo por vários
ângulos (PINHEIRO, 2005; GOLDENBERG, 2001).
Como em muitas histórias, o aproximar-se de um objeto de estudo,
aconteceu sem um perceber consciente, pois afinal em um encontro não sabemos
quem escolheu quem: o pesquisador ou o pesquisado. E na relação, no entre, surgiu
outros conteúdos, que trouxe elementos novos no contínuo ir e vir, entre o sujeito
pesquisado e quem o pesquisou (BUBER, 1983).
No início da pesquisa, o foco de estudo do pesquisador era a motivação e
sua relação com o autorizador na execução de seu trabalho. O questionamento
partia da idéia do que o motivava a permanecer em seu trabalho e a executar suas
atividades.
Com o decorrer da pesquisa bibliográfica e a possibilidade dessa
pesquisadora se apresentar mais no trabalho, reforçado por sua Orientadora, foi
retomado juntamente com os conteúdos da Administração, os conhecimentos da
Psicologia, e possibilitado uma visão mais focada no objeto de estudo: o autorizador
e de como ele percebe o seu trabalho. Partindo daí o questionamento tornou-se
mais claro: qual a visão que o autorizador de planos privados de saúde tem de seu
trabalho?
O pressuposto primário é de que os trabalhadores pesquisados
apresentariam uma visão negativa e sem sentido de seu trabalho, com baixa
autonomia na realização das tarefas, sem feedback e com relações interpessoais
difíceis e conflituosas.
Ampliando os dois temas - o trabalhador e o trabalho - buscou-se nessa
pesquisa também relacioná-los e proporcionar como resultado uma reflexão às
organizações quanto ao bem-estar do trabalhador, favorecendo-o na melhoria na
qualidade de vida no trabalho e em decorrência em sua saúde mental, além de
possibilitar uma adequação nas estratégias de Recursos Humanos nas empresas.
59
Para embasar este questionamento, na Ciência da Administração,
utilizou-se da Teoria de Hackman e Oldham (1976) e para um embasamento maior
às perguntas nas entrevistas, buscaram-se a classificação de Morin, Tonelli e
Pliopas (2003) sobre o sentido do trabalho. Sustentando as idéias de Morin, Tonelli e
Pliopas (2003) também foi utilizado o quadro das dimensões do trabalho (anexo 1),
adaptado por Oliveira et all (2004).
Para a elaboração das perguntas norteadoras, a pesquisadora baseou-se
nos autores citados anteriormente, e confeccionou um quadro (apêndice D),
favorecendo a investigação e o aprofundamento da pesquisa.
4.1 Considerações sobre o método
Esta pesquisa pertence ao rol das ciências humanas, que diferentemente
das naturais, não têm comprometimento com a produção de teorias generalizantes
(GOLDENBERG, 2001).
Seu principal objetivo é buscar compreender o fenômeno trabalho sob a
ótica do autorizador. Sabemos que sempre haverá continuidade ou retomadas de
outros estudos com o mesmo tema, porém a busca é de se aprofundar no tema, não
no sentido bibliográfico com a leitura de livros, artigos e dissertações
existentes, necessidade fundamental e inicial para embasamento de qualquer
pesquisa, mas com o foco na visão do próprio pesquisado.
A abordagem desse estudo é qualitativa, pois busca mergulhar
profundamente no tema, relevando o olhar do outro e suas significações, sem a
pretensão de quantificar as variáveis ou de medir comportamento, como ocorre nas
pesquisas de enfoque positivista. A expectativa é de que o pesquisador qualitativo
direcione menos seu olhar para as generalizações e muito mais, para a
compreensão dos sujeitos e das organizações.
A pesquisa qualitativa é orientada para a análise de casos concretos em
60
sua particularidade temporal e local, partindo das expressões e atividades das
pessoas em seus contextos locais (FLICK, 2004:28).
Matos, Terzis e Oliveira (1999:80) apresentam o método qualitativo de
pesquisa como audacioso, pois ele descontrói a relação hegemônica entre quem
pesquisa e quem é pesquisado, além de ser um processo que busca viabilizar a
decifração dos significados inerentes à condição humana”.
Condição esta que se assemelham o pesquisador e os pesquisados, e
que por isso, necessita de um contínuo refletir sobre o que se busca, o que se ouve
e o que se apreende no processo da pesquisa. A estranheza do olhar ou do ouvir
não pode ser engessada perante as falas daqueles que se propõem a serem
pesquisados.
É impossível que um cientista, um buscador ou fazedor de verdades
inicie seu trabalho despojado de princípios, de idéias gerais básicas(TRIVIÑOS,
2006:123). Por isto cabe ao pesquisador formular os pressupostos antes, para se
reger por critérios definidos e estar atento ao que o outro expressa, sem deixar de
ser flexível e amplo em seu trabalho, pois o que ainda não teve contato com o
fenômeno e o contexto a ser estudado, pode equivocadamente explicá-lo sobre uma
outra visão.
Na pesquisa qualitativa, todos os fenômenos são igualmente importantes
e preciosos: a insistência das manifestações e sua ocasionalidade, a freqüência e a
interrupção, a fala e o silêncio, o consensual e o contraditório, o singular e o
genérico (PINHEIRO, 2005).
Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever
a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis,
compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, além de
possibilitar o entendimento de particularidades do comportamento dos indivíduos
(RICHARDSON, 1999:80).
O estudo dos significados subjetivos, e da experiência e práticas
cotidianas, é tão essencial quanto à contemplação das narrativas e segundo Flick
61
(2004), acabou-se o tempo das teorias previamente testadas, pois com a
diversificação das relações sociais e com a pluralização das esferas da vida, surge a
necessidade de uma nova sensibilidade aos estudos dessas questões. Portanto, a
pesquisa qualitativa, nesse estudo, abre espaço como possibilidade de suprir essa
fresta e dar vozes aos autorizadores sobre sua visão do trabalho.
Para classificação da pesquisa e favorecer aos que precisam de critérios
bem definidos, foi utilizado o roteiro de Cooper e Schindler (2003) apresentado a
seguir. A pesquisa utilizou o método qualitativo, com preocupação no processo e
não nos resultados, sendo realizada em ambiente natural ou de campo, em
condições reais, ou seja, sem a interferência de variáveis que pudesse alterar a
rotina dos pesquisados, como ocorre nas pesquisas de laboratório.
As questões formuladas surgiram após um estudo exploratório,
objetivando-se adquirir uma visão geral sob o tema escolhido. A pesquisa
bibliográfica baseou-se na literatura através de livros, artigos e dissertações e nos
sites da internet.
O objetivo da pesquisa é descrever a visão do autorizador sobre suas relações com
seu trabalho, portanto trata-se de uma pesquisa descritiva.
A dimensão tempo foi limitada e a pesquisa foi estudada somente em um
determinado momento considerada, portanto, um estudo transversal, diferente dos
longitunidais, que atravessam longos períodos de tempo.
Os sujeitos foram escolhidos através de critérios previamente
determinados: estar atuando pelo menos 1 ano como autorizador de plano de
saúde privado, e ter disponibilidade em querer participar da entrevista.
62
4.2 Local
O local do estudo delimitado por essa pesquisadora é 1 plano de saúde
privado de Fortaleza. Houve inicialmente o interesse em realizar a pesquisa em
outros planos de saúde, entretanto houve a impossibilidade de acesso da
pesquisadora, relatado posteriormente no tópico procedimento. A empresa não foi
identificada, no decorrer do estudo, para que o sigilo acordado ocorresse em
proteção à integridade dela e dos sujeitos. O local escolhido se justifica por se tratar
de um mercado cada vez mais em destaque, seja no crescimento econômico, seja
nas reclamações existentes nos órgãos jurídicos e de defesa do consumidor,
ocasionando uma grande demanda em conflitos para quem atende os clientes.
Entretanto a escolha também ocorreu por ser o segmento de trabalho da
pesquisadora, e por seu contato diário com o trabalho dos autorizadores.
A princípio o campo não causou estranheza, afinal o campo escolhido
fazia parte da vida diária da pesquisadora. Entretanto à medida que o olhar se fixava
e a escuta se tornou mais aguçada aos detalhes relatados, foi sendo possível
ampliar o campo e perceber o mundo que lá se encontrava.
O primeiro questionamento foi sobre o nome dado ao espaço físico que
os autorizadores atuam: linha de frente. Ao questionar o termo foi obtida como
resposta de um dos sujeitos a seguinte definição:
...”Linha de frente é a primeira linha de soldados nos ataques de guerra,
portanto serão os primeiros que irão morrer”.
Apesar da resposta pronta e fácil fornecida pelo sujeito, surgiu claramente
a mensagem passada sobre o ambiente pesquisado.
O acesso à empresa foi fácil, entretanto a desconfiança dos sujeitos em
participar das entrevistas gravadas precisou ser desmistificada e por algumas vezes,
a pesquisadora precisou procurá-los para remarcar as entrevistas, pois esses não
63
compareciam ao local marcado, alegando alta demanda no atendimento. A cada
tentativa havia novos questionamentos sobre a finalidade do trabalho, quem iria
ouvir, quais eram as perguntas, o que seria feito após as transcrições, quem na
empresa leria o material ou se eles entenderiam as perguntas e saberiam responder
corretamente. Nessas idas e vindas, nas retiradas das dúvidas, foi se ampliando o
contato e o campo, não o campo macro: plano de saúde, mas o campo delimitado, o
espaço de atendimento dos autorizadores, o campo de guerra como sinalizado por
um deles.
Como forma de contextualizar o trabalho dos autorizadores segue breve
apresentação sobre o espaço físico e rotina de atendimento da empresa.
A empresa possui sua matriz em Fortaleza e filiais, em todo Norte e
Nordeste e conta, atualmente, com 400.000 clientes. Em Fortaleza, tem dois
espaços específicos com a finalidade de atender os clientes nas autorizações de
procedimentos médicos. Em um dos espaços, as cadeiras ficam muito próximas dos
guinches de atendimentos, permitindo que o cliente que se encontra em espera,
possa se inteirar da conversa do que está sendo atendido. São aproximadamente 52
cadeiras de espera, para nove guinches. O número de atendimento diário, nessa
sala, gira em torno de 250 atendimentos/dia e cada autorizador atende uma média
de 5 clientes/hora, perfazendo um total de 9 horas de trabalho diário.
um controle informatizado do número e tempo de atendimento e de
espera de cada autorizador e de cada cliente. Esse controle de tempo é
acompanhado pelos supervisores, pela direção e por uma sala de controle. A cada
tempo ultrapassado verifica-se o porquê do ocorrido e a supervisora é acionada para
se dirigir ao guinche do autorizador, ocorrendo o mesmo se ele não estiver em
atendimento por alguma parada não justificada.
Em caso de espera ou não liberação de procedimentos para o cliente, foi
observada pela pesquisadora, a insatisfação, sendo comum as reclamações em voz
alta, contagiando os demais clientes que se encontram transformando-se em ato
coletivo.
As entrevistas desse estudo foram realizadas no próprio ambiente de
64
trabalho, em uma sala disponibilizada pela direção, com ambiente fechado e sem
interferência de outras pessoas. Esse critério, de realizar as entrevistas no horário e
local de trabalho das autorizadoras, se deu devido à longa jornada de trabalho e a
dificuldade de se conciliar um horário além do expediente profissional, e por termos
conseguido que a direção disponibilizasse tempo no horário de trabalho, facilitando
assim a participação dos sujeitos.
A escolha das empresas e a permissão para realizar as entrevistas
ocorreram entre os meses de janeiro de 2006 a março de 2007 e as entrevistas, nos
meses de março a junho de 2007.
4.3 Sujeitos
Minayo (1999) acredita que, em pesquisa social de abordagem qualitativa,
a composição da amostra não passa pela representatividade numérica e sim pela
representatividade de complexidade do objeto estudado. Assim não é significativa a
quantidade de participantes da pesquisa, mas a qualidade e profundidade da
especificidade da expressão verbal dos entrevistados. Portanto, não se tornou
relevante o número de participantes, mas a qualidade do material coletado e a
saturação ou repetição das falas dos entrevistados, sobre os temas nas entrevistas
realizadas.
A pesquisa foi composta de quatro (4) entrevistados, que foram
convidados a participar, sendo escolhidos aleatoriamente, mediante os seguintes
critérios:
1. Estar ocupando a função de autorizador ou atendente (face a face) de
plano de saúde pelo menos um ano. O tempo na função é significativo na
pesquisa, pois sugere que o sujeito tenha vivenciado e absorvido as rotinas
do serviço de autorização.
65
2. Ter disponibilidade e consentir em participar da pesquisa.
Antes do convite realizado diretamente aos autorizadores em participar da
pesquisa, houve o consentimento do presidente da empresa para que tal
estudo fosse realizado.
4.4 Técnica
Escolheu-se para a coleta de dados a técnica da entrevista que apesar de
trazer perguntas já formalizadas possibilitaram uma abertura ao diálogo. Foram
realizadas quatro entrevistas e todas foram gravadas, com a permissão dos
participantes, para posterior transcrição. Optou-se em gravar as entrevistas, para
que os dados não fossem perdidos ou distorcidos e o pesquisador pudesse estar
atento ao sujeito.
As transcrições das entrevistas foram realizadas logo após cada
entrevista e se encontram também em anexo na íntegra (anexo 6). Os nomes
próprios citados ou dados, que pudessem identificar o pesquisado ou a empresa,
foram suprimidos.
A garantia do sigilo foi situação primária para proteger a integridade do
sujeito pesquisado, facilitando assim sua participação e propiciando-o a ser mais
verdadeiro em suas respostas.
Nas entrevistas foi possível ao entrevistado discorrer com mais
liberdade sobre o tema, ampliando as informações necessárias para análise e
permitindo ao pesquisador, adentrar com mais profundidade nas questões.
“O que torna a entrevista instrumento privilegiado
66
de coleta de informações é a possibilidade de a fala ser reveladora de
condições estruturais, de sistema de valores, normas e símbolos (sendo
ela um deles) e ao mesmo tempo, ter a magia de transmitir, através de um
porta-voz, as representações de grupos determinados, em condições
históricas, sócio-econômicas e culturais específicas” Minayo (1999:109).
