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NATALIA COSTA DAS NEVES
A ‘QUESTÃO PALESTINA E OS ACORDOS DE OSLO:
S
EGURANÇA SEM PAZ
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro – UERJ como
requisito à obtenção do grau de Mestre em
História. Área de concentração: História das
Relações Internacionais.
Orientador: Prof. Dr. Williams da Silva Gonçalves
Rio de Janeiro
2007
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CCS/A
N518q Neves, Natalia Costa das
A ‘Questão Palestina’ e os acordo de Oslo : segurança sem paz/
Natalia Costa das Neves – Rio de Janeiro, 2007.
139f.
Orientador: Williams da Silva Gonçalves.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas.
1.Conflitos árabe-israelenses – Teses. 2.Conflito israelo-palestino – Teses.
3.Acordos pacíficos para conflitos internacionais – Teses. 4. Palestina – Teses. 5.
Relações internacionais – Teses. I. Gonçalves, Williams da Silva. II. Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.
CDU- 327.5
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução
total ou parcial desta tese.
____________________________________ ________________.
Assinatura Data
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AGRADECIMENTOS
A Deus, por mais uma oportunidade.
A meus pais, por todo apoio e paciência, por tudo que me proporcionaram até aqui e
pelo seu amor.
A toda minha família, pelo incentivo e pela fé.
Ao meu noivo muito amado, por ter ficado ao meu lado pacientemente e pela força
quando a minha faltou.
A meu orientador, Prof. Dr. Williams da Silva Gonçalves, pela confiança que depositou
em mim.
Ao Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) e toda sua equipe,
especialmente ao Embaixador Alvaro da Costa Franco e a Maria do Carmo Strozzi
Coutinho, pela compreensão, amizade e incentivo, sem o que este trabalho não teria sido
possível.
A todos que, de uma forma ou de outra, fizeram parte da minha caminhada até aqui.
RESUMO
Entre os conflitos do Oriente Médio, a Questão Palestina é o mais perene, senão o mais
premente da região, dado seu apelo em meio aos povos árabe-muçulmanos em geral. Os
acordos de Oslo, negociados entre 1993 e 2000, foram a tentativa de solução desse
conflito que mais esperanças suscitou no cenário internacional. Contudo, os sete
acordos mediados pela diplomacia norte-americana revelaram-se incapazes de satisfazer
as principais demandas palestinas e pôr fim à violência em campo. O presente trabalho
tem por fim analisar as propostas acordadas ao longo daquele “processo de paz”, sua
evolução e conteúdo, considerando também o papel dos Estados Unidos como mediador
preferencial e seu peso na correlação de forças entre as partes. Para tanto, necessário é
definir e situar o conflito israelo-palestino no complexo regional do Oriente Médio, para
entender em que medida ele se confunde e se distingue dos conflitos que marcaram a
região. Este estudo começa, portanto, pela gênese da Questão Palestina, passando pela
análise do contexto internacional que permitiu o início das negociações, para, em
seguida, analisar os acordos propriamente ditos e as tentativas ulteriores de retomar as
negociações até o lançamento do “Mapa do Caminho”, marco final deste trabalho.
ABSTRACT
Among the conflicts in the Middle East, the Question of Palestine is the most perennial,
if not the most urgent of them, given its appeal to the Arab-Muslim peoples. The Oslo
agreements, negotiated between 1993 and 2000, were attempts to solve this conflict that
raised great hopes in the international scene. The seven agreements mediated by the
North American diplomacy were, however, unable to meet the main Palestinian
demands and to end violence on the ground. The purpose of the present work is to
analyse the proposals presented along that “peace process”, its evolution and contents,
also considering the United States’ role as a preferential mediator and its weight in the
correlation of forces between the parties. To understand in which proportion the Israeli-
Palestinian conflict confuses and distinguishes itself from the conflicts that marked the
region it is necessary to define and to place it in the regional complex of the Middle
East. Hence, this work begins studying the genesis of the Question of Palestine,
analyses the international and regional context which induced the beginning of the
negotiations, to finally examine the agreements themselves and the later attempts to
resume negotiations up to the launching of the “Roadmap”, final landmark of this work.
SUMÁRIO
Apresentação 9
1. Objeto e Delimitação Cronológica_______________________________________9
2. O Problema e Sua Relevância _________________________________________10
3. Hipótese __________________________________________________________13
4. Objetivos _________________________________________________________14
5. Referencial Teórico _________________________________________________14
6. Estrutura do Trabalho________________________________________________18
Introdução 20
CAPÍTULO I
A Gênese da «Questão Palestina» 23
Da Desagregação do Império Otomano à Formação de Israel 23
1. Sob Domínio Otomano_______________________________________________23
2. Sob Domínio Europeu _______________________________________________29
3. O Papel do Nacionalismo_____________________________________________38
3.1. Sionismo Político: O Nacionalismo Judeu ________________________________ 38
3.2. Do Nacionalismo Árabe Ao Nacionalismo Palestino ________________________ 40
4. Do Mandato Britânico à Partilha da Palestina _____________________________45
5. A Palestina entre Israel e os Países Árabes _______________________________51
5.1. A Criação de Israel e a Primeira Guerra Árabe-Israelense___________________ 51
5.2. Os Conflitos Árabe-Israelenses_________________________________________ 54
5.2.1. A Guerra de 1956: _______________________________________55
5.2.2. A Guerra de 1967: _______________________________________56
5.2.3. A Guerra de 1973: _______________________________________58
6. O Que é a ‘Questão Palestina’? ________________________________________61
CAPÍTULO II
Da Guerra do Golfo à Conferência de Madri: O Caminho para Oslo 64
1. O Contexto Internacional _____________________________________________64
2. A Posição dos Protagonistas __________________________________________69
3. O Papel do Mediador ________________________________________________75
4. O « Processo de Paz » de Oslo_________________________________________78
4.1. A Declaração de Princípios ___________________________________________ 82
4.2. O Acordo do Cairo __________________________________________________ 87
4.3. O Acordo de Taba, ou «Oslo II»________________________________________ 93
4.4. O Protocolo de Hebron_______________________________________________ 97
4.5. Os Memorandos de Wye River & de Sharm El-Sheikh ______________________ 101
CAPÍTULO III
O Fim do Processo de Paz de Oslo 108
1. O Fracasso da Cúpula de Camp David__________________________________108
2. Novas Tentativas de Retomar as Negociações____________________________117
3. O Mapa do Caminho _______________________________________________122
Conclusão 127
Referências Bibliográficas 133
NATALIA COSTA DAS NEVES
A ‘QUESTÃO PALESTINA E OS ACORDOS DE OSLO:
S
EGURANÇA SEM PAZ
Rio de Janeiro
2007
Apresentação \
9
APRESENTAÇÃO
Superadas duas guerras mundiais e vencido o medo da Guerra Fria, o século XX passou
para a história sem que a ameaça de um novo conflito internacional fosse realmente
relegada ao passado. Entre os inúmeros focos de tensão da atualidade, o Oriente Médio
é, talvez, a região que mais preocupa a comunidade internacional, tamanha a fragilidade
de seu equilíbrio político, constantemente ameaçado por conflitos de ordem social,
étnica e religiosa, em que se opõem interesses locais, regionais e internacionais.
1. OBJETO E DELIMITAÇÃO CRONOLÓGICA
O presente estudo propõe-se, especificamente, à análise da Questão Palestina, da
disputa entre judeus e palestinos sobre a ocupação desse território – disputa que hoje se
define não mais em termos ideológicos de direitos históricos ou direitos adquiridos
sobre a região, porém, sim, pelo impasse na divisão da Palestina em dois Estados, um
judeu, outro árabe-palestino. Seus objetivos principais são dois: em primeiro lugar,
definir o que é a Questão Palestina no contexto regional do Oriente Médio e, em
segundo lugar, analisar a importância dos acordos de Oslo como tentativa de solução
pacífica do conflito.
O corte cronológico foi delimitado entre os estertores do Império Otomano (fins do
século XIX), e o lançamento do Mapa do Caminho (2003), primeiro plano de paz
apresentado como alternativa aos acordos de Oslo. Essa opção não foi determinada
apenas para atender às necessidades de precisão do estudo a que nos propomos, mas
reflete também a nossa percepção de que foram os fatos ocorridos nesse período que
encaminharam as relações entre israelenses e palestinos ao impasse que ainda hoje
perdura, na medida em que, desses fatos resultou, num primeiro momento, a
consolidação de um Estado judeu sem a necessária contrapartida de um Estado árabe-
palestino e que, posteriormente, com o fracasso das negociações de Oslo, não apenas a
idéia de uma solução bilateral se esvaeceu como também ficou patente a dificuldade de
Apresentação \
10
se constituir um Estado palestino nos moldes propostos pela Resolução N. 181 do
Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Como conseqüência
desse processo histórico, verifica-se, atualmente, um grande e inevitável desequilíbrio
jurídico-político entre as partes que, por extensão, reflete-se na capacidade de
mobilização desses povos – seja para a ação militar, seja para a organização da própria
sociedade – na busca de seus objetivos.
2. O PROBLEMA E SUA RELEVÂNCIA
Em 1947, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução N. 181 que
tratava da partilha da Palestina. O plano dividiria a região em dois Estados, um árabe e
outro judeu, estabelecendo regime territorial internacional para a cidade de Jerusalém,
que passaria a ser administrada pela ONU.
Essa partilha dava ao Estado judeu cerca de 56,5% do território da
Palestina e ao Estado árabe cerca de 42,9%. O critério para tal divisão,
até onde foi possível usá-lo, baseou-se na repartição geográfica da
população das duas comunidades. (OLIC: 1991, p. 57.)
Quase imediatamente após a aprovação do plano na ONU, os países árabes atacaram o
recém-criado Estado de Israel, para o que contaram com o apoio dos palestinos, que não
haviam abandonado a idéia de criar um outro Estado árabe em toda a extensão da
Palestina histórica. Uma discussão aprofundada sobre as razões – certamente
fundamentais – do conflito maior entre árabes e israelenses não cabe, contudo, neste
projeto, cujo objetivo não é uma revisão das guerras do Oriente Médio, mas, antes, um
entendimento melhor da evolução da Questão Palestina em meio àqueles conflitos
regionais, para, então, compreender a sua persistência. Acreditamos que muitas das
razões do atual impasse nas negociações entre Israel e os palestinos encontram-se no
fracasso do “processo de paz de Oslo” (1993-2000), último esforço político-diplomático
visando à aproximação entre esses dois povos que de fato chegou a reanimar as
esperanças de se alcançar uma solução negociada para a questão.
Apresentação \
11
De lá para cá, iniciativa alguma, concreta, foi tomada por qualquer das partes no sentido
de retomar o diálogo, com exceção do “Mapa do Caminho”, proposto pelos Estados
Unidos e apoiado pela União Européia, Organização das Nações Unidas e Rússia (o
“Quarteto”), que previa a criação do Estado palestino em 2005, mas que se revelou
inexeqüível na prática.
No início firmou-se a Declaração de Princípios de Oslo, fundamento
do processo de paz. Assinada pelo Estado de Israel e pela Organização
de Libertação da Palestina em 13 de setembro de 1993, em
Washington, esta declaração e suas preliminares determinavam o
reconhecimento da OLP por Israel, a retirada (ou o reposicionamento
dos efetivos) do Exército israelense da Faixa de Gaza e de Jericó, bem
como outras retiradas, a serem definidas, durante um período
provisório de cinco anos, em troca do reconhecimento do Estado de
Israel pela OLP e a promessa de pôr fim ao “terrorismo”. As questões
cruciais de Jerusalém, da água, das fronteiras, das colônias, dos
refugiados e da futura entidade palestina foram adiadas para as
negociações sobre o “estatuto final”. (BISHARA: 2003, p. 61.)
Como resultado do descontentamento dos palestinos com as negociações bilaterais
iniciadas em Oslo – cujo resultado julgavam favorável a Israel – Yasser Arafat foi a
Camp David (julho de 2000) com pouco espaço de manobra e acabou por rejeitar a
proposta apresentada por Ehud Barak – então primeiro-ministro de Israel – que previa,
entre outros pontos, a partilha de Jerusalém. A retirada de Arafat
1
das negociações selou
o fracasso da cúpula de Camp David e deu força aos grupos da oposição palestina
contrários às negociações, ao mesmo tempo em que, do lado de Israel, consternou e
fortaleceu a direita conservadora após a derrota de Barak. Finalmente, a eclosão da
Intifada de al-Aqsa,
2
após a visita de Ariel Sharon ao Haram al-Sharif, à qual se
sucedeu uma explosão de violência recíproca, selou a estagnação do processo de paz.
Desde então, a dificuldade da Autoridade Nacional Palestina (ANP) em restabelecer um
consenso e suplantar a influência dos grupos mais extremistas, por um lado; e, de outro,
o prolongamento da ocupação dos territórios palestinos por Israel e as severas medidas
de controle que essa ocupação exige de suas autoridades têm gerado ciclos de violência
1
Segundo Peter Demant: “Em vez de colocar Israel na defensiva, fazendo uma contra-oferta, Arafat
manteve sua posição inicial de tudo ou nada: completa soberania sobre a totalidade da Cidade Velha –
preferindo abortar as conversas em vez de concordar com uma saída intermediária.” (2002, p. 56.)
2
A visita se deu em 28/09/2000 e precipitou a revolta palestina contra a ocupação dos territórios de Gaza
e da Cisjordânia. A Intifada de al-Aqsa recebeu este nome em homenagem à primeira Intifada (1987-
1993) e à mesquita localizada no Haram (local sagrado aberto unicamente para muçulmanos) al-Sharif.
Apresentação \
12
contínuos, que, por sua vez, levaram a um endurecimento das posições, o qual tem
minado todas as tentativas ulteriores de retomada do diálogo entre as partes.
O conflito israelo-palestino é um desafio à comunidade internacional, pois, segundo
Vigevani, "parece haver uma verdadeira inversão da idéia que o comportamento estatal
é influenciado pela estrutura internacional geral" (2002, p. 31). O aumento da
interdependência global induz os governantes a sintonizar política nacional e ações
internas aos parâmetros da ordem internacional vigente. No conflito Israel-Palestina,
entretanto, ambas as lideranças são fortemente influenciadas por grupos de interesse
internos; o que explica a falta de coerência de suas ações em relação ao contexto
mundial: passando por cima das condições sugeridas pela comunidade internacional,
Israel aceita o preço político e econômico de suas ações militares, enquanto os
palestinos suportam uma situação de permanentes dificuldades.
Hoje, contudo, diante de um cenário internacional dominado pelo medo de ataques
terroristas e por ameaças de “guerras preventivas”, tal anacronismo tem fugido à
percepção crítica da comunidade internacional, que, dominada por estas questões de
ordem, parece ter perdido de vista a especificidade regional e histórica da Questão
Palestina, bem como o caráter político que sempre esteve subentendido em todas as
decisões tomadas a seu respeito.
O tema aqui proposto não apenas diz respeito a um problema ainda sem resposta para a
comunidade internacional e que dela exige um esforço político-diplomático cada vez
maior – o que, por si, já justifica a necessidade de estudos que esclareçam os
movimentos profundos de tal conflito – como também é um tema condizente com o
objeto das relações internacionais – o estudo do conjunto de interações entre os variados
atores internacionais – quer se tome a Questão Palestina sob o ponto de vista daqueles
cuja definição sobre a realidade das relações internacionais compreende os fenômenos
de guerra e paz, imperialismo e nacionalismo, as relações assimétricas entre sociedades
ricas e pobres, formação e fragmentação dos Estados etc., quer se trate a questão como
um conflito entre os interesses respectivos de cada parte (GONÇALVES: 2003, p. 10-
11), resultante das relações diplomáticas, militares e estratégicas entre Israel e os
palestinos.
Apresentação \
13
Portanto, uma análise no âmbito da História das Relações Internacionais que contemple
a discussão dos acordos de Oslo dentro do longo processo de paz para o conflito israelo-
palestino responde às exigências atuais de compreensão da Questão Palestina, trazendo
à baila um tema de irrefutável relevância para as relações internacionais, dentre tantos
outros que a história política vem contemplando ao eleger a sociedade global e as
massas como seu objeto central (RÉMOND: 1993, p. 33).
3. HIPÓTESE
O processo de paz de Oslo é referência obrigatória nas difíceis negociações entre Israel
e os palestinos, por ser, até hoje, o único exemplo concreto de negociações bilaterais
entre as partes. Mais do que um evento, Oslo foi a primeira oportunidade real de
solução da Questão Palestina desde o surgimento do Estado de Israel. Nele estão
expostas, direta ou indiretamente, as demandas de cada lado para a conclusão de um
acordo de paz definitivo.
Nossa hipótese de trabalho é que a forma como os acordos foram estruturados –
mediados pela diplomacia norte-americana –, a dinâmica que o processo seguiu – com
sucessivas violações e reinterpretações das cláusulas dos acordos – e, principalmente, a
natureza mesma do processo – negociações entre dois atores com capacidades
diametralmente opostas – resultaram numa situação de extremo desequilíbrio de poder a
favor da parte mais forte, Israel, condicionando todo o processo aos interesses desse
Estado, notadamente no que diz respeito à questão da segurança. Como hipótese
secundária, sugerimos que os termos dos acordos de Oslo continuam, ainda hoje,
condicionando a luta política entre Israel e os palestinos, não mais nos bastidores da
diplomacia, porém, no campo prático. Por que Oslo tem essa importância é o que
pretendemos demonstrar ao longo desse estudo.
No mais, qualquer afirmação sobre o futuro desse conflito histórico – seja sobre o
acirramento da luta armada, seja sobre a conclusão de um acordo de paz definitivo –,
diante de um cenário por demais instável e incerto, só poderia resultar em reticências ou
mera especulação.
Apresentação \
14
4. OBJETIVOS
Como objetivos gerais, este estudo visa definir, primeiramente, o que é a Questão
Palestina no cenário estratégico do Oriente Médio e, principalmente, analisar a
importância dos acordos de Oslo como tentativa de solução pacífica daquela questão.
Como objetivos específicos, o trabalho se propõe a:
analisar a série de propostas acordadas ao longo dos sete anos das
negociações de Oslo, atentando para sua evolução e seu conteúdo, tendo
em vista a correlação de forças entre as partes;
comparar os acordos entre si e o seu conjunto com as tentativas
ulteriores de retomada das negociações de paz até o lançamento do
“Mapa do Caminho”, estabelecendo os contrapontos necessários;
identificar tópicos recorrentes, destacando as questões que são objeto de
controvérsia;
ressaltar o papel dos Estados Unidos como mediador entre as partes.
5. R
EFERENCIAL TEÓRICO
O presente estudo segue, principalmente, as idéias elaboradas por Barry Buzan sobre
Regional Security Complex Teory (RSCT), em seu trabalho “Regions and powers: the
structure of international security” (2003), no sentido de que toma a Questão Palestina
em uma análise a nível regional, entendendo que o tema só pode ser compreendido à luz
do cenário estratégico do Oriente Médio e este, por sua vez, à luz das mudanças
ocorridas no sistema internacional desde o fim da Guerra-Fria. A idéia central é que,
desde o fim do conflito bipolar, o nível regional de segurança tornou-se mais autônomo,
colocando novamente em evidência os conflitos locais anteriores àquele período.
Apresentação \
15
No caso do Oriente Médio, a região, como complexo de segurança diferenciado,
começou a se distinguir em fins do século XIX e início do século XX, durante o
processo de desfragmentação do Império Otomano. Com a vitória dos Aliados na I
Guerra Mundial, a região passou para o controle da França e, notadamente, do Império
britânico, cuja influência política e militar ainda dominava o nascente sistema de
Estados árabe. Muitas das dinâmicas regionais de conflito – rivalidades pela liderança
do mundo árabe, disputas territoriais, a emergência do pan-arabismo, do nacionalismo
árabe e do sionismo – já eram visíveis no período entreguerras, porém, em grande
medida, subordinadas aos interesses das antigas potências e ditadas por suas políticas
contraditórias. Mas foi só após a onda de descolonização que varreu a região ao final da
II Guerra que o complexo regional de segurança do Oriente Médio, enfim, se
consolidou.
At its peaks, more than twenty states, many relatively equal in weight,
formed the RSC [regional security complex]. These numbers, plus
dispersed geography, meant that this RSC developed three
subcomplexes: two main ones centred respectively in the Levant
[Israel, Egito, Jordânia, Líbano e Síria] and the Gulf [Irã, Iraque,
Arábia Saudita, Kwait, Barein, Qatar, Emirados Árabes Unidos e
Omã], and a considerably weaker one in the Maghreb [Líbia, Tunísia,
Argélia, Marrocos, Saara ocidental, Chade e Mauritânia].
3
(BUZAN:
2003, p. 188.)
A consolidação de um sistema de Estados soberanos na região, no contexto maior do
processo de descolonização, deu-se, portanto, sob a influência externa das grandes
potências e em associação com os movimentos pan-regionais. A fim de garantir a sua
sobrevivência, os Estados árabes nascentes precisaram sobrepor-se ao sentimento de
identidade coletiva ditado pelo pan-arabismo e pelo pan-islamismo; e, para tanto,
valeram-se de seus recursos naturais e dos vultosos incentivos proporcionados pela
Guerra-Fria para criar regimes autoritários, baseados, sobretudo, no poderio militar e
resguardados por alianças internacionais. Em conseqüência, a história das relações
interestatais no Oriente Médio refletiu, em grande medida, não só as disputas entre esses
3
“No seu auge, mais de vinte Estados, muitos relativamente iguais em peso, formavam o RSC. Esses
números, mais a dispersão geográfica, dispuseram esse RSC a desenvolver três subcomplexos: dois
principais centrados, respectivamente no Levante e no Golfo e um consideravelmente mais fraco no
Maghreb.” (Tradução livre da autora.)
Apresentação \
16
Estados, mas também a persistência de atores não-estatais, que têm representado um
desafio à sua soberania e à unidade nacional.
Entre as exceções à primazia do Estado, a Questão Palestina tornou-se a principal
dinâmica de segurança na região e, de certa forma, a chave para todo o complexo
regional de segurança do Oriente Médio (BUZAN: 2003, p. 195). Os refugiados desse
conflito tornaram-se um problema doméstico no Líbano e na Jordânia e, ao mesmo
tempo em que a luta entre israelenses e palestinos consolidou-se como a força motriz do
antagonismo entre o mundo árabe-muçulmano e Israel, para este país, os elementos
religiosos de extrema-direita e as atividades de organizações radicais financiadas por
governos árabes – Hamas, Jihad Islâmica, Hezbolah – tornaram-se elementos de
insegurança tanto para a sociedade israelense, como para os próprios países árabes, onde
o antagonismo a Israel tem gerado resistência interna contra a normalização das relações
com esse país, criando também problemas de legitimidade doméstica para os regimes
árabes mais impopulares.
A Questão Palestina estabeleceu – e ainda hoje sustenta – uma hostilidade maior entre
Israel, seus vizinhos do Levante e o mundo árabe em geral, tendo contribuído para
concentrar e amplificar, em seu torno, os símbolos do pan-arabismo e do pan-
islamismo, que, com suas rivalidades específicas, permitiram designar o Oriente Médio
como um complexo regional de segurança, no qual as dinâmicas de conflito são
motivadas por disputas territoriais, rivalidades ideológicas, competição por poder e
status, divisões culturais, étnicas e religiosas, misturadas com disputas pelos recursos
naturais da região.
Nesse cenário complexo, o papel das grandes potências, embora significativo, nunca
chegou a estabelecer controle completo sobre o comportamento dos regimes árabes
clientes, nem das dinâmicas regionais de segurança. Pelo contrário, a ingerência
internacional nas questões do Oriente Médio tem se mostrado, muitas vezes, incapaz de
resolver os conflitos da região, como é o caso da mediação norte-americana na Questão
Palestina.
Apresentação \
17
Os Estados Unidos foram atraídos para a região por interesse nos seus recursos
petrolíferos – principalmente depois da crise dos anos 1970 – e, também, em função dos
desdobramentos da Guerra-Fria. Em todo o caso, já encontraram um cenário tumultuado
pelas disputas locais, com as quais eles não tinham ligação direta. Entretanto, seu
crescente vínculo com Israel – associado aos seus interesses econômicos e estratégicos
no Oriente Médio – contribuiu para colocar os Estados Unidos no centro das dinâmicas
de segurança regionais e em posição censurável perante seus aliados árabes, pois, em tal
situação, a política norte-americana via-se forçada a assumir compromissos
contraditórios na região.
Assim, quando o Iraque invadiu o Kwait em 1990, os Estados Unidos prontamente
assumiram a frente de uma coalizão internacional para restituir a ordem legal, contando
com o apoio de países árabes da região, que foram atraídos para aquela campanha a
custa de novos comprometimentos da diplomacia norte-americana.
4
Como resultado
desses compromissos, os Estados Unidos engajaram-se em uma nova campanha para
pacificação da região, agora por meios diplomáticos, com o objetivo de normalizar as
relações entre Israel e os países árabes. Contudo, se num primeiro momento, na esteira
do desaparecimento da antiga União Soviética do cenário internacional, a influência
norte-americana conseguiu dominar as dinâmicas de segurança no Oriente Médio,
suprimindo temporariamente os conflitos interestatais – graças ao processo de paz
lançado em Madri (1991) –, posteriormente, essa influência revelou-se mais uma vez
contraditória, ao jogar todo peso de seu poder político, militar e econômico a favor de
seus aliados – Israel, em primeiro lugar – e contra aqueles que desafiassem esse poderio,
ou se opusessem às regras por ele estabelecidas.
O fracasso do processo de paz em resolver a Questão Palestina, abraçada pelos Estados
Unidos durante toda a década de 1990, demonstra, entretanto, a incapacidade da
superpotência em lidar com elementos não-estatais que, não obstante as influências do
sistema internacional, sempre seguiram uma lógica regional muito específica. Isso
indica a necessidade de uma análise em nível regional, que contemple essas
especificidades e não perca de vista as dinâmicas de segurança médio-orientais.
4
Mais sobre esse assunto no capítulo dois.
Apresentação \
18
6. ESTRUTURA DO TRABALHO
No primeiro capítulo, obedecendo a uma abordagem cronológica dos fatos, analisa-se o
período imediatamente anterior à criação do Estado de Israel – qual seja o das grandes
guerras e da substituição da autoridade otomana pelo mandato/protetorado britânico na
região –, destacando-se as mudanças no contexto regional frente à política imperialista e
a mobilização das partes conflitantes, sob o signo do nacionalismo, para, em seguida,
tratar da intervenção da ONU na questão e da constituição de Israel, bem como dos
conflitos que resultaram da emergência desse Estado na região, os quais, por seus
resultados – nitidamente favoráveis a Israel –, tiveram influência determinante na
gênese da chamada Questão Palestina. O objetivo é definir e situar esse conflito no
contexto regional estratégico do Oriente Médio, distinguindo a Questão Palestina como
um caso singular e específico na história dos conflitos que afligem a região e não como
mais uma etapa dos conflitos árabe-israelenses.
O segundo capítulo inicia-se com a análise da conjuntura política internacional (fim da
Guerra Fria e formação de uma nova ordem internacional) que permitiu, naquele
momento, o início do processo de paz entre palestinos e israelenses, inaugurado
precisamente em Madri, mas retomado em Oslo. Tendo em vista esse contexto, a análise
volta-se para o texto de cada um dos acordos assinados ao longo dos sete anos de
negociações, à luz do papel exercido pelos Estados Unidos como mediador entre os dois
lados. O objetivo é avaliar, conforme a dinâmica do processo de paz, o conteúdo das
propostas acordadas e em que medida elas refletiram a relação de forças existente entre
os atores envolvidos.
O terceiro e último capítulo retoma a Questão Palestina a partir do fracasso das
negociações de Oslo, visando especificar os pontos de afinidade entre esses acordos e as
tentativas posteriores de retomada do processo de paz até o lançamento do Mapa do
Caminho pelo “Quarteto”, no sentido de apontar as questões centrais que continuaram
pendentes e, através destas, os interesses e objetivos perseguidos até aquele momento.
Com este trabalho, não pretendemos esgotar todos os aspectos relevantes do debate em
torno da Questão Palestina, que, certamente, envolve muito mais do que a criação e
Apresentação \
19
reconhecimento de um Estado palestino; trata-se de questão muito mais ampla, que
passa por problemas de ordem religiosa, étnica, estratégica e, até, econômica, como
também por questões mais práticas, relativas, por exemplo, à utilização dos recursos
naturais necessários a cada um – como a água. Esperamos, tão-somente, explicitar, ao
longo desse estudo, que a chamada Questão Palestina é anterior ao Estado de Israel,
mas que o recrudescimento desse conflito está, sim, em íntima associação com o não
cumprimento da parte da Resolução 181 que diz respeito à criação de um Estado árabe
na Palestina; não cumprimento este que, por seu turno, deve-se tanto à rejeição, por
parte dos palestinos, dos critérios ditados tanto pela ONU quanto pelos acordos de Oslo,
como também aos obstáculos criados por Israel, que, dispondo de melhor capacidade e
maiores recursos, tem imposto aos palestinos condições dificilmente aceitáveis e
exigências dificilmente exeqüíveis, donde resulta o impasse à solução do problema.
Introdução \
20
INTRODUÇÃO
Designa-se como “processo de paz de Oslo” aos esforços diplomáticos e políticos
empreendidos entre os anos de 1993 e 2000, por iniciativa da diplomacia norueguesa,
mas sob os auspícios da diplomacia norte-americana notadamente, com o intuito de pôr
fim ao histórico conflito israelo-palestino e que compreenderam sucessivas reuniões de
cúpula, políticas e econômicas, das quais resultaram uma série de acordos destinados a
equacionar as reivindicações de ambas as partes: Declaração de Princípios (“Oslo I”,
13/09/1993); Acordo do Cairo (04/05/1994); Acordo Provisório (ou de Taba, “Oslo II”,
28/09/1995); Protocolo de Hebron (17/01/1997); Memorando de Wye River
(23/10/1998); Memorando de Sharm el-Sheikh (04/09/1999); e a Declaração Trilateral
de Camp David (25/07/2000) – que não foi propriamente um acordo, mas uma
reafirmação de intenções.
Os acordos de Oslo, como também são conhecidos, não representam um marco histórico
na Questão Palestina porque tenham definido um programa ideal que, devidamente
executado, teria garantido o estabelecimento da paz entre palestinos e israelenses. Esses
acordos definiram tão-somente princípios gerais de um programa voltado para a paz e
seu grande mérito reside em ter assentado a única base política sobre a qual devem
erigir-se, necessariamente, quaisquer conversações de paz: o reconhecimento mútuo da
existência de uma outra nação na Palestina. Para além desta constatação, é grande a
divergência entre os estudiosos da questão acerca de seus méritos ou desacertos.
De um lado afirma-se que o processo de paz de Oslo teria sido “uma série de acordos
vagos e ambíguos”, que se sucedeu com o objetivo principal de “reforçar o domínio
israelense sobre os territórios ocupados” (BISHARA: 2003, p. 26), apenas criando uma
ilusão de paz e de um Estado palestino, enquanto a decisão sobre questões fundamentais
– como a extensão dos territórios a serem incorporados ao novo Estado, o problema dos
assentamentos israelenses, o status de Jerusalém e o retorno dos refugiados – eram
preteridas até a discussão do acordo final (GATTAZ: 2002, p. 181).
Introdução \
21
Segundo esta visão dos fatos, ter aberto um precedente histórico nas relações israelo-
palestinas foi o grande legado do processo de paz, cujo resultante fracasso já estaria,
para muitos, evidente desde o início das conversações (SAID: 2003), em virtude da
assimetria que separava, e ainda separa, o lado israelense – mais forte – da desfavorável
posição palestina. Assimetria esta que a mediação norte-americana – aliada preferencial
de Israel – teria contribuído para sedimentar.
De outra parte, argumenta-se que a recusa de Yasser Arafat das propostas apresentadas
por Ehud Barak em Camp David foi o desperdício de uma oportunidade histórica, na
medida em que a oferta de um Estado palestino sob regime de autonomia limitada, com
Jerusalém ocupada e os refugiados impedidos de voltar, embora estivesse muito aquém
daquilo que os palestinos desejavam, poderia ter estabelecido, ainda assim, o embrião
de um país independente (SOARES: 2004, p. 99). Segundo essa concepção, Arafat teria
recebido de Barak “o máximo que ele poderia jamais conseguir” (DEMANT: 2004, p.
55-57) e sua recusa a uma solução de “compromisso histórico” – baseado no
reconhecimento do direito à autodeterminação dos palestinos, incluindo o retorno de
parte dos refugiados e o estabelecimento de um Estado-mínimo nos enclaves da
Cisjordânia e da Faixa de Gaza – foi o que teria levado o processo de paz à estagnação.
O ponto fundamental em toda essa discussão em torno da importância dos acordos de
Oslo na Questão Palestina está na contradição entre uma paz quase alcançada e o
impasse persistente no qual as negociações diplomáticas têm se mantido desde o
fracasso daquela iniciativa, prejudicando em grande medida as perspectivas de paz no
Oriente Médio, não apenas entre esses dois povos, mas entre Israel e seus vizinhos
árabes como um todo.
Desde o fracasso do processo de paz de Oslo, o cenário desse conflito tem se
caracterizado por uma situação de nem guerra, nem paz: sem negociações sérias, nem
uma interferência internacional eficaz, com a continuidade dos conflitos de baixa
intensidade, associados ao endurecimento da frente rejeicionista em ambos os pólos.
Nestas circunstâncias, que só reforçam a presença israelense nos territórios ocupados, o
lado palestino poderia se ver forçado a uma maior moderação, sob pena de tornar ainda
mais críticas as condições de subsistência de seu povo, em conseqüência da exaustão de
Introdução \
22
recursos já escassos; pois, no que respeita a Israel, se o prolongamento dessa situação
não lhe favorece de todo, também não coloca maiores riscos para além de um alto custo
político, humanitário e de segurança, uma vez que o equilíbrio de poder continua a seu
favor – em comparação aos palestinos, como também no contexto regional mais amplo
– e que sua política de apartheid tende a isolar tanto as manifestações mais violentas,
quanto os próprios palestinos entre si, mantidos em territórios fragmentados.
Num tal cenário, a retomada das conversações é apenas uma hipótese, bastante otimista,
entre outras possibilidades que também não podem ser excluídas, como (1) o aumento
da violência sem guerra imediata, forçando uma intervenção internacional no conflito;
ou (2) uma escalada de violência mais vertiginosa, na região como um todo, levando à
uma guerra internacional com a participação dos países árabes; (3) a definição de novos
limites territoriais por decisão unilateral de Israel; ou, mesmo, (4) a retomada das
negociações com base em outra fórmula diferente daquela dos acordos de Oslo
(DEMANT: 2002, p. 64-65).
Porém, conforme afirma Peter Demant, a retomada das conversações, uma vez iniciada,
deve reverter às linhas esboçadas em Oslo, se não como parâmetro, ao menos como
ponto de partida. Pois, embora esta não seja a melhor opção para os palestinos – que
prefeririam negociar sobre base diversa –, nem para a direita israelense – que preferiria
não ceder em absoluto –, mantidas as relações de força e a conjuntura internacional, será
um anacronismo que Israel venha a oferecer-lhes mais do que eles recusaram naquela
ocasião e que os palestinos, por sua vez, aceitem menos do que aquilo que já lhes foi
proposto, conforme sobressai da análise das tentativas posteriores de negociação.
