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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
STRICTO SENSU
EM EDUCAÇÃO - PPGE
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ISABEL CONTI SCHILLING
OS TRAÇOS DA IDENTIDADE CULTURAL POLONESA NAS
PRÁTICAS EDUCACIONAIS DA ESCOLA CASEMIRO
STACHURSCKI
CRICIÚMA, SC, SETEMBRO DE 2007.
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1
ISABEL CONTI SCHILLING
OS TRAÇOS DA IDENTIDADE CULTURAL POLONESA NAS
PRÁTICAS EDUCACIONAIS DA ESCOLA CASEMIRO
STACHURSCKI
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade do
Extremo Sul Catarinense - UNESC, como
requisito parcial para a obteão do título de
Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Gladir da Silva Cabral.
CRICIÚMA, SC, SETEMBRO DE 2007.
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2
Dedico este trabalho ao meu filho Pedro, fruto
do início desta pesquisa. Vivenciei um dos
maiores momentos da concretização de um
sonho: o nascimento de uma vida. Você é o
melhor presente! Por isso eu digo: Obrigado!
3
AGRADECIMENTOS
Cumprir com este protocolo talvez seja o mais difícil nesta trajetória. Digo
isso, pois não quero correr o risco de esquecer-me de cada pessoa que caminhou
ao meu lado. Vejo-me, agora, imersa novamente num momento de reflexão para
expressar meu profundo agradecimento e gratio a todas as pessoas que
participaram deste projeto.
Inicialmente, agradeço a Deus. Força e esperança, sempre encontrei
como resposta às minhas orações. Sem a fé para me guiar, acredito que não teria
condições de prosseguir.
Agradecer em palavras à minha família é tão pouco diante da doação que
recebi! Sem eles, como poderia agora estar escrevendo estas palavras? Sem eles,
como poderia suportar a saudade pela ausência do meu “pequenino” filho, que
vários momentos tive que deixar para abraçar este desafio? Vocês foram
fundamentais neste processo. O amor, o carinho e a segurança que transmitiam a
mim e ao Pedro deram-me coragem para seguir em frente. Muito obrigado, Pai, Mãe,
Bruno, Paula, Sérgio e Jéssica.
Ao meu marido, amigo e companheiro, Giovani. Não canso de lhe dizer o
quanto sou grata pela sua pacncia, tolerância, dedicação, apoio, confiança e,
sobretudo, amor. Sempre estarão guardadas em minhas melhores lembranças, as
suas sábias palavras: “
Você consegue
!
Não desista
!
Falta pouco
!
Eu estou do teu
lado”
. Muito obrigado por compreender que os muitos momentos em que estive
ausente, imersa na frente do computador, foram essenciais para a finalizão deste
trabalho. Amo você!
Agradeço tamm a você, Olga, babá do Pedro e nossa grande
companheira em casa. O amor que o Petito (carinhosamente como ela o chama)
sente por você nos dá tranqüilidade, segurança e nos enche de alegria. Obrigado
por tudo!
Agradecer esta pessoa, Professor Gladir, meu grande mestre, o quanto
ele foi primoroso nas orientações do caminho desta pesquisa, é pouco. Além de
sábio, humilde, coerente, é um ser iluminado. Agradeço e retribuo a PAZ que você
me transmitiu em todos os nossos encontros.
Reservo tamm um espo à minha grande amiga nesta caminhada,
4
colega de mestrado e colega de trabalho, Nádia. Há muito tempo, incentivamos uma
à outra na busca do tão sonhado mestrado. Nadinha, obrigado por tudo. Jamais me
esquecerei de suas contribuições na minha pesquisa, suas leituras, sugestões e
principalmente o seu grande coração. Os dois meses que ocupei sua casa foram
maravilhosos. Obrigado, sem esse espaço, acredito que o desafio seria maior.
o poderia deixar de agradecer à Universidade do Extremo Sul
Catarinense UNESC, o apoio recebido para a continuidade da minha formação.
Estendo o agradecimento especialmente à equipe da Pós-graduação, meus grandes
companheiros de trabalho que souberam compreender minhas ausências e
contribuíram para que o trabalho fosse realizado. Meu muito obrigado!
Agradeço à comunidade de Linha Batista e a todos os entrevistados por
reservarem um espaço no seu dia para compartilhar e reviver as lembranças de uma
grande hisria.
Agradecer aos mestres no início desta caminhada: Ademir Damazio,
Vidalcir Ortigara, Ilton Benoni da Silva, Fábia Liliã Luciano, Celdon Fritzen e Maria
Isabel Ferraz Pereira Leite. Muito obrigado por despertar em mim a curiosidade do
buscar, do pesquisar, do dialogar com os grandes mestres do conhecimento.
Aos professores da banca examinadora: Pro. Drª. Maria Tereza Santos
Cunha e Prof. Dr. Dorval do Nascimento, pelas contribuições para o aprimoramento
da pesquisa.
Às professoras pesquisadoras Marli de Oliveira Costa, Giani Rabelo e
Janine Moreira pelo incentivo e contribuição na investigação desta pesquisa.
Aos colegas do Mestrado em Educação, agradeço a caminhada. Espero
encontrá-los brevemente para somarmos nossos aprendizados. Quero em especial
agradecer a você Lenita, por saber me ouvir, preocupar-se comigo, dividir as
angústias e, principalmente, dividir as coisas boas da vida. Nossa história de
amizade há muito tempo foi iniciada na Universidade. Muito Obrigado!
Encerro meus agradecimentos brindando com todos os amigos a
conclusão desta pesquisa.
5
RESUMO
Esta dissertação tem como objeto de pesquisa os traços da identidade cultural
polonesa presentes nas práticas educacionais da escola “Casemiro Stachurscki”,
localizada na Linha Batista/Criciúma (SC). O período estudado compreende a
chegada dos imigrantes poloneses em 1890 até 1945, com a finalização da política
de nacionalização implantada por Getúlio Vargas e seus desdobramentos imediatos.
Como objetivo principal, interessou-nos pesquisar quais as características mais
relevantes da cultura polonesa e como elas se manifestaram na história da
comunidade e da escola. Buscamos também, como objetivos deste estudo,
descobrir que expedientes foram utilizados para a construção identitária da etnia
polonesa no bairro de Linha Batista e o papel que a educação exerceu nesse
processo. Além disso, investigamos como se deu, no passado da escola, o
estabelecimento da identidade étnica polonesa e quais os reflexos que teve, no
estabelecimento de ensino, a política de nacionalização inaugurada pelo governo de
Getúlio Vargas. Para a realização da pesquisa, utilizamos como fontes os
documentos disponíveis na escola, as entrevistas com os descendentes poloneses e
um referencial teórico que nos auxiliou a compreender as práticas educacionais da
escola e a construção de uma identidade étnica cultural de uma comunidade.
Palavras-chave:
Educação, Identidade, Estudos Culturais.
6
ABSTRACT
This dissertation has as research object marks of Polish culture in the educational
practices of Casemiro Stachurski school, located at Linha Batista, Criciúma (SC).
The period studied comprises the arrival of the Polish immigrants at Linha Batista in
1890 until 1945, with the inauguration and immediate implications of the
nationalization plan implanted by the Brazilian president Getúlio Vargas. Its main
objective is to research the most prominent characteristics of the Polish culture and
how they become visible in the history of the community and of the school. It also
seeks to find out the expedients used in construction of the Polish ethnic identity in
Linha Batista and the role exercised by the educational institution in that process.
Besides, it investigates the establishment of the Polish identity through the history of
the school and the consequences the politics of nationalization inaugurated by the
government of Getúlio Vargas had in the shcool. The sources of information of the
research were the documents available at the school, interviews with the Polish
descendants, and a theoretical background that helped me to understand the
educational practices in the school and the construction of a cultural ethnic identity in
a community.
Keywords:
Education, Identity, Cultural Studies.
7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Igreja São Casemiro. Inauguração em 1930..........................................64
Figura 2 Símbolo da Páscoa, casca de ovo pintada a mão..................................68
Figura 3 Família Estanislau Werpachowski e Helena Werpachowski...................71
Figura 4 Lousa......................................................................................................73
Figura 5 Livro: Trzecia Ksiazka Do Czytania Dla Szkol Polskich W Brazylji.........75
Figura 6 Professor Casemiro Stachurski ..............................................................78
Figura 7 Grupo de dança polonês com traje típico ...............................................82
Figura 8 Grupo Polonês Orzel Bialy em apresentação no Centro Cultural Octávia
Búrigo Gaidzinski. Linha Batista / Criciúma (SC).....................................................83
Figura 9 Embaixatriz e o Grupo Polonês Orzel Bialy no Centro Cultural Octávia
Búrigo Gaidzinski. Linha Batista / Criciúma (SC).....................................................84
Figura 10 Centro Cultural Octávia Búrigo Gaidzinski. Linha Batista / Criciúma (SC)
................................................................................................................................84
Figura 11 Escola Municipal de Educão Infantil e Ensino Fundamental Casemiro
Stachurski. Linha Batista / Criciúma (SC)................................................................86
8
LISTA DE TABELA
Tabela 1 - Situação das escolas da colonização polonesa em 1937 ......................51
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................10
2 IDENTIDADE CULTURAL E EDUCAÇÃO ..........................................................15
2.1 O campo dos estudos culturais: origem e desenvolvimento ......................15
2.2 A cultura e seus desdobramentos .................................................................18
2.3 Identidade cultural: caminhos a percorrer ....................................................21
2.4 Identidade cultural e linguagem.....................................................................27
2.5 Identidade cultural e educação ......................................................................30
3 A IMIGRAÇÃO E A COLONIZÃO POLONESA EM LINHA BATISTA...........34
3.1 O cenário da Europa........................................................................................35
3.2 O cenário da saída e chegada dos imigrantes poloneses ao Brasil e Santa
Catarina ..................................................................................................................37
3.2.1 A constrão de uma vida nova em Criciúma ...........................................40
3.2.1.1 A organização da comunidade polonesa em Linha Batista/Criciúma ..44
3.2.1.2 O papel da escola nesse contexto ...........................................................45
3.3 A nacionalização do ensino e os confrontos com a identidade étnica ......49
3.4 Reinventando a cultura ...................................................................................53
4 INVOCANDO MEMÓRIAS PARA CONSTRUIR IDENTIDADES ........................58
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................86
REFERÊNCIAS.......................................................................................................89
ANEXOS .................................................................................................................94
10
1 INTRODUÇÃO
A colonização do município de Criciúma deu-se no ciclo da imigração
européia, no final do século XIX. A fundação e a ocupação eletiva das terras que
hoje compõem o munipio ocorreram, oficialmente, no dia 6 de janeiro de 1880, por
imigrantes italianos. Posteriormente, somaram-se os poloneses, os alemães, os
negros e os portugueses. Portanto, o município de Criciúma deve o seu
desenvolvimento principalmente à ação constante de grupos étnicos distintos:
italianos, poloneses, lusos, negros e alemães.
Embora seja uma parcela relativamente minoritária da população do
município, o se pode ignorar a expressiva contribuição da etnia polonesa para a
formação do patrimônio histórico, cultural, social e econômico de Criciúma. Giani
Rabelo
et al.
(2005) apontam para dados coletados em pesquisa realizada na
comunidade polonesa de Linha Batista, bem como para índices do IBGE,
confirmando que:
Linha Batista é o segundo local de maior concentração dos descendentes
poloneses de Criciúma. De acordo com a pesquisa realizada por alguns
professores da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) sobre o
perfil étnico do município de Criciúma, dentre as localidades da cidade com
descendentes de poloneses, o bairro Demboski possui 4,84% de sua
população com descendência polonesa, Linha Batista 2,56%, e o Michel
2,36%. Dados do IBGE (Censo 2000) mostram que os descendentes de
poloneses representam 0,72% da população criciumense. Em Santa
Catarina, a etnia polonesa apresenta-se como a quarta etnia formadora da
população, antecedida pela açoriana, alemã e italiana, representando 14%
da população do Estado. (RABELO
et al.
, 2005, p. 16).
As questões ligadas com a busca e preservação da identidade cultural
estão na pauta das discussões políticas, filosóficas e acadêmicas do dia, seja por
conta da resistência ao acelerado processo de globalização que ameaça destruir
construtos identitários locais, seja pela crescente onda de incerteza causada pelas
ameaças de fragmentação movidas pela pós-modernidade. Ao mesmo tempo, nota-
se que a celebração da diversidade, cristalizada em eventos de congraçamento
social como as festas das etnias, festas das nações, parece levar as questões
identitárias para o painel das campanhas de
marketing
, dos vídeos institucionais e
das agendas políticas.
Nossa intenção, com este trabalho, é estudar a etnia polonesa conforme
11
se estabeleceu e construiu no município de Criciúma, bem como analisar os
processos de construção e manutenção identitária (seja pelo uso da linguagem, seja
pela preservação dos costumes, seja pela crião de práticas institucionais, como a
escola, por exemplo) em contraponto com os movimentos históricos nacionais.
Queremos tamm discutir qual o papel da escola no complexo movimento de
imposição e resistência a certas identidades culturais.
Como comentamos, a preocupação com a busca da preservação da
identidade cultural de um povo está se tornando cada vez mais forte nos dias atuais.
o é preciso muito esforço para perceber que, ao longo da nossa história recente,
muitas identidades foram se formando às custas de outras experiências identitárias
que se modificaram ou, literalmente, acabaram morrendo. Isso parece sugerir que a
identidade cultural não é uma fórmula fixa e congelada, mas um processo dinâmico,
enriquecido por meio do diálogo, das trocas e muitas vezes do confronto com outras
culturas.
Para compreendermos melhor a questão da construção das identidades
de um ser humano e de um povo, buscamos a contribuição de Stuart Hall, para
quem “a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de
processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do
nascimento” (2002, p. 38). Portanto, a identidade é, ao mesmo tempo, um processo
pessoal e coletivo, pelo qual cada sujeito se define em relação a um nós que, por
sua vez, se diferencia dos outros.
Cada grupo étnico apresenta sua marca identitária e a cultura é
manifestada no estilo de vida, nos hábitos e costumes, na vivência em comunidade,
e, em especial, no uso da língua. Nesse sentido, a preservação da cultura está
também intimamente ligada à linguagem, que é concebida como essencialmente
histórica, sendo produzida a partir de um determinado lugar e de um determinado
tempo. Para Andréa Berenblum: “A língua é um símbolo de identidade (talvez o mais
poderoso) que permite nos reconhecermos como naturais de uma cidade, de um
país e, ao mesmo tempo, identificar quem o o é” (2003, p. 20). Assim, a
linguagem também passa a ser um fenômeno que deveria ser estudado para
entendermos como a identidade étnico-cultural é construída e como vai sendo
reconstruída ao longo do processo histórico.
Como a nossa sociedade está cruzada por oposições de classe, gênero,
etnia, raça e tantas outras construções que são consideradas marcadores sociais de
12
diferença e identidades, cada qual apresentando interesses contrapostos, o estudo
da diversidade étnica de nossa região pode ser muito valioso para a reconstituição
da hisria de Santa Catarina e tamm para compreendermos os desafios e as
manifestações da diversidade cultural de nossa região.
No trabalho de análise dos movimentos sociais e dos elementos que
incidem nos processos de construção identitária, as instituições e os discursos
educacionais não podem ser ignorados. As instâncias educacionais o estão
restritas às instituições escolares oficiais ou privadas, mas incluem tamm as
demais experiências de aprendizagem da sociedade. Nesse sentido, a educação,
isto é, o modo como se constrói conhecimento e se exercita ensino e aprendizagem,
constitui elemento fundamental na criação, preservação e reprodução de valores
culturais e identitários. Dessa maneira, a educação torna-se uma ferramenta
fundamental para se criar, preservar, desconstruir ou reconstituir a identidade de
uma etnia.
Considerando a relevância das questões culturais e identitárias para a
compreeno de nossa cultura e de nosso momento histórico, e considerando ainda
o papel que as instituições educacionais desempenham na construção das
identidades, investigamos os traços da identidade cultural polonesa presentes nas
práticas educacionais da escola Casemiro Stachurscki, localizada na Linha Batista.
Nesta pesquisa, tomamos como questões norteadoras a busca pelos
traços culturais evidenciados no discurso e nas práticas educacionais da escola
Casemiro Stachurscki. Interessou-nos saber quais as características mais relevantes
da cultura polonesa e como elas se manifestaram na história da comunidade e da
escola. Para tanto, buscamos descobrir que expedientes foram utilizados para a
construção identitária da etnia polonesa no bairro Linha Batista, bem como o papel
que a educação exerceu nesse processo. Como se deu, no passado da escola, o
estabelecimento da identidade étnica polonesa? Que reflexo teve, na escola, a
política de nacionalização inaugurada pelo governo de Getúlio Vargas?
Por questões de ordem metodológica e prática, resolvemos focar este
estudo na análise dos traços da cultura polonesa na história da educão em
Criciúma no período de 1890 a 1945. Dessa maneira, pudemos verificar as
atividades educativas desenvolvidas pela escola Casemiro Stachurscki diante da
campanha de nacionalização do ensino, bem como identificar os elementos da
cultura polonesa presentes no universo educacional da colônia de Linha Batista, no
13
município de Criciúma (SC). Além disso, procuramos fazer uma leitura das
mudanças ocorridas na linguagem com relação ao processo de interdição da língua
polonesa no Estado Novo de Vargas, contribuindo, dessa forma, para a produção de
conhecimentos na área da identidade cultural aplicada ao estudo da cultura
polonesa.
Em nossa pesquisa, trabalhamos com a hipótese de que a etnia polonesa,
ao se estabelecer em Linha Batista, inicialmente implantou um estilo de vida e
organização social marcadamente polonês, que posteriormente sofreu influência a
partir do processo de nacionalização do ensino ocorrido no Estado Novo de Vargas.
Mesmo sofrendo pressão para assimilação da cultura brasileira, pela obrigação do
uso da língua portuguesa na escola, houve a preservão de vários traços da língua
e da cultura polonesa entre os colonos. Podemos supor que houve um processo de
resistência cultural, que buscava manter vínculos com a identidade polonesa.
Para alcançar esses objetivos, adotamos a pesquisa básica, com vistas ao
levantamento de dados no campo de natureza descritiva explicativa e analítica, com
uma abordagem qualitativa. Investigamos documentos e registros escolares que
estão sob a salva-guarda da Escola Casemiro Stachurscki, bem como fizemos uma
série de entrevistas com pessoas da comunidade, para ouvir seus relatos e
depoimentos sobre a educação naquela localidade, focando nosso interesse sempre
nas questões relacionadas com a identidade cultural. Utilizamos também material
bibliográfico sobre a história da imigração polonesa no Brasil e no sul de Santa
Catarina.
Esta pesquisa recorreu também às entrevistas realizadas pelo Grupo de
Pesquisa História e Memória: o processo de Educão em Santa Catarina
(GRUPEHME/SC), em pesquisa que culminou na publicação do livro
Escola
Casemiro Stachurscki: das aulas particulares/comunitárias ao ensino público
municipal
. Embora a comunidade polonesa em Criciúma tenha-se divido em três
localidades, nossa pesquisa se concentrará na comunidade do bairro Linha Batista,
que é o ponto original de chegada e onde foi fundada a Escola.
Os instrumentos para o levantamento das informações foram: o roteiro de
entrevista, os documentos escolares, como: o livro Termo de Visita, livro de
matrícula, e a aplicão de questionário semi-estruturado, cuja técnica foi a
entrevista. Na interpretão das respostas obtidas com os dados coletados,
utilizamos como ferramenta teórica os Estudos Culturais, na linha de pensamento
14
desenvolvida por Stuart Hall (1997; 2002), Tomaz Tadeu da Silva (2003; 2005) e
Kathryn Woodward (2000).
Este trabalho está dividido em quatro capítulos. O capítulo primeiro
apresenta os aspectos introdutórios, situando o leitor acerca do problema, objetivos,
justificativa, referencial teórico, procedimentos metodológicos, bem como a
organização do presente trabalho.
No segundo capítulo, apresentamos a fundamentação teórica do trabalho,
que é a questão da construção das identidades culturais na perspectiva dos Estudos
Culturais. Nessa parte definimos nossa conceituação de identidade, cultura, bem
como tratamos do papel da educação no conjunto das representações identitárias.
No terceiro capítulo, reconstituímos a história da chegada dos poloneses a
Criciúma, procurando apresentar os motivos da saída de sua terra natal. Mostramos
também como os imigrantes poloneses mantiveram por um determinado período as
suas marcas identitárias, especialmente na questão do cotidiano, vivência em
sociedade, hábitos e costumes, mas, em especial, o uso da língua. Apresentamos
um breve histórico do período de desenvolvimento da cultura polonesa na
localidade, e então os efeitos da política do Estado Novo, de Vargas, na educação.
O quarto capítulo está voltado para a análise dos dados. Nele trabalhamos
com a apresentão dos resultados das entrevistas realizadas com descendentes
poloneses e da análise das fontes documentais, comparando-os com as idéias e
conceitos fundamentais desenvolvidos no capítulo da fundamentação teórica. E por
fim, as considerações finais acompanhadas das referências e dos anexos.
15
2 IDENTIDADE CULTURAL E EDUCAÇÃO
Por isso podemos falar de uma identidade cultural, como
o legado mais representativo e mais precioso de um
povo.
(Juan M. Ossio)
1
Neste catulo nos propomos a trabalhar com a identidade, a cultura e a
educação. Para dar conta desses assuntos, buscamos no campo dos Estudos
Culturais a definição para esses conceitos. É relevante destacarmos brevemente um
panorama histórico dos Estudos Culturais para, posteriormente, percorrermos os
caminhos da cultura, da identidade, da diferença, da diáspora, do hibridismo, da
representação, do discurso e das contribuições desses estudos para a Educação.