O discurso cria seus próprios significados, a fala aborda muito mais do
que a simples junção de palavras, pois se estas forem analisadas individualmente,
não terão a conotação do significado real e das relações embutidas entre elas.
Existem duas línguas: uma objetiva, onde cada palavra tem um significado fixo e a
outra, cujo sentido das palavras é captado em função do próprio conjunto, da
relação e do que ela significa na compreensão da existência humana. Estaremos
lidando aqui com a segunda ngua, a fala própria, a fala como ato de estar no
mundo (AMATUZZI, 1989). Portanto, a escolha adequada da entrevista que apesar
de trazer perguntas estruturadas, não engessou a fala dos entrevistados
possibilitando-os a irem além do perguntado pela pesquisadora.
As entrevistas semi-estruturadas têm atraído interesse dos
pesquisadores, que estudam não as pesquisas qualitativas, sendo amplamente
utilizadas também, como aprofundamento das pesquisas quantitativas. Tal interesse
está vinculado à expectativa de que, o mais provável é que, os pontos de vista dos
sujeitos entrevistados sejam expressos em uma situação de entrevista com um
planejamento relativamente aberto, do que com uma entrevista padronizada ou
questionário (FLICK, 2004: 89).
Apesar da resistência inicial em realizar as entrevistas (relatada
anteriormente) foi percebido a preocupação dos sujeitos em falar de suas vivências
do trabalho. É como se houvesse uma demanda reprimida em narrar e assim liberar
as angústias relacionadas às rotinas do trabalho.
Houve também o cuidado com os sujeitos, antes de a entrevista ser
iniciada, de fechar um contrato sobre o sigilo de seus nomes e devido a isso, nesse
trabalho, eles foram identificados através de letras e números (S1, S2, S3 e S4).
Com isso, possibilitou-se através da conversa inicial, obter-se um rapport, permitindo
assim, que os participantes pudessem estar mais confiantes em relatar suas
vivências e não somente responder formalmente as perguntas norteadoras.
67
Foi elaborado um roteiro de entrevista com perguntas norteadoras para os
sujeitos (anexo 3), essas perguntas foram elaboradas com base em um quadro
(anexo 4) adaptado pela pesquisadora, seguindo o modelo dos autores que deram
sustentação teórica a pesquisa.
Devido ao grande volume de informações, característicos das entrevistas
semi-estruturadas, foi adotado a análise de conteúdo para o tratamento dos dados,
em uma abordagem de organização e categorização com base em temas (BARDIN,
1977). O procedimento básico da análise de conteúdo refere-se à definição de
categorias pertinentes aos propósitos da pesquisa. Categorizar implica em isolar
elementos para, em seguida, agrupá-los. Nesse estudo as categorias foram
classificadas como pertinentes, ou seja, adequadas ao objetivo da pesquisa
(VERGARA, 2005).
Ao destacar temas específicos, a partir dos dados coletados, a análise do
conteúdo permite discuti-los tendo em vista as idéias de Morin (2001) e os estados
psicológicos de Hackman e Oldham (1976).
As entrevistas foram realizadas pela própria pesquisadora e cada uma foi
realizada com um tempo médio de 50 minutos, para que os entrevistados pudessem
ter a possibilidade de relatar suas vivências no trabalho e assim contextualizar o
tema. Importante ressaltar que apesar das entrevistas terem sido realizadas com
perguntas estruturadas, em momento algum houve o impedimento dos
trabalhadores ou da pesquisadora em ampliarem seus diálogos ou questionamentos
para uma melhor compreensão do fenômeno.
68
4.5 Procedimento
O trabalho seguiu essas etapas:
1. Definição do projeto de pesquisa;
2. Pesquisa bibliográfica em obras de vários autores e nos sites para
ampliação do tema;
3. Definição e desenvolvimento do referencial teórico que forneceu
suporte ao estudo;
4. Levantamento das empresas;
5. Solicitação da autorização das empresas a serem pesquisadas;
6. Elaboração do instrumento, no caso o quadro com as perguntas
norteadoras;
7. Realização da pesquisa de campo e da coleta dos dados por meio do
instrumento elaborado e da técnica escolhida;
8. Transcrições das entrevistas;
9. Definição das unidades de análise (nesse trabalho foram definidas as
frases e parágrafos) e tratamento dos dados coletados;
10. Resgate do problema que suscitou a investigação e elaboração da
versão;
69
No item cinco (5), houve uma tentativa de pesquisar uma segunda
empresa, porém o acesso da pesquisadora foi impossibilitado. Por ética, a
pesquisadora, no momento da apresentação dos objetivos do trabalho, expunha sua
relação com a empresa concorrente e houve uma clara resistência em sua entrada
na empresa. Devido a isso foi necessário contatar uma terceira empresa, no mesmo
nível dos critérios estipulados, que com as devidas explicações e solicitações de
comprovações documentais da Universidade do Ceará sobre o objetivo do trabalho,
mostrou-se inicialmente mais acessível à entrada da pesquisadora, porém não
favoreceu as funcionárias disponibilidade de horários para que essas fossem
entrevistadas. Em último contato, a direção da referida empresa afirmou não ter na
empresa, funcionários com os critérios definidos pela pesquisadora, que no caso era
ter um ano de experiência na função de autorizador ou atendente.
Após a resistência das empresas e na busca de perfilar uma quarta
empresa, a pesquisadora fez um levantamento de todos os planos de saúde
privados em Fortaleza, através do site da Agência Nacional de Saúde, e mediante
ligações telefônicas obteve um perfil das empresas desse mercado em Fortaleza, a
fim de escolher outra que se adequasse aos critérios. Era necessário ser uma
empresa, com uma mesma demanda de atendimentos e aproximadamente, com o
mesmo número de autorizadores, para não haver um distanciamento dos tipos de
trabalhos executados pelos sujeitos estudados. Entretanto isso não foi possível, pois
não há no mercado de Fortaleza.
Dessa forma, o trabalho tornou-se um estudo qualitativo de uma única
empresa e contou com a participação de quatro autorizadoras. Em um primeiro
momento, foi planejada a realização com seis participantes, mas à medida que as
entrevistas foram sendo desenvolvidas, observou-se que apesar do número a
primeira vista parecer reduzido, foi significativo, pois devido à repetição das falas e
dos conteúdos por elas apresentados, houve clareza e saturação nos itens
questionados. Essa saturação aparece na pesquisa qualitativa ao fim de certo
tempo, quando os dados que são coletados deixam de ser novos, configurando uma
estrutura comum sobre o fenômeno estudado (MUCHIELLI, 1990 apud FOSSÁ e
FIGHERA, 2004).
70
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
5.1 Caracterização dos sujeitos
Os sujeitos que foram convidados com base dos critérios estipulados e
aceitaram participar da entrevista foram do sexo feminino, possuem nível médio de
escolaridade, sendo uma solteira e três casadas, todas com filhos e com a faixa
etária entre 30 e 36 anos de idade. As entrevistadas já atuavam a mais de 5 anos no
atendimento, face a face com clientes, antes de exercer a função de autorizadoras
em plano de saúde. A primeira entrevistada, na qual identificamos como Sujeito 1 ou
S1, atua como autorizadora em plano de saúde 6 anos, a S2, 1 ano e 6
meses, a S3, 5 anos e a S4, 9 anos, portanto todas estavam inclusas no
primeiro critério previamente definido, para participar da pesquisa: atuar mais de
um ano na função.
A primeira entrevistada foi S1. Ela tem 33 anos, possui uma união instável
10 anos, tem 2 filhos, trabalhou no comércio por 9 anos e 6 anos trabalha
como autorizadora do plano de saúde. O seu grau de escolaridade é o médio, porém
estava cursando uma extensão em gestão de saúde, onde teve que abandonar, pois
seu salário não suportou um novo reajuste. O marido absorve as principais
despesas da casa, porém seu salário é fundamental para o pagamento da
educação, saúde e alimentação dos filhos.
S2 foi a segunda entrevistada, tem 32 anos, possui união instável 6
anos, porém se apresentou como solteira. Tem um filho e mora com seu
companheiro. Trabalha como autorizadora 1 ano e 6 meses e exerceu,
anteriormente, por 5 anos a função de operadora de atendimento telefônico na
mesma empresa. Cursou o nível médio e não mais estudou.
S3 tem 30 anos, solteira, possui um filho e mora com a mãe, dois irmãos
e um sobrinho. Trabalha com atendimento 7 anos, antes atuava no comércio,
como vendedora, e 5 anos atua como autorizadora no mesmo plano de saúde.
Possui nível médio de escolaridade.
71
S4, também do sexo feminino, tem 36 anos, casada, possui 1 filho e mora
com o marido. Possui nível médio de escolaridade e trabalha como autorizadora
9 anos. Anteriormente, trabalhou por 3 anos como autorizadora de um plano
odontológico e por 1 ano como supervisora de um hospital particular.
Foi detectado que é comum em planos de saúde o atendimento, face a
face, ser realizado na maioria das vezes por mulheres. Nessa empresa, a proporção
de mulheres para homens, na função de autorizadores, varia de 90% para 10%. O
setor de recursos humanos prefere contratar mulheres para esse setor e apresentou
como perfil para essa função: boa aparência, grande fluência verbal, capacidade de
audição ativa, nível médio de escolaridade e habilidade de digitação. Segundo
informação obtida no decorrer da pesquisa, a empresa acredita que as mulheres,
devido a maior facilidade em expressar afetividade, possuem vantagem nas relações
humanas favorecendo o atendimento ao cliente.
Segundo Hirata (2002) a segregação de homens e mulheres no trabalho é
histórica e mundial e ocorre em vários campos. Ressalta que a docilidade, a
submissão, os trabalhos repetitivos, menos qualificados e a menor faixa salarial são
destinados a mulheres, pois culturalmente acredita-se que cabe a mulher ter mais
paciência, maior flexibilidade nas relações, e menor necessidade financeira (já que
não é a provedora da casa). Aos homens caberiam as tarefas mais qualificadas,
além das mais penosas e que requeressem maior força física.
5.2 Análise e Interpretação das respostas
Para realização nessa etapa foi necessária, a leitura exaustiva das
entrevistas, para que fosse possível captar a fala e suas representações para os
sujeitos.
Segundo Bardin (1977: 41- 44) na análise de conteúdo, a tentativa do
analista é dupla: compreender o sentido da comunicação (como se fosse o receptor
normal), mas também, desviar o olhar para uma outra significação, uma outra
mensagem entrevista através ou ao lado da mensagem primeira, ou seja, a análise
72
de conteúdo procura conhecer aquilo que está por trás das palavras, sobre as quais
o pesquisador se debruça.
Portanto, além da análise do conteúdo das respostas, baseando-se no
modelo de Hackman e Oldham e nas perguntas norteadoras, tentou-se interpretar as
visões e outros temas desvelados sobre o trabalho pelos sujeitos, segundo os
relatos de suas vivências na função de autorizadores. Tais conteúdos foram
colocados em negrito no decorrer do texto como forma de chamar atenção do leitor.
As primeiras perguntas foram relacionadas, segundo o Modelo de
Hackman e Oldham (1976), ao sentido significativo do trabalho, ou seja, o grau no
qual o individuo experimenta a tarefa de forma significativa e valiosa. Para verificar
se sentido significativo no trabalho, primeiro objetivo específico da pesquisa,
fragmentou-se o tema em três itens: variedades da tarefa, identidade da tarefa e
significação da tarefa.
Sentido Significativo do Trabalho
Variedades das tarefas: habilidades e aprendizagem.
A primeira pergunta questionou sobre a necessidade da utilização de
várias habilidades para realização do trabalho. O objetivo foi verificar se as tarefas
propiciavam diversidades de atividades e em decorrência, o uso variado de
habilidades e talentos para sua execução.
Comparando as respostas, constatamos que os sujeitos percebem a
necessidade do uso de várias habilidades, não considerando o trabalho rotineiro ou
repetitivo e a habilidade, considerada por todos, como a mais importante, foi a
comunicação, no sentido de responder prontamente, a fim de persuadir ou
convencer o cliente. As relações interpessoais entre o autorizador e o cliente
também foi levantada como uma habilidade básica, para o bom
desenvolvimento das atividades do autorizador.
73
Seguem os relatos extraídos das entrevistas, para exemplificarmos a
visão e o significado do trabalho, ao se referir as habilidades necessárias à função.
A principal habilidade é o raciocínio, tem que ser mais inteligente, saber
administrar a situação. A área da gente, que trabalha com público, se você
parar para pensar você passa insegurança, você não pode pensar no que
vai dizer. (S1)
...ser clara e bem comunicativa, para que o usuário entenda, principalmente
quando a gente passa para o cliente alguma negativa do que ele está
solicitando... tenho que ser bastante clara e ter firmeza, porque senão o
cliente não acredita e pede para falar com outra pessoa, a superior a
você. (S2)
Tem dia que eu utilizo mais habilidades que outra, porém a principal é a
paciência, saber escutar, porque às vezes o cliente vem resolver uma coisa
bem pequenininha, mas fala é muito! ...enquanto o cliente fala, eu vou
pensando no que vou responder... (S3)
Foi observada que o atender bem ao cliente refere-se a convencê-lo, pois
para os entrevistados, um dos elementos preocupantes em seu trabalho é que o
cliente ao ser convencido, não gere uma demanda a outro profissional, no caso o
seu superior. A competência dos entrevistados passa a ser o convencimento do
cliente e não o atender ao cliente. uma preocupação nos autorizadores de que
o cliente não venha a solicitar a presença do supervisor. Portanto, o
convencimento e o bom relacionamento tornam-se as principais habilidades
utilizadas pelo autorizador. Como convencer é um trabalho de superar o que o
outro diz, o trabalho não é considerado enfadonho e exige a superação de
obstáculos.