Enquanto a Questão Palestina existir, os acordos de Oslo serão sempre uma referência
obrigatória nos estudos de relações internacionais sobre o assunto. A razão de ser do
trabalho que se segue é contribuir para um entendimento melhor sobre toda aquela
questão, mas, principalmente, chamar atenção para a importância daquele evento
histórico que a assinatura de Oslo ocasionou, propondo uma análise dos acordos menos
preocupada com seu louvor ou sua condenação sumária – como é freqüente quando o
assunto é o conflito entre Israel e os palestinos – e mais comprometida com uma
explicação histórica isenta de julgamentos a priori.
A Gênese da Questão Palestina \
23
A GÊNESE DA «QUESTÃO PALESTINA»
DA DESAGREGAÇÃO DO IMPÉRIO OTOMANO À FORMAÇÃO DE ISRAEL
1. SOB DOMÍNIO OTOMANO
No século XVI, a unidade do mundo muçulmano era sustentada pelos otomanos –
turcos originários das estepes da Ásia central. Mas, ao contrário dos califados
anteriores, a legitimidade do domínio turco derivava menos de suas bases religiosas do
que “de sua capacidade de lutar contra os xiitas
1
e as potências cristãs, de defender os
lugares santos e de organizar a peregrinação” (MASSOULIÉ: 1994, p. 13).
A partir de Istambul, coração do Império Otomano, o sultão escorava seu domínio sobre
uma casta militar, sem contato maior com os povos submetidos – judeus, cristãos ou
muçulmanos –, que, apesar da submissão, conservavam sua autonomia e personalidade
próprias, pois o poder intervinha pouco nos negócios internos dessas populações.
2
A
lógica política do Império Otomano entendia ser da responsabilidade do sultão apenas
garantir proteção a todos os seus súditos, indistintamente, mesmo que isso significasse
ceder a potências estrangeiras a proteção dos súditos não-muçulmanos.
3
A política de
controle dos domínios imperiais permaneceu, assim, alheia à idéia de “nacionalidade”
até a virada do século XVIII para o XIX, quando esta ideologia tornar-se-ia um dos
fatores mais importantes no processo de desagregação do império.
O Império Otomano era uma potência européia, asiática e africana, portanto, um Estado
multiforme, com interesses a proteger e inimigos a combater em todos esses continentes
1
A morte do profeta Maomé (632) gerou dúvidas e disputas sobre a sua sucessão. O Islã dividiu-se,
então, em duas seitas principais, xiismo e sunismo. Esta última, majoritária, reúne os fiéis que se
identificam com a suna, isto é, com o conjunto das tradições corânicas e da palavra do profeta. O xiismo
do árabe xia, “partido” –, por oposição ao sunismo, compreende aqueles que seguem apenas as tradições
do profeta transmitidas por seus descendentes a partir de Ali, genro de Maomé. Os xiitas representam
menos de 20% de toda a comunidade muçulmana e estão divididos em várias ramificações, segundo o
número de descendentes legítimos reconhecidos.
2
Pelo sistema de millets, cada comunidade étnico-religiosa mantinha sua autonomia, sendo livre a
estipulação de seus regulamentos administrativos e sociais. O líder correligionário de cada comunidade da
raea – o “gado”, os povos infiéis submetidos – era quem respondia por esta frente ao sultão.
3
Trata-se do conhecido sistema de capitulações, por meio do qual os europeus lograram penetrar nas
áreas sob domínio otomano, fazendo as vezes da autoridade imperial em funções vitais – como a fixação
das tarifas aduaneiras –, contribuindo, dessa forma, para a gradativa fragilização do império.
A Gênese da Questão Palestina \
24
e que, para enfrentar essas tendências centrífugas, adotou como solução o princípio
islâmico de Estado desnacionalizado, elevado a seu mais alto grau. Como uma das
funções vitais do governo consistia em coletar os impostos dos quais dependia a
sobrevivência do império, bastava que o governo otomano reconhecesse grupos
dirigentes locais que se responsabilizassem pelo repasse da receita arrolada e cuidassem
em manter livre as rotas por onde passavam o lucrativo comércio e o exército imperial.
A princípio, até o início do século XVII, a autoridade deste vasto império repousava
mais na família, a casa de Osmã, do que em um membro especificamente designado,
estando à frente do sistema administrativo – e logo abaixo do soberano – um alto
funcionário, o grão-vizir, que controlava o exército, os governos provinciais e o
funcionalismo público. Os membros da casa eram indivíduos das antigas famílias
dominantes, aqueles recrutados para o exército
4
nas aldeias cristãs dos Bálcãs e escravos
provenientes do Cáucaso. Os demais cargos de mando do governo eram ocupados por
comandantes do exército, pela população culta das cidades e por membros de grupos
dominantes ou Estados incorporados ao império.
A política fiscal otomana e o crescimento do comércio com a Europa
levaram a um aumento da importância dos cristãos e judeus na vida
das cidades. Os judeus eram influentes como emprestadores de
dinheiro e banqueiros para o governo central ou para os governadores
provinciais e como administradores de fazendas fiscais; em outro
nível, como artesãos e negociantes de metais preciosos. Os
mercadores judeus eram importantes no comércio de Bagdá e, em
Túnis e Argel, judeus, muitos deles de origem espanhola, destacavam-
se nas trocas com os países mediterrâneos do norte e do oeste.
(...) Apesar do aumento de importância dos estrangeiros europeus e
dos mercadores cristãos e judeus, o comércio mais importante e
lucrativo, o que se fazia entre diferentes partes do império ou com os
países do oceano Índico, estava nas mãos de mercadores muçulmanos:
eles controlavam o comércio do café do Cairo, aquele associado à
peregrinação a Meca, e as rotas de caravanas que atravessavam os
desertos da Síria e do Saara. (HOURANI: 1994, p. 243-244.)
No século XVIII, o sistema de governo otomano sofreu duas importantes mudanças do
ponto de vista estrutural: de um lado, o poder passou gradativamente da casa do sultão
4
Desse sistema de recrutamento, conhecido como desvirme, originou-se uma força ativa de cavalaria
(janízaros) e infantaria, altamente disciplinada; uma espécie de exército profissional mantido separado
das populações locais e proibido de exercer outras atividades, como, por exemplo, o comércio.
A Gênese da Questão Palestina \
25
para uma oligarquia de altos funcionários públicos, que se organizara em torno dos
gabinetes do grão-vizir; de outro lado, o enraizamento otomano nos grandes centros
provinciais fez surgir grupos governantes locais capazes de controlar os recursos fiscais
das províncias em seu benefício.
A solução otomana para manter o controle de um império tão vasto e multifacetado – a
adoção do princípio islâmico de Estado desnacionalizado – acabou resultando em um
sistema de governo com grande variação de equilíbrio entre o poder central de Istambul
e os governos locais, de acordo com a proximidade das províncias à capital do império e
da importância de cada uma delas para este último. Dentro de tal contexto, estando a
atenção do governo voltada para suas províncias européias (contra a expansão austríaca
nos Bálcãs), para a Anatólia (contra a expansão russa), para suas províncias árabes da
Argélia (contra a expansão espanhola e, depois, francesa), para Síria, Egito (importantes
pelas receitas que seu comércio gerava) e Hijaz (pelo controle das cidades santas), a
Palestina figurou como uma região de importância secundária até os anos 70 do século
XIX. Parte integrante da província da Síria, dividia-se em três distritos – Acre, Nablus e
Jerusalém – e era subordinada ao governador de Damasco. Contudo, a evidência da
atuação colonial européia e seu interesse na região obrigaram Istambul a voltar maior
atenção para a Palestina, então transformada em subgoverno independente, ligado
diretamente à jurisdição da capital do império, enquanto Acre e Nablus passaram a
responder à recém-criada província de Beirute – atual Líbano (NIGRI: 2005, p. 24).
Do ponto de vista da conjuntura internacional, a ação das potências européias a partir do
século XIX foi, também, um fator de fundamental importância na desagregação do
império otomano, na medida em que, explorando e acirrando suas contradições internas,
engendrou novas relações de poder entre as forças sociais tradicionais e, ao mesmo
tempo, subverteu toda a estrutura produtiva e administrativa em função dos interesses
estratégicos, políticos e econômicos europeus, então voltados para a conquista e a
preservação dos mercados da Ásia Central e do Extremo Oriente – objetivo cuja
consecução passava pelo controle da Palestina e do Oriente Médio como um todo,
pontos de ligação que eram na rota do comércio entre a Europa e aquelas localidades.
A Gênese da Questão Palestina \
26
Notadamente após a Guerra da Criméia
5
(1853-1856), quando França e Inglaterra
lograram estabelecer um protetorado europeu sobre os cristãos do Império Otomano, o
Líbano, a Síria e a Palestina foram abertos às instituições cristãs – escolas, hospitais,
orfanatos – e às atividades produtivas baseadas na crescente exploração capitalista e na
propriedade privada da terra, que determinaram mudanças profundas na organização
sócio-econômica tradicional da região. A mesha – tipo de regime de terras comunal e
fundiário – foi gradativamente suplantada pela produção nos moldes coloniais europeus
e a comunidade camponesa, por conseqüência, foi convertida em mão-de-obra rural e
urbana. Diante desse cenário potencialmente ameaçador para a integridade e
sobrevivência do império, a autoridade central otomana buscou fortalecer seu controle e
modernizar as estruturas do império; porém, as tanzimats (ordenações) orquestradas
pelo governo com o intuito de reformar a administração pública e modernizar a
produção econômica – através de medidas liberais como a extinção dos janízaros, a
legalização da propriedade privada, a decretação da igualdade civil, a abolição dos
millets e os investimentos na agricultura, entre outras providências – não surtiram o
efeito desejado face à penetração desestabilizadora do colonialismo europeu e, ainda,
deram ensejo ao recrudescimento do discurso revolucionário de um nacionalismo de
aspirações pan-árabes, que já vinha se desenhando à sombra da perda de legitimidade do
sultanato otomano, uma vez que ele se tornara incapaz de garantir a coesão interna da
Umma e de protegê-la das ameaças externas.
Nesse processo de decadência otomana, a Palestina era cada vez mais absorvida pelo
circuito da economia européia. Mas até então, não havia, no seio daquela sociedade,
movimento algum organizado e militante com um projeto nacional próprio para a
criação de um Estado separado. Foram as rivalidades entre as grandes potências no
decorrer das duas grandes guerras que, ao forjarem alianças contraditórias com as
5
Por volta de 1850, o aumento da tensão entre as comunidades grego-ortodoxa e católica, em torno da
questão da guarda da Gruta da Natividade (Belém), levou à intervenção da Rússia e da França, protetoras,
respectivamente, daqueles grupos. Diante da recusa otomana – apoiada pela França – em ceder às suas
exigências, a Rússia invadiu a Romênia, desencadeando o conflito, no qual também interveio a Inglaterra,
por temor do expansionismo russo. A Guerra da Criméia foi o segundo caso de intervenção européia em
favor da unidade territorial da Sublime Porta. A primeira ocorrera anos antes (1840), quando uma aliança
entre Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia conseguiu frear o avanço, sobre a Síria, das forças egípcias
anteriormente convocadas pelo próprio sultão otomano para combater a rebelião grega, insuflada pela
Rússia, de que resultou a independência da Grécia (1830) – fato com o qual o então poderoso governador
do Egito, Mehmet Ali (1769-1849), em plena ascensão, não podia se conformar (HOURANI: 1994, p.
271-280).
A Gênese da Questão Palestina \
27
diferentes lideranças locais, suscitaram e, ao mesmo tempo, frustraram, conforme seus
interesses, os movimentos locais que buscavam ou ocupar o vácuo de poder deixado
pelo Império Otomano – caso das disputas inter-árabes – ou alcançar a
autodeterminação – caso dos judeus e outras etnias nos Bálcãs, por exemplo. É nesse
sentido que deve ser entendido o aumento expressivo da presença judaica e de sua
importância na região.
Com efeito, provenientes da Inglaterra, Alemanha e da França, as organizações judaicas
que precederam a primeira onda de imigração sionista propriamente dita (1882)
contribuíram para a implementação do projeto colonial europeu em terras otomanas, ao
subordinar a difusão sócio-cultural e a cooptação dos correligionários judeus residentes
na Palestina, Síria e África do Norte aos objetivos de seus países de origem, a cujo
apelativo discurso sobre os valores da civilização européia missionária eles atendiam.
Ela constitui, a imigração judia, a terceira fase de colonização da
palestina por forças estrangeiras, tendo sido iniciada com a fundação
de Petah-Tikva, em 1878, e tendo precedido a primeira onda de
imigração sionista propriamente dita (...)
Tanto na primeira fase, marcada pela instalação das igrejas cristãs (...),
que investem na agricultura e na especulação imobiliária, quanto na
segunda fase, marcada pela vinda de colonos alemães, em constante
fluxo desde 1867-1868 até 1906-1907 (...), com uma tecnologia até
então avançada, recorrem, ambos e com regular freqüência, à mão-de-
obra árabe. (NIGRI: 2005, p. 35.)
O impacto dessa imigração se fez sentir primeiro na produção agrícola, incentivada por
novas e mais eficientes técnicas trazidas da Europa, em atenção à demanda crescente
pelos cereais, o algodão e a produção de cítricos palestinos; na organização da
propriedade privada, que, também em conseqüência das reformas otomanas,
experimentou um aumento da especulação e da concentração fundiária; e, finalmente,
na ordem social, abalada pela insatisfação crescente de uma população majoritariamente
camponesa, então desalojada de suas terras e privada de seus tradicionais meios de
subsistência. A chegada dos colonos europeus intensificou esse processo de espoliação e
de desestabilização social, pela compra de terras – efetuada também pelas elites egípcia
e síria – junto aos funcionários otomanos encarregados da regularização dos títulos de
A Gênese da Questão Palestina \
28
propriedade, junto aos grandes proprietários de terra palestinos ausentes e, também,
junto aos pequenos proprietários, compelidos por altos impostos e juros elevados.
Antes da chegada dos colonos judeus sionistas, a comunidade judaica da Palestina
concentrava-se em torno de Jerusalém, Hebron, Tiberíades e Safad, sendo pobre em sua
maioria e proveniente tanto da Europa (asquenazim), quanto da África do Norte e do
próprio Oriente Médio (sefardim), ou mesmo da África subsaariana e da Ásia (mizraim).
A primeira aliá,
6
de 1882, traria para esse cenário colonos que desconheciam as
adversidades climáticas e geográficas de uma terra pobre em recursos naturais, que
ignoravam as dificuldades administrativas quanto à aquisição de terras e subestimavam
o esforço financeiro necessário àquela empreitada. Em pouco tempo, os pioneiros
sionistas viram-se endividados, obrigados a recorrer ao capital privado de judeus
ilustres,
7
ligados aos interesses coloniais europeus, para dar seqüência a um projeto que,
em verdade, estava além das suas capacidades materiais para recuperar, sozinhos, terras
recém-adquiridas e mal trabalhadas.
Os imigrantes da segunda aliá (1905-1907) já encontraram os antigos colonos judeus da
primeira onda migratória acomodados à nova situação, integrados à realidade local após
os primeiros revezes enfrentados na fase de assentamento – inclusive, fazendo uso da
farta mão-de-obra árabe-palestina liberada pelo já referido êxodo rural. A segunda leva
sionista era proveniente, em sua maioria, da Rússia, fugida da onda de repressão
desencadeada pelo governo tzarista após a derrota da revolução de 1905; e buscava na
Palestina oportunidades de trabalho e inserção social. Foi a chegada desse segundo
grupo de imigrantes judeus que, de fato, deu início aos desentendimentos entre estes e a
6
A palavra aliá, cujo significado original é “ascensão”, tornou-se, modernamente, sinônimo de
“migração” para a terra prometida. A primeira onda migratória, que ainda não possuía um projeto
programaticamente voltado para a união de todos os judeus, apropriou-se da expressão para a sua causa, o
que explica, mais tarde, o uso desse termo com conotações ideológicas, aplicado mesmo a sionistas ateus.
Após o surgimento de Israel e com a afirmação do “direito de retorno” em lei, o termo estendeu-se a todo
judeu que decidisse emigrar para o país.
7
É fato notório a ajuda prestada ao sionismo, nesse período, pelo barão Edmond de Rothscild –
importante investidor francês, de origem judaica – e, mais tarde, pelo barão Maurice de Hirsch, dono da
Jewish Colonisation Association, na forma de patrocínio às colônias judaicas na Palestina. Porém,
segundo Nigri: “Entre 1882 e 1889, Rothschild impôs – por meio da administração truculenta do barão
Hirsch, seu intendente-administrador e também judeu – (I) um pesado regime de trabalho e obediência em
troca da continuada permanência dos judeus na Palestina; e (II) reforçou, com a importação de centenas
de trabalhadores braçais negros, trazidos do Egito, o investimento na secagem dos pântanos de Hadera,
impulsionando, assim, a futura colonização sionista da Palestina; colonização mistificada posteriormente
como resultado da heróica ação de seus ‘pioneiros’ fundadores” (2005, p. 56-57).
A Gênese da Questão Palestina \
29
população palestina enraizada, pois os imigrantes recém-chegados, ao contrário da
moderação dos primeiros sionistas, defendiam convictamente a criação de um Estado
nacional, em que o trabalho, em todas as suas dimensões, seria realizado unicamente por
judeus. Assim, o sionismo da segunda imigração, ao defender a “conquista do trabalho
hebreu” e o controle judeu exclusivo sobre a administração e a produção da riqueza na
Palestina, colocou árabes-palestinos e judeus em campos de interesse irremediavelmente
opostos, pois os árabes não estavam mais destinados a ser explorados como mão-de-
obra para os colonos judeus, mas, antes, seriam substituídos em sua totalidade.
O aumento da presença judaica e de sua importância na Palestina constituiu, dessa
forma, mais um elemento desagregador no longo processo de decadência do Império
Otomano, à medida que incitou a população local a buscar sua afirmação identitária e
sócio-política no bojo do movimento nacionalista árabe que, naquele momento, buscava
superar o domínio otomano e que, assim como os sionistas, seria envolvido pelas
potências coloniais européias em uma rede de acordos oportunistas e duvidosos, visando
o desmembramento daquele império, cujo desfecho traria, nos três primeiros decênios
do século XX, conseqüências drásticas para o então nascente conflito entre sionistas e
palestinos.
2. SOB DOMÍNIO EUROPEU
As contradições internas acima analisadas já apontavam para o fim do multisecular
Império Otomano quando as potências européias, enfim, intervieram para colocar termo
à questão do Oriente, isto é, ao problema da partilha das imensas possessões do
“homem doente da Europa”, cujo desaparecimento, tido como inevitável, impunha o
risco de uma nova configuração do equilíbrio de poder.
O declínio do poderio otomano já podia ser notado desde o século XVII, quando o
império fora obrigado a ceder a Hungria em favor da Áustria. O evidente atraso
tecnológico em relação às potências européias, combinado com a depreciação das rotas
comerciais tradicionais após o desenvolvimento do comércio marítimo, somava-se às
disputas internas entre as classes dominantes tradicionais – proprietários de terra e
A Gênese da Questão Palestina \
30
militares – e entre as comunidades étnico-religiosas, num processo desenfreado de
desagregação, que foi, em si, resultado da descentralização político-administrativa e da
fragmentação cultural e social do Império Otomano.
Da expedição napoleônica ao Egito (1798-1799) até a I Guerra Mundial, o império
perdeu, pelo êxito de movimentos nacionalistas que alcançaram a independência, ou
pela ação expansionista de potências européias: a Grécia, o próprio Egito, Argélia,
Áden, Túnis, Sérvia, Moldávia, Montenegro, Armênia, Geórgia e outras partes do
Cáucaso, Kwait, Bulgária, Bósnia-Herzegóvina, Albânia e Líbia; restringindo-se os seus
domínios, às vésperas do conflito, a uma estreita zona entre a Trácia européia, a
Anatólia e a península arábica. O término da guerra marcou também o fim do Império
Otomano, reduzido pelos acordos de paz
8
ao domínio turco original na Anatólia e a uma
pequena porção no leste do continente europeu, que hoje correspondem à atual Turquia.
A ponta de lança desse processo eram as potências européias, que, movidas, sobretudo,
por interesses econômicos e estratégicos, conspiravam pela eliminação da Sublime
Porta, visando o acesso direto e irrestrito a seus vastos domínios – mercados de
indiscutível relevância, localizados no ponto médio entre três continentes, num
momento de acirrada disputa entre economias concorrentes, em franco processo de
desenvolvimento industrial: a Rússia guiava-se por interesses econômicos no comércio
do Mediterrâneo (para o qual almejava uma saída, via mar Negro e através dos estreitos
de Bósforo e Dardanelos), políticos (o controle das populações eslavas dos Bálcãs) e até
religiosos (influência sobre a Igreja Ortodoxa); os ingleses tentavam impedir a expansão
russa e garantir para si as vantagens comerciais que obtiveram no passado; e os
austríacos temiam que a influência dos movimentos nacionalistas abalasse o status quo
da península balcânica; enquanto a Itália e a França esforçavam-se por controlar
territórios otomanos no norte da África.
A principal característica desse processo desenfreado por ampliação
de espaços era a de que a expansão dos Estados europeus tinha sido
movida por uma necessidade irrefreável da ampliação de mercados
das economias competitivas do capitalismo industrial. Isto significava
8
Tratado de Sèvres (1920) – o agonizante império ficava reduzido a seu núcleo central da Anatólia.
Tratado de Lausanne (1924) – a Turquia revolucionária, sob o comando de Mustafá Kemal “Ataturk”, o
pai dos turcos, recuperava parte do seu território europeu, definindo as fronteiras do novo país.
A Gênese da Questão Palestina \
31
uma mudança radical no modo de organização política dos estados-
nações, uma vez que as suas fronteiras tornaram-se restritivas e
constrangedoras para a expansão dos mercados capitalistas. Se as
fronteiras nacionais tinham sido até então a base de sustentação do
edifício político do Estado, as forças avassaladoras do capitalismo
industrial pressionavam para que essas fronteiras fossem rompidas e
expandidas a uma dimensão sem precedentes. (DECCA: 2000, p.
155.)
Com a entrada do Império Otomano na I Guerra Mundial, ao lado da Alemanha e da
Áustria, suas terras tornaram-se um campo de batalha, onde as rivalidades entre as
potências européias mostraram-se com maior nitidez. Os grandes da Europa,
gradativamente abriam mão do princípio de “hegemonia coletiva” que, desde 1815,
norteava as relações entre aqueles Estados (CERVO: 2001, p. 63-65), em favor de um
“novo imperialismo” (DÖPCKE: 2001, p. 32): abandonava-se o frágil – porém contínuo
– equilíbrio de poder entre as potências do continente, conhecido como o Concerto
Europeu – que se baseava tanto no reconhecimento de regras, instituições e interesses
comuns, como também na busca de soluções negociadas para seus conflitos – e passava-
se à disputa aberta por espaços extra-continentais onde quer que houvesse reserva de
recursos naturais ou onde se pudesse dar vazão à força irresistível do movimento de
mercadorias, dinheiro, armas e população européia, não mais comportáveis dentro do
limite definido pelas fronteiras já estabelecidas daqueles Estados.
O encontro da sociedade internacional européia com o resto do
mundo, desde fins do século XVIII e através do seguinte, significou a
construção de um sistema internacional mundial e a difusão, menos
perceptível, por baixo dele, de uma sociedade internacional. Os
europeus determinaram as relações com os novos Estados que eles ou
seus descendentes criaram na América e, depois, na África do Sul e na
Oceania, e exigiram ou impuseram essas mesmas relações ao mundo
muçulmano e ao continente asiático. Ao tornar-se mundial, a
sociedade internacional européia montou um efetivo sistema de
dominação. (CERVO: 2001, p. 66.)
No processo de desagregação do Império Otomano, o destino da Palestina não podia
seguir outra lógica senão essa da transformação do cenário internacional, marcado pela
expansão da sociedade internacional européia a nível mundial; expansão que,
paradoxalmente, punha em risco o equilíbrio sempre tenso do próprio sistema europeu,
A Gênese da Questão Palestina \
32
uma vez que minava as bases do entendimento entre as potências do continente – as
quais, durante dois séculos, o Concerto Europeu pôde conciliar. Foi sob o impulso das
articulações e disputas engendradas no seio do sistema internacional europeu que se
definiram as fronteiras da Palestina – e do Oriente Médio, de maneira geral –,
notadamente sob o impulso das articulações da Grã-Bretanha, que, desde o século XVII
vinha se infiltrando na região, através do estabelecimento de entrepostos comerciais e
por meio de alianças locais com alguns emirados, alterando completamente o equilíbrio
político regional.
Aproveitando-se do vazio de poder deixado pela decadência do Império Otomano, a
Grã-Bretanha – com o auxílio da França – manobrou com os movimentos nacionalistas
que então ganhavam força e com os conflitos inerentes ao mundo árabe, para impor suas
próprias concepções estratégicas à região. Nessa conjuntura é que se deve buscar
entender os acordos, as correspondências secretas e as declarações oficiais – e oficiosas
– do período anterior e posterior à I Grande Guerra, bem como a função que
desempenharam, posteriormente, nas discussões sobre o destino da Palestina.
Num primeiro momento, após o fracasso da ofensiva de Galípoli, ainda no curso da I
Guerra Mundial, os ingleses tentaram formar um front interno contra os turcos e, ao
mesmo tempo, conter possíveis tendências pró-germânicas, incentivando a revolta nas
províncias árabes (1916). Com esse intuito, estabeleceram contato com Hussein, o
xerife de Meca, descendente do profeta Maomé e guardião dos lugares santos, cuja
influência moral a Inglaterra pretendia usar para obter o apoio árabe-muçulmano.
Hussein fora atraído pela promessa inglesa de dar respaldo à reconstituição de um
grande reino árabe: nos seus projetos, um de seus filhos, Faissal, reinaria sobre a Síria e
o Iraque, e o outro, Abdallah, seria o rei da Palestina, ao passo que ele mesmo, Hussein,
restabeleceria o califado árabe em seu proveito.
As negociações entre ingleses e árabes foram estabelecidas por meio de uma série de
quatro cartas trocadas entre o alto-comissário britânico no Egito, Henry McMahon, e o
emir de Meca, conhecida como correspondência Hussein-McMahon, em que se
apresentavam propostas e contrapropostas com o objetivo de delimitar as zonas de
influência e as fronteiras após a guerra. Rica em ambigüidades e desmentidos
A Gênese da Questão Palestina \
33
posteriores, foi através dessa correspondência que a Inglaterra conseguiu insuflar a
revolta árabe contra os turcos, abrindo uma frente de batalha oriental que permitiu a
suas tropas, aliadas às francesas, avançar pela Arábia Saudita, Palestina e Síria.
Primeira carta de Hussein a McMahon
Meca, 2 Ramadã 1333 [14 de julho de 1915].
(...) A nação árabe decidiu solicitar ao governo da Grã-Bretanha que
aprove, através de um de seus representantes, as seguintes provisões
básicas (...):
1. A Grã-Bretanha reconhece a independência dos países árabes,
limitados por: no norte, da linha Mersina-Adana ao paralelo 37º N
e dali ao longo da linha Birejik-Urfa-Mardin-Midiat-Jazirat (ibn
‘Umar)-Amadia, até a fronteira persa; no leste, pela fronteira persa
abaixo, até o golfo Pérsico; no sul, pelo oceano Índico (com a
exclusão de Áden, cujo status irá permanecer como presente); no
leste, pelo mar Vermelho e pelo mar Mediterrâneo, de volta a
Mersina.
2. A Grã-Bretanha irá concordar com a proclamação de um Califado
Árabe do Islã.
3. O governo do Califado Árabe garante a preferência aos britânicos
em todos os empreendimentos econômicos nos países árabes. (...)
Segunda carta de McMahon a Hussein
Cairo, 24 de outubro de 1915.
Recebi com satisfação e alegria vosso memorando de 29 Shawwal
1333 [9 de setembro de 1915] e vossa prova de amizade sincera
encheu-me de satisfação e contentamento.
Eu lamento que V. Exa. tenha inferido de minha última carta que
minha atitude em relação à questão das fronteiras era hesitante e
desinteressada. Esta não foi, em nenhum momento, a intenção de meu
memorando. O que quis dizer é que ainda não é o momento para que
tal questão seja discutida de maneira conclusiva.
Mas, tendo percebido em vosso último memorando que V. Exa.,
considera o assunto importante, vital e urgente, eu apressei-me em
comunicar ao governo da Grã-Bretanha o teor de vosso memorando.
Dá-me a maior satisfação transmitir a V. Exa., em nome do governo
da Grã-Bretanha, as seguintes declarações, as quais, eu não tenho
dúvidas, V. Exa. receberá com satisfação e aprovação.
Os distritos de Mersina e Alexandreta, e porções da Síria a oeste dos
distritos de Damasco, Homs, Hama e Alepo, não podem ser
considerados puramente árabes e devem, portanto, ser excluídos da
delimitação proposta. Sujeito a essa modificação e sem prejuízo dos
tratados concluídos entre nós e certos chefes árabes, nós aceitamos
aquela delimitação.
A Gênese da Questão Palestina \
34
Quanto às regiões contidas nas fronteiras propostas, nas quais a Grã-
Bretanha está livre para agir sem prejuízo aos interesses de sua aliada
França, estou autorizado a dar a V. Exa. as seguintes garantias, em
nome do governo da Grã-Bretanha, e responder o seu memorando da
seguinte forma:
1. Que, sujeita às modificações mencionadas acima, a Grã-Bretanha
está preparada a reconhecer e apoiar a independência dos árabes
em todas as regiões dentro dos limites requisitados pelo xerife de
Meca.
2. Que a Grã-Bretanha irá garantir os locais sagrados contra toda
agressão externa e irá reconhecer a obrigação de preservá-los de
agressões.
3. Que, quando as circunstâncias permitirem, a Grã-Bretanha irá
ajudar os árabes com sua assistência e ajudá-los no estabelecimento
de governos adequados para aquelas diversas regiões.
4. Que se entende que os árabes já decidiram buscar os conselhos e
assistência exclusivos da Grã-Bretanha e que todos os oficiais e
conselheiros europeus que possam ser necessários para estabelecer
um sistema de administração eficiente devem ser britânicos.
5. Que, em relação aos dois vilayets (províncias) de Bagdá e Basra, os
árabes reconhecem que o fato de ali existirem interesses e uma
posição estabelecida da Grã-Bretanha, irá exigir o estabelecimento
de acordos administrativos especiais para proteger aquelas regiões
da agressão estrangeira, para promover o bem-estar de seus
habitantes e para salvaguardar nossos interesses econômicos
mútuos.
Estou confiante que essa declaração irá convencer a V. Exa., além de
toda dúvida, da simpatia da Grã-Bretanha pelas aspirações de seus
amigos árabes; e que isto irá resultar em uma aliança sólida e
duradoura com eles, das quais uma das conseqüências imediatas será a
expulsão dos turcos dos países árabes e a liberação dos povos árabes
do jugo turco, que tem pesado sobre eles durante todos esses longos
anos. (Apud GATTAZ: 2002, p. 37-39.)
A Inglaterra, contudo, precisava atender, também, aos interesses de sua principal aliada
naquela região e, por isso, apesar de aparentemente aceitar o grandioso projeto de
Hussein, negociou com a França, secretamente, a divisão das províncias árabes do
Império Otomano em áreas de influência, à revelia dos interesses destas. O acordo
assinado em 1916, que teve, ainda, a participação da Rússia tzarista, recebeu o nome
dos secretários de Estado que conduziram as negociações – Mark Sykes, pela Inglaterra,
e Georges-Picot, pela França.
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35
Correspondência entre o ministro do Exterior inglês, Edward
Grey, e o embaixador francês em Londres, Paul Cambon, a
respeito do acordo Sykes-Picot
16 de maio de 1906.
(...) Fica expressamente acordado entre os governos francês e
britânico:
1. Que a França e a Grã-Bretanha estão preparadas para reconhecer e
proteger um Estado árabe independente ou uma Confederação de
Estados árabes nas áreas (A) e (B), marcadas no mapa anexo, sob a
soberania de um chefe árabe. Que a França na área (A) e a Grã-
Bretanha na área (B) terão prioridade de direito de
empreendimentos e empréstimos locais. Que a França na área (A) e
a Grã-Bretanha na área (B) terão exclusividade para fornecer
assessores ou funcionários estrangeiros, a pedido do Estado árabe
ou Confederação de Estados árabes.
2. Que a França na área azul e a Grã-Bretanha na área vermelha serão
autorizadas a estabelecer a administração direta ou indireta que
desejarem e que considerem que possa se harmonizar com o Estado
árabe ou Confederação de Estados árabes.
3. Que na área marrom
9
será estabelecida uma administração
internacional, cuja forma será decidida após consulta à Rússia, e
subseqüentemente em consulta aos outros aliados e representantes
do xerife de Meca. (Apud GATTAZ: 2002, p. 34-35.)
Os acordos secretos anglo-franceses conciliavam os antigos interesses das duas
potências em relação aos domínios otomanos, mas, por outro lado, inviabilizavam o
projeto do grande reino árabe, rechaçado que foi este pela ofensiva francesa sobre a
Síria (1920), então ocupada por Faissal, que, em compensação, foi posto pelos ingleses
à frente do trono do Iraque, dando início à dinastia Hachemita, enquanto seu irmão
Abdallah recebeu o trono da Transjordânia.
Paralelamente aos acordos com a França e às negociações com os árabes, a Inglaterra
lançou mão de um terceiro artifício, que teria conseqüências determinantes na evolução
da Questão Palestina: o apoio ao movimento sionista, explicitamente afirmado na
declaração Balfour (1917), na verdade, uma carta escrita pelo então chanceler britânico
a lorde Rothschild, representante do comitê político da Organização Sionista, que, por
seu caráter extra-oficial, trouxe reconhecimento internacional ao projeto de
restabelecimento dos judeus na Palestina.
9
No mapa apresentado à página seguinte, a região designada pela cor marrom no acordo está assinalada
em púrpura.
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37
Com esta manobra, o governo inglês, ao mesmo tempo em que colocava mais um
obstáculo ao nacionalismo árabe, conseguia atrair para si o apoio dos judeus da
Palestina, fundamental para garantir o avanço de suas tropas contra a frente turco-
otomana e viabilizar, futuramente, o controle estratégico entre o Mediterrâneo e o Golfo
Pérsico, através da criação de um protetorado.
A legitimidade alcançada pelo movimento sionista com a Declaração Balfour foi
assegurada pela ocupação inglesa da Palestina (1918) antes mesmo da vitória da Entente
sobre a Tríplice Aliança e do estabelecimento do mandato inglês pela Liga das Nações
(1922). Diante da consumação desses fatos, os setores nacionalistas árabes logo
perceberam que a nova definição de fronteiras transparecia, antes, um novo tipo de
submissão do que a criação de nações independentes da dominação otomana.