2.1 O campo dos estudos culturais: origem e desenvolvimento
É por volta do final dos anos 50, em meio ao impacto da organização
capitalista das formas culturais no campo das relações socioculturais e do colapso
do Imrio Britânico, que surge na Universidade de Birmingham (Inglaterra)
2
o
Centre for Contemporary Cultural Studies
(CCCS), tendo como foco “as relações
entre cultura contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas culturais, instituões
e práticas culturais, assim como suas relações com a sociedade e as mudanças
sociais” (ESCOSTEGUY, 2001, p. 21). Marisa Vorraber Costa
et alii
corrobora com
Escosteguy quanto aos fatos históricos que emergiram para o desenvolvimento dos
Estudos Culturais:
1
Análisis social y crítica (texto gravado no Memorial da América Latina, Barra Funda, São Paulo,
Brasil).
2
Essa movimentação no campo da teoria cultural é fartamente documentada no que se refere às
suas manifestações na Inglaterra, sendo amplamente difundido e reconhecido que este ps teria sido
o berço dos EC. Contudo, o acesso à literatura mais recente, em línguas que o a inglesa (por
exemplo Mato, 2001; Martín-Barbero, 1997a), parecem sugerir que tal reviravolta nos estudos da
cultura teria ocorrido, quase simultaneamente, tamm em outros países europeus, asiáticos e latino-
americanos, expressando um certo ‘estado das discussões sobre culturaque vai se instaurar em
vários locais do mundo, num tempo de grandes reviravoltas na organizão do capitalismo,
produzidas, em grande parte, pelos avanços nas tecnologias das informação e da comunicação, as
quais, usando a expressão do filósofo italiano Gianni Vattimo (1991), estariam deixando as sociedade
‘transparentese favorecendo a inscrição de outros grupos e sujeitos coletivos no mapa cultural e
político do século XX.(COSTA
et al.
2003, p. 37).
16
A primeira seria a reorganização de todo o campo das relações culturais em
decorrência do impacto do capitalismo no surgimento de novas formas
culturais TV, publicidade, música, rock, jornais e revistas de grande
tiragem e circulação que levam à dissolução o campo de forças do poder
cultural das elites. A segunda teria sido o colapso do império britânico, cujo
mapa territorial do poder diminui significativamente após a guerra contra o
Egito em 1956, revirando o imaginário social da Inglaterra. (COSTA;
SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 5).
Os Estudos Culturais começaram a ser identificados nos trabalhos de:
Richard Hoggart, com a obra:
The Uses of Literacy
(1957); Raymond Williams, com
Culture and Society
(1958), e Edward Palmer Thompson, com
The Making of the
English Working-class
(1963), fundadores do Centro de Estudos Culturais
Contemporâneo. Não podemos deixar de considerar que Stuart Hall, apesar de não
ter sido citado como membro fundador, é uma das figuras mais proeminentes nesse
campo e seu trabalho reconhecido na formação dos estudos culturais britânicos. No
período de 1968 a 1979, Hall assumiu a direção do Centro em substituição a
Hoggart. (ESCOSTEGUY, 2001).
De acordo com Marlucy Alves Paraíso, os Estudos Culturais
transformaram-se num fenômeno internacional, agregando a colaboração de
intelectuais em vários países, como: Cana, Estados Unidos, Austrália e países da
América Latina e do continente Africano. A autora busca a contribuição de Heloísa
Buarque de Holanda para reforçar a força desse campo nas universidades latino-
americanas: “Ela justifica essa internacionalização e força de disseminação pela
capacidade que possuem de transitar em diferentes universos simbólicos e aí
encontrar novos portos de ancoragem onde se deixam ficar”. (PARAÍSO, 2004, p. 2).
Mas afinal, como podemos traduzir a configuração deste campo de
estudo? Segundo Marlucy Alves Paraíso (2004), em termos teóricos, ele recebeu, ao
longo de sua existência, influências epistemológicas e políticas, ancorando-se nos
mais variados campos, como: da Sociologia, Filosofia, Antropologia, na Teoria da
Arte, Crítica Literária, Psicologia, Ciência Política, etc. Antes dos anos 80, o Centro
de Estudos Culturais Contemporâneo utilizou-se de referências marxistas, dando
lugar posteriormente ao pós-estruturalismo, tendo como autores fundamentais
Foucault e Derrida. Já nos anos 90, é incorporado nos Estudos Culturais o estilo e
as idéias pós-modernas, fazendo, como apresenta a autora:
17
[...] a opção por pequenas narrativas, o questionamento do conhecimento
científico, a análise da produção de significados nos mais diferentes
artefatos, a discussão das identidades pós-modernas ou multifacetadas, a
preferência pelo local, pela mistura e pelo hibridismo. (PARAÍSO, 2004, p.
2).
No aspecto metodológico, suas pesquisas utilizam-se da etnografia, das
análises textuais e discursivas, da psicanálise e de tantos outros caminhos
investigativos para dar conta do objeto de estudo. Reforçando esses vários
caminhos investigados dentro do aspecto metodológico, Tomaz Tadeu da Silva
considera que:
A metodologia dos Estudos Culturais fornece uma marca igualmente
desconfortável, pois eles, na verdade, não têm nenhuma metodologia
distinta, nenhuma análise estatística, etnometodológica ou textual singular
que possam reinvidicar como sua. Sua metodologia, amgua desde o
início, pode ser mais bem entendida como uma bricolage. Isto é, sua
escolha da prática é pragmática, estratégica e auto-reflexiva. (SILVA, 2003,
p. 9).
O autor ainda pondera: “[...] nenhuma metodologia pode ser privilegiada
ou mesmo temporariamente empregada com total segurança e confiança, embora
nenhuma possa tampouco ser eliminada antecipadamente”. (2003, p. 10).
Finalizando esta parte, tentamos buscar uma definição para os Estudos
Culturais, tomando o cuidado na escolha dos termos, pois os próprios Estudos
Culturais rejeitam a idéia de definição. Para Marlucy Alves Paraíso: “a preocupação
em grande parte desse campo na atualidade é abordar o local, o particular, o
‘mundano’, o contexto, a complexidade, a política da representação, as diferentes
práticas culturais e suas interfaces”. (2004, p. 3).
Nas palavras de Tomaz Tadeu da Silva “os Estudos Culturais estão,
assim, comprometidos com o estudo de todas as artes, crenças, instituições e
práticas comunicativas de uma sociedade” (2003, p. 13). Marisa Vorraber Costa, por
sua vez, foi buscar a expressão “teoria viajante” (utilizada por Heloisa Buarque de
Holanda) para referir-se aos Estudos Culturais, “atribuindo-lhes um certo ethos, uma
vocação para transitar por variados universos simbólicos e culturais, por vários
campos temáticos e teorias” (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 40). E
completa:
18
[...] o que os tem caracterizado é serem um conjunto de abordagens,
problematizações e reflexões situadas na confluência de vários campos já
estabelecidos, é buscarem inspiração em diferentes teorias, é romperem
certas lógicas cristalizadas e hibridizarem concepções consagradas.
(COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 40).
2.2 A cultura e seus desdobramentos
Nos dias atuais, o debate em torno da cultura e de seus mais diversos
desdobramentos tem assumido uma função de importância em nossa sociedade.
Estamos passando por uma “revolução cultural”, por meio das novas tecnologias e
da revolão da informação. Essa troca cultural propicia uma aproximação maior
entre os grupos.
Além disso, o processo de globalização, iniciado nos primeiros passos da
modernidade, tem se acelerado assustadoramente, forçando a aproximação e a
interação econômica entre os povos, mas tamm trazendo consigo aspectos
negativos, como a colonização, a dominação econômica e cultural, a centralização
do poder, a concentração da riqueza nos grandes centros produtores de cultura, a
massificação. Isso tem ameaçado todas as culturas periféricas, locais, marginais.
Stuart Hall comenta esta centralização da cultura:
[...] a cultura é agora um dos elementos mais dinâmicos e mais
imprevisíveis da mudança histórica no novo milênio. Não deve nos
surpreender, então, que as lutas pelo poder sejam, crescentemente,
simlicas e discursivas, ao invés de tomar, simplesmente, uma forma física
e compulsiva, e que as próprias políticas assumam progressivamente a
feição de uma “política cultural”. (HALL, 1997, p. 20).
Ora, se a cultura é construída historicamente e se transforma no tempo e
no espo, ela está ligada à história particular de cada grupo social e é a forma que
o homem encontra de se relacionar com o mundo, portanto está em permanente
transformação. A cultura também é historicamente construída, no entrechoque de
projetos políticos, econômicos e sociais diversos. É obra sempre inacabada, em
processo de feitura e desfazimento. Giroux reforça a definição de cultura, ao citar o
artigo “
Subculture, Culture and Class”
, de John Clarke
et al.,
no livro
Resistance
Through Rituals
, editado por Stuart Hall e Tony Jefferson, com relação aos grupos:
19
Por cultura compreendemos os princípios de vida compartilhados
característicos de classes, grupos ou ambientes sociais particulares. As
culturas são produzidas à medida que os grupos compreendem sua
existência social no curso de sua experiência cotidiana. A cultura, portanto,
está em íntima relação com o mundo da ação prática. Ela é suficiente, na
maior parte do tempo, para administrar a vida cotidiana. Entretanto, como
este mundo cotidiano é por si mesmo problemático, a cultura deve
obrigatoriamente assumir formas complexas e heterogêneas, de forma
alguma livres de contradições. (CLARKE, 1976 apud GIROUX, 1997, p.
192).
Como se vê, Clarke aproxima seu conceito de cultura ao universo das
práticas cotidianas, que ele mesmo reconhece são problemáticas e complexas. Mas
é justamente nessa questão que nos compete estudar os fenômenos culturais, no
vai e vem dos discursos e das práticas sociais.
Caminhando nessa mesma direção, buscamos o conceito de José Luis
dos Santos, para quem a cultura é uma experiência eminentemente humana,
bastante distinta dos fenômenos meramente naturais, marcada por conflitos de
ordem política e social. Segundo o autor, a cultura é:
Uma construção histórica, seja como concepção, seja como dimensão do
processo social. Ou seja, a cultura não é algo natural, não é uma
decorrência de leis físicas ou biológicas. Ao contrário, a cultura é um
produto coletivo da vida humana. Isso se aplica não apenas à percepção da
cultura, mas também à sua relevância, à importância que passa a ter.
Aplica-se ao conteúdo de cada cultura particular, produto da história de
cada sociedade. Cultura é um território bem atual das lutas sociais por um
destino melhor. É uma realidade e uma concepção que precisam ser
apropriadas em favor do progresso social e da liberdade, em favor da luta
contra a exploração de uma parte da sociedade por outra, em favor da
superação da opressão e da desigualdade. (SANTOS, 1994, p. 45).
Na concepção dos Estudos Culturais, temática central de estudo deste
campo, a cultura é entendida, nas palavras de Marlucy Alves Paraíso, como “um
campo de luta em torno da significação social. Ela assume um papel constituidor e
não apenas determinado; um papel de produção, e o de produto” (2004, p. 3-4).
Contribuindo com essas colocações, para Tomaz Tadeu da Silva:
Nas tradições dos Estudos Culturais, pois, a cultura é entendida tanto como
uma forma de vida compreendendo idéias, atitudes, linguagens, práticas,
instituições e estruturas de poder quanto toda uma gama de práticas
culturais: formas, textos, cânones, arquitetura, mercadorias produzidas em
massa, e assim por diante. Ou como diz Hall, cultura significa “o terreno real
lido, das práticas, representações, línguas e costumes de qualquer
sociedade histórica específica”, bem como “as formas contraditórias de
“senso comum”, que se enraizaram na vida popular e ajudaram a mol-la
(HALL, 1986, p. 26 apud
SILVA, 2003, p. 14-15).
20
Para Carlos Rodrigues Brandão, a cultura:
[...] inclui objetos, instrumentos, técnicas e atividades humanas socializadas
e padronizadas de produção de bens, da ordem social, de normas,
palavras, idéias, valores, símbolos, preceitos, crenças e sentimentos.
Destarte, ela abrange o universo do mundo criado pelo trabalho do homem
sobre o mundo da natureza de que o homem é parte. Aquilo que ele fez
sobre o que lhe foi dado. (1985, p. 20).
Entendemos, portanto, que a cultura é a representação de um povo. É por
meio dela que conhecemos e procuramos reconstituir a história e a identidade de
cada grupo social. Neste sentido, a cultura passa a apresentar muitas variedades
simbólicas e molda a identidade de indiduos e de grupos ao dar sentido à
experiência e ao tornar possível optar. Ela não permite apenas que se descreva e
compreenda uma realidade, mas aponta caminhos para sua modificação, levando-
nos a entender o processo histórico que produz a sociedade e a própria cultura, as
relações de poder e confronto de interesses dentro da sociedade. Kathryn
Woodward enfatiza o aspecto hierárquico e hierarquizante da produção cultural:
Cada cultura tem suas próprias e distintas formas de classificar o mundo. É
pela construção de sistemas classificatórios que a cultura nos propicia os
meios pelos quais podemos dar sentido ao mundo social e construir
significados. Há, entre os membros de uma sociedade, um certo grau de
consenso sobre como classificar as coisas a fim de manter uma ordem
social. Esses sistemas de significação são, na verdade, o que se entende
por “cultura”. (2000, p. 41).
Portanto, é nesse processo histórico que as relações entre cultura e
educação tornam-se mais sólidas. Azoilda Loretto da Trindade, em entrevista com o
professor Muniz Sodré, fala da imporncia de se entender essa relação. A cultura,
segundo o professor, é a fonte que sustenta o processo educacional para formar
seres humanos e consciências. “A cultura é, pois, essa dinâmica de relacionamentos
que o indivíduo tem com o real dele, com sua realidade de onde vêm os conteúdos
formativos”. (SODRÉ, 1999 apud TRINDADE, 1999, p. 17).
A escola é o grande espaço cultural dentro desse novo mundo híbrido.
o há espaço para a neutralidade, como salienta McLaren, no prefácio da obra de
Giroux:
21
Sem dúvida, o professor como intelectual transformador deve estar
comprometido com o seguinte: ensino como prática emancipadora; criação
de escolas como esferas públicas democráticas, restauração de
comunidade de valores progressistas compartilhados; e fomentação de um
discurso público comum ligado aos imperativos democráticos de igualdade
e justa social. (MCLAREN apud Giroux, 1997, p. xviii).
Toda discussão em torno da cultura, seja ela em qualquer instância,
reflete-se diretamente na identidade cultural. Para isso, precisamos compreender
como se constituem as identidades culturais e como elas transitam neste processo
de globalização. Desta forma, partimos da definição que a cultura é construída
historicamente e, é a representação de que cada grupo social busca para
reconstituir a sua história.
2.3 Identidade cultural: caminhos a percorrer
A identidade é característica singular de cada indivíduo, é por meio dela
que nos diferenciamos dos outros e nos apresentamos como pessoa ou como grupo
social. Portanto, a identidade está relacionada ao contexto histórico dos indivíduos e
da sociedade, estando sujeita a mudanças e inovações.
Para Escosteguy, a identidade, dentro do âmbito cultural, sofre alterões;
novas comunidades e identidades estão sendo construídas e reconstruídas. Dessa
forma é preciso conhecer onde este assunto assume relevância. Ela aponta
inicialmente duas condições para a mudança na configuração das identidades:
[...] a primeira condição é reconhecer a desestabilização gerada pela
modernidade nessa discussão, assim como as implicações da problemática
da pós-modernidade e seu interesse na (re)construção das identidades. A
segunda condição para compreender a preocupação contemporânea em
torno das identidades é apontar, como pano de fundo, a existência da
globalizão. (2001, p. 141).
As mudanças trazidas pela globalização e pelas transformações sócio-
históricas das últimas décadas afetaram o modo como as pessoas passaram a se
representar nas sociedades modernas, contribuindo para o deslocamento das
identidades culturais. Segundo Hall, “à medida em que as culturas nacionais tornam-
se mais expostas a influências externas, é difícil conservar as identidades culturais
intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento e
da infiltração cultural”. (2002, p. 74).
22
O autor considera, ainda, que a globalização atua fortemente sobre as
identidades culturais, trazendo conseqüências distintas e, em muitos sentidos,
complementares. A primeira conseqüência que o autor aponta é que as identidades
locais estão passando por um processo de desintegração, como resultado do
crescimento da homogeneização cultural. Outra conseqüência é que as identidades
nacionais, bem como outras locais ou particularistas, estão sendo reforçadas pela
resistência à globalização, e a terceira conseqüência apontada é que as novas
identidades, classificadas por ele como híbridas, eso tomando o lugar das
identidades nacionais. De acordo com Helder Rodrigues Pereira, no artigo “A Crise
da Identidade na Cultura Pós-Moderna”:
A primeira e a segunda conseqüências poderiam se constituir em falso
dilema: ou as identidades nacionais são homogeneizadas ou resistem ao
processo globalizante. As pessoas pertencentes às culturas estão
irrevogavelmente traduzidas, no sentido de que são obrigadas a habitar
duas identidades diferentes. As culturas híbridas parecem indicar, no
Ocidente, que o processo de globalização faz parte de um lento e gradual
descentramento do próprio Ocidente. Ao hibridismo e à diversidade se
opõem o fechamento e a tradição como tentativas de se reconstruírem
identidades petrificadas. (PEREIRA, 2004, p. 95).
O impacto da globalização produziu o contato e a diversidade entre
diferentes grupos, nações, culturas e classes, abrindo espaço para as contradições
e diferenças que marcam esses grupos, que não podem ser considerados
homogêneos. Para Andréa Berenblum:
Toda cultura é, em si mesma, heterogênea. Não se trataria de uma cultura
comum da qual nos apropriaríamos todos por igual; seu caráter
heterogêneo se deveria à diversidade e desigualdades culturais dos
diferentes grupos entre si, das diversas nações entre si, dos sujeitos e
subjetividades entre si. (2003, p. 98).
Se pudermos pensar a coexistência de várias culturas como uma
constante da história humana, a questão, hoje, toma proporções extraordinárias,
devido ao fenômeno da globalização, que expõe as culturas umas às outras, mas
tanto as aproxima quanto pode discriminar umas em função de outras. Esse
fenômeno, sem dúvida, leva à modificação das culturas, produzindo um novo tipo de
subjetividade e de identidade.
23
As diferenças culturais não desaparecem; pelo contrário, o conhecimento e
a aproximação de povos e nações distintas geram uma maior consciência
da diferença nos estilos de vida e nas orientações valorativas, que podem
tanto expandir o horizonte de compreensão da ppria sociedade e cultura
quanto fechar-se para reforçar identidades étnicas, nacionais ou políticas
sectárias que se sentem ameaçadas. (GÓMEZ apud BERENBLUM, 2003,
p. 99).
A globalização contribui para aprofundar as desigualdades e contradições
inerentes à vida social, reproduzindo e acentuando o desenvolvimento desigual das
relações materiais e culturais. Para Berenblum: “as diferenças sociais, culturais,
étnicas, econômicas entre diversos grupos, regiões e nações continuam a ser
cimento tanto das desigualdades e contradições quanto das tendências à integração
e à globalização” (2003, p. 99).
Compartilhando dessa mesma noção, Woodward afirma que essa luta
pela identidade, no entanto, está marcada mais pela diferença do que pela unidade
que esses grupos possuem em comum: “essa dispersão das pessoas ao redor do
globo produz identidades que são moldadas e localizadas em diferentes lugares e
por diferentes lugares” (2000, p. 22).
Nesse sentido, como as identidades são fabricadas por meio da marcão
da diferença, estão associados nesse sistema os fatores simbólicos de
representação:
A identidade e a diferença são estreitamente dependentes da
representação. É por meio da representação, assim compreendida, que a
identidade e a diferença adquirem sentido. É por meio da representação
que, por assim dizer, a identidade e a diferença passam a existir. É também
por meio da representação que a identidade e a diferença se ligam a
sistemas de poder. (SILVA, 2000, p. 91).
Os sistemas de classificação são observados nas falas e nos rituais de
cada cultura, sendo pela construção de sistemas classificatórios que a cultura nos
propicia os meios pelos quais podemos dar sentido ao mundo social, construindo
significados. De acordo com Douglas:
[...] a cultura, no sentido dos valores públicos, padronizados de uma
comunidade, serve de intermediação para a experiência dos indivíduos. Ela
fornece, antecipadamente, algumas categorias básicas, um padrão positivo,
pelo qual as idéias e os valores são higienicamente ordenados. E,
sobretudo, ela tem autoridade, uma vez que cada um é induzido a
concordar por causa da concordância dos outros. (DOUGLAS apud
WOODWARD, 2000, p. 42).
24
A identidade cultural está relacionada à cultura nacional, aquela cultura em
que nascemos e que absorvemos ao longo de nossas vidas. Mas essa mesma
identidade está ligada ao outro, à alteridade, isto é, àquelas outras culturas das
quais a nossa se distingue e separa. Essa identidade, na verdade, é construída, não
é uma característica genética, herediria, ao contrário, é formada e transformada no
interior de uma representação. Para Hall (2002, p. 50), “uma cultura nacional é um
discurso, um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas
ões quanto a concepção que temos de nós mesmos”.