Foi observada a necessidade de se ter conhecimento no produto, como
uma estratégia para atingir o objetivo do trabalho, pois os sujeitos acreditam que o
conhecer o produto, lhe possibilita uma vantagem competitiva frente aos
colegas e ao cliente que atende. O conhecimento foi enfatizado pelos sujeitos, que
possuem mais experiência na função, e colocado como elemento facilitador na
execução das tarefas:
O principal no meu trabalho é ter conhecimento no que você faz, porque
quando se tem conhecimento do seu trabalho torna-se mais fácil... (S1)
74
Conhecimento do produto é um dos elementos mais importante para a
realização das tarefas (S4)
Entretanto, S2 e S4 sinalizaram em suas falas, a incoerência entre o
tempo reduzido para atender o cliente e a quantidade de atendimento/dia:
Às vezes eu dou uma entradinha para puxar a conversa e direcionar,
porque o cliente fala, fala e temos um tempo a cumprir... Tenho que ser
rápida, porque são muitos atendimentos e cada um é uma coisa diferente
da outra. Tem dia que acabo morta. (S2)
...são muitos atendimentos, o cliente reclama, solicita mais atenção e um
choque entre nosso tempo para o cliente e o que ele que ter... (S4)
Tem dia que acabo morta... (S2)
Esta frase é parte do parágrafo acima relatado por S2 e observa-se que a
palavra “morta” (definida como cansada ou esgotada), apresenta uma visão de
trabalho negativa, devido à necessidade de equilibrar o atender o cliente, ouvi-lo,
prestar atenção e por outro lado cumprir as metas de tempo estipuladas pela
empresa. Nas entrevistas coletadas, ficou explicito o uso pela empresa de um
controle de tempo de atendimento, realizado através de um sistema informatizado
e monitorado pelos gestores e supervisores.
Segundo Morin (2001) um trabalho que faz sentido é feito de maneira
eficiente, gastando-se energia de maneira rentável. A partir do momento, em que o
trabalho gera um gasto de energia maior que o suportável por quem o executa,
esse deixa de ter sentido e passa a trazer sofrimento a quem o realiza.
Foi possível visualizar nas entrevistas, a busca do autorizador de
convencer o cliente, como uma forma de liberá-lo rapidamente, e assim se proteger
da escuta desse, que em planos de saúde essa fala vem revestida de dores e
penosidades:
75
“Perceber o sofrimento alheio provoca uma experiência sensível e uma
emoção a partir das quais se associam pensamentos cujo conteúdo
depende da história particular do sujeito que percebe: culpa, agressividade,
prazer etc. A percepção do sofrimento alheio provoca, pois, um processo
afetivo” (DEJOURS, 1999:45-46).
Quando eu não consigo, eu deixo ele pra lá, eu desisto dele... (S3)
Os profissionais de saúde buscam distanciamento de seus pacientes,
delegando a outros conversarem sobre diagnósticos complicados e evitando dessa
forma, entrarem em contato com o possível sofrimento emocional de seus pacientes.
Tais profissionais adquirem uma calosidade profissional, ou seja, um distanciamento
ou desprezo pela dor do outro, chegando a despersonalizar a pessoa e vê-la
somente como um sintoma, fazendo assim que a sua identidade seja preservada
(ANGERAMI-CAMON, 1998).
Mas é difícil, muito difícil trabalhar com atendimento... (S3)
Reiterando a citação, observou-se na fala de S3 a concretização desse
ato:
... mesmo quando ele (o cliente) vem muito estressado eu tento acalmá-lo.
Quando eu não consigo, eu deixo ele pra lá, eu desisto dele... eu o trato
normalmente, bem formal. (S3)
A segunda pergunta, que também se encontra relacionada às variedades
das tarefas, questionou a necessidade de aprendizagem contínua no trabalho. A
aprendizagem está relacionada diretamente a possibilidade de crescimento
individual, desenvolvimento e competência profissional, sendo ainda elemento
motivador para uma visão positiva do trabalho (MORIN, 2001).
76
Foi confirmada nas entrevistas a necessidade contínua de
aprendizagem e de busca de novas informações:
“... mudanças contínuas, tudo isso faz com que você tenha
aprendizagem...” (S1).)
“Na autorização todo dia é um treinamento, todo dia tem que aprender,
porque sempre mudanças e elas são rápidas. Você tem que aprender,
senão erra” (S2).
Todo dia no meu trabalho há uma coisa nova que aparece, tenho que correr
atrás. (S2)
“Você tem que procurar saber sempre de tudo...” (S3).
Relacionada à aprendizagem foram desvelados outros conteúdos
significativos no trabalho do autorizador: o medo de errar; pois os erros ocasionados
por falta de atenção ou conhecimento geram débitos no salário dos autorizadores,
trazendo perdas financeiras e morais a quem o recebe; e o medo da incompetência;
pois junto ao erro vem a mensagem subliminar: você não é competente! Ou seja, a
falta de informação ou o não conhecimento das rotinas vitimiza o autorizador
duplamente: o pagar pelo erro e o estigma em ser incompetente perante o
grupo.
S3 explana sobre a necessidade de confirmação das informações
repassadas pelos superiores da empresa, sinalizando insegurança em seu trabalho
como autorizador. Dejours (2006: 31) afirma que muitas vezes, o trabalhador não
tem como saber se suas falhas se devem à sua incompetência ou a anomalias do
sistema técnico.
Portanto, além das mudanças contínuas e rápidas, a incerteza ou falta
de confiança de quem as fornece:
“... tem que confirmar a informação. Não é porque alguém diz que você
confia. Se você não confirmar e passar a informação errada, divulgar errado
77
para os colegas, alguém pode errar e prejudicar o cliente e prejudicar os
colegas” (S3).
Conclui-se que referente ao tema aprendizagem (desenvolvimento como
dimensão individual), por parte das autorizadoras, esta tem que existir, inclusive
como estratégia defensiva frente aos mecanismos impostos pela empresa (prejuízo
ao colega, ao cliente ou o débito no salário devido aos erros), e retira do foco, sua
função principal, crescimento individual na busca de uma promoção ou de
desenvolvimento individual cognitivo. O aprender torna-se uma obrigatoriedade
na função, assim como repassar o conhecimento aos colegas, para que
ninguém seja penalizado. Dessa forma, o grupo se une em defesa das
penalidades impostas pela empresa, gerando uma estratégia coletiva, para que
ninguém erre.
Identidade da tarefa: alienação e coerência.
... é a visão dele, do presidente, que impera... (S4)
A terceira e a quarta pergunta abordaram a identidade da tarefa e a
percepção do autorizador quanto ao resultado final de seu trabalho. O foco era
levantar se ele sabia por que ele estava realizando suas tarefas e se havia coerência
ou identificação pessoal com os resultados produzidos. Observou-se que o
autorizador gosta de atender as pessoas, se identifica com os clientes e
percebe seu trabalho de forma positiva, quando autoriza os procedimentos.
Porém, a identificação com as tarefas ocorre, quando coerência entre o que
está sendo autorizado e o que é solicitado.
É importante para o autorizador a forma que o cliente recebe o trabalho
78
por ele executado, ou seja, uma relação direta entre satisfazer o cliente e a
forma que o autorizador percebe o seu trabalho.
“O ponto final do trabalho que eu fiz é o cliente, se ele ficou satisfeito, se
houve negativa, mas ele compreendeu direito.” (S1).
“A gente o resultado final pelo usuário que a gente atende. Quando eu
não consigo autorizar, o resultado é bem diferente, o cliente não gosta, mas
também posso ver o resultado” (S2).
“O cliente é que me mostra o resultado, é imediato” (S2).
“Cada processo que eu pego eu tenho que ir com ele ao fim. Você não
pode repassar para outro resolver. Tenho que acompanhar cada caso, o
início, o meio e o fim, cada cliente é meu cliente e tenho que verificar
tudo...” (S3).
Com as tarefas sim, com o resultado não,... não concordo com alguns
resultados... me identifico com o atendimento(S4)
A percepção do trabalho e dos resultados é vista pelo trabalhador
conforme o que ele produz. O homem se reconhece no seu trabalho e se orgulha
naquilo que constrói, se orgulha do fruto do seu trabalho e também se transforma
nesse processo (SORRATO e OLIVIER-HECKLER, 1999:112).
Em uma atividade de serviços, como a de planos de saúde, o produto ou
resultado do trabalho do autorizador é a autorização, fornecida ao cliente para
realizar seu procedimento médico. Essa visão do trabalho também é vista
inicialmente pelo autorizador, porém, nem sempre o cliente tem a possibilidade de
obter a autorização e isso gera tensões e conflitos externos, entre o cliente e o
autorizador, gerando angústia e mal-estar para o autorizador. O resultado, como
revela o S2, pode ser visto em ambos os casos: na autorização ou na negativa de
uma autorização, porém o autorizador não reconhece a negativa da autorização
como fruto de seu trabalho ou, pelo menos, reage emocionalmente a ela.
Na fala do S4, a percepção do trabalho por ele realizado, segue as
prescrições das normas da empresa, especificamente de quem a dirige, e ele se
percebe meramente como um executor das normas ou sofredor das penalidades ao
não cumpri-las.
79
Para mim o resultado final do meu trabalho é quando não tenho débitos no
meu salário ao final do mês, isso me mostra que eu não errei... não é
autorizar e sim não errar.... meu trabalho é como eu assinar cheques pré-
datados, se eu errar eu pago... e o trabalho vai de acordo com a cabeça do
presidente da empresa, mesmo que eu e os médico concordem com algo,
se o presidente não concordar isso gera erros e débito.. é a visão dele, do
presidente, que impera... (S4)
Observa-se na fala de S4, que a empresa desconta de seu salário
percentuais por autorizações indevidas, ou seja, se o autorizador erra ele tem
débitos e dessa forma, o foco das tarefas se volta para a visão de proteger-se ou
não ser penalizado ao executá-las. Porém por outro lado, o não autorizar os
procedimentos para os clientes, também se torna gerador de conflitos e de
ansiedades. um impasse e uma alienação do próprio objetivo das tarefas
executadas.
Para Basso (1998) o trabalho alienado é visto como meio de
subsistência, como exterior ao trabalhador e não como ato de desenvolvimento das
capacidades ou potencialidades. Portanto, quando as atividades realizadas no
trabalho não são identificadas em sua finalidade, como cita S4, o trabalho deixa de
ter sentido. Um trabalho realizado para se esquivar de uma punição é um
trabalho sem sentido, sem crescimento, alienado. S4 transfere a responsabilidade
de não autorizar, também tarefa de seu trabalho, para outro, no caso o presidente da
empresa, buscando aliviar a tensão gerada em si mesmo. Dessa forma, a estratégia
individual utilizada, a transferência da responsabilidade, o alivia da carga psíquica
gerada pelo ato de não autorizar.
A dissonância cognitiva gerada no autorizador, pelas não liberações
das autorizações para os clientes, traz tensão emocional e sentimentos de
tristeza e ansiedade, relatados a seguir:
“Eu fico ansiosa se o processo de autorizar vai dar certo ou não. A empresa
tem a visão dela, trabalha visando lucros e eu tenho que fazer a minha
parte, satisfazendo o cliente” (S3).
80
“Quando não certo, eu tenho que chegar para o cliente e falar, às vezes
fico triste, porque ele não tem direito...” (S2).
Às vezes, a gente também fica com raiva do paciente, quando ele chega e
diz você tem que autorizar, você é obrigada a autorizar, saio daqui com
isso. Por mais que eu explique, ele não entende. Chego a ter raiva desse
tipo de cliente. (S1)
Ou sentimentos de bem-estar e prazer, quando conseguem autorizar
os processos solicitados:
Mesmo quando o usuário é grosso e a gente consegue contornar, você se
sente satisfeito, sua tarefa foi cumprida. (S3)
Também quando eu consigo resolver algo quase impossível dentro do
trabalho. Tem coisa que chega e eu acho que não vou resolver, mas
quando eu resolvo é gratificante. Eu consegui resolver o problema!(S1)
Gosto do contato com o público, de resolver, principalmente quando
certo!(S2)
Significação da tarefa: utilidade, valorização, prazer, sobrevivência e
independência.
Aqui sou duas pessoas o tempo todo (S4).
Na quinta e sexta perguntas foram levantadas à significação da tarefa e o
que está traz de impacto na vida de outras pessoas, na organização e na sua
própria vida, como pessoa e autorizador. O objetivo era verificar quatro fatores: a
utilidade do trabalho realizado; a valorização em realizá-lo; o sentimento ao executá-
lo e a remuneração recebida para atender suas necessidades básicas.
81
A utilidade do trabalho, como dimensão social, foi percebida de
forma positiva pelos autorizadores. Eles sabem que trabalham com pessoas
doentes, frágeis emocionalmente e por isso, carentes de atenção, e têm consciência
de como seu trabalho e seu atendimento podem repercutir em si próprios e nos
outros.
... Às vezes, ele (o cliente) entra no plano e espera 6 meses só para realizar
aquele procedimento, quando chega ( S1 gagueja) para a gente autorizar e
sabe que não tem direito, isso impacta sim. Você não fica se sentindo bem,
por mais que você não queira se envolver, você se envolve. (S1)
Na verdade os pacientes mexem com a gente, principalmente os de
quimioterapia, quando a gente perde (o sujeito usa a palavra perde para
significar a morte) um deles, por mais fria que o sistema nos torne pessoas
frias, a sente sofre, a gente fica sentimental. (S1)
Aqui sou duas pessoas o tempo todo: a pessoa que eu sou e a pessoa que
quando se senta à mesa tem que incorporar as idéias da empresa, mesmo
discordando dela. Tenho que vestir a idéia, vender a idéia e ainda passar a
idéia para o cliente, mesmo sem acreditar nela... é complicado, reflete sim ,
se você diz um não, você é que é a pessoa ruim.... e aquilo você leva para
casa, puxa vida! (S4)
O trabalhador, ao entrar em uma organização traz consigo sua bagagem
emocional, sua história de vida, sua forma de se relacionar com o mundo, entretanto
ao se inserir na organização, percebe que essa também possui uma história
construída e sente dificuldade em se adaptar, aderir às normas e seguir o
comportamento pré-determinado. Em muitas situações, o trabalhador não concorda
com as regras instituídas pela organização, mas se submete, pois disso depende
sua sobrevivência financeira e seu emprego. Ao “ter que transformar” sua história de
vida e sua subjetividade surge o sofrimento psíquico, que compromete sua saúde
mental e contamina sua vida fora do trabalho (FOSSÁ e FIGHERA, 2004).
