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edificaram em torno dele (sobretudo o dogma da ressurreição) são autênticos
testemunhos de que a vida sempre fora confrontada com uma espécie de sentimento
trágico. Gregos, Judeus e nós, homens e mulheres forjados pela bricolagem que
marca o encontro dessas culturas, passamos a reconhecer mais fortemente tal
sentimento trágico da vida quando a morte, que foi possível para o homem que
também era Deus, passou a ser descoberta como uma realidade plausível.
302
Não
seria de se espantar se pensássemos que Aquiles, personagens da mais alta mitologia,
preferiu a morte gloriosa a uma vida inglória. O problema que pode ser levantado
reside no fato de termos privilegiado os processos que supostamente nos levariam a
neutralizar o senso de finitude. Em outras palavras, dentro da nossa tradição religiosa
(paulina) e filosófica (socrática) sempre fomos impulsionados a pensar que a
descoberta da finitude deveria ser ofuscada pela descoberta da imortalidade.
303
Como
bem afirma Miguel de Unamuno, essa descoberta, a da imortalidade
304
, preparada
pelos processos religiosos foi especificamente cristã.
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Para Unamuno, a descoberta
da morte é o que nos revela Deus.
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Paul Tillich também aposta que o sentido de
Deus, resguardando as particularidades que essa categoria assume dentro de seu
pensamento nasce da resposta à pergunta que está implícita na finitude do homem. É
claro que o instinto de sobrevivência também está presente e que também ele é
confrontado com o nosso senso de finitude. Unamuno procura compreender que a
morte não pode ser tomada como certeza absoluta, total, completa e como
irrevogável aniquilação da consciência pessoal, pois se assim fosse a vida tornar-se-
302
A morte de Cristo foi para Unamuno a suprema revelação da morte. Cf. Miguel de UNAMUNO,
Do sentimento trágico da vida, p. 60. O interlocutor de Equécrates parece-nos também ter tido uma
impressão muito semelhante à de Unamuno, a respeito da morte de Sócrates: “Tal foi, Equécrates, o
fim de nosso companheiro. O homem de quem podemos bendizer que, entre todos os de seu tempo
que nos foi dado conhecer, era o melhor, o mais sábio e o mais justo”. Cf. PLATÃO, Fédon, p. 126.
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A serenidade de Sócrates frente à morte soa-nos, particularmente, de forma perturbadora: “– Que
estais fazendo? – exclamou Sócrates. – Que gente incompreensível! Se mandei as mulheres embora,
foi sobretudo para evitar semelhante cena, pois segundo me ensinaram, é com belas palavras que se
deve morrer. Acalmai-vos, vamos! dominai-vos!” A inquietude dos discípulos diante da morte do
mestre é ofuscada pela certeza de que a vida que se esvai é muito menor do que a vida para onde se
destina: “Ao ouvir esta linguagem, ficamos envergonhados e contivemos as lágrimas[...]” Cf.
PLATÃO, Fédon. In Diálogos, p. 126.
304
O dogma central para o Apóstolo convertido – afirma Unamuno – foi o da ressurreição de Cristo.
“O importante, para ele, era que Cristo se tivesse feito homem e tivesse morrido e ressuscitado, não o
que fez em vida, não sua obra moral e pedagógica, mas sua obra religiosa e eternizadora: Ora, se é
coerente pregar-se que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como, pois, afirmam alguns dentre vós que
não há ressurreição de mortos? E, se não há ressurreição de mortos, então Cristo não ressuscitou. E, se
Cristo não ressuscitou, é vã nossa pregação e vã a nossa fé... E ainda mais: os que dormiram em Cristo
pereceram. Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de
todos os homens.”(I Cor., XV, 12-14 e 18-19). Cf. Do sentimento trágico da vida, p. 61.
305
Cf. Miguel de UNAMUNO, Do sentimento trágico da vida, p. 61.
306
Cf. Miguel de UNAMUNO, Do sentimento trágico da vida, p. 60.