De acordo com o referido autor (2002), a identidade muda de acordo
com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, e sua identificação nem
sempre é automática. Hoje, o modelo de indivíduo unificado já não existe mais;
surgiu uma nova concepção de individualidade. Segundo o autor, as identidades
modernas estão sendo “descentradas”, ou seja, fragmentadas ou deslocadas. Diante
da experiência social criada pela modernidade, intensificada agora na modernidade
tardia, a identidade fixa, que o indivíduo ganha ao nascer e leva consigo até sua
morte, parece insustentável. A noção de indivíduo que se cria e é autônomo foi
obscurecida por uma noção muito mais complexa, que leva em conta as ingerências
da sociedade, da cultura, da história sobre o indivíduo.
As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social,
estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o
indivíduo moderno. Assim a chamada “crise de identidadeé vista como
parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as
estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os
quadros de referência que davam aos indiduos uma ancoragem estável no
mundo social. (HALL, 2002, p. 7).
Hall (2002) denomina esse processo de “crise de identidadee apresenta
as três concepções de sujeito construídas ao longo da história moderna. O sujeito
iluminista é compreendido pelo autor como um sujeito totalmente centrado, dotado
de razão, que correspondia a uma concepção individualizada. Mas esse modelo,
pelo caráter individualista e único, foi perdendo espo, dando lugar a uma nova
concepção de sujeito. Surgiu eno o sujeito sociológico, formado na interação entre
o eu e a sociedade. O sujeito não poderia ser formado apenas com a essência
interior, ele precisava da relação com o exterior. Mesmo sendo um sujeito interativo,
criado na primeira metade do século XX, surge nesse período o sujeito pós-
moderno, composto não de uma única, mas de várias identidades, nascido da
25
diversidade de culturas do mundo globalizado, tendo sua identidade construída e
reconstruída permanentemente ao longo da sua existência.
Podemos dizer, de fato, que essas três concepções de sujeito construídas
pelo autor refletem as mudanças que estão ocorrendo no mundo moderno, em
decorrência da globalização discutida anteriormente. O sujeito integrado perdeu o
espaço, passando a ocupar uma nova posição na sociedade, “a identidade
plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia, novas
identidades estão sendo despertadas. (HALL, 2002, p. 13).
Um fenômeno muito interessante que ocorre concomitantemente ao
processo de globalização, na verdade em resposta a ele, é o de resistência, isto é,
de reafirmação das identidades locais. Dessa forma, “[a]s identidades nacionais e
outras identidades ‘locais’ ou particularistas estão sendo
reforçadas
pela resistência
à globalização. As identidades nacionais estão em declínio, mas
novas
identidades
híbridas estão tomando seu lugar. (HALL, 2002, p. 69).
Isso, na verdade, apenas vem confirmar o caráter violento da globalizão,
que transpõe fronteiras culturais e políticas e altera drasticamente as relações
sociais. Como se trata de uma imposição, a resistência e a transgressão tornam-se
atos políticos razoáveis e até necessários na atual conjuntura.
Tomaz Tadeu da Silva (2005), citando um conceito desenvolvido por
Edward Said, fala do processo de diáspora, tão marcante no mundo contemporâneo,
isto é, o espalhamento causado pelos movimentos migratórios da modernidade
tardia, um tipo novo de nomadismo. Essa grande diáspora foa as diversas culturas
a experimentarem um intenso processo de hibridização, de mistura de cultura,
representações, linguagens. E é essa dura experiência de hibridizão que faz
questionar noções antigas de nação, raça e etnia. Essa hibridização o nasce da
harmonia e da boa vontade entre os povos, mas do conflito, da confrontação de
forças. Neste confronto, algumas culturas deixam suas marcas mais sobressalentes
do que as outras.
De acordo com Marlucy Alves Paraíso: “[...] o hibridismo é construído tanto
por meio do reconhecimento de alguns discursos e culturas, como por meio do
esquecimento e repressão de outros”. (2004, p. 4). Nota-se claramente aqui a
tensão constante entre aceitação e rejeição do outro, entre inclusão e exclusão.
Nessa direção, tamm comentando sobre o fenômeno do hibridismo, Tomaz Tadeu
Silva escreve:
26
O que a teoria cultural ressalta é que, ao confundir a estabilidade e a
fixação da identidade, a hibridização, de alguma forma, tamm afeta o
poder. O “terceiro espaço” (Bhabha, 1996) que resulta da hibridização não é
determinado, nunca, unilateralmente, pela identidade hegemônica: ele
introduz uma diferença que constitui a possibilidade de seu questionamento.
(SILVA, 2005, p. 87).
Dentro desse contexto, podemos afirmar que a identidade assumida pelos
indivíduos nunca é plena, ao contrário, ela precisa ser preenchida e desenvolvida. A
identidade é construção concebida em articulação com o passado e o presente.
A identidade é um assunto de “chegar a ser” como tamm de “ser”.
Pertence ao futuro quanto ao passado. Não é algo que já existe,
transcendendo lugar, tempo, história e cultura. As identidades culturais vêm
de algum lugar, têm histórias. Mas, como tudo o que é histórico, elas sofrem
uma transformação constante. Longe de estarem eternamente fixas num
passado essencializado, estão sujeitas ao contínuo “jogo” da história, da
cultura e do poder. Longe de estarem fundadas numa mera ‘reproduçãodo
passado que está esperando ser encontrado e que, quando encontrado,
assegurará nosso sentido de nós mesmos até a eternidade, as identidades
o os nomes que damos às diferentes maneiras como estamos situados
pelas narrativas do passado e como nós mesmos nos situamos dentro
delas. (HALL apud ESCOSTEGUY, 2001, p. 151).
Objetivando um melhor entendimento do conceito de identidade,
precisamos olhar como ela está inserida num ambiente de representão cultural,
isto é, de re-apresentação, de colocar novamente diante de si. Assim a
representação, compreendida como um processo cultural, constitui-se num fator
essencial. Ana Carolina Escosteguy utiliza-se das palavras de Stuart Hall para
reforçar o caráter representativo que a identidade assume:
[...] identidade é sempre em parte uma narrativa, sempre em parte um tipo
de representação. Está sempre dentro da representação. Identidade não é
algo que é formado fora e, no final, nós narramos histórias sobre ela. É o
que está narrado na nossa própria pessoa. (HALL apud ESCOSTEGUY,
2001, p. 151).
A autora ainda acrescenta: “se um sentido se perdeu, precisamos de
outro. Isso faz que tornemo-nos ciente de que identidades não são nunca completas,
finalizadas. Ao contrário, estão em permanente processo de constituição”. (2001, p.
151).
Portanto, a representação põe em evidência a linguagem. É por meio dela
que a identidade social e cultural do outro é apresentada. Ao mesmo tempo em que
a identidade do outro é construída, a nossa também se consti pelo discurso, pelas
27
narrativas.
2.4 Identidade cultural e linguagem
A relação entre identidade cultural e linguagem já é pensada, de acordo
com Jô Gondar (2000), desde Aristóteles, há cerca de dois mil e quinhentos anos, e
ainda continua a nos fazer pensar. Segundo a autora, não há uma identidade pronta
e acabada, ela está em processo de construção e reconstrução, e essa reconstrução
parte da linguagem, pois é no seu uso que as pessoas constroem e projetam suas
identidades. A linguagem constitui e permeia tudo o que nos cerca e a identidade é o
que nos diferencia dos outros, o que nos caracteriza como pessoa ou como grupo
social.
Dessa forma, ao agirem assim, as pessoas o reproduzem apenas as
relações de poder, elas podem refletir posições de resistência ao poder, de
emancipação, de diferenças, de vozes alheias que incorporam outros discursos e
ideologias, ao mesmo tempo em que as pessoas podem também se reposicionar,
transformando suas identidades, podendo, assim, agir sobre sua realidade social.
As identidades de um povo, além de estarem inseridas nos ambientes
culturais, estão intimamente ligadas à linguagem, mas eso longe de uma
homogeneidade, pois sofrem influência pelas diferenças étnicas, pelas
desigualdades sociais e regionais. Sobre isso, Peter Mclaren considera que:
A linguagem é o meio básico através do qual as identidades sociais são
construídas, os agentes sociais são formados, as hegemonias culturais
asseguradas, e, designando e agindo sobre a prática social. A linguagem
o é conduto levado a uma ordem imutável de coerência e estabilidade,
mas é geradora de realidade, a qual evoca e para a qual ela fala. É sempre
distorcida e está sempre distorcendo; mais do que resistir, ela convida a
uma variedade de interpretações e leituras. (MCLAREN, 2000, p. 30).
É no espaço artificial da cultura que o homem encontra a forma de se
relacionar com os outros, e nesse encontro as identidades, as línguas e as
variedades lingüísticas vão se constituindo. Dentre as várias expressões da cultura
de qualquer sociedade, nenhuma é tão fluida e ao mesmo tempo definitiva quanto a
linguagem. Segundo Kanavillil Rajagopalan:
28
A identidade de um indivíduo se constrói na língua e através dela. Isso
significa que o indivíduo não tem uma identidade fixa anterior e fora da
língua. Além disso, a construção da identidade de um indiduo na língua e
através dela depende do fato de a própria língua em si ser uma atividade
em evolução e vice-versa. Em outras palavras, as identidades da língua e
do indivíduo têm implicações mútuas. (RAJAGOPALAN, 1998, p. 41-42).
A língua se transforma no tempo e no espaço, portanto é uma constrão
histórica, e ao mesmo tempo é instrumento de construção da hisria, sendo
também um símbolo de identidade que possibilita aos indivíduos e aos grupos serem
identificados como naturais de uma cidade ou de um país.
A língua é uma das criões culturais da comunidade nacional, ou melhor, é
a primeira das suas criações que de alguma maneira as condiciona a todas
ou à maioria delas. E é, ao mesmo tempo, o símbolo da comunidade
nacional e o signo através do qual se identificam seus membros que,
falando a mesma língua se reconhecem como fazendo parte do mesmo
grupo, do mesmo povoado, da mesma nação. (SIGUAN apud
BERENBLUM, 2003, p. 21).
Para Jacob L. Mey, a sociedade também é representada e construída nos
discursos. A língua torna-se um instrumento no desenvolvimento da história de uma
comunidade:
A língua se relaciona com a sociedade porque é a expressão das
necessidades humanas de se congregar socialmente, de construir e
desenvolver o mundo. A língua não é somente a expressão da “alma” ou do
“íntimo”, ou do que quer que seja, do indivíduo; é, acima de tudo, a maneira
pela qual a sociedade se expressa, como se seus membros fossem a sua
boca. (MEY, 1998, p. 76).
Ora, a constrão da identidade cultural se dá pelo exercio da
linguagem, pela construção da resposta discursiva. O ambiente que envolve a
construção de identidades/alteridades é densamente povoado por “ordens
discursivas” diversas, para usar uma expressão Foucaultiana (COSTA, 2000). Isto é,
o indivíduo se constrói pelo discurso que produz a partir das diversas vozes que o
cercam.
Isso se dá num contexto politizado, de contestação ou aceitação de poder,
de relões distintas, desiguais, hierarquizadas. É pelo discurso que o indivíduo
atribui sentido ao que o cerca, inclusive a si mesmo. Linguagem e cultura criam
visões de mundo e de sujeito (COSTA, 2000). Ao falar sobre o outro, ao discursar
sobre o estranho, eu estabeleço uma diferea e então crio uma identidade, uma
“semelhança”, para mim mesmo.
29
Isto é particularmente perceptível e vivenciado até de forma dratica na
experiência do imigrante, que é forçado pelas circunstâncias a passar pelo processo
de espalhamento, de diáspora. Se ser polonês na Polônia, na Europa de hoje, já é
uma experncia de instabilidade e de provisoriedade, imagine-se ser polonês na
América do Sul, num país de outros costumes, valores, percepção de mundo, outra
realidade social, econômica e cultural. Nesse caso, a vivência da instabilidade do
sujeito é muito mais perceptível. Dessa maneira pode-se compreender que:
Para que um grupo étnico possa sobreviver com a fragmentação do
presente, algumas comunidades buscam retornar a um passado perdido,
através de narrativas de suas histórias identitárias de um passado, distante
e ao mesmo tempo presente, com um hibridismo étnico cultural
fragmentado de suas origens, procurando resgatar a sua identidade,
principalmente, através de fatores sócio-culturais e identitários. (BORSTEL,
2005, p. 5).
Uma das maneiras de os imigrantes construírem para si uma identidade
em terra estrangeira é pela construção de uma narrativa das origens, a crião de
um passado comum que unifique a comunidade em torno de uma etnia. De acordo
com Clarice Nadir Von Borstel (2005, p. 2): “é pelos atos narrativos que um grupo se
identifica, oferecendo pistas linísticas que permitem ao usuário, através da
linguagem materna vernácula, ser identificado pela sua etnia e cultura.
Aliás, etnia é algo que só se experimenta fora do país, no espaço do outro,
do estrangeiro. Pela elaboração discursiva, pela contão de uma história da
chegada, da fundação, pela crião de heróis, pela invocação de mitos e lendas, o
imigrante constrói uma identidade para si e assim se afirma e confirma no país em
que passa a habitar.
Além da linguagem, outro tro cultural que nos chama atenção na
construção da identidade cultural de um povo é a comida. Observamos esse
componente sendo explorado em nossas entrevistas, bem como comentaremos no
capítulo histórico. Para ilustrar parte desse processo de construção, buscamos as
contribuições do antropólogo social francês Claude Lévi-Strauss (
apud
WOODWARD, 2005), que busca na cozinha essa relação com a cultura:
30
A cozinha estabelece uma identidade entre nós como seres humanos (isto
é, nossa cultura) e nossa comida (isto é, a natureza). A cozinha é o meio
universal pelo qual a natureza é transformada em cultura. A cozinha é
tamm uma linguagem por meio da qual “falamos” sobre s próprios e
sobre nossos lugares no mundo. (LÉVI-STRAUSS apud
WOODWARD,
2005, p. 42).
Podemos então dizer que a comida é cultura, pois ela produz identidades.
Quando eu passo a entender os hábitos alimentares de um povo, logo eu passo a
compreen-lo melhor e a identificar nesse grupo quais os valores que estão sendo
preservados e afirmados. Utilizando a frase do filósofo francês René Descartes,
“penso, logo existo”, podemos adaptá-la, “como, logo existo”, ou seja, o que
comemos representa o que somos. De acordo com Claude Lévi-Strauss (apud
WOODWARD, 2005), a comida, além de atender à nossa sobrevivência, tamm
nos ajuda a pensar, estando carregada de símbolos e atuando como significante
nesse processo de construir e reconstruir identidades.
o poderíamos finalizar o capítulo sem discutirmos qual o papel da
educação nesse contexto de construção da identidade cultural.
2.5 Identidade cultural e educação
No subcapítulo identidade cultural: caminhos a percorrer, trouxemos à
tona as três concepções de sujeito, apontadas por Stuart Hall (2002), construídas ao
longo da história moderna. Como podemos observar, o sujeito individualista
preconizado pelo Iluminismo deu lugar a uma nova concepção de sujeito, composto
não de uma única, mas de várias identidades. Esse novo sujeito estava envolto na
crescente globalização e nos avanços tecnológicos que o conduziram, dessa forma,
a relacionar-se com a pluralidade cultural encontrada na sociedade.
Para dar conta dessa diversidade cultural, a educação assume um papel
fundamental nesse processo. É por meio da cultura que a educação busca subsídios
para promover cidadãos críticos e participativos, numa sociedade que caminha cada
vez para a multiculturalidade. Essa preocupação é apresentada nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN/MEC). Um dos temas discutidos no documento é a
“Pluralidade Culturale como a escola pode fazer para trabalhar com uma sociedade
composta por diversas etnias e também com imigrantes de diferentes países. O
grande desafio da escola diante dessa sociedade plural, de acordo com a Secretaria
31
de Educão Fundamental, é:
[...] reconhecer a diversidade como parte inseparável da identidade nacional
e dar a conhecer a riqueza representada por essa diversidade etnocultural
que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, investindo na superão
de qualquer tipo de discriminação e valorizando a trajetória particular dos
grupos que compõem a sociedade. Neste sentido, a escola deve ser o local
de aprendizagem de que as regras do espaço público permitem a
coexistência, em igualdade, dos diferentes. O aprendizado não ocorrerá por
discursos, e sim num cotidiano em que uns não sejam “mais diferentesdo
que os outros. (BRASIL, 1997).
Portanto, as questões do multiculturalismo e da diferença estão tomando
lugar de destaque nas discussões em educação, como afirma Tomaz Tadeu da
Silva: “[...] mesmo que tratadas de forma marginal, como ‘temas transversais’, essas
questões são reconhecidas, inclusive pelo oficialismo, como legítimas questões de
conhecimento”. (2005, p. 73). Ana Canen e Angela M. A. de Oliveira (2002) também
compartilham da idéia de que o multiculturalismo é tema de discussão nos debates
atuais. As autoras justificam essa intensa discussão em decorrência da
compreeno de uma nova sociedade que se configura, sociedade essa constitda
de múltiplas identidades, com base nas diversidades étnicas, culturais, raciais,
lingüísticas e em vários outros marcadores identitários. O multiculturalismo constitui,
portanto:
[...] uma ruptura epistemológica com o projeto da modernidade no qual se
acreditava na homogeneidade e na evolução “naturalda humanidade rumo
a um acúmulo de conhecimentos que levariam à construção universal do
progresso. O projeto multicultural, por sua vez, insere-se em uma visão pós-
moderna de sociedade, em que a diversidade, a descontinuidade e a
diferença são percebidas como categorias centrais. Da mesma forma,
contrapondo-se à percepção moderna e iluminista da identidade como
essência estável e fixa, o multiculturalismo percebe-a como descentrada,
múltipla e em processo de construção e reconstrução. (CANEN; OLIVEIRA,
2002, p. 61).
Dessa forma, podemos dizer que a escola é um dos espaços educacionais
para compreender a ação constante das identidades nesse novo mundo híbrido.
Novos olhares, novas práticas discursivas estão sendo exigidos dos educadores
comprometidos com a formação das futuras gerações. Neste sentido, Henry Giroux
afirma que: “os Estudos Culturais oferecem algumas possibilidades para os/as
educadores/as repensarem a natureza da teoria e da prática educacionais, bem
como refletirem sobre o que significa educar os/as futuros/as professore/as para o
32
século XXI”. (GIROUX
apud
SILVA, 2003, p. 88-89).
o podemos mais omitir que as discussões multiculturais tornaram-se
indispensáveis em todos os campos disciplinares. Nesse sentido, o campo dos
Estudos Culturais, de acordo com Marisa Vorraber Costa (2003), vem possibilitando
uma forma diferente de entender a educação:
De certa maneira, pode-se dizer que os Estudos Culturais em Educação
constituem uma ressignificação e/ou uma forma de abordagem do campo
pedagógico em que questões de cultura, identidade, discurso e
representação passam a ocupar, de forma articulada, o primeiro plano da
cena pedagógica. (COSTA, 2003, p. 54).
Buscamos tamm em Henry Giroux as contribuições dos Estudos
Culturais diante das questões da diversidade cultural encontradas nos espaços
escolares. De acordo com o autor, “a educação é um local de luta e contestação
contínuas” (2003, p. 86). Giroux completa: “os/as educadores/as não poderão
ignorar, no próximo século, as difíceis questões do multiculturalismo, da raça, da
identidade, do poder, do conhecimento, da ética e do trabalho que, na verdade, as
escolas já estão tendo que enfrentar”. (2003, p. 88).
Para o autor, a escola exerce um papel fundamental nesse processo. A
noção de identidade fixa que por algum tempo permeou a educação está dando
lugar a novas vozes, novas narrativas, e os professores precisam repensar sua
prática pedagógica. (GIROUX, 2003). Lúcio Kreutz, em seu artigo “Identidade étnica
e processo escolar”, define como a função da escola passa a fazer sentido dentro
dessa nova perspectiva:
[...] na medida em que seja capaz de preparar o aluno para viver no meio de
culturas diferentes, compreendendo as variadas situações multiculturais,
facilitando-lhe o domínio de outros costumes e formas de pensamento
diferentes dos próprios. Nessa perspectiva a escola pode ser concebida
como o espaço de encontro entre as diferentes formas de ser, de pensar e
de sentir, de valorizar, construídas em um marco de tempo e espaço que
o pertinência e identidade a indivíduos e grupos sociais. Deseja-se
despertar os alunos e a sociedade toda para a perspectiva intercultural,
para uma sociedade aberta, marcada pela diferença cultural. (1999, p. 92).
Diante dessa visão de uma sociedade multicultural, a educação é uma
grande ferramenta para trabalhar com a multidisciplinaridade, e os Estudos
Culturais, de acordo com Henry Giroux (2003), contribuem para esse grande
desafio, exigindo que os educadores deixem de ser transmissores de informação
33
para trabalharem na perspectiva de produtores culturais, questionando criticamente
o caráter ideológico e histórico da educação, cercado por conflito de interesses e de
poderes.
34
3 A IMIGRAÇÃO E A COLONIZÃO POLONESA EM LINHA BATISTA
A Polônia não morrerá enquanto nós vivermos”. Estes
o os primeiros versos do hino da Polônia, expressando
o forte sentimento nacionalista dessa nação eslava,
assentado no temor a Deus e na valorização da pátria e
da cultura. Eles demonstram a secular marca da
resistência polaca às sucessivas invasões e repartições
do seu território, impostas pelos países vizinhos, e as
conseentes campanhas de desnacionalização. Apesar
disso, mesmo sendo por vezes uma nação sem Estado,
a identidade polônica sobreviveu e está refletida nos
versos iniciais do hino polaco.