...o cliente me valoriza mais que a empresa... (S4)
Na questão valorização, o autorizador não se sente valorizado pela
empresa, e sim por clientes e colegas:
82
... eu me sinto pela equipe (S1)
...não me sinto valorizada, às vezes algum cliente faz isso, ... aqueles que
agradecem, nesse momento eu me sinto valorizada. (S2)
...o cliente me valoriza mais que a empresa... a empresa não reconhece,
desconta até os pontos não batidos, mas o que ela quer?...(S4)
Dejours (2006: 34) afirma que do reconhecimento depende o sentido do
sofrimento e do prazer. Pois quando a qualidade do meu trabalho é reconhecida,
todo o meu eu é também reconhecido, significando que todos os meus esforços na
execução de meu trabalho não foram em vão e isto, leva o trabalhador a um
sentimento de prazer e de elevação favorecendo a saúde mental.
Continuando ainda na significação da tarefa, foi questionado o que se
sente ao executar o trabalho, para verificar o prazer ou o sofrimento nas vivências
como autorizador, e se confirmou o sentimentos de instabilidade, variando entre a
tensão e o bem-estar. O sentimento do autorizador fica diretamente relacionado
à relação construída com o cliente.
Recorro a Deus... (S3)
Segundo Morin (2001) um trabalho que tem sentido permite encontrar
pessoas com quem os contatos podem ser francos, honestos, com quem se pode ter
prazer em trabalhar, além disso, as satisfações podem ser obtidas nessas trocas. No
caso, o autorizador que possui relações numerosas, rápidos contatos e tem que
repassar difíceis decisões, acaba por ter diminuída suas vivências prazerosas no
ambiente de trabalho assim como ter relações conflituosas. O trabalho acaba por
gerar instabilidade emocional e sentimento de menos valia, relatados por eles
próprios:
83
Se eu tou negando um procedimento, eu sinto tristeza, se eu estou
resolvendo uma situação, quase impossível, é de alegria. Às vezes a gente
se envolve, às vezes, não. (S1)
Geralmente me sinto conforme os resultados do meu trabalho... se consigo
ou não atender bem o cliente. Se não estou bem, o atendimento também
não é bom. (S2)
Na maioria das vezes eu estou satisfeita, porque eu gosto de atender, de
resolver os problemas, de ir atrás. Mas às vezes ficou estressada, quando o
usuário vem gritando, vem o pensamento na minha cabeça: Ai meu Deus
me ajuda! Dai-me paciência, dai-me mansidão! Recorro a Deus... (S3)
Tem dia que eu fico feliz, quando o dia não tem nenhum barraco, nem briga,
mas tem dia que parece que tem gente esperando abrirmos a porta para
brigar com a gente... o cliente quando está com raiva xinga a gente, xinga a
nossa mãe, joga praga... quanto mais rico, mais violento é o cliente... tem
dia que a gente tem tanta raiva do cliente... você começa bem e termina
mal... a gente se transforma, principalmente quando o cliente fala da sua
família... depois eu rio , mas na hora a gente tem que apagar fogo... (S4)
A existência de prazer e sofrimento nos processos de trabalho é
reconhecida por todos, assim como a instabilidade gerada nas relações com os
clientes, e isto influi diretamente na qualidade de vida no trabalho e nas relações
interpessoais. Nos sujeitos entrevistados foi percebida uma dualidade de
sentimentos, gerando ambivalências nas falas, os sujeitos iniciam seus
depoimentos relatando bons sentimentos: eu fico feliz ou na maioria das vezes eu
estou satisfeita, e ao entrar em contato com a realidade diária, demonstram
tristeza e sentimentos de mal-estar.
O não entrar em contato com os sentimentos, pode ser caracterizado
como uma resistência do autorizador em se proteger para não sofrer, e como uma
estratégia defensiva, que insensibiliza contra aquilo que o faz sofrer. Conforme
Dejours (2006:36), infringir um sofrimento indevido a outrem, causa também
sofrimento àquele que assim age em seu trabalho. E se ele for capaz de construir
defesas contra esse sofrimento, poderá manter seu equilíbrio psíquico. Portanto as
estratégias defensivas surgem como um ajuste criativo do individuo de tornar
aceitável aquilo que não deveria sê-lo.
A oitava pergunta, aborda a questão da remuneração ou salário e se esse
atendia as necessidades básicas. A independência e a autonomia financeira,
segundo Morin (2001), estão relacionadas à liberdade de escolhas e não ter que
84
depender de outro para tomar decisões em sua vida. Apesar da expectativa de todos
os que trabalham, é sabido que ao se referir ao tema reconhecimento,
principalmente financeiro, esse nem sempre é conferido de modo satisfatório. E foi
confirmado entre os sujeitos que o salário não atendia suas necessidades
básicas,
...não irei consegui pagar minhas contas (S1)
É quase um salário mínimo!(S4)
...salário cheio de descontos..(S2)
S2 comparou o produto de sua responsabilidade, a tarefa executada, com
o retorno financeiro obtido, reforçando a incoerência percebida entre trabalho e
salário:
A gente é que autoriza os procedimentos de alto custo e por outro lado, não
ganhamos nada bem... (S2)
Responsabilidade Pessoal e Autonomia
... não posso escolher o que fazer...(S4).
O segundo estado psicológico do Modelo de Hackman e Oldham (1976)
apresenta a Responsabilidade Pessoal. O objetivo era verificar se o indivíduo se
sente pessoalmente responsável pelos resultados da tarefa que executa.
A pergunta elaborada se referiu à autonomia e a liberdade que ele tem,
para programar ou participar de decisões sobre a realização das suas tarefas.
Segundo Morin (2001) a responsabilidade pela tarefa encontra-se diretamente
85
vinculada ao poder de decidir como e quando realizá-la.
S1 afirmou que dependia de outros setores para realizar suas tarefas. Os
demais sujeitos afirmaram não poder decidir como realizar, mas que podiam sugerir
aos supervisores mudanças, que às vezes eram acatadas.
Foi observado pela pesquisadora, que o atendimento funciona de acordo
com a demanda trazida pelo cliente, e como o trabalho é padronizado, o autorizador
não tem como escolher o que ele pode realizar, que ficar em um guichê é estar à
disposição do que o outro necessita. O que irá diferenciar as tarefas realizadas é o
relacionamento que ele terá com o cliente no decorrer do atendimento.
Não, quem determina é o meu supervisor ou o cliente, com o que ele vem
autorizar (S2).
... não posso escolher o que fazer, porque quando eu atendo é o cliente que
traz suas necessidades e aí eu faço...(S4)
Portanto, o autorizador não tem autonomia na realização de suas tarefas.
Em contrapartida, ele pode se sentir responsável pelo processo solicitado pelo
cliente, já que é ele que desenvolve a tarefa. Ilustra-se o tema autonomia e senso de
responsabilidade pessoal no relato de (S3):
Cada processo que eu pego eu tenho que ir com ele até o fim. Você não
pode repassar para outro resolver. Tenho que acompanhar cada caso, o
início, o meio e o fim, cada cliente é meu cliente e tenho que verificar tudo,
se a guia do pedido médico está ok, se os materiais especiais serão
liberados, se ele tem direito, tudo. Se o processo vai para algum setor,
tenho que ficar monitorando, se resolveram e se ligaram para o cliente.
Eu prefiro ficar com o processo até o final, porque eu fico preocupada. (S3)
86
Feedback: extrínseco e intrínseco
O feedback é o terceiro estado psicológico do Modelo de Hackman e
Oldham (1976) e foi levantado através de dois conceitos: o feedback extrínseco e
intrínseco.
A décima pergunta questionou sobre a percepção do autorizador em
relação ao feedback extrínseco, ou se ele recebe claras informações sobre seu
desempenho por superiores, colegas ou clientes.
Os sujeitos afirmaram não terem feedback formal dos superiores, e se dividiram
igualmente, em termos quantitativos, ao relatar que possuem feedback informal
fornecido por colegas ou clientes.
O feedback dos colegas foi percebido como uma forma de se sentirem vigiados
ou cobrados, que o não atendimento não realizado pelo autorizador, reflete em
aumento da demanda de trabalho para os demais.
Os colegas me observam muito, minha postura e alguns me dizem: Olha
não é assim! (S1).
... somos muito vigiados pelos colegas, se eu saio da cabine, os outros
ficam olhando, fiscalizando e perguntam para a supervisão: cadê o fulano?
Somos vigiados eletronicamente por todos (S4).
Ser vigiado eletronicamente (S4) refere-se ao controle criado pela
empresa, através de um sistema informatizado, onde os superiores e os
autorizadores conseguem visualizar a quantidade e o tempo de atendimento
executado por cada um. Esse controle possibilita que todos se avaliem, em termos
quantitativos, através do número de atendimentos efetivados no decorrer do dia. O
controle é constante e passa por uma hierarquia de cobrança, que é visualizado
por todos, do diretor ao supervisor e colegas. A vigilância também pode ser obtida,
através desse sistema, quando ocorrem atrasos ou paradas no atendimento do
autorizador. Esse mesmo processo existe em Call Centers, ou centrais telefônicas, e
foi baseado nele que os sistemas de controle nos atendimentos face a face foram
87
criados.
Esse sistema reforça Foucault (1987:166) e suas idéias sobre a
arquitetura do Panóptico, um lugar construído onde se tudo. Onde todos
pudessem vigiar os outros, de onde estivessem: o prisioneiro seja observado sem
cessar por um vigia, que ele se saiba vigiado e que ainda possa vigiar os outros
prisioneiros. Fazendo uma comparação com a vigilância eletrônica, existente nessa
organização estudada, foi percebido que o diretor vigia e cobra do supervisor, o
supervisor vigia e cobra dos autorizadores e o autorizador cobra de outros e de si
mesmo.
A décima primeira pergunta abordou o feedback intrínseco, ou como o
autorizador percebe seu desempenho através das tarefas realizadas. Todos têm a
percepção de seu desempenho através dos clientes, tanto pela tarefa realizada,
quanto pela postura frente a eles. Portanto, o autorizador tem feedback intrínseco
imediato de seu desempenho.
Contato: relações interpessoais
Essas relações são muito difíceis, às vezes tenho até medo deles... (S3)
A sétima dimensão do Modelo de Hackman e Oldhan (1976) se refere às
relações interpessoais com os membros e clientes, e como elas são desenvolvidas
no ambiente de trabalho.
Todos os sujeitos afirmaram que as relações com os clientes são
difíceis e conflituosas, utilizaram para descrever a relação com o cliente, termos
como choque, estressante e relações difíceis.
Já com os clientes é difícil. (S1)
88
Essas relações são muito difíceis, às vezes tenho até medo deles... (S3)
Com os clientes sempre tem choque... (S4)
Quanto ao relacionamento com os colegas, os sujeitos citaram as panelinhas
ou formação de subgrupos, como elemento negativo ao bom relacionamento
da equipe e somente um, dos sujeitos entrevistados, considerou ótimo o
relacionamento do grupo.
Morin (2003) às experiências vividas nas empresas uma conotação positiva,
explicitando que no trabalho podem ser desenvolver laços de afeição duráveis.
Baseado nisso e na visão apresentada pelos sujeitos podemos considerar que as
relações interpessoais não favoráveis podem ser fonte de frustração e impactar na
visão de trabalho do autorizador.
O trabalho é considerado por todos como útil aos clientes, no caso aqui
representando a sociedade,
... meu produto de trabalho é a vida. (S1)
... trabalho para a saúde deles (clientes)...(S2)
... o meu trabalho não é só autorizar uma guia trazida pelo cliente...(S3)
Porém, cheio de penosidades, devido às incoerências nas normas da
organização:
... existe a lei do governo e existe a lei do plano... eu sei que o cliente
tem direito, mas a empresa não aceita liberar, nesse momento, eu sinto o
peso...parece até que não é a empresa que está negando, mas sou eu...
me dá medo..(S1)
...quando o cliente grita ou faz confusão.. coloco as minhas mãos
debaixo da mesa, para que ele não veja elas tremendo. (S3)
89
... eu neguei coisas que eu tenho certeza que era direito do
cliente...(S4)
E a pouca valorização fornecida a ele, seja através de retornos verbais ou
financeiros:
A gente faz tudo, somos quase um bombril”, mil e uma utilidades... eu
penso em sair por causa do salário. (S3)
.
..tenho a impressão que somos tratados como produto de menor valor. Eu
me comparo a outros colegas que são melhores remunerados e me sinto
frustrada ...(S4)
Finalizando a entrevista, a pesquisadora apresentou uma última pergunta: a
visão do autorizador sobre seu trabalho. O objetivo era coletar uma visão geral do
trabalho, através da percepção de cada um, e propiciar aos sujeitos uma
possibilidade de falar livremente de seu trabalho, além de possibilitá-lo a um
fechamento dos temas questionados.
Aqui eu sou mais necessária, sou mais humana diante do cliente, da
saúde... (S1)
Eu gosto do meu trabalho, ele vale a pena... quando o cliente vem muito
estressado, eu tento acalmá-lo...(S2)
É uma escola, quem trabalha com pessoas vive aprendendo. Tudo o que
levo aprendo no trabalho, levo para minha vida.. (S3)
Meu trabalho é mais minha casa que a minha própria casa... eu sou feliz
com meu trabalho em si...(S4)
Os sujeitos descreveram o trabalho com uma visão conflituosa, por que
percebem seu trabalho como necessário, positivo, relacionando a aprendizagem ou
a seu próprio lar, entretanto, apresentam conflitos em relação ao que executam e a
ética pessoal e às vezes, percebem o resultado de suas tarefas como moralmente
inaceitáveis por si próprios e pela sociedade.