A Gênese da Questão Palestina \
38
3. O PAPEL DO NACIONALISMO
A declaração Balfour, a correspondência Hussein-McMahon e o acordo de Sykes-Picot
fixaram, pois, a partilha das províncias árabes do Império Otomano entre as duas
potências, cujo arbítrio na delimitação de fronteiras artificiais e precárias, que
ignoravam a dinâmica própria da região, contribuiu de maneira definitiva para o
acirramento do embate entre o moderno nacionalismo judeu – o sionismo – e sua
contrapartida, o nacionalismo árabe-palestino, formulado, inicialmente, em articulação
com as aspirações pan-árabes e, posteriormente, como expressão própria dos objetivos
nacionais de um grupo específico dentro da comunidade árabe mais ampla, cujas
rivalidades intrínsecas obstaram, em boa medida, a concretização de um Estado árabe na
Palestina.
3.1. Sionismo político: o nacionalismo judeu
O termo sionismo, que surgiu no final do século XIX, refere-se a Sion, colina de
Jerusalém sobre a qual foi construído o primeiro templo da cidade e que simboliza a
terra prometida. O sionismo, em seu sentido mais amplo, foi uma conseqüência da
emancipação política dos judeus, fruto do amadurecimento do Estado-nação moderno
na Europa: a garantia de direitos civis e igualdade política e jurídica para todos os
cidadãos colocava os judeus frente à ameaça de perda da sua identidade e dos laços de
solidariedade do grupo. Entre as diferentes posturas
10
adotadas, o sionismo político era a
10
Sionismo religioso – Considerava a Palestina o berço cultural e espiritual do judaísmo, mas não
prescrevia a criação de um Estado judaico, apenas a revalorização das tradições religiosas, pois seus
adeptos acreditavam que os dois exílios do povo judeu tivessem sido provocados pelo abandono da
aliança com Deus e somente o messias poderia fazer ressurgir Israel.
Sionismo cultural – Israel deveria se tornar um refúgio para o judaísmo, como um centro que polarizasse
as energias da nação judaica, pois a sobrevivência do judaísmo estava ameaçada pela secularização da
sociedade e, principalmente, pelo anti-semitismo. Segundo esta visão, o Estado seria o único capaz de
garantir as instituições culturais essenciais a qualquer sociedade.
Sionismo trabalhista – Além da criação de um Estado, defendia a necessidade de um estrutura de classes
em que todas as funções da sociedade fossem exercidas exclusivamente por judeus; dessa forma não
haveria espaço para os árabes.
Sionismo prático – Com a morte de Herzl (1904) e o fracasso momentâneo da via diplomática, essa
dissidência do sionismo político optou pela imigração ilegal para a Palestina, constituindo a segunda onda
de imigrantes judeus (aliá), entre os quais figurava David Ben Gurion, futuro primeiro-ministro de Israel.
Restam, ainda, duas tendências minoritárias: a dos territorialistas, que continuavam ligados ao projeto de
implantação de um Estado, mas fora da Palestina, em uma terra virgem; e uma extrema esquerda, que
A Gênese da Questão Palestina \
39
tendência que defendia o ideal de saída da Europa e reagrupamento dos judeus na
Palestina, como resposta, também, ao anti-semitismo europeu, que, conforme se
acreditava, tornava a assimilação – embora desejável – impossível.
Na contracorrente da emancipação individual, o sionismo político assim concebido por
seus fundadores – Hess, Leon Pinsker e Theodor Herzl – encontrou forte resistência
dentro da própria comunidade judaica, entre aqueles que se opunham ao projeto de
emancipação coletiva, preferindo a proposta de assimilação dos judeus aos países onde
residiam, e entre os que condenavam a valorização do aspecto eminentemente nacional
e secular desse projeto, em detrimento do caráter religioso fundamental do judaísmo.
Por todas essas razões, além, é claro, da falta de apoio – ainda mais evidente – fora dos
meios judaicos, o sionismo político, durante muito tempo, não passou de um movimento
minoritário; e foi preciso que se testemunhassem os pogroms de Odessa (1881) e o
holocausto de Aushwitz para que ele alcançasse legitimidade perante a opinião pública
européia – comovida e, em boa medida, tomada de remorso – e internacional.
A chegada à Palestina dos primeiros imigrantes judeus coincidiu com a desagregação
das províncias árabes do Império Otomano, sob o ímpeto do movimento expansionista
europeu, e foi prontamente associada ao colonialismo: uma vez que a origem e a razão
de ser da imigração judaica, bem como suas referências políticas e culturais, estavam
intimamente ligadas à Europa, a idéia sionista foi considerada como uma manifestação
perniciosa da presença estrangeira na região. Os novos imigrantes, por seu turno,
subestimando possíveis dificuldades de coexistência com a população local, de fato
tomaram para si os ideais de progresso e civilização que escudavam o “novo
imperialismo” das grandes potências e se propuseram a construir “uma Palestina tão
judaica quanto a Inglaterra é inglesa” – nas palavras consagradas do futuro primeiro
presidente de Israel, Chaim Weizman. Os princípios colonizadores do movimento foram
explicitamente formulados em um programa nacionalista com claros objetivos políticos,
elaborado durante o I Congresso Sionista, realizado na Basiléia (Suíça), em agosto de
1897:
apelava à solidariedade de classe entre trabalhadores judeus e árabes em um Estado binacional
(GATTAZ: 2002, p. 21; MASSOULIÉ: 1994, p. 49).
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40
O sionismo propõe-se a construir um lar para o povo judeu
assegurado legalmente e reconhecido publicamente na Palestina. Para
alcançar seu propósito, o congresso propõe os seguintes métodos:
1. O estímulo programado para o assentamento na Palestina mediante
o esforço de judeus agricultores, trabalhadores e que se ocupem de
outros trabalhos.
2. A unificação de todos os judeus em grupos locais e regionais de
acordo com as leis de seus respectivos países.
3. O fortalecimento da autoconsciência e da consciência nacional
judaica.
4. Fazer os preparativos para obter o consentimento dos governos
necessários para a realização dos objetivos do sionismo.
(LAQUEUR. Apud GATTAZ: 2002. p. 23-24. Grifos nossos.)
A Declaração Balfour de 1917, que prometia apoiar a criação de um “lar nacional para
os judeus” na Palestina, apenas ratificou, aos olhos da comunidade árabe nativa, o
caráter político do sionismo e sua ligação com os propósitos do imperialismo europeu.
Ela contradizia, formalmente, a promessa de reconhecimento da nacionalidade e da
criação de um reino árabe, feita ao xerife de Meca em 1915, e denunciava, ao mesmo
tempo, o caráter contraditório dos compromissos assumidos pela Grã-Bretanha,
prenúncio de conflitos futuros.
Paradoxo trágico e ambivalência do sionismo: planejado no Ocidente
como libertação da opressão anti-semita, ele se realizará no Oriente
como uma empreitada colonialista. Para além de todas as justificativas
e de todos os erros cometidos de ambas as partes, para os povos do
Oriente Médio o conflito se resume a este dado fundamental: a
ocupação efetiva, simbólica e política por um grupo humano de um
território já habitado por outro grupo humano. (MASSOULIÉ: 1994,
p. 47.)
3.2. Do nacionalismo árabe ao nacionalismo palestino
No debate em torno do nacionalismo, são inúmeras as abordagens que se propõem a
estudar e definir esse fenômeno, inexistindo, até o momento, um consenso teórico, quer
seja sobre sua natureza – antropológica, política, sociológica –, quer seja sobre sua
aplicação como conceito, ainda mal definido, a tais e quais situações.
A Gênese da Questão Palestina \
41
De forma resumida, pode-se distinguir quatro correntes que permeiam o estudo da
questão nacional (BREUILLY: 2000). A primeira entre todas, refere-se ao problema da
definição dos conceitos operatórios de nação e nacionalismo. Em segundo lugar,
teóricos e historiadores questionam-se sobre quando teriam surgido as nações,
sugerindo uma variedade de quadros referenciais, entre os quais se destacam:
Primordialistas, que acreditam ser a nação um fenômeno
indeterminável, tendo existido desde tempos imemoriáveis da história da
humanidade, sob diferentes formas.
Modernistas, de tendência majoritária, vêem o fenômeno como algo
construído em paralelo à formação dos Estados-nação, sendo, portanto,
essencialmente, um fenômeno moderno.
A terceira corrente concentra seus esforços em explicar como as nações e o
nacionalismo se desenvolvem. E, finalmente, pode-se, ainda, distinguir uma quarta
tendência, que restringe sua percepção ao nacionalismo europeu, em detrimento das
experiências não-ocidentais, que seriam apenas um reflexo das idéias apropriadas
daqueles movimentos originais.
Qualquer que seja a abordagem escolhida, o que sobressai na análise desse poderoso
fenômeno é sempre o “caráter político do nacionalismo, como ideologia que defende a
noção de que Estado e nação devem estar em harmonia”, ou ainda, “sua capacidade de
ser um provedor de identidade entre indivíduos cônscios de constituir um grupo baseado
numa cultura, passado e projetos para o futuro comuns, bem como a fixação a um
território concreto” (GUIBERNAU: 1997, p. 11), características que justificam a
tendência irrefreável – e de fácil constatação entre teóricos e historiadores – de associar
essa ideologia ao processo de formação dos Estados nacionais.
Se, por um lado, não há problemas em reconhecer no sionismo um tipo de
nacionalismo, seja considerando-o como produto de transformações societárias
(GELLNER: 2000) de um meio num determinado momento, seja como instrumento da
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identidade de um povo (SMITH: 2000), como forma de resistência a um agente
opressor, seja, ainda, como meio para alcançar fins políticos; por outro lado, no que se
refere aos palestinos, um tal reconhecimento revela-se mais complicado, na medida em
que o nacionalismo palestino não pode ser, até certo ponto, facilmente distinguido do
próprio nacionalismo árabe, que, por si só, já é um emaranhado complexo de interesses
divergentes de povos distintos, cuja maior referência identitária é o islamismo.
Em verdade, o agente catalisador do nacionalismo árabe e, em última instância, do
nacionalismo palestino, foi a dominação estrangeira e, para além da abolição desta, seus
objetivos e suas estratégias – separação, reforma, unificação – para conseguir o apoio
necessário variaram segundo o lugar daqueles que o invocavam.
No seu nascedouro, a primeira manifestação de um nacionalismo árabe teve cunho
religioso: o arabismo surgiu no século VII, do seio do Islã, que reuniu em torno de um
projeto comum as tribos que se espalharam pela península ao longo do tempo. Para os
ideólogos do arabismo, o Islã seria um patrimônio cultural, um elemento essencial e
inseparável da história dos árabes, que seus Estados deveriam conservar.
O arabismo contemporâneo ou o islamismo político, a segunda manifestação do
nacionalismo árabe, teve caráter reformista: confrontados com o esfacelamento do
Império Otomano e diante da influência crescente do elemento estrangeiro (europeu),
representante de uma sociedade extremamente dinâmica e, por isso, envolvente e
conquistadora, os muçulmanos voltaram-se para suas origens, no intuito de encontrar os
elementos da renovação e do progresso, sempre com base no Corão, seu programa
supremo de ação, que deveria ordenar o conjunto das atividades humanas. A Nahda,
esse amplo movimento de renascença cultural, literária e política ocorrido no século
XIX, expressou-se pelo surgimento e desenvolvimento de partidos e movimentos
políticos, num momento delicado da conjuntura internacional, em que nações sem
Estado contrastavam e se chocavam com os interesses de Estados nacionais em franca
ascensão.
Desses dois momentos do nacionalismo árabe, dois problemas já se colocam para os
ideólogos da unidade muçulmana. Em primeiro lugar, a associação do Islã ao
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43
nacionalismo não é, de todo, simples, pois a mensagem universalista do primeiro não
pode aceitar os vínculos nacionalistas restritivos, um tipo de solidariedade abstrata
inventada no Ocidente. Em segundo lugar, ao levantar a bandeira da modernidade, que
se identifica com o Ocidente – por autodefinição deste ou por simples constatação das
suas potencialidades –, o islamismo político levanta também, em contrapartida, a
questão da autenticidade de origem, que reforça o ideal de um passado glorioso, uma
idade de ouro perdida, o que, fatalmente, tende a levar ao conflito e não à síntese com
seu pólo oposto, os defensores da modernização. O movimento dos Jovens Turcos,
11
que se formou ainda no contexto da dominação otomana e que a ela se sobrepôs em
1908, é um exemplo dessa ambigüidade, enquanto expressão de tendências progressistas
e modernizantes que, de outra parte, não conseguiu agregar em torno de seu discurso
pan-islâmico setores mais tradicionais da sociedade muçulmana – como bem o
demonstra a aliança entre o xerife de Meca, Hussein, com as forças britânicas durante a
I Guerra, conforme mencionado anteriormente.
Uma terceira manifestação do nacionalismo árabe foi a do pan-arabismo, melhor
exemplificado na figura do egípcio Gamel Abdel Nasser, já no contexto da Guerra Fria
e sob o peso da derrota árabe na proclamação do Estado de Israel. De caráter
eminentemente político e menos submisso ao referencial islâmico, o grito de unidade
mais uma vez lançado pelo nacionalismo árabe encontrou eco no jogo de equilíbrio de
poder entre as duas novas potências do globo – Estado Unidos e União Soviética –, às
quais o pan-arabismo interpôs uma política de não-alinhamento com qualquer dos
blocos, conseguindo, com isso, obter para os países árabes do Oriente Médio vantagens
e armamentos fornecidos por ambos os lados. O sentimento revanchista contra Israel foi
o que forjou, em última instância, a união pan-árabe, que escondia, no fundo, antigas
rivalidades entre os países que tentavam atrair para si a liderança do movimento.
O oportunismo das lideranças árabes já se revelava ao término da Grande Guerra, no
acordo secreto firmado entre o hachemita Faissal e o sionista Chaim Weizman, pelo
qual o governante árabe se comprometia a apoiar a execução da Declaração Balfour,
11
Os Jovens Turcos formavam um movimento partidário de cunho liberal, que visava a formação de uma
monarquia constitucional e que, em 1908, conseguiu romper a hegemonia otomana através de um golpe
de Estado. Foram responsáveis pela aliança do Império Turco-Otomano com a Alemanha no primeiro
conflito mundial, em resposta ao alinhamento franco-britânico com a Rússia, sua tradicional inimiga.
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44
apoiando a imigração judaica para a Palestina. E, mesmo durante a vigência da
autoridade otomana – em tese, hostil à imigração e colonização judaicas na Palestina –,
a corrompida e endividada administração imperial, em troca de suporte financeiro e até
como contrapeso ao nacionalismo árabe nascente, facilitou aos judeus a compra de
terras, mesmo com a proibição determinada pelo governo central (1892) da cessão de
propriedades do Estado aos colonos sionistas, obtida por pressão dos “notáveis de
Jerusalém” (NIGRI: 2005, p. 66-68, 72) .
Após a criação de Israel, sem qualquer organização própria independente e atuante, os
palestinos viram-se na contingência de esperar nos exércitos dos países irmãos a
solução de seu problema. No entanto, estes não demonstraram interesse em exigir o
reconhecimento de um Estado palestino autônomo, nem mesmo vontade de integrar os
refugiados às suas respectivas populações; antes, estes Estados optaram por submeter a
causa palestina aos interesses superiores da nação árabe, ou a seus próprios projetos,
deixando a questão em aberto, como instrumento de propaganda ou como arma contra
Israel.
Nem mesmo a criação da Organização para Libertação da Palestina, em 1964, durante a
primeira conferência de cúpula árabe, no Cairo, sob os auspícios da Liga Árabe e de
Nasser, pôde reverter essa incômoda situação. Assim, foi por iniciativa dos próprios
palestinos que sua luta veio a se firmar nos anos subseqüentes, primeiro pela forma de
combate armado, passando pelo terrorismo internacional e, por fim, através da via
diplomática, buscando reconhecimento internacional para a legitimidade de sua causa,
principalmente no seio da Organização das Nações Unidas.
Longa é a lista dos sofrimentos palestinos, Chukeiri [líder da OLP]
controlado pelo Egito, o Setembro Negro pela Jordânia, o
interminável sítio do acampamento palestino de Tal-al-Zaatar em
1976 no Líbano, o cerco de Trípoli, também no Líbano, pelo exército
sírio em 1983, o massacre de Sabra e Chatila perpetrado por
falangistas maronitas aliados de Israel (...) Eis como descreve esses
sofrimentos o poeta palestino Mahmud Darwich: “Descobrimos o
quanto já nos tornamos árabes nas prisões israelenses; descobrimos o
quanto já nos tornamos palestinos nas prisões árabes”. (MASSOULIÉ:
1994, p. 97.)
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45
Assim como o sentimento nacional judaico se fortaleceu na luta contra o anti-
semitismo, o nacionalismo palestino também foi fruto de uma adversidade; ele se
forjou, por um lado, na luta contra aquele mesmo nacionalismo judaico – o sionismo
político – e, de outra parte, na sua lenta individualização no seio do pan-arabismo,
forçada pela falta de coesão dos principais dirigentes árabes – divididos por interesses
conflitantes, habilmente explorados pelas potências mandatárias.
4. DO MANDATO BRITÂNICO À PARTILHA DA PALESTINA
Como mandatária da região, a Inglaterra colocava em prática uma política ambígua,
tentando conciliar com os seus os interesses de árabes e judeus, sem descontentar,
entretanto, a uma e outra parte; pois, num cenário internacional de guerra, um ambiente
de negociações e regateios, era necessário garantir todo apoio possível, principalmente
porque disso dependia a posição privilegiada que o país desejava manter no Oriente
Médio. Durante a I Guerra Mundial, temendo que os judeus, ressentidos pelos pogroms
russos, se aliassem aos alemães, a Inglaterra sinalizou com o apoio aos interesses
sionistas, depois de já haver se comprometido com os árabes.
Em 1917, quando julgava precisar do apoio judaico, ofereceu aos
judeus a Palestina. Em 1921, pelas necessidades decorrentes de suas
alianças interárabes, desmembrou dela a Transjordânia para oferecer a
coroa de um país fictício a um aliado destituído do poder. Em 1933,
quando a Alemanha nazista começou a captar as simpatias árabes,
restringiu a venda de terras aos judeus. (SOARES: 2004, p. 40.)
Foram os judeus, de maneira geral, os maiores beneficiados pela dual política da
potência mandatária, uma vez que o próprio movimento sionista, no intuito de obter o
respaldo inglês para sua causa, soube associar a criação de um Estado judeu na Palestina
à idéia de um Estado amigo, pronto para defender, naquele ponto estratégico, os
interesses aliados e, notadamente, ingleses. Porém, ao favorecer, de um lado, a
imigração judaica e, ao prometer – para depois impedir – a criação de um novo Estado
árabe, a Inglaterra plantou as sementes de um conflito inevitável.
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Já em 1918, antes da concessão do mandato pela Liga das Nações, em 1922, a Inglaterra
mandara à Palestina uma comissão para verificar como a declaração Balfour poderia ser
reforçada (SOARES: 2004, p. 30). Mas, o aumento espantoso da presença judaica
12
na
região resultou na eclosão de conflitos violentos entre a população nativa e os
imigrantes, pois a chegada destes foi seguida pelo deslocamento daquela população não
só de suas terras – que o colono judeu, subsidiado pelo governo inglês, tinha meios para
adquirir –, mas também das demais atividades, como comércio, habitação e, mesmo,
militares,
13
as quais a Agência Judaica esforçava-se por controlar, e conseguia, graças às
concessões britânicas.
A mobilização palestina, por seu turno, não possuía o mesmo grau de organização dos
judeus sionistas. Enquanto estes, pouco a pouco, estabeleciam a estrutura básica de seu
futuro Estado, as lideranças palestinas recusavam-se a criar uma Agência Árabe, à
semelhança da Agência Judaica – instância representativa do movimento sionista,
reconhecida nos termos do próprio mandato, que garantiu aos judeus um amplo espaço
nas questões administrativas, ao permitir que fossem erguidas instituições que serviriam
de base para a organização de um futuro governo. Privando-se, assim, de ter qualquer
instituição representativa reconhecida, os palestinos assumiram uma posição de tudo ou
nada, exigindo a anulação da declaração Balfour e a interrupção da imigração
(MASSOULIÉ: 1994, p. 56). Tal atitude, embora os reduzisse à impotência, revelava
uma percepção clara de que não estavam diante de um típico caso de dominação e
exploração, mas sim diante de um projeto ambicioso de criação de um novo Estado,
cuja identidade, senão exclusiva, majoritariamente judaica implicava, por conseguinte,
expulsar os habitantes daquele território.
Até a criação da Liga Árabe (1945) e a fundação da OLP, seu maior interlocutor junto
às autoridades mandatárias foi o grande mufti de Jerusalém, Hajj Amin al-Husseini,
12
Evolução da população judaica na Palestina (MASSOULIÉ: 1994, p. 64):
1882 24.000 4% da população total
1914 85.000 10% da população total
1948 650.341 33% da população total
13
Já em 1909, surgia a primeira força de autodefesa judaica, o Hashomer (Sentinela), fundado por Ben
Gurion. Seguiram-se a ele: a Haganah, milícia unificada de defesa, reunindo organizações menores na
década de 1920; o Irgun Zvei Leumi (Organização Militar Nacional), braço armado do movimento
extremista; e o Lohame Herut Israel, (Combatentes pela Libertação de Israel, Lehi), mais conhecido como
Gang Stern, ou simplesmente Stern, inspirado em seu líder Avraham Stern. Os dois últimos da década de
1940.
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dignitário religioso e chefe do Conselho Supremo Muçulmano, cuja influência além dos
limites da Palestina permitiu-lhe obter apoio popular na luta anti-sionista. Sua postura
agressiva e sua manifesta simpatia pelo Eixo, contudo, custaram-lhe, inúmeras vezes, o
exílio e, gradativamente, a perda de seu prestígio. O mufti de Jerusalém tornou-se a
ponta-de-lança da resistência palestina, liderando motins, greves e ataques anti-judaicos
mais violentos; porém, sua posição, mais árabe-islâmica do que propriamente palestina,
pouco contribuiu para a causa desse povo, além de servir para mobilizar suas
insatisfações, sendo por muitos considerado uma influência controversa (SCALERCIO:
2003, p. 33).
Buscando arrefecer a insatisfação árabe, o então ministro das Colônias, Winston
Churchill, lançou mão do primeiro Livro Branco (Command Paper), em julho de 1922,
que procurava impor restrições à imigração judaica, condicionando-a à capacidade de
absorção econômica da região. Mas o problema não era econômico, pois desse ponto de
vista, a Palestina experimentou um impulso modernizador com as novas técnicas e o
capital judeu, que imprimiram maior impulso à produção local. Na realidade, o
problema era, acima de tudo, político e se colocava na oposição entre dois
nacionalismos radicalmente distintos, dois pontos de vista com legitimidade diferente:
os árabes tentando manter a posse sobre um território que há séculos ocupavam; os
judeus forçando o retorno ao lugar de um passado glorioso, de onde haviam saído há
séculos.
Nos anos 1930, com o aumento da chegada de judeus à Palestina, em conseqüência das
perseguições nazistas, desencadeou-se uma série de conflitos entre palestinos e judeus,
que culminaram, em 1936, em uma grande revolta da população árabe contra o colono
judeu, coordenada pelo mufti de Jerusalém, sob a forma de uma greve geral, e que durou
até as vésperas da II Guerra. Os insurgentes exigiam o fim da imigração e da
transferência de terras árabes para os sionistas e a constituição de um parlamento de
formação proporcional ao número de judeus e árabes que habitavam a região. As
propostas foram negadas e o “levante foi esmagado por 25 mil soldados britânicos e
uma dúzia de aviões bombardeiros, auxiliados por contingentes de milicianos judeus”,
com um saldo de cinco mil palestinos mortos (SCALERCIO: 2003, p. 33).
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Face ao recrudescimento das ações de violência, o governo britânico nomeou uma
comissão de investigação (nov./1936-jul./1937), que ficou conhecida como Comissão
Peel.
14
Em seu relatório, concluía esta comissão que havia uma “incompatibilidade”
entre as aspirações nacionais das duas comunidades e, pela primeira vez, propunha a
partilha da Palestina em dois Estados.
Nos estreitos limites de um pequeno país, há duas comunidades
nacionais em conflito inevitável (...) A comunidade árabe é de caráter
predominantemente asiático; a comunidade judaica, de caráter
predominantemente europeu. Divergem em religião e língua. Sua vida
social e sua maneira de atuar e raciocinar são tão incompatíveis quanto
suas aspirações nacionais. (SOARES: 2004, p. 41.)
A proposta não podia ser bem acolhida por nenhum dos lados, pois os palestinos não
queriam perder parte alguma do que possuíam, enquanto os judeus pretendiam estender
seu lar nacional por toda a Palestina; mas foi aceita pela comissão sionista, que entendia
ser um grande passo naquela direção ter reconhecida sua soberania plena, ainda que
sobre um pedaço menor do que a Eretz Israel.
Eu sou a favor da partilha do país porque quando nós nos tornarmos
uma grande potência, depois do estabelecimento do Estado, iremos
abolir a partilha e nos espalhar pela Palestina.
(...) O Estado judeu que ora é oferecido para nós não é o objetivo
sionista. Dentro desta área não é possível resolver a questão judaica.
Mas pode servir como uma etapa decisiva em direção à grande
implementação do sionismo. Irá consolidar na Palestina, no menor
tempo possível, a real força judaica que irá nos levar a nosso objetivo
histórico. (BEN-GURION. Apud GATTAZ: 2002, p. 104.)
14
Chefiada por um ex-secretário de Estado da Índia, lorde Robert Peel, a comissão real apresentou um
relatório de 400 páginas, que, em suma, defendia o histórico do governo inglês na Palestina e, seguindo a
dupla-face da política inglesa, reafirmava a declaração Balfour, ao mesmo tempo em que reconhecia a
justiça das demandas palestinas. Dizia o relatório: “Estimular a imigração judaica, na esperança que
pudesse levar à criação de uma maioria judaica e ao estabelecimento de um Estado judeu com o
consentimento ou ao menos com a aquiescência dos árabes era uma coisa. Outra coisa muito distinta era
contemplar, embora remotamente, a conversão forçada da Palestina em um Estado judeu, contra a
vontade dos árabes. Isso claramente violaria o espírito e a intenção do sistema de mandato. (...)
Manifestamente, o problema não poderá ser solucionado dando-se aos árabes ou judeus tudo o que eles
querem. A resposta à questão qual deles irá, no fim, governar a Palestina? deve ser, seguramente,
nenhum. (...) ‘Meio filão é melhor do que nenhum pão’ é um provérbio peculiarmente inglês (...)”
(GATTAZ: 2002, p. 69.)
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Os palestinos, novamente, se revoltaram contra os ingleses, obrigando-os a adotar uma
nova política, expressa na divulgação de um segundo Livro Branco, em 1939.
Rompendo com sua postura anterior, a Inglaterra, pela primeira vez desde a declaração
Balfour, tomou posição a favor dos palestinos, tendo em vista a aproximação da II
Guerra Mundial: não era possível afastar de si os países árabes, agitados pela revolta na
Palestina e sensíveis à propaganda antibritânica nazista, graças ao descumprimento das
promessas feitas anteriormente. Em última análise, além de limitar sensivelmente a
imigração, o novo livro branco propunha o estabelecimento de um único Estado
independente na Palestina, em que árabes e judeus gozassem dos mesmos direitos e
deveres e onde fossem respeitadas as características particulares de todas as
comunidades.
De sua parte, os judeus, apesar do apoio aos Aliados na luta armada contra o Eixo,
voltaram o poder de suas unidades paramilitares também contra os ingleses, procurando
reconquistar pela força das armas o que haviam perdido no terreno político.
Paralelamente, no campo internacional, buscaram e obtiveram junto aos EUA – onde a
comunidade judaica já era consideravelmente numerosa e influente – o apoio estratégico
que não podia faltar à sua causa. Em 1945, um Comitê Anglo-Americano foi formado
para revisar a situação na Palestina e, de sua investigação, resultou nova proposta para
criação de um Estado autônomo na Palestina – semelhante à última proposta inglesa –,
com garantias para todas as comunidades religiosas nele inseridas. A proposta, contudo,
não deixava de contemplar os judeus nas facilidades que oferecia para a imigração e
compra de terras, razão por que foi rejeitada pelos árabes.
A Inglaterra, por sua parte, vendo-se impotente para resolver o impasse que ela mesma
ajudara a criar e exaurida em suas capacidades após 20 anos de crises e guerras,
resolveu internacionalizar o problema, entregando sua solução nas mãos da ONU,
criada ao final da II Guerra para assumir o papel da fracassada Liga das Nações. Um
novo comitê de investigação foi criado e optou-se, então, pela partilha da Palestina em
dois Estados, um judeu outro palestino, que seria assim apresentada à Assembléia Geral
da ONU, na forma da Resolução 181, em 29/11/1947: os judeus conservariam 56% do
território, divididos em três áreas distintas; os palestinos, 43%, divididos também em
três áreas; e a cidade de Jerusalém ficaria sob administração internacional.
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A solução
15
aprovada por 33 votos a favor, 13 contra e 10 abstenções representou a
declaração de guerra dos árabes contra os judeus. Os combates, que já estavam em
curso, recrudesceram e tornaram-se mais violentos, à medida que se aproximava a data
que a Inglaterra havia fixado para sua completa retirada da Palestina – 15 de maio de
1948 –, encerrando, assim, seu período como mandatária.
5. A
PALESTINA ENTRE ISRAEL E OS PAÍSES ÁRABES
Em 14 de maio de 1948, a proclamação do Estado de Israel antecipou em um dia a
retirada oficial inglesa da Palestina, mas a guerra de fato já havia começado em fins de
novembro de 1947, em forma de guerrilha entre as comunidades judaica e árabe-
palestina. A proclamação apenas inaugurou uma nova fase no conflito, que adquiriu
contornos de guerra convencional, travada entre o recém-fundado Estado de Israel e os
exércitos da Transjordânia, Egito, Síria, Líbano e Iraque. A boa organização do exército
judeu – experimentado nos combates da II Guerra e na ação dos grupos paramilitares –,
aliada à ajuda de ativistas correligionários nos EUA e na Inglaterra para a compra de
armamentos, foram fatores preponderantes na vitória sobre as forças árabes, que sobre-
estimaram sua superioridade numérica e subestimaram o poder de fogo do inimigo.
5.1. A criação de Israel e a primeira guerra árabe-israelense
Desde a década de 1930, os colonos judeus estocavam armas para o provável conflito
com os árabes, tendo criado, inclusive, uma estrutura doméstica de fabricação e
manutenção de armas (Ta’as) e outra organização (Rekhesh) voltada para a aquisição e
distribuição de armamentos – amplamente disponíveis no mercado internacional após o
15
Votos a favor: África do Sul, Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Bielo-Rússia, Canadá, Costa Rica,
Tchecoslováquia, Dinamarca, Equador, Estados Unidos, Filipinas, França, Guatemala, Haiti, Holanda,
Islândia, Libéria, Luxemburgo, Nicarágua, Noruega, Nova Zelândia, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia,
República Dominicana, Suécia, Ucrânia, União Soviética, Uruguai e Venezuela. Votos contra:
Afeganistão, Arábia Saudita, Cuba, Egito, Grécia, Iêmen, Índia, Irã, Iraque, Líbano, Paquistão, Síria e
Turquia. Abstenções: Argentina, Chile, China, Colômbia, El Salvador, Etiópia, Honduras, Iugoslávia,
México, Reino Unido.
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fim da II Guerra. Os palestinos, abalados pela repressão da grande revolta de 1936-
1939, contavam com as forças militares dos países árabes irmãos, reunidas sob o
Exército Árabe de Libertação (SCALERCIO: 2003, p. 47-48). Entretanto, as dissensões
entre estes dificultariam a execução, na prática, da unidade que seu discurso anunciava.
Na época do primeiro conflito, a melhor unidade militar entre os árabes era aquela
formada pela Legião Árabe
16
do reino hachemita da Transjordânia, cujo rei, Abdallah –
comandante-geral da Liga Árabe – nutria a esperança de ver senão toda a Palestina sob
seu controle, ao menos os territórios árabes. Com este intuito, o rei hachemita manteve
contatos secretos com a Agência Judaica, sob a liderança de Ben Gurion, que, contando
com a falta de uma estratégia árabe concreta, reconhecia, entretanto, a possibilidade de
derrota se a Legião Árabe passasse à ofensiva de forma determinada. Abdallah temia
também que uma vitória egípcia, no sul, ou síria, ao norte, consolidasse uma autoridade
rival junto às suas fronteiras e não via com bons olhos a influência que desfrutava entre
os palestinos o mufti de Jerusalém – inimigo dos hachemitas. Dessa forma, o lado árabe,
perseguindo unicamente a realização de objetivos particulares, contrastava com os
judeus não pela superioridade numérica total, mas, antes, pela falta de coordenação e de
uma liderança efetiva que unificasse, de fato, o comando das operações em torno de um
plano de combate verdadeiramente estruturado. Prevaleceram as prioridades de cada
sistema de poder na posição ambígua assumida pela Liga Árabe, o papel de seus
Estados membros, que, aproveitando-se da irresistível solidariedade despertada pela
causa palestina entre seus povos – pela experiência otomana compartilhada e ainda
recente –, buscaram catalisar para fora de suas fronteiras as forças populares de
contestação aos regimes políticos internos, visando a ordem vigente. Sem uma
estratégia solidamente montada, que respaldasse no campo militar o discurso
fervorosamente defendido, foram os árabes conduzidos, em pouco mais de ano, à
rendição completa.
Os armistícios de 1949, intermediados pela ONU, foram assinados em separado por
Israel com cada um dos beligerantes. Em relação ao Egito (24 de fevereiro),
16
Originalmente denominada Exército Árabe (Al Jaysh al Arabi), a Legião Árabe, criada pelos ingleses
na década de 1920, era composta por soldados nativos, equipados, treinados e comandados por europeus.
Na época do conflito, contava com 10 mil homens e possuía formações de artilharia, corpo blindado e
uma aviação (SCALERCIO: 2003, p. 56).
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determinava que a Faixa de Gaza ficaria em poder deste país, enquanto Israel ganharia o
Negev, estendendo-se até os limites do Sinai, a oeste, e até o golfo de Ácaba, ao sul.
Com o Líbano (23 de março), estabelecia como limite entre os dois países a antiga
fronteira, retirando-se os israelenses dos povoados libaneses que haviam ocupado. A
Transjordânia (3 de abril) – menos afetada pela derrota, graças aos acertos secretamente
tratados com os judeus –, incorporava a parte oriental de Jerusalém e a Cisjordânia – a
porção a oeste do rio Jordão, também conhecida como Margem Esquerda ou, como
preferem os judeus, Judéia e Samaria –, adotando, a partir de então, o nome de Reino
Hachemita da Jordânia. E, por fim, a Síria (20 de julho) se retirava da zona que ocupara
a oeste da fronteira com Israel.
O resultado dessa primeira guerra árabe-israelense foi a ocupação, pelos judeus, de três
quartos do território da Palestina e a impossibilidade de se instalar o Estado árabe-
palestino previsto pelo plano de partilha da ONU, que permaneceu como letra morta. O
nacionalismo judeu impunha uma grande derrota ao nacionalismo árabe, mas,
sobretudo, aos palestinos, povo que foi, em verdade, o grande derrotado na Guerra de
Independência de Israel, vítima do próprio conflito, da retórica extremista do arabismo e
da ambição de seus países irmãos – que passaram a controlar a parte restante do
território que lhes havia sido destinada.