Fernando Tokarski
3
Nesta fase da pesquisa revisitamos o percurso histórico da imigração
polonesa e sua colonização na comunidade de Linha Batista, no período de 1890 a
1945. Consideramos relevante apresentar a revisão da trajetória do povo polonês
até o sul de Santa Catarina para compreendermos que, assim como a identidade é
construída ao longo do tempo por meio das memórias, dos discursos, dos saberes e
das instituições criadas pela comunidade, a história de um povo também é
construída nas narrativas, nos mitos de fundação da comunidade, da reconstrução
do passado para a constituição das identidades.
Neste capítulo não pretendemos fazer uma análise profunda e exaustiva
do movimento de migração, examinando detalhadamente todos os fatos
concernentes à história da colonização ou mesmo da educão na colônia, mas
procuramos focar nossa pesquisa nos seguintes aspectos: a condição social, política
e econômica em que se encontrava a Europa, impulsionando a procura de novas
terras; o cenário da saída e chegada dos imigrantes poloneses ao Brasil e Santa
Catarina; a construção de uma vida nova em Criciúma; a organização da
comunidade polonesa em Linha Batista/Criciúma; o papel da escola nesse contexto;
a nacionalização do ensino e os confrontos com a identidade étnica e a
reconstituição da cultura deste povo.
Vamos mostrar como a crião de um passado comum uniu os poloneses
de Linha Batista, e os une até agora, depois de mais de 100 anos, bem como a
tendência à heroicização dos protagonistas do passado por parte de muitos relatos
3
TOKARSKI, Fernando. Andar na aula: uma salvaguarda do polonismo. In: DALLABRIDA, Norberto
(org.).
Mosaico de escolas: modos de educação em Santa Catarina na Primeira República.
Florianópolis: Cidade Futura, 2003, p. 69.
35
fundacionais dos poloneses. Relacionamos também a história da colonização
polonesa com o que fala Stuart Hall sobre a diáspora nos séculos passados.
Mostramos o que aconteceu com eles no século XIX foi exatamente um processo de
espalhamento, motivado pela guerra, pela fome e pelos conflitos sociais.
o poderíamos deixar de lembrar tamm o conceito de hibridismo, tão
caro para os Estudos Culturais e como isso está refletido na história dos poloneses
no sul de Santa Catarina. De fato não há uma cultura polonesa pura entre nós, mas
sim uma experiência de mistura, de hibridização cultural. Essa hibridização cultural
teve início quando a Polônia no século XIX foi dividida entre russos, prussianos e
austríacos. A cultura polonesa pura não existia mais, havia uma miscigenação. A
polonidade que se tem hoje aqui está vinculada a uma idealização do passado e a
uma propaganda cultural do presente
3.1 O cenário da Europa
A Europa, durante o século XIX, estava passando por revoluções e
guerras, vivenciando problemas de ordem política e socioeconômica nos seus
países. Os italianos, os alemães, os portugueses e os poloneses viram-se obrigados
a buscar alternativas para a sobrevivência. As causas desses conflitos refletiam-se
na falta de emprego, na exploração do homem, na escassez de terra para o plantio
e, conseqüentemente, na fome. De acordo com Maria Therezinha Sobierajski
Barreto:
A América recebeu no decorrer do século XIX e inícios do XX contingentes
de população européias atraídos pelas possibilidades de novas áreas de
terras a serem cultivadas. O crescimento da população européia, a
escassez de recursos tecnológicos para produção de alimentos, o avanço
da Revolução Industrial, dispensando mão-de-obra e, por outro lado,
provocando a melhoria dos transportes transoceânicos, o agenciamento de
colonos, foram fatores dessa emigração européia iniciada no século XIX.
(BARRETO, 1983, p. 13).
Barreto salienta, ainda, que em virtude da abolição do tfico negreiro e da
procura de mão-de-obra, a partir de 1850, o movimento imigratório intensificou-se no
Brasil. Segundo a autora, em Santa Catarina a imigração contou inicialmente com
alemães e italianos, no entanto outros grupos étnicos foram somando-se à
população na terra catarinense É o caso dos poloneses que são encontrados em
36
maior número no norte do Estado, mas tamm na área sul, e na bacia litorânea do
Rio Tijucas”. (1983, p. 13).
A maciça imigração polonesa, formada basicamente por camponeses,
iniciou-se em nosso país quando a Polônia estava dividida em três partes
dominadas pela Rússia, Prússia e Áustria. Desde os finais do século XVIII e decorrer
do século XIX, a Polônia teve seu território repartido entre as potências vizinhas.
Essa ocupação repercutiu nas condições sociais, políticas e econômicas dos
poloneses.
Com o domínio estrangeiro sobre a Polônia, o povo começou a sofrer as
conseqüências. A liberdade do idioma nas escolas e nos atos oficiais estava
cerceada, na Igreja Católica havia perseguição e os cargos públicos não poderiam
ser ocupados por poloneses. Em decorrência desse aprisionamento, a maciça
imigração das terras polonesas recebeu a denominação de “febre brasileira”. Para
comentar melhor esse movimento, recorremos a Mariano Kawka
4
:
O movimento migratório atinge o seu ápice em 1890, no período da
chamada “febre brasileira”, fenômeno desencadeado tanto pela conjuntura
polonesa como pela situação que se verificava no Brasil. Aqui, a abolição da
escravidão, ocorrida em 1888, tornou crucial o problema da mão-de-obra
agrária. A solução encontrada foi a importação de colonos europeus.
Surgiram vários escritórios de recrutamento nos países europeus mais
propícios à imigração. Nas regiões mais favoráveis espalhavam-se livretos e
brochuras propagandísticas sobre as condições oferecidas pelo Brasil.
(KAWKA, 2003, p. 51).
Diante desse clima de incertezas e de instabilidade, os poloneses foram
obrigados a deixar sua terra natal em busca de melhores condições de vida, na
tentativa de preservar suas características identitárias, que estavam sendo
destruídas pelas potências ocupantes. De acordo com Fernando Tokarski (2003, p.
72), “foi em solo catarinense o primeiro registro da chegada coletiva de imigrantes
polacos no Brasil”.
Corroborando com essa informação, Kawka afirma:
4
Autor do artigo: “O Polonês como Língua Estrangeira para os Brasileiros”, publicado na Revista de
Estudos Polono-Brasileiros - PROJEÇÕES, ano VIII -1/2005. A revista é editada pela BRASPOL
Representão Central da Comunidade Brasileiro-Polonesa no Brasil. Congregação SOCIEDADE DE
CRISTO Província Sul-Americana e Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de
Varsóvia.
37
É sabido que o primeiro grupo de imigrantes poloneses, constituído de 16
famílias e totalizando 164 pessoas, aportou no Brasil em 1869, tendo
desembarcado em Santa Catarina, no porto de Itajaí, estabelecendo-se a
seguir em Brusque. Graças aos empenhos do pe. Antônio Zielinski e do
agrimensor Edmundo Sebastião Wos-Saporski, cognominado ‘Pai da
imigração polonesa no Brasil’, em 1871 esse mesmo grupo transferiu-se
para Pilarzinho, nos arredores de Curitiba. (KAWKA, 2003, p. 52).
É pertinente comentar que, anteriormente a esse movimento, houve a
imigração de um número relativamente pequeno de poloneses, motivados a deixar
seu país por razões meramente políticas. Kawka informa que:
Os primeiros poloneses vieram ao Brasil já no século XVII, como oficiais da
marinha holandesa que combatia os portugueses no Nordeste brasileiro
(1629-1637). Uma imigração polonesa mais intensa, de natureza política,
remonta aos inícios do império brasileiro. Trata-se de voluntários, de oficiais
que por várias razões ingressaram no servo militar no exército brasileiro,
prestando diversos de natureza militar. (KAWKA, 2003, p. 52).
Além da imigração militar, a contribuição polonesa também avançou no
campo profissional e científico: na engenharia, na educação e na medicina. Alguns
nomes: Engenheiro Edmundo Sebastião Wos-Saporski (1844-1933), responsável
pelos planos de colonização do Para; Roberto Trompowski (1853-1926), militar e
professor de matemática, sendo escolhido pelo presidente do Brasil Jo Goulart
como patrono do ensino militar brasileiro; Dr. Pedro Luís Napoleão Czerniewicz
(1839), que chegou ao Rio de Janeiro e foi uma figura conhecida pelo mundo
médico. (KAWKA, 2003)
.
3.2 O cenário da saída e chegada dos imigrantes poloneses ao Brasil e Santa
Catarina
Por razões de delimitação do foco, concentraremos nosso estudo na leva
de imigrantes poloneses que chegou ao Brasil no final do século XIX. Fernando
Tokarski cita as palavras de Romão Wachowicz
5
ao narrar a partida rumo ao Brasil:
5
Romão Wachowicz, autor do livro
Homens de Terra
(Curitiba, 1997), narra em seu livro a sorte de
uma família de emigrantes poloneses no Brasil, constituindo, ao mesmo tempo, a história dos
destinos de dezenas de milhares de outras famílias que, através de décadas, a partir de 1870, co-
criaram o Brasil Meridional, e, hoje em dia, por intermédio de seus descendentes, co-decidem da
sorte do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (SILVA; CASTRO, 2006).
38
Partiam atordoados. Não havia retorno. Libertavam-se da penúria, da
opressão, da perseguição. Aliciados e iludidos, demandavam o além-mar.
Quem poderia resistir à tentação? Todos tinham casos com o senhorio, com
o gendarme, com a caterva de vivaldinos. Os que tinham coração, os que
amavam a Terra-Mãe enxugavam as lágrimas e partiam em busca das
areias cintilantes, para no retorno atirá-las aos olhos do inimigo e cegar os
tiranos. Abandonavam searas de trigo. Tentados, sonhavam com melhor
sorte. Sonhavam com minas de prata, árvores-leiteiras, frutas-pão, ma
em desertos. Enquanto houvesse sangue nas veias, enquanto a vida
estivesse na primavera, era forçoso romper as cadeias e agir; buscar um
futuro mais risonho era a meta [...] Os agentes intitulavam-se donos de um
mundo onde leite e mel fluíam e recolhiam com avidez os níqueis das
vítimas aliciadas. Apoderavam-se dos lotes que o campônio abandonava e
alojavam-se em seus casebres. Iludidos, corriam para o desconhecido, em
busca de fazendas e castelos ilusórios. No porto, o passavam de um
bando de olhos vendados. Empurravam-nos ao navio. E eles subiam
humildes, mas não derrotados. (WACHOWICZ apud TOKARSKI, 2003, p.
72-73).
Percebe-se claramente, no relato de Wachowicz, o tom épico com que a
narrativa é feita. Há até mesmo uma alusão ao povo de Israel em sua saída do Egito
para a terra prometida, na qual de acordo com o relato bíblico “manava leite e mel”.
O texto fala do sonho dos imigrantes com “árvores-leiteiras, frutas-pão e maná em
desertos”. A narrativa faz dos colonos meras vítimas de mercadores espertalhões e
agentes da imigração, camponeses ingênuos, altivos, mas iludidos. Se a
comparação com a narrativa bíblica de Êxodo deve ser mantida, faltava um Moisés
que conduzisse o povo com integridade.
A perspectiva de uma vida melhor, inspirada na lenda de terras sem-fim
atraiu os imigrantes poloneses a buscarem uma vida melhor num país distante e
desconhecido. Conforme Kawka: “A promessa de progresso e de melhores
condições de vida no além-mar, aliada aos malefícios do desemprego e da fome,
dos salários baixos e dos cortiços, fornecia o estímulo para o êxodo em massa
(2003, p. 50). Além disso, panfletos eram distribuídos na Polônia apresentando o
Brasil como um país produtivo, conforme relata Acir Mário Karwoski e Beatriz
Gaydeczka
6
:
6
Autores do artigo: “Discurso, História e Identidade Polono-Brasileira”, publicado na Revista de
Estudos Polono-Brasileiros - PROJEÇÕES, ano VI -1-2/2004. A revista é editada pela BRASPOL
Representão Central da Comunidade Brasileiro-Polonesa no Brasil, Congregação SOCIEDADE DE
CRISTO Província Sul-Americana e Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de
Varsóvia.
39
O panfleto tamm traz informações sobre a moeda, agricultura, pecuária e
solo brasileiros, sempre mantendo a imagem relacionada às habilidades
agrícolas. Ou seja, esse panfleto intencionava atrair pessoas para “lavrar
as terras brasileiras. (KARWOSKI; GAYDECZKA, 2004, p. 58).
Com a imigração, os colonos poloneses depararam-se, além das
dificuldades de saída do país, com as adversidades de adaptação a um ambiente
com costumes diferentes, idioma, clima, falta de assistência médica, excesso de
burocracia e o não-cumprimento das promessas feitas pelo governo brasileiro. A
realidade apresentava-se diferente, faltava apoio e infra-estrutura.
Casimiro Tibincoski
7
, descendente de imigrantes poloneses de Linha
Batista e um dos primeiros a escrever uma narrativa da imigração, também comenta,
em seu livro
História da Colonização Polonesa: Linha Três Ribeirões - Liri
, a
chegada dos poloneses ao Brasil:
Como os demais imigrantes, também os poloneses vieram para o Brasil,
cheios de esperança de encontrar aqui a terra prometida, tão badalada
pelos agentes brasileiros. Qual não foi a decepção e surpresa quando aqui
encontraram apenas matas virgens, e ao invés de estradas, uma picada,
por onde só podiam passar a pé; e ao longo do caminho ou da picada, eles
deveriam construir suas barracas. Não vamos descrever aqui as cenas de
desespero, porém sabemos que muitas lágrimas foram derramadas. A
grande maioria queria voltar, no entanto, isso era impossível, pois os
recursos, a qual dispunham, logo se esgotaram e a ajuda do governo
brasileiro, cessou em dois meses, não tinham consulado no Brasil, pois
como sabemos, legalmente a Polônia o existia. Os Poloneses vieram
para cá como cidadãos russos ou austríacos. Esta situação os forçou a
viver fraternalmente em comunidade, pois caso contrário não sobreviveriam.
(TIBINCOSKI, 1997, p. 9).
Como se pode notar, a consciência étnica nasce e se intensifica na
experiência do exílio, no estrangeiro, isto é, é na chegada ao Brasil, portanto diante
do outro, no contato direto com a realidade da vida fora da pátria, que a polonidade
se evidencia. Para Kathryn Woodward (2005), os movimentos étnicos lutam para a
construção e afirmação de sua identidade, passando pelos campos simbólicos e
sociais. Podemos observar essa demarcação na construção dos espaços escolares,
religiosos e na busca pela manutenção dos hábitos alimentares, vestuário,
linguagem e na história dos antecedentes contados e recontados no dia a dia pelos
polonos.
Comentando sobre as dificuldades dos primeiros colonos poloneses que
7
O descendente polonês Casimiro Tibincoski e nosso entrevistado nasceu em 1925 e atualmente
reside em Linha Ribeirão/Içara/Criciúma (SC).
40
chegaram a Santa Catarina, Tadeu Studzinski relata a história de seus avós:
Os meus avós, eles vieram da Polônia aqui para a Linha Batista. Eu sei que
vieram de navio. O que gente sabe é que eles vieram porque o Brasil
precisava de imigrantes, então eles vieram. O que contam, é que foi assim:
lá eles trabalhavam como escravos, como tinha essa propaganda que o
Brasil precisava de imigração, precisavam de gente, eles se jogaram e
vieram. Quando chegaram aqui, não foi assim conforme a propaganda,
porque seis meses a um ano o Governo deveria dar comida e parece que
o agüentou seis meses. Então, vê que eles passaram dificuldade, mas
eles superaram, e quem veio para cá não quis mais voltar porque não tinha
condições, mesmo que quisesse voltar não voltava
8
.
Por meio da memória, pode-se preservar a cultura de um povo. Henryk
Siewierski
9
(2000, p. 7) considera que “[c]ontar uma história não é fazer justiça à
história, mas apenas dar-lhe um pouco de ateão, co-memorando o que foi
gravado na memória, perpetuando o que já poderia ter tido o seu fim”. É pela
memória dos descendentes e pelos traços culturais deixados na história, na cidade e
na escola, que se pode manter a continuidade de uma cultura em nosso país.
Antes de adentramos especificamente na chegada dos imigrantes
poloneses a Criciúma, buscamos a contribuição do historiador Ruy C. Wachowicz,
10
para conhecermos estatisticamente a quantificação dos imigrantes poloneses e dos
seus descendentes no Brasil. Segundo o autor, em virtude das contingências
históricas, é difícil precisar o número de imigrantes poloneses que se estabeleceram
no Brasil, mas ele afirma que:
[d]e 1869 até 1934 entraram no Brasil mais de 100 mil emigrantes
poloneses. De 1935 a 1970 entraram mais 25 mil imigrantes. O mesmo
historiador afirma que no período entre 1850-1955 entraram no Brasil cerca
de 130 mil poloneses, o que os coloca como o sexto contingente imigratório
no Brasil, após os italianos (1.500 mil), os portugueses (1.400 mil), os
espanhóis (600 mil), os alemães (225 mil) e os japoneses (188 mil).
(WACHOWICZ apud KAWKA, 2003, p. 54).
3.2.1 A constrão de uma vida nova em Criciúma
8
Entrevista realizada em 29 de outubro de 2002 pelas entrevistadoras: Tatiane dos Santos Virtuoso e
Andreane Fátima Tecchio do GRUPEHME. LinhaBatista/Criciúma (SC).
9
Professor Doutor pela Universidade Jagelloniana de Cracóvia (Polônia). Professor da Universidade
de Brasília, autor de diversos estudos e ensaios sobre a literatura polonesa e autor da obra: “História
da Literatura Polonesa” (2000).
10
Estudioso da problemática da imigração polonesa no Brasil. É citado no artigo de Mariano Kawka:
Circunstâncias Históricas da Imigração Polonesa ao Brasil.
Revista de Estudos Polono-Brasileiros
,
edição semestral, ano 5, 1/2003.
41
A chegada dos imigrantes poloneses a Criciúma, segundo Casimiro
Tibincoski (1997) e Otília Arns (1985), foi marcada por três momentos. As primeiras
famílias chegaram em 31 de outubro de 1890, instalando-se nas localidades de
Linha Três Ribeirões, Linha Anta e Linha Batista, eram profissionais e trabalhadores
das fábricas. Dona Irene Galant Bialecki e Vladislau Bialecki detalham, em
entrevista, os caminhos que os primeiros imigrantes poloneses tiveram de percorrer
para aqui chegar.
A primeira leva de poloneses de Linha Batista saíram (sic) do porto de
Bremem. Tomaram o navio alemão, de Kolm rumo ao Brasil. Ao chegar ao
Rio de Janeiro, feita inspeção de saúde, embarcaram em navio brasileiro
rumo ao Desterro, depois tomaram outro navio que os trouxe a Laguna,
onde partiram de trem até Pedras Grandes. Dali por diante viajaram de
carro de boi até Urussanga e Criciúma, aonde chegaram no dia 31 de
outubro de 1890. Vieram quinze famílias. Tinha: sapateiros, serreiros,
ferreiros, carpinteiros, eram todos profissionais. Chegaram aqui e tiveram
que começar a lavoura para preparar a comida. Em primeiro lugar, o
governo deu assistência para eles só dois meses, e eles vieram enganados.
Veja bem. Em 31 de outubro de 1890, a chegada para Criciúma. Já fazia
dez anos que os italianos residiam em Criciúma quando os poloneses
chegaram. Então, a razão que os levou a sair da terra natal foi o regime de
quase escravidão na Polônia, pois eram ameaçados de guerra o ps da
Polônia (sic). Tinha excesso de população, falta de liberdade religiosa,
porque o país já estava sendo tomado pela Rússia, Prússia e Áustria. Então
ali já tinha outra religião. A propaganda atraente do governo que atraiu. O
governo brasileiro se comprometeu em dar assistência durante um ano e
mal deram um ano
11
.
É digno de nota que, entre os primeiros imigrantes, havia um bom número
de artesãos, gente que já possuía habilidades e exercia uma profissão que não a
lavoura. Entretanto, aqui chegando, logo tiveram de adaptar-se ao novo contexto e à
nova realidade. As famílias desse primeiro grupo são:
Pedro Bykoski, Jacob Sklarski, Stefano Ptasinski, Francisco Kurosewski,
Paulo Strazaukoski, Francisco Bialecki, Stanislau Kostrzeski, Jo Zenler,
João Kuboski, Leon Piechatoski, Stauvislau Kuroski, Edmundo Longer,
Stefano Macieski, Felix Opocsjnski e Jejorski, os dois últimos solteiros, os
quais mais tarde migraram para o Rio Grande do Sul. (TIBINCOSKI, 1997,
p. 8).
O segundo grupo, também de trabalhadores das fábricas e profissionais,
chegou em janeiro de 1891, instalando-se nas localidades de Linha Cabral, Linha
Torres e Linha Espanhola. Destacamos as famílias:
11
Entrevista realizada em 20 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
42
Puziski, Prais, Lubawy, Formanski, Wasieski, Wisowaty, Bartosiak, Pelusek,
Bacianoski, Wronski, Koslark, Noak, Rutkoski, Kupinski, Ranieszeski,
Mrocskoski, Raieczyk, Radvanski, Sloviuski, Ruzanski, Suchenski, Sulceski,
Golambyeski, Szcresnj, Smieleski, Zadroski, Kuniarski, Rycrkok,
Krysthievicz, Slachta, Irmãos Cizeski, Francisco Stanislau e Vicente.
(TIBINCOSKI, 1997, p. 8).
O terceiro grupo, formado por agricultores, chegou em maio de 1891,
instalando-se em Linha Batista, iniciando assim a colonização dessa localidade.