90
Além disso, com base na fala dos autorizadores, durante as entrevistas, foi
pinçado e apreendido a visão que cada um traz de trabalho, ou seja, o que o
trabalho representa para cada um, o que representa em sua vida. Onde trabalho
para
S1 representa: conhecimento; identificação com o que se faz; superar
obstáculos; se sentir útil; ter relacionamentos; ser remunerada
adequadamente.
S2 representa: realizar o que é necessário, o que deve ser feito;
contribuir com o outro; ser remunerada adequadamente.
S3 representa: se sentir útil; realizar as tarefas com precisão; ser
adequada no que realiza; se envolver física e emocionalmente com o
trabalho.
S4 representa: uma grande dimensão da vida; é central, exige muito
dela; ser remunerada adequadamente.
Cada uma em sua subjetividade e em sua forma de estar no mundo revela a
sua visão de trabalho, onde todas apresentam a necessidade de serem
recompensadas financeiramente, além da necessidade de se sentirem úteis, de
contribuir para o outro para se manterem em relação ao mundo de forma positiva e
assim se perceberem como necessárias.
Foi possível também, com base nos relatos das entrevistas, levantar outras
categorias ou temas que se apresentaram na fala de todos os sujeitos, dentre elas:
1. Comunicação, como habilidade. Esta foi relatada como persuasão e tendo o
objetivo de convencer o cliente;
2. Conflitos, tensões e dilemas do autorizador: incoerência entre as normas da
empresa e a necessidade do cliente.
91
Esse tema se apresentou com várias facetas: a primeira é a
representação que o cliente tem da empresa não é a mesma que a
empresa tem do cliente. A empresa percebe o cliente como um usuário
(quem usa) ou um contrato e o cliente percebe a empresa como quem tem
que prover. A segunda é o controle do tempo do autorizador pela empresa
e o tempo exigido pelo cliente. A disponibilidade que a empresa permite ao
autorizador não supre a necessidade do cliente. Nos dois casos o autorizador
surge como mediador dos dois elementos: o cliente e empresa ocasionando
tensões, conflitos e dilemas e estresse.
3. Medo. Esse tema surgiu devido a três fatores: o primeiro é o medo de errar
ao executar a autorização e ter de seu salário o desconto proporcional ao que
foi liberado indevidamente. Segundo, o erro de ser visto como incompetente
pela equipe, devido ao erro realizado. Terceiro, o medo das agressões físicas
ou verbais dos clientes, ocasionadas durante uma não liberação solicitada
pelo cliente no atendimento.
4. Defesa ou distanciamento do cliente como forma de auto-proteção. O
distanciamento do cliente é relatado pelo autorizador quando o cliente não
possui direito contratual para realizar um procedimento, porém necessita fazê-
lo para se manter sadio ou diagnosticar uma patologia. Dessa forma,
distanciar-se do cliente vem revestido de não entrar em contato com a dor do
outro ou com a repercussão que isso irá impactará no cliente. O mesmo foi
percebido quando ocorre uma negativa da empresa e o cliente tem direito
contratual, nesse caso o autorizador distancia-se para não assumir a ação da
empresa, que ele não concorda. Aqui surge a dualidade de sentimento do
autorizador, pois ele se percebe dividido entre o trabalho que realiza e a
consonância com os seus valores morais. Dessa forma, distanciar-se é não
manter contato com o outro e se proteger, mesmo que se aliene do produto
gerado em seu trabalho.
5.3 Considerações Finais
O objetivo principal deste estudo foi investigar a visão de trabalho dos
autorizadores de um plano de saúde. A partir dos resultados obtidos nas entrevistas
92
e na articulação com o referencial teórico levantado, foi possível responder aos
objetivos propostos e emitir considerações sobre os pressupostos formulados.
Relacionando os objetivos e os pressupostos da pesquisa com as respostas do
grupo pesquisado, verificou-se que:
A significação das tarefas segundo o modelo de Oldham e Hackman (1976) é o
grau em que o indivíduo percebe seu trabalho como importante, valioso e
significativo. O primeiro objetivo especifico dessa pesquisa foi identificar se
sentido significativo do trabalho. Para isso associaram-se temas retirados das idéias
de Morin (2001) para melhor ampliação e verificação dos resultados (anexo 4).
Observou-se que os sujeitos percebem a necessidade de várias habilidades na
execução de suas tarefas, porém se identificam com elas quando o trabalho
apresenta coerência entre o que aceitam como ético e as normas da empresa.
Apesar de perceberem seu trabalho como significativo e importante, para os outros e
para a empresa, não se sentem valorizados, inclusive financeiramente, repercutindo
na execução das tarefas e no atendimento aos clientes, e na independência e
liberdade financeira ao trabalhador.
Ainda relacionado ao significado do trabalho, o tema aprendizagem vem
revestido de um sentido contraditório, pois esse não se encontra vinculado a
crescimento profissional ou desenvolvimento, porém como forma de se proteger das
sanções ministradas pelas normas da empresa. Portanto, não se pode afirmar que
sentido significativo do trabalho, pois esse encontra respaldo na variação das
tarefas, em parte do trabalho executado, ou seja, quando o autorizador pode
autorizar os procedimentos solicitados e na clareza dos objetivos do trabalho
realizado.
Por outro lado, os sujeitos o se sentem valorizados, não sentem prazer na
maior parte do dia, percebem incoerência nas tarefas executadas e não possuem
retorno financeiro adequado.
Então, podemos confirmar o pressuposto de que na visão do autorizador não
há sentido significativo do trabalho.
93
No segundo objetivo específico da pesquisa foi averiguar se
responsabilidade pessoal (autonomia) e feedback no trabalho.
Concluiu-se que não autonomia, ou seja, os sujeitos não possuem
possibilidade de tomar decisões ou escolher como realizar suas tarefas, entretanto
sentem-se responsáveis pelo trabalho executado, pois se consideram donos da
execução e pelo cliente. Quanto ao feedback extrínseco, dado por superiores, não
formalmente, mas pelos colegas de forma negativa, no sentido de vigiar o
trabalho executado. Pelos clientes e pelas tarefas (feedback intrínseco) o resultado é
imediato, favorecendo a visão de seu trabalho.
Podemos, então, concluir que não autonomia, nem feedback extrínseco no
trabalho do autorizador, porém que há um senso de responsabilidade pessoal com o
cliente, elemento principal de seu trabalho, e feedback intrínseco. Portanto, o
segundo pressuposto pode ser confirmado em parte, não podendo ser utilizado
sem uma análise mais detalhada da percepção do autorizador.
Quanto ao terceiro objetivo específico, verificar os contatos ou as relações
interpessoais e a utilidade de seu trabalho na visão do autorizador, foi possível
concluir que: as relações interpessoais são frágeis e conflituosas e o trabalho é
percebido como útil a sociedade, quando as autorizações são realizadas. Portanto, o
terceiro pressuposto foi confirmado, que nas falas dos sujeitos vêm revestidas
continuamente das dificuldades relacionais com os clientes e com as normas da
empresa.
Finalmente, foi possível através dessa pesquisa, investigar a visão do trabalho
por parte de autorizadores ou atendentes de um plano de saúde. Ficou confirmado
que a visão do trabalho para eles apresenta uma relação direta com a tarefa que
está sendo executada. Ou seja, a visão positiva do trabalho está relacionada a
autorizar um processo, mesmo que muito difícil seja, e assim favorecer ao cliente e
em decorrência, evitar conflitos e obter uma boa relação com o cliente, colegas e
gestores.
A valorização financeira foi relatada como possibilidade de propiciar uma
melhor bem–estar, tanto físico quanto na valorização da função exercida.
94
Portanto, como o trabalho desses profissionais, diariamente, apresenta
momentos de não autorização dos processos aos clientes, a visão do trabalho torna-
se negativa, vista como trabalho sem sentido, incoerente, sem identificação com ele
próprio como trabalhador, e com contatos frágeis e conflituosos.
Conclui-se, que o trabalho do autorizador é um trabalho com repercussões
emocionais, gerador de instabilidade em seus contatos, com baixa cooperação entre
a equipe, causador de sentimentos de insegurança e medo, com baixa autonomia e
alta carga de ritmo nas tarefas executadas. Além disso, a empresa apresenta
punição, quando a tarefa é realizada de forma errada, e possui controle integral do
tempo de execução das tarefas executadas.
A visão do trabalho, objetivo deste estudo traz como conclusão que o trabalho,
para o autorizador, apresenta incoerência com seus valores morais, sem autonomia,
com grande carga psíquica, devido aos conflitos, com baixo retorno, inclusive
financeiro, não reconhecido ou valorizado pela organização, porém, desafiador,
estimulante ao aprendizado, não rotineiro e útil aos clientes e a sociedade.
Com base no estudo desenvolvido e nos resultados, apresentam-se algumas
sugestões para futuros estudos e pesquisas:
Pesquisar a relação de poder e possíveis retaliações entre o autorizador
e a empresa estudada, relacionando as categorias aqui mencionadas.
Percebe-se que o autorizador traz em sua função o poder de autorizar
ou não um procedimento a um cliente, e nisso o poder revestido da
empresa, portanto a relação de poder entre ele e o cliente é real. Junto
ao poder, também surge à possibilidade de retaliações que ele pode
causar a empresa, através do mau atendimento ao cliente, por sentir-se
injustiçado quando ocorrem débitos em seu salário devido aos erros
ocasionados nas autorizações indevidas. A ética também forneceria um
pano de fundo a essa questão e colocaria em foco a conduta humana
nos profissionais de saúde.
Pesquisar a representação que o plano de saúde possui do cliente e
compará-lo à representação que o cliente tem do plano de saúde. Esse
95
trabalho com foco em Marketing traria uma visão comparativa das
representações entre o cliente e a empresa, possibilitando traçar
estratégias de melhorias na imagem da empresa e no relacionamento
com o cliente.
Identificar quais as estratégias poderiam ser desenvolvidas pelas
organizações para propiciar melhoria na qualidade de vida no trabalho.
Essa pesquisa possibilitaria ao R.H. das empresas desenvolverem um
plano para que o funcionário possa ter um melhor bem-estar no
ambiente de trabalho, gerando assim maior produtividade e diminuição
de patologias ocasionadas devido às pressões laborais.
Comparar o resultado desse estudo com o profissional de saúde que
atende em Call Centers ou Centrais Telefônicas. E com isso identificar
quais os trabalhadores que possuem maior impacto devido as atividades
laborais, seja na sua saúde sica ou mental, ocasionado pelo contato
face a face ou por escutas contínuas.
96
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103
Anexo 1 - Dimensões do Trabalho
FIGURA 3 - Dimensões do Trabalho
Fonte: OLIVEIRA et al (2004)
104
Apêndice A - Carta de Apresentação
Fortaleza, de março de 2007.
Prezado (a) Senhor (a),
A Faculdade de Economia e Administração, Atuária e Contabilidade (FEAAC) da UFC oferece um curso de
Mestrado Profissional em Administração (MPA), com duas linhas de pesquisa Marketing e Recursos
Humanos. Embora seja um curso incipiente, o MPA já é recomendado pela Capes, o órgão do Ministério da
Educação que regulamenta a pós-graduação stricto sensu. Como ressalta a própria CAPES
(www.capes.gov.br),
Mestrado Profissional é a designação do Mestrado que enfatiza estudos e
técnicas diretamente voltadas ao desempenho de um alto nível de qualificação
profissional. Esta ênfase é a única diferença em relação ao acadêmico. Confere,
pois, idênticos grau e prerrogativas, inclusive para o exercício da docência, e,
como todo programa de pós-graduação stricto sensu, tem a validade nacional do
diploma condicionada ao reconhecimento prévio do curso.
Um pré-requisito essencial para a sustentação de um mestrado é a qualidade das pesquisas feitas por seus
professores e alunos. A viabilização destas pesquisas depende, em grande medida, da possibilidade de
acesso às empresas. Sem a colaboração estratégica da liderança empresarial, não é possível termos uma
perspectiva pragmática do mundo dos negócios e da competitividade das empresas locais, em termos de
sua inserção regional e global.
Deste modo, solicitamos sua assistência na concessão e viabilização do acesso da aluna Maria Rejane
Maia Pinheiro de Abreu que, conforme previamente acordado, estará realizando, a pesquisa de sua
dissertação de Mestrado, sob a supervisão da professora doutora Hilda Coutinho de Oliveira. Como parte
do processo de coleta de dados, o trabalho proposto requer a presença do mestrando na empresa em
horários a serem previamente negociados, bem como a permissão de acesso a pessoas e documentos
relevantes para os objetivos da pesquisa. A síntese resultante da pesquisa, de grande valor crítico e
diagnóstico por refletir a realidade constatada e indicar possibilidades de mudanças, ficará, claro, à
disposição da empresa.
Em tempo, ressaltamos nosso compromisso com a sigilosidade das informações colhidas e a natureza
eminentemente acadêmica do trabalho a ser desenvolvido. Diante do exposto, caso esteja de acordo,
solicitamos que V. Sa. Assine este documento de modo a formalizar a pesquisa. Por favor, sinta-se à
vontade para nos contactar nos telefones fornecidos abaixo caso haja ou surja alguma dúvida em relação a
qualquer aspecto deste trabalho. Antecipadamente, agradecemos a atenção e o tempo a nós dedicados.