As perdas e os ganhos da vitória, junto com o trauma histórico
acumulado dos judeus, criaram entre os israelenses uma ambigüidade:
uma confiança excessiva em sua invencibilidade, ao lado de um
sentimento igualmente exagerado de catástrofe iminente. Ao mesmo
tempo que se apresentavam ao Ocidente como Davis mal armados, em
luta contra gigantes filisteus, frente aos árabes, os israelenses se viam
como um Golias de força incalculável. (...)
Entre os árabes, porém, esse tipo de contradição não se manifestava.
Para eles, a guerra de 1948 fora al-Nakbah, “O desastre”, e um
desastre consumado. (...) A anexação da Margem Ocidental
(Cisjordânia) pela Transjordânia (...) e a ocupação egípcia de Gaza
apenas assinalavam a perda palestina de um Estado que deveria conter
ambos os territórios. (OREN: 2004, p. 27.)
Sem um território próprio, os palestinos dispersaram-se e tornaram-se refugiados em
países alheios, vivendo em campos miseráveis, com a precária assistência da ONU.
Ironia trágica da história do conflito, o fim da diáspora para os judeus representou, para
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os palestinos, a “catástrofe”, al-Nakbah, cuja lembrança uniria esse povo em torno do
movimento nacional em formação (PAPPE: 2004, p. 141).
5.2. Os conflitos árabe-israelenses
Os conflitos árabe-israelenses que se sucederam à vitória de Israel em 1949 tiveram
importante repercussão na dinâmica do conflito entre judeus e palestinos, à medida que
determinavam uma nova reavaliação da relação de forças entre as partes e de suas
pretensões, face aos resultados observados ao final de cada rodada de tensões. Em
última instância, a supremacia conquistada pelas forças israelenses no decorrer desses
conflitos implicou, de um lado, o fortalecimento daqueles que, respaldados na vantagem
alcançada pelas armas israelenses, passaram a defender a rejeição a qualquer negociação
ou concessão que tivesse por fim melhorar a relação do Estado judeu com seus vizinhos
árabes; e, por outro lado, tornou cada vez mais difícil o retorno às fronteiras
determinadas pelo plano de Partilha da ONU para um Estado palestino.
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55
5.2.1. A guerra de 1956:
O primeiro desses conflitos foi a Crise de Suez, também chamada Guerra do Sinai, cuja
relação com o conflito israelo-palestino revela-se nos objetivos então traçados por Israel
neste incidente. A causa imediata da crise foi a nacionalização do Canal de Suez pelo
Egito, o que levou à intervenção militar da Inglaterra e da França, sob a alegação de que
a proibição da livre-navegação no canal feria o direito internacional e prejudicava seus
interesses comerciais na região. Em verdade, pesava também em suas considerações o
fato de que o presidente egípcio, Gamal Abdel Nasser, insuflava os demais países
árabes a lutar por sua independência.
Da parte de Israel, havia a preocupação com a segurança de suas fronteiras, face à
aliança da Síria com o Egito – na forma de uma República Árabe Unida – e ao crescente
armamento egípcio favorecido pela URSS. Seus objetivos eram atacar as bases de
guerrilheiros palestinos em Gaza, sob controle do Egito; prevenir um ataque desse país
contra Israel, destruindo o sistema logístico egípcio; e reabrir o golfo de Ácaba à
navegação, já que por ali passava a maior parte do suprimento de petróleo importado
pelo país.
A tripla ofensiva não encontrou resistência do exército egípcio, mas foi obrigada a
recuar, diante da pressão exercida pelas novas potências sobre os “ex-grandes”. Aos
EUA interessava abrir vantagem sobre as ex-mandatárias na competição pelas reservas
de petróleo. À URSS figurava a oportunidade de recuperar o prestígio perdido entre os
árabes, por ocasião da Guerra de Independência de Israel, quando os soviéticos
apoiaram as forças sionistas, facilitando a compra de armamentos fornecidos pela
Tchecoslováquia, com o intuito de criar embaraços à Inglaterra, sua tradicional rival em
interesses naquela região.
Em tempos de Guerra Fria, a interferência dessas potências nas rivalidades locais,
armando exageradamente suas contrapartes, teve um peso significativo na eclosão dos
conflitos no Oriente Médio. O próprio Egito fora levado a uma aproximação com a
URSS após a negativa norte-americana de subsidiar a construção da barragem de Assuã,
que visava minorar o problema da falta de água no país. A nacionalização da companhia
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que controlava o canal foi, em tese, o meio encontrado pelo governo para conseguir os
recursos necessários à obra. Apesar de uma clara derrota em terra, Nasser obteve uma
importante vitória política, atraindo para si não só a simpatia do mundo árabe, mas do
movimento dos países “não-alinhados” como um todo.
Para Israel, a vitória militar significou a realização de todos os seus objetivos, com a
derrota do Egito e a conquista de quase todo o Sinai. Mas o desfecho do conflito
representou uma derrota no plano político-estratégico, pois o país foi forçado a
devolver, gradativamente, todos os territórios que havia conquistado, voltando, por fim,
às fronteiras de antes da guerra.
Ao insuflar mais uma vez o voluntarismo árabe, a Guerra de 1956 plantou os germes de
um novo conflito contra o Estado judeu, então indissociavelmente ligado, no imaginário
coletivo médio-oriental, ao mesmo campo do imperialismo das grandes potências. Para
o conflito israelo-palestino, a maior implicação desse incidente revelou-se justamente na
revivescência da solidariedade pan-árabe por ele despertada: foi durante a primeira
conferência de cúpula árabe – realizada no Cairo, em junho de 1964 – que ganhou corpo
a idéia lançada por Yasser Arafat, em 1959, de criação de um organismo de defesa da
causa palestina, que viria a ser a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
17
5.2.2. A guerra de 1967:
A retórica provocativa dos dirigentes árabes continuou a estimular as incursões de
guerrilheiros em território israelense e os incidentes militares entre Israel, o Egito, a
Síria e a Jordânia, durante os quase 10 anos que separam a Crise de Suez e a guerra de
1967.
17
Conforme Soares (2004, p. 59-60): “A OLP passou a ser considerada a plataforma representativa do
povo palestino, estando nela integrados todos os grupos, partidos, organizações e associações palestinos”.
Compreendia o Conselho Nacional Palestino, autoridade máxima para a formulação de planos e
programas políticos; o Fundo Nacional Palestino, responsável pela captação e administração de fundos; o
Exército de Libertação da Palestina; e os departamentos de Saúde, Educação e Informação, o da Terra
Ocupada – que cuidava da população palestina dos territórios ocupados – e o Político – uma espécie de
chancelaria.
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Insatisfeito com a permanência de tropas da ONU em seu território, a qual julgava
ofensiva à sua soberania, visto que não fora o Egito, mas sim Israel, o Estado que, de
fato, teve a iniciativa da agressão no último conflito, Nasser exigiu a retirada das tropas
do Sinai, poucos dias antes do início da nova hostilidade. Por trás desse cenário
estavam, evidentemente, de um lado, os interesses de Estados Unidos, Inglaterra e
França, que tratavam de armar os israelenses; e, de outro, os soviéticos, que forneciam
armamentos aos árabes, buscando consolidar sua influência na região.
No dia cinco de junho daquele ano, Israel – que, desde 1956, havia adotado a doutrina
do ataque preventivo como forma de garantir sua segurança – desfechou nova ofensiva
contra os três países árabes, sob o pretexto de reabrir o golfo de Ácaba à navegação
israelense – novamente interditada pelo Egito –, mas visando, dessa vez, a conquista de
pontos que se revelaram estratégicos para a segurança de Israel na guerra de Suez: as
colinas de Golan, a leste do rio Jordão, fronteira com a Síria; o estreito de Tiran, que
domina a entrada para o golfo de Acaba; e a Cisjordânia, incluindo o controle de
Jerusalém, que deveria ser a capital indivisível do país. Em seis dias, Israel triplicou sua
superfície, tomando as colinas de Golan, da Síria; a Cisjordânia e Jerusalém oriental, da
Jordânia; a Faixa de Gaza e toda a península do Sinai, do Egito.
A Guerra dos Seis Dias modificou significativamente o quadro do conflito entre Israel e
os países árabes: daí por diante, a recusa total mudava de campo. Respaldado no apoio
dos EUA – que vetaram o projeto soviético de evacuação completa dos territórios
ocupados –, Israel buscaria negociar a paz com os árabes tomando por base as novas
posições conquistadas e, mesmo após a adoção da Resolução 242 (de 22 de novembro
de 1967) pela ONU, manteria sua recusa de entregar aquelas áreas; enquanto os árabes,
pouco a pouco, passariam a aceitar a idéia de co-existência com o Estado judeu. Para os
palestinos, especialmente, as conseqüências da guerra foram as piores possíveis: tendo
Israel conquistado a soberania sobre os territórios antes destinados à construção do
Estado palestino, submetendo boa parcela da população a seu controle militar e
administrativo – o que provocou uma nova onda de refugiados –, foi iniciada a
implantação maciça de assentamentos nos territórios ocupados, principalmente na
Cisjordânia, com vistas a obter uma maioria israelense entre a população daquelas
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zonas, que configurasse, no menor tempo possível, um fato consumado a favor de
Israel, no caso de negociações futuras sobre fronteiras definitivas.
5.2.3. A guerra de 1973:
O fim da Guerra dos Seis Dias não significou o fim das hostilidades entre Israel e os
países Árabes do Oriente Médio; persistia a mesma situação de combates esporádicos e
incidentes isolados que nunca deixaram de ocorrer desde a Guerra de Independência de
Israel. Mas, a partir de então, os atritos dar-se-iam sob um aspecto diferente,
concentrando-se nos novos territórios conquistados por Israel.
Diante da fragorosa derrota de seus tradicionais parceiros – Egito, Síria e Jordânia –, a
resistência palestina começou a se mobilizar de forma mais independente, agindo dentro
das fronteiras de Israel, tendo em vista promover a desobediência civil entre a
população dos territórios ocupados e desencadear operações de sabotagem contra alvos
civis e militares. Iniciava-se uma fase de violentos atentados de fedayins (guerrilheiros
palestinos) contra pontos israelenses e de retaliações, não menos violentas, das forças de
Israel nos territórios ocupados, que, não raro, estenderam-se para os países árabes onde
esses grupos mantinham suas bases e de onde, portanto, partiam os ataques.
Todas as tentativas de mediação realizadas depois de 1967 fracassaram, ao passo que a
Resolução 242 permaneceu como letra morta. Enquanto os países árabes inquietavam-se
com a situação, Israel, seguindo sua estratégia de permanecer nos territórios
conquistados, alegava um problema semântico para o cumprimento da resolução do
Conselho de Segurança da ONU: não estava claro, no seu entender, se o texto
determinava sua retirada dos ou de territórios ocupados, isto é, se de todas as áreas
conquistadas desde a Guerra de Independência, ou apenas de algumas áreas
conquistadas em 1967. Para os árabes, tratava-se, sem dúvida, de recuperar todos os
territórios perdidos na última guerra; mas para os palestinos, a Resolução 242 pouco
alterava sua situação, já que, apesar de preconizar uma “paz justa e duradoura no
Oriente Médio”, afirmava tão-somente a necessidade “de se alcançar uma solução justa
A Gênese da Questão Palestina \
59
para o problema dos refugiados” (grifo nosso), sem mencionar, em ponto algum do
texto, a questão flagrante da autodeterminação do povo palestino.
A intransigência israelense deu ensejo a mais uma aliança entre os países árabes –
Egito, Síria e, em menor escala, Jordânia – com o objetivo de retomar os territórios sob
controle de Israel, usando como tática o ataque surpresa, deflagrado no dia seis de
outubro de 1973 – data em que se comemora, no calendário judaico, o Yom Kippur (Dia
do Perdão) e, no calendário muçulmano, o jejum do Ramadan. A Guerra do Yom
Kippur, ao contrário das antecedentes, revelou uma boa dose de planejamento
estratégico, por parte do Egito, que, num primeiro momento, fez crer em Israel que nada
se planejava contra o país – dispensando, inclusive, os assessores militares soviéticos –
e garantiu à Síria que prestaria todo apoio necessário para que o Golan fosse retomado;
quando, na verdade, seu maior objetivo era atravessar o canal de Suez e fixar posição
para, mais tarde, entrar em negociação com Israel e reaver a península do Sinai
(SCALERCIO: 2003, p. 190).
Mais uma vez, a interferência das potências foi determinante no desfecho do conflito,
não só pela ajuda em armamentos durante a fase ofensiva, como também pela pressão
exercida nas negociações posteriores ao cessar-fogo (27 de outubro). A URSS atuou
junto à ONU e ao gabinete israelense, ameaçando intervir no conflito caso Israel não
recuasse, pois não podia permitir o esmagamento de seus principais aliados. Os EUA,
sem abandonar o apoio a Israel, desejavam também atrair para sua influência o Egito,
importante aliado soviético na região, pela liderança política e militar que o país árabe
exercia. Diante do impasse, o então presidente egípcio Anuar Sadat – que sucedera
Nasser, após a morte deste em 1970 –, desejando pôr termo à disputa para poder
dedicar-se à crise interna de seu país, efetuou uma grande reviravolta, buscando o apoio
norte-americano para romper a lógica da Guerra Fria e facilitar as negociações com
Israel, o que resultou na assinatura do histórico acordo de Camp David, em 1978.
Como parte desse acordo, o Egito recuperou a península do Sinai (gradativamente
desmilitarizada até 1982) em troca do reconhecimento oficial da existência do Estado de
Israel, fato considerado uma traição aos olhos da comunidade árabe, que via no país o
protagonista central do pan-arabismo. Israel conseguia, assim, o isolamento do Egito no
A Gênese da Questão Palestina \
60
mundo árabe, o que ia ao encontro de seus objetivos estratégicos, uma vez que, tendo
neutralizado seu mais poderoso inimigo – afinal, em todos os conflitos após a guerra de
1947-1949, foi o Egito quem forneceu sempre os maiores contingentes militares e
humanos –, Israel podia se voltar de forma mais efetiva para a contenção da revolta
palestina nos territórios ocupados e, mesmo, dentro de suas fronteiras.
No que diz respeito aos palestinos, a segunda parte do acordo de Camp David previa
negociações a fim de se adotar uma regulamentação que concedesse autonomia
definitiva à Faixa de Gaza e à Cisjordânia, após um período transitório de cinco anos,
em que estes territórios ficariam, em verdade, sob uma mal disfarçada soberania
israelense. Os palestinos, que não foram consultados sobre esse acordo, ao final da
guerra de 1973, viram-se, mais do que nunca, isolados em sua causa dentro do próprio
mundo árabe, pois a derrota dos exércitos árabes nessa guerra, combinada com o
distanciamento egípcio, foi também a derrota definitiva da via nasserista, que almejava
a construção de uma grande nação árabe unida. Mas, por outro lado, o grande revés
trouxe legitimidade à idéia de construção de um Estado palestino independente, a partir
de então desvinculado dos interesses superiores da nação árabe – na verdade, um
punhado de interesses conflitantes das nações árabes entre si. Também no campo
diplomático, os palestinos alcançaram visibilidade, graças também à repercussão da
crise energética criada pelo embargo de petróleo
18
imposto pela Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP) aos países do Ocidente, ainda no início do conflito:
em decorrência disso, EUA e Europa passaram de uma postura de indiferença a um
envolvimento crescente com a causa palestina.
Com o fim da Guerra do Yom Kippur e, com ele, o fim da guerra aberta entre árabes e
israelenses, não só o conflito entre estes entraria em uma nova fase, como também dele
se distinguiria ainda mais o conflito israelo-palestino, que tomaria o formato de guerra
assimétrica entre as forças israelenses e os guerrilheiros palestinos. Era a Questão
Palestina que então passaria a figurar no centro das atenções, ficando os conflitos entre
18
Durante a Guerra de 1973, a recusa de Israel em aceitar a proposta de Sadat de uma negociação
internacional em torno da Resolução 242 – baseada na evacuação israelense dos territórios ocupados em
1967 e no reconhecimento dos direitos legítimos do povo palestino –, seguida da decisão norte-americana
de fornecer armamentos pesados para aquele seu aliado, levou a OPEP a usar o petróleo como arma
política contra as nações que apoiavam Israel, causando uma grande crise de abastecimento mundial, com
o aumento vertiginoso do preço desse produto.
A Gênese da Questão Palestina \
61
Israel e os países árabes reduzidos a incursões esporádicas nos territórios destes, mas
sempre ligados à lógica própria daquele premente e duradouro conflito.
6. O QUE É A ‘QUESTÃO PALESTINA’?
O que ora chamamos Questão Palestina não é mais um fator, mais um dado no histórico
dos conflitos do Oriente Médio, ou um desdobramento do conflito mais restrito entre
árabes e israelenses nessa parte do globo. A Questão Palestina é, em si mesma, um
problema distinto desses dois universos – que são paralelos, mas distintos entre si –, nos
quais ela, certamente, tem o seu papel, mas não pode ser considerada um mero apêndice
deles, acima de tudo porque, entre os três, ela é o único conflito que ainda persiste, sob
todos os aspectos – ideológica, simbolicamente e de fato, por meio das armas e
diplomaticamente.
A Questão Palestina é um problema no sentido literal da palavra: algo que é difícil de
explicar ou resolver. Mas é, antes do mais, uma questão, porque envolve um litígio
entre dois povos e uma demanda por reconhecimento e justiça por uma das partes.
Como um problema – ainda sem solução –, a Questão Palestina tem suas próprias
variáveis. São elas: os interesses das potências estrangeiras no plano internacional e dos
países árabes no âmbito regional, somados aos nacionalismos judeu e palestino. Outras
variáveis, certamente, poderiam e devem ser levadas em conta – como a religião e a
cultura. Porém, dentro da abordagem política que aqui se privilegia, problematizando a
emergência da Questão Palestina no cenário internacional, as três variáveis apontadas
são, por ora, bastantes: combinadas, elas fornecem os motivos (aspirações
nacionalistas), os meios (a ação diplomática e/ou armada) e a conjuntura (interesses em
conflito e ingerência externa), que configuram o quadro referencial necessário para
explicar o desenvolvimento deste conflito.
Conforme se pretendeu mostrar neste capítulo, a Questão Palestina é um problema que
veio se desenhando no cenário internacional gradativamente, do final do século XIX até
a concretização do Estado de Israel, cuja independência e as guerras com os países
árabes que a ela se sucederam marcaram a consolidação do impasse fundamental: a
A Gênese da Questão Palestina \
62
disputa de uma mesma terra entre dois povos que tinham como objetivo final
estabelecer sua própria soberania sobre a totalidade dos territórios em disputa. Ainda
hoje, não é possível afirmar se este objetivo foi, de todo, abandonado; pois, se os
palestinos foram obrigados a mudar sua estratégia depois das sucessivas e fragorosas
derrotas árabes, buscando no meio diplomático internacional o reconhecimento da
legitimidade de sua causa e, a partir daí, o estabelecimento de um Estado autônomo –
ainda que nas condições da Resolução 181, pouco favoráveis e incompatíveis com suas
reais necessidades –, por outro lado, Israel tem demonstrado pouca vontade política em
devolver os territórios ocupados, onde, inclusive, preocupou-se em estabelecer colonos
seus, à revelia da opinião pública internacional.
A definição de uma Questão Palestina passa também por razões metodológicas:
primeiramente, porque ela remete à questão judaica do período imediatamente anterior
ao início efetivo do sionismo, permitindo, desse modo, que se associe a situação do
judeu apátrida, perseguido na Europa, com a realidade presente dos palestinos, dispersos
em campos de refugiados, oprimidos e confinados no que restou de seu próprio
território, paradoxo este que ressalta a dramaticidade do problema e explica o apelo que
ele desperta na opinião pública; e, segundo, porque essa analogia reforça a idéia do
encontro entre dois nacionalismos concorrentes, postos frente a frente.
Depois da [segunda] guerra, tornou-se evidente que a questão judaica,
que era considerada a única sem solução, havia sido, de fato, resolvida
– notadamente, através de um território colonizado e, depois,
conquistado –, mas isso não resolveu nem o problema das minorias,
nem o dos apátridas. Ao contrário, assim como todos os eventos do
nosso século, a solução da questão judaica simplesmente produziu
uma nova categoria de refugiados, os árabes, que, dessa forma,
engrossavam o número de apátridas em mais 700 mil a 800 mil
pessoas. (ARENDT: 1989, p. 290.)
Finalmente, por tudo o que fica exposto acima, a definição de Questão Palestina se faz
também em oposição ao uso dessa expressão como algo vago e indefinido, ou como um
eufemismo que não ousa tocar o cerne do problema, mas, antes, de acordo com o que
definiu Edward Said em seu trabalho “The Question of Palestine”, um marco na
problematização dessa questão:
A Gênese da Questão Palestina \
63
When we refer to a subject, place, or person in the phrase “the
question of”, we imply a number of different things. For example, one
concludes a survey of currente affairs by saying, “And now I come to
the question of X”. The point here is that X is a matter apart from all
the others, and must be dealt with apart. Secondly, “the question of” is
used to refer to some long-standing, particularly intractable and
isistent problem: the question of rights, the Eastern question, the
question of free speech. Thirdly, and most uncommonly, “the question
of” can be used in such a way as to suggest that the status of the thing
referred to in the phrase is uncertain, questionable, unstable (...) The
use of “the question of” in connection with Palestine implies all three
types of meaning. (SAID: 1992, p. 4.)
19
19
“Quando nos referimos a um tema, lugar ou pessoa na expressão ‘a questão de’, sugerimos um número
de coisas diferentes. Por exemplo, alguém conclui um exame sobre assuntos correntes dizendo ‘e agora eu
chego no X da questão’. O ponto aqui é que X é um assunto separado de todos os outros e deve ser
tratado à parte. Segundo, ‘a questão de’ é usada para se referir a algum problema duradouro,
particularmente intratável e persistente: a questão de direitos, a questão oriental, a questão do discurso
livre. Terceiro, e mais incomum, ‘a questão de’ pode ser usada de maneira a sugerir que o status da coisa
referida na expressão é incerta, questionável, instável (...) O uso de “a questão de” em relação à Palestina
implica todos os três tipos de acepção.” (Tradução livre da autora.)
O Caminho para Oslo \
64
DA GUERRA DO GOLFO À CONFERÊNCIA DE MADRI: O CAMINHO PARA OSLO
O presente capítulo tem por objetivo analisar as circunstâncias que permitiram que
palestinos e israelenses se sentassem à mesa de negociações naquele momento, bem
como o conteúdo das propostas acordadas e seu significado prático, à luz da mediação
norte-americana.
1. O CONTEXTO INTERNACIONAL
Do ponto de vista político, existem três dinâmicas fundamentais que movimentam o
conflito israelo-palestino. A primeira refere-se à estratégia adotada por Israel para
reprimir as manifestações palestinas, marcada pelo uso de força desproporcional (com
uso de caças-bombardeiros, blindados e tanques pesados) contra uma população
amplamente desarmada. A segunda dinâmica é a resistência palestina – pacífica ou
armada – contra a ocupação definitiva de seus territórios. E a terceira compreende a
mediação norte-americana nesse contencioso. Nos anos que antecederam as negociações
de Oslo, as mudanças ocorridas no cenário internacional permitiram que esta última
dinâmica se sobrepusesse àquelas duas, criando uma situação propícia ao diálogo que se
seguiria.
O período compreendido entre o final do século XX e início do século XXI foi marcado
por uma série de alterações estruturais no sistema internacional, melhor simbolizadas
pela queda do Muro de Berlim e o subseqüente desmoronamento da União Soviética e
do bloco socialista por ela liderado.
Por um lado, o fim da estrutura bipolar – em que as relações internacionais articulavam-
se de tal forma que a confrontação Leste-EUA/Oeste-URSS marcava significativamente
a relação entre os demais países, condicionando um tipo de alinhamento automático –
deu lugar ao reaparecimento da crença em premissas mais universalistas e menos presas
à lógica do equilíbrio estratégico-militar entre as potências, criando uma atmosfera de
O Caminho para Oslo \
65
otimismo no sistema internacional (LAFER & FONSECA JR.: 1994, p. 55-60), dentro
da qual eram favoráveis as condições para iniciativas como a Conferência de Madri e as
negociações de Oslo.
Oslo e Madri foram seguidos de conferências internacionais onde se
discutiram as novas possibilidades de desenvolvimento regional, de
todos os países árabes, inclusive os do Maghreb, e de Israel, contando
com o apoio dos Estados Unidos, da União Soviética e de outros
países (...) Para a região do conflito pensaram-se hipóteses
cooperativas significativas, até de áreas de livre-comércio
compreendendo Jordânia, Palestina e Israel, talvez outros países. A
viabilidade de uma área com capacitação high-tech também foi
considerada, como caminho para contornar a escassez de recursos, até
mesmo de água. (DUPAS: 2002, p. 29.)
Por outro lado, a partir da Guerra do Golfo (1990), essa “lógica iluminista” cedeu lugar,
gradativamente, à percepção de que os valores ligados à cooperação política e
econômica não haviam superado, de todo, as questões estratégico-militares. O fim do
confronto Leste-Oeste não significou, verdadeiramente, o fim das tensões regionais.
Pelo contrário, tendo então se tornado mais improvável – ao menos aparentemente – a
possibilidade de intervenção externa das potências, os conflitos regionais recobraram o
ímpeto, influenciados também pelo ressurgimento de particularismos nacionais onde
antes dominava o Estado supranacional soviético.
Em verdade, o fim da Guerra Fria trazia de volta a possibilidade de retomar as
discussões, no âmbito nas Nações Unidas, sobre a instrumentação da segurança
coletiva,
1
isto é, sobre as medidas coercitivas que poderiam ser aplicadas a um Estado
1
Segundo Antonio de Aguiar Patriota, a idéia de segurança coletiva, enquanto formulação jurídica, foi
primeiramente definida nos artigos 10 e 16 do Pacto da Liga das Nações, que prescreviam,
respectivamente, o respeito à soberania territorial e política dos Estados-membros, de um lado, e, de
outro, o uso da força militar para coagir aqueles que infringissem esse princípio. Na Carta das Nações
Unidas, a segurança coletiva é tratada em dois capítulos: o capítulo seis estipula que as partes envolvidas
em disputas estão obrigadas a buscar uma solução pacífica – por negociação, conciliação, mediação ou
arbitragem – enquanto o capítulo sétimo estabelece que, esgotados os meios pacíficos e em situações de
“ameaças à paz”, “ruptura da paz” e de “atos de agressão”, o Conselho de Segurança pode adotar medidas
de segurança para restaurar a paz, primeiramente não-militares (artigo, 41) – como sanções e embargos –
e, em último caso, o recurso ao uso da força (artigo 42). Entretanto, como afirma Patriota, na ausência de
definições claras dessas três situações na Carta da ONU, “o julgamento do Conselho se tornaria menos
jurídico do que político, não havendo (...) um fio condutor que permita uma classificação coerente das
diversas situações enumeráveis sobre o artigo 39”, o qual julga se uma determinada situação internacional
poderia ser enquadrada sob o capítulo sete, para poder sancionar ou coagir militarmente um país.
(PATRIOTA: 1998, p. 19-20.)
O Caminho para Oslo \
66
considerado agressor, visando a manutenção da paz e da segurança internacionais. A
despeito da falta de consenso sobre que tipo de situação representaria, de fato, uma
ameaça à paz no seio da comunidade das nações, o paradigma da segurança coletiva,
esquecido no período da Guerra Fria, foi invocado mais de uma vez ao longo da década
de 1990 – Iugoslávia (1990), Somália (1992), Ruanda (1993), Haiti (1993), todas
classificadas como “intervenções humanitárias” – para justificar o recurso continuado à
intervenção internacional, então sob uma nova lógica.
(...) intensificava-se um processo experimental, não sistemático, pouco
transparente de articulação de um paradigma diferente de segurança
coletiva. Aos poucos se ampliaria o horizonte de pretextos
desencadeadores de ações coercitivas, segundo uma interpretação
nova da finalidade da segurança coletiva, que passaria a incluir o
combate à instabilidade regional ou mesmo interna, causada por crises
humanitárias, sociais e econômicas, institucionais. (PATRIOTA:
1998, p. 46.)
A lógica militarista e estratégica não fora suplantada pelo otimismo idealista com o fim
da bipolaridade. Na nova ordem internacional do pós-Guerra Fria – que tampouco veio
a se constituir um sistema multilateral –, a intervenção externa em contenciosos
localizados não foi abandonada e, o que é mais significativo, passou sim a ser definida
segundo os interesses e o poder econômico e militar da hegemonia norte-americana, que
pouco a pouco se desenhava no cenário internacional. Dentro desse novo contexto, a
Questão Palestina passou a figurar como um caso excepcional entre aqueles que têm
suscitado a intervenção internacional por razões de segurança coletiva: ao mesmo tempo
em que desperta grande preocupação aos olhos da comunidade internacional, por se
tratar da sobrevivência de dois povos com capacidade de mobilizar frentes diretamente
opostas – o que pode representar um risco considerável à paz e, em última instância, à
própria ordem internacional –, esse conflito não provocou, até o presente momento,
intervenção alguma direta – por meio de embargos, sanções ou pelo uso de força militar.
A razão para a não-interferência da comunidade internacional nesse conflito só pode ser
entendida à luz do peso que exercem os Estados Unidos na atual ordem mundial, desde
que o desmembramento da ex-URSS os deixou na posição de potência hegemônica,
O Caminho para Oslo \
67
como bem ficou demonstrado na Guerra do Golfo.
2
Foi este conflito o marco
fundamental da nova era pós-Guerra Fria e, no que concerne à Questão Palestina, o
acontecimento que, num primeiro momento, precipitou a aproximação entre palestinos e
israelenses.
Ao tomar para si a responsabilidade de defender a soberania do Kuwait e os interesses
internacionais naquela região, a diplomacia norte-americana – que logrou obter, nesse
conflito, o apoio não apenas de aliados ocidentais já conhecidos, mas também de países
árabes tradicionalmente opostos à sua política externa – comprometeu-se igualmente
com a defesa de uma nova ordem mundial, baseada no respeito à legalidade
internacional e na cooperação política e econômica global. Toda sua articulação no
interior da ONU, visando conseguir autorização internacional para o uso de todos os
meios necessários para desocupar o Kuwait,
3
culminando com o desembarque de forças
aliadas no Oriente Médio, foi uma vitória
4
política importante para os EUA e um sinal
de que as alianças forjadas durante a Guerra Fria começavam a desmoronar e uma nova
ordem deveria se instalar.
Afora o apoio egípcio – incondicional desde os acordos de Camp David – e a reticente
posição iraniana em tomar atitudes que pudessem prejudicar seu adversário de há
pouco, foi a presença da Síria – inimiga histórica do Iraque, mas também centro de
oposição à política norte-americana no Oriente Médio – o elemento-chave para o
sucesso da coalizão montada pelos Estados Unidos, pois o envio de tropas ocidentais
acompanhadas de tropas árabes negava o caráter de “cruzada imperialista” que Saddam
2
Em 02/08/1990, recém-saído de uma guerra de oito anos contra o Irã, o Iraque, sob o comando de
Saddam Hussein, invadiu o Kuwait – a quem devia cerca de U$ 10 bilhões –, sob o pretexto de corrigir as
fronteiras artificialmente criadas pelas potências colonialistas, mas visando, de fato, o controle das
reservas petrolíferas daquele país e o acesso sem restrições ao golfo Pérsico – o qual não conseguira obter
na guerra contra o Irã. (O Iraque possui uma estreita saída para o golfo, através do canal Chatt al Arab –
junção dos rios Tigre e Eufrates –, cujo meio marca a fronteira exata com o Irã.) A agressão, contudo, foi
prontamente reprovada e rapidamente contida por uma coalizão internacional liderada pelos Estados
Unidos, sob a chancela das Nações Unidas.
3
Resolução N. 678 do Conselho de Segurança.
4
Em verdade, a despeito do furor entusiástico da mídia em relação à coalizão contra o Iraque liderada
pelos EUA, a “vitória” não foi total, pois boa parte dos países árabes não se aliou aos Estados Unidos, ou
melhor, às forças aliadas. Na reunião da Liga Árabe, que teve lugar no Cairo a 9 e 10 de agosto – logo
após a invasão do Kuwait –, dos 27 chefes de Estado presentes, apenas 12 endossaram seu apoio ao
embargo imposto pela ONU ao Iraque, condenando a anexação daquele país por este último. Alguns se
abstiveram (Argélia, Iêmen) e outros apresentaram reservas (Jordânia), enquanto uns boicotaram a
reunião (Tunísia) ou votaram contra a resolução tomada – entre estes, a OLP (CORM: 2006, p. 620-621).
O Caminho para Oslo \
68
Hussein quis ressaltar na reação internacional
5
contra a anexação do Kuwait pelo
Iraque.
O ditador iraquiano buscava, com isso, atrair para a causa de seu país as simpatias da
opinião pública árabe e internacional, tentando estabelecer um paralelo entre a invasão
do Kuwait e a ocupação israelense na Cisjordânia, em Gaza e no Golan.
Je propose – dit Saddam Hussein – que tous les problèmes
d’occupation, ou tous les problèmes présentés comme tels, dans la
région tout entière, soient réglés sur la même base et selon les mêmes
principes (...) Les mesures prises par le Conseil de Securité à l’égard
de l’Irak devraient être aussi appliqués à quiconque ne se conformerait
pas ou ne répondrait pas positivement à ces dispositions.
6
(CORM:
2006, p. 616-617.)
Ainda segundo Hussein, a execução de um plano de desocupação dessas áreas deveria
começar pela ocupação mais antiga – ou seja, a de Israel nos territórios palestinos, o que
explica o apoio dessa população ao Iraque – e pela aplicação de todas as resoluções
pertinentes já aprovadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas até chegar à
ocupação mais recente – ou seja, a iraquiana no Kuwait. Mesmo contestado, o
paralelismo que Saddam Hussein tentou assim estabelecer entre a ocupação do Kuwait,
de um lado, e a da Palestina, da Síria e do Líbano, de outro, contribuiu para solidificar a
idéia de que a estabilidade do Oriente Médio só poderia ser garantida por uma solução
conjunta de todos os conflitos, dentre os quais a Questão Palestina mais uma vez se
apresentava como aquele capaz de provocar as maiores dissensões.
Justamente, ao vincular a situação no Kuwait com a solução do problema palestino e ao
atacar Tel Aviv, Bagdá esperava que uma retaliação israelense pudesse realinhar a
frente árabe-islâmica a seu favor. Entretanto, consciente da suscetibilidade árabe quanto
ao conflito israelo-palestino, os Estados Unidos, durante toda a campanha contra o
5
É importante ressaltar, por exemplo, que boa parte desse contingente usou como base para suas
operações de guerra o território da Arábia Saudita, cujo governo havia feito um pedido oficial de envio de
tropas de segurança para se prevenir de um possível ataque iraquiano.
6
“Eu proponho – dizia Saddam Hussein – que todos os problemas de ocupação, ou todos os problemas
que tais, em toda a região, sejam regulados sob a mesma base e segundo os mesmos princípios (...) As
medidas tomadas pelo Conselho de Segurança a respeito do Iraque deverão ser também aplicadas a
qualquer um que não se conforme ou não responda positivamente a essas disposições.” (Tradução livre da
autora.)