Esse grupo apresentou uma característica particular. Preocupados com as
dificuldades de isolamento da terra natal e a saudade que teriam de enfrentar,
instalaram-se lado a lado, favorecendo dessa forma o relacionamento social e a
construção de uma comunidade. As famílias que chegaram nesse grupo foram:
João Klima, Roque Machinski, Eduardo Stachoski, João Miezieski, José
Choinaski, Gabriel Bartochak, Francisco Trzosek, Miguel Budny, Stanislau
Machinski, Antônio Demboski, Wosniewski Jo Rzatki, Miguel Pietrzak,
Kasmiercrak, André Studzinski, Wadislau Ranachoski, Mateus Budny,
Simão Tibinscoski, Pedro Krawcsyk, Szouvisnki, José Bartochak, Tomas
Stachoski, Jacó Slinger, Vicente Gaidzinski, Mateus Galant. Wadislau
Demboski, Ignácio Rzatki, João Milack, José Selinger e Martin Woiciechoski.
(TIBINCOSKI, 1997, p. 8-9).
Os primeiros anos, de acordo com Casimiro Tibincoski (1997), foram
tempos difíceis. Os poloneses queriam retornar à sua terra, mas com o pouco que
tinham isso era impossível. Nas palavras de Tereza Demboski Milak:
Prometiam muito, mas depois, choravam e choravam. Queriam voltar, mas
como? Não tinha dinheiro. O dinheiro se acabou. Também não vieram ricos,
nem com muito dinheiro. Com pouquinho dinheiro, logo se acabou. E eles
tinham que ficar, mas ficaram e sofreram. Mas sofreram e sofreram, essa
gente. Morreram muitos, porque, se dava uma doença, o tinha médico,
o tinha nada. Não tinha recurso nenhum. Então como eles sofreram!
Também com tudo, com comida, não tinha comida, se alimentavam com
pouco que juntavam, mas depois também tinham que ir sozinhos achar
comida e também comida não tinha, não existia, porque aqui tinha só
mato
12
.
Mesmo diante da injustiça social sofrida na Polônia e da decepção da
chegada ao Brasil, os imigrantes poloneses organizaram-se em comunidade e
começaram a construir uma nova vida, procurando, mesmo em contato com outros
grupos étnicos, a afirmação das suas características culturais, ou seja, da sua
identidade. Tomaz Tadeu da Silva esclarece, em seu artigo “A produção social da
12
Entrevista realizada em 28 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
43
identidade e da diferença”, que:
Afirmar a identidade significa demarcar fronteiras, significa fazer distinções
entre o que fica dentro e o que fica fora. A identidade está sempre ligada a
uma forte separão entre “nóse “eles. Essa demarcação de fronteiras,
essa separação e distinção, supõem ao mesmo tempo, afirmar e reafirmar
relações de poder. (SILVA, 2000, p. 82).
Nas entrevistas realizadas, pudemos observar indícios desse
distanciamento étnico, como forma de manter a unidade da comunidade. Exemplo
disso são os espaços distintos da igreja e do cemitério e, notadamente, a interdição
dos casamentos interétnicos. O Sr. Wadissuavo Milak confirma que, no início, os
casamentos com alemães e italianos não eram aceitos pelos pais, e relata sua
experiência ao casar-se com uma italiana:
É, meu pai falava um pouquinho (risos). Ele comentava que cada um devia
procurar a sua raça, mas a minha irmã tamm namorava um italiano. E
então eles aceitaram. Mas muitas famílias não queriam, não, que
casassem. Principalmente com os brasileiros, que não eram aceitos. Nós
tínhamos um lugar para se divertir (sic), s fazíamos um baile na casa,
sempre tinha uma sala de quatro por quatro. Aí de vez em quando se fazia
um baile ali. Se os donos não aceitavam, se fazia o baile em outra casa.
Então vinham os brasileiros lá da Próspera, aí eu chamava o meu pai para
ver se ele os deixava dar uma olhadinha. “Olhar pode!” Mas às vezes ele
o deixava, não
13
.
No livro
Circulando por lugares sagrados: reconhecendo a memória
religiosa de Criciúma
,
14
Ana Cristina da Silva e Cristiane Matiola Moraes reafimam
esse isolamento étnico, que é uma experiência comum a todos os povos que
migram para outros países:
No início da colonização, essa comunidade encontrava-se distante de
outras comunidades, convivendo basicamente com as famílias de
imigrantes poloneses, que se localizaram nas proximidades. Esse fato
contribuiu para que se isolassem e criassem formas aunomas de
sobrevivência, intensificando sua identidade étnica. Como foi colonizada por
imigrantes poloneses, os costumes e hábitos desse povo prevaleceram no
local, e um exemplo desse isolamento é a existência do cemitério que, ao
contrário dos outros da cidade, pertence a uma comunidade étnica, pois
pouco mais de 10 anos somente os descendentes de poloneses podiam ser
ali sepultados. (SILVA; MORAES, 2001, p. 83).
13
Entrevista realizada em 28 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
14
Circulando por Lugares Sagrados
:
Reconhecendo a Memória Religiosa de Criciúma
é um
livro organizado pelas professoras da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) Lucy
Ostetto e Marli Oliveira Costa, com o apoio da Prefeitura Municipal de Criciúma, Secretaria Municipal
de Criciúma e Fundação Cultural de Criciúma, 2001.
44
3.2.1.1 A organização da comunidade polonesa em Linha Batista/Criciúma
Era por meio da religião e da educação que os imigrantes poloneses
mantinham a tradição e, ao mesmo tempo, o fortalecimento cultural, com as
atividades de teatro, canto e dança. Na igreja, mantinham a preservação da fé; na
escola, uma formação básica para seus filhos, a fim de que eles aprendessem a ler,
escrever e fazer contas, para que pudessem se preparar minimamente para
enfrentar os desafios da vida no Brasil. Kazimierz Gluchowski
15
destaca o papel que
a Igreja e clero representavam nas colônias polonesas:
Trata-se indubitavelmente do primeiro lo que une os nossos emigrantes,
do primeiro e único campo, no período inicial, em que se faz sentir a sua
ação coletiva. Jogados numa terra que lhes era completamente estranha,
normalmente e no que diz respeito principalmente aos primeiros tempos
pouco conscientes quanto à sua nacionalidade, a vontade de ter um padre
polonês e uma igreja própria era praticamente a única maneira de
manifestar a sua dissemelhaa e, associando-se em sociedades para
construir uma igreja, lançavam as bases da futura vida organizacional.
(GLUCHOWSKI, 2005, p. 121).
Desse modo, a construção da capela foi o primeiro passo para a
organização da colônia em Linha Batista. Dona Irene Galant Bialecki descreve esse
marco hisrico:
Em 1895 construíram a primeira capela e então, como tinha gente na Linha
Três Ribeirões, na Linha Anta e Linha Batista, Linha Cabral, então
resolveram construir aqui, onde tem a fábrica de rótulos. Logo aqui uns
quinhentos metros, a primeira capela foi construída. Então colocaram a
imagem de São Casemiro, porque ele era o príncipe polonês, então era o
padroeiro da Linha Batista. Ficou uns anos ali uma capela de madeira. O
cemitério era no terreno do avô, aqui era um cemitério. Os falecidos eram
todos enterrados aqui. Depois, então, a igreja já estava meio velha e
acharam que o pessoal lá do fim da Batista era muito longe para vir aqui.
Então se reuniram e se combinaram de fazer a Capela de São Casemiro,
como esta que está até hoje no meio da Linha
16
.
Como se pode observar pelos relatos dos imigrantes, o elemento religioso
foi de grande importância para a afirmação da polonidade em terras brasileiras. A
15
Kazimierz Gluchowski foi o primeiro nsul polonês. Chegou ao Brasil em 1920, percorrendo os
Estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em sua bagagem cultural, o cônsul trouxe
uma vivência jornalística desenvolvida como redator de jornais poloneses em cidades norte-
americanas. Escreveu a obra:
Poloneses no Brasil: subsídios para o problema da colonização
no Brasil
, sendo a obra considerada a mais completa história da fixação dos poloneses nos Estados
sulinos. Essa obra foi traduzida para o português em 2005 pelo escritor Mariano Kawka.
16
Entrevista realizada em 20 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
45
criação de um espaço para o cultivo da religião, onde se poderia ritualizar os valores
tradicionais da cultura polonesa, juntamente com a língua, os cânticos sagrados, os
relatos dos santos de devão tradicionais, ajudou a estabelecer um território e uma
identidade de poloneses. A experiência religiosa talvez seja uma das manifestações
primordiais de uma identidade cultural. O espaço religioso já é por si só significativo
como experiência educacional. Entretanto, a educação ganharia entre os poloneses
um espaço muito mais privilegiado, a escola.
Após a construção da igreja, os imigrantes poloneses organizaram a
escola. Além da preocupação com a alfabetização dos filhos, a escola tamm
representava um espo para a manutenção da língua e a conservação dos hábitos
e costumes poloneses. Ainda que levando em conta a precariedade das instalações
escolares da época e o curto tempo de permanência dos alunos durante o período
escolar, alguns não passando de três anos de estudo, há que se considerar o
caráter pioneiro da preocupação dos imigrantes com a educação. Essa preocupação
antecedeu em muitos anos o interesse do próprio Estado brasileiro pela educação
da população desta região. Nievinski Filho
17
reforça essa preocupação:
Cientes de que uma educação aprimorada corresponde ao caminho
transformador e edificador da sociedade, é compreensível que a primeira
grande preocupação dos imigrantes poloneses, tão logo se
estabelecessem em alguma localidade, era a de garantir estudo para os
filhos. (NIEVINSKI FILHO, 2002, p. 88).
3.2.1.2 O papel da escola nesse contexto
De acordo com Otília Arns, “as primeiras escolas começaram a funcionar
entre os anos de 1907 e 1910, eram escolas particulares e as despesas eram por
conta das famílias” (1985, p. 88). Destacando a falta de instalação apropriada para o
funcionamento de uma escola e a formação precária dos primeiros educadores,
Casimiro Tibincoski descreve o início da educação dos imigrantes poloneses:
o podendo construir escolas, as crianças se reuniam, em casas
particulares, onde recebiam as primeiras instruções e como não tinham
17
Autor do artigo: “Os Poloneses em Porto Alegre”, publicado na Revista de Estudos Polono-
Brasileiros - PROJEÇÕES, ano IV -1/2002. A revista é editada pela BRASPOL Representação
Central da Comunidade Brasileiro-Polonesa no Brasil. Congregação SOCIEDADE DE CRISTO
Província Sul-Americana e Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Varsóvia.
46
trazido nenhum profissional de educação, os educadores eram escolhidos
entre os que sabiam mais, e assim, assumiram a educação os senhores:
João Machisnki e Gabriel Bartosiak, em Linha Batista; sendo todas as
despesas por conta dos pais dos alunos, que naquele tempo tornavam-se
pesado, mas tendo valido a pena. (1997, p. 11).
o esperando pelas iniciativas do governo brasileiro, os primeiros
colonos logo se preocuparam em criar um espo comunitário dedicado à educação
dos seus filhos. Pela livre iniciativa privada, surgiram as primeiras escolas. Logo a
seguir, buscaram auxílio no Consulado Polos no Brasil. No capítulo anterior
discutimos com os autores Henry Giroux (1997) e Tomaz Tadeu da Silva (2003) o
papel que a escola desempenha na formação do indivíduo, quando ele encontra no
universo escolar a diversidade cultural. Observamos que a comunidade, am de
preocupar-se com a educação, estava também procurando manter uma tradição. As
escolas, as igrejas e as sociedades culturais e comerciais serviram, entre outros
propósitos, para sustentar a sobrevivência da identidade cultural do povo polonês:
Por isso, centrado no trinômio escola-sociedade-igreja, o imigrante polônico
construiu a sua história brasileira pensando no futuro das gerações. Então,
desde cedo tratou de fundar escolas e sociedades que embora revelassem
as características étnicas de sua procedência, foram edificadas por sua livre
e espontânea vontade. Dessa maneira, numa terra completamente estranha
logo adotada como a nova pátria, na maioria das vezes sem qualquer apoio
público, o imigrante polaco cuidava da sua vida comunitária e
especialmente da instrução dos seus filhos. (TOKARSKI, 2003, p. 100).
De acordo com Casimiro Tibincoski,
18
a educação escolar das crianças
entre os colonos começou a evoluir com a chegada do padre Francisco Chylinski,
19
que fundou uma biblioteca, proporcionando o acesso a livros e revistas. Em 1915,
com a chegada do casal Estanislau Werpachowski e Helena Czyzinska
Werpachowski, a educação deu um novo salto. Juntos, deram continuidade aos
trabalhos já iniciados na educação dos filhos imigrantes e fundaram a Sociedade
Tadeu Koscinsko (nome dado em homenagem ao herói polonês que lutou pela
18
TIBINCOSKI,
Histórico da Colonização Polonesa, Linha Três Ribeirões Liri
, 1997; ARNS,
Otília,
Criciúma1880-1980: a semente deu bons frutos
, 1985.
19
De acordo com registro no Arquivo Municipal de Criciúma, em 1910 foi fundado o Curato e o padre
polonês Francisco Chylinski veio para a colônia de Cocal do Sul com o objetivo de amenizar os
conflitos entre os colonos. Ele falava, além da língua polonesa, o português, o alemão e o italiano. O
padre permaneceu na colônia cerca de 20 anos, pastoreando tanto a comunidade polonesa quanto a
italiana. Faleceu em 14 de março de 1931, trazendo um grande sofrimento aos poloneses que
tiveram que a partir desta data conviver com o seu sucessor, o Cônego João Domioni. O Cônego
passou a rezar somente na igreja italiana, tentando, desta forma, congregar as duas etnias.
(DOMINGOS, 2004, p. 32-33).
47
independência da Polônia), que alguns anos depois foi transformada em Sociedade
Agrícola Rolnik, que tinha como finalidade dar assistência agrícola aos imigrantes,
bem como desenvolver a cultura da colônia polonesa (TIBICONSKI, 1997). Os
professores Estanislau Werpachowski e Helena Czyzinska Werpachowski
pertenciam à Associação Profissional dos Professores das Escolas Poloneses
Particulares no Brasil.
Por meio dos relatos do Sr. Vladislau Bialecki, conhecemos a história e as
características físicas da escola de 1920: “Era uma escola de tábua serrada a braço.
Com madeira de mato. Ainda lembro dessa escola. Nós já andávamos nessa escola.
Depois foi fundada outra, e agora já é a terceira”
20
.
Ainda sobre esse assunto, o Sr. Maximiliano Milak comenta:
Quando vieram os imigrantes, ela nem estava aqui. Havia uma lá na
Próspera e outra na Linha Torres, mas depois eles resolveram mudar essa
escola para cá. Então ali, uma sociedade se organizou e fez uma
cooperativa rural para vender e comprar. E tinha um terreno maior, que
essa sociedade por fim pediu ao consulado um professor polonês de
Curitiba. Ali, então, fizeram uma escola polonesa, e juntaram aquela velha
escola polonesa que tinha lá e outra pra cá e iriam colocar aqui. Mas houve
umas desavenças (sempre tem) e algumas pessoas queriam colocar lá do
lado de lá da estrada, porque lá era mais enxuto e aqui era só uma
lombinha e tinha um banhado. Mas como esses daqui tinham acesso ao
consulado e era mais fácil arrumar o professor e tudo mais, então fizeram a
escolinha aqui e trouxeram o professor polos aqui, mas os do outro lado
tamm fizeram a escola. Fizeram uma casa e queriam que a escola fosse
. E, por serem pessoas que não se entendiam bem, os que fizeram a
escola do lado de lá não freentaram mais esta escola aqui e, sim, iam lá
para a Próspera, mesmo com essa escola aqui de frente
21
.
Percebe-se, nesse relato, que havia certa tensão na comunidade em
relação ao centro educativo. As divergências parecem apontar para certos conflitos
de interesse cujos detalhes se perdem nas brumas do tempo. O fato é que a tal
unidade social e étnica primordial, celebrada tão tradicional e vistosamente na
religião, parece oscilar e fraturar na educão, seja por motivos econômicos, por
vaidades pessoais ou interesses de ordem política local.
Em 1930, com o retorno do casal Werpachowski à Polônia, o Estado
enviou a professora Iria Zandomenego, que passou a ministrar as aulas em
português. Entretanto, os pais, não satisfeitos somente com o aprendizado dessa
ngua, solicitaram à União Central de Poloneses no Brasil, com sede em Curitiba,
20
Entrevista realizada em 20 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
21
Entrevista realizada em 06 de dezembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
48
um professor que pudesse ensinar também a língua polonesa. Chega à comunidade
o professor Stanislau Gonet. A professora permaneceu na comunidade até 1932
(TIBINCOSKI, 1997). Registramos que o professor Stanislau Gonet ficou hospedado
na casa dos pais do Sr. Casimiro Tibincoski, conforme ele relata em entrevista:
“inclusive eu aprendi muito com ele... fazia teatro. Eu já era maior, eu participava,
íamos em outras colônias com coral”
22
. Portanto, o professor Stanislau Gonet, am
do ensino da língua polonesa, buscava outras formas de cultivar a cultura polonesa:
mormente o teatro e o canto coral.
Para dar continuidade ao ensino e diminuir os custos, a comunidade optou
por ter apenas um professor que conciliasse as aulas de polonês e português.
Assumiu as aulas o professor Witalis Stasiaki, filho de imigrantes poloneses. Sua
passagem pela comunidade foi curta, mas procurou preservar a cultura, fundando a
sociedade de jovens (JUNAK) e organizando o voleibol. (TIBINCOSKI, 1997).
Percebe-se como o espaço educativo tornara-se rico em elementos de cultivo e
manifestação cultural: a arte, a literatura, o esporte e a cultura em geral.
Em 1937 o Sr. Casemiro Stachurscki, polonês naturalizado brasileiro, foi
enviado pela União Central da Polônia no Brasil e nomeado para exercer o cargo de
professor provisório da Escola Mista de Linha Batista, ficando responsável por dar
aulas nas duas línguas. As aulas polonesas eram subsidiadas pelo governo polonês,
que periodicamente providenciava visita de representantes para acompanhar e
incentivar o desenvolvimento dessa colônia.
Segundo a História da Colônia Polonesa, a escola era, até a Segunda
Guerra Mundial, provida de professores poloneses graças à União Central
dos Poloneses do Brasil, com sede em Curitiba, da qual fazia parte a
Sociedade Rolnik de Linha Batista, e graças às visitas esporádicas dos
cônsules poloneses. (ARNS, 1985, p. 89).
Segundo a pesquisadora Giani Rabelo
23
, em seu artigo Vozes e vidas de
professores e professoras, durante o período de 1932 a 1940 atuaram de forma
oficial, reconhecidos pelo governo brasileiro e pelo governo polonês, os professores,
Stanislau Gonet, Witalis Stasiaki e Casemiro Stachurski. (RABELO, 2005, p. 65).
Percebe-se que a presença de um educador de etnia polonesa era
22
Entrevista realizada em 05 de janeiro de 2007. Linha Ribeirão em Içara/Criciúma (SC).
23
Escola Casemiro Stachurscki: das aulas particulares/ comunitárias ao ensino público
municipal.
Criciúma: UNESC, 2005. (Cadernos da História da Educação das Escolas da Rede
Municipal de Criciúma; n. 2).
49
solicitação fundamental da comunidade local, o que favorecia a preservação da
ngua e dos demais elementos da cultura polonesa e ajudava a preservar a
identidade e a unidade do povo. Como até então havia liberdade total no Brasil para
esse tipo de associação e organização social e como os poloneses não
representavam amea aos interesses do governo brasileiro, muito pelo contrário,
as manifestações étnicas polonesas encontravam aqui solo fértil para seu
florescimento. Entretanto, esse quadro favorável logo iria mudar e dar lugar a um
período de repressão e sufocamento da identidade étnica polonesa.
3.3 A nacionalização do ensino e os confrontos com a identidade étnica
Em 1937, a colônia polonesa sofreu um golpe no seu desenvolvimento
com o processo de nacionalização do ensino desencadeado pelo governo de Getúlio
Vargas. Antes de discorrermos sobre as conseqüências desse golpe, procuramos
buscar o entendimento do processo de nacionalização do ensino. Segundo Giralda
Seyferth (1981, p. 175):
O programa de ão de campanha tinha como premissa erradicar as
influências estrangeiras atuantes, principalmente, nos três Estados do sul, e
incutir nas populações de origem européia (especialmente alemães,
poloneses e italianos) o sentimento de brasilidade. Esse programa,
portanto, pretendia a assimilação compulsória ou forçada das minorias
acima mencionadas, através de uma legislação específica, que colocou à
margem da lei a maior parte das instituições (sociedades assistenciais,
imprensa, escola, etc) consideradas “estrangeiras e que atingiu
principalmente as comunidades teuto-brasileiras.
As considerações pertinentes de Giralda Seyferth são corroboradas pelas
observações de Fernando Tokarski, que enfatiza a violência e o terrível efeito que a
política nacionalista de Vargas teve sobre a educão e a cultura polonesa:
A campanha nacionalista do Estado Novo foi um duro golpe nas culturas
étnicas do Sul do Brasil: a cultura e a educação oferecidas pelos poloneses
sucumbiram diante da pena ditatorial e dos aparelhos de repressão. As
escolas polonesas desapareceram, provocando um vazio que não alijou do
saber apenas os imigrantes polacos e seus descendentes, mas trouxe
tamm os demais que delas se nutriam, e, por conseqüência, trouxe
irrecuperáveis prejuízos sedimentados na ausência do conhecimento.
(2003, p. 70).