Atenciosamente
Prof. Dr. Augusto Cezar de Aquino Cabral
Coordenador do MPA/ FEAAC/ UFC
([email protected] 4009-7889/ 9909-0160)
Prof. Drª. Hilda Coutinho de Oliveira
Professora - Orientadora MPA/ FEAAC/ UFC
([email protected].br 3262-6875/ 3283-8414/ 8883-6875)
Maria Rejane Maia Pinheiro de Abreu
Mestranda MPA/ FEAAC/ UFC
(
3262
-
2462/ 3255
-
9080/ 8736
-
4711)
105
Apêndice B – Questionário 1
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO
Função:____________________________________________
Tempo na Função:________________
Tempo de Trabalho na Empresa:____________________
Experiência Anteriores :___________________
Sexo 1) Masculino:______________
2) Feminino:_______________
Escolaridade:_______________________________________
Estado Civil:________________________________________
Filhos Não
Sim . Quantos:_________________
Com quem reside:____________________________________________
106
Apêndice C – Questionário 2
Roteiro de perguntas norteadoras utilizadas nas entrevistas
1. Você necessita usar várias habilidades para realizar suas tarefas no trabalho?
2. Seu trabalho exige que você tenha aprendizagem contínua?
3. As tarefas executadas em seu trabalho lhe permitem perceber o resultado
final do que você realizou?
4. Você se identifica com as tarefas e o resultado de seu trabalho?
5. O seu trabalho traz impacto ou contribui na vida de outras pessoas ou na
organização?
6. Você se sente valorizado pelo trabalho que realiza?
7. O que sente ao executar seu trabalho?
8. O seu salário atende suas necessidades básicas?
9. Em seu trabalho liberdade para você programar ou participar de decisões
sobre a realização de suas tarefas?
10. Você recebe informações sobre seu desempenho por colegas ou superiores?
11. Como você percebe que suas tarefas estão satisfatórias ou não?
12. Como são desenvolvidas as relações interpessoais em seu ambiente de
trabalho?
13. Qual a visão que você tem de seu trabalho?
107
Apêndice D - Quadro norteador para elaboração das perguntas
FIGURA 4 - Quadro norteador
Fonte: Adaptado pela própria Autora. (ABREU, 2006)
108
Apêndice E - Transcrições das Entrevistas
Transcrição da Entrevista 1
Data: 06/03/2007 Início: 16h40 Término: 17h20
Sujeito1.
Descrição: Feminina, 33 anos, casada, com 2 filhos. Trabalha com atendimento 15 anos e há 6
anos trabalha como autorizadora de plano de saúde, antes trabalhava com o comércio.
Possui nível médio de escolaridade e atualmente faz um curso técnico de gestão de saúde
fornecido pela empresa.
No primeiro momento a entrevistadora forneceu as orientações sobre a entrevista e sua
finalidade, apresentou as perguntas e fez o contrato de sigilo, apesar da gravação. A
entrevistadora já havia mantido contato, anteriormente, com a entrevistada e esta se
mostrado disponível em participar. No início da entrevista, a entrevistada mostrou um
pouco de tensão e timidez, devido ao uso do gravador, mantendo mais formalidade nas
primeiras respostas.
A entrevista se fez fora do ambiente de trabalho para que fosse menos persecutória e não
houvesse interrupções. A realização foi em uma sala de reunião emprestada de um
hospital. Duração de 43 minutos.
Entrevistador. 1. Você necessita usar várias habilidades para realizar suas tarefas no trabalho?
Sujeito 1: Com certeza, principalmente a habilidade do raciocínio rápido. A gente não pode pensar
muito, porque a gente trabalha com atendimento, então tem que ser conhecedora do que tá
falando, para não deixar vida para o cliente. O principal no meu trabalho é ter
conhecimento no que você faz, porque quando tem conhecimento do seu trabalho é mais
fácil... Pausa... A principal habilidade é o raciocínio, tem que ser mais inteligente, saber
administrar a situação. A área da gente, que trabalha com público, se você parar para
pensar você passa insegurança, você não pode pensar no que vai dizer. Você até pode
pensar o que eu vou informar para ele (cliente), mas na hora com o cliente eu tenho que
passar segurança (levantou a voz para dar ênfase)...
Entrevistador. 2. Seu trabalho exige que você tenha aprendizagem contínua?
Sujeito1: Com certeza, há mudanças contínuas, tudo isso faz com que você tenha aprendizagem, são
novas guias, novos exames e as trocas de guias e informações constantes.
Entrevistador. 3. As tarefas executadas em seu trabalho lhe permitem perceber o resultado final do
que você realizou?
Sujeito1: Permite... Permite. (Parou e ficou me olhando enquanto pensava, estava mais tranqüila,
havia descruzado os braços). Percebo o resultado, percebo quando eu lido com o cliente,
na hora de dar uma negativa para o cliente ou na hora de algo positivo. Negativa é quando
algo para o cliente não pode ser liberado pelo plano. O ponto final do trabalho que eu fiz é o
cliente, se ele ficou satisfeito, se houve negativa, mas ele compreendeu direito. Se houver a
negativa, mas se não foi compreendida eu tenho que convencê-lo do por que ele não tem
direito, senão ele vai para a justiça.
Entrevistador: 4. Você se identifica com as tarefas e os resultados de seu trabalho?
Sujeito1: Demais (respondeu sorrindo). Faz 15 anos que trabalho com atendimento, se eu não
gostasse não tava na área de atendimento. Posso dizer que eu já melhorei muito. No início
com 18 anos, talvez ingenuidade, eu passei por muita situação de insubordinação, não
109
aceitava chefia, hoje penso diferente. Tenho uma visão diferente. Me identifico demais,
gosto e não pretendo sair da área de atendimento.Gosto de atender.
Entrevistador: 5. O seu trabalho traz impacto ou contribui na vida de outras pessoas ou na
organização?
Sujeito 1: A gente trabalha com saúde, né?(franziu a testa e ficou séria). Não deixa de influir...
questão de autorização...Você trabalha com pessoas, mas você diz o que ele (o cliente)
tem direito e o que ele não tem direito e porque ele não tem direito. Às vezes, por falta de
informação dele ou do vendedor, pois há caso de vendas com má fé, isto reflete é na gente,
na autorização. Quando a gente atende um cliente que cumpre carência para realizar um
procedimento e isto não foi dito ou ele não sabe, aí eu vou ter que dizer a ele, ele não leu o
contrato, eu vou ler para ele. E ele é a pessoa que está necessitando do procedimento
médico naquele momento... Às vezes, ele entra no plano e espera 6 meses só para realizar
aquele procedimento, quando chega (gagueja) para a gente autorizar e sabe que não tem
direito, isso impacta sim. Você não fica se sentindo bem, por mais que você não queira se
envolver, você se envolve.
Vivi uma situação com um filho de um cliente, ele disse para mim: vocês são desumanos,
não pensam com o coração só com o bolso! Tá entendendo?
Na verdade os pacientes mexem com a gente, principalmente os de quimioterapia, quando
a gente perde (o sujeito usa a palavra perde para significar a morte) um deles, por mais fria
que o sistema nos torne pessoas frias, a sente sofre, a gente fica sentimental.
Às vezes, a gente também fica com raiva do paciente, quando ele chega e diz você tem
que autorizar, você é obrigada a autorizar, só saio daqui com isso. Por mais que eu
explique, ele não entende. Chego a ter raiva desse tipo de cliente.
Entrevistador: 6. Você se sente valorizado pelo trabalho que realiza?
Sujeito 1: Eu me sinto pela equipe. Eu sinto que faço parte de uma equipe, são os colegas que
trabalham ao meu lado. Também quando eu consigo resolver algo quase impossível dentro
do trabalho. Tem coisa que chega e eu acho que não vou resolver, mas quando eu resolvo
é gratificante. Eu consegui resolver o problema!
Entrevistador: 7. O que você sente ao executar seu trabalho?
Sujeito1: (Ficou pensativo...) É engraçado, cada dia eu cresço mais e aprendo mais. Tenho seis anos
de autorizadora e ainda me deparo com coisas novas, exames novos...
Mas você quer que eu fale sobre o que sinto né? (ficou parada me olhando...) Depende da situação.
Se eu tou negando um procedimento, eu sinto tristeza, se eu estou resolvendo uma
situação, quase impossível, é de alegria. Às vezes a gente se envolve, às vezes, não.
Emocionalmente falando, eu tento me envolver com o trabalho, e coloco como o mais
importante o ter que aprender: o conhecimento.
Entrevistador: 8. O seu salário atende suas necessidades básicas?
Sujeito 1: Não. E nesse momento eu não estou bem por isso, recebi meu contracheque hoje e vi que
não irei consegui pagar minhas contas.
Entrevistador: 9. Em seu trabalho há liberdade para você programar ou participar de decisões sobre a
realização de suas tarefas?
Sujeito 1: Depende das tarefas. As de rotina eu posso organizar, mas dependo dos outros. Eu preciso
dos outros setores para realizar as minhas tarefas.
Entrevistador: 10 . Você recebe informações sobre seu desempenho por colegas ou superiores?
Sujeito 1: Não. A gente ouve comentários dos colegas ou de clientes quando te elogiam ou te
criticam. Os colegas me observam muito, minha postura e alguns me dizem: Olha não é
assim!
Entrevistador: 11 . Como você percebe que suas tarefas estão satisfatórias ou não?
Sujeito 1: Quando eu resolvo alguma pendência rapidamente. Ou através dos relatórios diários do
atendimento, eu vejo quantas pessoas eu atendi. Atualmente estou felicíssima, pois eu
criei um relatório que deu certo para a equipe, e fazemos uma competição saudável quanto
110
ao número de atendimentos realizados por cada uma. A gente se compara e não temos
espera. Porque quando a sala de espera está lotada é horrível, o cliente grita, fala alto. Não
ter espera, fica mais fácil atender, conversar com o cliente. Se o cliente espera, ele já senta
na cadeira, cansado, impaciente e às vezes, tenho que levantar para questionar outros
setores e aí, o cliente não aceita esperar.
Entrevistador: 12 . Como são desenvolvidas as relações interpessoais em seu ambiente de trabalho?
Sujeito 1: A equipe que trabalha comigo é maravilhosa, mas às vezes alguém não se enquadra,
fica difícil. Se alguém quebra a harmonia, isso traz problemas. com os clientes é difícil.
Alguns aparecem de vez em quando, mas tem cliente que vem tanto que acaba vindo
conversar. Com alguns a gente não tem vínculo nenhum, com outros, os de quimioterapia,
que vêem toda semana, a gente faz amizade. Os vínculos são com os que mais
necessitam, quando a sente “perde” a gente sente muito.
Entrevistador: 13 . Qual a visão que você tem de seu trabalho?
Sujeito 1: Gosto do que faço, do atendimento com o cliente, do companheirismo das colegas. O que
me prende aqui não é o salário, pois trabalhei em empresa que eu ganhava mais e
quando eu tiver oportunidade de sair, eu saí. Hoje eu gosto da equipe, do chefe aos
colegas, mas não gosto da empresa, só do que ela me proporcionou: o conhecimento.
trabalhei no comércio e as relações são mais superficiais, aqui o produto é a vida.
Aqui eu sou mais necessária, sou mais humana diante do cliente, da saúde e mais fria,
quando estou representando um contrato. Existe o contrato, a lei, e a saúde, aonde o difícil
é lidar com as duas. A gente não pode nem se comover, senão a gente erra e dar ao
usuário o que ele não tem direito, nesse momento eu tenho que ser fria, porque se errar eu
terei que pagar, pois a empresa não perde. Tem um médico aqui que quando o cliente
precisava muito, ele autorizava e dizia que é para a cota de doação dele com Deus, mesmo
o cliente não tendo direito.
Mas eu não posso, se eu der vou ter que pagar com o meu bolso e eu não tenho
condições. Se eu der estarei tirando do outro, tirando da empresa. E a ética com a
empresa?
Existe a lei do governo e existe a lei do plano, da empresa. Eu, às vezes sei que o cliente
tem direito, mas a empresa não aceita liberar, nesse momento, eu sinto o peso, porque
quando eu nego sabendo que o cliente tem direito, dói. Negar dói, mas quando o cliente
não tem direito, dói menos.
Quando eu nego sabendo que ele tem direito, parece até que não é empresa que está
negando, mas sou eu, minha pessoa, me medo. Medo de estar fugindo das minhas
origens, porque eu sou honesta e nesse momento, eu não estou sendo honesta, como vou
passar para o cliente a segurança? E sou eu que tenho que passar...
Transcrição da Entrevista 2
Data: 12/03/2007 Início: 14h55 Término: 15h20
Sujeito2
.
Descrição: Feminina, 32 anos, solteira, com 1 filho. Trabalha com atendimento 5 anos e 1 ano
e 6 meses trabalha como autorizadora de plano de saúde , antes trabalhava com
atendimento telefônico de planos de saúde. Possui nível médio de escolaridade.
No primeiro momento a entrevistadora forneceu as orientações sobre a entrevista e sua
finalidade, apresentou as perguntas e fez o contrato de sigilo, apesar da gravação. A
entrevistadora já havia mantido contato, anteriormente, com a entrevistada e esta se
mostrado disponível em participar, porém esta disse que estava com receio de não
consegui responder as perguntas e que tentaria ser bem direta. Afirmei que caso ela não
111
quisesse ou sentisse dificuldade em responder alguma pergunta, ela poderia se abster da
resposta ou solicitar que eu detalhasse mais o que estava perguntando.
A entrevista se fez dentro do ambiente de trabalho em uma sala reservada e sem
interrupções. Duração de 20 minutos.
Entrevistador. 1. Você necessita usar várias habilidades para realizar suas tarefas no trabalho?
Sujeito 2: Necessito usar várias habilidades: ser ágil, ser clara e bem comunicativa, para que o
usuário entenda, principalmente quando a gente passa para o cliente alguma negativa do
que ele está solicitando, ou quando o plano tem carência e não cobre o que ele quer. Aí eu
tenho que ser bastante clara e ter firmeza, porque senão o cliente não acredita e pede
para falar com outra pessoa, a superior a você. Tem cliente que questiona mais e
geralmente é quando você não fala com muita firmeza. Tem que ser convincente!
Entrevistador. 2. Seu trabalho exige que você tenha aprendizagem contínua?
Sujeito 2: Na autorização todo dia é um treinamento, todo dia tem que aprender, porque sempre
mudanças e elas são rápidas. Você tem que aprender, senão erra.
Entrevistador. 3. As tarefas executadas em seu trabalho lhe permitem perceber o resultado final do
que você realizou?