O Caminho para Oslo \
69
Iraque, mantiveram Israel à distância do conflito, por entender que essa era uma
condição sine qua non para assegurar o apoio dos governos árabes à coalizão.
Ao contrário, a OLP, impressionada pela retórica de Saddam Hussein, tomou o partido
do lado iraquiano, pois vislumbrava em toda essa agitação a possibilidade de solucionar
o conflito com Israel de uma maneira mais favorável aos interesses palestinos.
2. A
POSIÇÃO DOS PROTAGONISTAS
De fato, a posição palestina era, sem dúvida, a mais delicada. Influenciada pela détente
americano-soviética, mas desacreditada após a Guerra do Golfo, a OLP encontrava
dificuldades, internamente, para conciliar aqueles que apoiavam as iniciativas de
entendimento com Israel e aqueles grupos dissidentes – de inspiração islamista
principalmente – que eram contrários a qualquer tentativa de aproximação com os
israelenses. De um lado, havia o desejo de se engajar em um processo de negociações
em que os palestinos pudessem participar das decisões sobre seu futuro e garantir o
reconhecimento de seus direitos políticos legítimos pela transferência e exercício da
autoridade nos territórios ocupados. De outro lado, reafirmavam-se os direitos
inalienáveis do povo palestino a seu próprio Estado, mas também a necessidade de
prosseguir com a luta armada até a recuperação total dos territórios ocupados por Israel,
ao qual se negava o direito de existir.
No decurso dos anos 1980, após a dispersão egípcia na década anterior e a eclosão de
novos conflitos locais (guerra civil do Líbano – 1975-1990, guerra entre Irã e Iraque –
1980-1988), a conjuntura regional do Oriente Médio, marcada pela desintegração da
solidariedade inter-árabe e pelo dinamismo do poderio militar israelense, refletiu
negativamente sobre o movimento palestino, que, depois de ter alcançado o
reconhecimento internacional em 1974,
7
sofreu novo revés com o envolvimento de
facções palestinas em atos de violência que ultrapassavam as fronteiras médio-orientais.
7
Yasser Arafat foi recebido pela primeira vez na Assembléia Geral das Nações Unidas, no dia 13 de
novembro de 1974, ocasião em que discursou – “com um fuzil na mão e um ramo de oliveira na outra”,
O Caminho para Oslo \
70
Les années 1985 et 1986 vont en effet être placées sous le signe de
grandes opérations terroristes en Europe et de prises en otages de
citoyens europpéens et américains au Liban (...)
Signées des étiquettes les plus diverses – Islam chiite militant, factions
de l’OLP dissidentes, telle celle d’Abou Nidal, ou non, chrétiens
radicaux pan-syriens ou panarabes du Liban –, toutes ces opérations
sont autant de messages violents issus des blocages de la situation
moyen-orientale que l’invasion du Liban et le développement du
conflit irako-iranien n’ont fait qu’amplifier.
8
(CORM: 2006, p. 537.)
Enquanto os partidários da recusa a qualquer compromisso se aproveitavam da situação
para pôr em prática seu ideal de libertação da Palestina através da revolução armada, a
liderança oficial da OLP – tendo à frente o Fatah de Yasser Arafat – tentava
reaproximar-se do Egito e da Jordânia – pró-ocidentais –, na esperança de uma
hipotética negociação com Israel, patrocinada pelos Estados Unidos. Igualmente
pressionada pela diplomacia norte-americana e pelas demonstrações de
descontentamento da população, a OLP começava a dar sinais de abertura nesse sentido,
renunciando a certas posições tradicionais do movimento palestino, como por exemplo,
o recurso ao terrorismo e ao ponto da sua carta nacional, adotada em 1964, que previa a
reconstrução de um Estado palestino em todos os lugares históricos e onde só seriam
reconhecidos os judeus lá residentes antes de 1948; ao passo que o Conselho Nacional
Palestino, ao proclamar a constituição de um Estado palestino democrático (dezembro
de 1998), propunha-se a reconhecer o Estado de Israel e a aceitar as resoluções 242 e
338 do Conselho de Segurança
9
da ONU.
segundo suas palavras – a favor da criação de um único Estado na Palestina, laico e democrático. A OLP
ganhou então um posto de observador oficial do povo palestino na ONU. Naquele mesmo ano, “o
primeiro da existência internacional da OLP” (ZAMBOUX: 2005), Arafat se encontrou, em Beirute, com
o ministro das Relações Exteriores da França e fez sua primeira visita oficial ao Egito, à Arábia Saudita e
à URSS, da qual recebeu convite para abrir um escritório da OLP em Moscou.
8
“Os anos 1985 e 1986 serão, com efeito, colocados sob o signo de grandes operações
terroristas na Europa e de seqüestros de cidadãos europeus e americanos no Líbano (...)
Assinados com etiquetas as mais diversas – Islã xiita militante, facções dissidentes da OLP, tal
como a de Abou Nidal, ou não, cristãos radicais pan-sirianos ou pan-árabes do Líbano –, todas
essas operações são mensagens violentas decorrentes da estagnação da situação médio-oriental,
que a invasão do Líbano e o desenvolvimento do conflito Irã-Iraque só fizeram ampliar.”
(Tradução livre da autora.)
9
Resoluções aprovadas em 22/11/1967 e 22/10/1973. Apesar de reprovar a ocupação israelense, essas
resoluções não fazem referência a um Estado palestino soberano, nem ao direito de retorno dos
refugiados. Decorre daí a relutância palestina e árabe em acatá-las sem a garantia de aplicação das
resoluções mais antigas.
O Caminho para Oslo \
71
Em verdade, essa mudança de estratégia em direção a uma atitude mais realista era uma
necessidade ditada pelo equívoco de haver anteriormente se colocado como uma espécie
de “poder paralelo” (OLIC: 1991, p. 71) nos países onde se refugiou, incentivando o
aparecimento de grupos armados, responsáveis por uma série de atentados que levaram
à expulsão da OLP da Jordânia e, sucessivamente, do Líbano.
10
Tendo sido transferida
sua base de operações para a Tunísia – longe, portanto, de seu alvo (Israel) e de seus
objetivos (os territórios ocupados) –, o movimento palestino perdeu ainda mais em
unidade, com o conseqüente aumento da disputa entre facções
11
pelo controle da
organização e da liderança do movimento. A difícil situação da OLP, exilada em Túnis,
e a impossibilidade de prosseguir com a luta armada levaram Arafat a mudar de
estratégia e a partir para uma ofensiva diplomática.
10
Em setembro de 1970, o rei Hussein da Jordânia empreendeu uma violenta perseguição aos
guerrilheiros palestinos que desafiavam a sua autoridade dentro do país, acusando o regime de derrotista e
conclamando a resistência a lutar contra este tipo de governo e contra os interesses imperialistas e
colonialistas. O episódio, conhecido como Setembro Negro, inspirou, mais tarde, a ação de um grupo
terrorista homônimo que, durante as Olimpíadas de Munique (1972), assassinou 12 atletas israelenses.
Depois desse episódio, a OLP procurou fortalecer sua posição no Líbano, país profundamente marcado
por diferenças étnicas e religiosas, as quais a presença palestina só fez aumentar. Em 1978, pretextando
acabar com os ataques perpetrados por fedayns (“aqueles que se sacrificam”) com bases no sul do país,
Israel invadiu o Líbano até o rio Litani – a “fronteira certa”, reivindicada pelos sionistas. Já em 1982, as
forças israelenses alcançavam a capital Beirute: a operação Paz na Galiléia conseguiu expulsar a maioria
dos combatentes ligados à OLP; uma outra parte, refugiada em Trípoli, foi expulsa pelos sírios no ano
seguinte.
11
O Fatah foi o primeiro grupo voltado para a criação de um Estado Palestino. Criado em 1959, desde o
início de sua atuação colocou-se como anti-sionista e antiimperialista. Com a criação da OLP, em 1964, o
Fatah, entre outros grupos, passou para sua esfera de influência. Na década de 1960, a OLP viu surgir
uma série de grupos como al Saika e a Frente Popular para Libertação da Palestina, em 1967, e a Frente
Democrática e Popular para Libertação da Palestina, em 1969, que concordavam sobre a criação de um
Estado palestino, mas discordavam quanto aos métodos para alcançá-los e a forma como deveriam se
colocar diante da comunidade internacional (OLIC: 1991, p. 70-71). Ao redor do Fatah, que dominava a
OLP, esses grupos de importância muito variável evoluíam ao sabor das conjunturas, dos Estados que
lhes apoiavam, ou da tendência ideológica de seus líderes (CORM: 2006, p. 399). Além destes,
formaram-se outros grupos mais intransigentes quanto ao conflito com Israel e que acabaram se
colocando em oposição à OLP. A Jihad Islâmica foi fundada em 1975, por um grupo de estudantes
palestinos no Cairo, com o objetivo de destruir Israel por meio de uma guerra santa e fundar um Estado
palestino islâmico. O Hezbolah – “Partido de Deus” – foi fundado por clérigos xiitas em 1982, inspirado
na Revolução Iraniana e em resposta à invasão israelense ao Líbano. Tendo alcançado a retirada das
tropas israelenses (2000), a milícia tornou-se uma grande organização política e paramilitar com assentos
no parlamento libanês, operando uma vasta rede de serviços sociais no país e dando também apoio à
resistência palestina nos territórios ocupados. O Hamas“Movimento de Resistência Islâmica”– surgiu
apenas em 1988, derivado da Irmandade Muçulmana – organização com raízes no nacionalismo egípcio
dos anos 1920. Bem estruturado, passou a controlar fundações de ajuda à população mais pobre e uma
rede de mesquitas, tendo recebido apoio norte-americano e israelense como parte de uma estratégia para
enfraquecer a OLP (GRESH: 2002, p. 181). A Brigada dos Mártires de Al-Aqsa, criada em meio à
segunda Intifada (2000-2003), é uma facção com origem no Fatah, que defende a luta armada como o
único meio para a independência palestina.
O Caminho para Oslo \
72
A partir da segunda metade da década de 1980, o conflito entre Israel e os palestinos
nos territórios ocupados agravou-se, na medida em que o assentamento de colônias
judaicas na Faixa de Gaza, em Jerusalém oriental e na Cisjordânia se intensificou.
Segundo relatório apresentado pelo Comitê Especial das Nações Unidas para Investigar
as Práticas Israelenses Afetando os Direitos Humanos da População Palestina dos
Territórios Ocupados, o nível de violência havia atingido um patamar inédito, em
conseqüência da repressão, por parte das autoridades israelenses, às lideranças
palestinas locais: os casos de punição coletiva da população; expropriações,
deportações; toques de recolher; demolição de casas; fechamento de aldeias, campos de
refugiados e escolas tornaram-se mais freqüentes, ao mesmo tempo em que aumentaram
os choques entre estes e colonos judeus, acompanhando a retomada da construção de
assentamentos judaicos nos territórios ocupados de Gaza e da Cisjordânia.
The accumulation of frustrations suffered by the civilian population
over the years as a result of the persistent policy of annexation and
colonization pursued by the Government of Israel in the territories
occupied in June 1967, and the humiliation and suffering brought
about by that policy, were bound to provoke a violent reaction on the
part of the oppressed civilians.
Acts of aggression committed by Israeli settlers against Palestinians
have contributed to a further deterioration in the climate of tension
and terror prevailing in the occupied territories. Information and
evidence collected by the Special Committee reveal other serious
infringements of fundamental rights and freedoms, including the
arbitrary deportation of Palestinians from the occupied territories; the
illegal demolition of houses used as a form of collective punishment;
the severe limitations on the freedom of expression, tending in
particular to limit or prevent an adequate media coverage of events
related to the uprising; the general closure of all educational
institutions for several months, resulting in the loss of an academic
year for students and serious delays in the schooling of Palestinian
children.
12
(ONU: 1988, A/43/694.)
12
“O acúmulo de frustrações sofridas pela população civil palestina ao longo dos anos, como resultado de
uma persistente política de anexação e colonização adotada pelo governo de Israel nos territórios
ocupados em junho de 1967, e a humilhação e sofrimento acarretados por essa política destinaram-se a
provocar uma violenta reação por parte dos civis oprimidos.
(...) Atos de agressão cometidos por colonos israelenses contra palestinos têm contribuído para uma maior
deterioração do clima de tensão e terror que prevalece nos territórios ocupados. Informações e evidências
coletadas pelo Comitê Especial revelam outras infrações de direitos e liberdades fundamentais, incluindo
a deportação arbitrária de palestinos dos territórios ocupados; a demolição ilegal de casas, usada como
uma forma de punição coletiva; limitações severas à liberdade de expressão, visando particularmente a
O Caminho para Oslo \
73
Duas décadas de ocupação territorial haviam contribuído sobremaneira para o
aprofundamento do controle exercido pela administração militar israelense sobre todos
os aspectos da vida palestina, desde a distribuição e consumo de água até a aprovação
de qualquer medida legislativa, passando pelo controle da construção civil e da
circulação de bens e produtos consumidos ou produzidos, importados ou exportados
pelos palestinos, que, na ausência do poder público, tinham sua capacidade de ação
limitada à organização, por iniciativa da sociedade civil, de uma precária rede de
serviços sociais, assistenciais (GATTAZ: 2002, p. 169-172; SAID: 1996, p. 149-151).
A frustração crescente com uma situação intolerável e a falta de perspectiva para o
futuro levaram os palestinos a um levante (Revolta das Pedras ou Primeira Intifada,
1987-1991) contra a ocupação de seus territórios.
Até esse momento, Israel havia sido usado pelos Estados Unidos como instrumento para
zelar pelos interesses ocidentais no contexto da Guerra Fria. Porém, muito além de uma
mudança no equilíbrio militar do Oriente Médio, a Guerra do Golfo significou, naquele
momento, uma transformação de ordem política na região: com o desmantelamento do
bloco soviético e o desembarque maciço de tropas ocidentais na região, Israel ficava
relegado à sua dimensão real, a de uma potência regional, ora neutralizada face à
incrível demonstração de poder das forças norte-americanas estacionadas na Arábia
Saudita.
De sua parte, mesmo acossado diante da insistência norte-americana em forçar uma
aproximação com os árabes, o Estado israelense não podia abrir mão do princípio de só
negociar com cada um destes separadamente, isto é, em conversações bilaterais. Para
ele, ceder à estratégia daqueles países de negociar coletiva e simultaneamente, no
âmbito das Nações Unidas ou de uma conferência internacional, significava se colocar
numa posição nitidamente desfavorável, uma vez que, em qualquer dos casos, estaria
sujeito à superioridade numérica destes e de outros países pouco simpáticos à causa
israelense, como bem demonstram as inúmeras resoluções contrárias a Israel aprovadas
limitar ou impedir uma cobertura adequada da mídia sobre eventos relacionados com a rebelião; o
fechamento generalizado de todas as instituições educacionais durante vários meses, resultando na perda
de um ano acadêmico para os estudantes e em atrasos significativos na educação de crianças palestinas.”
(Tradução livre da autora.)
O Caminho para Oslo \
74
naquela organização, notadamente na esfera da Assembléia Geral. Seguindo uma lógica
estritamente realista, Israel exortava a seu favor a regra universalmente aceita em
matéria de guerra e paz, segundo a qual o lado vencido não tem o direito de reivindicar
o retorno a um status quo ante (CORM: 2006, p. 635). No caso em questão, o preço que
os árabes deveriam pagar pela derrota era, portanto, a negociação daqueles territórios
incondicionalmente e de maneira favorável a Israel.
Do lado árabe, a lógica era inversa. Israel não era visto como o país vencedor, mas
como um agressor, a quem deviam ser aplicadas todas as medidas coercitivas e
militares previstas – à semelhança do Iraque – para obrigar aquele Estado a acatar não
somente as resoluções 242 e 338, mas também todas aquelas aprovadas desde 1947, as
quais nunca foram postas em prática. Por isso mesmo que, segundo os árabes,
negociação alguma deveria ocorrer senão na ONU, sob a vigilância das duas grandes
potências – que funcionariam, assim, como contrapesos a cada parte envolvida. Ceder à
lógica israelense e tomar parte em negociações bilaterais, face a face com Israel – como
havia feito o Egito anteriormente – significava, para os árabes, uma traição da causa
palestina – cujo poder de mobilização entre a população continuava sendo um fator de
risco para a situação interna de cada país – e implicava, indiretamente, o
reconhecimento tácito de Israel como um Estado soberano e, conseqüentemente, o
abandono da posição histórica de recusa do direito de existência desse país.
Assim sendo, ao final da crise do Golfo, não apenas a resistência palestina encontrava-
se em posição delicada, desmoralizada no meio diplomático internacional pelo apoio
prestado ao Iraque, enfraquecida pelas disputas internas entre as diferentes correntes do
movimento e sem poder contar com o apoio de seus principais aliados árabes – então
comprometidos com a diplomacia norte-americana –, como também Israel via diminuir
sua posição privilegiada de aliado de primeira instância dos Estados Unidos na região.
Estes, por sua vez, tendo imposto a aplicação do direito internacional no caso do
Kuwait, arvorando-se como símbolo maior da nova ordem moral internacional,
deveriam, a partir de então, exercer forte pressão sobre Israel para pôr fim às ocupações
irregulares e, enfim, normalizar a situação deste país junto a seus vizinhos. Era
imprescindível provar aos aliados árabes que os EUA não apelavam ao direito
O Caminho para Oslo \
75
internacional e à moral apenas quando estavam em jogo seus interesses de curto prazo,
mas que havia sim interesse real em estabelecer a paz no Oriente Médio.
Cet effort est indispensable pour montrer le caractère malveillant de la
accusation des “deux poids deux mesures” que pratiquerait l’Occident
au Moyen-Oriente en matière de respect du droit international. Is est
aussi nécessaire pour montrer que l’ordre nouveau annoncé par
George Bush lors de la préparation de la Guerre du Golfe n’est pas un
slogan creux, lancé pour les besoins de la mobilisation contre l’Irak.
13
(CORM: 2006, p. 631.)
Em resumo, se para os árabes e palestinos tratava-se de negociar a paz com Israel em
troca dos territórios ocupados para normalizar a situação deste país na região; para
Israel, essa normalização não se faria em detrimento de sua segurança ou sob quaisquer
condições previamente impostas.
3. O PAPEL DO MEDIADOR
Nessas circunstâncias, o papel dos Estados Unidos como mediador nas conversações
que deveriam ter lugar consistia em promover, pouco a pouco, a aproximação das partes
em seus diferentes pontos de vista, através da sugestão de medidas simples e parciais,
que garantissem cada uma em relação à outra e, assim, ajudassem a diminuir as
hostilidades recíprocas. Essa tática, que ficou conhecida como a dos pequenos passos
originalmente utilizada por Henry Kissinger para promover a aproximação do Egito –,
tinha por mérito evitar constrangimentos para os envolvidos: Israel não ficava exposto
ao conjunto de seus adversários, nem estes eram forçados a fazer concessões
importantes, que colocassem em perigo a estabilidade dos regimes.
Assumindo o papel do mediador honesto, os Estado Unidos aceitaram, de fato, duas
grandes exigências árabes: negociações multilaterais e a presença da URSS. Mas, por
13
“Esse esforço é indispensável para mostrar o caráter malevolente da acusação de ‘dois pesos, duas
medidas’ que praticaria o Ocidente no Oriente Médio em matéria de direito internacional. É também
necessário para mostrar que a nova ordem anunciada por George Bush quando da preparação da Guerra
do Golfo não é um slogan vazio, lançado pelas necessidades de mobilização contra o Iraque.” (Tradução
livre da autora.)
O Caminho para Oslo \
76
outro lado, garantiram a Israel que a conferência de paz a se realizar não teria poder
algum de impor qualquer decisão e que as negociações com os palestinos seriam sim
feitas bilateralmente, logo após a conferência. Quanto a estes, a diplomacia norte-
americana foi hábil em atrair representantes da sociedade civil palestina, desvinculados
da liderança revolucionária que se solidificara na OLP – com quem Israel se negava a
negociar –, com a promessa de apoiar suas pretensões sobre os territórios ocupados, mas
sem garantias explícitas à independência de seu povo.
Toutes ces assurances furent formalisées dans des lettres dites
“d’assurance” que le secrétaire d’État américain envoya à la Syrie, à
Israël, aux personnalités palestiniennes destinées à faire partie de la
délégation mixte jordano-palestinienne à la Conférence de la Paix, et
même au Liban (...)
Le lettre d’invitation marquait bien que la conférence n’aurait aucun
pouvoir de décision et qu’elle n’était qu’un lancement pour la mise en
route d’un processus de paix devant se dérouler à deux niveaux:
négociations bilatérales directes commençant quatre jours après
l’ouverture de la conférence; negociations miltilatérales sur toutes les
questions d’intérêt régional, telles que le contrôle des armements et la
sécurité, l’eau, les réfugiés, l’environnement, le développement
économique. Les négociations directes – disait le document – se
dérouleraient sur un double “registre”, entre Israël et les États arabes
d’une part, entre Israël et les Palestiniens d’autre part; cependant, les
Palestiniens seraient formallement inclus dans une délégation mixte
du jordano-palestinienne.
14
(CORM: 2006, p. 650-651.)
14
“Todas essas garantias foram formalizadas em cartas ditas “de segurança” que o secretário de Estado
norte-americano [James Baker] enviou à Síria, a Israel, às personalidades palestinas indicadas para fazer
parte da delegação mista jordano-palestinas à conferência da Paz e, mesmo, ao Líbano (...) O convite
assinalava bem que a conferência da Paz não teria poder algum de decisão e que ela seria apenas um
lançamento para a colocação em prática de um processo de paz que devia se desenrolar em dois níveis:
negociações bilaterais diretas, começando quatro dias após a abertura da conferência; negociações
multilaterais sobre todas as questões de interesse regional, tais como o controle dos armamentos e a
segurança, a água, os refugiados, o meio ambiente, o desenvolvimento econômico. As negociações
diretas, dizia o documento, se desenrolariam sob um duplo “registro”, entre Israel e os Estados árabes de
uma parte, entre Israel e os palestinos de outra; entretanto, os palestinos seriam formalmente incluídos em
uma delegação mista jordano-palestina.” (Tradução livre da autora.) Apesar de a Jordânia ter renunciado,
em 1988, a qualquer envolvimento com o status da Cisjordânia e de ter reconhecido a OLP como único
interlocutor dos palestinos com Israel, vê-se aqui mais uma vez sugerida, implicitamente, uma “solução
jordaniana” para a Questão Palestina, que vem ao encontro da negativa israelense quanto à existência de
um problema nacional palestino: não tendo existido nunca um Estado nacional palestino, a população
palestina teria se dividido e passado da soberania otomana à inglesa e, depois de 1948, à da monarquia
hachemita jordaniana e, mesmo, de Israel. Na visão deste país, o problema dos refugiados – e por que não
a Questão Palestina como um todo – poderia ser resolvido se, assim como a Jordânia, os países árabes
absorvessem os palestinos apátridas.
O Caminho para Oslo \
77
Afora a tentativa de conciliar interesses tão divergentes, a estratégia norte-americana
para atrair cada um dos participantes à Conferência de Paz para o Oriente Médio, que se
realizaria em Madri (31/10 a 01/11/1991), apresentava uma grave contradição: ela
buscava conciliar os princípios defendidos pelos palestinos, apoiados por seus aliados
árabes, baseados no direito internacional e no direito específico ditado pela ONU em
suas resoluções a respeito da Questão Palestina e dos conflitos árabe-israelenses com os
princípios de segurança defendidos por Israel, baseados numa rígida concepção realista
sobre as condições de paz no Oriente Médio, ou seja, a idéia segundo a qual os
interesses objetivos desse Estado – sua sobrevivência e segurança – são motivos
bastantes para o recurso à força armada e que a superioridade por ele alcançada no
quadro político-militar da região é o que deve guiar as negociações de paz com os
outros Estados, independente de qualquer princípio moral universal.
Os Estados Unidos não poderiam permitir que seu principal aliado no Oriente Médio
fosse assim levado a negociações fundadas em princípios gerais de direito ou no direito
onusiano específico, em tudo contrários a seus interesses. Sua estratégia não visava,
portanto, estabelecer a paz definitiva entre israelenses, árabes e palestinos a um só
tempo, mas tão-somente, criar uma dinâmica favorável a um processo de paz em que os
beligerantes, colocados frente à frente, pudessem superar progressivamente suas
divergências, até o ponto em que se estabelecessem entre eles relações normais de
comércio, políticas, etc.: uma nova ordem regional, em que Israel estivesse
perfeitamente integrado.
A estratégia adotada pela diplomacia norte-americana tinha ainda, como vantagem,
manter à boa distância a URSS, a Europa e as Nações Unidas, espectadores
privilegiados, mas sem poder de interferência direta sobre o curso das negociações,
ficando, assim, os Estados Unidos como árbitro oficial e principal mediador de tudo o
que dissesse respeito ao Oriente Médio.
O Caminho para Oslo \
78
4. O « PROCESSO DE PAZ » DE OSLO
– Nous sommes le seul peuple qui ait vécu sur la terre d’Israël sans
interruption depuis près de quatre mille ans; nous sommes le seul
peuple, à la exception du bref royaume des croisés, à avoir exercé une
soveraineté indépendante sur cette terre; nous sommes le seul peuple à
avoir consacré Jérusalem pour capitale; nous sommes le seul peuple
dont les lieux saints ne se trouvent que sur la terre de Israël. [Discurso
de abertura pronunciado pelo primeiro-ministro israelense Yitzhak
Shamir na Conferência de Paz de Madri.]
– Nous sommes venus ici pour la faire appliquer (la résolution 242) et
non pour perdre du temps en exégèses et sur des points de sémantique,
ou pour contribuer à la nier ou à l’exclure du programme de paix (...)
Israël doit reconnaître l’idée de frontières – politiques, juridiques,
morales et territoriales – et doit décider de rejoindre la communauté
des nations en acceptant les termes de la loi internationale et la
volonté de la communauté internacionale. [Discurso de encerramento
do delegado palestino à Conferência de Paz de Madri, Abdel Shafi.]
– Les négociations ne continueront à jouir d’un soutien que si la
dimenson humaine est prise en considération par toutes les parties. Il
faut trouver un moyen d’envoyer des signaux de paix et de
réconciliation qui affecteront les populations de la région. N’attendez
pas que l’autre côte fasse les premiers pas: chacun de vous doit
prendre rapidement le départ. Vous devriez savoir mieux que
quiconque ce qui est nécessaire. [Discurso de encerramento do
ministro das Relações Exteriores dos EUA, James Baker, na
Conferência de Madri.]
15
(Apud CORM: 2006, p. 670, 675-677.)
A despeito da troca de hostilidades que marcaram os dois dias da Conferência de Madri,
o encontro foi considerado mais uma vitória da diplomacia norte-americana, na medida
em que logrou colocar em torno de uma mesma mesa, pela primeira vez desde 1949,
delegações de diversos países árabes, da Palestina e de Israel. Como estava previsto, as
15
“– Nós somos o único povo que viveu sobre a terra de Israel sem interrupção desde aproximadamente
quatro mil anos; nós somos o único povo, à exceção do breve reino dos cruzados, a ter exercido uma
soberania independente sobre essa terra; nós somos o único povo a ter consagrado Jerusalém como
capital; nós somos o único povo cujos lugares santos não se encontram fora da terra de Israel. – Nós
viemos aqui para fazer cumpri-la (a resolução 242) e não para perder tempo em exegeses e sobre pontos
de semântica, ou para contribuir a negá-la ou a excluí-la do programa de paz. (...) Israel deve reconhecer a
idéia de fronteiras – políticas, jurídicas, morais e territoriais – e deve decidir juntar-se à comunidade das
nações, aceitando os termos da lei internacional e a vontade da comunidade internacional. – As
negociações não continuarão a gozar de apoio a não ser que a dimensão humana seja levada em
consideração. É preciso encontrar um meio de enviar sinais de paz e de reconciliação que afetarão as
populações da região. Não espereis que o outro lado dê os primeiros passos: cada um de vós deve tomar a
iniciativa rapidamente. Vós deveis saber melhor do que qualquer um o que é necessário.” (Tradução livre
da autora.)
O Caminho para Oslo \
79
negociações bilaterais prosseguiram após a conferência: entre dezembro de 1991 e
agosto de 1993, sucederam-se onze sessões, todas em Washington, sem alcançar,
contudo, qualquer resultado concreto. E mesmo a reunião, em diversas cidades, dos
grupos de trabalho criados para tratar de questões referentes à água (Washington,
Genebra), controle de armamentos e segurança regional (Moscou, Washington), meio
ambiente (Haia, Tóquio), cooperação econômica (Paris, Roma) e refugiados (Oslo),
nem mesmo este artifício foi capaz de evitar que as negociações começassem a
desacelerar, primeiro porque as atenções internacionais se voltaram para os eventos na
Bósnia, Somália, Ruanda e nas ex-repúblicas soviéticas e, segundo, porque a eleição de
Clinton no final do ano teve como reflexo uma retração norte-americana das
negociações, pois o governo recém-eleito priorizou, a princípio, questões da agenda
doméstica do país.
Já no início de 1992, os palestinos haviam apresentado uma proposta de autonomia para
os territórios ocupados que ia de encontro ao objetivo israelense de só conceder
autonomia nos termos de uma administração municipal.
Além do problema sobre a constituição e o reconhecimento de uma autoridade
palestina, havia duas questões problemáticas que impediam as negociações de avançar:
(1) a retirada de Israel dos territórios ocupados em 1967, conforme determinado pela
resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU; e (2) o alcance da jurisdição
territorial do futuro autogoverno palestino, que, para este, deveria abranger todos
aqueles territórios, enquanto para Israel ela deveria se limitar apenas à população, pois
era uma questão de segurança o seu controle sobre esses territórios. Mas, por outro lado,
havia uma razão mútua para que ambos se sujeitassem a seguir com as negociações.
Após a eclosão da primeira Intifada, a situação nos territórios ocupados, notadamente
em Gaza, tornou-se demasiadamente custosa para israelenses e palestinos: a OLP perdia
espaço para o Hamas, que aumentava sua influência e atuação; as deportações em massa
de palestinos para o Líbano estreitavam os laços destes com o Hezbolah e, dos dois
lados, a sensação de insegurança era crescente.
Longe do teatro das negociações diplomáticas, no campo prático, a despeito de todos os
esforços, a violência persistia na forma de enfrentamentos entre palestinos partidários
O Caminho para Oslo \
80
do processo de paz e simpatizantes do Hamas e de outros movimentos palestinos ditos
de “recusa”; na exterminação de palestinos acusados de colaborar com as autoridades de
ocupação para desmobilizar a intifada; nos ataques recíprocos de colonos israelenses e
palestinos não engajados em qualquer movimento. Havia ainda, como foco de tensão, os
numerosos bombardeios impostos pelo exército de Israel, as prisões arbitrárias e o
fechamento dos territórios ocupados, que impedia a passagem de trabalhadores
palestinos para território israelense. Todas essas ações, além de acarretar a degradação
das condições de vida nos territórios ocupados, contribuíam para alimentar o ceticismo
de determinada parcela da população palestina quanto às reais intenções de paz
israelenses; o que permitia ao Hamas, naquelas áreas, e ao Hezbolah, no sul do Líbano,
aumentar suas bases de recrutamento e, dessa forma, radicalizar e justificar sua posição
de recusa.
Subseqüentemente, os ataques desses grupos, contra a ocupação israelense, cada vez
mais audaciosos, desencadeavam contínuas represálias de Israel, onde, por seu turno, a
posição do partido governista, Likud, contrária ao diálogo com os palestinos, suscitava
duras críticas do Partido Trabalhista, que acusava o governo de ter conduzido as
negociações ao impasse em que se encontravam.
O impasse só foi rompido pela iniciativa norueguesa de oferecer sua capital para a
continuação, em sigilo, das negociações entre palestinos e israelenses. A publicidade em
torno da movimentação dos atores em Madri restringia a possibilidade de diálogo; a
forma de a Noruega ajudar era promovendo contatos políticos mais informais
(EGELAND, apud DUARTE: 2003, p. 107), valendo-se de sua reputação de país
imparcial e independente – como bem parecia aos palestinos –, mas sem poder para
exercer pressão sobre as partes em disputa – como convinha a Israel.
A Noruega era um dos poucos países que tinham boas relações com as duas partes e
conseguiu o consentimento de ambas para agir como mediador graças às ligações que
havia estabelecido com os israelenses, desde o final da II Guerra Mundial, e com alguns
palestinos influentes dos territórios ocupados e da própria OLP, a quem fornecia ajuda
financeira. Diante das dificuldades encontradas pelos Estados Unidos, os noruegueses
assumiram temporariamente o papel de “mediador de 2ª via”, agindo como uma espécie
O Caminho para Oslo \
81
de “facilitador”, dando assistência à comunicação entre as partes e sugerindo fórmulas
de compromisso para permitir que o impasse do processo de Madri fosse desbloqueado
(DUARTE: 2003, p. 126).
Ainda mais significativo, as eleições legislativas israelenses, em junho de 1992, que
deram maioria expressiva ao Partido Trabalhista, foram fundamentais para a mudança
de atitude de Israel em direção ao rompimento do impasse nas negociações com os
palestinos. A vitória trabalhista nas urnas condenava a postura intransigente sustentada
até então pelo Likud e sancionava a política apaziguadora e mais flexível defendida pelo
Partido Trabalhista. Sua eleição foi acolhida com alívio pela OLP, que também se
mostrava tanto mais inclinada à conciliação quanto desejava voltar ao primeiro plano da
liderança palestina, da qual estava afastada desde que se exilara em Túnis (1992). A
recusa americana e israelense a manter contato oficial direto com a organização, bem
como a crescente popularidade da equipe que negociava oficialmente em nome dos
palestinos desde a Conferência de Madri, tanto no interior dos territórios ocupados – de
onde ela provinha –, quanto perante a comunidade internacional e, mesmo, entre as
comunidades da diáspora – de onde provinham os membros da OLP –, punham em
xeque seu caráter de representante exclusivo do povo palestino e sua posição de
elemento-chave para a solução do conflito.
Israel aceitou negociar diretamente com a OLP e Arafat, visando controlar o movimento
rebelde em nome de sua própria segurança e também por razões econômicas: a intifada
prejudicou os investimentos estrangeiros, ao passo que a persistência da colonização nos
territórios ocupados levou à suspensão das garantias norte-americanas para a obtenção
de empréstimos adicionais (CORM: 2006, p. 664) no momento em que Israel recebia
um grande número de imigrantes judeus provindos da ex-URSS. Já para Arafat,
negociar com Israel significava tirar a OLP da posição marginal em que se encontrava e,
ao mesmo tempo, legitimar e assegurar sua autoridade dentro do movimento palestino e
no meio internacional. Durante as doze sessões secretas que antecederam a assinatura
dos acordos, mediadas pela diplomacia norueguesa em sua capital, os negociadores
oficiais da rodada aberta em Madri foram postos de lado, de maneira que aquelas
conversações, já então periclitantes, enfraqueceram-se ainda mais com a abertura, à sua
revelia, de um novo canal de negociações, através do qual o recém-empossado governo
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trabalhista poderia testar até que ponto a OLP estaria disposta a avançar em troca de seu
reconhecimento como representante e negociador oficial dos palestinos perante Israel e
os Estados Unidos.