Mostraremos a seguir a situação das escolas da imigração polonesa no
Brasil em 1937. Ruy Christovam Wachowicz, em seu livro
As Escolas da
50
Colonização Polonesa no Brasil
, apresenta os dados na Tabela 1:
Tabela 1 - Situação das escolas da colonização polonesa em 1937
ESTADO
Escolas em
funcionamento
Escolas
Fechadas
Em
organização
Total das
Escolas
Paraná
Rio Grande do Sul
Santa Catarina
Espírito Santo
São Paulo
127
106
32
2
1
32
19
15
-
-
8
3
4
-
-
167
128
51
2
1
TOTAL
268
66
15
349
Fonte: WACHOWICZ, 2002, p. 89.
Diante desses dados, o autor considera:
Quando o imigrante polaco começava a aprimorar o intelecto dos seus
descendentes e ao mesmo tempo definitivamente adotava o Brasil como
sua nova nação, injusta e inesperadamente surgiu o golpe da campanha de
nacionalização. (
WACHOWICZ
, 2003, p. 101).
Reforçamos as palavras de Tokarski com o depoimento de nossa
entrevistada Dona Irene Galant Bialecki: “Foi um retrocesso. Entre outros, proibiu as
aulas em polonês nas escolas entre outras, e também foi proibido falar
rigorosamente em público outros idiomas, pois a pessoa iria presa”
24
. Como se pode
ver, o Estado pretendia, por meio da escola, disciplinar os imigrantes e seus
descendentes poloneses. De acordo com Tatiane dos Santos Virtuoso:
25
As escolas aparecem como colunas fundamentais deste processo, elas
contribuiriam decididamente para a resolução da raiz do problema. À
escola, coube o papel de nacionalizar aqueles que apesar de nascidos em
solo brasileiro, seriam orientados por meio da família, das escolas étnicas,
da igreja e demais setores da sociedade a cultivar o sentimento de
nacionalidade da pátria dos pais e avós. A transformação das escolas
étnicas em escolas estaduais foi a medida fundamental tomada pelas
autoridades a fim de que se efetivasse uma total reelaboração de diretrizes
e valores que contribuiriam para que se alcançasse o cidadão brasileiro.
(VIRTUOSO, 2004, p.13).
24
Entrevista realizada em 20 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
25
Para a obtenção do grau de licenciatura e bacharelado em História, escreveu o trabalho de
conclusão, sobre:
“Representações da Campanha de Nacionalização do Ensino: Experiências
de Criciúma (1930-1945
)”. A pesquisa foi realizada em duas escolas da Rede Municipal de Criciúma,
dentre elas, está a “Casemiro Stachurski”, localizada em Criciúma, Bairro de Linha Batista, objeto
tamm de nossa investigação.
51
Repentina e radicalmente, as leis brasileiras mudaram, as aulas em
polonês, até eno toleradas e incentivadas, foram proibidas e o professor Casemiro
Stachurski, admirado e respeitado pela comunidade, viu-se obrigado a retornar à
sua cidade. Casemiro Tibincoski assim se expressa sobre a questão:
As escolas em línguas estrangeiras foram suspensas, os professores e os
demais funcionários, para se manter no emprego precisavam apresentar a
quitação do serviço militar que até então não era exigido, o professor
Casemiro Stachurski, por ser estrangeiro, não pode apresentar, embora
fosse detentor do certificado de reservista de primeira categoria do Exército
Polonês. (TIBINSCOSKI, 1997, p. 16-17).
Podemos observar, no
Livro Termo de Visita
(ver anexo) da Escola
Municipal Pública de Linha Batista, o registro dos inspetores escolares com relação
ao professor mencionado, antes da Campanha de Nacionalização. Em 11 de
setembro de 1936, em visita à escola, o Inspetor Escolar deixa o seguinte registro:
“Minhas felicitações ao mundo escolar de Linha Batista, por ter encontrado no prof.
Stachurscki um elemento que serve plenamente aos seus interesses e ao interesse
da Instrão Pública”. No ano seguinte, após outra visita, feita em 8 de novembro de
1937, assim escreve o Inspetor Escolar: “Ao Sr. Professor os meus votos de louvor
pelo serviço prestado a nossa grande Pátria que também se tornou a sua”
.
Nesse momento, as palavras do inspetor de ensino reconheciam o
exemplo do profissional que atendia aos anseios da comunidade e aos interesses da
instrução pública, mesmo sendo estrangeiro. Entretanto, percebe-se no comentário
um indício de certa preocupação pelos perigos que um educador estrangeiro pode
vir a representar para a “grande Pátria”. Percebe-se também o sutil comentário sobre
o quanto essa “grande Pátria” brasileira havia sido apropriada pelo professor
Stachurscki.
Após a Campanha de Nacionalização, esse cenário mudou. A comunidade
ficou revoltada com a decisão do inspetor em retirar o professor Casemiro
Stachurscki da Escola, apresentando resistências em aceitar a professora Ada
Rampinelli. Casimiro Tibincoski (1997, p. 17) afirma: “a Colônia polonesa perdia, o
só o professor, mas também um grande líder, isso significa para ela o fim do
desenvolvimento da cultura polono-brasileira em Linha Batista”. No
Livro Termo de
Visita
, em junho de 1938, encontramos o depoimento do inspetor confirmando o
poder que a política nacionalista exercia na escola:
52
Observei que há, na localidade, pais de alunos, resistentes que ameaçam
de uma forma ou outra, a professora, dizendo que retiram as crianças ou
que não as mandam mais, si [sic] Casimiro Stachurski não voltar. Revoltado,
como brasileiro, e, como funcionário, disse categoricamente: A professora
poderá sair para melhorar sua situação, mas Casemiro Stachurski, o
voltará [está sublinhado] para Linha Batista, o por que é um mau
professor, pelo contrário, mas para fazer sentir que somos brasileiros e que
as autoridades e as leis do Paiz [sic] devem ser respeitadas. O professor de
Linha Batista, público ou particular, pelo que venho observando, só
podemó-lo admitir brasileiro nato. Tenho certeza que o Departamento
secundará meu ponto de vista. Portanto: Mesmo escola particular, não
admito, em Linha Batista, dirigida por estrangeiro!
Assim, diante desse fato, confirmamos o rigor da Política de
Nacionalização do Estado Novo, impondo algumas medidas: a professora escolhia
um aluno como vigia, com o objetivo de denunciar os colegas de classe que
continuavam com o hábito de falar a língua estrangeira; o professor tinha de ser
brasileiro e havia a vistoria rigorosa dos inspetores escolares quanto ao sotaque das
crianças. Com a proibição do uso da língua estrangeira, os alunos sentiam a
dificuldade de assimilar os conteúdos passados na língua portuguesa, trazendo
como conseqüência a redução na freqüência escolar e nas matrículas. Os alunos
sofriam ainda mais, pois em casa a língua falada era o polonês e na escola a
professora ensinava o português. Era por meio da escola que o Estado queria
nacionalizar os cidadãos nascidos em solo brasileiro, tomando como medida
fundamental a transformação das escolas étnicas em escolas estaduais. Segundo
Tokarski:
Entre outras providências drásticas, o Estado determinou o fechamento de
escolas particulares, as prefeituras interditaram as escolas primárias
municipais subvencionadas, demitiram o respectivo professorado e as
converteram em escolas municipais [...] As escolas comunitárias e
particulares foram fechadas e os professores não brasileiros foram proibidos
de lecionar. (TOKARSKI, 2003, p. 100).
Esse duro golpe do regime Vargas não estava somente interditando uma
ngua estrangeira e promovendo o patriotismo brasileiro em sua versão nacionalista
e hostil ao outro, mas estava acima de tudo apagando as memórias e tradições de
uma comunidade pequena, entretanto digna e altiva, e marcada pela diferença.
Estava negando a presença dessa etnia em solo brasileiro. Ao fazer isso, nossa
cultura brasileira perdia em muito a capacidade de aceitar o diferente e se
enriquecer nesse processo. Além do que, tal decreto assentava-se no pressuposto
de que havia uma cultura brasileira pura, que deveria ser mantida intocável e
53
preservada a qualquer custo, como se a miscigenação já não fizesse parte de nossa
história nacional, como se o hibridismo não fosse nossa mais importante
característica.
O decreto revela tamm o papel delicado que a educação formal, que a
instituição escolar, desempenha quando os interesses do Estado se tornam mais
fortes do que o interesse da nação. Mostra que a escola configura-se num elemento
estratégico de resistência, afirmação ou negação do outro. Mostra também que as
políticas do governo brasileiro foram particularmente bem sucedidas por um longo
período no que concerne à supressão de manifestações culturais estrangeiras e ao
controle da instituição escolar. Tudo isso mostra, enfim, que a escola revela-se um
espaço de disputa, de conflito muitas vezes silencioso e subliminar e outras vezes
bastante explícito, como é o caso dos registros do inspetor educacional.
3.4 Reinventando a cultura
Esse cenário de repressão das manifestações étnicas em solo brasileiro
mudou depois dos anos de 1940. A colônia de Linha Batista passou por
transformações. A preocupação com a valorização e a preservação da cultura
sempre marcou a comunidade, revelando sua resistência em se deixar assimilar
pela cultura nacional, tanto que:
Em relação à escola “Casemiro Stachurski”, a resistência da comunidade à
interdição da língua e da cultura polonesa conseguiu alguns resultados, pois
em 1959 a escola, até então chamada de escola de Linha Batista, aparece
nomeada como “Casemiro Stachurski”, nome daquele professor polonês
que foi obrigado a deixá-la. (RABELO et al., 2005, p. 43).
De acordo com Tibincoski (1997), o processo de aculturação entre as
etnias em Linha Batista se desenvolveu com a descoberta do carvão mineral, no ano
de 1945. Os diferentes grupos passaram a dividir mais os mesmos locais de
sociabilidade as igrejas, os clubes e as sociedades, o que propiciou, dessa forma,
uma integração maior e conseqüentemente até os casamentos interétnicos.
Em 6 de janeiro de 1980, quando Criciúma celebrava a Festa do
Centenário de sua existência, oficialmente o primeiro grupo polonês de cânticos e
danças fez sua apresentação no estádio de futebol de Criciúma. A partir dessa data,
a comunidade mobilizou-se fortemente, consolidando o Grupo Folclórico Polonês
54
Orzel Bialy (Águia Branca) de cânticos e danças, mantido pela Sociedade Orzel
Bialy, “que busca ser referência como local de memória da etnia polonesa em
Criciúma memória que se reporta à identidade étnica e à imigração européia que
veio para o Brasil no século XIX”. (RABELO
et al.
, 2005, p. 13).
Podemos considerar que a Festa do Centenário despertou nas etnias a
preocupação em reinventar as culturas étnicas em geral, e a cultura polonesa em
particular. A busca por uma identidade polonesa coincide com a busca por uma nova
identidade para a cidade, e ocorre ao mesmo tempo nas demais etnias: a italiana, a
portuguesa, a negra, a lusitana e agora a árabe. Nada é por acaso, nada é isolado.
O Professor Dorval do Nascimento comenta que essa transão de cidade
carbonífera para cidade étnica ocorreu em três processos históricos: modernização
urbanística, diversidade econômica e a mudança cultural, compreendidos no período
de 1945 a 1989. Antes de especificar os momentos históricos, o professor considera
que a década de 70 foi um marco importante nessa transição:
Boa parte da identidade urbana baseada na etnicidade é fruto do primeiro
governo do Altair Guidi (1977-1983). Foi nesse tempo em que os
monumentos foram erguidos, a cultura das etnias mais valorizada. Foi
nesse período que o foco começou a se direcionar para a etnicidade. No
entanto, o se pode esconder que boa parte das tradições e culturas foi
recriada. (NASCIMENTO, 2007, p. 2).
Portanto, de acordo com o professor Dorval do Nascimento, a cidade
passou a se preocupar inicialmente com a modernização urbanística. Para isso, os
trilhos deram lugar à construção da Avenida Centenário e do Calçadão,
conseqüentemente abrindo espaços para a construção de edifícios. Com a
modernização, surge um ganho na diversidade econômica. O carvão, fonte principal
de renda, passa tamm a dividir com os setores de vestuário e cerâmica a
economia da cidade. Após essas transformações, os grupos que aqui se
estabeleceram iniciam uma busca pela sua cultura, para firmarem-se como
descendentes de imigrantes: O professor ainda acrescenta:É importante notar que
todos os três processos, surgidos entre 45 e 80, negam a continuação da cidade
carbonífera e firmam a criação de uma nova cidade, de uma cidade com um novo
rosto”. (NASCIMENTO, 2007, p. 3).
É diante da construção e da solidificação deste cenário que a etnia
polonesa passou a reconstituir sua história. Para isso, a comunidade inaugurou em
55
1999 o Centro Cultural Octávia Búrigo Gaidzinski. O espaço serve para a realização
dos ensaios do Grupo Folclórico Polonês Orzel Bialy, para as reuniões da
comunidade, bem como para as apresentações teatrais. Além disso, há no Centro
Cultural um museu com peças etnográficas.
A festa em homenagem a Nossa Senhora de Czestochowa (Monte Claro),
padroeira e rainha da Polônia, é uma das manifestões mais forte de como a
comunidade tenta resgatar e preservar traços poloneses de sua identidade. Várias
pessoas estão envolvidas para manter essa tradição que acontece anualmente. É
por meio dessa festa que a comunidade de Linha Batista procura fortalecer seus
valores culturais, artísticos, religiosos e gastronômicos.
Podemos também observar a forte tradição da dança. Vários grupos da
comunidade, compostos por crianças e adultos, apresentaram danças
características de algumas partes da Polônia, como a região de Cracóvia e Lublin. O
Grupo Folclórico Polos Orzel Bialy, composto por 70 jovens e adolescentes,
apresenta-se com algumas roupas vindas diretamente da Polônia, como é o caso da
dança regional de Lublin. A dança da região de Cracóvia era reconhecida em todo
território polonês. Inicialmente essa dança era apresentada somente nos
casamentos, posteriormente ocupou os espaços culturais.
Atualmente, o grupo de danças reúne-se aos sábados no Centro Cultural
para ensaios de danças, sob a coordenação da coreógrafa Precedina Milak, que em
1988 viajou à Polônia para um curso de aperfeoamento. Dessa forma, percebe-se
que a preocupação com a restauração e preservação da identidade étnica polonesa
está viva, certamente uma representação hibridizada, até mesmo estereotipada do
ser polonês.
Na gastronomia, uma outra forma de manifestação cultural e de
construção identitária, a comunidade preserva, principalmente no interior, os pratos
típicos como: pão de milho, pastéis (
pierogi
), sopa de sangue de pato (
czarnina
) e a
sopa de beterraba. Embora no cotidiano a alimentação do povo seja mais próxima
da culinária brasileira, em datas festivas e momentos especiais a comida polonesa é
preferencialmente servida.
Recentemente, no dia 26 de agosto de 2006, em comemoração à etnia
polonesa, houve uma missa realizada na festa em homenagem a Nossa Senhora de
Czestochowa, cantada em polonês pelo coral da Sociedade Orzel Bialy. Durante a
missa, algumas leituras e preces foram realizadas na língua polonesa. Nessa
56
ocasião, tivemos a oportunidade de conversar com as crianças do interior da
comunidade e observar que elas não mantêm a tradição da língua, mas seus pais e
principalmente os as tentam mantê-las no convívio familiar. As conversas sigilosas
ainda são realizadas na língua polonesa. E ainda é tradição dos filhos chamarem
seus avós na língua polonesa (
babcia
“avó”,
Dziadek
“avô”). Parecem confirmar-
se as palavras de Kazimierz Gluchowski:
É verdade que nos centros urbanos, e mesmo nas colônias, a juventude se
utiliza da língua portuguesa mesmo na conversação familiar, mas é um
fenômeno característico que a língua do ps onde a criança nasce torna-se
para ela a língua de uso diário. Naturalmente, nos ambientes em que a
porcentagem dos brasileiros que falam em português é considerável, uma
certa parcela de jovens abandona por completo a língua polonesa, perdendo-
se, dessa forma, inteiramente para o polonismo. (GLUCHOWSKI, 2005, p.
317).
Embora hoje, na comunidade de Linha Batista, a língua polonesa não seja
mais falada pela juventude, mas somente entre os mais idosos, percebe-se a
preocupação pela reconstituição dessa tradição por meio de iniciativas como a do
Sr. Maximiliano Casemiro Milak
26
, que se dispõe a ensiná-la, demonstrando que a
ngua de seus antepassados ainda se perpetua. Observamos que esse ainda é um
espaço a ser conquistado, pois poucas pessoas participam dessa atividade. Nas
considerações de Hamerski
27
:
Antes que se tente pensar, a morte da língua polonesa no nosso meio não é
sinônimo de perda da identidade, pois ficam a beleza das artes psticas e
cênicas, a culinária, a religiosidade, os costumes, os rituais e a curiosidade
e interesse pela história dos imigrantes, revelando o sentimento de
descendência polonesa. É o muito que nos resta nos tempos hodiernos.
(HAMERSKI, 2002, p. 93).
Clarice Nadir Von Borstel
28
tamm acredita que:
26
Professor voluntário no Centro Cultural Octávia Búrigo Gaidzinski que ensina a língua polonesa ao
pequeno grupo de descendentes interessados na aprendizagem e no cultivo da língua.
27
Autor do artigo: “Identidade Cultural Polonesa no Rio Grande do Sul”, publicado na Revista de
Estudos Polono-Brasileiros - PROJEÇÕES, ano IV -1/2002. A revista é editada pela BRASPOL
Representação Central da Comunidade Brasileiro-Polonesa no Brasil. Congregação SOCIEDADE DE
CRISTO Província Sul-Americana e Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de
Varsóvia.
28
Professora da Unioeste Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Mestre em Letras, Doutora
em Lingüística e Pós-Doutora em Lingüística. Escreveu para a
Revista de Estúdios Literários da
Universidad Complutense de Madrid
o artigo: “O conflito étnico/cultural e interlingüístico de
descendentes poloneses”.
57
Para que um grupo étnico possa sobreviver com a fragmentação do
presente, algumas comunidades buscam retornar a um passado perdido,
através de narrativas de suas histórias identitárias de um passado, distante
e ao mesmo tempo presente, com um hibridismo étnico e cultural
fragmentado de suas origens, procurando resgatar a sua identidade,
principalmente, através dos fatores sócio-culturais e identitários. (BORSTEL,
2005, p. 5).
Embora nosso foco de pesquisa não pretenda incluir o fenômeno dos dias
atuais, podemos observar em nossa pesquisa o contraste que hoje a escola
Casemiro Stachurscki representa nesse processo de resgate da cultura polonesa.
Ela atua como um campo neutro a-étnico, transparente, espaço de completo
domínio do Estado, sem vínculo com a comunidade polonesa local. Não há
manifestações da cultura e da identidade polonesa. Trata-se de um espaço que não
mais representa a cultura da comunidade polonesa na região.
Retomando a significativa contribuição que os imigrantes poloneses
trouxeram para o progresso e o desenvolvimento do nosso país, reforçamos que,
mesmo com pouca instrução quando aqui chegaram, os poloneses marcaram e
marcam a tradição de sua história. Percebemos tamm que, apesar de terem sido
impedidos de cultivar seus traços étnicos e forçados a um processo de aculturação,
processo no qual a escola desempenhou um significativo papel, tanto de construção
da cultura polonesa inicialmente quanto de assimilação à cultura brasileira, hoje os
descendentes poloneses prezam os valores culturais dos antigos imigrantes.
Contudo, o que se tem hoje não é mais uma cultura polonesa pura,
possível apenas no imaginário dos atuais descendentes, mas uma cultura agora
hibridizada, que mescla elementos de brasilidade e de polonidade. Essa, como
veremos mais adiante, vai ser a marca da experiência identitária do imigrante
polonês no sul de Santa Catarina.
58
4 INVOCANDO MEMÓRIAS PARA CONSTRUIR IDENTIDADES
Quando se quer estudar os homens, é necessário olhar
bem de perto; mas para estudar o homem é preciso
aprender a levar longe o olhar; é necessário antes de
mais nada observar as diferenças para descobrir as
propriedades.
ROUSSEAU
29
Pretendemos, com este capítulo, demonstrar, por meio da análise das
entrevistas realizadas com os descendentes poloneses, como a teoria apresentada
no capítulo segundo se aplica à realidade de uma comunidade local. Mostraremos,
neste caso, como a identidade cultural está vinculada à linguagem, aos hábitos, aos
costumes, à alimentação e à cultura de um povo. Vamos expor também como
ocorreu o processo de diáspora, ou seja, o espalhamento no final do século
passado, como a identidade sólida do sujeito foi fragmentada com a pós-
modernidade, como a hibridização cultural, a mistura, a assimilação foi testificada
em nossas entrevistas e como a construção identitária foi sendo estabelecida.
As entrevistas feitas revelam dados fundamentais sobre a história da
identidade cultural do povo polonês no Sul do Brasil, em Linha Batista, Criciúma
(SC), e mostram fundamentalmente como a educação foi a mola propulsora para a
construção e a reconstrução dessa identidade. A preocupação com a educação foi
uma das primeiras iniciativas concretas desse grupo após sua chegada e instalação
na comunidade. A escola nasceu de fato no beo da colonizão.
Para a coleta das entrevistas, utilizamos como critério a escolha de
descendentes poloneses na faixa etária entre 70 e 90 anos, que puderam, por meio
de suas memórias, nos ajudar a entender a construção e reconstrução sociocultural
e histórica da colonização polonesa no período de 1890 a 1945. Entrevistamos 11
pessoas, sendo sete homens e quatro mulheres. O presidente da comunidade, a
coreógrafa do Grupo Grupo Folclórico Polonês Orzel Bialy (Águia Branca)
e o diretor
da escola não estão nessa faixa etária (são mais jovens), mas foram fundamentais
para nos revelar os projetos e aspirações da comunidade de hoje.