Sujeito 2: A gente o resultado final pelo usuário que a gente atende. Quando a gente uma
resposta satisfatória e ele agradece, às vezes é uma besteira, uma consulta, mas ele fala e
a gente vê. O cliente é que me mostra o resultado, é imediato. Quando eu não consigo
autorizar, o resultado é bem diferente, o cliente não gosta, mas também posso ver o
resultado.
Entrevistador: 4. Você se identifica com as tarefas e os resultados de seu trabalho?
Sujeito 2: Eu gosto muito de atender. Gosto de autorização, de ficar com o cliente. Não agüentaria
trabalhar num canto fechado, sozinha, não é nada bom. Todo dia no meu trabalho uma
coisa nova que aparece, tenho que correr atrás. Eu gosto de tentar resolver, do movimento,
de superar os obstáculos e dos resultados. Gosto do contato com o público, de resolver,
principalmente quando dá certo! Quando não dá certo, eu tenho que chegar para o cliente e
falar, às vezes fico triste, porque ele não tem direito, mas falo com firmeza, é o jeito! O
plano tem coberturas... ( nesse momento ele riu, como se nada pudesse fazer)
Entrevistador: 5. O seu trabalho traz impacto ou contribui na vida de outras pessoas ou na
organização?
Sujeito 2: Contribui para o cliente, eu trabalho para eles, para a saúde dele. Quando eu não autorizo,
tento contribuir buscando outros caminhos, o SUS, outras formas de ajudar.
Entrevistador: 6. Você se sente valorizado pelo trabalho que realiza?
Sujeito 2: Não. Nem os colegas nem meus superiores me valorizam. Quando você faz alguma coisa
errada, aí caem em cima de você, mas as coisas boas, ninguém vê! Os errados vêem num
instante... Mas os colegas nos ajudam, a gente é unido, estamos no mesmo barco. Mas
não me sinto valorizada, às vezes algum cliente faz isso, aqueles que agradecem, nesse
momento eu me sinto valorizada.
Entrevistador: 7. O que você sente ao executar seu trabalho?
Sujeito 2: Geralmente me sinto feliz. Principalmente quando consigo resolver algo muito difícil.
Geralmente me sinto conforme os resultados do meu trabalho, se consigo ou não atender
bem o cliente. Se não estou bem, o atendimento também não é bom.
Entrevistador: 8. O seu salário atende suas necessidades básicas?
Sujeito 2: Não( ficou bem séria e pensativa). Eu gostaria de ganhar um pouco mais, não queria
sair daqui, porque eu gosto. A gente é que autoriza os procedimentos de alto custo e por
outro lado, não ganhamos nada bem...
Entrevistador: 9. Em seu trabalho liberdade para você programar ou participar de decisões sobre
a realização de suas tarefas?
112
Sujeito 2: Não, quem determina é o meu supervisor ou o cliente, com o que ele vem autorizar.
Geralmente eu sei aonde resolver, qual setor eu tenho que ir, mas não sou eu decido as
tarefas. As decisões são da empresa, não tenho poder nenhum.
Entrevistador: 10. Você recebe informações sobre seu desempenho por colegas ou superiores?
Sujeito 2: Não, nem os colegas sabem se estão bem em seu trabalho.
Entrevistador: 11. Como você percebe que suas tarefas estão satisfatórias ou não?
Sujeito 2: sei pelo usuário, quando ele diz obrigada ou quando ele reclama de mim ou me
elogia.Quem me diz alguma coisa é o cliente.
Entrevistador: 12. Como são desenvolvidas as relações interpessoais em seu ambiente de trabalho?
Sujeito 2: Não tenho do que reclamar, me dou muito bem com todos. Às vezes meu supervisor
estressado com 4 pedras na mão, eu não chego perto, não pergunto nada. Mas tem dia
que ele está bem. Eu entendo o estresse dele, só que saio de perto. Trabalhar com
atendimento é estressante.
Entrevistador: 13 . Qual a visão que você tem de seu trabalho?
Sujeito 2: Eu gosto do meu trabalho, ele vale a pena. estou desmotivada por causa do salário.
Trabalho o mês todinho liberando, atendendo e tenho medo de errar e pagar os
procedimentos de alto custo, eles aqui chamam de resolução: você erra, você paga.
Nunca paguei nada, mas se me tirarem dez reais vai fazer falta, pra vê como meu salário é
contado.
Às vezes o cliente me desgasta e aí eu o gosto do trabalho, mas mesmo quando ele (o
cliente) vem muito estressado eu tento acalmá-lo. Quando eu não consigo, eu deixo ele pra
lá, eu desisto dele... eu o trato normalmente, bem formal. Digo: a senhora quer o que?
Faço o meu trabalho e pronto. Se ele não quer que o ajude, deixo pra e ajo bem
profissionalmente, não me envolvo. Nesses momentos é difícil...
Transcrição da Entrevista 3
Data: 15/03/2007 Início: 17h55 Término: 18h25
Sujeito 3.
Descrição: Feminina, 30 anos, solteira, com 1 filho, mora com a mãe, a irmã e um
sobrinho . Trabalha com atendimento 7 anos e há 5 anos trabalha como
autorizadora de plano de saúde , antes trabalhava no comércio como vendedora.
Possui nível médio de escolaridade.
A entrevista foi marcada por duas vezes, com antecedência, entretanto no dia anterior a
autorizadora pediu para não realizar, porque havia atendido muito e estava muito cansada,
preferindo ir para casa. Marquei no dia seguinte e realizamos a entrevista na sala da
direção da empresa, que nos emprestou prontamente. A autorizadora mostrava realmente
sinais de cansaço, mas respondeu todas as perguntas. Nesse mês, devido as férias de
uma das supervisoras, a entrevistada estava substituindo interinamente a supervisão da
autorização.
Entrevistador. 1. Você necessita usar várias habilidades para realizar suas tarefas no trabalho?
113
Sujeito 3: Sim, eu necessito, pois o nível de atendimento que eu faço é necessário ter uma percepção
alta, pois eu converso com o usuário, dou atenção a ele, ao sistema, que são as telas do
computador, tenho que ter agilidade, compromisso com o trabalho... Nada pode ficar para o
outro dia! Eu gosto sempre de anotar tudo para não esquecer, tenho até um caderninho
para isso, para as pendências. Tem que ter organização, atenção, compromisso. Tem dia
que eu utilizo mais habilidades que outra, porém a principal é a paciência, saber escutar,
porque às vezes o cliente vem resolver alguma coisa bem pequenininha, mas fala é muito!
Se você corta ele no meio, ele fica chateado e acaba gerando algo maior. Às vezes eu
dou uma entradinha para puxar a conversa e direcionar, porque o cliente fala,fala e temos
um tempo a cumprir. Eu quis cortar o cliente porque ele estava falando demais, mas
percebi que não adianta, hoje eu espero e fico aguardando ele falar. Tem que ter paciência,
atenção, olhar para o cliente, porque às vezes a gente tem que escrever prestar atenção no
computador, saber ouvir, raciocinar rápido... enquanto o cliente fala eu vou pensando no
que vou responder, como vou resolver o problema dele. Tenho que ser rápida, porque são
muitos atendimentos e cada um é uma coisa diferente da outra. Tem dia que acabo
morta.... e se você atender assim aí é que o cliente percebe e não dá nada certo. Você tem
que estar bem, parecer estar bem, para que seu atendimento seja bom, qualquer coisa em
você aparece no atendimento e aí não dá certo.
Entrevistador. 2. Seu trabalho exige que você tenha aprendizagem contínua?
Sujeito 3: Com certeza. A empresa tem um fluxo de informações muito rápido, são comunicados, e-
mails, planos antigos, planos novos, contratos diferentes. Você tem que procurar saber
sempre de tudo, o que mudou para passar para o paciente. Hoje eu peguei uma alteração
de um médico, a gente tem que ir atrás para verificar se é verdade mesmo, tem que
confirmar a informação. Não é porque alguém diz que você acredita, tem que confirmar a
informação para repassar aos pacientes e aos colegas. Se você não confirmar e passar a
informação errada, divulgar errado para os colegas, alguém pode errar e prejudicar o
cliente e prejudicar os outros colegas. Então não é aprender, é aprender, confirmar e
divulgar e são muitas informações, desde a lei até procedimentos médicos, exames...
Entrevistador. 3. As tarefas executadas em seu trabalho lhe permitem perceber o resultado final do
que você realizou?
Sujeito 3: Acredito que sim. Cada processo que eu pego eu tenho que ir com ele até o fim. Você não
pode repassar para outro resolver. Tenho que acompanhar cada caso, o início, o meio e o
fim, cada cliente é meu cliente e tenho que verificar tudo, se a guia do pedido médico está
ok, se os materiais especiais serão liberados, se ele tem direito, tudo. Se o processo vai
para algum setor,tenho que ficar monitorando, vê se resolveram e se ligaram para o cliente.
Eu prefiro ficar com o processo até o final, porque eu fico preocupada. Eu tenho até medo
de esquecer algo para o usuário e ter problemas com ele, na autorização dele. Imagina se
não liberam algum material e na hora da cirurgia o dico tem que parar. È a mim que o
cliente conhece e é a mim que ele virá cobrar. A empresa nesse caso passa a ser eu
mesma, o cliente muitas vezes fica com raiva é da gente e não da empresa.
Entrevistador: 4. Você se identifica com as tarefas e os resultados de seu trabalho?
Sujeito 3: Bastante. Eu gosto muito, gosto ao atendimento. Mas é difícil, muito difícil trabalhar com
atendimento, trabalhar com pessoas, porque tem todo tipo de pessoas, educada, mal-
educada, grosseiras... (nesse momento o rosto expressou tristeza)
Eu me identifico com meu trabalho, é um aprendizado para minha vida. Se você agir de
uma forma ruim, não souber agir, não sabe o que fazer, isso é um aprendizado, no
próximo usuário vou agir de outra forma. sei medir as palavras para o cliente não
entender errado, vou fazendo diferente. O que não deu certo ou o que deu certo uso no
próximo atendimento.
Entrevistador: 5. O seu trabalho traz impacto ou contribui na vida de outras pessoas ou na
organização?
Sujeito 3: Sim ,acredito que sim. Trabalho com saúde, mas o impacto grande também é na minha
saúde, porque fico preocupada. Quando tenho um processo que não consigo resolver,
fico estressada, tenho medo, já tive usuário que quis partir para agressão.
114
Eu fico ansiosa se o processo de autorizar vai dar certo ou não. Se eu não consigo
autorizar, se o cliente não tem direito, tento verificar se eu consigo no SUS. A empresa tem
a visão dela, trabalha visando lucros e eu tenho que fazer a minha parte, satisfazendo o
cliente. Meu trabalho envolve tudo, da saúde do cliente a minha, da economia da empresa
até uma folha de papel mal utilizada gerando gastos desnecessários. Tudo depende de
mim, do autorizador, tudo depende de como levamos o processo do cliente. Todo o impacto
gerado é do autorizador, se ele conseguiu ou não convencer o cliente, mesmo não
liberando tem que convencer que ele não tem direito.
Entrevistador: 6. Você se sente valorizado pelo trabalho que realiza?
Sujeito 3: Sim. Teve uma época que estava com problemas emocionais, tive depressão, tristeza, à
supervisão conversou comigo e me ajudou muito, foi bem compreensiva. Quando melhorei,
fiquei melhor que antes, a supervisão me chamou e me valorizou percebendo que eu
melhorei. Os colegas me valorizam quando me procuram para retiras suas dúvidas comigo,
eles vem até a mim. Quando os supervisores estão ocupados, é a mim que eles recorrem e
eu ajudo, eu me sinto valorizada nessa hora.
Entrevistador: 7. O que você sente ao executar seu trabalho?
Sujeito 3: Depende do momento(a entrevistada riu alto). Eu gosto do atendimento, mas tem
momentos que dependendo do caso eu fico feliz ou triste. Na maioria das vezes eu estou
satisfeita, porque eu gosto de atende, de resolver os problemas, de ir atrás. Mas às vezes
ficou estressada, quando o usuário vem gritando, vem o pensamento na minha cabeça:
Ai meu Deus me ajuda! Dai-me paciência, dai-me mansidão! Recorro a Deus, estou numa
fase da minha vida muito religiosa; senão o cliente fica gritando e eu tento pensar em
outras coisas. A maioria das vezes eu tento pensar em coisas boas. Porém algumas vezes
não eu tenho estresse, tensão, preocupação, medo e chego e me tremer todinha.
Meu sistema nervoso fica abalado, principalmente quando o cliente grita ou faz confusão.
Coloco as minhas mãos debaixo da mesa, para que ele não veja elas tremendo. Quando o
cliente grita fico nervosa e tenho medo, nem posso pensar nisso...
Entrevistador: 8. O seu salário atende suas necessidades básicas?
Sujeito 3: Infelizmente não. Porque eu tenho um filho e na minha casa mora eu, minha mãe, minha
irmã, meu irmão e um sobrinho, além do meu filho. Tenho que ajudar no aluguel, minha
mãe é separada, ainda tem o colégio do meu filho, o plano de saúde dele que a empresa
não paga, os lanches que ele tem que fazer na escola e em casa, os remédios, o lazer que
eu acho muito importante, ele gosta de jogar videogame. É difícil, eu faço o que posso, mas
não dá, é pouco, eu acho pouco! É quase um salário mínimo!
Entrevistador: 9. Em seu trabalho há liberdade para você programar ou participar de decisões sobre a
realização de suas tarefas?
Sujeito 3: Não , na maioria das vezes não. Tem reuniões que os supervisores levam em conta o que
a gente fala, alguma proposta ou solicitação dada, mas não participo de decisões.
Normalmente nossas tarefas são determinadas.
Entrevistador: 10. Você recebe informações sobre seu desempenho por colegas ou superiores?
Sujeito 3: Na maioria das vezes o. Não nada formalizado. A gente corre muito no trabalho, é
muita gente para atender, não há tempo. Algumas vezes o supervisor fala, mas não é
comum.
Entrevistador: 11. Como você percebe que suas tarefas estão satisfatórias ou não?