Os acordos anunciados no dia 13 de setembro de 1993, na Casa Branca, em
Washington, foram recebidos, nos meios diplomáticos e na mídia internacional, como
uma solução harmoniosa entre a necessidade de segurança por parte de Israel e, de outro
lado, a aspiração palestina a um governo autônomo que conduzisse à sua independência.
A análise dos acordos, contudo, revela que foi a segurança o ponto privilegiado ao
longo das negociações iniciadas em Oslo, a favor de Israel e em detrimento dos
palestinos.
4.1. A Declaração de Princípios
A declaração de princípios, datada de 13 de setembro de 1993, foi precedida de uma
troca de correspondência entre o primeiro-ministro israelense, Yitzhak Rabin, e o líder
da OLP, Yasser Arafat, da qual ressalta a diferença de conteúdo entre os seis parágrafos
dirigidos pelo líder palestino ao premier israelense, no dia nove de setembro, e as quatro
linhas protocolares da resposta dada àquele por este último no mesmo dia. Ao passo que
Arafat comprometia-se explicitamente com o reconhecimento de Israel e com a
segurança deste Estado, “renunciando ao uso de terrorismo e outros atos de violência”,
Rabin, da parte de Israel, abstinha-se de assumir compromissos por demais precisos –
como fizera Arafat – e afirmava apenas que seu governo “decidiu reconhecer a OLP
como representante do povo palestino” e que, “à luz dos compromissos” assumidos,
aceitava negociar com a organização, no quadro do processo de paz do Oriente Médio.
Mr. Chairman,
In response to your letter of September 9, 1993, I wish to confirm to
you that, in light of the PLO commitments included in your letter, the
Government of Israel has decided to recognize the PLO as the
representative of the Palestinian people and commence negotiations
O Caminho para Oslo \
83
with the PLO within the Middle East peace process. Yitzhak Rabin,
Prime Minister of Israel.
16
Não houve, do lado israelense, engajamento algum com as questões que, do lado
palestino, eram consideradas prementes para a paz, tais como a contenção dos
assentamentos de colonos israelenses nos territórios ocupados e o compromisso de
suspender, nestes, as medidas de restrição e controle impostas à população, bem como,
em última instância, a retirada, propriamente dita, das autoridades ocupantes destas
áreas. A resposta de Rabin sequer mencionava estas questões, sendo, contudo, bastante
objetiva quanto às condições impostas aos palestinos em troca do engajamento
israelense: primeiro, que a OLP honrasse o compromisso de conter a oposição violenta
– que representava uma ameaça para Israel –, assumindo sua “responsabilidade sobre
todos os elementos e pessoal da OLP, de maneira a garantir sua aquiescência, prevenir
violações e disciplinar transgressores”, conforme afirmava a carta de Arafat; e segundo,
que Israel entendia que a paz com os palestinos inscrevia-se num contexto maior de paz
em toda a região do Oriente Médio.
A troca de correspondência já revelava, desde o início, o caráter que assumiriam as
negociações dali por diante: a priorização das questões relativas à segurança – de Israel,
em primeiro plano, e do Oriente Médio, por extensão – em detrimento da criação de um
Estado palestino independente.
Na Declaração de Princípios, que sucedeu às cartas, é característica sintomática dessa
tendência a forma imprecisa como foram elaborados os 17 artigos que compõem o
documento, os quais cuidam em definir as responsabilidades de cada parte no campo da
segurança, mas, em parte alguma, fazem menção a um Estado palestino independente. O
artigo I da declaração, que define o propósito das negociações, já afastava, de início,
qualquer conjetura sobre tal possibilidade:
The aim of the Israeli-Palestinian negotiations within the current
Middle east peace process is, among other things, to establish a
16
“Sr. Presidente, Em resposta à sua carta de 9 de setembro de 1993, eu desejo confirmar-lhe que, à luz
dos compromissos da OLP incluídos em sua carta, o governo de Israel decidiu reconhecer a OLP como
representante do povo palestino e iniciar negociações com a OLP, no quadro do processo de paz do
Oriente Médio. Yitzhak Rabin, primeiro-ministro de Israel.” (Tradução livre da autora.)
O Caminho para Oslo \
84
Palestinian Interim Self-Government Authority, the elected Council
(the “Council”), for the Palestinian people in the West Bank and the
Gaza Strip, for a transitional period not exceeding five years, leading
to a permanent settlement based on Security Council Resolutions 242
and 338.
17
(Grifos nossos.)
E, embora o mesmo artigo especificasse que os ajustes provisórios eram “parte
integrante de todo o processo de paz” e que as negociações sobre o status final levariam
à implementação das resoluções, ficava entendido que “as duas partes concordavam que
o resultado das negociações do status final não deveria ser prejulgado ou antecipado por
acordos concluídos para o período provisório” (artigo V, § 4). Essa contradição permitiu
que israelenses e palestinos seguissem negociando sobre questões contingentes –
estrutura, número de membros e jurisdição de um Conselho de Representantes
palestinos a ser eleito (artigos III, IV e anexo I); criação de comitês e programas de
cooperação mútua e regional (artigos X, XI, XII e anexos III e IV) – sem tocar no fundo
do problema – Jerusalém, refugiados, colônias israelenses e independência palestina –,
conservando, assim, ambas as partes, suas posições contraditórias: de um lado, o
raciocínio político-estratégico israelense, que supõe poder anular ou adiar “os direitos
legítimos do povo palestino e suas justas reivindicações” (artigo III, § 3) em função do
comportamento palestino; e de outro, a crença palestina na possibilidade de reverter
uma situação de ocupação total a favor de uma independência de fato.
Segundo essa lógica da ambigüidade construtiva – conforme a expressão usada pela
diplomacia norte-americana para justificar o avanço das negociações, apesar da
contradição de aspirações verificada entre as partes e nos termos dos acordos –, a paz
não se realizaria por meio de um acordo solene sobre as questões de base que
constituem o cerne do conflito e cuja solução permitiria a normalização das relações
entre israelenses e palestinos; a paz resultaria, antes, da implementação de medidas de
segurança que não representavam, entretanto, garantia alguma de solução definitiva para
aquelas questões primordiais.
17
“O objetivo das negociações israelo-palestinas, dentro do atual processo de paz do Oriente Médio, é,
entre outras coisas, estabelecer uma autoridade palestina interina de autogoverno, o Conselho eleito (o
‘Conselho’), para o povo palestino na Cisjordânia e na faixa de Gaza, por um período transitório não
excedente a cinco anos, levando a uma solução permanente baseada nas Resoluções 242 e 338 do
Conselho de Segurança.” (Tradução livre da autora.)
O Caminho para Oslo \
85
Durante o período provisório de 5 anos, a declaração previa apenas uma retirada parcial
de Israel da “Faixa de Gaza e de Jericó primeiro”, onde, em contrapartida, o Conselho
palestino deveria estabelecer uma vigorosa força policial para garantir a ordem pública e
a segurança interna dos palestinos residentes nesses territórios,
(...) while Israel will continue to carry the responsibility for overall
threats, as well as the responsibility for overall security of Israelis for
the purpose of safeguarding their internal security and public order.
18
(Artigo VIII.)
Israel não abria mão da segurança de seus cidadãos ou de suas fronteiras externas, o
que, por um lado, significava que os israelenses assentados em colônias, nos territórios
ocupados, lá permaneceriam e que, por outro lado, os palestinos não poderiam exercer
plenamente sua soberania, nem tê-la reconhecida pela comunidade internacional,
ficando assim privados desta condição essencial para a afirmação de um Estado
independente.
19
E mesmo a transferência de responsabilidades da Administração Civil
israelense para os palestinos, através de seu Conselho, não era garantia para o exercício
da soberania palestina, visto que essa transferência limitar-se-ia às esferas da educação e
cultura, saúde, bem-estar social, impostos e turismo, além das já citadas ordem pública e
segurança interna, na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, “exceto para questões que serão
negociadas nas negociações do acordo final: Jerusalém, assentamentos, posições
militares e israelenses” (Agreed Minutes..., art. IV, § 1), cabendo ainda a Israel o
exercício de poderes e responsabilidades não transferidas para o Conselho (Agreed
Minutes.., art. VII) – e tampouco especificados.
18
“(...) enquanto Israel continuará arcando com a responsabilidade por quaisquer ameaças, bem como a
responsabilidade pela segurança total dos israelenses, com o fim de salvaguardar sua segurança interna e
ordem pública.” (Tradução livre da autora.)
19
Segundo GONÇALVES (2002, p. 14): “Na ótica jurídica, a definição de Estado como sujeito de direito
internacional continua a ser aquela atribuída pela Convenção de Montevidéu (1933), segundo a qual todo
Estado deve possuir: 1) população; 2) território; 3) governo; e 4) capacidade de honrar os compromissos
contraídos com os outros Estados (...) Essas quatro características do Estado podem ser sintetizadas no
conceito de soberania. Por soberania entende-se o poder supremo, que é o poder de fazer as leis que
modelam as instituições e organizam as relações em sociedade. Em virtude do caráter territorial do
Estado, a soberania é exercida exclusivamente no âmbito interno; não pode haver soberania externa. Um
Estado, por ser soberano, não pode acatar leis formuladas por outro Estado. Em relação aos demais
Estados, que são soberanos e, por conseguinte, juridicamente iguais, o Estado desfruta de independência.”
O Caminho para Oslo \
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A declaração de princípios fixava, pois, os direitos (eleição e jurisdição do Conselho) e
as obrigações (todas relativas à segurança) atribuídas aos palestinos; e deixava Israel
relativamente desembaraçado do cumprimento das suas (relativas à desocupação
gradual dos territórios), já que ficava acertado que:
2. In redeploying its military forces, Israel will be guided by the
principle that its military forces should be redeployed outside
populated areas.
3. Further redeployments to specified locations will be gradually
implemented commensurated with the assumption of responsibility for
public order and internal security by the Palestinian police force
pursuant to Article VIII above.
20
(Artigo XIII.)
O grande estratagema da Declaração de Princípios, e o que permitiu, de fato, a
continuidade das negociações, foi justamente a definição de duas fases distintas de
negociação: um período provisório, em que seriam tratados assuntos relativos à
administração civil da Autoridade Palestina nos territórios liberados por Israel –
mormente quanto à ordem e segurança públicas – e acordos de cooperação em diversas
áreas – mormente quanto ao desenvolvimento econômico –; e a negociação do acordo
final, não necessariamente vinculado aos resultados do período anterior e em que seriam
abordadas questões chaves, tais como a extensão dos territórios a serem liberados por
Israel, a natureza da “entidade” Palestina a ser estabelecida, o futuro dos assentamentos
e dos colonos israelenses, direitos sobre a água, a situação dos refugiados e o status de
Jerusalém.
A declaração estabeleceu um processo de negociação sem um resultado pré-definido.
Durante o prolongado período provisório,
21
inúmeros atrasos, devidos à relutância de
Israel em abrir mão do controle sobre os territórios ocupados e fazer as concessões
necessárias, aliados a explosões periódicas de violência por parte de grupos palestinos
contrários ao processo de Oslo legaram os palestinos a uma posição cada vez mais fraca
20
“2. Ao redispor suas forças militares, Israel será guiado pelo princípio de que suas forças devem ser
desdobradas fora de áreas povoadas. 3. Desdobramentos ulteriores para posições especificadas serão
implementados gradualmente, proporcionalmente à assunção de responsabilidade pela ordem pública e
segurança interna pela polícia palestina, conforme o Artigo VIII acima.” (Tradução livre da autora.)
21
O período provisório, estendido até 1998 – precisamente 23/10/1998, data da assinatura do Memorando
de Wye River – estava previsto para acabar em meados de 1996, quando deveriam começar as
negociações sobre o acordo final, por sua vez previstas para acabar em maio de 1999, mas só iniciadas em
julho de 2000.
O Caminho para Oslo \
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nas negociações, pois a declaração também não estabeleceu qualquer mecanismo de
compensação para prevenir ou corrigir prováveis violações que pudessem criar, na
prática, fatos e situações novas impossíveis de se reverter em um acordo final.
Although Article IV of the Declaration of Principles talks about
preserving the “integrity” of the West Bank and Gaza during
negotiations, it did not prevent Israel from “creating facts” on the
ground which completely prejudiced the talks. From the signing of the
Oslo Accords in September 1993 until the collapse of the negotiations
in February 2001, Israel more than doubled its settler population to
400.000, adding dozens of new settlements – even whole cities (…)
22
(HALPER: 2001.)
Passage between Gaza and Jericho, sixty miles away from each other,
was supposed to have been guaranteed for Palestinians; until now it
has not been, thereby violating the principle granted by the Israelis
that the West Bank and Gaza are one territorial unit (...) Palestinians
displaced in 1967 are supposed to be able to return, but the joint
committee intended for facilitating this hasn’t even been named (...) In
the meantime, and completely against the letter and the spirit of Oslo
agreement, Israel has continued to change the status quo in Jerusalem,
and to build a huge road system conecting the settlements, bypassing
Arab villages and towns throughout the Occupied Territories.
23
(SAID: 1996, p. 104-105.)
4.2. O Acordo do Cairo
O acordo de 4 de maio de 1994, Agreement on the Gaza Strip and the Jericho Area, que
inaugurou, de fato, o período provisório, limitou o alcance da retirada das forças
israelenses a cerca de 65% da Faixa de Gaza, definiu a extensão da área de Jericó e
22
“Apesar de o artigo IV da Declaração de Princípios falar sobre preservar a ‘integridade’ da Cisjordânia
e da Faixa de Gaza durante as negociações, isso não impediu Israel de ‘criar fatos’ na prática, o que
prejudicou completamente as conversações. Desde a assinatura dos Acordos de Oslo, em setembro de
1993, até o colapso das negociações, em fevereiro de 2001, Israel mais do que dobrou sua população
assentada para 400.000, somando dúzias de novos assentamentos – mesmo cidades inteiras (...)”
(Tradução livre da autora.)
23
“A passagem entre Gaza e Jericó, sessenta milhas distantes uma da outra, deveria ter sido garantida
para os palestinos; até agora, não foi, violando, dessa maneira, o princípio admitido pelos israelenses de
que a Cisjordânia e Gaza são uma unidade territorial (...) Palestinos desalojados em 1967 deveriam poder
voltar, mas o comitê conjunto que deveria facilitar isso não foi sequer nomeado (...) Nesse ínterim, e
completamente contra o espírito de Oslo, Israel continua a mudar o status quo em Jerusalém e a construir
um amplo sistema de estradas conectando os assentamentos, cortando povoados e cidades árabes por
todos os territórios ocupados.” (Tradução livre da autora.)
O Caminho para Oslo \
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estabeleceu a Autoridade Nacional Palestina como órgão governante nos territórios
liberados, apto a exercer – em cooperação com Israel – o policiamento local.
Em verdade, o novo acordo desdobrava em detalhes o que fora anteriormente estipulado
na Declaração de Princípios quanto a arranjos de segurança, retirada das forças
israelenses, transferência de poderes e responsabilidades civis e legislativas, questões
legais, sem qualquer alteração substancial do que já havia sido disposto. Conforme o
Acordo de Gaza/Jericó, a Administração Civil israelense era dissolvida e seus poderes e
responsabilidades transferidos para a Autoridade Palestina, em esferas civis tais como:
educação, construção, turismo, bem-estar social, telecomunicações, assuntos religiosos,
transportes, saúde, agricultura, etc. Os palestinos adquiriam uma autonomia limitada, ao
passo que Israel continuava responsável pela segurança dos israelenses, dos
assentamentos e das fronteiras externas, bem como outras áreas de responsabilidade não
transferidas para a Autoridade Palestina, tais como relações exteriores.
1. The authority of the Palestinian Authority encompasses all matters
that fall within its territorial, functional and personal jurisdiction, as
follows:
a. The territorial jurisdiction covers the Gaza Strip and the Jericho
Area territory, as defined in Article I, except for Settlements and the
Military Installation Area.
b. Territorial jurisdiction shall include land, subsoil and territorial
waters, in accordance with the provisions of this Agreement.
c. The functional jurisdiction encompasses all powers and
responsibilities as specified in this Agreement. This jurisdiction does
not include foreign relations, internal security and public order of
Settlements and the Military Installation Area and Israelis, and
external security.
24
(Artigo V.)
Assim como na Declaração de Princípios, a preocupação central continuava sendo a
segurança, paralelamente à normalização das relações entre Israel e a Autoridade
24
“A autoridade da Autoridade Palestina abrange todas as matérias compreendidas na sua jurisdição
territorial, funcional e jurídica, como segue: a. A jurisdição territorial cobre a Faixa de Gaza e o território
da área de Jericó, conforme definido no Artigo I, à exceção dos assentamentos e da área de instalação
militar; b. Jurisdição territorial deve incluir terra, subsolo e águas territoriais, de acordo com as provisões
desse Acordo; c. A jurisdição funcional abrange todos os poderes e responsabilidades conforme
especificado nesse Acordo. Essa jurisdição não inclui relações exteriores, segurança interna e ordem
pública dos assentamentos e da área de instalação militar, israelenses e segurança externa.” (Tradução
livre da autora.)
O Caminho para Oslo \
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Palestina, sem que disso resultasse, necessariamente, a criação de um Estado palestino.
Nada do que ficava acertado deveria “prejulgar ou antecipar o resultado das negociações
sobre o período provisório ou sobre o status permanente” (artigo XXIII, §5) e a
transferência da responsabilidade pela segurança dos territórios liberados para a Polícia
Palestina não tinha outro objetivo senão “prevenir atos de terrorismo, crime e
hostilidades dirigidos um ao outro” (artigo XVIII). Segundo o artigo III, do anexo I
(Protocol concerning withdrawal of Israeli Military Forces and security arrangements)
do acordo, nas áreas sob jurisdição palestina, eram obrigações da Polícia Palestina:
1. performing normal police functions, including maintaining internal
security and public order;
2. protecting the public and its property and acting to provide a feeling
of security and safety;
3. adopting all measures necessary for preventing crime in accordance
with the law; and
4. protecting public installations and places of special importance.
25
O grande diferencial do Acordo do Cairo estava na parte concernente às relações
econômicas, separadamente negociadas em Paris, a 29 de abril de 1994, e incluídas no
acordo como anexo IV (Protocol on Economic Relations), o qual tratava principalmente
de questões relativas à política monetária, circulação de mercadorias, impostos e
movimento de trabalhadores – notadamente da força de trabalho palestina empregada
em Israel.
Para muitos especialistas, a componente econômica do processo de paz era um objetivo
tão característico daquelas negociações quanto a preocupação com a segurança.
Segundo essa percepção, a normalização das relações econômicas entre Israel e os
países árabes era vista como a chave para concretizar a paz (CORM: 2006, p. 715) e a
constituição de uma economia capitalista de livre-mercado seria igualmente a melhor
resposta para os problemas que anos de ocupação haviam trazido não só para os
palestinos, como também para os setores mais pobres da sociedade israelense (PAPPE:
25
“1. desempenhar funções normais de polícia, incluindo a manutenção da segurança interna e ordem
pública; 2. proteger o público e suas propriedades e atuar para prover uma sensação de segurança e
proteção; 3. adotar todas as medidas necessárias para prevenção de crime, de acordo com a lei; e 4.
proteger instalações públicas e lugares de especial importância.” (Tradução livre da autora.)
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2004, p. 256). Implícito na posição de todas as partes envolvidas no processo de paz
desencadeado pela Conferência de Madri em 1991 estava o esforço para criar em todo o
Oriente Médio um regime econômico cujo maior propósito era garantir o acesso aos
mercados árabes, seus consumidores e mão-de-obra barata.
A própria Declaração de Princípios já indicava a formação de grupos de trabalho
multilaterais como instrumento para promover uma espécie de programa de
desenvolvimento econômico regional, incluindo a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, que
funcionaria como um “Plano Marshall” (artigo XVI) no Oriente Médio, financiado pelo
G-7, pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, membros do
setor privado e por instituições e países árabes da região (anexo IV, § 1).
Para a frágil economia palestina, com um baixo PIB, já dependente da economia
israelense e sob forte controle das autoridades ocupantes,
26
a introdução de um modelo
israelense de sociedade capitalista, representava um risco maior de transformar as áreas
sob jurisdição da Autoridade Palestina em periferias da economia israelense.
Under the Paris Agreement, which was the economic component of
Oslo signed in 1994, Israel and Palestine were to be one economic
unit, with interconnected customs systems and a joint taxation policy
(...)
The economic vision of Oslo, like the rest of the accord, was
determined by the balance of power, to the Palestinians’ detriment.
The Paris Agreement granted Israel the right of veto on any
development scheme put forward by the PA [Palestinian Authority].
This meant that the monetary and developmental policies of Israel and
its currency exchanges were to play a dominant role in the Palestinian
economy. Other aspects of the economy, such as foreign trade and
industry, were also totally dominated by the Israelis according to the
Interim Agreement.
27
(PAPPE: 2004, p. 256.)
26
Um panorama apurado da dependência econômica palestina em relação a Israel foi traçado por Edward
Said, em estudos esparsos. Segundo o autor: “De acordo com o Escritório Especial do Coordenador das
Nações Unidas nos Territórios Ocupados, o comércio com Israel corresponde a 79.8% das transações
comerciais palestinas; o comércio com a Jordânia, corresponde a 2.39%. Que esse quadro seja tão
deficiente atribui-se diretamente ao controle de Israel sobre a fronteira Palestina-Jordânia – além das
fronteiras síria, libanesa e egípcia” (2000: p. 28-29. Tradução livre da autora). “Aparte o pequeno
empreendedor e a classe média, a grande maioria dos palestinos são pobres e sem-terra, sujeitos às vagas
das comunidades manufatureiras e comerciais israelenses, que empregam palestinos como mão-de-obra
barata” (1996: p. 13. Tradução livre da autora).
27
“Sob o Acordo de Paris, que era o componente econômico de Oslo assinado em 1994, Israel e Palestina
deveriam ser uma unidade econômica, com sistemas alfandegários interconectados e uma política
tributária conjunta (...) A visão econômica de Oslo, como o restante do acordo, foi determinada pelo
O Caminho para Oslo \
91
O Protocolo sobre Relações Econômicas definia as relações econômicas entre Israel e os
territórios palestinos e, embora concedesse alguns poderes econômicos para estes e
eliminasse antigas restrições, o poder de decisão sobre os aspectos mais críticos da
economia palestina continuava nas mãos de Israel, apesar de o acordo garantir aos
palestinos o exercício de “seu direito de tomar decisões econômicas de acordo com seu
próprio plano de desenvolvimento e prioridades” (anexo IV, preâmbulo). Segundo Sara
Roy, o protocolo esboçava a criação de uma “quase-união aduaneira” entre as partes, o
que pressupõe comércio sem barreiras entre as fronteiras das economias participantes e
idênticas restrições de importação; porém, dado o controle de Israel sobre todas as
fronteiras, o comércio e toda a economia palestina continuariam sujeitos a sérias
restrições. Por exemplo, o protocolo estipulava que a Autoridade Palestina teria “todos
os poderes e responsabilidades na esfera da importação e política aduaneira” (artigo III,
§ 2, item a) e que os palestinos teriam “o direito de exportar seus produtos agrícolas sem
restrições” (artigo VIII, § 11, grifos nossos), entretanto, as importações estavam sujeitas
a uma gama de restrições, como cotas para determinados produtos, ao passo que, para
alguns gêneros agrícolas palestinos – tomates, ovos, batatas, etc. –, cuja exportação
concorria com os israelenses, as fronteiras seriam abertas “gradualmente, durante um
período de cinco anos, com imposição de cotas anuais” (ROY: 2000, p. 98. Tradução
livre da autora).
Afora as estipulações de natureza econômica, o Acordo do Cairo manteve-se fiel às
linhas esboçadas pela Declaração de Princípios e, mesmo a retirada das forças militares
israelenses – prevista para começar imediatamente após assinatura do acordo e ser
concluída dentro de três semanas (artigo II, §1) – continuou seguindo a mesma lógica de
protelação dos compromissos assumidos.
equilíbrio de poder, em detrimento dos palestinos. O Acordo de Paris garantiu a Israel o direito de veto
em qualquer esquema de desenvolvimento apresentado pela Autoridade Palestina. Isso significava que as
políticas monetárias e de desenvolvimento de Israel e suas trocas cambiais deveriam ter um papel
predominante na economia palestina. Outros aspectos da economia, tais como comércio exterior e
indústria, também eram totalmente dominados pelos israelenses, de acordo com o Acordo Provisório.”
(Tradução livre da autora.)
O Caminho para Oslo \
92
O Caminho para Oslo \
93
4.3. O Acordo de Taba, ou «Oslo II»
O adiamento da retirada das forças israelenses dos territórios palestinos, sob a
justificativa de que a Autoridade Palestina não cumpria com o seu compromisso de
conter ações violentas dirigidas contra a segurança de Israel, funcionou como uma
estratégia para enfraquecer a posição dos negociadores palestinos e obter destes
concessões cada vez mais amplas. Nesse sentido foi firmado o Acordo de Taba em 28
de setembro de 1998.
Mais conhecido como Oslo II, pelo alcance de suas estipulações, esse acordo foi o mais
amplo concluído entre a OLP e Israel ao longo das negociações. O “Acordo Provisório
sobre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza” implementou a eleição da Autoridade Palestina e
do Conselho Legislativo, estipulou a divisão e o controle conjunto sobre os territórios
ocupados e estabeleceu arranjos complexos nas esferas política, legal, econômica e,
notadamente, de segurança, criando uma nova ordem nos territórios. Oslo II deveria
facilitar a retirada das forças israelenses das áreas palestinas, conforme a nova e
detalhada divisão territorial acertada, mas o acordo nunca chegou a ser implementado
na íntegra.
O Acordo de Taba redividiu a Cisjordânia em três subseções:
A cerca de três por cento do território, compreendendo as seis cidades
palestinas que deveriam ser seqüencialmente liberadas pelas forças
israelenses (Nablus, Jenin, Tulkaren, Qalqilya, Ramallah e Bethlehem),
sobre as quais a Autoridade Palestina exerceria governo exclusivo, com
controle sobre a segurança interna e assuntos civis;
B cerca de 23 por cento do território, parcialmente controlados pela
Autoridade Palestina, que ficaria responsável por algumas funções
municipais, ao passo que a segurança interna seria exercida conjuntamente
com Israel;
C cerca de 73 por cento do território, sob controle total de Israel, incluindo
os assentamentos e os novos bairros judeus construídos dentro e em torno
de Jerusalém oriental.
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Dessa forma, erguia-se uma “matriz de controle” (HALPER, apud SAID: 2000, p. 38)
em torno dos palestinos, cujos territórios descontínuos e, ao contrário dos israelenses,
sem garantia de livre passagem entre eles, ficavam também privados de qualquer
fronteira com outros países que não Israel: afora as patrulhas conjuntas, Israel
conservaria em suas mãos a segurança de fato da área A, dominaria toda a área C e
controlaria todo movimento de entrada e saída das principais cidades palestinas da
Cisjordânia, que teoricamente ficariam sob poder da Autoridade Palestina após a
retirada das tropas israelenses.
Ao invés de exigir de Israel a retirada completa de suas forças dos territórios ocupados
ou, ao menos, o cumprimento do que fora estipulado nos acordos anteriores, a
Autoridade Palestina concordou em abrir mão da maior parte da Cisjordânia e da
possibilidade de impedir a expansão dos assentamentos, aceitando, assim, as
reivindicações israelenses de soberania sobre esses territórios e a alegação de que sua
presença maciça e seus investimentos na área C legitimavam tais reivindicações
(PACHECO: 2000, p. 188-191).
Com base em tal concessão, o Acordo de Taba reapresentou todos os pontos
anteriormente discutidos – relações econômicas, transferência de autoridade, assuntos
legais, segurança e ordem pública, etc. –, ampliando-os ou alterando-os sempre
conforme à disposição israelense de cumprir ou adiar os compromissos assumidos de
acordo com seu interesse exclusivo. No que diz respeito, por exemplo, ao planejamento
para a retirada das forças israelenses, já acordado na Declaração de Princípios (artigos
XIII, XIV e anexo I) e detalhado no Acordo do Cairo (artigo II e anexo I), o novo
acordo estipulou que a redisposição das tropas deveria então começar 10 dias após a
assinatura deste:
The first phase of Israeli military forces redeployment will commence
10 days after the signing of this Agreement. The Israeli Government
intends to complete the first phase of redeployment in all areas but the
city of Hebron by the end of December 1995, in which redeployment
will be completed by six months after the signing of this Agreement.
Within two weeks of the signing of this Agreement, the two sides will
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decide on a precise redeployment schedule on a district-by-district
basis.
28
(Anexo 1, artigo XIV, apêndice 1, item A.)
Contudo, determinou também que redisposições adicionais das forças israelenses para
posições militares específicas seriam gradualmente implementadas em três fases, em
intervalos de seis meses, começando a primeira fase seis meses depois da eleição do
Conselho, inicialmente marcada para nove meses após a entrada em vigor da
Declaração de Princípios (artigo III desta), mas, até aquele momento, ainda sem data
específica para acontecer; o que, na prática, adiava o prazo para a implementação da
retirada israelense por pelo menos dois anos (SAID: 2003, p. 15).
The further redeployments of Israeli military forces to specified
military locations will be gradually implemented in accordance with
the DOP [Declaration of Principles] in three phases, each to take place
after an interval of six months, after the inauguration of the Council,
to be completed within 18 months from the date of the inauguration of
the Council.
29
(Artigo XI, § 2, item d.)
As questões cruciais da agenda de negociações do processo de Oslo – definição de
fronteiras, refugiados, assentamentos e colonos israelenses, o status de Jerusalém e de
uma futura entidade palestina – foram igualmente adiadas, mais uma vez, de maneira
que os palestinos não garantiram, de forma alguma, sua soberania ou o controle sobre as
fronteiras, a água e sobre a segurança geral dos territórios como um todo. Ao contrário,
o que os palestinos conseguiram com Oslo II foi uma série de poderes civis e
responsabilidades municipais, em cantões isolados entre si e controlados de fora por
Israel, que, de sua parte, conseguia novamente prolongar sua permanência nos
territórios ocupados e, conseqüentemente, seu controle sobre a população palestina.
28
“A primeira fase do desdobramento das forças militares israelenses começará 10 dias após a assinatura
desse Acordo. O governo israelense tenciona completar a primeira fase do desdobramento em todas as
áreas em fins de dezembro de 1995, excetuada a cidade de Hebron, onde o desdobramento será
completado seis meses após a assinatura desse Acordo. Dentro de duas semanas a contar da assinatura
desse Acordo, os dois lados decidirão sobre um plano de desdobramento preciso, distrito por distrito.”
(Tradução livre da autora.)
29
“Os desdobramentos ulteriores de forças militares israelenses para posições militares especificadas
serão gradualmente implementados, de acordo com a Declaração de Princípios, em três fases, cada uma a
se realizar após um intervalo de seis meses, depois da inauguração do Conselho, a serem completados
dentro de 18 meses a partir da data da inauguração do Conselho.” (Tradução livre da autora.)
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4.4. O Protocolo de Hebron
Assinado em 17 de janeiro de 1997, o Protocolo de Hebron foi, na verdade, um adendo
ao Acordo de Taba, na parte referente à exceção feita, naquela ocasião, à cidade de
Hebron, que não fora incluída entre as cidades palestinas da Cisjordânia de onde as
forças israelenses deveriam se retirar. De acordo com Oslo II (Anexo I, artigo VII):
1.
a. There will be a redeployment of Israeli military forces in the city of
Hebron except for places and roads where arrangements are
necessary for the security and protection of Israelis and their
movements. The areas of such redeployment are delineated by red and
blue lines and shaded in orange stripes on a yellow background on
attached map
30
No. 9 (hereinafter “Area H-l”).
b. This redeployment will be completed not later than six months
after the signing of this Agreement.
31
(Grifos nossos.)
Não obstante o descumprimento da previsão inicial, o Protocolo de Hebron manteve a
divisão dessa cidade conforme ao princípio estabelecido pelo Acordo de Taba de
“salvaguardar sua [dos israelenses] segurança interna e ordem pública” (anexo 1, artigo
VII, § 3), sob as mesmas cláusulas restritivas quanto à divisão de poderes e
responsabilidades:
1. The Palestinian Police will assume responsibilities in Area H-1
similar to those in other cities in the West Bank; and
2. Israel will retain all powers and responsibilities for internal security
and public order in Area H-2. In addition, Israel will continue to carry
the responsibility for overall security of Israelis.
32
(Protocolo de
Hebron, § 2, item a
.)
30
O mapa que ilustra esse acordo, à página seguinte, não indica o movimento das forças israelenses, mas
apenas a divisão da cidade em duas áreas, H-1 e H-2, conforme delimitadas pelo protocolo.
31
“1. a. Haverá um desdobramento de forças militares israelenses na cidade de Hebron, à exceção de
lugares e estradas onde ajustes são necessários para a segurança e proteção de israelenses e seus
deslocamentos. As áreas de tal desdobramento estão delineadas em vermelho e azul e sombreadas de
listras laranja sobre um fundo amarelo no anexo mapa n. 9. b. Esse desdobramento será completado, no
mais tardar, até seis meses após a assinatura desse Acordo.” (Tradução livre da autora.)
32
“1. A polícia palestina assumirá responsabilidades na Área H-1 similares àquelas em outras cidades na
Cisjordânia; e 2. Israel conservará todos os poderes e responsabilidades pela segurança interna e ordem
pública na Área H-2. Em aditamento, Israel continuará arcando com a responsabilidade pela segurança
total dos israelenses.” (Tadução livre da autora.)
O Caminho para Oslo \
98
O Caminho para Oslo \
99
Vinte por cento da cidade, correspondentes ao centro comercial, ficariam sob o controle
de cerca de 400 colonos israelenses, cercados e guarnecidos pelo exército de Israel,
enquanto aos 120 mil habitantes palestinos (SAID: 2000, p. 36) garantir-se-ia o direito
de administrar assuntos civis (saneamento, saúde, educação, segurança local, etc.) na
área colocada sob jurisdição da Autoridade Palestina – oitenta por cento do território da
cidade. Os palestinos residentes na área H-2, separados dos seus, ficariam subordinados
ao controle militar de Israel, ao passo que os cidadãos israelenses continuariam gozando
de todos os direitos e privilégios garantidos pela lei de seu Estado. Mas, apesar dessa
segregação civil e da partilha física da cidade, segundo os termos do protocolo, Hebron
deveria continuar como uma unidade indivisível, sem perturbação do movimento
“normal” de pessoas e mercadorias.
Both sides reiterate their commitment to the unity of the City of
Hebron, and their understanding that the division of security
responsibility will not divide the city. In this context, and without
derogating from the security powers and responsibilities of either side,
both sides share the mutual goal that movement of people, goods and
vehicles within and in and out of the city will be smooth and normal,
without obstacles or barriers.
33
(Protocolo de Hebron, § 9.)