29
ROUSSEAU apud BRANDÃO, Carlos Rodrigues.
Identidade e etnia construção da pessoa e
resistência cultural
. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 6.
59
Elaboramos um questionário (ver anexo), que serviu de guia para auxiliar
nossa conversa. Receptivos e demonstrando inicialmente certa timidez, os
entrevistados logo ficavam à vontade e a conversa, após alguns minutos, transcorria
num clima de muita descontração. Tivemos a oportunidade de conhecer a família, a
casa, as fotografias, livros e nos emocionar com a história de uma etnia minoritária
em nossa região, mas relevante na sua contribuição para a diversidade cultural.
Nossos entrevistados foram: Vladislau Bialecki, Maximiliano Casemiro
Milak, Casemiro Tibincoski, Irene Galant Bialecki, Tadeu Studzinski, Wadissuavo
Milak, Tereza Demboski Milak, Vitória Kubaski Mafinski, Volnei Milak, Precedina
Cabreira Milak e Alcione de Oliveira. Recorremos também, às entrevistas realizadas
pelo Grupo de Pesquisa Hisria e Memória: o Processo de Educação em Santa
Catarina (GRUPEHME/SC), no período de 2002 a 2004, para complementar nosso
trabalho.
Para a apresentação desta análise, primeiramente vamos buscar nas
entrevistas as narrativas da origem étnica do povo polonês e da fundação de uma
nova vida em outro país. Em seguida, olharemos como a comunidade polonesa foi
organizada. Como procurou por um tempo manter a unidade, criando espaços
distintos, como a igreja, o cemitério e a escola, e interditando a realização de
casamentos com pessoas de outras etnias. As entrevistas testemunham também o
processo de diáspora vivenciado pelo povo polos e como a cultura deu lugar à
hibridização. Trataremos especialmente do papel da escola nessa construção,
considerando a sua trajetória e os posteriores confrontos étnicos originados pela
nacionalização do ensino. Focaremos também, neste contexto, a perda da língua
polonesa e veremos, finalmente, como a escola hoje está completamente destituída
de sinais de polonidade.
No capítulo histórico, comentamos que a chegada dos imigrantes
poloneses ao nosso país ocorreu em 1890, período denominado de “febre
brasileira”. Essa corrente imigratória propagou-se com rapidez em decorrência da
crise que havia se estabelecido na Europa e das oportunidades oferecidas no Brasil.
Kazimierz Gluchowski comenta a força desse período:
60
Aproxima-se o memorável ano de 1890. O ano da famosa “febre brasileira”.
Aproximam-se os anos que já foram descritos por mais de uma pena e aos
quais devemos o “Senhor Balcer”. Tem início o segundo período da
colonização do Brasil pelos poloneses. Segue em multidão, do Reino da
Polônia, não apenas o criado de cavalariça, mas tamm o campos sem
terra; não apenas o operário de fábrica, mas também ricos fazendeiros
seguem para o além-mar. Essa é a data em que surge no Brasil, pela
primeira vez, o polonês da zona de ocupação russa. (GLUCHOWSKI, 2005,
p. 33).
Podemos observar, nessas palavras, que esse período tornou-se um
marco para a história da imigração em nosso País. O governo brasileiro motivou os
imigrantes poloneses a construírem uma nova vida aqui, despertando com isso um
movimento impetuoso difícil de ser controlado, ou como nos diz Gluchowski: “o
causador de toda a geena
30
de sofrimentos dos nossos emigrados”. (2005, p. 33).
Nossa entrevistada, Dona Tereza Demboski Milak, lembra-se das histórias que seus
pais lhe contavam quando seus avós aqui chegaram:
Era muita pobreza. Muita gente. Muita guerra também, pouca terra também.
Cada um tinha um pedacinho de terra, pouquinho, não dava para viver, não
dava para se sustentar com isso ali. Diziam eles que iam ter ouro e o sei
o quê, não sei o quê. Prometiam muito, mas depois, choravam e choravam.
Queriam voltar, mas como? Não tinha dinheiro. O dinheiro se acabou.
Também o vieram ricos, nem com muito dinheiro. Com pouquinho
dinheiro, logo se acabou. E eles tinham que ficar, mas ficaram e sofreram.
Mas sofreram e sofreram, essa gente. Morreram muitos porque, se dava
uma doença, não tinha médico, não tinha nada. Não tinha comida, se
alimentavam com pouco que juntavam, mas depois também tinham que ir
sozinhos achar comida, e também comida não tinha, o existia, porque
aqui tinha só mato. Então aqueles palmitos, eles comiam do mato, caça e
pesca também. Choravam bastante. Ficavam doentes. Morriam um ou outro
e até tinha lugares, dizem e soubemos que tem lugares aqui no Paraná que
deu uma epidemia e aí morreu a família toda. Não tinha remédios. Não
tinham recursos.
31
Na fala do Sr. Casimiro Tibincoski, observamos também o registro da
chegada dos imigrantes poloneses e as dificuldades encontradas na nova terra:
30
Palavra grega que quer dizer “inferno”.
31
Entrevista realizada em 28 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
61
Nem é bom falar, depois que a princesa Isabel assinou a liberdade dos
escravos, quer dizer que eles precisavam de mão-de-obra e passavam a
operários, comou aquela propaganda louca de trazer imigrantes, tanto da
Polônia como da Alemanha, era super populoso, e lá eles trabalhavam
quase em regime escravo, eram trabalhadores e patrões. Lá, quem tivesse
um hectar de terra era rico, , então aqui tinham à vontade. Então eles
vieram, muitos deles, pelo que escutei que eles falavam. Depois queriam
voltar, mas não tinham mais meio, porque não tinham a ajuda do governo.
Eles não davam mais assistência, tiveram que se virar com a caça, pesca,
palmito para comer.
32
Analisando nossas entrevistas, observamos que um bom número de
entrevistados guarda lembranças profundas a respeito da diáspora, do
espalhamento causado pelos movimentos migratórios e das conseqüências trazidas
aos imigrantes poloneses, ocorrida no final do século passado. Não temos como
contemplar todos os depoimentos, mas recorremos a Ana Carolina Escosteguy
citando Stuart Hall, ao discutir as implicações dos movimentos migratórios na
contemporaneidade:
Do lugar de milhões de pessoas deslocadas, de culturas deslocadas, de
comunidades fragmentadas do ‘Sul’ que foram retiradas de suas
‘comunidades já estabelecidas, de seus ‘sentimentos já alocados’, de suas
‘verdadeiras relações vividas, de seu ‘modo de vida’. Essas pessoas
tiveram de aprender a desenvolver outras habilidades, aprender outras
lições. São produtos de novas diásporas que estão se delineando no
mundo. São obrigados a viver pelo menos duas identidades, a falar pelo
menos duas linguagens culturais, negociando-as e traduzindo-as
mutuamente. (ESCOSTEGUY, 2001, p. 149-150).
A partir dessa citação, podemos nos reportar à experiência da diáspora
que foi vivenciada pelos imigrantes poloneses. Após esse processo de
espalhamento, as famílias procuraram estabelecer-se nos estados do Paraná e
Santa Catarina. De acordo com Fernando Tokarski, “foi em solo catarinense o
primeiro registro da chegada coletiva dos imigrantes polacos no Brasil” (2003, p. 72).
Em nossa região, a chegada dos imigrantes poloneses foi registrada em três
momentos: em outubro de 1890, em janeiro de 1891 e em maio de 1891, fixando-se
nos seguintes bairros: Linha Três Ribeirões, Linha Anta, Linha Batista, Linha Cabral,
Linha Torres e Linha Espanhola.
Diante de todas as dificuldades encontradas no percurso, os imigrantes
poloneses não deixaram de preocupar-se com a organização dos seus espaços
sociais. Essa organização era a forma encontrada para a demarcação de um
32
Entrevista realizada em 5 de janeiro de 2007.Linha Ribeirão em Içara/Criciúma (SC).
62
território, ou como nos diz Tomaz Tadeu da Silva: “Afirmar a identidade significa
demarcar fronteiras, significa fazer distinções entre o que fica dentro e o que fica
fora” (SILVA, 2000 p. 82). Confirmamos essa preocupação com a demarcação de
fronteiras no relato de Dona Irene Galant Bialecki e do Sr. Vladislau Bialecki:
Irene:
o avô dele [Vladislau]
e mais duas pessoas saíram na mata virgem
cortando trilhas e pesquisando para onde eles iam. Ali em Linha Três
Ribeirões construíram um enorme barraco para eles residirem.
Vladislau:
Lá eles pararam um ou três meses ali, porque aqui a Linha
Batista era decidida para dar aos poloneses, mas o era medida ainda.
Irene:
Faltava ainda o topógrafo, para fazer a divisão dos lotes.
Vladislau:
Então eles foram obrigados a ficarem parados ali até medirem
todas as terras.
Irene:
Para marcar os lotes. Tal número, tal número é o lote tal. Então o Vô
dele veio primeiro para escolher um lugar melhor. Eno todo esse nosso
terreno aqui. (mostrando o lugar que eles moram).
Vladislau:
Então ele desceu lá do morro, de onde começa a Linha Batista e
vai até perto do Morro da Fumaça. Então ele passou o primeiro, segundo,
terceiro, quarto e quinto e ele escolheu
33
.
Irene:
Gostou desse lugar aqui
34
.
Salientamos que a demarcação de território não é só a que é feita pelo
topógrafo. Demarca-se o território pela constrão de casas, nome às ruas,
construção de capelas, escolas, pras, pelo próprio discurso dos habitantes.
Além da preocupação com a demarcação do lote e a construção das
casas, os imigrantes poloneses procuraram construir na comunidade a capela, o
cemitério e a escola. Esses espaços representavam um valor inestimável aos
poloneses e uma forma de transmitir a cultura e manter a unidade da etnia.
Procuravam, dessa forma, aproximar-se mais com as semelhanças do país de
origem, preservando as tradições culturais. Percebemos esse sentimento de
unidade e de identificação com a nacionalidade polonesa na fala do Sr. Maximiliano
Casemiro Milak: “Aqui, na verdade Linha Batista era uma pequena Polônia, o
tinha outro povo metido no meio”
35
.
No capítulo histórico, mostramos, pela entrevista de Dona Irene Galant
Bialecki, como a comunidade se organizou para a construção da capela (Figura 1) e
33
Entrevista realizada em 20 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
34
Entrevista realizada em 20 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
35
Entrevista realizada em 6 de dezembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
63
como a religião foi um elemento forte para a afirmação da identidade cultural do
estrangeiro em terra brasileira.
Figura 1 Igreja São Casemiro. Inauguração em 1930
Fonte: Acervo do Centro Cultural Octávia Búrigo Gaidzinski de Linha Batista/Criciúma.
Nas palavras de Kazimierz Gluchowski, que pesquisou a colonização
polonesa no Brasil, reforçamos o papel que a Igreja Católica exercia na comunidade:
Cansado do trabalho, não tendo tempo para cuidar de nada am de
conseguir um pedaço de pão, o colono não se esquece da igreja e, logo que
em qualquer lugar se reúne num pequeno grupo, começa a tomar
providências visando a um padre polonês e à construção da sua própria
igreja. (GLUCHOWSKI, 2005, p. 122).
No relato que segue, Dona Tereza Demboski Milak confirma a fé e a
religiosidade do seu povo, mesmo diante das dificuldades encontradas também com
o idioma. Percebe-se em seu relato o caráter educacional da experiência religiosa,
formador da cultura de um povo. Evidentemente, o espaço religioso é marcado pelo
controle do poder e pelos conflitos inter-culturais. Dona Tereza comenta:
64
Tereza:
Quando veio o padre, o primeiro padre polonês, Padre Francisco
Chylinski, e então eu fiz a primeira comunhão com ele. Depois a gente
aprendeu a cantar a missa tudo em latim também. Tinha um homem que
acho que já era da Polônia também, mas ele já cantava aqui nas missas,
então eu acho que ele aprendeu com um aqui da Linha Batista. Ele nos
ensinou a ler tudo em latim. Então, cantamos em latim.
Isabel:
Vocês só cantavam em latim? Mas tiveram que aprender latim e
português?
Tereza:
Não, português não. Nada disso. Só latim, porque naqueles tempos
os padres rezavam para frente do altar. Tem gente que morreu. Aí foi duro
para os poloneses porque, para se confessar, como? Como se confessar se
os poloneses o entendiam? Eles eram acostumados com o padre
polonês, então o padre polonês não rezava as missas em polonês. Era em
latim naquele tempo. Então, depois que ele faleceu, veio o padre Dominoni
(brasileiro). Vieram depois mais outros padres, mas ficaram só pouco
tempo. Ele perguntava em polonês: “Roubou? Brigou?”. Era uma pergunta
assim, em polonês. Ele fez uma folhinha assim, escrita as palavras em
polonês, com o português escrito do lado, e depois perguntava. Não
entendíamos também, mas depois íamos aprendendo, devagar
36
.
Assim como a igreja tornou-se um espaço distinto na etnia polonesa, o
cemitério, de acordo com Tatiane dos Santos Virtuoso, construído em 1929, também
era um local restrito aos descendentes poloneses: “há apenas mais de uma década,
passou a ceder espaço para os não-poloneses”. (VIRTUOSO, 2004, p. 27).
Como podemos observar, a comunidade polonesa criou formas para
manter o isolamento étnico. Havia resistência dos pais com relação aos casamentos
interétnicos. Dona Tereza Demboski Milak afirma que no início da colonização “eles
não se misturavam”, italianos e poloneses, mas quando questionada sobre o seu
tempo, percebemos que um novo olhar para o outro/diferente já se fazia presente:
No meu tempo ainda não podia. Poder podia, mas o se misturavam
assim, porque naquele tempo, eu não me lembro bem, mas no tempo que
vieram essas minas de carvão. Até lá ninguém se misturava. Aí depois,
quando vieram essas minas, foi chegando o pessoal lá dos outros lugares e
vieram até os pretos. Aí se misturavam. Aí começou a se misturar os
poloneses
37
.
Confirmamos, na entrevista com o Seu Wadissuavo Milak, a resistência
dos pais em aceitar os casamentos interétnicos dos filhos:
36
Entrevista realizada em 28 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
37
Entrevista realizada em 28 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
65
Isabel:
O senhor casou com uma italiana. Não teve problema nenhum?
Wadissuavo:
É, meu pai falava um pouquinho! (risos) que devia cada um
procurar a sua raça. Mas a minha irmã também namorava um italiano. A
Rosália. E então eles aceitaram, mas muitas falias não queriam, não, que
casassem, principalmente com os brasileiros, que não eram aceitos. Nós
tínhamos para se divertir, s faamos um baile na casa, sempre tinha uma
sala de quatro por quatro. Aí de vez em quando se fazia um baile ali. Se os
donos não aceitavam, se fazia o baile em outra casa. Então vinham os
brasileiros lá da Próspera, aí eu chamava o meu pai para ver se ele os
deixava dar uma olhadinha: “Olhar pode!” Mas às vezes ele o deixava,
não.
Isabel:
Mas o senhor sempre percebeu que a resistência maior era com
brasileiros e não com os italianos? Eles não queriam muito que se
aproximasse muito dos brasileiros.
Wadissuavo:
Porque achavam que era mais brava, não sei o quê. As
moças tinham medo de dançar com os brasileiros. (risos)
Isabel:
Agora, com os italianos podia. Não havia problemas.
Wadissuavo:
Então, depois, mais tarde, os brasileiros foram muito
respeitados, depois aqui na Linha Batista. Com a vinda da mina misturam
muito. Aí agora aqui quase todos os polacos se casaram com italianos ou
com brasileiros. Tem poucos poloneses casados com poloneses. Tinha
lugar onde ou eram primos ou segundos primos
38
.
No momento em que começaram a ocorrer os casamentos interétnicos,
podemos dizer que a etnia polonesa já estava miscigenada, ou como nos diz Clarice
Nadir Von Borstel: “As antigas fontes de ancoragem da identidade, a falia, o
trabalho, a igreja, entre outras estão em evidente crise” (2005, p. 2). As identidades
hegemônicas que por muito tempo tentaram manter-se isoladas cederam espaços a
novas identidades ou, como discutimos no capítulo teórico, a hibridização já estava
em andamento. Isso nos remete a Ana Carolina D. Escosteguy, que busca em
Nestor García Canclini o entendimento da identidade como um processo de
hibridização:
A identidade é entendida enquanto uma narrativa que se constrói; um relato
reconstruído incessantemente e não uma essência dada por uma vez e em
forma definitiva. Uma narrativa construída pelos e entre diversos atores
sociais, mas que se realiza em condões desiguais devido às relações de
poder que intervêm. Dessa maneira, a identidade torna-se uma co-produção
que inclui a presença de conflitos pela coexistência de nacionalidades,
etnias, gêneros, gerações, constituindo-se simultaneamente em
representação e ação. (ESCOSTEGUY, 2001, p. 179-180).
Antes de iniciarmos nosso percurso pela educação/escola, por meio das
38
Entrevista realizada em 28 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
66
narrativas de nossos entrevistados, vamos destacar outro item de relevância
cultural: a comida típica, que marcou na memória desses descendentes da cultura
polonesa. Observamos na fala do Wadissuavo Milak:
Ah, a comida era mais simples, porque não era como eles fazem às vezes
nas festas. Tinha comidas gostosas também, mas não todos os dias. A
comida era também feijão, minestra, arroz com uma galinha ensopada, ou
então polenta com o pão de milho. Tem muita gente que fazia pouca
polenta, mas na casa do meu pai só se fazia o de milho no sábado. Então
bado, domingo, segunda e terça, tinham pão de milho. Aí, depois, polenta
ou pirão de farinha de mandioca com carne ou salame ou com ovo.
Isabel:
O que não pode faltar na casa de um polonês?
Wadissuavo:
Pão de milho! Hoje não sei as outras falias, mas aqui em
casa a mulher sempre faz pão de trigo. E tem gente que faz pão de milho.
Todo sábado ou uma vez por semana eles faziam uma fornada desse pão
39
.
Ao falarmos de comida, os entrevistados também recordavam de outro
elemento cultural relevante na história da cultura polonesa: os rituais de preparação
para Páscoa (Figura 2) e o Natal. Esses momentos envolviam a família num clima de
festa e retorno às origens, como nos conta Wadissuavo Milak:
Antigamente nós cozinhávamos o ovo para a Páscoa, o ovo de galinha. A
minha mãe cozinhava e pintava de tinta ou de casca de cebola para ficar
bem vermelho. Tingia os ovos e ficavam ovos de Páscoa. Mas assim como
hoje que tem nos mercados, tudo pronto, as pessoas nem sabem o que
comprar. Então, aquilo não existia. Pode ser que lá na Polônia existia gente
que tinham mais poder e talvez se continuasse a tradição. Mas aqui,
quando veio para cá, as coisas se acabaram. Para o Natal ou para Páscoa
sempre se preparava algo, como o de trigo. Compvamos farinha de
trigo e fazíamos aqueles pães e fazíamos esses assados. Tinha gente que
assava pato, galinha, que assavam pernil de porco. Temperavam bem e
assavam. Não tinha carne para comprar nos mercados como se tem hoje. A
gente tinha que ver se alguém carneava criações, as pessoas iam lá
comprar
40
.
Como se pode perceber, Wadissuavo fala da comida em termos de
tradição, isto é, de um aprendizado pela linguagem, pelo exercício da memória, num
contexto de família e de passagem de gerações.
39
Entrevista realizada em 28 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
40
Entrevista realizada em 28 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
67
Figura 2 Símbolo da Páscoa, casca de ovo pintada a mão
Fonte: Acervo do Centro Cultural Octávia Búrigo Gaidzinski de Linha Batista/Criciúma.
Para nossos entrevistados Irene Galant Bialecki e Vladislau Bialecki, a
tradição das comemorações do Natal é mantida até hoje na falia:
Quando a primeira estrela nasce, todas as famílias polonesas se reúnem
para que o ritual seja iniciado. O filho mais novo do casal ascende uma vela
próxima ao pinheirinho montado junto ao presépio. O mais velho começa a
leitura do trecho da Bíblia: Lucas, capítulo dois, que descreve o nascimento
de Cristo. Em seguida os familiares rezam um Pai Nosso em agradecimento
a Deus pelo ano que passou. São várias orações. Um momento marcante
da celebração ocorre durante a partilha do Opuatek, que é uma espécie de
hóstia não consagrada. Os chefes da casa são: o pai e a mãe. Ao
segurarem... Então, pegamos uma hóstia daquelas e quebramos ao meio e
eu tiro uma pontinha do dele e como, e ele tira uma pontinha do meu e
come, e nós nos pedimos perdão, parabenizamos, se desejamos, mas
antes se canta tamm cânticos poloneses da noite de Natal. Primeiro o
casal, depois cada filho tira um pedaço do pãozinho do pai e tira outro
pedacinho do pãozinho da mãe e pede desculpa e se felicita com boas
novas. Depois cada irmão tira um pedacinho do irmão, fazendo a fração do
pão. É como a gente tem que partilhar
41
.
Percebemos, nessas narrativas, a iniciativa de um povo em manter vivas
as tradições dos pais e avós imigrados, mesmo diante de uma nova geração que
passa a conviver com os conflitos interculturais. Novamente trazemos à tona um dos
aspectos relacionados ao hibridismo. Pesquisadores envolvidos com os estudos
culturais revelam preocupação com a formão das identidades de grupos étnicos
41
Entrevista realizada em 20 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
68
(minoritários) e os confrontos pela fragmentação de uma identidade.