Sujeito 3: Quando eu sou elogiada por algum cliente ou quando o gestor me elogia. quando tem
elogio. Mas geralmente o cliente elogia para você, acaba que a gente não registra e
ninguém fica sabendo, mas traz satisfação em você saber que conseguiu um bom
trabalho. Porque é tão ruim quando o cliente chega estressado, gritando, cheio de
problemas e ainda é mal atendido. Mesmo quando o usuário é grosso e a gente consegue
contornar, você se sente satisfeito, sua tarefa foi cumprida.
115
Entrevistador: 12. Como são desenvolvidas as relações interpessoais em seu ambiente de trabalho?
Sujeito 3: Eu acho que as relações agora estão ótimas, Porque mais ou menos um ano estavam
péssimas entre os colegas. Tinha as panelinhas, uns fofocando dos outros, os
autorizadores se preocupavam mais com a cabine do lado do que com a sua. Eles olhavam
para um lado e se o autorizador do lado havia levantado, estava esticando ou fugindo do
atendimento, ele também levantava e a espera ficava imensa. Eles diziam se ele não
está atendendo eu também não vou atender. Era rivalidade mesmo! Tava um clima muito
ruim mesmo, ninguém queria atender! Era intriga e fofoca. Agora com a troca de alguns
e com os novatos, a coisa melhorou bastante. Estamos no caminho certo. Ainda tem um
desalinhamentozinho, mas é normal, eu acho. Eu com os supervisores é normal, não vejo
distância, para conversar. com os clientes o relacionamento é mais difícil. Eles
sempre querem contar a história deles toda, mas não querem ouvir nossa parte. Ainda bem
que muitos que tem compreensão, mas têm alguns que é praticamente impossível se
relacionar, se você não fizer 100% ele não aceita, é como se eu nada tivesse feito. Essas
relações são muito difíceis, às vezes tenho até medo deles, sabe lá do que são capazes.
Entrevistador: 13. Qual a visão que você tem de seu trabalho?
Sujeito 3 É uma escola, quem trabalha com pessoas vive aprendendo. Tudo o que aprendo no
trabalho levo para minha vida, afinal trabalho com pessoas. Você aprende com as
dificuldades, com os problemas. Com as boas para repetir e com as ruins para não fazer de
novo. O meu trabalho não é sou autorizar uma guia trazida pelo cliente, é muito mais que
isso, mesmo que seja a mesma patologia, o mesmo diagnóstico, o mesmo procedimento, é
uma pessoa diferente. Exige análise da parte financeira, do contrato, da legislação, e de
entender de pessoas. A gente faz de tudo, somos quase um “bombril”, mil e uma utilidade...
(riu). Se eu fosse para outro emprego hoje estaria bem mais preparada do que quando
eu entrei aqui. Deixei até de ter medo de buscar algo maior, como uma promoção, porque
antes eu tinha. Hoje me acho capaz de alcançar algo maior. Antes não me passava a
idéia nem de participar de uma seleção. Hoje penso, se eu aprendi aqui irei aprender lá.
Porque aqui tudo é muito mais difícil. Hoje já me sinto mais corajosa, já estou até pensando
em ganhar mais. Mas eu gosto de atender, eu gosto daqui, eu penso em sair por causa
do salário. O trabalho aqui me deu mais coragem, apesar das situações de medo, você se
vê mais forte, mais capaz...
Transcrição da Entrevista 4
Data: 13/04/2007 Início: 18h10 Término: 18h50
Descrição Sujeito 4:
Feminina, 36 anos, casada 10 anos, com 1 filho, mora com o esposo e uma prima que ajuda a
cuidar de seu filho . Trabalha com atendimento 12 anos e 9 anos, trabalha como
autorizadora de plano de saúde, antes trabalhava em um plano odontológico e atuou
como supervisora de um hospital particular. Possui nível médio de escolaridade.
A entrevista ocorreu ao final do expediente de uma sexta-feira, em uma sala emprestada
pela empresa. O sujeito mostrou-se interessada em participar da entrevista, inclusive
procurou a pesquisadora por duas vezes para confirmar sua participação. A impressão
causada na pesquisadora é que havia necessidade de falar de suas vivências não só como
um desabafo, mas como uma forma de confirmar as dificuldades existentes na execução
das atividades. Como uma profissional de muitos anos na área, ela relatou diversos casos
ocorridos entre os clientes e colegas geradores de mal-estar, porém tais relatos foram
suprimidos da transcrição como medida de não expor os profissionais nem a empresa e por
já estarem expostas como sentimentos falados no decorrer da entrevista. Na entrevista, por
116
diversas vezes, a profissional mostrou-se emocionalmente afetada, principalmente nos
momentos que relatava a falta de valorização profissional e salarial.
Entrevistador 1. Você necessita usar várias habilidades para realizar suas tarefas no trabalho?
Sujeito 4 Sim, necessito. Entre elas conhecer o produto que a gente vende e nem todo mundo
domina. Conhecimento do produto é um dos elementos mais importante para a realização
das tarefas. Porém o trato com o cliente vem na frente de todas as outras habilidades.
Trato visto como lidar com gente, afinal nosso trabalho é lidar com gente... tem que se
identificar com isso, sem isso não adianta, afinal nosso trabalho é lidar com doente e ele
sempre vem em busca de atenção e muitas vezes chega aqui em busca disso e não
recebe...são muitos atendimentos, o cliente reclama, solicita mais atenção e um choque
entre nosso tempo para o cliente e o que ele que ter... se ele se sente mal atendimento
procura o supervisor... a forma de se comunicar gera uma impressão no cliente, o se
comunicar , o relacional...
Entrevistador 2. Seu trabalho exige que você tenha aprendizagem contínua?
Sujeito 4 Exige. Conhecer leis, conhecer o produto, conhecer os contratos que são vários e ainda
conhecer os subprodutos do produto, pois são vários tipos de contratos.
Entrevistador 3. As tarefas executadas em seu trabalho lhe permitem perceber o resultado final do
que você realizou?
Sujeito 4 Eu acho que não, na nossa organização são tantas mudanças que a gente nunca sabe se
estamos trabalhando corretamente. Hoje eu aprendi assim amanhã, é de outra maneira,
afinal eu nunca sei se está certo o que eu fiz, se esta direito o meu trabalho.... Para mim o
resultado final do meu trabalho é quando não tenho débitos no meu salário ao final do mês,
isso me mostra que eu não errei... não é autorizar e sim não errar.... meu trabalho é como
eu assinar cheques pré-datados, se eu errar eu pago... e o trabalho vai de acordo com a
cabeça do presidente da empresa, mesmo que eu e os médico concordem com algo se o
presidente não concordar isso gera erros e débito.. é a visão dele, do presidente, que
impera...
Entrevistador 4. Você se identifica com as tarefas e os resultados de seu trabalho?
Sujeito 4 Com as tarefas sim, com o resultado não, cai na pergunta anterior... não concordo com
alguns resultados... me identifico com o atendimento, hoje me preocupo que a sala dos
clientes não tenha espera, pois a satisfação do cliente hoje para mim é o atendimento não
ter espera, são muitos clientes e a espera chega a ficar mais de uma hora, a gente atende
correndo, maior agitação... atende cliente, atende telefone, recebe fax, precisava de mais
gente para atender... ai eu poderia dar mais atenção, não ser tão mecânico meu
atendimento.. o cliente se queixa disso, da rapidez, não nem para olhar para ele, é
correndo... a insatisfação com o salário também gera o atendimento mecânico... ninguém
acaba querendo ser ágil, afinal nosso salário não é revisado, já solicitamos há mais de seis
meses e ninguém deu atenção... tudo reflete na nossa cara, atendendo somos a cara da
empresa... e o pior é que o cliente é que sofre, porque a gente acaba descontando nele... o
cliente acaba sendo o depósito das nossas insatisfações... e ele acaba reclamando da
gente, do nosso atendimento na cabine... tenho a preocupação de não fazer cara feia
senão ainda vai ter reclamação do supervisor...
Entrevistador 5. O seu trabalho traz impacto ou contribui na vida de outras pessoas ou na
organização?
Sujeito 4 Aqui sou duas pessoas o tempo todo: a pessoa que eu sou e a pessoa que quando senta
na mesa tem que incorporar as idéias da empresa, mesmo discordando dela. Tenho que
vestir a idéia, vender a idéia e ainda passar a idéia para o cliente, mesmo sem acreditar
nela... é complicado, reflete sim , se você diz um não você é que é a pessoa ruim.... e
aquilo você leva para casa, puxa vida!!! Às vezes eu vou pensando até no que eu disse...
eu neguei coisas que eu tenho certeza que era direito do cliente, eu conheço as leis, os
contratos e tive que disser não para ele, sabendo que o cliente paga o plano com um
dinheiro suado e você não pode autorizar, porque a empresa não concorda...a pessoa
doente e você diz que não vai dá, ele tendo direito... infelizmente é o meu trabalho... essa
nesse momento não sou eu, é a pessoa da empresa.. me traz momentos de raiva do que
eu estou fazendo ali... eu tenho que convencer o cliente a aceitar a resposta mesmo
sabendo que aquilo não tá certo...é incoerente, trabalho incoerente...
117
Entrevistador 6. Você se sente valorizado pelo trabalho que realiza?
Sujeito 4 Ás vezes, o cliente me valoriza mais que a empresa.. a empresa não reconhece, desconta
até os pontos não batidos, mas o que ela quer?... que eu largue o cliente, interrompa o
atendimento, saia da cabine e bater o ponto... eu não faço isso e sou descontada no
salário... você está no atendimento! Atendimento não pode ser interrompido se não há uma
quebra na conversa, na briga... imagina no meio da discussão com o cliente eu parar e
falar, peraí que eu vou bater meu ponto...aqui a Lei Áurea ainda não foi aplicada...
Entrevistador 7. O que você sente ao executar seu trabalho?
Sujeito 4 Tem dia que eu fico feliz, quando o dia não tem nenhum barraco, nem briga, mas tem dia
que parece que tem gente esperando abrirmos a porta para brigar com a gente... eu
todo dia faço meu ritual,minhas orações de proteção.. o tipo de trabalho que a gente faz
mexe muito com a gente... o cliente quando está com raiva xinga a gente, xinga a nossa
mãe, joga praga... quanto mais rico mais violento é o cliente... tem dia que a gente tem
tanta raiva do cliente... você começa bem e termina mal... a gente se transforma,
principalmente quando o cliente fala da sua família... depois eu rio , mas na hora a gente
tem que apagar fogo...
Entrevistador 8. O seu salário atende suas necessidades básicas?
Sujeito 4 Não, o atende mesmo... se eu não tivesse suporte em casa, coitada de mim... de jeito
nenhum... a família ainda pressiona porque eu não saio daqui... brigam comigo... salário
cheio de descontos...
Entrevistador 9. Em seu trabalho liberdade para você programar ou participar de decisões sobre
a realização de suas tarefas?
Sujeito 4 Não tenho poder de decisão, mas eu opino junto com a supervisora, reúno o grupo e juntos
vamos e opinamos, ás vezes certo. Mas não posso escolher o que fazer, porque
quando eu atendo é o cliente que traz suas necessidades e eu faço, também não posso
parar a hora que eu quero... se a espera tem gente tenho que atender... não posso
escolher qual atividade vou realizar... realizo o que o cliente traz...
Entrevistador 10 . Você recebe informações sobre seu desempenho por colegas ou superiores?
Sujeito 4 Eu tenho.. há sinais da supervisão... mas somos muito vigiados pelos colegas, se eu saio da
cabine os outros ficam olhando, fiscalizando e perguntam para a supervisão: cadê o
fulano? Além disso, tem um painel de controle no sistema, todos podem olhar se eu estou
atendendo ou se não estou, quantos atendimentos eu fiz... tenho como se meu
atendimento está rápido... somos vigiados eletronicamente por todos... Um dos
supervisores alguma informação... um outro supervisor não dá, se fecha na sua
redoma...
Entrevistador 11. Como você percebe que suas tarefas estão satisfatórias ou não?
Sujeito 4 A supervisora chama se não está legal, o cliente também reclama para a supervisão. Os
clientes são que os que mais falam. A nossa postura é muito vista, inclusive na
maquiagem, no uniforme, temos que estar toda alinhada, postura, vestimenta, além de
estar bem por fora, tem que estar por dentro... o pior é que os outros setores não são tão
cobrados quanto a gente.. na sexta-feira, os funcionários de outros setores usam sapatos
mais leves e até nem usam uniforme, aqui não, tem que ter meias, maquiagem , cabelo
preso...
Entrevistador 12. Como são desenvolvidas as relações interpessoais em seu ambiente de trabalho?
Sujeito 4 Com os clientes sempre tem choque, entre os colegas tem panelinhas, se juntam entre três,
quatro... com a gestão que são dois supervisores, com um temos mais facilidade, com
outro não, ele é mais fechado... com os colegas de outros setores sempre tenho a
impressão que somos tratados como um produto de menor valor. Eles parecem que têm
um rei na barriga... são tantas trocas de funcionários, que chegam e que saem, que
ninguém conhece mais ninguém...tenho que olhar os nomes pelo crachá... uma
competição entre os setores, quem é melhor, quem ganha mais, parece duas empresas...
atendimento e os outros setores ... no atendimento, na autorização somos mais
pressionados pelos clientes, pelos gestores e ganhamos menos... pressionam no uniforme,
na postura, na rapidez, nas autorizações que têm que estar corretas, senão nos descontam
e ainda o salário é o menor...
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Entrevistador 13. Qual a visão que você tem de seu trabalho?
Sujeito 4 Meu trabalho é mais minha casa que a minha própria casa... me dedico muito, há queixa da
família por isso, mais ele está no primeiro lugar, queria ter mais tempo, queria ser mais
reconhecida financeiramente, fazer jus ao que me dedico e me senti recompensada...eu
comparo com outros colegas que são melhores remunerados e me sinto frustrada, mas eu
sou feliz com meu trabalho em si... acho que ganho muito pouco, pelo tanto que faço
pela empresa...
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