Uma análise do mapa da divisão da cidade revela, entretanto, que a parte sob jurisdição
palestina era, além do mais, entrecortada por estradas e passagens secundárias, que
servem aos assentamentos israelenses e sobre as quais a Autoridade Palestina não tem
qualquer poder legal. Essas vias, que se estendem por toda a Cisjordânia, formam
“fossos” estrategicamente posicionados em torno de áreas povoadas e áreas agrícolas
palestinas, eliminando, assim, qualquer aparência de contigüidade entre os territórios
(PACHECO: 2000, p.192-193). Nenhuma compensação foi estipulada em troca das
terras expropriadas para a construção desse sistema de estradas, que foi edificado com o
aval da Autoridade Palestina, como parte do Acordo de Taba, para supostamente
facilitar a retirada das forças de Israel e a entrada da Autoridade Palestina nos territórios
33
“Ambos os lados reiteram seu compromisso com a unidade da cidade de Hebron e seu entendimento de
que a divisão de responsabilidade sobre a segurança não dividirá a cidade. Nesse contexto, e sem derrogar
os poderes de segurança de um e outro, ambos os lados compartilham o mútuo objetivo de que o
movimento de pessoas, mercadorias e veículos no interior, para dentro e para fora da cidade será tranqüilo
e normal, sem obstáculos ou barreiras.” (Tradução livre da autora.)
O Caminho para Oslo \
100
de sua jurisdição. Pelo contrário, Israel obteve o respaldo necessário para confiscar
largas porções de terra palestina sem o devido ressarcimento de seus proprietários.
When some Palestinians landowners petitioned the Israeli occupation
authorities and courts against the widescale land confiscation, the
government argued that the PA had consented to the roads through the
Oslo agreements and that this effectively barred private landowners
from contesting the confiscations. Attempts to obtain official
cooperation from the PA in the High Court petitions were in vain.
34
(PACHECO: 2000, p. 193.)
A assinatura do Protocolo de Hebron implicava uma nova jurisprudência na questão dos
territórios ocupados por Israel, uma vez que a divisão da cidade criava um precedente
no processo de paz para que Israel legitimasse sua reivindicação de soberania em todos
os assentamentos, estendendo seu alcance por toda a Cisjordânia.
Em troca de sua concordância, os palestinos obtiveram garantias indiretas dos Estados
Unidos para adoção de um suposto cronograma visando uma nova retirada de Israel da
área B e, mesmo, da área C, durante os 18 meses seguintes, sem que a extensão dessa
retirada fosse, contudo, precisada (CORM: 2006, p. 728).
(...) I have advised Chairman Arafat of U.S. views on Israel's process
of redeploying its forces, designating specified military locations and
transferring additional powers and responsibilities to the Palestinian
Authority. In this regard, I have conveyed our belief, that the first
phase of further redeployments should take place as soon as possible,
and that all three phases of the further redeployments should be
completed within twelve months from the implementation of the first
phase of the further redeployments but not later than mid-1998.
35
(Carta do secretário de Estado norte-americano, Warren Cristopher, ao
premier israelense, Benjamin Netanyahu, apresentada na ocasião da
assinatura do protocolo de Hebron, em 17 de janeiro de 1997.)
34
“Quando alguns proprietários de terra palestinos requereram às autoridades ocupantes e cortes
israelenses contra a confiscação de terra em larga escala, o governo argumentou que a Autoridade
Palestina havia consentido com as estradas através dos acordos de Oslo e que isso efetivamente impedia
proprietários de terra privados de contestar contra as confiscações. Tentativas de obter cooperação oficial
da AP na Corte Suprema de apelações foram em vão.” (Tradução livre da autora.)
35
“(...) Eu dei ciência ao presidente Arafat das opiniões dos Estados Unidos sobre o processo de
desdobramento por Israel de suas forças militares, designando posições militares especificadas e
transferindo poderes e responsabilidades adicionais para a Autoridade Palestina. A esse respeito, eu
expressei nossa convicção de que a primeira fase de desdobramentos adicionais deve ter lugar o mais
rápido possível e que todas as três fases dos desdobramentos adicionais devem ser completadas dentro de
12 meses a partir da implementação da primeira fase dos desdobramentos adicionais, mas não mais tarde
do que meados de 1998.” (Tradução livre da autora.)
O Caminho para Oslo \
101
4.5. Os Memorandos de Wye River & de Sharm el-Sheikh
Após a assinatura do Protocolo de Hebron, o processo de paz entrou em uma nova fase
de estagnação, devida, notadamente, à inflexibilidade do governo de Benjamin
Netanyahu, do Likud, em relação às questões de segurança, condicionando qualquer
avanço nas negociações – isto é, as retiradas adicionais estipuladas nos acordos
anteriores e até então proteladas – às medidas que a Autoridade Palestina deveria tomar
para garantir a ordem e fazer cessar quaisquer atos de violência.
Apenas em outubro de 1998, mais de um ano e meio depois da assinatura do último
acordo e somente após o arrefecimento do impacto causado pelo escândalo Mônica
Lewinsky, a diplomacia americana logrou retomar as negociações, com a subscrição do
Memorando de Wye River, no dia 23.
O novo documento visava facilitar a implementação de tudo o que fora acordado
anteriormente, a fim de que israelenses e palestinos pudessem “executar mais
eficazmente suas responsabilidades recíprocas, incluindo aquelas relacionadas a
retiradas adicionais e segurança, respectivamente”. Quanto a Israel, Wye River
determinava que:
1. Pursuant to the Interim Agreement and subsequent agreements, the
Israeli side’s implementation of the first and second F.D.R. [further
redeployments] will consist of 13% from Area C as follows: 1% to
Area (A); 12% to Area (B). (...)
2. As part of the foregoing implementation of the first and second
F.R.D., 14.2% from Area (B) will become Area (A).
36
(Item I-A.)
Embora dessa vez a extensão da retirada das tropas israelenses tenha sido especificada,
a definição sobre que partes da Cisjordânia seriam liberadas continuava em aberto, da
mesma forma que a terceira fase das retiradas, prevista no Acordo Provisório de 28 de
setembro de 1995, era submetida a um “comitê para tratar dessa questão” (item I-B); o
que significava dizer que qualquer retirada além daqueles treze por cento dependeria da
36
“De conformidade com o Acordo Provisório e acordos subseqüentes, a implementação da primeira e
segunda fase de redisposições adicionais, pela parte israelense, consistirá de 13% da Área C, como segue:
1% para Área (A); 12% para Área (B) (...) 2. Como parte da precedente implementação da primeira e
segunda redisposições adicionais, 14.2% da Área (B) tornar-se-ão Área (A).” (Tradução livre da autora.)
O Caminho para Oslo \
102
boa execução das medidas de segurança confiadas à Autoridade Palestina e, por
extensão, da interpretação unilateral de Israel sobre que partes evacuar, se e quando.
Demais, o Memorando de Wye River desdobra-se em uma série de determinações sobre
segurança imputadas sobretudo aos palestinos, como parte de um esforço conjunto para
combater a violência, proscrever o terrorismo e prevenir atos hostis.
Both sides recognize that it is in their vital interests to combat
terrorism and fight violence in accordance with Annex I of the Interim
Agreement and the Note for the Record. They also recognize that the
struggle against terror and violence must be comprehensive in that it
deals with terrorists, the terror support structure, and the environment
conductive to the support of terror. It must be continuous and constant
over a long-term, in that there can be no pauses in the work against
terrorists and their structure. It must be cooperative in that no effort
can be fully effective without Israeli-Palestinian cooperation and the
continuous exchange of information, concepts, and actions.
37
(Item II.)
A criação de um comitê trilateral, envolvendo as duas partes em conjunto com os
Estados Unidos, para “avaliar ameaças correntes, lidar com quaisquer impedimentos à
efetiva cooperação e coordenação em segurança e tratar dos passos tomados para
combater o terror e as organizações terroristas” (item II-B, § 3), seguiu também o
mesmo raciocínio estratégico calcado prioritariamente na preocupação com a segurança.
Efetivamente, ao aceitar esse concerto, comprometendo-se a “informar detalhadamente
os membros do comitê sobre os resultados de suas investigações” – sem reciprocidade
dos outros membros –, a Autoridade Palestina não apenas aceitava, mais uma vez, as
medidas de segurança exigidas por Israel, como também permitia que os serviços de
inteligência norte-americanos e israelenses se imiscuíssem nos territórios palestinos
autônomos (CORM: 2006, p. 736), colocando-se, assim, aos olhos da própria população
palestina, como garante e executor das medidas de repressão contra todo tipo de
oposição ao processo de paz.
37
“Ambos os lados reconhecem que é de seu interesse vital combater o terrorismo e lutar contra a
violência, de acordo com o Anexo I do Acordo Provisório e a Nota para Registro. Também reconhecem
que o esforço contra o terrorismo e a violência deve ser amplo para lidar com terroristas, a estrutura de
apoio ao terror e o ambiente conducente ao apoio ao terror. Ele deve ser contínuo e constante a longo-
prazo, para que não haja interrupções na ação contra os terroristas e sua estrutura. Ele deve ser
cooperativo, de vez que nenhum esforço pode ser efetivo sem a cooperação israelo-palestina e a troca
contínua de informação, conceitos e ações.” (Tradução livre da autora.)
O Caminho para Oslo \
103
O Caminho para Oslo \
104
Em última análise, o Memorando de Wye River, de 23 de outubro de 1998, deveria,
enfim, pôr em andamento as negociações sobre o estatuo final, já que o prazo de cinco
anos estabelecido pela Declaração de Princípios para o período provisório esgotar-se-ia
em maio do ano seguinte. Isso não impediu, contudo, que Israel descumprisse
novamente os prazos para retirada de suas tropas, detalhados no cronograma anexo ao
memorando, não obstante o fracionamento deste em quatro etapas, sendo que a última
etapa (após a décima segunda semana da entrada em vigor do memorando) não tinha
prazo para conclusão.
Wye River definiu uma retirada adicional das forças israelenses de treze por cento da
Cisjordânia, porém, Israel suspendeu a implementação das cláusulas do acordo após
retirar-se de apenas dois por cento daquele território. Um novo acordo fez-se, então,
necessário, para implementar as cláusulas pendentes – não apenas daquele memorando,
mas, de maneira geral, de todos os acordos anteriores – e para retomar, ou melhor, dar
início às negociações sobre o acordo final.
Nesse sentido, o Memorando de Sharm El-Sheikh, de 4 de setembro de 1999, ratificava
as estipulações feitas no último acordo, alterando o cronograma de execução das fases
um e dois das retiradas adicionais a serem cumpridas por Israel.
The Israeli Side undertakes the following with regard to Phase One
and Phase Two of the Further Redeployments:
a. On September 5, 1999, to transfer 7% from Area C to Area B;
b. On November 15, 1999, to transfer 2% from Area B to Area A and
3% from Area C to Area B;
c. On January 20, 2000, to transfer 1% from Area C to Area A, and
5.1% from Area B to Area A.
38
(Memorando de Sharm el-Sheikh, §
2.)
38
“O lado israelense encarrega-se do seguinte, com relação à fase um e fase dois das redisposições
adicionais: a. em 5 de setembro de 1999, transferir 7% da Área C para Área B; b. em 15 de novembro de
1999, transferir 2% da Área B para Área A e 3% da Área C para Área B; c. em 20 de janeiro de 2000,
transferir 1% da Área C para Área A e 5.1% da Área B para Área A.” (Tradução livre da autora.)
O Caminho para Oslo \
105
O Caminho para Oslo \
106
Em comparação com o memorando anterior, a transferência de território sob controle
israelense (área C) para a jurisdição palestina (área A) mantinha-se a mesma, um por
cento do território da Cisjordânia. Contudo, o percentual de território da área B que
também deveria passar para a jurisdição palestina caía de 14.2 por cento para 7.1 por
cento, metade do previsto no Memorando de Wye River. Portanto, os palestinos
incorporariam apenas 8.1 por cento a mais aos territórios sob sua jurisdição, e não mais
15.2 por cento, conforme resultaria do cronograma anterior. No final das contas, Israel
continuaria com 60 por cento dos territórios ocupados sob seu controle exclusivo,
abrindo mão apenas dos mesmos 13 por cento determinados em Wye River e
conseguindo, ainda, diminuir o total dos territórios que efetivamente passariam para a
jurisdição palestina exclusiva (área A) – conforme dito acima. E note-se bem que Israel
abriria mão, de fato, de apenas um por cento da área sob seu controle (área C); pois os
demais 12 por cento passariam a área de controle conjunto com os palestinos (área B).
Quanto à segurança, Sharm el-Sheikh reiterava a necessidade de medidas tendentes a
controlar “qualquer incidente envolvendo uma ameaça ou ato de terror, violência ou
incitamento” que ameaçasse a ordem geral e o andamento das negociações, conforme
sobressai do § 8 do memorando:
a. The two Sides will, in accordance with the prior agreements, act to
ensure the immediate, efficient and effective handling of any incident
involving a threat or act of terrorism, violence or incitement, whether
committed by Palestinians or Israelis. To this end, they will cooperate
in the exchange of information and coordinate policies and activities.
Each side shall immediately and effectively respond to the occurrence
or anticipated occurrence of an act of terrorism, violence or incitement
and shall take all necessary measures to prevent such an occurrence;
b. Pursuant to the prior agreements, the Palestinian side undertakes to
implement its responsibilities for security, security cooperation, on-
going obligations and other issues emanating from the prior
agreements, including, in particular, the following obligations
emanating from the Wye River Memorandum:
1. continuation of the program for the collection of the illegal
weapons, including reports;
2. apprehension of suspects, including reports;
3. forwarding of the list of Palestinian policemen to the Israeli Side
not later than September 13, 1999;
O Caminho para Oslo \
107
4. beginning of the review of the list by the Monitoring and Steering
Committee not later than October 15, 1999.
39
39
“a. Os dois lados agirão, conforme os acordos anteriores, para garantir o imediato e eficiente manejo de
qualquer incidente envolvendo uma ameaça ou ato de terrorismo, violência ou incitamento, seja cometido
por palestinos ou israelenses. Para esse fim, eles cooperarão na troca de informação e em políticas e
atividades coordenadas. Cada lado responderá imediatamente à ocorrência ou ocorrência prevista de um
ato de terrorismo, violência ou incitamento e tomará todas as medidas necessárias para prevenir tal
ocorrência. b. Conforme os acordos anteriores, o lado palestino compromete-se a cumprir suas
responsabilidades pela segurança, cooperação em segurança, obrigações correntes e outras questões
procedentes dos acordos anteriores, incluindo, em particular, as seguintes obrigações decorrentes do
Memorando de Wye River: 1. continuação do programa para apreensão de armas ilegais, incluindo
relatórios; 2. prisão de suspeitos, incluindo relatórios; 3. expedição da lista de policiais palestinos para o
lado israelense o mais tardar em 13 de setembro de 1999; 4. início da revisão da lista pelo Comitê de
Monitorização e Direção o mais tardar em 15 de outubro de 1999.” (Tradução livre da autora.)
O fim do processo de Oslo \
108
O FIM DO PROCESSO DE PAZ DE OSLO
As negociações sobre o estatuo final deveriam ter começado em meados de 1996, mas
só entraram em cena em julho de 2000, durante a Cúpula de Camp David, e após o mau
êxito alcançado pela tentativa precedente, o Memorando de Sharm el-Sheikh, do ano
anterior, bem como de todos os acordos anteriores, através dos quais teria sido
concedido à Autoridade Palestina o controle direto ou parcial sobre cerca de 40 por
cento da Cisjordânia e 65 por cento da Faixa de gaza, por meio de uma série de retiradas
parciais de Israel, penosamente negociadas.
Até a Cúpula de Camp David, Israel vinha se recusando a comprometer-se com
quaisquer das principais demandas nacionais palestinas – primordialmente, a liberação
dos territórios ocupados, o fim dos assentamentos, o retorno dos refugiados e o status de
Jerusalém – que visavam à criação de um Estado independente. Os palestinos, por sua
vez, fizeram grandes concessões às demandas de Israel já no início do processo de Oslo:
reconheceram o direito desse Estado sobre 78 por cento da Palestina mandatária e
concordaram em abandonar a luta armada. Em contrapartida, os palestinos esperavam
que Israel assumisse alguma responsabilidade pela questão dos refugiados e
reconhecesse também o direito palestino a um Estado soberano nos 22 por cento
restantes daquele território – Faixa de Gaza e Cisjordânia, incluindo Jerusalém oriental
–, conforme determinava o plano de partilha traçado pela Resolução N. 181, do
Conselho de Segurança da ONU. Entretanto, com o respaldo norte-americano, Israel
recusou-se sistematicamente a codificar, nos acordos, qualquer garantia às expectativas
palestinas.
1. O FRACASSO DA CÚPULA DE CAMP DAVID
Durante a Cúpula de Camp David, houve, portanto, pouca disputa sobre a criação de um
Estado palestino; a verdadeira discussão só podia girar em torno do nível de controle
que Israel exerceria sobre os territórios palestinos e sua limitada autonomia, bem como
O fim do processo de Oslo \
109
sobre a resolução das questões cruciais sobre os assentamentos, os refugiados e a cidade
de Jerusalém. Israel chegava a Camp David com um grande poder de barganha sobre os
palestinos, pois detinha todos os trunfos daquelas questões sob seu controle, já que
havia transgredido as cláusulas do Acordo Provisório
1
que impediam a criação de fatos
novos, no campo prático, que favorecessem a uma das partes na fase final de
negociações.
From 1992 to 1996, when the Labor-Meretz
2
government was in
office, the West Bank settler population expanded by 39 percent to
145.000. Only 16 percent of this growth was due to natural increase.
The government constructed a vast network of bypass roads to provide
easy access to the settlements preparing the way for annexing several
large settlement blocs. In East Jerusalem, the Jewish population grew
by 25.000 to over 170.000, and the government authorized completion
of 10.000 subsidized housing units began under the previus Likud
regime. In violation of international law and Oslo’s principles Yitzhak
Rabin and Shimon Peres reaffirmed Israel’s annexation of East
Jerusalem.
3
(BEININ: 1999.)
Israel é o poder econômico e militar dominante no Oriente Médio e, além do mais, seu
poder é realçado por sua aliança com os Estados Unidos. De fato, após sete anos de
negociações, o balanço de poder continuava a seu favor. Os compromissos palestinos –
renúncia à violência e reconhecimento total de Israel – foram consignados na troca de
correspondência entre Arafat e Rabin, antes mesmo da assinatura da Declaração de
1
Segundo o artigo XXXI, §§ 7 e 8, do Acordo Provisório: “Neither side shall initiate or take any step that
will change the status of the West Bank and the Gaza Strip pending the outcome of the permanent status
negotiations. The two Parties view the West Bank and the Gaza Strip as a single territorial unit, the
integrity and status of which will be preserved during the interim period.” / “Nenhum lado iniciará ou
dará qualquer passo que mude o status da Cisjordânia e da Faixa de Gaza até as negociações sobre o
status permanente. Os dois lados vêem a Cisjordânia e a Faixa de Gaza como uma única unidade
territorial, cuja integridade e status serão preservados durante o período provisório.” (Tradução livre da
autora.)
2
Partido de extrema-esquerda, formado nos anos 1990, pela união de três facções menores: o movimento
Shulamit Aloni de direitos humano; o partido liberal radical Shinui (“mudança”); e o partido socialista
Mapam (“Partido dos Trabalhadores Unidos”) Meretz significa “energia” em hebraico, mas também é um
acrônimo das três facções de que o partido era composto (PAPPE: 2004, p. 224).
3
“De 1992 a 1996, quando o governo Trabalhista-Merezt
3
estava no comando, a população de colonos da
Cisjordânia cresceu em 39 por cento, para 145 mil. Apenas 16 por cento desse aumento deveu-se a
crescimento natural. O governo construiu uma vasta rede de estradas secundárias para promover acesso
fácil aos assentamentos, preparando o caminho para anexar vários blocos extensos de assentamentos. Em
Jerusalém oriental, a população judaica aumentou de 22 mil para mais de 170 mil e o governo autorizou a
conclusão de 10 mil construções subsidiadas de casas, iniciadas sob o regime anterior do Likud. Em
violação à lei internacional e aos princípios de Oslo, Rabin e Shimon Peres reafirmaram a anexação de
Jerusalém oriental a Israel.” (Tradução livre da autora.)
O fim do processo de Oslo \
110
Princípios; ao passo que Israel fez suas concessões – fim da ocupação militar,
transferência de poderes e autonomia civil – gradualmente e de forma incompleta,
sempre sujeitas à sua interpretação unilateral. Durante o período provisório do processo
de Oslo, as diferenças entre as partes foram repetidamente resolvidas por imposição
categórica de Israel – ou dos Estados Unidos –, seguida de queixas palestinas, mas
invariavelmente acatada pela Autoridade Palestina, como foi o caso notório do
Protocolo de Hebron.
Under pressure from the Palestinians residents of Hebron not to sign
an agreement that would give 450 Israeli settlers encamped in the
center of town separate rights and an army to guard them, Yasir Araft
theatrically pulled out of his eleventh-hour meeting with Shimon
Peres. “We are not slaves!” Arafat shouted. Moments latter he was
reached on the telephone by Dennis Ross, the U.S. State
Departament’s “coordinator” in charge of the Middle East peace
process. “If you don’t sign now,” Ross was reported to have said,
“you don’t get the $ 100 million” – a reference to America’s early
pledge toward Palestinian development projects in the West Bank.
4
(SAID: 1996, p. 147.)
Parte da resignação palestina aos termos impostos por Israel e Estados Unidos
certamente foi devida à sua posição como o pólo mais fraco na disputa com aquele
poderoso Estado e seu aliado histórico, para os quais pendia o equilíbrio de poder em
toda essa questão. Outra parte decorreu, ainda, da falta de qualquer mecanismo de
compensação para esse desequilíbrio fundamental, no que diz respeito à forma como
deveriam ser resolvidas as disputas suscitadas ao longo do processo de paz e as
infrações cometidas. Segundo os acordos, as diferenças que não fossem resolvidas pelo
Comitê Conjunto Israelo-Palestino poderiam ser decididas “por um mecanismo de
conciliação a ser combinado entre as partes” (Declaração de Princípios, artigos X e XV;
Acordo Provisório, artigo XXI) ou por arbitragem, se o primeiro recurso falhasse, mas,
em nenhum dos casos, pelo uso de sanções.
4
“Sob pressão dos residentes palestinos de Hebron para não assinar um acordo que daria a 450 colonos
israelenses, encampados no centro da cidade, direitos separados e um exército para guardá-los, Yasser
Arafat teatralmente saiu de sua reunião de 11 horas com Shimon Peres. ‘We are not slaves!’, gritou
Arafat. Momentos depois, ele foi contatado, pelo telefone, por Dennis Ross, ‘coordenador’ do
Departamento de Estado dos Estados Unidos, encarregado do processo de paz do Oriente Médio. ‘Se você
não assinar agora’, Ross teria dito, ‘você não recebe os $ 100 milhões’ – uma referência à caução anual
dos Estados Unidos para projetos palestinos de desenvolvimento na Cisjordânia.” (Tradução livre da
autora.)
O fim do processo de Oslo \
111
Contudo, o desequilíbrio de poder entre as partes não explica, por si só, a atitude
resignada dos negociadores palestinos na assinatura dos sucessivos acordos. É preciso
compreender o dilema em que se encontravam as lideranças palestinas à frente do
processo de Oslo para entender como essas negociações puderam se estender, durante
sete anos, até o fracasso da Cúpula de Camp David.
Foi dito no capítulo anterior que, quando os Estados Unidos acenaram com a
possibilidade de um processo de paz na região do Oriente Médio, entre os países árabes
e Israel e entre este os palestinos, não apenas o cenário internacional apresentava-se
propício para iniciativas que tais, como a OLP encontrava-se enfraquecida, pelo
resultado de uma série de eventos desfavoráveis. A genialidade da mediação norte-
americana foi oferecer a uma organização falida, cindida e isolada a oportunidade de
escolher entre a marginalidade completa e a chance de participar de um processo de paz
que a colocaria como autoridade municipal em uma parcela dos territórios ocupados,
com sua própria força policial e autonomia para assumir algumas responsabilidades
civis. Depois de conseguir forjar uma unidade entre os palestinos da diáspora, os dos
territórios ocupados e os cidadãos de Israel (SAID: 1996, p. 156), e depois de alcançar o
reconhecimento internacional, a OLP, ao assinar a Declaração de Princípios,
indiretamente aceitava transformar os territórios ocupados em territórios em disputa,
aceitando, assim, colocar em discussão o direito palestino à soberania dos mesmos e o
direito de retorno dos refugiados à Palestina, na esperança de que, ao final de todo o
processo, Israel liberasse boa parte da Palestina ocupada em 1967 e reconhecesse um
Estado palestino soberano e igual.
Abrindo mão dos princípios estabelecidos pela lei internacional, Arafat aceitou o
simples reconhecimento nominal das resoluções 242 e 338 das Nações Unidas, que
exigiam a retirada de Israel dos territórios ocupados até as linhas anteriores a 1967, e
deixou que outras resoluções – reconhecendo o direito palestino a um Estado,
censurando as anexações irregulares em Jerusalém oriental, afirmando o direito de
retorno dos refugiados e condenando ações ilegais de Israel na Cisjordânia e na Faixa de
Gaza – fossem ignoradas, assim como a própria Autoridade Palestina concorreu para a
violação desses princípios relevantes do direito internacional.
O fim do processo de Oslo \
112
Até a Cúpula de Camp David, a oposição palestina aos acordos fora controlada pelo
recurso a duras medidas de segurança, tribunais militares, julgamentos sumários,
perseguições, torturas e outras táticas repressivas adotadas pela Autoridade Palestina
contra a população, com o pretexto de manter a ordem interna nos territórios e evitar
que atos hostis contra Israel pudessem prejudicar a evolução do processo de paz, mas
visando também preservar sua própria autoridade, desgastada pelas denúncias de
corrupção alimentadas pela falta de transparência e autoritarismo de sua administração.
Having effectively dismembered the PLO – the only organization that
Palestinians throughout the Diaspora have had to represent their
national aspirations – Arafat now surrounds himself with a formidable
network of hangers-on, sycophants commission agents, spies, and
informers (...) The total number of people employed directly by Arafat
for the PA is estimated at 48.000; this includes the 19.000 polices plus
about 29.000 members of the civil administration. Whatever money
Arafat gets from donors (about $ 10 million a month), local taxes and
taxes collected for him by the Israelis (a total of nearly $ 30 million a
month) is all he has to spend. Little is left over for improving sewage,
health services, or employment.
5
(SAID: 1996, p. 157-158.)
A Autoridade Palestina, sob a liderança de Arafat, colocava-se, assim, em uma situação
difícil de sustentar: sob pressão de Israel e dos Estados Unidos, via-se forçada a entrar
numa lógica exclusivamente securitária, que assegurava seu poder local, mas, por outro
lado, a impelida a tomar medidas que diminuíam seu apoio popular. À media que se
aproximavam as negociações sobre o status final, tornava-se mais patente aos olhos
dessa população que as promessas feitas por seus líderes dificilmente seriam cumpridas.
A margem de manobra para os negociadores palestinos no campo doméstico era,
portanto, inversamente proporcional ao poder de barganha de Israel em Camp David.
Para a Autoridade Palestina, a cúpula era uma armadilha e um dilema: enquanto Israel
detinha o poder e o respaldo norte-americano para ditar os termos de um acordo final,
5
“Tendo efetivamente desmantelado a OLP – a única organização que os palestinos de toda a diáspora
tinham para representar suas aspirações nacionais Arafat agora cerca a si mesmo com uma formidável
rede de sequazes, bajuladores, agentes comissionados, espiões e informantes (...) O número total de
pessoas empregadas diretamente por Arafat para a AP é estimado em 48.000; isso inclui os 19.000
policiais, mais cerca de 29.000 membros da administração civil. Todo o dinheiro que Arafat recebe de
doadores (cerca de $ 10 milhões por mês), impostos locais e impostos recolhidos para ele pelos
israelenses (um total próximo a $ 30 milhões por mês) é tudo o que ele tem para gastar. Pouco é deixado
para melhorar o saneamento, os serviços de saúde ou emprego.” (Tradução livre da autora.)
O fim do processo de Oslo \
113
Arafat não poderia continuar satisfazendo as demandas israelenses sem pôr em xeque a
legitimidade de sua própria liderança (NORMAND: 2000); assinar ou não o acordo
significava escolher entre a perda de sua legitimidade perante os palestinos – pela
aceitação de um acordo que repudiava suas principais demandas – ou a perda do
reconhecimento norte-americano e um provável retorno à condição de marginalidade no
meio internacional – optando pela continuação da resistência.
Em ambos os cenários, as perspectivas não eram boas para os palestinos. Entretanto,
diante das ofertas – supostamente vantajosas – feitas por Barak em Camp David, Arafat
não tinha outra escolha senão recusar o acordo.
Ao convite do presidente norte-americano para concluir as negociações sobre o atrasado
acordo final, o primeiro ministro israelense, Ehud Barak, deixou claras suas “linhas
vermelhas”: Israel não retornaria às fronteiras anteriores a 1967; não abriria mão da
soberania exclusiva sobre Jerusalém; e não permitiria o retorno dos refugiados
palestinos, sobre os quais também não assumiria responsabilidades morais ou legais. Na
questão da terra e das fronteiras, os assentamentos menores seriam desfeitos e os
colonos israelenses voltariam a seu país, mas os palestinos deveriam aceitar a anexação,
por Israel, dos principais assentamentos, incluindo uma população de 200 mil colonos
alocados na porção central da Cisjordânia, correspondente a cinco por cento de um
futuro Estado palestino (HALPER: 2001). Israel propunha-se a devolver aos palestinos
entre 90 e 95 por cento daquele território – proposta que foi considerada, por muitos,
como generosa. Mas esse elevado percentual não se referia a toda a Palestina, e sim a 95
por cento dos 22 por cento previstos no plano de partilha da ONU para o Estado
palestino e que foram ocupados por Israel em 1967. Considerando-se, ainda, que desses
22 por cento foram excluídas as áreas colocadas sob controle israelense e as áreas de
reserva natural temporária do vale do rio Jordão, o território da Cisjordânia a ser
devolvido aos palestinos cairia dos 95 por cento oferecidos a pouco mais de 60 por
cento, como bem demonstra o mapa na página seguinte, apresentado por Israel durante a
Cúpula de Camp David.
O fim do processo de Oslo \
114
O fim do processo de Oslo \
115
And when we look at that 50-60 percent in terms of former Palestine,
it amounts to about 12 percent of the land from wich the Palestinians
were driven in 1948. The Israelis talk of “conceding” these territories.
But they were taken by conquest and, in a strict sense Brak’s offer
would only mean that they were being returned, by no means in their
entirety.
6
(SAID: 2000, p. 32.)
Mas, se havia alguma chance de aceitação pela Autoridade Palestina dessa divisão
territorial – já esboçada e aprovada nos acordos anteriores –, por outro lado, a distância
entre as duas partes quanto à Jerusalém e ao problema dos refugiados mostrou-se de
difícil conciliação, tornando impossível que se chegasse a um acordo na Cúpula de
Camp David.
Embora ambos tenham aceitado quebrar o tabu sobre o caráter negociável de Jerusalém,
a insistência de Israel em manter sua soberania sobre toda a cidade, inclusive em
Jerusalém oriental, onde alguns bairros árabes seriam colocados sob administração
autônoma dos palestinos, era proposta inaceitável para os palestinos, que esperavam
uma fórmula mínima para administração conjunta e divisão da soberania sobre a cidade
– cujos limites Israel havia expandido (1967) e anexado (1980), para promover
sistematicamente o crescimento de bairros judeus e novos assentamentos, alterando
completamente a geografia e os contornos históricos da cidade escolhida como sua
capital “eterna e indivisível”. Ao invés de desocupar Jerusalém oriental, conforme
estabelece a Resolução N. 242, Israel propunha expandir os limites da cidade para
incluir povoações adjacentes e, então, dividi-la com os Palestinos, que fariam dos novos
bairros incorporados sua capital, chamando-a Jerusalém oriental (BISHARA: 2000).
A mesma tática foi usada para a solução do problema dos refugiados, que também
parecia calculada para servir aos interesses israelenses. Israel propunha-se a fazer uma
“generosa contribuição” para um fundo internacional de compensação para os
refugiados impedidos de voltar – mais de 3.6 milhões, segundo os registros oficiais da
época (BISHARA: 2000) – e concordava com o retorno de outros 100 mil refugiados,
6
“E quando nós olhamos para os 50-60 por cento em relação à antiga Palestina, isso corresponde a cerca
de 12 por cento da terra de onde os palestinos foram expulsos em 1948. Os israelenses falam em
‘conceder’ esses territórios. Mas eles foram tomados por conquista e, num sentido exato, a oferta de
Barak só poderia significar que eles estavam sendo devolvidos, de maneira alguma em sua totalidade.”
(Tradução livre da autora.)
O fim do processo de Oslo \
116
sob o título de “reunificação familiar” (BEININ: 2000), repatriados para a Palestina e,
um pequeno número, para Israel. Mas, em hipótese alguma, reconheceria seu papel
ativo na criação do problema dos refugiados palestinos, hoje, a maior e mais antiga
destas populações em todo o mundo (SAID: 2003, p. 361).
Como resultado dessas posições destoantes, as negociações sobre o status permanente
da Palestina na Cúpula de Camp David terminaram em um impasse e não produziram
qualquer acordo sobre as questões postas em discussão, mas tão-somente uma
declaração trilateral, divulgada à imprensa através da Secretaria de Imprensa da Casa
Branca, em 25 de julho de 2000.
Between July 11 and 24, under the auspices of President Clinton,
Prime Minister Barak and Chairman Arafat met at Camp David in an
effort to reach an agreement on permanent status. While they were not
able to bridge the gaps and reach an agreement, their negotiations
were unprecedented in both scope and detail. Building on the progress
achieved at Camp David, the two leaders agreed on the following
principles to guide their negotiations:
1) The two sides agreed that the aim of their negotiations is to put an
end to decades of conflict and achieve a just and lasting peace.
2) The two sides commit themselves to continue their efforts to
conclude an agreement on all permanent status issues as soon as
possible.
3) Both sides agree that negotiations based on UN Security Council
Resolutions 242 and 338 are the only way to achieve such an
agreement and they undertake to create an environment for
negotiations free from pressure, intimidation and threats of violence.
4) The two sides understand the importance of avoiding unilateral
actions that prejudge the outcome of negotiations and that their
differences will be resolved only by good faith negotiations.
5) Both sides agree that the United States remains a vital partner in the
search for peace and will continue to consult closely with President
Clinton and Secretary Albright in the period ahead.