As identidades culturais consideradas homogêneas passaram a conviver
com a diversidade cultural da contemporaneidade. Esse reflexo tamm atingiu a
etnia polonesa, que por longo tempo procurou conservar seus espaços distintos. De
acordo com Homi Bhabha, estudioso dos processos identitários étnicos e nacionais:
A articulação social da diferença, da perspectiva da minoria, é uma negociação
complexa, em andamento, que procura conferir autoridade aos hibridismos culturais
que emergem em momentos de transformação histórica” (BHABHA, 2005, p. 21).
A comunidade de Linha Batista começou a ser construída em 1891, com a
vinda da terceira leva de imigrantes poloneses. Uma das iniciativas desse grupo que
merece nossa estima e exposição detalhada (fundamentada nos depoimentos) é a
criação de uma escola para a instrução dos filhos. O que mais nos chama a atenção
nessa história é quanto às dificuldades enfrentadas, a falta de um lugar adequado
para o ensino, a falta de material didático, falta da orientação de um profissional da
área, o professor era escolhido na comunidade e pago pelas famílias. Como critério
dessa escolha, buscava-se o imigrante mais instrdo e experiente para ensinar as
crianças a ler, escrever e fazer as quatro operações matemáticas. Para o historiador
Lúcio Kreutz, essa iniciativa tornou-se na história da educação uma experiência
cultural inédita:
Na história da educação brasileira registra-se uma iniciativa singular das
escolas comunitárias de imigrantes. No entanto, o processo escolar étnico
no Brasil o foi uma característica de todos os grupos de imigrantes. Os
alemães, italianos, poloneses e japoneses, ao se estabelecerem em áreas
rurais formando núcleos populacionais com características e estruturas
marcantemente étnico-culturais, tiveram mais visibilidade enquanto
imigrantes e promoveram as escolas elementares comunitárias. Estas
escolas tinham uma conotação fortemente étnica. As colônias alemãs,
italianas e polonesas, isoladas por longo período, empreenderam uma
ampla estrutura comunitária de apoio ao processo escolar, religioso e
sociocultural, à semelhança dos países de origem. (KREUTZ, 2000, p.159).
A iniciativa do imigrante polos no sentido de cuidar da educão dos
seus filhos está relacionada também à falta de escolas mantidas pelo governo, bem
como ao desinteresse das autoridades por essas etnias minoritárias, sendo essa
iniciativa uma das formas de preservar a língua polonesa e viver em liberdade.
Fernando Tokarski (2003, p. 89) faz lembrar que, no período inicial da imigração, o
ensino no Brasil não era obrigario, portanto “fora dos centros urbanos inexistiam
escolas e mesmo neles o acesso ao ensino era um privilégio”. Mesmo diante de um
69
quadro desfavorável, os poloneses “tinham, no ensino um esteio de preservação da
cultura, ao mesmo tempo em que para o imigrante a escola possuía o papel de
promover a gradativa aculturação, preparando-os para a vida na nova terra” (p. 89).
Em seu artigo “Vozes e vidas de professores e professoras”, Giani Rabelo faz
referência ao depoimento do Sr. Casimiro Tibincoski, que confirma os primeiros
professores escolhidos pela comunidade:
A preocupação com a educação escolar das crianças é algo que
acompanha a comunidade de Linha Batista desde a época em que se
constituiu como núcleo de colonização polonesa. Conta o Sr. Casimiro
Tibincoski que a maioria dos imigrantes poloneses eram alfabetizados na
própria língua. Mesmo sem condições de construir um estabelecimento
escolar, as crianças eram reunidas em casas particulares para receberem
as primeiras instruções e como “não tinham trazido nenhum profissional da
educação, os educadores eram escolhidos entre os que sabiam mais, e
assim, assumiram a educação os senhores: Jo Machinski e Gabriel
Bartosiak, em Linha Batista [...]”. Entretanto, o Sr. Casimiro Tibinscoski, num
outro depoimento, afirma que ainda existiam em Linha Batista outros
professores que ensinavam o polonês: o Bruinsk, o Inácio Kubaski e o
Mafinski, que davam aulas particulares. (RABELO, 2005, p. 55-56).
No capítulo histórico, fizemos um relato das primeiras escolas que
surgiram, nos anos de 1907 e 1910, pela livre iniciativa dos imigrantes poloneses.
Com a vinda do padre Francisco Chylinski a Cocal do Sul, em 1910, o ensino
começou a progredir, pois o padre preocupou-se em oferecer à comunidade outras
formas de acesso à educação, como revistas e livros que conseguia por intermédio
da imprensa em Curitiba. Em 1915 o casal Dr. Estanislau Werpachowski e Helena
Werpachowski (Figura 3) chegou a Linha Torres e deu continuidade ao ensino,
oportunizando também aos imigrantes poloneses a fundação da Sociedade Tadeu
Koscinsko, que mais tarde tornou-se Sociedade Agrícola Rolnik, colaborando na
assistência agrícola dos imigrantes e no desenvolvimento da colônia polonesa. Dona
Tereza Demboski Milak fala desse casal tão admirado pelos poloneses:
Tinha um bem famoso, era médico, farmacêutico. Ele ia de cavalo para a
serra para curar o pessoal. Sabe que estrada que tinha lá para a serra
naquele tempo. Mas era ela a nossa professora. Ela já dava aula um pouco
em português e um pouco em polonês. Mas eu não aprendi nada em
português. Eu me casei e não sabia falar nada em português. Nada, nada.
42
42
Entrevista realizada em 28 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
70
Figura 3 Família Estanislau Werpachowski e Helena Werpachowski
Fonte: Acervo pessoal do Sr. Arlindo Milak.
De acordo com os depoimentos, a primeira escola, construída em 1920,
apresentava características muita singelas. Retomamos a fala de nosso entrevistado
Vladislau Bialecki
43
: “era uma escola de tábua serrada a braço”. Como não havia
muito espaço, os alunos se reuniam na mesma sala, permanecendo na escola até a
terceira série: “já pensou primeiro, segundo e terceiro ano tudo numa sala só. Era
uma paçoca”, comenta Seu Tadeu Studzinski
44
na entrevista. Além da simplicidade
do lugar, os alunos tamm não possuíam material didático adequado para o
aprendizado. Casimiro Tibincoski nos relata essa situação:
Quer dizer que alguns dois ou três sabiam ler e escrever, porque a maioria
era analfabeto e tinham alguns que sabiam ler e escrever. Então tinha uma
escolinha ali que não havia livros, não havia nada, né. É assim, cada aluno
que ia, eu estudei dois anos, mas cada um levava o livro que tinha em casa,
até livro de igreja de reza, o livro que tinha em casa.
45
Outro fato que nos chamou a atenção nos depoimentos dessa fase é que
as crianças trabalhavam na agricultura com os pais, tendo muitas vezes que
conciliar estudo e trabalho, quando não desistir do estudo, pois todos da família
estavam envolvidos nessa atividade. Na memória de Wadissuavo Milak a lembrança
43
Entrevista realizada em 20 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
44
Entrevista realizada em 22 de novembro de 2006. Linha Batista/Cricma (SC).
45
Entrevista realizada em 5 de janeiro de 2007. Linha Ribeirão em Içara/Criciúma (SC).
71
desses dias difíceis continua viva: “Então, tanto eu como o meu irmão com oito
anos, levantávamos às três horas da madrugada para descascar mandioca e, depois
às sete horas, nós deixávamos o serviço e se aprontava para ir para a escola”
46
.
Percebemos claramente o reflexo dessa jornada na continuação da entrevista: “ele
(professor) mandava tarefa para nós escrevermos ou fazer continha, ali eu cochilava
e depois eu ficava dormindo. [risos] Então muitas vezes as crianças me cutucavam e
o professor dizia: Deixa-o dormir!”. Esse período relatado era 1930, período em que
foi construída a escola Casemiro Stachurscki. Essa escola, de acordo com Tadeu
Studzinski, era uma casa de madeira, “era uma sala meio grande que tinha um
esteio no meio para calçar aqui, porque lá tinha varanda, ainda lembro bem, tinha o
quadro, só que nós, nos primeiros tempos, carregávamos a lousa”
47
.
Quando conversamos sobre a lousa (Figura 4), ficamos imaginando as
dificuldades que essas crianças passavam para estudar, tendo de acordar cedo,
trabalhar na agricultura e ainda caminhar por quilômetros, tendo o cuidado para não
apagar as tarefas escritas na lousa. Caso apanhassem chuva no caminho, esse era
o problema, como resolver as tarefas? O Sr. Tadeu conta essa história, sorrindo das
várias situações inusitadas que teve de passar com a lousa na mão, mas também
sabemos que esse sorriso estampado no rosto muitas vezes deu lugar ao choro e ao
desespero. Citamos Fernando Tokarski, que busca em Romão Wachowicz a fala
para traduzir o drama vivido pelas crianças em relação à lousa: “Quando o aluno
colocava a lousa no bocó, para aprender a lição de casa, apagam-se as letras. Além
disso, quebravam-se facilmente, trazia dissabores à criança, surras dos pais e
verberações do pedagogo, que não poupava recriminações” (WACHOWICZ
apud
TOKARSKI, 2003, p. 91).
46
Entrevista realizada em 28 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
47
Entrevista realizada em 22 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
72
Figura 4 Lousa
Fonte: Acervo do Centro Cultural Octávia Búrigo Gaidzinski de Linha Batista/Criciúma
Além do fardo de trabalhar e tentar assimilar a aprendizagem, as crianças
conviviam com o receio do único material didático que tinham a lousa bem como
a rigorosidade disciplinar imposta pelos professores e apoiada pelos pais. Esse
aspecto está muito presente na memória dos nossos entrevistados. De acordo com
Gildo Volpato, no artigo “Um pouco da infância na escola e na comunidade de Linha
Batista”, “[o] rigor, a obediência, o silêncio, ou seja, o bom comportamento era o que
poderia, para pais e professores, garantir o aprendizado das crianças” (VOLPATO,
2005, p. 88). Tadeu Studzinski comenta: “eu vi no meu tempo, aluno ficar em cima
do milho, da pedrinha, na porta com a mão para cima”
48
. Ele fala, ainda, que a vara
de marmelo ficava na sala. Se as crianças aprontassem alguma coisa, “já era
castigo”. Dona Irene e Sr. Vladislau tamm reforçam que todos os alunos eram
obrigados a obedecer, caso contrário, “vara de marmeloou “apanhava de cutia
[vara], a professora batia com isso que chegava até a cortar o couro”
49
. Mesmo
diante desses estranhamentos e dor, o Sr. Vladislau reconhece o papel do professor
na formação dos alunos: “graças a eles todo mundo tinha cultura. Com três anos de
aula podia ser contabilista, conhecia o mundo inteiro na história”
50
.
Observamos que as histórias foram contadas a partir das lembranças dos
castigos que os colegas recebiam, enquanto nossos entrevistados, pelo que consta,
comportavam-se muito bem ou evitaram falar dessas situações constrangedoras
com maiores detalhes. Para finalizar esse aspecto, busco novamente as palavras de
Gildo Volpato, que lança um olhar minucioso para traduzir a infância vivida pelos
filhos de imigrantes poloneses:
48
Entrevista realizada em 22 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
49
Entrevista realizada em 20 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
50
Entrevista realizada em 20 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
73
São tempo difíceis, de fato, mas nem por isso as crianças daquela época
deixaram de viver a sua infância, de se desenvolver, de superar as
dificuldades, de ter seus momentos de alegria e prazer, como pudemos
perceber nesses ricos detalhes contados pelos nossos entrevistados. Pude
perceber que, ao mesmo tempo em que falavam das dificuldades pelas
quais passavam, se comparadas às facilidades da vida contemporânea,
implicitamente parece que preferem a infância que tiveram na época à
infância das crianças atuais. É o adulto de hoje olhando para o passado
com certo sentimento de nostalgia, de saudade, do tempo de infância.
Infância vivida, sentida e percebida na localidade de Linha Batista.
(VOLPATO, 2005, p. 97).
Procuramos, até aqui, mostrar um pouco da riqueza cultural, das
experiências na construção de uma comunidade, as lembranças da infância escolar,
a preocupação dos pais em manter a unidade da etnia, bem como o fortalecimento
de uma identidade cultural. Essas iniciativas comunitárias proporcionaram às
famílias um crescimento cultural. Com o retorno do casal Werpachowski à Polônia
em 1930, “aparece a primeira iniciativa de educação escolar quando foi feita a
contratação de um professor para lecionar, o que revela o caráter
comunitário/particular da escola”. (RABELO, 2005, p. 29).
A primeira professora estadual, Iria Zandomenego, foi enviada à
comunidade para ministrar aulas em português, entretanto os poloneses, embora
satisfeitos com a qualidade do ensino prestado pela professora aos seus filhos,
acreditavam que a língua polonesa deveria também ser cultivada, ensinada na
escola. Percebemos aí a posição de uma comunidade, preocupada em manter sua
identidade e valorizar a cultura. Os poloneses tinham consciência da sua identidade
étnica e buscavam os caminhos para preservá-la.
Ao tempo da chegada à comunidade do professor Stanislau Gonet,
responsável pelo ensino da língua polonesa, os alunos já dispunham de livros
(Figura 5) para acompanhar os professores, conforme depoimento de Dona Irene:
O primeiro ano era na lousa. Tínhamos os livros iguais ao do professor,
como hoje. O livro de português para de manhã, e para tarde o livro de
polonês. A cartilha. O primeiro ano, depois o segundo, depois o terceiro.
Mas no terceiro ano fazíamos tudo aquela aritmética, aqueles capitais vezes
taxas sobre tempo vezes tempo. Tudo aquilo tínhamos que saber
51
.
51
Entrevista realizada em 20 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
74
Figura 5 Livro: Trzecia Ksiazka Do Czytania Dla Szkol Polskich W Brazylji
52
Fonte: Acervo pessoal de Dona Irene Galant Bialecki.
O ambiente escolar era um dos grandes espaços responsáveis pelo cultivo
do saber. O professor Stanislau Gonet trouxe à comunidade, além da língua, a arte,
a música, o folclore, a dança e o teatro. Paramos nesse momento para analisar o
que representava a educação para esses imigrantes poloneses. Se voltarmos à
origem, conseguiremos entender o valor concedido à educação. Sabiam eles que
somente com a educação poderiam apresentar aos seus filhos condições de uma
vida melhor e serem mais respeitados. A passagem do professor Stanislau Gonet foi
tão importante na comunidade que, até hoje, na memória dos nossos depoentes
está vivo o momento em que puderam, com o teatro, levar a cultura a outros lugares:
“eu já era mocinha e também estava no teatro. Fizemos um teatro muito bonito e
depois fomos lá para Vila Nova com esse teatro para mostrar para eles, porque
tinham muitos poloneses”, lembra Dona Tereza Demboski Milaki
53
. O teatro
organizado pelo professor teve sua primeira apresentão em 1931, denominada
Lasenka
. O grupo teatral era composto por 28 atores, e a peça foi apresentada em
três atos com três horas de duração (TIBINCOSKI, 1997). Como se vê, uma
experiência multidisciplinar e multicultural.
Na memória do casal Bialecki, o teatro movimentava não somente Linha
Batista, mas as regiões próximas vinham prestigiar:
52
Terceiro livro de leitura para escolas polonesas no Brasil. 2.ed. Curitiba/PR: Redação do Jornal
Polonês no Brasil, 1922.
53
Entrevista realizada em 28 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
75
Vladislau:
Aqui na Linha Batista tinha uma casa que foi derrubada. Era bem
grande. Tinha um salão e então ali, quando estava este teatro, dava gente
de Criciúma, de Içara, do Morro da Fumaça e até de Urussanga.
Irene:
De Urussanga, vinham a cavalo assistir ao teatro.
Vladislau:
Olha, eu tinha uns cinco anos. Isso já faz uns setenta e alguns
anos. Era um movimento aquele tempo. Hoje não tem mais nada
54
.
De acordo com Dona Irene, a partir de certo momento ficou difícil para os
pais manterem dois professores na comunidade, portanto optou-se por ter apenas
um professor com condições de ensinar as duas línguas. Chega a Linha Batista o
professor Witalis Stasiaki. Novamente, percebe-se a preocupação em preservar a
cultura por meio da língua. O professor, no curto espaço de tempo em que
permaneceu na comunidade, deu continuidade aos trabalhos educativos e culturais,
como a criação de uma sociedade de jovens (JUNAK)
55
e a organização de uma
equipe para jogar voleibol.
Na entrevista que segue, nosso depoente, Casimiro Tibincoski, fala
detalhadamente dos professores que chegaram à comunidade, da união central dos
poloneses e da nacionalizão do ensino, assunto que exporemos em seguida:
O primeiro professor que veio, Stanislau Gonet, inclusive eu aprendi muito
com ele, porque o Stanislau Gonet morava lá em casa. Ele veio da Polônia.
Existia a União Central dos Poloneses no Brasil, em Curitiba, aí depois
melhorou muito. O governo polonês completava, mandava professores para
essa uno central, e quem formava essa união central eram as colônias
polonesas, e cada colônia tinha uma sociedade e era registrada na união
central dos poloneses. Então, eles mandavam, tinha professores da
Polônia, e vinham também, por exemplo, o segundo professor, o Witalis, era
rio-grandense, era brasileiro, mas lecionava em polonês. Justamente
naquele tempo já estavam se organizando, mas quando veio a
nacionalização, aqui em Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, havia
trezentos e sessenta e poucas escolas polonesas, e cada escola daquela
tinha uma sociedade e formava um tipo de federação e de lá vinha
instrução, só que o Seu Gonet, ele voltou, porque não tinha documentos
registrados. Depois veio o Witalis, trabalhou pouco tempo, ele já veio
comprometido com outra. Depois por último veio o Stachurski, mas veio a
exigência que tinha que ter a carteira de reservista. Ele tinha, só que o
Gonet, como o outro, todos os dois participantes da guerra de 1918. Então
isso aí esfriou. Até hoje essa união central existe, só que não é como antes.
Vinham os instrutores que cuidavam, percorriam os três estados dos Sul,
Santa Catarina, Parae Rio Grande do Sul. Fora disso tinha mais duas
escolinhas, e o governo polonês completava o ensino polonês. Os pais
pagavam a mensalidade e o governo polonês completava o vencimento do
professor. Isso tudo funcionava, era bonito, fazia teatro e já era maior. Eu
participava, íamos em outras colônias com coral, mas quando veio a
nacionalização aquilo tudo decaiu. Tudo era feito em polonês
56
.
54
Entrevista realizada em 20 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
55
JUNAK, quer dizer sociedade de JUVENTUS, ou seja, sociedade de jovens, grupo de jovens, era
associada à Central de Jovens em Curitiba. (VIRTUOSO, 2004, p. 34).
56
Entrevista realizada em 5 de janeiro de 2007. Linha Ribeirão em Içara/Criciúma (SC).
76
Confirmando o que foi dito pelo Sr. Casemiro a respeito da União Central
dos Poloneses, Lúcio Kreutz explicita o objetivo da Central:
Em 1930, o consulado polonês em Curitiba criou a União Central Polonesa
para ser a entidade que, visando superar as divergências constantes entre
as duas associações,
57
centralizasse todas as organizações polonesas, o
somente as do Para. Através desta União Central Polonesa, o governo da
Polônia dava algum subsídio para escola e professores que tivessem o
ensino do polonês no currículo.
Portanto, essa Central era responsável por enviar às comunidades
professores com reconhecimento do governo polonês e brasileiro. Na comunidade
de Linha Batista não poderia ser diferente, existia uma escola e a Sociedade Rolnik.
Os professores encaminhados pela Central foram: Stanislau Gonet, Witalis Stasiaki
e Casemiro Stachurscki, de acordo com Giani Rabelo (2005). Dona Irene Galant
Bialecki, em entrevista, comenta também o objetivo da Central: “O pai dele (do
Vladislau) era muito interessado e, então, ele mandava carta para o Consulado e
pedia para o Consulado, por intermédio do Consulado se conseguia professores”
58
.
Todos os professores mencionados exerciam, nos imigrantes poloneses,
admiração, respeito e expectativa pela continuidade da preservação da língua, dos
elementos culturais, fortalecendo, dessa forma, a identidade cultural de um povo e a
unidade. Os grandes mestres deixaram saudades em nossos depoentes. Dona
Tereza comenta a respeito do professor Casemiro Stachurscki (Figura 6): “Era bom
quando veio aquele professor aqui. Tínhamos que estudar. Ensinava-nos a cantar.
Ah! Era muito bom. Tinha teatro também, até eu já era mocinha e também estava no
teatro”
59
. Dona Irene tamm enfatiza o carisma e o comprometimento do professor
com a preservação da identidade cultural: “O Casemiro Stachurscki era professor
que lecionava polos e português. Dava aula em dois idiomas. Ele preparou um
coral ótimo. Fez teatros. Tinha parece que quinze atores poloneses”
60
.
57
“No âmbito escolar, esta divisão refletiu-se na formação de duas associações que congregavam os
professores e animavam o processo escolar entre os imigrantes poloneses. Após as tentativas
fracassadas de formar uma única associação, foram fundadas a União dos Professores das Escolas
Polonesas Particulares no Brasil, sob a liderança de leigos, e a União de Escolas Polonesas, sob a
liderança dos religiosos. As duas sociedades estimularam o processo escolar entre os imigrantes
poloneses através de cursos para professores, material didático, biblioteca escolares, biblioteca
volantes, escolas noturnas” (KREUTZ, 2000, p. 167).
58
Entrevista realizada em 20 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
59
Entrevista realizada em 28 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
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Entrevista realizada em 20 de novembro de 2006. Linha Batista/Criciúma (SC).
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