7
7
“Entre 11 e 24 de julho, sob os auspícios do presidente Clinton, o primeiro-ministro Barak e o
presidente Arafat encontraram-se em Camp David, num esforço para alcançar um acordo sobre o status
permanente. Embora eles não tenham sido capazes de superar os obstáculos e chegar a um acordo, suas
negociações foram sem precedentes tanto em escopo quanto em detalhe. Baseados no progresso atingido
em Camp David, os dois líderes concordaram com os seguintes princípios para guiar suas negociações: 1)
Os dois lados concordam que o objetivo de suas negociações é pôr fim a décadas de conflito e atingir uma
paz justa e duradoura. 2) Os dois lados comprometem-se a continuar seus esforços para concluir um
acordo sobre todas as questões do status permanente o mais rápido possível. 3) Os dois lados concordam
que negociações baseadas nas Resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança da ONU são o único meio
O fim do processo de Oslo \
117
Apesar de afirmar o progresso alcançado pelas negociações empreendidas durante a
cúpula, “sem precedentes em escopo e detalhes”, a declaração não acrescentava
novidades aos termos dos acordos anteriores. O fim primeiro era acabar com o conflito,
mas não através da solução das questões principais, que vêm em segundo lugar, mas,
antes, pela suspensão da guerra de atritos e o controle da violência em campo. A
referência nominal às Resoluções N. 242 e 338 do Conselho de Segurança da ONU era
reiterada, assim como o papel norte-americano como mediador entre as partes. No
entanto, o recurso aos princípios do direito internacional que asseguram os direitos
nacionais palestinos foi omitido, assim como as demais resoluções da ONU – que
também constituem princípios geralmente aceitos em matéria de direito internacional –
e, notadamente, a menção a um futuro Estado palestino independente.
Arafat optou por não assinar um acordo que ele certamente não conseguiria fazer passar
pela aprovação palestina e deixou Camp David com seu prestígio revigorado por não ter
se rendido à pressão israelense e norte-americana. Barak, por sua vez, retornou a Israel
para enfrentar uma crise política em seu governo, atacado por colonos radicais e aliados,
para quem, de fato, ele teria ido muito além do previsto.
2. NOVAS TENTATIVAS DE RETOMAR AS NEGOCIAÇÕES
O fracasso de Camp David foi acompanhado de uma nova explosão de violência,
quando, em 28 de setembro do mesmo ano, a visita de Ariel Sharon à esplanada da
mesquita de Al-Aqsa, cercado de soldados israelenses, provocou outro levante
palestino, duramente repreendido por Israel. As razões da revolta, contudo, eram
anteriores a esse episódio isolado de demonstração de poder. Ela foi uma catarse de
desânimo e raiva contra anos de expropriação, exploração e molestamentos sem fim,
para atingir tal acordo e obrigam-se a criar um ambiente para negociações livre de pressão, intimidação
ou ameaças de violência. 4) Os dois lados entendem a importância de evitar ações unilaterais que
prejulguem o resultado das negociações e que suas diferenças serão resolvidas apenas por negociações de
boa-fé. 5) Ambos os lados concordam que os Estados Unidos continuam como um parceiro vital na busca
pela paz e continuarão a aconselhar-se junto ao presidente Clinton e à secretária Albright no período
adiante.” (Tradução livre da autora.)
O fim do processo de Oslo \
118
alimentados por uma crescente frustração com um processo de paz que não teve êxito
em pôr fim à prolongada ocupação israelense.
Como resultado, recomeçaram os confrontos entre palestinos e israelenses e,
conseqüentemente, boa parte da Faixa de Gaza e da Cisjordânia voltaram ao controle de
Israel. Porém, mesmo antes da eclosão dessa revolta, tornara-se claro para muitos
palestinos e israelenses que os acordos de paz da década anterior estavam condenados a
falhar: uns identificavam o processo de Oslo como mais uma forma de ocupação e
outros acreditavam que ele não garantia sua segurança (PAPPE: 2004, p. 254).
The New Intifada began as popular revolt by Palestinians against the
continuing and deepening Israeli occupation. But it is also an
expression of popular rejection of the severe flaws in the Oslo
agreements.
(...) It was a restatement of the unity amongst all Palestinians – those
under occpuation, those within 1948 Palestine, and those in exile. It is
the reaffirmation of the dignity of the Palestinian people, and of their
willingness to confront and resist the occupier as long as the occupier
shows no sings of recognizing their rights and ending the occupation.
8
(ABUNIMAH: 2001.)
O receio de que o acirramento dos choques entre Israel e os palestinos alcançasse níveis
incompatíveis com a continuação do processo de paz – que, afinal não havia sido
abandonado – deu ensejo a novas tentativas de retomar as negociações, apesar da
postura nitidamente mais aguerrida do novo governo israelense, liderado por Ariel
Sharon, que sucedeu o criticado governo de Barak nas eleições de fevereiro de 2001.
Em 27 de janeiro de 2001, após uma nova rodada de seis dias de negociação em Taba,
outra declaração conjunta reafirmava o desejo das partes de “atingir um acordo
permanente e estável” e que elas “nunca estiveram tão próximas” desse objetivo. A
declaração tinha o claro propósito de restabelecer a confiança mútua e recolocar o
processo em andamento “na primeira oportunidade prática”. Pela primeira vez, embora
8
“A Nova Intifada começou como uma revolta popular dos palestinos contra a continuação e
aprofundamento da ocupação israelense. Mas é também uma expressão da rejeição popular às severas
falhas nos acordos de Oslo. (...) Ela foi uma reafirmação da unidade entre todos os palestinos – aqueles
sob ocupação, aqueles dentro da Palestina de 1948 e aqueles no exílio. É a reafirmação da dignidade do
povo palestino e de sua vontade de confrontar e resistir a seu ocupante enquanto o ocupante não der sinais
de reconhecer os seus direitos e acabar com a ocupação.” (Tradução livre da autora.)
O fim do processo de Oslo \
119
de forma esquiva, fazia-se uso da expressão “nacional” em referência às “necessidades”
– mas não aos direitos – palestinos.
The Taba talks were unprecedent in their positive atmosphere and
expression of mutual willingness to meet the national, security and
existencial needs of each side.
(...)
The negotiation teams discussed four main themes: refugees, security,
borders and Jerusalem, with a goal to reach a permanent agreement
that will bring an end to the conflict between them and provide peace
to both people.
(...)
On all these issues there was substantial progress in the understanding
of the other side’s positions and in some of them the two sides grew
closer.
9
Em campo, contudo, crescia a guerra de atritos, assim como a pressão sobre a
diplomacia norte-americana para que retomasse o controle sobre o conflito. A resposta
foi a formação de um comitê de investigação para averiguar as problemas que, de cada
lado, impediam a retomada das negociações. O relatório final desse comitê – conhecido
como Relatório Mitchell –, apresentado em 30 de abril de 2001, teve o mérito de
endossar a idéia de criar um Estado palestino; mas, em todo o resto, tomando por base o
Memorando de Sharm el-Sheikh, dedicou-se principalmente a questões securitárias,
donde resultaram as recomendações nele feitas no sentido de se adotar medidas de
segurança para restabelecer a confiança entre as partes e pôr fim à violência, visando
retomar as negociações sem demora.
The Government of Israel (GOI) and the Palestinian Authority (PA)
must act swiftly and decisively to halt the violence. Their immediate
9
“As conversações de Taba foram sem precedentes em sua atmosfera positiva e expressão de disposição
para satisfazer as necessidades nacionais, de segurança e existenciais de cada parte. (...) As equipes de
negociação discutiram quatro temas principais: refugiados, segurança, fronteiras e Jerusalém, com o
objetivo de alcançar um acordo permanente que colocará fim ao conflito entre elas e proverá paz aos dois
povos. (...) Em todas essas questões, houve substancial progresso na compreensão dos pontos de vista da
outra parte e, em algumas delas, as duas partes aproximaram-se.” (Tradução livre da autora.)
O fim do processo de Oslo \
120
objectives then should be to rebuild confidence and resume
negotiations.
10
Segundo o relatório, as perspectivas palestina e israelense no processo de paz entravam
em choque uma com a outra:
For the Palestinian side, "Madrid" and "Oslo" heralded the prospect of
a State, and guaranteed an end to the occupation and a resolution of
outstanding matters within an agreed time frame. Palestinians are
genuinely angry at the continued growth of settlements and at their
daily experiences of humiliation and disruption as a result of Israel's
presence in the Palestinian territories. Palestinians see settlers and
settlements in their midst not only as violating the spirit of the Oslo
process, but also as an application of force in the form of Israel's
overwhelming military superiority, which sustains and protects the
settlements.
(...)
From the GOI perspective, the expansion of settlement activity and
the taking of measures to facilitate the convenience and safety of
settlers do not prejudice the outcome of permanent status negotiations.
(...)
Indeed, Israelis point out that at the Camp David summit and during
subsequent talks the GOI offered to make significant concessions with
respect to settlements in the context of an overall agreement.
Security, however, is the key GOI concern. The GOI maintains that
the PLO has breached its solemn commitments by continuing the use
of violence in the pursuit of political objectives. "Israel's principal
concern in the peace process has been security. This issue is of
overriding importance... Security is not something on which Israel will
bargain or compromise (...)”.
11
10
“O governo de Israel e a Autoridade Palestina devem agir rapidamente e decididamente para impedir a
violência. Seus objetivos imediatos, então, devem ser reconstruir a confiança e retomar as negociações.”
(Tradução livre da autora.)
11
“Para o lado palestino, ‘Madri’ e ‘Oslo’ anunciavam a perspectiva de um Estado e garantiam um fim
para a ocupação e a resolução de questões pendentes, dentro de um quadro temporal combinado.
Palestinos estão realmente furiosos com o crescimento contínuo dos assentamentos e com suas
experiências diárias de humilhação e fragmentação, que resultam da presença de Israel nos territórios
palestinos. Os palestinos vêem os colonos e os assentamentos em meio a eles não só como violação do
espírito do processo de Oslo, mas também como um emprego de força na forma de esmagadora
superioridade militar de Israel, que assiste e protege os colonos. (...) Na perspectiva do governo de Israel,
a expansão da atividade de assentamento e a tomada de medidas para facilitar a comodidade e proteção
dos colonos não prejudica o resultado das negociações do status permanente. (...) De fato, os israelenses
destacam que, na cúpula de Camp David e durante conversações subseqüentes, o governo de Israel propôs
fazer concessões significativas em relação aos assentamentos, no contexto de um acordo geral.
Segurança, entretanto, é a preocupação chave do governo de Israel. O governo de Israel afirma que a OLP
O fim do processo de Oslo \
121
E concluindo que o tipo de cooperação, em matéria de segurança, desejada por Israel era
incompatível com a existência dos assentamentos, recomendava o relatório que as
Forças de Defesa Israelenses considerassem recuar suas posições para as linhas
anteriores a 28 de setembro de 2000, para reduzir os pontos de atrito e a possibilidade
de confrontações violentas.
The IDF should consider withdrawing to positions held before
September 28, 2000 which will reduce the number of friction points
and the potential for violent confrontations.
12
Seguindo a mesma lógica de segurança, o Plano Tenet, lançado em 14 de junho de
2001, recomendava que a Autoridade Palestina fosse mais rigorosa no combate a ações
hostis e reafirmava a necessidade de Israel recuar suas forças de volta às posições
anteriores a 28 de setembro, já indicada no Relatório Mitchell. A premissa básica do
plano era que as duas partes se comprometessem com o cessar-fogo e tomassem as
medidas recomendadas no plano para “restabelecer a cooperação em segurança e a
situação no campo prático conforme existiam antes de 28 de setembro”.
The PA will move immediately to apprehend, question, and
incarcerate terrorists in the West Bank and Gaza and will provide the
security committee the names of those arrested as soon as they are
apprehended, as well as a readout of actions taken.
In keeping with Israel's unilateral cease-fire declaration, Israeli forces
will not conduct "proactive" security operations in areas under the
control of the PA or attack against innocent civilian targets.
13
Tanto o Relatório Mitchell quanto o Plano Tenet viam o conflito e o acirramento das
tensões naquele momento como uma crise de segurança, ao invés de uma crise política
quebrou seus compromissos solenes ao continuar usando de violência na busca de objetivos políticos. ‘A
preocupação principal de Israel no processo de paz tem sido a segurança. Essa questão é de importância
dominante... Segurança não é algo com que Israel irá barganhar ou fazer concessões’ (...)” (Tradução livre
da autora.)
12
“As Forças de Defesa de Israel devem considerar a retirada para posições ocupadas antes de 28 de
setembro de 2000, o que reduzirá o número de pontos de atrito e o potencial para confrontações
violentas”. (Tradução livre da autora.)
13
“A Autoridade Palestina agirá imediatamente para prender, interrogar e encarcerar terroristas na
Cisjordânia e na Faixa de Gaza e fornecerá ao comitê de segurança os nomes dos detidos tão logo sejam
presos, bem como uma leitura das ações realizadas. Ao manter o cessar-fogo unilateral de Israel, as forças
israelenses não conduzirão operações de segurança “pró-ativas” em áreas sob controle da AP ou ataques
contra alvos civis inocentes.” (Tradução livre da autora.)
O fim do processo de Oslo \
122
maior, que exigia uma solução política. O cerne da questão era a falta de perspectiva de
solução próxima para o problema da ocupação dos territórios, alvo da disputa entre
Israel e os palestinos, foco e palco principal de toda violência entre uma e outra parte.
3. O MAPA DO CAMINHO
As tentativas posteriores a Camp David para retomada do processo de paz foram, em
boa medida, motivadas pela intifada e refletiram, portanto, uma clara preocupação com
o fim imediato da escalada de violência então desencadeada. Mas não conseguiram
atingir esse fim, sobretudo porque insistiram na mesma estratégia adotada pelos acordos
precedentes; estratégia essa que estava na origem mesma de toda a revolta. Os conflitos
não cederam e a violência prosseguiu, embora com intensidade cada vez menor, à
sombra dos eventos observados a partir do 11 de Setembro.
O atentado às Torres Gêmeas foi o ponto de inflexão mais importante do sistema
internacional no período pós-Guerra Fria (ALVES: 2007), ao lado da segunda Guerra
do Golfo. Ele foi responsável pela mudança estratégica verificada na política externa da
única grande potência sobrevivente à Guerra Fria. Os Estados Unidos, sob o governo
neoconservador de George W. Bush, abandonaram a tendência que vinham seguindo de
adesão ao internacionalismo multilateral e exercício do soft power, caracterizada pela
valorização das instituições internacionais e da cooperação preferencialmente ao poder
militar, para assumir uma hegemonia menos restritiva e mais ofensiva, abandonando a
premissa da contenção em favor da ação preventiva: identificadas ameaças à sua
segurança e ao status quo internacional, o país reservava-se o direito de intervir
unilateralmente.
Para os neocons, eram prioridades a extensão do poder, a ampliação
da margem de manobra (sem o constrangimento de alianças e tratados
permanentes, em uma ação unilateral e até isolacionista), a mudança
de regime em sociedades hostis, a restrição à influência de potências
regionais e o reposicionamento estratégico na Eurásia (ocupando
espaços do antigo regime soviético e obtendo recursos para diminuir a
vulnerabilidade energética). (PECEQUILO: 2007, p. 4.)
O fim do processo de Oslo \
123
As intervenções realizadas pela superpotência solitária no Afeganistão (outubro/2001) e
no Iraque (março/2003), sob a justificativa da guerra contra o terrorismo, foram frutos
dessa reorientação estratégica da política externa norte-americana. Durante esse
período, a Questão Palestina foi novamente preterida entre as prioridades da agenda
externa dos Estados Unidos, seu mediador tradicional; o que contribuiu para a
estagnação do processo de paz e o engavetamento dos acordos de Oslo. Contudo, os
maus resultados alcançados por essas intervenções – prolongamento da situação no
Iraque, ressurgimento dos talibãs no Afeganistão –, além do aumento das tensões em
outras questões igualmente preteridas pela superpotência – a questão nuclear com o Irã,
a Coréia do Norte, o crescimento do antiamericanismo – obrigou os Estados Unidos a
efetuar alguns ajustes táticos para minimizar o ônus destas crises (PECEQUILO: 2007).
Entre as medidas de reconciliação adotadas, a Questão Palestina foi retomada através
da apresentação de um programa de metas que deveria levar à criação de um Estado
palestino e a uma solução definitiva do conflito com Israel. O Mapa do Caminho,
apresentado pelo Departamento de Estado norte-americano em 30 de abril de 2003,
especificava os passos que deviam ser tomados pelas duas partes, sob os auspícios do
Quarteto (EUA mais União Européia, ONU e Rússia) para atingir um acordo definitivo
e apresentava um cronograma audacioso para alcançá-lo. Tendo por princípio a fórmula
“paz por terra”, foi definida uma série de medidas nos campos político, humanitário, e
econômico, dividas em três fases:
Primeira fase – abril/maio/2003 – fim do terror e da violência,
normalização da vida palestina e construção de instituições palestinas:
Palestinian leadership issues unequivocal statement reiterating Israel's
right to exist in peace and security and calling for an immediate and
unconditional ceasefire to end armed activity and all acts of violence
against Israelis anywhere. All official Palestinian institutions end
incitement against Israel.
Israeli leadership issues unequivocal statement affirming its
commitment to the two-state vision of an independent, viable,
sovereign Palestinian state living in peace and security alongside
Israel, as expressed by President Bush, and calling for an immediate
O fim do processo de Oslo \
124
end to violence against Palestinians everywhere. All official Israeli
institutions end incitement against Palestinians.
14
Segunda Fase – junho/dezembro/2003 – transição:
In the second phase, efforts are focused on the option of creating an
independent Palestinian State with provisional borders and attributes
of sovereignty, based on the new constitution, as a way station to a
permanent status settlement. As has been noted, this goal can be
achieved when the Palestinian people have a leadership acting
decisively against terror, willing and able to build a practicing
democracy based on tolerance and liberty. With such a leadership,
reformed civil institutions and security structures, the Palestinians will
have the active support of the Quartet and the broader international
community in establishing an independent, viable, State.
15
Terceira Fase – 2004/2005 – acordo sobre o status final e fim do conflito
israelo-palestino:
Phase III objectives are consolidation of reform and stabilization of
Palestinian institutions, sustained, effective Palestinian security
performance, and Israeli-Palestinian negotiations aimed at a
permanent status agreement in 2005.
16
O caminho para a paz, segundo a direção traçada pelo novo plano, não se desviava das
exigências já feitas em matéria de segurança, mas passava pela reestruturação da
14
“A liderança palestina providencia declaração inequívoca reiterando o direito de Israel de existir em
paz e segurança, proclamando um cessar-fogo imediato e incondicional para acabar com a ação armada e
todos os atos de violência contra israelenses em qualquer lugar. Todas as instituições palestinas oficiais
põem termo ao incitamento contra Israel. A liderança israelense providencia declaração inequívoca
afirmando seu compromisso com a concepção de dois Estados, de um Estado palestino independente,
viável e soberano, vivendo em paz e segurança lado a lado com Israel, conforme enunciado pelo
presidente Bush, e proclamando o fim imediato da violência contra palestinos em qualquer lugar. Todas
instituições israelenses oficiais põem termo ao incitamento contra palestinos.” (Tradução livre da autora.)
15
“Na segunda fase, os esforços concentram-se na opção de criar um Estado palestino independente, com
fronteiras provisórias e atributos de soberania, baseado em uma nova Constituição, como caminho para
um acordo sobre o status permanente. Conforme foi mencionado, esse objetivo pode ser alcançado
quando o povo palestino tiver uma liderança que aja decididamente contra o terror, disposta e capaz de
construir uma democracia prática, baseada em tolerância e liberdade. Com tal liderança, instituições civis
reformadas e estruturas de segurança, os palestinos terão o apoio efetivo do Quarteto e da comunidade
internacional mais ampla para estabelecer um Estado independente e viável.” (Tradução livre da autora.)
16
“Os objetivos da Fase III são: consolidação, reformulação e estabilização das instituições palestinas;
atuação palestina sustentada e efetiva quanto à segurança; e negociações israelo-palestinas visando um
acordo sobre status permanente em 2005.” (Tradução livre da autora.)
O fim do processo de Oslo \
125
Autoridade Palestina e das instituições palestinas de maneira mais ampla: novas
eleições e elaboração de um projeto de constituição, tudo baseado em uma “sólida
democracia parlamentar e um primeiro ministro com poderes” para agir “decisivamente
contra o terror, disposto e capaz de construir uma democracia ativa, baseada na
tolerância e na liberdade”. A constituição do Estado palestino ficava condicionada, mais
uma vez ao cumprimento de uma série de exigências, cujo ônus recaía todo sobre os
palestinos, já que a Israel cabia apenas o papel de cooperar para a normalização da
situação, retirando-se das áreas ocupadas após 28 de setembro de 2000 e “congelando”
os assentamentos – conforme já havia determinado o Relatório Mitchell. Da mesma
forma, o apoio da comunidade internacional, através do Quarteto – que deveria
equilibrar a posição norte-americana, inclinada para Israel, e dar legitimidade ao Mapa
do Caminho – também dependia do desempenho das partes no cumprimento das metas
traçadas.
Progress into Phase II will be based upon the consensus judgment of
the Quartet of whether conditions are appropriate to proceed, taking
into account performance of both parties. Furthering and sustaining
efforts to normalize Palestinian lives and build Palestinian institutions,
Phase II starts after Palestinian elections and ends with possible
creation of an independent Palestinian State with provisional borders
in 2003.
17
(Grifos nossos.)
A criação de um Estado palestino, grande diferencial do Mapa do Caminho em relação
aos acordos do processo de paz de Oslo, tornava-se, sim, uma possibilidade enfim
reconhecida, porém, condicionada às mesmas preocupações com o fim da violência, do
terrorismo e do incitamento a atos de hostilidade. A segurança continuava sendo o pré-
requisito fundamental e o ponto de partida para a negociação de qualquer acordo
possível sobre o status final da Palestina e para uma solução definitiva da Questão
Palestina.
17
“Progresso na Fase II terá por base a avaliação consensual do Quarteto sobre se as condições são
apropriadas para prosseguir, levando em consideração o desempenho de ambas as partes. Promovendo e
mantendo esforços para normalizar vidas palestinas e construir instituições palestinas, a Fase II começa
após as eleições palestinas e termina com a possível criação de um Estado palestino independente, com
fronteiras provisórias, em 2003.” (Tradução livre da autora.)
O fim do processo de Oslo \
126
O problema dos refugiados, a ocupação territorial e o status de Jerusalém, questões
cruciais para os palestinos, foram mais uma vez adiados para o acordo final, ao passo
que o fim dos assentamentos não mereceu qualquer menção no Mapa do Caminho,
senão indiretamente, por referência às Resoluções 242 e 338 como base para o futuro
acordo final. E mesmo a criação de um Estado palestino independente, embora
admitida, figurava como uma “opção”, sem fronteiras definidas e com “atributos de
soberania” igualmente indefinidos.
Conclusão \
127
CONCLUSÃO
No contexto internacional do pós-Guerra Fria, o processo de paz de Oslo foi fruto de um
esforço da diplomacia norte-americana para normalizar as relações conflitivas que têm
caracterizado aquele sistema regional desde fins do século XIX; esforço esse que se
insere numa estratégia maior da política externa dos Estado Unidos voltada para a
construção de uma nova ordem internacional, em que esse país exerceria o papel de
protagonista, como a superpotência vencedora do período anterior. O objetivo principal
era pôr termo à Questão Palestina, a longa disputa entre sionistas/israelenses e
palestinos pelo controle da Terra Santa, e, por extensão, ao conflito entre Israel e os
países árabes como um todo, eliminando, assim, um dos principais focos de tensão que
afligem o Oriente Médio.
Naquele momento, para as lideranças do movimento palestino, os acordos de Oslo
surgiam como uma oportunidade para concretização de seu maior objetivo – a
constituição de um Estado palestino –, não obstante a situação desconfortável em que a
OLP entrava naquelas negociações e a posição superior de Israel no equilíbrio de poder
entre as duas partes. Entretanto, a dinâmica do processo de paz e a forma como os
acordos foram estruturados não permitiram que esses desajustes fossem corrigidos. Pelo
contrário, à medida que o processo avançava, esse desequilíbrio acentuava-se, devido
principalmente ao peso da mediação norte-americana, que fazia pender a balança de
poder a favor de Israel.
Das muitas falhas dos acordos de Oslo, a maior delas foi subordinar todos os problemas
fundamentais da Questão Palestina à questão da segurança, supondo que esta poderia
ser alcançada sem atender às reivindicações palestinas sobre seus direitos nacionais
(ABUNIMAH: 2001). Os acordos não afirmaram claramente que o objetivo final do
processo de paz seria a retirada total de Israel dos territórios ocupados e a criação,
nestes, de um Estado palestino soberano, com suas fronteiras bem definidas e dentro das
quais a autodeterminação do povo palestino seria respeitada. Ademais, a imprecisão das
cláusulas dos acordos e a ausência de mecanismos para impor sanções ou penalidades
Conclusão \
128
contra a quebra dos compromissos assumidos abriu espaço para que os mesmos acordos
fossem reiteradamente desrespeitados, reinterpretados e constantemente renegociados,
segundo a vontade de Israel; o que, além de protelar indefinidamente a sua
implementação, afastou-os cada vez mais das principais questões do conflito: a
desocupação dos territórios palestinos, o problema dos refugiados, o fim dos
assentamentos, o status de Jerusalém e a criação do Estado palestino.
Os acordos de Oslo ratificavam a visão israelense sobre a natureza e substância do
conflito: a segurança. O processo de paz girou em torno das questões surgidas após a
guerra de 1967 (PAPPE: 2004), precisamente em torno da ocupação dos territórios
palestinos e da discussão sobre que parte desses territórios Israel estaria disposto a abrir
mão, sem prejuízo de sua própria segurança; como se a origem de toda a Questão
Palestina fosse unicamente aquele conflito e como se todos os fatos que a precederam
fossem irrelevantes para a sua solução.
A cláusula disposta no artigo V da Declaração de Princípios, segundo a qual as questões
de Jerusalém, dos refugiados e das fronteiras também seriam discutidas na fase final dos
acordos, por si só, não explica a tolerância da OLP àquela lógica minimalista e à
estrutura precária em que o processo de paz foi concebido: um período interino de cinco
anos para discussão de assuntos diversos, mas voltado principalmente para a
implementação de medidas de segurança; seguido da negociação daquelas questões
mais relevantes, porém, sem garantia de que as demandas palestinas relativas a essas
questões seriam atendidas. A organização surgiu em meio à comunidade de refugiados
que se formou após a criação de Israel em 1948; assim como boa parte da identidade
nacional palestina está ligada a esse evento, sua agenda nacional baseia-se na retificação
daqueles problemas desencadeados em 1948. E, embora a OLP não tenha renunciado ao
direito de retorno dos refugiados e à criação de um Estado palestino independente, a
aceitação daquela cláusula da Declaração de Princípios e de todos os acordos assinados
no processo de Oslo significava que aqueles pontos primordiais deixavam de ser
princípios intocáveis da ideologia nacional palestina para se tornar questões negociáveis
num futuro acordo permanente.
Conclusão \
129
Esse novo pragmatismo das lideranças palestinas foi determinado por uma série de
eventos desfavoráveis: a piora de sua situação financeira com o desaparecimento da
URSS do cenário internacional e pela suspensão do suporte recebido das monarquias
petrolíferas, em retaliação ao apoio da organização ao Iraque na primeira Guerra do
Golfo; seu isolamento na Tunísia, após ser expulsa da Jordânia (1970) e do Líbano
(1982), e sua conseqüente fragmentação e enfraquecimento, com o fortalecimento de
outras facções dentro do movimento palestino; todos esses acontecimentos obrigaram a
OLP a abandonar a idéia de um Estado árabe secular em toda a extensão da Palestina
mandatária e admitir o princípio de sua divisão em dois Estados como solução para o
conflito.
Após a Conferência de Madri (1991), na qual os palestinos foram representados por
lideranças da sociedade civil, oriundas dos territórios ocupados e comprometidas com o
reconhecimento da autodeterminação palestina, seus direitos sobre Jerusalém oriental,
com o fim dos assentamentos israelenses e a constituição de um Estado palestino nos
territórios ocupados, a diplomacia norte-americana não encontrou dificuldades para
substituir essas lideranças pela frágil e marginalizada OLP. Uma vez atraída pelos
Estados Unidos para as negociações com Israel, o peso da aliança entre esses dois
Estados sobre a liderança palestina foi, contudo, o fator determinante no desdobramento
do processo de paz, pela relevância que tal aliança conferiu aos interesses israelenses
em detrimento das demandas palestinas: foi o desequilíbrio de poder entre as partes a
medida usada para definir o quanto aqueles interesses deveriam prevalecer e o quanto
daquelas demandas seria traduzido em realidade.
A análise comparativa dos acordos evidencia uma tendência sistemática de Israel a
descumprir as obrigações assumidas, forçando a sucessivas revisões destas obrigações e
sua conseqüente diluição nos acordos seguintes, ao mesmo tempo em que a Autoridade
Palestina era constrangida a renovar, sucessivamente, seu compromisso com a
segurança de Israel e a manutenção da ordem interna dos territórios colocados sob sua
jurisdição, legitimando, assim, as queixas de Israel sobre o descumprimento, pelos
palestinos, de sua parte nos acordos e, indiretamente, a justificativa deste país para
descumprir as suas próprias obrigações.
Conclusão \
130
A predominância de Israel foi o resultado inevitável da lógica estrutural do processo de
Oslo: negociações bilaterais entre a maior potência econômica, política e militar da
região e a fraca liderança de um povo sob ocupação militar, mediadas pela
superpotência hegemônica e fiel aliada daquela potência regional, estavam fadadas a
produzir acordos parciais e uma implementação ainda mais parcial desses acordos
(NORMAND: 2002). As preocupações de Israel com sua segurança, combinadas com
os interesses dos Estados Unidos na segurança regional, resultaram não em um acordo
de paz propriamente dito, mas, antes, em um plano de pacificação de curto prazo, em
que as questões essenciais do conflito foram adiadas para as negociações sobre o acordo
final, em função do êxito que viessem a alcançar as medidas de segurança adotadas no
período provisório, visando o fim da violência, do terror e dos atos de hostilidade.
Nesse sentido, os acordos de Oslo devem ser entendidos como um exemplo clássico de
“paz hegemônica”, isto é, um tipo de paz entre “dois poderes significativamente
desiguais que, entretanto, retém autonomia para aceitar ou rejeitar os termos do acordo”
(ROBINSON: 2001, p. 112). Uma paz hegemônica, como aquela do processo de Oslo,
reflete o desequilíbrio de poder entre as partes e, por isso, tende a ser, para ambas, mais
desestabilizante do que a paz negociada entre poderes relativamente iguais ou a paz
imposta a um inimigo completamente vencido e dominado.
There is a compelling logic for why a hegemonic peace produces
instability for both polities. For the weaker party, explaining
instability is rather obvious. There will necessarily be a great deal of
opposition to the government for signing a peace that so obviously
compromises national rights in the eyes of the population. (...)
Ironically, a hegemonic peace is often destabilizing for the powerful
party as well. Objectively, such a peace is usually viewed by outsiders
as disproportionately benefiting the more powerful party. Internally,
however, dissent against the government focuses on the perceived lack
of necessity to make any significant concessions at all.
1
(ROBINSON:
2001, p. 113.)
1
“Há uma lógica que impele uma paz hegemônica a produzir instabilidade para ambas sociedades. Para o
grupo mais fraco, explicar a instabilidade é bastante óbvio. Haverá necessariamente um alto grau de
oposição ao governo por assinar uma paz que tão obviamente compromete os direitos nacionais aos olhos
da população (...) Ironicamente, uma paz hegemônica é, muitas vezes, desestabilizante também para a
parte mais forte. Objetivamente, tal paz é geralmente vista por estrangeiros como favorecendo
desproporcionalmente a parte mais poderosa. Internamente, entretanto, a dissensão contra o governo
Conclusão \
131
De fato, para os palestinos, à medida que se tornava patente a incapacidade da OLP para
negociar com Israel, crescia o dissenso entre a população palestina e,
proporcionalmente, aumentavam as medidas de repressão da Autoridade Palestina para
assegurar a seus parceiros que a oposição fosse mantida dentro de limites aceitáveis
para a continuação das negociações. O processo de paz de Oslo fracassou em atender
suas demandas nacionais. Israel, por seu turno, também enfrentou oposição daqueles
que, seguindo um raciocínio estritamente realista, rejeitavam qualquer concessão aos
palestinos, valendo-se do poder notavelmente superior de seu país. O assassinato de
Yitzhak Rabin em 4 de novembro de 1995, após assinatura do Acordo Interino – em
setembro daquele ano –, e as alterações de governo entre o dito “campo da paz” e os
“rejeicionistas” durante e após o processo
2
são evidências da clivagem que a paz
hegemônica de Oslo provocou também na sociedade israelense.
A eclosão da Segunda Intifada levou à dissolução do processo de paz de Oslo. A
insurgência da população e a retomada da guerra de atritos contra as forças israelenses –
que Israel, aliado aos Estados Unidos, tanto buscou sufocar – foi, ao fim e ao cabo, o
único trunfo que os palestinos puderam usar contra o prolongamento indefinido da
ocupação de seus territórios e a negação de seus direitos nacionais, implícitas nos
acordos assinados e decorrentes da forma tendenciosa como eles foram negociados. As
tentativas ulteriores de recolocar o processo de paz em andamento fracassaram
igualmente, porque não abandonaram os princípios hegemônicos que nortearam as
negociações até então.
Entretanto, não obstante o fracasso do processo de paz de Oslo em tentar solucionar o
conflito entre Israel e os palestinos, esses acordos devem continuar como parâmetro
para futuras negociações até que outra iniciativa realmente nova trace outra estratégia
para a solução da Questão Palestina que não a de uma paz hegemônica. O já
focaliza a percepção de falta de necessidade de fazer quaisquer concessões significativas sob qualquer
condição.” (Tradução livre da autora.)
2
Em 1992, a eleição do governo trabalhista de Yitzhak Rabin com uma larga margem de votos foi um
sinal positivo da sociedade israelense para a continuação do processo de paz iniciado em Madri no ano
anterior. Em 1996, o descontentamento com os rumos tomado pelos acordos levou o Likud de volta ao
poder, com a vitória de Benjamin Netanyahu também por uma boa margem de votos. Mas a sua
obstinação contra as negociações resultou na eleição de Ehud Barak em 1999, sob a promessa de
conclusão de um acordo definitivo. Enfim, após o fracasso da Cúpula de Camp David, o campo da paz
sofreu nova derrota para os rejeicionistas, liderados pelo Likud, com a eleição de Ariel Sharon em 2001.
Conclusão \
132
ultrapassado cronograma para a paz traçado no Mapa do Caminho, respaldado pelo
Quarteto, quando analisado em comparação àqueles acordos, revela-se, antes, uma
reedição de Oslo, com ares de respaldo internacional. Como demonstra o estudo ora
apresentado, o princípio “paz por terra” também nele se traduziu como: suspensão da
violência em campo em primeiro lugar e, posteriormente – e de forma condicional –,
negociação das questões originárias do conflito.
Oslo fracassou, mas seus termos permanecem, na intransigência de Israel em impor a
paz unilateralmente pela adoção de severas medidas de segurança, na sua recusa a
dialogar com as lideranças palestinas a pretexto da ineficiência destas em controlar as
manifestações hostis de sua população e, em última instância, na continuação do jugo
militar imposto aos territórios ocupados – razão maior para que o conflito continue sem
perspectivas de solução a médio e longo prazo.
A não ser que os problemas essenciais da Questão Palestina sejam claramente incluídos
nas negociações e tratados futuros e a menos que se estabeleça uma base mais justa de
equilíbrio entre as partes, qualquer tratado de paz entre Israel e os palestinos será
sempre, como os acordos de Oslo, uma paz hegemônica.
Referências Bibliográficas
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